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Introdução

O comércio desempenhou um papel fundamental no desenvolvimento histórico de


Moçambique, moldando suas sociedades e influenciando diversas áreas, desde a economia até
a cultura e a política. A localização estratégica ao longo da costa do Oceano Índico permitiu
que Moçambique se tornasse um ponto crucial nas rotas comerciais que conectavam
diferentes partes do mundo. Este estudo busca explorar a formação dos primeiros estados, os
impactos do comércio com árabes e persas, bem como o comércio regional e de longa
distância com o interior da África, compreendendo sua influência nas sociedades de
agricultores.

A pesquisa se baseou em uma abordagem histórica e interdisciplinar, utilizando fontes


primárias e secundárias para analisar as dinâmicas do comércio e suas implicações nas
sociedades de Moçambique. A análise de textos de referência, como as obras de Medeiros
(1988), Newitt (1997), Hedges (1993), Ki-Zerbo (2009), Cachat (2018) e Jesus (2020),
proporcionou uma compreensão aprofundada dos contextos históricos e culturais. Além disso,
foram utilizadas fontes acadêmicas e literárias para enriquecer a pesquisa.

Objetivo Geral

 Analisar o papel do comércio nas diferentes fases da história de Moçambique e seu


impacto nas sociedades locais.

Objetivos Específicos

 Investigar a formação dos primeiros estados em Moçambique;

 Explorar o comércio com os árabes e persas entre os séculos IX e XV;.

 Compreender o comércio regional e de longa distância com o interior da África;

 Examinar o impacto do comércio nas sociedades de agricultores em Moçambique

Formação dos primeiros estados de Moçambique

O Estado do Zimbabwe

O estado do Zimbabwe existiu entre 1250 e 1450. Ele foi um dos primeiros, senão mesmo o
primeiro a surgir no território que é hoje Moçambique, se bem que a sua maior parte se
localizasse no actual Zimbabwe. A palavra “Zimbabwe” (plural madzimbabwe), significa casa de
pedra e a designação “estado do Zimbabwe” advem do facto de as classes dominantes terem
feito rodear as suas habitações por amuralhados de pedra (Newitt, 1997). Seu ponto de origem
e centro do Estado localiza-se no território do actual zimbabwe, mas em Moçambique teve
uma das suas ramificações em Manyikeni.

O Estado do Zimbabwe foi fundado por povos que praticavam a cultura Leopards Kopje, cuja
base económica era a prática de agricultura e mineração (Newitt, 1997).
O Estado dos Mwenemutapa

Segundo Newitt (1997), o estado de Mwenemutapa nasceu da desintegração do estado do


Zimbabwe por volta do ano 1440-1450, quando Mutota juntamente com os seus exércitos
invadiu o planalto Zimbabweano vindo fixar-se em Moçambique.

A decisão de Mutota mudar- se para o próximo do rio Zambeze com uma parte da população
karanga foi motivada pelos seguintes factores (Hedges, 1993):

a) Políticos: As contradições surgidas entre os chefes dos clãs Rozwi e Torwa pelo
controlo do comércio com a costa.

b) Económicos: O Zambeze é uma óptima via de comunicação e de transporte de


mercadorias.

c) Demográficos: O aumento populacional numa região pouco fértil, como era a região
do grande Zimbabwe.

d) Naturais: A redução do caudal das águas do rio Save, dificultando a comunicação o


com a costa.

Os Estados Marave

De acordo com Hedges (1993), os estados marave foram formados entre os séculos XIII e XV,
na região a sul do malawi, incluindo Tete em Moçambique, por povos vindos da região de
Luba, no Congo.

Segundo Medeiros (1988), os estados Marave começaram a formar-se após a chegada, ao sul
do Malawi, de emigrantes, provavelmente oriundos da região Luba do Congo, liderados pelo
clã Phiri. Segundo dados arqueológicos afixação dos Phiri-Caronga terá ocorrido entre 1200-
1400.

Os povos phiri cuja linhagem dominante era a dos Caronga não constituíram apenas um
estado, mas vários, na medida em que registaram-se, entre os invasores, conflitos dinásticos
que levaram a fragmentação do clã original e ao surgimento de novas linhagens que se
estabeleceram a Oeste, Sul e Sudeste do território ocupado pelos Caronga, dando lugar a
novos estados (Medeiros, 1988).

O comércio com os árabes (SEC IX XV)

Segundo Newitt (1997), os primeiros mercadores que actuaram em Moçambique foram os


árabe-persa, provenientes da Península Arábica e do Golfo-Pérsico . Pioneiros na navegação
pelo oceano Índico os árabes exploraram a costa oriental da África estabelecendo relações
comerciais e cumprindo o papel de intermediários entre a África Oriental e a Ásia, abasteciam-
se de ouro, escravos, marfim, cascas de tartaruga, cera de abelha, conchas preciosas, chifres
de rinoceronte e âmbar. Os árabes já haviam desempenhado este mesmo papel de
intermediários no comércio anteriormente entre a África ocidental e a Europa através do Saara
e, também, entre a Ásia e o Norte da África para inserir os produtos asiáticos no circuito dos
negócios venezianos que detinha monopólio no Mediterrâneo (Ki-Zerbo, 2009).

Acredita-se que a chegada dos árabes a costa de Moçambique se deu no século VI devido a
escavações no sul de Moçambique que revelaram peças de cerâmica do Golfo Pérsico que
datam um período anterior aos 700. No entanto, o estreitamento dessas relações só iria
ocorrer no século XII, quando para além das relações comerciais estabelecidas a muito, os
árabes começaram a fixar-se na Costa Oriental de África e consequentemente em
Moçambique (Cachat, 2018)

Para Jesus (2020) , aos poucos os árabes começaram a se estabelecer, preferencialmente nas
ilhas por motivos estratégicos: defesa de possíveis ataques dos nativos7 e o controle e
participação no comércio marítimo. Essa fixação não se interiorizou, mas ainda assim
estabelecia contatos com os nativos aos quais recebiam a denominação árabe zanji (pretos).
Este contato acabou por ocasionar a conversão de muitos chefes locais para a religião
muçulmana e a união matrimonial entre mulheres africanas das famílias reinantes e árabes
com intuito de afunilar as relações comerciais e exercer alguma influência política nas chefias
locais. O resultado dessas uniões será uma miscigenação e a mescla das culturas bantu e
árabe, dando origem aos chamados suaílis (Jesus, 2020).

Impacto do comércio nas sociedades de agricultores

O comercio resultaram impactos e influências mútuas nas formas de vida económica política e
sócio-cultural (João, 2013):

No Plano Económico

 Desenvolvimento do comércio;

 Introdução de novas plantas e animais;

 Desenvolvimento das técnicas de navegação e de construção naval.

No Plano Cultural

 A islamização da costa Norte de Moçambique, ou seja, a adopção da religião, hábitos,


do vestuário e outras práticas árabes.

 Surgimento de novos grupos linguísticos – Naharra na Ilha de Moçambique, Koti em


Angoche, Kimwani em Moma, etc.

No Plano Político

 O surgimento dos primeiros estados em Moçambique. Com a expansão comercial e o


advento do Islão, esses núcleos da costa estruturaram-se em comunidades políticas
como os xeicados e os sultanatos, cujas independências ou subordinações, entre si ou
em relação às potências Swahili da costa ao norte de Moçambique ou as ilhas
Comores, foram variando ao longo do tempo.

Os primeiros contatos mercantil em Moçambique


Os primeiros contatos mercantis em Moçambique remontam à antiguidade, quando a região
costeira da África Oriental começou a ser integrada às redes comerciais que conectavam
diferentes partes do mundo. Esses contatos foram impulsionados pela localização geográfica
estratégica de Moçambique ao longo da costa do Oceano Índico, tornando-a um ponto de
parada crucial para os comerciantes que navegavam entre a África, o Oriente Médio, a Índia e
outras regiões da Ásia (MINEDH, 2014).

Rotas Comerciais Transoceânicas

De acordo com a MINEDH (2014) as rotas comerciais transoceânicas conectavam civilizações


ao longo da costa leste da África às regiões mais distantes do Oriente Médio e da Ásia.
Comerciantes árabes, persas, indianos e chineses viajavam pelo Oceano Índico em busca de
valiosas especiarias, seda, porcelana e outros bens exóticos. As comunidades costeiras de
Moçambique, como Sofala, Ilha de Moçambique e Quelimane, começaram a se tornar pontos
de encontro para essa atividade comercial.

Cidades Comerciais e Centros de Troca

Segundo Souto (1996), Cidades costeiras como Sofala se tornaram importantes centros
comerciais e pontos de troca. O ouro, o marfim e outros recursos do interior eram trazidos
para essas cidades e trocados por bens de luxo trazidos pelos comerciantes estrangeiros.
Ainda, Souto argumenta que à medida que o comércio se desenvolvia, as cidades cresciam e se
tornavam locais de interação cultural, onde diferentes grupos étnicos e religiões se
encontravam e influenciavam mutuamente.

Influência Cultural e Religiosa

Ora, o comércio não apenas trouxe bens materiais, mas também influências culturais e
religiosas. Muitos dos comerciantes que navegavam para Moçambique eram muçulmanos, o
que levou à disseminação do Islã ao longo da costa (MINEDH, 2014). Mesquitas foram
construídas, e a religião islâmica se enraizou nas comunidades locais, deixando um impacto
duradouro na cultura e nas práticas religiosas.

Interações e Complexidade

À medida que as rotas comerciais se expandiam, as sociedades de Moçambique começaram a


se envolver em interações mais complexas com comerciantes de diferentes origens (MINEDH,
2014). Essas interações muitas vezes envolviam trocas de mercadorias, mas também ideias,
costumes e tecnologias. Os comerciantes estrangeiros introduziam novas técnicas agrícolas,
métodos de artesanato e até mesmo sistemas monetários.

Comercio regional e de longa distância com interior de África

O comércio regional e de longa distância com o interior da África foi importante para o
desenvolvimento econômico, cultural e político das sociedades africanas ao longo da história.
Essas redes comerciais permitiram que as comunidades trocassem bens, conhecimentos e
culturas em uma escala que abrangeu todo o continente africano e além. Segundo Medeiros
(1988), essas interações comerciais exerceu um papel essencial no desenvolvimento das
sociedades africanas, permitindo a troca de recursos valiosos entre diferentes regiões.

De acordo com Newitt (1997), as rotas comerciais terrestres, fluviais e marítimas conectavam
diferentes partes da África e ligavam o continente a outras partes do mundo, como o Oriente
Médio, a Ásia e a Europa. Os produtos comercializados variavam de acordo com as regiões e as
necessidades locais, mas incluíam comumente itens como ouro, marfim, sal, escravos,
produtos agrícolas, minerais, objetos artesanais e até mesmo gado (Hedges, 1993; Ki-Zerbo,
2009).

A influência do comércio não se limitava à troca de bens; também tinha um impacto profundo
na cultura e na sociedade. O contato com diferentes grupos étnicos e culturas resultava em
intercâmbio de ideias, práticas religiosas, línguas e tecnologias (Cachat, 2018). Muitas cidades
africanas, como Timbuktu no Mali, Gao na Nigéria e Axum na Etiópia, floresceram como
importantes centros comerciais, como destacado por Jesus (2020). Essas cidades se tornaram
locais de aprendizado, onde estudiosos e mercadores se reuniam para trocar conhecimento e
bens.

Os impérios africanos também tiveram um papel importante nesse contexto. Segundo Ki-
Zerbo (2009), impérios como o Mali, Songhai e Axum prosperaram devido ao controle de rotas
comerciais lucrativas.

Infelizmente, como apontado por Newitt (1997) e Jesus (2020), uma parte sombria do
comércio de longa distância na África envolveu a captura e o comércio de escravos, que eram
vendidos principalmente para mercados europeus e árabes. Essa parte sombria do comércio
deixou cicatrizes profundas na história africana.

O declínio das rotas comerciais tradicionais ocorreu durante o período colonial, quando as
potências europeias impuseram seu controle sobre muitas regiões africanas e reorganizaram
as economias locais para atender às suas necessidades (Medeiros, 1988; Newitt, 1997). As
rotas comerciais foram interrompidas ou redirecionadas para atender às demandas coloniais."

África oriental e o médio oriente: árabes e persa

Os árabes e persas exerceram um papel significativo ao longo da história, tanto na África


oriental e o médio oriente. Durante séculos, esses grupos estabeleceram rotas comerciais
entre a África Oriental e o Médio Oriente, aproveitando a localização geográfica estratégica de
Moçambique.

Os árabes, devido à sua experiência em navegação e conhecimento das rotas marítimas, foram
pioneiros na construção de laços comerciais com a África Oriental, incluindo Moçambique. Eles
trouxeram especiarias, seda, porcelana e outros produtos do Médio Oriente e da Ásia para
trocar por ouro, marfim e escravos africanos. Essa interação contribuiu para a diversificação
econômica e cultural da região.

Os persas também não ficaram de fora, desempenharam um papel importante no comércio.


Eles eram conhecidos por suas habilidades comerciais e contribuíram para o intercâmbio de
produtos entre o Médio Oriente, a Índia e a África Oriental. Através de suas redes comerciais,
os persas facilitaram o movimento de bens valiosos, ajudando a estabelecer conexões
econômicas duradouras.

Conclusão
Ao longo da história, Moçambique desempenhou um papel vital nas rotas comerciais que
ligavam diferentes partes do mundo. O comércio moldou a formação dos primeiros estados,
como o Estado do Zimbabwe e o Estado dos Mwenemutapa, influenciando sua estrutura
política e econômica. As interações comerciais com os árabes e persas enriqueceram a cultura
local e introduziram novos produtos e conhecimentos. Além disso, o comércio regional e de
longa distância com o interior da África fomentou o desenvolvimento econômico e cultural das
sociedades locais.

No entanto, não se pode ignorar os aspectos sombrios do comércio, como o tráfico de


escravos, que deixou marcas profundas na história de Moçambique. As influências culturais,
religiosas e tecnológicas provenientes das interações comerciais moldaram as sociedades de
agricultores, resultando em uma complexa teia de trocas mútuas.

Este estudo oferece uma visão abrangente das interações comerciais que moldaram a história
de Moçambique e destaca a importância desses eventos para a compreensão da evolução
social, econômica e cultural do país. A pesquisa enfatiza a necessidade contínua de explorar as
conexões entre o comércio e a história das sociedades africanas, a fim de capturar plenamente
a rica tapeçaria de influências que moldaram o continente ao longo dos séculos.

Referências bibliográficas

João, T. M. (2013). A Penetração Árabe em Moçambique. Imprensa da Universidade de


Coimbra.

Souto, A. N. (1996). Guia Bibliográfico para o estudante da História de Moçambique. Maputo:


UEM/CEA.

MINEDH. Módulo 6 de História: Os estados em Moçambique e a Penetração Mercantil


Estrangeira. Instituto De Educação Aberta e à Distância (IEDA), Moçambique, s/d.

Medeiros, E. (1988). As etapas da escravatura no norte de Moçambique. Maputo: Edição do


Arquivo Histórico de Moçambique.

Newitt, M. (1997). História de Moçambique. Lisboa: Publicações Europa-América.


Hedges, David (ed) (1993). História de Moçambique. Moçambique no auge do colonialismo,
1930-1961, vol. III. Maputo: UEM.

KI-ZERBO, Joseph. História da África Negra. Mem Martins: Publicações Europa-América, 2009.

CACHAT, Séverine. Ilha de Moçambique uma herança ambígua. Maputo: Alcance Editores,
2018.

Jesus. C., N.., (2020) Tráfico de escravos e comércio árabe em Moçambique, Revista Eletrônica
Discente História.com, Cachoeira, v. 7, n. 14, p. 144-155

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