Você está na página 1de 89

© 1980 – Antônio Vera Ramirez

“El Água Dormida”


Tradução de Izabel Xrisô Baroni
Ilustração de Benicio
® 391009
® 391105
PRELÚDIO
— Não se admite que alguém seja tão patife! —
exclamou Frank Minello no auge da indignação. —
Ninguém, ninguém mesmo tem o direito de dispor de um
monte de gente, conforme fez aquele sujeito!
— Frankie, quer fazer o favor de acalmar-se? — disse
Brigitte com muita calma. — No final das contas, o assunto
da “próxima humanidade” já foi solucionado.
— Foi solucionado porque a humanidade teve sorte,
porque se você não tivesse intervido nem se pode imaginar o
que não teria acontecido no mundo!
— Poderia, mas não aconteceu, Frankie. Mizu no kokoro.
Mizu no kokoro. É uma frase em que traduzida significa,
mais ou menos, “água adormecida”.
— O que está querendo dizer com “água adormecida”?
Hoje não estou afim a brincadeiras! Todos sabemos que água
não dorme!
— Às vezes, sim. Porém agora não posso explicar isso a
você por que estou esperando uma visita.
— Está esperando uma visita e por isso vai expulsar-me
de seu apartamento?
— Não estou querendo que saia, mas se continuar
nervoso como está, eu vou pedir para você dar um passeio
pelo Central Park.
— Afinal que visita você está esperando? — grunhiu
Minello.
— Um homem... muito especial. Tão especial como todos
os discípulos de Sensei Inomura e só por isso ele me foi
recomendado.
— Um homem recomendado por Sensei! Não precisa
falar mais nada, com toda a certeza o sujeito vem aqui para
lhe pedir alguma coisa, aproveitar-se de sua ingenuidade!
— Talvez me venha pedir algo, mas pelo que Sensei me
contou a seu respeito, esse não deve ser’ seu estilo. Não
parece ser dos que se aproveitam dos outros, bem ao
contrário.
Brigitte calou-se e olhou para o relógio carrilhão que
estava na parede da saleta onde, dá conversavam e em
seguida, seus olhos pousaram no amigo da vida toda.
Já se acalmou? Muito bem, então poderei contar-lhe uma
história, enquanto Peggy nos serve um copo de champanha
com cerejas. Você me faria isso, Peggy? Ainda faltam quase
quinze minutos para ele chegar.
— Vou buscar o champanha imediatamente, senhorita!
— exclamou a governanta, já caminhando para a porta.
Saiu apressadamente da sala e quando voltou com o
champanha e as cerejas, Brigitte Montfort “Baby” já tinha
começado a história que explicava o significado de Mizu no
kokoro...
1 – MIZU NO KOKORO

O velho Sensei estava sentado no jardim.


Mantinha-se em postura zazen, de olhos fechados, imóvel
e se alguém o visse até poderia pensar que não havia mais
vida em seu corpo. Puro engano porque o velho mestre,
grande adepto do Zen, não podia estar mais alerta e mais
desperto.
Ouvia perfeitamente o rumorejar das águas da fonte
caindo pelas pedras até espraiar-se no lago. Também ouvia o
canto dos pássaros, o ulular do vento, o sol e da vida.
Continuava sentado com as pernas cruzadas sob o corpo e
seus cabelos eram tão brancos como a neve do Monte Fuji.
Certamente, já não tinha forças para escalar aquela
montanha, nem mesmo se usasse um bastão como alguns
turistas que chegavam de todas as partes do Japão, porém,
um dia, ele tinha escalado o Fujiyama com grande agilidade
e ligeireza.
Muitos repetem que o tempo passa, passa, porém o velho
mestre sabia que o tempo é imutável, que sempre permanece
igual. No entanto, é o insignificante homem mortal quem
passa pelo tempo com uma velocidade incrível. Hoje um
menino tem dez anos e brinca ao sol, mas amanha, ele terá
noventa anos e o sol continuará brilhando da mesma forma,
embora também esteja envelhecendo. O tempo do jovem de
hoje é igual ao do jovem que viveu há mil anos atrás. O
homem passa por ele como também passam as estrelas, os
planetas, todo o universo enfim, porém o tempo nunca passa
porque simplesmente existe.
Como é maravilhoso recordar os tempos vividos e saber
que sempre há algo para se aprender da vida! Quando o
menino tinha dez anos tudo era brincadeira e alegria, mas
quando chega aos noventa, já não sente tanta animação e
euforia, mas conserva a lembrança dos fatos vividos e dos
sonhos que nem. sempre se realizaram.
Sensei abriu os olhos lentamente e suspirou, enquanto um
sorriso muito tênue aparecia nos lábios já murchos e
enrugados. Levantou-se e entrou na casa, mas saiu logo
depois, carregando um gravador cassete a tiracolo. Desceu os
degraus do alpendre, ligou o aparelho e se aproximou de
uma flor.
Segurou-a com sua mão enrugada como um pergaminho
antigo e perguntou:
— Flor linda, por acaso você conhece algo que seja
melhor do que a vida e o sol? Algo melhor do que a água que
circula por seus talos e pétalas? Olhe para o céu e repare em
uma transparência azul-dourada, sinta o vento de outono tão
suave e me responda com toda sinceridade: Você sabe o que
é melhor do que a vida? Ah, sua resposta é “não”, muito
obrigado, flor!
Em seguida, ele se aproximou do lago e sorriu, para as
águas transparentes, de uma pureza magnífica.
— Água límpida, tranquila e vivificante, você é o ponto
de partida de toda a vida. Há água no céu, na terra, nas
plantas e até nos homens. Você faz parte de toda criação que
tem vida e o que me responderia se eu lhe perguntasse se
existe alguma coisa melhor do que a própria vida? A água
está em todas as partes e vê tudo que está espalhado pelo
mundo. Você vê o céu, os pássaros, as grutas, os campos
semeados e melhor do que ninguém sabe que a vida é algo
maravilhoso. Você é imorredoura tal como o tempo. Quando
o chão fica ressequido, foi porque você se transladou a outro
lugar que tanto pode estar no subsolo do terreno, como pode
se converter na nuvem que voltará à terra em forma de
chuva, neve granizo ou gelo. Sei que você deve amar a vida
e agora quero que me responda: Você pensa que existe algo
melhor do que ela? Sua resposta também é negativa? Muito
obrigado, água!
O mestre começou a atravessar a ponte estreita que
cruzava o lago, debruçou-se na amurada de madeira e
estendeu a mão. Quase imediatamente dois passarinhos
foram pousar em seus dedos.
— Bom dia, meus amigos — sorriu o ancião. — Eu seria
um tolo se perguntasse se vocês conhecem alguma coisa
melhor do que a vida. Os pássaros aproveitam o máximo da
própria vida voando, bebendo água, beijando as flores e
assistindo todas as coisas belas que surgem, de repente, para
enfeitar as paisagens. Concordam comigo?
Os passarinhos cantaram alegremente e o sorriso do
Mestre se distendeu como se tivesse compreendido a
resposta.
— Então na opinião de vocês, a vida é cantar?
— Priiiiiii! — gorjearam novamente.
— Ah, também gostam de voar?
Novos trinados alegres, felizes e o ancião continuou
monologando:
— Concordo com você completamente quando afirmam
que o melhor da vida é viver, mas viver como os pássaros
vivem, gozando, aproveitando todas as coisas que estão a sua
disposição. Essa forma de viver é maravilhosa. Agora me
respondam uma coisa: por acaso sabem como vive o
homem?
— Priii...
— Mais uma vez, tenho que concordar com vocês porque
o homem vive muito mal, nunca está satisfeito com o que
tem e sempre deseja ter o que os outros possuem. O mal dos
homens é a ambição, todos ambicionam o que os outros têm,
mas somente os fortes conseguem ficar com tudo ou pelo
menos, com o melhor que almejam. Não entendo porque
alguém sempre está querendo mais do que tem se já possui
sua própria vida. Meus amiguinhos, infelizmente o homem
se esqueceu que tem um coração, um corpo e pensamentos,
além da inteligência que lhe dá condições para gozar de tudo
que existe no mundo. Vou explicar-lhes uma coisa...
— Priiiiiii! — cantaram os pássaros, abandonando a mão
amiga e conhecida.
— Vão embora logo agora quando eu ia lhes falar de
coisa muito importante? Está bem, não vou ficar zangado
porque têm a liberdade de fazer o que querem,
especialmente, liberdade para voar. Eu ia contar-lhes o que
está acontecendo em Tóquio... Será que você, bambu amigo
me poderia dar um pouquinho de atenção? — falou
aproximando-se de um bambuzal. — Concede-me? Muito
obrigado e me perdoe se vou distraí-lo por alguns minutos.
Você sabe o que está ocorrendo em Tóquio? Um russo
conhecido como Vitali Melnikov está recrutando homens
para atacar dois grandes petroleiros japoneses que vêm
carregados de petróleo do Golfo Pérsico. Não sei o nome dos
navios e nem sei por que Melnikov quer apoderar-se deles.
Tenho um de meus discípulos averiguando o que está
acontecendo naquela área, mas Takashi Omura ainda não
descobriu muita coisa. É um tipo aventureiro que já esteve
envolvido em algumas complicações, mas é um homem
bom, diferente dos que estão sendo contratados por
Melnikov. O russo somente está reunindo gatunos,
aventureiros de mau caráter e criminosos, só homens
perigosos...
O Mestre se calou por segundos, como se esperasse
algum comentário que naturalmente não aconteceu.
Estou preocupado porque na abordagem poderão morrer
muita gente e minha preocupação vai um pouco além e me
pergunto o que Vitali Melnikov está pensando fazer com
duzentas e cinquenta mil toneladas de óleo bruto? Meu
amigo bambu, eu gostaria de evitar esse massacre e talvez
isso até fosse viável porque tenho meu dedicado. Takashi no
meio daqueles homens. Pensei que talvez eu pudesse
organizar um grupo que fosse invencível, constituído
unicamente de budocas, meus antigos discípulos. Sei que
meus rapazes poderiam desbaratar qualquer plano elaborado
por Melnikov em questão de segundos, porém esse tipo de
“solução” não seria muito inteligente e talvez gerasse maior
violência do que aquela que estou tentando evitar. Portanto,
devo procurar uma outra solução, enquanto Takashi continua
investigando quais as verdadeiras intenções do russo. O ideal
seria usar um método inteligente e perspicaz, mas como vou
encontrá-lo?
Sensei olhou para os céus e depois foi fechando os olhos
lentamente e os manteve cerrados por poucos segundos.
— Bambu amigo, penso que o melhor modo de me
achegar a Melnikov seria usando uma forma indireta que me
ajudasse descobrir seus propósitos para então, tomar as
medidas que sejam necessárias, a fim de abortar o plano
diabólico. Soube que o russo ultimamente vem mantendo
relações com uma mulher muito linda, chamada Ruth
Saville. É inglesa e está hospedada no Far Orient Hotel, em
Tóquio. Não passa de uma aventureira, falo assim para não
chamá-la de outra coisa, amigo bambu. Vive sozinha, sem
trabalhar e sem ter compromissos com qualquer pessoa... No
entanto, passa a vida aceitando favores de homens. Não de
um, o que até certo ponto seria desculpável, mas ela aceita
atenções de qualquer homem rico que a procure. Como eu
poderia classificá-la, amigo? Estou grato por sua atenção,
bambu. Muito obrigado!
O Mestre continuou caminhando lentamente pelo jardim.
De repente, escutou um ruído e viu uma revoada de pombas
brancas e cinzas. Parou para apreciá-la e murmurou:
— Pombas lindas que são o símbolo da paz. Creio que a
paz, à qual se dá tanta importância, é na realidade o estado
natural do Homem e da Vida. Não se deveria dar tanta
importância à Paz porque esta é o natural. Com a paz chega
a felicidade que também é o natural. O Homem nasceu para
ser feliz e não desgraçado. Se esse é o objetivo da vida todos
nós devíamos obedecer nossa verdadeira natureza e ser
sempre felizes, aconteça o que acontecer. Sim, porque tudo
que acontece, acontece fora de nós e a felicidade está
adormecida dentro de nós. É tão nossa como o corpo que
possuímos e jamais podemos perdê-la, enquanto tivermos
vida. Porém o Homem só será feliz se se despojar do ódio,
da inveja, da cólera, do ciúme... Cada homem deve esforçar-
se para gozar da felicidade que existe em seu interior e
aproveitar a vida que lateja em seu coração. Cada homem
todos os dias devia pesquisar seu interior para avaliar todo o
bem que tem e que pode ser dividido entre seus semelhantes,
como o Amor por exemplo. Se cada pessoa fizesse isso,
diariamente, descobriria que ninguém mais ia ter poderes
para molestá-la, magoá-la ou feri-la. Descobriria que em seu
íntimo há capacidade para amar tudo que é bom, que e
correto, também ia sentir que dentro de si há forças para
perdoar todo o mal que lhe façam. Só desse modo o homem
cumprirá com o destino que lhe foi imposto na hora de seu
nascimento: Viver e ser feliz. E quando chegar a esse grau de
progresso terá condições para controlar qualquer emoção
violenta que possa alcançá-lo. Tornar-se-á semelhante à
água adormecida, serena, bela e transparente. É isso que
devia acontecer com toda Humanidade, principalmente com
os budocas que jamais deveriam esquecer-se do mizu no
kokoro... Sim, o espírito deve permanecer calmo como a
água adormecida...

2 – MENSAGEM VALIOSA
— Fitzsimmons é um filho da mãe e eu vou matá-lo
como se mata um porco para fazer salsichas! — exclamou
Dick Merrit.
— Por que você não se acalma um pouco? — sugeriu
Lorne Short.
O sócio o fitou com espanto. Ambos estavam em Los
Angeles, no luxuoso escritório de Short, que parecia sereno e
imperturbável, Era louro, de olhos claros, elegante, de
feições enérgicas, aparentava ter pouco mais de trinta anos.
— Quer que eu o mande para o inferno? — esbravejou
Dick Merrit. Estamos falando de um sem-vergonha que nos
roubou trezentos mil dólares com uma chantagem nojenta e
você quer que eu me acalme! Eu vou, matar aquele safado!
Lorne Short, que de pequeno não tinha nada, pois media
mais de um metro e oitenta e dois de altura, sacudiu os
ombros simplesmente.
— Está bem. Faça o que tiver vontade e me avise a data
de sua própria execução.
— Pare com essas ironias! Ninguém pune a outrem por
matar um porco!
— Na minha opinião, acho que está abusando da palavra
“matar”. Não pense que seja muito fácil matar uma pessoa.
Nem mesmo é fácil matar-se um peru na véspera do Natal.
Você está falando em matar como se estivesse ameaçando
jogar uma pedra na vidraça do vizinho. Dick, você já matou
alguém?
— Eu? Que idéia mais absurda, claro que não!
— Muito bem, então vou sugerir que antes de matar
Fitzsimmons você treine um pouco. Seria horrível ir
matando-o por etapas e é isso que vai acontecer se falhar no
primeiro golpe e se tiver que dar outro, mas outro e outro...
Quando digo golpe também me refiro a bala, facada, etc..
— Eu vou cortar-lhe a cabeça! — gritou Dick Merrit.
— Pena porque eu já lhe tinha escrito uma nota.
— Não entendo mesmo. O gatuno nos rouba uma fábula
de dinheiro e você ainda pensa em lhe mandar uma nota!
— Sim. Por que você não a lê? — propôs Lorne,
entregando-lhe uma folha de papel.
Dick Merrit a apanhou de cara fechada e leu:
Estimado senhor Fitzsimmons:
Levando em consideração os últimos
acontecimentos, presumo que esteja atravessando
uma fase difícil. Não deve preocupar-se e se está
precisando de dinheiro para resolvê-la, eu e meu
sócio podemos emprestá-lo.
Espero passar alguns dias de férias em minha
cabana de praia, pescando, tomando sol e ouvindo
música. Se acaso está sentindo-se cansado e se
deseja alguns dias de repouso, está convidado.
Com meus cumprimentos cordiais
Lorne Short.

Dick Merrit fitou o sócio com um olhar de surpresa.


— Você ficou maluco! Oferecer dinheiro a um diabo que
está nos devendo? O que devia fazer era ir lá e partir a cara
do velhaco com um desses golpes que você conhece
admiravelmente! Qual a vantagem de ser um budoca?
— Bem maior do que pode imaginar — riu Lorne. — De
que adianta partir a cara de um homem que está em apuros
financeiros?
Naquele instante o interfone chamou e Lorne atendeu a
chamada.
— Perdoe-me, senhor Short, mas acaba de chegar uma
encomenda para o senhor. Tem selo de urgência e...
Merrit se debruçou sobre o aparelho e perguntou:
— Eu não disse que não devia passar nenhum recado,
enquanto eu e o senhor Short estivéssemos em reunião?
— Sim, senhor, mas o envelope veio do Japão —
respondeu a moça com voz gaguejante. — Pensei que talvez
fosse urgente porque o selo. Perdoe-me, senhor Merrit.
— Você pode desculpar minha secretária, Dick, — por
ela estar obedecendo minhas instruções?
Dick Merrit empalideceu e em seguida, ficou vermelho.
— Parece que todos querem acabar comigo! —
murmurou entredentes.
— O senhor Merrit manda dizer que você está
desculpada, Margie. Agora me traga o pacote que chegou.
— Sim, sim, senhor.
Pouco depois, a porta do escritório foi aberta e Margie
apareceu. Era uma garota linda e olhou para Merrit com um
olhar hesitante.
— Não precisa ficar tão assustada porque não vou comê-
la!
— Pois eu a comeria com vontade — sorriu Lorne. —
Margie é um bombom encantador. Obrigado, Margie...
Poderia enviar esta nota ao senhor Fitzsimmons, por favor?
— Sim, senhor.
— Obrigado.
A secretária apanhou o papel e saiu do escritório,
evitando olhar para Merrit e sentindo-se feliz, pois sabia que
o olhar de Lorne a seguia com admiração e ela estava louca
como mil cabras por seu imperturbável chefe.
Tão imperturbável, que suas feições nem se alteraram
quando depois de tirar o primeiro envoltório do pacotinho,
apareceu um segundo envoltório com o sinal de Sensei uma
estrela de seis pontas da Kuro Arashi1, a organização de
budocas que era dirigida pelo Mestre desde seu retiro. Uma
estrela negra que tinha dois buracos meio alongados na parte
superior que representavam dois olhos furiosos e, um pouco
mais abaixo, a boca, representada por uma curva virada para
baixo, em gesto hostil e amargo.
— O que é isso? — perguntou Dick Merrit.
Lorne não respondeu e desfez o pacote até a fita cassete
surgir. Não pareceu surpreso e a colocou no gravador que
formava parte de seu equipamento habitual de trabalho. Seu
escritório estava montado com conforto e mostrava que o
dono tinha uma situação financeira sólida, mas isso não era
motivo para alguém desdenhar trezentos mil dólares.
— Afinal o que é isso? — repetiu Merrit com
impertinência.
— Se você ficar calado, nós podemos ouvir melhor.
Merrit se calou até ouvir um trinado longo. Olhou para
Short que permanecia imóvel, com um sorriso nos lábios.
— O que é isso, afinal? — perguntou Merrit de novo.
1
Tempestade negra (tradução do autor)
— Um pássaro cantando no jardim.
— Um pássaro cantando no jardim? — repetiu o outro
com curiosidade. — Em que jardim? Desconfio que está
caçoando de mim, Lorne!
Naquele instante brotou a voz suave, em inglês perfeito:
— Flor linda, por acaso você conhece algo que seja
melhor do que a vida e do que o sol? Conhece algo melhor
do que a água que circula por seus talos e por suas. — a voz
Continuou a gravação.

Quando esta acabou, Lorne continuou impassível, mas
Merrit estava atônito e nem se alterou quando o sócio ligou o
interfone e pediu para Margie reserva-lhe uma passagem
para Tóquio, no primeiro vôo que saísse do aeroporto
internacional de Los Angeles. Em seguida, levantou-se da
poltrona e se aproximou do armário embutido. Abriu-o e
apanhou sua pasta, alguns papéis, a capa...
— O que você está fazendo? — reagiu Merrit,
finalmente.
— Estou saindo para Tóquio.
— Pare com suas brincadeiras! — exclamou Merrit,
levantando-se impulsivamente. — O que significa tudo isso?
Quem é o tipo que falou aquelas besteiras? E quem é o tal
Vitali Melnikov?
— Você escutou a voz de meu Mestre.
— Mestre... Mestre do quê?
— De tudo.
— O que ele lhe ensinou?
— Dick, um bom Mestre ensina tudo, mas parece que
hoje você não está em condições de entendê-lo.. Quando
você estiver realmente disposto para aprender, seus
ensinamentos, eu o porei no caminho, no Do. Até a volta.
Lorne se aproximou do gravador, retirou o cassete e o
guardou no bolso do casaco. Quando ia abrir a porta, o sócio
perguntou:
— O que vai fazer com essa fita?
— destruí-la.
— Tem coragem de destruir as coisas que seu Mestre
disse?
— Só destruirei a fita porque suas palavras já estão
gravadas em minha mente.
— Quer deixar esse cassete comigo? Eu gostaria de
entender tudo que ele falou. Prometo destruí-lo esta noite
mesmo, Lorne.
— Está bem. Cuide de nossos negócios porque não sei
quando voltarei ou melhor, nem sei se voltarei.
— O que está pretendendo fazer?
— Tudo que meu Mestre pediu nesta gravação. Vou
viajar com o espírito descansado porque sei que você tomará
conta de tudo e, se eu não voltar, como não tenho família,
você herdará minha parte no negócio.
— Você é um doido, Lorne! Eu não estava pensando
nisso!
— Eu sei, homem. Adeus!
— E o que vamos fazer com o cretino de Fitzsimmons?
— Eu já lhe mandei uma nota, Lembre-se: mizu no
kokoro... Reflita, seriamente sobre esta frase. Sayonara.
3 – PEGA OU LARGA?

O camareiro japonês do Hotel Ondori passou os olhos


pelo quarto 407 e verificou que tudo estava em ordem. A
única valise do hóspede que tinha acabado de chegar estava
em cima de uma cadeira.
— Se o senhor desejar alguma coisa, poderá pedir pelo
telefone, senhor Short, teremos prazer em servi-lo.
— É o que farei, obrigado — concordou Lorne Short.
O camareiro saiu e ele se aproximou da janela que
descortinava uma grande parte de Tóquio. O movimento era
tão buliçoso como se estivesse em Los Angeles. A cidade
tinha crescido, também já fazia alguns anos que não vinha ao
Japão. Como devia estar o Mestre querido? Logicamente
fazia aquela pergunta pensando no seu aspecto físico, pois
quanto ao psíquico, Sensei estava cada vez melhor, vivendo
uma vida retirada em seu ryckan. tendo um jardim
maravilhoso a sua volta, onde podia meditar, falar com as
flores e pássaros... A vida do Mestre era linda, vivia para
meditar, aperfeiçoar-se e ajudar a todos que precisassem de
alguma ajuda...
Quantos anos Sensei já devia ter? Oitenta, noventa, cem?
Lorne Short sorriu e pensou: Tem os suficientes para sua
sabedoria. Apanhou um cigarro do maço e quando ia acendê-
lo, percebeu um som leve e deslizante as suas costas. Virou-
se para a porta e pôde ver o envelope ainda se
movimentando em cima do carpete. Recolheu-o e voltou
para perto da janela e pensou, sorrindo:
— Isso que é trabalhar depressa.
Abriu è envelope e apanhou algumas fotografias
coloridas. Em uma havia o rosto sorridente de um japonês de
olhar malicioso que aparentava uns trinta anos. As outras
lotos eram de um homem e uma mulher. Ele alto, ruivo e
sardento. Seus olhos eram cinzas e devia estar com quarenta
anos. A mulher.
A mulher deixou Lorne Short extasiado. Não devia ter
mais de vinte e cinco anos, muito elegante e linda. Era alta e
os cabelos cobreados caíam-lhe até os ombros. Os olhos
eram verdadeiras labaredas verdes e alegres. A boca, grande,
vermelha com lábios sorridentes, carnudos e bem
desenhados. Lorne Short, que nunca tinha vivido em
monastério, sofreu um impacto sensual violento e por alguns
segundos, teve a impressão que o sangue corria mais
depressa por todas as partes de seu corpo.
Só sossegou alguns segundos mais tarde e novamente
analisou as fotos que tinha recebido. Tanto Vitali Melnikov
como Ruth Saville eram pessoas bonitas, simpáticas que
esbanjavam saúde e alegria. Principalmente ela. Examinou
com mais cuidado a figura que parecia se preparando para
pular da foto a qualquer momento: Era uma mulher atraente
que tinha olhos verdes incrivelmente brilhantes e seios altos,
firmes e ousados.
— Bem, parece que meu serviço será mais interessante
do que eu imaginara — sorriu Short, acendendo o cigarro
que tinha ficado esquecido no peitoril da janela.

— É um absurdo que continue gastando dinheiro com
hotel podendo viver confortavelmente em minha casa —
disse Vitali Melnikov. — Sei que gostaria de viver em meu
chalé.
Ruth Saville fitou o russo por cima do copo de martini e
sacudiu a cabeça negativamente.
— Obrigada, Vitali, mas prefiro a independência. Não me
importo de continuar visitando o chalé que você tem na
praia, mas por favor, não insista para eu ir morar nele,
— Qual seria a diferença?
— Enorme para mim. Muitos homens já passaram por
minha vida, mas nenhum deles teria condições para
preenchê-la.
— Nem eu?
— Acho que nem você — sorriu Ruth Saville.
— Por favor, não me leve a mal, Ruth — sorriu o
soviético —, mas levando em conta sua classe de vida, creio
que está sendo muito exigente com respeito ao homem que
pode preencher sua vida.
A moça olhou para ele e fez um gesto de resignação.
— O que posso fazer se é assim que penso? —
murmurou. — Podemos sair quando você quiser.
Estavam no bar do Far Orient Hotel onde ela se
encontrava hospedada. Melnikov tinha vindo apanhá-la e no
estacionamento estava seu espetacular Toyota com dois
homens. Um que servia como motorista, mas, na realidade,
ambos não passavam de guarda-costas sempre prontos para
defender o patrão. O russo se levantou, afastou a cadeira de
Ruth e quando a moça ficou de pé, ele notou que todos os
olhares masculinos se centralizaram em sua pessoa: era uma
mulher belíssima, que tinha um encanto indefinivelmente
feminino e acabava eletrizando todos os homens.
Atravessaram o vestíbulo do hotel e saíram à rua Quinze.
Perto dali estava o famoso Parque Shiba com a Torre de
Tóquio profusamente iluminada.
— Sua resposta foi definitiva, eu não convenci você? Por
que não abandona o hotel e vai para minha casa?
— Vitali, você sabe como penso, não adianta continuar
insistindo.
— Irmão, pode compartilhar seu pão comigo? — disse
alguém em inglês.
Melnikov olhou para o sujeito que sorria e tinha os olhos
cravados em Ruth. Era um tipo alto, louro, de olhos claros
que estava vestindo uma calça de pano velhíssima e uma
camisa de malha preta.
Naquele momento o que menos o russo desejava, eram
complicações.
— Claro, irmão. E agora deixe-nos passar.
— Já que compartilhou o pão, também podemos
compartilhar a carne — riu o louro, estendendo ambas as
mãos e apertando os seios de Ruth. — Fonfon, fonfon,
passageiros a bordo! Podem confiar porque lemos duas bóias
maravilhosas!
A moça retrocedeu, surpresa. O russo estava perplexo e
desconcertado... Os homens que estavam no Toyota, já
corriam para protegê-lo. Um deles brandia uma chave
inglesa, certamente com intenção de usá-la na cabeça do
atrevido.
— Não se preocupe, senhor! Esse vagabundo vai direto
para o hospital!
A intenção do homem era essa, pois levantou a chave
inglesa e a arremessou contra o desconhecido. Poderia tê-lo
matado, mas a chave inglesa passou silvando pelo lugar onde
o louro tinha estado. Porém, este agora já eslava à direita do
chofer, que, vencido pelo golpe, estava caindo para frente.
Não caiu para frente, mas saiu disparado para esquerda
quando recebeu um murro violento no queixo.
O desconhecido rapidamente girou o corpo, fechou os
punhos e ficou de frente para o outro homem. Este se
desembestou para agredi-lo, mas antes que pudesse levantar
o braço, recebeu um golpe bem no centro do peito e no
mesmo momento, um som brotava da garganta do louro:
— Kiaiiiiiiiiii!
O homem de confiança do russo foi jogado de encontro
ao carro e caiu de bruços no chão. Aquele desconhecido,
rápido como uma centelha, girou o corpo novamente,
levantou uma perna, colocando-se em posição zenkulsu, com
o punho da mão direita virado para baixo e com o da
esquerda para cima. Ruth tapou a própria boca com ambas as
mãos para impedir os gritos que quase saíram ao
compreender que agora o louro, a descarregar um tsuki em
Melnikov.
— Espere! Não prossiga! — gritou este.
O desconhecido feroz controlou perfeitamente a ação já
iniciada e contemplou o russo com surpresa.
— Ajude-me a colocar esse homem dentro do carro,
depressa! Não está querendo que a polícia chegue, não é?
O louro hesitou, pois tinha a impressão que a polícia não
ia chegar, mas como já estavam cercados de curiosos... Não
respondeu e começou a afastar-se rapidamente, sentindo o
olhar da mulher queimando em suas costas.
— Ei, espere! — gritou Melnikov. — Tenho uma oferta
para você! Venha ajudar-me!
Mais uma vez o louro vacilou, mas deu meia volta e
retornou até onde estavam os dois homens caídos. Apanhou
um deste pela camisa e o levantou como se fosse um fardo.
Meteu-o dentro do carro no banco de trás. Depois, ajudou o
russo a transportar o segundo para também colocá-lo no
mesmo banco. Logo em seguida, estendeu a mão e disse:
— Agora me passe a grana.
— Não foi isso que eu quis falar — respondeu Melnikov.
— Quero oferecer-lhe um trabalho que renderá dez mil
dólares em quinze dias.
— A quem devo matar? — perguntou após ficar algum
tempo calado.
— Entre no carro para conversarmos com mais liberdade.
Mais uma vez, o louro vacilou, mas acabou entrando no
Toyota. O russo segurou o braço da moça e a levou para o
carro. Abriu a porta da frente para ela entrar e em seguida,
também se sentou ao volante. Ligou o motor e arrancou.
— Como você se chama?
— Hiro Hito.
— Rapaz, estou falando sério.
— Também falou sério quando disse que eu posso ganhar
dez mil dólares em quinze dias?
— Evidente, salvo se esses dois golpes que assisti foram
pura casualidade.
— Se quiser, eu faço a terceira demonstração.
— Não — riu o russo. — Ficou interessado pelo
dinheiro?
— Meu nome verdadeiro é Lorne Short.
— É um karateka?
— Não. Sou bordadeira.
O russo riu novamente e Ruth olhou para ele com
expressão assustada. Short piscou-lhe um olho e com o
queixo apontou para seus seios, enquanto lambia os lábios
com a ponta da língua. A moça ficou vermelha e se virou
para frente.
— Melhor do que você fala o inglês. Você é chinês?
— Sou russo.
— Mal, mal, americano não combina com russo.
— O que interessa agora é o dinheiro que está querendo
ganhar. Está alojado em algum lugar?
— Claro, leve-me ao Palácio Imperial. Já devem estar
preocupados com minha demora e esperando-me para a ceia.
— Ceia poderá ter em um bangalô que existe na praia.
Garanto que a comida é gostosa e farta — asseverou
Melnikov.
— E mulheres?
— Nada de mulheres ou bebidas — retrucou o russo. —
Estou contratando pessoal, pago bem, forneço boa comida e
quero que me faça um bom serviço. Depois todos poderam
andar com as mulheres que quiserem e beber até se
embriagarem. Antes não, entendeu, Short?
— O trabalho parece sério. De que se trata?
— Dois petroleiros japoneses deverão chegar dentro em
pouco na baía de Tóquio. Devem assaltar os navios antes que
cheguem.
— Diga-me, para que está querendo assaltar dois
petroleiros? A gasolina de seu isqueiro terminou?
— Você tem armas ou alguma entrada na policia, tanto
nos Estados Unidos como no Japão?
— Não tenho armas e nem antecedentes criminais.
— Nunca matou alguém em sua vida?
— Escute aí, amigo: Você por acaso já teve blenorragia?
Ruth novamente ficou surpresa e se virou para Lorne
Short com os olhos esbugalhados, enquanto Melnikov
soltava uma risada.
— Por que me fez essa pergunta, Short?
— Creio que também tenho direito de fazer perguntas
indiscretas, não concorda comigo?
— De acordo, não farei mais perguntas. Meu nome é
senhor Melnikov. Senhor Melnikov — repetiu, acentuando o
“Senhor”.
— Entendi. Por que essa tia está olhando para mim desse
modo. Parece que meu tipo a agrada. Suponho que não é sua
esposa.
— Não.
— Não? Então posso distrair-me com ela esta noite?
— Short, a senhorita Saville é coisa exclusivamente
minha. Lembre-se que já lhe disse que nada de mulheres e
bebidas até o trabalho estar terminado.
— Pensei que estivesse falando de farras e orgias, mas
nós dois podemos ser discretos e...
— Pare de bancar o tolo! Já falei que a senhorita Saville é
coisa só minha. Vamos mudar de assunto.
— Então, ela que pare de me olhar porque já estou
começando a me esquentar — estalou os dedos próximo ao
rosto de Ruth e exclamou: — Desperte ou eu não me
contenho mais.
— Ruth, olhe para frente porque o rapaz já nos disse
como está sentindo-se.
— Já passou. Agora só estou querendo comer como uma
besta. A comida não é boa... senhor Melnikov? E o dinheiro?
— Só vai recebê-lo quando tudo terminar. Só então
receberá tudo em moeda americana. Antes, nem um centavo.
Pega ou larga?
— Aceito.
— Dentro de vinte minutos estará comendo.
— Tudo bem, Senhor Melnikov, para quem está
trabalhando?
— Para mim.
— Não acredito. Por que um homem sozinho quer tanto
petróleo?
— Short, pare de fazer tantas perguntas e não complique
sua vida. Coma, durma e espere o momento da ação. Isso é
tudo.

4 – PRIMEIRA NOITE NO
ALOJAMENTO
Lorne Short sabia perfeitamente que o carro rodava em
direção de Kawasaki, deixando Tóquio para trás.
Melnikov só estacionou na frente de um chalé grande que
estava localizado à beira-mar. Pela janela do carro Lorne via
perfeitamente o reflexo da lua nas ondas e a silhueta de uma
lancha grande ancorada a poucos metros da praia.
Os dois homens já tinham recobrado os sentidos. Um
estava com a mandíbula fraturada e o outro tinha duas
costelas partidas. Olhavam para Lorne com um olhar
carregado de ódio e o rapaz compreendeu a situação em que
se encontrava: aqueles tipos só ficariam esperando uma
oportunidade para vingar-se. Conhecia aquela classe de
gente...
— Você irá ao bangalô e dirá que eu o contratei. Minora
e Yam ficarão em minha casa até o médico os atender —
ordenou Melnikov.
O bangalô era um galpão de madeira que também estava
à beira-mar, mas distante quase duzentos metros da casa
residencial,
— O senhor só contratou asiáticos?
— Não. Lá no galpão há homens de todas as partes do
mundo.
Lorne dirigiu um olhar rápido a Ruth e caminhou para o
galpão, prestando atenção em tudo que pudesse ver, mas fora
da vegetação rasteira que se espalhava pelo terreno, só via o
mar e a lancha.
Aproximou-se do bangalô. Dois homens estavam
sentados junto à porta. Continuaram silenciosos e o rapaz
disse em inglês:
— O senhor Melnikov me contratou e eu quero comer.
Ambos continuaram olhando para ele em silêncio e foi
então que Lorne notou que sé falavam japonês. Usou este
idioma e um deles respondeu:
— Senji está lá dentro e é ele quem cuida da cozinha.
Entrou no galpão que tinha um corredor centraI e mais de
quarenta beliches apinhados nas laterais. Alguns homens
fumavam, outros liam um grupo divertia-se jogando dados.
Todos o observavam e Lorne continuou caminhando pelo
corredorzinho, olhando com indiferença para os lados.
Nunca tinha visto tantas raças em espaço tão exíguo:
americanos, holandeses, ingleses, alemães, malaios, hindus,
japoneses e chineses.
No fundo do dormitório havia uma porta e conforme foi
se aproximando, começou a sentir aroma de temperos. Uma
cozinha e um dormitório para mais de quarenta homens.
Procurou Takashi Omura com os olhos, mas não o viu lá não
estava ali ou lhe teria acontecido algum coisa?
Entrou na cozinha e viu um japonês obeso e grandão.
Imaginou que fosse Senji.
— O senhor Melnikov me contratou e disse que você me
daria comida.
O japonês o fitou com maior interesse e o comentou;
— Você fala nosso idioma com perfeição. É americano?
— Sim. Nós dois não nos conhecemos em Guadalcanal?
Senji começou a rir, enxugou as mãos no avental e serviu
comida a Lorne. Este se sentou em uma das cadeiras que
estavam à volta de uma mesa enorme.
— No tempo de Guadalcanal você ainda nem pensava em
nascer, ianque.
— Meu nome é Short. Quantos quilos você tem, Senji?
— Quase cento e quarenta.
— Bem, se naufragarmos teremos carne para matar a
fome — riu Lorne, com a boca cheia de comida. — Você
também vai atuar nos petroleiros?
— Sou apenas cozinheiro.
Naquele instante, a porta foi aberta e Takashi Omura
entrou. Olhou para Lorne com indiferença e se sentou em
outra cadeira.
— O que está querendo aqui? — perguntou Senji com
maus modos.
— Não estou passando bem do estômago e gostaria que
amanhã você me desse uma comida leve. Você me faz uma
dieta?
— Sim, O senhor Melnikov não quer gente doente no
grupo.
Takashi sorriu para Lorne Short.
— Você é americano? Eu falo um pouco de inglês.
Cheguei há pouco e já me contaram que você estraçalhou
Minoru e Yam. Tenha cuidado porque seus amigos o estão
esperando lá fora. São seis ou sete.
— Não devia fazer estes comentários diante do
cozinheiro.
— Essa vaca não fala uma palavra de inglês. Está
querendo ajuda?
— Não.
— Certo, Se ele perguntar sobre o que falamos, diga-lhe
que foi de comida, azia e acidez. Boa sorte,
Takashi saiu e Senji perguntou:
— O que vocês dois falaram?
— Fique sabendo que se você me envenenar com sua
comida e eu passar mal como aquele homem, parto seu
pescoço.
Senji sorriu e começou a lavar uma ruma de pratos.
Lornee continuou comendo devagar, como se ignorasse o
que ia acontecer dentro de minutos. Comeu comedidamente,
apenas o suficiente para justificar um certo apetite. Saiu da
cozinha bocejando e acenando para o japonês.
Viu que Takashi estava deitado em uma liteira perto da
porta da cozinha. Andou o dormitório inteiro e se deitou em
uma outra que estava perto da saída. Fechou os olhos,
percebendo que agora o silêncio estava denso dentro do
galpão. A perspectiva não era nada agradável, mas ele se
controlou, manteve-se sereno como a água que dorme: mizu
no kokoro.
Sentiu o toque de uma mão muito leve no ombro, abriu os
olhos e viu um japonês debruçado sobre ele.
— O que você quer? — perguntou.
— O senhor Melnikov quer falar com você. Mandou que
eu viesse chamá-lo.
— Bodega! Nem descansar a gente pode, mas ele é o
patrão e eu vou.
O japonês sorriu e endireitou o corpo curvado. Lorne se
levantou e caminhou lentamente para a porta. Saiu do galpão
como se nada estivesse desconfiando, mas atento a tudo.
Pouco depois, viu seis homens que o esperavam a poucos
metros do bangalô. Foram aproximando-se até formarem um
semicírculo a sua volta.
— O que está acontecendo? — surpreendeu-se o
americano.
— Continue caminhando — disse alguém, encostando
uma faca em suas costas. — Não faça perguntas e ande.
Lorne obedeceu com passos vacilantes e o semicírculo
começou a se fechar, enquanto os homens procuravam
formar um círculo completo. Conhecia aquele tipo de surras
que muitas vezes se tomavam mortais.
Um deles atacou Lorne com um Ap Tchagui de Tai Kwon
Do. A resposta de Lorne foi fulminante: aparou com o braço
esquerdo com um Age Uke e simultaneamente, disparou seu
punho direito em tsuki para as virilhas do coreano. Este
lançou um berro que varou a noite e caiu morto. Um japonês
já disparava sua mão esquerda em shuto lateral, mas o
americano acertou-o com um golpe no pescoço e o homem
caiu como que fulminado por um raio.
Lorne girou o corpo e descarregou um espantoso uskiro
ate com o cotovelo e acertou outro japonês no ventre. O
homem caiu para trás, em quanto os lábios foram ficando
vermelhos de sangue.
Nesse momento, um coreano se lançou pensando atacá-lo
pelas costas. O impacto foi tão forte que Lorne caiu no chão.
Imediatamente um outro japonês saltou sobre o rapaz e o
derrubou de bruços. Lume sentiu uma dor horrível nas
costelas e momentaneamente, viu tudo escuro a sua volta.
Porém, instintivamente, rolou pelo solo e com esse
movimento fugiu de um pontapé que teria destroçado seu
rosto. Ajoelhou-se e gemeu roucamente quando alguém
apertou seu pescoço com um golpe de judô como se quisesse
estrangulá-lo em hadaka jitne. Fez um esforço tremendo,
levantou os braços e pegou o tipo pela camisa e o jogou
longe. O corpo do sujeito ainda não tinha pousado no chão e
um outro japonês tentava atacá-lo. Lorne apenas fechou o
punho direito e aplicou um tetsud entre as sobrancelhas deste
agressor.
Em poucos segundos tinha conseguido matar três
homens, mas ainda restavam outros três, inclusive o da faca
e, ele estava sem forças, caído no chão com a cabeça cheia
de zumbidos.
Recebeu um pontapé nas costelas, gritou de dor e quase
em seguida, alguém lhe propinou um tzuki no estômago,
enquanto o adversário ria com prazer;
Lorne não titubeou um instante. Levantou a mão direita e
descarregou um kuchi-bashi. vulgarmente chamado de
“picada da serpente”. Um dos olhos de seu adversário
arrebentou e o líquido escorreu por sua face, enquanto o
homem gritava de dor.
Percebeu que outros dois se preparavam para atacá-lo
com violência. Disparou os cotovelos para os lados, tentando
alcançar os inimigos. Falhou, e recebeu uma patada em
dotho tchegui no rosto que o jogou novamente no chão.
Como em sonho viu um outro sujeito se jogando contra ele...
Flexionou as pernas e quando o vulto chegou mais perto,
estendeu-as em tombe foge, jogando o adversário para o alto.
O homem só foi cair a quase três metros de distância.
Lorne levantou-se com a cabeça completamente zonza e
pensou em Sensei que o tinha forçado a treinos duríssimos, a
fim de prepará-lo. Naquele instante sentia-se semelhante a
uma máquina programada para “trabalhar” e revidar todos os
ataques com exatidão,
A vista clareou de repente, quando ouviu o zumbido
pairando no ar e, logo em seguida, vi um nunchaku de três
peças rodando. A arma girava, girava, girava, cada vez mais
perto dele Procurou escapulir de sua mira e começou
retroceder até suas costas se chocarem na parede do galpão.
Lorne compreendeu que se continuasse encostado àquela
parede de madeira, acabaria sendo triturado pelo nunchcku.
Aspirou o ar profundamente e emitiu um kiai com toda
sua energia vital:
— KIII AAIIIIII!
O nunchaku já estava a quase dois metros de distância.
Ele apenas flexionou as pernas e estas foram dar na cabeça
do japonês que se despencou com o rosto todo
ensangüentado. Depois se deixou cair de quatro, como um
felino, mas se ergueu imediatamente, adotando a posição de
ken zutsu, disposto a golpear quem dele se aproximasse e
esta foi a vez do japonês da faca.
Para sua desgraça, Lorne, naquele momento estava
convertido em um mecanismo admirável, graças ao
treinamento constante e exaustivo que vinha fazendo por
vários anos. Era dos que jamais desprezavam uma boa luta
direta e pessoal. O pasmo foi geral entre os que assistiam a
peleja singular quando o japonês tentou esfaqueá-lo e ele
aparou o golpe com um perfeito soto uke de braço esquerdo
e lançou um tremendo tsuki que alcançou o peito do
adversário que foi lançado pelos ares tal como se fosse um
boneco de palha para cair a mais de três metros.
Lorne não perdeu tempo nem para respirar e atacou o
homem do nunchaku com um veloz taisabaki e este também
ficou estirado no chão.
Durante alguns segundos Lorne Short permaneceu
Imóvel, com a respiração alterada e em guarda. Por fim,
relaxou-se e voltou para o interior do bangalô.
O silêncio era total. Ele se sentou na liteira com as pernas
cruzadas e fechou os olhos. Só agora seu rosto começava a
ficar perlado de suor. A concentração mental foi se dando
com lentidão, mas ele conseguiu-a.
— Não havia falhado quanto a seu jumbi shizei; o
juramento inicial de todo kurawka, pelo qual se comprometia
a jamais usar o caratê para atacar um semelhante e sempre
fazer uso dele somente em defesa própria. Um verdadeiro
budoca jamais age com crueldade e só faz uso de seus
conhecimentos para colaborar com o bem do próximo.
Não, não havia faltado à promessa inicial, tal como tinha
acontecido no Vietnã. O que podia fazer? Durante a guerra
havia usado armas, mas em pouquíssimas ocasiões, só
quando estas se tornaram imprescindível, quando não havia
outra escolha entre matar ou morrer. Tinha sofrido um
trauma bastante sério, quase uma neurose profunda quando
três guerrilheiros o apanharam em uma emboscada e o
feriram três vezes seguidas com facadas profundas. Foi
hospitalizado e quando recebeu alta, foi licenciado
definitivamente com todas as honras.
Que honra podia merecer um homem que passou anos
guerreando e matando outros seres humanos? Pelo menos
havia matado em cumprimento às suas obrigações
patrióticas, mas nem por isso, merecia receber homenagens
por ter sido um herói que tinha conseguido matar um numero
grande de inimigos.
E foi então que aconteceu a coisa mais maravilhosa de
sua vida. Quando fazia um vôo sobre Tóquio, rumo a Los
Angeles, escutou falar de Sensei. Isso tinha acontecido há
pouco mais de quatro anos, ficou curioso e foi visitá-lo.
Aquele primeiro encontro foi algo que Lorne jamais iria
esquecer. A tranqüilidade que sentiu naquele primeiro
contato foi algo indescritível.
O Mestre estava vestindo um quimono branco e sua
presença transmitia serenidade e suavidade.
O velho Mestre se exprimia em inglês corretíssimo e
passou horas e horas falando com ele no jardim do retiro que
havia escolhido para aprimorar seu espírito. Quando o
Mestre parou de falar, ele se estendeu no solo e adormeceu.
Passou três semanas inolvidáveis com Sensei, até que
compreendeu o verdadeiro significado do mizu no kokoro. A
partir de então se aprofundou no caratê como discípulo de
Sensei e compreendeu que muitas coisas poderiam ser bem
diferentes.
Que tudo no mundo podia ser ensinado de um modo ou
de outro e por isso, muitos eram budocas, outros adeptos das
artes marciais, alguns somente aprendiam a técnica da luta e
poucos alcançavam a sabedoria do mizu no kokoro...

5 – A CASA DE BANHOS

Short abriu os olhos quando pressentiu a chegada de um


homem branco ao lado da liteira onde estava ditado.
— Por que está parado ai como um palerma?
— Vim da casa grande, o senhor Melnikov quer vê-lo.
Levantou-se rapidamente, passou as mãos pelos cabelos e
andou para a porta da saída do galpão, depois de trocar um
olhar com Takashi Amura. Estava grato ao japonês, pois
sabia perfeitamente que ele tinha passado a noite em vigília
para evitar que alguém cravasse uma faca em sua barriga.
O dia estava lindo, o mar calmo e o sol brilhando depois
dele ler matado três homens na noite anterior.
Antes de chegar à casa, viu Ruth Saville parada perto do
Toyota, olhando para ele. Lorne mordeu os lábios e
pensou que era um homem experiente, perfeito conhecedor
de mulheres e aquela garota tinha passado a noite com
Melnikov.
— Bom-dia — cumprimentou-a quando se aproximou. —
Sabe onde posso encontrar o senhor Melnikov?
— Deve esperá-lo aqui porque sairá em seguida.
Lorne fez um gesto de aquiescência, meteu a mão no
bolso da calça e começou a procurar o maço de cigarros que
sabia ter deixado no barracão. Naquele momento começava a
representar seu novo papel de aventureiro, estava barbado,
com as roupas amarrotadas, pois tinha dormido com elas.
Sentia que não estava com muito bom humor, mas quase
sorriu quando a moça lhe estendeu o seu maço de cigarros e
disse:
— Pode ficar com ele.
— Obrigado, beleza, não sei se devo agradecer com
requinte a uma dama camareira. Como foi a noite, passou-a
bem?
Lorne se surpreendeu quando a viu ficar vermelha e com
os olhos brilhantes de lágrimas. Sentiu-se tão desconcertado
que não falou mais nada, acendeu um cigarro e começou a
fumar.
Quase em seguida Melnikov saiu da casa, parou perto
deles reclamou:
— Não gosto do aspecto que tem esta manhã, Short!
— Não vai dizer que devo ir a um salão de beleza.
— Escute bem, faço questão que fale comigo com
respeito. Quero ser tratado de “senhor” e quero vê-lo limpo e
barbeado. Entendeu?
— Sim... senhor.
— Agora se sente ao volante. Vamos a Tóquio para
deixar a senhorita Saville no hotel.
— O que aconteceu com seu motorista, por acaso dirige
com a mandíbula?
— A partir de hoje, você é o meu motorista e meu
guarda-costas. Agora, preste atenção. Não quero mais brigas,
reserve suas energias para o momento oportuno. Já causou
cinco baixas entre meus homens. Acho que chega.
— Espero que lhe tenham dito como tudo aconteceu,
— Exatamente e por ter sido como foi, escolhi-o para ser
meu motorista e admito que não seria justo repreendê-lo por
tê-los deixado como os deixou.
— O senhor é muito compreensível, senhor Melnikov.
— Tenho algumas coisas para fazer em Tóquio e
enquanto as providencio, você cortará os cabelos e fará a
barba. Quero que se arrume decentemente. Compre roupas
novas também.
— Com quê, se não tenho um yen, senhor?
Vitali Melnikov apanhou um maço de dinheiro do bolso,
separou alguns e os entregou a Lorne. O rapaz apanhou-o em
silêncio e foi sentar-se diante do volante com um sorriso
irônico... Parecia distraído e só após alguns segundos, virou
a cabeça e viu o russo e a moça parados ao lado do carro.
Compreendeu o que estavam esperando. Saiu do carro e foi
abrir a porta traseira para eles entrarem.
— Senhor, quer que eu também compre um gorro?
Sentou-se novamente no lugar do motorista e pôs o carro
em marcha. Pouco depois viu Tóquio aparecendo ao longe e
pensou que a cidade estava crescendo muito rapidamente,
que já não havia muitos jardins tão belos como há quatro
anos atrás. Talvez Sensei fosse um dos poucos japoneses que
não se tinham deixado absorver pela nova vida japonesa,
cheia de inovações e correrias.
— Senhor Melnikov.
— O que você quer, Short?
— Estou pensando que talvez necessite de mais homens
para substituir os que não podem mais agir.
— Até que sua idéia não é má. Por que me fez essa
pergunta?
— Talvez eu possa conseguir alguns para o senhor.
— Americanos?
— Não. Eu só convivo com meus conterrâneos quando
estou nos Estados Unidos. Posso reunir alguns camaradas
asiáticos que conhecem todo o segredo que existe em uma
boa briga e que não são exigentes na hora de receber
pagamento.
— Quantos e quando você poderia arranjá-los?
— Bem, talvez eu lhe arranje oito ou dez homens e os
possa reunir ainda hoje. Poderei ajuntá-los em algum lugar
adequado para o senhor vê-los.
— Que lugar adequado?
— Bem diferente daquele onde eu e eles costumamos nos
juntar. Podia ser no Tomodachi Club, em Cinza. O senhor
conhece aquele clube?
— Não, mas poderei encontrá-lo. Você está me dando
uma ótima colaboração, rapaz.
O norte-americano encolheu os ombros e simplesmente
falou:
— Espero que não se esqueça disso, senhor. E desejo que
meus amigos o sirvam com fidelidade.
— Isso veremos... Agora terá o dia livre para tratar de
encontrá-los, mas quando eu o vir novamente, quero vê-lo
mais aprumado.
— Não se preocupe — riu Lorne. — Eu também gosto de
apresentar-me com mais elegância. Primeiro, comprarei
roupas e depois irei à casa de banhos de Noriko Olcasan. Sou
capaz de até de homenagear-me com uma sessão de
massagem. A musculatura sempre deve estar no ponto,
concorda?
— Para um homem como você isso é primordial —
murmurou o russo. — Agora vamos deixar a senhorita
Saville no hotel e me leve para Maronouchi, o distrito
financeiro. Depois o carro pode ficar com você.
— Sim, senhor. Onde fica Monorouchi?
— Em frente à Estação Central.
— Certo — sorriu Leme, levando os dedos à fronte,
enquanto seus olhos olhavam Ruth pelo retrovisor.
A moça continuava com aspecto sombrio e tristonho. E a
partir daquele instante, ele se desligou e dedicou toda sua
atenção ao tráfego. Não era fácil conduzir pelas ruas de
Tóquio.

Já eram quase onze horas quando se dirigiu, com o pacote
de roupas que tinha acabado de comprar, à casa de Noriko
Okasan. Foi atendido pessoalmente por Noriko, uma
velhinha muito agradável, sorridente e de olhar malicioso.
Geralmente não era ela quem atendia os fregueses dessa
casa de banhos, mas sorriu ao reconhecê-lo.
— Lorne Short, você retornou? — perguntou com um
sorriso amplo.
— Claro, se eu não tivesse voltado, não estada aqui —
retrucou o americano também sorrindo. — E sabe por que
vim hoje aqui? Estou precisando tomar um bom banho. Esta
noite tenho que reunir oito ou dez budocas no Tomodachi
Club. Será que a senhora vai colaborar mais uma vez
comigo?
Noriko sacudiu a cabeça confirmando em silêncio. O
rapaz contemplou-a discretamente; pensando que talvez ela
já tivesse mais de setenta anos... Certamente tinha sido
bonita e... Será que não tinha existido um romance entre ela
e Sensei? O Mestre era um ser humano e fora pai de muitos
filhos e, atualmente, devia ter netos, bisnetos e tataranetos.
Quase em seguida, a porta da casa foi aberta e uma
empregada apareceu. Entrou silenciosamente, ajoelhou-se
aos pés de Noriko e lhe segredou algo ao ouvido. A anciã
sorriu e acenou com a cabeça. Em seguida, olhou para
Lorne.
— Seu banho já está pronto. Espero que o desfrute com
prazer e que volte mais vezes.
Lorne compreendeu e se levantou.
— Será um prazer “Mamã” Noriko. Até a vista.
— Yokoronde Short. (Quando quiser, Short)
O budoca seguiu a empregada que o levou por um
corredor amplo e silencioso. Abriu uma porta e se afastou.
Short entrou e pós o pacote de roupas em cima de um banco.
Aproximou-se da banheira cheia de água quente. Ali dentro
tudo era paz, silêncio e penumbra. Ficou imóvel, enquanto
uma japonesinha o despia. Finalmente, ela lhe tirou os
sapatos e mostrou-lhe a água.
— Arigatô — murmurou Lorne.
Meteu-se dentro da água, sentindo uma sensação gostosa.
Permaneceu algum tempo imóvel, de olhos fechados e só os
abriu quando escutou o leve rumorejar das águas. Levantou-
se e olhou para a moça que estava a sua frente... ficou
verdadeiramente petrificado e assombrado. Só conseguiu
balbuciar seu nome alguns segundos mais tarde:
— Senhorita Saville.
Ruth Saville estava ante ele, mergulhada na água que lhe
ia até a cintura, olhando-o fixamente. Por instantes, Lorne
chegou a pensar que estivesse sonhando. Exatamente, ela o
havia impressionado desde que viu suas fotos... mas naquele
momento, estava sonhando desperto e, só então começava a
reparar que já vinha sonhando acordado todo o tempo...
Ela despida era, mais linda do que vestida e Lorne pensou
que nunca tinha visto um colo e seios tão lindos.
— Como conseguiu entrar aqui? — perguntou um pouco
mais tarde, quando recuperou a voz.
— Escutei, quando você disse que vinha a esta casa e eu
quis me reunir com você —também sussurrou a moça.
— Mas como a deixaram entrar precisamente nesta sala
particular?
— Noriko Okasan é uma velhinha bastante
compreensiva.
— O que quer dizer?
— Minha resposta só poderá surpreendê-lo, mas eu disse
a Noriko que estou apaixonada por você.
Os lábios do homem se crisparam e ele falou friamente:
— Isso me deixa imensamente feliz, senhorita Saville...
até Melnikov saber, claro.
Ela contemplou-o por alguns segundos. Reparou que sua
musculatura não chegava a ser espetacular, mas que seus
músculos eram duros como o aço.
— Não acredito que você tema Vitali.
Levantou os braços e abraçou seu pescoço molhado. Em
seguida, beijou-o nos lábios, mas Lorne continuou quieto,
sem respirar, enquanto Ruth o beijava demoradamente.
Finalmente, ela se afastou e comentou com uma dose de
deboche:
— Parece mentira, mas eu não consegui alterá-lo?
— Eu nunca me altero, senhorita Saville.
— Nunca?
— Nunca.
Ela deslizou as mãos por seus braços e conseguiu segurar
as do rapaz.
— Lorne, você é dos que custam admitir a verdade, não
é?
— Não.
— Eu tampouco. Sabe o que é amar de verdade?
— Ainda não tive ocasião de me testar.
— Eu sim.
— Isso eu já sabia — replicou com voz gelada.
— Não, você nada sabe porque somente soube que esta
noite passei com Vitali Melnikov. E só por que soube isso se
sente desgraçado? Se é assim, acumule toda a infelicidade
que é capaz de sentir porque Vitali não foi o primeiro
homem de minha vida.
— Coisa que eu também supunha.
— E por causa disso está sentindo-se infeliz?
— Tanto quanto um garotinho que deixou o sorvete cair
no chão.
— Não estou brincando, Lorne. Estou falando sério.
— Senhorita Saville, é uma mulher inteligente e já
pressentiu que não me deixo embromar com facilidade.
— Lorne — murmurou, segurando seu rosto com ambas
as mãos. — Você não está querendo que eu lhe conte como
tudo começou?
— Não. Fosso imaginar perfeitamente.
— Por favor. Fique sabendo que não quero me fazer de
vítima, mas quando tudo aconteceu pela primeira vez, eu
estava amando. Ninguém pode reprovar o que se faz por
amor... porém, logo depois descobri que não era amada, que
me usavam como um mero passatempo. Descobri a verdade
quando um amigo dele veio avisar-me que ele não viria
visitar-me aquela noite, mas nós dois poderíamos nos
divertir bastante. Convidou-me para dar um passeio em seu
iate e foi então que compreendi. Senti-me humilhada e
desejei morrer naquele instante. Mas o amigo dele não
percebeu como eu me estava sentindo, sorriu e disse que
íamos passar uma noitada inesquecível. Aceitei o convite só
por raiva, pois não admitia ser tratada como uma boneca.
Decidi vingar-me e quando a noite acabou já tinha
conseguido algumas jóias que me foram “ofertadas com
carinho e amor”. Meu marinheiro tinha gastado muito mais
do que havia pensado gastar. Pensei que tudo ia acabar por
aí... mas, dias mais tarde, fui procurada por um amigo do
dono do iate. Convidou-me para jantar e em vez de
presentear-me com uma flor, recebi uma pulseira de
brilhantes. Foi naquele dia que compreendi que todos os
homens são uns porcos imundos e... resolvi tratá-los como
tal. Cada vez que tenho vontade de satisfazer um desejo,
sempre encontro alguém para facilitá-lo. Não sei quantas
vezes já fiz isso, vinte? Trinta? Nunca me preocupei com a
vida que levava até que conheci você.
— Por quê? — perguntou em um sussurro.
— Eu já disse... no instante em que eu vi você algo se
rompeu no meu interior e eu me dei conta do erro que vinha
cometendo durante anos. De repente, compreendi que nunca
tinha amado e que nem sabia o que era o Amor. De repente,
Lorne, comecei a pensar nos mistérios da vida que me
tinham trazido ao Japão apenas para encontrar você... Temi
que não aceitasse o comando de Vitali... se isso acontecesse,
ele daria ordem para alguém matá-lo.
— Está querendo dizer que se sacrificou por mim?
— Esta noite, sim.
— E nas outras?
— Lorne, você não vai dar importância, não é? Um
homem pode casar-se com uma jovem virgem e acabar
sendo enganado por ela, mas jamais será enganado por uma
mulher que já teve um passado igual ao meu. Eu não sou
uma prostituta, apenas vivi alguns anos enganando e
mentindo para os homens que vinham procurar-me. Talvez
uma jovem pudesse agradá-lo mais, mas começará a enganá-
lo, embora só mentalmente, no instante em que deixar de
amá-lo. Lorne quando eu o vi, compreendi que posso amar
de verdade... Amei você desde o primeiro instante e poderei
amá-lo por toda a vida. Você não entende que quando
alguém se encontra com o amor nada mais existe e nada
mais tem importância?
— O que você quer exatamente de mim?
— Tudo que me puder dar... por pouco que seja. Por
favor, Lorne, não faça eu me sentir uma mulher suja e
desprezível, suplico... Faça com que eu me convença que o
amor pode limpar e embelezar tudo! Por favor!
— Como você conheceu Melnikov? — perguntou com
voz estrangulada.
— Por que me pergunta isso se eu só vejo você a minha
frente? Por que quer saber como conheci Vitali e os outros?
Isso não importa mais!
— Só quero saber como você conheceu Melnikov.
— De um modo simples e vulgar. Eu estava no bar de
meu hotel. Ele chegou, começou a conversar e depois me
convidou para jantarmos juntos.
— Não lhe foi apresentado por alguém?
— Não.
— Vocês não se conheciam?
— Claro que não, nós nos conhecemos há pouco mais de
uma semana.
— Então, está com ele há mais de uma semana?
— Nós não nos temos visto todos os dias — murmurou
Ruth. — Quando está comigo nada tem do carniceiro que é.
Porta-se cavalheirescamente... Fala muito e é por isso que
quero ir para Tóquio com você. Hoje mesmo!
— Por que está me falando desse modo?
— Eu não gostaria que se misturasse com Vitali, que
colaborasse nas coisas que tenciona fazer... Desconfio que é
um espião russo.
— Espere, nem todos os russos são agentes secretos.
— Vitali deve ser um. Vive falando dos petroleiros e eu
estou assustada. Talvez quando percebe tudo que me disse,
fique aborrecido e...
— Entendo agora por que veio procurar-me, está
querendo minha proteção, não é?
— O que você entende? Acabei de confessar que estou
com medo! Sei que ele está relacionado com um chinês que
lhe proporciona homens e armas. Escutei quando falavam
ontem à noite por telefone. Creio que o tal chinês seja um
colaborador do serviço secreto russo que conhece muito bem
o Japão. Tanto a capital, como a baía. e ilhas... Melnikov
pediu-lhe para fazer alguns mapas e que lhe consiga algumas
informações. Como vê, só posso estar com medo, Lorne, não
só por mim, mas por nós dois! Não intervenha neste caso!
Vamos embora daqui... Eu estou suplicando!
— Por que devo acreditar em você? Talvez Melnikov a
tenha mandado para sondar-me, para descobrir algo que nem
imagino o que possa ser. Por acaso ele desconfia de mim?
Foi por isso que veio procurar-me?
— Não, não, Lorne!
— Porque preciso acreditar em tudo que me contou?
— Lorne, me diga o que preciso fazer para você confiar
em mim? Farei o que você quiser, mas vamos embora!
— Eu não posso fazer isso, Ruth.
— Por quê? Por que não pode?
— Sou um agente da CIA, encarregado de descobrir tudo
que Melnikov anda tramando em relação a esses dois
petroleiros... Quando cheguei em Tóquio, já sabia que ele
estava preparando esse bote. Eu já tinha recebido algumas
fotografias de ambos e quando os abordei à saída do hotel,
tudo estava preparado para poder introduzir-me no grupo que
ele liderava. Fiz o que me pareceu melhor, pois já me tinham
informado que ele estava contratando só gente perigosa.
Consegui impressioná-lo, muito mais do que eu poderia
esperar. E agora, você vem pedir para sairmos daqui... Isso
eu não posso fazer, Ruth. Se realmente não me está
enganando, poderia até ajudar-me.
— De que modo, Lorne? O que eu posso fazer?
— Nada. Simplesmente continue encontrando-se com
Melnikov e mantenha os olhos e ouvidos bem abertos... Só
precisa continuar como até agora, mas prestando mais
atenção a tudo que ele faça, com quem se vê, para quem
telefona e se possível, o número do telefone. Entende?
— Sim — a moça o olhava com perplexidade.
— Então você me está pedindo... para continuar com ele
como até agora?
— Se fosse diferente, ele poderia suspeitar de alguma
coisa.
— Lorne, não sei se vou conseguir... Eu já não poderia,
amando você como o amo.
— E como você me ama, Ruth? — deslizou as mãos por
seus ombros.
— Eu amo você tanto, tanto... que farei tudo que me
pedir... Tudo.
— Bem, neste momento, o que vou pedir não deve ser
muito complicado — murmurou com as mãos já acariciando
seu corpo.
Ruth Saville ia responder, mas a boca do homem se colou
a sua. O beijo foi longo, lento, profundo e, também o
começo de tudo.

6 – UMA VISITA A LING SHAO

— Você só arranjou sete homens? — perguntou o russo.


— Lamento, mas foram os que consegui, senhor
Melnikov. São sete homens, mas cada um deles vale por três.
Aceitaram trabalhar por cinco mil dólares e aí, eu pensei que
tanto o senhor como eu poderíamos sair beneficiados com
meu modo de manejar cifras.
— Você é um cara sagaz e espertalhão — sorriu Vitali
Melnikov.
— Sou como sou — concordou alegremente. — O que
achou de meu gorro? Não é lindo?
O patrão contemplou-o de cenho fechado. O gorro era
branco com viseira azul. Muito bonito, sem dúvida alguma.
— Eu estava pensando em outro tipo de gorro —
resmungou.
— Eu achei que este era mais alegre e eu prefiro usar um
gorro de dono de iate do que um como todos os motoristas
costumam usar. Acho que sempre se pode fazer as coisas
pelo modo mais simpático. E agora, senhor Melnikov, o que
digo para meus amigos?
O russo olhou para uma mesa afastada do Tomodachi
Club e para os sete homens que estavam à volta da mesma,
enquanto ele e Lorne ocupavam uma outra mais central.
Sobre esta estavam dois copos de uísque vazios e um pela
metade. O russo havia chegado há poucos minutos e apenas
tinha acendido o cigarro que continuava fumando.
— Você lhes disse que deverão permanecer quinze dia no
bangalô e que durante este tempo não admitirei brigas ou
lutas?
— Informei-os de tudo e sei que cumprirão todas as
ordens que receberem.
— Eles têm armas?
— Creio que apenas algumas facas ou canivetes. Achei
que o senhor se encarregaria dessa parte. Talvez eu nem
tenha entendido isso muito bem.
— Entendeu ludo perfeitamente e diga aos homens que
estão contratados.
— Agora, não sei se todos caberão em um só carro para
se transportarem ao galpão.
— Explique-lhes como podem chegar à minha casa. Nós
precisamos apanhar a senhorita Saville no hotel e fazer uma
visita antes de voltarmos à minha residência. Vá falar com os
homens. Eu o espero no carro.
Melnikov saiu do clube e se dirigiu para o Toyota que
estava estacionado perto do Tomodachi. Entrou nele e olhou
para o velocímetro. Short não tinha rodado muito durante o
dia. O russo se sentiu preocupado repentinamente e acendeu
outro cigarro.
Estava quase terminando de fumá-lo quando Lorne Short
se sentou ao volante.
— Tudo resolvido. Ensinei-os como poderão ir à sua casa
e tenho certeza que eles chegarão lá. Agora vamos apanhar a
senhorita Saville?
— Espero que já esteja pronta porque eu gostaria de
chegar em casa antes do anoitecer.
— Por quê? — surpreendeu-o o budoca.
— Motivos particulares e pessoais que não interessam a
você. Agora, em marcha.
Chegaram no hotel e Ruth Saville já os aguardava no
vestíbulo. Vitali Melnikov fechou a porta, rodeou o carro e
foi sentar-se a seu lado.
— Você está linda — segredou-lhe ao ouvido.
— Obrigado, querido — sorriu Ruth.
Lorne os observava pelo espelho retrovisor, mas ela o
desconhecia completamente... Naquele instante só tinha
olhos para o amante rico que a havia abraçado pela cintura.
A moça fechou os olhos e aceitou o beijo do russo. O sangue
de Lorne correu mais rápido e latejante quando viu como ele
esmigalhava os lábios ternos e frescos que ainda deviam
estar com o sabor dos beijos que lhe tinha dado na casa de
banhos. Em seguida desviou o olhar e pôs o carro em
marcha.
— Nós agora vamos para Chofu, Short. Você sabe onde
é? — ouviu a voz de Melnikov e o olhou pelo retrovisor.
— Tenho uma vaga idéia e acho melhor o senhor ir
indicando o caminho que devo seguir... Isto é, se o senhor
Melnikov, dispuser de tempo para orientar-me.
O russo soltou uma risadinha e Lorne também sorriu.
Olhou para a mulher pelo retrovisor e viu que Ruth também
sorria... E naquele instante, ele se perguntou qual dos três
estaria sendo o mais hipócrita e o que estavam pretendendo
na realidade. Bem, ele sabia o que pretendia, mas o que
pretendiam Ruth e Melnikov, juntos ou separados?
Enquanto dirigia para Chofu ele escutou varias vezes as
risadas de Ruth e em seguida, silêncios cujos significados já
conhecia. Seus lábios se crisparam, mas ele não demonstrou
estar aborrecido.
Quando já estavam perto de Chofu, Melnikov lhe deu
instruções sobre qual o caminho que devia seguir e já eram
quase seis e meia da tarde quando, chegaram ao destino.
Lorne imaginou que tivessem chegado a uma granja.
Depois ouviu latidos de cão e quando parou na frente da
casa, pôde ouvir perfeitamente grunhidos de porcos. Virou-
se e olhou para trás.
— O senhor tem certeza que vinha para aqui?
— Não vinha porque eu já estou aqui — sorriu o russo.
Saiu do carro. Lorne se apressou em fazer o mesmo e
pôde antecipar-se para abrir a porta do lado de Ruth.
— Obrigada, Short — respondeu com um sorriso
luminoso,
— Considere-me a seu serviço, senhorita Saville. Tenho
que esperar aqui mesmo, senhor Melnikov?
— Não — sorriu o russo com um sorriso sinistro e
estranho. — Não. Venha comigo, quero que veja algumas
coisas interessantes.
Caminharam para a casa e a porta foi aberta antes que
tivessem chegado perto dela, Uma moça vestida pobremente
ficou parada no portal, olhando para Melnikov com um olhar
repleto de gratidão e simpatia. Eles entraram na casa e a
moça os acompanhou. Atravessaram-na inteiramente até
chegarem no pátio interno que tinha alguns canteiros
organizados, mas com as plantas em estado de abandono
total. O homem que os esperava no pátio não era japonês,
mas chinês. Lorne tinha aprendido diferenciá-los durante sua
permanência no Vietnã.
Devia ser bem velho, talvez tão idoso como Sensei. Tinha
os cabelos brancos-amarelados e uma barbicha da mesma
cor. Junto ao velho estavam duas outras moças, mas estas
eram japonesas, enquanto a que tinha aberto a porta só podia
ser chinesa. Todas estavam vestidas pobremente.
Melnikov se aproximou do ancião e o cumprimentou:
— Boa-tarde, Ling Shao.
— Boa-tarde, senhor Melnikov. Vejo que hoje veio bem
acompanhado.
— O senhor não precisa queixar-se nesse aspecto — riu o
russo. — Temos alguma notícia Importante?
— Primeiro vamos tomar o chá e depois... — começou
Ling Shao.
— Na verdade estou com um pouco de pressa e preferia
que fôssemos diretamente ao assunto,
— Eu sugeriria que conversássemos sozinhos por alguns
minutos — falou o chinês.
Melnikov virou-se para Lorne e Ruth que estavam um
pouco atrás.
— Você não gostaria de ver os animaizinhos. Ruth? Short
a acompanhará, mas tenha cuidado porque nem todo o
terreno da casa está limpo.
Ruth mordeu os lábios e o americano compreendeu que
devia obedecer. Andaram entre os canteiros em direção a um
bambuzal e alguns damasqueiros. O terreno não estava
cuidado e as poucas plantas que cresciam, comprovavam que
a natureza tem mais poderes do que a má-vontade do
homem.
Quando Lorne olhou de esguelha para trás, viu que tanto
o chinês como as garotas os observavam.
Continuou andando como se nada tivesse notado e logo
depois, viu algumas galinhas ciscando o solo ressequido.
Depois apareceram os chiqueiros com porcos grunhindo.
— Tudo aqui está imundo e com aspecto de abandono —
comentou. — Os porcos estão grunhindo porque têm fome e
se pudessem nos comeriam.
— Lorne, Lorne... — murmurou a moça, encostando-se
nele e o beijando.
O dia começava a escurecer e a tentação era muito grande
para ele poder rechaçá-la. Abraçou-a pela cintura e a beijou
com furor, até ela afastar-se e se queixar em tom lamurioso:
— Você está me machucando, Lorne — mas em seguida,
sorriu e continuou: — Você está enciumado?
— Talvez.
— Lorne, por quê não vamos embora daqui? Imagine o
que vai sofrer esta noite sabendo que eu estarei na casa dele?
— Nem tanto. Não foi você quem me disse que estas
coisas não têm importância? Tinha razão ao me dizer isso.
— Lorne, agora é diferente... Agora nos conhecemos e
nos amamos... Agora tudo tem importância para mim.
— Acho melhor voltarmos para o pátio. Melnikov não
deve suspeitar do que está acontecendo entre nós dois.
Vamos continuar andando a volta da casa... Este lugar está
asqueroso. Cheira a excremento e terra podre. Você sabe
quem é esse velho?
— Deve ser o chinês com quem Vitali fala por telefone
freqüentemente. Os dois parecem se entender muito bem.
— E o que viemos fazer aqui? Por quê não continuaram
falando pelo telefone?
— Eu não sei, Lorne.
Os olhos do budoca cintilaram, mas continuou andando.
Estavam acabando de dar a volta em torno da casa quando o
russo chamou-o:
— Short!
Olhou o relógio de pulso e viu que só tinham se passado
seis minutos, o tempo que Melnikov tinha gasto conversando
com o velho chinês. Bem, talvez conseguisse descobrir sobre
o que tinham conversado.
Voltaram novamente para onde eles estavam e Lorne
notou que o velho chinês agora o olhava de forma diferente.
— O senhor Melnikov me disse que é um lutador temível,
senhor Short — falou em inglês perfeito.
— Sei defender-me — murmurou o budoca.
— Qual é sua especialidade? — perguntou o velho com
interesse.
— Caratê.
— A que escola pertence?
— Fui aprendendo em vários lugares e adaptando-me
como podia às circunstâncias, entende?
— Contudo, deve ter um estilo determinado, não é
verdade?
— Shotokan(*) — respondeu Lorne, de má vontade.
(nome de uma das escolas ou estilos do caratê)
— Quem é seu mestre?
— Já lhe expliquei que fui aprendendo a técnica de luta
em vários lugares, de acordo com as minhas necessidades.
— Concordo que isso aconteça com pessoas que viajam
muito, entretanto nenhum homem chega a lutar com
perfeição, isso de acordo com o que me disse o senhor
Melnikov, sem ter antes trilhado um caminho que
aprimorasse sua técnica. Geralmente esse aprimoramento se
consegue por dois modos diferentes: um, quando já se é
mestre e se aprendeu a estudar e conter suas reações ou
então, quando teve sorte de ser discípulo de um dos grandes
mestres. O senhor tem idade para ser um grande lutador, mas
não para ser um grande mestre. É evidente que pertence ao
segundo grupo.
Lorne ficou com a fisionomia crispada e Ling Shao
sorriu.
— Entendo — disse amavelmente. — Eu gostaria de
saber, mas o senhor não quer falar. Estou certo?
— Sim.
— Ora, Short, por que... — começou Melnikov.
— Por favor, senhor Melnikov — cortou o chinês. —
Entendo perfeitamente o senhor Short e sua atitude não me
ofende. Não obstante, tenho desejo de saber quem é seu
mestre e por causa disso, vou fazer um desafio. Pena porque
as coisas vão ficar um pouco difíceis para ele, tão difíceis
que talvez me acabe odiando. Senhor Short, quer olhar para
trás?
Lorne se virou e viu dois homens enormes e
abrutalhados. Eram dois chineses que deviam ter mais de um
metro e oitenta de altura, gordos e de olhar cruel em seus
olhos repuxados. Também se vestiam pobremente.
Olhou novamente para Ling Shao e perguntou:
— Qual é o desafio?
— Se meus amigos o vencerem, o senhor terá de me dizer
o nome de seu mestre, mas se derrotá-los poderá mantê-lo
em segredo.
— Escute, eu não estou com vontade de lutar e o senhor
Melnikov não vai permitir que...
— Pelo contrário, Short — sorriu o russo. — Ontem à
noite não assisti a luta, mas agora terei oportunidade de ver
se fiz uma boa escolha.
O budoca olhou para o velho chinês e para os homens
farrapentos que começavam a andar em sua direção. Com o
canto do olho viu que Ruth, estava lívida. Encarou os dois
chineses e. esperou-os em kames.
De repente, toda a figura de Lorne Short se transformou,
formando outra, belíssima. Com um salto de mais de um
metro e meio se aproximou de um dos chineses que levantou
os braços para proteger o rosto e este foi seu maior erro
porque o budoca não o golpeou quando estava no alto e sim,
quando começava a descer, sua perna direita deu no ventre
do gigante e este caiu de bruços, gritando de dor.
Lorne mal deu com os pés no chão e já estava novamente
no ar, praticamente voando na direção do outro chinês.
Tentou bater em seu rosto, mas ele rapidamente esquivou-se
do golpe que foi alcançar uma das moças japonesas que
assistiam a luta com ar de perplexidade.
Lorne novamente chegou ao chão com segurança quase
felina de um carateca bem treinado. O chinês pensou em
aproveitar aquele instante para atacar o adversário, quando
este novamente impulsionava o corpo para cima. Porém
dessa vez, o americano fez o contrário, agachou-se diante do
chinês e disparou o punho direito em um alucinante ura
tsuki, um golpe que só pode ser feito a curta distância.
Alcançou-o no estômago, o chinês soltou um berro e caiu
desmaiado.
Seu companheiro tentou entrar em ação novamente e
preparou-se para esmurrá-lo, mas não teve tempo. Lorne
apenas estendeu o braço esquerdo e aplicou-lhe um
fenomenal shutu sob a orelha, O monstro chinês rolou pelo
chão como se fosse um boneco de palha. Inconsciente.
Lorne endireitou o corpo e perguntou amavelmente:
— Já podemos ir, senhor Melnikov?
— Parece que sim — riu o russo. — Ou está preparando
uma outra prova para testar meu motorista, Ling Shao?
— Absolutamente, com esta rápida demonstração pude
comprovar que esses dois bestalóides têm somente tamanho.
Vou despedi-los assim que voltarem ao normal. Não quero
inúteis à minha volta. Meus parabéns, senhor Short, a técnica
que usa é realmente maravilhosa. Somente um carateca
poderia aplicá-la.
— Essa é a diferença — sorriu Lume. Muitos falam que
são, sem serem realmente. E quando não são, acabam
arranjando complicações.
— Exatamente, senhor Short. Adeus, porque agora está
livre.
Lorne apenas sorriu e se encaminhou para o carro.
Melnikov e Ruth sentaram-se no banco de trás e
empreenderam o regresso.
— Como você pôde, Short? — perguntou Melnikov,
repentinamente.
— Não sei. Simplesmente compreendo que é o momento
para atacar e ataco. Espero que tenha gostado do espetáculo,
senhor Melnikov.
— Diverti-me com ele porque pensava que lhe fossem
dar uma lição, mas no final, fiquei satisfeito porque sua
invencibilidade só me pode beneficiar.
— Eu não sou invencível, acontece que até agora só
tenho encontrado inimigos inferiores.
— E é bom que tudo continue nesse andar. Preste atenção
na estrada porque dentro em pouco será noite fechada.
Já tinha anoitecido quando chegaram na casa de
Melnikov e os sete homens contratados por Lume Short já
estavam parados no gramado do pátio fronteiriço. Alguns
empregados que os vigiavam se mantinham de armas
destravadas, prontas para serem acionadas.
— Short, leve-os para o bangalô. Diga para Suji lhes
servir o jantar e instalá-los devidamente. Depois volte aqui
porque temos certos detalhes de estratégia que precisam ser
comentados com você.
— Muito bem. Estarei de volta dentro de cinco minutos.

7 – O SENHOR FICARÁ SATISFEITO

Minutos mais tarde, Lorne Short retomou à casa do russo


e um empregado acompanhou-o à sala onde estavam
Melnikov e Ruth, sentados em um mesmo sofá, porém o que
mais lhe chamou a atenção foi o bastão que ele segurava
com ambas as mãos, no meio das pernas e com a ponta
apoiada no chão.
— Tudo ficou em ordem, Short?
— Sim, senhor.
— Muito bem, agora vai começar nosso jogo, o meu e o
seu.
Lorne não se alterou e olhou para os dois empregados que
estavam parados atrás do sofá: um empunhando uma pistola
e o outro com a ponta da faca encostada na garganta de Ruth.
— Qual será nosso jogo, se posso saber antes de morrer?
— Apenas vou dar-lhe a maior surra que já levou em sua
vida.
— Por quê?
— Pelo mesmo motivo porque não se atreverá a mover-
se. Se tentar defender-se, Ruth morrerá degolada.
— Não estou compreendendo nada.
— Não? Pois eu lhe explicarei: Até agora não
compreendi qual é o jogo de vocês dois, mas sei muito bem
qual é o meu. Estou realizando um trabalho especial para a
Rússia e não quero correr o menor risco. E foi por isso
exatamente que procurei uma vagabunda bonitona como
Ruth. Enquanto eu a tivesse a meu lado, os americanos não
iam prestar atenção no homem que a acompanhava. Foi isso
que aconteceu até hoje. mas não posso admitir que ande aos
beijos e abraços, como vocês fizeram na granja de Ling
Shao. Não entendo vocês e nem sei o que estão pensando,
mas acho que não deviam esquecer-se que estão tratando
com um homem superior que pensa levar a cabo uma ação
muito importante. Na realidade eu já estava cogitando
eliminar Ruth assim que sua presença não me fosse mais
necessária, mas estava querendo aproveitar suas qualidades,
Short. O que aconteceu com vocês?
Nossa história não deve ser mais interessante do que a
sua e nem creio que vá matar-nos só porque alguém viu
quando nos beijávamos.
— Short, ninguém zomba de mim. Sei que poderei
prescindir de sua colaboração quando ocorrer o assalto aos
petroleiros “Tama Maru’ e “Nissan’, que estão bem
próximos da baía de Tóquio.
— Bem próximos? Não nos tinha dito que só chegariam
dentro de quinze dias?
— Meu amigo, nem tudo que se fala é a verdade. Ling
Shao hoje de manhã recebeu todas as informações que
necessitávamos. Ele é um chinês que está há anos no Japão,
mas jamais deixou de odiar os japoneses. Está desejando ver
as chamas que adornarão uma noite sem lua.
— Do que está falando?
— Já me perguntou dezenas de vezes por quê eu quero os
petroleiros não é? Pois agora eu vou relatar-lhe meus planos:
estou querendo que os navios cheguem à baía de Tóquio,
quando então suas comportas serão abertas. O óleo se
estenderá pelas águas e pouco depois estas estarão em
chamas. Você ficou assustada, Ruth querida?
A moça estava pálida e sobressaltada.
— Você está louco, Melnikov! — exclamou Lorne. —
Como pode estar planejando algo tão despropositado?
Trabalha para o serviço secreto soviético?
— Não exatamente, mas tenho uma conta pendente com
os japoneses e explicá-la agora não vem ao caso. Só sei que
chegou o momento deles pagarem o que fizeram a meu país.
Já imaginou trezentas mil toneladas de óleo bruto
queimando? O espetáculo será maravilhoso, Short!
— Raciocine, Melnikov, se realizar esse plano diabólico
até seus compatriotas ficarão contra você por causa dos
prejuízos que causará. Os danos serão incalculáveis e muitas
pessoas morrerão queimadas, talvez até mesmo você.
— Não se preocupe porque esta noite saberei afastar-me
do inferno.
— Esta noite? — se surpreendeu o budoca.
— Sim, mas antes vou dar-lhe uma, lição em regra da
qual não se esquecerá nunca. Vou dar-lhe a maior surra que
já levou em sua vida, rapaz. E assim que a fogueira começar
a arder, eu voltarei para levá-lo a um certo lugar, onde
continuará recebendo o castigo que merece. O mesmo vai
acontecer com essa cretina. Não compreendo como as
mulheres podem ser tão estúpidas! Por acaso você não estava
feliz a meu lado, querida?
Ruth não respondeu e Melnikov avançou para Lorne.
— Você conhece a técnica do bo-jutsu? — perguntou
este.
— Não conheço nenhuma técnica. Simplesmente estou
segurando um pedaço de pau e vou romper suas costelas com
ele, ianque sem-vergonha. E se você tentar defender-se, a
cabeça de Ruth rolará pelo chão, entendeu?
O budoca olhou para a moça e viu que ela estava em
pânico. Seria verdade tudo que tinha ouvido ou o lance não
passava de uma jogada articulada pelo russo e a inglesa?
O bastão começou a ser utilizado e Lorne imediatamente
percebeu que o russo manejava-o com a técnica empregada
nas artes marciais. Por que Vitali Melnikov lhe havia
mentido?
O primeiro golpe ia destinado ao rosto, mas ele conseguiu
esquivar-se e recebeu a bordoada no ombro, O segundo
pegou sua coluna vertebral e o terceiro foi direto ao
estômago. Teve vontade de gemer, mas apenas apertou os
punhos com força. Sabia que poderia matá-lo com um único
golpe de atemi, mas havia compreendido á situação muito
bem. Tinha que permanecer impassível e continuar
apanhando ou então, Ruth seria degolada.
Estaria agindo como um tolo para proteger a vida de uma
mulher que. não valia seu sacrifício? E se naquele momento,
ela estivesse divertindo-se ao vê-lo agüentar aquelas
bastonadas sem poder reagir somente para defender sua
vida?
Slap!
O bordão bateu em sua face direita e ele teve a sensação
de que suas carnes estavam sendo cortadas com uma faca
afiada. Sentiu as forças se esvaírem e caiu de joelhos. Logo
em seguida, recebeu uma outra bordoada na nuca, tentou
reagir, mas acabou estatelando-se no chão.
Ruth Saville deixou de soluçar e ficou escutando a
respiração ofegante do russo que estava com o rosto coberto
de suor. Tirou as mãos de cima dos olhos e viu Lorne com o
rosto coberto de sangue.
— Assassino! Assassino, assassino, assassino! —
exclamou com revolta e desespero.
— Ele não está morto, mas fique sabendo que logo, logo,
acabarei com seu novo amor, minha querida — voltou-se
para os empregados e ordenou: — Agora tratem de
imobilizá-lo, mas não o deixem morrer. Vou avisar aos
outros porque a hora está chegando!
Estava com raiva e ela aumentou ao ver Ruth abraçando o
americano. De um momento para o outro, não conseguiu
conter-se. Aproximou-se da moça e lhe deu um pontapé no
joelho que a deixou também desacordada.
— Cretina, ordinária, juro como você também me vai
pagar! — exclamou, saindo em seguida para ir ao bangalô.
Teve o cuidado de enxugar o suor que corria pelo rosto
com o lenço, pois não queria que alguém desconfiasse que
acabava de realizar um esforço.
Encontrou os homens conversando e rindo normalmente
na frente do galpão, sentados ou deitados no chão.
— Weitzer! — chamou.
Quase em seguida, apareceu um tipo louro, alto e
musculoso.
— Sim, senhor Melnikov? Há novidades?
— Prepare o grupo porque a operação será hoje, dentro
de dez minutos.
— Tudo será feito a tempo — prometeu o grandalhão.
Um japonês aproximou-se dele e perguntou:
— Senhor Melnikov, porque Short não veio com o
senhor?
— Ele teve um outro trabalho especial para fazer.
— Ele nos disse que íamos lutar juntos em algo que valia
a pena.
— E valerá mesmo, mas cada qual tem que fazer o que
melhor sabe. Short é um homem inteligente e ficou
encarregado por algo muito especial. Agora vocês terão de
seguir as instruções de Weitzer. No momento oportuno,
Short irá reunir-se com o resto do pessoal.
— Sim, senhor — respondeu o japonês em tom submisso.
— Temos certeza que o senhor ficará satisfeito com nossa
colaboração...

8 – O QUE É PAZ INTERIOR?


O carateca foi recuperando o conhecimento lentamente e
quase em seguida, percebeu o ronco de um motor, forte
demais para ser de carro. Identificou-o no ato: só podia ser o
da lancha de Melnikov. Estavam navegando.
— Lorne, Lorne.
Desviou os olhos do teto e pousou-os em Ruth que
continuava com o rosto banhado em lágrimas.
— Só agora percebo que você tem sardas — murmurou.
A jovem recomeçou a chorar. Lorne tentou levantar-se,
mas o corpo doía demais e suas mãos estavam amarradas às
costas. Examinou a sala rapidamente com os olhos e viu os
três, homens que o vigiavam. O que estava sentado numa
poltrona, tinha uma pistola apontada em sua direção. Os
outros dois não tinham armas à vista, mas deviam trazê-las
escondidas e ao primeiro movimento suspeito, estas
surgiriam como em um passe de mágica.
— Pare de chorar, Ruth — pediu. — Há quanto tempo
me massacraram?
— Pouco mais de quinze minutos. Ele bateu muito em
você, meu amor!
— Esqueça-se da surra que levei — aconselhou. — Acho
que a lancha do russo já está navegando.
— Já estou ouvindo a zoeira do motor há alguns minutos.
Primeiro ele saiu daqui e foi ao bangalô falar com os
homens, depois voltou para dar algumas ordens a estes que
nos vigiam. O plano de abordagem aos petroleiros está
preparado e deve ser executado esta noite, quando os navios
entrarem na baía, lá pelo amanhecer. Meu bem, como seu
rosto ficou inchado e roxo.
Lorne tentou sentar-se no chão, mas não conseguiu. O
corpo estava muito dolorido e as mãos amarradas às costas
tirava-lhe o equilíbrio. Notou que os homens que os
vigiavam estavam gozando com suas limitações. E
novamente, se perguntou se fizera bem se deixar surrar para
salvar Ruth.
— Pare de chorar, por favor — falou com um quê de
rispidez. — Ajude-me porque quero sentar-me no sofá. Lá
ficaremos mais bem acomodados.
Ela ajudou-o a se levantar. O budoca começou a
caminhar e seus passos estavam trôpegos e hesitantes. Mal
sabiam seus vigilantes que Lorne Short, naquele momento,
os estava enganando quando aparentava aquela insegurança.
Finalmente, ele e a moça se sentaram no sofá.
Ruth virou-se para ele e o contemplou demoradamente,
— Por quê está me olhando como se nunca me tivesse
visto?
— Estou preocupada, você parece estar muito
machucado.
Ele não respondeu, continuou calado por algum tempo e,
de repente, perguntou-lhe de chofre:
— Então só me falou a verdade, realmente não é uma
colaboradora de Melnikov?
— Lorne, “tudo” que eu lhe falei é verdade!
— Pois eu menti para você. Não sou e nem nunca fui um
agente da CIA. Só falei que era para você contar a Melnikov.
Se eu soubesse que estava me falando só verdades, não teria
permitido que continuasse com ele, cedendo a todas suas
vontades e caprichos.
— Você teria feito isso, Lorne?
— Sim — balbuciou. — Quando vocês se beijavam, eu
tinha ganas de matá-lo, mas continuava dirigindo como se
nada demais estivesse acontecendo, só porque imaginava que
estivessem agindo assim de comum acordo e também,
porque eu queria saber quais eram seus propósitos a respeito
dos petroleiros. Agora que já sei, nada posso fazer porque
estou com as minhas horas contadas! Ruth, nós dois vamos
morrer!
— Lorne, então você me perdoou? Já não se importa pelo
passado que tive?
— Que direito tenho eu para perdoá-la se a vida é sua?
Que classe de entendimento pensa que eu lenho?
— Não sei, pouco conheço você!
— Muito bem, tentarei explicar-lhe meu modo de pensar.
Você acha que a fidelidade de uma pessoa para com outra
está correlata a seu corpo? Acha que é o corpo a parte mais
importante de um homem ou de uma mulher? Olho para
você e vejo um corpo perfeito, maravilhoso e no entanto, sei
que está arrependida pelas coisas que fez. Reflita, Ruth: o
que está sofrendo em você quando pensa em seu passado e
nos erros que julga ter cometido, seu corpo ou seu espírito?
— Lorne, nunca encarei meus problemas sob esse prisma,
mas sei que meu corpo nada sofreu e nem está sofrendo. No
entanto, gostaria de me ter guardado para você’
— Isso nada mais é do que a conseqüência de um sistema
de educação social. As coisas têm a importância que lhe
queiramos dar. Há povos que consideram a virgindade como
o ponto essencial para uma união e há outros que já a julgam
como um verdadeiro opróbrio. Na África, há certas tribos
que fazem questão que as moças sejam somente
desvirginadas por forasteiros em trânsito. E só depois disso,
são realizadas as cerimônias de casamento entre os casais
que moram em uma mesma aldeia.
— Você não está falando sério!
— Estou, sim, Por isso eu a aconselharia a esquecer-se de
seu corpo para olhar seu interior e perguntar-se se sua mente
está limpa. E se não estiver, pense no modo como poderá
limpá-la para o futuro.
— Que futuro, Lume?
— No nosso, se o pudermos ter algum dia.
— Você está dizendo que teria coragem de compartilhar
seu futuro comigo?
— Podemos tentar e se não der certo, será como se nada
tivesse acontecido. Acabaremos com uma despedida e nada
de amargura.
— Você é um homem estranho!
— Julga-me estranho porque penso que todos devemos
seguir seus verdadeiros impulsos e emoções, permitindo que
os demais também façam o mesmo?
— Quem ensinou esses princípios tão lindos para você?
Como um relâmpago a imagem de Sensei passou por sua
mente e ele se limitou a sorrir, mas naquele instante sai olhar
se desligou do real para pensar no Mestre amado.
— Foi um homem quem me ensinou que nós nada somos
por fora. A nossa parte exterior é constituída de um corpo no
qual podem ocorrer muitas mudanças e transformações, boas
ou más. Mas o que somos e o que vemos está dentro de nós,
em nosso espírito. Ele me ensinou que sempre devemos
manter a calma e nada que aconteça em nosso exterior deve
afetar o nosso interior. Que o espírito deve conservar-se
sereno porque esta é a forma mais bela de se viver. Que cada
um deve conhecer-se profundamente e viva de acordo com
esse conhecimento, sem permitir que o espírito seja afetado
de alguma forma Mizu nu kokuro. Esta expressão significa
que nosso espírito deve manter-se tranqüilo como as águas
adormecidas que sempre refletem as belezas do céu.
Ruth o contemplava fascinada, Os três homens que os
vigiavam também olhavam fixamente para o carateca.
— Então devo entender que você me ama, apesar de
tudo?
— Eu comecei a amá-la no momento em que vi sua
fotografia, esta é a verdade. Porém isso não podia mudar
meu espírito, só minha parte exterior, tal como está
acontecendo.
— E dentro de você tudo continua igual?
— Claro.
— Quer dizer que não importa se tiver que viver ou
morrer? Que meu amor não é algo importante para você?
— Não é bem assim, mas aceitarei tudo que acontecer
com a mesma serenidade.
— Lorne, você é o homem mais extraordinário que
conheci!
Novamente a imagem de Sensei passou para sua mente e
ele sorriu.
— Em que está pensando, querido? — perguntou ao vê-lo
tão distante.
— Estou pensando que tenho uma grande
responsabilidade. Parece que sou a única pessoa que tem
conhecimento dos planos de Melnikov e portanto, a única
que poderá fazer alguma coisa para impedi-los. Não sei o
que fazer porque se tentar sair daqui, esses homens me
matariam. Não estou preocupado com a morte, mas se me
matarem nada poderei fazer para evitar o que está pronto a
acontecer. Um incêndio de grandes proporções na baía de
Tóquio vai prejudicar muita gente e causar a morte de muitas
pessoas e animais. Sinto-me responsável por tudo, Ruth e
não posso fazer nada!
Aos poucos, a casa foi ficando silenciosa. Ele procurou
acomodar-se no sofá e também fechou os olhos, mas
entreabriu-os minutos mais tarde e ficou observando os
japoneses, principalmente aquele que ainda o mantinha sob a
mira da arma. Compreendeu que naquele momento não tinha
muita chance de surpreendê-lo. Ruth continuava dormindo e
as horas foram passando em uma lentidão horrível.
O silêncio prosseguia. Ruth continuava dormindo e ele já
estava ficando cansado de manter-se na mesma posição, sem
se mexer, para não acordá-la. Dos três japoneses somente o
da pistola continuava acordado porque seus dois
companheiros tinham se sentado no chão com as costas
apoiadas à parede e também estavam dormindo.
Ele quase se assustou quando Ruth gritou:
— Aproveite agora, Lorne!
Os japoneses também ficaram perplexos no primeiro
momento, mas felizmente sua reação foi quase imediata
quando viu a moça correndo para o japonês que tinha
segurado a pistola durante todo o tempo. Compreendeu que
devia aproveitar aquela chance porque se a perdesse, não
teria nenhuma outra oportunidade.
Quase imediatamente o tiro retumbou dentro da sala, a
moça gritou, levou as mãos ao peito e caiu perto dos pés do
japonês, mas este começava a se sentir um pouco assustado
quando viu Lorne pulando no ar e se mantendo fora do chão.
Enquanto isso, seus dois companheiros começavam a se
levantar ainda sonolentos e rebuscando os bolsos para
apanhar as facas.
Antes que o japonês pudesse apertar o gatilho pela
segunda vez, recebeu um mae geri demolidor no queixo que
o matou instantaneamente.
O corpo de Lorne caiu no chão com a leveza de um felino
e imediatamente levantou-se, a fim de fugir da mira de um
dos japoneses que tentava alvejá-lo com o punhal.
Novamente sua perna direita se levantou e aplicou um yoko
geri direto na nuca do nipônico. Este tentou escapar daquele
ataque feroz, mas quando recebeu o segundo pontapé nas
costelas caiu de bruços e o punhal que tinha na mão,
transfixou-lhe a garganta.
Quando o tipo caiu, Lorne se virou para o último japonês
que continuava vivo e percebeu que este se preparava para
lançar a faca. Apenas flexionou as pernas, enquanto a arma
passava zunindo sob seus pés. Quando ia investir contra o
assassino outro disparo ecoou pela sala. O japonês gritou,
cobriu a barriga com as mãos e finalmente, também caiu
com os olhos esbugalhados
Porém, naquele instante, eram os de Lorne que ficaram
mais abertos ao olhar para Ruth que estava se esvaindo em
sangue. Ajoelhou-se a seu lado e viu que ela ainda segurava
a pistola.
— Ruth, não devia ter-se exposto, meu bem. Eu estava
esperando o momento oportuno para agir.
— Eu queria ajudá-lo... precisava fazer alguma coisa
importante e de valor... em minha vida, Lorne... Vá buscar o
assassino... não deixe que ele...
— Terei que deixá-la sozinha e..
— Não se preocupe comigo — respondeu com voz
trêmula. — Estou bem, sinto-me... calma e... tranqüila como
as águas que dormem olhando para as... belezas do céu.
A cabeça caiu para o lado. O rapaz passou os olhos à
volta e viu uma das facas caídas no chão. Fez um esforço
tremendo, mas conseguiu levantá-la, depois foi andando de
costas até chegar perto de um armário. Conseguiu enterrar a
lâmina de aço na madeira e finalmente, pôde cortar as cordas
que prendiam seus pulsos.
Chegou perto de Ruth e encostou a ponta dos dedos em
seu pescoço. Respirou mais aliviado ao sentir as pulsações.
Ela estava viva.
Não perdeu um instante e correu para o telefone.

9 – A HORA DA ABORDAGEM
Vitali Melnikov desligou o rádio que tinha usado para se
comunicar com pessoas desconhecidas que só falavam
inglês. Olhou o relógio de pulso, eram quase cinco horas da
manhã, e segundo as informações recebidas os dois
petroleiros japoneses “Nissan Maru” e “Tama Maru” já
deviam tem entrado na baía de Tóquio, pois a idéia dos
respectivos capitães era chegar ao porto de bombeamento
quando o dia começasse a clarear.
Melnikov saiu à coberta onde os homens estavam
agrupados aguardando as ordens e tiritando de frio. Já se
encontravam ali há várias horas e o frio estava forte... Porém
durante a noite nada tinha acontecido..
— Todos devem ficar preparados — disse Melnikov. —
Os petroleiros já estão navegando pelo Estreito de Uraga e
antes de uma hora estarão à altura de Yokohama. Quando
chegarem àquele ponto, nós atacaremos. Alguma dúvida?
— E Lorne, por que ainda não veio? — perguntou uma
voz.
— Ele chegará para o ataque. Estejam preparados porque
os petroleiros deverão aparecer dentro de meia hora. E
lembrem-se de uma coisa: disparamos apenas se for
absolutamente necessário. Foi por esse motivo que sé
recrutei bons lutadores e não bons atiradores. Espero que
todos tenham entendido.
Muitos murmúrios de confirmação e Melnikov pouco
depois regressava para o interior da lancha. Usou o rádio-
telefone para chamar a sua casa de praia. Agora sé precisava
executar a parte final e o assunto teria uma envergadura
quase diabólica. O telefone soou várias vezes e ninguém o
atendeu.
Desligou-o e tomou a pedir o número com mais cuidado
para não errar e desejando que a rádio-telefonista tampouco
se equivocasse. O aparelho chamou diversas vezes e
novamente ninguém atendeu. Ele se sentiu preocupado,
imaginando porque razão os criado. não tinham atendido.
— Ligarei um pouco mais tarde, talvez agora Jisua esteja
ocupado — murmurou.
Olhou de novo para o relógio e apanhou o rádio da lancha
e dessa vez, não teve problemas porque ouviu uma voz em
japonês imediatamente:
— Prossiga. “Salmão” na escuta.
— Aqui “Morsa” falando — respondeu também em
japonês. — Acabamos de reparar a avaria. Empreendemos o
regresso dentro de vinte minutos no máximo.
— Estamos aguardando. Mais alguma coisa?
— Não. Câmbio e desligo.
Cortou a chamada e sorriu aliviado. Os planos estavam
sendo seguidos à risca e o helicóptero, no momento certo,
passaria para recolhê-lo. O piloto já devia estar recebendo
instruções sobre isso e os homens-rãs que se encontravam no
pesqueiro, já deviam estar mergulhando na água gelada.
Pisadas fortes e firmes ressoaram à suas costas, virou-se e
viu Weitzer com aspecto animado.
— Senhor Melnikov, já podemos ver a iluminação dos
petroleiros! Acabam de aparecer?
O russo correu à coberta e viu dois conjuntos de
lâmpadas surgindo no sul e de certa forma estes mostravam a
posição dos dois petroleiros de grande porte: um de cento e
trinta mil toneladas e o outro de cento e sessenta mil. Dentro
de dez minutos chegariam no ponto chave, se continuassem
navegando com boa velocidade, porque quando menos
esperassem, teriam de reduzí-la.
— Todos preparados?
Ninguém fez comentários. Olhou para os homens, todos
estavam com as submetralhadoras penduradas ao pescoço e
seguravam cordas com nós e forquetas em uma das
extremidades. A coberta estava abarrotada, pois os vinte e
dois aventureiros aguardavam o momento com curiosidade.
Nenhum deles sabia que os navios seriam incendiados,
pensavam que apenas seriam assaltados; se pudessem
adivinhar a sorte que os esperava!
A maré estava calma e as ondas quebravam suavemente
ao baterem no casco da lancha. As luzes continuavam
aproximando-se e os dois navios já podiam ser vistos
perfeitamente. Quase sete minutos mais tarde, ouviram o
ruído do helicóptero. Melnikov localizou um dos japoneses
amigos de Lorne e avisou:
— Você queria saber onde ele estava, veja como está
cumprindo sua parte. Nós nos reuniremos com Lorne Short
no convés do “Nissan Mato”.
— Muito obrigado por sua explicação, senhor Melnikov.
Pouco depois, os sete japoneses estavam reunidos e
falando em murmúrios quando um deles comentou:
— Se Lorne está chegando, tudo vai bem, sinal que as
ordens de Sensei continuam sendo obedecidas.
Melnikov aproximou-se em seguida do piloto e lhe
passou as últimas instruções. Os motores da lancha foram
ligados e a embarcação se pós em movimento na direção dos
petroleiros.
O barco chegou perto de um dos “monstros”, que já
estava ficando pequeno e antiquado, segundo os conceitos
mais modernos de transporte do petróleo, pois os petroleiros
mais modernos que estavam sendo construídos, tinham
capacidade para transportar um milhão de toneladas.
— Agora! — gritou Melnikov. — A hora chegou!
O monstro era grande demais e parecia que ninguém
tinha visto a lancha insignificante aproximando-se. As
cordas com os nós foram jogadas para o alto, mas
pouquíssimas forquetas alcançaram a borda do barco que
tinha mais de seis, metros de altura. Seis homens começaram
a subir, enquanto os outros continuavam lançando suas
cordas.
— Que subam somente mais seis e soltem as forquetas
quando alcançarem a amurada — advertiu o russo. —
Depressa, não podemos perder tempo!
Pouco depois, a segunda turma também subiu. Porém o
silêncio continuava e parecia que do barco ninguém tinha
percebido a invasão. As forquetas foram jogadas na água e
Melnikov deu ordem para abordarem o segundo petroleiro.
Sentia-se calmo porque o helicóptero continuava
sobrevoando a zona e só tinha vindo para apanhá-lo.
A lancha gastou apenas alguns segundos para se
aproximar do segundo barco e quando os homens já estavam
subindo pelas cordas com nós, os primeiros estampidos
ressoaram, procedentes do outro petroleiro.
— Subam e façam o barco se deter! — ordenou.
Os homens chegaram à coberta e ouviram vozes
abafadas. Novos disparos ressoaram, partindo do primeiro
petroleiro. Era surpreendente como o som conservava toda
nitidez através de mais de duas milhas de distância.
— Dois fiquem na ponte de comando e mandem que os
motores sejam desligados! — ordenou o russo.
— Não — disse uma voz a seu lado. — Não vamos
obedecer suas ordens, senhor Melnikov. Nada faremos até a
chegada de Lorne.
— O quê?... — rugiu o russo. — Estão aqui para fazerem
o que eu determinar, porco asqueroso!
— Não, só faremos o que Lorne mandar.
— Matem esse insubordinado! Terão que fazer o que...
Soltou um berro quando recebeu uma patada na barriga
que o jogou para cima e o fez cair a alguns metros adiante.
Weitzer também gritou quando ia movimentar a palanca
da submetralhadora e um japonês pegou seu pulso com
facilidade. Puxou-lhe o braço para as costas e com o seu
braço direito preso, o russo não tinha como se defender e
apenas podia urrar de dor.
Seus gritos pareceram ser o sinal convencionado para que
os holofotes fossem acendidos e as sirenes acionadas.
Imediatamente a tripulação dos dois petroleiros começou a
aparecer no convés e segundos mais tarde, todos estavam
engalfinhados em uma luta ímpar e fantástica.
Melnikov ainda continuava no lugar onde tinha aterrado
ao cair. Apesar da iluminação intensa sua visão estava
nublada e não entendia muito bem o que estava acontecendo.
De forma alguma ia aceitar tal fracasso! E foi
repentinamente que o nome de Lorne Short ressoou em sua
mente.. O americano era o responsável por tudo que estava
ocorrendo!
— Cuide de Melnikov! — escutou alguém gritando em
japonês.
Um dos amigos de Lorne parou diante dele. O russo só
viu o movimento de uma perna no ar e recebeu o peso do pé
no peito. Foi empurrado violentamente para trás. Tentou
firmar os pés no chão e procurou inutilmente um ponto de
apoio para as mãos. Seu como continuou sem equilíbrio e
continuou escorregando até precipitar-se nas águas geladas
da baía.
O mergulho nas águas geladas fez com que desaparecesse
a névoa que encobria seu raciocínio e visão. Reapareceu logo
em seguida e começou a andar para a lancha. Não entendia
como as coisas tinham ocorrido, mas sabia que o helicóptero
não ia recolhê-lo porque naquele instante, mais parecia uma
bola vermelha precipitando-se no espaço. Quando encostou
nas águas explodiu e começou a lançar labaredas em todas as
direções, aumentando a iluminação dos holofotes.
Vitali Melnikov se esqueceu de tudo: do piloto da
aeronave, dos homens-rãs, dos petroleiros e das sirenes que
continuavam apitando. Tinha que chegar à lancha e escapar
com ela, desaparecer daquele cenário fantástico. Começou a
nadar com mais velocidade.
Logo às primeiras braçadas notou que as sirenes
silenciaram e que algumas lanchas guarda-costas japonesas
aumentaram os focos de luz que lançavam para os
petroleiros. Uma dessas lanchas que tinham chegado
inexplicavelmente, começou a persegui-lo quando Melnikov
acreditava que poderia fugir facilmente. Depois a mesma
lancha descreveu um círculo à sua volta e novamente,
começou a aproximar-se de frente. Quase em seguida, um de
seus holofotes clareou o nisso que continuava nadando.
— Está me ouvindo, senhor Melnikov? Não conseguirá
fugir e seu plano já fracassou — falou Lorne Short pelo alto-
falante da lancha.
Quase em seguida, alguns homens o retiraram de dentro
do mar e o levaram à coberta da lancha costeira, onde ficou
cara-a-cara com Lorne que continuava com vários
hematomas e ferintentos no rosto.
— A partir de agora se considere detido — falou o rapaz.
— Short, posso trocar minha liberdade por algo
importantíssimo para todos. E tem que ser imediatamente,
agora!
— Por quê quer que tudo seja feito com essa pressa?
— Troco minha liberdade por informações vitais! Nunca
desconfiou que meu plano era bem mais profundo do que
parecia? Prometa que ficarei livre e saberá de tudo,
O oficial japonês ia falar alguma coisa, mas Short pôs a
mão em seu braço, levou-o para o lado e conversou com ele
por alguns segundos. O japonês apenas sacudiu a cabeça
concordando com tudo que escutava. Depois o rapaz se
aproximou de Melnikov, também segurou seu braço e o
levou para o interior da lancha.
— Vamos conversar com mais calma. Prometo que
depois da conversa eu o deixarei partir.
— Não temos tempo para conversinhas! — exclamou o
russo. — Os homens-rãs já estão colocando cargas de
dinamite nos petroleiros e dentro de dez minutos no máximo,
essas cargas explodirão. Nós desapareceremos com os
barcos, mas a baía de Tóquio ficará convertida em um
verdadeiro inferno!
O oficial japonês ficou lívido, pasmo, mas logo começou
a distribuir ordens várias e correu para a cabine de comando
onde estava o rádio.
Lorne Short também parecia tenso, mas procurou
contemporizar a situação:
— Se algo puder ser feito, tenho certeza que o tenente
Magayami o fará. Porém se você preferir, pode sair daqui
nadando, Eu sempre cumpro minha palavra e prometi que o
deixaria livre.
Melnikov pareceu hesitante por instantes, mas decidiu
que o meio mais fácil para escapar daquele inferno, seria
continuar a bordo da lancha guarda-costas. Pensou que devia
ter tomado mais cuidado quando Jisuo não atendeu ao
telefone. Sorriu um sorriso amarelo e perguntou:
— Como conseguiu escapar de seus guardiões um pouco
antes do previsto!
O que significa “antes do previsto”?
— Creio que não me expressei muito bem porque você
não tinha que escapar, mas ela sim.
— Ruth? — perguntou com inquietação.
— Sim. Meus homens sabiam que no momento em que o
incêndio começasse na baía, deviam agir de maneira que
vocês os atacassem e eles aproveitariam a chance para matá-
lo. Durante a luta Ruth fugiria, e...
— Quer dizer que vocês dois tinham programado essa
encenação?
— Claro que não — resmungou o russo. — Porém
alguém devia procurar as autoridades japonesas, a fim de
explicar-lhes como e porque a baía de Tóquio estava
ardendo. Desde o início, escolhi Ruth Saville para cumprir
essa parte. Escolhi-a eu mesmo, pensando que poderia
aproveitar a ocasião e passar alguns dias agradáveis.
— Até agora não o entendi, Melnikov.
— Tudo foi planejado cuidadosamente e quando a baia se
transformasse em uma fogueira, alguém devia procurar as
autoridades e lhes comunicar que aquele ato de vandalismo e
sabotagem fora cometido por um agente secreto russo
chamado Vitali Melnikov como represália pelo que
aconteceu com o tenente Viktor Ivanovich Belenko que
fugiu da Rússia em um Mig-15.
— Lembro-me do caso, mas desconfio que este atual
nada tem a ver com o de Belenko.
— Exatamente e se você não tivesse surgido, eu
continuaria fingindo-me apaixonado e para mostrar a
confiança que depositava nela, ia contar-lhe esta mesma
história. Tenho certeza que Ruth faria o impossível para
evitar a catástrofe, mas como uma medida de segurança eu a
deixaria retida em casa até o momento que me parecesse
propício porque assim que se visse livre, sei que ela iria
procurar as autoridades competentes e informar-lhes sobre as
atividades do serviço secreto soviético.
— Mas essa história não é real?
— Não. Eu, Vitali Melnikov, sou um simples aventureiro
contratado por um autêntico agente secreto de outra nação
que usou a fuga do tenente Belenko para primeiramente
provocar problemas bem sérios entre a Rússia e o Japão com
a queima dos petroleiros. O mínimo que se podia esperar, era
que a Rússia fosse acusada de assassinato múltiplo, agressão
e sabotagem. Com estas acusações o país ficaria
desprestigiado e passaria uma temporada sem pressionar a
política interior dessa outra potência. E o caso também não
deixaria de ser uma vingança pessoal do agente secreto
contra os japoneses.
— Por quê vingança?
— Por coisas que aconteceram há mais de quarenta anos
quando o Japão invadiu a China. Desde então, esse agente
secreto odeia o Japão.
— Parece-me que está falando de seu amigo, o velho
Ling Shao.
— É, faz anos que ele trabalha para o serviço secreto de
um outro país aqui no Japão, prejudicando os japoneses de
todos os modos possíveis, mas este seria o seu grande golpe,
com duplo objetivo como expliquei.
— Não compreendo como alguém pode continuar
odiando depois de quarenta anos e nem pode planejar uma
ação tão vil.
— Bem, aquela potência estrangeira não tomou
conhecimento do que Ling Shao planejou. Como este seria
seu último serviço, deram-lhe carta branca para fechar seu
período funcional como quisesse. Todo o projeto foi
elaborado por ele, sem o conhecimento ou aprovação de seus
chefes. Estou a par de tudo porque estive colaborando com
ele e não ele comigo, como você estava pensando.
Compreende agora por que fomos à sua granja?
— Sim e lamento por esse velho chinês, que passou
quarenta anos sofrendo.
— Está querendo dizer, odiando, não é?
— E por acaso, odiar não é o mesmo que sofrer?
— Você tem uma maneira muito peculiar de encarar os
fatos, Short.
Calaram-se quando ouviram as rajadas de sub-
metralhadoras ao longe. Perceberam que a lancha passou a
navegar com mais velocidade e Lorne comentou:
— Melnikov, creio que será inútil conversar com você
sobre a água adormecida, certamente não entenderia seu
significado. Acho horrível que um homem sozinho tenha
planejado tanta crueldade que nem sequer vai trazer-lhe
algum beneficio pessoal. Um plano diabólico que poderia ter
causado prejuízos inestimáveis a duas potências. Juro que
não entendo como pôde colaborar neste caso.
— Dinheiro é vil metal, mas faz sempre bem — sorriu o
russo.
Um estampido horrível aconteceu de repente e o mar se
encapelou, com ondas altíssimas que naquele momento
ficaram vermelhas como a luz que se propagou por quase
toda a baia. A lancha balançou e começou a ser jogada de
um lado para o outro com violência, chegando até a provocar
algumas quedas entre os homens que estavam na coberta.
O russo também foi para lá correndo e quando viu as
ondas, a vermelhidão das águas, soube o que havia
acontecido: os japoneses tinham conseguido pegar um ou
mais homens-rãs que trabalhavam para Ling Shao e em
seguida, tinham destruído as cargas de dinamite.
A tripulação da lancha parecia assustada e um oficial que
já estava molhado da cabeça aos pés pelas ondas que quase
cobriam a lancha, aproximou-se de Melnikov. Este nem lhe
deu tempo para falar, ergueu a mão direita e lhe aplicou um
direto no queixo. O japonês caiu e ele arrancou-lhe a pistola.
Depois se virou para Short com um olhar repleto de ódio.
— Prepare-se porque vou matá-lo!
Lorne Short levantou a mão esquerda velozmente. O
russo teve a impressão que esta fosse cinzelada em bronze,
capaz de demolir qualquer coisa e foi somente o que pôde
ver ou pensar porque logo em seguida, recebeu-a na fronte e
sua cabeça se esborrachou como um melão maduro que
caísse no chão.

Ling Shao já começava a ficar preocupado. No final da
noite se sentara na terra imunda de seu jardim e ficou
esperando o fulgor das labaredas, porém as horas foram
passando, o céu começava a clarear com os primeiros
reflexos do sol e nada tinha acontecido. Alguma coisa devia
ter mudado os planos cuidadosamente elaborados. O chinês
pensou que talvez o piloto do helicóptero não tivesse matado
Vitali Melnikov, tal como lhe havia ordenado.
Alguma dificuldade devia ter surgido durante a operação
e se o russo continuava vivo, mais cedo ou mais tarde,
alguém poderia ficar sabendo quem fora o mentor da
catástrofe que se abatera sobre o Japão.
Não! Nunca Ling Shao se tornaria prisioneiro dos
japoneses! Jamais seria capturado vivo, jamais! Isso nunca ia
acontecer!
Lentamente, o ancião apanhou o punhal que estava
escondido na manga de suas roupas. A madrugada estava
gélida. Ia matar-se. Estava velho e nunca mais ia ter outra
oportunidade para prejudicar tão violentamente os japoneses
como tinha idealizado. Era velho para ter uma nova chance,
mas também jovem demais para se deixar capturar com vida.
Os reflexos do sol se tornavam mais fortes por entre a
névoa que cobria o horizonte, o frio estava aumentando e ele
já o sentia até nos ossos. Também pudera, há quantas horas
permanecia estático, sentado naquele chão imundo,
esperando, esperando... Agora já não adiantava continuar
esperando. Levantou o punhal e no mesmo instante escutou a
voz:
— Pensei que fosse mais corajoso, Ling Shao.
O velho chinês nem se alterou, simplesmente olhou na
direção de onde tinha chegado a voz e viu Lorne Short. Não
demonstrou surpresa, mas imediatamente percebeu que o
americano estava com o rosto machucado. Sorriu e
comentou:
— Parece que sofreu algum acidente, senhor Short.
— Um não, vários, Suponho que minha presença aqui é
reveladora para o senhor.
— Só um pouco.
— Tentarei ser breve: Melnikov contou-me tudo antes de
morrer. Três dos homens-rãs que estavam colaborando com
seu plano morreram crivados de balas e o quarto explodiu a
carga antes de colocá-la. As três cargas que já estavam
acondicionadas nos petroleiros puderam ser retiradas a
tempo por homens-rãs japoneses. O plano elaborado pelo
senhor e ele fracassou completamente porque eu, prevendo
algumas dificuldades, contratei sete budocas de minha
confiança e foram estes que controlaram o restante do
pessoal contratado por Melnikov. Foram dominados
facilmente e só há dois feridos. Está desejando saber de mais
alguma coisa?
— Não, obrigado.
— Está precisando de alguma ajuda?
— Para morrer? Não, muito obrigado, posso fazer isso.
sozinho.
— Não creio que o faça. Homens como o senhor não tem
valor para fazerem certas coisas.
— Então está pensando que não tenho coragem para
matar-me?
— Exatamente. De todas as informações que consegui
reunir sobre sua pessoa, cheguei à conclusão que nunca
passou de um covarde. E todos falam que apenas aqueles que
são valorosos têm coragem de se suicidar. O senhor nunca
teve coragem para procurar viver em paz, bem ao contrário,
levou quarenta anos estimulando o ódio. E agora quero
fazer-lhe uma pergunta, Ling Shao: qual o valor que tem a
vida ou a morte para o senhor?
— Talvez esteja com a razão — respondeu após rápida
reflexão. — Porém sei que a morte em nada me serviria, mas
a vida... Quem sabe? Talvez se eu pudesse viver mais alguns
anos e acabasse encontrando um outro meio para saciar o
ódio que me consome há mais de quarenta. Eu odeio o Japão
e os japoneses! Será que hoje o senhor me diria a que escola
pertence, senhor Short?
— Já lhe disse: Shotokan.
— Não lhe fiz a pergunta de forma correta porque estou
desejando conhecer o nome de seu mestre.
— Seu nome não importa ao senhor.
— Talvez esteja certo novamente, mas eu gostaria que
me dissesse quem é ele um pouco antes de morrer, pois sei
que sua morte está próxima, senhor Short.
— Minha morte está próxima?
Os olhos de Ling Shao foram se levantando lentamente e
olharam para um ponto que estava atrás da cabeça de Lorne,
Este se virou e viu as quatro moças da véspera, paradas a
uma distância de doze a quatorze metros, mais ou menos.
Agora pareciam outras mulheres que usavam apenas shortes
curtinhos e amarelos, tinham os cabelos pretos e longos
soltos, como se por acaso estes pudessem servir-lhes de
agasalhos naquela madrugada gelada. Cada uma delas
empunhava uma katana, o sabre japonês, e arma preferida
dos samurais.
— Está querendo que eu ataque as garotas, Ling Shao?
— Se quer continuar vivo, não terá outra saída, senhor
Short.
O americano achou que pedir mais explicações seria uma
pura perda de tempo. Tanto o velho como as moças deviam
saber o que estavam fazendo e o que o chinês estava
pretendendo. Certamente estavam a seu serviço, tal como
estivera Vitali Melnikov e os outros que tinham morrido
durante o assalto aos petroleiros.
Lorne se sentia muito cansado, mas não queria morrer,
adorava a vida. Fechou os olhos e aspirou profundamente e
se pôs em guarda.
Quando os reabriu, as moças já estavam a menos de três
metros de distância e pareciam esperar por suas reações.
— Não quero que o matem com rapidez — disse o
chinês. — Quero que viva o suficiente para poder dizer-me
quem é seu mestre e logo depois, eu mandarei alguém para
matá-lo também.
Lorne sentiu que seu pulso se acelerava e que tudo
parecia ter ficado avermelhado a sua volta. Então aquele
velhote estava pensando em exterminar seu Mestre?
— KIIIAAAIIIIIII!... — o grito poderoso brotou de seu
interior e percorreu aquele começo de dia.
Para o velho Ling Shao aquilo foi alucinante, O corpo de
Lorne se alçou no ar, suas pernas pareciam ter criado
movimentos diabólicos e, quase imediatamente, uma das
jovens caía para trás com o seio esquerdo sangrando. A dor
que sentiu foi tão intensa que perdeu os sentidos. Uma outra,
recebeu o golpe no ventre. A expressão de seu rosto se
demudou e os olhos desorbitaram antes dela cair também
desmaiada.
O budoca parecia ter criado uma nova vida em seu
interior. De forma alguma permitida que Ling Shao ou
qualquer outra pessoa fosse prejudicar seu Mestre!
Os pés encostaram-se no chão só por segundos, enquanto
um outro brado de luta brotava de sua garganta.
— KIIIIAAAAII!...
Novamente ficou no ar e naquele momento, as duas
garotas que ainda continuavam de pé tentaram feri-lo com as
katanas, mas Lorne percebeu seus movimentos e quando
elas se aproximavam mais dele, girou o corpo ainda no ar e
se deixou cair no chão, de costas para suas agressoras, e
lançou um ushiro geri, isto é, levantou a perna e jogou-a
para trás, tal como um cavalo no instante de dar o coice.
Uma das jovens recebeu a patada nas costelas, mas mesmo
assim não soltou o sabre e lançou-o para frente. A arma
acabou, ferindo-o nas costas. Lorne chegou a gemer e caiu
de bruços.
As garotas trocaram um rápido olhar, gritaram com
euforia e saltaram para onde ele estava, ambas brandindo
seus sabres. Já se consideravam vencedoras e foi então que
viram a perna musculosa do budoca girando no ar para bater
logo depois no ventre de uma delas. A moça caiu sentada no
chão, viu tudo negro à sua volta e desmaiou.
A última remanescente do grupo resolveu lutar com
garra. Levantou a katana e a mão de aço do budoca se
fechou em torno da lâmina afiada e a puxou com força. A
mulher teve que soltá-la e naquele mesmo instante, recebeu
uma cotovelada violenta no diafragma. Perdeu a respiração e
segundos mais tarde, também estava estendida no chão
imundo e infecto.
A mão esquerda de Lorne agora sangrava
abundantemente, mas ele não soltou a arma. Naquele
instante, pensava que se tivesse enfrentado quatro homens,
certamente estaria convertido em pedaços. Olhou para o
chinês com um olhar feroz e Ling Shao sé então percebeu a
imprudência que tinha cometido quando ameaçou matar seu
mestre.
Também se levantou empunhando o punhal e preferiu ser
o primeiro a atacar.
Lorne esperou que ele se aproximasse mais e quando
achou que o momento era favorável, deu alguns passos à
frente com o sabre em posição horizontal.
Quase imediatamente Ling Shao sentiu uma dor profunda
enquanto o sabre ia perfurando seu peito e notava que o
sangue começava a escorrer pelo cabo de aço, enfeitado com
arabescos de marfim.

10 – O QUE MAIS VALE É O AMOR


Lorne Short calou-se finalmente. Dick Merrit levou
alguns segundos para se recuperar da surpresa e acabou
estourando:
— Se está pensando em se divertir às minhas custas, vá
tratando de arranjar outra platéia, diabo! Sabe que a mim
ninguém engana!
— Não me diga que está pensando que inventei tudo que
acabei de lhe contar, Dick? Olhe para mim e veja se também
inventei os curativos que estão espalhados por meu corpo e
se pergunte por que eu abandonei os negócios tão
precipitadamente?
— Homem, posso acreditar em quase tudo que me
contou, mas não “engulo” que tenha acabado com quatro
pequenas lindas como me disse.
— Não acabei com elas, apenas deixei-as aturdidas. Em
seguida, liguei para a delegacia mais próxima e foram os
policiais que as levaram. Nem sei se ficaram detidas porque
tomei o primeiro avião de vôo direto para Los Angeles e já
estou aqui. Penso assumir minhas funções daqui a dois dias.
Como foi tudo durante minha ausência, sócio?
— Até que não posso queixar-me. Você se recorda do
caso de Fitzsimmons?
— Claro. Você lhe enviou a nota que deixei escrita para
ele?
— Sim. E embora você não acredite, ele nos devolveu os
trezentos mil e ainda nos propõe um negócio que poderá
render alguns milhares de dólares.
— Eu não falei que ele ia pagar?
— Bom, podemos falar de negócios mais tarde quando
sua zanga terminar.
— Dificilmente alguma coisa me deixaria zangado. Estou
disposto a manter o miza no kokoro contra o vento e a maré.
Pode dizer-me o que quiser porque eu me manterei calmo e
tranqüilo, sócio. O que aconteceu?
— Não sei nem como começar... Você se lembra de
Margie, a moça que era sua secretária?
— Que pergunta mais idiota, Dick! Como eu podia
esquecer-me de Margie?
— Bem, a coisa mais importante que aconteceu depois
que você viajou: naquela tarde você me deixou sozinho no
escritório, fiquei fulo de raiva, mas conforme fui me
sentindo mais calmo, pensei que fora grosseiro com a moça.
Fui desculpar-me com ela e não sei por que, gostei de seu
sorriso. Conversamos um pouco e eu a convidei para jantar.
Ela aceitou e nós fomos jantar juntos. Lorne, juro que não sei
o que me aconteceu, mas me apaixonei.
— Sinal que tem bom gosto porque Margie é uma
candura.
— Sei, mas acontece que ela só pensa em você. Será que
se eu lhe pedisse, você podia tirar umas três semanas de
férias por conta da firma? Sei que não vai aceitar esta
sugestão, mas pensei que se você viajasse novamente e
começasse a mandar cartões postais dizendo que tinha
encontrado a mulher de seus sonhos e depois de alguns dias
nos mandasse, um outro, confessando que estava amando
realmente e que pensava casar-se com ela o mais rápido
possível... Se você me fizesse este favor, talvez Margie
comece a se interessar por mim.
— Não estou entendendo esse seu pedido, Dick —
respondeu de cenho fechado.
— Só quero que você passe uma temporada longe daqui.
Tire três ou quatro semanas de férias e desapareça. Só quero
que me mande cartões postais, dizendo que está se divertindo
com várias garotas sensacionais... Você até pode usar
algumas mentiras, como por exemplo: que uma delas é a
coisa mais encantadora que encontrou em toda sua vida e
dias mais tarde, poderá me comunicar seu próximo
casamento. Você pode fazer isso por mim, sócio?
— Entendo. Está querendo que eu ponha Margie em seus
braços.
— Mais ou menos, O que achou de meu plano?
— Estou pensando que Margie não gosta de você e
merece coisa melhor.
— Lorne, você não conhece as mulheres! Assim que ela
souber que você está namorando e pensando casar-se, ficará
louquinha por mim.
— E por quê eu tenho que mentir?
— O que custa me mandar alguns cartões postais falando
de seu próximo casamento? Afinal, os sócios devem ter os
mesmos interesses e ajudar-se mutuamente. O que custaria
você me ajudar um pouco?
— Pensando bem, nada! E sabe do que mais? Aceito a
proposta! Tudo pago por conta da sociedade, não é?
— Você vai fazer isso por mim, Lorne? — perguntou
Dick entusiasmado.
— Se dois amigos não se ajudam, quem vai ajudar-nos?

Chegou em Tóquio e foi conversar com Sensei.
Confessou-lhe tudo que o vinha preocupando nos últimos
dias: Como podia encarar o amor que sentia por Ruth
Saville?
O velho Mestre antes de responder qualquer coisa se
levantou e. começou a andar pelo jardim, mas não se
demorou. Voltou e se sentou de pernas cruzadas. Em.
seguida, sorriu um sorriso meigo, carinhoso e depois lhe
entregou um raminho de flores-do-campo.
— O homem tem na vida todos os elementos para ser
feliz, Lorne e só os tolos não os utilizam. Estas flores são
para ela e aproveito a oportunidade para enviar a Noriko
Okasan meus desejos de saúde e felicidade.
— Farei isso. Mestre. Então o senhor aprova minha
decisão?
O ancião sorriu novamente e respondeu:
— Toda decido, que contenha o amor profundo e
autentico é válida, Lorne. Desejo a vocês dois uma vida
longa e feliz.
— Sensei, já começo a me sentir assim... — murmurou,
ajoelhando-se a seus pés.
Depois se levantou e saiu da casa do Mestre e foi direto à
casa da banhos. Novamente foi atendido pessoalmente por
Noriko Okasan.
Estava mergulhado na banheira cheia de água tépida
quando a porta se abriu e Ruth apareceu.
— Lorne — suspirou, despindo-se e entrando na
banheira.
Ele beijou-a devagar, ternamente e só então perguntou:
— Como você está?
— Estou bem. Noriko Okasan me cuidou como se fosse
sua filha.
— Estava preocupado sem saber de você.
— E foi por isso que voltou?
— Voltei porque queria revê-la e também por imposição
de meu sócio que me deu três semanas de férias. Assim que
cheguei estive com Sensei e ele mandou isso para você —
estendeu a mão e apanhou as flores que estavam em cima do
banco.
— Quer dizer que ele... aprova que... eu e você?...
— Disse-me que toda decisão que contenha amor é válida
e eu sempre concordo com meu Mestre. E você também vai
concordar conosco, Ruth?
Ela o abraçou com paixão e murmurou:
— Lorne, espero que você me ajude a manter o espírito
tranqüilo como as águas adormecidas que sempre refletem as
belezas do céu, mas não espere o mesmo em relação a meu
corpo, porque este é um vulcão em erupção.
— Menos mal, por que agora estou cercado de água... —
sorriu Lume.
EPÍLOGO

Quando Brigitte acabou de narrar os fatos que tinham


originado o nome de Mizu no kokoro, Peggy a fitava com um
olhar fascinado. A divina sorriu e apanhou a última cereja
que ainda restava no copo vazio e a levou à boca,
exclamando em seguida:
— Deliciosa! Peggy, você poderia apanhar outra garrafa
de champanha, pois o senhor Short deve chegar dentro de
poucos minutos e imagino que também goste de minha
bebida preferida. Traga-nos mais cerejas, por favor.
Peggy se levantou da poltrona onde estava sentada e,
naquele exato momento soou a campainha da porta.
— Meu convidado é pontual — comentou Brigitte
olhando de novo para o carrilhão. — Abra a porta, Peggy, e
depois nos traga o champanha.
A governanta saiu e Minello olhou para a amiga.
— É verdade que não sabe o que ele vem fazer aqui?
— Sei — sorriu Brigitte. — Está desejando ampliar seus
negócios aqui na costa leste e está precisando de ajuda,
conselhos, amizades... e dinheiro. Eu vou proporcionar-lhe
tudo que puder, Frankie. Seus negócios abrangem vários
ramos, mas o mais interessante é o que Lorne Short faz com
cinquenta por cento de todo o lucro que consegue: inverte-o
em obras sociais particulares e em associações beneficentes
que prestam ajuda a pessoas necessitadas... Meu convidado
está chegando.
Levantou-se com um sorriso radioso nos lábios no
momento em que Peggy abria a porta da saleta, afastando-se
para dar passagem a Lorne Short.
Minello o examinou com curiosidade, mas ao perceber a
calma que havia em seu sorriso e a tranquilidade de seu olhar
compreendeu imediatamente o significado de Miro no
kokoro.
— Entre, senhor Short — disse Brigitte, estendendo-lhe a
mão em um gesto amistoso. — Estou encantada por
conhecê-lo... pessoalmente.
— E eu muito mais — sorriu Frankie Minello. — Meu
prazer é enorme, senhor Lorne Short.

Você também pode gostar