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2 – MENSAGEM VALIOSA
— Fitzsimmons é um filho da mãe e eu vou matá-lo
como se mata um porco para fazer salsichas! — exclamou
Dick Merrit.
— Por que você não se acalma um pouco? — sugeriu
Lorne Short.
O sócio o fitou com espanto. Ambos estavam em Los
Angeles, no luxuoso escritório de Short, que parecia sereno e
imperturbável, Era louro, de olhos claros, elegante, de
feições enérgicas, aparentava ter pouco mais de trinta anos.
— Quer que eu o mande para o inferno? — esbravejou
Dick Merrit. Estamos falando de um sem-vergonha que nos
roubou trezentos mil dólares com uma chantagem nojenta e
você quer que eu me acalme! Eu vou, matar aquele safado!
Lorne Short, que de pequeno não tinha nada, pois media
mais de um metro e oitenta e dois de altura, sacudiu os
ombros simplesmente.
— Está bem. Faça o que tiver vontade e me avise a data
de sua própria execução.
— Pare com essas ironias! Ninguém pune a outrem por
matar um porco!
— Na minha opinião, acho que está abusando da palavra
“matar”. Não pense que seja muito fácil matar uma pessoa.
Nem mesmo é fácil matar-se um peru na véspera do Natal.
Você está falando em matar como se estivesse ameaçando
jogar uma pedra na vidraça do vizinho. Dick, você já matou
alguém?
— Eu? Que idéia mais absurda, claro que não!
— Muito bem, então vou sugerir que antes de matar
Fitzsimmons você treine um pouco. Seria horrível ir
matando-o por etapas e é isso que vai acontecer se falhar no
primeiro golpe e se tiver que dar outro, mas outro e outro...
Quando digo golpe também me refiro a bala, facada, etc..
— Eu vou cortar-lhe a cabeça! — gritou Dick Merrit.
— Pena porque eu já lhe tinha escrito uma nota.
— Não entendo mesmo. O gatuno nos rouba uma fábula
de dinheiro e você ainda pensa em lhe mandar uma nota!
— Sim. Por que você não a lê? — propôs Lorne,
entregando-lhe uma folha de papel.
Dick Merrit a apanhou de cara fechada e leu:
Estimado senhor Fitzsimmons:
Levando em consideração os últimos
acontecimentos, presumo que esteja atravessando
uma fase difícil. Não deve preocupar-se e se está
precisando de dinheiro para resolvê-la, eu e meu
sócio podemos emprestá-lo.
Espero passar alguns dias de férias em minha
cabana de praia, pescando, tomando sol e ouvindo
música. Se acaso está sentindo-se cansado e se
deseja alguns dias de repouso, está convidado.
Com meus cumprimentos cordiais
Lorne Short.
4 – PRIMEIRA NOITE NO
ALOJAMENTO
Lorne Short sabia perfeitamente que o carro rodava em
direção de Kawasaki, deixando Tóquio para trás.
Melnikov só estacionou na frente de um chalé grande que
estava localizado à beira-mar. Pela janela do carro Lorne via
perfeitamente o reflexo da lua nas ondas e a silhueta de uma
lancha grande ancorada a poucos metros da praia.
Os dois homens já tinham recobrado os sentidos. Um
estava com a mandíbula fraturada e o outro tinha duas
costelas partidas. Olhavam para Lorne com um olhar
carregado de ódio e o rapaz compreendeu a situação em que
se encontrava: aqueles tipos só ficariam esperando uma
oportunidade para vingar-se. Conhecia aquela classe de
gente...
— Você irá ao bangalô e dirá que eu o contratei. Minora
e Yam ficarão em minha casa até o médico os atender —
ordenou Melnikov.
O bangalô era um galpão de madeira que também estava
à beira-mar, mas distante quase duzentos metros da casa
residencial,
— O senhor só contratou asiáticos?
— Não. Lá no galpão há homens de todas as partes do
mundo.
Lorne dirigiu um olhar rápido a Ruth e caminhou para o
galpão, prestando atenção em tudo que pudesse ver, mas fora
da vegetação rasteira que se espalhava pelo terreno, só via o
mar e a lancha.
Aproximou-se do bangalô. Dois homens estavam
sentados junto à porta. Continuaram silenciosos e o rapaz
disse em inglês:
— O senhor Melnikov me contratou e eu quero comer.
Ambos continuaram olhando para ele em silêncio e foi
então que Lorne notou que sé falavam japonês. Usou este
idioma e um deles respondeu:
— Senji está lá dentro e é ele quem cuida da cozinha.
Entrou no galpão que tinha um corredor centraI e mais de
quarenta beliches apinhados nas laterais. Alguns homens
fumavam, outros liam um grupo divertia-se jogando dados.
Todos o observavam e Lorne continuou caminhando pelo
corredorzinho, olhando com indiferença para os lados.
Nunca tinha visto tantas raças em espaço tão exíguo:
americanos, holandeses, ingleses, alemães, malaios, hindus,
japoneses e chineses.
No fundo do dormitório havia uma porta e conforme foi
se aproximando, começou a sentir aroma de temperos. Uma
cozinha e um dormitório para mais de quarenta homens.
Procurou Takashi Omura com os olhos, mas não o viu lá não
estava ali ou lhe teria acontecido algum coisa?
Entrou na cozinha e viu um japonês obeso e grandão.
Imaginou que fosse Senji.
— O senhor Melnikov me contratou e disse que você me
daria comida.
O japonês o fitou com maior interesse e o comentou;
— Você fala nosso idioma com perfeição. É americano?
— Sim. Nós dois não nos conhecemos em Guadalcanal?
Senji começou a rir, enxugou as mãos no avental e serviu
comida a Lorne. Este se sentou em uma das cadeiras que
estavam à volta de uma mesa enorme.
— No tempo de Guadalcanal você ainda nem pensava em
nascer, ianque.
— Meu nome é Short. Quantos quilos você tem, Senji?
— Quase cento e quarenta.
— Bem, se naufragarmos teremos carne para matar a
fome — riu Lorne, com a boca cheia de comida. — Você
também vai atuar nos petroleiros?
— Sou apenas cozinheiro.
Naquele instante, a porta foi aberta e Takashi Omura
entrou. Olhou para Lorne com indiferença e se sentou em
outra cadeira.
— O que está querendo aqui? — perguntou Senji com
maus modos.
— Não estou passando bem do estômago e gostaria que
amanhã você me desse uma comida leve. Você me faz uma
dieta?
— Sim, O senhor Melnikov não quer gente doente no
grupo.
Takashi sorriu para Lorne Short.
— Você é americano? Eu falo um pouco de inglês.
Cheguei há pouco e já me contaram que você estraçalhou
Minoru e Yam. Tenha cuidado porque seus amigos o estão
esperando lá fora. São seis ou sete.
— Não devia fazer estes comentários diante do
cozinheiro.
— Essa vaca não fala uma palavra de inglês. Está
querendo ajuda?
— Não.
— Certo, Se ele perguntar sobre o que falamos, diga-lhe
que foi de comida, azia e acidez. Boa sorte,
Takashi saiu e Senji perguntou:
— O que vocês dois falaram?
— Fique sabendo que se você me envenenar com sua
comida e eu passar mal como aquele homem, parto seu
pescoço.
Senji sorriu e começou a lavar uma ruma de pratos.
Lornee continuou comendo devagar, como se ignorasse o
que ia acontecer dentro de minutos. Comeu comedidamente,
apenas o suficiente para justificar um certo apetite. Saiu da
cozinha bocejando e acenando para o japonês.
Viu que Takashi estava deitado em uma liteira perto da
porta da cozinha. Andou o dormitório inteiro e se deitou em
uma outra que estava perto da saída. Fechou os olhos,
percebendo que agora o silêncio estava denso dentro do
galpão. A perspectiva não era nada agradável, mas ele se
controlou, manteve-se sereno como a água que dorme: mizu
no kokoro.
Sentiu o toque de uma mão muito leve no ombro, abriu os
olhos e viu um japonês debruçado sobre ele.
— O que você quer? — perguntou.
— O senhor Melnikov quer falar com você. Mandou que
eu viesse chamá-lo.
— Bodega! Nem descansar a gente pode, mas ele é o
patrão e eu vou.
O japonês sorriu e endireitou o corpo curvado. Lorne se
levantou e caminhou lentamente para a porta. Saiu do galpão
como se nada estivesse desconfiando, mas atento a tudo.
Pouco depois, viu seis homens que o esperavam a poucos
metros do bangalô. Foram aproximando-se até formarem um
semicírculo a sua volta.
— O que está acontecendo? — surpreendeu-se o
americano.
— Continue caminhando — disse alguém, encostando
uma faca em suas costas. — Não faça perguntas e ande.
Lorne obedeceu com passos vacilantes e o semicírculo
começou a se fechar, enquanto os homens procuravam
formar um círculo completo. Conhecia aquele tipo de surras
que muitas vezes se tomavam mortais.
Um deles atacou Lorne com um Ap Tchagui de Tai Kwon
Do. A resposta de Lorne foi fulminante: aparou com o braço
esquerdo com um Age Uke e simultaneamente, disparou seu
punho direito em tsuki para as virilhas do coreano. Este
lançou um berro que varou a noite e caiu morto. Um japonês
já disparava sua mão esquerda em shuto lateral, mas o
americano acertou-o com um golpe no pescoço e o homem
caiu como que fulminado por um raio.
Lorne girou o corpo e descarregou um espantoso uskiro
ate com o cotovelo e acertou outro japonês no ventre. O
homem caiu para trás, em quanto os lábios foram ficando
vermelhos de sangue.
Nesse momento, um coreano se lançou pensando atacá-lo
pelas costas. O impacto foi tão forte que Lorne caiu no chão.
Imediatamente um outro japonês saltou sobre o rapaz e o
derrubou de bruços. Lume sentiu uma dor horrível nas
costelas e momentaneamente, viu tudo escuro a sua volta.
Porém, instintivamente, rolou pelo solo e com esse
movimento fugiu de um pontapé que teria destroçado seu
rosto. Ajoelhou-se e gemeu roucamente quando alguém
apertou seu pescoço com um golpe de judô como se quisesse
estrangulá-lo em hadaka jitne. Fez um esforço tremendo,
levantou os braços e pegou o tipo pela camisa e o jogou
longe. O corpo do sujeito ainda não tinha pousado no chão e
um outro japonês tentava atacá-lo. Lorne apenas fechou o
punho direito e aplicou um tetsud entre as sobrancelhas deste
agressor.
Em poucos segundos tinha conseguido matar três
homens, mas ainda restavam outros três, inclusive o da faca
e, ele estava sem forças, caído no chão com a cabeça cheia
de zumbidos.
Recebeu um pontapé nas costelas, gritou de dor e quase
em seguida, alguém lhe propinou um tzuki no estômago,
enquanto o adversário ria com prazer;
Lorne não titubeou um instante. Levantou a mão direita e
descarregou um kuchi-bashi. vulgarmente chamado de
“picada da serpente”. Um dos olhos de seu adversário
arrebentou e o líquido escorreu por sua face, enquanto o
homem gritava de dor.
Percebeu que outros dois se preparavam para atacá-lo
com violência. Disparou os cotovelos para os lados, tentando
alcançar os inimigos. Falhou, e recebeu uma patada em
dotho tchegui no rosto que o jogou novamente no chão.
Como em sonho viu um outro sujeito se jogando contra ele...
Flexionou as pernas e quando o vulto chegou mais perto,
estendeu-as em tombe foge, jogando o adversário para o alto.
O homem só foi cair a quase três metros de distância.
Lorne levantou-se com a cabeça completamente zonza e
pensou em Sensei que o tinha forçado a treinos duríssimos, a
fim de prepará-lo. Naquele instante sentia-se semelhante a
uma máquina programada para “trabalhar” e revidar todos os
ataques com exatidão,
A vista clareou de repente, quando ouviu o zumbido
pairando no ar e, logo em seguida, vi um nunchaku de três
peças rodando. A arma girava, girava, girava, cada vez mais
perto dele Procurou escapulir de sua mira e começou
retroceder até suas costas se chocarem na parede do galpão.
Lorne compreendeu que se continuasse encostado àquela
parede de madeira, acabaria sendo triturado pelo nunchcku.
Aspirou o ar profundamente e emitiu um kiai com toda
sua energia vital:
— KIII AAIIIIII!
O nunchaku já estava a quase dois metros de distância.
Ele apenas flexionou as pernas e estas foram dar na cabeça
do japonês que se despencou com o rosto todo
ensangüentado. Depois se deixou cair de quatro, como um
felino, mas se ergueu imediatamente, adotando a posição de
ken zutsu, disposto a golpear quem dele se aproximasse e
esta foi a vez do japonês da faca.
Para sua desgraça, Lorne, naquele momento estava
convertido em um mecanismo admirável, graças ao
treinamento constante e exaustivo que vinha fazendo por
vários anos. Era dos que jamais desprezavam uma boa luta
direta e pessoal. O pasmo foi geral entre os que assistiam a
peleja singular quando o japonês tentou esfaqueá-lo e ele
aparou o golpe com um perfeito soto uke de braço esquerdo
e lançou um tremendo tsuki que alcançou o peito do
adversário que foi lançado pelos ares tal como se fosse um
boneco de palha para cair a mais de três metros.
Lorne não perdeu tempo nem para respirar e atacou o
homem do nunchaku com um veloz taisabaki e este também
ficou estirado no chão.
Durante alguns segundos Lorne Short permaneceu
Imóvel, com a respiração alterada e em guarda. Por fim,
relaxou-se e voltou para o interior do bangalô.
O silêncio era total. Ele se sentou na liteira com as pernas
cruzadas e fechou os olhos. Só agora seu rosto começava a
ficar perlado de suor. A concentração mental foi se dando
com lentidão, mas ele conseguiu-a.
— Não havia falhado quanto a seu jumbi shizei; o
juramento inicial de todo kurawka, pelo qual se comprometia
a jamais usar o caratê para atacar um semelhante e sempre
fazer uso dele somente em defesa própria. Um verdadeiro
budoca jamais age com crueldade e só faz uso de seus
conhecimentos para colaborar com o bem do próximo.
Não, não havia faltado à promessa inicial, tal como tinha
acontecido no Vietnã. O que podia fazer? Durante a guerra
havia usado armas, mas em pouquíssimas ocasiões, só
quando estas se tornaram imprescindível, quando não havia
outra escolha entre matar ou morrer. Tinha sofrido um
trauma bastante sério, quase uma neurose profunda quando
três guerrilheiros o apanharam em uma emboscada e o
feriram três vezes seguidas com facadas profundas. Foi
hospitalizado e quando recebeu alta, foi licenciado
definitivamente com todas as honras.
Que honra podia merecer um homem que passou anos
guerreando e matando outros seres humanos? Pelo menos
havia matado em cumprimento às suas obrigações
patrióticas, mas nem por isso, merecia receber homenagens
por ter sido um herói que tinha conseguido matar um numero
grande de inimigos.
E foi então que aconteceu a coisa mais maravilhosa de
sua vida. Quando fazia um vôo sobre Tóquio, rumo a Los
Angeles, escutou falar de Sensei. Isso tinha acontecido há
pouco mais de quatro anos, ficou curioso e foi visitá-lo.
Aquele primeiro encontro foi algo que Lorne jamais iria
esquecer. A tranqüilidade que sentiu naquele primeiro
contato foi algo indescritível.
O Mestre estava vestindo um quimono branco e sua
presença transmitia serenidade e suavidade.
O velho Mestre se exprimia em inglês corretíssimo e
passou horas e horas falando com ele no jardim do retiro que
havia escolhido para aprimorar seu espírito. Quando o
Mestre parou de falar, ele se estendeu no solo e adormeceu.
Passou três semanas inolvidáveis com Sensei, até que
compreendeu o verdadeiro significado do mizu no kokoro. A
partir de então se aprofundou no caratê como discípulo de
Sensei e compreendeu que muitas coisas poderiam ser bem
diferentes.
Que tudo no mundo podia ser ensinado de um modo ou
de outro e por isso, muitos eram budocas, outros adeptos das
artes marciais, alguns somente aprendiam a técnica da luta e
poucos alcançavam a sabedoria do mizu no kokoro...
5 – A CASA DE BANHOS
9 – A HORA DA ABORDAGEM
Vitali Melnikov desligou o rádio que tinha usado para se
comunicar com pessoas desconhecidas que só falavam
inglês. Olhou o relógio de pulso, eram quase cinco horas da
manhã, e segundo as informações recebidas os dois
petroleiros japoneses “Nissan Maru” e “Tama Maru” já
deviam tem entrado na baía de Tóquio, pois a idéia dos
respectivos capitães era chegar ao porto de bombeamento
quando o dia começasse a clarear.
Melnikov saiu à coberta onde os homens estavam
agrupados aguardando as ordens e tiritando de frio. Já se
encontravam ali há várias horas e o frio estava forte... Porém
durante a noite nada tinha acontecido..
— Todos devem ficar preparados — disse Melnikov. —
Os petroleiros já estão navegando pelo Estreito de Uraga e
antes de uma hora estarão à altura de Yokohama. Quando
chegarem àquele ponto, nós atacaremos. Alguma dúvida?
— E Lorne, por que ainda não veio? — perguntou uma
voz.
— Ele chegará para o ataque. Estejam preparados porque
os petroleiros deverão aparecer dentro de meia hora. E
lembrem-se de uma coisa: disparamos apenas se for
absolutamente necessário. Foi por esse motivo que sé
recrutei bons lutadores e não bons atiradores. Espero que
todos tenham entendido.
Muitos murmúrios de confirmação e Melnikov pouco
depois regressava para o interior da lancha. Usou o rádio-
telefone para chamar a sua casa de praia. Agora sé precisava
executar a parte final e o assunto teria uma envergadura
quase diabólica. O telefone soou várias vezes e ninguém o
atendeu.
Desligou-o e tomou a pedir o número com mais cuidado
para não errar e desejando que a rádio-telefonista tampouco
se equivocasse. O aparelho chamou diversas vezes e
novamente ninguém atendeu. Ele se sentiu preocupado,
imaginando porque razão os criado. não tinham atendido.
— Ligarei um pouco mais tarde, talvez agora Jisua esteja
ocupado — murmurou.
Olhou de novo para o relógio e apanhou o rádio da lancha
e dessa vez, não teve problemas porque ouviu uma voz em
japonês imediatamente:
— Prossiga. “Salmão” na escuta.
— Aqui “Morsa” falando — respondeu também em
japonês. — Acabamos de reparar a avaria. Empreendemos o
regresso dentro de vinte minutos no máximo.
— Estamos aguardando. Mais alguma coisa?
— Não. Câmbio e desligo.
Cortou a chamada e sorriu aliviado. Os planos estavam
sendo seguidos à risca e o helicóptero, no momento certo,
passaria para recolhê-lo. O piloto já devia estar recebendo
instruções sobre isso e os homens-rãs que se encontravam no
pesqueiro, já deviam estar mergulhando na água gelada.
Pisadas fortes e firmes ressoaram à suas costas, virou-se e
viu Weitzer com aspecto animado.
— Senhor Melnikov, já podemos ver a iluminação dos
petroleiros! Acabam de aparecer?
O russo correu à coberta e viu dois conjuntos de
lâmpadas surgindo no sul e de certa forma estes mostravam a
posição dos dois petroleiros de grande porte: um de cento e
trinta mil toneladas e o outro de cento e sessenta mil. Dentro
de dez minutos chegariam no ponto chave, se continuassem
navegando com boa velocidade, porque quando menos
esperassem, teriam de reduzí-la.
— Todos preparados?
Ninguém fez comentários. Olhou para os homens, todos
estavam com as submetralhadoras penduradas ao pescoço e
seguravam cordas com nós e forquetas em uma das
extremidades. A coberta estava abarrotada, pois os vinte e
dois aventureiros aguardavam o momento com curiosidade.
Nenhum deles sabia que os navios seriam incendiados,
pensavam que apenas seriam assaltados; se pudessem
adivinhar a sorte que os esperava!
A maré estava calma e as ondas quebravam suavemente
ao baterem no casco da lancha. As luzes continuavam
aproximando-se e os dois navios já podiam ser vistos
perfeitamente. Quase sete minutos mais tarde, ouviram o
ruído do helicóptero. Melnikov localizou um dos japoneses
amigos de Lorne e avisou:
— Você queria saber onde ele estava, veja como está
cumprindo sua parte. Nós nos reuniremos com Lorne Short
no convés do “Nissan Mato”.
— Muito obrigado por sua explicação, senhor Melnikov.
Pouco depois, os sete japoneses estavam reunidos e
falando em murmúrios quando um deles comentou:
— Se Lorne está chegando, tudo vai bem, sinal que as
ordens de Sensei continuam sendo obedecidas.
Melnikov aproximou-se em seguida do piloto e lhe
passou as últimas instruções. Os motores da lancha foram
ligados e a embarcação se pós em movimento na direção dos
petroleiros.
O barco chegou perto de um dos “monstros”, que já
estava ficando pequeno e antiquado, segundo os conceitos
mais modernos de transporte do petróleo, pois os petroleiros
mais modernos que estavam sendo construídos, tinham
capacidade para transportar um milhão de toneladas.
— Agora! — gritou Melnikov. — A hora chegou!
O monstro era grande demais e parecia que ninguém
tinha visto a lancha insignificante aproximando-se. As
cordas com os nós foram jogadas para o alto, mas
pouquíssimas forquetas alcançaram a borda do barco que
tinha mais de seis, metros de altura. Seis homens começaram
a subir, enquanto os outros continuavam lançando suas
cordas.
— Que subam somente mais seis e soltem as forquetas
quando alcançarem a amurada — advertiu o russo. —
Depressa, não podemos perder tempo!
Pouco depois, a segunda turma também subiu. Porém o
silêncio continuava e parecia que do barco ninguém tinha
percebido a invasão. As forquetas foram jogadas na água e
Melnikov deu ordem para abordarem o segundo petroleiro.
Sentia-se calmo porque o helicóptero continuava
sobrevoando a zona e só tinha vindo para apanhá-lo.
A lancha gastou apenas alguns segundos para se
aproximar do segundo barco e quando os homens já estavam
subindo pelas cordas com nós, os primeiros estampidos
ressoaram, procedentes do outro petroleiro.
— Subam e façam o barco se deter! — ordenou.
Os homens chegaram à coberta e ouviram vozes
abafadas. Novos disparos ressoaram, partindo do primeiro
petroleiro. Era surpreendente como o som conservava toda
nitidez através de mais de duas milhas de distância.
— Dois fiquem na ponte de comando e mandem que os
motores sejam desligados! — ordenou o russo.
— Não — disse uma voz a seu lado. — Não vamos
obedecer suas ordens, senhor Melnikov. Nada faremos até a
chegada de Lorne.
— O quê?... — rugiu o russo. — Estão aqui para fazerem
o que eu determinar, porco asqueroso!
— Não, só faremos o que Lorne mandar.
— Matem esse insubordinado! Terão que fazer o que...
Soltou um berro quando recebeu uma patada na barriga
que o jogou para cima e o fez cair a alguns metros adiante.
Weitzer também gritou quando ia movimentar a palanca
da submetralhadora e um japonês pegou seu pulso com
facilidade. Puxou-lhe o braço para as costas e com o seu
braço direito preso, o russo não tinha como se defender e
apenas podia urrar de dor.
Seus gritos pareceram ser o sinal convencionado para que
os holofotes fossem acendidos e as sirenes acionadas.
Imediatamente a tripulação dos dois petroleiros começou a
aparecer no convés e segundos mais tarde, todos estavam
engalfinhados em uma luta ímpar e fantástica.
Melnikov ainda continuava no lugar onde tinha aterrado
ao cair. Apesar da iluminação intensa sua visão estava
nublada e não entendia muito bem o que estava acontecendo.
De forma alguma ia aceitar tal fracasso! E foi
repentinamente que o nome de Lorne Short ressoou em sua
mente.. O americano era o responsável por tudo que estava
ocorrendo!
— Cuide de Melnikov! — escutou alguém gritando em
japonês.
Um dos amigos de Lorne parou diante dele. O russo só
viu o movimento de uma perna no ar e recebeu o peso do pé
no peito. Foi empurrado violentamente para trás. Tentou
firmar os pés no chão e procurou inutilmente um ponto de
apoio para as mãos. Seu como continuou sem equilíbrio e
continuou escorregando até precipitar-se nas águas geladas
da baía.
O mergulho nas águas geladas fez com que desaparecesse
a névoa que encobria seu raciocínio e visão. Reapareceu logo
em seguida e começou a andar para a lancha. Não entendia
como as coisas tinham ocorrido, mas sabia que o helicóptero
não ia recolhê-lo porque naquele instante, mais parecia uma
bola vermelha precipitando-se no espaço. Quando encostou
nas águas explodiu e começou a lançar labaredas em todas as
direções, aumentando a iluminação dos holofotes.
Vitali Melnikov se esqueceu de tudo: do piloto da
aeronave, dos homens-rãs, dos petroleiros e das sirenes que
continuavam apitando. Tinha que chegar à lancha e escapar
com ela, desaparecer daquele cenário fantástico. Começou a
nadar com mais velocidade.
Logo às primeiras braçadas notou que as sirenes
silenciaram e que algumas lanchas guarda-costas japonesas
aumentaram os focos de luz que lançavam para os
petroleiros. Uma dessas lanchas que tinham chegado
inexplicavelmente, começou a persegui-lo quando Melnikov
acreditava que poderia fugir facilmente. Depois a mesma
lancha descreveu um círculo à sua volta e novamente,
começou a aproximar-se de frente. Quase em seguida, um de
seus holofotes clareou o nisso que continuava nadando.
— Está me ouvindo, senhor Melnikov? Não conseguirá
fugir e seu plano já fracassou — falou Lorne Short pelo alto-
falante da lancha.
Quase em seguida, alguns homens o retiraram de dentro
do mar e o levaram à coberta da lancha costeira, onde ficou
cara-a-cara com Lorne que continuava com vários
hematomas e ferintentos no rosto.
— A partir de agora se considere detido — falou o rapaz.
— Short, posso trocar minha liberdade por algo
importantíssimo para todos. E tem que ser imediatamente,
agora!
— Por quê quer que tudo seja feito com essa pressa?
— Troco minha liberdade por informações vitais! Nunca
desconfiou que meu plano era bem mais profundo do que
parecia? Prometa que ficarei livre e saberá de tudo,
O oficial japonês ia falar alguma coisa, mas Short pôs a
mão em seu braço, levou-o para o lado e conversou com ele
por alguns segundos. O japonês apenas sacudiu a cabeça
concordando com tudo que escutava. Depois o rapaz se
aproximou de Melnikov, também segurou seu braço e o
levou para o interior da lancha.
— Vamos conversar com mais calma. Prometo que
depois da conversa eu o deixarei partir.
— Não temos tempo para conversinhas! — exclamou o
russo. — Os homens-rãs já estão colocando cargas de
dinamite nos petroleiros e dentro de dez minutos no máximo,
essas cargas explodirão. Nós desapareceremos com os
barcos, mas a baía de Tóquio ficará convertida em um
verdadeiro inferno!
O oficial japonês ficou lívido, pasmo, mas logo começou
a distribuir ordens várias e correu para a cabine de comando
onde estava o rádio.
Lorne Short também parecia tenso, mas procurou
contemporizar a situação:
— Se algo puder ser feito, tenho certeza que o tenente
Magayami o fará. Porém se você preferir, pode sair daqui
nadando, Eu sempre cumpro minha palavra e prometi que o
deixaria livre.
Melnikov pareceu hesitante por instantes, mas decidiu
que o meio mais fácil para escapar daquele inferno, seria
continuar a bordo da lancha guarda-costas. Pensou que devia
ter tomado mais cuidado quando Jisuo não atendeu ao
telefone. Sorriu um sorriso amarelo e perguntou:
— Como conseguiu escapar de seus guardiões um pouco
antes do previsto!
O que significa “antes do previsto”?
— Creio que não me expressei muito bem porque você
não tinha que escapar, mas ela sim.
— Ruth? — perguntou com inquietação.
— Sim. Meus homens sabiam que no momento em que o
incêndio começasse na baía, deviam agir de maneira que
vocês os atacassem e eles aproveitariam a chance para matá-
lo. Durante a luta Ruth fugiria, e...
— Quer dizer que vocês dois tinham programado essa
encenação?
— Claro que não — resmungou o russo. — Porém
alguém devia procurar as autoridades japonesas, a fim de
explicar-lhes como e porque a baía de Tóquio estava
ardendo. Desde o início, escolhi Ruth Saville para cumprir
essa parte. Escolhi-a eu mesmo, pensando que poderia
aproveitar a ocasião e passar alguns dias agradáveis.
— Até agora não o entendi, Melnikov.
— Tudo foi planejado cuidadosamente e quando a baia se
transformasse em uma fogueira, alguém devia procurar as
autoridades e lhes comunicar que aquele ato de vandalismo e
sabotagem fora cometido por um agente secreto russo
chamado Vitali Melnikov como represália pelo que
aconteceu com o tenente Viktor Ivanovich Belenko que
fugiu da Rússia em um Mig-15.
— Lembro-me do caso, mas desconfio que este atual
nada tem a ver com o de Belenko.
— Exatamente e se você não tivesse surgido, eu
continuaria fingindo-me apaixonado e para mostrar a
confiança que depositava nela, ia contar-lhe esta mesma
história. Tenho certeza que Ruth faria o impossível para
evitar a catástrofe, mas como uma medida de segurança eu a
deixaria retida em casa até o momento que me parecesse
propício porque assim que se visse livre, sei que ela iria
procurar as autoridades competentes e informar-lhes sobre as
atividades do serviço secreto soviético.
— Mas essa história não é real?
— Não. Eu, Vitali Melnikov, sou um simples aventureiro
contratado por um autêntico agente secreto de outra nação
que usou a fuga do tenente Belenko para primeiramente
provocar problemas bem sérios entre a Rússia e o Japão com
a queima dos petroleiros. O mínimo que se podia esperar, era
que a Rússia fosse acusada de assassinato múltiplo, agressão
e sabotagem. Com estas acusações o país ficaria
desprestigiado e passaria uma temporada sem pressionar a
política interior dessa outra potência. E o caso também não
deixaria de ser uma vingança pessoal do agente secreto
contra os japoneses.
— Por quê vingança?
— Por coisas que aconteceram há mais de quarenta anos
quando o Japão invadiu a China. Desde então, esse agente
secreto odeia o Japão.
— Parece-me que está falando de seu amigo, o velho
Ling Shao.
— É, faz anos que ele trabalha para o serviço secreto de
um outro país aqui no Japão, prejudicando os japoneses de
todos os modos possíveis, mas este seria o seu grande golpe,
com duplo objetivo como expliquei.
— Não compreendo como alguém pode continuar
odiando depois de quarenta anos e nem pode planejar uma
ação tão vil.
— Bem, aquela potência estrangeira não tomou
conhecimento do que Ling Shao planejou. Como este seria
seu último serviço, deram-lhe carta branca para fechar seu
período funcional como quisesse. Todo o projeto foi
elaborado por ele, sem o conhecimento ou aprovação de seus
chefes. Estou a par de tudo porque estive colaborando com
ele e não ele comigo, como você estava pensando.
Compreende agora por que fomos à sua granja?
— Sim e lamento por esse velho chinês, que passou
quarenta anos sofrendo.
— Está querendo dizer, odiando, não é?
— E por acaso, odiar não é o mesmo que sofrer?
— Você tem uma maneira muito peculiar de encarar os
fatos, Short.
Calaram-se quando ouviram as rajadas de sub-
metralhadoras ao longe. Perceberam que a lancha passou a
navegar com mais velocidade e Lorne comentou:
— Melnikov, creio que será inútil conversar com você
sobre a água adormecida, certamente não entenderia seu
significado. Acho horrível que um homem sozinho tenha
planejado tanta crueldade que nem sequer vai trazer-lhe
algum beneficio pessoal. Um plano diabólico que poderia ter
causado prejuízos inestimáveis a duas potências. Juro que
não entendo como pôde colaborar neste caso.
— Dinheiro é vil metal, mas faz sempre bem — sorriu o
russo.
Um estampido horrível aconteceu de repente e o mar se
encapelou, com ondas altíssimas que naquele momento
ficaram vermelhas como a luz que se propagou por quase
toda a baia. A lancha balançou e começou a ser jogada de
um lado para o outro com violência, chegando até a provocar
algumas quedas entre os homens que estavam na coberta.
O russo também foi para lá correndo e quando viu as
ondas, a vermelhidão das águas, soube o que havia
acontecido: os japoneses tinham conseguido pegar um ou
mais homens-rãs que trabalhavam para Ling Shao e em
seguida, tinham destruído as cargas de dinamite.
A tripulação da lancha parecia assustada e um oficial que
já estava molhado da cabeça aos pés pelas ondas que quase
cobriam a lancha, aproximou-se de Melnikov. Este nem lhe
deu tempo para falar, ergueu a mão direita e lhe aplicou um
direto no queixo. O japonês caiu e ele arrancou-lhe a pistola.
Depois se virou para Short com um olhar repleto de ódio.
— Prepare-se porque vou matá-lo!
Lorne Short levantou a mão esquerda velozmente. O
russo teve a impressão que esta fosse cinzelada em bronze,
capaz de demolir qualquer coisa e foi somente o que pôde
ver ou pensar porque logo em seguida, recebeu-a na fronte e
sua cabeça se esborrachou como um melão maduro que
caísse no chão.
Ling Shao já começava a ficar preocupado. No final da
noite se sentara na terra imunda de seu jardim e ficou
esperando o fulgor das labaredas, porém as horas foram
passando, o céu começava a clarear com os primeiros
reflexos do sol e nada tinha acontecido. Alguma coisa devia
ter mudado os planos cuidadosamente elaborados. O chinês
pensou que talvez o piloto do helicóptero não tivesse matado
Vitali Melnikov, tal como lhe havia ordenado.
Alguma dificuldade devia ter surgido durante a operação
e se o russo continuava vivo, mais cedo ou mais tarde,
alguém poderia ficar sabendo quem fora o mentor da
catástrofe que se abatera sobre o Japão.
Não! Nunca Ling Shao se tornaria prisioneiro dos
japoneses! Jamais seria capturado vivo, jamais! Isso nunca ia
acontecer!
Lentamente, o ancião apanhou o punhal que estava
escondido na manga de suas roupas. A madrugada estava
gélida. Ia matar-se. Estava velho e nunca mais ia ter outra
oportunidade para prejudicar tão violentamente os japoneses
como tinha idealizado. Era velho para ter uma nova chance,
mas também jovem demais para se deixar capturar com vida.
Os reflexos do sol se tornavam mais fortes por entre a
névoa que cobria o horizonte, o frio estava aumentando e ele
já o sentia até nos ossos. Também pudera, há quantas horas
permanecia estático, sentado naquele chão imundo,
esperando, esperando... Agora já não adiantava continuar
esperando. Levantou o punhal e no mesmo instante escutou a
voz:
— Pensei que fosse mais corajoso, Ling Shao.
O velho chinês nem se alterou, simplesmente olhou na
direção de onde tinha chegado a voz e viu Lorne Short. Não
demonstrou surpresa, mas imediatamente percebeu que o
americano estava com o rosto machucado. Sorriu e
comentou:
— Parece que sofreu algum acidente, senhor Short.
— Um não, vários, Suponho que minha presença aqui é
reveladora para o senhor.
— Só um pouco.
— Tentarei ser breve: Melnikov contou-me tudo antes de
morrer. Três dos homens-rãs que estavam colaborando com
seu plano morreram crivados de balas e o quarto explodiu a
carga antes de colocá-la. As três cargas que já estavam
acondicionadas nos petroleiros puderam ser retiradas a
tempo por homens-rãs japoneses. O plano elaborado pelo
senhor e ele fracassou completamente porque eu, prevendo
algumas dificuldades, contratei sete budocas de minha
confiança e foram estes que controlaram o restante do
pessoal contratado por Melnikov. Foram dominados
facilmente e só há dois feridos. Está desejando saber de mais
alguma coisa?
— Não, obrigado.
— Está precisando de alguma ajuda?
— Para morrer? Não, muito obrigado, posso fazer isso.
sozinho.
— Não creio que o faça. Homens como o senhor não tem
valor para fazerem certas coisas.
— Então está pensando que não tenho coragem para
matar-me?
— Exatamente. De todas as informações que consegui
reunir sobre sua pessoa, cheguei à conclusão que nunca
passou de um covarde. E todos falam que apenas aqueles que
são valorosos têm coragem de se suicidar. O senhor nunca
teve coragem para procurar viver em paz, bem ao contrário,
levou quarenta anos estimulando o ódio. E agora quero
fazer-lhe uma pergunta, Ling Shao: qual o valor que tem a
vida ou a morte para o senhor?
— Talvez esteja com a razão — respondeu após rápida
reflexão. — Porém sei que a morte em nada me serviria, mas
a vida... Quem sabe? Talvez se eu pudesse viver mais alguns
anos e acabasse encontrando um outro meio para saciar o
ódio que me consome há mais de quarenta. Eu odeio o Japão
e os japoneses! Será que hoje o senhor me diria a que escola
pertence, senhor Short?
— Já lhe disse: Shotokan.
— Não lhe fiz a pergunta de forma correta porque estou
desejando conhecer o nome de seu mestre.
— Seu nome não importa ao senhor.
— Talvez esteja certo novamente, mas eu gostaria que
me dissesse quem é ele um pouco antes de morrer, pois sei
que sua morte está próxima, senhor Short.
— Minha morte está próxima?
Os olhos de Ling Shao foram se levantando lentamente e
olharam para um ponto que estava atrás da cabeça de Lorne,
Este se virou e viu as quatro moças da véspera, paradas a
uma distância de doze a quatorze metros, mais ou menos.
Agora pareciam outras mulheres que usavam apenas shortes
curtinhos e amarelos, tinham os cabelos pretos e longos
soltos, como se por acaso estes pudessem servir-lhes de
agasalhos naquela madrugada gelada. Cada uma delas
empunhava uma katana, o sabre japonês, e arma preferida
dos samurais.
— Está querendo que eu ataque as garotas, Ling Shao?
— Se quer continuar vivo, não terá outra saída, senhor
Short.
O americano achou que pedir mais explicações seria uma
pura perda de tempo. Tanto o velho como as moças deviam
saber o que estavam fazendo e o que o chinês estava
pretendendo. Certamente estavam a seu serviço, tal como
estivera Vitali Melnikov e os outros que tinham morrido
durante o assalto aos petroleiros.
Lorne se sentia muito cansado, mas não queria morrer,
adorava a vida. Fechou os olhos e aspirou profundamente e
se pôs em guarda.
Quando os reabriu, as moças já estavam a menos de três
metros de distância e pareciam esperar por suas reações.
— Não quero que o matem com rapidez — disse o
chinês. — Quero que viva o suficiente para poder dizer-me
quem é seu mestre e logo depois, eu mandarei alguém para
matá-lo também.
Lorne sentiu que seu pulso se acelerava e que tudo
parecia ter ficado avermelhado a sua volta. Então aquele
velhote estava pensando em exterminar seu Mestre?
— KIIIAAAIIIIIII!... — o grito poderoso brotou de seu
interior e percorreu aquele começo de dia.
Para o velho Ling Shao aquilo foi alucinante, O corpo de
Lorne se alçou no ar, suas pernas pareciam ter criado
movimentos diabólicos e, quase imediatamente, uma das
jovens caía para trás com o seio esquerdo sangrando. A dor
que sentiu foi tão intensa que perdeu os sentidos. Uma outra,
recebeu o golpe no ventre. A expressão de seu rosto se
demudou e os olhos desorbitaram antes dela cair também
desmaiada.
O budoca parecia ter criado uma nova vida em seu
interior. De forma alguma permitida que Ling Shao ou
qualquer outra pessoa fosse prejudicar seu Mestre!
Os pés encostaram-se no chão só por segundos, enquanto
um outro brado de luta brotava de sua garganta.
— KIIIIAAAAII!...
Novamente ficou no ar e naquele momento, as duas
garotas que ainda continuavam de pé tentaram feri-lo com as
katanas, mas Lorne percebeu seus movimentos e quando
elas se aproximavam mais dele, girou o corpo ainda no ar e
se deixou cair no chão, de costas para suas agressoras, e
lançou um ushiro geri, isto é, levantou a perna e jogou-a
para trás, tal como um cavalo no instante de dar o coice.
Uma das jovens recebeu a patada nas costelas, mas mesmo
assim não soltou o sabre e lançou-o para frente. A arma
acabou, ferindo-o nas costas. Lorne chegou a gemer e caiu
de bruços.
As garotas trocaram um rápido olhar, gritaram com
euforia e saltaram para onde ele estava, ambas brandindo
seus sabres. Já se consideravam vencedoras e foi então que
viram a perna musculosa do budoca girando no ar para bater
logo depois no ventre de uma delas. A moça caiu sentada no
chão, viu tudo negro à sua volta e desmaiou.
A última remanescente do grupo resolveu lutar com
garra. Levantou a katana e a mão de aço do budoca se
fechou em torno da lâmina afiada e a puxou com força. A
mulher teve que soltá-la e naquele mesmo instante, recebeu
uma cotovelada violenta no diafragma. Perdeu a respiração e
segundos mais tarde, também estava estendida no chão
imundo e infecto.
A mão esquerda de Lorne agora sangrava
abundantemente, mas ele não soltou a arma. Naquele
instante, pensava que se tivesse enfrentado quatro homens,
certamente estaria convertido em pedaços. Olhou para o
chinês com um olhar feroz e Ling Shao sé então percebeu a
imprudência que tinha cometido quando ameaçou matar seu
mestre.
Também se levantou empunhando o punhal e preferiu ser
o primeiro a atacar.
Lorne esperou que ele se aproximasse mais e quando
achou que o momento era favorável, deu alguns passos à
frente com o sabre em posição horizontal.
Quase imediatamente Ling Shao sentiu uma dor profunda
enquanto o sabre ia perfurando seu peito e notava que o
sangue começava a escorrer pelo cabo de aço, enfeitado com
arabescos de marfim.