Você está na página 1de 92

© 1989 – Antônio Vera Ramirez

“LLUVIA DE SANGRE”
Tradução de Izabel Xrisô Baroni
Ilustração de Benicio
Colaboração de
Sérgio Bellebone
® 550715
CAPÍTULO PRIMEIRO
King Wu, o universitário chinês

King Wu tinha vinte e dois anos. Era universitário chinês


e teoricamente se encontrava em Hong Kong em gozo de
férias, porém a verdade era bem diferente.
O rapaz havia chegado à ilha com sanha de matar.
Ninguém que o visse poderia suspeitar daquela ânsia
incontrolável, pois era bonito, um belo exemplar da raça
amarela. Tinha altura e seu porte era atlético. Os olhos eram
vivos e seu olhar inteligente; mais parecia um intelectual que
não se descuidava e nem se esquecia de que o esperte é a fonte
da vitalidade que mantém a saúde do corpo e que é o corpo
que proporciona condições especiais, para que a mente de um
homem possa funcionar com toda sua potência. Razão tinham
os antigos ao afirmarem que mens sanu in corpore sano.
Este lema muitas vezes pode provocar algumas dúvidas
como por exemplo: Alguém que planeja matar pode ser
considerado como dono de uma mente sadia? King Wu não
titubearia em responder que pelo menos ele, possuía uma
mente sã em corpo também são e que seus planos de
extermínio tinham uma lógica e eram justos.
Cada pessoa analisa a vida de acordo com suas próprias
conveniências. Muitas sabem perfeitamente quando as coisas
não estão certas, mas não desistem de executá-las, mesmo
sabendo que poderão ser prejudiciais a seus semelhantes.
Fazem o que querem, pensando apenas em seus interesses
pessoais, sem se importar se estes venham causar a morte de
duas, ou três milhões de pessoas. Bolas, qual a importância da
vida se todos teremos de morrer um dia? E qual a diferença
entre alguém morrer vinte ou cinquenta anos mais cedo? O
tempo não existe, é ilusório e a vida é um sopro. Por que então
se complicar as coisas? Qual a diferença que pode existir no
fato do sopro da vida durar vinte cinco ou cem anos?
Já está comprovado que no instante em que a morte se
aproxima de alguém, este se pergunta: Por acaso, recebi
alguma compensação real por tudo que passei durante a
vida? Esta pergunta só é feita na hora da morte quando as
recordações da vida se condensam de tal modo que parecem
se juntar e formar uma bola pequena e muito iluminada que
rola com muita rapidez, fazendo ressurgir todos os momentos
do tempo vivido e quando esta bola mágica se apaga, a vida
chega ao fim... E se a vida é uma coisa tão passageira, tão
efêmera, compensa alguém procurar complicações durante o
período que lhe foi destinado para usufruir os prazeres de
viver?
Pois bem, King Wu procurara essas complicações e nem
de longe podia avaliar a intensidade das mesmas.
Era um jovem corajoso que não se acovardava diante dos
perigos e tinha resolvido enfrentar o assunto até o final. Estava
disposto a matar, mas tinha consciência que também poderia
morrer.
Porém, no momento, em que entrava no bar mais elegante
da Yee Wo Street, perto do Queen Victory Park, pensava em
coisas bem diferentes.
Fora aquele bar que tinham citado para o encontro.
Não fora ele quem escolhera o local, pois desde o primeiro
instante decidira acatar todas as sugestões que lhe fossem
feitas.
E quando recebeu o telefonema em seu quarto modesto de
um hotel também modesto, de Kowloon, dizendo que
estivesse às nove horas da noite, impreterivelmente, no
“Hoang Ho Bar”, acatou a sugestão de imediato.
Agora estava entrando no bar, mas não sabia com quem
poderia encontrar-se.
Somente sabia que a pessoa que iria procurá-lo era um
agente da CIA, porém nada temia e ia enfrentá-lo com muita
calma.
Morrer é o fim da vida e a morte nunca representou muita
coisa.
Andou até o balcão e sentou em um dos bancos.
Encomendou um suco de frutas ao garçom. Este o estava
atendendo sem desconfiança ou reservas. De quando em vez,
algum chinês farrapento se atrevia a entrar no “Hoang Ho
Bar”, embora só fosse para contemplar as mulheres brancas
que usavam roupas elegantes, com grandes decotes que
mostravam parte dos seios. Aquela visão já era uma vitória ao
pobre chinês farrapento que chegava a sonhar com cenas de
amor e prazer... mas os chineses farrapentos sempre eram
discretamente retirados do “Hoang Ho Bar”.
Porém tudo ficava diferente com King Wu. Bastava um
rápido olhar para compreender que o jovem tinha nível
suficiente para permanecer ali. E algumas das damas brancas
e elegantes que ficariam aborrecidas se um chinês vestido
andrajosamente olhasse para elas, agora se sentiam
decepcionadas pelo fato daquele jovem ignorá-las totalmente.
É que muitas vezes, os olhos de um homem másculo e atraente
revigora uma mulher, um simples olhar masculino em seu
colo, em seus lábios ou em seu corpo provocam-lhe uma
alegria intraduzível por palavras, uma espécie de gratificação
ou recompensa pelo desejo de ser desejada.
— King Wu?
O jovem chinês já tinha notado o homem branco, de
cabelos louros, olhos claros e feições herméticas que sentara-
se no banco vizinho ao seu.
— Sim, sou eu mesmo — respondeu em inglês perfeito.
— Não seria aconselhável se falar de certos assuntos pelo
telefone porém quero avisá-lo com antecedência. Se você
fizer algum gesto que embora remotamente nos pareça
suspeito, considere-se morto. Não teremos a menor
consideração, entendeu?
— Falo um inglês muito bom e o entendo ainda melhor.
— Ótimo. Vou tomar um café e sairei em seguida. Você
também deverá sair dois minutos mais tarde. Pare junto ao
meio-fio e espere a camionete azul que passará para apanhá-
lo. Deverá entrar nela pela parte traseira. Alguma dúvida?
— Não e não pensem que estão tratando com um retardado
mental — sorriu King Wu, parecendo um tanto irritado.
— Isso melhora as coisas para você, porém fique sabendo
que se alguém nos seguir enquanto estivermos rodando com a
camionete, cortaremos sua cabeça e a jogaremos fora para que
seus amigos a recolham.
O louro calou-se. Encomendou um café que tomou com
calma. Saiu do bar, deixando uma cédula em cima do balcão.
King Wu acabou de tomar o suco de frutas, pagou-o e também
abandonou o bar... decepcionando algumas das freguesas
brancas e formosas que achavam que pelo menos, o chinês
devia ter demonstrado um mínimo de interesse por elas.
Hong Kong parecia ferver, como sempre. Letreiros e luzes
coloridas por todas as partes, excesso de automóveis,
pedestres que caminhavam em todas as direções. Somente os
que não apreciavam os verdadeiros prazeres da vida se
arvoravam em viver naquela colônia britânica... que dentro de
poucos anos já não seria colônia. Talvez isso acontecesse
antes do ano 2000, quando então a ilha seria parte da China.
Realmente ia ser assim? Realmente os britânicos iam retirar-
se pacificamente daquela ilha tão bem localizada dentro de
uma das mais importantes passagens mundiais? E não
somente os britânicos, mas muitos países tinham grandes
interesses em Hong Kong, em seus campos industrial e
político. Realmente os ingleses e os outros abandonariam a
ilha?
A camionete apareceu. King Wu caminhou para a parle
traseira, abriu as duas portas e saltou agilmente para seu
interior. Lá estava um outro louro, com tipo de atleta e de
aspecto pouco amável. A luz no interior do veículo foi acesa
e o motorista arrancou.
— Levante os braços — disse o louro.
King obedeceu. Os outros dois agentes da CIA começaram
a revistá-lo, sem se descuidarem de um só detalhe, enquanto
o chinês contemplava os aparelhos que estavam ali dentro com
uma corta curiosidade, entre eles até uma pantalha de Raios-
X.
— Não está carregando nada — disse um dos norte-
americanos que tinham revistado King Wu.
— Sente-se aí — disse um outro.
King Wu obedeceu. O que parecia ser o chefe do grupo se
inclinou sobre ele e examinou seus olhos com uma lupa. Em
seguida, mandou que se despisse da cintura para cima.
Novamente obedeceu sem reclamar. Usaram um detector de
mentiras, um aparelho de eletrocardiograma e em seguida, a
tela de Raio-X. A camioneta continuava rodando os sons do
exterior eram apenas audíveis dentro do veículo que, sem
dúvida alguma, devia ser blindado.
Os exames realizados sobre o tórax de King Wu pareceu
ser satisfatórios, pois em seguida, todos os aparelhos foram
desligados. O homem que havia dirigido a operação, puxou
um outro tamborete de aço e se sentou na frente do jovem
chinês.
— Perfeito. Já ficou comprovado que você não carrega
qualquer substância nociva; seu estômago está límpido e nem
está portando armas. Entretanto, continuamos desconfiados
porque um agente da Lien Lo Pou jamais se aproxima
gratuitamente do pessoal da CIA.
— Não sou da Lien Lo Pou. Sou apenas um universitário
que veio até aqui graças as orientações de um agente da Lien
Lo Pou. Quero que entendam isso perfeitamente.
— Bem, não adianta a gente ficar discutindo agora. Por
que pediu uma entrevista com a agente Baby?
— Na nota que enviei a um dos homens da CIA que agora
está operando em Pequim, fui bem claro e falei que só
conversaria sobre o assunto com Baby.
— Sabemos disso e também sabemos que você mencionou
uma... chuva de sangue sobre o mundo se não podássemos
interromper determinados planos que estão sendo elaborados.
Que planos são esses?
— Por acaso você é Baby? — perguntou King, entredentes.
— Creio que não pode fazer comparações entre nós dois
— riu o americano.
— Então, pare de fazer perguntas porque nada falarei.
O espião americano gastou alguns segundos fixando os
olhos do chinês. Finalmente, apanhou um rádio pequeno de
um dos bolsos internos do paletó e acionou o comando.
Imediatamente, eles ouviram a voz:
— Sim?
— Sou Simon I. O chinês está conosco na camioneta. Já
foi submetido a todos os exames e não pareceu perigoso. O
diabo diz que somente quer falar com você.
— Pois tragam-no de uma vez.
— Mas, pode ser que...
— Céus, o que mais vocês querem? — impacientou-se a
voz feminina. — Eu acabei aceitando todas as medidas de
segurança somente para agradá-los, para que ficassem
tranquilos. Esta casinha está fedendo a peixe fresco. Eu já não
suporto mais este cheiro e acho que estão perdendo tempo
totalmente com todas essas precauções. O que mais vocês
querem?
— Só queremos ter certeza de que ninguém está lhe
preparando uma emboscada — respondeu Simon I de má
vontade.
— A gente nunca está suficientemente seguro.
— Vocês não vão pretender que passemos a vida toda
tomando medidas de segurança contra um só chinês, não é
verdade? Chega de tanta conversa, Simon e me tragam o
rapaz, logo de uma vez.
A comunicação foi cortada. Simon I também desligou o
rádio e olhou para o chinês com hostilidade.
***
O veículo estacionou. Simon I abriu as duas portas e pulou
para o chão. King Wu o imitou. Estavam na frente de um chalé
e havia dois homens os esperando. Dois agentes saltaram da
cabine da camioneta, no total sete agentes para recolherem um
chinês que havia solicitado uma entrevista pessoal com a espiã
mais famosa do mundo.
King Wu se sentia decepcionado. Pensara que tudo fosse
ser mais fácil, menos sórdido. Cheng Shinang fora bem claro
ao conversar com ele:
— Ela é uma mulher excepcional e por isso mesmo, seria
um absurdo tentar enganá-la. Não adianta usar de meias
palavras quando for falar com ela e nem tente engabelá-la.
Fale somente a verdade quando estiver em sua companhia.
Nunca procure mentir-lhe e deixe que seja ela quem dirija
toda a operação. Se confiar em Baby, tudo ira bem. Siga as
minhas instruções ao pá da letra e tudo será resolvido por ela.
— Ela não é inimiga da China?
— É uma pessoa que não é inimiga de ninguém —
defendeu-a Cheng Shinang. — Acontece que trabalha para a
CIA, do mesmo modo como eu trabalho pura a Lien Lo Pou e
sabemos o que deve ser feito. No entanto, se você conversar
com Baby, sei que ela se aliara a nós para resolver esse
assunto que tanto nos preocupa.
— Você acha que isso teria algum sentido?
— Vá procurá-la. Converse com ela francamente, mas não
lhe minta, King. Conte a ela tudo como eu lhe falei e, então,
já poderei me sentir mais respaldado, sabendo que ela me
auxiliará.
— Espere aqui — ordenou Simon I, secamente.
King Wu parou na frente da casa onde estavam os dois
agentes que o contemplavam como se estivessem vendo uma
ave rara. Simon I entrou no chalé.
King Wu distraiu-se escutando o marulhar do mar, que
agora parecia uma massa dourada. Era verdade, por ali tudo
rescendia a mar e a pescado, mas o lugar não era desagradável.
Certamente, desagradável devia ser a tal agente americana.
Cheng Shinang tinha exaltado a beleza e a finura da agente
Baby e agora o rapaz estava decepcionado: ela não
demonstrava ter tanto valor como comentavam, nem devia ser
tão amável como diziam... O desencanto de King Wu ia
aumentando com o passar dos segundos e quase em seguida,
pensou que a mulher que diziam ser a mais perigosa do mundo
devia ser obesa; obesa como uma baleia, também devia ser
desconfiada, agressiva, desagradável e... grosseira como a
maioria das norte-americanos.
— Ei. Você já pode entrar — avisou Simon I, aparecendo
a porta.
King Wu entrou na casa e seguiu o espião até à saleta
diminuta. Assim que transpôs o porta viu a velhinha que se
encaminhava a seu encontro com ambas as mãos estendidas,
enquanto um sorriso muito doce se mantinha em seus lábios.
O chinês também sorriu e instintivamente lhe estendeu as
mãos.
— Então, você fez uma boa viagem desde Pequim?
— Muito boa, graças a Deus... embora um tanto
inquietante. Eu tinha medo que me acontecesse alguma coisa
antes de chegar a Hong Kong.
— Entendo como se sentia. Venha, vamos sentar no sofá e
tomar um copo de champanha. Você gosta de champanha
“Don Perignon”?
— Quase nunca bebo bebidas alcoólicas, salvo em grandes
ocasiões — o rapaz olhava a sua volta e no final, acabou
murmurando: — Pensei que fosse encontrá-la aqui.
O sorriso da anciã se acentuou.
— Quem? — perguntou.
— A agente Baby.
A velha senhora soltou uma risada. King Wu sorriu
novamente e olhou com mais atenção para ela. Seus cabelos
eram completamente brancos, os olhos azuis e brilhantes, a
boca bem desenhada e bastante sensual... as mãos eram jovens
sem uma ruga, rosadas e macias.
De repente, um lento e profundo estremecimento percorreu
todo seu corpo e o chinês murmurou:
— Você é Baby?
— Claro — falou a anciã. — Ainda prefere tomar um suco
de frutas?
— Não, não, talvez este seja um dos momentos que
merecem um copo de champanha “Don Perignon”.
— Para mim todos os momentos são bons para beber um
campanha. Sabe que você é um rapaz muito bonito e elegante,
King Wu? É verdade que não tem qualquer ligação com a Lien
Lo Pou?
— Sim.
— Bom, se você não é da Lien Lo Pou e se eles o
envolveram em um assunto tão sigiloso, é quase certo que
estão pretendendo atraí-lo para suas fileiras. Nos Estados
Unidos, nós os da CIA também agimos desta forma.
— Não me sinto atraído e nem penso dedicar-me à
espionagem.
— Sábia decisão — a anciã sentou-se em uma das
poltronas.
King sentou-se no sofá e só então, ela tirou um pedaço de
papel dobrado do bolso.
— Aqui está a carta que você entregou a um de meus
companheiros que servem em Pequim. Como seria de se
esperar, ele já estava ciente das coisas que vinham ocorrendo
na China durante essas últimas semanas. Porém, quando você
lhe entregou este papel, meu Simon desapareceu da cidade,
pois estava comprovado que fora detectado como espião.
Quem conseguiu identificar suas atividades?
— Não sei exatamente. Quem me falou dele e comentou
algumas coisas foi meu amigo Cheng Shinang que também é
um agente da Lien Lo Pou.
— Como é seu amigo?
— Um tipo normal e não sei como descrevê-lo... Deve ter
uns quarenta anos, estatura média e eu o considero um homem
muito inteligente. Nós nos conhecemos há quatro anos quando
frequentávamos a mesma biblioteca, e desde aquela ocasião
nós temos nos encontrado diversas vezes, pois apesar da
diferença de idade, nos entendemos muito bem.
— Compreendo — sorriu a anciã. — Seu amigo é um
“caçador de talentos”, e você compreende o que quero dizer,
não é?
King ficou pensativo por alguns segundos e exclamou:
— Acha que meu amigo é um desses caras que andam
procurando jovens para engajá-los nos serviços da Lien Lo
Pou?
— Exatamente.
— Talvez esteja certa. Shinang é um homem inteligente e
de caráter.
— E que quis dizer como homem de caráter?
— É um sujeito honesto.
A anciã arregalou os olhos, levantou as sobrancelhas e
empurrou os óculos que tinham escorregado pelo nariz. Olhou
para o papel que continuava segurando e em seguida, para
King Wu.
— Neste bilhete você solicita uma entrevista e esclarece
em qual hotel de Hong Kong poderíamos entrar em contato a
partir de ontem. Também assegura que está disposto a aceitar
todas as condições que eu imponha, desde que a entrevista seja
realizada. E acabou a nota dizendo que pode cair uma chuva
de sangue sobre o mundo se não atalharmos alguns planos.
Que planos são esses?
— Já ouviu falar na “Cerezo Milenário”?
— “Cerezo Milenário”? Sim. Trata-se de uma seita, não é?
— Algo parecido, suponho.
Um dos Simons já havia aberto uma garrafa do “Don
Perignon” e agora servia o champanha em dois copos.
Entregou um destes à anciã e o outro ao jovem chinês.
Fora do chalé que rescendia a pescado fresco, pois era ali
que vários pescadores guardavam suas redes e apetrechos de
pesca, estavam três agentes da CIA vigiando a casa. E na sala
onde acontecia o encontro de King Wu e a espiã mais perigosa
do mundo, estavam os outros quatro. King percebia que se ele
tentasse algo contra a agente Baby, aqueles homens o
trucidariam, antes que pudesse agredir a espiã.
— Uma variedade de seitas se propagam pelo mundo —
disse a velhinha tomando alguns sorvos do champanha. — Eu
já tive oportunidade de pesquisar algumas delas. Costumam
ser decepcionantes, embora sejam denominadas por nomes
chamativos e afirmem que seus adeptos têm projeios
realmente importantes e impressionantes.
King Wu a contemplou com surpresa.
— Fala como se não considerasse avassalador o projeto
que poderá produzir uma chuva de sangue sobre o mundo.
— Na prática, isso seria uma coisa realmente impossível,
pois ninguém poderá provocar chuva de sangue em qualquer
parte do mundo. Suponho que você está empregando uma
metáfora para explicar que a “Cerezo Milenário” poderá
provocar danos profundos no mundo, e isso posso entender.
Portanto, falemos desses planos e sobre o que os membros da
seita pensam fazer...
— Pensam provocar uma chuva de sangue que aliás já
começou, pois foram eles que planejaram e organizaram o
massacre na Praça de Tiananmen. E são eles que estão dando
ordens para serem identificados todos, estudantes, e civis, que
tomaram parte na revolta da praça de Pequim.
— Está dizendo que é a “Cerezo Milenário” quem dá
ordens aos governantes visíveis da China?
— Sim. Somente os que tenham merecido a aprovação da
“Cerezo Milenário” ocupam os cargos realmente importantes
que existem na China. Donde se pode deduzir que é essa
instituição que controla a China. E as coisas não param por aí,
porque sabemos que há em todo o mundo, em todos os países,
outras seitas ou organizações que se equivalem à “Cerezo
Milenário” que se fortifica na China... Também sabemos que
todas elas se mantêm em contato constante, embora em caráter
secreto.
— Francamente, King, até agora não me está causando
grande surpresa... Já há muito tempo que eu sabia da
existência dessas seitas e sabia que todas mantêm contatos
secretos entre si... Que apesar das aparentes discordâncias
oficiais que há entre os diversos países, também há o
entendimento constante e secreto entre as personalidades mais
poderosas do mundo. Como pode ver nada é novidade para
mim.
— Talvez não seja novidade para você — disse o chinês
com um toque de irritação na voz —, mas foi um choque para
mim. Lamento dizer-lhe, mesmo que você não me ajude, eu
irei lutar contra essa equipe de peritos que programam uma
chuva de sangue.
— Equipe de peritos? — exclamou a anciã.
— Sim, a mesma que planejou e mandou executar o
massacre da Praça Tiananmen, que de certo modo provocou
uma chuva de sangue sobre a China... e que poderá provocar
outras chuvas semelhantes sobre quaisquer país que não se
submetam as ordens de seus amos cu se revoltem contra os
mesmos.
A velha senhora tomou o último sorvo do champanha que
estava no copo e o colocou em cima da mesinha que estava
perto de sua poltrona. Olhou para o jovem chinês e disse:
— A noite está começando e temos muitas horas pela
frente. Creio que podemos conversar sobre a “Cerezo
Milenário” e as outras equipes.

CAPÍTULO SEGUNDO
Cerezo Milenário

Já eram quase nove horas quando King Wu acordou e viu


o quarto inundado de sol, mais parecendo uma abóboda
dourada. O rumor do mar chegava até ele.
O mar... Em Pequim não havia mar e o chinês resolveu
aproveitar a oportunidade... Vestiu uma sunga, pulou a janela
e foi para a praia.
Viu a mulher antes de ver a agente da CIA.
Ela estava sentada na areia, seus pés quase tocavam nas
ondas que morriam lentamente na orla marítima.
Estava pensativa, imóvel, como se na realidade seu espírito
estivesse muito longe dali.
Um dos homens da CIA apareceu prontamente e ficou
olhando para ele com hostilidade, mas King lhe fez um sinal
apontando para o mar, como dando a entender que somente
queria nadar um pouco. Como o outro se mantivesse calado,
encolheu os ombros e continuou caminhando para a praia.
Caminhava para a praia, mas seus olhos não se afastavam
da jovem que continuava sentada na mesma posição, usando
somente a parte inferior do biquíni. As chinesas, descendentes
de uma civilização milenar, geralmente tinham corpos
perfeitos e lindos, mas ele jamais vira um outro que o
empolgasse daquele modo. Suas linhas eram sinuosas e a pele
dourada. Os seios eram túrgidos, firmes e agressivos.
Sinceramente era linda e ele parou para observá-la, sem dar
muita importância aos agentes da CIA que surgiram como em
um passe mágico e agora o observavam com muito cuidado e
atenção.
Mesmo que quisesse prosseguir, não podia estava
encantado com a ninfa que os deuses haviam colocado em seu
caminho. Jamais tinha visto uma pele tão acetinada, cabelos
tão negros que tinham reflexos azulados.
Ele estava fascinado e mais fascinado ficou quando ela
abriu os olhos que mantinha fechados e o fitou sorrindo.
King Wu embasbacou, pois jamais vira outros olhos tão
azuis, imensos e brilhantes.
A ninfa olhou para ele e disse, sorrindo:
— Bom-dia, King. Você passou bem a noite?
O chinês tinha a impressão de ter recebido um murro direto
que o deixara meio abobalhado. Não podia acreditar no que
via. Sentou-se na areia e balbuciou:
— Que o Buda me valha! Você é você?
— Quem mais eu poderia ser?
— Não! Jamais eu poderia pensar que a velhota... Se não
visse seus olhos!
— Sempre há um detalhe revelador para olhos que sabem
ver — sorriu a formosa espiã norte- americana. — Você ia dar
um mergulho?
— Sim.
— Pode ir que eu ficarei esperando por você. Depois,
então...
— Podemos falar agora. O banho poderá ficar para mais
tarde.
— Bom, para começar, vou fazer um resumo de tudo que
conversamos ontem de noite, preciso convencer-me que nos
entendemos bem. Preste atenção, King e me corrija se errar
em algum ponto. Vamos começar falando diretamente da
“Cerezo Milenário”, uma seita análoga a muitas outras que
estão espalhadas pela maioria das nações. Muitos poderiam
classificá-la como uma seita de prestígio, à qual somente se
agregam pessoas influentes e poderosas e são estas que
designam os ocupantes para os cargos mais altos que existem
na China, sejam estes militares ou políticos. A “Cerezo
Milenário” impõe-se com autoridade, fazendo uso da
violência sempre que esta se torne necessária. É um grupo que
age de acordo com os métodos que me sejam convenientes.
Concorda com meu raciocínio?
— Perfeitamente.
— Como vê a “Cerezo Milenário” é um grupo influente e
não poderia aprovar a demonstração de desagrado que foi
organizada pelos estudantes que ocuparam a Praça de
Tiananmen1. Fato plenamente compreensível, pois os
senhores poderosos não pensam permitir que alguém ou
algum grupo tentasse desmoralizar os privilégios que a Seita
tinha conquistado através de várias gerações, de várias
décadas, desde que fora organizada. Durante todos esses anos
somente os descendentes de famílias poderosas do país foram
agregando-se àquele núcleo que denominavam de “Cerezo
Milenário”, cujo principal objetivo era o controle dos cargos
mais importantes e efetives que existiam na China. Sob
hipótese alguma, eles iriam permitir que neste final de século

1
O protesto da Paz Celestial foi um dos episódios mais marcantes do fim da
Guerra Fria. Trata-se uma manifestação popular contra o Partido Comunista Chinês
(PCC). Os protestos aconteceram entre 15 de abril e 5 de junho de 1989, finalizados
com o massacre da Praça da Paz Celestial, no centro político de Pequim. Com a
queda da União Soviética, a China (assim como outros países socialistas) rendeu-
se ao capitalismo. A abertura econômica, entretanto, não foi acompanhada de
reformas políticas, deixando a população insatisfeita com a repressão aos direitos
individuais, à liberdade de imprensa e de expressão, e com as péssimas condições
sociais. Após os protestos, o país abrandou a linha-dura, apesar de o PCC seguir
controlando a mídia e a influência cultural externa. Após o massacre, nenhum
movimento enfrentou o partido de novo. (Nota do revisor)
um grupo grande de estudantes se reunisse para exteriorizar o
desagrado do povo ao sistema implantado há anos... Algo
devia ser feito com urgência para abafar aquele movimento de
desagravo... e para abafá-lo de nada valeriam uma queima de
balas de festim ou jatos de água fria sobre o povo revoltado.
Nem tão pouco, surtiria efeito a prisão de alguns dos rapazes
a golpes de porrete... Tudo seria um tratamento por demais
brando àqueles jovens. Precisavam agir com mais energia...
de forma mais impressionante. E foi então que decidiram
apelar para a “Equipe Ming”. Correto?
— Sim.
— A “Equipe Ming” já funcionava há vários anos e sempre
a serviço da “Cerezo Milenário”. Na realidade é uma espécie
de... filial, uma espécie de assessoria; digamos que a “Equipe
Ming” é a parte executiva da seita “Cerezo Milenário”, pois é
nela que se reúnem os planejadores e os estrategistas da seita,
aqueles que analisam as situações e decidem quais as soluções
que devem ser tomadas, como por exemplo, quando devem
ser executada uma determinada missão. Geralmente a “Equipe
Ming” não costuma tomar medidas excessivamente duras,
porém quando estourou a revolta estudantil foi esta
organização que sugeriu os castigos rigorosos a todos que
tivessem tomado parte no movimento. Talvez tivesse medo
que o mesmo se repetisse com mais intensidade meses mais
tarde. Determinou que o castigo fosse implantado com rapidez
e que este fosse um “castigo definitivo”. E quem tinha
autoridade para aplicar “castigos definitivos” ao grupo? O
exército. E foi por isso que a “Equipe Ming” aconselhou que
a “Cerezo Milenário” solicitasse a colaboração do exército e
foi exatamente o que aconteceu. A violência recrudesceu,
provocando um verdadeiro massacre de jovens que comoveu
o mundo inteiro. Não foi isso que aconteceu?
— Sim — confirmou King Wu com voz tensa.
— A “Equipe Ming” pressionou muita gente para os
estudantes serem punidos com rigor. A China é um pais
superpovoado, somos muitos chineses que se sentem
descontentes e eles tentaram abafar a revolta com rapidez. Nós
pensamos em reagir até o final, mas como podíamos enfrentar
tanques blindados? E também sabíamos que algumas milhares
de mortes só iriam assustar os duzentos milhões de chineses
que aspiravam a liberdade e por isso, paramos de lutar.
A espiã americana sacudiu a cabeça concordando.
— Porém aqueles homens prepotentes ainda não estavam
satisfeitos, King. Sindicaram, investigaram e acabaram
localizando os jovens líderes do movimento estudantil e,
agora os militares os estão executando em grupos, tão logo
sejam localizados. Para conseguirem isso, têm pedido
colaboração a diversas corporações e, agremiações, inclusive
à Lien Lo Pou. E é com a ajuda de seus membros que eles têm
conseguido capturar várias pessoas que participaram do
movimento e todas foram executadas sumariamente. O pior é
que os militares estão forçando uma indenização singular: os
parentes devem pagar os cartuchos usados no fuzilamento.
— Essa ideia amalucada surgiu entre os integrantes da
“Equipe Ming” — balbuciou King Wu.
— Eu já desconfiava disso, pois tudo foi urdido dentro das
linhas mais puras do terrorismo psicológico. Onde se viu uma
mãe ou um pai indenizar alguém ou um país pela bala que foi
usada no fuzilamento de seu filho? Felizmente para o mundo,
nem todos que estão atuando no caso dos estudantes da Praça
Tiananmen se sentem satisfeitos com os rumos que os fatos
tomaram. Vários militares e outras personalidades não
concordam com a situação atual, embora se mantenham
calados e ajam como se estivessem acatando todas as
instruções que lhes são dadas. Uma das pessoas que mais
discordam com a situação atual e que de forma alguma
aceitam a repressão brutal que está sendo realizada pelo
Estado, é exatamente seu amigo Cheng Shinang, um agente
da Lien Lo Pou e embora continue executando todas as ordens
que recebe, uma ideia vem florescendo em sua mente: Por que
não eliminar a “Equipe Ming” e se possível, também a
“Cerezo Milenário”? Seu amigo é um homem inteligente e
sabe que sozinho jamais poderá levar esses planos avante, mas
tem medo de pedir ajuda a quem quer que seja. Tanto os
colaboradores da “Equipe Ming” como os da seita se mantêm
no anonimato. Todos sabem que existem, mas ninguém pode
apontar um deles. Porém, Shinang é forçado a pedir auxílio,
mas quem está em condição de ajudá-lo? No momento em que
solicitasse colaboração, poderia solicitá-la exatamente a um
dos componentes de qualquer um dos dois grupos ou a algum
colaborador simpatizante dos mesmos. Cheng Shinang deseja
exterminar, dizimar os dois grupos, mas sente que não pode
pedir ajuda a ninguém que viva na China. Tem medo de
denunciar-se e tornar seus planos conhecidos pelos
adversários incógnitos. Se isso acontecer, certamente acabará
sendo decapitado e o que menos almeja, é desaparecer do
mundo sem ter chances de auxiliar sua pátria amada, sua
China. Como deve agir? Ao se fazer essa pergunta, uma outra
ideia brotou em sua mente: Por que não solicitar auxílio à
agente Baby da CIA? Todos sabem que esta é a espiã mais
perigosa do mundo e ele conhecia muito bem algumas de suas
proezas... Coisa muito natural porque é um espião veterano.
Conhece bem uma colega principalmente quando esta é
internacionalmente famosa. Desde o início soube que seus
planos agradariam a Baby. E como está decidido a fazer o que
possa pelo bem o progresso da China, eu não poderia recusar
seu amável convite. Concorda?
— Sim.
— E agora, seu amigo está esperando que eu extermine a
“Equipe Ming”, não é?
— Pelo menos, alguns de seus membros mais importantes
e inteligentes — concordou King. — E como eu já a informei
ontem à noite, eles deverão embarcar no transatlântico “Hong
Kong Sky” que partirá para Singapura.
— E segundo seu amigo, eles vão àquela cidade
precisamente para preparar alguns novos planos que deverão
pôr em prática contra alguém.
— Pode ter certeza que se alguns da “Equipe Ming” saírem
da China, o objetivo da viagem não será o turismo. Vão a
Singapura para tramar algumas de suas sujeiras habituais.
Gostaria que você intervisse no caso, mas se se recusar,
tentarei fazer tudo sozinho. Estou decidido a matar toda a
“Equipe Ming” antes que o “Hong Kong Sky” chegue a
Singapura. Todavia, não sei ainda quem são, não conheço seus
aspectos físicos, mas poderei reconhecê-los quando todos nós
estivermos no navio. Por ora, somente sei quais são os
camarotes que os seis membros mais importantes do grupo
irão ocupar.
— Como Cheng Shinang, um agente da Lien Lo Pou pôde
reunir essas informações?
— Não sei. O importante não é a forma que usou para obtê-
la! O mais importante do caso é que as conseguiu!
— King, há algumas informações que só podem conseguir-
se quando se está dentro de uma equipe.
— O que está querendo dizer?
— Seu amigo só poderia tê-las conseguido de dois modos:
Primeiro, solicitando a colaboração de algum membro da
“Equipe Ming”, ou de acordo com minha segunda hipótese,
talvez o próprio Cheng Shinang seja um dos membros dessa
equipe ou então, alguém que colabore com ela.
— Não! Shinang jamais se reuniria a homens
inescrupulosos! — quase gritou o rapaz chinês.
— Por que não? Talvez se fizesse isso poderia obter
algumas informações que viriam facilitar- lhe a destruição da
odiosa “Equipe Ming” — refutou Baby, muito suavemente.
O jovem chinês ficou sem saber o que lhe responder.
Lembrou que o amigo no final das contas era um espião e que,
todo espião é um profissional da mentira e um amante dos
riscos. Por que não admitir a ideia exposta por Baby, e por que
não pensar que Shinang seria capaz de fazer muitas coisas
outras para conseguir uma informação positiva sobre a
“Equipe Ming”?
— Seja como for — murmurou — nós facilmente
saberemos quem são os membros máximos da equipe e não
encontraremos dificuldades para eliminá-los.
— Realmente acredita que tudo vá ser tão fácil? — sorriu
a espiã americana. — Pois vou dizer-lhe uma coisa: Se eu
fizesse parte da “Equipe Ming” e se tivesse que viajar de
Pequim à Singapura, de forma alguma iria de navio.
Certamente, iria escolher o avião e se fosse possível, ia dar
preferência a um avião particular. Não acredito que essa
escolha fosse prejudicar os senhores importantes que estão
ligados à presidência da equipe. Uma viagem de navio
significaria quase trinta horas em contato com a massa. Eu me
sentiria como que encurralada se tivesse de viajar com tanta
gente a minha volta. Você entende que as pessoas especiais
sempre procuram distanciar-se das aglomerações, das pessoas
que não têm os mesmos atributos que elas dispõem... mas
voltando ao nosso assunto, por que viajar de navio, uma ilha
flutuante da qual dificilmente se pode escapar em um
momento de apuro ou de qualquer imprevisto? Por que viajar
de navio quando poderiam fazê-lo em um jato particular? Eu
se fosse membro de uma equipe igual ou semelhante a
“Equipe Ming” jamais viajaria de navio.
— Eu não sei o que faria... E qual é sua opinião sobre o
caso?
— Penso que talvez essa tal de “Equipe Ming” seja um
grupo de assassinos que têm a missão de assassinar a agente
Baby durante a viagem Hong Kong-Singapura. Não precisa
ficar tão espantado, sei que você nem de longe iria imaginar
que isso pudesse acontecer, mas seu amigo Cheng talvez tenha
planejado tudo isso e outras coisas mais elaboradas. Durante
minha vida já tenho passado por momentos bem difíceis,
muitas vezes me têm estendido armadilhas, mas sempre me
safei muito bem de todas. Elas já nem me impressionam
mais...
— Isso não é verdade — murmurou o rapaz. — Não pode
ser verdade! Cheng não ia preparar nada contra você, se o que
mais deseja, é eliminar a “Equipe Ming”! Ele procura
interromper alguns planos que podem produzir uma chuva de
sangue sobre Singapura, uma chuva semelhante àquela que
caiu sobre Pequim! Ele quer eliminar os canalhas e se você
não quer me ajudar farei tudo sozinho!
— Eu o aconselho não ficar tão agressivo — sorriu Baby.
— Um de meus companheiros poderia não entender bem sua
intemperança e lhe meter uma bala em seu crânio, antes que
tivesse tempo para reagir. Você sabe que ninguém pode gritar
com Baby, por isso, procure dominar esse seu mau gênio!
King a olhou com surpresa e depois para os três agentes da
CIA que estavam distribuídos em torno da sala, todos
acompanhando seus movimentos com muita atenção. Um
deles até segurava a pistola com a mão direita e a arma estava
apontada para sua cabeça.
— Juro pela China como disse somente a verdade —
murmurou, finalmente.
— Sei que você está falando a verdade — sussurrou Baby
—, mas por que devo acreditar em Cheng Shinang se nem
sequer o conheço? King, você poderia estar sendo um
instrumento em suas mãos.
— Talvez você tenha razão, mas raciocine, se o pessoal vai
viajar por mar deve ter seus próprios motivos, não é?
— Concordo. As pessoas que como nós, vivem arriscando
suas vidas, nunca agem impulsivamente, sempre procuram
calcular, pensar e programar todos seus passos. Você disse
que o navio zarpará amanhã de manhã, às onze horas?
— Sim e já estou com duas passagens no bolso. A minha
e a sua.
— Esplêndido — sorriu a espiã mais linda do mundo. —
Porém não chegaremos juntos ao navio. É preferível que
ninguém suspeite de nós. Portanto, preste atenção e veja o que
vamos fazer: Agora, aproveitaremos esse sol magnífico e esse
mar esplendoroso; depois tomaremos o desjejum a
acertaremos alguns detalhes que devem ser seguidos e quando
tudo estiver bem entendido e analisado, dois companheiros o
levarão a Kowloon, perto de seu hotel. A partir de então, salvo
que eu o requeira para alguma coisa, você deve agir como se
estivesse sozinho no assunto. Amanhã de manhã, você
embarca no “Hong Kong Sky” e simplesmente, ficará
aguardando minhas instruções. Entendido?
— Sim... Sim.
— King, não sou uma... espiã comum que anda roubando
microfilmes, a fim de obedecer as ordens recebidas.
Absolutamente. Não tolero que alguém me dê ordens. Sou eu
quem as dá, quem determina o que deve ou não deve ser feito.
Se você não me obedecer, eu o soltarei no navio. Entendido?
— Cheng já me tinha falado nisso e disse que eu devia
seguir todas suas instruções — sorriu King Wu,
evidentemente satisfeito. — Então, você resolveu intervir
neste caso?
A espiã também sorriu um sorriso frio e o jovem chinês
sentiu um friozinho correr-lhe pela espinha dorsal.
— Amiguinho, ninguém me fará fugir como uma
pombinha assustada — falou Baby, suavemente. — Que
ninguém pense que pode assustar-me somente porque
planejou preparar-me uma emboscada... E uma coisa é
evidente, quem a preparou, terá de sofrer as consequências
que certamente surgirão.
***
O chefe da CIA em Hong Kong que até então se mantivera
afastado do caso, foi chamado pelo rádio e momentos mais
tarde, entrou no carro que estava estacionado em uma rua
afastada da ilha.
Quando olhou para a mulher lindíssima que tinha olhos
verdes, luminosos, murmurou:
— Por Deus! Você não devia ter vindo pessoalmente.
— Conseguiram as fotos?
— Lógico! Mas é bem como eu digo...
— Simon, entregue-me as fotografias, por favor.
Simon-Hong Kong apanhou um envelope do bolso e o
estendeu à loura. Em seguida, pegou o lenço e enxugou a testa
perlada de suor. Estava suando mais de angústia do que
propriamente de calor.
Enquanto isso, a loura ia passando as fotografias, todas
elas instantâneas. Uma coletânea de rostos de homens
chineses. Havia no total dezessete fotos, mas estas eram
somente de seis sujeitos apanhados dentro do navio.
Essa parte da operação fora realizada com facilidade.
Vários agentes subalternos, chineses, se distribuíram em
vários locais do “Hong Kong Sky” horas antes do barco zarpar
à Singapura em uma viagem sem escalas. Esses agentes da
CIA tinham recebido informações e sabiam quais os
camarotes que os seis membros da “Equipe Ming” ocupariam
e, a medida que estes iam aparecendo nos corredores para se
instalarem em seus respectivos camarotes, iam sendo
fotografados com pequenas e sofisticadas câmaras que
podiam ser manejadas com facilidade.
O resultado dessa tarefa estava nas mãos da loura de olhes
verdes: dezessete fotografias coloridas que retratavam seis
homens chineses: a presidência da “Equipe Ming”. Pelo
menos, agora, ela já conhecia os membros da equipe que iam
viajar à Singapura... porém, ainda precisava descobrir o que
iam fazer naquela cidade... Depois do extermínio maciço da
Praça Tiananmen quando os estudantes foram massacrados
com violência, talvez aquelas pessoas se tivessem tornado os
criminosos mais maquiavélicos da época moderna.
— Perfeito, Simon — murmurou a moça com um sorriso.
— Agradeço pela colaboração que me estão dando.
— Cuidado, esse navio está transformado em um ninho de
víboras.
Baby sorriu, olhou para os retratos e zombou:
— Olhe para esses homens, Simon. São um bocado
simpáticos e mal parecem ser empresários prósperos.
— Estou falando sério!
— Eu sei, Simon — concordou, colocando sua mão sobre
a do rapaz. — Desista, porque nada que me diga, fará mudar
minha decisão: Vou a Singapura, haja o que houver. Você viu
King Wu?
— Claro. Aquele maldito vai fazer com que alguns idiotas
a assassinem!
— É possível que isso aconteça — admitiu ela. — Bem,
obrigada por tudo. Espero que nenhum dos rapazes que me
ajudaram em terra tenha subido a bordo porque King Wu os
conhece e se realmente nos está mentindo...
— Ele também conhece você!
— Bem, eu tenho uma coleção de recursos, sabe? São
especiais... — falou com malícia. — Eu insisto, Simon, não
quero que nenhum dos rapazes que me ajudaram em terra,
viajem conosco. Creio que não preciso dar maiores
explicações, não é?
— Sim.
— Ótimo! E por favor agradeça a todos por mim e lhes
diga que mando um beijo a todos meus amados.
O agente que estava ao volante a fitava como que
hipnotizado.
— Baby, estou pertinho e não preciso receber recados do
chefe... Por que não me dá o beijo logo de uma vez?
— Creio que não se deve perder momentos valiosos — riu
Baby, beijando-o nas faces e em seguida, beijou Simon-Hong
Kong.
Desceu do carro e apanhou a maleta vermelha estampada
de flores azuis e a mala de viagem também vermelha.
Rapidamente se encaminhou ao navio que estava ancorado...,
quando punha os pés na coberta, soou o primeiro apito
avisando que os visitantes deviam desembarcar.
Um camareiro chinês fardado de branco a acompanhou ao
camarote que lhe estava reservado na coberta de botes, classe
de luxo.
Baby notou que havia muitos chineses em todas as partes
do navio, coisa natural, mas na classe de luxo a maioria dos
passageiros era da raça branca.
Um passageiro alto, elegante, forte, de cabelos castanhos
que estava debruçado no tombadilho quase comeu a loura
sensacional com os olhos, mas esta nem olhou para ele.
Entrou no camarote que o camareiro lhe indicara, deu-lhe
uma gorjeta e o chinês fechou a porta. Naquele instante, soou
o segundo apito anunciando que dentro de minutos o “Hong
Kong Sky” estaria zarpando rumo a Singapura.
A senhorita Lili Connors tirou a peruca loura e as lentes de
contato verdes e as guardou no fundo falso da maleta de mão.
Em seguida, despiu-se completamente e colocou uma
camiseta larga e longa que cobria até suas virilhas. Não ia ser
nada agradável usar aquela peça horrenda, mas seria sua
proteção em caso de alguém disparar uma arma de fogo ou
tentar esfaqueá-la.
Olhou-se no espelho. A imagem refletida não tinha muita
elegância, mas embora parecesse uma ironia, aquele corpete à
prova de bala lhe caía muito bem, estava certíssimo em seu
corpo. Despiu-o e entrou no quarto de banho. Fez uma trança
dos cabelos negros naturais. Foi então que soou o terceiro
apito, avisando que todos os visitantes deviam abandonar o
navio.
Quando terminou de fazer a trança, o navio começava
afastar-se do píer... Enrolou a trança à nuca, formando um
lindo coque. Escolheu lentes de contato negras que escondiam
perfeitamente o azul de seus olhos.
E finalmente, o “toque especial”: com um aparelho que
parecia ser um diminuto lápis depilador elétrico, deu um
rápido toque nos cantos exteriores dos olhos, formando uma
ruga diminuta. A aparência mudou completamente, seus olhos
ficaram amendoados, totalmente orientais.
Depois vestiu rapidamente uma saia e uma blusa comum e
saiu do camarote, levando consigo somente a maleta que
jamais abandonava e dentro desta, além do corpete à prova de
bala, muitas coisas interessantes e... úteis.
O transatlântico havia zarpado há uns quinze minutos e a
senhorita Connors, a loura sensual que possuía olhos verdes e
sonhadores continuava desaparecida. No entanto, uma
passageira que ninguém tinha visto na hora do embarque e que
agora procurava o camarote que lhe estava reservado na
Classe de Turismo.
Apareceu no tombadilho e se dirigiu diretamente ao
corredor.
Era uma mulher bonita de tipo excêntrico, uma mistura das
raças chinesa e branca e em seus documentos estavam em
nome de Margaret Lipiang.
O camareiro que dirigia os passageiros a seus respectivos
camarotes, olhou-a com surpresa quando ela se aproximou
dele.
— Por favor, poderia indicar-me qual é o camarote 145, da
Classe de Turismo? Acabo de visitar alguns amigos que
viajam no 145 da Classe de Luxo. Muito engraçado a
coincidência de números, não é?
CAPÍTULO TERCEIRO
Viagem a Singapura

Às quatro horas da tarde, a agente Baby começava suas


mudanças pelos tombadilhos depois de ter comido um almoço
suculento, ter dormido um sono reparador e ter gasto algum
tempo para definir da melhor maneira possível a situação e a
disposição dos membros da “Equipe Ming”.
Na classe de turismo, na mesma em que ela viajava, um
desses homens estava ocupando o camarote 116. Não viajava
sozinho, estava acompanhado de uma mulher que parecia ser
sua esposa. No camarote 120 da mesma coberta viajavam
mais dois membros da presidência da equipe. No camarote 24
da primeira classe viajava um outro, mas este ocupava o
camarote sozinho, sem qualquer companhia.
No camarote “A da classe de luxo viajava mais um deles,
também acompanhado por uma mulher, mas esta não tinha
aspecto de ser sua esposa, era uma mulher que devia ter vinte
e dois anos no máximo, muito linda e jovem para estar casada
com alguém que aparentava mais de cinquenta e cinco anos.
Por mais que repassasse a numeração dos camarotes e de
seus ocupantes, não chegava a um resultado positivo. Somente
tinha identificado cinco, mas Cheng Shinang dissera a Kin Wu
que eram seis. Bom, havia as duas mulheres, mas estas não
foram mencionadas nas informações que havia recebido.
Teria havido algum deslize em seu raciocínio? Neste caso
devia corrigi-lo, antes da senhorita Lipiang fazer o que estava
premeditando: assassinar tranquilamente todos os membros
da “Equipe Ming", mas de forma alguma queria cometer um
engano e matar um homem que aproveitava a oportunidade
para fazer uma viagem de recreio com a esposa ou uma
amiguinha complacente.
Mais uma vez, a senhorita Lipiang repassou as fotografias
dos cinco homens e das duas mulheres. Sua memória visual
era excelente, mas não queria cometer uma falha irreversível...
Depois de examiná-las com muito cuidado, guardou o
envelope das fotos em sua maleta vermelha com florezinhas
azuis. Em seguida, apanhou o maço de cigarros que camuflava
o rádio diminuto com onda especial que sempre carregava
consigo.
Acionou-o e ouviu a voz de King Wu.
— Sim?
— Continua no camarote 41?
— Claro e já estava ficando impaciente... Porra! Por que...
— Vou para aí. Espere-me.
Desligou o rádio e o guardou na valise que fechou em
seguida. Saiu do camarote levando-a na mão esquerda.
Atravessou o corredor principal, prestando muita atenção nas
plaquetas indicadoras que mostravam os laterais. O camarote
41 estava no final do corredor principal.
Bateu levemente na porta e esta foi aberta imediatamente.
King Wu chegou abrir a boca para falar, mas ao ver a mulher
eurasiana parada a sua frente, fechou-a de novo, engoliu um
seco, arregalou os olhos sem saber o que dizer, mas acabou
afastando-se para lhe dar passagem.
Baby entrou sorrindo e ele fechou a porta em seguida.
Ficou olhando para a desconhecida que continuava sorrindo e
murmurou:
— Imagino que seja você.
— Sim, sou eu mesma.
— Você vive me deixando atônito.
— Não reclame e veja as fotos que lhe trouxe.
— Estupendo! — exclamou King. — Estava ansioso para
vê-la, não pode imaginar como estou desejando ver as caras
dos assassinos!
O camarote do jovem chinês era idêntico ao que fora
reservado à Margaret Lipiang: pequenino, com um quarto de
banho diminuto, um sofá que à noite se transformava em
liteira e um beliche. Foi neste sofá que a senhorita Lipiang se
acomodou. King sentou-se a seu lado e abriu o envelope que
ela lhe tinha entregue.
Começou a ver as fotografias com grande interesse e em
seguida, perguntou:
— Quem é essa mulher?
— Não sei. Os homens são cinco, mas dois estão viajando
acompanhados. Esta é uma das mulheres e a outra é uma
chinesinha encantadora.
O rapaz estava confuso, pois Shinang nada lhe falara sobre
mulheres no grupo. Passou alguns segundos meditando e
quando olhou para a espiã, este já acendera um cigarro e o
fumava calmamente.
— Não compreendo tudo isso — sussurrou King Wu. —
Cheng Shinang nada comentou sobre essas mulheres e, por
outro lado, tenho certeza que me disse que eram seis homens
e, agora, só aparecem cinco caras diferentes nas fotos e eles
parecem...
Calou-se indeciso por frações de segundos e continuou:
— É, todos têm aspecto de homens pacíficos, homens de
negócios... Juro como estou ficando confuso.
— Não se preocupe porque isso é o menos importante. Seu
amigo conhece os seis membros da “Equipe Ming” que iam
fazer esta viagem?
— Não sei, mas suponho que não, pois se os conhecesse,
me teria dito seus nomes, no entanto, apenas me indicou em
quais camarotes eles deveriam viajar. Você tem certeza de que
seus companheiros da CIA fotografaram as pessoas certas?
— Só sei que fotografaram as pessoas que se instalaram
nos camarotes que você nos indicou — respondeu Baby,
prontamente.
— Se foi isso o que fizeram, então dever ter fotografado
os membros da equipe.
— Porém ainda continua faltando um.
— Talvez este fosse viajar no camarote 24 com o
companheiro que o está ocupando sozinho, porém, à última
hora talvez tivesse mudado de planos ou quem sabe se não
adoeceu... Milhões de coisas podiam ter acontecido.
— Concordo com você, King, mas continuamos com o
mesmo dilema: Se atacarmos os homens e se estes não forem
os membros da “Equipe Ming”, podemos cometer um erro
irreparável. Não semente porque prejudicaríamos pessoas
inocentes, mas também porque nos poríamos em evidência. E
depois que ficarmos em evidencia, seremos facilmente
identificados pelos assassinos que constituem o grupo que vai
para Singapura; e enquanto nós dois estivermos correndo
perigo de vida, eles continuarão protegidos pelo anonimato e
com facilidade poderão eliminar as duas pedrinhas que têm
dentro do sapato... Você entende, não é?
King fitava a senhorita Lipiang com ar aparvalhado e só
depois de alguns segundos, conseguiu reagir.
— E o que vamos fazer? — perguntou.
— Se estivéssemos vivendo heras normais em terra firme,
eu gastaria mais algum tempo, talvez o resto do dia e parte da
noite, para fazer novas sindicâncias, que confirmassem se
realmente não estamos seguindo pessoas erradas, mas se eu
fizesse isso, teria de iniciar todas elas da estaca zero, sem
contar com a possibilidade que talvez tenham viajado a
Singapura de avião.
— Cheng me teria avisado se tivessem mudado de planos.
— Ele sabia onde você estava hospedado em Hong Kong?
— Claro.
— E está sabendo em que camarote você está viajando?
Ele sabe que você reservou o 44 para mim?
— Sim. Cheng sabe de tudo, mas você não está viajando
no 44 e... eu não sei qual está ocupando.
— Se tiver necessidade de falar comigo, chame-me pelo
rádio.
— Puxa, quando vai aprender a confiar em mim! —
protestou King.
Margaret Lipiang soltou uma risada e se levantou do sofá,
aproximou-se da porta, abriu-a e olhou para o rapaz.
— King, se dentro de dez minutos eu não o chamar pelo
rádio, abandone este camarote imediatamente e se esconda em
qualquer canto até o navio aportar em Singapura.
— O que você está pensando fazer?
— Não podemos perder mais tempo com indecisões.
Precisamos agir com rapidez porque as horas passam voando
e dentro de algumas ‘Hong Kong Sky” deverá estar chegando
a seu destino e eu pressinto que não há muitas escolhas a
minha frente. Creio que terei de passar a ação direta, sem
perda de tempo. Faça o favor de cuidar-se, entendeu?
Saiu do camarote sem esperar a resposta. Cortou caminho
por um dos corredores laterais, até chegar às escadas que
serviam como vias de comunicação entre as diferentes
cobertas. Subiu até a primeira classe, procurou o camarote 24
e bateu na porta.
Uma voz masculina só respondeu uns oito ou dez segundos
mais tarde, com um forte acento chinês. Ela insistiu de novo,
enquanto falava em inglês:
— Johnny, sou Margaret. Abra logo de uma vez.
Houve outros segundos de silêncio, enquanto a espiã
ficava imaginando os pensamentos do homem que estava do
outro lado da porta: Ele preferia deixar que o silêncio fosse a
resposta, mas compreendia que era muito mais fácil abrir a
porta, convencer a importuna que a pessoa que procurava
não estava em seu camarote.
Finalmente a porta foi aberta. O chinês que aparecia nas
fotos como o passageiro que estava ocupando o camarote 24
ficou visível. Estava em mangas de camisa e tinha uma
aparência agradável. Devia ter mais de cinquenta anos, os
cabelos começavam a ficar grisalhos e seu aspecto não podia
ser mais inofensivo.
— Parece que a senhorita se enganou — disse
amavelmente em inglês.
— Vejo agora que o senhor não é o Johnny — respondeu
a eurasiana com um sorriso singelo —, mas isso não significa
que ele não possa estar aí dentro. E eu lhe vou dizer uma coisa,
senhor: Se por acaso estiver ocultando Johnny, vou armar um
verdadeiro escândalo dentro do navio e o senhor ficará tão
envergonhado que não terá mais cara para sair deste camarote
até aportarmos em Singapura!
— Eu... eu não entendo o que a senhorita está querendo
exatamente? — murmurou com um fiado de voz.
— Quero falar com Johnny e, por isso, vá saindo de minha
frente porque eu quero entrar.
O chinês não disse uma palavra e se afastou para lhe dar
passagem. Em seguida, encostou-se à parede e permaneceu
imóvel como se fosse uma estátua esculpida em granito.
Baby fechou a porta e a pistola nacarada de madrepérola
surgiu imediatamente em sua mão, pois estava escondida na
manga da blusa.
Apontou a arma para o sofá. O chinês compreendeu a
ordem muda e se sentou nele sem relutar. Seus olhos agora
pareciam duas bolinhas de cristal negro que a fitavam gélida
e inexpressivamente.
Naquele instante a agente mais famosa da CIA começava
a adquirir a certeza de que não se havia equivocado, que
realmente o chinês era um dos integrantes da “Equipe Ming”.
— Apanhe seus documentos e os coloque em cima desta
mesa — ordenou a senhorita Lipiang.
Ele mostrou seu casaco que estava no espaldar de uma
cadeira e a falsa eurasiana sorriu friamente. Aproximou-se da
cadeira sem desviar o cano da arma, meteu a mão no bolso
interior do casaco e apanhou uma carteira. Abriu-a e
encontrou dentro desta somente dinheiro e uma carteira de
identidade na qual constava o nome de Poi Tsiang,
comerciante e residente em uma das ruas do Distrito
Causeway Bau em Hong Kong.
— Onde está seu passaporte?
O suposto Poi Tsiang continuou em silêncio. A falsa
chinesa o fitava com um olhar entre divertido e perverso ao
mesmo tempo. O homem, contudo, entendeu seu significado
e respondeu:
— Não tenho passaporte.
— Como não tem passaporte se vai precisar dele em
Singapura?
Tsiang permanecia em silêncio. Margaret Lipiang olhou a
seu redor lentamente, aproximou- se do armário e o abriu:
Havia poucas roupas penduradas em cabides e na prateleira
superior somente uma mala de viagem da melhor qualidade.
Apanhou-a e a colocou em cima da mesinha que estava perto
do sofá.
— Abra-a — ordenou.
Poi Tsiang obedeceu. A mala estava vazia. A espiã
examinou-a com cuidado, mas comprovou que não havia
qualquer compartimento secreto ou simulado nela.
Enquanto isso, Tsiang continuava imóvel, impávido, sem
afastar os olhos da estranha que estava remexendo em toda
sua bagagem.
— Não acredito que o senhor seja um ignorante, pois
somente um idiota viajaria para Singapura sem passaporte —
comentou Baby, de repente. — Portanto, só posso deduzir que
haja alguém no “Hong Kong Sky” que lhe deverá facilitar um
passaporte antes do desembarque. Correto?
O chinês apertou os lábios, Baby sorriu e disse:
— Senhor Tsiang, por acaso, desconfia quem eu seja?
— Não.
Ela sorriu mais amplamente, abriu a maleta vermelha,
apanhou o envelope com as fotografias e as pôs em cima da
mesa.
— Senhor Tsiang, talvez o senhor conheça essas pessoas.
Pede ver os retratos à vontade, mas per favor, não abaixe o
resto e levante as fotos de modo que eu possa observar seus
olhos, enquanto as examina, combinado?
Mais uma vez, ele obedeceu em silêncio. O controle que
tinha sobre si mesmo era admirável e talvez pudesse enganar
milhões de pessoas, pois dificilmente alguma pessoa normal e
desprevenida notaria qualquer mudança em seus olhos negros
enquanto ia repassando ás fotografias, mas esta rápida nuance
não passou desapercebida à senhorita Lipiang.
— Não, não conheço essas pessoas — disse finalmente.
— Creio que as conhece muito bem. Esses quatro e mais o
senhor formam uma parte da presidência da “Equipe Ming”.
Onde está o sexto homem que também ia viajar para
Cingapura?
As cores desapareceram das faces que Poi Tsiang.
— Não sei do que a senhorita está falando e eu a advirto
que...
— Não gosto de perder tempo, senhor Tsiang. Por isso, vá
dizendo tudo que quero saber. Se não falar, vai ficar
conhecendo minha força!
— Está bem. Pergunte e eu respondo...
— Onde está o sexto homem?
— Não há ninguém mais além de nós, só somos cinco.
— E o que significam essas duas mulheres?
— São apenas comparsas alugadas, para ninguém ficar
curioso a nosso respeito. Os homens que viajam sozinhos
chamam mais atenção dos que os que viajam acompanhados.
— Também concordo. Agora conversamos com calma,
uma vez que o senhor está começando a reagir com
naturalidade.
— O que mais posso fazer? Evidentemente está muito bem
informada, senhorita...
— Lipiang — sorriu Baby. — Margaret Lipiang, mas pode
chamar-me de Maggie. Então, efetivamente é um dos
membros da “Equipe Ming”?
— Sim.
— E por que todos estão viajando a Singapura? O que
pensam organizar naquela cidade?
— Uma revolta estudantil semelhante à que aconteceu em
Pequim, mas evidentemente em menor escala. O objetivo é
que a suposta provocação estudantil force a intervenção do
exército, que por sua vez, deverá induzir um massacre mais
violento do que aconteceu na Praça Tiannanmen. Aquele
motim comprovou que o exército chinês está realmente
preparado para reagir energicamente nos momentos de crise.
E agora quando agirmos em Singapura atrairemos a atenção
mundial que está grudada na China.
A senhorita Lipiang parecia estupefata e o contemplava
com um olhar atemorizado, enquanto seus olhinhos pretos aos
poucos pareciam converter-se em duas pedrinhas de gelo.
Ambos se fitavam com curiosidade, mas foi Margaret
Lipiang quem primeiro reagiu.
Abriu a maletinha vermelha, apanhou o maço de cigarros
e acionou o rádio.
— Fale — quase gritou King Wu.
— Calma, calma. Vá esperar-me no camarote que você me
reservou.
— Agora?
— Sim — confirmou Baby, cortando a ligação
Guardou o rádio e olhou para a cadeira.
— Vista seu casaco porque vamos sair daqui, desceremos
a classe de turismo. Iremos ao camarote 44. Você irá andando
a minha frente e quando chegarmos, bata na porta. Meu amigo
já está a nossa espera, Entre assim que ele abrir, creio que não
preciso dizer mais nada, não é?
— Para quem a senhorita está trabalhando? — perguntou
o chinês.
— Tente adivinhar — sorriu a eurasiana.
— Em minha opinião não passa de uma louca. Realmente,
acredita que tem possibilidades de enfrentar-se com a “Equipe
Ming”... e continuar viva?
— Quer saber o que eu acho? Para mim a “Equipe Ming”
nada mais é do que um bando de assassines miseráveis... E o
senhor pode ter certeza que não sou daquelas que se deixam
influenciar por ameaças.
— Quem é na realidade, senhorita? — murmurou o chinês.
— Talvez eu seja uma agente especial da Lien Lo Pou, ou
melhor uma agente que está prestando serviços a essa
corporação. Agora chega de tanta conversa e siga minhas
instruções.
Poi Tsiang se levantou, vestiu o casaco, abriu a porta e saiu
do camarote.
Baby saiu atrás dele, não havia dado nem dez passos
quando uma anciã chinesa, miudinha, mais parecendo uma
bonequinha de porcelana os olhou com muito interesse, mas
em seguida afastou-se pelo corredor, observando atentamente
os números das portas dos camarotes. Ambos passaram por
ela em silêncio, um atrás do outro.
Margaret notou que aquela anciã se vestia com elegância,
usava perfume muito suave e que seus cabelos eram tão alvos
como a neve.
Continuou caminhando atrás de Tsiang e minutos mais
tarde chegavam ao convés da primeira classe. E foi quando
passavam em frente às paredes envidraçadas que separavam a
sala de chá e bar do tombadilho que, repentinamente, a
imagem da anciã se projetou tal qual um flash que iluminasse
sua mente.
No momento em que cruzaram com ela, a espiã americana
sentiu que a conhecia, porém não sabia de onde e nem quando
já a tinha visto... Baby sabia que sua imagem estava arquivada
em sua mente prodigiosa. Possivelmente era uma pessoa que
nunca tivesse sido importante ou talvez o encontro de ambas
não tivesse tido um significado especial, mas agora tinha a
certeza que a anciã não lhe era totalmente estranha... Porém,
por mais que procurasse, não conseguia localizar dados em
seu arquivo mental com os quais pudesse identificar a
bonequinha de porcelana.
Depois desceram à classe de turismo e em poucos
segundos chegaram.
Tsiang bateu e King Wu abriu.
Os dois entraram rapidamente e Margaret fechou a porta
em seguida.
— É um deles — disse King ao reconhecer Tsiang. — Eu
vi sua foto.
— Exatamente — confirmou Margaret Lipiang. — E já
sabemos que estão viajando para Singapura.
— Já? — o rapaz parecia atônito.
Margaret explicou rapidamente tudo que tinha conversado
com Tsiang. King Wu empalideceu, tinha vontade de
estrangular aquele maldito, mas se conteve porque previa que
Baby tinha outros planos em mente.
E não se enganou. Ela abriu a maleta vermelha, apanhou a
ampola e uma seringa. Preparou a injeção rapidamente e olhou
para Tsiang.
— Deite-se no sofá, de barriga para baixo — ordenou. —
Se você se mexer, eu o mato! Entendeu?
— Que injeção é essa? — perguntou Tsiang.
— Uma variedade de pentatol. Você vai dormir durante
quarenta e oito horas, mas se preferir, também poderá ser
morto imediatamente! A escolha é só sua.
Poi Tsiang não disse mais nada e se deitou no sofá. Baby
se aproximou dele, remexeu em seus cabelos e enfiou a agulha
hipodérmica no couro cabeludo do chinês que estava tão
assustado que mal podia respirar. Injetou o líquido e em
menos de dois segundos, ele dormia profundamente.
— Era necessário picá-lo exatamente na cabeça? —
reclamou King.
— Claro, se o encontrarem dormindo, perderão bastante
tempo para localizarem a picada e facilmente poderão pensar
que ele está adormecido ou desmaiado... Poderão pensar
muitas coisas, menos que há uma espiã muito perigosa a
bordo... Aconteça o que acontecer, podemos ficar
descansados porque Poi Tsiang não vai dificultar nossa
atuação durante quarenta e oito horas. No entanto, não
devemos descuidar-nos de seus amigos. Sei que estes ficarão
preocupados quando sentirem falta do companheiro. E sob os
efeitos desta preocupação, eles começarão a cometer uma
série de disparates e estes nos darão certas vantagens.
— Que vantagens? — perguntou King. — Nós já sabemos
tudo que precisávamos saber e todas as vantagens estão de
nosso lado!
— É verdade? — surpreendeu-se Baby.
— Claro... Já sabemos quem são eles e o que vão fazer em
Singapura. Agora só precisamos matá-los e a questão estará
resolvida!
— Não tenho dúvidas que nós os mataremos, mas antes
eles terão de confessar toda a verdade.
— Que verdade?
— Terão de me dizer quais são os planos reais da “Equipe
Ming”.
— Os planos reais... Poi Tsiang nos disse que...
— Ele somente mentiu. Falou, falou, mas nada nos contou
a respeito dos planos que a equipa está pensando pôr em
prática. E é por isso que precisamos ser muito cautelosos,
principalmente porque além dos cinco que aparecem nos
retratos, há um outro que ainda não consegui determinar.
Somente sei que é a pessoa que tem a responsabilidade de lhes
entregar os passaportes falsos quando o navio estiver prestes
a aportar em Singapura. Talvez por esse motivo, Shinang lhe
tivesse falado em seis membros que estariam viajando no
“Hong Kong Sky”, mas como não comentou em qual
camarote ficaria este sexto indivíduo, ainda não conseguimos
localizá-lo. Foi para descobri-lo que dei a injeção em Tsiang.
Talvez os quatro ajam com prudência, continuem quietos
como se mantêm até agora, mas o sexto homem que tem a
responsabilidade de entregar todos os passaportes, vai
procurá-lo em todos os cantos do navio. Ficará nervoso por
não encontrá-lo e este nervosismo o fará cometer algumas
indiscrições. E nós, depois de localizá-los e controlá-los,
entraremos em ação. Enquanto isso, mantenha-se com os
ouvidos e os olhos bem abertos, meu rapaz.
King Wu subitamente sentiu a testa pegajosa de suor.
Apanhou o lenço do bolso e a enxugou. Começava a ficar
preocupado, as perspectivas apresentadas por Baby não
pareciam ser muito favoráveis. Pensava que pudesse
identificar os inimigos com facilidade, mas agora, de um
momento para o outro, poderiam ser as possíveis vítimas
daquele que se mantinha incógnito. Quem poderia ser o sexto
homem da equipe...?
— E por quê? — gaguejou, subitamente. — Por que estão
viajando para Singapura?
— Estão viajando somente por viajar. Nada vão fazer
naquela cidade. É aqui, neste barco que eles vão agir. Foi para
terem esta oportunidade que não foram de avião... Foram
forçados a viajar de navio e daí, só se pode deduzir que os
planos da “Equipe Ming” estão relacionados com este barco e
com esta viagem a Singapura.
— Buda me valha! Como pôde pensar em tal coisa
Margaret?
— Milagres do poder da mente — sorriu Baby.
— O que eles podem estar tramando neste barco? Estão
pensando em afundá-lo?
— Não precisa falar nisso como uma coisa impossível.
Eles poderiam pôr o navio a pique e escapar de helicóptero
que viesse recolhê-los no momento oportuno. Porém não
façamos tantas suposições porque nas circunstâncias atuais,
estas seriam uma pura perda de tempo.
— O que devemos fazer então?
— Agora, neste momento, devemos agir com muita
discrição. Por favor, King, não tome qualquer iniciativa. Peço
isso não por julgá-lo um atoleimado, mas estamos lidando
com sujeitos perigosos, capciosos e você não tem traquejo no
jogo que estamos jogando.
— Que jogo estamos jogando?
— O jogo da espionagem. Confie em mim e procure
manter os ouvidos e os olhos bem abertos. Não faça nada sem
me consultar.
— Está bem, vou seguir suas orientações — respondeu
com maus modos.
— Muito bem. Agora vamos sair daqui. Você pode dar
algumas voltas pelo navio para ver se há gente da equipe
conversando com algum estranho. Se você comprovar isso,
procure saber quem é esse desconhecido e em qual camarote
está. Depois de conseguir essas informações, entre em contato
comigo imediatamente. Entendido?
— Vou procurar uma amiga que vi há pouco. É uma anciã
muito interessante — sorriu a senhorita Lipiang.
— Que anciã? Você ainda não me tinha falado de
nenhuma...
— Eu a vi há poucos minutos. Está viajando na classe de
luxo em um dos camarotes da coberta de botes. Quando
cheguei no cais, eu a vi lá mesmo na coberta. Depois, a vi de
novo, mas gastei alguns minutos para me recordar de onde eu
a conhecia. Ela não devia estar onde eu estava quando a vi
pela segunda vez.
— Por que não?
— Bem, talvez estivesse mesmo procurando o camarote de
alguns amigos, mas... eu ainda vou ver porque cargas d’água
estava lá em baixo. Agora saia daqui e só entre em contato
comigo para um assunto seríssimo.
King Wu assentiu e abandonou o camarote 44. Estava
confuso e não sabia muito bem o que poderia fazer.
A senhorita Lipiang aguardou alguns minutos e também
saiu do camarote 44, fechando a porta com chave.

CAPÍTULO QUARTO
Madame Wai Li

A anciã estava confortavelmente instalada em uma das


mesas do salão de chá pomposamente denominado de
“Colony Room”. As paredes envidraçadas da luxuosa sala
protegiam os fregueses da aragem fresca que antecipava a
noite no Mar da China.
A velhinha era encantadora e realmente parecia uma
bonequinha de porcelana, delicada e diáfana. Seus olhos
negros e maliciosos pousaram na loura bonita, esbelta e
elegante, com tipo de norte-americana que parou perto da
mesa e lhe perguntou:
— Perdoe-me, senhora, seria tão amável a ponto de me
fazer um grande favor? Oh, perdão, eu não sei se a senhora
entende o inglês...
— Não se preocupe — sorriu a anciã. — Falo
perfeitamente seu idioma e ficarei encantada se puder servi-
la. Meu nome é Li. Madame Way Li.
— Eu sou Lili Connors, de Nova Iorque.
— Eu já havia imaginado que fosse do leste dos Estados
Unidos — riu a bonequinha de porcelana. — Não quer sentar-
se um pouquinho?
— É o que mais desejo, mas tive medo que a senhora
estivesse aguardando alguém e não queria aborrecer.
— Uma jovem tão encantadora jamais poderá aborrecer-
me. Efetivamente estou aguardando uma pessoa, mas isso
pode ficar para mais tarde. Gostaria de tomar uma xícara de
chá?
— Madame, é muito amável — respondeu Lili, sentando-
se a mesa e colocando um cartão postal na frente da anciã. —
Espero que saiba entender meu pedido e não o considere como
um abuso de confiança. Gostaria que me dissesse, ou melhor,
que escrevesse algumas palavras em chinês... Deixei em Hong
Kong uma pessoa que só me traz gratas recordações... e agora,
eu desejo remeter-lhe um cartão postal com algumas palavras
em chinês que transmitam melhor do que no inglês minha boa
predisposição para com ela.
— Imagino que seja um homem — riu a anciã.
— Sim, e é de raça chinesa, sabe? Eu nunca tinha
entendido muito bem todos os problemas que são criados
quando duas pessoas de raças diferentes se relacionam... Eu
até pensava que eles não existissem. Nunca fui uma racista,
mas muitas vezes eu me dizia: Por que complicar a vida
envolvendo-me com pessoas de outras raças? A senhora
certamente conhece a ópera “Madame Butterfly”. A pobre
chinesinha apaixonou-se por um marinheiro norte-americano
e morreu de amor quando o amante a abandonou... A senhora
conhece aquela obra?
— Claro. Só que agora a história me parece um pouco
diferente: o pobre chinesinho ficou em Hong Kong e sua
amada zarpou para Singapura.
Lili riu alegremente.
— Não, não é bem assim, mas um pouco parecido. King
Ao é verdadeiramente um homem surpreendente e admirável,
que me proporcionou momentos inolvidáveis.
— As saudades devem ser recíprocas, porque julgo que ele
também esteja entusiasmado pela norte-americana que morre
de saudades dele.
— Quem dera que isso fosse verdade! Madame, recorda-
se de alguma expressão em chinês que encerre... sentimentos
favoráveis, ardentes... mas ainda perturbados e
desconcertantes?
— Como não — assentiu a anciã. — O garçom vem com
nosso chá ou talvez a senhorita prefira uma outra coisa?
— Hoje tomarei chá, embora minha bebida predileta seja
o champanha.
— Champanha? Quem não gosta de uma taça de
champanha? Se me permitir, da próxima vez que nos
encontremos, ficarei encantada se puder convidá-la para
tomar sua bebida preferida.
As duas riram. O camareiro acabou de servir o chá e se
afastou. A anciã apanhou o postal e Lili Connors observou que
suas mãos eram bonitas e firmes, parecendo de marfim
entalhado. A velha ficou calada por alguns momentos,
observando a moça loura que estava sentada a sua frente.
Naquele momento, entrava no “Colony Room”, o louro
bonitão que estava no tombadilho e havia ficado quase que
hipnotizado quando Lili Connors subia a bordo, àquela
manhã. Foi sentar-se em uma mesa próxima à delas e pediu
um martini seco ao garçom.
— Na China temos poemas de amor lindíssimos — disse
a anciã de repente, — mas creio que seria um exagero citar
qualquer um desses. Eu me limitaria a colocar um signo que
traduzido para o inglês pode significar mais ou menos uma
insinuação sutil, indireta e intencional no sentido de estreitar
o relacionamento com alguém que nos agrade profundamente.
— É isso exatamente o que eu desejava dizer! — exclamou
Lili. — Por favor, diga-me como é esse signo!
A velha senhora riu com boa vontade.
— Acho que seria melhor se eu mesma o escrevesse no
cartão. A seguir, você pode juntar mais algumas palavras em
inglês que possam completar a expressão do signo.
— Não sabe como lhe estou grata, madame.
— Não me agradeça. Você não faria o mesmo por mim?
— Claro que sim!
— Sendo assim, fique preparada porque poderei pedir-lhe
um favor a qualquer momento... Embora você não acredite,
está acontecendo algo maravilhoso: um jovem elegante que
está no salão, me olha com olhares apaixonados.
— De verdade? — surpreendeu-se Lili.
— Pelo menos é o que parece. Está sentado a uma mesa
próxima da nessa, pediu um martini para beber e não desvia
os olhos daqui. Bem, talvez ele é um pouco míope ou então,
está olhando para você e eu estou sonhando que consegui
atrair um homem branco.
A espiã começou a rir. Wai Li apanhou uma caneta de ouro
da bolsa e escreveu o signo no cartão; devolveu-o à Lili que o
examinou com curiosidade e em seguida, olhou para a anciã
com uma expressão agradecida.
— Espero que me aconteça algo que esteja de acordo e à
altura deste signo, madame. Muito, muito obrigada... Está
esperando por alguém? Está viajando sozinha?
— Não exatamente. Estou viajando com uma antiga
empregada de minha família. Nós éramos muitos irmãos mas
a vida foi dizimando nosso lar, tal como acontece sempre... Os
seres amados vão indo, um a um e um dia...
Caiou-se, tomou um gole de chá e Lili perguntou:
— O que aconteceu?
— Um dia, finalmente, percebi que eslava sozinha na vida,
com exceção de Nai Han que continuava fielmente a meu
lado. Sou um pouco mais velha do que ela, mas lembro-me
que viveu em nessa casa a vida inteira, desde quando eu era
pequenina. Talvez por isso, pensei que não havia necessidade
de continuarmos sendo patroa e empregada depois de
vivermos juntas por mais de sessenta anos. Como eu poderia
considerar Nai Han como empregada se ela tinha dedicado a
nós toda sua vida?
— Concordo plenamente com a senhora, madame.
— Eu compreendi que nem eu e nem ela temos muitos
anos para viver, portanto, decidi que devíamos... compartilhar
de todas as coisas formosas que estão na vida aproveitar de
todas elas até que a morte se aproxime de nós.
— A senhora diz coisas muito lindas, madame... e também
é louvável, digno de elogio seu comportamento para com uma
pessoa que viveu a vida sendo apenas uma criada de servir.
Quer dizer que a senhora está viajando somente com sua...
amiga?
— Exatamente. Eu, Nai Han e ninguém mais.
— Compreendo, mas deve ter alguns amigos que estão
fazendo esta mesma travessia pelo Mar da China, não é?
— Não, não conhecemos mais ninguém que esteja neste
navio, com exceção da senhorita, naturalmente. Eu gosto de
viajar de navio, sempre acabamos conhecendo pessoas
simpáticas que não têm pressa e estão sempre dispostas a fazer
novas amizades e conversar sobre milhares de assuntos
diferentes que desconhecíamos e nem acreditávamos que
pudessem ocorrer.
— Isso é uma verdade — admitiu Lili. — Madame,
desculpe-me, mas agora me recordei de algo que já tinha
esquecido!
Wai Li olhou para ela com surpresa, porém a senhorita
Connors levantou-se rapidamente e saiu do salão de chá. Tudo
aconteceu de uma forma tão rápida que o atleta louro que
estava tomando martini ficou sem saber o que fazer...
Enquanto isso, a loura se encaminhou para o camarote “B”
da classe de luxo no qual entrou segundos mais tarde. Tirou o
maço de cigarros da bolsa, apanhou o cigarro que estabelecia
a comunicação c escutou a voz de King Wu perguntando com
acento preocupado:
— É você?
— Sim.
— Aconteceu alguma coisa?
— Não... Por quê?
— Você não me chamou na hora que combinamos.
— Lamento — a espiã americana captou no ato a intenção
do chinês. — Tive um encontro por demais interessante e me
entretive.
— Está bem. Se você vier a meu camarote, eu poderei lhe
dar todas as informações que obtive, tal como combinamos.
— Em três minutos estarei aí.
— Estou à sua espera.
A senhorita Connors cortou a comunicação, guardou o
rádio e entrecerrou os olhos, pensativa. Na realidade, todas as
suas suspeitas poderiam ser esclarecidas com uma só
pergunta: Devia continuar confiando em King Wu... ou
simplesmente devia matá-lo?
***
O camarote estava inundado peles últimos reflexos do sol
que entrava pela escotilha, dentro de poucos minutos o véu da
noite encobriria todo aquele cenário magnífico. O mar
perderia sua cor esverdeada para aos poucos ir ficando
prateado pelo luar que brotara do alto por entre as estrelas
cintilantes.
Quando a campainha soou a porta do camarote, King Wu
olhou friamente para a garota chinesa que permanecia de pé
perto da porta, apontando uma pistola prevista de silenciador
para sua cabeça. Foi com essa arma que a chinesinha linda, de
aspecto angelical, fez um sinal que o rapaz entendeu
perfeitamente: Tinha de abrir a porta e atrair Lili Connors para
a emboscada que lhe tinham preparado.
King Wu levantou-se da poltrona e caminhou, lentamente
para a porta, sem tirar os olhos da moça que continuava com
a arma apontada em sua direção.
Abriu a porta, Lili Connors entrou e parou estupefata e em
seguida, olhou para King Wu.
— Maldito traidor! — exclamou entredentes. —
Finalmente conseguiu apanhar-me em uma arapuca!
— Bem que eu desconfiava que você jamais confiou em
mim — queixou-se o chinês. — Esta peste me surpreendeu
aqui dentro e me ameaçou de morte lenta e dolorosa se eu não
desse um jeito para você vir para cá. Saiba que lamento
muitíssimo o que está acontecendo, mas tive de chamá-la.
— Muito bem, creio que já vou entendendo algumas
coisas... Quem é ela? — perguntou Lili com muita calma.
— Isso sou eu quem deve indagar — interveio a bela
chinesa com uma voz muito suave quase angelical. — Quem
é você afinal?
— Sou a pessoa que acompanha King nesta jogada e...
— Claro que não é. Eu vim aqui para apanhar a mulher
chinesa que foi vista várias vezes com ele.
— Ele andou com alguma mulher chinesa durante a
viagem? — Lili parecia excessivamente surpreendida, —
Quando e onde eles foram vistos?
A garota chinesa contemplou Lili demoradamente com
seus olhinhos amendoados e depois sorriu.
— Só agora estou percebendo que você é a mesma mulher
que horas antes parecia ser uma chinesa, não é verdade?
— Que chinesinha mais inteligente! — murmurou Lili
também sorrindo. — É inteligente, mas também muito mal-
intencionada... Ou quem sabe se já não planejou nossa morte,
mas antes quer dois dedinhos de prosa?
A chinesa sorriu mais amplamente e disse:
— Não estou interessada em manter conversa com nenhum
de vocês.
Levantou o braço mais um pouquinho, apertou o gatilho.
Plop.
A bala foi acertar na parte mais delicada do corpo
feminino. King acompanhando a trajetória da cápsula
imaginou que a moça fosse ter morte instantânea, pois o
projétil tinha penetrado em seu peito.
Lili Connors gritou de medo e dor, cambaleou, rodopiou e
acabou caindo sentada no chão e no mesmo instante uma
pistola pequena e encastoada de madrepérola surgiu em sua
mão direita.
A espiã não titubeou um segundo sequer, apontou-a para a
chinesa assassina, apertou o gatilho...
Plop.
A bala foi perfurar a testa da adversária, indo alojar-se no
cérebro, interrompendo rapidamente sua vida de aventuras. A
chinesinha também resvalou pelo assoalho, soltou um grito de
terror e foi chocar-se de encontro à parede, onde ficou estirada
no chão.
King Wu também estava com os olhos arregalados, jamais
poderia imaginar que aquela mulher sensual, bonita e
simpática pudesse ser tão perigosa ao manusear uma arma de
fogo. Correu para ela e a ajudou levantar-se.
Lili levantou-se com dificuldade, estava pálida e tinha o
reflexo da dor estampada cm seu rosto.
— Apanhe a pistola que está a seu lado, King e saia deste
camarote. Vá para o 145 da classe de turismo e só saia de lá
depois que eu lhe der nova ordem.
— Como... Como... posso deixar... você ferida?
— Não se preocupe comigo e faça tudo como eu disse.
— A chinesa meteu... chumbo em seu peito. Margaret!
— Não perca mais tempo, rapaz. Eu já disse o que você
deve fazer, não se preocupe comigo. Ah, outra coisa, só posso
felicitá-lo pela maneira como procedeu; você agiu com
inteligência e quando me disse que eu não o tinha chamado na
hora combinada, naquele instante, percebi que alguma coisa
estava acontecendo... Mas agora chega de tanta conversa,
King, vá para o camarote 145 e se alguém tentar abrir a porta,
receba-o à bala. Entendeu?
— Eu queria ficar aqui para ajudar você.
— Desapareça antes que eu perca o resto de minha
paciência!
King Wu notou que Lili estava realmente aborrecia e saiu
do camarote precipitadamente. A espiã se ajoelhou ao lado do
cadáver da chinesa e o revistou, sabendo de antemão que ela
não deveria portar quaisquer documentos que esclarecessem
sua identidade.
Depois de levantar-se, Lili olhou à volta do camarote,
procurando um lugar para esconder a morta e foi então que
seus olhos viram a dobra que havia no sofá que, à noite, podia
ser aberto para se transformar em um beliche.
Não perdeu mais tempo, levantou o cadáver do chão,
procurando desconhecer a dor que aumentava em seu seio.
Escondeu-o na dobra do sofá de forma que não ficasse visível
assim que alguém entrasse no camarote.
Quase em seguida, andava pelo corredor mantendo uma
mão sobre o buraco que a bala tinha feito na blusa de seu
vestido. Voltou ao camarote “B” da classe de luxo, onde
chegou sem qualquer dificuldade. Agora já tinha certeza que
a anciã Wai Li estava envolvida com o caso... e devia estar
muito satisfeita com o contato que tinham tido no “Colony
Room”, porém os trunfos maiores estavam em suas mãos, pois
a velha senhora nem de longe suspeitava que a mulher chinesa
e Lili Connors eram uma única pessoa.
Fechou a porta do camarote e se despiu completamente...
até o corpete a prova de bala tirou; a peça poderia ser
antiestética, mas não deixara de ter seu valor, pois se não a
estivesse usando, deveria estar morta com um rombo no peito.
Contemplou-se de imagem inteira no espelho, examinou
cuidadosamente o hematoma que começava a formar-se em
seu seio esquerdo, local onde recebera o impacto da bala e foi
então que se lembrou...
— Poi Tsiang!
Vestiu novamente sua camisa à prova de bala que era
revestida de titânio, apanhou a maletinha vermelha e saiu para
o corredor, de novo.
— Ei, caramba, finalmente eu a encontro!
Lili voltou-se rapidamente e viu o atleta louro parado a
poucos passes de distância e a filando com um olhar
embevecido.
Ela acabou de fechar a porta do camarote e olhou para ele
com muita atenção. Não podia ter mais de trinta e cinco anos,
era um tipo altão de corpo flexível e parecia ser norte-
americano, embora não parecesse ser do leste. Seus olhos
eram reluzentes e ele próprio parecia ser um homem
afortunado e feliz.
— Quer dizer que estava a minha procura?
— Claro, naturalmente. Como existe uma agradável
coincidência em nossas vidas, pensei que devíamos aproveitá-
la.
— E qual é esta coincidência tão agradável que existe em
nossas vidas? — interessou-se Lili, amavelmente.
— Ambos estamos viajando sozinhos e quando viajo
sozinho costumo escolher minhas...
— Por favor, se me permite um minuto — interrompeu-o
sorrindo. — Preciso fazer uma coisa que não admite a menor
demora. Se for tão amável a ponto de esperar-me aqui mesmo,
poderemos conversar mais tarde... dentro de dois cu três
minutes.
— Claro. Posso ajudá-la em alguma coisa?
— Neste momento, creio que não — sorriu Lili. — Porém
no futuro talvez, senhor...
— Tracy. Jebediah Tracy.
— Eu sou Lili Connors e nos veremos daqui a pouco,
senhor Tracy.
— A senhorita me permite que eu a espere aqui mesmo?
— Naturalmente, salvo se escolher um lugar mais
agradável...
Lili afastou-se rapidamente do homem espetacular,
pensando chegar o mais rápido possível ao camarote 44 da
classe de turismo, pois era neste que Poi Tsiang devia
continuar desmaiado.
***
Abriu a porta com cuidado, mas Poi Tsiang não continuava
sob os efeitos do pentotal.
Estava morto.
Tal como a agente Baby tinha presumido alguém havia
assassinado o infortunado membro da “Equipe Ming”.
Certamente seus companheiros o haviam procurado pelo
navio inteiro e algum deles o devia ter encontrado naquele
camarote. Certamente, todos temiam que quando despertasse,
contasse tudo que sabia a respeito da equipe e revelasse todos
os projetos que estavam em pauta.
Baby planejara mantê-lo adormecido e certamente, ele
ainda continuava dormindo quando atravessou a barreira da
vida para alcançar a meta da morte.
No entanto, se alguém reflete a respeito do valor da vida,
chegará à conclusão que a vida em si não passa de uma luta
ferrenha para se conseguir coisas que no final, não têm
nenhum significado ou importância.
Se nada do ludo que alguém consegue na vida tem valor,
isso significa que a própria vida não passa de uma grande
tolice...
Ou será que pouquíssimas pessoas têm sabedoria para
valorizar acertadamente o que ganharam da vida?
Poi Tsiang era um sujeito que vivia para conseguir o que
considerava ser o mais importante — dinheiro e poder. E em
questão de horas, mataram-no de um modo requintadamente
oriental: Continuava deitado de bruços, na mesma posição em
que adormecera, mas em sua nuca havia um corte provocado
por um estilete pontiagudo que penetrara em seu cérebro,
privando-o da vida, enquanto na parte externa da nuca apenas
havia algumas gotas de sangue ressequido por entre os fios de
cabelos.
Por momentos ela pensou que fosse a jovem chinesa quem
o tinha matado e depois, tivesse tentado matá-la. Mas não, não
fora a chinesinha que tinha cometido aquele homicídio... Ela
era menos refinada e jamais poderia ter usado de tantos
requintes, de tanta delicadeza para matar alguém. Não, o
assassino de Poi Tsiang fora um outro membro do grupo. A
moça fora encarregada pela morte de King Wu e de sua
amiguinha, a senhorita Lipiang, que sem dúvida alguma
conhecera por intermédio da madame Wai Li, pois esta velha
senhora cruzara com aquela senhorita quando esta e Poi
Tsiang andavam pelo corredor...
Exatamente. A madame Wai Li havia seguido a jovem
senhorita Lipiang e a King Wu... quem o teria seguido? Talvez
sua antiga criada que agora era sua melhor amiga? Lembrava-
se muito bem de quando a velha senhora explicara: Um dia
percebi que esteve sozinha na vida, com exceção de Nai Hun...
Pensei que não havia necessidade de continuarmos sendo
patroa e empregada... que podemos compartilhar de todas as
coisas formosas que estão na vida, aproveitar de todas elas
até que a morte se aproxime de nós.
Muito bem, Nai Han a pessoa de maior confiança da
madame seguira King Wu e a senhorita Margaret Lipiang até
o camarote 44, onde já estava Poi Tsiang.
Em seguida, a antiga serviçal vira quando ela e King
saíram novamente. Somente os dois. Nai Han não era
nenhuma tola e compreendeu que Tsiang tinha ficado lá
dentro.
Foi então que a ex-serva avisou a madame Wai Li. Esta
certamente estava compromissada com o grupo. Lili agora
não tinha mais dúvida, e sabia que era ela quem carregava
todos os passaportes falsos que deveriam ficar em seu poder
até quando o “Hong Kong Sky” estivesse bem próximo de
Singapura.
Porém, se Poi Tsiang fosse mantido vivo talvez acabasse
falando demais e, por isso, resolveram matá-lo.
Um dos componentes da “Equipe Ming” foi escalado para
exterminar o companheiro de forma mais rápida e indolor.
Quem poderia lazer isso?
Somente o chinês que viajava no camarote “A” da classe
de luxo. Enquanto sua companheira tentasse surpreender King
Wu em seu camarote, ele se encarregaria de Poi Tsiang.
E agora, ele devia estar preocupado com a demora de sua
amiguinha...
Muito bem.
Lili Connors olhou tudo e tocou em nada. Saiu do camarote
44 e voltou para o “B” que estava localizado na cobertura dos
escaleres, justamente ao lado do camarote “A”.
Naquele momento, ela pedia fazer duas coisas: voltar ao
“Colony Roem”, onde a madame Wai Li devia continuar
tomando seu chá; poderia arranjar um jeito para controlá-la,
talvez até mesmo a levasse para seu camarote onde a obrigaria
a contar tudo que tinham programado, ou então, tentar uma
conversa com o louro que estava instalado no camarote “A”.
E foi nesse memento que ela se recordou de Jebediah
Tracy.
O bonitão prometera esperá-la na frente do camarote “B”...
Ele ainda estaria parado perto da porta esperando por ela?
Bem se ele a esperava pacientemente... ela poderia regressar
ao salão de chá para mais uma vez conversar com a madame
Wai Li. Isto é, se ela ainda continuasse no “Colony Room”,
bebericando sua chávena de chá.

CAPÍTULO QUINTO
O jogo pode continuar

Não, a madame Wai Li já não se encontrava no “Colony


Room” que naquele instante estava com bastante movimento.
Vários passageiros da classe de luxo e da primeira classe
ocupavam várias das mesas espalhadas pelo salão, mas a
velhinha de porcelana chinesa não estava mais lá. E nem
tampouco no convés, Lili Connors viera por ele, pois não quis
passar pelo corredor dos camarotes, onde Jebediah Tracy
devia estar a sua espera.
Não adiantava continuar no salão e quando transpunha a
porta envidraçada tropeçou fortemente com uma pessoa que
passava na passagem interior, frente à entrada. Realmente
aquela pessoa não fora nada gentil ou delicada quando se
embarafustou por sua frente, lhe cortando a passagem. Lili
Connors que se preparava para chamar-lhe a atenção... acabou
sorrindo com doçura quando olhou para o rosto do homem e
o escutou pedindo desculpas:
— Perdão... Lamento.
Era um chinês que aparentava cinquenta e poucos anos,
vestindo roupas muito limpas, mas de qualidade inferior e
corte vulgar. Certamente não estava viajando na primeira
classe ou na coberta dos escaleres... possivelmente subira
àquele andar para procurar alguém e provavelmente estava
perdido, pois era cego. Tateava o caminho com uma bengala
branca e usava óculos escuros protegendo os olhos.
— Não importa — murmurou Lili. — Posso ajudá-lo em
alguma coisa?
— Não, obrigado. Sei arranjar-me sozinho.
— Está perdido, não está? — sorriu a espiã.
— Sei arranjar-me muito bem sozinho — repetiu ele,
secamente. — Muito obrigado por seu interesse.
Lili afastou-se e se encaminhou para seu camarote e
quando penetrou no corredor, viu Jebediah Tracy parado perto
da porta, tal como lhe havia prometido.
— Caramba, eu já começava a pensar que você estivesse
perdida dentro do navio — sorriu este.
— Grande bastante ele é, mas eu não cheguei a ficar
perdida — retrucou também sorrindo. — Mas agora
conversemos seriamente, senhor Tracy, o que está desejando
de mim?
— Apenas sua companhia para o jantar. Aceita meu
convite?
— Convite aceito. Mais alguma coisa?
— Não sei... Que tal um coquetel como aperitivo?
— De champanha?
— Do que você escolher.
— Então vai ser de champanha mesmo. Podemos nos
encontrar daqui a dez minutos no salão? O dia hoje foi
bastante quente e eu estou precisando refrescar-me. Concorda
que nos encontremos dentro de dez minutos?
— Concordo com tudo que você desejar — sorriu o
bonitão norte-americano. — Só espero que daqui a dez
minutos já esteja acostumada à ideia que eu existo, que estou
interessado em você e que todos meus amigos me tratem
apenas por Jeb.
Lili Connors riu uma risada sonora e disse:
— Pensarei em você e em suas recomendações, Jeb. Até
logo. ,
— Se antes disso precisar de mim, estou no camarote “H”.
— Não me esquecerei.
Lili abriu a porta do “B” e olhou para Tracy que continuava
parado no corredor, como se não estivesse com vontade de
deixá-la sozinha.
Ela lhe sorriu e ele também sorriu simpaticamente e só
então afastou-se.
Lili entrou no camarote, fechou a porta, apanhou uma
gazua de sua maletinha vermelha estampada de flores azuis.
Abriu a porta de novo e espiou para o corredor. Estava
deserto, Tracy já não estava ali. Ela saiu do camarote, fechou
a porta e foi bater na do "A” que ficava ao lado do seu.
Ninguém atendeu, embora ela batesse reiteradas vezes.
“Meu vizinho anda solto pelo navio, fazendo das suas” —
pensou, e só esta ideia já a deixou alarmada.
Embora imediatamente procurasse tranquilizar-se, pois
ninguém além de King Wu sabia que o camarote 145 também
estava envolvido naquele caso. Podia ficar calma porque King
estava em segurança.
Abriu a fechadura do camarote “A" com a gazua, entrou
rapidamente e fechou a porta. Acendeu a luz. Espiou o convés
pela escotilha, estava quase deserto naquele entardecer. E foi
então que o viu...
O sofá estava encostado à parede da escotilha e nele estava
sentado um homem que ela reconheceu ao primeiro olhar: era
o ocupante do apartamento e um dos componentes do grupo
da “Equipe Ming” que viajava no “Hong Kong Sky”. Era
precisamente o homem que ela suspeitava tivesse matado Poi
Tsiang, no camarote 44.
Aproximou-se lentamente dele, sem tirar os olhos de seu
rosto que se mantinha parado, com uma expressão de
sobressalto e excessivamente pálido, como se suas feições
estivessem congeladas ou entorpecidas. De repente, viu o
estilete enfiado em seu peito até o cabo, seguramente era a
mesma arma branca que ele havia utilizado para matar Poi
Tsiang... Ou não seria ele quem tinha assassinado o
companheiro de equipe? Talvez a mesma pessoa que tinha
tirado a vida de Poi Tsiang quando este estava sob o efeito do
pentatol, logo em seguida, viera ao camarote "A’' e
assassinara seu ocupante, que por coincidência, era um outro
membro da “Equipe Ming”.
Com isso a equipe já havia perdido dois membros, além da
chinesinha que ela própria havia matado para salvar King Wu.
Baby aproximou-se um pouco mais do sofá e encostou dois
dedos no pescoço do homem. Suas carnes ainda não estavam
geladas, sinal que o assassinaram há pouco tempo, talvez nem
sequer meia hora...
Em seguida, olhou para as mãos do cadáver para ver se
estavam sujas de sangue. Ao contrário, pareciam
irrepreensivelmente limpas, mas havia duas gotinhas
vermelhas no punho da manga direita de sua camisa.
O raciocínio de um espião é sempre rápido e foi com
rapidez que imaginou como tudo acontecera: Fora ele quem
matara Poi Tsiang com uma punhalada. Logo depois, voltou
rapidamente para seu camarote... precisava eliminar a arma
do crime e aquelas manchas vermelhas e delatadoras no
punho de sua camisa branca. Entrou no camarote disposto a
lavar-se, mudar de camisa... e quando entrou, alguém já
estava a sua espera, pediu-lhe o estilete alegando que ia lhe
dar um sumiço... porém assim que o teve nas mãos enterrou-
o com um só golpe firme e forte no peito do companheiro.
Depois sentou o cadáver no soja e abandonou o camarote.
Quem o teria matado? Certamente alguém que já tinha
sabido que a jovem chinesa não tinha conseguido assassinar
King Wu e Margaret Lipiang... Tinham quase certeza de que
assim que se livrassem dela, viriam procurar seu companheiro
de camarote e... somente por causa disso, algum outro
membro da “Equipe Ming” tinha agido com rapidez,
exterminando-o antes que falasse além do que devia.
Tanto ele como Tsiang foram mortos pelo mesmo motivo,
não importando se também eram membros da equipe e
companheiros de uma mesma seita: Simplesmente se tinham
colocado em posição de evidência e isso poderia ser por
demais perigoso ao grupo.
Lili apanhou delicadamente a carteira que estava no bolso
interno do casaco do morto. Seus documentos estavam em
nome de Hao Wong, mas como já era de esperar, não
encontrou passaporte algum. Revistou o armário e as malas de
Hao Wong e de sua belíssima companheira. Encontrou alguns
documentos em nome de Nei Pi, mas nenhum passaporte.
Verdadeiramente, pouca coisa ela podia fazer ali e por isso,
voltou a seu apartamento, deixando o “A” tal como estava
quando chegou, isto é, tudo na mais perfeita ordem, incluindo
o cadáver do senhor Hao Wong que continuou sentado sob a
escotilha pela qual se podia divisar o negror da noite e as
brumas do Mar da China.
Pouco depois, a senhorita Connors tomava uma ducha,
pensando sobre tudo o que acontecera no camarote “A” de
Hao Wong: Tinha encontrado tudo em ordem, nada fora de
lugar, incluindo o cadáver que permanecia sentado. Os
membros da “Equipe Ming” seriam tão descuidados e
negligentes ao assassinar que não se preocupavam em
esconder os cadáveres? Sim, porque fora isso que acontecera
com os dois mortos: Um continuava sentado e Tsiang fora
encontrado numa posição normal, como se estivesse
dormindo, sem ninguém parecer preocupado com o que
poderia acontecer no navio quando seus corpos fossem
localizados...
E de repente, o flash clareou a mente da espiã e Baby
compreendeu muitas coisas; Os membros da “Equipe Ming”
não estavam viajando no “Hong Kong Sky” por pura
casualidade. Tinham escolhido aquele navio porque nele se
sentiam seguros. Aquela viagem não fora programada para ser
uma emboscada contra a agente Baby da CIA. Nada disso, os
membros da seita assassina já haviam escolhido o navio há
algum tempo, a fim de ele ser o palco das operações que
vinham sendo elaboradas cuidadosamente. Portanto, isso
significava que todo o navio estava sob o domínio absoluto do
pessoal da “Equipe Ming”.
Um calafrio correu pela espinha dorsal da espiã americana.
Chegara a uma conclusão nada agradável, pois fizesse o que
fizesse para impedir a atuação dos criminosos, o navio
sempre, permanecera nas mãos dos membros daquela equipe.
E se tudo fora preparado com tanto cuidado e minúcias, as
coisas que iriam acontecer seriam perigosas, ou melhor, quase
diabólicas...
Não ouvira nada.
A água caindo em jorro sobre sua cabeça impedira que
ouvisse o ruído da porta ao ser aberta. Surpreendeu-se ao ver
o vulto através da porta de vidro translúcido que fechava o
box. Fechou a torneira da ducha e ficou imóvel, contemplando
a silhueta grande, sólida, do outro lado da porta envidraçada.
Estava assustada, nua e sem arma, além de naquele
momento estar com aspecto de Brigitte Montfort, pois os
artifícios como peruca, lentes de contato e outras coisas mais
que costumava usar, estavam no quarto de dormir, sobre a
cama.
Quase em seguida, viu a segunda sombra junto à primeira,
mas esta era bem mais miúda. Palavras sussurradas em chinês
chegavam até ela. Depois, a porta de vidro foi sendo aberta
devagarinho e Brigitte Montfort pôde ver as duas mulheres
que invadiram seu camarote.
Uma delas era sua conhecida há algumas horas: Madame
Wai Li. A outra era uma mulher enorme, abrutalhada, de
proporções mastodônticas. Sua cabeça já estava grisalha os
olhos pequeninos pareciam dois rasgões no rosto feio, de
feições grosseiras. Seus braços e mãos também eram enormes,
mais parecendo patas de animais.
O monstro devia ter mais de sessenta anos e seu aspecto
era horrível.
— Perdão — disse madame Wai Li. — Creio que
confundimos o camarote. Estamos procurando a senhorita
Connors, ela deixou este cartão postal em cima da mesa, no
“Colony Room”.
Brigitte olhou para o postal, passou a língua peles lábios,
sem saber o que poderia fazer naquela circunstância. A
madame Wai Li sorriu e foi então que lhe mostrou a peruca
loura que a senhorita Connors usava.
— Talvez não confundimos totalmente o número do
camarote — falou, sorrindo. — A senhorita Connors não deve
estar muito longe daqui... Não concorda comigo, senhorita...
senhorita...
Brigitte desconheceu a insinuação sobre seu nome e
perguntou:
— Posso sair da banheira?
— Naturalmente. Ajude a moça, Nai.
A mulheraça chinesa colocou suas mãos no corpo de
Brigitte, acariciando-o descaradamente, mas com excesso de
delicadeza.
— Ela é lésbica? — perguntou à velha.
— Quem? Nai Han? Sim, ela é assim desde jovem —
respondeu a madame Wai Li. — Você gostou dela, Nai?
Nai Han sorriu lubricamente e seu rosto pareceu se
iluminar com o reflexo de seus olhos, sorriu, mostrando uma
dentadura perfeita e Brigitte pensou que mais parecia uma fera
selvagem à espera do momento adequado para abocanhar a
presa.
As mãos continuavam acariciando seu corpo molhado, lhe
beliscavam os seios, mas Brigitte continuava impassível, sem
reagir. Apenas olhava para Wai Li que não parecia ter arma
alguma ao alcance das mãos e era isso precisamente que a
fazia desconfiar da chinesa, pois agora não tinha mais
dúvidas: Aquelas duas velhas vieram para matá-la, mas não se
atreviam a atacar uma jovem espiã americana...
Alguém mais teria vindo com elas e as aguardava na
cabine?
Os pensamentos foram cortados quando a mão de Nai Han
foi descendo lentamente por seu ventre em direção às suas
partes mais íntimas. A mulheraça ria, imaginando todo o
prazer quo ia usufruir dentro de segundos, mas quando a mão
se aproximava do baixo ventre da espiã mais linda do mundo,
Brigitte correu com o corpo e rapidamente apanhou a toalha
que estava no cabide e se enrolou nela.
Pelo espelho viu quando Nai Han passou o braço esquerdo
à volta de seu pescoço enquanto a mão direita quase
esmigalhava e triturava com fogo seus seios.
Tentou livrar-se daquelas carícias repugnantes, mas a
chinesa pressionou mais seu pescoço e ela teve a sensação que
de um momento para o outro, a mulheraça ia decepar sua
cabeça.
— Quem você é realmente? — perguntou a miúda Wai l i.
Brigitte a espiou pelo espelho. Será que aquela velha ainda
não a identificara? Será que não conhecia a repórter mais
famosa do “Morning News”? Ótimo! seria muito bom se não
a identificasse mesmo.
— Senhorita Connors, julguei que fosse uma mulher mais
inteligente. Não me diga que prefere que Nai Han parta sua
coluna em duas partes ou que a estrangule. Vamos, seja
razoável e diga logo para quem está trabalhando.
Logicamente, eu devia estar suspeitando que fosse uma agente
da CIA. mas não sei porque tenho a impressão que a CIA não
está envolvida neste caso... Penso assim porque a CIA
costuma criar um ambiente muito desagradável quando
intervém em qualquer caso. Não sei se você pode
compreender-me.
— Não.
— Você, por acaso, é uma espiã americana?
— Não.
— Então seja razoável e nos diga quem é e o que faz na
realidade. Seja sincera e tudo terminará da melhor forma
possível.
Brigitte não tinha mais dúvida alguma, aquelas duas
mulheres estavam ali para liquidá-la, mas antes queriam que
lhes dissesse onde King Wu estava escondido.
— Então não vai colaborar conosco, não quer ser razoável?
Pense duas vezes, diga-nos o que desejamos saber e tudo
acabará bem para você. Lembre-se que nós lhe estamos
oferecendo uma nova vida. Diga-nos onde está o rapaz chinês
que a acompanhava e poderá gozar da liberdade que tanto
preza.
Brigitte continuou calada, e Nai Han sussurrou:
— Ela é teimosa, é do tipo que mais gosto. Deixe-me
experimentá-la, Li e verá como ficará dócil como uma gatinha
de estimação.
— Precisamos saber onde está o rapaz — retrucou Wai Li.
— O caso agora fica entregue em suas mãos, Nai.
— Deixe tudo comigo. Passarei bons momentos, darei
prazer à coitadinha e descobrirei o que deseja saber. Aguarde
mais um pouco, sim?
Rodou o corpo de Brigitte entre seus braços, abraçou-a
com torça e a beijou na boca.
E este foi exatamente seu erro, porque enquanto mantinha
o braço em torno do pescoço de Brigitte, esta permanecia
imóvel, passiva, mas no instante em que se viu livre, reagiu
com rapidez.
Sua mão esquerda subiu até a nuca da lésbica e agarrou um
chumaço de cabelo e em seguida, puxou-o com força. Nai Han
tentou afastar-se, gritando de dor e surpresa, pois não esperava
ser agredida tão brutalmente e foi naquele momento que
recebeu um direto no queixo que a deixou meia zonza,
enquanto o sangue brotava de seus lábios e nariz.
Wai Li agora estava com a pistola encastoada de
madrepérola apontada para Brigitte, evidentemente disposta a
matá-la, mas mais uma vez a agente Baby foi a mais rápida.
Rodopiou uma, duas e três vezes sobre si mesma e sua perna
direita se distendeu pelos ares e o pé foi chocar-se no seio
flácido da velha chinesa que perdeu o equilíbrio, caiu ao chão
e foi lançada para fora do banheiro, soltando a pistola que
Brigitte apanhou. Porém, quando se levantava com a arma já
destravada para livrar-se da lésbica, esta lhe deu um murro nas
costas e a jogou no chão novamente.
A espiã caiu de bruços e a arma ficou sob seu ventre. A
norte-americana usou de todas suas forças e artimanhas para
livrar-se da mão que pesava como se fosse uma pata de fera
selvagem que a forcejava de encontro ao solo, fazendo com
que sua boca quase encostasse no chão.
Brigitte tentou livrar-se da algoz, mas Nai Han agarrou seu
pescoço com ambas as, mãos e iniciou o estrangulamento,
lento e vigoroso.
O ar já começava a faltar nos pulmões, sua respiração já
ficava ofegante quando Wai Li apareceu na porta e
recomendou:
— Nai, mate essa mulher logo de uma vez!
A lésbica olhou para a amiga e Brigitte aproveitou aquela
oportunidade inesperada: Girou o corpo com uma força e
habilidade que a mastondonte chinesa não pôde controlar.
Rapidamente apanhou a pistola e a encostou no rosto de Nai
Han.
Esta abriu a boca para falar alguma coisa é a arma foi
introduzida por seus lábios, até quase a garganta. Foi então
que Brigitte apertou o gatilho. A cabeça da sexagenária
arrebentou e a maça encefálica se espalhou pelo banheiro.
Wai Li estava com os olhos arregalados, esbugalhados
pelo pavor enquanto as lágrimas escorriam por suas faces.
— Nai, Nai, amor de minha vida!... O que foi que essa
megera fez com você, minha querida! Como vou viver de
agora em diante?
Saiu soluçando e desapareceu do camarote.
Brigitte levantou-se cambaleando, ainda não
completamente refeita. Olhou à sua volta e viu que tudo estava
salpicado de sangue. Saiu do quarto de banho, foi à cabine e
fechou a porta do camarote. Suas pernas ainda estavam
trêmulas, bambas e mal suportavam o peso do corpo.
Tomou outra ducha, esta bem rápida. Enrolou-se na toalha,
passou por cima do cadáver da chinesa e foi enxugar-se perto
do beliche.
Examinou a maleta vermelha e viu que felizmente Wai Li
somente tinha apanhado a pistola e nem tinha remexido nas
outras coisas que cos tuniava carregar dentro dela.
Inclusive o rádio permanecia em perfeitas condições.
“Preciso sair daqui imediatamente” — pensou a espiã mais
famosa do mundo. — “Não posso per der mais um minuto”.
Só perdeu o tempo necessário para apanhar a peruca loura
e as lentes de contato verdes que estavam em cima do sofá.
Guardou-as na maleta, saiu do camarote ainda enrolada na
toalha e fechou a porta. Felizmente o corredor estava deserto
e ela se dirigiu quase correndo ao camarote “H” que abriu com
auxílio de uma gazua.
Entrou, fechou a porta e respirou aliviada. Naquele
momento, a lua-cheia começava a brilhar no alto, tornando o
Mar da China uma massa de água prateada.
O silêncio era total e aos poucos, a respiração da espiã
também foi voltando à normalidade.
— Qualquer dia desses eu topo com uma besta assassina
que terminará comigo — murmurou entredentes. — Hoje me
safei por pouco, também pudera duas lésbicas atrás de mim!
Acendeu a luz do camarote, sentou-se no sofá e apanhou o
rádio.
— É você? — perguntou King Wu.
— Sim. Você está bem?
— Sim... por que me faz essa pergunta?
Brigitte explicou-lhe rapidamente o que tinha acontecido e
disse:
— Tenha muito cuidado, King e não saia desse camarote
até segunda ordem. Isso é tudo.
Cortou a ligação e guardou o rádio. Pensou que agira
precipitadamente saindo enrolada na toalha, mas foi então que
seus olhos bateram no armário... talvez até fosse melhor
assim, poderia usar algumas roupas de Jebediah Tracy. Era
alta, agrandalhada e essas não lhe ficariam muito grandes.
Abriu o armário e começou a examinar as roupas que estavam
em seu interior. Encolheu uma calça jeans, uma camisa escura
e uma jaqueta negra. Indubitavelmente, ele tinha gosto ao
escolher seu guarda-roupa, pois todas suas roupas eram
elegantes, confortáveis e caras.
Vestiu-se rapidamente, somente a calça ficou um pouco
comprida, mas Brigitte resolveu o problema suspendendo-a
acima da cintura. Não estava elegantemente vestida, mas
usava roupas que iam ajudá-la sair de um apuro...
Sem saber porque razão, começou a revistar o armário de
Jeb, apesar de não estar procurando mais nada.
E de repente, seus olhos viram uma carteira de couro,
fechada à chave. Isso aguçou sua curiosidade, examinou-a
com cuidado e chegou a se perguntar em um sussurro:
— Por que estou remexendo nisso tudo?
E no mesmo instante descobriu que agia daquele modo
somente por que estava seguindo uma intuição ou uma ordem
que a impelia a fazer o que estava fazendo. Tinha começado
sem nem desconfiar do que ia encontrar, mas agora estava
curioso para saber o que havia dentro da carteira.
A senhorita Montfort sempre sabia resolver os problemas
que lhe surgiam, apanhou uma lima de unhas e em fração de
segundo a fechadura minúscula cedeu à pressão. E o que ela
encontrou? Nada mais, nada menos do que seis passaportes
chineses. Um deles com o retrato de Poi Tsiang, outro com o
de Hao Wong. Outros dois correspondiam aos passageiros que
estavam instalados no camarote 120 da classe de turismo,
outro correspondia ao homem que estava viajando com sua
esposa no camarote 116, também da classe de turismo. Porém
a fotografia do sexto homem ela não conseguiu identificar,
não se parecia com nenhum passageiro que tivesse visto no
navio e, sem saber por que, lembrou-se do cego com o qual
havia esbarrado quando saía do “Colony Room”.
Olhou o retrato com mais atenção. Não podia ser ele, pois
o cego e o homem da foto eram bem diferentes, por que cargas
d’água tinha pensado naquele infeliz? Por quê?
Chegou a ficar com raiva de si mesma, não sabia porque
era uma pessoa tão maldosa. Depois afastou-o do pensamento
e pensou em Jeb Tracy.
— Muito bem, meu queridinho, estava procurando uma
boa companhia para distraí-lo durante a viagem. Eu nem de
longe poderia supor que você estivesse jogando o jogo —
falou em murmúrio com um sorriso debochado. — Estava
querendo, não é? Pois nada impede que prossigamos o jogo!
CAPÍTULO SEXTO
O aparecimento de Cheng Shinang

Jeb Tracy acabava de ocupar uma das mesas do “Colony


Room” e parecia estar bastante preocupado quando um dos
camareiros veio avisar que alguém o esperava ao telefone.
Levantou-se rapidamente e se aproximou do balcão do bar, a
fim de atender a chamada.
— Sim? — murmurou.
—...
— Lili, o que houve? Acabei de bater na porta de seu
camarote e ninguém me atendeu? Onde você está?
—...
— Os passaportes? — perguntou com um fio de voz. —
Quais passaportes?
—...
— Sim, sim... Tudo tem uma explicação. Onde você está
agora?
—...
— Compreendo. Creio que seria conveniente nós dois nos
encontrarmos em algum local adequado... onde possamos
conversar.
—...?
— Sim... Sim...Ouça, você não está complicando o caso?
—...
— Está bem. Às onze estarei no cassino, onde aguardarei
sua chegada. Podemos tomar um coquetel e também jantar.
Que tal?
Escutou apenas o “clique” da ligação ao ser desligada. Jeb
colocou o fone no aparelho, voltou à mesa e encomendou um
uísque ao camareiro. Enquanto o aguardava ficou pensando e
acabou murmurando:
— Maldição! Só me faltava essa! Ela só pode ser a agente
Baby da CIA! Eu queria descobrir como ficou sabendo dessa
sujeira? Já sei! Foi o chinês que esteve com ela no camarote
41 e depois no 44. Bem, a primeira coisa que devo fazer, é ver
se realmente os passaportes desapareceram e depois...
E foi naquele instante que ouviu alguém perguntando:
— Camareiro, pode dizer-me onde está sentado o senhor
Tracy?
Virou a cabeça rapidamente e viu o homem que apesar de
estar falando com o camareiro, não olhava para este e sim para
qualquer outro ponto do salão. Era cego, usava uma bengala
branca...
O camareiro trocou um olhar com Jeb que fez um gesto
como que consentindo.
— Por que está procurando o senhor Tracy? — perguntou.
O cego falou sem nem mexer com a cabeça.
— Você é o senhor Tracy?
— Talvez — respondeu Jeb.
— Escute uma coisa, se não é o senhor Tracy, por favor
não se intrometa em minhas conversa? — redarguiu o cego
com mau humor.
— Eu sou Tracy e o que você quer comigo?
— Poderíamos ir a um lugar onde pudéssemos falar sem
ter ninguém nos ouvindo? Se alguém ouvisse o que vamos
falar, isso lhe seria prejudicial.
— Certo. Mas primeiro me diga: Quem é você?
— Digamos que sou um ceguinho que aspirou os ramos
mais altos de uma cerejeira milenária. Entende?
— Mais ou menos. Podemos ir a meu camarote. E
aproveitarei a oportunidade para fazer uma pequena
comprovação. Quer que eu lhe dê o braço?
— Não se preocupe comigo. Caminhe a minha frente que
eu o seguirei. Já podemos ir, Tracy?
— Não gostaria de tomar alguma coisa antes?
— Vamos embora e não percamos mais tempo.
Jeb começou a andar para a saída do salão e o cego o
acompanhava com passos não muito firmes. Percorreram o
convés e depois o corredor de camarotes. Tracy abriu a porta
do “H” e entrou. O cego também entrou e ele fechou a porta.
Foi direto ao armário e comprovou que a carteira de couro não
se encontrava mais lá. Muitos poderiam dizer que agira de
forma imprudente, que o certo seria entregá-la ao comandante
para este guardá-la no cofre... mas agora já era tarde para
lamentações. Como poderia recuperar os passaportes se algo
falhasse na hora? Se por acaso o helicóptero não chegasse
antes do navio atracar em Singapura?
Virou-se para o cego, sentindo-se verdadeiramente
apreensivo por causa do problema criado pela senhorita Lili
Connors e... foi então que, se viu à frente de um outro
problema: O cego o mantinha sob a mira de uma pistola
provida de silenciador.
— Diabo que o carregue! — exclamou.
— Você não passa de um norte-americano nojento — disse
o cego. — Uma coisa é fazer pequenos serviços secretos que
sejam contra sua pátria e outra coisa bem diferente, é vender-
se de corpo e alma a esses serviços secretos que só podem
prejudicar a China. Você está vendido a Lien Lo Pou até os
ossos, manietado como se fosse um carneiro que se encontra
preparado para o abate. E como é natural, também está sendo
explorado por alguns componentes da Lien Lo Pou que o
utilizam para os serviços especiais referentes à “Cerezo
Milenário” e obviamente à “Equipe Ming”. Não é isso o que
está acontecendo?
— Droga! Quem é você afinal? — rosnou Tracy.
— Cheng Shinang, da Lien Lo Pou — disse o cego, tirando
os óculos e deixando seus olhos vivos e inteligentes à mostra.
— Você é da Lien Lo Pou? — exclamou Jeb. — E por que
tenta prejudicar-me se estamos juntos na mesma corporação?
— Não, não. Eu trabalho para o serviço de inteligência da
Lien Lo Pou e não a um dos ramos da organização que presta
serviço à “Cerezo Milenário” ou à “Equipe Ming”. Sou
somente um espião e não um assassino.
— Homem, do que está falando? — irritou-se Tracy, —
Nós dois somos da Lien Lo Pou, portanto, guarde essa arma!
— Pare de me dar ordens despropositadas! Sente-se no
sofá e permaneça calado!
— Não vou sentar-me em canto nenhum! — gritou Tracy.
— Sabe com quem eu vou encontrar me daqui a pouco, no
cassino? Com a agente Baby da CIA. Foi ela quem se
apoderou de todos os passaportes e...
— Então ela foi mais rápida do que eu? Verdadeiramente,
é uma mulher que tem uma capacidade de ação
impressionante. Pelo menos, esta parte já está resolvida.
Agora me diga em que consiste os planos da “Cerezo
Milenário” e da “Equipe Ming”.
— Se seus chefes nada lhe disseram, não será eu quem vai
falar.
— Meus chefes não me podiam esclarecer coisas que eles
próprios desconhecem. Fui eu quem conseguiu captar uma
pequena informação casualmente e desde então, me propus
esclarecê-la. Melhor explicando: Há dias, obtive uma pequena
informação que não compreendi e que me deixou bastante
intrigado. Eu nada sabia a espeito da “Cerezo Milenário” ou
da “Equipe Ming”... felizmente consegui mobilizar alguns
colaboradores no sentido de obstar a ação militar que a
“Equipe Ming” está preparando em Singapura, embora não
saiba realmente do que se trata. Agora pergunto: O que vai
acontecer, antes deste navio atracar naquele porto? Antes de
um grupo criminoso fugir com passaportes falses em um
helicóptero que devera apanhá-los, caso o plano não seja
coroado de êxito?
— Compreendo — interrompeu-o Tracy. — Você é um
chinês que está tentando dificultar certos planos organizados
pelo bem da China.
— Esses planos não facilitam o progresso da China, mas
da “Cerezo Milenário” e não será você quem vai ensinar-me
como devo amar minha pátria — disse Shinang, destravando
a arma. — Eu sou um espião e daria minha vida pela China,
mas nunca por organizações que só abrigam malfeitores e
assassinos. Pensa que não sei que só o utilizam porque é norte-
americano e que sua nacionalidade já facilita, muitas vezes,
alguns serviços desonestos, embora muitos destes também
sejam prejudiciais aos Estados Unidos?
Tracy fez menção de sacar, mas Cheng disparou contra ele.
Quando o louro caiu no chão estava morto, com o rosto
transformado em uma máscara sanguinolenta.
Cheng Shinang guardou a arma, colocou os óculos
escuros, apanhou a bengala branca e saiu do camarote. Queria
descobrir onde estava seu amiguinho King Wu. Mas agora,
pelo menos, já sabia onde poderia encontrar Baby, às onze
horas na noite.
***
Já passavam das onze horas e ela ainda não tinha
encontrado a madame Wai Li ou Jeb Tracy em canto nenhum.
As onze e quinze, entrou no cassino um ancião chinês que
talvez naquela noite fosse o viajante mais chamativo do
“Hong Kong Sky”.
O disfarce estava perfeito: O velhinho era simpático, tinha
suíças, cavanhaque e cabelos brancos como a neve, olhos
azuis e seu rosto era sulcado por rugas profundas.
O velhinho entrou no cassino e viu o cego. Aproximou-se
deste e lhe perguntou em inglês:
— Está esperando alguém?
O homem estava parado perto de uma palmeira anã e
murmurou:
— Sim, uma espiã americana. Tenho um recado para ela.
Tracy não virá para o jantar.
— Por quê?
— Está morto. Conhece um rapaz chamado King Wu?
— Talvez.
— Quando o vir, diga-lhe que seu amigo Cheng Shinang o
procura.
— Shinang, realmente se julga amigo de King Wu? Você
me faz lembrar de alguém que conheci há muitos anos, nos
Estados Unidos. Ele dizia que era meu amigo, mas só
descansou quando me colocou na CIA. Somos amigos até
hoje, mas seus propósitos iniciais eram recrutar uma jovem
universitária que poderia se tornar uma espiã famosa.
— Infelizmente, esta é a realidade da vida — murmurou o
cego. — Não desejo nenhum mal ao rapaz, mas pressinto que
fará um belo trabalho entre os da Lien Lo Pou e faço com ele
exatamente o que fizeram comigo.
— Foi você quem matou Tracy?
— Sim. Era um ianque desonesto que fazia os trabalhos
mais nojentos para colaborar com uma parte da Lien Lo Pcu
que serve a “Cerezo Milenário”. Quando mandei King
procura-la, sabia que ia ajudar me e eu lhe estou muito grato.
— Para falar a verdade, ainda não sei exatamente o que
estou fazendo dentro de um caso que me é totalmente
desconhecido. Até agora não pressinto chuvas de sangue
como mandou me dizer. Só tenho presenciado mortes de
pessoas que não mereciam viver. O que você sabe a respeito
dos planos da “Equipe Ming” programados para esta viagem?
— Por ora nada, mas podemos saber de tudo atacando
diretamente alguns membros que estão viajando neste navio.
O que está pensando fazer?
— Antes de qualquer coisa, encontrar Wai Li. Você a
conhece?
— Não.
— Enquanto aquela mulher estiver solta, estará
procurando matar-me. Creio que entre tantas pessoas que me
odeiam, é ela aquela que mais ódio sente de mim... O seu ódio
por mim é traumático... E não pensa abandonar o navio
deixando-me viva.
— É, bem que falam que algumas pessoas gostam de
complicar suas vidas — sorriu Shinang.
— É verdade — sorriu o ancião. — Venha comigo, iremos
a um lugar onde podemos falar à vontade e talvez até
possamos urdir um plano interessante para atacar alguns
membros da “Equipe Ming”. Na verdade, eles nunca foram
seis. Eram apenas cinco, mas agora já sofreram algumas
baixas.
— Sei que embarcaram seis. Talvez o sexto permaneça
escondido.
— Está bem. Podemos ir?
— Poderia me dar o braço: Sou um pobre cego.
O ancião sorriu, ofereceu-lhe o braço e foi assim que
saíram do cassino.
Nem rastro de Wai Li ou de qualquer outro membro da
equipe.
Dois minutos mais tarde, o ancião batia na porta do
camarote 145. A porta foi aberta, mas o camarote continuava
às escuras. Cheng Shinang olhou para o ancião com expressão
irritada e o velho apontava uma pistola em sua direção.
— Entre com as mãos na cabeça, colega.
O cego obedeceu. Assim que entraram e fecharam a porta,
a luz foi acesa. King Wu olhava os dois e depois sorriu.
— Cheng Shinang!
— Olá! — falou o cego de má vontade.
— Não fique aborrecido com ela — quase riu o rapaz. —
Baby queria certificar-se de que você não era um impostor.
— Parem com tanta conversa — cortou o ancião. —
Precisamos decidir o que faremos esta noite. Não podemos
perder um minuto porque Wai Li e os outros devem estar
recrutando um pequeno exército entre os tripulantes do barco.
Todos devem estar procurando por nós em todos os cantos
possíveis, acabarão nos encontrando aqui e eu nunca fui
adepta de tiroteios vulgares e sem propósitos definidos.
— Você é uma espiã de classe — disse Shinang,
guardando os óculos no bolso do casaco.
— É mesmo! — confirmou King. — O que você quis dizer
com “um pequeno exército recrutado entre os tripulantes”?
— Este navio já estava preparado há algum tempo para
transportar o pessoal da “Equipe Ming” quando chegasse o
momento da grande operação que iria facilitar a atuação da
“Cerezo Milenário”. E é por isso que Wai Li supervisiona
vários tripulantes deste navio que têm a obrigação de a ajudar
de forma discreta até o momento da ação. E é esta ação que
devemos controlar. Está compreendendo o que devemos
fazer, Shinang?
O chinês olhou para King, sorriu e disse:
— Ficaria aborrecida se eu pedisse que me chamasse
somente por Cheng?
— Claro que não — sorriu o ancião. — Farei como pedir,
Cheng.

CAPÍTULO SÉTIMO
O plano diabólico

Quando o ancião calou se, King comentou:


— O que diria o diretório da Lien Lo Pou se desconfiasse
o que anda acontecendo neste navio?
— O nosso diretório já não se surpreende com mais nada
que aconteça em casos que a agente Baby interfere — disse
Shinang. — Porém, eu pessoalmente, acho que este assunto
não deverá ser ventilado junto a meus companheiros, pois
agora já não sei quais deles são fiéis à Lien Lo Pou e quais são
os outros que colaboram com a “Cerezo Milenário”. Faremos
o que for possível para resolver esse impasse, mas depois nos
esqueceremos de tudo. Combinado?
— Perfeitamente — concordou Baby. — Não podemos
perder mais tempo, eu e você iremos ao camarote 116 que está
ocupado por um dos membros da “Equipe Ming” que viaja na
companhia da esposa ou de uma amante. Depois, iremos ao
120 onde estão dois passageiros. Enquanto isso, King
permanecerá aqui no 145.
— Negativo! Já estou cansado de ficar escondido! —
reclamou King.
— Está bem, não fique zangado. Ambos os camarotes
estão em dois corredores laterais que vão dar perto da porta
que fica próxima da escada que interliga as diversas cobertas.
Você ficará perto daquela porta e se vir algo suspeito me
chame pelo rádio. E fuja depressa para este camarote.
— Assim já fica melhor — sorriu o rapazinho chinês.
Logo depois, os três deixavam o camarote. Atravessaram
o corredor principal e chegaram ao lateral onde estava
localizado o 116. King ficou perto da porta que ia dar na
escada e eles prosseguiram.
Cheng Shinang bateu umas pancadinhas na porta, um
chinês a abriu e ficou de olhos esbugalhados quando se viu
sob a mira de duas pistolas.
— Aja normalmente — disse-lhe Baby em inglês.
Obedeceu e fechou a porta depois de Cheng ter entrado,
enquanto sua esposa ou amante continuava sentada no sofá
com ar apalermado.
— Onde está Wai Li? — perguntou Baby.
O chinês e Cheng trocaram algumas palavras em seu
idioma nativo.
— Ele me disse que não conhece essa mulher — traduziu
Cheng Shinang em seguida. — No entanto, sei que está
mentindo.
— Entendo essa jogada e acho muito bom ele falar
semente em inglês, não há tempo para se perder com traduções
— disse o ancião.
Depois olhou para o casal chinês que parecia assustado.
— Não sei se sabem que a madame Wai Li já matou Poi
Tsian e Hao Wong quando suspeitou que nós já sabíamos que
eles eram membros da “Equipe Ming” da qual vocês dois
também fazem parte. Agora ela agirá com rapidez e presteza,
pois tem medo que sendo capturados, falem mais do que
devem. Creio que já entenderam como ela age. E agora
pergunto: Onde está Wai Li e o que ela está tramando?
Naquele momento, o chinês sacou a arma que usava em
um coldre sob a axila, mas o ancião foi mais veloz, tirou do
bolso da calça sua pistolinha encastoada de madrepérola e deu
no gatilho. O adversário recebeu o impacto do chumbo no
peito e rolou pelo chão. Enquanto isso, sua companheira
levantou-se inopinadamente e tentou arrancar a arma que o
ancião segurava com mão muito firme para sua idade. O
velhinho não se atemorizou e deu um pontapé no baixo ventre
da mulher que gritou de dor e caiu sem sentidos.
Depois, o velhinho e Cheng Shinang saíram correndo
daquele camarote e só pararam quando viram o amigo com o
peito coberto de sangue, cambaleando e com uma expressão
de pavor.
— King, o que aconteceu? — perguntou Cheng, correndo
para ele.
Antes que o rapaz tivesse tempo de responder, caiu
desmaiado. Os dois espiões se ajoelharam a seu lado e o
examinaram rapidamente.
— Cheng, leve-o para o camarote 145.
— Não devíamos mexer com ele... Por que não chamamos
um médico?
— Não podemos confiar em ninguém, Cheng. Leve-o para
146.
Cheng Shinang levantou o ferido e quando voltava ao
camarote, viu Baby se encaminhando para o 120.
Nem bateu na porta, encostou o cano da arma na fechadura
e disparou duas vezes. Empurrou a porta, acendeu a luz do
camarote e viu os dois corpos estatelados no chão. A espiã
americana comparou a “Equipe Ming” a certas ordens
religiosas que se desfaziam de seus membros ao menor sinal
de perigo.
Três homens mortos em questão de horas, mas ainda
restava a mulher e talvez esta pudesse fornecer-lhe algumas
informações. E foi então que Baby se lembrou de tudo que
havia acontecido no momento em que dera o pontapé na
entrepernas daquela mulher chinesa: o grito que ela dera,
rouco e forte... Já muitas vezes tinha atacado homens, dando
pontapés nas suas glândulas sexuais e todos reagiam do
mesmo modo: o rosto se crispava, urravam berros surdos e
roucos.
— Ele é um homem! É o sexto homem da equipe que
embarcou! — exclamou.
Saiu depressa do 20, encostou a porta e quase correu para
o camarote 116, cuja porta ainda permanecia aberta. Quando
entrou, a mulher estava tentando levantar-se do chão e
mantinha as duas mãos no meio das pernas como se
procurasse proteger a região dolorida.
Olhou com surpresa para Baby e pareceu assustada quando
a ouviu dizer:
— Venha comigo! Depressa! Os auxiliares de Wai Li estão
exterminando todos os membros da “Equipe Ming”.
O ancião ajudou-a a se levantar, sempre a mantendo sob a
mira da arma e ia falar alguma coisa quando ouviram rumores
de passos. Ambos entraram no banheiro.
Alguém também entrou logo atrás deles, vestindo-se como
empregado do navio, calça preta e jaleco branco e, portando
uma pistola na mão direita. Assim que viu o ancião, fez
menção de apertar o gatilho, mas o velhinho só disparou uma
vez sem fazer mira sequer e o homem caiu lentamente ao
chão. Baby soltou a mulher que tremia de medo e praticamente
pulou para o, meio da cabine e foi então que viu um outro
empregado. Não titubeou e novamente acionou o gatilho e ele
foi cair de bruços, perto do beliche.
A chinesa estava apavorada, olhando para seu
companheiro e o velhinho murmurou:
— Vê como eu estava falando a verdade? E cada minuto
que passamos aqui, mais perto ficamos da morte. Daqui a
pouco, chegarão outros que virão recolher os cadáveres.
Também mataram os dois homens que viajavam no 120. É
bem a gente fugir enquanto pode. Venha comigo.
Pegou-a pelo braço e dez segundos mais tarde entravam no
camarote 145. Cheng fechou a porta e Baby arrancou
rapidamente e peruca que a chinesa estava usando.
— Até que enfim você conseguiu localizar o sexto homem.
Precisamos ter muito cuidado com ele. — murmurou o agente
da Lien Lo Pou.
Baby não respondeu e se aproximou do sofá onde King Wu
ainda continuava sem sentidos, com a fronte empapada de
suor e com a respiração ofegante.
— Se ele morrer, morrerá por sua pátria... Vou buscar um
médico norte-americano que costuma distrair-se no cassino.
Cheng, continue cuidando de nosso amigo e converse
francamente com nosso visitante. Ele precisa compreender
que estamos necessitando de sua ajuda para desbaratar os
planos da “Equipe Ming” e limitar os poderes da madame Wai
Li. Se ele não colaborar conosco, podemos entregá-lo vivo à
Lien Lo Pou.
O chinês ficou branco de repente e começou a falar com
Cheng Shinang, enquanto isso Baby ia despindo as roupas de
Jeb Tracy para novamente ser uma mulher muito linda, loura
e de olhos verdes. Os dois homens a observavam fascinados e
Lili Connors sorria para eles.
— Continuem conversando — disse Lili Connors. — Eu
vou...
— Espere. Ele praticamente já me disse tudo. O plano da
equipe se resumia em fazer com que todos os passageiros do
navio acreditassem que tudo era uma vingança dos
universitários chineses pelo que aconteceu na Praça de
Tiannanmen. Todos que conseguissem salvar-se, deviam
pensar que sobreviviam de uma ação levada a cabo pelos
estudantes que viajavam neste navio.
— E que ação era esta?
— Envenenar toda a comida que fosse servida neste final
de viagem porque entre os setecentos passageiros está
viajando incognitamente uma alta autoridade de Pequim, que
de Singapura deverá ir para os Estados Unidos. O plano da
equipe seria envenenar a comida e as bebidas que fossem
servidas e depois, acusariam os estudantes como os
responsáveis pelas mortes corridas e diriam que as mesmas
eram uma represália pela matança da Praça Tiannanmen.
— Então tudo não passa de uma manobra muito suja para
desmoralizar os estudantes da China, para apresentá-los ao
mundo como seres vingativos, e maus... E essa manobra iria
provocar críticas de todos os povos do mundo condenando os
estudantes chineses.
— Exatamente. Isso é o que aconteceria no conceito dos
poucos sobreviventes que se salvassem durante esta travessia
do Mar da China. E tem mais, os membros da equipe
procurariam convencê-los de que tudo fora programado e
planejado pelos estudantes que continuavam revoltados.
Fariam isso antes de abandonarem o navio, antes dos
helicópteros virem buscá-los, mas se por acaso estes não
pudessem apanhá-los por qualquer motivo, eles
desembarcariam em Singapura com passaportes falsos e
regressariam imediatamente a China. Tudo preparado, tudo
previsto para desencadear uma chuva de sangue, primeiro
aqui e depois por toda a China.
— Esperem-me porque agora vou procurar um médico
americano e sei que ele virá medicar King. Eu voltarei aqui
assim que puder.
— Aonde vai?
— Preciso matar Wai Li.
— Como, se não sabemos onde ela está?
— Sei que ela não se esconderá por muito tempo porque a
isca lhe parecerá muito suculenta — respondeu a espiã mais
implacável do mundo com um sorriso gélido. — Se nós não
nos vermos mais, Cheng, tive muito prazer em conhecê-lo.
Tchau!
— Escute, eu posso cuidar de Wai Li.
— Você não tem meios que a forcem sair do esconderijo.
— Não sei por que sente tanto prazer em enfrentar riscos e
perigos? Por que não espera amanhecer para dar uma batida
no navio?
— Cheng, aquela mulher é uma víbora que não pode andar
solta entre seres humanos e quanto mais cedo for liquidada,
melhor será para todos!
Ele não tinha mais argumentos para usar e dissuadir as
ideias daquela mulher perigosa e sensual.
Naquele instante, o último membro da “Equipe Ming”
disse algo e Cheng soltou um palavrão em chinês que Lili
Connors não conseguiu entender muito bem.
— O que foi que ele disse? — perguntou com curiosidade.
— Está querendo saber o que faremos com ele? —
respondeu Shinang.
A agente Baby sorriu ao ouvir aquela pergunta
desnecessária. Abriu a maleta vermelha, apanhou sua
pistolinha encastoada de madrepérola, apontou-a para a
cabeça do sujeito e disparou.
O chinês caiu no chão para nunca mais se levantar.
— Bem que falam que a coisa mais besta do mundo são
algumas perguntas que nem merecem uma resposta — disse a
Cheng Shinang, sorrindo.

ESTE É O FINAL
A bela senhorita Connors estava no gabinete do capitão do
“Hong Kong Sky”.
O oficial a escutava com muita atenção e respeito. E aos
poucos, a espiã mais famosa do mundo foi tendo certeza de
que o capitão Ying não tinha qualquer ligação com os
membros da “Equipe Ming” que estavam viajando no navio.
— Enfim, senhorita, qual é o plano do grupo? —
perguntou, de repente.
— Talvez o senhor não vá acreditar, mas acontece que os
assassinos estão pensando em envenenar todas as pessoas que
fazem esta viagem.
Os olhos do capitão Ying desorbitaram. O oficial parecia
perplexo com aquela revelação despropositada.
De fato, não entendera porque aquela turista linda de
morrer aproximou-se dele quando estava no salão e pediu para
terem uma conversa em local mais reservado. Trouxera-a a
seu gabinete particular, sentindo muita curiosidade, mas
jamais poderia pensar que fosse ouvir aquelas palavras.
— Como eles estão pensando envenenar os passageiros?
— Vários tripulantes e empregados da companhia de
navegação estão colaborando com eles. O plano foi
arquitetado com muito cuidado e meticulosidade. Talvez seja
iniciado ainda esta noite porque a madame Wai Li tem muita
pressa em executá-lo.
— Mas se eles fizerem isso, será horrível.
— Exatamente por causa disso, solicitei esta entrevista
com o senhor. Terá de expedir ordens e avisos comunicando
que ninguém dentro do “Hong Kong Sky” poderá ingerir
qualquer alimento, bebida e nem mesmo água até o final da
viagem. Entendo que o resto da travessia não será muito
agradável ou divertida... imagine só, nós todos fazendo jejum
forçado e passando fome até atracarmos em Singapura. Eu
pessoalmente prefiro passar fome do que morrer. E o senhor?
Ying Punang passou o lenço pela calva, pensando no que
poderia ser feito naquela situação.
— Passarei um telex a Singapura e a polícia deterá todos
os tripulantes na hora do atracamento.
— Creio que esta ordem poderá ficar em segundo lugar —
disse a senhorita Connors com um de seus mais radiosos
sorrisos. — Acho que a primeira coisa que o senhor deve
fazer, é comunicar-se com todos os camarotes e avisar todos
os passageiros do que poderá acontecer dentro das próximas
horas.
O capitão assentiu, apanhou o telefone e começou a se
comunicar com todos os que estavam no barco.
Dentro de poucos minutos, o “Hong Kong Sky” parecia
um vulcão flutuante pronto a entrar em erupção.
Vinte minutos mais tarde, o imediato entrou no gabinete e
informou que a situação já começava a se normalizar e que a
primeira reação de pânico já estava sob controle, que o
problema estava praticamente resolvido.
— Bem, se os passageiros já estão calmos e se
prontificaram a atender o pedido do capitão Ying — a
senhorita Connors levantou se com a agilidade que lhe era
peculiar —, terão de perdoar-me porque preciso ver um amigo
que não estava passando muito bem.
O capitão e o imediato a fitavam pasmos por vê-la tão
tranquila e sorridente.
Assim que Lili Connors pôs os pés fora do gabinete viu um
empregado que usava o uniforme usual: calça preta e jaqueta
branca.
Este era um tipo baixinho e ela notou que assim que a viu
virou-se de costas, abaixou-se como que procurando alguma
coisa que tivesse caído no chão.
Lili Connors sorriu, fingiu nada ter notado e lhe deu as
costas completamente, enquanto abria a bolsa e apanhava a
pistola enfeitada com madrepérola.
Continuou caminhando na direção da proa e quando estava
a poucos metros do empregado, viu quando este sacou uma
arma do cós da calça, e a apontou em sua direção.
Apontou a pistola, mas não teve oportunidade de usá-la
porque a espiã acionou a sua com mais rapidez.
Plof.
A madame Wai Li recebeu o tiro no rosto e rolou pelo
convés.
Lili olhou para seu cadáver e disse com voz gelada:
— Eu sabia, queridinha! Você não ia perder a
oportunidade única de fisgar uma presa apetitosa como eu,
mas esqueceu-se de uma coisa: Poucas pessoas estão
capacitadas para lutar contra a agente Baby da CIA.

Todos os personagens desta novela são imaginados pelo autor e não


têm qualquer relação com nomes ou personalidades da vida real.
Qualquer semelhança terá sido mera coincidência.

Você também pode gostar