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E D ITO R I A L

OS AVIÕES DO
TEATRO DE GUERRA AERO MAGAZINE
BRASIL · ANO 28 · Nº 334 · 2022

DIREÇÃO
A guerra imposta pela Rússia à Ucrânia tomou da pandemia de Publisher
Christian Burgos - christian@innereditora.com.br
covid-19 o lugar de destaque nos noticiários. A invasão de Moscou Diretora de Operações
reativou no mundo o temor de uma guerra nuclear. Apesar do Christiane Burgos - christiane@innereditora.com.br

status de superpotência, a nação-líder da antiga União Soviética, REDAÇÃO


REVISTA
com mais de 300 modernos aviões de caça posicionados nas Editor-chefe
Giuliano Agmont - giuliano@aeromagazine.com.br
proximidades das áreas de conflito, não fez valer sua superioridade DIGITAL
aérea, dando margem para uma robusta reação ucraniana, que, Editor
Edmundo Ubiratan - edmundo@aeromagazine.com.br
no início do embate, tinha disponível, segundo estimativas, cerca Colaboradores
de 30% de uma frota de menos de 140 aeronaves, incluindo David Clark, Georges Ferreira, Gilberto Scheffer,
Raul Marinho, Rodrigo Duarte e Teomar Ceretta
caças, aviões de reconhecimento e de transporte e helicópteros. ARTE
Talvez o elevado custo operacional tenha pesado na decisão dos Diretor de Arte
Ricardo Torquetto - ricardo@innereditora.com.br
estrategistas do presidente Vladimir Putin. Nesta edição, depois de PUBLICIDADE / ADVERTISING
uma meticulosa e complexa pesquisa, apresentamos as aeronaves publicidade@innereditora.com.br
+55 (11) 3876-8200 – ramal 11
envolvidas na batalha. Representante Comercial Brasil e América Latina
Preparamos também duas matérias sobre táxis-aéreos. Teresa Rebelo – teresarebelo.inner@gmail.com

Na primeira, elaboramos um detalhado comparativo entre as MARKETING


Coordenador
operações de transporte aéreo público regulares e não regulares, Vinícius Araújo - vinicius@innereditora.com.br

incluindo linha aérea, charter, aviação sub-regional e táxi-aéreo. No Arte


Leandro Soares - arte2@innereditora.com.br
segundo, mostramos o bom momento das empresas de fretamento INTERNATIONAL SALES
nos Estados Unidos, que estão com uma demanda em patamares Estados Unidos
Inner Publishing - sales@innerpublishing.net
inéditos – não por acaso, os preços de fretamento subiram, assim Marketing - marketing@innereditora.com.br

como a demanda por novas aeronaves. FINANCEIRO


financeiro@innereditora.com.br
Na aviação geral, relatamos os problemas enfrentados por CIRCULAÇÃO
operadores de aeronaves de pequeno porte nos aeroportos R.Scola Marketing Editorial

brasileiros. Na maioria das vezes, são situações desnecessariamente ASSINATURAS


assinaturas@innereditora.com.br
desgastantes para pilotos que precisam estar tranquilos para +55 (11) 3876-8200

decolar com segurança. Falando em aeroportos, mostramos as ASSESSORIA JURÍDICA


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expectativas em torno das concessões do Galeão e do Santos www.machadorodante.com.br

Dumont, que ficaram para 2023, depois de alguma polêmica. FALE CONOSCO
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Por fim, traçamos um panorama completo da aviação regular IMPRESSÃO
brasileira para explicar a origem da sequência de falências de Grass Indústria Gráfica

AERO Magazine é uma publicação


companhias aéreas nacionais e apontamos detalhes importantes do mensal da INNER Editora Ltda.
novo capítulo dessa história, a suspensão dos voos da ITA. www.aeromagazine.com.br

A Inner Editora não se responsabiliza por opiniões,


ideias e conceitos emitidos nos textos publicados e
assinados na revista AERO Magazine, por serem de
Bom voo, inteira responsabilidade de seu(s) autor(es).

Giuliano Agmont e Christian Burgos


Em boas mãos, começará uma revolução.

Aviônicos
Ligue + 55 12 3905-1088 ou visite nosso site:
Acessórios
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Hidráulicos
Visite-nos na HELI-EXPO, estande # 8834 Instrumentos
Rodas e Freios
SUMÁRIO

16 AVIAÇÃO MILITAR 40 SEGURANÇA DE VOO

As principais aeronaves Uma análise das estatísticas de


empregadas na Guerra da Ucrânia acidentes de táxis-aéreos
e linhas aéreas

24 ESPECIAL 50 AVIAÇÃO DE NEGÓCIOS

Os modelos de aviônicos O crescimento da indústria


utilizados pela aviação geral de fretamentos aéreos nos
Estados Unidos e no mundo

32 AVIAÇÃO GERAL 56 AVIAÇÃO REGULAR

Os entraves que dificultam o A suspensão das operações da


dia a dia daqueles que voam ITA na esteira das falências na
aviação brasileira
64 INFRAESTRUTURA

As expectativas em torno dos leilões


dos aeroportos Galeão e
Santos Dumont, no Rio
SEÇÕES
74 HISTÓRIA

As passagens do aviador e escritor 08 NA R EDE

Saint-Exupéry pelo Brasil


14 C URI OSI DA DES

82 A EROC LI CK
O ADEUS
CURIOSIDADES

DO GIGANTE
POR | EDMUNDO UBIRATAN

E
mbora esperada, a ofensiva militar russa na Ucrâ- um dos mais importantes aviões da história, o An-225
nia chocou o mundo por seus desdobramentos. teve uma trajetória conturbada em seus primeiros anos
Logo nos primeiros dias de conflito, o noticiário de existência, até ser reformado e transformado em um
dava conta de que o Antonov An-225, o maior avião do supercargueiro, capaz de levar um total de 250 tonela-
mundo, poderia ter sido atingido durante os ataques. das de carga útil. Batizado de Mriya (sonho, na língua
No decorrer da cobertura, infelizmente, veio a confir- local), o avião de seis motores representou o orgulho
mação, o gigante havia sido destruído. Considerado da engenharia da Antonov, uma empresa ucraniana.

O An-225 surgiu para substituir


O An-225 surgiu de um
o Myasishchev VM-T, que
requisito para servir como
era usado como cargueiro
transportador do projeto
estratégico e forneceu os
Buran, que previa um veículo
primeiros suportes logísticos ao
espacial reutilizável na União
programa Buran.
Soviética. O projeto era uma
resposta ao ônibus espacial
da Nasa.

Ainda que o An-124 pudesse cumprir com O primeiro exemplar do An-225


folga a missão de transportar o Buran, os foi construído usando diversos
soviéticos optaram por um avião ainda maior. sistemas do An-124, mas ganhou
Derivado do próprio An-124, o novo avião uma fuselagem alongada, com
surgiu com uma dupla missão: transportar impressionantes 84 metros de
a nave espacial do programa Buran e comprimento. O modelo perdeu a
alguns componentes críticos e permitir o porta de cargas traseira e ganhou
transporte de grandes foguetes balísticos uma cauda dupla.
intercontinentais que não podiam voar no
An-124.
O alongamento, ou seja, a
relação entre a envergadura
e a corda da asa do An-225
é de 8.6 e a área total é de Os engenheiros da Antonov utilizaram os
impressionantes 905 metros mesmos motores Progress D-18Tdo An-124 no
quadrados. A envergadura é Mriya. Além de manter os sistemas gerais, o
de 88,4 metros. uso dos mesmos propulsores reduzia o tempo
de desenvolvimento do avião. O problema é
que a decisão obrigou a Antonov a instalar seis
motores, o que não era um problema dada a
enorme envergadura.
Ao contrário do que muitos
imaginam, os calombos
próximos à raiz das asas não
eram pontos de ancoragem
para o Buran. Os famosos
calombos eram parte da
estrutura das asas.

Ainda que tenha sido criado em


meados da década de 1980, o An-225
era ainda analógico e contava com
duas posições de engenheiro de voo,
um para cada lado do avião.
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NA REDE

WWW.AEROMAGAZINE.COM.BR

GOL E AMERICAN
A Gol Linhas Aéreas formalizou um
compromisso definitivo para expansão
de sua cooperação comercial com a
American Airlines. Se aprovado por
gestores e autoridades, o acordo irá gerar
investimentos de 200 milhões de dólares
pela companhia norte-americana em 22,2
milhões de novas ações preferenciais a
serem emitidas por esta em um aumento
de capital, representando uma participação
FUSÃO ENTRE LOW-COSTS de 5,2% nas ações da Gol. Com o
negócio, as duas empresas fornecerão
As duas maiores companhias aéreas de baixo custo
(low-cost) dos Estados Unidos vão se fundir. Os aos passageiros mais de 30 destinos nos
conselhos de administração da Frontier Airlines e da Estados Unidos atendidos pela American e
Spirit Airlines aprovaram o negócio que está avaliado mais de 30 novos destinos na América do
em 6,6 bilhões de dólares. O acordo irá gerar a quinta Sul atendidos pela Gol.
maior companhia aérea do país, cujos nome e sede
ainda serão definidos. A Frontier deterá 51,5% das
ações, enquanto a Spirit ficará com 48,5%. O novo
presidente será o atual líder da Frontier e sócio-
diretor de sua controladora, a Indigo Partners, Bill
Franke. A Frontier Airlines foi fundada em fevereiro
de 1994 e tem sede em Denver, no estado do Colorado,
enquanto a Spirit Airlines, com sede em Miramar, na
Flórida, foi fundada com este nome em 1990. Ambas
possuem frotas integralmente compostas por aeronaves
da Airbus, o que facilitou o processo que deverá ser
concluído até o segundo semestre de 2022.

ESQUECIDO NA MATA
O Exército Brasileiro localizou um avião com as hélices. O B-26 Marauder foi estar equipado com onze metralhadoras
que desapareceu na região amazônica há um bombardeiro de média capacidade .50 M2 Browning ao longo de sua
quase 80 anos, durante a Segunda Guerra utilizado pelos norte-americanos e alguns estrutura e usadas como defesa contra
Mundial. Realizada pelo 34° Batalhão de aliados, com destaque para as Forças caças inimigos. O B-26 foi construído
Infantaria de Selva, Batalhão Veiga Cabral, Aéreas da França Livre e a Força Aérea pela Glenn L. Martin Company, entre
a operação de busca ocorreu entre os dias Real Britânica (RAF, na sigla em inglês) 1941 e 1945, sendo usado especialmente
27 e 31 de janeiro último. A expedição que durante a Segunda Guerra Mundial. nas operações dos EUA no Pacífico, no
localizou os destroços de um bombardeiro O avião transportava sete tripulantes, Mediterrâneo e na Europa.
Martin B-26G Marauder norte-americano sendo dois pilotos, um operador de
ficou concentrada na região da Aldeia rádio (responsável também pelo
Santa Isabel, local próximo ao Oiapoque, lançamento das bombas), um
no Amapá. Os militares tiveram a navegador e três operadores de
ajuda de indígenas locais que, com o metralhadoras. Na Segunda Guerra
conhecimento das matas, deram suporte Mundial, foram construídas mais
ao batalhão Veiga Cabral na ousada de 5.644 unidades do bombardeiro
expedição. Os EUA chegaram a localizar o B-26, que era equipado com dois
avião no passado, mas depois o caso ficou motores radiais Pratt & Whitney
esquecido. Entre os destroços da aeronave R-2800-43 Double Wasp de 18
estavam o estabilizador vertical (cauda da cilindros de até 2.200 cavalos de
aeronave), partes das asas e da fuselagem, potência cada. Ele podia levar até
uma metralhadora e um motor radial 1.800 quilos de bombas, além de

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FAUNA
AÉREA
COLISÕES COM PÁSSAROS
As companhias aéreas registraram perdas
de cerca de 110 milhões de reais em 2021
por conta de colisões com pássaros (bird
strikes) no Brasil, segundo um levantamento
divulgado pela Associação Brasileira das
Empresas Aéreas (Abear). O órgão afirmou
que este tipo de incidente se intensificou
durante a pandemia de covid-19, porque a
redução drástica do movimento favoreceu a
proliferação de muitas espécies dentro dos
aeroportos em todo o país.

INSETOS NO PITOT
Oito aviões tiveram de abortar lado direito bloqueado por um MAIS UM ATR
decolagens do aeroporto dos ninhos, de acordo com o A ATR deverá revelar um novo turbo-hélice regional
internacional de Heathrow documento. O caso acendeu em breve. O fabricante europeu avalia uma versão
(LHR), em Londres, em julho um alerta para autoridades aprimorada dos atuais modelos ATR 72, que pode
de 2021, depois que ninhos aeroportuárias locais, já que receber novos motores e refinamentos aerodinâmicos,
de insetos, especialmente de a alta incidência de insetos além de atualizações no interior e no cockpit.
vespas e abelhas, estavam pode se repetir a partir do
bloqueando seus tubos de segundo trimestre, quando a
pitot durante o procedimento. primavera começa na região.
Um relatório sobre o caso O relatório ainda informa
veio a público somente em que o tempo durante o qual
2022. Segundo a Agência de algumas aeronaves ficaram
Investigação de Acidentes inoperantes após o início da
Aéreos do Reino Unido (Aiib), pandemia de covid-19 fez com
sete aeronaves eram da British que insetos fossem atraídos. A
Airways e uma era da Virgin Aiib explicou que os tubos de
Atlantic. Um Boeing 777- pitot são locais “ideais” para
300ER de registro G-STBI, por a confecção de ninhos por
exemplo, estava com o tubo do insetos.

A VOLTA DO 727
Um dos mais queridos aviões comerciais de todos os tempos
voltou aos céus do Brasil. A Asas Linhas Aéreas passou a
operar um Boeing 727F em seus voos cargueiros, atendendo
à crescente demanda por transporte aéreo expresso. No voo
inaugural, o veterano trijato da Boeing decolou de Curitiba,
no Paraná, para São José dos Campos, no interior paulista.
A aeronave está sob contrato com a americanas.com, que faz
parte do gigante grupo do comércio eletrônico B2W Digital,
dono também do Submarino e do Shoptime. O 727-200F,
matrícula PR-IOC, voava pela RIO Linhas Aéreas antes de
ser retirado de serviço e passar por um extenso serviço de
manutenção pela Digex MRO.

MAGAZINE 3 3 4 | 11
EMBRAER EM FOCO
NA REDE

NOVO TURBO-HÉLICE...
A Embraer confirmou durante o
Singapore Air Show que deve lançar
um novo avião turbo-hélice entre
2022 e 2023. O projeto seria de uma
aeronave com capacidade de 70 a 90
lugares, usando a mesma fuselagem
da família E-Jet. A expectativa
é que as primeiras entregas
ocorram até o final de 2027, em
um cronograma considerado
adequado para a complexidade do data de validade já no médio prazo. Por outro lado,
programa, mas que esbarra no desafio de encontrar a aposta em propulsão elétrica ou uso de hidrogênio
um motor adequado e viável nesse prazo. Um dos ainda esbarra em uma série de impasses tecnológicos
maiores desafios para o desenvolvimento de novo e burocráticos. Segundo estudos da Embraer, existe
avião é achar um equilíbrio entre o que será definido um mercado potencial para aproximadamente 2.260
agora e a realidade do mercado daqui a cinco ou seis turbo-hélices regionais para os próximos vinte anos,
anos. O risco é lançar um avião baseado em uma sendo 900 deles destinados apenas ao mercado da
tecnologia de combustível ou motores que poderá ter Ásia-Pacífico, que deverá ser o maior do mundo.

...ACORDO COM A FAB...


A Embraer e a Força Aérea Brasileira chegaram a um
acordo sobre a redução do pedido de aeronaves KC-390
Millennium. Das 28 aeronaves (que estavam no contrato
inicial), a FAB vai receber 22 unidades do avião cargueiro
multimissão de fabricação nacional. A entrega das
aeronaves está planeja para ser concluída em 2034. Hoje, a
FAB conta com cinco unidades que são operadas a partir
da ALA-2, em Anápolis (GO).

...E CERTIFICAÇÃO DO EVTOL


A Eve Air Mobility, da Embraer, formalizou junto à Agência Nacional de
Aviação Civil o processo para obtenção de um Certificado de Tipo para
o projeto do veículo elétrico de pouso e decolagem verticais (eVtol), com
baixo ruído e zero emissões de carbono. “Do ponto de vista da regulação,
há muito trabalho a ser feito, não somente em relação à tecnologia da
aeronave, mas na definição de todo o ecossistema”, disse o superintendente
de Aeronavegabilidade da Anac, Roberto Honorato.

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DOS PRINCIPAIS ESTÚDIOS DE
#4
DE AVIAÇÃO EXECUTIVA DO MUNDO 20
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NA REDE

CESSNA
SKYLANE RENOVADO
maior razão de subida. O Skylane oferece a suíte de aviônicos
G1000 NXi, a mais recente versão do painel da Garmin, motor
Lycoming TIO-540 de 235 cavalos de potência, com um
turbocompressor Hartzell Engine Technologies (HET) e sistema
de hélice aquecida da McCauley. O modelo ainda dispõe de
sistema de oxigênio na cabine, permitindo voar especialmente em
grandes altitudes, algo positivo para quem pretende voar longas
distâncias em altitudes mais elevadas, ou necessita sobrevoar
cadeias de montanhas. A versão Turbo do Skylane foi introduzido
em 2001, mas acabou interrompida em 2013, enquanto a Textron
se concentrava no lançamento de uma nova gama de produtos, em
O Cessna Turbo Skylane retorna à renovada linha de aviões especial na família de jatos Citation. O Cessna Skylane, com seu
monomotores da Textron. O icônico avião recebeu uma completa motor Lycoming, normalmente aspirado, está em produção desde
atualização da suíte de aviônicos e de interior, além de melhorias 1956 com mais de 23 mil unidades entregues. O Turbo Skylane
significativas no motor. A previsão é iniciar as entregas do T182T tem capacidade para quatro pessoas e um alcance estimado
Cessna Turbo Skylane T182T já em 2023, oferecendo melhor de 971 milhas náuticas. O teto certificado é de 20 mil pés (6.096
desempenho, que inclui velocidade de cruzeiro mais elevada e metros) e a velocidade máxima é de 165 nós.

OITO MIL CITATION


A Textron Aviation entregou o Cessna Citation de
número oito mil. O modelo que atingiu a histórica
marca foi um Citation Longitude, um dos mais
novos produtos da família de jatos de negócios da
Cessna. A família atingiu a marca de 41 milhões de
horas voadas. O primeiro modelo da família Citation
foi entregue em 1972, há exatos 50 anos. Nas últimas
cinco décadas, a Cessna lançou mais de trinta
modelos diferentes da linha Citation. Atualmente,
estão em produção os modelos Citation M2 Gen2,
Citation CJ3+, Citation CJ4 Gen2, Citation XLS
Gen2, Citation Latitude e Citation Longitude.

MAIS VOOS
75 MILHÕES EXECUTIVOS
Foi o número de passageiros que A aviação de
passou em 2021 pelo aeroporto negócios teve um
internacional Hartsfield-Jackson (ATL), novo crescimento
em Atlanta, nos Estados Unidos, o mais exponencial,
movimentado do mundo, com 150 impulsionado por fatores econômicos, a redução dos voos
destinos domésticos e 70 internacionais na malha comercial e os cancelamentos ocasionados pela
em mais de 50 países. pandemia de covid-19. Segundo a Associação Brasileira
de Aviação Geral (Abag), a movimentação da aviação de
negócios no Brasil em 2021 foi 20% maior do que em 2020.
Um dos fatores que contribuíram para esse crescimento foi o
aperto da malha convencional (comercial).

14 | MAGAZINE 3 3 4
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AV I AÇ ÃO M I L ITA R

A GUERRA
PELO AR
As aeronaves utilizadas pela Ucrânia para
se defender dos ataques da Rússia, que
praticamente não mobilizou seu poderio
aéreo no início do conflito
PO R | EDMUNDO UBIRATA N

A
invasão da Ucrâ- distância das áreas de combate intervalo máximo de 48 horas. O
nia pela Rússia da Ucrânia”, disse Justin Bronk, restante estaria em manutenção,
impressionou pela pesquisador de poder aéreo do modernização ou revisão, po-
velocidade com que Royal United Services Institute. dendo entrar em serviço dias ou
as tropas de Moscou “Não entendo por que eles não semanas após o início do conflito.
avançaram até Kiev, mas também fizeram tudo para suprimir as O entrave é que é notória a
pela capacidade das forças ucra- defesas aéreas de médio alcance baixa disponibilidade dos meios
nianas de resistir aos primeiros ucranianas restantes e o número militares da Ucrânia, que há anos
dias de confronto. Analistas mili- relativamente pequeno de caças e sofre com orçamento militar
tares de todo o mundo chamam a drones que ainda estão operando”. limitado, corrupção em todas
atenção para o baixo desempenho Nos primeiros dias de guerra, as esferas de poder e desvio de
da força aérea russa, que, mesmo os ucranianos alegaram que seus dinheiro público. Realisticamen-
com poder incontestável, não aviões teriam obtido sucesso te, analistas acreditam que menos
obteve superioridade aérea nos contra divisões de blindados e de 30% das aeronaves ucranianas
primeiros dias de batalha. comboios de suprimentos, além de tivessem condições de entrar em
No início do conflito, a Ucrâ- abater algumas aeronaves russas. combate de forma imediata, com
nia contava com pelo menos 90 Ainda que não tenham apresenta- outros 15% talvez podendo ser
caças, sendo 35 MiG-29 (oito dos do provas, Moscou também não colocados em serviço entre 48 e
quais usados para treinamento), negou a maioria das informações. 72 horas. Após cuidadosa análise,
doze Su-24, de quinze a dezessete Além dos 90 caças, a força aé- consultando diversos especialistas
Su-35 e entre 28 e 32 Su-27, todos rea da Ucrânia contava com três em defesa no Brasil e no exterior,
modelos de primeira geração aviões de reconhecimento, entre apontamos a seguir as aerona-
jamais modernizados. Ainda 25 e 30 aviões de transporte e, ves que estão na força aérea da
assim, a força aérea ucraniana, no máximo, quinze helicópteros Ucrânia e o número realístico de
com poucos recursos e o país de transporte. Entretanto, uma unidades prontas para o combate
sob ataque, conseguiu realizar força aérea bem estruturada, com já nas primeiras horas do conflito
algumas surtidas contra tropas e grande disponibilidade e recursos ou no máximo 48 horas após a
aeronaves russas. financeiros elevados, deve ter ao invasão russa. No lado da força
A surpresa foi tamanha que menos 70% da frota pronta para aérea da Rússia, destacamos as
diversos analistas ao redor do o combate no curto prazo, sendo aeronaves que poderiam estar em
mundo passaram a questionar a que 50% seria para emprego combate nos primeiros dias, mas
estratégia russa. “Os russos têm imediato, podendo responder a que, por alguma razão, estavam
cerca de 310 caças modernos nos qualquer ameaça, e 20% poden- fora do conflito ou atuando de
distritos militares a uma curta do entrar em serviço em um maneira pontual.

16 | MAGAZINE 3 3 4
SU-27 problemas do Su-27 ucraniano é alguns serviços de modernização
O primeiro caça da família sua eletrônica defasada em rela- de radar, sistemas de navegação e
Flanker voou pela primeira vez ção aos modelos mais recentes do comunicação.
em 1997, entrando em serviço Su-27, assim como a idade tanto A ideia era elevar os aviões
pela então força aérea soviética da célula como dos motores, que, para o nível Otan, visto o interes-
em 1985. Os Su-27 em serviço em alguns casos, acumulam mais se do país em entrar na aliança.
na Ucrânia são parte desse lote de trinta anos de serviço. Algumas poucas unidades foram
original, chamados também de A falta de recursos, somada elevadas para o padrão ucraniano
Flanker B. Aproximadamente 70 à quase total escassez de peças designado Su-27P1M e Su-
aviões ficaram no país após o fim de reposição, tornou-se um dos -27UB1M. Durante os confrontos
da União Soviética e os acordos maiores entraves para a ma- que levaram à anexação da Cri-
assinados com a Rússia. Os caças nutenção da frota em serviço. meia pela Rússia, em 2014, entre
mais novos são de 1991 e usam Muitos aviões em operação usam 14 e 19 Su-27 estavam na ativa e
o motor AL-31F, com 27.600 componentes canibalizados de nenhum deles era de versões mo-
libras-força cada (com pós-com- unidades retiradas de serviço. Em dernizadas, que ainda realizavam
bustores), ligeiramente inferior 2009, dois aviões foram vendidos voos de validação. Os aviões, na
ao motor AL-31F M1 Serie 42, para os Estados Unidos, onde ocasião, estavam usando mísseis
usado pelos Su-27SM russos, que passaram a ser usados como aero- ar-ar R-27 e R-73, de fabricação
oferecem 29.800 libras-força (com naves agressoras, em treinamento. russa. Em fevereiro de 2022, a
pós-combustor) e contam com Em meados de 2012, a empresa estimativa era que entre oito e
melhor eficiência em regimes de estatal Zaporizhzhya Aircraft dez Su-27 estavam plenamente
baixa e elevada potência. Um dos Repair “MiGremont” realizou operacionais.

18 | MAGAZINE 3 3 4
MIG-29 a força aérea ucraniana, sabe-se
Contemporâneo do Su-27, o que alguns foram remontados e
primeiro voo do MiG-29 também recolocados na ativa.
ocorreu em 1977. O versátil Por seu custo operacional li-
caça entrou em serviço em geiramente inferior ao dos Su-27,
1982, tornando-se um dos mais a Ucrânia optou por realizar uma
bem-sucedidos da era soviética. modernização mais completa no
A Ucrânia herdou quase uma MiG-29, incluindo um primei-
centena de MiG-29, mas, assim ro projeto realizado pela Lviv
como aconteceu com o Su-27, a State Aircraft Repair Plant, que
falta de peças de reposição e o or- ofereceu capacidade multimissão
çamento militar apertado levaram aos aviões, redesignados como
à rápida deterioração da frota MiG-29MU2. Porém, até o final
em serviço. Em 2014, os russos de 2020, apenas um avião havia
capturaram 45 unidades do sido entregue para a força aérea
MiG-29 na base aérea de Belbek, daquele país. Na sequência, um
próximo da Criméia. A maioria acordo foi negociado com a Elbit
não tinha condições de voo, mas, System, que previa a moderni-
ainda assim, foram desmonta- zação de sistemas eletrônicos,
dos pelos russos e devolvidos radar e aviônicos. Até o início
para a Ucrânia. Ainda que não da invasão russa, nem mesmo o
tenha sido confirmado o estado projeto de modernização havia
dessas aeronaves reenviadas para sido concluído.

SU-25
O Su-25 é um poderoso avião de suporte
aéreo aproximado, rivalizando com o
mal-encarado A-10 Thunderbolt dos Es-
tados Unidos. O modelo entrou em ser-
viço em 1981 e logo mostrou seu exce-
lente desempenho, sendo uma arma letal
contra tropas inimigas. Com o colapso
soviético, a Ucrânia herdou 92 unidades
de diferentes versões do Su-25, incluindo
o Su-25 padrão, o Su-25UB (treinamen-
to) e o Su-25UTG (com capacidade de
operação embarcado). Por sua caracterís-
tica de emprego, o custo operacional do
Su-25 é elevado, consumindo ainda mais
os poucos recursos militares ucranianos.
Ao menos trinta Su-25UTG estavam fora
de serviço, enquanto três Su-25 haviam
sido vendidos para a Macedônia.
Realisticamente, alguns analistas con-
sultados pela AERO Magazine acreditam
que, em fevereiro de 2022, apenas cinco
Su-25 estavam em condições de respon-
der imediatamente à invasão. Acredita-
-se que ao menos três deles realmente
estiveram envolvidos em ataques contra
formações de veículos russos nos primei-
ros dois dias do conflito.

MAGAZINE 3 3 4 | 19
SU-24
Considerado um dos mais
poderosos aviões de ataque da
União Soviética, o Su-24 está em
serviço desde 1974. O avião pode
transportar até oito toneladas de
variados tipos de armas em nove
pontos duros. O alcance de com-
bate é de aproximadamente 600
quilômetros, mais que suficiente
para proteger o território ucra-
niano da invasão russa. Porém,
dos mais de 120 caças Su-24 her-
dados da União Soviética, menos
de oito estavam em serviço ativo
em fevereiro de 2022, enquanto
a frota conta com aproximada-
mente doze caças. A redução
brutal do total de aeronaves ativas
mostra os desafios orçamentários
ucranianos, e ainda coloca em
dúvida quantos mísseis e bombas
do Su-24 (e de outros aviões) es-
tariam válidas para serem usadas
em combate.

AN-30
O turbo-hélice ucraniano
entrou em serviço pela força
aérea soviética em 1968
como avião de transporte,
passando, em seguida, a
ser usado em missões de
reconhecimento aéreo.
Mesmo tendo sido proje-
tado na Antonov, um dos
orgulhos da Ucrânia, apenas
123 aviões foram constru-
ídos, sendo que nenhum
deles no período pós-União
Soviética, o que se traduziu
em um completo envelheci-
mento da frota, sendo que
os aviões mais novos foram
produzidos há 42 anos. Sem
recursos, os An-30 ucrania-
nos receberam atualizações
pontuais e, dos três aviões do
efetivo da força aérea, pos-
sivelmente, nenhum estava
disponível para responder à
invasão russa.

20 | MAGAZINE 3 3 4
AN-26 nem mesmo o fato de ser outro para entrar em serviço imediato.
Considerado um dos mais bem- modelo Antonov poupou seu Outros três ou quatro podiam
-sucedidos aviões de transporte destino de sofrer com restrições ser convocados em poucas
tático e de passageiros da União orçamentarias. Mas é um dos horas. Porém, oferecem pouco
Soviética, o An-26 acumula 52 modelos com mais disponibili- valor em um cenário de invasão
anos de serviço ativo. Produzido dade de todo o arsenal ucrania- e poucas tropas para serem
até 1986, ano da explosão de no, dos aproximadamente vinte movimentadas nos agora raros
Chernobyl e da grande tragédia aviões do inventário, aproxima- aeroportos e bases não tomados
ucraniana no final do século 20, damente metade estava pronta pelos russos.

MAGAZINE 3 3 4 | 21
IL-76
O gigante Il-76 é um
importante cargueiro
estratégico, mas, no
momento, com pouca
serventia para os ucra-
nianos. Sem qualquer ca-
pacidade de movimentar
tropas ou suprimentos,
visto a boa defesa aérea
montada pelos russos, o
Il-76 também não conta
com boa disponibilidade.
Entre cinco e sete aviões
estavam listados na força
aérea, mas acredita-se
que apenas dois po-
diam entrar em serviço
imediatamente após a
invasão, enquanto outros
dois necessitariam de al-
gumas horas para serem
declarados operacionais.

MI-8
O helicóptero de transporte
médio Mi-8 se notabilizou por
sua robustez e enorme capacida-
de operacional. Além de poder
deslocar até 24 soldados e ser
armado com foguetes, bombas
e metralhadoras, o helicóptero
tem um desempenho lendário,
podendo voar mesmo avaria-
do. Os ucranianos contam com
quinze ou dezessete Mi-8, mas
menos da metade estava na ativa.
Desse total, podiam decolar na
madrugada do dia 25 de fevereiro
sete ou oito, mas havia pouca
utilidade. Com tropas desmobi-
lizadas e dispersas, o transporte
com o Mi-8 se faria inútil nos pri-
meiros momentos da invasão. Seu
armamento poderia nem estar
disponível em larga escala, com
boa parte dos foguetes vencidos
ou sem manutenção adequada
dos próprios lançadores.

22 | MAGAZINE 3 3 4
FROTA RUSSA Flanker, assim como o Su-34, mísseis portáteis (Manpad) outras
O lado russo opera com uma o caça bombardeiro de última aeronaves, em especial helicópte-
invejável frota de caças, bombar- geração e também derivado do ros de transporte. Até o fecha-
deiros, aviões de alerta aéreo e Su-27, nenhum se aproximou da mento desta edição, os russos não
transporte. Porém, nos primeiros Ucrânia. haviam ainda movimentado sua
dias da invasão quase nenhum O Su-34 é um caça bom- poderosa força aérea. Ao menos
dos poderosos caças esteve em bardeiro pesado que entrou metade dos mais de mil aviões do
ação. Na madrugada do dia em serviço em 2014, podendo inventário russo tem condições
24 de fevereiro, uma salva de transportar até oito toneladas de de responder imediatamente a
mísseis de cruzeiro destruiu os armas, incluindo uma infinidade qualquer ação militar, enquanto,
principais radares terrestres da de foguetes, misseis e bombas. do restante, metade está fora de
Ucrânia, deixando o país às cegas Ainda assim, nenhum poderoso serviço e outra metade poderia
em boa parte do território. Outra avião, incluindo os bombardei- entrar em ação no intervalo entre
salva de mísseis atingiu as bate- ros, foi empregado na primeira 48 horas e duas semanas. Além
rias antiaéreas S-300P, neutrali- semana dos ataques. A reação disso, outras centenas de aerona-
zando boa parte da defesa aérea ucraniana foi conseguir decolar ves estão estocadas, como reserva
pesada ucraniana. Ainda assim, com um número limitado de técnica, podendo ser colocadas
os mais de 300 caças russos esta- caças e interceptar e abater algu- em condições de voo em algumas
cionados na fronteira da Ucrânia mas aeronaves russas, incluindo semanas.
não foram acionados. Dos caças helicópteros e supostamente dois
Su-30 e Su-35, as versões mais Il-76 de transporte. Forças em * Texto atualizado até o dia 3
atuais e modernas da família terra conseguiram abater com de março de 2022.

MAGAZINE 3 3 4 | 23
E S PEC I A L

TECNOLOGIA
EMBARCADA
Em poucas décadas, os painéis se tornaram quase
totalmente digitais e mudaram a forma
como se pilota uma aeronave
P OR | EDMUNDO UBIRATA N

E
m sua já distante edição
número 58, AERO
Magazine publicou um
suplemento especial
intitulado Aviônicos -
A Era da Eletrônica, mostrando a
evolução dos cockpits prometida
para o tão aguardado ano 2000. Se
os carros não estavam voando e
as videconferências ainda preci-
sariam de mais alguns anos até
se tornarem realidade, as cabines
com telas eletrônicas digitais,
ou glass cockpits, já equipavam
muitos aviões. Passados 23 anos,
é raro achar aeronaves sem um
painel digital. Mesmo modelos
experimentais contam com a
totalidade ou parte dos equipa-
mentos eletrônicos. O sistema de
posicionamento global (GPS, na
sigla em inglês), que ainda era
uma novidade em 1999, hoje está
presente até nos smartphones, com
aplicativos que permitem ao piloto
planejar um voo completo, em
uma aeronave leve esportiva ou em
um grande jato de negócios capaz
de cumprir missões intercontinen-
tais. Neste especial, apresentamos
os principais modelos em uso no
mundo atualmente e suas diversas
aplicações.

24 | MAGAZINE 3 3 4
GARMIN

G1000
Um dos pioneiros na populari-
zação dos painéis digitais foi o
Garmin G1000, lançado no início
dos anos 2000, como uma plata-
forma modular que podia atender
a diversos tipos de projetos, desde
pequenos monomotores a pistão
até jatos e helicópteros. O projeto
foi tão acertado que, ainda hoje,
a suíte G1000 é muito popular e
recebeu uma série de atualizações
e recursos personalizados de acor-
do com a aeronave. A Embraer
foi um dos primeiros fabricantes
a apostar no G1000, tornando-a
suíte padrão na primeira gera-
ção do Phenom 100. O sistema
pouco diferenciava, em termos
de arquitetura, do instalado no
Bell 407GX, no Cessna 172 e
no Kodiak. Quatro aeronaves
com propostas completamente (flight path marker), observador sete polegadas, ou o formato hori-
diferentes, mas que empregavam de superfície (SurfaceWatch), zontal de dez polegadas. É possível
exatamente os mesmos hardwares sistema de incremento do sistema até mesmo uma integração entre
básicos e o mesmo código fonte. de posicionamento global (WAAS ambos os formatos de telas, assim
Não demorou para surgir algumas LPV), entre outros. Um ponto como entre os opcionais estão
versões personalizadas, como o importante é a capacidade de inte- parâmetros do motor, sistema
Cirrus Perspective, adotado na gração com outros recursos, como elétrico e de combustível, HSI e
família de monomotores SR. Neste piloto automático, rádio, radar mapa, entre outros. Ainda assim,
caso, a Cirrus optou por alterar meteorológico, ADS-B e assim por é possível ter apenas um PDF de
a interface homem/máquina, diante. sete polegadas e continuar usando
usando menos knobs nas telas, que os recursos analógicos. Ou inte-
foram substituídos por um teclado G500 E G600 grar de forma bastante completa
e, logo depois, passou a contar Em 2009, a Garmin lançou uma todos os sistemas, incluindo o
com visão sintética. Uma série versão simplificada do G1000, piloto automático GFC 600 ou
de melhorias continuaram sendo batizado G500. Ainda que não ti- GFC 500, sistema de navegação
implementadas tanto na versão vesse apenas metade dos recursos, com controle por toque GTN
dedicada da Cirrus como em o nome era apenas uma referência 750Xi. Por exemplo, caso esteja
modelos de prateleira. Atualmen- por ser uma plataforma de entrada equipado com o G500 TXi, GTN
te, o G1000 NXi oferece configu- e dedicada a retrofit de aeronaves 750Xi e o GFC 500, é possível cer-
ração com dois ou três displays, com painel analógico. O modelo tificar o avião para aproximação
com 10 ou 12 polegadas, além do oferecia menores custos e não ILS. Já aeronaves Part 23 podem
Multfunction Display (MFD) de exigia um sistema elétrico tão ser equipadas com a suíte G600
15 polegadas, que incorporam robusto, sendo adotado também TXi, uma evolução do G500, que
uma série de recursos como um em aeronaves novas, em geral conta com todos os recursos, mas
indicador de situação horizontal experimentais. A atual série G500 oferece tela de até 10,6 polegadas
(HSI), tecnologia de visão sintética TXi oferece várias opções como e visão sintética. Para moderniza-
(SVT), marcador de rota de voo telas horizontais ou verticais de ções em aviões certificados, ainda

26 | MAGAZINE 3 3 4
existe o G3X Touch, que oferece polegadas, e prove visão sinté- entre outros. Da mesma for-
a partir de 8.600 de dólares os tica aperfeiçoada, com modelo ma, o G5000 foi escolhido pela
recursos das suítes G500 e G600, tridimensional que, segundo a Cessna nos Citation Latitude,
mas altamente personalizáveis e Garmin, oferece uma experiên- Longitude e Sovereing+ e equipa
que oferece maior controle dos cia quase de realidade virtual. ainda os Learjet 70 e 75. Uma
custos de modernização. Exageros à parte, o G2000 ainda das curiosidades é que o G5000
conta com integração completa deverá ser a aviônica padrão do
G2000 com o GMA 36, suporte ao ESP, Eviation Alice, um dos primeiros
Ainda na aviação geral, a Garmin sistema de comunicação por aviões elétricos com planos de ser
oferece a suíte G2000, voltado datalink GSR 5 etc. produzido em série. As princi-
especialmente para aeronaves pais diferenças entre o G3000 e
a pistão de alta performance. O G3000 E G5000 G5000 estão na complexidade dos
modelo chegou a ser o padrão Voltados para aeronaves de sistemas que podem ser inte-
no Cessna TTx, que oferecia um maior porte, em especial jatos grados à plataforma. É possível
completo e interessante pacote de de negócios intermediários, a integrar, por exemplo, funções
aviônicos integrados pela Cessna. suítes G3000 e G5000 foram como autothrottle, sistema de na-
Um dos destaques do G2000, em lançadas quase simultanea- vegação, transponder, sistema de
relação ao G1000, é seu controle mente. Diferem basicamente alerta de colisão em voo (TCAS),
por um display sensível ao toque. em complexidade, mas ambas radar meteorológico, sistema de
A interface lembra o conceito oferecem completa integra- transmissão de dados (ACARS) e
adotado nos smartphones, com ção com todos os sistemas da o sistema automático de controle
ícones que levam as diversas aeronave. O G3000 é usado nos de motores (Fadec). Quando
páginas existentes na aviônica, Cessna Citation M2 e CJ3+, lançadas, as duas suítes já nasce-
permitindo controlar rádio, Embraer Phenom 100EV e ram com completa integração de
piloto automático, informações Phenom 300E, Honda Jet, controle por toque, uma tendên-
no PFD e MFD, entre outros. O Piper M600, Cirrus Vision, cia que se mostrava sem volta há
G2000 conta com telas de 12 e 14 Daher TBM 350 e TBM 940, quase uma década.

MAGAZINE 3 3 4 | 27
COLLINS AEROSPACE

King Air recebeu PRO LINE FUSION a Bombardier (nas séries Global touchpad. Já no C-390 o sistema
atualização de Uma das suítes de aviônicos 5000 e 6000). São três aplicações ainda integra uma série de
painel com o Pro mais modulares e robustas foi completamente diferentes, mas recursos táticos. Na plataforma
Line Fusion. Na desenvolvida pela Collins Ae- que usam basicamente o mesmo adotada no King Air, por uma
página oposta, rospace com objetivo de atender hardware e as mesmas linhas de questão do layout do cokcpit do
jatos da Embraer a diversas aplicações, desde comando. Nos jatos de negócio avião, a Beechcraft exigiu que
com aviônica
Collins
modernizações até customiza- da Embraer, foram instaladas todas as funções fossem por
ções em projetos novos. Para quatro telas de 15,1 polegadas, toques diretamente nas telas. O
se ter uma ideia da capacidade sendo duas primárias (PFD), mais impressionante é que um
de personalização e diferentes uma multifuncional (MFD) e piloto que tenha familiaridade
aplicações do Pro Line Fusion, uma de controle central, com com o pro Line Fusion adotado,
a plataforma foi adotada pela visão sintética de série e head-up por exemplo, no King Air 350,
Embraer no lançamento dos display (HUD) como opcional, em poucos minutos vai reconhe-
Legacy 450/500 (atuais Praetor além do sistema avançado de cer onde estão as páginas e fun-
500 e 600) e do cargueiro tático visão de voo (EVS), que mescla ções no C-390. Evidentemente,
C-390. Também utilizaram a no HUD imagens da câmera cada aeronave conta com suas
solução da Collins a Textron de infravermelho. O controle páginas e recursos dedicados,
(para modernizar a família King das funções é feito por meio de mas a lógica e os sistemas são
Air), a Gulfstream (no G280) e dois controles centrais do tipo basicamente os mesmos.

28 | MAGAZINE 3 3 4
PRO LINE 21
Outra suíte modular da
Collins é o Pro Line 21, que foi
criado para permitir a moder-
nização de diversos aviões de
negócios, com destaque para
as famílias Dassault Falcon
50 e Falcon 2000, Bombar-
dier Challenger 300 e 605,
Beechcraft King Air, Hawker
Premier 1 e Hawker 700,
800XP e 850XP. O Pro Line 21
oferece uma série de recursos
como visão sintética, datalink
e sistema integrado de infor-
mação de voo (IFIS), além de
permitir às modernizadas que
voem por navegação baseada
em performance (RNP).

MAGAZINE 3 3 4 | 29
HONEYWELL

PRIMUS EPIC prateleira, não exigindo o desen- adotados nos Bombardier Global
Nos anos 1990, a Honeywell deu volvimento dedicado de sistemas Express, no Cessna Citation X,
início a uma plataforma básica dedicados para cada novo avião no Falcon 900 e no turbo-hélice
de aviônica, que acabaria sendo o lançado. O sucesso foi tão grande regional Dornier 328. Na sequên-
padrão adotado pela indústria na que o Primus 1000 foi escolhido cia, a plataforma deu origem aos
década seguinte, dando origem pela Bombardier no Learjet 45, Primus Elite e Primus Apex, que
a diversas tecnologias e modelos pela Cessna nos Citation II, V e integraram ainda mais recursos
de sistemas digitais. O primeiro Excel e pela Embraer na família e passaram a ser oferecidos para
modelo foi o Primus 1000, que ERJ e, posteriormente, nos Le- modelos de aeronaves leves,
oferecia os mesmos hardware gacy. Anos mais tarde, os Primus como o Pilatus PC-12NG. A
e código fonte como itens de 2000 e Primus 2000XP foram mais recente evolução é a suíte

30 | MAGAZINE 3 3 4
AVIDYNE

Primus Epic e Epic 2, que se


destaca por ter sido escolhida
como base de projetos comple-
tamente diferentes, com uma
interface criada especialmente
para cada necessidade, mas
novamente usando o mesmo
código fonte e grande parte
dos computadores. Se o Primus PROJETOS ESPECIAIS
1000 era basicamente adapta- O Entegra foi por alguns anos a modernizar modelos de sucesso
do para cada aeronave, o Epic suíte básica dos monomotores uma oportunidade para mantê-
permitiu criar um sistema a pistão, sendo onipresente nos -los competitivos por mais alguns
dedicado, com interface alta- primeiros Cirrus, Columbia e em anos. Com mercados como o
mente personalizada para cada alguns modelos da Piper. A suíte norte-americano exigindo novos
fabricante e aplicação. Para se permitiu criar o conceito modu- sistemas de navegação e recursos
ter uma ideia, o Primus Epic lar na aviação geral, integrando como ADS-B, a modernização
na Dassault é conhecido como também quase todas as funções, ainda é necessária para quem
EASy e, na Gulfstream, como desde rádios, navegação e piloto deseja continua voando com ae-
Planeview. Um piloto que usar automático até datalink. Porém, a ronaves muitas vezes com poucos
o modelo francês possivelmen- concorrência com o Garmin 1000 ciclos e número total de horas
te não vai acreditar que é o fez a Avidyne perder mercado, baixo. A Avidyne oferece uma
mesmo painel do rival norte- passando a focar seus projetos ampla linha de sistemas, incluin-
-americano. Basta acessar o em modernizações. Embora do PFD, MFD, rádio, navegação,
porão de aviônicos para ver que haja milhares de aeronaves que transponder, entre outros. Dessa
ao menos o hardware é quase nasceram na era digital, existem forma é possível criar um projeto
idêntico. Da mesma forma, outros milhares da era analógica especial para cada necessidade,
é o Epic que equipa os jatos ou que surgiram na transição tec- combinando cada sistema da
regionais da Embraer E-Jet E2 nológica. O mercado de usados melhor forma. Além disso, al-
e o jato leve Pilatus PC-24. Se sempre foi importante na aviação guns modelos permitem também
no caso da Garmin e Collins geral, tornando a opção de serem instalados em aeronaves.
Aerospace a ideia era uma pla-
taforma relativamente igual em
tudo, visando reduzir os custos
e permitir a fácil adaptação dos
pilotos, a Honeywell seguiu
um caminho diferente. A ideia
foi permitir que os fabricantes
pudessem adaptar de maneira
bastante completa suas necessi-
dades na plataforma básica da
suíte. Assim o funcionamento
é praticamente igual, mas a
interface e os recursos ofere-
cidos são criados para cada
necessidade.

MAGAZINE 3 3 4 | 31
AV I AÇ ÃO G E R A L

DIFICULDADES
OPERACIONAIS
Do pagamento de tarifas ao acesso a áreas restritas, os problemas
rotineiros enfrentados por quem voa aeronaves privadas no Brasil
POR | RODRIGO DUARTE*, ESPECIAL PA RA AERO MAGAZINE
A
aviação brasileira voo, em compensação, lacunas Gomes, na cidade de Ma-
se viu esperançosa permanecem abertas, sobretudo naus, no Amazonas. É difícil
com o programa de na aviação geral. Os operadores imaginar que um aeroporto
simplificação dos se deparam em seu dia a dia com internacional, com vocação
trâmites buro- situações tão indesejáveis quanto para receber aviões de carga
cráticos exigidos pela Agência evitáveis, desnecessariamente e passageiros, próximo à
Nacional de Aviação Civil, que desgastantes, que mexem com o fronteira do Brasil, servindo
modernizou seus processos estado emocional de homens e de opção de escala para muitos
e deixou de aplicar normas mulheres responsáveis por pousar jatos privados que chegam e
obsoletas, muitas das quais sem e decolar aeronaves e ameaçam a saem para o Hemisfério Norte,
sentido ou contraproducentes segurança de voo. não consiga emitir uma nota
para quem voa. Mesmo que haja fiscal de pouso e permanência
ainda muito o que se fazer, sob a NOTA FISCAL no pátio sem a apresenta-
ótica regulatória, os avanços são Uma dessas situações vem ção obrigatória de um CPF
evidentes. Do ponto de vista do ocorrendo no aeroporto Eduardo (Cadastro de Pessoa Física) ou

34 | MAGAZINE 3 3 4
TAXA DE POUSO
Discrepâncias e diferenças ope-
racionais de um aeroporto para
outro se tornaram um problema
gritante no Brasil. Tome como
exemplo o aeroporto de Maceió,
em Alagoas, em comparação a
outros também no Nordeste.
Ele exige do operador privado
o pagamento da taxa de pouso
e permanência antes de cada
decolagem. Não haveria proble-
mas se o processo não demorasse
tanto tempo. Os relatos de pilotos
falam em uma espera de pelo
menos uma hora para efetuar
todo o trâmite, ainda assim, se
tudo caminhar conforme o pre-
visto e seja efetuado em horário
comercial.

ACESSO AO SISTEMA
Deficiências na cobrança de
tarifas da aviação de negócios
não é privilégio de aeroportos
do Norte ou do Nordeste. No
aeroporto de Guarulhos, em São
Paulo, cada operador deve criar
um acesso próprio ao sistema
da GRU Airport, que bloqueia o
um CNPJ (Cadastro Nacional de ves e acabou criando esse desa- ingresso do usuário por inativida-
Pessoa Jurídica). Quando o avião juste em torno de faturamentos de. Como muitos operadores não
pertence a um cidadão brasileiro, e emissões de notas fiscais, o possuem operações corriqueiras
não há problemas. Mas o que que prejudicou inúmeros ope- em Guarulhos, conseguir pagar
fazer quando a nota precisa ser radores internacionais que pas- tarifas de valores relativamente
emitida para um operador inter- sam por ali. Mais que corrigir baixos se torna uma tarefa quase
nacional, dono de uma aeronave pontualmente o problema, seria hercúlea. Resultado: é comum
estrangeira, que não possui um importante que as autoridades que os débitos fiquem em aberto,
documento emitido pela Receita se perguntassem se os regula- sem necessidade.
Federal do Brasil? mentos vigentes não deveriam Na outra ponta, um bom
A nova concessionária do ter considerado a operaciona- exemplo de eficiência no quesito
aeroporto, a francesa Vinci Air- lização do setor de cobrança tarifas é o aeroporto de Vitória,
ports, que assumiu as operações dos aeroportos para que os no Espírito Santo, que permite ao
em janeiro de 2022, modificou o administradores não ajam do operador fazer o pagamento on-li-
sistema de cobrança das aerona- jeito que bem entendam. ne, de maneira rápida, eficiente e

MAGAZINE 3 3 4 | 35
segura, sem a necessidade de deslo- operador, deverão ter acessos uma aeronave privada com ma-
camento até a sua administração. em diferentes e-mails para cada trícula estrangeira não conseguiu
aeronave que pretenda obter suas efetuar o pagamento via cartão
CONTROLE DE VOO informações de pagamento. de crédito. Motivo: a máquina do
Nem só concessionárias privadas cartão (muito antiga) estava com
dificultam pagamentos. O Depar- FIM DE SEMANA um chip pré-pago sem crédito e
tamento de Controle do Espaço Já a Infraero também impõe difi- somente a Infraero, em Brasília,
Aéreo (Decea) passou a enviar os culdades aos operadores da avia- poderia resolver o problema (o
boletos de cobrança por serviços ção geral. Nos poucos aeroportos que não foi possível de ser feito,
prestados sem os respectivos re- onde permanece como admi- pois não se sabia com quem
latórios, que, para serem obtidos, nistradora, há problemas, todos falar). Já que o pagamento via
devem ser solicitados via site es- recorrentes. Em Jacarepaguá, cartão de crédito estava indis-
pecífico, mediante cadastro prévio no Rio de Janeiro, por exemplo, ponível, emitiu-se um boleto,
junto ao órgão. Ou seja, não é uma se uma aeronave de matrícula certo? Sim, mas o boleto emitido
missão exatamente simples de ser estrangeira precisar recolher as não possuía um código de barras
cumprida e, pior, quem já possui taxas de pouso e permanência e para pagamento. Então, quais
acesso atrelado a uma aeronave tiver uma programação durante o seriam as opções? Dinheiro vivo?
com nome de operador diferente final de semana, deverá proceder Não aceitam. Pix? Não aceitam!
da cobrança que procura não com o respectivo pagamento Transferência bancária ou TED?
conseguirá efetuar o cadastro, pois durante a semana. Isso porque, Também não.
o e-mail é atrelado somente a um aos sábados e domingos, não há Enfim, após pouco mais de
operador. Na prática, gestores de funcionários disponíveis. duas horas desde o início da
frota ou empresas que possuem tentativa de pagamento, o piloto
mais de uma aeronave dentro de MÁQUINA DE CARTÃO conseguiu quitar a dívida e obter
um mesmo grupo econômico e, Mas esse não é o único problema. o documento necessário para a
por consequência, mais de um Recentemente, o operador de apresentação do plano de voo.

36 | MAGAZINE 3 3 4
O funcionário acabou aceitando operações às 06h00 (isso para
o comprovante de transferência a aviação geral, pois, se houver
para uma conta da Infraero. A atrasos na aviação comercial, o
dúvida que fica é como uma
empresa que efetua o mesmo
aeroporto estende seu horário).
Se houvesse um local próxi-
HÁ AEROPORTOS QUE
procedimento há tantos anos mo como alternativa, o encerra- FECHAM QUANDO A
tem dificuldades de resolver uma mento das operações poderia se
situação quando uma simples justificar. Mas a vizinha Joinville TORRE DE CONTROLE
máquina de cartões não funciona. também fecha e as únicas opções
durante operações noturnas na DEIXA DE FUNCIONAR NO
FECHAMENTO NOTURNO
Os problemas enfrentados por
região são a capital Florianópolis
e Curitiba, no Paraná, ambas
PERÍODO DA NOITE
operadores não se restringem a distantes de Navegantes por via
pagamentos de taxas e tarifas. terrestre ou, dependendo da per-
O que dizer dos aeroportos que formance das aeronaves, também
fecham com o encerramento por via aérea. um hangar privado no aeropor-
das atividades da sua torre de to, que também não é grande.
controle? A grande maioria dos RESERVA DE PÁTIO Além disso, as posições destina-
aeroportos do Brasil não possui Ainda em Navegantes, a gestão das à aviação comercial regular
torre e suas operações são efetu- de reservas de pátio (conforme são “intocáveis”, mesmo que
adas sob total responsabilidade publicação oficial, que deve ser uma aeronave privada pretenda
do piloto em comando. Diante feita com seis horas de ante- se deslocar rapidamente para
disso, como justificar que o ae- cedência) também pode gerar a localidade, ficando o tempo
roporto de Navegantes, em Santa transtornos e problemas para necessário para abastecimento,
Catarina, por exemplo, feche após pilotos e passageiros. O pátio embarque ou desembarque de
as 23h45 e somente retoma suas geral é pequeno. Existe apenas passageiros.

MAGAZINE 3 3 4 | 37
MUITOS AEROPORTOS
NÃO TÊM INSTRUMENTOS
PARA LER O QR CODE DAS QR Code para conferir se o piloto
pode ou não ter acesso ao pátio.
CARTEIRAS DE PILOTOS Nessa situação o que o fiscal
acaba fazendo? Pedem a carteira
NAS ÁREAS RESTRITAS de PVC, que muitas vezes nem
foi emitida pela Anac e, sim, pelo
próprio piloto (em gráficas que
possuem a impressão de cartões
de PVC).

Ainda que seja possível efe- FISCAIS AEROPORTUÁRIOS


tuar a reserva via sistema da In- Paralelamente a problemas técni-
fraero, sua confirmação somente cos, não é raro para um piloto se
se dará seis horas antes do pouso. deparar com agentes de proteção
O problema é que, em caso de de aviação civil (APAC) sem o
voos internacionais, esse tempo devido preparo. No Aeropor-
pode ser curto demais se consi- to Santos Dumont, no Rio de
derarmos o deslocamento de um Janeiro, a Infraero instalou um
Gulfstream G650ER, por exem- monitor no portão de acesso
plo, de Madrid para Navegantes, onde se verifica a presença das
que dura cerca de 12 horas. Para aeronaves no pátio e suas respec-
operações internacionais, há o tivas posições. Uma boa solução,
requisito de comunicação com no que elimina o trabalho do fiscal
mínimo 24 horas de antecedência do portão de ligar para o centro
para mobilização dos órgãos de de operações do aeroporto para
imigração e alfandega. Ou seja, saber se determinada aeronave
imagine uma aeronave com aviso está realmente estacionada ou
prévio de chegada conforme não no campo. As dificuldades
prega a norma, já em voo, ter começam quando o sistema apre- evidentemente, houve muito
sua reserva de pátio negada seis senta falhas. estresse, o que tornou aquela
horas antes de sua chegada? Em Já aconteceu de uma aeronave operação mais insegura.
Navegantes, pode acontecer! estar fisicamente pousada no ae-
roporto sem que o monitor acuse MANUTENÇÃO E LIMPEZA
ÁREAS RESTRITAS sua presença. Nesse caso, diante Mais um problema acontece com
O acesso de tripulantes às áreas de um tripulante devidamente aeronaves privadas que perma-
restritas dos aeroportos repre- identificado dizendo que havia necem nos pátios dos aeroportos
senta mais uma dor de cabeça parado o avião no pátio, bastaria e necessitam de serviços de ma-
para tripulantes, em alguns casos. ao fiscal entrar em contato com nutenção, limpeza e arrumação
A começar pelo documento o centro de operações (como de sua cabine. Dependendo do
exigido de pilotos para ingresso sempre fizeram) para checar a aeroporto, o prestador de serviço
ao pátio do aeroporto onde está informação e solicitar o ajuste precisa relacionar as ferramentas
a sua aeronave. A Anac aboliu dos dados na tela. Nem sempre é de manutenção uma a uma e
as carteiras de plástico (PVC) e o que acontece. Segundo relatos apresentá-las à Receita Federal
instituiu as habilitações digitais de um piloto, em uma situação para que haja uma liberação
com código de resposta rápida como essa, um fiscal simples- formal da entrada de tais
(QR Code, na sigla em inglês). mente respondeu que ligar para instrumentos à área restrita. Na
Porém, nos portões de acesso da a central não seria sua atribuição. volta, o procedimento é o mesmo.
grande maioria dos aeroportos Antes de o problema ser solu- Um processo lento e burocrático.
controlados, não há instrumentos cionado e o piloto ser liberado Além disso, os profissionais
capazes de efetuar a leitura do para prosseguir até sua aeronave, devem ser cadastrados e possuir

38 | MAGAZINE 3 3 4
uma identificação específica para com uma pane, por ser inviável acontece no aeroporto de Vitória
que tenham acesso à aeronave. a espera (com a consequente da Conquista, na Bahia. Por en-
Algo elogiável, não fossem estes cobrança de estadia) da aeronave quanto, as restrições estão sendo
dois problemas: dependendo do em solo. aplicadas e publicadas no Rotaer
horário e do aeroporto, leva- para aeródromos que tenham
-se horas para a confecção do SEGURANÇA DE VOO suas portarias de funcionamento
cadastro e, especificamente em Existem muitos outros problemas renovadas. Portanto, verifique as
Viracopos, exige-se desses profis- encontrados diariamente por publicações oficiais antes de cada
sionais um curso que somente é quem voa. Da recusa de planos voo para não ser surpreendido.
dado no próprio aeroporto, além de voos já aprovados previamente Em suma, para além dos
de um cadastro que demora cerca à dificuldade em se confirmar quesitos regulatórios, o investi-
de uma semana para ser con- pontos de abastecimento pelo mento das autoridades aeronáuti-
cluído. Como um operador que país (que não constam das cas tanto na qualificação de mão
pretenda parar por algumas horas publicações oficiais). Os próprios de obra dos aeroportos como na
ou poucos dias no aeroporto, ou regulamentos pegam pilotos simplificação e na padronização
que tenha uma pane antes de sua de surpresa. Aliás, operadores dos processos envolvendo o dia a
chegada, pode considerar que sua de aeronaves a jato devem ficar dia da operação tende a incre-
equipe não terá acesso à aeronave atentos à nova restrição operacio- mentar a segurança de voo.
quando for preciso? Isso pode le- nal imposta pelo RBAC 154, que
var a situações de insegurança de vem exigindo indicadores visuais * Rodrigo Duarte é piloto de avião
voo, se um piloto decidir seguir de rampa (VASIS ou PAPI) nos e helicóptero e advogado especiali-
para outra localidade, mesmo aeroportos para pouso, como já zado em Direito Aeronáutico

MAGAZINE 3 3 4 | 39
S EG U R A N Ç A D E VO O
AVIAÇÃO REGULAR
X TÁXI-AÉREO
Uma comparação entre os padrões de safety das
categorias de operadores que realizam o transporte
público de cargas e passageiros pelo ar
P O R | RAUL MARINHO*, ESPECIAL PA RA AERO MAGAZINE

U
m desastre aéreo ESTATÍSTICAS
choca e faz furor. DE ACIDENTES
Quando o acidente Tanto a Agência Nacional de
acontece com Aviação (Anac) como o Centro
uma aeronave de Investigação e Prevenção de
de táxi-aéreo – o que implica, Acidentes Aeronáuticos (Ce-
frequentemente, na morte de nipa) disponibilizam, gratuita-
celebridades, atraindo muito in- mente, terabytes de dados sobre
teresse do público –, o debate em acidentes aéreos, o que deixa os
torno da segurança de aeronaves jornalistas muito “empolgados”.
fretadas volta à tona. Em poucas Não é difícil encontrar um dado
oportunidades, porém, há tempo comprometedor nessas fontes e,
ou espaço para que o tema seja como os números (assim como
abordado com a devida profun- as cartas) jamais mentem, a
didade. Diante da complexidade manchete está garantida. Entre-
do assunto, decidimos esmiuçá- tanto, obter informação efetiva
-lo uma pouco mais para tentar por meio dos dados oficiais
responder esta pergunta retórica: disponíveis é muito mais com-
afinal, os “aviões pequenos” são plicado do que parece e mesmo
menos seguros do que “aviões especialistas em segurança de
grandes”? É claro que isso voo sabem que esta é uma tarefa
depende de uma série de fatores, desafiadora.
incluindo as próprias circunstân- Logo após o acidente que
cias, mas há considerações que vitimou a cantora Marília
podem ser feitas sobre os padrões Mendonça, por exemplo, um
de segurança dos serviços aéreos conhecido portal de notícias
de interesse público, ou seja, de publicou a seguida chamada:
empresas de linha aérea e táxis- “Táxi-aéreo sofre 16 vezes mais
-aéreos. acidentes do que aviões comer-
ciais grandes”. Matematicamen- como são os índices de aciden- na Mega-Sena é extremamente
te, a informação é verdadeira: tes por milhão de decolagens, remota, sofrer um acidente
de acordo com o Relatório não é a mesma coisa do que aéreo é mais difícil ainda!
Anual de Segurança Opera- comparar grandes números, As chances de uma pessoa
cional (RASO), publicado em como todos estão acostuma- embarcar em um táxi-aéreo e
2021 pela Anac com dados de dos. Vejamos o que acontece se acidentar antes de desembar-
2016 a 2020, os táxis-aéreos em termos probabilístico com car são 143 vezes menores do
apresentaram 19,95 acidentes quem faz uma aposta de seis ou que as de ganhar na Mega-Sena
por milhão de decolagens, ao sete números na Mega-Sena. jogando seis dezenas. Na ver-
passo que o mesmo indicador Com a aposta mínima de seis dade, os índices estatísticos de
para a linha aérea foi de 1,27 dezenas, a chance de se acertar acidentes por milhão de deco-
acidente por milhão de decola- todos os números é de uma lagens divulgados pela Anac só
gens (veja o gráfico abaixo). Di- em 50.063.860, ao passo que, são úteis para o cotejamento de
vidindo um número pelo outro, jogando sete números, a pro- séries temporais – isto é, para
temos uma proporção de 15,71 babilidade de levar o prêmio construir gráficos, que mos-
mais acidentes por milhão de máximo sobe para uma em tram a informação de tendên-
decolagens com táxis-aéreos 7.151.980. A chance de ganhar cias ano a ano. Mas, quando se
do que com a aviação comer- na Mega-Sena sobe sete vezes diz que o táxi-aéreo sofre 16
cial (arredondando, 16): eis a quando você joga sete números vezes mais acidentes do que a
“comprovação matemática” da em vez de seis, mas, em termos linha aérea, o principal efeito
manchete. Mas a conclusão não práticos, ela continua senso é incutir no público leigo o
é tão simples assim. quase zero em ambos os casos. medo de voar em táxi-aéreo,
Comparar valores estatís- Entretanto, se a probabilidade uma vez que ambos os índices
ticos extremamente pequenos, de alguém ficar rico jogando são desprezíveis em termos
probabilísticos. De novo, lidar
com dados estatísticos não é
tarefa corriqueira para quem
TAXA DE ACIDENTES POR TIPO DE OPERAÇÃO não atua na área de safety (que
cuida da segurança física das
200
197,47 pessoas, incluindo a proteção
contra acidentes).
180
Além disso, outro fator a se
Acidentes por milhão de Horas de voo

160 153,17 considerar é que a definição de


140
136,93 “acidente aeronáutico” utilizada
131,46
122,35 pelos relatórios das autoridades
120 aeronáuticas não é a mesma do
100 94,89 94,21 senso comum. O fato de uma
79,48 94,42 87,61
81,00 aeronave sofrer um acidente
80 84,88
67,42 não significa, necessariamente,
70,88
60
46,54 48,02 que pessoas morreram – danos
39,55
40
37,06 estruturais à aeronave, por
17,50 19,95 exemplo, configuram um
20
0,6 0,6 1,17
acidente aeronáutico, mesmo
1,78 1,27
0 que todos a bordo saiam ilesos.
2016 2017 2018 2019 2020
Transporte Regular
Na verdade, dos 106 acidentes
Agrícola Privada Instrução Táxi-Aéreo
ocorridos com aeronaves de
Taxa de acidentes (avidentes para cada milhão de decolagens registradas) táxi-aéreo nos últimos dez
por tipo de operação, de 2016 a 2020. Fonte: CENIPA E ANAC
anos, somente 25 (23,6%)
foram fatais. Extrapolando

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este percentual para o índi- reo sofre 3,7 mais acidentes a acidentes com aeronaves Acidentes aéreos
ce divulgado pelo RASO, de fatais do que aviões comerciais desse segmento. Resultado são raros. É mais
19,95 acidentes por milhão de grandes”. Ficou bem menos total dos últimos dez anos: 46 fácil ganhar na
decolagens, teríamos somente impactante do que a manchete mortes, uma média de 4,6 por Mega-Sena do
4,7 acidentes fatais por milhão original, não? ano (lembrando que qualquer que se envolver
de decolagens. Outra maneira de enxergar número diferente de zero é na queda de uma
táxi-aéreo
Como o índice de acidentes o mesmo problema é consi- péssimo, afinal estamos falando
fatais da linha aérea é igual ao derar a quantidade de vítimas de vidas humanas). Enquanto
de todos os acidentes, já que da aviação comercial e do isso, o último acidente fatal da
ninguém morreu voando na táxi-aéreo. De acordo com o aviação comercial no Brasil,
aviação comercial no período Cenipa, em 2021, houve um o da TAM, em 2007, vitimou
analisado pelo RASO, o índice único acidente fatal envolvendo 199 pessoas, 4,3 vezes o total
equivalente para esse segmen- o táxi-aéreo (justamente o que do táxi-aéreo em dez anos.
to é o mesmo: 1,27. Portanto, levou a cantora Marília Men- Isso significa que os acidentes
mesmo que não faça muito donça e mais quatro pessoas) fatais da linha aérea realmente
sentido, seria matematicamente e, nos nove anos anteriores, 41 são muito raros, mas, quando
correto dizer que o “táxi-aé- pessoas foram a óbito devido ocorrem, matam muito mais

MAGAZINE 3 3 4 | 43
Em termos regulatórios,
praticamente não há diferen-
ças entre a operação de linha
aérea regular de grande porte
e a dos voos charter: ambas
devem seguir o RBAC 121. Mas
entre a aviação sub-regional e
o táxi-aéreo há diferenciações
operacionais relevantes, muito
embora ambas se baseiem no
RBAC 135. Na tabela ao lado,
listamos as principais diferen-
ças regulatórias entre as três
operações, com colunas distin-
tas para a aviação sub-regional
e o táxi-aéreo, mas, devido à
similaridade de requisitos, a
ENTENDA do que os de táxis-aé- tiver mais de 19 assentos para linha aérea regular e o char-
CADA RBAC reos – e, infelizmente, passageiros ou puder trans- ter irão compor uma única
Publicado pela Anac, o eles tendem a acontecer portar mais de 3.400 quilos de categoria.
Regulamento Brasileiro de tempos em tempos. carga, o avião deve seguir o Esta tabela foi construída
de Aviação Civil norteia as Em termos de risco à RBAC 121. Aviões com parâ- em ordem crescente de dife-
operações nas diferentes sociedade, portanto, metros iguais ou inferiores a renças em segurança operacio-
categorias do transporte aéreo a aviação comercial esses, assim como helicópteros nal entre linha aérea, aviação
representa uma ameaça de qualquer tamanho, seguem sub-regional e táxi-aéreo. No
RBAC 121
muito maior do que o as regras do RBAC 135. primeiro e segundo grupos há
Regulamentação aplicável à linha
aérea de grande porte
táxi-aéreo. Ainda assim, o mercado pouca ou inexistente diferen-
“Operações de transporte convenciona que “linha aérea re- ciação, enquanto o terceiro
aéreo público com aviões DIFERENÇAS gular” é somente aquela realizada grupo possui diferenças im-
com configuração máxima REGULATÓRIAS de acordo com o RBAC 121 (os portantes entre os segmentos.
certificada de assentos Existem diferentes grandes jatos e turbo-hélices – Todavia, é o quarto e último
para passageiros de mais Regulamentos Brasi- Boeing, Airbus, Embraer 190/195 grupo que contém os itens mais
19 assentos ou capacidade leiros de Aviação Civil, e ATR), enquanto a operação relevantes para diferenciar o ní-
máxima de carga paga acima os chamados RBAC regular realizada com aviões vel de segurança das operações:
de 3.400 quilos” (veja o quadro no fim menores (na maioria das vezes, infraestrutura aeroportuária e
do artigo), que regulam o Cessna Grand Caravan, com certificações internacionais de
RBAC 135 diferentes modalidades nove assentos para passageiros) é segurança.
Regulamentação aplicável ao de serviços aéreos. De chamada atualmente de “aviação
táxi-aéreo e à aviação acordo com as atuais sub-regional”. Para operações INFRAESTRUTURA
sub-regional regras da Anac, é pos- comerciais não regulares, essa AEROPORTUÁRIA
“Operações de transporte
sível operar como uma regra também é válida, sendo que De um total de 3.160 aeródro-
aéreo público com aviões
linha aérea regular pelas aquelas realizadas pelo RBAC mos atualmente existentes no
com configuração máxima
certificada de assentos regras tanto do RBAC 121 (“aviões grandes”) são cha- Brasil, 161 (quantidade pré-
para passageiros de até 121 como do RBAC 135: madas de “charter”, ao passo que -pandemia) são utilizados para
19 assentos e capacidade o que define se o regu- o tradicional táxi-aéreo (jatos, realizar operações regulares da
máxima de carga paga de até lamento a ser cumprido turbo-hélices, aviões a pistão linha aérea. Nos 2.999 restan-
3.400 quilos (7.500 libras), ou deverá ser um ou outro de pequeno porte ou helicópte- tes, somente a aviação geral
helicópteros” é a capacidade de trans- ros) sempre segue as regras do privada e o táxi-aéreo operam.
porte da aeronave. Se RBAC 135. O ponto é que sem esses aero-

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EXIGÊNCIAS DISTINTAS
Ordem crescente de diferenças em segurança operacional entre linha aérea, aviação sub-regional e táxi-aéreo

Linha aérea regular Aviação sub-regional Táxi-aéreo (RBAC 135


Grupo Item regulatório de grande porte + (RBAC 135 para para operações
charter (RBAC 121) operações regulares) não regulares)

CMA (Certificado Médico


1ª Classe 1ª Classe 1ª Classe
Aeronáutico)

Operações de voo, Formalização em manuais Formalização em manuais Formalização em manuais


GRUPO 1 manutenção, treinamento aprovados ou aceitos pela aprovados ou aceitos pela aprovados ou aceitos pela
e SGSO* ANAC ANAC ANAC

Preenchimento dos cargos Aprovados previamente Aprovados previamente Aprovados previamente


técnicos pela ANAC pela ANAC pela ANAC

Licença de PC (Piloto
Experiência mínima Licença de PLA (Piloto de Licença de PLA (Piloto de
Comercial) com 1.200
requerida para o Linha Aérea) com 1.500 Linha Aérea) com 1.500
horas de voo para IFR ou
comandante horas de voo horas de voo
500 horas para VFR

De acordo com programa De acordo com programa


De acordo com programa aprovado pela ANAC – uso aprovado pela ANAC – uso
GRUPO 2 aprovado pela ANAC – uso obrigatório de simulador obrigatório de simulador
Treinamento de pilotos
obrigatório de simulador de voo somente para de voo somente para
de voo operação com aeronaves operação com aeronaves
tipo tipo

Operações single-pilot Permitida somente para Permitida somente para


(tripuladas somente pelo Não permitida operações VFR (regras de operações VFR (regras de
comandante, sem copiloto) voo visual) voo visual)

Regras mais flexíveis, mas Regras mais flexíveis, mas


Regras mais rígidas
seguindo a regulamentação seguindo a regulamentação
Requisitos de certificação (exemplo: só são
GRUPO 3 internacional (exemplo: é internacional (exemplo: é
das aeronaves permitidos aviões
permitido o uso de aviões permitido o uso de aviões
multimotores)
monomotores) monomotores)

Operação permitida Operação permitida Não há necessidade


somente em aeródromos somente em aeródromos de aprovação prévia
Infraestrutura aeroportuária
previamente aprovados previamente aprovados pela ANAC – análise de
autorizada
pela ANAC – regras mais pela ANAC – regras mais aeródromos realizada pela
rígidas flexíveis empresa
GRUPO 4
Auditoria ISSA - IATA Certificações adicionais
Certificaçoes adicionais Auditoria IOSA – IATA
Standard Safety opcionais**
de segurança (programas Operational Safety Audit
Assessment (requerido Exceção: operação
de auditoria de segurança (requerido para operações
para operações de offshore, que aceita o
de voo) de codeshare)
codeshare) PEOTRAM***

* SGSO significa Sistema de Gestão da Segurança Operacional.


**A mais conhecida é a certificação International Standard for Business Aircraft Operations (IS-BAO), concedida pelo International Business Aviation Council
(IBAC) após implantação de procedimentos operacionais específicos e aprovação em auditoria internacional.
*** O Programa de Excelência Operacional em Transporte Aéreo e Marítimo (PEOTRAM) é um programa criado pela Petrobras, que funciona como uma certificação
de auditoria de segurança de voo. É de adesão obrigatória para as empresas de táxi-aéreo que operam nas plataformas marítimas geridas pela companhia.

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portos onde a aviação comer-
cial não atua seria impossível
haver conectividade aérea. É
por isso que países continentais
como Brasil, Estados Unidos,
Canadá e Austrália dependem
do táxi-aéreo para interligar
todo seu território pelo modal
aéreo – em algumas locali-
dades, como em regiões da
Amazônia e do Alasca, o avião
é o único meio de transporte
viável.
Além de fundamental
para a conectividade aérea, o
táxi-aéreo tem de lidar com as
peculiaridades de um país-
-continente com desigualdades
regionais acentuadas em ter-
mos de infraestrutura aeropor-
tuária. Nas capitais e nos polos
regionais do Sudeste e do Sul,
há bons aeroportos, com pistas
pavimentadas de dimensões
mais confortáveis para pousos
e decolagens, proteção contra
ingresso de pessoas não auto-
rizadas e invasão de animais e
diversos auxílios à navegação
para operações por instrumen-
tos. Mas, nos aeródromos de
pequenas e médias localida-
des, em especial no Norte, no
Nordeste e no Centro Oeste do cêndio, dentre outros atributos. seriam iguais aos de Guarulhos,
Brasil, a realidade é outra. Já a pista única de Caratinga mas hoje só há no Brasil 416
É evidente que a segurança tem 1.080 por 23 metros e per- destinos com pistas de pouso as-
operacional da pista principal mite somente operações visuais faltadas, 101 delas com mais de
de Guarulhos supera à da pista diurnas. A diferença em termos 1.800 metros e 110 com algum
única de Caratinga, para onde de coeficiente de segurança procedimento que permita
se dirigia o avião onde estava é similar à que há entre um operação por instrumentos.
a cantora Marília Mendonça automóvel altamente sofistica- Sistemas de aproximação de
em seu derradeiro voo. Em do e um modelo popular básico precisão (ILS) estão presentes
Guarulhos, são 3.700 por 45 – mas é claro que não seria em 26 destes, sendo que Guaru-
metros de pista, procedimento razoável permitir que somente lhos é o único CAT III. É neste
de pouso por instrumento com os carros de luxo, com tecno- conjunto de aeródromos de elite
baixa visibilidade (ILS CAT logia de ponta, circulassem por que está a esmagadora maioria
III), torre de controle dotada de ruas e rodovias do Brasil. dos aeroportos onde pousam
radar com doppler, equipamen- Em um mundo ideal, todos os aviões de linha aérea regular,
tos completos de combate a in- os aeródromos públicos do país com suas pistas compartilhadas

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com o táxi-aéreo e a aviação des não atendidas pela aviação dentro dos limites aceitáveis
geral privada. No restante dos comercial regular! Não faria e, convenhamos, embora
aeródromos públicos e em todos sentido econômico instalar um extremamente lamentável,
os privados, predominam pistas equipamento ILS CAT III em o acidente que vitimou a
de terra, grama e cascalho de di- Caratinga, assim como teria Marília Mendonça foi a
mensões reduzidas e, raramente, sido complicado para a cantora única ocorrência fatal do ano
há torre de controle de tráfego ir até lá por via rodoviária – de 2021 com aeronaves de
aéreo ou procedimentos IFR. além da economia de tempo, táxi-aéreo, um número bem
É de se esperar, portanto, se ela utilizasse sistematica- distinto daquele registrado em
que, na média, a infraestrutura mente o modal rodoviário, sua avenidas e estradas do país –
aeroportuária onde o táxi-aéreo exposição ao risco seria ainda segundo a Secretaria Nacional
opera seja menos equipada do maior. Voltando às estatísticas, de Trânsito, cerca de 30 mil
que a que está disponível para o fato é que, mesmo utilizando pessoas morrem por ano em
a linha aérea. Por outro lado, infraestrutura menos sofisti- acidentes de trânsito no Bra-
o diferencial do táxi-aéreo é cada, o patamar de segurança sil, sendo 300 motociclistas só
justamente chegar em localida- da operação de táxi-aéreo está na cidade de São Paulo.

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A OPERAÇÃO DE
TÁXI-AÉREO, QUANDO
REALIZADA DE MANEIRA Na aviação geral privada dores do setor, mas aqui temos
e no táxi-aéreo, as auditorias uma segunda “certificação” que
RESPONSÁVEL, POSSUI UM de segurança têm outros traz excelentes resultados para
propósitos. O primeiro e mais os táxis-aéreos que atuam na
PATAMAR DE SEGURANÇA importante é garantir ao ope- operação offshore. Para essas
EQUIVALENTE AO DA rador que todos os procedi-
mentos estão sendo realizados
empresas, o Peotram, que faz
parte da política interna de
LINHA AÉREA corretamente com base no
monitoramento contínuo das
safety da petroleira, funciona
como IOSA, ISSA e IS-BAO.
operações aéreas. Além dos
efeitos óbvios em redução de O TÁXI-AÉREO É SEGURO?
acidentes e incidentes, essas No Brasil, infelizmente, temos
auditorias também servem uma quantidade expressiva de
para cumprir exigências de operações clandestinas, carac-
CERTIFICAÇÕES conformidades (compliance) e terizadas pelo transporte remu-
INTERNACIONAIS para gerar ganhos de imagem nerado de passageiros e carga
No início dos anos 2000, a e facilidades regulatórias: em por aeronaves não certificadas
aviação começou a implemen- determinados processos de para atuar como táxi-aéreo (o
tar processos de auditoria de certificação, o detentor da cer- famigerado TACA). Foi o caso,
segurança para operadores tificação IS-BAO, por exemplo, por exemplo, do acidente com
aéreos, atendendo a diversas é dispensado de cumprir cer- o jornalista Ricardo Boechat,
demandas do mercado de avia- tas atividades e tem aprovação em 2019, e a infame tragédia
ção em termos de garantia de simplificada pela autoridade com o “helicóptero da noiva”,
padrões mínimos de safety. Para aeronáutica. Mas o maior em 2016, só para ficar em duas
a aviação comercial regular, o ganho (em termos monetários, ocorrências bastante conhecidas.
principal problema que essa fer- ao menos) é a redução no Embora não contabilizados
ramenta resolveu foi facilitar os valor dos prêmios de seguro. pelo Cenipa como acidentes
processos de codeshare, em que Em alguns casos, os custos de do segmento de táxi-aéreo, tais
o passageiro compra seu bilhete implementação e de certifica- ocorrências são percebidas pelo
aéreo de uma empresa e é trans- ção são inferiores ao benefício público como se fossem, o que
portado por outra (ou outras), auferido pela redução de cus- tem impactos muito negativos
em parte ou em todo o trajeto. tos das apólices de seguro, ou para a imagem do setor.
Antes, para que isso fosse pos- seja: o operador acaba sendo Outra questão são as opera-
sível, as companhias tinham de remunerado por melhorar sua ções de táxi-aéreo que, ainda que
auditar todas a suas parceiras, condição de safety. não sejam clandestinas, ocorrem
uma a uma, para aprovar toda O grande salto nas estatís- em condições marginais de
nova operação de codeshare, ticas de acidentes da aviação segurança. Isso pode acontecer
o que gerava um volume de comercial regular ocorreu após devido à natureza da operação,
trabalho extraordinariamen- a implementação generalizada como os voos realizados com
te elevado e oneroso. Com a das auditorias IOSA em todo o propósitos humanitários para
introdução de padrões interna- mundo e tal ganho vem sendo atendimento médico em reservas
cionais de auditoria (IOSA para verificado, também, nas em- indígenas, utilizando pistas de
linhas aéreas de grande porte e presas de aviação geral privada pouso em condições muitas
ISSA para operações regionais), e táxi-aéreo auditadas pelo vezes precárias. Mas também
isso ficou mais prático e barato, ISSA e pelo IS-BAO mundo podem ocorrer voos em que o
viabilizando múltiplos acordos afora. No táxi-aéreo do Brasil, operador, aproveitando-se do
de codeshare entre diferentes estas certificações ainda estão fato de a fiscalização ser mais
companhias mundo afora. restritas aos principais opera- branda em aeródromos menores

48 | MAGAZINE 3 3 4
e mais afastados dos grandes Porém, à medida que progra- O problema é o desvio padrão
centros, desrespeita os preceitos mas de certificação como ISSA dessa média, ainda elevado, o
da regulamentação. Esta não é e IS-BAO ganham populari- que revela haver um conjunto de
a prática da grande maioria das dade, a cultura de safety deve operadores que precisa melhorar
empresas de táxi-aéreo do Brasil, aumentar e o hábito de burlar suas condições de safety. A boa
mas ocorre e acaba comprome- a fiscalização tende a diminuir notícia é que existem ferramentas
tendo a reputação de toda uma bastante no táxi-aéreo do país. para isso, e é possível obter resul-
categoria, mesmo acontecendo Além de serem uma maneira tados muito bons em um curto
de forma isolada. de fomentar uma cultura de se- espaço de tempo.
Finalmente, há a falta de gurança para o segmento, essas
uma cultura de segurança certificações funcionam como * O piloto e administrador de
robusta na aviação brasilei- uma espécie de autofiscalização empresas Raul Marinho é
ra – o que, sejamos justos, das atividades da empresa. consultor aeronáutico especia-
não é “privilégio” somente da De qualquer maneira, o nível lizado em aviação de negócios
atividade aérea: o transporte médio de segurança das opera- e prestador de serviços para a
rodoviário, a construção civil e ções de táxi-aéreo do Brasil se Associação Brasileira
diversos segmentos industriais apresenta muito acima do míni- de Aviação Geral (Abag),
e comerciais também padecem mo, o que uma análise estatística onde exerce a função de
do mesmo mal em nosso país. bem-feita é capaz de comprovar. gerente técnico.

MAGAZINE 3 3 4 | 49
AV I AÇ ÃO D E N EG Ó C I O S

FRETAMENTO
SEM SURPRESAS
Dicas para contratar um táxi-aéreo em um momento
de aumento de demanda pelo transporte aéreo não regular
PO R | DAVID CLARK*, ESPECIAL PA RA AERO MAGAZINE
H
á um velho ditado
na Física que diz:
“O que sobe deve
descer”. Isso é ainda
mais verdadeiro
na aviação. Nada permanece
para sempre – então, por que o
mercado de fretamento aéreo
continua crescendo? Neste
artigo, exploraremos alguns dos
fatores do mercado de fretamento
aéreo atual em todo o mundo e,
em seguida, daremos algumas
sugestões para tornar o fretamen-
to aéreo a melhor e mais segura
experiência possível para você e
seus convidados.
Você deve se lembrar que, no
início de 2020, nos primeiros me-
ses da pandemia, o mercado de
aviação caiu em todos os setores:
companhias aéreas, táxis-aéreos e
voos particulares. Parte em razão
de restrições draconianas de
movimento, parte pelo medo do
desconhecido. Por um período de
alguns meses, todos pararam no
lugar até que pudessem ter uma Unidos, também houve um TENDÊNCIAS
noção do que estava acontecendo período de agitação civil no Então, quais são as grandes ten-
ao seu redor. Os únicos voos que verão de 2020, convencendo dências no mercado de fretamen-
estavam ocorrendo regularmente ainda mais as famílias de que o to aéreo? Primeiro, os aumentos
nesse segundo trimestre de 2020 melhor lugar para se estar era de preços. Os preços aumentaram
eram os de repatriação, trazendo longe, em suas segundas casas cerca de 30% desde meados de
passageiros de volta aos seus paí- até que as coisas se acalmas- 2020. Um grande operador com
ses de origem por um período de sem. Em seguida, as empresas quem conversei continua aumen-
vários meses. Então, de repente, fecharam seus prédios, as tando seus preços, e as aeronaves
em meados de 2020, o mercado companhias aéreas reduziram ainda estão voando 80 horas por
de fretamento de aeronaves deco- drasticamente seus horários mês. Em segundo lugar, é difícil
lou (literalmente) e não parou de e, no entanto, famílias de alta encontrar aeronaves para fretar.
subir desde então. renda ainda precisavam de A demanda superou a oferta em
transporte. Muitos não haviam todo o mundo. Algumas grandes
RECUPERAÇÃO RÁPIDA utilizado a aviação privada operadoras como Netjets e Whe-
As razões para esse impulso no antes, mas estavam mais abertos elsUp estão “esgotadas” – inca-
voo são várias. Primeiro, no a ela. O mercado de fretamento pazes de dar conta de toda a de-
início de 2020, muitos indivíduos aéreo foi, portanto, o primeiro manda. A Netjets, pela primeira
e famílias de alta renda decidiram segmento da aviação a se recu- vez em 60 anos, tem uma lista de
morar em suas casas de férias perar, seguido pelas aquisições espera de 1.500 clientes. Simples-
para ficar em quarentena longe de aeronaves e, finalmente, pela mente não há aeronaves e pilotos
das grandes cidades. Nos Estados aviação comercial regular. suficientes para todos. Terceiro,

52 | MAGAZINE 3 3 4
as tripulações estão sendo leva- desejo de ter mais controle de
das ao limite. Pilotos e comissá- sua experiência de viagem. Um
rios de bordo estão voando um total de 34% está procurando um
número recorde de horas e, ao backup para seu provedor atual – A DEMANDA POR
mesmo tempo, as companhias mostrando uma tremenda fluidez
aéreas estão iniciando planos quando se trata de fidelidade FRETAMENTO SUPEROU
agressivos de contratação. O ao seu operador de fretamento,
fator humano é fundamental provavelmente por necessidade. A OFERTA E OS PREÇOS
para nossa indústria e um elo
importante nessa cadeia de
Apenas 5% disseram que não
planejam renovar sua associação
SUBIRAM 30% DESDE 2020
fatores que fazem um avião voar ou charter do jet card, indicando
com segurança. que a maioria dos clientes charter
veio para ficar.
PESQUISA Outras descobertas da pes- dores não conseguiram acomodar
A Private Jet Card Comparisons quisa incluem 44% dos entre- o horário de partida solicitado.
acaba de publicar uma pesquisa vistados disseram que sofreram No entanto, apesar desses fatores,
que traz algumas descobertas atrasos ou cancelamentos nos a força desse mercado continua a
muito interessantes. Um total de últimos seis meses, 79% citaram aumentar, de acordo com o ana-
18% dos clientes de charter e jet voos atrasados, 41% relataram lista de voos globais WingX, que
card estão procurando comprar que os fornecedores mudaram o disse que os voos de jatos de ne-
sua própria aeronave (inteira horário de partida após a reserva gócios estão em alta – mostrando
ou fracionada), mostrando o e 30% disseram que os fornece- um aumento de 35% na atividade

MAGAZINE 3 3 4 | 53
em relação ao ano passado, 18% alguma flexibilidade, porém, Com algum planejamento,
a partir de 2020 e 13% a partir de você pode encontrar algo bom senso e confiança nos profis-
2019. O Brasil também está apre- adequado na classe de aeronave sionais certos, você pode garantir
sentando uma demanda muito que deseja. Terceiro, obtenha que seu voo fretado seja seguro e
forte e continua crescendo. um certificado de seguro do agradável. Esta é uma ótima op-
operador com sua empresa ção para complementar o uso de
EVITE PROBLEMAS listada como segurado adicional. sua própria aeronave ou um bom
Em meio a essa realidade, o que Certifique-se, também, de solici- ponto de entrada para pessoas
os passageiros de voos fretados tar à seguradora uma renúncia à com necessidades mínimas. Nor-
podem fazer para garantir a sub-rogação (ou seja, recupera- malmente, os clientes que voam
reserva de uma aeronave quando ção de valores pagos em caso de de 50 a 75 horas por ano preferem
mais precisarem? Primeiro, sinistro). Por fim, certifique-se de fretar uma aeronave. Se for você,
consulte um corretor de voos assinar um contrato de freta- siga os passos acima e aproveite o
charter profissional que conheça mento aéreo com seu corretor ou passeio. O que sobe tem de descer.
o mercado. Eles terão um pulso fornecedor. Isso garantirá que Apenas certifique-se de que,
sobre o que está disponível, quais você esteja protegido em caso quando o fizer, isso aconteça com
operadores usar e quais evitar. de cancelamento ou interrupção segurança e sem problemas.
Em segundo lugar, esteja aberto da viagem. Essas são etapas que
a vários tipos de aeronaves. Você você precisa seguir para garantir * David Clark é diretor adminis-
pode não conseguir reservar o uma boa experiência e reduzir trativo da consultoria de aviação
modelo exato que deseja. Com seu risco. Integris

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AV I AÇ ÃO R EG U L A R
UMA HISTÓRIA
QUE SE REPETE
As recorrentes falências de empresas aéreas no Brasil
e o drama interminável de quem tem créditos a receber
PO R | GIULIANO AGMONT
A
derrocada da Itape- da Avianca Brasil (oficialmen-
mirim Transportes te, Ocean Air Linhas Aéreas
Aéreos marca o S.A.), acatando um pedido feito
início de mais uma pela própria empresa diante da
maratona judicial impossibilidade de executar o
envolvendo aeronautas, aeroviá- plano de recuperação que havia
rios e empresas prestadoras de sido homologado. Tudo indica
serviços auxiliares de solo. Uma que tripulantes e outros funcio-
história que se repete no Brasil e nários da Avianca terão um longo
costuma ser marcada pela letargia caminho pela frente. E o mesmo
judicial, como se viu pouco antes pode acontecer com a ITA, se a
da suspensão das operações da companhia vier a falir. No final de
ITA, em outubro de 2021, quando fevereiro último, a Justiça destitui
tiveram início os pagamentos de Sidnei Piva de qualquer cargo
mais um dos rateios para antigos à frente do Grupo Itapemirim,
funcionários de Varig, Rio Sul e além de proibi-lo de sair do país.
Nordeste, que continuam buscan- Na prática, historicamente,
do seus créditos trabalhistas cerca diz o Sindicato Nacional dos
de 15 anos após o encerramento Aeronautas, a relação da justiça
das atividades das três compa- brasileira com a recuperação de
nhias. empresas aéreas insolventes tende
Sim, depois de uma década a descambar para imbróglios
e meia, muitos funcionários “intermináveis”, que afetam, entre
daquela que foi a empresa aérea outras categorias de trabalhado-
brasileira mais importante ainda res, principalmente aqueles que
aguardam decisões dos tribunais. estão no front da operação aérea,
Demitidos em massa em 2006, ou seja, pilotos e comissários de
quando a Varig quebrou de vez voo – segundo o SNA, os primei-
e deixou de existir como mar- ros a “compartilhar perdas” na
ca – embora a falência da Flex, história das grandes falências de
que herdou os “ativos podres” empresas aéreas brasileiras.
da aérea rio-grandense, só fosse “Não obstante todas as
decretada oficialmente em 2010 dificuldades que se apresentam
–, eles esperam a venda de bens em um momento pré-falimen-
da massa falida para conseguir tar, como atrasos frequentes nos
recuperar parte do que têm a pagamentos dos salários, clima
receber com aportes da União. organizacional de muito incer- próprias casas produtos para
teza e problemas de manutenção servir os passageiros no auge da
VARIG, VASP E TRANSBRASIL nas aeronaves, os aeronautas em crise – incluindo café e até mes-
Situação semelhante à da Varig todos os casos mantiveram as mo papel higiênico”.
vivem pilotos e comissários que marcas registradas da categoria
trabalharam na Transbrasil e na até o último voo de cada uma RISCOS DA AVIAÇÃO
Vasp, outras gigantes históricas dessas companhias: segurança Ciclicamente, as dificuldades
da aviação brasileira, que tiveram das operações e excelência no tanto de gerenciamento como de
falências decretadas em 2002 atendimento”, diz Ondino Dutra, operação de companhias aéreas
e 2008, respectivamente. Mais presidente do SNA. “Consta, ocupam os noticiários com o en-
recentemente, em julho de 2020, inclusive, que tripulantes da Varig cerramento abrupto de suas ope-
o Tribunal de Justiça de São que não recebiam salários havia rações, por maiores e tradicionais
Paulo (TJ-SP) decretou a falência meses chegavam a levar de suas que sejam essas empresas, dei-

58 | MAGAZINE 3 3 4
xando passageiros desamparados pelas operadoras empresas
e aflitos. O fenômeno é mundial.
Além das nacionais, o mercado
falidas. Nos países mais desen-
volvidos, o mercado tende a
A RELAÇÃO DA JUSTIÇA
já assistiu ao desaparecimento de
companhias tradicionais, como
se autorregular. Mesmo que as
empresas deixem de operar, a
BRASILEIRA COM A
PanAm, TWA e Alitalia, dentre demanda por passagens aéreas RECUPERAÇÃO DE
outros conhecidos e saudosos permanece.
nomes que hoje fazem parte do Países com atividade eco- AÉREAS INSOLVENTES
passado. nômica robusta e dimensões
Apesar das dificuldades continentais possuem diversas TENDE A DESCAMBAR
impostas pelo mercado de
aviação, novas empresas surgem
empresas oferecendo o serviço
de transporte de passageiros
PARA IMBRÓGLIOS
e ocupam os espaços deixados e cargas à população. Nos

MAGAZINE 3 3 4 | 59
Estados Unidos, no ano de 2020, nalizar mais duas empresas aéreas sucesso, com apoio e incentivos
existiam 59 companhias aéreas no Brasil, com a reativação do governamentais (segundo fontes
em operação, 18 das quais consi- braço aéreo da empresa de ônibus que acompanharam a criação
deradas grandes – as chamadas Itapemirim e a tentativa da nova- da empresa aérea), mas, mesmo
majors, caso de American, United ta Nella, mostram isso. antes da chegada das primeiras
e Delta – e as demais realizando aeronaves e o início efetivo dos
principalmente voos regionais O CASO ITA voos, desenhava-se a crônica de
em nome das empresas maiores A Nella, apesar das inúmeras uma tragédia anunciada.
(inclusive, com a pintura delas entrevistas e lives de seu CEO No começo, a empresa
em suas aeronaves). Maurício Souza, nem iniciou demonstrou grande capacidade
No Brasil, há uma carência seus voos e, aparentemente, já de unir talentos e pessoas com
por companhias aéreas. São encerrou as atividades. Pelo me- conhecimento técnico elevado
apenas três grandes empresas nos os funcionários que trabalha- e experiência para a criação da
em operação e uma demanda vam na antiga sede no Campo de companhia, a definição de seus
incomparavelmente menor em Marte, em São Paulo, deixaram processos internos, as certifica-
relação à de países mais ricos. As de ser vistos. Já no caso da Itape- ções, o recrutamento de tripulan-
tentativas frustradas de operacio- mirim, era para ser um grande tes, os treinamentos, a definição

60 | MAGAZINE 3 3 4
AERUS
Se existe um lado cruel nessa enorme dívida monumental. Mas, antes disso, houve a
tragédia de falências de empresas da aviação precipitação do fim do repasse, dez anos após a
brasileira, seria certamente o de aposentados e criação do fundo, da porcentagem da venda de
pensionistas do Instituto Aerus de Seguridade passagens, sendo que o prazo era de 30 anos.
Social. O Aerus foi criado em 1982 por Sendo o primeiro grande golpe. Já no fim das
Varig, Cruzeiro e Transbrasil. Um fundo operações da Varig, em 2006, foi determinada
comum sustentado pelas contribuições das a intervenção e liquidação extrajudicial do
patrocinadoras, dos participantes, e do repasse, Aerus, que não tinha reservas suficientes
pelas empresas aéreas, de 3% da venda das para pagar os benefícios de todos aqueles
passagens aéreas domésticas por 30 anos. A que tinham contribuído. Entre 2006 e 2014,
composição deste fundo era mutualista, ou os mais de 10 mil aposentados e pensionistas
seja, não havia contas individuais, pois ele receberam apenas 8% do valor a que tinham
pertencia à coletividade. As patrocinadoras, por direito. A partir de 2014, o Congresso passou
sua vez, assumiram em contrato a obrigação de a definir anualmente no orçamento da União
contribuir para formá-lo e mantê-lo, pagando recursos para atender ao Aerus. Segundo o
o dobro da contribuição dos participantes. Na SNA, cerca de 1,5 mil tripulantes morreram no
crise, porém, tanto a Varig como a Transbrasil decurso dessas batalhas sem conseguir receber
deixaram de fazer os repasses, criando uma seus direitos previdenciários e trabalhistas.

recolhendo as verbas trabalhistas handling às aeronaves e não teria


obrigatórias. Em pouco o tempo, recebido seus pagamentos. No
o caso ganhou vulto e o próprio momento em que tudo ocorreu,
SNA chegou a mover três ações aeronaves ainda chegavam a seus
judiciais contra atrasos de salá- destinos e não havia equipes para
rios antes de a empresa suspender sequer posicionar as escadas de
suas operações, o que teria levado desembarque dos passageiros.
a uma debandada de colabora- Por mais que a empresa ten-
dores. tasse dissimular sua derrocada,
O então presidente da a situação só piorava, o que valia
empresa à época, Tiago Senna, tanto para os funcionários, prin-
juntamente com o dono do cipalmente os que estavam nos
grupo, Sidnei Piva, veio a público balcões de atendimento tentando
para dizer que os problemas eram controlar a fúria do público,
pontuais e de início de operação. como também para passageiros e
“Muitos funcionários receberam tripulantes que ficaram totalmen-
de manutenções e a contratação seus salários (atrasados) da conta te desamparados e, em muitos
de mecânicos, o que acabou pessoal de Sidnei Piva, via PIX, e casos, longe de suas casas.
impactando na agilidade do não da Itapemirim, o que gerou As companhias aéreas, por
processo de certificação junto à muita estranheza”, disse um pilo- prestarem um serviço público,
Agência Nacional de Aviação Ci- to, que preferiu não ter seu nome devem cumprir requisitos muito
vil. Nesse aspecto, é de se admirar divulgado. “À boca pequena, rígidos determinados pela Anac,
o que a ITA fez em pouquíssimo alguns no mercado apostavam se que, por sua vez, tem autoridade
tempo, um exemplo de eficiência, a empresa iria virar o ano voando sobre as companhias, exercendo
segundo muitos operadores do ou já tendo parado”. fiscalizações permanentes não só
mercado. nos quesitos operacionais como,
Apesar do início promissor VOOS PARALISADOS também, de saúde financeira.
no quesito regulatório, a empresa A realidade se impôs antes da A agência deve receber das em-
começou a dar sinais de proble- virada do ano de 2022 e a em- presas aéreas relatórios sobre as
mas antes dos primeiros voos. presa foi obrigada a paralisar as operações e as taxas de ocupação
Começaram a circular entre os suas operações com o abandono das aeronaves e também informa-
pilotos informações de que a de postos dos funcionários de ções financeiras, mesmo sendo
ITA não estaria pagando seus terra da empresa WFS Orbital, a empresa de capital fechado, o
funcionários corretamente, nem que prestava o serviço de ground que deixa dúvidas no ar. “O que a

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Anac poderia ter feito para evitar uma empresa em plena recupe- AUGE E QUEDA
que a situação chegasse aonde ração judicial (a situação ainda A aviação comercial brasileira, que
chegou?”, perguntam-se alguns atual da Itapemirim), com dívidas teve início com a fundação da pró-
analistas. não pagas a fornecedores, poderia pria Varig, em 1927, experimen-
O caso da paralisação das possuir tal montante de recursos tou enorme crescimento nos anos
atividades da Itapemirim acon- fora do país pelo seu acionista 1950 e 1960, com o surgimento
teceu próximo às festas de final controlador. de algumas dezenas de empresas
de ano e férias escolares, período Esse movimento de Sidnei espalhadas pelo país. Aos poucos,
de maior fluxo de viagens no Piva deixa suspeitas. “Existem no entanto, quatro grandes forma-
Brasil. Muitas famílias já tinham pessoas que acreditam que essa ram uma espécie de oligopólio que
se programado com bastante quantia de dinheiro nunca existiu, dominou o mercado: Varig, Vasp,
antecedência e, mesmo que não passando de uma garantia Transbrasil e Cruzeiro (posterior-
tivessem recursos financeiros fictícia para os arrendadores de mente, incorporada pela Varig).
para comprar novas passagens suas aeronaves e demais fornece- Os incentivos governamentais
em outras companhias, o maior dores como garantia de pagamen- foram o esteio comum a todas em
problema era a falta de disponibi- to da operação. Seria mais uma suas trajetórias, mas nenhuma
lidade de voos. manobra para tentar demonstrar delas teve tantas benesses quanto a
ao mercado, a fornecedores e pos- Varig, que, durante anos, teve a ex-
DINHEIRO NO EXTERIOR sivelmente à agência reguladora clusividade de voos para o exterior
Há dúvidas também sobre as fôlego financeiro para continuar e chegou a responder por 50% do
informações passadas pela ITA. sua operação”, sustenta um analis- mercado interno.
A partir de informação divulgada ta, que também pediu anonimato. Em meados dos anos 1980, os
pelo Congresso em Foco, a grande Manobra ou não, o fato é que, ventos mudaram. Houve con-
imprensa veiculou amplamente quando a liquidez da empresa gelamento de tarifas de bilhetes
que o dono da Itapemirim pos- acabou e os fornecedores prin- aéreos, disparada da inflação e alta
suía uma empresa no Reino Uni- cipais começaram a debandar, a acentuada do preço dos com-
do, que havia sido aberta em abril empresa se viu obrigada a ficar bustíveis, elevando os custos da
de 2021, com um capital social no solo. Apesar das especulações, aviação. As perdas se mostraram
de seis bilhões de reais. Analistas Sidnei Piva, antes de ser afastado, inevitáveis, chegando à casa de
de mercado se questionam como além de negar qualquer irregula- bilhões de dólares, segundo alguns
ridade, vinha dizendo a veículos cálculos, nesse período.
de comunicação que a empresa Nos anos 1990, com a abertura
está em fase de reestruturação e do setor aéreo à concorrência es-
que há interessados na compra trangeira e a quebra do monopólio
PANDEMIA da empresa, mesmo com todo da Varig para os voos interna-
Em meio à maior crise da história da aviação o passivo. O afastamento do cionais, permitindo que Vasp e
mundial, com a pandemia da covid-19, as Sidnei Piva se deu em razão de Transbrasil também operassem
empresas brasileiras conseguiram, com a um processo movido por Camilo voos para o exterior, o que seria
ajuda dos tripulantes, sair praticamente Cola Filho, da família fundadora um sopro de ar fresco virou tem-
ilesas – já com perspectivas de crescimento
da Itapemirim, justamente acu- pestade para as três. Sem a devida
consistente em um futuro próximo. Os acordos
sando a ITA de crimes contra as modernização, sucumbiram à
coletivos firmados durante a pandemia
mostraram não só maturidade de aeronautas relações de consumo. liberalização, à desregulamentação
e aeroviários como, também, habilidade das “No fim, é difícil dizer se a e à concorrência internacional,
companhias para superar o momento adverso operação da Itapemirim foi uma sobretudo a Varig, que tinha
de forma sustentável para os negócios, sem aventura que não deu certo por uma estrutura semelhante à de
comprometer os empregos, ainda que todos problemas de gestão ou a tenta- uma empresa estatal, apesar de
tenham experimentado inevitáveis prejuízos. tiva fracassada de algum tipo de ser privada – já a Vasp, que era
manobra financeira”, diz o mesmo uma estatal, foi privatizada nessa
analista. mesma época.

62 | MAGAZINE 3 3 4
LATAM E
Varig, Vasp e Transbrasil da política de tarifas mínimas –
CHAPTER 11
A situação da Latam, com a
sofreram fortemente com uma existia uma lei que não permitia
controladora chilena pedindo sua
guerra de tarifas que prejudicava que as companhias cobrassem recuperação nos Estados Unidos
todas. A Vasp e a Transbrasil, tarifas mais baixas do que o com base no Chapter 11, mostra um
sem experiência, logo tiveram mínimo estabelecido. O modelo caminho diferente de outras aéreas
problemas nos voos internacio- low-cost, definitivamente, estava brasileiras. Mais de 150 empresas
nais. E a Varig, além de perder longe do horizonte de Varig, Vasp aéreas já entraram com processos
espaço, rapidamente passou de e Transbrasil. Resultado, caíram de insolvência nos EUA com base
um símbolo de status e qualidade as três e, em meados da déca- no Chapter 11 e 60% foram bem-
para sinônimo de ineficiência e da de 2000, já não se via mais sucedidas nesse processo, incluindo
desatualização. aviões com as cores de nenhuma todas as grandes linhas aéreas
A situação se agravou com delas, tinham ficado no passado norte-americanas que operam hoje.
o advento da TAM, que deixou da aviação, porém, ainda com American Airlines, Delta e United
de ser uma empresa regional em dívidas com tripulantes e demais recorreram à Justiça para salvar
1996, e o início das operações da funcionários. Nesta década de suas operações e conseguiram
superar crises severas por meio de
Gol Linhas Aéreas, em 2001, na 2020, a pandemia fragilizou Gol,
reestruturações.
esteira da aprovação pelo Con- Azul e Latam, mas o mercado
gresso Brasileiro da derrubada reagiu bem.
INFR AESTRUTUR A

DUAS
PROAS E
UM DESTINO
O que esperar das concessões dos aeroportos
Santos Dumont e Galeão, no Rio de Janeiro
PO R | GEORGES FERREIRA E GILBERTO SCHEFFER*, ESPECIAL PA RA AERO MAGAZINE

A
operadora Changi pronta em 1924, com o objetivo do Santos Dumont. Desde então,
Airport rescindiu de transferir a Escola de Aviação o Santos Dumont já apresenta-
o contrato de con- Naval, que funcionava desde 1916 va restrições para ampliar suas
cessão do Aeropor- no antigo Arsenal de Marinha, no pistas de pouso e decolagem,
to Internacional Rio de Janeiro, localizado na Baía cujo acesso se dava por meio de
Tom Jobim, mais conhecido por da Guanabara. lanchas, que partiam da baía da
Galeão, no Rio de Janeiro, e expôs Já o Santos Dumont foi o Guanabara desde a estação de
uma disputa envolvendo outro primeiro aeroporto civil do hidroaviões e de lá seguiam de
destino importante da capital Brasil, inaugurado em 1936, para ônibus até as aeronaves – situação
fluminense, o Santos Dumont. atender à demanda aérea da então que perdurou até a inauguração
A empresa de Cingapura, que capital federal do país. Construí- do terminal de passageiros, o que
encabeçava a concessionária do em um aterro à beira da Baía se daria oficialmente em 1º de
RioGaleão com 51% do capital do da Guanabara, passou a contar, a fevereiro de 1952.
aeroporto, justificou sua decisão partir de 1937, com uma estação
com base na situação econômi- para operações de hidroaviões, ERA DE OURO
ca do Brasil, que se deteriorou muito utilizados pelas compa- Assim, o Galeão passou a se
ainda mais após a pandemia da nhias aéreas na época. dedicar cada vez mais aos voos
covid-19. Diante da nova reali- Em 1941, com a criação da internacionais, o que levaria mais
dade, o governo federal promete Força Aérea Brasileira e a unifica- tarde à construção do maior sítio
relicitar o Galeão buscando uma ção das armas aladas da Marinha aeroportuário do Brasil, ficando
forma de preservá-lo, além de e do Exército, a base aeronaval seu irmão, o Santos Dumont,
garantir sua coexistência com o passou a ser denominada “Base dedicado aos voos domésticos
Santos Dumont sem o esvazia- Aérea do Galeão”. Devido à sua e à ponte aérea Rio-São Paulo,
mento de um em detrimento da estrutura (que já contava com inaugurada em 1959. Naquele
demanda do outro. uma importante indústria aero- momento, o aeroporto do Galeão,
náutica, além das pistas de pouso) no Rio de Janeiro, e o aeroporto
TRAJETÓRIAS PARALELAS e ao crescimento do movimento de Congonhas, na capital paulista,
As interligações envolvendo o do transporte aéreo de passagei- passaram a concentrar 90% do vo-
Galeão e o Santos Dumont re- ros a nível tanto nacional como lume de passageiros internacionais
montam aos primórdios da avia- internacional (utilizando cada no Brasil. Contudo, com a chegada
ção no Brasil. O primeiro surgiu vez mais aeronaves de operações dos aviões a jato de grande porte,
como uma base aeronaval, cuja terrestres), em 1945, houve a logo surgiram restrições para se
construção teve início em 1923, inauguração do Aeroporto Inter- operar no aeroporto internacional
na Ilha do Governador (na cha- nacional do Galeão, que passou a de São Paulo, especialmente devi-
mada “Ponta do Galeão”), ficando receber os passageiros oriundos do às questões ambientais, pois o

64 | MAGAZINE 3 3 4
aeroporto já havia sido “invadido” contava com diversos atrativos, S.A. (ARSA), passaria para a ad-
pela cidade. Em um primeiro mo- além de servir de acesso ao prin- ministração da Infraero em 1987,
mento, enquanto não se chegasse a cipal cartão postal do país. Com o que aconteceu dois anos depois
um denominador comum de onde o crescimento da demanda por da inauguração do terminal
seria implantado um novo aero- voos internacionais, em 1967, o Internacional de Guarulhos.
porto de grande porte, apto para Ministério da Aeronáutica criou a
atender à demanda internacional Comissão Coordenadora do Pro- TURBULÊNCIAS E
do estado, as autoridades trans- jeto do Aeroporto Internacional MEGAEVENTOS
feriram os voos internacionais (CCPAI), com a incumbência de Em 1992, o Rio de Janeiro sediou
para o aeroporto de Viracopos, coordenar o projeto e a cons- a Conferência das Nações Unidas
em Campinas, no interior de São trução do principal aeroporto sobre o Meio Ambiente e o
Paulo, que teve sua pista ampliada. internacional do Brasil, que re- Desenvolvimento, a Eco 92, e o
Diante das circunstâncias, o sultaria na ampliação do Galeão e Terminal 1 do Galeão recebeu
Galeão passou a viver sua “era na construção do que viria a ser o importantes reformas, ampliando
de ouro”, recebendo inúmeras Aeroporto Internacional de Gua- sua capacidade para sete mi-
melhorias e se transformando no rulhos, em São Paulo. O Galeão, lhões de passageiros por ano. Na
principal hub internacional do que era administrado desde 1970 ocasião, a Infraero iniciou a obra
Brasil. O aeroporto fluminense pela Aeroportos do Rio de Janeiro de construção do Terminal 2, um

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predominância econômica do INÍCIO DAS CONCESSÕES
Rio. O Galeão chegou a operar Em 2012, ante a urgência em am-
com um déficit de dez milhões pliar a infraestrutura aeroportuária
de passageiros por ano em 2004, para receber os grandes eventos
enquanto seu primo-irmão, o esportivos compromissados, o
Santos Dumont, estava com um governo federal lançou o Progra-
excesso da ordem de três milhões ma de Investimento em Logística
de passageiros, o que levou o (PIL) – Aeroportos. Após o sucesso
então Departamento de Aviação da concessão de São Gonçalo
Civil (DAC) a limitar a utilização do Amarantes, realizada no ano
do Santos Dumont (por meio da anterior com um ágio de 228,82%,
Portaria nº 187 de 08/03/2005), a previsão era que a Infraero man-
restringindo seus voos à ponte tivesse uma participação de 49%
aérea, a estados limítrofes, a voos sobre o capital daqueles que seriam
regionais e à operação da aviação os novos aeroportos leiloados:
geral, incluindo táxis-aéreos, o Brasília (DF), Galeão (RJ), Confins
que serviu de certo alento ao (MG) e Viracopos (SP). Na prática,
grande aeroporto. eventuais perdas de receita da
Em 2007, com o crescimento Infraero seriam “compensadas pelo
de ligações internacionais, o aci- recebimento de dividendos decor-
dente aéreo da TAM no Aeropor- rentes da participação acionária nas
to de Congonhas (que expôs a sa- concessionárias e de recursos do
turação do sistema aeroportuário Fundo Nacional de Aviação Civil
brasileiro, levando à transferência (FNAC) para investimentos nos
do fluxo de passageiros para aero- demais aeroportos”, segundo decla-
portos com maiores estruturas), o rou a Casa Civil, ainda em 2011.
advento dos Jogos Panamericanos Para a concessão do Ga-
Rio 2007, o anúncio da vinda da leão, foi apresentado o seguinte
Copa do Mundo de 2014 para portfólio, de acordo com os dados
o Brasil e o aquecimento do da Empresa Brasileira de Logística
dos mais modernos da América mercado de óleo e gás, o Galeão (EPL):
Latina, duplicando sua capa- ensaiou uma retomada do antigo
cidade em receber viajantes. A vigor. Acabou ascendendo à Período de concessão
obra acabou entregue em 1999, posição de segundo aeroporto - 25 anos (prorrogável uma vez
quando o Galeão passou a ser mais movimentado do Brasil em por até cinco anos)
chamado de Aeroporto Interna- 2012, ultrapassando Brasília e
cional Antônio Carlos Jobim. Congonhas. Parâmetros considerados
Apesar dos investimentos, Enquanto isso, no mesmo ano no estudo
os efeitos da “concorrência”, com de 2007, era inaugurado o novo  DEMANDA
preferência pela utilização do terminal de passageiros do Santos • Passageiros em 2012: 17,5
Aeroporto Internacional de Gua- Dumont, com liberação para voos milhões de passageiros
rulhos, ou Cumbica, passaram a interestaduais (via revogação da (segundo aeroporto com
pesar no movimento do Galeão. Portaria nº 187 de 08/03/2005 do maior movimento do país)
Era um reflexo da comodidade DAC em 2009) e para o uso de • Crescimento anual projetado
experimentada pelos passageiros aviões a jato em novas rotas, além (2012 - 2038): 4,9% ao ano
ao desembarcar diretamente no da ponte-aérea. Sua capacidade • Movimento em 2038 (pro-
principal centro financeiro do passou de 1,8 milhão para 8,5 jetado): 60,4 milhões de
país, assim como da perda da milhões de passageiros por ano. passageiros

MAGAZINE 3 3 4 | 67
2017 2018

2020 2021

 INVESTIMENTO pátio de estacionamento de cia, o Galeão foi arrematado pelo


• Valor total estimado: 5,7 aeronaves grupo liderado pela Odebrecht/
bilhões de reais • Até 2021 (ou gatilho): cons- Changi, pelo valor de 19 bilhões
• Até 31 de dezembro de 2015: trução de novo sistema de de reais, com um ágio de 252%
construção de estaciona- pistas independentes em relação ao valor mínimo fixa-
mento com capacidade do pelo governo, de 4,8 bilhões
mínima para 1.850 veículos Assim, no dia 23 de novem- reais, o que, além dos investi-
• Até 30 de abril de 2016: am- bro de 2013, com a condição de mentos, geraria o pagamento da
pliação do novo terminal que as empresas vencedoras da outorga no valor de mais de um
de passageiros, com no primeira e da segunda rodadas bilhão de reais por ano.
mínimo 26 pontes de em- (São Gonçalo, Viracopos, Gua- A Infraero, em 2012, em seu
barque; construção de novo rulhos e Brasília) não poderiam auge (com 66 aeroportos), auferiu
terminal de cargas e novo participar da terceira concorrên- o faturamento bruto de 4.365,4

68 | MAGAZINE 3 3 4
2019
A queda do
movimento no
Galeão (SGBL).
No mesmo
período, Santos
Dumont (SGRJ)
perdeu menos
passageiros

aeroportos mais movimentados


do país. Em termos de movimen-
tação de aeronaves, entre 2019
e 2020, segundo o Anuário Bra-
sileiro de Aviação Civil, a queda
nas operações foi de 42,49% para
o Santos Dumont e de 61,90%
para o Galeão.
Em 2021, enquanto o Santos
Dumont chegou a receber
6.675.568 passageiros, o Galeão
movimentou 3.822.325, o que
pode ser explicado pelas restri-
bilhões de reais, investimentos Nesse ínterim, em 2017, a ções sanitárias ainda vigentes em
da ordem de 1.694,6 bilhões de outorga referente ao ano anterior vários países (que gradualmente
reais, com um lucro líquido de (2016) havia ficado pendente vêm sendo retiradas), pela alta
396,7 milhões de reais (antes dos e, para atenuar a situação, a do dólar (indexado a todos os
investimentos para a União). Isso Odebrecht Transport anunciou produtos e serviços na aviação)
efetuando o chamado benefício sua saída da administração do e pela disparada dos preços dos
cruzado, com o qual mantinha aeroporto do Galeão, entregan- combustíveis de aviação (com
seus sítios aeroportuários defici- do-a à Changi Ariports. Para a elevação de 76,2% apenas em
tários. conclusão da operação, houve a 2021), com consequente refle-
necessidade de um aporte de qua- xo no valor das passagens e a
OUTRO MERGULHO tro bilhões de reais para o gover- necessidade de investimentos que
A concessionária RioGaleão no federal, a título de outorgas, o voltem a alavancar o turismo no
assumiu a operação do aeroporto que assegurou seu pagamento até Rio de Janeiro, que passa pela
em agosto de 2014, tendo como 2023. Para piorar, o movimento situação de recuperação fiscal.
obrigação investir cinco bilhões de passageiros do Galeão caiu Diante de tal cenário, a Chan-
de reais em obras de infraestru- de 15.934.095, em 2017, para gi Ariports, em 10 de fevereiro
tura e melhorias nos serviços do 13.655.609, em 2019. último, optou por restituir a
aeroporto ao longo dos 25 anos de Paralelamente, o Aeroporto concessão do Galeão ao governo
concessão, dos quais dois bilhões Santos Dumont, em 2016, atingiu federal. Além da queda da de-
de reais deveriam ser investidos a marca de 8.834.323 de passagei- manda (receita bruta em 2021 foi
até os Jogos Olímpicos de 2016, ros, chegando em 2019 a atender de 900 milhões de reais), mesmo
quando seu movimento atingiria o 8.930.105 viajantes. 400 milhões de reais de margem
pico de sua história para um único seriam insuficientes para honrar
dia (85 mil passageiros embarca- A PANDEMIA o pagamento da outorga anual,
dos ao final do evento). Mesmo O ano de 2020 foi um dos mais que está no valor de 1,2 bilhão de
assim, entre os anos de 2015 e traumáticos para a aviação reais.
2019, com o impacto da recessão mundial por conta das restrições
econômica iniciada em 2014, o sanitárias impostas pela pande- OITAVA RODADA
desaquecimento do mercado pe- mia da covid-19. O movimento O governo federal estava com a
trolífero e a concorrência com os nos aeroportos do Brasil chegou sétima rodada da concessão de
demais aeroportos internacionais, a cair 93% durante o mês de abril aeroportos praticamente pronta
como Guarulhos e Viracopos, em daquele ano. O Santos Dumont para acontecer em 2022, res-
São Paulo, Confins, em Minas receberia 4.892.845 passageiros tando apenas o parecer final do
Gerais, e Juscelino Kubistchek, no em 2020, com o Galeão batendo Tribunal de Contas da União e a
Distrito Federal, houve uma queda os 4.502.080 viajantes, caindo consequente definição da data do
de 25% em seu movimento. para o oitavo lugar entre os certame. Entre outras, estavam

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definidas as concessões dos aero- carioca. A crítica é que a entrega variação positiva, apesar do de-
portos de Santo Dumont, no Rio do Santos Dumont à iniciativa clínio do número de passageiros
de Janeiro, e Congonhas, em São privada representaria o “último do Galeão.
Paulo, com o governo prevendo prego no caixão” do Galeão. O governo federal, frente aos
a “venda” da participação que Historicamente, o Santos protestos e dúvidas surgidas após
possui nos aeroportos já con- Dumont se mostrou um grande o anúncio da concessão do Santos
cessionados, como é o caso dos parceiro do Galeão, servindo de Dumont, já havia acrescido o
aeroportos inseridos na segunda suporte e fornecendo passageiros prazo de investimento para o
e terceira rodadas, no qual se e rotas (destinos) em diversas aumento de sua capacidade de
inclui o Galeão. ocasiões, cada um com sua voca- três para cinco anos, assim como
Porém, a possibilidade de ção. O Galeão mais voltado para declarado não possuir interesse
expansão das atividades do o tráfego internacional e o Santos nas outorgas e que, entre outros,
aeroporto Santos Dumont (então Dumont, para o tráfego domés- diminuiria a quantidade de
inserido na sétima rodada), o que tico. Ainda assim, nos últimos movimentos por hora, de 32 para
incluiria a eventual possibilidade anos, o crescimento do movi- 30. Por sua vez, a prefeitura do
de abertura para voos internacio- mento do Santos Dumont tem-se Rio, por exemplo, defende que
nais, tem causado muitas reações, mantido praticamente vegetativo, o Santos Dumont só opere voos
especialmente no meio político não apresentando significativa diretos a terminais em um raio de

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suspensão do retorno das ope-
rações. Segundo o TCU, os voos
regulares na Pampulha poderiam
configurar “um sério rompimento
da segurança regulatória”, pre-
judicando os investimentos em
Confins. Pampulha não voltou
mais a operar voos regulares e,
recentemente, foi arrematado
pela concessionária que também
administra Confins.
Santos Dumont e Galeão po-
dem convergir para um destino
muito parecido. Não se trata,
nesse caso específico, de mera
de Buenos Aires (que opera o concorrência comercial, mas,
Ezeiza e Aeroparque), Londres sim, de cooperação, que resultou
(que possui seis: Heathrow, em benefícios ora para um, ora
O QUE VAI ACONTECER SE Gatwick, Stansted, Luton, City e para outro, durante as últimas
O NOVO CONCESSIONÁRIO Southend), Nova York (que opera
principalmente o Laguardia e
décadas. O Rio de Janeiro já pos-
sui em Jacarepaguá seu aeroporto
LIMITAR AS OPERAÇÕES o JFK) e, até mesmo, São Paulo
(com voos regulares em Gua-
com vocação para a aviação geral,
incluindo asas fixas e rotativas, e
NO SANTOS DUMONT? E SE rulhos e Congonhas). Ou seja, chegou a operar voos regionais, o
devidamente coordenados, mais que é positivo para o setor e para
LIBERAR TOTALMENTE? aeroportos significam melhor um país que pretende se voltar a
conectividade, oportunidades operações em aeroportos 100%
adicionais de negócios, suporte privados. Com o passar do tem-
mútuo (um servindo de alterna- po, algumas questões precisarão
500 quilômetros, liberando, como tiva ao outro em caso de fecha- ser respondidas. O que aconte-
exceção, o aeroporto de Brasília. mento) e desenvolvimento. cerá se o novo concessionário
O que está definido, até o O caso do aeroporto da limitar as operações no Santos
momento, é que os dois aeropor- Pampulha (então 100% Infraero) Dumont? E se liberar totalmente?
tos, cujas histórias se entrecruza- pode indicar como o assunto A coexistência não seria mais
ram tantas vezes, provavelmente, “múltiplos aeroportos” tem sido benéfica para viabilidade finan-
serão licitados ao mesmo tempo, tratado no Brasil. Em 2004, Pam- ceira de ambos? Nesse caso, qual
em junho de 2023, em uma pulha foi fechado ao tráfego aéreo seria o ponto de equilíbrio dessa
“oitava rodada” de concessões, regular, mas chegou a passar, ao coexistência?
com uma grande probabilidade, longo de muitos anos, por inúme-
segundo o ministro da Infraes- ras adequações para que voltasse * O advogado Georges Ferreira é
trutura Tarcísio de Freitas, de a operar voos de longa distância. consultor e professor especializado
possuírem um único operador. Todos os trâmites foram segui- em Direito Aeronáutico e o piloto
dos, com as autorizações da Anac e empresário Gilberto Scheffer é
O FANTASMA DA PAMPULHA e do Departamento de Controle diretor da Confederação Nacio-
Uma cidade pode ter mais de um do Espaço Aéreo publicadas nal dos Transportes (CNT) e do
aeroporto, especialmente se for em 2017, até que o Tribunal de Sindicato Nacional das Empresas
uma metrópole. Há os exemplos Contas da União determinou a de Táxi-Aéreo (SNETA)

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H I S TÓ R I A

SAINT-EXUPÉRY
NO BRASIL
As vezes em que o
aviador e escritor aterrissou no país
PO R | POR TEOMAR CERETTA*, ESPECIAL PA RA AERO MAGAZINE

Q
ual leitor de Voo aproveitou sua ausência, tomou o tres e Avord, Saint-Exupéry ainda
Noturno, ou avião às escondidas com o auxílio sofreria mais uma transferência,
de O Pequeno de um mecânico e partiu para seu quando foi designado como alferes
Príncipe, não primeiro voo solo. Se a decolagem para outro Regimento de Aviação,
foi instigado a não foi difícil, ao que parece, o na cidade de Bourget, próximo a
se perguntar sobre a presença de pouso não foi tão simples assim. Paris, onde deveria fazer treina-
Saint-Exupéry no Brasil, ou mes- Depois de várias tentativas, enfim, mentos em acrobacia aérea, uma
mo na América do Sul? Incrédulos, ele aterrissou são e salvo. modalidade de curso avançado.
alguns duvidam disso, outros, Enquanto estava em Avord, enviou
na falta de fontes documentais MILITAR E BUROCRATA uma carta à sua mãe, onde confes-
relevantes, continuam a fazer essa No mês de abril de 1921, Saint- sa que a vida militar não era uma
pergunta até hoje. Esta matéria -Exupéry iniciou o serviço militar escolha definitiva, e já pensava se-
tentará trazer alguma luz aos inte- no Segundo Regimento de Aviação riamente em outros rumos. Depois
ressados que se dedicam a acompa- em Estrasburgo. Poucos meses de sofrer seu primeiro acidente
nhar a vida do aviador e escritor, depois, foi a Rabat, em Marrocos, durante uma manobra acrobática,
que deixou para a posteridade um onde recebeu o brevê de piloto em Bourget, do qual saiu com uma
profundo império literário. civil, no mês de julho daquele fratura no crâneo, insatisfeito com
Aos 18 anos de idade, Antoine ano. Em 1922, recebeu o brevê de a carreira militar, dela se retirou
de Saint-Exupéry sonhava em ser piloto militar no posto de subte- pedindo desmobilização.
oficial da Marinha. Reprovado nente da reserva. Depois de uma Segundo Marcel Migeo, um de
na admissão para a Escola Naval, curta temporada em Marrocos, seus biógrafos, no período de 1923
sem muita convicção, ingressou na em janeiro de 1922, foi transferido a 1926, na condição de um simples
Escola de Belas Artes, na secção para Istres, na França, para fazer cidadão, Saint-Exupéry trabalhou
de arquitetura, em Paris, onde per- um aperfeiçoamento na Escola como burocrata em uma fábrica
maneceu até o ano de 1920. Com a de Formação de Pilotos Militares, de telhas e, posteriormente, como
obrigatoriedade de prestar o servi- onde voou o avião Caudron G-3, vendedor de caminhões na Casa
ço militar, logo ele pensou em ser remanescente de guerra. Foi em Saurer, em Montluçon. De acordo
aviador. Para facilitar o ingresso no Istres que ele conheceu aquele com Migeo, ele não tinha aptidões
quadro de pilotos militares, implo- que seria, mais tarde, seu melhor para essa atividade. Apesar de
rou à sua mãe dinheiro para pagar amigo e colega no Correio Aéreo viver com alternâncias de hu-
aulas particulares de instrução de Francês, o aviador Henri Guillau- mor, voar nas horas de folga em
voo. Ele contratou um instrutor met. Futuramente, Guillaumet se finais de semanas era para ele um
para ensiná-lo a pilotar, e pagou notabilizaria na América do Sul, grande alento. Foi nesse período
antecipadamente dois mil francos quando sobreviveria a um grave que deixou claro à sua mãe que já
pela instrução. Após as primeiras acidente sobre a Cordilheira dos pensava seriamente em abraçar
lições em um avião Sopwith, o Andes, na Laguna Diamante, no a carreira de piloto profissional.
instrutor embolsou o dinheiro e mês de junho de 1930. Essa possibilidade foi vislumbrada
esqueceu o aluno. Na ânsia de voar, Depois de fazer estágios em Is- diante de um cenário que começa-

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Saint-Exupéry, piloto militar em 1921. Fonte: Vallières N. des.
(Terra dos Homens). Essa curta
advertência de efeito moral tinha
um claro significado. Os motores
naqueles tempos não possuíam a
segurança dos motores de hoje.
Ele fora recomendado severa-
mente a evitar, a qualquer custo,
o sobrevoo da camada de nuvens,
principalmente sobre zonas mon-
tanhosas.
Sobre esses preparativos, ele
fala com propriedade quando diz:
“Uma última advertência naquela
tarde, dizia em voz lenta que é
muito bonito navegar pela bús-
sola, na Espanha, sobre os mares
de nuvens; é muito elegante, mas
va a abrir espaços no pós-guerra, “[...] 1926. Eu acabava de [...] e mais lentamente: mas não
Antoine de com o surgimento das primeiras entrar, como jovem piloto de li- esqueça! Abaixo dos mares de nu-
Saint-Exupéry, à
empresas de aviação logo após nha, para a Société Latécoère que vens [...] está a eternidade” (Terra
esquerda, com
seu amigo Henri o armistício, em 1918. Ele daria assegurou, antes da Aéropostale, dos Homens)
Guillaumet em um jeito. hoje Air France, a ligação Toulou- Como piloto principiante,
frente a um se-Dacar. Ali aprendia o ofício. Saint-Exupéry nos dá bem esta
Laté-28. Fonte: PILOTO A meu turno, como os compa- noção da preocupação com
Migeo. M. Em 1926, aos 26 anos de idade, nheiros, fazia o noviciado que era a navegação, quando afirma:
enfim, Saint-Exupéry encontraria preciso fazer antes de ter a honra “Quando saí do escritório sentia
o que daria asas às razões de sua de pilotar o correio aéreo. Provas um orgulho pueril. Ia eu também
vida. Seria ele também, a partir de aparelhos, viagens entre Tou- ser, a partir daquela madrugada,
de então, um piloto de carreira louse e Perpignan, tristes lições responsável por um grupo de
em uma empresa de linha aérea, de meteorologia no fundo de um passageiros e pelo correio da
no Correio Aéreo Francês. Seu hangar glacial. Vivíamos no te- África. Mas, sentia ao mesmo
ingresso se daria por intermé- mor das montanhas de Espanha, tempo, uma grande humildade.
dio do amigo e ex-professor, o que não conhecíamos ainda, e no Não me julgava bem preparado”
abade Sudour, que o apresentou respeito aos veteranos”. (Terra dos Homens).
ao senhor Beppo de Massimi, Enfim, depois de passar por Tão logo foi informado
um dos diretores e fundador um estágio obrigatório lavando sobre seu voo de estreia, sentiu
das Linhas Aéreas Latécoère. cilindros de motor nas oficinas da necessidade de compartilhar a
Fundada em 19 de novembro empresa, onde os novos can- notícia com seu melhor amigo,
de 1918, na cidade de Toulouse, didatos aprendiam os segredos o aviador Henri Guillaumet.
pelo empresário Pierre-Georges da mecânica, ele também fora Além de extravasar sua alegria,
Latécoère, a Société des Lignes escalado para seu primeiro voo propositadamente buscava em
Aériennes Latécoère, comumente em rota. Sobre isso, diz ele: “Veio, Guillaumet um “ombro amigo”.
conhecida como Linhas Latécoè- enfim, a tarde em que, por minha Essa atitude é própria dos
re, surgia na época como uma das vez, fui chamado ao gabinete do novos aviadores, com pouca
maiores criações da aviação civil diretor. Ele me disse simplesmen- experiência, sentir um misto de
francesa, concebida inicialmente te: o senhor vai partir amanhã. orgulho e angústia. Saint-Exu-
para transportar malas postais de Fiquei ali, de pé, esperando que péry, como qualquer outro, teve
Toulouse a Dacar, na África. Em me mandasse embora. Depois esta necessidade na iniciação.
Terra dos Homens, encontramos de um curto silêncio acrescen- Em Terra dos Homens, assim ele
um curioso registro: tou: está bem a par das ordens?” faz suas revelações:

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“Com a alma cheia dessa
mistura de timidez e orgulho, fui
passar aquela vigília de armas
em casa de meu companheiro
Guillaumet. Guillaumet precede-
ra-me no ofício. Guillaumet co-
nhecia os truques para desvendar
os segredos de Espanha. Eu preci-
sava ser iniciado por Guillaumet.
Quando entrei, ele sorriu: ‘Sei
da novidade. Está contente?’ Foi
ao armário apanhar o vinho do
Porto e os copos. Voltou com seu
sorriso: ‘Vamos regar isso. Você
vai ver. Tudo irá bem’.”
Guillaumet, aviador expe-
riente, administrou os conheci-
mentos sobre os segredos da rota. -Exupéry fez como passageiro, de chefe do aeródromo em Cap
Confortado com os ensinamentos uma espécie de reconhecimento Juby. De suas experiências como Foto histórica
no dia 10 de
do amigo, caminhou na noite da rota aos novos pilotos. Depois, aviador no deserto, foi naquela
maio de 1930, no
gelada e foi descansar. Na manhã como os demais, viajava entre escala, onde permaneceu por dois Uruguai. Ao lado
seguinte, como os demais, ele Toulouse e Casablanca, alternan- anos consecutivos, sem gozar de de um Laté-26,
também embarcaria em um do as escalas com seus compa- suas férias, que ele escreveria seu no aeródromo
ônibus antiquado, que, pela nheiros. primeiro romance de aviação, de Pando,
madrugada, recolhia os funcio- Didier Daurat, então dire- Correio Sul. Saint-Exupéry, o
nários a caminho do aeródromo. tor de exploração das Linhas Enquanto Saint-Exupéry terceiro a partir
da esquerda, e
Suportando um tipo da angústia, Latécoère, prevendo a necessida- administrava o posto de escala Angel S. Adami,
com o coração meio apertado, de de substituir o chefe de aeró- em Cap Juby, na América do Sul, de chapéu, o
ele via com preocupação o tempo dromo em Cap Juby, um posto uma equipe das Linhas Latécoère sexto da esquerda
chuvoso naquele início de dia. solitário ao sul do Marrocos, logo se empenhava em estabelecer o para a direita, da
Em Terra dos Homens, encontra- pensou em Saint-Exupéry. Aquela prolongamento das linhas do cor- Aéropostale no
mos um curto diálogo, o que bem função exigia a presença de um reio aéreo, para uni-lo à Europa. Uruguai. Fonte:
piloto hábil, ousado e capaz de Gaceta de la
mostra sua apreensão: “Franca-
Aviación, nº26.
mente, para meu primeiro voo lidar com os espanhóis aquarte- AÉROPOSTALE
[...] tenho pouca sorte[...]. Ergui lados naquela localidade perdida Diante de tantas dificuldades
os olhos para o inspetor: - Mau no deserto do Saara, às margens burocráticas para a sua implan-
tempo, hein? Ele lançou pela do Oceano Atlântico. Saint-Exu- tação no Novo Mundo, em 20
janela um olhar experiente – Isso péry parecia ser o homem certo de setembro de 1927, as Linhas
não quer dizer nada – resmungou para o cargo, pois, já durante Aéreas Latécoère deixaram de
afinal”. Certamente, no íntimo, seus primeiros contatos com os existir. Ela foi vendida a Marcel
ele se perguntava por quais sinais diretores da empresa, deixava Bouilloux-Lafont, um empresário
reconhecia-se o mau tempo. Era claro que se tratava de um sujeito francês que vivia no Brasil, onde
assim que começavam a voar e, culturalmente diferenciado. administrava grandes investi-
na maioria das vezes, sem muito Em outubro de 1927, um ano mentos também no Uruguai e
o que relatar, chegavam vitoriosos após sua admissão nas Linhas na Argentina. Bouilloux-Lafont
em seus destinos. Latécoère, contando com uma rebatizou sua empresa, que pas-
sólida experiência ao longo da sou a denominar-se Compagnie
MARROCOS rota entre Toulouse e Dacar, no Générale Aéropostale, conheci-
A primeira viagem com destino a Senegal, Saint-Exupéry foi de- da de modo simplificada como
Casablanca, em Marrocos, Saint- signado para assumir as funções Aéropostale daí por diante. A Aé-

MAGAZINE 3 3 4 | 77
para o prédio da Galeria Güemes,
Calle Florida, 200, onde passou
a morar no apartamento nº 605
(há poucos anos, o apartamento
sofreu reformas e está aberto à
visitação pública aos interessados
que desejam conhecer a morada
que pertenceu ao autor de O
Pequeno Príncipe).
Ao cabo de alguns dias, soube
que fora nomeado para um cargo
de chefia na Aeroposta Argentina,
uma empresa afiliada à Aéropos-
tale. Ele foi transferido da África
para a América do Sul, onde
Saint-Exupéry a operar voos postais na América função de sua logística, ela neces- chegou para substituir seu colega
com colegas, do Sul no ano de 1928, ligando sitava centralizar a organização Paul Vachet, que havia sido trans-
estudantes de Buenos Aires a Natal, no Brasil, na América do Sul num ponto ferido para a Venezuela. Cabia a
Matemática,
juntamente
tendo como ponto intermediário estratégico para facilitar seus ne- Saint-Exupéry dar continuidade
com o Abade Rio de Janeiro, a capital brasileira gócios, onde concentrava o maior aos trabalhos de Vachet no pro-
Sudour, em 1919. na época. número de operações. A partir do longamento da rota na Patagônia,
Fonte: Vallières, Enquanto a Aéropostale não aeródromo de Pacheco, cons- fazer inspeções, localizar terrenos
N. des. dispunha de uma aeronave com truído nos subúrbios de Buenos de socorro na rota Buenos Aires,
autonomia capaz de ligar Dacar, Aires, aviões partiam ao sul para Assunção, no Paraguai. Para fazer
na África, a Natal, no Brasil, em a Patagônia, ao norte a Assunção, esse trabalho, foi-lhe confiado um
voo direto, este segmento de rota no Paraguai, a oeste para Santiago avião Laté-25 para uso pessoal,
sobre o oceano era feito com do Chile, e para leste, passando com o qual se deslocava para os
barcos rápidos, conhecidos como por Montevidéu e, depois de per- locais que exigiam a sua presença.
“avisos”. Esses barcos de 650 tone- correr doze aeródromos ao longo Eventualmente, Saint-Exupéry
ladas, em número de seis, singra- do litoral brasileiro, até a cidade era solicitado para substituir pi-
vam os três mil quilômetros sobre de Natal, onde as cargas postais lotos faltosos ao longo da imensa
o Oceano Atlântico com veloci- eram transferidas para os barcos malha aérea.
dade de 20 nós, transportando as que as conduziam até Dacar, na De suas experiências na
malas postais em quatro dias, que África. Daquela cidade, o correio Argentina, surge seu segundo
eram entregues aos aviões nas seguia novamente por avião, até romance, Voo Noturno, escrito
duas cidades costeiras para levar Toulouse, na França. em Buenos Aires, publicado
até seus destinos, em Toulouse, em 1931, na França. Durante
na França, e Buenos Aires, na BUENOS AIRES sua permanência na Argentina,
Argentina. A partir de setem- Depois de permanecer por dois Saint-Exupéry voou ao Chile, ao
bro de 1929, Santiago do Chile anos em um posto sedentário Paraguai, ao Uruguai e ao Brasil.
também faria parte daquela que em Cap Juby, Saint-Exupéry foi Ele esteve algumas vezes em
foi considerada na época, como a transferido para Buenos Aires, Santiago do Chile. Logo após sua
mais longa rota aérea comercial na capital argentina. No dia 12 de nomeação como chefe de tráfego
do mundo. outubro de 1929, desembarcou aéreo de Aeroposta Argentina,
Nos inícios de 1929, o centro no porto daquela cidade, vindo conforme dizem os argentinos,
administrativo e operacional da diretamente da França. Inicial- foi à capital chilena. Encontramos
Aéropostale foi transferido do mente, permaneceu hospedado essa informação em uma carta
Campos dos Afonsos, no Rio de no Hotel Majestic, na Avenida de enviada à sua mãe, com data de
Janeiro, para Buenos Aires. Em Mayo. Posteriormente, mudou-se 25 de outubro de 1929, na qual

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diz: “Segunda-feira vou, por página, onde trata do voo inaugu- fazia o voo de regresso, até por-
alguns dias, a Santiago do Chile, ral com passageiros entre Buenos que esse voo tinha uma frequên-
e sábado a Comodoro Rivadávia, Aires e o Rio de Janeiro pela cia semanal, com saída de Buenos
na Patagônia. Posteriormente, em Aéropostale, nestes termos. Aires às cinco horas da manhã
meados do mês de junho de 1930, Inauguração das Viagens de na quarta-feira, e retornava no
ele retornaria aos céus chilenos, Buenos Aires ao Rio. Buenos dia seguinte. Conforme o jornal
quando participou ativamente Aires, 16 (A.B.). Inaugurando a Correio Paulistano, o Laté-28 fa-
nas buscas do seu amigo Gui- aviação de turismo entre a Argen- zia uma escala em Santos e outra
llaumet, que havia desaparecido tina e o Brasil, que a Cia Aero- em Florianópolis, de onde partia
durante uma travessia sobre a postal instituiu para este inverno, às cinco horas da tarde com desti-
Cordilheira dos Andes. partiu hoje para o Rio, às cinco no à capital da Argentina. Em
horas da manhã, o avião Laté-28 Porto Alegre, o jornal Correio do
RIO DE JANEIRO pilotado pelo aviador Saint-Exu- Povo do dia 18 de abril de 1930
No dia 23 de janeiro de 1930, péry. Entre os passageiros dessa também traz uma notícia com o
Saint-Exupéry enviou uma carta viagem encontram-se os Srs. título A Navegação da Générale
à sua amiga Rinette, que se en- Tigero Flores e Matinez, redac- Aéropostale, nestes termos:
contrava na França. Sabendo que tores de Crítica, Ortiz Machado, Passou por esta cidade com
ela viria ao Brasil, faz a seguinte redactor de La Razón, Lott, da destino a Monteviéo e Buenos Ai-
sugestão. “Não deixe de dizer- Agência Havas, Cartigoso, re- res o avião Laté-25 Cie. Générale
-me quando chegará: pedirei à presentando o centro de Aviação Aéropostale. O referido aparelho
companhia da qual depende a Civil e os altos funcionários dos conduz nessa viagem os jorna-
linha do Rio que me deixe fazer Correios argentinos, Laurenzano listas cariocas Bazílio Vianne e
um correio: vou esperar por você e Marquez. Ernani Coelho, tendo embarca-
ou então já nos encontramos lá. Assim se refere a reportagem do desta cidade com destino a
Serei encantador”. No entanto, sobre o aviador: “O piloto Sain- Buenos Aires o Sr. J.C. Hargrove,
esse encontro não aconteceu, pois t-Exupéry, que dirige o Laté-28, engenheiro da Cia. Elétrica. Além
noutra carta ele reclama de ela é também um jovem escritor de desses passageiros conduziu o
ter vindo ao Rio sem avisá-lo. Ao talento, autor do livro Courrier- dito avião a correspondência de
que parece, para ele vir ao Brasil, -Sud, que são as impressões das Porto Alegre destinada às capitais
teria que solicitar formalmente à suas viagens aéreas na África e platinas.
empresa para fazer esse voo, num que ainda recentemente lhe vale- Como percebemos, ambos os
caso excepcional. ram a condecoração da Legião de jornais que tratam do mesmo voo
Não se sabe por qual razão, Honra”. se contradizem quanto ao modelo
Saint-Exupéry vem ao Brasil pela Sobre o voo de regresso a do avião. A partir do voo inau-
primeira vez no dia 16 de abril de Buenos Aires, o jornal Correio gural com passageiros, o Laté-28
1930, quando faz o voo inaugural Paulistano publicou no dia 18 de passou a ser utilizado para os
com passageiros pela Aeroposta- abril uma sucinta nota. voos de rotina entre Buenos Aires
le, de Buenos Aires ao Rio de Ja- Com destino a Buenos Aires, e a capital brasileira, com escalas
neiro, nos comandos de um avião acaba de embarcar aqui, num obrigatórias em Montevidéu, Pe-
Laté-28. É nesta data que ele avião da Cia. Aeropostal, que lotas, Porto Alegre, Florianópolis,
chega também pela primeira vez inaugura o serviço de turismo Santos e, por fim, Rio de Janeiro.
em Montevidéu, capital uruguaia, aéreo entre o Brasil e a Argenti- Era um avião possante, podendo
conforme o periódico Gaceta de na, o jornalista Ernani Coelho, levar até oito passageiros, ou uma
la Aviación, uma publicação da mesmo aparelho, viaja desde o tonelada de carga. Da série Laté,
Academia de História Aeronáuti- Rio, o Sr. Basílio Viana, redactor o modelo Laté-25 era o menor
ca del Uruguay de A Noite. deles. Tinha capacidade para
No dia 17 de abril de 1930, O jornal não menciona qual levar quatro passageiros, além de
o jornal Correio Paulistano o aviador pilotava o Laté-28, malas postais num pequeno com-
publicou uma nota, na segunda porém, certamente Saint-Exupéry partimento de carga. Nenhum

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João Alberto de Barros se salvou as ilhas. E durante todo o cami-
a nado, depois de ser resgatado nho, uma lua sem desgaste”.
exausto numa praia. Como sabemos, em seus
Devido a esse trágico aciden- escritos, Saint-Exupéry não
te, um novo voo no mesmo dia separa a ação da reflexão. Ou seja,
foi providenciado em Buenos de tudo o que escreveu em seus
Aires para transportar as malas romances, conforme sua esposa
postais com destino à Europa. Fa- Consuelo de Suncin, trata-se de
zendo uma cronologia da presen- autobiográfico. Portanto, essa
ça de Saint-Exupéry no Uruguai, passagem transcrita de Voo No-
onde esteve presente em cinco turno, confere com suas observa-
ocasiões, sendo que duas delas ções, ao fazer um voo à noite ao
com passagem para o Brasil, Juan longo do litoral brasileiro, de Flo-
Maruri reproduz a notícia da rianópolis ao Rio de Janeiro, um
época: “Essa tarde Saint-Exupéry segmento do nosso litoral onde as
tomou o lugar de seu compa- montanhas se aproximam do mar
nheiro Negrin e faz o correio ao e, a partir de Santos, a presença
Rio de Janeiro com um Laté-26, de ilhas são marcantes. Essas
Laté-25 que dos dois periódicos faz referên- passa por Montevidéu, quer dizer referências que tão bem revelam
foi usado por cias sobre o aviador que fez o voo Pando, levanta a correspondência as condições de um voo à noite
Saint-Exupéry de regresso. e segue seu voo”. em nosso litoral, nos fazem crer
na Argentina Como se tratava de um voo que se trata do seu voo no dia 10
está preservado SEGUNDA VEZ de rotina, não encontramos de maio de 1930, quando fazia o
no Museu de
Aeronáutica Sobre uma segunda vinda de registros em jornais brasileiros segundo voo ao Brasil, depois de
Nacional de Saint-Exupéry ao Brasil, encon- da época sobre essa segunda deixar Montevidéu naquela tarde.
Morón, em tramos um registro no Uruguai, vinda de Saint-Exupéry ao Brasil. O radiotelegrafista Jean Ma-
Buenos Aires. no periódico Gaceta de la Avia- As notícias daquele dia ficaram caigne, em seu livro Le Courrier
Foto: coleção do ción nº 26, onde o historiador centradas no fatídico acidente de de L’Aventure, apresenta um
autor (2017) aeronáutico e documentarista Elisé Negrin sobre o Rio da Prata, importante depoimento, o que
uruguaio Juan Maruri resgata a próximo da cidade de Montevi- vem corroborar com o suposto
seguinte notícia: “Na madrugada déu. segundo voo de Saint-Exupéry
de 10 de maio de 1930 às 3 horas Em seu livro Voo Noturno, ao Brasil: “Onde estou? Per-
e 46 minutos se acidenta no rio, encontramos um registro em que guntou-me Saint-Exupéry uma
envolto pela neblina, em frente Saint-Exupéry faz referências noite no Rio”, enquanto taxiava
ao Farol de Punta Carretas, um sobre um voo, à noite, no litoral o avião fora da demarcação da
Laté-28, que vinha de Buenos brasileiro: “Rivière relia agora pista de pouso e decolagem. As
Aires a Pando, comandado pelo os telegramas de proteção das raras lâmpadas de balizagem em
aviador Elisé Negrin, com o escalas Norte. As suas indicações meio à névoa, não permitiam
radiotelegrafista René Pruneta abriam ao correio da Europa uma uma orientação segura ao piloto
e três passageiros”. Sabe-se que rota de luar: Céu limpo, lua cheia, para manter o avião no eixo da
dentre os passageiros, dois eram vento nulo. As montanhas do pista. Jean Macaigne fazia parte
militares brasileiros, Siqueira Brasil, recortando-se com nitidez de tripulação de Saint-Exupéry
Campos e João Alberto de Barros, no céu brilhante, iam banhar nas naquela noite. No entanto, não
revolucionários, que viajavam ondas prateadas do mar a vasta faz referências sobre o modelo da
com nomes falsos. O terceiro cabeleira de florestas negras. aeronave, não menciona data e o
passageiro era o senhor Julien Essas florestas, sobre as quais bri- horário da operação, e muito me-
Pranville, diretor da Aéropostale lham incessantemente, sem lhes nos se aquela manobra antecedia
para a América do Sul. Apenas dar cor, os raios de luar. E no mar, uma decolagem ou, se há pouco
um dos ocupantes, o brasileiro negras também, como destroços, haviam pousado no Campo dos

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Afonsos. O certo é que, mesmo 29 de outubro de 1930, quando e pensava poder viver por muito
que não se trate de um registro aterrissou no aeródromo de tempo em meio à vossa juventude
oficial, o relato de Macaigne vem Paissandu com um Laté-28. tão generosa [...] tenho esquecido,
reforçar que o referido voo esteja Este aeródromo fazia parte de pouco a pouco, as tristes horas
relacionado com a segunda vinda uma rede de campos de socor- da partida e recordo somente as
de Saint-Exupéry ao Brasil, quan- ro na rota que ligava Montevi- mais belas, essas que passei com
do chegou ao Rio à noite. déu a Assunção no Paraguai. vocês. E me sinto feliz de poder,
enfim, escrever e agradecer por
URUGUAI Com passagem obrigatória tudo o que a Argentina me deu”
Saint-Exupéry esteve por cinco em Pando, no Uruguai, e na falta [...]. Ass. Saint-Exupéry – 5, rue
vezes em solo uruguaio, sendo que de outros registros, fica difícil de Chanaleilles, Paris.
por duas vezes com passagem por saber se ele esteve mais vezes Conforme os registros acima,
Montevidéu, com destino ao Rio de em nosso país. Com um cargo a presença de Saint-Exupéry
Janeiro, conforme relatos do histo- burocrático na Aeroposta Argen- no Brasil se confirma em duas
riador Juan Maruri, preservados no tina, sua presença era constante situações. No entanto, não po-
periódico Gaceta da la Nación. naquele país, onde tinha um demos descartar de ele ter vindo
apartamento à sua disposição no outras vezes. Seus movimentos
1 - A primeira vez que ingressou centro da capital portenha. Lá carecem de informações precisas
nos céus uruguaios foi no dia escreveu seu segundo roman- que mencionem datas, horários,
16 de abril de 1930, acompa- ce, Voo Noturno, que seria destinos e modelos de aeronaves
nhado do mecânico Soulés, publicado na França, em 1931, comandada por este aviador. Para
quando inaugurou um serviço depois de seu retorno definitivo bem compreender sobre seus
adicional de transporte de à Europa. deslocamentos na América do
correio e passageiros entre Na Argentina, Saint-Exupéry Sul e no Brasil, um importante
Buenos Aires e Rio de Janeiro. deixou amigos. Depois de seu documento a ser investigado
(Fazendo referências a esse regresso à França, em março de seria através de seus carnets de
voo, o jornal brasileiro Correio 1931, mantinha contatos com vol, que corresponde à Caderne-
Paulistano do dia 17 de abril de os mais próximos. Eles troca- ta Individual de Voo (CIV) em
1930, noticiava que Saint-Exu- vam correspondências, o que uso pelos aviadores no Brasil.
péry pilotava um Laté-28). mostra bem esta ligação com o Com esse relevante documento,
2 – Na tarde de 10 de maio de país onde viveu. Podemos ler teríamos condições de apresen-
1930, Saint-Exupéry passou um extrato de uma carta que tar com segurança os caminhos
por Montevidéu com um Laté- ele respondeu ao seu amigo, o traçados pelo autor de O Pequeno
26, recolheu algumas malas aviador argentino Rufino Luro Príncipe. Infelizmente, depois de
postais e seguiu para o Brasil. Cambaceres, que está exposto no diversas investidas para localizar
3 – Juntamente com seu colega Museu Nacional de Aeronáutica este documento, todos os esforços
Henri Guillaumet, Saint-Exu- de Morón, em Buenos Aires. Na foram em vão.
péry regressa ao Uruguai no carta, Saint-Exupéry expres-
dia 17 de maio, para acompa- sa seu carinho e fala de suas * A presente matéria
nhar a cerimônia de sepulta- impressões dos 17 meses em que é uma reedição atua-
mento do aviador Elisé Negrin. viveu em Buenos Aires: lizada de um extrato
4 – No dia 31 de julho de 1930, “Meu caro Luro! [...] Não retirado do livro do
pilotando um Laté-28, acom- existe em minha vida uma época autor, Nas Asas da
panhado do mecânico Alfredo que prefiro àquela, e não existe Linha do Tempo –
Vitolo, aterrissou em Mellila, camaradagem que me tenha pa- Saint-Exupéry e os
próximo a Montevidéu, com recido mais sã que de todos vocês Companheiros da Aé-
seis médicos argentinos a bordo. [...] eu me encontrava na Argenti- ropostale, que está em
5 – A última vez que esteve em na como em meu próprio país; eu sua segunda edição.
território uruguaio foi no dia me sentia um pouco vosso irmão

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Caça russo Su-27 Flanker e um Eurofighter Typhoon da RAF


Foto: Divulgação

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