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© 1989 – Antônio Vera Ramirez

“Paraíso Infernal”
Tradução de Izabel Xrisô Baroni
Ilustração de Benicio
Colaboração de
Sérgio Bellebone
® 540902/551107
CAPÍTULO PRIMEIRO
O encontro dos maiorais

A viagem não fora muito agradável e o final estava sendo


ainda pior. Os cinco cadáveres estavam com um aspecto
horripilante.
Cada um deles estava preparado dentro de uma caixa que
em nada podia ser comparada com um caixão ou com um
ataúde. Elas mais pareciam caixotes usados para a
embalagem de ferramentas agrícolas ou industriais. Na
realidade, tudo fora preparado para cada um dos corpos ser
remetido imediatamente a seu país de origem, a fim de ser
sepultado lá.
Seriam sepultados discretamente e assunto terminado.
Porém os cinco países de origem dos mortos não se
conformaram facilmente com o massacre. Melhor dizendo,
os serviços secretos desses cinco países que eram a Rússia,
Alemanha Ocidental, França, Estados Unidos e Inglaterra
não podiam conformar-se facilmente com aquela
mortandade.
Estavam preocupados e intrigados. Principalmente muito
intrigados.
Por coincidência, os cinco mortos eram agentes secretos
daqueles cinco países: Leon Strogoff da Rússia, Otto Kruger
da Alemanha Ocidental, Emil Artagnac da França, Waldo
Crane dos Estados Unidos e Arnold Joyce da Inglaterra.
Todos que se dedicam à espionagem, sabem que estão
escolhendo uma atividade árdua, espinhosa e que a qualquer
momento poderão ser banidos do mundo dos vivos. Porém
todas essas condições negativas não seriam usadas para
atenuar as circunstâncias maquiavélicas que cercavam as
mortes dos cinco agentes secretos.
Os corpos foram retirados do mar por um barco pesqueiro
iugoslavo. Pescadores em final de um dia de trabalho
rendoso, depois de terem pescado milhares de peixes vivos,
puxaram o arrastão e pescaram os corpos dos cinco
cadáveres que já estavam preparados para serem repatriados.
Porém o caso não estava encerrado, para se falar a
verdade, ele ainda nem fora iniciado, ou melhor, talvez
estivesse começando.
— Você quer ver as fotografias? — perguntou Simon-
Roma à loura que acabara de chegar em sua companhia.
Era uma mulher linda, elegante, que tinha olhos verdes
brilhante, expressivos e um corpo sensual.
Tinha acabado de chegar em um voo direto de Nova
Iorque e fora imediatamente para o galpão onde estavam os
cinco cadáveres, esperando o momento do transporte.
Apanhou as fotos da mão de Simon-Roma e olhou para o
espião soviético que as entregara ao companheiro,
agradecendo-lhe com um sorriso.
Porém, uma coisa se tornava bem clara naquele instante,
os diretórios dos cinco serviços secretos afetados com
aquelas mortes estúpidas tinham decidido que precisavam
aliar-se para resolver aquele caso.
Por isso, a KGB tinha mandado nada menos que Mihail
Obenkov; o SDECE francês, Jacques Delpierre; o BND
alemão, Helmut Krainer; o MI-6 britânico, o seu expoente
máximo. Edward Prentiss. E como o caso era muito
importante, a CIA tinha mandado a famosa agente Baby, a
última representante dos cinco diretórios que acabara de
chegar ao local onde todos os outros já estavam reunidos.
As fotos estavam nítidas e horríveis, mostravam os
mortos tal como foram encontrados, todos juntos, formando
um corpo de carne inchada e em estado de decomposição.
Formavam realmente uma bola de carne quando foram
retirados da água do mar, onde tinham sido jogados,
acorrentados e ainda com vida. Os pescadores chegaram a
declarar que mais pareciam um pacote de carne enrolado
com uma corrente grossa e pesada.
E talvez, o peso dessa corrente tivesse aumentado a
permanência dos corpos nas profundidades do mar.
O médico iugoslavo que foi o primeiro a examinar aquele
encontro macabro, atestou que os cinco agentes secretos
tinham morrido por afogamento. Que todos estavam vivos ao
serem lançados na água e que isso podia ser facilmente
comprovado porque seus olhos estavam desorbitados e os
ventres muito inchados.
Os cadáveres além do estado adiantado de putrefação, ao
serem “pescados”, também estavam roídos e comidos pelas
espécies que viviam no mar.
A agente loura, desviou os olhos até às caixas que iriam
embora dentro de poucos minutos e , concluiu que os
cadáveres tinham um aspecto quase normal da morte, porém
as fotografias... pareciam tétricas, horripilantes.
Devolveu-as ao companheiro que era o chefe das
investigações na Itália e quando este ia entregá-las ao russo,
Obenkov lhe disse:
— Pode ficar com todas. Nós temos as mesmas cópias.
— Obrigado, mas estas não foram as fotografias batidas
pelos iugoslavos, são as que foram reveladas de filmes
soviéticos.
— Gostaria de dar algo diferente, mas considere-as como
uma gentileza com a agente Baby — respondeu o espião da
KGB, sorrindo.
A loura também sorriu diante daquela piada
despropositada do colega, mas em seguida, recuperou a
expressão concentrada. Olhou mais uma vez para o ex-
companheiro, lutador da CIA que agora repousaria para
sempre naquela caixa horrível. Walter Crane mais parecia
um espantalho pintado de roxo que até poderia assustar
alguém.
Afastou-se daquele ambiente fúnebre. Caminhou até a
janela do galpão e acendeu um cigarro.
Lá fora o dia estava maravilhoso, o sol brilhando, o mar
azulado e um céu anil. Quem poderia imaginar que alguém
fosse ter a ideia lúgubre de enterrar cinco homens ativos e
sadios dentro do Mar Adriático? Sim, estava evidente que os
espiões assassinados não tinham aparecido lá por mera
casualidade, como carregados por uma corrente marítima.
Absolutamente, não tinha mais dúvida alguma. Aquele
“pacote” fora jogado ao mar acorrentado daquela forma para
jamais ser encontrado por alguém, mas, nem tudo acontece
como o homem determina e... os mortos foram achados,
talvez depois de terem passado vários dias enterrados nas
areias mais profundas do mar. Os cadáveres que deveriam
repousar por toda a eternidade nas profundezas das águas
tinham chegado à quase superfície dentro de uma rede de
arrastão. Uma pesca muito estranha entre os milhares de
peixes pescados naquele dia.
Era fácil imaginar o susto que os pescadores iugoslavos
sentiram ao ver aquela bola de carne disforme.
Imediatamente comunicaram-se pelo rádio com as
autoridades locais. E a partir daquele momento, tudo
começou a acontecer de forma rápida, urgente, pois ainda
não fazia quarenta e oito horas que o “pacote” fora pescado.
— Baby , creio que podemos ultimar o procedimento da
repatriação — disse Jacques Delpierre aproximando-se. —
Cada segundo que passa, tudo parece ficar mais penoso.
— Concordo e agradeço a gentileza de todos. Retardaram
o embarque dos corpos somente para me aguardar.
— Ora, só fizemos isso porque sabíamos que você viria
de mais longe — sorriu o francês. —
E secretamente vou confessar-lhe uma coisa, recebi
milhares de instruções, recomendações muito concretas e
todas se resumiam em um ponto: — Eu devia colaborar com
a agente da CIA até a última instância. Desconfio que tem
grandes amigos nas altas esferas da SDECE, não é?
— Tenho amigos em todos os lugares, Jacques Delpierre!
— Parabéns, porque eu nunca consegui realizar essa
façanha.
— Não se desespere, talvez dentro de uns vinte ou trinta
anos consiga fazer muitos amigos.
— Ainda bem que você me dá esperança, Baby. Sabe o
que seu colega Walter Crane estava fazendo na Europa?
— Claro. Recebi todas as informações durante a viagem.
— Ótimo! Então deve saber o que seu colega estava
fazendo ultimamente e em que caso ele vinha trabalhando,
não é?
— Ele há pouco mais de três meses tinha pedido
desligamento da CIA e para todos os efeitos, não era mais
um dos nossos e nem sabemos por que estava na Europa.
Deduzimos que estivesse de férias.
— Muito curioso — murmurou Delpierre. — Os outros
quatro também estavam em situação análoga. Você não acha
tudo isso estranho?
Os olhos da loura brilharam intensamente.
— Então todos eles estavam desempregados?
— É o que deduzimos. Já estivemos conversando e
pesquisando sobre este ponto, mas não chegamos a resultado
algum — concordou o francês. — Como pode imaginar
todos nós tínhamos interesse em saber o que os agentes dos
outros serviços secretos estavam fazendo. Se descobríssemos
isso, talvez pudéssemos chegar a uma conclusão positiva.
— E no fim o que descobriram? — sorriu Baby. — Todos
eles desempregados. Todos eles afastados de suas ocupações
antigas e pelo jeito, dedicando-se ao dolce farniente, o que
significa que apenas desfrutavam dos prazeres da vida
tranquilamente, sem nenhum trabalho ou esforço.
— É, mas agora terminaram todas as regalias para eles.
— Você sabe que nada dura eternamente na vida.
— É mesmo. A vida é constituída de momentos
agradáveis e desagradáveis que sempre têm a duração de um
piscar de olhos — filosofou Delpierre. — Baby, porém uma
coisa nos deixou intrigados.
— O quê? — perguntou com curiosidade e surpresa. —
Por quê todos ficaram intrigados?
— As roupas de nossos colegas estavam em frangalhos,
mas todos continuavam com seus documentos nos bolsos. E
como a maioria destes estava plastificada, pudemos
identificá-los com facilidade e isso nos deixou preocupados,
sabe?
— Entendo porque realmente parece ser surpreendente à
primeira vista, porém se analisarmos a situação, veremos que
tudo estava dentro da lógica, Delpierre. Não devemos
esquecer que o “pacote” de homens foi jogado ao mar para
permanecer nele até o fim do século ou por todos os outros
que ainda virão no futuro. Raciocinando-se deste modo, por
quê os assassinos iam ficar com a documentação dos mortos,
embora fosse somente para destruí-la? Sempre podia ocorrer
alguma falha que serviria para denunciá-los. No entanto, se
os documentos ficassem enterrados no fundo do mar, jamais
seriam localizados. O mesmo devem ter feito com todos os
objetos que eles carregavam nos bolsos, como isqueiros,
chaves, dinheiro... Tudo foi jogado ao mar.
— Entendo. Talvez você esteja certa e tudo tenha
acontecido como diz. Agora, eu só queria saber de uma
coisa, Baby: o que nossos colegas estavam fazendo para
sofrer uma morte tão drástica e horrível?
— Não sei, mas desconfio.
Delpierre pareceu ficar surpreendido e o mesmo
aconteceu com os outros agentes secretos que estavam no
galpão. Todos se calaram e ficaram olhando para a loura
maravilhosa, como se estivessem aguardando novas
explicações.
Porém estas não vieram e o francês perguntou:
— É verdade que você sabe alguma coisa ou pelo menos
suspeita de algo? O que acha sobre as atividades deles, o que
desconfia que eles pudessem estar fazendo juntos?
— Espionagem.
A resposta pareceu decepcionar os homens que, de um
modo para o outro, pareciam tão interessados na conversa.
Todos continuaram calados e Baby prosseguiu:
— Para não me olharem com tanta perplexidade, vou
terminar meu raciocínio. Está claro que os cinco ex-agentes
não estavam na Europa apenas para desfrutar de férias de
repouso. Em minha opinião deviam estar envolvidos com
algum assunto importante da espionagem. Acho que este não
é o momento de nós nos enganarmos. Os cinco eram espiões
e embora tivessem pedido baixa de nossos respectivos
diretórios, sabemos por experiência própria que um espião é
sempre um espião. Entendo esta necessidade que há em nós
e não fico preocupada nem curiosa para saber o que os cinco
poderiam estar fazendo aqui e por que foram amarrados com
a mesma corrente. Só há uma coisa que me desperta um
pouco de curiosidade: Por quê todos eles tinham pedido
baixa de suas corporações?
— O que está pensando? — perguntou Helmut Krainer.
— Exatamente o que eu disse. Gostaria de saber que
atividade mais importante e absorvente teriam em vista
quando decidiram desligar-se de seus serviços secretos.
— O que você está querendo dizer, Baby? — interveio
Edward Prentiss que estivera calado até então. — Acredita
que todos os cinco estavam trabalhando juntos em um
mesmo caso?
— Exatamente. Porém, alguma coisa deve ter acontecido
e seus novos contratantes resolveram eliminá-los e para
conseguirem isso, usaram o método que parecia ser o mais
eficaz.
— Contratantes? — murmurou o russo Obenkov. —
Certamente você está referindo-se às pessoas que os
reuniram para realizarem um só trabalho?
— Evidentemente, Obenkov.
— E quem pode ser esses contratantes? Talvez a própria
KGB? — perguntou o russo.
— Não.
— O MI-6? — sorriu Prentiss.
— Também não — respondeu Baby com um de seus
sorrisos mais lindos.
— Bem, suponho que está desconfiando do SDECE,
madame? — pilheriou Delpierre, quase soltando uma
gargalhada.
— Monsieur, quando desconfio de algo, passo a
desconfiar de todo mundo — respondeu sorrindo. —
Entretanto nessa ocasião, Delpierre, não há razão para um de
nós desconfiar dos outros. Todos vocês devem ter percebido
perfeitamente que os assassinatos não foram cometidos por
nenhum de nossos serviços secretos, pelo menos, os
legalmente estabelecidos. Creio, sim, que nossos colegas
foram contratados por um particular... E por favor, agora
falemos sério e com sinceridade, vocês já não tinham
pensado em algo semelhante?
— Eu já tinha pensado nisso — confirmou Obenkov.
— Se vamos colaborar uns com os outros, rogo-lhes que
abandonemos as reticências... Ou colaboramos abertamente e
com sinceridade ou então, cada um que trabalhe sozinho e
chegue a seus próprios resultados e conclusões. Eu,
pessoalmente, não teria inconveniente algum em proceder
desta forma.
— Por favor, não fique aborrecida — disse Prentiss. — O
que acontece é que todos nós estamos meio perdidos em todo
esse emaranhado.
— Perdidos? — retrucou a espiã americana com um
acento gelado. — Juro a vocês todos que quando eu
encontrar as pessoas responsáveis pelas mortes de nossos
colegas, elas terão o castigo que merecem!
— E você tem esperanças de encontrá-los? — perguntou
Krainer.
— Naturalmente.
— E por onde pensa começar?
— Bem, por uma questão pessoal, começarei por Waldo
Crane, meu colega da CIA. Vou mobilizar todos os Simons
para averiguarem onde, como e por quê Crane estava na
Europa. O que ele estava fazendo e com quem tinha relações
ultimamente. Quero saber quem o viu vivo pela última vez e
quanto dinheiro escava gastando. Dentro de quarenta e oito
horas espero saber tudo a respeito de Waldo Crane.
— Desejo que consiga todas as informações — disse o
russo —, porém tenho quase certeza de que não vai
consegui-las com muita facilidade, que seus companheiros
seguirão muitas pistas embaralhadas que os levarão a lugar
nenhum.
— É o que eu temo — confessou Baby. — Porém quando
eles chegarem a esse ponto, eu começarei a trabalhar. Como
uma investigadora sistemática não sou nenhuma maravilha,
sei que meus Simons farão essa parte melhor do que eu.
Porém como investigadora intuitiva, asseguro-lhes que
minhas faculdades são surpreendentes.
— Falando de outra maneira: Baby é das que confiam
mais no azar do que em rastreamento metódico e bem
planejado, não é?
— Não, não é isso! — exclamou com ênfase. — Não sou
das que confiam no azar, Obenkov. Eu confio sim em minha
intuição de espiã e para comprovar como tenho razão, basta
fazer um levantamento de minhas atividades no decorrer dos
anos. Talvez se você examinasse os arquivos da KGB,
terminasse me dando razão.
Obenkov sentiu o sangue esquentar no rosto, enquanto os
outros procuravam oprimir alguns sorrisinhos irônicos.
Todos eles conheciam a fama da agente Baby e reconheciam
que a loura da CIA sempre fora o pesadelo de todos os
serviços secretos mundiais e, de forma muito especial para
os russos e os chineses. No final, até Obenkov acabou
sorrindo.
— Eu não tive a intenção de desmerecer seu trabalho
profissional e nem sua importância no mundo da espionagem
— explicou, meio desajeitado. — Apenas me surpreendi
quando disse que não é boa investigadora, mas confia em
suas percepções intuitivas... mas também sei que cada um
trabalha de acordo com suas possibilidades e faculdades. É
natural que você use aquelas que lhe foram dotadas. Acho
que o primeiro mal-entendido entre nós terminou, não é?
— Como posso dizer que terminou quando nunca existiu?
— riu Baby.
— Então, você acha que cada um de nós deve recorrer a
sua... empresa, a fim de nossos colegas realizarem as
primeiras investigações a respeito do nosso colega que foi
brutalmente assassinado? — perguntou Helmut Krainer em
um inglês carregado.
— Esta e a minha opinião — confirmou a agente
americana.
— Eu concordo com você — falou Obenkov
rapidamente.
Os outros trocaram um rápido olhar e acabaram aceitando
a sugestão proposta pela colega que era a agente mais linda
do mundo.
Contudo, Krainer perguntou novamente:
— E o que faremos quando recebermos as informações
sobre as investigações realizadas? Devemos iniciar
imediatamente nossas sindicâncias pessoais sobre a vida de
nossos companheiros assassinados?
— Eu proporia que nos reuníssemos daqui a quarenta e
oito horas, a fim de trocarmos opiniões sobre todos os
informes que tenhamos recebido das diversas fontes —
respondeu Baby rapidamente. — Ao invés de seguirmos
cinco pistas diferentes, ou todos nós trabalhamos em todas as
que nos forem fornecidas, poderíamos designar um de nós
como... a ponta de lança ou a cabeça visível para levar as
investigações adiante, sempre contando com o apoio e
respaldo de todos.
— E quem entre nós poderia ser o agente indicado para
continuar as investigações sozinho? — perguntou Delpierre.
— Creio que primeiramente devemos aguardar as
informações e depois de estudá-las, escolheremos a pessoa
mais indicada — retrucou Baby.
— Sugestão bastante razoável e aprovada — riu
Obenkov.
— Ainda não entendi porque ri de todas as minhas
sugestões. Até parece que sou um palhaçona em um
picadeiro russo — reclamou Baby com voz zangada.
— Prefiro não responder nada.
— E eu sugiro que agora não é hora de briguinhas de
colegas amuados — disse Kraine. — Creio que seria bom
pensarmos aonde vamos, nos encontrar dentro de quarenta e
oito horas. Deve ser um local conveniente a todos.
— Eu escolheria Veneza — disse Prentiss.
— Pode ser — concordou Krainer —, mas por que você
escolheu logo Veneza?
— É uma cidade romântica — explicou o britânico. — E
não esqueça que há uma dama entre nós, e... certamente, nós
todos estamos apaixonados secretamente por ela. Só por isso
escolhi Veneza.
— Prentiss, você é muito amável — sorriu Baby. —
Aceito a sugestão. Dentro de quarenta e oito horas nos
reuniremos em Veneza. Combinado?
CAPÍTULO SEGUNDO
Reunião dos cinco maiores

Simon-Roma entrou na sala ampla, decorada no estilo


medieval. Aproximou-se da sacada e se debruçou nesta,
observando os vários canais de Veneza... Depois se virou e
ficou olhando para a agente mais querida da CIA. Baby
estava sentada em uma poltrona grande, de couro lavrado
que se assemelhava a um trono antiguíssimo que passara
séculos aguardando a chegada da rainha. E a rainha acabara
de chegar e em nenhuma outra época, alguma rainha seria
mais linda que a senhorita Montfort.
— Obenkov acabou de chamar. Já chegou a Veneza e
pediu-me o endereço daqui. Dentro de vinte minutos deverá
estar chegando — avisou.
— Ótimo. Quanto mais cedo nos reunirmos, melhor será.
Só espero que os outros também cheguem logo... ou que pelo
menos se comuniquem conosco. Já pensou se todos os rádios
entrarem em pane?
— Coisa que considero inadmissível — riu Simon. —
Todos foram fabricados nos Estados Unidos.
— A gente nunca pode garantir nada. Você que está
trabalhando na Itália sempre vem à Veneza?
— Sempre não, mas algumas vezes. Tenho boas
recordações de fatos que aconteceram nesta cidade. Bem,
tenho algumas que não são muito boas.
— O mesmo acontece comigo, Simon. Já estive aqui
algumas vezes e tenho recordações boas e más dessas
minhas viagens. Entretanto, uma delas jamais esquecerei1,
mas prefiro não comentá-la agora. Para falar a verdade, sei
que Veneza é um recanto do mundo que jamais poderá ser
1
Ver aventura de número 136: Doce Morte em Veneza
esquecido pelas pessoas que o visitaram. Já estive em muitas
cidades mais belas que Veneza, mas quase não me recordo
dos dias que passei nelas, tudo já está devidamente
arquivado em meu esquecimento, porém com Veneza tudo é
diferente. Se eu fizer um pequeno esforço mental poderei
lembrar-me de todas as coisas que sucederam em cada uma
de minhas viagens.
— Bem, eu já não chego a esse externo — riu Simon-
Roma. — Suponho que muitas pessoas também têm
recordações inesquecíveis de momentos que foram vividos
em Chicago ou Nova Iorque. Felizmente, Veneza para você
é o lugar ideal, o lugar especial. Só lamento porque esses seu
reino encantado um dia será tragado pelo mar.
— Não. Eu confio no progresso do homem e sei que
dentro de alguns anos será descoberta uma nova técnica que
fará minha Veneza ser flutuante — sorriu Brigitte. — Mas
agora será melhor que eu me prepare para receber nossos
colegas e convidados.
Brigitte abandonou seu trono, atravessou a sala do
palazzo que a CIA tinha mandado alugar especialmente para
sua permanência naquela cidade, ou melhor, enquanto
durasse sua ação na Europa.
Simon a observava, pensando que realmente a agente
mais famosa do mundo era uma mulher sensacional e que há
muito não conhecera outra mais linda, simpática e
inteligente.
A agente entrou no dormitório que tinha uma suíte anexa
e começou a modificar seu aspecto físico, como geralmente
fazia quando estava envolvida em um caso perigoso.
Colocou as lentes de contato verdes, encobrindo a beleza dos
olhos azuis. Rapidamente, prendeu os cabelos negros e
brilhantes, levantando-os e também os escondeu sob uma
peruca loura. Depois introduziu pequenos aros de plástico
nas narinas dilatando-as e lhes dando um aspecto diferente.
Contemplou-se no espelho com um olhar crítico e
pensou:
“Por que Deus dá tanta beleza a uma só mulher e esta tem
que deformar seu visual? Meus colegas não são tolos e
devem imaginar que a tão comentada, criticada e elogiada
Baby jamais poderia ser uma mulher feia como me vejo hoje.
Só gostaria de saber o que vai acontecer algum dia quando
os russos descobrirem que a agente Baby é a jornalista
americana Brigitte Montfort?”
Sim, seria interessante se assistir a reação russa, claro que
não a reação do povo, mas dos dirigentes da KGB. Chega de
complicações, mulher, você já tem muito trabalho
atualmente!...
Acabou de arrumar-se e quando entrava na sala, Obenkov
estava chegando e novamente ficou encantado por rever a
colega.
Cumprimentou-a gentilmente e foi logo avisando:
— Não trago boas notícias. Continuamos investigando,
mas até agora não conseguimos pistas que sejam
interessantes ou que possam nos indicar quais eram as
verdadeiras atividades do chamado Leon Strogoff. As
últimas informações que recebemos, esclareciam que ele
esteve em Atenas.
— E o que ele fez enquanto esteve na Grécia? —
perguntou Baby, sentando-se à sua frente.
— Nada — Obenkov também se sentou olhando para as
pernas bem torneadas da espiã. — Bem, pelo menos ainda
não soubemos o que ele foi fazer na Grécia, estava
hospedado em um hotel modesto e pelas informações que
recebemos, passeava como todos os turistas. Visitava os
velhos monumentos: as ilhas do arquipélago e comia nas
casas típicas. Em resumo, passava os dias ocupado com
atividades desconexas e irritantes que os turistas costumam
ter quando viajam por conta própria e não por uma agência
de viagens.
— Você hoje está parecendo de mau humor — arriscou
Baby.
— Strogoff era ladino e esperto como uma raposa. Nós
dois temos certeza de que ele estava fazendo algo importante
em Atenas, mas o quê? Como se pode descobrir quais eram
suas atividades e por que foi morto de forma tão violenta?
Maldição! Procuramos, procuramos e continuamos tendo
certeza de que estamos rastreando um espião perigoso e
cauteloso que sabia que algum dia alguém ia levantar sua
vida pregressa.
— E você acha que dificilmente vamos encontrar seus
dados, não é?
— Exatamente.
— Bem, não adianta ficar nervoso. Quer tomar um
refresco, uma dose de vodca, uísque ou champanha?
— Você tem champanha? — exclamou o russo.
— Francês e gelado.
— Pois se está gelado e eu posso escolher a bebida que
quero, ficarei com o champanha!
— Certo, camarada — sorriu Baby. — Porém jamais
comente que um dia tomou champanha francês servido por
um dos agentes da CIA.
Instantes mais tarde, um Simon deixava a sala para
apanhar a bebida e Obenkov riu bem-humorado:
— Quem poderia imaginar que em algum dia um agente
da KGB ia ser convidado a um brinde pela princesa da CIA?
E para completar a história, servido gentilmente por um dos
Simons? Ficaria aborrecida se eu contasse esta piada a meus
camaradas?
— Claro que não, desde que vocês também convidem
meus companheiros para um vodca.
— Parece que está bem instalada aqui em Veneza —
falou, mudando de assunto.
— É o que sempre acontece aonde quer que eu chegue.
Meus Simons sempre procuram cercar-me de comodidades,
de cuidados e até de certo luxo. Fazem o impossível para eu
me sentir amada e como em casa.
— Percebe-se isso facilmente — murmurou Obenkov. —
Embora este palácio esteja praticamente desocupado, há um
verdadeiro batalhão de companheiros seus protegendo a
garota da CIA. Posso até dizer que formam uma teia de
aranha a sua volta, não permitindo que nem uma mosca se
aproxime de você.
— Sabe que eu ainda não tinha percebido isso?
Realmente você tem razão porque todos me protegem de
todas as formas — riu Baby.
— E o que conseguiu descobrir sobre o agente Waldo
Crane?
— Mais ou menos o que você conseguiu a respeito de
Leon Strogoff. Com uma única diferença, enquanto um
viajava fazendo viagens de recreio, Waldo Crane não fazia
nada. Ora estava em Nápoles, outras vezes em Capri.
Gostava muito de comer pizzas e spaghetti, de beber bons
vinhos italianos. Adorava dourar-se sob o sol de Capri e
visitar os museus de Nápoles... Bem, como você disse antes,
dedicava-se somente às atividades desconexas e irritantes
que todos os turistas costumam ter. Logicamente, temos feito
o impossível para levantar tudo que se relacione com suas
últimas atuações, mas nada conseguimos até agora.
O agente que fora apanhar a bebida, voltou trazendo
numa bandeja a garrafa num balde de gelo e dois copos.
Baby fez questão de desarrolhá-la e servir champanhe ao
russo que agradeceu com um sorriso.
Em seguida, este comentou ainda sorrindo, mas com voz
grave:
— Pergunto-me como meu Diretório aceitaria a sugestão
para se realizar anualmente uma reunião de espiões de
diferentes serviços, a fim de conversarmos, trocarmos ideias
sobre os trabalhos que tenham sido feitos ou que estejam em
fase de realização e... podaríamos aproveitar o ensejo para
tomar alguns copinhos de vodca, uísque, champanha ou até
mesmo cerveja se algum de nós preferir.
— Converse sobre isso com seus camaradas e eu farei o
mesmo entre meus companheiros, assim que retornar à
Central da CIA em Nova. Iorque.
— Trato feito — riu Obenkov, tomando um sorvo do
champanha, examinando os quadros e estatuetas que
ornavam a sala. — É uma pena, mas enquanto estivermos
aqui nada descobriremos.
Mal sabia Mihail Obenkov que tudo ia acontecer de modo
bem diferente do que estava pensando.
Quase uma hora mais tarde, todos estavam reunidos no
palazzo, com exceção de Helmut Krainer, o agente da BND.
Quando chegou, pareceu surpreso ao encontrar todos eles
bebendo champanha francês em espírito de grande
confraternização, como se os agentes secretos dos vários
países sempre se reunissem para conversar como amigos.
— O que estão celebrando hoje? — perguntou assim que
entrou na sala.
— Nada temos para celebrar — retrucou Baby — mas
nem por isso precisamos ficar aborrecidos, Krainer.
— Então nenhum conseguiu alguma informação positiva?
— Infelizmente, esta é a verdade. Até agora, nada. E
você?
Krainer apanhou o copo que ele tinha servido, bebeu um,
dois, três goles, sorrindo, enquanto dos olhos azuis reluziam
maliciosamente. Todos olhavam para ele com interesse e só
depois de alguns segundos de suspense, o alemão falou:
— Nós conseguimos detectar uma informação sobre meu
companheiro Otto Kruger e essa nos pareceu bastante
interessante. Já comprovamos que ultimamente ele manteve
três entrevistas com um determinado personagem da
Alemanha Oriental.
— Com quem ele manteve contato? — exclamou
Obenkov, curioso.
— Com Ludwig Krapps.
— O fabricante de armas? — quase gritou o russo de
novo.
— Sim, com ele mesmo.
— Isso não é possível!
Todas as pessoas que estavam na sala ficaram olhando
fixamente para Mihail Obenkov que parecia perplexo e
aturdido. Só depois de alguns segundos, pareceu acalmar-se
e se virou para Krainer.
— Perdoe-me a explosão, mas no primeiro momento não
entendi muito bem o que você disse... Embora não tenhamos
descoberto o que é, nos todos sabemos que algo muito
excepcional está acontecendo no mundo da espionagem. Não
determinamos ainda o que seja, mas reconhecemos que não é
o usual, que é algo diferente. Porca miséria! O que poderia
interessar a Ludwig Krapps e Otto Kruger?
— Isso ainda não sabemos.
— Alguém deveria ir falar com o senhor Krapps —
sugeriu Delpierre. — Talvez ele nos pudesse informar
alguma coisa... Ou será que já desapareceu também?
— Não, ele não desapareceu e nós já o localizamos —
garantiu Krainer.
— Onde?
— Aqui mesmo na Itália. Em local bem próximo de
Veneza. Está hospedado em uma vila maravilhosa na
localidade costeira de Rimini.
— Rimini? — interveio Simon-Roma. — É uma cidade
turística que se situa ao sul de Veneza, apenas cento e
cinquenta quilômetros de distância.
— E está no Adriático — disse Baby.
— Sim.
Houve uma troca geral de olhares e finalmente, Prentiss
perguntou:
— E quem é o dono da vila onde Krapps está hospedado?
— Também não sabemos. Por ora, só se conseguiu apurar
que a propriedade foi alugada por uma empresa que presta
serviços psicológicos, chamada “Paradiso”.
— Paradiso, Paradise, Paraíso — murmurou Baby. — Já
sabem quais serviços psicológicos são prestados na citada
empresa?
— Isso também estamos procurando descobrir. Creio que
as investigações ficariam mais fáceis se pudéssemos contar
com a ajuda dos italianos.
— Tenho um bom amigo no “Servizio Segreto” e
possivelmente, alguns de vocês também são amigos de
Giulio Sotoleone.
Um murmúrio coletivo correu pela sala, prova que o
signore Sotoleone não era um insignificante desconhecido
dentro da profissão de espionagem.
Baby gastou alguns segundos observando aqueles homens
e no final, levantou as mãos, pedindo â atenção de todos.
— Amigos, estive pensando e sei que todos nós reunidos
podemos montar uma rede de espionagem, uma rede de
informações em torno da vila onde se encontra Ludwig
Krapps e a empresa “Paradiso”. Porém enquanto a
investigação for sendo realizada... utilizaremos nossos
serviços com discrição máxima. Não podemos permanecer
inativos e temos de agir com alguma rapidez. Concordam
comigo? — perguntou Baby com entusiasmo.
— Pode ter certeza de que todos nós aguardamos suas
sugestões — respondeu o sempre perspicaz Edward H.
Prentiss.
— Muito obrigada. Espero que todos concordem com o
senhor Prentiss, ou há alguém pensando de forma contrária?
— Somente um ignorante ou um imbecil se negaria a
escutar as sugestões da agente Baby em questões de
espionagem. E tem mais, sei que nesta reunião não há
nenhum imbecil, portanto...
Delpierre calou-se e todos continuaram mudos,
aguardando as instruções.
***
A vila em questão não ficava exatamente em Rimini, isto
é, dentro daquela localidade, mas um pouco mais para o sul,
quase na metade do caminho para Miramare. Era uma
propriedade maravilhosa que ficava a poucos metros da
praia.
Cercada por grades de ferro e com um jardim muito bem
cuidado, onde predominavam os pinheiros e os castanheiros.
Certamente a vila por sua localização, construção e
tratamento não poderia ter sido alugada por qualquer
pobretão.
Isso, no entanto, era uma coisa que já não surpreendia a
agente Baby que há muito tempo sabia que o Mal sempre
tem um manancial de recursos para se impor à Vida e nas
vidas das pessoas normais. Um paradoxo comum que existia
na Vida: Um país de riquezas modestas geralmente nunca
tinha recursos para construir hospitais ou escolas, mas
sempre os tinha e em abundância, para comprar uma frota de
aviões de combate por milhares de dólares, a fim de
fortificar a “proteção militar do país”.
Por todos os céus, que proteção era essa? Que proteção
podia existir para um país que se endividava para comprar
uma frota de aviões antigos e obsoletos dos Estados Unidos,
mesmo sabendo que os Estados Unidos poderiam atacá-los
com suas esquadrilhas moderníssimas? Qual dos dois
poderia ganhar essa guerra? A resposta era óbvia. Aquele
que estivesse mais bem aparelhado para atacar e se defender.
Bem que falavam que o mundo era dos espertos e
infelizes dos tolos que se endividavam para dar mais renome
aos países ricos, como os Estados Unidos e a Rússia.
Pensava nisso tudo enquanto se preparava para fazer
exatamente o que tinha combinado na reunião regada a
champanha.
Iria vigiar a vila pessoalmente para ver o que descobria
sobre o fabricante de armas da Alemanha Ocidental, Ludwig
Krapps que segundo as informações de Helmut Krainer,
devia estar hospedado no “Paradiso”.
Horas mais tarde, aproximava-se da vila, não com o
intuito de somente vigiá-la. Primeiro, encontrava-se naquela
localidade porque os colegas internacionais, depois de muito
falatório, tinham chegado à conclusão que dentre todos, era a
agente Baby quem poderia aproximar-se do “Paradiso” e
saber o que estava acontecendo em seu interior, chamando
menos a atenção dos guardas e vigilantes.
Por causa dessa decisão coletiva, a senhorita Delamare
viajava em um carro creme, modelo esporte, trazendo como
bagagem somente a maleta de mão que a acompanhava
sempre e os binóculos que lhe eram úteis quando efetuava
uma viagem de reconhecimento.
Depois passou horas a fio em seu posto de vigilância,
pensando qual pretexto poderia usar para ter um motivo que
lhe pudesse facilitar um contato direto com alguém que a
ajudasse transpor os portões de ferro da vila.
Porém, as horas continuavam passando lentamente, a
tarde já estava chegando ao fim e ela somente tinha visto
dois carros escuros que entraram e saíram pouco depois.
Ambos com vidros enfumaçados que não permitiam ver seus
interiores. Também vira os homens armados que policiavam
o jardim durante todo o dia e essa ostentação demonstrava
que os donos do “Paradiso” não gostavam de visitas
inesperadas.
Os pensamentos foram cortados quando ouviu a chamada
do rádio. Atendeu-o rapidamente e escutou a voz de Simon-
Roma.
— Olá! Sou Simon. Como vão as coisas por...
— Chatas a mais não poder. Há momentos que tenho
vontade de soltar tudo e dar umas voltas por San Marino que
fica somente a vinte quilômetros daqui.
— É? O que andou fazendo em San Marino, hem?
Brigitte Montfort ficou calada com os olhos perdidos no
vazio. O que ela perdera em San Marino? Nada... ou tudo,
exceto as lembranças inesquecíveis. Lembranças de sua
primeira missão verdadeira como agente da CIA...
lembranças do dia quando foi recrutada por seu tio Charlie2.
Santo Deus, quantas coisas havia perdido em San Marino!
Lá havia arriscado sua vida, havia conhecido o “Fantasma” e
acabou resolvendo um caso de difícil solução!
— Você não está me ouvindo? — a voz de Simon parecia
ansiosa.
— Sim... Perdoe-me, eu estava pensando nas coisas que
aconteceram em San Marino, mas elas agora não são mais
importantes. Tal como eu dizia, por aqui tudo está muito
monótono. Não me surge uma oportunidade para um contato
e francamente, acho que não teria jeito de entrar em uma vila
luxuosa como a que vejo neste instante, apresentando-me
como vendedora de enciclopédias, seguros de vida ou de
automóveis... Estes artifícios já estão muito manjados e
cansativos. Já souberam de mais alguma coisa depois que me
afastei de Veneza?
— Sim. A placa de um dos carros que você nos passou
está registrada em nome de Santos Sanpedro e parece que o
tipo reside em Roma.
— Porém seu nome nada tem de italiano...
— Claro, nem podia. Ele é boliviano.
— Por Deus, não! — protestou Baby.
— O que está acontecendo?
— Só espero que não estejamos interessados em um caso
de tráfico de drogas! Só em pensar nesta possibilidade já
sinto nojo de tudo!
— Compreendo seu ponto de vista. Essa história de
tráfico das drogas sul-americanas realmente é uma grande
sujeira!
— Exatamente. O que descobriram sobre Sanpedro?

2
Ver aventura número 18: Um Caso Italiano
— Apenas que é o proprietário de um dos carros
mencionados por você. Tem gente rastreando-o todas as
horas, mas desde já posso adiantar que o trabalho não será
fácil. Agora se o proprietário está na vila, seu carro deve
estar na garagem. Parece que esses homens sabem esconder
todas suas atividades.
— Sei disso.
— Creio que você devia descansar. Por que não vai
passar algumas horas no chalé que alugamos próximo daqui?
Distribuirei mais homens pela zona e se eles desconfiarem
de algo, poderão chamá-la.
— Acho que vou aceitar sua sugestão porque estou muito
cansada, Simon. O que sabemos de nossos colegas
internacionais?
— Helmut Krainer está com um mau gênio que ninguém
suporta. O pessoal da BND parece que está fazendo
investigações somente na Alemanha Ocidental, tentando
localizar Ludwig Krapps. Parece que ele está dirigindo a
desativação de uma fábrica de armas.
Baby ficou atônita e levou alguns segundos calada e
finalmente murmurou:
— Está desativando uma fábrica de material bélico? Por
quê?
— Não sabemos ainda.
— E por quê Krainer ficou aborrecido quando soube?
— Ele está desconfiado que talvez Krapps queira
transferir a fábrica para a União Soviética.
— Transferir uma fábrica de armas como a de Krapps
para a União Soviética? — repetiu, sem ter saído de seu
assombro. — Isso é algo impossível, Simon! Sejamos
sensatos, por que a União Soviética ia querer uma fábrica
como a de Krapps que praticamente não acompanhou o
progresso da década e tornou-se obsoleta, antiquada...
démodée, como diria o nosso colega Delpierre? E
encarando-se o caso por um outro ângulo, Krainer não devia
importar-se com a mudança da fábrica Krapps porque tanto
pode estar na Alemanha Oriental, como na União Soviética,
sempre continuará fora de seu país.
— Krainer nesse ponto já raciocina de forma diferente.
Para ele uma fábrica na Alemanha Oriental está dentro de
seu país.
— Sim, os alemães esperam unificar as duas Alemanhas
e... Simon, espere um instante! Um carro que eu ainda não
tinha visto está saindo da vila.
— Pode ver a chapa?
— Não. Estou muito longe... Espere, talvez com os
binóculos eu distinga os números. Acho melhor cortarmos a
ligação. Eu o chamarei dentro de minutos.
— Ok.
Baby desligou e fechou o rádio. Depois apanhou os
binóculos e enfocou-os para o automóvel que acabara de
transpor os portões da vila. Os vidros deste veículo não eram
enfumaçados e ela pôde ver os passageiros do mesmo. Tanto
o motorista, como outro homem que estavam sentados em
seu interior eram negros, como azeviche. Olhou o número da
chapa e acionou o pequeno rádio imediatamente.
— Sim? — respondeu Simon-Roma.
— Vou seguir o carro. É bom enviar mais gente para
vigiar a vila. Que nossos companheiros se mantenham
atentos porque já está começando anoitecer e talvez
comecem acontecer algumas coisas... Tome nota do número
da chapa.
— Pode dizer.
Brigitte disse os números com rapidez e ligou o motor do
carro. Precisava andar depressa porque o outro veículo
estava quase alcançando a estrada.
— Simon, o carro e um “Mercedes” escuro... Eu diria que
é de aluguel... Vou desligar, mas o chamarei a qualquer
momento.
Continuou atrás do “Mercedes” mantendo certa distância.
Minutos mais tarde, chegaram à estrada costeira, mas não
seguiram por ela, quando alcançaram o primeiro desvio,
embrenharam-se neste, que corria paralelo à estrada que
beirava a orla marítima.
De repente, Brigitte Montfort teve certeza do que estava
acontecendo e chegou a falar em voz alta:
— Eles não vão para Rimini! Dirigem-se para o
aeroporto!
Começava a acionar o rádio para novamente comunicar-
se com o Simon-Roma, pois o chefe local da CIA precisava
saber de tudo que estava acontecendo, para tomar as
providências necessárias.
Era preciso que alguém seguisse aqueles negros e... outro
carro apareceu saindo de um arvoredo copado e novamente
ela previu o que iria acontecer dentro de poucos segundos.
CAPÍTULO TERCEIRO
Signore Gentile

Assim que viu o “Fiat” azul-escuro aparecer, Baby


compreendeu que a ação havia começado.
Que o carro estivera escondido sob o arvoredo, somente
aguardando o aparecimento do “Mercedes”... salvo se tudo
não passasse de uma casualidade.
Mas não era uma casualidade e nem tampouco o “Fiat”
tinha aparecido trepidando no terreno irregular por uma
simples coincidência. Aos solavancos, continuou pelo
caminho até ficar próximo do “Mercedes”. Parou
repentinamente e a vidraça da porta direita dianteira desceu
impulsionada pelo controle remoto que fora acionado pelo
motorista.
A espiã americana previu o que ia acontecer antes dos
fatos acontecerem.
O coração de Baby chegou a ficar mais acelerado quando
do interior do “Fiat” surgiu um resplendor que varou o ar e
quase simultaneamente o “Mercedes” explodiu sob o
impacto da granada. As labaredas envolveram o veículo,
enquanto partes do carro eram lançadas a metros de
distância, para em seguida, a carroceria do mesmo acabar
dando uma reviravolta no ar, e cair de rodas para cima.
Milagrosamente o motorista negro conseguiu sair do
interior do carro esfacelado, deixou-se cair no chão e
começou a rastejar apressadamente, procurando afastar-se do
que sobrara do “Mercedes” que se convertera em um
pequeno inferno... cercado de chamas por todos os lados.
O que aconteceu a seguir foi deslumbrante e alucinante
ao mesmo tempo. Dispararam outra granada do interior do
“Fiat” e o negro que procurava safar-se daquele calamidade
também explodiu pelos ares, esparramando pedaços do corpo
em várias direções e a muitos metros de distância.
Um homem desceu rapidamente do “Fiat” portando um
rifle e cautelosamente, aproximou-se do “Mercedes” que
agora estava transformado em uma bola de sucata. Procurou
espiar o seu interior para ver se não tinha alguém ainda com
vida, estava tão interessado no carro que explodira que nem
reparou que havia outro estacionado a certa distância entre
alguns pinheiros.
Este carro era pequeno, modelo esporte e de cor creme;
nem tampouco se deu conta que uma mulher loura e linda
estava parada a poucos metros de distância, apontando-o
com uma pistola pequena provida de silenciador.
Somente se apercebeu de sua presença quando sentiu no
ventre a picada do chumbo. Soltou um grito que na realidade
era mais de surpresa que de dor. Caiu sentado e com olhar
perplexo começou a vasculhar a escuridão, mas seus olhos só
encontravam a fumaça densa que se espalhava por entre as
árvores.
De início, não entendeu nada, mas de repente,
compreendeu que alguém o tinha ferido com uma arma
provida de silenciador.
Porca miséria! Quem o poderia ter ferido? Levantou-se
com dificuldade, apertando o ventre ferido com a mão
esquerda, enquanto com a direita segurava o rifle com força.
Respirou fundo sentindo-se com mais segurança e foi
naquele momento que escutou perfeitamente o zumbido de
uma outra bala perfurando o ar. Tentou afastar-se dali com
urgência, começou-a correr para o local onde tinha deixado o
“Fiat”. Podia ficar descansado, calmo porque os dois negros
que usavam o “Mercedes” estavam mortos e incinerados.
Porém quando estava a quinze metros mais ou menos, de
distância do “Fiat” sentiu um frêmito de ódio bulir com todo
seu sangue ao ver os quatro pneus completamente rasgados.
Não perdeu tempo para verificar o que havia acontecido
realmente. Só sabia que o “Fiat” não estava em condições de
ser usado e agora não podia utilizá-lo na fuga. Começou a
correr, procurando afastar-se e tentando descobrir um
esconderijo que o protegesse de seus agressores.
Quase em seguida, sentiu mais uma picada de chumbo na
perna, a dor foi tão intensa que ele chegou a se ajoelhar no
chão. Gemia alto e escutava o crepitar do incêndio que
continuava violento. Agora o “Mercedes” não tinha mais
forma de nada e as chamas aumentaram de volume quando o
depósito de gasolina explodiu.
O homem se levantou com muito esforço e começou a
correr de novo, procurando, afastar-se do inferno que ele
próprio criara e nele devia esconder-se alguém que pensava
liquidá-lo. Não sabia quem era, mas não ia entregar-se de
mãos beijadas. Sua respiração começou a ficar ofegante e
piorou no instante em que percebeu que estava desarmado. O
rifle ficara no chão onde caíra e o revólver estava no porta-
luvas do carro. Maldizia a sorte com uma série de palavrões,
mas as pernas continuavam correndo, embora o ferimento do
ventre agora sangrasse abundantemente e as dores se
tornassem insuportáveis.
Não soube quanto tempo esteve correndo por entre o
pinheiral e nem soube que perdera os sentidos.
Simplesmente percebeu isso quando abriu os olhos e viu que
estava deitado de bruços no solo. O silêncio à sua volta era
sepulcral e muito ao longe, escutava as buzinas e o rumor
característico da rodovia que corria junto à costa marítima.
Bem, estava perto dela, mas não sabia precisar exatamente
onde se encontrava.
De repente, ouviu o ronco do motor de um carro que se
aproximava. Levantou a cabeça e viu um automóvel creme,
modelo esporte saindo de sob os pinheiros, e, por
coincidência, parou bem perto de onde estava. Assustou-se,
abaixou a cabeça rapidamente e permaneceu imóvel. Tinha
certeza de que seus assassinos o haviam localizado.
Para convencer-se disso, levantou a cabeça lentamente e
foi então que viu uma mulher loura e linda saindo do carro e
se afastando deste. Começou a caminhar precisamente na
direção dele. Reparou que ela olhava para todos os lados,
embora não parecesse preocupada em encontrar, alguém.
Pelo contrário, dava a impressão de ter medo que alguém
que estivesse pelas redondezas pudesse vê-la. Continuou se
aproximando até ficar uns seis ou sete metros de distância,
mas não reparou no ferido que estava estendido no solo e foi
então que aquela garota sensacional fez algo que deixou o
homem estupefato. Levantou a saia, abaixou as calcinhas de
renda, acocorou-se e começou a urinar.
O ferido não saía do estado de estupor, assistindo aquela
cena insólita.
Depois ela se levantou, suspendeu as calças e foi então
que tudo aconteceu. Quando ia abaixar a saia seus olhos se
chocaram com os olhos alarmados do ferido que a fitavam
com surpresa. Ela também ficou surpreendida. Abaixou a
saia e o fitou com raiva.
— Porco! — exclamou.
Deu-lhe as costas e começou a caminhar para o carro,
gingando o corpo de forma alucinante.
Ele pensou que a ragazza era uma mulher e tanto, bela,
elegante, um tipo que homem algum poderia pôr defeito.
— Prego! — murmurou o ferido. — Prego, signorina!
Ela voltou-se rapidamente e o fitou com ar aborrecido. Só
então se deu conta que ele tinha uma mão estendida, como
pedindo ajuda e que essa mão estava manchada de sangue. O
olhar da moça se modificou, parecia assustada. Depois,
chegou mais perto do ferido que estava com as feições
crispadas pela dor.
Parou a uns cinco ou seis passos dele e o continuou
olhando com um olhar atemorizado e desconfiado ao mesmo
tempo.
— Por favor — insistiu o ferido. — Não tenha medo
porque eu não lhe causarei mal... me ajude-me, por favor!
— O que quer de mim?
— Estou ferido e preciso de sua misericórdia.
Ela continuava olhando a sua volta com alguma
desconfiança, mas o local aparentava calma.
— Não sei se deva... — respondeu com voz vacilante. —
Não quero me meter em dificuldades... também não posso
deixá-lo abandonado no estado em que está.
Deu mais alguns passos na direção do ferido e se inclinou
sobre este para ajudá-lo levantar-se. O assassino a abraçou
pela cintura, respirando com esforço e com o queixo apontou
para o carro esporte que estava a poucos metros deles.
— Ajude-me andar até aquele carro... Temos de nos
afastar daqui imediatamente!
A moça acabou concordando e ajudou o ferido a
caminhar. Pararam perto do carro creme e ela o acomodou
no banco da frente, ao lado do volante. Depois também se
sentou, ligou o motor e arrancou.
Depois de rodar alguns metros, virou-se para falar alguma
coisa ao homem que estava sentado a seu lado e ficou de
boca aberta, sentindo-se irritadíssima ao ver que o sujeito
desmaiara.
Quase em seguida, a expressão da loura se modificou
completamente. Ela sorriu irônica e disse em voz alta:
— Espere para ver o que vai acontecer, amiguinho. Ainda
não descobri qual é o jogo que você joga, mas a partir de
agora, você vai jogar comigo... Ou melhor falando: Sou eu
quem vai jogar com você.
Certamente, havia planejado tudo com muito cuidado
desde o instante em que viu o assassino. Primeiro,
arrebentou os pneus do carro à balaços e depois rasgou-os.
Em seguida, aproximou-se propositalmente. Armara aquela
encenação sui-generis somente para ter um meio de se
aproximar sem levantar suspeitas. Precisava arranjar um jeito
para entrar em contato com o pessoal do “Paradiso”.
Sabia que tudo ia ser difícil, mas agora já tinha o
assassino dos negros em seu poder. Certamente todos eles
eram partes atuantes do jogo, porém a partida precisava
continuar.
***
O homem abriu os olhos, olhou para todos os lados
primeiro com surpresa e quando viu a loura perguntou com
voz sonolenta:
— Onde estamos?
— Acabamos de chegar à minha casa. Bem, esta não é
minha casa, a casa onde moro realmente, é um chalé que
aluguei para passar as férias em Rimini. Eu pensava levá-lo
para lá, mas este chalé estava mais perto e eu achei que seria
melhor você não perder mais sangue. Por isso, vou colocá-lo
na cama e mandarei chamar um médico.
O homem desviou os olhos e a fitou com certa apreensão.
— Você está sozinha no chalé?
— Sim. Aqui é meu centro de operações.
— Que operações?
— Sempre gostei de ter um lugar tranquilo para receber
meus amigos simpáticos.
Ele assentiu e continuou contemplando o chalé que estava
um pouco mais adiante. Parecia pequeno, mas seu aspecto
era acolhedor, situado no meio de um amplo jardim florido
que por sua vez, era cercado de pinheiros frondosos cujas
folhas farfalhavam sob qualquer lufada de vento.
— Você tem telefone? — perguntou com voz bem
enfraquecida.
— Claro. Como eu poderia me arranjar se não tivesse um
telefone a minha disposição? Sem este eu não poderia
trabalhar. Escute, você está mal e necessita...
— Não se preocupe comigo, eu sempre reajo muito bem.
— Desconfio que esteja complicando minha vida —
resmungou a loura.
— Talvez um pouco — concordou o ferido, — mas às
vezes, vale a pena.
Ela o fitou com certo ceticismo. Em seguida, o ajudou a
sair do carro e andar até a porta do chalé. Abriu-a e ambos
entraram. A loura acendeu a luz e ele notou que estavam no
vestíbulo diminuto que ia dar ou na sala de jantar ou no
corredor que o ligava ao interior da casa.
Ela fez menção de continuar pelo corredor, mas o
assassino segurou seu braço e apontou para a porta que
desembocava na sala de jantar.
— É ali que está seu telefone? — perguntou.
— Sim, mas agora você está precisando de cuidados
médicos...
— Eu já disse para não se preocupar comigo... Leve-me
até o telefone.
— Não faça isso, está prestes a desmaiar.
Realmente, ele estava lívido e gotas de suor lhe escorriam
pelo rosto, mas perecia estar aguentando bem. As balas da
pistola de Baby eram pequeninas, mas um tiro no estômago é
sempre um tiro no estômago.
Entraram na sala. Ela acendeu a luz e o levou até a
poltrona que estava ao lado da mesinha de centro e era sobre
esta que estava o telefone.
— Quer que eu ligue ou fale com alguém para dar
notícias suas?
— Não. Acho que seria bom tirar o carro da frente da
casa.
— Compreendo — respondeu de cenho fechado.
Saiu da sala rapidamente e quando chegou ao vestíbulo,
desligou a peça de conexão do telefone, puxando um de seus
fios com muito cuidado. Simultaneamente ouviu o ruído do
fone ser levantado do aparelho.
Baby sorriu, saiu do chalé, precisava pôr o carro na
garage e também certificar-se de que ninguém os estava
espiando.
Depois apanhou o rádio e fez a chamada.
— Sim? — respondeu Simon em seguida.
— Tranquilize-se porque tudo está sob controle —
avisou. — Um dos assassinos está aqui no chalé e é meu
“convidado”.
Contou resumidamente tudo que tinha acontecido e
quando terminou, Simon falou com muita firmeza:
— Vou mandar alguns rapazes para aí e eles se ocuparão
desse tipo.
— Nada disso. Quero manejá-lo de meu jeito.
— Escute uma coisa, esse sujeito é um assassino perigoso
e...
— Ninguém precisa ensinar-me o que devo fazer para
tratar de tipos como ele — retrucou a loura. — Pode ficar
tranquilo porque sei tratá-los muito bem. E se for preciso
também sei matá-los, Simon. Você só deve se interessar
pelos negros assassinados. Quero saber quem eram, o que
faziam aqui, quais as possíveis conexões entre eles e os
ocupantes da vila ou dessa empresa chamada “Paradiso”...
Procure levantar estes dados e mantenha a vila sob
vigilância. Eu continuarei me comunicando com você
sempre que tiver necessidade. Se for possível, que um dos
nossos sempre esteja de plantão junto ao rádio. Entendido?
— Certo.
— E não me ligue de forma alguma, salvo em caso de
grande emergência ou se algum dos nossos colegas
conseguir uma informação muito interessante. Entendeu?
— Sim. E o que devo fazer se eles perguntarem por você?
— Diga-lhes apenas a verdade e nada mais do que a
verdade. Combinamos jogar limpo, não foi?
— Combinar, combinamos, mas eu não creio que todos
estejam fazendo o mesmo jogo, Baby.
— Nem eu, mas como combinamos ser fiéis... Apenas
não lhes diga onde está localizado o chalé. Isso é tudo.
Cortou a comunicação, passou alguns segundos olhando
para o rádio e em seguida, olhou para sua maleta de mão.
Depois, retirou a pistolinha encastoada de madrepérola que
levava presa à coxa com tiras de esparadrapo cor de carne.
Depois colocou a maleta sob o banco dianteiro do carro e
prendeu a pistola na parte lateral do mesmo, de modo que
não pudesse ser vista, caso alguém se aproximasse do
veículo.
Depois prendeu o rádio no elástico da calcinha. Fechou o
carro e voltou para a casa.
Quando entrou na sala de jantar o assassino estava mais
pálido ainda e com a camisa empapada de suor; seu olhar
estava turvo e parecia prestes a desmaiar.
Ela se aproximou dele sorrindo e perguntou:
— Então como se sente?
— Este telefone filho da mãe não está funcionando! —
reclamou:
Ela olhou para o aparelho com incredulidade, levantou o
fone, levou-o ao ouvido e confirmou:
— É verdade... Deve estar com algum defeito. Diabo!
Como posso falar com meus amiguinhos? E você está
precisando de médico, acho bom a gente ir logo para Rimini,
lá...
— Não, não quero sair daqui e nem quero que me deixe
sozinho!
— Se eu ficar aqui com você, serei menos útil do que se
fosse buscar ajuda. E o que pode acontecer se você morrer
aqui? Sou uma pessoa que não tolera complicações e vim a
Rimini para me divertir e ganhar dinheiro. Não desejo
aborrecer-me com a polícia e nem com ninguém... Eu devia
tê-lo deixado no mesmo lugar onde o encontrei.
— Eu... posso lhe dar muito dinheiro — murmurou o
ferido. — Muito dinheiro!
— O que você considera muito dinheiro?
— Posso dar-lhe... dez mil dólares se me ajudar.
— Dez mil dólares! — exclamou a loura ironicamente.
— Claro, meu amigo, por dez mil dólares eu faço qualquer
coisa, pois não os ganharia nem trabalhando como uma
moura durante todo o mês, sabe? Porém, cada vez estou
gostando menos deste assunto. Estou pressentindo que me
vou envolver com embrulhadas grossas e eu não suporto
que...
Calou-se. O ferido tinha desmaiado de novo.
***
— Que tal? Como está se sentindo, senhor Gentile?
O ferido fez um esforço e conseguiu pousar os olhos no
rosto da loura que estava a sua frente.
— Não sei...
— Claro que se encontra melhor — riu a loura,
mostrando-lhe o que tinha na palma da mão. — Veja, eu
extraí duas balas de seu corpo.
A da perna foi mais fácil, mas para tirar a que estava
entranhada em suas tripas me deu um trabalho danado. Cada
vez estou gostando menos de todo este assunto. Escute-me
com atenção porque vou lhe falar com toda a sinceridade.
Deveríamos fazer alguma coisa para os ferimentos não
infeccionarem, porque então...
O ferido voltou a desmaiar.
A loura soltou uma gargalhada e explodiu:
— Amiguinho, parece que você não está nada bem, mas
juro como não merece nada melhor!
Olhou o relógio-pulseira, passavam das onze da noite,
mas mesmo assim dispunha de várias horas para ir
manipulando o ferido. Não tinha intenção de apertá-lo em
demasia, salvo se ocorresse alguma coisa na vila que fosse
mais decisivo ou revelador, ia continuar cuidando dele para
ver se conseguia obter alguma informação importante, sem
forçá-lo.
Colocou-o na cama com uma facilidade incrível que
poderia surpreender a muita gente. Depois saiu do quarto e
foi à cozinha, onde preparou alguns sanduíches. Em seguida,
abriu a geladeira e apanhou uma garrafa de champanha.
Desarrolhou-a e derramou a bebida em um copo. Começou a
tomá-la lentamente, enquanto ia mastigando os sanduíches.
Às doze e um minuto chamou Simon-Roma.
— Tenho notícias muito interessantes — disse o chefe da
CIA na Itália. — Uma delas, já posso contar com a
colaboração de Giulio Sotoleone. A outra novidade me foi
fornecida pelo próprio Sotoleone. Adivinhe quem eram os
dois negros que seu “convidado” matou? Sabe quem eles
eram?
— Tive a impressão que um deles era uma pessoa
importante e que o outro era seu motorista, a julgar pela
atitude de ambos. Vamos, Simon, pare com tantos rodeios e
me conte quem eles eram, logo de uma vez.
— O general Aliko Unga e seu motorista particular que
na realidade também era o guarda-costas que sempre o
acompanhava!
— O general Aliko Unga? Você está falando do Chefe do
Estado-Maior do Exército da Costa do Marfim?
— Exatamente. Mas as novidades ainda não terminaram,
por acaso o nome de Ferenc Slozac lhe parece familiar?
— Ferenc Slozac... Não, creio que não.
— É um sujeito que esteve gozando de umas férias em
Capri, mais ou menos na mesma época em que nosso
companheiro Waldo Crane aproveitava as belezas da Itália,
visitando as cidades Nápoles-Capri e Capri-Nápoles. Agora
adivinhe qual é a atividade do senhor Slozac?
— Não vai me dizer que é um fabricante de armas?
— Bem, eu não diria dessa forma porque por ora, ele é
somente o diretor de uma importante fábrica de armamento
convencional da Tchecoslováquia.
— Sendo assim, já há dois comerciantes de armas no
caso: Ludwig Krapps e Ferenc Slozac... Você já fez algum
comentário sobre isso com nossos colegas?
— Não. Resolvi que você devia ser a primeira a tomar
conhecimento desse pormenor.
— Muito bem, mas agora passe a informação o mais
rapidamente possível a todos os outros. Talvez esta notícia
possa simplificar as coisas. Calculo que quando os russos, os
franceses e os ingleses receberem esta informação, poderão
encaminhar suas sindicâncias com mais facilidade. Eu nem
me surpreenderia se algum deles encontrasse alguma pista
que viesse confirmar que seus colegas assassinados também
tiveram contato com outros fabricantes de armas, tanto faz
fosse na China, Estados Unidos, Rússia ou França.
— Então, você tem quase certeza que esse tal de
Sanpedro, o boliviano, está realmente negociando com
fabricantes de armas, de um lado, e, pelo outro, recebe
visitas de personalidades como era o general Aliko Unga? A
que conclusões você chegou?
— Eu diria que Santos Sanpedro é um intermediário na
compra e venda de armas, mas agora gostaria de saber em
qual dos dois times joga o meu convidado. E outra coisa,
Simon, creio que seria interessante que entre nós e nossos
colegas houvesse comentários abertos a respeito do que está
acontecendo na Tchecoslováquia e com a fábrica de armas
que é dirigida por esse tal de Ferenc Slozac.
Houve alguns segundos de silêncio e finalmente. Simon-
Roma comentou:
— Está pensando que essa fábrica está sendo desativada
como a de Krapps?
— Acredita que eu falei algum disparate, Simon?
— Não. Mas por todos os santos, isso poderia significar
que o boliviano não está comprando armas, mas sim fábricas
de armas.
— É uma ideia que merece estudos e ponderações. A
pergunta então seria: Onde vão ser reinstaladas essas duas
fábricas de armas que foram desativadas na Alemanha
Oriental e na Tchecoslováquia, fora as outras que nos são
desconhecidas?
— Na Costa do Marfim? — quase gritou Simon-Roma.
— Por que tanto espanto?
— Isso seria uma operação muitíssimo importante, de
envergadura colossal! E não pode ser uma operação sem um
propósito definido! Baby, você é maquiavélica!
— Talvez não tanto como você me imagina porque posso
estar equivocada — respondeu a agente mais famosa da CIA
por suas intuições.
— Simon, vocês prossigam com as investigações, mas,
por favor, com muita discrição. Repasse isso a nossos
colegas internacionais.
— Eles vão ficar abestalhados, senão cair de quatro que
nem idiotas quando souberem de suas suspeitas, Baby. Quem
poderia imaginar que alguém fosse se interessar em comprar
uma fábrica inteira de armamento? Tenho vontade de
conhecer esse tal de Santos Sanpedro!
— Tudo chegará a seu tempo, Simon. Enquanto o tempo
não chega, vou continuar manejando meu “convidado” e
talvez eu consiga saber mais algumas coisas, como por
exemplo, quais sãos as pessoas que estão jogando no time do
outro lado.
— Que time é esse? Do que você está falando?
— Estou falando simplesmente das pessoas que
ordenaram o assassinato do general Aliko Unga. Porque uma
coisa ficou bem clara: Aliko Unga fez uma visita a Sanpedro
e logo após ter saído da vila, já no caminho para o aeroporto
foi atacado à granada. Falo porque assisti tudo e isso não lhe
sugere que existe um bando oposto ao general Unga e
portanto também oposto ao boliviano?
Novamente Simon ficou calado por alguns segundos e
finalmente falou:
— Bom, pelo menos não nos estamos envolvendo nessa
imundice que é o tráfico de drogas, mas é bom todos termos
muito cuidado, especialmente você, Baby. Ficarei
aguardando suas instruções. Por favor, tenha muito cuidado
quando estiver com seu “convidado assassino”!
— Simon, ele é quem deve ter cuidado — a espiã riu e
cortou a ligação imediatamente.

CAPÍTULO QUARTO
A nova secretária, do “Paradiso”

— Se ainda quiser telefonar, pode usar o telefone porque


ele já foi consertado.
O ferido estava deitado, a manhã estava começando e ele
mal tinha despertado. Olhou para ela fixamente e disse:
— Lembro-me que você me chamou de senhor Gentile.
Como soube meu nome?
— Os homens sabem que nós, as mulheres, somos muito
curiosas. Eu queria saber quem você era e adivinhe o que
fiz? — comentou com um belo sorriso. — Revistei seus
bolsos e sua carteira. Não se aborreça por causa disso porque
agora já começo a sentir simpatia por você.
— Por mim ou pelos dez mil dólares?
— Bem, quer dizer, os dólares também influíram — riu
ela. — Eu sou Sílvia. Sílvia Delmare.
Sergio Gentile continuou olhando para a loura. Naquela
manhã ela estava lindíssima, bem... na realmente, não estava
“lindíssima” porque era uma mulher bela, maravilhosa.
Que coisa mais engraçada! Até aquele dia nunca havia
percebido a diferença entre o ser e o estar... Uma mulher
bonita enfeita um dia lindo e ensolarado.
— Muito bem — respondeu Gentile, finalmente. —
Ajude-me a caminhar até a sala.
Sílvia Delmare ajudou-o a se levantar da cama e o
amparou até a sala de estar. Gentile agora já estava sentindo
menos dor e não tinha dúvidas que dez mil dólares podem
fazer muitos milagres, inclusive provocar simpatias.
Examinava a mulher com atenção e percebia que ela estava
perfeitamente adaptada às atividades que se dedicava. Era
simpática, agradável, elegante. Era uma prostituta muito bela
que sabia trabalhar independentemente e viver a vida com
sabedoria dentro de sua profissão. A moça era inteligente,
mas tinha um defeito que o molestava profundamente.
Sergio Gentile não suportava mulheres curiosas.
Por isso mesmo, assim que Sílvia o ajudou e o fez sentar-
se na poltrona que estava ao lado do telefone, não titubeou.
Olhou fixamente para ela e reunindo todas as forças que
ainda lhe restavam naquele momento, desferiu um direto em
seu queixo que provocou a queda da abelhuda, mas enquanto
o corpo cambaleava sob o impacto do golpe, ele olhou para
os olhos da mulher que o fitavam com surpresa e teve a
intuição de que nem tudo ia continuar correndo às mil
maravilhas.
Porém nada lhe aconteceu naquele momento. Tudo que
ocorreu estava dentro da lógica. Sílvia recebeu o murro no
queixo, soltou um grunhido de dor, os olhos desorbitaram e
ela caiu sem sentidos. Gentile gastou alguns segundos
olhando para ela, depois se deixou escorregar pelo assento da
poltrona e acabou sentado no chão ao lado da moça.
Revistou-a lentamente, aproveitando para acariciar suas
formas perfeitas, seus seios túrgidos e foi nesse momento,
que os instintos masculinos se ativaram e ele sentiu desejos
de gozar de toda a beleza que estava em suas mãos. A
Natureza tem segredos que podem ser comprometedores... a
ocasião não lhe pareceu muito propícia.
Em Sílvia Delmare não havia nada que pudesse interessá-
lo, salvo a beleza de seu corpo, a rigidez de suas carnes. Não
podia enfraquecer ou ceder a tentação que se apossara dele.
Rapidamente, manietou-a com o cinto que arrancou da
cintura, rasgou seu vestido de alto abaixo e com a fazenda
imobilizou seus pés.
Só depois de fazer isso tudo, aproximou-se do telefone.
Possivelmente, não estaria tão calmo se desconfiasse que
Sílvia Delmare apenas não estava desmaiada e nem
tampouco o golpe de um homem enfraquecido, ou até
mesmo forte, tinha poderes para pô-la em nocaute. E ainda
teria ficado mais inquieto se soubesse que cada vez que
girava o dial do telefone, a senhorita Delmare, com seu
ouvido apuradíssimo, podia determinar qual o algarismo que
ele discava.
O silêncio no chalé era tão grande que ela podia ouvir a
chamada do telefone do outro lado da linha e também pôde
ouvir a voz de quem atendeu:
— Sim? Prego?
— Sou Sérgio. Precisam vir apanhar-me.
— Onde você está? O que aconteceu? Passamos a noite...
— Não há tempo para explicações. Preste atenção, estou
em um chalé solitário cercado por pinheiros, calculo que
entre a autopista e os terrenos marginais, perto do lugar onde
cuidei do africano. Poderão reconhecer o chalé porque nas
proximidades há um carro esporte estacionado, a cor do
veículo é creme.
— Você está bem?
— Estou ferido. Venham apanhar-me imediatamente.
Cortou a ligação. Pôs o fone no aparelho e ficou olhando
a loura que continuava sem sentidos. Novamente se sentou
no chão perto dela, acabou de rasgar o vestido, em seguida
arrancou-lhe as calcinhas de renda e ficou apreciando toda
sua beleza. Agora podia apreciá-la sem reserva... Só tinha
vontade de beijar aquela mulher inteirinha...!
***
Os amigos de Sérgio Gentile levaram mais de uma hora
para chegar ao chalé. O bandido estava novamente sentado
na poltrona quando ouviu o carro chegando, um “BMW”
azul. Aproximou-se da janela sentindo as pernas trôpegas.
Sílvia Delmare continuava jogada no chão e agora o fitava
em silêncio. Já usara vários métodos persuasivos para fazer
com que ele soltasse seus pés e mãos, mas todos resultaram
inúteis diante da teimosia do seu convidado. Também
procurou sondá-lo para ver se descobria o que tinha
acontecido, mas Gentile apenas continuava sorrindo, sem
falar uma palavra e somente se aproximava de vez em
quando para passar a mão por todo seu corpo.
Foi ele quem abriu a porta do chalé e três homens
entraram. Um destes procurou ajudá-lo ao ver que estava
com a perna e o ventre feridos, enquanto os dois outros
foram entrando na casa de armas em punho.
— Não há ninguém mais além da moça — disse o
assassino. — Foi ela quem me recolheu e socorreu depois
que alguém me feriu, logo após a liquidação dos negros.
Todos se encaminharam para a sala, enquanto ele contava
como tudo havia acontecido. Quando chegaram à porta, um
dos sujeitos apontou a arma para Sílvia e disse:
— É bom se acabar com ela também.
— Não, senhor! — exclamou Gentile. — Nada disso,
vamos levá-la conosco.
— Por quê?
— Assim que eu me sentir melhor, quero desforrar-me
das horas de agonia que passei e depois, ela estava bem perto
de onde tudo aconteceu.
— Exatamente por isso, deveríamos matá-la. Sempre
escutei dizer que os mortos não falam.
— Tampouco nos proporcionam prazer — sorriu Gentile.
— Olhe bem para esta loura. É tão linda que talvez até o
“Gordo” vá apreciá-la. É um desperdício matar-se uma
mulher tão bonita quanto Sílvia; raciocine e veja se eu não
tenho razão, Nestor.
— Está bem — concordou este, guardando a arma. — Se
o “Gordo” não gostar do presente que lhe arranjamos,
sempre é tempo de nós resolvermos o que vamos fazer com
ela. Podemos ir em seu carro. Simonetti, você irá dirigindo o
carro que está no alpendre.
Minutos mais tarde, Sílvia era colocada dentro do carro,
ainda com os pés e mãos atados. Naquele instante a senhorita
Delmare partia em rumo do desconhecido.
Pouco depois, quase gritou de alegria quando percebeu
para onde a levavam. Rechaçou a descoberta; esta seria
impossível de acontecer, mas teve de admiti-la dois minutos
mais tarde, e acabou convencendo-se definitivamente,
quando a vila luxuosa de Rimini surgiu na estrada. Era lá que
estava instalado o quartel-general de Santos Sanpedro, o
provável comprador de fábricas de armamento. E mais
certeza teve quando os portões de ferro foram abertos
eletronicamente, os dois carros penetraram na propriedade e
principiaram a percorrer um caminho cheio de curvas. Pouco
depois paravam na frente da casa.
— Fritz, leve Sérgio para o alojamento — disse Nestor ao
motorista silencioso do “BMW”.
— O médico já o deve estar esperando com tudo
preparado para atendê-lo, embora nossa amiguinha tenha
colaborado com ele, inclusive extraindo as balas.
Fritz não disse uma palavra, abriu a poria e ajudou
Gentile a sair do carros Simonetti encostou segundos mais
tarde.
Nestor imediatamente desatou os trapos que estavam
imobilizando os tornozelos de Sílvia Delmare.
— O “Gordo” deve estar na piscina — disse Simonetti.
— Vamos falar com ele agora mesmo — decidiu Nestor.
— Vocês poderiam soltar minhas mãos — pediu a loura.
— Este cinto de couro me está machucando.
Nestor a fitou detidamente por alguns segundos e
murmurou:
— Belezoca, vou ser franco com você. Esta casa está
sendo vigiada por mais de vinte homens, embora nenhuma
deles esteja à vista. Se eu lhes fizer um sinal, eles a
transformarão em picadinho em questão de segundos.
Compreendeu o que estou tentando dizer?
— Creio que sim.
— Muito bem, depois não diga que não foi avisada.
Soltou-lhe as mãos e apontou para a casa que era
simplesmente, maravilhosa. Era grande, ampla, de dois
andares, enfeitada com toldos amarelos e branco em todas as
janelas e sacadas. Estava rodeada de pinheiros altos e
frondosos que exalavam um perfume agradável. Os jardins
que se estendiam pelo terreno a volta estavam repletos de
flores multicoloridas. Sinceramente, algo assim como um
paraíso que... Paraíso? Por acaso aquela vila maravilhosa
fora alugada pela empresa que prestava serviços
psicológicos? Sim, a “Paradiso”? Talvez seu raciocínio não
estivesse certo, mas tudo se encaixava perfeitamente.
Bem, tudo não, havia uma coisa que não se encaixava
com tanta perfeição. Evidentemente, Sergio Gentile era uma
pessoa de casa e também era o assassino dos dois negros
africanos. Aliko Unga, era um africano importante na Costa
do Marfim e estivera na vila como convidado. Até aí tudo
muito compreensível, mas por que Gentile o havia esperado
na estrada, quando ele e seu acompanhante já estivessem
longe da vila? Porque não tinha feito isso ali mesmo sem
maiores complicações?
A resposta parecia simples à senhorita Delmare. Era
impossível fazer coisas semelhantes que possivelmente
pudessem alertar outras pessoas que como o infortunado
Aliko Unga tinham sido convidados à vila. Pessoas que
primeiramente se apresentavam e eram recebidas como
convidadas para tratarem e realizarem certas transações ou
negociações que, forçosamente, deveriam ser aceitas antes
de retornarem as suas terras e pátrias. Aquele que não
aceitasse as propostas oferecidas estava sentenciado à morte
tal como acontecera com o representante africano. Quando
este e seu motorista se afastaram da vila, Sergio Gentile já os
aguardava em um trecho da estrada que forçosamente teriam
de atravessar para chegar ao aeroporto, a fim de apanhar o
avião que os conduziria primeiramente a Roma e chegando à
capital, apanhariam outro que os levaria a seu país de
origem, Costa do Marfim.
O dia já estava ensolarado e o calor começava a apertar.
Um dia lindo que poderia sugerir um paraíso infinito. Nestor
terminou as explanações que estava fazendo e se levantou.
Em seguida, fez um sinal a Sílvia Delmare que também se
aproximou da piscina, sem deixar de observar a cabeça que
agora deslizava para a escada.
O homem proprietário da cabeça começou a aparecer e...
a senhorita Delmare teve a impressão de que seus olhos não
estavam funcionando perfeitamente. O que estava
aparecendo dentro de seu campo visual? A cabeça, que agora
estava vendo de perto, correspondia a um exemplar de ser
humano sem a menor dúvida procedente dos Andes, pela
coloração da pele o pelos traços fisionômicos só podia tratar-
se de um índio andino, inclusive seus cabelos eram lisos e
longos, seus olhos eram pequenos, ligeiramente repuxados,
negros, vivazes. Ele tinha um olhar penetrante e inteligente
que comprovava esta hipótese.
No entanto, o resto era outra coisa.
Era uma monstruosidade.
O corpo daquele homem era redondo, ou melhor, sem
forma de corpo. Porém sua gordura não era balofa, adiposa,
bem ao contrário, suas carnes eram rijas, maciças. Aquele
homem mais parecia uma fortaleza com mais de um metro e
noventa de altura.
Sílvia Delmare havia conhecido muitos indivíduos
realmente excêntricos e esquisitos durante seus longos anos
de espionagem, mas certamente muitos poucos poderiam ser
comparados ao homem que estava parado a sua frente, com o
corpanzil ensopado, completamente nu.
Depois de examinar aquele espécime com atenção, olhou
para ele e o sujeito sorriu-lhe afavelmente.
— Senhorita Delmare, pelo seu tipo deve ser uma
prostituta de luxo — foram suas primeiras palavras. — Ou o
Nestor me deu informações incorretas?
— E o senhor quem é? — perguntou a loura. — Por
acaso é King Kong?
— Evidente que não! — riu o sujeito. — Não sou tão
famoso... por ora! Mas juro como muito próximo o serei,
algum dia que não está longe, todos se esquecerão de King
Kong para somente se lembrarem de Santos Sanpedro.
Silvia Delmare controlou perfeitamente a surpresa que
expressou ao falar.
— Santos Sanpedro? Então... o senhor não é italiano! É,
sua cara demonstra que...
— O que minha cara demonstra? — atalhou o gordo com
rudeza.
— Que o senhor é sul-americano. Talvez andino?
Os olhos do homem agora brilhavam com entusiasmo.
— Perfeito. Começo a reconhecer que é uma pessoa
observadora e que tem alguma cultura. Então, não só é uma
prostituta como disse? Deixou de ser uma bonequinha de
luxo?
— Posso ser uma bonequinha de luxo instruída, ou
discorda? — sorriu Sílvia.
— Bonequinha de luxo instruída — repetiu Santos
Sanpedro. — Certo, por que não? Gostei do termo
“bonequinha de luxo”. É desse modo que a senhorita se
define, crê que realmente seja uma “bonequinha de luxo”
que vive exclusivamente para satisfazer os apetites dos
machos que a procuram?
— Não, claro que não. Não sou tão rude ou vulgar. Eu me
considero, me defino como uma garota encantadora que
presta serviços muito agradáveis, embora também sejam um
bocadinho caros.
Santos Sanpedro começou a rir. Apanhou a toalha que
Nestor lhe estendia e começou a secar o corpanzil disforme,
caminhando para uma das mesas que estavam dispostas junto
à piscina, sempre sorrindo para Sílvia que lhe correspondia
da mesma forma. A loura sentou-se em uma das cadeiras.
Ele acabou de se enxugar, enrolou-se na toalha, talvez para
encobrir um pouco de sua nudez, sem tirar os olhos da
convidada inesperada.
Silvia também o observava, sorrindo. Nunca vira alguém
parecido com Santos Sanpedro. Era um homenzarrão enorme
e devia ter uma força muscular que superava a de dois
gorilas juntos. Só a ideia de ter de enfrentá-lo em uma luta
de morte a deixava meio arrasada. E uma pergunta
continuava martelando em seu cérebro: a inteligência
daquele homem era proporcional a sua força física? Era ele o
administrador de todo o negócio que estava movimentando a
venda e compra das fábricas de armas?
Sanpedro mandou que Nestor fosse buscar refrescos na
copa e se sentou à frente da espiã.
Sim, se observado com atenção, não chegava a ser um
homem feio, até poderia ser considerado como bonito, pois
tinha aquela característica indefinida e viril própria dos
índios andinos.
— O que mais eu gosto na vida são as mulheres
encantadoras — disse Sanpedro. — Bem, para ser sincero
com a “bonequinha de luxo” que me surgiu de repente, o que
mais gosto é de fazer amor e é por isso que sempre tenho um
rebanho de garotas bonitas a minha disposição.
— O senhor não me parece muito delicado.
— Só sei ser delicado e gentil à minha maneira, tal como
está acontecendo agora, neste minuto. Julgo que a senhorita
já ultrapassou um pouco da idade que considero ideal para o
amor. Para mim, uma mulher que tenha vinte e cinco anos já
está velha. Velha demais, entende?
— Neste caso, deve considerar-me uma anciã.
— Exatamente — sorriu Sanpedro. — E como tal,
possivelmente, merece todas as minhas atenções e respeito...
isto se reconhecer que sou mais inteligente que todos esses
idiotas que a trouxeram para cá.
— O que está querendo dizer, Sanpedro?
— Senhorita Delmare, no local onde a senhorita agiu tão
humanitariamente, recolhendo Gentile que estava ferido,
ocorreram certos fatos que podemos considerar como
espetaculares e...
— Está falando do incêndio, não é?
— Mas ou menos. Viu as labaredas grassando, não foi?
— Claro que vi, as chamas estavam avermelhando tudo e
eu pensei que talvez tivesse ocorrido um acidente, mas não
vasculhei a zona para realmente ficar sabendo do que tinha
acontecido. Não tolero complicar minha vida. Nem sei
porque socorri o homem que estava ferido e se esvaindo em
sangue. Se eu tivesse seguido a norma habitual de minha
vida, agora não estaria aqui... Porra! Sou humana e não ia
deixar que um homem morresse por falta de socorros
médicos.
Santos Sanpedro agora nem sequer sorria e seus olhos
perscrutavam a mulher que estava sentada a sua frente.
— A senhorita é de Roma? — perguntou de repente.
— Sim.
— E onde vive em Roma?
— Divido um apartamento com uma amiga em Viale del
Corso.
— O lugar é bonito... Viale del Corso, quem é essa amiga
e onde moram exatamente?
— Não lhe darei meu endereço.
— Não? — surpreendeu-se Sanpedro. — Por que não
quer dizer-me exatamente onde mora em Viale del Corso?
— Não desejo complicar a vida de Antonella.
— Entendo, sua amiga se chama Antonella, mas você não
quer dizer-me nada porque teme complicar a vida de sua
amiga, como já está complicando a sua. Agora diga-me uma
coisa, senhorita Delmare, por que está achando que eu
compliquei sua vida?
— Não gostei de seus amigos, todos andam armados e
têm caras fechadas... também não gostei do modo como
agem. Não simpatizei com eles! Só um pouquinho, mas não
muito. Imagine que um de seus amigos me disse que há mais
de vinte homens à volta da casa e que qualquer um deles
poderia me transformar em picadinho se eu tentar escapar.
Não sei em que embrulhadas me meti, mas desconfio que
não sejam muito boas e nem das que deixam saudades. Se
pelo menos eu tivesse chance de ganhar algum dinheiro!
— Que coisas você sabe fazer para ganhar dinheiro,
“bonequinha de luxo”? Disse-me que só sabe comportar-se
como uma menina encantadora, charmosa que presta
serviços agradáveis, embora caros e não muito acessíveis...
O que pode fazer?
— Não sei... Eu poderia fazer muitas coisas. Sou uma
pessoa louca por dinheiro e por dinheiro faço qualquer coisa.
— Nesse caso talvez até aceitasse fazer amor comigo em
troca de uma quantidade... Como direi, bem mais alta do que
costuma receber. Precisamente hoje, minhas amiguinhas
estão viajando e eu começo a me sentir muito sozinho.
Quanto cobraria para ser bem carinhosa e complacente
comigo?
— Santos Sanpedro, está tentando divertir-se as minhas
custas — falou Silvia por entredentes. — Sei que estou em
suas mãos e que pode fazer comigo o que quiser, portanto
não vejo razão de discutirmos um preço quando não precisa
nem me pagar uma lira.
— Sim, mas você seria mais agradável, mais sedutora se
soubesse que seria recompensada por seus serviços, não é
verdade?
— Lógico que sim! — exclamou Silvia, sorrindo.
O boliviano também sorriu e ainda estava sorrindo
quando Nestor voltou trazendo os refrescos em uma bandeja
que colocou sobre a mesa. Santos colocou o líquido nos
copos e entregou um destes à mulher loura. Depois levantou
o seu, fazendo-lhe um brinde silencioso. Ambos provaram os
refrescos e em seguida, ele se levantou.
— Desculpe-me por um momentinho? — solicitou.
— Claro.
Sanpedro afastou-se da piscina conversando com Nestor
que o escutava atentamente. Afastaram-se alguns metros
antes de se deterem. Se a senhorita Delmare pudesse vê-los
de frente, certamente poderia ler o movimento de seus
lábios, entretanto ambos estavam de costas e assim ficaram
durante todo o tempo da conversa. Só quando já estavam se
separando, Nestor virou-se ligeiramente e Sílvia finalmente
pôde ver seus lábios quando perguntava:
— Então, não vamos matá-la?
Ela teria dado uma fortuna para ver qual fora a resposta
do andino, mas Sanpedro permanecia de costas, mas pôde
imaginar o que ele respondera ao auxiliar quando Nestor
exclamou:
— É, ela é muito formosa e também muito inteligente,
mas nunca precisamos de mulheres inteligentes em nossos
negócios. Contudo, se você acha que ela nos será útil e
agradável, não precisamos continuar conversando. Eu me
ocuparei de tudo.
O andino voltou para perto da piscina, bebeu o resto do
refresco e sorriu para sua prisioneira.
— Você tem algum compromisso especial na vida ou há
alguém que a espera com ansiedade? Você tem necessidade
de retornar a Roma em uma data previamente determinada?
— Não.
— As jovens com quem costumo divertir-me são muito
interessantes somente em um aspecto... creio que você me
compreende. Tirando o sexo, não servem para mais nada. Eu
pensei que talvez você me pudesse fazer companhia em algo
mais complexo do que o sexo. É uma mulher inteligente e eu
simpatizei muitíssimo com você.
— O que eu teria que fazer?
— Simplesmente comportar-se como uma secretaria
complacente que não limita todos seus encantos e
habilidades na cama. Por exemplo, eu adoro uma boa
conversa. Você também gosta de conversar? Quais são seus
temas preferidos?
— Bem... posso conversar sobre vários assuntos, como
música, esporte, arte, sociologia...
— Sociologia? — repetiu Santos Sanpedro. — O que
representa isso para você?
— Representa que eu possuo muita psicologia e sei
conhecer as pessoas praticamente ao primeiro olhar. Por
exemplo, seu amigo Nestor não simpatiza comigo e nem eu
tampouco simpatizo com ele.
— E eu?
— Não sei... Não posso precisar o que é, mas você tem
alguma coisa enigmática que me atrai.
Os olhos negros do boliviano a fitaram demoradamente.
Finalmente, levantou-se e estendeu sua mão enorme a
prisioneira.
— Venha comigo — convidou suavemente. — Vou
mostrar-lhe todos os segredos do “Paradiso”.

CAPÍTULO QUINTO
Planos mirabolantes

Sílvia levantou-se, demonstrando uma certa surpresa e


curiosidade pelas palavras de Sanpedro. Este segurou sua
mão e ambos se afastaram da piscina, embrenhando-se em
um pequeno bosque de pinheiros.
Depois de ter dado alguns passos sob as árvores copadas,
a moça viu dois homens portando submetralhadora,
escondidos atrás dos troncos.
Sem dúvida alguma eram dois dos que perfaziam os vinte
que Nestor havia mencionado. Este não era sul-americano,
talvez fosse oriundo do Norte da Europa, possivelmente, da
Escandinávia.
Reparou que a fitavam como se fosse realmente uma
bonequinha de luxo ou um objeto que não merecesse
atenções muito especiais.
— Você não está curiosa para saber o que é o “Paraíso”?
Por que não me bombardeia com perguntas? — indagou
Sanpedro.
— Você disse que me ia explicar tudo e eu estou
esperando suas explicações.
Ele concordou, sorriu, mas continuou calado. Atravessou
o bosquezinho e quase em seguida, apareceu uma corrente de
água. Não... Não devia ser uma corrente, talvez fosse um
lago, ou quem sabe se não uma praia. Sim, mais parecia ser
uma praia pequenina, cercada de vegetação tropical e de
árvores de tamanho tão reduzido que davam a impressão de
serem miniaturas. Sílvia olhava para tudo e tinha a impressão
de estar vendo uma cidade especialmente construída para
anões.
— Já que estamos no “Paraíso”, creio que você devia
despir-se — sussurrou Sanpedro.
Sílvia arrancou as roupas sem pestanejar e ficou nua.
Sanpedro a fitava com assombro e admiração: seu corpo
ultrapassava a expectativa, mais parecia uma escultura viva.
Passou as mãos por seus ombros, seios, ventres, quadris...
Era uma mulher linda e naquele instante, desejou possuí-la,
mas repentinamente, mudou de opinião e apontou para
diante, sussurrando:
— Este será meu Paraíso... Um paraíso que terá a
extensão de um milhão de quilômetros quadrados, isto quer
dizer, um território que será maior do que a Alemanha
Ocidental, Bélgica, França, Holanda, Luxemburgo e Suíça
juntos. Como está em Geografia?
— Bem. Bastante bem. Por quê? — respondeu surpresa.
— Então, diga o que está vendo? Naturalmente podemos
caminhar pelo “Paraíso”. Escolha o rumo que deseja seguir.
A senhorita Delmare entrou naquele pequeno mar e de
repente, compreendeu que o que parecia ser uma miniatura,
uma cidade para anões, não era nada disso, mas sim algo
bastante diferente. Era uma maquete. Uma maquete enorme
de um território que realmente devia ter um milhão de
quilômetros quadrados. Santos Sanpedro estava pretendendo
tornar-se rei ou o senhor dos países europeus que havia
citado? Claro que não. Ele sabia que isso era impossível, que
a Europa era intocável. Em qual continente poderia
conseguir um paraíso de um milhão de quilômetros
quadrados?
Foi então que a senhorita Sílvia Delmare lembrou-se de
Aliko Unga, o general da Costa do Marfim que fora
assassinado por Sérgio Gentile.
Costa do Marfim! A maquete era enorme, perfeita. Tão
perfeita que à medida que ia percorrendo aquela praia de
sonhos podia ver os rios que desciam, formando as costas as
enseadas e assinalando as fronteiras. A senhorita Delmare
começava a se localizar. Parecia estar vendo o continente
africano desde um avião, ou melhor, parecia avistá-lo desde
um satélite. Quando viu a extensão de égua em forma de
estrela, com um volume líquido superior aos volumes ali
representados, compreendeu que se tratava do Lago Volta3 e
já não teve mais dúvidas. Estava “viajando” pela parte
central e ocidental do continente africano.
— Estamos na África — disse, olhando fixamente para
Sanpedro. — Neste exato momento estames chegando às
costas de Gana.
— Formidável! Admirável! — surpreendeu-se Santos. —
Você localizou a região perfeitamente!
— Porém Gana não tem um milhão de quilômetros
quadrados de extensão...
— Não. Mas penso agrupar vários países para conseguir
essa extensão de território. Os mais apropriados são Alto
Volta, Costa do Marfim, Togo e Libéria... Terá exatos um
milhão, doze mil e oitocentos e vinte e dois quilômetros
quadrados.
— Como pode, se não são seus?
— Ainda não são, mas serão meus — respondeu sorrindo
Santos Sanpedro, como se estivesse sonhando. — Imagine
3
O lago Volta é o maior lago artificial do mundo em área. Fica situado no rio
Volta, no leste do Gana e cobre quase 8502 km². O lago foi formado em 1965
quando a barragem de Akosombo foi construída. Esta obra implicou o
realojamento de setenta e oito mil pessoas.
você, um milhão de quilômetros quadrados onde minha
palavra será a Lei da Vida. Onde poderei determinar quem
deverá morrer e quem deverá continuar vivendo. Onde
poderei ser como um deus que possui o céu; um céu
maravilhoso que terá poderes para coordenar um “Paraíso”
esplêndido que será de minha inteira e exclusiva
propriedade! Querida, vou criar um lugar na Terra onde tudo
será formoso, maravilhoso! Observe esta parte da África,
veja como só necessita de uma boa direção, de alguns
cuidados especiais para se tornar fértil e rica.
— Concordo que seja assim. Tenho certeza de que você
será o homem indicado para dirigir o país que pensa criar, ou
melhor, o “Paraíso” que pensa construir. Mas insisto mais
uma vez, aqueles países não são seus e sinceramente, eu
gostaria de saber como espera reuni-los em um só.
— Se continuar a meu lado, irá descobrindo coisas
surpreendentes e... admiráveis, mas talvez você não esteja
interessada em conhecê-las.
— Francamente, não sei qual lugar seria o melhor para
estabelecer-me, senão no “Paraíso” — respondeu Sílvia com
um sorriso brejeiro.
— É uma mulher muito inteligente — sussurrou
Sanpedro.
Não falou mais nada. Aproximou-se dela e a abraçou pela
cintura. Em seguida, passou um braço à volta do pescoço e a
puxou para aconchegá-la a seu peito, enquanto beijava seus
lábios com fogo e desejo. Fez Sílvia se deitar no solo relvado
que em seus ideais correspondia a uma “savana” africana e
foi naquele local que a possuiu.
***
Eram quase duas da tarde quando os automóveis
começaram a chegar. Sanpedro regressara à casa há poucos
minutos. Estava satisfeito, a mulher conseguira saciar sua
fome de sexo.
Tinha vindo sozinho porque a hóspede maravilhosa
demonstrara desejos de continuar a beira do rio, dando
alguns mergulhos mais, a fim de aproveitar mais um pouco
daquele cenário espetacular.
Sílvia continuava dando seus mergulhos quando escutou
o motor do carro. Sua curiosidade foi despertada ao
pressentir o que estava acontecendo. Saiu da água e se vestiu
rapidamente. Depois atravessou o bosque de pinheiros,
quando chegava em uma clareira, percebeu que a zona estava
sendo vigiada por três sujeitos que portavam
submetralhadoras. No entanto, estes continuaram
impassíveis quando ela se aproximou, agiam como se não
houvesse uma estranha nas proximidades ou como se
tivessem recebido ordens no sentido de não molestarem a
hóspede de Santos Sanpedro.
Estacionados nas proximidades da casa estavam alguns
automóveis e naquele exato momento, chegava mais um
outro. Sílvia estava afastada, porém sua visão era excelente e
mesmo de longe, pôde ver que os homens que chegavam
eram negros. Depois viu Nestor quase correndo para recebê-
los e em seguida, encaminhá-los para o interior da casa.
Estava preocupada com aquela situação, mas a vila estava
sob a vigilância acirrada dos agentes da CIA e cercada por
homens de outros serviços de espionagem. Todos eles
trabalhando para controlar o caso e certamente sabendo que
numerosos convidados estavam reunidos naquele momento.
Se por acaso, esses agentes decidissem invadir a vila só
poderiam complicar a situação. Bem, talvez pudessem
descobrir qual o assunto que era tratado naquela reunião às
portas fechadas.
Porém, se ela conseguisse entrar em contrato com Simon-
Roma talvez pudesse adiar a invasão que já estava
programada e, se todos se mantivessem afastados, talvez ela
própria pudesse descobrir tudo que estava desejando.
Antes de consertar os fios na chave do telefone, quando
ainda estavam no chalé, escondera o rádio de bolso sob o
banco dianteiro de seu carro esporte.
Este devia estar estacionado no pátio e se pudesse ligar
para Simon-Roma, poderia dar-lhe as instruções que julgava
necessárias. Diria que todos deviam aguardar mais algum
tempo, pelo menos, enquanto ela própria estivesse
trabalhando dentro da vila.
Foi com essa ideia que atravessou os jardins e se
encaminhou para os pátios interiores, onde havia vários
carros estacionados. Imaginou que estivesse próxima da
garagem.
Porém não encontrou garagem alguma, mas uma
construção de um único andar, pintada de branco e com
janelas amplas. Seria um dormitório coletivo?
Repentinamente, Sílvia se lembrou de Sergio Gentile que
fora levado para o interior da casa, a fim de ser medicado
pelo médico que já estava a si a espera.
Lógico, o galpão só poderia ser um dormitório ou um
ginásio. Encaminhou-se para este com toda naturalidade.
Sabia que enquanto estivesse andando ao ar livre seria
observada atentamente por vários olhos e não tinha muitas
ilusões de poder se livrar dos mesmos quando já estivesse
protegida por aquelas paredes pintadas de branco.
Entrou naquela espécie de galpão pela porta lateral. Havia
uma passagem estreita, quase um pequeno vão e em seguida
um corredor que tinha uma porta à esquerda e outra à direita.
Abriu à da esquerda e viu vários carros dentro da garagem
que ocupava metade do espaço interno. Imediatamente viu
seu carro creme...
Só precisava aproximar-se dele, sentar-se ao volante,
apanhar o rádio dissimuladamente, pois o tinha colocado
sobre o banco dianteiro, bem perto da pistolinha encastoada
de madrepérola.
Não...
Ia fazer outra coisa.
Afastou-se da garagem, voltou ao corredor e abriu a outra
porta. Lá estava o ginásio amplo e bem iluminado. Observou
que a esquerda havia outra porta que estava fechada.
Aproximou-se desta e também a abriu, pensando que
fosse dar em uma oficina pequena... mas seu raciocínio não
foi correto. Encontrou-se em um dormitório pequeno, com
seis beliches. Em um, destes estava Sergio Gentile. Parecia
estar adormecido e o silêncio era total.
— O que você está fazendo aqui? — perguntou o homem
repentinamente com seu vozeirão, chegando a surpreendê-la.
Ele agora estava quase sentado na cama. Estava muito
pálido, mas evidentemente fora de perigo. Não tinha uma
peça de roupa sobre o corpo, somente os curativos na perna e
no peito, onde fora ferido.
Sílvia aproximou-se, sorrindo amavelmente.
— Como vai tudo? Espero que o médico o tenha tratado
melhor do que eu o tratei...
— O que anda procurando? O que veio fazer aqui? —
insistiu Gentile.
— Nada especial, estou percorrendo todos os cantos do
meu “Paraíso” para conhecê-lo melhor.
— Seu paraíso? — resmungou Gentile.
— Por acaso não sabe que Santos Sanpedro é dono de um
“Paraíso” e que agora ele também é meu?
— Seu? Percebo, percebo que agradou o “Gordo” no que
mais ele gosta de fazer. Está tão encantado com a novidade
que já convidou você para ser a rainha de seu mundo —
falou Gentile com ironia. — Meu bem, se realmente está
procurando adquirir segurança e poder, creio que errou ao
satisfazer os apetites daquele homem.
— E a quem eu devia satisfazer então? — perguntou com
frieza...
Gentile não disse mais nada, entrecerrou as pálpebras e
levou alguns segundos observando Baby com muita atenção.
Em seguida, segurou o braço de Sílvia e a atraiu para si,
enquanto sua mão esquerda subia pelas costas até a nuca e
com frenesi, apanhou um punhado de cabelos que começou a
puxar.
Naquele momento, Sílvia Delmare, ou melhor, a agente
da CIA agradeceu mentalmente por não estar usando uma de
suas várias perucas.
— Sabe que eu poderia remoer seu pescoço? —
murmurou o assassino. — Mas me conformarei com muito
menos, só quero viver com você um minuto de enlevo... só
desejo um toque de amor!
O homem já estava excitado e Sílvia o advertiu:
— Se o “Gordo” souber dessa sua traição, vai transformá-
lo em migalhas, Gentile. E se você não me soltar
imediatamente, juro como falarei com ele!
— Não tenho medo do “Gordo”! Ele não me assusta!
— E quem assusta você, Sergio Gentile?
— Os verdadeiros senhores, pequena estúpida! Vai me
satisfazer ou quer que eu arrebente seu pescoço? Venha para
minha cama ou eu arrebento sua cara!
Sílvia Delmare não esperou por outra ordem e
rapidamente se jogou em cima da cama e se sentou sobre os
joelhos de Gentile que a fitava com encantamento,
certamente imaginando os momentos de prazer que ia
provar.
— Quem são os verdadeiros senhores? — perguntou ela
com uma voz muito suave.
— Só direi seus nomes depois que você me satisfazer,
quero que me dê o que mais gosto — riu Gentile com ar
vitorioso. — Vamos, belezinha, satisfaça minha vontade!
— Só farei o que pede, se me disser os nomes dos
verdadeiros senhores. Se você falar o que quero ouvir, pode
ter certeza de que jamais irá esquecer-se de meus carinhos —
respondeu com voz meiga e carinhosa.
— Entendo o que está querendo, sua cadela! Não passa
de uma sem-vergonha que está querendo bancar a esperta
para meu lado! Pensa que estou acreditando em suas
promessas? Ou julga-me um imbecil que se deixa enganar
por qualquer idiota que apareça a sua frente, estúpida! Trate
de me satisfazer! Estou querendo provar... Faça o que estou
mandando!
Novamente puxou os cabelos da moça, a fim dela
entregar-se totalmente sem nem de longe suspeitar como a
senhorita Delmare sabia se livrar dos importunos.
Simplesmente lhe deu um murro na região de
entrepernas. O homem gritou de dor. Soltou-a. Tentou
levantar-se, porém a senhorita Delmare novamente o
esmurrou, agora bem em cima do ferimento à bala.
Gentile gritou, gemeu quase sem forças para respirar e
com os olhos completamente desorbitados. Queria respirar,
mas não encontrava ar para aspirar e caiu sem sentidos.
Sílvia pulou da cama e abandonou o alojamento,
atravessou o ginásio e em seguida se encaminhou para a
entrada principal da casa.
Assim que entrou, viu Nestor e mais dois homens
fortemente armados parados no vestíbulo, conversando,
fumando e rindo; os três estavam vigiando uma porta
pesadona e larga que estava fechada.
— Se você está procurando Santos, terá de esperar
porque agora ele está ocupado — avisou Nestor quando a
viu.
— Só queria saber se posso sair para comprar algumas
roupas, embora o mais certo fosse ir até o chalé que aluguei
para recolher minha bagagem. O bruto do Gentile rasgou as
roupas que eu estava vestindo.
— Sei disso, mas não precisa preocupar-se por causa de
roupas. Suba a escada e entre em qualquer um dos quartos da
ala esquerda. Em todos eles há armários repletos com roupas
para todos os tipos e gostos. Algumas devem servir-lhe.
— Está bem. Vi muitos carros parados aí fora. Santos?...
— Escute de uma vez por todas. Se quiser saber de
alguma coisa, pergunte diretamente a Santos. Agora vá
andando! Vá procurar alguma roupa que lhe sirva e se
encontrar um biquíni, vá divertir-se na piscina! Vá fazer o
que queria, mas deixe de nos chatear, entendeu?
Olhou para Nestor e nem perdeu tempo em lhe responder.
Subiu a escada e foi dar em um corredor. Entrou em um dos
quartos, abriu o armário e para surpresa sua encontrou o
repleto de roupas femininas, de todos os tamanhos e de
manequins vários. No banheiro havia verdadeiras coleções
de perfumes e produtos de maquiagem... tudo que uma
mulher necessita para se embelezar.
Então era verdade, era naqueles quartos que Sanpedro
acomodava as jovens que vinham à vila para distraí-lo e
satisfazê-lo.
Escolheu uma saia branca e uma blusa de malha azul-
marinho. Vestiu-as em cima do corpo sem nada por baixo e
nem procurou sapatos para calçar.
Saiu do quarto e ficou olhando para as várias portas que
estavam do outro lado do corredor. Quem se hospedaria
naqueles quartos? Supostamente, um deles era ocupado por
Sanpedro, e os outros? A espiã já havia estado no dormitório
que era ocupado pelos homens que serviam ao dono da vila;
o galpão que estava junto do ginásio e garagem. Portanto,
aqueles quartos deviam ser usados pelos convidados
especiais, como por exemplo, os negros que vieram de Alto
Volta, Gana, Libéria e Togo, do mesmo modo como Aliko
Unga chegara da Costa do Marfim.
Depois de uma breve hesitação, percorreu a metade do
corredor, abriu a porta de um desses quartos. Entrou
rapidamente e fechou a porta em seguida. Depois examinou
o teto e todos as paredes do cômodo para comprovar se não
havia nenhuma câmara oculta que pudesse estar controlando
o interior da habitação.
Nada encontrou.
Sobre uma banqueta havia duas malas. Aproximou-se
destas, forçou as fechaduras tentando abri-las, mas estavam
fechadas à chave. Achou melhor não insistir e saiu do quarto,
regressando ao corredor. Logo em seguida, entrou no
vizinho, onde as malas também estavam bem à vista. Eram
cinco de couro de qualidade e duas estavam abertas.
Levantou as tampas e gastou alguns minutos
contemplando o que havia em seus interiores. Primeiro,
olhou para tudo com atenção, pensando na possibilidade de
uma cilada, mas viu que nada havia de anormal. Finalmente,
com muita delicadeza começou a remover o conteúdo de
ambas as malas, sem encontrar algo que compensasse ou
merecesse sua atenção, que pudesse lhe revelar alguma das
coisas que desejava descobrir.
Abandonou este quarto também e voltou para o das
garotas de Sanpedro. Despiu-se de novo e experimentou um
maiô azul que lhe caiu perfeitamente bem. Minutos mais
tarde, desceu a escada e foi diretamente para a piscina. Não
havia problema algum, pois se os convidados
permanecessem na vila, ela os encontraria ao jantar. Se
decidissem partir, seriam perseguidos por uma turma de
espiões, os mesmos que vigiavam aquela propriedade.
Já era mais de cinco e meia da tarde. A espiã
internacional estava saturada de banhos de piscina e banhos
de sol. Achou melhor voltar para casa e quando entrou, viu
que a porta do salão estava completamente aberta e que
vários homens estavam reunidos com Sanpedro. Todos
pareciam, estar satisfeitos, sorridentes, conversando com
animação. Uma fumaça compacta envolvia o aposento, coisa
muito natural, pois a maioria fumava charutos.
Nestor e seus companheiros continuavam parados perto
da porta e nada falaram quando ela se aproximou para ver o
que o anfitrião. E seus convidados estavam fazendo. Viu
talvez uns vinte homens. Seis ou sete da raça negra e que o
restante do grupo era da raça branca. Um pouco afastado,
parado perto de uma janela estava Santos Sanpedro
conversando com um negro, ambos rindo muito e foi naquele
instante que ele olhou para a porta e a chamou:
— Sílvia, venha aqui, por favor!
A loura não esperou que repetisse o convite e se
aproximou deles sorrindo.
O andino segurou seu braço, enquanto todos os olhares se
convergiam para a recém-chegada, seu rosto continuava
sorridente, apesar de já ter identificado quatro dos sete
negros presentes. Todos personagens de alto gabarito no
mundo político de Alto Volta, Gana, Togo e Libéria. Porém
os outros três lhe eram desconhecidos.
— Cavalheiros, apresento-lhes Sílvia Delmare e rogo que
a considerem como se fosse eu mesmo — apresentou,
Sanpedro.
Um dos sujeitos de raça branca, alto, ruivo e sarnento,
aproximou se e perguntou:
— De onde ela saiu? Nunca a vi por aqui.
— Não se preocupe, Ernest. Ela é uma nova aquisição de
meu “Paraíso”.
O ruivo olhou para Sílvia sorrindo.
— Se Santos diz que está conosco, ninguém pode duvidar
dele. Quer tomar alguma coisa, Sílvia?
— Só se for champanha bem gelada — retrucou rindo.
O homem sorriu e foi apanhar a bebida no bar que estava
instalado no outro lado do salão. Quando voltou para perto
da espiã, encontrou-a conversando com dois outros sujeitos
brancos, enquanto Sanpedro a observava também sorrindo.
— Chaguem para lá porque fui eu quem a viu primeiro —
disse Ernest.
— E o que tem isso de mais se ela é a secretária preferida
de Sanpedro? — riu um dos homens.
— Estes dois sujeitos são Humberto e Jan — apresentou
o ruivo.
— Eles me tinham dito seus nomes. — riu Sílvia. — O
que vocês fazem?
— Somos técnicos em criação de guerras.
Sílvia abaixou o copo que ia levar à boca e olhou para
Ernest com surpresa.
— Técnicos em quê? — exclamou por fim.
— Somos experts em guerras — explicou o ruivo, sempre
sorrindo.
— Estão querendo que eu acredite que fabricam guerras?
— Mais ou menos — riu Humberto. — Veja como é
simples, só lhe vou dar um exemplo. Você vive em um país e
se interessa que estale uma guerra: Só precisa convocar
nossa presença e em menos de uma semana teremos uma
guerra organizada, pronta para ser iniciada.
— Desconfio que estão querendo divertir-se as minhas
custas — reclamou Sílvia Delmare sem deixar de sorrir.
— Claro que não. Quer um exemplo? Esses negros estão
aqui porque têm interesse que organizemos algumas guerras
e não nos faça perguntas porque as guerras sempre são
organizadas porque há pessoas interessadas em obter algo
como dinheiro, prestígio, poder...
— E o que esses negros poderão ganhar depois das
guerras serem organizadas-em seus países?
— Ganharão o que desejam: poder e projeção
internacional.
— Creio que nossa amiguinha devia tirar esse maiô
molhado. Pode apanhar um resfriado — interveio Jan.
— Principalmente se continuar bebendo champanha
gelado — apoiou Ernest.
— Champanha é antibiótico para mim — explicou a
espiã. — Tem poderes para curar todos os meus males. O
que é realmente essa projeção internacional?
— Importância, influência, fama. Esses negros que estão
aqui são pessoas importantes em seus respectivos países,
mas têm ambições maiores e é por isso que nos solicitam, a
fim de organizarmos a guerra com a qual serão colocados no
trono ou na presidência. Entende?
— E como podem afirmar que eles ganharão a guerra?
— Porque nós temos tudo que seja necessário a uma
guerra. Temos pessoal especializado e armas modernas.
Enfrentaremos, pelo outro lado, governos miseráveis que não
têm a menor noção de como se pode fazer uma guerra.
— Não sei se os estou entendendo — interveio a moça
com ingenuidade. — Mas não concordo que uma guerra seja
um paraíso e Santos me disse que tem um “Paraíso”,
precisamente na África. E esses negros são de Alta Volta,
Gana, Costa do Marfim, Togo e Libéria, não é?
— Sim, você só errou quanto ao representante da Costa
do Marfim. Ele não está aqui porque não aceitou os planos
de Santos.
— Há homens que não têm inteligência — rematou
Humberto.
— Oferecemos a presidência ao representante da Costa
do Marfim. Ele depois de conhecer nossos planos, chamou-
nos de criminosos e saiu daqui muito aborrecido, isso depois
de saber sobre o “Paraíso”...
— Deve estar comentando tudo com outras pessoas —
disse Sílvia.
— Só se estiver conversando com os anjos do céu — riu
Jan.
Sanpedro aproximou-se e passou o braço pelos ombros de
Sílvia.
— Meu bem, parece estar encantando meus convidados.
Prepare-se porque terá uma noite muito trabalhosa.
— O que deverei fazer? — exclamou Sílvia com
surpresa.
Os homens começaram a rir e dois negros vieram juntar-
se ao grupo.
— Querida, quero que conheça os senhores Henri Maché
e Samuel Amako. Não falam italiano, mas sei que se
entenderão perfeitamente.
— Percebo. Ofereceu-me a eles como se eu fosse um
copo de champanha!
— Não reclame, querida. Cavalheiros, está é a senhorita
Delmare. Espero que se divirtam bastante.
Sanpedro e os homens brancos afastaram-se, deixando
Sílvia com os dois negros que a comiam com os olhos.
— Não falam o italiano e como podemos nos entender,
senhores?
— Podemos falar o francês — disse Samuel Amako,
sorrindo.
— Muito bem — concordou Sílvia. — Antes de qualquer
coisa gostaria que me confirmassem o que Humberto me
disse. É verdade que estão aqui por que estão interessados
em organização de guerras em seus respectivos países?
CAPÍTULO SEXTO
Ela não é tão esperta

Os dois negros gastaram alguns minutos observando a


loura com muito interesse. Em seguida Samuel Amako
caminhou para onde estava Santos conversando com Ernst,
Jan e Humberto.
— Falei algo que não devia? — perguntou ela a Henry
Maché.
Este continuou calado. Sílvia olhou pera o andino e viu
que agora Santos parecia aborrecido, enquanto Samuel
Amako continuava falando. Quando o negro calou, ele fez-
lhe um gesto mostrando a porta do salão.
Sílvia esperou-o junto a Nestor, quando Santos parou
perto dela, colocou a mão em seu braço e a empurrou para o
escritório. Ambos entraram e o homenzarrão fechou a porta
em seguida.
— Maldição! Por que tinha de falar tantas besteiras? —
perguntou.
— Não sei porque está zangado comigo — protestou ela.
— Eu somente comentei as mesmas coisas que seus amigos
já tinham falado sobre as guerras que deviam organizar e
como as organizariam. Que mal faz a gente continuar com
uma brincadeira?
— Minha querida, eles não estavam brincando. Como
poderíamos conseguir nosso “Paraíso” se não fosse por meio
de guerras? Organizaremos uma guerra entre cinco países e
alcançaremos um final maravilhoso.
— Nunca se consegue um final maravilhoso por meio de
guerras — murmurou Sílvia.
Santos Sanpedro soltou uma risada e apontou para uma
poltrona.
— Sente-se aí porque desejo explicar algumas coisas a
você. Gostaria de saber qual é sua opinião sobre o assunto.
— Você não está falando sério... Está querendo brincar
comigo.
— Sente-se — insistiu o andino, sentando-se na cadeira
que estava à mesa.
Sílvia pensava que ele mais parecia um hipopótamo
vestido e quase riu quando a cadeira rangeu com seu peso.
Depois olhou para Santos, sorriu e perguntou de chofre:
— O que você considera como um final maravilhoso?
— Este final maravilhoso só ocorrerá quando os cinco
países se unirem para formar os Estados Unidos da África
Oeste, ou seja EUAO. Preste atenção, tencionamos organizar
uma guerra quíntupla e nos livraremos de todas as forças
militares que se levantem contra nós. Depois, quando as
lutas estiverem amainadas, escolheremos os governadores
que irão governar em cada um desses cinco países.
Naturalmente eles serão escolhidos entre os amigos que você
viu há pouco no salão... por ora, apenas precisamos escolher
o homem que irá governar a Costa do Marfim. O
representante que veio a Rimini não foi muito feliz, teve
alguns tropeços que o afastaram definitivamente de nossos
planos. Enquanto nosso “Paraíso” estiver em fase de
crescimento, nós estaremos construindo o país que dentro de
cinco anos será o mais rico do mundo, pois em seu território
estarão as maiores riquezas e fortunas do mundo. O nosso
“Paraíso” em pouco tempo poderá tornar-se tão rico quanto a
Suíça. Será um forte concorrente do país que atualmente é
considerado como o mais rico por nele concentrar-se as
maiores fortunas mundiais. Gostou do plano?
— Acho que sim. Mas como poderão financiar essas
guerras?
— Temos dinheiro e armas, além de pessoal treinado.
— Têm tanto dinheiro e tantas armas?
— Na realidade, ambas as coisas são uma só — sorriu
Santos. — São as armas que nos proporcionam o dinheiro e é
o dinheiro que nos proporcionará as armas.
— Sinceramente não entendo. Então você tem as armas e
o dinheiro?
— Eu não, na realidade sou apenas uma mera cabeça
pensante, o coordenador da gestão, o comandante do grupo e
posteriormente receberei sigilosamente o título de Dirigente
Autêntico e Oculto dos Estados Unidos da África Oeste.
Serei o homem que manejará secretamente todas as finanças
e poderio do grupo sempre que este estiver enfrentando
alguma crise ou esforçando-se para diminuir um provável
déficit.
— E que grupo é esse?
— Um grupo poderoso formado exclusivamente por
fabricantes de armas de todo o mundo. Os fabricantes de
armas vivem em constantes crises financeiras, tendo seus
negócios controlados pelo governo que geralmente é quem
realiza as transações de maior vulto como as que se referem
à distribuição e venda de armas. Por essa razão, alguns
desses fabricantes reuniram-se e decidiram modificar essa
situação calamitosa que os estava arruinando. Concordaram
na transferência de suas indústrias bélicas aos EUAO, onde
teriam oportunidades para incrementar a fabricação de armas
modernas que seriam vendidas diretamente aos compradores
pelo preço que eles próprios determinassem e, tudo isso,
aconteceria sem sofrer maiores pressões fiscais ou
governamentais. E quando eles estiverem instalados no
“Paraíso” terão lucros maiores que poderão ser aplicados em
outros ramos de negócios que não precisarão ser
obrigatoriamente o de armamento bélico. A guerra será um
sucesso e nela morrerão quase que só negros.
— Entendo, os mortos serão negros em sua maioria e
mortes de negros não representam uma perda significativa à
Humanidade. Quem foi o autor dessa ideia tão genial?
— Eu — riu Santos Sanpedro com satisfação. — Logo de
início pensei em criar meu paraíso na América do Sul, mas
não gostaria de ver tantos andinos sacrificados. Na África
estaremos melhor localizados e mais afastados das guerras
ianques.
— Realmente, você teve uma ideia fenomenal!
— Foi o que também pensaram os fabricantes de armas
que visitei depois de selecioná-los cuidadosamente através
de pessoas entendidas no ramo.
— Que pessoas eram essas? ,
— Espiões profissionais que enganei com muita
inteligência e me prestaram uma ajuda inestimável; mas no
final acabaram descobrindo que estavam envolvidos em uma
sindicância que de forma alguma poderia beneficiar seus
respectivos países, bem ao contrário, talvez até provocasse
alguns prejuízos para os mesmos.
— E o que fizeram então?
— Ficaram aborrecidos, mas eu fiz esses aborrecimentos
passarem com rapidez — respondeu, rindo e balançando a
gordura disforme. — Já que estamos falando neles, fique
caladinha por alguns minutinhos, tá?
O homenzarrão se levantou, deu alguns passos e se
aproximou da parede que parecia forrada com painéis de
madeira. Abriu dois destes, descobrindo um rádio pequeno e
possante que a espiã internacional identificou como um dos
modelos mais modernos, recém lançados. Santos acionou-o e
a ligação se completou com rapidez:
— Como vão as coisas, Aurélio? — perguntou.
— Tudo perfeito, senhor. Todos estão se divertindo e
passando momentos agradáveis. Só esperam que o senhor
termine com as negociações e venha reunir-se logo conosco.
Os convidados já estão ficando impacientes com sua demora.
— Diga para eles terem um bocadinho de calma porque
os planos estão prosseguindo perfeitamente. Logo, logo
teremos o nosso “Paraíso”, Aurélio!
— Tenho certeza que sim, senhor. Deseja falar com
alguém?
— Não. Mas quero que lhes diga que tudo vai bem e que
logo nos veremos. Beijos para as garotas.
— Senhor, creio que elas não precisam de mais beijos dos
que estão recebendo — riu Aurélio.
Sanpedro também riu e cortou a comunicação. Guardou o
rádio, arrumou os painéis que tinha deslocado e olhou para
Sílvia que parecia absorta e distante.
— O que está acontecendo, moça?
— Então... foi você quem teve a ideia de propor que os
fabricantes de armas financiassem as guerras e eles
aceitaram?
— E isso não está lhe parecendo muito lógico, não é?
Não se esqueça de que eles estavam passando apuros
econômicos quando fui procurá-los e perguntar-lhes se não
estavam dispostos a financiar algumas guerras que poderiam
enriquecê-los rapidamente. Que outra escolha poderiam ter
feito? A proposta foi aceita de imediato e será este grupo que
vai financiar as guerras que acontecerão no futuro Estados
Unidos da África do Oeste. E depois que suas fábricas
estiveram instaladas nos EUAO, logicamente continuarão
fabricando armas para as futuras guerras que forem
acontecendo... Se meu convite não tivesse acontecido no
momento exato, talvez todos eles tivessem chegado à
falência.
— Entendo. Tudo aconteceu de forma muito lógica.
— Ainda bem que aprova as minhas decisões. Eu estava
interessado em conhecer a opinião de uma pessoa que fosse
como você é...
— Quer dizer, estava querendo ouvir a opinião de uma
burra?
— Você é uma pessoa muito inteligente, Sílvia — riu
Santos. — Agora precisamos voltar ao salão, onde os
convidados nos esperam e...
— Porém os fabricantes de armas não estão aqui, não é?
— Não. Estão com minhas garotas. Todos se divertem e
esperam que eu me reúna com eles.
— É, parece que você gosta de compartilhar suas
mulheres com outros machos, não é verdade?
— Ora, ora, as mulheres foram criadas para dar prazer
aos homens.
— Que ideia mais genial!
— Pare com suas ironias — riu o andino com vontade. —
Deixe de procurar aborrecimentos e voltemos para a sala
onde nossos amigos nos esperam. E não se esqueça de uma
coisa: Seja complacente com eles.
— Com eles e com os fabricantes de armas também?
— Com estes mais ainda.
— Como poderei ser gentil com os fabricantes se eles
estão longe?
— Estão viajando com as meninas.
— Isso eu já sei, mas onde eles estão?
— Saberá de tudo quando nos reunirmos com eles.
Parece que está em estado de choque por tudo que soube.
Não está querendo voltar à sala? Prefere ficar alguns
momentos sozinha para assimilar e compreender tudo que eu
lhe disse?
— Na verdade eu bem que gostaria de passar alguns
momentos só. Tente compreender minha situação, até há
poucas horas atrás, eu era uma jovem complacente que
procurava contentar os homens e só tinha escutado falar nos
espiões que pareciam nas novelas em série e em filmes.de
mistério.
— Compreendo perfeitamente como se sente. Não
demore muito e não toque em nada que está neste escritório.
Entendido?
— Perfeitamente.
O andino deixou-a sozinha e assim que chegou ao
vestíbulo perguntou a Nestor.
— Fritz e Simonetti continuam na sala de controles?
— Sim.
— Venha comigo. Vamos ver o que essa vagabunda fará
enquanto ficar fechada lá dentro. Se remexer em minhas
gavetas chorará lágrimas de sangue!
Nestor fez um sinal aos companheiros para estes ficarem
atentos, enquanto ele estivesse ausente. Pouco depois, ambos
entravam na sala onde estava instalado o canal de televisão
interna. Fritz e Simonetti acompanhavam tudo que acontecia
dentro dos muros da propriedade pelos vários monitores que
estavam espalhados naquela sala.
Agora em um dos monitores aparecia a imagem do
escritório. Sílvia Delmare continuava sentada na mesma
cadeira e parecia pensativa.
— O que ela fez depois que saí? — perguntou Santos.
— Nada — respondeu Simonetti. — Parece realmente
transtornada, senhor. Parece que está pensando, procurando
entender tudo que escutou.
— Em minha opinião — disse Fritz — ela não precisava
estar a par de tantas minúcias.
— Agi desse modo propositalmente. Antes Humberto,
Jan e Ernest, seguindo minhas instruções, já lhe tinham
esclarecido muitas coisas. Depois da conversa que
mantivemos há pouco, essa prostituta não precisa de outras
explicações para saber o que está acontecendo. Se realmente
é apenas uma vadia a mataremos depois que esses negros se
divirtam um bocado com ela. Porém se seu contato com
Gentile não foi casual, se foi organizado propositalmente, ela
sofrerá as consequências. Esperemos para ver o que fará
agora; talvez tente usar o rádio para chamar seus amigos. Se
fizer isso bloquearemos a chamada e a mataremos
imediatamente. Em seguida devemos abandonar a vila com
rapidez, sem dar quaisquer explicações a nossos convidados.
— Certo — admitiu Nestor. — Se realmente ela tem
ligações com os serviços secretos, isso poderia prejudicar os
fabricantes de armas.
— Primeiro vamos observá-la e se de fato é olheira, nós
lhe daremos o tratamento adequado. De nada adianta
ficarmos preocupados antes de saber como ela agirá.
Calaram-se e ficaram olhando o que Sílvia Delmare fazia.
Passou alguns minutos sentada e de repente, levantou-se e
se aproximou da mesa. Os homens que estavam na sala de
controles ficaram mais atentos quando ela se sentou na
cadeira giratória e abriu a gaveta central e começou a
remexê-la. Pouco depois, fechava-a e em sua mão apareceu
um charuto havana que ela acendeu com o isqueiro que
estava sobre a mesa.
— Como pode! Uma mulher linda de morrer fumando um
charuto! — murmurou Nestor.
Simonetti soltou uma risadinha e os outros permaneceram
calados. A imagem da senhorita Delmare que aparecia no
televisor não podia ser mais simpática, embora bastante
estranha. Uma moça loura, vestindo um maiô colante que
sobressaía a beleza do corpo, fumando um havana puro.
— Se apanhar o telefone, desligue-o, Simonetti!
Mas ela nem sequer olhou para o aparelho. Gastou alguns
segundos saboreando o charuto e depois se levantou.
Aproximou-se dos painéis que escondiam o rádio. Retirou-os
com cuidado e ficou olhando para o transmissor com
curiosidade. Porém escondeu-o logo em seguida com os
painéis. Amassou o charuto no cinzeiro de cristal e saiu do
escritório.
Fim da telenovela.
Na sala de controles houve alguns segundos de silêncio.
— Ainda bem que é somente uma prostituta agradável —
riu Santos.
— Se fosse o que o senhor estava desconfiando e se
tivesse preparado uma emboscada para Gentile? —
perguntou Nestor.
— Agora já temos certeza que a “bonequinha de luxo”
realmente não tem qualquer ligação com o mundo da
espionagem — riu Santos. — Se fosse o que pensávamos,
teria usado o rádio. Podemos tratar de nossos compromissos,
rapazes.
***
Sílvia estava despindo o vestido de noite que estivera
usando durante o jantar quando Henry Maché e Samuel
Amako entraram. O primeiro trazia uma garrafa de
champanha e seu companheiro os copos.
Maché fechou a porta e falou:
— Sabemos que gosta de champanha bem gelado e
viemos convidá-la... em um ambiento mais tranquilo.
Sílvia não disse uma palavra. Pendurou o vestido em um
cabide que colocou no armário onde o encontrara entre
outros que deviam ser usados pelas outras moças que
trabalhavam na vila. Logo a seguir também despiu as
calcinhas e o sutiã que colocou em uma gaveta.
Os dois negros agora a fitavam com gula.
— Entendo que desejam estar comigo na mesma ocasião,
não é?
Demoraram em responder, contemplando a mulher que
estava despida e os fitava com surpresa. Há muito não viam
um corpo tão perfeito, de curvas tão provocantes e seios
mais provocativos.
— Não se preocupe, deusa. Nós três nos entenderemos
muito bem — disse Amako depois de um silêncio
prolongado.
Sílvia sorriu e caminhou lentamente em direção deles. Os
dois estavam encantados com a beleza da mulher que se
preparava para diverti-los.
— Espero que essa nova experiência também me
satisfaça — riu a senhorita Delmare. — Eu sozinha contra
dois leões negros e ardentes!
Eles riram. Maché desarrolhou a garrafa de champanha e
encheu os copos. Amako entregou um destes à espiã e
ofereceu o brinde:
— Per uma noite prazerosa!
Maché sorriu satisfeito, tomou um gole da bebida. Em
seguida, estendeu o braço e começou a massagear
delicadamente os seios da loura que sorria. Quando ela se
sentou na cama, os homens a abraçaram e rapidamente
também se aproximaram do leito.
Sílvia soltou uma risada cristalina e se deitou de costas,
eles a imitaram, cada qual procurando ficar mais perto de seu
corpo despido.
— Qual dos dois será o primeiro? — perguntou rindo. —
Acho que não tenho condições de ficar com os dois ao
mesmo tempo!
— Nós... podemos dar um... jeito — Maché falou
ofegante.
— Não, não! — exclamou, sentando-se rapidamente na
cama. — Não tolero imundices e porcarias! E outra coisa, o
que acontecerá se alguém entrar repentinamente?
— Fique calma porque todos já estão descansando.
Viemos tão tarde porque esperamos que todos se deitassem
— explicou Amako.
— Era isso que eu queria saber — disse Sílvia, olhando
para a mão de Maché que apertava seu seio.
Não titubeou e lhe deu um golpe direto na fronte. O negro
soltou um grunhido e caiu morto. Amako estava atônito,
apalermado e não teve condições de reagir quando recebeu
um direto no nariz e outro na fronte que o matou
instantaneamente.
Sílvia levantou-se, vestiu uma calça preta e uma blusa de
malha da mesma cor. Calçou um tênis branco, abriu a gaveta
do armário e apanhou uma faca de cozinha.
A senhorita Delmare não perdeu mais tempo e saiu
daquele quarto.
CAPITULO SÉTIMO
Invasão final

Quando ela desceu a casa estava imersa em silêncio total,


parecia que efetivamente todos tinham resolvido descansar
àquela noite. ,
Sílvia espiou para dentro do salão, para dentro do
escritório, mas não havia vivalma dentro deles.
Atravessou o vestíbulo com muito cuidado, abriu a porta
que dava para o alpendre e quase gritou de raiva quando viu
Nestor parado a sua frente com uma expressão intrigada...
Porém, ele não teve tempo para fazer qualquer movimento e
seus olhos desorbitaram quando sentiu o frio do aço
encostado a seu pescoço; logo depois uma golfada de sangue
subiu a seus lábios quando a lâmina da faca lhe perfurava a
garganta.
Nestor percebeu o que estava acontecendo, tentou gritar
para pedir socorro, mas só conseguiu emitir um grunhido
seco e rouco... quando caiu ao chão já estava morto.
Sílvia apanhou a faca, a limpou nas roupas do cadáver e
afastou-se correndo na direção do ginásio, procurando agir
silenciosamente para sua chegada passar desapercebida.
Em poucos segundos, chegava ao dormitório onde tinha
encontrado Sergio Gentile horas antes. Localizou o
interruptor e acendeu a luz daquele alojamento. Agora, já de
madrugada, havia mais dois homens ocupando os beliches.
Dormiam vestidos e mantinham as armas ao pé da cama.
Sílvia apanhou uma de suas pistolas e quando eles se
levantaram precipitadamente, a espiã apenas apertou o
gatilho duas vezes seguidas.
Plop. Plop.
Eles caíram novamente nos colchões, só que desta vez
estavam preparados para dormir o sono eterno.
Gentile a fitava com um olhar amedrontado e seus olhos
ficaram mais esbugalhados quando sentiu o contato da
lâmina de aço em sua garganta.
— Não grite ou eu acabo com você — sussurrou a
senhorita Delmare. — Está desejando morrer?
Gentile passou a língua pelos lábios e negou com um
gesto.
— Muito bem — aprovou Sílvia. — Então me diga logo
de uma vez por onde anda Santos Sanpedro! E onde estão as
garotas que trabalham para ele?
— Só sei que estão no iate “Polifermo”.
— E onde esse iate está?
— Não sei, juro como não sei! Geralmente ele nunca fica
muito longe da costa de Rimini.
— Muito bem.
Sílvia se levantou e afastou a faca de seu pescoço. Gentile
chegou a suspirar aliviado e foi então que viu a pistola.
Escutou o disparo abafado pelo silenciador e sentiu o
impacto da bala no peito. Sua morte, foi rápida, quase
instantânea.
A senhorita Delmare apanhou a arma que estava no outro
coldre e saiu quase correndo do dormitório. Precisava chegar
à garagem com urgência. Porém ainda estava na metade do
caminho quando viu o pisca-pisca das lanterninhas
vermelhas. Compreendeu que o alarme já fora dado e que
havia gente tentando encontrá-la.
Finalmente, conseguiu chegar à garagem. Entrou no seu
carro esporte e rapidamente apanhou o rádio que tinha
escondido sob o banco dianteiro.
— Sim? — soou a voz de Simon-Roma quase em
seguida.
— Sou eu. Reúna...
— Por todos os diabos! Já não sabíamos mais o que
pensar, eu...
— Deixe as reclamações para mais tarde, Simon. Reúna
todos os homens disponíveis e tomem a vila imediatamente.
Não precisam ter compaixão daqueles cafajestes. Todos
merecem morrer. Há alguma dúvida?
— Nenhuma. E você?
— Esqueça de mim e faça o que eu disse!
Interrompeu á chamada e guardou o rádio no bolso da
calça. Apanhou a pistolinha enfeitada de madrepérola e a
maleta vermelha, pois sabia que não teria condições de fugir
com o carro. Só poderia escapar se usasse alguns de seus
truques, mas sabia que a situação era por demais delicada
porque todos os colaboradores de Sanpedro deveriam estar
em estado de alerta após o alarme ter sido acionado.
Já deviam ter encontrado o corpo de Nestor e agora,
Santos Sanpedro sabia que sua hóspede não era tão ingênua
como aparentava.
Saía do carro e naquele instante ouviu o rangido da porta
da garagem. Logo em seguida, pôde distinguir os vultos de
dois homens e escutou um deles dizer:
— Acenda as lâmpadas, Harold. Precisamos ter cuidado
para não sermos atropelados. A doida pode tentar fugir em
um dos carros.
Sílvia se agachou ao lado do veículo e tentou esconder-se
sob o mesmo, mas as rodas eram baixas demais e não
conseguiu entrar embaixo dele. Rolou pelo chão e se meteu
sob outro.
Naquele instante, a garagem ficou iluminada. Vários
homens falavam e corriam pelo jardim.
Baby sorriu um sorriso gélido. Santos Sanpedro a tinha
tratado como se fosse uma prostituta vulgar... que esperasse
porque iria pagar bem caro por seu erro. Muito caro!
— Wilfred, vá ao alojamento e veja o que a cadela fez
com nossos companheiros — disse alguém.
E quase no mesmo instante, outra voz gritou que a vila
estava sendo assaltada.
Os disparos começaram a ressoar de vários pontos
diferentes. A espiã americana compreendeu que os cinco
serviços de inteligência estavam atacando em conjunto e,
talvez, houvesse maio um se Giulio Sotoleone também
tivesse decidido colaborar com seus colegas estrangeiros.
A noite ficou repleta de disparos, gritos, gemidos e vozes
em vários idiomas. O pessoal que servia Sanpedro agora
estava com problemas bem mais sérios do que procurar uma
mulher que se encontrava na vila.
De repente, um dos homens a viu, mas não teve
oportunidade de avisar aos companheiros porque a pistola
agiu com precisão. Outro, ao ver o colega rolar pelo solo
engraxado, tentou gritar aos que estavam mais afastados,
porém a senhorita Delmare mais uma vez apertou o gatilho.
Três minutos mais tarde, escutou passos as suas costas,
girou velozmente de arma já destravada e... sorriu ao
reconhecer Mihail Obenkov que a fitava com surpresa.
— Por acaso não ficou alegre em me ver, colega? —
perguntou, sorrindo.
***
Pouco depois, Simon-Roma aproximou-se deles e avisou
que Sanpedro não fora encontrado na vila.
— Não me digam que o deixaram fugir — disse a
senhorita Delmare.
— Não... não deixamos, mas descobrimos uma passagem
subterrânea que existe sob a casa — explicou Simon-Roma.
— Tivemos um trabalho danado para abrir o alçapão, mas
agora alguns de nossos rapazes já estão vasculhando aquele
caminho.
— Se Santos fugiu, nada adianta se perder tempo
vasculhando a passagem. Eu sei onde podemos encontrá-lo.
Está no iate “Polifermo”.
— Não se atreveria a tanto — objetou o britânico
Prentiss. — Deve saber que estamos próximos e não creio
que fosse para o iate.
— Isso poderemos comprovar com facilidade —
interveio Giulio Sotoleone, o espião italiano. — Posso
encarregar-me pessoalmente dessa parte e poderei usar todas
as forças italianas que estejam disponíveis para localizá-lo,
embora concorde com Prentiss. Não acredito que o sujeito
tivesse ido para o barco.
— Podem fazer o que acharem melhor, mas eu sei que ele
irá esconder-se no “Polifermo” — teimou Baby. — E se
quiserem poderei lhes dar uma ligeira explicação.
— Desconfio que todos estamos curiosos — aparteou o
francês Delpierre. — Tenho certeza que estamos curiosos
para saber os motivos.
Os homens a fitavam com indulgência.
— Não podem imaginar como Santos Sanpedro é gordo.
Ele é tão gordo que mais parece um hipopótamo. Juro que se
fosse só um pouquinho mais gordo acabava estourando.
— Ninguém está interessado em sua elegância —
começou Krainer.
— Só comentei isso para ficarem sabendo que onde ele
chegar, poderá ser facilmente identificado. Por isso, precisou
escolher um lugar onde pudesse ficar escondido por algum
tempo e creio que o iate seria o mais indicado. O iate é de
sua propriedade e ninguém o aborrecerá enquanto o estiver
ocupando.
— E o que ele fará com as garotas?
— O que fará com elas, não sei — disse Baby. — Porém
imagino o que fará com os fabricantes de armas.
— O quê? — indagou Prentiss.
— Vai matá-los, acorrentá-los e atirá-los no fundo do
mar, igualzinho como fez com nossos companheiros.

ESTE É O FINAL
Santos Sanpedro esfregou as mãos com satisfação quando
se sentiu em segurança no “Polifermo”. O sol começava a
surgir no horizonte e eles só estava desejando dar um
mergulho nas águas geladas do Mar Adriático, mas isso
poderia ser perigoso àquelas horas.
Já não precisava preocupar-se. Tinha certeza de que tudo
acabaria da melhor forma possível. Antes de fugir da vila,
ligara novamente para o iate e dera instruções a Aurélio
determinando em que local deveriam apanhá-lo dentro da
imensidão do Adriático.
Conseguira fugir porque uma das lanchas continuava no
ancoradouro e agora, daria ordens para o “Polifermo” partir
para a Grécia. Chegando àquele país, abandonaria o barco e
daria ordem para o mesmo ser submergido antes que os
fabricantes e as garotas pudessem abandoná-lo.
— Vidas não tinham importância. Só o “Paraíso” era
importante. Facilmente poderia encontrar outros fabricantes
de armas e outras “garotas” alegres.
— Por onde andam as meninas? — perguntou a Aurélio,
logo depois de chegar ao iate.
— Todos estão dormindo, senhor. Tal como ordenou,
nada comentei sobre as mudanças de planos.
— Ótimo! Partiremos para a Grécia imediatamente.
Agora vou até meu camarote para me vestir. Depois irei ao
salão para comer algo.
— Pode descansar, senhor. Tudo se encontra sob
controle.
Santos entrou no iate. O barco era luxuoso. Ele o
adquirira há mais de um ano quando realizara certos
negócios lucrativos que mostravam a fragilidade de seu
caráter: Contrabandeara mulheres brancas, jovens, quase
adolescentes.
Tudo estava ocorrendo tal como havia previsto. A única
falha de todo o plano fora a presença de sua hóspede
encantadora.
Aquela mulher maldita só poderia ser uma espiã que...
Os pensamentos foram cortados abruptamente quando
transpôs a porta do salão. Não podia acreditar no que estava
vendo.
Os fabricantes de armas e as garotas que até então
desfrutavam de momentos maravilhosos, estavam
imobilizados com as mãos e os pés amarrados.
Ele não entendia mais o que estava acontecendo e seu
nervosismo aumentou quando viu Sílvia Delmare sentada em
uma das poltronas, sorrindo-lhe amavelmente;
— Sabia que ia encontrar muitas pessoas a bordo, mas;
jamais poderia pensar que você estivesse entre elas, Santos!
Os moradores do “Paraíso”! Que surpresa mais agradável,
rapaz!
Santos começou a sentir medo. Tinha organizado tudo
com perfeição e agora, de um momento para o outro, aquela
maldita se posicionara e mantinha todos eles sob seu
controle.
Bem, a vida em si já é um jogo e aquele que vive só pode
ganhar ou perder.
— Não se preocupe com suas menininhas. Nós, um grupo
de espiões do primeiro time do serviço secreto mundial não
vamos prejudicá-las. Sou até capaz de lhes dar algum
dinheiro para retornarem sãs e salvas à suas casas. Porém o
mesmo não acontecerá com esses homens. Serão
denunciados e julgados, a fim de servirem como exemplo a
outros fabricantes de armas que poderão receber propostas
tão tentadoras como as que lhes foram apresentadas por
você. Não pense que poderá escapar com facilidade, Santos
Sanpedro. Jurei que vingaria a morte dos cinco espiões que
você assassinou, sendo que um deles era da CIA. Por acaso
já ouviu algum comentário sobre a agente Baby, espertalhão?
Santos Sanpedro estava realmente assustado e mais
assustado ficou quando vários homens entraram no salão.
Baby levantou-se e disse:
— Seria muito bom irmos para o convés. O dia promete
ser ensolarado e a vida é um dom muito precioso e belo. Não
é assim que você a julga, Santos? Ou ainda continua
pensando que vida de negro não tem valor à Humanidade?
Ele sabia que dentro de minutos aconteceria tudo que
tinha de acontecer. Aquela mulher era uma leoa que não
desistia de nada depois de ter tomado uma decisão.
Aurélio continuava na coberta cercado por homens
fortemente armados, certamente eram espiões.
— Imobilizem esse miserável com correntes de cobre! —
ordenou Baby.
Imediatamente vários Simons se aproximaram e fizeram
o que a colega havia determinado.
— Não... — gemeu Santos. — Por favor... não façam isso
comigo!
Baby aproximou se dele e sussurrou:
— Até hoje, ninguém me tinha usado como um objeto e
você me tratou como se fosse uma vagabunda e eu vou
castigá-lo por isso também!
— Prefiro morrer com um tiro!
— Já que está pedindo... — atirou nas pernas do
hipopótamo gigante e depois olhou para seus companheiros.
— Agora o joguem ao mar porque o paraíso tornou-se algo
proibido desde a teimosia de Adão e Eva.
Contudo, a vida continuava sendo bela; o dia continuava
brilhante e ensolarado, um dia tão lindo como deveriam ser
todos os dias no Paraíso. No Paraíso verdadeiro e nunca no
paraíso infernal que Santos Sanpedro tencionava criar.

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