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A HISTÓRIA DE UM CRIME
O TESTEMUNHO DE UMA TESTEMUNHA OCULAR
POR VICTOR HUGO
O PRIMEIRO DIA—
A EMBOSCADA. CAPÍTULO I. "SEGURANÇA" Em 1º de
dezembro de 1851, Charras encolheu o seu ombro e descarregou suas pistolas. Na verdade, a crença na possibilidade de um golpe de Estado tornou-se humilhante. A suposição de tal violência ilegal por parte do sr. Louis Bonaparte desapareceu após séria consideração. A grande questão do dia era manifestamente a eleição de Devincq; ficou claro que o Governo só pensava nesse assunto. Quanto a uma conspiração contra a República e contra o Povo, como poderia alguém premeditar tal enredo? Onde o homem era capaz de entreter tal sonho? Para uma tragédia deve haver um ator, e aqui certamente faltava o ator. Para ultrajar a Direita, para suprimir a Assembleia, para abolir a Constituição, para estrangular a República, para derrubar a Nação, para manchar a Bandeira, para desonrar o Exército, para subornar o Clero e a Magistratura, ter sucesso, triunfar, governar, administrar, exilar, banir, transportar, arruinar, assassinar, reinar, com tais cumplicidades que a lei finalmente se assemelha a um leito imundo de corrupção. O quê! Todas estas maldades deveriam ser cometidas! E por quem? Por um Colosso? Não, por um anão. As pessoas riram da ideia. Já não diziam "Que crime!", mas "Que farsa!" Afinal, eles refletiram; crimes hediondos exigem estatura. Certos crimes são muito elevados para certas mãos. Um homem que alcançaria um 18º Brumário deve ter Arcola em seu passado e Austerlitz em seu futuro. A arte de se tornar um grande canalha não é concedida ao primeiro a chegar. As pessoas diziam a si mesmas: Quem é esse filho de Hortense? Ele tem Estrasburgo atrás dele em vez de Arcola, e Boulogne no lugar de Austerlitz. Ele é francês, nascido holandês e naturalizado suíço; é um Bonaparte cruzado com um Verhuell; ele só é celebrado pelo ridículo de sua atitude imperial, e aquele que arrancasse uma pena de sua águia arriscaria encontrar uma pena de ganso na sua mão. Esse Bonaparte não passa de moeda corrente na força militar, ele é uma imagem falsificada menos de ouro do que de chumbo, e com certeza os soldados franceses não nos darão o troco por esse falso Napoleão na rebelião, nas atrocidades, nos massacres, nos ultrajes, na traição. Se ele tentasse trapacear, seria malograr. Nenhum regimento se mexeria. Além disso, por que ele deveria fazer tal tentativa? Sem dúvida, ele tem seu lado desconfiado, mas por que considerá-lo um vilão absoluto? Tais ultrajes extremos estão além dele; ele é incapaz deles fisicamente, por que julgá-lo capaz deles moralmente? Ele não prometeu honra? Ele não disse: "Ninguém na Europa duvida da minha palavra?" Não tenhamos medo de nada. A isso poderia ser respondido, os crimes são cometidos em grande ou média escala. Na primeira categoria está César; no segundo está Mandrin. César passa o Rubicão, Mandrin transpõe a valeta. Mas os sábios interpuseram: "Não somos prejudicados por conjecturas ofensivas? Este homem foi exilado e desventurado. O exílio esclarece, o infortúnio corrige". Por sua vez, Louis Bonaparte protestou energicamente. Fatos abundavam em seu favor. Por que ele não deveria agir de boa fé? Ele havia feito promessas notáveis. No final de outubro de 1848, então candidato à presidência, ele foi visitar o nº 37 da Rua da Tour d'Auvergne para um certo personagem, a quem comentou: "Desejo ter uma explicação com você. Eles me caluniam. Dou-lhes a impressão de um louco? Eles pensam que desejo reviver Napoleão. Há dois homens que, numa grande ambição, podem tomar por seus modelos, Napoleão e Washington. Um é um homem de gênio, o outro é um homem de virtude. É ridículo dizer: 'Serei um homem de gênio'; é honesto dizer: 'Serei um homem de virtude'. Qual deles depende de nós mesmos? O que podemos realizar por nossa vontade? Ser Gênio? Não. Ser Probidade? Sim. A obtenção do Gênio não é possível; a obtenção da Probidade é uma possibilidade. E o que eu poderia reviver de Napoleão? Uma única coisa: um crime. Verdadeiramente uma ambição digna! Por que devo ser considerado homem? Estabelecida a República, não sou um grande homem, não copiarei Napoleão; mas sou um homem honesto. Vou imitar Washington. Meu nome, o nome de Bonaparte, estará inscrito em duas páginas da história da França: na primeira haverá crime e glória, na segunda probidade e honra. E o segundo talvez valha o primeiro. Por quê? Porque se Napoleão é o maior, Washington é o melhor homem. Entre o herói culpado e o bom cidadão eu escolho o bom cidadão. Essa é a minha ambição.” De 1848 a 1851 se passaram três anos. As pessoas suspeitavam de Louis Bonaparte há muito tempo, mas a suspeita contínua embota o intelecto e se esgota com alarmes infrutíferos.
Luís Bonaparte teve ministros dissimulados como Magne e
Rouher; mas também teve ministros diretos como Léon Faucher e Odilon Barrot; e estes últimos afirmaram que ele era reto e sincero. Ele foi visto batendo no seu peito diante das portas de Ham; sua irmã adotiva, Senhora Hortense Cornu, escreveu a Mieroslawsky: "Sou um bom republicano e posso responder por ele". Seu amigo de Ham, Peauger, um homem leal, declarou: "Louis Bonaparte é incapaz de traição". Não tinha Louis Bonaparte escrito a obra intitulada "Pauperismo"? Nos círculos íntimos do Eliseu, o conde Potocki era republicano e o conde d'Orsay era um liberal; Luís Bonaparte disse a Potocki: "Sou um homem da Democracia" e a D'Orsay: "Sou um homem da Liberdade". O Marquês du Hallays se opôs ao golpe de Estado, enquanto a Marquesa du Hallays estava a seu favor. Luís Bonaparte disse ao Marquês, "Nada temas" (é verdade que ele sussurrou para a Marquesa, "Faça sua mente fácil"). A Assembleia, depois de ter mostrado aqui e ali alguns sintomas de inquietação, se acalmou. Havia o general Neumayer, "em quem se podia confiar", e que, de sua posição em Lyon, precisaria marchar sobre Paris. Changarnier exclamou: "Representantes do povo, deliberam em paz." Até o próprio Luís Bonaparte pronunciou essas famosas palavras: "Eu veria um inimigo do meu país em qualquer um que mudasse pela força o que foi estabelecido por lei", e, além disso, o Exército era "força", e o Exército possuiu líderes, líderes que foram amados e vitoriosos. Lamoricière, Changarnier, Cavaignac, Leflô, Bedeau, Charras; como alguém poderia imaginar o Exército da África prendendo os generais da África? Na sexta-feira, 28 de novembro de 1851, Luís Bonaparte disse a Michel de Bourges: "Se eu quisesse errar, não poderia. Ontem, quinta-feira, convidei para minha mesa cinco coronéis da guarnição de Paris, e o capricho tomou conta de mim para questionar cada um por si. Todos os cinco me declararam que o Exército jamais se prestaria a um golpe de força, nem atacaria a inviolabilidade da Assembleia. Você pode dizer isso aos seus amigos.” — “Ele sorriu”, disse Michel de Bourges, tranquilizado, “e eu também sorri.” Depois disso, Michel de Bourges declarou na Tribuna: “este é o homem para mim”. No mesmo mês de novembro um jornal satírico, acusado de caluniar o Presidente da República, foi condenado à multa e prisão por uma caricatura representando uma galeria de tiro e Louis Bonaparte usando a Constituição como alvo. Morigny, o Ministro do Interior, declarou no Conselho perante o Presidente "que um Guardião do Poder Público nunca deve violar a lei, caso contrário ele seria-" "um homem desonesto", interpôs o Presidente. Todas essas palavras e todos esses fatos eram notórios. A impossibilidade material e moral do golpe de Estado foi manifesta a todos. Para indignar a Assembleia Nacional! Para prender os deputados! Que loucura! Como vimos, Charras, que estava há muito tempo em guarda, descarregou suas pistolas. A sensação de segurança era completa e unânime. No entanto, havia alguns de nós na Assembleia que ainda mantinham algumas dúvidas, e que ocasionalmente balançavam as nossas cabeças, mas éramos vistos como tolos. CAPÍTULO II. PARIS DORME - O SINO TOCA
No dia 2 de dezembro de 1851, o Representante Versigny, do
Haute-Saône, que residia em Paris, no nº 4 da Rua Léonie, dormia. Ele dormiu profundamente; ele estava trabalhando até tarde da noite. Versigny era um jovem de trinta e dois anos, de feições suaves e tez clara, de espírito corajoso e uma mente voltada para os estudos sociais e econômicos. Passara as primeiras horas da noite lendo um livro de Bastiat, no qual fazia anotações à margem, e, deixando o livro aberto sobre a mesa, adormecera. De repente, ele acordou com um sobressalto ao som de um toque agudo da campainha. Ele se levantou surpreso. Era madrugada. Eram cerca de sete horas da manhã. Nunca sonhando qual poderia ser o motivo de uma visita tão cedo, e pensando que alguém havia confundido a porta, deitou-se novamente, e estava prestes a retomar seu sono, quando um segundo toque da campainha, ainda mais alto que o primeiro, completamente o despertou. Levantou-se em sua camisola e abriu a porta.
Michel de Bourges e Théodore Bac entraram. Michel de Bourges
era o vizinho de Versigny; ele morava no nº 16 da Rua de Milan. Théodore Bac e Michel estavam pálidos e pareciam muito agitados. "Versigny", disse Michel, "se vista imediatamente — Baune acaba de ser preso." "Bah!" exclamou Versigny. "O negócio de Mauguin está começando de novo?" "É mais do que isso", respondeu Michel. "A esposa e a filha de Baune vieram a mim há meia hora. Eles me acordaram. Baune foi preso na cama às seis horas desta manhã." "O que isso significa?" perguntou Versigny. A campainha tocou novamente. "Isso provavelmente nos dirá", respondeu Michel de Bourges. Versigny abriu a porta. Era o deputado Pierre Lefranc. Ele trouxe, na verdade, a solução do enigma. "Você sabe o que está acontecendo?" disse ele. "Sim", respondeu Michel. "Baune está na prisão." "É a República que está prisioneira", disse Pierre Lefranc. "Você leu os cartazes?" "Não." Pierre Lefranc explicou-lhes que as paredes naquele momento estavam cobertas de cartazes que a multidão curiosa se aglomerava para ler, que ele olhou por cima de um deles no canto de sua rua, e que o golpe tinha caído. "O golpe!" exclamou Michel. "Diga de preferência o crime." Pierre Lefranc acrescentou que havia três cartazes - um decreto e duas proclamações - todos os três em papel branco e colados juntos. O decreto foi impresso em letras grandes. O ex-Constituinte Laissac, que se hospedou, como Michel de Bourges, no bairro (nº 4, Cité Gaillard), entrou então. Ele trouxe a mesma notícia e anunciou novas prisões que haviam sido feitas durante a noite. Não havia um minuto a perder. Foram dar a notícia a Yvan, o secretário da Assembleia, que tinha sido nomeado pela Esquerda e que morava na Rua de Boursault. Era necessária uma reunião imediata. Os Representantes Republicanos que ainda estavam em liberdade devem ser avisados e reunidos sem demora. Versigny disse: "Vou procurar Victor Hugo". Eram oito horas da manhã. Eu estava acordado e estava trabalhando na cama. Meu criado entrou e disse, com ar de alarme: "Um Representante do povo está lá fora e deseja falar com você, senhor." "Quem é esse?" "Monsieur Versigny:" "Faça- o entrar." Versigny entrou, e me contou o estado das coisas. Pulei da cama. Ele me falou do "encontro" nas salas do ex-Constituinte Laissac. "Vá imediatamente e informe os outros Representantes", disse eu. Ele me deixou.
CAPÍTULO III. O QUE ACONTECEU DURANTE A NOITE
Antes dos dias fatais de junho de 1848, a esplanada dos Inválidos era dividida em oito grandes canteiros de grama, cercados por grades de madeira e encerrados entre dois arvoredos, separados por uma rua perpendicular à frente dos Inválidos. Esta rua era atravessada por três ruas paralelas ao Sena. Havia grandes gramados nos quais as crianças costumavam brincar. O centro das oito parcelas de grama estava manchado por um pedestal que, sob o Império, suportara o leão de bronze de São Marcos, trazido de Veneza; sob a Restauração uma estátua de mármore branco de Luís XVIII.; e sob Louis Philippe um busto de gesso de Lafayette. Devido ao Palácio da Assembleia Constituinte tendo sido quase tomado por uma multidão de insurgentes em 22 de junho de 1848, e não havendo quartel nas redondezas, o general Cavaignac construiu a trezentos passos do Palácio Legislativo, nos gramados dos Inválidos, várias fileiras de longas cabanas, sob as quais a grama estava escondida. Nessas cabanas, onde podiam ser acomodados três ou quatro mil homens, alojavam-se as tropas especialmente designadas para vigiar a Assembleia Nacional. No dia 1º de Dezembro de 1851, os dois regimentos alojados na Esplanada eram o 6.º e o 42.º Regimentos da Linha, o 6.º comandado pelo Coronel Garderens de Boisse, que era famoso antes do Segundo de Dezembro, o 42.º pelo Coronel Espinasse, que se tornou famoso desde essa data. A guarda noturna ordinária do Palácio da Assembleia era composta de um batalhão de Infantaria e por trinta artilheiros, com um capitão. O Ministro da Guerra, além disso, enviou vários soldados para um serviço ordenado. Dois morteiros e seis peças de canhão, com seus vagões de munição, estavam dispostos em um pequeno pátio quadrado situado à direita da Cour d'Honneur, e que se chamava Cour des Canons. O Major, o comandante militar do Palácio, foi colocado sob o controle imediato dos Questionadores. Ao cair da noite as grades e as portas foram fechadas, as sentinelas foram colocadas no seu posto, instruções foram dadas às sentinelas, e o Palácio foi fechado como uma fortaleza. A senha era a mesma que na Place de Paris. As instruções especiais redigidas pelos Questionadores proibiam a entrada de qualquer outra força armada que não seja o regimento de plantão. Na noite do 1º e 2º de dezembro o Palácio Legislativo foi guardado por um batalhão do 42º. A sessão do 1º de dezembro, que era extremamente pacífica e tinha sido dedicada à discussão da lei municipal, terminou tarde e foi encerrada por votação do Tribunal. No momento em que M. Baze, um dos Questionadores, subiu à Tribuna para depositar seu voto, um Representante, pertencente ao que se chamava "Les Bancs Elyséens", aproximou-se dele e disse em uma voz baixa: "Esta noite você será levado." Avisos como esses eram recebidos todo o dia, e, como já explicamos, as pessoas acabaram não prestando atenção a eles. No entanto, imediatamente após a sessão, os Questionadores enviaram para o Comissário Especial de Polícia da Assembleia, estando presente o Presidente Dupin. Quando interrogado, o comissário declarou que os relatórios de seus agentes indicavam "calma mortal" — tal era sua expressão — e que seguramente não havia perigo de ser preso naquela noite. Quando os Questionadores o pressionaram ainda mais, o Presidente Dupin, exclamando "Bah!" saiu da sala. Nesse mesmo dia, o 1º de dezembro, por volta das três horas da tarde, quando o sogro do general Leflô atravessava o bulevar em frente ao de Tortoni, alguém passou rapidamente por ele e sussurrou em seu ouvido estas palavras significativas: "Onze horas - meia- noite." Este incidente despertou pouca atenção no Questure, e vários até riram dele. Tornou-se habitual com eles. No entanto, o general Leflô não iria à cama até a hora mencionada tivesse passado, e permaneceu nos Escritórios do Questure até quase uma hora da manhã. O departamento de taquigrafia da Assembleia era feito ao ar livre por quatro mensageiros ligados ao Moniteur, que eram contratados para levar a cópia dos taquígrafos à tipografia e trazer as provas ao Palácio da Assembleia, onde o sr. Hippolyte Prévost as corrigiu. O sr. Hippolyte Prévost era o chefe da equipe de estenografia e, nessa função, tinha apartamentos no Palácio Legislativo. Ele foi ao mesmo tempo editor do folhetim musical do Moniteur. No dia 1º de dezembro ele foi à Opéra Comique para a primeira representação de uma nova peça, e não voltou até depois da meia-noite. O quarto mensageiro do Moniteur o esperava com uma prova do último lapso da sessão; O Sr. Prévost corrigiu a prova e o mensageiro foi despachado. Passava então um pouco da uma hora, um silêncio profundo reinava e, à exceção do guarda, todos no Palácio dormiam. Por esta hora da noite, ocorreu um incidente singular. O Capitão-Ajudante-Mor da Guarda da Assembleia veio ao Major e disse: "O Coronel mandou me chamar", e acrescentou, de acordo com a etiqueta militar: "Você me permite ir?" O comandante ficou surpreso. "Vá", disse ele com alguma agudeza, "mas o Coronel está errado em perturbar um oficial em serviço". Um dos soldados de guarda, sem entender o significado das palavras, ouviu o Comandante andando de um lado para o outro e murmurando várias vezes: "Que diabos ele pode querer?" Meia hora depois, o ajudante-mor voltou. "Bem", perguntou o Comandante, "o que o Coronel queria contigo?" "Nada", respondeu o ajudante, "ele queria me dar as ordens para os deveres de amanhã." A noite ficou ainda mais avançada. Por volta das quatro horas, o ajudante-mor veio novamente ao major. "Major", ele disse, "o coronel me chamou." "Novamente!" exclamou o comandante. "Isso está ficando estranho; no entanto, vá." O Ajudante-Mor tinha entre outros deveres o de dar as instruções às sentinelas e, consequentemente, tinha o poder de rescindi-las. Assim que o Ajudante-Mor saiu, o Major, inquieto, achou que era seu dever comunicar-se com o Comandante Militar do Palácio. Ele foi para o andar de cima, para o apartamento do comandante — tenente-coronel Niols. O coronel Niols tinha ido para a cama e os atendentes se retiraram para seus quartos no sótão. O major, novo no palácio, tateou pelos corredores e, conhecendo pouco sobre as várias salas, bateu a uma porta que lhe pareceu a do comandante militar. Ninguém atendeu, a porta não foi aberta e o major voltou para baixo, sem poder falar com ninguém. Por sua vez, o Ajudante-Mor voltou a entrar no Palácio, mas o Major não o viu novamente. O ajudante permaneceu perto da porta gradeada da Place Bourgogne, envolto em sua capa, e andando para cima e para baixo no pátio como se esperasse alguém. No instante em que soou cinco horas do grande relógio da cúpula, os soldados que dormiam no acampamento antes dos Inválidos foram subitamente despertados. As ordens foram dadas em voz baixa nas cabanas para pegar em armas, em silêncio. Pouco depois, dois regimentos, de mochila às costas, marchavam sobre o Palácio da Assembleia; eles foram o 6º e o 42º. A esta mesma badalada das cinco, simultaneamente em todos os bairros de Paris, soldados de infantaria saíram silenciosamente de cada quartel, com seus coronéis à frente deles. Os ajudantes-de-campo e os oficiais ordenados de Luís Bonaparte, que haviam sido distribuídos em todos os quartéis, supervisionaram essa tomada de armas. A cavalaria só foi acionada três quartos de hora depois da infantaria, com medo de que o ruído dos cascos dos cavalos nas pedras despertasse cedo demais a adormecida Paris. O sr. de Persigny, que trouxera do Eliseu para o acampamento dos Inválidos a ordem de pegar em armas, marchou à frente do 42º, ao lado do Coronel Espinasse. Um conto é corrente no exército, pois nos dias atuais, cansados como as pessoas estão com incidentes desonrosos, essas ocorrências são ainda contadas com uma espécie de indiferença sombria – o relato é corrente que no momento de partir com seu regimento um dos os coronéis que podiam ser nomeados hesitaram, e que o emissário do Eliseu, tirando do bolso um pacote lacrado, lhe disse: "Coronel, admito que nós estejamos correndo um grande risco. Aqui neste envelope, que tenho cobrado para entregar a você, são cem mil francos em notas para contingências." O envelope foi aceito, e o regimento partiu. Na noite do 2º de dezembro o coronel disse a uma senhora: "Esta manhã eu ganhei cem mil francos e as dragonas do meu general". A senhora mostrou-lhe a porta. Xavier Durrieu, que nos conta esta história, teve mais tarde a curiosidade de ver esta senhora. Ela confirmou o relato. Sim, certamente! Ela havia fechado a porta na cara desse desgraçado; um soldado, um traidor de sua bandeira que ousou visitá-la! Ela recebe um homem assim? Não! Ela não poderia fazer isso, "e", afirma Xavier Durrieu, ela acrescentou: "E ainda assim não tenho caráter a perder". Outro mistério estava em andamento na Prefeitura da Polícia. Aqueles habitantes atrasados da Cité que podem ter voltado para casa tarde da noite devem ter notado um grande número de táxis de rua vagando em grupos dispersos em diferentes pontos ao redor da Rua de Jerusalém. A partir das onze horas da noite, sob o pretexto da chegada de refugiados de Gênova e Londres a Paris, a Brigada do Fiador e os oitocentos sargentos de ville foram retidos na prefeitura. Às três horas da manhã fora enviada uma convocação aos quarenta e oito comissários de Paris e dos subúrbios, e também aos oficiais de paz. Uma hora depois, todos chegaram. Eles foram conduzidos a uma câmara separada e isolados um do outro tanto quanto possível. Às cinco horas soou uma campainha no gabinete do prefeito. O prefeito Maupas chamou os comissários de polícia um após o outro em seu gabinete, revelou-lhes a trama e distribuiu a cada um sua parte no crime. Nenhum recusou; muitos lhe agradeceram. Tratava-se de prender em suas próprias casas setenta e oito democratas influentes em seus distritos e temidos pelo Eliseu como possíveis chefes de barricadas. Era preciso, um ultraje ainda mais ousado, prender em suas casas dezesseis Representantes do Povo. Para esta última tarefa foram escolhidos entre os Comissários da Polícia aqueles magistrados que pareciam mais propensos a se tornarem rufiões. Entre estes estavam divididos os Representantes. Cada um tinha seu homem. Sieur Courtille teve Charras, Sieur Desgranges teve Nadaud, Sieur Hubaut o mais velho teve sr. Thiers e Sieur Hubaut o general mais jovem Bedeau, o general Changarnier foi atribuído a Lerat, e General Cavaignac para Colin. Sieur Dourlens levou o Representante Valentin, Sieur Benoist Representante Miot, Sieur Allard Representante Cholat, Sieur Barlet levou Roger (Du Nord), o General Lamoricière caiu para o Comissário Blanchet, o Comissário Gronfier teve o Representante Greppo e o Comissário Boudrot Representante Lagrange. Os Questionadores foram igualmente distribuídos, Monsieur Baze ao Sieur Primorin, e General Leflô ao Sieur Bertoglio. Mandados com o nome dos Representantes foram lavrados no Gabinete particular do Prefeito. Os espaços em branco foram deixados apenas para os nomes dos comissários. Estes foram preenchidos no momento da partida. Além da força armada designada para assisti-los, havia sido decidido que cada Comissário fosse acompanhado por duas escoltas, uma composta por sargentos de ville e outra por policiais à paisana. Como o prefeito Maupas havia dito ao sr. Bonaparte, o Capitão da Guarda Republicana, Baudinet, estava associado ao Comissário Lerat na prisão do General Changarnier. Por volta das cinco e meia os fiacres que esperavam foram chamados, e todos começaram, cada um com suas instruções. Durante este tempo, em outro canto de Paris - a antiga Rua du Temple - naquela antiga Mansão Soubise que havia sido transformada em uma Imprensa Real, e hoje é uma Imprensa Nacional, outra seção do Crime estava sendo organizada. Por volta de uma da manhã, um transeunte que havia chegado à antiga Rua du Temple pela Rua de Vieilles-Haudriettes, notou na junção dessas duas ruas várias janelas longas e altas brilhantemente iluminadas, Estas eram as janelas das salas de trabalho do Escritório da Imprensa Nacional. Ele virou à direita e entrou na velha Rua du Temple, e um momento depois parou diante da entrada em forma de meia-lua da frente da tipografia. A porta principal estava fechada, duas sentinelas guardavam a porta lateral. Por essa portinha, que estava entreaberta, ele olhou para o pátio da gráfica e o viu cheio de soldados. Os soldados estavam em silêncio, nenhum som podia ser ouvido, mas o brilho de suas baionetas podia ser visto. O transeunte surpreso, aproximou-se. Uma das sentinelas empurrou- o rudemente para trás, gritando: "Saia". Como os sargentos de ville na Prefeitura de Polícia, os operários haviam sido retidos na Imprensa Nacional sob alegação de trabalho noturno. Ao mesmo tempo em que o sr. Hippolyte Prévost regressava ao Palácio Legislativo, o gerente da Imprensa Nacional voltava a entrar no seu gabinete, regressando também da Opéra Comique, onde estivera para ver a nova peça, que era do seu irmão, sr. de St. Georges. Imediatamente ao voltar, o gerente, a quem havia chegado uma ordem do Eliseu durante o dia, pegou um par de pistolas de bolso e desceu ao vestíbulo, que se comunica por meio de alguns degraus com o pátio. Pouco depois a porta que dava para a rua se abriu, entrou um fiacre, desceu um homem que carregava uma grande pasta. O gerente aproximou-se do homem e disse-lhe: "É você, Monsieur de Béville?" "Sim", respondeu o homem. O fiacre foi colocado, os cavalos colocados em um estábulo, e o cocheiro trancado em uma sala, onde lhe deram de beber e colocaram uma bolsa em sua mão. Garrafas de vinho e louis d'or formam a base desse corvo da política. O cocheiro bebeu e depois foi dormir. A porta da sala estava trancada. A grande porta do pátio da tipografia mal foi fechada e reaberta, deu passagem a homens armados, que entraram em silêncio, e depois voltaram a fechar. As chegadas eram uma companhia da Gendarmerie Móvel, a quarta do primeiro batalhão, comandada por um capitão chamado La Roche d'Oisy. Como pode ser observado pelo resultado, para todas as expedições delicadas os homens do golpe de Estado tiveram o cuidado de empregar a Gendarmerie Móvel e a Guarda Republicana, ou seja, os dois corpos quase inteiramente compostos por ex-Guardas Municipais, carregando no coração uma lembrança vingativa dos eventos de fevereiro. O capitão La Roche d'Oisy trouxe uma carta do ministro da Guerra, que colocou a si mesmo e seus soldados à disposição do gerente do Escritório da Imprensa Nacional. Os mosquetes foram carregados sem que uma palavra fosse dita. Sentinelas foram colocadas nas salas de trabalho, nos corredores, nas portas, nas janelas, aliás, em todos os lugares, duas estando paradas na porta que dava para a rua. O capitão perguntou que instruções ele deveria dar às sentinelas. "Nada mais simples", disse o homem que veio no fiacre. "Quem tentar sair ou abrir uma janela, atire nele." Este homem, que na verdade era De Béville, oficial de ordem do Sr. Bonaparte, retirou-se com o gerente para o grande gabinete do primeiro andar, uma sala solitária que dava para o jardim. Ali ele comunicou ao gerente o que trouxera consigo, o decreto da dissolução da Assembleia, o apelo ao Exército, o apelo ao Povo, o decreto da convocação dos eleitores e, além disso, a proclamação do Prefeito Maupas e sua carta aos Comissários da Polícia. Os quatro primeiros documentos eram inteiramente da caligrafia do Presidente, e aqui e ali algumas rasuras podiam ser notadas. Os compositores estavam esperando. Cada homem foi colocado entre dois policiais, e proibido de pronunciar uma única palavra, e então os documentos que deveriam ser impressos foram distribuídos pela sala, sendo cortados em pedaços muito pequenos, para que uma frase inteira não pudesse ser lida por um trabalhador. O gerente anunciou que lhes daria uma hora para compor o todo. Os diferentes fragmentos foram finalmente levados ao Coronel Béville, que os juntou e corrigiu as folhas de prova. A usinagem foi realizada com os mesmos cuidados, sendo cada prensa entre dois soldados. Apesar de todas as diligências possíveis, o trabalho durou duas horas. Os policiais vigiavam os trabalhadores. Béville vigiava St. Georges. Quando o trabalho foi concluído, ocorreu um incidente suspeito, que se assemelhava muito a uma traição dentro de uma traição. Para um traidor, um traidor maior. Esta espécie de crime está sujeita a tais acidentes. Béville e St. Georges, os dois fiéis confidentes em cujas mãos se coloca o segredo do golpe de Estado, isto é, o chefe do Presidente; esse segredo, que não deve, a nenhum preço, ser permitido acontecer antes da hora determinada, sob o risco de fazer tudo falhar, puseram na cabeça confidenciar imediatamente a duzentos homens, para "experimentar o efeito", como disse mais tarde o ex-Coronel Béville, com bastante ingenuidade. Eles leram o misterioso documento que acabara de ser impresso para os Gendarmes Mobiles, que foram redigidos no pátio. Esses ex-guardas municipais aplaudiram. Se tivessem vaiado, poder-se-ia perguntar o que teriam feito os dois experimentalistas do golpe de Estado. Talvez o Sr. Bonaparte tivesse acordado de seu sonho em Vincennes. O cocheiro foi então libertado, o fiacre foi a cavalo, e às quatro horas da manhã o oficial ordenado e o gerente do Escritório da Imprensa Nacional, doravante dois criminosos, chegaram à Prefeitura da Polícia com os embrulhos dos decretos. A seguir, começou para eles a marca da vergonha. O prefeito Maupas pegou-os pela mão. Grupos de vinhetas, subornados para a ocasião, partiram em todas as direções, levando consigo os decretos e as proclamações. Esta foi precisamente a hora em que o Palácio da Assembleia Nacional foi investido. Na Rua de l'Université existe uma porta do Palácio que é a antiga entrada do Palais Bourbon, e que dava para a avenida que conduz à casa do Presidente da Assembleia. Essa porta, chamada de porta da Presidência, era de acordo com o costume guardada por uma sentinela. Por algum tempo depois do Ajudante-Mor, que tinha duas vezes chamado durante a noite pelo Coronel Espinasse, ficara imóvel e calado, perto da sentinela. Cinco minutos depois, tendo saído das cabanas dos Inválidos, saiu da Rua de l'Université o 42º Regimento da linha, seguido a certa distância pelo 6º Regimento, que havia marchado pela Rua de Bourgogne. "O regimento", diz uma testemunha ocular, "marchou como quem entra em um quarto de doente." Chegou com um passo furtivo diante da porta da Presidência. Essa emboscada veio para surpreender a lei. A sentinela, vendo chegar esses soldados, parou, mas no momento em que ia desafiá-los com um estremecimento, o ajudante-mor agarrou-lhe o braço e, na qualidade de oficial habilitado a contrariar todas as instruções, ordenou que dessem passagem livre ao 42º, e ao mesmo tempo ordenou ao porteiro espantado que abrisse a porta. A porta girou nas dobradiças, os soldados se espalharam pela avenida. Persigny entrou e disse: "Está feito". A Assembleia Nacional foi invadida. Ao ruído dos passos, o comandante Mennier correu. "Comandante", gritou-lhe o coronel Espinasse, "eu venho para aliviar seu batalhão." O comandante empalideceu por um momento, e seus olhos permaneceram fixos no chão. Então, de repente, ele colocou as mãos nos ombros e arrancou as dragonas, puxou a espada, quebrou-a no joelho, jogou os dois fragmentos na calçada e, tremendo de raiva, exclamou com voz solene: "Coronel, você envergonha o número do seu regimento." "Tudo bem, tudo bem", disse Espinasse. A porta da Presidência ficou aberta, mas todas as outras entradas permaneceram fechadas, todos os guardas foram dispensados, todas as sentinelas trocadas, e o batalhão da guarda noturna foi enviado de volta ao acampamento dos Inválidos, os soldados empilharam suas armas na avenida e na Cour d'Honneur. O 42º, em profundo silêncio, ocupou as portas de fora e de dentro, o pátio, as salas de recepção, as galerias, os corredores, as passagens, enquanto todos dormiam no Palácio. Pouco depois chegaram dois daqueles pequenos carros que são chamados de "quarenta filhos", e dois fiacres, escoltados por dois destacamentos da Guarda Republicana e dos Chasseurs de Vincennes, e por vários esquadrões de polícia. Os Comissários Bertoglio e Primorin desceram das duas carruagens. Enquanto essas carruagens subiam, um personagem careca, mas ainda jovem, foi visto aparecer na porta gradeada da Place de Bourgogne. Esse personagem tinha todo o ar de um homem da cidade, que acabava de chegar da ópera, e, de fato, vinha de lá, depois de ter passado por um antro. Ele veio do Eliseu. Era De Morny. Por um instante ele observou os soldados empilhando suas armas, e então foi até a porta da Presidência. Ali trocou algumas palavras com o sr. de Persigny. Um quarto de hora depois, acompanhado por 250 Chasseurs de Vincennes, tomou posse do Ministério do Interior, espantado o sr. de Thorigny em sua cama, e lhe entregou bruscamente uma carta de agradecimento de Monsieur Bonaparte. Alguns dias antes, o honesto sr. De Thorigny, cujas palavras ingênuas já citamos, disse a um grupo de homens perto de quem o Sr. de Morny estava passando: "Como esses homens da Montanha caluniam o presidente! O homem que quebraria seu juramento, quem conseguiria um golpe de estado deve necessariamente ser um miserável inútil." Acordado rudemente no meio da noite, e destituído de seu posto de Ministro como as sentinelas da Assembleia, o digno homem, espantado, e esfregando os olhos, murmurou: "Eh! então o Presidente é um ——." "Sim", disse Morny, com uma gargalhada. Quem escreve estas linhas conhecia Morny. Morny e Walewsky ocupavam na família quase-reinante os cargos, um de bastardo real, o outro de bastardo imperial. Quem foi Morny? Diremos: "Um espírito notável, um intrigante, mas nada austero, um amigo de Romieu e um partidário de Guizot, possuindo os costumes do mundo e os hábitos da mesa de roleta, satisfeito consigo mesmo, inteligente, combinando uma certa liberalidade de ideias com prontidão para aceitar crimes úteis, encontrando meios de usar um sorriso gracioso com dentes ruins, levando uma vida de prazeres, dissipado, mas reservado, feio, bem-humorado, feroz, bem vestido, intrépido, deixando de bom grado um irmão prisioneiro sob ferrolhos e grades, e pronto para arriscar a cabeça por um irmão imperador, tendo a mesma mãe de Luís Bonaparte, e como Luís Bonaparte, tendo um pai ou outro, podendo se chamar Beauharnais, podendo se chamar Flahaut, e ainda autodenominando-se Morny, buscando a literatura até a comédia leve e a política até a tragédia, um fígado mortalmente livre, possuindo toda a frivolidade compatível com o assassinato, capaz de ser esboçado por Marivaux e tratado por Tácito, sem consciência, irrepreensivelmente elegante, infame e amável, precisa de um duque perfeito. Tal era este malfeitor." Ainda não eram seis horas da manhã. As tropas começaram a se reunir na Place de la Concorde, onde Leroy-Saint-Arnaud a cavalo fazia uma revista. Os Comissários da Polícia, Bertoglio e Primorin enfileiraram duas companhias em ordem sob a abóbada da grande escadaria do Questure, mas não subiram por ali, sendo acompanhados por agentes da polícia, que conheciam os recantos mais secretos do Palais Bourbon, e que os conduziram por várias passagens. O General Leflô foi alojado no Pavilhão habitado no tempo do Duque de Bourbon por Monsieur Feuchères. Naquela noite o General Leflô tinha hospedado com ele sua irmã e o marido dela, que estavam de visita a Paris, e que dormiam em um quarto cuja porta conduzia a um dos corredores do Palácio. O comissário Bertoglio bateu à porta, abriu-a e, junto com seus agentes, irrompeu abruptamente no quarto, onde uma mulher estava na cama. O irmão do general saltou da cama e gritou para o Questionador, que dormia num quarto contíguo: "Adolphe, as portas estão sendo forçadas, o palácio está cheio de soldados. Levante-se!" O general abriu os olhos, viu o comissário Bertoglio ao lado de sua cama. Ele se levantou. "General", disse o comissário, "vim para cumprir um dever." "Entendo", disse o general Leflô, "você é um traidor." O comissário gaguejando as palavras "Complô contra a segurança do Estado", exibiu um mandado. O general, sem pronunciar uma palavra, golpeou este papel infame com as costas da mão. Depois, vestindo-se, vestiu o uniforme completo de Constantino e de Médéah, pensando em sua lealdade imaginativa de soldado que ainda havia generais da África para os soldados que encontraria pelo caminho. Todos os generais que restavam agora eram bandidos. Sua esposa o abraçou; seu filho, uma criança de sete anos, de camisola e chorando, disse ao comissário de polícia: "Clemência, senhor Bonaparte." O general, enquanto apertava a esposa nos braços, sussurrou em seu ouvido: "Há artilharia no pátio, tente disparar um canhão." O comissário e seus homens o levaram embora. Ele olhou para esses policiais com desprezo, e não falou com eles, mas quando reconheceu o coronel Espinasse, seu coração militar e Breton se encheu de indignação. O coronel Espinasse baixou a cabeça e gaguejou: "Não o conheço." Um major acenou com a espada e gritou: "Já estamos fartos de advogados-gerais." Alguns soldados cruzaram as baionetas diante do prisioneiro desarmado, três sargentos de ville empurraram-no para um fiacre, e um subtenente aproximando-se da carruagem, e olhando no rosto do homem que, se fosse cidadão, era seu representante, e se fosse soldado era seu general, atirou-o palavra abominável para ele, "Canaille!" Enquanto isso, o comissário Primorin tinha passado por um caminho mais indireto para surpreender com mais segurança o outro Questionador, M. Baze. Do apartamento de M. Baze uma porta conduzia ao átrio comunicando-se com a câmara da Assembleia. Sieur Primorin bateu na porta. "Quem está aí?" perguntou um criado, que se vestia. "O Comissário da Polícia", respondeu Primorin. O criado, pensando ser o Comissário da Polícia da Assembleia, abriu a porta. Nesse momento, o sr. Baze, que ouvira o barulho e acabara de acordar, vestiu um roupão e gritou: "Não abra a porta". Mal havia dito essas palavras quando um homem à paisana e três sargentos de ville uniformizados entraram correndo em seu quarto. O homem, abrindo o casaco, mostrou o lenço de escritório, perguntando ao sr. Baze: "Você reconhece isso?" "Você é um miserável inútil", respondeu o Questionador. Os agentes da polícia puseram as mãos no Sr. Baze. "Você não vai me levar embora", disse ele. "Você, comissário de polícia, você que é magistrado e sabe o que está fazendo, você indigna a Assembleia Nacional, você viola a lei, você é um criminoso!" Seguiu-se uma luta corpo a corpo — quatro contra um. Madame Baze e suas duas filhas soltando gritos, a criada sendo empurrada para trás com golpes pelos sargentos de ville. "Vocês são rufiões", gritou Monsieur Baze. Levaram-no à força nos braços, ainda lutando, nu, com o roupão rasgado em pedaços, o corpo coberto de golpes, o pulso rasgado e sangrando. As escadas, o patamar, o pátio, estavam cheios de soldados com baionetas fixas e armas cravadas. O Questionador falou com eles. "Vossos representantes estão sendo presos, vós não recebestes vossas armas para infringir as leis!" Um sargento estava vestindo uma cruz novinha. "Você recebeu a cruz para isso?" O sargento respondeu: "Só conhecemos um mestre". "Eu anotei seu número", continuou sr. Baze. "Você é um regimento desonrado." Os soldados ouviram com ar impassível e pareciam ainda adormecidos. O Comissário Primorin lhes disse: "Não respondam, isso não tem nada a ver com vocês". Eles conduziram o Questionador através do pátio até a guarita do Porte Noire. Este foi o nome que se deu a uma portinha construída sob a abóbada em frente ao tesouro da Assembleia, e que dava para a Rua de Bourgogne, de frente para a Rua de Lille. Várias sentinelas foram colocadas na porta da casa de guarda, e no alto da escadaria que levava até lá, ficando o sr. Baze a cargo de três sargentos de ville. Vários soldados, sem armas e em mangas de camisa, entraram e saíram. O Questionador apelou para eles em nome da honra militar. "Não respondam", disse o sargento de ville aos soldados. As duas filhas do sr. Baze o seguiram com olhos aterrorizados e, quando o perderam de vista, a mais nova caiu em prantos. "Irmã", disse a mais velha, que tinha sete anos, "vamos fazer nossas orações", e as duas crianças, de mãos dadas, ajoelharam-se. O Comissário Primorin, com seu enxame de agentes, irrompeu no escritório do Questionador e pôs as mãos em tudo. Os primeiros papéis que viu no meio da mesa, e que apreendeu, foram os famosos decretos que haviam sido preparados no caso de a Assembleia ter votado a proposta dos Questionadores. Todas as gavetas foram abertas e revistadas. Essa revisão dos papéis do sr. Baze, que o comissário de polícia chamou de visita domiciliar, durou mais de uma hora. As roupas do sr. Baze foram levadas para ele, e ele se vestiu. Terminada a "visita domiciliar", foi retirado da guarita. Havia um fiacre no pátio, no qual ele entrou, junto com os três sargentos de ville. O veículo, para chegar à porta da Presidência, passou pela Cour d'Honneur e depois pela Courde Canonis. O dia estava raiando. O sr. Baze olhou para o pátio para ver se o canhão ainda estava lá. Ele viu os vagões de munição dispostos em ordem com suas hastes levantadas, mas os lugares dos seis canhões e dos dois morteiros estavam vagos. Na avenida da Presidência o fiacre parou por um momento. Duas filas de soldados, de pé à vontade, ladeavam as calçadas da avenida. Ao pé de uma árvore estavam agrupados três homens: o Coronel Espinasse, a quem o sr. Baze conhecia e reconhecia, uma espécie de Tenente-Coronel, que usava uma fita preta e laranja no seu pescoço, e um Major de Lanceiros, todas as três espadas na mão, consultando juntos. As janelas do fiacre estavam fechadas; o sr. Baze desejava abaixá-las para apelar a esses homens; os sargentos de ville agarraram-lhe as armas. O Comissário Primorin então se aproximou e estava prestes a entrar novamente na pequena carruagem para duas pessoas que tinha trazido a ele. "Monsieur Baze", disse ele, com aquela cortesia vil que os agentes do golpe de Estado misturaram de bom grado ao seu crime, "você deve estar incomodado com aqueles três homens no fiacre. Você está apertado; venha comigo." "Deixe-me em paz", disse o prisioneiro. "Com estes três homens eu estou apertado; com você eu deveria estar contaminado." Uma escolta de infantaria estava posicionada em ambos os lados do fiacre. O Coronel Espinasse chamou o cocheiro: "Dirija devagar pelo Quai d'Orsay até encontrar uma escolta de cavalaria. Quando a cavalaria tiver assumido a carga, a infantaria pode voltar." Eles partiram. Quando o fiacre se transformou no Quai d'Orsay, um piquete do 7º lanceiro chegou a toda velocidade. Era a escolta: os soldados cercaram o fiacre, e todos saíram a galope. Nenhum incidente ocorreu durante a jornada. Aqui e ali, ao ruído dos cascos dos cavalos, as janelas se abriam e as cabeças se erguiam; e o prisioneiro, que por fim conseguira abaixar uma janela, ouviu vozes assustadas dizendo: "Qual é o problema?" O fiacre parou. "Onde estamos?" perguntou o sr. Baze. "Em Mazas", disse um sargento de ville. O Questionador foi levado para o escritório da prisão. Assim que ele entrou, viu Baune e Nadaud sendo trazidos para fora. Havia uma mesa no centro, na qual o Comissário Primorin, que seguira o fiacre em sua carruagem, acabava de se sentar. Enquanto o comissário escrevia, o sr. Baze notou sobre a mesa um papel que evidentemente era um registro de prisão, no qual estavam os nomes, escritos na seguinte ordem: Lamoricière, Charras, Cavaignac, Changarnier, Leflô, Thiers, Bedeau, Roger (du Nord), Chambolle. Esta foi provavelmente a ordem em que os Representantes chegaram à prisão. Quando Sieur Primorin terminou de escrever, o sr. Baze disse: "Agora, você será bom o suficiente para receber meu protesto e adicioná-lo ao seu relatório oficial". "Não é um relatório oficial", objetou o Comissário, "isso é simplesmente uma ordem de internação". "Eu pretendo escrever meu protesto imediatamente", respondeu o sr. Baze. "Você terá bastante tempo em sua cela", comentou um homem que estava ao lado da mesa. O sr. Baze virou-se. "Quem é você?" "Eu sou o governador da prisão", disse o homem. "Nesse caso", respondeu o sr. Baze, "tenho pena de ti, pois você está ciente do crime que está cometendo.” O homem empalideceu e balbuciou algumas palavras ininteligíveis. O Comissário levantou-se do seu assento; o sr. Baze rapidamente tomou posse de sua cadeira, sentou-se à mesa e disse a Sieur Primorin, “Você é um funcionário público; eu peço a ti que adicione meu protesto ao seu relatório oficial." "Muito bem", disse o Comissário, "que assim seja." Baze escreveu o protesto da seguinte forma: "Eu, abaixo assinado, Jean-Didier Baze, Representante do Povo, e Questionador da Assembleia Nacional, levado por violência da minha residência no Palácio da Assembleia Nacional, e conduzido a esta prisão por uma força armada à qual me era impossível resistir, protesto em nome da Assembleia Nacional Assembleia e em meu próprio nome contra a indignação na representação nacional cometida contra os meus colegas e contra mim mesmo. “Dado em Mazas no dia 2 de dezembro de 1851, às oito horas da manhã”. "BAZE." Enquanto isso acontecia em Mazas, os soldados riam e bebiam no pátio da Assembleia. Eles fizeram o seu café nas panelas. Eles haviam acendido enormes fogueiras no pátio; as chamas, atiçadas pelo vento, às vezes atingiam as paredes da Câmara. Um oficial superior do Questure, um oficial da Guarda Nacional, Ramond de la Croisette, aventurou-se a dizer-lhes: "Vocês vão incendiar o Palácio"; então um soldado lhe deu um soco com o punho. Quatro das peças retiradas do Cour de Canons foram colocadas em ordem de bateria contra a Assembleia; dois na Place de Bourgogne apontavam para a grade, e dois na Pont de la Concorde apontavam para a grande escadaria. Como nota lateral a este conto instrutivo, vamos mencionar um fato curioso. O 42º Regimento da linha era o mesmo que prendera Luís Bonaparte em Boulogne. Em 1840 este regimento prestou auxílio à lei contra o conspirador. Em 1851 prestou ajuda ao conspirador contra a lei: tal é a beleza da obediência passiva. CAPÍTULO IV. OUTROS ATOS DA NOITE Durante a mesma noite, em todas as partes de Paris, ocorreram atos de depredação. Homens desconhecidos liderando tropas armadas, e eles próprios armados com machadinhas, marretas, pinças, pés-de-cabra, salva-vidas, espadas escondidas sob os casacos, pistolas, cujas coronhas distinguiam- se sob as dobras de suas capas, chegavam em silêncio diante de uma casa, ocupavam a rua, cercavam os acessos, arrombavam a fechadura da porta, amarravam o porteiro, invadiam as escadas e irrompiam pelas portas sobre um homem adormecido, e quando aquele homem, despertando sobressaltado, perguntou a esses bandidos: "Quem são vocês?" seu líder respondeu: "Um Comissário da Polícia". Assim aconteceu com Lamoricière, que foi capturado por Blanchet, que o ameaçou com a mordaça; a Greppo, que foi brutalmente tratado e derrubado por Gronfier, auxiliado por seis homens carregando uma lanterna escura e um machado; a Cavaignac, que foi protegido por Colin, um vilão de língua mansa, que fingiu ficar chocado ao ouvi-lo amaldiçoar e jurar; para M. Thiers, que foi preso por Hubaut (o mais velho); que professava tê-lo visto "tremer e chorar", acrescentando assim falsidade ao crime; a Valentin, que foi assaltado em sua cama por Dourlens, agarrado pelos pés e ombros, e lançado em uma van da polícia trancada com cadeado; a Miot, destinado às torturas das casamatas africanas; a Roger (du Nord), que com ironia corajosa e espirituosa ofereceu xerez ao bandidos. Charras e Changarnier foram pegos de surpresa. Eles moravam na Rua St. Honoré, quase em frente um do outro, Changarnier no nº 3, Charras no nº 14. Desde o dia 9º de setembro Changarnier despedira os quinze homens armados até os dentes por quem até então tinha sido vigiado durante a noite, e em 1º de dezembro, como dissemos, Charras descarregara suas pistolas. Essas pistolas vazias estavam sobre a mesa quando vieram prendê-lo. O Comissário da Polícia atirou-se sobre eles. "Idiota", disse Charras para ele, "se eles tivessem estado carregados, você teria sido um homem morto." Essas pistolas, podemos notar, foram entregues a Charras quando da tomada de Mascara pelo General Renaud, que no momento da prisão de Charras estava a cavalo na rua ajudando a realizar o golpe de estado. Se essas pistolas tivessem permanecido carregadas, e se o General Renaud tivesse a tarefa de prender Charras, seria curioso se as pistolas de Renaud tivessem matado Renaud. Charras certamente não teria hesitado. Já mencionamos os nomes desses patifes da polícia. É inútil repeti-los. Foi Courtille quem prendeu Charras, Lerat que prendeu Changarnier, Desgranges que prendeu Nadaud. Os homens assim apreendidos em suas próprias casas eram Representantes do povo; eles eram invioláveis, de modo que ao crime da violação de suas pessoas se somava esta alta traição, a violação da Constituição. Não faltou impudência na perpetração desses ultrajes. Os policiais se divertiram. Alguns desses companheiros brincalhões zombaram. Em Mazas, os subcarcereiros zombaram de Thiers, Nadaud os repreendeu severamente. O Sieur Hubaut (o mais jovem) acordou o General Bedeau. "General, você é um prisioneiro." - "Minha pessoa é inviolável." - "A menos que você seja pego em flagrante, em flagrante." - "Bem", disse Bedeau, "eu sou pego em flagrante, o ato hediondo de estar dormindo." Eles o pegaram pela gola e o arrastaram para um fiacre. Ao se encontrarem em Mazas, Nadaud agarrou a mão de Greppo e Lagrange agarrou a mão de Lamoricière. Isso fez a pequena nobreza da polícia rir. Um coronel, chamado Thirion, usando uma cruz de comandante pendurada no seu pescoço, ajudou a prender os Generais e os Representantes. "Olha-me na cara", disse-lhe Charras. Thirion afastou-se. Assim, sem contar outras prisões que ocorreram posteriormente, foram presos durante a noite do dia 2º de dezembro, dezesseis Representantes e setenta e oito cidadãos. Os dois agentes do crime forneceram um relatório disso a Louis Bonaparte. Morny escreveu "Encaixado", Maupas escreveu "Quadrilátero". Um na gíria da sala de estar, o outro na gíria das galés. Gradações sutis de linguagem. CAPÍTULO V. A ESCURIDÃO DO CRIME Versigny tinha acabado de me deixar. Enquanto eu me vestia às pressas, entrou um homem em quem eu tinha toda a confiança. Era um pobre marceneiro desempregado, chamado Girard, a quem dei abrigo em um cômodo de minha casa, um entalhador de madeira e não analfabeto. Ele veio da rua; ele estava tremendo. "Bem", eu perguntei, "o que as pessoas dizem?" Girard me respondeu: “As pessoas estão atordoadas. O golpe foi desferido de tal maneira que não é realizado. Os trabalhadores leem os cartazes, não dizem nada, e vão para o trabalho deles. Apenas um em cem fala. É de se dizer, 'Bom! ' É assim que lhes parece. A lei do 31º de Maio é revogada — 'Muito bem! ' O sufrágio universal é restabelecido — 'Também muito bem! ' A maioria reacionária foi expulsa — 'Admirável! ' Thiers está preso... 'Capital! ' Changarnier é apreendido — 'Bravo! ' Em volta de cada placa há claques. Ratapoil explica seu golpe de Estado a Jacques Bonhomme, Jacques Bonhomme absorve tudo. Resumidamente, é minha impressão de que o povo dá seu consentimento." "Que assim seja", disse eu. "Mas", perguntou Girard a mim, "o que você fará, senhor Victor Hugo?" Peguei meu lenço de escritório de um armário e mostrei a ele. Ele entendeu. Apertamos as mãos. Quando ele saiu, Carini entrou. O Coronel Carini é um homem intrépido. Ele comandara a cavalaria sob Mieroslawsky na insurreição siciliana. Ele, em algumas páginas comoventes e entusiasmadas, contou o relato dessa nobre revolta. Carini é um daqueles italianos que amam a França como nós, franceses, amamos a Itália. Todo homem de bom coração neste século tem duas pátrias - a Roma de ontem e a Paris de hoje. "Graças a Deus", disse-me Carini, "você ainda está livre", e acrescentou: "O golpe foi desferido de uma maneira formidável. A Assembleia está investida. Eu vim de lá. A Place de la Révolution, os cais, as Tulherias, os bulevares, estão lotados de tropas. Os soldados têm suas mochilas. As baterias são aproveitadas. Se houver luta, será um trabalho desesperado.” Respondi-lhe: “Haverá luta.” E acrescentei, rindo: “Você provou que os coronéis escrevem como poetas; agora é a vez dos poetas lutarem como coronéis." Entrei no quarto de minha esposa; ela não sabia de nada, e estava lendo calmamente seu jornal na cama. Eu tinha levado cerca de quinhentos francos em ouro. Coloquei na cama de minha esposa uma caixa contendo novecentos francos, todo o dinheiro que me restava, e eu lhe contei o que havia acontecido. Ela empalideceu e me disse: “O que você vai fazer?” “Meu dever.” Ela me abraçou, e disse apenas duas palavras: — "Faça isso." Meu café da manhã estava pronto. Comi uma costeleta em dois bocados. Quando terminei, minha filha entrou. Ela se assustou com a maneira como eu a beijei e me perguntou: “Qual é o problema?” “Sua mãe vai explicar a você.” E eu as deixei. A Rua de la Tour d'Auvergne estava tão quieta e deserta como sempre. Quatro trabalhadores estavam, porém, conversando perto da minha porta; eles me desejaram "Bom dia". Gritei para eles: "Vocês sabem o que está acontecendo?" "Sim", disseram eles. "Bem. É traição! Louis Bonaparte está estrangulando a República. O povo é atacado. O povo deve se defender." "Eles vão se defender." "Vocês me prometem isso?" "Sim", eles responderam. Um deles acrescentou: "Nós juramos". Eles mantiveram sua palavra. Barricadas foram construídas na minha rua (Rua de la Tour d'Auvergne), na Rua des Martyrs, na Cité Rodier, na Rua Coquenard e em Notre-Dame de Lorette. CAPÍTULO VI. "CARTAZES" Ao deixar esses bravos homens, pude ler na esquina da Rua de la Tour d'Auvergne e da Rua des Martyrs, os três cartazes infames que foram afixados nas paredes de Paris durante a noite. Aqui estão eles. "PROCLAMAÇÃO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA. "Apelo ao Povo." FRANCESES! A situação atual não pode durar mais. Cada dia que passa aumenta os perigos do país. A Assembleia, que deveria ser o mais firme apoio da ordem, tornou-se foco de conspirações. O patriotismo de trezentos de seus membros foi incapaz de controlar suas tendências fatais. Em vez de fazer leis de interesse público, isso forja armas para a guerra civil; ataca o poder que detenho diretamente do Povo, encoraja todas as más paixões, compromete a tranquilidade da França; eu tenho o dissolvido, e constituo a todo Povo um juiz entre isto e eu. “A Constituição, como vós sabeis, foi construída com o objetivo de enfraquecer de antemão o poder que vós estáveis prestes a confiar a mim”. Seis milhões de votos formaram um protesto enfático contra ela, mas eu a respeitei fielmente. Provocações, calúnias, ultrajes, me encontraram imóvel. Agora, porém, que o pacto fundamental não é mais respeitado por aqueles mesmos homens que o invocam incessantemente, e que os homens que arruinaram duas monarquias desejam amarrar as minhas mãos a fim de derrubar a República, meu dever é frustrar seus planos traiçoeiros, manter a República e salvar o País apelando ao julgamento solene do único Soberano que reconheço na França - o Povo. “Eu, portanto, faço um apelo leal à nação inteira, e digo-vos: se quereis continuar esta condição de intranquilidade que nos degrada e compromete o nosso futuro, escolhei outro em meu lugar, pois não reterei mais um poder que é impotente para fazer o bem, que me torna responsável por ações que não posso impedir, e que me prende ao leme quando vejo o navio indo para o abismo. "Se, por outro lado, vós ainda confiais em mim, deem-me os meios para cumprir a grande missão que tenho de vós." Esta missão consiste em encerrar a era das revoluções, satisfazendo as necessidades legítimas do povo e protegendo-os de paixões subversivas. Consiste, acima de tudo, em criar instituições que sobrevivem aos homens e que, de fato, formarão as bases sobre as quais algo durável possa ser estabelecido. "Persuadido de que a instabilidade do poder, que a preponderância de uma única Assembleia, são causas permanentes de problemas e discórdias, submeto ao vosso sufrágio as seguintes bases fundamentais de uma Constituição que será desenvolvida pelas Assembleias mais tarde: —"1. Um responsável Chefe nomeado por dez anos. "2. Ministros dependentes apenas do Poder Executivo. "3. Um Conselho de Estado composto pelos homens mais ilustres, que preparará as leis e as apoiará no debate perante o Corpo Legislativo. “4. Um Órgão Legislativo que discute e vota as leis, e que é eleito por sufrágio universal, sem escrutínio de lista, o que falsifica as eleições. "5. Uma Segunda Assembleia composta pelos homens mais ilustres do país, um poder de equilíbrio, o guardião do pacto fundamental e das liberdades públicas. "Este sistema, criado pelo primeiro Cônsul no início do século, tem já dado repouso e prosperidade à França; ainda as asseguraria para ela. “Tal é minha firme convicção”. Se vós o compartilhais, declarem-no por seus votos. Se, ao contrário, vós preferirdes um governo sem força, monárquico ou republicano, emprestado não sei de que passado, ou de que futuro quimérico, respondam na negativa. “Assim, pela primeira vez desde 1804, vós votareis com pleno conhecimento das circunstâncias, sabendo exatamente para quem e para quê”. “Se eu não conseguir a maioria de vossos sufrágios, convocarei uma Nova Assembleia e colocarei em vossas mãos a comissão que recebi de vós”. “Mas se vós acreditais que a causa da qual meu nome é o símbolo, isto é, por assim dizer, a França regenerada pela Revolução de 89 e organizada pelo Imperador, ainda é vossa, proclamai-a sancionando os poderes que vos peço”. “Então a França e a Europa serão preservadas da anarquia, os obstáculos serão removidos, as rivalidades terão desaparecido, pois todos respeitarão, na decisão do Povo, o decreto da Providência”. “Dado no Palácio do Eliseu, no dia 2º de dezembro de 1851”. "LOUIS NAPOLEON BONAPARTE." PROCLAMAÇÃO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA AO EXÉRCITO. "Soldados! Sejais orgulhosos de vossa missão, vós salvareis o país, pois conto convosco para não violar as leis, mas fazer respeitar a primeira lei do país, a Soberania nacional, da qual sou o Legítimo Representante. "Há muito tempo, como eu, vós sofreis com obstáculos que se opõem tanto ao bem que eu desejava fazer quanto às demonstrações de vossas simpatias em meu Favor. Esses obstáculos foram derrubados. “A Assembleia tentou atacar a autoridade que detém de toda a Nação”. Ela deixou de existir. “Eu faço um apelo leal ao Povo e ao Exército, e digo a eles: ou me deem os meios de assegurar vossa prosperidade, ou escolher outro em meu lugar”. “Em 1830, como em 1848, vós fostes tratados como homens vencidos”. Depois de terem marcado vosso heroico desinteresse, eles desdenharam de consultar vossas simpatias e vossos desejos, e ainda assim vós sois a flor da Nação. Hoje, neste momento solene, eu estou decidido a que a voz do Exército seja ouvida. “Votem, portanto, livremente como cidadãos; mas, como soldados, não se esqueçam que a obediência passiva às ordens do Chefe do Estado é o dever rigoroso do Exército, do general ao soldado raso”. "Cabe a mim, responsável por minhas ações, tanto para com o povo quanto para a posteridade, tomar as medidas que me pareçam indispensáveis para o bem público. "Quanto a vós, permaneçais imóveis dentro das regras de disciplina e de honra. Com vossa atitude imponente, ajudem o país a manifestar sua vontade com calma e reflexão. "Estejam pronto para reprimir todo ataque ao livre exercício da soberania do Povo. "Soldados, não lhes falo das memórias que meu nome evoca. Estão gravadas em vossos corações. Estamos unidos por laços indissolúveis. Vossa história é minha. Há entre nós, no passado, uma comunidade de glória e de infortúnio. "Haverá no futuro comunidade de sentimento e de resoluções para o repouso e a grandeza da França. "Dado no Palácio do Eliseu, 2º de dezembro de 1851. "(Assinado) L.N. BONAPARTE." “EM NOME DO POVO FRANCÊS”. "O Presidente da República decreta: — "ARTIGO I. A Assembleia Nacional é dissolvida. "ARTIGO II. O sufrágio universal é restabelecido. A lei de 31 de maio é revogada. "ARTIGO III. O povo francês é convocado em seus distritos eleitorais de 14 a 21 de dezembro seguinte. "ARTIGO IV. O Estado de Sítio é decretado no distrito da primeira Divisão Militar. "ARTIGO V. O Conselho de Estado é dissolvido. "ARTIGO VI. O Ministro do Interior é encarregado da execução deste decreto. “Dado no Palácio do Eliseu, dia 2º de Dezembro de 1851”. “LOUIS NAPOLEON BONAPARTE”. "DE MORNY, Ministro do Interior."
CAPÍTULO VII. Nº. 70, RUA BLANCHE A Cité Gaillard é um
pouco difícil de encontrar. É um beco deserto naquele bairro novo que separa a Rua des Martyrs da Rua Blanche. Eu encontrei, no entanto. Quando cheguei ao número 4, Yvan saiu do portão e disse: "Estou aqui para avisá-lo. A polícia está de olho nesta casa, Michel está esperando por você no número 70, Rua Blanche, a poucos passos da aqui." Eu conhecia o nº 70 da Rua Blanche. Manin, o célebre presidente da República de Veneza, morava lá. Não era em seus aposentos, porém, que a reunião aconteceria. O porteiro do nº 70 disse-me para subir ao primeiro andar. A porta foi aberta e uma bela mulher de cabelos grisalhos de uns quarenta verões, a Baronesa Coppens, que reconheci como tendo visto na sociedade e em minha própria casa, me conduziu a uma sala de visitas. Estavam presentes Michel de Bourges e Alexander Rey, este último um ex-Constituinte, um escritor eloquente, um homem corajoso. Naquela época, Alexander Rey editava o Nacional. Apertamos as mãos. Michel me disse: "Hugo, o que você vai fazer?” Respondi-lhe: "Tudo." "Também é a minha opinião", disse ele. Chegaram numerosos representantes, entre outros Pierre Lefranc, Labrousse, Théodore Bac, Noël Parfait, Arnauld (de l'Ariége), Demóstenes Ollivier, um ex-Constituinte, e Charamaule. Houve uma indignação profunda e inexprimível, mas nenhuma palavra inútil foi dita. Todos estavam imbuídos daquela raiva viril de onde saem grandes resoluções. Eles conversaram. Eles apresentaram a situação. Cada um trouxe a notícia que ele havia aprendido. Théodore Bac veio de Léon Faucher, que morava na Rua Blanche. Foi ele quem acordou Léon Faucher, e anunciou a notícia para ele. As primeiras palavras de Léon Faucher foram: "É um ato infame ." Desde o primeiro momento Charamaule mostrou uma coragem que, durante os quatro dias de luta, não esmoreceu um só instante. Charamaule é um homem muito alto, de feições vigorosas e eloquência convincente; votou com a Esquerda, mas sentou-se com a Direita. Na Assembleia ele foi o vizinho de Montalembert e de Riancey. Ele às vezes tinha disputas calorosas com eles, que assistimos de longe, e que nos divertiu. Charamaule tinha vindo para a reunião no nº 70 vestido com uma espécie de manto militar de pano azul, e armado, como descobrimos mais tarde. A situação era grave; dezesseis Representantes presos, todos os generais da Assembleia, e aquele que era mais que um general, Charras. Todos os jornais suprimidos, todas as gráficas ocupadas por soldados. Ao lado de Bonaparte um exército de 80.000 homens que poderia ser dobrado em poucas horas; do nosso lado nada. O povo enganado e, além disso, desarmado. O telégrafo ao comando deles. Todas as paredes cobertas com seus cartazes, e à nossa disposição nem uma única caixa de impressão, nem uma folha de papel. Nenhum meio de levantar o protesto, nenhum meio de iniciar o combate. O golpe de Estado estava vestido de malha, a República estava nua; o golpe de Estado tinha uma trombeta falante, a República usava uma mordaça. O que era para ser feito? O ataque contra a República, contra a Assembleia, contra o Direito, contra a Lei, contra o Progresso, contra a Civilização, foi comandado por generais africanos. Esses heróis tinham acabado de provar que eram covardes. Eles haviam tomado bem suas precauções. O medo por si só pode gerar tanta habilidade. Eles haviam prendido todos os homens de guerra da Assembleia, e todos os homens de ação da Esquerda, Baune, Charles Lagrange, Miot, Valentin, Nadaud, Cholat. Acrescente a isso que todos os possíveis chefes das barricadas estavam na prisão. Os organizadores da emboscada deixaram cuidadosamente em liberdade Jules Favre, Michel de Bourges e eu, julgando-nos menos homens de ação do que da Tribuna; desejando deixar os homens de Esquerda capazes de resistência, mas incapazes de vitória, esperando nos desonrar se não lutássemos, e atirar em nós se lutássemos. No entanto, ninguém hesitou. A deliberação começou. Outros representantes chegavam a cada minuto, Edgar Quinet, Doutre, Pelletier, Cassal, Bruckner, Baudin, Chauffour. A sala estava cheia, alguns sentados, a maioria de pé, confusos, mas sem tumulto. Eu fui o primeiro a falar. Eu disse que a luta deveria começar imediatamente. Golpe por golpe. Que era minha opinião que os cento e cinquenta Representantes da Esquerda deveriam vestir seus lenços de escritório, deveriam marchar em procissão pelas ruas e os bulevares até a Madeleine e gritando "Vive la République! Vive la Constitution!" deve comparecer diante das tropas, e sozinho, calmo e desarmado, deve convocar o Poder para obedecer ao Direito. Se os soldados cedessem, deveriam ir à Assembleia e acabar com Luís Bonaparte. Se os soldados disparassem contra seus legisladores, deveriam se dispersar por toda Paris, gritar "Às armas" e recorrer a barricadas. A resistência deve ser iniciada constitucionalmente e, se isso falhar, deve ser continuada de forma revolucionária. Não havia tempo a perder. "Alta traição", disse eu, "deve ser apanhada em flagrante, é um grande erro sofrer tal ultraje para ser aceito pelas horas que passam. Cada minuto que passa é um cúmplice, e endossa o crime. Cuidado com aquela calamidade chamada 'fato consumado'. Às armas!" Muitos apoiaram calorosamente esse conselho, entre outros Edgar Quinet, Pelletier e Doutre. Michel de Bourges se opôs seriamente. Meu instinto foi começar imediatamente, seu conselho foi esperar para ver. Segundo ele, havia perigo em apressar a catástrofe. O golpe de Estado foi organizado e o Povo não. Eles tinham sido levados desprevenidos. Não devemos ceder à ilusão. As massas ainda não podiam se mexer. A calma perfeita reinava nos faubourgs; Surpresa existia, sim; Raiva, não. O povo de Paris, embora tão inteligente, não entendeu. Michel acrescentou: "Não estamos em 1830. Carlos X., ao produzir os 221, expôs-se a este golpe, a reeleição dos 221. Não estamos na mesma situação. Os 221 eram populares. A presente Assembleia não é: uma Câmara que foi dissolvida com insulto sempre vencerá, se o Povo a apoiar. Assim, o Povo levantou-se em 1830. Hoje eles esperam. São tolos até serem vítimas." Michel de Bourges concluiu: "Deve-se dar tempo ao povo para entender, para se enfurecer, para se levantar. Quanto a nós, Representantes, deveríamos ser precipitados para precipitar a situação. Se fôssemos marchar imediatamente direto sobre as tropas, nós deveríamos ser só fuzilados sem propósito, e a gloriosa insurreição da Direita seria, assim, de antemão privada de seus líderes naturais – os Representantes do Povo. Devemos decapitar o exército popular. A demora temporária, pelo contrário, seria benéfica. Também muito zelo deve ser guardado contra, autocontrole é necessário, ceder seria perder a batalha antes de tê- la começado. Assim, por exemplo, não devemos comparecer à reunião anunciada pela Direita para o meio-dia, todos os que lá fossem seriam presos. Devemos permanecer livres, devemos permanecer prontos, devemos permanecer calmos e devemos agir esperando o advento do Povo. Quatro dias dessa agitação sem luta cansariam o exército." Michel, porém, aconselhava um começo, mas simplesmente afixando o artigo 68 da Constituição. Mas onde encontrar uma impressora? Michel de Bourges falou com uma experiência de procedimento revolucionário que estava faltando em mim. Durante muitos anos ele havia adquirido um certo conhecimento prático das massas. Seu conselho era sábio. Deve-se acrescentar que todas as informações que chegaram até nós o apoiaram e pareciam conclusivas contra mim. Paris estava desanimada. O exército do golpe de estado invadiu-a pacificamente. Nem mesmo os cartazes foram derrubados. Quase todos os Representantes presentes, mesmo os mais ousados, concordaram com o conselho de Michel, de esperar e ver o que aconteceria. "À noite", diziam eles, "a agitação começará", e concluíram, como Michel de Bourges, que é preciso dar tempo ao povo para compreender. Haveria o risco de ficar sozinho em um começo muito apressado. Não devemos levar as pessoas conosco no primeiro momento. Deixemos que a indignação aumente pouco a pouco em seus corações. Se começasse prematuramente, nossa manifestação seria abortada. Esses eram os sentimentos de todos. Quanto a mim, ao ouvi-los, senti-me abalado. Talvez eles estivessem certos. Seria um erro dar o sinal para o combate em vão. De que serve o relâmpago que não é seguido pelo raio? Levantar a voz, dar vazão a um grito, encontrar uma impressora, era a primeira pergunta. Mas ainda havia uma Imprensa livre? O bravo ex-chefe da 6ª Legião, Coronel Forestier, entrou. Ele tomou o Michel de Bourges e a mim mesmo à parte. "Ouçam", disse ele para nós. "Venho a vós. Fui demitido. Não comando mais minha legião, mas me nomeio em nome da Esquerda, Coronel do 6º. Assine-me uma ordem e irei imediatamente chamá-los às armas. Em uma hora o regimento estará a pé." "Coronel," respondi: "Farei mais do que assinar um pedido, vou acompanhá-lo". E me virei para Charamaule, que tinha uma carruagem à espera. "Venha conosco", disse eu. Forestier tinha certeza de dois majores da 6ª. Decidimos ir imediatamente até eles, enquanto Michel e os outros Representantes nos esperavam no Bonvalet's, no Boulevard du Temple, perto do Café Turc. Lá eles poderiam consultar juntos. Nós começamos. Atravessamos Paris, onde as pessoas já estavam começando a se aglomerar de maneira ameaçadora. As avenidas estavam apinhadas de uma multidão inquieta. As pessoas andavam de um lado para o outro, os transeuntes abordavam-se sem nenhum conhecimento prévio, um sinal notável de ansiedade pública; e grupos falavam em voz alta nas esquinas das ruas. As lojas estavam sendo fechadas. "Venha, isso parece melhor", gritou Charamaule. Ele estava vagando pela cidade desde a manhã e notou com tristeza a apatia das massas. Encontramos em casa os dois majores com quem o Coronel Forestier contava. Eram dois ricos negociantes de linho, que nos receberam com certo embaraço. Os lojistas se reuniram juntos nas janelas, e nos viram passar. Era mera curiosidade. Entretanto, um dos dois majores revogou uma viagem que ia fazer naquele dia e prometeu-nos a sua colaboração. "Mas", acrescentou ele, "não se enganem, pode- se prever que seremos despedaçados. Poucos homens marcharão." O Coronel Forestier nos disse: "Watrin, o atual coronel do 6º, não gosta de brigar; talvez ele me renuncie amigavelmente ao comando. Eu irei encontrá-lo sozinho, para assustá-lo menos, e vai se juntar a vós no Bonvalet's." Perto do Portão St. Martin deixamos nossa carruagem, e Charamaule e eu seguimos a pé pelo bulevar, a fim de observar os grupos mais de perto e mais facilmente julgar o aspecto da multidão. O recente nivelamento da estrada havia convertido o bulevar do Portão St. Martin em um corte profundo, comandado por dois taludes. Nos cumes desses taludes ficavam as calçadas, guarnecidas de grades. As carruagens passavam pelo corte, os passageiros a pé caminhavam pelas calçadas. Assim que nós chegamos à avenida, uma longa coluna de infantaria enfileirada nesta ravina com tambores à frente. As ondas grossas de baionetas encheram a praça de St. Martin e se perderam nas profundezas do Boulevard Bonne Nouvelle. Uma multidão enorme e compacta cobria as duas calçadas do Boulevard St. Martin. Um grande número de trabalhadores, em suas blusas, estava lá, apoiados nas grades. No momento em que o chefe da coluna entrou no desfiladeiro diante do Teatro do Portão St. Martin um tremendo grito de "Vive la République!" saiu de cada boca como se gritado por um homem. Os soldados continuaram a avançar em silêncio, mas pode-se dizer que o ritmo deles diminuiu, e muitos deles olhavam a multidão com um ar de indecisão. O que esse grito de "Vive la République!" significa? Foi um sinal de aplauso? Foi um grito de desafio? Pareceu-me naquele momento que a República ergueu a sobrancelha e que o golpe de Estado baixou a cabeça. Enquanto isso, Charamaule me disse: "Você é reconhecido". Na verdade, perto do Château d'Eau a multidão me cercava. Alguns jovens choraram fora, "Vive Victor Hugo!" Um deles me perguntou: "Cidadão Victor Hugo, o que devemos fazer?" Respondi: "Derrube os cartazes sediciosos do golpe de Estado e grite 'Vive la Constitution'!" "E se eles atirarem contra nós?" disse um jovem trabalhador. "Você vai correr para as armas." "Bravo!" gritou a multidão. Acrescentei: "Luís Bonaparte é um rebelde, ele mergulhou hoje em todos os crimes. Nós, Representantes do Povo, o declaramos um fora-da- lei, mas não há necessidade de nossa declaração, pois ele é um fora-da-lei pelo mero fato de sua traição. Cidadãos, vocês têm duas mãos; peguem em uma vossa Direita, e na outra vossa arma e caiam sobre Bonaparte." "Bravo! Bravo!" novamente gritou o povo. Um comerciante que estava fechando sua loja me disse: "Não fale tão alto, se eles ouvissem você falando assim, eles atirariam em você". "Bem, então", respondi, "você desfilaria meu corpo, e minha morte seria uma bênção se a justiça de Deus pudesse resultar disso." Todos gritaram "Viva Victor Hugo!" "Gritem 'Viva a Constituição'", disse eu. Um grande grito de "Vive la Constitution! Vive la République"; saiu de cada peito. Entusiasmo, indignação, raiva brilhou no rosto de todos. Pensei então, e ainda penso, que aquele talvez fosse o momento supremo. Fiquei tentado a levar toda aquela multidão e começar a batalha. Charamaule me conteve. Ele sussurrou para mim: "Você vai trazer uma fuzilaria inútil. Todos estão desarmados. A infantaria está a apenas dois passos de nós, e veja, aqui vem a artilharia." Olhei em volta; na verdade, várias peças de canhão surgiram a trote rápido da Rua de Bondy, atrás do Château d'Eau. O conselho de abstenção, dado por Charamaule, me impressionou profundamente. Vindo de um homem assim, e tão destemido, certamente não era para desconfiar. Além disso, senti-me obrigado pela deliberação que acabara de ocorrer na reunião da Rua Blanche. Encolhi-me diante da responsabilidade que deveria ter incorrido. Aproveitar aquele momento pode ter sido uma vitória, também pode ter sido um massacre. Eu estava certo? Eu estava errado? A multidão engrossou ao nosso redor e ficou difícil seguir em frente. Estávamos ansiosos, no entanto, para chegar ao ponto de encontro no Bonvalet's. De repente, alguém me tocou no braço. Foi Leopoldo Duras, do Nacional. "Não vá mais longe", ele sussurrou, "o restaurante Bonvalet está cercado. Michel de Bourges tentou discursar ao povo, mas os soldados vieram. Ele mal conseguiu escapar. Vários Representantes que compareceram à reunião foram presos. Refaçam vossos passos. Nós estamos voltando ao antigo ponto de encontro na Rua Blanche. Estou procurando por vós para vos dizer isso. Um táxi estava passando; Charamaule chamou o motorista. Entramos, seguidos pela multidão, gritando: "Vive la République! Vive Victor Hugo!”Parece que naquele momento um esquadrão de sargentos de ville chegou ao Boulevard para me prender. O cocheiro partiu a toda velocidade. Um quarto de hora depois chegamos à Rua Blanche. CAPÍTULO VIII. "VIOLAÇÃO DA CÂMARA" Às sete horas da manhã a Pont de la Concorde ainda estava livre. O grande portão gradeado do Palácio da Assembleia estava fechado; pelas grades via-se o lance de escada, aquele lance de escada de onde a República foi proclamada em 4 de maio de 1848, coberta de soldados; e seus braços empilhados podem ser distinguidos a plataforma atrás daquelas altas colunas, que, no tempo da Assembleia Constituinte, depois de 15 de maio e 23 de junho, mascaravam pequenas argamassas de montanha, carregadas e apontadas. Um porteiro de colarinho vermelho, com a libré da Assembleia, estava parado junto à portinha do portão gradeado. De vez em quando chegavam Representantes. O porteiro disse: “Senhores, vocês são Representantes”?" e abriu a porta. Às vezes ele perguntava seus nomes. Os aposentos do sr. Dupin podiam ser adentrados sem impedimentos. Na grande galeria, na sala de jantar, no salão de honra da Presidência, os atendentes de libré abriram silenciosamente as portas, como de costume. Antes do amanhecer, imediatamente após a prisão dos Questionadores srs. Baze e Leflô, o sr. de Panat, o único Questionador que ficou livre, poupado ou desprezado como Legitimista, acordaram o sr. Dupin e pediram-lhe que chamasse imediatamente os Representantes de seus próprios lares. O sr. Dupin devolveu esta resposta sem precedentes: "Não vejo nenhuma urgência". Quase ao mesmo tempo que o sr. Panat, o Representante Jerôme Bonaparte se apressou para lá. Ele havia convocado o sr. Dupin para colocar ele mesmo à frente da Assembleia. O sr. Dupin respondeu: "Não posso, estou cauteloso". Jerôme Bonaparte caiu na gargalhada. Na verdade, ninguém se dignara a colocar uma sentinela à porta do sr. Dupin; eles sabiam que estava guardado por sua mesquinhez. Só mais tarde, por volta do meio-dia, tiveram pena dele. Acharam que o desprezo era grande demais e lhe designaram duas sentinelas. Às sete e meia, quinze ou vinte Representantes, entre os quais MM. Eugène Sue, Joret, de Rességuier e de Talhouet reuniram-se no quarto do sr. Dupin. Eles também discutiram em vão com o sr. Dupin. Na reentrância de uma janela, um astuto membro da maioria, o sr. Desmousseaux de Givré, que era um pouco surdo e extremamente exasperado, quase brigou com um Representante da Direita como ele mesmo, a quem ele supôs erroneamente ser favorável ao golpe de Estado. O sr. Dupin, além do grupo de Representantes, sozinho vestido de preto, com as suas mãos atrás das costas dele, a sua cabeça afundada no seu peito, andava de um lado para o outro diante da lareira, onde ardia um grande fogo. Em seu próprio quarto, e em sua presença, eles estavam falando em voz alta sobre ele mesmo, mas ele parecia não ouvir. Dois membros da Esquerda entraram, Benoît (du Rhône) e Crestin. Crestin entrou na sala, foi direto ao sr. Dupin e lhe disse: "Presidente, o senhor sabe o que está acontecendo? Como é que a Assembleia ainda não foi convocada?" O sr. Dupin parou e respondeu, com um encolher de ombros que lhe era habitual: "Não há nada a ser feito." E retomou sua caminhada. "Basta", disse o sr. de Rességuier. "É demais", disse Eugène Sue. Todos os Representantes saíram da sala. Nesse meio tempo, a Pont de la Concorde ficou coberta de tropas. Entre eles o General Vast-Vimeux, magro, velho e pequeno; o cabelo branco e liso grudado nas têmporas, em uniforme completo, com o chapéu de renda na cabeça. Ele estava carregado com duas dragonas enormes, e exibia seu lenço, não o de um Representante, mas o de um general, lenço que, sendo muito longo, arrastava no chão. Ele atravessou a ponte a pé, gritando aos soldados gritos inarticulados de entusiasmo pelo Império e pelo golpe de estado. Tais figuras como essas foram vistas em 1814. Só que em vez de usar um grande cocar tricolor, eles usavam um cocar branco grande. Em geral o mesmo fenômeno; velhos gritando: "Viva o Passado!" Quase no mesmo momento o sr. de Larochejaquelein atravessou a praça da Concórdia, cercado por uma centena de homens de blusa, que o seguiram em silêncio e com um ar de curiosidade. Numerosos regimentos de cavalaria foram formados na grande Avenida dos Campos Elísios. Às oito horas uma formidável força sitiou o Palácio Legislativo. Todos os acessos estavam guardados, todas as portas estavam fechadas. Alguns Representantes conseguiram, no entanto, penetrar no interior do Palácio, não, como se disse erroneamente, pela passagem da casa do Presidente ao lado da Esplanada dos Inválidos, mas pela portinha da Rua de Bourgogne, chamada a Porta Negra. Esta porta, por qual omissão ou conivência não sei, permaneceu aberta até o meio-dia do dia 2 de dezembro. A Rua de Bourgogne, no entanto, estava cheia de tropas. Esquadrões de soldados espalhados aqui e ali na Rua de l'Université permitiam aos transeuntes, que eram poucos e esparsos, usá-la como via de acesso. Os Representantes que entraram pela porta da Rua de Bourgogne, penetrou até a Salle des Conférences, onde encontraram seus colegas vindos do sr. Dupin. Um grupo numeroso de homens, representando todos os matizes de opinião na Assembleia, foi rapidamente reunido neste salão, entre os quais MM. Eugène Sue, Richardet, Fayolle, Joret, Marc Dufraisse, Benoît (du Rhône), Canet, Gambon, d'Adelsward, Créqu, Répellin, Teillard-Latérisse, Rantion, General Leydet, Paulin Durrieu, Chanay, Brilliez, Collas (de la Gironde), Monet, Gaston, Favreau e Albert de Rességuier. Cada recém-chegado abordava o sr. de Panat. "Onde estão os vice- presidentes?" "Na prisão." "E os outros dois Questionadores?" "Também na prisão. E peço-lhes que acreditem, senhores", acrescentou o sr. de Panat, "que não tive nada a ver com o insulto que me foi feito, em não me prender." A indignação estava no auge; todos os matizes políticos se misturavam no mesmo sentimento de desprezo e raiva, e o sr. de Rességuier não era menos enérgico do que Eugène Sue. Pela primeira vez, a Assembleia parecia ter apenas um coração e uma só voz. Cada um disse longamente o que pensava do homem do Eliseu, e então se viu que por muito tempo Luís Bonaparte havia criado imperceptivelmente uma profunda unanimidade na Assembleia – a unanimidade do desprezo. O sr. Collas (do Gironde) gesticulava e contava sua história. Ele veio do Ministério do Interior. Ele tinha visto o sr. de Morny, ele tinha falado com ele; e ele, sr. Collas, ficou indignado além da medida com o crime do sr. Bonaparte. Desde então, esse Crime fez dele Conselheiro de Estado. O sr. de Panat ia de um lado para outro entre os grupos, anunciando aos Representantes que havia convocado a Assembleia para uma hora. Mas era impossível esperar até àquela hora. Tempo apertado. No Palais Bourbon, como na Rua Blanche, era o sentimento universal de que cada hora que passava ajudava a realizar o golpe de Estado. Todos sentiam como reprovação o peso de seu silêncio ou de sua inação; o círculo de ferro se fechava, a maré de soldados subia sem cessar e invadia silenciosamente o Palácio; a cada instante, mais uma sentinela era encontrada em uma porta, que um momento antes tinha estado livre. Ainda assim, o grupo de Representantes reunido no Salão das Conferências ainda era respeitado. Era preciso agir, falar, deliberar, lutar e não perder um minuto. Gambon disse: "Vamos tentar Dupin mais uma vez; ele é nosso homem oficial, precisamos dele." Eles foram procurá-lo. Eles não conseguiram encontrá-lo. Ele não estava mais lá, ele havia desaparecido, ele estava longe, escondido, agachado, encolhido, escondido, ele havia desaparecido, ele estava enterrado. Onde? Ninguém sabia. A covardia tem antros desconhecidos. De repente, um homem entrou no corredor. Um homem estranho à Assembleia, uniformizado, com a dragona de um oficial superior e uma espada ao lado. Ele era um major da 42ª, que veio convocar os Representantes a deixar sua própria Câmara. Todos, Monarquistas e Republicanos, correram para cima dele. Tal foi a expressão de uma testemunha ocular indignada. O General Leydet dirigiu-se a ele em uma linguagem que deixa uma impressão na bochecha e não na orelha. "Realizo meu dever, cumpro minhas instruções", gaguejou o oficial. "Você é um idiota, se pensa que está cumprindo seu dever", gritou Leydet para ele, "e você é um canalha se sabe que está cometendo um crime. Seu nome? você se chama? Dê-me seu nome." O oficial recusou-se a dar seu nome e respondeu: "Então, cavalheiros, vocês não vão se retirar?" "Não." "Vou buscar força." "Faça isso." Ele saiu da sala, e de fato foi obter ordens do Ministério do Interior. Os Representantes esperaram naquela espécie de agitação indescritível que poderia ser chamada de Estrangulamento da Direita pela Violência. Em pouco tempo, um deles que havia saído voltou às pressas, e advertiu-os de que duas companhias da Gendarmerie Mobile estavam vindo com suas armas nas mãos. Marc Dufraisse gritou: "Que a indignação seja completa. Deixe o golpe de estado nos encontrar em nossos assentos. Vamos à Salle des Séances", acrescentou. "Já que as coisas chegaram a tal ponto, vamos dar- nos ao espetáculo genuíno e vivo de um 18 Brumário". A Salle Casimir-Périer ainda não estava ocupada pelos soldados. Eles eram cerca de sessenta. Vários estavam cingidos com seus lenços de escritório. Eles entraram no Salão meditativamente. Lá, o sr. de Rességuier, sem dúvida com um bom propósito, e para formar um grupo mais compacto, instou a que todos se instalassem no lado direito. "Não", disse Marc Dufraisse, "cada um em seu banco." Eles se espalharam pelo Salão, cada um em seu lugar de sempre. O sr. Monet, que estava sentado em um dos bancos mais baixos da Centro-Esquerda, tinha na mão um exemplar da Constituição. Vários minutos se passaram. Ninguém falou. Era o silêncio da expectativa que precede os atos decisivos e as crises finais, e durante o qual cada um parece ouvir respeitosamente as últimas instruções de sua consciência. De repente, os soldados da Gendarmerie Mobile, chefiados por um capitão com a espada desembainhada, apareceram na soleira. O Salão da Assembleia foi violado. Os Representantes levantaram-se simultaneamente, gritando "Vive la République!" Só o Representante Monet permaneceu de pé e, com uma voz alta e indignada, que ressoou pelo salão vazio como uma trombeta, ordenou que os soldados parassem. Os soldados pararam, olhando para os Representantes com ar desnorteado. Os soldados ainda bloquearam o saguão da Esquerda e não passaram além da Tribuna. Em seguida, o Representante Monet leu os artigos 36, 37 e 68 da Constituição. Os artigos 36 e 37 estabeleciam a inviolabilidade dos Representantes. O artigo 68 depôs o presidente em caso de traição. Aquele momento foi solene. Os soldados ouviram em silêncio. Lidos os artigos, o Representante d'Adelsward, que estava sentado no primeiro banco inferior da esquerda e que estava mais próximo dos soldados, virou-se para eles e disse: "Soldados, vocês estão vendo que o Presidente da República é um traidor, e faria de vocês traidores. Vocês violam o recinto sagrado da representação racional. Em nome da Constituição, em nome da Lei, ordenamos que vocês se retirem." Enquanto Adelsward falava, o major que comandava a Gendarmerie Mobile entrou. "Senhores", disse ele, "tenho ordens para pedir que se retirem e, se não se retirarem por vontade própria, para expulsá-los." "Ordens para nos expulsar!" exclamou Adelsward; e todos os Representantes acrescentaram: "De quem são as ordens? Vamos ver as ordens. Quem assinou as ordens?" O major tirou um papel e o desdobrou. Mal ele o desdobrou, ele tentou recolocá-lo no bolso, mas o general Leydet se jogou sobre ele e agarrou seu braço. Vários Representantes se inclinaram para a frente e leram a ordem de expulsão da Assembleia, assinada "Fortoul, Ministro da Marinha". Marc Dufraisse virou-se para os Gendarmes Mobiles e gritou para eles: "Soldados, sua presença aqui é um ato de traição. Saiam do salão!" Os soldados pareciam indecisos. De repente, uma segunda coluna emergiu da porta à direita e, a um sinal do comandante, o capitão gritou: "Avante! Mandem todos embora!" Começou então uma luta corpo a corpo indescritível entre os gendarmes e os legisladores. Os soldados, com suas armas nas mãos, invadiram as bancadas do Senado. Repellin, Chanay, Rantion, foram arrancados à força de seus assentos. Dois gendarmes avançaram sobre Marc Dufraisse, dois sobre Gambon. Uma longa luta aconteceu na primeira bancada da Direita, mesmo local onde o MM. Odilon Barrot e Abbatucci tinham o hábito de sentar. Paulin Durrieu resistiu à violência pela força, foram necessários três homens para arrastá-lo de seu banco. Monet foi jogado nos bancos dos Comissários. Eles agarraram Adelsward pela garganta e o empurraram para fora do Salão. Richardet, um homem fraco, foi derrubado e tratado brutalmente. Alguns foram espetados com as pontas das baionetas; quase todos tiveram suas roupas rasgadas. O comandante gritou para os soldados: "Destruam-nos". Foi assim que sessenta Representantes do Povo foram pegos pelo colarinho pelo golpe de estado e expulsos de seus assentos. A maneira pela qual a ação foi executada completou a traição. O desempenho físico foi digno do desempenho moral. Os três últimos a sair foram Fayolle, Teillard- Latérisse e Paulin Durrieu. Eles foram autorizados a passar pela grande porta do palácio e se encontraram na Place Bourgogne. A Place Bourgogne foi ocupada pelo 42º Regimento da Linha, sob as ordens do Coronel Garderens. Entre o Paço e a estátua da República, que ocupava o centro da praça, uma peça de artilharia apontava para a Assembleia em frente à grande porta. Ao lado do canhão alguns Chasseurs de Vincennes carregavam suas armas e mordendo seus cartuchos. O Coronel Garderens estava a cavalo perto de um grupo de soldados, o que atraiu a atenção dos Representantes Teillard-Latérisse, Fayolle e Paulin Durrieu. No meio desse grupo, três homens, que haviam sido presos, lutavam gritando: "Viva a Constituição! Viva a República!" Fayolle, Paulin Durrieu e Teillard-Latérisse se aproximaram e reconheceram nos três prisioneiros três membros da maioria, Representantes Toupet-des-Vignes Radoubt, Lafosse e Arbey. O Representante Arbey protestava calorosamente. Ao erguer a voz, o Coronel Garderens o interrompeu com estas palavras, que merecem ser preservadas: — Cale a boca! Mais uma palavra e mandarei açoitá-lo com a coronha de um mosquete. Os três Representantes da Esquerda indignados pediram ao Coronel que libertasse seus colegas. "Coronel", disse Fayolle, "você infringiu a lei três vezes." "Vou quebrá-lo seis vezes", respondeu o Coronel, e prendeu Fayolle, Durrieu e Teillard-Latérisse. Os soldados foram ordenados a conduzi-los à guarita do Palácio então em construção para o Ministro das Relações Exteriores. No caminho, os seis prisioneiros, marchando entre uma fila dupla de baionetas, encontraram três de seus colegas Representantes Eugène Sue, Chanay e Benoist (du Rhône). Eugène Sue colocou-se diante do oficial que comandava o destacamento e disse-lhe: "Convocamos você para libertar nossos colegas." "Eu não posso fazer isso", respondeu o oficial. "Nesse caso complete teus crimes", disse Eugène Sue, "nós convocamos a ti para nos prender também." O oficial os prendeu. Eles foram conduzidos à guarita do Ministério dos Negócios Estrangeiros e, posteriormente, ao quartel do Quai d'Orsay. Não foi até a noite que duas companhias da linha vieram para transferi-los para este último local de descanso. Ao colocá- los entre seus soldados, o comandante curvou-se até o chão, comentando educadamente: "Senhores, as armas dos meus homens estão carregadas". A desobstrução do salão foi realizada, como dissemos, de forma desordenada, os soldados empurrando os Representantes diante deles por todas as saídas. Alguns, entre os que acabamos de falar, saíram pela Rua de Bourgogne, outros foram arrastados pela Salle des Pas Perdus em direção à porta gradeada em frente à Pont de la Concorde. A Salle des Pas Perdus tem uma antecâmara, uma espécie de sala de encruzilhada, sobre a qual se abria a escadaria da Alta Tribuna, e várias portas, entre outras, a grande porta de vidro da galeria que dá acesso aos apartamentos do Presidente da Assembleia. Assim que chegaram a esta sala da encruzilhada, contígua à pequena rotunda, onde se situa a porta lateral de saída do Palácio, os soldados libertaram os Representantes. Ali, em poucos momentos, formou-se um grupo, no qual os Representantes Canet e Favreau começaram a falar. Um grito universal foi levantado: "Vamos procurar Dupin, vamos arrastá-lo aqui se for necessário". Eles abriram a porta de vidro e correram para a galeria. Desta vez, o sr. Dupin estava em casa. O sr. Dupin, ao saber que os gendarmes haviam esvaziado o salão, saiu de seu esconderijo. A Assembleia sendo lançada prostrada, Dupin ficou ereto. A lei sendo feita prisioneira, este homem sentiu-se livre. O grupo de Representantes, liderado pelo MM. Canet e Favreau, o encontrou em seu escritório. Aí começou um diálogo. Os Representantes convocaram o Presidente para se colocar à frente deles, e para voltar a entrar na Sala, ele, o homem da Assembleia, com eles, os homens da Nação. O sr. Dupin recusou-se à queima-roupa, manteve-se firme, foi muito firme e agarrou-se bravamente à sua nulidade. "O que você quer que eu faça?" disse ele, misturando com seus protestos alarmados muitas máximas jurídicas e citações latinas, um instinto de gaios tagarelas, que despejam todo o seu vocabulário quando estão assustados. “O que você quer que eu faça”? Quem sou eu? O que posso fazer? Eu não sou nada. Ninguém é mais nada. Ubi nihil, nihil. O poder está lá. Onde há o Poder o povo pode perder seus Direitos. Novus nascitur ordo. Molde seu curso de acordo. Sou obrigado a me submeter. Dura lex, sed lex. Admitimos uma lei de necessidade, mas não uma lei de direito. Mas o que deve ser feito? Peço para ser deixado em paz. Posso fazer nada. Faço o que posso. Não me falta boa vontade. Se tivesse um cabo e quatro homens, mandaria matá-los. "Este homem só reconhece a força", disseram os Representantes. "Muito bem, vamos empregar a força." Eles usaram violência contra ele, eles cingiram-no com um lenço como uma corda em volta do pescoço e, como haviam dito, arrastaram-no para o Salão, implorando por sua "liberdade", gemendo, chutando - eu diria luta livre, se a palavra não fosse muito exaltada. Alguns minutos depois da liberação, essa Salle des Pas Perdus, que acabara de ver os Representantes passarem no aperto dos gendarmes, viu o sr. Dupin no aperto dos Representantes. Eles não foram muito longe. Soldados trancaram as grandes portas de fole verdes. Coronel Espinasse correu para lá, o comandante da gendarmeria se aproximou. As coronhas de um par de pistolas foram vistas saindo do bolso do comandante. O coronel estava pálido, o comandante estava pálido, o sr. Dupin estava lívido. Ambos os lados estavam com medo. O Sr. Dupin tinha medo do coronel; o coronel certamente não tinha medo do sr. Dupin, mas por trás dessa figura risível e miserável ele viu um fantasma terrível se erguer - seu crime, e ele estremeceu. Em Homero há uma cena em que Nemesis aparece atrás de Thersites. O sr. Dupin permaneceu por alguns momentos estupefato, confuso e mudo. O Representante Gambon exclamou a ele, - "Agora, então, fale, sr. Dupin, a Esquerda não o interrompe." Então, com as palavras dos Representantes às costas e as baionetas dos soldados ao peito, o infeliz falou. O que sua boca pronunciou neste momento, o que o presidente da Assembleia Soberana da França gaguejou para os gendarmes neste momento intensamente crítico, ninguém conseguiu entender. Aqueles que ouviram os últimos suspiros dessa covardia moribunda, apressaram-se a purificar seus ouvidos. Parece, no entanto, que ele gaguejou algo assim: "Você é o Poder, você tem baionetas; eu invoco a Direita e o deixo. Tenho a honra de lhe desejar um bom dia." Ele foi embora. Eles o deixaram ir. No momento de sair, ele se virou e deixou cair mais algumas palavras. Não vamos ajuntá- las. A história não tem cesta de trapeiros. CAPÍTULO IX. UM FIM PIOR QUE A MORTE Devíamos ter-nos agradado de ter posto de lado, de nunca mais ter falado dele, este homem que ostentava durante três anos este honroso título, Presidente da Assembleia Nacional da França, e que só sabia como ser lacaio para a maioria. Ele conseguiu em sua última hora afundar ainda mais do que se poderia acreditar ser possível até mesmo para ele. Sua carreira na Assembleia tinha sido a de um criado, seu fim foi o de um ajudante de cozinha. A atitude inédita que o sr. Dupin assumiu perante os gendarmes, ao proferir com uma careta sua zombaria de protesto, gerou até suspeita. Gambion exclamou: "Ele resiste como um cúmplice. Ele sabia de tudo." Acreditamos que essas suspeitas sejam injustas. O sr. Dupin não sabia de nada. Quem, de fato, entre os organizadores do golpe de Estado, teria se dado ao trabalho de garantir que ele se juntasse a eles? O sr. Dupin corrupto? Era possível? E, além disso, com que finalidade? Para pagá-lo? Por quê? Seria dinheiro desperdiçado quando o medo por si só fosse suficiente. Algumas conivências são garantidas antes de serem procuradas. A covardia é o velho bajulador do crime. O sangue da lei é rapidamente enxugado. Atrás do assassino que segura o punhal vem o miserável trêmulo que segura a esponja. Dupin refugiou-se em seu escritório. Eles o seguiram. "Meu Deus!" ele gritou, "eles não podem entender que eu quero ser deixado em paz." Na verdade eles tinham o torturado desde a manhã, para arrancar-lhe um pedaço impossível de coragem. "Vocês me maltratam pior do que os gendarmes", disse ele. Os Representantes instalaram-se no seu gabinete, sentaram-se à sua mesa e, enquanto ele gemia e repreendia numa poltrona, redigiram um relatório formal do que acabara de acontecer, pois desejavam deixar um registo oficial da indignação nos arquivos. Quando o relatório oficial terminou, o Representante Canet o leu para o Presidente e lhe ofereceu uma caneta. "O que você quer que eu faça com isso?" ele perguntou. "Você é o Presidente", respondeu Canet. "Esta é nossa última sessão. É seu dever assinar o relatório oficial." Este homem recusou.
CAPÍTULO X. A PORTA NEGRA O sr. Dupin é uma desgraça
incomparável. Mais tarde, ele teve sua recompensa. Parece que ele se tornou uma espécie de procurador-geral no Tribunal de Recurso. O sr. Dupin presta a Luís Bonaparte o serviço de ser em seu lugar o mais mesquinho dos homens. Para continuar isso história sombria. Os Representantes da Direita, em sua primeira confusão causada pelo golpe de estado, apressaram-se em grande número ao sr. Daru, que era Vice-Presidente da Assembleia e ao mesmo tempo um dos Presidentes do Pyramid Club. Esta Associação sempre apoiou a política do Eliseu, mas sem acreditar que um golpe de estado fosse premeditado. O sr. Daru morava no nº 75 da Rua de Lille. Perto das dez horas da manhã, cerca de uma centena desses Representantes se reuniram na casa do sr. Daru. Eles resolveram tentar penetrar no salão onde a Assembleia realizava suas sessões. A Rua de Lille dá para a Rua de Bourgogne, quase em frente à portinha pela qual se entra no Palácio, e que se chama Porta Negra. Eles voltaram seus passos em direção a esta porta, com o sr. Daru à frente deles. Eles marcharam de braços dados e três lado a lado. Alguns deles colocaram seus lenços de escritório. Eles os tiraram mais tarde. A Porta Negra, entreaberta como sempre, era guardada apenas por duas sentinelas. Alguns dos mais indignados, entre eles o sr. de Kerdrel, correram para esta porta e tentaram passar. A porta, porém, foi violentamente fechada, e seguiu-se entre os Representantes e os sargentos de ville que se apressaram, uma espécie de luta, em que um Representante teve o pulso torcido. Ao mesmo tempo, um batalhão que se formou na Place de Bourgogne avançou e veio ao dobro em direção ao grupo de Representantes. O sr. Daru, imponente e firme, fez sinal ao comandante para parar; o batalhão parou e o sr. Daru, em nome da Constituição, e na qualidade de Vice-Presidente da Assembleia, convocou os soldados a depor as armas e a dar passagem livre aos Representantes do Povo Soberano. O comandante do batalhão respondeu com ordem de desobstrução imediata da rua, declarando que não havia mais Assembleia; que, quanto a si mesmo, não sabia o que eram os Representantes do Povo, e que se essas pessoas antes dele não se retirassem por vontade própria, ele as expulsaria à força. "Só cederemos à violência", disse o sr. Daru. "Tu cometes alta traição", acrescentou o sr. de Kerdrel. O oficial deu ordem para atacar. Os soldados avançaram em ordem cerrada. Houve um momento de confusão; quase uma colisão. Os Representantes, forçados a recuar, entraram na Rua de Lille. Alguns deles caíram. Vários membros da Direita foram rolados na lama pelos soldados. Um deles, o sr. Etienne, recebeu um golpe no ombro da coronha de um mosquete. Podemos aqui acrescentar que uma semana depois o sr. Etienne era um membro daquela preocupação que eles denominaram de Comitê Consultivo. Ele achou o golpe de estado a seu gosto, incluindo o golpe com a coronha de um mosquete. Eles voltaram para a casa do sr. Daru, e no caminho o grupo disperso se reuniu, e foi até fortalecido por alguns recém- chegados. "Senhores", disse o sr. Daru, "o Presidente falhou conosco, o Salão está fechado para nós. Eu sou o Vice-Presidente; minha casa é o Palácio da Assembleia." Abriu uma grande sala e ali se instalaram os Representantes da Direita. No início as discussões eram um pouco barulhentas. O sr. Daru, no entanto, observou que os momentos eram preciosos, e o silêncio foi restabelecido. A primeira medida a ser tomada foi evidentemente a deposição do Presidente da República em virtude de Artigo 68 da Constituição. Alguns Representantes do partido que se chamava Burgraves sentaram-se em volta de uma mesa e prepararam a escritura de deposição. Quando estavam prestes a lê-lo em voz alta, um Representante que vinha de fora apareceu na porta da sala e anunciou à Assembleia que a Rua de Lille estava se enchendo de tropas e que a casa estava sendo cercada. Não havia um momento a perder. O sr. Benoist-d'Azy disse: "Senhores, vamos à Câmara Municipal do décimo bairro; lá poderemos deliberar sob a proteção da décima legião, da qual nosso colega, General Lauriston, é o coronel.” A casa do sr. Daru tinha uma entrada dos fundos por uma portinha que ficava no fundo do jardim. A maioria dos Representantes saiu dessa forma. O sr. Daru estava prestes a segui-los. Só ele, o sr. Odilon Barrot, e mais dois ou três outros ficaram na sala, quando a porta se abriu. Um capitão entrou e disse ao sr. Daru: "Senhor, você é meu prisioneiro." "Onde devo te seguir?" perguntou o sr. Daru. "Eu tenho ordens para cuidar de você em sua própria casa." A casa, na verdade, foi militarmente ocupada, e foi assim que o sr. Daru foi impedido de participar da sessão na Câmara Municipal do décimo bairro. O oficial permitiu que o sr. Odilon Barrot saísse.
CAPÍTULO XI. O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Enquanto tudo isso estava acontecendo na margem esquerda do rio, por volta do meio-dia um homem foi visto andando para cima e para baixo na grande Salles des Pas Perdus do Palácio da Justiça. Este homem, cuidadosamente abotoado em um sobretudo, parecia ser atendido à distância por vários possíveis apoiadores – pois certas empresas policiais empregam auxiliares cuja aparência duvidosa deixa os transeuntes inquietos, tanto que eles se perguntam se são magistrados ou ladrões. O homem de terno abotoado vadiava de porta em porta, de saguão em saguão, trocando sinais de inteligência com os mirmidões que o seguiam; depois voltou para o grande Salão, parando no caminho os advogados, solicitadores, porteiros, escriturários e atendentes, e repetindo a todos em voz baixa, para não serem ouvidos pelos passantes, a mesma pergunta. A esta pergunta alguns responderam "Sim", outros responderam "Não". E o homem voltou a trabalhar, rondando o Palácio da Justiça com a aparência de um cão de caça procurando o rastro. Ele era um Comissário da Polícia do Arsenal. O que ele estava procurando? O Superior Tribunal de Justiça. O que o Supremo Tribunal de Justiça estava fazendo? Estava escondido. Por quê? Para sentar no julgamento? Sim e não. O Comissário da Polícia do Arsenal recebera naquela manhã do prefeito Maupas a ordem de procurar em todos os lugares o local onde o Supremo Tribunal de Justiça poderia estar sediado, se porventura julgasse ser seu dever reunir-se. Confundindo o Supremo Tribunal com o Conselho de Estado, o Comissário de Polícia foi primeiro ao Quai d'Orsay. Não tendo encontrado nada, nem mesmo o Conselho de Estado, tinha saído de mãos vazias, em todo o caso tinha voltado os seus passos para o Palácio da Justiça, pensando que, como devia procurar a justiça, talvez a encontrasse ali. Não encontrando, ele foi embora. O Superior Tribunal de Justiça, no entanto, mesmo assim se reunira. Onde e como? Veremos. No período cujos anais estamos narrando agora, antes da atual reconstrução dos antigos edifícios de Paris, quando o Palácio da Justiça foi alcançado pela Cour de Harlay, uma escadaria o reverso do majestoso levava até lá, transformando-se em um longo corredor chamado a Gallerie Mercière. No meio desse corredor havia duas portas; uma à direita, que conduzia ao Tribunal de Recurso, a outra à esquerda, que conduzia ao Tribunal de Cassação. As portas basculantes à esquerda davam para uma antiga galeria chamada St. Louis, recentemente restaurada, e que atualmente serve de Salle des Pas Perdus para os advogados do Tribunal de Cassação. Uma estátua de madeira de St. Louis estava em frente à porta de entrada. Uma entrada construída num nicho à direita desta estátua conduzia a um vestíbulo sinuoso que terminava numa espécie de passagem cega, aparentemente fechada por duas portas duplas. Na porta à direita pode ser lido "Sala do Primeiro Presidente"; na porta à esquerda, "Câmara do Conselho". Entre estas duas portas, para comodidade dos advogados que vão do Salão para a Câmara Civil, que antigamente era a Grande Câmara do Parlamento, havia sido formada uma passagem estreita e escura, na qual, como observou um deles, "todo crime poderia ser cometido impunemente". Saindo de um lado da Sala do Primeiro Presidente e abrindo a porta que trazia a inscrição "Câmara do Conselho", cruzava-se uma grande sala, mobiliada com uma enorme mesa em forma de ferradura, rodeada de cadeiras verdes. No fundo desta sala, que em 1793 tinha servido de sala de deliberação dos júris do Tribunal Revolucionário, havia uma porta colocada nos lambris, que dava para um pequeno vestíbulo onde havia duas portas, à direita a porta da sala do Presidente da Câmara Criminal, à esquerda a porta da Sala de Refeição. "Condenado à morte! — Agora vamos jantar!" Essas duas ideias, Morte e Jantar, se acotovelam há séculos. Uma terceira porta fechava a extremidade deste saguão. Essa porta era, por assim dizer, a última do Palácio da Justiça, a mais distante, a menos conhecida, a mais escondida; dava para o que se chamava Biblioteca do Tribunal de Cassação, uma grande sala quadrada iluminada por duas janelas com vista para o grande pátio interno do Porteiro, mobiliado com algumas cadeiras de couro, uma grande mesa coberta com um pano verde e com livros de direito revestindo as paredes do chão ao teto. Esta sala, como se vê, é a mais recôndita e a mais escondida de todas do Palácio. Foi aqui, nesta sala, que chegaram sucessivamente no dia 2 de dezembro, por volta das onze horas da manhã, numerosos homens vestidos de preto, sem mantos, sem distintivos de ofício, assustados, perplexos, balançando a cabeça e sussurrando juntos. Esses homens trêmulos eram o Supremo Tribunal de Justiça. O Tribunal Superior de Justiça, nos termos da Constituição, era composto por sete magistrados; um Presidente, quatro Juízes e dois Assistentes, escolhidos pelo Tribunal de Cassação entre seus próprios membros e renovados anualmente. Em dezembro de 1851, esses sete juízes foram nomeados Hardouin, Pataille, Moreau, Delapalme, Cauchy, Grandet e Quesnault, os dois últimos nomeados sendo Assistentes. Esses homens, quase desconhecidos, tinham, no entanto, alguns antecedentes. O sr. Cauchy, alguns anos antes Presidente da Câmara da Corte Real de Paris, um homem amável e facilmente assustado, era irmão do matemático, membro do Instituto, a quem devemos o cálculo das ondas sonoras, e do ex-Arquivista de Registro da Câmara dos Pares. O sr. Delapalme fora Advogado-Geral e participara de forma destacada nos julgamentos da Imprensa durante a Restauração; o sr. Pataille tinha sido Deputado do Centro sob a Monarquia de julho; o sr. Moreau (de la Seine) era digno de nota, por ter sido apelidado de "de la Seine" para distingui-lo do sr. Moreau (de la Meurthe), que por seu lado era notável, por ter sido apelidado de "de la Meurthe" para distingui-lo de sr. Moreau (de la Seine). O primeiro Assistente, o sr. Grandet, havia sido Presidente da Câmara em Paris. Li este panegírico dele: "Ele é conhecido por não possuir qualquer individualidade ou opinião própria." O segundo Assistente, o sr. Quesnault, um Liberal, um Deputado, um Funcionário Público, Advogado-Geral, um Conservador, douto, obediente, tinha alcançado fazendo um trampolim de cada um destes atributos, à Câmara Criminal do Tribunal de Cassação, onde era conhecido como um dos membros mais severos. 1848 tinha chocado sua noção de Direita, ele renunciou depois de 24 de fevereiro; ele não renunciou depois de 2 de dezembro. O sr. Hardouin, que presidia o Supremo Tribunal, era um ex-Presidente de Assizes, um homem religioso, um jansenista rígido, apontado entre seus colegas como um "magistrado escrupuloso", morando em Port Royal, um leitor assíduo de Nicolle, pertencente à raça dos velhos Parlamentares do Marais, que costumavam ir ao Palais de Justice montados numa mula; a mula já estava fora de moda, e quem visitasse o Presidente Hardouin não teria encontrado mais obstinação em seu estábulo do que em sua consciência. Na manhã do dia 2º de dezembro, às nove horas, dois homens subiram as escadas da casa do sr. Hardouin, nº 10, Rua de Condé, e se reuniram juntos à sua porta. Um era o sr. Pataille; o outro, um dos mais proeminentes membros da Ordem dos Advogados do Tribunal de Cassação, foi o ex-Constituinte Martin (de Estrasburgo). O sr. Pataille acabava de se colocar à disposição do sr. Hardouin. O primeiro pensamento de Martin, enquanto lia os cartazes do golpe de estado, foi para o Supremo Tribunal. O sr. Hardouin conduziu o sr. Pataille a uma sala contígua ao seu escritório e recebeu Martin (de Estrasburgo) como um homem a quem não queria falar diante de testemunhas. Sendo formalmente solicitado por Martin (de Estrasburgo) para convocar o Supremo Tribunal, ele implorou que o deixasse em paz, declarou que o Supremo Tribunal "cumpriria seu dever", mas que primeiro ele deveria "conferir com seus colegas", concluindo com esta expressão, "Isso deve ser feito hoje ou amanhã." "Hoje ou amanhã!" exclamou Martin (de Estrasburgo); "Senhor Presidente, a segurança da República, a segurança do país, talvez, depende do que o Supremo Tribunal fará ou não. Sua responsabilidade é grande, tenha isso em mente. O Supremo Tribunal de Justiça não faz seu dever hoje ou amanhã; ele o faz imediatamente, no momento, sem perder um minuto, sem hesitar um instante”. Martin (de Estrasburgo) estava certo, a Justiça sempre pertence ao Hoje. Martin (de Estrasburgo) acrescentou: "Se você quer um homem para um trabalho ativo, estou à sua disposição". O sr. Hardouin recusou a oferta; declarou que não perderia um momento e implorou a Martin (de Estrasburgo) que o deixasse para "conferir" com seu colega, o sr. Pataille. De fato, convocou o Supremo Tribunal para as onze horas, e ficou acertado que a reunião se realizaria no Salão da Biblioteca. Os Juízes foram pontuais. Às onze e quinze estavam todos reunidos. O sr. Pataille chegou por último. Sentaram-se na ponta da grande mesa verde.