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SÉRIE: 77Z
VOLUME: 51
TÍTULO: AVENTURA EM BROOKLIN
AUTOR: TONY MANHATTAN
ILUSTRAÇÃO DA CAPA: BENÍCIO
EDITORA: MONTERREY
ANO DA PUBLICAÇÃO: 1974
PREÇO DA PUBLICAÇÃO:
PÁGINAS: 128

SCANS E TRATAMENTO: RÔMULO RANGEL


romulorangel@bol.com.br

DISPONIBILIZAÇÃO
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apresenta

Todos os personagens desta novela são imaginados pelo


autor e não tem qualquer relação com nomes ou
personalidades da vida real: Qualquer semelhança terá
sido mera coincidência.

Publicação no Brasil: 1974

Copyright © Editora Monterrey Ltda.

Proibida a reprodução no todo ou em parte

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AVENTURA
EM
BROOKLIN
TONY MANHATTAN

Capa de BENICIO

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PRELÚDIO

Os acontecimentos que deram início a toda a trama,


dessa vez, tiveram início num grande edifício-garagem
situado na Rua Smith, esquina da Rua Pacific, no Brooklin,
não muito longe do cais do East-River.
O pequeno carro azul chegou, sem despertar maior
curiosidade, e foi estacionar tranquilamente ao lado de um
grande carro preto. Eram cinco e meia da tarde.
Nenhum dos ocupantes dos carros se mostrou e, logo, o
elevador começou a movimentar-se, levando os dois
veículos, lado a lado, até o quinto andar. Depois da lenta
subida, quando o elevador parou, um homenzinho nervoso
e apressado saltou do carrinho azul e, olhando de um lado
para o outro, apressou-se a atravessar a plataforma e a entrar
no carro preto.
Mal a portinhola se fechou, o homenzinho suspirou,
aliviado.
— E então? — indagou um dos ocupantes do grande
carro preto. — Que nos tem a contar?
O homenzinho, nervoso, revirava na boca um toco de
charuto apagado. Era um velho hábito seu. Depois de fumar
os charutos, ainda permanecia com a bagana revirando
entre os lábios, o que lhe produzia uma saliva grossa e
malcheirosa que, de quando em quando, ele cuspia para um
lado com estrondo.

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Aquele hábito fora do comum valera-lhe o apelido pelo
qual era conhecido por todos: Buck “Bagana de Charuto”.
Mas Buck já se acostumara ao apelido e não parecia se
molestar com ele.
Outro dos três homens que se encontravam no interior
do carro preto falou, dirigindo-se ao homenzinho com cara
de rato:
— E então, Buck? Vai cantar ou não? Não podemos
ficar aqui o resto do dia, à espera de que você se decida! Se
você tem interesse em livrar a cara...
— Eu sei... eu sei... — gemeu o homenzinho, enquanto
seus olhinhos aflitos corriam de um rosto para outro. —
Mas... eu tenho muito receio... Muito mesmo!
— Receio de quê? Não é esta a primeira vez que você
nos presta informações!
— Eu sei... eu sei..., mas...
Outro homem falou, com um sorriso de mofa:
— Mas teme que seja a última, não é? Vocês todos são
iguais! Tomam as decisões e, depois, põem-se com
melindres e receios de velha solteirona... Vamos!
Desembuche de uma vez! Não temos tempo a perder!
Os três homens, que apertavam Buck “Bagana de
Charuto” naquele momento, eram membros do FBI e
tinham ido ao encontro marcado porque o “rato-de-cais”
prometera lhes dar os nomes dos chefes do contrabando de
drogas. O FBI estava trabalhando em colaboração com o
Bureau Federal de Narcóticos.
Um dos agentes impacientou-se:
— Se você pretendeu se divertir à nossa custa, fique
sabendo que pagará muito caro por isso! O FBI não pode
perder tempo com vagabundos da sua espécie e os covardes
não nos agradam nem um pouco!

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— Eu sei — gemeu o homenzinho, executando
malabarismos com a bagana entre os lábios finos. — Eu
sei... mas é perigoso! Muito perigoso!
— Você já sabia disso quando nos propôs este encontro
e, de mais a mais, você, em troca, ficará impune! E olhe que
você tem estado metido em alguns delitos bastante graves!
Terá que se virar um bocado, para limpar a barra!
— Sim, sim. Eu sei... eu sei..., mas...
Os olhos miúdos e negros do marginal corriam de um
lado para outro, enquanto a bagana de charuto continuava
sua estranha dança, na boca do homenzinho.
— E então? — rugiu um dos agentes, com a fisionomia
fechada. — Vai começar a cantar? Já disse que não temos
tempo a perder!
— Sim, sim. Eu... vou fazer o que prometi...
Outro detetive suspirou.
— Ainda bem! E olhe que já não é sem tempo!
O “rato-de-cais” ajeitou-se nervosamente, cuspinhou
para o lado e, respirando profundamente, começou a falar,
em voz baixa, como se as palavras lhe saíssem a muito custo
por entre os lábios. Os três homens, fisionomias graves e
atentas, ouviam o relatório do marginal.
Tão atentos estavam que, quando um estranho pipocar
teve início, mal tiveram tempo de esboçar um gesto de
defesa.

“Râ-tá-tá-tá”!

Uma descarga de metralhadora vinda do alto, rasgou o


teto do imenso carro preto e também atingiu o carrinho azul.
Parecia uma chuva de chumbo quente.
Os agentes do FBI, de imediato, viram que tinham sido
apanhados numa armadilha e trataram de revidar o ataque.

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Na mesma hora, saíram do carro, com armas na mão, e
começaram a atirar, a esmo, para cima de suas cabeças. Mas
só por milagre poderiam ter êxito. Do alto, as balas choviam
vertiginosamente, vindas não se sabia de onde. Um grito,
um corpo que se contorcia... e um dos agentes caiu, morto,
sobre a prancha de ferro do elevador.

“Rá-tá-tá-tá”!

Nova saraivada de balas e os outros dois, contorcendo


os corpos numa estranha dança macabra, também caíram,
varados pelo chumbo quente.
Trêmulo e sem um pingo de sangue no rosto, Buck
“Bagana de Charuto” saiu do imenso carro preto. Na mão
direita, empunhava uma automática, que logo deixou cair
em cima da plataforma. Apavorado, viu os homens com
quem falava momentos antes, caídos entre poças de sangue.
O matraquear das metralhadoras havia cessado, mas
aquele silêncio era bem mais aterrador do que o ruído que
se ouvira pouco antes. Era um silêncio de túmulo.
Os olhinhos negros perscrutando o alto do edifício, a
bagana de charuto dançando nervosamente na boca, o “rato-
de-cais” procurava, em vão, localizar o inimigo oculto.
Silêncio. Terrível silêncio. Silêncio de morte.
Por fim, os nervos do marginal pareceram explodir. De
joelhos, começou a berrar a plenos pulmões:
— Ouçam! eu não disse nada! Estava enganando os
tiras! Eu não sou um traidor! Juro por tudo que não dei o
serviço! Juro! Juro, estão me ouvindo? Eu juro...
Com a voz entrecortada de soluços, e ali de joelhos
sobre o sangue que escorria, o marginal calou-se e a bagana
de charuto caiu de sua boca trêmula e rolou para um lado.

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Novamente o silêncio prenunciador do mal. Apenas o
silêncio, denso, pesado, ameaçador.
Os olhinhos negros corriam de um lado para outro, sem
localizarem o inimigo. Era como se o chumbo quente
tivesse vindo do próprio silêncio.
Os lábios tremiam, descontrolados, e um tique nervoso
fez com que o olho esquerdo do delator começasse a tremer.
Sua boca novamente se abriu, num grito angustiado.
— Por Deus! Eu... eu não cheguei a falar! Juro como
não falei! Façamos um acordo! Eu aceitarei qualquer coisa,
mas não me matem! Por Deus! Não atirem!
Aquelas palavras pareceram irritar ainda mais os
atacantes silenciosos. Súbito, o matraquear recomeçou e,
com o corpo crivado de balas, o homenzinho girou sem
direção e estatelou-se na chapa de ferro, com o rosto
terrivelmente convulso e os olhos pretos fitando o nada,
numa última expressão de terror. Pelo canto de sua boca
escancarada escorria uma baba, misto de sangue e saliva
marrom. Estava morto.
Vagarosamente, o elevador começou a descer, trazendo
os dois carros destruídos pelas balas da metralha e os corpos
atingidos pelas mesmas.
O mecânico que manobrava a subida e descida do
elevador tinha os olhos arregalados pela surpresa.
— Meu Deus! — gritou para os colegas. — Eram tiros
mesmo o que ouvimos! Houve uma carnificina!
Logo se estabeleceu uma grande confusão. Todos
queriam ver o que se passava. Os empregados, e muitos
clientes do edifício-garagem, corriam de um lado para
outro. Alguém lembrou:
— A polícia! É preciso chamar a polícia
imediatamente!

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— Sim! A polícia! Alguém pegue o telefone! Chamem
a polícia!
Uma correria tremenda. Homens, ao mesmo tempo
curiosos e apavorados, se acotovelaram em frente ao
elevador com sua carga macabra.
— Não adianta chamar a ambulância! Estão todos
mortos!
Um pequeno elevador de serviço acabava de chegar ao
térreo naquele instante e, dentro dele. saltaram dois homens
muito parecidos um com o outro, tanto fisionomicamente
como na maneira de se vestirem. Ambos trajavam ternos
escuros, muito bem cortados, chapéu, luvas, meias e sapatos
pretos. Como dois agentes funerários. Contudo, cada um
deles portava uma caixa de instrumento musical, em vez da
pasta preta comum aos “papa-defuntos”. Um dos homens
sobraçava uma caixa de violino e outro, um estojo de
violão. Aparentemente, não passavam de dois inofensivos
músicos profissionais.
Sem se perturbarem, eles também se aproximaram do
aglomerado humano e constataram a morte dos quatro
homens. Depois, abrindo caminho por entre os curiosos,
ganharam a rua. Sem se apressar, caminharam pela calçada
até à próxima esquina, onde os aguardava estacionado um
carro verde.
Os dois homens abriram as portas do carro e entraram,
acomodando seus instrumentos no banco traseiro. Depois,
um olhou para o outro, que estava ao volante.
— Creio que nada mais temos que fazer por aqui, não
é?
— Sim. Quanto mais depressa sairmos de circulação,
tanto melhor. Missão cumprida, camarada!
— Tudo aconteceu como estava em nossos planos.

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O que estava sentado à direção girou a chave e pôs o
motor em movimento. O carro verde partiu maciamente,
afastando-se do local.
Atingida a primeira rua transversal, o veículo continuou
a marcha, a uma velocidade razoável, e logo se perdeu por
entre o trânsito intenso das ruas da cidade.
Entretanto, as sirenas dos carros da polícia e da
assistência aproximavam-se estridentemente do edifício-
garagem onde ocorrera o tiroteio. Dos carros saltaram
vários homens uniformizados, uns de azul marinho e outros
de branco.
Num abrir e fechar de olhos, os homens da lei afastaram
os curiosos e desimpediram o recinto.
Um médico, acompanhado por um enfermeiro,
aproximou-se dos corpos caídos, examinou um por um e,
por fim, pronunciou-se:
— Estes três estão mortos. Mas aquele ali ainda vive.
Depressa! Providencie a remoção do ferido! Vamos tentar
salvar a vida do pobre homem!
O enfermeiro partiu correndo e, pouco depois,
regressava, trazendo uma maca, seguido por um colega. O
médico acenou para eles.
— Carreguem-no com todo cuidado! Ainda vive, mas
seu estado é grave! Vamos tentar salvá-lo.
Com todo cuidado, as mãos experientes dos
enfermeiros ergueram o corpo de ura dos agentes do FBI e
o colocaram na maca, que levaram para a camioneta branca
do hospital.
O médico acompanhou-os de perto e entrou no veículo,
ao lado do ferido, enquanto dava outras ordens:
— Depressa! Vamos para o hospital à toda! Talvez
cheguemos a tempo de lhe salvar a vida!

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A sirena da ambulância cortou o ar, sobrepondo-se ao
ruído do tráfego, que ficava mais intenso ao cair da tarde.
Os últimos raios de sol incidiam sobre os edifícios,
colorindo tudo de um tom alaranjado. Era o crepúsculo que
se aproximava.
Com o findar do dia, tinha início mais um caso policial,
no grande bairro de Brooklin.

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CAPÍTULO PRIMEIRO

A nova geração do crime

Três dias depois dos trágicos acontecimentos do


edifício-garagem, Horace Young Kirkpatrik estava em seu
gabinete de trabalho, no arranha-céu da Av. Duquesne, em
Pittsburgh, onde ficava a sede da “K.K.K. Steel Ltd.”, a
grande empresa siderúrgica norte-americana.
A pele queimada de sol do jovem playboy contrastava
com seus cabelos louros e longos, ligeiramente frisados na
nuca. Apesar de ser o presidente da empresa, ele não tinha
a aparência de um homem de negócios. O cinza-azulado do
elegante terno que vestia combinava discretamente com o
cinza-cobre de seus olhos frios e, por baixo do talhe
elegante da roupa caríssima, podia-se adivinhar um corpo
atlético, bem desenvolvido pelos exercícios e prática dos
mais variados esportes. Principalmente o Karatê.
Embora pouca gente soubesse disso, Horace Young
Kirkpatrik, além de multimilionário e playboy
internacional, era um agente fora de série do DCA
(Departament Of Couvert Activity), uma seção da CIA
dedicada a sequestros, raptos e assassinatos políticos. Seus
nomes de guerra eram ‘‘Máscara Negra” ou “Andróide”.
Assim como ele também era o não menos famoso agente
77Z de outra seção especializada da CIA.

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O playboy examinava, com displicência, alguns papéis
que sua secretária (a solteiríssima Miss Ventura Marble)
colocara à sua frente, momentos antes. Súbito, o interfone
chamou.
— Sim? — indagou o presidente da “K.K.K. Steel”, em
tom impessoal.
Do outro lado, a voz seca da solteirona fez-se ouvir:
— Ligação de Washington. Um tal Mr. Smith. Diz que
é urgente. Que é que o senhor acha?
— Pode completar a ligação — respondeu Kirkpatrik,
interessado.
— Eu sabia! — A voz da solteirona soou ainda mais
azeda. — Não é a primeira vez que esse “Mister Smith”
telefona para cá!
Para Miss Marble, uma chamada de Washington
significava grandes farras com mulheres e bebidas, pois,
toda vez que o playboy falava com aquele personagem
desconhecido, partia em mais uma de suas inexplicáveis
“viagens de negócios” ...
A ligação foi completada e, logo, Kirkpatrik recebia
instruções:
— Você deve vir imediatamente até aqui, meu caro!
Temos assuntos de grande importância a tratar!
— Eu já estava mesmo começando a sentir cócegas —
respondeu o playboy, sorrindo. — Partirei imediatamente,
chefe.
— Ótimo! Estaremos à sua espera!
Desligando o telefone, o circunspecto presidente da
“K.K.K. Steel” comprimiu o botão do interfone e, uma vez
mais, soou a voz de Miss Marble:
— Já mandei reservar passagem para Washington. No
próximo avião da carreira.

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— Como é que sabia que era isso que eu ia lhe pedir?
— indagou o playboy, divertido.
— Tenho uma bola de cristal — resmungou a
solteirona. E prosseguiu. — Por quanto tempo terei de ficar
à frente de tudo? Uma semana?
Kirkpatrik suspirou.
— Está aí uma boa, uma excelente pergunta, minha
prezada Miss Marble..., mas para a qual ainda não tenho
resposta. Posso demorar um dia, um mês ou um ano... Quem
sabe lá o que lhe reserva o destino? — E sorriu.
Do outro lado, a voz seca da solteirona soou em tom de
censura:
— Se todos os homens de negócios agissem assim, o
país estaria à beira do caos!
— Acontece, minha querida, que nem todos os homens
de negócios têm a ventura de ter por secretárias outra Miss
Ventura Marble... Você é única, sabia?
A comunicação foi cortada e, enquanto se levantava e
amontoava os papéis a um canto da mesa de trabalho,
Kirkpatrik sorria, satisfeito consigo mesmo. E refletia:
“Coitada! Jamais se habituará em ver nas minhas
constantes viagens outro motivo que não seja uma farra das
grossas... Ah! Como são pervertidos os cérebros das
mulheres que se esquecem de casar!”.
Uma hora depois, o milionário Horace Young
Kirkpatrik partia num avião da carreira e, mal chegado a
Washington, dirigia-se para a sede da CIA, em Langley.
A pesada porta de carvalho trabalhado do “Velho” se
abriu, dando passagem ao playboy.
— Olá, Horace! Você chegou mais depressa do que eu
esperava!
Kirkpatrik deixou a porta fechar-se sozinha.

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— Deve dirigir seus agradecimentos a minha
eficientíssima secretária, Miss Ventura Marble, que, entre
outras coisas, possui uma bola de cristal e adivinha meus
desejos...
O velho indicou uma poltrona estofada. Não havia mais
ninguém na sala.
— Sente-se. Aceita um drinque?
— Não. Pela maneira como me falou ao telefone,
adivinho uma situação embaraçosa. Quero ter a mente sem
nuvens, para tomar conhecimento do novo caso. De que se
trata? — indagou o playboy, refestelando-se na confortável
poltrona de couro marrom e cruzando as pernas.
— Creio que este caso merece a intervenção do
“Máscara Negra” — disse o Velho. — Existe um bando de
gangsters em ação, no Brooklin, que ameaça a tranquilidade
e a paz mundial.
— Como? — interessou-se o agente fora de série. —
Um simples bando de gangsters pode ameaçar a paz
mundial?
— E de que maneira! — tornou o Velho, que era um
homem baixo e gordo, usando óculos de grossas lentes. E
prosseguiu. — Imagine você que se trata de uma nova
organização criminosa dedicada ao tráfico de drogas,
sequestros e chantagens!
— Como, de resto, o são todas as organizações lesse
tipo — comentou o playboy. — A Máfia não é novidade. E
os gangsters de Brooklin também não.
— Acontece, porém — prosseguiu o Velho que os
nossos amigos de agora foram um pouco mais longe. Eles
ofereceram, ao que apuramos, seus serviços tanto à União
Soviética como à China Popular, para trabalharem em
espionagem e tornarem vulneráveis as defesas norte-
americanas! Imagine você se isso tem cabimento!

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O louro agente fora de série soltou um assobio,
enquanto se erguia e dava alguns passos sobre o tapete
macio da sala. Depois, comentou:
— Sem a menor dúvida, trata-se de um bando bastante
singular...
— Sim! Trata-se de gangsters modernos e avançados,
que são dirigidos por um Chefão, um novo Big-Boss, que
ninguém sabe quem é! Calcule você, meu caro Horace, que
os bandidos se aproveitam dos negros e dos porto-riquenhos
para darem seus golpes! Eles sabem, como ninguém,
explorar a revolta dessas minorias étnicas. Trata-se de uma
organização terrível que nada respeita. Sendo ainda mais
fria do que os sanguinários mafiosos, essa nova geração do
crime tomou conta do Brooklin! São eles, agora, os donos
de todo o jogo, das casas de prostituição, da venda de drogas
etc. etc.! Todas as atividades ilegais estão nas mãos dessa
quadrilha, que se dá a si mesma o nome de “A Alegre
Sociedade”!
— A Alegre Sociedade — repetiu Kirkpatrik. — É um
nome e tanto para uma entidade com tais fins. Um nome e
tanto! Esses cabeludos devem ser uns grandes gozadores!
O Velho calou-se, por algum tempo, acendeu um
charuto e logo prosseguiu:
— O FBI estava no caso e tentava, por todos os meios,
descobrir a identidade do Chefão, sem nada conseguir.
Acontece que, há três dias, um gangster ligado à Alegre
Sociedade... um elemento sem grande importância,
marginal de quinta categoria, especialista em roubar
mercadorias do Cais de Brooklin... ofereceu-se para
denunciar seus comparsas, mediante o pagamento de meio
milhão de dólares e um passaporte para a Suíça. Está me
seguindo?
— Estou. E o FBI topou a parada?

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O Velho gemeu.
— Como não topar? Meio milhão de dólares é uma
ninharia, em comparação com os danos que a tal Alegre
Sociedade pode nos causar! Os “federais” toparam de cara
e marcaram um encontro com o marginal, em um edifício-
garagem situado na esquina das Ruas Smith e Pacific...
— E o homenzinho, à última hora, roeu a corda?
— Não. Ele compareceu ao encontro marcado, mas,
quando começava a falar, uma rajada de metralhadora,
vinda do alto do edifício, atingiu os homens que estavam no
interior de um carro e no elevador, que parara no quinto
pavimento.
Kirkpatrik ficou sério.
— Morreram todos?
— Não. Todos, não. Apenas o marginal e dois dos
agentes. Um terceiro escapou com vida e encontra-se
internado no Hospital de Pronto-Socorro de Brooklin.
— Creio que já percebi tudo — falou Kirkpatrik,
sorrindo outra vez. — O Máscara Negra deve entrar em
ação imediatamente, para descobrir tudo a respeito da gang,
não é isso? O caso tem ligações políticas...
— Exatamente! Você precisa não só descobrir a
verdadeira identidade do Chefão, como também desbaratar
todo o bando, antes que os patifes comecem a fornecer
informações políticas e militares aos comunistas! O caso,
agora, tornou-se um problema político e, por esse motivo, o
Departamento de Justiça pediu o auxílio da CIA.
E eu apelo para você.
— Muito bem. Entrarei em ação imediatamente!
— Calma. Por onde pretende começar?
O louro playboy tez uma careta.

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— Ainda não tenho um plano traçado..., mas creio que
vai ser preciso dar um mergulho bem fundo no basfond de
Brooklin. É lá que] deve estar o começo da meada. Ou não?
— Sim. Nesse caso, você não tem tempo a perder.
Como sempre, você tem total liberdade de ação, mas não se
esqueça de que estaremos ansiosos para obter alguns
informes que nos possibilitem ajudá-lo em qualquer
emergência. Não desapareça sem dar notícias. Sabe onde
quero chegar.
— Não tenha esse receio, chefe — sorriu o playboy. —
Prometo que serei um agente bem-comportado... Como
sempre, aliás.
— Pois sim! Eu conheço muito bem seus hábitos! Você
parece que se diverte em desafiar o perigo! Gosta de agir
sozinho sempre que pode. Mas não se esqueça de que a
união faz a força! E a nossa agência tem um pouco mais
força do que imagina a sua vã filosofia...
— Frases feitas, chefe! Frases feitas! Nada mais do que
isso!
O Velho se mostrou ofendido.
— Muito bem! Você é quem sabe! Todo cuidado é
pouco! Estamos lidando com gente fria e perversa! Gente
mais perigosa do que a velha Máfia, não. se esqueça!
— Deixe tudo por conta do “Andróide”, chefe...
E Kirkpatrik apertou a mão do Velho. Depois, enquanto
se dirigia para a porta, ainda fez um último comentário:
— O Máscara Negra também é muito mais perigoso do
que a Máfia... e, para usar um dos citados dos quais o senhor
tanto gosta: Duro com duro não faz bom muro!
E saiu, deixando o chefe do DCA sorridente, soltando uma
longa baforada de seu Havana aromático. Sim, “duro com
duro não faz bom murro” ... E o Velho tinha cinquenta
razões para confiar no seu agente predileto.
— 21 —
CAPÍTULO SEGUNDO

O capo mafioso Romanelli

Ao sair do escritório do Velho, Kirkpatrik rumou para


o aeroporto, onde, de uma cabina telefônica, já havia
mandado reservar passagem para Nova Iorque. Sua
intenção era, antes de mais nada, avistar-se com o G-Man
que estava internado no Hospital do Pronto-Socorro de
Brooklin.
Usando de suas prerrogativas, o agente especial do
DCA não encontrou empecilhos em entrevistar-se com o
ferido, que ocupava o leito de um dos quartos particulares
do hospital.
— Você se acha em condições de ter uma conversa
comigo? — indagou Kirkpatrik, sentando-se numa cadeira,
à cabeceira da cama onde repousava o doente.
— Recebi um excelente tratamento e creio que ainda
não é desta vez que eu embarco — sorriu o moreno agente
do FBI. — Sim, claro. Que é que você quer saber?
Kirkpatrik aproximou mais a cadeira do leito, onde o
homem se encontrava, e deu início a uma série de
perguntas, em voz baixa. Pouco a pouco, foi tomando
conhecimento de todos os detalhes da aventura em que o
outro se metera.
— Como vocês entraram em contato com Buck
“Bagana de Charuto”?

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— Nós já o conhecíamos de longa data. Buck era um
pequeno marginal, um rato-de-cais. Mas quem estabeleceu
um contato definitivo entre nós e ele foi um mafioso
pertencente à Cosa Nostra.
— E onde se encontra esse agente da Máfia?
— Trabalha no cais de Brooklin e está em liberdade
condicional, atualmente. Buck “Bagana de Charuto”
também fez parte da Cosa Nostra, mas passou-se com armas
e bagagens para o bando da Alegre Sociedade.
— Quem é o camarada da Máfia?
O homem olhou com simpatia para o atlético louro que
tinha diante de si. Parecia ler, nos olhos do agente fora de
série da CIA, a determinação que sempre pautara seus atos.
— O homem chama-se Gene “O Rato”. Ser fácil
localizá-lo. Diga-lhe que você é um do nossos, do FBI, e
creio que ele lhe prestará algum serviço. Esses camaradas
não têm lei nem mora estão sempre dispostos a trair os
companheiros para obterem alguma recompensa.
Principalmente, quando quem lhes faz a oferta são agentes
da lei. No fundo, eles nos respeitam muito.
Kirkpatrik apertou a mão do homem e, depois de
agradecer-lhe a colaboração prestada, apressou-se a deixar
o hospital.
Não demorou muito a localizar Gene “o Rato” no Cais
do East-River.
— Quem... quem lhe indicou meu nome? — indagou o
homem, apavorado. — Eu não sei de nada! Não quero
encrencas comigo!
— Deixe de tolices, rapaz! Meus colegas do FBI me
garantiram que foi você quem os apresentou a Buck
“Bagana de Charuto”. Certo?
— Sim, fui eu. E por isso mesmo estou apreensivo! O
que aconteceu com Buck... naquele edifício-garagem...

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— O que aconteceu com ele não é culpa sua. Buck,
certamente, não soube ser discreto. Não tomou todas as
precauções necessárias e, por isso, foi descoberta sua
traição. Os homens prudentes sempre vivem muito tempo...
— Não! A Alegre Sociedade tem muito olhos! Eles
tudo veem e tudo sabem! Ê muito arriscado traí-los! Eu não
sei de nada! De nada!
O homem falava atropelando as palavras e olhava para
todos os lados como se estivesse à espera de que surgisse
uma legião de demônios, a qualquer momento, em sua
perseguição. Tinha a testa porejada de suor frio. Suas mãos,
de dedos longos e nodosos, tremiam como varas verdes e
ele, para disfarçar o tremor, tratou de escondê-las nos
bolsos da calça. Ensaiou uma retirada, mas, quando voltava
as costas para o agente fora de série da CIA, foi fortemente
agarrado pelas mãos possantes do playboy, que quase o
ergueu do chão. O bandido gemeu:
— Por favor! Não faça escândalo! Não chame as
atenções sobre nós! Aqui existem muitos olheiros e...
A voz do “Máscara Negra” soou, ameaçadora:
— Se tem tanto medo de ser apanhado em falta pelos
elementos da Alegre Sociedade, trate de ajudar-me! Caso
contrário, eu o levarei preso ostensivamente. Nós faremos
com que corra a notícia de que você se deixou prender para
dar o serviço mais à vontade, longe do cais... Depois de
alguns dias, nós o poremos na rua e você terá de se explicar
com o bando... É isso o que você quer?
Um tremor terrível se apossou de todo o corpo do
esquelético indivíduo. Sua voz soava estridente e
desafinada e o rosto revelava todo o pavor que sentia
naquele momento:
— Não! Não podem fazer uma coisa destas comigo!
Afinal de contas, eu já os ajudei uma vez, quando estabeleci

— 24 —
contato entre vocês e Buck “Bagana de Charuto”! —
Devem-me esse serviço...
— Não estamos negando. Mas precisamos uma vez
mais de sua ajuda. Se se recusar a prestá-la, já sabe!
E Kirkpatrik ainda lhe deu uma sacudidela, antes de
largá-lo. O suor descia pela testa do homem, empapando-
lhe os cabelos ralos. Seus olhos, assustadíssimos,
percorriam a extensão do local em que se encontrava. Por
fim, falou:
— Está bem! Eu farei o possível para ajudá-lo. Mas será
a última vez! Depois disso, não me peça mais nada! Que
deseja saber?
Kirkpatrik suspirou. Tinha vencido a parada.
— Antes de mais nada, quero que você me diga quem
foi que executou aquele trabalhinho lá no edifício-
garagem...
— Quem... quem o quê? — gaguejou o infeliz.
— Você me entendeu muito bem — rosnou Kirkpatrik,
tomando-se implacável. — Quem executou Buck “Bagana
de Charuto” e os nossos agentes?
— Foram... os irmãos Kurian!
— Irmãos Kurian? Quem são eles?
— Chamam-se Bóris e Volódia Kurian. São gémeos, de
descendência russa. Eles se encarregam de todos os
serviços daquela espécie. São... como direi?... os carrascos
da Alegre Sociedade. Executam toda série de trabalhos
sujos. Todos os temem.
— Muito bem — tornou Kirkpatrik. — E como posso
entrar em contato com seus colegas da Máfia?
— Como? Da Máfia? Mas eu pensei que estivesse
interessado na Alegre Sociedade!

— 25 —
— E estou. Mas tenho por hábito dar voltas longas, para
chegar ao ponto que desejo. Quero, antes de mais nada,
fazer contato com alguém da Cosa Nostra.
— Bem... eu acho que posso apresentá-lo ao meu Capo
Mafioso.
Kirkpatrik não pôde ocultar o seu interesse.
— Quem é ele?
— Chama-se Giuseppe Romanelli e pertencia à
“Família” que operava em Brooklin, mas foi expulsa pela
“Alegre Sociedade”.
— Quais são as atividades atuais desse tal Romanelli?
— quis saber Kirkpatrik.
Gene “O Rato” voltou a olhar ao redor. Depois:
— Ele chefia o pessoal que age no cais. Pequenos
trabalhos... Furto de mercadorias... Nada de grande monta...
Os tempos mudaram muito, depois que a Alegre Sociedade
se apossou de tudo. Pouco restou para os outros.
O “Máscara Negra” acenou compreensivamente.
— E onde posso encontrar esse seu amigo?
— Ele tem uma lancha aqui perto. Nós o encontraremos
lá mesmo. Se o senhor quiser me acompanhar...
— Muito bem. Mas, antes de mais nada, precisamos
traçar um plano. Você, por certo, não vai querer chegar
diante de Romanelli e dizer que sou um agente do FBI...
— Nem pensar em semelhante coisa! Seria mais fácil
eu mesmo dar um tiro nos miolos!
— Pois, então, vamos combinar tudo. Você me
apresentará como um turista irlandês... Meu nome será...
vejamos... O’Hara. Isso mesmo: Michael O’Hara, de
Dublin. Dirá que estou precisando de trabalho e que, por
isso, você resolveu me levar até ele... Combinado?

— 26 —
— Sim... E agora, vamos sair daqui! Eu o levarei a
Romanelli e, em troca, vocês me deixarão em paz!
Prometido?
— Vamos andando — ordenou Kirkpatrik, sem se
incomodar em responder à indagação do outro.
E os dois puseram-se a caminho, por entre os volumes
do cais.

***

A lancha era bastante ampla, embora estivesse muito


maltratada. Via-se logo que os mafiosos estavam
atravessando uma crise.
“Caixa baixa — pensou o “Máscara Negra”. — Os
tempos são outros...”
Gene “O Rato” saltou para dentro da lancha e guiou
Kirkpatrik por uma pequena e suja escadinha, que levava à
cabina central.
— Cuidado com a cabeça, O’Hara...
Ao entrarem, depararam com um indivíduo de idade
indefinida e grossas sobrancelhas ruivas. Seu rosto
lembrava a máscara de Lúcifer. O homem olhou para os
recém-chegados e, sem se erguer da cadeira em que se
encontrava, indagou:
— O que há, Rato? Quem é esse sujeito? Que vieram
fazei aqui?
O marginal, trêmulo, aproximou-se um pouco mais,
torcendo o sujo chapéu nas mãos, enquanto falava.
— Este aqui é Michael O’Hara, de Dublin. Um velho
amigo meu...
— E daí? — rugiu o outro, impaciente.
Kirkpatrik pigarreou:

— 27 —
— Creio que será melhor eu mesmo falar — disse ele,
adiantando-se. — Venho de Dublin, onde as coisas não têm
corrido muito bem para o meu lado... Estava à cata de um
trabalho qualquer... Sou bom no gatilho. Se quiser, pode
fazer uma experiência.
— Bom no gatilho! — ruminou o homem ruivo. — Um
pistoleiro, quer você dizer? Um matador profissional?
— Sim. Isso mesmo. Estou disposto a aceitar qualquer
serviço que me dê algum rendimento...
O capo Mafioso Romanelli acenou.
— Pois saiba que veio bater na porta certa!
— E, olhando para Gene “O Rato”, vociferou:
— Pare de tremer e de torcer essa porcaria de chapéu!
Você, depois de velho, está ficando frouxo? Eu e o amigo
aqui já nos entendemos! Já vi que estou falando com um
cara competente!
— Ainda bem — suspirou o homem magro.
— Quer dizer que não fiz mal em trazê-lo?
— Não. Fez muito bem. Precisamos mesmo de gente
decidida! Poltrões como você encontram-se às dúzias
vagabundando pelo cais!
— Muito bem, Romanelli... E agora... bem... eu gostaria
de... Se você não se importar...
Gene “O Rato” tremia da cabeça aos pés.
Romanelli deu um murro na mesa, com seu grosso
punho fechado, enquanto berrava:
— Raspe-se daqui! Estou farto de seus faniquitos! Mais
parece uma solteirona histérica do que um mafioso! Suma-
se! Imagine se o Padrinho soubesse disso!
Gene “O Rato” não esperou segunda ordem.
Desapareceu tão rápido como se se houvesse desintegrado
no ar. O “Máscara Negra” deu uma risadinha.

— 28 —
Voltando à sua calma natural, Giuseppe Romanelli
fitou Kirkpatrik por alguns momentos, antes de voltar a
falar com sua voz grave:
— Você tem boa aparência e poderá ser muito útil. Mas,
antes de dar a última palavra, terei de apresentá-lo ao
“Padrinho”. Suponho que você saiba como é a nossa
família” ...
— O “Padrinho”? Quem é ele?
— Tudo a seu tempo. Logo, logo, você o conhecerá.
Iremos ao encontro dele num restaurante localizado na Rua
Mott, em Manhattan. Suponho que você também já tenha
ouvido falar em Chinatown...
E, sem parecer se importar com a presença do gigante
louro, Giuseppe Romanelli pegou no maço de cartas e
começou a espalhá-las sobre o tampo da mesa, armando um
jogo de paciência.
Ali estava, sem a menor sombra de dúvida, um dos
antigos elementos da Cosa Nostra. Um homem acostumado
a tratar com toda espécie de canalhas e pistoleiros. Um
homem para quem os cadáveres nada significavam...
Kirkpatrik sorriu para si mesmo. Faltava-lhe, ainda,
uma situação daquelas, em sua carreira de agente fora de
série da CIA. Faltava-lhe fazer parte de uma “Família” de
mafiosos...
Agora, ali estava ele, prestes a ser apresentado ao
Padrinho.
Quem diria? Horace Young Kirkpatrik, de playboy
internacional e presidente da “K.K.K. Steel”, passara a
membro da Cosa Nostra... O “Máscara Negra”, o
“Andróide”, o agente especial 77Z iniciava a sua carreira de
pistoleiro Cavacos do ofício!

— 29 —
CAPÍTULO TERCEIRO

Um Padrinho saudosista

Em companhia de Giuseppe Romanelli, Michael


O’Hara (ou seja, Kirkpatrik) seguiu para a Rua Mott. O
Capo mafioso não tinha carro e foram de táxi. Quinze
minutos depois, tinham chegado a seu destino. A Rua Mott
localiza-se no Bowery e começa no antigo Bairro Chinês de
Nova Iorque.
Embora, atualmente, Chinatown não mais exista, o
lugar ainda é um verdadeiro antro de malfeitores. Enquanto
se encaminhavam para o restaurante do Padrinho,
Romanelli dava algumas indicações a O’Hara:
— Salvatori Magaldi, atualmente, está com oitenta
anos, mas ainda é o chefe supremo da Cosa Nostra em
Brooklin, onde sempre viveu e de onde foi expulso pela
nova geração de gangsters da Alegre Sociedade. Agora, ele
habita o sobrado de seu bar-restaurante, aqui mesmo na Rua
Mott. E é daqui que controla toda a “família”. Pelo telefone,
é claro. Ou, então, quando recebe a visita de seus Capos...
— Quer dizer que ainda existe uma “família”, apesar da
ação dos gangsters da Alegre Sociedade? — quis saber
Kirkpatrik. — A Cosa Nostra não desapareceu de todo?
Romanelli sorriu, orgulhoso.
— Não. Seria preciso muito mais do que a incursão de
gangsters avançados, para pôr fim à Cosa Nostra! É bem

— 30 —
verdade que os membros da Alegre Sociedade tomaram
conta do jogo, da prostituição e do roubo organizado, mas
sempre ainda sobra alguma coisa para a Cosa Nostra... —
E, mudando de tom. — Chegamos. É naquele
sobrado, ali em frente, que Magaldi vive. Vamos entrar!
Você terá que deixar a pistola na entrada.
Os dois homens foram revistados por dois italianos, que
lhes tomaram as armas, e galgaram rapidamente os degraus
de madeira que conduziam ao sobrado. Bateram a uma
porta e, como não obtivessem resposta, Romanelli
apressou-se a dizer:
— Certamente, Magaldi está lá embaixo no restaurante.
Por que Luciano e Antônio não nos avisaram?
Os dois homens tornaram a descer e penetraram no
restaurante, quase deserto àquela hora.
— Ali está ele — disse Romanelli.
De fato, o velho Salvatori Magaldi ali se encontrava,
confortavelmente instalado, em frente a uma mesa, onde se
via um antiquíssimo aparelho de chá, herança dos velhos
bons tempos.
Salvatori Magaldi era uma figura impressionante. Alto
e ainda robusto, para a sua idade avançada. As maçãs de seu
rosto eram de um rosado que lembrava as bochechas de um
recém-nascido e os cabelos, muito brancos e lisos, caíam-
lhe teimosamente em caracóis sobre a testa ampla. Dois
olhos azuis e matreiros fitavam os visitantes, enquanto o
velho falava pausadamente:
— Ora viva, Romanelli! Que ventos o trazem a este
retiro?
Romanelli, à maneira dos antigos mafiosos, tomou
respeitosamente a mão direita do velho, onde cintilava um
valiosíssimo brilhante, e beijou-a com respeito. Só depois é
que falou:

— 31 —
— Vim trazer o meu amigo Michael O’Hara, para que
conhecesse o meu querido Padrinho...
— Ah, sim? — indagou o velho, fazendo um exame no
outro rapaz que tinha à sua frente. — E o que é que o seu
amigo pretende de mim? Certos favores, hoje em dia, estão
se tornando mais difíceis...
— Ele está à procura de emprego. Sabe manejar muito
bem uma arma e eu pensei...
— Não precisa dizer mais nada. Nos dias que correm,
homens hábeis no manejo de arma vão se tornando raros. Já
não é como nos bons tempos, onde cada componente dc um
bando era um verdadeiro artista... O’Hara, não é? O’Hara...
— Sim, senhor — respondeu Kirkpatrik. avançando
dois passos. — Michael O’Hara, de Dublin...
O velho tornou a examiná-lo de alto a baixo. Seus
olhinhos azuis perscrutaram o fundo dos olhos cinzentos do
“Máscara Negra”, que não desviou a vista, enfrentando o
olhar severo que o Padrinho lhe dirigia. O velho sorriu,
depois de algum tempo. Parecia tranquilizado.
— Muito bem, rapaz. Gosto de homens que olham de
frente para mim. Via de regra, são valentes e decididos. E
são, também, sinceros. Quem não sabe sustentar o olhar de
um outro homem é porque é dissimulado e traiçoeiro. Você
tem um belo porte, não resta dúvida... Parece um daqueles
dos bons tempos! Que arma prefere?
Kirkpatrik, que usava luvas de pelica branca no
momento, meteu a mão direita sob a axila e exibiu a sua
pequena Mauser 22, com silenciador.
— Seus discípulos me tomaram o Colt, na entrada. Na
verdade, eu uso esta, que sempre passa despercebida...
Os olhinhos do velho faiscaram.
— Uma arma e tanto! E muito bem cuidada, pelo que
posso ver... Se quer saber de uma coisa, gostei do detalhe

— 32 —
das luvas e do silenciador. Um homem prevenido tem
sempre maiores chances... Luvas evitam impressões
digitais... Você promete, rapaz! Sentem-se! Aceitam uma
taça de chá? É a minha bebida predileta... Coisas de velho...
A tensão que existia até aquele momento se desfez. O
convite do velho, para que os dois homens se sentassem à
mesa com ele e saboreassem uma xícara de chá, significava
que ficara satisfeito com o exame do hóspede. Romanelli
tinha ficado apavorado, ao ver que seu companheiro
continuava de posse de uma arma, mas logo se acalmou. Ele
e Kirkpatrik sentaram-se em cadeiras confortáveis, de
espaldar alto, bastante diferentes das demais cadeiras do
restaurante, àquela hora quase vazio. A mesa de Magaldi
ficava no fundo do salão.
O velho serviu os dois homens (coisa que era uma
verdadeira honra) e, enquanto remexia com uma colher de
prata a sua própria xícara, falava tranquilamente, os olhos
perdidos na distância:
— Ah, meus caros! Os tempos são muito outros. Agora,
já é raro um jovem decidido querer unir-se à honrada
família da Cosa Nostra... Via de regra, são uns porcos
cabeludos que falam uma língua que não é a nossa, vestem
roupas quase femininas e são viciados em tóxicos. Longe
vão os tempos em que um membro de nossa família se
portava e se trajava como um homem da mais alta
sociedade! Paletó, colete, gravata e chapéu... E roupas de
cores sóbrias. Ninguém poderá dizer que viu, algum dia, um
Lucky Luciano, um Al Capone, ou mesmo um Dillínger,
trajando roupas espalhafatosas ou mesmo em desalinho! E
eles escreveram suas histórias a bala! Tudo muito mudado...
Já nem apelamos para o juramento de sangue, como
antigamente... Não vale mais nada, agora que os homens
dão mais valor ao dinheiro do que à palavra empenhada e

— 33 —
vendem-se como mercadorias de feira! Está tudo
anarquizado, meus caros!
Kirkpatrik ouvia as palavras do Padrinho
respeitosamente, enquanto fazia mentalmente uma relação
de tudo. Ali estava um raro espécime da velha Mafia. Sua
presença impressionava, como se um halo especial
envolvesse a figura do velho... Era um homem grande e
simpático e, quem o visse conversando, ou mesmo
caminhando por uma das ruas da grande metrópole, jamais
pensaria que aquele ancião austero e simpático fosse o
Chefão de uma “família” da Cosa Nostra. Salvatori Magaldi
tinha razão: os tempos haviam mudado, realmente.
O velho prosseguia, sem se apressar:
— A geração de hoje é fria, egoísta e sangüinária. Por
isso, nós, os antigos donos da situação, perdemos algum
terreno. Eu, por exemplo, estou prestes a me aposentar. A
vida de hoje já não me proporciona tanto prazer como
antigamente. Sinto-me cansado e, por que não dizer, de
certa forma desmoralizado! O Termo é esse:
desmoralizado!
— Não fale assim, Padrinho — protestou Romanelli,
com voz fraca.
— Mas se é essa a verdade, “menino”! Eu e meus
afilhados fomos praticamente expulsos de Brooklin e a
Alegre Sociedade controla tudo, do outro lado do East-
River! Fui forçado a abandonar meu escritório, em
Brooklin, e a refugiar-me aqui, na porcaria da Rua Mott!
Mas. antes de retirar-me, ainda pretendo causar alguns
estragos entre o pessoal da Alegre Sociedade! Tenho um
plano, no qual talvez possa aproveitar o seu amigo... Como
é mesmo o seu nome? Não, não me diga! Deixe que a minha
memória se esforce... O’Hara, não é isto? Sim, Michael
O’Hara! Eu já ouvi esse nome não sei onde...

— 34 —
E, sorrindo para Kirkpatrik:
— Quando se passa dos setenta, é preciso manter a
memória em eterno exercício; caso contrário, os assuntos se
misturam, os nomes e as palavras nos escapam e aí, então,
é o caos! Eu me prezo de ter tido sempre uma memória
excelente e não vão ser alguns anos a mais que a farão
desaparecer! Exercício, “meninos”! Eu sempre digo: o
exercício é o melhor remédio! Mas, voltando ao que eu
dizia: talvez possa utilizar você, O’Hara, num “servicinho”
que tenho em mente. “Servicinho” é maneira de dizer...
— Estou à sua inteira disposição — falou Kirkpatrik,
em tom respeitoso. — Qual é o “trabalho”?
O velho deu uma risada e suas bochechas rosadas
balançaram. Depois, prosseguiu, com voz séria:
— Sempre ouvi dizer que, quando se corta a cabeça da
serpente, ela está aniquilada. Pois bem! O que pretendo, é
justamente liquidar os chefes da Alegre Sociedade! Não
posso me conformar com o fato de negociarem com drogas,
coisa com a qual a Máfia jamais lidou, ou, se lidou, foi
apenas para alcançar algum fim diferente, abandonando
logo o terreno, depois de atingir o alvo que pretendia.
Drogas, não! E, além do mais, não concordo em absoluto
com o fato do pessoal da Alegre Sociedade estar disposto a
trabalhar como agente dos russos e dos chineses! No bom
tempo de Lucky Luciano, os mafiosos ajudavam o Ocidente
e não o Oriente! Talvez vocês não saibam disso, mas foi a
Máfia quem ajudou os americanos a desembarcarem na
Sicília, durante a segunda grande guerra! Nunca nos
metemos em espionagem! A favor dos russos, quero dizer...
O velho fez uma pausa, durante a qual saboreou um
grande sorvo de seu magnífico chá. Depois, semicerrando
os argutos olhinhos azuis, voltou a cabeça na direção de
Kirkpatrik:

— 35 —
— Você me serve, meu filho. E vou lhe dar uma tarefa
bastante importante, para começo de carreira. Já vi que você
não está propriamente começando...
— Não desejo outra coisa senão provar a minha
capacidade — redarguiu Kirkpatrik — Qual é o
“servicinho”?
O saudosista Magaldi respondeu com voz doce:
— Você terá que executar John “Caveira” Richmond,
um dos chefes da Alegre Sociedade!
O “Máscara Negra” não demonstrou a menor emoção.
— E como poderei encontrá-lo? — inquiriu, com voz
fria.
— Não será difícil. Mas deverá usar a máxima cautela!
John “Caveira” Richmond dirige um cassino clandestino,
situado nos fundos de um hotel de luxo, em Coney Island.
Eu já fui proprietário daquele hotel. E mandava no jogo,
também. Mas os tempos são outros, O’Hara... os tempos são
outros... Pois bem! Seu primeiro trabalho, para nossa
família, será esse: executar 'John “Caveira” Richmond!
Romanelli lhe fornecerá as demais explicações necessárias.
O preço do trabalho dependerá da limpeza da execução.
Mas nós não somos avarentos...
E, com um gesto de mão, o velho despediu os dois
homens.
Romanelli beijou-lhe, uma vez mais, a mão, enquanto a
alva cabeça pendia para um lado e ele começava a ressonar.
Também devia sofrer de dispepsia, além de sofrer de
saudade...
Seguindo Romanelli, Kirkpatrik deixou o restaurante,
na ponta dos pés, para não perturbar a madorna do ancião...
Na saída, os dois italianos devolveram-lhes as pesadas
pistolas.

— 36 —
Já na rua, Giuseppe Romanelli deu duas fortes batidas
nas costas do louro playboy, enquanto falava, sorridente:
— Você é mesmo um homem de sorte, O’Hara! Logo
no primeiro serviço, é destacado para eliminar um chefão!
Isto prova a confiança que você despertou no Padrinho!
Com John “Caveira” Richmond, só duas coisas podem
suceder a você.
— Quais?
— Ou você o elimina e ganha as boas graças do velho,
ou não consegue fazê-lo e, então... ele mesmo se
encarregará de eliminá-lo, poupando-nos o trabalho. E peça
a Deus para morrer de vez, porque os aleijados sofrem
muito...
— Uma excelente alternativa, não resta a menor dúvida
— sorriu Kirkpatrik, com o pensamento ausente.
A mente privilegiada do “Andróide” começava a
funcionar, no corpo do pistoleiro Michael O’Hara...

— 37 —
CAPÍTULO QUARTO

Morte no cassino clandestino

Nos fundos do “Happy Hotel”, perto do Luna Park de


Coney Island, John “Caveira” Richmond, trajando um
impecável smoking, vigiava a sala de jogo, através de um
circuito fechado de televisão.
John Richmond era um homem alto e magro, um rosto
de pedra que parecia ter sido esculpido a talhadeira, olhe»
frios e alguns fios de cabelos brancos nas têmporas.
— Tudo legal, Nick — disse ele.
A seu lado, de pé, estava Nick Nichols, seu lugar-
tenente. Ao contrário de John “Caveira” Richmond, Nick
era um sujeito atarracado e mais para gordo. Vestia-se
também com bastante esmero e ostentava em uma das mãos
um espalhafatoso anel de ouro com chuveiro de brilhantes.
— Tudo legal, chefe — respondeu ele, com voz
untuosa.
Súbito, uma luz vermelha se acendeu, no alto da grossa
porta de entrada do gabinete, ao mesmo tempo que soou
uma pequena cigarra.
— Veja quem é — ordenou o chefe ao seu capanga.
Nick foi até à porta, que abriu deixando entrar uma
loura muito bonita, de andar gingado. A mulher caminhou
com elegância até perto da mesa, atrás da qual estava
sentado John Richmond. Este olhou friamente para ela.

— 38 —
— O que é que você deseja desta vez, Linda?
Ao se debruçar sobre a mesa, a moça exibiu metade de
seus seios grandes e agressivos.
— Ouça, John... Eu assinei alguns vales...
— Eu sei — retrucou o homem, apanhando um maço
de papéis em cima da secretária. — Aqui estão eles. Veio
saldá-los, minha querida?
Seus olhos estavam grudados no decote da loura.
— Não. Não é isso. Eu... para falar a verdade, estou em
grandes dificuldades financeiras... Joguei alto e perdi!
Agora... agora...
— Agora, não tem com o que pagar, não é isso?
E o olhar de John “Caveira” Richmond passou a
percorrer, lascivamente, todo o corpo escultural da moça.
Devorava-a, mentalmente.
— Sim, John. Eu... eu quero que você me dê um prazo
maior. Se fizer isso, poderei arranjar o dinheiro para pagar-
lhe...
O homem sorriu sadicamente.
. — E se eu não conceder o prazo que me pede?
A moça ficou desorientada. Perdeu o autocontrole e sua
voz quente tornou-se aguda.
— Você não vai fazer isso, não é, John? Eu não saberia
o que fazer! Eu... oh, John! Por favor! Dê-me apenas mais
quinze dias! Não sei o que fazer!
John “Caveira” Richmond sorriu enigmaticamente.
— Não sabe o que fazer? Pois eu lhe digo, minha
querida. Quem foi o idiota que disse que você não tem com
o que resgatar sua dívida para comigo? Tem, sim, minha
querida! Tem e muito! Basta decidir-se... está bem?
A loura semicerrou os olhos azuis.
— O que é que você está pretendendo sugerir, John?

— 39 —
— Vamos, vamos! Você não é nenhuma boneca de
cabeça oca, que eu sei! Já entendeu perfeitamente aonde eu
quero chegar! Não é a primeira vez que abordamos o
assunto...
— Entregar-me a você? É isso? Mas você sabe
perfeitamente que eu pertenço a Ivan Koniet!
Ela parecia mais ofendida do que indignada.
— Sei disso — sorriu o gangster. — E sei, também, que
Ivan Koniet é um rico industrial de Brooklin... Já que você
não parece disposta a aceitar a minha sugestão, por que não
pede a ele o dinheiro para saldar a sua dívida? O telefone
está aí mesmo. Vamos! Ligue para seu amiguinho e peça-
lhe para mandar o dinheiro! Aceito mesmo em cheque!
Vamos! O que está esperando?
— Você sabe perfeitamente que eu jamais faria uma
coisa dessas!
— Nesse caso, eu mesmo posso telefonar para ele,
contando o fato e pedindo-lhe que salde a dívida por você.
Você não lhe pertence, boneca?
— Você está blefando, John! Não teria coragem de
fazer o que diz!
— E por que não?
— Por quê? Ora, John! Francamente, eu... eu não espero
que você seja tão sujo!
O rosto de Richmond se transtornou e ele ergueu-se,
disposto a esbofetear a loura; mas, nesse momento, olhou
para o monitor da TV e viu que estava acontecendo alguma
coisa fora do comum, no salão de jogo. Fez um sinal para o
seu capanga.
— Nick?
O gordo aproximou-se.
— Chefe?

— 40 —
— Veja quem é aquele camarada alto que está
discutindo no salão de jogo! Traga-o aqui, se for preciso!
Depressa! Não quero que um tumulto estrague a nossa boa
sorte desta noite! Vá agora mesmo, está bem?
Sem perda de tempo, Nick Nichols deixou a sala e foi
executar as ordens do chefe.
Com o pensamento voltado para o assunto mais
imediato, John “Caveira” Richmond voltou para sua
cadeira, parecendo esquecer-se da loura. Esta recuou dois
passos, na expectativa.
Pouco depois, Nick regressava, conduzindo um louro
atlético pelo braço.
— Aqui está o homem, chefe. Estava discutindo por
causa de dinheiro. Parece que não quer pagar o que perdeu.
Ele disse que, se o virassem de cabeça para baixo, não cairia
um centavo!
— Muito bem! E pensa, por acaso que isto ui é alguma
casa de caridade?
— Um momento — pediu o louro, que outro não era
senão Kirkpatrik. — Meu nome O’Hara! Mike O’Hara!
Trabalho para o Departamento de Defesa dos Estados
Unidos, em Washington! Posso assinar vales que pagarei
pois! Eu quis dizer que não tenho dinheiro o...
John “Caveira” Richmond recostou-se mais
confortavelmente na cadeira de braços, antes de ar. Depois:
— Como conseguiu entrar aqui, O’Hara?
— Comprei a entrada! — sorriu o louro. — Com
dinheiro tudo se consegue. E eu cheguei há algum...
— Bem — sorriu John “Caveira” Richmond. Quem
sabe se conversando não chegamos a um acordo? Trabalha
no Departamento de Defesa Estados Unidos, não é? Deve
ganhar uma gaita, hem?

— 41 —
— Isso mesmo. Ganho mais do que mereço. O gangster
virou o rosto.
— Nick?
— Sim, chefe? — apressou-se a responder o bandido
gordo. — Leve essa pequena para outro sento. Depois que
terminar com Mr. O’Hara, falarei com ela. Cada coisa a seu
tempo, este poderá resgatar os vales em troca de suas
próprias bem?

Linda, segura por um braço, foi levada par uma saleta


reservada, cuja porta de entrada ficava atrás de uma pesada
cortina. Logo, Nick dei volta à chave e postou-se em frente.
John, então começou a retirar um cigarro de sua cigarreira
de ouro, enquanto falava:
— Podemos falar à vontade, O’Hara. Est sala é à prova
de som. Portanto, não tenha receio de responder às minhas
perguntas. Nick é de inteira confiança. Somos, todos,
homens sérios está bem?
— O que deseja saber? — indagou Kirkpatrik afetando
nervosismo, enquanto levava a mão ao bolso interno do
paletó.
— Talvez possamos fazer um acordo — falou o
“Caveira”, acendendo cuidadosamente o cigarro. E, por
entre uma baforada de fumaça, acrescentou: — Em seu
departamento deve haver muita coisa interessante para
alguns amigos nossos...
— Aonde pretende chegar? — indagou o louro playboy,
compreendendo que o gangster havia mordido a isca.
— Você nos fornece algumas informações e, em troca,
poderá continuar jogando livremente em nosso cassino...
Assinando vales, é claro. E informações...

— 42 —
Kirkpatrik retirou o maço de cigarros do bolso,
escolheu um e o acendeu com um isqueiro, enquanto
parecia pensar na proposta recebida. Depois:
— Isso é muito perigoso! Se cu for descoberto...
O gangster sorriu friamente.
— O que é mais perigoso para você? Arranjar alguns
documentos para nós ou o fato de apresentarmos os vales
de jogo a seus chefes? Você sabe como esse pessoal do
Departamento de Defesa é cheio de austeridade...
— Eu... eu não assinei nenhum vale!
— Mas vai assinar, é claro. Não pense que o deixaremos
sair daqui, sem nos deixar um documento de sua dívida para
conosco... Jogo é jogo, meu caro...
— Mas..., não pode me dar um prazo? Eu pagarei!
Prometo que pagarei!
— Acredito. E tanto acredito que, mesmo sem conhecê-
lo, estou disposto a deixar que assine um vale. Como vê,
estou lhe concedendo crédito. Já você parece não confiar
em nós...
Kirkpatrik, que, representando magistralmente o papel
de homem medroso e acuado, acabara de fumar o cigarro
em sucessivas tragadas, tornou a levar a mão ao bolso
interno. Mas, dessa vez ele veio acompanhada de sua
Mauser 22 que imediatamente entrou em ação.
“Ploft”!
Antes que o gangster desse conta do que estava
sucedendo, foi atingido por uma bala em plena testa.
Girando o corpo com rapidez espantosa, Kirkpatrik deu
novamente ao gatilho.
“Ploft”!
O capanga Nick Nichols, atingido no coração, também
tombou sem vida. “Mike O’Hara” sorriu. Estava cumprida
a sua missão. Ninguém deveria ter ouvido os disparos, pois,

— 43 —
como o próprio John Richmond dissera, a sala era à prova
de som... E a Mauser, provida de silenciador, cuspia mais
do que detonava...
Kirkpatrik se aproximou da porta por onde a loura fora
retirada da sala e, dando volta à chave, abriu-a.
Linda apareceu, com os olhos muito abertos. Uns olhos
azuis, de boneca.
— Você... Você os matou? Que loucura! Agora, terá
uma legião de gangsters no seu encalço! Sabe quem é esse
homem? É um dos chefes de um bando de assassinos!
— Não faz mal — sorriu o playboy. — Estou mais do
que acostumado a viver perigosamente Como você viu,
também vivo à custa dos mortos.
Os olhos da moça foram para a mesa, onde, pouco
antes, John “Caveira” Richmond pousara seus vales de
jogo.
— Aqueles vales... são meus! Posso...?
Ele fez-lhe um gesto para que não tocasse em nada.
— Dívida de jogo, não é? — falou, enquanto apanhava
os vales e somava-os mentalmente.
— Sim. Você vai...?
Kirkpatrik, sem nada dizer, rasgou os papéis em
pedacinhos, depois, colocando-os dentro de um grande
cinzeiro de bronze, queimou-os. Suas mãos, calçadas com
as luvas brancas, pareciam dois pássaros adejando.
— Precisamos sair daqui imediatamente — disse a
loura, enquanto se dirigia para a porta. — Vamos aproveitar
enquanto não há nenhum capanga no corredor!
Kirkpatrik ainda se demorou alguns segundos, olhando
em torno; quando finalmente deixou o cassino e alcançou a
rua, viu a loura que se afastava num carrinho esporte.
A moça fugira sem ao menos dizer-lhe quem era, nem
onde morava. Nem sequer um “obrigado” ...

— 44 —
— Não faz mal — murmurou o “Máscara Negra” de si
para si. — O mundo é assim mesmo! Está cheio de mal-
agradecidos! E tratou de pôr a maior distância entre ele e o
cassino, onde não demoraria a estourar a bomba...
E, assim, Horace Young Kirkpatrik (ou seja. o agente
fora de série da CIA) executou um “servicinho” a mando de
Salvatori Magaldi.
O “Máscara Negra” trabalhara para a Máfia. Mas aquilo
também não devia desgostar os rapazes do FBI...

— 45 —
CAPÍTULO QUINTO

Tiroteio no parque

O “Royal Hotel” de Brooklin ficava na Avenida 86,


esquina da Rua 17. Naquele mesmo prédio, outrora,
funcionara o restaurante do “Gordo” Jerry, gangster da
Cosa Nostra assassinado a tiros porque desertara da
“família” de Colombo. Era um edifício histórico, portanto.
Nesse hotel é que Horace Young Kirkpatrik tem se
hospedado, ao chegar a Brooklin como Mike O’Hara.
“Máscara Negra” lia a notícia nos jornais.
— Ótimo... Era isso mesmo que eu queria...
Segundo diziam as reportagens, as mortes de John
“Caveira” Richmond e seu auxiliar Nick Nichols tinham
sido obra de um pistoleiro da Máfia, contratado
especialmente. Um homem alto e louro, cuja identidade
ainda não fora levantada pela polícia.
Kirkpatrik sorriu com a notícia. De certa forma, não
deixava de ser verdade, pois, afinal de contas, ele estava
encarnando o papel de Michael O’Hara, um matador de
Dublin contratado por Salvatori Magaldi, um Chefão da
Cos Nostra...
Os pensamentos do playboy seguiam esse curso,
quando a campainha do telefone o trouxe d volta à
realidade. Um telefonema? De quem?
Apanhou o receptor e contestou:

— 46 —
— Sim?
— É O’Hara quem está falando? — pergunto uma voz
quente e sensual.
— Ele mesmo — respondeu Kirkpatrik, enquanto
tentava adivinhar a quem pertencia aquela voz feminina.
— Quem está falando aqui é Linda Berger...
— Quem?
— Linda Berger. Ah, é verdade! Nós não nos
apresentamos... Ouvi seu nome por acaso, mas você não
sabe o meu. Sou aquela pequena de ontem, no cassino de
John “Caveira” Richmond...
Kirkpatrik abriu um sorriso.
— Como descobriu meu endereço?
A voz da loura estava descontraída.
— Foi fácil. Ouvi seu nome no escritório do cassino,
está lembrado? Procurei no guia de nomes e, como não
encontrei nenhum Michael O’Hara, apelei para os hotéis.
Tive sorte, depois de vinte ligações erradas...
— Muito bem. Você é uma garota bastante esperta...
Quais são as novas?
— Preciso muito falar com você, mas não pode ser pelo
telefone. Tem que ser pessoalmente! Entende?
Agora, havia urgência na voz dela. Kirkpatrik franziu
uma sobrancelha.
— Nesse caso, por que não marcamos um encontro?
— Foi para isso que telefonei. Você poderá falar
comigo esta noite?
— Claro que posso. Em que lugar?
— Por vários motivos, não devemos ser vistos juntos.
Que tal no parque da Mirtle Avenue? Fica entre as Ruas
Adams e Jay, aqui mesmo em Brooklin. Convém-lhe? À
noite, aquilo fica meio escurinho e deserto...
— Ok, garota. Estarei lá. A que horas?

— 47 —
— Que tal vinte e duas? Quero dizer: às dez horas da
noite.
— Certo. Estarei lá às vinte e duas horas em ponto!
— Por favor, não falte! O que tenho a lhe dizer é muito
importante!
— Não faltarei, pois também tenho uma coisa muito
importante para lhe dizer...
— O quê? — indagou a loura, com curiosidade.
— Nada de imoral. Quero dizer tudo o que senti a seu
respeito... Mas isso só pode ser dito pessoalmente, não
acha?
— Sempre é melhor — sorriu a moça. — Então,
estamos entendidos! Logo mais, às dez horas da noite, no
parque da Mirtle Avenue!
— Sem falta — ajuntou Kirkpatrik.
Ouviu o clic provocado pelo desligamento do aparelho.
Depois, ergueu-se, sorridente, satisfeito consigo mesmo.
— Bem... já cumpri a minha obrigação! Por que não
cuidar, também, da devoção? E uma devoção loura como
Linda Berger é para ser cuidada com muito carinho...
Apesar de sua longa prática com pistoleiros e louras
bonitas, ele estava longe de imaginar o que o esperava na
Mirtle Avenue.

***

O parque estava quase deserto, e bastante escuro,


quando Kirkpatrik saltou do carro e pôs-se a caminhar pelo
lajedo. Mal acabara de dar alguns passos quando ouviu a
voz de Linda, que, de longa, gritava:
— Fuja, O’Hara! Eles querem pegar você!
O “Máscara Negra” olhou para todos os lados e logo,
percebeu alguns vultos que corriam em sua direção. Sem

— 48 —
pestanejar, sacou a sua Mauser 22, disposto para o que
desse e viesse.
— Você não escapa, gringo! — gritou uma voz
ameaçadora.
Eram quatro crioulos altos e fortes, armados com facas
e revólveres.
Kirkpatrik atirou sem mesmo se preocupar em fazer
pontaria.
“Ploft”!
O crioulo mais próximo estatelou-se no chão, soltando
um grito de dor. O segundo tentou esconder-se, mas foi
caçado pelo gigante da CIA, que novamente acionou o
gatilho.
“Ploft”!
O homem rodopiou, como se executasse uma estranha
dança, e acabou também caindo por terra.
Uma chuva de balas passou por cima da cabeça do
Máscara Negra. Depois, dois vultos correram, em
disparada, para o abrigo das árvores. Kirkpatrik foi-lhes no
encalço, com a Mauser fumegante na mão.
Um dos negros escondeu-se atrás de uma árvore e
aguardou a passagem do adversário para aquele local, mas
foi infeliz. A luz de um lampião projetou sua sombra e o
agente fora de série da CIA, apercebendo-lhe o jogo, mudou
de direção e surpreendeu-o pela retaguarda. Estava apenas
a dois passos do negro ajoelhado, quando este proferindo
um palavrão, lançou-se sobre ele, armado com uma faca.
— Morre, gringo!
Kirkpatrik não perdeu tempo a reagir. Com um
tremendo e inesperado pontapé, desarmou o seu adversário,
que deitou a correr, em zigue-zague, por entre as árvores.
Kirkpatrik queria apanhar um dos crioulos vivos; Por isso,
foi no encalço do fugitivo. Mas, logo adiante, topou com

— 49 —
outro adversário. Uma bala zuniu sobre sua cabeça e ele
vislumbrou o clarão alaranjado que partira da arma.
Apontou sua Mauser naquela direção e atirou duas vezes.
“Ploft! Ploft”!
Um gemido e, logo, Kirkpatrik compreendeu que mais
um antagonista tinha sido posto fora de combate.
Ao longe, soou o ruído da sirena de polícia. 0 tiroteio
tinha posto toda aquela área em polvorosa.
Kirkpatrik precisava deixar aquele local o mais
depressa possível! Atravessou o parque correndo e viu
quando um negro entrava num carro esporte estacionado
pouco adiante. Não havia dúvida: era o seu fugitivo! O
Máscara Negra seguiu a mesma direção, e abrindo a porta
do lado oposto por onde entrara o negro também entrou no
veículo. Dessa vez, não houve facas. Desarmado e vendo-
se ameaçado pela Mauser do gigante louro, o crioulo não
esboçou nenhuma reação. Apenas gemeu:
— Não me mate, gringo!
Atrás do banco, Linda Berger (com as mãos amarradas)
olhava para a cena com espanto.
— Trate de abrir o bico — ordenou Kirkpatrik ao negro,
enquanto se apossava da direção do carro e dava a partida.
Precisava sair dali o mais depressa possível.
Contudo, ao fazer a mudança, desviou o cano da pistola.
Foi o quanto bastou para que o negro tentasse escapar.
Abrindo a porta, soltou um grito e atirou-se para fora, mas
um tiro da Mauser atingiu-o em pleno trajeto, lançando-o
na sarjeta, onde ficou imóvel, numa poça de sangue.
Kirkpatrik, então, concentrou-se em levar o carro para
longe dali. Diversas viaturas policiais convergiam para a
Mirtle Avenue, mas nenhuma o interceptou.
Uma vez fora de perigo, o louro playboy encostou o
carro esporte e concentrou-se em desatar as mãos da loura.

— 50 —
A seguir, sentou-a no banco, a seu lado, e retomou a corrida,
sem pressa, na direção da Avenida 86.
Minutos depois, chegavam ao hotel onde Kirkpatrik se
hospedava. Aí, a moça contou sua estória:
— Meu telefone deve estar sob controle da Alegre
Sociedade! Por isso, os bandidos souberam de nosso
encontro. Eles me pegaram, no parque, me amarraram e...
— O que é que você sabe a respeito desse bando de
malfeitores? — indagou Kirkpatrik.
— Meu irmão pertenceu à quadrilha e foi assassinado
por seus comparsas! Por isso, sei de alguma coisa!
Kirkpatrik não demonstrou a menor emoção.
— Sabe quem é o chefe?
Ela sacudiu os lindos cabelos platinados.
— Não. E era isso que eu queria que você descobrisse
para mim. Posso pagar-lhe. Sei que você é um profissional
e gosta de dinheiro.
Kirkpatrik sorriu.
— Não será preciso. Trabalharei para você com muito
gosto... — E, mudando de tom, enquanto se encaminhava
para o banheiro: — Sirva-se de uma dose de bebida. Vou
tomar uma ducha. Ou você quer fazer-me companhia?
Ela já estava calma, outra vez. Mas não se ofendeu.
— Não, obrigada. Prefiro um bourbon. Já vi que você
não está interessado na minha proposta.
Kirkpatrik entrou no banheiro, despiu-se e abriu o
chuveiro. Enquanto se ensaboava, cantou o “Sole Mio”.
Mas, quando acabou de se enxugar e quis sair, não
conseguiu. A loura fechara-o pelo lado de fora.

— 51 —
CAPÍTULO SEXTO

O chefão

Depois de trancar Kirkpatrik no banheiro. Linda Berger


dirigiu-se para seu apartamento da Rua Coyle, em
Shaipshead, ali mesmo em Brooklin. Trocou a roupa que
vestia por uma tênue e elegante camisola e tratou de dormir,
para descansar das emoções vividas naquela noite.
Pela manhã, foi despertada pelo ruído da campainha do
telefone. Estirou o braço preguiçosamente e atendeu.
— Alô?
— Linda?
— Ivan?
— Eu mesmo.
Era Ivan Koniet, o rico industrial, amante da moça.
De um salto, Linda deixou o leito e, já completamente
desperta, continuou a conversa:
— Que novidade é essa, você ligando para mim a estas
horas? Ainda é madrugada!
A voz do homem era grave.
— Ouça, Linda. Preciso ter uma conversa muito
importante com você. Quer vir ao meu encontro, na hora do
almoço, na boate Halleluya da Avenida Flatbush?
— Na hora do almoço? Mas... que horas são agora? —
indagou a moça que perdera completamente a noção do
tempo.

— 52 —
Uma pausa.
— São exatamente onze horas. Como vê, não é tão cedo
assim...
— E a que horas você pretende me encontrar?
— Digamos... a uma hora, está bem?
— Está. Vou desligar para preparar-me. Afinal de
contas, mal acabo de acordar...
— Certo, querida. Mas seja pontual porque o assunto é
da máxima importância! Um beijo!
— Outro para você!
A loura desligou o telefone e encaminhou-se
preguiçosamente para o banheiro, enquanto dava tratos à
bola.
“Que assunto será este, de tanta importância? Ivan não
costuma agir desta maneira... Que terá acontecido?”
Aquele telefonema não pressagiava nada de bom.

***

Passavam cinco minutos da uma quando Linda Berger


chegou à boate, àquela hora deserta. Em volta de uma mesa
encontravam-se Ivan Koniet, Stevens Markados (o
gordíssimo proprietário da casa) e seus dois guarda-costas,
os gêmeos Bóris e Volódia Kurian.
— Como vê, pontualidade máxima! — exclamou a
moça.
Ivan Koniet mal retribuiu o beijo que a loura lhe deu.
Um dos gêmeos afastou uma cadeira, para que ela se
sentasse, e, logo que a moça se acomodou, o industrial
atacou o assunto:
— Antes de mais nada, tenho que lhe fazer uma
revelação da máxima importância. Mais cedo ou mais tarde

— 53 —
você teria mesmo que saber: portanto, acho melhor que tudo
chegue a seu conhecimento por meu intermédio.
Ivan Koniet era um homem relativamente moço e
elegante. Uma figura imponente de homem da sociedade.
Uma pequena mecha de cabelos brancos, partindo da fronte,
dava-lhe um ar juvenil, em vez de envelhecê-lo. Terno
muito bem cortado e de excelente qualidade, mãos bem
tratadas... enfim, um autêntico homem de negócios das alfas
esferas.
Linda piscava os olhos, espantada com o modo de
proceder do amante. E ele prosseguiu:
— Certamente, já ouviu falar da Alegre Sociedade...
A loura ficou mentalmente em guarda.
— Sim. Alguma coisa. Por quê?
— Eu sou o chefe!
A revelação foi dita com voz tranquila e impessoal. A
moça abriu os olhos, enquanto falava:
— O chefe?! Você está querendo dizer que é o
responsável por essa quadrilha de criminosos?!
O rico industrial sorriu friamente.
— Ora, vamos! Deixe-se de melindres! Seu irmão
trabalhou conosco muito tempo e você sabe perfeitamente
disso!
— Sim. E sei, também, que foram vocês que o
eliminaram! É revoltante! Eu...
— Modo de pensar. Cada um tem seus hábitos... Você
também não é nenhuma santinha... Sei de suas dívidas de
jogo.
— Como? Quem foi que...?
— “Caveira” era um de meus lugar-tenentes. assim
como seu irmão, Johny Gallope, também o f oi...
— E você mandou eliminá-los! Teve coragem!

— 54 —
— Seu irmão tentou trair-nos. Nossa lei é esta. Morte
aos traidores. Precisamos ser muito escrupulosos nesse
ponto...
— Eu... eu nunca pude imaginar que você...
A moça tremia dos pés à cabeça. Súbito, ergueu-se da
cadeira e deu dois passos pela sala.
— Que é isso? — indagou o industrial. — Onde pensa
que vai?
— Eu... quero ir embora daqui! Quero afastar-me de
você imediatamente! Eu...
Duas mãos fortes pousaram-lhe nos ombros, obrigando-
a a sentar-se novamente. Era um dos irmãos Kurian. Os dois
russos postaram-se ao lado da cadeira ocupada pela jovem,
que olhou para eles aterrorizada.
— Que... que pretendem de mim?
Foi Ivan Koniet quem respondeu:
— Fique quietinha em seu lugar e ouça o que tenho a
dizer! Preciso de sua ajuda!
— Nunca! Não quero me envolver com bandidos!
Quando eu conheci você, não sabia...
— Ora, não seja idiota! Pensa que não sei das suas
intenções ao se aproximar de mim?
— Minhas intenções? Mas...
— Cale-se! Sei perfeitamente que você desconfiou de
que seu irmão mantinha algum trato comigo e, por isso,
depois da morte dele, fez amizade comigo... Não pense que
me enganou. Nem por um instante. Aceitei-a porque gosto
de mulheres bonitas... Você estava ao alcance de minhas
mãos, por que não aproveitar?
— Seu... canalha! Eu...
A bofetada estalou, forte, no rosto da moça, fazendo
com que lágrimas caíssem de seus belos olhos azuis.
— Veja como fala, boneca!

— 55 —
Imediatamente, Linda Berger compreendeu que não
tinha saída. Estava nas mãos daqueles assassinos frios e
calculistas! Precisava contemporizar, para salvar a própria
vida!
Foi com a voz embargada pelas lágrimas que repetiu a
pergunta feita anteriormente:
— Que pretendem de mim?
— Ótimo! — exclamou Ivan Koniet, dando uma risada.
— Assim é que uma menina de juízo fala! Agora,
poderemos nos entender? O que quero de você é muito
simples. Sei que você fez amizade com um pistoleiro
irlandês chamado Michael O’Hara. Também sei que ele foi
contratado pela Cosa Nostra para eliminar-nos.
A moça olhou fixamente para o industrial, enquanto
expunha seus pensamentos:
— Você... você não vai querer que eu elimine O’Hara
para vocês, não é?
— Não — sorriu Ivan Koniet. — Nada disso. Muito ao
contrário. Seu trabalho será apenas aproximá-lo de nós...
— Para que vocês o matem? É um assassinato frio e
premeditado!
— Quem foi que falou em assassinato, beleza?
Sinceramente, eu aprecio os homens como O’Hara. Um
pistoleiro como poucos. Provou ser um elemento precioso
e eu decidi contratá-lo. Estou precisando de mais gente boa.
— O quê? Você se esqueceu de que foi ele quem
eliminou John “Caveira” Richmond. Nick Nichols e seus
quatro capangas negros?
— Não. Ainda não esqueci, mas pretendo esquecê-lo...
Afinal, quem morreu... morreu. O importante é cuidar dos
vivos... e O’Hara está muito vivo. Pode ser-nos de grande
utilidade, agora que nosso leais colaboradores e Volódia
estão sendo procurados pelo FBI, devido àquele “trabalho”

— 56 —
no edifício-garagem, e precisam entrar em gozo de férias.
— E com a mão bem tratada, apontou os gêmeos, que
sorriram. — Este dois têm sido de grande utilidade para
nossa organização. Têm sido insuperáveis, sob as ordens de
meu amigo Markados...
O gordo proprietário da boate sorriu, satisfeito.
— Numa palavra — argumentou a loura — Você quer
que eu atraia O’Hara para cá?
— Exatamente. Você é bem inteligente, querida...
— E se eu me recusar?
Desta vez, Ivan Koniet ergueu-se da cadeira que
ocupava para poder esbofetear com mais força o rosto
bonito da loura. Duas bofetadas estalaram, jogando a
cabeça da moça de um lado para o outro. E o industrial, num
tom de voz completamente em desacordo com o seu porte
elegante de homem da sociedade, começou a gritar com
ódio:
— Não seja idiota! Para você não há escolha, sua
vigarista! Mulheres da sua laia não se podem dar ao luxo de
querer viver imaculada! Você não passa de uma piranha
viciada no jogo! Seu irmão também era um marginal! Não
me venha agora com falsos pudores, porque farei com que
se arrependa amargamente! Na Alegre Sociedade ninguém
discute as ordens do chefão!
Num gesto rápido e instintivo, Linda abriu a bolsa que
trazia e puxou uma pequena pistola com cabo de
madrepérola.
Uma violenta pancada no pulso fez com que a arma
saltasse da mão da moça e rolasse pelo chão. Em seguida,
duas novas bofetadas fizeram a loura chorar de dor e de
raiva.
— Bandidos! Covardes!

— 57 —
Um dos irmãos Kurian (o que desferira a pancada no
pulso da jovem) tratou de pegar a pistola, que entregou a
Markados. O gordo negociante meteu-a no bolso.
— Eu queria fazer a coisa de maneira mais fácil, mas
parece que você não é suficientemente inteligente para
compreender — disse Ivan. — Pois vou pôr a situação em
pratos limpos! Ou você colabora conosco, ou sairá daqui
com esse lindo rostinho desfigurado! Também isso faz parte
dos métodos da Alegre Sociedade...
Enquanto falava, o industrial fez um sinal ao dono da
boate. Este retirou do bolso um vidrinho e o empurrou em
sua direção, sobre o tampo da mesa.
Ivan Koniet apanhou o vidro, retirou a tampa e, com um
palito de fósforo (que apanhou dentro do cinzeiro que se
encontrava em cima da mesa), retirou uma pequena gota do
líquido. Uma gotinha, apenas...
Um dos irmãos Kurian agarrou uma das mãos da moça
e o industrial deixou cair a pequena gota em cima dela.
Ouviu-se um leve chiado. A moça soltou um grito terrível,
enquanU» a pele enrugava e queimava ardentemente. Uma
pequenina ferida, mas dolorosíssima.
— É apenas uma amostra — sorriu o Chefão. — Por
ela, você pode calcular o que acontecerá se despejarmos
todo o conteúdo deste frasco no seu lindo rostinho... Em
cinco minutos você se transformará num monstro!
— Não! Isso não! Pelo amor de Deus!
— Está em suas mãos. Se colaborar conosco e nos
trouxer O’Hara, muito bem. Continuaremos amigos como
antes. Caso contrário... E advirto-a de que não adianta
pensar em escapar! Temos excelentes colaboradores, além
dos irmãos Kurian, que a agarrarão onde quer que você se
esconda. Nossa organização é excelente. Ninguém nos
escapa. Agora, diga-me o que é que você pensa...

— 58 —
A moça compreendeu que só tinha uma saída.
— Está bem. Eu trarei O’Hara até vocês!
— Esta noite sem falta — completou o industrial.
— Eu o trarei. E... agora, posso ir embora? Por favor!
Eu... não estou me sentindo bem!
— Pode ir. Mas veja como se comporta! Não tente
nenhum truque, que se dará muito mal!
— Eu sei. Pode estar tranquilo que não tentarei fugir.
Você me convenceu.
—. ótimo! — sorriu Ivan Koniet — Então, espero-a
aqui, logo mais à noite, com seu amiguinho O’Hara... Pode
ir.
A moça apanhou a bolsa e recebeu de volta sua pistola,
devidamente descarregada. Em seguida, tratou de sair o
mais depressa possível daquele lugar.
Mal acabara de transpor a porta e já Ivan Koniet dava
as suas ordens:
— Muito bem! Depois que ela nos trouxer o tal O’Hara,
você dois podem encarregar-se dela! Entendido?
Os gêmeos sorriram, enquanto acariciavam seus estojos
que, aparentemente, continham instrumentos musicais.
— E... o que faremos com O’Hara? — indagou o gordo
Markados.
O chefão exalou um suspiro. Depois:
— Aproveitaremos seus serviços durante as férias de
Bóris e Volódia. Depois... bem, depois os dois também se
encarregarão dele. Afinal, não podemos nos esquecer de
que ele eliminou meia dúzia de amigos nossos! Amor com
amor se paga!
Ê os quatro gangsters fizeram ecoar suas risadas na
boate deserta.

— 59 —
CAPÍTULO SÉTIMO

A proposta do chefão

Kirkpatrik estava em seu apartamento, no hotel, quando


uma pancada leve na porta chamou sua atenção.
Como um felino, saltou da poltrona onde se achava
acomodado saboreando um uísque e, apanhando a sua
Mauser, correu até à porta.
— Quem é?
Uma voz feminina, grave e sensual. O playboy sorriu e
abriu a porta.
Parada no corredor, Linda Berger olhava-o com
expressão submissa.
— Posso entrar, ou você ainda está muito aborrecido
comigo?
— Entre — falou o louro agente da CIA, acenando com
a mão armada.
A moça entrou e ele fechou a porta a chave. Depois
guardou a arma. De pé, no centro da sala, Linda aguardava,
impaciente, uma reação qualquer de sua parte.
— Vamos — disse ele. — Pode começar a justificar-se.
Por que me trancou no banheiro?
— Eu estava aterrorizada! Tinha medo que nos
tivessem seguido e tentassem alguma coisa. Queria
escapulir daqui!

— 60 —
— Nesse caso, por que voltou agora? Se os pistoleiros
da Alegre Sociedade nos seguiram, podem estar no meu
encalço a esta hora...
— Não. Eles... eles me encontraram — falou a moça,
em tom tímido.
— Como? Eles lhe fizeram alguma coisa? Espero que
não a tenham dopado, ou transformado a sua mentalidade...
(*) O que foi que aconteceu, afinal?

(*) Kirkpatrik referia-se ao casso dos “Fabricantes de


Robôs”, em que se envolvera pouco antes. Ver volume 46
desta série.

— Nada demais. Não fui maltratada, mas, uma terrível


ameaça pesa sobre mim!
— Sente-se e conte-me tudo, com calma. Quer uma
bebida?
— Seria bom.
Kirkpatrik preparou um uísque com soda para a jovem
e, acomodando-a confortavelmente no sofá, sentou-se a seu
lado, com um cigarro aceso entre os dedos.
— Agora, fale. Conte-me tudo quanto lhe aconteceu.
Linda engoliu em seco. Depois:
— Bem... eu fui procurada por um dos lugar-tenentes
do Chefão e, sob ameaças terríveis, ele me obrigou a
prometer que viria trazer até você uma proposta...
O Máscara Negra sorriu.
— E que proposta é essa?
— Eles querem que eu o leve até à boate Halleluya.
Querem contratá-lo como pistoleiro.
Era justamente o que ele esperava.
— Irei — respondeu, para espanto da moça. Para
quando está marcado o encontro?

— 61 —
— Para esta noite mesmo — respondeu Linda.
— Você também irá comigo?
— Sim. Posso... Posso esperar aqui mesmo, até que
chegue a hora?
— Pode. Ainda falta bastante tempo, mas não será por
falta do que fazer que nos aborreceremos ... — disse o
playboy.
E passou o braço pelos ombros macios da loura. Depois,
atraiu-a de encontro a seu peito e beijou-lhe avidamente a
boca vermelha. Um beijo que foi correspondido com o
mesmo calor.

***

Kirkpatrik e Linda Berger dançavam, muito agarrados,


na pista de danças da boate Halleluya quando alguém bateu
de leve no ombro do louro agente especial do DCA.
— Mr. O’Hara? Queira fazer o favor de acompanhar-
me...
Kirkpatrik olhou para aquela mão balofa e, depois, para
o dono dela. Era o gordíssimo Markados, o grego
proprietário da boate.
— Claro! Como não? Vamos, meu bem. —
Imediatamente, o par se separou e acompanhou o homem
até uma porta, disfarçada por trás de uma cortina. Ali o
gordo parou e, voltando-se para Linda, falou:
— Você fica. Nosso assunto é particular.
Kirkpatrik compreendeu que queriam separá-lo da
moça para, possivelmente, causar-lhe algum mal. Quem
sabe, talvez até liquidá-la! Isso ele não permitiria!
— Não. Ela é de minha inteira confiança — falou. —
Faço questão de sua presença a meu lado. Ou nós dois... ou
nenhum de nós!

— 62 —
— Bem... Seja como quiser — respondeu o gordo
Markados, dando de ombros e entrando.
Kirkpatrik tomou a moça pelo braço e também entrou
no gabinete do dono da boate. Este já se refestelara numa
imensa poltrona que, ao que tudo indicava, tinha sido
fabricada sob encomenda para comportá-lo.
— Sentem-se — falou, indicando outras duas poltronas
com a mão gorda.
Os dois se acomodaram e Markados foi direto ao
assunto:
— Sabemos quem é você, O’Hara, e do que você
gosta... dinheiro. Sua intervenção ao lado da Máfia e contra
nossos colaboradores provou ser você um excelente
matador, mas... — e o rosto balofo do homem abriu-se num
sorriso — mas... o tempo da Máfia já passou. Nós tomamos
conta de todos os mercados e os poucos remanescentes da
“Cosa Nostra” que ainda persistem em ocupar um lugar
qualquer logo estarão fora de ação. Portanto, você pode ver
por si mesmo que, junto àquela gente, não terá nenhum
futuro... Muito pelo contrário. Estará, a cada dia,
caminhando a passos largos para seu próprio fim... Nós
somos a Alegre Sociedade!
Kirkpatrik sorriu ironicamente e o gordo homem,
compreendendo a intenção do sorriso, ponderou:
— Sei que você se julga muito forte. Mas, por mais
forte que seja, acabará por cair numa cilada. E então...
Com um gesto de mão, o homem gordo deu a entender
que Kirkpatrik acabaria por ser abatido. Fez uma pausa,
antes de prosseguir. Depois:
— Tenho uma proposta a fazer-lhe.
— Vejamos se me interessa.

— 63 —
— Você deixará o velhinho Magaldi de lado e passará
para o nosso lado. Terá maior pagamento, mais liberdade e
melhores oportunidades. Topa?
— Sim, mas imponho uma condição. Apesar de vocês
serem muito fortes, estou em condições de fazer uma
exigência...
O homem gordo, que não estava acostumado àquela
espécie de resposta, espantou-se.
— Impõe condições? Mas...
— Sim — respondeu o louro playboy, tranquilamente.
— Aceito a proposta que acaba de me fazer, com a condição
de conhecer o nome do Big-Boss, ou melhor, do Chefão de
vocês, se prefere assim. Eu nunca trabalho no escuro.
— Mas... Isso, nunca! Nenhum de nossos colaboradores
conhece a identidade do Big-Boss, e não será você o
primeiro a conhecê-la! Esqueça!
Kirkpatrik voltou-se para Linda.
— Você não sabe quem é o chefe? — perguntou, com
um sorriso divertido.
— Não sei de nada a respeito da Alegre Sociedade —
mentiu a moça. E Kirkpatrik percebeu que ela não dizia a
verdade.
— Acho muita ousadia de sua parte fazer semelhante
proposta — resmungou Markados. — Você será um
empregado. Que lhe interessa saber o nome de quem lhe
paga?
De um salto, o louro agente fora de série da CIA agarrou
o homem gordo pela gola do paletó e sacudiu-o fortemente.
— Ouça uma coisa, seu tratante! Você vai me revelar o
que sabe, senão...
O rosto redondo do homem tornou-se vermelho e ele
começou a tossir, enquanto era sacudido. Kirkpatrik ergueu
uma das mãos, para desferir um soco no homem, quando a

— 64 —
porta se abriu com violência e apareceram os dois gêmeos
Kurian, com seus “instrumentos” fora dos estojos.1 Eles
tinham permanecido o tempo todo atrás da porta.
— Nem mais um movimento! — ordenou um deles.
Kirkpatrik imobilizou-se. Sabia que não levaria a
melhor, naquela situação. E depois, não queria sacrificar
Linda, por quem começara a se interessar. Soltou o dono da
boate (que caiu como um saco de batatas em cima da
poltrona) e ficou imóvel.
— Está certo! Desta vez, vocês levaram a melhor!
Vamos conversar!
Refeito do susto, Markados falou, indignado:
— Você agiu muito mal, O’Hara, e se não fosse as
ordens expressas do Chefão, para que nada lhe suceda...,
mas você não perde por esperar! Agora, a coisa tomou outro
rumo! Ou você aceita trabalhar conosco no escuro, ou não
viverá para contar o caso! Escolha!
Kirkpatrik suspirou, aparentando conformação.
— É... parece que não tenho, mesmo, outra escolha...
Prefiro trabalhar com vocês, é claro. O dinheiro sempre é o
dinheiro, venha de onde vier...
— Muito bem! Assim é que se fala — respondeu
Markados, sorrindo falsamente. — Eu não disse que nós
conhecíamos os seus gostos?
Os irmãos Kurian não gostaram da decisão. Sentiam
certa inveja daquele pistoleiro irlandês que vinha substituí-
los. Preferiam ter recebido ordens para eliminá-lo. Os dois
russos não gostavam de concorrentes e O’Hara
apresentava-se como um rival capaz de disputar-lhes o
posto. Mas... souberam guardar para si seus pensamentos.
Mais tarde, teriam chance de eliminar o possível rival, sem
levantar suspeitas. Quando voltassem das férias forçadas.

— 65 —
— Bem, rapazes — sorriu Markados, para os gêmeos.
— Creio que poderão partir de férias quando quiserem, já
que nosso amigo O’Hara aceitou nosso convite... E, para
não perdermos tempo, vou transmitir a vocês a decisão do
Chefão.
E, apontando com a mão gorda para o lugar onde Linda
Berger estava, o dono da boate lançou a sentença:
— Ela já não nos interessa. Fez o que tinha a fazer e
pronto. Fim de carreira.
— O quê?! — A moça ergueu-se, muito pálida. — O
que você quer dizer com isso, Markados?
— Quer dizer — sorriu o homem, maldosamente — que
você deve ser eliminada. Imediatamente. Ê a lei da Alegre
Sociedade.
E, enquanto soltava uma gargalhada sádica, ante a
expressão de pavor da moça, seus olhos corriam dos irmãos
Kurian para Kirkpatrik. Este, atônito pelo inesperado da
decisão, não sabia como agir.
Mas precisava agir antes dos russos, se quisesse voltar
a gozar da companhia da bela loura platinada.

— 66 —
CAPÍTULO OITAVO

Um “passeio” ao cais de Brooklin

Passado o primeiro momento de surpresa, Kirkpatrik


tomou a palavra:
— Ouça uma coisa, Markados. Se vocês querem contar
com os meus serviços, não devem tocar num fio de cabelo
de Linda!
— Ah, sim? — sorriu o grego. — E por que esse
interesse por ela?
— Nós nos amamos. E ela, agora, é a minha garota!
— É verdade — argumentou a moça. — Eu também o
amo, O’Hara! Prometa que não permitirá que façam nada
comigo!
— Prometo. Quanto a isso, não precisa ter receio. Eu a
protegerei de tudo e de todos! Eu, Mike O’Hara, de Dublin!
— Muito bonito e comovente — zombou o gordo dono
da boate. — Mas não é você quem decide as coisas, O’Hara!
Eu ainda tenho poder e, abaixo do chefe, mando eu! Estou
certo de que ele não vai se zangar, se eu contrariar as suas
disposições. Principalmente, depois que souber da atitude
de vocês dois! Eu tenho uma velha conta a ajustar com
você!
— Não sei o que possa ser — respondeu Kirkpatrik, na
defensiva.

— 67 —
— Pois eu lhe digo! Sabe que John “Caveira”
Richmond era meu sobrinho?
Kirkpatrik sorriu desafiadoramente. Sabia que muitos
marginais, ao serem desafiados, perdiam a cabeça e não
dominavam suas ações. Ele era frio e sabia como agir em
certos momentos.
— Que família, hem? Todos os demais componentes
são bandidos também?
— Você é muito atrevido, O’Hara! Mas eu darei um
jeito nisso! Eu não o pouparei mais!
Nem a você nem a esta bonequinha hipócrita! O Chefão
não se importa mais com o que possa acontecer a ela.
— Como? Então, Linda conhece o chefe? — estranhou
Kirkpatrik, que queria provocar uma revelação.
Houve uma pausa. Depois:
— Sim, eu o conheço muito bem — respondeu a moça.
— Chama-se Ivan Koniet e é industrial. Eu me tornei sua
amante, por que desconfiei que tinha sido ele quem
mandara assassinar meu irmão! Mas não sabia que ele era o
chefe da Alegre Sociedade... até que, esta manhã, ele
próprio me revelou tudo. Se eu soubesse disso antes...
E, voltando-se para Markados com ar de desafio,
explodiu.
— Se Ivan está cansado de mim, fique você sabendo
que eu sempre estive cansada dele! Ninguém pode amar um
homem egoísta e perverso como Ivan! Eu o detesto e, se
tivesse uma oportunidade, eu o mataria com minhas
próprias mãos! Principalmente agora, que sei que ele
mandou matar meu irmão!
— Acalme-se — sorriu o gordo. — Nós não lhe
daremos essa oportunidade... Seu destino já está traçado.
Você e seu querido O’Hara irão dar um “passeio” até o cais

— 68 —
de Brooklin, ao largo do East-River. Afianço-lhe que é um
passeio encantador...
A um gesto do homem gordo, um dos gêmeos Kurian
avançou para Kirkpatrik, enquanto o outro apontava a
submetralhadora diretamente para Linda. O louro agente da
CIA retesou os músculos, mas não se atreveu a qualquer
reação com medo do que pudesse acontecer à moça.
— Levante as mãos, O’Hara! — ordenou o russo que o
ameaçava.
Kirkpatrik foi revistado e sua Mauser passou para o
bolso de Markados, que sorria friamente.! Linda olhou, com
ar aflito, para o falso pistoleiro irlandês, mas este apenas
encolheu os ombros.
— Agora, eu os convido a nos acompanhar — disse o
dono da boate.
Markados ergueu-se e tomou a direção da porta. Os dois
gêmeos fustigaram Kirkpatrik e Linda com as
submetralhadoras e eles também se puseram a caminho.
Logo se encontravam no salão repleto de fregueses. Os
dois irmãos russos tiveram que ocultar as suas armas e
Kirkpatrik, aproveitando a oportunidade que se
apresentava, deu um empurrão na moça, lançando-a longe,
ao mesmo tempo em que mergulhava na direção dos
pistoleiros russos.
Ao verem a briga, vários assistentes gritaram e se
puseram de pé. Estabeleceu-se a confusão. Surpreendidos,
os dois gêmeos rolaram por terra. Mas não largaram as
armas, que começaram a cuspir fogo, por trás das capas que
as envolviam. Com isso, a confusão se tornou maior.
Markados voltou-se, mas foi surpreendido por
Kirkpatrik, que, passando-lhe um braço pelo gordo
pescoço, fez de seu corpo um escudo, ao mesmo tempo que,
com a mão livre, tirava a Mauser do bolso do grego.

— 69 —
Agora, ele também estava armado. Voltara a ser o
Máscara Negra. Teve início um tiroteio e os gritos e
correrias se sucederam.
Foi um pânico geral. Os frequentadores da boate
atropelavam-se, correndo em direção à saída. Os garçons
escondiam-se atrás do balcão. Os músicos da orquestra
deixaram o tablado e trataram de se pôr a salvo.
Os dois irmãos Kurian levantaram-se, com as
submetralhadoras em riste. Kirkpatrik ameaçou-os
encostando a Mauser à cabeça de Markados:
— Parem de atirar, ou matarei seu chefe!
Mas os gangsters estavam como que enlouquecidos.
Não atendiam nem aos gritos de Kirkpatrik, nem à ordem
do gordo:
— Não atirem! Ele me mata!
Os russos avançaram em direção ao agente fora de série
da CIA. Ao mesmo tempo, Markados tirou uma navalha do
bolso. Na iminência de ser degolado pela lâmina afiada,
Kirkpatrik apertou a gatilho. O homem escancarou a boca e
um grito partiu de sua garganta. A navalha caiu e rolou pelo
chão.
Os gêmeos acorreram, ao mesmo tempo que Kirkpatrik
atirava-lhes em cima o corpo do grego.
Atrapalhados com o peso do cadáver, os irmãos Kurian
perderam o equilíbrio e também rolaram pelo solo. As duas
submetralhadoras escaparam de suas mãos. Kirkpatrik
aproveitou-se disso para desaparecer de circulação,
arrastando Linda por um braço...

***

Achavam-se do lado de fora e Kirkpatrik ia entrar no


carro quando sentiu o frio cano de uma arma em suas costas.

— 70 —
— Mãos para cima e não tente nada — falou Bóris
Kurian. — Sei que sua munição acabou! Agora, nós
tomamos o comando da festa! E vamos fazer vocês dois
dançarem à nossa maneira!
Nada podia ser feito. Os dois irmãos tomaram lugar no
carro e, enquanto um deles dirigia, o outro vigiava
atentamente Kirkpatrik e Linda, apontando-lhes a sua
submetralhadora.
Linda chorava desconsoladamente. Suas queixas
molhavam o paletó do Máscara Negra:
— Sinto muito, O’Hara! Fui eu quem o meteu nesta
encrenca! Mas tinha esperanças de conseguir vingar a morte
de meu irmão! Somente hoje pela manhã descobri que Ivan
Koniet era o chefão. Sei onde ele mora, mas... de que
adianta? Estamos sendo “levados a passeio”!
E a moça fez um gesto de desalento. Kirkpatrik
procurou consolá-la:
— Nem tudo ainda está perdido A esperança é a última
que morre.
— Pode dar tudo por perdido — rosnou Volódia
Kurian. — Veja! Estamos chegando ao cais e há uma lancha
à nossa espera! Não é admirável a organização da Alegre
Sociedade?
Realmente, logo o carro manobrava e encostava num
local ermo, onde uma pequena lancha os aguardava, com o
motor ligado e um rapazola ao volante. Tudo estava
preparado para o “passeio” pelo rio.
— Desçam — ordenou Volódia, apontando a arma
diretamente para a cabeça de Linda. — Desçam que, aqui,
terá início a viagem mais agradável de suas vidas! — E
sorriu, maldoso.
Kirkpatrik, sem se deixar abater, ajudou Linda a sair do
carro e segurou-lhe o braço, enquanto caminhavam. Sua

— 71 —
mente — a mente do Andróide — trabalha com afinco, em
busca de uma saída...
Um dos Kurian bateu, com a ponta da submetralhadora,
nas costas de um e outro prisioneiros.
— Caminhem! São poucos passos, apenas!
Realmente, depois de três ou quatro passos através do
molhe, chegaram à beira de uma escada, no fim da qual se
encontrava a lancha. Um dos pistoleiros russos passou à
frente deles e acomodou-se na embarcação, sempre
apontando a arma, enquanto que o outro os segui de perto.
Kirkpatrik e Linda começaram a descer a degraus que
fatalmente os levariam à uma viagem da qual não haveria
volta...
— Tenha calma — disse apenas o Máscara Negra,
afagando os cabelos da loura.
Uma vez dentro da lancha, Bóris ordenou ao rapazinho:
— Vamos! Nossos convidados têm pressa em começar
o passeio! Para eles, está tudo acabado!
Mas ainda não estava.

— 72 —
CAPÍTULO NONO

Um palacete em Flushing

O rapazinho que estava no volante da lancha fez um


sinal aos irmãos Kurian para que soltassem as amarras. Era
o que o Andróide previra... os dois russos, na pressa de
partirem, descuidaram-se e deste descuido se aproveitou
Kirkpatrik.
Com dois golpes simultâneos empurrou os irmãos
gêmeos para fora da lancha.
Sem mesmo perceber o que se passava, os dois
gangsters viram-se lançados à água do cais.
O rapazinho tentou enfrentar Kirkpatrik, mas este, mais
traquejado em todas as modalidades de luta, em pouco
tempo levou seu oponente de vencida. E, tomando-lhe o
revólver que ele sacara para detê-lo, também o atirou à
água.
Depois, tomando a direção da lancha, Kirkpatrik partiu,
em ziguezagues, para prevenir algum possível atentado à
bala.
Enquanto isso, os dois Kurian e o rapazinho
esperneavam na água fria, tentando voltar para o cais. Os
russos tinham perdido as submetralhadoras.
A lancha afastou-se rapidamente pelo Eas River e,
passado o primeiro momento, Kirkpatrik resolveu
interrogar Linda Berger.

— 73 —
— Você mentiu, quando disse que não sabia o endereço
do Big-Boss, não foi?
A moça ruborizou, ao responder.
— Sim. Eu... tinha medo. Pensei que assim salvaria
minha vida...
— Bem..., mas, agora, estamos fora de perigo e você já
pode contar o que sabe. Onde mora o Chefão?
A moça mordeu os lábios, antes de falar. Por fim,
decidiu-se:
— Ivan Koniet mora num palacete muito bem
defendido.
— Onde?
— Em Flushing.
Era um arrabalde de Brooklin.
— Você será capaz de me guiar até lá? Preciso ter um
entendimento com o Chefão!
— É perigoso, O’Hara! Estou lhe dizendo que a casa é
muito bem defendida!
— Acho que já provei a você que não temo situações
perigosas. Nós, os irlandeses, somos muito cabeçudos...
— Eu sei, mas...
— Vamos! Resolva-se de uma vez! Ou você está do
meu lado e, assim sendo, me ajuda em qualquer situação,
ou então está contra mim! E, se estiver contra mim...
— Por favor, O’Hara! Compreenda! Eu gosto de você
e...
— Pois, se gosta realmente de mim, este é mais um
motivo para que me ajude! Temos que acabar com a alegria
dessa Sociedade!
A loura sacudiu os ombros, respirou profundamente e
decidiu-se:
— Está certo! Encoste a lancha num cais! Depois,
teremos que arranjar um carro. Eu o levarei até lá.

— 74 —
Kirkpatrik manobrou a pequena embarcação, com
perícia, e logo os dois saltaram para terra.
Tinham percorrido apenas três quilômetros do East
River.
Sem perda de tempo, o louro agente fora de série da
CIA dirigiu-se a uma agência, onde alugou um carro.
Minutos depois, estavam rodando na direção de Flushing e
do palacete do rico industrial Ivan Koniet.
— Você está desarmado, não é? Vi quando os gêmeos
tomaram sua Mauser...
— Mas não viu quando eu tomei esta arma daquele
rapazinho que estava na direção da lancha — disse
Kirkpatrik, exibindo o revólver.
Era um Colt 45, carga dupla.
— Ainda bem — suspirou a moça. — Assim, sempre
teremos com o que nos defender...
O carro corria velozmente e não tardou a que a loura
apontasse para uma muralha que despontava mais à frente.
— Lá está o palacete de Ivan Koniet! Por trás daquele
muro cinzento!
— Parece uma fortaleza!
— É uma fortaleza, fortemente guardada! O que você
pretende fazer? Ivan é intocável, O’Hara!
— Você se engana — respondeu o playboy. Intocável
era Eliot Ness. (*)

(*) Famoso agente do FBI, caçador de gangsters, na


década de 30.

E Kirkpatrik estacionou o carro nas proximidades da


muralha que circundava o jardim do palacete de Flushing e,
depois de pensar um pouco, resolveu-se:

— 75 —
— Você vai, com o carro, buscar o auxílio da polícia,
enquanto eu tento penetrar na fortaleza do Chefão!
— Sozinho?! — exclamou a loura. — Mas é perigoso!
Muito perigoso! Os capangas de Ivan não pouparão sua
vida! E, depois, a polícia... Você não tem medo da polícia?
— Saberei defender-me. Faça o que estou mandando!
Vá buscar a polícia!
A moça suspirou, resignada.
— Está bem! Você é quem dá as ordens! Mas, se fosse
eu, não apelava para os “tiras”!
Kirkpatrik beijou-a na boca, antes de saltar. Em
seguida, fez sinal para que a loura partisse.
O carro ganhou distância e, aproveitando-se das
sombras, Kirkpatrik tirou a roupa elegante que vestia,
surgiu vestido com a malha de Jersey preto que sempre
levava por baixo da camisa, para uma emergência.
De um bolso camuflado na malha, retirou õ capuz e a
máscara de cetim e, em menos de cinco minutos, estava
transformado no Máscara Negra.
Com grande agilidade, galgou o muro que cercava o
grande palacete e, num salto que quase não fez ruído, caiu
do lado de dentro do jardim. Aí, agachou-se como uma
pantera pronta a dar um bote..., mas não havia cães na
propriedade.
O Máscara Negra aproximava-se cautelosamente da
casa quando vislumbrou dois vultos imensos, passeando de
um lado para outro. Eram dois homens com cara de
lutadores de boxe aposentados, que faziam a guarda do
prédio.
— Você não ouviu qualquer coisa? — rosnou um deles.
— Espere aqui! Vou dar uma espiada daquele lado...
O mascarado, sorrateiramente, aproximou-se de um dos
homens e, de um salto, logou-o por terra, deixando-o

— 76 —
desacordado com um golpe de Karatê. Ao pressentir o
rumor, o outro guarda (que se afastara) aproximou-se
correndo. E foi se chocar diretamente com o punho do
Máscara Negra. Ouviu-se o estalar dos ossos e o homem,
com o maxilar fraturado, caiu de costas e perdeu os
sentidos. O caminho estava livre. Mais uma vez usando
seus músculos ágeis (e o elemento surpresa) o Máscara
Negra punha seus inimigos fora de combate.
Deu volta à casa e aproximou-se de uma janela
envidraçada, por onde se filtrava uma luz. Atrás da janela
ficava uma sala luxuosamente mobiliada. Olhando para o
interior, o Máscara Negra viu a figura de um homem alto e
elegante, vestido com um robe-de-chambre. Era Ivan
Koniet, debruçado sobre uma mesa, examinando um livro.
Embora só o tivesse visto em fotografias nos jornais,
Kirkpatrik logo o reconheceu.
O industrial estava tão distraído que não notou a janela
abrir-se vagarosamente e um vulto negro deslizar para
dentro da sala... Quando ergueu a cabeça, tinha diante de si
o Máscara Negra.
— Quem é você? Como entrou? Que quer?
Kirkpatrik sorriu por trás da máscara de cetim.
Vagarosamente, suas mãos enluvadas abriram-se e
fecharam-se como as de um campeão de Karatê prestes a
entrar em combate.
— Não acha que está fazendo muitas perguntas?
Ivan Koniet sobressaltou-se e, ao levantar, esbarrou
num copo de uísque que tinha ao alcance da mão. O copo
caiu no chão, espatifando-se.
De um salto, o Máscara Negra agarrou o homem pela
gola do robe-de-chambre.
— Idiota! Quer chamar a atenção de seus homens, não
é? Mas não pense que se livrará de mim facilmente! Vou

— 77 —
responder às suas perguntas! — acrescentou o Máscara
Negra, sem largar as lapelas do elegante robe de Ivan
Koniet. — Eu sou o Máscara Negra!
O Chefão ficou perplexo.
— O Máscara Negra?!
— Em carne e osso! Entrei saltando o muro e abatendo
os seus dois capangas... e, agora, vou dizer-lhe o motivo
desta minha visita! Você é o...
“Bang”!

***

Uma forte pancada na cabeça fez com que o mascarado


fraquejasse sobre as pernas. Uma segunda pancada acabou
por pô-lo fora de combate. Desabou sobre o soalho, sem
sentidos.

***

Quando abriu os olhos, o Máscara Negra tinha as mãos


amarradas atrás das costas e Ivan Koniet sorria, enquanto
bebericava um copo de uísque.
— Muito prazer, Máscara Negra... Não sabe a
satisfação que estou tendo em ver que você não é assim tão
invencível conforme reza sua crônica... Também é uma
grande honra, para mim, saber que o Serviço Secreto se
interessa pelos meus negócios...
Ao lado do Chefão (e com os dentes arreganhados num
gesto que pretendia que fosse um sorriso) estava um
gigantesco gangster, quadrado como um gorila, de olhos
perversos e sobrancelhas cerradas.
— Felizmente, Alexei ouviu a queda do copo e veio em
meu auxílio — continuou Ivan Koniet, apontando para o

— 78 —
russo com o novo copo cheio de uísque com gelo. — Você
trabalhou bem, Alexei. Merece um trago confortador...
Sirva-se, enquanto interrogo o nosso convidado...
Abrindo mais a bocarra, no arremedo de um sorriso, o
russo dirigiu-se ao bar, onde começou a preparar uma dose
cavalar de bebida. Usava uma caneca, em vez de um copo.
Enquanto fitava os dois homens, o Máscara Negra
trabalhava com as mãos, afrouxando os nós que o prendiam.
Sua cabeça deixara de doer e ele se sentia perfeitamente
lúcido.
Muito seguro de si, Ivan Koniet ergueu a mão e
arrancou-lhe a máscara de cetim. Recuou com uma
exclamação de espanto.
— Michael O’Hara! Ora, muito bem! Então, o Máscara
Negra é o famoso pistoleiro irlandês O’Hara? Isso quer
dizer que O’Hara também não deve ser O’Hara e sim um
agente da CIA... Tive sorte em ter visto você entrar na boate
Halleluya para se entrevistar com Markados...
Nesse momento, o Máscara Negra (que conseguira
soltar as mãos) atirou-se em cima do bandido, derrubando-
o com um tremendo murro no queixo.
Ivan Koniet soltou um grito e tentou escapulir, mas o
Máscara Negra agarrou-o fortemente e passou a esbofeteá-
lo com violência.
— Agora ajustaremos contas, canalha! Eu poderia
perdoar um gangster, mas nunca um espião!
O capanga, que estava prestes a levar seu copo de
uísque à boca, largou-o e avançou, como um bólido, na
direção do Máscara Negra, agarrando-o pelo pescoço.
Largando o Chefão, Kirkpatrik empenhou-se em luta
corporal com o russo gigantesco. Agora, ele não tinha mais
dúvidas de que aquele homem era um agente do KGB
soviético.

— 79 —
Eram dois gigantes, medindo forças. Em pouco tempo,
os finos móveis da sala estavam espatifados; mas, depois de
alguns golpes bem aplicados, o agente da CIA deixou o
russo caído com o pescoço quebrado. Estava morto. Como
quase todos aqueles que se atravessavam no seu caminho ...
O Máscara Negra ergueu-se e deparou com o cano de
uma arma que lhe era apontada.
Ivan Koniet tinha, novamente, um sorriso nos lábios.
— Esqueceu-se de mim, meu caro Máscara Negra?
Kirkpatrik engoliu em seco e preparou-se para atacar
novamente. Mas a porta abriu-se, com estrondo, e deixou
entrarem os dois irmãos Kurian. A surpresa paralisou o
Máscara Negra. Os russos apontavam submetralhadoras e
sorriam satisfeitos para ele.
O Máscara Negra apenas murmurou, em voz baixa:
— Linda? Você...
— E nós — concluíram os irmãos Kurian, em coro,
sorrindo com ar de triunfo.

— 80 —
CAPÍTULO DÉCIMO

O último banquete

Desarmado e sem a máscara que lhe escondia o rosto,


Kirkpatrik teve ainda a desilusão de ver Linda Berger
chegar em companhia dos pistoleiros.
— Eu devia ter desconfiado que você me trairia na
primeira oportunidade! As mulheres são todas iguais!
Aposto que você voltou para o chefão!
Os dois russos soltaram estrepitosas gargalhadas,
enquanto a moça se mostrava aflita e corria para os braços
do louro playboy.
— Mas... você está pensando que eu o traí? Não! Não
foi nada disso! Você precisa acreditar em mim! Eu ia
chamar a polícia, quando fui apanhada, na estrada, por estes
dois bandidos que vinham para cá num carro! Fecharam-me
o caminho e obrigaram-me a acompanhá-los! Eu estou do
seu lado, querido!
Ivan Koniet assistia a tudo impassível. Largara a arma,
com a qual rendera o Máscara Negra, sobre um móvel e
apressara-se em preparar uma nova dose de bebida, A morte
de seu guarda-costas Alexei não parecia tê-lo
impressionado. De onde se encontrava, ele se voltou, para
apreciar o que se passava.
— Muito enternecedora essa cena — sorriu
cinicamente. — Mas de nada adianta sua fidelidade, minha

— 81 —
boneca... Você, e o seu novo amante, estão fritos! Mas é
belo morrer fazendo o amor...
Linda Berger encarou-o com ódio.
— O que pretende dizer com isso? O que é que você
está tramando, em seu cérebro doentio?
— Ah! Chegamos às ofensas? Não era assim que você
me tratava antes... Eu jamais poderia imaginar que aquela
gatinha dengosa que se oferecia com tanta volúpia fosse
capaz de praguejar como qualquer estivador do cais!
— Canalha! Diga de uma vez quais são suas intenções
a nosso respeito! Você não vai nos obrigar a...?
— Para falar com franqueza, ainda não sei. Estou
pensando cá com os meus botões o que será mais prático:
dar ordens para que Bóris e Volódia os executem
imediatamente, ou fazer uma proposta vantajosa ao seu
amiguinho.... Sim, eu ainda continuo sendo um homem de
negócios...
— Uma proposta vantajosa? — indagou Kirkpatrik,
vendo, nas palavras do bandido, uma chance de sair-se bem
da enrascada.
— Sim. Bastante interessante. Por acaso, gostaria de
ouvi-la?
Os irmãos Kurian entreolharam-se, espantados com a
calma do chefe.
— De qualquer maneira estou mesmo em suas mãos —
tornou o gigante louro, afetando submissão para ganhar
terreno. — Vejamos qual é o tipo de sua proposta. Tudo,
menos morrer, com esta boneca nos braços, em cima de
uma cama gelada...
— Pois bem. Eu, como já lhe disse, tenho a
desconfiança de que você é um espião da CIA... mas,
mesmo assim, atrevo-me a fazer-lhe uma proposta que,

— 82 —
aliás, não afetaria em nada suas atividades oficiais...
Negócios são negócios.
— E qual é a proposta? — indagou o louro playboy,
impaciente.
— Eu lhe ofereço um emprego bem remunerado.
Digamos... mil dólares semanais, sem que você deixe de
pertencer à CIA. Ser-nos-á até mesmo mais útil,
continuando a exercer suas funções... Que tal? Não será o
primeiro “tira” que “amolece” no combate ao Sindicato...
—• Eu... Bem, não estou certo, ainda. Gostaria de fazer
uma pequena exigência...
— Uma exigência? Não me parece que você esteja em
condições para isso! Mas, vejamos lá o que é.
— Eu aceitarei sua proposta, desde que você concorde
em que Linda passará a me pertencer, a partir deste
momento. Eu amo esta garota.
O Chefão sorriu, desdenhoso, enquanto falava:
— Só isso? Ora, ora! Estamos de pleno acordo, meu
amigo. Afinal de contas, Linda para mim é jornal velho...
Já foi lido e relido. Se você não se incomoda com isso, ela
é sua. E posso lhe adiantar que essa pantera sabe fingir que
sente um grande prazer...
— Estamos entendidos, então. Você nunca mais
perseguirá a menina... e ela passará a me pertencer.
Um dos Kurian deu um passo à frente e falou, raivoso:
— Não tem medo de que este camarada esteja tentando
ganhar tempo para depois nos trair, chefe? Não confie
nunca nos irlandeses! Olhe aqui a arma que eu tomei dele!
Ivan Koniet meneou a cabeça, enquanto recebia a
Mauser 22.
— Trair-nos? Não. Ninguém trai um patrão que lhe
paga mil dólares por semana... Ninguém é tão honesto, ou
tão burro, a esse ponto! — E, mudando de tom: — Bem, eu

— 83 —
estava tomando um aperitivo, antes do jantar, quando fui
interrompido pela sua chegada, O’Hara. Que tal se
fizéssemos um banquete em comemoração? Um banquete à
meia-noite, como se usa na alta sociedade?
Realmente, um velho carrilhão acabava de dar as doze
badaladas, naquele momento. Kirkpatrik sorriu,
condescendendo.
— Excelente idéia! Um banquete regado a vinhos
italianos e champanha!
— Já vi que você tem gostos parecidos coa os meus —
disse Ivan Koniet, que era um gastrônomo habitual. —
Passemos, pois, à sala de refeições. Mas todos os meus
vinhos são russos. Apenas o champanha é francês.
Naquele momento, ouviu-se o ruído das sirenas da
polícia que se aproximava. Fez-se uma reviravolta no
ambiente.
— A polícia! — gritaram os Kurian.
— Maldição! — rosnou Ivan Koniet. — Logo agora que
íamos começar a nos divertir! Depressa! Tomem posições!
E você O’Hara, pegue a sua Mauser! Aqui está —
acrescentou ele, atirando a arma na direção de Kirkpatrik,
que a apanhou no ar.
— Não os deixem chegar até o terraço — gritou o
Chefão, enquanto se dirigia para uma escada de mármore, a
um canto, e começava a galgar os degraus apressadamente.
— Ele vai fugir no helicóptero! — gritou Linda. —
Sempre manteve o aparelho no terraço, para uma
emergência!
Kirkpatrik, sem perda de tempo, atirou nos dois Kurian,
quase sem fazer pontaria. Sua Mauser funcionou
admiravelmente. Os dois russos, apanhados de surpresa,
caíram mortalmente atingidos. Depois, passando por cima

— 84 —
dos corpos, o agente da CIA seguiu o mesmo caminho que
Ivan Koniet.
Ao alcançar o terraço, as hélices de um pequeno
helicóptero Hughes-500, ali estacionado, tinham começado
a funcionar. Kirkpatrik correu, agachado, até o aparelho; aí,
abrindo a porta, atirou-se para dentro, enquanto o
helicóptero começava a ganhar altura.
Ao ver o gigante louro saltar para dentro do aparelho, o
Chefão da Alegre Sociedade compreendeu de imediato o
que se estava passando. Tentou uma reação, mas
Kirkpatrik, mais ágil, atacou-o em primeiro lugar.
O aparelho dançava um balé original, em plena noite,
enquanto os dois homens lutavam. Por fim, a porta se abriu
e um corpo foi atirado para fora, indo cair nas águas geladas
do East River.
Do alto do terraço, Linda Berger soltou um grito de
pavor. Teria sido 0’Haia? A distância não lhe permitira ver
se o corpo usava robe ou malha preta.
O helicóptero começou a descer e a moça preparava-se
para escapar do terraço quando a voz de Kirkpatrik chamou
seu nome:
— Linda! Venha depressa! Não temos, tempo a perder!
A polícia está invadindo o palacete! Precisamos escapar!
A moça ganhou novo alento. Correu para o aparelho e,
um momento depois, os dois amantes desapareciam na
escuridão da noite... Entretanto, lá embaixo, os
remanescentes da “Alegre Sociedade” eram aprisionados
pelos homens da lei.
Os dois russos estavam apenas feridos e também foram
algemados e conduzidos para as viaturas policiais de
Flushing. Aquilo era o fim da Alegre Sociedade.

— 85 —
CONCLUSÃO

Depois de dar uma volta no ar o helicóptero desceu nas


proximidades do palacete de Ivan Koniet. Kirkpatrik
dirigiu-se para o local onde escondera as suas roupas e
vestiu-se completamente. Depois regressou ao helicóptero,
onde se reuniu a Linda, e o aparelho voltou a levantar voo.
Só então o playboy pôs-se a comentar com a loura o
aparecimento providencial da polícia.
— Foi um verdadeiro milagre terem aparecido naquele
momento! Parece que eles adivinharam!
A moça sorriu satisfeita.
— Neste caso, quem praticou o milagre fui eu...
— Você? Mas... como?! Pois os irmãos Kurian não a
trouxeram de volta? Você não me disse que...?
— Sim. Na verdade, eles me interceptaram no caminho,
mas, antes que saltassem do carro e me aprisionassem, tive
tempo de escrever uma mensagem, com o meu baton, no
para-brisa do carro. Uma mensagem muito simples:
“Alegre Sociedade — palacete de Ivan Koniet. Em seguida,
para que os russos não dessem pela coisa, saltei e fui ao
encontro dos dois...
— Agora, compreendo tudo! A polícia encontrou o
carro abandonado na estrada, leu a mensagem e... É, você é
uma garota bastante inteligente!

— 86 —
— Eu não podia deixar que os bandidos da Alegre
Sociedade levassem a melhor — argumentou a loura,
beijando-o na boca.
— Você os odiava muito, não?
— Jurei vingar a morte de meu irmão a qualquer preço!
E, graças à sua ajuda, consegui o meu intento! Ivan Koniet
mereceu o fim que teve! Os ratos devem morrer afogados!
A moça parou de falar repentinamente e pôs-se a olhar
o louro playboy, com ar de espanto.
— O que há? — indagou Kirkpatrik, desconfiado.
— Bem... é que Ivan falou aquele negócio a respeito de
você pertencer à CIA... Você não é um “tira”, é?
— Tolices — sorriu Kirkpatrik. — Ele fez essa
suposição e eu deixei-o ir em frente, para tirar partido da
situação... Você acha que se pertencesse, realmente, à CIA,
ou ao FBI, teria motivos para escapar quando a polícia
apareceu? Era mais simples mostrar a minha carteira
funcional ... Mas acontece que eu não a tenho. Não sou um
“tira”, meu bem.
— Bem, eu acho... — os lábios da moça se abriram num
sorriso. — Não! Um agente da CIA não fugiria da polícia!
Mas, nesse caso, você é realmente um pistoleiro irlandês!
Você é Michael O’Hara!
— Fui — mentiu Kirkpatrik. — Fui um pistoleiro...
Você pode vangloriar-se de ter conseguido regenerar-me!
Fez comigo o que não conseguiu fazer com seu irmãozinho!
E, puxando a moça, com um braço, para junto de si,
enquanto o outro manobrava o aparelho, uniu seus lábios
aos dela, num beijo ardente. O helicóptero,
momentaneamente desgovernado, cabeceou no ar. Mas,
felizmente, não caiu.

***

— 87 —
Mais tarde, no apartamento de Linda Berger. Kirkpatrik
saboreava uma dose generosa de uísque, depois de ter
tomado uma reconfortadora ducha fria.
A loura, coberta por um transparente negligée, passeava
pela sala, os pés descalços pisando sobre o espesso tapete.
— Felizmente acabou-se o pesadelo — dizia ela. —
Houve um momento em que pensei que não saíssemos com
vida desta aventura! Meu irmão foi vingado e... acabou-se
a Alegre Sociedade! Tudo graças a uma loura e um
pistoleiro irlandês! Mas eu duvidei do nosso sucesso...
— Você não confiava em mim? — sorriu Kirkpatrik.
— Confiar em você, confiava, mas... eles eram em
maior número e estavam sempre bem armados. Enfim...
tudo acabou e, agora, poderemos ficar descansados, sem o
menor receio de (que nos entre portas adentro capangas
munidos de metralhadoras!
Kirkpatrik ergueu-se e foi até o local onde Linda se
encontrava. A moça afastara a cortina e olhava para a
cidade, lá fora. As luzes dos luminosos emprestavam um ar
de festa à noite. Todo o bairro de Brooklin cintilava. O louro
playboy agarrou-a pelos ombros e voltou-a de frente para
ele. Por um momento, os dois permaneceram com os corpos
muito juntos, sem dizer palavra. Foi Linda quem quebrou o
encantamento, passando os braços pelo pescoço do playboy
e murmurando seu nome (ou o que ela pensava que fosse o
nome dele), em voz cheia de emoção e promessas.
— Michael! Oh, meu querido, Michael! Como eu o
desejo! Agora mais do que nunca!
Kirkpatrik sorriu, do engano da moça, mas nada fez
para retificá-lo. Apertou-a mais de encontro ao peito
musculoso e seus lábios beijaram primeiramente os olhos

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semicerrados da loura e, depois, desceram para os lábios
onde permaneceram num longo e apaixonante beijo...

***

Na manhã seguinte, Kirkpatrik despedia-se de Linda,


prometendo regressar o mais breve possível.
— Você jura que não vai se esquecer de mim? —
indagou a moça, fazendo beicinho.
Ela era, realmente, uma delícia de mulher!
— Não sou homem de fazer juramentos. Mas creio que
a minha promessa deve bastar para você. Eu a amo!
Ela olhou-o profundamente, bem dentro dos olhos, por
alguns momentos, antes de voltar a falar:
— Sim. — Suspirou, conformada. — Eu o esperarei por
muito tempo ainda. Talvez você volte, realmente. Se assim
for, será ótimo! Talvez ... talvez nunca mais nos vejamos e,
então, guardarei comigo a lembrança dos doces momentos
que passamos juntos... De uma forma ou outra, você
representará sempre uma coisa boa que aconteceu em
minha vida... Michael O’Hara!
Quando o avião em que Kirkpatrik partia para
Washington levantou voo, Linda Berger, de pé, acenava
com um lencinho de renda e de seus olhos caíam grossas
lágrimas.
— Adeus, amor! Até um dia, se for possível! Tomara
que os meus pressentimentos não se justifiquem... e você
não seja um “tira”! Mas tudo me leva a crer que Michael
O’Hara não existe!

***

— 89 —
Com um sorriso de satisfação nos lábios, o Velho
andava pela sua sala de trabalhos, enquanto ouvia o
relatório de Kirkpatrik lhe apresentava.
— Eu sabia que, uma vez mais, você sairia vitorioso,
meu caro Horace... A Alegre Sociedade foi completamente
desbaratada! Um ou outro elemento, que ainda se encontra
em liberdade, não tardará a ser apanhado e devidamente
punido. Podemos dizer que a paz voltou a Brooklin. E os
nossos “amigos” do KGB terão que sair para outra...
O agente fora de série da CIA olhou, de modo
interrogativo, para o chefe.
— O que há? — indagou o chefe do DCA. — Faça logo
a pergunta que tem em mente! Eu o conheço bastante para
saber que alguma coisa o incomoda! O que é?
— Gostaria de saber o que acontecerá com o velho
Salvatori Magaldi...
— Ah! Compreendo! Mas não é preciso você se
preocupar. Aquele assunto pertence ao FBI, que já tratou de
pressionar o velho. Ele optou por uma aposentadoria
compulsória e por acabar seus dias tranquilamente,
tomando chá, no reservado dos fundos do restaurante da
Rua Mott... Na verdade, o FBI não tem nenhuma prova
palpável contra ele. Os tempos mudaram, meu caro Horace.
Já não há mais lugar para as famigeradas “famílias” da Cosa
Nostra.
— Creio que já nada mais me resta a fazer aqui —
ponderou Kirkpatrik, enquanto se levantava.
— Já sei — volveu o Velho, sorridente. — Você está
ansioso para voltar ao seu escritório, não é? — E deu uma
piscadela de olho significativa.
— Ao meu escritório? Sim... Acho que é isso. Não sei
por que, mas a verdade é que sinto saudades das repreensões
de Miss Ventura Marble... Ela é um dragão, não resta

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dúvida, mas já me acostumei às suas investidas e sinto falta
delas...
O Velho estendeu-lhe a mão, que ele apertou com
energia.
Minutos depois, o playboy deixava o prédio onde estava
localizada a sede da CIA, em Langley. Dali, partiu
diretamente para o aeroporto. Tinha reservado passagem
num avião da TWA. Enquanto seguia para Pittsburgh,
Kirkpatrik ponderava com seus botões:
“Uma vez mais o KGB sofreu uma derrota. Quando será
que aqueles cavalheiros tomam emenda? Alexei Zhikov,
afinal, sempre era o homem deles em Brooklin...”

***

Com uma pequena sunga preta sobre o corpo, e


displicentemente deitado sobre o gramado que cercava a
piscina de seu palacete, o industrial do aço Horace Young
Kirkpatrik deixava que o sol da manhã queimasse o seu
corpo musculoso. Passos macios se aproximaram e o Apoio
louro ergueu os olhos cinzentos.
De pé, a seu lado, estava o mordomo, com um telefone
cor de marfim nas mãos. O longo fio estendia-se até dentro
de casa.
— Telefonema para o senhor, sir.
— Quem é?
— Não quis dizer o nome, mas é voz de mulher... Como
sempre, sir.
Kirkpatrik apanhou o aparelho, com uma esperança a
brilhar nos olhos cinzentos. O mordomo afastou-se
discretamente, voltando para o interior da casa.
— Sim? Ah! É você Angelique? Por onde tem andado?
Como? Acaba de chegar de Paris e não sabe onde se

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hospedar? Mas por que já não está aqui em casa? Sim!
Venha! — E, depois de uma ligeira pausa, fez uma
pergunta: — Escute, Angelique. Você, por acaso, trouxe um
biquíni? Por quê? Porque eu, para ser sincero, pretendo
passar os próximos dias à beira da piscina, saboreando uns
bons drinques...
Desligou o telefone e saltou para dentro da água morna
e azulada da piscina. Aquela ligação dera novas forças ao
irresistível playboy. Breve, Angelique, uma linda
francezinha morena, estaria ali, para lhe dar momentos de
indescritível prazer. Não há nada como uma morena, para
mitigar as saudades de uma loura...

FIM

A seguir: DEVORADORES DE PLÁSTICO


— onde Kirkpatrik enfrenta uma invasão de
bactérias que ameaçam destruir a nossa
civilização, baseada na matéria plástica.
Não perca!

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