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© 1989 – Antônio Vera Ramirez

“Poderosos Em La Sombra”
Tradução de Izabel Xrisô Baroni
Ilustração de Benicio
Colaboração de
Sérgio Bellebone
® 540904/551102
CAPÍTULO PRIMEIRO
Talvez eu me encontre com você

— A viagem não pode ser mais cômoda — continuava


insistindo Frank Minello. — Agora há voo direto Nova
Iorque-Barcelona!
— Eu sei disso, Frankie! — repetiu Brigitte pela décima
vez. — Concordo que você está com carradas de razões,
começando por achar que umas férias sempre são
restauradoras e divertidas, mas eu não desejo acompanhá-lo.
— Brigitte, está tentando dizer que não deseja minha
companhia? — Frank chegou a ficar pálido. — Você não
quer ir comigo porque não gosta de mim? Porque me acha
um chato?
— Não é nada disso, Frankie — riu Brigitte.
— Simplesmente tenho outras coisas para fazer.
— Outras coisas para fazer? Está querendo dizer que
nesta semana há outras coisas mais importantes do que o
Campeonato Mundial de Atletismo?
— Digamos que decidi fazer essas outras coisas em
primeiro lugar.
— Muito bem, então a grande Brigitte Montfort não quer
ir com o seu amigo adorado a Barcelona para assistir em seu
estádio olímpico as competições da Copa Mundial de
Atletismo.
— Não é bem isso, Frankie — concordou a divina.
— Tem certeza de que é isso mesmo que quer? Eu estou
falando que nós dois podemos ir a Barcelona, à sede dos
próximos Jogos Olímpicos...
— Frankie, já conheço Barcelona — murmurou Brigitte.
— Não estou querendo voltar lá, pelo menos neste momento.
— A viagem seria maravilhosa. Nós dois subimos em um
avião e zás! Em um piscar de olhos estaremos lá. Podemos ir
tomando champanha pelo caminho, vendo o céu,
conversando sobre coisas que só interessam a nós dois,
coisas formosas.
— Coisas formosas? Taí, disso eu já gosto! — sorriu
Brigitte. — Digamos sobre que coisas formosas
conversaríamos?
— Bem... Eu não sei dizer assim de pronto! Há tantos
assuntos empolgantes que podemos falar!
— Frankie, uma das coisas que mais me encantam em
você é esse otimismo inesgotável. Realmente acredita que há
coisas muito lindas, muito formosas no mundo?
— O que você acha?
— Não, não! Eu perguntei primeiro. Você acredita
mesmo?
— Estou convencido que sim.
— Cite-me algumas.
— Posso lhe dar vários exemplos, como a beleza, o amor,
as matemáticas, o sol, o xadrez, o esporte, a boa comida, a
água pura e incontaminada, a lua, as flores, as berinjelas.
Brigitte começara a rir com as matemáticas, mas agora
dobrava gargalhadas, fazendo sinal para Frankie parar com
sua lista de coisas mais lindas do mundo. Não podia deixar
de rir, a citação das berinjelas fora o máximo.
— Posso saber o que está achando tão engraçado? —
perguntou Frankie com voz azeda. — Por acaso só não
mencionei coisas belas e formosas?
— Creio que sim! Principalmente as berinjelas!
— E você não acha que as berinjelas são formosas?
Brigitte iniciou um gesto de surpresa, mas em seguida
compreendeu que o amigo estava certo. Berinjela por acaso
não era um fruto bonito que servia de decoração na índia?
Por acaso não era formoso tudo que nascia e crescia no
planeta Terra? Como sempre, Frankie tinha razão e mais
uma vez demonstrava sua grande sensibilidade. Sim, porque
quem mais poderia citar berinjelas como uma das coisas
mais lindas que existem no mundo? Só ele era capaz de
perceber a beleza que há em cada coisa, por mais modesta e
humilde que esta seja.
— É, na verdade a berinjela é um fruto bonito, Frankie —
disse finalmente a espiã mais perigosa do mundo.
— Pois venha comigo a Barcelona e eu a convidarei para
jantar berinjelas — calou-se e a fitou com um olhar
espantado. — Será que em Barcelona há berinjelas?
— Frankie, eu não posso ir com você, mas prometo, dou-
lhe minha palavra de honra que se eu puder, assim que
terminar o que devo fazer, irei encontrar-me com você. Em
que hotel vai ficar?
— No “Princesa Sofia”.
— Então está combinado. Quando eu terminar o que
tenho de fazer, irei encontrar-me com você em Barcelona.
— Ótimo, mas não se esqueça que me deu sua palavra de
amor!
— De amor? — surpreendeu-se a belíssima repórter. —
Eu dei minha palavra de honra. Eu não falei palavra de amor.
— Amor e honra não são uma mesma coisa?
— Não tenho muita certeza — suspirou Brigitte,
preparando-se para escutar outro discurso de seu querido
amigo. — É assim que você pensa?
— Vamos ver: Você acredita que uma pessoa que ama
realmente pode realizar algum ato que careça de honra?
— Hum... É... Não! Suponho que não.
— E você acredita que uma pessoa que tenha honra pode
fazer alguma coisa que careça de amor?
— O quê? Como é que você falou, o que disse?
— É evidente que sim — murmurou Brigitte, levantando-
se do sofá e se sentando no braço da poltrona que Frankie
ocupava. — Eu concordo com você, Frankie, mas agora,
preciso ficar sozinha.
Deu-lhe um beijo no rosto. Minello olhava para ela como
que hipnotizado. Adorava aquela mulher de rosto exótico.
Adorava sua maneira de ser, seus olhos azuis brilhantes e
expressivos, a boca sensual, a covinha que ela tinha no
queixo... Amava aquele rosto, especialmente os olhos. Na
verdade, naqueles olhos estava tudo que ele mais amava na
vida.
— Está bem — sussurrou. — Vou ficar esperando você,
em Barcelona.
— Pode confiar porque já lhe dei minha palavra de amor
e de honra. Se eu acabar o serviço a tempo, irei me encontrar
com você.
Minutos mais tarde a senhorita Brigitte Montfort estava
sozinha em seu apartamento no “Crystal Building”, um dos
prédios mais luxuosos da Quinta Avenida, em Nova Iorque
que ficava localizado em frente ao Central Park.
Acionou um de seus pequenos rádios de bolso e chamou
Charles Alan Pitzer, o chefe do “New York Sector” da CIA.
— Tio Charlie, conseguiu a informação da Central?
— Evidente, querida — respondeu o velho espião com
voz que começava a ficar mais fraca.
— Na verdade não há muitas coisas para se comentar a
respeito de Kemal Botak. Era um diplomata sem relevância,
simplesmente um diplomata de carreira. Segundo as
informações que constam em nossos fichários era, sem
dúvida alguma, um homem inteligente, mas pouco
ambicioso.
— Pode explicar-me essa situação um pouco melhor, tio
Charlie.
— Botak nunca foi um homem egoísta, ambicioso ou
arrojado. Era um diplomata que sabia obedecer, mas jamais
estaria capacitado a um cargo de embaixador ou cônsul.
Você me entende, querida, sempre existiram aqueles que
podiam ser excelentes soldados e péssimos sargentos.
Sempre houve aqueles que sabiam mandar e aqueles que só
sabiam obedecer. Botak sabia obedecer. Era um homem sem
ambições pessoais, sem garra para lutar, era somente um
diplomata de carreira, como há milhares.
— Está bem. Não vamos discutir por isso. O que ele
estava fazendo ultimamente? Estava encarregado de algum
serviço importante?
— Botak estava fazendo nada, Brigitte. Esse diplomata
turco estava simplesmente gozando férias em uma praia
grega. O que poderia fazer de importante quando estava
gozando férias na Grécia?
— Eu não acredito que ele estivesse de férias.
— Por quê? Os jornais...
— Tio Charlie, não me fale em jornais. Sou uma repórter,
não se esqueça disso. E tem mais, já li o noticiário que saiu
hoje no “Morning News”... Eu sei que Kemal Botak não
estava naquela praia desconhecida da Grécia gozando
férias,... absolutamente!
— Por quê me diz isso?
— Se Botak estivesse em férias não estaria sozinho. A
esposa o teria acompanhado.
Pitzer passou alguns segundos calado e por fim,
murmurou:
— Já faz muitos anos que aprendi que quando você diz
que alguma coisa está errada, é porque não está certa mesmo.
Sua intuição já não me causa surpresa. E agora já começo a
pensar que realmente pode ter ocorrido algo estranho nesse
suicídio. O que está pensando a respeito?
Brigitte apanhou o “Morning News” que estava lendo
quando Frankie chegou naquela manhã, a fim de convidá-la
para juntos irem a Barcelona. A notícia era igual à vida do
diplomata turco Kemal Botak: pequena, simplória,
insignificante, perdida entre as muitas que estavam
espalhadas em uma página interna do jornal. Esclarecia
muito claramente que o senhor Kemal Botak, diplomata
turco, cometera suicídio quando passava as férias em uma
pequena localidade grega chamada Nea Michaniona que
ficava ao sul de uma pequena cidade denominada Salônica,
na península que tinha este mesmo nome. O hotel não era
muito conhecido e se chamava “Partenon”. De acordo com
as evidências, o senhor Botak se encontrava em seu quarto
com a porta trancada quando disparou a pistola e a bala se
alojou no coração. Teve morte instantânea. A nota nada mais
não esclarecia.
— Brigitte — chamou tio Charlie diante do silêncio
prolongado da espiã.
— Sim? — sussurrou ela. — Certamente era um homem
que adorava contemplar a beleza das berinjelas.
— O quê?
— Kemal Botak era um homem digno, íntegro e bondoso.
— Você o conhecia? — exclamou Pitzer.
— Há quase quinze anos. Geralmente nos encontrávamos
em algumas recepções e festas. É verdade que não poderia
ser considerado como um expoente na carreira diplomática:
nunca foi um chefe, um líder, mas era inteligente, honesto,
bondoso e digno. Também conheço sua esposa, Altea.
Concordo que ela não é uma beleza, mas é uma mulher
encantadora. A única tristeza que ambos tinham era não
poder ter filhos, mas muitas vezes me disseram que tinham
resolvido o problema, decidindo adotar toda a humanidade
como filhos seus. Tio Charlie, eu conhecia Kemal Botak; era
uma pessoa que se dependesse dele jamais abandonaria a
vida, teria vivido até o final do mundo, até o último dos
últimos dias. Você entendeu como ele era?
— Entendi e também entendi que você não está
acreditando em suicídio.
— Exatamente é por isso que eu gostaria de saber o que
estava fazendo na Grécia.
— Até onde pudemos investigar sem compromisso,
evidentemente, ele estava em gozo de férias. Sozinho.
Porém, se você deseja, podemos realizar algumas novas
investigações mais profundas.
— Neste momento de nada serviria uma investigação
clássica da CIA.
— Por quê não?
— Se Botak tivesse sofrido um assassinato, bem, como
direi, um homicídio aberto, talvez pudéssemos encontrar
pistas, mas como sua morte teve todas as aparências de
suicídio, isso significa que tudo foi premeditado e muito bem
camuflado. Foi uma morte elaborada. Você deve
compreender que se alguém planejou esse homicídio com
aparência de suicídio, preparou o cenário com muito
cuidado, prestando atenção a todas as minúcias. Portanto,
uma investigação realizada pela CIA, por mais profunda que
fosse só poderia comprometer-nos e o que talvez pudesse ser
o pior... poderia alertar os assassinos que o mataram.
— Não me fale mais nada — compreendeu Pitzer. — Já
sei, você viajará para a Grécia.
— Exatamente, tio Charlie!
— Uma decisão que me parece acertada. Posso fazer
alguma coisa para colaborar com você?
— Nada, tio Charlie, absolutamente nada. Esqueça-se
deste assunto.
— Muito bem, mas pelo menos satisfaça a curiosidade
deste seu tio que está ficando velho. Vai intervir no caso
porque tinha amizade ao casal Kemal Botak ou porque
acredita que seu suposto assassinato pode ter um significado
mais inquietante ou até mesmo um significado mais
especial?
— Pelas duas coisas e também porque não gosto que
matem uma pessoa como Kemal Botak. Ah, não se esqueça
tio Charlie, se alguém perguntar por mim, o senhor não tem
notícias minhas há muito tempo.
— Essa sua recomendação vale para qualquer pessoa?
— Para todas que perguntarem por mim, entendeu?
— Só posso desejar-lhe uma feliz estada na Grécia,
querida.
***
O homem era alto, tinha os cabelos quase negros e olhos
azuis. Vestia-se esportivamente, com elegância.
Chegou caminhando com calma, sem aparentar pressa e
se sentou em um dos bancos da Praça Kolonaki que ficava
bem em frente à esquina da Avenida Skoufa. Acendeu um
cigarro, mas não teve tempo para fumá-lo. E nem aparentou
surpresa quando a moça loura de olhos verdes apareceu e se
sentou a seu lado. Sorriu para ela. Era um rapaz de tipo
agradável, circunspecto, forte, simpático e não devia ter mais
de trinta e cinco anos.
— A tarde está muito bonita — disse em grego.
— Não falo sua língua — sorriu a loura. — Foi por isso
que solicitei a colaboração de um dos meus Simons. Fala o
grego perfeitamente?
— Creio que sim, pois muitos quando falam comigo me
perguntam se sou grego.
— Perfeito. Atualmente você reside aqui mesmo em
Atenas?
— Não. Meu chefe me mandou chamar em minha zona
de residência. Pressenti imediatamente que você tinha
entrado em contato com Simon-Atenas pedindo que este lhe
indicasse um agente discreto, sigiloso e que falasse grego
com perfeição. Fui o escolhido. Minha mãe era grega.
— A minha era francesa — sorriu a espiã. — Simon,
você terá de obedecer-me, sem tomar qualquer iniciativa
própria. Existe noventa e cinco por cento de probabilidade de
também ser assassinado. Creio que entendeu minha
preocupação, não é?
— Claro, claro. Na verdade já estou morto de
curiosidade. Por favor, conte-me logo o que aconteceu na
Grécia para a agente Baby intervir pessoalmente. Só
podemos imaginar que algo muito importante tenha ocorrido,
mas nós não tomamos conhecimento.
— O que aconteceu na Grécia não é importante, Simon.
Explicando-me melhor, não é internacionalmente
importante, mas tenho muito interesse em sindicá-lo até o
fim.
— Compreendo. Do que se trata?
— Do assassinato do diplomata turco Kemal Botak.
— Kemal Botak? Espere um momento... Botak? Creio
que você está equivocada. Ele não foi assassinado, ele se
suicidou.
— Não, não se suicidou — afirmou a espiã.
O rapaz soltou uma baforada de fumaça e ficou
observando a moça que estava sentada a seu lado. Era uma
loura linda, de olhos verdes que por sua vez também
contemplavam com muito interesse.
Não era um dos agentes mais antigos da CIA, mas há
muitos anos, desde que abraçara aquela vida de aventuras,
vinha desejando realizar um trabalho em conjunto com a
espiã mais famosa do mundo, com a rainha da espionagem
internacional. E agora, de um momento para o outro podia
vê-la a sua frente, sorrindo-lhe com doçura. Sabia que Baby
era linda, mas jamais poderia imaginar que fosse como era
na realidade.
— Certo — falou —, então nós dois vamos a Nea
Michaniona?
— Sim. Você investigará o assunto. Ou melhor, nós dois
o investigaremos, mas você será o único que aparecerá.
— Não é desse modo que Baby costuma agir — sorriu o
Simon.
— Não, não costumo agir nas sombras e é por esse
motivo que torno a insistir. Tenha muito cuidado e não tome
qualquer iniciativa, Simon. Que isso fique bem claro desde
agora.
— Não se preocupe. Adoro viver e não me deixarei pegar
com muita facilidade — riu o jovem. — Então o diplomata
turco foi assassinado?
— Sim.
— Pois me parece que quem o matou não realizou o
melhor negócio de sua vida. Como podemos ir a Nea
Michaniona?
— Você irá de trem.
— Não vai ser uma viagem muito agradável. E você com
irá?
— Eu...? Simplesmente irei — sorriu a loura. —
Hospede-se no Hotel Partenon. Você tem dinheiro?
— Isso vai depender do que eu tiver que fazer. Não sou
um homem rico.
Brigitte lhe entregou um envelope.
— Compre algumas roupas. Não quero que leve as que já
estão conhecidas. Compre tudo novo, roupas e calçados.
Apresente-se como um esportista em férias pela Grécia. Não
dê explicações a ninguém. Você possui documentos gregos?
— Sim, claro. Em nome de Aleko Nipoulus.
— Perfeito. Gaste todo o dinheiro se for preciso, mas
com calma, para não chamar a atenção de alguém sobre
você. Com esse tipo de atleta que tem, dificilmente poderia
passar desapercebido por onde andasse, mas pelo menos,
procure não atrair atenções em demasia. Já sei, já sei que
fará tudo da melhor maneira possível — sorriu a espiã. — Às
vezes, eu me excedo em recomendações.
— Eu as interpreto como um modo de carinho — sorriu
Simon com solicitude.
— Você tem razão — concordou, dando-lhe uma
palmadinha carinhosa na mão. — Preste atenção, Simon
porque a pessoa ou pessoas que assassinaram um homem
como Kemal Botak, de forma tão premeditada, devem ser
criminosos cruéis e perigosos. Sei disso porque só pessoas
desse tipo teriam coragem de matar um homem inofensivo
como Botak. Certamente, o diplomata soube de alguma coisa
que não foi de seu agrado. Talvez se opôs a planos que lhe
foram mostrados. Os outros se revoltaram contra ele e o
mataram. Ê por isso que eu lhe recomendo muito cuidado
quando chegar a Neo Michaniora.
— Claro que terei cuidado, Baby.
— Muito bem, então nós só nos encontraremos no Hotel
Partenon. Combinado?
Não disse mais nada e se levantou. Deu-lhe um tapinha
na face e se afastou. Simon a acompanhou com os olhos até
ela apanhar um táxi. Abriu o envelope e assobiou ao ver a
quantia em dinheiro grego que Baby lhe entregara, ia passar
férias agradabilíssimas na Grécia com todas as despesas
pagas.
“Só gostaria de saber de que forma ela chegaria a Nea
Michaniona. Sou capaz de apostar que quando eu aparecer
por lá, Baby já estará a minha espera. Bem que todos falam
que é uma mulher diabólica” — pensou quando o táxi
afastou-se.
Porém ele teria ficado surpreso se soubesse o que ela
estava fazendo.
A loura não era mais loura, mas uma morena bonita que
usando o nome da colunista Brigitte Montfort estava
viajando não para Grécia conforme combinaram, mas para
Paris, pelo voo noturno.
CAPÍTULO SEGUNDO
Os primeiros contatos com a SDECE

Kemal Botak morara em um elegante e antiquado edifício


na Rua Varenne, perto do Museu Rodin e do Hotel des
Invalides. Em uma das ocasiões que se encontraram, ele
comentara com a senhorita Montfort que do terraço de seu
apartamento poderia ver a Torre Eiffel.
Como era de se esperar, a senhorita Montfort facilmente
pôde localizar o edifício e o apartamento do senhor Botak.
Tampouco teve muito trabalho em entrar em contato com o
porteiro do prédio e ficar sabendo que a senhora Botak não
se achava em Paris. Onde poderia estar a senhora Botak?
Ninguém sabia. Somente uma das vizinhas comentou que
alguns amigos do casal a convidaram para passar uns dias no
campo. Que além de distrair-se em um ambiente, ela também
fugiria do assédio do pessoal da imprensa e curiosos.
A CIA foi descartada imediatamente como uma das
prováveis investigadoras para descobrir o paradeiro da viúva
de Kemal Botak.
A senhorita Montfort preferiu pedir a colaboração aos
serviços da SDECE, o Serviço de Inteligência francês. Tudo
foi resolvido com muita facilidade. Só precisou chamar seu
velho amigo monsieur Nez, conversar alguns minutos com
este e solicitar algumas informações que talvez lhe pudessem
ser repassadas dentro de duas horas quando então ligaria
novamente para seu escritório. Talvez dentro desse espaço
exíguo de tempo, ele pudesse saber onde a senhora Botak se
encontrava.
Monsieur Nez assegurou que o SDECE e ele próprio
teriam muito prazer em atender um pedido de sua querida
amiga, mas antes de quaisquer providências que viesse
tomar, impunha uma condição: nada mais de telefonemas.
Todas as informações que a senhorita Montfort desejasse lhe
seriam transmitidas pessoalmente pelo chefe do Serviço de
Inteligência francês às sete horas da noite,
impreterivelmente, em certo café que estava localizado no
Boulevard Saint Germain.
Como negar-se a um convite tão encantador?
E por isso quando monsieur Nez chegou às sete em
ponto, não precisou esperar mais que três minutos para ver a
senhorita Montfort, isto é, uma dama loura, de olhos verdes,
muito linda, mas que ninguém poderia identificá-la ou
confundi-la com a repórter norte-americana, famosa
internacionalmente.
Monsieur Nez se sentiu aborrecido por causa disso e
reclamou:
— Eu estava esperando minha grande amiga e não uma
desconhecida — resmungou, ao beijar-lhe a mão.
— Monsieur, estou ficando decepcionada com o senhor
— repreendeu-o Brigitte com um sorriso gentil. — Por acaso
julga que a aparência vale mais do que a essência? Embora
eu não esteja parecendo a pessoa que o senhor aguardava,
sou eu mesma, entende? Poderá comprovar que estou
falando a verdade quando verificar que quem está aqui é tão
encantadora como sua velha amiga.
Monsieur Nez quase soltou uma risada diante da
explicação simplória.
— Realmente, começo a perceber que você é você
mesma, mas eu estava ansioso para rever o rosto e os olhos
de Brigitte Montfort.
— Espere porque não faltará ocasião para satisfazer esse
seu desejo, meu amigo.
— A impaciência é uma doença que mata. E por outro
lado, sinto que não está sendo justa comigo. Se veio a meu
encontro disfarçada, procurando não ser reconhecida pelos
outros, isso significa que existe algum perigo para aqueles
que estão trabalhando ou pensando trabalhar no caso e, no
entanto, eu me estou expondo a esse perigo somente para
atender o pedido que me fez. Creio que deveria ser mais
complacente comigo.
— Tem toda a razão para estar aborrecido, mas eu não
me disfarcei por razões de segurança, mas apenas por
economia de tempo. Assim que o senhor me disser onde
posso encontrar a senhora Botak, irei imediatamente
procurá-la. E esta visita, logo de início, quero fazer quase no
anonimato, não quero que ninguém me identifique.
Monsieur Nez concordou com ela. Ambos já estavam
sentados e o garçom se aproximou solicitamente. Ele nem
consultou Brigitte e pediu uma garrafa de “Dom Perignon”.
Ela sorriu e comentou quando ficaram sozinhos:
— Como sempre continua atento aos mínimos detalhes,
monsieur.
— Como eu poderia esquecer-me de sua bebida
predileta? — respondeu o agente francês de cenho franzido.
— Há quantos anos eu lhe estou mandando “Dom Perignon”
de presente pelo Natal?
— O senhor ou o Serviço Secreto francês? Sempre pensei
que recebesse as caixas como uma cortesia da SDECE.
— Minha querida, eu sou a SDECE, nunca tinha
percebido isso?
— Sim, lógico. O meu amigo monsieur Nez subiu tudo o
que alguém poderia subir dentro da organização.
— Em grande parte, graças a você. Aliás, de certo modo,
somos idênticos porque quem é o expoente máximo da CIA,
embora você seja bem mais humilde do que eu que
reconhece seu valor e capacidade abertamente? E
aproveitando o ensejo, pergunto-lhe: Por que não recorreu à
CIA para esta pequena e inocente investigação?
— Preferi usar da sutilidade francesa em lugar da rudeza
americana — sorriu a loura.
— Percebo... — sorriu também monsieur Nez. — Sabe de
uma coisa? Antes que me pedisse para localizar madame
Botak eu estava convencido de que o infortunado Kemal
Botak era um diplomata insignificante.
— E ele era mesmo. Acontece que por motivo de trabalho
nós nos encontramos muitas vezes, ele como diplomata e eu
como jornalista, pois tínhamos de frequentar as mesmas
reuniões, assembleias, mesas-redondas, recepções... E
sempre que nos encontrávamos, conversávamos bastante. Ele
residindo aqui em Paris já era um assunto bastante
interessante. O senhor sabe como eu adoro Paris! E como
tive que passar algumas horas nesta Cidade-Luz pensei que
devia apresentar minhas condolências à Altea, quero dizer, à
senhora Botak. O senhor sabe onde posso encontrá-la?
— Ela está passando algum tempo na vila de Giscard
Mérier que está localizada a cem quilômetros ao sul de Paris,
perto de Orleans, numa pequena localidade chamada
Chevilly. Poderá ir de automóvel, comodamente seguindo a
autopista A-10 ou a estrada geral número 20.
— Quer dizer que tanto faz pegar a estrada como a
autopista, eu acabarei chegando em Chevilly?
— Exatamente. E gastará no percurso duas horas e pouco.
— Nesse caso, acho que seria melhor viajar amanhã de
manhã, bem cedo. Sairei assim que acordar e utilizarei a
estrada geral. Nunca tolerei as autopistas.
— Bom, a escolha é sua.
O garçom retornou trazendo a garrafa de champanha
“Dom Perignon” dentro de um balde de prata com gelo
picadinho. Serviu a bebida em copos de cristal autêntico
italiano e se afastou, deixando-os novamente sós.
Brigitte levantou o copo sorrindo e monsieur Nez
correspondeu o brinde igualmente em silêncio.
— E quem é esse cavalheiro chamado Giscard Mérier? —
perguntou Brigitte.
— É um diplomata francês.
— Entendo. É um diplomata e logicamente um colega de
Kemal Botak e, possivelmente, até seja um de seus amigos,
depois de serem obrigados a comparecer às mesmas reuniões
sociais e profissionais.
— Efetivamente. Mérier é um homem muito estimado em
sua profissão e em seu campo pessoal. É ainda relativamente
jovem, muito agradável e muito rico. A vila que tem em
Chevilly é enorme, luxuosa e encantadora. Porém, como era
de se prever, ele também tem um apartamento confortável
aqui em Paris.
— Quem sabe se ele não está nesse apartamento?
— Não, não. Já me informaram que ele e madame Botak
estão em Chevilly. O endereço de seu apartamento é Boylard
Raspail, 114 e há vários dias está deserto, ninguém tem
passado por lá.
A loura o fitou com um olhar malicioso e tomou mais
alguns sorvos da bebida.
— Está delicioso, frio e maravilhosamente vivo — disse.
— É uma pena que todas as coisas boas da vida sempre são
caras.
— Não creio que você se preocupe com preços, minha
querida. Tenho certeza de que sua fortuna pessoal é imensa.
Até poderia comprar a França inteira se assim o desejasse.
A espiã mais linda do mundo soltou uma risada cristalina
e exclamou:
— Que ideia mais singular! O que eu ia fazer se fosse
dona da França?
— Falei somente por falar, mas podíamos estudar um
plano durante o jantar. Aceita meu convite?
— Monsieur Nez, creio que esse convite só aceitarei em
outra oportunidade. Tenho algumas coisas que devem ser
feitas esta noite. Só gostaria de saber se o senhor ficará em
casa e se me perdoará.
— Claro que eu a perdoo, querida. E prometo que assim
que nos separarmos irei para minha casa solitária e lá
passarei a noite inteirinha. Eu poderia lhe fazer uma
pergunta, Brigitte?
— Nem precisa formulá-la porque já sei qual é e eu posso
respondê-la agora mesmo, monsieur: Simplesmente sei que
Kemal Botak não se suicidou,
— Como pode falar isso com tanta certeza?
— Prefiro conversar sobre Giscard Mérier. O que me
pode adiantar a seu respeito?
— É um diplomata bastante conceituado.
— Ou seja, é um diplomata de categoria superior à de
Kemal Botak?
— Muitíssimo superior, embora se levando em conta que
tudo sempre é relativo... O que estou querendo dizer é que se
considerarmos as possibilidades turcas, talvez Kemal Botak
pudesse ser considerado um bom diplomata.
— Quer dizer que a nível de Turquia, Botak era um
diplomata que podia ser considerado com a mesma categoria
que Gerard Mérier a nível de França?
— Sempre se falando relativamente. Em qualquer caso e
em linhas gerais, certamente o senhor Botak não era um
diplomata precisamente importante, bem, isso de acordo com
a minha opinião. — explicou monsieur Nez.
— Não, eu sei que ele não era e, no entanto, foi
assassinado.
— Seria muito interessante se saber porquê. Muito mais
interessante porque como você falou, houve alguém que teve
o trabalho de montar uma comédia em torno do fato. Como
pôde ter tanta certeza de que Botak não se suicidou como
todos julgam?
— Foi para resolver esse impasse que pedi sua
colaboração, monsieur. Sei que o senhor faria qualquer coisa
pela França.
— Brigitte, não pensava que você me conhecesse tão
bem!
— Não é isso — sorriu a espiã. — Algumas pessoas são
fáceis de serem classificadas.
— Inclusive eu?
— Para mim, sim.
Monsieur Nez ficou pensativo durante quase dois
minutos, observando a loura com um olhar inexpressivo. Por
fim, o velho espião que ocupava agora o mais alto cargo do
SDECE pareceu retornar à realidade, encheu os copos
novamente com champanha e olhou fixamente para a colega
mais querida.
— Há três semanas, mais ou menos, houve um acidente
em uma das estradas inglesas, agora não me recordo se foi na
de número quarenta e sete que une a cidade de Norwich com
a localidade de Dereham, no condado de Norfolk. O acidente
foi sério e neste faleceu um tal de Ferenc Slazac. Parece que
a barra de direção quebrou, o carro saiu da pista e foi chocar-
se de encontro a uma árvore. Incendiou-se.
Lamentavelmente ou felizmente não sei, o senhor Slazac
perdeu os sentidos e não conseguiu desprender-se do
cinturão de garantia. Quando conseguiram controlar o fogo e
tirá-lo do carro, estava morto... Adivinhe qual era a profissão
de Ferenc Slazac?
— Também era um diplomata? — sussurrou Brigitte.
— Exatamente e o mais curioso, também de relevância
ínfima. Em qualquer caso, até se poderia dizer que a
diplomacia internacional está um tanto... desafortunada
ultimamente, concorda? Embora a maioria das pessoas
normais concluíssem que duas mortes violentas de
diplomatas ocorridas em menos de três semanas, não podem
ser consideradas significativas, em absoluto. E esta mesma
maioria talvez julgasse uma falta de imaginação se perder
tempo para investigá-las.
— O senhor soube de algum outro acidente, ou qualquer
outra contrariedade ou mesmo dificuldade que tenha afetado
diplomatas?
— Não, mas levando em conta a intervenção pessoal da
agente mais famosa do mundo, terei de dedicar mais atenção
nos casos e iniciarei uma pequena investigação neste sentido.
— Monsieur Nez, espero que seja amável a ponto de não
mandar alguém à Grécia.
— Está bem. É uma lástima que não queira aceitar meu
convite para o jantar.
— Ficará para outra ocasião — sorriu a loura. — Nós
dois ainda temos muita vida pela frente que deverá ser bem
aproveitada.
— Acredita realmente nisso? — O agente parecia
indeciso. — Às vezes, tenho a impressão que já estou
vivendo demais. Inclusive, em muitas ocasiões me pergunto
por que continuo aqui neste mundo e o que eu faço da vida
que está a meu redor. Já perdi as esperanças de conhecer
pessoas maravilhosas que me encantem. Ao contrário,
quanto mais eu vivo mais canalhas vou encontrando em meu
caminho.
— Sabe do que está precisando, monsieur? Enamorar-se.
— Eu me apaixonar na minha idade, Brigitte?
— E qual é o problema, meu amigo? A vida existe para
ser vivida amplamente e é o senhor quem está colocando
limitações nesse bem que lhe foi outorgado por alguém que é
superior a todos nós.
— Essas coisas só acontecem com você, minha querida
— resmungou o agente francês. — Estamos falando em
espionagem e você me sai com assuntos de namoro, paixão e
romance! E de mais a mais, sendo inteligente como você é,
deve saber que estou apaixonado há muito tempo. E sem
esperanças. Ou será que posso tê-las?
— Meu amigo, não passa de um tolo, tolo por várias
razões entre as quais poderemos destacar as mais
importantes como: Primeiro, dedicar-se à espionagem;
segundo, esforçar-se por continuar apaixonado por algo
impossível e terceiro, viver sozinho, uma vida solitária,
preocupando-se somente com a sordidez da espionagem
quando poderia viver acompanhado por alguém que se
dedicasse ao senhor. Desse modo, poderia esquecer-se do
mal que existe na Terra e aproveitar muito do bom. Não
percebe que encontrar um amor em Paris deve ser tão fácil
como... como!...
— Comprar chiclete em Nova Iorque?
— Bem, eu não chegaria a esse extremo! — riu a divina.
— Mas quase, monsieur! Muito em breve entraremos em
contato novamente
A loura se levantou. Nez a imitou e murmurou:
— Seja cuidadosa. Deve-se presumir que haja alarme no
apartamento de Giscard Mérier.
***
Não soou alarme algum no apartamento de Giscard
Mérier.
Está claro que a intrusa tinha categoria autêntica porque
não era nada fácil chegar ao apartamento do diplomata em
circunstâncias normais e menos ainda às escondidas.
Entretanto, a loura maravilhosa simplesmente havia
superado todos os obstáculos e facilmente tinha entrado no
apartamento luxuoso localizado no Boulevard Raspail.
Não acendeu a luz, apenas utilizou a lanterna pequena
que tinha um facho de luz fino, mas intenso com o qual pôde
clarear o apartamento a fim de examiná-lo com muita
atenção. Era um apartamento grande, muito bem decorado,
no velho estilo elegante francês.
Entre outras coisas, “Baby” encontrou algo muito
interessante na residência do diplomata que a fez sorrir com
malícia. No armário do quarto de dormir principal havia
muitas roupas íntimas femininas em todos os tamanhos,
manequins e gostos. O dormitório em si já era uma
armadilha muito bem construída para apanhar vítimas que,
não fossem demasiadamente ingênuas: havia música, bar
com bebidas variadas, fitas cassetes, vídeo, quadros eróticos
e estimulantes, cama com roupas de seda, tapetes persas
cobrindo o assoalho... Tudo muito requintado, com muito
bom gosto.
Outra coisa também chamou a atenção da espiã. Os livros
que estavam nas estantes de uma pequena biblioteca
instalada em uma sala retirada, afastada dos salões. Essa
localização sugeria silêncio e intimidade. A maior parte dos
livros eram biografias ou estudos mais ou menos detalhados
sobre personalidades que tinham influenciado a história
como Carlomagno, César, Napoleão, Eisenhower, Franco,
Margaret Tatcher, Churchill, Perén e muitos outros...
Brigitte imaginou que a pequena biblioteca também fosse
usada como escritório, pois tinha uma mesa-escrivaninha
colocada perto da janela e não havia outra sala no
apartamento que servisse para esse fim.
Havia muitas fotografias na biblioteca, colocadas em
álbuns forrados de pele e facilmente pôde identificar o
diplomata Mérier, porque era o que mais aparecia nas fotos,
sempre acompanhado de outras pessoas, mas nenhuma delas
era Kemal Botak. Havia cavalheiros elegantes que olhavam
sorrindo para a câmara. Os retratos sempre tinham um
campo de golfe, uma festa elegante ou certo edifício de
Genebra como cenário. Em algumas delas também havia
mulheres bonitas, muito elegantes ou quase despidas... Pelo
pouco que lhe fora dado ver, esse tal monsieur Mérier era
uma pessoa que levava uma vida simples e agradável.
Aparentava ter uns quarenta e cinco anos, era alto e
conservava seu físico de atleta. Certamente praticava alguns
esportes ou natação que o mantinham em forma. Seu rosto
era viril e tinha aparência simpática.
Brigitte examinou os retratos com atenção e concluiu que
Giscard Mérier continuava sendo um homem bonito,
elegante, charmoso apesar de já estar entrando na meia-
idade.
Sorriu maliciosa ao pensar que a viúva de Kemal Botak
deveria estar passando momentos bem agradáveis na
companhia do amigo que se esforçava para consolá-la e
protegê-la...
CAPÍTULO TERCEIRO
Quem remexer no fundo da panela...

— Como?... Não entendo! — exclamou Altea quando o


empregado veio avisar que havia uma visita aguardando no
saguão. — Tem certeza de que foi esse nome que a pessoa
deu?
— Sim, madame — insistiu o criado, imperturbável.
— Uma coisa inexplicável! Mas não deixarei de recebê-
la. Bem — Altea Botak calou-se e olhou para Giscard Mérier
que estava sentado em uma poltrona da sala e a contemplava
amavelmente. — Bem, Giscard, eu só a receberei se você
concordar.
— O que é isso, Altea? Se deseja receber essa pessoa é
porque sente prazer em fazer isso — disse o diplomata. —
Por outro lado, você é minha convidada, o que significa que
deve considerar minha casa como se fosse sua. E há mais
uma coisa, eu também desejo que você receba a senhorita
Montfort.
— Sim, por quê?
— Faz anos que venho lendo sua coluna no “Morning
News” e sempre a considerei uma jornalista de primeiríssima
categoria. E, além disso, querida, ela é uma pessoa
internacionalmente famosa.
— Quem é famosa internacionalmente? — repetiu Altea
com surpresa. — Brigitte é muito importante?
— Parece que você se esqueceu de algumas coisas que
lhe deram projeção mundial: ela foi rainha, candidata à
presidência dos Estados Unidos, recebeu o Prêmio Pulitzer
de Jornalismo... Vamos, Altea, não me diga que desconhecia
essas coisas que aconteceram na vida de Brigitte Montfort.
Claro que sabia, mas já nem me recordava dessas
minúcias! Brigitte sempre foi muito simples e amável... Ela é
uma pessoa muito simpática, agradável e fácil de se conviver
com ela!
— Evidentemente, é compensador saber que alguém com
tanta força profissional também é uma pessoa simples e
agradável. Quando isso acontece, mais curiosidade tenho de
conhecê-la pessoalmente. Há muito tempo desejava conhecer
a grande jornalista e alegro-me que tenha vindo a minha
casa... Como ela soube que você estava aqui?
— Suponho... que soube o que aconteceu com Kemal e...
quis expressar-me seu afeto. Ela e Kemal se entendiam
muito bem, coincidiam em muitos pontos de vista a respeito
da política internacional. Os dois combinavam tanto que em
certa época temi que ele estivesse interessado nela. Brigitte
Montfort é uma mulher muito bonita. Não sei o que ela tem,
mas tem um quê que a faz... especial. Ela e muito diferente
de mim.
Giscard Mérier sorriu simpaticamente. Ele, muitas vezes,
vira fotografias da colunista em noticiários dos jornais, nas
colunas sociais e nos programas de televisão... Certamente,
ela era muito diferente de Altea Botak. Esta era de estatura
baixa, peso bem acima do ideal, embora o rosto fosse bonito
e tivesse dois olhos negros muito expressivos. Sem dúvida
alguma Kemal Botak, como todo bom turco, tinha gozado
naquelas carnes brancas e rijas que o excitavam, naquelas
cadeiras avantajadas e nos seios volumosos... Certamente,
tinha aprovado a gordura um pouco excessiva da esposa que
amara com loucura. Nunca ninguém comentara sobre uma
possível aventura extramatrimonial do diplomata Botak.
Observou a hóspede especulativamente. Altea tinha certo
ar de distinção que não impressionava, mas a tornava
simpática. Aos quarenta anos se conservava uma mulher
ainda apetitosa... para certos gostos.
— Ser diferente não significa ser melhor — disse Mérier.
Altea olhou para ele, mas continuou calada. Mérier
acendeu um cigarro e murmurou:
— Sinceramente, eu gostaria de saber de que modo ela
soube que você estava aqui e como conseguiu localizá-la. Ou
foi você que lhe telefonou?
— Claro que não! Não viu como fiquei surpreendida
quando soube que Brigitte veio visitar-me?
— Sim, é verdade. Bem, durante a conversa ela nos
poderá dizer como pôde encontrá-la.
Os passos se aproximavam pelo corredor e quase em
seguida, apareceu o empregado que viera acompanhando a
visitante.
Giscard Mérier esperava ver uma mulher bela, elegante e
atraente, mas jamais poderia imaginar algo semelhante. Sem
querer, sofreu uma espécie de impacto, uma sensação
diferente e jurou que jamais confiaria nas fotos que eram
reproduzidas em jornais, revistas ou telas de televisão. Estes
retratos, estas imagens só ofereciam as realidades puramente
aparentes e ainda mascaravam as emocionais A beleza da
repórter que ele tanto apreciava refletia uma sensação de
nobreza que chegava impressionar os que a observavam
pessoalmente.
— Brigitte querida! — exclamou Altea, caminhando em
sua direção. — Que surpresa!
As duas mulheres se beijaram em ambas as faces. Logo,
Brigitte Montfort levantou sua mão direita e a colocou na
face da viúva. Um gesto realmente inesperado, mas que
expressava todo seu afeto e pesar.
Mérier pôde captar toda a beleza do movimento e o
classificou como uma das cenas mais belas que já assistira
em sua vida. Um momento que iria recordar com emoção,
porque fora um gesto espontâneo que representava amizade
pura.
— Altea, não sei como dizer-lhe alguma palavra de
consolo — murmurou a senhorita Montfort. — Não pode
imaginar o que senti quando soube. Eu e Kemal éramos
amigos, você sabe disso.
Altea Botak ficou olhando fixamente para Brigitte e de
repente, começou a chorar, causando pasmo ao diplomata
Mérier por uma razão muito simples, porque até aquele
momento, a viúva recente não havia derramado uma lágrima.
Brigitte abraçou-a carinhosamente pelos ombros e ambas
se sentaram no sofá. Agora Altea chorava mansamente, mas
nem por isso de forma menos copiosa.
Giscard continuava surpreso com aquela torrente de
lágrimas e simulando o gesto com muita delicadeza, saiu do
salão e deixou as duas mulheres sozinhas. Quando saíra,
também fez um sinal para o empregado segui-lo.
Ao chegarem no amplo vestíbulo da casa, ele perguntou:
— Como a senhorita Montfort chegou até aqui?
— De carro, monsieur.
— Alguém veio com ela?
— Não, monsieur. A senhorita chegou sozinha.
— Está bem, René, vamos ficar por aqui e deixar que as
senhoras conversem com mais liberdade.
— Oui, monsieur.
Giscard Mérier saiu da casa e se encaminhou para o
jardim muito bem cuidado e florido. A vila era cercada por
grandes extensões de pinheiros, que se encontravam mais ou
menos afastados, dando a impresso que a propriedade cio
diplomata se encontrava isolada. Dizendo de outro modo,
não era nada fácil alguém aproximar-se da vila sem chamar
atenção dos empregados que a vigiavam. Como quem
resolvesse dar uma caminhada, ele começou a andar pelos
arredores da casa, por entre os canteiros de flores, olhando
com aparente indiferença para todos os lados. Havia duas
quadras de tênis, uma piscina de grandes dimensões e uma
área grande coberta que estava dividida, uma parte sendo
usada como garagem e a outra como ginásio. E em local
mais afastado, as cavalariças onde sempre havia magníficos
exemplares que ele e seus hóspedes costumavam montar.
O senhor Mérier acabou de percorrer a propriedade e
parou sob um castanheiro frondoso que ficava bem na frente
da casa, como se a estivesse separando da garagem, ginásio,
quadras de tênis e piscina.
Somente havia um carro estacionado naquele momento.
O da visitante.
Tampouco parecia que houvesse mais alguém pelas
redondezas da vila.
O diplomata anotou mentalmente o número da chapa do
carro que a repórter estava usando e, finalmente, entrou na
casa. Regressou ao salão e viu que agora, as duas mulheres
conversavam mais tranquilas.
Os olhos azuis da senhorita Montfort pousaram em
Giscard Mérier com uma expressão serena e calma.
— O senhor foi muito discreto, monsieur. Aliás, o que
não me surpreende, tratando-se de uma pessoa com sua
generosidade. Altea me explicou quão amigo tem sido neste
momento doloroso e eu o considero amável por tê-la
convidado para passar algum tempo nesta vila encantadora e
retirada que protege minha amiga de encontros penosos.
— A amizade autêntica não tem preço, senhorita
Montfort. E tenho certeza de que sua presença nesta casa não
representa um encontro penoso para Altea.
— Claro que não! — exclamou a viúva. — Não podem
imaginar como me alegro porque Brigitte decidiu visitar-me!
— Só lamento porque soube do fato quando já não tinha
condições para assistir as cerimônias fúnebres — falou
Brigitte em tom pesaroso. — Porém tenho certeza que
Kemal esteve muito bem acompanhado naquela ocasião. A
presença ou a ausência de uma pessoa não ia alterar nada.
— Geralmente costuma ser assim — concordou o
diploma. — Porém, algumas vezes, somente a presença de
uma pessoa ou sua ausência tem poderes para alterar uma
cerimônia. Creio que a senhorita tem esse poder.
— Realmente o senhor é muito amável, monsieur —
sorriu Brigitte. — Espero que minha presença em sua casa
não lhe cause transtornos.
— Nada disso, senhorita Montfort. Quando anunciaram
sua visita ainda comentei com Altea que tinha desejo de
conhecê-la como jornalista e como pessoa humana que é. A
senhorita sempre despertou minha admiração em ambos os
sentidos e... também curiosidade. Se dependesse de minha
vontade, ficaria nesta casa por tempo indefinido.
— Querida, não pensei que estivesse em tão boas mãos
— riu Brigitte, olhando para Altea Botak. — Contudo,
continuo com a intenção de regressar a Paris logo depois do
almoço.
— Fique comigo até o chá — pediu Altea.
— Eu lhe faço esse mesmo pedido — disse Mérier.
— Está bem, aceito encantada, mas quero sair daqui cedo
e chegar em Paris antes do anoitecer.
— Calcularemos o tempo com exatidão — assegurou
Mérier. — Sou um verdadeiro técnico neste assunto, pois
como pode imaginar realizo viagens frequentemente entre
Chevilly e Paris. Sabe que algo está me intrigando
profundamente, senhorita Montfort?
— Claro que sei, monsieur.
— O que sabe realmente? — surpreendeu-se Mérier.
— O senhor gostaria de saber como pude encontrar o
paradeiro de Altea, não é verdade? Porém, lamentavelmente,
nada lhe poderia adiantar, pois isso seria trair a confiança e a
amizade de uma pessoa que se prontificou a fazer-me este
favor. E como monsieur deve compreender, em
determinadas profissões não se tem o hábito de revelar as
fontes de informações. E há duas que primam
essencialmente por esta discrição e nós dois as conhecemos
muito bem, são o jornalismo e a diplomacia.
— Senhorita Montfort — quase riu Mérier. — Tenho
certeza que as horas que permanecer em minha casa
passaremos de forma muito agradável. Tanto eu como Altea
estamos gratos por sua visita. E torno a insistir, que deveria
prolongar sua estada em Chevilly, como minha convidada.
— Eu adoraria, mas há pessoas que me esperam em outro
lugar e não seria correto de minha parte não comparecer
àquele compromisso...
***
— Muito obrigado por sua amabilidade — disse Mérier,
girando o corpo levemente no banco, para melhor admirar os
quadris bem contornados da senhorita Montfort. — Só
espero que não o considere como um abuso de minha parte.
— Eu não sei a que se refere — surpreendeu-se a espiã.
— A senhorita foi gentilíssima ao evitar que eu dirigisse
de Chevilly a Paris, aceitando-me como seu companheiro de
viagem.
— Ora, vamos — protestou Brigitte com um sorriso
luminoso. — Só espero que não vá mostrar-se antipático
logo agora, depois de termos passado tantas horas
agradáveis, Giscard.
— Eu antipático?... Por que me diz isso?
— Parece que está tentando tratar-me como uma tola. Em
primeiro lugar, o senhor veio no meu carro não para deixar
de dirigir como disse, mas para acompanhar-me, porque a
noite estava descendo e eu não conheço as entradas desta
região muito bem, enquanto o senhor as conhece como a
palma de sua mão. Depois, só em me acompanhar criou um
problema para a volta, porque agora ficará em Paris sem
carro para regressar a Chevilly e em terceiro lugar...
— Não se preocupe com minha volta, senhorita Montfort
porque tenho mais dois carros em Paris — respondeu,
sorrindo. — Portanto, como vê não me causou problema
algum.
— Era de se esperar. E no terceiro lugar, não precisamos
nos sentir culpados por nada porque fizemos uma viagem
muito agradável, conversamos sobre assuntos variados e
interessantes, mas tenho a sensação de que o senhor ainda
não falou no que realmente queria dizer-me... a sós, longe de
Altea.
— Verdadeiramente! — murmurou Mérier. — Ninguém
pode enganá-la... quando tenta tratá-la normalmente,
Brigitte.
— Não tenho culpa de ser como sou.
— É que geralmente costumo tratar as mulheres como se
fossem umas bonecas tolas, sem inteligência ou vontade.
Brigitte não falou imediatamente e ficou olhando para o
diplomata com um olhar de incredulidade.
— Céus! — disse, atônita. — Por favor, não confesse que
o senhor é um desses machistas inveterados, Giscard!
— Eu não sou machista, quem era até a raiz dos cabelos
era Kemal.
— Não tanto, ele só era um pouquinho, esta é a verdade.
Apesar de sua cultura, seus hábitos mundanos, Kemal era um
pouquinho machista. Porém, nós sabemos que não há
ninguém perfeito nesta terra. O quê queria dizer, o quê
queria comentar longe de Altea?
Giscard Mérier olhou para fora do carro. Estavam
parados na frente do hotel onde Brigitte estava hospedada,
lugar que certamente, não era muito adequado a
estacionamento. De fato, já estavam molestando algumas
pessoas e as buzinas começavam a soar com certo
comedimento. Naquele instante a iluminação de Paris
parecia dourada, matizada pelas lanternas dos automóveis
que estavam retidos, sem poder encostar, por causa de carro
de Brigitte.
— Talvez pudéssemos conversar em outro lugar —
sugeriu Mérier. — Por exemplo, poderíamos ir a um bar para
tomarmos um aperitivo ou até poderíamos jantar juntos.
— Que ideia mais luminosa!
Os dois ficaram se olhando e, de repente, começaram a
rir.
Brigitte não falou uma palavra e apenas deu uma
palmadinha afetuosa na mão do diplomata.
— Acho que já é hora de se deixar de tantos rodeios,
Giscard. Por que não fala logo o que está querendo dizer?
Tenho certeza que chegaremos a um bom entendimento.
— É sobre Altea. Eu lhe ficaria eternamente grato se nada
comentasse com ela sobre as investigações que está
realizando. Ela, como também foi Kemal, é uma pessoa
muito querida para mim. Somos amigos antigos e eu não
gostaria de aumentar sua tristeza... ou provocar-lhe maiores
desgostos por algo que não se pode solucionar.
— Não entendo nada.
— Imagino que vá fazer algumas investigações sobre a
morte de Kemal. E nesse caso, possivelmente acabará
tomando conhecimento de algumas coisinhas que só
poderiam desgostar minha amiga. É por isso que eu lhe peço,
por favor, não comente com ela nada do que venha
descobrir.
— Por exemplo?
— Logicamente, sendo uma jornalista, a senhorita conta
com boas fontes de informações e certamente ficará sabendo
de algumas coisas que aconteceram na Grécia e que levaram
Kemal ao suicídio.
— Que coisas?
— Per exemplo, eu sei que ele não estava sozinho lá. Que
havia mais alguém hospedada no Hotel Partenon.
— Com quem ele estava?
— Com uma jovenzinha.
— Não, isso não posso acreditar! — rechaçou Brigitte
com veemência.
— Já há algum tempo, Kemal me vinha pedindo dinheiro
emprestado, não quantidades grandes, mas jamais comentou
os motivos porque o pedia e nem tampouco sabíamos que
estivesse passando necessidade. Ontem à noite, eu procurei e
achei um jeito de tocar no assunto econômico com Altea e
ela me disse que as finanças do casal iam muito bem e que
há muito tempo não tinham problemas neste sentido. Ela
ainda explicou que não tinham filhos e nem nunca foram
pessoas que gostassem de aparentar. Que Kemal sempre
tivera um bom salário e que, além disso, também tinham
algumas rendas não muito grandes... Por esse motivo, só me
ocorre uma razão para os pequenos empréstimos que vinham
ocorrendo.
— Kemal tinha alguns gastos e não queria que Altea os
conhecesse?
— Exatamente. Há muito tempo eu não me encontrava
com uma pessoa tão perceptiva, senhorita Montfort.
Brigitte riu e concordou:
— Este é um dos meus defeitos ou qualidades, não sei,
mas cada um é como é, entende, Giscard? Mas agora quero
saber de onde tirou a idéia da existência da jovenzinha.
— Há pouco mais de duas semanas, Kemal me pediu
mais dinheiro e eu fui franco com ele. Disse-lhe que parecia
estar abusando um pouco da amizade que sempre tinha
existido entre nós e que, sinceramente, não me parecia
conveniente continuar emprestando-lhe aquelas quantias que
embora pequenas, jamais me seriam devolvidas. Que eu
tinha a impressão de as estar colocando em um fundo
perdido. Kemal pareceu indeciso, mas depois me explicou
que isso iria terminar dentro de poucos dias, tão logo tivesse
uma conversa muito séria com Altea, na qual decidiriam o
futuro de ambos em todos os sentidos e que a partir daí, a
situação dele iria mudar radicalmente.
Continuo sem vislumbrar a jovenzinha em parte alguma.
Talvez Kemal estivesse referindo-se a outro assunto?
— Qual, por exemplo? — surpreendeu-se Mérier.
— Não sei, mas penso que nem todos os problemas dos
homens são interligados a mulheres, Giscard. Conheço
muitos que têm grandes ideais, grandes projetos e grandes
ambições...
— Muitos podem idealizar coisas lindíssimas para suas
vidas, mas esse não foi o caso de Kemal.
— Ou seja, qualquer coisa extraordinária que surgisse na
vida de Kemal Botak, tinha que ser obrigatoriamente uma
mulher? Está bem, vamos supor que ele estivesse precisando
de dinheiro e o pediu ao senhor quando decidiu passar alguns
dias na Grécia com essa jovenzinha. Agora pergunto, quem é
ela e por que ninguém mencionou-a até agora?
— Evidentemente, não viajaram juntos e chegaram
sozinhos para não chamar a atenção dos curiosos que o
deveriam conhecer, pelo menos de nome... Depois, muito
cautelosamente, souberam relacionar-se com grande tato e
discrição.
— Sabe de uma coisa? Minha intenção não é sindicar
sobre a vida de Kemal Botak — comentou —, mas fique
descansado porque se eu souber de alguma coisa sobre essa
aventura, nada falarei com Altea.
— Obrigado, Brigitte. Eu tinha certeza que você iria
entender a profundidade do problema. E agora, se me
permite, eu gostaria de convidá-la para...
— Ficará para outra ocasião. Esta noite ainda terei que
dar dois telefonemas, escrever um artigo pequeno e, amanhã
de manhã, terei que madrugar para tomar o avião do
primeiro voo. Gosto de ser franca com meus amigos e hoje
só estou desejando recolher-me cedo para descansar.
— Só a desculpo por isso — riu Giscard Mérier. —
Concordo, meu convite já fica valendo para nosso próximo
reencontro e... espero que você não se esqueça da promessa.
— Absolutamente. Eu ligarei na minha próxima vinda a
Paris — respondeu a espiã.
Desceu do carro sem dar tempo para Mérier pensar em
abrir-lhe a porta. Um empregado do hotel levou o carro para
a entrada e Brigitte estendeu a mão ao diplomata.
— Obrigada por tudo, Giscard.
— Não se esqueça de sua promessa — murmurou ele.
Beijou a mão macia que estava na sua e depois gastou uns
poucos segundos observando a jornalista que se dirigia para
a portaria do hotel. Há muito tempo não via outra mulher tão
sensível e atraente.
Depois o diplomata deu meia-volta e se afastou
lentamente. Apanhou um táxi logo em seguida. Vinte
minutos mais tarde dava ordem para o motorista do mesmo
estacionar nos Campos Elíseos, em frente a um bar de luxo,
no qual entrou.
Não olhou para os lados e nem tampouco para a freguesia
requintada que lotava a casa naquele final de noite.
Encaminhou-se diretamente ao bar, acomodou-se em um dos
tamboretes e encomendou um uísque ao garçom. Quase em
seguida, um homem jovem e bem apessoado levantou-se de
uma das mesas e se sentou a seu lado.
— Conseguiu averiguar alguma coisa? — perguntou.
— Parece que ela não tem intenção de se aprofundar no
assunto — respondeu Mérier. — Apenas é uma amiga dos
Botak. Quando soube do que tinha acontecido, viajou a
Paris, fazendo um desvio da outra viagem que já tinha
programado, somente para dar um abraço em Altea e
expressar-lhe suas condolências. Não está pensando em
investigar.
— Assim fica melhor.
— Ela é uma mulher fora de série — confidenciou
Mérier. — Até pensei que poderíamos integrá-la em nosso
grupo.
— Nada disso. Já combinamos que em nosso grupo
mulheres não entram ou você já se esqueceu do trato que
fizemos, Giscard?
— Mulheres comuns, mas ela é diferente de todas que já
conheci, Lucien. Brigitte Montfort tem uma inteligência
brilhante! Juro como me impressionou... Mas ela não é
somente inteligente, É uma pessoa luminosa que raciocina
com rapidez e com essa mesma rapidez analisa todos os
fatos, todas as palavras. Passei várias horas em sua
companhia e pude comprovar que realmente é superior a
todos nós!
Enquanto Giscard se empolgava, o garçom lhe trouxe o
aperitivo. Seu amigo e colega Lucien Saint Cyre aproveitou
para encomendar mais um; esperou que o empregado se
afastasse e murmurou:
— Enquanto você se deliciava conversando com uma
mulher superior, eu fui providenciando o outro lado. Em
primeiro lugar, a chapa do carro que você me forneceu por
telefone é alugado, ou seja, não pertence a uma pessoa,
empresa ou associação. E um carro que é alugado geralmente
a turistas. Essa informação que obtive já nos serve para
acalmar os temores que tivemos no início. Em segundo
lugar, seguindo sua orientação, perguntei aos maiorais o que
devíamos fazer com ela e a resposta que me deram foi
taxativa: Que por nada que nos aconteça ou que exista no
mundo, devemos nos relacionar com a senhorita Montfort.
— Por quê?
Lucien Saint Cyre encolheu os ombros.
— Não me deram explicações, só uma ordem. E ainda a
repetiram, Giscard: Não devemos nos relacionar com a
senhorita Montfort.
— Sim. Entendi, mas estranho essa ordem
incompreensível.
Serviram o aperitivo ao aristocrático Lucien Saint Cyre
quando este acendia um cigarro. Depois, virou-se para
Mérier e disse:
— Seja ou não seja compreensível, eu obedecerei a
ordem. Amo a vida e não desejo terminar como Kemal
acabou!
— Nem eu tampouco. Mas gostaria de saber porque não
podemos manter uma amizade com a senhorita Montfort.
— Creio que o melhor é não complicar sua vida. E se
pensava jantar com ela algum dia, vá arquivando essa ideia.
— Tudo ficou combinado para sua próxima viagem. Sairá
amanhã, no primeiro voo.
— Para onde?
— Não sei. Suponho que para Nova Iorque.
— Por momentos pensei que talvez tivesse a ideia de ir
para a Grécia.
— Porcaria! Por que Kemal teve de complicar as coisas
desse modo? — reclamou Giscard Mérier.
— Pare de preocupar-se. Ambos sabemos que tudo está
sob controle e que ninguém irá esclarecer os fatos mais do
que já estão esclarecidos. E se houver um teimoso para
remexer no fundo da panela, ele que ature as consequências.
CAPÍTULO QUARTO
O desaparecimento de Aleko Nipoulus

A vulgaridade do “Hotel Partenon” terminava


precisamente no nome. Depois disso, nada mais tinha de
vulgar, pois o hotel estava instalado em um edifício pintado
de branco, de linhas modernas, cercado de um belíssimo
jardim, com uma ampla piscina. Todas as janelas tinham
toldos azuis que davam mais graça ao cenário.
E diante de tudo, o mar. O mar ligeiramente esverdeado
que vinha morrer suavemente na areia dourada das praias de
Nea Michaniona, uma localidade não muito importante da
Grécia.
O “Hotel Partenon” era um desses lugares agradáveis e
tranquilos que sugeriam a alegria de viver ou os prazeres que
só são provados durante as luas-de-mel.
Portanto, assim que o viu, a senhorita Montfort pensou
que talvez o seu bom amigo Kemal Botak realmente tivesse
estado ali com uma jovenzinha ingênua e inexperiente.
Por que não? Todos somos humanos e todos os humanos
têm certas fraquezas e debilidades, não é verdade?
Bem, o diplomata turco não havia sido o único marido
que depois de passar uma vida inteira dedicada à esposa,
começou a trai-la com jovens complacentes.
Estas coisas costumam acontecer...
Por que não admitir que Kemal Botak tivesse estado ali
com uma ovem, à qual possivelmente pensava se unir para o
resto de sua vida, fato que talvez fosse surpreender muita
gente... para começar sua própria esposa que não estava
preparada para a novidade?
Por que não?
Se esta hipótese fosse verdadeira, Kemal Botak viajara
sozinho. Hospedara-se no “Hotel Partenon” onde iria
encontrar-se com a moça. Fez-lhe a proposta de se unirem,
para juntos viverem o resto da vida e quando ela lhe deu um
“não” como resposta, ele ficou desesperado. Subiu ao quarto
que alugara e se matou com um tiro no peito.
Uma história bastante aceitável, não?
Não! Não havia nada de aceitável nessa história toda.
Primeiro: porque ele levava uma arma em uma viagem que
não lhe devia fornecer perigo? Brigitte sabia que ele não era
afeito a qualquer tipo de violência, muito menos ao uso de
armas, qualquer que seja. Segundo: porque um tiro no peito e
não o usual nesses casos, como um tiro no ouvido ou mesmo
na base do queixo, direcionado ao cérebro?
Aproximou-se sorrindo da recepção do hotel e o
recepcionista comunicou-lhe em um inglês perfeito.
— Sim, senhorita Montfort, recebemos seu pedido de
reserva e temos prazer em recebê-la.
— Muito obrigada — sorriu a viajante norte-americana.
— Talvez minha boa estrela esteja brilhando e minha
acomodação tenha vistas para o mar.
— Exatamente — confirmou o recepcionista, sorrindo. —
Nós lhe reservamos uma suíte encantadora.
— Uma suíte encantadora! — repetiu a senhorita
Montfort com satisfação. — Sei que vou apreciar minha
estada em Nea Michaniona. Vamos ver meus aposentos!
O recepcionista fez sinal a um dos camareiros que
apanhou a bagagem da nova hóspede, aliás essa era bastante
reduzida: duas malas pequenas e uma maleta vermelha
estampada com florezinhas Só isso a senhorita Montfort
trouxera para Grécia.
O camareiro não dispensou grandes esforços para
transportar as malas da nova hóspede do “Hotel Partenon”,
mas seu pouco esforço foi muito mais recompensado com
uma gorjeta generosa.
Brigitte entrou na suíte que constava de uma saleta, um
quarto, banheiro e terraço. A senhorita Montfort fez um
rápido e rigoroso exame visual do ambiente e em seguida,
saiu para o terraço que era pequeno, mas protegido do sol
vespertino pelo toldo azul. O mar parecia um tapete
esverdeado, enquanto as areias iam tomando uma tonalidade
cinzenta. O sol continuava brilhando, mais parecendo uma
bola de fogo que se aproximava do poente onde sumiria até a
nova aurora.
O mar era lindo! O pôr-do-sol também era lindo e a vida
maravilhosa!
Como Kemal Botak tivera coragem de se matar em um
local tão lindo?
Brigitte entrou no quarto de dormir e apanhou o rádio.
Precisava entrar em contato com Simon-Nipoulus para saber
como andavam as coisas.
Fez a ligação depois de conferir se o rádio estava na onda
adequada à zona; a chamada foi completada, mas o rádio de
Simon não respondeu. Baby tentou novas chamadas,
inutilmente.
Examinou o rádio de novo, mas este estava correto.
Tornou a chamar, mas ninguém respondeu.
— Simon? — sussurrou. — Você está aí?
Porém o silêncio absoluto continuou, era como se
estivesse chamando o vazio, como se o rádio de Simon não
existisse.
Será que Aleko Nipoulus tinha decidido agir por conta
própria, prescindindo do apoio que Baby lhe poderia dar?
Tudo era possível.
A senhorita Montfort decidiu não continuar insistindo.
Guardou o rádio e tomou uma ducha. Pôs sua bagagem
em ordem. Escolheu roupas elegantes, mas discretas para
usar no jantar. Apanhou o rádio e o guardou em sua bolsa de
noite, abandonou a suíte e minutos mais tarde entrava no bar
do hotel.
Como sempre, percebeu como todos os olhares
masculinos a acompanhavam, como os corações dos homens
chegavam às raias de um infarto. Já estava acostumada
àquelas reações e nem se importava mais com elas.
A senhorita Montfort se sentou a uma mesa. Se Simon
estivesse no hotel, não tardaria aparecer ou então iniciaria o
contato quando achasse conveniente.
O camareiro aproximou-se e a senhorita Montfort pediu
um aperitivo de champanha brut.
Esperou até a hora do jantar, mas Simon não apareceu.
Levantou-se, foi para o restaurante. Jantou e Simon
continuou sem dar notícias.
Voltou novamente ao bar, quando já eram quase onze e
meia da noite. Pediu outro aperitivo de champanha,
conversou com um casal norte-americano e com outro
inglês.
Agora já passava de uma hora da madrugada e Simon
continuava sem aparecer. A senhorita Montfort decidiu
descansar um pouco e voltou para seus aposentos.
Nipoulus estaria fazendo uma sindicância fora do hotel?
Talvez.
Preparou-se para deitar e já estava vestindo uma camisola
curtinha azul quando tentou novamente comunicar-se com
Simon, mas este continuou sem atender o chamado.
A senhorita Montfort estava exausta, depois de ter
viajado de avião e de carro. Resolveu fazer o que mais
precisava. Dormir para refazer suas forças. Só depois disso,
ia tentar descobrir o que tinha acontecido com o rapaz bonito
que conhecera em Atenas.
Acordou às cinco da manhã e chamou Simon de novo.
Silêncio total. Repetiu a chamada às nove horas da manhã
com igual resultado.
Às dez horas, a hóspede mais linda do hotel saiu de sua
suíte usando um biquíni minúsculo e um albornoz branco
com rosas vermelhas bordadas sobre o seio esquerdo.
Esteve na praia até às onze horas e depois foi queimar-se
na beira da piscina, mas Simon continuava sem aparecer.
Passava de uma da tarde quando a senhorita Montfort
colocou o albornoz, entrou no hotel e se aproximou da
recepção.
— Poderia ligar para o apartamento do senhor Nipoulus e
avisar que o estou esperando no saguão? — pediu ao
recepcionista.
— O senhor Aleko Nipoulus? — perguntou este.
— Exatamente.
— O senhor Nipoulus não está mais no hotel, senhorita
Montfort.
— Não está mais no hotel? Quando foi embora?
— Anteontem.
Brigitte parecia uma jovem muito perturbada que não
soubesse o que fazer.
— Não, não podemos estar falando da mesma pessoa —
disse. — Certamente há outro senhor Nipoulus hospedado
neste hotel e o senhor os está confundindo.
O recepcionista era muito amável, apenas operou o
computador da recepção. Olhou para a senhorita Montfort
que continuava perplexa e disse:
— O senhor Aleko Nipoulus chegou no hotel há quatro
dias atrás e o deixou anteontem. Não há mais ninguém com o
nome de senhor Nipoulus.
— Veja... veja se ele deixou algum recado?
— Não, não deixou nenhum.
— Impossível... Quer dizer que foi levando toda a
bagagem, como se não fosse mais voltar?
— Sim. Pediu a conta, pagou-a e saiu. Tudo está
declarado aqui no computador. A senhorita gostaria de
comprovar por si mesma?
Confirmou com um movimento de cabeça. Olhou a tela
do computador e viu que ali estava confirmado todas as
informações que o recepcionista acabara de dar. Este agora a
contemplava amavelmente, mas havia muita curiosidade em
seu olhar.
A senhorita Montfort agradeceu a atenção que este lhe
dispensara e foi para sua suíte.
Tomou outra ducha, pôs uma roupa esportiva e subiu ao
quarto andar. Parou na frente da porta do 406 que segundo as
informações computadorizadas era a suíte que Nipoulus
tinha ocupado durante dois dias e uma noite.
Baby não teve problema para abrir aquela porta e o fez
com auxílio de uma gazua. Entrou e a fechou rapidamente.
Em efeito, as informações transmitidas pelo computador
estavam exatas por que a suíte não estava ocupada.
Continuava vazia. Talvez estivesse fechada desde a hora em
que Simon a deixara.
As janelas e o terraço também davam para o mar. Brigitte
atravessou o umbral da porta que dava para o terraço. Levou
alguns segundos observando o mar que agora estava azul-
anil, refulgante, sob os raios do sol escaldante.
Depois voltou novamente ao quarto.
A senhorita Montfort ficou de pé olhando à sua volta
durante quase três minutos, prestando atenção a cada detalhe,
sem ver nada de particular.
Depois, examinou o quarto de banho e verificou que tudo
se mantinha com um aspecto impessoal que só existem em
cômodos desabitados.
Finalmente, abriu o armário que também estava vazio, só
com alguns cabides carimbados com o nome do hotel.
Evidentemente, Simon partira. Mas, ele iria fazer isso
sem deixar uma mensagem ou uma pista à agente Baby?
Impossível. Em alguma parle e de algum modo, ele devia ter
deixado uma explicação que esclarecesse aquela saída
precipitada. Bem, também poderia ter acontecido outra
coisa: talvez não tivesse saído por vontade própria ou talvez
até o tivessem assassinado.
Se Simon não deixara alguma mensagem era porque não
tivera oportunidade. Portanto, perdera o controle da situação.
Vasculhou novamente o armário, mas não havia nada
dentro dele. Outra vez, perscrutou todo o quarto que era
grande e confortável, mas nada encontrou que pudesse dar
uma pista do que tinha acontecido ao rapaz que devia esperá-
la naquele hotel.
Tudo estava em ordem, portanto, de nada adiantaria
continuar ali. Abriu a porta e abandonou a suíte 406...
Tudo em ordem?
Ficou como que cravada no chão do corredor e nem
chegou a fechar a porta do apartamento. Quando reagiu; foi
para entrar de novo. E ficou olhando para uma das poltronas
que estava perto de uma das paredes e virada para esta. Não
havia nada naquele pedaço de parede que pudesse ser
contemplado. Não havia luz alguma junto à poltrona para o
lugar ser considerado como um local ideal para leitura.
Simplesmente, a poltrona estava virada para uma parede
vazia, de costas para a porta e o centro do quarto.
Mas seu sexto sentido a alertava que devia haver alguma
coisa naquele quarto, mas onde?
Repentinamente, a mão direita da espiã mais perigosa do
mundo deslizou para a juntura do assento e o encosto da
poltrona e começou a procurar algo ali.
E repentinamente, seus dedos encontraram um objeto.
Apanhou-o e o examinou. Parecia um isqueiro. Nada
mais do que um isqueiro comum, deliciosamente clássico.
Realmente era um isqueiro comum ou era um isqueiro
com câmara fotográfica comumente usado pelos espiões no
mundo inteiro?
Um simples exame visual mais atento comprovou que
aquele isqueiro era dos que tinha uma câmara fotográfica em
seu bojo.
Dois minutos mais tarde, a senhorita Montfort já havia
retornado a sua suíte e preparava o rádio para poder
transmitir e ser recebido em outras ondas. Fez a chamada e
quase em seguida escutou uma voz masculina expressando-
se em grego.
— Não falo essa língua — disse Brigitte. — Você não
fala inglês?
— Quem é você? — perguntou a voz em inglês.
— Sou Baby.
Houve um breve silêncio e logo em seguida, uma risada
do homem.
— Pois eu sou o Super-Homem. Acho que não temos
tempo para aturar trotes, queridinha. Quem é você?
— Simon, eu sou Baby. E saiba que quem está aborrecida
sou eu. Um de nossos companheiros também chamado
Simon desapareceu. Você pode imaginar como está meu
humor? Creio que já entendeu a situação, não é?
— Evidentemente — o tom de voz já estava diferente. —
Onde você está?
— Em Nea Michaniona. E você?
— Em Salônica.
— Está mais ou menos a quinze milhas daqui, não é?
Estou pensando que podíamos nos encontrar dentro de meia
hora na metade do caminho, entre seu lugar de residência e
onde eu estou.
— Podemos mesmo. Diga-me exatamente onde quer
encontrar-me.
***
O encontro foi marcado em Pelea, uma pequena
localidade que se localizava na metade do caminho, entre
Salônica è Nea Michaniona.
Simon chegou dirigindo um carro “Lada”, dos mais
discretos, e imediatamente viu o carro de aluguel cujas
características Brigitte havia descrito. Encaminhou-se para
ele.
Abriu a porta do carro e se sentou ao lado da espiã que
lhe estendeu a mão, sorrindo.
Simon a segurou como se estivesse pegando algo muito
valioso, mas havia certo desapontamento em seus olhos.
Brigitte soltou uma risada e perguntou:
— O que há, Simon?
— Não sei... No primeiro momento cheguei a pensar que
você era...
— Não interessa o que sou e o que você pensou. Eu sou
Baby, entendeu?
— Sim. Creio que entendi, deixemos o resto pra lá. Qual
de nossos companheiros está desaparecido?
— Como é comum, não conheço seu nome verdadeiro,
mas ele é um de meus Simons. É filho de mãe grega e
costuma utilizar o nome de Aleko Nipoulus.
Simon-Salônica não se conteve e soltou um palavrão.
— Baby, não me diga que foi Eddie!
— Eu jamais mencionaria o nome Eddie. Eu disse que
um dos Simons desapareceu e que frequentemente ele usa o
nome de Aleko Nipoulus.
— Repare uma coisa, eu já conheço Nipoulus há algum
tempo e tenho certeza de que é um rapaz consciencioso e
cumpridor dos deveres. Agora seu desaparecimento só pode
ser interpretado de uma forma: Aconteceu alguma coisa com
ele, alguma coisa bastante séria.
— Foi o que também pensei — confirmou Baby — mas
no entanto, ele deixou-nos uma pequena lembrança.
Estendeu a mão e lhe mostrou o isqueiro que havia
encontrado na poltrona.
— Só necessito que você me revele estas
microfotografias o mais rápido possível. Naturalmente terá
de ampliá-las. Essa parte vai demorar muito tempo?
— Tudo vai depender de outro amigo que se encontra em
Salônica. Mas pode ficar descansada que tudo será feito no
menor tempo possível. Talvez gastemos umas duas horas
para realizar esse serviço.
— Muito tempo para ficar sem fazer nada. Imagino que
Nipoulus não manteve qualquer contato com vocês nestes
últimos dias.
— Nenhum. Nós sempre nos encontrávamos de tempo
em tempo, mas agora já faz algum tempo que não nos
vemos.
— Certo. Simon agora vou regressar ao hotel, talvez
Aleko apareça ou de uma forma ou outra me mande alguma
mensagem, alguma notícia. Além disso, iniciarei
investigações muito discretas para ver se consigo descobrir
alguma coisa. Você providencie as fotos e assim que
estiverem prontas, leve-as ao “Hotel Partenon”, mas antes,
entre em contato comigo. Não tome quaisquer providências
sem antes falar comigo. Talvez não seja aconselhável nos
verem juntos. Entendido?
— Certo — Simon-Salônica passou alguns segundos em
silêncio, depois sorriu secamente e disse: — Baby, não se
preocupe muito com Aleko. É um tipo durão que
dificilmente é derrubado quando começa a lutar.
***
Voltou para o hotel e subiu a sua suíte. Pensou que seria
bom tomar um chuveiro antes de descer para o restaurante.
Abriu a porta e se encaminhou para o quarto.
Entrou... e seu olhar ficou fixo na porta do banheiro. Os
seus sentidos apurados percebiam que havia alguém atrás
daquela porta.
No primeiro instante, até pensou que fosse Simon-
Nipoulos, mas os muitos anos de espionagem, semeados de
muitas experiências e sobressaltos a haviam preparado para
não ser imprudente.
Simplesmente levantou a saia e apanhou a pistolinha
encastoada de madrepérola que geralmente carregava presa à
coxa esquerda. Apontou-a para a porta do banheiro, notando
que seu pulso estava tão firme como se fosse uma barra de
ferro.
Não falou e nem fez barulho algum.
Apenas ficou na expectativa.
E esta não se prolongou muito, porque logo depois a
cabeça de um homem apareceu. E quase em seguida, ele foi
saindo lentamente de seu esconderijo. Porém quando viu a
espiã americana com a pistola apontada em sua direção, seus
olhos arregalaram de medo ou surpresa e ele novamente
entrou no banheiro.
— Saia daí — ordenou Brigitte. — Saia daí
imediatamente!
— Não dispare — disse o homem em um inglês apenas
aceitável. — Eu a estava aguardando. Sou amigo...
— Amigo... de quem?
— Do senhor Nipoulus.
— Muito bem. Saia com as mãos na cabeça.
O homem obedeceu. Parecia ter pouco mais de quarenta
anos, era baixo, moreno, seus cabelos eram negros e
ondulados. Seus olhos também eram escuros e naquele
momento só refletiam medo..
Um pobre homem que sob hipótese alguma poderia
converter-se em inimigo perigoso para a espiã mais famosa
do mundo.
— O que veio procurar em minha suíte?
— Eu estava esperando pela senhora... Soube que esteve
perguntando pelo senhor Nipoulus e pensei que... nossos
interesses podiam coincidir.
A espiã sorriu divertida.
— É possível. Para falar a verdade, meus interesses já
coincidiram muitas vezes com sujeitos mais estranhos que o
senhor. Como se chama?
— Andrea Kaponos. E pode ficar calma porque sou
amigo do senhor Nipoulus.
— Entendo... mas agora eu pensei que talvez o senhor
esteja pensando que eu não sou amigo do senhor Nipoulus.
— Claro que não. Se a senhora tivesse más intenções a
seu respeito, jamais teria se interessado abertamente por ele.
— Sinto-me como se estivesse falando com um
psicólogo. Muito bem, Andreas, sente-se nessa poltrona e me
explique detalhadamente quais são as suas relações com o
senhor Nipoulus. Não me omita nada, absolutamente nada.
Sou paciente e não me aborreço em escutar.
A senhorita Montfort sentou-se na cama e Andreas na
poltrona e em menos de dez minutos já estava a par das
relações que existia entre eles.
Aleko havia chegado discretamente e horas mais tarde
entrara em contato com Andreas Kaponos, um empregado do
hotel e lhe fizera uma oferta. Se esta fosse aceita, ele
receberia dinheiro em troca das informações. O senhor
Nipoulus lhe tinha oferecido uma quantia considerável e ele
a aceitou no ato.
De fato, no primeiro momento, não estava capacitado
para fornecer as informações que o hóspede do hotel
desejava, mas dentro de poucas horas pôde informá-lo nos
mínimos detalhes como o diplomata turco fora encontrado na
suíte que alugara. Seu peito estava perfurado à balas, bem
sobre o coração. Também informou-lhe quais as autoridades
que intervieram no caso, além da polícia; também pôde
informar que tipos de pessoas mantiveram contato com o
senhor Botak; o nome das pessoas que estavam hospedadas
no hotel no dia do suicídio. Esta lista Andreas conseguira,
usando o computador da gerência. Que pessoas se mostraram
interessadas pelo acidente e que pessoas telefonaram aquele
dia.
Quando Andreas Kaponos se calou, ela ficou pensativa
por alguns segundos e depois falou:
— Evidentemente, o senhor Nipoulus fazia muitas
perguntas, não é verdade?
— Fazia perguntas, mas pagava muito bem pelas
informações que recebia. Ele é um homem muito simpático.
— É mesmo — sorriu Brigitte — embora nem sempre
cause boa impressão à primeira vista. O senhor lhe facilitou
todas as informações?
— Praticamente todas.
— Muito bem, agora a respeito das pessoas que se
relacionaram de uma forma ou outra, com o senhor Botak,
enquanto ele esteve no hotel... houve alguma mulher jovem e
bonita?
— Não. O senhor Botak somente manteve contatos com
homens.
— Como? O que o senhor está falando? — exaltou-se a
divina, muito surpreendida.
— Não, a senhora não entendeu. Não era uma reunião
homossexual... Não, todos eram homens muito agradáveis
que se tratavam como velhos amigos.
— Está bem. Agora voltemos ao senhor Nipoulus. Pelo
que entendi, ele pagou as despesas que tivera no hotel,
encerrou a conta e partiu, simplesmente.
— Bem, eu penso que não foi tão simples como a senhora
está pensando.
— Não? Por quê?
— Não sei. Ele saiu daqui acompanhado por três homens.
É verdade que pagou a conta, depois saiu do hotel e entrou
em um carro que já o estava esperando. Atrás dele, entraram
dois homens. Primeiro pensei que todos fossem amigos, mas
depois, refleti sobre tudo e cheguei à conclusão que não
eram.
— Por que chegou a esta conclusão?
— Simplesmente porque o senhor Nipoulus passou rente
a mim, olhou-me como se jamais me tivesse visto
anteriormente, como se não me conhecesse. Foi isso que me
surpreendeu. Depois, pensei que talvez ele estivesse tendo
problemas e não queria que aqueles homens descobrissem
que tivemos alguma ligação durante o tempo que passou
aqui no hotel e que foi por isso, que fingiu não conhecer-me.
Estou certo em minhas deduções ou falando alguma tolice?
— Não sei. Se o senhor Nipoulus saiu daqui em um carro
com três homens, dois sentaram-se no banco de trás com ele
e o outro, logicamente, ao volante. Que tipos de homens eles
eram? Talvez policiais?
— Não. Não eram da polícia.
— Entendo. Seria capaz de reconhecê-los se os visse de
novo?
— Creio que sim e foi por isso que me escondi em seu
banheiro. Eu vi os dois homens que se sentaram junto do
senhor Nipoulus, rondando o hotel. Eu os reconheci no ato
e... senti medo. Tenho certeza que me meti em assunto
perigoso quando comecei a fornecer aquelas informações. A
senhora me pareceu amiga do senhor Nipoulus e pensei que
ficaria em mais segurança se estivesse a seu lado, ou pelo
menos, talvez, possa me orientar sobre como devo agir se me
acontecer alguma desgraça.
— Andreas, o senhor é um homem muito cauteloso e
muito inteligente.
— Se eu fosse tão inteligente não me teria metido nesta
embrulhada — resmungou o grego.
— Mas também estaria com menos dinheiro — sorriu
Brigitte. — Os dois sujeitos que assustaram você, estão no
hotel?
— Sim. E tenho quase certeza que estão procurando por
mim, pois andaram fazendo várias perguntas aos empregados
de serviço.
— Muito bem. Vamos ver os homens — disse Brigitte,
levantando-se.
— Não, não podemos... Eles são perigosos! — exclamou
Andreas.
— Não se preocupe por causa deles — disse Brigitte
Montfort, suavemente. — Simplesmente, vamos sair daqui,
iremos ao encontro deles e o senhor os mostrará a mim.
Depois que fizer isso, só precisará proteger-se. Combinado?
— Bem... Não seria melhor a senhora procurar outra
ajuda?
— Eu já tenho ajuda, homem. Sabe quem me ajuda
sempre? Meu Anjo de Guarda. É ele quem me dá uma
mãozinha quando me enfrento com gente perigosa. Vamos
andando, Andreas!
Quando ia abrir a porta para sair da suíte, Brigitte
simplesmente levantou a saia e colocou sua pistolinha
novamente aderida à coxa com pedaços de esparadrapo.
O medo de Andreas passou completamente, agora seus
olhos estavam esbugalhados de surpresa e prazer. Sentia-se
fascinado com a beleza das pernas da mulher que tinha
prometido protegê-lo.
Abriu a porta e se afastou para deixar a senhorita
Montfort sair e foi então, que viram os dois homens parados
no umbral.

CAPÍTULO QUINTO
Prefiro Capri...

Andreas que continuava maravilhado com as pernas, com


o corpo e com a curvatura dos seios da senhorita Montfort,
não se apercebeu imediatamente da presença dos homens o
quando os viu, sentiu um friozinho correr pela espinha,
enquanto os olhos iam arregalando. Imediatamente se refez e
exclamou:
— São!...
Um dos sujeitos agiu com uma velocidade incrível,
levantou a perna direita e deixou o pé cair com toda força no
ventre do grego. Este perdeu o equilíbrio com o golpe
inesperado e resvalou pelo chão até o meio da saleta. Os dois
sujeitos riam como se estivessem vendo uma cena muito
gozada e já metiam as mãos dentro do casaco para apanhar
as armas que traziam sob as axilas.
Realmente sentiam-se donos da situação e nunca
poderiam esperar pelo que aconteceu. Ambos tinham notado
a mulher que estava à frente deles, era linda, elegante,
encantadora, de aparência frágil, mas levaram um susto
enorme quando a deusa delicada, com olhar terno e meigo,
meteu a mão por baixo da saia, levantando-a levemente, para
imediatamente abaixá-la, já empunhando uma pistolinha
encastoada de madrepérola. Os dois sujeitos não
compreendiam mais nada e continuavam com as mãos nas
coronhas das armas quando ela disparou rapidamente, duas
vezes seguidas.
Plof, Plof.
Uma das balas foi penetrar na fronte de um dos homens
que escorregou pelo corredor, sempre em pé, até se encostar-
se à porta dianteira, como se apenas estivesse descansando
um pouquinho.
O outro teve mais sorte, pois no momento em que Brigitte
apertava o gatilho, ele se afastou para o lado e a bala que
devia acertar o coração foi alojar-se em seu ombro... ou
talvez essa fosse a intenção da senhorita Montfort: querer
apenas castigar sem matar. Ele berrou de dor, olhou para ela
como se estivesse vendo uma aparição e saiu correndo pelo
corredor.
A espiã levou alguns segundos imóvel e depois se virou
para Andreas que continuava muito pálido e com uma
expressão de terror. Depois apontou com o dedo para o
homem que continuava apoiado na porta.
Andreas aproximou-se deste, mas ao colocar a mão em
seu braço, o corpo se desequilibrou e o cadáver caiu estirado
no chão.
A senhorita Montfort esperou mais alguns segundos
enquanto o outro ferido quase corria pelo corredor e quando
seus passos deixaram de ressoar, ela segurou o morto pelo
peito da camisa, arrastou-o para dentro da suíte e o depositou
silenciosamente no chão.
Olhou para Andreas que estava perplexo, pois jamais
poderia pensar que uma mulher tão feminina, pudesse ter
tanta força nos braços.
Depois ela olhou sorrindo para o grego e disse:
— Você vai ficar fechado aqui dentro, Andreas. Não abra
a porta, não faça barulho algum para não chamar a atenção
de alguém que esteja rondando por aqui. Deve ficar quieto e
calado, entendeu?
Andreas Kaponos sacudiu a cabeça concordando e a
senhorita Montfort saiu da suíte, deixando-o sozinho com o
morto.
Atravessou o vestíbulo rapidamente e quando chegava à
entrada do hotel, pôde ver perfeitamente o homem ferido que
se afastava pela esplanada em direção ao estacionamento de
carros. Chegou até pensar que o sujeito era forte, pois
embora ferido continuava mantendo seus passos firmes e
rápidos. Tinha tampado o ferimento com um lenço e este
escondia a mancha de sangue no casaco.
O sujeito parou perto de um “Fiat”. Abriu-o e se sentou
ao volante. Ligou o motor e o carro arrancou imediatamente.
“Bem, desta vez, somente vieram dois” — pensou Baby.
Parou perto de seu carro que também estava no
estacionamento do hotel e partiu atrás do “Fiat”.
Se Andreas Kaponos pudesse pressentir o que ia
acontecer dentro de minutos, certamente, ficaria com os
cabelos eriçados.
E por coincidência foi isso mais ou menos, o que
aconteceu com o homem que estava dirigindo o “Fiat”.
O carro teve de parar quando o sinal fechou, quase na
entrada da cidade de Nea Michaniona.
Brigitte não perdeu tempo, deu uma guinada no volante e
o retirou da estrada, estacionou-o de qualquer jeito fora da
via de circulação e, em frações de segundo, chegou junto ao
“Fiat”. Abriu a porta traseira e entrou.
Encostou o cano da arma na cabeça do sujeito que se
virou para poder vê-la melhor.
— Não fique nervoso — aconselhou a espiã mais bela do
mundo. — Se fizer alguma tolice não vou atirar em seu
ombro, mas em sua cabeça podre! Minha pontaria é
infalível... por isso trate de arrancar porque o sinal já abriu.
O homem obedeceu, espiando a estranha passageira pelo
retrovisor e percebeu que esta também o observava com seus
olhos azuis muito vivos.
Era um tipo forte, bonito, que se vestia com elegância.
Parecia ter bastante confiança própria, desde que as coisas
não piorassem para seu lado, porém seu olhar não era
perspicaz ou inteligente.
Brigitte sorriu e continuou avaliando o sujeito. Conhecia
aquela raça: matador de aluguel, profissional de assassinatos
e outras atividades semelhantes... que em muitas ocasiões
podiam ser confundidas com a espionagem, mas na realidade
eram bem diferentes.
— Não afaste as mãos do volante, salvo se houver
necessidade de uma mudança de marcha — advertiu Brigitte.
— E conduza com muito cuidado.
— Para onde?
— Para o lugar onde está meu amigo Aleko Nipoulus. E
faça uma oração para ainda o encontrarmos vivo e em estado
aceitável... pois imagino como o maltrataram!... Certamente
seria muito interessante para vocês saber quais informações
ele tinha conseguido no “Hotel Partenon” e porque ele se
interessava pelo suicídio de Kemal Botak. Vocês também se
interessaram pela pessoa que lhe fornecia estas
informações... Não sei de que modo descobriram que o
informante era Andreas Kaponos... mas acabaram acertando.
Correto?
— É uma mulher muito sagaz...
— Não sou muito, mas sou mais do que você — sorriu
Brigitte. — Não pensaram que Aleko Nipoulus, um
empregado do hotel, devia ter quem o respaldasse? Não lhe
perguntaram quem mais colaborava com ele naquela trama
de informações? Bem, se lhe tivessem perguntado alguma
coisa, perderiam tempo porque o grego é teimoso e jamais
teria mencionado meu nome, embora sabendo como sou
realmente. Quero dizer, ele não lhes diria como sou
fisicamente, pois minha forma de ação vocês já viram como
é. Sou daquelas pessoas que primeiro agem para avisar
depois! E preste atenção porque se fizer alguma coisa que
não seja do meu agrado, meto-lhe um balaço nessa nuca.
Ouviu bem?
— Minhas mãos ainda não soltaram o volante —
resmungou o homem.
— Claro — disse a espiã americana, docemente. —
Porém eu não pensava somente na direção. Por exemplo,
quando estivermos quase chegando ao local onde meu amigo
está retido, se tocar a buzina ou fizer sinais ou procurar se
comunicar com aqueles que aguardam sua volta e a de seu
companheiro que jamais poderá voltar, as coisas piorarão
para você. Juro como o matarei na hora! Ainda tem alguma
dúvida?
O homem resmungou por entredentes algo que Baby não
chegou a entender.
Quinze minutos mais tarde, parou o carro na frente de um
chalé pequeno que estava no centro de um jardim muito
maltratado. Aliás, todo o aspecto da casa não podia ter um
aspecto mais descuidado.
A espiã também conhecia aquele sistema. Quando há
necessidade de uma base de operações, sempre os
interessados procuram uma casa mais ou menos abandonada
que esteja pelos arredores da cidade e quando a encontram,
entram nela sem dificuldade com a ajuda de uma gazua.
Permanecem ali algumas horas ou alguns dias, o tempo que
precisarem para fazer o que deve ser feito e depois a
abandonam.
— Já chegamos — avisou.
— Muito bem, agora toque a buzina — ordenou Brigitte,
escondendo-se no banco. — Quando seu companheiro
aparecer, diga-lhe que está ferido, precisando de ajuda.
O homem pareceu hesitar. Brigitte não falou, apenas
encostou o cano da pistolinha em sua nuca. A buzina soou
imediatamente.
A porta da casa foi aberta e um tipo semelhante aos
outros dois apareceu. Brigitte classificou-os como sendo
moedas cunhadas na mesma forma.
— O que aconteceu? — perguntou o da porta em italiano
— Estou ferido — respondeu no mesmo idioma. —
Preciso de ajuda.
O outro se aproximou rapidamente do carro e se debruçou
na janela ao ver o casaco ensanguentado do companheiro e
foi então que também viu Brigitte segurando a arma e
apontando para ambos.
Plop.
A bala perfurou a testa do indivíduo, matando-o no ato. O
ferido continuava com as mãos no volante e estava pálido
como um cadáver. Estava tão atemorizado que não atinou
desviar-se do golpe quando percebeu que a mulher ia atacá-
lo. Recebeu um murro na nuca e desmaiou, caindo por cima
do volante.
O dia estava esplendido, o sol luminoso. Brigitte desceu
do carro, segurou o criminoso pelas lapelas do casaco e o
arrastou para casa.
Entrou em uma sala diminuta e viu Aleko Nipoulus
completamente nu e imobilizado com pedaços de arame.
Mais parecia uma vítima prestes a ser sacrificada. Tinha
feridas em várias partes do corpo, bem como queimaduras e
hematomas. Estava tão pálido que mais parecia morto. Não
pressentiu sua chegada. Brigitte debruçou-se sobre ele e o
beijou suavemente nos lábios. O agente da CIA abriu os
olhos lentamente, piscou várias vezes e só então viu os olhos
azuis, luminosos, que o fitavam com carinho.
— Por que demorou tanto?
— Estive em Paris conversando com alguns diplomatas.
— Aconteceu alguma coisa com Andreas?
— Ele está bem.
— Não posso aguentar mais... minhas forças já estão
falhando. Perdão...
— Fique quietinho e procure descansar — sussurrou
Brigitte.
Saiu da casa, mas voltou em seguida, arrastando o sujeito
que tinha desmaiado. Rapidamente, retirou os arames que
imobilizava Simon-Nipoulos e os usou para amarrar o
criminoso. Depois, levantou o colega, deitou-o no sofá e o
cobriu com uma manta.
O agente da CIA procurava reagir, mas suas forças
estavam chegando ao fim e ele acabou desmaiando.
Só então, ela se preocupou com o outro homem que agora
já estava consciente. Notou que ele engoliu em seco quando
se ajoelhou a seu lado.
— Como você se chama? — perguntou.
— Domenico Starti.
— E para quem você trabalha?
— Para Hendrick Miles.
— Onde posso encontrá-lo?
— Ele mora em Roma, mas não tenho seu endereço.
— Não faz mal, porque se ele mora em Roma eu o
encontrarei. Agora, por exemplo, ele se encontra naquela
cidade?
— Sim. Na semana passada falei com ele avisando que
havia um desconhecido pesquisando o caso do diplomata
turco. Foi então que ele mandou Rungs e Laponte para
verem o que estava acontecendo. Pediu que tentássemos
descobrir por que tinha gente interessada em Botak.
— Entendo, depois de seu “suicídio” você ficou escalado
para continuar no hotel, observando as diferentes reações a
respeito do caso.
— Exatamente. A ideia foi de Miles. Queria ter certeza
que tudo estava bem, antes que abandonássemos a zona
definitivamente. E a ideia até foi boa, porque seu amigo
Nipoulus apareceu, fazendo mil perguntas. Não perdemos
tempo, invadimos seu quarto e o obrigamos a agir com
naturalidade. Teve de pagar a conta do hotel e abandoná-lo
imediatamente. Tinha duas opções, fazia o que queríamos ou
ia descansar em uma sepultura. Preferiu usar da inteligência
que possuía e nos acompanhou.
— Ele os acompanhou. Porém sendo esperto como é, nos
deixou algo. Não estranharam a posição da poltrona em seu
quarto? Não perceberam como a colocava virada para a
parede? Lógico que não e nem tampouco notaram o isqueiro
que ele deixou encostado a seu encosto.
— Não... Não vimos nada.
— Não faz mal. Vamos falar um pouco sobre Kemal
Botak: o diplomata se suicidou ou o “suicidaram”?
— Bem, ele... foi “suicidado”. Miles deu ordens para
matá-lo. Rungs e Laponte entraram em seu quarto e o
mataram, deixando tudo muito arrumado para parecer um
suicídio. Rungs e Laponte abandonaram a área logo após,
mas eu permaneci no hotel, para acompanhar os
acontecimentos.
— Qual é a ocupação desse Hendrick Miles?
— Não sei, mas é ele quem dirige um grupo de
especialistas como nós.
— Isso significa que tem uma rede de serviços especiais
que coloca à disposição dos interessados que desejem pagar
adequadamente por esses serviços?
— Exatamente.
— E quem pagou para ele preparar o assassinato de
Kemal Botak com cunho de suicídio?
— Não sei, realmente não sei. Está vendo que estou lhe
respondendo tudo, mas isso eu não sei!
— De fato, reconheço que está sendo muito comunicativo
comigo por quê?
— Já vi quem tem “técnica” quando trabalha. É uma
dama que não se assusta com qualquer coisa e não se
atemoriza diante do perigo. Até já tinha pensado que nós três
quando comparados com você, não passamos de palermas,
de idiotas usando pistolas.
— Não pensei que fosse tão esperto — sorriu Brigitte. —
Assim até fica melhor porque poderá compreender
facilmente o que lhe vou dizer. Vou deixá-lo nesta casa,
muito bem amarrado com arames e amordaçado. Vou dar um
pulo até Roma, porém se me acontecer alguma coisa por lá,
fique certo que algum de meus colegas virá aqui para matá-
lo.
— Eu não menti — balbuciou Domenico Starti.
— Se não mentiu, será um homem de sorte.
— Então se nada lhe acontecer, voltará aqui para soltar-
me?
— Não, se você não me mentiu irá morrendo lentamente,
aqui sozinho suportando o fedor do cadáver de seu amigo.
— Não pode fazer isso comigo! — quase chorou o
criminoso.
Brigitte Montfort não respondeu imediatamente. Andou
até o sofá e ficou olhando para Simon-Nipoulus que poderia
ser confundido com um cadáver se não estivesse sofrendo
algumas convulsões espasmódicas.
Depois ela voltou para perto de Domenico Starti e disse:
— Olhe para ele e veja se não posso fazer qualquer coisa
com você!
***
Estacionou o carro “Fiat” junto à camionete e
imediatamente dois jovens saltaram desta e se aproximaram.
Um pouco mais afastado, estava outro carro também
estacionado. A porta foi aberta no ato e Simon-Salônica
desceu e também se aproximou.
Brigitte abriu a porta traseira do “Fiat” e murmurou:
— Por favor, tenham muito cuidado. Ele já sofreu
bastante.
Os dois agentes mais jovens tiraram Simon-Nipoulus do
interior do carro e o levaram para a camionete que fora
rapidamente adaptada como ambulância.
Aleko Nipoulus foi instalado na mesma, em uma padiola.
Brigitte se acomodou a seu lado e passou a mão por sua testa
que estava pegajosa pelo suor que escorria de seus cabelos.
Simon-Salônica olhava sombriamente para o amigo, o
companheiro de espionagem que era duro na luta.
Simon-Nipoulus reconheceu o amigo e ainda lhe piscou o
olho. Os minutos passavam lentamente e embora o rapaz
estivesse muito abatido, parecia mais animado.
Em certo momento, tentou sorrir e sussurrou:
— Quando podíamos sonhar que algum dia iríamos
trabalhar com Baby, Greg?
Aleko Nipoulus obedeceu. O médico que o esperara na
ambulância improvisada agora o examinava. Quando
acabou, olhou para Brigitte e disse:
— Nosso camarada é jovem e forte. Terá de usar sua
fortaleza e mocidade com garra, mas sairá desta. Está muito
machucado.
— Sei disso — retrucou Baby. — Quero que façam por
Nipoulus tudo que for possível e quanto antes melhor.
— Evidente. Nós o transportaremos para um lugar calmo
e tranquilo.
— Vocês sabem para onde eu gostaria de ir? — disse
Aleko Nipoulus, só agora abrindo os olhos.
— Para onde, Simon? — perguntou Brigitte.
— Eu gostaria de ir para Capri.
— Impossível — interveio o médico. — Não temos
recursos para tratá-lo em Capri. Lá não há unidades médicas
para interná-lo. Seria melhor escolher outro lugar.
— Eu só gosto de Capri — teimou Simon-Nipoulus.
— Pois então levem-no para lá — interveio Brigitte. —
Se não temos unidades médicas em Capri, elas poderão ser
instaladas!
— Puxa vida! Vou passar uma temporada vivendo como
viviam os imperadores romanos — sorriu Nipoulus.
Brigitte beijou seus lábios suavemente e sussurrou:
— Até Capri, Simon!
Pouco depois a camionete-ambulância se afastava.
Passados mais alguns minutos, outro agente da CIA chegava
conduzindo o carro que Baby havia abandonado na estrada
ao perseguir o motorista do “Fiat”. Domenico Starti que
continuava imobilizado com pedaços de arame.
Brigitte e Simon-Salônica ficaram sozinhos, perto de seus
carros.
— Então, tal como você previu, Kemal Botak não se
suicidou, mas foi assassinado — murmurou Simon.
— Sim. Trouxe as fotografias?
— Claro, vamos a meu carro.
Sentaram-se no banco dianteiro e Simon retirou um
envelope do porta-luvas. As fotografias estavam ampliadas e
havia várias focalizando o hotel, a praia, o jardim e pessoas
diversas que apareciam cm ângulos diferentes.
Brigitte ao vê-la, compreendeu que praticamente todos os
hóspedes que estavam no “Hotel Partenon” naqueles dias,
apareciam naquelas fotos. Também havia três retratos de
Andreas Kaponos e duas de Domenico Starti e seus
companheiros. Também havia uma fotografia com a relação
dos nomes dos hóspedes que fora obtida por meio
computadorizado e, por coincidência, o nome de Hendrick
Miles figurava nesta lista: sinal que ele também estava no
hotel quando Kemal Botak se “suicidou”.
— O que vamos fazer agora? — perguntou Simon
quando Baby pôs as fotos dentro do envelope novamente.
— Vou ao hotel para apanhar minhas malas e depois irei
a Paris. Enquanto isso, vocês vão ao chalé e matem Starti.
— Está querendo que matemos um homem friamente?
— Sim. Ou você não sabe como se faz isso?
— Bem, é você quem dá as ordens... nós apenas as
cumprimos. Não é assim que trabalhamos sempre?
— Exatamente, mas antes de qualquer coisa, mande
alguém retirar o cadáver que deixei em minha suíte e deem
todo o apoio que Andreas solicitar. E finalmente, depois que
resolverem estes assuntos de mais urgência, enviem todo o
material fotográfico à Central, pelo método mais rápido que
houver.
— Certo, Baby.
— Adoro trabalhar com vocês, estejam onde estiverem,
Simon. Também quero que façam um levantamento
minucioso sobre todas as pessoas que foram fotografadas,
bem como as que aparecem somente na lista de hóspedes do
hotel. Espero que tudo esteja terminado em menos de vinte e
quatro horas. Você me poderá remeter os resultados para
Roma, combinado?
— Tudo será feito como você deseja. E a respeito da
morte do diplomata, vamos deixar as coisas como estão?
Não vamos prosseguir nossos trabalhos aqui na Grécia?
— Por enquanto, não. Depois de cumprirem minhas
instruções, simplesmente esqueçam-se de tudo e todos.
— Inclusive de você?
— Parem com essas brincadeiras, Simon! Sabe que não
poderão esquecer-se de mim.
— Menos mal que não exigiu mais isso — sorriu o rapaz
guapo e simpático. — Nenhum de nós poderia obedecer essa
ordem. Então, quando parte para Roma?
— Estou planejando chegar lá antes do anoitecer.
CAPÍTULO SEXTO
Lições de espionagem

O nome de Hendrick Miles não constava nas listas


telefônicas de Roma, mas certamente a senhorita Montfort
dispunha de outros recursos para localizar uma pessoas que a
interessava, tanto fazia esta estar em Roma, como na Cidade
de Babel com toda sua confusão de línguas.
Sem dúvida alguma, um de seus melhores recursos era
utilizar toda a potência da CIA. Portanto, um pouco depois
das nove horas da noite, quando acabava de jantar no
restaurante do “Coliseo Hilton”, um dos hotéis mais
afamados da Cidade Eterna, recebeu a visita que estava
aguardando.
Um camareiro veio avisá-la com um olhar muito
malicioso:
— Signorina Montfort, há um cavalheiro esperando-a no
vestíbulo.
— Tante grazie.
O cavalheiro como era de se esperar também tinha o
nome de Simon e ficou olhando a signorina Montfort com
expressão enlevada, como se finalmente pudesse ver
realizado um dos sonhos mais ansiados de sua vida. O
sorriso se expandiu dos lábios aos olhos e depois, pelo rosto
todo quando ela lhe perguntou:
— Simon-Roma ficou muito aborrecido?
— Demais — respondeu o agente da CIA. — Ele chegou
até lhe mandar um recado: Diga à signorina Montfort que eu
sempre julguei que fôssemos amigos e que portanto,
considero uma ofensa que tenha preferido um simples agente
quando eu poderia colaborar pessoalmente.
— Ele não entende que deve ser muito conhecido na
cidade e além do mais, não pedi um simples agente, mas sim
um Simon que não fosse conhecido em Roma, ou não muito
conhecido.
— Eu sou esse homem, pois vim transferido para Roma
há menos de dois meses.
— Formidável! Já jantou?
— Claro.
— Então vamos tomar um copo de champanha.
O agente da CIA sorriu com prazer. A vida lhe parecia
estupenda e muito agradável.
Pouco depois, sentado a uma mesa do bar do “Hotel
Coliseo Hilton”, com um copo de champanha “Dom
Perignon” a sua frente, ele contemplava seriamente a agente
Baby.
Esta parecia estar muito sorridente àquela noite, enquanto
lhe entregava algumas fotografias. Simon examinou-as
rapidamente, todas eram de três homens mal-encarados e
embrutecidos.
— Assassinos profissionais — catalogou-os no ato.
— Eram, mas já estão mortos. Chamavam-se Domenico
Starti, Rung Ewerton e Ennio Laponte. Não sei, mas talvez
residissem em Roma ou pelo menos tenham passado uma
boa temporada por aqui. Trabalhavam para um tal Hendrick
Miles que dirige um serviço especializado em assassinatos e
outras coisas do mesmo gênero. Quero que você localize
esse sujeito o mais rápido possível, mas fazendo as
sindicâncias com discrição. Reproduzam cópias dessas fotos
e as usem para vasculhar as vidas desses homens. É possível
que por meio deles cheguemos até Miles. Quando o
encontrarem, se comuniquem comigo, seja a hora que for. E
também deverão avisar-me imediatamente, quando chegarem
as informações que estou aguardando da Central com uma
lista de nomes. Há alguma dúvida?
— Não, nenhuma. Tudo está claro.
— Saúde para você — brincou a senhorita Montfort.
***
Bateram na porta da suíte e Brigitte acordou bocejando.
Acendeu a luz da mesa de cabeceira e olhou para o relógio
pulseira. Seis horas da manhã.
Levantou-se, nem vestiu um robe sobre a camisola e foi
abrir a porta. Um dos Simons estava parado no corredor e ela
o fez entrar.
— O que há? — perguntou.
— Ainda não localizamos Hendrick Miles, mas já
recebemos as informações que você estava esperando. Na
Central nada sabem a respeito de Miles e seus amigos, mas
puderam identificar várias pessoas que aparecem nas fotos e
algumas também constam da lista de hóspedes do hotel.
— Por acaso, essas pessoas que foram reconhecidas... são
diplomatas?
Simon arregalou os olhos surpreendido e perguntou:
— Como soube?
— Ora, eu soube que Botak manteve contato com vários
homens enquanto esteve no hotel, todos eles pessoas muito
gentis, finas e educadas. Também soube que nunca foi visto
em companhia de mulheres, velhas ou jovens, e seria até um
absurdo se pensar que ele tivesse ido à Grécia somente para
passar alguns dias de férias sem sua esposa. Sempre tive a
impressão que Kemal amava Altea profundamente... embora,
talvez em raras ocasiões, tivesse algumas distrações
extramatrimoniais. Porém, agora em Nea Michaniona ele foi
reunir-se discretamente com outros diplomatas. Eu gostaria
de saber qual a nacionalidade e qual o nível daqueles seus
colegas.
— No total foram catorze, de nacionalidades diversas e
de classe não muito relevante, exceto um deles.
— Entre eles há algum italiano que resida em Roma?
— Apenas Indro Galilei que, aliás, é exatamente o único
de alto nível que compareceu ao encontro e já está
aposentado.
— Então deve ser uma pessoa de idade avançada.
— Cinquenta e seis anos.
— E já está aposentado? Pois bem, investigue sua vida.
— Já começamos a fazer isso. Por ora apenas sabemos
que mora em Viale Glulio Cesare, número 22; bem perto do
Vaticano.
— Conheço Roma. Continuem procurando Miles.
— Talvez esteja usando um nome falso.
— Tudo são suposições. Procurem-no e espero que
quando voltar de Londres, esta noite, tenham mais
informações.
— Você vai a Londres? — surpreendeu-se Simon.
— Sim, mas voltarei hoje mesmo — sorriu Brigitte. —
Para falar a verdade, só irei ao aeroporto de Heathrow.
***
Naturalmente, quando o avião pousou, ele a estava
esperando à saída da recepção dos voos internacionais e
Brigitte o fitou com um lindo sorriso. Havia apenas sofrido
algumas pequenas transformações provocadas pelo tempo
implacável, pela idade, pelos anos. No restante, John
Pearson, mais conhecido como o “Fantasma” continuava
sendo o mesmo: alto, atlético, um homem bonito, viril e
atraente que conservava o mesmo olhar inteligente e direto.
No passado fora um dos melhores agentes da MI-5 e hoje era
um de seus chefes mais significativos, o homem que dirigia a
verdadeira espionagem britânica... Um velho e querido
amigo de Brigitte, com o qual já havia compartilhado de
inúmeras aventuras.
John Pearson era um dos poucos homens que podiam
beijar a boca da divina espiã, tendo o beijo retribuído,
embora o sabor fosse sempre de um amor impossível.
Depois do beijo do encontro, eles continuaram abraçados
por mais alguns segundos, até Pearson começar a rir.
— Minha vida estaria correndo perigo se o Número Um
nos visse assim abraçados, minha querida.
— Você sabe que nada ia acontecer, John. Vai me
convidar para tomar um aperitivo?
— Lógico. Meu carro está...
— Nada disso. Iremos ao bar do aeroporto mesmo. Já
estou com a passagem de volta. Deverei estar em Roma
ainda esta noite.
— Tudo bem. Tomaremos então, um martini no bar.
Porém, desde já posso ir adiantando que não encontramos
qualquer referência a esse diplomata húngaro que sofreu um
acidente em Norfolk. Definitivamente, esse Ference Slazac
devia ser um diplomata sem projeção alguma, um tipo
apagado completamente. O que está acontecendo?
Entre um sorvo e outro do martini, ela foi contando a
John Pearson todas as coisas que sabia sobre o caso que a
interessava naqueles dias. Quando ela terminou a explicação,
Pearson acendeu um cigarro e perguntou:
— Por acaso você conhece o diplomata britânico John
Charles Waldorf?
Brigitte arregalou os olhos, atônita.
Perto da mesa que ocupavam, havia muita gente do
mundo todo, tomando café, uísque, Coca-Cola ou água
tônica. O movimento do aeroporto era intenso e o ruído era
incessante.
— Sir John Charles Waldorf?— repetiu Brigitte quase
que em murmúrio.
— Sim.
— Claro que eu o conheço! Todo mundo conhece Sir
John Charles Waldorf! É um dos diplomatas mais
proeminentes de todos os tempos, só podendo ser comparado
com Churchill, Home e outros da mesma estirpe. Como pôde
me fazer uma pergunta tão tola, John?
— Sir John Charles Waldorf vive no Condado de
Norfolk, em uma casa lindíssima que está localizada no
centro de sua propriedade. Pois bem, Ference Slazac sofreu o
acidente a menos de cinco milhas dessa mesma propriedade.
— O que está tentando me fazer entender? — perguntou,
surpresa.
— Você me telefonou para dizer que algo estava
ocorrendo no Corpo Diplomático Internacional e pediu-me
uma ajuda, para levar adiante certa investigação... e eu
investiguei.
— John, você conhece um diplomata italiano chamado
Indro Galilei?
— Somente de nome. Por quê?
— Imagino que se aposentou com cinquenta e seis anos.
— Sir John Charles também está aposentado, mas tem
setenta e sete anos. Uma saúde de ferro, seu único mal é ser
velho. Poderia continuar na ativa, embora com menos
velocidade, mas preferiu um descanso honroso. Sabe o que
ele faz atualmente?
— Não, o quê?
— Compõe canções de amor. É adorado por todos os
netos e netas.
— John, o que está pensando de tudo isso?
— Não sei. De um lado estão os nomes de diplomatas de
primeira linha como Indro Galilei e Sir John Charles
Waldorf. E do outro lado aparecem nomes de outros
diplomatas que nunca tiveram relevância como Slazac,
Botak e vários outros que se reuniram no “Hotel Partenon”,
precisamente com Indro Galilei... Não sei o que está
acontecendo, mas é indiscutível que alguma coisa está
ocorrendo no ambiente diplomático.
— No ambiente diplomático internacional — destacou
Brigitte.
— Sim. Quer que continue com as investigações em
torno de Hendrick Miles e seus três amigos?
— Veja, eu já trouxe fotos desses homens — sorriu a
espiã.
— Agora entendo porque fez tanta questão de encontrar-
se comigo! — reclamou Pearson. — Cheguei a pensar que
viesse a Londres porque sentia saudades de mim, mas agora
sei que veio somente para entregar-me esses retratos!
— Não seja ingrato, John — riu Brigitte. — Eu poderia
tê-las enviado de mil formas diferentes, desde um simples
Fax a um de meus Simons que poderia tê-los trazido em
mão. Estou em Roma, hospedado no “Coliseo Hilton”.
— Naturalmente também está pensando que o húngaro
Ferenc Slazac foi assassinado.
— Sim, é o que estou pensando. Acredito que de um
modo ou de outro, sabotaram seu carro e este foi estatelar-se
de encontro a uma árvore, como podia ter derrapado, saindo
da estrada ou se meter embaixo de um caminhão.
— Se Botak e Slazac foram assassinados, talvez o mesmo
tenha acontecido com outros diplomatas. Esta é a minha
opinião, Brigitte.
— A qual aceito plenamente.
— Seu amigo monsieur Nez está investigando a vida do
simpático Giscard Mérier?
— Dentro de duas horas — Brigitte olhou para o relógio
de pulso — tenho uma entrevista com meu amigo monsieur
Nez, em Orle. Será rápido, o tempo justo da escala de voo.
— Às vezes, fico pensando que tipo de mulher é você,
minha querida. Consegue manejar meio mundo sem
aparentar nervoso ou preocupação, bem ao contrário,
aproveita todos os mementos mais calmos para tomar um
copo de champanha.
— Nem sempre champanha porque hoje é martini — riu
a divina, levantando-se da mesa. — Obrigada por tudo, John.
Já sabe onde me encontrar em Roma.
***
Orly, aeroporto de Paris. Monsieur Nez já estava
esperando no vestíbulo e quando se encontraram foram
sentar-se nas poltronas confortáveis da sala de espera.
— Dispondo somente de quinze minutos, monsieur —
Brigitte avisou — mas meus agradecimentos serão eternos.
— Não me precisa agradecer nada, Brigitte. Madame
Botak continua hospedada na vila de Giscard Mérier. Quanto
a este... sabe o que fez quando se despediu de você na porta
do hotel, às vésperas de sua viagem à Grécia?
— O que fez?
— Foi a um elegante bar dos Campos Elíseos onde
Lucien Saint Cyre o esperava. Tomaram um aperitivo e se
despediram. O senhor Saint Cyre é um de nossos diplomatas
mais influentes.
— Devo entender que monsieur considerou o encontro...
inusitado, estranho?
— Exatamente se considerarmos que ambos trabalham no
mesmo lugar e que somente bebericaram um aperitivo e se
separaram.
— Está pensando que ambos falaram sobre mim?
— Creio que sim. Meu agente não pôde ouvir nada, mas
nós podemos obter nossas próprias conclusões, não é
verdade?
— Sim, monsieur. Sabia que o diplomata húngaro Ferenc
Slazac sofreu o acidente a cinco milhas da casa de Sir John
Charles Waldorf que já está aposentado?
— Conheço Sir John Charles, mas não sabia onde vivia
atualmente.
— Pois agora já sabe.
— Inferno... afinal o que está acontecendo? — exclamou
Nez.
— Isso logo saberemos, monsieur. Vou deixar-lhe
algumas fotos e os nomes de alguns homens. Gostaria que a
SDECE pudesse averiguar algo sobre os mesmos.
Especialmente de um tal de Hendrick Miles, pois os outros
três estão mortos.
— Tiveram algum acidente?
— Talvez — sorriu a espiã, friamente. — Um acidente
chamado Baby. Qual é a ocupação dos senhores Mérier e
Saint Cyre?
— Cumprem suas obrigações rotineiras como diplomatas.
— Monsieur Nez, estou hospedada no “Coliseo Hilton”,
em Roma. Desculpe-me, mas não quero perder o avião.
— Bon voyage — desejou o velho amigo.
***
— Finalmente localizamos Hendrik Miles comunicou um
Simon. Está em Viale Giulio Cesare, número 22.
— Mas esse endereço é de Indro Galilei! — exclamou
Brigitte.
— Exatamente.
— Isso não tem sentido — murmurou, confusa.
— O que não tem sentido? — perguntou o rapaz.
— Hendrick Miles tem uma agência especializada em
assassinatos e outras coisinhas mais. Um dos últimos
serviços que realizou foi o assassinato de Kemal Botak e,
possivelmente, também organizou o acidente do húngaro
Slazac na Inglaterra. Pelo jeito está somente assassinando
diplomatas. O que estará fazendo na casa de Galilei?
— Talvez preparando o cenário para mais um
assassinato?
— Não creio. Miles jamais visitaria um homem que
pensasse matar!
— Nesse caso então, podemos supor que ambos são
amigos — reflexionou Simon. — E isso pode significar que
possivelmente o senhor Galilei andou envolvido nas mortes
de Botak e Slazac.
— Você é muito esperto para ser tão jovem. Ou eu devia
dizer que jovem demais para ser tão esperto?
— Nunca é cedo para a gente ser esperta. Dois
companheiros estão esperando Miles nas proximidades da
casa de Galilei. Vão segui-lo para ver onde se esconde. E
depois o que faremos?
— Adivinhe já que é tão esperto — sorriu Baby.
— Devemos sindicar sobre a amizade que existe entre
Miles e Galilei.
— Vejo que você irá longe, rapaz. Talvez algum dia eu
vá lhe pedir um favor quando estiver trabalhando na Casa
Branca.
— O favor já está concedido — sorriu Simon. — Por que
você não dá aulas de espionagem, Baby?
— Há mais de vinte anos não faço outra coisa em minha
vida, rapaz.

CAPÍTULO SÉTIMO
O poder mundial na sombra

A casa da Viale Giulio Cesare, número 22 era uma


pequena mansão cercada por um discreto jardim no qual
predominavam as castanheiras, era uma residência de alto
gabarito.
Chegou de táxi que a deixou perto do portão. Gastou
alguns minutos contemplando a casa, parada dentro das
grades de ferro até o rádio chamar.
Atendeu-o imediatamente:
— Sim?
— Miles ainda não saiu, continua dentro da casa.
— Obrigada, Simon.
Fechou o rádio e o guardou novamente na bolsa. Dirigiu-
se resolutamente para a residência de Indro Galilei, o único
diplomata importante entre todos os que haviam participado
da reunião realizada no “Hotel Partenon”, em Nea
Michaniona.
Foi recebida por um criado muito solícito que a
contemplava com prazer, pois a tinha reconhecido no ato.
— Sou Brigitte Montfort, colunista do “Morning News” e
amiga do senhor Kemal Botak. Gostaria de ver o senhor
Galilei.
— Um momentinho porque não sei se ele está em casa —
respondeu o serviçal.
A espiã se limitou a sorrir o mais amavelmente que pôde
e o acompanhou a uma sala de estar, onde ficou sozinha.
Quase cinco minutos mais tarde, o empregado reapareceu.
— A senhorita poderá acompanhar-me.
— Então conseguiu localizar o senhor Galilei?
— Sim e ele está à sua espera.
Brigitte estava divertindo-se com aquela situação
estranha. O dono da casa ficara perdido dentro dela.
O vestíbulo era amplo e estava decorado com muito bom
gosto e luxo. Deduziu que os mesmos deviam estar em todos
os cômodos da mansão.
Quando entrou no salão comprovou que realmente o luxo
era exuberante em todos os pontos de vista, fosse pelo
mobiliário ou pelos quadros que ornamentavam as paredes,
os tapetes que cobriam o chão ou pelos objetos que estavam
à vista.
Indro Galilei sorriu cordialmente ao vê-la. Sua expressão
era agradável, mas seu olhar inquisitivo.
Era um homem alto, atlético, elegante e possivelmente
muitos o considerariam sedutor.
— Senhorita Montfort, jamais pensei que algum dia fosse
recebê-la em minha casa! Realmente é a senhorita que está à
minha frente, embora muito mais encantadora do que as
imagens que a televisão nos oferece.
— O senhor é muito amável — falou, estendendo-lhe a
mão. — Espero que minha visita não esteja prejudicando
suas atividades.
— Não, em absoluto... Fiquei surpreso porque não sabia
que fosse amiga de Kemal Botak.
— Conhecemo-nos em uma reunião e depois nos
encontramos em muitas outras. Só lamento que o mesmo não
tenha acontecido em relação ao senhor, pois acho que até
hoje não nos tínhamos encontrado, senhor Galilei.
— Essas coisas costumam acontecer inexplicavelmente.
Algumas pessoas encontramos muitas vezes e outras vivem
perto de nós sem jamais nos cruzarmos. Só espero que no
futuro minha sorte fique diferente e eu possa encontrá-la
com frequência. Embora, eu esteja pensando que procurou-
me porque quer conversar sobre Kemal Botak... ou fazer
algumas perguntas sobre ele?
— Queria fazer algumas perguntas, sim. Soube que
ambos estiveram no “Hotel Partenon”, em Nea Michaniona.
Indró Galilei ficou como que petrificado, enquanto uma
palidez fortíssima invadia seu rosto. Ficou vários segundos
em silêncio e finalmente, murmurou:
— Então soube que eu estava no hotel quando Botak teve
a infeliz ideia de suicidar-se?
— A gente sempre acaba sabendo essas coisas.
— Posso saber como soube?
— Perguntar o senhor pode, mas eu não poderei
responder-lhe. As fontes de informações de um jornalista são
sempre secretas, senhor Galilei.
— Sim... sei disso. Sente-se, por favor. Deseja tomar
alguma coisa? Um uísque com gelo?
— Adoro uísque! É verdade que eu não o estou
aborrecendo?
— Não, em absoluto.
O diplomata preparou as bebidas, entregou um dos copos
à visitante e depois se sentou em uma poltrona que estava
colocada em frente da que ela ocupava.
Sempre cortês, impecável, perfeito... mas Brigitte
percebia como estava nervoso.
— O que a senhorita deseja perguntar-me sobre Botak?
— Gostaria de saber o que ele fazia naquele hotel da
Grécia.
— Na verdade não sei.
— Então devo entender que ambos não se encontraram
em nenhum momento, não conversaram e nem se viram em
hora nenhuma?
— Nossas relações profissionais sempre foram geladas,
senhorita Montfort. Para falar a verdade, pouco nos
conhecíamos e raras vezes estivemos juntos no decorrer de
nossas atividades diplomáticas.
— Uma situação perfeitamente compreensível. E com os
outros?
— Que outros? Não a estou entendendo?
— Além do senhor e do senhor Botak, havia doze
diplomatas hospedados no “Hotel Paternon”. Todos eles de
nacionalidades diferentes. O senhor não manteve contato
com nenhum deles?
— Bem... Isto é...
— Será que o senhor não sabia, que havia uma reunião
muito estranha de diplomatas, senhor Galilei?
— Perdoe-me... Perdoe-me, por favor, mas já está me
cansando com tantas perguntas! Parece que me está
submetendo a um interrogatório, senhorita Montfort!
— Por favor, não era isso que eu desejava. Peço-lhe
milhões de desculpas. Não tive essa intenção. Eu somente
desejava obter alguns informes que colaborassem com minha
teoria: Sei que Kemal Botak não se suicidou.
— Como não se suicidou?
— Isso de acordo com minha opinião. Eu conheci Kemal
Botak e sua esposa. Ele não era homem que aprovasse
suicídios, disso tenho certeza, senhor Galilei. No entanto o
que mais me intrigou foi aquela... reunião de diplomatas de
várias nacionalidades em um encantador, mas pouco
conhecido hotel grego. Outra coisa que chamou minha
atenção foi o fato de todos os diplomatas serem quase
medíocres... com exceção do senhor. É verdade que não me
pode adiantar informação alguma?
— Evidente que não. Não tenho a incumbência de
fiscalizar diplomatas ou não diplomatas, nem aqui ou na
Grécia.
— O senhor conheceu o diplomata húngaro Ferenc
Slazac?
A palidez se acentuou. O italiano parecia ter levado uma
chibatada no peito e por alguns segundos permaneceu mudo.
Finalmente, conseguiu reagir.
— Sim, apenas de passagem... Uma vez, nós dois nos
encontramos.
— O senhor Slazac também andou tendo má sorte e não
faz muito tempo que tudo aconteceu. O pobre sofreu um
acidente de automóvel no Condado de Norfolk e teve morte
instantânea. O senhor sabia?
Indro Galilei agora estava respirando com alguma
dificuldade e o suor escorria por seu rosto.
— Sim... ouvi alguns comentários — falou quase
gaguejando. — Realmente, o senhor Slazac teve muito azar.
— Eu gostaria de poder adivinhar o que ele estava
fazendo naquela parte do mundo. O senhor por acaso poderia
me adiantar alguma coisa?
— Eu... sim... não...
— Já é suficiente — disse alguém que estava parado à
porta do salão. — A entrevista terminou?
Indro Galilei fechou os olhos e suspirou aliviado. Brigitte
Montfort continuava com o copo de uísque na mão e se virou
sorrindo.
Viu um homem que devia ter quarenta ou quarenta e dois
anos, alto, espadaúdo e discretamente elegante. Seria um
homem bonito se em seus olhos não houvesse tanta
crueldade e hostilidade. Ele apontava uma pistola em sua
direção.
— Ah, o senhor Miles também está aqui? — exclamou
ela com um belo sorriso.
Galilei não se conteve e soltou um palavrão tremendo. O
outro conseguiu controlar-se melhor, mas também estava
surpreso.
— A senhorita me conhece?
— Somente por terem falado do senhor — sorriu Brigitte.
— Estive conversando com um de seus amigos, Domenico
Starti. Está lembrado dele?
Hendrick Miles entrecerrou os olhos como se quisesse
penetrar nos pensamentos da senhorita Montfort, mas parece
que chegou a uma conclusão desagradável porque crispou o
rosto e ele disse:
— Levante-se. Vamos sair daqui.
— Antes disso, nós podíamos conversar um pouquinho,
senhor Miles.
— Não estou afim de conversas. Obedeça-me!
Brigitte soltou o copo e se levantou. Olhou para Galilei
que parecia mais assustado.
Ela sorriu e perguntou com ironia:
— Senhor Galilei, estou tentando descobrir que plano
obrigaria um homem como o senhor relacionar-se com
alguém do nível de Miles?
— Sua língua é muito afiada — respondeu este. — E
parece que dispõe de ótimas fontes informativas. Andei
lendo sua coluna do “Morning News” e comprovei que os
seus artigos sempre são profundos e bem documentados.
Realmente Brigitte Montfort é uma jornalista de categoria...
mas na minha opinião está sabendo muitas coisas a respeito
do “Hotel Partenon”, sobre as mortes de Botak e Slazac. Não
quis revelar a Indro como conseguiu ficar a par de todos
esses assuntos, mas comigo falará, juro como falará!
— Não creio que isso aconteça, senhor Miles — sorriu a
divina.
— Prefere que eu use meus métodos?
— Não seja cansativo e se quiser um conselho...
— Um conselho? — o rosto de Miles se transformou em
uma máscara de ódio. — Sou eu quem vai lhe dar um
conselho, senhorita Montfort. Responda as minhas
perguntas, ou então, se arrependerá por ter nascido!
Entendeu o que eu estou querendo dizer?
Enquanto fazia essa pergunta, ele se aproximou de
Brigitte, colocou a mão em sua nuca, enquanto o cano da
pistola ficava colado a sua garganta.
A defesa da senhorita Montfort não se fez esperar, foi
fulminante. Com sua mão direita pegou a esquerda de Miles,
torcendo seu pulso com força, a ponto de vários ossos
estalarem. A dor foi intensa e o homem não teve tempo nem
de perceber o que eslava acontecendo quando recebeu um
chute nas virilhas que o deixou caído no chão, gemendo de
dor.
Rapidamente, ela deu um outro pontapé na pistola que
tinha caído no tapete e se virou para Indro Galilei.
— Na realidade, estive falando de forma tão clara e com
tanta agressividade porque sabia que Hendrick Miles nos
devia estar escutando. Queria provocá-lo para que
aparecesse. Agora já tenho os dois em minhas mãos e terão
de explicar-me em que consiste a jogada completa. De
acordo, senhor Galilei?
Os olhos deste estavam mais desorbitados quando viu
Miles engatinhando sobre o tapete e se aproximando
silenciosamente da arma que Brigitte tinha chutado para
perto da janela.
A espiã também percebeu aquela estupidez humana.
Simplesmente, apanhou sua pistolinha que estava presa à
coxa. Apontou-a quando Miles estava quase tocando no
revólver.
Não perdeu tempo e apertou o gatilho. A bala foi perfurar
a mão do criminoso e Miles gritou de dor.
Brigitte recolheu a arma e a guardou na bolsa, em seguida
se sentou na poltrona, apanhou o copo com o uísque e tomou
um sorvo da bebida. Depois abriu e apanhou o rádio,
acionou-o e escutou uma voz de homem.
— Sim?
— Simon, diga a Simon-Roma que já podem vir e ocupar
a casa do senhor Galilei. Tudo parece tranquilo, mas tenham
cuidado.
— Ok.
A espiã desligou o rádio e olhou para os dois homens que
a observavam como se estivessem hipnotizados.
— Que homens virão para tomar conta da propriedade?
— perguntou Miles.
— Alguns amigos e agora fique calado enquanto o senhor
Galilei me explica tudo. O senhor vai ser bonzinho comigo,
não vai, senhor Galilei?
— O plano não podia dar certo.
— Que plano?
— O poder mundial na sombra que satisfaria a ânsia de
poder que existe nos homens. A ideia surgiu de forma
repentina ao se observar alguns governantes. Estes não estão
preparados para governar, para ocupar os cargos. E a maioria
só consegue se matar com a ajuda de parasitas que vivem à
volta deles e os sustentam no poder. Por exemplo, um
ditador geralmente é um militar que se distinguiu por suas
crueldades e pode chegar ao poder por meio das armas e da
força, mas só se manterá no governo se contar com o apoio
irrestrito dessa rede de aproveitadores que o explorarão a fim
de poderem usufruir de sua série de vantagens. Para
terminar, tanto o governo visível, como seus cúmplices
invisíveis são parasitas da Humanidade a qual exploram
brutalmente.
— Até agora concordo plenamente com o senhor — disse
a jornalista.
— Pois bem, alguém teve a ideia de que o mundo ficaria
melhor se fosse governado por diplomatas que se manteriam
ocultos. E para se levar esse projeto adiante, foi criado o
Conselho de Poder na Sombra. Os conselheiros seriam os
diplomatas mais importantes de cada país que continuariam
agindo como se o servisse, mas na realidade iriam
apoderando-se lentamente das rédeas do poder desses países.
E desse modo, enquanto aparentemente os governos do
mundo inteiro continuassem sendo os mesmos, o poder real
iria sendo transferido ao Corpo Diplomático. O Conselho de
Poder na Sombra naturalmente teria um presidente c eu me
ofereci para ocupar esse cargo.
— E Miles?
— Praticamente foi ele quem me alertou ao perguntar-me
por que eu iria conformar-me em ser um dos muitos
insignificantes na sombra se podia ser o presidente e exercer
o poder oculto que teria em minhas mãos? Disse mais, disse
que eu era o homem indicado a esse cargo porque fora
escalado para apresentar nosso plano em diversas partes do
mundo. Só eram convidados às reuniões os diplomatas que
aceitariam nosso projeto.
— Então, Botak e Slazac não o aceitaram — disse
Brigitte.
— Nem todos têm capacidade para ser inteligentes —
falou Miles com a mão enrolada em um lenço já vermelho de
sangue.
— Compreendo. Todos os diplomatas que não aceitassem
o convite eram eliminados.
— Sim. Não foram muitos porque a maioria gostou da
ideia de serem os mais poderosos do mundo embora agindo
ocultamente. O mundo ficará bem diferente quando for
dirigido exclusivamente por diplomatas de alto nível.
— Quem teve essa ideia tão brilhante?
— Tudo partiu do homem que seria o primeiro presidente
do Conselho e... — começou Galilei, mas no mesmo instante
um estilete de aço perfurou sua garganta.
A espiã olhou para Miles e ainda pôde ver que seu braço
sujo de sangue estava voltando à posição normal.
— Chega! — exclamou a espião, empunhando a
pistolinha. — Quem é ele?
— Descanse porque já foi condenado à morte.
— Condenado à morte? — repetiu Brigitte.
— Sim. Eu e Indro resolvemos eliminá-lo. Tudo será
feito de forma simples, dando um cunho de atentado político.
Infelizmente Indro não assumirá o cargo, mas há gente se
preparando para matá-lo.
— E essa gente vai matar quem?
Hendrick Miles riu. Aproximou-se do cadáver de Galilei
e retirou o estilete que continuava entranhado em sua
garganta. Brigitte percebeu suas intenções, pois ele era
daqueles que lutavam ou morriam lutando.
Miles levantou o braço para lançar o estilete em sua
direção e foi naquele momento que recebeu uma carga de
chumbo.
A bala penetrou em seu cérebro e a morte foi instantânea.

CAPÍTULO OITAVO
Sir John Charles Waldorf

— Foi pena porque ficamos sem saber quem foi o


inventor do Conselho do Poder na Sombra — murmurou
John Pearson. — Se conhecêssemos sua identidade
poderíamos lhe dar alguma proteção já que há gente escalada
para matá-lo. E se não houver dirigentes todo o grupo de
diplomatas que de início haviam aderido à ideia, voltará a
suas ocupações habituais.
— Eu não vejo o caso dessa maneira — murmurou
Brigitte. — Além de Botak e Slazac, outros diplomatas
foram mortos pelo mundo todo.
— Eu só queria saber quem foi o inventor desse plano
absurdo!
— Sem dúvida alguma, um homem muito inteligente e
ambicioso, apesar das circunstâncias — murmurou Brigitte.
— Que circunstâncias?
— As circunstâncias que cercam sua vida.
Ambos se encontravam no bar do aeroporto de Heathrow
e Brigitte tinha acabado de chegar de Roma depois de
solucionar algumas coisas naquela cidade.
— Diabo! Você sabe quem ele é e está fazendo mistério,
Brigitte!
— Você também sabe ou pensa que minha presença em
Londres é gratuita. Por que cargas d’água eu teria voltado
apesar de ter encontros importantes em várias outras
cidades?
— Santo Deus! Não! Não pode ser o velho Sir John
Charles!
— Pois eu estou desconfiando dele e se analisarmos os
acontecimentos veremos que a pista de Botak não nos ajuda
muito, pois foi este assassinado com urgência, talvez quando
fosse telefonar para alguém e comentar sobre o assunto. Mas
com Slazac tudo foi diferente e o “acidente” foi preparado
quando se dirigia à casa do “inventor” da ideia. Talvez para
comunicar-lhe que preparavam seu assassinato. Qual a
pessoa realmente influente e importante da diplomacia
mundial que se achava dentro da área do acidente?
— Sir John Charles Waldorf.
— Exatamente — sorriu Brigitte. — Você me leva ou
vou sozinha?
***
Deviam ser quatro horas da tarde quando eles chegaram à
mansão de Sir John Charles Waldorf. Era um homem
encantador, muito agradável, um ancião que tinha aspecto
sadio e inteligente.
Sir John Charles contudo os recebeu um tanto surpreso.
Olhava para um e outro sem entender o motivo da visita.
— Mais uma xícara de café? — perguntou, sorrindo.
— Não obrigada.
— Interessante que só os conheço pelo prestígio
profissional que têm. Nunca antes eu me havia encontrado
com o senhor Pearson ou com a senhorita. Estranho esta
singularidade porque por obrigações funcionais sempre
frequentamos as mesmas reuniões e recepções.
— Estas coisas acontecem muitas vezes e acredito que o
senhor esteja curioso com nossa visita.
— Bem, como a senhorita acabou de dizer, estou
realmente surpreendido e tentando adivinhar o motivo da
mesma.
— Já teve conhecimento da morte de Ferenc Slazac?
— Sim. O acidente foi a poucas milhas de minha casa.
— Não foi um acidente. Sir John Charles. Ele foi
assassinado quando vinha pata cá, a fim de adverti-lo que
Indro Galilei e Hendrik Miles planejavam assassinar o
senhor para um deles ocupar a presidência do Conselho de
Poder na Sombra.
O ancião ficou branco repentinamente e foi com
dificuldade que perguntou:
— Do que a senhorita está falando?
— O senhor ainda não sabe do que estou falando?
— Não... Claro que não.
— Sim John Charles — disse Pearson amavelmente. —
Sabemos que Miles antes de morrer já tinha dado ordens
para o futuro presidente do Conselho ser assassinado. É
verdade que não sabe do que estamos falando?
— Não.
— Sendo assim, seria um absurdo se prolongar a visita —
disse Brigitte levantando-se. — Não quer pelo menos
alguma explicação?
— Não. Estou aposentado e não me interesso pelos
problemas dos que estão na ativa.
— Nós sabemos que o senhor é o homem que tencionam
matar e podemos protegê-lo...
— Não, não. Estão enganados — disse Sir John
cortesmente.
— Obrigada por ter-nos recebido — sorriu Brigitte,
levantando-se.
Saíram em poucos minutos acompanhados por um dos
criados.
Entraram no carro e partiram. Quando passavam peio
jardim viram dois jardineiros cuidando de um pé de abeto.
— Talvez nos tenhamos enganado a seu respeito, mas de
qualquer modo, organizarei uma proteção para esse ancião.
— Talvez a ideia inicial do Conselho não fosse má, mas
acabou sendo desvirtuada pela ambição dos homens. Talvez
esse fosse o caso de Indro Galilei e talvez de Sir John
Charles. Não creio que o ancião desejasse viver os últimos
anos de sua vida compondo canções de amor.
Brigitte calou-se de repente em seguida, exclamou:
— John, os jardineiros!
Pearson não disse uma palavra, freou e deu a volta,
empreendendo o regresso a toda velocidade.
Estava a trezentos quilômetros da casa de Sir John
Waldorf quando ocorreu a explosão.
ESTE É O FINAL
— E finalmente resolveram tudo? — perguntou Simon-
Nipoulos.
— Chegamos a tempo para caçar os criminosos. Ficaram
que nem coelhos picadinhos.
— Talvez fosse mais interessante caçá-los vivos.
— Eu e meu amigo Pearson não colecionamos animais
insignificantes. E você como está? Está aproveitando Capri?
— Nem toque neste assunto!
— Sente-se como se fosse um imperador romano?
O agente olhou a sua volta. Estava em um terraço
magnífico do qual podia ver o Mar Mediterrâneo. Sentia-se
como um dos Simons mais bajulados dentro da CIA e agora
para culminar, mas como um ser humano que é amado por
outro ser humano.
— Você que é feliz. Só passei aqui para vê-lo porque vou
a...
— Não me diga que já vai embora?
— Prometi a um amigo que no domingo iria encontrar-
me com ele.
— Não adianta mais porque hoje já é segunda-feira.
— Puxa! Cheguei a perder a noção dos dias! Sei que
Frankie vai ficar uma fera, mas vou passar dois dias aqui em
Capri... recordando aventuras passadas! Sabe de uma coisa,
Simon? Eu também adoro Capri! Você nem pode imaginar
os dias que já vivi aqui!1

1
Ver aventura de número 35: Episódio em Capri.

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