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História de Moçambique

A penetração portuguesa em Moçambique, iniciada no


início do século XVI, só em 1885 - com a partilha de
África pelas potências europeias durante a Conferência
de Berlim - se transformou numa ocupação militar, ou
seja, na submissão total dos estados ali existentes, que le-
vou, nos inícios do século XX a uma verdadeira adminis-
tração colonial.
Depois de uma guerra de libertação que durou cerca de
10 anos, Moçambique tornou-se independente em 25 de
Junho de 1975.

1 História Pré-Colonial

1.1 Primeiros habitantes de Moçambique

Os primeiros habitantes de Moçambique foram prova-


velmente os Khoisan, que eram caçadores-recolectores.
Há cerca de 10.000 anos a costa de Moçambique já ti-
nha o perfil aproximado do que apresenta hoje em dia:
uma costa baixa, cortada por planícies de aluvião e par-
cialmente separada do Oceano Índico por um cordão de
dunas. Esta configuração confere à região uma grande
fertilidade, ostentando ainda hoje grandes extensões de
savana onde pululam muitos animais indígenas. Havia
portanto condições para a fixação de povos caçadores-
recolectores e até de agricultores.
Mapa de Moçambique. Nos séculos I a IV, a região começou a ser invadida pelos
Bantu (ver expansão bantu), que eram agricultores e já
conheciam a metalurgia do ferro[1][2][3][4][5][6][7] . A base
Moçambique é um país da África Austral, situado na da economia dos Bantu era a agricultura, principalmente
costa do Oceano Índico, com cerca de 20 milhões de ha- de cereais locais, como a mapira (sorgo) e a mexoeira;
bitantes (2004). Foi uma colónia portuguesa, que se tor- a olaria, tecelagem e metalurgia encontravam-se tam-
nou independente em 25 de Junho de 1975. bém desenvolvidas, mas naquela época a manufactura
A história de Moçambique encontra-se documentada destinava-se a suprir as necessidades familiares e o
pelo menos a partir do século X, quando um estudioso comércio era efectuado por troca directa. Por essa razão,
viajante árabe, Al-Masudi descreveu uma importante ac- a estrutura social era bastante simples - baseada na “fa-
tividade comercial entre as nações da região do Golfo mília alargada” (ou linhagem) à qual era reconhecido um
Pérsico e os “Zanj” (os negros) da “Bilad as Sofala", que chefe. Os nomes destas linhagens nas línguas locais são,
incluía grande parte da costa norte e centro do actual Mo- entre outros: em eMakua, o Nlocko, em ciYao, Liwele,
çambique. em ciChewa, Pfuko e em chiTsonga, Ndangu.

No entanto, vários achados arqueológicos permitem ca- Apesar da sociedade moçambicana se ter tornado muito
racterizar a “pré-história” de Moçambique (antes da mais complexa, muitas das regras tradicionais de organi-
escrita) por muitos séculos antes. Provavelmente o zação ainda se encontram baseadas na “linhagem”.
evento mais importante dessa pré-história terá sido a fi- Entre os séculos IX e XIII começaram a fixar-se na costa
xação nesta região dos povos bantu que, não só eram oriental de África populações oriundas da região do Golfo
agricultores, mas introduziram aqui a metalurgia do ferro, Pérsico, que era naquele tempo um importante centro co-
entre os séculos I a IV. mercial. Estes povos fundaram entrepostos na costa afri-

1
2 2 HISTÓRIA COLONIAL

cana e muitos geógrafos daquela época referiram-se a um 1.3 O Império dos Mwenemutapas
activo comércio com as “terras de Sofala", incluindo a
troca de tecidos da Índia por ferro, ouro e outros metais. A invasão e conquista do norte do planalto zimbabweano
De facto, o ferro era tão importante que se pensa que pelas tropas de Nhatshimba Mutota, em 1440-1450, deu
as “aspas” de ferro - em forma de X, com cerca de 30 origem a um novo estado dominado pela dinastia dos
cm de comprimento, que formam abundantes achados Mwenemutapas. Estes invasores, que também falavam
arqueológicos nesta região - eram utilizadas como moeda. a língua chiShona estabeleceram a sua capital num local
Mais tarde, aparentemente esta “moeda” foi substituída próximo do rio Zambeze, no norte da actual província
por outra: tubos de penas de aves cheias de ouro em pó moçambicana de Manica.
- os meticais cujo nome deu origem à actual moeda de No século XVI, o Império dos Mwenemutapas tinha
Moçambique. estendido o seu domínio a uma região limitada pelo
Com o crescimento demográfico, novas invasões e prin- rio Zambeze, a norte, o Oceano Índico, a leste, o rio
cipalmente com a chegada dos mercadores, a estrutura Limpopo a sul e chegando a sua influência quase ao
política tornou-se mais complexa, com linhagens do- deserto do Kalahari a sudoeste. Porém, esta última re-
minando outras e finalmente, formando-se verdadeiros gião poderia estar sobre a alçada de outros estados, como
estados na região. Um dos mais importantes foi o pri- os reinos de Butua e Venda, que terão estabelecido com
meiro estado do Zimbabwe. os Mwenemutapas relações de boa vizinhança.
Para além de esta ser uma região fértil e não estar afec-
tada pela mosca tsé-tsé, permitindo a criação de gado, o
1.2 O Primeiro Estado do Zimbabwe que contribuiu para a estabilidade e crescimento das po-
pulações, as minas de ouro estavam principalmente loca-
lizadas no interior. Por essa razão, o domínio das rotas
Embora os povos que falavam a língua chiShona - ainda
comerciais que constituíam o Zambeze, por um lado, e
hoje a principal língua do Zimbabwe, com cerca de sete
de Sofala, mais a sul, conferiu aos Mwenemutapas - era
milhões de falantes, em vários dialectos - se tenham ins-
a aristocracia que controlava o comércio - uma grande
talado na região cerca do ano 500, o primeiro estado do
riqueza.
Zimbabwe existiu aproximadamente entre 1250 e 1450
aproximadamente na região da actual República do Zim- Foi o ouro que determinou a fixação na costa do Oceano
babwe. O seu nome deriva dos amuralhados de pedra Índico, primeiro dos mercadores e colonos árabes oriun-
que a aristocracia fazia construir à volta das suas habi- dos da região do Golfo Pérsico, ainda no século XII, e
tações e que se chamavam madzimbabwe.[8] O que pa- depois dos portugueses, no dealbar do século XVI.
rece ter sido a capital deste estado - o actual monumento
do Grande Zimbabwe - cobria uma superfície considerá-
vel (incluindo não só a área dentro dos amuralhados, mas
também uma grande "cidade" de caniço, à volta daque-
2 História Colonial
les), levando a pensar que tinha uma população de várias
2.1 A chegada dos portugueses a Moçam-
centenas, talvez milhares de habitantes, e uma grande ac-
tividade comercial. bique e o declínio do Império dos Mwe-
Em Moçambique conhecem-se também ruínas de mad- nemutapas
zimbabwe, a mais importante das quais chamada
Manyikeni, a cerca de 50 km de Vilankulo, na provín-
cia de Inhambane, e a cerca de 450 km do Grande Zim-
babwe.
Para além da grande fertilidade da região onde este estado
se estabeleceu, o apogeu do primeiro estado do Zimbabwe
deve estar ligado à mineração e metalurgia do ouro, muito
procurado pelos mercadores originários da zona do Golfo
Pérsico que já demandavam as “terras de Sofala", pelo
menos desde o século XII.
Cerca de 1450, o Grande Zimbabwe foi abandonado,
não se conhecendo as razões desse abandono mas, pela
mesma altura, verificou-se uma grande invasão de povos
também de língua chiShona que deu origem ao Império
dos Mwenemutapas. Estes invasores submeteram os po- Gravura da Ilha de Moçambique (1598)
vos duma região que se estendeu até ao Oceano Índico,
desde o rio Zambeze até a actual cidade de Inhambane, Quando Vasco da Gama chegou pela primeira vez a Mo-
pelo que não é claro o abandono do Grande Zimbabwe. çambique, em 1497, já existiam entrepostos comerciais
2.3 Os Prazos 3

árabes e uma grande parte da população tinha aderido ao gens dominantes locais, o clã dominante. Mais recente-
Islão. mente, o escritor António Rita Ferreira utilizou esta de-
Os mercadores portugueses, apoiados por exércitos pri- signação para o conjunto de tribos ali existente.
vados, foram-se infiltrando no império dos Mwenemuta- Uma característica importante é que todos os povos da
pas, umas vezes firmando acordos, noutras forçando-os. região, embora apresentem hoje uma grande diversidade
Em 1530 foi fundada a povoação portuguesa de Sena, em de línguas (do grupo de Bantu sul-central, das famílias
1537, de Tete, no rio Zambeze, e em 1544 de Quelimane, ciNyanja, ciYao e eMakuwa) tem como forma de organi-
na costa do Oceano Índico, assenhorando-se da rota entre zação da sociedade a matrilineariedade, ou seja, a trans-
as minas e o oceano. Em 1607 obtiveram do rei a conces- missão dos poderes “mágicos” e da propriedade - do pró-
são de todas as minas de ouro do seu território. Em 1627, prio “poder” - é feita por casamento com a mulher da
o Mwenemutapa Capranzina, hostil aos portugueses, foi linhagem que o detém.
deposto e substituído pelo seu tio Mavura; os portuguesesOs Phiri terão utilizado esse poder para expandir a sua
baptizaram-no e este declarou-se vassalo de Portugal. dominação e, mais tarde, os prazeiros portugueses fize-
Os Mwenemutapas reinaram até finais do século XVII, ram o mesmo.
altura em que foram substituídos pela dinastia dos
Changamira Dombos, outro grupo Shona que dominava
o reino Butua, contribuindo assim para a extensão terri- 2.3 Os Prazos
torial do império. As relações dos Changamiras com os
portugueses tiveram altos e baixos mas, em 1693, houve Ver artigo principal: Prazos da Coroa
um levantamento armado em que os soldados portugue-
ses que residiam na capital foram escorraçados, várias
Por volta de 1600, Portugal começou a enviar para Mo-
igrejas destruídas e os portugueses impedidos, durante
çambique colonos, muitos de origem indiana, que que-
algum tempo, de ter acesso ao ouro e ao comércio com
riam fixar-se naquele território. Esses colonos, muitas
os reinos indígenas.
vezes casavam com as filhas de chefes locais e estabe-
Por essa altura, no entanto, os portugueses controlavam leciam linhagens que, entre o comércio e a agricultura,
o vale do Zambeze e começaram a interessar-se mais podiam tornar-se poderosas.
pelo marfim, empreendimento que levavam a cabo por
Em meados do século XVII, o governo português decide
acordo com os estados Marave (ver abaixo). O impé-
que as terras ocupadas por portugueses em Moçambique
rio dos Mwenemutapa, embora com menos poder econó-
pertenciam à coroa e estes passavam a ter o dever de
mico, manteve-se até meados do século XIX, altura em
arrendá-las a prazos que eram definidos por 3 gerações e
que foi desmembrado pelos Estados Militares que se for-
transmitidos por via feminina. Esta tentativa de assegu-
maram como resistência dos prazeiros à administração
rar a soberania na colónia recente, não foi muito exitosa
portuguesa.
porque, de facto, os “muzungos” e as “donas” já tinham
Finalmente, a administração colonial portuguesa e britâ- bastante poder, mesmo militar, com os seus exércitos de
nica em África terminou com o poder político dos chefes “xicundas”, e muitas vezes se opunham à administração
então existentes. colonial, que era obrigada a responder igualmente pela
força das armas.
Não só estes senhores feudais não pagavam renda ao Es-
2.2 O Império Marave tado português, como organizaram um sistema de cobrar
o “mussoco” (um imposto individual em espécie, devido
Os maraves saíram de Sul do Congo, onde habitavam e por todos os homens válidos, maiores de 16 anos) aos
fixaram-se ao norte do actual Malawi, entre 1200 á 1400
camponeses que cultivavam nas suas terras. Além disso,
DC, sob o comando do chefe Karoga, tendo feito a sua mineravam ouro, marfim e escravos, que comerciavam
segunda migração para Marávia, nas cordilheiras de Dza- em troca de panos e missangas que recebiam da Índia e
ramanha, onde se dividiram em dois clãs: os Phiris e os de Lisboa. Até 1850, Cuba foi o principal destino dos
Bandas. escravos provenientes da Zambézia.
Os estados Marave foram um conjunto de pequenos Em 1870, era apenas em Quelimane (sem conseguir pe-
reinos formados na margem norte do rio Zambeze e netrar no “Estado da Maganja da Costa") onde Portu-
que se tornaram importantes na história da penetração gal exercia alguma autoridade, cobrando o “mussoco”,
portuguesa nesta região. instituído e cobrado pelos prazeiros. Isto, apesar de,
A origem do nome é desconhecida, mas aparece em tex- em 1854, o governo português ter “extinguido” os Pra-
tos antigos (séculos XVII e XVIII) e ainda hoje está asso- zos (pela segunda vez, a primeira tinha sido em 1832).
ciada ao de um distrito da província de Tete, a Marávia. Outros decretos do mesmo ano extinguiam a escrava-
O nome foi utilizado com referência à fixação nesta re- tura (oficialmente, uma vez que os “libertos” eram le-
gião, entre 1200 e 1400, de um povo, cujo clã dominante, vados à força para as ilhas francesas do Oceano Índico
denominado Phiri, se tornou, por alianças com as linha- (Maurícia ou “ilha de França” e Reunião ou “ilha Bour-
4 2 HISTÓRIA COLONIAL

bon”, com o estatuto de “contratados”) e o imposto indi- falta de preparação (ou de vocação), mas também por
vidual, substituindo-o pelo imposto de palhota, uma es- falta de capital. O resultado foi terem sido obrigados a
pécie de contribuição predial. subarrendar ou vender os seus prazos, terminando assim
Na margem direita do rio Zambeze e na margem es- a fase feudal desta porção de Moçambique.
querda da actual província de Tete, os prazos começaram
a ser atacados, em 1830, pelos nguni que fugiam durante
2.4 Os Estados Ajaua
o mfecane mas, aparentemente, os prazos da Zambézia
escaparam a essa sorte. Mas, apesar de “ressuscitados”
No rico planalto do Niassa, fixaram-se os bantu ajaua
por António Enes, o grande ideólogo do colonialismo
(ou yao e também pronunciado jauá), agricultores e
pós-escravatura, não resistiram ao capital das grandes
caçadores, mas também comerciantes que, no século
companhias. Depois de serem engolidos por estas, vi-
XVIII, já islamizados, muito contribuíram para o tráfico
ram a administração colonial organizar-se finalmente - já
de escravos. No século XIX, esta população expandiu-
na segunda metade do século XIX - e utilizar a sua estru-
se para oeste (incluindo o Malawi) e organizou estados
tura feudal, depois de transformados os “xicundas” em
poderosos no planalto, entre os quais, o Mataca, o Mu-
sipaios, para submeterem os povos da região.
tarica, o Mukanjila e o Jalassi. Estes estados só foram
Por volta de 1870, começaram a estabelecer-se em Que- dominados pelos portugueses através da Companhia do
limane várias companhias europeias, já não interessadas Niassa.
em escravos, nem em marfim, mas sim em oleaginosas
- amendoim, gergelim e copra - muito procuradas nas
indústrias recém-criadas de óleo alimentar, sabões e ou- 2.5 O Império de Gaza
tras. No princípio, comercializando com os prazeiros,
induziram-nos a forçarem os seus camponeses a culti- Ver artigo principal: Império de Gaza
var estes produtos. Exemplos dessas companhias são a O Estado de Gaza foi fundado por Sochangane (tam-
“Fabre & Filhos” e a “Régie Ainé", ambas com sede em
Marselha, a “Oost Afrikaansch Handelshuis”, holandesa,
e a “Companhia Africana de Lisboa”. A “Oost” chegou a
abrir em Sena uma sucursal para incentivar nessa região
a produção de amendoim.
Mas a agricultura familiar não produzia as quantida-
des desejadas, era necessário organizar plantações. É
nessa altura que o governador da “província ultramarina”,
Augusto de Castilho, cuja administração estava desejosa
de ter uma base tributária para manter a ocupação do ter-
ritório, emite em 1886 uma “portaria provincial” regu-
lando a cobrança do “mussoco” nos Prazos (que tinham
sido “extintos” pela terceira vez seis anos antes), que
incluía a obrigatoriedade dos homens válidos pagarem
aquele imposto, se não em produtos, então em trabalho; é
dessa forma que começam a organizar-se as grandes plan-
tações de coqueiros e, mais tarde, de sisal e cana sacarina.
Em 1890, o futuro “Comissário Régio” António Enes de-
creta, numa revisão do Código de Trabalho Rural de 1875
(que estabelecia apenas a obrigação "moral" dos colonos
[leia-se camponeses indígenas] de produzirem bens para
comercialização), que o camponês já não tem a opção de
Gungunhana, o último imperador de Gaza.
pagar o “mussoco” em géneros: "…O arrendatário [dos
Prazos] fica obrigado a cobrar dos colonos em trabalho
bém conhecido por Manicusse, 1821-1858) como resul-
rural, pelo menos metade da capitação de 800 réis, pa-
tado do Mfecane, um grande conflito despoletado entre
gando esse trabalho aos adultos na razão de 400 réis por
os Zulu por consequência do assassinato de Chaca (ou
semana e aos menores na de 200 réis.”
Shaka) em 1828, que culminou com a invasão de grandes
Esse decreto impunha ainda aos prazeiros a ocupação áreas da África Austral por exércitos Nguni. O Império
efectiva das terras arrendadas e o pagamento à autori- de Gaza, no seu apogeu, abrangia toda a área costeira en-
dade colonial da respectiva renda. Mas os prazeiros não tre os rios Zambeze e Maputo e tinha a sua capital em
tinham conseguido converter a sua actividade de simples Manjacaze, na actual província moçambicana de Gaza.
fornecedores de escravos ou de pequenas quantidades de
O rei de Gaza dominou os reis Tonga (possivelmente
produtos na de organização das plantações, não só por
o mesmo que Tsonga, da língua chiTsonga, a língua
2.8 A Administração Colonial Portuguesa 5

actualmente dominante na região sul de Moçambique) foi introduzido o “imposto de palhota”, ou seja, a obriga-
através dos membros da sua linhagem, os Nguni, co- toriedade de cada família pagar um imposto em dinheiro;
merciando marfim, que recebia como tributo, com os como a população nativa não estava habituada às trocas
portugueses, estabelecidos na costa (principalmente em por dinheiro (para além de produzir para a própria so-
Lourenço Marques e Inhambane). brevivência), eram obrigados a trabalhar sob prisão - o
Aparentemente, Sochangane não fazia comércio de trabalho forçado, chamado em Moçambique “chibalo";
escravos - os seus guerreiros eram principalmente da sua mais tarde, as famílias nativas foram obrigadas a cultivar
linhagem -, nem devolvia aos portugueses os escravos que produtos de rendimento, como algodão ou tabaco, que
eram comercializados por aquelas companhias.
fugiam para a sua guarda.
Com a sua morte, sucedeu-lhe o seu filho Mawewe que
decidiu, em 1859, atacar os seus irmãos para ganhar mais 2.8 A Administração Colonial Portuguesa
poder. Apenas um irmão, Mzila (ou Muzila) conseguiu
fugir para o Transvaal, onde organizou um exército para
atacar o seu irmão. A guerra durou até 1864 e, entretanto,
a capital do reino mudou-se do vale do rio Limpopo para
Mossurize, a norte do rio Save, na actual província mo-
çambicana de Manica.
Foi em Mossurize que, em 1884, ascendeu ao trono
Nguni, Gungunhana, filho de Muzila. Gungunhana re-
gressa a Manjacaze em 1889, aparentemente pressionado
pelos exploradores de ouro de Manica e falta de apoios
locais. Em Gaza, Gungunhana prosseguiu a política de
seu pai de assimilação dos reinos locais, os “Tonga” e de
resistência à dominação portuguesa, mas essa resistência
não durou mais de seis anos. Gungunhana foi preso e
Gaza finalmente submetida à administração colonial.

2.6 Os Estados Islâmicos da Costa Brasão da anterior província ultramarina de Moçambique.

Até finais do século XIX, a presença oficial portuguesa


A partir do século X, os mercadores árabes que demanda-
em Moçambique limitava-se a umas poucas capitanias ao
vam as costas de "Sofala" foram difundindo o islão entre
longo da costa. Portugal, bem estabelecido em Goa, de
as populações costeiras, mas foi apenas após a instala-
onde vinham directamente as ordens relativas a Moçam-
ção em Zanzibar dum xeicado dependente do sultanato
bique, contava que os comerciantes que se iam estabe-
de Oman, no século XVII, que começaram a organizar-
se pequenos estados de organização islâmica. lecendo no interior do território formassem o substrato
para uma administração efectiva. Naquela época, o fun-
Na província de Nampula, no norte de Moçambique, damental era o controlo do comércio, primeiro do ouro,
formaram-se o “Xeicado de Quitangonha”, “Reino nos séculos XVI e XVII, depois do marfim e dos escravos.
de Sancul”, “Xeicado de Sangage” e “Sultanato de No entanto, a administração colonial náo conseguia se-
Angoche". quer cobrar os impostos relativos a esse comércio.
Entretanto, em 1686, o Vice-Rei português baptizava, em
2.7 As Companhias Majestáticas Diu, a “Companhia dos Mazanes”, formada por ricos co-
merciantes indianos, à qual eram dados privilégios no co-
Em 1878, Portugal decide fazer a concessão de grandes mércio entre aquele território e Moçambique. Ao abrigo
parcelas do território de Moçambique a companhias pri- desta companhia, começaram a fixar-se em Moçambique
vadas que passaram a explorar a colónia, as companhias dezenas de comerciantes indianos, suas famílias e em-
majestáticas, assim chamadas, porque tinham direitos pregados. Apesar das boas relações entre os indianos e
quase soberanos sobre essas parcelas de território e seus os governantes coloniais, a situação financeira da colónia
habitantes. As principais foram a Companhia do Niassa não melhorou.
e a Companhia de Moçambique. Em 1752, em face da decadência da Ilha de Moçambique,
Como Portugal tinha sido obrigado a ilegalizar o o governo do Marquês de Pombal decidiu retirar a colónia
comércio de escravos em 1842, apesar de fechar os olhos africana da dependência do Vice-Rei do Estado da Índia
ao comércio clandestino, e não tinha condições para ad- e nomear um governador-geral, que passou a habitar o
ministrar todo o território, deu a estas companhias pode- Palácio dos Capitães-Generais, confiscado aos jesuítas.
res para instituir e cobrar impostos. Foi nessa altura que Só depois da visita do “Emissário Régio”, António Enes,
6 2 HISTÓRIA COLONIAL

em 1895 e dos acordos com o Transvaal para a edifica- çambique confinava-se a Lourenço Marques mas, com o
ção da linha férrea, decidiu o governo colonial mudar a início da exploração das minas de ouro do Transvaal, no
capital da “província” para Lourenço Marques e, com a ano seguinte, e o consequente aumento do tráfego naquele
debandada das companhias majestáticas, organizar uma porto, os portugueses decidiram finalmente organizar o
administração efectiva de Moçambique. Essa adminis- controlo das populações desta região. Estas constituíam
tração, que foi encetada no então distrito de Lourenço um mercado, não só para os produtos exportados de Por-
Marques (que incluía as actuais províncias de Maputo e tugal (em particular as bebidas alcoólicas), mas também
Gaza), tinha a forma de “circunscrições indígenas”, cujos de mão-de-obra para as minas sul-africanas, dificultando
administradores tinham igualmente as funções de juízes. a sua mobilização para a construção do caminho-de-ferro
Eram coadjuvados pelos régulos, nas “regedorias” em que ligaria o Transvaal ao porto de Lourenço Marques.
que as circunscrições se dividiam, que eram membros da
No ano seguinte, foi nomeado um Comissário-Residente
aristocracia africana (portanto, aceites pelas populações)
para Gaza, que foi “promovido” a Intendente Geral em
que aceitavam colaborar com o governo colonial; as suas
1889, com a transferência de Gungunhana de Mossurize
principais funções eram cobrar o “imposto de palhota” e para Manjacaze; em 1888, foi estabelecido um posto mi-
organizar a mão-de-obra para as minas do Rand e para as
litar perto de Marracuene e, em 1890, foi nomeado um
necessidades da administração. Comissário-Residente para Lourenço Marques. Entre-
Com a abolição da escravatura por decreto régio, em tanto, em 1888, as autoridades coloniais reavivaram os
1875, e o seu declínio real, uns dez anos depois, o go- “Termos de Vassalagem" com os reinos da região.
verno colonial viu-se obrigado a transformar Moçambi- Mas estas medidas não foram suficientes, nem para co-
que de uma colónia para extracção de recursos naturais, brar o “imposto de palhota” (contribuição por família,
num território que devia produzir bens para seu consumo expresso nos “Termos de Vassalagem”, fixado naquela
e para exportação para a “metrópole”. Essa foi a motiva- altura em 340 réis), nem para assegurar o recrutamento
ção principal para o estabelecimento duma administração de mão-de-obra, uma vez que o trabalho nas minas sul-
efectiva, embora também pesassem as pressões interna- africanas rendia seis vezes mais do que os concessionários
cionais decorrentes da Conferência de Berlim e das pre- do caminho-de-ferro pagavam. Em 1892, o governo de
tensões territoriais dos britânicos e holandeses. Lisboa enviou a Moçambique António Enes como Co-
missário Régio, para avaliar as condições económicas da
2.9 A Ocupação Militar de Nampula Província e, no mesmo ano, os portugueses conseguiram
realizar uma cobrança maciça do imposto, ameaçando os
Os estados islâmicos da costa (Xeicado de Quitangonha, indígenas de verem as suas palhotas queimadas, se não
Reino de Sancul, Xeicado de Sangage e Sultanato de An- pagassem.
goche), em aliança com os pequenos reinos macuas do Em 1891, Gungunhana assinou com Cecil Rhodes um
interior conseguiram, até ao fim do século XIX, resistir acordo relativo a direitos sobre a exploração de miné-
à dominação portuguesa. Com uma técnica que, já na- rio nas suas terras, a favor da Companhia Britânica Sul-
quela época, era considerada de guerrilha (Teixeira Bo- Africana, a troco dum pagamento anual de cerca de
telho. 1936. História Militar e Política dos Portugueses 500 libras. Tornava-se claro para os portugueses que só
em Moçambique. 1º vol. Centro Tipográfico Colonial, uma acção militar poderia forçar o estabelecimento da
Lisboa, citado em UEM, 1982). autoridade colonial na região. Esta acção, conhecida na
Depois de muitas tentativas, em 1905, os portugueses en- altura como "Campanha de Pacificação", foi despoletada
cetaram uma nova tática, enviando grandes colunas mi- pela recusa de Mahazula Magaia, um chefe tradicional da
litares a partir da Ilha de Moçambique e Mossuril, que região de Marracuene, em aceitar a decisão do Comis-
avançavam ao longo dos rios, submetendo os chefes ma- sário Residente sobre uma disputa de terras. A questão
cuas. Nos locais onde conseguiam a colaboração des- chegou a vias de facto, quando a guarnição militar portu-
tes, organizaram “Circunscrições” com uma administra- guesa foi forçada a fugir para Lourenço Marques, perse-
ção incipiente, mas efectiva; onde não o conseguissem, guida pelos exércitos de Magaia, Zihlahla e Moamba, que
instalavam “Capitanias-Mores” de base militar. Dessa cercaram a cidade entre Outubro e Novembro de 1894.
forma, conseguiram dividir o território e as suas popu- António Enes organizou as suas tropas e, no dia 2 de Fe-
lações, incentivando as rivalidades entre si e com os es-
vereiro de 1895, perseguiu e derrotou (embora com di-
tados islâmicos, que acabaram por entrar em declínio e ficuldade e pesadas baixas) os atacantes em Marracuene.
foram finalmente subjugados à administração colonial. Este dia continua a ser celebrado naquela vila com uma
cerimónia chamada "Gwaza Muthine". Os chefes rebel-
des refugiaram-se em Gaza, sob a protecção de Gungu-
2.10 A resistência à ocupação colonial no nhana. Depois de várias tentativas de negociações com
sul de Moçambique o rei de Gaza, pedindo a extradição daqueles chefes, os
portugueses resolveram atacar de novo. A 8 de Setem-
Em 1885 (ano da Conferência de Berlim - da partilha de bro, travou-se a batalha de Magul, onde se encontrava
África), a autoridade colonial portuguesa no sul de Mo-
2.13 O Estado Novo 7

Zihlahla e, a 7 de Novembro, uma outra coluna proveni- encarregados da colecta do imposto-de-palhota, do recru-
ente de Inhambane defrontou-se com o exército de Gun- tamento de trabalhadores para a administração e da proi-
gunhana em Coolela, perto da sua capital. Em Dezembro, bição da venda de quaisquer bebidas alcoólicas que não
Mouzinho de Albuquerque cercou Chaimite e prendeu o fossem provenientes da Metrópole.
imperador, que ali se tinha refugiado, mandando-o de- Para além disso e, na impossibilidade de impedir a
pois para os Açores, onde veio a morrer. migração de trabalhadores para as minas sul-africanas,
O exército de Gungunhana continuou a resistir à autori- firmou um acordo, primeiro com a República Sul-
dade colonial, sob a liderança de Maguiguane Cossa, que Africana e, quando esta foi submetida pelos britânicos,
só foi derrotado a 21 de Julho de 1897, em Macontene (a com a respectiva autoridade, regulamentando o trabalho
10 km do Chibuto). Com esta vitória, a autoridade colo- migratório e assegurando o tráfico através do porto de
nial foi finalmente estabelecida no sul de Moçambique. Lourenço Marques. No primeiro acordo, o governo da
Província recebia uma taxa por cada trabalhador recru-
tado; mais tarde, o acordo incluía a retenção de metade
2.11 Companhia do Niassa e a ocupação de do salário dos mineiros, que era pago à colónia em ouro,
Cabo Delgado e Niassa sendo o montante respectivo entregue aos mineiros no seu
regresso, em moeda local.
A Companhia do Niassa foi formada por alvará régio de
1890, com poderes para administrar as actuais províncias
de Cabo Delgado e Niassa, desde o rio Rovuma ao rio 2.13 O Estado Novo
Lúrio e do Oceano Índico ao Lago Niassa, numa exten-
são de mais de 160 mil km². Com o apoio dum pequeno
exército fornecido pela administração colonial, formado
por 300 “soldados regulares” (leia-se portugueses) e 2800
“sipaios” (indígenas recrutados noutras regiões de Mo-
çambique), a Companhia tentou ocupar militarmente o
território a partir de 1899. Teve imediato êxito na con-
quista das terras do Chefe Mataca (ver Os Estados Ajaua,
acima), que tinha abandonado a sua sede, e assegurar
uma posição militar em Metarica, no Niassa. Em 1900
e 1902, tomou Messumba e Metangula, nas margens do
Lago Niassa.
Durante a Primeira Guerra Mundial, o território da Com-
panhia foi palco de várias operações de resistência por Proposta (não oficial) de bandeira para Moçambique enquanto
parte dos chefes locais e invadido pelos alemães (ver colónia.
Triângulo de Quionga). Para resistir a essa invasão, foi
aberta uma estrada de mais de 300 km, entre Mocím-
Ver artigo principal: Estado Novo (Portugal)
boa do Rovuma e Porto Amélia (actual Pemba), o que
significou a ocupação efectiva do planalto de Mueda; no
entanto, só em 1920 a Companhia conseguiu assegurar Com a "eleição" de Óscar Carmona, em 1928, que cha-
essa ocupação, depois de várias operações militares con- mou Salazar para seu ministro das finanças, a adminis-
tra os macondes, fortemente armados. Como se verá mais tração das colónias como fonte de matérias primas para
tarde, esta tribo foi um dos primeiros e principais supor- a indústria da “metrópole” tornou-se mais eficiente. Em
tes da Luta Armada de Libertação Nacional. 1930 foi publicado o Acto Colonial, legislação que orga-
nizava o papel do Estado nas colónias portuguesas:
Em 1929 extingue-se a Companhia do Niassa, passando
o território para a administração directa do governo colo-
nial. No entanto, as estruturas administrativas, na forma • a nomeação de administradores para as circunscri-
de circunscrições e regulados, asseguradas por agentes do ções “indígenas”, que passaram a organizar os seus
Estado, já tinham sido implantadas em grande parte do pequenos exércitos de sipaios;
território.
• os recenseamentos que determinavam a cobrança de
impostos e a “venda” de mão-de-obra para as minas
sul-africanas;
2.12 Política colonial entre 1900 e 1930
• a criação de “Tribunais Privativos dos Indígenas";
Com a derrota militar dos chefes locais, o governo da
Província pode finalmente organizar a administração do • a definição da Igreja Católica como principal força
território, com a instituição do Regulado. O governo re- “civilizadora” dos indígenas, passando a ser a prin-
crutava membros da aristocracia indígena como Régulos, cipal forma de educação.
8 3 HISTÓRIA PÓS-INDEPENDÊNCIA

Depois, com a nova constituição portuguesa em 1933, guerra de guerrilha para tentar forçar o governo portu-
Salazar e os seus braços nas colónias transportaram para guês a aceitar a independência das suas colónias. A Luta
África (e Índia) a repressão mais brutal sobre os indíge-Armada de Libertação Nacional foi lançada oficialmente
nas, ao mesmo tempo em que incentivavam os seus cida- em 25 de Setembro de 1964, com um ataque ao posto ad-
dãos mais pobres a emigrarem para essas terras. ministrativo de Chai no atual distrito de Macomia, pro-
Na década de 1950, o governo colonial lançou os Planos víncia de Cabo Delgado.
de Fomento para as colónias, incluindo o financiamento A guerra de libertação, uma luta de guerrilha, expandiu-
à construção de infraestruturas (principalmente as que se para as províncias de Niassa e Tete e durou cerca de
estavam relacionadas com o comércio regional, como 10 anos. Durante esse período, foram organizadas várias
os portos e caminhos de ferro) e à fixação de colonos. áreas onde a administração colonial já não tinha controlo
O I Plano de Fomento, relativo aos anos 1953-1958, - as Zonas Libertadas - e onde a FRELIMO instituiu um
previa um investimento em Moçambique de 1.848.500 sistema de governo baseado na sua necessidade em ter
contos, com 63% destinados às infraestrutura e 34% ao bases seguras, abastecimento em víveres e vias de comu-
“aproveitamento de recursos e povoamento". Ao abrigo nicação com as suas bases recuadas na Tanzânia e com as
deste investimento, em 1960 já tinham sido instaladas no frentes de combate.
colonato do Limpopo 1400 famílias. Finalmente, a guerra terminou com os Acordos de Lu-
Apenas na década de 1960 se deu início a alguma saka, assinados a 7 de Setembro de 1974 entre o governo
industrialização. português e a FRELIMO, na sequência da Revolução
dos Cravos. Ao abrigo desse acordo, foi formado um
Governo de Transição, chefiado por Joaquim Chissano,
2.14 A Guerra de Libertação que incluía ministros nomeados pelo governo português
e outros nomeados pela FRELIMO. A soberania portu-
Ver artigo principal: Luta Armada de Libertação guesa era representada por um Alto Comissário, Vítor
Nacional Crespo.

Para além das várias acções de resistência ao domí-


nio colonial, a última das quais culminou com a pri- 3 História Pós-Independência
são e deportação do imperador Gungunhana, a fase fi-
nal da luta de libertação de Moçambique começou com a Moçambique tornou-se independente de Portugal em 25
independência das colónias francesas e inglesas de África. de Junho de 1975. O primeiro governo, dirigido por
Em 1959-1960, formaram-se três movimentos formais Samora Machel, foi formado pela FRELIMO, a organi-
de resistência à dominação portuguesa de Moçambique: zação política que tinha negociado a independência com
Portugal.
• UDENAMO - União Democrática Nacional de Mo-
çambique;
• MANU - Mozambique African National Union (à 3.1 As nacionalizações
maneira da KANU do Quénia); e
O mandato deste primeiro governo de Moçambique in-
• UNAMI - União Nacional Africana para Moçambi- dependente era o de restituir ao povo moçambicano os
que Independente. direitos que lhe tinham sido negados pelas autoridades
coloniais.
Estes três movimentos tinham sede em países diferentes
Com esse fim, em 24 de Julho de 1975, o governo decla-
e uma base social e étnica também diferentes mas, em rou a nacionalização da Saúde, da Educação e da Justiça
1962, sob os auspícios de Julius Nyerere, primeiro pre- e, em 1976, das casas de rendimento, ou seja, qualquer
sidente da Tanzânia, estes movimentos uniram-se para moçambicano ou estrangeiro residente passou a ter di-
darem origem à FRELIMO - Frente de Libertação de reito a ser proprietário duma casa para habitação perma-
Moçambique - oficialmente fundada em 25 de Junho de nente e de uma de férias, mas perdeu o direito a arrendar
1962. casas de habitação a outrem. O governo assumiu a ges-
O primeiro presidente da FRELIMO foi o Dr. Eduardo tão das casas que estavam arrendadas nessa altura, for-
Chivambo Mondlane, um antropólogo que trabalhava na mando para isso uma empresa denominada Administra-
ONU e que já tinha tido contactos com um governante ção do Parque Imobiliário do Estado ou APIE.
português, Adriano Moreira. Nesta altura, ainda se pen- Em relação à Saúde, o governo transferiu para as unida-
sava que seria possível conseguir a independência das co-
des estatais (Ministério e hospitais), o equipamento e pes-
lónias portuguesas sem recorrer à luta armada. soal dos consultórios e clínicas privadas e das empresas
No entanto, os contactos diplomáticos estabelecidos não de funerais. Na Educação, o estado nomeou administra-
resultaram e a FRELIMO decidiu entrar pela via da dores para as escolas privadas, cujo pessoal passava à res-
3.4 A Guerra Civil 9

ponsabilidade do Estado. Muitas das unidades privadas O governo colonial tinha aproveitado as excelentes condi-
de saúde e educação pertenciam a igrejas cristãs, princi- ções naturais de Moçambique, em termos de clima, solos
palmente à Igreja Católica, e estas nacionalizações, asso-e água, para fomentar culturas de rendimento, como o
ciadas à propaganda oficial socialista e fortemente laica, algodão, o caju, o chá e outras baseando-se, quer em
também considerada como “anti-religiosa”, criaram um companhias privadas que detinham a concessão de vastas
clima de animosidade entre algumas destas igrejas e seus áreas onde exerciam o monopólio da venda de insumos
crentes e o estado (ou a FRELIMO, que era de facto a e da compra dos produtos, quer de instituições estatais
força política que comandava o estado). (como, por exemplo, o Instituto do Algodão) que apoi-
avam os agricultores nesses serviços, mas dando priori-
Estas nacionalizações foram a causa próxima para uma
vaga de abandono do país de muitos indivíduos que eram dade aos colonos portugueses agregados nos colonatos.
proprietários daqueles serviços sociais ou simplesmente O novo governo de Moçambique decidiu que o desenvol-
se encontravam habituados aos serviços de determina- vimento agrícola deveria ter como base as cooperativas
dos especialistas ou ao atendimento exclusivo; como es- agrícolas - às quais o governo deveria assegurar o aprovi-
ses indivíduos, na maioria portugueses, eram muitas ve- sionamento em sementes e outros insumos e, ao mesmo
zes igualmente proprietários de fábricas, barcos de pesca tempo, a compra da produção de rendimento - com os
ou outros meios de produção, o governo viu-se obrigado camponeses organizados em aldeias comunais, que eram
a assumir a gestão dessas unidades de produção. Numa agregados populacionais, onde o governo iria apoiar na
primeira fase, organizou-se, para as unidades mais pe- construção de infraestruturas sociais, como escolas, cen-
quenas, um sistema de auto-gestão em que comités de tros de saúde e rede viária, mas tendo como base o poder
trabalhadores, normalmente organizados pelas células da económico das cooperativas e a mão de obra rural.
FRELIMO, também chamadas Grupos Dinamizadores, A organização das cooperativas e mesmo das aldeias co-
assumiam a gestão de facto. munais não foi difícil, dado o clima de euforia e de
Mais tarde, em face da falta de capacidade de gestão e das organização que se vivia naqueles primeiros anos da
dificuldades económicas prevalecentes, o governo come- independência, mas a acção do estado em termos de
çou a aglutinar pequenas empresas do mesmo ramo, pri- aprovisionamento e de compra da produção, e mesmo
meiro em Unidades de Direcção e depois em Empresas da organização das infraestruturas sociais, não conseguiu
Estatais. acompanhar o esforço dos camponeses.
Então, no início dos anos 1980 - quando o Presidente Sa-
mora “decretou” a década de 1981-1990 como a “década
3.2 As Empresas Estatais da vitória sobre o subdesenvolvimento" - o estado mudou
a sua estratégia para a organização de grandes empresas
As primeiras Empresas Estatais (EE) foram formadas estatais no campo, essa organização tomava a forma de
ainda dentro do mesmo espírito de que o Estado deve- machambas estatais. Pretendia-se com essa estratégia
ria assegurar ao Povo os bens de primeira necessidade que os camponeses continuassem a produzir a sua base
“livres” da exploração mercantilista. Uma destas empre- alimentar (dentro da forma de organização dos Bantu é a
sas foi uma “importação” das zonas libertadas: a EE das Mulher que assegura a alimentação da família), enquanto
Lojas do Povo, uma empresa de grandes supermercados as terras dos antigos colonatos passavam a ser geridas
de comércio geral. centralmente e a sua produção assegurada com base na
Outras EE do ramo comercial foram a PESCOM, que mão-de-obra local.
assegurava a importação e distribuição de carapau, que
era a base proteica mais facilmente disponível e, mais
tarde, da exportação do camarão e outros mariscos das
3.4 A Guerra Civil
EE de pesca; a ENACOMO que era uma importadora e
exportadora de produtos principalmente agrícolas; a ME-
DIMOC, ainda hoje existente, que assegurava a importa- Ver artigo principal: Guerra de desestabilização de
ção de medicamentos e material hospitalar. Moçambique

Apesar da transição para a independência ter sido pací-


3.3 A socialização do campo fica, Moçambique não conheceu a Paz durante muitos
anos. Imediatamente a seguir à independência, alguns
Um dos pilares da estratégia de desenvolvimento dese- militares (ou ex-militares) portugueses e dissidentes da
nhada pela FRELIMO nos primeiros anos a seguir à FRELIMO instalaram-se na Rodésia, que vivia uma situ-
Independência foi a socialização do campo. Com esta ação de “independência unilateral” não reconhecida pela
política, o governo pretendia promover o aumento da pro- maior parte dos países do mundo. O regime de Ian Smith,
dução agrícola, uma vez que mais de 80% da população já a braços com um movimento interno de resistência
vivia nas zonas rurais, ao mesmo tempo que melhorava que aparentemente tinha algumas bases em Moçambique,
as suas condições de vida. aproveitou esses dissidentes para atacar essas bases.
10 3 HISTÓRIA PÓS-INDEPENDÊNCIA

De facto, a FRELIMO apoiava esses rebeldes rodesianos Mundial e FMI em 1987, que o obrigaram a abandonar
e, em 1976, o governo de Moçambique declarou ofici- completamente a política "socialista". A guerra, porém,
almente aplicar as sanções estabelecidas pela ONU con- só terminou em 1992 com o Acordo Geral de Paz, assi-
tra o governo ilegal de Salisbúria e fechou as fronteiras nado em Roma a 4 de Outubro, pelo Presidente da Repú-
com aquele país. A Rodésia dependia em grande parte blica, Joaquim Chissano e pelo presidente da RENAMO,
do corredor da Beira, incluindo a linha de caminhos de Afonso Dhlakama, depois de cerca de dois anos de con-
ferro, a estrada e o oleoduto que ligavam o porto da Beira versações mediadas pela Comunidade de Santo Egídio,
àquele país encravado. Embora, a Rodésia tivesse boas uma organização da igreja católica, com apoio do governo
relações com o regime sul-africano do apartheid, este fe- italiano.
cho das suas fontes de abastecimento foi um duro golpe Nos termos do Acordo, o governo de Moçambique soli-
para o regime rodesiano.
citou o apoio da ONU para o desarmamento das tropas
Pouco tempo depois, para além de intensificarem os beligerantes. A ONUMOZ foi a força internacional que
ataques contra estradas, pontes e colunas de abasteci- apoiou neste trabalho, que durou cerca de dois anos e que
mento dentro de Moçambique, os rodesianos oferece- culminou com a formação dum exército unificado e com
ram aos dissidentes moçambicanos espaço para forma- a organização das primeiras eleições gerais multipartidá-
rem um movimento de resistência - a “REsistência NA- rias, em 1994.
cional MOçambicana” ou RENAMO - e criarem uma es-
tação de rádio usada para propaganda antigovernamental.
Até 1980, data da independência do Zimbabwe, a RE-
NAMO continuou os seus ataques a aldeias e infraestru- 3.5 O PRE ou início do neoliberalismo
turas sociais em Moçambique, semeando minas terres- económico
tres em várias estradas, principalmente nas regiões mais
próximas das fronteiras com a Rodésia. Estas acções ti-
Ver artigo principal: Programa de Reestruturação
veram um enorme papel desestabilizador da economia,
Económica
uma vez que não só obrigaram o governo a concentrar
importantes recursos numa máquina de guerra, mas prin-
cipalmente porque levaram ao êxodo de muitos milhares Com o objectivo de proteger o poder de compra da mai-
de pessoas do campo para as cidades e para os países vi- oria da população, o estado tinha fixado os preços dos
zinhos, diminuindo assim a produção agrícola. produtos de primeira necessidade e as taxas de câmbio.
Como os termos de troca se foram deteriorando e, entre-
Com a independência do Zimbabwe, a RENAMO foi
tanto, a guerra de desestabilização tinha já começado a
obrigada a mudar a sua base de apoio para a África do Sul,
fazer sentir os seus efeitos, o país viu-se sem divisas para
o que conseguiu com muito sucesso, tendo tido amplo
importar os bens de consumo e as matérias primas neces-
apoio das forças armadas sul-africanas. Para além disso,
sárias para o funcionamento da economia. O mercado
estas forças realizaram vários “raids” terrestres e aéreos
negro, tanto de bens de consumo, como de divisas, tinha
contra Maputo, alegadamente para destruírem “bases” do
tomado conta desta.
ANC. No entanto, o governo de Moçambique, que já ti-
nha secretamente encetado negociações com o governo O governo de Moçambique viu-se então obrigado a as-
sul-africano e com a própria RENAMO, assinou em 1983 sinar acordos com o Banco Mundial e FMI e lançar,
um acordo de “boa vizinhança” com aquele governo, que em 1987, um “Programa de Reestruturação Económica”,
ficou conhecido como o Acordo de Nkomati, segundo mais conhecido pela sigla PRE, que deveria modificar
o qual o governo sul-africano se comprometia a aban- a política económica de Moçambique e relançar a eco-
donar o apoio militar à RENAMO, enquanto que o go- nomia. A primeira medida que o governo tomou foi a
verno moçambicano se comprometia a deixar de apoiar desvalorização do Metical que, em cerca de dois anos
os militantes do ANC que se encontravam em Moçambi- atingiu mais de 1000%. Ao mesmo tempo, desinde-
que. xou os preços dos bens de consumo, com excepção dos
combustíveis (continuam até hoje, 2007, a ser indexados
Em 1986, a RENAMO tinha já estabelecido uma base
pelo governo) e do pescado, considerados produtos estra-
central na Gorongosa e expandido as acções militares
tégicos de consumo e exportação (o camarão).
para todas as províncias de Moçambique, contando ainda
com o apoio do Malawi, cujo governo tinha boas relações Em breve se seguiu o programa de privatização das em-
com o regime do apartheid. Nesta altura, a RENAMO presas estatais e intervencionadas. Uma das medidas
tinha conseguido alcançar um dos seus objectivos estra- tendentes a evitar o empobrecimento generalizado foi
tégicos que consistiu em obrigar o governo a abando- a transformação de algumas empresas estatais e bancos
nar a sua política de “socialização do campo” através das em sociedades anónimas, através da atribuição de quotas
aldeias comunais e machambas estatais. aos seus gestores, ou mesmo a números maiores de
funcionários. No entanto, a maior parte das empresas fo-
Em vista dos problemas económicos que Moçambique
ram privatizadas segundo as regras do Banco Mundial,
atravessava, o governo assinou um acordo com o Banco
que era a instituição mentora deste programa.
11

3.6 O Multipartidarismo • SERRA, Carlos (coord.). História de Moçambique:


Parte I - Primeiras Sociedades sedentárias e impacto
A Constituição de 1990 introduziu no sistema político dos mercadores, 200/300- 1885; Parte II - Agressão
moçambicano a possibilidade da organização de partidos imperialista, 1886-1930. Vol. 1, 2.ª edição, Ma-
políticos que poderiam passar a participar na governação puto, Livraria Universitária, Universidade Eduardo
do País. Mondlane, 2000.
As primeiras eleições multipartidárias realizaram-se em • SOUTHERN, Paul. Portugal: The Scramble for
1994, com a participação de vários partidos. A Frelimo Africa. Bromley, Galago Books, 2010.
foi o partido mais votado, passando a ter maioria no
parlamento e a constituir governo.
7 Ligações externas
4 Ver também • 20 anos de paz em Moçambique - Especial da DW

• Lista dos responsáveis pela administração colonial


de Moçambique

5 Referências
[1] http://www.sciencemag.org/cgi/data/1172257/DC1/1

[2] http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15340834

[3] http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19383166

[4] http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21109585

[5] http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21453002

[6] http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19425093

[7] http://beta.mnet.co.za/carteblanche/Article.aspx?Id=
2619

[8] Department of Arts of Africa, Oceania, and the Ameri-


cas. Great Zimbabwe (11th-15th century). In Heilbrunn
Timeline of Art History. Nova Iorque, The Metropolitan
Museum of Art, 2000. (em inglês)

6 Bibliografia
• FRENTE DE LIBERTAÇÃO DE MOÇAMBI-
QUE. História de Moçambique. Porto, Afronta-
mento, 1971. Disponível em (Consultado em 27
de Fevereiro de 2010)
• HEDGES, David (coord.). História de Moçambi-
que: Moçambique no auge do colonialismo 1930-
1961. Vol.2, 2.ª edição, Maputo, Livraria Univer-
sitária, Universidade Eduardo Mondlane, 1999.
• LAMBERT, Jean-Marie Lambert. História da
África Negra, Ed. Kelps, 2001.
• NEWITT, Malyn. História de Moçambique. Mem-
Martins, Publicações Europa-América, 1997.
• PÉLISSIER, René. História de Moçambique: for-
mação e oposição: 1854-1918. 2 vols., Lisboa, Edi-
torial Estampa, 1987-1988
12 8 FONTES, CONTRIBUIDORES E LICENÇAS DE TEXTO E IMAGEM

8 Fontes, contribuidores e licenças de texto e imagem


8.1 Texto
• História de Moçambique Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_de_Mo%C3%A7ambique?oldid=44435399 Contribui-
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de Oliveira Júnior, HVL, EmausBot, PedR, PauloEduardo, DARIO SEVERI, Tonton Bernardo, Halwinter, Zoldyick, Dexbot, Legobot,
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8.2 Imagens
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• Ficheiro:Coat_of_arms_of_Portuguese_East_Africa_(1935-1951).svg Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/
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Mozambique_%28proposal_1967%29.png Licença: CC BY-SA 1.0 Contribuidores: No machine-readable source provided. Own work
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