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© 1989 – Antônio Vera Ramirez

“Maldito Espionaje”
Tradução de Izabel Xrisô Baroni
Ilustração de Benicio
Digitalização de
Uedson Campos
® 541201/550726
CAPÍTULO PRIMEIRO
“Teia de Aranha”

— Até que enfim consegui encontrar você! — exclamou


Minello alegremente quando abriu a porta do escritório de
Brigitte na redação do Morning News. — Desta vez, você
não pôde fugir!
A repórter olhou para o teto como se estivesse pedindo
ajuda dos protetores ocultos que costumam estar em todos os
lugares.
— Frankie, quantas vezes terei de pedir para você se
comportar e parar de dar esses escândalos? Quando vai
compreender que não pode entrar em minha sala como se
estivesse entrando no vestiário de um time de basquete?
— Nunca vi ninguém mais rabugenta do que você! —
resmungou Frank Minello. — Não me deixa nem
exteriorizar a alegria que sinto quando meus olhos pousam
em sua pessoa. Quer saber de uma coisa, Brigitte? Cada
pessoa é como é! Eu nunca ando pedindo para você falar
mais baixo ou mais alto e por que cargas d’água, devo me
acostumar a falar como você quer?
— Não estou pedindo que fale mais baixo, somente estou
pedindo que você deixe de gritar!
— Se eu não gritar, como você vai me ouvir!
— Sabe que meu ouvido capta todos os sons, que é muito
apurado.
— Por favor, Brigitte, não me faça rir! A maior parte das
velhas são surdas!
— Com quem pensa que está falando e desde quando eu
sou velha?
— Chega de falar tolices, avó... Pelo menos me diga uma
coisa, vai ou não vai almoçar comigo?
— Fora daqui! — Brigitte gritou com raiva. — Saia daqui
e nunca mais fale comigo! Fora!
— Mas avó...
— Fora! Fora! Eu já disse!
— Quem pode entender as mulheres? Vim com tanto
carinho visitar minha avozinha, queria almoçar com ela e na
hora em que vou convidá-la — calou-se, olhou para a porta
de vidro que tinha o nome de Brigitte gravada com letras
douradas e exclamou: — Não! Isso não pode ser verdade!
Não posso estar no escritório da senhorita Montfort! Isso é
impossível!
— Fora daqui eu já disse! — gritou Brigitte _agora mais
branda.
— Como sou desastrado! Você é a senhorita Montfort...
— Minello a fitava com surpresa. — Imagine que eu
pensava que estivesse visitando a senhora Minello, minha
avozinha adorada! Certamente errei de endereço e não pode
imaginar como lamento, mas quando deixo os óculos em
casa, vejo quase nada... No entanto, agora estou vendo que
você não é minha avó e nem poderia ser... ela é velha, aliás
sempre foi velha, quando eu nasci já era velhinha e você é
uma garota adorável! Nunca vi outros olhos tão azuis como
os seus e nem uma boca tão linda... Sabe que ela foi feita
para meus beijos?
Brigitte soltou uma risada.
— Porque está rindo? Até parece que estou falando
tolices.
— Por favor, Frankie, pare de bancar o doidão, pare de
falar tantas asneiras! — suplicou Brigitte quase engasgada
pelo riso. — Cale-se!
— Como posso calar-me, se o amor explodiu de repente
dentro de mim, no instante em que vi uma jovem meiga e
linda que poderia me fazer o mais feliz dos mortais?
— Frankie, pare com isso, ou você quer que eu morra de
tanto rir?
— Ingrata! Então meu sofrimento faz você rir? — calou-
se, olhou demoradamente para ela e explodiu: — Agora sou
eu quem está morrendo de ódio! Não sei, não entendo
porque sempre sou eu quem leva o fora! Por acaso, pode
explicar-me uma coisa? Acha, sinceramente, que merece um
amor tão grande como o meu?
— Frankie, sei que não mereço um amor tão grande e
sublime, mas nós dois sabemos, que a vida é um emaranhado
de injustiças.
— Agora não quero falar mais nada. Só desejo saber se
você vem ou não vem almoçar comigo?
— Claro que vou.
Frankie riu de uma orelha à outra, levou a mão ao
coração e gritou:
— Socorro! Acudam-me! Vou desmaiar! Meu coração
vai arrebentar! Brigitte aceitou meu convite e vai almoçar
comigo!
— Frankie, se você desmaiar, não poderá acompanhar-me
— advertiu Brigitte, soltando uma risada.
— Então, não desmaio mais! Vamos almoçar em um
restaurante aconchegante e durante o almoço poderemos ter
uma conversa muito séria.
Ela se levantou, apanhou o casaco e a bolsa de pele.
Frankie gentilmente ajudou-a a vestir o agasalho. E foi então
que Brigitte falou:
— Bem, antes do almoço terei de resolver um
probleminha.
— Eu sabia! Eu sabia que a felicidade nunca pode ser
completa! — reclamou Minello.
— Meu querido, o problema não deve ser muito
importante e só deve nos atrasar alguns minutos. Preciso
passar pelo escritório de Jefferson Nightindale.
— Por que precisa ir lá? Aquele sujeito é um verdadeiro
imbecil!
— Você não sabe que agora ele tem uma agência de
informações que deve se tomar uma das mais importantes do
país?
— Já ouvi alguns comentários sobre o assunto —
respondeu Minello com mau humor. —Não sei como um
sujeito que sempre foi um repórter medíocre que nunca
conseguiu escrever um artigo que merecesse ser lido,
consegue fundar uma agência jornalística de âmbito
internacional e ainda tem a ousadia de se nomear e assumir o
lugar de diretor-geral da empresa! Brigitte, por favor, não vá
começar... Já estou cansado de ouvir que sou um sujeito
implicante, cansativo e maçante! E nem me diga que
Jefferson Nightindale ainda pode tomar-se um bom
jornalista.
— Reconheço que você tem razão — admitiu Brigitte. —
Ele sempre foi um repórter vulgar, mas Frankie não se
esqueça que na vida acontecem coisas inexplicáveis. Muitas
vezes, surgem certas oportunidades no caminho de um
homem e se este souber aproveitá-las, pode começar a
progredir. Jefferson Nightindale como repórter era um
fracassado, um jornalista péssimo, porém como diretor de
uma agência informativa, talvez comece a se aprimorar.
— De há muito conheço seu otimismo, querida. Por que
precisa ir vê-lo?
— Ele me convidou e não posso faltar.
— Por que ele ia convidá-la? Será que Nightindale está
querendo que você vá colaborar em sua nova firma? O que
mais ele pode querer com você?
— Juro como não sei. Tivemos pouquíssimos contatos
em nossas vidas funcionais e não acredito que tenhamos
muitos assuntos para tratar. Desconfio, contudo, que vai
convidar-me para colaborar em sua agência informativa:
“Teia de Aranha”.
—“Teia de Aranha”, que nome mais esquisito para
colocar em sua empresa — comentou Minello. — Eu,
pessoalmente, acho que ele já tem um rosto tão sulcado que
parece mesmo uma teia de aranha. Nunca vi outro homem
mais feio, até parece um mico dissecado! E se ele a convidar,
você aceitará o convite?
— É evidente que não. Porém, hoje achei que seria
indelicado não aceitar o convite que o colega me fez tão
gentilmente. Não poderia, deixar de passar em seu escritório.
Se você concordar, primeiro iremos ver o que Nightindale
quer e depois iremos almoçar.
— Se você ficar somente o tempo exato para escutar o
que ele quer dizer, agradecer o convite que ele vai fazer,
recusá-lo e se despedir, posso acompanhá-la.
— Ótimo, Frankie!
— Não me agradeça tanto porque nem todos os dias
tenho essa boa vontade... Só queria descobrir como ele pôde
arranjar tanto dinheiro para instalar sua empresa
jornalística... uma coisa que não se faz com cinco centavos.
— Talvez o que ele denomina pomposamente como uma
empresa jornalística nada mais seja do que uma sala que
sirva como escritório, tendo duas mesas, duas máquinas de
escrever e um telex.
— Eu não me surpreenderia porque aquele cara sempre
foi um fanfarrão de primeira. Vamos sair logo de uma vez
porque o dia está lindo e é bom a gente andar sob o sol.
— Eu posso ir com você, mas preferia estar em Waikiki
Beach, tomando um banho de sol... Contudo, devo
reconhecer que também é agradável andar pela Quinta
Avenida quando se tem uma boa companhia, Frankie.
— Brigitte, se você quiser, podemos ir à Waikiki. Só nós
dois para passarmos umas férias...
— A ideia não é má — riu a espiã mais linda do mundo.
— Depois que visitarmos Nightindale, decidiremos o que
vamos fazer.
***
Frank Minello ficou realmente surpreso quando viu o
luxo da agência noticiosa que Nightindale havia aberto.
Estava instalada no vigésimo andar de um prédio da Quinta
Avenida que tinha as paredes exteriores quase que
inteiramente envidraçadas. A agência fora decorada com
muito bom gosto, luxo e visando apenas o conforto.
Havia mais de trinta pessoas trabalhando no local e a
atividade parecia ser grande, pois todas se movimentavam de
um lado para o outro, manuseando aparelhos de
comunicação mais modernos que havia dentro da área como
computadores, telex, telefax, editores de texto, telefones e
outros mais.
— Nunca poderia imaginar que Nightindale tivesse meios
para organizar uma firma tão bem aparelhada, quase luxuosa
— murmurou Minello.
— É o que eu também estava pensando — retrucou
Brigitte. — Vejo que tem os aparelhos mais modernos
instalados aqui e... também os mais caros.
— Repare na forração deste grupo estofado: vê-se que é
da melhor qualidade e dá a impressão de nunca ter sentido o
peso de um corpo em cima dela.
Brigitte teve que segurar a risada prestes a explodir.
— Que ideia, Frankie, só pode estar aqui para as pessoas
se sentarem. Talvez Nightindale não receba muitas visitas.
Os dois se sentaram nas poltronas confortáveis e
modernas. Os minutos começaram a escoar e, de repente,
Minello olhou para a amiga e perguntou:
— Qual é a opinião que você tem sobre Salman Rushdie?
— Sobre quem? — a espiã chegou a arregalar os olhos de
surpresa.
— Garota, estou falando do poeta hindu-britânico, autor
do livro intitulado “Versos Satânicos”. Você nunca leu nada
desse poeta que foi condenado à morte por Khomeini?...
Você não ouviu comentários sobre Rushdie? — agora era
Frankie quem parecia surpreso.
— Claro que sim. Explique-me uma coisa, por que foi
pensar logo nele?
— Ora, querida, temos de manter nossos pensamentos
ocupados em algo enquanto estamos esperando que
Nightindale se resolva a atendê-la. Somente por isso eu
queria saber qual é sua opinião sobre o poeta mais
comentado no momento.
— Acho que Rushdie encontrou o que procurava.
— Como assim?
— Ele blasfemou contra a religião islâmica e agora terá
que se submeter às consequências de seus atos.
— Não me diga que concorda com a imposição de
Khomeini!
— Lógico que não. Eu não posso concordar que ele tenha
condenado o poeta à morte, mas também não posso esquecer
que foi Rushdie quem errou primeiramente. Preste atenção
em uma coisa, Frankie; nós dois não temos qualquer
compromisso com os princípios islâmicos, e até podemos
escrever, algum dia, artigos que ofendam o Corão ou que
firam seus seguidores. Porém se fizermos isso o faremos por
ignorância e nunca de propósito como foi o caso de Rushdie,
entende? Nós desconhecemos os princípios e as leis
islâmicas, mas ele quando escreveu seus “Versos Satânicos”
sabia que estava escrevendo blasfêmias e agora, em minha
opinião, deve sofrer os castigos que são infligidos de acordo
com a lei islâmica.
— Como você pode afirmar com tanta segurança que ele
escreveu blasfêmias?
— Minha opinião é de menos importância, agora apenas
me baseio na opinião que o Vaticano emitiu depois de julgar
o livro. Nós todos sabemos que o Vaticano, a Igreja Católica,
costuma excomungar seus membros quando estes cometem
alguns exageros ou erros de ordem religiosa ou moral. A
excomunhão é uma espécie de castigo nestes casos. Não
estou a par dos hábitos referentes ao Corão, mas sei que
todas as pessoas que fizessem ou agissem como Rushdie fez
e agiu estavam sujeitas à condenação à morte.
— Acho até engraçado esta situação no final do Século
XX quando tanto se faia em liberdade de expressão. O que é
isso realmente?
— Creio que a liberdade jamais pode ser ampla bastante a
ponto de permitir ofensas pessoais ou religiosas. Qualquer
indivíduo tem o direito de discordar de uma religião, mas
nem por isso tem o direito de ofender aqueles que a seguem.
Frankie, tudo ficou mais simples depois que o ser humano
criou algumas normas, algumas leis que passaram a formar o
comportamento do homem. São estas normas e leis que
devem ser seguidas, obedecidas e vividas. Porém se algumas
delas desagrada a uma pessoa, esta apenas precisa afastá-la
de sua vida tal como eu fiz quanto às religiões, mas não foi
porque me afastei delas que posso ofender os outros que
seguem seus princípios. Em minha opinião todas as opiniões
devem ser respeitadas, mas não foi isso que Rushdie fez ao
escrever os “Versos Satânicos”.
— Droga! Eu já começava a simpatizar com ele e agora
vou ter que reler sua obra para analisá-la com mais
profundidade.
Calaram-se quando a recepcionista entrou no vestíbulo e
avisou que o senhor Nightindale já os aguardava.
— Não, eu não... posso ir porquê... — começou Minello.
A jovem sorriu.
— O senhor Nightindale já sabe que o jornalista Frank
Minello veio na companhia da senhorita Montfort e faz
questão de recebê-lo... Disse-me que ambos são muito
amigos.
— Amigos? Somos muito mais do que amigos! Somos...
somos... afinal Brigitte o que somos nós?
— Somos dois seres fraternos — respondeu a repórter
rindo.
A recepcionista também sorria ao escutá-los e pouco
depois os introduzia no escritório do diretor-geral da agência
noticiosa “Teia de Aranha”.
Minello não esperava entrar em uma sala decorada com
tanto luxo e conforto, mas sorriu divertido quando o senhor
Nightindale se levantou e rodeou sua mesa de trabalho para
cumprimentar a visitante.
Realmente era um dos homens mais feios que já tinha
visto, até parecia um mico grande encurvado, de olhinhos
pequenos, brilhantes e vivazes. Devia ter um metro e setenta
de altura, cabelos negros, barba cerrada, mas não tinha um
pingo de elegância, embora estivesse vestindo roupas caras.
— Senhorita Montfort, não sabe como sua visita me
deixa satisfeito. Ambos somos jornalistas, sempre
navegamos pelo rio da comunicação, mas também sempre
seguimos correntes paralelas, mas nem por isso deixei de
admirar uma das colegas mais capacitadas dentro de nossa
área.
Minello estava estupefato, pois não esperava ouvir aquela
torrente de palavras elogiosas, porém Brigitte lhe estendeu a
mão com naturalidade.
— Como está senhor Nightindale? Está certo ao afirmar
que sempre navegamos por correntes paralelas. O nosso
jornalismo sempre foi diferente e nossos artigos sempre
foram estranhos entre si.
— A senhorita, foi muito gentil ao aceitar o convite que
lhe fiz. E o amigo como está? — perguntou a Frank Minello.
— Surpreso. Nunca pensei que nunca pudesse instalar
uma agência deste gabarito. Onde conseguiu meios para
construí-la? Pois reconheço que não poderia fazer tudo isso
com apenas cinco centavos.
— Digamos que sou um homem de recursos — riu o
empresário.
— Nightindale, isso tudo não foi feito só com seu
otimismo e perseverança; você gastou muitos dólares aqui.
— Exatamente, mas sentem-se. Aceitam um cigarro?
— Não, não tolero nicotina e tenho ódio de quem fuma
em minha presença — disse Frank.
— Eu aceito um cigarro — sorriu Brigitte.
—Nightindale, posso odiar a humanidade inteira, mas não
consigo odiar essa mulher — sorriu Frank com bom humor.
Brigitte olhava para o anfitrião inexpressivamente quando
este acendia o cigarro que lhe oferecera de uma caixa de
marfim.
Frankie tinha razão, como um jornalista de terceira
categoria arranjara dinheiro para fundar aquela agência?
Bem, se estivesse muito interessada, poderia pedir a
colaboração da CIA, mas valeria a pena a agente Baby se
interessar por aquele assunto?
Voltou à realidade quando ouviu Nightindale dizer:
— Compreendo que esteja curiosa para saber por que
motivo eu mandei chamá-la a minha agência. “Teia de
Aranha” progredirá rapidamente... Eu poderia procurá-la na
redação do “Morning News”, mas achei que minha visita não
seria ética.
— Uai! Por quê?
— Pensei que não seria correto oferecer trabalho, solicitar
a colaboração de um jornalista na redação de outro jornal.
— Também concordo — sorriu Brigitte.
— No entanto, entendo que é perfeitamente razoável
oferecer-se trabalho a uma pessoa que deseja melhorar seu
nível profissional.
— Senhor Nightindale, creio não o ter entendido
perfeitamente. O senhor está achando que eu ainda não
consegui alcançar minhas metas profissionais e que essas
ficariam mais próximas de mim se eu ingressasse no quadro
funcional de sua empresa?
— Bem não era exatamente isso que eu estava pensando
ou desejava dizer, senhorita Montfort. Não sou um tolo e sei
quais são os expoentes de nosso ramo e sei o que representa
Brigitte Montfort dentro do jornalismo internacional... Eu
apenas estou pensando em contratar a repórter mais famosa
do mundo.
— Esperto! — riu Minello. — Está procurando cercar-se
de nossas maiores estrelas?
— Efetivamente — concordou o empresário. Posso
oferecer-lhe um ordenado fabuloso.
— Lamento, senhor Nightindale, mas seu convite não me
atrai — sorriu Brigitte com seu modo cativante.
— Espere, não responda agora, pois ainda não revelei
quanto receberá.
— Não adianta, senhor Nightindale, não estou interessada
em sua oferta. Na verdade, vim até aqui por mera cortesia,
para o senhor não ter a impressão que Brigitte Montfort é
uma colega antipática e mal-educada. Também vim para
felicitá-lo e desejar-lhe muito progresso em sua nova
empresa. Porém, não aceitarei seu convite, não importando o
valor que deseje pagar.
Jefferson Nightindale engoliu em seco e não conseguia
esconder sua decepção e foi naquele minuto que Minello se
convenceu que realmente ele era um dos homens mais feios
que já tinha conhecido.
— Por acaso, falei alguma coisa que a tivesse molestado,
senhorita Montfort? — perguntou o empresário. — Se fiz
alguma coisa que a tivesse desagradado, peço-lhe perdão.
— Não, não, senhor Nightindale, o senhor nada fez para
aborrecer-me, simplesmente não desejo abandonar o
“Morning News” e nem poderia fazer isso quando acabo de
realizar o sonho de minha vida. Sempre desejei que meus
artigos fossem difundidos internacionalmente e agora, uma
editora internacional acaba de comprar os direitos
diretamente junto ao “Morning News”. O que mais posso
desejar?
— Nightindale, na vida existe uma coisa que é muito
importante e que se chama fidelidade — disse Minello.
— Reconheço isso e também sei que não há dinheiro que
possa comprá-la — confirmou o empresário.
— Portanto, pode compreender que seria uma perda de
tempo continuar insistindo em contratar Brigitte Montfort.
— E pelo jeito, estou vendo que nem adianta eu convidar
Frank Minello para ser um dos colaboradores da “Teia de
Aranha”.
— Exatamente, eu também não aceitaria.
Brigitte sorriu amavelmente e falou:
— Senhor Nightindale, por favor não fique aborrecido
comigo. Vim para atender um convite que me fez, mas gosto
muito de meu ambiente de trabalho e desejo continuar no
“Morning News” ainda por algum tempo.
— Eu é quem deve agradecer por ter atendido meu
convite, senhorita Montfort. Não insistirei mais, mas a
senhorita não pode calcular o que está perdendo.
***
— O que o miserável quis dizer com aquele não pode
calcular o que está perdendo?
— Frankie, ele apenas usou essa frase como poderia ter
usado uma outra qualquer. Esqueça-se de Nightindale. O dia
hoje foi ótimo. Almoçamos juntos, agora vamos trabalhar
um pouco e à noite, você irá jantar comigo. O que mais você
ainda quer para hoje?
Minello sorriu com malícia e respondeu:
— Se eu quisesse mais alguma coisa, só poderia cometer
um pecado mortal, minha querida. O telefone soou. Brigitte
o atendeu:
— Sim?
— Senhor Pitzer! O que está havendo?
Seu rosto mudou de expressão, o chefe do setor da CIA
de Nova Iorque somente lhe telefonava quando havia um
problema para ser resolvido.
— Entendi, entendi, sim, senhor Pitzer! Irei
imediatamente!

CAPÍTULO SEGUNDO
Assassinato de Walter Baines

O avião pousou exatamente às seis horas da tarde no


aeroporto de Oakes Field, na ilha de Nova Providência, nas
Bahamas. Logicamente, havia gente a sua espera, dois
homens. Um deles a aguardava no aeroporto e foi quem
tomou conta da bagagem bastante reduzida da espiã.
O segundo a esperava no interior do carro que estava
estacionado próximo à saída do aeroporto, sob o sol
escaldante, embora recebesse a brisa marítima diretamente.
O horizonte era recortado por palmeiras que naquele
entardecer mais pareciam residências de gaivotas.
Brigitte sentou-se ao lado do homem que tinha ficado
dentro do carro, esperando por ela e enquanto isso, o outro
guardava sua mala no porta-malas. Ela estava achando lindo
o entardecer da ilha e somente tinha a maletinha vermelha
com flores azuis nas mãos.
— Bem-vinda à Ilha de Providência! — cumprimentou o
homem que estava ao seu lado. — Sou Simon-Nassau.
— Prazer em conhecê-lo, Simon. Pode não acreditar, mas
foi aqui em Nassau que tive o caso mais difícil de minha
vida de espionagem.
— Bem, sabemos que esta ilha é um dos pontos que mais
interessa aos turistas estrangeiros, é um lugar internacional
por excelência e, talvez por isso, também estejam
acontecendo algumas coisas que... nem sempre se pode
classificar como agradáveis.
Brigitte confirmou, sacudindo a cabeça e enquanto isso, o
segundo Simon tinha fechado o porta-malas e já se sentava
ao volante. O carro partiu imediatamente. A tarde estava
linda. O céu parecia tingido de um azul profundo que
juntamente com o dourado do sol, mudavam o colorido do
mar que naquele instante mais parecia ser de cobalto.
— Suponho que deseje ver as fotos que foram batidas —
disse Simon-Nassau, entregando um envelope a Brigitte.
— As fotos ajudam, mas espero que não tenham remetido
o cadáver para os Estados Unidos — comentou a espiã mais
famosa do mundo.
— Não. Quando soubemos que você vinha, achamos
melhor atrasar a remoção do corpo para esta noite. O mesmo
deverá sair no avião das dez horas. Essas fotos foram tiradas
pela polícia de Nova Providência que se encarregou do caso
inicialmente. Porém, horas mais tarde, também chegaram os
nossos companheiros do MI5. Foram estes que identificaram
o morto e assim que souberam que era um agente da CIA,
comunicaram-se conosco. Só soubemos de sua morte quando
já havia passado mais de vinte e quatro horas e foi por isso
que tardamos em nos comunicar com você.
— Entendo. Então ele morreu ontem à tarde?
— Não, sua morte ocorreu mais cedo, mais ou menos às
onze horas da manhã.
— Nesse caso, está morto há mais de trinta horas, Simon?
— Exatamente.
Brigitte abriu o envelope, apanhou as fotos coloridas e
ampliadas. Começou a examiná-las. Todas se relacionavam
com o mesmo caso e tinham sido batidas no local do evento.
O morto caíra de bruços e continuava com o rosto apoiado
no chão, de lado, o que tinha permitido sua identificação. O
local era uma faixa de areia quase que inteiramente cercada
por rochedos, e a meio metro de distância, mais ou menos,
estava uma pistola. O morto vestia calças claras, uma blusa
de malha azul-escuro e tênis. Tinha morrido com duas
perfurações à bala, uma nas costas e outra na nuca. A
perfuração das costas não estava muito visível nas fotos, pois
se encontrava encoberta pela camisa, mas a da nuca estava
totalmente descoberta e só poderia ter sido mortal.
Brigitte viajara em avião particular da CIA e os
companheiros já lhe haviam fornecido algumas informações
que poderiam ajudar no esclarecimento do caso que tentaria
desvendar: O homem assassinado era um agente da CIA,
lotado em Miami e seu nome era Walter Baines.
Todos os companheiros envolvidos nas averiguações
perguntavam-se por que Walter Baines viera a Nassau? Por
que abandonara seu local de trabalho tão precipitadamente,
sem se comunicar com ninguém e por que estava tripulando
uma lancha, se todos sabiam, ele jamais fora proprietário de
alguma?
— Expliquem-me o que vocês e os nossos colegas do
MI5 conseguiram descobrir — pediu Brigitte.
— Por ora, apenas temos certeza de que ele foi
assassinado com dois tiros. Está claro que o primeiro ele
recebeu nas costas e que mesmo ferido profundamente ainda
teve forças para tentar uma fuga. E só não conseguiu levar a
cabo seus propósitos porque o adversário ou os adversários
mudaram seus planos.
— Explique-me tudo desde o início, Simon.
— Para nós, até agora o princípio começa no momento
em que um casal que estava fazendo amor atrás de algumas
rochas, escutou o barulho dos motores das lanchas. Como
pode prever, este casal está a nossa disposição, caso
precisemos de mais informações, mas a mulher está muito
angustiada e até mesmo revoltada, só desejando que a
deixemos partir.
— Conversaremos com os dois mais tarde. O que eles
viram naquele instante?
— Bem, os dois estavam entre as rochas, em um lugar
muito parecido com esse que aparece nas fotografias. A praia
fica em Delaporte Point. É muito bonita e interessante
porque a areia é salpicada de rochedos não muito altos que
formam pequenos... refúgios discretos. Tão discretos que o
casal gozava das delícias daquele Éden para fazer amor em
plena luz do dia e ao ar livre. Voltando ao assunto que nos
interessa, os dois ouviram o ruído das lanchas chegando e
como seria natural, abandonaram a atividade que faziam, por
mais agradável que estivesse. Espiaram quem estava
chegando, pois tinham medo que aportassem outras pessoas
com intenção de fazerem o que estavam fazendo e talvez, até
procurassem o refúgio, o ninho de amor que tinham
encontrado no meio das rochas. Foi então que viram Walter
Baines correndo tropegamente pela praia, procurando
alcançar as rochas. Evidentemente, chegara na lancha, que
estava flutuando ao sabor das ondas. Enquanto Baines
procurava esconder-se atrás das rochas, outra lancha também
chegava ao litoral. Nesta viajavam três homens, dois
saltaram rapidamente, enquanto o terceiro ficou cuidando do
barco. Os que saltaram na praia, seguiram as pisadas que
Baines deixara na areia e com facilidade o localizaram. O
casal de amantes viu como um deles apontou a pistola em
sua direção e disparou. Esta era provida de silenciador, em
seguida, os dois indivíduos voltaram para o barco que se
afastou em direção a Nassau, mas antes esvaziaram os bolsos
de nosso companheiro. Talvez quisessem saber quem ele era
na realidade ou talvez procurassem algum microfilme que
ele estivesse carregando. Porém, isso tudo são suposições
porque nada se sabe a respeito do que estava acontecendo.
— Quer dizer que levaram tudo que Baines trazia
consigo?
— Não, não tudo.
— Sim, vi a pistola que deixaram perto do corpo. E achei
até natural que não a levassem. Uma arma sempre pode ser
comprometedora e essa classe de gente as têm em excesso.
Parece que Baines chegou em condições tão precárias que
depois de ter-se escondido entre as rochas, nem sequer teve
forças para disparar. Os dois perseguidores o encontraram
praticamente morto e apenas lhe deram mais um tiro que
poderia ser o de misericórdia. Mataram-no com o balaço na
nuca, não foi assim que as coisas aconteceram? — perguntou
Brigitte.
— Pelo menos é o que pensamos.
— Suponho que Walter Baines não tivesse nada nos
bolsos que pudesse comprometer a CIA.
— Sobre isso nada podemos opinar, ainda.
— Esperemos que somente carregasse sua documentação
pessoal e que por isso, os seus assassinos nada soubessem da
colaboração que ele prestava à CIA... a menos que alguém
tenha desconfiado dos acontecimentos posteriores à morte de
Baines e tenha investigado para saber qual o interesse dos
agentes do MI5 para o desvendamento do crime.
— Tudo pode ser possível. Limparam os bolsos do
cadáver, mas não encontraram o cartão postal que Baines
guardara dentro da meia — disse Simon-Nassau, entregando-
lhe outro envelope.
Brigitte retirou de seu interior um cartão postal que
efetivamente estava dobrado. Era uma paisagem marítima,
muito linda com uma praia deslumbrante. No reverso estava
impresso com letras pequenas e nítidas que o mesmo era
uma lembrança do New Sun Hotel.
A espiã olhou para o homem que estava sentado a seu
lado e perguntou:
— Então Baines estava hospedado nesse hotel?
— É o que imaginamos. Se levarmos em conta a posição
do hotel, veremos que está na rota de Nassau, principalmente
a praia, onde Baines foi assassinado. Desconfiamos que a
lancha que o perseguia tinha partido da enseada particular do
hotel e depois voltado novamente para lá, isto é, para as
proximidades do New Sun. Também desconfiamos que
houvesse correlação entre o hotel, a perseguição e a agressão
sofrida por Baines, e que somente por isso, ele tinha posto
esse postal dentro da meia que estava usando. Você concorda
com meu raciocínio, Brigitte?
— Sim, mas agora pergunto: Teria sido ele mesmo quem
colocou o postal dentro da meia?
Simon-Nassau mordeu o lábio inferior ligeiramente e
murmurou entredentes:
— Também já pensamos nisso. Talvez os homens que o
mataram tivessem colocado o cartão dentro de sua meia,
mas... por que teriam feito isso?
— Poderiam ter tido milhões de motivos para fazerem o
que fizeram. Porém, creio que este não é o momento para se
complicar as coisas. Acho melhor aceitarmos a hipótese de
que foi Baines que ao chegar no hotel, apanhou o postal,
dobrou-o com cuidado e o colocou dentro da meia que estava
usando e com esse seu gesto pôde nos orientar em um
sentido: Estava com medo que alguém procurasse matá-lo e
procurava nos deixar uma pista que pudesse nos orientar.
Concorda comigo, Simon?
— Foi isso que pensei logo de início.
— Muito bem. Há alguém procurando encontrar outros
indícios? O que vocês estão fazendo à respeito?
— O pessoal do MI5 está colaborando e nesse momento,
tenta conseguir os nomes de todos os hóspedes que estavam
e estão hospedados, bem como os que estavam somente de
passagem pelo New Sun. Tanto fazia estarem frequentando
os apartamentos, restaurante, bar ou qualquer dependência
do hotel. Tanto os do MI5, como nós da CIA temos certeza
que se houver alguém de Miami, será localizado
rapidamente.
— Então, desconfiam que Baines veio de Miami
seguindo alguém que habitualmente mora naquela cidade?
— Você não está de acordo com essa teoria? —
surpreendeu-se Simon,
— Em princípio ela me parece clara, transparente: Walter
Baines se encontrava trabalhando normalmente em Miami,
embora não estivesse empenhado em um caso da maior
importância ou relevância. De repente, não se sabe como, vê
alguém ou um grupo que desperta sua atenção e decide
segui-lo. Essa pessoa ou pessoas se encaminham para um
recanto onde se encontra uma lancha ou um iate amarrado,
pronto para zarpar. Nosso companheiro não admite a
hipótese de perder aquele pessoal de vista. Resolve agir
rapidamente dentro daquela circunstância.
Brigitte olhou para Simon-Nassau, viu que ele
acompanhava seu raciocínio com interesse, sorriu e
continuou:
— Apropriou-se da primeira lancha que viu ancorada e
zarpou atrás da primeira onde estava a pessoa ou o grupo que
tinha despertado suas suspeitas. Quando a primeira lancha
chegou a Nassau, talvez ficasse ancorada no embarcadouro
do New Sun. A pessoa ou o grupo entrou no hotel e Baines
fez o mesmo. Foi nesse momento que nosso companheiro
notou que sua presença não passara desapercebida, pois
havia gente o aguardando: Três homens de olhares sombrios,
como somente possuem os que vivem do crime. Pareciam
apenas esperar por uma oportunidade favorável para atacá-
lo. Baines só então tinha percebido que estava metido em
uma boa embrulhada. Estava sozinho, longe dos amigos, do
local de trabalho e ninguém sabia que tinha vindo a Nassau.
Naquele instante, teve medo de morrer, e foi então que
apanhou o cartão postal que era uma propaganda do hotel.
Dobrou-o com cuidado e o colocou dentro da meia que
usava. Se um daqueles assassinos conseguissem liquidá-lo e
quando seus companheiros encontrassem seu corpo, talvez
localizassem os criminosos com a ajuda do cartão que
poderia servir como uma pista, mas se conseguisse vencer
aquela parada, iria procurar os Simons de Nassau e os
informaria sobre as coisas que tinham acontecido. No
entanto, parece que o destino já havia determinado que ele
não pudesse livrar-se dos três criminosos que o perseguiam.
Nosso companheiro pulou para a lancha que tinha encostado
ao embarcadouro do New Sun Hotel e zarpou. Logo em
seguida, os criminosos apanharam outra embarcação. Baines
em poucos minutos compreendeu que estava perdido, pois a
lancha de seus adversários era mais rápida... Aproximaram-
se tanto que puderam feri-lo nas costas... A situação estava
cada vez mais perigosa e se continuasse navegando, os
outros logicamente o alcançariam e se isso acontecesse, suas
chances diminuiriam irremediavelmente. A esperança de
vida encurtava de minuto em minuto, enquanto Baines se
dirigia à terra. Saltou na praia e deixou a lancha abandonada.
Tentou despistar seus perseguidores, pois na terra sempre há
mais possibilidades, mais esconderijos. Infelizmente, nosso
companheiro quase não podia mais andar. Tinha uma bala
encravada nas costas e suas forças já começavam a
desaparecer. Sabia que dificilmente poderia escapar, contudo
correu para as rochas e se escondeu atrás delas. Conseguiu
sacar a arma, estava disposto a lutar até o último alento, mas
seus dedos já não tinham forças para apertar o gatilho. A
arma escorregou de suas mãos e, ele caiu quase em seguida
de bruços no chão. Os dois assassinos se aproximaram e o
encontraram nessa posição. Possivelmente já estava morto,
mas mesmo assim dispararam mais uma vez e a bala
penetrou em sua nuca. Depois revistaram os bolsos de
Baines, levaram tudo que ele carregava, menos o cartão
postal que estava dentro da meia. Você concorda com meu
raciocínio, Simon?
O agente da CIA estava encantado, piscou diversas vezes
antes de responder:
— Tudo parece indicar que as coisas aconteceram
exatamente como você as apresentou.
Brigitte não respondeu e novamente olhou as fotos, uma
por uma e depois separou duas. Simon-Nassau a fitava com
surpresa e mais surpreso ficou quando ela pediu: — Quero
essas duas ampliadas em tamanho maior.
— Isso se pode fazer rapidamente. Por que você as quer?
Encontrou alguma coisa que nos possa ajudar?
— Primeiro, quero ver as ampliações e, se realmente
nelas encontrar o que estou desconfiando... será algo
absolutamente fantástico. Porém acho melhor pensar que
tudo não passa de umas alucinações de minha imaginação
descontrolada. Já estou há muitos anos nesta vida de
espionagem e às vezes, tenho a impressão que estou vendo
elefantes voando... Acho que já é hora de vermos o casal de
amantes.
Brigitte estava surpresa com o silêncio do agente que
estava ao volante, ainda não tinha dito uma palavra, embora
seus olhos geralmente estivessem pousados na passageira
lindíssima que viajava ao lado do chefe regional.
— Podemos vê-los agora mesmo — concordou Simon-
Nassau.
— Muito bem, podemos vê-los agora e depois, gostaria
de examinar a lancha que Baines roubou em Miami. Creio
que ainda não a devolveram, não é?
— Claro que não, ela ainda está a nossa disposição.
— Ótimo. Agora vou fazer algumas transformações em
meu visual, pois não gostaria de ser reconhecida por
qualquer pessoa que me encontrasse.
A agente Baby abriu sua maleta vermelha com
florezinhas azuis, levantou o fundo falso da mesma e
apanhou a peruca loura, as lentes de contato verdes e alguns
enchimentos que deformavam os lábios que evocavam
beijos.
Os rapazes assistiam aquelas transformações com
perplexidade e em frações de segundo a senhorita Montfort
tinha desaparecido. No seu lugar estava sentada uma mulher
horrenda.
— Gostaram da mudança? — perguntou a divina,
colocando os óculos escuros.
***
Brigitte conversou com o casal que se encontrava sob a
proteção da CIA e simpatizou com ambos, embora eles
estivessem aborrecidos por estarem confinados dentro
daquela casa há mais de quarenta e oito horas e... onde nem
amor podiam fazer. Não estavam sozinhos e havia homens
espalhados por todos os lados. Assistiram a chegada da
mulher loura e notaram que todos eles lhe prestavam muita
atenção, carinho e respeito.
O casal de namorados era diferente de muitos, mas
também igual a outros que escolhiam aquele paraíso tropical
para se divertir. Ele era um homem negro, jovem, bonito e
musculoso; ela era uma dama londrina que aparentava
quarenta e cinco anos, mais ou menos, e desejava gozar as
férias longe de Londres, queria esquecer-se das atividades
monótonas e cansativas do escritório... Só tinha um desejo:
viver intensamente todos os dias que passasse naquelas
praias tropicais.
Miles estava colaborando para novamente Thelma Evans
se sentir mulher fremente e vibrante. Era divorciada há
alguns anos e vivia sozinha, mas durante aqueles dias de
férias estava tendo todas as atenções, todos os carinhos que
já não provava há algum tempo. Por que não ia aproveitar
das delícias que as Bahamas lhe poderia prodigalizar?
Em resumo a loura disse o mesmo que os agentes da CIA
e que MI5 já lhes tinham dito: — Na realidade encontram-se
retidos nesta casa por medida de proteção e não porque os
consideramos cúmplices dos assassinos, senhorita Evans.
Não queremos prejudicá-los, mas temos medo que sofram
algum atentado por serem testemunhas do homicídio.
Pensamos que os criminosos ainda poderão tentar algo e
achamos melhor protegê-los. Creio que ambos já viram os
retratos-falados, não é verdade? E agora pergunto: O que
acharam deles? Estão fiéis às informações que forneceram?
Os vários retratos-falados, feitos por dois desenhistas da
CIA estavam em cima da mesa e tanto Thelma Evans como
Jackson Miles garantiram que estavam perfeitos.
— Não puderam ver as feições do terceiro homem que
permaneceu na lancha? — perguntou a espiã.
— Infelizmente não pudemos vê-lo — explicou o negro.
— Estávamos longe da orla marítima e não pudemos
distinguir suas feições.
— Compreendo.
— Quando vamos sair daqui e nos sentirmos livres
novamente? — perguntou Thelma Evans com voz
angustiada.
— Assim que escurecer meus companheiros os levarão
de helicóptero à Flórida, onde poderão gozar o restante das
férias.
— Não... não posso!... Tenho que retomar a Londres!
— Se a senhora quiser retomar a Londres, tem liberdade
de fazer o que deseja — respondeu Brigitte. — E se o senhor
deseja ir a Rawson Square em busca de outra inglesa madura
e apaixonada que queira sua companhia durante seus dias de
férias, também tem liberdade para procurá-la, senhor Miles.
Porém se eu estivesse no lugar dos senhores e se uma espiã
experiente me aconselhasse ir para Flórida, juro como
seguiria seu conselho. Acho que me fiz entender, não é?
— Perfeitamente — sorriu Miles.
— Eu... eu já comprei a passagem de volta — murmurou
Thelma Evans. — Não posso ficar tanto tempo fora de
Londres!
— Por questão profissional ou por causa do dinheiro? —
perguntou a loura.
— Para ser sincera... — o rosto da britânica ficou
vermelho como uma rosa. — Na verdade investi todas as
minhas economias... nestas férias e agora não... não posso
prolongá-las mais.
Miles a observava com surpresa.
— Você me falou que era uma divorciada rica!
— Bem, eu simpatizei com você… e menti para não
perdê-lo não queria que me deixasse sozinha.
— Eu não a teria deixado sozinha porque também
simpatizei com você logo ao primeiro olhar...
— Esperem um momento — interveio Brigitte. — Por
favor, não me presenteiem com uma Love Story. Agora,
neste instante, vou entregar-lhes dez mil dólares; viajem para
Flórida. Poderão ficar hospedados em hotel ou motel por
alguns dias e quando o caso estiver solucionado, quando já
não correrem perigo algum, eu novamente me comunicarei
com vocês e a partir de então, serão livres para fazerem o
que bem entender. Combinado?
— Creio que sim — sorriu Thelma Evans.
Brigitte abriu a maleta vermelha de florezinhas azuis,
retirou dez mil dólares de seu fundo falso e os entregou à
inglesa.
— Sabe de uma coisa, senhorita Evans? Sempre apreciei
as pessoas que enfrentam com realismo suas próprias
fraquezas e desejos, sem procurar aparentar um puritanismo,
uma pureza que não existe na realidade. Desejo-lhes uma
feliz estada na Flórida!
— Tenho certeza que passarei dias inesquecíveis na
companhia de meu tigre! Não é verdade, meu amor?
A loura não se conteve e soltou uma risada.
No entanto, algumas horas mais tarde, quando o dia
começava a cair toda aquela alegria e bom humor haviam
desaparecido da expressão de Baby.
Estava junto ao caixão do colega tombado durante uma
ação que continuava envolta em mistério denso e
inexplicável.
Tinham colocado chumaços de algodão nas fossas nasais
e nos ouvidos do cadáver. Seu rosto estava transformado em
uma máscara de cera. Brigitte o olhava com calma já estava
acostumada a cenas semelhantes... Os mortos já não a
impressionavam. Porém de uma coisa tinha certeza, os
assassinos de Walter Baines assinaram suas sentenças de
morte!
Às dez em ponto, o avião levantou voo levando os restos
mortais do agente Walter Baines que já estava sendo
aguardado nos Estados Unidos.
Brigitte continuou no aeroporto, acompanhando as luzes
do aparelho que se afastava na imensidão escura e sussurrou:
— Maldita espionagem, quantas mortes já provocou:

CAPÍTULO TERCEIRO
Linhas enredadas

Acabaram de examinar a lancha que Baines havia


roubado para fazer a travessia de Miami às Bahamas, mas
nada encontraram que lhes parecesse importante, com
exceção do excesso de latas de combustível que estavam
armazenadas no barco.
— Até parece que Walter Baines desconfiava que fosse
fazer uma viagem mais ou menos longa e trouxe 'várias latas
de gasolina — comentou Simon-Nassau.
— Não, não — refutou Brigitte. — Eu já encaro o caso
de forma diferente. Se nosso companheiro tivesse tido tempo
de comprar gasolina, poderia ter telefonado para Simon-
Miami avisando-lhe do que estava acontecendo... também
poderia lhe ter passado uma mensagem pelo rádio e se
tivesse feito uma coisa ou outra, nós agora teríamos uma
pista sólida para seguir.
— Então, você julga que roubou uma lancha equipada
por questão de sorte?
— Também não afirmaria isso, Simon. Imagino que
houvesse muitas lanchas ancoradas naquela noite e ele teve
oportunidade de escolher a que mais conviesse a sua
necessidade.
— E a lancha dos três assassinos também devia estar
ancorada naquele embarcadouro.
— Não pense que foi esta que ele perseguiu quando saiu
às carreiras de Miami. Nem podia ter sido, Simon. Lembre-
se, a lancha que ele perseguia era mais veloz da que tinha
roubado e os assassinos puderam aproximar-se de sua lancha
e o feriram pelas costas e foi por causa desses ferimentos que
ele procurou refugiar-se na praia. Se quando saiu de Miami
tivesse perseguido uma lancha veloz como aquela,
certamente a teria perdido de vista durante a travessia que
tinha mais de trezentos quilômetros. Como vê, chegou a
Nassau perseguindo uma embarcação menos veloz do que a
dele.
— Seria um iate?
— Talvez fosse um iate que zarpou de Miami antes do
dia clarear, em um horário nada confortável. Às vezes,
pergunto-me o que Baines estaria fazendo àquela hora
naquele embarcadouro? Estaria somente vigiando o local em
cumprimento de suas atribuições, conforme falaram seus
colegas...? Devia andar por lá quando viu uma ou mais
pessoas que aguçaram sua curiosidade. Resolveu não perdê-
las mais de vista: viu quando subiram a bordo e depois viu
quando o iate zarpou. Nosso companheiro não perdeu tempo
e roubou uma lancha; talvez a lancha melhor equipada dentre
todas as que estavam no ancoradouro e partiu atrás daquela
embarcação.
— Talvez não fossem as pessoas que estavam a bordo,
mas o próprio iate que chamou sua atenção.
— Não acredito, mas se foi isso o que aconteceu, só
podemos pensar que no iate tivesse algo muito especial. Eu,
pessoalmente, não aceito que uma embarcação comum, com
a bandeira norte-americana desfraldada no mastro pudesse
atrair a atenção especial de alguém... salvo se este alguém
desconfiasse que o barco estava transportando uma carga
muito especial. Porém, de qualquer modo, sabemos que esta
embarcação era menos veloz do que as outras duas e que
tudo aconteceu tão repentinamente, que Baines nem avisou
Simon-Miami ou algum outro companheiro. Devem ter
navegado durante toda a madrugada e só chegaram em
Nassau lá pelas dez horas. O iate aportou no embarcadouro
do hotel mais luxuoso da ilha, o New Sun. Baines também
encostou a lancha nas proximidades e viu quando as pessoas
entravam no hotel pela passagem direta entre o
embarcadouro e o bar. Ele também usou a mesma passagem
e estava tão absorto em vigiar que, somente percebeu que
estava sendo vigiado alguns minutos mais tarde. Isso
aconteceu quando viu os três sujeitos com aspecto horrível
que não tiravam os olhos de cima dele.
— E estes novos personagens eram exatamente os três
assassinos?
— Sim e isso comprova que os três criminosos
profissionais não eram as mesmas pessoas que tinham feito a
travessia de Miami a Nassau no iate. Quando viram Baines,
compreenderam que este estava vigiando seus amigos
recém-chegados de Miami e se dispuseram a caçá-lo. Baines,
em questão de segundos, compreendeu que a situação estava
mudada e que de perseguidor passava a ser o perseguido.
Observou que os três sujeitos tinham aspecto de assassinos
profissionais... Por isso, decidiu afastar-se imediatamente
dali e nem tinha razão para continuar no hotel quando já
sabia onde encontrar a pessoa ou as pessoas que tinham
despertado seu interesse... Bem, mas se lhe acontecesse
alguma coisa como poderia comunicar-se com os
companheiros? Foi então que teve a ideia de apanhar um
cartão postal, dobrá-lo e em seguida, colocá-lo dentro da
meia que estava calçando. Concorda?
— Sim, perfeitamente — respondeu Simon. — A menos
que, como você falou, não tenha sido Baines quem pôs o
postal dentro da meia. Porém se não foi ele, há uma cortina
densa de fumaça a nossa volta e estamos completamente à
deriva dentro do caso.
Brigitte concordou com a cabeça, passou os olhos ao
redor: a cabine era minúscula, mas tinha lugar para dois
beliches. Agora a lancha fora retirada da água, estava em
cima da areia seca, mas continuava dando a impressão de
estar mergulhada em uma massa líquida, totalmente parada...
Uma sensação muito esquisita.
A vistoria foi minuciosa e provocou alguns danos na
decoração.
— Simon, providencie para o barco ser devolvido ao
proprietário, em Miami — ordenou a espiã. — E que este
seja indenizado por todos os prejuízos e danos sofridos.
— Há necessidade de se mencionar a CIA?
— Não! Claro que não! Era o que faltava com a imprensa
que temos. Vamos subir à coberta.
Subiram em seguida e, pouco depois, pulavam para a
areia. O barco estava sendo vigiado por dois policiais negros
das Bahamas, um agente do MI5 britânico e dois agentes da
CIA.
Não havia mais ninguém em Delaport Point àquela hora
da noite, mas a zona estava indiretamente iluminada pelas
lâmpadas do “Delaport Village Restaurant” e pela
iluminação profusa do centro de Nassau. Essa mistura de
lâmpadas coloridas projetavam uma iluminação esmaecida
sobre o mar e o areal, formando diversas nuances de cor. Já
era quase meia-noite.
A loura agradeceu aos policiais insulares, ao agente da
MI5 pela colaboração que prestavam e caminhou pela praia
até onde tinham deixado o carro, sob os cuidados do Simon
que estava sentado ao volante. A espiã e o chefe do Setor
Nassau sentaram se no banco de trás.
— Nossos companheiros ficarão aqui e providenciarão a
devolução da lancha.
— Muito bem. Agora já podemos ir.
— Brigitte, acha que ainda não devemos nos aproximar
do New Sun Hotel?
— Sim. Agora a primeira coisa que quero fazer, é
examinar as ampliações daquelas duas fotografias. Você
providenciou-as?
— Evidente. Poderá examinar as fotos no apartamento
que temos...
— Não, não, não! É possível que haja gente nos
observando e de modo algum que saibam onde meus Simons
se reúnem em certos momentos, sejam estes para descansar
ou confabular. Já não é bom que estranhos os identifiquem e
pior será se souberem onde encontrá-los. Chame o agente
encarregado pelas ampliações e mande-o esperar-me no
aeroporto. Depois, Simon faça outra chamada pelo rádio e
peça um helicóptero que deverá ficar a minha disposição.
— Muito bem, Baby.
Simon-Nassau obedeceu as ordens da mulher linda que
estava a seu lado e quando chegaram ao aeroporto, o
helicóptero estava pronto para transportar a espiã mais
famosa do mundo aonde desejasse ir. Outro Simon já
aguardava dentro do aeroporto. Entregou-lhe um envelope
com as fotografias e uma folha de papel datilografado.
— O que é isso?
— Mandaram que eu lhe entregasse a lista dos hóspedes
que atualmente estão hospedados no New Sun Hotel.
— Perfeito. Agora, esqueçam-se desse caso, por favor.
Os três homens ficaram perplexos ao ouvir aquela
disparidade. Foi Simon-Nassau quem primeiro reagiu.
— O que você quis dizer com: Esqueçam-se desse caso?
— Quero que se esqueçam dele, que se desinteressem por
tudo, entenderam? Ajam como se Walter Baines não tivesse
morrido e nada façam para esclarecer sua morte, a menos
que eu me comunique pessoalmente com o grupo de Nassau.
Creio que entenderam o que estou querendo, não é querido?
— Não sei se a entendemos, Brigitte. O que pensa fazer?
— Agora, vou apanhar um helicóptero e voar para as
Bahamas — sorriu a moça com suavidade, indicando o
aparelho que se preparava para decolar. — Como podem ver,
estou saindo agora mesmo.
Beijou-os no rosto carinhosamente, enquanto os três a
fitavam com perplexidade; em seguida, afastou-se na direção
do helicóptero onde já estava o Simon-piloto pronto para
atendê-la.
— Nunca em minha vida pensei que algum dia pudesse
servir nossa Baby pessoalmente — foram suas primeiras
palavras.
— Podemos, ou melhor, Você se encontra em condição
de voar para Miami?
— Baby, se você pedir, sou capaz de voar até sem ter
helicóptero.
— Calma, calma, rapaz não precisa ficar tão eufórico!
Combinaremos outra ocasião para você tentar esse voo
aloucado. Concorda? — riu a espiã. — Podemos esperar por
uma ocasião mais propícia, tá?
— Essa promessa é válida? — o agente sorria, — Agora
falando sério, Baby. Para onde devo levá-la?
Exatamente para Opa-Locke Airpot, foi para lá que
levaram nosso companheiro Walter Baines. Quando já
estivermos sobrevoando aquela região, quero que chame
Simon-Miami pelo rádio e diga-lhe que desejo vê-lo no
aeroporto quando chegarmos.
***
Quando o helicóptero pousou no Opa-Locka Airport,
Simon-Miami já estava esperando por Baby. Apresentou-se
cordialmente e a acompanhou ao carro que estava
estacionado perto da saída do aeroporto. Depois, quando já
estavam acomodados no interior do veículo, informou-a que
o corpo de Walter Baines havia chegado sem problemas e
que na manhã seguinte, seria transladado a sua cidade natal
onde seria enterrado.
Conversavam enquanto o carro rodava por várias ruas e
estradas de Miami. Minutos mais tarde, parava na frente de
um chalé situado junto a um canal.
— Foi a melhor casa que consegui arranjar quando fui
informado que você já estava viajando para cá — disse
Simon-Miami quando abria a porta da frente.
— Está ótimo. Só quero descansar algumas poucas horas
enquanto espero mais algumas informações.
Ele afastou-se para Brigitte entrar. Entrou atrás dela e
acendeu a luz.
— Está esperando alguma informação de Nassau?
— Não. Vamos até a sala.
Novamente Simon-Miami acendeu a lâmpada. Brigitte
parou perto desta e examinou as ampliações das fotografias
que Simon-Nassau mandara fazer.
Finalmente, após um exaustivo exame, entregou-as a
Simon-Miami e mostrou-lhe um ponto perto da cabeça de
Walter Baines.
— O que você vê aqui na areia?
— Não sei... parece que nada... — olhou novamente com
atenção e murmurou: — Espere, Brigitte, parece que há
diversos riscos... Acho que é isso, não vejo mais nada.
— Sim, mas... esses traços não lhe sugerem mais alguma
coisa... nenhum desenho?
— Lamento, mas só vejo os riscos, os traços
embaralhados...
— Simon, entre em contato com a Central e peça uma
investigação imediata sobre a agência “Teia de Aranha”.
Você pode usar meu nome para pedir o máximo de urgência.
Quero o resultado em questão de horas, pois dependerei dele
para prosseguir com meu trabalho. Agora vou deitar-me,
estou exausta e me deixem dormir até receberem alguma
resposta da Central. Entendido?
— Claro.
Brigitte Montfort entrou em um dos quartos trazendo as
fotografias ampliadas e a lista dos hóspedes do New Sun.
Despiu-se completamente e se deitou na cama. Que
maravilha! Estava mesmo precisando de descanso!
Porém não adormeceu tão rapidamente com esperava.
Tirou as fotografias de dentro do envelope, examinou-as
longamente e depois leu a lista que continha os nomes dos
hóspedes do New Sun Hotel. Leu-a com muita atenção,
nome por nome, havia cento e catorze que seriam
investigados por seus companheiros da CIA... No entanto,
naquele instante, a espiã internacional parecia filmá-los com
sua mente prodigiosa que podia gravar ou fotografar todas as
coisas que realmente a interessassem.
Porém, a segunda parte das sindicâncias só poderia ser
iniciada após ter recebido as informações solicitadas a
respeito da agência que estava sob a direção geral de
Jefferson Nightindale.
Depois guardou a lista com os nomes dos hóspedes e
frequentadores do hotel e apanhou as fotos ampliadas em
tamanho grande.
— Não pode ser — murmurou a espiã. — Se isso fosse
verdade, seria uma das coisas mais fantásticas que já vi.
Segundos mais tarde, dormia profundamente e já eram
mais de quatro horas da manhã.
***
Simon-Miami surpreendeu-se quando entrou no quarto, e
tocou levemente no ombro de Brigitte com a ponta dos
dedos. Esta acordou rapidamente, abriu os olhos totalmente
desperta.
— O quê, o que aconteceu? — perguntou.
— Lamento por tê-la acordado quando dormia como um
anjo... porém foi você quem disse que eu a chamasse assim
que recebesse alguma notícia de Nassau.
— Sim? Descobriram alguma coisa?
— Por ora, muito pouco. As averiguações prosseguem,
mas já nos informaram que a agência de informações “Teia
de Aranha” tem um capital de dez mil ações de mil dólares
cada. Como se pode ver a empresa está em uma situação
invejável.
— É verdade, Simon. Eu não pensava que suas ações
pudessem estar tão bem cotadas na Bolsa de...
— Não, Baby, essas ações não são negociadas pela Bolsa
de Valores. Elas existem porque foram emitidas, mas estão
com uma só pessoa.
— Não acredito que possam estar com Jefferson
Nightindale! — exclamou Brigitte, sentando-se rapidamente
na cama e puxando o lençol para cobrir seus seios. — Onde
o pobre-diabo ia conseguir essa fortuna? Salvo se alguém lhe
entregou o dinheiro... Simon, já descobriram o nome do
verdadeiro dono da empresa?
— Evidente, é Mac Adam Ewing.
Brigitte ficou calada, pensativa por alguns momentos e
depois apanhou a lista que estava em cima da mesa de
cabeceira, onde constavam os nomes das cento e catorze
pessoas que se hospedavam no New Sun Hotel. Mac Adam
Ewing. Sim, seu nome constava da lista!
— Qual é a ocupação do senhor Ewing habitualmente? —
perguntou.
— É o proprietário e também o diretor do “Mundo
Imenso”. Acredito que você conheça essa revista de grande
tiragem.
— Lógico que eu a conheço... “Mundo Imenso” é uma
revista de boa apresentação e sua equipe jornalística é ótima.
Bem, Simon, agora o caso começa a tomar um sentido e se
Baines ainda estivesse conosco, se não tivesse sido
assassinado brutalmente, possivelmente eu nem me
lembrasse mais deste caso. No entanto, Baines foi morto e
antes de morrer nos deixou um desenho quase elucidativo. E
agora sei que aquelas marcas não são riscos casuais, mas um
desenho. Agora não tenho mais dúvidas a respeito.
Apanhou as fotografias ampliadas que também estavam
na mesa de cabeceira e as estendeu ao chefe da CIA de
Miami que as examinou detidamente e murmurou;
— Continuo vendo somente riscos e mais riscos.
— Sim, mas olhe bem para os traços — falou Brigitte
acompanhando o desenho com a ponta do dedo. — Veja
como foram feitos; não parecem formar um desenho...?
Prestando bastante atenção nos traços não se poderia dizer
que se parecem com uma teia de aranha?
Simon-Miami não conseguia esconder sua estupefação e
em seguida, olhou para Brigitte com os olhos muito abertos.
— Jamais essa ideia me teria ocorrido — disse, excitado.
— Agora, depois que você chamou minha atenção, percebo
que realmente formam uma teia enredada, embora o desenho
esteja muito simples, rabiscado como se feito por uma
criança!... Não, Baines não usaria o desenho...
— Por que não?
— Porque se nosso companheiro nos quisesse deixar uma
pista que representasse o nome de um jornal ou revista, não
precisava desenhar teias no chão, bastaria escrever “Teia de
Aranha” por extenso na areia. Se tivesse escrito em vez de
desenhar, nos teria ajudado muito mais.
— Sim, se chegássemos a ler o que tinha escrito —
rebateu a espiã.
— O que está pensando, Brigitte?
— Baines fez o desenho na areia quando já estava ferido
nas costas e depois de ter caído de bruços. Compreendia que
ia morrer, que tinha poucos minutos de vida, pois não tinha
mais nem forças para segurar a pistola e sabia que os homens
que o tinham ferido estavam quase chegando e que quando o
alcançassem, iriam matá-lo. Foi então que decidiu deixar-nos
uma pista. Porém, sabia que se escrevesse as palavras teia de
aranha na areia, os assassinos iriam vê-las com facilidade e,
certamente, as iriam borrar... Entretanto, se desenhasse uma
teia, talvez eles nem notassem o desenho, mas sabia que nós
o veríamos.
Simon-Miami fez um assobio curtinho e moveu a cabeça
como se não estivesse concordado plenamente com a ideia.
— Olhe, se você não tivesse observado esse desenho,
tenho certeza que ele passaria desapercebido para o pessoal
da CIA. E para somente satisfazer minha curiosidade, como
você prestou atenção e interpretou este emaranhado de
linhas?
— São coisas que acontecem — Brigitte encolheu os
ombros, sem poder explicar o que havia acontecido
realmente. — Prefiro considerar tudo como uma casualidade
somente. Um palpite, sabe? Se o nome do proprietário da
agência “Teia de Aranha” não estivesse entre os hóspedes do
New Sun Hotel de Nassau, eu não ia mais preocupar-me com
o desenho.
— Compreendo, mas não entendo. De onde Baines foi
tirar o nome de “Teia de Aranha”? Porque não acredito que
ele conhecesse Mac Adam Ewing e também não acredito que
soubesse ser ele o dono de todas as ações.
— Claro que não estava a par do assunto e quanto soube
um pouco mais sobre Ewing e seus negócios, alguém pagou
assassinos profissionais para liquidá-lo. Baines foi
imprudente quando perseguiu o iate no qual estavam Ewing
e alguns amigos. Foi só naquela ocasião que escutou falar da
“Teia de Aranha”, mas os matadores já o aguardavam no
hotel, pois já estavam informados que nosso companheiro
estava sabendo mais do que devia. E que poderia tomar-se
um perigo de uma hora para a outra... Foi então que os três
decidiram agir e realmente agiram com tanta calma tão
discretamente que Baines pôde apanhar o cartão postal,
dobrá-lo cuidadosamente e guardá-lo dentro da meia. Como
você pode ver já temos duas pistas positivas: o desenho da
teia de aranha e o cartão postal.
— Talvez ainda apareça uma terceira.
— Talvez, sim — admitiu a espiã, examinando o desenho
da teia enredada com muita atenção. — Agora, para
começar, podemos ir trabalhando para ver o que
descobrimos. Exatamente, Simon, providencie outro
helicóptero. Vou dar um voo.
— Se pensa ir à Central, eu posso proporcionar-lhe...
— Por que eu deveria ir à Central? — cortou Brigitte com
surpresa. — Meu plano é regressar a Nassau.
***
A negra chamava a atenção de todos os hóspedes que
estavam no vestíbulo do hotel. Seu caminhar era ondulante,
tinha um busto alto, firme e agressivo. Aproximou-se do
balcão da recepção, perguntou alguma coisa ao recepcionista
e não escondeu o aborrecimento quando este lhe disse que o
senhor Alan Dower não havia chegado e nem tampouco,
fizera qualquer tipo de reserva.
— Impossível! Ele disse que vinha de Nova Iorque e eu
estou em Nassau, não estou? — insistiu a beldade negra.
— Sim.
— Nassau fica nas Ilhas das Bahamas, não fica?
— Sim.
— E este hotel é o New Sun Hotel, não é?
— Sim.
— Pois então os senhores devem ter um pedido de
reserva em nome do senhor Alan Dower, de Nova Iorque.
Veja se ele não reservou uma suíte.
O empregado do hotel também era negro e já estava
começando a se impacientar com o atrevimento da beldade
de pele preta como o azeviche. Apanhou o livro de reservas,
folheou várias páginas, inutilmente.
— Talvez a reserva seja feita a qualquer momento, mas
até agora nada temos com o nome de Alan Dower. Rogo-
lhe...
— Um momento! — exclamou a moça. — Veja se há
reserva em meu nome? Talvez tenha usado meu nome para
não! Bem, deve saber como são os executivos... sempre
pensando na discrição... Há alguma reserva em meu nome?
— Qual é seu nome? — perguntou o empregado com
vontade de explodir, mas procurando ser cortês.
— Flo. Bem, Florence Maverick.
Novamente o empregado consultou o livro de reservas.
Depois olhou para a encantadora Flo Maverick e negou com
a cabeça como quem já estivesse esperando novos
aborrecimentos.
— Lamento, mas não há reserva em seu nome.
— Aquele ordinário, aquele cafajeste...! Mandou que eu
viesse e resolveu não vir encontrar-se comigo! Nojento!
O recepcionista se absteve de fazer comentários.
Florence Maverick levou alguns segundos, parada a sua
frente, quase chorando de raiva, mas finalmente, perguntou
onde ficava o bar e informou ao empregado que se chegasse
alguma notícia do senhor Dower, devia mandar alguém
avisá-la.
O empregado concordou, pois já estava acostumado a
situações bem parecidas com aquela. Muitos homens quando
se cansavam das amiguinhas, decidiam terminar os casos
agindo exatamente como o senhor Alan Dower estava
fazendo. Passou os olhos pelo corpo da negra e pensou que
até seria bom se Dower continuasse em Nova Iorque... Quem
sabe se Flo Maverick se visse sozinha em cidade estranha,
não ia fitá-lo com mais doçura nos olhos? Oxalá isso
acontecesse, porque seria formidável poder beijá-la
todinha!...
A senhorita Flo Maverick se sentou perto da porta interna
do bar que descortinava a praia e o embarcadouro. O garçom
veio servi-la e a deusa negra pediu um coquetel de
champanha, procurou sorrir como se estivesse esforçando-se
para esconder ou esquecer a decepção que tivesse. Parecia
querer mostrar que não compensa a gente ficar aborrecida e
perder o que é bom. Sorriu e muitos clientes que a
observavam disfarçadamente sorriram com ela.
Flo Maverick tirou a cigarreira de dentro da bolsa e
quando ia acender o cigarro que já estava entre os lábios bem
desenhados, viu um dos assassinos do agente da CIA, Walter
Baines.
Conheceu-o ao primeiro olhar, mas continuou
imperturbável, sem sofrer alteração alguma, nem mesmo no
olhar. Terminou de acender o cigarro, olhando para o lado
oposto e só depois de alguns segundos, olhou novamente na
direção do homem que conhecera, porque era exatamente
igual ao retrato-falado que os desenhistas da CIA tinham
feito segundo as descrições de Thelma Evans e Jackson
Miles, os dois apaixonados que naquele instante, deviam
estar desfrutando dos encantos de Flórida.
Não havia possibilidade de erro: aquele tipo era um dos
assassinos de Baines e o homem que conversava com ele,
sentado à mesa e que estava de perfil, não era o segundo
assassino, mas talvez fosse o terceiro homem, aquele que
tinha ficado na lancha.
Eia continuou sentada à mesa, tomando o coquetel de
champanha e observando o movimento tanto do bar como do
embarcadouro.
Somente quinze minutos mais tarde, entrou em cena outro
personagem: um homem alto, louro, forte, muito atraente e
que aparentava uns quarenta anos. Vestia-se esportivamente
e com muita elegância.
Entrou no bar e se encaminhou à mesa onde o assassino
continuava conversando com o sujeito que ela não
conseguira identificar.
O recém-chegado aproximou-se e os dois outros se
levantaram para recebê-lo. Com esse gesto mostravam que o
atleta louro não era um deles, mas superior a eles. Florence
Maverick fez um sinal ao camareiro negro que veio atendê-la
prestamente, disposto a gozar do panorama que podia ser
visto no decote amplo que ela estava usando.
— Por favor, quer pôr mais champanha no meu coquetel?
— pediu com um dos sorrisos mais lindos que possuía. —
Não quero outro coquetel, apenas um pouco mais de
champanha nesta taça, entendeu?
O camareiro sorriu e fez conforme ela lhe pedira.
— Quem é aquele louro bonitão? — perguntou com voz
melosa.
O camareiro olhou na direção que ela tinha apontado
discretamente com o queixo e deu todo o serviço:
— É o senhor Ewing. Seu iate está ancorado bem na
frente deste restaurante... Você não está se equivocando com
o território, morena? Cuidado, porque este hotel é de gente
fina! As prostitutas não são admitidas neste hotel.
— Escute uma coisa, negrinho, quem pensa que é? —
explodiu Flo.
— Não falei por mal, só queria preveni-la — sorriu o
camareiro, afastando-se em seguida.
Flo não olhava para o “louro bonitão”, mas sabia que ele
continuava ali, conversando com os dois sujeitos. Muito
bem, então o tipão era o senhor Mac Adam Ewing e tudo
estava se encaixando perfeitamente, embora estivesse usando
apenas meia-dúzia de peças para armar um quebra-cabeça
que tinha mais de cem... Porém, na realidade manuseara as
seis peças que estavam a sua disposição com muito acerto e
todas se encaixaram com perfeição. A sua frente estava um
dos assassinos e com este o verdadeiro proprietário da
agência “Teia de Aranha”. Por quê ele fazia questão de se
manter no anonimato?
Depois de alguns minutos de conversa, o assassino e seu
companheiro se levantaram e começaram a andar para a
saída interior do bar, isto é, para a porta que o ligava com o
vestíbulo do hotel. Flo Maverick teve vontade de saber para
onde iam e o que iam fazer, mas tinha que continuar sentada
à mesa, tomando seu coquetel de champanha porque se se
levantasse inopinadamente para sair logo após os dois
homens, tanto estes como o louro bonitão poderiam suspeitar
de alguma coisa.
Muito bem, de qualquer modo já sabia onde encontrar o
assassino. Não obstante, gostaria de saber para onde ia o
senhor Mac Adam Ewing! Para seu iate? E este iate... era o
mesmo que Walter Baines seguira durante a travessia de
Miami a Nassau? Sim, parecia que as peças do quebra-
cabeça continuavam se encaixando.
O senhor Ewing não tomara nada e se levantou dois
minutos mais tarde. Só então pareceu notar a presença de Flo
Maverick e a olhou Com uma expressão de homem bonito
que se reconhece bonitão e simpático. A negra susteve seu
olhar por alguns segundos, mas logo em seguida, olhou para
o mar. Mesmo sem vê-lo, soube que também estava saindo
do bar, mas em direção oposta à de seus amigos, isto é,
encaminhava-se para a porta que se abria para a praia,
piscina e também para o embarcadouro que estava mais
afastado. Acompanhou-o com os olhos até transpor a porta
quando se encaminhava para um dos iates que estava
ancorado no molhe privativo do hotel.
A senhorita Maverick acabou de tomar o coquetel de
champanha, deixou uma cédula na mesa e também saiu do
bar, como se estivesse passeando e como se por acaso, seus
passos a levassem casualmente ao embarcadouro... Minutos
mais tarde, já estava passeando nele e observando o iate em
que Mac Adam Ewing subira: “Abismo”.
Depois, como se ainda estivesse passeando, Flo Maverick
voltou ao hotel e se dirigiu diretamente à recepção, onde
perguntou se já tinham recebido alguma chamada do senhor
Dower, de Nova Iorque. E novamente a resposta foi
negativa.
— E há algum quarto vago para eu passar a noite
sozinha? — perguntou a negra com um sorriso flamejante.
— Já são seis horas e eu devo alojar-me em algum canto.
O recepcionista quase suspirou aliviado ao compreender
que a senhorita Maverick estava se adaptando à situação
imprevista sem maiores complicações. Explicou-lhe que
lamentavelmente não havia quartos ou apartamentos vagos,
mas que ele poderia fornecer-lhe o endereço de outro hotel
também muito agradável, no qual poderia instalar-se
enquanto estivesse aguardando notícias do senhor Dower.
Deu-lhe o endereço e se ofereceu para chamar um táxi.
Não é preciso, obrigada. Aluguei um carro no aeroporto e
o tenho estacionado aí fora.
— Mas talvez não seja fácil chegar ao hotel, a senhorita
não conhece a cidade.
— Já comprei um mapa da ilha — sorriu Flo. — E
sempre escuto as pessoas falarem que quem tem boca, vai a
Roma.

CAPÍTULO QUARTO
O segundo chinês

Aquela cara era inconfundível. O homem que acabara de


estacionar o carro era o segundo assassino de Walter Baines.
Bateu a porta sem trancá-la e se encaminhou para a
portaria do hotel. Sinal que não ia demorar-se. Flo gostaria
de saber o que ia fazer e a quem ia procurar.
Viu quando ele entrou no bar. Seguiu-o à distância,
discretamente. Depois viu quando se encaminhou para o
embarcadouro... Certamente queria falar com Mac Adam
Ewing.
Flo saiu em seguida. Precisava encontrar um lugar de
onde pudesse descortinar todo o embarcadouro e o “Abismo”
que continuava ancorado. Viu quando o segundo assassino
entrou no iate e quando saiu minutos mais tarde. Imaginou
que fosse voltar ao carro. Por isso, também retomou
rapidamente ao que havia alugado e que estava estacionado
perto do hotel. Sentou-se ao volante, ligou o motor e não
teve de esperar muito tempo porque o assassino apareceu em
seguida.
Ele também entrou no carro que deixara estacionado,
ligou o motor e partiu. Flo Maverick saiu atrás dele,
lamentando porque sua maleta estava no porta-malas. Devia
tê-la apanhado antes de sair do estacionamento. Era nela que
carregava todos os apliques, perucas e outros artifícios que
costumava usar quando tinha alguma dificuldade. Bem,
agora só podia torcer para estas não surgirem de repente.
Estava seguindo o carro por uma estrada onde havia excesso
de tráfego e onde ninguém ia pensar que um “Ford” velho
como o que tinha alugado pudesse estar seguindo um carro
último modelo como o que o segundo assassino dirigia.
Entraram pelo Blue Hill Road que ia desembocar no
centro da ilha. O assassino conduzia sem pressa. Alcançaram
o cruzamento com Harold Road à direita e Soldier Road à
esquerda. A cidade já tinha ficado para trás e agora os
grandes edifícios começavam a rarear e vilas mais
imponentes começavam a surgir, dando um aspecto
residencial àquela parte da ilha.
Flo agora já podia ver as gaivotas pairando no ar e um
pouco mais ao longe, o avião que chegava a Nassau e se
preparava para pousar no Windsor Field Airport, que ficava
próximo ao Lago Killamey.
O assassino deu uma guinada no carro, desviou a marcha
um pouco para a direita e penetrou no Carmichael Road.
Esta estrada era mais estreita e ladeada em toda sua extensão
por tufos de vegetação e palmeiras.
Flo Maverick conhecia aquela parte da ilha muito bem,
pois algumas de suas maiores aventuras de espionagem
tinham acontecido em Nova Providência. Agora, por
exemplo, aproximavam-se do pequeno Lago Harold.
Repentinamente, o carro que era dirigido pelo segundo
assassino parou. Tudo aconteceu de forma tão rápida que não
pôde esconder-se no matagal ou afastar-se de marcha à ré. O
homem saiu do carro e ficou olhando para ela. Bem, poderia,
simplesmente deter o carro onde estava e ficar aguardando o
que ia acontecer ou então manobrar o carro e se afastar, mas
isso era o que menos interessava no momento.
Teve vontade de rir, quando viu o motorista do outro
carro fazendo-lhe vários sinais.
Teria sofrido uma avaria ou havia notado que ela o
seguia? Talvez até já tivesse planejado uma emboscada para
apanhá-la... Continuou conduzindo até chegar a seis ou sete
metros de distância do carro que vinha seguindo. O assassino
aproximou-se do seu, demonstrando certo alivio. À volta
deles somente mato, vegetação e palmeiras; fora o céu
límpido, sem nuvens e da cor azul-anil.
— Olá — inclinou o corpo para ver melhor a moça negra
que estava na direção. — É uma estupidez que já aconteceu
outras vezes: estou sem gasolina. Poderia me ceder um
pouco da sua?
— Se o senhor tem mangueira, pode-se arranjar isso com
facilidade — sorriu a negra.
— Ótimo — sorriu também, o homem quando viu que
não havia mais ninguém dentro do carro.
Rapidamente sacou a pistola que trazia na axila e a
encostou na fronte de Flo.
— Saia desse carro, negra imbecil! Nós dois precisamos
conversar um pouquinho.
— Se está pensando que carrego dinheiro, desista — riu
ela. — É exatamente o que também ando procurando!
— Sim? Você é uma garota muito esperta, mas agora saia
desse carro!
— Ouça, procure controlar-se, não precisa ficar tão
zangado. Não tenho vontade de brigar e posso procurar outro
cliente.
— Pare com essa conversa e saia imediatamente do carro!
Flo obedeceu e o assassino apontou para, o porta-malas.
— Abra-o! Quero ver o que você tem dentro desse porta-
malas.
— Nada, só minha bagagem.
— Eu já disse para você não falar!
— Está bem, está bem, não precisa ficar tão enfurecido!
Os dois caminharam para a parte traseira do carro e Flo
levantou a tampa do porta-malas. O homem encostou o
revólver em sua nuca e disse:
— Agora abra a mala, devagar!
Flo obedeceu, e várias peças de roupa apareceram.
— Por que essa maleta de mão está trancada no porta-
malas? — perguntou com curiosidade. — Trate de abri-la
também!
Flo Maverick obedeceu e o homem pôde ver uma escova
para cabelos produtos de maquiagem, uma máquina
fotográfica pequena, potes de creme, sombra para olhos...
Nada que pudesse ser considerado anormal numa maleta de
viagem de mulher.
O homem pareceu ficar decepcionado.
— Por que você me seguia? — perguntou com maus
modos.
— Bem, talvez eu o seguisse porque tive problemas
quando cheguei a Nova Providência. Vim como convidada
de um amigo para passarmos alguns dias juntos, mas o
desgraçado não apareceu e me deixou na pior. Estou sem
dinheiro e... pensei que poderia conseguir algum para a
passagem de volta...
— Formidável, por que não vamos aproveitar a
casualidade? — o assassino soltou uma risada. — Podemos
fazer tudo agora mesmo, levante a saia e ponha sua cabeça
dentro do porta-malas! Vamos fazer as coisas pelo método
mais divertido possível — falou, lentamente.
— Ouça, não precisamos ficar em posição tão incômoda.
Podemos...
— Faça o que eu disse exigiu ele.
E ao mesmo tempo em que falava, bateu com a coronha
da pistola na cabeça de Flo. O golpe não podia ser
considerado perigoso ou forte, só o tinha aplicado para
assustá-la, mas a moça ficou zonza e quando se recuperou,
segundos mais tarde, o miserável já havia subido sua saia e
arrancado as calcinhas... Estava praticamente nua da cintura
para baixo e ele se preparava para usá-la como achasse
melhor. Sua cabeça estava dentro do porta-malas, o corpo
estava todo retorcido, mas mesmo assim o infame
aproveitava-se de sua feminilidade.
Flo Maverick sentia-se profundamente humilhada.
Tentou reagir, embora sabendo que não tinha condições para
lutar contra o bruto.
— Porte-se bem, colabore comigo ou eu arrebento sua
cabeça a golpes de pistola!
O porco já a estava violando de uma forma fria e abjeta.
Flo compreendeu que com aquele sujeito de nada adiantaria
súplicas ou rogos, era um profissional do gatilho endurecido
e desapiedado. Quase podia descrever quais eram suas
intenções: primeiro se aproveitaria dela quantas vezes tivesse
vontade de possui-la, quando saciasse seus desejos bestiais
meteria uma bala em sua nuca ou no coração, trancaria o
cadáver no porta-malas e esconderia o carro entre a
vegetação. A seguir, desapareceria dali e quando seu corpo
fosse encontrado dentro do porta-malas do carro alugado, já
estaria em estado adiantado de putrefação e o assassino
gozando a vida e estuprando outras mulheres em Paris, Hong
Kong ou em qualquer outro lugar do mundo.
Não, ainda era muito cedo para morrer.
Enquanto o homem se deliciava com a beleza daquela
negra que encontrara por acaso, Flo deslizou a mão direita
com muita calma e cautela até esta encostar-se à maleta
vermelha de florezinhas azuis que tinha ficado aberta. Com
muito cuidado apanhou a escova para cabelos, apertou a
mola que estava escondida em seu cabo e um afiado estilete
de aço reluziu no ar. Em seguida, rebolou os quadris para
deixar o desgraçado mais excitado ainda. O criminoso sorriu,
jamais esperaria que a negrinha atrevida resolvesse colaborar
para deixá-lo mais enlouquecido pelo prazer, porém seus
sonhos se desvaneceram de repente, e ele gritou de dor
quando o estilete penetrou em sua garganta.
Flo Maverick empurrou-o velozmente e se levantou,
saindo daquela posição incômoda.
O assassino não caiu de imediato, ainda tentou livrar-se
da arma que o asfixiava, mas não teve tempo para mais nada.
Morreu em poucos segundos e tudo aconteceu de forma tão
fulminante como se um raio tivesse caído sobre uma rede
elétrica e cortasse a energia. Ele resvalou de costas com o
estilete ainda enterrado em suas cames e Flo ficou mais
aliviada ao ver que a arma evitava a saída do sangue.
A primeira coisa que ela fez, foi apanhar suas calcinhas
que estavam jogadas no chão e as colocou dentro do porta-
malas. Depois fechou-o e se sentou ao volante. Dirigiu o
carro lentamente e o deixou entre os arbustos. Depois
retomou novamente à estrada, arrastou o morto até seu carro
e o meteu dentro do porta-malas. Em seguida, também levou
esse veículo para trás dos arbustos e o deixou lá.
Voltou novamente à estrada e respirou aliviada quando
comprovou que não havia manchas de sangue em lugar
algum. Ninguém que examinasse o local desconfiaria que
havia sido palco de cena violenta.
Escondeu-se novamente nos arbustos abriu o porta-malas
e retirou o estilete que continuava encravado na garganta do
segundo assassino. Limpou-o nas roupas do cadáver, depois
apertou a mola que havia no cabo e rapidamente o objeto
retomou a sua forma habitual e inofensiva de escova para
cabelos.
Depois revistou todos os bolsos do morto, mas nada
encontrou que parecesse interessante, a não ser a licença para
dirigir, expedida pelas autoridades dos Estados Unidos em
nome de Emerson Fowles.
Depois fechou o porta-malas à chave, revistou o porta-
luvas, mas aí também nada havia além de um mapa, cigarros,
uma lanterna pequena e uma chave de fenda... Só encontrou
esses objetos e também os documentos do carro que
pertencia a um dos moradores da ilha.
Agora, ela estava com uma dúvida: não sabia se o
assassino enveredara por aquele caminho para chegar a um
ponto determinado ou se a havia seguido somente para atraí-
la a uma emboscada, onde pudesse matá-la, depois de tê-la
estuprado e interrogado. A resposta era difícil de ser
encontrada, porque agora jamais saberia em qual momento
Fowles percebera que uma mulher negra o estava seguindo.
Na cidade seu carro devia ter passado despercebido, entre os
vários que trafegavam em várias direções; talvez tivesse
percebido sua presença quando pegou o caminho de
Carmichael. Para onde o assassino estaria dirigindo? Onde
ele queria chegar?
Flo teve vontade de chamar os Simons para os rapazes
investigarem mais sobre a vida do morto, mas desistiu desta
ideia.
Entrou no carro, ligou o motor e voltou novamente à
estrada estreita. Regressaria a Nassau ou continuaria naquele
caminho para ver onde este poderia chegar? Optou pela
segunda escolha.
Rodou poucos minutos e viu uma casa lindíssima.
Escondeu o carro sob um palmeiral e fez o resto do
trajeto a pé, tentando encontrar um lugar mais elevado de
onde pudesse observar aquele, logradouro. Queria observar a
casa mais atentamente, era bonita, de dois andares, cercada
de jardins floridos e tinha uma piscina espetacular.
Flo voltou ao carro e apanhou um binóculo de teatro que
sempre carregava na maletinha vermelha com florezinhas
azuis. Depois, voltou a seu observatório e com a ajuda do
binóculo pôde ver a casa com mais exatidão. A piscina
estava deserta, mas um grupo de homens estava reunido na
área interna. Todos eram jovens, fortes, espadaúdos e
vestiam quimonos beges. Estavam sentados no chão e
prestavam muita atenção às palavras que um chinês lhes
dizia. Este tinha tipo de instrutor. Também era forte, tipo de
atleta, um belo exemplar da raça amarela que comprovava
ser amante de esportes.
Flo Maverick abaixou os binóculos. Agora, sentia-se
realmente apreensiva. E ainda não se tinha acalmado quando
apareceu o automóvel. Novamente usou os binóculos,
aproximando a imagem do carro que só se deteve na frente
da casa. Quatro homens viajavam nele. Os dois que usavam
o banco de trás eram desconhecidos. Flo jamais os havia
visto; porém os dois que se sentavam no banco dianteiro
eram os assassinos de Baines que tinham conversado com
Mac Adam Ewing no bar de New Sun Hotel.
As peças do quebra-cabeça continuavam se encaixando e
aprimoraram ainda mais a brincadeira quando os dois
assassinos abriram o porta-malas do carro e apanharam
quatro malas que levaram para o interior da casa, precedendo
os dois desconhecidos. Sem dúvida, estes haviam acabado de
chegar a Nassau, os dois assassinos foram ao aeroporto para
recebê-los e os traziam àquela casa discretíssima que estava
localizada praticamente na parte central da ilha... Os quatro
entraram no alpendre, mas os outros homens já não eram
vistos em canto algum.
Flo Maverick regressou para onde estava seu carro
escondido sob o palmeiral, sentou-se ao volante e
empreendeu o regresso a Nassau.
Porém antes de chegar à cidade, olhou para as mãos que
estavam apoiadas ao volante. A ponta dos dedos começavam
a ficar esbranquiçadas. Parou o carro retirou da maleta uma
seringa e rapidamente se aplicou uma dose de “Blackcollor”
por via subcutânea. Em questão de segundos, sua pele
novamente adquiriu o tom negro que estava usando nas
últimas horas. Só depois de readquirir a coloração, reiniciou
a marcha.
Agora já não tinha mais dúvidas que Emerson Fowles
estava dirigindo para a vila quando percebeu que uma moça
negra o estava seguindo e foi então que pensou em eliminá-
la. Agora também já descobrira que Mac Adam Ewing tinha
algumas atividades também naquela vila que certamente
também devia ter alguma ligação com a agência informativa
“Teia de Aranha”. Qual seria a importância do chinês
naquele jogo? Apenas uma peça casual? Bem que muitos
diziam, haver mais chineses no mundo do que na China.
Porém uma certeza surgira na mente da espiã
internacional: aquele grupo de homens não estava reunido
por uma mera coincidência, mais parecia um pequeno grupo
de ação recebendo instruções de seu treinador.
O iate, a vila, Mac Adam Ewing, os assassinos, o grupo
de ação, os dois visitantes, um chinês... eram muitas coisas
para serem controladas por uma única pessoa. Apanhou o
rádio que estava instalado dentro do maço de cigarros e já
colocado na onda de Nassau. Apertou o botão de chamada e
sorriu quando ouviu a voz conhecida de Simon-Nassau:
— Sim?
— Chapeuzinho Vermelho — respondeu Flo, rindo.
***
— Tudo isso me parece fantástico — respondeu Simon-
Nassau quando ela se calou. — Contudo, fique descansada
porque nos ocuparemos deles... Agiremos com muita
discrição e cautela e você não precisa ficar preocupada
porque seremos cautelosos.
— Simon, era isso exatamente o que eu lhes queria pedir.
Toda discrição é pouca, pois ninguém precisa saber que a
CIA está trabalhando no caso.
— Eu já disse para você não se preocupar. Por onde
começamos? Pela vila? A gente pode averiguar a quem
pertence ou quem foi que a alugou.
— A pessoa que a alugou só pode ser Ewing, mas não
custa se investigar também isso. Outra coisa, você não deve
me chamar pelo rádio, eu farei isso sempre que tiver
oportunidade. Bem se estiverem em perigo, se precisarem de
minha ajuda, chamem-me a qualquer momento. Entendido?
— Claro. — Simon-Nassau soltou uma risada e disse: —
Sabe de uma coisa? Nunca gostei de negras, mas você é uma
negrinha apetecível!
— Sou negrinha à base de truques de laboratório, Simon.
Tchau e tenha cuidado.
Os dois conversavam em um ponto afastado e ermo da
ilha e no momento em que iam entrar em seus respectivos
carros, Simon-Nassau perguntou:
— O que você vai fazer agora?
— Procurar um cliente como fazem todas as prostitutas.
***
O iate estava sem qualquer movimento e dava a
impressão que não houvesse ninguém dentro dele, embora as
luzes continuassem acesas. Do embarcadouro podia-se ver a
praia particular do hotel que estava vazia àquela hora da
noite. Um pouco mais afastado, estava o terraço, onde os
hóspedes e alguns clientes avulsos bebiam, conversavam e se
divertiam, enquanto os sons das guitarras chegavam do bar.
Flo Maverick se decidiu finalmente. Sabia que estava
apertando o acelerador, mas não podia ficar perdendo tempo
inutilmente. Em poucos segundos, aproximou-se do iate
“Abismo” e sem maiores vacilações atravessou a passarela e
chegou à coberta. Olhou para todos os lados e preferiu abrir
a porta de comunicação com o interior. Desceu os três
degraus que iam dar na saleta agradável do iate, mobiliado
com bom gosto, tendo amplos janelões em ambas as paredes
laterais, tanto a estibordo, como a bombordo. Aquele iate
certamente fora concebido para proporcionar prazeres e bons
momentos a seus frequentadores.
— Olá! — chamou Florence Maverick. — Há alguém a
bordo?
Silêncio. Silêncio absoluto.
Flo se aproximou do pequeno bar, abriu a geladeira e
sorriu encantada quando viu várias garrafas de champanha.
Apanhou uma destas, desarrolhou-a e derramou o líquido em
um copo. Estava bebendo o champanha quando o chinês
apareceu. Não era o mesmo chinês que estava na vila: era
outro chinês.
Como tinha grande controle sobre suas reações externas e
internas, conseguiu dominar-se, sem mostrar quaisquer
alterações nos gestos ou rosto. Acabou de tomar o
champanha que ainda estava no copo e fingiu-se muito
surpresa.
— Não! Você é um chinês verdadeiro! — exclamou.
Os olhos negros tão inexpressivos como o cristal
pousaram especulativamente na negra linda que estava a sua
frente. O chinês, no entanto, nada tinha de bonito: devia ter
uns sessenta anos, era muito magro, baixinho, quase
completamente calvo e seus lábios era tão finos que quase
não apareciam no conjunto do rosto.
— Quem é você? — perguntou depois de um silêncio
mais ou menos prolongado.
— Eu? Eu sou Flo... Florence Maverick. Pensei que a
festa já estivesse animada!
— Que festa?
— Um amigo me convidou para a festa que ia ser dada no
iate, ele me disse que a festa ia ser um estouro e que nós
íamos nos divertir um bocado...! E você quem é? É o
cozinheiro?
— Parece que a senhorita se equivocou, a festa deve ser
em outro iate.
— Claro que não. Aqui não vai haver uma festa?
— Não.
— Como não se meu amigo me mostrou este iate e me
disse que a farra ia ser “grossa”. Sabe o que estou pensando?
Você é um desmancha-prazeres. Se não é o cozinheiro, quem
é? E onde estão os outros?
— Ignoro quem possam ser os outros, senhorita. A única
coisa que lhe posso dizer é que estou sozinho no iate e que
nenhuma festa vai acontecer no “Abismo”.
— Não acredito! Sei que todos estão escondidos! Querem
me fazer uma surpresa, não é verdade?
— Bem, se está tão desconfiada, seria melhor entrar e
percorrer o iate inteiro para se convencer que não há
ninguém mais aqui. Estou sozinho porque desejo aproveitar
estes momentos de solidão relaxante.
— Qual é seu nome, chinês? Já sei é Chang!
— Venha — sorriu o china. — Venha e comprove como
tudo está calmo e solitário.
Flo o fitava com os olhos bem arregalados, parecia não
estar acreditando nas coisas que ele lhe dizia. Por fim, saiu
atrás dele e juntos começaram a percorrer o corredor que ia
dar nos camarotes. O silêncio era total. O chinês estava
sozinho no iate, não havia nem sequer tripulantes ou alguém
de serviço...
O pensamento foi cortado abruptamente quando recebeu
um golpe nos rins. Gritou e tentou correr, mas suas pernas
estavam bambas por causa da agressão que sofrera e teria
caído no chão se ele não a amparasse.
Ainda tentou reagir, mas recebeu um pontapé no ventre.
Teve a sensação que o fígado ia estourar e... caiu de bruços,
desmaiada.
CAPÍTULO QUINTO
O encontro no iate

Quando Flo voltou a si estava sentada em uma das


poltronas da saleta. O silêncio prosseguia e sentado a sua
frente estava o chinês segurando a pistolinha encastoada de
madrepérola. Certamente a tinha tirado de sua bolsa que
estava em cima da mesinha de centro.
— Está se sentindo melhor? — perguntou, interessado.
— Você é um... animal... selvagem! Poderia ter-me
esquartejado com os golpes que recebi!
— Que nada — riu, alegremente o chinês. — Que nada!
Quando eu a revistei, pude comprovar que seu corpo não é
tão vulnerável ou frágil como pensei logo de início, você
jamais morrerá por causa de alguns golpes. Seus músculos
são de atleta, embora tenha a aparência de uma bonequinha.
Para quem você trabalha?
— Para quem eu...? Ouça uma coisa, eu não trabalho para
ninguém! Seria muito gozado eu sacrificar meu corpo para
dar lucros a qualquer idiota!
— O que você quer dizer exatamente com o sacrificar
meu corpo? Você é uma?...
— Vou ficar tonta de tanto ouvir você falar sabe? Já me
cansei de você e agora quero ver o louro bonito. Onde ele
está?
Reparou que o chinês se surpreendeu e Flo sabia porque
ele parecia tão surpreendido.
— Você veio ao iate para procurar um louro bonito?
Como ele se chama?
— Nem faço ideia... Espere! Não precisa ficar de mau
humor... Perguntei seu nome ao camareiro do hotel e sei que
ele se chama Ewing!
— Por que está tão interessada no senhor Ewing?
— Chinês, chega de tanta conversa! Por que eu havia de
interessar-me por ele? Estava desejando ficar sua...
amiguinha. Você me compreende, não é? Ewing é um
homem jovem, bonitão, dono de um iate... e deve ter muito
dinheiro... Você compreende, não é?
— Então você é uma prostituta?
— Puxa, chinês! Não pensava que fosse tão inteligente
e...
— E por que você carrega a pistola?
— Uma moca precisa proteger-se, não é? Às vezes a
gente pode encontrar uns tipos esquisitos, sádicos. E já
passei por algumas experiências bem chatas, então um dia,
pensei que já era hora de proteger-me e foi então que
comprei essa pistola. Mas para dizer a verdade, até hoje
ainda não tive chance de usá-la, ainda não disparei contra um
infeliz.
O chinês apenas sacudia a cabeça, como se estivesse
dando razão a Flo e quando ela terminou, ele sorriu.
— Muito interessante, você aparece no hotel à caça de
clientes abonados, vê o senhor Ewing, simpatiza com ele e
decide pescá-lo... como um de seus possíveis fregueses.
Depois aparece aqui no “Abismo” e inventa a história da
festa, para ver se “cola” e se ele... à contrata,
— Bem, ele já me viu no bar do hotel e tenho certeza que
gostou de meu tipo, que simpatizou comigo — sorriu a
negra. — Foi por isso que cheguei tão confiante, pois vi
quando ele entrava no iate. Tinha certeza que eu e ele íamos
nos entender. Só gastei o tempo necessário para ir a um
hotel, tomar um banho, perfumar-me e trocar de vestido.
— Por que precisou ir a um hotel? Por que não tomou
banho em sua casa?
— Não podia, minha casa está muito longe, eu moro em
Nova Iorque! E se lhe contasse o que aconteceu por causa da
idiotice de Alan...!
— Pode contar-me o que quiser porque nenhum de nós
dois está com pressa de acabar esta conversa, não é? — disse
o chinês, amavelmente.
— Bem — sorriu Flo com malícia. — Entendo, o louro
bonito não está aqui... e você anda com vontade de divertir-
se, não é? Você compreende o que estou querendo dizer, não
é?
— Sim e para ser mais franco com você, estou até
achando a ideia bastante interessante... Porém, como não
estamos com pressa, podemos conversar um pouquinho
antes.
Quando Flo acabou de contar a aventura que tinha
inventado com um Alan Dower que jamais existira, já estava
terminando seu segundo copo de champanha que o chinês
lhe tinha oferecido. Este continuava imperturbável, quase
amável e não a interrompeu uma única vez.
— Pensando bem — terminou ela, — até valeu o “bolo”
que levei, pois sem ele eu não estaria passando uma
temporada nas Bahamas; o ruim é que estou precisando de
dinheiro, compreende?
O chinês sorriu amavelmente, continuou em silêncio,
olhando para a negra belíssima e atraente que estava a sua
frente. Uma pessoa normal ficaria em dúvida sem saber se
ele acreditara ou não na história que ela lhe havia contado,
mas a agente Baby, com sua perspicácia superdesenvolvida,
sabia que o chinês não confiara e nem acreditara na mulher
que procurava engabelá-lo. Apenas se divertia com ela... Ou
então, estava ganhando tempo enquanto esperava algo...
Estaria esperando... outras pessoas que deviam chegar ao
iate? Outros chineses? Poderia ter aproveitado os minutos
em que estivera desmaiada para chamar alguém pelo
radiotelefone... ou até mesmo poderia ter utilizado um rádio
de bolso como costumava carregar. Aliás, tinha a impressão
que o seu continuava no maço de cigarros, apesar da bolsa
ter sido toda remexida.
Os passos na coberta mostraram que Flo havia
raciocinado corretamente. De fato, o chinês estava esperando
ajuda e esta acabava de chegar. Eram duas pessoas... que
apareceram quase em seguida na porta da saleta onde eles
estavam.
Identificou-as ao primeiro olhar. Uma delas era o
assassino cujo rosto fora reproduzido no retrato-falado, e a
outra pessoa era um homem alto, elegante, louro, bonito; era
o milionário Mac Adam Ewing, o proprietário da revista o
“Mundo Imenso”... e da empresa informativa “Teia de
Aranha”. Flor sentiu uma câimbra no estômago ao ver como
o assassino a olhava, mas decidiu ignorá-lo e concentrar toda
sua atenção em Ewing.
Sorriu um de seus sorrisos mais encantadores ao
perguntar:
— Olá, ainda se lembra de mim?
— Desconfio que sim — também sorriu o milionário. —
Se não me falha a memória, eu já o vi no bar. Não era você
que estava sentada sozinha a uma mesa do bar do New Sun?
— Menos mal que ainda se recorda! Este seu amigo
chinês é um bruto! Quase me matou com umas patadas!
— Que barbaridade! — exclamou, censurando o chinês
com o olhar. — Como pôde fazer essa maldade, amigo Pui?
Machucar uma senhorita!
— Todos nós erramos em certos momentos — sorriu o
chinês.
— Bem, isso é uma verdade. No entanto, acredito que
tudo vai melhorar para a senhorita. Nick, sirva-nos um copo
de champanha, para mim e para minha convidada.
— Muito obrigada! — riu Flo Maverick. — Já tomei toda
que tinha direito por hoje!
— Alegro-me por saber que Pui tratou-a melhor depois
de tê-la maltratado.
O assassino chamado Nick serviu champanha a Ewing
que tomou um sorvo, sorriu amavelmente a Florence, tomou
outro sorvo sorriu de novo e, foi isso que fez até esvaziar o
copo. Depois saiu do salãozinho e se dirigiu ao interior do
barco. Pui acompanhou-o. Cinco minutos mais tarde, Ewing
regressou, mas o chinês não voltou com ele. Nick
permanecera o tempo todo de pé e parecia hipnotizado pela
beleza da negra que continuava sentada na mesma poltrona.
Ewing sentou-se a sua frente e disse:
— Meu amigo Pui, explicou-me todo o mal-entendido
que aconteceu entre os dois e eu lhe peço desculpas em seu
nome e no meu, por todos os vexames que passou. Pui
chegou a acreditar que você era uma ladra que trabalhava
com um bando, que estivesse preparado para assaltar o iate
durante a noite.
— Nunca fui ladra, sou... outra coisa!
— Agora já sabemos e você já está contratada, Florence.
— Contratada? — surpreendeu-se a espiã.
— Exato. Não veio ao iate em busca de fregueses? Pois já
os encontrou. Mas acho melhor sairmos daqui... Podemos ir
a um local onde estão dando uma festa espetacular. O que
você acha de minha ideia?
— Maravilhosa! Adoro festas!
— Pois então vamos embora agora mesmo.
— O chinês não vem conosco?
— Pui tem outras coisas para fazer aqui.
— Tudo bem... Então, vamos embora. Posso apanhar
minhas coisas? — mostrou a bolsa que continuava aberta em
cima da mesa.
— Claro que sim. Tome também sua pistolinha — Ewing
retirou-a do bolso do paletó e a entregou. — Para mim ou
Pui não teria utilidade e nós dois compreendemos que você
tem razão ao carregar uma arma.
— Às vezes, a gente encontra cada besta pelo caminho.
— É verdade. Já podemos ir?
— Bem, é que... depois de eu tomar tanto champanha e...
depois de levar algumas patadas... posso... ir ao banheiro?
— Nick, vá com ela — autorizou Ewing.
O assassino, sempre sinistramente silencioso,
acompanhou Flo a um dos quartos de banho do iate,
pequeno, mas perfeitamente equipado.
Ela fechou a porta por dentro e aproveitou para examinar
o pente da pistola e se admirou ao ver que todas as balas
estavam nos seus devidos lugares. Também examinou as
coisas que estavam dentro da bolsa, apanhou o maço de
cigarros que continha o rádio. Este estava em condições
perfeitas, pelo menos no aspecto; parecia que ninguém o
tinha tocado... Tudo parecia estar bem, mas Flo sabia que
estava enterrada até o pescoço e que dificilmente poderia
livrar-se daquela situação,
Aproveitou para ir ao banheiro, retocar a maquiagem e
verificar o mais importante. Tinha outro problema sério para
resolver: em sua bolsa ainda tinha mais uma ampola de
“Blackcolor” que por sorte, nenhum dos homens tinha
encontrado.
Abriu a porta e saiu do quarto de banho. Sorriu para o
assassino Nick que ainda não tinha dito uma palavra.
Regressaram à saleta.
Então ele se chamava Nick, mas pouco importava qual
fosse seu nome. Já havia matado Fowles e sabia que os
outros dois assassinos de Baines também morreriam.
Ninguém que matasse um Simon poderia continuar impune.
Emerson Fowles já pagara por seu crime... Seu cadáver
agora estava trancado dentro do porta-malas e ela não sabia
se o carro já fora encontrado... Eles já teriam sentido falta de
sua presença na cidade, na vila ou no iate? Claro que sim e já
deviam estar apreensivos, inquietos e preocupados... E
certamente, também já deviam ter associado sua presença a
ausência do comparsa. Já deviam estar compreendendo que
as coisas começavam a complicar... Gostaria de descobrir o
que estavam planejando fazer realmente. Imaginava que não
pensavam em matá-la, isso seria uma coisa muito simples e
também uma saída muito brutal para homens que se
consideravam cavalheiros... Não, não iam matá-la, pelo
menos por aqueles dias.
Portanto, era obrigada a seguir o jogo deles. Sempre
acontecia a mesma coisa: Baby tinha que aceitar o jogo que
lhe era apresentado.
— Flo, não tem uma amiga para vir a festa conosco? —
disse Ewing.
— Como posso ter amigas aqui se vivo em Nova Iorque?
Já disse que não conheço ninguém aqui nas Bahamas.
Mac Adam Ewing sorriu, segurou seu braço e a
encaminhou para a coberta. Nick os seguiu e desembarcou
com eles observou que andavam pela areia da praia sempre
procurando manterem-se longe do hotel. Quando chegaram à
avenida, imediatamente um carro aproximou-se. Nick se
sentou ao lado do motorista. Ewing abriu a porta para Flo e
se sentou a seu lado no banco traseiro.
A espiã olhou para o motorista que naquele momento
virara a cabeça para falar com Ewing. Era o terceiro homem,
o terceiro assassino que havia perseguido Baines de lancha...
— Até agora nada, senhor Ewing — disse este.
— Muito bem, Grayson. Voltemos para lá.
Grayson, então era este seu nome... Ótimo, agora já sabia
os nomes dos dois candidatos à morte: Nick e Grayson. Estes
que esperassem porque a morte começava a rondá-los... No
entanto, no momento em que Grayson ia ligar o motor do
carro os olhos de ambos se cruzaram e Flo sentiu um
friozinho correr por sua espinha dorsal.
— Para onde vamos? — perguntou Flo.
— À vila de um amigo — respondeu Ewing. — Sei que
você gostará de lá.
— Formidável!
Ewing sorriu e Flo sentiu outro friozinho correr pela
espinha. Em menos de dois minutos, percebeu que o carro
apenas dava voltas e mais voltas, como se estivesse
passeando por Nassau. Poucos segundos mais tarde, também
compreendeu que aqueles homens estavam dando aquelas
voltas todas porque queriam certificar-se que não estavam
sendo seguidos. Então Ewing não tinha certeza de que ela
estava sozinha, completamente sozinha, e tinha medo que
alguém os seguisse!
Finalmente saíram de Nassau por Blue Hill Road, quando
tiveram certeza absoluta que ninguém os seguia. Ela teve a
impressão que Ewing se sentia um pouco desconcertado ou
talvez começasse a aceitar a história que ela contava como
verdadeira.
— Que tipo de festa estão dando na vila? — perguntou
somente para quebrar o silêncio denso.
— Não será uma festa pornográfica, eu espero.
Soltou uma risadinha; Nick se virou ligeiramente para
trás, a fim de melhor observá-la e Ewing lhe deu um tapinha
no joelho.
Quando chegaram à vila, Flo também permanecia em
silêncio, já não simulava o mau humor que sentia naquele
instante, tendo vontade de falar e as três múmias tendo
vontade de se manterem caladas como se o silêncio lhes
pudesse dar muito prazer. O carro parou em frente da casa.
Nick rapidamente abriu a porta para Flo. Esta saiu do carro
com toda sua graça felina e Ewing sorriu ao observá-la.
No momento, um chinês jovem e atlético emergiu das
sombras e Flo teve um sobressalto.
— Calminha — murmurou Ewing dando-lhe um tapinha
em suas nádegas. — Tudo está indo muito bem, garota.
Nick, acompanhe nossa amiguinha e a deixe repousando em
paz.
O criminoso pôs sua mão no braço da negra e saiu com
ela para o interior da casa e enquanto isso, o chefe e o jovem
chinês conversavam em voz baixa.
A casa estaria em silêncio completo se não escutasse
vozes que chegavam de uma sala fechada que estava à
esquerda do amplo vestíbulo e quando Nick e Flo passavam
na frente da porta dessa sala, a mesma foi aberta por um
homem que estava fumando charuto.
— Ei, Nick! — chamou. — Ewing veio com você?
— Claro. Irá reunir-se agora mesmo com todos.
— Perfeito. Quem é essa beleza negra?
— Uma prostituta — respondeu, rindo pela primeira vez.
Não esperou pela resposta do homem e quase empurrou
Flo pela escada acima... Enquanto se deixava levar, ela
procurava ver o que estava acontecendo naquela sala cheia
de fumaça, onde havia vários homens reunidos e nenhuma
mulher. Todos falavam, mas ela não ouvia música e concluiu
que o ambiente não parecia de festa. Não obstante, olhou
para. Nick e perguntou:
— Onde é a festa?
Os dois subiram a escada e chegaram em um corredor.
Nick abriu uma porta e empurrou Flo para dentro de um
quarto claro, amplo e confortável.
— Fique esperando aqui — disse.
— Esperar aqui? E a fes...
Nick já tinha fechado a porta e ela estava sozinha dentro
do quarto imenso. Flo gastou alguns segundos olhando para
a porta e depois começou a examinar o aposento: Um quarto
luxuoso, com uma visita muito bela das janelas que
descortinavam o jardim tapizado de flores. Na parede central
do quarto uma cama de casal que estava coberta com uma
colcha de seda e anexo a este quarto, um banheiro
pequenino, mas confortável. Reparou que o carro que os
trouxera não estava mais na frente da casa.
Sem mostrar muito interesse, levou alguns minutos
procurando uma câmera de televisão que pudesse estar
escondida naquele quarto e que servisse para registrar tudo
que fizesse... Não a encontrou, mas nem por isso se sentiu
mais calma.
Os homens lhe devolveram a bolsa e a arma... Se ela
usasse o rádio para comunicar-se com os Simons, facilmente
poderia ser descoberta. Ela não era uma tola, mas tampouco
Ewing e seus auxiliares pareciam deixar-se enganar
facilmente.
Preferiu agir com naturalidade. Sentou-se em uma
poltrona, acendeu um cigarro e se dispôs a esperar. Em
momento algum, pensou em aproveitar o silêncio e o
recolhimento para chamar Simon-Nassau.
Meia hora mais tarde, a bela Florence Maverick estava
com um mau humor danado, já havia esmurrado a porta uma
porção de vezes, chamado Ewing, Nick aos berros, mas
nenhum tinha aparecido.
Quando já estava fumando seu terceiro cigarro, a porta
foi aberta e Ewing entrou na companhia de Jefferson
Nightindale.
Novamente teve de fazer um esforço enorme para não
demonstrar surpresa, espanto ou perplexidade quando viu o
diretor da agência informativa parado a sua frente e a fitando
com curiosidade.
— O que está achando da vila, Flo? — perguntou Ewing.
— Não estou entendendo mais nada! — respondeu,
irritada. — Você disse que viríamos a uma festa, fico toda
animada e no fim, acabo trancada dentro deste quarto, onde
não posso nem escutar um pouquinho de música!
— Fique calminha porque a festa vai começar daqui a
pouco. Enquanto isso, já pode ir se divertindo com meu
amigo. Cuide dele muito bem.
— O que você está pensando? — explodiu Flo.
Ewing riu, piscou um olho e saiu. Florence se virou e viu
que Jefferson Nightindale a observava com curiosidade.
— Nós já nos conhecemos de algum lugar? — perguntou
ele. — Tenho quase certeza de que já vi você em outra
ocasião.
— Acabe com tantos rodeios, amiguinho — respondeu a
negra com maus modos. — Não precisa puxar assunto idiota
comigo. Aposto como você nunca me viu antes.
— Falaram-me que você é de Nova Iorque.
— Sim, e dai?
— De que parte de Nova Iorque?
Ela rapidamente inventou um lugar que não fosse
importante. Nightindale continuou fazendo perguntas sobre a
cidade e ela logo percebeu que estava pretendendo apanhá-la
em alguma mentira, coisa que não conseguiu.
— O que veio fazer aqui? — perguntou Flo em certo
momento. — Está querendo que eu lhe descreva o mapa de
Nova Iorque ou quer divertir-se as minhas custas? Eu já
estou de mau humor, amiguinho, nunca me convidaram para
uma festa tão chata!
Jefferson Nightindale riu, abriu a porta e Ewing entrou.
— Mac, ela não mentiu, é de Nova Iorque.
— Talvez ela só nos tenha falado verdades, porém só
ficarei calmo quando vir Fowles aparecer em minha frente.
Agora, vamos entregá-la aos rapazes de Yeng que estão
precisando de distração.
— Não. Flo vai ficar comigo!
— Jeff, como pode? Temos uma reunião importante para
assistir e você, quer dormir com uma negra?
— Ainda não chegaram todos os convidados...
— Chegaram, sim, senhor, quando você falava com ela.
— Ewing, quero fazer amor com esta mulher e não vou
permitir que passe por dezenas de mãos antes de chegar as
minhas. Ela descerá comigo e assistirá a reunião sentada a
meu lado.
— Ei! Pensam que estão falando de uma mercadoria? —
exclamou Flo.
— Não reclame, veio aqui porque queria arranjar dinheiro
e sairá daqui abonada. E você, Ewing, fique sabendo que é
apenas o capitalista, o homem do dinheiro, mas sou eu quem
decide e dá as ordens!
— Está bem, tudo será feito como quer.
— Flo virá comigo. Você gosta de champanha, minha
boneca?
— Hoje já tomei tudo que tinha direito.
— Certo, mas se Nightindale quiser, você terá de beber.
— Está bem, homem! Não sei por que se zanga com tanta
facilidade?
Nightindale não respondeu, segurou Flo pelo braço e a
puxou para o corredor. A espiã olhou para Ewing que por
sua vez estava olhando para Jefferson Nightindale. Este não
notou seu olhar carregado de ódio, mas naquele momento a
negra não daria um centavo pela vida do diretor-geral da
agência informativa “Teia de Aranha”.

CAPÍTULO SEXTO
O começo da verdade

Todas as vozes silenciaram quando Nightindale entrou na


sala segurando o braço da negra. Todos os olhares
convergiram para Flo, e esta compreendeu que eles não
estavam reunidos ali para desfrutar de uma festa
pornográfica ou de uma orgia sexual.
Deviam estar reunidos para tratarem de assuntos mais
sérios, mais importantes e como prova de que suas suspeitas
estavam certas, aos poucos, os olhares dos homens se
afastaram dela e ficaram pousados em Nightindale.
Este soltou seu braço, olhou para todos e falou:
— Senhores, como todos já estão presentes,
começaremos imediatamente esta reunião. Meu sócio
minoritário, o senhor Ewing, a quem todos conhecem, fará
uma preleção na qual exporá a última parte do assunto que
temos tratado em nossos últimos encontros.
Sentou-se em um sofá e obrigou que Flo se sentasse a seu
lado, mantendo a mão sobre a coxa da mulher.
Florence, no entanto, parecia mais interessada em Ewing
que estava parado perto de uma estante, onde havia um
aparelho de vídeo. Ligou o aparelho e algumas raias
começaram aparecer na tela e só então, Ewing começou sua
explanação.
— Como Jefferson Nightindale acabou de falar, todos os
senhores fizeram um ótimo negócio quando se associaram à
agência “Teia de Aranha”, nossos serviços só lhes poderão
ser úteis em todos os sentidos. Em primeiro plano e com
grande destaque, está o nosso serviço informativo que prima
pela qualidade e inteireza como poderão verificar quando
nos solicitarem dados concretos sobre qualquer tema
mundial. Em segundo lugar, está o serviço especial... o
serviço que garante a eliminação de pessoas físicas ou
jurídicas que sejam consideradas prejudiciais aos interesses
de cada um de nossos associados. Por exemplo, o senhor
Rinimetto nos falou de certo cidadão que vivia na Itália, em
Milão para sermos mais precisos e cujas atividades
industriais faziam uma concorrência acirrada às atividades
exercidas pelo senhor Rinimetto e essa rivalidade já lhe
estava dando certas dificuldades comerciais. Não era isso o
que acontecia, senhor Rinimetto?
Flo olhava para Ewing que, aliás, centralizava todos os
olhares. O tal de Rinimetto era um homem quase obeso e
calvo.
— Foi, sim, senhor Ewing — respondeu, sacudindo a
cabeça.
Naquele momento, começaram a aparecer as primeiras
imagens na tela. Flo imediatamente identificou uma vista
aérea da cidade de Milão. A seguir, apareceu uma avenida
que ela não identificou; depois surgiu a fachada de um
edifício e segundos mais tarde, um homem de cinquenta anos
mais ou menos, alto e elegante que saía de seu interior e
começou a andar pela caçada, afastando-se do edifício que
acabava de abandonar.
— Este homem que todos estão vendo no vídeo é o
senhor Verini, o rival industrial do senhor Rinimetto. O
senhor Verini tinha passado algumas horas em um
determinado apartamento desse edifício; tinha visitado uma
amiguinha que o satisfaz em suas necessidades amorosas...
Vejam como está com aspecto de homem satisfeito e
cansado. Agora ele está caminhando para onde deixou o
carro estacionado e certamente, pensa ir diretamente para
casa.
O silêncio era total entre os associados da agência que
estavam assistindo aquele filme singular.
O senhor Verini andou uns trinta metros e agora se
preparava para atravessar a rua; evidentemente seu carro
estava estacionado do outro lado, na outra calçada. Quando
desceu o meio-fio... a câmara agora enfocava um veículo
grande, um “Nissan Patrol” que rodava na direção onde se
encontrava o senhor Verini.
Este parecia não ter notado o veículo que agora
aumentava a velocidade, aproximando-se do pedestre e
quando o senhor Verini viu o “Nissan Patrol”, a distância
entre os dois era de sete metros, mais ou menos. No primeiro
momento, ele ficou meio apalermado, sem saber o que fazer,
depois tentou atravessar a rua correndo e se a situação fosse
normal, tudo ficaria resolvido em frações de segundo: o
senhor Verini apressaria o passo e se colocaria fora da rota
do veículo, ou então, o próprio motorista teria dado uma
guinada com o volante e teria colocado o carro fora do
caminho de senhor Verini.
A cena mudou rapidamente, o veículo não sofreu guinada
alguma não se desviou nem para a direita e nem para a
esquerda, bem ao contrário, continuou rodando na direção do
senhor Verini, mas agora com maior velocidade. O senhor
Verini estava assustado, espantado e suas feições estavam
transtornadas quando o “Nissan” chocou-se contra ele... O
choque foi violento... A partir daí, as imagens foram
passando em câmara lenta: mostraram a cabeça do senhor
Verini batendo contra o veículo e ficando praticamente
deformada com a violência do golpe; a imagem seguinte
focalizava o sangue brotando de seus ouvidos e fossas
nasais, enquanto os olhos pareciam projetar-se fora das
órbitas, para logo em seguida, mostrar o voo trágico e
grotesco do corpo que foi lançado pelos ares; salpicando
toda a rua com seu sangue para cair a mais de oito metros de
distância, como um boneco de pano. Em seguida, veio a cena
clímax daquela sequência: o senhor Verini caiu morto, disso
ninguém mais tinha dúvidas, mas o “Nissan” continuou sua
marcha e foi passar em cima do cadáver, amassando todos os
ossos do tórax e provocando uma hemorragia violenta.
O “Nissan” se afastou rua abaixo, o senhor Verini ficou
estendido no meio da rua e aquela imagem por demais
grotesca ficou estampada na tela do vídeo.
— Como bem podem prever, o senhor Verini teve morte
instantânea — prosseguiu Mac Adam Ewing. — E desse
modo, as preocupações do senhor Rinimetto terminaram.
Quanto ao “Nissan Patrol” soube-se que fora roubado
naquele mesmo dia por três jovens ousados. O veículo foi
encontrado abandonado, porém os três jovens a polícia
italiana jamais os encontrará. Espero que todos os senhores
tenham compreendido a natureza, a qualidade e os principais
objetivos deste serviço instituído na agência “Teia de
Aranha”. Alguma dúvida?
Ninguém parecia ter dúvidas. O silêncio era quase
tangível.
— Bom, como bem podem prever, não será esse serviço
o mais importante em nossa empresa. Para falar a verdade,
só o utilizaremos quando se tomar estritamente necessário.
Todos sabemos que é relativamente fácil conseguir-se os
serviços de agências especializadas em assassinatos e outras
atividades parecidas. É preciso compreender que a “Teia de
Aranha” praticamente viu-se forçada a prestar esses mesmos
serviços a seus associados, mas os mesmos jamais serão o
nosso principal objetivo e nem tampouco nossa principal
atividade. A principal atividade de nossa organização
jornalística sempre será a informação, mas não a informação
vulgar e comum que é fornecida mundialmente pelas muitas
agências congêneres a nossa. Se por um lado a “Teia de
Aranha” funciona como uma agência jornalística comum,
adquirindo e oferecendo informação normal para o mundo
todo, pelo outro lado, faremos o serviço mais... interessante,
emocionante e lucrativo de nossas atividades informativas,
às quais até poderíamos denominar IMA, sigla que poderia
significar: Informação Mutua Analisada.
Ewing parou com suas explicações para acender um
cigarro e em seguida continuou:
— O termo Informação Mútua Analisada nos exemplifica
que todos os associados de nossa agência disporão da mais
completa e sofisticada informação mundial em todas as áreas
e atividades, pois temos e teremos associados em todas as
profissões e atividades. Um exemplo, o senhor X é
fabricante de automóveis e nos mantém informados de tudo
que se relacione com sua área, a fim de nós também
podermos informar a outros fabricantes de automóveis que
sejam filiados à “Teia de Aranha”. Estes últimos por sua vez,
também fornecerão à agência todos os informes que
consigam sobre o automóvel: Como veem a “Teia de
Aranha” somente atuará como uma ponte de comunicação,
analisando as informações recebidas e repassando-as a
outros sócios. Por meio de sua rede de jornalistas e
colaboradores que se estende pelos cinco Continentes,
poderemos recolher toda classe de informações que estarão a
disposição dos interessados. Mas isso, senhores, não é
suficiente, a “Teia de Aranha” deseja oferecer muito mais,
como: toda a informação que possa ser conseguida no
mundo todo, afim da mesma poder ser analisada por nossa
empresa e facilitada aos associados que necessitarem dela.
Vejamos um exemplo, o senhor X é fabricante de
automóveis... por muita informação que receba do senhor Z e
de outros associados sempre ignorará os progressos que
consigam os fabricantes não filiados à “Teia de Aranha” e
sobretudo, ignorará todo o adiantamento e melhoria que
houver no ramo quando estes acontecem com fabricantes
alheios à nossa agência. Vamos supor que a Casa Branca
resolva proibir a produção de veículos de motor Diesel. Isso
deveria acontecer somente no ano 2000, mas todos os nossos
associados seriam notificados tão logo o caso ficasse
decidido entre as autoridades: Que a partir do ano 2000
ficará proibida a fabricação de motores Diesel. Esta
informação não seria fantástica?
Houve um murmúrio de aprovação na sala e em seguida,
Ewing continuou:
— Obviamente, saberemos desta decisão com tantos anos
de antecedência porque teremos gente nossa na Casa Branca,
e todas as outras informações importantes nos chegarão
desse mesmo modo, tanto faz serem elas ligadas ao terreno
financeiro, político, industrial, bélico, artístico, desportivo...
Tenho certeza que todos os senhores já avaliaram o que
significam essas vantagens... Formaremos uma verdadeira
teia de aranha entre amigos que colaboram secretamente uns
com os outros, de modo que nossos associados no mundo
inteiro disporão da maior fonte de informações dentro de
suas empresas ou atividades. Se alguém não entendeu a
explicação, poderei ampliá-la.
Todos a haviam entendido, evidentemente. E para
surpresa de todos, foi Flo quem arriscou uma pergunta:
— O que é necessário para se associar à “Teia de
Aranha”?
Todos os olhares convergiram nela e Ewing respondeu,
sorrindo:
— Dispor de informação que nos seja útil e pagar a quota
anual.
— De quanto é a quota anual?
— Um milhão de dólares.
— Diabos! Jamais poderei filiar-me à “Teia de Aranha”!
As risadas explodiram na sala.
— Você queria filiar-se com que objetivo, Flo?
— Seria muito interessante se saber onde estão os
melhores clientes. Eu também tenho alguma experiência
neste campo e creio que seria interessante intercambiar
informações com outras colegas.
— Realmente, ainda não tínhamos pensado em organizar
um serviço informativo sobre a prostituição, mas nunca é
tarde para se pensar.
Novamente todos riram, Flo levantou-se e disse:
— Desconfio que estou cercada de intelectuais eunucos!
Os homens ficaram perplexos quando a viram sair porta
afora. Nightindale levantou-se, mas Ewing lhe disse:
— Estamos quase chegando ao fim, Jefferson e você, é o
encarregado pelo encerramento desta reunião. Não se
esqueça disso, por favor.
Nightindale hesitou, mas compreendeu que seria um
absurdo o diretor da agência “Teia de Aranha” abandonar a
reunião por causa de uma mulher à-toa... Enquanto ele
resolvia o que devia ou não devia fazer, Ewing fez um sinal
a Nick e este saiu atrás da prostituta revoltada.
— Clayson, você viu a negrinha? — perguntou.
— Sim. Subiu a escada.
Nick não disse mais nada e subiu correndo, mas não
encontrou Flo no quarto que tinha usado horas antes.
Empurrou a porta do banheiro anexo e foi então que a viu.
Estava escondida atrás da porta e antes que ele pudesse
perceber o que estava acontecendo, recebeu um pontapé
direto no ventre que o fez gemer de dor. Dobrou o corpo,
enquanto sua mão direita tentava chegar a arma que trazia na
axila. Flo não lhe deu tempo, segurou seu pulso e o torceu,
até sentir os ossos se desarticularem sob a carne e os tecidos.
Os lábios de Nick agora estavam brancos e tremiam de dor.
A espiã passou seu braço direito pela garganta do assassino e
lhe aplicou um hadaka-jime, o golpe de estrangulamento do
judô.
O assassino ainda tentou livrar-se daquela fera, mas suas
forças já estavam debilitadas, respirava com dificuldade e o
braço da negra cada vez ia aumentando a pressão em seu
pescoço.
A boca de Flo quase encostou ao seu ouvido quando ela
murmurou;
— Lembra-se do homem que mataram outro dia na praia?
Seu nome era Walter Baines e é ele quem o está matando,
Nick.
O assassino tentou gritar, mas a voz já não podia sair de
sua garganta e tudo que ele via naquele instante era o teto do
banheiro... até este sumir definitivamente. Flo deixou o
cadáver repousar no chão, perto da cama e apanhou a pistola
que estava caída perto dele.
Naquele instante, a porta do quarto foi aberta e Clayson
entrou. Seus olhos se arregalaram quando viu o companheiro
morto e a negra apontando a pistola para seu rosto.
— Feche a porta — ordenou Flo.
Clayson obedeceu e olhou a pantera negra com
perplexidade.
— Foi você que ficou na lancha enquanto Emerson
Fowles e Nick matavam um homem na praia, não é verdade?
Responda!
— Sim... Sim.
— Muito bem, Fowles está morto, Nick está morto e
agora você morrerá.
— Quem é você, afinal?
— Coloque-se ao lado de seu companheiro e cale essa
boca.
Clayson caminhou lentamente até se colocar ao lado de
Nick. Flo pegou uma das almofadas que enfeitavam a cama,
encostou às costas do criminoso, colocou nela o cano da
arma e apertou o gatilho. O estampido ficou amortecido, mas
a bala atravessou facilmente e foi encravar-se no coração do
assassino profissional que teve morte fulminante.
Guardou a pistola de Clayson em sua bolsa... Poderia ter
usado a pistola encastoada de madrepérola que parecia estar
carregada, mas a espiã não sabia se os malditos não a tinham
preparado para ela ter uma surpresa no momento em que a
pusesse em ação.
Apagou as luzes do quarto e do banheiro. Aproximou-se
da janela, queria fugir antes do término da reunião, mas a
altura até o chão devia ser de cinco metros, mais ou menos:
Estava pensando em uma solução quando apareceram dois
homens que se cruzaram e continuaram andando. Droga!
Havia vigilância em torno da casa; estava claro que essa não
estava sendo feita somente por dois homens, devia haver
outros distribuídos pelos jardins da vila... Sim, a vigilância
era feita pelos atletas que formavam o grupo de comando
liderado pelo jovem chinês, ainda mais que naquela noite,
estavam reunidas algumas personalidades mundiais para se
associarem à agência “Teia de Aranha”. Precisava sair dali,
talvez, fosse mais fácil de outro quarto...
Não teve tempo nem para abrir a porta. Escutou pisadas
no corredor. Rapidamente acendeu a luz e empurrou os dois
cadáveres para baixo da cama. Ia sentar-se em uma das
poltronas quando Nightindale apareceu no vão da porta e
parecia estar muito aborrecido.
— Onde está Nick? Ele não subiu com você? —
perguntou.
— Sim, mas Clayson veio quase em seguida, falou
alguma coisa e os dois saíram.
O homem parecia confuso, mas acabou sorrindo com
satisfação.
— Assim fica melhor. Dispa-se. Faremos amor — exigiu.
— Já faz algum tempo que não vejo mulher e simpatizei com
você.
— Esqueça que me viu e acho que também devia
esquecer-se da agência “Teia de Aranha”. Não percebe que
você é somente um homem de palha, Nightindale?
— Que idiotice é essa, negra estúpida!
— Não acredito que seja tão tolo! — impacientou-se Flo.
— Foi escolhido para ser o diretor-geral porque é o mais
ingênuo, o mais abestalhado. Você ficou embevecido,
deslumbrado com a indicação de seu nome para uma
empresa que nem jornalística é na realidade. Nightindale,
você não desconfiou nem quando viu os chineses?
— Por que eu devia desconfiar?
— Eles não estão organizando uma agência informativa
ou uma agência jornalística, mas um grupo de espiões
exterminadores! Você não percebeu?
— Talvez, sim, em parte... mas o que os chineses têm a
ver com isso?
— Nightindale, você é um imbecil! Talvez só vá ser útil
para me ajudar sair daqui. Os outros ainda estão na sala de
reunião?
— Sim... Sim, sim! Senhorita Montfort! — exclamou
atônito. — Só pode ser a senhorita Montfort! Como... como
pôde ficar...
— Cale-se ou eu vou acabar quebrando seus dentes!
Obedeça-me calado. Desceremos e você me arranjará um
táxi.
— Não entendo o que está acontecendo, mas agora você é
minha prisioneira! E quer que eu lhe diga uma coisa?
— Já disse para você se calar e fazer o que eu quero!
— Não adianta. Você precisa saber que sempre estive
apaixonado por Brigitte Montfort e...
— Cale-se, infeliz! Não tire minha paciência do lugar!
— Demónios! Agora eu tenho você aqui todinha para
mim e vejo uma negra... O que você passou em sua pele?
Uma pasta ou o quê...?
Recebeu um bofetão que o fez perder os sentidos. Flo
novamente procurou captar algum ruído, mas tudo estava em
silêncio absoluto. Abaixou-se ao lado de Nightindale e bateu
suavemente no rosto para fazê-lo voltar a si, o que aconteceu
quase em seguida.
— Escute-me, se você me ajudar a sair desse inferno, eu
também o ajudaria, procurarei evitar que sua vida seja um
desastre e...
— Como pode estar negra se tem a pele tão rosada?

CAPÍTULO SÉTIMO
O fim dos exterminadores

Os dois se calaram quando a porta se abriu e Ewing


apareceu.
— Mac, entre! Ela é Brigitte Montfort e disse que sou um
homem de palha! — falou Nightindale com entusiasmo.
As feições de Ewing se transmudaram e ele disse:
— Fique onde está e levante as mãos à cabeça. Ao menor
movimento meto chumbo em suas tripas!
Flo obedeceu e Nightindale continuava eufórico.
— Não entendo como Brigitte Montfort ficou negra. Na
certas passou algum creme pela pele...
Ewing não hesitou e com a mão esquerda deu um puxão
no vestido, este rasgou de cima abaixo e caiu no chão,
deixando a mulher quase nua. Ficou extasiado com sua
beleza. Encostou a pistola no estômago dela, mas de repente,
não conseguiu conter-se mais, levantou a mão e acariciou os
seis sedosos, macios e agradáveis ao tato.
Depois olhou para Nightindale:
— Ela não está usando pasta alguma. Talvez seja
parecida com a senhorita Montfort, mas não é a jornalista
famosa internacionalmente.
— Bem como eu digo — interveio Flo. — Esse homem é
maluco. Aliás, eu também sou por ter vindo me meter nesse
saco de gatos. Quero ir embora, não quero ficar mais aqui!
— Onde está Nick? — interrompeu-a Ewing.
— Não sei. Subiu comigo, mas Clayson veio chamá-lo e
eles me deixaram sozinha. Depois apareceu esse maníaco
sexual que me aborreceu...
Não pôde continuar porque um direto sobre o fígado a
deixou mareada. Ewing apontou a pistola para sua cabeça.
— Nick subiu com você porque eu mandei que a vigiasse.
Por que não obedeceu minhas ordens? O que foi que
aconteceu?
Flo tentou responder, mas o ar estava faltando-lhe e ela
acabou caindo ajoelhada. Ewing apanhou a bolsa que estava
em cima da cama e estranhou seu peso. Quando a abriu, viu
as armas de Nick e Clayson. Dessa vez o dono da “Teia de
Aranha” riu perversamente e apontou a pistola na direção de
Nightindale que empalideceu.
— O quê...? O quê... vai... fazer, Ewing?
Plop, plop, plop.
O sangue brotou das perfurações em seu peito. O corpo
foi jogado para trás até chocar-se com a porta, onde ficou
estirado. Flo Maverick parecia muito assustada quando olhou
para Ewing.
— Não gosto de assistir cenas violentas, mas Nightindale
era um imbecil, um retardado que poderia prejudicar minha
agência. Hoje foi a primeira vez que teve contato com os
associados e se comportou como uma besta. Agora chegou a
sua vez. Sente-se aí e pare de bancar a espertinha — disse
este.
Flo concordou com a cabeça. Ewing olhou para o sócio
morto e depois para ela que ainda parecia estar muito
abalada.
— Acredita que eu também seja um imbecil?
— Não... Não...
— Muito bem, então me diga onde está Nick.
Flo apontou para baixo da cama. Ewing ajoelhou-se no
chão, sem deixar de apontar a arma na direção da prostituta.
— Bem, acho que já é hora de você me dizer que está
aqui e para quem está trabalhando. E qual é seu nome
verdadeiro.
— Eu me chamo Florence Maverick e trabalho para a
CIA.
Ewing soltou um palavrão e perguntou:
— Foi Nightindale quem lhe deu nossa pista?
— Não, não foi ele, mas aquele agente que vocês
mataram em Delaport Point. Porém agora só desejo uma
coisa, Mac Adam Ewing: Desejo ir embora daqui quanto
antes. E se você fosse um homem inteligente também faria o
mesmo... por uma boa temporada,
— Não tenha medo da CIA. Tenho amigos tão poderosos
como vocês.
— Você está tão deslumbrado como Nightindale: todos
nós que nos dedicamos à espionagem não temos amigos. E
quando cometemos uma falta, por menor que seja... veja o
caso de Nightindale como exemplo... O que seus “amigos”
farão com você quando compreenderem que sua presença os
compromete?
— Negrinha, você tem uma língua de víbora.
Flo apertou os lábios e continuou calada. De repente,
ouviram o barulho de um motor mais forte do que o de um
automóvel. Foi Flo quem falou o que ambos estavam
pensando:
— É um caminhão.
— Não sei porque um caminhão viria aqui?
Ela continuou calada. Ewing se aproximou da janela e viu
o caminhão que tinha chegado. Viu que várias pessoas
estavam subindo nele pela parte de trás.
— Venha até aqui e vá me dizendo o que vê.
Flo aproximou-se da janela, achando que ele tinha tido
uma ideia muito boa: ela ficava espiando o que acontecia e
ele podia vigiá-la.
— Vejo vários homens entrando no caminhão. São os
mesmos que estavam na reunião que você fez.
— Não pode ser! Deviam passar a noite aqui para
amanhã acertarmos certos detalhes...! Não compreendo por
que meus homens fazem isso.
— Não são os homens que estiveram vigiando até agora.
Os que chegaram de caminhão estão vestidos de negro.
Flo recebeu uma coronhada na cabeça; teve a impressão
que o mundo estava girando e que ela estava sendo lançada
na escuridão do cosmo desconhecido... Caiu, enquanto o
rosto começava a ficar manchado pelo sangue que escorria
do ferimento.
Ewing examinou-a rapidamente e julgou que fosse ter
alguns minutos de inconsciência. Ele queria descer somente
para ver o que estava acontecendo no andar térreo e voltaria
imediatamente para perto dela.
Abriu a porta do quarto e saiu para o corredor. O silêncio
estava denso, pesado... quase sepulcral.
— James! Corbett! — chamou.
Silêncio. Ele desceu a escada correndo e não viu ninguém
no vestíbulo. Entrou na sala onde tinham realizado a reunião,
estava vazia. Quando abandonava esta sala quase se chocou
com um jovem atleta chinês que se chamava Yeng Lin.
— Yeng, o que está acontecendo? Onde estão todos?
— Estamos evacuando a zona, senhor Ewing.
— Evacuando? Quem deu essa ordem absurda?
— O senhor deve vir conosco, o caminhão já está aí fora.
— Espere um momento — disse Ewing friamente,
apontando a pistola para o peito do rapaz. — Aqui sou eu
quem dá as ordens. Que ninguém me julgue um palerma
como Nightindale. Estou metido até o pescoço no caso, fiz
um acordo com Pui e tenho a certeza que ele reconhece meu
valor.
— Senhor Ewing, não estamos discutindo o valor que o
senhor tenha. Precisamos evacuar a zona porque Pui está
com medo que a CIA esteja em nosso rastro. Contudo, se o
senhor quiser permanecer, poderá ficar.
— É evidente que vou ficar. Quero saber onde estão meus
homens.
A agilidade do chinês não pôde ser controlada por Ewing
quando recebeu um golpe com a esquerda de Yeng que fez
sua arma cair longe, nem pôde reagir quando viu o brilho do
aço refulgindo no ar e nem quando pressentiu que a navalha
ia enterrar-se no seu abdômen.
Ewing caiu e Yeng se abaixou a seu lado.
— Onde está a mulher negra?
Ewing, o proprietário da agência “Teia de Aranha”
continuava Com os olhos abertos, mas não estava em
condições de responder.
— O que ela e Nightindale estão fazendo? — insistia
Yeng. — Em que quarto os dois estão se divertindo?
Responda, maldito!
O ferido continuava calado. Yeng se levantou e fez sinal
para dois chineses que estavam parados perto da porta; estes
carregaram Ewing para fora da casa e o jogaram no interior
do caminhão. Naquele instante, Ewing abriu os olhos e viu
Corbett, um de seus homens de confiança. Quis falar, mas
não pôde. Quase em seguida, viu outro rosto inclinado sobre
ele. Era um dos mais novos associados da “Teia de Aranha”,
um dos que pensavam aproveitar os grandes benefícios que a
agência prestava, inclusive com o seu grupo de extermínio.
— Ewing, o que está acontecendo? Por que um grupo de
chineses assaltou a vila e matou vários homens? Por que nos
colocaram neste caminhão...? O que está acontecendo?
Ewing o ouvia perfeitamente, assimilava as informações
que ele lhe dava. Assimilava-as no cérebro e chegava a
algumas conclusões, mas não tinha força para responder...,
embora tudo estivesse claro para ele: Pui devia ter
compreendido, desde o primeiro instante, o perigo que Flo
representava para todos. Ela devia estar trabalhando no
serviço secreto americano ou inglês. Isso significava que os
inimigos já tinham uma pista. Ele devia ter encontrado
algum objeto na bolsa de Flo que o fizera agir como agiu.
Foi por isso que tinham mandado a negra para a vila,
sabendo que tanto os norte-americanos como os britânicos
deviam segui-los, enquanto o iate tinha possibilidade para se
afastar ou então, ele próprio teria chance de fugir a nado...
Deu ordem para o grupo de Yeng eliminar todos os que
estivessem na vila e depois desaparecer tão Silenciosamente
como havia chegado. Haviam caído em uma arapuca.
— O senhor Ewing está morrendo!
Reconheceu a voz de Corbett no momento exato que
fechavam as portas do caminhão. Imediatamente, ouviram
um zumbido estranho e o primeiro que sentiu o odor do gás
foi exatamente o senhor Mac Adam Ewing e, como uma
ironia da vida, ainda escutou a voz de Yeng falando ao
motorista:
— Afaste-se daqui e quando comprovar que todos estão
mortos, abandone o carro em lugar resguardado, deserto e
bem longe daqui. Em seguida, vocês devem desaparecer das
Bahamas.
O caminhão se afastou levando a carga humana dentro de
uma caixa hermeticamente fechada e na qual continuava
vazando o gás mortal.
Yeng Lin olhou para os outros chineses que continuavam
na frente da casa e que fazia parte daquele grupo de
extermínio; fez-lhes apenas um gesto e todos se eclipsaram
como que por encanto. O silêncio ficou mais denso, dando a
impressão que a vila estivesse abandonada, mas ele sabia que
Nightindale e a negra continuavam lá dentro. Tinha que
encontrá-los porque a ordem de Pui fora clara, claríssima:
— Yeng, não deve ficar ninguém com vida. Tenho
certeza que já descobriram nossa pista e não vamos permitir
que nos peguem: Se isso acontecesse a CIA e o MI5 ficariam
sabendo que a agência “Teia de Aranha” foi criada e
organizada pela Lien Lo Pou, utilizando pessoas e serviços
americanos para poder dispor de uma rede de espionagem
mais ampla e protegida pela área jornalística do mundo
inteiro. A ideia foi muito boa e talvez seja reaproveitada em
futuro próximo, mas agora é preciso acabar com a “Teia de
Aranha”. Ninguém pode desconfiar que ela teve alguma
ligação com o Lien Lo Pou...
As ordens de Pui deviam ser obedecidas. Yeng se
encaminhou para a casa que continuava iluminada. Primeiro
vistoriou o andar térreo, onde não havia mais ninguém.
Subiu a escada tendo a certeza que encontraria Nightindale e
a prostituta em grande atividade.
Em frações de segundo encontrou Nick, Clayson e
Nightindale mortos, como os corpos já quase gelados. E ela
onde estaria?
Também não demorou em vê-la. Estava ali, a sua frente
com o rosto intumescido e vermelho de sangue, mas a mão
que segurava a pistola estava firme, revelando toda a força,
tenacidade e resistência da mulher.
Yeng permaneceu imóvel, mais parecendo uma estátua
vestida de negro.
— Os outros já se foram? — perguntou Flo.
Yeng sorriu. Não ia responder, salvo se o submetessem a
um tratamento de drogas... Não gostou da ideia. E de
repente, sorriu ao perceber que a negra que estava a sua
frente, empunhando uma arma em sua direção tinha o olho
direito negro e o esquerdo, azul. Coisa incompreensível,
como ela podia ter olhos de cor diferentes? Nem tanto, a
negra devia estar usando lentes de contato pretas, mas na
realidade seus olhos eram azuis. Com a pancada que tinha
levado na cabeça, com o sangue que praticamente havia
lavado seu rosto machucado e disforme, uma das lentes
havia deslocado. Porém, seria lindo se pudesse encontrar
uma negra de olhos azuis...
— Tenho quase certeza que você é mudo, chinês, mas
não me preocupo com seu silêncio. Sei que falará quando eu
o levar a um determinado lugar. Agora, fique de costas para
mim e estique seus braços para frente e caminhe para trás, a
fim de aproximar-se de mim.
Yeng Lin sorriu novamente e... muito devagar, apanhou a
navalha a mesma navalha com a qual havia ferido
mortalmente Ewing. Captou o movimento da negra ao rodar
a pistola como se quisesse avisar que não titubearia em
atirar, caso ele cometesse uma asneira.
Yeng Lin era um chinês bonito, atlético e de repente, sem
deixar de sorrir, levantou a mão que segurava a navalha e se
degolou com um único golpe.

ESTE É O FINAL
Yeng Lin não tinha mais aparecido e ele não podia
continuar esperando, precisava escapar da área de perigo.
Agora o carro estava rodando para o Miami International
Airport. Pui estava calmo porque ia abandonar a cidade onde
por tantos anos fora o Chefe do Setor da Lien Lo Pou.
Passara anos felizes naquela cidade, sem ter qualquer
desavença com a CIA ou com o FBI, nenhum de seus
agentes tinha desconfiado quais eram suas verdadeiras
atividades, salvo se isso tivesse ocorrido na noite anterior
quando o iate “Abismo" fora especialmente a Nassau para
apanhá-lo e trazê-lo de volta a Miami.
Talvez alguém tivesse estranhado que um chinês fizesse a
travessia no iate do milionário Mac Adam Ewing. Porém,
dentro de poucas horas sua vida ia mudar. Voaria para São
Francisco, depois para Tóquio e Hong Kong.
O táxi parou no aeroporto, pagou a corrida e apanhou a
maleta que era sua única bagagem. Estava confiante e já nem
se recordava das mortes ocorridas no dia anterior e do
caminhão transformado em câmara de gás que fora
abandonado com todos os cadáveres, em algum acostamento
mais ou menos deserto da cidade.
Comprou algumas revistas, sentou-se para esperar o
horário do voo. Abriu uma delas, viu vários retratos de
mulheres e pensou que a coisa mais gostosa era a mulher
americana sempre entusiástica, vibrante e excitante como a...
Coca-Cola, enquanto o oriental era como o perfume que
sugere muitas coisas sem nunca influir diretamente em nada.
Chegou a sorrir desse pensamento maluco que tinha afluído
a sua mente.
Ainda estava sorrindo quando viu Florence Maverick
parada a poucos metros de distância com um sorriso gélido
nos lábios!
Pui chegou a sentir uma contração em seu interior:
Alguém o teria seguido e agora sabia quem era o verdadeiro
Pui? Teria sido a prostituta que estivera no iate “Abismo”?
Naquele momento a negra mexeu na bolsa e ele teve a
intuição que ela ia apanhar a pistola enfeitada de
madrepérola para matá-lo. Aliás, desde o momento em que
remexeu em sua bolsa e viu a arma e o rádio camuflado no
maço de cigarros, tinha previsto que as coisas não andavam
muito boas. E agora... a negra o fitava de forma desafiante.
E foi naquele instante, que viu algo que o deixou
apreensivo, pois os olhos de Flo agora estavam azuis,
enormes e brilhantes. A revelação estourou em seu cérebro e
naquele momento, soube quem era a negra prostituta.
Mas agora já era tarde demais para se precaver porque a
arma já estava apontada para sua cabeça.
Ela deu mais dois passos em sua direção e murmurou:
— Pui, esta foi a mensagem que Walter Baines deixou
para você antes de morrer!
Plop!
O corpo do chinês rolou sem vida aos pés de Baby que
pensava com. alguma tristeza:
Ninguém que mata um Simon continuará impune...
Espionagem maldita!

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