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© 1986 – LOU CARRIGAN

“Cuenta Clave”
Tradução de Luiz Oswaldo Cunha
Ilustração de Benicio
Digitalização de
Uedson Campos
® 550727
CAPÍTULO PRIMEIRO
A realidade da vida

— Pode continuar pensando como queira, senhorita —


exclamou Peggy finalmente, — mas eu continuo pensando
que não há necessidade de me manter a par de tudo que
acontece no mundo. Por que se precisa saber e se interessar
por todas as coisas?
— De certo modo, você está certa — admitiu Brigitte, —
mas não nascemos como e nem podemos imitar os
avestruzes, que enterram a cabeça no chão. Não podemos
fazer isso a cada vez que nos sentimos atemorizados ou
aborrecidos.
— Não, sei... No entanto, creio que são os avestruzes que
estão certos! E até acho uma boa ideia poder-se enterrar a
cabeça sob o chão quando alguma coisa começa a nos
chatear.
— Talvez você tenha razão — riu Brigitte. — Contudo,
creio que dificilmente os homens poderiam imitá-los
atualmente. Como nós duas podemos enterrar nossa cabeça
na terra se vivemos neste apartamento?
— Se resolvêssemos fazer isso, juro como também
arranjaríamos um jeito!
— Começo a desconfiar que você encontraria a solução
escondendo a cabeça sob as lajotas do piso — riu Brigitte. —
Eu, porém, continuo pensando que todos deviam manter-se a
par das contingências e realidades da vida. E não se pode pôr
em dúvida que a televisão é o meio de comunicação mais...
expressivo para colocá-las a nosso alcance. Goste você ou
não, as realidades existem, Peggy.
— Eu sei disso. Veja por exemplo a explosão de gás que
ocorreu em uma pequena localidade da Geórgia, chamada
Tallulah Falls. Se a explosão tivesse sido um pouco mais
forte teria afetado o grupo escolar da população. Uma escola
onde estão diariamente mais de cem crianças.
— Bem, nada aconteceria a elas porque a explosão foi à
noite e neste horário as crianças estão dormindo em suas
casas.
— Sim, mas se tivesse ocorrido durante o dia, mais de
cem crianças poderiam estar feridas e as que não estivessem
machucadas, estariam muito assustadas.
— Querida, deve deixar de ser tão pessimista e
acostumar-se a encarar a vida pelo lado mais positivo,
procurando ver as coisas belas e boas que existem à sua
volta. A parte negativa dessa notícia mostra que
evidentemente as tubulações de gás de Tallulah estavam em
estado precário e foi isso que provocou a explosão. Esta
poderia ter feito estragos bem piores se fosse mais forte e se
tivesse afetado o colégio onde há mais de cem alunos
matriculados. Agora, certamente, restaurarão, a rede
distribuidora de gás e já não haverá outras explosões, nem de
dia ou de noite. Portanto as crianças que estudam na escola
não correrão novos riscos.
— Como sempre, a senhora sempre acaba convencendo-
me — resmungou Peggy. — Mas eu continuo pensando que
no mundo acontecem muitas coisas más e que ninguém
devia tomar conhecimento delas porque este conhecimento
em nada beneficia uma pessoa, seja em seu campo mental ou
espiritual.
— Caramba! Não é que hoje estou com uma renomada
filósofa em casa!
— E por acaso não tenho razão?
Brigitte apanhou uma torrada do prato que estava na
mesa, mordeu-a em silêncio, olhando para a televisão
instalada na cozinha supermoderna de seu apartamento
luxuoso. Ambas tomavam o desjejum, assistindo o jornal,
enquanto na tela eram projetadas cenas dos últimos fatos
ocorridos em todo o mundo. Não eram nem nove horas da
manhã e o bombardeio informativo já tinha começado em
todos os níveis: eram notícias locais, nacionais, continentais,
mundiais...
Notícias, notícias e mais notícias... notícias do mundo
todo. Notícias boas e notícias más. Algumas surpreendentes,
outras incríveis; também havia as inquietantes e várias que
chegavam a indignar... Notícias de todo o mundo e de todas
as espécies, mas pouquíssimas que pudessem ser
consideradas boas.
Chegava a ser chocante, tantas notícias e nenhuma boa...
claro as coisas boas que acontecem na vida de alguém, nunca
chegam a ser notícia. Por exemplo, a notícia da explosão de
gás ocorrido àquela noite em Tallulah Falls, no Estado de
Geórgia, se tornara uma notícia porque acontecera nas
proximidades de uma escola onde dezenas de crianças
passavam a maior parte dos dias. Felizmente, tinha
acontecido à noite quando os alunos dormiam na companhia
dos pais. Com isso, não tinham assistido os estragos que a
explosão ocasionara. Iriam ver as janelas sem vidraças, mas
não tinham escutado o barulho dos vidros serem
estilhaçados. Não entendia porque somente os perigos e a
morbidez se tornavam notícias, porque todas elas tinham que
descrever riscos... porque ninguém publicava que o senhor
McGuillicudy e sua mulher eram plenamente felizes vivendo
uma vida repleta de amor e gozando de ótima saúde! Porém,
se esse tal senhor McGuillicudy, sofresse um acidente de
trem e nele perdesse as pernas, imediatamente se converteria
em notícia.
Coisa incompreensível! Chocante!
Brigitte sacudiu a cabeça e pousou os olhos em Peggy,
sua fiel governanta de há muitos anos.
— Você tem razão — admitiu. — Os fatos somente se
transformam em notícia quando causam inquietude, ira, ódio
e frustração aos homens e isso não é bom, porque estas
notícias os fazem reagir de forma negativa, coisa que não é
aconselhável nem para sua mente ou espírito.
— Como vê, mais felizes são aqueles que não se
informam das coisas.
— Talvez sejam mais felizes — retrucou Brigitte com
alguma dúvida. — Porém, eu com meu temperamento não
posso dar-me ao luxo de ser feliz, se para isso precisar
manter-me ignorante a respeito dos fatos mundiais.
— Entendo, a senhora é uma jornalista e deve se
interessar por todas as notícias. No entanto, eu sou uma
doméstica que não tem necessidade de estar a par de tantas
coisas desagradáveis que estão acontecendo no mundo. Se eu
tivesse meios para resolvê-las, corno a senhora, quando se
converte na mais famosa espiã que já existiu!... Coitada de
mim. Diga-me: o que eu posso fazer para resolver os erros
que campeiam pelo mundo, senhorita Montfort?
— Peggy, sempre há alguma coisa que pode ser feita,
embora neste momento não me ocorra o que lhe aconselhar.
— Pois quando tiver alguma sugestão, passe-a para mim,
porque eu também gostaria de fazer alguma coisa em prol do
progresso do mundo. Muitas vezes me recordo daquela frase
que o presidente Kennedy citou em um de seus discursos:
Não indague o que sua pátria poderá fazer por você, no
entanto, pergunte-se o que você poderá fazer por sua pátria.
— O presidente Kennedy não disse isso, querida... Quero
dizer, não foi ele quem criou o pensamento, apenas citou
palavras do poeta Khalil Gibran.
— Como pode dizer isso, senhorita Montfort? Está
querendo que eu acredite que não foi o senhor Kennedy
quem inventou essa frase tão linda?
— Lamento, mas não foi ele — riu Brigitte. — A frase é
do poeta Khalil Gibran, mas ela já não é uma atualidade. A
atualidade é o desejo que você tem em servir seus
semelhantes, embora não saiba como fazer isso. Podemos
pensar a respeito e tenho certeza que encontraremos um
caminho. Enquanto o procuramos. podemos...
O telefone tilintou. Peggy fez um gesto para atendê-lo,
mas Brigitte apenas teve de estender o braço para tirar o fone
do aparelho, que estava em cima da mesa ampla na cozinha
moderníssima.
— Alô?
—...?
— Senhor Pitzer, bom dia! — a voz de Brigitte
demonstrava alegria por ouvi-lo, mas de repente, tornou-se
angustiada e preocupada. — Como está meu florista
favorito?
—...?
— Verdade? Magnífico!... Estupendo! Passarei hoje
mesmo por aí para examinar essas roseiras. Porém, não sei se
irei adquiri-las para coloca-las em meu terraço... já faz algum
tempo que não me preocupo com ele.
—...?
— Evidente, tem toda razão. Os terraços são para adornar
e acalmar os moradores de uma casa e quando estão
decorados com flores, tornam-se bem mais agradáveis.
Embora eu pessoalmente tenha uma vista maravilhosa, pois
de meu apartamento descortino todo o Central Park. Como
vê, posso acalmar minhas ânsias somente contemplando suas
árvores verdejantes e as belezas naturais que existem naquele
parque.
—...?
— Sim? Isso já é outra coisa, senhor Pitzer. Não se
preocupe porque estarei aí dentro de menos de meia hora,
aproximadamente. Tchau!
Desligou e Peggy a observou com interesse.
— Aconteceu alguma coisa, senhorita Montfort? Quando
o senhor Pitzer liga, sempre há algo no ar.
— Sim, quando isso acontece, não está querendo falar
com a jornalista Brigitte Montfort, está procurando a agente
Baby... — murmurou Brigitte. — E é quase certo que não me
telefonou somente para avisar-me que tem algumas roseiras
que enfeitariam meu terraço. O assunto deve ser outro e
certamente relacionado com a espionagem... Só espero que
desta vez não tenham sacrificado outros de meus Simons.
— Não sei do que se trata, senhorita, mas sei que algo
mau deve estar acontecendo em alguma parte do mundo. O
senhor Pitzer nunca liga gratuitamente, para saber como a
senhora está passando.
— Desta vez concordo com você, Peggy. Irei
imediatamente tomar conhecimento sobre o que está
acontecendo.
***
— Você já soube da explosão de gás que ocorreu em?...
— começou Pitzer.
— Sim. Em Tallulah Falls, na Geórgia.
— Exatamente, mas já está comprovada que a explosão
não foi acidental e nem tampouco provocada por gás... Foi
causada pela detonação de uma carga explosiva colocada no
local... Recebi toda a informação concernente ao caso
diretamente da Central, para em seguida, comunicar-me com
você e expor-lhe todos os fatos.
— Pode começar, amigo, quando escutei sua voz ao
telefone previ que um novo caso ia surgir para nós.
Charles Alan Pitzer, chefe do Setor da CIA em Nova
Iorque, sorriu e começou a colocar o fumo dentro da fornilha
do cachimbo, observando Baby carinhosamente. O tempo
tinha passado e continuava passando. Pitzer, o espião audaz
de anos atrás, o recrutador de novos espiões e o chefe do
Setor da CIA em Nova Iorque estava ficando velho, mas
continuava na atividade. E por que ele prosseguia
trabalhando? Somente porque se sentia responsável por
haver introduzido no mundo da espionagem a melhor agente-
secreto do mundo inteiro: Brigitte ―Baby‖ Montfort. Sentia-
se tão responsável por ela que tinha decidido que só pediria
sua aposentadoria quando sua pupila decidisse abandonar
aquela vida arriscada, quando Brigitte Montfort decidisse
arquivar Baby para sempre, Na opinião dele, permanecer em
atividade era uma maneira de protegê-la.
Fazia isso se achando ridículo muitas vezes, pois ao
correr dos anos sua pupila preferida já tinha demonstrado
que era autossuficiente para resolver todos os casos que lhe
foram destinados, que não precisava de ajuda e que sabia
afrontar qualquer contingência que surgisse em seu caminho.
Pitzer acendeu o cachimbo, aspirou-o e expeliu uma
fumaça densa.
— Como pode prever, as cem crianças não foram salvas
por casualidade ou por estarem protegidas por mãos
invisíveis. Podemos até asseverar que elas tiveram uma sorte
muito bem... premeditada.
— Não compreendo — disse Brigitte.
— A Casa Branca recebeu uma intimação pelo correio,
exigindo três milhões de dólares, que o governo dos Estados
Unidos deveria pagar se quisesse preservar a ordem e não
causar pânico na nação. Se nosso governo não pagasse a
quantia estipulada, isto é, os três milhões de dólares, seis
escolas infantis voariam pelos ares, simultaneamente, em
diferentes pontos do país. As explosões seriam provocadas
por doses maciças de explosivo. E para mostrarem que a
ameaça não era infundada; agiriam em Tallulah Falls.
— Bem, parece que agora começo a compreender. A
explosão não foi provocada por gás, mas por uma carga
explosiva que alguns tarados colocaram nas proximidades da
escola durante a noite e a explosão foi uma espécie de
advertência. Isso significa que, como a explosão ocorreu
durante a noite e um pouco afastada do grupo escolar, as
mesmas pessoas têm condições de fazer explodir com uma
carga similar seis escolas em diversos pontos dos Estados
Unidos e que essas explosões não precisam acontecer
forçosamente em horário noturno. Por exemplo, nada impede
que aconteçam às onze da manhã ou às três da tarde.
— Exatamente.
— E quem está fomentando esta barbaridade?
— Ainda não sabemos e é isso exatamente o que
desejamos descobrir. Por ora, o FBI iniciou uma
investigação discretíssima, uma vez que tenciona não
assustar a população daquele lugarejo.
— Entendo, mas não concordo. Não tolero notícias
manipuladas e não vejo motivo para afirmarem que tudo
aconteceu porque uma tubulação de gás explodiu quando já
se sabe que a causa foi outra bem diferente. Muito bem, que
eles ajam como queiram, porém, uma coisa não entendo, tio
Charlie: Por que a CIA está recorrendo a mim para elucidar
este saco de gatos? Por acaso, está relacionado com a
espionagem?
— A CIA está querendo localizar e identificar as pessoas
que podem necessitar dos três milhões de dólares e... de que
modo empregá-los. Você sabe que essa quantia enorme não
seria necessária para a instalação de uma lanchonete que
vendesse apenas pizzas e hambúrgueres... Estamos
desconfiados que estão pedindo essa quantia exorbitante para
levarem avante planos que nos parecem preocupantes.
— Mais preocupantes do que explodir uma escola cheia
de crianças? E ameaçar que a mesma coisa poderá acontecer
com outras cinco?
— Brigitte, coisas bem mais sérias poderão ocorrer.
Assim como podem destruir as seis escolas, poderão fazer
muitas outras coisas, inclusive financiar uma guerra.
— Sim — os olhos azuis da espiã mais implacável do
mundo ficaram inexpressivos, repentinamente. — Muitas
coisas podem ser feitas com três milhões de dólares, tanto
boas como más.
Pitzer a fitou estupefato, antes de exclamar:
— Não vai dizer-me que acredita que farão coisas boas!
— Claro que não — teve de admitir Brigitte.
Pelo que entendi, a CIA está querendo que eu rastreie
essas pessoas e descubra para que querem esse dinheiro.
Acho que o caso não será resolvido com facilidade e
desconfio que a Casa Branca terá de pagar o que pedem, a
fim de se evitar que...
— Não creio que o caso seja tão difícil como você está
pensando e o Tesouro, quero dizer, a Casa Branca já decidiu
pagar.
— Decisão muito acertada e sensata — Brigitte
contemplava o amigo e seu orientador teórico. — Eu ouvi
mal ou realmente me disse que não será difícil Rastrear os
que estão envolvidos com o caso?
— Eu diria que não será demasiadamente difícil. Para
algumas pessoas poderia ser até impossível, mas não para a
CIA que dispõe de recursos e contatos para averiguar a quem
pertencem as contas numeradas que existem em um banco da
Suíça. Na verdade, há certas contas secretas e anônimas que
nem mesmo a CIA poderá identificar, mas acreditamos que
esta não esteja neste caso.
Brigitte aos poucos foi abandonando o ar de perplexidade
e retornando ao normal.
— Então os três milhões de dólares serão depositados em
uma conta de um banco suíço?
— Exatamente. Será depositado em conta secreta,
numerada...
— Diabo que me faça entender, tio Charlie! Como pôde
dizer que a CIA tem meios para identificar o proprietário de
uma conta numerada? Se a gente pudesse descobrir o
número da conta, então tudo ficaria fácil e poderíamos
esclarecer o caso em menos de setenta e duas horas.
— Já nos forneceram o número e se dentro de quarenta e
oito horas o dinheiro não estiver depositado, as escolas serão
destruídas com cargas explosivas.
— Quarenta e oito horas, não é? Os espertos calcularam
que gastaríamos algum tempo para poder identificá-los e por
isso, só nos deram dois dias de prazo.
— Foi isso que eu também pensei.
Brigitte gastou alguns segundos olhando fixamente para
Pitzer. Finalmente, moveu a cabeça negativamente e
murmurou:
— Claro que não. A jogada deve ser outra... Tem que ser
outra. De acordo com a lógica mais elementar: Essas pessoas
simplesmente estão certas que jamais conseguiremos
identificá-las através do número da conta. Isso quer dizer que
têm certeza de que jamais poderemos apanhá-las.
— Isso é o que indica a lógica, porém eu me recuso a
conceber que haja alguém tão imbecil, a ponto de não ter
desconfiado que a CIA tem poderes e meios para identificá-
los e até mesmo localizá-los em quarenta e oito horas. Só nos
forneceram o número da conta bancária porque têm certeza
de que não serão localizados por meio desta e porque
chegaram à conclusão que este era o caminho mais acertado
para receberem os três milhões de dólares, sem correr risco
algum.
— Claro, minha querida, se alguém recebesse três
milhões de dólares, mesmo que fosse em cédulas de valores
mais altos, teria de enfrentar-se com três problemas: como
levar o dinheiro, como escondê-lo e como utilizá-lo
posteriormente... Entretanto, se o dinheiro for depositado em
uma das contas sigilosas da Suíça, todo o resto ficaria bem
mais fácil; basta ir sacando-o conforme precisar gastá-lo. E
tem mais, os problemas e despesas decorrentes do depósito e
transferência ao destino, correrão por nossa conta.
Brigitte sorriu secamente e falou:
— Estou achando esta história muito interessante, tio
Charlie. Acho que foi arquitetada por um bando de
espertalhões.
— Espertos são, mas cometeram um erro clássico, ou
melhor, dois. O primeiro erro clássico é aquele, como já
disse, considerarem-se os mais sagazes e julgarem todos os
outros idiotas. Porém, mesmo que não tivessem caído no
primeiro, embora fossem os mais inteligentes, cometeram
um segundo erro muito grave: Não contaram com a possível
intervenção de Baby.
— Talvez tivessem previsto isso, tio Charlie.
— Mas isso não variará o resultado desse confronto de...
talentos. Tenho certeza de que, aconteça o que acontecer,
você os encontrará. Este é o número da conta sigilosa.
Pitzer colocou um papel em cima da mesa e o empurrou
para ela. O sol, agora, entrava pela janela do escritório
pequeno que ele tinha atrás da loja de flores e do qual
comandava todo o Setor da CIA de Nova Iorque.
Brigitte apanhou o papel e leu o que estava escrito nele.
A conta sigilosa correspondia ao Banco National Suisse,
localizado na rua Diday, 8, Genebra, Suíça. Estes dados, bem
como o número da conta foram memorizados pela espiã que
em seguida, devolveu o papelzinho ao chefe adorado.
— Quando tentarão entrar em contato conosco? —
perguntou.
— Creio que nunca mais. Nós é que precisamos depositar
o dinheiro na conta que têm na Suíça, segundo as orientações
que nos forneceram. Em seguida, devemos entregar-lhes o
recibo de depósito bancário que é fornecido no momento em
que o dinheiro é depositado na conta do acionista.
— Entregar o recibo a quem? Onde?
O veterano Pitzer passou a mão pelos cabelos já bem
ralos e comentou:
— Se eu lhe disser, vai pensar que sou doido.
— Por quê?
— O recibo do depósito deverá ser colocado em uma das
caixas que são alugadas no Opa Locka Airport, em Miami,
para a guarda de objetos de valor. Estas caixas têm números
próprios e depois que se colocar o recibo dentro daquela que
nos foi indicada, teremos cumprido a nossa parte.
— Tio Charlie, então deverá haver um ―olheiro‖ vigiando
essa caixa para ver quando o envelope com o recibo será
introduzido dentro dela... mas só terá certeza de que o
mesmo foi colocado lá dentro depois que se aproximar da
dita caixa, abri-la, apanhar o envelope e verificar o que há
em seu interior.
— Evidente.
Os dois se calaram, ambos pensativos e finalmente,
Brigitte sorriu.
— Você não tem a impressão de que há gente querendo
nos passar para trás e ainda se divertir às nossas custas?
— É exatamente o que também tenho sentido, querida —
sorriu Pitzer. — Ou são muito inteligentes ou são uns idiotas
rematados.
— Você acredita que idiotas iriam pedir três milhões de
dólares? Claro que não!
— Esta é a outra pergunta que me faço constantemente:
Por quê um homem ou um grupo vai querer tanto dinheiro?
E a única resposta que me ocorre é que alguém quer tanto
dinheiro para comprar uma partida de armas. Naturalmente
uma partida importante... Porém, não tão importante que
possa preocupar os Estados Unidos, mas com três milhões de
dólares um país pobre pode comprar armas suficientes para
invadir e destruir seus vizinhos igualmente pobres... que não
possuem armas.
— E que não tenham mercenários para utilizá-las.
— Claro, embora talvez estejamos equivocados.
— Tudo é possível, — murmurou a espiã mais famosa do
mundo — mas de nada adianta perdermos mais tempo
fazendo suposições. Vamos deixar que o FBI prossiga com
suas investigações, deixemos que todos pensem que a
explosão ocorrida em Tallulah Falls foi provocada pelas
tubulações de gás, paguemos os três milhões dólares e
enquanto isso, eu viajarei para Miami. Vamos ver quem vai
aparecer para recolher o envelope contendo o recibo de
depósito que deverá estar no Opa Locka Airport, isso se
alguém aparecer para apanhá-lo.

CAPÍTULO SEGUNDO
Um homem com três identidades

Lógico que alguém teria de aparecer e foi isso que


aconteceu exatamente às quatro horas da tarde. O negro
devia ter vinte anos no máximo, era um belo atleta de
expressão simpática, sorridente que usava roupas elegantes e
esportivas.
Quando chegou, nenhum dos agentes da CIA que
estavam espalhados estrategicamente pelo aeroporto
demonstraram algum interesse por ele. Porém, o interesse
começou a surgir quando o negro aproximou-se da zona
onde estavam instaladas as diversas caixas numeradas que
eram alugadas a passageiros em trânsito que quisessem
proteger as joias, objetos de valor ou o dinheiro que
transportavam.
Brigitte olhava o negro simplesmente porque o achara
bonitão, elegante, um verdadeiro tipo de atleta, mas passou a
observá-lo com muito mais cuidado quando ele abriu uma
daquelas caixas numeradas. Não era a que interessava à CIA,
mas viu quando apanhou um envelope do seu interior que
não estava fechado, deixando várias cédulas aparecendo. O
negro sorriu e o guardou no bolso do casaco. Fechou a porta,
guardou a chave também no bolso, mas apanhou outra.
Gastou alguns segundos para localizar a segunda e quando a
encontrou, se deteve diante dela.
Esta era exatamente aquela na qual um agente da CIA
havia introduzido o envelope com o recibo do depósito dos
três milhões de dólares que fora fornecido pelo Banque
Nationale Suisse de Genebra, no momento que o dinheiro
fora depositado na conta numerada de acordo com a
imposição feita às autoridades americanas. Viu como ele
introduziu a chave na fechadura, abriu e apanhou o envelope
que contemplou com curiosidade. Guardou-o no bolso,
fechou a caixa se afastou para a saída lateral do aeroporto.
O chefe daquele grupo de ação que fora destacado para
agir no Opa Locka Airport trocou um olhar com a moça
loura que lia uma revista como se estivesse esperando
alguém. Ela fez um sinal imperceptível com a cabeça e em
seguida, uma senha que significava: Tenha paciência, o
momento ainda não chegou.
Em seguida, levantou-se e seguiu o rapaz preto com
naturalidade. Este agora estava perto de uma das portas
laterais do aeroporto e desapareceu por esta. A loura
continuava caminhando na mesma direção, sem pressa,
enquanto vários agentes rodeavam o edifício pela área
externa.
O atleta negro chegou às pistas posteriores, procurou algo
com os olhos e sorriu quando viu um jatinho pintado de azul
e branco. Encaminhou-se para este e em poucos segundos,
chegou perto do aparelho que estava vazio, não tendo
ninguém em seu interior. O jovem negro olhou para a direita,
para a esquerda, não havia ninguém pelas proximidades.
Encolheu os ombros e subiu no aparelho.
A moça loura estava a uns quarenta metros de distância e
pôde ver perfeitamente quando o jovem apanhou o envelope
que continha o recibo fornecido pelo Banque National Suisse
referente ao depósito dos três milhões de dólares e o deixou
sobre o quadro de comando do avião. Em seguida, desceu do
aparelho com um salto e se afastou.
A loura olhou para o chefe do grupo da CIA e lhe fez um
outro gesto discretíssimo, mostrando-lhe dois dedos da mão
esquerda. O Simon sacudiu a cabeça confirmando. Tinha
entendido a senha, devia enviar dois de seus agentes para
acompanharem o negro.
Depois reparou que a loura contemplava o avião
fixamente, talvez esperando que alguém se aproximasse para
pilotá-lo, mas não foi isso o que aconteceu.
O chefe do grupo já estava impaciente. A loura
continuava olhando para o jatinho e repentinamente, pareceu
sobressaltada por algo que percebeu. Aproximou-se do
Simon quase correndo e lhe disse:
— Depressa! Apanhem um helicóptero! Rápido!
— Não precisa ficar tão exaltada — respondeu o rapaz.
— Temos dois helicópteros e um avião à nossa disposição.
— Traga um dos helicópteros!... Depressa!
— Para onde vamos? Se nós dois nos afastarmos daqui...
O motor do jatinho azul e branco começou a funcionar, a
hélice começou a girar, o chefe do grupo da CIA parecia
surpreso e mais surpreso ficou quando o aparelho começou a
deslizar lentamente. Estava estupefato, o avião estava em
movimento, mas não havia ninguém no comando; agora o
aparelho entrava em uma das pistas e repentinamente, o
agente-secreto entendeu o que estava acontecendo.
— Não é que os desgraçados estão pilotando o avião por
controle remoto! — exclamou em um sussurro.
— Vá buscar um helicóptero, homem! Brigitte já
aparentava certa irritação.
Os dois começaram a correr, enquanto o resto do grupo
contemplava perplexo o jatinho que continuava rodando para
uma das pistas.
Em menos de vinte segundos, o Simon e a loura já
estavam subindo no helicóptero, enquanto o avião já
começava a levantar voo da pista a quase duzentos metros de
distância. Simon ligou o motor eletrônico do aparelho,
apertando um dos botões. A hélice começou a girar e o
espião comentou com alívio:
— Este aparelho é dos mais rápidos e ainda apanharemos
aquele ―avião das Arábias‖!
— Sou eu quem mais deseja que isso aconteça.
O avião voava rumo Sul. A loura pediu que Simon se
aproximasse mais dele e como o agente a fitasse com
surpresa, sorriu alegremente.
— Não precisamos ter cuidados especiais. O aparelho
está vazio e ninguém vai saber de nossa aproximação. O
negrinho devia ter gente protegendo-o no aeroporto...
Raciocine: assim que este colocou o envelope sobre o quadro
de comando, o aparelho foi ligado. Só posso deduzir que
alguém tenha avisado outra pessoa, que o colocou em
funcionamento, com comando à distância... Não julga que
estes tempos são os mais emocionantes dentre todas as
épocas que já existiram no mundo? Estamos perseguindo um
aparelho que se desloca no ar, que voa com toda a exatidão
conforme as instruções transmitidas durante um voo
programado!
— Eu não gosto disso, preferia os outros tempos.
— Analise esta época com calma. Eu, a cada dia que
passa, fico mais maravilhada com a técnica que existe
atualmente... Quer saber de uma das coisas que me encanta
sobremaneira?
— O quê?
— As gravações de vídeo. Praticamente só vejo televisão
para assistir os jornais. Entretanto, poucos dias coincidiu que
quando um dos canais apresentava o jornal, outro programa
que me interessava muitíssimo estava acontecendo em outra
rede televisiva. Eu não poderia vê-lo e escutar as notícias. O
que fiz? Liguei o aparelho de vídeo, este gravou todo o
programa e quando o jornal chegou ao fim, coloquei a fita no
vídeo e pude assistir calmamente toda a programação que
tinha sido apresentada momentos antes. Você não considera
isso uma coisa fantástica? Poder-se gravar um programa que
não estamos vendo e que nem aparece na tela?
— Está querendo se divertir com minha paciência! —
resmungou Simon.
— Não, não. Na realidade sou uma amante do progresso
que vem acontecendo... Adoro tudo que se relacione com
essas técnicas fantásticas! Não foi à-toa que viajei em
cápsula espacial1!
— Verdade? Como foi tudo e quando isso aconteceu?
— Foi uma experiência... emocionante. Quando
aconteceu? Céu! Já faz tanto tempo que nem me recordo
mais. O tempo passa tão depressa que uma pessoa nem
percebe que está vivendo!
— É isso o que acontece com você? Não sente que está
vivendo?
— Oh, sim, claro... Era só uma maneira de falar... Bem,
de certo modo somente se vive em certos momentos porque
muitas vezes atravessamos dias sem termos consciência de
estarmos vivendo. Agora, por exemplo: Você está tendo
noção de que realmente está vivendo?
— Claro que sim!
1
Ver aventuras 88 e 89: Uma Espiã em Orbita.
— Sim? E como pode ter tanta certeza do que está
afirmando?
— Caramba!... Nós dois estamos aqui, não estamos?
Estamos vivos e perseguindo um jatinho que está sendo
guiado por controle remoto e...
— Vivos e perseguindo um jatinho dirigido por controle
remoto. — repetiu Baby. — Muito interessante sua descrição
da vida. É verdade que estamos vivos e agindo de acordo
com as nossas necessidades, mas... por acaso já notou que
está vivo e pensou de que modo está vivendo sua vida?
— Agora já não estou entendendo o que quer dizer.
— Você está dedicando o tempo de sua vida para fazer
alguma coisa que não chega a ser parte de sua vida, Simon.
— Como não? Eu creio que sim!
— Não Simon... claro que não está. Acredita que a coisa
mais importante de sua vida é perseguir um avião? Acredita
que isso faz parte de sua vida? Eu acho que não. Eu acredito
que viver minha vida consiste em fazer somente as coisas
que interessam e afetam minha vida. Por exemplo: escutar
meu coração, tomar meu banho de sol, pensar em meu corpo
e fazer amor para satisfazê-lo e... outras coisas assim,
entende?
— Caramba, você só quer viver fazendo as coisas que
gosta e satisfazendo todos seus desejos!
O Simon calou-se, afastou os olhos do avião e olhou
rapidamente para a loura que o contemplava com uma
expressão irônica e só tornou a falar alguns segundos mais
tarde.
— Realmente, você tem razão, dedicar nosso tempo para
fazer coisas alheias à nossa vida não é viver nossa vida!
— Fico satisfeita por ver que compreendeu meu
raciocínio.
— Esta nossa conversa tem muito assunto para ser
discutido e enquanto o discutimos, poderíamos tomar um
champanha em um ambiente agradável e acolhedor... Que
tal?
— Certo, mas antes lhe quero fazer uma pergunta: O que
é mais interessante para você... conversar sobre o tema ou
dedicar o tempo que ia gastar conversando para viver sua
vida?
— Puxa!... Você é capaz de confundir qualquer um!
A loura começou a rir e com o queixo apontou o jatinho
que começava a descer suavemente.
No mesmo instante, o rádio soou e Simon o atendeu
rapidamente:
— Sim?
— Apanhamos o negro.
— Apanharam o negro? Que diabo! Por que fizeram isso
se somente deviam segui-lo e...
— Era impossível. Ele acabaria desaparecendo de nossos
olhos, pois estava com uma ―Honda‖ e você sabe que esta é
mais rápida do que o carro, decidimos detê-lo. Se erramos ao
tomar esta decisão, peço desculpas.
— Não se preocupe, Simon — interveio Baby na
chamada. — Mas agora deixem o rapaz seguir seu caminho.
— Temos de soltá-lo, deixar que se afaste novamente?
Foi este tipo que apanhou... — começou a argumentar o
agente.
— Foi o intermediário que recebeu o dinheiro para ir ao
aeroporto e apanhar o recibo de depósito que tínhamos
introduzido na caixa numerada. Foi só isso o que ele fez. Se
o submetêssemos a um interrogatório, ele apenas nos diria
que tinha feito o que fez para ganhar o dinheiro que alguém
lhe oferecera, caso desse um passeio pelo aeroporto. E foi
isso o que aconteceu: primeiro recolheu o dinheiro que lhe
tinham deixado em um daqueles compartimentos numerados
e em seguida, precisou abrir outro onde tinham colocado o
envelope que deveria apanhar. É só isso o que o rapaz negro
sabe.
— Não, Baby, pelo menos sabe e nos pode dizer quem foi
que o contratou.
— Não adianta, Simon, o máximo que ele poderá fazer é
dar-nos uma descrição dessa pessoa e isso em nada nos
ajudará. Podem deixá-lo partir.
— Está bem, faremos isso. O que mais devemos fazer?
— Permanecer atentos porque eu os chamarei.
A loura cortou a ligação. O avião agora estava bem
próximo da terra firme, preparando-se para pousar. Bem, a
terra não era muito firme, mais se encontrava nas
proximidades da zona pantanosas dos Everglades, ao oeste
de Homestead, e, certamente, não era uma zona
especialmente adequada a um pouso.
Contudo, o jatinho aterrissou ali, dando alguns estranhos
solavancos, saltos e quase virando duas vezes; também
levantando e espalhando o barro por todos os lados.
Finalmente, ficou imóvel naquele mar de lodo.
Antes que Simon pudesse falar, Brigitte lhe disse:
— Siga adiante e não tente fazer alguma manobra.
Prossiga como se nossa aproximação na área fosse apenas
casual, entende?
— De acordo. Só gostaria de saber quem vai aproximar-
se do aparelho para recolher o envelope com o recibo do
depósito...
— O recibo já não os interessa. O interesse passou desde
o momento, que tiveram a certeza de que o dinheiro já estava
depositado na conta numerada do Banco Nationale de
Suisse.
— Se essa é a realidade... por que então puseram o
envelope dentro de um jatinho que seria dirigido por controle
remoto?
— Simon, pouse aí, no meio das palmeiras. Não. É
melhor, não pousar, só se aproxime do solo para eu poder
saltar. Você continuará voado, seguindo a direção sul e só
regresse para recolher-me daqui a uma hora.
— Baby, você não vai tentar resolver esse emaranhado ou
está pensando em arrebentar sua cabeça de tanto pensar?
— Espero ficar com minha cabeça inteirinha, rapaz! —
riu a loura.
— Seria melhor que...
Ambos se calaram ao ouvirem a explosão e verem os
pedaços do jatinho serem lançados pelo ar, enquanto as
labaredas e a fumaça iam tomando conta da clareira que se
havia formado em segundos com a fúria da explosão.
O agente da CIA olhou, para Baby, ia falar alguma coisa
e foi então que se recordou da ordem que ela lhe havia dado.
Obedeceu e diminuiu a altura do aparelho. Baby colocou a
maleta vermelha de florezinhas azuis sobre a asa, depois
abriu a porta do helicóptero e ficou esperando. Quando este
ficou mais próximo do solo, ela saltou e foi cair naquele
chão lamacento.
O helicóptero afastou-se imediatamente, recuperando
uma altura convincente. Era de se supor que ninguém tinha
visto que um de seus ocupantes se tinha jogado na terra
lodosa e em poucos minutos, o ruído do motor desapareceu à
distância. Tudo ficou em silêncio.
Baby não perdeu um minuto pensando no que poderia
fazer. Começou a andar na direção da estrada que estava a
uns seiscentos metros de distância, correndo na direção de
Flamingo... Ela tinha visto tudo quando o helicóptero
sobrevoava a região e se andasse com rapidez, talvez ainda
pudesse ver o carro que devia estar parado pelas
redondezas... Se visse o carro, talvez seus ocupantes
pudessem fornecer uma pista. Porém se isso não acontecesse,
só poderia basear-se no que poderia revelar uma conta
numerada pertencente a um banco da Suíça.
Continuou caminhando, talvez tivesse sorte; os sapatos
elegantes que estava usando, certamente acabariam na lixeira
quando chegasse em casa. Qual o sapato que poderia ser
usado depois de chapinhar em todo aquele lodo?
***
Os dois homens chegaram juntos ao carro, deixando atrás
deles, no asfalto, as pisadas grossas de barro. Não havia
ninguém no interior do veículo que estava parado no
acostamento e a estrada estava quase deserta àquelas horas.
— Droga! Veja como estamos imundos, cobertos de
barro da cabeça aos pés! — reclamou um deles. — Eu bem
que disse que nada ia falhar e que aquele avião ia mesmo se
espatifar!
— Deixe de tantas reclamações — disse o outro. — Nós
compraremos outros sapatos e assunto liquidado. Recebemos
um bom pagamento por este serviço e podemos nos dar o
luxo de comprar sapatos novos, ou até cem pares se tivermos
vontade. Agora precisamos sair daqui com a maior rapidez
possível, temos de sumir com todo esse material.
— Não entendo o que está acontecendo, Melvin. O
jatinho não era um último modelo, mas estava em perfeito
estado e ainda valia uma boa nota. A mesma coisa é este
carro, e todo o material que está no porta-malas... Só queria
descobrir porque temos de ir destruindo todas as coisas
depois de utilizá-las!
— Foi você quem as pagou? Não, não foi você, não é?
Portanto, obedeça as ordens que nos deram, receba seu
dinheiro e nada de falatórios, Ron. Abra o porta-malas para
eu pôr este detonador lá dentro.
Ronald Kowalski teve vontade de soltar mil imprecações,
mas fez o que o companheiro tinha pedido. Melvin Strugess
meteu o detonador que havia usado para explodir o jato
dentro do porta-malas do ―Chevrolet‖ antigo, mas ainda em
bom estado. Tinham feito o trabalho sem complicações.
Tiveram de esperar a chamada telefônica sabendo que o
jatinho estava pronto para levantar voo. Apenas seguiram as
instruções que já lhes tinham dado: pilotaram o avião por
controle remoto, fizeram-no decolar e o atraíram ao lodaçal.
Assim que ele chegou, não perderam tempo e o explodiram
com toda a carga que transportava. O trabalho não fora dos
mais difíceis se comparado com outros que já tinham
realizado anteriormente, mas nunca, nenhum deles lhes fora
tão rentável.
Dois carros tinham passado por eles na estrada, mas nem
sequer os motoristas tinham olhado para o ―Chevrolet‖.
Agora, naquele lodaçal, é que não teriam contato com
alguém. O trabalho fora feito, haviam dado o preço que
desejavam receber e o mandante lhes tinha pagado sem
relutar, agora só precisavam levar o carro a outro lugar, onde
deveriam também convertê-lo em cinzas... Depois de tudo
terminado, bem mereciam umas boas férias!
Porém, justamente quando Kowalski se preparava para
ligar o motor do carro, um ciclista apareceu na estrada,
pedalando para onde estavam. Primeiramente, ambos o
fitaram com indiferença, mas logo em seguida, Sturgess
olhou para o companheiro e balbuciou:
— Espere, Kowalski. Esse ciclista é o nosso homem.
Seu comparsa olhou para o ciclista e o reconheceu
imediatamente: era o homem que os contratara e lhes pagara
uma pequena fortuna para executarem aquele serviço
inexplicável.
O aspecto do homem era inconfundível, embora agora
não estivesse usando um terno elegante, mas um bermudão
cinza e uma camisa da mesma cor, e estivesse pedalando em
uma estrada deserta.
Porém, fosse como fosse, aquele sujeito era um ser
inconfundível, devia ter mais de trinta e cinco anos, um
metro e oitenta e cinco de altura, muito louro e de olhos
azuis. Para confundir ainda mais o emaranhado de toda a
história, aquele ciclista era um homem bonito.
O atleta chegou até o carro, desceu da bicicleta e a deixou
encostada a um dos postes do acostamento.
— Não o esperávamos por aqui, senhor Silverman —
disse Kowalski.
— Passem os dois para o banco de trás disse o louro,
sorrindo. — Preciso lhes dar algumas instruções finais e não
quero que ninguém me veja com vocês.
Sturgess e Kowalski saíram rapidamente do carro e se
sentaram no banco traseiro. O atleta louro e atraente se
sentou ao volante e se virou para trás, a fim de olhar os dois
homens que esperavam as novas instruções e o fitavam com
naturalidade.
— Tudo saiu conforme determinei, não foi? —
perguntou.
— Sim, tudo aconteceu dentro dos cálculos previstos —
assegurou Sturgess. — Só não estou compreendendo uma
coisa, senhor Silverman. O senhor nos telefonou do Opa
Locka Airport para avisar que podíamos agir, controlar o
jatinho e dirigi-lo para cá... como pôde percorrer em tão
pouco tempo as milhas que separam o aeroporto deste
lodaçal? Pergunto porque de bicicleta jamais poderia chegar
em tão pouco tempo.
— Lógico que não vim pedalando desde Miami. Vim de
carro pela Krome Avenue e trouxe a bicicleta dobrável
comigo. Estacionei a poucos metros daqui e voltarei de
bicicleta até onde deixei meu carro. Porém isso não é o mais
importante. Vocês também viram o helicóptero?
— O?... É, um helicóptero passou por aqui há
pouquíssimos minutos e agora penso: muito estranho que
não tenham ouvido a explosão. O barulho foi forte e deve ter
repercutido. As pessoas que estavam no helicóptero deviam
ter visto até o local exato onde a mesma se deu.
— Agora muita gente deve estar lá — disse Kowalski. —
Ou talvez ninguém tenha se aproximado, pois onde o avião
caiu há muito barro. Felizmente esta estrada quase não tem
movimento, poucos carros passam por aqui e os poucos que
passam, não pararam para saber qual a causa da fumaça que
continua saindo dentre a plantação.
Enquanto conversava com os dois assassinos de aluguel,
o louro apanhou uma pistola com silenciador que trazia no
cós da bermuda e, sem deixar de conversar, normalmente,
empunhou-a e a apontou na direção de Sturgess que ao ver a
arma escancarou os olhos.
Não teve tempo para dizer uma palavra porque o louro
apertou o gatilho e a bala foi penetrar precisamente na boca
do criminoso, matando-o no ato.
Kowalski não escondia o medo e o pânico que se tinham
apossado dele. Teve vontade de gritar, mas o senhor
Silverman não lhe deu tempo para fazer nada, plop, disparou
novamente o estranho personagem e Ronald Kowalski levou
a mão ao coração. Sua cabeça pendeu para trás e sua morte
também foi instantânea.
Isso foi tudo. O senhor Silverman pôs novamente a
pistola no cós da bermuda cinza, saiu tranquilamente do
―Chevrolet‖, apanhou a bicicleta e se afastou lentamente pela
estrada. Quem o visse poderia pensar que era um indivíduo
que dava seu passeio diário e agradável.
***
Deviam ser um pouco mais de seis horas da tarde quando
o senhor Silverman entrou pedalando pelo jardim do hotel
pequeno que estava localizado próximo da estrada. Deixou a
bicicleta no alpendre e quando entrou no vestíbulo para
apanhar a chave de seu quarto, o recepcionista veio a seu
encontro e avisou:
— Acabaram de lhe telefonar, senhor Michaels. Foi seu
cunhado, ele disse que sua sogra está mal. Disse que acha
conveniente o senhor regressar imediatamente para casa.
— Minha sogra está mal? Ela estava passando
maravilhosamente quando saí para gozar estas férias
solitárias que me estão fazendo muito bem.
— Sinto muito, senhor. Apenas dei o recado que seu
cunhado deixou. Disse-me que ela adoeceu de repente.
— Só para me chatear, a diaba seria capaz até de morrer
— resmungou o senhor Michaels. — Maldição! Nem férias
eu posso ter! Está bem, prepare-me a conta. Vou tomar um
banho, arrumar as malas e voltar para casa hoje mesmo. A
maldita estava melhor do que eu quando resolvi descansar
um pouco por estas regiões.
Meia hora mais tarde, o senhor Robert Michaels
abandonava o ―Trail Hotel‖ para retornar a Tampa. Saiu do
hotel em um ―Ford‖ naquele local ermo, o senhor Michaels
arrancou a peruca loura e as lentes de contato azuis,
deixando seus cabelos e olhos castanhos bem escuros
descobertos.
Deixou toda a bagagem no ―Ford‖. O senhor Michaels
não carregou consigo as malas, a peruca ou as lentes de
contato... Nada. Simplesmente após ter-se despojado dos
disfarces, passou para o ―Thunderbird‖ e se afastou rindo.
Uma hora mais tarde, o senhor Michaels depois de
convencer-se que ninguém o seguia, deixou de circular a
esmo por toda a zona e se dirigiu resolutamente para Miami,
aonde chegou logo depois das oito horas.
Foi direto ao Riverside Hotel, localizado em NW North
River Drive, perto de Lummus Park. Depois de deixar o
carro no estacionamento, entrou no hotel. O recepcionista
sorriu amavelmente ao vê-lo e prestamente entregou-lhe a
chave do quarto.
— Já está de volta, senhor Navarro? Espero que tudo lhe
tenha sido satisfatório.
— Não posso queixar-me, porque as coisas correram bem
melhor desta vez. Espero, contudo, que minha sorte se firme
durante minha estada na Europa. Já reservou-me passagem
para Paris?
— Claro, senhor Navarro. Seu avião decolará amanhã, às
nove horas.
— Às nove... Isso significa que chegarei em Paris à noite.
Formidável, pois depois de uma viagem algumas horas de
sono reparador não façam mal a ninguém.
— Senhor Navarro, ninguém que eu conheça foi a Paris
para descansar — disse o recepcionista, sorrindo com
malícia.
— Há tempo para tudo na vida — também riu o
simpático e atlético senhor Michaels. — Em meu caso,
porém, primeiro descansarei algumas horas. Depois, há
tempo para resolver o que farei. Contudo, faça o que faça,
resolva o que resolver, sei que aproveitarei a viagem ao
máximo. Oh, la, la mon Dieu, Paris e la nuit!
— Já preparei sua conta — riu o empregado do hotel. —
E... feliz viagem, senhor Navarro!

CAPÍTULO TERCEIRO
A viagem retardada

A viagem começava mal.


Ou melhor; simplesmente nem sequer começara. Eram
nove e vinte e cinco minutos da manhã e o avião que devia
ter saído às nove, em voo direto Miami-Paris continuava no
aeroporto, depois de rodar lentamente para uma das pistas
laterais, de espera.
Os responsáveis pelo voo deram uma explicação
satisfatória aos passageiros que já estavam ocupando o
aparelho: quando faziam a última vistoria, efetuada
eletronicamente, esta revelara que havia uma peça
desajustada no motor e para a maior segurança de todos,
acharam conveniente trocá-la.
Tudo bem. Era uma pequena contrariedade, um pequeno
atraso, que poderia ser compensador durante a viagem se
aumentassem a velocidade um pouco... pior seria se todos
caíssem em pleno Atlântico.
Justamente às nove e vinte cinco, chegou o último
passageiro para o voo Miami-Paris. Melhor dizendo, a última
passageira que chegou no micro-ônibus do aeroporto. A
escada foi novamente colocada e ela subiu a bordo.
O senhor Felix Miguel Navarro Salvatierra (aliás, o
senhor Silverman ou o senhor Robert Michaels) viu a
passageira que chegava e imediatamente pensou como seria
interessante tê-la como sua companheira de voo ou...
Porém no mesmo instante, uma voz de alarma brotou
dentro de seu ser: Nada de complicações, meu amigo. Você
está envolvido em algo muito importante para arranjar
namoradas ou aventuras... Faça de conta que nem a viu.
O conselho estava certo, mas atendê-lo era o mais difícil.
A mulher era linda, esbelta, elegante e loura. Uma loura
fenomenal que tinha dois olhos verdes luminosos e
sorridentes, a boca então, era melhor nem analisar, pois seu
lábio superior era gordinho ligeiramente e parecia estar
implorando um beijo. A diaba também tinha uma covinha
encantadora no queixo e ele só tinha vontade de comê-la, de
beijá-la todinha. Há muito tempo não via mulher mais linda
e sedutora.
Felix Miguel Navarro Salvatierra sorriu, pensando como
seria ótimo se estivesse sentado em seu banco, mas como
não estava, era melhor não olhar mais para a jovem: Caso
terminado entes de ser iniciado! Agora, se continuasse
olhando para ela, seria capaz até de sequestrar o avião para
poder carregar aquela preciosidade para San Salvador!
Ela se sentou no lugar que estava vago, três filas adiante
de Felix Miguel. Cinco ou seis minutos mais tarde, a peça já
estava trocada; o avião agora poderia decolar com mais
segurança e foi o que aconteceu dez minutos mais tarde.
Maravilhoso!
Fim de uma tensão horrível!
Em vários momentos, ele sentira medo, um medo
medonho que aquela demora fosse arquitetada pela argúcia
das autoridades norte-americanas para retê-lo em terra e
capturá-lo, ou algo parecido. Por quê... por quê iriam
desconfiar do cidadão salvadorenho Felix Miguel Navarro
Salvatierra que nada tinha feito e nem tinha arranjado
encrencas com quem quer que fosse? A coisa já ficaria
completamente diferente se as mesmas autoridades
decidissem levantar a vida pregressa do senhor Silverman ou
do senhor Robert Michaels. Porém estes dois eram muito
ladinos e não tinham deixado pistas que os pudessem
prejudicar e ninguém, ninguém mesmo, poderia relacionar o
senhor Navarro com esses dois criminosos.
— Bem, menos mal que a demora não foi muito longa —
queixou-se o passageiro que estava sentado a seu lado. —
Para mim seria quase catastrófico não estar em Paris esta
noite.
— A demora foi curta e não deverá prejudicar essa
viagem — sorriu Felix Miguel. — Seguramente, nem
chegaremos com atraso, este será absorvido com um ligeiro
aumento de velocidade.
— Acredito que vá acontecer isso mesmo. Sorte teve a
musa loura. O atraso só a ela beneficiou. Se não houvesse a
avaria do motor, ela não estaria viajando para Paris.
— É verdade. Bem como dizem: a desgraça de alguns, é a
felicidade dos outros.
— Eu, pessoalmente, estou até satisfeito que aquela deusa
loura tivesse chegado a tempo para apanhar o avião. Uma
ração de beleza não faz mal a ninguém.
— É verdade — sorriu Felix Miguel.
O seu vizinho de banco continuou sorrindo sem afastar os
olhos da mulher, com uma expressão ausente no rosto. Felix
Miguel deduziu que estivesse estudando um estratagema que
lhe permitisse abordar a moça sem parecer impertinente.
Talvez não tivesse problemas semelhantes aos seus e uma
abordagem casual até lhe pudesse proporcionar uma
perspectiva por demais agradável.
Felix Miguel preferiu desligar-se do companheiro e da
loura, era preferível ficar calado para não chamar atenções.
Fechou os olhos como quem estivesse dormitando e
começou a pensar em seus negócios.
Seus negócios: Até aquele momento já havia assassinado
duas pessoas, mas não era isso que mais o preocupava e, se
fosse necessário estava disposto assassinar outras mais, todas
as que o pudessem prejudicar. Porque de uma coisa tinha
certeza, para conseguir aqueles três milhões de dólares
lutaria até o fim, salvo se alguém o matasse antes. Não
perdera tanto tempo para organizar aquele amontoado de
ações violentas, de assassinatos e falcatruas para agora pôr
tudo a perder, por algum descuido ou palavra impensada.
Nada disso. Havia muitas pessoas sentenciadas à morte,
muitos assassinatos bem premeditados e ninguém ia detê-lo
ou fazer desistir do plano que traçara antecipadamente,
Aquele dinheiro já tinha um dono em potencial.
Ficou imerso em uma espécie de sonolência e quando
acordou totalmente já estavam sobrevoando o Mar dos
Sargaços. Muitos aborrecimentos foram causados à
humanidade por causa daquele mar que era comumente
reconhecido e citado como o ―Triângulo das Bermudas‖.
Muitos aborrecimentos e muitas brincadeiras com todas as
histórias que inventaram sobre os extraterrestres que
desviavam o rumo das aeronaves que passavam por aquela
região, fazendo tanto os aparelhos, como a tripulação e os
passageiros desaparecerem para sempre. Histórias fantásticas
e fantasmagóricas para assustarem os homens... mas
acontece que são eles que gostam de histórias incríveis,
semeadas de mistérios e com uma boa dose de terror. E
quando há mortes, desgraças e extravagâncias misturadas
nelas, sempre agradam muito mais... Quem pode acreditar
que quando um avião atravessa o ―Triângulo das Bermudas‖,
venham alguns extraterrestres e que estes agarrem o aparelho
em pleno voo e o levem como quem leva uma caixa de
cerejas?...
— Deseja tomar um suco, senhor?
Acabou de abrir os olhos quando ouviu a voz da
comissária que lhe oferecia bebidas várias em uma bandeja.
Felix Miguel apanhou um copo com suco de frutas.
Muito bem. Dentro em pouco estaria chegando em Paris.
E depois...
Chegou a se surpreender quando a loura virou-se para trás
e ficou olhando para ele. Felix Miguel olhou para seu
companheiro de banco, certamente o espertalhão tinha
arranjado um meio para criar um método de ligação com a
loura e esta lhe sorria. Claro, no primeiro momento tinha
imaginado que o sorriso era para si, mas isso seria
impossível, pois nem tinha mais olhado para ela. Só podia
estar sorrindo para seu vizinho.
Por coincidência, naquele momento, precisamente, o
homem que estava sentado a seu lado examinava alguns
papéis que apanhara da pasta que estava sobre seus joelhos.
Novamente Felix Miguel olhou para a mulher loura e bonita,
convencido de que esta já não o olhava e que tudo não
passara de um erro bobo ao vê-la sorrindo.
Não! Não fora um erro bobo de sua parte, porque ela
continuava sorrindo-lhe e o fitando amigavelmente.
Quase em seguida, chamou-o com um gesto de mão,
dando a entender que ele devia aproximar-se dela.
Mais surpreso ficou e chegou a tocar o peito com a ponta
do dedo, como perguntando se o estava chamando mesmo.
Ela confirmou com um aceno de cabeça.
Felix Miguel estava realmente assombrado e
desconcertado, quando se levantou e se aproximou do banco
onde a loura estava sentada.
Fez-lhe um sinal para que se sentasse a seu lado, pois o
lugar estava vago e quando Felix Miguel se sentou, ela lhe
estendeu a mão.
— Olá! Meu nome é Lili e o seu?
Aos poucos, ia recuperando a presença de espírito e
finalmente pôde responder-lhe:
— Diga-me uma coisa, nós não nos conhecemos?
— Claro que não — riu ela. — Foi por isso que eu disse
meu nome. E você como se chama?
Felix Miguel endureceu o cenho e a fitou fixamente
durante poucos segundos, mas o sorriso da loura era capaz
de derreter um bloco de gelo que pesasse mais de um milhão
de toneladas.
— Sou Felix, Felix Navarro — respondeu. — Não quero
parecer um tipo grosseiro ou mal-educado, mas... por quê?
Ou falando mais claro: O que você está pretendendo?
— Não pensava que fosse um homem tão direto — riu ela
de novo.
— Viu como sou e sei que sou um homem normal.
Portanto...
— Você nada tem de normal, querido. É um tipão
elegante, atraente e sabe que é um cara charmoso!
— Bem, sei que não sou feio e nem antipático, mas
tampouco sou um desses tipos durões que levam tudo a
sério. Sou como sou já disse, mas longe de mim ser um tipo
excessivamente machão e indiferente.
— Então você não é desses?
— Claro que não.
— Sim?... Mas é dos que gostam de mulher?
— Claro que sim — sorriu Felix Miguel.
— E gosta de ser gentil com elas?
— Que pergunta!
— Não, eu só queria saber se você gosta e aprecia as
mulheres e pelas perguntas que me deu, vi que não vai
negar-me um favor... Ei! Espere, não se trata disso, você está
se precipitando. Não pense que vou pedir que me leve para a
cama. Nada disso, só estou pedindo... Só queria que você...
Preciso de um favor... necessito chegar acompanhada em
Paris.
— Explique-se melhor.
— Não posso chegar sozinha. Se eu chegar sozinha em
Orly, uma pessoa vai causar-me milhões de aborrecimentos.
Você não notou como cheguei atrasada e como quase perdi o
avião? Bendita avaria, foi a minha sorte, ou não sei o quê. Eu
precisava viajar neste avião acontecesse o que acontecesse...
minha estrela brilhou e tive sorte. Agora preciso estar em
Paris ainda esta noite, pois me ofereceram um trabalho
espetacular... mas não quero chegar sozinha, entende?
— Por quê?
— Há uma pessoa me esperando... Um homem deve estar
a minha espera e se ele me vir chegando sozinha, é capaz de
começar a me aborrecer. Eu vivia em Paris e tive de
abandonar a cidade, abandonar a França por causa dele.
Gostaria que nunca mais nos encontrássemos, não quero
mais ter quaisquer ligações com ele. Hoje de manhã,
telefonaram-me de Paris e me ofereceram este trabalho. Nem
titubeei e respondi que o aceitava. Ainda passei um
telegrama fonado confirmando minha resposta. Preparei a
mala correndo e corri para o aeroporto. E foi... então que me
lembrei dele. É um dos interessados da firma e quando
souber que o diretor-geral me convidou... Sei que vai querer
voltar... Porém, se eu chegar acompanhada por outro
homem, acabará se convencendo que deverá me deixar em
paz definitivamente. Não sei se eu me expliquei bem e nem
sei se você me entendeu.
— Você se explicou muito bem, até poderia dizer que
perfeitamente, porém não tenho intenção de participar dessa
comédia. Por quê não convida meu companheiro de banco?
Tenho certeza que ficaria encantado...
— Ele não serve.
— Por quê?
— Não sei como lhe explicar, mas ele não é jovem, nem
elegante como você. E nem é tão bonito! Porém se eu chegar
em sua companhia todos acreditarão que estamos tendo um
caso; seu companheiro de banco não será convincente: é
gordo, velho, calvo e barrigudo. Estive analisando todos os
passageiros e você foi o meu escolhido. Olhe para eles,
nenhum é tão bonito e sexy como você!
Felix Miguel acabou soltando uma risada e Lili o fitava
com um olhar doce e meigo como se realmente estivesse
enamorada.
— Qual foi o trabalho que lhe ofereceram? — perguntou.
— Qual é sua profissão?
— Sou modelo.
— Ah, sim, uma profissão bastante rentável. Que classe
de modelo?
— Fotográfico. Para revistas. Ofereceram-me para
apresentar uma linha de cosméticos... Você entende, não é?
Vou fazer uma linha comercial.
— Sabe que nada entendo sobre esse assunto? Nem tenho
ideia do que é.
— Espere que eu lhe explico. Vou ser a protagonista de
uma série de pequenos telefilmes publicitários que serão
lançados em conjunto com uma campanha intensiva que
sairá publicada nas revistas de maior tiragem na França. Veja
bem, não posso perder esta oportunidade única que me
surgiu depois de tantos anos de luta. Finalmente, vou tornar-
me uma estrela no ramo de publicidade!
— Entendo e lhe desejo muita sorte — riu Felix Miguel.
— E você o que faz?
— Sou engenheiro. Engenheiro eletrônico.
— Engenheiro eletrônico? Nunca tinha ouvido falar
nisso.
— Fiz meus estudos básicos nos Estados Unidos, em
Miami. Você conhece a Coral Gables University?
— Claro que não! — exclamou surpresa. — Por acaso,
tenho cara de universitária?
— Bem, eu também não tenho e, no entanto...
— Você tem, sim... Tem tipo de ser um homem muito
inteligente e culto... Você não esconde que é um homem
importante! Você é de Miami?
— Não. Não sou norte-americano, embora conheça os
Estados Unidos muito bem, sobretudo Miami, onde passei
vários anos estudando.
— De onde você é?
— Sou latino-americano — respondeu, sorrindo. —
Porém você é uma ianque legítima.
— Sou sim, mas passei vários anos na França. Na
realidade, eu fui para Paris porque... Quer fazer-me um
favor? Preste atenção e veja que não estou pedindo que você
me ame, mas que somente finja. Não estou pedindo muito,
só quero que nós dois desçamos juntos do avião, que
fiquemos juntos enquanto estivermos no aeroporto e que
tomemos um táxi juntos até Paris. Porém, quando chegarmos
na ―Cidade Luz‖ nos despediremos, dizemo-nos adeus...
Diga que me faz esse favor!
Felix Miguel titubeou. Entendia perfeitamente que
naqueles momentos, até resolver toda a questão, não devia
envolver-se em qualquer complicação, por mais
insignificante que fosse, mas os olhos verdes o fitavam como
que suplicantes.
— Não sei. Raciocine, arranje outro passageiro que...
— Não quero nenhum outro, só quero você. Está vendo
como é um homem insensível e cruel? Bem, talvez haja um
motivo para você se negar... Existe alguma mulher que o está
esperando?
— Não, ninguém está a minha espera.
— Talvez algum homem? Você tem amigos em Paris?
— Não. Na realidade não ficarei em Paris, passarei
poucas horas na cidade.
— Pois então o caso está melhor do que imaginei. Posso
dizer que você é o meu homem atual, mas que deve seguir
viagem a Roma, por exemplo, onde há negócios a sua
espera. Assim ninguém se surpreenderá se você não ficar
comigo e eu manterei o ―indesejável‖ afastado...
— Você é uma moça muito despachada, não é?
— Se está falando isso porque viajei a muitas partes do
mundo e porque conheci muita gente, sou mesmo — riu a
loura. — Por favor, diga que me vai fazer esse favor. Posso
contar com você?
— Procure arranjar-se sem mim, Porém se não arranjar
ninguém mais, conte comigo.
— Ótimo! — ela o beijou impulsivamente nos lábios,
como se a carícia realmente fosse válida. — Desconfio que
vou acabar me enamorando de verdade! Embora já esteja
suspeitando que vou arranjar problemas para minha vida...
Você é um homem casado com mulher e filhos, não é?
— Está querendo escrever minha biografia?
— Eu... escrever sua biografia? — repetiu com surpresa.
— Claro que não! Só agora começa a perceber que é um tipo
que não gosta de responder perguntas pessoais. Também
começo a entender que não gosta de falar a respeito de sua
vida. Pois eu adoro falar sobre a minha. Pergunte, pergunte
tudo que quiser saber... porque terei muito prazer em lhe
responder. O que você deseja saber?
— Por que não falamos dos extraterrestres? — propôs
Felix Miguel.
A loura não conseguiu esconder sua perplexidade diante
de uma resposta tão desbaratada, mas em seguida riu.
O homem que estava sentado ao lado de Felix Miguel
logo no início da viagem os observava de cenho fechado,
pensando que a vida era uma coisa muito imprevidente...
Como adoraria estar sentado ao lado daquela deusa... No
entanto, devia reconhecer que a moça e o atleta formavam
um par esplêndido e que se estivesse junto dela, o quadro
não teria ficado tão bom, porque a juventude dela faria sua
idade madura ressaltar. Enfim, a vida é muito boa, mas
sempre traz suas surpresas.
Quase uma hora mais tarde, uma aeromoça trouxe um
cabograma que entregou à loura. Felix Miguel achou que
devia deixá-la sozinha e voltou para sua poltrona,
Lili Connors era uma modelo norte-americana, bela e
simpática. Naquele momento, estava abrindo o cabograma.
Por frações de segundo o homem temeu e se perguntou qual
a mensagem que ela estava recebendo e quem a teria enviado
através de cabos submarinos. Mas em seguida, afastou o
enigma de sua mente. Na realidade, pouco se preocupava
com os problemas que ela pudesse ter.
A senhorita Lili Connors estava lendo pela segunda vez e
com muita atenção o cabograma que acabava de receber:
Conta numerada em nome de Felix Miguel
Navarro Salvatierra de San Salvador; engenheiro
Universidade de Miami, atualmente integrado no
Ministério de Obras Públicas de seu país; está em
gozo de férias em lugar ignorado.

A senhorita Connors dobrou o cabograma


cuidadosamente e se levantou. Engenheiro em férias,
gozando-as em lugar desconhecido? Muito divertido. Claro,
os Simons que estavam trabalhando na Europa não podiam
saber que o senhor Navarro Salvatierra naquele momento
estava viajando para Paris em um 747. Os da Central de
Operações da CIA sabiam que a agente Baby, com o nome
de Lili Connors havia tornado aquele avião depois de o
mesmo ficar retido, encobertamente pela CIA, sob o pretexto
de que na revisão final tinham descoberto uma pequena
avaria no motor e que uma peça do mesmo devia ser trocada.
O adiamento da decolagem tivera apenas um motivo: Lili
Connors precisava daquele tempo para se preparar para
iniciar sua nova missão: seguir Navarro Salvatierra desde o
Riverside Hotel até o aeroporto, a fim de anotar em qual voo
ele seguiria.
Não havia sido fácil e nem tampouco agradável manter a
pista de Felix Miguel Navarro Salvatierra. Se o ciclista não
tivesse aparecido, pedalando a bicicleta e se ao invés dele
matar Sturgess e Kowalski os tivesse deixado afastar-se no
carro, ela jamais os poderia ter seguido. Porém os fatos da
véspera tinham ocorrido de forma diferente e favorável a
senhorita Lili Connors.
Primeiramente, ela vira dois homens com os pés cheios
de barro, caminhando pela estrada à qual ela também se
dirigia. Depois, viu-os quando abriram o porta-malas do
carro e guardaram alguns apetrechos lá dentro. Depois, os
dois se sentaram no banco da frente e quando o que estava ao
volante ia ligar o motor do carro, apareceu um ciclista alto,
atlético e louro que os matou. Deixou os corpos e o veículo
abandonados no encostamento da estrada e em seguida,
apanhou a bicicleta e saiu pedalando calmamente,
assobiando uma canção em voga.
Ela também agiu com muita calma e presença de espírito.
Entrou no carro onde estavam os dois cadáveres e começou a
seguir o louro, mantendo uma distância adequada entre
ambos. O louro pedalou até o Riverside Hotel sem notar que
estava sendo seguido, enquanto vários Simons obedecendo
ordens suas, estavam investigando o caso, discretamente, e já
lhe haviam remetido relatório com os nomes de Sturgess,
Kowalski e os do homem que os matara: Felix Miguel
Navarro Salvatierra.
E agora, quando este último estava sob controle total,
chegavam novas informações de Genebra, fornecidas pelos
Simons encarregados das sindicâncias na Suíça que já
descobriram o nome do proprietário da conta numerada.
As informações primeiramente foram remetidas à Central
e de lá remetidas à Lili Connors quando esta voava para
Paris.
Tudo estava se encaminhando e combinando: Felix
Miguel Navarro Salvatierra estava envolvido naquele
assunto até a medula dos ossos. Porém, ele não era o único...
Quem mais poderia estar envolvido no caso e o que
pretendiam? Por ora, apenas sabia que Navarro estava
relacionado com Sturgess e Kowalski, que estes dois só
podiam ser criminosos mercenários que se vendiam por um
punhado de dólares.
Quem mais estaria trabalhando conjuntamente com
Navarro?
Certamente ele estava viajando para a Suíça, a fim de
empregar o dinheiro ou depositá-lo, talvez em outra conta
numerada. Por isso mesmo dissera que estaria poucas horas
em Paris...
Haveria alguém em Genebra que o estivesse esperando?
O que ele tencionava fazer com os três milhões de dólares?
A senhorita Connors caminhou diretamente ao toalete do
avião e jogou o cabograma que havia recebido em um dos
vasos inodorizados.
Já localizara o homem em cujo nome estava a conta
numerada do Banque Nationale Suisse.
CAPÍTULO QUARTO
Paris, Paris...

— Felix, você não quer encontrar-se novamente comigo?


— balbuciou Lili Connors.
— Não. Tenho a impressão que seus dias serão pequenos
demais para todos os compromissos que terá de enfrentar.
Você estará muito ocupada — retrucou ele, sorrindo.
— Eu queria ver você de novo — insistiu a loura. — Só
que desta vez, seria para satisfazer um desejo e não porque
precisasse de um espantalho para afugentar os pássaros que
quisessem aproximar-se.
— Muito bonito! — riu Felix Miguel com boa vontade.
— Faço um favor e ainda sou chamado de espantalho!
— Isso foi somente um modo de falar — riu também Lili,
fixando seus olhos azuis nos castanhos que estavam a sua
frente — Felix fale a verdade, você não deseja ver-me outra
vez? Por favor, diga que eu não entendi o que quis me
dizer...
Ele titubeou. Até aquele momento tudo estava saindo de
acordo com o que fora planejado. Nenhuma complicação, já
estava em Paris e todos pensavam que houvesse alguma
ligação mais séria com a musa, porém já estava desconfiando
que a história fora inventada para se aproximar dele.
Felix Miguel até já pensara que ela somente lhe fizera
aquele pedido incompreensível para poder iniciar uma
relação com ele. No entanto, sua situação já era diferente da
dela, porque no instante em que vira a passageira adorável
descendo do micro-ônibus, andando para o avião, tivera
vontade de beijá-la, acariciá-la... mas reconhecia que aquele
momento não era propício a aventuras, a paixões vulcânicas.
Havia muitas coisas importantes que deveriam ser feitas e
um pequeno lapso, uma pequena distração poderiam
prejudicar todo o andamento do caso. Por que ela não
aceitava a despedida como definitiva? Se se afastassem dessa
forma, tudo ficaria mais lógico e mais fácil para ele...
Porém, quando falou, perguntou:
— Como poderei encontrá-la em Paris dentro de três ou
quatro semanas?
— Três ou quatro semanas? Aonde você vai e o que vai
fazer?
— Ui, por favor, não me faça tantas pergunta. Se
realmente deseja que nos encontremos de novo,
simplesmente me diga onde poderei encontrá-la dentro de
um mês.
— Não sei onde me instalarei... acabo de chegar, mas
posso lhe dar o número de um telefone e quando...
— Muito bem. Não preciso escrevê-lo, Qual é?
— 887-8917
— Já está gravado em minha mente. Tchau!
Ela o fitava em silêncio, fixa e profundamente. Estavam
no vestíbulo do aeroporto de Orly, depois de terem cumprido
com todos os trâmites habituais de uma chegada. Nenhum
dos dois tiveram problema algum. Tudo corria perfeitamente
normal. Os avisos costumeiros em inglês e francês
continuavam ecoando pelos microfones. Como sempre o
movimento era muito e constante. A noite, lá fora,
apresentava um aspecto nebuloso e parecia muito fria, apesar
de ainda estarem no início da primavera.
— Adeus — insistiu Felix Miguel.
Lili não disse uma palavra. Abraçou-se a ele e o beijou na
boca. O homem estava gélido, mas seus lábios pareceram
derreter-se ao contato dos dela. Depois, rapidamente,
desgrudou-se dele, apanhou a mala pequena e a maletinha
vermelha estampada com flores azuis que colocara em cima
e se afastou, sem nem mais olhar para ele.
Havia chegado o momento de solicitar a colaboração dos
Simons. Alguém precisava substituí-la, pois se ele não a
convidara, não poderia pedir para acompanhá-lo. Se fizesse
isso, poderia levantar suspeitas e, além disso, sabia que Felix
não ia aceitá-la a seu lado. Precisava determinar o que devia
ser feito com os três milhões de dólares e Lili Connors não
estava incluída em seus planos.
Portanto, havia chegado o momento de solicitar ajuda e
os Simons se encarregariam de mantê-lo sob vigilância.
Lili Connors saiu pela porta principal do aeroporto de
Orly e naquele instante, preciso, dois desconhecidos se
aproximaram dela. Tudo aconteceu tão rapidamente que
chegou a pensar que fossem dois de seus Simons que
chegavam para lhe dar as boas-vindas e informá-la do que já
levantaram sobre o caso. Bem, aqueles dois sujeitos jamais
poderiam ser seus companheiros porque os Simons jamais se
aproximariam dela daquele modo... E nem tampouco tinham
tipo de americanos.
Porém quando falaram o fizeram em inglês.
— Pombinha — disse um deles — aja com calma, seja
obediente e tudo ficará mais fácil. Compreende?
— Perdão — simulou estar sobressaltada e
desconcertada. — O que quis dizer?
— Ele quis dizer que se provocar um escândalo, se der
algum alarme, tudo ficará pior para você — disse o outro. —
Por isso, trate de obedecer às nossas ordens. Vamos
caminhar um pouco até chegarmos ao carro que não está
estacionado muito longe. Vamos dar um passeio e enquanto
passeamos, podemos conversar. Você entendeu?
— Sim... mas não entendo o por quê... nós não nos
conhecemos, eu nunca os tinha visto anteriormente. Não sei
quem vocês são...
— Esse não é problema insolucionável — sorriu o mais
alto. — Eu sou Doroteo e meu amigo é Teodoro. Mais
alguma dúvida?
— Sim... Não... Parece que... estou sendo sequestrada.
— Não, só queremos conversar com você a respeito de
Feliz Miguel Navarro. Você o conhece?
— Sim, ele é...
— Já respondeu — Doroteo apanhou a mala de Lili. —
Comece a caminhar e não complique sua vida.
Começou a andar. Lili o seguiu e Teodoro se manteve a
seu lado. Um pouco mais adiante, Lili viu dois gentes da
CIA. Um deles a observava atentamente, como que pedindo
permissão para intervir. Ela continuou impassível e os dois
Simons compreenderam que ainda não era o momento para
começarem a agir. Deixaram-na passar na companhia de
seus raptores.
Pouco depois, estes paravam perto de um dos carros que
estavam no estacionamento. Teodoro sentou-se ao volante e
Doroteo se sentou no banco de trás juntamente com Lili que
parecia muito ―assustada‖...
―Mal sabiam aqueles dois imbecis que poderia matá-los
em questão de segundos‖ — pensou.
O carro arrancou.
— Como você se chama? — perguntou-lhe Doroteo.
— Lili Connors.
— Então você é uma norte-americana? — pareceu
surpreender-se Teodoro. — E qual é sua ligação em todo
esse assunto do senhor Navarro?
— Do que estão falando?... Que assunto é esse?
Doroteo não respondeu, mas ficou olhando fixamente
para ela. Teodoro também se virou ligeiramente para poder
olhá-la.
— É isso precisamente o que queremos saber — afirmou
Doroteo. — O que o senhor Navarro está fazendo
atualmente?
— Não sei do que está falando e nem sei quais são as
atividades do senhor Navarro. Nós nos conhecemos durante
o voo de Miami-Paris... ficamos amigos e combinamos que
ele me telefonará dentro de alguns dias... Nada mais sei a seu
respeito. Quem são os senhores e por que me fazem tantas
perguntas?
Doroteo acendeu a luz que havia no carro. Praticamente
arrancou a maletinha vermelha que estava no colo de Lili e a
abriu. Começou a examiná-la, sem poder desconfiar de seu
fundo falso, onde estavam guardados os disfarces que Baby
costumava usar para transformar sua aparência quando tinha
que enfrentar os perigos de espiã mais famosa do mundo.
Objetos que nem os detectores dos aeroportos detectavam:
passaportes com nomes vários, a pistolinha encastoada de
madrepérola, dinheiro, lentes de contato, óculos, perucas e
outras coisas mais que embora parecessem inofensivas
poderiam tornar-se armas poderosas, como a escova de
cabelo, por exemplo, que tinha uma pequena saliência no
cabo que quando apertada de certa forma, provocava a saída
de um estilete afiadíssimo.
Doroteo sacudiu os ombros e olhou para Teodoro.
— Ela parece estar dizendo a verdade, não carrega nada
que não seja comum nas bolsas de moças vaidosas, como
batom, blush, sombras e outras miuçalhas mais.
— Que vamos fazer? — perguntou o companheiro agora
em espanhol. — Vamos levá-la para o armazém?
— Acho melhor. Não podemos deixá-la em qualquer
esquina como se nada tivesse acontecido.
— No armazém podemos liquidá-la com mais calma e
segurança — disse Teodoro.
Doroteo olhou para Lili estudando sua reação, talvez para
se certificar se ela entendia o espanhol. Porém a deusa loura
continuava imutável, olhando de um para o outro,
aparentando o mesmo ar preocupado, mas sem demonstrar
que estivesse entendendo a conversa deles.
— Acho melhor a gente ir para o armazém — insistiu
Doroteo. — Se os outros resolverem a outra parte e se tudo
correr bem, irão reunir-se conosco e aí, veremos o que
convém se fazer em conjunto. Paris é uma droga que sempre
dificulta todo nosso trabalho!
— Pare de se queixar tanto quando as coisas estão
acontecendo até com facilidade; não temos motivos para nos
queixar; conosco tudo está saindo bem, mas o mesmo não
aconteceu com o chefe lá em Miami... Fez um fiasco
danado!
— Se ele ouvisse você falar desse modo era bem capaz de
matá-lo.
— E por acaso ele não fracassou em Miami? Saiu
pessoalmente para vigiar e acompanhar Navarro durante o
tempo que este passasse na cidade, e de uma hora para outra,
o diabo se transformou em fumaça que some no ar. O pobre
do chefe só tornou a vê-lo quando reapareceu no hotel,
lampeiro e sorridente. Nem ele ou Deus souberam o que o
diabo andou fazendo durante as horas que esteve
desaparecido. E tem mais, na manhã seguinte, quando estava
disposto a seguir Navarro a pau e a ferro, para este não
despistá-lo novamente, o nosso homem se dirigiu para o
aeroporto e embarcou em um avião que fazia a linha Miami-
Paris.
— Eu queria estar escondido para ver com que cara ficou
— riu Teodoro.
— Reconheço que o chefe, forçado pelas circunstâncias,
fez papel de idiota, mas como sempre foi esperto, ligou para
nós que estávamos na Espanha e deu ordem para que
viéssemos imediatamente a Paris, mesmo tendo que deixar o
outro serviço pela metade. Forneceu-nos todas as
informações a respeito do voo de Navarro, como o nome da
companhia, o número de voo e horário de chegada e isso nos
ajudou bastante... Chegamos em Orly um pouco depois do
avião pousar, mas tivemos sorte de encontrá-lo minutos mais
tarde. Do que você está se queixando?
— É, de acordo com seu raciocínio, você tem toda razão
— admitiu Teodoro. — Mas continuo invocado e querendo
saber quem é essa garota maravilhosa que estava com ele e
qual a sua atuação dentro do caso. Você acredita que ela
saiba o que Navarro está tramando?
— Parece que não. Ela é uma dessas fêmeas muito
ardentes que quando encontram um homem que as agrade,
vão imediatamente para a cama com o infeliz que é
espoliado até o último centavo e assunto terminado.
— Depende, talvez seja assunto começado porque se
ambos gostarem da transa, a prolongam por uma temporada.
Só me sinto apalermado porque conhecemos Navarro há
algum tempo e ele nunca foi homem de perder a cabeça por
causa de dois seios perfeitos ou um quadril arredondado.
— Sendo assim, você acredita que ela tem alguma
ligação com seus planos ou nas coisas que ele está tentando
levar avante?
— Homem, começo a desconfiar que desta vez Navarro
está numa boa e que a garota simplesmente é uma conquista
fácil e passageira, mas... também tenho uma dúvida, sabe?
Ela tem cara de ser muito esperta e eu não tolero mulheres
espertas.
— Pois eu as adoro, quanto mais despachadas e
desinibidas mais me agradam. Acho melhor a gente resolver
quem vai primeiro jogando uma moeda para o alto eu sou
cara!
— Deixe dessas burrices, Teodoro. O chefe virá a Paris
tão logo consiga uma passagem... Ele ia adorar se soubesse
que andamos misturando trabalho com sexo... Acho que não
se precisa criar mais complicações para ele que já está
bastante complicado por causa de Navarro!
— Já estamos chegando no Boulevard Peripherique. Por
aqui já tem mais trânsito e eu preciso prestar mais atenção,
companheiro. A conversa e... o ―resto‖ pode ficar para
depois.
Minutos mais tarde, estacionavam na frente de uma porta
metálica. Doroteo saiu do carro e a levantou. Teodoro entrou
no armazém e ele a abaixou novamente. Acendeu uma
lâmpada fraquinha que estava pendurada no teto.
O armazém era grande, devia ter quase cento e vinte
metros quadrados, era uma bagunça horrível com caixas
vazias, pneus velhos e uma coleção de objetos imprestáveis,
velhos e estragados, que estavam espalhados numa desordem
danada. O ambiente era desagradável e lúgubre. Ao fundo
havia um escritório pequeno que ficava isolado da loja por
um tabique desmontável e junto deste uma escada de
madeira que subia até o teto e desaparecia dentro deste.
Lili Connors olhava tudo com atenção e pensou que devia
haver ratos, baratas e outros bichos naquele lugar.
Teodoro estacionou o carro bem ao fundo, perto do
escritório e disse à Lili:
— Desça daí, boneca. Quer um trago? — agora estava
falando inglês novamente.
— De quê?
— Você é muito gozada! Ofereço-lhe uma bebida e ainda
tenta me fazer exigências! Tem de aceitar o que eu lhe quiser
servir.
Ela nem respondeu. Apanhou a maletinha vermelha com
naturalidade e saiu do carro.
Doroteo acabara de fechar a porta e se aproximava deles
e depois mostrou o escritório. Todos foram para lá e ele
acendeu uma lâmpada.
— Diabo que me carregue, nunca vi lugar mais imundo
— resmungou Teodoro.
— Não devia queixar-se tanto. Se o franchute não nos
devesse aquele favor, nem este lugar teríamos para
descansar.
Teodoro não respondeu, abriu o armário e apanhou uma
garrafa de conhaque e três copos de vidro grosso. Olhou para
Lili, mas esta recusou com um movimento de cabeça. Ele
sorriu e encolheu os ombros. Em seguida, derramou a bebida
em dois copos e entregou um destes ao companheiro. Depois
os dois homens acenderam cigarros de uma marca
espanhola, mas eles não tinham tipo de espanhóis, apenas
tinham trabalhado na Espanha. Trabalhado em quê? Talvez
fossem agentes secretos de um país latino-americano?
Seriam também oriundos de San Salvador como Felix
Miguel?
Outro carro chegou cinco minutos mais tarde, entrou
também no armazém e ficou estacionado perto do que
tinham usado. Dois homens saíram de seu interior. Um que
chegara dirigindo e outro que viera sentado no banco de trás.
Logo em seguida, também desceu Felix Miguel Navarro.
Assim que entraram no escritório pequeno, sujo e mal
iluminado, ele viu Lili Connors que também o fitava com
curiosidade.
Com duas passadas aproximou-se da moça e pôs a mão
em seus braços.
— Você está bem? — perguntou.
— Sim. Mas esses homens...
— Tranquilize-se. Estavam à minha procura, mas eu já
lhes disse que apenas estivemos juntos durante a viagem e
que você nada tem a ver comigo. Não pode imaginar como
sinto por saber que eles a assustaram.
— Mas afinal o que está acontecendo? O que eles querem
com você?
— Não se preocupe. Eles vão deixá-la sair daqui agora
mesmo.
Virou-se para Teodoro, Doroteo e os outros dois que
tinham chegado com ele. Os quatro estavam agrupados em
um dos cantos da sala imunda, falando em voz baixinha, mas
ela percebeu que naquele momento usavam o espanhol.
Felix Miguel seria tão ingênuo a ponto de pensar que eles
iam soltá-la, que iam deixá-la sair daquele lugar imundo?
— Vocês dois podem se sentar aí e se mantenham
calmos. Teremos que ficar aqui, esperando o chefe que não
deve tardar.
— Um momento — cortou-o Navarro. — Eu não ofereci
resistência em nenhum momento porque vocês prometeram
que a senhorita Connors não seria molestada... não foi esse o
acerto que fizemos?
— Feche essa boca e fique calado — ameaçou um dos
homens. — Não nos faça perder a paciência. Todos nós
ficaremos aqui aguardando a vinda do chefe. Embora ele
demore dias, semanas ou meses.
— Não! Não vão dizer-me que Honorato Perez...
— Você, Felix Miguel, é um traidor maldito! Um traidor
da pátria e não lhe vamos dar explicação alguma. Salvo esta:
Se não se calar, levará uma surra tão violenta que suas
entranhas sairão pela boca! Já está avisado e depois não se
queixe!
Felix Miguel Navarro não respondeu, apenas o olhou.
Teodoro abriu a boca como se fosse explodir, mas em
seguida a fechou em silêncio e se afastou, batendo os pés no
chão, raivosamente.
Os outros sujeitos estavam bebendo conhaque quando um
deles se ofereceu para comprar sanduíches para todos. O
oferecimento foi acatado com prazer. Teodoro e Doroteo não
tiravam os olhos de Lili e Felix Miguel que estavam sentados
no sofá pequeno e imundo que havia no escritório. Ambos se
mantinham em silêncio, mas de repente, a loura perguntou:
— Posso fumar?
— Fume, mas se mantenha calada — respondeu Doroteo.
Ela abriu a maleta, puxou suavemente o cigarro que
ativava o rádio pequeno que estava camuflado dentro do
maço e falou rapidamente, antes que os Simons tivessem
oportunidade de fazer algumas pergunta:
— Então, esta situação poderá perdurar por horas?
— Já disse para você fumar e continuar calada — disse
Doroteo.
Só então ela tirou um cigarro autêntico do maço e o
acendeu. Porém não desligou o rádio. Desse modo, os
Simons continuariam na escuta e tomariam conhecimento de
todas as coisas que estavam acontecendo no armazém. Já
deviam ter compreendido que deviam manter-se calados e
certamente deviam saber onde ela estava, pois tinham visto
quando saía na companhia dos dois homens.
Agora se sentia mais descansada e mais protegida. Os
companheiros iam permanecer em silêncio e em expectativa,
somente aguardando instruções mais concretas.
Enquanto fumava, Lili Connors ia analisando a situação:
Se esperasse impassivelmente a chegada do chefe de seus
raptores, haveria pelo menos cinco homens dificultando a
ação dos Simons. Por outro lado não gostaria que estes
interviessem, pois então Navarro compreenderia que ela
fazia parte do time que jogava em campo oposto, ou melhor,
que era um dos atacantes da CIA. Se isso ocorresse, perderia
a relativa confiança que ele parecia depositar em Lili
Connors, até aquele momento. Por outro lado, se os Simons
conseguissem caçá-lo a situação ficaria praticamente
solucionada.
Ou não?
Se seus companheiros capturassem Navarro este estaria
em condição de lhes proporcionar informação suficiente que
pudesse solucionar o assunte? Navarro era uma peça
importante do jogo ou apenas alguém que obedecia às ordens
que lhe eram dadas, sem nunca tomar decisões apropriadas a
cada situação?
Naquele instante tinha poderes para escolher se resolvia a
situação drasticamente, solicitando a colaboração dos
Simons... ou se continuava o jogo a sua maneira. Decidiu
pela última opção.
— Você quer um cigarro?
Navarro olhou para ela e em seguida, seus olhos
desceram à mão que retirava o cigarro do maço onde estava
o rádio. O rapaz notou imediatamente como a mão da loura
estava trêmula, olhou para ela e viu seus olhos desorbitando,
o corpo amolecendo, relaxando para em seguida, cair
estirado no chão. Navarro levantou-se inopinadamente, mas
Doroteo interveio:
— Sente-se, Navarro. O que aconteceu com a pombinha?
— Deixe-me examiná-la — riu Teodoro. — Certamente
desmaiou de medo.
Ajoelhou-se a seu lado e enquanto lhe dava alguns
tapinhas no rosto, também aproveitava para massagear seu
peito.
— Acorde, beleza...
Abriu os olhos e quando viu Teodoro, começou a gritar
histericamente e em seguida, se lançou contra ele e enfiou as
unhas em seu rosto. O sujeito tentou afastar-se da fera, mas
Lili o segurou com mais força e Teodoro acabou caindo
sentado no chão.
Doroteo nem pôde socorrer o companheiro porque
Navarro aproveitando o momento de confusão, preparava-se
para esmurrá-lo e antes que pudesse se colocar em defensiva,
recebeu um direto na garganta que o derrubou sem sentido,
arquejante e mais morto que vivo.
Teodoro ainda estava sentado no chão. Começou a gritar,
mas não pôde fazer nada para socorrer Doroteo porque
recebeu um soco no queixo que o deixou inconsciente.
O terceiro sujeito agora estava realmente assustado com a
ação rápida e direta que Navarro e a loura empregavam.
Deixou cair o copo com o conhaque, meteu a mão direita
dentro do casaco para apanhar a arma que estava sob a axila
esquerda... Ainda estava puxando a pistola quando Felix
Miguel virou-se rapidamente, levantou a perna direita e
jogou o pé diretamente na região de entrepernas do infeliz
que curvou o corpo e gemeu de dor. Porém os gemidos
cessaram, quando outro pontapé pegou diretamente em seu
rosto, transformando-o em uma máscara sanguinolenta. O
homem caiu de costas e durante a queda bateu na mesa e nas
cadeiras provocando um barulho excessivo no armazém que
agora estava imerso no mais profundo silêncio.
Naquele momento, Timóteo começava a voltar a si. Lili
segurou-o, mas Felix Miguel ordenou:
— Afaste-se dele! Deixe-o comigo! — gritou, apanhando
uma arma que estava no chão.
Lili o fitou como se estivesse despertando de um pesadelo
e se levantou.
— Não pense que morro de medo!... — exclamou
Teodoro quando seus dedos conseguiram pegar a arma.
Porém, Navarro foi o mais rápido e só teve de apertar o
gatilho uma vez.
Crack! O estampido soou e a bala foi penetrar no peito de
Teodoro, que gritou de dor e caiu se retorcendo no chão.
A situação já estava melhor. Navarro olhou para a loura
que a cada momento o seduzia com mais intensidade.
— Vamos sair daqui! Agora! — exclamou.
— Espere... tenho de... recolher minhas coisas. Oh, ai...
parece que vou... — caiu de joelhos quase desmaiando de
novo, recolheu os objetos que tinham caído de sua maleta
vermelha, também verificou que o rádio continuava
conectado com o dos Simons e murmurou: — Tudo isso...
está horrível. Não compreendo o que... aconteceu. Quando vi
esse homem debruçado sobre mim... Nem sei o que fiz
realmente!
— Fique mais calma, Lili. Com sua ajuda consegui
controlar a situação — disse Navarro. — Agora se levante
desse chão imundo, temos de ir embora, antes que o outro
chegue com os sanduíches.
— Sim, sim, já... já vou...
Acabou de recolher o que tinha se espalhado no chão e
naquele momento, aproveitou para aproximar o rádio à boca
e sussurrou:
— Vigiem essa gente de longe. Deixem-me seguir
Navarro. Se precisar de ajuda, chamo. Entendido?
Desligou o rádio, fechou a maleta e saiu correndo para a
porta do armazém que Navarro já estava levantando.
— Encarregue-se do volante! — este gritou. — E saia em
disparada!
Lili obedeceu. Ele levantou a porta, ela deu marcha-à-ré e
tirou o carro que e seus raptores usaram.
— Vamos, vamos embora!
— Para onde...?
— Temos de sair daqui. Depois a gente resolve para onde
vai!
Lili Connors afastou-se rapidamente do armazém,
enquanto o céu ficava carregado, ameaçando chover.
***
Já estava chuviscando quando Lili parou o carro onde
podiam ver a Torre Eiffel iluminada. Ela não conhecia a
zona perfeitamente e levara o tempo todo dirigindo sob a
orientação de Navarro.
Espere aqui e quando eu tirar o outro carro, você pode
colocar este em sua vaga.
Abriu a porta e saiu expondo-se à garoa. Lili viu quando
ele se aproximou de um dos automóveis que estavam no
estacionamento, um ―Renault 25‖, viu como ele o abriu com
facilidade, ligou o motor e o retirou do estacionamento. Ela,
por sua vez, colocou o outro, apagou o motor e quando ia
sair do carro, Navarro já estava ao seu lado e lhe pediu as
chaves. Abriu o porta-malas e apanhou sua bagagem.
— Oh! — exclamou Lili com espanto. — Minha mala
ficou no carro de Teodoro e Doroteo.
— Não se preocupe por isso. Eu posso dar-lhe tudo que
você precise. Tome, feche o carro e venha comigo. Solte sua
maletinha que eu vou colocá-la junto com minhas malas.
— Não... não entendo por quê...
— Já disse para você não se preocupar. Este carro já
estava há vários dias no estacionamento, esperando por mim
— explicou agora já bastante risonho e colocando no porta-
malas do ―Renaul 25‖ as coisas que estavam no outro carro.
— Você agora terá de vir comigo, não é?
— Aonde?
— Espere que você verá.
— Como posso ir se estão me esperando para...
— Não pode ficar aqui em Paris porque eles a matariam.
Entre no carro, fique calma porque agora eu dirigirei.
Lili entregou-lhe as chaves do outro carro que ficara no
estacionamento e observou quando ele as jogava em um
córrego que passava próximo.
Depois, sem quaisquer comentários, sentou-se a seu lado,
ligou o Motor do ―Renault 25‖ e arrancou. Em seguida,
olhou para Lili sorrindo.
— Lamento sinceramente, Lili — disse docemente, —
mas você não pode continuar em Paris, aqueles homens são
muitos violentos e poderiam matá-la. Suponho que você seja
uma daquelas pessoas que considera a vida como o bem mais
valioso que é dado a alguém. Sei que deve estar aborrecida
por causa da oportunidade publicitária perdida... mas confie
porque outras surgirão.
Lili ficou pensativa e de repente, exclamou: — Você...
você matou dois homens esta noite, Felix Miguel!
Ele não respondeu e continuou rodando pela autopista
que os levava a Orly. Quando chegaram em Orly, ele deixou
o ―Renault 25‖ em um estacionamento e passaram para um
―BMW‖ branco. Isso mostrava claramente que Navarro tinha
um carro à sua espera em Orly e outro em Paris. Sinal que
estava preparado para enfrentar todas as contingências que
pudessem surgir em seu caminho.
Ou quase todas.
Lili não fez comentários, mas tinha certeza que se
Doroteo e seus amigos não tivessem aparecido, Navarro teria
utilizado o ―BMW‖ e nem teria ido à Paris. Somente por
isso, não quisera tomar o mesmo táxi para irem juntos à
capital; por isso insistira que deveriam despedir-se ainda no
aeroporto.
Quando o ―BMW‖ rodava para o sul, ele perguntou:
— Você está assustada?
— Assustada e preocupada. Quem é você realmente?
Pressinto que me meti em problemas, mas ainda não sei
como são e como me livrar deles.
— Não se preocupe — falou, meigamente, colocando a
mão em sua coxa. — Não se preocupe com nada, nem com a
garota que ia estrelar alguns filmes de publicidade. Tenho
dinheiro e poderei comprar tudo que você quiser.
— Então, você é um homem rico? Tem um milhão de
dólares?
— Um milhão? — Felix Miguel soltou uma risada. —
Querida, dentro de pouco tempo teremos mais de vinte
milhões de dólares!... Claro que nem toda a fortuna será
nossa, mas quando alguém maneja vinte milhões de dólares
acha que um milhão é uma miséria, você entende, não é?
— Começo a desconfiar que meu sequestrador é louco!
Ele riu de novo, enquanto o carro continuava rodando na
autopista encharcada pela chuva que tinha aumentado.

CAPÍTULO QUINTO
Saint-André-le-Bouchoux

Faltavam poucos minutos para as cinco horas da


madrugada quando chegaram ao destino.
Tinha chovido durante toda a noite e ainda continuava
chovendo, uma chuva fina e fria.
Lili Connors tinha cochilado várias vezes enquanto
rodavam pela autopista Paris-Lyon, mas depois que a
abandonaram e atravessaram a estrada de Mácon, procurou
manter-se desperta. Quando chegaram nesta cidade se
dirigiram para Bourg-en-Bresse e depois seguiram na
direção sul e chegaram a Saint-André-le-Bouchoux.
A chuva parecia envolver todo o cenário, que agora
estava amorfo, incolor e sem encantos provocando em Lili
Connors uma sensação esquisita de solidão misturada com
tristeza.
Navarro parou na frente de um portão de ferro gradeado
que tinha as grades arrematadas com pontas em forma de
lança, constituindo um belo espetáculo que agora estava
iluminado pelos faróis do carro.
Em seguida, acendeu-os e os apagou diversas vezes,
fazendo alguns sinais codificados através das grades, para o
fundo da propriedade.
Lili pôde observar entre um e outro clarão, uma casa
branca e grande que se elevava mais no centro do terreno.
O portão foi aberto eletronicamente e Felix Miguel entrou
na vila. Atravessou os jardins lentamente e só parou perto da
porta, único lugar que estava iluminado àquela hora. O resto
da mansão estava às escuras e as árvores que a cercavam
formavam sombras fantasmagóricas naquela réstia de luz.
— Finalmente chegamos — disse Felix Miguel, sorrindo.
— Não me diga que não dormiu diversas vezes durante a
viagem.
— Cochilei, sim, mas onde estamos agora?
— Em Saint André-le-Bouchoux.
— Isso eu já sabiá, pois vi alguns indicadores pelo
caminho com esse nome, mas... esta construção é um
castelo?
— Não, somente uma casa de campo — riu Navarro. —
Você está bem?
Ela ia responder quando uma luz de lanterna penetrou no
carro, iluminando-os. Foi apagada em seguida e alguém
abriu a porta do lado de Felix Miguel para este sair.
— Seja bem-vindo, senhor Navarro — disse uma voz em
espanhol. — Já avisamos o senhor Medrano.
— Boa-noite, mas não havia necessidade de acordarem
Filiberto. De qualquer modo, nós dois encontraríamos a hora
do almoço. Levem o carro para a garagem.
— Sim, senhor.
Felix Miguel rodeou o veículo e foi abrir a porta para Lili
sair também. Esta olhava os homens protegidos com
impermeáveis que haviam saído de dentro da casa, alguns
utilizando lanternas e outros somente contemplando o
recém-chegado.
Lili também saiu do carro, Navarro segurou seu braço e
ambos correram até a porta da casa. A chuva continuava
caindo forte, com persistência, mas mansa. Um homem
abriu-lhes a porta e eles entraram no vestíbulo.
Quase em seguida, apareceu outro sujeito que não usava
impermeável, mas tinha uma submetralhadora nas mãos.
— Como está tudo, Leval? — perguntou Navarro. —
Tudo bem?
— Felizmente, senhor. Por aqui não houve novidades.
— Melhor assim. Dê uma volta pela cozinha e veja se
encontra café para nós. Todos estão em seus postos?
— Exatamente, senhor.
Felix Miguel e Lili entraram em uma saleta confortável e
agradável. Ela se sentou em uma das poltronas, abriu a
maleta vermelha e apanhou um cigarro. Acendeu-o, sempre
olhando para Felix Miguel que colocava uísque em dois
copos. Ofereceu um a Lili, mas esta o recusou com um gesto
de cabeça.
Naquele momento, um homem entrou na saleta. Era alto,
forte, espadaúdo e elegante, quase tão atraente quanto
Navarro e de idade também aproximada. Calçava chinelos,
usava calças marrons que apareciam sob o robe que tinha
vestido às pressas.
Os dois rapazes se olharam e se abraçaram em silêncio.
Nem uma palavra, só um abraço que não poderia ser mais
expressivo. Era uma amostra viva de uma amizade sólida e
antiga. Depois o rapaz olhou para Lili e Navarro apresentou-
a.
— Ela é Lili Connors, uma garota norte-americana que
por minha culpa, perdeu uma das melhores chances de sua
vida profissional. Lili, este é Filiberto Medrano, um amigo
de toda a vida e sócio de meus empreendimentos.
— Como está? — cumprimentou-a amavelmente
Medrano, falando em um inglês tão fluente quanto o de
Navarro. — Acabo de entender que a senhorita também
acabou sendo envolvida pelas dificuldades.
— Desconfio que sim, embora desconheça a origem e a
natureza delas, suponho que meu destino era complicar a
vida.
Medrano estava sorridente e a contemplava amavelmente,
enquanto seus olhos pareciam perscrutar os pensamentos da
mulher.
Pouco depois, Leval veio avisar que o café seria servido
dentro de poucos minutos.
Os dois rapazes se sentaram e Navarro explicou ao amigo
o que havia acontecido desde que tomara o avião no Miami
International Airport.
Quando terminou, os três já estavam tomando café,
fumando cigarros e Medrano parecia mais preocupado.
— Felix, você falou, falou, mas não me disse o que
esteve fazendo tantos dias em Miami.
— Fiz certos contatos aproveitáveis, mais tarde podemos
comentar sobre eles. Espero que enquanto estive viajando,
tudo aqui continuou desenvolvendo-se de acordo com
minhas instruções.
— Claro. Praticamente tudo está preparado. Já temos os
grupos organizados, as fotografias, as fitas de vídeo... Tudo.
Cada um dos grupos sabe que deverá entrar em ação dentro
de pouco tempo, desde que você lhes dê as instruções finais
e concretas.
— Fil, você não lhes forneceu todas as instruções?
— Não.
— Por quê? — irritou-se Felix Miguel. — Não ficou
combinado que durante minha ausência você...
— Espere, Felix. Sei muito bem o que combinamos: Eu
teria de ir instruindo os grupos a fim de prepará-los, mas
preferi esperar por seu regresso; pensei que talvez você
mudasse de ideia.
— Porcaria! Você me conhece, Fil e sabe que jamais
volto atrás depois de ter decidido uma coisa. Quando fui
procurá-lo, expliquei tudo e você me disse que colaboraria
integralmente em meus planos. Que história é essa de querer
que eu mude de ideia? Por quê?
— Não sei... Quando você se afastou daqui para fazer
alguns contatos com nossos patrícios... pensei que talvez
fosse encontrar soluções melhores das que já estavam em
andamento há dois meses atrás.
— Não as procurei porque não existem outras soluções
melhores ou piores, somente existem aquelas que eu expus a
você desde o início.
Medrano olhou para a moça rapidamente e começou a
falar em espanhol, certamente pensando que Lili não
entendesse esse idioma.
— Felix, você está pretendendo trair nossa pátria!
— Sempre soubemos que o homem é um agente livre
para escolher o que deseja ou não deseja fazer. Você ainda
priva dessa liberdade, Fil... Se prefere, pode afastar-se agora
mesmo — respondeu Navarro também em espanhol.
— Para falar a verdade, você nunca me explicou o plano
totalmente! — protestou Medrano. — Agora, por exemplo,
continuo sem saber o que foi fazer em Miami. Só sei que
viajou, que levou mais de dois meses longe daqui. Agora
voltou e eu continuo sem saber o que realmente está
acontecendo. Só me foi explicado que estamos preparando
gente, preparando homens...
— Está bem, posso me encarregar dessa parte também,
logo depois de ter relaxado por algumas horas. Estou moído
de cansaço!
— Compreendo, você não quer me dizer o que esteve
fazendo em Miami durante todos os dias que passou lá.
— Fil, somos amigos praticamente desde que nascemos,
estudamos juntos a vida inteira, tanto em casa como nos
Estados Unidos. Fizemos farras, tivemos momentos de riso,
alegria e felicidade, mas também passamos por muitos
outros repletos de tristezas e lagrimas. Muitas vezes, quase
comíamos no mesmo prato e dormíamos na mesma cama...
Para estarmos mais unidos só nos falta uma coisa: ser
homossexuais e nos enamorarmos um do outro.
— Felix, deixe de falar tantas asneiras porque este
momento não é para brincadeiras!
— Está bem, se você quer ficar do meu lado, deverá
continuar aceitando minha vontade e minhas decisões. Se
não quiser, muito bem e muito obrigado! A escolha é sua,
pois não penso dizer-lhe mais nada do que já sabe.
— Percebo, Felix, quer que eu confie cegamente em
você, porém não confia plenamente em mim.
— Não se trata disso, Fil, mas não penso falar mais nada.
— As coisas não podem prosseguir como você está
planejando, Felix. Não percebe que estamos trabalhando em
prol de um montão de assassinatos.? Eu gostaria que você
me explicasse...
— Não quero mais falar sobre esse assunto. E sabe de
uma coisa? Já que está insistindo na desistência, acho
preferível que você se retire e me deixe sozinho, tornando
conta de tudo.
Filiberto Medrano ficou branco como um cadáver.
Gastou alguns segundos olhando o amigo fixamente e por
fim murmurou:
— Irei embora amanhã de manhã.
— Faça como bem entender — concordou Navarro.
Medrano se despediu de Lili com uma inclinação de
cabeça e abandonou a saleta.
— É bom nós também subirmos para descansar — falou
ele, sorrindo.
— Creio que feriu seu amigo profundamente, Felix
Miguel.
— Tolices. Coisas de amigos.
— São coisas de amigos planejar um montão de
assassinatos? — perguntou Lili, suavemente. — E além
disso, pude perceber que você também está programando
uma traição a sua pátria e foi esta uma das acusações feitas
por Doroteo e Teodoro...
— Quer dizer que você também entende o espanhol?
— Entendo-o e falo perfeitamente — respondeu agora em
espanhol.
— Você é uma garota muito esperta.
— Penso diferente, uma pessoa para falar um idioma
precisa estudá-lo, somente.
— Quantos idiomas aprendeu?
— Falo um pouco de francês, um pouco de italiano e
alemão.
— Você também fala o alemão? Pode manter uma
conversação?
— Creio que sim. Mas que história é essa sobre
assassinatos?
— Espere, querida... Acredita, então, que eu vou contar a
você o que não quis comentar com meu amigo de toda a
vida?
— Compreendo. Também estou achando conveniente ir
embora com seu amigo Filiberto.
— Nem pense nisso — retrucou sorrindo. — Confio em
Filiberto e sei que ele jamais me prejudicará, mas você eu
não conheço, faz apenas vinte e quatro horas que nos vimos
pela primeira vez. Se não confiei em Fil...
— Então, você vai reter-me aqui, contra minha vontade?
— Não é bem isso, tenho prazer em conservar minha
hóspede — sorriu Navarro novamente. — E estou pensando
que talvez você pudesse colaborar comigo, pois estou
precisando de intérprete. Falo vários idiomas, mas não
entendo nada de alemão e, agora farei uma viagem a um país
onde a maioria do povo só fala alemão. Você quer
acompanhar-me?
— Isso é incrível! — sorriu Lili. — Sou sequestrada,
perco a melhor oportunidade profissional de minha vida e
agora, você pretende carregar-me para a Alemanha... assim
como se eu fosse sua escrava ou um robô que não tem
pensamentos ou sentimentos próprios. Se você não tem
sentimentos o problema é só seu, mas eu os tenho e...
— Quem não os tem, Lili? — murmurou Navarro — mas
atualmente estou empenhado em algo que requer toda minha
atenção. Você quer ou não quer ir comigo?
— Sim, mas não vou por causa dos vinte milhões, ou
porque sou sua prisioneira.
— E por que vai então?
— Há anos escutei uma canção que se chamava ―Um
homem para cada mulher‖ e entre outras coisas dizia: e para
cada mulher um homem. Creio que encontrei o homem de
minha vida, Felix.
— Sim, eu sei — murmurou Felix. — Vamos subir, vou
levá-la para o quarto.
Lili o fitou com incredulidade, mas continuou calada.
Apanhou a maleta vermelha e minutos mais tarde, Felix
afastava a porta de um dos quartos para ela entrar, mas
quando ia abrindo a boca para falar, ele a beijou e sussurrou:
— Querida, cada coisa a seu tempo. Boa-noite.
Saiu em seguida e Lili Connors ficou sozinha. Entrou no
banheiro, abriu a maleta vermelha. Podia ligar o rádio e se
comunicar com os companheiros, mas não achou que isso
fosse oportuno naquele momento.
Apanhou a pistolinha nacarada de madrepérola e a aderiu
com esparadrapo à sua coxa esquerda. Afinal de contas, não
era uma má companhia para dormir. E quando se falava em
montões de assassinatos, mais valia estar prevenida.
Eram quase nove e meia da manhã quando Lili
aproximou-se da janela e viu Filiberto Medrano saindo da
vila. Felix Miguel preferia magoar o amigo de infância, antes
de lhe revelar os planos que tinha idealizado. Não precisava
pensar muito para saber quais eram estes planos: Ele havia
falado em vinte milhões de dólares e se seus planos dessem
certo, muito em breve poderia dispor dessa fortuna e só
havia uma explicação que o levasse a ela. Estava pensando
aplicar o mesmo método que aplicara nos Estados Unidos
para conseguir os três milhões de dólares... Isso significava
que pensava exigir mais dólares de países ricos para depois
depositá-los na conta, numerada que tinha na Suíça.
Vinte milhões era uma fortuna por demais exagerada para
satisfazer as necessidades e fantasias de um homem, por
mais extravagante que ele fosse. Em que usaria aquele
dinheiro? Certamente em uma obra mais ampla e de maiores
repercussões. Uma guerra?
Não, uma guerra pode ser feita com muito menos
dinheiro — continuou reflexionando. — Ou melhor, pode ser
iniciada sem precisar de tanto. Não, Felix não está tramando
uma guerra. E por que está tramando assassinatos que
constituem uma traição à pátria, conforme disse Medrano?
Todas as vítimas deverão ser salvadorenhas... O que ele
pretende afinal?
Bateram na porta e ela foi abri-la. Chegou a sorrir quando
viu Felix Miguel segurando uma rosa na mão esquerda e
com a direita puxando um carrinho com o desjejum.
— Serviço de quarto, madame — foram suas primeiras
palavras. — Só espero que tenha bom apetite.
— Devo comer a flor? — riu ela.
— Trago pratos suculentos. A flor é para seus cabelos ou
decote, madame. Dormiu bem?
— Passei uma noite boa. E você?
— Não muito boa — disse Felix Miguel, depois de entrar
no quarto. — Filiberto foi embora.
— Eu o vi pela janela. Você não tem direito de estar
decepcionado. Eu no lugar de Fil também teria feito o
mesmo. E você também o imitaria.
— Talvez. O que sabe sobre o mundo de assassinatos?
— Eu? O que posso saber? Nada, absolutamente nada!
— Gostara de conhecer um grupo de assassinos
profissionais? Mas com uma condição: ver, ouvir e calar.
Não poderá demonstrar medo... Você é capaz de fazer isso?
— Tentarei.
— Certo, mas antes, vamos tomar o nosso desjejum. E
outra coisa, diga-me, onde vai pôr a rosa que ganhou?
***
Havia mais de vinte homens na biblioteca quando Felix
Miguel entrou acompanhado pela moça que havia prendido a
rosa no vestido, sobre o seio esquerdo. Os olhares dos vinte
homens se concentraram nela, mas a loura continuou
indiferente a todos, pelo menos aparentemente.
Uma reunião de assassinos não era novidade para a
senhorita Lili Connors. Eram muitos anos de luta em todas
as partes do mundo e com sujeitos de todas as espécies.
Esses, por exemplo, eram aventureiros de alto nível,
Exatamente. Eram aventureiros de alto nível que tanto
podiam comandar um exército como cometer o mais discreto
assassinato. Eram verdadeiras máquinas de matar que ainda
não tinham quarenta anos, talvez todos estivessem com um
pouco mais de vinte.
Lili sentou-se em uma poltrona mais afastada, acendeu
um cigarro e isso foi tudo. Os assassinos profissionais
também se desligaram de sua pessoa e fixaram a atenção em
Felix Miguel que estava parado perto de um computador, de
uma tela gigante e do sistema de vídeo. O silêncio era total.
O dia estava cinzento, ainda ameaçando chuva.
Lili não gostava daquela parte da França, preferia a Costa
Azul onde o sol era mais radioso.
— O senhor Medrano teve de ausentar-se e serei eu quem
lhes dará as instruções finais. Para falar a verdade, esperava
que ao chegar fosse encontrar tudo pronto para se iniciar a
ação imediatamente. Agora esta deverá ser retardada por
alguns dias, mas o importante é ser bem executada — disse
Navarro ao começar. — Creio que o senhor Medrano já os
instruiu sobre o aspecto geográfico e local e, que por isso já
estão aptos para circularem em San Salvador livremente.
Alguém tem alguma dúvida sobre este ponto?
Silêncio absoluto. Sinal que não havia dúvidas. Navarro
ligou o vídeo que fora preparado com antecedência e as
primeiras imagens apareceram na tela: Uma praia orlada de
palmeiras e em seguida, uma cidade lavada pelo sol, com
avenidas arborizadas, por onde circulavam vários
automóveis e pelas calçadas, pessoas que se vestiam à
vontade. Havia um grande predomínio da raça índia entre
elas.
Repentinamente, um rosto de homem apareceu na tela —
moreno, de cabelos negros e ondulados. Usava um bigode
muito bem tratado que lembrava Jorge Negrete. Navarro
conservou sua imagem na tela e antes que ele começasse a
preleção, Lili já tinha identificado o sujeito: Ceferino
Robledo, o Ministro de Agricultura de San Salvador.
Navarro manipulou o computador e os dados pedidos
começaram a ser apresentados. Os olhos de Lili dançavam da
tela para Felix Miguel e vice-versa. Só era audível o barulho
do computador passando para o papel os dados referentes a
Ceferino Robledo. Ninguém tinha pressa e todos fumavam.
Quando a impressora terminou seu trabalho, Navarro cortou
o papel e o colocou em cima da mesa. Começou, então a
falar em inglês.
— Cada grupo receberá uma informação semelhante,
detalhada ao máximo sobre a personalidade que terá de
eliminar. Sei que já estudaram esta parte e sei que conhecem
em quais locais terão de agir. Desejo que trabalhem com
muito cuidado porque não admitirei uma só falha. Cada um
antes de viajar para San Salvador receberá um cheque no
valor do que foi combinado, mas este cheque só poderá ser
descontado depois do trabalho estar concluído
satisfatoriamente. Se algum de vocês não cumprir com sua
parte porque teve a ideia ―inteligente‖ de receber o dinheiro
antes de executar a tarefa — coisa que não acontecerá por
que todos são profissionais sérios — ou senão matar a pessoa
que lhes foi designada, encontrará a conta bloqueada e o
cheque não será pago. Creio que todos entenderam?
Silêncio absoluto.
— Terão de assassinar catorze personalidades ao todo. E
eu vou fornecer-lhes informações detalhadas sobre todas
elas. Vamos começar pelo personagem que temos na tela: É
Ceferino Robledo, Ministro de Agricultura de San
Salvador...
Navarro dissertou sobre as futuras vítimas até a uma hora
da tarde. Tinha fornecido informações detalhadas sobre
todos os homens marcados e cada grupo recebera
informações escritas sobre a autoridade que devia assassinar.
Depois que o grupo as estudasse e planejasse o assassinato,
deveria procurar Navarro e seria este quem decidiria se todos
os planos estavam corretos e cuidaria da viagem a San
Salvador. Se tudo acontecesse como tinha idealizado, os
catorze homens mais influentes e mais poderosos de San
Salvador morreriam quase que simultaneamente.
Em outras palavras, San Salvador ia ficar sem os homens
que tomavam decisões e dirigiam aquele pequenino país sul-
americano.

CAPÍTULO SEXTO
Sempre amigos!
— Você deve estar se sentindo muito isolada — falou
Felix Miguel ao vê-la sentada com um livro nas mãos.
— Claro que não — respondeu, fechando o volume que
havia retirado momentos antes da estante. — Só os tolos
sentem solidão. Leitura é distração e, também estava
pensando, que você é um homem muito rico, Felix.
— Eu era, mas agora estou pobre como uma ratazana.
— Não me diga que gastou todo seu dinheiro para
financiar esta... operação massacre: teve de alugar esta
propriedade, contratar os homens, comprar o material que
eles gastarão na viagem...
— Foi exatamente o que aconteceu.
— E acredita que valeu a pena sacrificar-se para planejar
catorze assassinatos?
— Minha ruína econômica é apenas transitória. Logo,
logo recuperarei meu dinheiro e terei muito mais.
— Entendo. De onde vai tirar os vinte milhões de
dólares?
— Espere e verá — desconversou o rapaz.
— Então, você não quer conversar sobre isso? Tampouco
quer contar-me por que planejou os catorze assassinatos?
— Posso contar tudo para você se me disser duas coisas.
Topa?
— Topo. O que quer saber?
— Por que pintou seus cabelos de louro se são muito
mais bonitos na cor original e por que usa lentes de contato?
— Pinto meus cabelos somente para variar meu visual —
riu Lili Connors. — E uso lentes de contato porque tenho um
ligeiro astigmatismo e não tolero usar óculos. Não pensava
que você fosse um bom observador!
— Lili, por favor, não me engane, nunca minta para mim
— Felix falou agora, muito sério.
— Quem foi que o enganou, querido? Por que está tão
magoado?
— Não quero falar sobre este assunto, mas por favor, não
minta.
— Felix Miguel, é muito difícil a gente ser expansiva
com uma pessoa tão retraída, praticamente, é você quem
força os outros a serem reservados. Preste atenção, não estou
dizendo que seu comportamento force mentiras mas limita a
espontaneidade dos que o cercam. Veja meu caso, por
exemplo: Você vive dizendo que me ama, mas me conserva
como uma verdadeira prisioneira que não merece carinho ou
atenção.
— Tenha paciência. Tudo será diferente depois que eles
partirem para San Salvador e nós viajarmos para a Suíça.
— O que vamos fazer lá?
Felix Miguel parecia que ia falar quando alguém bateu na
porta da saleta. Autorizou a entrada e apareceu Leval.
— O senhor Medrano está ao telefone e mandou dizer-lhe
que o assunto é muito importante.
Felix Miguel se levantou e saiu da biblioteca
acompanhado do servidor. Lili também se levantou e se
aproximou da janela. Lá fora estava um breu e continuava
chovendo. Continuou quieta e pensativa por longos minutos
e, depois, resolutamente andou para a porta, abriu-a e se
dirigiu ao escritório. Entrou sem bater e o escutou falando:
— Está bem, Fil. Chegarei dentro de uma hora, mais ou
menos, só o tempo que deverá ser gasto na corrida.
Desligou e ficou olhando para Lili com uma expressão
ausente.
— O que Fil queria? — perguntou ao ver que ele
continuava com o pensamento distante.
— Quer encontrar-se comigo e eu vou a seu encontro.
Acho melhor não me esperar para o jantar, Lili.
— Não, você não deve encontrar-se com ele, Felix.
— Claro que vou.
— Não percebe que talvez seu amigo lhe esteja
preparando uma boa cilada?
— Nunca pensei que você pudesse ser tão maldosa. Eu e
Fil somos amigos desde a infância. Podemos discordar em
muitas coisas, mas jamais poderíamos ser desleais um para
com o outro. Quer me fazer um favor? Ocupe-se
exclusivamente de seus assuntos!
— Esplêndido — falou Lili, friamente. — Amanhã
mesmo regressarei a Paris e vou ver se ainda estão me
aguardando para o filme publicitário.
Navarro aproximou-se dela, abraçou-a pela cintura,
beijou-a na boca e murmurou:
— Perdoe-me, não desejava ser grosseiro com você, mas
estou cercado de problemas que precisam ser solucionados...
Não fique zangada, querida, prometo que voltarei cedo para
tomarmos um conhaque, antes de deitar-nos.
— Eu preferia ir com você e não me diga que não posso
escutar o que você e seu amigo vão conversar.
— Está bem. Fil está me esperando em um restaurante e
nós três podemos jantar juntos. Vou pedir para tirarem um
carro da garagem.
— Eu vou subir um instantinho e volto em seguida sorriu
Lili.
***
Ele estacionou fora da estrada, a uns quarenta metros do
―Maison Le Renard‖.
Tiveram de correr até o restaurante porque a chuva tinha
aumentado. O ambiente da casa era agradável com poucos
clientes naquela noite gélida e as chamas crepitavam na
lareira. Ao lado desta estava um urso empalhado que dava
certa imponência ao recinto.
Filiberto estava ocupando uma das mesas e se levantou ao
vê-los. Aproximaram-se. Os dois homens apertaram-se as
mãos e Medrano sorriu para Lili.
— Desconfio que o caso de vocês é sério, Conheço Felix
e se não estivesse muito apaixonado, não teria permitido que
você viesse.
— Sei ser persuasiva — sorriu Lili. O rapaz sorriu
constrangido.
— Podemos tomar um aperitivo enquanto esperamos o
jantar que encomendei.
O dono da casa parou perto da mesa, informando que
teriam de esperar alguns poucos momentos e que em
seguida, o jantar seria servido. Medrano encomendou os
aperitivos (Byrrh para a senhorita). Quando o proprietário
regressou com os mesmos, os três ainda se mantinham em
silêncio.
— Sempre amigos! — disse Medrano, levantando o copo.
— Sempre amigos! — respondeu Navarro, também
erguendo o seu.
Lili brindou com eles em silêncio; compreendia que
aquele brinde era um hábito antigo e que devia ter um
significado especial para os dois. Observou que Filiberto
parecia inquieto, preocupado, parecia. se sentir mal naquele
momento.
— Felix — disse, logo após o primeiro sorvo. — Quero
que você me escute com atenção, antes de exaltar-se.
Combinado?
— Claro, amigo. Estou satisfeito por vê-lo novamente
perco de mim...
— Espere! Quero que você saiba que Honorato Perez,
nosso chefe do serviço-secreto de San Salvador chegou a
Paris e ficou por demais aborrecido quando soube que você
conseguiu escapar da emboscada e que ainda matou um de
seus homens.
— Pensei que tivesse matado os dois.
— SomenteTeodoro Gomez faleceu. Dorotheo e o outro
reagiram e continuam vivos. E aquele que saiu para comprar
os sanduíches, também.
— Fico alegre. Não tenho interesse em matar ninguém.
— Felix, como pode dizer isso se está planejando catorze
mortes?
— Este caso é diferente, Fil. Uma coisa é matar um
desgraçado e outra coisa é acabar com catorze homens
exploradores. Estas mortes não seriam assassinatos, mas
verdadeiras execuções.
— Execuções? Escute, sei que aquelas personalidades
não merecem respeito, mas quanto a assassiná-las...
— Fil, falando a verdade, fiquei satisfeito ao saber que
você estava fora deste negócio. Já me ajudou bastante e
agora prefiro que continue afastado. Portanto, diga-me logo,
porque pediu que eu viesse aqui. O que quer falar comigo?
Está precisando de alguma coisa? De dinheiro?
Medrano umedeceu os lábios com a língua e murmurou:
— Honorato Perez está aqui, Felix.
— Aqui? O que quer dizer exatamente com aqui?
— Ele está aqui no ―Maison Le Renard‖. Está lá fora e
com ele estão Doroteo e os dois tipos que conseguiram
continuar vivos depois de se encontrarem com você naquele
armazém. Perez trouxe, além destes, mais três homens.
Como pode ver, são sete no total, todos eles estão armados e
cercando o restaurante.
Felix Miguel estava branco como um cadáver.
— Como conseguiram encontrar-me aqui? — Sussurrou.
— Meu Deus, Felix! — Medrano estava tão pálido como
o amigo. — Fui eu quem avisou Perez. Há duas semanas
entrei em contato com ele e combinamos que sempre que
houvesse alguma novidade, eu poderia ligar para alguém que
lhe daria o recado. Hoje de manhã, liguei, disse onde estava
e pouco depois o próprio Honorato Perez me chamava de
Paris e às cinco horas, nós dois nos encontramos em Lion.
Lili Connors bebeu um gole do Byrth, sem tirar os olhos
de Medrano.
— Então, você me traiu, Fil? — Sussurrou Navarro.
— Por favor, Felix, deixe-me explicar – implorou. — De
acordo com seu ponto de vista, talvez eu o tenha traído, mas
agora, quero que saiba como eu encaro tudo.
— Fale, porque estou aqui para ouvi-lo.
— Em nenhum momento você me pôs a par da totalidade
de seus planos. Quando você me disse que ia fazer algo
grande e que contava com meu apoio, respondi
imediatamente que ficaria ao seu lado, não foi verdade?
— Sim.
— Passei uma temporada ajudando você. Comprei o
material, contratei homens e quando você viajou, fui eu
quem ficou comandando a vila, ou como você fala, fiquei no
―posto de comando‖, e tudo funcionou conforme seus
desejos e ordens. Isso também é uma verdade, não é?
— Sim.
— Entretanto, no momento em que você me participou
que teríamos de assassinar catorze autoridades de nossa
pátria, eu lhe pedi explicações mais explícitas que
justificassem as mortes, pois eu sempre tinha pensado que
meu amigo Felix Miguel jamais levantaria a mão para matar
um homem. E agora não me conformo quando o meu amigo
quer comandar catorze assassinatos sem uma justificativa...
As vítimas são exatamente as personalidades de nossa pátria.
Se todos morrerem, San Salvador ficará como um menino
perdido no meio de uma nevasca. Você esta querendo
arruinar nosso país?
— O que você acha?
— Não, acho que não, mas como não me explicou o que
pretende, não posso permitir que continue levando seu plano
avante e foi por isso que o delatei a Honorato Perez.
Inicialmente, eu lhe dizia onde podia vigiá-lo. Tentamos
descobrir o que você pensava pôr em prática, mas como
continua teimando, tentando levar o projeto adiante e como
não concordo com os catorze assassinatos, denunciei-o a
Perez. Felix, fale-me de seus planos, convença-me de que as
mortes são necessárias e eu novamente me porei do seu lado
e o ajudarei na luta contra aqueles que desejam destruí-lo...
Prometo que...
Medrano estava quase chorando quando Felix Miguel pôs
a mão em seu ombro e disse:
— Acalme-se Fil. Sempre foi um homem bondoso,
humano e caridoso e eu não desejo envolve-lo
completamente em meus planos. Pedi que me ajudasse na
parte inicial porque necessitava da ajuda de alguém que me
fosse fiel e eu somente podia confiar em você, mas agora,
quando quase tudo está organizado, decidi afastá-lo dos
riscos finais, entende? Foi por isso que eu quis que deixasse
a vila. No entanto, quero que ainda me faça mais um favor, o
último, diga a Honorato Perez que só conseguirá caçar-me
quando eu estiver morto. Volte para casa, Fil. Adeus!
— Nós ainda nem jantamos — reclamou Lili.
Os dois rapazes fitavam com desespero, mas em seguida,
Felix riu.
— Não se preocupe, Lili, você poderá jantar com ele em
outro lugar. Você irá com ele, querida. Quero ter liberdade
de ação, sem preocupações. Talvez até consiga escapar do
cerco e voltar a vila.
— Felix, você não entendeu? — quase gritou Medrano.
— A vila foi invadida pela polícia! Perez somente aguardou
que você se afastasse para avisar as autoridades que já
estavam de sobreaviso desde que foram notificadas que lá
estavam hospedados vinte assassinos profissionais. Os
homens já devem estar presos, mortos ou foragidos. Você
está sozinho e só continua vivo porque Perez quer captura-lo
vivo. Espera leva-lo de volta para San Salvador, onde será
submetido a uma série de interrogatórios que poderão
esclarecer quais os motivos do extermínio planejado...
— Você é infame, Fil!
— Não podia permitir que você para satisfazer sua
vontade, deixasse San Salvador sem governo e sem direção!
Felix, os catorze homens que você determinou deviam
morrer são a base da política militar e econômica de nossa
pátria.
O dono do restaurante olhava para eles com certa
apreensão, pois percebia facilmente que a discussão estava
acalorada.
— Bem, o que devo falar a Perez? — perguntou
Medrano, subitamente.
— Diga-lhe que Felix Miguel e eu queremos fazer um
trato privado com ele — interveio Lili. — E que este será
mais proveitoso do que qualquer coisa que tenha pensado
fazer para resolver a situação.
— O que você me diz, Felix? — agora Medrano parecia
aborrecido.
— Lili tem razão, Fil. Leve esse recado a Perez.
— Está bem — retrucou, levantando-se da mesa.
Felix Miguel olhou para Lili e riu.
— Posso saber o que está pretendendo?
— Você tem alguma arma?
— Não.
— Pois eu trouxe a minha — chegou a sorrir ao ver seu
olhar espantado. — Veio aderida a minha coxa e com ela
vamos controlar Perez. Se o sujeito não quiser nos
acompanhar como refém, juro como seus miolos ficarão
espalhados pelo chão entre mesas e cadeiras desta casa.
— Lili, você me mentiu, não é modelo fotográfico.
— Não, não sou, Felix.
— Já sei, você me mentiu quando contou a história do
sujeito que ia espera-la no aeroporto... Você é uma agente do
FBI! O que eu fiz para tentar uma aproximação?
— Eu estava no helicóptero quando Kowalski e Sturgess
explodiram aquele avião em pleno voo. Saltei a tempo para
chegar à estrada quando guardavam o detonador no porta-
malas do carro. Eu os estava vigiando quando você chegou
de bicicleta e... quando se afastou depois de mata-los.
Depois, segui o ciclista até o Riverside Hotel... Como pode
ver, o resto foi muito mais fácil.
— É uma mulher fantástica, Lili! Imagino que há gente
por perto protegendo você!
— Até que não. Passei um rádio quando estava em Paris
e mandei vigiarem Doroteo e os outros, mas que me
deixassem porque eu os chamaria novamente se precisasse
de ajuda.
— Sendo assim, seus amigos seguiram Honorato Perez
até aqui.
— É possível — sorriu Lili.
— Cada vez fico mais mal colocado; de um lado tenho as
tenazes do serviço secreto de San Salvador e do outro, o
poderoso FBI...
— Reconheça que nos deu motivos para ser perseguido,
Felix. Está planejando catorze assassinatos em San Salvador,
a fim de deixar o país sem governo. Nos Estados Unidos,
você nos premiou com uma explosão a gás e uma série de
ameaças... que renderam nada menos que três milhões de
dólares. E ainda se surpreende porque há pessoas aborrecidas
com você!
— Não — riu Felix Miguel, — não me surpreendo!
Pensei que estivesse fazendo as coisas muito bem, mas vejo
que fracassei.
— Felix, estou sinceramente intrigada porque você não
age como um profissional. O que pretendia e o que pensava
fazer com os três milhões de dólares que estão a sua
disposição? E porque queria matar catorze pessoas?
Naquele momento, apareceu um homem de estatura
mediana, calvo e moreno. Andou diretamente para a mesa
onde eles estavam e Lili notou como gotas de chuva
resvalavam pela capa que usava, porém quando seus olhos se
cruzaram com os dele, soube que tinha uma verdadeira
víbora parada a sua frente.
Honorato Perez também a examinava com curiosidade e
depois olhou para Felix Miguel.
— Qual é o trato?
— Gostaria de ganhar... discretamente, cem milhões de
dólares? — perguntou Lili.
— Quem é ela? — exclamou Perez.
— A mulher da minha vida e seja muito cortês ao trata-la.
— Vejo que é norte-americana. Certamente trabalha para
a CIA. Só agora começo a entender algumas coisas. Felix
Miguel Navarro, você está sendo manipulado pela CIA. É
isso que está acontecendo.
— Estou fascinada com sua inteligência sutil — ironizou
Lili. — Porém contínuo aguardando sua resposta, senhor
Perez.
— O que eu teria que fazer para ganhar os cem milhões
de dólares?
— Permitir que eu e Felix nos afastemos daqui. Como as
coisas estão, dificilmente ele poderá leva-las adiante,
portanto, acho que é hora de pelo menos se pensar no bem
mais valioso que possuímos? Sabe qual é este bem, senhor
Perez? É nada mais, nada menos do que a vida! O que me
responde?
— A partir de hoje Navarro não vai poder esconder-se em
canto algum porque sempre o localizaremos.
— Deixemos esse problema para o futuro e resolvamos o
do presente: Cem milhões por nossa liberdade. Sim ou não?
— Concordo — respondeu, depois de alguns segundos.
— Venham comigo, devemos tratar este caso em algum
lugar mais discreto.
Começou a caminhar para a porta, Felix e Lili o
seguiram. O proprietário do restaurante respirou aliviado, se
houvesse uma briga, essa não aconteceria dentro de sua casa.
Filiberto estava parado ao lado de Doroteo e o chefe fez-
lhe um sinal para este permanecer de prontidão, depois
acenou para Medrano acompanha-los. Não viram mais
ninguém.
Os dois homens de Perez deviam estar bem escondidos.
Ele próprio encaminhou-se para um arvoredo.
— Precisamos conversar em lugar bem protegido. Não
quero que ninguém escute nossa conversa. Aproximem-se
das árvores. Porém não tentem escapulir pelo bosque
adentro. Continuem caminhando a minha frente.
Felix Miguel, Lili e Medrano obedeceram sem qualquer
objeção... O que aconteceu em seguida foi algo alucinante.
Perez sacou a pistola provida de silenciador, e a encostou
nas costas de Medrano e apertou o gatilho. O rapaz caiu sem
um gemido. Felix e Lili se voltaram rapidamente, mas Perez
ordenou:
— Mantenham-se de costas ou então...
Lili Connors estendeu o braço direito, a pistolinha
encastoada de madrepérola brilhou na escuridão, ela apertou
o gatilho rapidamente e Perez caiu com a cabeça destroçada.
Felix correu para o amigo e se ajoelhou a seu lado.
— Fil — chamou com voz trêmula.
— Não adianta, Felix. Ele está morto — disse Lili
Connors. — Precisamos sair daqui.
Felix Miguel levantou a cabeça e olhou para ela.
— Filiberto não está morto! — exclamou.
Ela se ajoelhou a seu lado e pegou o pulso do ferido.
— Felix, ele está morto, sim. Vamos embora. Talvez
meus amigos estejam por perto, mas os homens de Perez
talvez já estejam vindo para cá.
— Fil não está morto! Vamos leva-lo para o carro, ele
está precisando de um médico. Você precisa me ajudar meu
amor!
— Está bem. Nós o poremos no carro e o levaremos ao
médico.
Felix continuava desnorteado, totalmente perturbado. Lili
meteu a pistola dentro do decote do vestido e apanhou a de
Perez que estava no chão e ambos começaram a andar para o
carro. Felix Miguel carregava o amigo às costas.
Não tinham dado nem dez passos quando dois homens
apareceram, com o se fossem dois fantasmas saindo das
sombras e um deles gritou em espanhol:
— Alto! Fiquem onde estão
CAPÍTULO SÉTIMO
O que vale mais, a pátria ou um homem?

Felix parou aturdido, mas Lili Connors reagiu com


rapidez e precisão. Apontou para os dois homens e disparou
duas vezes seguidas com a pistola que pertencera a Honorato
Perez e ambos caíram como se fossem dois fardos.
— Depressa, Felix! Temos de sair daqui!
Navarro começou a correr, sempre carregando o cadáver
do amigo. Chegaram à estrada e estavam a poucos metros do
carro quando Doroteo apareceu, gritando e de arma pronta
para disparar. Mais uma vez, Lili acionou o gatilho e duas
balas penetraram em seu peito. Outro indivíduo se
aproximou correndo, portando um rifle que já estava
apontado na direção de Navarro.
Lili não perdeu tempo e mais uma vez ganhou em
rapidez. O salvadorenho rolou pelo chão, depois de ser
lançado para trás, a vários metros de distância.
Felix Miguel já tinha chegado junto do carro e agora
arrumava o corpo do amigo no banco e em seguida, sentou-
se ao volante. Ligou o motor e ficou esperando que Lili
também entrasse e assim que esta se sentou a seu lado, ele
arrancou.
Baby abriu a maleta vermelha estampada de flores azuis
que tinha deixado dentro do carro, apanhou o maço e
cigarros e deu algumas instruções a seus companheiros.
Deviam verificar o que estava acontecendo na vila e deviam
impedir que fossem perseguidos pelos homens que estavam
no restaurante.
Desligou o rádio, guardou o maço de cigarros e fechou a
maleta.
— Felix, agora devemos ir...
O punho esquerdo do salvadorenho voou na direção de
seu rosto e ela desmaiou com a violência do golpe.
***
— Você está bem? Perguntou uma voz em inglês
perfeito.
Abriu os olhos lentamente. Viu que continuava chovendo
e que a chuva fria caía em seu rosto. Depois viu três homens
debruçados sobre ela e em seguida, ouviu uma voz dizendo:
— Vamos leva-la para o carro.
Sentiu-se transportada e depois ouviu o ruído de uma
porta sendo fechada. Em seguida, sentiu muitas mãos
mexendo em seu corpo: ventre, peito, coxas, pernas, braços...
— Não está ferida. Não há sangue em parte alguma.
— Simons? — balbuciou, finalmente.
— Sim? — a voz que respondeu parecia ansiosa. — Você
está ferida?
— Não... Encontraram Navarro?
— Não, mas podemos pedir auxílio e...
— Nada disso... Deixem Navarro em paz. Nunca pensei
que pudesse me dar um murro com tanta força... O que
aconteceu, onde estou?
— Pensamos que ele a agrediu e que antes de fugir a
jogou no acostamento. Aquele miserável está merecendo que
a gente...
— Quando me encontraram não havia um cadáver perto
de mim?
— Não.
Lili Connors começava a se recuperar e via os Simons
que a fitavam com carinho, simpatia e devoção.
— Vamos sair daqui e dar um giro pelas redondezas da
vila.
— E com Navarro, o que faremos com ele?
— Eu me encarrego dele. Sei onde encontra-lo —
respondeu Lili.
***
Doze horas mais tarde, Felix Miguel entrava no Banque
National da Suisse, em Genebra. Estava muito pálido, mas
trajava-se com elegância. Surpreendeu-se quando ouviu a
voz suave que o chamava:
— Felix Miguel.
Aquela voz era inesquecível. Olhou para os lados, mas
não viu Lili Connors. Somente uma mulher de cabelos
negros e olhos azuis estava sentada no vestíbulo. Era uma
fêmea linda e de aspecto tão humano que dava a sensação de
ser irreal... Como que hipnotizado, aproximou-se dela, e
quando seus lábios se entreabriram em um sorriso, ele
reconheceu-os, como também a covinha que ela tinha no
queixo.
— O que você fez com Fil? — perguntou ela.
— Lili! Você é Lili? — balbuciou, sentindo-se
emocionado com o encontro imprevisto.
— Sou Brigitte Montfort, mas também sou a agente
Baby, da CIA. Você ficou doido, Felix? Pensei que não se
atrevesse a vir buscar o dinheiro. Não percebe que este
banco está cercado por agentes da CIA e que quando você
sair daqui será preso por eles?
— Você é Lili, não é verdade?
— Sou Lili, sim. Não sou agente do FBI, mas da CIA.
— Lili, eu e Fil estamos precisando de sua ajuda. Ele não
está bem. Quando eu sair daqui do banco, vou leva-lo ao
hospital. Fil entende que há certos assuntos que são
prioritários. Mais importantes que nossas próprias vidas...
— Que assuntos são esses?
— A pátria, por exemplo. A pátria são milhares de
pessoas. O que vale mais, a pátria ou um homem? A pátria
sempre valerá mais, pois sempre será o conjunto de milhares,
de milhões de seres que a compõem. Você não concorda
comigo, Lili.
— Sim... Sim, você tem razão, Felix.
Os agentes da CIA que estavam no Banco somente
aguardavam um olhar de Baby para entrarem em ação, mas
este sinal não vinha.
— Lili, eu sabia que seu cabelo não era louro, agora você
está muito mais bonita. Brigitte Montfort? Você é a
jornalista do Morning News, não é?
— Felix, o que vai fazer com esses três milhões de
dólares?
— Esse dinheiro não será para mim, mas para minha
pátria. Primeiro, recolhi dinheiro para minha pátria, e logo,
recolherei mais vinte milhões com os quais ajudarei as outras
pátrias sul-americanas que têm dívidas externas imensas.
Você sabe qual é a dívida de San Salvador?
— Três milhões de dólares?
— Dois milhões, novecentos e sessenta e três mil dólares.
Preferi arredondar e pedi logo três milhões. Desse modo, fica
um pouco de dinheiro para se continuar negociando estas
operações de saldo e contas novas. Depois pensarei em Costa
Rica e em outros países que precisam ficar livres dessas
dívidas que achatam o progresso e uma nação e tiram a
prosperidade do povo. Não concorda comigo, Lili?
— Sim, Felix, mas para conseguir pagar as dívidas desses
países comprometidos, você usou de ameaças, chantagens,
terror e extorsão...
— Jamais faria isso, Lili. Realmente acreditou que eu
seria capaz de pôr uma bomba em uma escola cheia de
crianças? Não faria isso nem que me matassem! Mas todos
que acreditaram que eu podia fazer isso acreditaram porque
teriam coragem para executar a ameaça que fiz para
amedronta-los somente. Pensei: Vou aproveitar a maldade
humana para ganhar o dinheiro para pagar a dívida de
minha pátria que é espoliada por catorze ladrões, os
mesmos que governam meu país. Eles vivem pedindo
empréstimos no exterior, a fim do desenvolvimento nacional
não ser interrompido, mas, quando o dinheiro chega,
imediatamente uma parte dele é enviada às contas numeradas
que têm na Suíça. E enquanto isso o povo continua na
miséria. Lili, não vou admitir que eles continuem
hipotecando minha pátria. Por isso, decidi que esta situação
não pode continuar e resolvi proporcionar um pouco de
felicidade a meus compatriotas. Resolvi agir e você sabe o
que vou fazer com esse dinheiro, Lili?
— O quê? — quase soluçou Brigitte Montfort.
— Sou um cara esperto. Não vou levar todo o dinheiro
em efetivo. Vou transferi-lo para outra conta numerada que
já abri em nome de San Salvador. Minha pátria vai ficar
desafogada por algum tempo e...
— Felix, sua conta está bloqueada — sussurrou Brigitte,
com o rosto lavado de lágrimas. — Não poderá fazer
transferência e nem sacar o dinheiro. Agora, nós dois
sairemos daqui e eu o ajudarei, de um jeito ou outro, arranjar
uma saída para a sua pátria. Juntos estudaremos e
encontraremos um meio para ajudar os outros países. Vamos
sair daqui e vamos analisar quais as opções que podemos
empregar.
— Não compreendo... Então minha terra vai continuar
sendo um curral de escravos do ―Deus Dólar‖ e de catorze
miseráveis que vivem para roubar? Quero meu dinheiro para
pagar a dívida de minha pátria!
— Felix, vamos embora.
— Lili, você é a mulher da minha vida. Vou apanhar o
dinheiro e depois que eu cumprir minha missão, viveremos
nas nuvens, só nós dois...
— Felix, temos que sair daqui agora mesmo! — disse
puxando-o pela mão.
— Então, nada consegui, Lili? De nada adiantou meu
trabalho?
— Felix, nós dois tentaremos de novo.
— Não adianta mentir! Agora sei que fracassei!
Estavam dentro do carro e ele novamente repetiu:
— Agora sei que fracassei!
Depois ficou calado, olhando para Lili que o contemplava
com uma ternura desconhecida. Depois, olhou para a estrada
cinzenta, preferia San Salvador sempre banhada pelo Sol e,
antes que Brigitte percebesse o que estava acontecendo, ele
apanhou a pistola, meteu o cano dentro da boca e apertou o
gatilho.
ESTE É O FINAL
— Por que convocaram minha presença desta vez? —
perguntou a senhorita Montfort aos membros do Conselho da
CIA.
Aquela não era a primeira vez que os altos dirigentes da
corporação a convidavam e nem era a primeira vez que a
fitavam atentamente, sempre impressionados com sua beleza
exuberante.
— Compreendemos que o caso de Genebra foi doloroso
para a senhorita, além de assistir o suicídio, ainda viu a
massa encefálica...
— Por favor, esqueçam-se do incidente e não me forcem
a lembrar dele.
— Pedido muito justo. Porém, nós estamos aqui para
agradecer a agente Baby pela recuperação dos três milhões
de dólares.
— Por favor, dispenso os comentários e prefiro que falem
logo o que querem comigo.
— Somente queremos agradecer, dizer muito obrigado,
agente Baby.
Brigitte Montfort estava lívida. Muitas vezes estivera
naquela sala ampla onde o Conselho da CIA costumava
reunir-se.
Todos aguardavam as palavras da senhorita Montfort,
mas esta se levantou em silêncio e quando colocou a mão na
maçaneta da porta para sair da sala, virou-se e disse com voz
trêmula:
— O que os senhores sabem sobre a vida, seus filhos da
mãe!

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