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SÉRIE: 77Z
VOLUME: 150
TÍTULO: ALARME ATÔMICO
CAPA: BENICIO
AUTOR: MARK A. LUKE
EDITORA: MONTERREY
ANO DA PUBLICAÇÃO: 1983
PREÇO DA PUBLICAÇÃO: CR$ 260,00
PÁGINAS: 128

SCANS E TRATAMENTO: RÔMULO RANGEL


romulorangel@bol.com.br

DISPONIBILIZAÇÃO
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ALARME
ATÔMICO
MARK A. LUKE

Capa de BENICIO

PROIBIDA A REPRODUÇÃO NO TODO OU EM PARTE

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EDITORA MONTERREY LTDA.
Rua Visconde de Figueiredo, 81
Caixa Postal 24.119 — ZC-09
20550 TIJUCA – Rio de Janeiro - RJ
Fones: 234-8398 e 248-7067
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© EDITORA MONTERREY LIMITADA


MCMLXXXIII Publicação no Brasil
Composto e Impresso pela
GRÁFICA EDITORA LORD
Distribuído por:
FERNANDO CHINAGLIA
DISTRIBUIDORA S.A.

Todos os personagens desta novela são imaginados pelo autor e não


tem relação com nomes ou personalidades da vida real. Qualquer
semelhança terá sido mera coincidência.

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PRÓLOGO

A moderna estrada internacional E-10 cruza grande


parte dos Países Baixos. Saindo de Bruxelas, na Bélgica,
um motorista faz todo o percurso sem problemas, mantendo
altas velocidades. Passa ao largo da cidade de Antuérpia,
atravessando a fronteira holandesa sem que a paisagem se
altere.
Embora seja comum encontrar-se modernos carros
europeus trafegando pelas quatro pistas de asfalto, grande
maioria dos usuários são caminhões-tanques que
transportam combustível para numerosas cidades francesas
e alemães, depois de terem sido abastecidos em Roterdam.
cidade que tem o maior porto petrolífero da região.
Entre os caminhões, aquele furgão atraía a atenção dos
motoristas. Inteiramente pintado de cinza, tinha algumas
letras em negro, com as iniciais do Centro de Estudos
Atômicos da Holanda. Era preciso conhecer o Centro para
saber que aquele veículo se dirigia a Zwijndrecht, pequena
cidade próxima de Dorbrecht, onde ficavam os prédios dos
centros de estudos, laboratórios e o enorme reator atômico,
usado nas experiências.
Os prédios, instalados no centro de um Polder, região
de terra construída em local anteriormente ocupado pelas
águas, eram cercados por altos muros e cercas de arame
farpado eletrificadas. A única entrada era controlada

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eletronicamente e a porta abria ou fechava, de acordo com
os botões apertados pelo guarda, dentro de sua casamata de
concreto.
A segurança era necessária, como em todos os locais
onde se manuseia material atômico; e embora tenha custado
uma fortuna a instalação das cercas e a manutenção do
complexo sistema de vigilância, nunca fora utilizada. Isto
era constante razão para brincadeiras de funcionários
burocráticos e dos guardas do local, já que muitos
trabalhavam ali há muitos anos, sem nunca terem tido a
oportunidade de verem o sistema de alarma funcionar.
Talvez fosse essa a razão do visível relaxamento das
normas de segurança, que foram sendo deixadas de lado, à
medida que os anos transcorriam, sem que acontecesse um
só caso de tentativa de invasão da área cercada. Os únicos
“intrusos” eram os garotos da região, que de quando em
quando decidiam roubar frutas das árvores que separavam
os diversos prédios de laboratórios, ou queriam ludibriar a
atenção dos guardas, impelidos pelo desejo de aventura.
Esses ataques infantis faziam aumentar as ironias dos
funcionários, que sempre que podiam brincavam com os
guardas, comparando-os a inspetores escolares. Naquela
manhã de outono, quando o mês de outubro chegava ao
meio, o guarda de plantão na porta do Centro era um moço
louro, natural do norte do país, que se aborrecia
terrivelmente com seu trabalho.
Desde as oito horas, quando iniciara o seu turno, o
homem acionara o mecanismo eletrônico da porta mais de
cinquenta vezes. Conhecia de cor todos os carros que
entravam e saíam por ali, já que eram os mesmos de todos
os dias. Pelas normas de segurança, o guarda teria de
esperar que o veículo parasse diante do portão, o motorista
encostasse o cartão de identificação no pequeno olho

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mágico do sistema de televisão interna, e só então abrir a
porta.
Mas, isto era rotina. Quando o guarda era novo no
serviço e resolvia cumprir as normas à risca, sempre havia
quem começasse com ironias.
— Vigie bem, rapaz — diziam-lhe, de dentro do carro.
— Tome cuidado, ou alguém pode roubar urânio para fazer
bombas atômicas em casa...
O homem continuava tomando todos os cuidados ao
abrir o portão de entrada, mas aos poucos ia deixando os
exageros de lado. Era por isso que o guarda daquela manhã
de outono comprimia o botão eletrônico antes mesmo do
carro parar diante do portão. Se ele já conhecia o veículo,
preparava-se para abrir a porta assim que o avistava,
fazendo a curva para abandonar o asfalto da E-10 e entrar
na pequena estrada macadamizada que ia dar no Polder
onde se instalara o Centro, depois de cruzar a pequena ponte
giratória sobre um canal de navegação.
Agora, por exemplo, vendo o furgão que diminuía a
marcha para abandonar a estrada, o homem,
inconscientemente, levou a mão ao painel de controle. O
veículo era inconfundível, com sua pintura cinza e às
iniciais do Centro de Estudos Atômicos da Holanda, em
preto. Seu chassi de aço, montado especialmente para o
transporte de material atômico, fazia-o diferente de
qualquer outro pequeno caminhão de transporte dos muitos
que circulavam pela E-10.
Quando o rapaz bocejou, apertando o botão que
acionaria o mecanismo para abrir o enorme portão, não
podia imaginar que praticamente assinara a sua própria
demissão do tranquilo emprego. Não reconheceu o
motorista, mas também não deu muita atenção ao fato.
Talvez, fosse Joseph ou qualquer outro dos motoristas

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habituais, mas não pôde ver seu rosto direito, já que o
furgão cinza atravessou o portão rapidamente, enquanto o
homem esticava a mão para o olho mágico do aparelho de
TV em circuito fechado, mostrando uma imagem borrada
no vídeo interno da cabina.
— Esses motoristas... — sorriu o guarda, achando que
agora era a sua hora de ser irônico — estão sempre com
pressa e ficam irritados quando têm de carregar material
atômico. Pensam que o furgão pode explodir...
O homem sorriu, divertido. Aquilo também já era uma
rotina. Duas vezes por mês, o veículo ia até Bruxelas para
pegar o carregamento de pouco mais de dez quilos de óxido
de plutônio, usados nas experiências. Da sede da OTAN,
em Bruxelas, até aquele Poder próximo a Zwijndrecht, não
havia uma distância tão grande que justificasse o
nervosismo do motorista. Enfim, aquilo não era problema
do guarda...
O furgão desapareceu pela alameda cercada de árvores,
parando diante do prédio dos laboratórios. O motorista
desligou o motor, olhando fixamente para o homem que ia
ao seu lado. Este, fechando o mapa que estivera estudando,
respondeu-lhe com um ar tranquilizador.
— Não há motivo para se intranquilizar, Gunther. Tudo
dará certo.
— Eu sei, Hans. Mas... se eles descobrirem tudo e nos
pegam aqui dentro...
— Não pense nisso. Sabemos a localizarão de todos os
corredores e salas do prédio. Não temos como errar. —
Esticou a mão para abrir a porta da direita, mas completou,
antes de sair:
— E se der algum problema, sempre resta o recurso
extremo.

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O tapa que o homem deu em sua própria barriga,
apalpando o duro objeto que fazia volume sob o tecido da
camisa, fez Gunther lembrar-se da arma que ele também
trazia consigo. Bem, o melhor seria que tudo desse certo, e
não fosse necessário usá-la.
Desceram da cabina, circundando o furgão, para abrir a
porta traseira. Gunther e Hans retiraram lentamente o
pequeno caixote lacrado, que envolvia a caixa de metal com
o material. Segurando nas alças, os dois homens cruzaram
a porta de vidro do prédio, que um guarda gentilmente
mantinha aberta para que eles passassem.
— Olá, rapazes — saudou o guarda. — O doutor Norton
já deve estar esperando por isso.
Os dois sorriram, caminhando em linha reta em direção
ao elevador. O guarda não sabia se o doutor Norton estaria
ou não esperando por alguma coisa. O que ele sabia era que
aquelas remessas eram feitas duas vezes por mês, e o chefe
do laboratório era o encarregado de recebê-las. Portanto se
chegava um carregamento de material atômico de Bruxelas,
certamente o doutor Norton estaria esperando.
Mas ele se enganara. No momento em que segurava a
porta para que os dois homens passassem, o responsável
pela guarda do material usado nas pesquisas do laboratório
estava tranquilamente sentado em sua sala, no segundo
andar do prédio. Acabara de checar o controle do estoque,
e como sempre, comprovara que a quantidade de material
existente no imenso e bem protegido cofre era exatamente
a mesma assinalada em suas tabelas.
Satisfeito, deu o visto no papel de controle, fechando a
pesada porta de aço. Deixou de prestar atenção nos números
da tabela à sua frente, descansando os olhos ao contemplar
o belo rosto de Annette. Há vários meses que a moça
trabalhava como sua assistente, e cada dia Norton ficava

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mais satisfeito com seu trabalho. Não só pela eficácia da
mulher, como também pelo interesse que o chefe do
laboratório tinha por ela.
Viu como Annette sentava-se na cadeira em frente,
suspirando fundo. Devia estar satisfeita como ele, pelo
trabalho ter terminado e poder contar com alguns minutos
de descanso. O homem estendeu o maço de cigarros aberto
por ema da mesa, acendendo o isqueiro com a outra mão,
quando a jovem levou um à boca.
— Então, Annette, — disse Norton, sorridente,
enquanto aspirava a primeira tragada de seu próprio cigarro,
— já se decidiu? Já sabe o que vai fazer esta noite?
A mulher sorriu, sem saber o que dizer. O interesse que
o chefe tinha por ela era evidente, e a assistente ainda estava
indecisa. Não precisou pensar muito numa resposta, pois
alguém bateu na porta da sala, interrompendo a conversa.
— Entre! — gritou o doutor Norton, ligeiramente
contrariado.
A porta empurrada, dois homens entraram. Usavam
uniformes do Centro e Norton ficou confuso ao vê-los.
Carregavam um pacote, aparentemente pesado, igual ao
usado para o transporte de material atômico. Mas seu
departamento não esperava nenhuma encomenda por esses
dias.
— Encomenda de Bruxelas! — anunciou Hans,
enquanto se abaixava para pousar a caixa no solo.
— Não estou entendendo... — murmurou Norton, ao
levantar-se. — Não estava esperando material por estes
dias. Vou telefonar para o diretor.
Norton esticou o braço para pegar o fone ao seu lado,
enquanto amassava o resto do cigarro no cinzeiro. Parou seu
gesto com a mão no ar, enquanto uma expressão de espanto
aparecia em seu rosto. Annette também estava assustada,

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com os olhos muito abertos, encarando o homem que falara
há pouco.
— O... que é isso? — gaguejou Norton, com os olhos
fixo naquela arma.
— Isto é uma arma! — respondeu Hans, sério. — E
você fará exatamente o que eu mandar, a não ser que a
queira funcionando!
Os dois homens uniformizados continuavam de pé,
parados perto da porta fechada. Norton e sua assistente não
entendiam o que acontecia ali. Armas, no escritório? Quem
eram aqueles homens?
— Ouça, doutor Norton — disse Hans, com voz
pausada. — O senhor abrirá a porta do depósito e pegará
algumas coisas para nós. — Vamos, rápido!
Enquanto falava, Mike mexia com a pesada PPK que
tinha na mão direita. O grosso cano da pistola terminava
num comprido cilindro acoplado a ele. Mesmo para o
cientista e sua auxiliar, que não tinham contato com
armamentos, estava claro que aquilo era um aparelho
silenciador.
— O que... querem? — conseguiu perguntar o cientista,
fazendo esforços para conter o medo. Não podia demonstrar
o pavor que sentia. Não, diante de Annette.
— É simples, doutor — disse Hans. — Queremos que
abra esta porta e entre no. depósito. Pegará uma caixa de
aço, marcada com as letras OP. Nós pegaremos esta caixa e
iremos embora. Se fizer isso, nada de mal lhes acontecerá.
Caso contrário... — e o homem fez um gesto significativo
com a arma.
Norton estava indeciso. Não entendia o motivo que
aqueles dois homens podiam ter, para desejarem roubar
uma das caixas metálicas do depósito. Também não sabia
como eles puderam entrar até ali, passando pelos guardas,

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ou como tinham conhecimento do conteúdo das caixas
metálicas. O que eles poderiam fazer com o óxido de
plutônico? De repente, tudo aquilo lhe pareceu absurdo, e
Norton recusou-se a obedecer. Annette estava apavorada e
olhava-o como se esperasse alguma atitude da parte dele.
— Ouçam, — principiou Norton, — não sei o que
pretendem, mas de qualquer forma, não posso fazer o que
me pedem. O óxido de plutônico é um material radioativo e
por isso mesmo, perigoso. Eu...
— Fará o que nós mandarmos, Norton! — cortou Hans,
irritado com a demora. Voltou-se para seu companheiro,
que permanecia calado e igualmente armado, dizendo: —
Gunther, mostre a ele porque deve obedecer-nos!
Gunther, nervoso, atravessou a sala. Agarrou os cabelos
louros de Annette, que permanecia em silêncio, com os
olhos esbugalhados de medo, puxando-lhe a cabeça.
Encostou o cilindro do s:lenciador no lado esquerdo da
cabeça da jovem, olhando fixamente para o homem.
— E então, doutor... vai obedecer ou não? — perguntou
Hans, sorrindo ligeiramente.
Norton olhou para Hans, Gunther e Annette. Apesar da
temperatura agradável fornecida pelo ar condicionado, seu
rosto começou a ficar úmido de suor. Com as mãos
trêmulas, pegou uma chave sobre a mesa, ainda indeciso. O
medo estampado no belo rosto da mulher foi o que o fez se
decidir. Caminhou em direção à enorme porta blindada do
depósito, enfiando a chave na fechadura. Girou as rodas de
ferro do mecanismo de segredo, produzindo um estalido.
Lentamente, as duas toneladas de blindagem começaram a
mover-se, abrindo a porta.
— Rápido, doutor, temos pressa — disse Hans,
encostando o cano da pistola nas costelas do homem,
empurrando-o para dentro da ampla sala.

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Annette ficou parada, tentando não fazer o menor
movimento na cadeira onde estava. Sentia o frio' contato
daquele cano em seu ouvido, e não ousava nem levantar os
olhos para encarar o homem que a ameaçava. Vu como
Norton desapareceu no interior do depósito, sendo levado
per aquele estranho. O homem que lhe apontava a arma
estava nervoso, e ela achou melhor não lhe dar motivos para
apertar o gatilho.
Pouco depois, os dois reapareceram na sala. Com
extremo cuidado, enquanto o suor lhe escorria pela gola da
camisa, Norton ajudou o homem a pousar a caixa no chão.
Com movimentos rápidos, o sujeito guardou a arma na
cintura, pegando a caixa que trouxeram para ali, ao entrar
no escritório.
Com surpresa, Annette e Norton viram que o pacote que
os dois carregavam nada mais era do que uma caixa de
madeira, sem fundo. Hans levantou-a, encaixando-a
diretamente sobre a caixa metálica que tirara do depósito.
Depois, tomando cuidado, levantou o pesado fardo,
depositando-o na prancha de carregador com que entrara
ali.
— Agora, nós vamos embora — dis.se o homem,
tornando a pegar sua pistola. — Vocês ficarão quietos e
nada lhes acontecerá.
— Mas... vocês não podem fazer isso! — protestou o
cientista, percebendo que agira mal ao obedecer à ameaça.
— Este material é perigoso, e...
— Nós sabemos o que é isso, professor! — cortou Hans.
— Agora, encostem-se naquela parede do fundo. Os dois,
rápido!
Annette estava assustada, e não teria se levantado por si
só. Harry puxou-a pelos cabelos, empurrando a mulher para
trás. Se Norton não a tivesse amparado, a moça teria caído

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no chão. Lentamente, assustados e amedrontados, os dois
recuaram até a parede.
— O que farão conosco? — perguntou Norton,
começando a perceber que aqueles homens não sairiam dali
deixando-os com vida. — Vão nos matar?
— É muito esperto, doutor! — disse Hans, com um
sorriso maligno.
A partir deste momento, as coisas aconteceram com
uma rapidez impressionante. Admitindo a idéia da própria
morte, Norton reagiu instintivamente. Seu corpo descolou-
se da parede, enquanto esticava os braços, tentando lançar-
se contra os dois homens. Apesar de sua decisão de lutar, o
cientista não chegou a fazer grande coisa.
Assim que se afastou da parede, tentando descrever um
voo sobre a mesa, seu corpo foi violentamente empurrado
para trás, projetado contra a parede. Seus olhos agora
estavam realmente esbugalhados, quase saindo das órbitas,
enquanto a expressão facial demonstrava uma
incompreensão absoluta do que acontecia.
Envolto pela fumaça, a arma de Hans estremecia
ligeiramente, a cada disparo. Apertou o gatilho pela
primeira vez quando o cientista idiota tentou pular sobre a
mesa. Agora, com o homem colado à parede pelo impacto
da primeira bala, Hans continuou disparando. No peito
branco de Norton aparecera uma mancha vermelha logo
seguida de mais duas. Alguma força desconhecida prendia
aquele homem à parede, já que as suas deviam-lhe faltar
naquele momento.
Annette, apavorada, levou as duas mãos à boca,
tentando conter um grito de pavor. Vira como Norton
tentara reagir, e agora assistia à sua morte, sem nada poder
fazer. O homem começou a escorregar com as costas na
parede, como se houvesse desistido de ficar de pé. Seus

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olhos, estranhamente fixos, já não podiam enxergar seu
assassino. Ele estava morto.
— Vocês o mataram... — balbuciou Annette, encarando
Hans e Gunther, sentindo que o ódio lhe invadia a mente.
— Vocês...
A outra frase ficou em sua garganta. O rosto contorcido
numa máscara de ódio, logo transformou-se no horrível
retesar de músculos, causado por aquela dor intensa.
Hans apertara o gatilho no mesmo instante em que
Gunther, enchendo a pequena sala com um cheiro
penetrante de pólvora queimada. O estrondo das explosões,
abafados pelo silenciador, não era maior do que o produzido
por um corpo caindo ao chão.
A jovem assistente estremeceu, sendo jogada para trás
e logo para o lado. Enquanto caía, todo o seu corpo era
sacudido pelos espasmos da morte, e pelo impacto dos
balaços que recebia. Finalmente, ficou em paz, esvaindo-se
em sangue sobre o tapete. Seu belo rosto estava voltado para
o chão, e os 'cabelos louros que Norton tanto apreciava,
estavam revoltos e começavam a manchar-se de vermelho.
— Vamos! — disse Hans, arrancando o pente de sua
pistola e enfiando um novo, rapidamente. — Temos de sair
daqui o quanto antes!
Gunther também pegou um pente novo, embora sua
pistola ainda contasse com três projéteis intactos. Em
seguida, alisando as rugas do macacão e fazendo um rápido
exame para verem se não haviam manchas de sangue, os
dois homens empunharam a prancha. Coberto pela falsa
caixa que haviam trazido, Hans e Gunther saíram da sala
levando o recipiente metálico que protegia mais de dez
quilos de óxido de plutônio.

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A primeira parte do trabalho terminara. Agora, era sair
dos terrenos do Centro o quanto antes. E sem levantar
suspeitas.

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CAPÍTULO PRIMEIRO

Missão na Holanda

Sentado ao lado da janela, Horace Young Kirkpatrick


contemplava a estranha paisagem a centenas de metros de
seus pés. Confortavelmente instalado na primeira classe
daquele Boeing, ele pensava no estranho modo como
aquele caso tivera início.

***

Horace Young Kirkpatrick — jovem, alto, louro,


presidente e acionista majoritário da “K.K.K. Steel Ltda”,
conglomerado de aciarias com sede em Pittsburgh e filiais
espalhadas em todo o Ocidente. Milionário, dono de iates,
aviões, navios e com mansões nos mais belos recantos do
planeta, já tendo passado por suas mãos as maiores beldades
do mundo.
Ninguém poderia pensar que esse playboy era um
agente da CIA — Central Intelligence Agency — a central
de espionagem norte-americana, sob as ordens de Mister
Lattuada, chefe do Departamento 77. Seu número de
código: 77Z.
Em algumas ocasiões, Horace agia sob a égide da DCA
— Departamento of Couvert Activities —' um
departamento ultra-secreto da CIA encarregado de

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espionagem científica e atentados políticos altamente
sofisticados. Seu código: Máscara Negra.

***

Ele ainda podia se lembrar da expressão séria de mister


Lattuada, ao comunicar-lhe sua nova missão:
— Não posso adiantar-lhe nada, Horace — dissera o
homem, sentado atrás de sua enorme mesa, no escritório de
Washington. — E não pense que isto é causado por razões
de segurança ou sigilo. Simplesmente, não sei do que se
trata.
O agente 77Z estranhou. Afinal o diretor do
Departamento 77 costumava ser a pessoa mais informada
sobre todos os casos de espionagem e contra-espionagem
que ocorriam no mundo inteiro, e antes de incumbir um
agente de uma missão perigosa no exterior, costumava
explicar em detalhes todos os lances da operação. Agora, o
próprio mister Lattuada confessava sua total ignorância do
assunto.
— Mas, como posso investigar um caso, sem saber de
nada? — indagou Horace, achando estranho o
comportamento do diretor. — Afinal, você não acha meio
absurdo que eu vá até a Holanda, para resolver um assunto
que nem você mesmo sabe qual é?
— Não, não acho — cortou mister Lattuada. — O que
eu sei é que a professora Brigitte Van der Bergen pediu o
nosso auxílio. Sei que ela não faria uma coisa dessas, sem
que houvesse um motivo muito importante.
— E, como ela pediu auxílio? Telefonou? Veio até
Washington? — indagou Horace.
Em vez de responder, o homem apanhou um papel
sobre sua mesa, passando-o para Horace. O jovem agente

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desdobrou-o, lendo o pequeno texto com as letras escritas à
máquina, em pequenas tiras coladas no formulário de
cabograma internacional. O texto era simples e conciso. As
letras negras diziam simplesmente:
“Mister Lattuada. Preciso de você. Urgente.” “Brigitte
Van der Bergen.”
O agente leu e releu o pequeno pedaço de papel,
tentando descobrir algo mais naquelas letras, além das
simples palavras formadas. Acabou desistindo, e entregou
o papel ao superior.
— Continuo achando que isto é muito pouco para
iniciar um caso, mister Lattuada — disse Horace. — A não
ser que... você saiba de mais coisas e não esteja querendo
me contar.
— Não, Horace, só sei o que está escrito aí. — Recostou
o corpo no encosto da poltrona, abrindo a pequena caixa de
prata de cigarros. Empurrou-a na direção de Horace,
esperando que o rapaz se servisse de um.
— Obrigado... — murmurou 77Z, acendendo o cigarro
com seu isqueiro.
— Além disso, do que está escrito, eu sei quem é Van
der Bergen. — Esperou o resultado de suas palavras no
rosto de Horace, e satisfeito com o brilho de curiosidade
que viu aparecer nos olhes do agente, continuou: — Nós
somos velhos amigos, apesar de ela ser muito mais nova do
que eu. Deve estar hoje com seus trinta e cinco, trinta e seis
anos. Se formou em Física em 1967. Nessa época ela
trabalhava para a CIA, em território belga e francês. —
Parou de falar, parecendo perder-se em suas lembranças.
Voltou ao presente, dizendo: — Bem, mas isto tudo não
vem ao caso...
— E o que vem ao caso, então? — perguntou Horace
Young Kirkpatrick, sorrindo.

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Mister Lattuada fingiu ignorar a interrupção,
continuando:
— Há cerca de cinco anos atrás, recebi um convite para
a posse da doutora Van der Bergen como presidente do
Centro de Estudos Atômicos da Holanda. O centro é um
órgão do governo holandês, encarregado de fazer pesquisas
para o uso pacífico da energia nuclear. Fiquei contente com
a notícia, e escrevi à minha amiga, parabenizando-a. Desde
então, nunca mais tive notícias dela. Sei que continua no
cargo, mas o excesso de trabalho aqui em Washington não
me deixa manter contato com os amigos.
— E por que ela recorreria a você, se prensasse de
ajuda? — perguntou Horace.
— Ela sabe que eu continuei trabalhando aqui na CIA,
depois do desligamento dela. Portanto, deve confiar na
minha antiga experiência. Por isso, imagino que ela esteja
envolvida em algum caso complicado que a tenha obrigado
a recorrer à ajuda não oficial, entende? Lembrou-se de mim,
porque, certamente, não quer pedir auxílio às autoridades
de seu país.
— Continuo achando que isto não é motivo suficiente
para ir até...
— Horace Young Kirkpatrik! — cortou mister
Lattuada, irritado. — Você partirá para Amsterdam ainda
esta noite!
O agente calou-se, vendo que não adiantava discutir.
Soprou longamente a fumaça sobre a mesa, comentando:
— Bem, pelo menos darei um passeio pela Europa...
— Espero que seja somente um passeio — disse mister
Lattuada, como se temesse algo pior.
Horace lembrava-se desse diálogo, agora que estava
sentado na primeira classe do Boeing, aproximando-se do
seu destino. Viajara na noite anterior para Paris, saindo de

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Washington no voo noturno da Air France. Mal tivera
tempo de passar pelas formalidades burocráticas da
alfândega francesa, quando embarcou no jato da KLM, que
levantou voo do aeroporto de Orly, rumo a Amsterdam.
Pela janela oval ao seu lado, o jovem podia ver as
manchas azuis dos canais e braços de mar, cercados por
imensas paredes de concreto, que cortavam as' terras do
país, como riscos sobre um mapa. Era estranho aquele país,
construído sobre locais antigamente ocupados pelas águas,
num trabalho paciente, e que parecia nunca terminar.
A voz suave da aeromoça soou pelo alto-falante da
cabina, recomendando aos passageiros apagarem os
cigarros e apertarem os cintos de segurança. Dentro de dez
minutos, aterrissariam no aeroporto de Schiphol, a dez
quilômetros do centro da cidade.
Quando desceu as escadas do aparelho, pisando a pista
úmida e escorregadia, Horace fez uma careta de desgosto.
Aquela atmosfera sombria e enevoada do outono, parecia
ainda mais carregada pela eterna fumaça que pairava sobre
a cidade ao longe. A poluição ali era um problema sério, e
aparentemente sem solução. Passou pela alfândega
rapidamente, murmurando um “nada a declarar” e
carregando sua própria mala.
Tinha um encontro marcado no aeroporto com Janice
Talson, representante da CIA nos Países Baixos. Conhecia
a jovem de outra ocasião, e pensou que não teria dificuldade
em reconhecê-la ali, por causa de seus chamativos cabelos
ruivos e seu modo todo especial de se vestir. Não estava
enganado. Viu uma mulher que lia uma revista em pé,
parada ao lado de uma banca de jornais, e percebeu o
discreto sinal que ela lhe fazia. Continuando a caminhar,
Horace deixou que Janice lhe passasse a frente, seguindo-a
a pouco mais de dez metros.

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Janice Talson parou do lado de fora do aeroporto,
esperando que o imponente Mercedes azul, estacionado do
outro lado da pista, parasse na sua frente. Abriu a porta e
entrou, sem fechá-la novamente. O motorista uniformizado
manteve o motor em funcionamento, parado no mesmo
lugar, e Horace entendeu que aquilo era um convite para
que ele entrasse no carro.
Não estava enganado. Tão logo sentou-se no banco de
couro negro onde estava Janice, o motorista arrancou com
o carro. Horace Young Kirkpatrick largou sua valise no
chão, antes de cumprimentar a colega, com um longo beijo
na boca.
— Como vai, Janice? Há quanto tempo... — disse ele,
depois de afastar seus lábios dos dela.
— Olá, Horace!
— Alguma coisa para mim? — perguntou Horace,
enquanto acenda um cigarro Avrupa.
— S m — disse a mulher, apertando um botão
escondido pelo cinzeiro embutido.
Janice enfiou a mão, pegando alguns objetos. Entregou
um pequeno isqueiro dourado a Horace, voltando a meter a
mão no buraco.
— Isto é um rádio — informou ela. — Não parece, mas
é. Quando precisar entrar em contato comigo, use-o. Pode
ser usado como isqueiro, também, e não é difícil de ser
manuseado. Isto também é para você, espero que saiba usá-
lo...
Horace sorriu, pegando a pesada arma. Gostava de
trabalhar com aquela Luger, apesar do peso excessivo e da
dificuldade de ocultá-la sob as roupas. Não era uma pistola
para situações de emergência, nem para quando precisava
fingir que andava desarmado. Sua forma alongada não

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permitia que a escondesse em qualquer lugar. A Luger
podia ser descoberta pelo seu peso.
Mas, Horace conhecia a utilidade daqueles projéteis de
nove milímetros. Quando se queria eliminar alguém, ou
mesmo deter um carro em movimento, eram poucas as
pistolas que tinham a precisão e a potência de fogo daquela.
Balançou a arma na mão, satisfeito com o contato, e
guardou-a no coldre sob o ombro.
— Acho que não precisará de mais do que isso — disse
Janice, passando-lhe uma pequena caixa de munição.
Horace olhou a caixa, sorrindo para a colega.
— Cem balas... se eu precisar de mais do que isso,
estarei numa guerra. — Guardou a caixa na sua maleta. —
De qualquer maneira, entrarei em contato com você quando
precisar de algo.
— Certo — disse Janice. — Agora, preste atenção.
Estamos indo para Amsterdam. Seu destino é Zwijndrecht,
perto da cidade de Dorbrecht. Não podemos levá-lo até lá.
As ordens de mister Lattuada foram para que nós nos
envolvêssemos o mínimo possível, enquanto você não se
inteirasse do caso. Então, você mesmo decidirá que tipo de
ajuda precisará, e nós o auxiliaremos ou não. Até lá,
ficaremos vigilantes, mas de fora, certo?
— Certo.
— Aqui está a chave do carro que usará. É um BMW
esporte azul-escuro, que está lhe esperando na estação
ferroviária de Dorbrecht. No porta-luvas encontrará um
mapa detalhado da Holanda, onde poderá localizar o Centro
de Estudos Atômicos. Fica perto da cidade e você pode
chegar em menos de uma hora, com um carro como esse.
— Pelo visto, providenciaram tudo — sorriu Horace.
— Ainda tem mais. No interior da mala do BMW, há
um sinalizador de rádio, que envia constantemente sinais

— 24 —
em frequência secreta para o receptor em nosso escritório.
Desse modo, localizando a potência de frequência enviada,
podemos localizar exatamente a localização do carro,
mesmo que você não entre em contato conosco. Todos os
dias você deve mandar-nos uma mensagem, dizendo que
tudo está indo bem. Use o isqueiro que eu lhe dei. Agora,
preste atenção: se passar mais de vinte e quatro horas sem
enviar nenhuma mensagem, nós o localizaremos pelo
emissor do carro e iremos atrás de você.
Horace balançou a cabeça, concordando com as
providências tomadas pela mulher.
— Portanto — finalizou Janice —, se estiver num ponto
importante das investigações, e achar que a nossa presença
pode atrapalhar seu trabalho, não se esqueça de manter
contato. Caso contrário, poderíamos procurá-lo num
momento impróprio, colocando tudo a perder.
— Chegamos! — disse o motorista, falando pela
primeira vez.
Estavam parados em frente à um prédio de luxo.
— O trem só partirá daqui quatro horas. Portanto, temos
todo esse tempo só para nós, Horace, querido.
Os dois saltaram do Mercedes e se encaminharam para
a entrada do edifico. Cruzaram a porta e se dirigiram para o
elevador. Entraram no ascensor e Janice apertou o botão de
número três. Instantes depois, o elevador parou no terceiro
andar. Janice guiou Horace até o seu apartamento. A mulher
deteve-se na porta do 304. Abriu-a e entraram.
Horace penetrou numa ampla sala de estar conjugada
com a sala de jantar. Os móveis que compunham o ambiente
denotavam bom gesto.
— Quer um drinque? — perguntou Janice, dirigindo-se
ao barzinho.
— Obrigado — disse Horace, aceitando o convite.

— 25 —
Enquanto Janice caminhava, ia desabotoando o casaco
de vison que usava. Depois, jogou-o sobre uma cadeira.
Janice era uma verdadeira beldade, pensou Horace ao
vê-la sem o casaco. Era um rostinho de boneca montado em
um corpo explosivamente feminino. Tinha quadris largos.
Os cabelos ruivos caíam até o meio das costas, lisos e
sedosos. Os ombros eram roliços. O vestido que usava
debaixo do casaco, de maneira brilhosa e colante, acentuava
de forma irresistível os contornos de sua silhueta. Foi
humanamente impossível para Horace afastar o olhar da
curva de seus quadris e das protuberâncias formadas pelas
ancas carnudas.
Respirou fundo, vencido pela visão de tanta beleza, e
sentiu lego aquele estremecimento que antecede as grandes
batalhas a dois.
Ela acabou de preparar os drinques e, voltando-se,
começou a caminhar na direção do agente, com um copo
em cada mão e um sorriso nos lábios, que acentuava o
formato amendoado de seus olhos. A temperatura de 77Z
subiu mais um pouco, como seria de esperar. Afinal, não
passava de um simples mortal.
O vestido colante acentuava com nitidez os relevos
frontais do corpo de Janice, pois ela não usava nenhuma
outra roupa por baixo dele. Os dois seios miúdos, mas
firmes, as coxas grossas e aquele montinho onde muitas
guerras já foram perdidas ou ganhas.
Ela parou a frente dele e lhe entregou um dos drinques
que preparara. 77Z levou o copo aos lábios e sorveu um
longo gole da bebida.
— Está bom? — perguntou ela, ainda parada à frente
dele.
— Sim — respondeu Kirkpatrick.
Horace sentou-se em uma cadeira.

— 26 —
Janice o observou tomar outro gole e sentou-se
suavemente no seu colo. Com o contato quente de seus
quadris, ele entrou imediatamente em estado de alerta.
Janice percebeu isso e sorriu, ajeitando-se melhor sobre
suas pernas. Ou seja, procurou uma posição mais adequada
para forçá-lo a sair do estado de alerta geral e se lançar em
um ataque frontal. Horace contemplou seu rosto claro, os
olhos ligeiramente amendoados e a boca carnuda e úmida,
que servia de toca para uma graciosa linguinha cor-de-rosa
de mil e uma utilidades.
— Sabe que senti saudades suas? — ronronou ela, com
uma voz capaz de arrepiar o couro cabeludo de qualquer
um.
Horace pousou o corpo sobre a mesinha ao lado da
poltrona e passou o braço ao redor de sua cintura estreita. A
sua testa já estava pontilhada de suor. Também pudera: com
um vulcão sentado no seu colo e aquela lava incandescente
esquentando-lhe o estômago e adjacências, o que mais ele
poderia fazer?
— Eu também senti muitas saudades suas — murmurou
ele. — Quanto tempo faz que não nos vemos?
— Pelo menos, uns do s anos — respondeu a moça,
sorrindo. — A última vez que nos encontramos, foi em
Monte Carlo, na ocasião do casamento da Princesa
Caroline.
— Mas esqueçamos o passado e nos preocupemos
apenas com o presente — disse Horace.
Janice deslizou a mão pelo ventre de Horace e começou
a mordiscar seu pescoço, bafejando-o com seu hálito
quente. O assédio de Janice não lhe deixava espaço para
pensar em outras coisas.
— Quanto tempo temos mesmo para ficar juntos? —
indagou Horace.

— 27 —
— Umas três horas e meia, mais ou menos.
Para combater uma espera prolongada e ansiosa, nada
melhor do que a pessoa se ocupar com uma atividade bem
absorvente, disse Horace para si mesmo.
Apertou-lhe os seios miúdos e ela estremeceu, enquanto
lambia a ponta de sua orelha. Ele procurou o fecho-éclair
de seu vestido e o abriu. Muito excitado, puxou aquela
malha fina e macia ao longo de seus ombros. Diante de seus
olhos, surgiram os dois montículos morenos e terminados
em preciosos biquinhos castanhos. Ergueu-a um pouco e a
libertou do vestido. Um triângulo ruivo no meio das suas
pernas fazia contraste com o seu corpo branco. Horace
ocupou-se dos seios da moça; um de cada vez; e soltou seus
dedos inquietos na pele acetinada.
Eles dispararam colina acima, sôfregos, como um
perdigueiro atrás de sua caça.
Janice ficou tremendamente embalada. Estremeceu da
cabeça aos pés. Soltou um gemido, que lembrou a Horace o
grito de um lutador, e o puxou da poltrona com um
movimento ágil que mais pareceu um golpe de karatê. Em
consequência de sua explosão amorosa, caíram no tapete.
Antes que ele se desse conta do que acontecia, ela já estava
sobre ele, montada em seus quadris, como uma amazona
pronta para cavalgar um cavalo indomável. Seus dedos
frenéticos esforçavam-se para desabotoar a sua camisa o
mais rápido possível.
— Vamos, vamos para o quarto — disse Janice,
puxando Horace pela mão. — Lá, ficaremos mais à
vontade!

— 28 —
CAPÍTULO SEGUNDO

As revelações de Brigitte

Três horas e meia depois, estavam ambos de novo no


carro. O automóvel estava parado em frente da estação
ferroviária de Amsterdam.
— Janice — disse Horace encarando a agente. — Sei
que tudo dará certo. Ainda nem sei o que há realmente de
importante nesta missão, mas tenho certeza de que poderei
resolver. — Sorriu, completando: — Trabalhando junto
com você, o, resultado não poderia ser outro.
Beijou a beca da ruiva, saindo do carro. Janice Talson
ainda permaneceu calada, vendo como Horace afastava-se
em direção à estação ferroviária.
Horace Young Kirkpatrick apresentou o bilhete de
passagem que Janice havia-lhe entregue, passando pela
roleta da plataforma. Uma vez dentro da composição,
procurou o número quatro na porta da cabina. Entrou,
jogando a maleta sobre a cama. Passaria toda a noite
naquele local e um rápido exame mostrou-lhe que não teria
problemas para dormir. A cama era confortável e havia um
pequeno banheiro particular.
Até o momento, aquela viagem fora confortável e todos
os detalhes providenciados. Se continuasse assim, voltaria
a Washington sem maiores problemas.

— 29 —
***

Quando o expresso noturno de Amsterdam diminuiu a


marcha, apitando longamente para entrar na plataforma da
estação central de Dorbrecht, Horace já estava de pé, parado
ao lado da porta. Levava a valise na mão direita.
O jovem gostava de viajar de trem, mas logo cansava-
se do balançar ritmado, não aguentando ficar mais do que
uma noite dentro daquela cabina luxuosa. Tão logo a
composição parou, chiando por todas as válvulas, as portas
automáticas foram abertas. Caminhando apressadamente
pela estação, Horace parecia-se com qualquer uma das
pessoas que trafegavam pela imensa gare, algumas
entrando, outras saindo dos vagões que as levariam para
todos os lugares da Europa.
Como foi dito per Janice, o carro o esperava no
estacionamento. Era um BMW azul-marinho, com desenho
discreto, apesar de esportivo. A potência do motor era
suficiente para competir com qualquer outro carro de série,
podendo atingir sem dificuldades a faixa dos duzentos
quilômetros horários.
Examinou o detalhado mapa rodoviário que encontrou
no porta-luvas e pouco depois, o agente corria pela auto-
estrada federal E-10, rumo a Zwijndrecht.
Muita coisa mudara, no que se referia às normas de
segurança, no Centro de Estudos Atômicos da Holanda. O
jovem e louro guarda do portão, que normalmente passava
toda a manhã dentro de sua cabina, não estava mais ali. Fora
despedido, acusado de negligência no serviço. O novo
funcionário, sabendo do ocorrido com o seu antecessor,
extremava seu zelo pelas normas burocráticas do trabalho.
Sentado dentro da cabina, acariciava o coldre
desabotoado de sua p:stola, e de vez em quando, lançava

— 30 —
olhares amorosos para a moderna metralhadora de mão,
apoiada centra a porta. Recebendo ordens diretas da
diretora do Centro, só acionava o mecanismo eletrônico de
abertura do portão, quando a pessoa se identificava
claramente, encostando sua carteira no olho mágico do
sistema de TV, em circuito fechado.
Viu o carro-esporte lançar a seta para a direita, quando
este ainda estava sobre a pista da E-10. Depois, com os
olhos semi-cerrados, acompanhou a passagem do BMW
azul pela ponte móvel, só se levantando ao vê-lo parar
diante do portão fechado. O guarda verificou se sua arma
saía do coldre com facilidade, num ato instintivo.
— Por favor, queira se identificar e dizer o que deseja!
— pediu o homem, enquanto pressionava o botão
correspondente ao alto-falante.
Horace assustou-se, ouvindo a voz excessivamente alta.
saída de algum lugar oculto à sua esquerda. Olhou para a
cabina, e entendeu que era o guarda do portão quem lhe
falara.
— Sou Horace Kirkpatrick! — disse o jovem. — Tenho
um encontro marcado com a diretora, a doutora Brigitte
Van der Bergen!
— Queira mostrar sua identidade, colocando-a diante
do aparelho!
Horace apanhou seu passaporte, abrindo-o na página da
fotografa e do nome. Procurou até encontrar a dissimulada
lente do aparelho, mantendo-o ali, enquanto o guarda
verificava o documento pelo visor da cabina.
— Obrigado — disse o homem, desligando a TV. —
Queira aguardar um pouco, enquanto me comunico com o
Centro.
Horace continuou parado diante do volante, desligando
o motor. Não sabia se a demora seria longa ou não, já que

— 31 —
não conhecia o sistema de segurança do local. Pelo visto,
haveria ali trabalho para ele. A agitação do guarda, o
excessivo zelo pelas normas de segurança, eram indícios
mais do que suficiente para que uma pessoa como Horace
desconfiasse que nem tudo ia bem naquele local.
Antes que viesse a resposta para o guarda, e portanto,
enquanto o portão continuava fechado, outro veículo entrou
na pequena estrada, saindo da rodovia principal. Era um
furgão cinzento, com grandes letras negras anunciando o
nome do Centro. Horace olhou pelo retrovisor, observando
as pontas cilíndricas que apareciam nas janelas. Tanto o
motorista quanto o homem que viajava a seu lado, portavam
pesadas metralhadoras. Esticando o pescoço, Horace pôde
ver que outro carro acompanhava o furgão, com vários
homens armados e uniformizados.
Pelo visto, alguém ou alguma coisa ali dentro andava
ameaçado. Nem nos grandes bancos, freqüentes vítimas de
assalto, o jovem vira um tamanho aparato bélico.
— Senhor Kirkpatrick! — disse o guarda, ligando
novamente o microfone e assustando o agente mais uma
vez. — Entre com seu carro, vá devagar até o prédio à sua
esquerda. Uma vez ali, identifique-se ao guarda que está no
hall'.
O homem balançou a cabeça, mostrando ao guarda que
entendera. Depois, ligou o motor, esperando que o portão
fosse aberto. Enquanto percorria lentamente a estrada
cercada de árvores, 77Z observou o portão sendo fechado
às suas costas, enquanto o motorista do furgão esticava
alguma coisa na mão, mostrando-a ao olho mágica
eletrônico.
Minutos mais tarde, o portão tornava a ser aberto.
Então, Horace já estava saltando do carro e se identificando
diante do novo guarda.

— 32 —
— Venha comigo. A doutora Van der Bergen o espera
— disse o homem, enquanto fazia uma mesura discreta.
Seguindo os passos rápidos do homem uniformizado,
Horace olhava em todas as direções.

***

— Muito prazer, senhor Kirkpatrick — disse a mulher,


apertando a mão do agente. — Queira sentar-se por favor...
Horace sentou-se na cômoda poltrona, diante da
diretora do centro. Era uma mulher alta, de cabelos e olhos
castanhos e de rara beleza. O discreto vestido que usava por
baixo do guarda-pó pouco mostrava de seu corpo. Entre os
dois, uma grande mesa do tipo das usadas em reuniões, com
os demais lugares vazios. Horace tirou o maço de cigarros
turcos e ofereceu um à mulher, que recusou. Horace
acendeu o seu, e deu a primeira tragada contemplando o
rosto de Brigitte, por trás da tênue cortina de fumaça.
— Espero que a fumaça não a incomode... — d:sse ele.
— Em absoluto — respondeu a mulher.
Fez-se um instante de silêncio, quebrado por Brigitte.
— Eu já estava aguardando a sua chegada, senhor
Kirkpatrick — disse ela. — Recebi uma comunicação de
mister Lattuada, dizendo que chegaria aqui na segunda-
feira de manhã. Imagino que deva estar curioso, tentando
descobrir o motivo de meu pedido de auxílio ao meu velho
amigo mister Lattuada.
— Exato — concordou 77Z, mostrando interesse.
— Para falar a verdade, não sei exatamente o que me
levou a recorrer a ele. Talvez mister Lattuada tenha-lhe dito
que nós trabalhamos juntos antes, não?
— Sim, ele me disse — concordou Horace.

— 33 —
— Pois bem... desde 1972, quando me desliguei da
CIA, não me meti mais em assuntos de investigações ou
com problemas de segurança. Mas, sabia que mister
Lattuada continuava no metier. Achei que, se ele não
pudesse me auxiliar, conheceria alguém de sua confiança
que pudesse fazê-lo. — Sorriu, apontando para Horace e
dizendo: — E vejo que não estava enganada.
O agente sorriu. Interiormente, dispensaria de bem
grado a introdução, desejando saber de uma vez por todas o
que havia de tão importante
naquela história, para trazê-lo do outro lado do
Atlântico, viajando de jato, de trem e mesmo de automóvel,
para aquela entrevista. Brigitte não demorou a entrar no
assunto.
— Mas, deixando isso de lado, vamos ao que nos
interessa — pigarreou ligeiramente. — O Centro de
Estudos Atômicos da Holanda, dirigido por m'm, é um
órgão subvencionado pelo governo, com interesses nas
pesquisas de energia nuclear para fins pacíficos. Talvez
você estranhe o “pacíficos” usado por mim, depois de ter
visto todo este aparato militar que nos cerca... Mas, isto é
justificável... Nem sempre a segurança foi levada a sério
aqui dentro, para ser mais precisa, há apenas uma semana,
poderia ter entrado aqui sem maiores problemas, apesar de
naquele tempo já termos guardas e regulamentos como os
de hoje.
Fez uma pausa para completar:
— Só que eles não eram postes em prática. Entenda que
a maioria das pessoas que trabalham aqui, são cientistas.
Homens e mulheres interessados nas pesquisas que
realizamos, e cuja única preocupação na vida é a ciência.
Fez uma nova pausa e continuou:

— 34 —
— Bem, o que interessa é o seguinte: a segurança
armada que sempre cercou nosso trabalho tinha sua razão
de ser devido ao tipo de material que nós empregamos em
nessas pesquisas. Não pense que os guardas estão aí para
afastar possíveis espiões, ou que alguma potência
estrangeira esteja interessada em nos sabotar. Isto fica bem
nas histórias policiais e de espionagem, não aqui. —
Percebeu que o jovem ficara mais intrigado e continuou,
com o mesmo tom de voz: — Nossos trabalhos são
periodicamente publicados em revistas especializadas e
temos correspondência frequente com todos os centros
semelhantes a este em várias partes do mundo. A única
coisa que temíamos, e mesmo assim, nunca levávamos a
sério, era a possibilidade de roubo cu extravio do material
nuclear usado nas experiências.
Viu o espanto no rosto de Horace, e continuou, antes
que ele fizesse qualquer pergunta.
— Isso mesmo. Talvez esteja se perguntando, que
diabos alguém vai querer fazer com este tipo de material.
Não é isso o que está pensando?
— Sim...
— Pois eu lhe digo que existem muitas pessoas em
quase todos os países, fazendo pesquisas particulares,
clandestinas, obviamente, em laboratórios domésticos.
Claro que não podem chegar aos mesmos resultados
alcançados pelos organismos oficiais, nem pretendem o
mesmo que nós. Mas, uma pessoa razoavelmente dotada de
conhecimentos especializados no assunto, que disponha
também de força de vontade e alguns quilos de determinado
tipo de material, pode construir, em sua própria casa, um
arremedo de bomba de fissão ou mesmo, e isto ainda é mais
simples, um dispersor de óxido de plutônio.

— 35 —
Horace deu a última tragada, amassando o cigarro no
cinzeiro à sua frente. Acompanhara perfeitamente o
monólogo da mulher até ali. Mas, as últimas frases estavam
meio complicadas para um leigo no assunto.
— Poderia ser mais clara? — pediu.
— Oh, sim... desculpe-me — disse Brigitte, sorrindo.
— Estou acostumada a conversar com meus auxiliares, aqui
nesta sala, e não passou pela minha cabeça que o senhor não
era um de nesses cientistas... Tanto a bomba de fissão,
baseada no urânio, como um dispersor de óxido de plutônio,
são o que se chama popularmente de bomba atômica.
— Bomba atômica! — exclamou Horace, que agora
entendia a importância do que a mulher estivera lhe
contando. — Mas, é possível fazer uma bomba dessas em
casa? Sem laboratórios especializados e todas essas coisas?
— Sim, senhor Kirkpatrick — disse a mulher, séria. —
Infelizmente, é possível. O ensino da física, mesmo em suas
mais recentes descobertas, está ao alcance de praticamente
todas as pessoas instruídas. Se isto é bom, por um lado, por
outro, é péssimo. Se dá possibilidade a mais pessoas se
interessarem pelo assunto, também coloca ao alcance de
muitos loucos, o manuseio de armas perigosíssimas, com
alto poder destrutivo.
— Mas — disse Horace — o auxílio que a senhora
pediu a mister Lattuada foi para...
— Espere um pouco — cortou a mulher, com um gesto
de mão. — Deixe-me contar alguns fatos mais, e então o
senhor perguntará o que quiser. Qualquer dúvida, por favor,
me interrompa. Duas vezes por mês, nós enviamos um
veículo do Centro à Bruxelas para pegar quantidades
variáveis de material atômico, que será usado nas pesquisas.
Normalmente, e isto sempre ocorreu até então, o furgão vai
e volta sem problemas, recebendo a sua carga e trazendo-a

— 36 —
até aqui. O doutor Norton era o encarregado de receber as
caixas e estocá-las, depois de fazer os registros de praxe.
Era um de nossos cientistas, e sua secretária, doutora
Annette, auxiliava-o nesta tarefa.
Fez uma neva pausa, para tomar fôlego e continuou:
— Na semana passada, chegou um desses furgões ao
Centro. O guarda do portão, acostumado que estava a vê-
los entrar, não fez questão de examinar a identificação do
motorista como manda o regulamento, deixando-o entrar. O
homem encarregado da porta do prédio dos laboratórios
também não exigiu nada dos carregadores, para deixá-los
passar. Se tivessem, qualquer um dos dois, telefonado para
o doutor Norton ou para sua secretária pedindo autorização
para deixá-los subir, não teria acontecido nada demais. O
responsável pelo recebimento do material sabia que aquele
não era dia de receber nada de Bruxelas, e teria estranhado
o fato. Mas o doutor Norton só soube do que ocorria,
quando já era tarde demais...
— Tarde demais?
— Sim — respondeu Brigitte. — Resumindo a história,
os dois homens não eram nossos funcionários, e. devem ter
também arranjado um furgão falso, semelhante ao nosso.
Resultado: entraram no depósito, conseguiram apoderar-se
de dez quilos de óxido de plutônio e fugiram.
— Fugiram? Mas e o doutor Norton? Não fez nada? E
os guardas? — espantou-se Horace, que não entendia como
alguém podia fazer aquilo que a mulher lhe dizia, num local
permanentemente vigiado como aquele.
— Antes de sair da sala, eles mataram o doutor e sua
assistente, a tiros. Foram brutalmente assassinados. Como
o guarda da entrada desconfiasse de alguma coisa e tentasse
entrar em contato com o diretor do laboratório, eles também
o balearam, deixando o homem gravemente ferido.

— 37 —
A mulher parou novamente, vendo o efeito de suas
palavras na expressão do rosto do homem.
— Eles fugiram, levando o que queriam. Mas, isto não
é tudo, senhor Kirkpatrick.
— Ainda tem mais?
— S m, há ainda o pior — disse Brigitte, recostando -
se em sua poltrona. — Por coincidência, aconteceram cenas
semelhantes, na semana passada, em outros locais.
Aparentemente, elas nada tem a ver com o nosso aqui do
Centro. Mas, sabe, senhor, eu nunca perdi a mania de
desconfiar de tudo e de todos, quando algo de errado ocorre
em meu trabalho. É um velho vício do tempo de serviço,
que a gente nunca consegue largar...
Brigitte contou a Horace, com todos os detalhes, o
noticiário que lera nos jornais dos últimos dias, sobre o
assalto, com assassinato do motorista de um caminhão de
transporte de explosivos a serviço de uma pedreira no sul
do país. Na ocasião, desconhecidos haviam levado quarenta
quilos de explosivo plástico de alta potência, não deixando
qualquer pista.
A cientista contou também o estranho episódio ocorrido
há três dias atrás, quando um guarda da represa de
Zuiderzee, patrulhando sua área, de madrugada,
surpreendeu um grupo de homens em atitude suspeita.
Quando foi abordá-los, eles reagiram a tiros, disparando
inclusive com uma metralhadora. Depois, desapareceram
tão misteriosamente como vieram, fugindo numa camionete
Chevrolet, vermelha.
— Desta vez, deixaram pistas. Entre os objetos
deixados no local e recuperados pelo guarda, havia um
pacote com dez quilos de explosivo plástico, mais tarde
comprovado ser dos tais quarenta roubados do caminhão.

— 38 —
Finalmente, a mulher confessou o motivo secreto que a
levou a relacionar aqueles dois casos, aparentemente
isolados, com o ocorrido no Centro de Estudos Atômicos.
— Junto com o explosivo, os homens esqueceram, na
pressa da fuga, alguns objetos. Lendo a lista deles no jornal,
não pude deixar de dar rédeas à imaginação — confessou a
mulher. — Entre ferramentas, fios elétricos e uma potente
bateria, havia outras pequenas coisas comuns, mas que
também seriam usadas por um hipotético cientista maluco,
interessado na construção de sua bomba atômica particular.
Brigitte fez uma breve pausa e continuou:
— Entenda que não é uma bomba com o potencial
destrutivo das que os governos possuem. Vamos dizer que,
com estes dez quilos de óxido de plutônio e um pouco mais
de poderoso explosivo químico, como é o caso da bomba
plástica, o sujeito consiga construir uma arma de meio
megatom. Parece pouco, comparado com as armas
modernas. Mas, nunca é demais lembrar que meio
megatom, corresponde a quinhentas mil toneladas de TNT.
— Quinhentas m l toneladas de dinamite? — assobiou
Horace. — Mas, isto destruiria...
— Uma boa parte do país, senhor — completou
Brigitte. — Mas, isso ainda não é o pior.
— Não? — indagou Horace, pensando que agora a
mulher já estava ironizando. Como ainda poderia haver
coisa pior? Se alguém estava construindo, não se sabe com
que intenção, uma bomba com aquele potencial destrutivo,
ainda haveria pior? — Bem, então faça o favor de continuar,
doutora.
A mulher voltou ao assunto do estranho incidente perto
da represa de Zuiderzee. Aquela era a maior represa do país,
servindo de proteção para milhares de quilômetros de terra,
que antigamente serviam de leito do mar e agora eram

— 39 —
terrenos aráveis, com plantações, casas, indústrias e até
mesmo pequenas cidades. A destruição da represa
significaria, simplesmente, a invasão pelas águas de uma
superfície de terra que talvez, segundo os cálculos da
cientista, chegasse a um quinto de toda a superfície do país.
— Claro que, depois da descoberta do explosivo perto
da represa, a segurança na área foi aumentada — disse a
mulher. — As autoridades não temem um acidente desta
proporção, pois sabem que a obra é segura, só podendo ser
destruída por uma hecatombe. Não será com alguns quilos,
nem mesmo com toneladas de explosivo plástico, que se
poderá estourar a represa de Zuiderzee.
— Mas — interrompeu Horace —, uma bomba atômica
é capaz disso.
— Exatamente o que eu pensei, senhor — concordou
Brigitte. — Acredito que ninguém tenha ligado todos esses
incidentes, chegando a mesma conclusão que cheguei. O
senhor é a primeira pessoa a quem digo minhas
preocupações.
— Por que não procurou a polícia, as autoridades?
— Senhor, já tentou imaginar o que seria se estas
informações que estou-lhe dando agora chegasse ao
conhecimento do público? Pode imaginar o terror que
tomaria conta de todos, o descontrole, o escândalo? Talvez
a simples notícia fosse mesmo pior do que a explosão da
represa.
Horace teve de dar razão à mulher. Sabia do que era
capaz, em matéria de confusão, pessoas apavoradas. O que
não dizer, quando todo um país ficava em pânico. Não, o
melhor era mesmo que ninguém soubesse de nada, até que
o caso fosse esclarecido.
Mas, e se tal não acontecesse? Então... Era melhor nem
pensar nesta possibilidade.

— 40 —
— Agora, já deve saber quais os motivos de meu pedido
de socorro a mister Lattuada. — Disse a mulher, com sua
calma habitual. — Penso que também já deve ter calculado
a responsabilidade que pesa sobre suas costas, senhor.
— Sim, estou pensando nisso. Mas, acho que não há
mal nenhum em tentar. Não sei se conseguirei impedir a
hecatombe, mas pelo menos tentarei... Agora, doutora,
queria que me dissesse uma coisa: já pensou em qual pode
ser o objetivo das pessoas que tramaram tudo isso? S:m,
porque tem de haver um objetivo. Ninguém provocaria uma
inundação dessas proporções, pelo simples prazer de ver as
pessoas se afogando ...
— Isto é o que mais me intriga, senhor Kirkpatrick. Por
mais que eu reflita, não consigo imaginar as vantagens que
alguém posa tirar de tudo isso. Pensei em simples loucura,
em algum cientista dotado de conhecimento sobre o
assunto, que tivesse ficado maluco, e...
— Isso não é explicação — retrucou Horace,
antecipando-se ao que a cientista ia dizer. — Explicaria a
razão de um homem, mas não justificaria o envolvimento
de mais pessoas, como os homens que assaltaram o
caminhão, tentaram trinar uma bomba na represa de
Zuiderzee, e nem mesmo o roubo efetuado aqui.
— Exatamente — d:sse a mulher, satisfeita pela rapidez
de raciocínio de 77Z. Ela pensara, logo que o vira entrar,
que um rapaz bonito como aquele estaria mais à vontade
numa praia cercado de “gatinhas”. Pensara até em desistir
de contar-lhe tudo. Mas, depois, lembrando-se de que fora
mister Lattuada quem o mandara, mudou de idéia. Agora,
achava que se mister Lattuada o enviara, era porque aquele
homem devia ser mais do que suficiente para resolver
qualquer problema.

— 41 —
— Há alguma pista concreta para o início da
investigação? — perguntou Horace, interessado.
— Os únicos dados de que dispomos são esses?
— Não, há mais um — respondeu a mulher, enquanto
procurava alguns papéis sobre a mesa. Acabou achando o
que queria, e leu-o em voz baixa. Aqui está... — disse ela,
entregando-o ao agente. — Isto é um relatório da delegacia
de polícia de Princenhage. As autoridades procuraram não
dar muita publicidade ao caso, fazendo as investigações
sigilosamente. Eu, com meus conhecimentos, consegui uma
cópia do relatório. Há um detalhe que não foi publicado nos
jornais junto com a notícia do assalto ao caminhão de
explosivos.
Fez uma pausa, saboreando o que ia dizer.
— Há uma pista no caso do assalto ao caminhão —
disse a cientista. — O motorista não estava sozinho, quando
foi assassinado. Havia um ajudante com ele, dentro da
cabina. O rapaz, chamado Jock, estava dormindo e por isso
não foi visto pelos assaltantes. Mas, acordou com o ruído
da porta do compartimento de carga sendo aberta, e
presenciou todos os movimentos do roubo. Viu seu colega
morto, viu a camionete Chevrolet vermelha, igual à que foi
vista na represa e acha que pode reconhecer alguns dos
homens, se os visse novamente.
— Isto é ótimo — disse Horace, que já estava pensando
que teria de trabalhar em cima de nada.
— Pensei em trazê-lo até aqui, para confrontar suas
declarações sobre os homens que viu, com as do guarda
ferido aqui no Centro. O que acha disso?
— É uma boa idéia — disse Horace, pensativo. — Mas,
talvez fosse melhor ter uma conversa com este Jock antes.
Se ele desconfiar que nós suspeitamos que há uma ligação

— 42 —
entre os dois casos, ele pode sair por aí espalhando o que
nós queremos manter em segredo.
— Exatamente por isso que eu não o procurei — disse
a diretora. — Achei melhor esperar sua chegada, já que
você é quem comandará as investigações — pegou um
outro papel, lendo o e entregando-o a Horace. — Aqui está
o endereço de Jock. Mora não muito longe daqui, em Breda.
Poderá chegar lá, em menos de uma hora, pela auto-estrada.
— Rua Uccello, número 13 — disse Horace, lendo o
papel. — Irei até lá, agora mesmo. Falarei com o rapaz e
depois voltarei a Dorbrecht, onde pretendo hospedar-me. Se
precisar falar comigo com urgência, estarei no Hotel Prince.
— Espero que consiga descobrir alguma coisa — disse
a mulher, levantando-se. — Não imagina como tenho
andado nervosa, nos últimos dias. A responsabilidade de
saber de tudo o que pode acontecer...
— Não se preocupe. Faremos o possível para que não
aconteça o pior — disse Horace, apertando a mão da
mulher.
Enquanto se despediam, nenhum dos dois notou o
ligeiro movimento da porta lateral da sala, que estivera
entreaberta durante todo o tempo. Alguém tornou a fechá-
la, depois de ouvir aquela interessante conversa.
Horace saiu da sala, acompanhado pela diretora, no
mesmo momento em que alguém abandonava furtivamente
a sala contígua. A pessoa, caminhando pelos corredores do
segundo andar, foi diretamente em direção a um telefone.
— Até logo, senhor Kirkpatrick. Assim que souber de
alguma coisa, entre em contato comigo.
— Sim, doutora Van der Bergen. Vamos ver o que este
tal de Jock tem a nos dizer.
Horace caminhou em d:reção a seu carro, estacionado
no pátio do Centro.

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CAPÍTULO TERCEIRO

77Z tem uma decepção

Antes de dobrar para a direita, abandonando a pequena


estrada particular e entrando na larga pista da E-1Q, Horace
Young Kirkpatrick parou o carro. Verificou o mapa que
Janice Talson tivera o cuidado de deixar no porta-luvas e
procurou a cidade de Breda. Ficava a menos de cem
quilômetros de onde estava, podendo correr quase que em
linha reta pela auto-estrada.
Deixou o mapa sobre o banco do lado, acelerando o
carro para entrar na estrada. O motor do BMW roncava
ritmicamente, enquanto o ponteiro do velocímetro ia
tombando para a direita. Horace mudou a marcha várias
vezes em poucos segundos, até estabilizar o carro na linha
dos cento e cinquenta quilômetros horários. Sentia o vento
frio do outono entrar como uma lâmina pela janela
entreaberta, e isto servia para refrescar-lhe as ideias.
E isto, era o que mais o agente precisava. Apesar dos
detalhes que se encaixavam, nem tudo estava claro naquela
história que a doutora Brigitte Van der Bergen lhe contara.
Além da falta de um motivo lógico para a pretensão de
estourarem a maior represa do país, ainda havia outras
coisas a serem descobertas.
Os ladrões pareciam conhecer perfeitamente todos os
regulamentos e rotinas de trabalho do Centro de Estudos

— 45 —
Atômicos da Holanda. Como eles poderiam saber da
história do furgão, do nome do doutor Norton, da
localização exata de sua sala nos compridos e sinuosos
corredores?
Que havia alguém lá dentro, em cumplicidade com
eles, isto não tinha dúvidas. Mas, quem? Pelo visto, pedia
ser qualquer um. Desde a própria diretora, até um simples
guarda, passando por todos os cientistas, funcionários
burocráticos e mesmo os encarregados da limpeza.
Por este lado, as investigações seriam demoradas e
cheias de problemas. Para descobrir algum indício suspeito
num dos homens que trabalhavam no Polder de
Zwijndrecht, Horace teria de realizar investigações e
interrogatórios policiais, que estavam longe de seus
métodos normais de trabalho. Além disso, só conseguiria
levantar suspeitas e chamar a atenção dos verdadeiros
criminosos sobre sua pessoa.
— Não, isto não... — murmurou ele, falando para si
mesmo. — É melhor eu continuar na sombra, sem que
ninguém saiba qual o meu papel em toda esta história.
Horace pretendia circular pelo Centro, quando fosse
preciso, fingindo-se de um amigo da diretora, que veio à
Holanda visitá-la. Assim, aproveitaria para visitar os
diferentes locais do Polder, conversando com todos os
funcionários sem levantar suspeitas.
Pouco tempo depois, as primeiras casas de Breda
começaram a aparecer. Primeiro, soltas, uma aqui e outra
ali, e logo depois, começaram as ruas laterais, cheias de
casas e lojas comerciais, enquanto a auto-estrada era
desviada, para passar ao largo da cidade.
O empregado do posto de gasolina correu, solícito, em
direção ao carro. Se esperava uma boa gorjeta pelo
atendimento, decepcionou-se, já que Horace só queria uma

— 46 —
informação. Mesmo assim, o homem explicou com toda
espécie de detalhes a localização exata da Rua Uccello.
A rua onde morava Jock, era uma rua típica das
pequenas cidades do interior europeu. As casas eram quase
todas de dois andares, com pequenas sacadas de madeira
nas janelas de cima, e seus telhados compridos, como
chapéus antigos. No meio das telhas escuras e oninantes de
ardósia, sempre havia uma ou duas janelinhas,
correspondentes às águas-furtadas do último andar. A casa
número 13 era exatamente igual às outras da rua, se bem
que não estava em tão bom estado de conservação.
Algumas peças de roupa secavam na umidade do ar,
penduradas nas sacadas. Uma mulher gorda, com um
avental branco meio sujo preso em volta de sua enorme
barriga, varria displicentemente a frente da casa. A mulher
amarrara um pedaço de barbante nas fitas de tecido, já que
o avental não fora feito para um corpo tão volumoso quanto
o seu. Parou de varrer, apoiando-se no cabo da vassoura,
assim que o BMW estacionou.
Não devia ser muito comum um carro daqueles parar
naquela rua. Pelo menos, foi isto o que Horace deduz u,
vendo o olhar curioso da mulher. 77Z bateu a porta,
caminhando em direção à casa.
O agente sentia o peso da Luger em seu coldre, sob o
ombro. Não pretendia usá-la tão cedo, mas, nem por isso
deixaria de levá-la consigo.
— Bom-dia, minha senhora — cumprimentou ele,
sorrindo, amavelmente para a mulher, que balançou a
cabeça, murmurando uma resposta. — É aqui que mora o
senhor Jock?
Antes de responder, a gorda mulher olhou o interlocutor
de cima a baixo. Devia estar se perguntando o que um rapaz
bem vestido como aquele, saindo de um carro alemão,

— 47 —
último modelo, estava fazendo ali, à procura daquele
pilantra do Jock.
— Sim, é aqui que ele mora... — respondeu a mulher,
mostrando seus dentes estragados. — Pelo menos, por
enquanto. — Completou, dando uma olhadela para a água-
furtada, no meio do telhado. — Mas, se ele insistir em ficar
devendo o aluguel, logo, deixará de morar na minha casa.
— E, ele está? — perguntou Horace, que não estava
com muita vontade de escutar as reclamações da senhoria
do rapaz.
— Sim, pode subir. O quarto dele é no último andar,
aquele ali no telhado — disse ela, apontando para cima. —
Deve estar acordado, agora...
Horace bateu levemente a cabeça, agradecendo.
Quando já estava empurrando a porta para entrar, parou.
Ouvira a reclamação da mulher, que parecia não gostar
muito do seu inquilino.
— Não sei porque este Jock está recebendo tantas
visitas importantes. Coisa boa não deve ser.
Horace voltou-se bruscamente, como se um raio o
houvesse atingido. Encarou a mulher, vendo que ela ficara
assustada.
— O que foi que disse? — perguntou o agente. —
Alguém veio aqui, procurar Jock?
— Sim — foi a resposta da mulher, contente por ter
oportunidade de falar. — Dois homens vieram, agora
mesmo, atrás dele. E deviam ser ricos, como o senhor.
Precisava ver que carro... Um Mercedes, último tipo, todo
negro... Uma beleza!
— Isto foi há muito tempo?
— Agora mesmo, já disse — respondeu a mulher. —
Um deles ficou no carro, esperando, enquanto o outro subia
ao quarto de Jock. Depois de alguns minutos, o homem

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desceu e foram embora. Se tivessem demorado mais uns
cinco minutos, talvez o senhor os encontrasse.
Horace deixou a mulher falando sozinha, entrando,
correndo, na casa. Já sabia o que encontraria no pequeno
quarto do último andar. Tivera um pressentimento ao ouvir
o comentário inocente da proprietária da casa, e agora tinha
quase certeza de que aquela viagem de Zwijndfecht até ali
fora inútil.
Venceu os degraus de três em três, apoiando-se no
corrimão de madeira polida. Parou diante da pequena porta
fechada, respirando ofegantemente. Bateu levemente, duas
vezes, antes de empurrar a porta. Não esperou por resposta,
talvez porque já soubesse que esta nunca viria.
Não precisou entrar no quarto para certificar-se de que
seu pressentimento estava certo. Deitado na cama baixa, ao
lado da pequena janela, encontrava-se o rapaz. Devia estar
dormindo quando os homens vieram procurá-lo, pois as
roupas da cama estavam revolvidas, e o cobertor jogado
para um lado. Jock vestia uma calça de brim azul, meio
desbotada, e estava descalço. Tinha o peito nu, embora
houvesse uma camisa meio amassada sobre a única cadeira
do quarto.
Os olhos esbugalhados do rapaz estavam encravados no
teto baixo, pintado de branco. Sua boca aberta, deixava
escorrer um filete de sangue pelo canto direto, manchando
o travesseiro. A senhoria não conseguiria lavar aqueles
lenços com facilidade. O sangue, já coagulado, mas que
ainda saía em forma líquida dos três enormes buracos no
peito do jovem, manchara o tecido branco que forrava a
cama.
Jock estava morto. E não fazia muito tempo que fora
para o outro mundo. Mas, isto não fazia muita diferença. O
que importava era que o jovem ajudante de motorista nunca

— 49 —
mais ia dormir em suas viagens. Recebera três tiros, de
grosso calibre, quase à queima-roupa. Ao lado do buraco
sangrento, podia-se ver pequenas manchas negras de
pólvora queimada, que haviam chamuscado seu peito.
Certamente, o assassino não lhe dera tempo nem de
entender o que estava acontecendo, disparando a arma, na
certa com silenciador, tão logo o rapaz abrira a porta.
O impacto da arma havia lançado Jock para trás,
jogando-o de volta a cama, da qual não devia ter saído. Mas,
não adiantava continuar ali, parado, e Horace sabia disso.
Agora, era sumir o quanto antes, para não ser envolvido
naquele crime. Este era o tipo de publicidade que não lhe
interessava.
— Já falou com ele? — perguntou a gorda, parando de
varrer, quando Horace saiu da casa.
— Sim, já conversamos — respondeu 77Z, caminhando
até o carro. — Muito obrigado, minha senhora. Até logo!
— Até logo... — murmurou a mulher, apoiando-se no
cabo da vassoura.
Ficou contemplando a pressa com que o jovem
manobrava aquele carro, arrancando pela pequena rua com
os pneus rangendo pelo mau tratamento a que eram
submetidos. Segundos depois, o BMW sumia no fim da rua,
roncando enquanto seu potente motor era acelerado ao
máximo. A gorda ficou pensando naquelas estranhas visitas
ao seu inquilino. Que diabos essa gente podia querer com
um pobre coitado como Jock? Ainda mais, duas visitas num
só dia...
E tanto os dois primeiros homens, como este outro
deviam ser gente rica. Isto estava na cara. Bastava ver seus
carros.
— Ei... espere um momento... — disse a senhoria, com
um sorriso que lhe iluminava o rosto, mostrando seus dentes

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estragados. — Se o pilantra recebeu visita de gente rica,
deve haver dinheiro no meio desta história.
Largou a vassoura na porta, subindo as escadas
rapidamente. Seu peito arfava pelo esforço de levar tantos
quilos de um andar ao outro, mas mesmo assim, a mulher
não diminuiu a velocidade de seus passos. Aquela era uma
ótima oportunidade de cobrar os atrasados que Jock lhe
devia!
Horace já ia muito longe, a cento e sessenta quilômetros
por hora, quando a senhoria de Jock chegou na água-
furtada. Por isso, não pôde ver o gesto de horror da mulher,
que tapou os olhos com as duas mãos, nem ouvir seu grito
histérico ao dar de cara com o cadáver do inquilino.
Minutes depois, vários vizinhos corriam para a casa
número 13, ouvindo os gritos de pavor da proprietária.
Menos de uma hora depois, a polícia retirava o corpo de um
jovem ajudante de motorista, assassinado com três balaços
à queima-roupa.

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CAPÍTULO QUARTO

O atentado

As instalações do Hotel Prince são, certamente, as


melhores da cidade de Dorbrecht. O prédio antigo, com
seus seis andares em estilo gótico provençal, não deixa o
hóspede imaginar o conforto que há ali dentro. Apesar do
mobiliário da mesma época da construção do prédio, o hotel
tem sua beleza no teto alto, completamente coberto de
ardósias, que abriga dois andares dentro de sua cúpula.
Horace Young Kirkpatrick pegou a chave do quarto
502, entrando no elevador. Aquilo mais parecia uma gaiola
subindo e descendo dentro de uma coluna aberta, e fechada
por grades de metal pintado. Assim, enquanto o hóspede
acompanhava a lenta subida pelos andares, podia apreciar o
movimento dos corredores e mesmo ia escada circular, que
acompanhava o vão central por onde a gaiola subia.
— Quinto! — anunciou o ascensorista, pulando a grade
com violência. — O 502 é o primeiro à direita, senhor!
Horace agradeceu, pegando sua maleta e segurando a
chave na mão direita. Abriu a porta, trancando-a por dentro,
enquanto jogava a maleta sobre a cama. O local era
confortável, a cama macia e exageradamente grande. A
única porta, além da que dava para o corredor, ficava ao
lado do armário. Horace abriu-a, examinando o pequeno e

— 52 —
confortável banheiro. Uma enorme janela, aberta no meio
das pedras do telhado, dava para a rua principal.
O prédio fronteiro ficava afastado, já que a rua era
muito larga e tinha duas pistas separais, cortadas pelas
águas não muito limpas do Rio Mark. Toda a cidade de
Dorbrecht era atravessada por suas águas, e isto dava-lhe
um ar todo especial, com suas inúmeras pontes, algumas
com vários séculos de existência.
Mas, o ar frio do outono não era muito acolhedor, e o
agente preferiu fechar a janela. Poderia apreciar o
movimento das águas do rio pelo vidro, e assim não esfriava
a atmosfera artificialmente aquecida do interior do quarto.
O agente sentia necessidade de parar para pensar
calmamente sobre os últimos acontecimentos. Saíra de
Washington de um momento para o outro, sem nem ao
menos conhecer sua missão. Atravessara o Atlântico e a
Europa, dormindo na cabina do trem e depois dirigindo
automóvel por lugares que não conhecia. Em poucas horas,
ficara ciente de tudo o que acontecia naquele lugar, ouvindo
e refletindo sobre as palavras de Brigitte, sem ter tempo de
realmente se conscientizar do problema.
Em seguida, antes mesmo de hospedar-se no hotel, saíra
à procura de uma informação e encontrara um cadáver ainda
quente. Realmente, as coisas estavam acontecendo muito
rapidamente aos pulos. Era preciso, agora, parar e pensar
sobre tudo o que ouvira e presenciara, deixando sua mente
trabalhar cm paz.
A coincidência da morte de Jock, minutos antes de sua
chegada a Breda, não podia ser uma simples combinação.
Havia algo mais ali. A doutora Van der Bergen dizia que
ninguém estava sabendo de suas suspeitas, mas os fatos
negavam isso. Se a polícia escondera da imprensa o nome
de Jock, como seus assassinos haviam-no descoberto?

— 53 —
Teriam tido informações de que Horace procuraria o
jovem, e por isso se anteciparam? Mas como? Como
poderiam saber de alguma coisa, se o agente conversara a
sós com a diretora do Centro?
Tudo aquilo dava voltas na mente de Horace, que não
conseguia achar nenhuma das respostas que procurava. O
melhor mesmo era tomar um bom banho quente, deixando
que a água levasse o cansaço e a excitação de seu corpo para
o ralo do chuveiro. Depois, fumando um bem cigarro turco,
sozinho na cama do quarto, ele pensaria em tudo aquilo.
Era isso o que tinha a fazer!
Desabotoou a camisa, jogando-a displicentemente
sobre a cama, após desatar a gravata. Tirou os sapatos e
deixou a calça cair sobre o chão atapetado. Em seguida, se
livrou das cuecas e das meias, enquanto caminhava para a
porta do banheiro. As toalhas limpas e passadas estavam ali,
penduradas num cabide e Horace não teve outro trabalho do
que girar a torneira, para que a água fumegante caísse sobre
seu corpo.
Além do chuveiro normal, havia uma comprida
mangueira de plástico, que podia ser esticada e usada para
auxiliar o banho. Horace ligou-a, aumentando com isso, o
ruído da água. Desse modo, não podia ouvir o que se
passava do outro lado da porta, em seu próprio quarto.
Prolongando o prazer que sentia no banho, Horace deixou
os minutos passar, não se preocupando com mais nada que
não fosse descansar.
Logo, quando voltasse ao quarto, teria tempo para
pensar até nos mínimos detalhes daquele complicado e
estranho caso, que parecia deixar em suspenso uma
verdadeira hecatombe sobre a Holanda.
Tranqüilo, envolto pelas águas quentes, o jovem agente
não pôde ouvir o leve ruído de uma chave sendo enfiada na

— 54 —
fechadura. Um homem, com movimentos rápidos e
precisos, abriu a porta do corredor conde havia o número
502 em metal.
Tomou a fechá-la, pisando cuidadosamente sobre o
tapete. Ele também podia ouvir, dali de onde estava, o ruído
da água, molhando o corpo de 77Z. Guardou a chave, sem
rodá-la na fechadura pelo lado de dentro. Enfiou a mão no
bolso, e quando tornou a tirá-la, seus dedos fecharam-se em
torno da coronha de uma pistola. Era uma pequena Bereta
de seis tiros, com cabo prateado. Uma arma feminina, ideal
para ser levada dentro de uma bolsa sem chamar a atenção.
Mas, aquele homem sabia que, feminina ou não, a Bereta
tinha potência suficiente para varar o corpo de uma pessoa,
cem um tiro.
O que não dizer, então, de seis balas disparadas à
queima-roupa?
Tranqüilo, Horace continuava em seu banho.
O agente passeava os olhos pelas paredes ladrilhadas do
banheiro, sem se fixar em nada. Mas, de repente, alguma
coisa chamou-lhe a atenção. Foi um lance rápido, mas o
suficiente para que seus sentidos acostumados a viver em
permanente alerta, dessem o alarma ao cérebro.
A fechadura, com uma lentidão incrível estava se
movendo. O homem sabia que portas não se abrem
sozinhas, principalmente quando é preciso rodar a
fechadura. Sua primeira reação, levado pelo instinto, foi
levar a mão para baixo do ombro, para um coldre
inexistente. Lembrou-se que deixara o coldre com a arma
junto com suas roupas, lá no quarto.
Afastou-se do jato d’água que caía fortemente sobre seu
corpo, deixando o ruído aumentar. Com movimentos
precisos, rodou ao máximo a torneira de água quente, vendo
como a fumaça aumentava de intensidade. Aquela

— 55 —
temperatura devia ser mais do que suficiente para queimar
a pele de alguém, principalmente se o jato atingisse um
local delicado do corpo.
Horace rodou outra torneira, fazendo toda a água que
saía do cano passar pela pequena mangueira que tinha nas
mãos. Apontando o jato para dentro do box, para que o
homem do outro lado da porta não notasse a diferença do
ruído, o agente saiu dali. Andando lentamente, puxando a
mangueira e sentindo o calor aumentar sob o plástico, 77Z
parou ao lado da porta.
Seus dedos agarraram a fechadura que rodava,
enquanto todo o corpo se retesava, preparando os músculos
para entrarem em ação bruscamente. O movimento seguinte
do homem foi decisivo.
Com violência, acabou de rodar a fechadura e puxou a
porta contra si. No mesmo instante, apontou o jato da
mangueira pela abertura. Do outro lado, o homem estava
com a mão esquerda apoiada no trinco, enquanto com a
direita empunhava a Bereta. Sabia o que tinha a fazer.
Bastava acabar de abrir a porta, apontar a arma contra o box
e desfechar três tires, de uma só vez. Depois, já certo de não
encontrar resistência se aproximaria mais, disparando os
outros três tiros contra o corpo do homem. Logo, bastava
trancar a porta, fugindo dali o mais rápido possível.
Mas, seus planos não correram como esperava. A porta
foi aberta sem que ele acabasse de redar o trinco e o homem
sentiu o equilíbrio faltar. A primeira coisa que viu, numa
fração de segundo, foi aquele corpo nu de um homem. Mas
ele não estava parado. Havia algo em sues mãos, que ele só
soube o que era, quando já nada podia fazer.
Horace jogou o jato de água fervendo contra o rosto do
homem. Viu como seus olhos se abrirem, seu resto
contorcia-se numa máscara de dor, e ele abria a beca para

— 56 —
gritar. O berro de dor foi transformado num estranho
gargarejo, já que a água lhe entrou pela garganta, impedindo
a saída de qualquer som.
O agente acabou de abrir a porta, sem deixar de dirigir
a água contra o rosto do homem. Seul pé descalço, num
movimento rápido e violento, deixou o chão para chocar-se
contra o baixo-ventre dele. Desta vez, o pobre coitado
conseguiu gritar. Abaixou a cabeça, deixando que a água
fervente lhe encharcasse os cabelos, enquanto largava a
Bereta e levava as duas mãos ao local ferido. Ele não
saberia dizer qual das dores era a pior, mas de qualquer
jeito, aquilo era demais para um homem.
Perdeu os sentidos, caindo pesadamente sobre a peça
d’água que se formava a seus pés. 77Z, sentindo que o suor
se lhe misturava à água do banho, dirigiu o jato para o box.
Novamente, girou as duas torneiras, esfriando um pouco a
água e deixando que ela caísse normalmente do chuveiro.
Molhou todo o corpo e, quando voltou a mexer na torneira,
foi para desligá-la.
Esticou o braço, pegou a toalha e saiu dali, tendo o
cuidado de não pisar no corpo inconsciente do homem.
Quando recobrou os sentidos, o sujeito não sabia onde
estava. Deitado no tapete, no centro do quarto, a primeira
reação que teve foi levar as mãos ao rosto. Toda a pele lhe
ardia insuportavelmente, e seu corpo parecia inchado.
Tentou mover-se, sentindo uma pontada entre as pernas.
Aquele desgraçado o pegara em cheio, de surpresa...
— Já acordou? — perguntou Horace, sorrindo para o
sujeito. — Acho que agora podemos conversar.
O homem olhou-o. Horace ainda não se vestira. Trazia
a toalha enrolada sobre o corpo. Na mão direita de 77Z
estava uma pistola. Não era a Bereta que recolhera do chão
do banheiro, pois esta arma estava sobre a cama, mas uma

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Luger de nove milímetros, com seu cabo alongado e um
silenciador acoplado ao cano.
Tornou a sentir a pele ardendo e gemeu.
— Como é, amigo? — perguntou o agente, sem se
mover. — Vai falar o que veio fazer aqui, cu eu terei de dar-
lhe outro banho como aquele?
— Não! — gritou ele.
A lembrança da água quente queimando-lhe o corpo,
ainda estava bem fresca em sua memória. E tinha mesmo
de estar, já que continuava sentindo tanta dor como no
primeiro momento.
— Então, vamos lá... Você vai responder algumas
perguntas. Primeiro: porque queria matar-me?
— Eu só estava cumprindo ordens... — respondeu o
homem, num gemido, enquanto seu olhar ia de Horace para
o orifício negro do silenciador da arma.
— E quem deu esta ordem?
— Foi o doutor — disse o homem, trêmulo. — Ele
telefonou e mandou-me até aqui.
— Então, foi você quem matou o pobre Jock, também,
não foi? — indagou Horace, sem saber por que o fazia.
— Não, não...! — protestou ele. — Gunther e Hans é
que foram lá, matar o tal sujeito de Breda. Nós estávamos
lá no moinho, quando o doutor mandou que eu e René
viéssemos...
De repente, ele parou de falar. Agora, seus olhos
demonstravam um medo redobrado. Não olhava mais para
o cano do silenciador ou para Horace. Seus olhos estavam
fixos em algum lugar mais atrás, perto da parede.
Horace agiu instintivamente. Assim que notou a
mudança de expressão de seu prisioneiro, a direção de seu
olhar e, ao mesmo tempo, ao sentir uma leve brisa em sues
costas nuas, o homem pulou. Pulou como um gato,

— 58 —
deixando que a toalha voasse, caindo com o corpo nu no
tapete.
Sentiu uma vibração estranha no ar, enquanto rolava
pelo chão, procurando o abrigo e a proteção da madeira
grossa da cama. Aquele som era seu conhecido,' e o homem
não precisou pensar duas vezes para saber que alguém
entrara no quarto, e no momento, disparava contra ele, com
um silenciador no cano da arma.
Tão logo sentiu-se seguro, Horace olhou para o local
onde estivera seu prisioneiro. O homem mudara de posição.
Seu corpo contorcido estava encostado à porta do banheiro,
como se ele houvesse tentado fugir para lá, depois de
receber o primeiro balaço.
Mas, depois do primeiro vieram outros, e agora seu
cadáver se esvaía em sangue, por três lugares diferentes. Os
olhos esbugalhados, estranhamente virados para o alto,
pareciam tentar enxergar a feia abertura que um tiro fizera
em sua testa.
O agente levantou a mão direita sobre a cama,
disparando contra o outro lado do quarto. Em seguida,
levantou a cabeça e metade do corpo, tornando a apertar o
gatilho. A primeira bala fizera um buraco na parede. A
segunda, disparada sem pontaria, estilhaçou o fecho da
porta, da mesma porta por onde um homem fugia.
Horace apertou o gatilho mais uma vez. O projétil teria
acertado o alvo em cheio, se o sujeito não fosse tão ágil. Ele
não estava mais ali, quando a bala cruzou o vão da porta,
indo chocar-se contra a porta do outro lado, no corredor em
frente, atravessando a madeira com violência e continuando
em seu caminho de destruição.
Levantando-se, Horace dispôs-se a sair em perseguição
do homem, disparando contra ele, quando chegasse na
escada circular. Se fosse preciso, continuaria correndo, até

— 59 —
a rua. Certamente, havia um carro esperando-o na porta do
hotel. Tinha de chegar lá, antes dele.
Lembrou-se da frase do morto, quando estavam a sós
no quarto: nós estávamos lá no moinho, quando o doutor
mandou que viéssemos para cá... O homem que disparara,
e que agora fugia pelas escadas, devia ser o tal de René.
Horace já estava na metade do corredor, quando o ar
frio de uma janela lateral aberta fê-lo lembrar-se de uma
coisa. Estava inteiramente nu! Parou de correr, fazendo a
meia-volta, e retornou ao quarto. Não poderia correr pelo
meio do hotel, ou mesmo na rua, com uma Luger na mão e
sem um pedaço de pano em todo o corpo...
— Droga! — praguejou, entrando no quarto e fechando
a porta com o pé.
O trinco fora despedaçado por um tiro seu, e agora a
porta não trancava mais. Deixou-a encostada, correndo para
a janela. Abriu-a e debruçou-se no parapeito, a tempo de ver
uma camionete Chevrolet arrancando em alta velocidade,
da porta do hotel. Certamente, o tal de René estranhara a
demora de seu colega e fora até o quarto, para ver o que ele
estava fazendo. Chegando lá, viu como o frustrado
assassino delatava seus companheiros, e fez o que tinha de
ser feito: matou-o. Infelizmente, não conseguira matar 77Z,
mas isto ficava para mais tarde. No momento, o importante
era fugir.
Horace fechou a janela, lentamente, quando viu a
camionete sumir por uma rua transversal, depois de ter
cruzado uma ponte sobre o Rio Mark.
Olhou para o quarto. Havia móveis perfurados per
balas, a fechadura da porta estava estilhaçada e, o principal,
um cadáver sanguinolento sujava o tapete de vermelho. Não
havia mais nada a fazer naquele local. A melhor atitude era
sumir dali o quanto antes, evitando problemas com a

— 60 —
gerência do hotel e, consequentemente, com a polícia
holandesa.
Minutos depois, Horace descia as escadas circulares
que rodeavam a pequena e antiquada gaiola do elevador.
Vestira-se com outras roupas e levava a maleta na mão
esquerda. Não deixara absolutamente nada no quarto 502.
A não ser, é claro, uma pistola Bereta, algumas cápsulas
vazias... e um cadáver.
Passou pela recepção de cabeça erguida, como se
acabasse de tomar um banho e estivesse saindo para
resolver algum negócio.

— 61 —
CAPÍTULO QUINTO

Suspeitas...

O BMW corria pela E-10, percorrendo em poucos


minutos a distância que separava o centro de Dorbrecht da
zona suburbana de Zwijndrecht. Mais uma vez, Horace
Young Kirkpatrick foi obrigado a deter o carro diante do
portão fechado, mostrar sua identificação ao olho mágico
do aparelho de TV em circuito fechado, e esperar pela
autorização.
Dirigindo lentamente até o prédio central, o agente
pensava na incrível rapidez dos últimos acontecimentos.
Ainda não fizera doze horas que chegara àquela cidade, e já
tivera oportunidade de inteirar-se das suspeitas da doutora
Van der Bergen, visitar um cadáver numa cidade próxima,
assistir à morte de um homem e escapar, ele próprio, de
morrer, por muito pouco.
Mas, o principal era que cada nova coisa lhe trazia
novas ideias à mente, e agora seu plano de ação já não era
vago e disperso como de manhã, quando saíra do gabinete
da diretora. A morte de Jock fizera aparecer uma suspeita
em sua mente, e os acontecimentos sucessivos
transformaram esta suspeita em certeza. Além disso,
conseguira saber de vários nomes, que apesar de não
significarem nada como simples nomes, poderiam vir a ser
úteis.

— 62 —
Mais importante que tudo isso, tivera absoluta certeza
de que existia alguém dentro do Centro, conivente com os
criminosos. E este alguém tinha de ser uma pessoa bastante
próxima à diretora, próxima o suficiente para interceptar
alguma ligação telefônica, ou mais provável ainda, ouvir
conversas atrás de portas.
— Entre senhor Kirkpatrick — disse a doutora Brigitte
Van der Bergen, fazendo sinal para que o agente saísse da
porta, entrando na sala. — Estou terminando de resolver um
assunto aqui... Sente-se.
Horace sentou-se, olhando a mulher que tomava
algumas notas numa prancheta, enquanto a diretora dava
ordens a um homem jovem, com um guarda-pó branco
sobre a roupa. A conversa já estava no fim, pois Brigitte
levantou-se, dizendo para Horace, em voz alta:
— Senhor Kirkpatrick, quero apresentá-lo a alguns de
meus auxiliares — disse, apontando para os dois. — Este é
o doutor de Moor e esta é a sua assistente, a senhorita
Alvina.
Horace bateu a cabeça cortesmente, enquanto o
cientista murmurava alguma coisa. Quando, pouco depois,
os dois saíram da sala, o agente observou os olhares que a
jovem lançava para o doutor. Pensou que aquele não devia
ser o primeiro caso de uma assistente apaixonada pelo seu
chefe. Sorriu da própria idéia, virando-se para a doutora
Van der Bergen, que acabara de fechar a porta.
— Então — disse a mulher, tornando a sentar-se — já
tem alguma novidade? Francamente, eu não esperava vê-lo
tão cedo...
— Já — respondeu Horace, cruzando as pernas e
acendendo um cigarro Avrupa. — Para falar a verdade, já
tenho quase tudo resolvido. Penso que com mais alguns

— 63 —
detalhes, poderei descobrir e prender os responsáveis pelos
roubos.
A cientista olhava para o rapaz, perguntando-se se ele
não estaria brincando. Esboçou um sorriso, para mostrar
senso de humor caso a jovem ironizasse, mas este morreu
em sua boca, pois o homem continuava encarando-a sério.
Por trás da tênue cortina de fumaça que se levantava de seu
cigarro, Horace falou:
— Doutora Van der Bergen... a senhora tem absoluta
confiança em seus auxiliares?
— Eu? Claro que sim! — hesitou um pouco,
completando: — Pelo menos, nunca tive motivo para não
confiar neles, até hoje. Mas, por que pergunta isso?
— Curiosidade... — respondeu ele, vagamente. —
Tenho algumas novidades para lhe contar. Depois, deixarei
que a senhora mesma tire suas conclusões — tragou
longamente, soltando a fumaça, enquanto falava: — Jock
está morto. Foi assassinado por dois homens, que chegaram
na Rua Uccello num Mercedes negro. Morreu, alguns
minutos antes da minha chegada lá — fez uma pausa, como
se quisesse dar tempo à Brigitte para refletir sobre a
informação.
Tragando novamente, considerou que o tempo era
suficiente e continuou:
— Voltei a Dorbrecht, hospedando-me no Hotel Prince,
como havíamos combinado. Não demorou muito para que
um homem entrasse no quarto, tentando matar-me.
Felizmente, eu o surpreendi, conseguindo dominá-lo.
— Você o pegou? — entusiasmou-se a diretora — Mas,
então, nós só precisamos fazê-lo falar, e...
— Ele já falou tudo o que podia — disse Horace,
calmamente, cortando a frase da mulher. — Está morto,
doutora Van der Bergen.

— 64 —
— Você o matou? — espantou-se a mulher.
— Não. Eu o dominei e consegui saber de alguns fatos
muito interessantes. Infelizmente, no momento em que ele
ia me contar todos os nomes dos seus cúmplices, alguém,
um tal de René, apareceu na porta do quarto e o matou.
Tentou matar-me também, mas como vê, sua sorte não foi
muito boa.
— Ele falou alguma coisa para você?
— Sim — respondeu Horace, aumentando o tom de
voz, propositadamente. — Os nomes Gnther, Hans ou René
significam alguma coisa para a senhora?
— Não... — foi a resposta da diretora, balançando a
cabeça, enquanto murmurava os nomes. — Posso conhecer
alguém chamado Gunther, provavelmente conheço mais de
um. Mas, no momento, este nome não significa nada para
mim.
— Já imaginava — disse o jovem, tranquilo. — Dentro
deste grupo, que como a senhora já deve ter notado, é muito
organizado, há uma pessoa que trabalha aqui, dentro do
Centro de Estudos Atômicos da Holanda.
— Como sabe? Tem certeza? — perguntou a doutora,
alterando um pouco o tom de voz.
— O homem que tentou matar-me contou-me coisas
interessantes — sorriu 77Z. — Entre elas, a de que existe
um cientista trabalhando aqui dentro, que o sujeito só
conhecia por “doutor”, que deve passar as informações ao
grupo.
— Então... — disse a doutora, esticando o braço para
parar a frase do agente, enquanto refletia — foi esse sujeito
que deve ter ouvido nossa conversa de hoje! Foi por isso
que mataram Jock antes de sua chegada a Breda! Por isso
que souberam que estava hospedado no Hotel Prince e
tentaram matá-lo!

— 65 —
— Exatamente o que pensei — disse o agente, sorrindo
da animação da mulher. — Conforme os fatos foram
acontecendo, achei que era coincidência demais para ser
somente isto — olhou fixamente para a doutora Van der
Bergen, antes de dizer: — Alguém escutou a nossa conversa
de hoje de manhã! E, se não estou enganado, esse alguém
estava atrás da porta dos fundos!
Imediatamente, a diretora olhou para a porta
mencionada. Percebeu como a madeira balançava
levemente, e imaginou que havia alguém ali. Levantou-se
de um salto, correndo através da sala. Em sua afobação de
surpreender o espião, nem notou que o agente continuava
sentado tranquilamente, saboreando o final de seu cigarro.
A porta comunicava com a sala de seu assistente para
assuntos de pesquisa, e Brigitte abriu-a com violência.
Estava completamente vazia. Atravessou a sala com alguns
passos, abrindo outra porta. Então, viu que não conseguiria
nada com aquela perseguição.
A última porta dava para um corredor comprido, de
onde saíam mais de trinta outras portas, cada uma levando
a um gabinete de pesquisa, salas de laboratórios e de
reuniões. Se alguém estava escutando sua conversa com
Horace, agora já seria impossível apanhá-lo.
A diretora voltou lentamente para sua própria sala.
Antes de entrar, lembrou-se de algo que a incomodou. A
sala contígua à sua, normalmente, era ocupada por de Moor,
mas Brigitte sentiu-se envergonhada por desconfiar dele.
Afinal, era homem que não chegava a se importar com os
baixos salários pagos pelo governo, pela simples
oportunidade de dar sua contribuição à ciência. Não
obstante, a diretora não conseguia tirar aquela dúvida da
cabeça.

— 66 —
Lembrou-se de que, naquela hora, de Moor devia estar
dando aula a um grupo de alunos estagiários, numa sala
próxima. Não resistiu a tentação de desfazer suas dúvidas e
abriu a porta da sala. Vários rostos viraram-se em sua
direção, inclusive o de de Moor. O homem estava ali, dando
sua aula, junto com um grupo de dez alunos. Enquanto ele
cumpria seu dever, Brigitte desconfiava dele.
A diretora não pôde deixar de se sentir envergonhada
por aquela suspeita infame. Murmurou, antes de voltar a
fechar a porta:
— Desculpe... eu errei de porta...
Com a cabeça baixa, pensando que acabara de perder
uma excelente oportunidade para desmascarar o traidor que
estava ali mesmo no prédio, a doutora Van der Bergen
voltou para a sua sala.
Para surpresa sua, Horace, sentado com as pernas
cruzadas balançando levemente, estava com o mesmo ar
tranquilo de antes. A mulher ficou ainda mais confusa,
quando ele lhe sorriu.
— Não estou entendendo... — disse Brigitte. — Se você
quisesse, podia ter deixado de me dizer tudo isso, e
conseguido pegar o espião em flagrante! Se você sabia que
alguém estava escutando a nossa conversa, atrás da porta,
por que não tentou pegá-lo?
— Porque não quis — respondeu Horace, aumentando
seu sorriso. — Não tenho interesse em pegar pessoas que
escutam atrás da porta.
E, ante o assombro da diretora, completou:
— Tenho outros planos — puxou a poltrona para mais
perto da mesa, sussurrando: — Ouça, o que vou dizer...

— 67 —
CAPÍTULO SEXTO

O plano de Kirkpatrick

A doutora Brigitte Van der Bergen apertava uma caneta


entre os dedos, ouvindo o que o agente lhe dizia. Os olhos
da cientista estavam muito abertos, e a mulher nem piscava.
— Agora, já está mais do que claro que alguém aqui de
dentro ouviu nossa conversa de hoje — disse Horace Young
Kirkpatrick. — Antes, nós ainda podíamos pensar que o
contato dos bandidos podia ser qualquer um dos guardas ou
mesmo os funcionários da limpeza... Agora, não. Para
escutar nossa conversa, nesta sala, é preciso trabalhar aqui
dentro deste prédio, poder circular pelos corredores, sem
levantar suspeitas...
— Você acha que é algum de meus auxiliares? Um dos
cientistas? — perguntou a diretora, assustada.
— E você acha que não?
— Bem... — disse a mulher, confusa.
— De qualquer maneira, não adianta ficarmos
pensando em quem pode ser. Temos de colocar um plano
em ação, para pegar o sujeito em flagrante.
— Certo — disse a mulher, que falava baixo e a todo
momento olhava para os lados.
— O que importa é o seguinte — disse Horace: — Seja
ele quem for, ouviu nossa conversa de agora. E como eu
citei os nomes de René, Hans e Gunther, ele deve imaginar

— 68 —
que o sujeito que tentou me matar no hotel disse muita coisa
que não devia dizer. Assim, aposto que eles tentarão pegar-
me, para saber até onde eu conheço a verdade.
— Mas, para isso você teria de se expor muito...! —
queixou-se Brigitte.
— Eu sei me cuidar — disse Horace, com um sorriso.
— Mas, precisarei de sua colaboração. Infelizmente, no
momento eu não posso chamar algumas pessoas para me
auxiliar. Tenho de contar com você.
— Claro — disse a doutora, sentindo uma excitação
especial por voltar à ação. Lembrava-se dos tempos em que
trabalhara para a CIA.
— Pois bem, — disse o agente. — Vou sair daqui, de
carro, dirigindo para a cidade. Você irá atrás, em outro
carro, seguindo-me a uma certa distância. Tenho certeza de
que eles tentarão pegar-me. Então, você entrará em ação.
Certo?
— Certo — disse a diretora, com os olhos brilhando.
— Tem uma arma?
A mulher levantou-se, caminhando para um grande
arquivo de aço no fundo da sala. Abriu uma gaveta, tirando
algumas pastas e logo um fundo falso. Pegou uma caixa de
madeira envernizada, tomando a fechar a gaveta.
— Aqui está — disse ela, pousando a caixa sobre a
mesa. — Ganhei esta arma de presente, há alguns anos e
nunca a usei.
Brigitte conferia a carga do pente daquela pistola,
evidentemente satisfeita ao sentir o peso da arma na mão.
Era uma Walter PPK, calibre 45, de grande potência.
— Ótimo. Vou sair agora, e você descerá dentro de uns
minutos. Pegaremos a estrada principal, rumo a Dorbrecht.
Pouco depois, Horace passava pela porta de vidro,
aberta pelo guarda de plantão. A noite descia muito cedo

— 69 —
naquela época do ano, e a escuridão já era quase total. As
luzes fluorescentes iluminavam alguns pontos do parque de
estacionamento, presas a pequenos postes esparsos. O
agente caminhou em linha reta, parando ao lado da BMW.
Entrou no carro, enfiou a chave no contato e, antes de girá-
la, retirou a Luger de dentro do coldre sob o ombro.
Rapidamente, retirou o silenciador do cano, verificando
se a carga estava completa. Satisfeito, pegou mais dois
pentes carregados, deixando-os ao lado da arma, sobre o
banco ao lado. Depois, girou a chave, apertando o
acelerador e ouvindo o ronco raivoso do potente motor.
Assim que passou pelo portão principal, Horace
acelerou, entrando no tráfego tranquilo da E-10. Minutos
depois, um Mercedes esporte, com uma mulher na direção,
fez o mesmo percurso. Brigitte Van der Bergen também
deixara sua PPK ao lado do banco, pronta para entrar em
ação inaugurando a arma, na primeira oportunidade.
E a oportunidade não tardou em aparecer. Ainda não
haviam feito a metade do caminho entre Zwijndrecht e
Dorbrecht, quando os acontecimentos se precipitaram. Os
criminosos, fossem eles quem fossem, tinham bons meios
de comunicação. Àquela hora, a conversa ouvida atrás da
porta do gabinete da diretora, já fora passada adiante, pelo
telefone, colocando vários homens era ação.
Brigitte pisava fundo no acelerador, para acompanhar a
marcha do BMW à sua frente. Seus faróis de milha
iluminavam fracamente a traseira achatada do carro esporte,
enquanto a mulher mantinha uma distância constante de
cento e poucos metros, entre seu carro e o de Horace.
De repente, alguém ultrapassou o Mercedes, pelo lado
esquerdo. Brigitte não prestou atenção naquele Mercedes-
Benz azul-escuro, com quatro homens dentro. Esperava que
o carro ultrapassasse o BMW de Horace, tornando a deixá-

— 70 —
los sozinhos na estrada. Mas, tal não aconteceu. O carro
azul entrou no meio dos dois, mantendo uma marcha
constante.
— Diabos... — murmurou a doutora Van der Bergen.
— Este idiota vai ficar exatamente aí no meio?
Acelerou um pouco, para ultrapassá-lo. Mas, neste
momento, uma camionete piscou os faróis a sua esquerda.
A cientista estranhou o fato, já que não vira nenhum carro
atrás do seu, pelo retrovisor. A mulher não sabia que não
poderia ter visto nada, já que aquela camionete viera até ali,
com os faróis apagados. Só acendeu as luzes quando já
estava quase ao lado do seu carro, e isto assustou a cientista.
— Idiota! — praguejou a mulher, voltando para a
direita da pista. — Passe logo, de uma vez por todas!
A mulher pretendia deixar o veículo ultrapassá-la, para
depois acelerar e alcançar o carro de Horace. Mas, quando
os dois carros ficaram lado a lado, Brigitte começou a
desconfiar de alguma coisa. Não chegou a saber o que fez
aquele estalido em sua mente, acusando-a do perigo.
Talvez, fosse a carroceria pintada de vermelho, ou talvez,
ainda, fosse o súbito golpe de direção do outro motorista.
O que importa, é que a mulher nada pôde fazer. Quando
sentiu que a camionete caía para o seu lado, arranhando a
pintura de seu carro, tentou acelerar. Mas já era tarde
demais. Com um brusco golpe de direção, Gunther jogou a
pesada camionete contra o carro da diretora, empurrando-o
para fora da pista.
Tentando manter o impossível controle da direção,
Brigitte pisou no acelerador. Mas, por mais que segurasse o
volante com as duas mãos, sentia como seu carro era jogado
para fora da estrada. Gunther voltou à posição original, para
dar o último golpe. Virou o volante ao mesmo tempo em
que pisava no acelerador.

— 71 —
O choque produziu um barulho surdo, depois rangendo
como metal amassado, e finalmente ouviu-se o chiar dos
freios e das rodas do Mercedes, que era jogado para o lado
com violência. A PPK no banco ao lado mostrou-se
totalmente inútil para Brigitte Van der Bergen. A mulher
não podia tirar as mãos do volante, enquanto via o asfalto
sumir debaixo das rodas e o carro ir para o lado.
Rodopiou uma ou duas vezes, pulando violentamente
sobre o terreno irregular do acostamento. Rangendo os
pneus, fazendo pressão sobre o pedal do freio, Brigitte viu
aquela cerca aproximando-se loucamente da frente do seu
carro.
Ainda tentou manobrar, mas a excessiva velocidade não
lhe permitiu qualquer saída do desastre iminente. Fechou os
olhos, largando o volante e jogando-se sobre o banco, para
encontrar-se em boa posição no momento do choque.
Com estrondo, a frente do carro chocou-se contra uma
das estacas da cerca. Arrebentou-a, cortando-a, cortando o
arame e continuando sua enlouquecida marcha. A lateral
bateu contra outra estaca e o carro capotou.
Brigitte só voltou a posição normal, quando o veículo
parou definitivamente. Sacudiu a cabeça, passando a mão
pelo rosto para certificar-se de que tudo estava bem, e só
então pegou a arma ao seu lado. Olhando-a tristemente,
pensou que aquilo era completamente inútil, agora. A
estrada, ao longe, continuava com seu tráfego normal. O
BMW que tinha de seguir já, devia estar a algumas milhas
de distância.
Ela falhara. Já não era a mesma dos velhos tempos de
serviço, quando nunca se deixaria pegar de surpresa,
bobamente, como agora. Ela falhara.

***

— 72 —
O agente fora de série da CIA olhou pelo retrovisor,
vendo aquela luz alta que ofuscava sua vista. Semicerrou os
olhos, conseguindo perceber a frente clássica do Mercedes
escuro.
Não podia ver o rosto do motorista, com aquela luz lhe
ofuscando os olhos, mas certamente, aquele era o carro de
Brigitte Van der Bergen.
— Por que ela está com a luz alta? — perguntou-se o
jovem olhando o retrovisor. — Será que quer avisar-me de
algo?
Resolveu diminuir a marcha, deixando que o outro
veículo o ultrapassasse. Se fosse a diretora do Centro e se
ela quisesse dar-lhe algum recado, certamente pararia mais
adiante. Com aquele farol nas suas costas, Horace não pôde
ver o estranho acidente que acontecia não muito longe dali.
Depois de algum tempo, o agente viu como um veículo
ultrapassava o Mercedes que o seguia. Era uma camionete
Chevrolet vermelha, com a lateral direita amassada. Mas, o
jovem não pôde ver aqueles detalhes, pois o farol alto
continuava ofuscando-lhe a vista. Só percebeu a marca e o
tipo do veículo, quando este já estava ao seu lado.
Gunther, segurando fortemente o volante, poderia
facilmente repetir a manobra, enviando aquele pequeno
BMW para longe da pista. Mas, não foram essas as ordens
que recebera. Era preciso pegar o jovem que ia ao volante
com vida, e de preferência, ileso. Ele teria de soltar a língua,
quando fosse levado ao moinho...
Horace percebeu como a camionete passava a sua
frente, diminuindo sensivelmente a marcha. O jovem ainda
tentou ultrapassá-la, antes de compreender as intenções do
motorista. O homem não pretendia deixá-lo prosseguir,
pelo contrário, queria que ele parasse o carro.

— 73 —
— Bem, rapaz, você vai ter uma surpresa... — sorriu
Horace, falando sozinho, enquanto empunhava o cabo da
Luger, com a mão direita, sem largar o volante.
Pelo retrovisor, viu como o Mercedes ficara para trás.
Certamente, Brigitte deixara aumentar a distância, para
entrar no momento certo. Não havia mais dúvidas sobre a
intenção do homem da camionete. Certamente, ele
pretendia surpreender Horace. Mas, o jovem achava que
seria ele o surpreendido.
Era impossível ultrapassar o veículo, e achou melhor
obedecer à ordem muda do motorista, encostando o carro
no lado da pista. Engatilhou a Luger e deu uma última
olhada pelo retrovisor, antes de parar completamente.
— Brigitte está esperando que os homens desçam da
camionete, para então aparecer... — disse o jovem para si
mesmo, vendo que o Mercedes estava longe...
As duas portas da cabina da Chevrolet, abriram-se ao
mesmo tempo. Dois homens saltaram e Horace percebeu
que eles traziam alguma coisa nas mãos, embora não
pudesse ver o que era. À medida que os dois se
aproximavam, 77Z percebia a forma alongada do cano das
armas que carregavam. Começou a pensar que, mesmo com
a ajuda da cientista, aquela seria uma parada difícil.
Antes que Gunther e Hans chegassem na altura da
BMW, o Mercedes parou atrás do carro de Horace. O jovem
sorriu, olhando pelo retrovisor e, de repente, o sorriso
murchou em seus lábios.
Aquele não era o carro da doutora Van der Bergen!
O carro que vinha atrás do seu, há vários, minutos, não
era o da diretora do Centro. E somente, agora, Kirkpatrick
percebia o engano. Vendo como dois homens saíam do
Mercedes, cada um levando uma metralhadora portátil sob
o braço, Horace sentiu a inutilidade da Luger que

— 74 —
empunhava. De que adiantaria a potência dos nove
milímetros de suas balas, diante daquele cerco?
Os dois deitaram-se sobre a tampa da mala, encostando
os canos no vidro traseiro do BMW. Hans adiantou-se,
colando seu pesado Colt no vidro do lado esquerdo,
enquanto Gunther, provavelmente considerando
desnecessário apontar a sua arma, parava ao lado de Horace,
sorrindo-lhe:
— Acabou-se o passeio, meu chapa! — disse o homem,
enquanto abria a porta. — Largue o trabuco e encoste a mão
no vidro.
O agente fora de série da CIA pensou rapidamente em
reagir, mudando de idéia com maior rapidez ainda. Não
adiantaria nada tentar escapar daquela armadilha, na qual
entrara de boa vontade. Alguma coisa devia ter acontecido
a Brigitte Van der Bergen, para a mulher ter desaparecido
daquele jeito.
Lentamente, Kirkpatrick largou a Luger sobre o
estofamento escuro do banco, encostando as duas mãos
abertas contra o vidro fronteiro. Sentiu as mãos rijas de
Gunther percorrendo seu corpo à procura de alguma arma
escondida. Finalmente, o bandido deu-se por satisfeito,
pegando a Luger com a mão esquerda, enquanto com a
direita apontava uma arma para Horace.
— Saia do carro e entre, novamente, só que pela porta
de trás! — ordenou ele, afastando-se, para que 77Z pudesse'
sair.
Enquanto esperava que Gunther lhe abrisse a porta
traseira de seu próprio carro. Kirkpatrick viu o homem que
lhe apontava uma metralhadora, encostado à mala do
BMW. Reconheceu aquele rosto, que vira somente uma
vez, no quarto do hotel, e lembrou-se do nome que o homem
que o tentara matar dissera: René.

— 75 —
Tudo correra exatamente como o jovem imaginara.
Quem escutara a conversa entre ele e Brigitte, passara
rapidamente adiante a informação. Como pensara, os
homens tentaram sequestrá-lo e possivelmente para
saberem até onde ele conhecia seus planos. Não podiam ter
idéia de quanto o homem falara, e era importante certificar-
se disso.
Tudo correra como Horace pensara. Só um pequeno
detalhe escapara de seu controle: o desaparecimento de
Brigitte. E exatamente este detalhe, colocava tudo a perder.
Se a mulher não aparecesse agora, ou ao menos não
seguisse aqueles carros até o esconderijo do grupo, tudo
estaria perdido.
— Entre! — ordenou Gunther, empurrando-o,
bruscamente.
Horace abaixou a cabeça para entrar no banco traseiro
do carro, e sentiu as forças lhe faltarem. Gunther
aproveitara-se da posição do jovem para desferir-lhe um
violento golpe com a coronha de sua arma. Sentindo o chão
desaparecer sob seus pés, enquanto o banco do carro parecia
crescer em direção ao seu rosto, Horace Kirkpatrick perdeu
os sentidos. Caiu desmaiado, meio fora, meio dentro do
veículo, perdendo completamente a noção das coisas.
— Rápido! — exclamou Gunther. — Hans, ajude-me a
jogá-lo para dentro!
Os dois homens, deixando suas armas no chão,
empurraram o corpo mole de Horace para dentro do carro.
Depois, trancaram a porta e Hans sentou-se diante da
direção.
— René — disse Gunther, antes de voltar para a
camionete. — Vá com ele. Talvez esse cara acorde no meio
do caminho, e não queremos que ele nos dê trabalho até
chegarmos ao moinho.

— 76 —
René, segurando sua metralhadora, ocupou o lugar ao
lado de Hans. Minutos depois, a camionete vermelha
arrancava, acelerando a velocidade ao encontrar-se sobre a
pista de asfalto. Logo atrás, seguindo na mesma velocidade,
ia o BMW branco. Fechando o cortejo, um Mercedes, agora
com três homens em seu interior, acompanhava a marcha.
Não demorariam mais do que duas horas para
alcançarem Dussen, onde o chefe os esperava. Então,
aquele sujeito seria obrigado a falar tudo o que soubesse.

— 77 —
CAPÍTULO SÉTIMO

No moinho...

A primeira coisa que viu, quando seus olhos piscaram,


foi uma luz forte acima de sua cabeça. Tornou a fechá-los,
sentindo uma dor aguda na cabeça. Horace Yong
Kirkpatrick estava voltando lentamente a si, sentindo a
cabeça latejar de dor, por causa da coronhada que levara e
o corpo todo moído, como se tivesse levado uma surra.
Não fora isto o que acontecera, mas depois de viajar por
duas horas, jogado no piso do carro, os resultados não eram
muito diferentes. Tentou levar a mão à cabeça, para ampará-
la, tentando diminuir a dor, mas não conseguiu. Percebeu,
então, que estava com as mãos amarradas. Quando tentou
fazer o mesmo com os pés, viu que também eles estavam
atados a uma mesa, amarrados com cordas grossas e
apertadas.
Horace estava deitado no tampo de uma mesa de
madeira, com os braços esticados e as pernas abertas,
completamente imobilizado. O único movimento que
conseguia fazer, era o de levantar um pouco a cabeça,
elevando-a uns quinze centímetros. Mais não podia, pois,
as cordas que apertavam seus pulsos puxavam-nos para
baixo.
Um metro acima de seus olhos, havia uma lâmpada
forte, com um quebra-luz metálico que refletia toda a

— 78 —
claridade diretamente contra seus olhos. Não conseguia ver
absolutamente nada além daquele brilho ofuscante, que
aumentava ainda mais sua dor de cabeça.
Gemeu baixinho, sacudindo os cabelos.
— Ei, Gunther! — disse alguém, no lado direito do
quarto onde estava o prisioneiro. — Acho que o sujeito está
acordando. Chame o chefe!
Ouviu o barulho de passos e de uma porta sendo aberta.
O silêncio voltou a dominar o ambiente, até que a porta foi
novamente aberta. Horace não soube quantas pessoas
teriam entrado no local, mas tinha certeza de que foram
mais de duas. Por mais que tentasse virar a cabeça, o
máximo que conseguia ver eram as formas brancas da
parede lateral, meio embaçadas pelo brilho excessivo da
luz. Se quisesse enxergar algo ali, era preciso manter o rosto
de lado, durante alguns minutos.
— Então, finalmente acordou, hem, senhor
Kirkpatrick?
Horace tentou enxergar o homem que lhe dirigia a
palavra, mas como ele estava na direção dos seus pés
atados, nada conseguia ver.
— Como sabe meu nome? — perguntou Horace,
sentindo a própria voz soar-lhe estranha. Tinha a boca seca,
com um gosto horrível de ressaca. Parecia que acordava na
manhã seguinte a uma bebedeira.
— Ora, isto é fácil... — sorriu o sujeito, que tinha uma
voz tranquila, quase amável. — Mas, não foi para conversar
sobre isto que o trouxemos para cá. Queremos algumas
informações.
Horace permaneceu quieto. Continuava olhando para o
lado, e já conseguira ver o rosto de René e do homem
chamado Gunther, que o tirara do carro na estrada. Do outro

— 79 —
lado, havia mais algumas pessoas, mas elas, como o que lhe
falava agora, eram invisíveis para o jovem deitado.
— Em primeiro lugar, senhor Kirkpatrick, quem é você,
e o que está fazendo aqui? O que pretende com essas
investigações?
Horace pensou rapidamente. Apesar da dor de cabeça,
era preciso imaginar boas respostas, para enganar aqueles
homens, ao mesmo tempo em que evitava irritá-los. Sabia
que eles não hesitariam em recorrer a recursos mais
violentos, caso achassem que ele não estava colaborando
nas respostas.
— Eu sou funcionário do Centro de Estudos Atômicos
da Holanda — respondeu ele. — A diretora me pediu para
investigar alguns fatos estranhos que estavam ocorrendo,
e...
— Como, por exemplo, o roubo de alguns quilos de
óxido de plutônio do depósito? — perguntou a mesma voz
amável.
— Sim — respondeu Horace. — Eu trabalho com a
doutora Van der Bergen há algum tempo, e sou encarregado
da segurança do Centro.
O homem olhou para alguém ao seu lado, que Horace
não conseguia enxergar. A pessoa deve ter negado com a
cabeça ou feito algum sinal para ele, pois virou-se para
Horace, perdendo a amabilidade da voz:
— Isso é mentira, senhor Kirkpatrick — disse ele, com
voz ríspida. — Você nunca trabalhou no Centro, e só
apareceu lá hoje de manhã, pela primeira vez. Acho melhor
dizer-nos a verdade!
Horace suspirou, pensando no que fazer. Não adiantava
dizer que era um agente da CIA, pois aqueles homens
pensariam que era outra mentira. Rapidamente, disse:

— 80 —
— Está bem... eu confesso — disse ele, começando a
perceber as formas do rosto do homem, apesar da
intensidade da luz que continuava incidindo sobre seus
olhos. — Sou da polícia!
Automaticamente, René e Gunther, que estavam dentro
do campo de visão do agente, olharam para o que parecia
ser o chefe. Estavam assustados.
— Da polícia, hem...? — disse o chefe, ficando alguns
segundos em silêncio. — E como entrou nesta história?
Como ligou o assalto ao caminhão de explosivos com os
fatos ocorridos no Centro?
— A doutora Van der Bergen foi quem descobriu isso
— disse Horace. — Ela começou a desconfiar, e chamou a
polícia. Foi por isso que fui até lá, de manhã. — Pensou em
assustar aqueles homens, tentando colocá-los nervosos. —
A doutora Van der Bergen sabe de tudo o que está
acontecendo e inclusive deve ter me seguido esta noite,
quando fui sequestrado por vocês. A esta hora, a polícia já
deve estar vindo para cá.
Horace estranhou, ao ver que não aparecia expressões
de espanto ou medo no rosto de Gunther ou de René. Pelo
contrário, os dois sorriam. Ouviu a gargalhada do chefe,
antes que ele dissesse:
— Nós sabemos que a doutora tentou segui-lo, hoje à
noite, senhor Kirkpatrick. Acontece que ela não conseguiu
cumprir sua parte no plano. Neste momento, o carro dela
está todo arrebentado, na margem da estrada. Houve um
pequeno acidente...
Então foi isso... — pensou Horace, entendendo o
desaparecimento da mulher e seu carro, na estrada. Ele
subestimara a força daquele grupo. Eles não só haviam
ouvido a conversa que tivera com Brigitte, como haviam

— 81 —
continuado escutando, mesmo quando os dois conversavam
em voz baixa, sobre a mesa.
Ninguém escutara coisa alguma atrás da porta. Horace
devia ter imaginado isso logo de início. Certamente, o que
havia era um microfone oculto no interior da sala, ligando-
o através de um fio à outra sala qualquer.
— E o que vão fazer comigo? — perguntou Horace, já
prevendo a resposta.
— Nós? — respondeu o sorridente chefe do grupo. —
Nós vamos matá-lo, senhor Kirkpatrick. Não gostamos de
pessoas curiosas no nosso negócio.
— Já suspeitava disso... — suspirou Horace, com ar de
resignação.
— O que não pode ter imaginado ainda é a maneira
como morrerá — continuou o homem. — Isto você nunca
poderia ter imaginado... eu garanto!
Caminhou em direção à porta, acompanhado por mais
alguém que Horace não conseguira ver. Antes de atravessá-
la, virou-se para o centro da sala, dizendo:
— Gunther, René... Tirem nosso amigo daí, e
preparem-no para entrar na camionete. Acho que o doutor
já está terminando o trabalho.
A porta foi fechada e Horace viu como dois homens
aproximavam-se da mesa. Cada um deles desfez os nós que
prendiam seus pulsos, deixando-os livres. Num gesto
automático, o agente recolheu as mãos trazendo-as para
junto do rosto. Apertou os pulsos dormentes, forçando a
circulação a normalizar-se na região das mãos.
— Levante-se! — ordenou Gunther.
O homem o empurrou e Horace sentou-se sobre a mesa.
Pela primeira vez, desde que recobrara a consciência,
Horace pôde abrir completamente os olhos, sem sentir-se
ferido pela intensidade da lâmpada. Viu como Gunther

— 82 —
começava a desamarrar seus pés, e pensou que talvez agora
tivesse uma possibilidade de reagir, mesmo que fosse só
para lutar contra os dois homens, tentando escapar dali.
Mas, logo percebeu que aquela oportunidade não
apareceria. Antes que Gunther afrouxasse as cordas de seus
pés, René unia-lhe os pulsos, tornando a prendê-los com a
mesma corda.
O agente foi tirado da mesa e, no chão, Gunther uniu
suas pernas. Estava novamente amarrado, só que não estava
preso à mesa.
Isto não era vantagem, pois não conseguiria fugir dali
pulando com os pés juntos e as mãos atadas às costas.
— Vamos! — ordenou Gunther. — Temos de
acomodá-lo na camionete...
O que eles pretendiam? Horace se perguntava para onde
o levariam, se pretendiam pô-lo num carro era para levá-lo
dali. Talvez, no caminho, houvesse uma possibilidade de
fuga...
Não podia imaginar o quanto estava enganado.
Pulando, com os pés unidos, o agente fora de série da
CIA atravessou a porta. Na sala, três pessoas conversavam.
Um era Hans, que Horace reconheceu imediatamente. O
outro era o chefe, que ele viu claramente pela primeira vez.
Era um homem baixo, e meio gordo, elegantemente vestido,
segurando um grosso charuto entre os dedos da mão direita.
A terceira, Kirkpatrick tardou alguns minutos em
reconhecer.
Era uma jovem, bonita, que agente vira em algum lugar.
De repente, como se desse um estalido em sua cabeça,
Horace lembrou-se das apresentações que Brigite fizera
naquela mesma tarde, em seu gabinete.
...este é o doutor de Moor e esta é a sua assistente, a
senhorita Alvina...

— 83 —
As coisas começavam a ficar claras. Agora, Horace já
sabia quem passava as informações do que ocorria dentro
dos prédios do Centro. Infelizmente, parecia ser tarde
demais para poder utilizar essa descoberta. Agora, de nada
adiantaria saber que a assistente do auxiliar de Brigitte Van
der Bergen era a informante dos criminosos. Horace
morreria dentro em pouco e levaria esta descoberta consigo,
para debaixo da terra...
Ainda era noite, quando os dois homens tiraram o
jovem de dentro da casa. Atravessaram um terreno
gramado, dirigindo-se ao velho moinho, com suas pás
paradas, que se erguia ao lado da casa. Horace pôde ver o
BMW que Janice Talson pusera à sua disposição, enquanto
estivesse envolvido naquele caso. O carro estava oculto
atrás de umas árvores, perto da camionete vermelha e do
imponente Mercedes que Horace confundira com o carro de
Brigitte.
— Ei, doutor, trouxemos um passageiro para a
camionete — disse Gunther, quando os três pararam ao lado
do veículo.
Horace abriu muito os olhos, ao ver de Moor sair do
compartimento de carga da camionete. Estava com as mãos
sujas e segurava algumas ferramentas.
Aquela outra descoberta de nada valeria a Kirkpatrick.
Saber que de Moor era o “doutor” mencionado pelos
bandidos, só servia para saciar a curiosidade do agente.
O cientista saiu da camionete, deixando que Gunther e
René acomodassem o jovem lá dentro. Horace, com as
mãos e pé atados, foi empurrado para o fundo do
compartimento, enquanto os homens tomavam cuidado
para que seu corpo não esbarrasse nos complicados
aparelhos armados ali.

— 84 —
Gunther apanhou um par de algemas, ligando um pé do
jovem a um gancho da carroceria. Fez o mesmo com uma
das mãos, antes de deixá-lo só. Agora, além de imobilizado,
Horace estava preso àquele veículo. Não entendia ainda
como os homens pretendiam matá-lo, mas aquele aparelho
armado ao seu lado, começava a formar um estranho e
horrível pressentimento em sua mente.
Teve certeza do que lhe aguardava, alguns minutos
depois, quando o cientista tornou a entrar na carroceria da
Chevrolet.
— Vai demorar muito? — perguntou Gunther.
— Não — respondeu de Moor. — Já estou terminando
com isso. Só falta ligar alguns fios para o sistema de disparo
à distância.
— O chefe quer que tudo esteja pronto antes do
amanhecer.
O cientista consultou seu relógio, dizendo:
— São cinco e meia, ainda faltam duas horas para o
amanhecer. Estará tudo pronto!
Gunther e René voltaram para a casa, deixando os dois
sozinhos. Horace, completamente atado, não oferecia
perigo algum ao homem, que parecia absorvido pelo
trabalho que terminava.
O agente já fazia uma idéia da morte que o esperava, e
resolveu arriscar, fingindo saber mais do que na verdade
sabia.
— Bela morte vocês prepararam para mim... — disse
Horace, olhando para o cientista. — Isso aí é que explodirá?
O homem franziu a testa, imaginando como o homem
poderia saber daquilo. Depois, imaginou que naturalmente
o próprio chefe teria-lhe contado tudo, tranquilizou-se.
Afinal, ele morreria de qualquer jeito, e não havia porque
ficar com medo.

— 85 —
— Sim — disse o cientista, enrolando o fio de uma
bobina. — Mas, você não precisa se preocupar. Morrerá
instantaneamente sem sentir praticamente nada.
— Imagino... — disse Horace, paciente. — Esta bomba
é muito potente? A explosão será de quantos megatons?
Meio?
— O que é isso? — sorriu o homem, balançando a
cabeça. — Claro que não. Esta quantidade seria suficiente
para destruir boa parte do país...
— E não é isso o que vocês pretendem?
— Claro que não — cortou ele, aborrecido.
— Não sou nenhum assassino, como você parece estar
pensando. Nem sou um cientista alucinado, com ódio de
toda a humanidade!
— Ah, não? — sorriu Horace, tentando arrancar
maiores informações do homem. — Então, para que está
fazendo isso?
— Dinheiro — foi a resposta curta que ouviu.
— Quero dinheiro e esta é uma maneira de ganhá-lo. Já
estou farto de trabalhar a vida inteira em troca de salários
miseráveis! Desta vez, vou ganhar tanto dinheiro que não
precisarei trabalhar nunca mais. Eu e Alvina fugiremos para
algum lugar tranquilo.
— E quantas pessoas morrerão para que você ganhe
esse dinheiro? — perguntou Horace, ferinamente irônico.
— Ninguém morrerá! — cortou ele, irritado.
— Se tudo correr bem, ninguém sofrerá nada, e nós
ficaremos ricos.
Horace sentiu-se confuso. Agora é que não entendia
absolutamente nada. Pensara que aquele grupo planejava
destruir uma grande parte do país, para conseguir lucro com
isso. Não conseguira imaginar, e Brigitte também não
encontrava nenhuma explicação lógica, o modo como eles

— 86 —
lucrariam com a explosão de uma represa, ou coisa assim.
Agora, quando de Moor dizia que ninguém sofreria nada, a
situação parecia ainda mais confusa para Kirkpatrick.
— Não estou entendendo... vocês explodirão uma
espécie de bomba atômica e ninguém sofrerá nada? — disse
Horace. — Como é possível isso?
— Isto aqui é uma espécie de amostra — respondeu o
cientista, apontando o artefato que terminava de construir,
evidentemente orgulhoso de seu trabalho. — Usei uma
quantidade mínima de óxido de plutônio, com um pouco de
explosivo químico. Quando explodir, próximo à represa de
Zuiderzee, não terá potência suficiente nem para destruir a
barragem da represa. Fará um bom estrago e nada mais.
— E o que vocês ganharão com isso? Só conseguirão
atemorizar a população, e...
— Exatamente aí é que nós ficaremos ricos — cortou
de Moor. — Qualquer perícia sobre a explosão, mostrará
que foram usados elementos atômicos. Então, a polícia
seguirá a mesma linha de raciocínio seguida por Brigitte e
ligará o roubo de óxido de plutônio ao caminhão de
explosivos. Ficará sabendo, como a diretora do Centro já
sabe há algum tempo, que nós temos em nosso poder mais
quilos de óxido, bem como grande quantidade de
explosivos.
— Em suma, saberá que vocês podem provocar uma
explosão várias vezes mais poderosas — interrompeu
Horace.
— Exatamente — concordou o cientista, voltando a
trabalhar em sua bomba. — Não será necessário mais do
que algumas ameaças, feitas anonimamente, para que todo
o país fique alarmado com a possibilidade de uma
catástrofe. Sabendo do que pode acontecer em toda a região

— 87 —
próxima à represa, a população evacuará as cidades,
abandonará suas casas, enfim, se deixará levar pelo pânico.
— E então, vocês... — disse Horace, começando a
imaginar vagamente o que poderia haver por trás de tudo
aquilo.
— Esta parte já não é comigo — disse o cientista. —
Estou encarregado de todo o trabalho até aqui, ou seja, até
a explosão. Depois, o problema é de François e seus homens
— disse, evidentemente, referindo-se ao chefe. — Ele já
tem um plano bem feito, para aproveitar a fuga da
população. Há grupos treinados, espalhados pelas cidades
que seriam atingidas pelas inundações, e cuja população
ficará apavorada, assim que for noticiada toda a história.
Não estou bem a par desta parte do plano, mas ouvir dizer
que existem mais de cem bancos na região.
Horace deixou a cabeça tombar sobre o piso do veículo.
O cientista voltara a dar os últimos toques em seu trabalho,
provavelmente pensando no que poderia fazer com sua
parte do dinheiro arrecadado. O agente sentia sua cabeça
ferver de pensamentos. Não havia dúvidas de que, se fosse
bem executada, aquela operação se converteria
possivelmente no maior roubo da História.
Claro que de Moor estava enganado, ou mentindo,
quando dizia que ninguém sofreria nada com aquilo.
Horace sabia muito bem o que representava uma população
apavorada, sob a ameaça de uma catástrofe. A evacuação
seria feita desordenadamente, e não poderia deixar de haver
muitos mortos e feridos.
E ele, a única pessoa no mundo, a saber do que estava
para acontecer, além dos planejadores do golpe, é claro,
estava ali, amarrado ao piso de uma camionete, que
explodiria em breve, completamente impotente. Forçou os
braços, tentando provar a resistência das cordas. Logo

— 88 —
desistiu do esforço, que seria inútil. Além de amarrado,
ainda estava algemado ao veículo.
Não, não havia salvação possível. Dentro de poucas
horas, a carreira de Horace Young Kirkpatrick terminaria
tragicamente, quando toda a camionete, e possivelmente
tudo que estivesse ao seu redor, explodisse.
— Terminei — disse de Moor, satisfeito. Deu um
último olhar para a bomba, que construíra, virando-se para
Horace antes de sair. — Sinto muito, senhor Kirkpatrick.
Mas. foi o senhor mesmo quem escolheu este fim... Não
devia ter se metido nesta história...
O cientista saiu do compartimento de carga tornando a
trancar a porta.
Sim, Horace sabia que nunca devia ter se metido
naquele caso. Mas, agora não adiantava mais se lamentar.
Estava condenado e pronto. Não havia mais nada a fazer.
Lá fora, o dia começava a amanhecer. Horace soube
disso pela tênue luminosidade que entrava pelas frestas do
lugar onde estava preso, enquanto ouvia os passos do lado
de fora. Na certa, os homens preparavam-se para levar o
veículo para perto da grande represa do Zuiderzee, onde
terminaria a carreira e a vida do agente 77Z da CIA, tendo
início uma época de terror para a Holanda.
O agente, tenso, com o suor a escorrer-lhe pelo rosto,
ouviu como batiam a porta da camionete. Logo, ligariam o
motor, e teria início sua viagem para a morte.
Mas, antes que o arranque fizesse o ruído característico,
Horace ouviu um som diferente. Era uma voz metálica, em
volume alto, mas que ele não conseguia decifrar. A porta
fechada da Chevrolet tomava incompreensível aqueles
sons. Mas, o agente percebeu que algo muito estranho
acontecia à sua volta, já que ouviu ruídos de passos

— 89 —
apressados, portas abrindo e fechando, além de algumas
ordens gritadas por François, o chefe do grupo.
Bruscamente, uma metralhadora soou não muito longe
dali. No mesmo momento, foram disparadas outras rajadas,
vindas de vários pontos diferentes. Era muito estranho, mas
aquilo parecia ser o anúncio de um cerco.
Os tiros continuaram com maior intensidade, sendo
respondidos por pessoas do interior da casa e do moinho.
Horace não sabia o que estava acontecendo, só conseguia
decifrar a origem dos disparos.
Tão repentinamente como tinham iniciado, os tiros
cessaram. O agente ouviu ruídos de carros entrando nos
terrenos do velho moinho, misturando o ronco dos motores
com freadas bruscas e ordens.
A luz cegou-o momentaneamente, quando a porta foi
aberta. Horace semicerrou os olhos, tentando acostumar-se
à claridade súbita, para poder enxergar a pessoa parada na
sua frente.
A primeira coisa que viu foi a cabeleira ruiva. Depois,
os traços familiares da mulher. Finalmente, agora com os
olhos inteiramente acostumados à luz, reconheceu o rosto
sorridente de Janice Talson.
— Janice! — gritou Horace, com uma voz que ele
próprio estranhou.
— Calma, Horace — disse a mulher, começando a
desamarrar as cordas que atavam seus pés. — Parece que
chegamos bem a tempo. — Olhou para a bomba armada por
de Moor e perguntou: — Que diabo de máquina é esta aqui?
— Isto é uma história muito longa — respondeu o
agente 77Z, sorrindo. — Depois, eu lhe contarei tudo.

— 90 —
CAPÍTULO OITAVO

Uma noite com Janice

Horace Young Kirkpatrick e Janice Talson entraram no


apartamento da moça.
— Bem, Janice — disse Horace, encarando a colega. —
Quero lhe agradecer, mais uma vez, por ter chegado a
tempo. Eu já estava resignado a morrer. Pensei que fosse
explodir junto com a camionete.
— Não íamos deixar que isso acontecesse — sorriu
Janice. — Nós estávamos preocupados com você, há muitas
horas antes. Quando não enviou nenhuma mensagem pelo
rádio, como tínhamos combinado, percebi que estava em
perigo. Ainda esperei um pouco, para o caso de você ter
esquecido de entrar em contato conosco. Sabe como é... não
queria aparecer, antes de ter certeza de que alguma coisa
séria acontecera. Podia até estragar seus planos.
— Eu sei, mas o que importa é que chegaram a tempo.
— Nós estávamos esperando por sua mensagem, no
escritório. Quando ouvi pelo rádio que a doutora Van der
Bergen, diretora do Centro de Estudos Atômicos da
Holanda, tinha sido acidentada numa estrada perto de
Utrecht, percebi que aquilo não podia ser coincidência.
Aluguei um jato, reuni alguns agentes nossos e voei
imediatamente para lá.
— E eu que pensei que Brigitte tivesse morrido ...

— 91 —
— Aqueles bandidos também pensaram assim — sorriu
Janice. — Mas, não. Quando chegamos ao hospital, ainda
consegui conversar com ela. Está ferida, mas não é nada
grave. Bastou eu contar-lhe quem era, falando em você e
em mister Lattuada, para que a diretora me contasse tudo o
que acontecera. Daí em diante você pode imaginar o que
fiz. Localizei o BMW pelo sintonizador de rádio e chamei
a polícia. Chegamos lá, no momento exato em que eles
pretendiam sair para explodir a represa... com você junto.
Horace estava em silêncio, pensativo.
— Tudo foi resolvido, porque você não mandou a
mensagem no horário combinado — disse Janice, fazendo
Horace sorrir. A agente estranhou o sorriso de 77Z,
perguntando: — Está rindo do quê? Por acaso, não acha que
foi a falta de contato pelo rádio que possibilitou a chegada
da polícia naquele velho moinho, no momento exato?
— Claro que acho — disse Horace, rindo.
— Acontece, que eu não deixei de ligar o rádio isqueiro
que você me deu, porque já imaginava que seria preso,
não...
— Não? — espantou-se Janice. — Então, porque o fez?
— Simplesmente, e isto você acredita se quiser,
esqueci-me do que havíamos combinado. Foi por isso que
não entrei em contato com você.
— Não é possível... — balbuciou Janice, espantada, sob
o sorriso divertido de Horace.
Ficaram em silêncio, por alguns segundos. Depois,
Janice foi se aproximando devagar de Horace, abraçou-o e
deu-lhe um beijo na boca.
— Ah, Horace... por favor... ame-me... — disse a
mulher, quando se separaram. — Tem que fazer amor
comigo!
— Mas...

— 92 —
— Sim, pode censurar-me por estar pensando em sexo,
depois de tudo o que você passou... mas eu o amo...
Seus olhos delatavam súplica e havia uma palpitação
desesperada em seus seios e nas coxas retesadas. Horace
suspirou e tirou a gravata.
Janice tirou o casaco que usava. Usava um microvestido
cuja barra saltitava ao redor das bochechas de suas nádegas
estarrecedoras. A parte de cima do vestido se constituía
praticamente de uma gravata borboleta ou quase. E como
ela não usava sutiã nem nada parecido, Horace tinha uma
visão panorâmica de seus dotes naturais.
Seus seios eram redondos, firmes, empinados. Não via
os bicos, pois eram cobertos pelo tecido do vestido.
Perguntava-se a si mesmo, como uma mulher como aquela
podia andar pelas ruas de Amsterdam em semelhantes
trajes, sem ser presa por atentado ao pudor.
Mas não perdeu muito tempo pensando nisso. Havia
coisas mais interessantes com que ocupar o pensamento.
Como o panorama ao sul da fronteira.
Que panorama!
Janice usava calcinha, mas ela era tão sumária e tão
transparente que, como calcinha, deixava muito a desejar.
Das pernas, nada era escamoteado à vista do espectador. Ele
via tudo. E que pernas! Um par de coxas que eram uma
verdadeira tentação.
O rosto dela estava bem perto do dele. Horace sentiu
uma onda quente percorrer seu corpo.
Teve vontade de abraçá-la imediatamente, apertá-la,
esmagá-la em seus braços.
Por um momento, ambos permaneceram imóveis. Não
disseram nada, mas seus olhares se comunicavam.
Janice segurou-o pelo braço e puxou-o para o quarto.
Horace seguiu-a. Ela acendeu uma luz. Soltou um colchete

— 93 —
em alguma parte do vestido e suspendeu os braços,
deixando que ele caísse. O olhar de 77Z vidrou-se, fixo no
corpo da mulher. A calcinha transparente era o mesmo que
nada.
Kirkpatrick tirou o seu paletó atabalhoadamente. Ela
sorria, diante de sua afobação e meneou as cadeiras de
forma provocante. O efeito de seus movimentos era
enlouquecedor.
Enquanto Horace lutava com sua roupa, que de repente
parecia afogá-lo, ela continuava meneando-se
sinuosamente, como uma serpente a enfeitiçar o
encantador...
Ele tirou a camisa, tirou os sapatos e desafivelou o
cinto. Ela veio em sua direção, bamboleando selvagemente.
Segurando o cós da calcinha com os polegares, ela
começou a tirá-la devagarinho, fazendo strip-tease. A
minúscula peça de roupa deslizou suavemente por sua pele
acetinada, num fascínio irresistível, contornando a incrível
curva dos quadris e acompanhando as coxas.
77Z livrou-se das calças.
A calcinha dela estava em volta dos tornozelos. Ela deu
um passo para o lado e ficou na frente de Kirkpatrick,
sorrindo. Um gemido sexy escapuliu de sua garganta. Ele
arrancou as cuecas. O seu corpo estava trêmulo de desejo
incontrolável.
— Bem, Horace — sussurrou ela. — Que acha de mim?
— Venha cá — disse ele, movendo-se para a cama. —
Vou mostrar-lhe.
O sorriso dela alargou-se e ele caminhou pelo quarto;
mas não para a cama, mas para um canto escuro. Horace a
seguiu. Ela encostou-se na parede, detendo-se. Horace
começou a mordiscar-lhe um dos seios. Enrijeceram de
prazer.

— 94 —
— Oh, Horace — suspirou ela. — Você é maravilhoso.
Não pare, não pare...
Continuou beijando os seios dela.
— Estou adorando, Horace.
— E você ainda não viu nada, garota.
Por fim, a moça se dirigiu para a cama. Horace
contemplou seu corpo jovem e exuberante, uma vez mais.
Seus seios terminavam em graciosos biquinhos castanhos.
O ventre largo e sedoso culminava num núcleo de rala
penugem ruiva e as coxas grossas completavam o cenário
com uma imponência estonteante.
Quando ele se deitou ao seu lado, ela o abraçou e o
beijou avidamente, desencadeando a explosão já anunciada
entre eles. A boca do agente experimentou a pele acetinada
e quente do corpo de Janice, em longa e detalhada
peregrinação. Ele sentiu-a estremecer e gemer a cada
carícia mais ousada.
Depois, notando que a capacidade de resistência deles
se aproximava do final, Horace ergueu-se e cobriu-a com
seu corpo.

— 95 —
EPÍLOGO

Horace e Janice se amaram por quatro horas seguidas,


adormecendo depois.
Eram quase duas horas da tarde, quando 77Z despertou.
Seus olhos se voltaram para o lado da mulher. Ela estava
acordada, olhando para ele.
— Foi maravilhoso, Horace — disse ela. — Gostaria
que nunca terminasse.
Ele a beijou.
Nesse instante, a campainha soou, interrompendo o
beijo dos dois.
— Quem será? — perguntou Horace.
— Não sei — respondeu Janice, dando de ombros. —
Não estou esperando ninguém.
Novo toque de campainha.
— Deixe que vou ver quem é — disse a jovem,
levantando-se, e colocando um roupão, que estava sobre
uma cadeira, para cobrir-lhe a nudez.
Janice saiu do quarto e se dirigiu para a sala. Voltou
alguns segundos depois. Trazia na mão um telegrama.
— Era o correio. Tem telegrama para você. É de
Washington. Deve ser de mister Lattuada.
Horace apanhou o papel que Janice lhe estendia. Abriu-
o.
Horace leu o telegrama. Ficou alguns segundos em
silêncio e depois leu-o em voz alta.

— 96 —
Felicito-o êxito da missão. Favor regressar mais
depressa possível. Há novo trabalho no Marrocos.
Mister Smith

Um sorriso de muxoxo apareceu nos lábios de Janice


Talson.
— E eu que pensava que poderíamos ficar juntos por
mais uns dois ou três dias — disse ela.
Horace a contemplou, achando-a mais linda do que
nunca.
C’est la vie, ma cherié — retrucou Horace. — Não se
pode ganhar sempre.
— Ora, bolas! — exclamou Janice. — Por que é que
esse telegrama tinha que vir logo agora, para estragar nossa
festa?

***

No saguão do aeroporto de Schiphol, os dois agentes,


sentados lado a lado, conversavam, esperando o momento
da chamada para os passageiros do voo 567, da KLM.
Aquele era o primeiro voo Amsterdam-Washington, e as
ordens que Horace recebera era para que embarcasse o mais
rapidamente possível para os Estados Unidos. Fora uma
ordem urgente de mister Lattuada, e tanto Horace como
Janice sabiam que ele nunca chamava nenhum de seus
agentes, sem ter um forte motivo.
— Mais uma vez agradeço por tudo o que fez por mim,
Janice. Sem a sua ajuda, eu teria morrido.
— Ora, imagina, eu é que tenho de agradecê-lo, pelos
momentos maravilhosos que passamos juntos.
Se beijaram, mais uma vez.

— 97 —
Nesse instante, o alto-falante do aeroporto chamou os
passageiros da KLM com destino a Washington, e Horace
apanhou sua maleta. Beijou novamente Janice Talson,
caminhando para o portão de embarque.
Em Washington, mister Lattuada já o estava esperando.
Possivelmente haveria outra missão que só Horace Young
Kirkpatrick, o agente fora de série da CIA poderia resolver.

FIM

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