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© 1986 – Antônio Vera Ramirez

“El Hombre de Oriente”


Tradução de Margarida Gandra
Ilustração de Benicio
Colaboração de
Carlos Natali
® 540729
PRÓLOGO
Visita ao dojo

Ultimamente Brigitte Montfort não ia com tanta


frequência treinar no dojo do mestre Tomaki Kurita, seu
professor de judô de longos anos, seu sensei. Mas apesar
disso, era sempre lembrada pelos que frequentavam a
academia, que continuavam admirando-a e se apressavam a
advertir os novos alunos do mestre Kurita que tivessem
cuidado com aquela mulher de aparência tão doce, pois era
uma autêntica fera fazendo aquele esporte.
Estas advertências, todavia, não eram levadas a sério na
maioria das vezes. Como era possível admitir que uma
mulher belíssima, de gestos amáveis, de olhos azuis, grandes
e luminosos, pudesse ser uma “fera” lutando sobre o tatami?
Mais de um havia lamentado não ter feito caso das
advertências, quando a senhorita Montfort subia à lona e
começava o treinamento, porque muitos deles haviam sido
projetados duramente contra o solo, estrangulados,
imobilizados, ou com os braços submetidos a chaves que
com um último puxão podiam partir suas articulações como
se fossem um simples macarrão...
O que ninguém sabia era que a senhorita Montfort, além
de ser a jornalista mais famosa do mundo, a mais bela e
encantadora, era a temível agente “Baby”, espiã de luxo da
CIA que sabia coisas muito mais perigosas do que simples
chaves de judô. Coisas que durante muitos anos lhe ajudaram
a sobreviver no mundo terrível da espionagem.
Não obstante, naquele dia, a senhorita Montfort não foi
ao dojo do professor Kurita para praticar judô e, sim, para
uma entrevista particular com seu sensei, que a havia
chamado e a esperava em seu sóbrio e ao mesmo tempo
exótico escritório, com vista para um encantador jardim
japonês, em pleno Manhattan.
Tomaki Kurita era uma das poucas pessoas que tinham o
privilégio de serem beijadas por Brigitte “Baby” Montfort, a
qual assim procedeu ao entrar no seu gabinete de trabalho.
Depois de beijar o quase ancião sensei, Brigitte sentou e
ficou fitando-o preocupada.
— Espero que não seja nada ruim, sensei.
— Não — negou Kurita com a cabeça. — Eu diria que o
que irá acontecer é algo bom.
— Nesse caso, fico muito alegre. Mas confesso que fiquei
preocupada quando me pediu que viesse o mais rápido
possível...
— É que ele chegará esta tarde por avião e preciso
recebê-lo. Mas gostaria de saber antes se você está disposta a
ajudá-lo.
— A quem se refere?
— Ele é há muito tempo um dos alunos preferidos do
nosso sensei comum, Takeo Inomura1.
— Sabe perfeitamente que toda pessoa recomendada pelo
sensei Inomura goza de nossa confiança e nosso apoio. Por
minha parte farei tudo que estiver ao meu alcance por esse
visitante. Quer que o acompanhe ao aeroporto para recebê-
lo?
— Não, não... Não é necessário que se incomode tanto.
Só queria estar seguro de que podia contar com seu apoio. E
como dispomos de tempo suficiente lhe contarei sua história.
Esta se refere a um tal Homem de Oriente...

1
Sensei significa mestre, em japonês. O grande mestre citado por Kurita é
Takeo Inomura, que já apareceu em várias aventuras da agente “Baby”, de modo
especial em NIN-JUTSU (Perigo entre crisântemos, número 230 e 231 desta
coleção).
CAPÍTULO PRIMEIRO
O cabograma

Kio Meing estava chegando a Los Angeles Harbor.


Era um jovem atraente, com menos de trinta anos. Sua
estatura era elevada, considerando os de sua raça, e suas
feições eram tão corretas que, às vezes, chegava-se a duvidar
de sua condição asiática.
Naquele instante, ele se afastava da janelinha circular do
camarote onde estivera contemplando a Baía de São Pedro,
ao sul de Los Angeles, e parecia ’satisfeito com o término da
viagem.
Kio estava nu da cintura para cima, deixando à mostra
seu dorso delgado, mas incrivelmente musculoso. A cada
movimento que fazia os músculos pareciam que iam rebentar
a pele morena. Ao distanciar-se da janela, afastou uma
mecha dos cabelos negros e lisos que lhe caía sobre a testa,
da mesma tonalidade, e puxou uma das pontas do bigode que
adornava sua boca de linha dura.
Logo, dedicou-se a arrumar sua bagagem, reduzida,
deixando sobre a cama a camisa, a gravata e o paletó. Era
cedo, mas já fazia calor e Kio detestava a transpiração; por
isso, só terminaria de vestir-se quando chegasse o momento
de abandonar o barco.
Um chamado na porta do camarote fê-lo acercar-se, sem
abrir, e perguntar:
— Quem é?
— Um cabograma, senhor — responderam.
Kio Meing abriu a porta e a pessoa que se achava do lado
de fora empurrou-o para dentro, sem brusquidão, mas com
firmeza. Kio cedeu, esboçando apenas um gesto de surpresa.
E havia uma forte razão para isso: a semelhança do recém-
chegado com ele mesmo. O homem era também chinês,
usava um bigode idêntico, o cabelo com o mesmo corte,
tinha ombros largos e feições atraentes e firmes.
— Quem é você? — indagou Kio Meing.
— Vim para matá-lo — retrucou o outro, simplesmente.
Kio fez um gesto de assombro. Logo, sorriu, subitamente,
dizendo:
— Não será tão fácil assim.
O intruso encolheu os ombros. Sob o olhar vigilante de
Kio tirou o paletó, a gravata e a camisa, deixando à vista
uma musculatura impressionante. Logo, apertou os lábios e
deu um passo até Meing. Este se ergueu num pulo e fechou
os punhos, levantando-se e colocando-os ante o próprio
rosto.
Seu antagonista girou levemente e adiantou um pé à
frente do outro, parecendo ficar flutuando sobre o mais
atrasado.
Kio Meing sentiu um frio gelado percorrer sua coluna
vertebral quando identificou a postura Chu-Pu do Kung Fu.
Nesta posição, o recém-chegado deslizou, como se no pé
em que se apoiava houvessem rodas. Era um deslizar suave e
contínuo, sem pressa e sem pausa. Um brilho entre furioso e
alegre passou pelos olhos de Kio Meing. Muito bem,
tampouco ele era um principiante e conhecia tantos truques
que poderia enfrentar inclusive um perito em Kung Fu...
A perna encolhida do outro se distendeu produzindo um
assovio e lançando uma espécie de chicotada nos órgãos
genitais de Kio. Este baixou o punho esquerdo, desviou a
patada com o antebraço e desferiu um golpe demolidor de
Kem-Po contra o inimigo, direto em seu rosto. O chinês
girou, afastando-se com uma passada larga; voltou a girar e
sua perna direita saiu disparada, cortando o ar como se este
fosse sólido, com um golpe seco. Kio recebeu a pancada no
meio do peito e retrocedeu um passo, lívido, sem poder
respirar.
Seu rival moveu-se a uma velocidade impossível de
seguir. Girou de novo em Chu-Pu, lançando outro pontapé
buscando a parte baixa do abdômen de Kio Meing e
acertando em cheio desta vez. Logo, passou rapidamente a
posição Hsu-Pu, mantendo-se de lado com respeito a Meing
sobre o pé esquerdo, mas atirando o direito contra o rosto de
Kio, chocando-o contra seu queixo. Meing saiu disparado
para trás, esbarrou de cabeça contra a parede do camarote e
caiu de joelhos. Sentia uma dor fortíssima no peito e a
cabeça estava zonza.
Apoiou ambas as mãos no solo, pôs-se de pé e ficou
vacilante, brandindo os punhos. Sacudiu a cabeça e viu o
outro diante dele, agora em postura Shi Ma Shin, parecendo
montado a cavalo, com as pernas flexionadas ligeiramente e
os punhos preparados para entrar em ação, sem que seu
corpo se movesse. O que queria dizer que Kio Meing estava
encurralado.
Compreendendo a situação, Kio adiantou-se, disposto a
golpear... E recebeu uma pancada tremenda no queixo que o
atirou de novo contra a parede. Enquanto retrocedia, Kio
Meing ia mergulhando em uma espécie de torpor paralisante.
Estava acontecendo algo que jamais acreditara pudesse
ocorrer: alguém o vencia. Mas não em uma peleja feroz,
sangrenta, à custa de verter seu próprio sangue em
abundância. Não. Simplesmente ele, Kio Meing, recebia uma
surra... Como isso era possível? O novo golpe chegou,
atirando-o novamente contra a parede. Era como se um
gigante estivesse brincando com uma criança. Esta certeza
produzia em Meing tanto assombro que se sobrepunha à
própria dor.
Outro ataque jogou-o mais uma vez de encontro à parede.
Ficou como aderido a esta e foi deslizando até ficar sentado.
Diante dos olhos turvados divisava apenas uma sombra, que
se adiantou, sem abandonar a postura Shi Ma Shin. Meing
sacudiu a cabeça e a visão tornou-se mais clara. Enxergou o
outro variar a postura para Hsu-Pu, descansando agora todo
o peso do corpo sobre a perna esquerda. O pé direito, então,
iniciou o movimento suavemente.
— Não...! — arquejou Meing. — Não...!
Mas o inimigo estava determinado a matá-lo e seu pé
cortou o ar tal qual um chicote o faria e terminou por chocar
contra a têmpora esquerda de Kio Meing. Ouviu-se um ruído
leve e os olhos de Kio Meing giraram velozmente e ficaram
mostrando apenas a brancura da córnea. De sua boca aberta
angustiadamente, escapava o último alento de vida em um
ronco suave, que logo terminou.
A cabeça de Kio Meing caiu sobre o peito e a boca se
fechou com um seco estalido de maxilares.
O outro ainda conservou o mortífero pé no alto durante
cinco ou seis segundos. Logo, se apoiou normalmente no
solo, deu dois passos à frente e se acocorou diante de Kio
Meing. Pôs os dedos em um lado do pescoço deste e
permaneceu imóvel, atento ao menor batimento que a
carótida do rapaz pudesse fazer.
Mas não houve qualquer pulsação. Kio Meing estava
morto.
CAPÍTULO SEGUNDO
A massagem reconfortante

Dorothy Barrows demonstrava impaciência. Fazia muito


tempo que o barco atracara e não compreendia o atraso de
Kio Meing. Atirou o cigarro fora e consultou o relógio de
pulso mais uma vez.
Súbito, apareceu o chinês. Dorothy soube imediatamente
que se tratava dele pela descrição que lhe fizeram e mais
ainda quando percebeu que ele observava todas as pessoas
que se achavam na sala de espera, até deter o olhar muito
negro em sua pessoa.
O chinês fitou fixamente os olhos verdes da formosa
loura e ela sorriu. Em seguida, foi direto a ele, que se havia
detido e deixara a maleta no solo.
— Kio Meing? — perguntou Dorothy.
— Sim.
— Sou Dorothy — disse ela, estendendo a mão.
— Venho da parte de Orientman. Estou com o carro aí
fora.
O recém-chegado estreitou a mão que ela oferecia e seus
olhos percorreram o corpo sedutor que se adivinhava sob o
vestido leve que ela usava.
— Parece que me aprecia, não? — riu a jovem.
— Sim — assentiu ele. — Mas ninguém me falou de uma
mulher. Esperava ser recebido por homens.
— O que significa que você é do tipo que desdenha as
mulheres... salvo para dormir com elas, não é assim?
Kio Meing fitou-a de cima abaixo e sorriu, de forma
quase simpática.
— Se realmente é enviada pelo Homem do Oriente, seria
melhor nos pormos a caminho — disse ele, recolhendo a
maleta. — Onde está o seu carro?
Ela apontou um lugar fora da sala de espera e se
afastaram dali. Pouco depois Kio Meing colocava sua valise
no assento de trás e sentava junto ao volante. Dorothy entrou
no veículo e, ao ligar a chave, comentou:
— No momento ficará em um chalé ao norte de Los
Angeles, em Glendale. Já esteve nesta cidade?
— Não.
— Pergunto-me se valeu a pena fazê-lo vir de Hong
Kong — disse ela, de súbito.
— Eu também me pergunto várias coisas... Como por
exemplo... Você é norte-americana, suponho... O que faz
misturada a este assunto...
— Espero que compreenda que é natural o fato de
Orientman ter pessoal americano a suas ordens. Há coisas
que um oriental teria muita dificuldade para fazer nos
Estados Unidos. Nessas ocasiões, Orientman utiliza gente
americana.
— Parece lógico — aceitou Kio. — E você? A que se
dedica exatamente dentro da organização?
— A receber assassinos especiais a instalá-los
adequadamente — retrucou ela, sorrindo significativamente.
— Interessante — aprovou Kio Meing. — E o que mais
você faz?
— Todas as coisas necessárias para o bom funcionamento
dos planos de Orientman... Quero adverti-lo, porém, que o
Homem de Oriente não gosta das pessoas que fazem muitas
perguntas.
— Obrigado pelo aviso.
Dorothy pôs o carro em marcha e Kio Meing ligou o
rádio. Logo se acomodou prazerosamente no assento e se
ocupou em observar ambos os lados do caminho, com
movimentos lentos da cabeça. A seu lado, enquanto conduzia
o automóvel, Dorothy sentia uma sensação inquietante. De
quando em quando olhava as mãos do chinês, que
repousavam sobre as coxas, abertas, relaxadas. Cada veia,
cada tendão, parecia de pedra sob a pele. Cada dedo
semelhava uma pequena barra de aço. As pontas eram
longas, as unhas curtas e sólidas. Eram mãos como Dorothy
jamais vira em sua vida.
O trânsito fluía rápido, e chegaram logo em Glendale. A
moça deteve o carro diante de um chalé relativamente perto
de Brand Park, em uma zona residencial, discreta e bastante
agradável.
— Chegamos — anunciou ela. — Gosta?
— Muito — retrucou ele, dirigindo-lhe um olhar irônico.
Dorothy compreendeu que a casa não tinha o menor
interesse para o chinês e levou o veículo até uma garagem
protegida por telhas. Logo, desceram do carro, Kio pegou
sua maleta e a moça fez um gesto, apontando a porta da
vivenda.
Dorothy abriu-a e apontou seu interior. Kio Meing entrou
e a jovem seguiu-o, fechando a porta atrás de si. A moradia
era pequena, mas confortável. Tudo estava em ordem, limpo,
impecável. Kio observou tudo isto, após deixar sua valise em
um dos dormitórios.
— Quer comer ou prefere beber algo? — indagou
Dorothy.
— Quando verei o Homem de Oriente?
— Ele decidirá isto.
— Tomarei um suco de fruta.
— Vou ver se há frutas na cozinha e o trarei em um
minuto.
— Posso fazer isso.
— Não — sorriu a jovem. — Eu estou aqui para que você
não precise incomodar-se. Fui encarregada do seu conforto e
não posso desobedecer às ordens de Orientman. Qualquer
coisa que desejar é só pedir.
— Qualquer coisa? — inquiriu ele malicioso.
— Claro... Quando estiver com Orientman diga-lhe que o
atendi em todos os sentidos.
— Não lhe sou muito simpático, verdade?
— Isso não tem importância... O personagem especial
aqui é você, não eu. Portanto, devo servi-lo bem, mesmo que
não o ache simpático.
Kio Meing se dirigiu ao salãozinho. Quando Dorothy
chegou ali, encontrou-o sentado em uma poltrona, imóvel,
com os olhos fechados. Um raio de sol batia em cheio em
seu rosto impenetrável, mas Meing parecia não notá-lo.
— Está cansado?
— Não estou acostumado à inatividade física, e a viagem
em barco resultou catastrófica para mim. Sabe shiatsu?
— O que é isso?
— Massagem — explicou. — Não precisa responder...
Vejo que não sabe.
— Posso dar-lhe uma massagem, se quiser.
— Suponho que sua técnica servirá. O que me trouxe?
— Suco de laranja.
Kio Meing estendeu a mão e recebeu o copo. Logo,
começou a sorver o líquido, devagar, com gesto de
aprovação.
— Vamos permanecer aqui sozinhos enquanto espero o
chamado do Homem de Oriente? — perguntou ele.
— Sim.
— Se tinham tanta pressa em minha chegada, por que
devo esperar agora?
— Orientman decidirá. Quer mais suco?
— Não. Prefiro que me faça a massagem — disse ele,
deixando o copo sobre a mesinha e caminhando até o
dormitório onde havia colocado a valise. Ali, despiu-se
completamente, sob o olhar pasmado de Dorothy. Ele
percebeu o assombro nos olhos dela e indagou:
— O que houve?
— Nada... Bem... Nunca tinha visto... uma musculatura
como a sua.
— Não é bom ficar assim, mas não pude evitar. Por isso,
necessito de atividade física. Do contrário, sinto-me como se
estivesse rígido. Creio que isso não acontece com você —
sorriu.
— É natural... Eu não possuo essa musculatura.
— Todos nós temos músculos — explicou Kio,
amavelmente. — Mas no seu caso estão encantadoramente
encobertos. De todos os modos, deveria praticar algum
exercício físico de forma continuada, ou dentro em pouco
começará a se lamentar.
Logo, estirou-se na cama de barriga para baixo. Dorothy
aproximou-se e pôs suas mãos nas costas de Meing. Pareceu-
lhe tão dura que pensou que seus dedos não poderiam sequer
pressioná-la. Começou a massagem da melhor maneira que
sabia, iniciando pela parte alta do dorso, perto do pescoço.
— Não, não, não — negou Kio.
— Desculpe, mas não sei fazer melhor do que isto.
— Vou ensiná-la como se deve massagear. Deite-se.
Dorothy ficou olhando-o, sorridente. De súbito, começou
a tirar a roupa. Em seguida, estirou-se na cama, do mesmo
modo que ele o fez. Kio Meing, que não se perturbara, em
absoluto, passou suas mãos pela pele fina e delicada da
jovem, arrancando um suspiro de prazer dos seus ombros,
pela região lombar, pela coluna vertebral, pressionando
vértebra por vértebra, devagar, como em um ritual. Dorothy
Barrows sentiu-se flutuar em um mundo desconhecido, cheio
de bem-estar, como se não tivesse corpo. Sentia a cabeça
fresca e vazia, parecia que respirava melhor, não
experimentava a menor tensão nervosa e não tinha
pensamentos de nenhum tipo...
As mãos deixaram de pressionar seu corpo. Dorothy
continuou imóvel durante alguns segundos, como submersa
em um silêncio repousante. Por fim, lentamente, virou-se no
leito e ficou fitando Meing, que a contemplava com
serenidade.
— Então? — perguntou ele.
— Maravilhoso — suspirou ela. — Vou tentar imitá-lo.
— Essas coisas não se aprendem assim de uma hora para
outra — negou o chinês. — Mas há algo que, sem dúvida,
você sabe perfeitamente fazer e que seria muito agradável
para mim.
Ficaram olhando-se em silêncio. Dorothy sorriu e
estendeu os braços para Kio Meing, dizendo:
— Estou certa de que saberei agradá-lo...
CAPÍTULO TERCEIRO
Surpresa desconcertante

Dorothy ignorava se Kio Meing se realizara plenamente


no ato de amor que acabavam de fazer; ela, porém, se
satisfizera tão maravilhosamente que lamentava de forma
profunda e sincera ser obrigada a cumprir a última parte pré-
estabelecida daquele assunto.
Junto dela, estendido no leito de ventre para baixo, Kio
dormia tranquilamente, com, uma respiração muito lenta e
levemente audível, o que fez Dorothy pensar:
Parece que seu sono é mais profundo do que o de um
felino. Sinto por ele... e por mim... Foi bastante agradável...!
Saiu da cama, procurando não fazer o menor ruído. Já de
pé, fitou novamente o chinês, que continuava na mesma
posição. Lentamente, despida e descalça, Dorothy dirigiu-se
até a porta do dormitório. Deixou este e então caminhou
apressada. Chegou ao salãozinho, foi até uma das janelas e
moveu as persianas, fechando-as e abrindo-as várias vezes.
Logo, encaminhou-se à porta da casa, esperou um minuto, e
abriu.
Sigilosos como gatos três homens chineses entraram.
Dorothy fechou a porta e apontou o fundo da casa, fazendo
um sinal de que alguém dormia. Os visitantes assentiram e
um deles cortou o gesto dos outros dois de levar a mão
direita ao bolso. Somente ele sacou uma navalha. Apertou a
mola e uma lâmina afiada apareceu.
Os três chineses encaminharam-se ao dormitório indicado
por Dorothy, entraram e ficaram contemplando Kio Meing,
que continuava do mesmo jeito que a jovem o deixara. Esta,
na porta, olhava o felino adormecido, que jamais iria
despertar.
O tipo que empunhava a navalha aproximou-se do leito,
postou-se junto de Meing e ergueu a arma sobre suas costas.
Súbito, desceu-a com força terrível, em uma punhalada
tremenda destinada a partir o coração do rapaz.
O que sucedeu foi alucinante e incrível. O homem
adormecido girou justo no momento em que a navalha
iniciava a descida veloz. Suas mãos seguraram a do chinês
assassino, desviaram-na com gesto hábil e surpreendente e
mergulharam a lâmina no ventre do agressor, depois de
descrever uma trajetória desconcertante em menos de um
segundo.
O chinês ficou arquejante e petrificado observando
Meing, que segurava sua mão. Então, um gemido agudo
brotou de sua boca, enquanto seu rosto tornava-se lívido e os
olhos saíam das órbitas. Meing o empurrou e ele caiu de
costas. Imediatamente, o jovem pôs-se de pé para enfrentar
os outros dois, que pareciam incapazes de raciocinar. Na
porta, Dorothy olhava assombrada para o chinês que
agonizava, estendido no chão.
Em seguida, escutou o ruído produzido por uma navalha
quando a lâmina é impulsionada, e no mesmo instante em
que olhava para o chinês que havia sacado a arma percebeu
um rugido furioso, como o de uma fera.
O som aterrorizante flutuou e se espalhou pelo ar
acompanhando Kio Meing, já que o som brotava de seu
ventre tenso, enquanto realizava a curta viagem aérea até a
porta do dormitório, com as pernas encolhidas e as mãos
cruzadas e abertas diante do rosto. Foi nesse momento que a
moça percebeu que Meing não precisava de armas para
destruir, porquanto as possuía em todo o corpo. No breve
espaço de tempo que aquele salto fantástico durou, precedido
do Kiai quase silencioso, Dorothy soube, pela primeira vez
em sua vida, o que era um homem realmente perigoso.
Um homem, que voando, chegou diante dos dois
chineses, um dos quais havia sacado a navalha. Kio Meing
disparou sua perna flexionada contra ele, em um gesto
relâmpago, recolhendo-a imediatamente. Pareceu que o pé
de Kio nem sequer tocou o chinês. Mas para sua infelicidade,
alcançou seu maxilar, que rangeu. A cabeça do chinês
pareceu saltar para trás como se fosse desprender do corpo.
A parte posterior ricocheteou na parede e o homem caiu
adiante, morto na hora, com o maxilar e o pescoço partidos.
Kio Meing terminou o ruído do Kiai enquanto caía de pé,
em frente ao outro inimigo.
Este, muito pálido, compreendera também a realidade
sobre a categoria do antagonista que tinha pela frente e optou
por sacar a pistola em lugar da navalha. A arma reluziu na
penumbra do dormitório, mas uma mão de Meing já estava a
caminho. Segurou a direita do chinês, passou-a por cima da
cabeça efetuando uma veloz e elegantíssima deslocação até
as costas do outro e, logo, puxou-a para cima. A pistola caiu
ao solo, o chinês soltou um alarido afogado quando seu
braço se quebrou no cotovelo e no ombro. Terminou por cair
de joelhos e em seguida de bruços, desmaiando.
Dorothy começou a correr pelo corredor até alcançar a
porta da casa. Não lhe importava, em absoluto, o fato de
estar completamente despida. A única coisa que desejava era
sair da vivenda rapidamente, meter-se no carro e afastar-se a
toda velocidade. Por um instante pensou que poderia
conseguir tal façanha... Não obstante, não chegou à porta.
Alguma coisa segurou-a pelos cabelos, detendo-a e
obrigando-a a cair sentada. Um instante depois uma força
invencível a estendia de costas sobre o mosaico frio. Quando
percebeu, Kio Meing estava sobre seu ventre, sem largar
seus cabelos e torcendo-lhe o pescoço dolorosamente. A mão
direita de Meing se ergueu como uma sentença sobre a
cabeça de Dorothy Barrows, que gemeu:
— Não... Não... Não! Por favor...! Deixe-me explicar
tudo... Eu posso fazê-lo, Kio...!
Os olhos negros do rapaz quase desapareceram por trás
das pálpebras, a boca tornou-se uma linha fina e a mão
pareceu que ia descer. Mas isso foi tudo. A torção no
pescoço da moça diminuiu e ele disse:
— Muito bem... Fale e me convença.
— Permita que me levante...
— Estamos bem assim — sorriu Meing. — Não creio
pesar mais agora do que antes, verdade? É claro que do outro
modo era mais agradável, mas não tenho culpa se você
escolheu este outro. Vamos! Estou escutando...
— Foi... Foi Orientman quem ordenou tudo isto. Ele
queria... saber se você era realmente perigoso como ouvira
dizer. Se vencesse a esta armadilha seria encarregado do
trabalho. Se, em troca, esses três homens o matassem, depois
de ter sido enganado por mim, ficaria provado que não teria
competência para fazer o serviço... Nesse caso Orientman
buscaria outro homem mais adequado.
— Entendo. E para assegurar-se disto o Homem de
Oriente expôs a vida de três dos seus subordinados.
— Se não conseguissem matá-lo ficaria provado que não
mereciam a confiança que ele tinha depositado em suas
pessoas, assim como se fosse você o morto, significaria que
não valera a pena mandá-lo vir de Hong Kong.
— Qual é exatamente esse trabalho?
— Não sei. O único que posso adiantar é que Orientman
está farto de encomendá-lo a gente inútil, que vem
fracassando continuamente. Por isso, quando ouviu falar de
você, quis contratá-lo o mais rápido possível. Se realizar o
trabalho será recompensado regiamente. Agora, posso
informá-lo que Orientman o receberá esta noite e que o
encarregará do serviço.
— Muito bem... Suponho que não está pretendendo me
enganar... como um chinês...
— Não! Juro que não!
— Ótimo! Vamos continuar com o jogo. Levante-se! O
que vamos fazer com os seus amiguinhos? Não podemos
comê-los, verdade?
— Preciso telefonar — disse ela, enquanto Kio a ajudava
a erguer-se. — Ficou combinado que, depois do que
ocorresse, eu deveria ligar para que viessem recolher seu
cadáver... ou os dos três chineses...
— Asseguro-lhe que por muito pouco não poderia fazer
essa chamada, minha vida — comentou Kio, irônico. — De
acordo. Faça a ligação.
Dirigiram-se ao salãozinho e Dorothy discou o número
que conhecia.
— Aqui é Dorothy... — disse, após a ligação se
completar. — Pode mandar recolher o material... Os nossos.
O convidado está comigo...
Escutou a voz da pessoa do outro lado e acrescentou:
— Sim... De acordo... Desligo agora! — pôs o telefone
no gancho e encarou Meing, dizendo: — Tudo está
preparado para recebê-lo esta noite.
— Vamos nos vestir — decidiu ele. — Você e eu vamos
sair daqui agora mesmo.
— Mas...
— O que aconteceu foi suficiente para mim. Não quero
mais encrencas. Onde acha que poderemos passar o resto do
dia?
— Não sei. Bem... talvez no meu apartamento.
— Boa ideia — sorriu Meing. — Assim poderei
continuar desfrutando dos seus serviços... Bem. Se você não
tem inconveniente.
— Não — sorriu ela, também. — Asseguro-lhe que não.
Ao contrário. Alegra-me muito podermos continuar juntos,
Kio.
— De verdade? — murmurou ele, surpreso.
— Claro — sussurrou ela, apertando-se contra o jovem e
oferecendo os lábios entreabertos.
Depois do longo beijo Kio Meing deslizou as mãos pelo
corpo feminino e Dorothy soltou uma risada.
— Talvez tivéssemos tempo de...
— Não — negou ele. — Prefiro sair daqui o quanto antes.
Vamos nos vestir.
Dirigiram-se ao dormitório, onde dois dos chineses
jaziam mortos e o de braço quebrado gemia, enquanto
recuperava a consciência. Kio acocorou-se junto dele e lhe
disse:
— Logo virão buscá-lo. Não se mova e evitará maiores
sofrimentos. Será conduzido a um hospital e talvez possam
deixá-lo em boas condições.
— Por favor... não me deixe vivo! Não quero enfrentar o
Homem de Oriente depois do fracasso... Seria pior do que
estar morto! Dê-me uma... pistola... ou uma navalha... Por
favor!
Kio Meing contemplou-o por alguns segundos. Logo,
recolheu todas as armas dos três chineses, menos uma
navalha, que ficou sobre o assoalho. Em seguida meteu-as
dentro da maleta, sob a roupa. Já vestido, fechou a valise e
fitou Dorothy, que também ficara pronta rapidamente.
Kio pegou a maleta e fez um sinal para que Dorothy
saísse na frente. Ele próprio encaminhou-se à porta do
aposento, e ao passar junto da navalha tropeçou seu pé
casualmente nela, que deslizou pelo solo e foi ficar diante do
rosto do chinês estendido no chão.
Pouco depois ele e Dorothy deixavam a casa e entravam
no carro, que a jovem pôs em movimento.
Quando o veículo se afastou Kio Meing nem sequer virou
a cabeça. Do mesmo modo, não pareceu impressionado pela
possibilidade dos outros amigos da moça chegarem e
encontrar três cadáveres em lugar de dois.
Cada qual que tomasse suas decisões.

CAPÍTULO QUARTO
O Homem de Oriente

Quando o telefone tocou, Dorothy e Kio Meing estavam


na banheira, brincando com a espuma. Ambos ficaram
imóveis, encarando-se. O telefone voltou a tocar cinco vezes,
antes de ficar silencioso.
— Será melhor nos banharmos de vez — sugeriu a
jovem, erguendo-se e abrindo a torneira da ducha.
Kio fez o mesmo, e estavam sob o jato forte quando o
telefone chamou três vezes e, logo, uma vez apenas.
— Orientman está à nossa espera— disse Dorothy. —
Cinco chamadas, três, e finalmente uma: é o sinal combinado
para ocasiões como esta.
— De modo que o Homem de Oriente sabia todo o tempo
que eu me encontrava aqui com você, não é assim?
— Naturalmente — riu a moça. — Bem... Será melhor
nos apressarmos. Ele estará no lugar da entrevista dentro de
uma hora e não serei eu quem o fará esperar.
— Já que o Homem de Oriente sabia onde me encontrava
e não mandou ninguém mais para me molestar, suponho que
isso significa que deseja, de fato, me receber.
— Alegro-me que tenha entendido, embora precise
preveni-lo de uma coisa. Quando chegarmos próximo ao
lugar aonde iremos, terei que vendar seus olhos... Espero que
não se aborreça por isto — disse a moça.
— Não aprecio esse método... mas concordarei. Fique
tranquila.
Finalmente, o carro se deteve e, minutos mais tarde, o
lenço preto que cobria os olhos de Kio foi retirado. Haviam
chegado à Pequena Ásia.
Kio Meing observou em volta. Era noite, mas a
iluminação existente lhe permitiu ver um belo jardim, cheio
de flores, arbustos e grupos de bambus. À direita divisou
uma linda construção, com um telhado de pontas curvadas
para cima. Diante dela, dois criados chineses, vestidos com
calça e blusa de seda negra, esperavam.
Kio desceu do automóvel imitando Dorothy e, juntos,
dirigiram-se à porta onde os empregados os aguardavam.
Entraram na vivenda e viram um pátio imenso, que servia de
vestíbulo. Em seu centro havia um chafariz, com um repuxo
de água cristalina.
Atravessaram o pátio e saíram do outro lado da casa, que
se bifurcava em duas alas, à direita e esquerda. Era enorme, e
entre as alas havia um jardim colossal, no meio do qual se
situava uma piscina moderna. Em toda sua volta havia
guarda-sóis feitos de bambu, com mesinhas e cadeiras do
mesmo material.
Um dos criados apontou a parte direita da vivenda, que
estava iluminada. Enquanto caminhavam, Kio Meing
distinguiu entre a penumbra da parte afastada do jardim as
sombras de três homens. Diante do pavilhão para onde se
dirigia Kio divisou outros dois chineses, vestidos de negro.
O silêncio era total.
— Esperem aqui — disse um dos serventes, entrando
rapidamente no pavilhão e fechando a porta atrás de si, de
modo que Meing só pôde ver um grande salão. Logo, o
mesmo tipo reapareceu e ordenou a Kio:
— Você pode entrar.
— E ela? — inquiriu o jovem, surpreso.
— Oh, não se preocupe por mim — sorriu Dorothy. —
Eu o aguardarei aqui e pedirei algumas taças de champanha
enquanto me distraio vendo um pouco de televisão. Não é
assim, Tiu?
— Sim, senhorita — assentiu o chinês, sorridente. — Eu
a servirei com muito prazer.
Kio fitou ambos e, decidido, entrou no salão. Sentiu
vontade de rir ao presenciar a encenação preparada. Diante
da entrada e um pouco à esquerda havia uma dúzia de
poltronas, das quais somente cinco estavam ocupadas por
homens vestidos com longos quimonos de cores e adornos
diferentes... mas não tão compridos que impedissem de ver
as calças e os sapatos ocidentais. Havia ainda as máscaras
que cobriam seus rostos, representando feições de chineses
amáveis e ingênuos.
À esquerda, ocupando uma poltrona solitária, perto de
uma porta que comunicava com outras dependências
interiores, estava Buda. Isto é: um homem cujo rosto
desaparecia sob uma máscara enorme, com os traços de
Buda. Ele também vestia-se de negro.
— Não se assuste, Meing — falou o tipo da máscara de
Buda. — Não está em uma reunião de mascarados nem de
fantoches. As máscaras e as roupas são apenas uma
precaução para que você não nos possa identificar se nos
encontrarmos fora daqui.
— Parece-me razoável e inteligente — admitiu Kio. —
Você é o Homem de Oriente?
— Sim. Estes são meus colaboradores. Tenho outros, mas
nem sempre estão disponíveis ao mesmo tempo.
— Entendo. Só não compreendo porque estamos falando
em inglês.
— Simplesmente porque alguns dos presentes teriam
dificuldade para interpretar nossa conversação. Todos somos
chineses, mas muitos dos nossos não nasceram na China.
Satisfeito?
— Sim.
— Quero pedir-lhe desculpa pelo que sucedeu esta
manhã. Quis assegurar-me de sua capacidade como lutador,
embora não saiba se isso será suficiente para conseguir o
objetivo principal de sua vinda a Los Angeles: matar um
homem.
— O quê? Vocês me fizeram vir de Hong Kong para
matar um homem? Pensei que o assunto era bem mais
importante!
— Não se precipite. Em primeiro lugar lhe direi que já
tentamos matar esse homem em várias ocasiões, sem
resultado. Por isso, recorremos a você. Um colaborador
nosso em assuntos de... eliminações ouvira falar de Kio
Meing, o grande lutador que residia em Hong Kong. Por
meio dele entramos em contato com você e soubemos do dia
de sua chegada. Agora o temos aqui, à disposição da
Pequena Ásia, nossa ambiciosa organização. Espero que
tenha recebido dinheiro suficiente para os gastos da viagem.
— Quanto a isso não há problema. O que pensei é que
iria ganhar muito dinheiro com este trabalho, mas agora vejo
que não poderei enriquecer matando um único homem. Isso
me aborrece...
— Temos duas alternativas para você — disse o Homem
de Oriente. — Uma delas consiste em que, uma vez que
consiga matar a pessoa que lhe indicaremos, receberá cem
mil dólares e poderá fazer o que bem quiser em seguida. A
outra consiste em receber duzentos e cinquenta mil dólares;
mas nesse caso teria que assinar um compromisso formal de
continuar servindo à Pequena Ásia exclusivamente, daqui
por diante. Está claro que os serviços que você fosse
realizando, seriam pagos, um a um, sempre de forma
generosa.
— Está falando sério? Duzentos e cinquenta mil dólares?
Por esta quantia e pagamentos extraordinários por outros
serviços podem contar comigo com exclusividade, a partir
deste instante.
— Muito bem. Conhece os projetos da Pequena Ásia?
— Não tenho a menor ideia — retrucou Kio Meing.
O homem da máscara de Buda virou o rosto na direção
dos colaboradores e houve um breve conciliábulo entre eles.
Por fim, um dos outros se ergueu e manifestou:
— Consideramos prematuro pôr Meing a par de nossos
projetos, Orientman.
— Espero que aceite esta decisão, Meing — virou-se para
o jovem o tipo da máscara de Buda. — De acordo?
— Não tenho pressa. O que desejo é demonstrar-lhes
minha eficiência o quanto antes e receber esses duzentos e
cinquenta mil dólares!
— Tudo foi previsto. Seu passaporte é britânico, não é
assim?
— Claro.
— Arranjaremos as coisas de modo que você possa ficar
nos Estados Unidos. Alugará um apartamento, abrirá uma
conta corrente e terá um emprego que servirá para encobrir
suas atividades para a Pequena Ásia. Tudo será solucionado
depois que nosso homem for eliminado.
— Podem considerá-lo morto. Quem é?
O Homem de Oriente bateu palmas e, imediatamente,
uma moça chinesa surgiu, elegantemente vestida. Logo,
entraram outras cinco, sorridentes e encantadoras. Em menos
de um minuto colocaram uma tela de um lado de Orientman
e em frente um projetor. Apagaram as luzes e verificaram se
as persianas estavam bem fechadas.
— Quem são elas? — perguntou Kio Meing interessado.
— Formam o grupo de moças destinadas a agradar os
visitantes que se distinguem. São também minhas servidoras
pessoais. Preste atenção à tela, Meing.
O rosto de um chinês de cinquenta anos presumíveis, de
feições distintas e suaves, surgiu em cores. Seus cabelos
eram grisalhos e seus olhos fitavam com expressão de
doçura.
— Seu nome é Liung Tse — soou a voz do Homem de
Oriente. — A determinação de eliminá-lo provém de sua
negativa em participar dos planos da Pequena Ásia. Liung
Tse é um homem riquíssimo, que mantém contatos com
gente de grande influência social, política e econômica. Um
dos poucos chineses que conseguiram triunfar nos Estados
Unidos. Naturalmente, um homem como ele é
imprescindível para nossos projetos. Foi entrevistado e posto
a par do que se esperava dele. Negou-se terminantemente a
apoiar nossa causa. Por isso, nosso conselho decidiu dar-lhe
um pequeno susto para obrigá-lo a refletir melhor.
Simulamos um atentado, para que compreendesse que
poderíamos matá-lo e que realmente o faríamos se não
mudasse sua decisão. Sua resposta, entretanto, foi procurar
uma vigilância pessoal que tem demonstrado ser altamente
eficiente, já que, por três vezes, nossos assassinos falharam
em suas tentativas.
— Quer dizer que ele sabe que desejam matá-lo?
— Naturalmente.
— E não tratou de denunciá-los à polícia?
— Teve o bom senso de não fazê-lo. Não poderia acusar
ninguém de modo concreto, já que tomamos precauções para
que não identificasse ninguém na primeira entrevista. Por
outro lado a polícia, certamente, não teria levado a sério sua
queixa... Pensariam que a Pequena Ásia era uma das tantas
seitas com projetos desarrazoados que ninguém poderia levar
em conta. Dessa forma Liung Tse tomou suas próprias
medidas.
— Em que sentido?
— Sabemos que está recrutando gente de nossa raça com
o fim de impedir que sigamos adiante. Não podemos permitir
que isso aconteça porque os que ficarem do seu lado
deixarão de engrossar nossa organização. Então, decidimos
eliminar o poderoso e estimado Liung Tse. Dessa forma, não
só o castigaremos, mas também impediremos que jogue
contra nós muitos chineses de relativa importância.
— Entendo. Não lhes ocorreu contratar assassinos da raça
branca?
— Não, porque ficaríamos comprometidos com
determinadas organizações norte-americanas e esta não é
nossa intenção. Este é um projeto exclusivamente chinês,
Meing. Por isso nós o contratamos em Hong Kong.
— Por que sou chinês?
— Sim. Esperamos que todos aqueles que consideramos
dignos de tomar parte na Pequena Ásia aceitem
imediatamente a oferta. Por isso nos doeu tanto a negativa de
Liung Tse, um chinês. Creio que precisa de uma lição.
— Percebo. Não se trata apenas de matá-lo, mas de fazer
compreender aos demais chineses que é pouco conveniente
negar-se a fazer parte da Pequena Ásia.
— Exato. Gostaríamos que a morte de Liung Tse fosse
exemplar. Uma morte que demonstrasse aos outros que
quando a Pequena Ásia condena alguém a morrer não há
como impedir que se realize a sentença.
— O que vocês querem é um assassinato audaz e artístico
— sorriu Meing, — que dê uma demonstração clara do
poder da Pequena Ásia.
— Magnífica interpretação Meing. Acha que pode nos
ajudar?
— Preparem os duzentos e cinquenta mil dólares. Agora,
diga-me mais coisas sobre Liung Tse.
Orientman bateu palmas e a película que ficara fixa na
foto do chinês prosseguiu. Apareceu uma bela vivenda
rodeada de jardins.
— Liung Tse vive nesta casa, situada no número doze mil
quinhentos e oito de Topanoga Canyon Boulevard, em San
Fernando Valley. Não faça caso do seu aspecto bucólico; é
uma autêntica fortaleza, desde que atentamos contra sua
vida. Quanto a Liung Tse passa a maior parte do dia em Los
Angeles, onde atende a seus inúmeros negócios. É evidente
que está sempre rodeado de uma guarda discretíssima, mas
impenetrável...
— Isso é o que veremos — disse Meing secamente.
— Sobretudo, Meing, não menospreze esses homens.
Mas prossigamos. Liung Tse vive com sua filha, a jovem e
encantadora Lai Mi, uma universitária brilhante, que faz
pouco tempo, terminou seus estudos na Universidade de Los
Angeles. Atendendo aos desejos da filha, seu pai abriu uma
escola particular exclusivamente para chineses, onde Lai Mi
ensina o idioma chinês aos de nossa raça que só falam
inglês; procura solucionar problemas diversos e lhes ministra
a história da China paralelamente à dos Estados Unidos.
Realiza ainda traduções de obras chinesas para o inglês e
vice-versa. Veja a escola citada agora na tela, Meing. É
como uma casa-jardim, de ambiente agradabilíssimo. Fica
situada em Santa Monica, no numero seiscentos e setenta e
quatro de Palisade Avenue. Agora, temos Lai Mi. Como
pode comprovar, seu encanto pessoal...
Kio Meing deixou de ouvir a voz do Homem de Oriente
quando viu a imagem da jovem. Ficou extasiado. A beleza
da moça era impressionante. O rosto, ovalado, oferecia a
doçura de um sorriso que parecia encher tudo de luz. Os
olhos grandes, ternos, a boca redonda, vermelha, o nariz,
perfeito. A cabeleira negra parecia um manto de seda
emoldurando o rosto mais formoso que Kio vira em sua vida.
— Vamos ver agora o sistema de proteção que Liung Tse
montou ao redor de sua filha, muito mais fechado que o seu
próprio.
A imagem do semblante de Lai Mi havia desaparecido da
tela, mas Kio continuava vendo-o em sua mente. As
explicações de Orientman eram como um rumor apenas.
Tudo desaparecera para o jovem, exceto a imagem de Lai
Mi.
Dorothy afastou o olhar da televisão quando viu Meing a
seu lado.
— Olá! — exclamou alegremente. — Chegaram a um
acordo?
— Sim. Temos que sair daqui agora.
— Ótimo! — disse ela contente. — Vamos para o meu
apartamento.
— Não pode ser. Tenho que arranjar um alojamento só
para mim. Logo a chamarei para dizer onde estou. A partir
deste momento não poderemos nos ver... Ordens de
Orientman.
— É uma pena — lastimou a jovem. — Mas as ordens de
Orientman são indiscutíveis. Bem... Vamos para o carro. Já
sabe que terei de vendar seus olhos outra vez.
— Não me importo. Sei que, dentro em pouco, gozarei de
toda confiança de Orientman e me converterei em alguém
importante dentro da organização.
— Não duvido — disse Dorothy, recordando a maneira
de agir de Kio com os três chineses no chalé àquela manhã.
— Bem, vamos ao meu apartamento para que possa recolher
sua maleta. Quando se instalar deverá me informar para que
eu avise Orientman do seu endereço. É necessário para que
ele possa encontrá-lo a qualquer momento.
Um minuto mais tarde deixavam a Pequena Ásia no carro
de Dorothy.
— Tomou nota? — perguntou, finalmente, Kio Meing.
— Sim — respondeu Dorothy, do outro lado do fio.
— Pois isso é tudo. Até a vista.
Kio Meing desligou o telefone e ficou pensativo.
Acercou-se do terraço do pequeno apartamento que acabara
de alugar em Santa Mônica, próximo da escola de Lai Mi.
Depois de alguns segundos voltou ao telefone e discou um
número.
— Quero falar com Makio Ueno. — Uma pausa e, logo:
— É você? Bem, eu cheguei esta manhã de barco,
procedente de Hong Kong. Isto lhe diz algo?
A pessoa que estava na escuta retrucou alguma coisa e
Kio sorriu.
— Sim, convencido. Ouça: tudo correu bem. Inclusive já
fiz contato e todo o assunto está em marcha. Necessito de
sua colaboração, Makio. Preciso que localize o telefone 555-
3972... Suponho que não será fácil, mas tampouco tenho
muita pressa. Enquanto faz isso para mim eu ganharei
tempo. Creio que nesse telefone encontraremos o Homem de
Oriente.
Durante mais alguns minutos Kio Meing narrou para
Makio Ueno tudo quanto lhe sucedera desde sua chegada a
Los Angeles. Logo, concluiu:
— Será melhor que não saiba onde estou... Está bem.
Tome nota então do meu endereço e telefone e dos de
Dorothy. Se dentro de três dias não voltar a chamá-lo
significa que estou morto. Nesse caso, vocês decidirão o que
fazer.
CAPÍTULO QUINTO
Um visitante muito estranho

Liung Tse desdobrou o papel que sua secretária acabara


de lhe entregar e ergueu as sobrancelhas em um gesto de
surpresa. Ali não havia nada escrito; apenas um desenho,
representando uma estrela negra de seis pontas. No centro,
como se a estrela fosse um rosto, viam-se dois orifícios em
branco, que semelhavam olhos de pálpebras levantadas, com
expressão de fúria. A boca era um risco curvo, com as pontas
caídas, numa aparência hostil, amarga.
— O que é isto? — inquiriu Liung Tse, fitando sua
secretária. — Quem é esse homem? O que quer?
— Não disse seu nome nem o que quer. Mas fala chinês
fluentemente e afirma que deseja ver o senhor Tse porque
tem um assunto importantíssimo para tratar com ele. Está na
sala de espera, com dois dos guardiões.
Liung Tse ficou uns segundos pensativo. Logo, fitou o
chinês atlético e elegante que se achava ao fundo do
escritório, e fez um sinal para que se aproximasse. O jovem
acercou-se rapidamente, e ele ordenou:
— Acompanhe Pin à sala de espera e reviste esse homem
que quer falar comigo. Assegure-se de que não carrega arma
alguma e traga-o aqui.
O rapaz assentiu e saiu do escritório, acompanhando a
secretária. Dote minutos mais tarde regressava em
companhia de outro chinês, também atlético, de rosto
atraente, com um bigode de pontas caídas. Atrás deles entrou
outro dos guarda-costas de Liung Tse, que se dirigiu em
silêncio e discretamente a um canto do gabinete, sempre
vigiando o recém-chegado.
— Aproxime-se — pediu Liung Tse. — Qual é o seu
nome e o que deseja?
— Meu nome é Kio Meing e fui contratado pelo Homem
de Oriente para assassiná-lo, senhor Tse.
Liung Tse foi quem menos se sobressaltou. Seu sócio deu
quase um salto da cadeira, enquanto os dois guardiães
empunhavam as pistolas com silenciador acoplado,
apontando Kio, a quem se acercaram para um controle mais
eficiente.
— Muito interessante — comentou Liung Tse.
— O que mais?
— O senhor conhece o significado do desenho que enviei
por sua secretária?
— Não. Poderia explicá-lo?
— É o emblema distintivo da Kuro Arashi, uma
organização dirigida por um homem excepcional, de sua
própria casa-jardim, onde vive isolado. Todos os que
trabalham com ele, para a Negra Tempestade, são praticantes
das artes marciais. Budokas, se é que o senhor entende isto
em japonês. Conhece algo do Budo?
— Sei que é um código de honra que...
— Não. Budo são as artes da guerra ou artes marciais.
Melhor dizendo: o compêndio de diversas artes marciais.
Todos os que praticam estas artes como o judô, o caratê, o
kendo, o aikido, o kyudo, e outras são budokas. O código de
honra que mencionou chama-se Bushido, que significa
código de honra do guerreiro, neste caso código de honra do
budoka.
— Sim, sim, entendo... Qual é a sua especialidade dentro
das artes marciais, senhor Meing?
— Sou quarto dan de judô, terceiro dan de Aikido,
segundo dan de caratê, perito em Nunchaku, Bo, Sai, Tonfa e
possuo ainda grande habilidade com o sabre e a faca. Além
disso, estive ultimamente mais de dois anos na China
continental, no interior, aprendendo Kung Fu e Kem-Fu.
Liung Tse e Lo Seng contemplavam Kio Meing com a
boca aberta, enquanto os dois guardas pareciam a ponto de
apertar o gatilho de suas armas.
— Suponho — murmurou Tse, por fim, — que acumular
toda essa série de conhecimentos não deve ser nada fácil,
senhor Meing. Mas continuo sem compreender o motivo de
sua visita. Essa organização a qual pertence, a Negra
Tempestade, a que se dedica?
— À luta contra o mal, exclusivamente, em qualquer de
suas manifestações.
— Pelo que afirma, a organização do Homem de Oriente
e a Negra Tempestade são completamente antagônicas, não é
assim?
— Perfeito. Não pode haver no mundo duas atitudes mais
opostas.
— Não obstante, você assegura ter aceitado o encargo do
Homem de Oriente para me assassinar. Como posso entender
isso?
— Obviamente, senhor Tse, estou enganando o Homem
de Oriente, com o fim de introduzir-me em sua organização
e destruí-la, já que esse é o fim que merece. E para enganar
esse personagem, estou usurpando a personalidade de um
assassino chinês chamado Kio Meing, ao qual alguns
companheiros meus estavam vigiando ultimamente em Hong
Kong. Meu nome verdadeiro é Ah Kung.
— Ah...! E onde se acha o autêntico Kio Meing?
— Eu o matei em seu camarote no barco em que ambos
chegamos a Los Angeles. Logo, um companheiro meu,
empregado de bordo, encarregou-se do seu cadáver. Então
ocupei seu lugar e fui recebido como se fora ele, e à noite
passada fui levado à presença do Homem de Oriente. Este
me ofereceu duzentos e cinquenta mil dólares para assassinar
o senhor.
— Mas você não pensa matar-me, pelo visto...
— Claro que não. Não obstante, devo proceder de modo a
parecer que o matei, senhor Tse, já que isto será meu... passe
livre até os segredos da Pequena Ásia, a fim de destruí-la.
Lo Seng remexeu-se na poltrona.
— Este homem está louco! — exclamou. — Liung, creio
que deve desembaraçar-se dele o quanto antes!
— Tranquilize-se — pediu Tse. — Desejo continuar
ouvindo o senhor Meing... ou Kung. Sente-se e prossiga, por
favor. Mas comece desde o princípio.
— Um companheiro budoka japonês, a quem
chamaremos Shingo, que residia em Hong Kong, levava
tempo vigiando as atividades de Kio Meing, o qual não só se
dedicava a atividades desonestas de diversos tipos, mas que
chegara ao assassinato, convertendo-se em um profissional.
Uma noite, um chinês visitou Kio Meing em um sampam,
onde este possuía um de seus esconderijos e esteve com ele
durante muito tempo. Quando o chinês saiu...
***
— Vejam! O chinês acaba de sair — murmurou Shingo
para os seus companheiros.
— O que faremos? — inquiriu um deles.
— Você fique aqui vigiando os passos de Kio Meing.
Nós nos encarregaremos do chinês.
O tipo se afastava tranquilamente do sampam e, atrás
dele, sem que percebesse, iam Shingo e um companheiro
budoka. Logo, aproveitando o lugar por onde passavam,
Shingo e o amigo acercaram-se do chinês e o surpreenderam,
segurando-o cada um por um braço fortemente. O chinês
ficou assustado e quis deter-se, mas foi empurrado sem
violência.
— Continue caminhando — ordenou Shingo.
— Atrás estão vindo outros dois companheiros, que
podem arrancar-lhe os rins com uma só facada se tentar
alguma coisa.
O chinês optou por obedecer. Assim, foi levado a outro
sampam, afastado do que pertencia a Kio Meing. Quando
percebeu, estava estendido em um catre, ao qual foi
amarrado rapidamente. Shingo fez um sinal para o amigo,
que desapareceu por segundos e regressou com um
wahizashi. O chinês olhou-a espada com expressão de terror.
O homem que a empunhava, aproximou-se dele e apoiou a
ponta da arma em sua garganta. Logo, fitou Shingo, que lhe
fez um gesto para aguardar e se dirigiu ao chinês apavorado:
— Poderá salvar sua pele se nos disser em que tipo de
encrencas meteu nosso amigo Meing — disse Shingo.
— Não sei do que está falando... — mentiu o chinês.
— É inútil fingir — continuou Shingo. — Estamos a par
de que Meing irá ser traído por um dos seus amigos e de que
este o visitaria esta noite, para delatar sua posição aos
inimigos. Vai negar que esteve com Meing esta noite em seu
sampam?
— Não! Mas não o traí! Pode perguntar ao próprio
Meing!
— Está mentindo! — disse o que empunhava o
wakizashi. — Vamos lhe cortar as mãos e os pós e o
deixaremos no cais, para que os demais possam rir à vontade
de você.
— Não! — gritou o chinês. — Sou amigo de Meing!
Perguntem-lhe por Tei Sun! Estive em seu sampam para
proporcionar-lhe um grande benefício, não para traí-lo!
Podem perguntar a ele!
— Não queremos falar com Meing e, sim, com você —
declarou Shingo. — Que tipo de benefício proporcionou a
Meing?
— Um contrato importante nos Estados Unidos! Irá
ganhar muito dinheiro com ele!
— Verdade? — sorriu Shingo, com ironia. — Acontece
que Kio Meing não nos disse nada sobre esse tal contrato... E
muito menos se referiu aos Estados Unidos!
— Estou falando a verdade. Juro!
— Acho que além de cortarmos suas mãos e seus pés,
cortaremos também seus órgãos genitais, porque continua
mentindo para nós — disse o amigo de Shingo.
— Espere, companheiro — pediu Shingo. — Se ele está
sendo sincero, Kio ficaria furioso conosco por danificarmos
uma pessoa que lhe proporcionará grandes benefícios... Que
tipo de contrato é esse, Tei Sun?
— É um contrato... de sua especialidade. Sei que Meing
tem que embarcar dentro de cinco dias para Los Angeles,
onde estarão à sua espera para dar-lhes as instruções exatas.
Eu não sei mais nada do assunto a não ser que o contrato
chegará por procedimentos indiretos. Eu sou o último
contato: contratei Meing, recebi minha parte, e isso é tudo.
— Quer nos fazer, acreditar que só com esses dados
Meing aceitou viajar para os Estados Unidos? Acha que
temos cara de idiotas, Sun?
— Bem... Já lhes disse tudo quanto sabia. Mas imagino
que a pessoa que contratou Meing em Los Angeles é muito
importante e deve ter uma organização poderosa. Parece que
é conhecido como o Homem de Oriente.
— Entendo... Nesse caso, o desalmado Meing irá fazer
um trabalho para uma organização tão desalmada como ele
mesmo...
— Deve ser isso... Não sei mais nada. Juro!
— exclamou Sun e virou a cabeça vivamente na direção
da entrada, onde um homem acabava de surgir. Era o
companheiro de Shingo que ficara encarregado de vigiar Kio
Meing. Fitou Tei Sun, sorriu e indagou:
— Como vai o interrogatório? Difícil?
— Em absoluto — declarou Shingo. Por que não está
vigiando Meing?
— Ele deixou o sampam e agora está ceando num
restaurante perto daqui. Se não fosse por saber que Ah Kung
está na China pensaria que Meing era o próprio, tal a
semelhança entre ambos.
— Sim... Eles se parecem muitíssimo... Mas apenas
fisicamente.
— O bastante para que qualquer dia Ah Kung sofra um
sério aborrecimento se o confundirem com Meing. Bem... O
que esse tipo lhes contou?
— Parece que o criminoso Kio Meing pensa embarcar
para os Estados Unidos, de barco, dentro de cinco dias...
O último homem a chegar escutou a breve explicação,
enquanto o prisioneiro compreendia que caíra em uma
cilada, pois aqueles que o haviam detido não eram amigos de
Kio Meing. Seu rosto empalideceu de ódio.
— Precisamos comunicar tudo isto a Sensei — disse
Shingo, por fim.
— Ele que decida se devemos cortar a cabeça de Meing
aqui em Hong Kong ou o deixamos viajar aos Estados
Unidos para que ali nossos companheiros se encarreguem
dele. Eu avisarei Sensei imediatamente.
— E quanto ao amigo Tei Sun?
— Não podemos deixá-lo aqui nem tampouco permitir
que vá embora. Do mesmo modo, não é conveniente que o
entreguemos à polícia, já que a informaria de tudo e
perturbaria nosso trabalho relacionado com Kio Meing. Já
sei: vamos levá-lo à choça de Kowloon e o deteremos ali até
que saibamos que o assunto de Meing terminou. Você volte
a vigiar esse assassino. Nós conduziremos Tei Sun a seu
destino.
O budoka encarregado de vigiar Kio Meing deixou o
sampam. Shingo fez um sinal ao outro para que cortasse as
cordas que amarravam Tei Sun.
— Poderíamos ir a Kowloon no sampam — propôs o
companheiro. — Assim não teríamos de passear por aí com
Tei Sun. O que acha da ideia?
— Não. Vamos levá-Jo ao armazém de Takeo. E quando
este enviar mercadorias meteremos Sun em alguma caixa
grande.
— Boa ideia. Quando você avisar Sensei, iremos e...
Naquele instante, o amigo de Shingo havia deixado de
vigiar o prisioneiro e este, soltando um grito, ergueu-se do
catre e suas mãos arrebataram o wakizashi, com busquidão.
Antes que Shingo e o amigo pudessem raciocinar, a espada
curta c forte caiu com todo o seu peso em busca da cabeça
do homem que a empunhava antes. Este saltou velozmente,
conseguindo que a lâmina caísse sobre seu ombro direito em
lugar de lhe acertar em plena cabeça.
O golpe e o instinto de conservação empurraram o amigo
de Shingo para trás. Caiu rodando pela coberta suja do
sampam, enquanto Tei Sun terminava de cortar as cordas que
ainda lhe embaraçavam os movimentos. De um salto, pôs-se
diante de Shingo, que se dispunha a ajudar o companheiro.
Foi este quem o alertou:
— Cuidado, Shingo! Já está livre!
Shingo virou-se bruscamente e o aço passou por cima de
sua cabeça, roçando-lhe os cabelos. Tei Sun parecia possuído
por uma fúria sinistra. Novamente havia girado e lançava a
arma contra Shingo, que conseguiu esquivar-se com
habilidade. Outra vez, o chinês tentou atingir Shingo e este,
agora atento, fugiu ao golpe.
No solo, seu companheiro, sangrando bastante, arrastava-
se até Tei Sun, soltando maldições. Este se virou para ele e
por seus olhos passou um relâmpago de ódio satânico. Pulou
e ergueu a espada, disposto a partir aquela cabeça em duas.
Foi nesse momento que Shingo saltou sobre ele. E enquanto
com uma mão segurava o braço armado, com o outro rodeou
seu pescoço.
— Quieto! — ordenou.
Tei Sun desistiu de decapitar o amigo de Shingo. O que
fez foi mudar a direção do wakizashi, depois de empunhá-lo
rapidamente com a mão esquerda; a ponta da arma foi para
trás, em direção às costas de Shingo.
Mas este percebeu a manobra, soltou o braço direito de
Tei Sun, colocando-o na nuca deste. Então, apoiando-se na
pressão que já exercia na garganta do chinês, apertou mais.
Foi um gesto veloz, seco. Ouviu-se um estalido e Tei Sun
soltou a arma e ficou morto, pendente nos braços de Shingo.
***
— É o relato mais fantástico que ouvi em toda minha
vida — murmurou Liung Tse. — Não acha, Lo?
— Sim — admitiu o outro. — É tão fantástico que até
poderia ser verdadeiro... O que mais aconteceu, senhor
Kung?
— Shingo avisou Sensei...
— Quem é Sensei? — interrompeu Tse. — Sei que esta
palavra em japonês significa mestre. — Quem é esse
homem?
— Seu nome? — riu Ah King. — Não há necessidade de
mencioná-lo, senhor Tse. Sensei vive isolado do mundo,
dedicado à meditação e a organizar ajuda a quem necessita,
utilizando os que o tiveram como mestre. Como lhe dizia,
Shingo avisou Sensei, que decidiu mandar me buscar na
China. Regressei apressadamente, no tempo justo de adquirir
passagem no mesmo barco onde Kio Meing se achava. O
resto já sabem.
— Mas... alguém deve estar buscando Kio Meing agora,
já que não desembarcou.
— Desembarcou, senhor Tse — riu Kung. — Sou tão
parecido com ele que com alguns retoques desembarquei em
seu lugar, utilizando seu passaporte.
— Nesse caso devem estar procurando o passageiro Ah
Kung.
— Pois que o procurem — sorriu Kung de novo. — O
importante era que eu fosse recebido como Kio Meing para
que me levassem até o Homem de Oriente. E isso já
aconteceu.
— E agora, veio até aqui para avisar-me que me matará,
mas de forma simulada. Não é isso?
— Claro. Simularemos apenas — afirmou o falso Kio
Meing.
— Será que acredita que o levamos a sério, senhor Kung?
— perguntou Lo Seng.
— Senhores, acho melhor para todos fazerem o meu jogo.
Para simularmos sua morte, senhor Tse, teríamos que usar
sua filha para...
— Não! — quase gritou Ling Tse. — Não prossiga, por
favor, senhor Kung. A conversa terminou. Bom-dia!
— E dê-se por feliz ao sair daqui com vida! — bradou Lo
Seng, roxo de fúria.

CAPÍTULO SEXTO
O ancião esfarrapado

Lai Mi achava-se em sua escola, sentada atrás de sua


mesa de trabalho. Era um lugar muito agradável. À direita
havia uma estante, repleta de livros, que ocupava uma parede
inteira. À esquerda, um grande trecho envidraçado, com uma
porta no meio, que dava acesso a um jardim imenso e bem
cuidado. No centro da sala viam-se bancos e mesas, sempre
ocupados por chineses de ambos os sexos de várias idades
lendo livros, revistas e atlas.
No jardim, encontravam-se dois homens, fitando
constantemente o interior da escola. Do lado de fora, na rua,
outro guardião, dentro de um carro, com a atenção dirigida à
casa de ensino; na entrada desta, outro vigilante hercúleo,
que não perdia o menor detalhe do que ocorria dentro e no
exterior. A vigilância em torno de Lai Mi era, de fato,
segura.
Súbito, um ancião chinês acercou-se e entrou na escola. O
guarda-costas da porta fitou-o desconfiado, mas não fez nada
ao recordar as ordens dadas pela moça; qualquer chinês tinha
direito a entrar no seu estabelecimento de ensino.
Por sua parte, Lai Mi sorriu ao ver o velho andrajoso e
exclamou:
— Olá! Poso ajudá-lo em algo?
— Vocês têm aqui o I Ching?2 — inquiriu o ancião.
— Naturalmente — assentiu Lai Mi. — Quer consultá-
lo? Ou prefere que eu o auxilie a resolver seu problema?
— Não. Obrigado. Quero ver o I Ching. Estou certo de
que ele me dirá como conseguir os vinte dólares de que
preciso.
Lai Mi sorriu e pensou que ela mesma poderia arranjar o
dinheiro para o ancião com maior rapidez. Mas, pensando
que talvez o ofendesse se lhe ofertasse a quantia, optou por
lhe trazer o livro. Depois veria uma forma de ajudá-lo.
Sorridente e amável, segurou-o por um braço e o conduziu
até uma das mesas, dizendo:
— Sente-se, por favor. Eu mesma lhe trarei o livro.
— Obrigado — grunhiu ele.
Lai Mi foi até a estante e destacou o livro pedido pelo
ancião, entregando-o com um sorriso amigável. Logo,
regressou à sua mesa de trabalho, que ficava sobre um
estrado, no fundo da sala.
Alguns minutos mais tarde uma pancada sobre a madeira
fez a jovem levantar a cabeça. O ruído fora produzido por
um vasilhame que o velho colocara sobre a mesa. De onde se
achava, Lai Mi pôde ver que se tratava de leite condensado.
Viu-o retirar do bolso um pequeno embrulho envolto em um
pedaço de jornal, do qual ele descobriu uma parte, deixando
visível um sanduíche.

2
O I Ching é um livro reverenciado na China. É considerado como a obra literária
mais antiga do mundo e nele estão as respostas para todas as perguntas que um
homem possa fazer. Isto o converte, basicamente, em um livro de adivinhações.
Manejado adequadamente, tem respostas para resolver todos os problemas, todas
as indecisões de seus consulentes. Considerado como o livro do todas as épocas,
há no mundo, especialmente no Oriente, milhões de adeptos da sabedoria que
contém, e é utilizado para resolver todas as dúvidas. Muitas pessoas não fazem
nada sem consultá-lo. Dizem que as respostas do I Ching decidiram Mao Tsé
Tung em muitas de suas ações. (Nota do autor)
Lai Mi captou o olhar do guardião da porta e lhe fez um
sinal para que não interviesse. Alguns meninos, duas
mulheres e quatro homens que estavam ali, olharam o
velhote com expressão de reprovação. Este, parecendo não
perceber nada ao seu redor, começou a mordiscar o
sanduíche, enquanto consultava o livro.
Passado algum tempo o ancião segurou o pote de leite
condensado e ocupou-se em girá-lo entre as mãos. Fitou Lai
Mi, vacilou e se pôs de pé. Com o objeto na mão se dirigiu
até o estrado.
Subiu os três degraus com dificuldade e, subitamente,
postou-se atrás de Lai Mi, agarrando-a pelo pescoço com um
braço. Logo, puxou-a obrigando-a a se levantar.
Imediatamente os dois guardas do jardim entraram na
escola, levantando suas mãos às axilas, enquanto o outro
guarda-costas, da porta sacava a pistola. Uma das mulheres,
o ver a cena, soltou um grito de sobressalto.
— Quietos! — ordenou o ancião, erguendo o objeto que
tinha na mão. — Isto é uma bomba! Se alguém se acercar,
deixarei que ela caia aos meus pés!
Houve gritos e exclamações. Algumas pessoas se
puseram de pé e começaram a correr para a porta, enquanto
outras permaneceram pregadas nos assentos, sem a menor
ação. Os guarda-costas estavam lívidos como a própria Lai
Mi. Do lado de fora, ao ver a precipitação das pessoas que
saíam da escola, o chinês que aguardava no carro apareceu
com a pistola empunhada. Seu companheiro da entrada lhe
disse o que sucedia e ele ficou imóvel, de olhos cravados em
Lai Mi e no velho.
— Joguem fora todas as armas! — exigiu este. — Se não
me obedecerem imediatamente explodirei a bomba e a
senhorita e eu voaremos pelos ares. Vamos! Desfaçam-se
das armas e deixem a passagem livre!
— O que está... fazendo, senhor? — murmurou Lai Mi
assustada.
— Cale-se e caminhe até a porta! Depressa ou morrerá!
Os vigilantes haviam deixado cair as pistolas ao solo e se
afastaram para um lado. Amedrontada com a possibilidade
daquela bomba explodir, Lai Mi suplicou:
— Não façam nada, por favor...! Não intervenham!
Segurando a jovem fortemente com uma das mãos e
levando a bomba na outra, o velho alcançou a saída, sob o
olhar angustiado dos que assistiam ao sequestro.
— Para o carro! — ordenou o velhote. — Você
conduzirá. E já sabe o que sucederá se esta bomba receber o
menor golpe.
Os guarda-costas haviam recolhido suas armas e os
fitavam, impotentes, da porta da escola.
— Talvez aquilo não seja uma bomba — lembrou um
deles.
Os demais não responderam; fios de suor escorriam por
seus rostos.
O automóvel arrancou velozmente. Lai Mi ao volante e o
ancião a seu lado, indicando o caminho que deveriam
percorrer.
— Vamos para Glendale — ordenou. — Ali há um bonito
chalé, onde nos instalaremos por enquanto.
O veículo corria e o ancião suspirou satisfeito ao perceber
que os guarda-costas da moça não vinham em sua
perseguição.
— Quem é você? E o que quer de mim? — indagou a
jovem.
— Meu nome é Ah Kung — retrucou ele, retirando a
peruca postiça, a barba e os óculos, que atirou no assento
traseiro. — Não deve temer nada de mim, Lai Mi. Fui
obrigado a sequestrá-la em vista da teimosia de seu pai. Ele e
o seu sócio expulsaram-me esta manhã do escritório onde
trabalham.
— Não compreendo...
— Siga conduzindo. Eu lhe explicarei a situação
enquanto nos dirigimos ao chalé. E não precisa sentir medo
do que tenho na mão. Não é uma bomba e sim um pote de
leite condensado.
O carro se deteve diante do chalezinho, onde Ah Kun
estivera com Dorothy no dia de sua chegada a Los Angeles.
Os dois jovens saltaram do veículo e entraram na vivenda.
— Sente-se — pediu Kung. — É hora do almoço. Vou
ver se tem algo na geladeira.
— Não tenho fome.
— Tranquilize-se. O que lhe contei é verdade. Só preciso
que você permaneça fora de circulação enquanto eu preparo
a farsa do assassinato de seu pai. Se ele aceitar agora minhas
instruções tudo sairá bem. Terei apenas de assassiná-lo de
modo... espetacular, exemplar. Tratarei de fazê-lo diante de
muitas testemunhas. Logo, o cadáver de seu pai será
recolhido por seus homens, levado à sua casa e lá
permanecerá, naturalmente vivo, enquanto eu conquisto a
confiança do Homem de Oriente. Só necessito saber onde
fica o seu esconderijo. Nesse momento, reunirei um grupo de
budokas que pulverizarão tudo o que estiver relacionado com
a Pequena Ásia.
— Como conseguirá isto? — interessou-se Lai Mi.
Enquanto falava, Ah Kung ia retirando os andrajos de
sobre a roupa que usava. Lai Mi contemplava, boquiaberta, o
atraente chinês que tinha agora, diante dos olhos.
— Realmente não tem apetite? — perguntou ele, depois
de se livrar completamente do disfarce.
— Não... Obrigada... Não tenho fome.
— Mesmo assim irei à cozinha ver o que posso arranjar
para nós dois. Vamos... Não fique tensa... Relaxe e,
sobretudo, confie em mim. Só espero que não cometa a
tolice de tentar escapar, enquanto eu vou até a despensa.
Lai Mi assentiu e Ah Kung deixou o salãozinho. Pouco
depois regressava com uma bandeja, trazendo alguns
alimentos preparados, cerveja e frutas, dizendo:
— Chamarei seu pai em segui...
Não disse mais nada. Ficou imóvel e somente seus olhos
giraram de um lado a outro, fitando um a um, os três homens
chineses que empunhavam pistolas. Sentada na poltrona, Lai
Mi perdera completamente o bonito rosado do rosto.
Um dos sujeitos adiantou-se até o jovem sorrindo, e
baixando a pistola inquiriu:
— Tudo bem, Meing?
— Tudo em ordem — respondeu secamente o rapaz,
pensando como aqueles tipos haviam entrado no chalé. Sem
dúvida não eram alheios à retirada dos três cadáveres no dia
anterior. — Mas gostaria de saber quem são vocês e o que
fazem aqui?
— Somos seus colaboradores, homem — riu o outro.
— Não necessito de colaboradores de espécie alguma.
— Orientman não pensa assim. Por isso, desde que
deixou seu apartamento esta manhã, nós o seguimos e
descobrimos que visitou Liung Tse.
— Cada qual tem seu sistema de trabalho — disse Kung,
seco.
— De acordo. O que foi fazer no escritório de Tse?
— Fui estudar o terreno. Apresentei-me como Ah Kung,
agente principal de uma empresa de exportação de Hong
Kong, que tem interesse em fazer negócio com ele.
Conversamos e tomei nota dos seus dispositivos de
segurança. Depois saí'. Isso é tudo. Mas como me pareceu
que Liung Tse era muito difícil de alcançar, decidi tentar o
êxito através de sua filha.
— Boa ideia — aprovou outro chinês. — O que pensa
fazer com a filha de Liung Tse?
Ah Kung sorriu de um jeito canalha.
— Bem... Além de gozar do corpo escultural que possui,
servirá ainda para meter Liung Tse em uma armadilha. Estou
certo de que ele fará tudo quanto eu ordenar assim que
souber que tenho sua filha em meu poder.
— Qual é o plano? — quis saber o outro dos três
indivíduos.
— Vou arranjar as coisas de modo que ele aceite todas as
minhas condições para uma entrevista, da qual não sairá com
vida. Tudo ocorrerá de forma a que ninguém duvide de que a
Pequena Ásia tem recursos de toda sorte para qualquer
situação.
— Explique-se melhor...
— Ainda não tenho tudo planejado, mas espero consegui-
lo em menos de vinte e quatro horas. Enquanto isso, tratarei
de obrigá-la a chamar o pai para dizer-lhe que está em poder
da Pequena Ásia e que deve esperar instruções referentes ao
seu possível resgate.
— Ótimo — aprovou o terceiro, que ainda não falara.
Fitou Lai Mi e apontou o telefone, dizendo:
— Chame seu pai e informe-o de sua situação.
A jovem olhou para Kung angustiada. Já não entendia
mais nada e sentiu-se pior, quando ele mesmo pegou-a pelo
braço rudemente para pô-la de pé.
— Vamos! Não escutou? — grunhiu. — Telefone a seu
pai!
— Espere! — ordenou outro dos chineses. Acercou-se do
que parecia chefiá-los e cochichou uns segundos com ele. O
tipo assentiu e disse, fitando Lai Mi e Ah Kung:
— Wang acaba de ter uma ideia colossal! Nós vamos
levar a garota conosco, para um lugar verdadeiramente
seguro. Dali telefonará para seu pai.
— Eu prefiro... — iniciou Kung.
— Está decidido — declarou o mesmo sujeito. — Será
melhor assim. Ninguém a encontrará nesse lugar para o qual
a levaremos. E se o descobrirem, rastreando o automóvel que
usaram, será mais fácil para você fugir sozinho.
— Tem razão... Mas se ela...
— Não se preocupe — riu o chamado Wang. — Nós a
conservaremos virgem para você. E agora, vamos deixá-lo.
Trate de terminar o plano. De quando em quando entraremos
em contato com você para o caso de necessitar de algo.
— Seria melhor que eu os chamasse... Onde posso
encontrá-los?
— Entre em contato com Dorothy e a pequena
solucionará tudo... Bem, Meing... Até a vista! Ah! Avise-nos
quando decidir matar Liung Tse. Não queremos perder esse
espetáculo!
Retrocederam até a saída, levando a moça. Ah Kung
permaneceu imóvel, derrotado. Talvez confiassem nele e
talvez não. Com o rosto coberto de suor, só se moveu ao
escutar a porta do chalé bater ao ser fechada. Então correu
até uma janela e viu os três chineses levando Lai Mi para um
carro, que se achava a uns setenta metros de distância. Por
um momento limpou o rosto molhado e pensou no que podia
fazer de imediato para salvar a formosa filha de Liung Tse.
Nessa hora lembrou-se de Makio Ueno, seu companheiro
budoka. Precisava descobrir a que endereço correspondia o
telefone 555-3972. Voltou ao salão e discou para o amigo,
inutilmente. Angustiado, culpando-se por ter entregado Lai
Mi nas mãos da Pequena Ásia, saiu do chalé e entrou no
carro, seguindo até o apartamento de Dorothy.
Ao chegar ali tocou a campainha da porta, sem sucesso.
Intrigado, desceu o elevador e perguntou ao porteiro pela
senhorita Barrows.
— A senhorita recebeu um chamado de fora da cidade.
Parece que um parente seu está doente. Arrumou as malas e
se foi, mas, infelizmente, não deixou sua direção.
Completamente arrasado, Ah Kung agradeceu e saiu do
edifício. Enquanto caminhava, pensava que Orientman se
aproveitara dele, sabendo todo o tempo que era um impostor.
A prova era que quase fora morto pelos homens enviados ao
chalé para onde Dorothy o levara. O Homem de Oriente rira
dele! E, em-troca, ele pusera Lai Mi em suas mãos!
CAPÍTULO SÉTIMO
O recado de Orientman

Liung Tse estava arrasado com o sucedido com sua filha.


— Sinto de verdade — disse mais uma vez o jovem Ah
Kung. — Estava certo de que o meu plano era bom, senhor
Tse.
— Mas... O que diz este porco? Berrou Lo Seng. —
Maldito intrometido! Vou lhe mostrar!
Soltando chispas de fúria pelos olhos, Lo Seng atirou-se
contra Ah Kung, brandindo os punhos. Este o fitou surpreso
pela reação que o outro tomara, sem ao menos pensar nas
condições físicas que possuía em comparação com as suas.
Por isso, limitou-se a desviar o ataque com um simples gesto
do antebraço direito, onde Lo Seng pareceu chocar-se contra
um muro, fazendo com que caísse de costas, soltando ura
grito de es-panto.
Mas a defesa de Ah Kung não foi bem interpretada pelos
guarda-costas de Liung Tse. Um deles desferiu um
fortíssimo golpe com a pistola em seus rins, atirando o rapaz
de encontro à mesa de Liung Tse. Todavia, apesar da dor que
quase paralisava seu corpo, Kung voltou-se velozmente, a
tempo de evitar a segunda investida por parte de outro dos
guardiões.
Fazendo do braço esquerdo um escudo Kung disparou o
punho direito num demolidor tsuki, que acertou o homem no
meio do peito, atirando-o espetacularmente de costas, com os
pés mais altos do que a cabeça. No mesmo instante
pressentindo a agressão de mais um dos vigilantes, que se
dispunha a golpeá-lo com a pistola. Com a mão esquerda
agarrou o pulso do sujeito, e com a direita segurou-o pela
lapela e puxou-o para si aguentando-o com seu quadril
direito. Disparou a perna correspondente para trás por entre
as do homem e, sustentando-se apenas sobre a esquerda,
inclinou-se para adiante. O ruído feroz do Kiai de Ah Kung
encheu o recinto.
Enquanto soava o Kiai, terminava a projeção do judô, o
terrível uchi-mata, que lançou o chinês por cima da cabeça
de Kung, como um boneco de trapos. O indivíduo saiu
voando a quase dois metros de altura e foi aterrissar três
metros em frente, de costas e de cabeça, ficando imóvel.
— Basta! — gritou Liung Tse. — Basta! Já disse!
Ah Kung já se voltava para o terceiro guardião, que
retrocedera e lhe apontava a pistola.
— Basta! — gritou de novo Liung Tse.
Ah Kung e o outro ficaram parados, fitando-se; o
primeiro com as mãos estendidas, parecendo feitas de rocha.
— Minha lente — gemeu Lo Seng, de quatro no solo. —
Perdi minha lente!
— Ajude a procurá-la — ordenou Liung Tse ao único
guarda-costas que restava de pé.
O homem se ajoelhou junto de Seng, mas foi Ah Kung
que a viu primeiro e inclinou-se, recolhendo-a. Logo a
estendeu na palma da mão para Lo Seng, que se punha de pé
naquele instante.
Este, sem sequer agradecer-lhe, pôs a lente na ponta do
dedo indicador e, com todo o cuidado, colocou-a no olho.
— Seja como for a situação é péssima para mim, Kung. E
você me colocou nela. Será que não lhe ocorre nada para
solucioná-la?
— Do jeito como as coisas estão receio que teremos de
levar adiante meu plano inicial de simular sua morte, senhor
Tse.
— Não! — berrou Lo Seng. — Este homem pode estar
mentindo, Tse! Como poderemos ter certeza de que não está
trabalhando para Orientman?
— Não podemos sabê-lo de forma alguma, Lo —
murmurou Liung, abatido, deixando-se cair na cadeira. — A
única coisa que temos certeza é que Lai Mi está em poder
desses miseráveis!
— E somente eu posso fazer algo por ela — disse Ah
Kung. — É claro que depois de “matar” o senhor e conseguir
a confiança do Homem de Oriente chegarei até onde
ocultaram a senhorita Tse.
— Não vamos permitir que...! — bradou Seng,
descomposto.
— Por favor, Lo — pediu Liung. — Gritando não
resolveremos nada.
Soou o interfone e Liung baixou a tecla da chamada,
dizendo:
— Sim, Pin?
— Senhor, há uma chamada da senhorita na linha dois.
Liung Tse soltou uma exclamação, ao mesmo tempo que
apertava um dos botões do telefone e tirava-o do gancho.
Excitado, Lo Seng apertou a tecla do speaker-phone, de
modo que todos pudessem ouvir a conversa.
— Lai Mi? — gemeu Tse. — É você, minha filha?
— Sim, papai... Estou bem — a voz inconfundível da
moça ecoou na sala. — Não se preocupe, não me causaram
dano algum.
— Onde está, minha querida?
— Não sei, papai... Mas estou bem. De verdade!
— Lai, minha pequena... O que poderemos fazer?
Querem dinheiro?
— Não, papai. Creio que querem matá-lo. Obrigaram-me
a chamá-lo só para que saiba que me têm prisioneira.
Desejam que esteja bem certo disso. Adeus, papai!
— Lai Mi, diga-lhes... Minha filha... ?
Escutou-se perfeitamente o corte da ligação.
Durante uns segundos ninguém disse nada. Lo Seng
desligou o speaker-phone, retirou o telefone da mão do seu
sócio e fitou Ah Kung com fúria.
— Gostaria de ver como irá resolver isto, Kung! —
despejou.
— Deem-me um pouco de tempo para que possa pensar
com clareza! — pediu o rapaz. — Creio que teremos de
simular a morte do senhor Tse. Não vejo outra forma de
conseguir minha plena admissão na Pequena Ásia! Tenho
uma ideia, mas necessito mais tempo para acertar todos os
detalhes. Vou dar um passeio e quando regressar terei o
plano completo.
— De acordo — aceitou Liung Tse. — Estaremos à sua
espera, Kung.
— Vai permitir que esse idiota se vá daqui? — explodiu
Lo Seng.
— Tudo quanto podemos fazer neste momento, Lo, é
confiar em Kung.
— Pois eu acho que devemos comunicar o sequestro à
polícia, isto sim! — teimou Seng.
— Não penso em fazê-lo e peço-lhe que não tome
nenhuma iniciativa nesse sentido, Lo. Não o perdoaria.
— Está bem. A filha é sua. Depois não se queixe, já que
quer proceder de modo insensato! — disse Lo Seng saindo
do escritório e batendo a porta com força.
— De certo modo ele tem razão, Ah Kung — murmurou
Liung. — Mas amo muitíssimo minha filha para desejar que
corra o menor risco. Pode sair. Eu não me afastarei daqui.
Esperarei sua ideia... luminosa.
Ah Kung assentiu e deixou o gabinete de trabalho do rico
industrial. Um minuto depois, achava-se na rua e tentou
entrar em comunicação com seu companheiro Makio Ueno,
sem resultado. Por fim, decidiu regressar ao apartamento que
alugara, imaginando que talvez Makio ligasse para lá.
Passava das sete da tarde quando Kung chegou de táxi ao
apartamento de Santa Mônica. Entrou no edifício e subiu
pela escada até o terceiro andar. Logo, abria a porta do
apartamento. Assim que a fechou por dentro viu um chinês
apontando-lhe uma pistola. Identificou-o na hora: tratava-se
de Tiu, um dos serventes da chácara chamada Pequena Ásia.
Só que naquele instante trajava-se como um ocidental.
— Trago um recado de Orientman para você. Vamos ao
salão — disse Tiu sem guardar a pistola.
Seguiram em frente até a saleta e Kung olhou o telefone,
desejando que Makio Ueno não ligasse naquele momento.
— Qual é o recado?
— Tenho que levá-lo à sua presença — sorriu o chinês.
— Todavia não há necessidade de que vá inteiro... Bastará
que apresente sua cabeça.
A reação de Kung foi uma levíssima crispação de
pálpebras. Naquele segundo, seu ouvido agudo percebeu um
suave rumor atrás de si e virou-se. Na porta da saleta havia
outro chinês alto, hercúleo, vestido inteiramente de negro e
segurando na mão uma katana, o temido sabre japonês.
— Minha cabeça? — inquiriu Kung, surpreso.
— Exato. Levando sua cabeça Orientman compreenderá
que Wei Sing e eu cumprimos suas ordens. Acontece que
tendo a filha de Liung Tse em seu poder, o assunto está
praticamente solucionado. Tudo se cumpriria da forma que
lhe foi exposto se Orientman confiasse em você.
Infelizmente não confia. Suas manobras não lhe inspiram a
menor confiança.
— Graças a elas vocês têm a filha Liung Tse — retrucou
friamente o jovem.
— É verdade... Mas não foi você quem nos entregou Lai
Mi. Ela foi arrebatada de seu poder. Orientman está
convencido de que está do lado de Liung Tse. E mesmo que
você procedesse pensando apenas em servir à Pequena Ásia,
com lealdade, para que correr riscos desnecessários? Não
precisamos mais de sua colaboração. Assim, temos que
matá-lo e, logo, utilizando a filha de Tse, nós mesmos lhe
estenderemos a armadilha na qual perderá a vida. É uma
pena, Meing, mas devemos cumprir as ordens de Orientman.
Ele quer que lhe levemos sua cabeça para ficar seguro de que
você está realmente morto.
— Pois muito bem... O que espera para... — iniciou
Kung.
Desta vez não houve Kia. Simplesmente Ah Kung saltou
para a direita de modo tão torpe que Tiu não teve a menor
dificuldade em seguir o movimento com sua pistola e
apertou o gatilho. Todavia a torpeza de Kung se esfumou
numa fração de segundo. Com rapidez incrível, variou a
direção do salto, jogando-se ao solo e no sentido de Tiu, de
modo que, enquanto a bala disparada por este ricocheteava
na parede, o jovem já se achava diante do chinês, deslizando
no chão. Tiu deu um pequeno pulo e começou a variar a mira
de sua arma.
Estava na metade do movimento quando o pé direito de
Kung subiu veloz e mergulhou com ruído brando nos órgãos
genitais do chinês. Este vibrou como se recebesse uma
descarga elétrica, lívido e de boca aberta. Mas Ah Kung já
estava de joelhos em sua frente e estendeu a mão direita até
chocá-la contra o peito de Tiu, num golpe de Kung Fu. Os
ossos do tórax de Tiu estalaram, as costelas entraram e o
coração parou de bater no ato. Caiu de costas morto.
Por trás de Kung o sabre silvou sobre sua cabeça. Mas o
rapaz já havia escutado o movimento suave de Wei Sing. E
justo quando o katana descia, ele se achava de lado. O sabre
passou roçando seu ombro e se deteve manejado com
maestria a dois centímetros do solo.
Sem vacilar, Ah Kung segurou o braço direito de Wei
Sing com ambas as mãos. Ao sentir-se preso, o indivíduo
soltou a mão esquerda do cabo da arma, disposto a golpear
Kung. Mas este já esperava o golpe e esquivou-se de tal
modo que ficou de costas para o agressor, em contato com o
peito deste e segurando seu braço direito contra suas costas,
como se desejasse que Sing o abraçasse.
Então Ah Kung girou para a esquerda, e o fez com tal
força que Wai Sing e ele saíram voando, rodando no ar,
abraçados na trajetória do fortíssimo makikomi de judô. A
queda foi tremenda para Wei Sing, enquanto Ah Kung caía
de lado junto dele, sem largar o seu braço, de cuja mão
escapou a katana, que ficou fora do alcance de ambos. Kung
queria Wei vivo e dispôs-se a quebrar-lhe o braço, usando o
golpe de judô ude gatame, pressionando por trás do cotovelo
para cima e abaixando o pulso na direção do solo.
Todavia, recebeu tal pancada na nuca, que o fez rodopiar
para a direita de Wei Sing. Por um instante ficou estendido
de bruços, com a cabeça cheia de pontos luminosos e os
ouvidos repletos de zumbidos. Pôs-se de joelhos e sacudiu a
cabeça. Quis levantar, mas as pernas lhe falharam e voltou à
mesmo posição.
Ouviu o arfar de Sing, que já se punha de pé e,
novamente, sacudiu a cabeça, ficou de joelhos e engatinhou
no chão, agarrando a katana. Ergueu-se com a sensação de
que suas pernas eram de borracha. No mesmo instante, um
braço de ferro rodeou seu pescoço e Kung sentiu o contato
de uma mão em sua nuca, compreendendo que Wei Sing ia
quebrar suas vértebras, utilizando o judô, em uma das
técnicas da Kubi Kansetsu.
O sabre reluziu no ar em giro veloz, mas com a lâmina
voltada para trás. Kung atirou-o com toda a força que pôde
reunir. O aço encontrou resistência, mas terminou
penetrando na carne com um ruído sinistro. Imediatamente a
pressão que sentia no pescoço cessou, ajudada pelo puxão
fortíssimo, que o fez cair outra vez de bruços. Sua cabeça
ressoou, algo pareceu estalar em seu íntimo e tudo ficou
negro em sua volta.
Quando recobrou os sentidos, a primeira coisa que viu foi
Wei Sing caído de costas, com o sabre cravado sobre o
coração. Mais adiante, estava Tiu, inerte, com os olhos quase
fora das órbitas.
Ah Kung passou a mão pela nuca e começou a praticar
um De-In suave. Por fim, ergueu-se e estendeu-se no sofá,
procurando relaxar-se ao máximo. Então, o telefone tocou.
Kung sentou rapidamente e vacilou entre atender ou não.
Logo, porém, decidiu-se e ao escutar a voz de Makio ficou
felicíssimo. Falaram alguns minutos e Kung perguntou:
— Então sabe onde está o telefone... 555-3972?...
Ótimo!... Não, não, espere... Você tem um carro, Makio?...
Sim?... Maravilhoso! Nesse caso, escute o que vou lhe dizer
com toda atenção...
CAPÍTULO OITAVO
Descoberta importante

Anoitecia quando Makio Ueno deteve o carro e apontou


um edifício. Era um prédio velho, sujo, de um único andar.
Na entrada à direita, via-se um cartaz anunciando que aquilo
era um dancing.
Kung voltou a fitar o companheiro japonês, que devia ter
trinta anos, possuía um rosto agradável, simpático e alegre.
Makio trajava-se esportivamente e era quarto dan de judô,
tendo chegado a ser campeão de todas as categorias nos
últimos campeonatos de judô da costa oeste dos Estados
Unidos.
— Está certo de que é aí? — inquiriu Ah Kung.
— Completamente. Assegurei-me bem. Essa investigação
custou-me bom dinheiro. Esse telefone é particular.
— Bom... Vou dar uma olhada.
— Eu o acompanharei — prontificou-se Makio.
— Não, não. Se fosse chinês, talvez não chamasse
atenção, no caso de ter alguém dentro da casa... Mas como
Orientman não emprega japoneses, será conveniente que me
aguarde aqui fora.
— Você manda — sorriu o rapaz. — Quanto tempo?
Cinco minutos?
— Melhor dez a contar de agora.
O jovem assentiu e Kung desceu do veículo. Logo,
encaminhou-se ao dancing com naturalidade, como se fosse
um transeunte qualquer. Havia um pequeno saguão, no qual
entrou decidido. Ali viu duas portas, uma à direita e outra à
esquerda. Junto ao marco de madeira, divisou uma
campainha, que pressionou. Enquanto esperava, virou a
cabeça para ver onde Makio estacionara o automóvel, mas
não conseguiu localizá-lo.
Uma das portas se abriu silenciosamente e um chinês
forte, de expressão dura, surgiu diante de Kung, encarando-o
com frieza.
— O que deseja? — grunhiu.
— Chamo-me Ah Kung — disse este. — Fui enviado por
Tiu.
— Quem?
— Tiu. Estava com Wei Sing quando sofreram um
acidente. Eu passava no local e eles me chamaram e pediram
que viesse até aqui trazer um recado para você. É a pessoa
que atende por Orientman?
O sujeito pestanejou, desconcertado e desconfiado.
— Onde está agora Tiu e Wei? — quis saber.
— Foram levados pelo carro que os atropelou a um
hospital. Creio que Tiu quebrou o pé.
— Está bem. Qual é o recado?
— Você é Orientman?
— Não... Será melhor que entre. Eu o levarei a
Orientman.
O chinês se afastou e Ah Kung entrou no local. O outro
fechou a porta e indicou o fundo.
A sala era ampla e viam-se mesas e cadeiras arrumadas
junto às paredes, deixando o centro do salão vazio. De um
lado, ficava o bar e próximo, o palco. Duas lâmpadas que
pendiam do teto proporcionavam uma iluminação
paupérrima. Tão fraca que Kung teve dificuldade para
divisar a porta que havia em uma das paredes.
— Isto devia ser um lugar bem alegre — comentou
sorrindo, ao outro. — Mas agora...
— Assim são as coisas. Vamos.
O chinês voltou a apontar o interior e Kung começou a
andar na direção da porta. Todavia, não chegou a dar três
passos e virou a cabeça para o acompanhante... Teve o
tempo justo de ver o aço brilhar na sala mal iluminada.
Girou. Aparou o golpe com o antebraço esquerdo e elevou o
joelho direito, incrustando-o no ventre do sujeito, que soltou
um gemido e se encolheu. Então a mão direita de Kung caiu
sobre sua fronte, causando um estalido seco. O homem
tombou para trás, com os olhos em branco.
Ah Kung se inclinou e recolheu o punhal, atirando-o com
força contra uma das paredes. A arma ficou cravada ali,
perto do teto, invisível. Logo, se acocorou junto ao chinês e
examinou-o, comprovando que não estava morto e sim fora
de combate.
Ergueu-se, foi até a porta e a abriu deixando-a encostada
apenas. Em seguida, caminhou até a outra existente na
parede e passou por ela silencioso, olhando para todos os
lados.
Descobriu um corredor amplo e comprido, com portas de
ambos os lados. À sua esquerda, distinguiu o buraco de uma
escada, que devia levar à parte inferior da casa. Por uns
segundos, pareceu-lhe que o silêncio era total, mas
finalmente captou uma música vinda de baixo. Desceu os
degraus sem fazer o menor ruído e chegou a um cômodo
retangular, no qual havia um sofá. Parecia uma sala de
espera. Diante dos olhos havia uma porta, que empurrou
muito lentamente. Espiou pela fresta e, para seu assombro,
divisou Dorothy.
Todavia sua surpresa durou pouco. Dorothy estava
sentada em uma poltrona, no fundo de um aposento decorado
luxuosamente, no estilo oriental. Achava-se de lado, com
respeito a ele, escutando a música que brotava de um toca-
discos. Havia um sofá, várias cadeiras e uma mesinha de
laca. Sobre esta última, Kung viu um copo de martini. Esteve
observando a moça durante alguns segundos. Dorothy estava
belíssima, com um vestido de festa e joias. Era como se
estivesse aguardando o momento de sair para alguma
recepção. Kung imaginou que sua suposição era certa ao vê-
la consultar o relógio de pulso com um gesto de impaciência.
“Logo terá uma bela festa, Dorothy” — pensou Kung.
Abriu um pouco mais a porta e observou à direita e
esquerda pelo grande aposento exótico e luxuoso. Não havia
ninguém por ali, exceto a moça e os vários objetos que a
cercavam: mesinhas, estantes, livros, revistas e um aparelho
de televisão.
Kung entrou, fechou a porta e ficou olhando Dorothy.
Esta se inclinou para frente na poltrona e seus dedos bem
cuidados se fecharam em volta do copo de martini, do qual
bebeu um gole. Logo, deixou o copo sobre a mesa,
acomodou-se de novo no assento e consultou o relógio,
dirigindo, em seguida, um olhar para a porta.
Engasgou-se bruscamente antes de ficar imóvel, fitando
Kung com os olhos muito abertos. Este lhe sorriu e saudou-a
com a mão, com gesto amável.
— Olá, encanto! — disse irônico. — Como está seu
parente enfermo? Melhorou?
Dorothy ergueu-se nervosa evidentemente assustada.
Abriu a boca, mas Ah Kung levantou um dedo ameaçador.
— Se gritar será pior. Não sei quem poderá aparecer, mas
quando chegar aqui — seu olhar se desviou até sua direita,
onde vira algumas armas penduradas na parede — só
encontrará seus pedaços. Fui claro?
Dizendo isto se acercou das armas e retirou um sabre da
bainha. Com um gesto desenvolto de espadachim arrancou-o
do estojo, que atirou com força ao solo. Dorothy começou a
retroceder à medida que ele se acercava, mas o retrocesso
terminou quando deu de costa na parede, junto ao toca-
discos, que continuava emitindo uma música alegre.
Em poucos segundos Kung estava diante da jovem. De
maneira alguma pensava em utilizar o sabre contra ela, mas
aquela situação era necessária para conseguir seus
propósitos, ainda que recorrendo a ameaças truculentas. O
sabre descreveu um arco, fazendo um belo desenho no ar e
terminou o circuito com a ponta apoiada na garganta de
Dorothy Barrows.
— Se dispuséssemos de tempo faríamos amor em um
destes sofás luxuosos, querida — sussurrou Kung. — Mas
creio que o momento não é adequado para essas expansões
sentimentais. Disse-lhe antes que sou exímio no manejo da
katana? Posso fazer coisas extraordinárias, surpreendentes,
com esta arma na mão: cortar-lhe as orelhas de forma tão
perfeita que nem perceberia ou amputar-lhe um seio,
arrancar-lhe um olho... Mas não se preocupe, não farei nada
disso. Em troca, você me dirá onde fica a quinta chamada
Pequena Ásia. Sim?
— Não... Não!
— Terá que me dizer, Dorothy. Preciso ir lá. Já
compreendi que Orientman não se encontra aqui neste lugar
onde está instalado o telefone 555-3972, para o qual você
ligou do chalé. Sei agora que ele não está aqui! Nesta casa
acham-se apenas três pessoas: você, um pobre rapaz que está
fora de combate... e eu. Na realidade, aqui permanecem os
empregados do Homem de Oriente que em determinado
momento necessitam ocultar-se, ou alguns infelizes que
esperam instruções. Digamos que isto funciona como uma
espécie de quartel para a tropa, mas não para o general. Este
deve estar agora em seu domicílio particular ou na Pequena
Ásia, aquele lugar encantador onde você e eu estivemos
ontem à noite. Não é certo? Agora me responda: Onde se
acha Orientman?
— Não sei... Nem ao menos sei quem ele é!
— Concedo-lhe um crédito nisto e me conformarei que
me diga apenas onde fica situada a vila. Melhor ainda: você
me levará a ela, mas desta vez sem me vendar os olhos.
Andando, querida!
— Não... Não posso fazer isso... Não pos...!
O sabre silvou no ar por duas vezes, velocíssimo,
lançando brilhos sinistros. Dorothy soltou um gritinho de
espanto e pregou-se mais ainda na parede. Suas roupas
haviam sido cortadas na parte da blusa. Dois cortes perfeitos,
fizeram cair os pedaços da fazenda, deixando os seios
túrgidos da moça a descoberta.
Ah Kung sorriu de um modo que estremeceu Dorothy.
— Há poucas coisas que me agradam mais do que ver
uma mulher sem sutiã — disse. — Acredito, porém, que
você deveria ter cuidado em recorrer a eles de quando em
quando. Do contrário, corre o risco de ter os seios caídos
como os de uma anciã. Vamos, Dorothy?
— Se o levar à Pequena Ásia eles me matarão...
Mais uma vez a katana sibilou e o vestido de Dorothy foi
rasgado mais abaixo. Desta ocasião, a ponta do aço deixara
uma sensação gelada na pele da garota...
— Da próxima vez cortarei sua orelha — assegurou Ah
Kung. — Não gostaria de fazer-lhe dano, mas já que...
A expressão que apareceu de súbito nos olhos de Dorothy
fez Kung virar-se rapidamente. Na porta estavam dois
chineses vestidos com elegância, como se também tivessem
intenção de ir a uma festa. Os homens fitaram o rapaz e, com
gesto decidido, retiraram um sabre a uma pesada faca de
caça. Atrás deles surgiu outro chinês, muito bem vestido e
que soltou uma exclamação. Logo, resoluto, acabou de entrar
e precipitou-se ao local onde as armas estavam penduradas.
Dorothy voltou a gritar e tentou escapar dali, passando
junto de Kung, que girou seguindo a trajetória da loura e
disparando a perna direita em yoko geri, do caratê. O golpe
acertou Dorothy nos rins, derrubando-a com violência e
paralisando seus movimentos. Naquele instante, os dois
primeiros chineses corriam na direção de Kung brandindo
suas armas e soltando rugidos de ódio.
Para seu espanto e desconcerto, porém, Ah Kung não
tentou esquivar-se do ataque; ao contrário enfrentou-os,
brandindo a katana, disparando-a com uma força que
ninguém podia deter. Os dois chineses reagiram com
rapidez, reiniciando a agressão, culminando com algumas
cutiladas, sem resultado positivo, devido à grande
mobilidade de Ah Kung. Um deles foi detido pelo sabre
manejado pelo budoka. As duas armas ressoaram com ruído
alegre, que ainda continuou vibrando quando Ah Kung
desfez o contato das lâminas e girou de modo a ficar entre os
dois adversários. Então, empunhou o sabre com ambas as
mãos e o fez tão velozmente que pareceu um só movimento;
girou, descrevendo uma volta completa, com o sabre
colocado horizontalmente na altura dos próprios ombros.
Primeiro uma, e logo outra, as cabeças dos chineses
saltaram pelo ar. No solo, paralisada pela dor, Dorothy
soltou um alarido de pavor quando os homens foram
decapitados e, em seguida cobriu os olhos com as mãos. O
terceiro chinês que corria para Kung empunhando a faca,
parou resvalando no piso, lívido. Ficou vacilante, a uns três
metros do budoka, contemplando-o com expressão
desorbitada.
De repente, soltando um grito de fúria, ergueu o braço
direito, disposto a atirar a arma contra Ah Kung.
A katana sibilou no ar, descrevendo um círculo como um
relâmpago cintilante, e se enterrou na garganta do chinês,
aparecendo mais de um palmo pela nuca, fazendo oscilar
para um lado a cabeça do infeliz, que caiu ao solo e ficou
imóvel.
Ah Kung permaneceu alguns segundos fitando-o, mas, de
súbito, fechou os olhos. Sentia uma coisa estranha no
estômago, como se fora um peso e uma depressão profunda.
Em uma fração impossível de se precisar, uma cena ocorrida
dois anos antes passou por sua mente...
***
— Então, mestre... Não se aborrece por ter que abandonar
meus estudos momentaneamente para ir à China?
O velho Sensei moveu a cabeça em sentido negativo.
Ambos estavam no jardim do ryokan do ancião, sentados no
alpendre de piso de tábuas. Diante deles estendia-se o jardim
cheio de flores, de bambus, de cerejas, mimosas e
pinheiros... No centro, um pequeno lago que recebia as águas
de um riacho cristalino, sobre o qual cruzava uma bonita
ponta de madeira. Havia peixes no lago e pássaros nas
árvores. A paz era total. Não causava surpresa a ninguém o
fato de o velho mestre ter decidido retirar-se a um lugar
como aquele para passar o resto de seus dias em meditação,
sentindo lentamente em seu corpo o plácido caminhar dos
dias.
Sensei moveu a cabeça negativamente... Aquela cabeça
povoada de cabelos muito brancos... Tão brancos como o
quimono que vestia... Tão brancos que contrastavam com o
rosto enrugado, bronzeado pelo sol e com os olhos negros,
nos quais se adivinhava uma energia interior extraordinária.
— Ficaria mais triste se continuasse aprendendo judô
estando sua mente ocupada com outros pensamentos, Ah
Kung. Cada homem pode fazer o que quiser, mas deve fazê-
lo com amor verdadeiro. Você é chinês... Desse modo, nem
você nem eu vamos ficar surpresos por sua decisão de
dirigir-se ao interior da China para aprender o que resta do
autêntico Kung Fu. A única coisa que peço é que depois de
aprender os segredos dessa arte milenar venha me ensinar se
ainda estiver vivo...
— Está dizendo para eu ensinar ao senhor, Sensei? —
surpreendeu-se o jovem.
— Naturalmente... Por que o espanto?
— Mas o senhor é meu mestre! É quem me ensina!
Admitiu-me como discípulo-apesar de ser chinês e...
— Vamos Ah Kung, não diga tolices! Tenho alunos de
todas as raças e nacionalidades. Eu não me fixo nessas
coisas, mas na qualidade mental das pessoas... Ou melhor
dizendo: na qualidade humana. Há chineses bons e maus;
japoneses bons e maus... Parece-me bobagem comentar isto.
Pensei que em todo este tempo que passou a meu lado
houvesse aprendido esta lição.
Ah Kung ficou silencioso durante alguns segundos, antes
de assentir:
— É verdade... Se recapitulo sobre tudo quanto aprendi
com você, mestre, talvez o judô seja o menos importante.
— Não, não... O judô é importante, pois nos servimos
dele para canalizar nossas energias e pensamentos. Espero
que o Kung Fu também lhe seja proveitoso.
— Obrigado... Mas jamais poderia ensiná-lo ao senhor,
Sensei. Como poderia ensinar a meu mestre?
— Simplesmente aprendendo coisas que seu mestre não
sabe.
— Mas o senhor conhece o Kung Fu!
— Pouco — reluziram os olhos de Sensei — mas não sou
tão néscio a ponto de negar-me a escutar alguém que possa
me ensinar mais alguma coisa. Há muitos anos conheci um
homem extraordinariamente sábio. Tão sábio que todos nós
estávamos convencidos de que não podia haver nada no
mundo que ele não soubesse, nem ninguém que tivesse
maiores conhecimentos do que ele. Não obstante, certa tarde
em que o sábio dava um passeio pelo campo acompanhado
por seus discípulos e admiradores, viu um menino sentado
fora do caminho, com o olhar fixo no solo, parecendo
fascinado. Intrigado, o sábio se aproximou e lhe perguntou o
que fazia ali, o que fitava com tanto interesse, pois que
somente ele contemplava a terra. O garoto respondeu que
semeara ali, naquele ponto, uma semente de uma abóbora
dentro da qual havia introduzido uma semente de laranja e
queria ver o que aconteceria quando a planta aparecesse. O
que sairia? Planta de laranja que se converteria em uma
laranjeira... ou planta de abóbora que se arrastaria pelo solo?
Ou ainda uma mescla de ambas que não podia imaginar
como seria? O sábio ficou pensativo muito tempo. Por fim,
despediu os discípulos que o seguiam e ficou ali com o
menino, disposto a esperar o tempo que fosse necessário para
saber também o que brotaria daquela estranha mistura. Era
tão sábio que não quis desprezar os conhecimentos que
pudesse adquirir do pequeno.
— Entendo... — sorriu Ah Kung. — E o que nasceu?
O mestre riu, com malícia, e retrucou:
— Essa é uma das coisas que ignoro, Ah Kung. Do
mesmo modo que ignoro o que poderá ocorrer quando um
perito em judô e caratê japonês aprender durante alguns anos
o Kung Fu chinês... sobre o qual, por muito que eu saiba,
sempre poderei aprender algo mais... Não acha?
Ah Kung guardou silêncio. Estava impressionado. Logo,
seus pensamentos regressaram à conversação que mantinha
com o mestre.
— Sensei, você disse que tudo quanto o homem faz deve
ser feito com amor, não é assim? Agora pergunto: inclusive
técnicas com as quais se pode matar outros homens?
— A resposta é simples, meu filho. Quanto mais souber
sobre a técnica de matar, menos desejará fazê-lo. Quando
mais forte for, menos necessidade terá de demonstrar. E se
realmente teu espirito é de budoka, se respeita o Budo... ou o
Wu Shu, nunca matará.
— E se alguma vez tiver a necessidade de fazê-lo?
— Isso significará que o seu inimigo mereceu a morte,
que ele é o mau e não você. Vá em paz, Ah Kung.
— Sensei... se precisar de mim em qualquer momento,
chame-me. Eu lhe enviarei meu endereço assim que estiver
instalado na China.
— Estava contando com isto — sorriu o mestre,
emocionado. — E se alguma vez a Kuro Arashi ou eu
necessitarmos dos seus serviços, será chamado, meu filho.
Adeus, Ah Kung. Espero viver os anos suficientes para
poder aprender algo com você.
— Pois eu lhe desejo que viva o suficiente para aprender
algo com os filhos, Sensei.
— Se eu não chegar até lá, não esqueça que você também
poderá aprender com eles. Que a China seja amável com
você, Ah Kung.
***
Em um instante, em uma fração de segundo, tudo isto
passou pela mente de Ah Kung. Fatalmente, havia chegado o
momento em que teria que matar. E não um homem apenas...
Como sempre o mestre tinha razão: os maus haviam sido os
outros. Ele não era o mau, o assassino, mas apenas o que se
limitava a sobreviver aos ataques desencadeados por um
homem perverso chamado Orientman. Somente agora Ah
Kung compreendia porque o mestre mandara chamá-lo da
China: porque não queria enviar budoka dos que tinha à
disposição em todo o mundo, mas precisamente ele, cuja
semelhança com um assassino que estava sendo vigiado pela
Kuro Arashi lhe permitiria introduzir-se na organização,
buscando o caminho até chegar ao Homem de Oriente.
Este deveria ser liquidado. O mestre compreendera isto
antes dele. Orientman era o germe da maldade e por isso,
não merecia continuar vivendo.
Súbito Ah Kung levantou o sabre, fitando vivamente a
porta do porão, quando percebeu ali a presença de outra
pessoa. Com efeito, reconheceu Makio Ueno, que, depois de
observar os três cadáveres e a apavorada Dorothy, perguntou
com tranquilidade:
— Algum destes é o Homem de Oriente?
— Não — retrucou Ah Kung. — Mas chegaremos logo
até ele. Não é verdade, Dorothy? Lamento privá-la da festa,
mas precisa nos levar à Pequena Ásia. Ou será que ainda
insiste em negar-se a fazê-lo?
— Não — engoliu em seco a bela garota. — No final das
contas, a festa à qual deveria, comparecer terá lugar na
Pequena Ásia...
CAPÍTULO NONO
A festa

Era uma festa estranha. Tão estranha que Lai Mi ainda


não compreendia no que iria consistir.
Na sala imensa das poltronas em fila haviam instalado um
equipamento cinematográfico. Não faltava nada: luzes,
câmaras, um guindaste para os trevellings... Tudo estava
arrumado. Vários chineses trocavam impressões entre si,
como se não prestassem atenção a Lai Mi, que se achava no
meio do salão estendida de costas sobre uma plataforma
ampla e móvel, que podia ser colocada verticalmente e de
forma horizontal e ainda girar em todas as direções. Lai Mi
estava amarrada de pés e mãos a esta plataforma com os
braços e as pernas formando um grande X.
Vez por outra algum dos chineses ia até o jardim em
direção da piscina. Dali chegavam aos ouvidos da jovem,
música, risos e vozes, sempre em chinês. Compreendera,
finalmente, que uma festa se realizava naquele momento ao
ar livre. Um dos criados, vestido de negro, havia entrado em
duas ocasiões segurando uma bandeja com taças de
champanha para os homens que se achavam trabalhando com
o equipamento cinematográfico, e que trocavam olhares
alegres de cumplicidade, que se acendiam mais ainda quando
uma daquelas seis belas chinesas trajadas com elegância
atravessavam o salão para entrar, na casa.
Vestiam-se com elegância, mas esta elegância
desaparecia ante o olhar de Lai Mi, devido à peculiaridade
mais notável dos seus vestidos que deixavam de fora seus
pequenos seios vibrantes e uma boa parte dos quadris. Os
risos que chegavam até Lai Mi procediam dessas
jovenzinhas, que certamente faziam as delícias de alguns
homens no jardim. Eram como bonequinhas encantadoras
acessíveis a todos os desejos masculinos.
Lai Mi estava terrivelmente assustada, pois
compreendera, finalmente, que aquilo que preparavam, não
resultaria em nada de bom para ela. Tinha o conhecimento
profundo de que, de uma forma ou de outra ela seria o centro
daquela festa. Mais uma vez virou a cabeça ao perceber que
a porta que comunicava com o jardim se abria. Ficou atônita,
contemplando aquele homem coberto por um longo quimono
negro e cujo rosto lembrava a fisionomia de Buda. Quando o
indivíduo, depois de conversar com os encarregados do
equipamento cinematográfico, se aproximou dela, Lai Mi
pôde constatar que, evidentemente, aquele tipo usava uma
cabeça postiça, de plástico ou algo parecido. Atrás dos
buracos feitos para os olhos, viam-se os pequenos pontos
negros do extraordinário personagem.
— Como está minha pequena Lai Mi? — perguntou
Orientman.
Lai Mi percebeu, em seguida, o estranho tom vibrante e
metálico da voz daquele homem, do qual só podia enxergar o
brilho dos olhos.
— Quem é você? — perguntou, trêmula e angustiada. —
O que... vão fazer comigo?
— Um filme — riu o homem de Oriente. — Sabe quem
sou, encantadora Lai Mi?
— Não... Sim... O Homem de Oriente!
— Exatamente.
— Meu pai negociará com você o que for preciso para...
— Não, não, não, pequena Lai Mi... As coisas mudaram,
já que tive uma nova ideia genial. Não haverá negociações
de forma alguma. Sinto, porque você é tão formosa... Tão
bela e encantadora! Agora vou fazer algo que sempre
desejei... Vou fazer antes de iniciar o final da festa.
Estendeu a mão e segurou a gola do vestido de Lai Mi,
puxando-o bruscamente. Logo, arrancou o sutiã da moça e
ficou fitando os delicados seios dourados, de forma
belíssima, antes de pousar os dedos sobre eles. Lai Mi emitiu
um grito de medo e empalideceu, enquanto Orientman sorria.
— Não precisa assustar-se por isto, pequena...! Trata-se
de um capricho satisfeito, depois de tanto desejá-lo quando a
via caminhar, mover-se... Vê? Nem sequer lhe causo dano...
É só Uma carícia... Gosta do meu afago?
Lai Mi mordeu os lábios e virou o rosto para o outro lado,
evitando olhar aquelas mãos que lhe repugnavam e que se
crisparam, de súbito, sobre seus seios.
— Então, eu lhe causo asco...! Está bem, já não importa.
Nada mais importa depois da grande ideia. E sabe a quem
devo esta grande ideia? A Kio Meing! Como não havia
pensado nisso antes? É algo que jamais entenderei. Todavia,
agora tudo se tornou muito fácil. Agora que a tenho em meu
poder, tudo é fácil, simples e conveniente para mim. Não
sabe como sinto que tenha de morrer, Lai Mi! Sempre a
achei tão encantadora... Tão desejada... Só que nada posso
fazer nesse sentido, uma vez que meu organismo perdeu há
tempos... certas faculdades. Não fosse por isso viveria mais
tempo para me proporcionar prazer. Mas como não pode ser,
vou me conformando com estas carícias que sempre
desejei... Que satisfação imensa terei quando seu pai receber
o filme... Vamos iniciá-lo agora mesmo! É chegada a hora de
começar o final da festa!
Deu um último e grosseiro puxão nos seios da moça e se
dirigiu à porta do jardim, onde chamou os convidados. Logo,
encaminhou-se à poltrona onde sentava habitualmente:
Lai Mi olhava na direção da entrada por onde os
convidados começaram a surgir, todos eles usando máscaras
de papelão, reproduzindo rostos ingênuos. Deste modo, Lai
Mi não pôde ver uma só das verdadeiras feições daqueles
tipos que, como Orientman, vestiam longos quimonos sobre
as roupas ocidentais. À medida que iam entrando dirigiam-se
às poltronas enfileiradas na parede do fundo; mas havia
tantos convidados que os assentos ficaram logo ocupados e
muitos tiveram que permanecer de pé. Orientman deu ordens
às seis belas jovens para buscarem cadeiras no jardim,
acompanhando os empregados masculinos, todos trajados de
negro, mas os convidados disseram que não era preciso
acrescentando que, de pé, veriam melhor ainda o filme. Isso
ocasionou risos e fez com que os que se achavam sentados se
erguessem.
— Cavalheiros — disse o Homem de Oriente, — como
todos sabem, a jovem que irá protagonizar nossa produção
cinematográfica é filha de Liung Tse, o homem que se opôs
aos planos da Pequena Ásia, e nos negou, por conseguinte,
sua colaboração pessoal e econômica, que teria sido muito
apreciada. Para aqueles que vêm pela primeira vez a uma das
festas em Pequena Ásia, vamos recordar que a grandiosidade
de meus projetos requererá fidelidade e entrega total em
todos os momentos. Pretendemos nada menos que arrancar
aos Estados Unidos da América uma porção do seu território
para formar um novo país, que inicialmente estamos
chamando Pequena Ásia. O ideal seria que o governo de
Washington nos cedesse o Estado da Califórnia por bem,
para que nele vivessem todos os chineses que, atualmente,
estão dispersos por todo o país. Mas é evidente que
Washington não entregará facilmente um dos seus mais ricos
estados, sobretudo a alguns chineses, aos quais, no fundo,
sempre menosprezou, apesar de muitos dos nossos
possuírem a cidadania norte-americana. Penso que, tal qual
os negros, formamos um grupo importante o bastante para
que Washington entenda nosso pedido. Mas, sejamos
realistas: Washington jamais nos entregaria a Califórnia por
bem. Portanto, não temos outro remédio senão exigirmos
esse estado à força. Para que isso possa acontecer
necessitaremos de muitos homens e armas. O armamento
será comprado com o dinheiro de todos. Os homens da raça
chinesa estão sendo recrutados em todo o país e no momento
oportuno irão para a Califórnia a fim de iniciar nossa guerra
em busca de um território onde nascerá o novo país chamado
Pequena Ásia. Se não quiserem nos ceder toda a Califórnia
ficaremos conformados com a metade do estado. De forma
alguma aceitaremos ser enviados a lugares como o deserto
do Arizona e sítios semelhantes como fizeram com os índios
um século atrás. Os chineses da América e os que chegaram
aqui depois formarão um país livre e independente neste
continente. Um país onde não viveremos humilhados nem
em inferioridade de condições, misturados a negros e
brancos. Um país rico que será governado por nós mesmos.
Mais uma vez repito: se quiserem que as negociações corram
por bem, tanto melhor. Mas se, ao contrário, preferirem a
guerra, a terão. Todos estão de acordo com estes projetos?
Lai Mi, que se recuperara de seu assombro, fitou os
convidados, forçando o pescoço. Esperava uma negativa ou
o silêncio de recusa. Todavia, para seu próprio espanto,
gritos entusiastas acolheram as palavras do Homem de
Oriente.
— Estão loucos... Estão todos loucos! — bradou a moça.
— Não conseguirão isso jamais...! Nem por bem nem por
mal. E além do mais, não têm direito a isso!
Calou bruscamente quando Orientman apareceu, de
súbito, junto dela, agitado, e a mão que antes a tinha
acariciado golpeou-a agora, com força, na boca, partindo-lhe
o lábio inferior.
— Deixe de gritar, filha de um porco! — elevou a voz
vibrante e metálica o tipo conhecido por Orientman. —
Guarde as energias para quando tiver verdadeiros motivos
para isso! E será agora!
Virou-se para os homens que esperavam junto ao
equipamento cinematográfico e lhes fez um sinal.
Imediatamente, acenderam-se as luzes, que foram dirigidas
para a plataforma onde Lai Mi estava amarrada solidamente.
Os homens passaram por trás das câmaras e começaram a
mover o assento de travelling, até que o operador ficou em
cima de Lai Mi. Outra das câmaras se acercou de Orientman.
Houve ainda outras disposições, novas ordens e tomada de
posições...
Por fim, um dos sujeitos fez um sinal a Orientman,
dizendo:
— Quando quiser...
— Já — grunhiu o tipo.
As câmaras que filmavam começaram a funcionar.
Encarando a mais próxima, o Homem de Oriente, iniciou seu
discurso:
— Liung Tse, aqui fala Orientman. Como pode ver tenho
sua encantadora filha em uma situação nada... agradável.
Direi agora o que irá acontecer em seguida, devido a sua
negativa de colaborar com a Pequena Ásia, com o Homem
de Oriente, que dará uma pátria digna a muitos outros
homens do Oriente. O que sucederá com Lai Mi, antes de a
matarmos e de a enviarmos de volta à sua casa, é o seguinte:
esses homens — Orientman apontou seis de seus criados
vestidos de negro e a câmara os enfocou uns segundos antes
de regressar a ele — esses homens nos oferecerão a mim e
aos fiéis amigos presentes, um espetáculo delicioso, violando
selvagemente a bela e delicada Lai Mi. Logo após sofrer
durante algum tempo pelo que lhe ocorrerá você será,
finalmente, assassinado. Receba este filme como um
presente da Pequena Ásia. Até breve, Liung Tse.
Orientman se virou para Lai Mi, agarrou o que restava do
seu vestido e arrancou-o com brutalidade. Depois, fez um
sinal aos criados e regressou ao assento que sempre ocupava.
Os seis chineses se aproximaram do tablado, rodeando-o.
Entreolharam-se e por fim um deles subiu na plataforma de
madeira...
As respirações foram contidas, os olhos brilhavam atrás
das máscaras dos convidados e as belas chinesinhas sorriam
angelicalmente... Lai Mi começou a gritar quando o chinês
pôs as mãos sobre o seu corpo. Até então estivera paralisada,
muda de horror, mas reagiu ao sentir aquelas mãos sobre sua
pele. O tipo se dispôs a ser o primeiro a cumprir as
disposições de Orientman.
Lai Mi gritava com tal desespero que ninguém ouviu
mais nada.
Se o lugar estivesse silencioso, talvez tivessem escutado o
assovio da flecha. Se todos os olhos não estivessem presos
na cena estarrecedora, alguém perceberia que a porta que
comunicava com o jardim se abria... Mas aqueles canalhas
olhavam hipnotizados para o trabalho de madeira e não
viram nem escutaram nada.
De súbito, uma flecha cravou-se em um lado do pescoço
do chinês que estava sobre Lai Mi, o qual soltou um alarido
horrendo, mais vibrante do que os gritos da jovem, ficando
imóvel sobre esta, que continuava gritando, verdadeiramente
enlouquecida de pavor.
O primeiro a raciocinar foi o Homem de Oriente. Seu
olhar foi até a porta do jardim, a tempo de ver um japonês
retesando um arco no qual tinha colocado a segunda flecha.
Junto dele, iniciando seu ataque até o meio do grande salão,
divisou Kio Meing, isto é, Ah Kung.
A segunda flecha saiu disparada contra Orientman, mas
este já se movimentava, gritando um aviso aos criados e
convidados, indicando a porta enquanto corria. A flecha se
cravou na poltrona ao chegar a seu destino uma fração de
segundo mais tarde. Na porta, o budoka praticante de Kyudo
que utilizara o arco fez um gesto de irritação e começou a
colocar outra flecha para dar continuidade ao ataque.
Mas já não poderia utilizá-la porque, enquanto Ah Kung
corria até o estrado, o grande salão ficou cheio de
desconhecidos, que entraram impetuosamente pela porta do
jardim, alguns sem armas, outros volteando os seus
nunchakus, outros empunhando os sabres... Haviam chegado
ali em silêncio, mas agora o ar se enchia de sonoros Kiais
enquanto passavam ao ataque, ocasionando a debanda dos
convidados, assim como desconcerto e espanto entre os
servidores de Orientman.
Ah Kung chegou junto à plataforma no momento em que
dois dos chineses que ali estavam se lançaram contra ele. A
ação de Kung foi terrível, fulminante: levantou a perna
direita, propinando ao mais afastado uma patada espantosa
no queixo e o mikazuki geri quebrou aquele maxilar,
afundou-o e partiu o pescoço do sujeito, que caiu morto na
hora... Kung, descrevendo meia-volta, ficou de lado em
relação ao outro. Colocando a mão direita rígida com a
palma para cima, lançou lateralmente um shuto uchi,
também de caratê, que acertou uma têmpora do chinês e o
atirou longe, fazendo-o rodar pelo solo, fulminado.
— Makio! Não deixe Orientman escapar! — gritou Ah
Kung.
Outro dos chineses que estivera disposto a violar Lai Mi
atirou-se contra o jovem. O sujeito estava lívido de medo,
mas tentou lutar por sua vida... Teria feito melhor se
houvesse fugido. Ah Kung viu-o chegar e com indiferença
aterradora, aparou o golpe dirigido a seu rosto com o
antebraço esquerdo e lançou contra seus olhos o Picotazo de
la Serpiente de Kung Fu. O urro do homem fez os vidros
vibrarem elevando-se por cima dos outros gritos.
Ah Kung se desvencilhou dele e, enquanto seus
companheiros budokas, amigos de Makio Ueno, faziam
estragos entre os convidados, apressou-se a desatar Lai Mi.
Ocupava-se em fazê-lo, quando duas das belas chinesinhas
se atiraram contra ele, empunhando pequenos, mas
afiadíssimos punhais, que haviam tirado de algum lugar.
O grito de aviso de Makio Ueno chegou ao mesmo tempo
em que ele próprio. O japonês agarrou o braço armado de
uma das moças, fê-lo girar, apoiou a outra mão no cotovelo e
efetuou uma pressão muito leve. Sob o implacável ude
gatame de judô, o bracinho se quebrou e a garota caiu
desmaiada aos pés de Makio, no momento em que Kung,
com um controlado mae hiji ate derrubava de costas,
fulminada, a outra chinesa, quê não pôde suportar a
cotovelada efetuada por um apesar de este usar somente a
força do giro ao virar-se para ela.
— Makio! Vá atrás de Orientman — pediu Kung. — Já
não se acha por aqui!
O judoca saiu correndo pela porta que Kung apontava, ao
lado da poltrona solitária. Lai Mi rompera a chorar
copiosamente e se abraçara com todas as forças ao pescoço
de Kung, que a enlaçou com um gesto protetor. Em volta
deles, os budokas davam conta dos colaboradores de
Orientman. Algumas pistolas apareceram nas mãos dos
servidores do Homem de Oriente, mas os sabres e os
nunchakus se antecipavam sempre à ação dos disparos.
Rangiam ossos, saltavam braços cortados, os kiai pareciam
capazes de perfurar as paredes. Alguns convidados
conseguiram escapar pelo jardim e outros, seguindo
Orientman, pela porta dos fundos. Todavia toda tentativa de
fuga era inútil. O grupo implacável de budokas movia-se
espalhava-se por todos os lados.
Ah Kung se dirigiu à porta traseira, levando Lai Mi
abraçada pela cintura. Passaram a outro aposento menor e
dali a uma biblioteca pequena, onde não havia ninguém.
Surpreso, o jovem pensou que se havia enganado quanto ao
caminho tomado por Orientman. Logo, porém, descobriu o
alçapão de madeira aberto, atrás de um amplo sofá.
Despiu a jaqueta e ajudou Lai Mi a cobrir um pouco sua
nudez. Em seguida tomou-lhe a mão e disse, puxando-a:
— Será melhor não ficar aqui sozinha. Venha comigo.
A moça obedeceu. Acercaram-se da abertura no assoalho
e desceram os degraus da escada, encontrando-se em um
corredor estreito e iluminado, no qual ressoavam pisadas e
gritos. Súbito, as luzes se apagaram, escutou-se um palavrão
e logo, um disparo e novos gritos.
A escuridão era agora absoluta diante de Kung e de Lai
Mi.
— Makio! — chamou Ah Kung.
— Ele está fugindo! — ouviu-se a voz do japonês. —
Estou ferido!
Sem vacilar, Ah Kung avançou até o final do corredor,
sempre puxando a chinesinha pela mão. Longe, escutava
pisadas precipitadas e gritos e murmúrios mais fracos... De
repente, seu pé tropeçou com algo e uma exclamação de dor
ecoou em meio à escuridão reinante.
— Makio?... É você?
— Sim — chegou-lhe a voz do outro. — Deve haver um
interruptor em uma das paredes. Ele tocou em algo e as luzes
se apagaram...
O tom do japonês soava um tanto crispado. Ah Kung
tateou na parede mais próxima, mas nada sucedeu. Decidira
continuar procurando o interruptor na outra quando as luzes
se acenderam. Ao virar-se, divisou Lai Mi com as mãos
sobre um ponto da parede que havia afundado.
Imediatamente o jovem ajoelhou-se junto de Makio Ueno,
que jazia de lado, com a mão esquerda sobre o dorso direito,
que estava cheio de sangue.
— Não é nada — arquejou o japonês. — Eu o havia
apanhado e lhe tirava a cabeça de Buda quando as luzes se
apagaram e soou o disparo... Consegui arrancar-lhe a
máscara e golpeá-lo... Sei que caiu desse lado... Mas,
infelizmente, ele se ergueu em seguida e continuou correndo.
Sinto deveras, companheiro.
Ah Kung encolheu os ombros.
— Se puder esperar, vou seguir o túnel em frente para ver
se o alcanço.
— Tente, meu amigo — assentiu Makio. — Posso
aguentar.
— Fique com ele, Lai Mi, e faça uma bandagem
improvisada na ferida — pediu Ah Kung. Logo, corria até o
fundo da galeria e em poucos segundos chegava à saída.
Apareceu em um lugar cheio de árvores e arbustos e
compreendeu que se tratava do jardim dos fundos da
Pequena Ásia. Por trás dele as luzes da casa brilhavam, a
mais de trezentos metros.
Mas por cima de sua cabeça zumbia o motor de um
helicóptero, que se afastava do local. Ah Kung ficou
olhando-o, derrotado. Evidentemente, o Homem de Oriente
tinha previsto tudo. Chegava à casa de helicóptero e o
deixava escondido no jardim, utilizando o corredor para
então surgir na vivenda, desaparecendo pelo mesmo
percurso. Má sorte.
Desconcertado regressou para junto de Makio Ueno, que
se achava agora acompanhado não somente por Lai Mi, mas
por vários budokas, que perguntaram:
— Então, Kung?
— Orientman conseguiu escapar — respondeu o rapaz.
— Fizemos vários prisioneiros, que estão bem vigiados
por outros dos nossos disse um dos lutadores japoneses. —
Tudo está controlado. Quem sabe algum desses tipos poderá
nos dizer quem é Orientman?
— Duvido muito — negou Ah Kung. — Esse canalha é
demasiado esperto. Ainda que aparecesse diante dos seus
subordinados sem a máscara de Buda certamente punha
qualquer outro disfarce ou maquilagem. Não há dúvida de
que é bastante vivo... Bem, ajude Makio e vamos ver como
os demais estão.
Dois dos rapazes ergueram o budoka e o conduziram pelo
corredor até a casa. Ah Kung ficou imóvel, pensativo. Diante
dele, Lai Mi o fitava com os olhos muito abertos, belíssima e
graciosa com a jaqueta do rapaz. Este raciocinou por fim.
Olhou a cabeça do Buda de plástico caído ao solo e se
inclinou para recolhê-la. Ao colocar o pé mais perto da
parede, algo rangeu sob a sola do seu sapato, mas o jovem
não deu importância. Apanhou a máscara, endireitou a
postura, ficando imóvel.
Como se pensasse melhor, voltou a inclinar-se e observou
o chão com toda atenção. Ali, onde percebera o rangido
descobriu algo, que recolheu cuidadosamente, guardando-o
no bolso de sua jaqueta ao acercar-se de Lai Mi. Logo,
abraçou-a pelos ombros e lhe disse:
— Vou levá-la para sua casa, depois de avisar a seu pai
no escritório de que iremos lá.
Ela assentiu com um sorriso e, juntos, começaram a andar
de volta à vivenda.

CAPÍTULO DÉCIMO
A máscara de Orientman

Liung Tse estava muito emocionado quando, depois de


estreitar sua filha nos braços, virou-se para Ah Kung, que os
contemplava sorrindo, com ambas as mãos estendidas.
— Kung... — iniciou, tomando entre os seus dedos os
dedos do rapaz — não sei... não sei como poderei agradecer-
lhe o que fez por nós... De que modo poderei pagar-lhe tanta
coragem e determinação?
O budoka moveu a cabeça negativamente, ao mesmo
tempo que fitava Lai Mi por uns segundos. Os dois jovens
haviam chegado à casa de Liung Tse antes dele e a moça
colocara um bonito vestido, de modo que, quando seu pai
apareceu, estava praticamente como se nada houvesse
sucedido, exceto a inflamação do lábio inferior partido.
— Não me deve nada, senhor Tse — declarou Kung. —
Mas alguns dos meus companheiros ficaram feridos e isso
poderá trazer-lhes complicações e gastos que não sei se
poderão afrontar. Os budokas não são ricos e...
— Não se preocupe por isso — interrompeu Liung Tse.
— Qualquer coisa que estiver ao meu alcance será
solucionada. E se há outro tipo de complicações também
daremos um jeito... Tenho bons amigos na polícia... Fique
tranquilo; nenhum dos seus amigos será prejudicado. Eu me
encarregarei de ajudá-los no que for necessário.
— Isso é maravilhoso! — sorriu Ah Kung.
— Esse homem... Esse... esse Orientman — Lai Mi
estremeceu. — Não desistirá até conseguir matá-lo, papai!
Agora mais do que nunca quererá vingar-se!
— Logo será apanhado, senhorita — disse Ah Kung. —
Já pensei no modo de fazê-lo, mas será preciso que todos
colaborem. Todos. Avisou ao senhor Seng, tal como lhe
pedi, de que havíamos resgatado sua filha?
— Sim. Bem... Ele não estava em casa, mas deixei o
recado. Assim que chegar será informado e virá aqui em
seguida, estou seguro.
— Ele gostará de saber que Lai Mi está a salvo — sorriu
o jovem, que declarou, observando o luxuoso salão onde se
achava: — Possui uma casa realmente formosa, senhor Tse.
— Se quiser será sua — exclamou Liung Tse.
— Não, não, obrigado — sorriu Ah Kung. — Quando
isto terminar, tenho intenção de regressar à China para
continuar aprendendo algumas coisas que deixei
incompletas.
Liung Tse abraçou a filha pela cintura e ambos sentaram-
se em um sofá do salão amplo e ricamente decorado de sua
casa situada em Topanoga Canyon Boulevard. Tse fitou Lai
Mi por um instante e sorriu, levemente.
— Gostaríamos muito que ficasse, Kung... Verdade,
querida?
— Sim — retrucou a moça, envolvendo o rapaz em um
olhar apaixonado, — Ficaríamos felizes se isto acontecesse,
senhor Kung.
— Talvez regresse dentro de um ano ou dois. Mas,
infelizmente, preciso voltar à China. Quando achar que
adquiri os conhecimentos satisfatórios em determinado nível,
tanto me fará viver em Hong Kong ou em Los Angeles. É
bem possível que regresse por aqui. Mas no momento...
Chegaram vozes até eles, que, logo, se tornaram
perfeitamente audíveis. Na porta, apareceu Lo Seng, seguido
por um dos criados dos Tse.
— Então é mesmo verdade! — exclamou o sócio de
Liung alegremente. — Afinal está de volta ao lar, querida
Lai Mi!
Correu até a jovem, que foi ao seu encontro sorrindo,
aceitando o abraço emocionado do velho, amigo de seu pai.
Lo Seng fitou Ah Kung para dizer:
— Bem... Não sei como conseguiu essa proeza, meu
jovem... Mas... sou dos que admitem seus erros... Assim é
que... lhe peço desculpas por tudo.
Ah Kung meteu a mão no bolso da jaqueta que
emprestara a Lai Mi na Pequena Ásia e retirou algo, que
aproximou de Lo Seng na palma da mão. O velho
pestanejou, olhou a mão estendida do rapaz e de novo a este.
— O que é isto? — inquiriu.
— São os restos de uma lente de contato — explicou Ah
Kung. — Recolhi no corredor da vila chamada Pequena
Ásia.
— Sim?... Bem... Não compreendo...
— Deveria procurar um oculista que lhe fizesse lentes
mais seguras, Lo Seng. É a segunda vez que perde uma. É
claro que isso não deve ter demasiada importância, já que,
certamente, possui lentes sobressalentes, não é assim?
— Mas... o que está dizendo? — disse Seng, perdendo o
controle.
— Lai Mi me disse que você pretendia matá-la e não
utilizá-la para montar uma armadilha para seu pai. E
compreendo suas razões: era melhor que ela morresse antes
de Liung Tse. Se Lai Mi fosse liquidada em primeiro lugar,
quando chegasse a vez de seu pai, quem herdaria todos os
seus bens... sua fortuna imensa?
— Você... você está louco...! — bradou Lo Seng,
começando a retroceder.
— Acha mesmo? Por acaso não seria você, o sócio de
Liung Tse, quem ficaria com tudo quanto ele possui? E então
seria muito mais rico. Morto Liung Tse, teria a oportunidade
de lançar-se com maior poder à consumação dos planes
miseráveis. Não é assim, senhor Orientman?
Liung Tse e Lai Mi estavam petrificados, lívidos, fitando
os dois homens. Não compreendiam nada.
— Não diz nada, Homem de Oriente? Vamos, diga
alguma coisa... Mesmo que seja utilizando o aparato que põe
na boca para disfarçar a voz, a fim de conseguir o tom
vibrante e metálico que tinha me... desconcertado. Vamos,
Orientman! Solte a língua!
Súbito, uma pistola apareceu na mão direita de Lo Seng,
apontando o peito de Ah Kung. Os Tse soltaram uma
exclamação de incredulidade e consternação.
— Lo! — gemeu Liung. — Lo, não é possível, não...!
— Vou matá-los... Vou matar todos vocês! — berrou
Seng descomposto. — Vou acabar com todos, e ainda que
tenham me descoberto, seguirei com meus planos! Ninguém
poderá impedir que...!
— Eu poderei — exclamou Kung, sem se alterar. — E
vou dizer por quê, Lo Seng... Para me matar com um só
disparo, terá que acertar minha cabeça. Mas se não conseguir
isso, terei tempo de chegar até você e liquidá-lo. Você não
acertará minha cabeça porque é incapaz de raciocinar com a
velocidade adequada... É algo impossível no estado em que
se acha. Conhece o ataque da cobra? Estou certo que não. É
bom que continue assim. Dê-me sua pistola. Chamaremos a
polícia e será encerrado em um manicômio. Mas se disparar
essa arma morrerá.
— Não se acerque — disse Seng, muito nervoso.— Não
se acerque!
— Nem sequer me movi — sorriu Ah Kung, com gesto
de pessoa inofensiva. — Estou olhando seus olhos, Lo Seng,
e posso ler todos os seus pensamentos. Quando você decidir
apertar o gatilho, eu saberei e me anteciparei. Sou tão rápido
que não conseguirá me ver. Mesmo que abra fogo a bala irá
ao teto ou a uma parede... Você não pode nada contra mim,
ainda que disponha de uma pistola.
— Cale-se!
— Por quê? Ah...! Compreendo que esteja sentindo um
medo profundo de mim. É lógico. Faz vinte e cinco anos que
pratico artes marciais e outras técnicas de luta. Se me obrigar
a entrar em ação serei como uma tempestade negra, contra a
qual não poderá fazer absolutamente nada. De modo que
aconselho-o a — e Ah Kung estendeu a mão direita, para Lo
Seng — entregar-me a pistola e a preparar sua bagagem para
instalar-se em um manicômio.
— Não... Não! Vou mostrar...!
No momento em que o dedo de Lo Seng começava a
crispar-se no gatilho, a cobra já estava no ar, subindo a uma
altura inverossímil, com pernas encolhidas, depois de um
salto fantástico.
O tiro ecoou e o projétil perdeu-se por entre as pernas do
rapaz. Simultaneamente soou o Kiai.
O peso das pernas mudou a trajetória do corpo de Ah
Kung e sua mão direita baixou como um tacape. A cabeça de
Lo Seng rangeu e o chinês pareceu aplastar-se contra o solo,
enrugar-se, diminuir de tamanho.
Quando Ah Kung caiu de pé diante do Homem de
Oriente, este ainda se conservava na vertical, mas já estava
morto. Pareceu que tardava uma eternidade para cair de
costas, como um poste, com os olhos distorcidos voltados
para dentro, de modo que só se via a córnea.
— Agora sim... seria conveniente avisar a polícia — disse
Ah Kung. — Eu já cumpri os desejos do mestre.
***
— Bem — suspirou Liung Tse. — Tudo terminou bem,
Kung. Não lhe disse que tinha bons amigos na polícia? A
verdade é que só poderia mesmo agradecer-lhe o que fez por
todos.
— Com tudo isto atrasei meu regresso à China em quase
duas semanas — declarou Kung.
— Tudo tem o seu dia certo, meu amigo — filosofou
Liung Tse. — Meu carro o levará ao aeroporto quando
desejar.
— Sim — Kung consultou o relógio. — Está ficando
tarde. Teria sido melhor que fosse diretamente ao
aeroporto... Deveria ter saído mais cedo, porém queria me
despedir de Lai Mi.
— As mulheres não têm noção do tempo — desculpou-se
Liung Tse. — Creio que seria melhor se subisse para
despedir-se de minha filha, ou poderá correr o risco de
perder o avião.
Ah Kung vacilou. Por fim, pôs-se de pé e disse:
— Talvez tenha razão... Irei dizer-lhe adeus.
— Vá, meu caro... Eu os espero aqui — sorriu Liung,
acendendo um cigarro.
Acompanhou Ah Kung com o olhar até que este deixou o
salão. Logo sigilosamente, foi atrás dele e viu quando subia a
escada até o andar superior, onde ficavam os dormitórios.
Em seguida, Liung Tse encaminhou-se à porta da casa,
abriu-a e saiu, sorrindo.
Em cima, Ah Kung chamou na segunda porta e ouviu a
voz de Lai Mi retrucar:
— Quem é?
— Sou eu... Kung. Vim para lhe dizer adeus...
— Entre, Ah Kung.
O jovem obedeceu e ficou extasiado ao ver Lai Mi
envolta na toalha que rodeava suas axilas, cheirando a uma
colônia agradabilíssima, com gotinhas cintilantes de água na
pele dourada.
— Vim para me despedir, Lai Mi — sussurrou Kung.
— Ah, muito bem! Perdoe-me por recebê-lo assim, mas
senti calor depois de preparar minha bagagem e resolvi
banhar-me.
Surpreendido, Ah Kung olhou para um lado e viu
algumas maletas, uma frasqueira e uma bolsa.
— Vai viajar? — inquiriu, por fim.
— Vou para a China. Há tempos ardia em desejos de
conhecê-la. Falo muito sobre este querido país e nem sequer
o conheço, pois nasci aqui. Creio que ficarei uma boa
temporada por lá e deste modo me ilustrarei mais a fim de
dar aulas autênticas quando regressar.
— Mas isso é ótimo! — aprovou ele, contente. —
Quando viaja?
— Amanhã.
— Amanhã? Que pena...! Poderíamos fazer essa viagem
juntos se tivesse me falado com antecedência...
— Não se preocupe por isso... — sorriu Lai Mi. — Meu
pai está agora a caminho do aeroporto para reservar duas
passagens para nós. Espero que não se importe em atrasar
mais um dia esta viagem... Gostaria que me dissesse: é
possível permanecer na China enquanto você termina seu
curso?
— Bem, seria possível, já que eu não sou, precisamente,
um monge, nem vivo como tal. Sou apenas um aluno de...
Espere! — disse ele de súbito. — Você está afirmando que
vai comigo para a China?
— Não penso em me separar de você nem mesmo por um
instante, Ah Kung. Se vai à China, irei para lá também; se
resolver ir para Hong Kong, viverei nesse lugar; se regressar
aos Estados Unidos, regressarei junto com você. E desde já
previno-o de que será inútil que se oponha... A menos que
me mate.
— Já matei o suficiente — murmurou Ah Kung. — Mas
estou compreendendo agora que você e seu pai prepararam
uma armadilha para mim...
— Com efeito — sorriu Lai Mi encantadoramente. —
Você se livrou do Homem de Oriente, mas caiu na rede de
uma mulher do Oriente... Oh!
Enquanto falava, caminhava para o rapaz. Com o
movimento, a toalha se desprendeu casualmente de suas
axilas e caiu ao solo. Ah Kung ficou olhando-a por uns
segundos. Logo, acercou-se, recolheu a toalha, jogou-a sobre
a cama e, por último, rodeou o corpo da jovem com seus
braços, aproximando seu rosto ao dela.
— Creio haver interpretado exatamente como desejo
empregar o dia que nos resta para empreendermos essa
viagem — sussurrou. — E por mim não há inconveniente
algum. Como lhe disse, não sou um eremita. Sou apenas um
homem do Oriente...
— E eu uma mulher — os lábios de Lai Mi tremeram.
— Vamos discutir esse tema — sorriu Ah Kung, um
segundo antes de alcançar com sua boca os lábios
perfumados de Lai Mi.

ESTE É O FINAL
Quando Sensei Kurita terminou o relato referente ao
Homem de Oriente, a senhorita Montfort estava fumando,
fitando-o com a maior atenção. Não o tinha interrompido
uma única vez e, embora em certas ocasiões houvesse
parecido que nem sequer o escutava, Kurita sabia que não
era assim, que ela estava lhe dedicando a máxima atenção.
Por fim, após mais de um minuto de silêncio, Brigitte
perguntou:
— O que espera de mim, Sensei?
— Ah Kung chega hoje com sua linda esposa, Lai Mi. É
um homem muito capacitado para as artes marciais.
Podemos dizer que é mesmo fora de série, pois com os anos
de prática constante, amadureceu e aprendeu muitas coisas.
— Compreendo... — sorriu Brigitte.
— Bem... Ele vem recomendado pelo O Sensei Inomura,
mas não nos disse o que espera que façamos por Ah Kung,
agora que decidiu vir passar algum tempo na América.
Cheguei a pensar em aceitar Ah Kung em meu dojo, como
ajudante. Todavia, creio que ele merece algo melhor, algo
mais apropriado.
— Entendo. Você quer dizer que Ah Kung poderia ter sua
própria sala de artes marciais em Nova Iorque, se tivesse o
dinheiro suficiente para montá-la, não é assim?
— Essa poderia ser uma das soluções — indicou Kurita,
com o rosto inexpressivo.
— Hum... E o dinheiro para montar sua própria academia
ficaria ao meu critério, suponho.
— Sabemos perfeitamente que você não está obrigada a
nada.
Brigitte começou a rir.
— Vocês, os japoneses, nunca deixarão de surpreender-
me! Faz muitos anos que o conheço e a outros japoneses.
Estudei sua história com interesse até algo do seu idioma.
Conheço-os bastante para saber que são muito sutis. Mas
mestre, não acha que nesta ocasião você e o Sensei deveriam
ser mais sinceros comigo?
— Sempre fomos sinceros com você — sorriu Kurita.
— Sinceros, mas demasiado... misteriosos. Sei muito bem
o que o Sensei quer realmente de mim. Já compreendi.
— Verdade?
— O Sensei não enviaria a Nova Iorque um dos seus
melhores homens para dar aulas de qualquer arte marcial a
alguns norte-americanos barrigudos. Nem, tampouco,
enviaria Ah Kung para aprender artes marciais, pois
ninguém pode ensiná-las melhor do que ele mesmo. Não
obstante, a astúcia de o Sensei é ilimitada e uma vez mais se
põe manifesta...
— Francamente, não a entendo...
— Vejamos: o que pode haver no mundo que eu saiba
melhor do que o Sensei? Talvez algumas pequenas coisas,
mas, sobretudo, espionagem. O Sensei sabe disto e sabe
também que eu tenho aqui nos Estados Unidos, uma
organização particular de espionagem chamada Love
Organization Unite, em cuja direção Número Um me ajuda.
Assim, Sensei, que, como Número Um e eu, leva muitos
anos lutando contra o mal, decidiu montar sua própria escola
de espionagem no Oriente, à qual enviará os melhores
discípulos. É claro que para montar essa escola necessitará
de que um dos seus discípulos mais aptos nesse terreno
receba uma instrução técnica esmerada de tudo relacionado
com a espionagem. Então, Sensei decidiu que sua amiga
“Baby” o ajude nisto. Acertei?
— Você vai se negar? — murmurou Kurita.
— Não há muitos homens como Ah Kung... De modo
que vou com você ao aeroporto para dar-lhe pessoalmente
meus votos de boas-vindas. Sobretudo estou curiosa para
conhecer o homem que derrotou Orientman!

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