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CAPITULO I
Da perspicacia dos espiões ao serviço do antigo
regimen
A policia, que o defunto juizo de instrucção criminal empregava
especialmente na espionagem dos chamados agitadores da opinião, recebeu
um bello dia do final do reinado de D. Carlos o encargo de averiguar o que
projectava de sensacional o partido republicano, que uma denuncia affirmava
mover-se activamente n'uma conspiração surda, mas tremenda.
Os bufos puzeram-se immediatamente em campo e, dentro de curto prazo,
davam ao chefe conta pormenorisada da sua missão. O relatorio d'essa
espionagem, que pretendia, se não estamos em erro, elucidar policialmente o
trama revolucionario do 28 de janeiro, é a documentação mais perfeita sobre a
incapacidade dos que essa mesma espionagem exerceram. Um dos bufos diz
pouco mais ou menos isto:
Na noite de... ás... horas, vi entrar na casa n.º... da rua de... um individuo magro,
trigueiro, nariz comprido e de oculos, que se me constou ser empregado d'um judeu lá
para os lados de... Sahiu da mesma casa ás... horas e tambem se me constou que assistiu
com mais vinte e tantos individuos a uma reunião secreta.
D. Carlos I
—Naturalmente.
—Bem sei... mas eu nada tenho com isso... mandem ao governo civil. Vou
recommendar para ali que forneçam a todos os jornaes uma nota resumida do
caso.
CAPITULO II
Um «accidente de trabalho» e uma evasão romanesca
O proprio Aquilino Ribeiro—que, diga-se de passagem, é um intellectual—
descreveu mais tarde ao signatario d'estas narrativas como occorrera o
desastre da rua do Carrião.
—Aquillo foi assim—contou elle. Eu nunca tinha feito bombas, apesar das
minhas convicções já me terem enfileirado n'um grupo libertario. Sabia que
n'essa occasião, e mercê da preparação do movimento revolucionario do 28 de
janeiro, esse fabrico se alargara a diversos pontos de Lisboa e mesmo fóra de
Lisboa e dava-me intimamente com diversos militantes e propagandistas da
acção directa. Tinha até cooperado na organisação do ataque aos quarteis e ás
forças da municipal, indo com Alfredo Costa e outros alugar quartos em
varios pontos estrategicos, d'onde projectavamos dynamitar essa legião fiel ao
regimen monarchico. Um bello dia o dr. Gonçalves Lopes pediu-me para levar
ao meu quarto dois caixotes com bombas. Hesitei, observando-lhe que a dona
da casa podia attentar no facto, mas elle desvaneceu-me todos os receios,
explicando-me que necessitava absolutamente transformar o meu aposento
n'um deposito eventual de explosivos.
João Franco