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© 1989 – Antônio Vera Ramirez

“En Nombre De Ala Misericordioso”


Tradução de Izabel Xrisô Baroni
Ilustração de Benicio
Colaboração de
Sérgio Bellebone
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ESTE É O INÍCIO
— Muito bem! Preferiu passar dias em Capri
descansando, quando podia estar comigo em Barcelona —
reclamou Frank Minello.
— As coisas não aconteceram como você está
imaginando, Frankie.
— Não? E como aconteceram exatamente?
— Raciocine, eu estava em uma situação difícil, onde só
podia escolher um entre os dois caminhos que se abriam a
minha frente. Optei pelo que me parecia mais razoável pela
minha maneira de ser.
— Entendo perfeitamente! Preferiu a companhia de
qualquer um de seus Simons quando podia ter preferido a
minha! Teríamos vivido horas inolvidáveis!
— Não foi isso exatamente o que aconteceu, Frankie —
riu Brigitte. — O rapaz que estava em Capri tinha sido ferido
quando colaborava comigo em Atenas e só este fato já o
colocava acima da categoria de ser qualquer um de meus
Simons, entende? E tem mais, ele estava sozinho em Capri
enquanto você estava cercado de amigos e velhos
conhecidos, todos desfrutando das alegrias de uma
competição mundial de atletismo.
— Minha viagem a Barcelona foi um verdadeiro
desastre! Primeiro, porque não há amigo ou amiga que tenha
a capacidade de substituir você. Depois, a chuva caiu com
intermitência; choveu todos os dias e noites sem parar.
Choveu tanto que o estádio ficou alagado e as competições
também foram fraquíssimas, não houve nada sensacional e
meus dias na Espanha foram um verdadeiro fracasso!
— Vamos, Frankie, deixe de exageros — caçoou Brigitte,
mas quase em seguida, ficou séria e continuou: — Você
disse que o estádio olímpico de Barcelona ficou inundado e
quer que eu acredite que as competições foram um fiasco?
— Exatamente!
— Não acredito! Aquele estádio foi inteiramente
restaurado há poucos meses. Também disseram que foi todo
modernizado.
— Um estádio restaurado não é recém-construído.
Consertos foram feitos, mas os defeitos antigos continuaram,
entende?
— Frankie, agora estou pensando uma coisa. Se um
estádio recém-reformado ficou alagado durante as
competições, o que não poderá acontecer em mil novecentos
e noventa e dois quando as Olimpíadas forem realizadas
naquela mesma cidade?
— Só se poderá esperar um verdadeiro desastre
universal!
— Frankie, Frankie, seu humor hoje está de cão. Eu já
sou mais otimista e espero que os responsáveis pelos Jogos
Olímpicos saibam sanar todos os problemas surgidos neste
mil novecentos e oitenta e nove e que o estádio esteja
perfeito para a grande festa que será realizada nele.
— Eu, em mil novecentos e noventa e dois, já deverei
estar morto e enterrado!
Brigitte soltou uma de suas risadas histriónicas que
ressoaram por todo o apartamento localizado no vigésimo
sétimo andar de um dos edifícios mais luxuosos da Quinta
Avenida e ao qual o bulício do tráfego chegava bem
amortecido.
— Frankie, Frankie, que grande novidade! Está sendo
repetitivo, meu amigo, porque os grandes pensadores e
profetas sempre falaram que há um tempo para nascer e
outro tempo para morrer e... só podem morrer aqueles que
estão vivos. Talvez quando as futuras Olimpíadas forem
realizadas até eu já esteja morta. O que eu posso fazer para
melhorar esse mau humor? Quando você fica zangado,
chateado como está, aparenta mais anos e também fica muito
mais feio do que está ficando.
— Não acredito que você queira fazer alguma coisa para
me ajudar.
— Ingrato! Sabe que sou capaz de fazer qualquer coisa
por você.
— Tudo que eu pedir?
— Sim.
— Essa é sua palavra de rainha?
— Frankie, você sabe que meu tempo de rainha acabou,
isso só acontece na juventude e mocidade.
— Não perguntei sobre esses reinados, quero saber se me
pode dar sua palavra de rainha da espionagem?
— Esta ainda posso dar — sorriu a mulher mais linde da
CIA. — Não sou humilde e sei que continuo sendo a
primeira neste campo, mas tenha cuidado com o que vai
pedir-me, porque se tentar algum abuso, juro como não lhe
concedo favor algum, entendeu?
— O que eu quero não custa dinheiro, nem dá muito
trabalho e é a coisa mais fácil para você fazer. E tenho
certeza que depois estarei menos velho, menos feio e
sentindo-me muito melhor... Depois, aproveitando esse meu
rápido rejuvenescimento, nós dois iremos jantar em um
daqueles nossos antigos restaurantes. Tomaremos sozinhos
uma garrafa de “Dom Perignon” e depois, para se aproveitar
bem a noite, iremos para um hotel do Caribe. Vamos ter uma
noite inteirinha para fazer amor. Creio que ambos estamos
desejando uma lua-de-mel e o Caribe é o lugar ideal O que
me diz?
— Aproveitar a noite para fazer amor? — perguntou ela
surpresa.
— E qual é o problema? A melhor coisa do mundo é
fazer amor à noite!
— Discordo, em minha opinião a noite foi feita para
dormir.
— Não! Qual é sua hora apropriada para o amor?
— Qualquer hora é apropriada, mas o amor é muito mais
bonito à luz do sol.
— Está bem, serei paciente! Posso esperar o amanhecer!
— Muito bem, se for assim, eu concordo.
— Pois então, comecemos pelo princípio. A primeira
coisa que vou pedir é um beijo, mas quero um beijo como só
você sabe dar.
Brigitte se levantou do sofá onde estava sentada e andou
até a poltrona que Frankie ocupava. Sentou-se nos joelhos do
amigo, passou os braços à volta de seu pescoço, encostou-se
a nele e o beijou suavemente nos lábios.
Frankie se deixou envolver pela magia do momento e
praticamente se desligou da realidade e... quando abriu os
olhos viu Charles Alan Pitzer que o contemplava com um
sorriso muito malicioso, trocando um olhar com Brigitte que
já estava novamente sentada no sofá.
— Então que tal, Frankie, estava bom? — perguntou o
chefe do setor da CIA em Nova Iorque.
— Droga! Diabo! O que veio fazer aqui? Eu estava tendo
um sonho lindo e quando acordo tudo se transforma em
pesadelo!
O velho Charles Alan Pitzer passou as mãos pelos
cabelos já inteiramente brancos e sorriu.
— Não pode imaginar como lamento. Por que seu sonho
se tornou um pesadelo?
— Eu estava sonhando com Brigitte, uma mulher
amorosa. Imagine que ela estava sentada em meus joelhos e
me beijava na boca com grande carinho e grandes
promessas, porém no instante em que abri os olhos, vi sua
cara de buldogue me espreitando, Pitzer!
— Frankie querido, você não estava sonhando. Eu o
beijei tal como descreveu. Estava tão empolgado com meu
beijo que nem pressentiu quando tio Charlie chegou.
— E eu quando cheguei e vi sua cara de abobalhado,
pensei que estivesse dormindo. Parecia estar em êxtase.
Você estava feliz como se gozasse de bênçãos celestiais,
Frankie.
— O que você veio fazer aqui, velho dos demônios?
— Vê se tenta adivinhar — sorriu Pitzer.
— Não! Não! Você não veio aqui para encarregar Brigitte
de mais um de seus trabalhos sujos! Vou dizer-lhe uma
coisa, Pitzer, hoje minha amiga querida não vai para lugar
algum. Já fizemos o nosso programa, vamos jantar juntos e
depois iremos em lua-de-mel para o Caribe! Por isso, desista
logo de chegada!
— Acalme-se, Frank — surpreendeu-se Pitzer. — Não
quero ser um desmancha-prazeres e nem tampouco quero,
prejudicar o programa de vocês.
— Então você apareceu por aqui só porque quer que
minha querida vá para longe, a fim de resolver mais algumas
sujeiras internacionais que estão correndo o mundo? Mais
uma vez, vai expô-la a perigos?
— Acalme-se, homem, porque esta missão não será
muito perigosa — explicou Pitzer. — E há, mais uma
atenuante, não precisa ser sindicada com urgência porque o
que está acontecendo não nos parece muito inquietante.
— Ainda bem — sorriu Frank. — O que está
acontecendo afinal?
— Um maluco que se diz chamar Nemo Sartoriuns está
em Roma comprando todos os carros-de-combate que lhe
queiram vender.
Os olhos de Minello pousaram em Brigitte que
continuava imóvel como se esperasse novas informações
sobre o caso. Depois ele olhou para o chefe do setor de Nova
Iorque e perguntou:
— Porquê um homem quer tantos tanques de guerra?
— Sinceramente, eu não lhe posso responder essa
pergunta e nem entendo por que Sartorius está comprando os
carros blindados.
— Isso parece uma loucura! Se as repartições militares
estão vendendo esses carros para Nemo Sartorius, é sinal que
os veículos já não têm muita utilidade... Certamente vai
transformá-los em sucata.
— Foi o que eu também pensei. Devem ser modelos
antigos, fora de linha e em desuso, salvo se houver gente
maluca em alguns departamentos de guerra que esteja
negociando os modelos mais modernos.
— O que mais sabe sobre o caso, Pitzer?
— Que estão sendo vendidos por um preço, baixíssimo.
Acredito que aqueles que estão conseguindo desfazer-se de
monturos de ferro velho inaproveitável, também devem estar
satisfeitos.
— Só um doido ia se interessar por tanta porcaria! —
exclamou Frank.
Brigitte se mantinha calada, olhando para Pitzer e só
depois de alguns minutos comentou:
— Tio Charlie, não acredito que haja muitos Nemo
Sartorius espalhados pelo mundo. Esse sujeito é o mesmo
que estou pensando, não é?
— Exatamente e é por isso que estamos apreensivos. Por
que um homem com a qualificação de Nemo Sartorius ia
querer tantos tanques de guerra... tanto aparato bélico?
— E quem é esse tal de Sartorius? — impacientou-se
Frank.
— Ele é um intelectual pacifista — respondeu Brigitte.
Frank Minello arregalou os olhos e resmungou:
— Decididamente estou envelhecendo... Além de velho e
feio, também estou ficando surdo. Será possível?
Brigitte olhou para Pitzer e comentou em um murmúrio:
— Só desejo saber quem está financiando as compras
desses carros para Sartorius. Nós o conhecemos há algum
tempo e ele sempre foi um intelectual pacifista, mas nunca
soubemos que fosse um milionário.
— Milionário? Não há intelectuais milionários, todos os
que conheço vivem mortos de fome! — exclamou Frank.
— Também não cheguemos aos extremos — protestou
Brigitte. — Nemo Sartorius não é um milionário, mas
tampouco é um miserável que esteja morrendo de fome ou
não tenha com que manter-se. Tem algum dinheiro e pode
vivei confortavelmente, mas existe uma grande distância
entre alguém poder manter-se com certo conforto e alguém
que esteja em situação de comprar carros e mais carros-de-
combate.
— E onde ele os estará armazenando? — falou Frankie.
— Sim, há diferença entre um sujeito ter três ou quatro
carros de passeio em uma garagem, e outro é ter vinte ou
trinta carros-de-combate no mesmo local.
— Uma observação inteligente, Frankie. Quantos carros-
de-combate Sartorius já comprou, tio Charlie?
— Duzentos e sessenta.
— Puxa! Para que ele quer tanto carro? — quase gritou
Minello.
— Assim que os vai recebendo, despacha-os
imediatamente para várias cidades que estão espalhadas pela
costa da África.
Brigitte ficou calada, pensativa por frações de segundo e
depois comentou:
— Nemo Sartorius não é um tolo. Não sei o que está
planejando, mas deve ser algo inteligente. Se por acaso
utilizasse esses tanques para iniciar uma guerra, esta seria
uma atividade que absolutamente não combina com a
doutrina que prega. Portanto... para que um pacifista há de
querer tantos carros-de-combate?
— Hoje duzentos e sessenta, mas amanhã já poderão ser
mais porque ele os continua comprando e recebendo —
esclareceu Pitzer. — E desconfio que os irá comprando por
algum tempo. Está claro que os adquire por preços
baratíssimos, praticamente como se estivesse comprando
apenas sucata.
— O que os analistas da CIA comentam sobre o caso? —
perguntou Frank.
— Estão realizando uma série de investigações,
pesquisas, mas sempre têm uma grande desvantagem quando
trabalham com pessoas de um nível intelectual alto como o
de Nemo Sartorius — disse Brigitte.
— Por quê? — perguntou Frank, novamente.
— Nossos analistas andam fazendo muitas especulações,
têm um grande poder de imaginação como eu já disse, mas
cometem um erro crasso a meu ver — explicou Brigitte. —
Sempre que iniciam uma análise, costumam partir de alguns
raciocínios lógicos, mas por demais incipientes. Raciocínios
perfeitamente aplicáveis a pessoas que tenham uma linha de
criatividade normal e previsível.
— E Nemo Sartorius é diferente? — Frankie parecia cada
vez mais surpreso.
— E como! — exclamou a espiã mais famosa da CIA. —
Vou tentar explicar-lhe tudo rapidamente, Frankie. Na
realidade as linhas do raciocínio e criatividade de Sartorius
são normais, pois estas faculdades só podem evoluir através
do desenvolvimento e progressão do pensamento. Baseados
neste princípio universal, os analistas podem especular sobre
os mais diversos assuntos que existam no mundo, como por
exemplo, quais seriam os propósitos da Rússia se esta
decidisse instalar um moinho de vento na Sibéria. De acordo
com a lógica este poderia ser instalado com um objetivo
concreto e racional por mais excêntrico que pudesse parecer
como, por exemplo, a Rússia teria instalado o moinho para
extrair água do subsolo, ornar uma estepe monótona ou para
servir de atração em uma autoestrada que seria construída
futuramente... Todos estes motivos são extravagantes, mas
nem por isso tem um sentido de lógica.
— E Sartorius não seguiria a mesma linha de raciocínio?
— Talvez ele tivesse a ideia de colocar um moinho de
vento na Sibéria como um monumento à memória de todos
aqueles que não sendo russos, tenham vivido na Holanda
sem provar um queijo sequer.
— Pura asneira!
— Talvez para o mundo inteiro, mas não para Sartorius.
E é exatamente por isso que estou querendo saber qual a
ideia que o forçou a comprar carros-de-combate.
— Talvez, simplesmente, estivesse pensando em
provocar uma guerra... alguma guerra... Os fatos ficam tão
evidentes que ninguém pode pensar que Sartorius sendo um
pacifista, pretenda fazer ou fomentar uma guerra, seja esta
como for. Não sei se me expliquei corretamente...
— Claro que sim, Frankie e talvez você até tenha razão,
quem pode afirmar que Sartorius não está fazendo algo que
possa provocar uma guerra?
— Se estivesse trabalhando em prol de uma guerra já não
seria um pacifista intelectual, mas um grande desgraçado.
— A última vez que estive com ele, continuava sendo um
homem encantador, gentil e atencioso — murmurou Brigitte.
— É um tipo tão inteligente que a maioria das pessoas se
assustaria só em falar com ele. Porém o tempo faz coisas
estranhas, Frankie... no seu decorrer até os indivíduos mais
categorizados sofrem algumas mudanças.
— Certamente isso só acontece com aqueles que se
cansam de agir com retidão por jamais verem seus talentos
devidamente recompensados e então, resolvem usar a
inteligência que possuem em prol de suas reservas
econômicas.
— Talvez você esteja certo, Frankie. De qualquer modo,
embarco ainda hoje para Roma. Tenho certeza que Sartorius
ficará satisfeito por rever-me.
CAPÍTULO PRIMEIRO
Senhorita Wolf

A senhorita Montfort jamais poderia pensar que fosse


passar por situação tão desagradável algum dia.
Olhava fixamente para o empregado que a atendia junto
ao portão da vila e seu olhar apenas refletia perplexidade.
— Não é possível — murmurou depois de ficar alguns
segundos calada. — O senhor Sartorius não podia ter dito
isso.
— Lamento, senhorita, mas foi exatamente o que ele
falou — confirmou o empregado com voz pesarosa.
— Bem, é verdade que não nos temos visto nestes
últimos tempos, mas somos amigos há muitos anos e sempre
fomos excelentes amigos. Não há uma justificativa para ele
dizer que não conhece nenhuma senhorita Montfort e que
seria bom se Brigitte Montfort fosse procurar novos “furos”
para suas reportagens bem longe daqui.
— Senhorita, saiba que eu jamais lhe falaria desse modo.
— Sim, sei que o senhor foi apenas um porta-voz. Não
adianta eu ficar por aqui... Vou andando... um bom dia para
o senhor.
— Igualmente, senhorita.
Brigitte afastou-se lentamente, sem olhar uma vez para
trás. Andou quase trinta metros e parou perto do BMW que
alugou assim que chegara na Itália. Sentou-se ao volante e
ficou contemplando a propriedade. Conseguira localizá-la
seguindo a orientação que lhe fora fornecida na portaria do
hotel onde o senhor Nemo Sartorius estivesse hospedado em
Roma, até há poucos dias atrás. Porém agora, ele se
encontrava muito bem instalado em uma vila linda e
aprazível que estava localizada quase à beira-mar, na cidade
de Lido di Ostia.
Enquanto esperava o motor do carro aquecer, ia pensando
em Nemo Sartorius.
Só poderia desculpá-lo se soubesse que estava sofrendo
de amnésia. Só se esta hipótese fosse verdadeira, poderia
entender o tratamento grosseiro que sofrera em sua mansão.
Como Sartorius tivera coragem de dizer que não conhecia
nenhuma senhorita Montfort ou já teria esquecido as noites
que ambos gozaram em franca orgia sexual? Estas
aconteceram três vezes e o convite sempre fora feito por ele,
de forma clara e direta. Todas as vezes tinha usado palavras
semelhantes: Brigitte estou desejoso de uma noite de amor
em sua companhia, não de horas de amor platônico ou
contemplativo. Estou querendo aproveitar todos os minutos
no mais clássico estilo sexual, inclusive orgásticos, se você
concordar.
Por que razão iria recusar convites tão agradáveis quando
já estava comprovado cientificamente que não existe melhor
tônico vitalizador, tanto para o homem como para a mulher,
do que horas bem aproveitadas com a atividade sexual? Que
esta é uma atividade sabia que jamais prejudica os parceiros
que se empenham no jogo do amor. Nemo Sartorius era um
homem inteligente que tinha uma memória prodigiosa... não
acreditava que não se lembrasse mais dela. Também sabia
que se estivesse em seu estado normal jamais teria mandado
dizer que: Seria bom se Brigitte Montfort fosse procurar
novos “furos” para suas reportagens bem longe daqui.
A espiã pisou no acelerador, sorriu e murmurou:
— Espere, Sartorius, você ainda me paga.
Minutos mais tarde, estava estacionando na frente de um
restaurante de beira de estrada que lhe pareceu bastante
acolhedor.
Decidiu almoçar ali mesmo e ficou satisfeita com o
serviço. Os garçons muito atenciosos e uma variedade de
peixes preparados de diversas maneiras. O almoço foi
realmente gostoso e a lagosta à moda da casa estava
excelente. Só lamentou por não ter podido tomar de sua
bebida preferida, mas o dono do restaurante, pessoalmente,
serviu-lhe do delicioso “Valpolicella” italiano como uma
cortesia da casa. Na realidade continuava preferindo o “Dom
Perignon”, mas de forma alguma poderia ser indelicada com
alguém que procurava ser-lhe gentil.
Depois do almoço, rodou até quase às três horas da tarde,
pensando de que modo poderia entrar em contato com o
senhor Sartorius. Finalmente tomou uma decisão, girou o
volante do BMW para um pinheiral. Abriu a maleta
vermelha estampada com florezinhas azuis que jamais
abandonava. Usaria de alguns artifícios que Baby costumava
usar com frequência para mudar seu visual. Àquela noite,
por exemplo, seria a senhorita Erika Wolf, representante de
um grupo de financistas que negociava carros-de-combate.
Desta vez, as coisas aconteceram de forma bem diferente.
Foi atendida pelo mesmo serviçal cortês e atencioso, mas o
senhor Sartorius a esperava na biblioteca.
— Quer ter a bondade de acompanhar-me, senhorita?
— Não, acho melhor eu ir à casa de táxi uma vez que já
combinei com o motorista que me levará de volta a Roma,
logo após a entrevista.
— Como a senhorita preferir.
O táxi penetrou pelo portão de ferro que o criado tinha
aberto, atravessou o caminho e só parou na frente da mansão
residencial.
— Por aqui, senhorita — disse o empregado, chegando
quase em seguida por um atalho que cortava os canteiros
floridos.
Abriu a porta do vestíbulo amplo e ricamente decorado.
Depois à da biblioteca e anunciou:
— A senhorita Wolf, senhor.
Erika entrou e Sartorius recebeu-a sorrindo e com ambas
as mãos estendidas. Contemplou-o ligeiramente e notou que
seu sorriso ainda continuava o mesmo, igual ao de um
menino travesso e inteligente.
— Senhorita Wolf, seja bem-vinda — expressou-se em
alemão perfeito. — Permite que eu fale que é uma mulher
encantadora?
— Claro que permito — sorriu Erika, também falando em
alemão. — Embora eu o esteja achando muito gentil, senhor
Sartorius.
O sorriso se tornou mais amplo quando apertava a mão da
visita. Erika também sorria, pois tinha certeza de que seu
aspecto nem de longe podia parecer encantador. Estava
usando uma série de apliques e enchimentos que
deformavam suas feições. Ninguém que visse aquela alemã
feiosa iria relacioná-la com a bela Brigitte Montfort, do
“Morning News”.
Sartorius, no entanto, continuou gentilmente:
— Senhorita Wolf, quando falo em “encantos” nunca
estou pensando exclusivamente nos encantos físicos de uma
pessoa, seja esta homem ou mulher. No momento em que
entrava por aquela porta, senti algumas vibrações espirituais
que só me aparecem quando estou diante de uma pessoa
vibrátil, atraente, sedutora... enfim, de uma pessoa
encantadora. E vou ser-lhe franco, até hoje ainda no me
enganei uma vez.
— O senhor é um homem muito amável.
— Aceita champanha?
— Oh, sim... Adoro champanha!
— Desculpe-me dois minutos, senhorita Wolf.
Nemo Sartorius foi até a porta, onde o criado permanecia
imóvel. Conversaram brevemente. A senhorita Wolf sentou-
se no sofá, observando que a vila fora mobiliada com bom
gosto. Aliás, era isso o que sempre ocorria quando Nemo
Sartorius escolhia uma casa para passar temporadas. Aquela
vila não escapara à regra, pois sua decoração era primorosa
em todos os detalhes, tanto pelos quadros que enfeitavam as
paredes como pelos jarrões de porcelana saxônica que
serviam de adereço às plantas ornamentais que estavam no
vestíbulo e biblioteca.
Porém como sempre acontecia, o próprio Sartorius era a
maior atração daquela propriedade. Era um tipo alto, esbelto,
agradável, mas muito feio, embora atraente. Tinha olhos
pequenos, mas vivos e expressivos, a boca era bonita e tinha
um sorriso simpático. A fronte era ampla e talvez parecesse
maior por causa da calvície incipiente que ele procurava
despistar, usando os cabelos mais longos, quase à altura do
pescoço.
Brigitte sabia que ele tinha quarenta e cinco anos e já o
conhecia há bastante tempo. Era um expoente de
inteligência, talvez o homem mais inteligente que ela
conhecera, mas nada humilde para com os menos dotados
pela Natureza. Costumava falar que: Os homens e mulheres
que habitam neste planeta Terra são meus congêneres.
Tenho que aceitá-los desta forma porque biológica e
fisiologicamente somos idênticos, mas, por favor, nunca
digam que sou igual ou semelhante a eles. Não posso ser
comparado a macacos sem inteligência.
O dono da casa voltou para perto da visita e se sentou em
uma poltrona que estava colocada na frente do sofá.
— Pedi para Ernesto trazer-nos o champanha —
informou, sorrindo. — Também tomei a liberdade de
despedir o táxi. Gostaria de tê-la como minha hóspede esta
noite.
— Seria formidável — respondeu Erika com um sorriso
simpático. — Mas infelizmente não poderei passar a noite
aqui, senhor Sartorius, no vim preparada.
— Pois então, esperemos por outra ocasião. Poderá
retornar a Roma em um de meus carros.
— Obrigada, assunto solucionado — sorriu a falsa alemã.
— Quantos carros-de-combate o senhor vai adquirir?
— Tantos quantos puder vender-me.
— Poderei entregar-lhe um lote grande. Estou aqui
representando vários vendedores que decidiram associar-se
para realizarem esta venda.
— Repito que comprarei tantos carros quantos me
queiram vender. Naturalmente, fecharemos o negócio depois
de acertarmos os preços, a luta será renhida, mas amistosa —
riu Sartorius.
— O senhor compraria mil e seiscentas unidades. senhor
Sartorius?
— Por favor, chame-me apenas por Nemo, senhorita
Wolf.
— Por favor, chame-me apenas de Erika, Nemo — sorriu
a alemã. — Então, o que me responde, compraria os mil e
seiscentos carros-de-combate?
— Já estão comprados.
— Realmente tem Trinta e dois milhões de dólares para
empatar em carros-de-combate, Nemo? Isso sem se contar
com o que já gastou nos pedidos anteriores. Quanto você já
gastou até este momento?
— Nem um dólar a mais do que eu tinha para gastar —
sorriu Sartorius. — Trinta e dois milhões? Vamos, Erika, não
está achando muito caro vinte mil dólares americanos por
um carro-de-combate velho que não passa de sucata?
— Então está achando muito caro um carro-de-combate
por vinte mil dólares? E, antes de tudo, devo explicar-lhe
uma coisa: todos os meus carros estão em condições
perfeitas, ouviu?
— Em condições perfeitas... para quê?
— Ora, qual poderia ser a utilidade de um carro-de-
combate? — surpreendeu-se a alemã. — Prontos para
combater. Não é para isso que os está comprando?
— Vinte mil é muito caro — falou, evitando uma
resposta mais direta. — Nossa luta vai ser agitada porque eu
não vou deixar de regatear, mas enquanto não chegarmos a
um acordo, você continuará sendo minha convidada... Veja,
Ernesto está chegando com nosso champanha.
O empregado entrou, empurrando um carrinho de chá no
qual havia um balde de prata com uma garrafa de champanha
mergulhada em gelo picado e dois copos de cristal de
Bohemia. Serviu-os com a mesma polidez que tivera pela
manha e à tarde e, novamente, postou-se junto à porta,
certamente aguardando novas ordens do patrão.
Erika provou do champanha e comentou:
— Está delicioso! Esta é uma das poucas coisas
aproveitáveis que os franceses têm.
— Você não gosta dos franceses? — surpreendeu-se o
intelectual.
— Não. Prefiro os esquimós.
— É verdade que tem tanta aversão por eles? Qual é o
motivo?
— Não gosto dos franceses porque são franceses e gosto
dos esquimós porque não são franceses. Esta resposta lhe
satisfaz?
Sartorius ficou em silêncio por alguns segundos, depois
sorriu e lhe serviu mais uma dose do champanha.
Olhava para a hóspede, sorrindo e depois de alguns
segundos falou:
— De que parte da Alemanha você é, Erika? —
perguntou como se desejasse mudar de assunto.
— De San Diego, Califórnia.
Nemo Sartorius não pôde conter-se por mais tempo e
soltou uma gargalhada, achando a alemã até divertida.
— Não tenho mais dúvidas, nós dois vamos entender-nos
muito bem! — exclamou, satisfeito.
— Inclusive quanto ao acerto de preço?
— Evidente! Compro todos eles por dez mil cada.
— Dezoito mil.
— Onze mil?
— Dezessete mil e fechamos o negócio agora mesmo.
— Pago-lhe treze mil e assunto encerrado — disse
Sartorius. — Mas isso se a mercadoria for entregue onde eu
determinar.
— Muito bem, dezesseis mil por peça e dentro de um mês
os carros-de-combate serão entregues onde você queira —
sorriu a espiã.
— Nestas condições, eu fico com todos eles. Negócio
fechado! Fico com todos por quinze mil!
— Vendidos.
— Comprados! — retrucou Sartorius, sorrindo
novamente. — Bem, de vez em quando, até chega ser
reconfortante conversar com algumas macaquinhas
adequadamente evoluídas.
— Vinte e cinco por cento deverão ser pagos adiantados,
Nemo — avisou, desconhecendo o comentário descortês.
— Posso lhe dar um cheque contra um banco suíço agora
mesmo. Porém esse cheque só poderá ser nominativo. E por
favor, não peça para preenchê-lo em nome de Erika Wolf.
— Nada posso adiantar neste ponto. Deverei falar com os
interessados e serão estes quem escolherão quem deverá sair
do anonimato.
— E eu não lhe posso dar um cheque antes deste estar
devidamente preenchido.
— Tem razão, Nemo. Creio que a melhor coisa que posso
fazer, é regressar à Roma e ligar para eles.
— Pode fazer isso daqui mesmo, não há necessidade de
voltar à capital.
— Não, muito obrigada — riu Erika. — Você seria tão
amável a ponto de me satisfazer uma curiosidade pessoal?
— O que quer saber?
— Qual é sua responsabilidade nesse negócio? Você
parece determinado em investir milhões de dólares para
adquirir esses carros-de-combate e isso vem intrigando a
todos nós, não somente a mim, mas também àqueles a quem
represento. Sinceramente, estamos intrigados, estamos
curiosos e desejamos descobrir de onde você consegue tanto
dinheiro para desbaratá-lo nessas compras. Desejamos saber
quais são as suas atribuições dentro de todo o plano. Por
mais que eu pense, não consigo relacionar Nemo Sartorius,
um intelectual de alta estirpe, envolvido em compras de
carros-de-combate!
— Lamento sinceramente, mas não lhe posso dar essa
informação, Erika. Meus projetos devem permanecer em
segredo por mais algum tempo.
— Seus projetos? Não, não acredito! Você seria incapaz
de utilizar um carro-de-combate, Nemo. É evidente que está
agindo apenas como um intermediário, e tudo me parece
perfeito, pois o negócio deve ser rendoso para os
interessados e para os intermediários e tudo que possa render
dinheiro, eu aceito. Porém, continuo perguntando-me, quem
o teria indicado para realizar todas essas compras? Em
qualquer lugar que se chegue, sempre há muitos militares,
paramilitares e mercenários de alto nível que poderiam tomar
conta de todo o negócio com mais facilidade do que você.
Por quê? Por quê você foi o escolhido?
— Acho muito natural que alguém cuide de seus próprios
negócios ou você não concorda comigo?
Erika Wolf suspirou resignadamente, pois percebia que
ele nada mais ia adiantar.
— Está bem, agora uma última pergunta para satisfazer
minha curiosidade: Você conhece a repórter Brigitte
Montfort?
— Claro, é uma jornalista famosa internacional e para ser
honesto, devo confessar que é uma das poucas pessoas que
têm uma inteligência que pode ser comparada a minha.
— Você soube que ela esteve aqui esta manhã, não
soube?
— Sim. E como você soube disso?
— Creio que não desconhece que esta vila está
discretamente vigiada e controlada, não somente por agentes
secretos dos diversos serviços de espionagem, mas também
por aventureiros e oportunistas. Houve gente que seguiu
Brigitte até o momento quando ela retornava à Roma e isso
só aconteceu às três horas da tarde. E como deve desconfiar,
todos sem exceção acreditaram que ela veio procura-lo para
tentar uma entrevista ou então, conseguir alguma informação
mais precisa sobre as compras dos carros-de-combate que
você vem realizando, mas eu pensei outra coisa.
— O quê? — surpreendeu-se Sartorius.
— Brigitte Montfort também é uma intelectual e eu
julguei que talvez fosse sua sócia. Vocês não são amigos?
— Nunca tivemos relacionamento algum... Eu só admiro
a colunista pela mulher inteligente que é. Porém agora
começo á desconfiar que Brigitte Montfort não me faria nem
a metade das perguntas que você já fez, Erika — retrucou,
sorrindo com bom humor.
— Faço tantas perguntas porque todos desejamos saber o
que você está planejando realmente. E talvez se nós
colaborássemos com...
— Não aceito ajudas ou colaborações! — exclamou
Sartorius.
— Pois eu pagaria um milhão de dólares para saber o que
você está planejando. É dono de um cérebro privilegiado e
só pode ter ideias estupendas.
— Economize seu dinheiro e sua curiosidade. As minhas
ideias não podem ser degustadas por paladar vulgar.
— Ei, você não conhece a... finura de meu paladar,
Nemo.
— Posso solucionar esta minha falha, convidando-a para
jantar — disse com um sorriso amável e tom pachorrento. —
Iremos jantar em Roma, em um lugar encantador. Aceita?
— Convite aceito.
— Disponha de minha casa como se sua fosse — disse
Sartorius, levantando-se. — Terei que deixá-la sozinha por
alguns minutos, enquanto me preparo para o jantar.
Entretanto, você pode tomar mais um pouco de champanha.
— Adoro champanha!
***
Escolheu um “Alfa Romeo” vermelho entre os muitos
carros que estavam na garagem e circulou pela autopista
velozmente. Quando chegaram a Roma, Sartorius deixou o
automóvel em um estacionamento subterrâneo e em seguida,
apanhou um táxi. Estava anoitecendo e o tráfego estava
congestionado. Todas as ruas estavam repletas de carros e...
isso só poderia dificultar a ação das pessoas que o estavam
vigiando.
O motorista do táxi seguiu todas suas instruções e
conseguiram chegar em Aventino, um bairro de ruas muito
estreitas. Sartorius pagou a corrida, desceram do carro e ele
segurou Erika pelo braço como se fossem velhos conhecidos.
— Escolhi um restaurante agradável que tem uma comida
gostosa.
— Você costuma frequentá-lo com assiduidade?
— Sou prático e quando venho a Roma visito todos os
lugares que me agradam.
O que aconteceu a seguir, aconteceu de forma tão rápida
que chegou a surpreender a agente da CIA. Dos homens
apareceram gritando e correndo para eles. Os dois ficaram
surpresos. Sartorius gritou alguma coisa que ela não
entendeu, enquanto se sentia empurrada, como se quisesse
afastá-la para bem longe quando ele próprio corria para a
esquina oposta.
Pack! Pack! Pack!
Os três tiros ressoaram estrondosamente pela rua quase
deserta do bairro um tanto afastado.
Nemo Sartorius gritou de dor, girou sobre si mesmo e foi
cair de bruços no chão empedrado.
A senhorita Montfort apanhou rapidamente a pistolinha
encastoada de madrepérola que trazia presa à coxa com tiras
de esparadrapo. Não perdeu tempo e também disparou.
Plop! Plop! Plop!
Um dos agressores recebeu a carga de chumbo na fronte,
gemeu de dor e quando caiu já estava morto.
O outro gritou, apontou a arma na direção de Erika Wolf,
mas antes que pudesse atirar, a alemã loura disparou de novo
e o segundo adversário recebeu o projétil no ventre. Gritou
de dor e pavor ao ver-se ferido, soltou a arma e correu para a
esquina, onde momentos antes, ele e o companheiro haviam
aparecido inopinadamente.
O espanto e a surpresa de Brigitte se dissiparam com
rapidez. Correu para perto de Sartorius, que continuava de
barriga para baixo. Virou seu corpo com muito cuidado e viu
que ele, embora ferido, a fitava com certa ironia ao
comentar:
— Eu sabia... quando me meti... Era uma coisa estúpida,
mas...
— Fique calmo. Está ferido, mas não corre perigo.
— Eu queria dizer-lhe que...
Erika não podia continuar perdendo tempo. Os moradores
do bairro já começavam a aparecer na rua, o barulho ia
aumentando com o passar dos segundos e no meio de todo
aquele ruído, ela pôde ouvir perfeitamente as pisadas fortes e
firmes dos dois rapazes que se aproximavam.
Não trocaram uma palavra. Ela se levantou e os três
começaram a correr na mesma direção tomada pelo atacante
que conseguira escapar, mesmo ferido.
Viram-no no momento em que penetrava numa ruela
deserta, onde somente havia um Fiat 1600 estacionado junto
ao meio-fio.
Imediatamente um homem saiu do interior do carro e
correu ao encontro do ferido, mas este lhe gritou alguma
coisa.
O outro não titubeou, voltou correndo para o carro,
sentou-se ao volante e arrancou.
Erika correu para o ferido que já estava cambaleando,
prestes a perder os sentidos, podia socorrê-lo... porém os
planos da alemã eram outros.
Saiu correndo atrás do Fiat 1600 que se afastava a toda
velocidade e conseguiu alcançá-lo quando teve de diminuir a
marcha pela aproximação de um sinal luminoso. A loura
aproveitou aquele instante para abrir a porta traseira e entrar
no veículo... que desapareceu rapidamente do cenário.
CAPÍTULO SEGUNDO
Assassinos por amor

O motorista do Fiat assustou-se quando sentiu o cano de


aço em sua nuca.
— Não pare — ordenou Erika — e continue com as mãos
no volante.
Ele engoliu em seco e sacudiu a cabeça concordando.
Erika o via só de perfil, era um homem jovem e bonito, que
não tinha aspecto de assassino e parecia ser árabe.
Desviou os olhos para ver se estavam sendo seguidos. O
trânsito estava intenso, mas não viu carro algum os
acompanhando. Depois olhou novamente para o rapaz que
devia ter vinte anos e aparentava ser um homem pacífico,
embora naquele momento estivesse muito nervoso.
— Como você se chama? — perguntou.
— Amur.
— E seus companheiros?
— Renzo que está ferido e Giorgio que você matou.
Renzo chegou correndo, perdeu muito sangue e mandou que
eu fugisse porque você é uma assassina profissional.
— O que eu sou? — perguntou Erika com surpresa. —
Foram vocês que tentaram matar Sartorius. Neste instante,
ele e seu companheiro estão sendo removidos a uma clínica.
Por que queriam matar Sartorius?
— Os motivos não interessam a você — respondeu
Amur, grosseiramente.
— Eu esperava uma resposta semelhante — sorriu a espiã
— mas pergunto de novo: Por quê tentaram matar Sartorius?
— Desista porque eu não lhe vou responder.
— O que adianta? Talvez dentro de horas, seu amigo
Renzo estará em condições de falar e eu ficarei a par de tudo.
Só preferia conversar com você.
— Eu não lhe direi nada. Para onde vamos?
— Você é quem sabe, porque eu não estou com vontade
de ir a lugar algum, portanto, simplesmente irei para onde
você e seus companheiros iriam se tudo tivesse dado certo.
Há mais gente naquele local?
— Claro, somos muitos.
— Melhor — riu a espiã. — Sempre gostei de conhecer
pessoas!
— Afinal de contas, quem é você? — grunhiu Amur.
— Sou a agente Baby.
— Nunca ouvi falar de ninguém com esse nome!
— Pois bem, vou explicar-lhe somente porque hoje estou
procurando ser amável com você. Sou uma agente da CIA e
talvez uma das espiãs mais famosas na espionagem
internacional. Somente por isso, dentro em pouco, terei
acesso às informações que seu amigo nos dará, pois Renzo
está cercado de agentes secretos de vários serviços de
espionagem que já estavam vigiando Sartorius, todos muito
intrigados pelo fato deste estar comprando tanques e mais
tanques de guerra. Vocês já tinham notado que ele estava
sendo vigiado?
— Não.
— Foi o que eu percebi logo de chegada, mas como
alguns dos agentes são meus companheiros da CIA, estarei a
par de tudo que acontecer. Vê agora por que não me sinto
preocupada?
— Creio que sim, se quiser uma informação basta pedi-la
a um de seus companheiros.
— Porém sou uma espiã diferente e antes de pedir estas
informações a meus colegas, preferia conversar com você. E
tem mais, se eu o entregar a eles, as coisas vão ficar negras
para o seu lado, meu rapaz. Por quê não resolve falar logo de
uma vez?
— Sartorius é um mentiroso! É um criminoso miserável!
— explodiu o jovem.
— Isso não é verdade — refutou Erika com veemência.
— Sartorius é um homem muito inteligente, embora muitas
vezes, sarcástico e irônico, mas esses defeitos não anulam
sua boa vontade e seus bons sentimentos.
— Era dessa forma que nós pensávamos e no final,
descobrimos que ele nos enganou.
— Então vocês já o conheciam há tempo?
— Nemo era nosso professor de Filosofia Racional!
— Filosofia Racional, o que é isso na realidade?
— Vá para o inferno e pare de fazer tantas perguntas!
— Está bem. Vamos para onde vocês iriam se tudo
tivesse dado certo, isto é, se tivessem matado Nemo
Sartorius.
— Aqui em Roma não temos lugar para ir. Alugamos este
carro e um apartamento em Lido di Ostia. Desejávamos
matar o nosso professor pacifista que não passa de um
cretino mentiroso! Seguimos seu carro quando ele veio
dirigindo para Roma. Bem, podemos ir ao apartamento em
Lido...
— Não seja maluco! Ele já deve estar sob vigilância. Ou
não perceberam que estavam sendo vigiados?
— Não — respondeu o rapaz, simplesmente.
— Isso está me parecendo um jogo de idiotas e há muito
tempo não confio mais neles — resmungou Erika. — Então
não perceberam que a vila estava sendo vigiada, bem como
todas as pessoas que entravam em contato com Sartorius?
Todas sem exceção, fossem vendedores de carros-de-
combate, curiosos ou jornalistas? Assim que vocês
chegaram, certamente passaram desapercebidos, mas agora
já devem estar sob vigilância. Entendeu?
— Claro. Não sou nenhum apalermado.
— Nesse ponto tenho minhas dúvidas — sorriu Brigitte.
— Agora voltaremos a Lido di Ostia.
— Mas... como... se nosso apartamento se encontra...
— Esqueça de seu apartamento que já deve estar
infestado de espiões. Vamos apanhar meu carro que ficou
não muito longe daqui. Apanharemos o meu e deixaremos o
seu que já deve ter a chapa anotada por todos... Filosofia
Racional, o que é na realidade?
— É uma parte da filosofia que estuda um
comportamento na Vida que é usado para conhecer o
desenvolvimento das faculdades mais ocultas do pensamento
humano, a fim do homem não se deixar enganar pelas
aparências, e ficar preparado para reconhecer a realidade por
mais desagradável que esta seja. Ele deve compreender que
nós, seres humanos, não somos seres celestiais, que cada
homem tem seus defeitos e que por isso mesmo, todos
precisam ser tolerantes, generosos e bondosos para com os
outros.
— É uma filosofia positiva, bem digna de Nemo
Sartorius.
— Ele é um hipócrita! — quase soluçou o rapaz. — É um
miserável que se vendeu por dinheiro, sem se preocupar com
seus discípulos. O pior criminoso é o hipócrita que engana
seus amigos com doutrinas falsas de amor e dedicação,
enquanto às escondidas vai realizando suas ações criminosas.
— Concordo — murmurou Erika. — Qual a ação
criminosa que Nemo Sartorius vinha realizando?
— Vinha comprando os carros-de-combate para o emir
Yusuf Suleiman.
— E vocês sabem por que o emir quer tantos tanques de
guerra?
— O que poderá fazer com eles?... Só uma guerra sinistra
na qual morrerão milhares de pessoas!
— E por que vocês tentaram matar Sartorius e nada
fizeram contra Yusuf Suleiman?
— O emir nunca traiu os alunos que o idolatravam...
Queremos castigar o mestre que nos enganou e, depois
cuidaremos do homem que o perverteu com seu dinheiro
maldito!
— Em seu palacete em Casablanca, mas terminará tendo
a cabeça degolada!
— Sabe de uma coisa? — falou Brigitte com
perplexidade, depois de fitá-lo demoradamente.
— Vocês são os assassinos mais peculiares que já
conheci em toda minha vida. Já vi pessoas matando por
vários motivos, mas nunca tinha visto alguém matar por
amor. Vocês poderiam ser chamados de: Assassinos por
Amor!
***
O carro só chegou ao lugar do encontro às dez horas da
noite. Amur levara todo o tempo na companhia da alemã que
dizia chamar-se Erika Wolf, mas que também era a famosa
Baby da CIA. Na realidade, ele ainda não sabia quem ela era,
mas percebia que era uma mulher especial, tão especial que
com um simples rádio de bolso punha todos seus
companheiros em ação.
— O homem que chegou é o seu amigo Simon? —
perguntou, curioso..
— Sim.
— Com ele veio outro. Qual é o seu nome?
— Casualmente também se chama Simon — respondeu
Erika. — Fique no carro e não saia dele. Posso confiar em
você, Amur?
— Pode.
Erika saiu do BMW que apanhara no pinheiral, onde
agora estava o Fiat 1600. Amur continuou sentado dentro do
carro, pensando que a mulher que matara Giorgio e ferido
Renzo começava inspirar-lhe confiança. Lembrava-se do que
ela lhe dissera certa hora:
— O que eu poderia fazer se seus companheiros estavam
disparando contra nós? O que você teria feito em meu lugar?
Teria se deixado matar?
Os minutos iam passando, a conversa de Erika com os
amigos não terminava e Amur começou a sentir inquietação.
Respirou aliviado quando ela saiu do carro e este partiu em
seguida.
Depois, veio sentar-se a seu lado no BMW e o informou:
— Renzo deve estar sendo operado neste momento, está
bem e não corre perigo. As balas de minha pistola são
minúsculas.
— Mas puderam matar Giorgio — sussurrou o rapaz
árabe. — E Nemo?
— Também está reagindo. Amur, não se preocupe mais
com os fatos que estão acontecendo em Roma, essa parte já
foi resolvida. Agora eu e você iremos à Casablanca, onde
chegaremos ao amanhecer.
— Como iremos à Casablanca?
— Juro que não será a nado — sorriu Erika.
***
O dia ainda não tinha amanhecido quando o pequeno
monomotor pousou no deserto, onde uma camionete velha já
os aguardava.
— Essa lataria horrorosa não é digna de você — disse o
rapaz.
— Qualquer coisa é digna de mim.
— Penso diferente. Pelo que vi até agora, todos esses
Simons são capazes de se aventurarem no espaço para trazer
a lua se você pedir.
— Amur, deixe a lua para os maometanos, quando
trabalho só me interesso pelo trabalho. Agora vamos saber
alguma coisa sobre o emir.
— Então, enquanto viajávamos, outros investigavam?
— Exatamente. Venha comigo para a camionete.
Desceram do avião e este alçou voo imediatamente. Um
homem jovem, alto e de porte atlético estava perto do
veículo e os recebeu sorrindo, abriu a porta traseira do velho
calhambeque e Amur ficou pasmo ao ver em seu interior
uma mesa, cadeiras, instalações de rádio e televisão.
Subiram no veículo e dentro deste estava outro homem de
mais idade. O rapaz também subiu e fechou as portas. Um
terceiro que estava ao volante arrancou em seguida e o carro
começou a rodar no solo arenoso e duro.
— Estamos muito perto dê Casablanca? — perguntou
Amur.
— Mais ou menos, por quê?
— Nada... Estive pensando que se estivéssemos nas
proximidades de Khourigba podíamos...
— O que existe em Khourigba? — perguntou Erika.
— Lá está um bom amigo que poderia ajudar-nos, caso
precisemos de auxílio. Seu nome é Khebir e é um chefe
nômade... Meu amigo é muito inteligente, mas preferiu
abandonar o conforto da cidade para viver no meio de
camelos e cavalos. Fez alguns amigos e estes o escolheram
como líder do grupo. Um pedido de Khebir tem o valor de
uma ordem para eles.
— Não entendi qual a ligação desse Khebir com nosso
caso, Amur.
— Pensei que ele e os amigos podiam nos ajudar quando
assaltarmos o palacete para degolar aquele jovem cretino que
está preparando uma nova guerra — inflamou-se o jovem.
— Pensaremos nisso em momento mais oportuno. Sabe
que eu o estou achando mais brigão e violento do que o tinha
julgado?
— Eu violento? O que não dirá do sujeito que anda
comprando tanques como se fossem brinquedos?
— Na verdade ainda não formulei minha conclusão,
talvez possa fazê-lo depois de conversar com meus
companheiros. O que sabe sobre o emir, Simon? —
perguntou a um dos agentes que se mantinham calados.
— Um homem simpático — disse o chefe de Casablanca.
— Como pode dizer tal asneira! — explodiu Amur, de
novo.
— Você pode ficar calado enquanto conversamos? —
pediu Erika. — Prossiga, Simon.
— O tal Yusuf Suleiman vive em um palacete no
Boulevard Omar el Idrissi, rodeado de belos jardins, pássaros
e parece que tem doze esposas, todas louras.
— Louras? — surpreendeu-se Erika. — Desde quando as
mulheres árabes são louras?
— Muitos indagam se são árabes verdadeiras ou
europeias adquiridas pelo emir em suas frequentes viagens
ao velho continente. Outros comentam que elas são árabes,
sim, mas o emir por capricho as obriga a terem os cabelos
pintados.
— Fantástico! — Erika estava atônita. — Porém eu
desconfio que há algo mais interessante a esse respeito e
sobre os projetos do emir.
— Pouca coisa mais — continuou Simon Casablanca. —
Seu emirado está no Golfo Pérsico, mas ele viaja com
frequência, especialmente aqui para Marrocos, onde tem
vários amigos. O palacete onde vive com suas esposas é
emprestado. Originariamente, tinha sido efetivamente um
palacete, mas depois foi utilizado como restaurante, mas
alguém o resgatou de tão indigno destino e novamente,
converteu-o em uma residência onde reinam pássaros e
flores.
— Entendo. Conseguiram alguma foto do emir?
— Já a pedimos, mas elas ainda não chegaram.
— Pelo menos sabem se ele é velho, moço, alto, gordo,
careca...
— Tem cinquenta e dois anos. É alto, forte, gordo, um
homem sadio sob todos os aspectos, e também tem fama de
ser muito simpático.
— E por que um homem com todos esses atributos quer
tantos tanques de guerra? — resmungou Amur.
— Poderíamos fazer esta pergunta pessoalmente ao emir
— sorriu a espiã. — Um homem tão agradável, tão simpático
não nos deixaria sem uma resposta concreta e definitiva.
— E como podemos nos aproximar dele se é um homem
que tem uma guarda muito bem preparada para protegê-lo de
qualquer inconveniência e se é um sujeito de difícil acesso,
para não se dizer de acesso impossível? — comentou Amur.
— Meu amigo, até este momento eu sempre entrei onde
quis, embora isso pudesse parecer difícil a outras pessoas —
falou com voz muito suave a senhorita Wolf —, mas não me
julgue vaidosa ou presumida, apenas descobri que todas as
portas têm uma chave, assim só precisamos encontrar a
chave que nos possa abrir a porta que desejamos transpor.
Agora, neste momento, temos de encontrar uma chave que
nos abra a porta do palacete onde reside o emir Yusuf
Suleiman.
— Nem tudo é tão fácil como você acaba de falar Erika.
Eu duvido que desta vez encontre a chave que está
precisando para chegarmos perto daquele canalha! —
exclamou o árabe.

CAPÍTULO TERCEIRO
Em nome de Alá Misericordioso

— O Príncipe dos Crentes a receberá imediatamente,


senhorita Montfort. Só pede que espere o tempo exato em
que se prepara para recebê-la.
— Muito obrigada — sorriu Brigitte. — Não tenho a
menor dúvida de que a aparência de Al Mumenin será de
minha completa satisfação.
— A senhorita fala o árabe? — exclamou o secretário.
— Não e foi por isso que trouxe um intérprete, caso surja
alguma dificuldade neste sentido — rapidamente trocou um
olhar com Amur que parecia estar atônito. — Não falo o
árabe, mas sempre me interessei pelos assuntos do Islã e sei
que Príncipe dos Crentes significa Al Mumenin.
— O emir ficará satisfeito ao saber disso — inclinou-se o
secretário, cerimoniosamente. — Por favor, tenha a bondade
de seguir-me.
— Há algum inconveniente que eu o espere no jardim? O
dia está magnífico, digno de ser desfrutado a pleno sol.
— O emir virá ao jardim — inclinou-se o secretário mais
uma vez. — Admirará uma pessoa que prefere a luz do sol
ao luxo de um palacete.
— Meu amigo — sorriu Brigitte —, palacetes há muitos
neste mundo, entretanto só temos um sol e devemos
desfrutá-lo antes que alguém se apodere dele e nos prive de
sua luz e de seu calor.
— Ninguém poderia apoderar-se do sol! — exclamou
Amur.
Brigitte e o secretário do emir Yusuf Suleiman o fitaram
com estranha inexpressividade. O secretário inclinou-se de
novo, fez um gesto, como lhes oferecendo todo o jardim e se
dirigiu para o interior do palacete.
— Eu falei alguma tolice? — sussurrou Amur.
— Aparentemente, não — respondeu a divina,
caminhando para o jardim. — Entretanto, é possível que o
secretário de um emir de um insignificante lugar do Golfo
Pérsico, seja uma das poucos pessoas que saibam que em
certa ocasião, alguém quis apoderar-se do sol1.
— Você está caçoando, não é?
— Evidente que não, mas o assunto é muito complicado
para ser tratado aqui e agora, além de pertencer à vida
secreta de uma espiã.
Amur Omaran parou de andar e olhou fascinado para
Brigitte.
— Você é uma mulher extraordinária — murmurou. —
Sempre consegue o que quer. Inclusive ser recebida pelo
emir! E tudo foi arranjado com muita facilidade. Como
pôde...

1
Ver edição 349 e 350: Os Donos do Sol
— Você viu? Eu disse quem era, um dos secretários do
emir veio anunciar-me que o senhor iria receber-me. Qual é
o problema, rapaz?
— Não entendo! Se é tão simples alguém chegar até o
emir, por que há tantas sentinelas no palacete? Por que uma
guarda tão grande?
— Amur, a guarda não está aqui para molestar os
visitantes do emir, mas para impedir a entrada das pessoas
que ele não queira receber. E você estava certo, porque não
deve ser fácil alguém entrar neste palacete sem a sua
permissão.
A disposição da guarda nos jardins era sumamente
discreta, mas jamais passaria desapercebida aos olhos da
agente Baby. Só no jardim deviam estar mais de dez homens,
todos vestidos de branco e aparentemente desarmados. Neste
ponto poderiam ter enganado um observador comum, mas
não a espiã internacional que imediatamente percebeu o leve
contorno das pistolas, seguramente automáticas, sob suas
roupas folgadas.
***
Os dois homens que estavam postados junto ao portão de
entrada carregavam submetralhadoras de fabricação russa.
— Naturalmente deve ter mais homens armados dentro
do palacete, fora os que permanecem no telhado —
comentou Brigitte.
— Também há homens no telhado? — exclamou Amur.
Brigitte teve que segurar seu braço para evitar que se
virasse impetuosamente para olhar o telhado. A construção
era grande e possivelmente, na época que fora usada como
restaurante, também a tivesse usado como hotel. Agora, no
entanto, se encontrava cercada pelo silêncio que somente era
quebrado pelos gorjeios dos pássaros.
O jardim era lindo, mais parecia uma tela com as cores
em perfeita harmonia: o verde intenso dos pinheiros, as
diversas variações da cor até a suavidade da relva e em todos
os pontos, as flores coloridas e de repente, um lago artificial
com um belo chafariz ornamental.
— Você tem certeza de que há vigilantes no telhado?
— Claro que sim.
— Neste caso, meu amigo Khebir teria muitos problemas
para entrar no palacete. Já sabe de quem estou falando, não
é?
— Está falando de seu amigo que foi viver no deserto
com cabras, cavalos, camelos e alguns amigos... bem,
imagino que também com algumas huris2 do paraíso.
— Você tem muita habilidade para zombar de mim —
resmungou Amur. — E tem mais, em momento nenhum eu
lhe disse que meu amigo foi para o deserto como quem vai
ao paraíso. Pelo contrário, aceitou a vida difícil do deserto,
antes de prosseguir vivendo nesta podridão e nem tampouco
há virgens de rara beleza o cercando!
— Isso é o que deve ser mais terrível — zombou Brigitte,
ironicamente. — Salvo se são homens que preferem homens
em vez de mulheres.
— Não fale assim! Meu amigo Khebir...
— Cale-se que o Príncipe dos Crentes se aproxima de
nós.
Amur olhou para a casa e viu que um homem saía
naquele momento do palacete tendo várias mulheres louras a
sua volta.
Era alto, gordo forte, tinha o rosto coberto por uma barba
espessa, parecia ser risonho e dono de uma saúde esplêndida.

2
As húris, em árabe, são, de acordo com a fé islâmica, virgens prometidas
aos homens islâmicos ...
Yusuf Suleiman, Príncipe dos Crentes e suas doze esposas
louras caminhavam para onde os dois visitantes estavam.
— Alá me proteja — murmurou Amur. — Temos de
arranjar um jeito para matar esse porco gigante!
Toda a atenção de Brigitte estava concentrada no
personagem que se acercava, rodeado por aquelas belezas
louras que usavam apenas graciosos biquínis de cores vivas e
berrantes. O emir vestia um albornoz branco, branquíssimo
que refletia a luz solar com mais intensidade.
— Senhorita Montfort — disse em inglês perfeito —
como poderei expressar minha satisfação pela grande honra
que me dispersou ao perder seu tempo valioso para
interessar-se por minha humilde pessoa?
— Basta que aceite ser entrevistado — riu a divina,
estendendo-lhe a mão.
— Sim, foi o que pensei — falou Suleiman, inclinando-se
para lhe beijar a mão. — Imaginei que vinha entrevistar-me
e lhe agradeço de todo o coração.
— Deveras? — perguntou desconcertada. — Minha
impressão era totalmente inversa, imagine que eu julgava
que o senhor fosse um homem que desejava ficar em
isolamento total.
— É isso o que acontece geralmente, senhorita Montfort,
porém uma coisa é eu proteger-me do cretinismo e da
curiosidade mundial e outra bem diferente seria negar uma
entrevista à jornalista mais encantadora e inteligente do
mundo. É uma pessoa que sempre admirei pelo seu valor
profissional.
— Por favor, Príncipe dos...
— Não, não — o emir acenou as mãos no ar, — por favor
nada de tratamentos... Chame-me simplesmente emir,
embora eu até preferisse que me tratasse por Yusuf.
— Realmente, eu não esperava tanta amabilidade —
murmurou Brigitte. — Apresento-lhe meu amigo Amur
Omaran que se ofereceu para servir como intérprete.
O emir olhou para Amur um instante tão breve que
pareceu não ter existido nem o olhar e nem o instante.
Depois seus olhos pousaram nos olhos azuis de Brigitte.
— A senhorita deve entender que um homem de minha
posição e com a minha cultura deve forçosamente falar o
inglês. Além disso, eu também não teria dificuldade de
expressar-me em vários idiomas mais. Porém depois do
árabe é do inglês que mais gosto. A senhorita não fala o
árabe?
— Lamentavelmente não.
— Rogarei a Alá para que esta falha lhe seja perdoada —
sorriu o emir satisfeito ao ouvir a risada cristalina da
repórter. — Sinto-me honrado por ter vindo entrevistar-me,
mas... há algo que a preocupa particularmente?
— Nada. Só estou encantada com a beleza de suas
esposas. Todas são lindas.
Yusuf Suleiman olhou para as mulheres que se
mantinham caladas e imóveis como se fossem estátuas, com
movimento apenas nos olhos que observavam tudo com
avidez. Alguns eram negros, outros verdes, azuis, castanhos,
violetas... Brigitte também as observava com atenção e tinha
certeza de que não eram árabes. Talvez apenas três fossem
desta raça, enquanto as outras deviam ser europeias e
americanas. Porém as doze usavam cabelos tingidos na
mesma cor e o mesmo corte, curto e solto.
— Alá me acumulou de bênçãos sem fim — disse o emir
—, inclusive antecipando-me a felicidade que só poderia
gozar no paraíso, quando então teria algumas huris... mas
não creio que tenha vindo para saber quais as peculiaridades
de minhas preferências sentimentais e sexuais... Como soube
que me encontraria aqui?
— Nemo me disse onde poderia achá-lo.
— Nemo? Nemo Sartorius?
— Exato. E também me disse outras coisas que
despertaram meu interesse especial pelo senhor.
Yusuf Suleiman ficou tão imóvel como as esposas e
somente seus olhos escuros, olhos ardentes de árabe
continuavam fixos nos olhos de Brigitte, como esperando
encontrar nestes uma revelação... mas como era de se supor,
nada conseguiu descobrir.
— Que coisas o senhor Nemo Sartorius comentou a meu
respeito?
— Yusuf, parece que ignora que eu e Nemo somos
amigos.
— Realmente não sabia disso, mas mesmo assim o
senhor Sartorius não tinha nenhum direito de trair minha
confiança... Embora talvez eu me esteja precipitando e sendo
injusto para com ele. O que o senhor Sartorius falou sobre
mim?
— Disse-me que o senhor financia a compra dos carros-
de-combate que ele realiza em Roma.
— E a senhorita desejou saber por que eu quero tantos
carros-de-combate e deseja publicar uma reportagem sobre o
assunto em sua coluna.
— É o que estou desejando realmente, Yusuf.
O emir fez um gesto mostrando o caminho que ia dar no
lago artificial que tinha o chafariz artístico. Começaram a
andar, seguidos de Amur e das doze louras esplêndidas que
já começavam a perturbar o jovem com olhares e gestos mais
maliciosos.
— Compreendo que a senhorita deve ter tido vários
aborrecimentos e algum trabalho para chegar até mim e que
por isso mesmo, gostaria de fazer uma reportagem bastante
interessante e que fosse exclusiva — falou suavemente. —
Porém eu jamais poderia ter imaginado que o assunto fosse
ser este.
— Por acaso poderia haver algum outro?
— Realmente fui muito ingênuo... Quando soube que a
senhorita vinha para entrevistar-me, eu devia ter desconfiado
imediatamente de alguma coisa... mas nem de longe poderia
imaginar que o senhor Sartorius iria trair-me. Entendo que
ambos são bons amigos, mas ele não tinha o direito de
comentar sobre as compras que tenho feito. O trato inicial foi
discrição absoluta com todo o mundo. Para garantir-me,
jamais contei ao senhor Sartorius com qual finalidade estou
adquirindo esses carros-de-combate. Ele não devia ter
mencionado o meu nome em nenhum momento com
ninguém. A senhorita compreende meu ponto de vista?
— Naturalmente e lamento por tudo ter acontecido como
aconteceu.
— Acredito. E se se tratasse de qualquer outro repórter, já
estaria na rua, porém a grande Brigitte Montfort não é
qualquer jornalista, bem ao contrário é uma pessoa que
sempre admirei. Vamos fazer um trato: eu lhe conto porque
quero os carros-de-combate, mais isso não sairá publicado
em reportagem alguma pelo menos até eu autorizá-la.
— Perfeito.
— Estou comprando-os porque quero tratores.
— O quê?
O emir Suleiman sorria maliciosamente, como um
menino travesso.
— Eu quero usá-los como tratores — repetiu. — Não
estou interessado em carros-de-combate, mas em tratores. A
senhorita compreende?
— Sim, mas isso me... parece... um absurdo. Carros-de-
combate para serem usados como tratores?
— Realmente não aprova minha ideia?
— Não sei... Estou surpresa! Jamais poderia pensar em
nada semelhante!
— É compreensível. Permita-me insistir: O que achou de
minha ideia, não a aprovou?
— Não sei, realmente, não sei... Não era mais simples
comprar tratores logo de uma vez?
— Senhorita Montfort, então acredita que seria mais fácil
comprar tratores para a África?
Brigitte ficou silenciosa e o emir falou alguma coisa
baixinho com uma de suas esposas. A moça se afastou
imediatamente e ele novamente se aproximou da jornalista,
segurou seu braço e a guiou até o lago, onde o chafariz
barulhento parecia ter uma força musical que soava mais alta
que os trinados dos pássaros.
— Pedi que nos servissem refrescos junto à piscina. Se
não compreendi mal, a senhorita é um amante do sol, até...
deste sol que pode amolecer até as pedras?
— Isso só aconteceria se estas ficassem expostas ao sol
eternamente.
— Está certa — falou Yusuf, afastando uma cadeira para
a repórter sentar-se a uma das mesas que tinham guarda-sol.
— Tudo na vida deve consumar-se de acordo com uma lei e
é esta que nos dá a certeza de que nenhum mal poderá
ocorrer-nos. Embora pareça algo vulgar, pedi que nos
trouxessem chã de hortelã-pimenta, feito com folhas novas e
tenras.
— Yusuf, pensou que talvez fosse encontrar dificuldades
se tentasse comprar tratores? — perguntou depois de ele
sentar-se à mesa.
— Sim.
— Por quê?
— As nações mais ricas aceitam plenamente que o
Terceiro Mundo desperdice milhões de suas economias
comprando sucata imprestável que não serve para mais nada.
No entanto, não tolerariam que estas mesmas nações
comprassem tratores que seriam enviados a África, não para
abastecer o continente, mas apenas melhorar o nível de vida
de seus habitantes. Muitos querem que a África continue
uma terra escravizada que mais se assemelha a um cemitério
gigantesco. Somente por isso, eu teria problemas enormes se
tivesse pretendido comprar cem, duzentos ou dois mil
tratores, porém todos exultaram quando um maluco começou
a gastar milhões de dólares comprando apenas sucata que só
serviria para fomentar novas guerrilhas entre os negros que
estão morrendo de fome. Percebeu o problema?
— Sim.
— Quer que eu lhe diga quais são as nações mais ricas?
Precisa de mais alguns dados para sua reportagem?
— Não.
Yusuf Suleiman se acomodou confortavelmente na
cadeira e fez um gesto com os braços como se quisesse
abraçar o Céu e a Terra.
— África é um continente especial. É grande, tem de tudo
e ainda há em seu ambiente algumas gratas recordações de
vidas anteriores. Conhece a África, senhorita?
— Eu pensava conhecê-la, mas agora não sei. Só lhe
posso dizer que a América também é grande.
— Refere-se aos Estados Unidos ou a todo o continente
americano?
— Aos dois.
— Os Estados Unidos nada têm a ver com o continente
americano, neste sentido. Já deixou de ser um lugar cheio de
vida para converter-se em um lugar onde vive gente.
Enquanto isso, no continente americano há lugares muito
melhores do que nos Estados Unidos... embora menos
povoados e bem mais miseráveis. Estou certo que a senhorita
entende meu ponto de vista.
— Sim.
— Claro. Vai demorar em Casablanca?
— Não sei.
— Suponho que voltará a Roma e se encontrará com o
senhor Sartorius. Ele que espere porque eu o chamarei à vila
e lhe direi o que...
— Infelizmente ele não poderá vir. Sofreu um acidente...
Tentaram assassiná-lo.
Yusuf Suleiman arregalou os olhos e o sorriso se
extinguiu.
— Está vendo? — murmurou. — Devido a outra
indiscrição de sua parte, alguém mais tomou conhecimento
de meus planos e...
— Não. Tranquilize-se. Tudo aconteceu devido a um erro
compreensível, mas indesculpável. De qualquer modo,
permita que eu colabore em seu projeto.
— A senhorita está pensando em colaborar?
— A minha maneira, sim. Diga-me, Yusuf, por que todas
as suas esposas têm os cabelos pintados de louro?
— Talvez considere tolo um homem que quer que todas
as esposas pareçam uma só mulher. Em lugar de ficar
indeciso entre doze garotas diferentes, ele pode pegar aquela
que estiver mais a mão, embora isso não seja muito
estimulante para seu apetite sexual.
— Não acredito que queira passar por tolo, Yusuf! — riu
a espiã.
— Prefiro passar por tolo e apalermado, antes que algum
importante cidadão descubra com alguma antecedência que o
emir desse diminuto país chamado Akra, é esperto demais.
— Exato. Porque na realidade é mais esperto do que um
gato, Yusuf.
— Sim, mas não conte isso a ninguém — riu o emir.
Brigitte também riu, observando que Amur embora
parecesse distraído com as moças louras, não os perdia de
vista. Para falar a verdade, Amur Omaran já não estava
entendendo mais nada, mas sentia que devia ter paciência até
poder conversar com a espiã americana, E enquanto isso,
continuava desfrutando da companhia das esposas do emir,
mas estas finalmente se jogaram na piscina, rindo e
brincando. O rapaz foi sentar-se junto a Brigitte que o fitou
com um olhar muito malicioso.
— Você tem sorte, Amur, por que se o emir fosse um
marido ciumento... sua cabeça já estaria cortada.
— Ter muitas esposas é um prêmio que nem todos
merecem — disse Yusuf com um sorriso amável. — Mas
que ninguém pense que vou compartilhá-las com alguém.
Compartilho o sol, o jardim, o chá, mas minhas mulheres
nunca.
Amur se sentia contrafeito e Brigitte riu novamente.
Naquele momento chegava a esposa que fora buscar o chá e
ao seu lado vinha um empregado empurrando um carrinho.
— Delicioso — disse Brigitte depois de provar a bebida.
— Muito gostoso — confirmou Amur.
— Agora me diga uma coisa, Yusuf, por que corre tantos
riscos, por que gastar tanto dinheiro para favorecer milhões
de pessoas que não conhece e possivelmente muitas nem
merecendo seu sacrifício? For acaso espera conseguir uma
recompensa especial em determinado momento?
— Não, e nem sequer estou atuando por minha conta
própria, senhorita Montfort.
— Não! Então em nome de quem está agindo?
O emir de Akra sorriu suavemente, levantou a taça de chá
e disse:
— Em nome de Alá Misericordioso.

CAPÍTULO QUARTO
Um novo personagem entra em cena

— Em nome e Alá Misericordioso! Não acredito que


você tenha acreditado, Baby — exclamou Simon-
Casablanca.
— Por quê, eu não ia acreditar?
— Ninguém faz alguma coisa em nome de Alá ou em
nome de Deus.
— Alá é o próprio Deus — interrompeu-a o jovem árabe.
— Exatamente o que ia dizer — quase riu, Brigitte.
O homem forte da CIA em Casablanca olhou para eles
com o cenho fechado e depois trancou a porta da
caminhonete que estava estacionada próxima de
Mohammedia, perto de algumas palmeiras. Um pouco mais
afastado, estava o BMW que Brigitte alugara.
— Bem, acho que agora não é hora de se ficar discutindo
filosofia — disse Simon. — Creio que chegou o momento de
falarmos sério.
— Pois você pode começar — concordou Brigitte. — O
que conseguiram saber sobre o nosso generoso emir?
— Ele está arruinado. Tem uma fortuna própria que lhe
permite uma vida particular luxuosa, mas de nenhuma
maneira pode permitir-se gastos astronômicos como os que
está realizando para a aquisição desses carros-de-combate.
Pelo menos, poderia comprar uns poucos, mas nunca dois ou
três mil veículos.
— Se está arruinado, de onde tira o dinheiro para pagar
os tanques? — quis saber Amur.
— Ora que pergunta mais absurda — sorriu Brigitte com
ironia. — Naturalmente, Alá facilita seus negócios.
O rosto do rapaz enrijeceu e seus olhos cintilaram de
raiva, mas nada respondeu. Ficou um tempo enorme calado,
contemplando o mar pela janela do veículo.
— Pelo momento, nada podemos fazer contra o emir.
Salvo se invadíssemos o palacete e o capturássemos, aí
teríamos meios de forçar muitas explicações, mas eu acho
esta ideia bastante rude e precipitada. Portanto, vamos
esperar mais um pouco, mas é preciso manter-se o homem
sob uma discreta vigilância — expôs Baby.
— Tenho a impressão que por agora nada fará que o
possa comprometer — disse Simon.
— Sabe que Sartorius foi ferido e está em mãos
estranhas, pode ser um amante das coisas boas da vida, mas
não parece ser um tolo.
— De qualquer modo, eu penso que doze mulheres para
um só homem chega a ser exagero — interveio Amur ainda
de cara fechada.
— E isso o que prova? — perguntou Brigitte.
— Ele é um tolo ou um macho muito esperto?
— Ele é um tipo esperto! Quanto mais mulheres, mais
satisfações e menos compromissos individuais para cada
uma delas.
— Uma opinião que merecia ser analisada — sorriu
Simon.
— Exatamente — prosseguiu a espiã. — Uma opinião
moderníssima e carente de machismo. O que mais sabemos
sobre Sartorius?
— As últimas notícias recebidas avisam que ele e Renzo
passam bem, que reagem favoravelmente.
— Assim fica melhor. Agora, mais uma coisa, Simon,
não tomem providência alguma a respeito de Nemo Sartorius
sem antes se comunicarem comigo.
— Por que tantos cuidados?
— Ele é uma das pessoas mais inteligentes que já
conheci, apesar de se ter deixado enganar pelo emir a
respeito desses tanques de guerra. Necessariamente, ele deve
ter aceitado as explicações que lhe foram fornecidas ou
nunca teria aceitado um convite para se envolver neste
negócio.
— Bem, porém não entendo como as coisas aconteceram
desse modo, sendo ele tão inteligente como diz.
— Por ora tudo é suposição — murmurou a espiã mais
famosa do mundo. — Diga-me uma coisa, vocês
providenciaram acomodação onde possamos descansar até a
hora do jantar? Estou cansadíssima, só querendo uma boa
cama para sonhar com os anjinhos do céu.
***
Que maravilha! Doze mulheres para um só homem, pena
que todas fossem louras, mas o essencial era todas serem
bonitas, simpáticas, agradáveis e fogosas, todas entregando-
se docemente às delícias do amor.
Afinal de contas só se vive uma vez e por isso, Amur
decidira gozar intensamente de todos os prazeres que
existem nesta única vida.
E considerando que o amor é, sem dúvida alguma, uma
das melhores, senão a melhor coisa da vida, ele ia aproveitar
todos os momentos para gozá-lo inteiramente. Não com uma
mulher apenas, mas conforme acontecia naquele momento,
quando se deleitava com doze fêmeas em uma mesma
ocasião... Estava feliz e tinha a sensação de ter alcançado o
paraíso!
Evidente, fazer amor com uma só não teria mérito algum,
seria muito prosaico, muito comum... salvo se esta mulher
fosse a senhorita Montfort. Porém ela não lhe tinha dado
muita atenção e Amur resolveu fazer sua oferta amatória às
esposas do emir Yusuf. As belezas louras o receberam de
braços abertos.
As doze vibraram ao conhecer seus desejos.
E agora, ele estava possuindo as doze mulheres
simultaneamente. Todas eram jovens, lindas, maravilhosas,
deliciosas e apaixonadas. E o melhor, todas elas se derretiam
em seus braços.
E o curioso é que não se amavam na cama ou sobre
almofadões de cetim... não, naquele dia, ele fazia amor na
piscina. Que coisa mais deliciosa! Parecia ser um peixe
vigoroso cercado de sereias que nadavam à sua volta,
procurando excitá-lo ainda mais.
Tudo estava ótimo, quando de repente, um estampido
ressoou, chegando a sobressaltá-lo.
Por um instante, teve a impressão que era Khebir que
estava chegando do deserto com seus amigos nômades,
prontos para assaltarem o palacete do emir, em um momento
por demais inoportuno.
Logo a seguir, Amur viu-se sentado na cama ainda meio
sonolento, com o coração disparando e sentindo o sangue
latejar com muita pressão em suas veias. Olhou para a janela,
o dia começava a clarear.
Passou as mãos pelo rosto, pelos cabelos e só então
começou a compreender que tudo não passara de um sonho.
Quase em seguida, ouviu outro barulho. Saiu rapidamente
da cama, correu para a janela e viu o helicóptero, afastando-
se, enquanto suas luzinhas tremeluziam no céu. Saiu do
quarto. A casa estava imersa em silêncio, andou pelo
corredor e quando chegava à sala, viu Simon-Casablanca
entrar pela porta do alpendre, bocejando.
— O que foi que aconteceu? — perguntou ao agente
secreto.
— Ela partiu.
— Quem? A senhorita Montfort?
— Não conhecemos nenhuma senhorita Montfort, jovem.
Quem nos abandonou foi nossa querida agente Baby.
— Eu estava... dormindo... Como pôde ir embora e me
deixar aqui sozinho? O que eu vou fazer agora?
— Absolutamente nada. Foi este recado que ela deixou
para você — sorriu com sarcasmo e continuou: — Ela
também mandou dizer-lhe que se necessitarmos de ajuda,
você poderá ir ao deserto para buscar seu amigo Khebir.
Acho melhor a gente voltar para a cama.
— Para onde ela foi?
— Voltou para Roma.
— De helicóptero! — quase gritou o árabe.
— Calma, fique tranquilo porque tudo já está preparado
para ela ser transportada e Fiumicino com todo o conforto e
rapidez. Volte para a cama e aproveite o resto da noite.
— Poderei dormir, mas já não sonharei com as mulheres
louras... — de repente calou-se e disse em seguida: — Por
que ela foi para Roma, aconteceu alguma coisa?
— Nada, nada, apenas mais um novo personagem vai
entrar em cena.
***
— Quem é ele? — perguntou ao apanhar as fotografias
que Simon-Roma lhe entregava.
— Todos o chamam de Udo Krimm — explicou-lhe o
colega, enquanto ela contemplava as fotos com muito
cuidado. — Esse sujeito é perigoso. Deve ter muito cuidado
ao lidar com ele.
A espiã apenas sacudiu a cabeça, enquanto os olhos
analisavam o rosto que aparecia nas fotos. Eram de um
homem bonito, com feições varonis, boca grande muito bem
desenhada e o rosto sombreado pela barba escura e cerrada.
Seus cabelos eram louros e encaracolados, enquanto os olhos
eram grandes e claros, mas o retrato não chegava a precisar a
cor exata dos mesmos. Em outras fotos aparecia de corpo
inteiro, mostrando seu porte atlético e sua altura avantajada.
Em suma, o tal Udo Krimm era um belo exemplo masculino
e já devia ter mais de quarenta anos.
— É um homem bonito, mas seus olhos são
demasiadamente juntos — comentou Brigitte.
O agente da CIA pareceu ficar surpreendido com aquele
comentário e apenas respondeu:
— Sabe que eu nem havia reparado neste pormenor?
Apanhou algumas fotografias que continuavam na mão
de Baby e contemplou-as demoradamente. Depois acabou
confessando:
— É verdade e eu não havia reparado nisso. Engraçado,
mas agora, olhando novamente já não me parecem tão
juntos.
— Pois eu continuo dizendo que são juntos demais.
— E o que isso significa em sua opinião?
— Não gosto. Parecem-me olhos maus, olhos de
assassino. O homem em si tem boa estampa, é bonito, parece
cordial, mas tem olhos de assassino.
— Ele é uma assassino e outras coisas mais como
mercenário, traficante de armas, assessor paramilitar... É um
desses indivíduos que realmente só merecem a morte e já
devia estar morto há muito tempo.
— E por que ainda não o mataram?
— Não tenho nem ideia, mas se você quiser, podemos
matá-lo ainda hoje. Eu, pessoalmente, adoraria se desse essa
ordem. Você sabe que quando executamos uma ordem dada
por Baby, ninguém a discute.
Brigitte devolveu-lhe as fotos em silêncio. Parecia
preocupada, observando a paisagem de Fiumicino, onde
havia chegado de avião há menos de meia hora.
Agora se dirigiam para Roma em um carro veloz que
tinha vindo especialmente para apanhá-la, com os dois
rapazes que a acompanhavam.
Era quase meio-dia e o sol brilhava intensamente.
De repente, Brigitte olhou para o Simon que estava
sentado a seu lado no banco traseiro do carro e perguntou:
— O que Krimm está fazendo agora?
Simon apanhou o rádio do bolso, acionou-o e
simplesmente perguntou ao colega que atendeu a chamada:
— Continua rondando a clínica. Contínua fazendo a
mesma coisa que fazia ontem de noite — respondeu uma voz
masculina. — Porém o diabo é esperto demais para se meter
na boca do lobo. Certamente, já observou que há muita
vigilância em todo o quarteirão.
— Talvez esse seja o nosso maior erro — disse Brigitte
apanhando o rádio. — Diga para os nossos que eu estou
mandando abrir uma brecha nesta vigilância, mas de forma
que a entrada não fique totalmente desprotegida. Que ajam
com sabedoria para Krimm não perceber que tudo não passa
de uma boa cilada.
— De acordo, mas os agentes dos outros serviços vão
acatar esta sugestão?
— Digam a eles que fui eu quem sugeriu estas
facilidades, mas que o homem continuará sendo vigiado,
discretamente. Peçam para os nossos colegas se afastarem
temporariamente da área da clínica, peçam para deixar o
caso exclusivamente conosco. Eu e meus Simons
procuraremos resolvê-lo da forma mais satisfatória possível
e que eu também me comprometo em lhes dar todas as
informações, assim que o problema ficar devidamente
solucionado.
Entregou o rádio novamente a Simon e este perguntou ao
companheiro que estava conectado na onda:
— Você ouviu as determinações de Baby?
— Sim. Conversarei com os nossos colegas da CIA e
com os dos outros serviços. Não creio que alguém vá criar
objeções sabendo que a ideia foi proposta pessoalmente pela
nossa grande Baby. Mais alguma coisa?
— Por ora, não — respondeu Simon, depois de trocar um
olhar com a espiã.
Guardou o rádio e perguntou:
— E agora, para onde temos de levá-la?
— Eu gostaria de ir diretamente à clínica, mas
precisamos dar um tempo para Krimm se adaptar e aceitar as
novas facilidades que lhe serão facultadas. Só tentará entrar
na clínica quando se certificar que essas são verdadeiras.
Agora, Simon, diga-me uma coisa, onde está localizado o
apartamento que ele alugou para descansar quando fica
excessivamente cansado de circular pelo quarteirão do
hospital?
— Em Via Rossetti, próximo de Viale Trastavere. Iremos
passar forçosamente pela esquina de Via Rossetti.
— Há mais alguém no apartamento ou ele mora sozinho?
— Não sabemos. Desde o momento em que entramos em
comunicação com Casablanca, recebemos ordens para
somente vigiá-lo, com muita discrição para não se espantar a
caça, que quando você chegasse à Roma decidiria o que
devia ser feito.
— Perfeito. Vou aproveitar a ausência do dono e visitar
seu apartamento rapidamente. Krimm deve continuar
rondando pelas imediações da clínica.
Nem bem acabou de falar, Brigitte abriu a maleta
vermelha estampada com flores azuis da qual jamais se
afastava, pois era nesta que guardava todos os artifícios que
Baby costumava usar cada vez que precisava mudar seu
aspecto. Apanhou uma peruca loura, as lentes de contato
verdes e alguns apliques plásticos que alteravam seu rosto,
fazendo que a senhorita Montfort deixasse de ser a bela
colunista que todos conheciam internacionalmente.
Meia hora mais tarde, uma mulher formosa e loura
passava na frente do edifício de linhas antigas, localizado em
Via Rossetti, número 14. A avenida estava quase deserta,
sem condução e com poucas pessoas transitando em suas
calçadas estreitas.
A mulher caminhou até a esquina mais próxima, parou,
levou quase meio segundo concentrada, pensando e
novamente voltou sobre seus passos. E momentos mais
tarde, entrava no edifício e subia rapidamente ao primeiro
andar, onde estava o apartamento de Krimm. Na noite
anterior, dois agentes da CIA o seguiram e marcado quais as
janelas que ficaram iluminadas quando o mercenário chegou
em casa.
Baby usou a gazua com grande habilidade e conseguiu
abrir a porta rapidamente. Entrou e a fechou em seguida e foi
então que ouviu uma voz de homem falando às suas costas:
— Permaneça com o rosto voltado para a porta e com os
braços em cruz, porém não deixe essa maleta cair no chão e
nem faça ruído algum.
Brigitte sentiu o sangue gelar em suas veias, mas reagiu
depressa obedecendo as ordens com exatidão. Ouviu passos
e sentiu quando o cano da pistola se apoiou em sua nuca.
Depois sentiu as mãos que a examinavam para ver se
carregava alguma arma e que aproveitando a oportunidade se
introduziram pelo decote do vestido para apertar seus seios e
logo depois, se meteram por baixo da saia para tocar em seus
órgãos íntimos.
— Agora, vire-se lentamente e coloque a maleta em cima
da mesa. Depois se sente em uma das cadeiras, coloque as
mãos na cabeça e permaneça nessa posição. Entendeu tudo o
que falei?
— Não se preocupe — disse Brigitte. — Meu italiano é
tão bom quanto o seu... embora nenhum dos dois sejamos
italianos.
— Pare de falar e me obedeça.
A espiã americana obedeceu e não tinha a menor dúvida
que ele era ou pelo menos, sua origem era alemã. O sujeito
não desviava os olhos de sua pessoa, enquanto se
aproximava da mesa. Depois soltou a pistola em cima desta
para abrir a maleta, que começou a remexer com
curiosidade.
Não parecia um homem muito perspicaz e Brigitte
afastou o temor de que ele pudesse descobrir alguns dos
artifícios tão bem camuflados que costumava carregar e
também ficou descansada porque dificilmente suspeitaria do
fundo falso que escondia o compartimento secreto.
Efetivamente, ele não encontrou nada que despertasse seu
interesse com exceção da pistolinha encastoada de
madrepérola que guardou no bolso do casaco.
— Bem, quem é você afinal, preciosa?
— Sou Gina e parece que me enganei de apartamento.
— E o que veio fazer aqui no prédio?
— Vim visitar um amigo.
— Quem?
— Um amigo.
O homem entrecerrou os olhos. Era um sujeito bonito,
rude e portava-se um tanto vacilante, como se fosse um ator
representando um papel não muito bem estudado.
— É melhor não bancar a espertinha comigo — advertiu.
— Quem é o amigo que veio visitar?
— Udo Krimm.
Ele gastou alguns segundos fitando-a com um olhar
inexpressivo e perguntou:
— Quem foi que lhe disse que poderia encontrar Udo
neste endereço?
— Outro amigo.
— Que amigo?
— Klaus Plummer.
— Não o conheço.
— Vim para ver Udo. Onde ele está?
— Gina... e o resto de seu nome qual é?
— Simplesmente Gina. Este é meu nome de guerra.
Quem é você?
— Berthold Urich. Possivelmente Udo lhe falou de mim.
— Não me recordo de seu nome.
Continuava olhando para ela com um olhar fixo como o
de uma cobra quando se prepara para dar o bote.
Subitamente, meteu a arma no coldre e se aproximou do
armário. Apanhou o rádio que estava perto de um prato com
restos de sanduíches.
Brigitte captava perfeitamente sua hesitação. Estava
desconfiando dela, mas devia ter recebido ordens para não
chamar Udo Krimm, a menos que a questão fosse realmente
importante e vital.
E aquela questão era vital, pois se ela estivesse mentindo,
significava que tinham sido descobertos e portanto, estavam
correndo perigo.
Por fim, Urich tomou uma decisão: ia utilizar-se do rádio
para se comunicar com Udo.
CAPÍTULO QUINTO
Udo Krimm

A loura poderia tolerar muitas coisas bem desagradáveis


como os abusos que sofrera durante os apalpamentos bestas
em várias partes de seu corpo, mas de forma alguma ia
permitir que ele entrasse em contato com Udo Krimm.
Urich já começava a manusear o rádio quando Baby
entrou em ação, pulando contra ele tão velozmente que mais
parecia ser uma fera atacando a presa.
Berthold Urich não esperava aquela reação. Apenas teve
tempo de soltar o rádio, sem saber exatamente o que fazer
para esquivar-se do ataque. Rapidamente, meteu a mão no
bolso do casaco tentando apanhar a pistola, mas a loura não
lhe deu tempo para nada.
A dor que sentiu foi violenta quando recebeu a joelhada
nas virilhas.
O aventureiro empalideceu, abriu a boca como se
quisesse captar todo o ar que havia na sala para seus pulmões
e novamente, tentou sacar a pistolinha encastoada de
madrepérola e... foi naquele mesmo instante que soou o
estampido abafado pelo silenciador.
Plop.
Urich gritou de dor e de espanto, fitando Baby com os
olhos desorbitados. Em seguida, olhou para sua zona genital
e foi vendo a mancha de sangue ir alastrando-se entre suas
pernas e ventre. Soltou um gemido de animal acuado e
retrocedeu até encostar-se à parede onde apoiou as costas,
mas naquele mesmo instante seus pés começavam a
escorregar pelo assoalho molhado de sangue. Acabou
sentado no chão, contemplando sua antagonista com pavor e
admiração ao mesmo tempo.
Baby aproximou-se dele e se acocorou a seu lado,
percebendo que o sangue começava a fluir com mais rapidez
e que dificilmente, ele ia suportar e reagir àquela
hemorragia. Estava necessitando de socorros médicos com
urgência.
— Filha... de uma... boa cadela — xingou-a com um
fiozinho de voz em alemão.
A loura não respondeu.
Urich fechou os olhos e desmaiou.
Ela o estendeu no assoalho de barriga para cima e
abaixou sua calça e em seguida, a cueca. Observou a região
afetada com toda frieza, jamais poderia pensar que ele
tivesse sofrido um ferimento tão grave.
A pistolinha tinha disparado ainda no bolso do casaco e a
bala tinha destroçado todo seu aparelho genital que agora
estava convertido em uma ferida só que sangrava em
abundância.
— Se me contassem, eu não acreditaria — resmungou a
loura. — Um assassino tão idiota, tão inseguro que disparou
contra si mesmo.
Naquele instante, seu ouvido muito apurado percebeu o
zumbido do rádio minúsculo que estava adaptado dentro de
uma carteira de cigarros, colocado bem em cima de vários
objetos que Urich tinha retirado da maleta e colocado na
mesa.
Apanhou o maço rapidamente e atendeu a chamada.
— Sim?
— Você pediu que eu ligasse, caso acontecesse algo —
disse uma voz masculina.
— O que aconteceu, Simon? — cortou Baby.
— Krimm acaba de entrar na clínica.
— Não pensei que fosse tomar tal: decisão com tanta
rapidez. Está bem, apenas observem e só ajam se ele tentar
fazer alguma coisa definitiva.
— Os planos desse homem não devem ser muito bons,
imagino que esteja procurando e forçando uma oportunidade
para matar Sartorius.
— Esperem-me porque irei para aí imediatamente. Agora,
preciso que mande dois rapazes, discretos, aqui para o
apartamento de Udo Krimm. Há um sujeito agonizando...
mas quem está quase morto sempre pode viver e, talvez, ele
reaja, embora eu não acredite, pois está perdendo muito
sangue. Os que vierem, deverão vasculhar o apartamento e
só deverão abandoná-lo quando receberem ordem para fazer
isso. Entendido?
— Perfeitamente.
Brigitte desligou o rádio, fechou a maletinha vermelha,
aproximou-se de Urich que continuava desmaiado, abaixou-
se a seu lado e apanhou sua pistolinha de estimação que
ainda continuava no bolso do moribundo.
Naquele mesmo instante, Berthold exalou um suspiro
profundo que parecia uma demonstração de grande paz e
conforto e... seu coração cessou de bater.
— Não pensei que hoje fosse assistir nada semelhante —
murmurou Baby. — Creio que eu nunca tinha visto um
assassino disparar contra si próprio...
***
Udo Krimm podia ter dezenas de defeitos como ser
humano, mas uma grande capacidade como profissional. Era
um homem que sabia fazer as coisas com perfeição e sempre
chegava aos resultados visados.
Por isso, uma hora depois de ter entrado na clínica,
aproveitando aquela pequena oportunidade que a CIA lhe
havia proporcionado, já estava usando um jaleco de médico e
sabia em que quarto estava o homem que lhe interessava.
Agia com calma para não chamar a atenção de outros
médicos e da enfermagem.
Minutos mais tarde, Krimm aproximou-se da porta do
quarto que Renzo ocupava e tal como tinha imaginado, a
entrada do mesmo estava protegida por um homem bonito,
muito elegante, alto, que aparentava trinta anos, mais ou
menos e tinha aspecto de americano.
Seu tipo físico, sua postura, seu olhar enérgico e nada
amistoso confirmavam que era um agente secreto,
certamente da CIA.
E sem dúvida alguma, só um louco teria coragem de
matar um agente secreto da CIA e isso era uma coisa que
jamais tinha entrado em todos os planos que havia preparado
no decorrer dos anos.
Só que às vezes, as circunstâncias forçam um homem e
este é obrigado a cometer atos que são verdadeiras loucuras e
naquele dia, Krimm estava enfrentando circunstâncias
malucas e só poderia resolvê-las se agisse como um insano
mental.
Continuou andando normalmente pelo corredor, sentindo
o peso da navalha no bolso do jaleco. Parou perto de uma
das janelas e fingiu contemplar o jardim bem cuidado que
havia no pátio interno da clínica, mas na realidade, apenas
pensava como devia agir quando o agente caísse esvaído em
sangue. Sorriu, afastou os cotovelos do peitoril e recomeçou
a andar, agora voltando sobre seus passos. Queria apanhar o
americano de surpresa e quase falou um palavrão aos berros
quando o viu conversando com duas enfermeiras.
Os três riam e a conversa parecia animada. Quase em
seguida, o rapaz se afastou com uma delas e a mais morena
entrou no quarto de Renzo. Bem, agora as coisas já estavam
mais fáceis porque uma mulher pode ser dominada com mais
facilidade e... matar uma enfermeira não é o mesmo que
matar um agente da CIA.
Abriu a porta e entrou. A moça estava tirando a
temperatura do doente, olhou para ele com surpresa, mas lhe
perguntou, sorrindo:
— Veio visitar o jovem, doutor?
— Sim, se você quiser pode ir à copa, tomar café com
seus amigos. Uma enfermeira merece momentos de descanso
— sorriu Krimm.
— Até que a ideia não é má, doutor. Voltarei em cinco
minutos.
— Tudo bem, pode ir descansada porque ficarei aqui.
A moça saiu e ele se aproximou da cama.
— Então, como vão as coisas para você? — perguntou
amavelmente.
— Felizmente, começo a melhorar — respondeu Renzo.
O silêncio era impressionante dentro do quarto. Não
podia perder mais tempo. Apanhou a navalha, apertou a
mola e a lâmina reluzente surgiu quase que imediatamente.
O doente o fitou com espanto quando o médico falou:
— Fique quieto, não faça barulho algum ou eu lhe corto o
pescoço. No entanto, se me obedecer e disser o que quero,
irei embora sem feri-lo. Quem foi que os enviou para
matarem Nemo Sartorius?
— Ninguém... ninguém — o rapaz balbuciou com
dificuldade.
— Não seja estúpido! Sei que alguém os mandou e quero
ajustar contas com esse cretino... Escolha, você me diz quem
foi que os mandou ou então morrerá agora mesmo!
— Poderia dar sua vida pela do rapaz — disse uma voz
de mulher às suas costas.
Krimm teve a impressão de ter recebido uma pancada na
cabeça que o deixou completamente atordoado e Renzo
olhava para os dois sem entender muito bem o que estava
acontecendo.
— Você sempre foi um profissional inteligente e vai
perder nesta situação tão desconfortável, Krimm? — disse a
mulher com ironia.
Udo Krimm agiu como um desportista que se reconhece
derrotado, jogou a navalha em cima da cama e colocou as
mãos para cima, sempre olhando para a loura que o mantinha
sob a mira de uma pistola diminuta.
— Não me diga que você é a agente Baby?
— Como foi que descobriu isso?
— Diabo! Eu devia ter desconfiado das facilidades que
encontrei para entrar... Devia ter percebido que estas coisas
não são normais. A ideia foi sua, não foi? Caí direitinho no
anzol que a CIA me preparou!
— Você teria matado Renzo, assim que o jovem
respondesse o que deseja saber. Também tem ordem para
matar Nemo Sartorius?
— Não! Ao contrário, eu preciso saber quem deu ordem
para os rapazes o assassinarem. Vou matar aquele
desgraçado!
— Então, está querendo liquidar os inimigos de
Sartorius?
— Exatamente.
— E por quê?
— Os inimigos de Nemo Sartorius também não aprovam
a compra dos carros-de-combate.
— Entendo. Você também colabora nesse plano e não
permitirá que alguém o prejudique, seja matando Sartorius
ou fazendo outra coisa qualquer. Agora, gostaria de saber
quais são as pessoas que planejaram e estão financiando este
plano.
Krimm olhou para a loura e sorriu como se tivesse
escutado uma boa piada.
— Podemos falar sobre isso se chegarmos a um acordo
— propôs.
— Não preciso fazer acordos com você. Já temos Urich.
— Merda! — exclamou Krimm.
— E tem mais, não é só você que tem um caráter
vingativo. Eu, por exemplo, poderei submetê-lo a um
tratamento de persuasão muito interessante. Quem perde tem
que reconhecer sua derrota. Eu quero que me dê os nomes de
todos, compreendeu, Krimm? — a pistola agora estava na
altura de seu rosto.
A loura estava pronta para acionar o gatilho. O homem
percebeu suas intenções, deu um pontapé na cadeira mais
próxima, mas Baby afastou-se para o lado, enquanto a pistola
detonava duas vezes e um dos projéteis foi alojar-se no peito
de Krimm. Este gritou de dor, puxou a colcha da cama de
Renzo e a atirou em cima de Baby, enquanto corria para a
janela.
Ela disparou mais duas vezes seguidas, ele se jogou pelo
peitoril e foi cair sobre um canteiro do jardim. Levantou-se e
correu para os pinheiros que havia no pátio da clínica.
***
Quase duas horas mais tarde, um de seus Simons
aproximou-se e lhe relatou:
— Seu carro estava estacionado perto e tal como você
ordenou, deixamos que ele fugisse calmamente. Neste
momento, deve considerar-se um herói intrépido que
conseguiu driblar o pessoal da CIA que lhe tinha preparado
uma emboscada.
— Só espero que agora não o percamos de vista — disse
Brigitte.
— Onde Krimm estiver, estará sob controle de nossos
companheiros e você imediatamente será informada quando
ele chegar a um destino.
— Que só me interessa se este for Casablanca. Se ficar
em outra cidade qualquer, vocês têm minha autorização para
matá-lo.
Simon-Roma saiu do quarto e Renzo comentou:
— Vocês falam em matar como se fosse algo muito
natural, algo sem importância.
— Renzo, ele é um assassino profissional e se eu não
tivesse chegado a tempo, você já estaria morto. Sujeitos
como Krimm e seu amigo Urich são mais úteis mortos do
que vivos.
O rapaz ficou calado por alguns segundos e murmurou:
— Nemo trabalhando para um emir que quer tanques de
guerra para serem aproveitados como tratores... Uma coisa
que não entendo. Se Yusuf Suleiman e Nemo Sartorius agem
de boa fé, interessados somente em melhorar as condições de
vida dos africanos miseráveis, em nome de quem está agindo
Krimm?
— Certamente em nome de Alá Misericordioso —
murmurou Brigitte.
Repentinamente, os dois se calaram quando o ruído do
rádio ecoou baixinho. Brigitte abriu a maleta e apanhou o
maço de cigarros.
— Sim?
— Destino final: Casablanca e quando você chegar lá, os
outros poderão servi-lo em bandeja.
— Bom trabalho, Simon.
Desligou e se virou para Renzo.
— Continue melhorando. Vou ter que viajar. Tchau!

CAPÍTULO SEXTO
Um passeio à luz da lua

Mais uma vez conversavam no interior de uma camionete


que viera apanhar a passageira que estava chegando de
Roma.
— Não pense que vai ser fácil — dizia Simon-
Casablanca. — O maldito está em um acampamento perto de
Oum el Rbia com vários patifes a sua volta.
— Quantos são? — perguntou Baby.
— Talvez mais de trinta.
— Muito pouco.
— Poucos! — exclamou o agente. — Nós somos menos
da metade e...
— Eu estava querendo dizer que trinta homens são
poucos para conduzir setenta carros-de-combate, quanto
mais dois mil e quinhentos. E outra coisa, se o emir está
comprando tantos veículos, é porque dispõe de condutores
suficientes para eles ou vocês não concordara comigo?
— Não sei... esses condutores poderiam ser moradores do
país para o qual os carros serão enviados — disse o jovem
Simon que manuseava o rádio.
— Eu gostaria que o emir me explicasse por que Udo
Krimm foi visitá-lo em Casablanca, antes de ir para esse tal
acampamento em Oum!
— Ora, certamente foi visitá-lo em nome de Alá
Misericordioso — disse Simon-Casablanca. — Embora eu
pessoalmente creia que ele foi visitá-lo em nome das pessoas
que pagam seus serviços mercenários e que por coincidência,
também devem ser as mesmas que financiaram as compras
dos carros que o emir continua adquirindo.
— Isso demonstra que este não é tão bondoso como
pensávamos — interveio o Simon que cuidava do rádio.
— Também pode significar, que tanto ele como Sartorius
estão sendo enganados por essas mesmas pessoas que são os
verdadeiros chefes de Udo Krimm e de seu grupo de amigos
que agora estão acampados junto ao rio Oum.
— Vou conversar com o emir Suleiman e ver o que eu
descubro — disse Baby.
— Quando ele perceber que você está mais bem
informada do que gostaria que estivesse, já não poderá sair
de seu palacete com facilidade.
— Sempre existe um perigo a nossa frente — sorriu a
espiã. — Se Sartorius tivesse melhorado, eu já estaria a par
de toda a verdade e de todo o mistério, porém os balaços que
recebeu não foram disparados por minha pistolinha de
estimação. Renzo melhorou, mas ele ainda inspira cuidados e
não pude vê-lo. Terei de saber das coisas por intermédio de
Yusuf Suleiman. Vou visitá-lo.
— Não seria melhor atacar logo o acampamento? —
sugeriu Simon.
— Você acabou de dizer que somos a minoria e...
— Por que Amur não chama Khebir?
— Simon, o que nos adiantaria a ajuda de condutores de
camelos? — protestou Brigitte.
— Meu amigo Khebir não é condutor de camelos, mas
um nômade que preferiu morar no deserto quando podia ter
continuado em Paris! Ele é...
— Chega, Amur. Primeiro visitarei o emir e depois
veremos o que se pode fazer.
***
— Alá é bondoso para comigo permitindo que eu a veja
de novo — disse o emir ao beijar-lhe a mão. — Está escrito
que todos os fiéis serão recompensados ainda nesta vida.
— É isso que diz o Corão? — sorriu Brigitte.
— Não, isso é uma coisa que eu digo sempre — riu o
emir. — Você conseguir ver Sartorius?
— Vi, mas ele não estava em condições de falar e
também tive uma série de dificuldades para chegar até ele.
— Quais? — perguntou o emir, pondo a mão em seu
braço e a levando para a piscina, onde já estavam suas
esposas.
— Nemo e um de seus assassinos frustrados estão na
mesma clínica. Parece-me que o tal assassino recebeu uma
visita desagradável e a partir daí, não era fácil alguém entrar
no hospital.
— Você deve ter muitos amigos na CIA, não é verdade?
— Sim, mas os homens que estavam lá, tinham recebido
ordens severas e eu não quis chamar Washington para
solicitar regalias. Você também é meu amigo, não e? —
sorriu a espiã. — Foi por isso que voltei... gostaria de ter
uma conversa sincera e aberta com você.
— Eu nunca fui insincero — protestou o emir.
— Sei que não foi, mas eu queria saber quem está
financiando a compra dos carros-de-combate. Preciso estar
com a reportagem completa porque assim que eu receber o
sinal verde, a mesma será publicada.
— Nada mais posso dizer porque meus amigos não
desejam ser mencionados em momento algum e acredite-me,
Brigitte, eu já lhe disse muito mais do que teria dito a
qualquer outra pessoa do mundo.
A espiã acendeu um cigarro, escutando os trinados dos
pássaros. O jardim era realmente aprazível...
E de repente, uma ideia passou por sua mente: Talvez a
solução mais simples fosse tomar de assalto o palacete e
capturar o emir. Só assim ele será forçado a falar tudo que
sabe.
Repentinamente, sentiu a suave vibração do rádio
minúsculo que trazia aderido à coxa esquerda.
— Yusuf, você me dispensaria por alguns minutos? Uma
de suas esposas poderia indicar-me um banheiro? — quase
pediu, sorrindo.
— Claro.
Assim que entrou no quarto de banho amplo, luxuoso e
decorado com espelhos coloridos, apanhou o rádio e
sussurrou:
— Sim?
— Quatro sujeitos acabam de chegar ao acampamento de
Krimm. Um parece importante e os outros três têm pinta de
guarda-costas.
— Não os percam de vista, principalmente quando saírem
daí.
***
Realmente Oswald McNully era um homem importante
que percorria quase todo o continente africano como o
pagador da “Companhia”, uma organização tão secreta que
ele passou a ser o único chefe visível da mesma.
Se se fizesse uma comparação entre ele, Udo Krimm e
Yusuf Suleiman estes lhe ficariam bem aquém. Na verdade,
o senhor Oswald McNully tinha um ótimo emprego e muito
poder, mas também tinha um grande complexo. Era um
homem feio e por isso, quando a loura deslumbrante sorriu-
lhe, pensou que estivesse sorrindo para outra pessoa.
Ambos estavam chegando ao balcão do bar. Ele olhou
para todos os lados, mas não havia outra pessoa perto deles.
A mulher loura sorriu novamente com seus olhos verdes
pousados nos dele e aos poucos, McNully foi
compreendendo que ela estava sorrindo para ele.
No mesmo instante, um alarme interior soou como que
procurando alertá-lo, estava metido em grandes negociatas e
não devia descuidar-se. Porém, ele já estava farto da África e
dos tipos que viviam naquele continente.
Apanhou o copo de martini e se aproximou dela.
— Olá, se eu já a tivesse visto anteriormente, é claro que
eu não a teria esquecido. Entretanto, da próxima vez que nos
encontrarmos, eu lhe direi: Olá, como vai? — falou rindo.
— E por que supõe que nós nos encontraremos mais
vezes?
— Sou um homem inteligente e sei que vou vê-la muitas
vezes mais. Quer tomar alguma coisa?
— Champanha, minha bebida predileta.
McNully fez o pedido ao garçom:
— Faz muitos dias que está neste hotel?
— Não — respondeu a moça. — Cheguei há apenas uma
hora.
— Também cheguei esta tarde — disse o homem
sentando-se no banco que estava ao seu lado.
— Preferi hospedar-me no “Mohara”, embora esteja a
vinte quilômetros de Casablanca.
— Escolhi-o porquê adoro hotéis cercados de palmeiras e
pertos do mar.
— Por favor, não leve a mal minha pergunta, mas está
sozinha no hotel?
— Sim.
— Não é frequente encontrar-se mulheres tão lindas
desacompanhadas.
— Bem, agora já tenho um acompanhante. E me sentiria
mais contente se você tivesse um carro.
— Tenho carro! — confirmou McNully, fascinado.
— Então podemos passear pela praia, à luz da lua e das
estrelas?
— Sim.
— Podemos fazer isso, caso você não considere meu
pedido um tanto abusivo.
— Absolutamente, terei prazer em acompanhá-la.
Conversou rapidamente com o camareiro e logo em
seguida, este lhe entregou uma bolsa de papel com uma
garrafa de champanha e dois copos.
Ajudou-a a descer do banco e quando andavam para a
porta, uma montanha de carnes parou junto dele.
— Está acontecendo algo, senhor McNully? — perguntou
o homenzarrão.
— Nada, Karl. Continue aqui, bebendo alguma coisa.
— O senhor vai sair sem nós? — exclamou surpreso.
— Apenas vou dar um passeio pela praia — disse,
olhando para uma mesa na qual estavam dois homens fortes
e antipáticos. — Hoje não quero ninguém atrás de mim,
ouviu?
A loura olhava para eles sorrindo, como se não
entendesse o que estavam falando. McNully saiu com a
mulher. Karl fez um sinal para os outros dois que também se
levantaram e saíram atrás do casal.
Karl também saiu e se encaminhou para os telefones de
linhas diretas que havia no vestíbulo. Recebia dinheiro
grosso para proteger Oswald McNully e sinceramente não
tinha simpatizado com a loura que estava com ele. Achou
que devia informar Marraquech sobre as coisas que estavam
ocorrendo.
Não teve tempo nem de marcar o número, antes de
terminá-lo, viu um sujeito alto e louro parado a seu lado.
— Acompanhe-me calado ou então terminará no quinto
dos infernos!
Karl olhou para o desconhecido e quase que no mesmo
instante, notou que havia dois outros rapazes por perto.
— Caminhe para a porta e se dirija para o jardim!
Sabia que de nada adiantaria tentar reagir, eram três
contra um. Obedeceu, pensando que tinha uma pistola no
bolso, mas se fizesse qualquer gesto suspeito acabaria
levando chumbo. De repente, viu tudo escuro a sua volta e
diante de seus olhos surgiram milhares de estrelas. Ainda
estava meio zonzo quando recebeu uma segunda coronhada
que o deixou desacordado.
— Tratem de amarrar suas mãos e pés e o metam dentro
do carro.
Enquanto isso, os outros dois capangas continuavam no
estacionamento do hotel, vendo o carro que se afastava com
McNully e a loura.
— Devíamos apanhar qualquer carro para segui-los —
disse Sutter.
— Não vale a pena. McNully só vai divertir-se com a
garota bonita.
Quase que no mesmo instante, viram o sujeito alto e louro
que tinha se aproximado sem chamar a atenção deles.
— Vamos caminhar até aquela camionete e enquanto
estiverem em seu interior, serão tratados como nossos
hóspedes — falou com muita calma colocando um cigarro
entre os lábios e o acendendo com o isqueiro.
Imediatamente mais seis chamas brilharam na escuridão.
Sutter e Marini eram profissionais e reconheciam quando
estavam em situação desvantajosa... Começaram a andar
para o carro sem falar uma palavra.
***
McNully parou o carro perto da praia e olhou para a loura
que estava ao seu lado.
— Ainda não me disse como se chama? Vamos tomar a
champanha aqui?
— Monique. Aqui, não, podemos sentar nas pedras quase
à beira da água — propôs ela, passando a mão pela coxa do
homem.
McNully agora sorria mais animado. Saiu do carro e
abriu a porta para a moça. Caminharam até o final da areia,
ele soltou a bolsa no chão e disse, enfiando as mãos pelo
decote do vestido:
— Nós dois vamos ser bons amigos, Monique. A loura
sorriu, levantou a perna direita e lhe deu uma joelhada
violenta no ventre. McNully gemeu de dor e balbuciou:
— O que é isso? Você enlouqueceu?
Não pôde falar mais nada porque recebeu outro pontapé
na fronte que o deixou desacordado por vários segundos e
quando recuperou a noção da realidade, viu Monique
tomando um copo de champanha calmamente.
— Porca, nojenta! Vou mostrar a você... Calou-se ao se
sentir alçado com força por duas mãos que o balançavam no
ar como se fosse um boneco.
— Já acabou de tomar o champanha, divina? —
perguntou o rapagão.
— Sim, Simon. Adoro beber champanha à luz da lua!
— Pois eu prefiro tomá-la à luz do sol — riu o rapaz.

CAPÍTULO SÉTIMO
A visita do emir ao acampamento

Yusuf Suleiman estava perplexo quando entrou na sala,


apenas enrolado em uma colcha e tendo uma expressão ainda
sonolenta nos olhos. — Senhorita Montfort! O que
aconteceu?
— Pensei que fôssemos bons amigos e que nos
tratássemos sem cerimônia, Yusuf. Por que esse “senhorita
Montfort” quando pode me chamar simplesmente de
“Brigitte”?
— É que estou surpreso. São três da madrugada! O que
está acontecendo?
A espiã ia responder quando chegaram três esposas do
emir praticamente desnudas, seu secretário particular e mais
dois membros da guarda noturna.
— Não lhe disseram que minha visita era questão de vida
ou morte?
— Sim, mas por Alá, você veio até aqui para me falar da
vida e da morte!...
— Você conhece um homem chamado Oswald McNully?
A expressão de olhar do emir mudou completamente e
acabou murmurando:
— Você o conhece?
— Não pessoalmente — mentiu Brigitte. — Porém tenho
amigos que o conhecem e foi graças a estes que eu consegui
uma informação que você precisava conhecer: amanhã à
noite tentarão assassiná-lo.
— Quem? McNully? — perguntou o emir com voz
pachorrenta.
— Não. O plano deverá ser executado por um homem
chamado Udo Krimm que agora está acampado com mais
trinta indivíduos a poucos quilômetros daqui. Também me
informaram que foi McNully quem lhe deu ordem para
assassiná-lo. O plano deverá ser preparado com grande
cuidado e todos deverão abandonar a área logo depois de
executá-lo. Tudo devia acontecer esta noite, mas Krimm
achou preferível adiar a missão para amanhã, pois ainda
precisava preparar um plano de fuga para seus homens, sem
erros ou falhas. Também me disseram que Krimm ligou para
McNully quando este estava em Marraquech e o avisou que
você e Nemo Sartorius estavam começando aparecer com
evidência. Naquela mesma ocasião Udo Krimm pediu
instruções a seu chefe e foi este que ordenou que o emir
Yusuf Suleiman devia desaparecer do mundo dos vivos. E
em seguida, ele e seus homens deviam abandonar a área.
Tudo está preparado para amanhã à noite quando este
palacete será assaltado e deverá acontecer uma matança
coletiva. Eu também soube que McNully trabalha para a
“Companhia”, e que todas as instruções que recebeu
partiram dessa “Companhia” que eu não consigo identificar.
Você agora já entendeu porque apareci aqui em plena
madrugada?
O emir de Akra estava estupefato, perplexo.
Sentou-se no sofá luxuosíssimo, forrado com tecido de
Damasco. O silêncio no salão era total.
Yusuf permaneceu algum tempo calado e depois
sussurrou:
— Começo a entender. McNully foi capturado pelo
pessoal da CIA, e sofreu uma série de torturas, a fim de
forçá-lo a uma confissão.
— Eu não falei em torturas — refutou Brigitte. — E nem
tampouco falei em CIA!
— Você já me disse que tem bons amigos na CIA.
— Yusuf, sou uma repórter e tenho bons amigos em
muitos lugares.
— Então, não foi a CIA que capturou McNully?
— Claro que não.
— E como as coisas aconteceram?
— Não sei. Em minha profissão, como em muitas outras,
há uma espécie de... linhas secretas de comunicações e,
muitas vezes, nem podemos entender como ficamos sabendo
de algumas coisas. Vim porque achei que devia adverti-lo,
Yusuf. Isso é tudo.
— Não pode imaginar como lhe estou grato, Brigitte ou
há outro modo pelo qual posso demonstrar minha gratidão?
— perguntou, sorrindo.
— Tem, sim — respondeu sorrindo. — Sabe que estou
morrendo de curiosidade para saber mais sobre essa tal
“Companhia”. Creio que só você me poderia explicar. Em
minha opinião, McNully apenas sabe que é um grupo de
pessoas ou entidades privadas que podem dispor de uma
fábula de dinheiro e que se reuniram para comprar milhares
de tanques de guerra, a fim de realizar seus planos. Que
planos são esses? Quem são essas pessoas ou entidades tão
importantes e ricas?
— Eu já lhe expliquei o objetivo: utilizar os carros-de-
combate como tratores para incrementar um grande
progresso na África.
— Ora, Yusuf!... Conte logo tudo que sabe!
— É só isso que eu sei.
— Não acredito, deve saber quem são, pois trabalha para
eles!
— Eu não trabalho para ninguém — retrucou o emir com
orgulho. — Nossos sonhos e ambições combinavam-se entre
si e nós apenas unimos nossas forças.
— Escute minhas deduções: você já conhecia Sartorius
há algum tempo e decidiu usá-lo como um de seus
intermediários na compra dos tanques. Sabia que ele não ia
negar seu apoio para um projeto tão beneficente. No entanto,
você mentiu para ele. Fez com Sartorius o mesmo que a
“Companhia” tinha feito com você quando o convidou para
ser um de seus intermediários no grande negócio que estava
sendo realizado. Porém agora também está acontecendo com
você o mesmo que aconteceu com Nemo Sartorius. Ambos
ficaram em evidência e já não servem para os propósitos da
“Companhia”. Não me diga que pode entender esta
miscelânea, Yusuf.
— Tenho a impressão que me julga um grande tolo.
— Eu diria que você anda fingindo-se de tolo. Não sei
quais promessas lhe foram feitas pelo pessoal da
“Companhia”, mas percebo que agora não querem cumpri-
las. Pior ainda, seus dirigentes deram ordens para o emir
Yusuf Suleiman ser eliminado e já estão procurando alguém
para substituí-lo. Por que não me diz logo, quem são essas
pessoas?
Os olhos do árabe brilharam intensamente.
— É verdade que a CIA não está envolvida? Que os
amigos que lhe estão prestando tantos informes não são da
CIA?
— Não.
— E quem são então?
— Não adianta, Yusuf, porque eu não tenho intenção de
lhe dizer mais nada. Minha discrição profissional sempre
foi...
— Que ela não saia daqui — avisou o emir e continuou:
— Que seja dada a ordem de mobilização geral. Todos nós
iremos ao acampamento daquele velhaco. Krimm vai receber
uma grande lição! Tanto ele como os cachorros da
“Companhia”! Vou mostrar-lhes o que ganham aqueles que
tentam enganar Yusuf Suleiman!
— Nós também iremos? — perguntou uma de suas
esposas.
— Claro — respondeu, soltando uma gargalhada. —
Vocês serão as melhores armas que terei! Aquele porco terá
uma grande surpresa!
As jovens sorriam com satisfação e Brigitte captou
olhares cruéis naqueles olhos de cores variadas.
De repente, o emir parou à sua frente, sempre sorrindo,
levantou seu rosto com ambas as mãos e murmurou:
— Minha querida e bela mulher americana, espere porque
dentro de poucas horas, você me dirá como e onde obteve
tantas informações positivas. E fique sabendo outra coisa: Eu
já escolhi e decidi, você será a minha décima-terceira esposa,
embora tenha cabelos negros e a nossa união não vá durar
muito tempo.
***
A partir daquele momento tudo foi confusão. As
conversas acabaram e só havia ruídos diversos e vozes
embaralhadas. O silêncio dentro da camionete era denso,
profundo como o de uma tumba. Continuavam aguardando
outras notícias que não vieram e finalmente Simon-
Casablanca murmurou:
— Ela tinha razão. O maluco jamais tentará prejudicá-la
diretamente. Só poderá fazer alguma coisa depois de
eliminar o perigo imediato que neste momento significa Udo
Krimm.
— Tudo vai acontecer tal e qual Baby nos avisou. O
próprio emir vai nos ajudar na eliminação de Krimm e seus
amigos mercenários — comentou outro Simon.
— Exatamente — confirmou Simon-Casablanca. —
Agora precisamos ficar alerta para saber o que Yusuf
pretende fazer com nossa garota da CIA e quando porá seus
planos em ação.
— Maldito emir — falou Amur por entredentes. — Eu e
meus amigos devíamos tê-lo matado antes de ir a Roma e
ferir nosso mestre que também estava sendo enganado!...
— Vocês podem acalmar-se porque manejar Baby não é
tão fácil como esse árabe está pensando. Vamos fazer
somente o que ela nos aconselhou — disse Simon-
Casablanca. — Aguardaremos a reação de Yusuf Suleiman,
isto é, vamos esperar que ele ataque Krimm e os outros que
estão em Oum... Quando chegar o momento de ação,
receberemos novas instruções.
— Como ela vai poder dar novas instruções se se
encontra prisioneira desse maldito? — exclamou o jovem
árabe.
Os quatro Simons que estavam no interior do veículo o
olharam com ironia, finalmente um deles riu e todos o
acompanharam.
— Amur, você devia perguntar-se quem está prisioneiro
de quem — explicou Simon-Casablanca com um sorriso. —
Baby está munida com um rádio mínimo, e este pode
transmitir tudo que está acontecendo no palacete. Graças a
esse radinho estamos sabendo de tudo que falam e planejam
fazer e, se em determinado momento ela precisar de ajuda,
nós iremos socorrê-la. Não se preocupe porque Baby sempre
arranja um jeito para comunicar-se com seus Simons. Porém,
enquanto ela não solicita nossa colaboração ficaremos aqui
de prontidão. Tudo vai acontecer como ela previu e nós
veremos o emir e Krimm se destroçando mutuamente. É
verdade, que o idiota de Yusuf julga que tem a colunista do
“Morning News” como sua prisioneira e nem de longe, pode
imaginar que Brigitte Montfort está investigando,
pesquisando e identificando quais as pessoas que estão
envolvidas na compra dos carros-de-combate. Dentro de
poucas horas, ela saberá o nome das pessoas físicas e das
entidades que estão financiando a compra de milhares de
tanques de guerra e também qual o objetivo verdadeiro dessa
compra... Pois está claro que os veículos não serão utilizados
como tratores, mas sim como máquinas de guerra, pois
somente para isso poderão ter utilidade.
— Há muito movimento e muito ruído no interior do
palacete — disse o agente que se mantinha na escuta do
rádio. — Pelo menos, há quatro veículos se preparando para
sair.
— Já estão preparando quatro carros... Temos de ficar
muito atentos — disse outro rapaz. — Vão sair daqui para ir
ao acampamento de Krimm.
Quase em seguida, os portões foram abertos e eles viram
os quatro carros saindo silenciosamente e se afastando pela
avenida que estava completamente deserta naquela
madrugada.
Dois automóveis eram modelo de luxo e depois saíram
duas camionetes brancas e comuns. Todos os veículos
tinham vidro fumê nas portas, e esses impediam que vissem
as pessoas que viajavam no seu interior.
Tão logo os carros desapareceram no cruzamento da
avenida com Boulevard de Strasbourg, o agente que estava
na escuta do rádio avisou:
— Baby está em um dos carros. Já me passou o sinal.
— Iremos atrás deles, mas conservando certa distância —
disse Simon-Casablanca.
Amur arregalou os olhos, olhou para os Simons e falou
assustado:
— Por Alá e que ele a proteja! Muita luta vai acontecer
naquele acampamento! Vocês já pensaram, trinta
mercenários fortemente armados, a chegada do emir e seus
homens também armados e... quando amanhecer Khebir
também já terá chegado com seus nômades...
Os Simons trocaram vários olhares entre si e finalmente,
o mais jovem deles sacudiu os ombros e disse:
— Esperemos que pelo menos no meio dessa matança, o
pessoal do emir possa liquidar esse tal de Krimm... se
conseguir fazer isso já nos terão prestado um favor enorme!
***
Udo Krimm acordou com o som da buzina, abriu os olhos
depressa levou alguns instantes atordoado e se sentou
rapidamente no catre, justamente quando um de seus homens
entrava na tenda de campanha portando uma
submetralhadora.
O dia começava a amanhecer e ele perguntou com um
grunhido:
— Que barulheira é essa, Sturges?
— O emir está aqui. Acabou de chegar e mandou dizer
que quer falar com você... O homem não está parecendo
muito calmo esta noite.
Krimm entrecerrou as pálpebras e sua mente de assassino
começou a trabalhar rapidamente.
O que poderia significar uma visita do emir ao
acampamento àquela hora da madrugada? Pensou em um
sem número de alternativas e acabou chegando à conclusão
que jamais teria condições para precisar qual a verdadeira.
Porém, uma coisa era certa: o emir de forma alguma poderia
saber que McNully havia ordenado sua morte. Se não sabia
dessa ordem, tinha vindo ao acampamento por outro motivo
qualquer.
No entanto, ele Udo Krimm, não ia perder aquela
oportunidade. Já que o emir se expunha ao tiro, por quê
invadir seu palacete àquela tarde? De um momento para o
outro tudo parecia ter ficado mais fácil.
Tão fácil que ele acabou desconfiando de algo que não
saberia determinar, e perguntou:
— Sturges, quem veio com o emir?
— Dentro de seu carro vieram três homens e uma mulher.
— Esta tem cabelos louros? — perguntou.
— Não, ao contrário, seus cabelos são negros.
— Tudo bem... vou levantar-me e sairei dentro de
minutos. Porém, avise que todos deverão ficar em estado de
alerta e manter o carro do emir sob vigilância acirrada. Que
ao menor sinal de alarme ou suspeita podem fritá-lo com
chumbo.
— Fique descansado, Krimm. Nós sabemos como
devemos agir — respondeu Sturges, sorrindo.
— Espere, tenham calma porque quero escutar o que esse
árabe veio dizer-me. Em nosso trabalho as situações mudam
de um instante para o outro. Primeiro me deixem falar com
Suleiman.
Levantou-se do catre e colocou um albornoz branco que
tirou do monte que estava encostado à lona da tenda. Depois
apanhou a pistola, e escondeu-a dentro da manga larga da
veste que usava e saiu ao ar livre.
Viu o automóvel negro do emir estacionado a uns vinte e
cinco metros. Sturges aproximou-se de um dos
companheiros que estavam de guarda e lhe sussurrou alguma
coisa e imediatamente se encaminhou para onde estava outro
e também lhe falou em tom bem baixo, sem afastar seu olhar
do carro preto e luzidio.
Krimm começou a andar lentamente para o automóvel e
quando se achava a menos de dez metros de distância,
escutou a voz possante de Yusuf Suleiman:
— Krimm, ande mais depressa!
O aventureiro sorriu com o canto dos lábios, recordando-
se de como fora tratado com menosprezo por aquele homem
quando chegou fugido de Roma. Naquela ocasião, o mesmo
emir lhe ordenara que fosse para o acampamento de Oum e
permanecesse ali até receber novas ordens.
O sangue do mercenário fluía com mais rapidez em suas
veias quando se prometeu mentalmente: Espere para ver a
lição que receberá, mouro ordinário!
Foi nesse momento que a porta direita do carro foi aberta
e a luz esmaecida da aurora se refletiu no cano de uma
submetralhadora.
Krimm estacou de repente e em seguida compreendeu o
que estava prestes a acontecer. O rosto se crispou, a mente
formulou uma ordem. Devia apanhar a pistola que trazia na
manga do albornoz, mas não teve tempo para executá-la.
Os estampidos da submetralhadora ecoaram pelo silêncio
da noite e o corpo de Udo Krimm começou a cambalear,
retorcer-se como se estivesse seguindo o compasso de uma
música que somente ele ouvia, enquanto o albornoz branco
começou a ficar manchado de sangue e o rosto foi se
transformando até se converter em uma máscara horrorosa.
Ele ainda continuava lutando para manter-se em pé
quando novos estampidos ecoaram pelo acampamento e dois
dos vigilantes caíram por terra.
Sturges começou a gritar e duas balas penetraram pela
nuca e destroçaram parte de seu cérebro.
— Feche essa porta! — gritou o emir.
O guarda-costas que havia matado Krimm obedeceu,
justamente quando os projéteis começavam a ricochetear no
carro blindado que era à prova de bala. Yusuf Suleiman
agora já podia se sentir mais aliviado e chegou a soltar uma
risadinha quando olhou para Brigitte que estava sentada a
seu lado no último banco do carro. No segundo, estavam
mais dois guarda-costas que também usavam armas pesadas,
só aguardando o momento de intervir. No banco da frente o
motorista e o homem que já estava remuniciando sua
submetralhadora, pois tinha gasto três cápsulas ao abater
Krimm.
— Agora vem o melhor — disse o árabe, passando a mão
pela coxa da jornalista. — Preste atenção!
A senhorita Montfort contemplava o espetáculo sangrento
que se desenrolava diante de seus olhos. Por todas as partes
iam surgindo mercenários armados, alguns até disparando,
embora ainda não soubessem contra o que e todos
terminavam atirando enquanto o emir continuava rindo como
se o espetáculo fosse muito divertido.
Os homens de Yusuf Suleiman que chegaram
sorrateiramente, agora disparavam incessantemente contra
todos os mercenários que estavam aparecendo.
O chão já estava sulcado de corpos quando uma das
camionetes entrou no acampamento, imediatamente um dos
homens de emir abriu a porta traseira e suas belas esposas
começaram a aparecer, também carregando
submetralhadoras nas mãos. Rapidamente aquelas mulheres
louras e lindas se uniram àquela carnificina, rindo como se
estivessem gozando das maiores delícias da vida. O emir
também ria com muita satisfação e era isto exatamente que
mais começava a irritar a espiã internacional.
— Veja se não são maravilhosas! Não são apenas minhas
esposas, mas também as melhores guarda-costas que eu
poderia arranjar! Todas elas adoram tomar parte de ações
movimentadas como as que estamos assistindo neste
momento... mas não pense que por causa disso são
insensíveis ao amor. Não, eu nunca tinha conhecido
mulheres mais ardentes e fogosas. Todas são deliciosas!
Você também é uma mulher que se derrete nos braços do
homem que a possui, senhorita Montfort?
— Isso varia porque depende de muitas coisas...
— Pois minhas mulheres sempre estão preparadas para
gozarem os bons momentos do amor! Sabem fazer amor com
perfeição e é com perfeição que matam quando preciso de
gente corajosa a minha volta! O que você achou de minha
ideia? Ao invés de cercar-me de esposas convencionais,
preferi ter esposas especiais. Preste atenção como saí
ganhando, as esposas convencionais só servem para fazer
amor, fazer um pouco de companhia, da qual sempre
acabamos ficando cansados e no final, os bestalhões dos
maridos acabam chifrados porque suas mulheres se
interessam pelo secretário, por um dos guarda-costas ou até
mesmo resolvem se distrair com o mordomo da casa.
Sabendo disso tudo, pensei: Por que manter esposas inúteis e
infiéis se posso arranjar mulheres mais úteis e mais leais...
embora suas atenções vão me custar mais dinheiro? O que
não custa dinheiro neste mundo de cão? Só por isso, cerco-
me de jovenzinhas enxutas, de corpos perfeitos, prometo-
lhes que acabarão ricas algum dia e... minha única exigência
é: Todas elas têm que usar cabelos louros... e hoje podemos
comprovar o resultado de minha experiência.
— Essas mulheres não passam de assassinas.
— Exatamente o que planejei. Mulheres ardentes na
cama, apaixonadas que me satisfaçam de todos os modos,
mas que sejam capazes de matar quando eu dou ordem.
Brigitte desviou o olhar do rosto de Yusuf e recomeçou a
acompanhar as cenas sangrentas que aconteciam naquele
acampamento.
Viu quando a outra camionete chegou com o resto da
guarda do emir, o tiroteio recrudesceu e os últimos sicários
de Krimm eram eliminados sem piedade alguma.
O acampamento mais parecia um campo de batalha, onde
os cadáveres eram pisoteados pelos que ainda podiam lutar.
Vários homens de Yusuf também tinham caído naquele
palco de violência. O sangue espalhado pelo chão começava
a endurecer, brilhando sob os primeiros raios de sol que
surgiam no horizonte.
Algumas esposas do emir também estavam mortas e
outras feridas, com os biquínis diminutos vermelhos de
sangue.
— Parece que elas nem sempre se divertem tanto como
você afirma.
— É verdade, mas você sabe, Brigitte que a vida nem
sempre é constituída só de alegrias e divertimentos. Embora
isso tudo me divirta e foi por gostar de coisas assim que
aceitei o convite que me fizeram! Todo o continente africano
ficaria sob minhas ordens e sob meu governo. Já percebeu
que maravilha sem par? Yusuf Suleiman, o Grande Emir da
África!
— O título soa bem.
— Foi o que também pensei. Disseram-me que eu
assumiria a responsabilidade de aparecer, enquanto todos os
outros se manteriam no anonimato: seriam eles quem me
forneceriam o dinheiro e seriam eles quem dirigiriam tudo,
mas eu receberia as glórias e os títulos como o Grande
Homem Visível, o Grande Poderoso, o Magnífico Gran Emir
de toda África!
— E você só precisaria comprar os carros-de-combate e
dirigir pessoas como Krimm, obedecendo as instruções que
lhe fossem fornecidas pelos chefes e financiadores da ideia.
Instruções que nada têm a ver com o bem-estar da África ou
dos africanos, não é verdade? Trariam todos os tanques para
a costa do continente africano e quando se tornasse
necessário, os mesmos seriam manejados por homens como
Krimm e outros criminosos que já devem estar espalhados
por todo o continente, aguardando a ocasião para subir nos
carros que deverão estar carregados, municiados e
preparados para entrar em ação, provocando uma verdadeira
carnificina entre os habitantes da África e outros países.
— Exatamente! O massacre seria praticamente universal
e somente o povo árabe seria poupado. Os árabes seriam
respeitados.
— Sim? Por quê?
— Porque a ideia original consiste em converter todo o
continente africano em uma grande nação islâmica, na qual
todas as outras raças seriam apenas escravas. À medida que
fôssemos invadindo e conquistando os países, iríamos
expandindo o nosso grande país islâmico.
— Entendo. Você seria o Gran Emir dessa nação
poderosa.
— Era isso mesmo que ia acontecer!
— Grandioso. Felicidades, Gran Emir. Agora, diga-me,
quem está financiando esta operação grotesca?
Personalidades árabes influentes na política e economia?
— Sim e embora tenham pretendido eliminar-me, eu lhes
farei raciocinar... E se algum deles pensa que vai arrebatar
meu título, meu posto de Gran Emir da África... eu lhe
mostrarei meu poder, minha força!
— Não, não acredito que você pense realmente que todo
esse plano está baseado na verdade! — exclamou Brigitte
com assombro. — Eles somente estão usando você porque
não passa de um grande tolo, Yusuf!
— Você se arrependerá porque...
— Vamos, deixe de ser idiota! Não compreende que está
colaborando com algum país poderoso que deseja entrar na
África com seu exército? Não compreende que os países
desenvolvidos podem apossar-se da África por muitos
carros, armas e mercenários que você disponha em um dado
momento? Os mais espertos estão esperando que você
provoque uma convulsão social em todo o continente
africano que justifique a chegada dos exércitos mais
poderosos, como a Rússia, França, Estados Unidos... Não
compreende que qualquer um dos países mais poderosos do
mundo tem planos secretíssimos de expansão mundial que só
poderão ser iniciados quando seus exércitos estiverem
estabilizados na África? Com o pretexto de derrotá-lo ou
evitar um grande massacre continental, um desses países
mandaria seus soldados ao solo africano com armas potentes.
Em seguida, poria seus verdadeiros planos em ação. Você e
as importantes personalidades árabes que tinham provocado
a revolução, já não seriam necessários e, portanto, seriam
eliminados.
— Mentira! Você está louca! Está querendo dizer que eu
sou um palhaço nas mãos dos representantes dos Estados
Unidos, Rússia ou outro país mais desenvolvido do que o
nosso? Mentira! Sou um artífice de Alá que vai construir seu
paraíso islâmico na terra!
— Parabéns! Até que enfim compreendeu a realidade —
disse Brigitte com sarcasmo.
Yusuf Suleiman se sentia como se tivesse levado uma
paulada na cabeça. Não podia acreditar naquela mulher, mas
também entendia que a senhoria Montfort era a jornalista
internacional mais famosa. Era ela que assinava uma das
colunas mais importantes de um dos jornais de maior
tiragem em todo o mundo.
De repente, a situação parecia estar se modificando no
acampamento. Os homens do emir estavam sendo varridos à
bala. Logo depois, uma das camionetes explodiu,
transformando-se em uma bola de fogo.
Os dois guarda-costas de Yusuf olharam para todos os
lados sem ver nada... salvo seus companheiros caindo
vítimas de um ataque cuja procedência não conseguiam
localizar. Um deles abriu a porta do carro para defender os
amigos, mas recebeu um murro direto de Brigitte que o
deixou desacordado. O outro colocou a metralhadora em
posição, mas não teve oportunidade de acioná-la porque
também levou um esquerdo na nuca e em seguida, um
direito. O sujeito gemeu e gritou ao mesmo tempo, para logo
em seguida cair morto no banco.
O motorista não acreditava no que seus olhos viam.
Começou a tirar a arma que estava sob o assento, mas
Brigitte apanhou uma submetralhadora e pulverizou o árabe.
Yusuf Suleiman assistia tudo com calma incrível. Parecia
fascinado ao contemplar aquelas cenas de violência.
Brigitte apanhou o rádio que estava colado à sua coxa
com tiras de esparadrapo e imediatamente ouviu a voz de
homem:
— Baby! Graças a Deus! Você está bem?
— Claro que estou bem.
— Daqui pudemos acompanhar tudo, mas não pudemos
ajudar em nada.
— Não faz mal. Parece que Khebir, o amigo de Amur, já
chegou e está querendo fazer uma demonstração de sua
força.
— Exatamente. Os nômades são corajosos. A maioria dos
salafrários que acompanhavam Krimm está morta e os que
não morreram se encontram feridos. O mesmo está
acontecendo com o pessoal de Suleiman. Nós somos os
donos do campo.
— E as esposas louras de emir?
— Parece que uma morreu e três estão feridas. São
mulheres perigosas!
— Sim, eu sei, mas cuidem delas com carinho porque
tenho um projeto encantador boiando em minha mente. Aqui
tudo vai bem e vocês já podem vir.
Desligou o rádio e ficou observando o campo. O lugar
estava com um aspecto horrível, com cadáveres e feridos
espalhados por todos os lados.
Pouco depois, viu Simon-Casablanca, Amur e um árabe
alto, magro, com os olhos e barba negros como a noite
caminhando para o carro. O chefe daquela área abriu a porta
do mesmo sentindo-se apreensivo e ela lhe perguntou,
sorrindo:
— Pelo menos me trouxe um cigarro, Simon?
Este lhe entregou o maço e disse:
— É muito bom sairmos daqui antes que chegue alguém.
Amur olhou para dentro do carro e exclamou:
— Por Alá! O que aconteceu aqui dentro?
— Eram tão tolos que acabaram matando-se mutuamente
— respondeu sorrindo. — O que achou de tudo, Khebir?
— Amur não mentiu quando me disse que você era a
mulher mais linda que já tinha visto.
— Muito amável, mas suponho que não está querendo
levar-me para o deserto.
— Bem que eu gostaria, mas você não deve apreciar a
vida nômade.
— Não gosto mesmo — sorriu a divina. — Não sei se
minha ideia foi boa ou não, mas creio que você e seus
amigos vão passar muito bem de agora em diante.
— O que vai acontecer conosco?
— Espere para ver, meu rapaz.
— O que vamos fazer com esse fantoche do emir? —
perguntou Simon. — Está tão parado que até parece um
homem de pedra.
— É um pobre de espírito, mas muito perigoso. Creio que
deveríamos entregá-lo a Mukhabarat3. Se o deixarmos livre,
acabaria criando outros problemas semelhantes. Vejam,
parece que está voltando à vida de novo.
Em efeito, Yusuf Suleiman começou a piscar e depois
olhou para as pessoas que estavam à sua volta. Logo depois
seus olhos foram pousar nos cadáveres que estavam
espalhados pelo terreno.

3
Fundado em 1973, o Serviço de Inteligência Iraquiano é também conhecido
como Mukhabarat, Diretoria Geral de Inteligência, ou Inteligência do Partido, foi a
principal organização de inteligência do estado no Iraque sob Saddam Hussein.
Depois seus olhos voltaram lentamente para Brigitte que
o contemplava com curiosidade. Fitou-a demoradamente e,
de repente, exclamou:
— Em nome de Alá Misericordioso... morre cadela
maldita!
A surpresa foi geral quando o emir tirou uma adaga da
manga do albornoz e tentou degolar a espiã.
Porém Brigitte agiu com rapidez e segurança ao apanhar
seu pulso com ambas as mãos, torcendo-o com violência e
fazendo a adaga mudar de direção para o rosto de Yusuf que
soltou um grito apavorado quando percebeu que a arma
branca ia chocar-se exatamente com sua vista direita.
Porém, tudo aconteceu de forma rápida e imprevisível
porque Amur disparou duas vezes contra o árabe; Khebir
apanhou o punhal que trazia à cintura e o enterrou na
garganta do emir, enquanto Simon-Casablanca também
disparava contra ele.
Brigitte estava lívida quando olhou para os rapazes e
disse:
— Acho que já estou farta de ficar em Oum. Vamos sair
daqui para assistir o amanhecer de outro lugar mais
interessante.
ESTE É O FINAL
— Entendo a reação de meus discípulos. Eu predicava
paz e como podia dedicar-me à aquisição de carros bélicos?
— murmurou Sartorius. — Mas tampouco podia declarar
que somente tinha aceitado a proposta de Yusuf porque
queria saber o que estava sendo tramado. Era exatamente
isso que eu ia dizer-lhe no restaurante, durante o nosso jantar
a dois. Porém os rapazes mudaram meus planos.
— Então você já sabia que Erika era eu mesma?
— Claro — sorriu o professor de filosofia.
— De manhã, não quis receber minha amiga porque não
queria que ela se envolvesse em mais um caso sujo, mas
quando você voltou, não tive coragem de expulsá-la de novo.
— Então você sabia que estava sendo vigiado por agentes
secretos?
— Até me divertia com a situação sui-generis: Um
intelectual pacifista controlado por um monte de espiões,
inclusive pela espiã mais famosa do mundo que jamais
consegui esquecer depois que...
— Adivinhe onde estão as esposas sobreviventes de
Yusuf.
— Onde elas foram?
— Foram com Khebir e seus nômades. Agora pelo
menos, meus novos amigos sentirão menos frio nas noites
gélidas do deserto.
Sartorius soltou uma risada e disse:
— Garanto que esse final de história, foi criado por você!

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