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1° edição – novembro 2023

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS A ALINE PÁDUA


Edição: AAA Design
Ilustração: L. A. Designer
Revisão: Sônia Carvalho
SUMÁRIO
NOTA I
PLAYLIST
DEDICÁTORIA
SINOPSE
PREFÁCIO
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
BÔNUS
NOTA II
Junqueira-Dias
UM NAMORO DE MENTIRINHA COM O CEO
UMA FAMÍLIA DE MENTIRINHA COM O COWBOY
UMA GRAVIDEZ DE MENTIRINHA COM O VIÚVO
UM CASAMENTO DE MENTIRINHA COM O COWBOY
Torres-Reis-Kang-Esteves
UMA GRAVIDEZ INESPERADA
CEO INESPERADO – meu ex-melhor amigo
O BEBÊ INESPERADO DO COWBOY
FELIZ NATAL, TORRES
UMA FAMÍLIA INESPERADA PARA O VIÚVO
GRÁVIDA DO CEO QUE NÃO ME AMA
O CASAMENTO DO CEO POR UM BEBÊ
A FILHA DO VIÚVO QUE ME ODEIA
GRÁVIDA EM UM CASAMENTO POR CONTRATO
UM CASAMENTO DE MENTIRA PARA O CEO
GRÁVIDA DO COWBOY QUE NÃO ME AMA
UMA FILHA INESPERADA PARA O CEO
UMA FILHA INESPERADA NA MÁFIA
GRÁVIDA DO MAFIOSO QUE NÃO ME AMA
REJEITADA POR UM MAFIOSO
UMA FAMÍLIA INESPERADA PARA O MAFIOSO
UMA GRAVIDEZ INESPERADA PARA O MAFIOSO
NOTA I

Olá, minha gente!


Prontos para conhecer a amarra mais inesperada do
#ALINEVERSO?
Ricardo Reis apareceu como o único irmão Reis que não teve
sua história contada, tendo como papel de secundário no livro da
irmã mais velha (GRÁVIDA EM UM CASAMENTO POR
CONTRATO) e no da melhor amiga (UMA FAMÍLIA INESPERADA
PARA O CEO. Já Eliana Junqueira, só nos apareceu no finalzinho
da trilogia Junqueira-Dias, sem realmente ter uma narrativa. Nesse
livro aqui, trago pra vocês a mistura que me pareceu tão certa:
REISxJUNQUEIRA.
Ressalto que não é necessário ler os livros anteriores para
entender esse, mas com certeza, se tiver os lido, terá um gostinho a
mais em pegar as referências. Caso queira lê-los depois também,
deixarei todos listados abaixo. Tanto os da família Reis, quanto das
Junqueira.
Espero que Eli e Ric sejam uma surpresa gratificante para
vocês, como foram para mim.
Boa leitura!
Com amor,
Aline
PLAYLIST

Posicione a câmera do seu celular para ler o QR Code e conheça um pouquinho


das músicas que inspiraram este livro. Caso não consiga ter acesso, clique aqui
DEDICÁTORIA

Aos meus leitores e a Deus


Por sempre Me entregarem mais do que eu me sinto
merecedora
Obrigada por tudo.
Obrigada por tanto.
SINOPSE

Quando uma noite com o cara que sempre sonhou se torna


um pesadelo?
Eliana não acreditou, quando teve a chance de ter o homem
que sempre desejou, literalmente em suas mãos, mesmo que por
poucas horas. Contudo, ela ficou ainda mais incrédula, quando se
descobriu grávida dele.
O que ela não esperava era que aquela história terminaria
muito antes de qualquer começo: com ela grávida e rejeitada pelo
viúvo que não a ama.
PREFÁCIO

“Eu soube desde o início


Que éramos um tiro no mais profundo escuro
Ah, não, ah, não, estou desarmada
A espera é uma tristeza
Se tornando loucura
Ah, não, ah, não, não acaba nunca”
Say Don’t Go – Taylor Swift
PRÓLOGO

“Ah, meu Deus, eu penso em pular


De coisas bem altas
Só pra você vir correndo

E dizer aquilo que eu estive querendo ouvir, mas não”[1]

ELIANA

Talvez fosse uma obsessão.


Talvez fosse algo que eu nunca teria.
Eu tinha certeza, de que nunca teria.
Porém, nunca me impediu, no decorrer de anos, de ir àquela
livraria, na esperança de que olhos castanhos encontrariam os
meus, e eu veria seu sorriso direcionado para qualquer outra
pessoa, e pudesse imaginar que fosse para mim.
Olhei novamente para o livro em minhas mãos, e
agradecendo o movimento do dia, pensando sobre como seria óbvio
se não tivessem tantas pessoas, de que eu ia toda semana até
aquela livraria. Não apenas para poder comprar um livro de ciência
e um de romance. Porém, ainda não tinha qualquer sinal dele.
— Parece que foi ontem que eu ainda trabalhava aqui, e te
via...
Dei um pulo no lugar, a voz feminina me fazendo derrubar o
livro, e engoli em seco, esperando qualquer xingamento.
— Desculpe, eu...
— Eu que peço desculpas, por te assustar assim. — A mulher
de grandes olhos castanhos à minha frente, tinha um sorriso no
rosto, e me ajudou a pegar o livro do chão. — Nunca consegui me
apresentar direito, mesmo sendo a atendente... E acho bom saber
que ainda vem aqui, mesmo depois de tantos anos.
— É meu passeio de todo sábado de manhã — confessei,
sabendo que era o meu único momento escolhido, em toda uma
vida. O tamanho da importância que tinha, talvez ela nunca
entenderia. Muito menos ele. — Nunca pensei que me notariam aqui
— assumi, pensando sobre ele. Que eu sabia, e supunha, ser o
irmão mais velho da mulher diante de mim ou algum amigo bem
próximo.
— Ric contou sobre a garota de cabelos longos que sempre
levava um livro de ciências e romance, mesmo depois de tantos
anos, mesmo depois que eu até parei de vir aqui.
Ricardo.
Ele então tinha me notado?
— Eu não sei o que dizer — admiti, tentando ser o mais
educada possível.
— Ricardo é um fuxiqueiro. — Ela revirou os olhos, e eu
apenas fiquei parada, segurando meu livro com força contra o
corpo. — Mas eu precisava vir aqui hoje, por conta do movimento
que poderia estar, e bom, é a semana do casamento dele, tudo está
uma loucura.
Suas palavras me fizeram paralisar.
E por um segundo, eu quase deixei o livro simplesmente
escorrer dentre meus dedos.
— Ricardo vai se casar?
Nem eu sabia de onde tinha saído a minha coragem de
perguntar aquilo. Nem eu mesma entendia, como consegui formar
as palavras.
— Sim — ela respondeu animada e claramente feliz.
No fundo, me vi colocando um sorriso falso no rosto, com o
qual eu já estava tão acostumada, mas não para esconder o meu
cansaço, desconforto ou tédio, mas sim para tentar encobrir os
pedaços que acabavam de se quebrar dentro de mim.
Eu sabia que era apenas uma obsessão.
Eu sabia que ele era algo que eu nunca teria.
Porém, saber que ele sabia da minha existência e ao mesmo
tempo, estava prestes a se casar, acertou um lugar dentro de mim,
que acabava de conhecer – a perda de alguém que nunca foi meu.
— Bom, acho que pode mandar felicidades a ele, da... da
garota de cabelo longo da livraria.
— Vou fazer isso — ela falou, claramente não percebendo
que por dentro, eu estava sangrando por cada pedaço espalhado.
— Aliás, qual o seu nome?
— Eliana.
Respondi simplesmente, deixando meu sobrenome
escondido, como sempre preferia.
— Certo, eu sou Júlia. — assenti. — Foi um prazer, Eliana.
— O prazer foi meu.
Ela se afastou, e a vi correr até os caixas, claramente para
ajudar as outras pessoas que trabalhavam ali, e apenas entrei no
meu modo aéreo. Coloquei o livro que tinha em mãos em qualquer
montante, e vi-me, depois de anos, saindo daquela livraria, sem
nada em mãos.
E agora eu tinha a certeza, de que nunca sairia, de fato, com
o que tanto buscava – a atenção dele ou qualquer palavra trocada.
Eu nunca tive nada. Eu não teria nada.
Quando pisei na calçada, o ar frio me acertou, e me enrolei
melhor com o grande sobretudo que usava, procurando pelo meu
carro no quarteirão ao lado. Por um segundo, eu só queria acreditar
que tinha escutado errado, e que não era verdade.
Que ele não era de outra pessoa.
Mas de quem mais ele poderia ser?
Meu, ele nunca seria.
CAPÍTULO 1

“Estou parada na calçada, sozinha


Esperando você passar
Estou tentando ver as cartas que você não mostra

Estou prestes a desistir, a menos que você”[2]

Um ano depois...

ELIANA

— O que eu disse sobre essa festa, Eliana?


Senti um tapa em meu rosto, que me fez quase cair para trás,
mas me deixei firme sobre os saltos. Não era o primeiro, e nem
seria o último. Eu até os escolhia em momentos como aquele, para
que existisse um corte em meu rosto, pelos vários anéis que minha
mão usava, e assim, não ter que realmente seguir suas ordens.
Eu sempre encontrava um meio termo para fugir.
— Olhe só isso...
Ela então agarrou meu rosto, e me forçou a ficar à frente do
espelho da penteadeira, mostrando o corte ao lado esquerdo dos
meus lábios, e eu apenas fiquei em silêncio.
— Conseguiu o que queria, ser uma imprestável como
sempre. — Segurou forte meu rosto e me jogou contra o chão. Não
ousei levantar o olhar, e apenas ouvi o barulho dela se afastando,
enquanto eu teria mais um roxo pelo corpo, talvez perto da perna,
pela forma que caí.
Depois de vinte e seis anos vivendo daquela maneira, não era
mais nenhuma novidade. As agressões ainda tinham se tornado
menos severas com o passar deles. Suspirei fundo, levantando-me,
e indo até a janela do meu quarto, para esperar pelo momento em
que ela e meu pai sairiam dali.
Nem mesmo cinco minutos, e eles já estavam saindo, e indo
em direção a uma festa para sorrir e fingir que não eram falidos, e
que queriam casar desesperadamente a filha com o melhor e mais
rico sobrenome que encontrassem.
Para minha sorte e azar deles, ninguém me queria.
Então permanecia em paz, mesmo depois de tanto tempo
sendo apenas uma mercadoria em qualquer festa que eles me
colocassem. Retirei o vestido rasgado do lado, que aconteceu sem
que eu quisesse.
Eu tinha ganhado peso no último ano, mas minha mãe ainda
queria que eu usasse o mesmo tamanho que tinha quando
completei dezesseis. Uma década depois, era quase como se ela
implorasse para que o vestido rasgasse ao forçá-lo em mim.
Tirei-o, e coloquei um conjunto de moletom. Respirei fundo,
pensando no que fazer, e vi a chave do meu carrinho sobre a mesa
de cabeceira. Levantei-me e a peguei, sabendo que dirigir era uma
das poucas ou a única coisa, que me fazia colocar a cabeça no
lugar. Que me fazia sentir livre.
Quando peguei a primeira avenida, eu sorria animada, com o
som no último volume e podendo apenas ser eu, sentindo os
cabelos ao vento, e a velocidade sendo um alívio imediato, para
quem nunca pôde passar de qualquer outro limite.
As horas deveriam ter passado tão rapidamente, mas então,
eu me vi estacionando no meu quarteirão favorito de toda a cidade.
Eu ainda ia ali.
Mesmo depois de saber que ele tinha se casado.
Todo sábado de manhã, eu estava naquela livraria, como se
na cega esperança de que ele não o tivesse feito. De que ele
chegaria e diria: ei, você, eu te conheço.
Ele não conhecia, não o bastante para se importar em dizer
oi. E na verdade, tinha praticamente desaparecido depois que se
casou.
Deixei o carro estacionado na frente, o que era um milagre,
mas por ser noite e quase madrugada, fazia sentido. Desci e me vi
encarando as vidraças, e o aviso de fechado. Aquele era um lugar
em que eu também encontrava a liberdade. De o conhecimento me
mostrar que tudo era tão maior do que eu conhecia.
De o primeiro olhar com um desconhecido, ter ficado gravado
em minha mente, até eu descobrir seu nome e querer saber até
mesmo, qual eram os livros na sua mesa de cabeceira.
— Não é sábado de manhã.
Paralisei diante da voz, que mesmo depois de tanto tempo,
parecia apenas me fazer voltar para a primeira vez que a ouvi. Virei-
me com cuidado, para encontrar os olhos castanhos que tinham
simplesmente desaparecido.
Encarei-o confusa, e meu olhar foi direto para a sua mão
esquerda, que não tinha nenhuma aliança, e me fez indagar, se eu
estava certa o tempo todo – e se ele não tivesse se casado? E se
talvez não tivesse dado certo?
— Não veio comprar dois livros diferentes, veio?
— Eu... — senti-me gaguejar, antes mesmo de continuar. Mal
conseguia encará-lo, de fato, e então optei pelo chão. — Eu gosto
de vir aqui — assumi, e a primeira conversa com o homem que eu
tanto ansiei pelo mínimo de atenção por anos, não parecia em nada
como nos meus sonhos.
Nem mesmo nos piores.
— O que vem fazer aqui? — perguntou de repente, e senti-o
mais perto, seu peito quase tocando minha cabeça baixa. Foi
quando senti o cheiro forte de uísque e levantei o meu olhar,
encontrando o dele.
— Não vim beber — respondi, analisando-o, e vi-o arquear
uma sobrancelha, como se tentando o entender. — E você? —
perguntei, tomando coragem de onde não tinha, porque era uma
sensação até mesmo de impotência, saber que ele só falava comigo
naquele momento, e estava bêbado.
— Vim fazer um café forte, para passar a bebedeira —
assumiu, e eu assenti, dando passos para o lado, e saindo da frente
da porta. — Quer... — ele então parou e pareceu pensar em suas
próprias palavras. — Quer tomar um café?
A tentação daquele pedido me atingiu por inteira. Eu tinha um
momento, ele cheirando a bebida, nenhuma aliança no dedo, a
livraria e um convite. O que eu poderia perder em aceitar?
— Com açúcar? — indaguei, apertando meus dedos uns nos
outros, dentro do bolso da minha blusa de moletom, e então, um
leve sorriso surgiu em seu rosto, bem no canto da boca, o mesmo
que o vi dar para várias pessoas antes, e era a primeira vez, que era
apenas meu.
— O melhor jeito de tomar.
Foi então que ele digitou algo na porta, depois usou uma
chave e ela se abriu. Ele a segurou aberta, fazendo-me um gesto
com a cabeça, para apenas adentrar a mesma, e senti lá no fundo
que eu estava em um jogo perigoso. Não sabia o porquê, mas de
alguma forma, me sentia um peão completamente perdido no
tabuleiro de xadrez. Nem sabendo se era das peças brancas ou
pretas. Porém, eu fiz a minha jogada, e segui para dentro da livraria.
Fosse para levar ou dar o xeque-mate, eu me permiti ser
apenas um peão, porque estava tendo a chance que pensei ter
perdido – de me iludir ainda mais, pelo que nunca seria meu.
CAPÍTULO 2

“Estou sozinha em uma corda bamba


Seguro minha respiração um pouco mais
Já na porta, mas ela não se fecha
Ainda tenho esperanças que você vá

Dizer: Não vá” [3]

ELIANA

Eu esperei o clima pesar.


Eu esperei pela desculpa qualquer que teria, apenas para sair
dali minutos depois.
Contudo, ali estava eu, sentada na parte onde várias pessoas
vinham trabalhar, próxima ao café dentro da livraria, e as luzes
brancas quentes, iluminavam tudo ao redor, de uma forma que
deixava aconchegante.
De relance, vi-o mexer na máquina de café, e não demorou
muito para estar deixando uma xícara na mesa, e se sentando na
cadeira vazia à minha frente com a outra em mãos.
— Coloquei açúcar do jeito que eu gosto, quase como...
— Açúcar com café? — indaguei, pegando a xícara em mãos
e soprando um pouco, antes de levá-la até a boca. Vi-o assentir,
ainda me encarando, e bebi um pouco do líquido, feliz pelo quão
doce estava. — Assim é bom, muito bom — assumi.
— Obrigado — falou, e bebeu mais do seu. — Acho que é a
primeira pessoa a não reclamar do meu café — admitiu, vi-o deixar
a xícara sobre mesa e um dedo passou sobre a borda dela. Notei no
segundo em que seus pensamentos o prenderam, e eu quis ter a
pergunta certa a fazer.
Mas qual seria?
O que poderia ser?
Eu só sabia que ele se chamava de Ricardo, era o meu crush
desde os dezoito, intocável e bonito na mesma intensidade, com
certeza mais velho, mas agora, estava apenas aproveitando o
pouco tempo que eu tinha de sorte, tomando um café com ele. Uma
pergunta errada, e eu perderia aquele momento. E não me permitiria
aquilo.
— Por que vem tanto aqui?
Ele perguntou, e eu bebi mais um pouco de café, procurando
uma resposta diferente de “por você”.
— Gosto de livros — declarei o mínimo, e senti seu olhar me
analisando, fazendo-me desviar o meu no segundo seguinte. — São
parte da minha liberdade.
— Muitas pessoas usam livros dessa maneira — comentou.
— Um jeito de escapar da realidade.
— Se eu pudesse, estaria em um deles, com toda certeza —
confessei, e respirei fundo, bebendo o que restava do meu café.
— A vida real pode ser uma merda, não é?
— Ela é.
Concordei, olhando para a mesa, e sabendo que a marca no
meu rosto era uma prova óbvia do quanto eu odiava a vida que eu
vivia.
— Se machucou? — perguntou de repente, talvez a luz
tivesse mostrado o corte, e eu o encarei, assentindo. — Alguém te
machucou? — reformulou a pergunta, e eu assenti novamente. —
Quem?
Seu tom era quase sombrio, mudando por completo, e eu
quase quis rir, de imaginar que um desconhecido, poderia estar
bravo por eu ter um corte pequeno como aquele no rosto. Aquilo
não era nada que eu não pudesse aguentar.
— Ninguém que importe — falei finalmente, e senti seus
olhos sobre os dedos em minha mesa, como se talvez fazendo o
mesmo que eu, buscando uma aliança. — Realmente, não importa.
Minha mãe não importava, não para mim. Foi-se o tempo em
que eu sofria por ela me odiar, naquele momento, eu só queria que
ela pudesse me odiar o bastante para me ignorar por completo.
Infelizmente, não tinha tamanha sorte.
— Importa porque está machucada... — foi então que ele
pareceu colocar seus olhos castanhos por cada parte do meu rosto,
e talvez tivesse percebido algumas cicatrizes antigas, de quando era
tudo pior. — Não só desse corte.
— É passado — respondi, dando de ombros, e tentando fazer
com que ele parasse com aquela análise. — Nada que a
maquiagem não disfarce, se necessário.
— Não deveria precisar usar maquiagem porque te
machucaram.
Ele parecia realmente sério e pronto para denunciar quem
fosse preciso. Quem dera fosse simples daquela forma. Não era,
nem um pouco.
— Mas a vida é uma merda, não é? — usei suas palavras
contra si, e ele assentiu, levantando a xícara para cima, e
terminando seu café.
Um silêncio caiu sobre nós, e não era nada pesado, mas eu
só conseguia pensar que tinha conseguido o bastante. Eu tive o
olhar, o sorriso, a preocupação, o café e as palavra dele. Mais do
que eu imaginava ter, e bom, eu não queria que fosse estragado de
forma alguma.
— Obrigada pelo convite — falei, levantando-me e dando-lhe
um sorriso sincero. Poderia contar nos dedos, quantas vezes eu o
tinha feito em toda minha vida. — E pelo café do jeito que eu gosto.
Mantive seu olhar por mais alguns segundos, antes de
apenas me virar e querer sair dali, mesmo que contra minha
vontade. Foi quando eu me surpreendi com a voz dele, invadindo
tudo ao redor, como um implorar.
— Você pode ficar?
Virei apenas minha cabeça e o encarei, surpresa com sua
pergunta. Eu era apenas uma desconhecida, que ele não tinha ideia
– mas o endeusava há anos – e agora, ele estava realmente me
pedindo para ficar ali? Por quê? Para quê?
— Eu sei que pode parecer estranho, mas... — falou,
levantando-se, e parando no lugar. — Só queria que ficasse.
— Tem costume de pedir para alguém que nem sabe o nome,
para ficar na madrugada com você?
Minha língua foi mais rápida que meu cérebro, e eu me
surpreendi comigo mesmo. Primeiramente, porque eu sempre falava
baixo ou quase sussurrado, e tinha repostas padrões. A segunda
parte, não estava acontecendo com ele. Por quê? Por que eu estava
à vontade?
— Você é a garota de cabelos longos, que vem aqui há
anos... — falou de repente. — Pode ser tudo, menos uma
desconhecida.
— Continuo sendo uma desconhecida — declarei, o que me
machucava também. Era a realidade, por mais que ele, por algum
motivo desconhecido, estivesse tentando não a encarar.
— Posso saber o seu nome? — indagou, o seu olhar voltando
para o meu.
— Eliana — respondi, pensando que era estranho saber o
dele, e ele sequer saber o meu. Eu era mesmo obcecada? Era uma
confirmação?
— Sou Ricardo. — Estendeu-me a mão, e eu virei meu corpo
por completo para tentar acreditar que não estava vendo coisas. —
É um prazer poder me apresentar.
Eu sei... guardei aquela frase, e vi-me levando minha mão a
dele, e apertando-a com cautela. Senti a familiaridade no simples
toque, e a maneira como todo meu corpo despertou, como se vivo,
depois de anos e anos apenas sobrevivendo.
— Bom... — ele puxou sua mão, e notei um olhar estranho
em seu rosto. — Não somos mais desconhecidos, então.
— Por que quer eu fique?
Nada fazia realmente sentido. Nem mesmo a maneira como
apenas parecia simples, estar ali, com ele, depois de tantos anos e
anos, apenas o observando.
— Eu não posso querer? — rebateu, e me ofereceu
novamente o assento que eu estava antes. — Apenas mais um
café?
Então me vi andando de volta, sem chance alguma de fugir, e
sem querer fazê-lo. Sabia que ele tinha acabado de ganhar, de uma
forma ou de outra. Porque como eu não perderia, quando se tratava
dele? Não tinha chance de pedir uma nova partida, se tudo o que eu
realmente queria, era apenas ter alguma.
Nem que eu fosse a perdedora, de uma forma ou de outra, eu
me sentia ganhando, por ter mais um pouco do seu tempo. Um
pouco dos meus delírios, sozinha, acontecendo de fato.
CAPÍTULO 3

“Fui atingida pelo amor, me acertou em cheio


Fiquei de cama, doente de amor

Amo pensar que você não vai se esquecer”[4]

ELIANA

Senti meu corpo dolorido. Acordei um pouco desajeitada,


tentando procurar meus travesseiros, mas tudo o que encontrei foi
algo frio, e o barulho de algo se quebrando. Despertei no mesmo
instante, dando um pulo na cama, e percebendo que de repente, ela
não era tão macia assim. Olhei ao redor, e percebi que estava
deitada contra o sofá do café que ficava na livraria.
Eu tinha dormido ali?
Ajeitei-me no sofá, e notei que Ricardo estava despertando,
na continuação do sofá, como se o barulho do que quebrei, também
o despertasse. Ainda estava escuro, olhei para o meu relógio e vi
que não passavam das cinco da manhã. Então, por quanto tempo
eu tinha dormido? Em que momento eu tinha simplesmente dormido
ali?
— Eu ia te acordar, para pelo menos te oferecer um lugar
melhor para dormir, mas acabei cochilando também... — ele falou,
os olhos ainda pequenos, por estar despertando.
— Eu vou limpar...
Antes que eu continuasse a falar e acabei tocando nos
pedaços de cerâmica, senti sua mão na minha, me impedindo de
continuar. Novamente, aquela sensação que eu só vi em livros,
filmes e séries. Não existia na realidade, e eu a estava criando,
certo? Porque era ele. Eu queria que fosse ele. Afastei-me de seu
toque, tentando disfarçar o quão vulnerável eu estava, e ele
prontamente deu dois passos para trás.
— Sua mão...
Foi nesse momento que a dele se voltou para o meu pulso e
o segurou. Não demorou muito para ele simplesmente me puxar
consigo, e me fazer subir por escadas que eu sequer sabia que
tinham no final do corredor dali e abrir uma porta. Uma de suas
mãos ainda prendendo a minha, que estava cortada, e não parecia
nada sério, mas doía um pouco. Porém, nada que eu não pudesse
tolerar.
— Por aqui...
Ele então acendeu luzes por todos os lados, e percebi que
era uma casa. Tinha uma casa sobre a biblioteca que eu adorava?
A pergunta se desfez, no momento em que senti água caindo sobre
o meu machucado e reprimi um gemido de dor. Só então entendi
que fiquei o tempo todo tentando observar onde ele tinha me levado,
e não focado no fato de que ele estava tentando parar um
sangramento.
— Está doendo muito? — perguntou, e eu neguei com a
cabeça, sentindo apenas a ardência.
Ele desligou a água da pia, e vi-o se afastar do banheiro, e
em seguida, voltar com uma pomada, gazes e fita para curativo.
— Sou padrinho de uma menina, e quando te disserem que
elas são mais calmas, nunca acredite — falou, e ao mesmo tempo
que secava minha mão com cuidado, com parte das gazes, colocou
a pomada com mais cautela ainda, e em seguida, passou uma faixa
de gazes, para só assim, prender contra minha mão.
— Obrigada.
Eu não tinha muito mais o que dizer. Era a primeira vez que
alguém, que não era eu, cuidava dos meus machucados. Uma
sensação arrebatadora me tomando, por não entender ao certo o
que sentia. Meu olhar subiu, para encontrar o dele. Estava
encostada contra o batente da porta, e ele do lado de dentro do
banheiro, encarando-me. Um olhar que eu não sabia decifrar, mas
que se transformou aos poucos, como se ele apenas seguisse os
batimentos do meu coração, que apenas aumentavam.
Um suspiro saiu por meus lábios, quando uma de suas mãos
parou do lado do meu rosto, tocando-o com cuidado, como se eu
fosse quebrar, a qualquer momento. Engoli em seco, e sabia que
meus olhos imploravam por algo que eu desconhecia. Qualquer
coisa dele. O que ele pudesse me dar.
Porém, ele apenas parou ali e me encarou, como se
estivesse vislumbrando uma arte pendurada em um museu. E pela
primeira vez na vida, eu percebi que não precisava esperar pelo que
alguém pudesse me dar, eu poderia tomar.
Fechei o espaço entre nós, e apenas deixei que meus lábios
encontrassem os dele. Um leve toque, os meus olhos ainda abertos,
como se pudesse me contentar apenas com aquele momento. Eu
poderia. Contudo, quando percebi que talvez tivesse ido longe
demais e fui me afastar, sua mão em meu rosto me puxou para si, e
seus lábios encontraram os meus.
Ele me encontrou, com uma delicadeza, junto a exigência,
que eu apenas cedi. Minhas mãos se prendendo contra seu peito,
sua língua pedindo passagem, e eu apenas queria saber, como era
o gosto daquele que eu tanto sonhei por anos e anos.
E eu tive, naquele momento.
Um beijo que me fez ter a certeza de que se eu era obcecada
por ele, em algum momento, se tornou mais. Uma paixão, talvez?
Um desejo proibido, quem sabe? Porém, eu me deixei ser levada
por seus lábios, e suas mãos se espalhando por minha cintura,
puxando-me para si.
Eu estava apenas me deixando ir, pelo que eu tanto queria, e
sequer tinha completa certeza. Ali, eu tive. Todo meu corpo
queimando e implorando por ser tocado, e diferente de tantas outras
vezes, era porque eu queimava, mais do que tudo. Pela primeira
vez, eu queria que alguém me tocasse, e era justamente por ele.
Senti minhas costas contra uma parede, e não sabia nem em
que cômodo mais estávamos, mas gemi contra sua boca,
agarrando-me a ele, da forma que podia. Suas mãos me levantando
para o seu colo, e quando me afastei para puxar o ar com força, e vi
sua feição bagunçada por causa do beijo, eu soube que talvez o ar
pudesse ficar em segundo plano.
Eu só precisava dele. Dos seus lábios. Do seu corpo.
— Tem certeza?
Sua pergunta soou baixa, no silêncio daquela madrugada, e
eu assenti, sentindo cada parte de mim, pronta apenas para deixar,
pela primeira vez, que as coisas fossem do jeito que eu desejava.
Que fosse com ele.
— Me dê suas palavras, Eli.
O simples apelido me acertou em cheio e eu engoli em seco,
antes de forçar minhas palavras a saírem.
— Sim, eu tenho.
Seus lábios vieram para os meus, mostrando-me que ele
também estava pronto para ignorar o oxigênio e apenas me ter.
Roupas sendo tiradas, uma bagunça de meus cabelos em
suas mãos, enquanto eu mal respirava, e me tornava uma confusão
de gemidos. Nunca pensei que estaria ali, mas nem em meus
melhores sonhos, faria jus à realidade. Eu sabia que estava me
permitindo, e que tinha acabado de levar xeque-mate.
CAPÍTULO 4

“Porque você me beija e o tempo para


E eu sou sua, mas você não é meu

Ah, não, ah, não, você não está lá” [5]

ELIANA

Seus lábios descendo por meu pescoço, marcando cada


parte dele, fazendo-me ofegar, e sentir tudo se agitar dentro de mim.
O jeito como as mãos dele faziam falta, só por estarem ao lado do
meu corpo e não me tocando. A maneira como eu estava pronta
para implorar, mas seus lábios tomaram os meus, salvando-me da
minha própria miséria. Algo que eu não sentia com ninguém. Algo
que eu apenas conseguia pensar em deixar minha mente se perder.
Agarrei-me com força nos lençóis, já esperando abrir os
olhos, encontrar o suor sobre meu corpo e a confirmação de mais
uma noite sonhando com o homem que não deveria. Porém, assim
os abri, percebi que meus dedos não estavam presos a nenhum
tecido, mas sim ao peito dele.
Eu estava ali.
Ele estava mesmo ali.
Foi neste instante que a realidade me bateu, de que eu
tinha... eu tinha transado com Ricardo. O mesmo que eu observava
há anos. O mesmo que eu pensei que era um sonho perdido. De
alguma forma, eu estava ali, nua sobre o seu corpo, conforme
relembrava tudo o que tinha acontecido.
Ele parecia simplesmente apagado, enquanto me afastava
com cuidado e corria para onde acreditava ser o banheiro. As
marcas em meu pescoço, descendo para o meu colo, e clavícula.
Elas estavam ali. Ele as fez, cada uma delas.
Vi-me encarando o quarto, que estava iluminado apenas pela
luz que vinha do cômodo em que eu me encontrava. Como... como
eu tinha parado em uma noite com ele? Nada fazia sentido, se eu
parasse para pensar que tinha apenas fugido de casa e parado à
frente da livraria.
Não era a primeira vez que aquilo acontecia. Contudo, era a
primeira que eu tinha um convite para um café. Que então terminou
com todo meu corpo dolorido, e minha mente confusa. O meu
coração já entregando que eu estava fodida, mesmo que meu corpo
ainda me dissesse que estava certa.
Como negaria o que eu sentia?
Como me negaria experimentar o que eu tanto imaginei?
E era melhor do que eu imaginei.
Suspirei fundo, passando os dedos por cada marca roxa e
avermelhada, e pensando que eu gostaria que ele seguisse cada
uma delas, como se fosse um mapa tatuado em meu corpo.
Foi quando o vi virando-se na cama, e suspirei fundo. Eu não
tinha como surtar ou lidar com aquela noite agora, e nem precisava.
Deixaria para a Eliana do futuro, para que ela entendesse e
realmente compreendesse, como tinha acabado na cama que eu
tanto desejei.
Voltei para a cama, e me aconcheguei no lado vazio, puxando
o edredom sobre mim. Não demorou muito, para sentir braços
cercando meu corpo, e um suspiro contra meu pescoço. Acabei
fazendo o mesmo, e percebendo que ele parecia apenas me querer
para si, mesmo que em seu sono.
Aproveitaria aquilo, por mais alguns minutos, pensando em
como seria se eu fosse, de fato, dele. E ele fosse meu.

RICARDO

Ela dormia tranquilamente sobre a cama.


Sua respiração tão calma, claramente apagada, que eu sabia
que nem mesmo todo meu barulho seria capaz de acordá-la. Neguei
com a cabeça, e me levantei, colocando uma camiseta, e tentando
esclarecer minha mente. Senti o ar faltar, quando procurei pela
aliança no meu dedo anelar esquerdo, e a culpa me atingindo.
Eu era exatamente o que Leila tinha me dito.
Eu tinha corrido exatamente para onde ela tinha me acusado.
Saí de casa, e desci as escadas até a livraria, tentando
respirar fundo e tirar aqueles pensamentos de mente. Tentando me
acalmar e saber como esquecer o que tinha acontecido. Como eu
poderia olhar para Eliana e dizer que ela precisava ir?
Como eu faria aquilo?
Como eu conseguiria?
Eu não queria que ela fosse.
Reprimi um grito, que estava me quebrando por dentro, e foi
quando ouvi barulhos nas escadas e sequer consegui me virar.
— Bom dia, eu acho. — Sua voz soou baixa, como sempre.
Ela parecia apenas escolher as palavras naquele momento, e eu
não consegui me virar para olhá-la. — Obrigada pela conversa, pelo
café e... — Era como se ela também não soubesse definir o que
tinha acontecido.
Ela poderia não estar no mesmo inferno interno que eu, mas
deveria ter suas próprias dúvidas sobre o que tinha acontecido. Se
ela tivesse sentido metade do que eu havia, com certeza, estaria
procurando alguma palavra que definisse e não a encontrado.
Ou com medo de tê-la encontrado.
— Obrigada pela noite. — Fechei os olhos com força, e ouvi
seus passos terminando as escadas. — E foi um prazer conhecê-lo,
depois de tantos anos, Ricardo.
Fiquei em silêncio, tudo dentro de mim se remoendo. A culpa
me atingindo de uma maneira que eu não sabia como explicar, ao
ouvir seus passos se dissipando, até ouvir o barulho da porta da
frente sendo aberta, que eu sequer me toquei, que deveria ter
fechado, perdendo minha mente, simplesmente por tê-la ali. Tão
perto e ao meu alcance.
E então eu apenas a deixei ir.
Virei-me no segundo seguinte, e sabia que era o melhor. Era
para o melhor. Para ela, ao menos. Culpando-me por tê-la pedido
para entrar e para ficar. Era minha culpa, eu sabia.
ELIANA

Eu não esperava por ele do outro lado da cama.


Eu não esperava por ele me dizendo que foi a melhor noite da
sua vida.
Eu não esperava absolutamente nada, mas ainda assim, o
nada doeu mais do que esperava.
Realmente, a visão das suas costas como um adeus
silencioso, foi o que tive. Mentir para mim, e dizer que não doeu
sequer ouvi-lo dizer algo, seria uma completa perda de tempo.
Entrei no meu carro, e me neguei a olhar novamente para a
livraria, para tentar me machucar menos do que já o tinha feito. O
curativo em minha mão direita, sendo o meu menor problema,
enquanto eu tentava apenas dirigir para casa, e pensar sobre que
era para o melhor.
Era apenas para uma noite e nada mais.
E se ele dissesse algo e me machucasse ainda mais?
Sabendo que aquela noite era mais importante para mim do
que poderia chegar a ser para qualquer um, principalmente, para
ele. Então eu peguei o caminho mais longo para casa, e deixei que
a direção me deixasse menos presa a uma realidade que não era
minha.
Eu tinha sido dele. Ele tinha sido meu.
Por alguns minutos e horas, foi o bastante. Tinha que ser. Era
o que poderia ser.
Então eu coloquei minha música tão alto quanto eu apertava
o acelerador, fazendo meu carro gritar e gritando junto a letra.
Porque era o que me ajudaria a lembrar de quem eu era. E com
toda certeza, eu não era dele.
CAPÍTULO 5

“Você não está dizendo que está apaixonado por mim


Mas vai dizer
Meio acordado, se arriscando
É um erro, eu falei, pode se voltar contra você
Não estou dizendo pra seguir em frente

Mas você vai” [6]

RICARDO

De uma família de apenas três, com dores que apenas nós


carregávamos, e mentiras que nos consumiam para um almoço em
família com tantas pessoas, que eu até me perdia pelo fato de ser o
último a ter um lugar como um Reis. Por eles – meus irmãos – terem
me permitido ter aquele lugar, mesmo o tendo negado por tantos
anos.
Carolina reclamava do quanto aquela piscina de plástico foi
uma péssima ideia, mesmo que as crianças menores pudessem
precisar.
Igor discutia com ela, mas continuava enchendo-a com a
bombinha e rindo de como Carolina estava vermelha pelo sol.
Murilo estava dentro da piscina, encostado contra uma beira,
claramente fingindo não ver o drama dos irmãos mais novos.
Tadeu ficou preso à churrasqueira, assim como Oscar – meu
cunhado e pai de minha afilhada. De alguma forma, ele parecia
tentar pegar dicas sobre ser o mais novo churrasqueiro da família.
Verônica tinha saído para comprar a sobremesa junto ao
marido, e sua filha Regina, que já estava perto dos seis anos, vinha
em minha direção.
— Titio Ric...
Quando ela falava daquele jeito, eu sabia que queria algo.
— O que precisa, princesinha?
— Que a Clarinha queira brincar comigo — falou esperançosa
—, mas ela não sai do celular.
Foi então que procurei pela minha afilhada, e a encontrei
sentada na mesa mais afastada, com os pés para cima, e um
chapéu enorme na cabeça. Clara já tinha seus quase treze anos,
beirando a adolescência, e com certeza interessada mais em vídeos
do que outras coisas.
— E se eu tirar o celular dela, o que vai acontecer?
— Vamos nadar, muito! — Regina falou animada. — Por
favor, titio.
Levantei-me e dei a volta na grande piscina da casa, em que
quase todos estavam apenas relaxando pelo calor. Foi-se um pouco
do tempo que estávamos abarrotados de crianças pequenas, agora
eles todos pareciam grandes demais, mesmo o mais novo tendo
três aninhos.
— Ela vai ficar brava...
O aviso veio de Daniela, uma de minhas sobrinhas e filha
mais velha de Murilo, que estava sentada na mesa ao lado, apenas
se bronzeando, e não consegui ler sua expressão, pelos óculos
escuros em seu rosto.
— Mas vamos adorar ver isso...
Jasmine falou, tomando sol como Dani e sendo a mais velha
de todos da segunda geração dos Reis. Elas trocaram uma
risadinha, e eu neguei com a cabeça, indo até a garotinha que já era
grande demais para estar novamente no meu colo. Mas eu me
lembrava de tudo. De quando Júlia engravidou, de como foi
acompanhar toda a gestação, de como foi vê-la nascer. Sentia-me
honrado e velho, por vê-la agir como uma típica adolescente.
— Solzinho...
Ela então apenas resmungou, mas não me encarou.
Agachei-me ao seu lado e apenas fiquei parado, até ela me
encarar de verdade. Talvez tivesse dado cinco minutos, o que
Regina não parecia ter paciência para aguardar.
— O que foi, dindo?
— Posso ficar com seu celular um pouco?
— Mas a mamãe...
— Eu nada — Júlia falou, aproximando-se com um copo em
mãos. — Eu disse para deixar o celular em casa, mas você dobra o
seu pai como ninguém.
— Estou sendo a adolescente isolada e chata? — indagou,
esperta como era, e ouvi o exato momento em que Jasmine riu, e
mandou Daniela lhe pagar algo. Elas deveriam ter apostado pela
reação da prima. — Aqui, dindo.
Ela me entregou o celular, mirou diretamente em uma Regina,
encostada perto da parte rasa da piscina e se levantou.
— Vamos entrar, Regi?
A pequena então deu um gritinho animado e assentiu,
enquanto Clara corria até ela. Não demorou muito para as duas
pularem na piscina, com Clara a ajudando, mesmo que fosse rasa
aquela parte, ainda poderia ser perigoso. O que me levava para os
meus irmãos mais novos, enchendo uma piscina de plástico, que
seria melhor para os mais novos.
— Ok, eu disse.
Carolina apenas saiu de perto de Igor, que caiu para trás
rindo da cara dela. Era nítido que ele tinha dado a ideia, e estava
apenas querendo deixá-la ainda mais brava.
— Vai ser bom, barbie — ele tentou explicar. — Se os Torres
e Esteves vierem, até mesmo, os Kang.
— Eu sou uma Torres, titio — Dani rebateu.
— Eu sou uma Esteves — Jasmine complementou.
— Tirando os Torres, Esteves e Kang presentes, claro —
explicou, sabendo que elas adoravam tirar sua paz. O que era difícil,
já que ele era o mais calmo de todos. — Aliás, onde está...
— Aqui, papai!
Então Theo surgiu, com uma garrafa de água em mãos, e
entregou-a ao pai. Era bonita a forma que mesmo fazendo parte de
uma família inicial – apenas irmãos, eles haviam feito dos Reis algo
tão maior. Eles tinham seus casamentos, filhos, dia a dia, rotinas...,
mas todo domingo, se encontravam.
Em casos raros, de não acontecer de estarem todos ali, na
Mansão Reis.
Eu era o último.
Eu me sentia daquela forma. Pensei que depois de me casar
com Leila, e até mesmo antes, quando ainda éramos namorados,
aquele vazio no meu peito, seria preenchido. Que eu me sentiria
parte como eles. Porém, nunca aconteceu.
Um vazio que eu tinha preenchido, noites atrás.
E eu gostaria de apenas me esquecer da sensação que me
trouxe. A sensação de que eu tinha como encontrar, o que cada um
ali, tinha feito.
— Está estranho...
Olhei de relance para minha melhor amiga.
— É pela festa que vai ter que representar seus irmãos daqui
uns dias? — indagou e neguei com a cabeça. — Sei que não gosta
de fazer parte da alta classe, e ouvir todas as abobrinhas, mas eu
vou estar lá, para ouvir com você.
Sorri para minha amiga e assenti. Eu sabia que ela estaria.
Eu sabia que não seria nada demais, depois de tanto tempo,
finalmente ajudar de alguma forma, quando nenhum dos meus
irmãos podia. Eles nunca tinham me pedido ou falado sobre algum
compromisso como um Reis. Sequer gostaria daquilo.
— É por aquele dia que sumiu por completo?
— Posso mentir que não? — questionei, e ela pareceu me
analisar. — O que sente, quando olha para Oscar? O que... O que
realmente sente?
— Como se meu coração estivesse vivo, bem à minha
frente... Uma parte de mim, que eu não conhecia, mas que não
quero perder, por toda a vida... e pelas que vierem.
Aquela definição veio tão fácil em sua boca, e não era apenas
por ela ser uma escritora incrível e uma romântica incurável. Era
porque ela sentia. Ela sentia tudo aquilo por ele.
E eu?
Eu sentia?
Eu... eu realmente tinha sentido aquilo?
Eu sabia que não antes, dando razão para o meu próprio
passado e culpa.
— Sente falta de se sentir assim? — Júlia indagou e eu
neguei com a cabeça.
— Sinto falta dela, todo dia, mas... — suspirei fundo. — Odeio
que tenha um “mas” nisso.
— Eu não vou te julgar, se quiser me contar.
— Talvez outra hora — falei, ainda sem saber me explicar. —
Nem eu sei o que está acontecendo comigo, Juju.
— Bom, se quiser beber...
Sorri de lado, e me ajeitei melhor na cadeira que Clara deixou
vazia. Se Júlia soubesse o que tinha feito, na última vez que resolvi
colocar um gole de bebida na boca. Ela com toda certeza,
entenderia que eu não iria repetir. Porque eu iria querer ir para casa
e encontrar alguém à minha porta e oferecer outro café.
Sem saber que na verdade, eu estava oferecendo a mim
mesmo.
CAPÍTULO 6

“E o único jeito de recuperar a minha dignidade


Foi eu me tornar um mistério
Como eu era quando você estava atrás de mim

Acho que é assim que tem que ser agora que não nos falamos”[7]

Semanas depois...

ELIANA

Eu tinha conseguido fugir nas últimas cinco festas.


Talvez tivesse me livrado de um noivado por contrato em
alguma delas. Porém, naquela noite, enquanto eu olhava para o
meu reflexo, o olhar reprovador de minha mãe, ainda me
acompanhava.
— Se continuar ganhando peso assim... — Ela parecia a
ponto de socar a minha cara, e me vi a encarando, como se a
desafiando a fazer. Seria mais um livramento. — Ao menos, os
peitos estão grandes, vão servir de algo.
Olhei para o decote que mostrava mais do que deveria, pelo
menos, para o meu gosto. O vestido parecia ser números menores
do que meu corpo, e eu mal conseguia respirar. Se o fizesse, talvez
eu estouraria algum botão ou zíper.
Eu odiava tanto aquilo.
Eu só não sabia para onde fugir.
Não que eu não tivesse tentado, mas no fim, eu parei no
mesmo lugar, naquela mansão vazia, com pais que tinham me
criado para tudo, menos para ser feliz. Um irmão mais velho que
prometeu me proteger, mas quem o protegeria da vida? Eu
guardava a foto dele em um medalhão invisível em meu pescoço.
O único jeito de o manter por perto.
— Ande logo!
Senti um aperto em meu braço, que foi puxado com força
para fora do quarto, e eu me fiz andar. A cada degrau que descia,
pensando nos degraus que subi com alguém, que por alguns
segundos, pareceu se importar. Talvez para apenas me levar para
cama, mas ainda assim, era mais do que a minha própria família
fez.
Eu não tinha voltado à livraria. Eu não tive a coragem de olhar
para ele, e ter a certeza de que foi apenas uma noite. Talvez, eu
nunca tivesse mais como encará-lo. Os meus sábados de manhã se
tornando um ponto diferente, em uma livraria do outro lado da
cidade, como se fugisse de alguém que sequer me procurava.
Apenas voltei à realidade, quando senti meu corpo sendo
jogado para dentro do grande carro preto e a porta sendo fechada.
Cerca de meia hora depois, sem conseguir sequer mexer no meu
celular, porque minha mente estava em qualquer lugar, menos na
realidade, de que eu poderia procurar pelo nome de Ricardo
novamente e não o encontrar.
Suspirei fundo, quando o carro parou, à frente de um hotel
antigo e famoso na cidade. Sequer sabia o que era comemorado. A
realidade era que eu nem sabia o que esperar daquela noite.
Apenas sorria o bastante para parecer delicada, mas não tanto para
parecer desesperada – regras de Marta Junqueira. A porta foi
aberta, e eu agradeci ao rapaz, que teve seus olhos presos ao meu
decote, como se surpreso.
Eu também estava.
Firmei-me nos saltos altos, que sequer sabia dizer de onde
tiraram dinheiro para comprar, e me vi caminhando, como sempre,
sozinha por uma entrada de uma festa, que não fazia ideia do que
seria.
Fiz passo a passo, contado, e quando adentrei o salão, um
sorriso cordial, agradecendo a quem fosse, e logo encontrei minha
mãe, que já conversava animada com alguém. Um homem alto, que
me relembrava alguém, mas minha mente pareceu confusa.
O meu estômago doía, não sabia se porque não tinha
conseguido comer naquele dia, ou porque estava prestes a passar
mal. Minha mente girando um pouco, ainda confusa, mas me
mantive firme.
— Querida, aqui... Os Reis.
Um sobrenome que eu já tinha ouvido tantas vezes, mas que
minha mãe tinha finalmente desistido, depois que todos se casaram,
e felizmente, uma família poderosa e intocável a menos para a lista
dela. Para a minha lista pessoal.
— Esse é o mais recente apresentado como Reis... Lembra-
se de quando falei dele?
O homem ainda estava de costas, enquanto minha mãe se
aproximava, e então me puxou para mais perto de si. O cheiro que
me atingiu me fez fazer uma careta, porque de repente, eu estava
me sentindo tonta.
Ele cheirava a café, como alguém que eu reconheceria, em
qualquer multidão. Por que o cheiro de café parecia tão convidativo?
Seria o perfume do homem que ela estava prestes a me
apresentar?
— Esse é Ricardo Reis, querida.
Paralisei com o primeiro nome se juntando com o sobrenome,
e tive que apoiar minha mão no ombro de minha mãe para só então
a realidade me atingir, quando seu olhar parou no meu.
Porém, não tive tempo para mais nada, a não ser correr para
fora do salão. Meus passos quase se perdendo, procurando por um
banheiro, e quando o fiz, apenas me vi caindo de joelhos diante da
privada, e deixando o que já sequer tinha no estômago sair.
Minha cabeça girou, e eu estava quase sem forças.
— Eu seguro. — Senti um leve toque em meus cabelos,
segurando-me com cuidado. — Tudo para fora, garota.
Foi então que apenas acabei vomitando mais, e senti a bile
queimar tudo, como se me acusando – por mais que eu quisesse
colocar para fora, não tinha mais nada.
— Isso mesmo — a voz feminina era calmante. — Quem
nunca precisou correr para o banheiro em uma festa chata dessas,
não é?
Respirei fundo, sabendo que ela com certeza falava sobre
alguém que bebeu demais e acabou vomitando, o que não era o
meu caso. Eu tinha acabado de chegar, e não colocava uma gota de
álcool na boca há anos. Suspirei fundo, fechando a tampa da
privada e dando descarga. Senti meu cabelo ser solto, enquanto eu
ainda me segurava contra a privada, e em seguida, alguns papéis
foram deixados à minha frente.
— Aqui, use para tentar tirar um pouco do gosto ruim que
fica...
Aceitei-os e passei-os por meu rosto, mesmo sabendo que
tudo o que tinha era minha própria saliva e bile. Levantei-me com
cuidado, e joguei os papéis fora em seguida.
Assim, me virei para encontrar a mulher de cabelos
castanhos, encostada na porta da cabine do banheiro, como se me
esperando.
— Eliana, não é?
Ela era a melhor amiga de Ricardo, talvez sua irmã. Uma das
duas coisas, a que trabalhava na livraria e me contou sobre o
casamento dele, há um ano.
— Faz tanto tempo que não te vejo — falou.
— Acho que não foi uma boa segunda impressão.
Firmei-me nos meus saltos, vendo-a esticar a mão, como se
pronta para me amparar, caso precisasse. Sorri sem jeito, enquanto
ela dava uma risadinha de minha fala, e fui em direção às pias,
lavando minhas mãos, e parando para encarar o meu reflexo.
Por mais horrível que eu me sentisse, por fora, ainda parecia
tudo intacto.
— Deve ser algo que comeu — comentou ao meu lado,
olhando-me como se realmente preocupada.
— Acho que sim — tentei concordar, mesmo sabendo que
não tinha comido nada. E não era comum passar mal daquela
forma.
— Isso me faz lembrar de quando engravidei, e os primeiros
meses foram com o vaso como meu melhor amigo... — contou
animada, e eu paralisei por um segundo, minhas mãos parando de
se esfregar.
Minha mente voltando para a noite com Ricardo, e tentando
me lembrar da camisinha. Nós a usamos, certo? Nós usamos
camisinha... Nós tínhamos que ter usado, não é?
Senti-me vagando, enquanto Júlia ainda falava ao meu lado,
e eu assentia, torcendo para que ela não percebesse que eu estava
pensando no fato de ter transado com Ricardo... Ricardo Reis. Nós
tínhamos nos protegido, não era?
Como eu poderia perguntar aquilo a ele?
Como eu poderia levantar tal suspeita?
— Estou falando demais sobre Clara, como sempre. — Sorri,
terminando de enxaguar minhas mãos. — Mas, precisa que te leve
para casa? — indagou, e sua oferta me pareceu totalmente
tentadora.
— Preciso falar com minha mãe antes — respondi a
contragosto.
— Se precisar, eu vou estar próxima a Ric — assenti,
tentando parecer totalmente à vontade com a ideia. — Vou te
acompanhar até lá fora, tudo bem?
— Não, eu... — respondi rapidamente e ela franziu o cenho.
— Preciso de mais alguns minutos aqui. Mas... Obrigada por tudo,
Júlia.
— Fico feliz que ainda lembre o meu nome.
Ela então me deu um tchauzinho e assim que a porta se
fechou atrás de si, eu me segurei com força contra a pedra de
mármore.
Não.
Eu não poderia estar grávida.
Eu não poderia, em hipótese alguma.
CAPÍTULO 7

“Por que você me deu falsas esperanças?


Por que passou sal nas minhas feridas?

Foi embora e me deixou sangrando, sangrando” [8]

RICARDO

— Ela geralmente não dá trabalho algum. — a mulher mais


velha à minha frente falou, e eu já estava arrependido ao extremo
de ter pisado naquela festa.
Talvez fosse para ser assim.
Eu agora sabia quem era Eli. Ou melhor, quem era Eliana.
Eliana Junqueira.
A família conhecida por ser uma sanguessuga naquele meio.
Segundo informações que eu tinha, e de outras experiências
encontrando a mulher mais velha diante de mim, aquela, com toda
certeza, não era a parte da família Junqueira que seguiu seu próprio
rumo.
Eliana era um deles.
Por que agora tudo fazia sentido?
— Ela sabe sobre mim faz tempo?
A mulher piscou algumas vezes, enquanto meu olhar vagava
diretamente para o banheiro onde minha melhor amiga correu atrás
da mulher que tinha se tornado um pensamento mais do que
constante em minha mente. Agora eu precisava saber.
— Claro que sim, é um Reis.
A resposta veio como uma clareza, e eu amaldiçoei a mim
mesmo por ter pensado demais sobre o que aconteceu há um mês.
Por ter me arrastado por todas as livrarias da cidade, todo sábado,
porque sabia que ela não aparecia mais na minha. Suspirei fundo,
tentando disfarçar o meu descontentamento.
Ela sabia quem eu era.
E pelo jeito, ela sabia muito bem disfarçar sobre.
— Há quanto tempo? — talvez eu precisasse de um soco na
cara.
— Desde quando foi anunciado pelos Reis, claro. — Pisquei
algumas vezes, raciocinando. — Sempre a mantivemos sabendo
sobre tudo.
— Então, há alguns anos...
— Sim, até mesmo de que ficou viúvo e...
Por que o tempo dela à frente da livraria, de repente, não me
surpreendia em nada? Mas na realidade, me machucava?
— Eu tenho que ir.
Vi-me apenas saindo de perto da mulher, tentando entender
que eu estava certo, de apenas deixar todo aquele sentimento
estranho que me atingiu após uma noite, totalmente ignorado e
soterrado.
Vi Júlia saindo do banheiro e fui até ela, que tinha um sorriso
leve no rosto.
— Podemos ir?
— Claro, mas... — franziu o cenho, como se confusa. — O
que houve, Ric?
— Eu só preciso fugir da senhora Junqueira, que está me
listando todos os adjetivos da sua própria filha, e com certeza, quer
casá-la a todo custo com um Reis.
— A nossa Aurora está em busca de um marido? — indagou,
e eu assenti, enquanto ela caminhava ao meu lado. — Por que isso
parece tão ruim?
— Nunca disse nada sobre isso ser ruim.
Assim que chegamos do lado de fora, e esperamos pelo
carro, sentia o olhar julgador de Júlia. No momento em que
entramos no veículo, sabia que ela não ficaria calada.
— O que existe entre você e a Aurora?
— Bom, ela era compradora na livraria, você já sabe.
— Mas..., mas por que parece estar fugindo de uma festa por
conta dela?
Neguei com a cabeça, focando-me no trânsito e ignorando as
questões da minha melhor amiga. O que eu poderia dizer? Que
agora eu sabia, que tinha cedido a um desejo antigo, e descoberto
que na realidade, aquela mulher, estava lá apenas para me seduzir
e colocar o sobrenome Reis no seu registro?
Era melhor guardar a minha mágoa sobre alguém que não se
importava, e que eu não deveria me importar. Não tinha o porquê.
Porém, minha mente ainda girava, ao pensar que tinha sido caído
tão facilmente no personagem que ela criou.
O quão burro eu era para aquele mundo de pessoas
poderosas? Com certeza, muito.

ELIANA

— Não sabe engolir o vômito! — minha mãe bradou, assim


que chegamos em casa.
A festa tinha acabado, no instante em que ela viu que Ricardo
Reis tinha apenas ido embora. Segundo ela, por minha culpa. Pelo
vexame que todos tiveram que presenciar, ao me verem correr
daquela maneira para o banheiro, invés de cumprimentar a pessoa
mais importante ali.
Como o meu Ricardo, que sequer era meu, poderia ser um
Reis?
Por que a terra plana tinha capotado de tal forma, que eu não
sabia mais em que lado estava?
— Da próxima vez que fizer uma merda dessas, eu juro...
— Vai me espancar e me esconder por dias? — rebati, e
então senti o tapa com força no meu rosto, mas me mantive de pé,
nos saltos. — Quando vai entender que não me afeta mais? Nem
seus socos, tapas ou o que seja, mãe?
— Tome um banho e fique decente, que vou conseguir um
encontro com Ricardo Reis, e finalmente vai fazer algo que preste
pela sua família! — Bateu contra o meu peito, e eu me segurei
contra o batente da porta. — Se ao menos fosse você que tivesse
morrido, e não Leo...
Ela saiu, falando aquilo, e eu suspirei fundo, segurando o
medalhão em meu pescoço. Eu desconfiava da verdade. Como se
eu soubesse exatamente o que tinha acontecido no atropelamento
que levou à morte do meu irmão mais velho.
Voltei para o meu quarto, e sentei-me à frente da penteadeira,
encarando meu rosto vermelho pelo tapa, assim como o meu peito,
que estava com a cor ainda mais forte. Respirei fundo, torcendo
internamente para que os Reis continuassem inatingíveis, e tudo
fosse apenas impossível.
Algo dentro de mim, se negando a encarar Ricardo
novamente.
Ele não era apenas o cara da livraria, ele era um pretendente
para um casamento. Eu deveria estar feliz, não? Eu deveria estar
esperançosa? Indaguei-me, mas nenhuma daquelas questões eram
as que realmente se passavam por minha mente. A realidade, era
que o que Júlia tinha me falado sobre si, que ainda vagava bem ali,
atormentando-me.
Uma das mãos foi direto para minha barriga e a encarei,
buscando uma resposta que não tinha como encontrar. Não daquela
forma. Talvez eu estivesse apenas pensando demais. O medo de
que estar presa para sempre a alguém, por um laço que eu não
deveria criar, sendo o maior dos meus medos, que ninguém
conhecia.
Quantas vezes minha mãe tentou que eu desse o golpe em
alguém daquela forma? Eu me negava. Eu fazia o máximo para
nunca, dar a mínima chance de que pudesse ocorrer. Por que eu
não conseguia, então, lembrar se nós tínhamos nos protegido
naquela noite?
Minha mente girando sobre o antibiótico que tinha tomado
pouco antes de estar com Ricardo, e sabendo que por mais que eu
tomasse o anticoncepcional, o efeito era cortado por aquele
medicamento.
Outro mal-estar me tomou, enquanto me segurei contra a
madeira, e não tinha sequer força para me arrastar para outro lugar.
Respirei fundo, tentando encontrar o ar e permanecer acordada. Eu
não sabia se era a náusea, se a falta de algo em meu estômago,
mas senti minhas forças se esvaindo.
Pouco a pouco, enquanto eu descia da cadeira para o chão,
arrastando-me pelo tapete, procurando um lugar macio e tudo pesou
ao meu redor. Fechei os olhos a contragosto, mesmo lutando para
que não o fizesse, e não demorou muito para simplesmente,
desmaiar por completo, no meio do meu quarto.
CAPÍTULO 8

“Quando o voo já tinha partido


E a rosa já tinha murchado
Eu dormi completamente sozinha

Você ainda não queria ir embora”[9]

ELIANA

Eu senti minha boca seca.


Tudo ao meu redor tão pesado, que não consegui me mover.
Abri os olhos a contragosto, para encontrar o teto do meu quarto, e
relembrar em que momento exato, eu tinha parado daquela
maneira, no chão.
Um desmaio.
Uma vida toda que eu nunca tinha sequer sentido minha
pressão cair. De repente, eu estava desmaiada no tapete do meu
quarto. Fiquei ali, sem forças por mais alguns segundos, enquanto
um filme se passava por minha mente.
Tudo que eu tanto temia, desde muito nova, parecendo uma
afirmação. Levantei-me como pude, e me arrastei até o banheiro.
Precisava me recompor e sair de casa. O que eu precisava naquele
momento, era de um teste de gravidez.
Eu não tinha certeza de nada.
Não me recordava de termos nos protegido, e sabia que eu
não estava por conta dos medicamentos. Então... então existiam
chances. A forma como meu corpo estava nos últimos dias, sendo
uma suspeita tão alta, que estava quase me ensurdecendo.
Joguei um pouco de água no rosto, ao mesmo tempo que
tentava refazer meus passos daquela noite. Tudo em um apagão,
apenas conseguindo me lembrar de seus toques, suspiros e
gemidos em minha pele. Nada mais. Como pode o amor nos deixar
tão bêbados, que a ressaca vem como um apagão?
Amor?
Eu estava mesmo pensando naquele sentimento?
Considerando-o?
Neguei com a cabeça, e corri para tirar a maquiagem de meu
rosto, assim como rasgar aquele vestido para fora do meu corpo.
Corri para colocar apenas uma regata, uma calça jeans básica e
alpargatas nos pés. Joguei uma jaqueta jeans grande por cima, e
prendi meus cabelos no alto da cabeça, com os próprios fios, já que
eles eram enormes.
Desci as escadas com cuidado, já vendo quase todas as
luzes acesas, a não ser, a do escritório do meu pai, no qual, ele
deveria estar bebendo e refazendo contas sobre o quanto estava
sem dinheiro algum. Saí de fininho pela porta de trás da cozinha e
fui diretamente para o meu carro. Sabia que no passado, eles
conseguiam me controlar por completo, mas não agora, que sequer
tinham dinheiro para algum segurança.
Então entrei no carro, e vi que a gasolina estava na reserva,
mas seria o bastante para a farmácia vinte e quatro horas mais
próxima. Saí com o carro, e sequer liguei a música, focada em
apenas chegar o mais rápido possível na farmácia. Assim que
estacionei, abri o porta-luvas e encarei a minha carteira, que tinha o
dinheirinho que eu conseguia abastecer ou comprar remédios, e
apenas fugir um pouco dos meus pais, quando possível.
Peguei-o e desci, sabendo que precisava gastá-lo com algo
essencial. Apanhei três testes de marcas diferentes, para já me
convencer de uma vez, que não teria erro – seria negativo. Fui
direto ao caixa, paguei e saí dali, pensando em como entraria em
casa com aquela sacola.
Aproveitei que estava com a minha jaqueta, embolei-a ao
redor da sacola, e a coloquei no banco do carona, antes mesmo de
me sentar e voltar a dirigir. O caminho até em casa, que deveria ser
em apenas cinco minutos, de repente pareceu durar trinta. Algo no
tempo pesava e tão errado, que eu mal conseguia respirar.
No momento que cheguei em casa, percebi que a luz do
escritório do meu pai permanecia acesa, e ele ainda estaria lá.
Minha mãe deveria estar dormindo, porque não existia consciência
pesada para ela, não mesmo. Ela sempre fazia seu sono de beleza,
de oito horas, toda noite. Subi as escadas devagar, sem querer
acordar ninguém, naquela casa imensa, e fui direto para o meu
quarto.
Assim que entrei, fechei a porta, e corri para me trancar no
banheiro. Abri um site da internet e li algumas instruções nas
caixinhas. Dizia que o melhor era o primeiro xixi do dia. Merda! A
minha ansiedade no talo, e eu sabendo que teria que esconder os
testes, para acordar cedinho, fazer e ter a resposta correta.
Suspirei fundo, segurando minha ansiedade, e os escondi
embolados em roupas, na parte superior do meu guarda-roupas,
que eu precisava subir em uma cadeira. Deitei-me na cama, encarei
o teto por alguns segundos, e em seguida, meu olhar estava direto
em onde os testes estavam escondidos.
Eu precisava dormir...
Lembrei a mim mesma, sabendo que assim as horas
passariam. Porém, nada do sono vir.
Tentei até mesmo pensar em Ricardo e na nossa noite, mas
daí, em vez de distrair minha mente, ela ficava nublada, porque não
conseguia me lembrar da camisinha em momento algum.
Era a primeira vez, que pensar sobre ele, me deixava em
estado de alerta.
Virei-me na cama e puxei a coberta jogada na beirada sobre
meu corpo, ligando o ar-condicionado no máximo, para tentar fazer
o clima que eu adorava para dormir. Porém, nem assim.
Só fiquei de olhos fechados, me virando na cama, e sentindo-
me como uma pedra. Talvez tivesse cochilado por uma ou duas
horas, mas quando acordei novamente, percebi o quão mal tinha
sido aquela noite. Meu corpo todo dolorido, enquanto eu encarava o
relógio na mesa de cabeceira, e marcava seis da manhã.
Suspirei fundo, e me levantei, me sentindo acabada. Peguei
os testes, e me tranquei no banheiro. Se eu achava que a noite não
passava, era porque não tinha ideia de que três minutos poderiam
ser uma eternidade. Eu encarava o cronômetro do meu celular, e
parecia nunca chegar em três, conforme três testes me esperavam,
com uma resposta, que talvez, eu estivesse com medo.
Quando finalmente, o número três apareceu na tela, eu me
virei, e encarei cada um dos testes.
O primeiro: dois tracinhos.
O segundo: dois tracinhos – só que mais fracos
O terceiro: GRÁVIDA
Se eu pensei em ter esperança nos tracinhos mais fracos, ali
eu tinha minha resposta. Suspirei fundo, e me sentei sobre o tampo
da privada, para não cair sozinha.
Eu estava grávida.
Eu estava grávida do cara que eu adorava.
Eu estava grávida do cara que me ignorou após a nossa
noite, porque mesmo sem aliança em seu dedo anelar, poderia
muito bem amar a ex. Deveria a amar, pela forma como me tratou.
Eu estava grávida de Ricardo...
Eu estava grávida de Ricardo Reis.
CAPÍTULO 9

“Trezentos cafés para a viagem depois


Eu vejo o seu perfil e o seu sorriso em garçons desavisados

Você sonha com como era a minha boca antes dela te chamar de traidor e de mentiroso”
[10]

RICARDO

Eu ainda queria acreditar que ela não estava lá, por todo
aquele tempo, porque sabia que eu era um Reis. Ela esteve antes,
claro, antes mesmo de eu aceitar que era um, e aquilo ser
anunciado. Contudo, apenas confirmava que o meu sobrenome
estava totalmente ligado a como ela simplesmente aceitou estar
comigo, mal me conhecendo, porque ali estava ela, novamente,
aparecendo todas as manhãs na livraria.
Sabia daquilo, porque as câmeras que eu tinha acesso, a
mostravam, aparecendo sempre de manhã, só que em horários
diferentes, e procurando por algo, ou melhor, por mim. Ela até
mesmo perguntou sobre, para os atendentes e para o caixa.
Ela estava determinada a me encontrar, enquanto eu me
escondia por completo, ainda tentando digerir aquela situação. Não
conseguia acreditar que tinha sido tão cego e não percebido as suas
intenções. Neguei com a cabeça, encarando a cama, em que
semanas atrás, ela também estava deitada, e sentindo raiva de mim
mesmo, por ser tão ingênuo.
E pior de tudo, por deixar aquela ilusão me envolver de forma
tão intensa, que ela ainda permanecia em minha mente, todos os
dias. Como se eu tivesse encontrado o que todos ao meu redor
tinham, e eu nunca pensei que seria necessário. Como se eu
pudesse ter escutado a voz de Leila em minha mente, com toda sua
expertise de sempre: eu avisei, não foi?
Peguei o copo em mãos, com o uísque que me ajudava a
relaxar um pouco, e neguei com a cabeça.
— Estava errada dessa vez — assumi para o nada, e passei
a outra mão pelos cabelos.
A voz dela ainda me rondando, perto de uma das nossas
últimas conversas. E pior de tudo, era que Eliana... que eu não tinha
ideia de ser Eliana Junqueira, estava nela, como protagonista.
Como uma desconhecida virava o alvo principal em uma conversa
sobre o meu casamento? Ou melhor, o pivô de uma separação?
Ela teria feito aquilo por querer também? Ela sabia o que
estava fazendo a respeito da minha vida particular?
Senti a raiva me dominar, ao me lembrar daquele momento
com Leila, e em como, eu gostaria de ter negado com certeza, e dito
que ela estava errada. Porém, eu apenas calei, porque no fundo, eu
consentia.
— Já percebeu na forma como fala dela? Seja para mim?
Seja para sua melhor amiga?
— O que quer dizer, Leila?
— Nós achamos um no outro, o desejo e carinho que muitos
vão buscar a vida toda, entre amores e outros amores, mas não vão
encontrar. Mas não encontramos o que vemos acontecer ao nosso
redor.
— Leila...
— Vai mentir que sente, Ric?
Fiquei em silêncio, sem saber o que dizer.
— Pode ser querer demais, mas é estranho ver o seu marido
falar com brilho nos olhos sobre uma desconhecida, mas não sobre
si.
— Não é como que eu sinta algo por outra pessoa...
— Não estou te acusando, só estou te dizendo que não
somos o amor da vida um do outro. — Senti o impacto das suas
palavras. — Nós pensamos que fosse, mas..., mas me diga que não
tem vontade alguma de saber como ela te faria sentir?
— Leila, por favor.
— Diga-me que não, não minta, e eu juro que não falo mais
nisso.
E então, eu me calei, porque ela estava certa.
Cabelos longos, palavras baixas, olhos presos a livros e que
às vezes, procuravam por mim. Ela estava lá, no fundo da minha
mente, como se me esperando.
— Então isso é o melhor, para nós dois.
— Mas eu te amo, Leila.
— Não o suficiente para não pensar em como seria amar
outra pessoa... — ela tocou meu rosto e sabia que ela estava se
machucando ao fazer aquilo. — E eu quero um amor só meu, Ric.
Só meu.
— Leila... Eu posso...
— Pode o quê? Esquecer alguém que está há anos na sua
mente? Antes mesmo de me conhecer? — negou com a cabeça. —
Se eu tivesse visto a forma como olha para ela antes, nós nunca
teríamos nos casado.
— Você não me ama mais?
— Amo, mas eu... eu me amo mais, Ric. — Deu-me um leve
beijo no meu rosto. — E eu quero a sua felicidade, e a minha. E não
somos, por mais que tenhamos tentado tanto.
Engoli em seco, virei o resto de uísque no copo, e senti-o
queimar a garganta, mas nem perto de como doía cada parte de
mim, por saber que eu fui dominado pelo sentimento de entender o
que aquela desconhecida me causava.
Ela me trouxe um interesse genuíno por anos, mas que nunca
foi além. Ela me trouxe um pedido de divórcio, porque Leila
conseguia ler por completo os meus trejeitos, e eu não mentiria. Ela
me levou a me sentir tão completo, que quando se foi no dia
seguinte, além da culpa que me consumiu, a sua falta, era ainda
maior. Ela me fez sentir um completo fantoche, porque ela sabia
tudo, antes de mim.
Ela sabia o que estava fazendo, e eu... eu estava apenas
perseguindo um sentimento que deveria ter deixado enraizado
dentro de mim, e nunca tentando cultivar. Porém, o fiz. Contudo, eu
a tive. E agora, eu pagava o preço pela culpa, de dar toda a razão
para a mulher que um dia me escolheu, e o preço de ter o meu
coração exposto para a mulher que nunca o quis.
Ela queria o meu sobrenome.
Enquanto eu, queria o que ela me fazia sentir.
E eu me odiei, naquele momento, por me permitir ser tão
fraco quando se tratava dela.
Eu estava evitando a minha própria casa, por conta dela.
Sabia que ela aparecia toda manhã, e durante aquela
semana inteira, consegui fugir, enquanto me escondia em algum
lugar, que não me faria olhá-la por uma vez, e duvidar da minha
própria certeza.
Ela me fazia duvidar de tudo, e precisava me recompor e não
permitir que fosse enganado novamente. Eu já o tinha sido antes,
por meu próprio pai, que eu só desejava que ardesse logo no fogo
no inferno, e por aquilo, eu temia, por mim mesmo, como seria
encará-la.
Eu não gostaria de me sentir com ela, da mesma forma que
Reinaldo Reis me fez. Na realidade, não gostaria de aceitar, que ela
poderia ser colocada em algumas prateleiras abaixo, da minha
estante de usurpadores mentirosos. Eu estava em negação, durante
aqueles dias.
Porém, não faria o mesmo no dia seguinte. Voltaria à minha
rotina e deixaria com que apenas o meu ignorar fosse o bastante
para ela me esquecer. Sua mãe pararia de me ligar, em algum
momento. E Eliana tinha que esquecer que se envolveu com um
Reis, para que eu pudesse começar a esquecer que tinha me
envolvido com ela.
Na fila dos emocionados, com toda certeza, Julia diria que eu
tinha passado duas vezes. E na fila dos otários, talvez eu tivesse
passado umas cinco. Porém, não tinha o porquê mentir para mim
mesmo. Já tinha feito por anos, e o teria feito, por muito mais tempo,
se a minha própria ex-esposa não tivesse percebido, o que eu tentei
lutar contra.
Como eu explicaria, que tinha me interessado por uma mulher
quase doze anos mais nova? Era uma culpa que também
carregava, mas nunca tinha contado a ninguém. Porém, poderia ser
óbvio, se eu abrisse a boca sobre qualquer coisa a respeito de
Eliana.
No momento que coloquei a chave na porta da frente, senti a
presença de alguém ali. Pisquei algumas vezes confuso, e me virei,
porque eu só poderia estar maluco, de ter aquela sensação, que
apenas ela trazia, sendo sentido no meio da madrugada, enquanto
voltava para casa depois de comprar qualquer coisa para comer no
lanche mais próximo.
— Eu esperei o dia todo. — Sua voz soou baixa, seu olhar
encarando o chão, e via suas mãos presas sobre a barriga. — Eu...
Podemos conversar, Ricardo?
Como ela conseguia, com apenas a sua presença, me fazer
questionar tudo o que havia deixado claro para mim mesmo durante
os dias que se passaram?
Como ela parecia conseguir me colocar ao redor do seu
dedo, e me manipular como uma aliança em seu anelar?
— O que precisamos conversar? — perguntei, tentando
manter um tom frio, e não pensar em como ela parecia bonita, com
os cabelos longos soltos, e espalhados pela frente do seu corpo.
— É... — Vi-a levantar a cabeça e encarar a rua vazia,
pensando sobre algo. — Eu posso falar disso, lá dentro? — pediu, o
seu olhar finalmente parando no meu, e reconheci as olheiras em
seus olhos, assim como tinha sob os meus.
Por que ela parecia tão cansada, impotente e desesperada?
É um jogo, Ricardo! Repeti a mim mesmo, enquanto abria a
porta e entrava, vendo-a me seguir no minuto seguinte. Assim que
parei, abruptamente, para me virar e encará-la, vi a forma como ela
parecia pequena e assustada.
Por que eu me deixava levar assim? Por que eu tinha um lado
que simplesmente não desligava?
Respirei fundo, lembrando que eu não conhecia aquela
mulher à minha frente, mas conhecia o sobrenome dela. Éramos
apenas o lado da mesma moeda naquele momento, e sabia que só
precisava daquela conversa, para colocar um ponto final.
Um ponto final de uma página da minha vida que não deveria
existir. E eu a rasgaria fora, se preciso.
CAPÍTULO 10

“Mas você não diz, mas você não diz, mas você não diz
Eu ficaria pra sempre se você dissesse: Não vá

Mas você não diz, mas você não diz, mas você não diz” [11]

ELIANA

— Eu... eu realmente não sei como dizer isso... — respirei


fundo uma, duas, até dez vezes, enquanto Ricardo permanecia
diante de mim, próximo ao balcão de café da livraria, naquele fim de
noite. — Eu acho que posso começar do começo e...
— O que quer aqui, senhorita Junqueira?
Pisquei alguma vezes, apertando os dedos uns nos outros, e
respirando fundo. Meu olhar ainda baixo, não sabendo se por
hábito, se pelo desespero ou porque estava encarando minha
barriga ainda não aparente.
— Eu preciso mesmo conversar com você — assumi, e
respirei fundo. — Eu sei que pode parecer estranho, aparecer do
nada e...
— Do nada, acho que não. — Sua voz soou tão fria, que me
fez duvidar se estava mesmo próxima à pessoa com quem eu tinha
dividido aquela noite. Não só pelo sexo. Mas por tudo que
parecemos trocar em tão pouco tempo juntos. — Sua mãe me ligou,
e também para minha secretária, para minha melhor amiga, para os
meus irmãos, um a um, minhas cunhadas...
— Eu...
Tentei levantar o olhar, mas me senti tão fraca que tive que
me segurar contra a cadeira que estava próxima. O mal-estar que ia
e vinha, me acertando novamente. Suspirei fundo, contando
internamente até dez, enquanto respirava.
— O que realmente quer aqui? — sua pergunta ocorreu
enquanto eu tentava voltar a me firmar de pé, sem mostrar o quão
fraca me sentia. — Ficar em silêncio e esperar que eu realmente
concorde com a porra de um casamento por contrato?
— O quê?
Foi tudo o que saiu da minha boca, quando meu olhar
finalmente encontrou o dele, e eu ainda respirava descompassada,
e ele sequer parecia notar. O seu olhar totalmente diferente do que
vi em si, durante todos aqueles anos em que o observei. Nada perto
do que eu tive naquela noite. Nada que eu conhecesse, não nele.
— Não é por isso que está aqui? — sua voz soou ácida,
como um deboche. — Quanto eu preciso pagar para sua mãe parar
de encher a mim e minha família, e para que deixe de vir aqui?
— Eu...
— Eu sei que tem vindo aqui, todas as manhãs, esperado por
algumas horas e depois ido embora... — não pude deixar meu rosto
de culpa aparente.
Eu o estava fazendo.
Eu estava totalmente desesperada.
Depois de fugir dele por um mês após aquela noite, eu o
estava perseguindo, porque eu precisava contar sobre a gravidez.
Sabia que era o certo a se fazer. Contar ao pai da criança, que era
tão responsável quanto eu, que esperava um filho dele.
— Está me evitando? — foi tudo o que consegui indagar.
— Por que não? — rebateu, e passou à frente do balcão,
escorando o corpo contra ele, e me encarando. — Contou à sua
mãe que fodemos em uma noite? E agora ela está certa de que
finalmente conseguiu laçar um Reis...
— Ricardo...
— Reis — corrigiu-me, e eu senti o baque do seu sobrenome.
— Não é isso que realmente importa? Duvido que tenham pensado
sobre o primeiro nome de Murilo, Tadeu ou Igor, quando sua mãe
tentou te vender tantas vezes...
— Olha, eu não estou aqui para falar da minha mãe ou
qualquer outra coisa, eu só...
Senti meu olhar cair, e neguei com a cabeça. Não era o
melhor momento, mas eu sentia que poderia ser o único. Eu
precisava apenas que ele me ouvisse, e entendesse que não era
apenas o meu sobrenome. Se ele não gostava de ser resumido ao
dele, por que eu gostaria de ser resumida ao meu?
Por que eu sentia que cada segundo em que ele permanecia
me olhando, eu deveria me esconder? Do que eu deveria ter
vergonha?
— Eu... eu... realmente gosto de você, Ricardo. — As
palavras me vieram tão facilmente, depois de tantos anos lutando
contra cada uma delas. Depois de acreditar que nunca teria a
oportunidade de trazê-las à vida. Eu o tinha feito, um sorriso de lado
no meu rosto, por finalmente ter coragem. Porém, quando abri a
boca para continuar e explicar, o olhar frio à minha frente, me fez
congelar. Contudo, eu precisava fazer. Não só por mim, mas pelo
nosso filho. Era pelo nosso filho, que eu estava ali, sendo totalmente
corajosa com ele. — Eu sempre...
Então uma gargalhada preencheu o ambiente, e eu demorei
dois segundos para perceber que era Ricardo, forçando-se a fazê-
la. Olhei-o incrédula, sem conseguir entender o que estava
acontecendo.
— Era só isso? — indagou, depois do que pareceu uma
eternidade, e eu soltei o ar com força, levando uma das mãos à
barriga e me colocando em defesa. — Gosta de mim, sério? — Ele
riu debochado, negando com a cabeça, e sem sequer me olhar. —
Bom, mas eu não. — Assim, ele me acertou por inteira. — Esqueça
aquela noite, a porra do meu sobrenome e o meu endereço.
Entendi naquele momento que era sobre aquilo.
Ele realmente achava que eu era apenas uma interesseira,
tentando usá-lo a meu favor, o seu sobrenome e o poder que vinha
com ele. Foi minha vez de deixar um sorriso sem vontade sair de
minha boca. Neguei com a cabeça, mas mantive meu olhar alto,
meu queixo erguido. Dei-lhe as costas, com a mão firme em minha
barriga, e sabendo que não era sobre o nosso filho.
Era sobre o meu filho. Apenas meu.
Quando a porta da livraria bateu atrás de mim, eu permiti que
uma lágrima descesse. E de uma em uma, elas foram se
acumulando, enquanto eu procurava pelo meu carro, no quarteirão
ao lado.
Eu me permitiria chorar, daquela vez, porque era mais do que
eu conseguia suportar. Procurando forças que nem sabia de onde
tiraria, quando dizia em alto e bom tom, dentro do carro, que tudo
ficaria bem.
— Nós vamos ficar bem, filho — falei para minha barriga,
conforme as lágrimas desciam com força. — Eu prometo que é a
última vez que vai ver sua mãe chorar assim... Eu prometo.
CAPÍTULO 11

“Venha aqui, eu sussurrei no seu ouvido


No seu sonho, conforme você adormecia
Meu bem, já tinha acabado?

E já acabou agora?” [12]

RICARDO

Então eu a vi ir.
Enquanto me impedia de apenas trazê-la para os meus
braços e deixar que a minha parte irracional tomasse conta. Se eu
estava certo, ao deixá-la ir, por que doía tanto? Se era o correto,
não a deixar me envolver ainda mais, por que me machucava
daquela forma?
Não pude negar meus passos, até o lado de fora da livraria, e
buscar seu carro, que eu até tinha decorado qual era. O quão
ridículo eu era? O quão incontrolável ela me deixava?
Olhei ao redor, mas não encontrei o carro, e entendi como um
sinal para simplesmente voltar para dentro e colocar minha cabeça
no lugar. Sentia um nó na garganta, que não sabia se iria se
desfazer em algum momento, mas eu precisava ignorá-lo, e apenas
seguir a minha vida.
Por que parecia tão difícil?
Por que parecia pesar demais?
Sentei-me à frente da cafeteria, e relembrei cada palavra
dela, durante aquela noite. Eu conseguia me lembrar de cada uma
delas, e dos seus suspiros, da sua pele em contato com a minha, da
maneira como ela parecia certa do que queria, e depois
simplesmente se foi.
Por que ela tinha que voltar e me provar que era realmente o
que eu pensava?
Se ela, ao menos, tivesse apenas me ignorado por completo
após aquela festa. Eu conseguiria enterrar parte daquela
desconfiança, e acreditar que alguma coisa, em todos aqueles anos,
vendo-a de longe, poderia ser real. Porém, como eu o faria, se ali
estava ela, dizendo que gostava de mim?
Para alguém que não disse nada tão profundo sobre si
naquela noite, aparecer e querer abrir seu coração, não fazia
sentido.
E eu fazia algum sentido? Indagava-me, enquanto sentia o
vazio tão grande em meu peito, que me culpava por ter sido tão
rude com ela. Talvez eu devesse ter ouvido tudo, e apenas... apenas
a mandado embora no fim. No entanto, lá estava eu, tentando a
todo custo, fazê-la desaparecer, antes que eu esquecesse que ela
não estava ali por mim.
Ela estava ali por mais.
Mais, que apenas o meu sobrenome poderia proporcionar.
Contudo, não conseguia diminuir a dor em meu peito, de ter
visto seus olhos machucados, em cada palavra que eu lhe
direcionava, ou até mesmo, como ela parecia se proteger. E me
rasgou por dentro, mais do que saber que ela me queria pelo meu
sobrenome, que ela estivesse se protegendo de mim.
Eu precisava esquecê-la.
Eu precisava realmente, arrancar aquela página.
Entretanto, eu me sentia miserável, enquanto percebi que não
tinha forças para o fazer. Não ainda. Torcendo para que ela, o
fizesse por nós.

ELIANA

Eu não sabia por quanto tempo fiquei chorando dentro do


carro e agradecendo por já ser noite e poucas pessoas na rua.
Porém, sabia que era o suficiente para não encontrar mais as
lágrimas, por mais que doesse cada palavra que Ricardo tivesse
dito.
Eu sabia como as pessoas me viam. Tinha a total noção de
como elas me desenhavam, a partir do que minha própria mãe
pintava. Contudo, vê-lo me enxergar pela lente dos outros, era algo
que não estava preparada.
A verdade era que nunca imaginei que o meu sobrenome
poderia estar envolvido em algo a respeito dele. Que algum
sobrenome poderia ser um problema, quando se tratava dele. E
agora o era. Porque ele era um Reis, a família de magnatas mais
poderosa e intocável em qualquer lugar que fosse no Brasil. Eles
eram a referência para qualquer outra família, de como se portar e
ser.
Eles eram o sonho da minha mãe, desde sempre. O sonho de
que eu conseguisse ser alguma coisa de qualquer um deles. Até
mesmo dar o golpe da barriga se necessário. Começou com Tadeu,
que mesmo sendo polidamente educado, nunca me endereçou um
olhar diferente do habitual sem qualquer sentimento. Passou para
Murilo, que se casou bem novo, se tornou viúvo, e foi um Deus nos
acuda, quando minha mãe descobriu, mas felizmente, ela foi freada
pela própria Verônica Reis – a matriarca da família. E pensei ter
terminado com Igor, que era o mais novo dos irmãos, e um sorriso
fácil no rosto, já tendo passado algumas festas ao meu lado, falando
sobre absolutamente tudo e eu sendo sua ouvinte. Porém, a
decepção de minha mãe veio forte, quando soube que ele estava
para se casar e assumir um bebê.
— Eu te disse que o golpe da barriga é o bastante! — ela
gritava, ao mesmo tempo que meu pai apenas assistia, em clara
reprovação sobre mim.
— Ele nunca me beijou.
— Deveria ter beijado. Deveria ter arrancado a roupa e o
dopado, fingido algo... Agora perdemos a nossa última chance de
ter um Reis.
Ela saiu furiosa, enquanto eu apenas permaneci sentada na
cama, e meu pai me olhava de uma forma neutra, mas que eu
estava mais do que acostumada. Ele era o maior perigo ali, sempre
foi. Pela sua quietude e impressibilidade. As pessoas poderiam dizer
que Cristina Junqueira era um problema, era porque elas não
conheceram a raiz de todo ele – Paulo Junqueira. Ele me causava
arrepios, apenas por me olhar, mesmo depois de anos.
— Deveria ser uma filha melhor, como Leo era.
Disse aquilo e saiu, bancando o pai bom apenas por nunca
ter me agredido, mas sendo o pior, porque era o que eu sabia,
incentivava minha mãe a fazer. Ele poderia enganar quem fosse,
mas não eu. Não quem vivia sob o mesmo teto que ele pela vida
toda.
Por que eu sequer conseguia me lembrar de ela mencionar
algo sobre Ricardo Reis? Talvez eu tivesse apenas me acostumado
a fingir ouvir o que ela dizia, e acenar, enquanto ela contava
qualquer plano. Planos que, pelo jeito, nunca deram certo com ele.
Levei a mão à minha barriga, sabendo que eu tinha feito
exatamente o que eles queriam, mesmo que nunca tivesse sido
minha intenção ou objetivo. Eu tinha engravidado de um Reis. O
carma não parecia ser meu amigo, não mesmo.
E agora, eu tinha acabado de ser rejeitada por ele. Pensando,
lá no fundo, talvez fosse um livramento. O melhor para nós dois, que
ele não soubesse que eu esperava um filho seu e tivesse a certeza
de que fiz tudo de caso pensado. Até mesmo, ter engravidado.
Naquele momento, pensei em mais de vinte discursos
diferentes que eu poderia ter dito a ele, ao menos, para tirar a
mágoa em meu peito, mas que se dissipavam no silêncio do meu
quarto. Eu teria chorado, se dissesse qualquer coisa, e pena, não
era algo que eu buscava.
Nem eu sabia direito o que buscava, quando o busquei.
Talvez palavras de conforto, de que ele seria um pai presente,
e que criaríamos aquela criança bem. Talvez um norte, para quem
viveu em uma família que era o verdadeiro inferno desde sempre, e
agora estava prestes a começar uma – sozinha. Talvez um abraço,
e um simples “vai ficar tudo bem, estou com você”, para me deixar
menos aflita.
O que eu recebi, não chegava nem perto dos “talvez” que
tinha considerado. Não mesmo.
A pergunta inquietante se espalhando por minha mente –
como eu levaria a gravidez em frente, dentro daquela casa? Como
eu, uma péssima mentirosa, conseguiria esconder que esperava o
neto com sangue dos sonhos de meus pais?
Eu não poderia dizer.
Eu não poderia, de forma alguma, admitir que esperava o
filho de um Reis.
Seria como vender meu filho antes mesmo de ele ter nascido.
Poderia pensar sobre o quanto meus pais mudariam, ao saber que
seriam avós, mas não existia um pingo de esperança de que eles o
fariam. Eles eram apenas pessoas ruins por uma vida toda, não
existia nada neles, que eu pudesse aliviar.
Então, eles não poderiam saber da gravidez, ao menos, o fato
de ela ser fruto de uma noite com um Reis.
Pisquei algumas vezes, encarando a segunda gaveta da
minha penteadeira, e sabendo que talvez fosse o momento que eu
tanto esperei, para poder usar o que tinha guardado e que Leo me
deixou. Era um caso de desespero e talvez a chance que eu
necessitava.
Eu não poderia começar uma família, debaixo do mesmo teto
de quem nunca foi a minha. E agora, eu sabia o que fazer. Por mim
e pela bagunça que tudo tinha se tornado. Levei uma mão a minha
barriga, sorrindo para ela, em meio as lágrimas – era pela minha
baguncinha.
CAPÍTULO 12

“Já estamos fora de perigo? Já estamos fora de perigo?


Já estamos fora de perigo? Estamos fora de perigo?
Já estamos resolvidos? Já estamos resolvidos?

Já estamos resolvidos? Estamos resolvidos? Ainda bem”[13]

Semanas depois...

ELIANA

Eu tinha esperado o tempo suficiente, para ter coragem, e


descobrir o que fazer. Mas quando a barriga começou a marcar,
soube que já era mais do que a hora. Eu precisava sair dali.
Então, peguei o dinheiro de emergência, prendi o medalhão
com a foto de meu irmão mais forte no pescoço, e desci para o
jantar. Mesmo que eu quisesse ficar o dia todo, trancada e deitada
no meu quarto, eu sabia que precisava sair dali. Antes que qualquer
indício sobre a minha gravidez realmente aparecesse.
A barriga começava a marcar, mesmo que pouco, e sabia que
não demoraria muito para todos perceberem e me indagarem.
Todos significava meus pais, e eu queria dar a notícia, antes que
eles inventassem um jeito de fazer daquela gravidez, uma mina de
ouro.
— Não vai comer nada além de salada, está gorda demais.
A voz de minha mãe me acertou, assim que adentrei a sala
de jantar.
— Sente-se logo, Eliana.
A voz de meu pai sendo tão rude, como sempre, em sua falsa
calma.
— Só vim me despedir — falei de uma vez.
— Já vimos esse filme antes, e acabamos enterrando seu
irmão mais velho, porque ele teve a brilhante ideia de fugir com
você. — Engoli em seco, sabendo que nós tínhamos fracassado de
uma forma descomunal, e se eu pudesse voltar no passado, jamais
deixaria que Leo fizesse aquilo. — Quer ser enterrada também?
— Eu estou grávida, e o pai do meu filho é um cara comum,
sem sobrenome e sem qualquer dinheiro — falei de uma vez, e ouvi
o momento que algo se quebrou. — Ele já sabe disso, e vou morar
com ele. — Tentei parecer firme, enquanto mentia naquela parte, e
foi quando senti a primeira coisa ser arremessada em minha
direção.
Não sabia se era um prato ou copo, mas meu corpo se
esquivou por reflexo. Levantei o olhar, e vi que minha mãe pegava o
vaso de flores, e estava prestes a me acertar, mas eu fui mais
rápida. Caminhei até ela, e segurei com força seu pulso, forçando-a
a soltá-lo.
Eu nunca tinha reagido contra ela.
Em meus quase trinta anos, todas as vezes que reagi, eu
paguei um preço alto. Porém, não pagaria o preço de ela machucar
o meu filho.
— O que pensa que...
— Se pensar em jogar algo em mim novamente, eu vou te
matar — falei, e forcei-a até que soltou o vaso e ele se estilhaçou no
chão. — E você, seu assassino miserável... — virei-me para meu
pai, que correu até ela, como se preocupado. — Se pensar em
mandar qualquer um dos merdas dos seus capangas, que eu duvido
que tenha dinheiro para isso, saiba que eu tenho um compilado de
todos os seus podres, e eles estarão em posse de Sabrina
Junqueira, se eu for morta. — o que Leo tinha me deixado, e eles
não tinham ideia.
— Suma daqui, agora.
Ele falou, com claro ódio, e eu fiz uma reverência, antes de
me virar. Assim que passei pelas portas da frente, pensei em ir até o
meu carro, mas ouvi a movimentação atrás de mim. E então, não
demorei para ver minha mãe com uma estátua em mãos, e primeiro
a jogando contra o para-brisa do meu celta. O meu tanque de
guerra, que era minha liberdade traduzida em quatro rodas durante
aqueles anos.
Tudo o que tinha restado de Leo para mim, e ela o destruía,
enquanto eu só sabia que precisava sair dali.
Então eu corri.

E tudo o que lembrava, era de apenas correr para longe dali.


Após ver o meu carro começar a ser destruído à minha frente,
e saber que talvez aquele fosse o meu destino. Sabia que eles
poderiam ser piores do que as histórias que eu tinha ouvido, e não
pensariam duas vezes em me matar. Eu sabia que precisava correr.
Por mim. Pelo meu filho. Pela bagunça que nós éramos, mas não
permitiria que ninguém mais inferisse.
Era a minha bagunça. A minha baguncinha.
Porém, eu precisava de ajuda.
Eu não tinha muito. Talvez o bastante para comprar o básico
para o meu filho, mas não para lhe dar um teto. A chuva caiu sobre
mim, enquanto eu agradeci aos céus por ainda estar liberada para
entrar naquele condomínio. Algo que eu não podia esperar, que
Sabrina ainda me permitisse ir até ali.
Sabrina, Helena e Iara, as três irmãs da família Junqueira,
que eram as únicas respeitadas por aquele sobrenome. Elas se
fizeram assim sozinhas, e sabia que meus pais tinham parte
decisiva de tudo de pior que aconteceu em suas vidas. Eu era uma
criança, mas ainda me lembrava, de ver entre o pouco espaço que
Leo deixou entre seus dedos e meus olhos, de Sabrina apontando
uma arma para a cabeça do meu pai.
Eu me lembrava o bastante, para no futuro, torcer para que
ela tivesse apertado o gatilho naquele dia. Todavia, ali estava eu,
toda molhada, parada à sua porta, e tentando encontrar algum
motivo que a fizesse entender o porquê a tinha procurado. Depois
de tantos anos, tamanho o meu desespero. Não por mim, nunca o
faria apenas por mim. Mas sim, porque eu precisava ser alguém,
para o filho que carregava.
Eu não sabia mais o que fazer.
Eu não tinha mais onde me esconder.
A realidade era que eu não tinha ideia, do que estava
fazendo, quando parei diante da grande porta, e então toquei a
campainha.
Uma mão na minha barriga, como se pudesse a proteger,
mesmo com a chuva que tinha me molhado inteira, e eu sabia que
talvez ficasse doente no dia seguinte. Quando a porta se abriu, um
garotinho me encarou, claramente surpreso e sem me reconhecer.
— Eliana...
Meu olhar recaiu para a barriga grande de Sabrina, e então a
dela recaiu para a minha.
— Entre, agora.
Ela falou, e então o garotinho diante de mim, me estendeu a
mão e me ajudou a entrar, mesmo que deixasse um rastro molhado.
Não demorou muito para eu sentir uma toalha grande ao meu redor
e Sabrina disse algo ao garotinho, que logo se afastou.
— O que aconteceu? — perguntou, e assim que a olhei,
apenas senti as lágrimas se acumularem. — Não diz nada, ok? Eu...
eu estou aqui — falou, e eu realmente me vi acreditando nas suas
palavras.
De todas as pessoas do mundo, eu sabia que as únicas em
quem eu poderia confiar, realmente, eram Sabrina, Helena e Iara.
Quem dera, eu tivesse tido a sorte, de ter nascido como irmã delas.
Talvez eu não estivesse ali, abandonada, rejeitada e grávida...
grávida do homem que deveria amar a ex-esposa.
CAPÍTULO 13

“Um dia, quando você me deixar


Aposto que essas memórias

Seguirão você em toda parte”[14]

RICARDO
Um mal-estar tomou conta de mim.
E ali estava eu, encarando a minha casa vazia, e pensando
em que momento voltou a ser o meu lar. Suspirei fundo, sabendo
que foi difícil deixar para trás aquele lugar, mas o casamento não
era apenas sobre o meu lado. Era sobre ceder. Leila tinha cedido os
seus horários intermináveis como braço direito da minha irmã mais
velha. E eu tinha cedido de morarmos em sua casa, que ficava no
mesmo condomínio que meus irmãos.
Foi uma troca justa, entre nós dois.
Minha mente me traindo, enquanto pensava na antiga casa, e
sabia que eu nunca me senti, de fato, em um lar. Como eu poderia
ter percebido que não daria certo, assim que nos casamos? Como
Leila teve a coragem, em poucos meses, de trazer aquilo à tona?
Depois de anos juntos, ela era a corajosa entre nós. Se ela...
se ela não tivesse trazido à tona, eu teria ficado com o nosso amor,
que era sincero e calmo, compatível e prazeroso, mas ao mesmo
tempo, quando ela me questionou, se era o suficiente, eu tive a
certeza de que não era.
O pior de tudo era que eu não tinha como ligar para ela e
dizer que ela tinha razão. Que eu tinha encontrado o amor que nós
tínhamos falado, que ela até tinha acertado, muito antes de eu
querer enxergar. Contudo, era um encontro vazio. Minha mente me
condenando, por pensar nela daquela forma, mas como seria, se
nós dois pudéssemos falar sobre como nosso coração tinha batido
por outra pessoa, e que era uma sensação diferente?
Eu gostaria de compartilhar com ela. Antes de tudo, nós
éramos amigos, confidentes. E agora, eu só tinha a sua foto, dentro
de uma gaveta, que eu não tinha coragem de encarar, porque me
doía saber que o seu número não tocaria novamente. Porque eu
não podia correr até ela e dizer: a Aurora fodeu com o meu coração
e com a minha mente.
E ali estava eu, pensando sobre Eliana.
Pensando sobre o que eu tinha descoberto, sem querer,
apenas puxando os assuntos certos, no momento correto, com cada
um dos meus irmãos. Os três, do mais novo ao mais velho, tinham
sido convidados a serem maridos dela.
Um encontro às cegas com Tadeu, que achou que seria
apenas uma reunião de negócios.
Uma reunião de negócios marcada, que no fim era um
encontro forçado, com Murilo.
Um encontro nada casual em uma boate com Igor, que disse
ter ficado com pena, da forma como ela tinha tentado o atrair, mas
não causou absolutamente nada.
Sabia que a família dela tinha tentado com cada um deles.
Sabia até mesmo, por Verônica, que a mãe dela, tinha tentado
negociar um casamento com eles, e ela simplesmente nunca se deu
ao trabalho de responder. O silêncio de Verônica Reis poderia ser
assustador, e a mulher parecia ter entendido.
Bom, até eu.
Até o cara certo no lugar certo. Era o que eu significava para
ela?
A minha vontade era voltar atrás, bater na sua porta e
indagar: por que sempre foi até lá? Por que sempre me olhou de
longe, como eu te olhava? Por que nunca deu um passo, se sabia
quem eu era? Por que agora?
Olhei para o meu dedo anelar esquerdo vazio, e talvez
tivesse a resposta. Neguei com a cabeça, jogando-me contra a
cama, e tentando não pensar sobre. Minha mãe me xingaria por
perder a cabeça tão facilmente, assim como agradeceria aos céus.
Eu era sempre tão certinho, que a irritava – palavras dela.
— É, dona Silvia... Não tão mais certinho assim. — Suspirei
fundo. — Me sinto um merda por ter dito tudo aquilo para ela.
Depois de tantos anos sem minha mãe, eu me pegava,
muitas vezes, falando com ela, como se ela pudesse me ouvir, de
onde estivesse, e quem sabe, me mandar alguma resposta. Mesmo
que não viesse, era assim que eu conseguia desabafar. Como
quando éramos nós dois contra o mundo. Até que Júlia apareceu
em nossas vidas, e nos tornamos três.
Talvez um dia eu conseguisse, encarar a perda de Leila,
assim como eu via a da minha mãe. Porém, meses eram algo
completamente diferentes de anos. Ainda estava viva, no meu peito,
a sua falta. E me doía, saber que eu estava envolvido de forma tão
profunda, com alguém que era para ser apenas uma noite, uma
prova de que não significam nada demais.
Porém, a verdade fosse dita. Eu sentia que Eliana Junqueira
tinha quebrado meu coração, apenas por ter se aproximado pelo
meu sobrenome. Em um segundo, ela o tomou por completo, e no
outro, ela o estraçalhou.
O amor verdadeiro era aquilo? Ardente, dolorido e vivo? Vivo
até demais?
Não sabia responder, e acho que nunca encontraria a
resposta de fato. No entanto, eu sabia que ela ainda queimava por
todo meu peito, assim como, pelo rastro que deixou.
CAPÍTULO 14

“Chegamos aqui da maneira difícil


Todas aquelas palavras que trocamos

É de se admirar que as coisas quebraram?”[15]

ELIANA
Sabrina me obrigou a tomar um banho, enquanto eu
desabava em lágrimas, já sentindo toda a dor voltar a tomar conta
de mim. Uma dor tão profunda, da rejeição e maldade dos meus
pais, que eu não sentia há anos. Eu tinha apenas me acostumado
com seu ódio, mas naquela noite, eu já sentia demais.
Era demais para aguentar.
Apenas me vi caminhando, como se pedaços meus fossem
sendo derrubados a cada passo. Sabrina me ajudou a secar, e
colocar uma roupa limpa. Ela era a parte da família que deu certo,
por sua conta. Eu era da parte da família, que tentou tirar tudo dela,
e mesmo assim, ela estava ali.
— Obrigada — foi tudo o que consegui dizer, enquanto ela
me entregava uma caneca, e senti o cheiro de erva-cidreira. — Eu...
eu não sei como agradecer.
— Beba o chá e se acalme, é o suficiente — falou, em um
tom calmante, talvez até mais do que o chá.
Eu o bebi com calma, vi-a pegar uma cadeira que estava
perto da parede, e trazê-la para perto de mim, colocando-se à minha
frente. Seu olhar me varrendo por inteira, e parando em algumas
cicatrizes que tinha nas mãos, e então, as do rosto.
Terminei a bebida, e lhe entreguei o copo, o qual ela segurou.
— Algo recente? — perguntou, ao apontar minha mão direita,
que tinha uma leve cicatriz, de quando eu fui pegar o caco do chão
do café da livraria, e me cortei, antes de Ricardo ser mais rápido e
me parar. Porém, tinha deixado um pequeno estrago ali, mesmo que
mínimo.
— Não foram eles — assumi, e engoli em seco. — Alguém
me ajudou a cuidar dessa ferida.
— E ele abriu outra? — indagou, como se podendo me ler por
inteira, e meu olhar permaneceu baixo.
— Ele... ele é importante — contei, sabendo que eu não tinha
nada a perder. Não para Sabrina. Se existia alguém que não
perderia nada ao saber sobre aquilo, era ela. Ela claramente odiava
a alta sociedade como eu, talvez até mais, já que raramente ela
estava na mesma, mesmo sendo parte. E muito menos, fazia parte
de acordos comerciais de casamentos.
— Como o quê?
— Como... — respirei fundo, segurando minhas mãos, e as
deixando à frente da barriga. Eu não sabia como confessar aquilo.
Eu deveria?
— A gente começa a fazer isso, sem perceber — falou de
repente, quebrando o silêncio. E eu senti um dedo em meu queixo,
levantando-o. — Olhe para mim.
Ela indicou a própria barriga já um pouco marcada, e vi que
sua outra mão estava pousada ali.
— Não precisa me dizer quem é, mas se precisar contar... Eu
sei que precisa colocar para fora, Eliana — falou, e me fez sustentar
seu olhar, segurando com cuidado o meu queixo. — Nunca nos
procurou, a não ser, quando perdeu Leo. Então... então, pode me
dizer, o que quiser. Eu vou ser apenas uma ouvinte.
Assenti, e levei uma das mãos ao cordão em meu pescoço,
segurando-o com força.
— Ele... ele é um Reis.
Ela apenas permaneceu da mesma forma, sem expressar
nada.
— Eu não sabia... Eu o perseguia, como uma boa
observadora ou obcecada, por anos. Talvez já esteja para fazer sete
anos... Ele é dono da minha livraria favorita na cidade, e eu... Eu ia
lá, e ficava o vendo de longe. Eu sabia que um homem como ele,
mais velho, e que parecia tão inteligente, não olharia para mim. Ele
nem podia. Eu não podia. Então, eu me contentei a ir todos os
sábados de manhã, além de comprar meus dois livros diferentes
para aprender mais, já que... eu não estudei, como sabe. E também,
para vê-lo. Até que eu soube que ele se casou, e ele desapareceu
um tempo da livraria, talvez lua de mel, talvez outra coisa, mas...,
mas meses atrás, eu precisei sair da casa para respirar e fui até a
livraria... E... e ele não tinha aliança no dedo, mas talvez ainda seja
casado. E também, eu não sei, talvez tenha filhos ou... Eu não
sabia, Sabrina. Eu não sabia que o meu Ricardo, era Ricardo Reis.
— Ok, respira! — falou, suas mãos parando em meus
ombros, e só nesse momento percebi que eu era uma bagunça de
lágrimas novamente. — Bem fundo, e depois, solta... — assenti,
seguindo sua dica, até que me acalmasse. — Ele acha que se
envolveu com ele para dar o golpe da barriga? — perguntou na lata,
e eu neguei.
— Ele não sabe da gravidez, ele... ele sequer me deu a
chance de contar — assumi. — Eu fiquei atrás dele por toda essa
semana, tentando encontrá-lo, e quando o fiz, ou quando ele
finalmente me deixou, sequer me ouviu. Ele apenas disse coisas e
mais coisas, e... Eu fui embora.
— Eu posso fazê-lo saber, com uma ligação — sugeriu, e eu
engoli em seco. — Se for o que quer...
— Eu não sei o que quero, Sabrina — confessei. — Eu contei
aos meus pais, menti que estou grávida de um cara comum e que ia
viver com ele, e então... bati na sua porta.
— Bom, aqui eles não vão te encontrar ou sequer ousar te
buscar — concordei, sabendo que era verdade. — E eu acho que
precisa do seu tempo para entender o que está sentindo, e pouco se
foder para o que Ricardo ou qualquer um possa sentir.
— Eu... eu não sei o que dizer.
— Apenas tente descansar, e vamos pensar, no dia a dia, no
que fazer...
— Mas, Sabrina, eu... eu não posso pedir para que me aceite
aqui.
— Apareceu à minha porta, e isso foi um pedido de ajuda, por
mais que eu saiba o quanto é difícil para você, o fazer. — Afastou
suas mãos de mim, e firmou um dedo no meu queixo, fazendo-me
olhá-la. — Então vamos fazer o seguinte, eu... eu estou te obrigando
a ficar aqui, a partir desse exato segundo.
— Sabrina...
— Vou te apresentar o meu noivo, os namorados de minhas
irmãs, e o nosso sobrinho, e claro, vai ter que aguentar outra
grávida sob o mesmo teto... — eu fiquei completamente perdida
diante das suas palavras. — Vai ficar aqui, nem que eu te obrigue.
Quando tiver certeza do que fazer, eu também vou te apoiar. O que
seja.
— Eu...
Eu me afastei do seu toque, e fui até onde tinha deixado cair
a pequena bolsinha que eu tinha carregado, e que tinha as joias que
eu havia conseguido esconder e um pouco de dinheiro, além de
provas contra os meus pais.
— Não é muito, eu sei, mas...
— É seu. — Não aceitou a bolsa que eu lhe endereçava. —
Seu e do seu bebê, claro.
— Sabrina, por favor, eu não tenho como ficar e não pagar...
Batidas na porta me fizeram parar, e logo a cabeça de Helena
foi colocada para dentro, e em seguida, a de Iara.
— Preferidinho contou que tinha uma titia nova, de cabelo
longo... só pensei em Eli.
Todo mundo me via como a pessoa do cabelo longo, pelo
jeito.
— Sabe a nossa assistente que vai tirar férias e precisa de
um tempo a mais... — Sabrina falou, fazendo um sinal para que as
duas entrassem, e eu paralisei no lugar. — O que acha de Eliana
ser a substituta por esse tempo?
— Nossa, me livraria facilmente de várias entrevistas que eu
detesto fazer — Helena falou, e me encarou, com um sorriso aberto
no rosto. — Gostaria de trabalhar com a gente, Eli?
— Eu... eu não tenho qualificação.
— A gente te ensina. — Helena fez um sinal de desdém com
a mão. — É nossa prima, é inteligente por natureza.
— Ainda bem que ela puxou para parte humilde. — Iara
provocou, e Helena lhe deu uma cotovelada, enquanto eu voltava
meu olhar para Sabrina.
— Bom, Eli vai ficar com a gente, a partir de hoje, e assim
que ela decidir, pode nos dizer se quer esse emprego — Sabrina
falou, levantando-se, e parecendo perceber que eu me sentia
completamente pressionada, com todas elas ao redor. — Agora
vamos deixar ela descansar...
— Mas Sasá... — Iara e Helena reclamaram ao mesmo
tempo, e um olhar da mais velha, as fez dar meia-volta e ir até a
porta novamente.
— Até amanhã então, Eli — Iara falou, dando-me um sorriso
sincero.
— Não estranhe porque eu acordo com as galinhas — Helena
comentou, dando uma piscadela, e indo atrás da irmã mais nova. —
Boa noite! — gritou, antes de Sabrina fechar a porta, e as deixar do
lado de fora.
— Somos simples assim — Sabrina disse, com a mão na
maçaneta. — Esse quarto tem roupa limpa, roupa de capa limpa, e
produtos e tudo o que precisar, mas... mas qualquer coisa, eu estou
no quarto do final do corredor, é só bater.
— Sabrina, eu... Eu realmente não sei como agradecer.
Ela veio até mim, e tocou meu queixo, fazendo-me encará-la,
e percebi que meus olhos sempre procuravam o chão, mas ela não
o permitiu.
— Apenas olhe nos olhos, de quem quer que seja, ou por
cima... Você merece isso, Eliana.
Ela então deu um leve olhar para o medalhão, e sabia que ela
entendia por completo, o que Leo queria para mim. Ela, melhor do
que ninguém, parecia saber mais daquela noite, e eu apenas
aceitei, me calando.
Era demais, tudo, em um dia só. Talvez um dia, eu tivesse
coragem de lhe perguntar, o que ela sabia. Porém, mantive meu
olhar alto, enquanto ela se afastava, e fechava a porta atrás de si.
Sentei-me na cama, e em seguida, acabei me deitando. E
pela segunda vez, em anos, eu encarei um teto que não me
causava medo, apenas de estar ali. Pela segunda vez, em toda
minha vida, eu me sentia segura. Eu só conseguia pensar, que nós
estávamos... Minha mão sobre minha barriga, conforme eu
respirava fundo e pedia forças a quem veio e bagunçou tudo.
Minha baguncinha - e não existia apelido melhor para defini-
lo, não mesmo.
CAPÍTULO 15

“Você continua em mim como um vestido manchado


de vinho que não posso mais usar
Ergui minha cabeça ao perder a guerra

E o céu escureceu como uma tempestade perfeita”[16]

ELIANA

Qualidade de vida, era o que poderia chamar o que tinha


encontrado. Sorri, ao ver a animação de minhas primas, enquanto
escolhiam o vestido de casamento para Sabrina, que não demoraria
quase nada para estar em um altar. Porém, o que eu não
compreendia, era o porquê Sabrina também tinha me feito
experimentar um vestido de noiva. Talvez porque eu fosse uma
óbvia romântica, e tivesse me apaixonado de primeira, quando a vi
assistindo suas novelas, principalmente, os doramas.
No momento em que saí de dentro do provador, estavam as
três sentadas no sofá. Iara abriu a boca, como se surpresa. Helena
deu um pulinho e bateu palmas. Enquanto Sabrina apenas me
encarou, com uma expressão satisfeita.
Senti meu rosto pegar fogo, e elas claramente me achavam
bonita naquele vestido. Ele era simples, de mangas compridas, o
tecido sem bordados, liso em quase todo seu cumprimento, e que
deixava apenas os meus ombros à mostra. Diferente do que eu era
obrigada a usar, do jeitinho que eu sempre imaginei, como seria, se
eu me casasse.
Se eu escolhesse me casar, algum dia. Por mais que fosse
algo fora das minhas possibilidades.
— Você tá toda perfeitinha — Helena falou, aproximando-se.
— Essa barriguinha marcando bem aqui... — quase soltou um
gritinho.
— Parece que eu tô vendo um dos doramas da Sasá, e to
igual ao CEO fodão sentado na sala de espera, que fica sem fala e
quase baba quando a mocinha aparece com o vestido perfeito, juro.
Senti meu rosto queimar ainda mais pelas palavras de Iara.
— Antes que matem Eliana de vergonha... — Sabrina se
pronunciou. — Vamos nos apressar, para ver o restante das coisas
do casamento e... pagar pelos vestidos, claro.
Assenti, e voltei rapidamente para o provador, para tirar o
vestido e então me trocar. Saí com ele em mãos, e me surpreendi
quando cheguei perto do caixa, e Sabrina já tinha acertado tudo. O
vestido sendo preparado, como uma obra prima, em uma mesa
mais adiante, e eu sequer sabia, porque ela tinha me incluído
consigo naquele momento.
Eu era apenas a prima distante que pediu ajuda. E ela estava
me colocando dentro de sua família, como parte.
— Agora todo mundo tem vestido pro próprio casamento... —
Helena cantarolou.
Elas pareciam animadas e felizes, do tipo de sentimento que
eu não estava acostumada a sentir, e muito menos, de ter ao meu
redor. Porém, era tão contagiante, que quase me fazia ficar da
mesma maneira. Nós saímos sem os vestidos em mãos, que seriam
entregues na casa delas, ali da capital, e eu tinha até tirado uma
foto, para guardar comigo, como era se sentir bonita daquele jeito,
como nos livros que eu lia.
Era o momento em que eu esbarrava em um cara, e ele
simplesmente seria o amor da minha vida? Eu estava pronta para
ele, se o universo quisesse. Tentava me convencer daquilo,
enquanto em minha mente, apenas os olhos castanhos de Ricardo
estavam presentes. Como um tormento e maldição. Como um
bálsamo e bênção. Uma mistura que eu desconhecia, mas tentava
evitar, pelo bem da minha mente, corpo, coração e alma.
— Bom, hora do almoço?
Iara perguntou, parando no caminho até o carro e nos
encarando.
— Acho que vamos comer na empresa, mas pode ir com
Eliana, se ela quiser. — Sabrina sugeriu e a encarei confusa. —
Hoje é sua tarde de folga, lembra?
Eu não lembrava.
Ainda me acostumando com a rotina de um trabalho de
verdade. Algo que eu tanto quis, e sempre fui impedida, e que
agora, eu tinha a sorte de ter tanto suporte, mesmo sabendo que
não merecia aquele lugar. Sabia que era praticamente nepotismo,
mas não estava em uma posição de negar.
As duas mais velhas se despediram, ao passo que Iara
enganchou o braço no meu, e me fez seguir consigo até o final
daquela rua.
— Não sei se lembra daqui... — falou de repente, e eu parei,
para então encarar a placa do lugar à nossa frente. — Nós viemos
aqui, acho que uma vez, quando ainda era adolescente.
— A melhor massa, não é? — perguntei, lembrando-me do
momento. Parecia tão distante, mas ao mesmo tempo, tão perto,
que me assustou ter tal lembrança. A maioria das minhas memórias
mais antigas eram um borrão, talvez a forma que eu encontrei de
encarar o luto, e tentar não pensar em como tudo era quando Leo
estava vivo. E como tudo se transformou para pior, quando ele se
foi.
— Podemos pedir para levar e comer em casa, o que acha?
— indagou e eu assenti, seguindo-a para dentro. — Não falo para
comermos aqui, porque preciso ensaiar algumas músicas no piano,
já que logo tenho uma viagem para fora e quero adiantar tudo.
— Eu prefiro comer em casa — confessei, e seu olhar parou
no meu. — Quando se é uma casa de verdade — complementei, e
ela me lançou um sorriso carinhoso.
— Bom, vamos escolher, então...
Assenti, e encarei o cardápio por um tempo, até chegar à
conclusão de que lasanha era o pedido perfeito. Era praticamente
impossível, quando eu tinha a oportunidade de uma boa massa,
negar uma lasanha. Era uma das minhas comidas favoritas, e o
cheiro que nos acompanhou do restaurante para o carro, e durante
todo o percurso até em casa, me fez quase salivar.
— Vou deixar tudo na mesa, e pegar copos para coquinhas...
— parou de repente e me encarou. — Não foi ao obstetra ainda, não
é?
— Marcado para amanhã, já que Sabrina vai também. —
expliquei. — Estou receosa, e com medo de ir até lá.
— Médicos podem ser assustadores, não é?
— Acho que por isso, tenho literalmente, empurrado com a
barriga...
Ela gargalhou alto, indo até a cozinha, e voltando com
coquinhas, copos e guardanapos. Não sabia como ela equilibrou
tudo, mas corri para ajudá-la a distribuí-los na mesa.
— Um bom apetite, para uma boa música... — levantou sua
coquinha, assim que me sentei à sua frente, e brindei com a minha,
enquanto ela me dava um sorriso tranquilo.
Comemos com apenas o barulho da televisão que ela tinha
ligado, e passava algum jornal do horário do almoço, mas que não
parecia nada interessante. A realidade era que a lasanha diante de
mim, era o meu único foco.
Comi, como se fosse a comida dos deuses, e não duvidava
que, de fato, seria.
— Eu amo esse lugar, se pudesse, roubava o chefe deles e
fazia cozinhar aqui, sempre... — Iara falou, assim que terminou seu
macarrão e deu um suspiro fundo. — Pode comer com calma,
enquanto eu tento controlar minha ansiedade, de ir para o piano.
— Eu gosto de ouvir — assumi.
— Lembro que gostava de tocar, não?
— Hoje em dia, sei quase nada — confessei, e bebi o resto
da minha coca, já terminando minha refeição. — Barulho demais,
segundo meus pais.
— Por que... por que não me mostra algo que gosta?
— Não sei, para ser sincera.
— Então vamos lá! — falou, e se levantou. Vi-a correndo até
o piano que ficava próximo à sala de estar, e se sentando à frente
dele. Logo ela bateu com a mão, na parte que sobrava do seu
assento, como um convite. — Vou te mostrar uma das músicas
novas que estou treinando, é como um trabalho extra, pegar
lançamentos e fazer a versão apenas no piano — explicou tão
animada, que não pude negar o meu corpo e curiosidade de seguir
até ela.
Sentei-me ao seu lado, e ela sorriu, colocando os dedos
sobre as teclas.
— É uma música triste, mas... mas é Taylor Swift, então é
incrível. — Piscou um olho, e eu sabia da paixão delas pela cantora.
Não poderia negar que eu sentia o mesmo, pelas poucas músicas
que eu conhecia, mas que conseguiam tocar em lugares que
nenhuma outra ia. — Se chama “Say Don’t Go”.
Ela começou a tocar, e não sabia em que momento, estava já
atrás de mim, me orientando a como seguir aquela música e me
reensinando. O som do piano levou uma calmaria ao meu peito, e
eu sorri abertamente, enquanto permitia que minha vida seguisse
daquela forma.
E por um segundo, me vi pensando em Ricardo, e em como
eu gostaria de poder contar a ele, que eu... eu estava sendo bem-
tratada. Só que agora ele estava na lista das pessoas que me
machucaram, e relembrar daquilo, me doía ainda mais.
CAPÍTULO 16

“A chuva caia com força


Quando eu estava me afogando, foi aí que finalmente pude respirar
E de manhã

Não havia mais nenhum vestígio seu, acho que finalmente estou limpa” [17]

RICARDO

O tempo parecia contar diferente.


Existia eu antes daquela noite juntos, e o eu, após aquela
noite em que praticamente a expulsei da minha vida. Todos eles,
com contagem progressivas em minha cabeça. Noventa e um dias
desde quando ela esteve na minha cama, e perto de sessenta e um,
desde que ela desapareceu da minha vida.
Encarei o arquivo em minha frente, e o fechei, negando-me a
ficar querendo saber da vida dela, através de outros, em vez de
apenas aceitar, que aquela era uma busca infundada.
Mas como evitar a preocupação em meu peito?
Mas como evitar a dor que se alastrava, ao relembrar seus
olhos magoados?
Mas o que eu faria? Se a mesma dor estava em mim, por
saber que eu era apenas um alvo.
— Pensando demais, dindo.
Ouvi a voz de Clara, tirando-me daqueles pensamentos,
enquanto se sentava na cadeira vazia ao meu lado. Mais um
domingo em família, e eu sabia que ela era a responsável por eu
não me sentir tão perdido ali. Ter entrado tão tarde na minha própria
família de sangue, me trazia a sensação de sempre poder estar
incomodando. Era estranho, mas não conhecia alguém que
parecesse compreender aquilo de fato.
— Um café com mais açúcar do que café — Clara falou,
apontando a xícara sobre a mesa. Ela então pegou a xícara e levou-
a à boca, provando e fazendo uma careta. — Deixou esfriar o seu
café — acusou.
Como eu poderia me sentir prestes a ser analisado por uma
criança?
— Pensando demais, como você disse — falei, e fiz um leve
carinho em seus cabelos. — Aliás, nem percebi que todos saíram.
— Estamos lá fora faz um tempo... — falou, ainda me
encarando. — Titia Verô achou melhor apenas deixar você no seu
mundo, e ninguém quis interferir.
— Pareço tão ruim assim? — brinquei e ela fez uma careta
assentindo.
— Até olheiras, que eu nunca vi em seu rosto...
Suspirei fundo, e assenti. Se ela soubesse, que a culpa era
exatamente da pessoa em quem ela tinha colocado um apelido,
porque se apaixonou pelo cabelo dela, quando ainda era uma
garotinha. Nem mesmo Eliana, fazia ideia sobre aquilo. E mais uma
vez, ela estava em minha cabeça.
— Essa cara de novo... — ouvi a voz de minha irmã mais
nova, e levantei o olhar, encontrando Carolina vindo em nossa
direção. — A cara com a qual Leila sempre parecia preocupada.
Eu era tão óbvio assim?
De que as coisas dentro de mim estavam prestes a ebulir?
— Leila me diria para ir embora — assumi.
— Ou te forçaria a entrar na piscina, sabe... — acusou, e
antes que eu pudesse pensar sobre aquilo, que foi uma realidade,
senti o meu corpo ser levantado.
Em questão de segundos, eu percebi que Igor e Murilo
estavam levantando minha cadeira, e levando-me consigo,
enquanto Carolina ria alto, e trazia Clara junto a si.
— O que diabos...
Não conseguia terminar, e antes que pudesse raciocinar,
apenas senti o meu corpo caindo dentro da água. A água foi como
uma bênção naquele dia quente, enquanto eu buscava o ar, e
notava todos rindo ao redor da piscina. Busquei meu celular no
bolso, e percebi o olhar esperto em Clara, que o tinha em mãos.
— Vocês... — olhei para cada um deles. — Vocês são
terríveis!
— Parecem crianças — Verô falou, mas tinha o seu raro
sorriso no canto da boca. — Bom trabalho!
— Se a rainha mor autorizou assim... — Igor deu de ombros,
e pulou na piscina, jogando água por toda minha cara. — Quem
mandou perder a gente criança, vai ter que aguentar marmanjo
acima dos trinta...
— Quase quarenta ou já nos quarenta... — Valéria rebateu, e
ele fez uma careta.
— Vou ter trinta anos para sempre. — Piscou um olho para a
cunhada, que sorria abertamente, sentada sobre o colo do meu
irmão mais velho.
Pensar que quando eu tinha trinta, minha mente estava em
como foi diferente, esperar ansiosamente, todo sábado para rever a
mulher de cabelos longos, que vinha e comprava dois livros. Um
padrão que me agradava, e eu nunca tinha entendido tanto o
porquê. Até ter um real minuto com ela.
Aos trinta e oito, eu só pensava em como, eu tinha me
importado primeiro em saber a idade dela, naquela época, e que
quando vi a diferença de doze anos, apenas deixei para lá.
Observei-a de longe, tentando não criar expectativas ou quebrar
algum coração. Cortando para mim mesmo, anos depois, com o
coração partido por ela, e expectativas esmagadas, ao mesmo
tempo que, aumentadas.
Senti um tanto de água em meu rosto, e percebi que meus
outros irmãos entraram, e tentei apenas viver aquele momento.
Tentando não pensar tanto. Pedindo, quem sabe, um sinal do
universo, para parar de ficar preso a algo que não existia.
— Vamos almoçar, crianças!
Verônica falou, minutos depois, e todos saímos, ajudando as
crianças ao redor a fazerem o mesmo. Aproveitei para me secar, e
subir para o quarto que era o meu. Eu tinha um quarto na casa da
minha família.... Por que parecia tão bom?
Olhei para o céu, e me vi como se falando por pensamento
para minha mãe: tá vendo, não tô sozinho não! Ela ficaria tão feliz,
em saber sobre. Eu sabia que ela ficaria.
Tomei uma ducha rápida e vesti uma das roupas que tinha
enchendo o armário, e que estavam em sua maioria, com etiquetas.
Os Reis tinham um lado que poucos conheciam – o exagero
extremo em cuidado com quem amavam. Porém, eu aprendi com
eles, que se algum dia, alguém que eu amasse, estivesse comigo,
eu faria o mesmo.
Por que Eliana estava em minha mente, novamente?
Assim que me sentei na mesa, Júlia tomou seu lugar ao meu
lado, e então Clarinha do outro, me entregando o celular.
— Pilantrinha — falei, apertando sua orelha, e ela sorriu.
— Mentira! — Carolina gritou de repente, fazendo todos
olharem diretamente para ela, que estava chegando até a mesa. —
Júlia, lembra da Junqueira que falou, a do cabelo longo...
— Aurora da livraria? — Clara indagou, e Carol fez um sinal
com a mão, dando-lhe um joia.
— Olha isso aqui!
Carolina então mostrou o celular para minha melhor amiga,
que arregalou os olhos por completo.
— O lado bom de estar no close friends de Helena Junqueira
— Carol falou, e todos pareceram se ocupar de outra coisa, mas o
meu foco, era por completo, no que ela trazia. — Juro, dava para
imaginar? Você disse que ela passou mal na festa que a viu, então...
Deve ser por isso.
— O que tem Eliana? — perguntei, sem pensar duas vezes, e
então Júlia se virou para mim.
— A Aurora tá grávida.
CAPÍTULO 17

“Eu parti meu próprio coração porque você era educado demais para parti-lo
Ondas batem no litoral, eu corro para a porta

Você não bate mais e a minha vida inteira está arruinada”[18]

RICARDO

A Aurora tá grávida.
Aquelas quatro palavras de minha melhor amiga estavam se
revirando em minha mente. Não sabia como eu tinha conseguido
simplesmente sair no meio do almoço de família de domingo, e
seguido para o endereço que eu não deveria ter buscado. Eu sabia
que em algum momento, poderia acabar cedendo à curiosidade de
meu interior, de saber como ela tinha seguido a vida, depois daquela
noite, como se me considerasse algo marcante. Eu não o era. Nem
para ela. Nem para ninguém.
Porém, ali estava eu, simplesmente parado com a carro à
frente de um condomínio fechado e pedindo a liberação para a casa
de Sabrina Junqueira. Por que eu tinha me feito ir até ali? Por que
eu estava fazendo aquilo?
Eliana estava grávida.
Ela realmente estava?
De quanto tempo ela estava?
E se naquela noite, que ela me procurou, o que ela tentava
me contar, era que na verdade, tinha engravidado na noite que eu
tanto lutava, todos os dias, para esquecer?
E se...
— Senhor Reis, a senhora Junqueira-Dias liberou sua
entrada.
Não precisava de mais nada, apenas segui as instruções que
a portaria me deu, e me vi parando diante de uma grande casa, que
já tinha começado a ter uma decoração de Natal. O ano já estava no
fim, e eu sequer me lembrava de que a data estava chegando.
Por quê?
Porque minha mente estava cheia de mais, sobre tudo o que
eu deveria ignorar. Sobre a mulher que ainda permanecia nela,
inconscientemente, e agora, eu estava literalmente, na porta que ela
deveria estar morando. Era o que o eu tinha descoberto, e me
negava a crer, que realmente tinha feito aquilo.
Desci do carro, e vi o exato segundo em que uma mulher de
cabelos pretos saiu pela grande porta. A primeira coisa que percebi
foi a sua barriga grande, e meu coração gelou. Contudo, assim que
o semblante sem qualquer expressão encarou o meu, os olhos fixos
nos meus, soube que não era Eliana.
— Bom dia, e desculpe por... — corrigi-me, assim que ela
parou no segundo degrau à frente da fachada da casa e me
encarou. — Deve ser Sabrina Junqueira, eu sou...
— Ricardo Reis — complementou, e me encarou
profundamente. — É realmente ele, certo?
— Sim, eu...
— Ótimo!
Antes que eu pudesse raciocinar sobre o que dizer a seguir,
senti um impacto forte do lado direito do meu rosto. De forma que eu
dei dois passos para trás, enquanto meu rosto era praticamente
virado. Senti a dor se espalhar, assim como o sangue escorrer pelo
meu lábio, que deveria ter sido cortado.
— O que quer aqui?
— Eu... — respirei fundo, limpando a boca, e sem saber
exatamente o que dizer. — Eu soube que Eliana está grávida.
— E o que quer com isso?
— Eu... eu acho que sou o pai — respondi, vendo que a
mulher deveria estar prestes a socar minha cara, mais uma vez.
— Acha? — ela então negou com a cabeça. — Eu agora sei
por que ela fugiu... Não merece ela, nem o mínimo da atenção que
ela possa te dar. Mas quem sou eu para decidir por ela?
— Senhora Junqueira...
— Junqueira-Dias — corrigiu-me, e eu assenti. — Vai
encontrá-la na academia, ela sempre vai lá por esse horário... Mas
se eu a vir chorar novamente, uma lágrima que seja, não vai ser
apenas o meu soco que vai encontrar a sua cara, estamos
entendidos?
Assenti para a mulher mais velha, que me fez pensar no
exato momento sobre a minha irmã. Era como uma versão mais
falante, mas nem um pouco menos áspera e direta de Verônica.
— Obrigado.
Vi-me entrando no carro, e torcendo para encontrar o mais
rápido possível a academia, usando o mínimo que eu entendia
sobre condomínios fechados de pessoas ricas como elas. Suspirei
fundo, ignorei a dor em meu rosto e sequer tive coragem de encarar
meu reflexo.
Não demorou muito para ver uma placa, que indicava onde a
academia estava. Estacionei o carro não muito longe, e me vi
respirando dezenas de vezes, até chegar próximo à porta. No
momento que adentrei o lugar, ouvi uma música alta, em uma língua
que já não me era tão indiferente, porque meus irmãos ouviam
muito sobre a cultura oriental.
Eu me vi seguindo a música, já que não havia ninguém nos
aparelhos do que parecia ser o térreo do lugar. Subi as escadas, e
meu coração acelerou, como se reconhecendo que eu estava perto
dela. Como ele sempre parecia querer me mostrar que o faria, por
ela.
Suspirei fundo, abrindo devagar a porta que separava o
primeiro andar das escadas, e foi quando a vi.
De imediato, notei que estava dançando junto com a música,
o suor escorrendo por seu corpo, e um sorriso enorme para o
espelho, claramente concentrada no que fazia. No segundo
seguinte, quando ela deu um novo passo, e seu corpo se virou para
a direção que eu estava, tudo em mim paralisou.
Sua barriga.
A regata que ela usava, totalmente colada e marcando o
arredondado que não existia ali, meses atrás.
Sua barriga com o contorno que não deixava dúvida alguma -
ela estava grávida.
— Eu já terminei.
Três palavras apenas, enquanto ela simplesmente me deu as
costas, e a vi ir até o que parecia uma mochila juntar algumas
coisas. O som cessou, e eu permaneci no mesmo lugar, paralisado,
vendo-a apenas se voltar em minha direção, pronta para sair.
— Eliana...
Como se eu sequer existisse, ela tentou passar por mim, e eu
respirei fundo, levando a mão ao seu pulso, e a segurando com
delicadeza.
— Não me toque.
Três palavras que me fizeram soltá-la de imediato.
— Você está grávida.
Três palavras que eu devolvi, conforme ela simplesmente me
dava as costas e descia as escadas. Forcei-me no segundo
seguinte a segui-la, e a vi parando, respirando fundo, no último
degrau.
— Eliana, você está grávida — insisti, e ela então se virou,
enquanto eu me aproximava do degrau que parou.
— Qualquer um pode dizer isso.
Eu não a reconhecia.
Nem o seu tom e muito menos, a forma como ela claramente
estava pronta para o ataque.
— Não ia me dizer?
Minha boca foi mais rápida que minha mente, e de repente,
eu apenas ouvi o som da sua gargalhada forçada, ao passo que ela
se escorava no corrimão, e o olhar se voltou para o meu. Um olhar
que dizia mais do que qualquer palavra: a mágoa estampada no
castanho dos seus olhos.
— Por que eu diria sobre a minha gravidez para alguém que
me mandou apenas esquecer? — rebateu, e respirei fundo, sentindo
a culpa me acertar.
— Eu sou o pai dessa criança, Eliana.
— Qualquer um com um sobrenome bom o suficiente, pode
ser o pai... Não apenas os Reis me interessam, como você mesmo
pôde deduzir.
Eu sabia que ela queria me afastar.
Eu sabia que ela queria apenas me fazer ir embora.
Porém, o que ela não sabia, era que no momento que soube
que ela estava grávida, eu entendi o erro que cometi. Ela
simplesmente me deu as costas, e seguiu em direção à saída da
academia, e eu me vi correndo atrás dela.
— Eliana, eu...
— Não vamos chegar a nada. — Parou de repente, o que me
fez parar o corpo com tudo, quase esbarrando nela. A minha própria
pele, reconhecendo o mínimo da sua que encontrou a minha. —
Não é o pai do meu filho, e não temos nada para conversar.
— Desde quando é uma mentirosa?
Ela me encarou, os olhos tão magoados, que me remoeu
tudo por dentro.
— Desde sempre, como você mesmo acredita. — Deu três
passos para trás, afastando-se. — Acho que é minha vez de dizer
para que... Esqueça aquela noite, a porra do meu sobrenome e o
meu endereço.
Ela usou minhas palavras contra mim. E agora eu entendia,
parte da dor que poderia ter causado nela, ao rechaçá-la de tal
forma. O quanto eu poderia tê-la machucado?
— Eu sinto muito, Eli.
Foi tudo o que consegui dizer, as palavras se perdendo ao
vento, enquanto ela se afastava, e levava o nosso filho consigo.
Fiquei apenas parado ali, pensando em como fazer com que ela
tivesse o mínimo de interesse, em escutar o meu lado da história.
Um lado tão errado, mas que eu tinha que dizer.
Pelo menos, que eu pudesse pedir perdão por toda a merda
que deveria ter acontecido.
CAPÍTULO 18

“Ondas batem no litoral, eu corro para a porta


Você não bate mais e eu sempre soube

Que a minha vida seria arruinada” [19]

ELIANA

— Voltou rápido.
Soltei a mochila do lado da porta de entrada, e encarei o olhar
inexpressivo de Sabrina, que estava sentada em sua poltrona,
sozinha comigo naquele domingo. A culpa me atingia, toda vez que
ela o fazia, apenas para que eu não ficasse só. O seu marido no
interior, a irmã do meio, cunhado e sobrinho também, e sua caçula
viajando para fora do país. Ela merecia mais do que passar o seu
dia favorito da semana, na companhia de alguém que ela não tinha
obrigação alguma.
Porém, eu sabia que ela se sentia assim.
Eu tinha visto o rosto machucado de Ricardo, e tinha certeza
de que apenas uma pessoa poderia tê-lo feito, e por minha causa.
— Obrigada por socar a cara dele — falei, sabendo que tudo
o que eu me tornava perto dela, era uma onda de agradecimentos.
— Eu nem sei repetir tudo o que disse a ele, mas... mas só queria
me afastar.
— Não gosto dele — assumiu, enquanto eu suspirava fundo,
ainda esperando o suor do meu corpo se esvair. — Mas eu vi pela
janela, ele te acompanhando de carro, até em casa.
Casa.
Aquela era a minha casa.
E muitas vezes, eu apenas me sentia um estorvo, por mais
que tudo o que minhas primas fizessem fosse me mimar e me fazer
ver aquele lugar como um lar.
— Não deveria ficar nervosa, já que está grávida.
— Está mesmo me aconselhando, estando claramente
vermelha de raiva?
— É o suor e o cansaço da dança. — Tentei disfarçar. — E
um pouco de raiva — admiti, sem conseguir mentir.
— Acho que ele merecia outro soco, do lado esquerdo...
— Prima, eu... — suspirei fundo, pegando a toalha dentro da
mochila, e secando um pouco do suor que ainda estava em meu
corpo. — Eu não sei se um dia vou poder retribuir, por... por estar se
importando tanto comigo.
— Sou sua prima mais velha, e se eu soubesse, que em
algum momento, poderia ter interferido e feito da sua vida algo mais
do que fizeram, eu o teria...
— Eu nunca soube pedir ajuda.
— E ainda não sabe — corrigiu-me. — Não apenas por você.
Ela então veio até mim, e era bem mais alta, sua mão desceu
para minha barriga e fez um leve carinho.
— Não está sozinha, nunca mais... — falou, e eu assenti. —
E não estou falando sobre a gravidez, Eli.
— Obrigada, mesmo.
Suspirei fundo, e ela se afastou. Sabrina Junqueira não era
uma pessoa com a linguagem do amor definida por toque físico,
nem perto daquilo, mas poderia jurar que ela conseguia ter todos os
outros. Ela fazia o possível e impossível para que eu, uma completa
estranha, me sentisse protegida.
Por mais que ela devesse me odiar, pelo que meus pais
fizeram. Pelo que eles significaram de pior em sua vida, na verdade,
ela tinha me acolhido.
— Timóteo está ligando... — avisou, antes de arrumar o
celular, e sabia que atenderia uma chamada de vídeo. — Podemos
comer depois, certo?
Assenti, e me vi pegando a mochila e subindo pelas escadas.
Meus pensamentos perdidos, ao saber agora que Ricardo sabia
sobre a gravidez. Não sabia como ele tinha descoberto, e tampouco
me importava, porém, eu
só não tinha ideia de que ele apareceria à minha frente, sem
questionar sobre a paternidade em momento algum, e dizendo que
sentia muito.
Sentia muito exatamente pelo quê?
Por ter me acusado do que todos fizeram a vida toda, e eu já
estava calejada? Ou por ser aquele único que me acusou como
todos fizeram, mas que conseguiu me machucar profundamente?
Ele sentia muito por ser quem conseguia fazer doer, uma
ferida que eu sequer sabia que ainda estava aberta?
Ele sentia muito por eu estar esperando um filho dele?
Ele sentia muito por descobrir só agora sobre ser pai?
Ignorei meus próprios questionamentos, e fui diretamente
para o banheiro. Precisava respirar fundo, água quente e meu
cabelo limpo, para poder pensar com mais clareza. Talvez, em
algum momento, após aquele processo, eu encontrasse uma
resposta. Ou não.
RICARDO

— Mas que merda...


Foi o que ouvi, assim que saí pelo condomínio, e notei
praticamente todos os carros dos meus irmãos, que estavam
estacionando ali na frente, naquele instante.
Sentia-me tonto, e precisei parar o carro, e respirar fundo,
antes que sentisse a porta do meu lado sendo aberta, e Júlia me
encarando preocupada, assim como outros quatro pares de olhos.
— Você saiu de repente, e ficamos preocupados, aí, Verô
tentou até nos impedir, mas sabíamos que tem segurança, como
todos nós e...
— E te seguimos e não fazemos ideia do que faz aqui — Igor
complementou o que Carolina dizia, e eu apenas tentei descer do
carro, tentando falar aquilo para todos eles de uma vez.
— Acho melhor eu levar o seu carro, e ir no meu lugar no
carro de Verô... — Tadeu falou, parando ao meu lado, e parecendo
pronto para me segurar.
— Isso, eu vou com Tadeu no seu carro e você...
— O que houve aqui?
A pergunta veio de mais longe, e foi quando levantei o olhar,
para encontrar minha irmã mais velha, que raramente demonstrava
algum sentimento em sua feição, mas era nítida sua preocupação.
— Verô, eu...
Sequer conseguia admitir aquilo.
Olhei de relance para Júlia, minha melhor amiga, que tanto
sofreu por anos, por ter sido rejeitada grávida pelo homem que
amava. E agora, eu tinha feito o mesmo, assim como ele, sem
saber, que Eli esperava um filho meu.
— Seu rosto está roxo, mas quem bateu?
Foi então que a pergunta de Júlia fez todos me olharem,
como se me inspecionando.
— Eu mereci — anunciei. — Como Oscar mereceu — falei,
encarando minha amiga, que parecia tentar chegar a um resultado
do cálculo que eu apenas joguei no ar.
— Se dividam entre os carros de Ricardo e Júlia... Apenas
Ricardo vai comigo.
— Mas Verô...
Carolina tentou rebater, mas um simples olhar de nossa irmã,
a fez apenas suspirar fundo, e aceitar. Vi todos se afastando,
mesmo Júlia, que parecia tentar entender, como se totalmente
confusa.
Como eu diria a ela, uma das pessoas que eu mais amava no
mundo e que tanto tentei proteger, que tinha feito exatamente o
mesmo que eu tanto acusei e odiei no homem que ela amava?
Como eu admitiria para ela, que tinha cometido um erro que
não tinha volta?
Assim que todos entraram no carro, senti a mão de Verô em
minha cintura, me levando até o seu. Ela abriu a porta, me deu
alguns segundos para sentar, para dar a volta, e assumir o volante.
Ela subiu os vidros, e esperou que todos saíssem, para só então dar
partida.
— Descobriu sobre Eliana?
Fiquei incrédulo, sem saber como encarar minha irmã. Não
me surpreendia em nada, o fato de ela saber, antes de mim, sobre a
gravidez de Eli. Verônica Reis sempre soube sobre tudo na minha
vida, muito antes de eu ter noção, de que era ela que cuidava de
mim.
— Eu fiz merda, Verô. Eu... — senti a primeira lágrima cair. —
Eu fodi com tudo.
— Bom, eu sei que é melhor do que isso — falou, sua voz
soou baixa. — Fico feliz que não tive que ser eu a socar a sua cara.
Olhei-a de lado, e ela me encarava.
— Vai consertar isso, não vai?
— É o que pretendo fazer — assumi. — Eu... eu vou
encontrar um jeito, de fazer com que ela me perdoe e... e ser um pai
de verdade para essa criança.
CAPÍTULO 19

“Você diz que está no passado


Você dirige em frente
Você está achando que eu te odeio agora

Porque ainda não sabe o que eu nunca disse”[20]

ELIANA

Incomodava-me demais estar perturbando a vida das


pessoas. Por mais desesperada que eu estivesse, quando apareci à
frente da porta de Sabrina, eu sabia que nada justificava, prendê-la
ali, sabendo que ela tinha sua própria vida, e um amor tão bonito
para viver.
Suspirei fundo, adentrando o seu escritório e de Lena, e
entregando as pastas que tinham me pedido. O emprego que elas
haviam me dado era o primeiro de toda minha vida, e por mais que
eu não fizesse muito, era bom saber que eu tinha um lugar.
Um lugar que meu nome era assinado, e que eu teria um
salário todo final de mês. Sabia que elas fizeram para me ajudar, e
calhou perfeitamente com o momento em que uma das secretárias
delas precisou de uma licença médica. Porém, até quando eu
poderia estar naquela função?
Tinha tantas questões e tantos medos, que às vezes, eles me
dominavam por completo, mesmo em dias tão bonitos, como aquela
segunda-feira.
Elas estavam concentradas lendo algum projeto, enquanto eu
apenas pedi licença e voltei para minha mesa, do lado de fora. As
horas marcavam onze e meia, e já era o meu horário de almoço,
que não podia pular, de forma alguma. Uma refeição pulada, era
garantia de um desmaio em algum momento.
Deixei um recado sobre a mesa, em um post-it, como elas
tinham me instruído a fazer, quando visse que estavam ocupadas
demais e não iriam prestar atenção no que eu tinha a dizer, e claro,
se não fosse importante. Colei-o na parte de trás do monitor do
computador, e peguei minha bolsa, indo em direção aos elevadores.
Eu tinha recebido há poucos dias, e gastava o mínimo
possível. O que eu mais tinha feito, era guardar meu dinheiro,
tentando me precaver para algo sobre meu filho. Ainda parecia
muito cedo, mas não tinha um dia, que eu não pensava em como
seria montar o quartinho dele. Mesmo que eu não tivesse ainda o
meu próprio teto, lá estava eu, sonhando em como seria, se
tivéssemos.
Eu ficaria com minhas primas, até quando?
Eu estaria lá, criando a minha própria família, dependendo
delas?
Não era justo. Não com elas.
Quando o elevador parou no térreo, lembrei-me do
restaurante que ficava a um quarteirão dali, com uma comida
caseira gostosa e melhor ainda, um preço acessível. Precisava me
alimentar bem, e como não sabia como cozinhar, e me negava a
gastar os ingredientes da casa de minhas primas, para tentar
aprender, eu optava pelo lugar mais barato que fosse comida de
verdade.
Agradeci ao fato de poder usar aqueles crocs nos pés. O lado
bom de minha prima e chefe, também estar grávida, era que ela
entendia o quanto era cansativo estar em sapatos nada confortáveis
durante todo o dia, mesmo que eu passasse grande parte dele,
apenas sentada. Acreditava que ela não se importava com
vestimenta, nem mesmo antes de engravidar, já que tinha visto
pessoas da sua equipe, com roupas totalmente diferentes e sapatos
um tanto peculiares, e parecia apenas normal.
Eu, minha calça social e colete, com um crocs, todos na cor
cinza- escuro, não se destacavam tanto. A não ser, pelo fato de que
o colete já não fechava, e minha blusa canelada, entregava a
barriga redonda que eu já ostentava. Sorri em pensar em tal
palavra: ostentar uma barriguinha de três meses. Não conseguia
pensar em algo melhor do que aquilo, como o próprio luxo.
— É baguncinha, eu deveria te chamar de luxozinho? —
sussurrei, passando as mãos na barriga, e parando na frente do
restaurante.
Fui até minha mesa de sempre, e pedi o prato do dia, que era
o mais barato, e não deixava de ser ótimo. Encostei-me na cadeira,
e minha mente foi para onde não deveria. Diretamente para a
lembrança de Ricardo Reis. Se antes ele era uma memória, agora
ele parecia um fantasma, toda vez que invadia minha mente.
Perseguindo, questionando e tirando minha paz. Como ele
tinha conseguido ir de tudo que eu sonhava e não podia ter, para
algo que eu tive e que só conseguiu me fazer desejar que tivesse
ficado em um sonho?
Se não fosse a gravidez, eu sabia que nunca mais cruzaria
com ele. E por ela, eu sabia que as boas e más línguas, em algum
momento, estariam chegando até ele com tal novidade.
Por que ele tinha aparecido à minha frente, afirmando sua
paternidade? Como ele podia crer, de fato, que era o pai?
Ele não deveria apenas ter ignorado o que soube sobre mim,
e seguido sua vida, como eu tinha acreditado que seria? Por mais
que eu desejasse, que meu filho tivesse um pai, não imaginei que
ele apareceria, e pareceria tão culpado, ao ter a certeza de que não
era uma mentira.
Foi então que senti um leve aperto no peito, que se dissipou
como se meu corpo todo reconhecesse a presença de alguém. Eu
só gostaria de negar a mim mesma, que a presença que me
causava aquilo, na verdade, estaria ali.
Porém, assim que levantei o olhar, e vi-o se sentando à minha
frente, soube que eu não tinha como errar sobre meus próprios
instintos.
— Eu só quero almoçar em paz.
Minha voz saiu baixa, contida, tentando não explanar para o
mundo ao redor, que a vontade era de apenas me levantar e deixá-
lo ali, sozinho.
— Eu não vou te atormentar, eu... eu juro, Eliana.
— Senhorita Junqueira — corrigi-o, como ele fez naquele dia.
A mágoa saindo em cada sílaba de minha boca. — O que precisa,
senhor Reis?
— Eu... — vi-o engolir em seco, e então parecer perdido.
— O seu pedido, moça bonita.
Sorri para o garçom, que já tinha até se acostumado com a
minha presença, e colocou o prato de comida diante de mim.
— Obrigada, como sempre.
Ele assentiu, e vi-o se virar para Ricardo.
— Algo, patrão?
Notei a forma séria que o rosto de Ricardo tomou, assim
como, ele pareceu prestes a dizer algo, mas parecia se segurar.
— Uma água sem gás, por favor.
O garçom assentiu, afastando-se, e eu estava tentando focar
apenas no cheiro maravilhoso da comida.
— Eu só quero que saiba que estou arrependido e... e eu
quero mostrar isso — Ricardo falou de repente, enquanto eu
colocava um pouco de comida na boca, e concentrei-me em
mastigar devagar e engolir, para só então encará-lo. — Eu não
posso passar mais um dia, sem demonstrar o quanto errei com
você.
— Tudo isso porque eu não usei a cartada da gravidez contra
você? — rebati e ele engoliu em seco. — Sabe, eu poderia estar
esperando o bebê nascer, e daí anunciar para todos, que tinha
acabado de colocar um Reis no mundo.
— Eliana, eu sei que... que vai esperar apenas o pior de mim,
mas eu sei que deveria ter pensado duas vezes antes de pensar o
pior de você. — Olhei-o, analisando os olhos sem brilho algum, e o
claro cansaço no rosto. — Na retrospectiva que fiz, pensando há
quanto tempo nos conhecemos, se eu o tivesse feito antes, eu teria
entendido que... que você não é assim.
— Bom, mas as pessoas falam muito e você gostou do que
ouviu. — Mexi um pouco na comida, querendo me concentrar nela.
— Acho que você queria mesmo era me afastar, e conseguiu...
— Eu...
— Eu só fui até você, te persegui por aqueles dias, porque eu
precisava contar sobre a gravidez — falei por fim, suspirando fundo.
— Era o mínimo, buscar o pai do meu filho e lhe dizer que seria
pai... Não fui pedir seu sobrenome ou status, ou qualquer outra
merda que considerou. Eu nunca quis isso.
Eu só queria você.
Guardei aquelas palavras, enquanto o encarava
profundamente. Ele não precisava saber. Ele não merecia saber do
quanto eu era encantada e chegava a ser extasiada pela simples
presença dele, na livraria, durante todos aqueles anos. Ele não tinha
que entender que eu era quase uma perseguidora, de fato, de tanto
que ele viveu nos meus pensamentos, mesmo que nunca tivesse
falado comigo.
Não até aquela noite.
Não até aquele momento, que acabou mudando a minha vida
para sempre.
— Eu sei, eu... eu já sabia — falou, engolindo em seco. —
Mas está certa, eu quis acreditar no que ouvi, e no que soube sobre
sua... sua família. Eu sempre odiei que me olhassem apenas pelo
meu sobrenome, e acabei fazendo isso com você.
— Eu vou sobreviver — rebati, e então continuei a comer.
O silêncio recaiu sobre nós, e logo sua água chegou, o que
me fez pedir um refrigerante, já que tinha até me esquecido de
beber algo, de tão nervosa que estava, apenas pela presença de
Ricardo ali. Gostaria tanto, de não sentir absolutamente nada, e
apenas deixar que ele falasse o quanto quisesse.
A indiferença seria uma bênção. Contudo, não chegava nem
perto do que eu sentia.
Comi em silêncio, assistindo parte do que se passava no
jornal, na televisão pendurava na parede próxima ao balcão, e senti
os olhares de Ricardo por cada expressão minha. Não duvidaria se
ele pudesse dizer quantas pintas eu tinha espalhadas pelo rosto e
pescoço.
Quando terminei, vi-o se levantar primeiro, e pensei que seria
o alívio que eu precisava. Ele apenas estava indo embora e me
deixaria em paz. Contudo, notei-o na frente do caixa, entregando o
cartão, e não demorou muito para voltar para a mesa.
Suspirei fundo, levantando-me, após terminar e caminhei
também para a direção que ele veio, mas logo o senti às minhas
costas.
— Eu já paguei pelo seu.
Pisquei algumas vezes, forçando um sorriso para o moço que
ficava no caixa, e me vi rumando para fora do restaurante. Assim
que pisei na calçada, me virei, e estava pronta para xingar até a
quinta geração dos Reis.
— É o mínimo — ele falou, de repente, deixando-me ainda
mais confusa. — É o mínimo que posso fazer, já que é a mãe do
meu filho.
A cartada que eu não poderia dispensar.
— Certo, acho que... acho que pode parar de me perseguir
agora — falei por fim, enquanto o encarava.
— Eu... eu queria saber, se aceitaria jantar comigo, qualquer
dia desses. Eu só... eu só preciso falar sobre as minhas intenções
com você, o nosso filho e...
— Não precisa. — Neguei com a cabeça. — Não vou te privar
de ser o pai dessa criança, e tudo o que eu puder te informar sobre
a gravidez, vou fazer... Isso é o que quer?
Ele ficou em silêncio, como que se segurando para não dizer
a coisa errada.
— Eu quero que saiba que pode contar comigo, para
qualquer coisa — assumiu. — E eu... eu posso te ajudar a ter um
lugar, de vocês, até que se estabilize, e...
— O que realmente está tentando me propor, Reis?
Uma careta apareceu em seu rosto, e percebi que ele não
estava sabendo lidar com suas próprias intimações.
— Que venha morar comigo.
CAPÍTULO 20

“Nós somos um amor tortuoso


Em uma linha reta
Faz você querer fugir e se esconder

Mas faz você dar meia-volta”[21]

Dias depois...

RICARDO

Girei na cadeira do meu escritório, tendo a vista perfeita de


toda a livraria, ao mesmo tempo que minha mente me fazia
vislumbrar exatamente como seria, se Eliana passasse por aquelas
portas novamente. Como seria? Como eu me sentiria?
Suspirei fundo, tentando não pensar tanto sobre aquilo, mas a
realidade era que eu não podia negar, de que desde quando ela
apareceu ali, pela primeira vez, sempre me indaguei, se ela
apareceria novamente. E ela o fez, por anos. E eu a assisti de
longe, por mais anos ainda.
Como nós dois, depois de tanto tempo, tínhamos agora, um
laço que nos unia mais do que qualquer outro? Porém, como eu
poderia explicar para ela, e para mim mesmo, aceitando que... que
esse laço já parecia estar lá, desde muito antes?
As palavras de Leila me vieram em mente.
Eu tentava não pensar nela, principalmente, quando estava
tão imerso sobre Eliana, porque a culpa que me encontrava, era
maior do que qualquer outra. Porque ela sabia, antes mesmo que eu
entendesse e compreendesse, que existia uma importância
diferente na minha vida, da garota dos cabelos longos da livraria.
— Clarinha chama ela de Aurora — falou, encostando-se
contra a porta do quarto, enquanto eu tirava o terno e a encarava. —
Aquela mulher, que vimos na rua hoje, por acaso.
— Ela é uma cliente de muitos anos da livraria — comentei,
sem dar tanta importância, e talvez sem notar o sorriso tranquilo em
meu rosto.
— Eu já ouvi sobre ela antes, não?
— Talvez? — indaguei, um pouco perdido.
— Acho que Júlia falou algo sobre a garota de cabelos longos
da livraria, pouco antes de a gente se casar, sobre ter reencontrado
ela e tudo mais... Apenas ouvi porque estava passando pelo
corredor, e ela falando com você.
— Júlia e eu fofocamos sobre Deus e o mundo, você sabe. —
Sorri de lado, e caminhei para perto dela.
— Não percebeu, não é?
— O quê? — indaguei, completamente perdido, e sabendo
que ela não estava apenas conversando, como costumávamos
fazer.
Nos últimos tempos, nossas conversas nunca mais
pareceram apenas isso. De repente, Leila estava parada à minha
frente, listando os motivos que nos tornavam incompatíveis. Eu os
ouvia, e dava solução a cada um deles, porque eu sabia que... que
nós dois éramos bons um para o outro. Um relacionamento que
cresceu devagar, com o tempo, até que eu soube que queria dar o
passo de tê-la como minha esposa.
Poucos meses depois do nosso casamento, aquelas
conversas começaram, e eu me sentia, cada vez mais sem soluções
para dar. Porém, eu faria qualquer coisa, para poder lhe entregar.
— Que seus olhos brilham quando vimos ela, de longe hoje...
E eles continuam brilhando, quando apenas o apelido que deram a
ela, vem à tona...
— O que quer dizer com isso?
— Que existe mais do que você percebeu, sobre essa mulher,
Ric.
— Leila, por favor...
— Não posso fingir que não percebi, e talvez agora, eu tenha
entendido, porque os seus olhos nunca brilharam dessa maneira
para mim.
Tirei as mãos do rosto, só então percebendo que entrei no
meu próprio mundinho, porque eu parecia conseguir relembrar cada
palavra dita por ela. E cada uma delas, parecendo pesar ainda mais.
Pensando agora, com clareza, eu sabia que a percepção de
Leila sobre aquilo, não estava totalmente errada. E talvez, foi o que
me fez perceber, que eu tinha evitado aquela sensação que outra
pessoa trazia, por anos, por todo aquele tempo.
Por que eu tinha feito aquilo?
Por que eu estava tão perdido antes?
Encarei meu dedo anelar esquerdo vazio, da forma como
tinha estado, desde o momento em que Leila o tirou dali. E eu sabia,
que independente do que a vida acabaria nos fadando, aquela
aliança não estaria mais. Porém, não deixava de doer o fato de que
a forma como tudo sucedeu, foi apenas a pior.
Talvez, após o divórcio, eu poderia simplesmente ter tido
aquela noite com Eliana. Talvez agora, naquele momento, eu
poderia estar contando a Leila de que iria ser pai. Talvez, nós
pudéssemos continuar como gostaríamos – como amigos. Os talvez
eram pesados demais, e eu já sentia a dor me estraçalhar
internamente.
Eu era apaixonado por Leila, era algo que sempre foi claro
para mim, desde o primeiro momento. Poderia não ser da forma que
ela queria ou enxergava, mas eu o era. E se eu achava que perdê-la
por sua escolha, doía. Era porque eu não tinha ideia de como seria
a dor, de novamente, estar à frente de flores bonitas demais para
um momento tão triste.
Batidas na porta, me fizeram levantar o olhar, e então a porta
se abriu. Uma lufada de ar que talvez eu precisasse, de quem quer
que fosse, que aparecesse ali. Foi quando encontrei o semblante
cauteloso de Eliana, que me encarou por completo, como se me
analisando.
— Não parece um bom momento, eu... — ela apenas pareceu
pronta para me dar as costas e sair, porém, eu não poderia permitir
aquilo. Não sabendo o quanto eu poderia perder, se a deixasse ir
agora.
Não era o melhor momento, não. Mas quando o luto te
atingia, com aquela força, não existia muito o que se fazer. A não
ser, tentar continuar.
— Entre, eu insisto.
Levantei-me, e vi-a virar-se novamente, e caminhar apenas o
suficiente para estar dentro da minha sala, e fechar a porta atrás de
si.
Ela me encarou, e o silêncio que se formou, pareceu ser
apenas intencional. Como se ela soubesse que eu precisava de
mais alguns minutos, para poder me recompor. Ela suspirou fundo,
pegou o celular, que eu raramente via em suas mãos, e mexeu nele
por algum tempo. Enquanto eu respirava fundo, e tentava focar na
realidade,
— Eu fui até você, várias vezes — falei, depois de um silêncio
que tinha tudo para ser desconfortável, mas a tensão foi diminuindo
pouco a pouco, enquanto eu me recuperava. — E todas elas, você
me deu as costas, sem dar qualquer resposta.
— Você me pediu, por todas essas semanas que... que fosse
morar com você — comentou, e um fio de esperança se amarrou
em meu peito. Depois de quase três semanas, todos dias, indo até
ela, tentando me mostrar como constante e que não iria desistir de
estar ao seu lado, minha insistência parecia ter algum resultado, ao
vê-la, bem ali. — Eu pensei e vi a realidade à minha frente, de que
eu não posso negar essa ajuda, não agora.
Fiquei em choque, arregalando os olhos, e sem saber como
realmente reagir.
— Então é isso, eu acho.
— Espera, eu... eu entendi direito? — indaguei, encarando-a
como se ela fosse desaparecer a qualquer momento.
— Estou aceitando a oferta — assumiu. — Pelo menos, até
que eu consiga me manter sozinha.
— Claro, eu... — de repente, eu sentia meu coração
acelerado. — Eu posso pedir para um pessoal da mudança que
conheço, ir buscar suas coisas, eles encaixotam tudo, não precisa
nem arrumar...
— Eu só tenho uma mala pequena. — Pisquei algumas
vezes, assim que ela me tirou de meus devaneios. — Eu posso vir
amanhã?
Por que não hoje?
Minha mente me segurou, pelo que todo o resto parecia
desesperado.
— Claro, se precisar que eu te busque.
— Não, eu consigo vir sozinha, só... — vi-a suspirar fundo. —
Só queria deixar claro que eu estou fazendo isso por necessidade,
Reis. Não tem nada a ver com a noite que tivemos, ou com o que eu
disse naquele dia, e muito menos, com o seu sobrenome.
Doía-me saber que ela se explicava daquela forma,
justamente, porque eu a tinha colocado em tal lugar.
— Eu sei, eu... eu jamais pensaria diferente.
Agora eu estava mentindo, mesmo que por puro desespero.
Porque eu gostava de pensar e me iludir, que ela estaria fazendo
aquilo por mim. Por nós.
— Certo, então... Amanhã.
— Amanhã. — Um sorriso me veio involuntariamente, e eu
entendi ali, que eu o fazia, mais vezes do que me lembrava, quando
se tratava dela. — Obrigado por aceitar, de verdade.
— Não é por mim — falou simplesmente, abrindo a porta ao
seu lado. — É pelo nosso filho.
Então ela saiu, e eu me vi, jogando-me contra a cadeira,
enquanto meu olhar focou na visão que eu tinha do mezanino, e vi-a
caminhar dentre as prateleiras, e logo sair pela porta da frente. A
visão que eu tanto queria ter naquele dia, e tive a sorte, de ser real.
Porém, minha mente não me deixava deixar de pensar sobre
o que ela disse naquela noite. E agora, ela afirmava que sua
decisão não tinha relação alguma com o que disse. Contudo, ela
não admitiu que o que falou era uma mentira.
— Eu... eu... realmente gosto de você, Ricardo.
Então... então era uma verdade? Ainda era? Sempre foi?
CAPÍTULO 21

“E eu devia apenas te dizer para ir embora, porque eu


Sei exatamente onde isso leva, mas eu

Fico vendo a gente dar voltas e voltas toda vez”[22]

ELIANA

Não foi uma decisão fácil.


Porém, eu sabia que era a correta.
Eu via como já tinha importunado a vida de minhas primas,
de maneiras mínimas, mas que pareciam ficar maiores a cada dia.
A maneira como eu quase não via Sabrina indo para o interior,
sendo que sua casa estava sendo reformada e em breve ela
moraria lá. A forma como Iara voltou de viagem antes, porque
estava preocupada, e principalmente, para não me deixar
sozinha. E como Helena sempre tentava estar presente ali,
trazendo seu filho e marido, para me ver, e conversar, como se
tentando me fazer sentir parte.
Eu me sentia. Seria mentira dizer que não.
Eu tinha acabado me tornando uma pessoa diferente,
durante todo aquele tempo com elas. Tinha visto o quanto mesmo
sem qualquer expressão ou palavra, Sabrina parecia dizer muito.
Tinha visto como problemas que parecem nossos medos
encarnados, na verdade, poderiam ser levados de forma leve,
como Helena fazia. Tinha visto a maneira com a qual, a vida pode
ser simples, mesmo se tendo tudo, assim como Iara sempre agia.
Tinha me apaixonado por Taylor Swift e k-pop, e me sentia
até mesmo parte de alguns fandoms. Talvez eu fosse uma swifitie,
baby stay e baby atiny. Era algo que elas tinham me ensinado,
mesmo que de forma totalmente natural.
Havia conseguido tocar piano, após Iara ter se sentado e
me dado algumas aulas, relembrando-me do que eu um dia tanto
adorei. Tinha me apaixonado por dançar por conta da influência
de Helena e Lucas, e encontrado uma forma de me exercitar que
não me deixasse arrependida no segundo seguinte. Tinha
conhecido novelas de várias línguas diferentes, que eram a praia
de Sabrina, que ela me deixou entender um pouco, e percebi que
eu poderia chorar, sorrir, sofrer e comemorar várias e várias
vezes, vivendo vidas diferentes pela telinha.
Eu fazia aquilo, com os livros. E agora, era diferente,
porque eu estava o fazendo, unindo tudo o que elas tinham me
passado. Suspirei fundo, sabendo que precisava comunicar a
minha decisão. Eu a tinha tomado, depois de tanto protelar, e
perceber que o pior que poderia ter acontecido entre eu e
Ricardo, já acontecera.
Ele não tinha mais como me machucar, e eu não permitiria.
Então, o certo, era que ele também estivesse lá, para me ajudar,
durante todo o tempo da gestação que ainda acontecia. Era um
dever dele, como pai, de me ajudar com o nosso filho. Não das
minhas primas, que eu estava claramente forçando a mudar seu
dia a dia, por minha causa.
Aproveitei que aquele era um raro dia, em que todos
estariam em casa, e eu poderia falar, e não ter que passar a
responsabilidade para Sabrina contar a todos, um a um. Poderia
fazer de uma vez, e também, agradecer a cada um.
— Preparado? — perguntei ao meu bebê, segurando a
barriga, e suspirei fundo, enquanto entrava em casa.
Encontrei Caio e Lucas sentados no sofá, jogando
videogame. Enquanto Iago parecia tentar ajeitar as cadeiras de
forma que ficasse harmônico, mesmo que fossem todas
diferentes, em uma mesa de doze lugares. Helena descia as
escadas, conversando com Timóteo, e vi o exato momento em
que Iara e Sabrina vieram da cozinha para a sala.
Quase todos tinham sorrisos nos rostos ao me verem, e eu
me culpei naquele instante, por estar tomando aquela decisão.
Era o melhor, eu sabia. Porém, me doía de o fazer. Contudo, eu
não poderia ficar para sempre, e acreditava que todos ali sabiam
daquilo.
Pelo menos, eu imaginava que sim.
— Titia Eli, eu consegui passar o chefão.
Lucas praticamente gritou, correndo até mim, me dando um
abraço, e levando as mãozinhas até minha barriga.
— Parabéns, preferidinho.
Ele sorriu abertamente, e como sempre fazia quando
estava ali, colocando as orelhas na minha barriga, e em seguida
sussurrou algo que ninguém poderia escutar.
— Já comeu algo fora? — Helena perguntou, enquanto
Lucas corria de volta para o tio no sofá, e se jogava lá.
— Na verdade, eu fui conversar com o Reis.
Foi então que o olhar de todos os adultos parou em mim.
Apenas o barulhinho do jogo de fundo, e engoli em seco.
— Pensei ter visto você deixando ele falando sozinho perto
da empresa, esses dias... — Helena falou, e eu assenti.
— Fiz isso, todas as vezes que ele me procurou — assumi.
— Mas eu quem o procurou dessa vez, para dar uma resposta.
— Sobre? — Iara perguntou, como se confusa.
— Ele me convidou para morar com ele, e eu... eu aceitei
— falei, e me vi abaixando a cabeça, fugindo de olhares
julgadores ou de repreensão.
— Eli...
A voz de Sabrina chegou até mim, e então levantei o olhar,
mesmo que a contragosto. Foi aí que percebi que nenhuma delas
me encarava daquela maneira, mas na verdade, pareciam apenas
preocupados.
— Nós sempre vamos respeitar suas decisões, mesmo que
não concordemos — ela falou, em um tom calmo e que parecia
querer passar o mesmo para mim. — E se não der certo, a
qualquer hora, qualquer mesmo, você pode voltar pra cá.
— Essa é sua casa também, desde quando passou pela
porta, Eli — Iara falou, e se aproximou, junto a Helena.
— E também, se quiser fugir pro interior comigo, não pense
duas vezes, que...
— Nós vamos te buscar, na hora — Iago complementou,
mesmo sendo o mais calado dos três homens daquela sala.
— Faço Tim pegar o voo com você, sem pensar duas
vezes. — Caio provocou, pois sabia do medo que o irmão mais
velho tinha de voar, e todos riram, enquanto Timóteo lhe lançou
um olhar mortal.
— Diacho de moleque — reclamou, e olhou em minha
direção. — Mas eu venho, prometo.
— Obrigada
Assumi, sentindo-me emocionada, pela maneira como cada
um ali, tinha me abraçado. De uma forma que eu só conheci uma
vez na vida, e infelizmente, eu tinha perdido. Nunca pensei que
em algum momento, poderia olhar para outras pessoas, e ver
uma real família nelas. Mas eu conseguia ver neles.
Eles eram uma família de verdade.
— Obrigada por entenderem e respeitarem.
— É o que a família faz, prima — Lena falou, e agora eu
sabia. Agora sim, eu entendia o que família significava. O que
durante os meus quase trinta anos não tinha sido possível, agora
era. Eles me mostraram, em poucos meses. — E família, é pra
encher o saco, sempre.
— Titia Eli...
Virei-me para Lucas, que veio até mim, ignorando o seu
videogame, e tirando uma das pulseirinhas que ele tinha no pulso.
Sabia o quanto ele gostava de montá-las, e da forma como todas
as Junqueira tinham uma. Eu já até tinha ganhado uma, como
Titia Eli.
— Eu fiz mais cedo, pro meu priminho — falou, e entregou-
me a pulseira.
“Baguncinha” estava escrito, e eu me agachei com cuidado,
para dar um abraço apertado em Lucas.
— A mamãe que me ajudou a escrever o apelido —
sussurrou em minha orelha, e eu deixei uma lágrima descer. —
Gostou, titia?
— Eu amei.
As duas palavras queriam dizer muito mais, assim que olhei
ao redor, e encontrei o olhar de cada um daquela sala. Eu amava
a maneira como eles tinham me acolhido, e torcia para que o meu
filho, pudesse um dia pensar em mim, da mesma forma, que eu
pensava sobre cada um deles.
CAPÍTULO 22

“Diga a ela como você deve ter enlouquecido


Quando você a deixou completamente sozinha

E nunca contou o porquê, o porquê”[23]

RICARDO

Merda!
Eu quase tinha derrubado o vaso favorito que minha mãe
tinha deixado, enquanto faxinava a casa durante o restante
daquele dia. O tempo parecendo voar, enquanto eu ignorava tudo
ao meu redor, e tentava deixar a minha casa, uma casa
apresentável para duas pessoas. Ou melhor, três.
Eu era pai.
Eu seria pai.
Como era ser o pai de alguém?
Respirei fundo uma, duas e talvez dezenas de vezes,
parado no meio da sala, e segurando o aspirador, ainda ligado,
conforme minha mente se perdia. Talvez eu devesse ligar para
Júlia e perguntar: como ela se sentiu ao descobrir que era mãe de
alguém?
— Por que a casa parece que vai vir abaixo?
A voz de minha melhor amiga, me fez parar, e me virar para
ela.
— Não deveria estar no interior? — indaguei confuso,
sabendo que geralmente, ela passava a semana na fazenda que
era sua casa, com Oscar e Clara.
— Como, se meu instinto está gritando que tem algo
errado? — perguntou, e logo senti suas mãos sobre as minhas,
afastando-me do aspirador. — Lembra quando bateu na porta dos
Esteves porque eu não te respondi, e na verdade, eu tinha me
acertado com Oscar e perdi a noção do tempo?
— Fiquei com medo de precisar de mim.
— Pois, eu tô sentindo que tá precisando de mim. — Vi-a
levar o aspirador para um canto da parede e o deixar lá. — Não
sou uma Reis, como seus outros irmãos, e nem tenho acesso a
muita coisa, mas... mas eu sei quando o melhor amigo e irmão
que eu escolhi, precisa de mim, e que dessa vez, tenho certeza
de que tem a ver com Eliana.
— Você também notou que eu sempre falei demais sobre
ela, mesmo quando era uma desconhecida?
— Quem também notou? — indagou, ao se sentar na
poltrona, e eu me vi sentando sobre o tapete, e ficando ali. —
Leila? — perguntou, e eu assenti, sem coragem para assumir. —
Não posso dizer que estou tão surpresa, porque Leila sempre foi
esperta demais, e fugiu de você, mas quando se apaixonaram...
— ouvi seu suspiro ao fundo. — Foi bonito ver você se apaixonar.
— Mas não o suficiente para ela, ou... ou para mim —
admiti, e encontrei seu olhar. — Não disse antes, acho que não
estava preparado, mas..., mas eu acho que Leila e eu
percebemos que não daria certo, porque na verdade, víamos,
todo domingo, o que é o verdadeiro amor. — Suspirei fundo. —
Nós éramos confortáveis um com o outro. Porém... porém não me
lembro de algo diferente de sermos práticos.
— E então, ela pediu o divórcio...
Assenti, e respirei fundo.
— Ela pediu, e eu não sabia, até que a notícia do acidente
veio, de que ela tinha alguém em sua mente também. — Suspirei
fundo. — Eu sempre tive Eliana, lá no fundo, mesmo que de uma
forma totalmente inocente. Até eu perceber, meses atrás, que não
o era.
— Se envolveu com ela, não é?
— A encontrei na frente da livraria, ofereci um café,
conversamos, dormimos, e quando notei, estávamos presos um
no outro, e eu entrei em total contradição no dia seguinte.
— Se culpando por querê-la e tê-la?
Assenti novamente.
— Então ela fugiu de mim, até... até aquela festa. E foi
quando eu desconfiei, ou melhor, tive a certeza de que ela ficou
comigo pelo meu sobrenome.
— Ricardo...
— Eu sei, eu... — Júlia parecia incrédula. — Mas ela tinha
tentado com todos os meus outros irmãos, e a linha temporal de
ela aparecer bem agora, e...
— Existe a porra do destino, também — ela falou, num tom
mais baixo. — Agora eu tô ficando preocupada, e começando a
dar razão para o roxo na sua cara dias de semanas atrás.
— Ela veio atrás de mim, dias depois da festa. Ficou vindo,
toda manhã aqui na livraria, perguntando de mim para os
atendentes, e eu fugi, enquanto pude, e daí... daí nos
encontramos, e eu disse coisas que não deveria, a machuquei, e
sequer dei a chance para me contar sobre a gravidez.
— Ric...
— Eu sei, eu... — fechei os olhos com força. — Eu me senti
tão mal depois de simplesmente expulsá-la da minha vida, mas
não tive coragem de ir até ela novamente. E quando ela
reapareceu, foi naquele stories da prima dela.
— Então ela socou a sua cara?
— A prima dela fez, Sabrina — expliquei. — Mas acho que
me sentiria menos pior, se Eli me desse outro. — Suspirei
cansado. — Então, eu a tenho perseguido por todos esses dias,
tentando... tentando pedir perdão, buscando por ele, e... e eu vou
ser pai, Juju!
— Pai de um filho da Aurora... — ela respirou fundo, e se
levantou, e assim que se aproximou, pegou a almofada e bateu
contra o meu peito. — Sorte sua que Sabrina já socou sua cara,
porque Ric... Que merda, hein!
— Imagine quando Oscar descobrir. — Fiz uma careta.
— Ele vai rir e te julgar para sempre — provocou, sabendo
que eu o tinha feito, com o seu marido. — Mas o que realmente
importa, por que está virando a casa de cabeça para baixo?
— Ela vem morar comigo.
— O quê? — a voz de Júlia deveria ter sido ouvida do lado
de fora da livraria. — Ela vem? Aqui?
— Eu não sei como, mas ela aceitou morar comigo.
— Ok, eu perdi alguma coisa no meio do caminho, não é
possível... — andou de um lado para o outro, enquanto eu me
jogava de costas no tapete. — Ela vai mesmo vir morar com você,
entendeu certo?
— Juju, pode só tentar não parecer que é um absurdo.
— Mas espera, como ela tem agido nos dias que foi atrás
dela?
— Me dado as costas todas as vezes, principalmente,
quando falei sobre morarmos juntos, pelo... pelo bebê.
— Quem não te conhece que te compre, Ricardo. — Olhou-
me como se me julgando até a minha quinta geração. — Vamos
fingir que é apenas pelo seu bebê... ai, meu Deus! Eu vou ser
madrinha! — Deu um pulinho e pareceu querer guardar o
minissurto no segundo seguinte. — Mas foco! Ela te deu as
costas e...
— E apareceu aqui ontem, dizendo que vinha morar comigo
— revelei, mordendo o lábio inferior. — Eu estou surtando desde
a hora que ela apareceu, e não consegui parar de limpar a casa,
e comprar roupas, sapatos, brinquedos...
— Ric...
A voz de Júlia me parou, e eu a encarei.
— Você a ama? — perguntou, e eu engoli em seco, porque
a resposta veio tão rápido, que eu só a impedi, porque me
surpreendi. — Ama, não é?
— Sabe quando perguntei sobre você e Oscar? — assentiu,
e eu suspirei. — Não sou bom com sentimentos, você sabe,
mas... mas ela conseguiu quebrar o meu coração, sem ter culpa
alguma. O quão perto isso pode ser do amor, Juju?
— Entregar o poder sobre si mesmo, para outra pessoa...
— ela estendeu a mão e me ajudou a levantar. — Está na dela,
de um jeito que vai cantar até Taylor Swift, aposto.
— Eu estava ouvindo o dia todo, acho que o novo álbum
que saiu — admiti. — Você acha que ela pode gostar de mim,
Juju?
— Isso, só com ela, mas... — suspirei fundo, sabendo que
ela tinha razão. — O que você vai fazer, para ela gostar de você?
Ali, Júlia acabava de implantar uma nova missão em minha
mente. Eu tinha uma única missão: conquistar a mulher que eu
amava.
Amava....
Era aliviador poder dizer aquilo em voz alta. Era até
mesmo, calmante. Como seria, poder admitir, aquilo, diretamente
para ela?
CAPÍTULO 23

“Farol, queimando
Cintilando na noite somente por você
Mas você ainda estava ausente

Ausente, ausente”[24]

ELIANA

Eu tinha contado até mil.


Parada do lado de fora, com a minha pequena mala em
mãos, e pensando em como seria, entrar e ficar. Como seria,
aquele lugar, que muitas vezes, foi o meu refúgio por anos, ser o
meu lar temporário.
— Coragem, não é, baguncinha? — sussurrei, e abri a
porta com força, como se precisasse avisar minha chegada.
Talvez fosse o melhor. Talvez fosse o certo. Ao menos, naquele
momento.
Palavras e mais palavras me confundindo. O que eu não
esperava, de forma alguma, era me sentir tão exposta, por tê-lo
escutado tão aberto, horas atrás. Sentindo-me quase uma
criminosa, quando o vi descer as escadas, com um sorriso
discreto no rosto, e vestido apenas com uma camiseta e calça de
moletom.
— Quase se encontrou com Júlia — falou, e eu engoli em
seco, tentando focar em qualquer lugar, que não fosse ele.
Como encarar alguém, depois de completamente sem
querer, ouvir tanta coisa?
— Ela mandou um beijo, aliás — continuou, e logo o senti
se aproximar. A sua aura tomando tudo ao redor. — Ela teve que
correr, porque tinha um voo, mas... Ela quer muito poder se
apresentar novamente para você.
— Faz um ano e alguns meses, quando ela se apresentou
— falei, finalmente encontrando minha voz, e subindo meu
queixo, tentando sustentar o olhar dele.
Tão bonito.
Esqueça isso!
Neguei internamente, que palavras pudessem ser o
suficiente. Eu era acostumada com tão pouco, que se não fosse
por perceber, no tempo junto com minhas primas, que o amor era
algo a ser provado, todos os dias, a ser apreciado, a cada
momento, eu, com toda certeza, estaria mais do que pronta para
aceitar o que ele quisesse me dar.
O que Ricardo quisesse.
Porém, eu não era mais a mesma.
Talvez fosse pelo tempo com elas. Talvez fosse porque eu
estava aprendendo a me amar. Suspirei fundo, mostrando-lhe
minha mala, e tentando ignorar que de repente, o silêncio pesou
entre nós.
— Posso?
Perguntou, indicando a mala com uma das mãos e eu
assenti, deixando com que ele a pegasse.
— Eu sei que pode ser ruim perguntar, ou soar péssimo,
mas... mas é apenas isso? — indagou, e eu sussurrei um simples
“sim”, subindo as escadas atrás dele. — Bom, eu... Eu acho que
não apresentei o lugar antes, com calma e estava escuro também
naquele dia, porém... Posso te fazer um tour da nossa casa?
Nossa casa.
Ele tinha noção do que falava? Minha mente confusa, uma
parte de mim querendo apenas corrigi-lo, mas no fundo, eu via no
seu semblante, que ele parecia tão nervoso, a ponto de que cairia
duro no chão, a qualquer instante. Não sabia que era possível,
ver tantas camadas abaixo de alguém, mas ele parecia
extremamente exposto, como se tentando se controlar.
— Sua casa, certo? — não evitei de corrigir, enquanto ele
parecia buscar o que disse, mas assentiu.
— É, era da minha mãe, e ficou para mim... Assim como a
livraria — explicou, como se perdido na sua mente. — Faz menos
de um ano, que voltei a morar aqui — falou, e eu segurei o lado
interior, de querer perguntar sobre sua ex-esposa.
Tudo o que eu fazia era evitar o fato de que eu não sabia e
nem procuraria nada sobre ele e seu antigo casamento. Uma
promessa que fiz a mim mesma, porque se eu não sabia nada
sobre ele, e gerou tanto transtorno, o que me traria, buscar saber
mais? Poderia até ter indagado a Sabrina. Poderia ter sabido o
que quisesse. Contudo, escolhi apenas fazer uma pergunta
simples.
— Ele não é mais casado, então?
— Não, há quase um ano agora.
A resposta de minha prima foi o suficiente para eu ficar
tranquila sobre ter sido a outra, pelo menos, naquela noite. Uma
parte de mim, melhor por saber que ele não tinha jogado baixo
daquela forma e me usado. E agora, ele me entregava uma
resposta que eu nem sabia que buscava: aquela não foi a casa
deles.
— Eliana?
Pisquei algumas vezes, e o encarei.
— Desculpe, senhorita Junqueira. — Ele correu para
consertar, e eu segurei minha língua. O melhor era manter aquela
distância. Eu estava ali pelo meu filho, para conseguir me firmar, e
então, buscar um lar para ele. Aquele não era o meu lar. —
Podemos?
— Claro.
Ele seguiu à minha frente, e foi de cômodo em cômodo,
mostrando-me que o apartamento era maior do que eu conseguia
me lembrar daquela noite. Totalmente bem-decorado, como uma
casa antiga, e que eu suspeitaria que era realmente de sua mãe,
pela forma como ele o tinha conservado.
— Eu... eu tomei a liberdade de separar esse quarto para
você — falou, abrindo uma porta, e eu adentrei o espaço, que era
mais do que o suficiente. Uma cama de casal, um grande armário
à esquerda, uma escrivaninha próxima à varanda, e roupas de
cama na cor lilás.
O cheiro de novo estava por todo o ambiente, e me segurei
para perguntar sobre.
— Era um quarto vazio, então eu comprei tudo e espero
que esteja do seu agrado.
— Obrigada — eu disse, e vi-o colocar minha mala ao lado
da cama. — É mais que o suficiente.
— Eu pedi ajuda, as minhas irmãs, de dicas e coisas assim,
do que mulheres gostam para maquiagem, e tentei me basear no
que te vi usar, durante os anos, para escolher as roupas e...
Olhei-o sem entender, e parte da conversa que ouvi me
pareceu mais marcante do que o final.
Eu estou surtando desde a hora que ela apareceu, e não
consegui parar de limpar a casa, e comprar roupas, sapatos,
brinquedos...
Não pensei duas vezes, antes de abrir as portas do armário
e encontrar vestidos de todos os tamanhos, cores e conjuntos de
moletom, assim como calças jeans, regatas, jaquetas... Tudo
extremamente organizado. Abri a outra porta e havia sapatos, de
tantos formatos, que fiquei boquiaberta.
— Posso ter errado o tamanho e o seu gosto, em tudo, mas
pode trocar, a qualquer momento, eu...
— Isso é demais — falei, o encarando. — Não precisava de
nada disso.
— Eu sei, mas..., mas eu aprendi com meus irmãos, que é
assim que se faz, quando alguém vem morar com a gente —
explicou, como se escondendo uma parte, e queria entender
como parecia lê-lo tão facilmente. — Se quiser, um dia, posso te
mostrar o meu quarto na Mansão Reis, acho que daí vai entender.
Assenti, apenas por pura educação, imaginando que jamais
cruzaria a porta daquela casa.
— Eu também, fiz um quarto para o nosso filho.
Pisquei algumas vezes, tentando digerir toda aquela
informação.
— Eu não sei se já foi ao médico, ou como estão as coisas,
mas... — suspirou fundo, e levou uma das mãos à nuca, como se
nervoso. — Eu pesquisei bastante, na internet... — foi nesse
momento que notei uma leve vermelhidão no seu rosto, ao admitir
aquilo. — Escolhi tudo que eu pude, em tons neutros, e
brinquedos de todo tipo.
— Agora, eu estou curiosa — admiti.
Ele me indicou a porta, e eu saí. Logo ele passou, me
mostrou a porta ao lado, e logo eu notei um filtro do sonho
pendurado.
— De novo, pode trocar o que quiser, e claro quando quiser,
podemos sair e comprar o que precisar, eu... Sou novo nisso —
admitiu, com a mão na maçaneta. — Por mais que tenha
acompanhado Clarinha, que é minha afilhada, desde a barriga de
Júlia, eu... É diferente — confessou. — Por isso, se eu parecer
prestes a arrancar os cabelos, não estranhe.
— Acho que todo mundo tem uma reação, quando
descobre que vai ter um filho — falei, como se tentando
tranquilizá-lo, mas sabendo que eu estive perto de fazer o
mesmo, com medo de foder com tudo. — Eu posso ver?
Ele afastou a própria mão da maçaneta, e eu levei a minha,
abrindo-a. Assim que encarei o quarto, um pouco menor que o
meu, não pude evitar as lágrimas que vieram aos meus olhos. Era
como olhar para o que eu tinha idealizado, por todos aqueles
meses, de como faria o quarto do meu filho.
Levei uma das mãos à barriga e outra à boca, surpresa em
como ele tinha acertado tão facilmente, a maneira que eu
passava horas, pesquisando e sonhando na internet, de como
seria o quartinho do nosso filho.
— Eu sinto muito, eu...
— Tá vendo, filho? — sussurrei, tocando minha barriga com
as duas mãos. — Esse é o seu cantinho, na casa do seu pai.
Fiquei apenas parada, olhando para o berço à minha frente,
e tentando controlar minha emoção. Ouvi um suspiro atrás de
mim, e por um momento, Ricardo e eu estávamos em completa
sintonia. O silêncio não pesava mais, ele simplesmente, se tornou
uma necessidade.
CAPÍTULO 24

“Em perdas de controle


Em navios naufragando

Você apareceu a tempo” [25]

ELIANA

— Você pode mexer no que quiser, quando quiser... —


Ricardo falou, após terminar o tour por todo o apartamento,
finalizando, de volta na sala de estar. — O meu quarto é esse
aqui, como te mostrei — falou, e apontou para o quarto, que eu
mal prestei atenção naquele momento, porque tinha recebido toda
a minha antes.
Quando a gente, literalmente, fez o nosso filho.
— Obrigada por me receber assim — falei, e então o vi dar
um sorriso, mas em seguida, outro silêncio sobre nós. — Eu acho
que vou para o meu quarto, para organizar o que eu trouxe...
— Claro, se precisar de ajuda, eu vou estar aqui. —
Pareceu mais solícito do que nunca.
Assenti, e me virei para ir até o quarto, mas ouvi sua voz
me chamando em um quase sussurro e parei.
— Obrigado — disse, seu olhar não encontrando o meu. —
Obrigado por permitir que eu fique perto, mesmo depois de toda a
merda que eu fiz.
— Continua sendo o pai do meu filho — respondi, tentando
não levar suas palavras para qualquer outro lado. — Acho que o
certo é apenas seguirmos em frente.
— Mesmo assim, eu queria que soubesse que sou grato e
que, não vou parar de querer me desculpar pelo que te disse, e
por ter te deixado sozinha, no momento que veio até mim...
— Está tudo bem agora — falei, engolindo em seco, e
tentando não levar para o pessoal, nada do que ele dizia. —
Estamos aqui, certo?
— É...
Ele respirou fundo, enquanto eu voltava a dar meus passos
em direção ao quarto que seria o meu, pelo tempo que eu ainda
não sabia, mas que de repente, pareceu um refúgio perfeito.
Assim que fechei a porta atrás de mim, percebi que tudo o que eu
necessitava era respirar fundo, colocar a cabeça no lugar e
relembrar o porquê de estar ali.
Eu precisava de ajuda, ele era o pai do meu filho.
Simples assim, era como se eu não tivesse que pensar
mais sobre. Porém, como eu poderia não o fazer, se ele esteve na
minha mente, para o bem ou para o mal, durante todos aqueles
anos? Fazia tanto tempo que Ricardo era uma constante, que
saber que ele estava do outro lado da porta, e que estávamos sob
o mesmo teto, parecia simplesmente, uma criação da minha
cabeça.
Talvez eu tivesse me tornado um pouco fanfiqueira, como
minha prima Lena. Ou quem sabe, ainda mais romântica, como
minha prima Iara. E pior, emocionada ao extremo, como vi que
minha prima Sabrina era, quando se tratava do amor.
Amor?
Uma palavra tão simples, mas que tinha um peso tão
grande. Repassando em minha mente, tudo o que tinha
acontecido até ali, poderia usá-la como uma justificativa. Talvez o
fato de Ricardo ter sido o meu primeiro amor, quando o conheci
de longe, uma mera extensão do que eu imaginava, ou gostaria
de imaginar.
Tudo muito confuso em minha mente. Tantas perguntas
sem respostas, que provavelmente, eu apenas gostaria de evitar.
Tantas questões sobre mim. Tantos questionamentos sobre ele.
Tantas dúvidas sobre o futuro.
Olhei para o meu celular e vi uma mensagem de Sabrina.
Ela estava perguntando se eu estava bem. Tinha me perguntado
há algumas horas, quando eu disse que iria para ali, mas acabei
chegando cedo demais, e ouvido uma conversa que não deveria.
A voz dele passando por minha mente, até mesmo na hora
que eu resolvi apenas voltar com todo cuidado para fora da
livraria, torcendo para que o sininho que tinha ali, não os
alarmasse. E então, andei ao redor do bairro, puxando minha
mala e sua admissão rodando em minha mente. Como se eu não
pudesse simplesmente superar.
Eram apenas palavras.
Ele não as cumpriria. E muito menos, as demonstraria.
Eu estava a salvo, certo?
Estava tudo certo, no fim?
“Já estou bem instalada, e vou arrumar minhas coisas.
Desculpe a demora, acabei enrolando para entrar mesmo aqui”
Mandei a mensagem para Sabrina, e me deitei de costas na
cama. Minha consulta com o obstetra era no dia seguinte, e ainda
nem tinha tocado no assunto com Ricardo. De tão imersa que eu
estava em cada movimento que ele dava, como se estivesse
pronta para provar a mim mesma, que eu tinha ouvido coisas.
Que eu estava temendo por algo que não existia.
— Sabe quando perguntei sobre você e Oscar? — Senti-me
parar de respirar por alguns segundos. Eu apenas esperava um
“não” ou um silêncio. Porém, ali estava ele, jogando uma
pergunta. — Não sou bom com sentimentos, você sabe, mas...
mas ela conseguiu quebrar o meu coração, sem ter culpa alguma.
O quão perto isso pode ser do amor, Juju?
Só gostaria, de que as palavras dele parassem de rodar em
minha mente, deixando-me quase que em carne viva – totalmente
exposta.
— O que acha, baguncinha?
Perguntei para minha barriga, e da posição que eu tinha me
deitado, era engraçado ver um monte se formar, me dividindo. Em
algum momento eu pararia de enxergar depois da barriga. E para
alguém que nunca pensou que seria mãe, eu estava adorando as
mudanças que estavam acontecendo em meu corpo, mesmo não
entendendo a grande maioria delas.
A minha obstetra que parecia me amar, pela lista de
dúvidas que eu levei nas consultas que tivemos. Eram tantas, e
eu ainda levava uma caneta para anotar. Talvez ela estivesse
acostumada com mães de primeira viagem, que têm mais dúvidas
do que hormônios para simplesmente discutir.
— Amanhã é dia de ver a médica — falei, e passei as mãos
de leve pela barriga. Eu ficava imaginando, como seria, o
momento em que eu sentiria um chute, ou qualquer movimento
ali. Deveria ser mágico, não é? — Pode ser bonzinho ou boazinha
com a mamãe, e... e nos deixar ver se é menino ou menina?
Minha mente tinha uma certeza sobre o sexo, até mesmo,
no fundo do meu peito, eu já sabia. Talvez fosse o meu instinto
materno, mas existia um medo grande de que na verdade, eu
estivesse inventando a coisa toda. Então, eu tentava apenas
ignorar a certeza, que de não tinha absolutamente nada.
Batidas na porta, me fizeram me sentar na cama, e me
recompor, passando as mãos nos cabelos mais veze do que
admitiria.
— Pode entrar.
— Oi... — a voz de Ricardo adentrou o ambiente, assim
como todo ele, uma imponência que ocupava cada canto, por
mais que seu semblante fosse leve. Ou ele tentasse que fosse. —
Eu fiz um macarrão simples, com molho vermelho e queijo —
explicou, e eu assenti. — Não sei se está com fome ou quer pedir
algo, mas...
— Macarrão está ótimo — declarei, levantando-me, e
percebendo que fiquei deitada ali, por mais tempo que imaginava.
A minha mala completamente intocada.
— Certo... Vou te esperar na sala de jantar, então.
Coloquei-me totalmente de pé e segui para fora do quarto,
encontrando uma cena do lado de fora, que me fez segurar o riso.
Ricardo corria da sala de estar para a cozinha, com dois pratos, e
em seguida, dois copos, quase derrubando-os no processo. Logo
voltou com os talheres, e parecia querer fazer em tempo recorde.
O cheiro era bom, e eu respirei fundo, para sentir melhor.
Só assim, ele pareceu me notar, e desacelerou, como se
disfarçando, quando se aproximava com a panela em que deveria
estar o macarrão, e colocava um descanso na mesa, e ela sobre
este.
— Eu queria mesmo falar com você sobre... sobre ir às
consultas médicas.
— Ah, claro — ele respondeu, e me surpreendeu quando se
aproximou, e puxou a cadeira que eu estava pronta para me
sentar.
Não entendi de primeira, mas aceitei, sentindo-o ao meu
redor, enquanto reposicionava a cadeira com cuidado, conforme
eu havia sentado. Por que ele tinha que agir como um cavalheiro?
Era o que ele era? Ou ele estava simplesmente se agarrando à
ideia de tentar um futuro porque eu estava grávida?
— Eu fiquei sem saber como perguntar antes, mas... O
bebê está bem? Você está bem? — perguntou, sentando-se, um
semblante preocupado no rosto, não me deixando margem para
questionar suas ações anteriores. Talvez fosse apenas o
automático dele.
— Sim, tudo certo — respondi, ao mesmo tempo que ele
servia o macarrão, mas acabou parando no meio do caminho.
— Eu nem me toquei, ou perguntei se pode comer esse tipo
de comida e...
— Eu posso — tranquilizei-o, mesmo sem perceber, e ele
respirou fundo.
— Sei que passou mal no começo da gestação, ainda... —
vi-o engolir em seco, quando servia o próprio prato. — Ainda se
sente mal?
— Raras vezes — assumi. — Felizmente, foi apenas no
comecinho e agora mesmo, não me lembro quando passei mal.
— Que ótimo! — suas palavras foram como de alívio. — Eu
acabei te cortando, estava falando sobre as consultas...
— Sim, eu tenho uma amanhã. — Seu olhar pareceu
surpreso. — Se quiser me acompanhar, pode ser que
descubramos o sexo dessa baguncinha aqui — falei sem pensar,
e minha mão foi direto para a barriga, assim como meu olhar.
— Claro, eu adoraria. — Sua voz me fez encará-lo. — Se
isso não for um incômodo para você, claro. — Neguei com a
cabeça, e peguei os talheres, pronta para comer. — E
baguncinha?
— Ah... — senti meu rosto queimar, e tentei até mesmo
disfarçar, mas seria impossível. — É como chamo o nosso bebê.
— É fofo — ele falou, enquanto eu tentava focar na comida,
porque de repente, eu estava envergonhada demais para
continuar. — Nós chamamos Clara de solzinho até hoje — contou.
— Acho que apelidos durante a gravidez acabam ficando para
sempre.
— Não sei se vai ficar, mas... mas eu gosto — assumi. —
Pelo menos, faz todo sentido para mim.
Levei um pouco de comida à boca, e sentia que ele me
observava, por mais que mantivesse meu olhar baixo, e focada
em apenas saborear a comida. Por mais pesado que poderia
estar, ao nosso redor, estranhamente, parecia apenas mais uma
noite comum. Parecia que eu tinha chegado em casa, e agora,
estava apenas tendo mais uma refeição com ele.
Porém, ele não era apenas ele.
Ele era Ricardo.
E Ricardo... Ricardo ainda era uma constante em minha
mente há muito tempo. E agora, sentia que era uma realidade,
bem à minha frente, como se fosse parte da minha vida. Ele
estava se tornando, de certa forma, e eu teria que aprender a
lidar, de algum jeito.
CAPÍTULO 25

“Quando você é jovem


Você só foge
Mas você volta

Para o que precisa” [26]

RICARDO

Eu não gostava de clínicas médicas ou hospitais. Aqueles


lugares sempre me deixavam nervoso, pronto para apenas querer
sair e respirar. Minha mente, me levando para quando eu vivia
nelas, por conta da doença da minha mãe. Por mais que mesmo
no pior momento, de quando não sabíamos mais o que fazer, sem
recursos para que ela tivesse o tratamento, ela ainda
permanecesse com um sorriso no rosto, e me dizendo que tudo
ficaria bem, as paredes de cor cinza me assustavam.
Agradeci aos céus pelas paredes daquela clínica serem
coloridas em tons pastéis. Agora eu pensava, em como deveria
ter sido difícil, e na verdade, inumano, minha mãe afirmar que
“estava tudo bem”, enquanto ela sentia uma dor tão forte que mal
conseguia se mover, tudo para que eu não me preocupasse.
Aquilo significava criar outro ser humano? Passar uma
tranquilidade, mesmo nas águas mais turbulentas que
enfrentasse?
— Senhorita Junqueira.
Permaneci sentado, e demorei alguns segundos para me
lembrar de que aquele era o sobrenome de Eliana. Levantei o
olhar, e a encontrei de pé, esperando-me no corredor, e eu a
segui, lutando contra meu próprio instinto de correr para longe,
porque corredores como aqueles, me faziam lembrar, do último
que cruzei, exatamente, quando minha mãe se foi.
— Tudo bem?
A voz de Eliana soou baixa ao meu lado, e eu apenas
assenti, enquanto adentrávamos um consultório. Tentei me
manter na realidade, ao passo que me apresentava à médica, e
ela explicava sobre o que veriam naquele dia. Tudo passando em
um borrão, e só parecendo uma outra realidade, quando Eliana já
estava deitada em uma maca, e a médica à sua frente, mostrando
algo no monitor.
Algo, não.
O nosso filho.
Perdi o fôlego e qualquer palavra.
— Parece que temos um bebê bonzinho hoje — a médica
comentou. — Tem certeza de que querem saber o sexo agora?
Senti o olhar de Eliana sob mim, e a encarei, assenti com
um sorriso de lado. O que ela quisesse, e como ela quisesse. E
era claro, que ela estava mais do que curiosa para descobrir.
— Sim, por favor.
— Bom. — A médica deu um leve sorriso para Eliana. — É
um menino.
A descoberta me atingiu, mais do que imaginei. Não era
apenas mais uma barriga de grávida ou um bebê, agora nós até
sabíamos, que era um menino. Um menino feito por parte de mim
e por parte dela.
Ouvi um suspiro profundo, e encarei Eliana, que tinha
lágrimas nos olhos e agarrou o medalhão em seu pescoço com
uma das mãos. Ela parecia imersa naquela revelação, enquanto a
médica explicava mais algumas coisas, e eu me preocupava com
o estado que ela se mostrava sobre a maca.
No final, estava tudo certo. Tudo bem com o nosso bebê, o
nosso menino. Mas quando saímos pelo corredor, além do pânico
que começou a tomar conta de mim, por cada parede que eu
encarava, eu me vi quase sem respirar, por notar que Eliana
parecia carregar toneladas em suas costas.
Respirei fundo, quando estávamos do lado de fora, e não
pensei muito, quando levei Eliana diretamente para um banco, e
fiz com que se sentasse. Puxei o ar com força, parecendo
conseguir voltar a respirar, conforme ela parecia se controlar.
— Eu sentia que era um menino, desde o começo... —
assumiu, ainda segurando com força o seu cordão. — Eu achei
que talvez fosse a minha mente, que precisava desse conforto,
porque perdi meu irmão há alguns anos e... e às vezes, eu só
queria, uma segunda chance.
— E por que está assim?
— Porque eu só queria poder ligar para ele e dizer que ele
vai ser tio — assumiu e uma lágrima desceu por seu rosto. — O
luto pode ser tão difícil, mesmo depois de tantos anos.
— Os anos não melhoram o luto, eles só... só nos fazem
achar que passou, mas nunca passa — falei, e seu olhar parou no
meu. — Lá dentro, eu estava quase surtando, porque até hoje, é
difícil estar em hospitais e clínicas, me lembra da minha mãe... me
lembra do que ela teve que passar por tanto tempo, até que a
perdêssemos. — Seu olhar suavizou, e senti sua mão sobre a
minha.
Um toque simples, mas que demonstrava mais do que
qualquer coisa: um entendimento.
— Não sei se ajuda, mas... mas não está sozinha nisso, e
por mais que se julgue pela perda, ela continua sendo válida,
sempre — falei, o que eu tanto gostaria de ter ouvido, anos atrás.
— Sua mãe ia ficar feliz, em ter um neto? — indagou,
surpreendendo-me por completo, pelo rumo que a conversa
tomava.
— Ela sempre disse que eu devia sossegar, assumir a
livraria, e construir uma família — confessei. — “Se continuar
querendo se matar de trabalhar em outros lugares, não vai ter
tempo para família”. — imitei o que ela sempre dizia, e Eliana me
surpreendeu com um sorriso.
— “Se deixar que eles mandem na sua vida, não vai ter
uma” — Eliana falou, como se imitando alguém também, e deduzi
que fosse seu irmão. — Foi uma das últimas coisas que Leo me
disse, mas eu demorei muito para poder ir contra os meus pais,
se é que poderia chamá-los assim.
— Acho que temos mais em comum do que pensava —
assumi, suspirando fundo, sua mão ainda na minha, enquanto eu
torcia para que ela não percebesse aquele ato, e eu perdesse o
contato. O quão desesperado eu era? — Quando eu soube, sem
querer, por um dos atendentes, a sua idade, e então calculei que
eu era doze anos mais velho que você, o que se passava na
minha mente era que seria maluco, de dar algum passo.
— Acho que a vida me deu muito para levar durante os
meus vinte e seis anos — admitiu, e então senti sua mão se
afastar da minha. — Obrigada por me escutar.
— Quando quiser — assumi. — E digo o mesmo, às vezes
a gente só quer falar, ou só quer ser ouvido... estou aqui, para os
dois.
Ela assentiu, levantando-se, e eu fiz o mesmo. Segui-a pela
rua, em direção ao meu carro, e percebi a forma como seus olhos
brilharam novamente, quando se aproximaram dele.
— Gosta de carros?
— Eu amava meu celtinha, antigo, mas que era
praticamente um tanque de guerra — confessou. — Foi o que Leo
me deixou, sua antiga paixão por carros e velocidade.
— Então, sem chance de querer dirigir o meu civic? —
provoquei, e ela parou, se virou e me encarou como se incrédula.
— Eu posso?
— Acho que ele está com saudade de velocidade, já que eu
sou medroso demais com estradas.
Os olhos de Eliana brilharam ainda mais.
Peguei a chave presencial em meu bolso, e entreguei a ela,
que ainda permaneceu parada, como se tentando acreditar no
que eu fazia.
— Então, vamos?
Ela olhou para a chave, depois para o carro, e depois para
mim. Vi a sua postura mudar por completo, enquanto ela abria a
porta, e se sentava no banco do motorista. Um brilho tão intenso
sobre ela, que eu tinha acabado de descobrir, uma das suas
paixões, e era nítido e claro, como se fosse uma parte de si.
— Acho melhor colocar o cinto.
Um aviso, foi o que ela me deu, e eu não pensei duas
vezes. Sorri, à medida que ela pegava o acesso mais próximo
para uma rodovia, e o barulho do motor do carro se tornava mais
alto. Olhando dali, toda confiante, na faixa da esquerda, e um
sorriso no rosto, mesmo que as lágrimas estivessem secas contra
ele, entendi que era mais do que uma paixão, era um dos seus
escapes.
Cliquei na tela, para colocar uma música, e só então
percebi que estava em uma das playlists de Carolina, que não
sabia como, conseguia colocá-las no carro de toda nossa família.
Uma volta de carro era o bastante, e ela estava adicionando-a em
todas as contas.
Quando pensei em mudar de música, ouvi a voz de Eliana
baixinho, cantando junto, e parei no mesmo instante. Ela parecia
conhecer aquele boygroup, e eu apenas me vi relaxando no
banco, e vendo-a abrir o vidro do seu lado, e sentir o vento no
rosto.
Se existia algo mais lindo do que olhá-la, apenas por ser
ela, ali, eu soube, que existia um momento, de olhar para alguém
que você ama, e o admirar, na sua mais pura paixão, euforia e
felicidade. Era contagiante, e naquele instante, eu tive certeza de
que faria qualquer coisa, para vê-la daquela forma, todos os dias.
CAPÍTULO 26

“Parta seu coração, eu o consertarei


Eu esperaria para todo sempre (para todo sempre)

E é assim que funciona, é assim que você conquista a garota, garota”[27]

ELIANA

Acho que dirigir para longe era tudo o que eu precisava.


Say My Name gritando e eu conseguia ouvir o sorriso de Ricardo
ao meu lado. Naquele momento eu me perguntava, se teria como
congelar um momento, e ser sempre assim. Se tudo poderia, ser
para sempre daquela maneira?
Sem passado. Sem medo. Sem rejeição. Sem julgamentos.
Quando eu saí da rodovia, a minha alma parecia mais
limpa. Era como se eu conseguisse me comunicar diretamente
com Leo, quando estava ali. Como se eu estivesse lhe contando,
do jeito que ele me ensinou a amar carros e velocidade, que
agora, ele era tio de um menino.
Que eu só conseguia pensar que levaria o seu nome.
Dirigi até em casa. E casa de repente, era um segundo
lugar que eu não esperava. Por mais que todos os sábados,
aquela livraria tinha sido o meu lar, mesmo que por apenas
algumas poucas horas. Estacionei com Ricardo me orientando,
que era uma vaga em que ele sempre deixava o seu carro, e tinha
um sorriso no meu rosto, mesmo quando desliguei.
— Realmente gosta de carros e de velocidade — ele falou,
e eu o olhei, tirando o meu cinto e assentindo. — Será que nosso
filho vai gostar disso também?
— Pretendo ensinar isso para ele — assumi. — Não tenho
muita coisa que possa passar a ele, mas o que eu gosto, com
toda certeza, farei questão.
— Acho que Leo seria um nome bonito, não acha?
Pisquei algumas vezes, diante de sua pergunta, como se
ele tivesse lido meus pensamentos.
— Eu sempre pensei que eu se tivesse uma filha, eu daria o
nome da minha mãe — comentou. — Achei que pudesse ser o
que estava considerando, como uma homenagem para seu irmão.
— Tinha acabado de me questionar sobre isso — admiti. —
É estranha a forma como você parece me conhecer tão bem.
— Como disse antes, é realmente estranho como parece
que somos tão parecidos, e sei que não sabemos quase nada um
do outro... — engoli em seco, não sabendo se gostaria do rumo
daquela conversa. — Só foi o primeiro dia, quem sabe... quem
sabe, morando juntos, vamos descobrir ainda mais.
— Podemos ser amigos, no fim, certo? — perguntei, como
se pronta para resguardar o meu coração, e notei o exato
momento que sua feição mudou, mas ele pareceu fingir que não
se abalou.
Por que ele se abalaria?
— Claro que sim — assentiu. — O que você quiser, Eliana.
— Se puder, continue me chamando pelo nome — falei,
antes que ele se corrigisse. — Odeio o meu sobrenome.
Percebi como minhas palavras o impactaram, enquanto ele
assentia, e eu me movimentava para sair do carro. Antes que eu
pisasse na rua, senti sua mão segurando a porta, e não sabia
como ele tinha dado a volta tão rápido. Por um segundo apenas
ficamos parados ali, olhando um para o outro, como se não
pudéssemos simplesmente quebrar aquilo.
Como se amigos, nunca fosse o suficiente. Mas tinha que
ser.
— Puta merda!
— Puta que pariu!
As exclamações me fizeram virar, e sabia que Ricardo fez o
mesmo. Levei o choque imediato de encontrar todos os irmãos
Reis ali, parados à frente da livraria, que Ricardo tinha fechado
naquele dia, segundo ele, porque precisava preparar o coração
para ver o nosso filho pela primeira vez. Quem diria, que no fim,
estaríamos bem ali, diante da sua família?
— Eu tentei impedi-los. — A voz de Verônica Reis, que eu
só conhecia por fotos, nos atingiu, e ela me lembrou de fato, a
maneira como Sabrina se comportava.
Algo sobre serem as mais velhas e praticamente, as
matriarcas da família.
— Ela já sabia, não é justo. — Carolina rebateu, e então
notei o olhar de todos presos à minha barriga. — Como que a
gente vai ser tio, e descobre por Clarinha em uma chamada de
vídeo?
— Eu estava... — Ricardo pareceu tentar explicar, mas
desistiu no segundo seguinte. — Esperem aí — ele pediu, antes
de apenas segurar meu braço, e me levar consigo para dentro da
livraria. — Desculpe, eu...
— Não queria que os Reis soubessem sobre a gravidez?
A pergunta saiu como se facas estivessem sendo atiradas,
e minha garganta se fechou.
— Claro que não — respondeu, de imediato, e senti o
impacto. — Quer dizer, claro que eu não queria que eles não
soubessem... — pareceu tentar explicar. — Tô só piorando tudo,
né?
— Por que está tão nervoso?
— Porque eu sei a merda que fiz, relacionando meu
sobrenome, e eu percebi que é como eu, odeia todo esse status e
poder que famílias dão, então... Eu queria conversar com você
primeiro, marcar um almoço ou jantar, e então contar a eles. Se
você estivesse à vontade e concordasse, caso contrário, eu só os
informaria.
— Eles são sua família, Ricardo.
— Você é minha família também.
Pisquei algumas vezes, perplexa.
— Só que não contava com o fato de que Clarinha acabaria
soltando... Verônica já sabia, antes de mim, e guardaria isso, mas
os outros...
— Verônica Reis sabia que eu estava grávida de você,
antes de você saber? — perguntei, incrédula.
— Não me pergunte como, porque nem eu tento mais saber
como ela sabe tanto, mas... Sim, ela sabia. — Agora eu estava
perplexa. — Eu posso expulsá-los. — Sugeriu, e eu apertei as
mãos com força, negando com a cabeça.
Vi-me fazendo como Sabrina tinha me encorajado,
mantendo meu queixo para cima, e olhando em direção à porta.
— Eu estou bem com isso.
— Eliana, eu realmente, não me importo de mandá-los
embora.
— Eu me importo. — Virei-me e o encarei. — Não tenho por
que ter medo de ninguém, não mais.
Um sorriso se abriu no canto da boca dele, como se
orgulhoso, e mesmo que ele não soubesse exatamente o que
aquilo significava para mim, no fundo, era como se encarasse um
semelhante. Até naquilo, nós seríamos iguais?
— Ok, eu vou chamá-los e, já sabe, a casa é sua — disse,
e passou por mim.
Respirei fundo uma, duas, talvez dez vezes, firmando-me
ali, e sabendo que precisava encarar aquilo. O medo de ser
julgada, pelas pessoas que um dia, fui obrigada a perseguir,
quase me dominando. Porém, aquela nunca fui eu, e eu não tinha
por que temer ou me justificar pelo que não era. Mas sim, pelo
que eu era.
Naquele momento, a mãe de um dos sobrinhos deles.
— Você já era bonita nas fotos que Helena posta no close
friends, mas pessoalmente...
Levantei o olhar, para encontrar Carolina Reis, com um
sorriso enorme no rosto, que aumentou ainda mais, quando
encarou minha barriga.
— Desculpe, tô empolgada — admitiu. — Sou Carolina,
mas pode me chamar de Carol ou Barbie. — Deu-me dois beijos
no rosto, e se afastou, quase que pulando.
Ela parecia alegria pura.
— Antes que Carol te sufoque, é bom te ver, Eliana — Igor
falou, e eu sabia que não precisávamos de apresentações, aquela
vez horrível em uma balada, com certeza, não falharia em sua
memória. — Parece bonita e à vontade, o que é ótimo.
— É, eu estou — assenti, enquanto ele me dava um leve
beijo no rosto.
— Tadeu e Murilo... — Verônica falou, apontando primeiro
para o homem mais alto ao seu lado, e em seguida, para o de
cabelos ruivos, mas que também, dispensavam apresentações. —
Sei que já os conhece, e eles te conhecem, de águas passadas,
mas... Podemos ter um minuto?
— Claro, senhora Reis.
O silêncio que caiu na sala, era nítido que todos pareciam
preocupados. O olhar de Ricardo procurou o meu, e tentei passar
tranquilidade ao encará-lo. Mas no fundo, e talvez até
externamente, eu estava apavorada.
O que Verônica Reis teria para falar comigo?
Porém, vi-me apertando uma das mãos na outra, e
mantendo meu queixo erguido, enquanto a levava para dentro da
casa que era de Ricardo, mas que também, era a minha, por certo
tempo.
No fundo, eu não sabia o que esperar, mas me aliviou
pensar que, estava apenas tirando o curativo de uma vez, sem
fugir da realidade. E ela era, que a minha baguncinha, fazia parte
dos Reis.
CAPÍTULO 27

“A luz reflete
A corrente em seu pescoço
Ele diz: Olhe para cima
E seus ombros te tocam
Sem provas, um toque

Mas você sentiu o bastante”[28]

RICARDO

— Isso já aconteceu com todos vocês? — perguntei,


enquanto meus irmãos mexiam nas prateleiras da livraria, ou
caçavam algum café para tomar.
— Se até mesmo Oli, que conheceu Verônica durante uma
ameaça de guarda, e hoje são praticamente melhores amigas,
não tem com o que se preocupar — Carol falou, e eu não sabia
se me animava ou não.
— Obrigado pela parte que toca a minha esposa. — Murilo
rebateu, e ela fez uma reverência, provocando-o. — Verô não vai
socar a cara dela, como Sabrina fez com você — disse, o que
sequer tinha passado por minha mente.
— Eu sequer pensei nisso...
— Então, por que está preocupado? — Tadeu indagou,
sentando-se em uma das poltronas do espaço voltado para
leitura.
— Porque ela não fez isso com Leila — declarei, e vi as
expressões deles mudarem. — Tudo bem que Verô conhecia
Leila muito antes de mim, mas isso... isso tudo aqui é novo. O
jeito como Verô...
— Escondeu que a gente ia ser tio — Igor complementou, e
eu assenti. — Olha só, talvez você tenha ganhado o cargo de
bolinha peluda.
— O quê? — foi uma pergunta geral.
— Igual aos Esteves — Igor explicou, com um sorriso na
boca. — Carolina era a primeira na fila, até que veio a bolinha
peluda... — referenciou mesmo Rei Leão, como os Esteves
faziam, e ouvi a nossa irmã mais nova bufar. — Deem outra teoria
melhor, então.
— Ela está dando boas-vindas para Eliana. E claro, para o
novo Reis que virá — Tadeu falou, em seu tom calmo. — Verô
sabe quando alguém vai ficar, e pela sua cara, irmão... — olhou-
me, como se vendo o meu âmago. — É óbvio que vai fazer de
tudo para que ela fique.
Era uma verdade, e então eu gostaria muito de conseguir
ouvir o que elas falavam, mas pela maneira como não era
possível ouvir nada, suspeitava que Eliana deveria ter levado
Verônica pra o seu quarto.
E de alguma forma, eu só queria ser uma mosquinha, para
estar lá, e saber exatamente o que acontecia.
ELIANA
— A senhora sabia. — falei, assim que Verônica se sentou
na cadeira que lhe indiquei, e eu fiquei na ponta da cama, a
encarando. — Sobre a gravidez.
— Eu fiquei curiosa, porque o meu irmão que nunca usa
recursos dos Reis, estava tão ficcionado em um nome em
particular — explicou. — Os detetives que temos, sempre me
reportam o que cada um dos meus irmãos busca, e me
surpreendeu, ser a terceira vez que Ricardo buscava sobre você,
só que de repente, ele tinha um sobrenome. — Fiquei
completamente sem fala. — Então eu juntei os fatos, mesmo sem
uma certeza, quando um dos detetives me reportou que estava
grávida. Fiz com que ocultasse isso de Ricardo, para que ele
descobrisse, quando você quisesse. É o seu direito, afinal.
— Obrigada por isso — admiti, e usei tudo de mim para
continuar a encará-la. — A senhora precisa de algo de mim?
— Na verdade, sim. — Olhou-me profundamente, como se
pudesse ler minha alma, mas não havia expressão alguma em
seu rosto. Como ela conseguia? O poder que ela exalava, mesmo
que me deixando confortável, era tangível. — Primeiro, eu sou
apenas Verônica para você. — Pisquei algumas vezes, incrédula.
— E segundo, independente do que você e Ricardo tiveram,
tenham ou vão ter, você é uma de nós agora. — Ali, eu me perdi
por completo. — Há pessoas que vão te proteger, seguranças,
que já deve ter tido um dia. Na realidade, eu já os coloquei,
quando soube da gravidez, mas de forma mais discreta, e queria
que soubesse.
— Não precisa disso, de verdade.
— Precisa, porque você é a mãe de um Reis — cortou-me
e me encarou. — Sei o quanto sobrenomes são importantes
nesse meio, os laços de sangue e toda a baboseira que seus pais
podem ter despejado sobre você, e por pessoas como eles, eu
preciso que seja protegida.
— Eu não sou uma Reis, senhora...
— Verônica — corrigiu-me.
— Verônica — falei, estranhando o seu nome em minha
boca. — Eu sou apenas eu, e sei que estou grávida, e deve se
sentir responsável, mas estamos bem. Eu posso proteger meu
filho e cuidar dele.
— Nunca duvidei disso — ela disse seriamente. — Mas é
isso o que fazemos — explicou, como se fosse óbvio. — Você é
dessa família agora, querendo ou não isso... e nessa família, nós
nos protegemos, independente de qualquer coisa.
— Mesmo que eu seja contra.
— Principalmente se for contra, porque me indica que pode
ter mesmo algum perigo. — Engoli em seco. — Conheço Marta e
Paulo Junqueira, sei do que são capazes.
— Eu não planejei isso, e nem pedi por isso, eu... — soltei o
ar com força. — Não calculei nada, para ser parte da sua família.
— Fico feliz em me dizer, mas eu sei. — Seu olhar preso ao
meu. — Conheço mentirosos, enganadores e interesseiros há
quilômetros, Eliana. Pode ter certeza, que nunca pensei isso
sobre você.
— Obrigada, eu acho. — Soltei o ar com força mais uma
vez.
— Eu também gostaria de agradecer. — Olhei-a
novamente, sem entender. — Por trazer Ricardo de volta.
— Eu não...
— Acho que um dia, se tiverem uma conversa sobre o
último ano dele, talvez entenda. — Ela se levantou, e eu fiz o
mesmo, sem saber como agir. — Obrigada por isso.
— Senhora Reis, quer dizer... Verônica, eu realmente não
entendo.
— Entendeu que é parte da nossa família agora, certo? —
assenti, mesmo que incerta. — É o suficiente.
Ela então apenas se afastou, e eu me vi indo atrás dela, e
não sabendo exatamente o que tinha acontecido. Era como se eu
tivesse recebido a bênção dela? Era algo parecido com aquilo?
De uma vida toda, sem saber o que era uma família de
verdade, de repente, eu estava imersa em três. As minhas primas,
a de Ricardo, e agora, os Reis. O quão perdida eu me encontrava
naquele momento?
Quando desci as escadas atrás dela, não demorou muito
para Ricardo vir até mim, mas ele parou, quando Verônica
simplesmente levou o dedo anelar e médio até a testa dele, e logo
se afastou. Fiquei sem entender absolutamente nada, mas pelos
olhares trocados, eu senti que aquele movimento significava algo.
Algo muito importante.
— Ah... — falei, chamando a atenção de todos. — Não sei
se Ricardo contou, mas... — tentei encontrar coragem, e acreditar
no que Verônica me disse, de que eu era parte daquela família. —
Descobrimos agora a pouco que é um menino. E ele vai se
chamar Leo.
Uma mistura de gritos, palmas, e de repente, o olhar de
Ricardo chegou ao meu, um sorriso tímido em meu rosto, por
estar sendo corajosa assim. No fundo, eu sabia que ele estava
orgulhoso de mim. E mais ainda, no meu âmago, sabia que Leo
também estava, assim como a baguncinha que levaria o seu
nome. Contudo, o que realmente importava era que eu... eu
estava com orgulho de mim.
E aquela sensação era uma das melhores que eu já tinha
experimentado.
CAPÍTULO 28

“Um olhar, uma sala escura


Direcionado especialmente para você
O tempo corre rápido demais

Você reprisa em sua mente”[29]

ELIANA

— Então, quer dizer que já achou uma família para nos


substituir? — Helena dramatizou, enquanto ele entregava uma
pasta, e vi Sabrina negar com a cabeça, enquanto olhava para o
seu computador. — Usou seu dia de folga, foi ao médico com
aquele que Sabrina socou a cara, e agora tem segurança dos
Reis ao seu redor, e...
— E eu não contei o mais importante ainda — falei, e senti
o olhar de Sabrina se voltar para mim.
Era para ser apenas mais um dia de trabalho, como todos
os outros. Entretanto, eu tinha me segurado no dia anterior, para
poder lhes contar pessoalmente.
— Seria bom se Iara estivesse junto, acho que...
Batidas na porta da sala, que logo foi aberta, nos
mostraram a única pessoa que faria aquilo, na empresa das
Junqueira, sem esperar qualquer convite.
— Boa hora? — Iara perguntou, adentrando o ambiente, e
eu assenti, animada por estar com todas elas ali. — O que tá
havendo?
— Fomos traídas — Helena dramatizou, e eu ri baixinho
enquanto Sabrina revirou os olhos.
— Eli tem algo importante para nos contar.
— É... é que conseguimos descobrir o sexo do bebê — falei
de uma vez, empolgada. — É um menino, e vai se chamar Leo.
Ouvi o barulho de Helena quase caindo da cadeira, Iara me
deu um forte abraço, enquanto Sabrina mudava sua expressão
para um carinho sem igual.
— E os Reis souberam antes de nós? — Helena perguntou,
ajeitando-se novamente na cadeira, e arqueando uma
sobrancelha.
— Eles apareceram do nada, na livraria, eu me empolguei
depois de falar com Verônica e... acabei contando.
— Traidora... — Iara falou, afastando-se apenas o
suficiente, para abaixar o corpo e passar a mão por minha barriga.
— Não se esqueça de que somos as melhores tias, ok? E os
melhores titios também, que são um ceo e dois cowboys, além de
um priminho que vai te fazer pulseirinhas, e mais priminhos que
vão nascer quase junto com você.
— Priminhos? — indaguei confusa, e então olhei para
Sabrina.
— Fui ao médico ontem, e as duas enxeridas junto, já que
Timóteo não podia, porque Lucas teve febre e eles estavam
apavorados — Sabrina explicou, e colocou a mão no rosto,
encarando-me. — São gêmeos, como Lucas previu.
— Caramba!
— Só faltou o palavrão para eu ter certeza de que desvirtuei
você — Helena falou, aproximando-se e dando um abraço em
mim. — Que família que não para de crescer, né?
— Logo vamos estar igual aos Reis, quase fundando uma
escola — Iara brincou, e todas nos viramos para ela. — Eu ainda
não, estou bem, noiva do meu ex-namorado de mentirinha, e
terminando minha especialização.
— Eu já tenho meu preferidinho, mas... quem sabe, no
futuro. — Helena deu de ombros. — Por enquanto, já temos três
mini Junqueira para nos tirar os cabelos.
Sorri para elas, senti meu celular vibrar no bolso da calça, e
o peguei, vendo uma mensagem de Ricardo.
“Tem tempo para almoçar comigo hoje?”
Li a mensagem e segurei o sorriso que queria despontar em
meu rosto. Éramos amigos, na verdade, estávamos tentando ser.
Quando levantei o olhar, antes de digitar uma reposta, vi que
Helena e Iara tinham lido também, e olhavam desconfiadas e
animadas.
— Estamos tentando ser amigos.
— Dou uma semana.
— Dou um mês.
As duas então apertaram as mãos, como se apostando em
algo.
— Não dá nada, Sasá?
— Dou mais que um soco na cara, se ele pensar em
machucá-la novamente.
As duas riram ao meu redor, e eu sabia o quão sério
Sabrina falava.
— Eu dou a chance... — falei, e elas me encararam. — De
viver um dia de cada vez, e é isso.
Era exatamente, o que eu estava disposta a fazer.
RICARDO
Eu esperava por ela no restaurante, como se estivesse ali,
há tanto tempo, que mal sabia explicar, a sensação que me
tomou, por ela ter aceitado almoçar comigo.
Tudo dentro de mim se revirando, com medo de chegar
uma mensagem a qualquer momento, e ela estar desmarcando.
Olhei para o celular tantas vezes, preso naquela aflição, que
sequer notei que alguém se aproximava.
Quando levantei o olhar, tive o desprazer de encarar a mãe
de Eliana. Ela vinha com o marido ao lado, e não tinha ideia do
que faziam, naquela região do centro, num horário que jamais os
encontrei.
— Recebemos uma ligação, de alguém confiável de que
estaria aqui e que teria uma surpresa para nós, Ricardo — ela
falou, como se fôssemos velhos conhecidos, e eu só consegui
pensar em uma pessoa que poderia ter feito aquilo.
Reinaldo – o homem que se dizia meu pai, e que apenas
mentiu a vida toda. A realidade era que ele só pensava em
dinheiro, e talvez tivesse ganhado um pouco, ao negociar a minha
localização com os Junqueira.
— Só se for pelo desprazer de vê-los — falei, mas antes
que eu pudesse impedi-los, os dois se sentaram. — Quem...
— Somos de uma família importante também — Paulo
disse, e eu o encarei sem entender. — É um bastardo dos Reis, e
nós somos sangue puro.
— Eu acho que não entenderam realmente o seu lugar aqui
— falei, levantando-me, e os encarando de cima. — Só se
aproximaram de mim, porque o maldito Reinaldo deve ter
arquitetado isso, mas podem ter certeza de que meus seguranças
vão impedi-los da próxima.
— Não tem como nos impedirem de um lugar público e
almoço agradável.
— Não, mas somos os Reis, conseguimos o que queremos.
— Olhei-os com desdém. — Apenas parem de me perseguir ou
acreditar no que Reinaldo diz, ele com certeza, só quer tirar o
dinheiro que vocês não têm.
— Olha só aqui, rapaz...
De canto de olho, vi o momento em que Eliana entrava no
restaurante, e agradeci ao meu eu do passado, por ter escolhido
uma mesa, em que eu via perfeitamente quem entrava, mas quem
se sentasse à minha frente, não veria nada.
— Não tenho surpresa alguma para vocês, a não ser... uma
ameaça — falei, e lhes dei um falso sorriso. — Fiquem longe de
mim e da mulher que eu amo. Se pensaram, em chegar perto
dela, não me importo se são mais velhos, ou homem ou mulher...
Eu vou fazer com que se arrependam.
Os dois pareceram não entender, enquanto ainda me
encaravam. E quando olhei novamente para a entrada do
restaurante, Eliana já não estava mais lá. Saí do local, e corri pela
rua, buscando-a. Não demorou muito para encontrá-la, meio que
se escondendo em uma floricultura.
— Desculpe por isso — pedi, e ela assentiu, como se
absorvendo. — Quer... quer comer em casa?
Ela apenas concordou com a cabeça, e percebi o quanto
apenas vê-los, tinha a impactado. Levei uma das mão à sua
cintura, para firmá-la, até que chegássemos ao meu carro, e era
estranha, a maneira como seu brilho se perdeu, em poucos
segundos.
Chegamos em poucos minutos, eu a ajudei a descer, e a
subir as escadas.
— Eu pedi para entregarem aqui, daquele restaurante, deve
chegar em pouco tempo...
— Obrigada — falou, sentando-se no sofá, e respirando
fundo, como se controlando. — E desculpe por... por eles.
Ali, eu vi uma dor tão grande exposta no rosto, que eu só
pensei em ir até ela, trazê-la para os meus braços e nunca mais
deixá-la sair. Nunca mais permitir que alguém a machucasse.
— Se me desculpar pelo meu pai — pedi. — Ele é o
culpado, de eles aparecerem.
Seus olhos pararam nos meus, confusos e ansiosos. E eu
soube, quando me sentei no canto afastado do sofá em que ela
estava, que pela primeira vez, alguém me compreenderia, quando
falasse sobre Reinaldo.
CAPÍTULO 29

“Porque você consegue ouvir no silêncio


Você consegue sentir no caminho de volta para casa

Você consegue ver com as luzes apagadas”[30]

ELIANA

— Ele é apenas ruim — Ricardo falou, suas mãos sobre


suas coxas, e o olhar distante. — Minha mãe não merecia nunca
ter se envolvido com alguém como ele. Ela era... era tão boa,
mas... mas infelizmente, ou felizmente, para que eu existisse, ela
acabou engravidando dele. O que ele fez, foi aparecer,
justamente quando ela adoeceu e nos ajudar financeiramente,
pelo menos era o que ele dizia, e na verdade, manipulava. Eu
faria qualquer coisa por ele, enquanto ajudava a tentar salvar a
vida da minha mãe. E no caso, como um Reis de direito, eu
poderia ter parte da herança deixada pela nossa avó Regina, que
eu sequer conheci. Foi isso o que Reinaldo sempre quis, e eu
realmente, não me importava. Não me importava que eu tinha
outros irmãos, porque era ele que estava lá, para ajudar eu e
minha mãe... até que, até que eu descobri que ele apenas
manipulou todos os dados e mentiu. Ele nunca fez nada. Ele
apenas queria me usar. Quem nos ajudou, de verdade, foram
meus irmãos, no caso, Verô, que sabia de tudo. Ela já tinha
tentado contato comigo, mas eu estava tão cego que... que os
ignorei. Até que descobri a verdade, e bom, odiei Reinaldo, e me
odiei por sempre ter afastado meus irmãos... É complexa, toda a
história da família Reis, acho que apenas Verô consegue contar,
mas eu... eu sei que tento correr atrás do prejuízo, de tudo que
perdi, acreditando nas mentiras de Reinaldo.
— Mas o que... o que ele pode querer com meus pais?
— Ele tem seus contatos, tem seu poder ainda, mesmo que
Verô tenha tirado quase tudo dele... Deve desconfiar que tem algo
sobre a filha dos Junqueira, e negociou algum valor com eles,
para saberem onde eu estava, e segundo eles: Reinaldo disse
que tinha uma surpresa.
Eu estava em choque. O buraco sendo ainda mais embaixo
do que eu esperava.
— Bom, o plano não deu certo, porém... porém ele é
perigoso — assumiu, com uma careta no rosto. — É complicado,
passar a vida achando que alguém que deveria te amar, na
verdade, só tem puro interesse... e daí descobrir o que é uma
família, com pessoas que deveriam sequer te querer por perto,
porque você as evitou.
— Parece que estou me ouvindo — admiti, e seu olhar
parou no meu. — Meus pais, eles... — levei as mãos até as
cicatrizes no meu rosto, como se pudesse desenhá-las. —
Sempre foram cruéis. Minha mãe e suas punições físicas. Meu pai
e suas decisões intocáveis. Eu não sei como aguentei tanto
tempo, viver assim... Mas... mas eu vi o que aconteceu, quando
tentamos apenas fugir e seguir uma vida diferente. — Suspirei
fundo. — Leo e eu tentamos, sabe? Nós... nós iriamos primeiro
até Sabrina, pedir ajuda, e depois, iríamos para o exterior com o
dinheiro que meu irmão tinha guardado escondido deles. Mas no
meio do caminho, enquanto fugíamos a pé, na noite, um motorista
bêbado, acabou nos atingindo. — Suspirei fundo outra vez, como
se apenas borrões me viessem em mente. — Lembro-me de Leo
segurar a minha mão uma última vez, e eu descobri que não
podia fugir do que éramos, mesmo que quisesse. Enterrei meu
irmão, e com ele, a vontade de viver. Eu só... só fiquei viva,
porque tive uma segunda chance, e Leo não. Porém, os meus
dezoito anos são como um borrão — admiti. — A única coisa que
lembro, após tudo de ruim foi ter visto uma pessoa, pela vidraçaria
de uma livraria, e entrado... entrei porque ele parecia tão animado
mostrando algo para outra pessoa, e... e eu quis saber, como
poderia encontrar aquela animação também.
— Eliana...
— Sim, era você — assumi, e suspirei fundo. — Eu quase
te chamei naquele dia e perguntei sobre o que era que você
estava falando, e acho que era Júlia, ao seu lado. — Sorri,
sabendo que era uma boa lembrança, de um momento tão difícil.
— Foi assim que eu comecei a juntar dinheiro, e ir todo sábado de
manhã, que era meu momento livre, para poder comprar os livros
que me ajudariam a entender mais do mundo, já que eu não
podia estudar, e bom... ver você.
— Se eu soubesse, eu...
— Eu acho que não estaríamos aqui, tendo essa conversa.
— anuí, e finalmente encontrei seu olhar, que estava mais do que
surpreso. — Sobre como, às vezes, eu me senti como um
estorvo, dentro da casa das minhas primas, como se eu não
fizesse parte, e estivesse fazendo com que elas se esforçassem
demais para me fazerem caber... — continuei, lembrando-me do
que realmente nos levou àquela conversa. — Sei que elas não
pensam em mim dessa forma. Elas são boas demais, para pensar
assim sobre qualquer pessoa, e até mesmo, vejo a culpa que
Sabrina parece carregar por não ter ajudado Leo ou eu, antes de
tudo — admiti. — Mas, mas eu não sei como me encaixar, em
meio a uma família já tão bonita e certa. Quem sou eu ali? Quem
eu penso que sou, para estar ali?
— É exatamente o que eu penso, todo almoço de domingo
com os meus irmãos e suas famílias... — admitiu, e então o
encarei. — É como se você buscasse o que eles têm, mas é
impossível alcançar porque você está atrasado, ou talvez, não
seja para ser seu... — suspirou fundo, e passou a mão pelo
queixo. — Eu os amo, como se o tivesse feito, por toda a minha
vida, e eu sei que eles me amam, até Verô que tem seu jeito
diferente de demonstrar... — ele então fez o mesmo gesto com o
dedo anelar e médio contra a minha testa, como se
exemplificando. Então era aquilo que queria dizer o que ela fez
com ele, e por isso deixou todos sem palavras. — Mas...
— Mas a sensação de não ser o suficiente, não passa,
certo?
Assentiu, e eu olhei para minhas mãos, abrindo e fechando,
como se tentando me distrair um pouco.
— Ao menos, a minha não — confessou, e seu olhar
entendia o meu, por completo. — São histórias tão diferentes,
mas ao mesmo tempo tão parecidas...
— É, acho que nos trouxe para esse lugar aqui...
— Posso confessar algo? — perguntou, quebrando o
silêncio que se formou.
Apenas me vi acenando positivamente com a cabeça, e
sustentei seu olhar.
— Depois do que eu fiz, e do que eu disse para você, eu
não me sinto digno, de verdade, de estar aqui e me dar essa
chance, de estar por perto...
— Ricardo... eu te disse, isso... isso passou. — assumi. —
Machucou? Sim! Mas eu não vou guardar isso no meu peito, não
com o que estamos tentando construir nessa... nessa amizade.
— Mas um erro não se apaga com desculpas, ele continua
lá — falou, e eu não pude deixar de concordar. — Mesmo assim,
quando estou aqui, com você, eu não me sinto um estorvo, ou
insuficiente. Pelo contrário, eu... eu me sinto parte. Eu sinto que
sou parte, disso aqui... — ele então apontou um dedo em minha
direção, e depois para si. — É como se eu pertencesse, a nós
dois... ou melhor, três.
Eu queria apenas não me afetar.
Eu queria apenas o contrariar e dizer que não me sentia
assim.
Contudo, eu não queria mentir. Não mais. Não tinha o
porquê, já que tudo estava na mesa, tão claro, que me assustava.
Quando abri a boca para dizer algo, ouvi o barulho da
campainha. Ricardo deu um sorriso e então foi em direção à porta
do andar debaixo, para atender, o que imaginei ser a comida. E
olhando dali de cima, enquanto ele passava pelas estantes e
prateleiras, eu me perguntava, o quanto de histórias, além das
que estavam escritas, aquelas vidraçarias não guardavam?
A nossa, de alguma forma, em minha mente, parecia
cravada ali.
CAPÍTULO 30

“Diga que foram longos seis meses


E você estava com muito medo

De dizer a ela o que você quer, quer”[31]

ELIANA

Nós tomávamos café juntos. Eu o via abrir a livraria e sorrir


com carinho e animação para todos que iam até o caixa, e
levariam alguma história consigo. Ou até mesmo ir até quem
parecia perdido e os ajudar. Me indagando, muitas vezes, antes
de sair para o meu trabalho, de como seria, se em algum
momento no passado, ele tivesse me prestado uma ajuda assim.
Ele então me entregava as chaves do seu carro, que agora
ficava mais comigo do que consigo, que parecia realmente não se
importar, e eu apenas deixei acontecer. Cantando alto, do
caminho de casa até o trabalho, do trabalho até em casa. E
muitas vezes, recebendo a visita dele, na hora do almoço, me
trazendo algo para comer, quando era corrido demais para
ambos, e vendo minhas primas me provocarem e Sabrina
felizmente, sem querer socar a cara dele.
Voltando para casa, para encontrar uma casa quentinha e
algum prato novo, que ele deveria ter lido no antigo livro de
culinária que era o favorito de sua mãe, e que ele estava tentando
zerar desde os dezoito, e mesmo assim, não o fez. Segundo ele,
era triste preparar comigo para apenas um. E então, ele agora
tinha duas bocas para alimentar, e estava pronto para para ser
avaliado.
— Cheguei!
Minha fala se perdeu pelos cômodos, enquanto eu o
buscava pelos mesmos, mas não havia sinal algum. Caminhei até
o seu quarto, bati na porta, e esperei alguma resposta, que não
veio. Talvez ele tivesse saído? Vi-me descendo novamente as
escadas para a livraria, e me vi passando pelos meus corredores
favoritos, olhando as novidades.
Há quanto tempo eu não lia?
E existia, literalmente, uma livraria abaixo de mim.
Fechei os olhos, e dei duas voltas, testando como seria
escolher um livro no puro escuro. Caminhei, parei sobre uma
superfície e tentei achar um livro, mas ela era muito lisa, o que me
fez abrir os olhos, e perceber que eu tinha me colocado quase
que no fundo da livraria, , pisquei algumas vezes, ao notar que
tinha um piano bem ali.
Desde quando existia um piano, e eu nunca tinha visto?
— Eu sei, Juju! — ouvi a voz de Ricardo, e sem pensar
muito, vi-me correndo para me colocar atrás do piano, para me
esconder. Por que eu estava me escondendo? — A prima dela,
mais nova, disse que ela amava tocar piano. Tentamos de tudo
para subir o piano para o andar de cima, mas parece que só
içando. — Sua voz soou frustrada, enquanto eu tinha os olhos
arregalados. — Eu sei que podia desmontar, mas... mas o piano é
tão bonito. — Podia ouvir a forma como ele estava chateado.
Ouvi o barulho de ele se apoiando contra o piano, e eu não
sabia como, permanecia parada, sem mal respirar.
— Não me julga não! — vi-o rebater. — Eu só... só quero
que ela se sinta em casa. — Pareceu se defender de algo. — É
claro que eu te odeio, sabe muito bem que sou um homem
apaixonado agora, amo apenas a minha Aurora, mesmo que ela
não saiba e talvez nunca queira saber... — ouvi-o dar uma
risadinha de algo, enquanto suas palavras me atingiram em cheio.
Por que ali estava eu, escondida novamente, ouvindo-o
afirmar que me amava? De novo?
— Não me chama de José Bezerra, eu juro... — ele
pareceu prestes a xingar, mas riu alto em seguida. — Sempre
desligando na minha cara, só porque estou certo.
Fiquei apenas parada, esperando que ele subisse para
casa, porém, quando sua risada morreu, eu senti todo meu corpo
se arrepiar.
— Eliana?
Levantei-me com cuidado, segurando minha barriga,
sabendo que meu filho deveria estar prestes a dar uma pirueta ali
dentro, pela maneira que eu me escondi. E talvez, fosse o
momento perfeito pra ele estrear minhas costelas, como vingança.
— Oi, eu... — engoli em seco, e mal consegui olhá-lo. — Eu
estava vendo o piano. — Não era uma mentira completa. — E...
e...
Foi então que senti algo forte na minha barriga, levei uma
das mãos ao piano, e me segurei contra ele. Arregalei os olhos, e
suspirei fundo, lembrando-me das palavras da minha médica.
— Ele já está mexendo, só que você não sentiu, é
completamente normal. Sei que está ansiosa, mas quando ele se
mexer para valer, vai sentir a força de um bebê.
— Ricardo...
— Eli, o que foi?
Eu senti então, bem nas minhas costelas, e me curvei um
pouco pela dor, mesmo que com um sorriso em meu rosto.
— Eu vou pegar o carro, vamos para...
— Aqui... — não pensei duas vezes, em puxar sua mão, e a
colocar na minha barriga, bem no local que Leo resolveu
descontar toda sua força. — Puta merda!
— Cacete! — Ricardo falou, e respirou fundo. — Mentira,
filho! Esquece essa palavra, ela... ela é... — então outro chute
forte, e eu ri alto.
Demorei para perceber que Ricardo tinha as duas mãos na
minha barriga, tanto para sentir nosso filho, quanto para me
firmar. E aquela, era a primeira vez que ele me tocava ali, e que
sentia a minha barriga, com o brinde, de sentir o nosso filho. O
melhor de todos.
Os meus olhos e todo meu corpo em êxtase, e quando
encarei Ricardo, ele tinha lágrimas nos olhos.
— Filho... — ele falou, enquanto eu ainda ria, mas me
curvava por outro forte chute. — Pode deixar a sua mãe respirar,
só um pouco. Pode empurrar mais leve, para que ela possa rir
sem dor.
Como se fosse mágica, senti os chutes diminuírem, e
ficarem apenas uma leve ondulação. Olhei espantada para
Ricardo, que ainda chorava.
— Ele ouviu, será? — Ric perguntou e eu não sabia o que
dizer.
— Se ouviu ou não, eu sei que ele está mexendo, bem
aqui... — levei suas mãos mais para o lado, e ele sentiu, o leve
movimento, enquanto eu ainda ria. — Por que nunca fala o
quanto isso é bom?
— Obrigado, filho, por me livrar da vergonha de ter que
encarar sua mãe depois do que confessei sem saber que ela
estava ouvindo...
A voz de Ricardo era um sussurro, mas ele não contou com
o fato, de que ele estava falando com a minha barriga, e que
mesmo que fosse extremamente baixo, eu ouviria.
E eu só queria dizer: que tudo bem. Tava tudo bem, ele se
sentir daquela forma por mim. Porque por mais que eu tivesse
medo, era exatamente como eu me sentia por ele, há anos.
E talvez, fosse hora de encarar o sentimento.
Porém, eu me calei. Sem saber de fato, qual hora seria a
certa.
CAPÍTULO 31

“Duas da manhã
Aqui estamos nós
Vejo seu rosto

Ouço minha voz na escuridão”[32]

ELIANA

Senti meu corpo mole.


Às vezes, eu acordava no meio da noite, com uma sede
que parecia incontrolável. Levantei-me, arrastando-me pelas
paredes, e mal abrindo meus olhos. Ainda estava me
acostumando com a localização de tudo, mas achei a cozinha,
pela luz fraca que entrava de uma das janelas não cobertas pela
cortina.
Bebi um copo de água, e respirei fundo. Meus olhos ainda
se negando a se abrirem por completo, e eu me vi encarando o
sofá, que parecia tão convidativo, e me sentando nele. Para quem
sabe, ter a coragem de voltar para o meu quarto. Era tão perto,
mas de repente, pelo sono, era tão longe.
— Baguncinha, acho que você vai arrebentar sua mãe de
sono... — falei baixinho. — Será que é pra compensar se não me
deixar dormir quando nascer?
Fechei os olhos, apenas para descansar um pouco, e me
esqueci da força que aquele sono me tomava. De forma, que
sabia que estava sonhando, quando senti braços quentes ao meu
redor, me levantando, e o cheiro de Ricardo preenchendo tudo ao
meu redor.
Um sonho com ele.
Mais um sonho com ele.
— Aqui, Eli.
Senti meu corpo sendo deixado, mas me neguei. Sabia que
nos meus sonhos, eu poderia fazer aquilo que não tinha coragem
na vida real. Enfrentar o sentimento que se espalhava por mim,
quando ele estava tão perto, mas eu me negava a tocar. Quando
ele se confessava, sem saber que eu estava ouvindo, e eu me
negava a aceitar.
— Fica aqui — pedi baixinho, e o puxei para mim.
Pensei que sentiria seu corpo sobre o meu, mas me
surpreendi, quando senti o colchão afundar ao meu lado, e eu que
me virei, guiando-me com meus olhos fechados, para deitar
minha cabeça em seu peito, e me agarrar ao seu corpo.
— É tão bom... — suspirei fundo. — É tão bom poder estar
assim com você.
— Eli...
— Eu sei — falei, sorrindo em meu sonho. — Eu sei que
não devia, mas eu quero ficar aqui.
Senti leves carinhos nos meus cabelos, e foi como se
instantâneo, eu caindo novamente em um sono profundo, que
nem sabia que era possível. Como se dormia novamente, em
meio ao seu próprio sonho?
Porém, não demorou muito, para que meu corpo
reclamasse, pedindo por água. Arrependi-me de imediato por não
ter pegado uma garrafinha de água na cozinha, e a trazido para o
quarto. Suspirei fundo, pronta para me levantar, imaginando
então, que tivesse me arrastado até o quarto, depois daquele
sonho tão bom.
Assim que tentei me mexer, percebi que estava presa. Na
realidade, que eu me prendia a algo. Abri os olhos só um pouco, e
então percebi que Ricardo estava ali, dormindo abaixo de mim.
Pisquei algumas vezes, e só então arregalei os olhos, encarando
a realidade de que não foi um sonho.
Não foi mesmo?
Levei uma das mãos em meu braço e belisquei, fechando
os olhos. Porém, quando os abri, ele ainda estava ali. Ele... ele
ainda estava realmente, dormindo na cama comigo.
— O que foi que eu fiz?
— Eli...
Meu corpo todo paralisou, e senti-me tensa, no momento
em que o vi se mexer, e então, seu olhar se abriu por completo,
encarando-me. Ele me assistiu me afastar, enquanto apenas me
observava.
— Eu... eu pensei que éramos amigos — falou de repente.
— Quer dizer, eu te vejo como uma melhor amiga agora. — Sua
sinceridade me fez parar na beira da cama, ainda sentada de
costas. — Por isso, tomei a liberdade de te tirar do sofá, você
estava tão torta e te trazer para cá. Aí me pediu para ficar, eu ia
sair assim que você apagasse, mas acabei dormindo também. Eu
juro que...
Eu me virei, e o encarei, sentado na outra extremidade da
cama, olhando para os próprios pés. Como se lembrando a mim
mesma, meses atrás.
— Eu não queria te deixar desconfortável, desculpe.
Vi que ele se levantaria, e me adiantei, levando a mão ao
seu braço, e o fazendo parar.
— Você é meu melhor amigo — assumi, o que pulsava em
meu peito. Mesmo sabendo que aquilo queria dizer muito mais.
Muito além. — Você...
— Eli, eu sei o lugar que ocupo na sua vida e eu...
Então, sem pensar muito, eu me vi levando os lábios até os
dele. Um beijo que nem eu mesma esperava dar, mas que meu
próprio corpo assumiu. Como se finalmente, deixando claro o que
tudo aquilo significava para mim. O que poderia, também,
significar para ele.
Seus lábios tinham o mesmo gosto, de meses atrás.
Novamente, eu os tomando para mim, antes que me afastasse,
sem saber como explicar, e ele os tomasse. Então, ali estava ele,
tomando o que eu estava lhe dando. Tomando meus lábios, meus
suspiros e meu mais puro desejo, que existia, mesmo que
tentasse evitar.
Nós nos afastamos pela falta de ar, e as mãos dele ainda
permaneciam apenas no meu rosto, por mais que eu estivesse
queimando por inteira.
— Eu não sei o que isso quer dizer, mas... mas já sabe
como eu me sinto — admitiu, um pequeno sorriso no canto da sua
boca. — Se um dia, quiser e estiver pronta, eu vou estar aqui,
porque para um homem que passou a vida apaixonado por uma
única pessoa, eu posso esperar... Por você, eu posso esperar o
quanto quiser.
— Aos poucos? — indaguei, ainda suspeitando de mim
mesma, quando o fiz.
Porque meu corpo ia até o dele, puxando-o para perto, e
buscando qualquer contato a mais.
— Posso culpar os meus hormônios por não querer que me
toque dessa forma? — indaguei, no momento em que apenas me
sentei sobre seu colo, e ele soltou um arfar, enquanto eu
segurava um gemido. Ele parecia tão pronto, e apenas a
lembrança da nossa noite, deixando minha mente nublada. — Ou
posso te culpar, por não deixar que eu te odiasse, nem mesmo
quando deveria?
— Eli...
— Pode só me beijar e me fazer esquecer? — quase
implorei. — Me esquecer dos meus medos, receios e dúvidas?
Seus lábios tomaram os meus, suas mãos me segurando
contra si, fazendo-me quase perder a sanidade. Da maneira como
o corpo dele parecia tão certo, em todos os lugares, e como se eu
estivesse apenas prendendo meu fôlego, até o momento em que
ele o tiraria de mim.
— Eu vou te adorar... — falou, seus lábios castigando meu
pescoço.
De repente, senti meu corpo ser virado, e eu estava sob
ele, que parou sobre mim, olhando como se precisasse me
absorver por inteira, antes de descer sua boca para perto do meu
ouvido.
— Eu vou te memorizar, em cada linha, em cada marca, em
cada curva, em cada cicatriz...
Seus lábios, se espalharam, pelas pequenas cicatrizes em
meu rosto, como se as desenhando com eles, e eu nunca me
senti tão íntima de alguém, como naquele momento. Até que seus
lábios buscaram pelos meus, e logo sua boca foi para o meu
pescoço, descendo por todo ele, até a minha clavícula e
mordendo-me bem ali.
Senti a regata que eu usava apenas se desfazer pelo
simples puxão que ele deu, arrebentando as alças e as tirando do
caminho.
— Como você conseguiu ficar ainda mais linda? —
perguntou, fazendo-me quase gemer, pela falta dos seus lábios.
Eu queria qualquer coisa, qualquer toque que fosse. — Como
pode parecer que eu vivi todo esse tempo, somente para poder te
tocar novamente?
E então seus lábios foram para os meus seios, e eu gemi
alto, levando as mãos para os seus cabelos. Perdi-me, enquanto
ele sussurrava contra minha pele, e sentia seus dentes e lábios
por cada parte de mim. Da cabeça aos pés, deixando tão em
êxtase, que eu não conseguia pensar.
Sua boca me castigando, forçando-me a dar tudo a ele,
enquanto tentava tirar outro orgasmo, e eu mal conseguia
respirar.
— Ricardo...
Seu nome saía como uma maldição, de forma que eu
estava pronta para perder a cabeça.
— O que foi, Eli? — perguntou, seus lábios pairando sobre
mim, atrasando meu prazer, mas fazendo sentir sua respiração
contra onde mais precisava, e quase me desfiz ali mesmo. — O
que precisa?
— Você.
Assumi, e não sei de onde tirei força, mas me vi puxando-o
para cima, e ele teve que se escorar nos próprios braços, para se
apoiar, e ficar sobre mim.
— Por favor, só... — olhei-o intensamente, e quase perdi o
ar, próxima de chorar para que ele me tomasse. — Só me fode.
— Não... — falou, mas seu corpo se posicionava sobre o
meu, deixando-o bem colocado acima da minha barriga para não
pesar. — Eu vou fazer amor com você, Eli. Como foi naquela
noite, como vai ser agora, como vai ser para sempre.
Antes que eu precisasse implorar novamente, senti-o me
tomar. Pouco a pouco, e meus suspiros se perderam nos
gemidos, que apenas aumentaram, quando o prazer me atingiu,
quando ele me tomou por inteira.
— Tão sensível... — falou, tocando meu rosto, e segurando
levemente meu pescoço com uma das mãos. — Apenas dois
não... Quero mais, Eli.
— Ricardo...
— Sei que pode — incentivou, e então entrou novamente, o
que fez nós dois gemermos. — Sei que vai me apertar tão forte
novamente, que vai me fazer perder a cabeça, e gozar com você
— gemi, sentindo-o cada vez mais forte, e meu corpo todo apenas
entregue, sem chance de pensar em algo diferente daquilo.
Diferente dele.
Diferente de nós.
Sua mão em meu pescoço, enrolou-se em meu cabelo e o
prendeu, dando um novo ângulo, que me fez gemer ainda mais
alto.
— É isso... — ele falou, e me acertou de uma forma, que
mesmo totalmente sensível, eu sabia que gozaria a qualquer
momento. — Pegue tudo de mim... pegue tudo o que eu te dou.
Só para você.
Minha mente se perdeu no segundo seguinte, e minhas
unhas castigaram seus braços, enquanto ele não parava, até que
o senti se desfazer dentro de mim, e tudo ao redor pareceu se
quebrar em milhões de pedacinhos. Foi assim da primeira vez?
Era por isso que eu não me lembrava? Porque era demais, para
sequer conseguir manter meus olhos abertos, apenas pelo toque
dele.
CAPÍTULO 32

“Uma noite, ele acorda


Um olhar estranho em seu rosto
Pausa, e diz
Você é minha melhor amiga
E você sabia o que significava

Ele está apaixonado”[33]

ELIANA

— Tudo bem, Eli?


Eu assenti, sentindo um leve beijo em minha testa,
conforme ele saía de dentro de mim, e eu suspirava fundo.
— Fodemos com tudo, não foi? — indaguei, assim que ele
se sentou na beira da cama, e eu estava completamente nua,
apenas o encarando. — Estragamos, quer dizer... — corrigi,
lembrando que existia um serzinho ali dentro de mim.
— No sentido literal ou...
— Ricardo — chamei sua atenção e ele riu alto.
— Pode fingir que nada aconteceu, eu vou entender —
assumiu. — Ou se quiser que seja apenas isso, sexo e amizade
— falou, fazendo uma careta e desviando o olhar.
— O que você quer? Além de supor o que eu gostaria? —
rebati, e seu olhar parou no meu.
Surpreendendo-me, ele se aproximou, e levou a mão até o
lado esquerdo do meu peito.
— Quero você — admitiu. — Passei uma vida toda,
negando isso, para quase te perder para mim mesmo... Não
posso fingir mais que não te quero. Quero você, a nossa rotina, a
nossa família... — olhou-me profundamente. — Mas eu sei que
pode ser muito, quer dizer, entender isso, mas... mas eu vou estar
aqui, se quiser saber, se me quiser.
— Acredita em amor à primeira vista?
— Eu me neguei a acreditar — assumiu. — Até perceber
que quase perdi o amor da minha vida, por ser tão cético.
— Eu posso perguntar algo? — indaguei, ao passo que
puxava o edredom ao meu redor, e me sentava com cuidado na
cama.
Ele se levantou, colocou a cueca, e voltou para perto,
sentando-se ao meu lado.
— Sua ex... — soltei, sem saber se era o momento, mas
sabendo que não conseguia mais adiá-lo. — Eu nunca busquei
saber mais sobre você, por isso não sabia nem que era um Reis,
mas perguntei a Sabrina, e ela disse que não era casado há um
tempo. Quer dizer, quando estivemos juntos, não estava mais
casado.
— Sou viúvo.
Sua fala me paralisou e eu arregalei os olhos.
— Pode esperar um minuto? — perguntei e eu assenti,
ainda impactada com a informação.
Ele saiu do quarto e não deu sequer trinta segundos,
voltando com um quadro em mãos.
— Essa é Leila. — Ele me entregou o porta-retratos, que
mostrava uma mulher ruiva, com um sorriso no rosto, que estava
sentada no que parecia uma grande varanda. — Ela era o braço
direito de Verônica na empresa, e eu... eu a persegui por um
tempo, até que ela aceitou sair comigo, namoramos, e parecia tão
certo que nos casássemos — assumiu de repente, a foto ainda
em minhas mãos, mas resolvi colocá-la sobre o colchão. — Ela
era incrível, e eu... eu realmente a amava, mas não da forma
como ela merecia. — Olhei-o confusa. — Pouco antes de ela
falecer, nós já estávamos nos trâmites para o divórcio. Nem três
meses após o casamento, Leila teve a coragem de me dizer, que
na verdade, ela queria que meus olhos brilhassem para ela, da
forma como faziam quando encontravam uma velha
desconhecida na rua...
— Ricardo...
— Era você — confessou e eu mal sabia como respirar. —
Júlia sempre falou comigo, da garota que eu chamava de cabelos
longos, que ela e Clara acabaram por chamar de Aurora, por
conta disso. — Ele sorriu de lado. — Leila começou a ouvir mais
sobre isso, quando nos casamos, porque a verdade era que,
inconscientemente, Júlia e eu falávamos sobre você. De quando
aparecia ou não, ou de quando eu não estava e até os atendentes
estranhavam quando não vinha. Acho que chegou no ponto que
ela notou, antes de nós, que éramos bons um para o outro, mas
não o suficiente. — Seu olhar parou no meu. — Um dia, ela foi
viajar a trabalho, para o interior, e então... então por algum motivo
que ninguém sabe, e quando digo ninguém, nem mesmo a parte
mafiosa da família de Verô.
— Máfia?
— Uma outra longa história. — Ele riu de lado. — Enfim, ela
acabou batendo o carro contra uma árvore, e só nesse momento
descobri que tinha uma pessoa com ela, um homem... E ela o
estava conhecendo depois que eu aceitei o divórcio, mesmo que
os papéis ainda não tivessem sido assinados.
— Ricardo...
— Eu não sei se ela falava sobre você para comparar como
ela tinha começado a sentir sobre outro, mas a verdade é que... É
que nós dois éramos um fim inevitável. — Seu olhar pesou. —
Quando eu te vi aquela noite, aqui na frente, só consegui pensar
em ligar para Leila e dizer: você estava certa. É ela, era ela, o
tempo todo.
— Eu sinto muito — falei, sem saber mais o que dizer. —
Eu não sei o que dizer.
— Ainda é recente, é a perda de uma pessoa que foi muito
importante para mim, e... e por isso eu digo que só amei uma vez,
porque a verdade é que o amor com Leila era totalmente
diferente. Era um amor que eu esperava, eu até buscava. Era
alguém em que eu podia confiar de cara, porque minha irmã já o
fazia. E ela era uma boa pessoa. Mas no fim, eu tinha uma
imagem na minha cabeça, de cabelos longos, à frente de uma
estante e a vontade incessante de me aproximar, que eu nunca
tive coragem.
— Pensei que eu fosse a medrosa entre nós.
— Não, eu sou o covarde — admitiu, e me encarou. —
Demorei para perceber que o amor era aquele que te pega, de
um jeito que nada, nem ninguém, nem qualquer coisa, consegue
evitar. Seja um gesto, uma palavra, um momento... O destino ao
nosso favor, por todo esse tempo, e eu sou grato, por ter
aparecido aqui, na minha porta, naquela noite e me mostrado que
o amor pode ser uma completa bagunça.
— Eu...
Ele trouxe seus dedos para os meus lábios e não me
deixou terminar. O que eu, de fato, terminaria, não é?
— Eu sei que é demais — avisou, e me deu outro beijo na
testa. — E eu sei que tenho muito a provar, todos os dias, em que
resolver ficar...
— Por que eu iria querer ir? — perguntei, contra seus
dedos e os afastando com cuidado. — Essa é a minha família... a
nossa. — Notei seus olhos marejados, assim como os meus
acabavam de ficar. — Eu não tenho por que ir embora do meu lar,
não é?
— Nunca.
Naquele momento ele me puxou para os seus braços,
trazendo-me para o seu colo, e me abraçando de uma maneira
que eu sabia que um lar era mais do que estávamos construindo,
poderia também ser uma pessoa. E eu tinha encontrado a minha.
CAPÍTULO 33

“Todas estas coisas vão voltar para você


E o tempo pode curar, mas isso não vai

Então, se você estiver vindo em minha direção, não venha”[34]

ELIANA

Eu acordava com beijos no rosto, ou o cheiro de café por


toda a casa. Lembrava-me do que tinha colocado em mente,
quando apareci ali pela primeira vez, com apenas a minha
malinha. Amor não era apenas em palavras, mas em
demonstrações.
E era exatamente o que Ricardo fazia. E era totalmente, o
que eu queria fazer, todos os dias.
Ele tinha saído mais cedo, sendo um sábado, no qual eu
não trabalharia, mas iria visitar minhas primas. Seria o primeiro
jantar dele com elas, e resolvi ir ajudá-las, antes de saber se
Sabrina estaria pronta para aceitar um outro lugar a mesa para
Ricardo. Não que ela o odiasse, ela na verdade, era
superprotetora.
Conseguia ver nela, exatamente como Leo seria, se ela
ainda estivesse ali. Desci para a livraria, que já tinha algumas
pessoas, mesmo sendo bem cedo, e foi como ver a mim mesma,
no que eu fazia, por tantos anos, indo até ali, e buscando outras
vidas para viver. E sabendo que eu tinha enrolado, e agora, além
de não estar lendo, eu não estava nem tocando o piano que
Ricardo fez de tudo para que coubesse na sala de estar.
— Bom dia.
Falei para alguns funcionários, que praticamente já me
conheciam, porque eles me viam ali, antes como apenas uma
compradora, hoje, como a mulher do chefe deles? Seria assim
que eles me viam?
— Já vai na suas primas? — a pergunta veio em meu
pescoço, e senti uma mão em minha barriga, que já estava
grande o bastante para ficar aparente e qualquer roupa. — Vou
preparar meus olhos.
Sorri para ele e dei um beijo em seu rosto, antes de me
afastar em direção a saída da livraria. A minha saída de casa. No
momento que pisei do lado de fora, ouvi o barulho alto de algo, e
em seguida, os gritos que eu reconheceria em qualquer multidão.
Virei-me a tempo de ver meu pai ser segurado por um homem e
minha mãe por uma mulher. Aqueles eram meus seguranças? Eu
raramente os reconhecia, porque eram de fato, muito discretos.
— Deixem-nos falar, por favor. — pedi, e os seguranças
apenas pararam no lugar, os segurando, antes de eu me
aproximar. — Como me acharam?
— Eu sabia! — minha mãe gritou, enquanto meu pai
tentava empurrar o segurança, que sequer se mexia. — Eu sabia,
sua...
— Sua o que? — indaguei, sem medo algum. — Eu não
sou nada para vocês. Eu nunca signifiquei nada.
— Agora conseguir dar o golpe e nos deixa, acha mesmo
que...
— Eu tenho uma família agora. — enfrentei-os, com o
queixo erguido e os encarando sem qualquer receio. — E eu vou
defender o que é meu, não vocês.
— Sua vadia de merda...
— Leo teria orgulho de mim. — rebati, e vi a expressão
deles mudar. — Sei que era um de vocês, no volante, naquela
noite... Eu lembro da voz, de quem me ajudou a sair das
ferragens, enquanto gritava por Leo. — acusei-os, lembrando
daquilo, que doía mais do que tudo. — Vocês conseguiram matar
uma parte de mim naquele dia, mas não me mataram. Para o azar
de vocês.
— Então essa é a vadiazinha de Ricardo, aquele traidor...
Ouvi a voz arrastada, um pouco longe de mim, e então,
outro segurança, segurando um homem desconhecido, mas que
no segundo que Ricardo saiu de dentro da livraria, e abraçou meu
corpo, como se me protegendo, eu tive a certeza de que aquele
era Ricardo Reis.
— Sou a mulher que ama o seu filho, senhor Reis, não que
isso seja importante, mas... — falei, olhando-o profundamente, e
passando a frente do corpo de Ricardo. — Se tentar machucá-lo
novamente, lembre-se que sou filha de assassinos.
— Sua...
— Chega! — Ricardo bradou, e vi-o respirar fundo. — Eu
juro que se qualquer um de vocês aparecer perto de Eliana, do
meu filho ou de mim... Eu vou pedir pelos Kang.
— Alguém chamou?
Foi então que me virei, e encontrei um homem com claros
traços orientais, que caminhava em um terno sob medida, e sem
expressão alguma no rosto. Notei o exato segundo em que
Reinaldo pareceu querer correr, e meus pais pareciam não
entender nada, assim como eu.
Eu já tinha escutado histórias sobre os Kang, sobre serem
intimamente e até biologicamente conectados aos Reis, mas...
Mas quem era aquele?
— Não é um Kang, Henrique. — Ricardo falou, e o homem
abriu um sorriso no canto da boca.
— Mas eu sou protegido por eles, o que quer dizer que...
que posso dizer diretamente para Vincenzo Kang, que
novamente, Reinaldo Reis está causando problemas, e pior... que
temos mais duas pessoas para a lista. — ele olhou friamente para
os meus pais, que pareciam incrédulos. — Sabe, acidentes de
carros acontecem todos os dias, atropelamentos... Não é difícil.
— Não vou nem perguntar como sabe sobre isso. —
Ricardo falou, e em meio a toda aquela confusão, me indicou com
a cabeça para o homem que se colocou a nossa frente. — Esse é
Henrique Fontes, parente daquela parte da família de Verô que eu
te disse sobre ser da... — ele se calou e eu entendi – máfia.
Eu só então entendi que eu parecia dentro de um dos
estilos de livros que eu mais amava ler – os que pareciam uma
novela mexicana, sul coreana ou colombiana, com personagens
secundários, reviravoltas, clichês, vilões... porém, eu torcia para
que fosse com um coração quentinho, do jeito que eu sempre
torcia. Pelo menos, na minha história, eu gostaria.
— Um prazer, senhora Reis? — indagou, e eu assenti, sem
pensar duas vezes. Eu sabia quem eu era agora. Eu sabia que se
fosse para ter um sobrenome, só poderia ser Junqueira-Reis,
nada menos. — Eu preciso de um livro, para uma amiga. — Ele
falou, e então olhou para Ricardo. — Por isso vim até aqui.
— Não sentiu o cheiro de problema, tem certeza? —
Ricardo zombou e ele negou com a cabeça. — Pode entrar,
amigo. Eu só vou...
— Duvido que eles vão ficar muito, mas...
Ele piscou um olho e entrou na livraria, enquanto eu via
claramente algumas pessoas paradas na rua assistindo a
situação, que eu sequer notei, mas logo se dissolvia. Minha mãe
e pai desaparecendo de minha visão, e não fazendo falta alguma.
O pai de Ricardo já tendo simplesmente corrido para longe, como
se com medo.
Criados por covardes, mentirosos, interesseiros e
assassinos... Como poderia esperar, um final feliz para nós?
Porém, quando olhei para o homem ao meu lado, que circundou
minha cintura, e pareceu analisar cada pedaço de mim, com tanto
cuidado, que quase me fez derreter, soube que não tinha outra
opção de final para gente. Era um final, juntos, e com coração
quentinho..
Ele merecia.
Meu filho merecia.
E bom, eu merecia.
— Posso me gabar de que você disse que eu sou o homem
que ama? — perguntou, e só então a ficha caiu, de que eu tinha
admitido em voz alta aquilo. — Acho que o homem que você
amava, vai te levar para a casa das suas primas e...
— Ricardo... — bati contra seu peito, enquanto ele sorria e
continuou.
— O homem que você ama, vai então deixar você lá, e
voltar para o trabalho e... — continuou provocando, me levando
até o carro, e fazendo-me ver, que nem mesmo as piores pessoas
da nossa vida, apagariam o brilho que existia, quando estávamos
juntos.
Talvez eu tivesse encontrado mais do que um coração
quentinho no fim, eu tinha encontrado três. O dele. O do nosso
filho. E o meu.
Talvez ele tivesse sido uma obsessão.
Talvez, eu tivesse pensado que eu nunca o teria.
Mas eu o tinha.
Com toda a bagagem nada comum que trazíamos, mas que
nos fazia olhar um para o outro, e ver o próprio reflexo. No qual,
éramos o bastante. No qual, éramos o suficiente. No qual, eu era
dele, e ele era meu.
BÔNUS
“Para a garota dos cabelos longos.
Eu sei que parece estranho. E pode colocar estranho nisso,
porque eu não sei o que me fez sentar e escrever isso. Algo
incomodando, no fundo do meu estômago, e não, não são as
borboletas. Eu acho que talvez fosse difícil dizer isso pessoalmente
– não me indague o motivo – só me veio em mente, enquanto me
sentei, e resolvi escrever.
Sei que agora parece ainda mais estranho. Porém, o que eu
posso dizer se eu sei que o homem por quem eu me apaixonei, é
aquele que te ama? Acho que estou aqui mais, para tentar puxar
ponto para Ricardo, como dizem por aí. Mesmo que tenha certeza,
que talvez nunca entregue essa carta, acho importante ressaltar,
que ele é uma das melhores pessoas que eu conheci.
Ele pode ser receoso, medroso, desconfiado, e muito, mas
muito mesmo, misterioso. Acredito que existe mais nele do que ele
realmente consegue dizer. E eu sei que há camadas que eu não
consegui perfurar, e não é mais meu objetivo. Não quando eu vi
como ele te olha. O mais confuso de tudo isso, foi quando eu vi, e
não doeu.
Não doeu como deveria, sabe?
Então, se o seu medo era que eu estivesse dizendo para
amá-lo como eu faria, na verdade... eu sei que vai amá-lo do jeito
que ele merece. Do jeito que é para ser. Não posso dizer que teria
uma vida triste ao lado dele, pelo contrário. Porém, não seria a
minha vida.
Eu sei que o amor é real, eu consigo percebê-lo, ao meu
redor, principalmente, cercada de tanto dele. Então, por que não
deixar livre, aquele que já encontrou o seu, e só não percebeu? Ou
melhor, não teve coragem?
No fundo, eu espero que sinta o mesmo. Espero que quando
ler isso, eu possa te chamar de amiga e eu tenha encontrado o
meu verdadeiro amor também. Talvez, só queira te dizer que tem
sorte, que vocês a têm por terem se encontrado. Que seja possível,
que o brilho que você traz a ele, seja nítido, sempre, porque está
ao seu redor.
Bom, acho que agora ficou ainda mais estranho, porque não
sei o que se escreve no final.
Finais são realmente complicados, não é?
Vou deixar reticências, para que vocês possam mudar a
folha, e continuar a história de vocês.
Soei poética, certo?
Desejando-lhe toda a felicidade do mundo,
Leila
...
NOTA II

E foi assim...
Concluímos a missão da primeira geração dos Reis e de
quebra, fechamos as Junqueira... Quem diria, não?
Isso quer dizer que tem previsão de segunda geração? Eita
eita! Vamos por partes!
Queria só agradecer por acompanharem essa real saga até
aqui, e se este é o seu primeiro contato com a minha escrita: BEM-
VINDA AO ALINEVERSO! E claro, gostaria de dizer que se
gostaram de Eli e Ric, não se esqueçam de deixar sua avaliação e
me dizer o que mais esperam, quem sabe, de uma segunda
geração.
Obrigada por lerem esse livro, de todo meu coração
Com amor,
Aline
Junqueira-Dias

UM NAMORO DE MENTIRINHA COM O CEO

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Sinopse
Iara Junqueira acreditou ter encontrado o cara certo. Porém,
tudo muda de figura, quando ela descobre que na verdade, não
passou de uma aposta para ele. O que ela menos imaginava era
que naquele exato o momento, Caio Vieira, o homem que ela mais
evitava e que era seu inimigo número um, faria a proposta mais
descabida possível para ajudá-la a se vingar: um namoro de
mentirinha.
UMA FAMÍLIA DE MENTIRINHA COM O COWBOY

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Sinopse

Helena Junqueira apenas aceitou que nunca encontraria o


cara certo. Porém, tudo muda de figura, quando ela viaja a trabalho
para o interior e acaba sendo literalmente atropelada por um
garotinho em uma bicicleta. O que ela menos imaginava era que em
algum momento, se autointitularia a madrasta dele e a falsa
namorada do seu pai, e eles formariam uma família de mentirinha.
UMA GRAVIDEZ DE MENTIRINHA COM O VIÚVO

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Sinopse

Sabrina Junqueira tinha apenas um objetivo: cuidar e


proteger suas irmãs. O que ela menos imaginava era que em algum
momento, estaria de frente com o único homem que conseguiu
chegar até o seu coração a ponto de quebrá-lo, e que após uma
mentirinha de nada, ela se descobriria grávida dele.
UM CASAMENTO DE MENTIRINHA COM O COWBOY

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Sinopse

O que todo casamento de verdade tem que ter?


Os noivos, claro. Quem se importa e amamos, para se
celebrar. Surpresas especiais, com toda certeza. E uma pequena
confusão, para jamais ser esquecido.
Mas, é possível um casamento de mentirinha ter tudo
isso?
Torres-Reis-Kang-Esteves

UMA GRAVIDEZ INESPERADA


Família Torres – Livro 1

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SINOPSE
Se no meio do caminho de algumas pessoas tem uma pedra, no meio do
caminho de Maria Beatriz, sempre teve Inácio. O herdeiro da fazenda que fica ao lado
das antigas terras de sua família, tornou-se um homem bruto e fechado, que quando
aparece na sua frente, ela já sabe que só pode ser problema ou alguma proposta
indecorosa. Maldito peão velho!
Inácio Torres é um homem de poucas palavras, mas que vê em uma mulher
tagarela, a oportunidade perfeita. Mabi precisa de dinheiro, ele o tem. Ele precisa de um
casamento falso, e ela é a escolha perfeita. Porém, a única coisa que recebe de Mabi,
como sempre, é uma negativa. Maldita criança sonhadora!
No meio das voltas que a vida dá, uma noite de prazer os marca. E a
consequência será muito maior que o arrependimento: UMA GRAVIDEZ INESPERADA.
CEO INESPERADO – meu ex-melhor amigo
Família Torres – Livro 2

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SINOPSE
Se nem tudo que reluz é ouro, Júlio é apenas a melhor imitação de pedra
preciosa em que Babi colocou os olhos.
O seu ex-melhor amigo, a abandonou e quebrou seu coração quando eram
adolescentes. Bárbara Ferraz jurou a si mesma que nunca mais o deixaria ficar
perto. Maldito CEO engomadinho!
Júlio Torres sabe que deixou uma parte de si para trás. Sua ex-melhor amiga o
odeia e ele, muitas vezes, teve o mesmo sentimento por si. Maldita sombra!
Júlio sabe que não pode mais ignorar, porque ele não quer apenas a sua melhor
amiga de volta, ele a quer como sua.
Babi foge dele como o diabo foge da cruz. Entretanto, como fugir se depois do
reencontro e finalmente os pratos limpos, ela se descobre grávida do seu ex-melhor
amigo?
O BEBÊ INESPERADO DO COWBOY
Família Torres – Livro 3

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SINOPSE
Se existe amor à primeira vista, Abigail Alencar e Bruno Torres compartilham
o completo oposto. Abi o detestou desde o primeiro momento, e com o passar dos anos,
o sentimento permaneceu. Bruno é o típico cowboy cafajeste, arrogante e popular, de
quem ela não suporta a presença um segundo.
A cidade pequena sabe de seu desgosto e desinteresse no mais novo dos Torres,
porém, ele sempre pareceu ficar ainda mais animado em confrontá-la. Se existe algo sobre
Bruno que ela conhece bem, é que ele não foge de um desafio.
Assim, quando Abi o encontra como babá da sua filha de apenas um ano, ela só
consegue pensar que ele quer algo. Bruno jura que está ali apenas para tirá-la do sério,
como sempre, mas tudo acaba por mudar, naquele exato instante.
Existe uma linha tênue entre o amor e o ódio... eles estarão dispostos a
cruzá-la?
FELIZ NATAL, TORRES
Família Torres – Livro Extra

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SINOPSE
O Natal parou de ser uma data festiva, e tornou-se dolorosa, assim que Maria
Beatriz perdeu os pais. No entanto, nesse ano, tudo mudou e ela vai lutar para que essa
data seja ressignificada. Que ela possa sorrir, o tanto quanto, um dia fez, no passado.
Assim, ela precisa que tudo saia PERFEITO.
Uma árvore de Natal destruída, enfeites perdidos pela casa, a ceia que não vai
chegar a tempo, um desmaio...
Será que ela terá o seu Feliz Natal ao lado dos Torres?
Esse é um conto natalino, narrado na visão de Mabi e Inácio (do livro Uma
Gravidez Inesperada), onde você poderá passar essa data tão especial ao lado da Família
Torres.
UMA FAMÍLIA INESPERADA PARA O VIÚVO
Família Torres – Livro 4

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SINOPSE
Olívia Torres sempre teve em mente que para bom entendedor meia palavra
bastava. Assim, quando se apaixonou perdidamente e descobriu que o homem com o qual
se envolveu era casado, o seu mundo perdeu o chão. Ela apenas foi embora, sem olhar
para trás.
Contudo, com Murilo, ela nunca pôde parar de olhar. Ainda mais, quando descobriu
que estava grávida.
Murilo Reis perdeu tudo. Nunca pensou, que em algum momento, poderia voltar a
sentir algo. Entretanto, bastou um olhar para Olívia, para ele compreender que ainda
existia uma chance. Chance essa, que se perdeu por completo, quando ela o deixou.
Anos depois e uma coincidência do destino, Murilo descobre que não apenas as
lembranças daquele amor de verão permaneceram, mas sim, que ele tem uma filha.
Um amor de verão pode ser o amor para a sua vida?
GRÁVIDA DO CEO QUE NÃO ME AMA
Família Reis – Livro 1

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SINOPSE
O triste é que aquele velho ditado se tornou real em sua vida: Valéria que
amava Tadeu, que amava Bianca, que amava Murilo, que não amava ninguém. Desde
que seus olhos pousaram em Tadeu Reis, Valéria se apaixonou. Não sabia dizer se era
pelo olhar escuro enigmático, o sorriso que ela queria tirar daqueles lábios cerrados ou o
fato de ele ser tão atencioso com quem amava.
Porém, Tadeu apenas tinha olhos para outra mulher, e Valéria escondeu aquele
sentimento no fundo de sua alma, tentando matá-lo durante os anos que se passaram.
Uma coincidência do destino, os coloca frente a frente. Ela sabe que ele é errado, mais do
que isso, uma grande mentira, porém, seu corpo não resiste.
E uma noite com o homem errado não é o fim do mundo, certo?
Para ela, tornou-se um outro começo, já que terá uma parte dele consigo, para
sempre. Valéria está grávida do homem que não a ama. E não pretende deixá-lo descobrir.
O CASAMENTO DO CEO POR UM BEBÊ
Família Reis – Livro 2

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SINOPSE
Águas passadas não movem moinhos – era o que Lisa repetia a si mesma.
Contudo, estar sempre tão próxima do único homem que realmente se apaixonou, fazia
com que ela quisesse voltar, e na verdade, se afogar com ele. Igor Reis era um erro, e ela
sempre soube.
Ainda assim, não podia evitá-lo para sempre, já que seus círculos de amizades
eram tão próximos. Então, era apenas isso: Igor era um amigo. Um ótimo fofoqueiro e uma
pessoa para perder horas conversando – mesmo que quisesse perder muito mais.
Todavia, quando ele bate na sua porta no meio da madrugada com um bebê a
tiracolo, ela não sabe o que de fato está acontecendo. Porém, nada é tão ruim que não
possa piorar, e ele a pede em casamento.
Nas voltas que a vida dá, Lisa se vê com o sobrenome Reis, um bebê para chamar
de seu e um contrato de casamento por um ano com o homem que ama.
Até onde o casamento do CEO por um bebê será uma mentira?
A FILHA DO VIÚVO QUE ME ODEIA
Família Reis – Livro 3

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SINOPSE
Os opostos se atraem.
Carolina Reis queria jurar que isso estava errado, mas não pôde evitar a forma
como seu corpo reagiu ao cowboy bruto e grosso que, literalmente, atravessou o seu
caminho. Franco era uma incógnita, com um chapéu de cowboy escuro e uma expressão
tão dura, que lhe fazia indagar se ele em algum momento sorria. Bruto insensível!
Franco Esteves não tinha tempo para perder, muito menos, com uma patricinha
mimada que encontrou sozinha no meio da estrada. Porém, não conseguia evitar ajudar
alguém, mesmo que este parecesse ser no mínimo uma década mais novo, com olhos
claros penetrantes e um sorriso zombeteiro. Diacho de madame!
O que era para ser apenas um esbarrão no meio do nada, torna-se uma verdadeira
tortura, quando Carolina assume, por coincidência a função de tutora da filha do cowboy.
Ele só quer evitá-la. Ela só quer irritá-lo. No meio do ódio e atração que lhes permeiam,
uma adolescente se torna um vínculo que eles não podem evitar.
Mas até onde ela será a única a uni-los?
GRÁVIDA EM UM CASAMENTO POR CONTRATO
Família Reis – Livro 4

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SINOPSE
Se no meio do caminho de algumas pessoas tem uma
pedra, no meio do caminho de Nero, sempre teve Verônica. A
matriarca dos Reis era uma mulher que intimidava a qualquer um, e
ele nunca conseguiu entender uma reação dela. Quando ela estava
à sua frente, ele sabe que tudo o que deve fazer é correr para a
direção oposta.
Verônica Reis é uma mulher que nunca demonstra o que
sente. Sendo assim, praticamente impossível desvendar o que se
passa em sua cabeça, e muito menos, em seu coração. Contudo,
sempre lhe intrigou o fato de que Alfredo Lopes – ou apenas Nero
para os demais – parecia querer enfrentá-la em uma simples troca
de olhares, e nunca a temer.
No meio das voltas que a vida dá, um contrato de casamento
é o que os une. O que ela e muito menos eles esperavam, era que
no único momento que deixassem a guarda baixar, teriam algo
maior do que o arrependimento para lidar: UMA GRAVIDEZ EM UM
CASAMENTO POR CONTRATO.
UM CASAMENTO DE MENTIRA PARA O CEO
Família Fontes – Livro 1

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SINOPSE
Nas voltas que a vida dá, Talita e Gael se encontram dizendo “sim” no altar.
A rejeição à frente de várias pessoas foi o que Talita Kang vivenciou aos dezessete
anos, quando Gael Fontes a recusou e humilhou abertamente sobre o possível noivado
dos dois.
Porém, como o carma nunca falha, tudo o que o herdeiro dos Fontes necessita
quinze anos depois, quando retorna para recuperar a empresa da família, é justamente um
casamento por contrato.
O que ele não esperava era que justamente a mulher que quebrou seu coração
seria a candidata perfeita, e mais, que ela o escolheria novamente.
Ele a humilhou por um casamento por contrato.
Ele precisa dela agora, pelo mesmo motivo.
Talita se apegou a esse contrato pela sua família, e por uma promessa que apenas
ela pode cumprir. Mas nada lhe impede de se divertir com a infelicidade do homem que
estará preso nessa mentira com ela. Entre o carma, uma rede de mentiras e corações
partidos, até que ponto um casamento por contrato significará apenas isso?
GRÁVIDA DO COWBOY QUE NÃO ME AMA
Família Esteves – Livro 1

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SINOPSE
Ter um ditado como aquele sendo uma realidade, depois de tanto tempo,
apenas fazia Guta duvidar se realmente queria tal casamento. Augusta que amava
Juan, que amava Pâmela, que amava Franco, que amava Carolina, que felizmente, o
amava de volta.
Deixada sozinha em casa, após finalmente ter o homem que amava da forma que
sempre desejou, Guta parou de se questionar do que era necessário para que aquele
casamento fosse real, e aceitou que o amor de Juan Esteves nunca seria seu.
Ela então o deixa para trás, e com ele, todo o sonho do primeiro amor que agora
ela jurou que esqueceria. Contudo, o que ela não esperava, depois de tanto tempo, era que
criaria algum laço real com ele.
Guta apenas quer os papéis do divórcio e distância, mas se descobre grávida do
cowboy que não a ama.
UMA FILHA INESPERADA PARA O CEO
Família Esteves – Livro 2

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SINOPSE
Júlia Medeiros sempre pensou que para bom entendedor, meia palavra
bastava. Entretanto, ela não sabia o que entender, quando o homem para o qual se
declarou, a abandonou na cama, na companhia de um chapéu. Ela só não tinha ideia do
que mais acabou ficando para si.
Oscar Esteves sempre lutou por sua família, e seus irmãos eram seu mundo,
contudo, os olhos bonitos da mulher que o encantou desde que a encarou pela primeira
vez, sempre vagavam em suas memórias.
Anos depois e uma coincidência do destino, Oscar descobre que aquele amor não
resultou em apenas lembranças que ele não conseguia tirar da mente, mas também, em
uma filha.
UMA FILHA INESPERADA NA MÁFIA
Família Esteves – Livro 3

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SINOPSE
Se no meio do caminho de algumas pessoas tem uma pedra, no meio do
caminho de Flávio, sempre teve Dove Kang.
Ele, um cowboy de sorriso fácil e cheio de piadinhas.
Ela, uma mafiosa que sorri apenas de forma calculada.
Ele, não pode evitar a atração que sente.
Ela, adora ver a forma como o homem mais novo a teme.
O que nenhum deles imaginou é que no meio desse caminho que os une, surgiria
uma filha inesperada.
GRÁVIDA DO MAFIOSO QUE NÃO ME AMA
Família Kang – Livro 1

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SINOPSE
O ditado que ela não queria ter como uma realidade, mas era: Hari que amava
Kalel que amava Lea que não amava ninguém.
Ele, conhecido com o diabo da máfia Kang.
Ela, a mulher apaixonada por ele desde os dezoito anos.
Ele, se apaixona por outra, mas acaba na cama dela no fim da noite.
Ela, acorda sozinha na cama, com a notícia de que ele abandonou a máfia.
Hari apenas quer seguir em frente após ser usada, porém se descobre grávida do
mafioso que não a ama.
REJEITADA POR UM MAFIOSO
Família Kang – Livro 2

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SINOPSE
E quando você se apaixona por um mafioso?
Ele, o segundo no comando da máfia Kang.
Ela, dez anos mais nova e que não confia em ninguém.
Ele, tenta ajudá-la de todas as maneiras a se abrir.
Ela, tenta vê-lo apenas como um irmão, mas acaba falhando.
Hinata se apaixona por um mafioso, só não esperava que seria rejeitada por ele.
UMA FAMÍLIA INESPERADA PARA O MAFIOSO
Família Kang – Livro 3

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SINOPSE
Sara Hernández ficou viúva aos vinte e dois anos, com uma filha de quatro anos, e
fará de tudo para protegê-la. Até mesmo, se casar por contrato com um homem
estrangeiro, que pertence à máfia mais respeitada e temida.
Chae Kang está no México por uma razão: se responsabilizar pela máfia da sua
família e fazer o Cartel se reerguer. Ele só não esperava encontrar algo além do seu
objetivo e trabalho: uma família inesperada.
UMA GRAVIDEZ INESPERADA PARA O MAFIOSO
Família Kang – Livro 4

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SINOPSE
Se no meio do caminho de algumas pessoas tem uma pedra, no meio do caminho
de Paola, sempre teve Vincenzo Kang.
Ele, o chefe da máfia mais temida e respeitada.
Ela, à venda para um contrato de casamento desde que nasceu.
Ele, um homem que vive apenas para os irmãos e pelo seu legado.
Ela, uma mulher que tenta se livrar do fardo do seu sobrenome.
Nas brincadeiras que o destino lhes prega, os dois sempre se encontram. Porém, o
que nenhum deles imaginava era que em algum momento seriam de fato unidos, e ainda
mais, que seria por UMA GRAVIDEZ INESPERADA.
[1]
Is It Over Now? – Taylor Swift
[2]
Say Don’t Go – Taylor Swift
[3]
Say Don’t Go – Taylor Swift
[4]
"Slut!" – Taylor Swift
[5]
Say Don’t Go – Taylor Swift
[6]
"Slut!" – Taylor Swift
[7]
Now The We Don’t Talk – Taylor Swift
[8]
Say Don’t Go – Taylor Swift
[9]
Is It Over Now? – Taylor Swift
[10]
Is It Over Now? – Taylor Swift
[11]
Say Don’t Go – Taylor Swift
[12]
Is It Over Now? – Taylor Swift
[13]
Out Of The Woods – Taylor Swift
[14]
Wildest Dreams – Taylor Swift
[15]
Atlantis – Seafret
[16]
Clean – Taylor Swift
[17]
Clean – Taylor Swift
[18]
Suburban Legends – Taylor Swift
[19]
Suburban Legends – Taylor Swift
[20]
I Wish You Would – Taylor Swift
[21]
I Wish You Would – Taylor Swift
[22]
Style – Taylor Swift
[23]
How You Get The Girl – Taylor Swift
[24]
This Love – Taylor Swift
[25]
This Love – Taylor Swift
[26]
This Love – Taylor Swift
[27]
How You Get The Girl – Taylor Swift
[28]
You Are In Love – Taylor Swift
[29]
You Are In Love – Taylor Swift
[30]
You Are In Love – Taylor Swift
[31]
How You Get The Girl – Taylor Swift
[32]
I Wish You Would – Taylor Swift
[33]
You Are In Love – Taylor Swift
[34]
Bad Blood – Taylor Swift

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