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História de Moçambique

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Mapa de Moçambique.

Moçambique é um país da África Austral, situado na costa do Oceano Índico, com cerca de
20 milhões de habitantes (2004). Foi uma colónia portuguesa, que se tornou independente em
25 de Junho de 1975.

A história de Moçambique encontra-se documentada pelo menos a partir do século X,


quando um estudioso viajante árabe, Al-Masudi descreveu uma importante actividade
comercial entre as nações da região do Golfo Pérsico e os "Zanj" (os negros) da "Bilad as
Sofala", que incluía grande parte da costa norte e centro do actual Moçambique.

No entanto, vários achados arqueológicos permitem caracterizar a "pré-história" de


Moçambique (antes da escrita) por muitos séculos antes. Provavelmente o evento mais
importante dessa pré-história terá sido a fixação nesta região dos povos bantu que, não só
eram agricultores, mas introduziram aqui a metalurgia do ferro, entre os séculos I a IV.

A penetração portuguesa em Moçambique, iniciada no início do século XVI, só em 1885 -


com a partilha de África pelas potências europeias durante a Conferência de Berlim - se
transformou numa ocupação militar, ou seja, na submissão total dos estados ali existentes,
que levou, nos inícios do século XX a uma verdadeira administração colonial.

Depois de uma guerra de libertação que durou cerca de 10 anos, Moçambique tornou-se
independente em 25 de Junho de 1975.
Índice
[esconder]

 1 História Pré-Colonial
o 1.1 Primeiros habitantes de Moçambique
o 1.2 O Primeiro Estado do Zimbabwe
o 1.3 O Império dos Mwenemutapas
 2 História Colonial
o 2.1 A chegada dos portugueses a Moçambique e o declínio do Império dos
Mwenemutapas
o 2.2 O Império Marave
o 2.3 Os Prazos
o 2.4 Os Estados Ajaua
o 2.5 O Império de Gaza
o 2.6 Os Estados Islâmicos da Costa
o 2.7 As Companhias Majestáticas
o 2.8 A Administração Colonial Portuguesa
o 2.9 A Ocupação Militar de Nampula
o 2.10 A resistência à ocupação colonial no sul de Moçambique
o 2.11 Companhia do Niassa e a ocupação de Cabo Delgado e Niassa
o 2.12 Política colonial entre 1900 e 1930
o 2.13 O Estado Novo
o 2.14 A Guerra de Libertação
 3 História Pós-Independência
o 3.1 As nacionalizações
o 3.2 As Empresas Estatais
o 3.3 A socialização do campo
o 3.4 A Guerra Civil
o 3.5 O PRE ou início do neoliberalismo económico
o 3.6 O Multipartidarismo
 4 Ver também
 5 Referências
 6 Bibliografia
 7 Ligações externas

História Pré-Colonial[editar | editar código-fonte]


Primeiros habitantes de Moçambique[editar | editar código-fonte]

Os primeiros habitantes de Moçambique foram provavelmente os Khoisan, que eram


caçadores-recolectores. Há cerca de 10.000 anos a costa de Moçambique já tinha o perfil
aproximado do que apresenta hoje em dia: uma costa baixa, cortada por planícies de aluvião e
parcialmente separada do Oceano Índico por um cordão de dunas. Esta configuração confere
à região uma grande fertilidade, ostentando ainda hoje grandes extensões de savana onde
pululam muitos animais indígenas. Havia portanto condições para a fixação de povos
caçadores-recolectores e até de agricultores.
Nos séculos I a IV, a região começou a ser invadida pelos Bantu (ver expansão bantu), que
eram agricultores e já conheciam a metalurgia do ferro1 2 3 4 5 6 7 . A base da economia dos
Bantu era a agricultura, principalmente de cereais locais, como a mapira (sorgo) e a
mexoeira; a olaria, tecelagem e metalurgia encontravam-se também desenvolvidas, mas
naquela época a manufactura destinava-se a suprir as necessidades familiares e o comércio
era efectuado por troca directa. Por essa razão, a estrutura social era bastante simples -
baseada na "família alargada" (ou linhagem) à qual era reconhecido um chefe. Os nomes
destas linhagens nas línguas locais são, entre outros: em eMakua, o Nlocko, em ciYao,
Liwele, em ciChewa, Pfuko e em chiTsonga, Ndangu.

Apesar da sociedade moçambicana se ter tornado muito mais complexa, muitas das regras
tradicionais de organização ainda se encontram baseadas na "linhagem".

Entre os séculos IX e XIII começaram a fixar-se na costa oriental de África populações


oriundas da região do Golfo Pérsico, que era naquele tempo um importante centro comercial.
Estes povos fundaram entrepostos na costa africana e muitos geógrafos daquela época
referiram-se a um activo comércio com as "terras de Sofala", incluindo a troca de tecidos da
Índia por ferro, ouro e outros metais.

De facto, o ferro era tão importante que se pensa que as "aspas" de ferro - em forma de X,
com cerca de 30 cm de comprimento, que formam abundantes achados arqueológicos nesta
região - eram utilizadas como moeda. Mais tarde, aparentemente esta "moeda" foi substituída
por outra: tubos de penas de aves cheias de ouro em pó - os meticais cujo nome deu origem à
actual moeda de Moçambique.

Com o crescimento demográfico, novas invasões e principalmente com a chegada dos


mercadores, a estrutura política tornou-se mais complexa, com linhagens dominando outras e
finalmente, formando-se verdadeiros estados na região. Um dos mais importantes foi o
primeiro estado do Zimbabwe.

O Primeiro Estado do Zimbabwe[editar | editar código-fonte]

Embora os povos que falavam a língua chiShona - ainda hoje a principal língua do
Zimbabwe, com cerca de sete milhões de falantes, em vários dialectos - se tenham instalado
na região cerca do ano 500, o primeiro estado do Zimbabwe existiu aproximadamente entre
1250 e 1450 aproximadamente na região da actual República do Zimbabwe. O seu nome
deriva dos amuralhados de pedra que a aristocracia fazia construir à volta das suas habitações
e que se chamavam madzimbabwe.8 O que parece ter sido a capital deste estado - o actual
monumento do Grande Zimbabwe - cobria uma superfície considerável (incluindo não só a
área dentro dos amuralhados, mas também uma grande "cidade" de caniço, à volta daqueles),
levando a pensar que tinha uma população de várias centenas, talvez milhares de habitantes, e
uma grande actividade comercial.

Em Moçambique conhecem-se também ruínas de madzimbabwe, a mais importante das quais


chamada Manyikeni, a cerca de 50 km de Vilankulo, na província de Inhambane, e a cerca de
450 km do Grande Zimbabwe.

Para além da grande fertilidade da região onde este estado se estabeleceu, o apogeu do
primeiro estado do Zimbabwe deve estar ligado à mineração e metalurgia do ouro, muito
procurado pelos mercadores originários da zona do Golfo Pérsico que já demandavam as
"terras de Sofala", pelo menos desde o século XII.

Cerca de 1450, o Grande Zimbabwe foi abandonado, não se conhecendo as razões desse
abandono mas, pela mesma altura, verificou-se uma grande invasão de povos também de
língua chiShona que deu origem ao Império dos Mwenemutapas. Estes invasores submeteram
os povos duma região que se estendeu até ao Oceano Índico, desde o rio Zambeze até a actual
cidade de Inhambane, pelo que não é claro o abandono do Grande Zimbabwe.

O Império dos Mwenemutapas[editar | editar código-fonte]

A invasão e conquista do norte do planalto zimbabweano pelas tropas de Nhatshimba Mutota,


em 1440-1450, deu origem a um novo estado dominado pela dinastia dos Mwenemutapas.
Estes invasores, que também falavam a língua chiShona estabeleceram a sua capital num
local próximo do rio Zambeze, no norte da actual província moçambicana de Manica.

No século XVI, o Império dos Mwenemutapas tinha estendido o seu domínio a uma região
limitada pelo rio Zambeze, a norte, o Oceano Índico, a leste, o rio Limpopo a sul e chegando
a sua influência quase ao deserto do Kalahari a sudoeste. Porém, esta última região poderia
estar sobre a alçada de outros estados, como os reinos de Butua e Venda, que terão
estabelecido com os Mwenemutapas relações de boa vizinhança.

Para além de esta ser uma região fértil e não estar afectada pela mosca tsé-tsé, permitindo a
criação de gado, o que contribuiu para a estabilidade e crescimento das populações, as minas
de ouro estavam principalmente localizadas no interior. Por essa razão, o domínio das rotas
comerciais que constituíam o Zambeze, por um lado, e de Sofala, mais a sul, conferiu aos
Mwenemutapas - era a aristocracia que controlava o comércio - uma grande riqueza.

Foi o ouro que determinou a fixação na costa do Oceano Índico, primeiro dos mercadores e
colonos árabes oriundos da região do Golfo Pérsico, ainda no século XII, e depois dos
portugueses, no dealbar do século XVI.

História Colonial[editar | editar código-fonte]


A chegada dos portugueses a Moçambique e o declínio do Império dos
Mwenemutapas[editar | editar código-fonte]

Gravura da Ilha de Moçambique (1598)


Quando Vasco da Gama chegou pela primeira vez a Moçambique, em 1497, já existiam
entrepostos comerciais árabes e uma grande parte da população tinha aderido ao Islão.

Os mercadores portugueses, apoiados por exércitos privados, foram-se infiltrando no império


dos Mwenemutapas, umas vezes firmando acordos, noutras forçando-os. Em 1530 foi
fundada a povoação portuguesa de Sena, em 1537, de Tete, no rio Zambeze, e em 1544 de
Quelimane, na costa do Oceano Índico, assenhorando-se da rota entre as minas e o oceano.
Em 1607 obtiveram do rei a concessão de todas as minas de ouro do seu território. Em 1627,
o Mwenemutapa Capranzina, hostil aos portugueses, foi deposto e substituído pelo seu tio
Mavura; os portugueses baptizaram-no e este declarou-se vassalo de Portugal.

Os Mwenemutapas reinaram até finais do século XVII, altura em que foram substituídos pela
dinastia dos Changamira Dombos, outro grupo Shona que dominava o reino Butua,
contribuindo assim para a extensão territorial do império. As relações dos Changamiras com
os portugueses tiveram altos e baixos mas, em 1693, houve um levantamento armado em que
os soldados portugueses que residiam na capital foram escorraçados, várias igrejas destruídas
e os portugueses impedidos, durante algum tempo, de ter acesso ao ouro e ao comércio com
os reinos indígenas.

Por essa altura, no entanto, os portugueses controlavam o vale do Zambeze e começaram a


interessar-se mais pelo marfim, empreendimento que levavam a cabo por acordo com os
estados Marave (ver abaixo). O império dos Mwenemutapa, embora com menos poder
económico, manteve-se até meados do século XIX, altura em que foi desmembrado pelos
Estados Militares que se formaram como resistência dos prazeiros à administração
portuguesa.

Finalmente, a administração colonial portuguesa e britânica em África terminou com o poder


político dos chefes então existentes.

O Império Marave[editar | editar código-fonte]

Os estados Marave foram um conjunto de pequenos reinos formados na margem norte do rio
Zambeze e que se tornaram importantes na história da penetração portuguesa nesta região.

A origem do nome é desconhecida, mas aparece em textos antigos (séculos XVII e XVIII) e
ainda hoje está associada ao de um distrito da província de Tete, a Marávia. O nome foi
utilizado com referência à fixação nesta região, entre 1200 e 1400, de um povo, cujo clã
dominante, denominado Phiri, se tornou, por alianças com as linhagens dominantes locais, o
clã dominante. Mais recentemente, Rita Ferreira utilizou esta designação para o conjunto de
tribos ali existente.

Uma característica importante é que todos os povos da região, embora apresentem hoje uma
grande diversidade de línguas (do grupo de Bantu sul-central, das famílias ciNyanja, ciYao e
eMakuwa) tem como forma de organização da sociedade a matrilineariedade, ou seja, a
transmissão dos poderes "mágicos" e da propriedade - do próprio "poder" - é feita por
casamento com a mulher da linhagem que o detém.

Os Phiri terão utilizado esse poder para expandir a sua dominação e, mais tarde, os prazeiros
portugueses fizeram o mesmo.
Os Prazos[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Prazos da Coroa

Por volta de 1600, Portugal começou a enviar para Moçambique colonos, muitos de origem
indiana, que queriam fixar-se naquele território. Esses colonos, muitas vezes casavam com as
filhas de chefes locais e estabeleciam linhagens que, entre o comércio e a agricultura, podiam
tornar-se poderosas.

Em meados do século XVII, o governo português decide que as terras ocupadas por
portugueses em Moçambique pertenciam à coroa e estes passavam a ter o dever de arrendá-
las a prazos que eram definidos por 3 gerações e transmitidos por via feminina. Esta tentativa
de assegurar a soberania na colónia recente, não foi muito exitosa porque, de facto, os
"muzungos" e as "donas" já tinham bastante poder, mesmo militar, com os seus exércitos de
"xicundas", e muitas vezes se opunham à administração colonial, que era obrigada a
responder igualmente pela força das armas.

Não só estes senhores feudais não pagavam renda ao Estado português, como organizaram
um sistema de cobrar o "mussoco" (um imposto individual em espécie, devido por todos os
homens válidos, maiores de 16 anos) aos camponeses que cultivavam nas suas terras. Além
disso, mineravam ouro, marfim e escravos, que comerciavam em troca de panos e missangas
que recebiam da Índia e de Lisboa. Até 1850, Cuba foi o principal destino dos escravos
provenientes da Zambézia.

Em 1870, era apenas em Quelimane (sem conseguir penetrar no "Estado da Maganja da


Costa") onde Portugal exercia alguma autoridade, cobrando o "mussoco", instituído e
cobrado pelos prazeiros. Isto, apesar de, em 1854, o governo português ter "extinguido" os
Prazos (pela segunda vez, a primeira tinha sido em 1832). Outros decretos do mesmo ano
extinguiam a escravatura (oficialmente, uma vez que os "libertos" eram levados à força para
as ilhas francesas do Oceano Índico (Maurícia ou "ilha de França" e Reunião ou "ilha
Bourbon", com o estatuto de "contratados") e o imposto individual, substituindo-o pelo
imposto de palhota, uma espécie de contribuição predial.

Na margem direita do rio Zambeze e na margem esquerda da actual província de Tete, os


prazos começaram a ser atacados, em 1830, pelos nguni que fugiam durante o mfecane mas,
aparentemente, os prazos da Zambézia escaparam a essa sorte. Mas, apesar de "ressuscitados"
por António Enes, o grande ideólogo do colonialismo pós-escravatura, não resistiram ao
capital das grandes companhias. Depois de serem engolidos por estas, viram a administração
colonial organizar-se finalmente - já na segunda metade do século XIX - e utilizar a sua
estrutura feudal, depois de transformados os "xicundas" em sipaios, para submeterem os
povos da região.

Por volta de 1870, começaram a estabelecer-se em Quelimane várias companhias europeias,


já não interessadas em escravos, nem em marfim, mas sim em oleaginosas - amendoim,
gergelim e copra - muito procuradas nas indústrias recém-criadas de óleo alimentar, sabões e
outras. No princípio, comercializando com os prazeiros, induziram-nos a forçarem os seus
camponeses a cultivar estes produtos. Exemplos dessas companhias são a "Fabre & Filhos" e
a "Régie Ainé", ambas com sede em Marselha, a "Oost Afrikaansch Handelshuis", holandesa,
e a "Companhia Africana de Lisboa". A "Oost" chegou a abrir em Sena uma sucursal para
incentivar nessa região a produção de amendoim.
Mas a agricultura familiar não produzia as quantidades desejadas, era necessário organizar
plantações. É nessa altura que o governador da "província ultramarina", Augusto de Castilho,
cuja administração estava desejosa de ter uma base tributária para manter a ocupação do
território, emite em 1886 uma "portaria provincial" regulando a cobrança do "mussoco" nos
Prazos (que tinham sido "extintos" pela terceira vez seis anos antes), que incluía a
obrigatoriedade dos homens válidos pagarem aquele imposto, se não em produtos, então em
trabalho; é dessa forma que começam a organizar-se as grandes plantações de coqueiros e,
mais tarde, de sisal e cana sacarina.

Em 1890, o futuro "Comissário Régio" António Enes decreta, numa revisão do Código de
Trabalho Rural de 1875 (que estabelecia apenas a obrigação "moral" dos colonos [leia-se
camponeses indígenas] de produzirem bens para comercialização), que o camponês já não
tem a opção de pagar o "mussoco" em géneros: "…O arrendatário [dos Prazos] fica
obrigado a cobrar dos colonos em trabalho rural, pelo menos metade da capitação de 800
réis, pagando esse trabalho aos adultos na razão de 400 réis por semana e aos menores na
de 200 réis."

Esse decreto impunha ainda aos prazeiros a ocupação efectiva das terras arrendadas e o
pagamento à autoridade colonial da respectiva renda. Mas os prazeiros não tinham
conseguido converter a sua actividade de simples fornecedores de escravos ou de pequenas
quantidades de produtos na de organização das plantações, não só por falta de preparação (ou
de vocação), mas também por falta de capital. O resultado foi terem sido obrigados a
subarrendar ou vender os seus prazos, terminando assim a fase feudal desta porção de
Moçambique.

Os Estados Ajaua[editar | editar código-fonte]

No rico planalto do Niassa, fixaram-se os bantu ajaua (ou yao e também pronunciado jauá),
agricultores e caçadores, mas também comerciantes que, no século XVIII, já islamizados,
muito contribuíram para o tráfico de escravos. No século XIX, esta população expandiu-se
para oeste (incluindo o Malawi) e organizou estados poderosos no planalto, entre os quais, o
Mataca, o Mutarica, o Mukanjila e o Jalassi. Estes estados só foram dominados pelos
portugueses através da Companhia do Niassa.

O Império de Gaza[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Império de Gaza


Gungunhana, o último imperador de Gaza.

O Estado de Gaza foi fundado por Sochangane (também conhecido por Manicusse, 1821-
1858) como resultado do Mfecane, um grande conflito despoletado entre os Zulu por
consequência do assassinato de Chaca (ou Shaka) em 1828, que culminou com a invasão de
grandes áreas da África Austral por exércitos Nguni. O Império de Gaza, no seu apogeu,
abrangia toda a área costeira entre os rios Zambeze e Maputo e tinha a sua capital em
Manjacaze, na actual província moçambicana de Gaza.

O rei de Gaza dominou os reis Tonga (possivelmente o mesmo que Tsonga, da língua
chiTsonga, a língua actualmente dominante na região sul de Moçambique) através dos
membros da sua linhagem, os Nguni, comerciando marfim, que recebia como tributo, com os
portugueses, estabelecidos na costa (principalmente em Lourenço Marques e Inhambane).

Aparentemente, Sochangane não fazia comércio de escravos - os seus guerreiros eram


principalmente da sua linhagem -, nem devolvia aos portugueses os escravos que fugiam para
a sua guarda.

Com a sua morte, sucedeu-lhe o seu filho Mawewe que decidiu, em 1859, atacar os seus
irmãos para ganhar mais poder. Apenas um irmão, Mzila (ou Muzila) conseguiu fugir para o
Transvaal, onde organizou um exército para atacar o seu irmão. A guerra durou até 1864 e,
entretanto, a capital do reino mudou-se do vale do rio Limpopo para Mossurize, a norte do rio
Save, na actual província moçambicana de Manica.

Foi em Mossurize que, em 1884, ascendeu ao trono Nguni, Gungunhana, filho de Muzila.
Gungunhana regressa a Manjacaze em 1889, aparentemente pressionado pelos exploradores
de ouro de Manica e falta de apoios locais. Em Gaza, Gungunhana prosseguiu a política de
seu pai de assimilação dos reinos locais, os "Tonga" e de resistência à dominação portuguesa,
mas essa resistência não durou mais de seis anos. Gungunhana foi preso e Gaza finalmente
submetida à administração colonial.

Os Estados Islâmicos da Costa[editar | editar código-fonte]

A partir do século X, os mercadores árabes que demandavam as costas de "Sofala" foram


difundindo o islão entre as populações costeiras, mas foi apenas após a instalação em
Zanzibar dum xeicado dependente do sultanato de Oman, no século XVII, que começaram a
organizar-se pequenos estados de organização islâmica.

Na província de Nampula, no norte de Moçambique, formaram-se o "Xeicado de


Quitangonha", "Reino de Sancul", "Xeicado de Sangage" e "Sultanato de Angoche".

As Companhias Majestáticas[editar | editar código-fonte]

Em 1878, Portugal decide fazer a concessão de grandes parcelas do território de Moçambique


a companhias privadas que passaram a explorar a colónia, as companhias majestáticas, assim
chamadas, porque tinham direitos quase soberanos sobre essas parcelas de território e seus
habitantes. As principais foram a Companhia do Niassa e a Companhia de Moçambique.
Como Portugal tinha sido obrigado a ilegalizar o comércio de escravos em 1842, apesar de
fechar os olhos ao comércio clandestino, e não tinha condições para administrar todo o
território, deu a estas companhias poderes para instituir e cobrar impostos. Foi nessa altura
que foi introduzido o "imposto de palhota", ou seja, a obrigatoriedade de cada família pagar
um imposto em dinheiro; como a população nativa não estava habituada às trocas por
dinheiro (para além de produzir para a própria sobrevivência), eram obrigados a trabalhar sob
prisão - o trabalho forçado, chamado em Moçambique "chibalo"; mais tarde, as famílias
nativas foram obrigadas a cultivar produtos de rendimento, como algodão ou tabaco, que
eram comercializados por aquelas companhias.

A Administração Colonial Portuguesa[editar | editar código-fonte]

Brasão da anterior província ultramarina de Moçambique.

Até finais do século XIX, a presença oficial portuguesa em Moçambique limitava-se a umas
poucas capitanias ao longo da costa. Portugal, bem estabelecido em Goa, de onde vinham
directamente as ordens relativas a Moçambique, contava que os comerciantes que se iam
estabelecendo no interior do território formassem o substrato para uma administração
efectiva. Naquela época, o fundamental era o controlo do comércio, primeiro do ouro, nos
séculos XVI e XVII, depois do marfim e dos escravos. No entanto, a administração colonial
náo conseguia sequer cobrar os impostos relativos a esse comércio.

Entretanto, em 1686, o Vice-Rei português baptizava, em Diu, a "Companhia dos Mazanes",


formada por ricos comerciantes indianos, à qual eram dados privilégios no comércio entre
aquele território e Moçambique. Ao abrigo desta companhia, começaram a fixar-se em
Moçambique dezenas de comerciantes indianos, suas famílias e empregados. Apesar das boas
relações entre os indianos e os governantes coloniais, a situação financeira da colónia não
melhorou.

Em 1752, em face da decadência da Ilha de Moçambique, o governo do Marquês de Pombal


decidiu retirar a colónia africana da dependência do Vice-Rei do Estado da Índia e nomear
um governador-geral, que passou a habitar o Palácio dos Capitães-Generais, confiscado aos
jesuítas.
Só depois da visita do "Emissário Régio", António Enes, em 1895 e dos acordos com o
Transvaal para a edificação da linha férrea, decidiu o governo colonial mudar a capital da
"província" para Lourenço Marques e, com a debandada das companhias majestáticas,
organizar uma administração efectiva de Moçambique. Essa administração, que foi encetada
no então distrito de Lourenço Marques (que incluía as actuais províncias de Maputo e Gaza),
tinha a forma de "circunscrições indígenas", cujos administradores tinham igualmente as
funções de juízes. Eram coadjuvados pelos régulos, nas "regedorias" em que as
circunscrições se dividiam, que eram membros da aristocracia africana (portanto, aceites
pelas populações) que aceitavam colaborar com o governo colonial; as suas principais
funções eram cobrar o "imposto de palhota" e organizar a mão-de-obra para as minas do
Rand e para as necessidades da administração.

Com a abolição da escravatura por decreto régio, em 1875, e o seu declínio real, uns dez anos
depois, o governo colonial viu-se obrigado a transformar Moçambique de uma colónia para
extracção de recursos naturais, num território que devia produzir bens para seu consumo e
para exportação para a "metrópole". Essa foi a motivação principal para o estabelecimento
duma administração efectiva, embora também pesassem as pressões internacionais
decorrentes da Conferência de Berlim e das pretensões territoriais dos britânicos e
holandeses.

A Ocupação Militar de Nampula[editar | editar código-fonte]

Os estados islâmicos da costa (Xeicado de Quitangonha, Reino de Sancul, Xeicado de


Sangage e Sultanato de Angoche), em aliança com os pequenos reinos macuas do interior
conseguiram, até ao fim do século XIX, resistir à dominação portuguesa. Com uma técnica
que, já naquela época, era considerada de guerrilha (Teixeira Botelho. 1936. História Militar
e Política dos Portugueses em Moçambique. 1º vol. Centro Tipográfico Colonial, Lisboa,
citado em UEM, 1982).

Depois de muitas tentativas, em 1905, os portugueses encetaram uma nova tática, enviando
grandes colunas militares a partir da Ilha de Moçambique e Mossuril, que avançavam ao
longo dos rios, submetendo os chefes macuas. Nos locais onde conseguiam a colaboração
destes, organizaram "Circunscrições" com uma administração incipiente, mas efectiva; onde
não o conseguissem, instalavam "Capitanias-Mores" de base militar. Dessa forma,
conseguiram dividir o território e as suas populações, incentivando as rivalidades entre si e
com os estados islâmicos, que acabaram por entrar em declínio e foram finalmente
subjugados à administração colonial.

A resistência à ocupação colonial no sul de Moçambique[editar | editar


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Em 1885 (ano da Conferência de Berlim - da partilha de África), a autoridade colonial


portuguesa no sul de Moçambique confinava-se a Lourenço Marques mas, com o início da
exploração das minas de ouro do Transvaal, no ano seguinte, e o consequente aumento do
tráfego naquele porto, os portugueses decidiram finalmente organizar o controlo das
populações desta região. Estas constituíam um mercado, não só para os produtos exportados
de Portugal (em particular as bebidas alcoólicas), mas também de mão-de-obra para as minas
sul-africanas, dificultando a sua mobilização para a construção do caminho-de-ferro que
ligaria o Transvaal ao porto de Lourenço Marques.
No ano seguinte, foi nomeado um Comissário-Residente para Gaza, que foi "promovido" a
Intendente Geral em 1889, com a transferência de Gungunhana de Mossurize para
Manjacaze; em 1888, foi estabelecido um posto militar perto de Marracuene e, em 1890, foi
nomeado um Comissário-Residente para Lourenço Marques. Entretanto, em 1888, as
autoridades coloniais reavivaram os "Termos de Vassalagem" com os reinos da região.

Mas estas medidas não foram suficientes, nem para cobrar o "imposto de palhota"
(contribuição por família, expresso nos "Termos de Vassalagem", fixado naquela altura em
340 réis), nem para assegurar o recrutamento de mão-de-obra, uma vez que o trabalho nas
minas sul-africanas rendia seis vezes mais do que os concessionários do caminho-de-ferro
pagavam. Em 1892, o governo de Lisboa enviou a Moçambique António Enes como
Comissário Régio, para avaliar as condições económicas da Província e, no mesmo ano, os
portugueses conseguiram realizar uma cobrança maciça do imposto, ameaçando os indígenas
de verem as suas palhotas queimadas, se não pagassem.

Em 1891, Gungunhana assinou com Cecil Rhodes um acordo relativo a direitos sobre a
exploração de minério nas suas terras, a favor da Companhia Britânica Sul-Africana, a troco
dum pagamento anual de cerca de 500 libras. Tornava-se claro para os portugueses que só
uma acção militar poderia forçar o estabelecimento da autoridade colonial na região. Esta
acção, conhecida na altura como "Campanha de Pacificação", foi despoletada pela recusa de
Mahazula Magaia, um chefe tradicional da região de Marracuene, em aceitar a decisão do
Comissário Residente sobre uma disputa de terras. A questão chegou a vias de facto, quando
a guarnição militar portuguesa foi forçada a fugir para Lourenço Marques, perseguida pelos
exércitos de Magaia, Zihlahla e Moamba, que cercaram a cidade entre Outubro e Novembro
de 1894.

António Enes organizou as suas tropas e, no dia 2 de Fevereiro de 1895, perseguiu e derrotou
(embora com dificuldade e pesadas baixas) os atacantes em Marracuene. Este dia continua a
ser celebrado naquela vila com uma cerimónia chamada "Gwaza Muthine". Os chefes
rebeldes refugiaram-se em Gaza, sob a protecção de Gungunhana. Depois de várias tentativas
de negociações com o rei de Gaza, pedindo a extradição daqueles chefes, os portugueses
resolveram atacar de novo. A 8 de Setembro, travou-se a batalha de Magul, onde se
encontrava Zihlahla e, a 7 de Novembro, uma outra coluna proveniente de Inhambane
defrontou-se com o exército de Gungunhana em Coolela, perto da sua capital. Em Dezembro,
Mouzinho de Albuquerque cercou Chaimite e prendeu o imperador, que ali se tinha
refugiado, mandando-o depois para os Açores, onde veio a morrer.

O exército de Gungunhana continuou a resistir à autoridade colonial, sob a liderança de


Maguiguane Cossa, que só foi derrotado a 21 de Julho de 1897, em Macontene (a 10 km do
Chibuto). Com esta vitória, a autoridade colonial foi finalmente estabelecida no sul de
Moçambique.

Companhia do Niassa e a ocupação de Cabo Delgado e Niassa[editar | editar


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A Companhia do Niassa foi formada por alvará régio de 1890, com poderes para administrar
as actuais províncias de Cabo Delgado e Niassa, desde o rio Rovuma ao rio Lúrio e do
Oceano Índico ao Lago Niassa, numa extensão de mais de 160 mil km². Com o apoio dum
pequeno exército fornecido pela administração colonial, formado por 300 "soldados
regulares" (leia-se portugueses) e 2800 "sipaios" (indígenas recrutados noutras regiões de
Moçambique), a Companhia tentou ocupar militarmente o território a partir de 1899. Teve
imediato êxito na conquista das terras do Chefe Mataca (ver Os Estados Ajaua, acima), que
tinha abandonado a sua sede, e assegurar uma posição militar em Metarica, no Niassa. Em
1900 e 1902, tomou Messumba e Metangula, nas margens do Lago Niassa.

Durante a Primeira Guerra Mundial, o território da Companhia foi palco de várias operações
de resistência por parte dos chefes locais e invadido pelos alemães (ver Triângulo de
Quionga). Para resistir a essa invasão, foi aberta uma estrada de mais de 300 km, entre
Mocímboa do Rovuma e Porto Amélia (actual Pemba), o que significou a ocupação efectiva
do planalto de Mueda; no entanto, só em 1920 a Companhia conseguiu assegurar essa
ocupação, depois de várias operações militares contra os macondes, fortemente armados.
Como se verá mais tarde, esta tribo foi um dos primeiros e principais suportes da Luta
Armada de Libertação Nacional.

Em 1929 extingue-se a Companhia do Niassa, passando o território para a administração


directa do governo colonial. No entanto, as estruturas administrativas, na forma de
circunscrições e regulados, asseguradas por agentes do Estado, já tinham sido implantadas em
grande parte do território.

Política colonial entre 1900 e 1930[editar | editar código-fonte]

Com a derrota militar dos chefes locais, o governo da Província pode finalmente organizar a
administração do território, com a instituição do Regulado. O governo recrutava membros da
aristocracia indígena como Régulos, encarregados da colecta do imposto-de-palhota, do
recrutamento de trabalhadores para a administração e da proibição da venda de quaisquer
bebidas alcoólicas que não fossem provenientes da Metrópole.

Para além disso e, na impossibilidade de impedir a migração de trabalhadores para as minas


sul-africanas, firmou um acordo, primeiro com a República Sul-Africana e, quando esta foi
submetida pelos britânicos, com a respectiva autoridade, regulamentando o trabalho
migratório e assegurando o tráfico através do porto de Lourenço Marques. No primeiro
acordo, o governo da Província recebia uma taxa por cada trabalhador recrutado; mais tarde,
o acordo incluía a retenção de metade do salário dos mineiros, que era pago à colónia em
ouro, sendo o montante respectivo entregue aos mineiros no seu regresso, em moeda local.

O Estado Novo[editar | editar código-fonte]

Proposta (não oficial) de bandeira para Moçambique enquanto colónia.


Ver artigo principal: Estado Novo (Portugal)
Com a "eleição" de Óscar Carmona, em 1928, que chamou Salazar para seu ministro das
finanças, a administração das colónias como fonte de matérias primas para a indústria da
"metrópole" tornou-se mais eficiente. Em 1930 foi publicado o Acto Colonial, legislação que
organizava o papel do Estado nas colónias portuguesas:

 a nomeação de administradores para as circunscrições "indígenas", que passaram a


organizar os seus pequenos exércitos de sipaios;
 os recenseamentos que determinavam a cobrança de impostos e a "venda" de mão-de-
obra para as minas sul-africanas;
 a criação de "Tribunais Privativos dos Indígenas";
 a definição da Igreja Católica como principal força "civilizadora" dos indígenas,
passando a ser a principal forma de educação.

Depois, com a nova constituição portuguesa em 1933, Salazar e os seus braços nas colónias
transportaram para África (e Índia) a repressão mais brutal sobre os indígenas, ao mesmo
tempo em que incentivavam os seus cidadãos mais pobres a emigrarem para essas terras.

Na década de 1950, o governo colonial lançou os Planos de Fomento para as colónias,


incluindo o financiamento à construção de infraestruturas (principalmente as que estavam
relacionadas com o comércio regional, como os portos e caminhos de ferro) e à fixação de
colonos. O I Plano de Fomento, relativo aos anos 1953-1958, previa um investimento em
Moçambique de 1.848.500 contos, com 63% destinados às infraestrutura e 34% ao
"aproveitamento de recursos e povoamento". Ao abrigo deste investimento, em 1960 já
tinham sido instaladas no colonato do Limpopo 1400 famílias.

Apenas na década de 1960 se deu início a alguma industrialização.

A Guerra de Libertação[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Luta Armada de Libertação Nacional

Para além das várias acções de resistência ao domínio colonial, a última das quais culminou
com a prisão e deportação do imperador Gungunhana, a fase final da luta de libertação de
Moçambique começou com a independência das colónias francesas e inglesas de África. Em
1959-1960, formaram-se três movimentos formais de resistência à dominação portuguesa de
Moçambique:

 UDENAMO - União Democrática Nacional de Moçambique;


 MANU - Mozambique African National Union (à maneira da KANU do Quénia); e
 UNAMI - União Nacional Africana para Moçambique Independente.

Estes três movimentos tinham sede em países diferentes e uma base social e étnica também
diferentes mas, em 1962, sob os auspícios de Julius Nyerere, primeiro presidente da
Tanzânia, estes movimentos uniram-se para darem origem à FRELIMO - Frente de
Libertação de Moçambique - oficialmente fundada em 25 de Junho de 1962.

O primeiro presidente da FRELIMO foi o Dr. Eduardo Chivambo Mondlane, um antropólogo


que trabalhava na ONU e que já tinha tido contactos com um governante português, Adriano
Moreira. Nesta altura, ainda se pensava que seria possível conseguir a independência das
colónias portuguesas sem recorrer à luta armada.
No entanto, os contactos diplomáticos estabelecidos não resultaram e a FRELIMO decidiu
entrar pela via da guerra de guerrilha para tentar forçar o governo português a aceitar a
independência das suas colónias. A Luta Armada de Libertação Nacional foi lançada
oficialmente em 25 de Setembro de 1964, com um ataque ao posto administrativo de Chai no
então distrito e, mais tarde, província de Cabo Delgado.

A guerra de libertação, uma luta de guerrilha, expandiu-se para as províncias de Niassa e Tete
e durou cerca de 10 anos. Durante esse período, foram organizadas várias áreas onde a
administração colonial já não tinha controlo - as Zonas Libertadas - e onde a FRELIMO
instituiu um sistema de governo baseado na sua necessidade em ter bases seguras,
abastecimento em víveres e vias de comunicação com as suas bases recuadas na Tanzânia e
com as frentes de combate.

Finalmente, a guerra terminou com os Acordos de Lusaka, assinados a 7 de Setembro de


1974 entre o governo português e a FRELIMO, na sequência da Revolução dos Cravos. Ao
abrigo desse acordo, foi formado um Governo de Transição, chefiado por Joaquim Chissano,
que incluía ministros nomeados pelo governo português e outros nomeados pela FRELIMO.
A soberania portuguesa era representada por um Alto Comissário, Vítor Crespo.

História Pós-Independência[editar | editar código-fonte]


Moçambique tornou-se independente de Portugal em 25 de Junho de 1975. O primeiro
governo, dirigido por Samora Machel, foi formado pela FRELIMO, a organização política
que tinha negociado a independência com Portugal.

As nacionalizações[editar | editar código-fonte]

O mandato deste primeiro governo de Moçambique independente era o de restituir ao povo


moçambicano os direitos que lhe tinham sido negados pelas autoridades coloniais.

Com esse fim, em 24 de Julho de 1975, o governo declarou a nacionalização da Saúde, da


Educação e da Justiça e, em 1976, das casas de rendimento, ou seja, qualquer moçambicano
ou estrangeiro residente passou a ter direito a ser proprietário duma casa para habitação
permanente e de uma de férias, mas perdeu o direito a arrendar casas de habitação a outrem.
O governo assumiu a gestão das casas que estavam arrendadas nessa altura, formando para
isso uma empresa denominada Administração do Parque Imobiliário do Estado ou APIE.

Em relação à Saúde, o governo transferiu para as unidades estatais (Ministério e hospitais), o


equipamento e pessoal dos consultórios e clínicas privadas e das empresas de funerais. Na
Educação, o estado nomeou administradores para as escolas privadas, cujo pessoal passava à
responsabilidade do Estado. Muitas das unidades privadas de saúde e educação pertenciam a
igrejas cristãs, principalmente à Igreja Católica, e estas nacionalizações, associadas à
propaganda oficial socialista e fortemente laica, também considerada como "anti-religiosa",
criaram um clima de animosidade entre algumas destas igrejas e seus crentes e o estado (ou a
FRELIMO, que era de facto a força política que comandava o estado).

Estas nacionalizações foram a causa próxima para uma vaga de abandono do país de muitos
indivíduos que eram proprietários daqueles serviços sociais ou simplesmente se encontravam
habituados aos serviços de determinados especialistas ou ao atendimento exclusivo; como
esses indivíduos, na maioria portugueses, eram muitas vezes igualmente proprietários de
fábricas, barcos de pesca ou outros meios de produção, o governo viu-se obrigado a assumir a
gestão dessas unidades de produção. Numa primeira fase, organizou-se, para as unidades
mais pequenas, um sistema de auto-gestão em que comités de trabalhadores, normalmente
organizados pelas células da FRELIMO, também chamadas Grupos Dinamizadores,
assumiam a gestão de facto.

Mais tarde, em face da falta de capacidade de gestão e das dificuldades económicas


prevalecentes, o governo começou a aglutinar pequenas empresas do mesmo ramo, primeiro
em Unidades de Direcção e depois em Empresas Estatais.

As Empresas Estatais[editar | editar código-fonte]

As primeiras Empresas Estatais (EE) foram formadas ainda dentro do mesmo espírito de
que o Estado deveria assegurar ao Povo os bens de primeira necessidade "livres" da
exploração mercantilista. Uma destas empresas foi uma "importação" das zonas libertadas: a
EE das Lojas do Povo, uma empresa de grandes supermercados de comércio geral.

Outras EE do ramo comercial foram a PESCOM, que assegurava a importação e distribuição


de carapau, que era a base proteica mais facilmente disponível e, mais tarde, da exportação do
camarão e outros mariscos das EE de pesca; a ENACOMO que era uma importadora e
exportadora de produtos principalmente agrícolas; a MEDIMOC, ainda hoje existente, que
assegurava a importação de medicamentos e material hospitalar.

A socialização do campo[editar | editar código-fonte]

Um dos pilares da estratégia de desenvolvimento desenhada pela FRELIMO nos primeiros


anos a seguir à Independência foi a socialização do campo. Com esta política, o governo
pretendia promover o aumento da produção agrícola, uma vez que mais de 80% da população
vivia nas zonas rurais, ao mesmo tempo que melhorava as suas condições de vida.

O governo colonial tinha aproveitado as excelentes condições naturais de Moçambique, em


termos de clima, solos e água, para fomentar culturas de rendimento, como o algodão, o caju,
o chá e outras baseando-se, quer em companhias privadas que detinham a concessão de
vastas áreas onde exerciam o monopólio da venda de insumos e da compra dos produtos, quer
de instituições estatais (como, por exemplo, o Instituto do Algodão) que apoiavam os
agricultores nesses serviços, mas dando prioridade aos colonos portugueses agregados nos
colonatos.

O novo governo de Moçambique decidiu que o desenvolvimento agrícola deveria ter como
base as cooperativas agrícolas - às quais o governo deveria assegurar o aprovisionamento em
sementes e outros insumos e, ao mesmo tempo, a compra da produção de rendimento - com
os camponeses organizados em aldeias comunais, que eram agregados populacionais, onde o
governo iria apoiar na construção de infraestruturas sociais, como escolas, centros de saúde e
rede viária, mas tendo como base o poder económico das cooperativas e a mão de obra rural.

A organização das cooperativas e mesmo das aldeias comunais não foi difícil, dado o clima
de euforia e de organização que se vivia naqueles primeiros anos da independência, mas a
acção do estado em termos de aprovisionamento e de compra da produção, e mesmo da
organização das infraestruturas sociais, não conseguiu acompanhar o esforço dos
camponeses.

Então, no início dos anos 1980 - quando o Presidente Samora "decretou" a década de 1981-
1990 como a "década da vitória sobre o subdesenvolvimento" - o estado mudou a sua
estratégia para a organização de grandes empresas estatais no campo, essa organização
tomava a forma de machambas estatais. Pretendia-se com essa estratégia que os camponeses
continuassem a produzir a sua base alimentar (dentro da forma de organização dos Bantu é a
Mulher que assegura a alimentação da família), enquanto as terras dos antigos colonatos
passavam a ser geridas centralmente e a sua produção assegurada com base na mão-de-obra
local.

A Guerra Civil[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Guerra de desestabilização de Moçambique

Apesar da transição para a independência ter sido pacífica, Moçambique não conheceu a Paz
durante muitos anos. Imediatamente a seguir à independência, alguns militares (ou ex-
militares) portugueses e dissidentes da FRELIMO instalaram-se na Rodésia, que vivia uma
situação de "independência unilateral" não reconhecida pela maior parte dos países do
mundo. O regime de Ian Smith, já a braços com um movimento interno de resistência que
aparentemente tinha algumas bases em Moçambique, aproveitou esses dissidentes para atacar
essas bases.

De facto, a FRELIMO apoiava esses rebeldes rodesianos e, em 1976, o governo de


Moçambique declarou oficialmente aplicar as sanções estabelecidas pela ONU contra o
governo ilegal de Salisbúria e fechou as fronteiras com aquele país. A Rodésia dependia em
grande parte do corredor da Beira, incluindo a linha de caminhos de ferro, a estrada e o
oleoduto que ligavam o porto da Beira àquele país encravado. Embora, a Rodésia tivesse boas
relações com o regime sul-africano do apartheid, este fecho das suas fontes de abastecimento
foi um duro golpe para o regime rodesiano.

Pouco tempo depois, para além de intensificarem os ataques contra estradas, pontes e colunas
de abastecimento dentro de Moçambique, os rodesianos ofereceram aos dissidentes
moçambicanos espaço para formarem um movimento de resistência - a "REsistência
NAcional MOçambicana" ou RENAMO - e criarem uma estação de rádio usada para
propaganda antigovernamental.

Até 1980, data da independência do Zimbabwe, a RENAMO continuou os seus ataques a


aldeias e infraestruturas sociais em Moçambique, semeando minas terrestres em várias
estradas, principalmente nas regiões mais próximas das fronteiras com a Rodésia. Estas
acções tiveram um enorme papel desestabilizador da economia, uma vez que não só
obrigaram o governo a concentrar importantes recursos numa máquina de guerra, mas
principalmente porque levaram ao êxodo de muitos milhares de pessoas do campo para as
cidades e para os países vizinhos, diminuindo assim a produção agrícola.

Com a independência do Zimbabwe, a RENAMO foi obrigada a mudar a sua base de apoio
para a África do Sul, o que conseguiu com muito sucesso, tendo tido amplo apoio das forças
armadas sul-africanas. Para além disso, estas forças realizaram vários "raids" terrestres e
aéreos contra Maputo, alegadamente para destruírem "bases" do ANC. No entanto, o governo
de Moçambique, que já tinha secretamente encetado negociações com o governo sul-africano
e com a própria RENAMO, assinou em 1983 um acordo de "boa vizinhança" com aquele
governo, que ficou conhecido como o Acordo de Nkomati, segundo o qual o governo sul-
africano se comprometia a abandonar o apoio militar à RENAMO, enquanto que o governo
moçambicano se comprometia a deixar de apoiar os militantes do ANC que se encontravam
em Moçambique.

Em 1986, a RENAMO tinha já estabelecido uma base central na Gorongosa e expandido as


acções militares para todas as províncias de Moçambique, contando ainda com o apoio do
Malawi, cujo governo tinha boas relações com o regime do apartheid. Nesta altura, a
RENAMO tinha conseguido alcançar um dos seus objectivos estratégicos que consistiu em
obrigar o governo a abandonar a sua política de "socialização do campo" através das aldeias
comunais e machambas estatais.

Em vista dos problemas económicos que Moçambique atravessava, o governo assinou um


acordo com o Banco Mundial e FMI em 1987, que o obrigaram a abandonar completamente a
política "socialista". A guerra, porém, só terminou em 1992 com o Acordo Geral de Paz,
assinado em Roma a 4 de Outubro, pelo Presidente da República, Joaquim Chissano e pelo
presidente da RENAMO, Afonso Dhlakama, depois de cerca de dois anos de conversações
mediadas pela Comunidade de Santo Egídio, uma organização da igreja católica, com apoio
do governo italiano.

Nos termos do Acordo, o governo de Moçambique solicitou o apoio da ONU para o


desarmamento das tropas beligerantes. A ONUMOZ foi a força internacional que apoiou
neste trabalho, que durou cerca de dois anos e que culminou com a formação dum exército
unificado e com a organização das primeiras eleições gerais multipartidárias, em 1994.

O PRE ou início do neoliberalismo económico[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Programa de Reestruturação Económica

Com o objectivo de proteger o poder de compra da maioria da população, o estado tinha


fixado os preços dos produtos de primeira necessidade e as taxas de câmbio. Como os termos
de troca se foram deteriorando e, entretanto, a guerra de desestabilização tinha já começado a
fazer sentir os seus efeitos, o país viu-se sem divisas para importar os bens de consumo e as
matérias primas necessárias para o funcionamento da economia. O mercado negro, tanto de
bens de consumo, como de divisas, tinha tomado conta desta.

O governo de Moçambique viu-se então obrigado a assinar acordos com o Banco Mundial e
FMI e lançar, em 1987, um "Programa de Reestruturação Económica", mais conhecido pela
sigla PRE, que deveria modificar a política económica de Moçambique e relançar a
economia. A primeira medida que o governo tomou foi a desvalorização do Metical que, em
cerca de dois anos atingiu mais de 1000%. Ao mesmo tempo, desindexou os preços dos bens
de consumo, com excepção dos combustíveis (continuam até hoje, 2007, a ser indexados pelo
governo) e do pescado, considerados produtos estratégicos de consumo e exportação (o
camarão).

Em breve se seguiu o programa de privatização das empresas estatais e intervencionadas.


Uma das medidas tendentes a evitar o empobrecimento generalizado foi a transformação de
algumas empresas estatais e bancos em sociedades anónimas, através da atribuição de quotas
aos seus gestores, ou mesmo a números maiores de funcionários. No entanto, a maior parte
das empresas foram privatizadas segundo as regras do Banco Mundial, que era a instituição
mentora deste programa.

O Multipartidarismo[editar | editar código-fonte]

A Constituição de 1990 introduziu no sistema político moçambicano a possibilidade da


organização de partidos políticos que poderiam passar a participar na governação do País.

As primeiras eleições multipartidárias realizaram-se em 1994, com a participação de vários


partidos. A Frelimo foi o partido mais votado, passando a ter maioria no parlamento e a
constituir governo

CONSTITUIÇÃO ECONÓMICA
5. A Constituição Económica. Noção de Constituição Económica
É na Constituição que encontramos a raiz, o cerne do Direito Económico, porque
aí se encerram os princípios fundamentais sobre os quais se vai erigir a organização
económica, matriz dos operadores económicos, e se fixam os objectivos primordiais
a atingir pelo poder político.
Toda a Constituição inclui uma caracterização da ordem económica, ainda que
seja por omissão; na verdade, mesmo que uma Constituição pertença ao modelo
liberal e se limite a estatuir os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e as
formas de exercício do poder político, o facto de nada se dizer sobre a economia,
mormente a propriedade dos meios de produção, significa que nesse âmbito vigora
a ordem constitucional dos direitos fundamentais; por conseguinte, será a
propriedade privada a dominar os meios de produção e a iniciativa privada a pontuar
a vida económica, através da liberdade de acesso.
A Constituição pode ser considerada tendo em conta o seu objecto, o seu
conteúdo ou a sua função (sentido material) e pode, por outro lado, ser vista
atendendo à integração normativa, ou seja, à posição das suas normas face às
demais regras jurídicas (sentido formal).
A Constituição em sentido formal dá-nos uma noção de conjunto de normas com
força específica, situadas num Plano hierarquicamente superior, enquanto o sentido
material aponta para uma sensibilidade jurídica, uma capacidade de sentir o valor
da norma no contexto do ordenamento jurídico, embora o seu lugar de formulação
seja extra-constitucional.
Em sentido formal: consiste no conjunto de normas e princípios que fazem
parte da Constituição Política e que tem objectivo de estruturar a Economia a partir
da intervenção do Estado. Divide-se:
- Princípios Fundamentais (arts. 2º a 9º);
- Direitos e Deveres Económicos (arts. 58º a 62º);
- Organização Económica (arts. 80º a 100º).
A Constituição Económica portuguesa surgiu de forma bastante extensa no texto
de 1976, consagrando uma intervenção directa muito forte a qual se traduzia na
irreversibilidade das nacionalizações e na existência de um amplo Sector Público
com as diversas revisões, a Constituição Económica foi perdendo expressão de
carácter ideológico em grande parte resultantes da linguagem socialista do texto
originário e actualmente consiste num núcleo de preceitos que se encontram
distribuídos por diversas partes do texto constitucional.
A actividade económica actual surge na doutrina como uma Constituição de
mercado intervencional, este conceito significa que a base do regime económico é a
oferta e a procura com observância da livre concorrência entre agentes económicos.
A propriedade privada é essencial e surge como Direito Económico fundamental dos
cidadãos, no entanto o Estado intervém na Economia tanto por via directa através
do seu Sector (Público) como por via indirecta, através das leis e decretos-lei que
têm objectivo regular o mercado.
O sistema económico, modelo teórico e abstracto, não se conseguindo atingir
na sua pureza ideológica.
Regime económico, forma concreta em que se aplica, condicionado pelo
Estado em que ele existe, variará diacrónicamente, ao longo do tempo e
sincrónicamente, de Estado para Estado.
6. Constituição de 1976
1ª Génese e versão originária: consagração de um regime político-económico
de natureza mista: influência ideológica socialista (terminologia) garantia da
propriedade e da iniciativa privada.
2ª Evolução:
1º. Revisão – 1982 – actualização da linguagem;
2º. Revisão – 1989 – actualização estrutural – consagração de um regime
político-económico intervencionado;
3º. Revisão – 1992 – Revisão extraordinária;
4º. Revisão – 1997 – apuramento do regime de mercado.
7. Instrumentos de Tipo Socialista
Planos: que aparecem inclusivamente dotados de força imperativa, para o
Sector Público Estadual; força obrigatória, só aparecia por força de contratos
programa (todo o Sector Económico que celebrasse o contrato com o Estado).
Irreversibilidade das Nacionalizações (1976 a 1989):
- Nacionalizações directas (feitas por via legislativa): consistiam em diplomas
vários que identificavam as empresas nacionalizadas, as nacionalizações
eram feitas apenas sobre capital nacional. As empresas de capital estrangeiro
foram salvaguardadas, não sendo nacionalizadas.
- Nacionalizações Indirectas (por arrastamento): algumas nacionalizações não
foram planeadas pelo Estado. Mas ao nacionalizar algumas empresas,
nacionaliza segundas empresas que pertenciam ao grupo das primeiras, mas
estas segundas poderiam vir a ser desnacionalizadas: (1) tinham de ser
pequenas ou médias empresas; (2) a empresa tinha que se situar fora dos
sectores básicos da Economia (Lei 46/77); (3) os trabalhadores da empresa
tinham de ser ouvidos, não podendo entrar nos modelos de autogestão ou de
Cooperativa, se isso se desse não podia ser desnacionalizada.
8. A 4ª Revisão Constitucional (1997)
É o mercado que surge em todo o mundo como modelo económico de
referência, sem prejuízo das diferenças locais ou regionais motivadas por
entendimentos político-sociais de natureza pontual (menor ou maior intervenção do
Estado, preferência pela regulação ou pela inserção em organizações
supranacionais, etc.).
Assim, denotando um regime misto, a Constituição de 1976 possibilitou uma
ampla intervenção do Estado, em ambas as vertentes, situação esta que a 1ª
Revisão (em 1982) não veio alterar de modo significativo.
Desde a 2ª Revisão Constitucional, veio a acentuar-se um novo enquadramento
para o Sector Público e uma nova moldura jurídica para as nacionalizações; por
consequência, o Estado tem podido, desde então, diminuir o peso da intervenção
directa, afastando-se de uma presença excessiva como agente económico, sem
prejuízo de, ao nível de intervenção indirecta, ter visto reforçada a sua autoridade na
Constituição em vigor; na verdade, não só o vasto elenco de alíneas do art. 81º
exige uma intervenção minuciosa e traduzida sobretudo na prática de actos
legislativos, como a matéria correspondente às Políticas Económicas deixa supor
uma programação interventiva de amplo alcance ao nível do enquadramento do
processo produtivo.
a) Direitos e deveres económicos:
- Arts. 58º e 59º (Direito ao trabalho e direitos dos trabalhadores);
- Art. 60º (Direitos dos consumidores);
- Art. 61º (Iniciativa privada, cooperativa e autogestionária);
- Art. 62º (Direito de propriedade privada).
b) Organização económica: há uma quase que “afinação” dos preceitos
ordenadores da parte económica da Constituição, tendo por finalidade a
adaptação de um mercado indiscutível, embora sujeito, em certa medida, à
“acção voluntária dos poderes públicos, directa ou indirecta, exercida sobre a
economia com vista a orientá-la num sentido conforme à política económica
adoptada”. Ao nível dos sectores de propriedade dos meios de produção, se
continua a tríade originária (Sector Público, Sector Privado e Sector
Cooperativo e Social), na ordem sistemática conferida pela 1ª Revisão
Constitucional, há uma nova densificação do Sector de gestão colectiva, uma
vez que aí são inseridos os meios de produção vocacionados para a
solidariedade social, desde que sem fins lucrativos (art. 82º/4-d).
9. A Constituição Económica
A tipologia das Constituições Económicas, consiste nos vários modelos
consagrados ao longo do tempo para ordenar as relações de produção no contexto
das Constituições Políticas; existem três tipos fundamentais que podem ser
encontrados durante o séc. XX:
· Tipo Liberal: caracterizando-se por um mínimo de normas económicas e pela
garantia da propriedade e da iniciativa privada;
· Tipo Socialista: que foi adoptada na URSS e surgiu ao longo do séc. XX em
todos os Estados que adoptaram o Sistema Socialista baseando-se na
intervenção do Estado na planificação da Economia e na restrição por vezes
total do Sector Privado;
· Mercado regulado: este tipo contempla diversas formas desde o dirigismo
visível na nossa Constituição de 33 até ao actual modelo de mercado
intervencionista e caracteriza-se pela atitude activa do Estado face à
Economia.
10. Princípio da Constituição de 1997
Artigo 2º:
- Estado de Direito Democrático;
- Soberania popular; pluralismo; organização política;
- Direitos Liberdades e Garantias dos cidadãos;
- Separação/interdependência de poderes;
- Democracia económica, social e cultural/democracia participativa.
É um artigo de caracterização geral do Estado. O voto tem de se reflectir na
organização pública. Órgãos de soberania diferenciados, mas são independentes
em relação aos poderes. O Estado vai ter intervenção na Economia directa e
indirecta.
A noção de Estado de Direito Democrático é fundamental para caracterizar a
República Portuguesa, assim as ideias de primado da lei e da soberania popular
conjugam-se com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos os quais devem
ser promovidos e diferenciados pelo Estado. A democracia surge na qualidade de
objectivo, sendo destacadas as vertentes económica, social e cultural.
Artigo 9º: tarefas fundamentais o Estado – vinculativos para os órgãos de
soberania.
- Independência nacional;
- Direitos, Liberdades e Garantias / respeito pelo princípios do art. 2º;
- Democracia política;
- Direitos económicos, sociais, culturais e ambientais;
- Património cultural;
- Língua portuguesa;
- Desenvolvimento de todo o território.
As tarefas fundamentais do Estado, dizem respeito a várias vertentes sendo a
Economia contemplada na alínea d); esta alínea remete-nos para os direitos
económicos consagrados nos arts. 58º a 62º e também para o art. 81º que trata de
especificar as tarefas do Estado em matéria económica.
11. A intervenção do Estado na vida económica
As incumbências prioritárias do Estado em matéria económica consistem num
conjunto de actos de intervenção indirecta, ou seja, de condicionamento dos
agentes económicos através da criação de regras, de políticas, e de medidas de
apoio. No art. 81º encontramos diversas linhas de actuação do Estado de acordo
com os objectivos visados em cada alínea:
1. Orientação do crescimento económico: a alínea a) pertence a este grupo
bem como as alíneas c) e d), visto que apresentam o objectivo comum de
promover um quadro de desenvolvimento económico;
2. Justiça social: alínea b) dirige-se à garantia de intervenção do Estado do
sentido de correcção dos desequilíbrios na destruição da riqueza e dos
rendimentos, esta actuação do Estado vai realizar-se sobretudo através da
Política Fiscal.
3. Relações económicas internacionais: a alínea f) consagra a necessidade de
ser estabelecida uma cooperação económica internacional.
4. Regulação de mercado: esta função central da intervenção indirecta do
Estado expressa nas alíneas e), g), h), i), em particular mediante a aprovação
de leis de defesa dos consumidores e de protecção da livre concorrência, em
todos os sectores da actividade económica;
5. Políticas sobre os recursos: as alíneas j), l), m), são dirigidas à necessidade
de intervenção do Estado no âmbito do desenvolvimento científico e
tecnológico, bem como no que diz respeito à eficaz repartição dos recursos
hídricos e à maior rentabilização dos recursos energéticos.
O art. 81º, articula-se com os Planos e com as Políticas Económicas, construindo
o programa obrigatório para todos os Governos quanto aos objectivos que
estabelece, é este preceito que nos leva a caracterizar a medida das intervenção
indirecta do Estado na Economia.
12. Artigo 80º da Constituição
Os princípios fundamentais da organização económica têm por objectivo definir e
caracterizar o regime económico, assim em 1976, o art. 80º, explicitava a forte
influência do Sistema Socialista, indicando como objectivos económicos e sociais, o
desenvolvimento das relações de produção socialista e apagando a importância da
propriedade privada deste sector.
Com a 1ª Revisão em 1982, o art. 80º é estruturado de forma diferente e passa a
conter um conjunto de princípios indicados por alíneas como forma de salientar a
fase de organização económica, ao mesmo tempo são retiradas algumas
expressões ideológicas de tipo socialista, passando a ser utilizada uma
sistematização mista. A 2ª Revisão Constitucional de 1989, trouxe algumas
mudanças à Constituição Económica adaptando-a ao regime de mercado
intervencionado, mas o art. 80º não acompanha de forma plena esta evolução, só
em 1997, o texto constitucional consagra como um dos princípios da organização
económica o investimento empresarial e a denúncia privada, ao mesmo tempo
surge também o princípio da concertação social, ou seja, do diálogo entre os
parceiros sociais, para a resolução de conflitos no processo produtivo. Os princípios
hoje constantes no art. 80º são desenvolvidos ao longo de toda a Constituição
Económica.
13. A Constituição Económica (sentido formal e sentido material); A tipologia
(caracterização)
A Constituição Económica é o núcleo do Direito Económico, tanto do ponto de
vista da hierarquia das normas como da sua própria dimensão funcional; isto
significa que a Constituição Económica estabelece as normas programáticas e as
normas estatutárias do regime económico vigente: (a) sentido formal, da
Constituição corresponde às normas que fazem parte da Constituição Política; (b)
Constituição Económica em sentido material, corresponde a determinados
diplomas (lei ou decretos-lei) cuja a matéria é essencialmente para o regime
económico.
A tipologia das Constituições económicas é formada pelos vários modelos de
regulação da Economia no contexto constitucional. Podemos distinguir vários textos
históricos, sendo mais característico a Liberal (a Constituição Económica é quase
inexistente), o Socialista (Constituição Económica máxima), a Dirigista e a de
Mercado intervencionado.
14. Os Direitos e Deveres Económicos (arts. 58º a 62º)
Os Direitos e Deveres económicos estão previstos na qualidade de deveres
fundamentais análogos pelo que gozam particular protecção constitucional:
a) Direitos relacionados com o trabalho (arts. 58º e 59º): referem-se sobretudo
à obrigação do Estado no tocante às políticas de pleno emprego e à definição
do estatuto dos trabalhadores sendo esta categoria entendida no sentido
desenvolvido pelo Direito do Trabalho, ou seja, trabalhadores por conta de
outrem.
b) Direito na qualidade de consumidor: este é um Direito Económico recente
que visa proteger a parte da procura considerando que se encontra vulnerável
e que deve ser por isso protegido pelo Estado.
c) Direito ao investimento: surge como Direito de iniciativa económica no art.
61º, não se restringindo à iniciativa privada garantindo também as formas,
Cooperativa e autogestionária (iniciativa económica colectiva ou de tipo
social).
d) Propriedade privada: este é um direito essencial para a caracterização do
sistema económico referencial, uma vez que a propriedade privada dos meios
de produção, implica a adopção do sistema económico de mercado.
15. A evolução dos princípios fundamentais da organização económica (art.
80º)
A organização económica, assenta num conjunto de princípios basicamente
diversos entre si. As várias alíneas do art. 80º, foram revistas em 1997 de modo a
reflectirem o modelo de mercado intervencionado onde concorrem agentes
económicos diferenciados e onde o Estado fornece indicações através dos Planos e
orienta por meio das Políticas Económicas. O art. 80º tem hoje um carácter
descritivo dos vários preceitos que constituem a organização económica.

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