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1ª Edição
ALYSSA BANKERS
Com carinho,
A.
PRÓLOGO
Na sala sombria da minha propriedade no Sul da Itália, estou
sentado em minha poltrona de couro, com o meu olhar direcionado
às fichas em minha mesa.
Meu fiel consigliere, Paolo, está ao meu lado, segurando uma
pasta que contém informações sobre as filhas de Alexander
Bankers.
Ele começa a apresentar as candidatas para serem minhas
esposas, uma a uma, descrevendo suas qualidades e conexões no
mundo político e empresarial. Ouço cada palavra com atenção, mas
minha indiferença é inabalável.
— Aqui está a primeira candidata, Helena Bankers, 24 anos,
formada em Economia, e começou a fazer recentemente o
mestrado... A segunda é Chiara Bankers, 25 anos, designer de
moda, possui sua própria marca de roupas... — , diz Paolo,
enquanto eu apenas aceno levemente com a cabeça, sem mostrar
nenhum interesse genuíno.
Enquanto Paolo lista as candidatas, dando ênfase em
Isabella Bankers, a Miss Itália, percebo que elas possuem trajetórias
interessantes e até bem-sucedidas. No entanto, meu interesse não
é despertado, pois ambas parecem ser meras extensões do poder
de seu pai, Alexander. Suas personalidades refletem uma vida de
privilégios e luxo, mas falta-lhes profundidade e autenticidade.
A vida que elas levam é tão previsível quanto um relógio
antigo, presas aos círculos sociais e políticos que seu pai criou. A
frieza do mafioso dentro de mim não se impressiona com suas
conquistas ou ambições, pois parecem mais interessadas em
manter as aparências do que serem elas mesmas.
Além disso, não posso negar que a ideia de me casar por
conveniência política é algo que vai contra minha própria essência.
Como homem, sempre fui guiado pela lógica e pelas regras do
mundo obscuro em que vivo, mas mesmo assim, me sinto
incomodado com a ideia de ser mais uma peça em um jogo de
poder.
No fundo, talvez eu esteja em busca de algo mais
significativo, uma parceria que vá além do poder e da política. Uma
companheira que desafie meu modo de vida e faça meu coração
bater mais forte, ou apenas alguém que vá além das convenções
impostas a mim desde que eu era um garoto.
Ainda não encontrei essa pessoa entre as candidatas
apresentadas, e é por isso que não mostro interesse genuíno em
Helena, Chiara e Isabella.
Paolo continua enumerando as demais candidatas, mas
minha expressão permanece inalterada. Seguro o charuto entre
meus dedos, a fumaça sinuosa e perfumada se misturando ao ar da
sala. Meus olhos permanecem fixos nele enquanto escuto
atentamente suas palavras sobre as outras filhas de Alexander
Bankers. Nada muito diferente das duas primeiras.
Enquanto ele fala, minha mente vagueia, pensando nas
intrincadas teias de poder e influência que cercam a máfia e a
política. Há muitos anos, quando meu pai ainda era vivo, Alexander
Bankers recorreu à Cosa Nostra para ascender ao poder e garantir
sua posição como senador. Naquela época, meu pai apadrinhou
Alexander, e a influência da Cosa Nostra em sua carreira política
cresceu significativamente. Agora, com Alexander prestes a se
candidatar à presidência da Itália, surge mais uma oportunidade de
fortalecer ainda mais nossos laços com o poder político.
A máfia vê em um casamento entre mim e uma das filhas de
Alexander um meio estratégico de consolidar essa aliança,
permitindo que exerçamos ainda mais influência sobre os rumos da
Itália.
Essa situação, no entanto, não é apenas uma questão de
conveniência política. Meu velho, que faleceu há pouco tempo,
deixou claro em seu leito de morte que era sua vontade que eu me
casasse com uma das filhas de Alexander Bankers. Ele enxergava
nessa união uma maneira de garantir a continuidade de nossa
influência na política e na máfia italiana. Carregando esse peso em
meu coração, sinto-me compelido a honrar o desejo de meu pai, no
entanto, não nego que essa união representa um fardo pesado para
mim.
Ao folhear os papéis que Paolo trouxe, meu olhar se detém
em uma ficha em particular. Uma mulher de cabelos pretos longos e
franja. Alyssa Bankers. Minha expressão permanece indiferente,
mas por dentro, sinto uma inquietação crescer. Meu coração,
normalmente envolto em gelo e frieza, é tocado por uma inesperada
centelha de interesse enquanto Paolo fala ao meu lado.
— Isso é tudo, Don Leonel. Infelizmente, essas são as únicas
opções que conseguimos reunir — diz Paolo, finalizando a
apresentação das candidatas.
Encaro a pasta por um momento antes de me dirigir a ele em
tom frio e decidido:
— E quanto a essa mulher? Quem é ela? — aponto para a
única mulher que não foi apresentada.
— Alyssa? Ela não está na lista como opção, Don Leonel.
Pensei que seu interesse estava apenas nas filhas do casamento
atual de Alexander.
Encaro Paolo com um olhar sério, sentindo a necessidade de
entender melhor essa situação.
— Explique mais a fundo sobre essa questão com Alyssa —
exijo, querendo conhecer todos os detalhes que possam influenciar
minha decisão.
Paolo mantém a postura respeitosa, percebendo a gravidade
da situação.
— Bem, parece que a relação de Alyssa com o pai não é das
melhores. Ela e sua mãe têm uma história complicada com
Alexander.
Interesso-me ainda mais por essa informação.
— Por que sua relação com o pai é complicada? O que
aconteceu?
Conforme Paolo revela mais informações sobre Alyssa, fico
ainda mais intrigado com sua história familiar. Ele prossegue,
explicando que sua mãe se separou de Alexander quando a filha
ainda era um bebê. O político se casou novamente, mas não com
uma mulher qualquer, e sim com uma de suas amantes.
— E a situação se tornou ainda mais… espinhosa. Com o
casamento de Alexander com uma de suas amantes, a relação com
a primeira família ficou ainda mais enfraquecida — relata Paolo com
seriedade.
— E o que sabemos sobre Alyssa? Suas ambições, seus
objetivos... — trago o charuto profundamente, enchendo o ambiente
com uma névoa perfumada de tabaco ao questionar.
Paolo verifica suas anotações.
— Alyssa é uma jovem advogada determinada a seguir seus
próprios passos. Ela escolheu uma carreira no direito, buscando
uma independência que a afastasse da sombra do sobrenome de
seu pai biológico e de suas conexões no meio político. De acordo
com nossas investigações, Alexander nunca foi um pai presente na
vida de Alyssa, e sua mãe, Nora, assumiu toda a responsabilidade
desde o rompimento com Alexander.
— Ela atua como advogada atualmente? É comprometida?
Me dê mais informações.
Percebo o olhar de Paolo sobre mim, uma expressão que
carrega certo incômodo. Seus olhos parecem querer transmitir uma
mensagem, como se estivesse preocupado com o meu crescente
interesse pela moça de cabelos pretos.
Paolo pigarreia discretamente, dando um tom de cautela em
suas próximas palavras.
— Senhor, é importante que compreenda que o interesse por
Alyssa pode ser em vão. Ela não é como as outras candidatas. Pelo
que soube, Alyssa tem um gênio forte e nunca aceitaria se submeter
a se casar com um de nós, mesmo que por conveniência política.
Minha curiosidade é ainda mais aguçada pelas palavras de
Paolo.
— Interessante. Explique melhor.
Paolo respira fundo antes de continuar.
— Ela é uma mulher difícil, daquelas que lutam contra
qualquer injustiça.
— E qual o problema nisto? — pergunto, cinicamente, para o
homem pálido em minha frente, que começa a ficar incomodado
com minha insistência pela tal Alyssa.
— Tenho aqui um vídeo que mostra Alyssa enfrentando um
policial que cometeu abuso do poder, dando-lhe voz de prisão. Ela
é… topetuda e não abaixa a cabeça.
Sinto o canto da minha boca se retorcer ao escutar a palavra
“topetuda” sair da boca do impiedoso Paolo Romano.
Ele projeta o vídeo em uma parede próxima, e vejo Alyssa
em ação.
— Essa mulher não é fácil de lidar, Don Leonel. Seu perfil
pode representar um risco para nossos negócios e para o controle
que desejamos ter sobre ela — explica Paolo com cuidado.
Observo o vídeo com uma mistura de surpresa e fascínio.
Seus lábios carnudos e provocantes se movem com destreza
enquanto ela enfrenta o policial. Sua voz é firme e cheia de
convicção, e cada palavra que sai de sua boca é como uma melodia
perfeita para os meus ouvidos.
Seus cabelos escorridos, longos e negros, dançam ao vento
emoldurando o rosto de traços marcantes. Sua postura ereta, os
ombros levemente erguidos, demonstram a confiança que ela tem
em si mesma, uma confiança que a torna ainda mais irresistível.
Alyssa não é apenas uma mulher bonita com conexões
políticas; ela é uma leoa. A ideia de ter que domá-la para tê-la ao
meu lado como esposa, ao mesmo tempo desafiadora e intrigante,
mexe com o meu ego.
Com um sorriso sutil nos lábios, desvio meu olhar do vídeo e
encaro Paolo.
— Prepare um encontro com Alyssa. Quero conhecê-la
pessoalmente e ver por mim mesmo quem é essa mulher.
— O quê? Senhor… — ele respira fundo, visivelmente
contrariado com minha decisão.
Paolo tenta argumentar, mas sabe que, no final das contas, a
decisão final é minha. Ele assente, ciente de que seria difícil me
convencer do contrário. Afinal, mesmo sendo meu conselheiro, ele
sabe que minha natureza obstinada e impulsiva muitas vezes guia
meus passos.
— Acho que entendo suas razões, mas tenha cautela, Don
Leonel — diz Paolo, com uma voz que denota sua apreensão.
Meus olhos permanecem firmes, e minha expressão não
mostra qualquer hesitação.
— Eu sei dos riscos, Paolo, mas também ela não é como as
outras, e é justamente isso que me atrai. Não sou um homem que
se contenta com o fácil e o previsível. Alyssa aparenta ser a
incógnita que estou procurando, e é exatamente isso que me faz
querer conhecê-la melhor. Será apenas um teste, afinal.
Paolo suspira, compreendendo que não há mais espaço para
argumentos. Ele assente, sabendo que a decisão foi tomada.
— Entendido, Don Leonel. Vou providenciar o encontro com
Alyssa e trazer todas as informações que conseguir sobre ela.
Dou-lhe um aceno de cabeça em agradecimento.
— Faça isso o mais rápido possível. Quero conhecê-la em
breve.
Paolo deixa a sala com uma expressão preocupada, ciente
de que sua tarefa será desafiadora. Enquanto isso, permaneço no
escritório, meus pensamentos focados em Alyssa. A ideia de
encontrar uma mulher que não se curve facilmente diante do poder
e da influência me instiga de maneira curiosa.
Eu, Don Leonel, sempre fui o mafioso letal que controla a
Cosa Nostra com pulso firme, mas agora me vejo disposto a
desbravar um território desconhecido: a filha do primeiro casamento
de Alexander Bankers.
Eu sei que a escolha da mulher que aquecerá minha cama e
me dará filhos é uma decisão crucial, não apenas para a máfia, mas
também para minha própria satisfação pessoal. Não serei apenas
mais uma peça nesse jogo, serei o jogador que traça o próprio
caminho.
CAPÍTULO 1
***
No dia seguinte
CAPÍTULO 33
Já se passaram várias horas desde que Leonel e eu
partimos, e o sol está prestes a surgir no horizonte. É uma
verdadeira aventura. Quando meu celular vibra no bolso, reúno
coragem para pegá-lo e peço a Leonel que encontre um lugar
para parar. É minha mãe.
Felizmente, ele localiza um gramado próximo ao
acostamento, junto a um lago, onde estaciona a moto à sombra
de uma árvore. Desço da moto me desequilibrando e atendo à
ligação.
— Mãe? Onde você está? Liguei para você umas cem
vezes ontem.
"Ah, minha filha, estou acampando com minhas amigas
e perdi o sinal. Por que toda essa preocupação? O que você
quer?"
Olho para Leonel, que permanece na moto, e me afasto
um pouco para garantir que ele não ouça o que estou prestes
a dizer.
— Eu queria saber se a senhora traiu o Alexander com
outro homem — sussurro.
"Se eu traí seu pai? De onde você tirou essa ideia, sua
menina atrevida?", ela responde visivelmente ofendida, e de
alguma forma, sinto um alívio. Então, explico:
— A mulher dele me mostrou algumas fotos do passado
da senhora com outro homem. Por isso estou perguntando.
"Ela mostrou foi? E como era esse homem?"
— Alto e com um cavanhaque.
"Alto e com um cavanhaque? Ah, esse foi meu primeiro
namorado depois que me separei do seu pai. Eles têm fotos
nossas? Meu Deus! Então, isso significa que eles contrataram
um detetive para me seguir naquela época?"
Sinto um alívio ao saber disso. Ao que parece, Antonella
confundiu minha cabeça apenas para conseguir o que queria.
“Mas por que essa mulher mostrou essas fotos a você?
Qual era a intenção dela?"
Tentando não entrar muito em detalhes para não a preocupar
a essa hora, desconverso:
— Não estou certa do que ela está tramando. Mas, mãe,
você não tem nada a temer, está tudo bem agora.
Minha mãe parece aliviada com as palavras, mas ao mesmo
tempo, preocupada com o que está acontecendo. Suspiro e
continuo:
— Vamos deixar isso de lado por enquanto, mãe. Vá curtir
seu passeio e ficar bem feliz. Eu te amo e prometo que vou te
manter informada.
Após mais algumas palavras reconfortantes, desligo o
telefone e retorno para onde Leonel está esperando.
Ele me olha com curiosidade e preocupação. No entanto,
tento agir o mais normal possível para não o preocupar também.
— Está tudo bem, Leonel. Era apenas minha mãe, e tudo
parece estar bem com ela agora.
Ele parece relaxar, mas sua expressão fica séria quando olha
nos meus olhos.
— Alyssa, nós precisamos conversar sobre o que aconteceu
lá atrás, na festa.
Inspiro profundamente, ciente de que esta conversa inevitável
estava prestes a acontecer.
— Sim, nós precisamos — começo, — Leonel, eu... Eu ainda
estou confusa. Não sei se essa é a decisão certa, se deveríamos
mesmo nos casar.
Sua expressão muda.
— Pensei que tivéssemos superado isso. Quer dizer, eu te
amo, e eu achei que você sentisse o mesmo por mim.
Fixo meus olhos nos dele, sentindo um nó se formando na
minha garganta.
— Eu não disse que não te amo. Mas casamento é uma
decisão enorme, e eu não quero que isso seja apenas uma resposta
ao que aconteceu na festa.
Ele parece frustrado, passando a mão pelo cabelo.
— Eu quero um tempo, Leonel. Preciso de mais um tempo
para pensar e entender o que realmente quero.
Ele olha para o chão, respirando fundo.
— Então, o que você quer, Alyssa?
Fico em silêncio por um momento, ponderando minhas
próprias palavras.
— Sim. É o que eu quero.
— Ótimo, então.
Mas não posso deixar a conversa encerrar dessa forma. As
palavras continuam a fluir, alimentadas pela tensão.
— Se neste tempo, você resolver se casar com uma das
minhas irmãs, tudo bem. Eu estarei disposta a pagar o preço de te
perder se você não me esperar.
Ele me olha com incredulidade, depois sai da moto, tirando a
caixa da aliança do bolso e caminhando em direção à beira do lago.
— O que está fazendo? Ei. O que vai fazer?
Sem hesitar, ele arremessa a caixinha aveludada no fundo do
lago. Fico olhando chocada para o que ele acabou de fazer.
— Você está maluco? Aquele anel deve custar mais de um
milhão de euros.
— Mas se torna inútil já não vou mais casar. Eu vou ser
solteiro. Foda-se essa história de casamento, eu vou viver a minha
vida como um puto.
Ele retorna à moto, e eu corro atrás dele.
— Fez isso porque está chateado por que não vamos casar?
Ele ri com ironia.
— Chateado? Por não casar? Me faça rir, Alyssa.
Monta na moto e coloca o capacete.
— Então o quê? Me diz. Se não é capaz de me esperar por
mais alguns dias, por que deveria me casar?
— Desconsidere tudo, Alyssa. Você tem razão, eu sou um
homem mau. Muito mau.
Ele acelera, e eu grito:
— Ei, vai me deixar aqui sozinha, seu maluco? Volta aqui,
seu idiota arrogante.
Corro atrás dele pelo acostamento até que, depois de alguns
metros, ele finalmente para e faz meia volta.
Estanco meus passos, apoiando as mãos nas coxas, aliviada
por ele estar voltando. Claro que ele não me deixaria ali sozinha. No
que eu estava pensando?
Ele para ao meu lado, retira o celular do bolso e, com uma
agilidade que me surpreende, captura uma foto da placa ao meu
lado, acompanhada por um áudio imediato.
— Paolo, acabei de te enviar uma localização. Envie alguém
para resgatar a Alyssa Bankers — ele ordena com uma frieza que
me deixa perplexa.
Nossos olhos se encontram, e ele aponta na direção da
sombra reconfortante debaixo da árvore.
— Quando o sol estiver forte, espere ali, sob aquela árvore. É
apenas um conselho — ele diz com calma, abaixando a viseira do
capacete antes de acelerar pela estrada, me deixando para trás,
atônita, enquanto ele se afasta.
Finalmente, resignada com a situação, volto cabisbaixa para
perto da árvore, tentando entender como as coisas mudaram tão
rapidamente.
Com um suspiro, encaro o lago diante de mim e murmuro
com uma mistura de tristeza e confusão:
— Ele até jogou meu anel fora.
Aos poucos, começo a refletir sobre por que Leonel ficou tão
chateado. Pensando bem, compreendo sua perspectiva, mas
também me lembro das razões pelas quais precisava de tempo para
pensar. Afinal, da última vez que me entreguei ao amor, acabei com
um belo par de chifres. Confiança não é algo que venha facilmente
para mim, especialmente depois de ter sido magoada no passado.
Encaro o lago diante de mim, imersa em um turbilhão de
pensamentos. No entanto, enquanto reflito sobre as lembranças que
compartilhei com Leonel, não posso evitar sorrir ao recordar como
ele sempre foi capaz de arrancar risadas de mim e como esteve ao
meu lado desde o primeiro momento em que nos encontramos.
Então, como um raio de clareza, percebo a verdade inegável:
estou apaixonada por ele. Sim, amo-o! Não é algo que eu possa
controlar. É simplesmente um fato incontestável. Murmuro para mim
mesma, incrédula: "Merda!"
As emoções me inundam, uma complexa mistura de
felicidade, tristeza e um toque de arrependimento por não ter
percebido isso antes, quando ele ainda estava presente.
De repente, levanto-me abruptamente, levando as mãos à
cabeça:
— Meu Deus, o que eu fiz? Ele deve estar me odiando agora.
E se ele não quiser mais nada comigo? Deus! — Olho para o lago,
sentindo-me mortificada. — Fui tão dura com ele.
Respiro fundo, tentando acalmar minha mente tumultuada e
ponderando sobre o que devo fazer a seguir. Mais uma vez, meus
olhos se fixam na água à minha frente. Num impulso, começo a
avançar para dentro dela, desesperada, e começo a procurar a
caixa do meu anel.
A água alcança minha cintura enquanto me inclino, enfiando
minha mão no fundo do lago e sujando-a com a lama que se agarra
às minhas mãos.
— Eu vou encontrá-lo. Eu preciso encontrar. Juro que vou.
FIM!
Maria Júlia
Meus olhos se abrem em ritmo letárgico e um resmungo
escapa entre os meus lábios ao sentir os feixes de luz queimarem
minhas retinas. Porcaria! Onde estou?
Esfrego os olhos e me sento no sofá, olhando para o deus
grego deitado sobre o mesmo estofado onde estava, e um sorriso
bobo rasga o cantinho da minha boca ao me deparar com o rosto
perfeito de Bernardo, o chefe mais lindo que eu poderia ter. Estou
dentro de um sonho? — Chego à conclusão de que sim, já que isso
não faz o menor sentido. Primeiro, porque não sei bem onde estou e
nem como vim parar aqui. E, segundo, não tinha a menor chance do
meu chefe ter finalmente me dado uma chance depois de todos
esses anos.
Aproveito que estou dentro de um sonho e desço os olhos pelo
peitoral perfeito de músculos torneados. Repuxo o lábio inferior em
desejo e murmuro:
— Eles parecem tão macios.
Uma voz sopra em meus ouvidos: “por que você não toca? ”
Tocar?
“Isso, garota! Estamos em um sonho, não? O que há de errado
tocar em algo que só existe na sua cabeça? Aproveita. É a sua
chance! ”
Raspo a língua entre os lábios, sendo tentada pela sugestão da
voz em minha cabeça. Mas ela tem razão. Talvez essa seja a minha
única chance de tocar em Bernardo Brandão sem a supervisão de
seus olhares. Afinal, não há nada de errado tocar em algo que só
existe na minha cabeça.
Obedeço à voz e passeio meus dedos sobre a pele do seu
peitoral nu. A pele é macia como aparenta ser e os músculos, rijos e
deliciosamente quentes, que até parece ser real.
Em meu sonho, estamos nus em um sofá no salão de seu
restaurante, o que torna ainda mais excitantes as coisas. Contemplo
o rosto angulado e a barba por fazer, demorando-me nos lábios
carnudos que sempre quis beijar. E se eu o beijasse agora?
Inclino meu corpo para frente e desço meu rosto em direção ao
seu rosto, saboreando sua respiração mentolada. Deus! Eu quero
morar para sempre aqui!
Quando nossas bocas estão prestes a se unir, os olhos verdes
de Bernardo se abrem em um rompante, com aquela mesma forma
de olhar que provoca medo em quase todos os seus funcionários.
— Júlia?
— Oi — sussurro, timidamente.
Ele se levanta, afastando-me para o lado, olhando ao redor,
então, por puro instinto, cubro meus seios com o antebraço e coloco
uma almofada em cima do meu colo. Por que de repente esse
sonho me parece real até demais?Ele olha para o próprio corpo e
logo após me analisa da cabeça aos pés, parecendo assombrado.
— Cacete! — ele pragueja, levantando-se, e fita as taças
manchadas de vinho na mesinha ao lado do sofá. — Isso não
poderia ter acontecido!
O cheiro de bebida pela primeira vez me embrulha o estômago
e as memórias da noite anterior invadem minha cabeça em
saraivadas.
Bernardo veste a cueca, que pegou no chão, e esbraveja
andando de um lado para o outro:
— Porra! Quantas vezes eu mandei você ficar longe de mim,
Júlia? O que você tem na cabeça? Seu irmão vai me matar!
— Nós transamos? — pergunto, abismada.
Ele para e me encara com os olhos pegando fogo.
— Deveria ter te demitido na primeira oportunidade. — Ele
pensa alto: — Que merda eu tinha na cabeça ao te aceitar aqui?
— Nós transamos ou não?
— É o que parece.
— É o que parece? Você também não se lembra da noite
passada?
Ele parece finalmente parar e forçar a memória.
— Não — ele conclui honestamente, o que faz todo o sentido.
Bernardo e eu nos embebedamos na noite passada, só assim
para ele me ver como alguém que pode ser tocada.
— Tudo o que me lembro é da nossa conversa antes de
começarmos a beber... — ele fala, apertando o punho, e pragueja:
— Cacete! Me desculpe, Júlia.
Desculpas?
Eu acabei de realizar um sonho, e ele me pede desculpas?
Mas por que também não consigo me sentir radiante com a
situação? Talvez não me lembrar dos detalhes da noite que tanto
sonhei em ter com ele, não faz com que eu fique animada.
— Por que está me olhando com essa expressão? Não me
diga que ontem... — ele engole em seco —, você perdeu a
virgindade?
— Virgindade? — Pisco duas vezes e, em seguida, explodo
uma gargalhada. — Não, não. Pode ficar tranquilo quanto a isso,
Bernardo.
Meu Deus! Ele achava que eu ainda fosse virgem? Durante
todos esses anos?
Ele volta a caminhar de lado para o outro e diz:
— Não conte ao seu irmão até que eu ache o momento certo.
— O quê? O que o Victor tem a ver com isso? Você vai contar
para ele que nós dois transamos?
— Você não ia contar?
— Claro que não. Por que eu contaria? Acha que saio
revelando minha intimidade para o irmão?
Bernardo parece parar e pensar com racionalidade.
— Então você não vai contar?
— Lógico que não! Espero que você não conte também.
Ele olha para o lado, parecendo respirar aliviado.
— A noite de ontem foi um erro — ele diz. — Sabe, você me
conhece, Júlia, nunca transaríamos se estivesse em posse das
minhas faculdades mentais... Você para mim é como se fosse uma
irmã.
— Chega, Bernardo! Acho que já ouvi o suficiente. — Levanto-
me em um ímpeto, buscando pelo meu vestido florido caído no
chão.
— Vamos fazer assim, eu esqueço o que se passou entre a
gente e você faz o mesmo, e fica tudo certo — diz um tanto
pragmático.
— Sim, senhor!
Visto o meu vestido, procurando pela minha calcinha e a
encontro em cima do braço do sofá, perto da minha bolsa.
— Está chateada comigo?
— Não, senhor.
— Olha, Júlia, eu sinto muito.
Visto minha calcinha e calço minhas sandálias.
— Porra, fala alguma coisa. Agora, estou me sentindo um
merda por ter transado com a irmã do meu melhor amigo e não
tenho a mínima ideia de como agir contigo.
— Não precisa se preocupar com isso, chefe. Entendo
perfeitamente a situação e até esqueci o que houve na noite
passada.
— Neste momento não estou falando como o seu chefe. Sabe
muito bem disso, Júlia.
— Pois eu prefiro que me trate como uma funcionária com
quem transou na noite passada. É melhor do que me chamar de
irmã — digo, indiferente, ferida por dentro. — Tenha um ótimo dia,
senhor Brandão!
Ajeito minha bolsa encarando seus olhos e saio da sua frente,
caminhando em passos largos em direção à porta, sentindo meu
coração sendo esmagado pela tristeza. Limpo rapidamente as
lágrimas, aguentando firme até a saída.
Não é a primeira que choro por Bernardo Brandão e sinto que
não será a última. Mas algo em mim me diz que as coisas mudarão
depois desta manhã. Só sei o que exatamente especificar o quê.
***
[1]
Bonequinha