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1° edição – FEVEREIRO 2024

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS A ALINE PÁDUA


Edição: AAA Design
Ilustração: L.A. Design
Revisão: Sônia Carvalho
Para o Deus que eu acredito
Para todos os deuses que possam escutar
Obrigada por tudo
Obrigada por tanto
Sumário
Playlist
Nota I
Sinopse
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Nota II
UMA FILHA PARA O MAFIOSO QUE NÃO ME AMA
UM FILHO SURPRESA PARA O CEO
Torres-Reis-Kang-Esteves
UMA GRAVIDEZ INESPERADA
CEO INESPERADO – meu ex-melhor amigo
O BEBÊ INESPERADO DO COWBOY
FELIZ NATAL, TORRES
UMA FAMÍLIA INESPERADA PARA O VIÚVO
GRÁVIDA DO CEO QUE NÃO ME AMA
O CASAMENTO DO CEO POR UM BEBÊ
A FILHA DO VIÚVO QUE ME ODEIA
GRÁVIDA EM UM CASAMENTO POR CONTRATO
UM CASAMENTO DE MENTIRA PARA O CEO
GRÁVIDA DO COWBOY QUE NÃO ME AMA
UMA FILHA INESPERADA PARA O CEO
UMA FILHA INESPERADA NA MÁFIA
GRÁVIDA DO MAFIOSO QUE NÃO ME AMA
REJEITADA POR UM MAFIOSO
UMA FAMÍLIA INESPERADA PARA O MAFIOSO
UMA GRAVIDEZ INESPERADA PARA O MAFIOSO
Junqueira-Dias
UM NAMORO DE MENTIRINHA COM O CEO
UMA FAMÍLIA DE MENTIRINHA COM O COWBOY
UMA GRAVIDEZ DE MENTIRINHA COM O VIÚVO
UM CASAMENTO DE MENTIRINHA COM O COWBOY
REJEITADA & GRÁVIDA DO VIÚVO QUE NÃO ME AMA
Playlist

Posicione a câmera do seu celular para ler o QR Code e conheça um pouquinho das músicas que inspiraram este livro.
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Nota I

Oi!
E aqui estamos de volta, com os Hansen.
Uma família mafiosa com origem escandinava, que cada irmã leva o nome de um dos
deuses nórdicos. Espero que estejam ansiosas para conhecer Thor!
Entre todas as definições que possam encontrar sobre ele, acredito que esse livro, trará
uma nova. Com um toque de comédia romântica, e lágrimas garantidas, espero que no final,
apenas fique, o seu coração quentinho.
Obrigada por estar aqui, por eles

Boa leitura,
Aline
Sinopse

Anastasia que se apaixonou por Thor que se apaixonou por Irina que é a irmã gêmea
de Anastasia.
Ele, o terceiro no comando da máfia escandinava.
Ela, a gêmea substituta e escondida da herdeira da máfia russa.
Ele, se apaixona pela irmã gêmea dela.
Ela, tem o seu coração totalmente quebrado por ele.
Anos depois, Thor assume o lugar do irmão mais velho, em um casamento por contrato
com a herdeira da máfia russa.
Já Anastasia, assume o lugar da sua gêmea, em um casamento por contrato com o
homem que a rejeitou no passado.
Tudo o que menos esperava, aconteceu: ela foi rejeitada e agora está casada com o
mafioso que não a ama.
Capítulo 1

“Te conheci na hora certa


É isso o que parece
Vivendo em um filme que assisti e
Engraçado, porque você não chama assim
Te conheci na hora certa
É isso o que parece”[1]

Anastasia
— Você pode sorrir e acenar...
— Sabe o quanto odeio ter que fazer tudo isso, Irina.
— E acha que eu gosto? — Ela fingiu uma ânsia e eu ri.
Sempre seria engraçado, olhar diretamente para ela, e ver o meu reflexo. Se não fossem
por seus cabelos pintados de preto, tudo em nós, era absolutamente idêntico.
— Nossos pais preferem que todos achem que é sempre a mesma filha, para não
comprometer em nada, caso descubram que somos gêmeas, sabe disso...
— As máfias mais poderosas sabem que somos gêmeas.
— Os Hansen e Kang não são algo que eles realmente temem... — deu de ombros,
como se soubesse demais.
Mesmo que fossem apenas alguns segundos de diferença, ela sempre parecia ter mais
acesso a tudo, do que eu.
— O problema maior é a grande massa, e papai sabe se colocar muito bem para enganá-
los.
— E você foi lá e pintou o cabelo de preto — acusei.
— E você vai usar uma peruca, então... — deu de ombros. — É só mais uma noite, e
vamos ter paz pelo resto do final de ano.
— Dezessete anos, correndo para mafiosos e não de namorados, quem diria? —
ironizei, e ela riu alto.
— Eu preferia estar correndo em uma praia, mas... — ajudou a esconder um fio de
cabelo que ainda estava aparente. — É só sorrir, acenar, procurar um lugar para se sentar, e ficar
por lá, até dar a hora de voltar.
— Por que mesmo temos que ir a esse tipo de evento?
— Porque somos as herdeiras da máfia russa — falou, o que parecia óbvio. — Eles têm
que nos ver, para saber o que vão temer.
— Você é a herdeira de fato, Irina.
Vi sua feição mudar, e ela respirou profundamente.
— O que não muda o fato de que se algo acontecer comigo, você é a herdeira.
— Irina...
Falei chocada.
— Anastasia.
Ela tocou meu rosto com as duas mãos, os olhos verdes encarando o mesmo dos meus.
— Apenas cinco horinhas e vamos assistir alguma série, e esquecer que temos que fazer
isso de novo e de novo, no próximo ano.
— Ok, então.
Ela me ajudou a levantar, e me levou para perto do grande espelho que ficava escorado
na parede do seu quarto. Eu usava um vestido branco, de mangas longas, ele era totalmente liso,
com apenas o brasão da nossa família, adornado do lado direito.
Era estranho olhar para mim, e não ver os meus cabelos loiros, mas sim, os pretos,
idênticos aos de Irina. Porém, ela tinha aparecido publicamente assim, na semana que se passou.
Chegar em um loiro como o anterior, tão rapidamente, não era algo que seria bem aceito. Na
verdade, levantaria suspeitas. Existiam muitos boatos pelo meio, de que os russos sempre
escondiam um ou outro truque na manga. E eu sabia que Irina e eu, éramos o trunfo que meus
pais planejaram milimetricamente.
— Como pode o cabelo escuro ficar tão bonito em você e eu não me reconhecer assim?
— Você é bonita de qualquer jeito, sabe?
— Diz isso, porque sou a sua cara... — provoquei, quando ela me encarou pelo reflexo.
— Posso ir de salto, dessa vez?
— Isso é uma vingança ou tortura para que eu faça o mesmo na próxima?
— Eu gosto de saltos, sabe disso... — sorri, vendo-a sair da minha visão e aparecer com
uma caixa da marca de luxo que eu amava para sapatos.
Ela fez um sinal de silêncio com os dedos, e eu só queria saber onde ela tinha arrumado
aquilo.
— Presente de aniversário...
— Nosso aniversário é no mês que vem, Irina.
— Bom, chegou antes do que eu pensei... — piscou um olho e eu sorri de lado,
enquanto abria a caixa, e olhava incrédula para os cristais adornados, uma cor que refletia
qualquer outra, e deveria ter custado uma fortuna.
— Nossos pais...
— Acham que recebi de algum admirador... — piscou um olho. — Sabe da fama que
tenho, por amar saltos altos...
Ri de sua careta.
— Desculpe.
— Engraçado dizer isso, usando uma peruca com a cor do meu cabelo.
Calcei os saltos e sorri para ela.
— Justo, não?
— O que uma gêmea não faz pela outra, não é?
Eu assenti, assim como ela.
Levantei-me com os saltos, e agora, sentia-me um pouco mais como eu. Irina e eu
éramos acostumadas a tentar sempre deixar aquele papel que nos prestávamos em algo justo.
Batidas na porta, me fizeram encará-la, e suspirei fundo.
Eu detestava eventos.
Eu não gostava de sair de casa.
Porém, sabia que era uma necessidade, para que da próxima vez, eu pudesse ficar no
meu quarto e desenhar o meu próximo sonho a não ser realizado.
— Sempre, a gente, Na? — ela indagou, o que fazíamos desde pequenas, e segurou
minha mão direita com a sua.
— Sempre, a gente, Na — respondi, e me afastei, vendo o seu olhar preocupado e um
sorriso forçado.
De tudo que nossos pais poderiam ter pensado, escolher nomes tão diferentes para
gêmeas, era algo que quase ninguém fazia. Porém, existia uma sílaba em comum entre Irina e
Anastasia. E nós fazíamos uso dela, para sempre confundir, quem fosse. Até mesmo, eles.
— Pronta, senhorita Romanov?
Olhei para minha segurança particular, que era a mesma, desde minhas primeiras
lembranças. Uma sombra, mesmo que atrás de portas, ou metros distantes.
— Meus pais?
— Viajando — respondeu, e eu não me surpreendia.
Eles nunca estavam.
Não me lembrava de algum momento, em que realmente o fizessem.
— Pronta — respondi, e a segui pelos corredores do grande apartamento, até chegarmos
ao elevador. — Sabe quanto tempo é daqui até o evento?
— Menos de dez minutos, senhora.
Assenti, e respirei fundo.
Olhei para o meu reflexo no espelho, e sabia que não tinha como corrigir minha própria
segurança, que deveria estar se perguntando, se era eu ou Irina. Ninguém sabia nos diferenciar,
nem mesmo nossos pais, então... Era quase uma vida dupla.
O caminho até o evento foi tranquilo, e mesmo sendo em algumas quadras, foi feito em
um carro blindado. Nossos pais eram ausentes, mas nunca deixavam a sorte ao azar. Assim que o
carro parou, vi minha segurança sair primeiro, e sabia que estava averiguando o local ao redor,
mais uma vez. Não demorou para a porta ser aberta, e eu saí, caminhando diretamente para as
escadas que ela me instruiu.
O queixo erguido.
Os olhos afiados.
Uma expressão neutra.
Quando cheguei ao último degrau, senti algo bater contra meu corpo, tão forte, que me
assustei se tinha acertado algum pilar sem notar. Porém, mãos pairaram em minha cintura, e me
firmaram.
— Cuidado, Thor.
Eu sabia dinamarquês. E a única família que o usaria em um evento como aquele – Os
Hansen.
Não demorou para reconhecer Baldur Hansen, que me deu um aceno de cabeça,
enquanto voltava meu olhar para o homem que ainda segurava minha cintura.
— Desculpe, senhorita...
Ele falou em inglês.
— Russo, por favor — pedi, e então seus olhos azuis pararam nos meus, e notei os
cabelos loiros-escuros, bem cortados.
Quem era aquele?
Thor?
Aquele era um dos irmãos mais novos dos Hansen ou do meio?
Não era algo que eu tinha me ligado, mesmo com todas as aulas que era obrigada a
participar dentro de casa.
— Ele ainda está aprendendo, senhorita Romanov. — Baldur tomou a frente, e tinha
uma expressão calma, como sempre. — Como vai?
— Bem, só... — olhei para as mãos do irmão dele em minha cintura, que permaneciam
lá. — Pode me soltar, senhor Hansen?
Ele pareceu se tocar, e então suas mãos saíram da minha cintura. Uma sensação
estranha de vazio me percorreu, e não soube explicar. Quantos anos ele tem? Quem ele realmente
é? Qual a posição dele nos Hansen? Por que estava naquela festa?
— Thor — ele falou, enquanto eu só pensava em sair dali.
— A... — Engoli em seco. — Sou Irina. — Forcei um sorriso, e então me afastei dos
dois, sentindo um olhar me percorrer.
Que diabos foi tudo isso?
Capítulo 2

“Eu tive uma ideia


Tentei pensar melhor nela enquanto mantinha um ritmo ansioso
E se eu não
Valer o tempo e o fôlego que você está poupando?” [2]

Anastasia
Sorri e acenei.
Ouvi meu nome sendo chamado e reverenciado por algumas pessoas. Ou melhor, o
nome da minha irmã. Era já praticamente costumeiro, estar em ambientes assim, e ser
chamada por Irina. Que ideia maravilhosa foi, de quando nossos pais decidiram se casar pela
probabilidade alta de terem gêmeos, e, de fato, serem contemplados conosco.
Nada de celulares, uma regra que eu detestava. Em um mundo como o atual, não ter
um celular poderia ser um risco, contudo, eu tinha um localizador e uma escuta, sempre
conectados à minha segurança mais próxima. Queria que a escuta estivesse conectada à Irina,
para que ela me ajudasse a matar o tempo ocioso.
Procurei pela mesa mais distante, e colocada bem próxima a um corredor. Sentei-me
nela, e respirei fundo, a postura correta, e encarei meus novos sapatos. Lindos e que eram um
sonho, que por sorte, foi o jeito certeiro que minha irmã encontrou de me convencer a não
fugir no primeiro minuto, alegando alguma dor de cabeça, naquela festa.
Enrolei um bom tempo ali, ofuscada pelos discursos que eram dados, e a comida
sendo servida. Felizmente, eu sabia que existia ume regra muito clara na Família Romanov.
Só se fala com a futura herdeira, se ela falar com você. Principalmente, se você não for de
famílias mais poderosas, por mais que meus pais não admitissem em voz alta.
Kang e Hansen, eram as famílias que eles visavam, há tempos, em uma união. Tinha
conhecido alguns deles, ao longo dos anos, porém, eram totalmente respeitosos e silenciosos,
em sua maioria. Nunca procuraram em minha vez ou de Irina, tratar de negócios que
deveriam ser feitos diretamente com nosso pai. Poderia ser pelo fato de que não colocavam
esperanças, em uma menor de idade, que assumiria um império, contudo, sabia que Irina
calaria a boca de cada um deles, quando o fizesse.
Levantei-me, e me vi indo pelo corredor, buscando o banheiro. Assim que encontrei
a porta, que tinha uma segurança bem-posicionada à frente, ela me abriu espaço, e passei.
Nunca se sabia o que poderia acontecer, em um local fechado, com mafiosos envolvidos.
Então, era apenas eu, em um banheiro com várias cabines. Entretanto, o que me importava
mesmo, era meu reflexo no espelho.
Encarei o meu cabelo, bem escondido ainda na peruca que tive que usar. Resolvi
lavar minhas mãos e matar um tempo por ali. Encarei o relógio em meu pulso, e sabia que
apenas tinham se passado vinte minutos, desde o momento que pisei naquele evento. Por que
diabos o tempo passava tão devagar neles?
Saí do banheiro logo depois, e me vi refazendo o caminho. Antes que eu virasse o
último pilar, que ficava ao lado da mesa que escolhi, apenas ouvi uma voz baixa, claramente,
dando ordens.
— Sente aqui e não ameace quebrar a cara de mais ninguém. — Dinamarquês era a
língua falada. — Não estou brincando, Thor.
Esperei um pouco, ouvi passos se afastando e adentrei o salão. Notei, que Thor
Hansen, um dos vários irmãos Hansen que eu nunca tinha visto, e que tinha feito uma entrada
e tanto comigo, estava sentado, em uma das cadeiras da mesa que eu tinha ocupado, minutos
antes.
Ele tinha o olhar distante, e parecia perdido, encarando o chão. Algo nele, dava a
impressão de que a qualquer instante, a sua expressão truncada pudesse se transformar em um
sorriso. Gostaria de ver aquilo, fiz uma nota mental.
— Eu saí por alguns segundos e acabei perdendo a mesa — falei, tentando ser
educada, e então seu olhar azul parou no meu.
Ele fez questão de se levantar de imediato, e eu neguei com a cabeça, levando uma
das mãos até o seu braço, sem perceber que fazia sem pensar. Vi o momento que seu olhar
mudou, encarando-me como se esperando por qualquer atitude.
— Desculpe — falei, afastando minha mão. — Meu corpo age antes que eu possa
falar — admiti. — Sei que é um erro, sendo da máfia, mas... Ainda estou aprendendo.
— Irina, não é?
Assenti, meio a contragosto, e fiz um sinal com a cabeça, como se pedindo para que
ele se sentasse novamente.
— Pode se sentar, eu vou ficar aqui também — comentei. — Melhor do que passar
por toda essa fez[SC1], sem qualquer distração que não seja torcer para que alguém discuta e
tenha fofoca para depois.
De repente, eu percebi que de fato era falante. Irina sempre chamou minha atenção
sobre essa ser uma das nossas grandes diferenças. Ela mal falava em certos momentos, e eu
sabia que deveria tomar mais cuidado com a minha língua. Principalmente, à frente de
pessoas, com os Hansen, que sabiam que existiam duas de nós.
— Obrigado.
Foi tudo o que ele disse, sentando-se novamente. Escorei-me com os cotovelos na
mesa, e levei a mão até a orelha, colocando uma mecha do cabelo atrás. Sentia o olhar dele
sobre mim, como se analisando. Talvez fosse o jeito sútil de tentar ler alguém, como todos os
bem-preparados naquela festa, contudo, eu não podia fingir que sentia cada parte de mim, se
arrepiar pelo fato de estar sendo olhada por ele.
Como poderia fazer aquilo?
— Só você e seu irmão mais velho? — indaguei de repente, e virei minha cabeça, o
encarando. — Nada do chefe ou outro irmão Hansen?
— Acho que sou o segundo Hansen que resolveram arrastar para essas merd... — ele
parou de repente, e eu não pude evitar um sorriso.
— Também acho isso, mas não digo em voz alta — admiti. — Pelo menos, não aqui.
— Seu dinamarquês é muito bom — falou, o que me surpreendeu, e eu assenti. —
Estou sofrendo para aprender russo.
— Eu aprendo desde criança, todas as línguas possíveis... — dei de ombros. — Sei
que os Hansen também são poliglotas, então... qual a dificuldade com o russo?
— Preguiça? — ele pareceu extremamente honesto, o que me chocou. — Revolta?
— Deu de ombros. — Acho que só queria contrariar Odin, e acabei me fodendo por não
aprender a língua quando era adolescente.
— Quantos anos tem? — soltei a pergunta, e ele pareceu estranhar. — Não é como
se eu tivesse lido um relatório sobre todos que estariam aqui... — Irina deveria ter feito isso,
mas com certeza, esqueceu-se de me passar tal detalhe. — Sei que muitos fazem.
— Não li também, já Baldur... — fez um sinal com a cabeça, em direção ao irmão,
que conversava animado com um dos membros da máfia egípcia, e eu só sabia sobre eles,
porque o herdeiro tinha a mesma idade que eu e Irina, e sempre tentava algum flerte. — Eu
tenho vinte — ele falou e eu assenti, pensando que tínhamos apenas, pouco mais de dois anos
de diferença.
Por que parecia importante, tão de repente?
— Dezoito em pouco tempo — comentei, e ele assentiu, mesmo que soubesse que
não faria a pergunta. — Acho que vou circular, para ver se o tempo passa.
Ele assentiu novamente, e sequer fez questão de se mover de outra forma, ou de se
convidar. Levantei-me, e segui diretamente para o corredor que dava para os banheiros, e
procurei pela varanda mais afastada de todas. Era o melhor jeito de desaparecer, mas ainda
estar presente naquele lugar.
Notei que era como uma sacada, mesmo que não estivesse no alto. Tinha um
formato arredondando nas beiradas, e rosas de todas as cores, espalhadas por todo o contorno.
Levei a mão até uma, na cor vermelha, e como sempre, eu conseguia algum espinho.
— Merda!
— Tudo bem?
Dei um pulo no lugar, levei minhas mãos até a borda e acabei pegando outros
espinhos. Fechei os olhos pela dor, e logo senti mãos nas minhas, afastando-as dali, e as
segurando.
— Eu te assustei.
De repente, eu sabia de quem era aquela voz. Como se fosse para que eu pudesse
lembrar, sempre que o reencontrasse. Thor Hansen tinha minhas mãos nas dele, e estava
olhando com atenção, por cada contorno da minha, e procurando por espinhos das rosas.
— Desculpe, eu... — vi-o falhar no que ia dizer, e acabei afastando minhas mãos das
dele.
— Isso que se ganha por ficar sozinha em uma quase sacada, em vez de estar na
festa... — ri sem vontade, e levei uma das mãos ainda doloridas até a rosa vermelha, sentindo
a suavidade dela.
— Não tem medo de se machucar mais?
Olhei para o homem que estava apenas parado ali, com as mãos no bolso, me
encarando.
— Elas são apenas como nós... — dei de ombros. — Você pode até tocar e sentir,
mas vai se machucar, de um jeito ou de outro, se aproximar demais... — suspirei fundo. —
Não existe um normal para quem nasce na máfia, ou escolhe estar em uma...
— Você escolheria?
De repente, assuntos profundos e inesperados.
— Parece um interrogatório? — rebati, e ele me olhou surpreso. Os olhos azuis
ainda mais brilhantes do que antes, talvez pela maneira como aquela parte estava iluminada.
Ou seria porque, eu realmente estava reparando em qual tom de azul poderia descrevê-lo?
— Acha que estou aqui para te investigar?
Dei de ombros.
— E se eu estiver aqui para fazer isso? — rebati, e notei a maneira como encolheu
levemente os ombros. — Sempre temos questões e desconfianças, faz parte.
— Eu escolheria — respondeu de repente, a pergunta que eu sequer fiz. Assim
como, eu tinha feito sobre a idade.
— Me pergunte isso quando nos vermos novamente — falei, ele assentiu, e apenas
ficou em silêncio.
Não sei quanto tempo fiquei ali, apenas parada, encarando o lado de fora, e as rosas
que cercavam todo o lugar, mas ele também ficou. Parado ao meu lado, como se apenas
precisasse daquele silêncio conjunto. Fosse para que o tempo passasse logo e ignorássemos a
festa em si. Fosse para que mesmo que passasse devagar, continuássemos ignorando tudo.
E foi a primeira vez na vida, que alguém, apenas parou e ficou ao meu lado, sem
pedir ou dizer algo. Apenas, me fazendo querer ficar também.
Capítulo 3

“Mas eu simplesmente, simplesmente não quero te deixar


Talvez eu simplesmente dispense as razões
Por que nós dois não podemos deitar aqui
E segredo, segredo, temos os dois que guardar
Honestamente, honestamente, isso é um jogo
Que nós dois sabemos que não podemos jogar” [3]

Thor
Ela parecia um enigma.
Olhando-a apenas em silêncio e compartilhando do mesmo comigo, me fazia indagar
e suspeitar de mil situações possíveis.
Eu já tinha conhecido, mesmo que indiretamente, muitos herdeiros de máfia, tanto
homens quanto mulheres. Porém, era a primeira vez que um deles, falava comigo, como se eu
fosse de igual para igual. A maioria, simplesmente, descartava qualquer relação direta com
alguém que não fosse do seu nível.
Era algo que não julgava, porque era o que foi ensinado para a maioria. Por mais que
não fosse o que Odin nos ensinou, provavelmente, era o que Ymir ordenaria, se ainda
estivesse vivo. Nosso pai, se pudesse ser chamado de tal maneira, com toda certeza, era o pior
de todos os chefes de máfia que já existiram. Uma simples desigualdade entre os próprios
membros de uma máfia ou outra, era o mínimo do que ele exigiria.
No caso, se ele me visse ali, falando com uma herdeira, provavelmente, mandaria
que a família Romanov, a punisse por estar se envolvendo com alguém que não fosse Odin –
o seu herdeiro.
Notei a maneira como os olhos dela iam de uma rosa a outra, de cores variadas, mas
sempre paravam por mais tempo em uma cor específica. Ela não se mostrava, mas tinham
detalhes, que não poderiam passar despercebidos.
Ouvi os passos do meu irmão, antes que ele se aproximasse.
Virei-me para ele, com as costas já cansadas, e ouvi o barulho de um despertador de
relógio. Olhei para a mulher, que agora tinha cabelos escuros, e eu me lembrava vagamente,
de assuntos envolvendo-as em que falavam sobre a herdeira dos Romanov ter cabelos loiros-
claros como os da mãe.
— Minha hora... — ela falou e então levantou o pulso, mostrando o relógio. — Foi
um prazer, Thor.
— O prazer foi meu, senhorita Romanov.
Pensei que ela me corrigiria, mas não fez, apenas dando um sorriso de lado, e
acenando com a cabeça.
— Senhor Hansen — falou em direção ao meu irmão, mudando sua postura, e então
saindo pelo corredor.
— Irina... — apenas ouvi Baldur falar, e ela sequer o esperou. — Ficou aqui,
escondido por todo esse tempo, com Irina Romanov?
Ele parecia realmente surpreso.
— Por que essa cara? — perguntei, sem entender.
— Porque Irina não é conhecida por permitir estranhos ao seu redor, ainda mais,
afastados.
— Só ficamos aqui, e mal conversamos — rebati. — E foi você que me colocou na
mesa em que ela estava sentada antes...
— Jura? — Fez uma careta, e então deu dois tapinhas em meus ombros, com ambas
as mãos. — Feliz em sua primeira festa da máfia?
— Isso é um porre e eu nem posso beber — fui honesto, a minha mente ainda
viajando para olhos verdes e sorrisos discretos.
— Acho que está no lucro, fazendo amizades inesperadas...
— Não fiquei amigo de ninguém.
— Imagine só, como seria o assunto: Thor Hansen, o amigo de Irina Romanov... —
ele fez um sinal à minha frente, como um noticiário, e eu apenas dei um soco na sua costela,
bem de leve, que o fez se afastar. — Porra, não deveria ter deixado você ficar tão forte.
— Você que está ficando velho.
Afastei-me dele, e sabia que tinha uma expressão indignada no rosto.
— Se eu estou velho, imagine Odin — falou, ao seu aproximar.
— Odin sempre foi velho, B.
— Nisso, você tem razão.
Ele riu de lado, e quase me fez fazer o mesmo. Voltamos para o salão principal, e vi
o exato momento que ela saiu pela porta da frente, seguida por tantos seguranças, que com
certeza, a tratavam como uma joia rara, que não deveria ser tocada e nem admirada.
Então, olhei para minhas próprias mãos.
Eu tinha tocado as dela. E ela tinha sorrido para mim.
Por que, de alguma forma, eu não conseguia apenas apagar isso da minha mente?
Anastasia
Assim que pisei em meu quarto, vi-me arrancando a peruca, de forma que até
repuxou meus fios, mas eu mal sabia como respirar. Fui direto para o banheiro, e encarei meu
reflexo no espelho. Desembaracei os meus cabelos loiros, em contato com os pretos, e eles
pareceram se enroscar ainda mais. De algum jeito, Irina tinha prendido aquilo muito bem.
Talvez tinta fosse uma ideia melhor, da próxima vez.
Eu estava pensando em uma outra vez, em uma festa? Sendo que eu sempre odiava,
de fato, apenas imaginar tal possibilidade.
Com muito custo, consegui tirar toda a peruca e tirei a roupa e as joias, indo direto
para o banho. Fechei os olhos, deixando a água quente me acolher, enquanto meus
pensamentos se perdiam. Tudo girando em torno, sobre como eu me senti, sendo olhada por
ele.
Sendo observada, claramente.
Sendo tocada, em um momento inesperado.
Sendo admirada, de certa forma.
Ele estava me admirando? Ou não?
Eu não tinha tido muitas interações com outros membros da máfia. Tanto porque
ainda era menor de idade, quanto porque eu sabia que meus pais tinham uma ótima ideia
sobre o futuro para cada uma de nós. E principalmente, pelo fato de que não sabia, se algum
dia, eles trariam à tona, para todos, que eu também existia.
Eu ainda era Irina, quando ele me encontrou.
Eu ainda era Irina, quando eu o toquei.
Eu ainda era Irina, quando ele me tocou.
Levei as mãos aos cabelos, tirando boa parte do xampu e suspirando fundo. Como eu
poderia, estar daquela forma, apenas após uma interação tão vaga?
— Estou ouvindo suspiros, é isso?
A pergunta veio, e só então abri os olhos, e notei, mesmo com o embaçado do vidro
do box, Irina sentada na pia, como se me esperando.
— Eu deveria não ter faltado nas aulas de furtividade — assumi, terminando de
enxaguar todo meu corpo. — Mas já que está aqui...
— Manda... — falou animada, olhando-me.
— Conheceu Thor Hansen?
— Ouvi falar, e li a respeito... — falou, parecendo pensar sobre. — O terceiro mais
velho dos Hansen, digo, dos vivos... Meio impulsivo, bom de briga, mas de poucas palavras
— listou, e pareceu contar nos dedos. — Ah, na foto que me mostraram, um grande gostoso.
— Irina...
— O quê?
Por que me incomodava, o fato de minha irmã que sempre dizia coisas assim sobre
qualquer homem bonito, falar de tal maneira, sobre ele?
— Gostou dele?
Ela perguntou de repente, o que fez todo meu corpo travar, enquanto eu desligava a
ducha.
— Você está gostando de Thor Hansen.
Eu apenas abri o box, e puxei a toalha, a tempo de colocar uma das mãos na sua
boca, e ela soltou um gritinho contra a minha e riu animada, ao passo que eu molhava todo o
banheiro, e tentava calá-la, conforme me enrolava na toalha com a mão livre.
— Ok! — ela falou de repente, levantando as duas mãos, como se se rendendo.
Afastei minha mão desconfiada, e ela ainda me encarou, como se tentando me ler. E
ela me lia, melhor do que qualquer pessoa. Na verdade, era a única que eu sabia e acreditava,
que conseguiria fazer algo assim.
— Mas Na...
Levei a mão à sua boca novamente, e ela riu, ao mesmo tempo que me afastava.
— Como assim? Me conta detalhe de tudooooo!
Ela então pulou da pia, e eu revirei os olhos, puxando outra toalha, e colocando ao
redor do meu cabelo, enquanto pegava outra para secar minhas pernas. Saí rapidamente dali, à
proporção que ela fazia mil e uma perguntas, sem qualquer cabimento.
Parei no meio do caminho para o closet, e ela bateu contra minhas costas, de tão
perto que estava.
— Eu não gosto de Thor, Na.
— O chama até pelo primeiro nome... — refletiu, e então percebi que tinha feito
exatamente aquilo, antes mesmo de ir embora. Ela arregalou os olhos, como se descobrindo
outro. — Chamou um Hansen de senhor Hansen, e ele apena pelo primeiro nome? — rebateu,
e eu abri a boca para negar, mas não podia. — Anastasia.
— Desculpe, eu...
— Foda-se que agiu fora da etiqueta... — parou à minha frente e segurou meus
ombros. — E se ele for o seu primeiro amor? E se ele for o seu verdadeiro amor?
— Eu pensei que era a romântica entre nós, Irina.
— Sou romântica por você, Na — falou, e deu pulinhos no lugar. — Vai agora
colocar um pijama quente, e eu vou te esperar, para me contar todos os detalhes.
— Não tenho o que contar.
Ela apenas se afastou e levantou sua mão.
— Se uma gêmea se apaixona, a outra tem obrigação de ouvir tudo, para aprender,
quando acontecer... — revirei os olhos, e segui para o closet. — Apaixonada!
Eu ri sozinha, enquanto adentrava o closet, e ouvia o barulho em minha cama. Sabia
que ela estava pulando nela, tamanha sua animação.
Ela sempre esteve certa, sobre absolutamente tudo em minha vida. Ela estaria agora
também? Eu... eu tinha me apaixonado por Thor Hansen?
Capítulo 4

“Matilda, você fala da dor como se estivesse tudo bem


Mas eu sei que você sente como se um pedaço de você estivesse morto por dentro
Você me mostrou um poder que é forte o suficiente para trazer o Sol aos dias mais escuros
Não é da minha conta, mas isso está na minha mente” [4]

Anastasia
Era apenas mais um jantar em família.
Silêncio ao redor, o barulho da lareira no canto, e uma boa comida. Nada diferente
do habitual.
— E se no nosso aniversário de dezoito anos, revelarmos que somos duas?
A sugestão de Irina, fez com que eu quase me engasgasse com a água, e minha mão
derrubou a faca que estava em sua mão. Um jantar que tinha de tudo agora, menos
normalidade.
— De onde tirou essa ideia, Anastasia?
Meu pai perguntou, e eu troquei um olhar cúmplice com Irina, que suspirou fundo.
— É a Irina, papai — falei, colocando meu copo de volta na mesa.
— É que trocaram o lugar de sentar, e pensei...
— Os cabelos pretos. — Minha irmã indicou, não que fosse de real importância para
ele, mas por alguns segundos consegui perceber a culpa em seu olhar. — Enfim, eu sugiro
revelarmos isso...
— Os Hansen e Kang já sabem — ele falou, como se fosse o bastante. — Por que
deixar outras máfias saberem do segredo mais importante dessa família?
— Porque Anastasia também tem o direito de viver a própria vida, e não ser eu, para
sempre... — ela rebateu, e eu apenas desisti de tentar cortar minha carne, focando no que
acontecia. — Ou vai realmente considerar essa ideia de que se eu morrer, ela pode assumir
como Irina e a Família Romanov seguirá inabalada?
— Irina...
— Sei que nos usam como trunfo. — Ela gesticulou com as mãos e apontou os dois.
— Mas ainda somos seres humanos. Vamos fazer dezoito anos, e Anastasia nunca saiu de
casa, e alguém a chamou pelo real nome.
— Se nos envolvêssemos mais com os Hansen e Kang, ela poderia...
— Pode parar de pensar como o chefe da máfia e agir como nosso pai, por um
segundo?
O silêncio que caiu entre nós foi assustador.
Levei uma das mãos ao braço de Irina, colocando-o sobre a mesa e toquei, para pará-
la. Neguei com a cabeça, pedindo para que parasse, fosse o que fosse.
— O que você quer, Anastasia?
E lá estava ele, o nosso pai, nos usando, uma contra a outra, sempre que pudesse,
sem pensar duas vezes.
— Não sabia que Irina pediria isso — fui honesta. — Eu só quero o que ela achar
melhor.
— Não tem opinião própria, filha?
— Quando foi que isso importou para algum de vocês? — Irina quem rebateu, e
sabia que estava se segurando para não se levantar e sair dali. — Agora, a opinião dela
importa, para usá-la contra mim?
— Soube que no dia que saiu daqui, ficou um bom tempo sozinha com Thor Hansen.
— Olhei-o sem compreender, porque de repente, aquilo era importante. — Tem algo a ver
com isso?
— Não vai fazer isso. — Irina se levantou e plantou as duas mãos na mesa,
encarando-o. — Não vai culpá-la por ser uma garota normal de dezessete anos.
— Isso não é uma família normal — ele então falou, frio de tal maneira, que me
doeu por inteira, ver a maneira como, de repente, apenas éramos uma moeda de troca, sempre
vigiadas. — Disse a ele sobre ser Anastasia?
— Não, mas...
Ele deveria saber que não.
— O que isso tem a ver? — Irina quem indagou.
— Porque parece que um acontecimento como esse voa, por muitos lugares... Irina
Romanov, amiga de Thor Hansen... Uma herdeira, e um que nunca chegará a assumir os
Hansen, mesmo que os mais velhos morram. — Olhei-o incrédula. — As pessoas comentam.
Ele deveria ter não só ouvido por ali sobre nós. Mas sim, nos escutado. Lembrei-me
então, do brinco que era minha escuta naquela noite, e sequer me recordei, de tão concentrada
que estava, em estar com ele.
— Como se algum deles tivessem alguma conexão melhor. — Irina bufou. — E isso
não é um assunto sobre os Hansen, é sobre suas filhas, se você quiser lembrar, tem duas, não
uma.
— Não vão anunciar absolutamente nada — ele falou, levantando-se, e ajeitando seu
terno. — E você, Anastasia... Não pense em dizer a Thor Hansen quem realmente é. —
Encarei-o sem entender. — Se ele gostou de Irina, que continue a gostar dela, é isso que
importa.
— Os Hansen sabem que somos duas, não? — rebati, e então todos me encararam.
— Como pode afirmar que eles não desconfiam que cada vez que tem alguma festa, nós
acabamos trocando?
— Porque eles são inteligentes, e não fariam o mesmo. — Olhei-o perdida. — Não
arriscariam de tal maneira, fazendo isso pelo bem das próprias filhas.
— Nosso bem? — Irina perguntou, e ele apenas se afastou, saindo da mesa. — Só
pensa, de fato, que se uma de nós morrer, outra pode substituir. Nunca foi sobre nós, mas
sempre sobre a máfia.
— Essa é a nossa vida, Irina — nossa mãe finalmente falou e nos encarou. —
Querendo ou não, essa é vida que vocês têm. Podem querer mudar o que for, mas o sangue
em suas veias, ainda é de uma Romanov.
— Gostaria que não.
Irina falou, o que eu tinha pensado, e então, eu a vi sair, e fiz o mesmo. Sem nem
pensar em olhar novamente para nossos pais, e apenas a seguindo, em direção ao seu quarto.
— Irina, você não deveria ter sugerido isso...
— E se você quiser ser feliz, isso não importa, porra? — rebateu, como se
indignada, e eu fechei a porta atrás de mim, vendo-a se sentar na cama. — E se eu quiser que
você viva de acordo com você, e não minhas escolhas?
— Sei que o fato de eu ter conhecido Thor e talvez gostado dele, mexeu com uma
parte de você que...
— Não é justo, Anastasia.
Sentei-me ao seu lado e toquei suas mãos.
— Não é justo, para nenhuma de nós — falei, e ela me encarou, claramente possessa
com toda a situação. — Eles vão te usar contra mim, e vão me usar contra você... sabe como
foi, e como vai ser. Não pode pensar em mudar o rumo, só porque posso gostar de alguém...
— Faria o mesmo por mim, eu sei.
— Isso não vem em questão, nós...
— Nós vamos acabar com isso, no momento certo — falou de repente, deixando-me
sem palavras. — Você vai às festas, vai ver Thor e vai conversar, ter momentos normais e...
— E se ele for alguém que os Hansen mandaram para saber sobre as gêmeas
Romanov? — levantei a hipótese, que estava em minha mente por dias.
— Bom, eu vou vê-lo da próxima vez, e eu vou avaliar isso, ok? — Olhei-a sem
entender. — Se ele estiver procurando algo a respeito de nós, vai deixar transparecer, nem
que um pouco, quando vIr outra versão de você à sua frente.
— Irina, isso...
— Isso sou eu, tentando te ajudar — falou e eu suspirei fundo. — E se ele for um
babaca fazendo isso, que se foda. Mas se ele for o cara legal, você vai ser amiga dele, ou o
que desejar. Não vou ser a porra da herdeira que querem, se não te deixarem viver.
— Irina...
— Já vai fazer dezoito anos, Anastasia. — Ela suspirou fundo. — Não posso
simplesmente aceitar tudo o que nos impõe.
— Mas e se...
— Guarde os “e se” para depois... Vamos apenas fazer isso dar certo. — Olhei-a
com pesar. — Eu vou vê-lo da próxima vez, e se for um sinal verde, você vai assumir todas as
festas que ele estiver.
— Está me usando para fugir das festas? — provoquei, e ela me olhou assustada, e
claramente abalada.
— Eu não gritaria com o chefe da máfia russa, apenas por isso... — rebateu, e eu
sorri para ela.
— Eu sei, eu só... — suspirei fundo. — Acho que não deveria se preocupar demais
com alguém que simplesmente conheci.
— Já ouviu falar sobre sexto-sentido de gêmea?
— Não apela. — rebati, e me joguei contra a cama. — Não deveria ter contado sobre
Thor.
— Pode ter certeza que Nicolai Romanov traria esse assunto, uma hora ou outra...
Então, está amarrada a isso, Na.
Suspirei fundo, e fechei os olhos. Por um segundo, fazendo uma nota mental, de que
não deveria, de forma alguma, ter me aproximado do homem de olhos azuis. Porém, o que eu
poderia fazer, se ele foi a pessoa que me atingiu, no momento em que cheguei naquele lugar?
Era ele.
Era eu.
Em um momento, que nunca imaginei. Porém, tinha trazido até mesmo, uma
discussão para a mesa dos Romanov. Não tinha como algo simples se transformar naquilo,
contudo, eu temia por Irina, que estava mais do que determinada, em me deixar viver, nem
que por algumas noites contadas.
Sabia que ela não pararia em querer apenas as noites. Ela iria querer que eu fosse
livre. E o fato era, de que eu sabia, que nunca, de forma alguma, eu seria.
Por mais que ela quisesse.
Por mais que eu desejasse.
Capítulo 5

“Você pode ver o mundo


De acordo com as estações
Onde quer que você vá
Você não precisa de um motivo, porque eles nunca te mostraram amor” [5]

Anastasia
Nada era tão fácil como imaginávamos.
E por mais que nunca fosse a violência, a resposta de nossos pais, o silêncio, a frieza
e cada passo calculado, eram sempre bem executados. Não me surpreendi, quando
simplesmente acordei na cabana da família, que ficava a cerca de um dia, de carro, da nossa
casa.
Totalmente presa e vigiada, no meio do nada. Não sabia quanto tempo me deixariam
ali, mas sabia que era o jeito de nos punirem, e obrigar Irina a fazer tudo o que eles
desejavam.
Eles apenas a esperaram sair para a festa, e pela cor dos meus cabelos, que eu
deveria ter pintado de preto, tinham me esperado dormir, e me drogaram, e então, me levaram
até ali. Sem celular, sem televisão, sem qualquer comunicação com um ser humano que eu me
importasse.
No caso, o único ser humano que eu realmente me importava – minha irmã. Suspirei
fundo, não me permitindo chorar e sendo forte. Sabia das câmeras pela casa, e como
poderiam usar, qualquer acesso de raiva ou dor que eu tivesse contra Irina.
Levantei-me e fui até a porta de vidro da varanda, abrindo-a, e indo de pijamas até o
lado de fora, deixando o frio me acertar. Fiz um sinal com os dois dedos, colocando-os em
minha testa, e esfregando levemente. Para qualquer pessoa que o visse, não era nada demais.
Porém, se mostrassem para Irina, ela saberia.
Ela ia saber onde eu estava.
Ela ia saber que eu estava bem.
E ela sabia que logo menos, eu voltaria.
Em que mundo, normal, duas irmãs têm que programar sinais de comunicação para
que os pais não possam controlá-las mais do que já fazem?
Encostei-me contra a madeira gelada, e suspirei fundo. Apenas, esperei pelo
momento que me levariam dali. Minha mente em Irina, e imaginando, que tudo era minha
culpa. Simplesmente, porque eu tinha ficado próxima por algum momento de Thor Hansen.

Thor
Odin não precisou dar uma ordem.
Baldur não precisou me pedir novamente.
— Por que parece tão arrumadinho, Th?
Loki perguntou, provocando-me, e andando ao meu redor. Se irmãos mais velhos
eram difíceis, irmãos mais novos, com toda certeza, eram um pé no saco. Não tinha como
simplesmente ignorá-los, era como um imã para o mau humor.
— Está bonito, irmão.
Freya falou, e se aproximou, dando-me um abraço, e eu a apertei levemente contra
mim. A única pessoa que geralmente tomava uma iniciativa assim, entre nós sete.
— Vidar e Tyr estão em missão, no Caribe — Loki falou, jogando-se contra o sofá.
— Por que eu tenho que ficar com a pirralha, enquanto você e Baldur se divertem?
— Eu não sou pirralha! — Freya rebateu e jogou um vaso na direção dele, que
desviou facilmente, e apenas vi o objeto se estraçalhar.
— Não sabia que Freya era a deusa da destruição. — Baldur apareceu, olhando para
os dois, como se chamando-lhes a atenção. — Loki, sua missão é cuidar de Freya, e Freya,
sua missão é não cometer fratricídio até voltarmos.
— Pode ser que eu não cumpra.
Ela era a mais nova, mas também, uma das mais espertas.
Baldur riu e foi até ela, bagunçando seu cabelo.
— Se comporte, L — Baldur falou e lhe apontou um dedo. — Isso é uma ordem.
Vi-o levantar as mãos em sinal de rendição, e então apenas acenei para os dois,
enquanto seguia Baldur para fora do quarto de hotel.
— Por que as crianças vieram?
Indaguei, assim que entramos no elevador.
— Porque elas precisam ver e ter mais além de missões locais — comentou. — E
claro, sair um pouco, mesmo que vigiados.
— Certo.
— Faz tempo que não te vejo nervoso e gaguejando... — observou, e então o
elevador parou. — Como está conseguindo manter a calma dessa forma?
— Quebrando a cara de alguém, sem precisar falar — respondi honesto, e ele levou
uma das mãos ao meu ombro, orientando-me até o seu carro.
— Bom e ruim... — observou. — Não quebre a cara de ninguém hoje, certo?
— Nem mesmo do aniversariante? — rebati, sabendo que eu detestava a pessoa que
daria a festa.
— Infelizmente, Th... Vai ter que gaguejar ao invés de bater, por gentileza.
— Vou ficar calado, em algum canto...
Ele assentiu, enquanto saía com o carro.
A realidade era que diferente da festa anterior, eu já estava mais do que disposto a ir.
Mesmo que a minha expressão fosse a mesma de sempre, e disfarçasse com meu desconforto
em ter que me expor. Eu me vi, animado, pela primeira vez, em interagir com pessoas. Na
verdade, eu tinha uma pessoa em mente.
— Não me faça te caçar em alguma varanda, muito menos, com Irina Romanov.
Suspirei fundo, ignorando Baldur por completo, a partir daquela fala.
No momento que chegamos no hotel em que seria a festa, que foi totalmente fechado
para um aniversário de um dos membros de um cartel que era aliado de Odin, acabei me
questionando, se ela viria, para o outro lado do mundo, para uma festa.
Eu não sabia muito a respeito dela, mas tinha feito minha pesquisa mais
aprofundada. Além do que o básico, mas ainda assim, parecia realmente raso, pela forma
como a tinha conhecido.
No segundo que pisei no salão principal da festa, e Baldur começou a conversar com
alguém, apenas me esquivei por onde consegui, até encontrar um local mais tranquilo. Algo
me dizia, que ela estaria ali também. De certa forma, depois de tantos anos, não me sentindo à
vontade com nenhuma pessoa, me sentir assim, em poucos minutos, com uma até então, total
desconhecida, me deixou intrigado.
Esperei, parado em uma varanda que dava para uma vista sem igual, de toda a
cidade de Dubai. Já tinha visto um lugar mais bonito, porém, com toda certeza, me
considerariam totalmente parcial, já que diria que eram as ilhas nórdicas, o lugar mais bonito
em que meus olhos chegaram.
Porém, ao ouvir passos, não muito altos, que não se assemelhavam a saltos, acabei
apenas deixando passar, imaginando que seria qualquer outra pessoa. Contudo, assim que
parou, do lado ainda livre dali, eu me virei e a vi.
Não sabia dizer, se as ilhas nórdicas, naquele instante, poderiam se comparar com
ela. Um sorriso quase me veio à boca, e eu vi o momento que seus olhos verdes pararam nos
meus.
— Como vai, Thor?
Ela perguntou, e eu não pude segurar o sorriso no canto da minha boca. Lembrava-
me de tudo o que dissemos um para o outro, semanas atrás, e agora, era como reviver cada
segundo. Olhando para ela, e sabendo que Irina Romanov era real.
Ela estava ali, e tinha me encontrado novamente.
Não sabia até quando duraria, poder estar perto dela, mas eu aproveitaria cada
segundo.
Capítulo 6

“Tem sangue na encosta da montanha


Está se transformando num novo tom de vermelho
Sim, às vezes, o fogo que você fundou
Não queima do jeito que você esperava
Sim, você pensou que esse era o fim” [6]

Anastasia
Os dias se passaram de maneira lenta.
Sem comunicação com o mundo e no mais absoluto nada, era difícil não deixar que
tudo te engolisse.
Minha mente sempre focando em como deveria estar sendo difícil para Irina,
também. Nossos pais, sabiam como ninguém, como nos deixar na linha. Nada era tão fácil
como imaginávamos.
Nem mesmo gostar de alguém, e ver sua irmã lutando pelo seu direito de o fazer.
Ri sozinha, para o nada, encarando a floresta ao meu redor. Parecia simplesmente
sem vida, diferente do que eu conseguia enxergar em outros lugares, pela internet. Meus pais
pareciam deixar cinza, tudo o que tocavam. Fosse uma casa, as próprias filhas, e até mesmo,
uma floresta. Ou eu estava realmente enxergando o sentimento de mágoa que eles me
causavam, ou estava sendo extremamente dramática.
Desci as escadas, e fui rumo ao lado de fora. Não fiz questão de colocar uma jaqueta
ou qualquer outra coisa, apenas de pijamas, e descalço, do jeito que raramente ficava, e acabei
andando pela mata. Sabia que era vigiada, até certo ponto, mas realmente, não estava me
importando.
A cada passo que eu dava para dentro da mata, mais pensava em como poderia
simplesmente me perder por ali durante algumas horas. Fazer com que os seguranças e quem
mais estivesse responsável por mim, apenas corresse atrás dos próprios rabos, sem conseguir
me alcançar.
Era mais uma das minhas utopias, mas não me custava nada, além do frio, e de todo
o tempo que perdia caminhando por ali, seria melhor, do que tentar matar o meu tempo,
olhando para o teto de madeira daquele lugar. Caminhei por um bom tempo, sabendo que
tinha um riacho ali perto, talvez um pouco congelado, pelo frio que fazia.
Andei em círculos, no fim, sem perceber, que realmente, havia me perdido. Minha
escuta e localizador jogados em algum canto da floresta, que eu já não conseguia alcançar.
Não sabia se era um livramento ou uma bênção. Era totalmente a cara de Irina, aquilo ali.
Estar no meio da floresta, sem nada além de sentir tudo ao redor.
Eu preferia estar à frente da lareira quentinha ou observar tudo de alguma varanda. E
ali eu pensava nele. Em como varandas, agora, me faziam pensar sobre Thor Hansen. Sobre o
pouco que sabia, eles eram mafiosos escandinavos, levavam nome dos deuses nórdicos e
tinham uma relação diferente de todas as outras máfias diretamente com o próprio povo. Com
castelos antigos, ilhas não localizadas e tradições não explicadas. Todos eles eram um
mistério, mas eu nunca tinha parado para prestar atenção, sequer no sobrenome. Quem diria,
sobre o que eles representavam.
Eu só conseguia pensar em Thor Hansen.
A razão de eu estar ali, e Irina estar longe. Um interesse, provavelmente unilateral,
que sequer sabia como descrever. Eu nunca tinha gostado realmente de alguém, como poderia
definir algo assim?
Senti meus pés afundando em um galho seco, que se quebrou, e de repente, apenas
escorreguei. Caí de costas no meio de folhas, e talvez, estivesse com toda a roupa suja. A
chuva que caiu na noite, ainda estando presente em várias partes da floresta fechada.
Caída ali, sem real pressa de me levantar, eu sabia que tinham me perdido na
floresta. Porque se estivessem me acompanhando, minha segurança já estaria ali, me
ajudando a levantar e não permitindo que ficasse muito tempo exposta.
Thor gostava daquilo?
De ficar deitado, no meio do nada, olhando para a copa alta das árvores? Ou quem
sabe, olhando para o céu e ver apenas as estrelas? Não me recordava, da última vez que, de
fato, vi alguma, brilhando, lá em cima.
Eu gostava do céu repleto de estrelas, que eu não encontraria, nem mesmo ali,
porque eram muitas árvores. Suspirei fundo, sentando-me, e esticando meus braços. Há
quanto tempo, eu estava ali, perdida e também, me fazendo de perdida?
— Não vai encontrar estrelas aí, mas acho que sabe disso...
A voz me fez dar um pulo e ficar de pé, encostando-me contra uma das árvores. O
sotaque forte no russo que usou, e então procurei por uma mulher. A voz feminina ressoando
em meus ouvidos.
— Pensei que ninguém vinha a essa floresta.
Pisquei algumas vezes, totalmente confusa. E então, de trás de um grande tronco, ela
apareceu. Ela era claramente mais velha do que eu, não sabia dizer quantos anos, mas as
marcas do tempo em seu rosto a delatavam. Ela tinha cabelos escuros, e olhos castanhos
profundos, menor em altura, talvez um metro e meio, mas um sorriso amigável no rosto.
— Pensei que era uma propriedade particular — comentei, e olhei-a desconfiada.
Ela apenas se encostou contra a árvore que contornou, e reparei nas roupas gastas,
que consistiam em um vestido que parecia tirado de um filme de época, só que curto, e botas
que iam quase até seus joelhos.,
— Era, até que escorregou e caiu do lado em que a propriedade não é mais dos
Romanov.
— Como sabe...
— Sobre aqui ser dos Romanov? Ou sobre ser uma das gêmeas Romanov? —
indagou, e eu pisquei algumas vezes, totalmente assustada. — Pode me considerar como um
fantasma, que aparece quando é preciso.
— Quem é você? — perguntei, pensando que se fosse para morrer ali, que pelo
menos, eu soubesse, quem o fez.
— Tenho muitos nomes... Pode me chamar de H — ofereceu, e eu pisquei
consternada. — Nunca encontrei algum Romanov na floresta, que não fosse sua irmã, mas ela
não passou dos limites.
— Como sabe sobre ela? Sobre mim? Sobre os limites?
— Muitas perguntas e temos pouco tempo — falou, e tinha um sorriso amigável
novamente emoldurando seu rosto. — Digamos que eu cuido do que é importante para os
meus.
— Quem são os seus?
— Boa pergunta — rebateu. — Se eu estiver certa, um dia, vamos ser apresentadas
— declarou, e então virou a cabeça, como se ouvindo algo. — Foi um prazer, senhorita
Romanov.
Ela saiu, apenas para de trás da árvore, e eu tentei persegui-la, mas não havia
qualquer barulho ou rastro dela, no segundo seguinte. Como... como ela...
— Senhorita Romanov!
O grito veio de uma voz que eu conhecia, e eu me virei, vendo minha segurança se
aproximando.
— Precisamos levá-la — ele falou, e então, senti mãos em meu corpo, levantando-
me, e sendo simplesmente carregada de volta, pelo caminho que nem sabia que fiz.
Pela rapidez que o fizeram, eu pouco vi o que estava pelas árvores, e muito menos, a
mulher que me apareceu. Porém, não me passou despercebido, os dois corpos cobertos por
plástico, jogados bem na entrada na floresta.
— O que houve?
Eu perguntei uma, duas, talvez dez vezes. Quando finalmente me colocaram no
chão, já estava no quarto da cabana, e fui simplesmente trancada lá.
— O quê?
Era tudo o que conseguia indagar.
E como sempre, não havia resposta alguma para minhas questões. E a mulher
naquela floresta, de certa forma, estava infiltrada em minha mente. Ela teria matado aquelas
pessoas? O que ela fazia lá? O que tinha acontecido?
Como sempre, não era a pessoa criada para saber de tudo. Na verdade, era para saber
o mínimo. E como de praxe, nem ele, eu realmente tinha noção.
Capítulo 7

“Bons um para o outro, dê isso ao verão


Eu sabia, você também
Mas eu só vi você uma vez em dezembro
Ainda estou confusa” [7]

Anastasia
Voltar nunca me pareceu tão cheio de ansiedade. Por mais que eu soubesse, que em
algum momento, seria trazida de volta para a nossa família, se pudéssemos chamá-la de tal
forma, depois de praticamente trinta e sete dias isolada, eu apenas pensava, que talvez, as
coisas tinham sido decididas.
Eu ficaria ali, isolada.
Irina ficaria lá, à vista.
E apenas quando fosse necessária, fosse para algo que a deixaria vulnerável, ou os
céus não me ouvissem, ela sofresse alguma doença, eles me trariam de volta.
Não me surpreendi por estar parcialmente certa. No segundo que pisei novamente
em casa, e ouvi do andar debaixo, a tosse alta de minha irmã. Subi as escadas, sabendo que
ninguém estaria ali para me receber. Nossos pais davam seus recados de forma simples, sem
sequer precisar falar.
Talvez por aquilo, não me lembrava de uma única conversa inteira que tive com
qualquer um deles, por todos os meus dezoito anos. As perguntas que eu ainda tinha no fundo
da garganta e de minha mente: quem eram aqueles corpos? Por que havia corpos na floresta?
Quem era a mulher que eu tinha conhecido?
Subi as escadas e foi quando entrei no quarto de Irina. Encontrei-a deitada,
claramente exausta. O seu semblante era de pura dor, como se tudo nela doesse. Minha
preocupação aumentou ainda mais, quando me aproximei, toquei sua testa, e notei o quão
quente estava.
— Na...
Chamei, e vi-a brigar para abrir os olhos. Ela o fez, o mínimo possível, e sabia que
tinha pegado alguma gripe forte.
— Não fica muito perto, que eu não quero te passar isso.
— O que aconteceu? — perguntei, sabendo o quão difícil era de Irina ficar doente.
Lembrava-me vagamente da última vez que a vi de cama daquela maneira.
— Talvez eu tenha nadado em um lago, no meio da noite e totalmente nua... —
olhei-a incrédula. — E tenha ficado na chuva, por um bom tempo, até que meu corpo
estivesse enrugado.
— Na...
— Eu precisava de você de volta — anunciou e eu suspirei fundo, ainda mais
preocupada. — Sabia que se ficasse doente, de verdade, eles te trariam.
— O que fizeram com você? — perguntei, ela tentou abrir mais os olhos, mas notei
o quão difícil parecia.
— O de sempre, me mostraram filmagens suas na cabana, e disseram que eu tinha te
colocado lá, pelas minhas ambições e blá blá blá. — Deu de ombros e ouvi-a gemer pelo
movimento. — Mas o que realmente me importa é: o que fizeram com você?
— Me isolaram, apenas.
Suspirei fundo, guardando os outros acontecimentos, ao ver o quão vulnerável, ela
estava. E também, o quanto ela se culparia ao saber sobre algo parecido. Nossos pais eram
ótimos manipuladores, e com toda certeza, ela achava que era sua culpa, tudo o que me
aconteceu ao ser tirada dali.
— Aliás, Thor Hansen foi muito legal comigo.
Olhei-a incrédula, pela pauta que simplesmente levantou. Contudo, lá no fundo, algo
em mim, se aqueceu.
— Ele conversou por algum tempo na varanda comigo, e parecia muito interessado...
Uma esperança brilhou no fundo do meu peito e ela tossiu alto, levando as mãos à
boca.
— Irina, você precisa de um médico.
— Já tive, e ela passou vários remédios, que eu estou tomando, em horários
específicos. — Forçou um sorriso em meio à dor. — Mas continuando, ele realmente tá tão na
sua, irmã.
Como ela conseguia afirmar aquilo?
Como ela conseguia enxergar algo que eu mal sabia explicar?
Vi-me deixando-a falar, todos os detalhes sobre como foi se encontrar com Thor
Hansen em alguns eventos, até o momento em que finalmente conseguiu ficar doente, e
obrigar nossos pais a me trazerem de volta.
— E então, ele sorriu porque quando eu finalmente falei algo, comecei a reclamar...
— eu conseguia imaginar, em minha mente, aquele sorriso. — Vocês são bem opostos, pelo
pouco que consegui perceber, mas imagino uma foto perfeita, em cima de um altar e...
— Olha só quem está criando um universo paralelo... — cortei-a, e ela reclamou,
quando segurei sua mão. — Pode se concentrar em dormir e se recuperar, e não passar o
tempo se forçando a me contar sobre o Hansen.
— Só estou sendo a gêmea feliz e animada para ver a sua outra parte, feliz e
animada também.
Apertei de leve sua mão.
— Descanse... por mim, sim?
Ela me olhou por algum tempo, até que resolveu assentir e talvez, fosse o máximo
que conseguiria realmente ficar acordada e me falar tudo. Afastou a mão da minha, e se
ajeitou no travesseio, antes de fechar os olhos e puxar o ar com força.
Vi-me arrumando o edredom sobre ela, e olhei de relance para a mesa de cabeceira,
cheia de remédios diferentes, e um miniquadro com os horários deles. Vi que o próximo só
seria dali a três horas. Torcia para que fosse o bastante para ela descansar um pouco, e
acordar mais disposta.
Ela sacrificava tudo o que podia por mim.
E por um momento, eu me culpava. Porque se eu não tivesse comentado sobre
qualquer coisa, a respeito da minha vida em uma festa, Irina não estaria presa em uma cama,
mal conseguindo ficar de olhos abertos.
— Obrigada.
Sussurrei para o silêncio do quarto, e para a sua respiração baixa e controlada.
— Obrigada por lutar por mim, Na.
Continuei, e sabia que se existia alguém no mundo, que sacrificaria a si próprio por
mim, era ela. Poderiam dizer que eram coisas de gêmeas, ou até mesmo, pelo fato de sermos
irmãs. Contudo, depois de uma vida não sendo sequer considerada por quem me colocou no
mundo, sabia que não tinha nada a ver com isso.
Irina tinha me escolhido.
E eu a tinha escolhido.
Não importava quem entrasse na equação, em qualquer outro momento, eu sabia que
nós duas éramos o verdadeiro amor que a vida já tinha me dado. E se o amor romântico com
outro alguém viesse, seria para complementar.
Poderia negar, mas olhos azuis me vieram à mente, e eu sabia que gostaria de vê-los
novamente.
Irina tinha razão, como sempre.
E eu tentava fugir da verdade, para variar um pouco.
Thor Hansen não era apenas uma pauta que ela queria levantar, era alguém que eu
gostaria de rever. Um sentimento diferente de qualquer outro, e eu me indagava como seria,
estar sendo o foco daqueles olhos azuis, mais uma vez.
Capítulo 8

“Assim como no dia em que te conheci


O dia em que pensei que seria para sempre” [8]

Anastasia
Eu estava quase pronta para voltar a uma festa, como Irina.
Meus pais não apareceram novamente e o assunto sobre os corpos, e a forma como
me retiraram da floresta, não foi uma pauta. Apenas me permiti enterrar tal acontecimento
pelo tempo que fosse necessário. De todas as perguntas que eu tinha, aquela, com toda
certeza, era uma que eu precisava fazer.
Olhei para a caixa de tinta na pia do banheiro. Uma das várias que Irina tinha, que
usava para manter seu cabelo na cor escura, e que eu tinha usado, mais cedo, no meu. Depois
de lavar, e agora conseguir ver o resultado, eu realmente a via no reflexo.
Era mais fácil e mais prático do que ficar usando perucas todas as vezes. Então,
optei por deixar que a cor fosse aquela, e sequer comentei com ela que o faria. Ela tentaria me
impedir, por saber que eu amava meus cabelos no loiro natural, mas no final, não estava, de
fato, arrependida.
A vida era para ser vivida, não era? Era só esperar o cabelo desbotar e deixá-lo
tomar sua cor natural, em algum momento.
Voltei para o quarto dela, e notei que ainda estava deitada, embolada nos edredons, e
suando na testa. Queria pedir outro médico e uma melhor avaliação, mas não tinha sequer o
poder para aquela.
— Para de sentir pena de mim.
Sua voz soou baixa, enquanto ela ainda estava de olhos fechados, e consegui ver o
sorriso em seu rosto, quando me aproximei.
— Mal vejo a hora de isso acabar.
— Eu também. — Parei ao seu lado, e ela assentiu.
— Essa peruca parece... — foi então que ela arregalou os olhos, no máximo que
conseguia naquela condição e abriu a boca, completamente surpresa. — Não fez isso,
Anastasia.
— A peruca ia me cansar e eu ia tirar em algum momento de festa... — fui honesta.
— Às vezes é bom experimentar algo novo.
— Tem certeza disso? — perguntou, claramente desconfiada, e voltando a linha
semicerrada de seus olhos cansados.
— Estou tentando viver, e não sobreviver mais — admiti. — Pode ser algo bobo,
mas eu sempre mantive os cabelos loiros porque era o original de nós, e não por ser o meu
favorito, nossos pais podiam precisar dessa cor, mas não era minha favorita.
— Se quiser pintar o cabelo de arco-íris, eu concordo, e pinto também.
Ri alto, e me aproximei dela, dando um beijo em sua testa, mesmo a seu contragosto.
— Vai ficar doente!
— Para a sorte dos nossos pais, provavelmente, não. — Segurei sua mão, e ela
puxou rapidamente, claramente brava. — Eu volto em uma hora e meia.
— Fique a festa toda, se for para conquistar o Hansen dos cabelos até o dedinho do
pé.
— Apenas esqueça a minha vida nada romântica, Na.
— Então confessa que se pudesse, ele estaria na categoria romântica... — falou, em
um tom de vitória. — Vai dar tudo certo, eu sei que vai.
— Não faço ideia do que seria certo nessa sua cabecinha. — Encostei na sua testa, e
ela pareceu usar toda a força que tinha para pegar um travesseiro e acertar em mim.
Ri alto, e me afastei.
— Sempre a gente, Na.
Falei, assim que coloquei meus pés perto da porta.
— Sempre a gente, Na.
Saí após ela falar aquilo, e fui em direção à saída de casa. Uma antecipação que
diferente de antes, não estava me assustando, e sim me intoxicando. Era estranho, pensar que
eu tinha pensado em alguém para aquelas festas tediosas e sem sentido.
Suspirei fundo, encontrando minha segurança perto da porta. Eu só precisava me
lembrar de respirar, sorrir e acenar... E quem sabe, encontrar Thor Hansen em uma varanda.

Thor

— Não parece tão infeliz como antes, ao vir a essas festas comigo.
Baldur falou, enquanto estacionava o carro, e eu apenas queria ignorá-lo.
— Não quer dizer que não quero ter reais responsabilidades na máfia e na família, B.
— Família, em primeiro lugar — ele me corrigiu, e eu assenti.
Por mais que fosse o modo de falar, o peso das palavras sempre foi algo que Baldur
tentou nos ensinar.
— Tem diferença no fim?
— Bom, se observar atentamente as pessoas ao redor, em festas como essa, vai
contar nos dedos de uma das mãos, quase todas as máfias têm a família como prioridade —
falou, e eu o encarei curioso. — Não reparou nisso?
— Eu...
Calei-me de repente, sabendo que desde o primeiro momento que apenas cheguei a
uma festa, ainda na escadaria, tinha esbarrado em Irina Romanov. E ela era a única pessoa
que eu tinha, de fato, dado minha total atenção e tentado entender.
— Não se distraia — sua voz soou como uma ordem. — Ainda é jovem e tem muito
para viver. Faça amizades, se possível, mas lembre-se de que todos ali, são pessoas que
podem ser seus inimigos, a qualquer instante.
— Por que é amigo de Hari Kang, então?
A pergunta me veio antes que eu pudesse pensar, vi Baldur arregalar os olhos, e no
segundo seguinte, um sorrisinho no canto da sua boca.
— Pelo menos, não está tão desatento como imaginei.
Ele não me respondeu, mas desceu do carro, e acabei por fazer o mesmo. Segui-o em
direção à grande mansão que nos aguardava, e notei que do lado de fora, tinha um imenso
jardim, provavelmente, com um labirinto nele.
Tinha lido algo parecido, no relatório que chegou sobre a Família Laurent. Europeus
tinham seus costumes, como jardins enormes como aqueles, e eu só pensei, que o meu jardim,
na realidade, era a praia. No projeto que tinha para minha própria casa, existia uma natureza
que eu não precisava colocar ou controlar, ela estava lá por si só.
Quando pisei no local, meus olhos, como se fossem imãs, sabiam exatamente onde
ela estaria. A mesa mais afastada, próxima a algum corredor, e principalmente, tentando ficar
longe dos olhares. Foi o momento que a vi, e um sorriso estava quase surgindo em seu rosto.
Sabia que meu olhar suavizou, e minha expressão estava se transformando. Quando
cheguei mais perto, o seu cheiro me envolveu, e eu sabia que estava no lugar certo, com a
pessoa certa, depois de muito tempo, me sentir perdido.
Capítulo 9

“Fico alimentando esperanças


(...) Eu sou estupidamente paciente
Não consigo superar o gosto dos seus lábios
Não quero te tirar dos meus pensamentos” [9]

Anastasia
— Você gosta de procurar varandas isoladas comigo e apenas ficar no silêncio? —
perguntei, encarando o jardim do lado de fora.
Era a segunda vez, em alguns meses, que estávamos novamente na mesma mansão, e
agora, no mesmo lugar.
— Você fala por nós dois — falou, e eu levei a mão ao peito, como se me fingindo
de ofendido. — Eu...
Ele simplesmente parou de falar, e levei meu olhar para o seu, como se o
incentivando a complementar, mas ele não o fez. Sabia que a cada dia que se passava, ficava
pior à maneira como as coisas entre nós iam aumentando. O ruim de tudo, era que ele não
sabia quem eu realmente era. Sempre falando em terceira pessoa sobre Anastasia, que no
caso, era eu, tentando fazer uma propaganda de mim mesma.
Porém, se ele gostasse de mim, como eu estava gostando dele, com toda certeza,
quando lhe contasse que eu era Anastasia, nada mudaria, não era?
Ele tinha estado com Irina por poucas vezes, então, não deveria ter influenciado em
quase nada. A não ser, que minha irmã disse que tentou seu melhor para não o fazer correr
antes que eu voltasse a aparecer em seu lugar. No momento, ela ainda fingia estar doente.
Cada semana, ela inventava um novo jeito de estar gripada ou com enxaqueca. Por mais que
eu dissesse que aquilo não era preciso, ela se negava a não me deixar participar dos encontros
que não eram, com Thor Hansen.
Para infelicidade dos meus pais, Irina tinha encontrado um jeito perfeito de ter os
seus diagnósticos de dores comprovados. Os médicos que eles mesmos chamavam, eram fiéis
aos Romanov, faziam parte da máfia, e eles estavam ali, principalmente, para respeitar o
desejo da futura herdeira, e ninguém mais. Era daquela forma, que ela conseguia manipular
toda a situação, por bastante tempo.
Porém, eu sabia que o tempo era algo contado. E mais, não poderia permitir que ela
ficasse fingindo sobre sua saúde para sempre. E claro, não conseguiria guardar de Thor
Hansen, pelo resto da minha vida, que era eu, a pessoa que estava apaixonada por ele. E que
desde o começo, fui eu, quem esteve lá, mesmo que tudo o que ele pudesse saber,
aparentemente, fosse sobre Irina.
Era confuso.
Era algo que me atormentava.
Contudo, quando ele estava ali, apenas tendo sua atenção em mim, nada realmente
importava.
Eu já tinha contado em quantas varandas nos encontramos e dividimos experiências.
Fosse sobre nossa vida, fosse sobre a nossa família. Ele não era muito de falar, mas quando o
fazia, eu ficava apenas encantada, memorizando cada palavra.
Aquilo era paixão?
Aquilo era amor?
Eu gostaria de ter alguém para perguntar e realmente entender.
— Acho que estamos há um bom tempo aqui, e B logo vai aparecer...
— Tentando fugir de mim ou me avisando que não quer fugir?
Thor apenas me encarou, como se surpreso com minha pergunta.
— Sei de um lugar que eles não vão nos encontrar...
Foi então que ele franziu o cenho, e eu estendi minha mão para si. Surpreendendo-
me positivamente, ele aceitou, e o toque da sua pele na minha, me fez ter a certeza de que era
exatamente o que deveria fazer. Como fazia, sempre que o encontrava, minha escuta estava
sobre a mesa que eu deveria estar sentada, assim como meu localizador. Não sabia como Irina
fazia aquilo, mas desde a primeira vez que um simples momento com Thor Hansen causou
tudo aquilo, eu já me preparava para não permitir que soubessem de nada.
Não apenas por ser do meu interesse. Mas também, porque era minha intimidade,
dele e minha. Por que eu deixaria seguranças e em seguida, meus pais, escutarem o que
falávamos? Saberem onde estivemos?
Ele me seguiu, pelo grande corredor, que eu tinha estudado após a primeira visita ali.
Sempre achei relatórios sobre outras famílias mafiosas algo como tempo perdido, já que
nossos pais nunca me permitiam estar próxima de algumas. Contudo, ao estudar a planta da
casa dos Laurent, eu sabia como chegar ao labirinto no jardim, e como cruzá-lo até o meio, e
depois sair.
Guiei Thor pela lateral, até a porta escondida ali, que era acionada com o toque em
um quadro. Ela se abriu, e poderia sentir o olhar dele em cada parte de mim. Saímos para o
jardim, e olhei rapidamente para os seguranças da própria família Laurent, da máfia francesa,
que deveriam estar espalhados.
— São apenas cinco — Thor falou, enquanto eu ainda contava o terceiro, que estava
próximo à entrada do labirinto. — Eles devem andar em alguns minutos, para cobrir outras
partes.
— Vamos ter que correr — falei, e então me preparei, com a mão ainda na dele.
— Como vai fazer isso nesse salto?
Dei um breve olhar para ele, que parecia incrédulo.
— Vai se surpreender comigo, Thor.
Sua expressão mudou e ele pareceu observar tudo novamente com atenção, e fiz o
mesmo. O segurança à frente do labirinto se moveu, assim com os outros quatro, e Thor
apertou levemente a mão que estava na minha, como um sinal.
No segundo seguinte, nos esgueiramos, enquanto corríamos diretamente para a
entrada, entre grandes desenhos feitos em árvores, até que chegássemos ao labirinto. No
momento que pisamos dentro dele, guiei-o pelo caminho que decorei ao ler a planta do lugar,
e então, não demorou para estarmos no meio dele, e eu sabia exatamente por onde seria a
saída.
— Como conseguiu...
— Correr de salto ou nos colocar no único lugar onde ninguém vai nos encontrar?
Ele sorriu, quase dando uma gargalhada, e tudo dentro de mim se acendeu, como se
brilhando intensamente, porque o brilho dele me tomava.
— Você sempre me surpreende.
Quatro palavras que me fizeram parar de sorrir como ele, e perceber o quão
profundo era o que ele me causava.
— Thor, eu...
Ele mexeu os dedos nos meus, e eu me vi entrelaçando-os, e apenas me calei. Eu
estava me questionando e querendo saber como explicar sobre tudo, mas naquele instante,
nada mais importava.
A maneira como ele me tocava.
A forma como eu estava apenas entregue.
Vi-me levando a mão livre ao seu rosto, e mesmo com os saltos, precisei que ele se
abaixasse, e ele o fez, porque não demorou para que sentisse os seus lábios nos meus.
Um simples toque, que fez com que tudo se embaralhasse, e o mundo exterior
silenciasse. Apenas a maneira como sua mão ainda entrelaça a minha, veio para minha cintura
e me segurou, e o modo como eu toquei seu rosto, sentindo sua boca exigir mais da minha.
Eu não tinha ideia de que beijar poderia me levar ao céu.
A realidade era que eu não sabia que beijar Thor Hansen poderia ser o meu céu.
Porém, era.
E quando me afastei por falta de ar, não pude evitar o sorriso em meu rosto, e
minhas bochechas que queimavam. O seu toque e gosto, marcando cada parte de mim.
Eu sabia que eu precisava dizer.
Eu sabia que aquela era a hora, como se algo me avisasse, que não podia adiar mais.
No entanto, quando abri a boca para dizer, ouvi o barulho de algo vibrando, e ele me
pediu desculpas, soltando minha mão e pegando o celular em seu bolso. Sua expressão
mudou por completo, e eu mal sabia como perguntar o que aconteceu.
— Eu preciso voltar.
Assenti, e fui na direção que era a saída, esperando que ele me seguisse, o que
aconteceu. Porém, sua mão não estava mais na minha, e eu sentia a tensão emanando de seu
corpo.
Parei antes de finalmente chegarmos ao jardim novamente, e me virei para ele.
— Eu posso ajudar em algo?
Ele negou com a cabeça e suspirou fundo. Ele abriu a boca para dizer algo, mas nada
saiu. Eu esperei por alguma palavra, gesto ou reação, contudo, ele parecia tão preso em algum
problema, que quando cruzamos o jardim de volta para a entrada lateral secreta, e estávamos
dentro da mansão, ele não fez absolutamente nada.
— Espero que dê tudo certo.
Ele assentiu, deixando-me sozinha na varanda, e seguindo para o salão. Soltei o ar
com força, e levei os dedos aos meus lábios, que ainda formigavam.
No fundo, eu só queria ter dito tudo, e não sentir aquela sensação apenas se desfazer.
E eu soube ali, pelo medo que me abraçou, logo depois de sentir que eu poderia tocar o
paraíso, de que estava apaixonada por ele.
Capítulo 10

“A neve vai cair e a árvore vai se acender


E eu vou vomitar quando pensar em vocês dois se beijando
O garoto que eu amo, o qual está, agora, apaixonado por você
Cindy Lou Who” [10]

Anastasia
Irina não precisou mentir outra doença.
Uma semana depois, surge um casamento para estar presente no lugar dela. E
sabendo que ela não estava em lugar algum que eu conhecia. Tudo o que me foi deixado,
foram as instruções do que se tratava aquela festa, e escondido no vestido que eu usava, um
papel que só poderia ser Irina quem deixou.
Como sempre fazíamos.
Porém, por que eu estava tão atormentada antes de apenas sair de casa naquela
noite?
Irina Romanov prometida em casamento para Baldur Hansen.
Meu tormento e sentimento ruim se concretizou, quando terminei de ler a sua
caligrafia no papel. Suspirei fundo, encarando o papel que minha irmã tinha deixado,
confessando, e o joguei contra a chuva que caía do lado de fora do hotel. O papel se desfez, e
eu apenas esperava, enquanto seria levada para outra festa.
Como Irina.
Como a prometida de Baldur.
Enquanto a real tinha que lidar com problemas internos da máfia, eu era mandada
para uma festa de casamento. Já que agora, os Romanov estavam na lista de futuros
casamentos arranjados, mesmo que faltasse muito tempo. Na verdade, eu não sabia ao certo,
desde quando estávamos nela.
E se nossos pais tivessem aquele acordo há muito tempo? Até mesmo, quando
éramos crianças? E se, na realidade, toda a oposição deles de alguma inteiração com Thor
Hansen, fosse pelo fato de que Irina já estava prometida ao irmão mais velho dele? Mas e se
eles tiverem conseguido tal contrato, apenas naquele momento, por conta de tal proximidade?
Irina tinha me contado tudo.
Ela tinha me dito o quão Thor foi gentil e legal, mesmo quando era apenas ela, com
quem ele se encontrava. Mesmo quando era eu, que tinha voltado, e conseguido fugir com ele
para lugares escondidos de jardins enormes, onde ninguém poderia saber que estávamos.
Porém, ele sabia sobre o futuro casamento?
Ele sabia que Irina se casaria com seu irmão?
Todo o caminho até o local foi feito de carro, e a chuva castigava a cidade de Nova
Iorque. Um casamento dentro de uma igreja antiga e muito bonita. Olhei ao redor, e então
procurei por ele, enquanto tudo se desenrolava. Minha mente tão confusa quanto os raios do
lado de fora, que não conseguíamos ouvir os trovões, devido à acústica da igreja.
Ele não estava entre os convidados, e decepção tomou conta de mim. O que eu tinha
para fazer naquela noite, era tirar como um curativo, o tormento que me cercava por todo
aquele tempo. Desde quando nos conhecemos, até aquela exata data – quase trezentos e
setenta e cinco dias. Não que pudesse ser algum marco ou algo parecido, mas o era, para
mim.
Ele tinha se tornado importante.
Resolvi fugir rapidamente, conforme a noiva sorria, ao sair de mãos dadas com o
atual marido. Uma união entre um cartel e uma máfia, nada diferente do que eu já tinha
assistido, mas de repente, me acertou em cheio. Irina estaria fazendo aquilo, um dia, com
Baldur?
E de certa forma, eu seria próxima a Thor, por toda uma vida?
Suspirei fundo, e andei até a parte do confessionário da igreja, em que ninguém
estava realmente atento. Dali, parti para a parte lateral, por onde os membros do clero saíam,
mas que no momento, não havia ninguém. Caminhei por ele, e pensei que minha chance tinha
se perdido.
— Precisa se recompor, agora!
Uma ordem dada, em um tom alto, e em dinamarquês. Os corredores deveriam ter
levado o eco dela até mim. Caminhei a passos lentos, furtivos como tinha me dedicado a
aprender, e parei antes que realmente alcançasse alguém.
— Não pode simplesmente querer ir contra um casamento arranjado antes mesmo de
nascer, porque simplesmente se tornou amigo da garota. — A voz era severa, e eu sabia que
não era Baldur Hansen que estava ali. Não parecia em nada com o tom dele.
— Irina não vai querer se casar com Baldur, ela...
Eu reconheceria aquela voz em qualquer lugar.
— Ela não... nã... o... — ele começou a gaguejar, da mesma maneira que Irina tinha
me dito que ele fez, na última vez que o viu.
— Isso não importa, Thor — a voz soou fria novamente. — Sabe das consequências,
assim como eu.
— Oh, por favor...
— Não.
Odin Hansen estava ali?
Fazia sentido agora. Geralmente, herdeiros eram os convidados principais de
casamentos arranjados. Foi então que ouvi uma porta ser fechada, e suspirei fundo.
— Sei que está aí.
Pisquei algumas vezes, meu corpo paralisou. Ele sabia? Ele sabia por todo aquele
tempo?
— Irina...
Dei um passo à frente, virei o final do corredor e o encontrei, encostado em uma
parede, com vários quadros pendurados.
— É só dizer o nome, que você vem...
Eu estava perdida.
— Eu realmente gostei dela, e achei que seria possível... — admitiu de repente, e eu
fiquei perplexa. — Quando me beijou, foi que eu percebi... Algo estava errado. Fosse no seu
jeito, fosse no seu cheiro, fosse na forma como simplesmente me deixou te tocar...
— Eu estava lá, Thor — rebati, e ele finalmente me encarou, olhos azuis tão sem
vida, que me assustaram. — Por que está falando como se eu não soubesse?
— Por que será, Anastasia?
O meu nome.
O meu nome dito em voz alta, pela primeira vez, fora de casa, por alguém que não
fosse minha irmã.
Ele sabia.
Ele sabia que era eu ali.
Mas... mas como?
— Ou seria Irina?
Respirei fundo, meu brilho se apagando, ao notar que ele não sabia a quem falava e
muito menos, parecia se interessar sobre.
— Eu sempre me perguntei por que gostava mais de você quando estava de tênis,
menos falante e sabia se aproximar de mim, sem me alarmar... — olhei-o perdida. — Eu
gostei de você quando me contou tão animada, sobre os seus sonhos de conhecer todos os
mares do mundo, e de como se sentiria com cada onda te encontrando...
Foi como se eu pudesse sentir, um pedaço do meu coração, simplesmente, se
soltando.
Ele nunca gostou de mim.
Ele não estava lá, em nenhum momento, por mim.
Era por Irina.
Sempre por ela.
Ele estava me dizendo, todos os detalhes sobre ela.
Sobre o que ele gostava a respeito dela.
— Só a encontrei cinco vezes, e me indaguei, porque da primeira e as outras,
pareceu tão diferente?
Outro pedaço se desfez.
— Era eu, nas outras vezes — assumi, olhando-o profundamente. —Sou eu agora,
Thor.
— Anastasia? — perguntou, e eu assenti, vendo o seu semblante mudar. — E por
que está aqui, se esgueirando pela igreja?
— Poderia estar te perguntando o mesmo — rebati, sem conseguir evitar, e então ele
me encarou novamente, como se querendo rir.
— Eu sabia que não tinha como ser a mesma pessoa... Não a pessoa doce, que eu
tanto me perguntava, onde tinha ido parar. — Suspirou fundo, e eu senti, outra parte de mim,
se quebrar. — E agora eu sei, que está arranjada em casamento com meu irmão mais velho.
— Eu não...
— Estou falando de Irina, Anastasia — rebati. — Ou vai assumir o lugar dela e se
casar com Baldur? — Olhei-o incrédula.
— Thor, eu...
— Senhor Hansen. — Pisquei algumas vezes, sem entender.
Por que ele era tão legal antes, comigo... ou era apenas legal por achar ser Irina?
— Eu só queria dizer que...
Tenha um pouco de coragem e apenas diga, minha mente gritou.
— Que está apaixonada por mim? — rebateu, tirando as palavras da minha boca.
Palavras que eu tinha ensaiado tantas vezes, que até perdi a conta. Porém, ali
estavam elas, livres, pelos lábios que eu tanto gostava.
Ele arqueou uma sobrancelha, e apenas bufou.
— Não seja patética, Anastasia.
— Sou patética por me apaixonar por você?
— Não. — Por um segundo, me agarrei à esperança. — É patética por pensar que se
declarando, algo mudaria.
— Eu estava lá. — Gesticulei com as mãos, sentindo-me totalmente perdida. — Era
eu que estava lá, e beijei você...
— E não era quem eu queria.
Dei um passo atrás, sentindo o peso de suas palavras.
— Se apaixonou por minha irmã, senhor Hansen?
— Sim — sua resposta doeu ainda mais, como se infiltrando em meus ossos. — E
agora tenho um coração partido para cuidar.
E eu não sabia, se existiam ainda pedaços do meu coração para caírem. Na verdade,
eu sentia que tudo de mim, poderia desmoronar.
— Espero que ele nunca se cure.
Foi tudo o que consegui dizer, antes de me obrigar a sair dali, e seguir em direção à
porta que me permitiu entrar ali. Arrastei-me em meus saltos, em direção à igreja, a tempo de
ver os noivos ainda tirando fotos e sorrindo um para o outro.
De tudo o que eu esperava, para o final daquele sentimento, mal consegui me
carregar de volta para um banco de madeira, com certeza, não estava na lista.
Eu o queria.
Ele a queria.
Ela teria o irmão dele.
E eu teria que aceitar, que de uma das únicas histórias que pensei serem minhas, no
final, pertenciam a Irina. E como sempre, nunca a mim.
Ele pertencia a ela.
E ela nunca pertenceria a ele.
E eu, seria apenas a coadjuvante, em mais uma história.
A história de amor, que na mais pura ingenuidade, eu achei que escrevia. Sem saber
que nunca, de fato, que nunca foi minha.
Capítulo 11

“Eu não quero ir, acho que vou piorar


Tudo o que conheço me traz de volta para nós
Eu não quero ir, já estivemos aqui antes
Onde quer que eu vá me leva de volta para você” [11]

Anastasia
Eu não podia simplesmente inventar uma dor e apenas fugir. Meus pais estavam
incomunicáveis, devido ao problema que resolviam com Irina. Então, o que me restava, era
aproveitar a minha maior idade, e recorrer às bebidas que os garçons passavam oferecendo.
Sempre me disseram para não tomar nada, sem antes deixar algum segurança provar.
Sempre pensei o quão patética aquela ideia era. Diminuir a vida de uns, para que outros
pudessem reinar. Eu tinha um espírito e coração utópicos demais, para o meu próprio bem. Eu
sabia daquilo.
Todavia, não era por qualquer empatia ou utopia própria, que eu estava em minha
quinta ou talvez décima taça de algum líquido que eu mal sabia o nome. O garçom dizia algo,
eu apenas perguntava se tinha álcool, e quando ele confirmava, eu virava, e pedia por outro.
Eu tinha me importado por tanto tempo em ter boas maneiras.
Eu tinha me colocado, por toda a vida, esperando pelo momento que teria como ser
apenas eu.
E ali estava, sendo tão patética como a ideia de destruir outros em nome da máfia,
bebendo tudo o que me era dado, sabendo que se algo me acontecesse, não faria diferença.
Nem para quem me gerou.
Nem para quem me segurou.
Nem para quem era minha melhor amiga.
Nem para aquele que eu acreditei que me veria diferente.
Como alguém me veria, afinal? Como alguém me enxergaria, se tudo o que viam,
quando olhavam para mim, sempre foi ela?
Sempre foi Irina.
Irina Romanov.
A herdeira dos Romanov.
A futura rainha da máfia russa.
E nunca, Anastasia.
Nem mesmo, nos detalhes que eu tinha, ele conseguiu gostar. Nem mesmo em
nossas diferenças, ele pôde me escolher. Então, a cada gole da bebida que descia queimando,
eu me indagava: por que o destino nos fez esbarrar naquela escadaria? Por que me fez
encontrá-lo na mesa? Por que o fez me encontrar em uma sacada?
Uma mente romântica nunca era bom. Não na realidade em que eu vivia, e talvez,
em nenhuma outra do mundo.
Dezoito anos e um total de zero escolhas. Dezoito anos e a primeira vez que alguém
fora de casa me chama pelo nome, para dizer que preferia o nome dela.
O quão engraçado seria se não fosse minha própria tragédia?
Ri sozinha, e acabei chamando atenção, pela gargalhada que já não conseguia
controlar. Sentada em uma parte afastada, mas olhos em mim. Talvez perguntando: por que a
prometida de Baldur Hansen só foi anunciada agora? Por que ela estava bebendo demais? Por
que ela não estava sorrindo e acenando, como sempre?
Então, eu me levantei, já mal me colocando de pé, mas me apoiei em uma das
paredes, e procurei, como o que era de praxe, a varanda mais próxima.
Algo que era uma dica boa para sumir. Algo que agora, parecia realmente tentador,
ao olhar de cima, e ver que ficava realmente no alto. Suspirei fundo, dando um passo atrás.
Eu não tinha medo de altura, mas sempre tive medo de voar.
Porém, como seria, chegar tão perto do meu maior medo e ter a chance de sentir o
quão alto realmente estava?
Deixei a taça quase vazia no chão, e tentei me colocar sobre o concreto, tentando
subir, mas no segundo seguinte, me desequilibrei, e acabei caindo sentada sobre ele. Segurei-
me firme ali, e quase me deitei, rindo alto.
Patética...
Eu era tão patética.
Era assim que ele me via?
Era assim que todos me viam?
Ou melhor, quem me via?
Ninguém, e a resposta me doía, por ser a realidade.
— O quê?
Apenas ouvi a voz, antes de sentir meu corpo ser tirado de cima de onde estava.
Eu conhecia aquelas mãos no meu corpo.
Eu já as tinha sentido antes.
Vi-me virando uma cotovelada, e acertei diretamente no peito dele, não no queixo,
que era o objetivo. Então, mãos me envolveram, me segurando para que não reagisse.
Senti as lágrimas querendo descer, mas me neguei a deixá-las descer.
— Por que foi legal comigo, por que...
E depois disso, eu só me lembro de parte de suas palavras. Minhas pálpebras
pesando, e meu corpo cansado demais para lutar. Apenas me entreguei, sem querer mais
pensar, sem querer mais sentir.
Porque sentir, seria exatamente, senti-lo ao meu redor, para saber que não era o que
ele queria. Que eu não era aquela que ele queria sentir.
E eu me entreguei a todo sono que me tomou, enquanto suas palavras, sendo
sussurradas em meu ouvido, eram tudo o que eu guardaria. Os sons dos seus passos se
afastando, e a minha cabeça doendo, ao tentar voltar e recompor cada segundo.
De repente, muita sede.
Senti o meu estômago doer, e me levantei rapidamente, quase perdendo as forças.
Olhei ao redor, em meu quarto de hotel. Como eu tinha parado ali?
Suspirei fundo, e procurei por ar puro. No segundo que abri a porta para o corredor
do hotel, notei minha segurança ali, e apenas pedi para sair. Eu precisava de ar fresco. Eu
precisava estar fora daquele lugar, de algum jeito. Então, ela me levou, em direção ao
subsolo, na garagem, e eu me vi caindo de joelhos, e segurando com as mãos contra o chão
frio.
— Senhorita Romanov, acho melhor...
Ouvi um barulho alto, então o xingamento de alguém em russo. Levantei-me,
mesmo que tudo ainda parecesse girando e minha cabeça explodisse. Caminhei em direção ao
barulho, e foi quando encontrei um dos seguranças que ficavam em partes estratégicas do
prédio, mas sabia que era dos Romanov, pelo símbolo estampado em sua touca.
— O que...
Minha pergunta mal saiu, e eu quis vomitar.
Corri perto do que parecia uma lixeira, e quase deixei tudo ali, porém, um miadinho
alto me parou. Pisquei algumas vezes, e minha ânsia diminuindo, quando vi olhinhos
amarelos se destacando entre os sacos de lixo. Os dentinhos um pouco à mostra, mesmo com
a boca fechada.
— Ei...
Então, sem pensar muito, levei minha mão para dentro da lixeira, e senti o momento
que um segurança iria entrar na minha frente.
— Para trás. — Dei a ordem, e ele se afastou de imediato. — Pode vir aqui...
Senti apenas as patinhas pequenas, subindo em minha mão, e então, a bolinha de
pelos, toda suja de terra, e claramente, muito pequeninha.
— Oi — falei, e ela miou alto, mas me ofereceu sua cabeça. — Por que está aqui?
Ela miou mais alto ainda, e se aconchegou no meu peito. Sorri, mesmo com toda dor
do primeiro porre que eu tinha levado, e com a desmemória que me rondava. Ela ronronou
em meu colo, como eu já tinha visto em vídeos, e eu quase caí de joelhos, apenas pela sua
fofura.
Foi então que me virei, e vi o segurança que antes estava do lado e xingou, com um
arranhão próximo ao rosto.
— Você que machucou ele? — indaguei para ela, que simplesmente me ignorou,
resolvendo dormir. — Desculpe por isso — falei ao segurança, que apenas assentiu, mas
parecia com dor. — Vamos... vamos...
— Senhorita Romanov, ela pode ter doenças ou ser um risco para sua...
— Ela é minha... — falei, e então passei os dedos pela terra em seu pelo. — Minha
Tophe. — Dei o nome, que era do meu anime favorito, e sabia que poderia ser um presente do
universo, para toda a dor que o álcool tinha curado por alguns minutos.
Talvez, no meu colo, estivesse tudo o que eu precisava.
Um amor de verdade.
Um amor que me escolheu.
Minha mente se embaralhou, e eu me lembrei do que aconteceu, em partes, depois
que ele me tirou de cima do limite da sacada.
— Você... você estava sendo legal comigo, porque pensou que eu era Irina — soltei,
o ar me faltando no segundo seguinte.
Neguei minha mente, de se lembrar de tudo, por mais perguntas que eu tivesse.
Ficariam para depois, porque não importava. O que importava agora, era levar a bolinha de
pelos até um veterinário, e lhe dar algo para comer. O resto poderia esperar.
O resto dos pedaços do meu coração, poderiam esperar, onde estavam. Ainda por
algum lugar, onde Thor Hansen tinha passado.
Capítulo 12

“À minha mesa no escuro


Tudo o que eu sempre penso é
Onde diabos você está
E, eu juro por Deus que eu te mataria
Se eu te amasse um pouco menos” [12]

Anastasia
Meu celular estava desligado, mas não fiz questão de ligá-lo novamente, esperando,
de verdade, que não houvesse ligações de minha irmã. A realidade era que não sabia como
encará-la. Eu estava evitando olhar para o meu reflexo no espelho, e pensar que tinha
realmente acreditado que aquela era eu.
Não fazia sentido, em minha mente, falar sobre o ocorrido. Eu o deixaria escondido,
no fundo do meu peito, tentando apenas esquecer. Minha escuta estava desligada durante todo
o momento em que estive perto de Thor, não que alguém, fora Irina, realmente se importasse
com a situação.
Não diria a ela, ainda assim, pois a faria sentir culpada, por algo que ela não tinha
como controlar. A rejeição me corroía, mas eu estava mais focada em cuidar da bolinha de
pelos que agora já não tinha mais terra por todo seu pelo.
Porém, como eu tinha voltado ao quarto de hotel? Sequer ousei perguntar à minha
segurança.
O médico disse que ela estava bem, e na realidade, só precisava, depois das vacinas
que teve tomar, ser bem-cuidada. O mais engraçado era que Tophe tinha arranhado o médico
veterinário, a assistente dele, e qualquer segurança meu que tentou ajudá-los. Contudo,
quando eu me colocava para segurá-la, ou pedia para ela parar, ela simplesmente reclamava,
mas não me machucava.
Como se explicava algo assim?
Depois de passar em petshop que era vinte e quatro horas, agradecendo internamente
por exatamente tudo funcionar em qualquer horário em Nova Iorque, acabei fazendo um
estoque de itens para uma gatinha. E eu estava certa, quando lhe dei o nome, e sequer
chequei, não que eu soubesse, de fato, se era mesmo fêmea.
Enquanto minha segurança carregava várias sacolas, e não me permitia ajudar,
dizendo que era o trabalho dela, eu tinha Tophe em meu colo, e já estávamos de volta ao
subsolo do hotel. Adentrei o elevador, mas a segurança parou, parecendo receber algo na
escuta.
— Subo em seguida, senhorita Romanov.
Assenti, sabendo que já tinha acontecido algo parecido antes, e me encostei contra a
parede do elevador, me negando a encarar o meu reflexo no espelho. Sabia que eu usava o
mesmo vestido da festa, só que agora amassado e sujo, e estava descalça, com os cabelos
envoltos em um coque no alto da cabeça. Não era a cena mais bonita, nem o que se esperava
de Irina Romanov.
Porém, a realidade de que ela tanto lutava por mim, e eu demorei a aceitar de fato:
eu não era ela. Eu era apenas Anastasia, poderia considerar sem qualquer sobrenome, já que
eles nunca me assumiriam. No fundo, eu tentava tanto seguir as regras, que na noite em que
quebrei muitas delas, percebi que não eram tão importantes assim. Não para mim.
No momento que o elevador parou e as portas se abriram, pisei no corredor, e iria
direto para o meu quarto ali, sabendo que todos os outros também foram alugados, por
precaução, assim como o andar inferior. Contudo, quando pisei para fora da grande caixa de
metal, Tophe miou alto, e eu levantei meu olhar, encontrando nada menos do que meus pais e
Irina parados à frente da minha porta.
Aquela noite/madrugada não poderia ter um fim?
Vi-me fazendo o sinal de sempre para minha irmã, que seria imperceptível aos meus
pais, enquanto fingia ajeitar meu cabelo atrás da orelha. Irina tentou vir até mim e me abraçar,
mas meu pai a impediu.
— Bom dia, eu acho.
Fui em direção à porta, esperando que eles saíssem, e não demorou para o fazerem.
Tophe estava acordada em meu colo, rosnando para eles, e me surpreendi pela maneira como
ela me defendia, mesmo tendo aproximadamente apenas quatro meses de vida, segundo o
médico.
Coloquei-a na cama, e me joguei ao seu lado, sem me importar com os olhares que
recebia.
— Não vai dormir antes de...
— Eu tive uma noite cansativa — pela primeira vez, eu estava cortando Nicolai
Romanov. — Fui ao maldito casamento que queria, fui à horrível festa que pediu. Só que bebi
demais, nem sei como cheguei aqui, estou de ressaca, e ainda adotei uma gatinha... — falei,
sem olhá-lo, e me ajeitando melhor sobre o colchão. — Nada do que me disser agora, vai
prender minha atenção.
— Anastasia, isso não é uma brincadeira.
— Tem certeza de que sou Anastasia? — rebati, ainda deitada, e agora encarando o
teto. — Sabe, os cabelos estão iguais.
— De onde tirou tanto cinismo e...
— Veio de algum de vocês, mamãe — cortei-a e rebati. — Não tem sempre algo
mais importante do que perder seu tempo com a usurpadora aqui? — indaguei, quase rindo,
ao me comparar com a personagem da novela que tinha começado a assistir, e estava
treinando meu espanhol. — Podem fazer como sempre, fingir que eu não existo, até minha
ressaca passar.
— Irmã...
— Na, eu só quero ficar sozinha, por favor.
Eu pedi, usando um tom mais baixo, e procurei pelos olhos idênticos aos meus. O
que foi um grande erro, porque me doeu olhar para ela, e saber que era tudo o ele via. Mesmo
que fôssemos idênticas, a realidade, era que nunca, em hipótese alguma, seríamos de fato
iguais. Não para ele. Nem mesmo para ele se confundir, ou quem sabe, dar uma chance para
entender quem ele tinha se apaixonado.
Mas ele foi claro.
Ele queria minha irmã.
E eu mal conseguia olhar para ela, porque as palavras dele voltavam, e eu só
conseguia pensar em vomitar.
— Eu estou falando sério, Anastasia...
Senti o momento que meu pai tentou tocar meu ombro e iria apenas me esquivar,
mas ouvi um som de dor vindo dele, e um rosnado da gatinha que agora já estava sobre mim,
ainda o enfrentando e pronta para mordê-lo.
— Esse...
— Tophe — corrigi-o, trazendo-a para perto, e a colocando deitada do meu lado. —
É a minha gatinha, que me escolheu. E pelo jeito, está pouco se fodendo para ser meu pai ou
o chefe da máfia russa.
— Que modos são esses, Anastasia?
— Não o meu modo de sobrevivência, mamãe — rebati, e ouvi meu pai reclamar
baixo e dizer que precisava ir ao médico ver aquele arranhão enorme em seu braço. —
Preciso dormir e falo com vocês à tarde.
— Terá consequências, Anastasia.
Não era uma ameaça infundada vinda do homem que sempre sabia como nos colocar
em nosso devido lugar, mas pela primeira vez, em meus dezoito anos, eu não estava dando a
mínima.
— Sempre tem. — Dei de ombros, fechando os olhos. — Eu só não me importo
mais, com nenhuma delas.
Complementei sussurrando, tanto para mim, quanto para o universo, pedindo força
para conseguir me manter assim – decidida. Ouvi o suspirar profundo de minha irmã, antes de
ela sair com eles, e a porta ser fechada.
Tudo vindo em um turbilhão em minha cabeça. Fosse de como eu me sentia
ninguém, e tinha a certeza absoluta agora, de que todos apenas viam através de mim. E então,
enxergavam Irina. Fosse porque era o meu primeiro amor me entregando o coração partido, e
eu sequer sabia por onde começar a me recompor.
Um miadinho, e um corpinho se enrolando contra o meu, me fez sorrir, e saber
exatamente por onde começar.
— Vamos dormir e não pensar, não é?
Ela miou de volta, como se entendendo, e eu ri. Apenas me dei ao luxo de puxar o
vestido para fora do meu corpo, e fiquei com a segunda pele que usava. Puxei um dos
edredons, e liguei o ar-condicionado. Tudo o que eu precisava bem ali, ao meu alcance, e
quando o sono me acertou, eu não pensava sobre ser invisível, ou sobre Thor Hansen... eu só
pensava, em como a vida seria, se eu fosse apenas eu.
E era algo que eu gostaria de acordar, e continuar sendo.
Capítulo 13

“Neste mundo, somos apenas nós


Você sabe que não é igual a como era antes
Neste mundo, somos apenas nós
Você sabe que não é igual a como era antes” [13]

Anastasia
Acordar cansada não era uma novidade.
Mas acordar totalmente recuperada e sem dor de cabeça, era uma bênção.
Suspirei fundo, ainda sentindo muita sede, me forcei a levantar, e fui até o frigobar.
Peguei duas garrafinhas de água e bebi uma seguida da outra. Não sabia se era o fuso que
tinha me pegado, mas olhei rapidamente pela fresta de uma das cortinas totalmente blackouts,
e vi que parecia estar no pôr do sol.
Olhei rapidamente para o relógio na mesa de cabeceira e confirmei, que o dia já
estava se tornando noite, e eu tinha dormido por quase ele todo. Um sono profundo, sem
sonhos e sem preocupações. Tudo o que eu precisava, e realmente, necessitava naquele
instante.
— Bom dia, bolinha de pelos.
Caminhei sem vontade até a cama, e quase me joguei sobre ela novamente.
— Quase boa noite, para ser honesta.
Fiquei daquela maneira, meio deitada, meio em pé, enquanto Tophe passava por
meu corpo, e se esfregava. Ouvi o barulho de batidas na porta, e pelo número de vezes, que
era a minha idade, assim como a idade de Irina, sabia que era ela.
— Pode entrar.
Virei-me de costas para a cama, e apenas deixei minhas pernas para fora. Ela se
aproximou e senti o peso do seu corpo na cama, sentando-se.
— Eu não sei se pergunto o que houve, se me preocupo, ou se sinto um puta orgulho
por ter feito o que queria naquela festa...
— Pode ficar feliz por eu ter adotado Tophe — sugeri, e mostrei minha gatinha, que
agora estava apenas do meu lado e ignorando a existência de Irina. — O que realmente
ficaram sabendo sobre mim?
— Estávamos em uma reunião sobre... sobre o casamento — assenti, encarando o
teto. — Então alguém bateu na porta, e entrou, avisando que eu estava bêbada e rindo alto em
uma festa, e depois simplesmente desapareci, e apareci no quarto de hotel.
— Bom, algum segurança deve ter me trazido... — falei, dando de ombros.
— Nossos pais estão sem entender até agora, e ainda mais, estão convencidos de que
é hora de apresentar nós duas.
— Pela primeira vez não agi inteiramente como Irina Romanov, pela honra do
sobrenome que vai se unir a um Hansen, eles precisam deixar claro que existe uma gêmea, e
que ela é o problema, e não a futura noiva...
— Na...
— Eu acertei, não?
Virei-me para ela, e vi a dor em seu olhar, a preocupação. E encarando-a, tentei
excluir a dor de saber, que era ela, apenas ela, que ele queria. Que ele quis, por todo aquele
tempo.
— Eu estou tentando cancelar o casamento, e...
— Não faça isso, pensando no fato de que por se casar com um Hansen, eu não
posso me casar com outro... — neguei com a cabeça. — Thor Hansen e eu, seremos ótimos
cunhados. Não tente cancelar o casamento por minha causa.
— Mas...
— Eu quis apenas viver na noite passada. — Aquela era uma verdade. — Fiz tudo o
que queria, falei o que sentia, e no fim, eu encontrei Tophe... De um saldo positivo, em que
me encontro. Se querem me apresentar ao mundo, que o façam. Tô pouco me fodendo, para
ser honesta.
— Mas você gosta dele e...
— E isso não muda nada, e nem a realidade. — Dei de ombros. — Eu e ele, nunca
ficaremos juntos... — doía, em cada parte de mim, admitir aquilo. Porém, eu tinha a raiva
correndo por minhas veias, me ajudando a estabilizar a dor. — Com esse casamento ou não,
na noite passada, colocamos em pratos limpos e... Nós dois, não temos chance.
— O que ele fez para você?
Olhei-a com cuidado, e dei de ombros.
— Apenas disse a verdade.
Suspirei fundo, sabendo que o pior seria admitir tudo e compartilhar com ela.
Poderia criar questões e problemas desnecessários.
O coração partido de Thor Hansen era meu, e apenas meu. De tudo o que eu já tinha
dividido com Irina em minha vida, aquilo não era algo que gostaria. Não mesmo.
A minha dor, pelo menos, seria apenas minha.
— Eu gosto dele, mas ele não sente o mesmo — admiti. — Então, somos apenas
conhecidos e nada mais.
Por que eu contaria a ela, que o homem por quem me apaixonei, tinha se apaixonado
por ela? Seria como machucar a nós duas, e eu evitaria ao máximo. Ela se culparia por ele
gostar dela, e não mudaria nada. Eu me culparia por fazê-la se sentir mal, e somente pioraria
tudo.
— Por que, em toda nossa vida, eu sei que está mentindo para mim, pela primeira
vez?
— Porque é minha gêmea. — Forcei um sorriso. — Deveria estar mais preocupada
consigo, sobre ser herdeira, se casar com um desconhecido no futuro... Não comigo, que vou
ficar bem. Eu sempre fico.
— Na, isso tudo, para nós duas, não é justo.
Sua voz se quebrou e eu sabia que ela estava sobrecarregada.
O fato era que eu só vivia a margem da vida que minha irmã tinha. Porque ela era a
real herdeira, e eu era blindada para o que aquilo realmente significava. Era uma briga de
gigantes, pela vida, com uma tentando proteger a outra, e no fim, sempre sentindo, que
estávamos falhando.
— Mas o mundo nunca é justo, certo?
Minha indagação se perdeu, assim como notei uma lágrima descendo por seu rosto.
— Mas... Sempre a gente, Na, não é? — indaguei, e ela assentiu, enquanto limpava a
lágrima que descia. — Seja o que for, irmã.
— Sempre a gente, Na.
Então, a porta do quarto foi aberta, e eu apenas levantei o olhar, para encontrar nossa
mãe.
— Como se sente, pronta pra finalmente contar ao mundo da máfia que teve duas
filhas e não uma?
Ela pareceu surpresa pela minha pergunta, e então lançou um olhar gélido para Irina.
Minha mão buscou a da minha irmã, e ela a apertou. Não importava o que fosse.
Se Irina estava tentando fugir de um casamento arranjado, praticamente
concretizado.
Se eu estava tentando esquecer o coração partido em meu peito.
Se nós não concordávamos com o que nos acontecia, e não sabíamos, como ir contra
tudo aquilo.
O fato era, que estávamos ali, uma pela outra.
E era o que bastava. Ao menos, tinha que bastar, como sempre. —
Capítulo 14

“Esperando você mesmo como você me trata


Você é meu bebê mesmo quando você me deixa
Talvez eu seja o culpado
Talvez eu seja a causa da dor” [14]

Thor
Carregue seus sentimentos, e os ignore.
Carregue seus sentimentos, e apenas os tenha.
Carregue seus sentimentos, e os esqueça, até a próxima missão.
Eu já tinha lido no caderno de Odin, quando deixou aberto em seu escritório e me
pediu para buscá-lo. Nunca pensei que entenderia cada linha, anos depois, e que cada uma,
faria total sentido.
Se eu pudesse, até mesmo, pediria para que ele me mostrasse o texto por completo.
Teria alguma parte falando sobre carregar os sentimentos, e de alguma forma, conseguir
destruí-los? Teria alguma forma de apenas carregá-los e não os deixar ser tudo o que lhe
cercava em um milésimo que apenas não estivesse focado? Teria algo sobre conseguir
simplesmente deixá-los e não ter mais que mantê-los?
O barulho de pássaros fez minhas questões ficarem de lado, mas de forma alguma,
se perderem.
Ter de lidar com um rastro imperceptível, era uma ordem que nunca pensei que teria
de Odin. Diretamente dele, sem qualquer intermédio de Baldur. Então, eu tinha que estar lá,
para mostrar que estava preparado, para realmente agir sozinho. Vinte anos, era uma idade já
avançada, para um Hansen mostrar o seu valor, mas sabia que o regime anterior era
totalmente diferente do qual meu irmão mais velho tinha implantado.
Ser mandado justamente para os arredores da capital russa, em uma cabana no meio
do nada, que pertencia aos Romanov, parecia a real ironia do destino. O meu olhar se perdeu,
por alguns segundos, quando adentrei a floresta, e reparei na grande varanda que cortava de
fora a fora o lugar, e dava visão para onde eu estava.
Ela ficaria naquela varanda também?
Ela já tinha estado lá, por algum tempo?
Tentei não focar ou priorizar meus sentimentos, por mais que fosse impossível. Era
por eles, que eu sentia, que Odin tinha me mandado para aquele lugar. Foquei em seguir pela
floresta, até o limite que era marcado por árvores de outra espécie, e que pararia de pertencer
aos Romanov.
Eu tinha poucas instruções do que fazia ali, mas já começava a tentar juntar os fatos
quando reparei em algo preso no alto da árvore, em que começava a parte que não pertencia a
família da máfia russa. Precisei escalar a árvore, para chegar ao fio vermelho pendurado
quase no topo, com uma seta apontando para a cabana.
— Dois corpos foram encontrados naquela floresta e os russos informaram que eles
tinham um H queimado em sua pele.
Foi tudo o que Odin me disse, antes de me mandar para aquele exato local. Por quê?
Por que inimigos dos Hansen estariam bem ali, tão longe das ilhas escandinavas? Tão longe
de nós?
— Ela chegou mais longe.
A voz me fez travar o corpo por completo.
— Chegaram perto dela, e iriam levá-la, para usar contra você.
Eu estava no alto da árvore, mas a minha arma já estava em punho.
— Não faria isso se fosse você, Th.
Foi então que eu sabia, escutava um fantasma. Olhei ao redor, procurando-a, mas
não havia sinal dela.
— De todos, você é um dos que sabe que é impossível me encontrar em uma
floresta, se eu não quiser ser encontrada.
— Hella...
— Eu protegi Anastasia. — Eu engoli em seco, guardando a arma novamente, e
descendo com cuidado da árvore. — Eles sabem mais do que deveriam sobre os Hansen.
— Hella...
— Em troca de ter protegido ela, e no caso, você... eu só peço que não diga nada
sobre mim, até que eu apareça para Odin.
— Irmã, por favor...
— Eu sei — ela falou, e eu tentei encontrar sua voz, em meio ao barulho dos
pássaros e o sol entre as árvores. — Eu sei que é demais, mas eu sei que apareceria também.
— Por que, Hella? Por que...
Por que não está morta? Era o que gritava em minha mente, mas não tive coragem
de o fazer. Eu estava sonhando? Eu tinha sido drogado? Eu tinha sido morto e aquele era o
depois?
— Eu vou levar as respostas que quer, um dia. — Suspirei fundo, e caí sentado no
meio da mata, entendendo que minha irmã mais velha, que nós tínhamos perdido, há muito
tempo, ainda estava viva. Hella Hansen estava viva. — Eles estão se organizando e querem
mais. Eu deixei as capas que usavam, costurada totalmente em vermelho de qualquer forma,
da maneira como a corda que Ymir foi morto, foi feita...
— Ele morreu, Hella.
— O problema é que eu também deveria estar morta, irmão. — Senti uma lágrima
quase descer, ao ouvi-la falar comigo de tal forma. — Não acho que ele está vivo, mas o seu
ideal sobreviveu...
— Como... como eu vou...
— As capas estão jogadas há alguns metros de onde está sentado. — Suspirei fundo,
tentando me concentrar. — Leve-as para Odin, e diga que encontrou isso e um sinal no alto
da árvore.
— Mas...
— Ele vai complementar o resto e tentar fazer sentido. — Neguei com a cabeça,
incrédulo. — Se cuide, cuide dos nossos e se puder, cuide dela.
— Estou fazendo isso, irmã — assumi, e senti as lágrimas descerem. — Eu estou
tentando.
— Nos vemos, um dia.
Foi então que eu me levantei, e quis correr para todos os lados, mapear o local, tirar
todas as árvores dali, e encontrá-la. Contudo, eu sabia que era impossível. Eu só podia estar
delirando, não tinha como. Não tinha outra explicação.
Foi quando caminhei para os metros à frente, e encontrei, debaixo de folhas e terra,
as capas costuradas em vermelho, na bagunça exata de como Ymir foi enforcado. Duas letras
desenhadas na terra ao lado, e eu sabia, que não estava criando nada daquilo. Hella estava
viva.
Hella tinha protegido Anastasia Romanov, por minha causa.
E daquela forma, eu entendi todo o perigo. O que eu pensei que fosse um exagero ou
punição, mas então, era um reflexo, diante de mim. O que eu fazia, repercutiu diretamente em
uma das Romanov, e poderia, de fato, tê-la tirado de algo maior do que eu. Mas da sua
própria vida.
Suspirei fundo, e por mais que doesse, em cada parte dos meus ossos, eu tinha que
seguir. Eu tinha que aceitar que o destino era certo: Irina Romanov se casaria com Baldur
Hansen. E talvez, se eu tivesse sorte, ou o destino me ajudasse, eu seria apenas um
expectador, de longe e sem contato, da mulher por quem eu tinha me apaixonado.
Capítulo 15

“Porque eu lembro todas as vezes


Nesses dias em que parece que você e eu
Fazemos aniversário de término
Você sequer pensa em mim?” [15]

Cerca de dez anos depois...

Anastasia
Caiu como uma bomba.
Lembrava-me do exato momento em que a informação sobre Baldur Hansen não ser
mais o Hansen que Irina se casaria por obrigação, e que Thor Hansen assumiria o seu lugar.
Lembrava-me de sentir meu estômago embrulhar, minha vista embaçar e meu corpo
todo tremer. Felizmente, uma expressão neutra no rosto, enquanto nosso pai falava, com orgulho,
que ela se casaria, de toda forma, com um Hansen.
Lembrava-me de sequer saber como cheguei ao meu quarto depois da notícia, e de
como Irina tentou me chamar, por diversas vezes, quando me sentei na cama e apenas fiquei
divagando.
Eu pensei que tinha cicatrizado, assim como a dor da rejeição, o sentimento que o meu
primeiro amor tinha me dado e não aceitado. Porém, ali estava a realidade, anos depois, me
alertando de que: por mais que eu fugisse dele, ele estava voltando para mim.
Ou melhor, para minha irmã gêmea.
E o sentimento ainda estava em mim, só que diferente de antes, ele me corroía.
Deitei-me na cama, e senti os braços de Irina ao meu redor, como o seu pedido de
desculpas silencioso, por mais que ela não tivesse culpa alguma sobre o que estava acontecendo.
Nos acontecendo.
Éramos fabricadas para aquilo.
Fomos planejadas para aquele exato momento.
A sorte, em meio a tudo o que nos cercava, era que tínhamos uma à outra, e era o lar
que ambas nos encontrávamos.
Parada agora, olhando para o pedaço de papel, que ela deixou enrolado, no meu abajur,
do jeitinho que sempre trocamos informações quando pequenas. Eu sabia, lá no fundo, que era o
seu jeito de dizer um “até logo” sem ter que ir contra toda a máfia russa. Ela o faria, se eu o
pedisse. Mas ela sabia, que eu jamais o pediria.
Não por um homem, e muito menos, pelo homem que me rejeitou.
Ele era o único sortudo de toda a situação, e me indagava, internamente, se não tinha
feito aquilo de caso pensado. Suas palavras me rondando, enquanto abria o papel enrolado que
minha irmã deixou.
— Por que foi legal comigo, por que...
— Irina ou Anastasia? — indagou de repente, deixando-me sem entender. — Sei que
está brincando de se passar por sua irmã.
— Você... você estava sendo legal comigo, porque pensou que eu era Irina. — Soltei o
ar me faltando no segundo seguinte.
Uma constatação que me corroeu por dentro.
Ele não disse nada, apenas me encarou, e deu passos atrás, deixando-me sozinha na
sacada, com os restos do meu coração, que foram causados por suas palavras.
Ele a queria.
Ele sempre a quis.
E eu nunca seria Irina.
Por mais que fôssemos idênticas visualmente, existia um limbo entre nossas
personalidades. Algo que ele nunca enxergou, porque tudo o que ele parecia enxergar, naquela
época, era ela.
Quando terminei de desenrolar o pequeno papel, senti como se voltasse dez anos antes.
Meu estômago embrulhou, minha vista embaçou e meu corpo todo tremeu. Caí sentada
na cama, e jurei que estava perdendo minha mente, ao ler cada letra.
Era o grande dia.
Faltavam apenas algumas horas, para que Irina estivesse em um altar, ao lado de Thor
Hansen.
Porém, ela não estaria.
“Eu sei por você que isso não é algo que posso tirar. Por mais que eu não saiba o que
houve entre vocês no passado, eu conheço a minha pessoa favorita no mundo – sei que ele é o
seu primeiro amor, e único, até o momento. Então, Anastasia Romanov resolveu tirar seu ano
sabático pelo mundo, conhecer novas culturas. Papai e mamãe concordaram com isso, enquanto
eu saía de fininho de manhã. Não vou pedir que seja eu, não de novo. Mas até o momento do
“sim”, o seja. Até que ele te ame, a ponto do seu coração ser o único a falar, o faça. E ele vai
saber então, que se apaixonou pela mulher mais incrível que existe, você, Na. Só seja Irina, por
algumas horas, e seja você, para ter o amor da sua vida. Sua outra parte, Na.”
Batidas na porta me fizeram travar todo o corpo, e então minha ficha caindo do porquê
Irina tinha me pedido para dormir em seu quarto na noite anterior. Eram cinco da manhã, pelo
que marcava no relógio e eu mal tinha pregado o olho, mas nos poucos momentos que o fiz, ela
simplesmente desapareceu.
Pensei que para se preparar para o casamento dela.
Porém, de repente, aquele era o meu casamento.
A porta se abriu, e assim que minha mãe entrou, vi-me colocando o papel que estava em
mãos dentro do copo com água que sempre tínhamos na mesa de cabeceira. Ele se dissolvia em
segundos e ninguém, nunca saberia, o que ela tinha escrito. Mas eu sabia. Eu tinha a absoluta
certeza.
— Bom dia, noiva do ano! — mamãe falou, aproximando-se, e se sentou na cama ao
meu lado. — Preparada para ser uma Hansen?
Ela levou uma das mãos aos meus cabelos, que agora estavam totalmente escuros como
os de Irina, que acabou tendo que pintar o dela novamente, no meio do caminho, porque eu
também o queria.
Olhei no fundo dos olhos da minha mãe, e esperei que ela soubesse que era Anastasia
ali, e não Irina. Porém, por mais que ela pudesse saber ou desconfiar, o que eu duvidava, ela não
faria questão, sequer, de deixar a entender algo assim.
— Prefiro o sobrenome Romanov, mas...
— Irina — ela falou sério, e sabia, pela sua expressão, que sequer imaginava que eu era
sua outra filha. — É um bom partido, uma ótima conexão e sabe que como herdeira nossa, isso
tudo um dia...
— Vai ser meu, eu sei. — Suspirei fundo, complementando o que sempre ouvia Irina
fazer, mesmo que a contragosto. — Segundos que me fizeram herdeira da máfia russa...
— Segundos que mostram que o seu destino é seu, desde sempre.
Forcei um sorriso, pensando no fato de que, na realidade, eu estava em uma posição que
não tinha qualquer relação com o que eu deveria ser. Por mais preparada que me fizessem sentir,
sempre considerando que se uma falhasse, a outra tomaria a frente. Suspirei fundo, sentindo-me
derrotada, e tentando entender, como sempre, subir em um altar e encarar o homem que me
neguei a ver por praticamente uma década.
E como seria, dali em diante, tê-lo como meu falso marido.
Ainda não tinha iniciado a contagem, mas eu o faria, no momento que disséssemos sim.
Um dia de setecentos e trinta. O tempo que eu tinha obrigação de permanecer em um
casamento com ele. O tempo que era o meu inimigo no momento. Mas que de alguma forma,
tornar-se-ia meu aliado.
Eram apenas dois anos.
Eram apenas setecentos e trinta dias.
E se Irina reaparecesse do nada, eu lhe diria, palavra por palavra que escondi, do porquê
tentei matar Thor Hansen dentro de mim.
Porém, até aquele momento, eu estava com ele, novamente, totalmente vivo em minha
memória. E o pior de tudo, era não apenas sentir o pior dentro de mim. Eu sentia absolutamente
tudo, até mesmo, o que não deveria.
Capítulo 16

“Enfeitada com fumaça nas minhas roupas


De coração partido e ninguém sabe
Espinhos por toda essa rosa

Eu pagarei o preço, você, não” [16]

Anastasia

— Tem algo sobre animais de estimação no contrato? — indaguei, enquanto


terminavam de ajustar o vestido em meu corpo, e agradeci o fato de nunca ter feito a tatuagem
que tanto queria, por menor que fosse, e me deixaria diferente de Irina.
O olhar afiado de minha mãe, a cada segundo, como se pronta para deixar tudo
perfeito, nos mínimos detalhes. Se ela soubesse...
— Thor Hansen tem um cachorro, pelo que lemos em toda papelada... Por que isso
agora, Irina?
Eu era acostumada a ser chamada pelo nome errado, porém, de repente, ele tinha um
peso que eu não estava esperando. Ele me agoniava.
— Porque Anastasia viajou e não deve voltar logo, então eu quero levar Tophe
comigo.
— A gata odeia todo mundo, menos a dona — minha mãe argumentou, e eu sabia
que minha gatinha já tinha afundado as unhas em todos, inclusive, no chefe da máfia, e nunca
foi punida por nada daquilo. Até porque, ela sempre o fez, porque ela não gostava de
absolutamente ninguém. Claro, ninguém que não fosse eu.
— Ela precisa de alguém que cuide dela, e Anastasia me mataria se a deixasse
sozinha aqui...
Eu não iria sair dali, não sem Tophe.
— Bom, não acho que seja um problema, a não ser que ela brigue com o cachorro de
Thor, que pelo que sabemos é um pastor alemão.
— Tophe consegue bater no chefe da máfia russa... Imagina então, um cachorro de
um Hansen? — rebati, e bufei, enquanto minha mãe abria um sorriso, que era raro em seu
semblante.
— Tem horas que você fala igualzinha a Anastasia.
Gelei de imediato.
— Tudo pronto, senhora Romanov.
Nunca amei também a voz de uma desconhecida em um quarto, que tinha acabado
de ajustar totalmente o vestido.
— Vamos ver...
Minha mãe me virou, e me colocou de frente para o grande espelho que tinha em seu
quarto. Tudo sendo preparado bem ali, na mansão da minha família. Suspirei fundo, e ignorei
o fato de me sentir bonita de branco, e em um vestido como aquele. Por mais que não fosse o
meu estilo, o fato de ele ser todo rendado, era um clássico a se enaltecer.
— Sei que odeia, mas...
Olhei diretamente para minha mãe, e logo vi a senhora que antes ajustava meu
vestido, aparecer com uma caixa de sapatos de luxo. Segurei a emoção por saber exatamente
o que tinha dentro.
Irina odiava saltos. Eu os amava.
E como eu era Irina, teria que reclamar sobre usar uma marca de luxo que eu tanto
adorava.
— Não posso só colocar tênis e ele ficar escondido debaixo...
— Já falamos sobre isso, Irina — cortou-me, e então me ajudou a colocar cada par
no pé. — Está se equilibrando melhor do que...
Foi quando estalou em minha mente, e simplesmente fingi que escorreguei e me
escorei com força nela, que abriu outro sorriso.
— Não demorou muito para quase cair — brincou, e então me segurou ereta, e ficou
atrás de mim, encarando meu reflexo no espelho. — Só vai seguir uma linha reta até o altar,
não se preocupe. Depois disso, quando estiver na sua casa, pode usar quantos tênis quiser.
— Estou levando muitos para lá mesmo...
Deixei as palavras soltas, e no fundo, apenas senti o peso de imaginar o que existia
nas malas preparadas de uma vida toda de minha irmã, que seriam levadas para uma ilha, no
mar remoto da escandinava.
Minha mente se perdeu por um segundo, e me culpei por ainda permitir que algo
assim acontecesse.
— Minha casa é bem longe de tudo.
— Não acho que tanto quanto a Mansão Romanov.
— Cada Hansen tem sua ilha, com o seu castelo... — virei-me para olhá-lo,
completamente incrédula. — Pensei que tinha te contado isso da outra vez. Não que você
estivesse prestando atenção.
— Desculpe, com certeza estava distraída... — engoli em seco, e vi-o assentir, como
se fosse o bastante. — Como é ter o próprio castelo?
— Solitário, mas... eu prefiro assim. Só levo pessoas que são importantes lá, e é o
meu lugar no mundo.
— Gostaria de ter o meu também — admiti, e meu olhar se perdeu.
— Pode ir conhecer a ilha, quando quiser.
Fiquei surpresa, e por um segundo, realmente me agarrei às suas palavras, de que eu
era importante, e que ele me levaria por tal motivo. Se eu soubesse que ele falava comigo
apenas por ser Irina, e não eu. Eu teria poupado meu próprio coração e minha dor.
— A noiva mais linda que eu já vi.
A voz masculina adentrou o ambiente, e então meu pai se aproximou. Pisquei
algumas vezes, deixando-me sair do passado que me envolvida.
— Acho que foi a mamãe, papai — rebati, e ele sorriu, o que era tão raro quanto
minha mãe, de o fazer.
Sabia que eles estavam felizes com o casamento. Na verdade, eles sempre estavam,
de maneira totalmente aberta, quando se tratava de alguma conquista nossa em relação à
máfia. Eles não eram ruins, mas também, nunca foi o lar mais amoroso que se possa
imaginar. Eram bons pais, que nos proveram todo o necessário, para que no futuro, nós
fôssemos aquelas que proveriam para outras gerações.
Não que fosse uma ordem, mas com certeza, era um pensamento deles. Que eu
tivesse um filho de um Hansen. Ou melhor, que Irina tivesse.
— Estão prontas?
— Não acho que existe algo mais pronto do que isso — falei, e ele me estendeu sua
mão, para me ajudar, com certeza preocupado com os saltos. Tentei pisar torto, como Irina
faria, e o segui, até a saída pela porta.
— Vamos descer com cuidado, e está tudo certo no jardim.
Apenas assenti, e logo senti as mãos de minha mãe, ao lado do meu corpo, levando-
me para baixo junto a ele. Os dois me mantendo inteira, até descer as várias escadas que
tinham até o primeiro andar da mansão.
Eu procurei, em vão, pela espera de minha irmã, no andar debaixo. Porém, eu sabia
que ela tinha partido, na calada da noite, justamente, para que eu não me negasse e lhe
entregasse como a noiva correta em alguma hora. Ela sabia que eu assumiria a
responsabilidade, fosse ela qual fosse, quando se tratasse da única presente.
E por aquilo, ela foi.
E por aquilo, eu estava descendo as escadas para me casar.
A cada passo que eu dava, um pedaço que eu tanto lutei para colar, apenas se
soltava. E eu sabia, que teria que olhar nos olhos daquele que mais me magoou, e dizer “sim”
a ele em um altar.
Só conseguia pensar, enquanto parava no grande salão da sala de estar, de que
aquele era o meu limite, para então encará-lo. E tudo o que se passava em minha mente, era
fazer com que os pedaços do meu coração, fossem um reflexo no dele.
Seria possível?
Seria possível quebrar o coração da primeira pessoa que eu amei, fingindo ser outra,
e no caso, aquela que ele claramente queria?
Capítulo 17

“Os mesmos lábios vermelhos, os mesmos olhos azuis


A mesma camisa branca, algumas tatuagens a mais
Mas não é você e não sou eu
É tão doce, parece tão real
Soa como algo que eu costumava sentir

Mas não consigo tocar o que vejo”[17]

Thor

— Isso é ridículo.
Baldur bateu contra minhas costas, tentando me acalmar, enquanto eu queria apenas
arrancar aquela gravata borboleta ridícula do meu pescoço. Eu sempre odiei eventos, e por
mais que tivesse um motivo bem definido para ir a eles no passado. Não era o que acontecia
no presente. Nem de perto.
Eu estava prestes a me casar.
Um casamento que deveria ser para Baldur. E que por muito tempo, me remoeu por
dentro, por mais que fosse uma oportunidade. No fundo, eu sabia que era um caso perdido,
até que, vi meu irmão mais velho se apaixonar de uma forma que o fez ir contra uma ordem
no nosso mais velho e chefe da máfia, pela primeira vez.
Aos trinta, eu só pensava que não fazia sentido algum, estar me casando. Porém, era
ela. Se fosse ela, por que não? E a realidade, era que não tinha como não fazer aquilo por
Baldur e pela minha família. Era apenas um casamento por contrato, em troca de anos e anos,
que me protegeram e foram um pilar para os Hansen.
Eu só tinha que estar parado em um altar, vestindo um terno que me apertava, mas
Baldur dizia ser sob medida, e uma gravata borboleta ridícula, que segundo alguém que eu
nem sabia o nome, combinava com o vestido da noiva.
Ouvi então o soar da orquestra, que estava do lado oposto do jardim, e eu pensei em
como os Romanov tinham se programado para aquilo ser realmente privado, mas com todo o
luxo que sempre esbanjaram. Na lista de convidados, apenas os chefes e alguns membros das
máfias mais poderosas. Não que algum deles estivesse de fato animado por aquilo, mas era
comum entre máfias e cartéis.
Conseguia reconhecer todos os rostos sentados na segunda fileira, como Vincenzo e
Jeon Kang, Sara Hernández e Chae Kang, a subchefe dos Tamura, e muitos mais. Foi listando
mentalmente, todos que estavam ali, para ver mais um contrato sendo consolidado.
— Boa sorte, irmão.
Baldur se afastou, e então meu olhar buscou o de Odin, que estava sentado na
primeira fileira, e se levantava naquele exato momento. E só então o meu olhar parou no
tapete formado por rosas, que acabava perto do degrau que dava para o altar montado ali.
Foi então que vi os cabelos pretos, soltos e com um véu sobre eles. Ela tinha o pai e
a mãe ao seu lado, trazendo-a até mim. Por um segundo, eu me confundi novamente, minha
mente não sabendo se estava brincando ou zombando do meu passado.
Algo que eu queria enterrar.
Algo que eu não gostaria de encarar.
Porém, ela tinha os mesmos olhos verdes de antes, uma expressão neutra no rosto,
enquanto caminhava até mim. Não consegui desviar o olhar, conforme ela se aproximava,
mais e mais, um buquê de rosas brancas em suas mãos.
Eu sabia que ela preferia rosas vermelhas, no entanto.
E foi quando seu pai parou à minha frente, assim como sua mãe, e me deram um
leve aperto de mão, cada um, passando-me a responsabilidade clara, de que agora eu estava a
cargo de Irina Romanov.
Ela então se aproximou, e de repente, quando não me entregou sua mão, me deu um
branco por completo, de como agir. Porém, apenas assenti para ela, ao passo que nos
virávamos para o padre que estava à nossa frente.
— Caros irmãos e irmãs...
De repente, eu tinha tanto para perguntar. Na verdade, questões e pensamentos dos
últimos dez anos. Meu olhar buscou por ela, e não pude deixar de reparar por todo seu perfil,
enquanto tudo o que era dito diante de mim, era apenas como uma palestra qualquer. Palavras
que não me importavam, não quando, a mulher que eu pensei por tanto tempo, estava bem ali.
Não, quando eu olhava para cada detalhe dela, e tinha a certeza, de como minha
cunhada diria: que a vida Deus escreve certo por linhas tortas.
Não que eu fosse devoto de alguma religião como aquela. Porém, a minha crença, de
que Thor, aonde fosse, estaria pensando em alguém que carregava o seu nome, era algo que
me fazia sentir melhor. Tive certeza, naquele instante. Enquanto recuperava o meu fôlego e
focava no celebrante à minha frente.
— Thor Hansen, você aceita Irina Romanov como sua legítima esposa?
— Sim.
Eu não precisava mais pensar e nem ficar receoso sobre aquilo. Eu tinha total
certeza.
— Irina Romanov, você aceita Thor Hansen como seu legítimo esposo?
Ela não me encarou de fato, em nenhum momento, e apenas assentiu para o
celebrante. Parecia ser o suficiente, porque ele engoliu em seco, e abriu um sorriso em
seguida.
— Então, os declaro marido e mulher, pode...
— Podemos ir?
Perguntei de imediato, cortando toda a baboseira, sabendo que já era demais, para
ambos. Todo o teatro tinha sido feito até o “sim”, e ele foi dado.
— Thor...
Consegui ouvir o suspiro de Odin, que já se levantava.
— Podemos? — ela perguntou, virando-se para os pais, que assentiram, como se não
esperando aquilo, mas claramente satisfeitos. — Obrigada a todos que vieram, e espero vê-los
durante a festa, que será na casa dos meus pais.
Ela falou, de maneira cordial e delicada, o que fez líderes se levantarem, e
aplaudirem a nós dois. Enquanto eu levava minha mão até sua cintura, e ela tentou se afastar,
mas no segundo seguinte, permitiu-se relaxar. Levei-a em direção à entrada de trás da casa,
diretamente para o subsolo, que eu já tinha mapeado, anos atrás.
No segundo em que adentramos o que era um hall da garagem, e eu me indagava por
que ela não seguiu o roteiro e entrou pela porta da sala lateral, ela parou, e fez meu corpo
quase bater no seu.
— Se quiser se envergonhar e agir como se não tivesse respeito algum para
tradições, faça isso sozinho — ela falou, em dinamarquês, que era minha língua, e então se
virou. O olhar verde preso no meu. Dizia tanto mais do que ela mesmo fazia. — Porém, eu
prezo pela minha honra e tradição. Não vai fazer isso, quando estiver no papel de meu esposo.
— Só não queria te deixar desconfortável, porque tinha o beijo e...
Eu estava falando em russo, de repente, e me enrolei por completo, como sempre.
Nunca fui bom falando, e era um fato mais explícito ainda, quando estava a frente dela.
O poder que ela tinha, nada explicava.
O poder que ela emanava, ninguém o fez.
— O que quer antes de me beijar de mentira? — rebateu. — Me conquistar, Hansen?
Ácida e assertiva, de um jeito que eu não esperava, mas no fundo, eu entendia.
Parecia até mesmo, muito pouco, perto de tudo que eu tinha feito. Principalmente,
envolvendo sua irmã.
— Eu... eu... acho que seria... o certo... Irina, eu...
Eu não gaguejava há muito tempo, mas ali estava fazendo, à frente dela.
— Você é patético.
Ela então apenas me deu as costas e seguiu em direção ao elevador, que daria para
qualquer andar da casa. E eu a deixei ir, enquanto tudo dentro de mim se remoía.
Só me lembrava de ter me sentido patético daquela forma, em outra vez, em toda
minha vida. E ela também estava lá.
Capítulo 18

“Depois de todo esse tempo, ainda me decepciono


Aposto que você está bem, e você nem sabe disso
Assim como que é por sua causa que meus padrões estão fragilizados na minha mente”[18]

Anastasia
Eu sempre tive apreço pelos Kang.
Um fato era que eles sempre foram educados e cordiais. Poderia até mesmo levantar o
motivo de que Irina tinha um penhasco em relação a Chae Kang, e foi a primeira vez que a vi
abalada por alguém, principalmente, porque ele tinha se casado por contrato com a viúva de um
cartel. Poderia ser apenas um contrato de casamento, mas diferente da realidade que ela
enfrentaria, ou que no caso, eu enfrentava agora, o dele, se tornou real.
Pelo olhar doce em seu rosto, em direção à mulher que estava ao seu lado, e que era a
chefe do Cartel Hernández, ele a amava. Algo que mexeu profundamente com Irina, a ponto de
eu me perguntar, se ela finalmente entendia, como foi para mim, saber que Thor Hansen amava
outra, mesmo eu nunca tendo lhe confessado o que ele fez – que Thor Hansen amava minha irmã
gêmea.
— Toda a felicidade, da minha família para sua, senhora Romanov-Hansen —
Vincenzo Kang falou, e eu lhe fiz uma reverência.
Sabia, que se existia um exemplo de liderança na máfia, meus pais o tinham como
primeiro. De fato, ele era o chefe da máfia mais poderosa do mundo por alguma razão.
Resolvi dar uma voltinha e escapar em direção à cozinha. Por um segundo, buscando a
outra parte de mim, que sempre me mantinha sã, mesmo nos momentos mais difíceis, e com
certeza, aquele era um deles.
Onde Irina estaria, naquele instante?
— Senhora Romanov-Hansen?
A pergunta veio de minha segurança, que se aproximou, com uma pequena caixa em
mãos. Olhei-a se entender, e franzi o cenho. Por que agora, eu teria que ser chamada daquela
forma? Parecia tão... tão ridículo.
— Senhorita Anastasia lhe mandou.
Arregalei os olhos e peguei a pequena caixa em mãos, encostando-me contra o balcão
da cozinha.
— Obrigada.
Minha segurança se afastou, e eu me vi levando a mão ao véu e quase o retirando de
raiva. Odiei aquela parte do vestido, realmente.
— Eu seria a melhor madrinha, eu sei. Vou ver, prometo, do seu casamento de verdade.
Sempre a gente, Na.
Olhei para o papel dentro da caixinha, que valia mais do que qualquer joia que alguém
me presentearia. Apertei-o com força, e queria logo, chegar até meu celular e ligar para ela.
Ouvir sua voz, com toda certeza, me acalmaria.
Porém, sem celulares, até o final da cerimônia e festa. De repente, parecia uma
eternidade. Suspirei fundo, e fui até a pia, e liguei a água, deixando com que o papel se
desfizesse, assim como a caligrafia de Irina.
— Irina Romanov-Hansen...
Fiz uma careta, antes de me virar, e então sentir o cheiro de álcool sobre o homem que
se aproximava. O lado negativo, sempre seria, os herdeiros que pareciam ter sido criados como
príncipes mimados. Algo que ninguém nunca entenderia, o quanto eu detestava pessoas como
Rael Ramesses.
— Ramesses é um sobrenome tão mais lindo, não acha?
Eu tinha perdido a conta, de quantas vezes ele tinha tentado ficar com Irina ou comigo.
Mesmo que ele pensasse em todo o tempo que fosse a mesma pessoa, era cansativo de tal
maneira, que nós duas não o suportávamos.
— Como vai, Ramesses?
— Com o coração partido por você, Romanov.
Ele dramatizou, levando a mão ao peito e eu ri da maneira como, mesmo sendo
totalmente insistente e insuportável, ele conseguia ser engraçado. Aquele um por cento que se
salvava da sua personalidade.
— É Romanov-Hansen.
A voz invadiu o local, firme e rouca, e então pisquei algumas vezes, antes de procurar
pelo dono dela, que eu nunca esqueci. Thor estava na entrada da cozinha, já com a gravata
borboleta torta, e uma expressão mal- humorado no rosto.
— Ele não é tão bom, não é, minha linda?
Ramesses insistiu, falando em egípcio, e eu sabia que ele estava ignorando,
propositalmente Thor.
— Acho que deveria calar a boca e voltar a beber em outro lugar, Rael.
Thor respondeu em egípcio também, e eu não estava supresa com aquilo, já Rael,
parecia em choque.
— Pensei que era o mais burro dos Hansen... — Rael insistiu, ainda em sua língua. —
Deve ter um motivo para alguém ter te colocado no lugar de Baldur, afinal.
— Se não sair em cinco segundos, vai perder os dentes que tem na boca.
Assisti a cena, apenas observando as nuances entre eles. A maneira como Rael riu alto e
deu um tapa nas costas de Thor, que torceu seus dedos.
— Cinco...
— Aí está o brutamonte sem cérebro... — provocou ainda mais, e ouvi o estalo de
algum osso se quebrando, tinha certeza. — Onde está o martelo, Thor?
Eu sabia que Thor Hansen era conhecido por conseguir desfigurar qualquer um que se
colocasse como seu inimigo. E realmente, não era algo que eu gostaria de lembrar, na noite do
meu falso casamento, em ver Rael Ramesses sangrando na cozinha dos meus pais.
— A sua sorte é que minha esposa está aqui, se não, estaria em uma vala — ele falou, e
soltou os dedos de Rale, jogando-o para longe.
Ele saiu cambaleando e rindo, enquanto eu fiquei admirada, por alguns segundos, pela
perspicácia do homem, agora parado ao meu lado.
— Por que estava sorrindo para ele?
Olhei-o sem entender, franzindo o cenho e sentindo minha alegria momentânea morrer.
— Porque ele é engraçado — rebati. — Não que te deva satisfações sobre como ajo
com outros membros da máfia.
— Você é minha esposa agora.
— E?
Dei de ombros, indo até a pia, abrindo novamente a torneira e lavando as mãos.
— E não é certo.
— Nunca pensei, que de todas as possibilidades, entraria em um casamento tóxico —
falei, e então o encarei, fechando a torneira, e chacoalhando as mãos.
— Só estou cuidando de você.
— Bom, é um contrato e eu sei me cuidar — rebati. — Podemos fingir onde for, mas na
minha intimidade, ninguém vai interferir... nem você, marido.
Tentei passar por ele, e então senti seu corpo parar à frente do meu, fazendo-me bater
contra.
— E.. sou... Irina, eu...
— O quê, Thor?
— Vai me chamar de marido?
— É o que você é, não? — rebati, sem entender.
— Ótimo, eu vou te chamar de minha esposa, então.
Uma bagunça entre russo e dinamarquês, nos entendíamos. Ele saiu da minha frente, e
me permitiu passar, enquanto eu tentava compreender suas palavras. No fundo, odiando a todo
custo aquela situação. Deveria ter contado a Irina, que ele partiu meu coração. Assim, ela não me
colocaria para me casar com ele, mas sim, se casaria e quebraria a cara dele. Seria melhor, não?
Era tudo o eu podia fazer, pensar nas possibilidades positivas, que jamais aconteceriam.
Capítulo 19

“Arranquei a faca das minhas costas, estava exatamente onde você a deixou
Mas sua mira é meio que perfeita, tenho que te dar os créditos
E eu apenas bebi alguma coisa forte pra tentar te esquecer, mas não deu certo”[19]

Anastasia
O lado positivo de festa com a máfia e cartel, com pessoas tão ocupadas, era que não
levaria muito tempo. Se tivesse durado duas horas, foi muito, e eu agradeci aos céus por aquilo.
Porém, o lado negativo era que eu não podia simplesmente ir para o meu quarto e me livrar do
nome de Irina. Não, eu teria que permanecer com ele, e ainda, me mudar diretamente para o meio
do absoluto nada.
Uma ilha, em um castelo, com Thor Hansen.
Quando um sonho adolescente se tornou um pesadelo adulto?
Vi-me indo até o quarto de Irina, apenas para ter a ajuda para retirar a calda do vestido,
e fiquei com ele curto, e mais confortável para poder viajar. Tudo o que gostaria, de fato, era
colocar uma roupa de moletom, e apenas levar os sapatos de salto lindos comigo. Eles, eu até
usaria, sem problema. Porém, Irina não o faria.
Suspirei fundo, assim que terminei de colocar as sapatilhas, e tentei gostar do que via
nos pés.
— Obrigada — falei para a duas mulheres que me ajudaram.
Pessoas que iam e vinham, por muito tempo, em minha vida. Tudo por pura segurança,
que meus pais insistiam em nunca deixar, que se repetiam nas pessoas que estariam próximas,
como um rodízio, para ser honesta. Era o jeito deles, e eu tentava compreender.
Foi quando a porta se abriu e eu já estava pronta para pedir para não ir, que vi olhinhos
amarelos e um rabo preto.
— Tophe!
Minha gatinha, que ficou praticamente trancada na outra ala da mansão, para não
atrapalhar – lê-se, arranhar a cara de algum membro importante da máfia.
Ela veio até mim, e passou pelas minhas pernas. Peguei-a no colo e praticamente a
amassei. Ouvi seu miadinho bravo, e eu ri da maneira como ela sempre reclamava, mas não
tentava sair do meu colo.
— Coisa favorita da mamãe! — falei, e beijei sua cabecinha. — Vamos morar na praia?
Eu sabia que gatos e praia não era algo muito comum, mas ainda assim, tentaria ver se
ela gostaria de dar uma voltinha.
Batidas na porta, me fizeram desviar o olhar, e Tophe pulou do meu colo, e foi para o
chão.
Thor Hansen.
Thor Hansen estava entrando no meu quarto.
Ou melhor, no quarto de Irina.
— Seus pais me disseram...
Foi então que o inimaginável aconteceu. Tophe Romanov simplesmente foi até o
homem que estava apenas com parte do corpo perto da porta, e se esfregou nas pernas dele.
De repente, depois de dez anos com aquela companheira, ela se tornava a maior traidora
de todas.
Como Tophe tinha me traído assim?
— Soube que Anastasia tinha uma gatinha... — ele falou, se agachando, e então levou
as mãos à cabecinha dela, e ela aceitou, de bom grado.
Eu fiquei boquiaberta, sem saber como reagir.
Não sabia se pela forma como Tophe adorou outro ser humano que não fosse eu, ou
pelo fato de ele saber que eu a tinha. Minha mãe teria contado sobre aquela condição?
— Tophe, não é? — ele perguntou para ela, que simplesmente, se jogou no chão,
rolando e ronronando.
— Como...
Eu estava totalmente em choque.
— Ah, desculpe — ele pareceu cair em si, mas continuou fazendo carinhos em Tophe.
— Eu vim te trazer a aliança que...
Ele começou a gaguejar novamente, e eu estava totalmente surpresa com aquele lado
dele. Nunca tinha imaginado, um homem que pareceu tão sério e certo de si, e conseguiu destruir
minhas esperanças com algumas palavras, gaguejando à minha frente.
O poder que Irina tinha sobre ele, era impressionante. Mesmo depois de tanto tempo,
que eu sabia, que ela o evitava.
— Certo — falei simplesmente. — Tophe, vem aqui comigo... — chamei, a minha
traidora oficial, que apenas deu uma olhadinha para ele, e então veio para minhas pernas. —
Pode...
— Posso entrar?
Ele perguntou de repente, e eu fiquei sem reação por alguns segundos, antes de assentir.
Tentei me manter imparcial àquilo, porque era o certo. Não podia demonstrar nada a mais, tanto
porque eu era Irina à frente dele, e, não poderia deixar que descobrisse que era eu, totalmente
fraca, ali.
— Posso...
Antes que ele terminasse, eu apenas lhe entreguei minha mão esquerda, e esperei que
ele colocasse a aliança ali. Senti o toque leve de seu dedo contra a minha pele, e fiquei encarando
Tophe, como se aquilo não importasse.
Não importava.
Não tinha que importar.
Porém, o que fazer quando um simples toque dele, me deixava quase que totalmente
desconcertada, e pronta para fugir ou simplesmente ficar?
— Certo.
Ele então se afastou, eu assenti, e encarei a mão esquerda dele, que tinha uma aliança
grossa, na cor dourada, e me vi encarando a minha. Uma aliança fina, que se transformava em
rosas cravadas de diamantes e rubis. Olhei um pouco sem entender, mas apenas fingi qualquer
inexpressão, para não demonstrar o quão lindo achei.
Ele pensou em todos os detalhes?
Ele pensou em como seria, cada parte que Irina gostaria daquilo?
Suspirei fundo, e então, ouvi o miadinho de Tophe, que pulou na cama, e reclamou em
seguida, porque sabia que o cheiro de Irina estava em todo o lençol, e não o meu.
— Já estamos indo, chatinha — falei para ela, e passei a mão por sua cabecinha.
— Eu só vim...
— Pode me esperar lá embaixo, desço em três minutos.
— Até já, esposa.
Eu sequer o olhei, enquanto acariciava Tophe, e fingia normalidade com tudo aquilo.
Porém, assim que a porta se fechou, eu me sentei na cama, e mal conseguia respirar, segurando a
tristeza que me tomou.
Nunca pensei que depois de tantos momentos, levando o nome de minha irmã em
eventos, um dia, eu tomaria seu lugar em um casamento. E ainda mais, como cara que eu tanto
queria apagar de minha memória.
Por que eu tinha que sentir algo por ele?
Eu mal o conhecia.
Eu mal sabia quem ele era.
— E você, sua traidorazinha... — falei, e apertei o rostinho de Tophe com carinho. — O
que é isso de gostar de Thor Hansen? — indaguei, e olhei-a com pesar. — Pode arranhar a cara
dele, se vingar pela mamãe, tá bem?
Ela miou alto, como se entendesse, mas eu sabia que ela não o faria. Ela nunca me
obedecia, e pelo jeito, estava pronta para morar com umhomem até minutos atrás desconhecido,
e eu que adoraria vê-la odiá-lo diariamente. Porque era exatamente o que eu tentaria fazer, em
todos os meus.
Um de setecentos e trinta dias, e contando...
Capítulo 20

“Mas eu sinto isso tomar conta


Eu sinto você assumir o controle
De quem eu sou e de tudo que eu já conheci
Amar você é o antídoto

Dourado”[20]

Thor
Desci as escadas, em direção à sala de estar, que ainda estava toda decorada, mas que
agora, apenas tinham o senhor e senhora Romanov, e dois de meus irmãos. Algo que eu tinha
pedido. Porque fazer com que todos eles viessem em um casamento falso, não era algo que
imaginava. Não com ela.
— Hella mandou dizer que você estava lindo, principalmente, a gravata... — Baldur
sussurrou, assim que me aproximei, de onde ele estava sentado, e eu dei um soco escondido em
sua costela, e ele reclamou.
Não que eu pudesse impedir Hella de estar presente. Ela o faria, de um jeito ou de
outro, mesmo que de longe.
Era bom saber que ela nunca se foi. E fazia sentido agora, a maneira como eu nunca me
senti sozinho, mesmo quando estava. Sabia que ela estava lá, nos momentos que todos nós
precisamos. Ela sempre esteve.
— Entregou a aliança? — Odin perguntou, parado, de pé, ao lado de onde Baldur
parecia totalmente a vontade.
Assenti, e notei a maneira séria que o nosso mais velho nos encarava.
— E?
— Ela disse que desce em três minutos.
— Faz apenas dois e cinquenta e nove que desceu...
E então, ouvi o barulho de passos nas escadas, e virei minha cabeça, sabendo que era
ela. Sempre pontual. Sempre pronta quando disse que estaria.
— Respira, Thor.
Baldur caçoou, sabendo mais do que deveria, e eu acertei outro soco, mais forte, só que
em suas costas, e por estar sentado, ele quase perdeu o fôlego, enquanto eu me levantava.
— Parecem ter três anos, às vezes.
Odin parecia pronto para bater em nós dois, enquanto eu tentava arrumar, em vão, a
gravata borboleta em meu pescoço.
— Estamos prontas.
Ela falou, e notei que tinha a casinha acolchoado de viagem de Tophe em uma de suas
mãos.
Ela foi em direção aos pais, e deu um leve abraço em cada um, um pouco mais
demorado no pai, que pareceu lhe dar alguma instrução. Fui até eles, e me despedi, tendo um
aperto de mão forte de Nicolai Romanov, antes de um sorriso ansioso no rosto de sua esposa, ser
a minha deixa.
— Eu posso levá-la — falei, em direção à casinha que ela carregava, oferecendo-me.
— Eu prefiro... — falou, evitando, e nos levando para fora da mansão Romanov. —
Quer dizer, Anastasia preferiria que eu estivesse com Tophe, e ninguém mais.
Assenti, e caminhei ao seu lado, em direção a um dos blindados que estavam
estacionados ao lado da casa. Principalmente, o nosso, que seguiria pelo mesmo caminho que
Odin e Baldur, até o aeroporto, que ficava há poucos quilômetros dali.
— Te encontramos em alguns minutos, irmão.
Baldur falou, entrando no carro com Odin, enquanto eu tentei ser mais rápido e abrir a
porta de trás para ela, mas quando pensei em fazê-lo, ela já estava acomodando a gata com
cuidado no banco, e se sentando ao lado, colocando o cinto em si.
— Não prefere ir na frente? — sugeri, e ela negou, parecendo à vontade, sentada no
banco de couro de trás.
Assenti, e fechei a porta para ela, o que eu consegui fazer, e me encaminhei para o lado
do motorista. Geralmente, eu sabia que existiam motoristas na vida dos Romanov, e muitos
empregados. Porém, era um pouco diferente com os Hansen. Quando se tratava da família, nós
sempre priorizávamos, que fosse um de nós, à frente do volante.
O melhor jeito de se proteger, era fazendo-o, você mesmo.
Lema que eu levava comigo, enquanto me sentava no banco no motorista, e ajeitava o
retrovisor, para ter uma visão melhor da mulher sentada no banco de trás.
Suspirei fundo, e saí com o carro, assim que Odin o fez. Segui-o pelo caminho, e o
silêncio era apenas algo a se pesar, em cada canto do ambiente fechado que nos encontrávamos.
Eu não podia culpá-la por aquilo.
Contudo, eu sabia que podia me culpar.
Porém, até quando, faríamos uma guerra fria entre nós?
Ainda tínhamos muito tempo juntos... E eu não conseguia pensar no prazo de validade,
por mais que fosse claro, que ela estava pensando, exatamente nele.
Vivendo pelo fim daquilo.
Enquanto eu vivia, para o recomeço de tudo.

Anastasia
Faça-nos ter orgulho, nos dê um neto.
Foi a última frase de meu pai, um sorriso enorme no rosto dele e de minha mãe. O peso
de cada palavra, me perseguindo. E me fazendo entender, o que eles realmente esperavam
daquela noite.
Era minha noite de núpcias. E finalmente, minha ficha caía a respeito daquilo. Foi então
que encarei o meu próprio colo, e sabia a lingerie totalmente moldada e delicada que estava sob o
vestido. Como eu tinha, simplesmente, me esquecido de tal parte?
Mal sabia que estava segurando minha respiração, quando o carro finalmente parou, e
eu sabia, pela visão do lado de fora, de dois jatinhos, que estávamos no aeroporto particular da
minha família.
Quando Thor desceu, eu soltei o ar com força, e o puxei novamente, tentando me
acostumar com as expectativas colocadas sobre Irina, e que agora, estariam sobre mim. E de um
jeito ou de outro, acabariam pesando sobre ela, porque eu não o faria.
Eu não pretendia deixar Thor Hansen sequer se aproximar. Quem diria, ter um filho
com ele. Não era algo que eu pretendia, não mesmo.
Ele abriu a porta de trás, e eu ignorei o fato de que parecia nervoso, e até mesmo
ansioso. Talvez fosse por estar sendo pressionado pelo mesmo, ou por simplesmente, estar
ansioso para ter um momento com a mulher que ele desejava.
Ele queria Irina.
Ele imaginava, de um jeito ou de outro, que a teria.
O quão decepcionante seria para ele?
Desci do carro, trazendo Tophe comigo, e fui em direção aos irmãos dele, que estavam
parados, próximos ao próprio carro.
Ouvi o miado alto e bravo de Tophe, apenas pelo cheiro diferente que sentiu, dos
homens a minha frente, e tentei entender, como foi que ela gostou de Thor tão facilmente.
Uma traidora confirmada, a cada segundo.
— Senhor Hansen. — Fiz uma leve reverência com a cabeça, e me virei para Baldur. —
Senhor Hansen.
O mais maluco de tudo, era imaginar que era para Baldur Hansen estar no lugar de
Thor, e que para Irina, estar no meu lugar. O quão diferente seria, se não tivesse aquela mudança
de planos?
— Pode me chamar de Baldur, já que é uma Hansen agora, Irina.
Assenti, mas não o encarei, de fato.
— Apenas Odin.
Ver um chefe da máfia dizer algo assim era extremamente raro, e foi quando o encarei.
— Cuide bem de Thor para nós, pode ser?
Ele perguntou e eu assenti, mesmo não sabendo como o faria, mas me soou um pedido
tão genuíno, um que eu faria para com Irina, se sentisse necessidade. Eles eram assim? Irmãos
como eu e Irina? Eles se tratavam como uma real família?
Eu tinha tantas perguntas, porque cada máfia se comportava de uma forma. Por mais
informações que tentássemos levantar sobre cada uma, nunca era, de fato, o núcleo exposto.
Imaginar que existia um companheirismo, como o que eu compartilhava com minha gêmea,
dava-me a esperança de que seria fácil, conviver, mesmo que por poucas vezes, com alguns
deles.
— Seja um cara legal, Th.
Baldur falou, assim que Thor se aproximou, e o vi revirar os olhos.
— Te vemos em uma semana.
Odin falou, como se soando uma ordem, e vi Thor assenti. Segui-o no momento
seguinte, enquanto caminhava até o jatinho, e procurei pelo piloto ou copiloto, mas quando
adentramos a aeronave, e posicionei Tophe de um jeito que ficasse confortável, entregando-lhe
junto com sua ração, parte do calmante que a veterinária sempre recomendava em viagens áreas
para ela, notei o silêncio geral, e como não parecia ter ninguém mais ali.
— Eu já volto, Tophe. — falei, fui em direção à cabine, e foi quando a porta se abriu, e
dei de cara com Thor.
Ele já tinha se livrado do terno, e da gravata, e estava apenas com a camisa branca, com
alguns botões abertos na parte superior, e as mangas dobradas até os antebraços.
— O piloto ou...
— Eu sou o piloto — falou de repente, e eu achei que fosse minha vez de gaguejar,
tamanho meu espanto.
— Mas...
— Sou o piloto oficial da minha família, pode ficar tranquila. — Olhei-o sem crer no
que dizia. — Se quiser, pode se sentar aqui atrás ou no banco do copiloto.
— Não tem um copiloto? — indaguei, perplexa.
— Nunca precisei disso, esposa.
Suas palavras me deixaram em alerta, e dei dois passos atrás.
— Vou ficar aqui com Tophe — falei, e ainda tentava raciocinar sobre a informação
que acabava de receber.
Ele ia nos levar dali até a sua ilha? Ele?
Desde quando ele sabia pilotar? Era o que gostaria de indagar.
Levei a mão ao celular, que minha mão finalmente me entregou quando nos
despedimos, e já iria encontrar o relatório completo, que Irina tinha me encaminhado a respeito
de Thor Hansen.
Sentei-me ao lado do banco de Tophe, que já parecia sonolenta, e estava pronta para
abrir o relatório quando, apenas senti uma presença à minha frente.
— Pelo amor de Deus! — reclamei, levando a mão ao peito, assustada pelo fato de me
sentir tão exposta assim, e totalmente apavorada por saber que era ele quem nos levaria.
— Não peça por um deus nórdico, que ele pode realmente aparecer...
— Nem sob tortura. — rebati, sem pensar, e então levantei o olhar, para encontrar o
azul do dele, preso ao meu. — Por que está aqui e não pilotando o avião?
— Só queria saber se precisa de algo?
— De um piloto e copiloto, por gentileza.
Ele então me deu um sorriso no canto da boca, claramente cínico, mas sua expressão se
fechou no segundo seguinte.
— Já tem os dois, diante de você.
— Eu prefiro não pensar nisso.
— Deveria confiar mais no homem com quem se casou, esposa.
— Me casei por um arranjo entre as máfias — fiz questão de pontuar, e seu olhar
mudou um pouco. O que realmente queria dizer: me casei porque Irina resolveu dar uma de
cupido, mas errou totalmente na flecha. — E confiança não é algo que se cria assim.
— Nisso, você tem razão — falou simplesmente, o que me surpreendeu. — Nos vemos
quando pousar.
Ele apenas deu as costas e foi em direção à cabine. Arregalei os olhos, e por um
segundo, só queria que alguém tivesse me receitado algum calmante também, para poder dormir
todo o caminho, como Tophe faria.
Capítulo 21

“Te ver cara a cara


Me faz pensar nos dias que estávamos juntos
Mas eu não posso fazer cena
Mas eu não posso mostrar” [21]

Anastasia
Não sabia dizer em que momento, a tensão em todo meu corpo, apenas se desfez, e eu
acabei relaxando tanto, que dormi por completo. Talvez presa em ler o relatório chato que
detalhava tudo o que tínhamos disponível sobre Thor Hansen. Ou o fato de que alguém lá em
cima, resolveu não me deixar ficar apavorada por várias horas.
Sendo que eu nem sabia, quantas horas seriam, de avião até a casa dele. Ilha dele.
Castelo dele. Nem sabia mais o que pensar.
Suspirei fundo, acordando um pouco perdida. Eu tinha dormido dura no assento, mas
pelo menos, parecia menos pior do que simplesmente ficar lendo ou assustada o voo inteiro.
Olhei na casinha de Tophe, e ela ainda dormia. Não me fiz de rogada, e coloquei um
dedo perto dela, para ver se ainda respirava. E ela o fazia, tranquilamente.
— Atenção, esposa...
A voz invadiu todo o ambiente, que deveria ser do piloto, mas era de Thor. Suspirei
fundo, e apenas esperei.
— Vamos pousar.
Afivelei os cintos de Tophe ainda mais fortes, e fiz o mesmo comigo. Encarei pela
pequena janela, o lado de fora, e tudo o que via, eram as estrelas, misturadas com uma escuridão
que parecia o mar, bem abaixo. E olhando para onde iríamos pousar, parecia o único lugar com
iluminação. Eu me vi em total alerta, e fechei os olhos, enquanto respirava fundo.
— Agora, esposa.
Apenas senti a pressão aumentar, e em poucos segundos, as rodinhas batendo contra a
pista, e segurei um grito, que quase saiu. Eu odiava voar. Eu odiava não saber exatamente o que
estava acontecendo e ter controle. E voar, ainda mais, com alguém que eu não podia ler toda a
qualificação antes, me deixou quase em síncope.
Quando senti a aeronave parar por completo, forcei meus olhos a se abrirem, encarei o
lado de fora e então vi uma trilha iluminada, que dava em direção a uma grande floresta.
Não demorou para ouvir a porta da cabine sendo aberta, e eu desafivelei o cinto,
levantando-me. Foi tão rápido, que senti minha pressão cair, assim como a força nas minhas
pernas, se esvaindo. Usei a única força que tinha, para não me segurar na casinha de Tophe, e
aceitei que ia cair de bunda no chão do jatinho.
O quão humilhante poderia ser, depois de quase morrer de medo, apenas morrer de
vergonha?
Porém, mãos fortes me seguraram, e não sabia como, ele tinha chegado tão rápido até
mim. Segurou-me no lugar, enquanto o corpo dele caía para trás, e me levava junto.
Agora sim, humilhante ao quadrado.
Um corredor apertado de um jatinho particular, e caindo sobre o corpo do homem que
eu deveria detestar. Que piada era aquela? A que eu não gostaria de viver, com certeza.
— Que...
— Descu... — a voz dele parou, e ele gaguejava, abaixo de mim.
Se alguém me dissesse, que dez anos depois, de ser simplesmente humilhada e rejeitada
por Thor, eu estaria com o corpo caído sobre o dele, depois de ele tentar evitar que eu me
desmontasse no chão, e com ele gaguejando abaixo do meu corpo, eu jamais acreditaria.
Procurei forças nas pernas para me levantar, mas foi quando senti mãos que seguravam
forte em minha cintura, ajudando-me a levantar, firmando-me. Usei seu impulso, tentando não
pensar em como as mãos dele simplesmente se encontraram em meu quadril.
Pensamentos que deveriam ser inexistentes.
Agarrei-me à outra poltrona, e pisei para longe dele, sem querer, pisando contra sua
perna, no meio do caminho. O desespero de me afastar.
— Desculpe, eu...
Virei-me para ele, que estava apenas deitado, e parecia rir sozinho, de toda a situação.
— O que... Do que está rindo?
— Não é de você — respondeu simplesmente, e então o vi levantando uma das mãos,
como se pedindo para que eu o ajudasse. — O mínimo, esposa?
Eu suspirei fundo, e levei minha mão a dele, firmando-as, e sabendo que ele jamais
colocaria seu peso em mim, para levantar, e tentando entender, porque, ele queria a minha ajuda.
Por que tudo aquilo?
Por que ele continuava rindo?
— Obrigada, eu acho — falei, assim que ele estava de pé à minha frente, e afastei
minha mão da sua.
— Obrigado, com certeza — ele rebateu, e eu apenas desisti de discutir. — Bem-vinda
à minha casa — falou, e eu assenti, ainda um pouco nervosa.
Apenas pessoas importantes.
Ele apenas levava pessoas importantes ali, no passado.
Ele ainda faria o mesmo?
Por isso, Irina estaria ali? Ou por, ela ser sua esposa, e isso ser uma obrigação?
Suspirei fundo, tentando afastar aquelas questões, e peguei Tophei, tirando os cintos ao
seu redor, e saindo com sua casinha em minhas mãos, enquanto o celular eu enfiava de qualquer
jeito no espaço dos meus seios, já que estava naquele vestido de noiva, nada confortável, para
viajar de tal maneira.
Senti o olhar de Thor sobre mim, em cada movimento, e apenas continuei andando até a
saída. Ele o fez antes de mim, parando do lado da porta de saída, e então me ofereceu para
segurar Tophe, mas eu neguei.
— Só para que desça primeiro, sem cair.
Aceitei, por medo de acabar sentindo alguma fraqueza novamente, e então, desci
rapidamente as poucas escadas até o aeroporto que ficava rodeado de árvores, e não tinha ideia,
de como ele tinha conseguido, pousar ali.
Estávamos mesmo, no lugar certo?
Ele desceu com Tophe, e então me entregou ela.
Olhei ao redor, procurando por um castelo, em um alto ou algo parecido com as
histórias, mas não havia absolutamente nada.
— Aqui.
Ele falou de repente, e então o vi ir até um aglomerado de árvores, e apertar algo,
colocando sua palma e rosto, para serem escaneados. O que diabos era aquilo?
De repente, portas se abriram, dentro das árvores, e eu mal sabia o que dizer.
— Minha casa fica por aqui.
Segui-o, um pouco apreensiva, e percebi que era um túnel que se iluminava, a cada
passo que ele dava, como se fosse por movimento. Câmeras por todo ele, e quadros espalhados
pelas paredes de aço. Fotos de família, emolduradas, e com datas escritas ao lado.
A última, era dele, um bebê com traços orientais e uma garotinha que tinha os olhos dos
Hansen, abraçados a ele.
— Tente você.
Ele falou de repente, e eu pisquei algumas vezes, tentando não pensar muito sobre o que
significava a maneira como ele era próximo da própria família. Uma, de quem agora, eu tinha o
sobrenome.
— O que...
— Aqui, entre a luz que desaparece... — mostrou e consegui ver o exato local. —
Coloque sua palma esquerda.
Eu fiz, e logo uma luz a escaneou, e parou principalmente em meu dedo anelar
esquerdo.
Eu sabia de toda a segurança que mafiosos tinham, porque cresci em uma família de tal
forma. Mas algo tão tecnológico em uma ilha isolada? Era o que não esperava.
As portas se abriram, e eu dei um passo atrás, um pouco hesitante. De repente, eu estava
à frente de uma casa que tinha a mistura do rústico com o industrial. Toda cercada de vidro, fosse
o teto, fossem as paredes. Não havia um lugar que eu não olhasse, que não percebesse, que ela
parecia feita dentro de uma floresta, ou acima de um morro.
Foi quando ouvi o barulho de patas contra o chão, e procurei pelo pastor que minha mãe
tinha dito, que Thor tinha. Porém, antes que eu o encontrasse, ele me encontrou.
— Heimdall!
Thor deu um comando, mas pareceu sequer fazer efeito, porque o cachorro
simplesmente pulou sobre mim. Consegui apenas sentir Thor segurar a casinha de Tophe, e
deixar que o seu cachorro me atacasse... com lambidas, e latidos animados, pulando sobre meu
corpo. Eu ri em meio a toda a recepção.
O fato, era que eu nunca fui fã de cachorros. Na verdade, eles nunca pareceram gostar
de mim. E eu tinha Tophe, a maior odiadora de qualquer outro ser vivo que não fosse eu. E
agora, eu estava sendo lambida, por todo o rosto, por um cachorro que nunca vi na vida.
— Heimdall!
Thor pareceu tentar novamente e nenhum efeito, então o vi tentar tirá-lo de cima de
mim, e eu ri alto, sentando-me em meio ao ataque de lambidas, e levando as mãos às costas do
cachorro.
— Heimdall... — arrisquei, e ele então parou, colocando-se sentado, e parando de me
lamber, mas latiu, como se respondendo,
Olhei de Thor para ele, vendo que ele tinha obedecido o meu comando e não do dono.
— Bom garoto — falei, fazendo um leve carinho na cabeça do cachorro, e me
colocando de joelhos.
Sequer sabia como encarar o homem ao meu lado, mas pelo jeito, os nossos
animaizinhos de estimação, sabiam exatamente como nos tratar. E felizmente, ou não, era algo
surpreendentemente bom.
Capítulo 22

“Jovem demais, tolo demais para perceber


Que eu deveria ter lhe comprado flores e segurado sua mão
Deveria ter lhe dado todas as minhas horas quando eu tive a chance” [22]

Thor
Heimdall nunca obedeceu a ninguém.
Ninguém que não fosse eu, e de repente, ele estava sentado e dando a pata, para uma
completa desconhecida.
Nem mesmo Odin, que qualquer ser vivo obedecia, não funcionou com Heimdall, por
muitos anos. E agora, ele estava ali, babando por ela. Parecido comigo, totalmente entregue.
Ouvi um miadinho vindo da casinha acolchoada que eu deixei sobre um dos sofás, e
olhei com atenção, vendo que ele também ouviu, e ela se levantou, vindo para perto de mim.
— Sentadinho aí, Heimdall!
Ela deu a ordem, e ele ficou, mesmo que desconfiado.
— Acho que ela acordou.
Falei o óbvio, enquanto ela se aproximava, e olhava pela parte visível da casinha.
— Oi, Tophe — ela falou, fazendo uma voz mais doce e anasalada. Quem nunca falava
assim como o próprio bichinho? — Eu tenho algum lugar que posso levá-la e ver se ela está
bem? — indagou, dando um leve olhar carinhoso, mesmo que preocupado, para Heimdall.
— Claro — falei, e me adiantei, indicando as escadas que ficavam do outro lado da
sala, que davam diretamente para os quartos. — E você, fica aí, Heimdall! — falei e foi como
nada, e ele já iria se mexer.
— Fica, garoto.
Ela deu o comando, em russo, e não sabia dizer, como aquele cachorro de repente, era
totalmente bilingue. Olhei para tudo incrédulo, enquanto ela subia as escadas à minha frente, e eu
encarava o cachorro mais traidor que eu tinha conhecido.
Como ele podia estar obedecendo a ela, e não a mim?
No fundo, eu até o entendia, mas ainda assim... O que diabos era aquilo?
Ele não se mexeu, e eu tinha visão dele, mesmo do andar de cima. Caminhei à frente,
para lhe mostrar o quarto, e indiquei a porta, no fim do corredor.
— Seu quarto, esposa.
Ela assentiu, ouvindo os miadinhos de Tophe.
Não me demorei, vendo-a abrir a porta e entrar, e eu me afastei, dando-lhe privacidade.
Ainda tinha que buscar suas malas, que estavam no avião, mas de tudo, eu só queria entender,
como diabos, ela tinha simplesmente entrado na minha vida, e conquistado o ser mais difícil de o
fazer.
Corri para o andar debaixo e encontrei Heimdall ainda sentado, parecendo animado.
Sentei-me à sua frente, e toquei sua cara.
— O que pensa que está fazendo? — perguntei, fazendo um leve carinho em seu pelo.
— Se apaixonou pela minha esposa, foi?
Ele latiu alto, como se entendesse, e não duvidava, que o faria. Ele era meu melhor
amigo, e companheiro por anos, e bom, ele sabia sobre ela. De um jeito ou de outro. Fosse me
encontrando totalmente bêbado e jogado e tentando me acordar. Fosse porque eu estava animado
demais, contando sobre as probabilidades de tudo dar certo.
— Ela é bonita, não é?
Ele latiu, e deu uma voltinha em si, animado.
— Vamos cuidar bem dela, certo? — falei, e fiz o sinal para me dar sua pata, como se
fosse o nosso acordo. E ele me deu. — Bom, garoto.
Ele latiu ainda mais, e lambeu meu rosto.
— E desde quando entende russo?
Ele apenas saiu correndo pela casa, como sempre fazia, e eu ri alto. Apenas Heimdall
sendo Heimdall. Enquanto me levantava, pensava na mulher que estava no andar de cima, com o
quarto que preparei nos mínimos detalhes para ela, e que deveria estar se questionando a mesma
coisa.
Tophe era uma gatinha que odiava todos, menos a própria dona.
Então, como ela tinha sido tão dócil e apegada a mim, em segundos?
Talvez, no fundo, os nossos animais soubessem mais sobre nós, do que qualquer um.

Anastasia
— Oi, bolinha peluda — falei, enquanto abria a casinha, e Tophe veio, ainda meio
mole, diretamente para o meu colo. — Dormiu bem?
Ela miou fraco, e se esfregou em meu corpo, para no segundo seguinte parar, e começar
a cheirar minha mão, sem parar, assim como meu vestido, e tudo o que alcançava. Ela estava no
meu colo, e aproveitei para tirar o celular do meio dos meus seios, e colocá-lo sobre a cama que
me sentei.
— É o cheiro de Heimdall, o cachorro do Thor — justifiquei, esperando que ela daria
alguma resposta negativa, como o seu pelo arrepiar, assim como seu rabo, ou até mesmo
arregalar os dentes, mas ela apenas continuou a cheirar.
Estranho.
De repente, tudo parecia muito estranho.
Dando certo, até demais.
Estiquei os braços e senti o momento em que algo se repuxou no vestido, e
provavelmente, rasgou.
— Merda — reclamei, e tirei Tophe com cuidado do colo, deixando-a sobre a cama
macia. — Minhas malas... As malas de Irina... — soltei baixinho, e me levantei, pensando que
talvez, já estivessem ali.
Fui para uma porta de correr, e a puxei, dando e cara com um closet, que não tinha
muitas peças, mas havia um conjunto de moletom que parecia confortável, e não pude deixar de
perceber o tamanho minúsculo para sapatos. Se ele tinha pensado em Irina, com certeza, não
colocaria algo focado em saltos ou muitos sapatos. Ela adorava viver com os pés livres, correndo
com eles pela neve, pela mata, pela estrada... não importava muito. Se ele tinha um relatório
sobre ela, com certeza, sabia daquilo. E explicava, as pantufas no chão, e o espaço inexistente de
sapateira.
Peguei o moletom, que ainda tinha as etiquetas, e apenas me vi tentando retirar aquele
vestido de noiva, mas parecia impossível. De tão ajustado que foi, agora parecia uma segunda
pele. Suspirei fundo, sem paciência alguma. E logo me vi puxando a renda da parte da frente e
fazendo-o rasgar de vez. Encarei-me pelo grande espelho que ficava no centro do closet, e
consegui ver onde mais deveria puxar para rasgar. Aos poucos, ele se desfez, caindo no chão,
como um pedaço de pano qualquer.
E era, de fato.
De longe, o tipo de roupa que eu usaria no meu casamento.
E por um momento, me vi perguntando: eu o faria? Um dia, eu estaria à frente de um
celebrante, assumindo o amor da minha vida? Ainda existia algo assim, me esperando? Ou
apenas um conto de contrato com final marcado?
Olhei para o corset, e era tão bonito, mas teria que me livrar dele, para voltar a respirar
normalmente. Eu só queria uma tesoura, para conseguir passá-la pela fita, e que ele caísse, assim
como o vestido. Vi-me saindo do closet, e indo em busca do banheiro, que provavelmente tinha
alguma tesoura.
Foi quando coloquei o pé no quarto, e a porta se abriu, e malas foram deixadas. Meu
corpo gelou, sabendo que eu estava do lado oposto da porta de entrada do cômodo, e quem fosse,
não me veria em uma calcinha minúscula, cinta-liga, meias três quartos e um corset branco.
— Eu só vim...
Tophe miou alto e a vi indo em direção à porta aberta, e eu fiquei em choque. O que...
— Ei, acordou — ele falou, sua voz mais doce que eu tinha conhecido antes, e sabia
que ela estava se esfregando nele e miando feliz. — Foi um bom voo? Eu acho que dormiu todo
ele, mas sou um ótimo piloto, pra que você saiba.
Por que ele não gaguejava para a gata?
Óbvio, a gata não era Irina – lembrei a mim mesma.
— Tophe!
Chamei-a, e no mesmo instante, ouvi seus passinhos no chão de madeira, e antes que eu
me lembrasse do meu real estado, ouvi um passo forte contra o piso, e ele entrou em meu campo
de visão.
Demorou para eu perceber o seu olhar passar do meu rosto, para o meu torso, e então,
para minhas pernas, e voltar por completo. Mas... E então, soltei um grito.
— Eu...
Thor pareceu em choque, enquanto eu dei um pulo, e fiquei de costas. Espera, não era
ele que deveria estar de tal forma?
Tinha como aquele dia de casamento piorar?
— Desc... ulpe...
— Não é como se nunca tivesse visto uma mulher nua.
Rebati, tentando me manter firme, ainda de costas, e sabendo que agora, em vez de
mostrar a calcinha que quase não escondia nada na frente, eu mostrava a minha bunda para ele.
Ótima troca!
— Eu estou saindo...
Nesse momento pensei sobre a tesoura que usaria para desfazer o corset, e na segunda
opção de: foder com o psicológico e a imaginação de Thor Hansen. Ele poderia se frustrar tanto,
e se machucar, quem sabe, o tanto quanto eu. Seria bom, não? Seria bom, ter uma mini vingança
pelo passado?
Fazê-lo desejar, querer, acreditar, e se apaixonar... ainda mais do que antes, por sua
esposa. E então, dali a setecentos e vinte e nove dias, lhe dizer que não era Irina, por todo aquele
tempo. Que fui eu, quem brincou com ele, e quebrou seu coração.
Eu não era conhecida por ser a mais esperta das gêmeas, então, parecia uma ótima ideia.
— Na verdade...
Ouvi o passo dele parar, e olhei sobre o ombro, vendo que parte do seu corpo já estava
atrás da porta.
— Preciso de ajuda com o corset...
Pisquei algumas vezes, e esperei que ele desse o passo atrás, mas ele não fez.
— Não consigo alcançar para desamarrar... Pode me ajudar?
Por que eu tinha usado um tom tão baixo e de repente, quase tremi ao oferecer algo
assim?
Ele deu um passo atrás, e vi seu olhar preso ao chão, enquanto caminhava até mim.
Esperei que ele o fizesse, rapidamente, imaginando a experiência que tinha. Porém, apenas senti
sua presença atrás de mim, e mãos paradas ao lado do seu próprio corpo, que eu vi ao olhá-lo
sobre o ombro.
Tirei o cabelo das costas, dando-lhe a visão dos laços.
— Apenas desamarre e...
Antes que eu dissesse qualquer outra coisa ou tentasse alugar um castelo em sua mente,
senti mãos firmes bem sobre o tecido e um puxão forte de cada lado. A peça quase caiu, e só não
o fez, porque eu a segurei pela frente.
Ele se afastou, passos rápidos para fora, e eu olhei para a porta sendo batida de leve,
sem conseguir acreditar. Ele tinha arrebentado os laços, com um puxão de cada lado, e saído no
segundo seguinte.
No fim, ele quem tinha alugado um castelo na minha mente.
E de repente, eu era a mesma fanfiqueira de dez anos atrás. Em vez de estar em uma
minivingança, eu estava era, literalmente, quase me fodendo com toda a situação.
Capítulo 23

“Porque eu lembro todas as vezes


Nesses dias em que parece que você e eu
Fazemos aniversário de término
Você sequer pensa em mim?” [23]

Anastasia
Olhei para as malas que Irina preparou, e só tinham coisas minhas, bem ali, ou do jeito
que eu gostava. Há quanto tempo, ela estaria preparando algo assim?
Peguei meu celular, e disquei o seu número, que foi direto para caixa-postal.
— Acho bom me responder logo, porque quero saber há quanto tempo está nessa, Na!
Deixei a mensagem, e então fui novamente para o closet, encarando o conjunto de
moletom que eu tinha colocado, sem qualquer roupa por baixo. Precisava respirar um pouco,
depois de ficar tanto tempo apertada em lingeries e corset, além de, aquele vestido branco
impecável, que agora era uma peça de renda qualquer, no chão de madeira.
Peguei-o e enrolei, deixando-o em uma das prateleiras. Assim, meu olhar parou no
corset estourado, que tinha deixado por ali. Levei as mãos até a lateral do meu corpo, como se
pudesse sentir, a forma como o tecido se comportou, com toda a pressão.
Era por toda essa força, que ele era conhecido?
Não que o fato de ele ser ótimo em brigar, tivesse a ver, com o quanto eu estava curiosa
em como ele seria em foder.
Neguei com a cabeça, e suspirei fundo. Que merda eu estava deixando em minha
mente? Com certeza, um pouco abalada demais com todos os acontecimentos, para não notar que
estava criando um universo paralelo.
Thor Hansen e Anastasia Romanov – nunca existiria.
Ele deixou claro, anos atrás.
Thor Hansen e Irina Romanov – também nunca existiria.
Ele acreditava que sim, para o seu azar, naquele momento.
Tophe já tinha se embolado em um canto da cama, e dormia tranquilamente. Depois de
simplesmente pular por todo o canto do quarto, e com certeza, entender que era seu novo
território. Sem muita opção, a não ser ficar rolando as redes sociais ou procurar algo para assistir,
vi-me saindo do quarto.
Eu tinha tantas perguntas, ao notar que no final toda a parte de vidro permanecia,
provavelmente, no quarto que ficava no final do outro lado do corredor. Talvez, Thor tivesse a
visão privilegiada de tudo, bem do seu quarto. Ou quem sabe, a natureza tinha a sorte, de o ver
dali.
Foco, Anastasia!
Desci as escadas, analisando cada detalhe, e vendo que dava para ver exatamente a
costa do que parecia um deck, só que dentro de casa e todo envidraçado. Tinha uma área externa,
que deveria ser ainda mais linda, de manhã. Porém, me vi levando a mão até o que parecia ser a
trava da grande porta, e ela correu para o lado. Saí, e senti o vento frio bater contra a minha pele,
mas sorri.
O frio me faria lembrar de casa.
O jeito que eu e Irina amávamos o inverno, e construir bonecos de neve, uma para a
outra, e guerrear por horas. De quando era mais simples, e não reparávamos tanto em quantas
pessoas estavam nos escoltando, no próprio quintal de casa.
Girei no lugar, e encarei as estrelas, que pintavam o céu, assim como conseguia ouvir o
barulho do mar, batendo contra as pedras e areia. A areia era escura, como nas histórias? Vi-me
perguntando internamente, e sentindo a maresia. Eu nunca fui a maior fã de praias, mas
lembrava-me de como foi saber que existia alguém no mundo que tinha uma ilha, para ser sua.
O quão curiosa a Anastasia de dezoito anos ficou, e o quanto ela estava em êxtase,
realizando a descoberta, mesmo que no escuro da noite, de estar bem ali.
Meu celular tocou e eu corri para atender, sabendo da única pessoa que o fazia.
— Eu torci para que não atendesse e estivesse desmaiada de tanto foder... ou melhor,
fazer amor, com o seu marido. — Revirei os olhos, e sorri para o nada.
— Eu deveria te odiar, Na.
— Me agradeça depois — rebateu. — Aliás, estou amando conhecer o Brasil, juro... Por
que não vim antes?
— Você sabe o porquê — rebati, e ela pareceu pensar.
Ela era a herdeira dos Romanov. Ela não podia se expor, em viagens que não fossem
estritamente profissionais. De um jeito ou de outro, aquilo era positivo para Irina, e nunca
seríamos pegas. Ela conseguiria viver o que lhe foi negado, e eu poderia ajudar, pela primeira
vez, para que isso fosse feito.
Ela merecia.
Ela merecia, por ser a que mais teve de aturar e se sujeitar ao que fosse, por conta de
segundos entre nós.
— Enfim, mande um beijo pra o meu cunhadinho.
— Na...
— Te amo — falou, e ouvi-a dizer algo em inglês para alguém. — Sempre a gente, Na?
— Sempre a gente, Na.
Ela desfez a ligação e eu sorri sozinha, apenas por poder ouvir sua voz.
— Sua irmã?
Paralisei diante da pergunta, e quase senti o celular cair da minha mão, que se não fosse
por reflexo, eu o teria segurado.
— Ela... — o que ele teria ouvido? Eu teria deixado algo escapar? Nós teríamos? —
Anastasia... — tentei corrigir, daquela forma. — Anastasia mandou um beijo para você.
— Ah...
Ele assentiu, e percebi que também vestia uma calça moletom, mas usava apenas uma
camiseta no torso.
— Ah... — ele repetiu, parecendo perdido. — Eu acho que devo desculpas certas a ela.
Aquilo me surpreendeu.
— Do que...
— Acho que deveria falar com ela, quando possível.
Eu concordei, tentando não dar qualquer bandeira, e me virei novamente para encarar a
vista, que era tão bonita, e sentir o vento tocar meus cabelos.
— Eu acho que ela está bem, de todo jeito — admiti. — Ela nunca falou sobre você —
fui honesta, como se falando de mim mesma. — Acho que faz anos, que o seu nome saiu da sua
boca.
Aquela, era a pura verdade.
Então, por quê? Por que Irina tinha me colocado ali?
— Eu nunca mais a vi também — falou, e eu quase me virei e disse: tá olhando para
ela, imbecil. Mas não seria de bom tom, e muito menos, ajudaria em deixar Irina viver um pouco,
o que ela merecia.
Virei-me para ele, e me indiquei.
— É como se estivesse olhando diretamente para ela — fui honesta, tanto, que era com
se tivesse me entregado. — O lado bom e ruim de ser gêmea, sempre poderá ver ela em mim.
— Nunca as confundiria — admitiu, como se merecesse um prêmio por aquilo. Ele
realmente, parecia orgulhoso a respeito.
— Nossos pais não sabem nos diferenciar, Hansen. — Ri de lado. — Como você o
faria?
— Então, quer dizer, que pode ser Anastasia à minha frente, e não Irina?
Sua pergunta me pegou de um jeito, que eu só então percebi, o quanto deveria ter
relaxado, para lhe dar a chance de acusar algo assim.
— O que você acha? — rebati, tentando parecer no controle da situação.
Eu não estava, na verdade, eu estava quase me jogando diretamente daquela varanda, e
indo parar na areia da praia, se as pedras não me acertassem primeiro.
Por que sempre éramos nós dois e uma varanda? Por quê?
Ele abriu a boca para dizer algo, e eu ouvi um latido alto, e em seguida, um miado ainda
mais alto.
— Tophe!
— Heimdall!
Nós dois dissemos, os nomes dos nossos bichinhos ao mesmo tempo, e nos vimos
correndo para dentro.
Salva por Tophe, como sempre.
Salva por Heimdall, pela primeira vez.
Capítulo 24

“Você se lembra de quando éramos felizes juntos?


Eu me lembro, você não?
Então, de repente, você está enjoado
Isso ainda é verdade?” [24]

Thor
Paralisei no momento em que chegamos perto da escada.
Tophe estava em um dos primeiros degraus, de cima para baixo, e Heimdall no pé da
escada, com as patas ali, como se esperando.
— Tophe! — vi-me chamando pela gata, enquanto ouvia a voz feminina diretamente
para Heimdall, que não se mexeu, e se focou nela. — Ei... — falei, e subi as escadas, indo para
perto da gatinha, que aceitou vir para o meu colo.
— O melhor, não é fazermos uma adaptação para eles?
— Eles parecem querer se matar? — indaguei, tanto para mim, quanto para ela, quanto
para os dois animaizinhos.
Heimdall estava aceitando os carinhos na orelha, que ela lhe dava. E eu, tinha Tophe no
meu colo, ronronando.
— Não, mas...
— Tophe, você vai arranhar a cara do Heimdall? — perguntei, e ela sequer pareceu se
importar. Sabia que o cheiro do meu cachorro estava por toda a casa, e possivelmente, por toda a
sua dona também.
— Ele não morde ou...
— Não, eu estou ensinando ele a se proteger há anos... — assumi, e suspirei fundo. —
Na verdade, ele não obedece ninguém, e geralmente, se esconde de todos.
— Mas...
— Ele é um bom garoto, mesmo.
Vi o olhar que ela trocou com ele, como se o entendesse, e eu fiquei um pouco sem
saber como explicar.
— Tophe é boa de briga, desde quando... Anastasia a pegou, na rua, ela bateu em todo
mundo, até no meu pai — assumiu, e eu ri, imaginando a cena de Nicolai Romanov, sendo
arranhado por aquela bolinha de pelos pretos.
— Podemos tentar? — indaguei, e ela assentiu. — Leve Heimdall para o deck, e feche
as portas de vidro, vamos ver como eles reagem, frente a frente.
— Certo.
Ela então o chamou, e ele obedeceu, indo animado até o deck, e se sentando quando ela
pediu, e fechava a porta entre nós.
— E você, Tophe... — falei, e a coloquei no chão, a qual miou alto, reclamou. — Por
que não me diz se vai bater ou não no seu irmão mais novo?
Ela deu outro miado contrário, e seus olhinhos amarelos pararam no vidro.
— Vai até ela, Heimdall.
Ele obedeceu ao comando da minha esposa, e eu fiquei perplexo, em quanto ele era
diferente, ao se tratar dela. Única e exclusivamente, a segunda pessoa que ele realmente confiou
livremente.
Os dois animais se encararam. E vi a maneira como Heimdall parecia curioso,
cheirando todo o vidro, e Tophe parecia desconfiada, fazendo o mesmo. Porém, os minutos se
passaram, e enquanto meu cachorro corria de um lado para o outro, curioso, Tophe apenas se
enrolou à frente dele, e pareceu querer dormir.
— Ela não vai machucá-lo.
O tom era de pura animação, e não poderia negar, que eu estava também. O brilho no
seu olhar, o sorriso animado em seu rosto. Parecia que eu tinha voltado, anos atrás, eu poderia
reconhecer, cada traço.
— Podemos fazer isso, aos poucos... — sugeri.
— Ou, abrir e ver no que vai dar...? — ela sugeriu, e eu dei de ombros, assentindo. —
Garante que Heimdall não morde ou machuca ela?
— Com toda certeza — fui honesto. — Se ela o arranhar, ele vai correr para longe na
mesma hora.
— Ok... — ela pareceu pensar. — Vamos dar mais um tempo para eles, não quero que
Tophe mude de ideia, e simplesmente o machuque. Por mais que ela seja menor, não quero que
brigue com ele.
Assenti, tocado por sua preocupação.
— Vou deixá-la no andar de cima, e fechar as portas de vidro para que não consiga
acessar aqui embaixo — falei, e ela assentiu, enquanto eu pegava Tophe, que agora parecia
pronta para me arranhar, se não a deixasse dormir logo.
Levei-a até o andar de cima, e a deixei sobre o tapete do corredor.
— Pode mexer onde quiser aqui, por enquanto — falei baixinho. — E até o meu quarto,
ok?
Ela apenas me deu as costas e foi andando em direção ao final do corredor, que era o
meu quarto. Ela entendia, com certeza.
Fiz o fechamento de vidros, que raramente usava, por conta de Heimdall ter acesso a
tudo, e só tive mesmo, para quando ele foi filhote, e tinha medo de se enrolar na escada e se
machucar. Tudo fechado, e felizmente, o lado de fora era telado, justamente, pelo pastor alemão
filhote totalmente espoleta que ele foi, e por isso, Tophe estaria segura.
Desci as escadas, e vi o exato momento que a porta de vidro de fora foi aberta para ele,
e ele correu para dentro.
— Bom garoto.
Sorri, ao vê-los interagindo, e a maneira como ele parecia à vontade com ela, e ela com
ele.
O meu mundo todinho, em um único lugar, e eu pensei em como Heimdall fez daquela
casa um lar, e em como, um lar poderia crescer.
— Ele é mesmo bonzinho demais...
Heimdall saiu correndo, e eu sorri, assentindo. Ele pegou a sua saída favorita, que dava
para parte da floresta que eu deixava livre para ele.
— Por que um mafioso tem um cachorro que não machuca nem um gatinho estranho?
— Porque o mafioso nunca quis um cachorro.
Falei, e então fui até o minibar que eu tinha, próximo a um dos sofás. Coloquei um
pouco de vinho na taça e mostrei-lhe, oferecendo. Ela negou com a cabeça, e eu apenas me servi,
levando a taça comigo, até me sentar no sofá.
— Foi há seis anos, quando cheguei em uma missão... — bebi um pouco do vinho,
enquanto ela se sentava no sofá que ficava do outro lado, e sentia seu olhar sobre mim. — Era
um lugar de luta ilegal entre todo o tipo de animal, e bom... eles usavam coleiras, que nos
indicavam que eram inimigos... — ela lembrava bem, das marcas ou coleiras vermelhas, em cada
bichinho. Era como se estivessem para nos atrair. — Consegui vingar alguns deles, e depois de
tudo, quando já estávamos retirando os animais, para irem serem cuidados e doados de forma
correta, ouvi um latido fraco.
— Heimdall?
— Ele estava debaixo de uma coberta vermelha, costurada a mão... — falei, sabendo
que era importante na minha família, e que talvez um dia, pudesse contar tudo a ela. — Ele era
um filhotinho, mas tão desnutrido, que parecia perto de morrer. Ele tinha marcas por todo o
corpo, como se tivesse apanhado por muito tempo...
— Meu Deus!
Vi de canto de olho, ela levar as mãos ao rosto, perplexa.
— Soube que eu tinha que cuidar dele, bem ali — comentei, um sorriso no rosto,
mesmo que fosse triste demais lembrar. — Descobri depois, pelos registros que Heimdall, tinha
o nome de “Morte”, e ele era o cachorro que mais sobreviveu sem lutar... Eles o usavam como
azarão e se machucar, tendo um bom show.
— Ele parece tão bem, tão forte...
— Eu segui o rastro de quem não estava no lugar na hora, e matei um a um, dos que
fizeram isso com ele, e com cada bichinho naquele lugar.
— Deveria ter torturado eles.
Levantei o olhar, e vi a raiva no seu.
— Eu fiz... — assumi, um pouco desconcertado. — Nunca falo disso com ninguém que
não sejam meus irmãos, então... tento medir as palavras.
— Sou a herdeira da máfia russa, acho que estou preparada para ouvir tudo — assumiu.
— Já torturou ou matou alguém, esposa?
Ela apenas assentiu.
— Não me orgulho de nenhuma das vezes, mas eu sei, que foi necessário. — Suspirou
fundo. — Não é como se pudéssemos sobreviver, sem punir quem merece.
— Bom, há máfias e máfias... — dei de ombros. — Poderia me achar patético por
confessar a história do meu cachorro.
— Isso é tudo, menos patético. — Sorriu de lado, e ficou séria, em seguida. — Mas
nunca pensei que no dia do meu casamento, estaria escutando a história triste, mas com final
feliz, de um cachorrinho fofo.
— Um cachorro que não obedece ninguém e tem medo de todos, mas não fez isso com
você.
— Fico honrada por ele gostar de mim. — Ela levou a mão ao peito, em um sinal de
respeito, que raramente via, mas que todos que conheciam os Hansen, o faziam, e ela fazia para o
meu Heimdall.
— Eu também não imaginei isso.
— Falar de Heimdall, depois de se casar? — indagou confusa.
— Não, me casar...
Me casar com você, era o que gostaria de dizer, e guardei.
Ela me olhou com atenção, mas não disse nada.
— Acho que vou ver como Tophe está.
Assenti, vendo-a sair do meu campo de visão, e eu apenas fiquei perdido no meu
silêncio, enquanto ela subia as escadas em direção ao primeiro andar. Porém, não durou muito,
porque logo vi Heimdall voltar, e ele se jogou no sofá ao meu lado, colocando o rosto em meu
colo.
— Tá feliz? — indaguei, fazendo carinho em sua cabeça. — Feliz em ser o assunto na
minha noite de núpcias?
Ele latiu e tentou pegar a taça em minha mão com a boca.
— Vinho não. — Cortei-o, e ele obedeceu, apenas colocando a língua para fora. —
Melhor que esse silêncio, né? — ele latiu novamente, animado. — Obrigado por isso, luzinha.
Era apenas o dia um, de todos os outros.
Capítulo 25

“Nada aconteceu da maneira que eu queria


Cada canto desta casa é assombrado
E eu sei que você disse que não estamos nos falando
Mas sinto sua falta, me desculpe” [25]

Thor
Meu corpo estava todo pesado, e quando abri os olhos, percebi o peso que estava sobre
mim. O que realmente me deixava de tal forma, porque tinha dormido no sofá. O que mais eu
poderia esperar, de uma noite que nunca pensei que aconteceria?
— Heimdall... — falei, mexendo em seus pelos. — Preciso me levantar, luzinha.
Ele se negou, enquanto eu o levantava com cuidado, e o deixava voltar a dormir
novamente no sofá. Olhei para a taça de vinho sem qualquer líquido, deixada no chão e a peguei,
levando-a até a cozinha. Não sabia ao certo, em que momento tinha simplesmente apagado bem
ali. Talvez quando cheguei no final da garrafa, e o vinho sempre foi ótimo em me fazer dormir.
Levei a taça solitária até a pia, e o meu olhar se perdendo, em direção às escadas. Como
alguém pode estar mais perto do que nunca e tão longe quanto nunca? Suspirei fundo,
acreditando que existiam coisas tão maiores e preocupantes para ela naquele instante, e me
evitar, deveria ser o modus operandi que ela escolheu.
Quem poderia julgá-la por aquilo?
Eu mesmo, entendia por completo, o fato de ela sequer descer e se alimentar. Fosse o
fuso horário diferente, ou até mesmo, todos os acontecimentos. Olhei para a aliança em meu
dedo anelar esquerdo, e me lembrei, de todo o tempo, que a tinha imaginado bem ali. Mesmo que
fosse impossível. Mesmo sabendo do contrato que foi feito entre os Hansen e Romanov. Mesmo
que eu mesmo tivesse estragado tudo.
Ouvi passos no alto da escada, mesmo estando de costas, e sabia que ela estava
descendo, quase totalmente silenciosa, e não no escuro, porque sempre deixava a casa em meia
luz para Heimdall. No segundo que ela entrou na cozinha, conseguia sentir seu olhar por todo
meu corpo.
Terminei de lavar a taça, e então lavei as mãos, e me virei para ela.
— Não dormiu também? — perguntou de supetão, e eu só podia encarar, o quão linda
era ela.
Em todos os mínimos detalhes.
Da maneira como os olhos se iluminavam quando estava sorrindo, ou da forma como
mexia, sempre que estava nervosa, na sua orelha, e deixava à mostra, a pintinha quase
imperceptível que tinha ali.
— Dormi depois de beber uma garrafa de vinho, e com Heimdall no sofá — falei, e usei
um pano para secar as mãos. — Tem bastante comida, nos armários, na geladeira, no freezer...
— ofereci, e ela assentiu, ainda parada na entrada da cozinha. — Tem preferência de alguma
coisa?
— Na verdade, eu... — vi-a engolir em seco, e seu olhar parou em algo na minha
camiseta.
Segui seu olhar e vi a mancha vermelha, bem do lado esquerdo do tecido.
— Provavelmente, eu dormi com a taça na mão — falei, e me vi apenas puxando a
camiseta para fora, como de costume, para colocar para lavar, antes que a mancha se
impregnasse.
No segundo em que olhei novamente para ela, vi-a desviar o olhar, e então caiu minha
ficha, de que tinha ficado com o torso totalmente nu à sua frente. Pensei em recolocar a camiseta,
porém, poderia deixá-la ainda mais desconfortável. Não sabia se levá-la para o lado bom ou ruim
da coisa. Se ela estava incomodada por gostar do que via, ou porque não queria, de forma
alguma, me ver.
— Vou colocar para lavar, fique à vontade.
Saí no segundo seguinte, e fui em direção à lavanderia, que ficava atrás de uma porta de
painel ripado. Coloquei a camiseta ali, e reparei que eu não tinha qualquer outra roupa, já que
tinha lavado e organizado tudo para quando ela chegasse. Olhei para o meu próprio corpo,
analisando os músculos que eu lutei tanto, por todos aqueles anos, para construir. Havia
cicatrizes, envolvidas por tatuagens, e alguns pelos que sempre acreditei que trariam algum
charme.
E se ela não gostasse de pelos?
Suspirei fundo, levando as mãos aos cabelos e reforçando-os presos para trás, em um
quase coque. O fato de deixar o cabelo crescer por aquele tempo, vinha de um comentário que
me deram, anos atrás, sobre o meu visual. Nunca pensei que acabaria gostando tanto, e o
mantendo. Era trabalhoso, mas me dava um ar mais jovem, do que apenas ranzinza.
Voltei para a cozinha, e pensei em seguir reto, em direção ao meu quarto, mas então o
cheiro de algo me fez parar – café.
Se existia algo que eu adorava, mesmo que fosse totalmente contraditório, era tomar
café em madrugadas. Talvez pela experiência de sempre estar em alerta, para resolver o que
fosse necessário para meus irmãos, fosse pilotando e os buscando do outro lado do planeta, fosse
para ir quebrar a cara e qualquer outra coisa, de alguém.
Vi-a coar o café e pensei, em quanto tempo apenas fiquei na lavanderia, perdido em
meus próprios pensamentos.
— Gosta de café, não é?
— Como sabe? — rebati, me aproximando, mas ficando há uma boa distância dela.
— Por todas as cafeteiras diferentes, e pelas opções de grãos, coadores, pós de café... —
falou, e fiquei surpreso pela forma certeira que analisou aquilo. — Usei o pó de café do Brasil,
que é um dos meus favoritos. Tudo bem?
Seu olhar parou no meu, e eu assenti.
— Pode usar o que quiser — fui honesto, e ela assentiu. — Eu posso experimentar? —
indaguei, tentando segurar a gagueira que já queria se mostrar presente. Por que, sempre tão
nervoso à frente dela?
— Aqui — ela falou, e então me ofereceu a xícara que tinha acabado de colocar café.
— Vou me servir também.
Peguei a xícara, e levei-a à boca, dando um leve gole, apenas para sentir o sabor e não
queimar a língua. Pouco açúcar, do jeito que eu gostava.
— E então? — ela perguntou, os olhos verdes grandes de ansiosos, me encarando
enquanto levava a xícara à própria boca.
— Eu gosto assim, pouco açúcar — admiti, e um quase sorriso surgiu no meu rosto. —
Sei que dizem que é como não tomar café, de fato.
— O mundo é muito chato.
Suspirou fundo, e vi a maneira como fechou os olhos, apreciando o líquido quente em
sua boca. Ela então sorriu, ainda de olhos fechados, e eu imaginei, como seria, se ela tivesse
aquele prazer e felicidade, ao estar perto de mim.
Como seria ser querido por alguém que tanto quer?
Era a pergunta para a qual, eu não tinha resposta, enquanto eu a via em cada canto que
antes era apenas meu, e que agora, eu sabia, nunca mais, a minha própria casa, seria a mesma.
Não, sem ela.
Capítulo 26

“Nada aconteceu da maneira que eu queria


Cada canto desta casa é assombrado
E eu sei que você disse que não estamos nos falando
Mas sinto sua falta, me desculpe” [26]

Anastasia
Achei que viraria na cama por muito tempo.
Achei que o café, no fim, me ajudaria a ficar mais acordada.
Porém, assim que voltei para a cama, e puxei alguns cobertores sobre mim, acabei
simplesmente apagando. Só despertei, ao sentir alguns raios solares, quentes contra a minha pele.
Tentei abrir os olhos, mas eles estranharam a claridade. Forcei-me a fazer mais, até me
acostumar, e então, vi que a porta do quarto estava entreaberta.
Levantei-me, ainda um pouco cansada, e tropeçando, procurando, como de costume
pelas minhas pantufas, mas acabei batendo com o dedinho do pé na quina de um móvel. Segurei
o grito que me veio de dor, e me agachei, segurando o pé e quase chorando.
Como poderia doer tanto bater aquela parte?
Depois de alguns minutos, restabelecendo minha dignidade, consegui focar ao redor, e
mapear o quarto que estava. Não estava na Rússia. Tampouco, em casa. Se era, que aquele lugar
podia ser chamado de tal maneira. Ainda bem, que não naquela cabana.
Eu estava em uma ilha, nas terras escandinavas.
Olhei para a porta entreaberta, e chamei pelo nome de Tophe, que claramente, tinha
saído sorrateiramente no meio da noite ou agora de manhã. Segui para fora do quarto, e chamei-a
novamente, o mais baixo possível, pensando que poderia acordar, o outro morador da casa, ou
até mesmo, Heimdall.
Foi quando percebi que a porta no final do outro corredor, estava entreaberta como a
minha, quase no mesmo tamanho.
— Tophe...
Tentei novamente, e então apenas coloquei a cabeça no espaço entre a porta entreaberta,
e tentei encontrá-la. O erro foi que dei de cara com as costas largas e nuas do homem que dormia
em uma cama enorme – como ele. Engoli em seco, e vi Tophe andando pelas costas dele, como
se fosse o seu ambiente.
— Tophe...
Chamei baixo, e me segurei para não entrar no quarto.
Como eu ia tirar aquela gata de cima do homem?
Suspirei fundo, vendo-a ir para perto do rosto dele, e imaginando que o pelo dela o
incomodaria.
— Que...
— Você é curiosa como a sua dona...
Ele sussurrou, e eu me vi travando no lugar, e sem saber o que fazer. Me mostrava,
corria até lá e pegava a gata e me trancava no quarto?
— Bom dia, Tophe.
Ela miou para ele, que levou uma das mãos ao corpinho dela, que logo se esfregou.
Mais um dia, mais uma traição.
— Acho que você vai poder me ajudar...
Foi então que ela se virou e seus olhinhos amarelos encontraram os meus. Fiz um
negativo com a cabeça, para que não me entregasse, mas ela miou alto, em minha direção. Não
sei como, mas apenas me vi jogando para trás, e caindo no corredor.
Era aquele momento que eu fingia que tinha caído ali e que não ia mais levantar?
Não demorou para eu sentir um corpinho peludo ao meu redor, me dando bom dia, e se
eu não a amasse muito, a deixaria sem sachê por uma semana, só com ração e água.
— Sua...
— Bom dia, esposa.
Foi quando levantei o olhar, e encontrei Thor encostado contra os batentes da porta, e
me encarando. O peito totalmente exposto, e eu não sabia como me acostumaria com aquele
pecado em forma de gente, que era grande em cada músculo que exibia.
Foco, Anastasia!
— Bom dia.
Foi tudo o que consegui dizer, antes de tentar me mover e sair dali.
— Veio procurar Tophe?
— Ela está especialmente curiosa durante as últimas horas... — joguei-lhe um olhar
acusador e ela sequer se importou, indo se arrastar pelas pernas dele. — Desculpe por ela.
— Não precisa — ele falou, parecendo querer ser gentil. — Eu gosto de animais.
Assenti, querendo me enfiar em um buraco, e me sentando, para então me levantar de
fato.
— Vou preparar o café da manhã...
Ele falou, assim que me virei, e travei com o corpo no lugar.
— Não precisa, pode ter algum trabalho e...
— Não se lembra? — indagou de repente, e eu me virei, sem entender. — Nós dois
estamos de folga de qualquer coisa relacionada a máfia, por três semanas.
— O quê?
Não pude impedir o grito que me veio, e arregalei os olhos.
— Deve ter se esquecido de quando falamos sobre...
— Claro, falamos... — tentei entrar no papel de Irina, e senti todo meu corpo quase
tremer. — Só ando meio esquecida — tentei contornar a situação e ele assentiu.
Voltei a andar até o quarto, e só me vi respirando fundo novamente, quando fechei a
porta atrás de mim. Três semanas? Eles tinham nos dado três semanas?
Joguei-me contra a cama e comecei a pensar que tudo seria tão mais fácil se Thor
simplesmente seguisse sua rotina, que não deveria ser estar em casa, e o fato de eu poder voltar à
Rússia, para os compromissos de Irina. Porém, agora, eu já não entendia mais nada. Peguei meu
celular, jogado do outro lado da cama e vi uma mensagem de minha irmã.
Acho que deve ser bom dia por aí... Bom dia, Na! Não se esquece de gritar, se precisar
que eu volte.
Suspirei fundo, e por um segundo, considerei fazer aquilo. Contudo, guardei a sensação
e apenas respondi que estava tudo bem. Que ela podia voltar quando estivesse melhor e que nada
de novo tinha ocorrido.
Só que na realidade, eu estava quase arrancando os cabelos, de tão nervosa, pelo fato de
que não estava preparada para passar três semanas diretas sob o mesmo teto que Thor Hansen, e
sem ter para onde, literalmente, fugir, já que estávamos no meio do absoluto nada.
Não sei por quanto tempo apenas fiquei ali, deitada, condenando minhas atitudes, e me
perguntando se Tophe ainda estava com Thor, mas em algum momento, apenas ouvi duas batidas
na porta, e sabia, que só poderia ser ele.
Vi-me vasculhando os arquivos em meu celular, em busca do contrato de casamento, e
sabia que ninguém tinha me passado, já que, de fato, era para eu o ter. Mandei uma mensagem
para Irina, pedindo o arquivo e bloqueei a tela. O mais correto, era ler tudo aquilo de cima a
baixo, para não me confundir e me surpreender com nada.
Levantei-me, e fui até a porta, abrindo apenas um pouco, e senti Tophe passar pelas
minhas pernas.
Foi então que encarei o homem parado no corredor, já vestindo uma camiseta, e não
sabia se agradecia por aquilo ou ficava ainda mais desconfortável, sabendo exatamente o que
tinha por baixo.
Como ele conseguia me deixar facilmente confusa com um momento simples?
— O café da manhã está pronto, coloquei na varanda.
Assenti, e novamente, me vi pensando: de novo, uma varanda?
Ele realmente acreditava que era algo sobre ele e Irina, não era? Enquanto eu, sabia
exatamente, do porquê sempre estarmos em varanda: por minha causa. Porque eu amava estar
nelas.
— Vou só me trocar e já desço.
Ele assentiu, fechei a porta novamente, e fui direto para o banheiro. Escovei meus
dentes, prendi os cabelos em um coque, e procurei por uma das minhas camisetas largas de
cantores, uma calça jeans, e achei minhas pantufas favoritas dentro de uma das malas.
Irina e sua mente premeditada.
Como ela tinha conseguido pegar todas as minhas coisas favoritas e colocar nas malas,
e eu sequer perceber?
Tophe miou e eu a olhei ameaçadoramente.
A única mala que eu tinha feito, era a de Tophe, que consistia em toda a sua comida
favorita, sachês e ração, comedouros e bebedouros, brinquedos e outras besteiras que a
entretinham menos do que bolinhas de papel, mas ainda assim, eu sempre carregava, e comprava
mais.
Ajeitei um lugar do quarto, para o seu comedouro e bebedouro, e já sabia que teria que
perguntar a Thor, sobre onde colocaria a caixinha de areia dela. Peguei seu sachê, a servi, e fiz
um leve carinho em sua cabeça, quando foi comer.
Saí do quarto e segui para as escadas, que estavam todas fechadas pelo vidro, ainda para
separar ela de Heimdall. E falando dele, quando estava terminando de descer a escada, ouvi um
latido alto, e logo, ele estava nas minhas pernas, passando de um lado para o outro, totalmente
animado.
— Bom dia para você, menino.
Fiz um leve carinho em sua cabeça e ele latiu ainda mais animado.
— Heimdall acorda nos 220 — Thor falou, e o encontrei levando uma assadeira até a
varanda, desviando-se do bichinho de estimação no processo. — Pode se sentar e servir, só estou
finalizando.
— Na verdade, eu queria saber onde posso colocar a caixa de areia de Tophe —
comentei, enquanto ele voltava para dentro, e me encarou. — Não tenho uma varanda no quarto,
e ela gosta, realmente, de fazer isso em um lugar mais aberto que um quarto ou banheiro.
— Pode colocar na minha varanda, até que eles se misturem — sugeriu, e eu tinha
certeza de que meus olhos estavam perto de sair de órbita. — Depois, acho que ela vai adorar, se
puder colocar por aqui. — Indicou com o dedo, o grande lado exterior, que sequer poderia ser
chamado de varanda, mas sim, um deck.
— Acho que ela vai gostar.
Foi tudo o que consegui dizer e já rumei em direção às escadas novamente.
— Vou estar te esperando.
Assenti para o nada, enquanto subia, e suspirei fundo quando pisei no andar de cima.
Por que eu não conseguia, simplesmente, apenas ignorá-lo e entender que ele estava só tentando
ser legal?
Legal com a mulher que ele achava que se casou.
Legal com a mulher que ele, um dia, admitiu estar apaixonado.
Legal com Irina.
Capítulo 27

“Eu vejo as festas e os diamantes às vezes quando fecho meus olhos


Seis meses de tortura que você vendeu como se fosse um paraíso proibido
Eu te amei de verdade
Você tem que rir da estupidez” [27]

Thor
Olhei para a vista que eu tinha escolhido, que dava para qualquer lugar, menos para o
amontoado de pedras que deveria ser o meu castelo. Diferente dos de meus irmãos, não havia
uma visão bonita ou extraordinária do mesmo, especialmente, porque era como tinha de ser, e eu
apenas aceitei aquilo.
Meu celular tocou e vi o nome de Loki na tela. Uma chamada de vídeo, tudo o que eu
realmente não esperava ou gostaria, porém, sabia que poderia ser importante. Já que tinha um
combinado com todos, de que só falariam comigo, caso fosse estritamente necessário.
— Qual o problema?
— Por que tem de ter um problema? — ele rebateu, e vi seu rosto cansado, mas um
sorriso, como sempre, atentado no rosto.
Às vezes, quando olhava para ele, e os outros mais novos, eu sentia que tinha somente
quinze anos novamente.
— Vidar e eu, entramos em uma aposta... — falou de repente, e eu já estava prestes a
desfazer a chamada. — Não desliga!
Meu celular estava apoiado contra a minha xícara, sobre a mesa.
— Deveria ser sério — alertei-o.
— Então, eu acho que eu ganhei...
— Ganhou o cacete!
Ouvi a voz de Vidar ao fundo, que não sabia como, ainda entrava nas apostas
infundáveis de Loki.
— Ainda perdendo dinheiro para o mais novo, V?
— Eu duvido que tenha beijado ou transado com sua esposa — ele rebateu, e não
entendia o ponto da conversa. — Loki está contando como garantido, algo que você nem
admitiu.
— O que a minha vida matrimonial tem a ver com vocês?
— Tecnicamente, nada. — De repente, aquela era a voz de Tyr, que deveria ser um
pouco mais adulto que os dois, mas quando se tratava de apostas, eu poderia esquecer. — Mas
para os litros de hidromel que apostamos, tudo.
— Não vou dizer nada sobre a minha vida e da minha esposa...
— Irmão, se você tivesse transado com ela, não estaria no seu mau humor de sempre.
— Sempre gostei de você calado, Vidar — rebati, e então ouvi a risadinha de Loki e
Tyr. — E vocês dois, eu vou garantir que sempre demonstre só mau humor.
— Foi o que você fez a vida inteira, tirando as vezes que ia naquelas festas quando mais
novo e...
Eu senti sua presença, antes de realmente vê-la. Era fácil saber que ela estava se
aproximando, tanto pelo meu treinamento, quanto pela maneira como meu corpo simplesmente
entregava o quanto ela mexia com cada parte do meu ser.
— Bom dia, cunhadinha — Loki falou de repente, e eu me vi levando o dedo até a tela e
clicando em desligar.
— Por que...
— Desculpe por eles — assumi, vendo-a passar pelo meu lado, e se sentar na cadeira à
minha esquerda. — Estavam me enchendo e falando besteiras.
— Irmãos mais novos sempre são assim? — indagou, e eu sabia que existia uma quase
imperceptível diferença entre gêmeos, mas parecia ter uma grande diferença para os Romanov.
— Eles são piores — admiti. — Se deixasse ele falar com você, ele ia conseguir
descobrir até mesmo que horas foi dormir ontem.
— Nem eu sei que horas dormi — declarou, e vi-a encarar a vista à nossa frente, como
se fosse tudo o que importava. — Essa, então, é a vida de Thor Hansen em sua ilha?
— Acho que acabei não atingindo as suas expectativas sobre um castelo, não é?
Ela pareceu se perder por um segundo e pensar em algo, talvez, no nosso passado. Eu
não deveria ter contado vantagem, tentando parecer mais descolado ou legal, ao lhe detalhar
sobre o castelo que cada Hansen tinha, e que ela poderia conhecer o meu, um dia.
— Eu sei que não estamos nele — respondeu de repente, pegando a xícara de café que
eu tinha lhe servido. — Onde o castelo fica?
— Quer ver?
Virei meu olhar para ela, e encontrei o seu em mim. A xícara já em sua boca, e ela
assentiu levemente com a cabeça.
— Temos três semanas aqui, então... acho que vai ser bom, para passar o tempo.
Sua fala me pegou desprevenido, e ainda bem, que não tinha começado a tomar algo,
porque me engasgaria. Era bem óbvio que ela não estava onde queria. E mais ainda, que ela
estava contando os dias para o fim daquele casamento. Em minha mente e coração, tentava
encontrar um jeito de fazê-la olhar pelo lado positivo de tudo aquilo.
Um lado que eu mesmo tentei criar, desde o momento em que soube que Irina Romanov
era prometida a meu irmão mais velho. Suspirei fundo, e tentei focar em comer, mas a única
coisa que se passava em minha mente, era em como eu tinha conseguido tê-la, e agora, como eu
faria para que ela quisesse me ter também.

Anastasia
Quando entrei no elevador que ele indicou, fiquei ainda mais desconfortável do que
quando atravessei seu quarto, fingi não ver nada, e coloquei a caixinha de areia da minha gata em
sua varanda.
Existia intimidade maior do que aquela?
Algo me acusava que não, mas ainda assim, estava extremamente sem jeito, encostada
contra o elevador, que graças aos céus, não demorou para parar e se abrir. Notei que ele o fez, em
meio à mata, e fiquei me indagando, quem conseguiria projetar um lugar incrível como aquele.
— Não tem nada que possa te machucar, sem animais silvestres= — ele falou, quando
pisei do lado de fora, e talvez não foi uma ideia tão inteligente, usar uma bota de saltos, mesmo
que fossem baixos. — É por aqui.
Ele indicou com a cabeça e o segui, pelo que parecia uma trilha, e parei quando me
deparei com uma grande pedra. Parecia que tinha rolado do alto de um morro, mas pela forma
que estava quebrada, era como se algum gigante a tivesse arrebentado contra o solo.
— Sei que tem histórias sobre gigantes na mitologia nórdica... — soltei, sem me
importar com a própria curiosidade que me tomou. — Como tem uma pedra desse tamanho,
praticamente partida ao meio, no nosso caminho?
— Ali.
Busquei com o olhar o que disse, mas não encontrei nada além do caminho com mais
pedras como aquela.
— Com licença.
Foi então que senti um dedo dele, em meu queixo, direcionando-o para onde deveria
olhar. Não me importei, mesmo que minha pele estivesse formigando e meu coração quase
falhou uma batida. Porém, tentei ignorar as sensações, quando vi uma torre de castelo, e outras
mais, simplesmente perdidas em destroços de pedras ainda maiores.
— Mas...
— Poderia dizer que foram gigantes, mas há histórias diferentes sobre essa terra — ele
falou, enquanto eu tentava me aproximar, subindo de um jeito, talvez não correto, pelas pedras.
Assim que fiquei sobre uma, acabei me sentando, abismada por estar no ponto mais alto
da ilha e sobre o que deveria ser o telhado de um castelo. Meu olhar buscou o de Thor, que
parecia em casa, e eu tinha muitas perguntas.
— Como deve saber, cada Hansen tem sua própria ilha e seu castelo — assenti, dando-
lhe minha total atenção. — Não é por acaso, a escolha de cada lugar, na verdade, são ilhas que já
homenageavam os deuses nórdicos.
— Então, essa aqui é a ilha do deus Thor?
— Ou deus do trovão, como alguns preferem. — Olhei-o ainda mais interessada. — Eu
vivi no castelo de Odin, que é o maior de todos e que fica na ilha de maior tamanho e população.
O castelo dele, que na realidade, é o castelo dos Hansen, era uma visão premeditada de como
seria o nosso. Só que ninguém me contou, antes de chegar aqui, com dezesseis anos e ver que o
lugar, que seria meu castelo, já estava destruído.
Olhei-o perdida.
— As histórias contam que o povo escandinavo que vivia aqui, pedia as bênçãos do
deus Thor, e que em um algum momento, o mais sensato a se fazer, foi que ele os mandasse para
longe daqui, devido a uma erupção que mataria a todos... Dessa forma, raios caíram do céu, e
destruíram o maior símbolo de poder do lugar...
— O castelo — complementei, e ele assentiu. — E então?
— Assim, as pessoas obedeceram a seu deus e pediram ajuda para a mais próxima, que
é a ilha de Vidar. — Fiquei totalmente embasbacada. — Os registros são de raios e trovões, por
toda a ilha, que a fizeram tremer, destruíram o castelo, mas depois que todos se foram, conseguiu
até mesmo, evitar a própria erupção do vulcão.
— E as pessoas não voltaram ou pensaram em reconstruir...
— Foi há milhares de anos, essa história — admiti. — Tudo o que sabemos, são
registros na antiga língua nórdica, e quando cheguei aqui, apenas deixei estar.
— Por quê? — perguntei, genuinamente interessada. — Se consegue ter uma casa como
aquela, totalmente escondida e à frente da ilha, por que não reconstruir tudo?
— Porque se o próprio deus o fez, por que o homem deveria reconstruí-lo?
Sua pergunta caiu como uma reflexão.
— Eu nunca pensei que uma máfia poderia ser tão filosófica e tradicional... — admiti, e
me lembrei de quando ele comentou sobre aquele lugar. — Por que não me disse que não havia
castelo, quando me falou sobre sua ilha?
— Acho que queria parecer legal, impressionar... — admitiu, vi-o desviar o olhar, e
acabei fazendo o mesmo. — Não seria tão legal dizer pra pessoa que eu gostava, que na verdade,
eu tinha herdado um monte de pedras...
Ele deixou sua fala morrer, enquanto eu me remoí por dentro.
Pra pessoa que eu gostava...
Ele ainda falava comigo, naquela época, achando que era Irina.
E agora, ele falava comigo, lembrando-se de como foi, quando ainda era ela.
— Acho que se a pessoa também gostasse de você, não se importaria — falei, e sabia
que era por onde conseguiria fugir. — Mas honestamente, não é algo que eu faria.
— Não se importar sobre não ter um castelo?
Neguei com a cabeça, apenas vestindo meu sorriso mais falso.
— Gostar de você, Thor.
Capítulo 28

“Eu posso ser o cara certo?


Eu posso ser o cara certo?
Eu posso ser o cara certo?
Oh, eu posso, eu posso ser ele?” [28]

Thor
Em um minuto, nós parecíamos ter voltado alguns anos e apenas estarmos bem.
No minuto seguinte, ela soltava que nunca, de fato, tinha gostado de mim.
Tentei não pensar muito sobre a maneira como ela tinha respondido, mas a verdade era
que não tinha controlado minha própria língua, ao admitir em voz alta, que tinha me apaixonado
por ela no passado.
A pessoa que eu gostava, foram as exatas palavras que usei.
A pessoa por quem eu realmente me apaixonei e que ainda estava ali, em meu peito e
mente, seriam as palavras exatas sobre como me sentia.
Olhei-a se virar e se sentar sobre as pedras, como se admirando tudo ao redor, depois de
simplesmente me reduzir a nada. Por um segundo, me vi revivendo o passado, e o remoendo,
imaginando como foi para ela, quando tudo sobre os Romanov e Hansen explodiu. Quando
soube sobre sua irmã, sobre o que eu falei, e sobre tudo o que nunca seria para ser.
Ela tinha, de fato, nunca se imaginado ali, casada comigo?
Ela tinha, realmente, nunca imaginado, como seria se tudo fosse diferente?
— Então, não tinha nada a ver com os gigantes?
— Nas histórias, o deus Thor é filho de uma gigante e do deus aesir Odin — respondi
sua pergunta repentina, e ela assentiu, como se pensando sobre isso.
— Acho que nunca li sobre a mitologia nórdica de verdade.
— Poucas pessoas fazem, pelo menos, fora daqui.
— E por que não tentou trazer as pessoas de volta para a ilha?
— Porque elas estão bem nas outras — admiti, dando de ombros. — Sou respeitado e
amado por muitas delas, algumas em agradecimento pela proteção dos Hansen, e pela vida pós-
máfia, mas a maioria prefere ficar na ilha principal, que é a de Odin — contei. — A minha é uma
das mais remotas, e se o vulcão resolvesse entrar em erupção novamente... é muito arriscado.
— Entendi — ela falou, e se levantou, dando um giro de trezentos e sessenta graus,
encarando tudo ao redor.
Pelo silêncio entre nós, que só era quebrado pelo som de alguns passarinhos e da
própria mata, consegui ouvir o roncar do seu estômago.
Seu rosto ficou vermelho de imediato e ela levou a mão à frente da barriga, como se
tentando esconder.
— Acho que estamos aqui há algumas horas... — falei, e lhe estiquei a mão, para ajudá-
la a descer, já que estava com uma bota de saltos.
— Eu consigo, obrigada.
Ela parecia extremamente sem graça, passou por mim, e quando pisou em falso, vi-me
segurando sua cintura no ar, a trazendo para a parte mais alta da pedra, e a firmando.
Não conseguia definir a forma protetora que tomava conta de mim quando se tratava
dela. Era puro instinto, e eu tinha que prever que o pior aconteceria. Pelo menos, era o que dizia
a mim mesmo, enquanto me culpava, por todos aqueles anos de longe, apenas a observando.
— As pedras são traiçoeiras — falei, ainda segurando sua cintura, e só soltei, quando
ela pareceu se firmar de fato. — Vou descer primeiro, e te ajudo a descer em seguida.
— Não vou me opor, para passar outra vergonha.
— Coloque-me em saltos e me desafie. — Resolvi dar-lhe seu crédito, mais do que
merecido. — Não consigo fazer um por cento, do que deve fazer com eles.
Ela piscou algumas vezes, como se surpresa, e eu aproveitei o momento, para esticar
minhas duas mãos, e ela se aproximou, a ponto que eu consegui segurar sua cintura e a descer
com cuidado. Assim que a coloquei novamente no chão, percebi o quão próximo estávamos.
Minhas mãos ainda na sua cintura, e seu corpo há menos de um fio de cabelo de distância do
meu.
Eu tinha que fingir que era pura proteção, ao menos, para mim mesmo. Porque a
verdade era que eu só queria saber, como seria o gosto dela, depois de tantos anos reimaginando
e revirando-o em minha memória.
— Obrigada.
Ela estava tão próxima, que quando olhei diretamente em seus olhos, sabia que faltava
muito pouco para que pudesse estar colado em seus lábios. Assim, ela levou as mãos às minhas,
e as afastou, dando um passo atrás.
— Me mostrou a parte destruída de fora, mas não me mostrou a casa por dentro... —
falou rápido e eu sabia, que se fizesse o mesmo, naquele instante, ia acabar gaguejando de puro
nervosismo.
Assenti, e segui até ela, orientando-a até onde conseguiria pegar o elevador diretamente
para nossa casa.
Nossa, mesmo que ela não soubesse.
Nossa, porque eu tinha projetado partes, que somente fariam sentido, com ela.
Nossa, que eu esperava, lhe contar.
Nossa, que eu torcia, para que algum dia, ela chamasse daquela maneira também.

Anastasia
— Aqui, é a entrada lateral.
Ele falou, mas parecia usar tudo de si para que as palavras saíssem. Pelo pouco que eu o
conhecia, era como se soubesse, que estava fazendo o seu melhor para não gaguejar.
— Tem a entrada principal que...
Parou de repente, e vi-o suspirar fundo, quando o elevador chegou ao andar que estava
marcado como primeiro no painel.
— Eu acho que posso ir descobrindo sozinha.
Sugeri, depois de retirar as minhas botas que não estavam realmente sujas, mas sempre
preferi não levar nada da rua para dentro de casa, talvez fosse a influência oriental que eu tanto
tinha pela música e a dramaturgia.
Thor ficou em silêncio, assim que adentramos a casa novamente, e permaneceu em
minhas costas.
— Seria mais interessante e mataria o meu tempo — complementei.
Ele então passou por mim, e de repente parou, virando-se e me encarando, como se
soubesse exatamente o que eu estava fazendo.
Era bem óbvio, ali, que ele não gostaria de continuar falando, aparentemente nervoso,
só por quase gaguejar. Em seu olhar azul, enxerguei o agradecimento silencioso, e acabei dando-
lhe um sorriso sem dentes.
Por que eu não conseguia simplesmente não me importar com como ele se sentia? Ou
melhor, com o quanto ele estava nervoso?
Por quê?
Por que eu não ignorava e simplesmente o tratava da pior maneira possível?
Porque ele ainda é o seu primeiro amor, minha mente rebateu.
Porque ele ainda é o seu único amor e meu coração, que eu tanto lutei para colar os
pedaços, acabou se intrometendo.
Ignorei ambos, e segui pela casa, em direção à cozinha. Eu ia comer alguma coisa, e
simplesmente me trancar no quarto pelo resto do dia. Deixaria para a Anastasia do futuro lidar
com toda a bagunça que estava causando e que poderia piorar, dentro de si.
— Você gosta de carbonara?
A pergunta veio de repente, e eu parei meu movimento de pegar uma garrafa de
refrigerante na geladeira.
— Um dos pratos italianos que gosto, por quê? — indaguei, sem deixar claro que era o
meu prato italiano favorito da vida.
— Vou preparar pra gente... — falou, seu tom de voz mais confiante que antes, peguei
minha garrafinha e me vi apenas dando passos atrás, abrindo espaço para ele.
Não neguei e nem sabia como o faria, a verdade era que eu estava encostada no batente
da entrada daquele cômodo, observando-o se locomover como um expert naquilo. Ele parecia tão
bem consigo mesmo em poucos segundos, se recompondo e tentando seguir com o dia. Enquanto
eu, estava ansiosa para o momento que ficaria sozinha e tentaria me esquecer por completo, que
tinha uma aliança em meu dedo anelar esquerdo – que eu não tinha tirado. E que existia uma no
dedo do homem que me rejeitou e que achava que estava conquistando a mulher que ele gostava
– a minha irmã gêmea.
Não era o melhor momento para um divórcio? Ironizei em minha cabeça, o que era
totalmente impossível.
Dois dias de setecentos e trinta, e contando...
Capítulo 29

“Ei, você aí
Podemos ir para o próximo nível?
Querida, você se atreveria?
Não tenha medo
Porque se você pode dizer as palavras
Eu não sei por que eu deveria me importar” [29]

Anastasia
O silêncio era assustadoramente agradável entre nós.
De todas as possibilidades de ser estranho ou sufocante, ali, comendo um dos meus
pratos favoritos, para o que deveria ser o almoço, e tomando um bom refrigerante.
Uma vista linda do lado de fora, por mais que estivesse frio. Eu me perguntava, como
seria, quando nevasse ali?
— Está do seu agrado?
Ele quebrou meu pensamento, assim como o silêncio.
— Acho que Heimdall é quem mais está gostando... — entreguei, vendo o momento em
que o cão simplesmente alcançou a carne que Thor tinha feito a mais, e deixado em um prato,
sobre a pia.
— Luzinha!
Ele gritou, mas não adiantou muito, já que o cachorro simplesmente correu por entre a
portinha que ele tinha, e não sabia onde, de fato, dava. O que despertava minha curiosidade.
— Eu já descobri que tem uma academia no subsolo, e mais de quatro carros em uma
garagem também por lá, até uma biblioteca, no final do corredor, com um piano que parece
empoeirado... — falei, parando para tomar um longo gole do meu refrigerante. — Estou curiosa
para saber o que tem na portinha que Heimdall simplesmente sai, ás vezes.
— Uma parte da floresta.
A resposta veio rápida, e Thor me encarava de forma tão profunda, que quase tive que
desviar o olhar.
Por que ele tinha que ser intenso em tudo o que fazia?
— Ele fica solto, do lado de fora? — indaguei confusa, por perceber o quão superprotetor ele era quando
se tratava de Heimdall.
— Na verdade, está tudo telado por fibras que se ele encostar, não vão machucá-lo, mas
também não deixam que ele vá realmente pro meio da mata— comentou, e eu assenti, surpresa.
— Parece que foi tudo projetado, detalhe a detalhe...
— Depois que uma coisa aconteceu e Heimdall apareceu, soube que tinha que fazer
mais do que uma cabana no meio da ilha e viver... Precisava tornar isso um lar. — Olhei-o
interessada, e imaginando como seria, conseguir fazer tal coisa. — E bom, planejei detalhe por
detalhe...
— Você? — perguntei surpresa.
— Eu gosto de construir coisas, o tanto quanto gosto de quebrar... — ele riu no final da
frase, e mal percebi, mas um sorriso se abriu no meu rosto. — Qual a minha fama que chegou
para você?
Pensei sobre sua pergunta, e a realidade era que nenhuma fama dele chegou até mim. E
mesmo que tivesse acontecido, ou eu não estava prestando atenção, ou eu já o teria conhecido, e
começado a querer realmente o enxergar.
Quando eu queria muito que ele me enxergasse também.
— Só sobre ser o mais forte dos Hansen, talvez — falei, o pouco que me veio em
mente. — Confesso que nunca prestei muita atenção sobre fofocas ou algo sobre outras pessoas
da máfia.
— Nem por pura estratégia? — indagou, e eu dei de ombros.
— Eu sempre desconfio de todos, à primeira vista — fui honesta. — Mas ao mesmo
tempo, não dá para simplesmente viver se eu não conseguir falar com alguém durante uma festa
sem medo.
— Eu já tinha ouvido sobre você...
Sobre Irina, minha mente corrigiu no mesmo instante.
— Algo ruim? Prefiro a parte ruim primeiro — falei, tentando não focar no fato de que
ele parecia tão animado e à vontade para falar sobre ela.
— Na verdade, que não interagia com muitas pessoas...
— Agradeça a Anastasia por isso.
Não pude evitar a resposta, e voltei minha atenção para o prato e terminei de comer o
que faltava. Limpei minha boca, e tomei o resto do meu refrigerante.
— Se não fosse por ela ter ido com a sua cara, eu nunca teria falado com você — falei,
o que era a mais pura realidade.
Conhecia Irina bem o suficiente para saber que se não fosse por minha causa, ela jamais
construiria uma amizade ou simples convivência com algum mafioso como os Hansen em festas
e encontros sem data marcada.
— Obrigada pela comida, estava ótima.
Falei, e ouvi o barulho de Heimdall voltando, como se nada tivesse acontecido, e um
pouco molhado, o que me fazia pensar, que deveria estar chuviscando no lado de fora.
— Garoto...
Thor reclamou, pedindo licença e se levantando da mesa, antes que eu o fizesse. Ele
correu até um armário que sequer percebi que tinha do lado daquela portinha – porque ele era
escondido atrás do que parecia uma moldura. E então, retirou uma toalha de lá de dentro.
— Eu sempre te digo para voltar antes da chuva.
Heimdall latiu alto, enquanto eu me levantava.
— Vou estar no meu quarto — falei, e não sabia explicar a sensação de perda que se
instalou em meu estômago.
Eu havia acabado de ter uma ótima refeição, mas não tinha relação alguma com a
maneira psicológica que meu corpo estava correspondendo a cada situação.
— Eu vou estar aqui, em qualquer lugar — ele falou, e eu assenti, enquanto ainda
secava Heimdall. — Só me chamar, se precisar.
Afastei-me, e segui em direção às escadas.
Um instinto traiçoeiro que me cobrava que olhasse para trás. Que eu ainda, depois de
tudo, buscasse o olhar dele. Por que eu tinha que simplesmente, sempre me sentir tão imersa em
qualquer simples conversa que tínhamos? Por que tudo parecia oito ou oitenta em poucos
segundos?
Sem respostas, ou melhor, sem querer encarar as reais respostas para todas as minhas
questões, cheguei no quarto e me sentei no tapete, ao lado de Tophe, que dormia tranquilamente.
Peguei meu celular jogado ali no chão e li a mensagem de minha irmã, que na verdade, era uma
foto sua, à frente do que parecia uma fazenda, no meio do nada.
Eu sabia que ela tinha me colocado em seu lugar, daquela vez, para tentar me ajudar,
mas ainda assim, via-me arrependendo a cada segundo de não ter lhe dado os detalhes sobre o
meu afastamento de Thor Hansen.
Eu não estaria ali, presa em minha mente, como se castigada pelo passado.
Só que ela também não estaria lá, onde tirou sua foto, claramente feliz. Pelo menos,
algo daquela situação poderia ser aproveitado. Suspirei fundo, e respondi com várias figurinhas
animadas a sua mensagem.
Não sabia se contava os dias para acabar.
Ou se gostaria de acabar logo, sem contar os dias.
Encontrava-me em uma linha tênue, que não sabia, em que momento, acabaria por
ultrapassar.
Capítulo 30

“Dizendo coisas que você não quer dizer


Para alguém que significa o mundo para você
Você entende o que eu quero dizer?”[30]

Anastasia
Algo me puxou para aquele closet.
Talvez fosse a luz acesa, que eu teria que apagar, porque era algo instintivo. Talvez
fosse a curiosidade intrínseca, de entender como seria o closet de um homem como Thor.
Dos dias que passamos juntos, ele sempre se vestia de forma simples. Por mais que eu
visse as marcas de luxo estampadas em algum ponto de suas camisetas e calças, de forma bem
discreta, não parecia ser algo que ele se importava.
Quando ia puxar a porta de correr e entrar, senti uma mão sobre a minha, me
impedindo.
Percebi que meu rosto queimava, e dei passos atrás.
— Desculpe — falei, totalmente sem graça. — Vim trocar a caixinha de areia de Tophe,
e vi pelas laterais transparentes que estava aceso e pensei em apagar... e sendo honesta, em
fuxicar.
— Não acho que está preparada para isso.
Olhei-o sem entender.
— Pode acessar qualquer lugar da casa, quando quiser, e isso inclui o closet... — falou,
o que se contradizia com sua mão sobre a minha, me impedindo de abrir a porta. — Mas tem que
estar preparada para isso, esposa.
— Não gosto de enigmas.
— Seria como dizer que não gosta de você mesma.
— Não me vejo e sei que nunca fui um — admiti, e então tirei minha mão da sua.
— Tem sido um enigma para mim, desde o dia em que nos conhecemos até agora...
— Bom, é a primeira pessoa que diz isso. — Dei de ombros. — Não acho que seja um
elogio.
— Não é bom, nem ruim... só que sempre me instigou — fui honesto.
— Perseguir algo que te instiga, soa como se eu fosse um jogo para você — rebati e vi
sua expressão mudar.
— Nunca foi um jogo.
Sua voz soou firme e certeira, enquanto eu me afastava, e só queria voltar direto para o
meu quarto.
Eu sabia que não.
Era bem óbvio, que ele queria descobrir mais sobre a gêmea com quem ele mal teve
contato, mas acabou se encantando.
Era mais do que claro, que eu estava em um local que não me pertencia.
Voltei para o quarto, joguei-me sobre a cama, e puxei uma coberta grossa sobre o meu
corpo. Vasculhei com a mão, a mesa de cabeceira, em busca do meu celular e fones de ouvido.
Coloquei-os, e apenas queria bloquear o mundo lá fora, e tudo o meu redor, já que não conseguia
bloquear meus sentimentos.
Até quando eu conseguiria fingir que era ela?
Até que momento, eu poderia continuar o enganando, enganando minha irmã, e a ele,
de que estava tudo bem, ser ela, durante aquele casamento?
Em poucos dias, eu estava no meu limite, quase que perdendo minha mente e subindo
em um parapeito para voltar a me sentir viva, como no passado.
Selecionei uma música, que não deveria ser a mais indicada, mas me vi, puxando a
coberta sobre todo meu corpo, e ficando abaixo dela, como se pudesse me esconder, de fato, do
que realmente me corroía.
Fiquei um bom tempo ali, até sentir um corpinho adentrando a coberta, e se enroscando
ao lado do meu.
— Obrigada pela vergonha da semana, hein.
Ela apenas ficou ali, e eu suspirei fundo, voltando a me concentrar na música que
começou. Justamente aquela. A que agora, parecia me descrever por completo. No final, acabei
não resistindo, jogando a coberta longe, e aumentando o volume dos meus airpods no máximo,
ficando de pé na cama, e Tophe deveria estar reclamando ou corrido dali.

“Te ver cara a cara


Me faz pensar nos dias que estávamos juntos
Mas eu não posso fazer cena
Mas eu não posso fazer cena

Te ver cara a cara


Me faz pensar nos dias que estávamos juntos
Mas eu não posso fazer cena
Mas eu não posso mostrar

Como eu quero você, você, oh, oh


Mesmo que seja verdade, oh
Oh, oh, oh
Mesmo que seja verdade

Eu acho que já passou do ponto


Me diga o seu ponto de vista
Me fala, a culpa é minha?
Você é tão boa com mudanças, hmm, hmm, hmm

Uma mesa para dois


Você me deixou esperando, mas você nem estava vindo
Tento ser paciente, mas tenho que encarar a verdade...”[31]

Eu estava girando pela cama, e em seguida pelo tapete, indo até a grande porta de vidro,
que dava para um lado fechado da floresta, e podendo cantar alto. Como dizia a música, eu não
podia fazer uma cena, mas tudo o que eu gostaria, se fosse ser sincera, era dizer quem era: era
fazer realmente, uma cena.
Era colocar tudo para fora.
Tudo o que deixei os anos amenizarem. E agora eu sabia, que estava mais à flor da pele
do que qualquer outra coisa.

Thor
Tophe veio novamente para o meu quarto, como se reclamando de algo, e eu me vi não
resistindo, e indo até o quarto no final do outro corredor. Quando me aproximava, consegui ouvir
a voz dela, mesmo que baixa, talvez por não estar tão perto da porta, ou por querer estar na
pequena varanda.
Sempre uma varanda.
E ela merecia uma varanda muito melhor do que aquela.
Na realidade, aquela nunca foi a dela, de fato.
Sua voz soava como um pedido, e eu quase me vi indo até ela, e dizendo que também
gostaria de fazer uma cena, como ela mesma dizia. Como a música o deveria fazer.
Afastei-me dali, e desci em direção ao primeiro andar, deixando uma Tophe presa e
chateada para trás. Enquanto isso, digitava em meu celular em inglês: mas eu não posso fazer
uma cena. Cliquei no primeiro resultado, e deixei que a música tocasse por todo o sistema de
som do primeiro andar.
Sempre me indaguei, que tipo de música ela escutava, por mais que tivesse algumas
desconfianças. Aquela ali, combinava com ela, e pior de tudo, combinava com nós dois.
Senti falta, naquele instante, de quando ainda sabia tocar piano, e Baldur tanto tentou
me ensinar. Eu tinha desistido, quando tinha meus treze anos, animado para lutar e aprender a
brigar de verdade. Música nunca foi o meu forte. Vi-me transferindo a música direto para a
academia, que ficava no subsolo, assim como a garagem, e me preparei para treinar.
A cada palavra que eu ouvia, um novo soco encontrava o saco de areia. Até que um
deles estava esparramado no chão.
Usando minha força para acalmar minha mente e não adiantar o que tanto tive que
esperar. Porém, a questão era: eu tinha como esperar mais?
Capítulo 31

“Dizendo coisas que você não quer dizer


Para alguém que significa o mundo para você
Você entende o que eu quero dizer?”[32]

Anastasia
Para o que eu tinha que estar preparada?
Era a pergunta que rondava minha mente, por todos os dias que se passaram. Sabia que
tínhamos acabado de completar uma semana de casamento. Uma semana debaixo do mesmo
teto, e que tínhamos feito a nossa rotina. Funcionava, de uma forma que me assustava, porque
nunca pensei que conseguiria me sentir tão livre, em algum lugar.
Acordava mais cedo do que ele, e descia para fazer o café. Deixava o dele em uma
garrafa térmica, ia até o grande deck do primeiro andar, e tomava o meu primeiro café do dia,
encarando a paisagem sem igual. Imaginando quando eu correria pela areia preta da praia que via
dali.
Ainda não tinha tomado coragem, pelo frio que fazia, e também, porque me dava certa
aflição estar descalça. Uma das únicas vezes que o fiz, foi quando estava na cabana de meus pais,
anos atrás, e queria apenas me perder. E quando desci totalmente de ressaca no prédio e acabei
encontrando Tophe.
As duas vezes pareciam que eram para ser.
Contudo, se eu estava totalmente racional e em meu estado normal, não conseguia me
ver sentindo a areia entre meus dedos. Era mais o estilo de Irina, com certeza. Porém. não era
algo que eu precisava compartilhar com Thor. Pelo menos, era o que parecia certo para mim.
Os meus detalhes ainda me pertenciam, e não mudaria para tentar convencê-lo de algo.
Antes que eu terminasse meu café, ele sempre aparecia com uma tigela com várias
frutas e algum tipo de massa que fez na madrugada. Na primeira vez foram dois pedaços de bolo
de chocolate. Na segunda, foram dois pães. Na terceira, foram dois biscoitos com recheio.
Ele realmente estava testando receitas, e aquele era o sexto dia que estava ali, perto de
chegarmos à sétima noite, e não demorou para ele aparecer, colocando a tigela com as frutas, e
curiosa, encarei o que vinha junto a elas: duas tortas de morango.
— Bom dia — ele falou, após se sentar na cadeira mais distante, que ficava na outra
ponta da mesa, e eu assenti, curiosa para provar as tortas. — O café está ótimo, como nos outros
dias.
— Bom dia — falei, e peguei a tortinha, trazendo-a até minha boca e dando uma boa
mordida.
Não segurei o gemido de satisfação, pelo gosto bom que tinha. O creme e morango
explodindo em sabores balanceados em minha boca.
— Perfeita — assumi, e abri os olhos, sem encará-lo. — De todos os acompanhamentos
de frutas, esse foi o melhor.
— Deixei o melhor, para uma data importante.
Apenas me calei, tentando não pensar que ele realmente estava considerando uma
semana de casados, como um marco.
— Pensei que fosse correr em direção à praia e nadar de volta à Rússia, no primeiro
dia...
Chamou minha atenção, e o encarei, vendo que terminava de tomar seu café.
— Não sou boa em nadar, e tenho certa agonia de areia... — admiti, tentando não levar
para o lado pessoal.
Seria pessoal, se eu fosse Irina.
Não podia ser pessoa, porque eu era uma mentira.
— Poderia ter pedido um resgate, seria mais fácil — admiti.
— Por que não pediu?
— Por que aceitou o lugar de Baldur?
Não pude evitar rebater, e vi-o engolindo em seco, enquanto deixava a xícara sobre a
mesa.
— Por que eu pedi o lugar, você está querendo perguntar? — Olhei-o sem entender. —
Ou talvez, eu devesse perguntar, por que seus pais me aceitaram, se não queriam alguém inferior
à herdeira deles?
— Acho que só estão desesperados para ter um neto que seja um Hansen — respondi
simplesmente, e suspirei fundo, não podendo me conter. — Pediu para tomar o lugar de Baldur?
— Pedi para Odin, que me considerasse em primeiro lugar, mesmo que o acordo tivesse
sido feito antes mesmo de ele ser o chefe. — Olhei-o perdida. — Ymir, que era nosso pai, tinha
organizado esse acordo com sua avó, há muitos anos. A primeira da linhagem Romanov, se
casaria com o segundo da linhagem.
— Mas aqui estamos nós... — tentei sair pela tangente, já que provavelmente, Irina
sabia tudo sobre aquilo, e eu só sabia o que estava no contrato, e não tinham tais detalhes.
— Foi boca a boca, mas nada vale mais do que um acordo que foi repassado com o
tempo para os seus herdeiros... — assenti para o nada. — Mas sabe quantos realmente somos?
— Nós? — indaguei, ainda sem saber por onde estávamos seguindo.
— Os Hansen — explicou, eu neguei e assenti ao mesmo tempo. — Somos em oito,
sete vivos e... e uma que voltou dos mortos.
— Soube, por cima, que uma Hansen tinha falecido — falei, estranhando sua última
fala.
— É o que dizem, não a verdade — admitiu, e eu o olhei interessada. — Mas disso
tudo, o fato é que a segunda na linhagem realmente era uma mulher, não Baldur.
Olhei-o com atenção.
— Então, de toda forma, não teria como seguir à risca a promessa feita — assenti. —
Foi quando soube desse detalhe e pedi a Odin, para que me considerasse.
— Tudo por esse casamento, hein? — indaguei, o gosto agridoce em minha boca.
— Tudo por sua causa, esposa.
Precisei usar toda minha força interior, para sorrir debochada da situação.
— Não vai sair feliz disso, e nós dois sabemos — fui honesta, o que também serviria
para mim. — Não vai ser um casamento de verdade, e o certo, seria nem acontecer.
— Não é como se nós pudéssemos nos divorciar antes do fim do contrato — rebateu. —
A palavra de um Hansen é tão forte quanto a de um Romanov.
— Nada o faria renunciar a esse casamento.
— Absolutamente nada. — Olhou-me profundamente. — Nem mesmo, o fato de não
me querer.
De repente, sentia-me quase naufragar em mim mesma. Tentei buscar alguma parte de
mim, que não o queria, e encontrei-a em minha dor, focando em outra parte do que ele falava.
— Eu também não posso renunciar... — fui honesta. — Pela minha irmã, pela minha
palavra e pela máfia.
— Sua irmã vem em primeiro lugar?
Sua pergunta me surpreendeu, mas não demorei a assentir.
— Sempre — respondi, pensando em Irina, e sabendo que ele pensava em mim, mesmo
que por apenas alguns milésimos. — Se não fosse ela, eu duvido que teria se considerado para
esse casamento, marido.
— Foi Anastasia em que esbarrei, eu sei... — assenti, vendo-o pronto para desenterrar,
o que eu não estava. — Nada foi... — ele então parou, engolindo em seco. — Fo... oi...
Ele estava gaguejando novamente.
— Eu vou pegar como uma deixa para começar o meu dia — falei, e praticamente corri
dali, em direção à entrada da casa, apenas levando a tigela comigo.
Se fosse para revisitar o passado, que fosse quando estivesse menos afetada. Não
conseguiria voltar para um lugar que tanto me machucou. Ainda mais, sem a coragem de
simplesmente jogar nele, tudo o que me corroía.
Não era hora.
Talvez nunca fosse.
Porém, a cada segundo, eu sentia que estava mais perto de deixar tudo se perder.
Se ele não podia renunciar ao casamento, e eu também não? Por que eu deveria guardar
o segredo de quem realmente era? Pensei em mil razões, mas nenhuma delas, parecia a certa.
Capítulo 32

“Eu sei
Eu sinto muito
Eu posso ser um hipócrita
Eu tenho coisas para trabalhar
Você tem coisas para trabalhar
Mas vamos fazer funcionar
Eu te amo”[33]

Thor
De tudo o que poderia nos unir, o fato de que dois bichinhos de estimação, parecendo
prontos para conviver abertamente na casa, era algo que não esperava.
— Seja uma boa menina com seu irmão mais novo, sim?
Ela insistiu em falar a mesma coisa pela décima vez em segundos, fazendo um carinho
na cabeça de Tophe.
— Vá devagar e não a assuste, e leve uma arranhada na cara — avisei Heimdall, que
latiu e me deu uma lambida no rosto.
Olhei pelo vidro, e ela assentiu, indo para perto do puxador da grande porta de vidro. Os
dois estavam comendo, e ficando um bom tempo, frente a frente, todos os dias. Sabia que como
eu, ela estava ansiosa para uni-los. Eu não parava de pensar em como Tophe, pequenina do jeito
que era, dobraria um pastor alemão que só tinha tamanho, mas que ia fazer o que ela quisesse.
Uma ótima dualidade explícita do casal que os cercava.
— Um, dois, três e...
Ela começou a abrir a porta de vidro, e vi Tophe continuar a comer seu sache, enquanto
Heimdall não queria parar quieto, pulando animado. Talvez porque não entrasse em casa, quando
Tophe estava naquele ambiente. Ele estava claramente ansioso.
— Devagar, luzinha.
Foi assim que eles ficaram frente a frente, e Tophe apenas o ignorou, enquanto
Heimdall começou a cheirar ao redor dela, e depois, o pequeno corpinho dela. No primeiro
segundo, pensei que ela iria rosnar para ele, mas ela levantou a cabeça, o encarou, e saiu andando
em outra direção.
Ele a seguiu, em direção ao tapete, e ficaram por lá. Ela deitada, e ele pulando ao seu
redor.
— E eu achando que ela ia assustar ele. — Ri da maneira como parecia despreocupada.
— Agora, o que é isso de luzinha?
— O apelido que dei para Heimdall?
Ela assentiu e eu sorri ao pensar.
— Pronta para outra miniaula da mitologia nórdica?
Ela sorriu, e se sentou na cadeira do deck, enquanto o olhar estava preso no que
acontecia na sala: que era um absoluto nada. Heimdall se deitou ao lado de Tophe, e lá ficaram.
— Heimdall é o nome de um dos deuses aesir, com a missão de guardar a Bifrost –
ponte arco-íris, que deve ter visto em algum filme que saiu nos últimos anos — ela assentiu, e
continuei: — Nas várias interpretações da etimologia do seu nome, tem uma em que me apeguei:
aquele que ilumina o mundo.
— Ele iluminou o seu mundo? — indagou e eu assenti. — Agora faz sentido o
“luzinha”.
— Se formos entrar no significado dos nomes dos deuses e gigantes de quem levamos
nomes, vamos ter uma longa aula...
— Qual acha mais interessante? — sua pergunta me surpreendeu, e eu sorri, ao pensar
que sempre foi o de minha irmã mais velha.
Era fácil a resposta, assim como, sua explicação.

Anastasia
— Lembra-se da irmã que foi a segunda a nascer e que deveria ser a que se casaria com
o herdeiro dos Romanov? — assenti, ansiosa para saber sobre os nomes nórdicos, e não revisitar
aquela conversa que fugi.
— Qual o nome dela?
— Hella...
Eu esperava qualquer resposta surpreendente, mas de repente, eu apenas me vi voltando
anos atrás.
— Pode me considerar como um fantasma, que aparece quando é preciso.
— Quem é você?
— Tenho muitos nomes... Pode me chamar de H.
Eu sabia, pelo que o tinha escutado falar com os irmãos, que se chamavam pelos
prefixos, comumente. Eu deveria estar pensando demais, não? Eu ouvia a voz dele ao fundo, mas
não conseguia focar.
Eu tinha me encontrado com Hella Hansen?
Ela tinha salvado a minha vida, anos atrás?
— Esposa!
Pisquei algumas vezes, e olhei em sua direção, totalmente inerente. Por um segundo, até
mesmo acreditando que o tinha escutado chamando pelo meu nome – meu real nome.
— Onde está sua mente?
— Tem alguma foto de Hella?
— Não, era um assunto meio que proibido para nós. Talvez Freya tenha algumas. —
Olhei-o ainda mais confusa. — Por quê?
Neguei com a cabeça. Se ela era um assunto proibido para eles, por que apareceria para
mim?
— Olhos escuros profundos, cabelos castanhos compridos, com apenas uma pequena
parte presa. Um vestido que parecia antigo, como se tirado de filmes históricos, só que curto, e
longas botas que pareciam gastas, assim como o seu rosto... ela parecia realmente cansada.
Vi-me detalhando, tudo o que me lembrava sobre a mulher na floresta.
— Como sabe sobre tudo isso de Hella?
— Ela era assim? — perguntei, e notei o espanto em seu olhar. — Eu... eu conheci uma
mulher, anos atrás, quando... — mal sabia como explicar, sem me entregar. — Ela estava na
floresta Romanov, na verdade, além da fronteira.
— Você a viu.
Assenti, e vi-o piscar algumas vezes, como se incrédulo.
— Ela não aparece para quem não se importa. Ou que não é importante para a família
— ele falou, e meu olhar parou no seu. — Ela matou dois homens, que estavam lá para levar
você... porque eles sabiam sobre nós, e te usariam contra mim.
Vi-o se levantar, e andar de um lado para o outro.
— Meus pais disseram que eram espiões, e que...
— Mentirosos — ele me cortou. — Hella Hansen nunca morreu — assumiu, o que era
bem claro para mim. — Só não diria a verdade, que ela não deixou claro para ninguém além do
nosso povo e família, há pouco tempo.
— Mas eu a vi, anos atrás, por que...
—Por minha causa.
— Não estou entendendo nada.
— Porque eles te usariam contra mim, e ela não deixaria que ninguém machucasse
alguém que eu amava.
Assenti, e vi-me sentindo o gosto amargo de sua confissão. Não era a primeira vez que
ele admitia que amava Irina, mesmo assim, doía tanto quanto antes.
— Agradeça a ela, por mim.
Eu estava de costas, pronta para entrar, e somente parei meus passos.
Eu estava cansada.
Eu tinha chegado ao limite.
Se ele quisesse delatar, e cancelar tudo aquilo, seria um problema grande demais para
contornar. Ele não entregaria que Irina, a mulher que ele amava, tinha fugido dele, e colocado a
irmã em seu lugar. Por uma causa que ele não sabia, contudo, eu estava exausta daquilo.
De sempre parar no mesmo lugar, de que não era eu.
— Diga a ela, que Anastasia Romanov, a agradece... — olhei-o sobre o ombro, e vi seu
semblante mudar. — Já que foi a minha vida que ela salvou naquele dia na floresta, não a de
Irina.
— O que realmente está admitindo, esposa?
— Que Hella Hansen não salvou a vida da sua amada, mas a minha.
Capítulo 33

“Porque aqui estou eu


Estou dando tudo o que posso
Mas tudo o que você faz é estragar as coisas (tudo o que você faz)
Sim, estou bem aqui
Estou tentando deixar claro
Que ter metade de você simplesmente não é o suficiente”[34]

Anastasia
Eu esperei diversas reações.
A primeira, que ele parecesse totalmente incrédulo.
A segunda, que ele ia duvidar por completo.
A terceira, que ele ia rir da minha cara.
Nenhuma delas veio.
Na verdade, ele apenas permaneceu com a mesma expressão no rosto e de repente, um
sorriso se abriu nele.
Ele não parecia estar achando engraçado ou zombando. Pelo que eu via dali, parecia um
sorriso verdadeiro.
— Fiquei me perguntando até quando ia fingir que é Irina, e não ia entender, que eu
estou falando so... sob... re... ca... da... mal... dito segundo, e... — ele então se embolou, e eu
engoli em seco. — Que voc... cê... não... ão...
— Thor, o que...
Ele tentou falar de novo, e pareceu apenas piorar toda a situação. Eu sentia o
nervosismo dele dali, e estava totalmente preocupada, e sem saber o que fazer.
Ele deu três passos à frente, e antes que eu pudesse, falar algo, sua mão veio para a
minha. Ele parou, antes de tocá-la, como se pedindo permissão, e não sabia dizer por que, mas
dei.
Apenas o permiti se expressar, como conseguisse. Ignorando o quanto minha pele
formigava, enquanto ele me levava para dentro consigo, e me fazia subir as escadas e logo em
direção ao seu quarto, que ficava no final do corredor, oposto ao meu.
Quando adentrei aquele ambiente, que sempre evitava reparar, mesmo que fosse ali,
todos os dias, pela primeira vez, percebi alguns detalhes. Foi quando ele parou, me fazendo bater
contra o seu corpo, e vi-o respirar profundamente, como que tentando se recompor.
— Descul... cul...
Me doía vê-lo de uma forma tão vulnerável, por mais que eu também estivesse.
— Me mostra — acabei interferindo, tentando incentivá-lo, e terminar com aquela
sombra que pairava sobre nós.
Ele apenas assentiu.
Então ele soltou minha mão, e a colocou na porta de correr à frente do closet. Era
aquilo? Ele queria me mostrar o que estava ali?
— Eu estou preparada para isso?
Acabei questionando em voz alta. Tanto para mim, quanto para ele, e até para os deuses
nórdicos que estivessem olhando por nós.
Foi quando um raio caiu tão próximo, que consegui vê-lo refletido nas partes de vidro, e
me virei, para ver uma árvore, não muito longe dali, começando a pegar fogo.
Heimdall começou a latir alto no primeiro andar, e eu sabia que não estava inventando
nada diante de mim.
De repente, por mais cética que eu fosse, só pude interpretar como um real sinal, de que
deveria seguir. Se era um sinal do próprio deus nórdico dos trovões ou não, não me importava.
Era simplesmente o que eu precisava.
Como um casamento com contrato com o homem que me rejeitou e que deveria odiar,
me deixou daquela forma?
Corri com a porta para o lado, e foi quando encontrei um closet enorme, que tinha um
espaço lateral claramente ocupado por coisas dele, e do outro lado, absolutamente nada, e no
meio... Paralisei ao olhar para o meio dele: uma sapateira enorme, totalmente seccionada, com
uma caixa colocada bem no alto.
Por quê?
Por que Thor teria um lugar tão grande e espaçoso, todo preparado, para sapatos?
Sempre o via com o mesmo, fosse nas festas no passado, com um que nunca mudava,
fosse no agora, que sempre estava ou de meias pela casa, ou com botas pesadas do lado de fora.
Vi-me ficando na ponta dos pés, e alcançando a caixa, que caiu sobre mim, e vi um
papel voar para longe. Ignorei-o no primeiro momento, e foquei na caixa que eu reconheceria em
qualquer lugar, de uma das minhas marcas de luxo favoritas: Louboutin.
Porém, se parecia com as que via em vídeos na internet, que encomendavam um par
exclusivo e único, sob medida. Contudo, não era algo com que eu tinha contato, por mais
dinheiro que tivesse. Meus pais não eram ligados àquele item de luxo, em especial.
Por que Thor tinha um Louboutin?
Quando abri a caixa, eu fiquei incrédula. Ele era totalmente preto, mas tinha pedrarias
próximas a seu salto, como diamantes negros.
Uma conversa que tive com ele, no passado, me vindo em mente.
— Por que esse salto da sola vermelha?
Ele pareceu genuinamente interessado e eu sorri.
— Foi um presente de aniversário da minha irmã e é meu favorito, da minha marca
favorita... — suspirei fundo. — Meu sonho é ter um preto, o clássico, só que acho que algo ainda
diferente nele, com pedrarias ou... Não sei.
— A graça está na sola vermelha?
— Acho que porque eu amo a marca e porque bom, eu amo vermelho.
Foi quando me virei para o papel que voou, e vi que tinha caído perto em uma das
poucas portas que tinha ali, ripada, mas que me deixou curiosa, e quando abri, vi mais caixas
como aquela que estava em minhas mãos. Várias delas, e... todas tinham a assinatura: A. R. ao
lado.
Foi quando caí sentada, contando a quantidade de caixas, e que se equiparavam a todas
as vezes que nos encontramos no passado. Na verdade, tinham onze a mais. E que poderiam ser...
— Uma para cada ano que ficamos separados, e... — sua voz adentrou o lugar, e eu
estava em choque. — E uma para o nosso casamento.
— Mas está como A e R...
— Anastasia Romanov. — Olhei-o, e vi o medo em seu olhar, mas também, enxerguei a
verdade. — A mulher por quem eu me apaixonei, que eu quebrei o meu próprio coração ao
quebrar o dela, e... eu esperei. Esperei que pudesse ter a chance de consertar as coisas.
— Thor...
— Eu esperei você, Anastasia. — Fiquei totalmente incrédula. — Sempre foi você.
Capítulo 34

“Não há motivos para acreditar que nos salvarei agora


Mas se você realmente me ama, diga agora
Por que é tão difícil entender?
Eu preciso de você todos os dias, acredite em mim quando digo”[35]

Thor
Eu esperei as suas reações – todas elas.
Primeiro, seu olhar arregalado de surpresa e incredulidade.
Segundo, a sua boca se abrindo, e claramente, em choque.
Terceiro, o seu corpo paralisado, como se estivesse digerindo o baque da minha
confissão.
Quarto, a maneira como toda as reações sumiram, e apenas desconfiança ficou em seu
semblante.
— Por que inventar essa historinha toda? — Eu sabia que a última reação tinha vencido. —
Quando descobriu que era eu e simplesmente montou todo esse cenário para...
Ela se calou, como nem sequer sabendo por onde continuar.
Eu estava calado, com meu nervosismo à flor da pele, e sem conseguir me expressar de
maneira correta.
Agradeci a ideia que Odin me deu, quando mais novo, de sempre registrar tudo o que
podia no papel. Mesmo que não seguisse um diário, como ele, eu tinha optado por ter o meu
mundo particular, totalmente escrito, de uma maneira que conseguisse transmitir o que eu
realmente sentia, para quem merecia mais do que minhas falas perdidas.
Caminhei para fora do closet, e fui até a mesa que ficava de frente para a grande vista
panorâmica do quarto, que permitia ver a ilha do alto, e era ainda mais bonita do que a parte do
deck inferior. Peguei o caderno que sempre deixava ali, quando não estava viajando, e me virei
para ir até ela.
Foi no momento em que a vi querer sair do closet, e sua intenção não era ficar ali. Eu
sabia, que poderia, de um jeito ou de outro, ter piorado tudo, sem conseguir me expressar.
— Anastasia...
— Desde quando sabe que sou eu? — rebateu, e parou à minha frente, claramente,
pronta para me enfrentar.
— Sempre — consegui responder, dando tudo de mim para não gaguejar. — Eu... eu
pedi por você.
— Você me rejeitou — pontuou cada palavra e tocou em meu peito com o dedo,
enquanto o fazia. — Você confirmou que amava minha irmã. — Baixei o olhar, ao ver a dor no
dela. — Você pediu por um casamento com Irina.
Ela então afastou o dedo do meu peito, e eu me vi segurando sua mão de leve com a
minha, e colocando o caderno ali.
— O que mais? — indagou, e vi que segurava tudo de si para não quebrar. — Escreveu
algo bonitinho para me entreter e me convencer de que está feliz com a gêmea errada desde o
começo? Para fazer esse casamento valer a pena?
— Apenas leia, por... por... por favor.
Ela suspirou fundo, e se afastou com um safanão do meu toque, mas não largou o caderno. Saiu segundos depois, e
consegui ouvir do meu quarto, a porta do seu, se fechando no final do outro lado do corredor.
Eu sabia que não seria fácil, o dia que admitiria tudo, assim, simplesmente, sem poupar nada. Eu gostaria de ter
conseguido fazer aos poucos, deixando pontas soltas, e que ela tivesse curiosidade em descobrir. Contudo, eu via a dor que
refletia em seus olhos, toda vez que acreditava que eu estava falando da mulher que amava, e essa mulher, não era ela.
Sabia que não podia mais adiar o que também estava se tornando sufocante para mim. E agora, eu só não sabia o que
esperar. E muito menos, com o que contar. Respirei fundo algumas vezes e tentei me acalmar. Precisava da minha voz, para lhe
contar tudo.
Tudo o que ela quisesse.
Tudo o que ela duvidasse.
Tudo o que ela descobrisse.
Absolutamente tudo.
O todo que era eu, que na verdade, sempre pertenceu a tudo que era dela. Mesmo que eu nunca pudesse ter admitido,
ainda. Mesmo que eu não tivesse lhe mostrado claramente, até aquele momento.

Anastasia
A minha cara de trouxa deveria ser realmente a única diferença com a parte idêntica que tinha com Irina. Por que ele
fazia algo assim? Por que ele estava remexendo no fundo do nosso passado? Por que ele tinha que inventar que existia alguma
razão? Por que ele tinha que falar que sempre fui eu?
Vi-me querendo apenas jogar aquele caderno fora, mas a realidade era que estava tão curiosa e a ponto de quebrar, que
apenas aceitei que talvez, ao abri-lo, eu conseguiria permitir que fosse o ponto de ruptura, e nunca mais, voltar para o mesmo
lugar.
E realmente se rompeu, bem ali: Para Anastasia, escrito na última linha pontilhada da primeira folha. O caderno não
era novo e muito menos, a sua caligrafia, mas ainda assim, eu sabia que tudo era possível para alguém como Thor Hansen.
Porém, por que se dar ao trabalho de me enganar? Por que inventar toda uma história romântica e de redenção, no
meio do que era a tragédia iminente daquele casamento?
Virei a página, e vi a data da primeira vez que nos vimos. Fechei os olhos por alguns instantes, sem saber como
suportar, ler os detalhes de tudo aquilo, pelo ponto de vista dele. Por que eu tinha tanto medo? Porque já tinha doído demais,
aceitar que ele amava minha irmã gêmea. Doía até hoje, e duvidava que um dia cicatrizaria. E agora, ali estava uma parte da
história, que contradizia tudo o que tinha me feito sofrer.
Então, por que eu sofri?
Por que ele escolheu me fazer sofrer?
Por que ele levaria a si mesmo, sofrimento?
Tantos “por quês” e todos eles, me deixavam totalmente à mercê dos demônios em minha mente. A realidade, sem ter
qualquer reposta para cada um, que ainda me perseguia, sem qualquer trégua, desde quando tudo entre nós se tornou um
verdadeiro caso de dor, para agora, ser um caso indefinido.
Parei de me perguntar e comecei a ler.
Nunca pensei, que palavras pudessem me desestabilizar de tal maneira, que no segundo seguinte, eu já estava
totalmente imersa, e revisitando partes minhas em uma versão totalmente nova da história – a que ele viveu, pelo ponto de vista
dele.
E de repente, o jeito como aquele caso atingiu Thor Hansen me assustou, porque eu tinha me conformado, que foi
absolutamente unilateral. Contudo, em cada palavra sua, que eu queria acreditar ser mentirosa, eu simplesmente percebia, que
poderia ser facilmente escrito por mim.
Se eu tivesse usado papel e caneta, no passado, para definir como foi conhecê-lo, sabia que poderia ser exatamente
daquela forma. E, de fato, eu já não sabia mais no que acreditar.
Capítulo 35

“Eu já sabia que te amava naquela época, mas você nunca saberia
Porque eu escondi quando estava com medo de te perder
Eu sei que eu precisava de você, mas nunca demonstrei”[36]

Anastasia
Não sei em que momento, mas as lágrimas já desciam por meu rosto, e eu as via pingando no papel, e tentava limpá-
las, totalmente em vão.
— “Eu estava ansioso, para quando ela apareceria. Contando os dias para aquela festa,
mesmo sempre tendo odiado a ideia de estar em uma. A realidade, não era a festa que importava,
mas a companhia. Pela primeira vez, a companhia era a única razão para me fazer sorrir. Porém,
quando ela chegou, por mais bonita que estivesse, percebi no segundo seguinte, que algo estava
errado. Fosse pela forma que meu corpo sequer reagiu, sem implorar para que eu me
aproximasse. Fosse pelo nervosismo em seu rosto, que não a fez levar os dedos até os cabelos,
colocá-los atrás da orelha, e deixar à mostra a pintinha quase imperceptível que ela tinha ali.
Eu sabia que aquela não era Anastasia. Meu corpo gritava para me afastar. Porém, não
sabia como admitir para sua irmã, à minha frente, que eu sabia o que estava acontecendo. Até
que por um instante, me indaguei se aquilo era apenas um jogo para cada uma delas.
E se eu fosse o centro de um jogo entre gêmeas?
Foi frustrante, estar lá, e ela não. Esperando agora, ansiosamente, para a próxima vez,
em que eu possa entender, de algum jeito, se não passava de um jogo para entretê-las, ou se
Anastasia voltaria, e eu me sentiria em paz novamente.
O mais contraditório em mim, é perceber que mesmo já sabendo que ela era Anastasia,
mas se passava por Irina, aquilo nunca foi algo que me intrigou. Até o real momento em que
Irina apareceu, e fingiu dar continuidade, ao que eu tinha criado junto à sua irmã.
Não sabia o que realmente acontecia com as Romanov, porém, me importava apenas em
estar perto daquela que me encantou no primeiro momento que a conheci. Nada mais.
Só queria encontrá-la novamente.”
Li aquele trecho em voz alta, enquanto deixava as lágrimas descerem. Voltei algumas
páginas, praticamente na primeira, para tentar entender, como ele sabia que era eu. Como ele
conseguia ter tanta certeza? Como ele, dentre todas as pessoas que já estiveram ao nosso redor,
pode nos diferenciar?
— “Poderia ser por pertencer à máfia, ou por ser um Hansen. No entanto, eu sabia que
ela estava mentindo, no segundo em que se apresentou. Por mais que já soubesse, mesmo que
por cima, sobre as gêmeas Romanov, nunca imaginei que fosse conseguir, na hora que ela disse
o nome da outra, que eu não estava falando com ela.Cheguei em casa, e gostaria de ter arquivos sobre elas, e
buscar todos os detalhes. Entretanto, não havia nada. Nenhum sinal de qualquer diferenciação mínima sobre elas. Então, eu me
permiti conhecê-la. E eu sabia, a cada vez que a encontrava, que saberia o exato segundo em que a verdadeira Irina Romanov
aparecesse. Contudo, eu só gostaria de ver Anastasia me dizer o seu real nome. Me dizer que era ela, o tempo todo.
Uma necessidade que não sei explicar. Todavia, é o que me mantém pronto e animado
para continuar a escrever sobre isso. Sobre ela.”
Não sei quanto tempo fiquei ali, sentada no tapete, e lendo cada linha, de cada vez que nos encontramos, e temendo
pelo momento que chegaria na última vez que estivemos no mesmo ambiente.
Porém, depois de muitas palavras, eu tinha chegado as que mais gostaria de evitar, mas que naquele instante, se
tornaram cruciais. Não sabia o que era verdade naquilo. E muito menos, o que era uma mentira. Apesar disso, não me vi
simplesmente correndo de qualquer parágrafo.
“Odin me disse que os Hansen lhe deram o ultimato. Um casamento arranjado anos antes, destinado à herdeira dos
Romanov e o segundo herdeiro dos Hansen. Não era algo que me prejudicaria, se não fossem as regras antiquadas que os
Romanov seguiam. Sabia que se Baldur se casasse com Irina, eu jamais poderia estar próximo, romanticamente de Anastasia.
E por mais que eu quisesse, apenas aceitar que ela tinha se tornado uma amiga. A realidade era que ela se tornou uma
necessidade. Eu soube, que não tinha como simplesmente aceitar o que viria, quando ela me levou consigo para aquele labirinto e
fez de toda minha bagunça, algo que ela pudesse organizar.
O medo se apoderou de mim, quando o celular tocou e eu tinha certeza de que Odin sabia o que eu estava fazendo. Por
mais que ela acreditasse que estávamos sozinhos, e era verdade, eu já tinha tido uma conversa com meu irmão mais velho. Ele
sabia dos meus sentimentos por Anastasia. Ele mesmo, sabia que eu não podia tê-los. Porém, como ele, mesmo sendo o chefe da
máfia mais rica do mundo, poderia impedi-los?
Eu pedi para lutar por ela.
Eu pedi para que tivesse a chance de ser aquele, no acordo, que se casaria com a segunda na linha de herdeiras dos
Romanov. Contudo, era um fato de que ninguém as conhecia ainda. E era um fato, que Odin não me poupou.
Ainda mais, quando chegaram notícias sobre uma delas, que foi perseguida, e eu sabia, que pelo tempo que tinha
acontecido, o objetivo sempre foi Anastasia. Ela se tornou um alvo, dos grandes inimigos dos Hansen, por minha culpa.
Sabíamos por cima, que ela tinha sido afastada, justamente, por minha causa.
Era tudo uma grande confusão.
Até que ameaças ainda mais concretas chegaram.
Uma foto dela, de perfil, que mostrava a pintinha que apenas eu gostaria de admirar, no topo da sua orelha, e que veio
embalada em fios vermelhos, representando aqueles que fariam de tudo, até vê-la sangrar, por ser o objetivo de um Hansen.
Foi um verdadeiro pandemônio.
Odin recebeu aquilo no meio de um casamento arranjado. E eu sabia que era o ultimato. Era o que separava as minhas
vontades, dos meus deveres. A minha vontade era ficar com ela. Porém, o meu dever, acima de tudo, era de protegê-la.
E por isso, eu tive que escolher.
Escolher usar do argumento mais baixo e que a repeliria por completo da minha vida.
Escolher quebrar o seu coração, enquanto fazia o mesmo com o meu.
Esconder meu nervosismo, e deixar apenas a parte que foi treinada, falar com a mulher que eu amava.
Sendo que quando ela saiu, após as mentiras que nos cercaram, por minha culpa, eu desabei no corredor daquela
igreja. Quadros indo ao chão, junto comigo, enquanto a dor se tornava maior do que qualquer coisa. O que não pode durar, já que,
o que eu realmente necessitava, era focar em protegê-la.
Encontrá-la sobre o parapeito de uma varanda, tão no alto, quase fez meu coração parar. Ver que ela estava tão
bêbada, que com certeza, não se lembraria que fui eu quem a tirou de lá, me quebrava por dentro. Guardei a minha dor, conforme
ela desmaiava em meus braços e tinha que colocá-la em um local seguro.
Por um segundo, eu simplesmente gostaria de levá-la para minha casa, e fingir que o resto do mundo não existia. Que
nada mais, de fato, importava.
Contudo, existia tanto além de nós, que de repente, nós, não era possível. Não mais. Ela falava à medida que estava
desacordada. Ela me maldizia por todo o caminho. Ela parecia desesperada a cada segundo.
Quando finalmente cheguei, enganando toda sua guarda, levando-a diretamente para o quarto de hotel, e a deitando,
dei-lhe um leve beijo na testa, e permiti que outra lágrima descesse.
Só não imaginei que aquela seria, por muito tempo, a imagem mais próxima que teria dela. E foi o que mais me fez
sangrar. Partir, sabendo que parti o coração dela, enquanto o meu já tinha se partido.”

Deixei o caderno de lado, e a riqueza de detalhes, não poderia ser ignorada. Se no começo eu estava totalmente
desconfiada e incrédula, com raiva e mágoa me conduzindo, no final daquela página, eu estava totalmente desolada e confusa.
Tentei parar as minhas lágrimas, contudo, eu as tinha segurado por tanto tempo, que simplesmente, deixei que fossem livres.
Livres, diferentes do que eu um dia fui.
Diferente do que ele pareceu ter sido.
E de uma forma de outra, naquele instante, eu revivi cada segundo do passado, só que da percepção dele. Os “e se” me
corroendo por dentro, enquanto tentava encontrar uma razão, para que tudo tivesse que ser tão complicado.
Não a encontrei.
E não tinha ideia de onde ela estaria.
Sabia que eu precisava continuar a ler, mas estava destruída por dentro, como se não pudesse sustentar a mim mesma,
para virar aquela página, e descobrir mais.
Mais, seria capaz de me dar uma razão?
Mais, seria o suficiente para que não doesse?
Mais, seria o bastante para que nós fôssemos uma realidade?
Capítulo 36

“E se nós reescrevermos as estrelas?


Diga que você foi feita pra ser minha
Nada poderia nos manter separados
Você será aquela que eu deveria encontrar”[37]

Thor
A espera era angustiante.
Por mais que eu o tivesse feito, por tanto tempo, de repente, qualquer segundo parecia
se tornar uma eternidade. Caminhei para fora do meu quarto e fui em direção ao dela. Agradeci
silenciosamente a bolinha de pelos pretos, que entreabriu a porta, e parecia disposta apenas a me
deixar entrar.
Fiz um carinho na cabeça de Tophe, e resolvi dar uma breve olhada no quarto em que
Anastasia tinha se instalado. Aquele nunca foi o seu quarto, não o que eu realmente tinha
projetado em minha tola mente sonhadora.
Pelo espaço entreaberto da porta, consegui vê-la. Foi quando a encontrei, deitada no
tapete, com o caderno ao seu lado, e claramente, perdida em seu próprio mundo, talvez tentando
acreditar ou quem sabe, duvidar de tudo aquilo.
Ela encarava o teto, totalmente em silêncio.
Era como se eu me visse ali. Depois de tantas vezes, que eu tinha feito o mesmo, apenas
por estar pensando em nós.
Mesmo que “nós” nunca tenha existido.
— Sei que está aí.
Ela falou, e eu suspirei fundo, parado no mesmo lugar. A sua percepção tinha ficado
ainda mais apurada depois daqueles anos.
— Ainda não consegui seguir, depois da parte que diz ter mentido e me machucado,
para me proteger... — assumiu, e eu queria tanto contra-argumentar. Porém, eu sentia a dor em
cada palavra dela. — Nós éramos jovens e estúpidos, e por isso achávamos que o primeiro amor
era um divisor de águas?
Eu não sabia se ela perguntava para mim, ou para si, ou até mesmo, para algo externo,
contudo, eu sabia a minha resposta.
— Foi o meu divisor — admiti, e ela permaneceu olhando o teto. — Não me lembro de
um momento antes de você, que eu não tenha te amado.
— Eu tenho tantos “por quês” e tantos “e ses” que só gostaria de ignorar isso tudo,
esquecer... apagar, como se arrancando da minha memória, do meu peito, da minha história... —
admitiu, e doeu em mim, saber que era o que ela realmente gostaria. — Ao mesmo tempo que,
sempre soube que comédia romântica não seria o meu forte, mas uma quase tragédia romântica
sem final feliz, não me parecia o certo.
— Anastasia...
— Antes de eu continuar a ler — falou, e eu a vi se sentar, e seu olhar parou no meu.
Notei a bagunça que estava em seu rosto: todo vermelho e inchado, claramente de seu próprio
choro.
Doía-me ver o quanto aquilo tudo a atingia, e o fato de que eu era o maior contribuinte
para tal reação.
— Há muito escrito aqui, mas há detalhes que... que eu ignorei ou não percebi, até
agora... — olhei-a, e vi-a respirar fundo. — Rosas vermelhas na aliança. Sabia que eram minhas
favoritas, por que foam nas que mais mexi naquele dia, na varanda?
— Sim — admiti, e ela suspirou fundo.
— O closet com sapatos da minha marca favorita... Sempre soube?
— Sim.
— Todos os testes de comidas, que são minhas favoritas de diferentes culinárias... você
também sabia?
— Sim.
Ela pareceu precisar respirar fundo, como se recompondo.
— O fato de não me chamar pelo nome da minha irmã, e sim, esposa... É por que tinha
medo de dizer o meu nome?
— Tinha medo de que pudesse te machucar mais... — admiti, usando todo meu
autocontrole, para não ir até ela, e trazê-la para os meus braços. — E me mataria por dentro, se
continuasse te chamando por quem não é.
Ela assentiu, para o nada, e vi-a se levantar, deixando o caderno no chão, e indo até a
cama.
— Não sei o que tudo isso significa mais — assumiu, sentada na beira do colchão. —
Eu só queria o fim desses setecentos e poucos dias, e nada mais... Ou que Irina assumisse o seu
posto e... E eu poderia viver minha vida, longe disso.
— Longe de mim, Anastasia?
Não pude evitar a pergunta, e nem a mágoa com a qual saiu.
— Longe do que eu ainda sinto — assentiu, e suspirou fundo. — Longe de me sentir
tão vulnerável... Mas eu corri em círculos, por todo esse tempo, e parei novamente, à sua frente.
— Eu pedi por isso, Anastasia — confessei novamente. — Como eu te disse, fui eu
quem pediu por esse casamento e... Não posso dizer que sinto muito por tentar, nem que fosse a
última vez.
— Vai me dizer que pediu para se casar comigo, desde o início, mas só as pessoas
certas sabem?
— Parece que você leu todo o caderno — soltei, e vi-a suspirar profundamente.
— No meio de tudo isso, do começo, das escolhas, das dores e das tentativas, o que
realmente, enxerga no final?
Foi minha vez de suspirar fundo, enquanto seu olhar parou no meu.
— Você, eu, Tophe e Heimdall... — confessei, e a encarei, profundamente. — Um pôr
do sol, e se você quiser, uma casa cheia de outras partes de nós.
— Você faz parecer tão simples.
— É como eu gostaria que fosse: simples — expliquei. — Mas mesmo que não seja,
não vou aceitar que é complicado demais. Eu quero passar pelo complicado com você.

Anastasia

Eu não queria continuar lendo.


A realidade era que estava me matando, saber de tudo, diretamente por cada sentimento,
no momento exato em que ele o teve.
Se ele se machucou, me sentia machucada.
Se ele esteve feliz, me sentia feliz.
Se ele chorou por tudo, me via chorando ainda mais.
Era uma bagunça de sensações que estava me deixando à flor da pele.
— Por que agora, Thor? Por depois de tantos anos? — indaguei, e suspirei fundo. —
Não há mais perigos e...
— Porque o perigo nunca acaba — assumiu de repente. — Porque eu percebi que
estando perto de você ou não, continuava sendo um alvo, e eu tinha como te proteger estando o
mais perto possível, não extremamente longe.
Via que ele respirava fundo a cada palavra, mas ainda não tinha deixado o nervosismo
tomar conta.
— Fez tudo isso, do casamento, por pena para me proteger?
— Não — respondeu imediatamente, sem hesitar. — Fiz tudo isso, porque eu te amo.
Suas palavras me acertaram por completo.
Mais do que qualquer uma naquele caderno.
Mais do que qualquer outra que ele já tenha me dito.
— Não posso... — vi-o suspirar fundo. — Não posso pedir que sinta o mesmo ou me
perdoe pelo passado, mas eu não posso mais fingir, Anastasia.
— É muito para processar, Thor.
— Bom, temos mais de setecentos dias... — rebateu, um sorriso no canto da boca, mas
que não iluminava seu rosto. Era claro o quão preocupado e agoniado ele estava. — Vou te
deixar a vontade e...
— Eu preciso de um tempo para isso tudo.
Ele assentiu, parecendo concordar, com o que nem eu mesma sabia como seria. Ele saiu
no segundo seguinte, fechando a porta atrás de si, e eu desabei de costas na cama. Olhei de
relance para o caderno no chão, e pensei em pegá-lo, mas estava totalmente abalada.
Não sabia se conseguiria lidar com mais alguma revelação, por mais que a curiosidade
me corroesse.
Levei as mãos ao rosto e pedi forças, para o que fosse, para entender como minha
tragédia romântica se transformou em uma clara novela cheia de plot twist.
Porém, por mais cansada e atormentada que estivesse, não resisti em pegar o caderno, e
o abrir novamente, virando a página em que parei, e entregando tudo na mão dos céus.
Se os deuses nórdicos quisessem me ouvir também, agradeceria. Mesmo sendo cética,
estava aceitando qualquer interferência divina, que pudesse me fazer compreender, o que como
ser humana, parecia apenas demais,
Mais dele.
Mais do passado.
Mais do “nós” que ele também quis.
Mais do que imaginei ter, naquele casamento.
Mais uma versão da verdade.
Capítulo 37

“Depende de você e depende de mim


Ninguém poderia dizer o que conseguimos ser
E por que não reescrevemos as estrelas?
Mudando o mundo para ser nosso”[38]

Thor
Desci diretamente para a academia. Joguei minha camiseta para algum canto e sequer
vesti as luvas. Tudo o que eu precisava, era colocar para fora, de algum jeito, a ansiedade e medo
que me consumiam. A cada segundo que passava, eu sentia que era mais um segundo longe dela.
Depois de dez anos, lutando para poder tê-la de volta, ainda era frustrante, parecer que
eu não tinha feito nada. Ela, com toda certeza, não sabia sobre o que eu tinha feito. E agora, teria
noção de uma parte. Contudo, como explicar que se passaram dez anos e eu ainda parecia preso
aquela varanda?
Que eu ainda pensava em nós, bem naquele lugar, e ouvindo-a contar histórias sobre si
ou sobre o que gostava. Que eu conseguia nos ver, perfeitamente, em retrospectiva. E eu
imaginava, todos os dias, como seria, se tudo tivesse sido diferente. Pedi pela música que a ouvi
cantando da última vez, e a cada palavra, em inglês, eu apenas pensava sobre nós.
Sobre o quanto eu a queria.
Sobre o quanto eu queria poder voltar e consertar as coisas,
Sobre o quanto eu gostaria de conseguir consertar tudo agora.
Porém, como sempre, eu me via estragando tudo.
Fosse, com a minha força.
Fosse, com as minhas palavras.
— “Então eu pedi novamente, como em todo aniversário, pelo casamento com Irina
Romanov, e para minha surpresa, Baldur tinha acabado de renunciar a essa proposta — sua voz
adentrou o lugar, e logo percebi, que eu estava parado, olhando para o nada, e o saco de areia
sem sequer se mexer. — E com isso, pedi um encontro secreto com Irina, antes de tudo. E para
minha outra surpresa, ela concordou. Foi assim, que a encontrei na capital russa, em um café não
muito longe da sua casa, tínhamos cerca de dez minutos, e precisei ser sincero com ela. Ela deu
um soco na minha cara, que ficou marcada por alguns dias, mas disse que me ajudaria. Ela sabia
que eu tinha magoado Anastasia, só não imaginou o quanto. E por isso, nós dois confabulamos
para que fosse Anastasia no altar, e não ela. Um jeito de elas se vingarem dos próprios pais. Um
passo que ela queria dar, para tentar ajudar a irmã a entender que sempre seria a mais importante
e especial em sua vida. Uma maneira de eu buscar a mulher que eu amava.”
— Está quase acabando... — falei, e engoli em seco, sem conseguir encará-la.
— Planejou tudo isso, e ainda tem Irina envolvida...
— Eu não escrevi, mas eu passei esses dez anos, te observando de longe... tentando
cuidar de você, e esperando que qualquer inimigo dos Hansen viesse. Alguns vieram e foram
eliminados. Alguns tentaram, e nunca chegaram perto. Mas eu vi a sua vida acontecer, enquanto
a minha ficou parada, no mesmo lugar, naquela varanda, há dez anos. Quando te tirei daquele
parapeito e...
— Você que me tirou?
Foi quando me virei e a encarei.
— Não se lembra?
— Tenho flashes, de você perguntando se era Irina ou Anastasia, de eu perguntando o
porquê de ter sido legal comigo e chorando, e depois, você apenas me deixando lá, sozinha, e
saindo... Tudo se torna um borrão, logo depois.
— Você realmente bebeu muito naquela noite — falei, e ela me encarou, claramente
tentando entender.
— Eu te tirei do parapeito, totalmente desesperado, e depois de perguntar o porquê fui
legal com você, simplesmente apagou nos meus braços — fui honesto. — Essa outra conversa,
jamais existiu.
— Mas...
Ela pareceu duvidar de si mesma.
— Por que você chutaria cachorro morto, não é? — indagou, e eu assenti, com uma
carranca no rosto. — Eu pensei que só queria me magoar ainda mais, por ter substituído a irmã
que você queria e... No fim, você quem me levou embora?
— Sim, e no dia seguinte, chegou uma carta dos Romanov, anunciando sobre um jantar
importante...
— O jantar que eles deram, para nos punir, e contar ao resto das máfias e cartéis, que
éramos gêmeas... Deixar-me à vista de todos. — Suspirou fundo, fazendo uma careta.
— Foi aí, que eu vi, que além de ter o lado da minha família que estava te condenando
ao pior, estava influenciando diretamente em como a sua família te tratava...
— Dos poucos minutos que teve com Irina para acertarem sobre esse casamento falso,
com certeza, deve ter percebido que nossa família sempre nos tratou como quis. — Soltou o ar
com força. — Não os vejo como minha família há muito tempo. Demorou para cicatrizar essa
ferida, mas o fiz. E entendi que o sangue não é mais forte do que o sentimento. Por isso,
concordei em substituir Irina, pelo tempo que fosse. Mesmo que isso consistisse em passá-los
para trás, pelo resto dos seus dias. O fato de pais não fazerem questão de diferenciar as próprias
filhas... demoramos muito para retribuir.
— Sinto muito — foi tudo o que pude dizer. — Venho de um lugar onde minha mãe foi
morta e meu pai, nunca poderia ser chamado assim... Mas meus irmãos sempre me deram um lar.
Sempre soube o que era família.
— É o que Irina significa para mim, e por isso, eu estou aqui — admitiu. — E por isso,
ela me fez estar aqui, porque ela me ama e queria que eu fosse feliz.
— Pelo soco que ela me deu, eu consegui notar — falei, tentando aliviar a tensão, e vi-a
abrir um sorriso no canto da boca, o qual, o brilho não chegou aos seus olhos.
— E aqui estamos nós...
— E aqui estamos nós...
Repeti sua fala, depois de vários minutos, apenas a encarando, e ela encarando o nada.
— E eu deveria te odiar... — falou de repente, o seu olhar voltando para o meu. — Mas
como se odeia alguém que passou por todo o inferno de ser o vilão, apenas para que eu ficasse
segura?
Apenas respirei fundo, sem saber o que dizer ou como reagir.
— Se eu te dissesse agora que somos um prazo de validade marcado, e que daqui a
setecentos e poucos dias, vamos terminar isso e nunca mais nos ver... O que você faria?
Me doía, apenas imaginar aquilo.
— É mais do que o nada, Anastasia — assumi. — E eu vou respeitar, qualquer decisão
que tome, em nome da sua felicidade.
— E a sua felicidade, Thor?
— Está bem aqui, à minha frente, respirando, e me tem ao redor dos seus dedos, como
sempre... — assumi, e sorri para ela, feliz pelo lado de finalmente ser sincero, destruído pelo lado
de que a conta poderia ser muito alta. — Não precisa ter pena de mim, Anastasia. Eu estou
exatamente onde quero estar.
— Me esperando?
— Como eu disse antes, é o que sempre fiz... — dei de ombros. — Eu espero o quanto
for necessário, nessa e em outras vidas... quantas delas, forem necessárias.
— Eu deveria te odiar...
Dei dois passos para a frente.
— Deveria — concordei, feliz por estar tendo controle da minha fala.
A questão era que eu não estava nervoso, no fundo, me sentia totalmente enérgico.
— Eu deveria socar a sua cara...
Deu mais dois passos para perto.
— Os dois lados, se quiser.
Ela suspirou fundo, e não disse nada, mas ficou a um fio de cabelo de distância de mim.
— Eu senti a sua falta...
Minha vez de suspirar fundo, e me segurar para não levar as mãos até ela, e trazê-la
para os meus braços.
— Eu senti tanto a sua falta, mesmo acreditando que amava outra pessoa, e pior, a
pessoa mais importante da minha vida. — Soltou o ar com força enquanto encarava o chão. — O
que eu faria, se soubesse, desde sempre, que fez tudo isso para me proteger, e porque...
— Porque eu te amo — complementei, o que ainda parecia difícil demais para ela.
— Acho que estive naquela varanda também por todo esse tempo, esperando que você
aparecesse e me dissesse, cada palavra que eu li... Eu não sabia que esperava por isso e nem que
estava lá. — Olhei-me novamente e uma lágrima desceu por seu rosto. — E no fim, você sempre
esteve lá comigo.
Foi quando senti suas mãos ao redor do meu corpo, e puxei-a firmemente para mim.
Um abraço que eu necessitava, por todo aquele tempo. Por cada dia da minha vida, imaginando
como seria, se tudo apenas fosse simples. Se nós, não fôssemos delineados e delimitados por
nossos próprios sobrenomes. Se pudesse, ao menos, entrar em uma bagunça – só que juntos.
Seu cheiro atingiu todo meu ser, assim como, gostaria de marcar seus dígitos na minha
pele. Não sei por quanto tempo ficamos ali, apenas presos um no outro, porém, eu tinha certeza
de que gostaria de ficar assim, daquela maneira, sempre.
Capítulo 38

“Eu quero secar aquelas lágrimas, beijar aqueles lábios


Isso é tudo que eu tenho pensando
Porque uma luz acendeu quando eu ouvi aquela música
E eu quero que você a cante de novo”[39]

Anastasia
Tinha jogado todas as minhas inseguranças, medos, demônios e dúvidas, bem para
longe, para que não tivessem a chance de me paralisar, como sempre o faziam. Nos braços dele,
do jeito que eu me condenei por tantas vezes, de querer estar novamente, finalmente, eu senti um
pequeno vislumbre, do que era liberdade.
Eu não estava me importando com o que a máfia pensava.
Eu não estava questionando se aquilo era o certo ou errado para os outros.
Eu não estava inviabilizando tudo, antes mesmo que pudesse acontecer.
Não, eu apenas estava em seus braços.
Não sei ao certo, em que momento, o meu corpo apenas subiu mais para o seu, e eu
estava em seu colo, como se não pesasse absolutamente nada, e com minhas lágrimas já secando
em seu ombro.
— Queria somente poder pedir para que ficasse aqui, assim, para sempre... — senti sua
respiração contra o meu pescoço, e a maneira como ele parecia necessitar da minha presença, do
meu cheiro.
Como eu nunca pensei daquela forma antes?
Como eu tinha, simplesmente, não dado a chance ao azar?
A questão era que eu até tinha levantado hipóteses, dezenas delas, durante aqueles anos,
mas sempre que o fazia, voltava para um lugar que não me fazia bem. Voltava a sentir a mesma
dor, e culpar-me por me permitir estar assim. Então, foi quando tentei parar de pensar.
E quanto mais eu tentava não pensar, mas estava ele, em meus sonhos, sorrindo como
se aquele fosse o meu poder sobre ele.
E dez anos depois, ali estava eu, descobrindo que sim. Era o meu poder sobre o homem
que eu tanto tentei odiar.
— Acho que Tophe e Heimdall ficariam bravos, se não voltássemos para colocar a
ração deles... — falei, e senti seu sorriso contra minha pele, mas ainda me negava a soltá-lo. —
Posso ficar aqui, só um pouco mais?
— Pode ficar sobre mim, quando quiser — falou, seu tom um pouco mais baixo, e senti
suas mãos firmes em minhas costas, me apoiando.
Ele conseguia me segurar, apenas presa ao seu corpo, sem qualquer esforço. O fato de
ele ser tão maior que eu, em todos os sentidos, sempre me deixou totalmente abalada. E agora,
depois de tanto tempo, ele ainda estava maior. Muito maior.
Suspirei pesadamente, e vi os pelinhos de seu pescoço se arrepiarem. Era bom saber que
não era só eu perdendo a própria mente ali.
O barulho de latidos e miados altos, fez com que separasse meu rosto de seu pescoço, e
me preocupasse. Tentei descer do seu corpo, para pegar o elevador, mas ele me impediu, me
mantendo firme, com apenas uma das mãos.
— Pode ficar sobre mim, enquanto vamos ver o que esses encrenqueiros estão
querendo...
— Mas, Thor...
Ele levou a outra mão livre à minha cabeça, e me fez voltar para a curva do seu
pescoço. Ele parecia necessitar daquele toque, o tanto quanto eu.
Vi-nos pelo reflexo do espelho do elevador, e a maneira como estava totalmente envolta
por ele. O que me levou a pensamentos que fizeram, com que minhas pernas, involuntariamente,
tentassem se encostar.
Alguém poderia culpar uma virgem de vinte e sete anos, por desejar um homem gostoso
como aquele, que claramente, mataria e morreria por si?
— E não me chame de Thor — pediu de repente, enquanto as portas se abriam. — Seu
marido é o melhor nome que já tive.
— Nunca pensei que algo ganharia de um nome dado em homenagem a um deus... —
falei, e afastei minha cabeça do seu pescoço, para encará-lo.
— Ganha facilmente — admitiu. — Ter o nome de um deus não me faz menos humano,
e de você, menos minha dona — assumiu, e eu senti meu coração quase sair pela boca, e todo
meu rosto esquentar.
Nossos lábios estavam tão perto, e simplesmente, o mundo ao redor, parecia ficar em
silêncio. Pelo menos, não tinham latidos ou miados, e nada mais, de fato, importava.
Como seria o gosto dele, depois de tanto tempo?
Como seria, tê-lo novamente e me negar, de todas as formas, a deixá-lo ir?
Foi quando parei de pensar, e vi que ele fez o mesmo, uma de suas mão segurando meu
queixo.
— Será que eu to atrapalhando o casalzinho aí?
A voz masculina, até então, praticamente desconhecida, me fez dar um pulo para trás, e
quase cair do colo de Thor, que se não tivesse reflexo, teria me deixado despencar dali. Ele me
desceu com cuidado, antes de eu conseguir dar passos para a sala de estar, e ver o seu irmão mais
novo – Loki, escondido atrás de uma planta, e notei o vergão em seu braço direito, e Tophe
arregalando os dentes para ele, enquanto Heimdall estava de guarda, atrás dela.
— Pelos deuses, Tophe!
— Que o verdadeiro Loki não me veja passando medo e susto para uma criaturinha de
poucos centímetros — ele falou, e eu a trouxe para o meu colo, assim como puxei Heimdall para
longe. — Até a luzinha?
— Ele obedece mais a ela do que a mim.
Thor falou, e se aproximou do irmão, que tinha um sorriso cínico no canto da boca.
— O que faz aqui, irmão?
— Surtando? — ele rebateu, enquanto eu acalmava os animais, e via Thor claramente
confuso. — É que eu não pensei que já estariam nesse estágio, aí, como sua ilha fica perto, e...
— Corta o papo, e fala — Thor foi incisivo, e o homem pareceu suspirar fundo e saber
que não tinha como mentir ou fugir.
— Tô fodido — admitiu, e eu parecia presa a uma novela que não me pertencia, pela
primeira vez. — Lembra da mais nova dos Ramesses e...
— Isis? — indaguei, vendo que os dois pareciam confusos.
— Isso — ele concordou. — Então...
— Não me diga que engravidou a única filha da máfia egípcia?
— Na verdade, eu só sou o mensageiro...
— Como assim?
Eu estava quase entrando na conversa, e indagando também.
— Tyr... — ele falou e suspirou fundo. — Nosso irmão mais centrado e cuidadoso,
engravidou Isis Ramesses.
Eu abri a boca, embasbacada, enquanto Thor parecia incrédulo.
— Aliás, como vai, cunhadinha? — indagou de repente, aproximando-se, e tanto
Heimdall quanto Tophe o ameaçaram, ficando à minha frente. — Acho que é o lado de ser a
dona do dono do bicho.
— Isso não faz sentido algum — Thor falou, ignorando a última fala dele em minha
direção.
— Foi o que eu disse a ele, mas... mas ele tá marcando um casamento e Odin está quase
arrebentando a cara do chefe da outra máfia, fora que Hella colocou medo em todo lugar e Vidar
está tentando segurar a onda, mas ele vai acabar batendo em cada irmão mais velho da pobre
garota.
— Conheço um deles, e quebrei os dedos dele em uma festa.
— Na nossa festa de casamento — corrigi-o, e Thor me mandou um olhar orgulhoso.
— Então, como Freya me desafiou a desafiar todos e vir te contar, mesmo sendo sua lua
de mel, eu estou aqui — falou, e se jogou no sofá. — Estou contando meus pontos com a nossa
caçula.
— Tudo pela fofoca, Loki?
— Tudo pela fofoca da família, Th — rebateu, e eu ri baixinho, vendo como interagiam.
— Aliás, fico feliz que tenham se entendido, já não aguentava mais Thor bebendo hidromel e
falando horas e horas sobre como Anastasia ficaria mais bonita com o sobrenome Han...
Apenas vi Thor levar uma das mãos à boca do irmão e o calar, o qual riu debaixo dela, e
eu acabei fazendo o mesmo.
— Vá para casa, Loki.
— E eu pensando que família vinha em primeiro lugar — fingiu-se de ofendido e se
levantou, dando-me um leve aceno de cabeça. — Enfim, vai precisar de sorte, cunhadinha, na
bagunça que se enfiou... Então, sorte!
Ele deu um tapa nas costas de Thor, que lhe acertou um soco, que quase o fez cair sobre
uma das plantas.
— Preciso tirá-lo da lista de digitais e faciais que entram em minha casa.
Thor falou, assim o irmão saiu, e eu sorri, deixando os nossos animais soltos
novamente, sem chamá-los de volta.
— Ele parece legal... Bom, o deus da trapaça?
— Ele é o deus da fofoca, com toda certeza. — Ri alto, me levantando, e me vi indo
diretamente para Thor, e seus braços que me esperavam abertos. — Já temos nossa própria
confusão, mas posso te pedir, para ir comigo, verificar o que está acontecendo com Tyr?
— Bom, vamos ver os outros se resolverem, ou tentarem, até que chegue nossa vez... —
falei, sentindo o seu cheiro. — Vai ser mais do que uma fofoca, o fato de que Thor Hansen não
se casou com Irina Romanov, mas sim, com a gêmea.
— Isso depende...
Afastei-me um pouco dele, que levou suas mão ao meu rosto.
— Depende se vai aceitar meu pedido, de um casamento verdadeiro, e ser realmente, a
minha esposa.
— Está mesmo pensando nisso? — indaguei surpresa.
— Não me lembro de um tempo, em que não pensei.
Suspirei fundo, e levei minhas mãos ao seu pescoço.
— Posso pedir um beijo, sem pensar demais? Sem sofrer mais? — indaguei, e ele
sorriu, puxando-me para si, e levantando-me em seu colo, para depois se sentar no sofá atrás de
nós.
— Não precisa me pedir nada, Anastasia — falou, e colocou a mecha do meu cabelo
que caiu na frente do olho, e tocou a pintinha que mal existia, bem ali. — Você pode tomar... o
que quiser.
— Não devia dizer isso a uma mulher que tentou te odiar por tantos anos, e não
conseguiu...
— Eu digo isso, para a minha dona, ninguém mais.
Seus lábios estavam tão próximos, que sentia sua respiração. E tudo o que eu conseguia
pensar, era em como, facilmente, ele me embriagava. E aceitei.
Aceitei, que era aquilo que eu queria.
Aceitei, que eu tinha acreditado em cada palavra escrita e dita.
Aceitei, que eu queria a chance de viver o amor que pensei que nunca foi meu – mas
sempre quis.
Aceitei que o seu beijo era meu, assim como, o meu lhe pertencia.
E nada mais importava...
Nem mesmo, a bagunça que éramos.
Capítulo 39

“Tenho grandes expectativas


Assim como você
E que a verdade seja dita
Nós temos coisas a perder (coisas a perder)
Não posso sumir
Não como de costume
Porque estou pronto pro seu amor”[40]

Anastasia
Pensei que iríamos direto para o seu jatinho e o outro lado do mundo. Porém, tínhamos
ido de fato, direto para sua cama, no andar de cima, e não sabia em que lugar da casa, minhas
roupas tinham ido parar.
Quando os corpos falam mais do que qualquer coisa, e tudo, definitivamente tudo, se
torna silenciado.
Eu já tinha imaginado várias vezes, em recorrentes sonhos acordada ou até mesmo,
dormindo, em como seria a minha primeira vez. Em uma vida forjada por regras, etiqueta e
punições, eu sempre me permiti ser livre, para saber se um dia, realmente estaria com alguém
que desejava.
Me negaria ao fazê-lo com alguém que não desejava.
Mas a sorte de o fazer, com quem foi meu primeiro amor e ainda o era, não era algo que
teria. Apenas queria que fosse alguém que desejava. Mas era ele. Ele, acima de cima, com sua
boca, passando por cada parte do meu corpo, como se me mapeando com ela.
Minhas mãos se perdendo, assim como o meu fôlego, ao delinear cada músculo dele,
que reagia sob o meu toque. Sua boca voltando para a minha, quando deixei minhas unhas
cravarem em suas costas, e ele rosnou em minha boca, um barulho que engoli, assim como
engolia meus gemidos.
Nunca pensei que me tornaria uma bagunça molhada. Fosse pelo tempo que esperei, ou
pela maneira que ele testava cada parte do meu corpo, como se tentando descobrir o que eu
gostava – o que eu mais queria. Nem eu sabia, mas ele estava disposto a o fazer.
Sem palavras.
Apenas nós dois, e os gemidos que preenchiam o quarto.
O suor escorrendo por sua pele, assim como pela minha.
A maneira como ficamos nus, sem nos importamos com nada mais. Talvez, porque já
tínhamos o ficado, de tal maneira, com nossas almas totalmente expostas, uma para o outro.
— Precisa me dizer... — sua voz soou um tom mais baixo e eu estava quase gemendo
pela maneira como seus lábios pairavam sobre os meus, e eu os queria.
— O que?
— Se realmente quer isso. — olhou-me profundamente, uma mão em meu queixo,
segurando-o firmemente. — Se realmente quer...
Vi-me tirando minhas mãos de suas costas, e levando uma até onde ele mais precisava
de mim. A minha experiência sendo baseada em livros eróticos, mas tudo o que eu precisava, era
do arfar rouco que ele me entregou, assim que o toquei.
— Anastasia...
— O que? — indaguei, colocando mais força e sendo mais rápido.
Se era o certo ou não, eu não sabia. Porém, eu observava suas reações, e parecia estar
no caminho certo.
— Precisa parar... —pediu, e levou uma mão até a minha, impedindo-me.
—Por quê? — indaguei, confusa, e acreditando que tinha feito algo errado.
— Porque eu não quero gozar até estar dentro de você.
A sua voz rouca, em uma mistura de russo com dinamarquês, algo que só nós dois
parecíamos encontrar sentido, fez-me fechar os olhos, eu imaginar como seria, senti-lo se
desfazendo dentro de mim.
— Eu esperei dez anos por isso... — abri os olhos, sem conseguir acreditar no que ele
dizia. — Para poder me entregar e ter quem eu queria...
— Está me dizendo que... estamos prestes a perder a virgindade juntos? Com os dois,
praticamente na casa dos trinta? — eu estava incrédula e eufórica, e ele riu de lado, dando-me
um rápido beijo nos lábios, e assentiu.
— Por que eu teria outra pessoa, se eu já tinha encontrado a minha?
— Tão arrogante... — falei, e então levei a mão novamente a ele, guiando-a até mim, e
nós dois parecíamos tentar acertar. — Tão cafona...
— Diga isso, quando gemer o meu nome.
E então, ele começou a entrar em mim.
Por mais que ele fosse virgem também, era óbvio que ele tinha uma dominância nata, e
sua boca suja, era um lado que eu gostaria de guardar. E saber que era só minha, fazia-me sentir
ainda mais molhada.
Ele era meu, por completo.
Eu era dele, tudo o que eu queria.
Senti a dor me tomar por um momento, e puxei a respiração, sabendo que não tinha
como ser diferente. Demorei para abrir meus olhos novamente, e sentia seus beijos por todo meu
rosto, e uma de suas mãos tentando me fazer focar apenas no prazer.
Quando abri os olhos, notei o quanto ele também parecia com dor, mas claramente, era
pelo que se segurava. Suspirei fundo, e testei uma, duas, três vezes, vendo-o fechar os olhos,
cada vez que o fazia.
Foi então que sorri para ele, e lhe dei vários beijos no rosto.
— Pode se mexer agora.
Ele sorriu contra os meus lábios, e então testou o primeiro movimento. Tudo ali era
novo, para ambos. E de tudo o que já tinha imaginado, a realidade, de como era a minha primeira
vez, nunca seria capaz.
As mãos dele me segurando, tornando-me sua.
As minhas unhas o marcando, o reivindicando como meu.
Capítulo 40


Eu vou te acordar com café da manhã na cama
Eu vou te levar café com um beijo na sua cabeça
E vou levar as crianças para a escola, me despedirei delas
E agradecerei minha estrela da sorte por aquela noite”[41]

Anastasia
— Será que o paraíso é assim? — perguntei, quando ele colocou um roupão grande e
bem grosso sobre mim, que simplesmente, estava testando as minhas pernas novamente.
Indo até a varanda que ele tinha feito em seu quarto, que eu já tinha estado, mas nunca
imaginei como seria, estar ali e sentir que pertencia. Os seus braços vieram ao meu redor,
cobrindo-me consigo, enquanto meu olhar se perdia em encarar a vista, da natureza, a areia da
praia, o mar contra as pedras.
— Eu sonhei com ele algumas vezes, e era exatamente assim. — falou, e eu sorri,
encostando a cabeça em seu ombro.
— E eu dizendo que precisava de tempo... — zombei de mim mesma. — Depois de dez
anos... Aqui estou eu, sem conseguir pensar em algo que não seja nós.
— Fico feliz. — Ele falou, dando um leve beijo em meu rosto. — Estava com medo de
que os dias passassem, e eu não tivesse qualquer resposta.
— Ainda tenho algumas pontas para amarrar, mas a que realmente me importa, de
verdade, é que você fez isso por mim... por nós. — falei, virando-me para ele, e senti seu queixo
sobre minha cabeça. — Enquanto eu estava cega te odiando, você estava fazendo tudo isso, por
nós... até a sua casa, fez partes que são para mim... — suspirei fundo. — Como não percebi?
— Acho que tinha medo de enxergar, que eu menti naquela época, e ter que enfrentar a
verdade de que eu escolhi te machucar...
— Só lembro de te raiva, e de...
— Desculpe. — falou, e me afastei, para encará-lo. — Quero pedir perdão, pelo que
disse há dez anos, por ter dito que era patética, quando tinha dito tudo o que eu mais sonhei
ouvir...
— Talvez eu seja patética, por não ter percebido que você estava mentindo. — bati
contra seu braço e ele sorriu. — Quero que me perdoe por isso, por... por não ter tentando
enxergar, e agido como uma mafiosa de verdade, investigado tudo a fundo.
— Não ia achar a verdade.
— Mas pelo menos, eu teria tentado.
— Você estava lindando com a sua dor, e eu com a minha... — assumiu, e tocou meu
rosto. — Podemos lidar com o que realmente sentimos agora?
Assenti, e dei-lhe um leve beijo.
— Estou com fome. — admiti, e ele sorriu de lado. — E preciso ligar para minha irmã.
— Vou descer e preparar algo, enquanto liga para ela...
— Obrigada. — falei, e ele me deu um último beijo, antes de se afastar.
Procurei pelo meu celular, pelo seu quarto, e o encontrei jogado debaixo da cama, sem
sequer saber como foi parar ali.
Cliquei em uma vídeo chamada com Irina, e estranhei quando me atendeu, e eu
reconheci facilmente os carros estacionados que a câmera dela filmava, em vez de si.
— O que...
— Não me odeie, mas vim pela ideia do irmão mais novo do Thor, e estou presa nessa
garagem que é um hall de entrada há horas, porque ele diz que estaria atrapalhando...
— Irina, você...
Foi quando Thor voltou a porta do quarto, e pegou minha mão, só que meu corpo todo
estava dolorido. Sorri quando simplesmente me levantou em seu colo, e eu apenas desfiz a
ligação com minha irmã. Assim, Thor me levou até o elevador, ainda em seu colo, e ele negou
com a cabeça.
— Loki entrou nas minhas câmeras e alarmes, para não descobrir que tinha outra pessoa
aqui... No caso, sua irmã.
— Realmente, merece o nome do deus que leva.
— Vou socar a cara dele. — falou, e quando o elevador parou, vi-me querendo pular do
colo de Thor, que me impediu, e me ajudou a descer com cuidado.
Agora, era uma das poucas vezes que eu estava descalça e pouco me importante.
Felizmente, Irina correu mais rápido que eu, e me encontrou antes que eu sentisse a dor nas
pernas se tornar insuportável.
— Um roupão, cabelos bagunçados, pele bonita...
Ela então se afastou e me olhou por inteira, e me abraçou forte de novo, e reclamei pelo
meu corpo dolorido.
— Por que... Por que está aqui?
— Porque parecia que não ia sair do lugar, e eu estava pronta para dar um empurrão...
aparecendo de surpresa, acusando você de usurpadora, como na novela que gosta...
Eu ri alto, enquanto ela sorria abertamente.
— Mas parece que cheguei na hora certa?
— Ele... Ele me disse a verdade. — assumi.
— E...
— E a gente transou e estamos levando? — indaguei, e Irina bateu contra meu ombro, o
que me fez revidar, e bater várias vezes contra os dela. — Como que faz tudo isso por minhas
costas?
— Sou sua gêmea, precisava agir. — falou, rindo enquanto me segurava. — Além do
que, agiu pelas minhas, quando não me contou a verdade anos atrás... — de repente, estávamos
em um a um. — E novidade, eu ameacei nossos pais antes de vir, então...
— O que...
— Contei a eles que eu nunca me casei com Thor Hansen, e que quem casou foi você...
E que se eles tentassem atrapalhar quando resolvessem se casar de verdade, eu renunciaria a
herança, e você também, então eles ficariam sem herdeiros. — olhei-a incrédula. — Agregue o
fato de que todo o conselho Romanov está do meu lado, e do seu...
— Mas...
— Mas nada. — cortou-me. — Aliás, se quiser mandar eles se foderem, como tem feito
nos últimos dez anos, eu adoraria.
— Irina...
— Eu não preciso mais me casar para herdar a máfia, e você, pode se casar com o
homem que te ama, e que se fizer alguma merda, eu vou realmente socar a cara dele até que só
veja sangue... — ela aumentou o tom de voz no final, e foi quando me virei, e encontrei Thor há
alguns passos dali, com Loki a sua frente, com a mão no estômago, e realmente, deveria ter
levado um soco.
— Sabe né, que agora, a gente, não é apenas nós duas né? — indagou, e eu sorri, vendo
tudo o que ela fazia por mim, assim como, tudo o que eu tinha feito por ela. — Eu tolero um cara
que fez o que ele fez, para sua proteção.
— Obrigada, cunhada.
Ouvi a voz de Thor, que ainda parecia impedir Loki de se aproximar.
— Não sabemos se vai dar certo, só... — dei de ombros. — Vamos viver, o que não
pudemos antes... E quem sabe, um dia, essa aliança no meu dedo, seja a minha de fato.
— Vocês são tão...
— Enjoativos, né? — Loki indagou, aproximando-se.
— Eu ia dizer fofos, mas... isso serve. — sorri para ela, quando senti os braços de Thor
ao redor da minha cintura. — Bom, eu acho que mereço uma ótima refeição depois de vir do
outro lado do mundo e aguentar o pior dos Hansen por todo caminho.
— Ei...
— É a primeira vez que vejo meu irmão mais novo sem fala. — Thor sussurrou em
minha orelha, e eu sorri de lado. — Eu ia preparar algo para comermos, posso incluí-los.
— Melhor, o quanto mais enrolar aqui, mais eu demoro para voltar para a loucura que
está o centro familiar Hansen.
— Como se você fosse normal.
Irina 2, Loki 0.
Thor riu em minha orelha, e então me virou para si, puxando-me para o seu colo.
— Eles são...
— Ridículos de tão bonitos... — Loki complementou, e vi Irina assentir.
Quando o elevador chegou, Thor me colocou no chão, e Heimdall que estava
esperando, simplesmente correu e se escondeu atrás do sofá. Tophe, como boa defensora do
irmão mais velho -novo cargo que conquistou, arreganhou os dentes e parecia pronta para atacar
Loki novamente, que se escondeu atrás de Irina.
— Como vai odiadora número um do mundo, e não da minha irmã?
— E ela ama Thor. — complementei.
— Tal dona, tal bichinho.
— Aliás, eu trouxe seu sachê favorito...
Aquele era o jeito de Irina ganhar Tophe, mesmo que levasse alguns arranhões pelo
caminho. Segui Thor até a cozinha, e não pude deixar de suspirar, ao vê-lo tão a vontade, em sua
calça de moletom e camisetas cinza, os pés descalços, e um sorriso no rosto, enquanto pegava
ingredientes pela cozinha.
— Pode ser sempre assim? — perguntei, aproximando-me dele, que me encarou
profundamente.
— Uma bagunça que nós dois queremos lutar para ter? — indagou, como se lesse meus
pensamentos e conseguisse organizá-los como ninguém.
Seus lábios vieram para os meus, e eu soube, que nada mais precisava ser dito, mas
ainda assim, eu queria lhe entregar em palavras, tudo o que eu guardei por aqueles anos. Tudo
que ninguém mais alcançou dentro de mim, mas ele o fez.
— Eu te amo...
Seu corpo travou a frente do meu, e eu sorri para ele.
— Vamos fazer essa bagunça dar certo... juntos?
— Juntos, Anastasia. — ele encostou nossas testas e eu sorri. — De agora em diante,
juntos.
Ouvi o latido alto de Heimdall e o barulho de algo quebrando. Tophe miando e o grito
de Loki Hansen.
— Heimdall! Tophe! — gritei, tentando me afastando de Thor, que me segurou pela
cintura e deixou dois beijos, antes me deixar sair.
Eu que sempre clamei pelo simples, me vi apaixonada e feliz, com a bagunça. Com o
que ele me trazia. Com o que nós dois, tínhamos encontrado, de um jeito ou de outro: o nosso
próprio lugar. E ele era, felizmente, um do lado do outro.
Nota II

E aqui estamos!!!
Acho que eu poderia escrever infinitamente sobre eles... mas ainda, temos os outros
Hansen para dar as caras. Na continha de 3/8, estamos quase chegando na metade dessa família.
E ainda estamos outros mafiosos aparecendo. Ai ai, como será ter um ponto final?
Vamos acompanhar mais de Anastasia e Thor, nos outros livros, e quem sabe, um
futuro bônus deles. Acho que eles merecem, né?
Se estiver animada como eu, pelos outros deles, e por eles, não esqueça de deixar sua
avaliação aqui na amazon e me acompanhar nas redes sociais.
Obrigada de todo coração por dar uma chance a eles
Obrigada por dar uma chance ao meu trabalho e sonhos, que eles levaram consigo...
Espero que até a próximo Hansen, ou quem sabe, um cowboy...

Com amor,
Aline
UMA FILHA PARA O MAFIOSO QUE NÃO ME AMA

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SINOPSE
Um ditado que caiu com dor em seu colo: Baldur que amava Hari que amava Kalel que amava Lea que amava
Baldur.
Ele, um dos primeiros no comando da máfia escandinava.
Ela, uma traidora que condenou um homem de uma máfia rival.
Ele, precisa dela para descobrir o que aconteceu.
Ela, se torna uma prisioneira, dentro de um castelo em uma ilha.
Ele, acaba se envolvendo com Lea.
Ela, acaba tendo uma filha com o mafioso que não a ama.
UM FILHO SURPRESA PARA O CEO

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SINOPSE
Ela, uma das herdeiras da máfia escandinava.
Ele, um homem comum, CEO de uma empresa no Brasil.
Eles se conheceram em uma praia.
Eles se apaixonaram nesse mesmo lugar.
Ela, simplesmente desapareceu.
Ele, descobre que ela pertence a máfia.
Ela, foi embora da vida dele, grávida.
Ele, depois de dois anos, tem uma surpresa ainda maior: o próprio filho
Torres-Reis-Kang-Esteves

UMA GRAVIDEZ INESPERADA


Família Torres – Livro 1

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SINOPSE
Se no meio do caminho de algumas pessoas tem uma pedra, no meio do caminho de Maria Beatriz, sempre
teve Inácio. O herdeiro da fazenda que fica ao lado das antigas terras de sua família, tornou-se um homem bruto e fechado, que
quando aparece na sua frente, ela já sabe que só pode ser problema ou alguma proposta indecorosa. Maldito peão velho!
Inácio Torres é um homem de poucas palavras, mas que vê em uma mulher tagarela, a oportunidade perfeita. Mabi
precisa de dinheiro, ele o tem. Ele precisa de um casamento falso, e ela é a escolha perfeita. Porém, a única coisa que recebe de
Mabi, como sempre, é uma negativa. Maldita criança sonhadora!
No meio das voltas que a vida dá, uma noite de prazer os marca. E a consequência será muito maior que o
arrependimento: UMA GRAVIDEZ INESPERADA.
CEO INESPERADO – meu ex-melhor amigo
Família Torres – Livro 2

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SINOPSE
Se nem tudo que reluz é ouro, Júlio é apenas a melhor imitação de pedra preciosa em que Babi colocou os
olhos.
O seu ex-melhor amigo, a abandonou e quebrou seu coração quando eram adolescentes. Bárbara Ferraz jurou a si
mesma que nunca mais o deixaria ficar perto. Maldito CEO engomadinho!
Júlio Torres sabe que deixou uma parte de si para trás. Sua ex-melhor amiga o odeia e ele, muitas vezes, teve o mesmo
sentimento por si. Maldita sombra!
Júlio sabe que não pode mais ignorar, porque ele não quer apenas a sua melhor amiga de volta, ele a quer como sua.
Babi foge dele como o diabo foge da cruz. Entretanto, como fugir se depois do reencontro e finalmente os pratos
limpos, ela se descobre grávida do seu ex-melhor amigo?
O BEBÊ INESPERADO DO COWBOY
Família Torres – Livro 3

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SINOPSE
Se existe amor à primeira vista, Abigail Alencar e Bruno Torres compartilham o completo oposto. Abi o
detestou desde o primeiro momento, e com o passar dos anos, o sentimento permaneceu. Bruno é o típico cowboy cafajeste,
arrogante e popular, de quem ela não suporta a presença um segundo.
A cidade pequena sabe de seu desgosto e desinteresse no mais novo dos Torres, porém, ele sempre pareceu ficar ainda
mais animado em confrontá-la. Se existe algo sobre Bruno que ela conhece bem, é que ele não foge de um desafio.
Assim, quando Abi o encontra como babá da sua filha de apenas um ano, ela só consegue pensar que ele quer algo.
Bruno jura que está ali apenas para tirá-la do sério, como sempre, mas tudo acaba por mudar, naquele exato instante.
Existe uma linha tênue entre o amor e o ódio... eles estarão dispostos a cruzá-la?
FELIZ NATAL, TORRES
Família Torres – Livro Extra

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SINOPSE
O Natal parou de ser uma data festiva, e tornou-se dolorosa, assim que Maria Beatriz perdeu os pais. No entanto, nesse
ano, tudo mudou e ela vai lutar para que essa data seja ressignificada. Que ela possa sorrir, o tanto quanto, um dia fez, no
passado. Assim, ela precisa que tudo saia PERFEITO.
Uma árvore de Natal destruída, enfeites perdidos pela casa, a ceia que não vai chegar a tempo, um desmaio...
Será que ela terá o seu Feliz Natal ao lado dos Torres?
Esse é um conto natalino, narrado na visão de Mabi e Inácio (do livro Uma Gravidez Inesperada), onde você poderá
passar essa data tão especial ao lado da Família Torres.
UMA FAMÍLIA INESPERADA PARA O VIÚVO
Família Torres – Livro 4

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SINOPSE
Olívia Torres sempre teve em mente que para bom entendedor meia palavra bastava. Assim, quando se
apaixonou perdidamente e descobriu que o homem com o qual se envolveu era casado, o seu mundo perdeu o chão. Ela apenas
foi embora, sem olhar para trás.
Contudo, com Murilo, ela nunca pôde parar de olhar. Ainda mais, quando descobriu que estava grávida.
Murilo Reis perdeu tudo. Nunca pensou, que em algum momento, poderia voltar a sentir algo. Entretanto, bastou um
olhar para Olívia, para ele compreender que ainda existia uma chance. Chance essa, que se perdeu por completo, quando ela o
deixou.
Anos depois e uma coincidência do destino, Murilo descobre que não apenas as lembranças daquele amor de verão
permaneceram, mas sim, que ele tem uma filha.
Um amor de verão pode ser o amor para a sua vida?
GRÁVIDA DO CEO QUE NÃO ME AMA
Família Reis – Livro 1

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SINOPSE
O triste é que aquele velho ditado se tornou real em sua vida: Valéria que amava Tadeu, que amava Bianca,
que amava Murilo, que não amava ninguém. Desde que seus olhos pousaram em Tadeu Reis, Valéria se apaixonou. Não sabia
dizer se era pelo olhar escuro enigmático, o sorriso que ela queria tirar daqueles lábios cerrados ou o fato de ele ser tão atencioso
com quem amava.
Porém, Tadeu apenas tinha olhos para outra mulher, e Valéria escondeu aquele sentimento no fundo de sua alma,
tentando matá-lo durante os anos que se passaram. Uma coincidência do destino, os coloca frente a frente. Ela sabe que ele é
errado, mais do que isso, uma grande mentira, porém, seu corpo não resiste.
E uma noite com o homem errado não é o fim do mundo, certo?
Para ela, tornou-se um outro começo, já que terá uma parte dele consigo, para sempre. Valéria está grávida do homem
que não a ama. E não pretende deixá-lo descobrir.
O CASAMENTO DO CEO POR UM BEBÊ
Família Reis – Livro 2

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SINOPSE
Águas passadas não movem moinhos – era o que Lisa repetia a si mesma. Contudo, estar sempre tão próxima
do único homem que realmente se apaixonou, fazia com que ela quisesse voltar, e na verdade, se afogar com ele. Igor Reis
era um erro, e ela sempre soube.
Ainda assim, não podia evitá-lo para sempre, já que seus círculos de amizades eram tão próximos. Então, era
apenas isso: Igor era um amigo. Um ótimo fofoqueiro e uma pessoa para perder horas conversando – mesmo que quisesse
perder muito mais.
Todavia, quando ele bate na sua porta no meio da madrugada com um bebê a tiracolo, ela não sabe o que de fato
está acontecendo. Porém, nada é tão ruim que não possa piorar, e ele a pede em casamento.
Nas voltas que a vida dá, Lisa se vê com o sobrenome Reis, um bebê para chamar de seu e um contrato de
casamento por um ano com o homem que ama.
Até onde o casamento do CEO por um bebê será uma mentira?
A FILHA DO VIÚVO QUE ME ODEIA
Família Reis – Livro 3

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SINOPSE
Os opostos se atraem.
Carolina Reis queria jurar que isso estava errado, mas não pôde evitar a forma como seu corpo reagiu ao cowboy
bruto e grosso que, literalmente, atravessou o seu caminho. Franco era uma incógnita, com um chapéu de cowboy escuro e uma
expressão tão dura, que lhe fazia indagar se ele em algum momento sorria. Bruto insensível!
Franco Esteves não tinha tempo para perder, muito menos, com uma patricinha mimada que encontrou sozinha no
meio da estrada. Porém, não conseguia evitar ajudar alguém, mesmo que este parecesse ser no mínimo uma década mais novo,
com olhos claros penetrantes e um sorriso zombeteiro. Diacho de madame!
O que era para ser apenas um esbarrão no meio do nada, torna-se uma verdadeira tortura, quando Carolina assume, por
coincidência a função de tutora da filha do cowboy. Ele só quer evitá-la. Ela só quer irritá-lo. No meio do ódio e atração que lhes
permeiam, uma adolescente se torna um vínculo que eles não podem evitar.
Mas até onde ela será a única a uni-los?
GRÁVIDA EM UM CASAMENTO POR CONTRATO
Família Reis – Livro 4

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SINOPSE
Se no meio do caminho de algumas pessoas tem uma pedra, no meio do caminho
de Nero, sempre teve Verônica. A matriarca dos Reis era uma mulher que intimidava a
qualquer um, e ele nunca conseguiu entender uma reação dela. Quando ela estava à sua frente,
ele sabe que tudo o que deve fazer é correr para a direção oposta.
Verônica Reis é uma mulher que nunca demonstra o que sente. Sendo assim,
praticamente impossível desvendar o que se passa em sua cabeça, e muito menos, em seu
coração. Contudo, sempre lhe intrigou o fato de que Alfredo Lopes – ou apenas Nero para os
demais – parecia querer enfrentá-la em uma simples troca de olhares, e nunca a temer.
No meio das voltas que a vida dá, um contrato de casamento é o que os une. O que ela e
muito menos eles esperavam, era que no único momento que deixassem a guarda baixar, teriam
algo maior do que o arrependimento para lidar: UMA GRAVIDEZ EM UM CASAMENTO
POR CONTRATO.
UM CASAMENTO DE MENTIRA PARA O CEO
Família Fontes – Livro 1

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SINOPSE
Nas voltas que a vida dá, Talita e Gael se encontram dizendo “sim” no altar.
A rejeição à frente de várias pessoas foi o que Talita Kang vivenciou aos dezessete anos, quando Gael Fontes a
recusou e humilhou abertamente sobre o possível noivado dos dois.
Porém, como o carma nunca falha, tudo o que o herdeiro dos Fontes necessita quinze anos depois, quando retorna para
recuperar a empresa da família, é justamente um casamento por contrato.
O que ele não esperava era que justamente a mulher que quebrou seu coração seria a candidata perfeita, e mais, que
ela o escolheria novamente.
Ele a humilhou por um casamento por contrato.
Ele precisa dela agora, pelo mesmo motivo.
Talita se apegou a esse contrato pela sua família, e por uma promessa que apenas ela pode cumprir. Mas nada lhe
impede de se divertir com a infelicidade do homem que estará preso nessa mentira com ela. Entre o carma, uma rede de mentiras
e corações partidos, até que ponto um casamento por contrato significará apenas isso?
GRÁVIDA DO COWBOY QUE NÃO ME AMA
Família Esteves – Livro 1

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SINOPSE
Ter um ditado como aquele sendo uma realidade, depois de tanto tempo, apenas fazia Guta duvidar se
realmente queria tal casamento. Augusta que amava Juan, que amava Pâmela, que amava Franco, que amava Carolina,
que felizmente, o amava de volta.
Deixada sozinha em casa, após finalmente ter o homem que amava da forma que sempre desejou, Guta parou de se
questionar do que era necessário para que aquele casamento fosse real, e aceitou que o amor de Juan Esteves nunca seria seu.
Ela então o deixa para trás, e com ele, todo o sonho do primeiro amor que agora ela jurou que esqueceria. Contudo, o
que ela não esperava, depois de tanto tempo, era que criaria algum laço real com ele.
Guta apenas quer os papéis do divórcio e distância, mas se descobre grávida do cowboy que não a ama.
UMA FILHA INESPERADA PARA O CEO
Família Esteves – Livro 2

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SINOPSE
Júlia Medeiros sempre pensou que para bom entendedor, meia palavra bastava. Entretanto, ela não sabia o que
entender, quando o homem para o qual se declarou, a abandonou na cama, na companhia de um chapéu. Ela só não tinha ideia do
que mais acabou ficando para si.
Oscar Esteves sempre lutou por sua família, e seus irmãos eram seu mundo, contudo, os olhos bonitos da mulher que o
encantou desde que a encarou pela primeira vez, sempre vagavam em suas memórias.
Anos depois e uma coincidência do destino, Oscar descobre que aquele amor não resultou em apenas lembranças que
ele não conseguia tirar da mente, mas também, em uma filha.
UMA FILHA INESPERADA NA MÁFIA
Família Esteves – Livro 3

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SINOPSE
Se no meio do caminho de algumas pessoas tem uma pedra, no meio do caminho de Flávio, sempre teve Dove
Kang.
Ele, um cowboy de sorriso fácil e cheio de piadinhas.
Ela, uma mafiosa que sorri apenas de forma calculada.
Ele, não pode evitar a atração que sente.
Ela, adora ver a forma como o homem mais novo a teme.
O que nenhum deles imaginou é que no meio desse caminho que os une, surgiria uma filha inesperada.
GRÁVIDA DO MAFIOSO QUE NÃO ME AMA
Família Kang – Livro 1

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SINOPSE
O ditado que ela não queria ter como uma realidade, mas era: Hari que amava Kalel que amava Lea que
não amava ninguém.
Ele, conhecido com o diabo da máfia Kang.
Ela, a mulher apaixonada por ele desde os dezoito anos.
Ele, se apaixona por outra, mas acaba na cama dela no fim da noite.
Ela, acorda sozinha na cama, com a notícia de que ele abandonou a máfia.
Hari apenas quer seguir em frente após ser usada, porém se descobre grávida do mafioso que não a ama.
REJEITADA POR UM MAFIOSO
Família Kang – Livro 2

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SINOPSE
E quando você se apaixona por um mafioso?
Ele, o segundo no comando da máfia Kang.
Ela, dez anos mais nova e que não confia em ninguém.
Ele, tenta ajudá-la de todas as maneiras a se abrir.
Ela, tenta vê-lo apenas como um irmão, mas acaba falhando.
Hinata se apaixona por um mafioso, só não esperava que seria rejeitada por ele.
UMA FAMÍLIA INESPERADA PARA O MAFIOSO
Família Kang – Livro 3

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SINOPSE
Sara Hernández ficou viúva aos vinte e dois anos, com uma filha de quatro anos, e fará de tudo para protegê-la. Até
mesmo, se casar por contrato com um homem estrangeiro, que pertence à máfia mais respeitada e temida.
Chae Kang está no México por uma razão: se responsabilizar pela máfia da sua família e fazer o Cartel se reerguer.
Ele só não esperava encontrar algo além do seu objetivo e trabalho: uma família inesperada.
UMA GRAVIDEZ INESPERADA PARA O MAFIOSO
Família Kang – Livro 4

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SINOPSE
Se no meio do caminho de algumas pessoas tem uma pedra, no meio do caminho de Paola, sempre teve Vincenzo
Kang.
Ele, o chefe da máfia mais temida e respeitada.
Ela, à venda para um contrato de casamento desde que nasceu.
Ele, um homem que vive apenas para os irmãos e pelo seu legado.
Ela, uma mulher que tenta se livrar do fardo do seu sobrenome.
Nas brincadeiras que o destino lhes prega, os dois sempre se encontram. Porém, o que nenhum deles imaginava era
que em algum momento seriam de fato unidos, e ainda mais, que seria por UMA GRAVIDEZ INESPERADA.
Junqueira-Dias

UM NAMORO DE MENTIRINHA COM O CEO

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Sinopse
Iara Junqueira acreditou ter encontrado o cara certo. Porém, tudo muda de figura, quando ela descobre que na
verdade, não passou de uma aposta para ele. O que ela menos imaginava era que naquele exato o momento, Caio Vieira, o
homem que ela mais evitava e que era seu inimigo número um, faria a proposta mais descabida possível para ajudá-la a se
vingar: um namoro de mentirinha.
UMA FAMÍLIA DE MENTIRINHA COM O COWBOY

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Sinopse

Helena Junqueira apenas aceitou que nunca encontraria o cara certo. Porém, tudo muda de figura, quando ela viaja a
trabalho para o interior e acaba sendo literalmente atropelada por um garotinho em uma bicicleta. O que ela menos imaginava era
que em algum momento, se autointitularia a madrasta dele e a falsa namorada do seu pai, e eles formariam uma família de
mentirinha.
UMA GRAVIDEZ DE MENTIRINHA COM O VIÚVO

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Sinopse

Sabrina Junqueira tinha apenas um objetivo: cuidar e proteger suas irmãs. O que ela menos imaginava era que em
algum momento, estaria de frente com o único homem que conseguiu chegar até o seu coração a ponto de quebrá-lo, e que após
uma mentirinha de nada, ela se descobriria grávida dele.
UM CASAMENTO DE MENTIRINHA COM O COWBOY

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Sinopse

O que todo casamento de verdade tem que ter?


Os noivos, claro. Quem se importa e amamos, para se celebrar. Surpresas especiais, com toda certeza. E uma pequena
confusão, para jamais ser esquecido.
Mas, é possível um casamento de mentirinha ter tudo isso?
REJEITADA & GRÁVIDA DO VIÚVO QUE NÃO ME AMA

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Sinopse

Quando uma noite com o cara que sempre sonhou se torna um pesadelo?
Eliana não acreditou, quando teve a chance de ter o homem que sempre desejou, literalmente em suas mãos, mesmo
que por poucas horas. Contudo, ela ficou ainda mais incrédula, quando se descobriu grávida dele.
O que ela não esperava era que aquela história terminaria muito antes de qualquer começo: com ela grávida e
rejeitada pelo viúvo que não a ama.
[1]
Feels Like – Gracie Abrams
[2]
Feels Like – Gracie Abrams
[3]
Feels Like – Gracie Abrams
[4]
Matilda – Harry Styles
[5]
Matilda – Harry Styles
[6]
Can’t Catch Me Now – Olivia Rodrigo
[7]
I Miss You, I’m Sorry – Gracie Abrams
[8]
Heartbreak Anniversary -Giveon
[9]
Heartbreak Anniversary -Giveon
[10]
Cindy Lou Who -Sabrina Carpenter
[11]
I Miss You, I’m Sorry – Gracie Abrams
[12]
I Miss You, I’m Sorry – Gracie Abrams
[13]
As It Was – Harry Styles
[14]
Stuck On You - Giveon
[15]
HeartBreak Anniversary - Giveon
[16]
“Slut” – Taylor Swift
[17]
Two Ghosts – Harry Styles
[18]
I should hate you – Gracie Abrams
[19]
I should hate you – Gracie Abrams
[20]
Golden – Harry Styles
[21]
Like I Want You – Giveon
[22]
When I Was Your Man – Bruno Mars
[23]
HeartBreak Anniversary – Giveon
[24]
I Miss You, I’m Sorry – Gracie Abrams
[25]
I Miss You, I’m Sorry – Gracie Abrams
[26]
I Miss You, I’m Sorry – Gracie Abrams
[27]
Vampire – Olivia Rodrigo
[28]
Can I Be Him – James Arthur
[29]
Naked – James Arthur
[30]
Vanish – Giveon
[31]
Like I Want You – Giveon
[32]
Vanish – Giveon
[33]
Vanish – Giveon
[34]
Naked – James Arthur
[35]
Like I Want You - Giveon
[36]
Say You Won't Let Go – James Arthur
[37]
Rewrite The Stars (feat. Anne-Marie) – James Arthur
[38]
Rewrite The Stars (feat. Anne-Marie) – James Arthur
[39]
Rewrite The Stars (feat. Anne-Marie) – James Arthur
[40]
Make You Mine – Giveon
[41]
Say You Won't Let Go – James Arthur
[SC1]Não entendi. ☺

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