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Gledson Ribeiro de Oliveira
Jeannette Filomeno Pouchain Ramos
Bruno Okoudowa
Organizadores
Fortaleza
2013
Cá e Acolá: Experiências e Debates Multiculturais
© 2013 Gledson Ribeiro de Oliveira, Jeannette Filomeno Pouchain Ramos e Bruno
Okoudowa (Organizadores)
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
Efetuado depósito legal na Biblioteca Nacional
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Normalização Bibliográfica
Perpétua Socorro Tavares Guimarães
Projeto Gráfico e Capa
Carlos Alberto A. Dantas (carlosalberto.adantas@gmail.com)
Revisão de Texto
Leonora Vale de Albuquerque
339p. : il.
Isbn: 978-85-7282-607-5
CDD: 370.5
SOBRE OS AUTORES
1
Colonização e Descolonização do Saber
2
Religião, Política e Igualdade Racial
3
Literatura, Língua e Filosofia
d 13
O deslocamento ou dissolução dessas fronteiras nacio-
nais através de diásporas complexas tem como uma de suas
expressões flagrantes os fluxos migratórios globais pelos quais
pessoas e grupos passam de uma comunidade de pertenci-
mento para outro lugar, sem começo nem fim (IANNI, 1999;
HALL, 2011). Esse movimento de idas e vindas nem sempre se
materializou a partir da vontade subjetiva, mas, muitas vezes
do contexto histórico-social, podendo ser compulsória, como
foi o caso do tráfico de negros africanos para a América, Eu-
ropa e Ásia e, como ainda hoje, no caso do tráfico de pessoas
e órgãos.
Stuart Hall (2011), que cresceu na Jamaica e vive na In-
glaterra, tem contribuído significativamente para a compre-
ensão desse fenômeno. Para Hall, o estudo da diáspora deve
ser relacional e não estático, como também deve fomentar
uma análise tanto de aspectos sociais como simbólicos, ou
seja, em sua complexidade e totalidade. Dessa forma, ele re-
jeita o pensar reducionista que trata apenas do que é visível
aos olhos. Nessa perspectiva, não há uma identidade cultural.
As identidades culturais são múltiplas, pois, na modernidade,
as comunidades são transnacionais (2011, p.26).
A concepção fechada de tribo, de diáspora e de pátria
sugere uma identidade cultural “com um núcleo imutável e
atemporal, ligando ao passado o futuro e o presente numa
linha ininterrupta. Esse cordão umbilical que se chama ‘tra-
dição’”. (HALL, 2011, p.29). A identidade é uma questão
histórica, portanto, não está restrita a um movimento de
continuidade, mas também de rupturas, como é o caso da
diáspora africana. Tanto os aspectos “autênticos da origem”,
como genético, hereditário e do Eu interior (p.28), bem
como os diferentes elementos culturais africanos, asiáticos e
europeu, em fusão na fornalha colonial, resultaram em cul-
14 d GLEDSON RIBEIRO DE OLIVEIRA • JEANNETTE FILOMENO POUCHAIN RAMOS • BRUNO OKOUDOWA
turas híbridas, múltiplas. Pode-se afirmar que, nas zonas de
contato coloniais, a copresença espacial e temporal de su-
jeitos antes isolados geográfica e historicamente forjaram e
forjam, na dialética do hibridismo cultural, uma identidade-
-como-diferença, isto é, um processo em que a diferenciação
cultural tem como ponto de partida não o que é idêntico no
interior do grupo, mas a constituição de uma operação em
que se nega, negocia-se e se deslocam as fronteiras entre o
Eu e o Outro.
Tratando dos paradigmas dos estudos culturais, Hall
(2011, p. 123) sintetiza que o que importa são as rupturas
significativas “em que as velhas correntes de pensamento
são rompidas, velhas constelações deslocadas, e elementos
novos e velhos são reagrupados ao redor de uma nova gama
de premissas e temas”. Não necessariamente é o cá dos para-
digmas culturalistas nem o acolá dos estruturalistas, mas, é no
confronto entre os dois grupos que despontam outras possibi-
lidades de análises. Nesse sentido, as pesquisas reunidas nesta
coletânea pressupõem uma diversidade cultural, paradigmáti-
ca e cognitiva na apreensão da realidade que apontam o desafio
da ruptura política e epistemológica do pensamento único e da
formação de intelectuais orgânicos “comprometidos com um
trabalho intelectual radical que gera mudanças sociais e eco-
nômicas” (p.14).
A partir de outras lentes do cá e do acolá, Catherine
Walsh (2008), ao tratar sobre as insurgências na refundação
do Estado na América do Sul, destaca que é fundamental ana-
lisar as relações culturais cunhadas nas possibilidades de in-
ter, pluri e multiculturalidade, pois a diversidade cultural na
transição para o século XXI tem se materializado de diferentes
formas no hemisfério norte e no sul. Para a autora, o multicul-
turalismo emerge no ocidente como uma possibilidade de re-
16 d GLEDSON RIBEIRO DE OLIVEIRA • JEANNETTE FILOMENO POUCHAIN RAMOS • BRUNO OKOUDOWA
versidade de olhares e objetos indica, igualmente, diferentes
domínios do conhecimento e trajetórias de vida. Em aborda-
gens interdisciplinares, os autores se utilizam de instrumen-
tos conceituais e metodológicos de variadas searas do saber
na construção de seus objetos.
“Acolá” refere-se tanto aos falantes da língua portugue-
sa da outra margem do Atlântico como de Timor-Leste. No
que diz respeito ao continente africano, trata-se de um espaço
formado por 54 países de línguas, etnias e culturas diferentes.
A divisão da maioria desses países resultou de um processo
de invasão regularizada pelo tratado de Berlim de 1884-1885.
Essa divisão foi feita sem considerar as línguas e culturas
nativas africanas. As consequências disso são sofridas pelos
africanos até hoje. Igualmente o Timor-Leste está transpas-
sado pela empresa colonial capitaneada por Portugal e pela
ocupação militar da Indonésia. As trocas multiculturais nos
continentes africano, asiático e americano foram envolvidos
na mesma história, pelo continente europeu, através do tráfi-
co negreiro, da busca por temperos na Índia e pela exploração
de riquezas via colonização.
No que diz respeito à relação Brasil-África, há ainda
muitos passos a serem dados para que um diálogo multicul-
tural contemple o continente africano como um todo. Dos
54 países africanos, apenas cinco formam os Países Africa-
nos de Língua Oficial Portuguesa- PALOP’s, sendo três no
continente: Angola, Guiné Bissau e Moçambique; e dois
formados por ilhas: Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. A
invenção da África explicita desafios linguísticos, sociais,
econômicos, cultural, entre outros. Quanto ao continente
asiático, a ‘lusofonia’ nele é representada por três espaços:
Goa, na Índia, Macau, na China e Timor-Leste, que é um
país recém-independente.
18 d GLEDSON RIBEIRO DE OLIVEIRA • JEANNETTE FILOMENO POUCHAIN RAMOS • BRUNO OKOUDOWA
poderá possibilitar a conscientização, a superação, o sentir-
-se e saber-se tão sujeito quanto os outros; da caminhada que
ainda está por vir a ser e da busca do saber e ser mais.
Em cadência com o dito acima, este livro socializa as
experiências de pesquisa que têm por objeto a diáspora afro-
-brasileira, a África Negra e além, a citar, Timor-Leste e Por-
tugal, em seus diferentes lapsos temporais.
Abrindo a primeira seção desta coletânea, Colonização
e descolonização do saber, Aline N. Rodrigues Alves, José
Antônio S. de Deus e Nilma Lino Gomes propõem um estu-
do da comunidade quilombola de Barro Preto, Minas Gerais.
Explorando a história do movimento negro e quilombola no
Brasil, os autores refazem o percurso das lutas pelo reconhe-
cimento social e acesso à terra dos remanescentes das comu-
nidades dos quilombos. A noção de lugar, como subjetivação
do espaço pelo qual se apreende os significados e relações de
pertencimento da comunidade, é compreendida metodologi-
camente por meio de “mapas mentais” elaborados por estu-
dantes do ensino fundamental que vivem na comunidade de
Barro Preto. Nestes, as representações das crianças sobre seu
lugar de pertença, a relação com seus parentes e o senso de
identidade quilombola ganham contornos reais por meio de
traços pueris. No segundo texto, Luís Tomás Domingos anali-
sa os efeitos “ambíguos” da educação formal em Moçambique.
Ao contrário da educação ocidental, centrada no domínio de
técnicas e conteúdos, a educação africana valoriza a harmo-
nia e a compatibilização global de todas as disciplinas face ao
Universo, tendo por fundamento gnoseológico a “dinâmica da
alteridade”. Sua problematização busca compreender os desa-
fios educacionais, em um contexto de África Negra, que con-
jugue as contribuições da educação europeia e a cultura an-
cestral africana na construção de uma educação pós-colonial.
20 d GLEDSON RIBEIRO DE OLIVEIRA • JEANNETTE FILOMENO POUCHAIN RAMOS • BRUNO OKOUDOWA
lomalo discorre sobre os desafios a serem transpostos em
África para alcançar um desenvolvimento socioeconômico
sustentável. Estudando o caso da República Democrática do
Congo, reconstrói, na longa duração, a dinâmica histórica
de dominação, exploração e autoritarismo que levou o país
a figurar entre as mais desiguais do globo, ponderando que a
resposta aos dilemas da sociedade congolesa passa por uma
educação voltada à complexidade e solidariedade, sustenta-
bilidade ambiental e comprometimento social dos dirigentes
políticos.
Vera Rodrigues toma as políticas públicas de igualda-
de racial dos períodos Collor, Fernando Henrique Cardoso e
Lula, e as trajetórias de lutas dos movimentos negros como
materiais de sua reflexão sobre as conquistas e recuos na pro-
moção das políticas de igualdade racial no Brasil. Compreen-
de que as desigualdades por motivo de “cor” e “procedência”
só podem ser superadas com a igualdade de acesso aos bens
públicos “como um direito inerente ao exercício pleno da ci-
dadania.” Já Fábio Baqueiro Figueiredo, traça um panorama
de dois grandes pólos simbólicos, África e Terceiro Mundo,
situando as raízes do novo discurso africano de emancipa-
ção à virada do século XIX para o XX, num inventário que
vem se estabelecendo como uma espécie de “contracânone”
da modernidade. Para o autor, as raízes intelectuais do na-
cionalismo africano das independências revela uma longa e
multiforme tradição pan-africana que combinam-se com a
emergência do Terceiro Mundo, como categoria de identifi-
cação coletiva que mudou o panorama do campo nacionalis-
ta, e dão forma ao complexo e conflituoso campo da política
africana a partir da década de 1960.
Iniciando a terceira seção, Literatura, Língua e Filo-
sofia, Rodrigo Ordine faz emergir de Sôbolos rios que vão,
22 d GLEDSON RIBEIRO DE OLIVEIRA • JEANNETTE FILOMENO POUCHAIN RAMOS • BRUNO OKOUDOWA
nos sistemas culturais negro-africanos radicados no Brasil.
As variações linguísticas apreendidas pela experiência de en-
sino da língua portuguesa aos alunos de Angola, Cabo Verde,
Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste e Brasil, do
curso de agronomia da UNILAB, é o tema do estudo de Bruno
Okoudowa. No processo de apreensão do português, explica,
o “discente ou falante estrangeiro quando não encontra o som
do português na sua língua materna, a tendência natural é
substituí-lo por um som semelhante que exista na sua língua”.
O ensaio de Ivan Maia parte da noção de “estética da
existência” de Foucault para traçar uma cartografia da produ-
ção poética afro-brasileira em autores como Solano Trindade
e Oliveira Silveira. Maia considera a negritude poeticamente
enunciada como uma ação coletiva que expressa valores es-
téticos que remetem a um modo de ser transformado que,
construindo o domínio de si, resiste às relações de poder e
controle. Finalizando essa coletânea, Ramon Souza Capelle de
Andrade oferece uma caracterização de identidade pessoal à
luz da Teoria Geral dos Sistemas ao traçar como hipótese que
a identidade pessoal constitui uma propriedade emergente de
um sistema (ou feixe) de hábitos. A identidade pessoal ou sis-
têmica poderia ser concebida, da perspectiva que o autor de-
fende, como emergindo de um conjunto próprio, e individual,
de hábitos inscritos na estrutura ou sistema psicocomporta-
mental de um agente.
Acreditamos que esta coletânea permitirá ao leitor tran-
sitar pelos diferentes tons teóricos e caminhos de investigação
percorridos pelos autores, além de contribuir para o debate,
em vários campos do saber, das múltiplas interfaces entre o
continente negro, a diáspora afro-brasileira, a cultura lusita-
na e o Timor-Leste, numa perspectiva de ruptura política e
epistemológica.
24 d GLEDSON RIBEIRO DE OLIVEIRA • JEANNETTE FILOMENO POUCHAIN RAMOS • BRUNO OKOUDOWA
1
Colonização
e Descolonização do Saber
COMUNIDADES QUILOMBOLAS: UMA POSSÍVEL INTERPRETAÇÃO DO
LUGAR COM O USO DE MAPAS MENTAIS
Introdução
d 27
cidas como portadoras de direitos específicos por sua história
e legado social. Visa também contribuir teoricamente, ainda
que com certas limitações, com as discussões a respeito da
Educação sobre o direito à diferença, notadamente o direito
a uma identidade étnico-racial, que pode ser encontrada em
comunidades quilombolas, rurais e urbanas em todo o país.
Além disso, insere-se nas recentes reflexões sobre a categoria:
Lugar da Geografia Humanístico Cultural num diálogo possí-
vel a partir do uso de mapas mentais.
Para isso, o presente trabalho de pesquisa envolveu as
ações cotidianas e a história de uma comunidade quilombola
rural denominada Barro Preto, situada no município de San-
ta Maria de Itabira, no estado de Minas Gerais, em articula-
ção com as práticas educativas de âmbito escolar. Para tal, os
principais sujeitos acompanhados e entrevistados foram um
grupo de crianças, estudantes do quinto ano do Ensino Funda-
mental de uma escola pública municipal localizada no interior
dessa comunidade. A escolha destas crianças deve-se ao fato
de estarem cursando o último ano escolar ofertado dentro da
comunidade e por isso, terem passado maior tempo de estudos
naquela escola. Além das crianças-estudantes, o trabalho in-
cluiu entrevistas com moradores, professores, diretora e técni-
cos da Secretaria Municipal de Educação dessa escola, buscan-
do-se uma compreensão do histórico da comunidade e outras
ações ligadas ao seu reconhecimento enquanto quilombolas.
Assim, o estudo teve por objetivo compreender a vivên-
cia de crianças da comunidade de Barro Preto e suas inter-re-
lações com a educação escolar e com os processos educativos
mais gerais, levando-se em consideração o lugar de vivência,
as relações étnico-raciais e a questão quilombola.
A investigação foi realizada por meio de estudo de caso,
com observação e intervenção em campo, entrevistas, produ-
28 d ALINE NEVES RODRIGUES ALVES • JOSÉ ANTÔNIO SOUZA DE DEUS • NILMA LINO GOMES
ção de mapas mentais, oficinas com crianças e uma oficina
com moradores adultos. Para Cláudia Rosa Acevedo, a pro-
pósito, o estudo de caso “caracteriza-se pela análise em pro-
fundidade de um objeto ou um grupo de objetos, que podem
ser indivíduos ou organizações” e, enquanto método preocu-
pa-se “com planejamento, as técnicas de coleta de dados e as
abordagens de análise dos dados” (ACEVEDO, 2007, p.56).
Como forma de aproximação das crianças e tentativa
de compreender como concebem o seu “estar no quilombo”
do ponto de vista geográfico e espacial, os mapas mentais
foram os principais procedimentos metodológicos adotados.
Esses foram construídos por um grupo de dezessete estu-
dantes da escola da comunidade. Por mapas, entende-se a
metodologia de investigação nos debates sobre percepção
ambiental, percepção de paisagens e nos trabalhos de antro-
pólogos, em que se procura visualizar, nas imagens mentais
traçadas pelos homens, traços ligados à cultura, conforme
Nogueira (2002).
COMUNIDADES QUILOMBOLAS:
UMA POSSÍVEL INTERPRETAÇÃO DO LUGAR COM O USO DE MAPAS MENTAIS d 29
de instituição sociopolítica militar conhecida na África Cen-
tral, já a sua conceituação, atualmente, é passível de várias
interpretações. Algumas são interpretações que remontam
à sua primitiva concepção, ainda no século XVIII, e que se
transformaram social e politicamente, de acordo com as mu-
danças sofridas por essas mesmas comunidades, suas reali-
dades rurais e urbanas, e há outras ligadas à ressignificação e
ressemantização do conceito.
O processo de ressignificação e ressemantização de-
corre das mudanças, tendências e interferências dos estudos
realizados pelo campo teórico, sobretudo da antropologia, na
arena jurídica, pelas instituições governamentais e pelo movi-
mento social negro e quilombola brasileiros, principalmente
após a promulgação da Constituição da República Federa-
tiva do Brasil de 1988, na qual consta o Art. 68, do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que versa:
“aos remanescentes de comunidades quilombos que estejam
ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva,
devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.
No século XVIII, o conceito clássico e que perduraria
até a década de 1970, foi definido pelo Conselho Ultramarino
em 1740 ao dirigir-se à Coroa Portuguesa: “toda habitação de
negros fugidos, que passem de cinco, em parte despovoada,
ainda que não tenham ranchos levantados e nem se achem pi-
lões nele”. Tal definição, ao tornar-se jurídica, marginalizava
e penalizava os grupos quilombolas que eram identificados,
então, de forma depreciativa (CARRIL, 2006, p.53).
Uma análise desse conceito é encontrada em Almeida
(1999), que, entre suas reflexões, nos apresenta uma crítica à
visão de senso comum da época em que apontava as comuni-
dades quilombolas como grupos que estariam fora do mundo
do trabalho. De acordo com Schimitt (2002), paralelamente
30 d ALINE NEVES RODRIGUES ALVES • JOSÉ ANTÔNIO SOUZA DE DEUS • NILMA LINO GOMES
ao aparelho de perseguição aos fugitivos, existiu também uma
rede de informações que ia das senzalas a muitos comercian-
tes. Estes tinham interesse na manutenção dos grupos, pois
eram lucrativas as trocas de produtos agrícolas dos quilombos
por outros, repassados a eles pelos comerciantes por não exis-
tirem no interior dos quilombos.
No século XIX, principalmente nos finais do período
escravista, foi formado um grande número de quilombos no
Brasil que conseguiam sobreviver durante a escravidão, sen-
do que obtinham mais êxito aqueles que mantiveram relações
de reciprocidade com brancos pobres, indígenas e outros seg-
mentos populacionais. Portanto, os quilombolas mantinham
laços de solidariedade e convivência com seu entorno. Os
quilombos não correspondiam exclusiva ou essencialmente,
portanto, a refúgios de escravos fugidos, mas sua gestação
vinculava-se ao esforço dos negros escravizados em resgatar
sua liberdade e dignidade.
Além disso, as diferentes formas de ocupação de terras,
praticamente negadas com o sistema de Sesmarias e Lei de
Terras de 1850 no Brasil, foram, aos poucos, ganhando sen-
tido a partir da necessidade de designação da realidade qui-
lombola, sobretudo, para efeito de medidas legais, jurídicas
ou definição de direitos sociais, econômicos, políticos para
esses grupos e seus descendentes. As novas definições com-
preenderiam as estratégias de sobrevivência e outras relações
sociais criadas para além da fuga. Afinal, poderíamos encon-
trar terras doadas, compradas ou mesmo sua existência a par-
tir da apropriação de grandes propriedades que entraram em
decadência (LITTLE, 2002, p.6).
Temos assim, comunidades negras rurais, terras de
pretos, terras de santo ou santíssimo e/ou mocambos, qui-
lombos contemporâneos, comunidades quilombolas e rema-
COMUNIDADES QUILOMBOLAS:
UMA POSSÍVEL INTERPRETAÇÃO DO LUGAR COM O USO DE MAPAS MENTAIS d 31
nescentes de quilombos. Ou seja, é possível vislumbrarmos
vários critérios para denominar a luta desses grupos, ao indi-
car que o conceito elaborado anteriormente à abolição formal
da escravatura, além de ampliado, foi também ressignificado1.
Constatam-se, ainda nessa luta, os atributos simbólicos, como
o caso do quilombo de Palmares e o líder Zumbi.
Sobre esses territórios2 étnicos, entendemos os “espa-
ços” cujas referências de uma possível origem comum estão
grafadas pelas construções materiais ligadas à identidade e ao
pertencimento territorial (ANJOS, 2007), e em que são va-
lorizadas as tradições culturais a partir de “normas de per-
tencimento explícitas, consciência de sua identidade étnica”
(MOURA, 2007, p.10).
Vale ressaltar ainda que a identidade desses grupos
étnicos pressupõe experiências coletivas compartilhadas por
meio de uma trajetória comum. Portanto, o quilombo não se
define pelo tamanho da comunidade ou número de membros.
(O’DWYER, 1995). Além disso, a constituição da identidade é
algo transitório, no tempo e no espaço, e se transforma duran-
te toda uma vida, aí consideradas as mudanças de seu contex-
to sociopolítico-econômico e cultural (HALL, 2003).
1 É nessa perspectiva que nos aproximamos dos seguintes autores: Alfredo Wag-
ner Berno de Almeida (1999); José Maurício Arruti (2006), Kabengele Munanga
e Nilma Lino Gomes (2006); Lourdes Carril (2006); Paul Elliott Little (2002)
ou ainda, para reflexões acerca da atualidade da luta quilombola no campo das
lutas jurídicas: Carlos Hasenbalg (1992), Luiz Fernando Linhares (2002) e Lílian
Cristina Gomes (2009).
2 As atuais leituras dessa autora sobre território, como categoria geográfica,
32 d ALINE NEVES RODRIGUES ALVES • JOSÉ ANTÔNIO SOUZA DE DEUS • NILMA LINO GOMES
Hoje, as comunidades quilombolas urbanas ou rurais,
longe de serem reproduções do passado, realizam em seus ter-
ritórios um movimento de respeito ao passado e desenvolvi-
mento contemporâneo de busca do direito à terra, à cultura e
educação de qualidade. Portanto, não é mais possível ostentar-
mos uma visão estática e cristalizada no passado sobre os qui-
lombos ou calcada no binômio isolamento e segregação, salvo
no imaginário social. Segundo Carril (2003), os atuais estudos
sobre a formação quilombola têm sido realizados sob a pers-
pectiva aberta pelos estudos antropológicos, assim, não aban-
donam a problemática cultural nem a influência marxista.
Há autores que identificam uma visão de inversão ao
tratamento da questão quilombola, haja vista que, se no perí-
odo colonial, os quilombolas foram tratados como criminosos,
após a Constituição de 1988, na República, esses atores sociais
tornaram-se público-alvo de políticas de reparação aos danos
historicamente sofridos. Almeida (2002) relembra que isso
ocorre com limitações/restrições dada a dificuldade destes su-
jeitos terem efetivamente acesso aos direitos que lhes cabem.
O movimento social negro e quilombola denuncia o atual tra-
tamento recebido por vários outros coletivos sociais, pois ain-
da são, muitas vezes, taxados por alguns como “baderneiros” e
“aproveitadores” ao lutarem pela reparação aos danos sofridos
no passado e sua justa correção no tempo presente.
Hoje, os quilombolas lutam também contra os interes-
ses do mercado econômico que explora suas terras em busca
de recursos naturais e mercadorias, planeja implantar proje-
tos hidrelétricos e viários, realiza compra de terras e implanta
unidades de conservação. Obviamente a temática quilombola
se tornou cara ao país por transitar nas esferas das questões
raciais e de distribuição de terras. As terras brasileiras, desde
sua origem com o sistema de sesmarias, são um bem possuído
COMUNIDADES QUILOMBOLAS:
UMA POSSÍVEL INTERPRETAÇÃO DO LUGAR COM O USO DE MAPAS MENTAIS d 33
por poucos e, com a abolição da escravatura, em 1888, fazen-
deiros e políticos latifundiários se organizaram para impedir
que negros pudessem se tornar donos de terras.
Segundo Carlos Hasenbalg (1992), as tensões provo-
cadas pelo regime autoritário produziram a necessi-
dade da sociedade, através dos movimentos sociais,
articularem-se e refletirem sobre números temas, entre
eles a questão racial e da terra. Esses temas foram
suprimidos por mais de duas décadas e incorporados
à agenda nacional através do movimento social negro.
(ALVES, 2012, p.27).
34 d ALINE NEVES RODRIGUES ALVES • JOSÉ ANTÔNIO SOUZA DE DEUS • NILMA LINO GOMES
E ainda é importante refletir a respeito da ideia redu-
cionista de comunidades vulneráveis, caracterizadas por sua
condição rural, que impede o reconhecimento de sua identi-
dade específica e, consequentemente, induz a opção política
por ações assistencialistas em detrimento das políticas de di-
versidade (MIRANDA, 2011).
Entre as várias políticas de diversidade voltadas às comu-
nidades quilombolas no Brasil, destacamos a Educacional, em
que, a partir do século XXI, as organizações governamentais,
não governamentais e sociais (entidades do movimento negro)
interessadas em debater e criar condições de enfrentamento
aos problemas raciais no Brasil, visualizaram na “3ª Conferên-
cia Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xe-
nofobia e as Formas Correlatas de Intolerância”, ocorrida em
Durban (África do Sul), a oportunidade de verem seus esforços
e reivindicações contemplados, especialmente aquelas vincula-
das ao reconhecimento de responsabilidade pelo governo bra-
sileiro em criar condições estratégicas de políticas de superação
do racismo, notadamente no âmbito escolar, em que os prejuí-
zos de ações discriminatórios e racistas se manifestam em fra-
cassos escolares das crianças negras, de acordo com pesquisas.
Destacamos aqui pressões sociais, notadamente do mo-
vimento social negro, em prol de melhores condições de acesso
da comunidade negra ao ensino público de qualidade, valoriza-
ção e reconhecimento das contribuições do negro na História
do Brasil, a introdução nos currículos escolares da História da
África e cultura afro-brasileira, a participação dos pesquisado-
res e militantes negros na elaboração dos currículos, e a sanção
no ano de 2003, da Lei no 10.639/03 (alterada para 11.645/08,
que dá a mesma orientação quanto à temática indígena)
A fim de regulamentar essa alteração da Lei de Diretri-
zes e Bases (LDB), o Conselho Nacional de Educação (CNE)
COMUNIDADES QUILOMBOLAS:
UMA POSSÍVEL INTERPRETAÇÃO DO LUGAR COM O USO DE MAPAS MENTAIS d 35
aprovou o Parecer CNE/CP 03/2003 que instituiu as Diretri-
zes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais
e o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas a
serem implantadas pelos estabelecimentos de ensino público
e privado em todo país. Esse parecer é ratificado pela resolu-
ção CNE/CP 01/2004, a qual explicita os deveres dos sistemas
de ensino na implementação da Lei.
Esse conjunto de medidas legais, assim como as reivin-
dicações e propostas do Movimento Negro e Quilombola ao
longo do Século XX, pode ser considerado como instrumento
de implementação de políticas de ações afirmativas respon-
sáveis por reconhecer e valorizar a diversidade cultural no
âmbito da educação. Essas medidas têm, na escola, o lugar
de formação cidadã e a responsabilidade em reparar a pro-
dução e reprodução de imaginários coletivos de supremacia
e subordinação de um grupo étnico-racial em relação a outro.
Ou seja, visam transformar positivamente a ordem cultural,
pedagógica e psicológica alicerçadas no mito da democracia
racial que atinge particularmente os negros.
Ainda levando em consideração a realidade histórica e
política que envolve a questão quilombola, ou seja, seu his-
tórico de reivindicações, lutas e ações compreendidas pelos
movimentos sociais que não dissociam a necessidade de pos-
suírem uma escola com qualidade, em territórios étnicos, e
atendendo às suas especificidades, é que temos a recente in-
clusão da educação escolar quilombola como modalidade da
educação básica por meio do parecer do Conselho Nacional de
Educação/Câmara de Educação Básica(CNE/CEB) 16/2012 e
da Resolução CNE/CEB 08/2012 que instituem as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola.
Estas terão por objetivo orientar os sistemas de ensino para
que eles possam colocar em prática a Educação Escolar Qui-
36 d ALINE NEVES RODRIGUES ALVES • JOSÉ ANTÔNIO SOUZA DE DEUS • NILMA LINO GOMES
lombola mantendo um diálogo com a realidade sociocultural
e política das comunidades e do movimento quilombola.
COMUNIDADES QUILOMBOLAS:
UMA POSSÍVEL INTERPRETAÇÃO DO LUGAR COM O USO DE MAPAS MENTAIS d 37
Pastoral Afro de Itabira, entidade filiada à Igreja Católica de
município vizinho, e posteriormente, novas ações pessoais de
moradores e líderes comunitários que conseguiram mobilizar
a escola em prol da necessidade de serem reconhecidos, e,
portanto, respeitados, por sua identidade étnica.
Destacamos dessa nova rede social em Barro Preto, o
envolvimento da escola e seu corpo docente, e também, ges-
tores da Secretaria Municipal de Educação, que buscaram
implantar, a partir de recursos públicos e acompanhamento
pedagógico específico, a Lei no 10.639/20035 e suas Diretri-
zes Curriculares para Educação das Relações Étnico-Raciais
na escola da comunidade no período de 2003 a 2008. E como
consequência dos novos conhecimentos a respeito da luta qui-
lombola, temos a reforma da escola local, a construção de uma
quadra de esportes, calçamento da rua principal e a criação da
Associação dos Quilombos Unidos de Barro Preto e Indaiá6,
cuja importância está em representar a comunidade nos as-
suntos político-jurídicos referentes ao reconhecimento e titu-
lação das terras. Nesse movimento, temos ainda a iniciativa
de moradores, com apoio da comunidade escolar, de criação
do Museu do Negro no interior da comunidade e que constitui
motivo de orgulho para a comunidade quanto a suas origens.
Toda essa articulação, ao envolver a escola, traz consigo
uma importante mobilização juntamente com os estudantes,
no sentido de desenvolver o espírito crítico e de valorização
da cultura local. O grupo de crianças, cuja faixa etária oscila
5 A Lei no 10.639/03 torna obrigatório o Ensino de História da África e Cultura
Afro-Brasileira nas escolas públicas e privadas de todo o país.
6 Indaiá é uma comunidade quilombola localizada no município vizinho de Antônio
Dias e distanciada cerca de sete quilômetros de Barro Preto. De acordo com Maria
Aparecida S. Tubaldini (2009), as duas comunidades possuem laços de parentesco.
De Indaiá, partiram famílias que contribuíram para a origem de Barro Preto. Vale
ressaltar que ambas possuem uma área de uso comum localizada em Indaiá, daí
a justificativa de criarem uma única Associação.
38 d ALINE NEVES RODRIGUES ALVES • JOSÉ ANTÔNIO SOUZA DE DEUS • NILMA LINO GOMES
entre dez e onze anos, além de presenciar as manifestações
políticas no interior da comunidade, participou das ações cul-
turais com apresentações nos municípios vizinhos, e também
recebeu, na comunidade e no museu, a visita de outras esco-
las da rede de ensino do município. E, para compreendermos
suas experiências com o lugar de vivência, é que apresenta-
mos na sequência, a discussão conceitual sobre a categoria de
análise: Lugar, no campo da Geografia Cultural.
COMUNIDADES QUILOMBOLAS:
UMA POSSÍVEL INTERPRETAÇÃO DO LUGAR COM O USO DE MAPAS MENTAIS d 39
da referenciados por aspectos localizacionais, classificatórios
ou determinando a presença de fenômenos, porém, nesta
nova abordagem, conferindo-lhe significados (KOZEL, 2001,
p.152). É relevante assinalar que o lugar poderá ser um bairro,
um povoado, um terreiro, uma casa, uma rua e outros.
[...] o lugar é uma unidade entre outras unidades ligadas
pela rede de circulação; o lugar, no entanto tem mais
substância do que nos sugere a palavra localização; ele
é uma entidade única, um conjunto “especial” que tem
história e significados. O lugar encarna as experiências
e as aspirações das pessoas. O lugar não é só um fato
a ser explicado na ampla estrutura do espaço, ele é a
realidade concreta a ser esclarecida e compreendia
sob a perspectiva das pessoas que lhes dão significados
(TUAN, apud HOLZER, 1999, p.70).
40 d ALINE NEVES RODRIGUES ALVES • JOSÉ ANTÔNIO SOUZA DE DEUS • NILMA LINO GOMES
Assim, relacionada à categoria lugar, a Topofilia seria:
o elo afetivo entre a pessoa e o lugar ou ambiente físico. A
palavra topofilia é um neologismo, útil quando pode ser defi-
nida em sentido amplo, incluindo todos os laços afetivos dos
seres humanos com o meio ambiente material. Estes diferem
profundamente em intensidade, sutileza e modo de expres-
são. Outro conceito importante seria: topofobia, que inver-
samente ao primeiro, decorre da ideia de paisagem do medo
(TUAN, 1980)
Com a geografia humanístico-cultural contemporânea
há assim o privilégio da subjetividade, das experiências, dos
simbolismos que por sua vez reduzem/relativizam a tendên-
cia homogeneizante que muitas teorias geográficas produzi-
ram sobre o espaço e sobre fenômenos sociais, tais como as
comunidades quilombolas e seu movimento de luta por terra
e reconhecimento de suas identidades.
COMUNIDADES QUILOMBOLAS:
UMA POSSÍVEL INTERPRETAÇÃO DO LUGAR COM O USO DE MAPAS MENTAIS d 41
Na elaboração dos mapas mentais, a ideia principal é
representada/posicionada no centro de uma folha de papel
em branco, utilizada na horizontal para proporcionar maior
visibilidade. E vale ressaltar que, embora utilizemos a ima-
gem enquanto representação do espaço desde a pré-história,
foi a partir da década de 60 (do século XX) que houve a bus-
ca por novas perspectivas de comunicação e preocupação em
desvendar essa imagem.
Os mapas mentais, portanto, são imagens construídas
por “sujeitos históricos reais, reproduzindo lugares reais vivi-
dos, produzidos e construídos materialmente”. E que portan-
to, devem ser lidos como produtos em movimento, ou seja, não
estáticos e não apenas cartográficos7 (KOZEL E NOGUEIRA,
1999, p.240)
Nos mapas mentais, a imagem é apenas uma faceta da
representação. Em Kozel (2007) temos que essa representa-
ção é indissociável de tudo que envolve o sujeito e a lingua-
gem. Esta linguagem uma vez referendada por signos, que são
construções sociais e refletem o espaço vivido representado
em todas as suas nuances. E ancorando-se na sociolinguística
é que Kozel nos apresenta um referencial teórico-metodológi-
co para interpretação ou decodificação desses signos constru-
ídos socialmente.
A autora parte do pressuposto que o objeto de análi-
se é uma forma de linguagem e encontra em Mikhail Bakhtin
(1986) o referencial para análise dos signos (mapas mentais)
como enunciados. Assim, os mapas mentais enquanto cons-
truções sígnicas que requerem interpretação/decodificação
7 Ressaltamos que os mapas mentais são imagens que os homens constroem dos
lugares, paisagens e regiões. Assim houve na geografia uma tentativa de se trazer
para o campo das técnicas cartográficas estas representações, que na verdade
devem ser tratadas enquanto fatos cartográficos com significações subjetivas.
(AMORIM, 1999, p.141).
42 d ALINE NEVES RODRIGUES ALVES • JOSÉ ANTÔNIO SOUZA DE DEUS • NILMA LINO GOMES
estão inseridos em contextos sociais, espaciais e históricos co-
letivos, apresentando singularidades e particularidades (KO-
ZEL, 2007, p.114-115).
O método bakhtiniano estuda a linguagem e o homem
numa interação ou encontro dialógico. O ser humano é visto
aí como ser social, portanto, esta teoria leva em consideração
expressões ou interações entre a linguagem e a importância do
ser humano como elemento de expressão da sociedade. E é as-
sim que o signo, produzido dentro de um contexto que lhe dá
sentido, poderá ser decodificado como forma de linguagem.
Kozel (2007), em sua metodologia, entende que o ser hu-
mano utiliza signos para representar a realidade, de modo que
a construção destes não ocorre de maneira vazia, mas a partir
da consciência que geralmente coincide com a orientação se-
mântico-ideológica de sua realidade. O que, numa perspectiva
sociológica, significa dizer que os signos, quando retirados do
contexto real vivido transformam-se, apenas, em sinais.
Assim, a codificação dos signos que formam a imagem
à medida que compartilham valores, significados com comu-
nidades e redes de relações tornam-se uma representação não
apenas individual, mas coletiva, referendando um signo social
em comum (KOZEL, 2007).
Os aspectos de interpretação dos mapas mentais foram
realizados de forma qualitativa a partir da metodologia pro-
posta por Kozel (2007), que adaptada8, assim define os se-
guintes aspectos a serem avaliados:
COMUNIDADES QUILOMBOLAS:
UMA POSSÍVEL INTERPRETAÇÃO DO LUGAR COM O USO DE MAPAS MENTAIS d 43
3. Interpretação quanto à especificidade dos ícones;
yyRepresentação dos elementos da paisagem natural
yyRepresentação dos elementos da paisagem construída
yyRepresentação dos elementos móveis
yyRepresentação dos elementos humanos
4. Apresentação de outros aspectos ou particularidades.
44 d ALINE NEVES RODRIGUES ALVES • JOSÉ ANTÔNIO SOUZA DE DEUS • NILMA LINO GOMES
A. Questão da água:
Andréia, 11 anos
Rosiane, 10 anos
COMUNIDADES QUILOMBOLAS:
UMA POSSÍVEL INTERPRETAÇÃO DO LUGAR COM O USO DE MAPAS MENTAIS d 45
A economia local se caracteriza por trabalhos sazonais
nas fazendas do entorno e trabalhos de capina em empresas
locais de recuperação e recomposição vegetal de áreas degra-
dadas. Já o trabalho de cultivo em áreas próprias da comuni-
dade, ou seja, na roça, sofreu retração motivada pelo confina-
mento territorial. Anteriormente, as práticas de cultivo eram
desenvolvidas nas serras, todo o entorno da comunidade.
C. Relações de vizinhança:
Brenda, 11 anos
46 d ALINE NEVES RODRIGUES ALVES • JOSÉ ANTÔNIO SOUZA DE DEUS • NILMA LINO GOMES
D. Relações com o urbano:
Eliel, 10 anos
Luana, 10 anos
COMUNIDADES QUILOMBOLAS:
UMA POSSÍVEL INTERPRETAÇÃO DO LUGAR COM O USO DE MAPAS MENTAIS d 47
As fronteiras criadas a partir de porteiras não parecem
sugerir limitação na circulação das pessoas. Porém, ganham
dimensões de limites no uso dos espaços, isto devido ao con-
finamento territorial que a comunidade sofre pela ação siste-
mática de cerceamento dos fazendeiros do entorno.
Luis, 11 anos
48 d ALINE NEVES RODRIGUES ALVES • JOSÉ ANTÔNIO SOUZA DE DEUS • NILMA LINO GOMES
G. Relações com os projetos educacionais:
Izadora, 11 anos.
Conclusões
COMUNIDADES QUILOMBOLAS:
UMA POSSÍVEL INTERPRETAÇÃO DO LUGAR COM O USO DE MAPAS MENTAIS d 49
de comunidade quilombola, direta ou indiretamente, a partir
do resultado dos mapas mentais que engloba: a valorização
de elementos materiais e simbólicos resultantes da autodecla-
ração; pertencimento territorial com consciência dos limites/
restrições ao domínio e usufruto desse território; afirmação
das relações de parentesco; as referências de identidade; e por
fim, a constatação de que os sujeitos investigados não se en-
contram isolados ou alheios às inovações que ocorrem no seu
entorno. E mesmo as ausências significaram aqui, de alguma
forma, um dado importante da realidade experimentada pelas
crianças de Barro Preto.
Vale ressaltar que a própria ação coletiva entre comuni-
dade, entidades do movimento negro e poder público que re-
sultaram no reconhecimento da comunidade de Barro Preto,
é representada por seus elementos materiais e simbólicos, e
em alguns casos perceptíveis na análise dos mapas mentais.
Entre as melhorias advindas do reconhecimento do povoado
como comunidade quilombola, temos a captação e distribui-
ção da água, que, além de ser uma questão conflitiva discutida
entre a comunidade, fazendeiros e poder público, mostrou-se
como uma experiência que gerou satisfação entre as crianças
que a retrataram registrando em seus desenhos com frequên
cia as caixas de água sobre as casas da comunidade, além de
expressarem/ documentarem também a sua satisfação em ob-
terem um local de lazer, a quadra esportiva da comunidade.
Outras questões políticas foram apresentadas, tal qual
o atual confinamento territorial experimentado pelos ha-
bitantes de Barro Preto e suas consequências na vida deles.
Partimos da constatação de que o reservatório de água da co-
munidade situa-se em terras hoje não mais sob domínio dos
quilombolas e, além disso, a presença de cercas e porteiras
arbitrariamente instaladas pelos fazendeiros da vizinhança e,
50 d ALINE NEVES RODRIGUES ALVES • JOSÉ ANTÔNIO SOUZA DE DEUS • NILMA LINO GOMES
por consequência, a dificuldade de se manter a reprodução de
roças em áreas para além desses limites, as quais eram terras
ocupadas por seus antepassados, foram retratados pelos estu-
dantes. Portanto são perceptíveis as noções que eles possuem
da potencialidades e limites de seu território, como também,
de pertencimento ao Lugar, ou seja, “o fato e o sentimento de
pertencer àquilo que nos pertence”, a identidade. (SANTOS,
2001, p.96).
Outra importante vivência apresentada pelas crianças
é o fato de identificarem os moradores do lugar integrantes
de uma família extensa, corroborando com a ideia de que as
comunidades quilombolas no Brasil “[...] são comunidades
negras rurais habitadas por descendentes de escravos que
mantêm laços de parentesco” vivendo de “[...] culturas de sub-
sistência em terra doada/comprada/secularmente ocupada”
(MOURA, 2007, p.10). No caso de Barro Preto, as terras foram
compradas por ex-escravos das fazendas do atual entorno da
comunidade e trazidos do Rio de Janeiro – RJ (diferentemen-
te, portanto, da ideia generalizada de fuga de escravos, recor-
rente no imaginário social brasileiro sobre os quilombos).
A luta quilombola e do próprio movimento negro local,
em busca da construção de uma escola que seja realmente di-
ferenciada para suas crianças e adultos, ou seja, que respeite
as diferenças étnicas sem, contudo, hierarquizá-las, foi expli-
citamente verificada no conteúdo de apenas um mapa mental,
na inscrição “Barro Preto Resgata sua História e tem Orgulho
de sua Cor”. Esta escrita na parte central do mapa diz respeito
ao nome do primeiro projeto pedagógico realizado na escola e
remete a uma leitura de consciência da identidade étnica, des-
pertada por projetos que buscaram quebrar o silêncio produ-
zido socialmente pelo racismo ao trazer a afirmação positiva,
e ruptura com as experiências de muitos adultos quilombolas,
COMUNIDADES QUILOMBOLAS:
UMA POSSÍVEL INTERPRETAÇÃO DO LUGAR COM O USO DE MAPAS MENTAIS d 51
que ser negro é sim um motivo de orgulho. Assim, percebemos
também que uma proposta antirracista na escola só encontra
sentido quando o racismo é desmistificado, pois o silêncio re-
força e perpetua as suas conseqüências (GOMES, 2005, p.51).
Embora se trate de um trabalho que para ser eficaz é de dura-
ção prolongada, e ademais, não pontual, localizado.
Percebemos ainda que essas comunidades não se encon-
tram imobilizadas em relação ao que se passa ao seu redor,
e, nessa perspectiva, gostaríamos de enfatizar o contato dessa
comunidade rural com o urbano e seus aparatos. Portanto, não
é difícil para Barro Preto conceber em seu interior a valori-
zação das tradições culturais dos antepassados, as normas de
pertencimento, acompanhadas simultaneamente da vontade
de ter acesso a novas tecnologias e outros valores sociocultu-
rais, que em nossa ótica, devem ser vistos como “processos que
não devem ser negados, eles existem, e ao contrário, devem
ser compreendidos enquanto direitos” (ALVES, 2012, p.56).
Portanto, diferentemente do imaginário social para o qual os
quilombolas estariam “congelados” no tempo (em um passa-
do remoto e isolados), eles se atualizam culturalmente e com
essas novas experiências adquiridas, lutam em busca de con-
cretização de direitos, dentre eles, territoriais e educacionais.
Já o importante dado que nos coube traduzir em “pro-
dução de ausências” liga-se à seguinte constatação: embora a
escola tenha profunda importância no processo de reconhe-
cimento da comunidade, ela atualmente não desenvolve um
trabalho que sustente práticas e ações determinantes/ signi-
ficativas para as crianças em que o processo educativo formal
dê sentido aos conteúdos, à aprendizagem, ao conhecimento,
extrapolando os muros institucionais. Nos mapas mentais
elaborados pelos estudantes há poucos registros da existên-
cia da escola no território quilombola. Contraditoriamente, a
52 d ALINE NEVES RODRIGUES ALVES • JOSÉ ANTÔNIO SOUZA DE DEUS • NILMA LINO GOMES
estrutura escolar foi reformada e, diferentemente das cons-
truções comunitárias locais, ela tem um imenso muro de cor
laranja, possui o único telefone público de Barro Preto, com-
porta o museu criado pelos moradores e está localizada na rua
principal da comunidade.
Outra constatação que emergiu do trabalho sobre as au-
sências nos resultados dos mapas mentais situa-se no plano
das relações humanas, salvo aquelas estabelecidas entre as
próprias crianças. Curiosamente, há poucos adultos em suas
imagens (representações nos mapas mentais). Pelas investi-
gações da pesquisa, percebemos que possivelmente essa re-
presentação tenha relação com o próprio distanciamento das
crianças da comunidade com o atual mundo adulto. Sabe-se
que os adultos (assim como os jovens) estão imersos no mundo
do trabalho, e mesmo da escola (nas séries sequenciais do En-
sino Médio), e por isso ficam fora da comunidade, durante os
dias da semana. No seu cotidiano, os cuidados das crianças
ficam a cargo dos mais velhos e da escola e, portanto, são pou-
cos os adultos que permanecem cotidianamente no interior
das casas, e talvez, por isso, nos mapas mentais eles são repre-
sentados apenas nas janelas das casas.
Tais resultados nos aproximam, em certa medida, do
conceito de comunidade quilombola elaborado para o aten-
dimento do Artigo 68 da ADCT, em que se busca conjugar a
referência da identidade ao uso territorial tentando, portanto,
superar as ideias clássicas a respeito do tema. Pelo Decreto
Lei no 4.887 do ano de 2003, temos:
remanescentes das comunidades dos quilombos os gru-
pos étnicos raciais, segundo critérios de auto-atribuição,
com trajetória histórica própria, dotados de relações
territoriais específicas, com presunção de ancestralidade
negra relacionada com formas de resistência à opressão
histórica sofrida. (BRASIL, 2003).
COMUNIDADES QUILOMBOLAS:
UMA POSSÍVEL INTERPRETAÇÃO DO LUGAR COM O USO DE MAPAS MENTAIS d 53
Concluímos assim que os elementos que configuram, na
atualidade, uma comunidade quilombola e a rede de comuni-
cação que a mesma experimenta em busca de direitos geram
ou intensificam outros elementos simbólicos e materialmen-
te construídos, que podem ser assimilados pelas crianças em
diferentes graus. E nessa pesquisa eles foram reproduzidos e
puderam ser passíveis de decodificação (não sem o auxílio de
uma pesquisa que busca revisar conceitos e com o auxílio de
diálogos oportunamente estabelecidos in loco entre o pesqui-
sador e os sujeitos da pesquisa).
Portanto, o significado de comunidade quilombola, em-
bora não seja objetivo da pesquisa, pôde ser verificado e anali-
sado pelos mapas mentais, sendo possível inclusive nos aproxi-
marmos do lugar de vivência experimentado pelas crianças. É
válido procurarmos resgatar, por fim, os postulados do grande
geógrafo sino-americado Yi-Fu Tuan quando ele demarca que:
[...] muitos lugares, altamente significantes para certos
indivíduos e grupos, têm pouca notoriedade visual para
seus visitantes. São conhecidos emocionalmente, e não
através do olho crítico ou da mente. (TUAN, 1983).
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UMA POSSÍVEL INTERPRETAÇÃO DO LUGAR COM O USO DE MAPAS MENTAIS d 57
DESAFIOS DA EDUCAÇÃO NA ÁFRICA:
MOÇAMBIQUE E SUA BUSCA POR ALTERIDADE
Introdução
58 d
tradicional? Uma cultura não europeia, diante do processo de
globalização, pode se modernizar sem nada alterar da sua for-
ma de ver e construir a sua própria história, cultura e valores?
Enfim, o setor da educação formal está habilitado, capacitado
e preparado para responder a estes múltiplos desafios? Nós
consideramos essas e outras preocupações como desafios da
educação em Moçambique e na África em geral.
Na sociedade moderna, onde sistemas educativos for-
mais tendem a privilegiar o acesso, muitas vezes, ao conheci-
mento escolar, em detrimento de outras formas de saberes e
aprendizagem, é essencial conceber a educação do ser huma-
no de uma maneira integral.
O conhecimento de outras culturas, outras formas de
educação, interfaces de saberes, o confronto através do diálo-
go e de trocas de argumentos, é um dos meios indispensáveis
para enfrentar os desafios da educação.
Esta perspectiva deve inspirar e orientar as reformas
educativas, tanto na elaboração de programas quanto na defi-
nição de novas políticas pedagógicas que respeitem as diver-
sidades socioculturais. A nossa reflexão tem como objetivo
ultrapassar a visão puramente instrumental da educação for-
mal, considerada hoje como a via obrigatória para obtenção
de algo (diplomas, ascensão e status social, aquisição de capa-
cidades diversas com fins econômicos etc).
No mundo da educação tradicional africana, diversos
elementos do Cosmos estão em função do homem. O homem
está no centro do universo. E é nesta dinâmica que o negro
africano se organiza e vive a totalidade das realidades visí-
veis e invisíveis. E a razão da existência do homem na cultu-
ra africana se realiza no seu equilíbrio consigo mesmo, com
a sociedade, a natureza e o universo. Trata-se de um esforço
permanente de integração das energias do Cosmos no circuito
Conclusão
Referências Bibliográficas
Introdução
Não há uma educação universal, boa em si. Ela é uma
forma irresistível, imposta sobre os outros para cum-
prir fins determinados de fora. Se não podemos nos
libertar totalmente do seu poder, o conhecimento dele
pode atenuar seus efeitos.
Se cada sociedade considerada em determinado
momento histórico do seu desenvolvimento, impõe
um tipo de educação, é necessário que conheçamos
esta sociedade e seu momento histórico se queremos
desnudar o seu sistema de Educação. Especialmente
quando é preciso reverter o processo em que se está
mergulhado. (RODRIGUES, 2001, p.78).
d 87
diretrizes da coroa portuguesa. Mas em que se fundamentava
o seu projeto educativo? O que ele promovia? A emancipação
do homem ou a formação para submissão? Houve processos
de resistência ao padrão educativo colonial português?
Este artigo intenta desvelar o cenário educativo mo-
derno e suas pretensões colonializantes (QUIJANO, 1991;
FIGUEIREDO, 2010; LANDER, 2005; WALSH, 2008), pre-
sentes, embora de modo sutil e invisibilizado, nos primeiros
passos que prenunciam e consolidam, posteriormente, um
projeto educativo no Brasil, o que se materializa fortemente
por meio das reformas e políticas implementadas de 1549 a
1890. Neste interstício, desvela-se a educação para a submis-
são (1549-1890) com a chegada e a expulsão dos jesuítas, a
Independência Monárquica em 1822, sinalizando os feitos
de regulamentação da educação escolar e a Proclamação da
República (1889). Destacamos, porém, que este trajeto não
se dá de forma incólume, sem oposições. Desde sua origem,
encontramos muitos(as) que se posicionam favoravelmente
a uma proposta educativa descolonializante, libertadora, na
linguagem de Paulo Freire (1983).
Nessa viagem, nossa nau favorece e estimula um passeio
relevante pela pesquisa documental e bibliográfica, com base
em autores como Romanelli (2000), Werebe (1997), Saviani
(2004), Walsh (2008), Figueiredo (2012) e Ribeiro (2001), o
que nos permite analisar não só o contexto nacional, mas tam-
bém o de Portugal, por compreendermos que a história do Bra-
sil, “[...] com interpretação consequente de organização social,
deve começar antes do descobrimento” (DUARTE, 1939, p.11).
Em outras palavras, os fundamentos desse modelo edu-
cacional colonializante, opressor, foram instituídos bem antes
de acontecerem em nossa pátria. Este navegar também possi-
bilita a releitura da literatura e dos documentos com o intuito
1 Salientamos que, segundo Lander (2005, p.34), esta lógica eurocêntrica estrutura
e organiza tempo e espaço para toda a humanidade, desde sua percepção única
válida e referência superior e universal para todos os demais. Define um marco zero
desde 1935, sobre a relação entre a língua, a evolução social e o Instituto Africano
Internacional – IAI, organismo internacional, com o seu plano colonializante de
escolarização, com a elaboração de manuais escolares africanos destinados a iniciar
os estudantes no estudo da civilização e do pensamento ocidentais, cuja influência
seria decisiva na formação de futuros chefes.
balhar diretamente com seus colegas, reforçando o ensinado pelos mestres momentos
antes. Além desta seleção, vale registrar o papel do inspetor de ensino, que deve
vigiar os monitores e apontar ao mestre os que devem ser premiados ou corrigidos.
Considerações Finais
Tales reconocimientos hacen interculturalizar y des-
colonizar la lógica y racionalidade dominantes, abri-
éndolas a modos otros de concebir y vivir, modos que
encuentran sus fundamentos en el pensamiento, los
Referências Bibliográficas
d 115
ticipar de uma feira sobre a cultura africana. Como contra-
proposta à atividade, os estudantes decidiram realizar uma
apresentação sobre as missões evangélicas na África. Para os
professores, a atividade fugia ao objetivo da feira, a saber, o
estudo da cultura africana através de obras selecionadas da
literatura brasileira. Não obstante, os estudantes ergueram
uma tenda à porta da escola para falar do trabalho missio-
nário no continente. A atitude foi entendida como um ato
de intolerância étnico-religiosa pelos professores. Já os es-
tudantes alegaram discriminação por serem evangélicos.
Um dos argumentos apresentados em reunião com os repre-
sentantes do Conselho de Direitos Humanos, do Movimento
Religioso de Matriz Africanas, da Comissão de Diversidade
Sexual, da Ordem dos Advogados do Brasil e da Marcha
Mundial de Mulheres era de que na obra de Jorge Amado,
Jubiabá, uma das personagens possuía amizade com um
“pai de santo” e que, além disso, havia citação de práticas
homoafetivas. Já a obra Casa Grande & Senzala, de Gilberto
Freyre, foi considerada insidiosa aos princípios evangélicos.
Diante da repercussão, e retirando do foco a resistência em
apresentar um trabalho sobre a cultura africana, um pastor,
em defesa dos pais e dos estudantes, argumentou que a lite-
ratura indicada pelo professor continha “homossexualismo
no meio.” (EVANGÉLICOS, 2012a).
Em Olinda, Pernambuco, ocorreu uma tentativa de in-
vasão do terreiro Pai Jairo de Iemanjá Sabá. Segundo o baba-
lorixá, que presenciou a ação, membros de uma igreja evan-
gélica gritavam em frente ao terreiro “Sai daí, satanás”. Com
seu filho à frente da entrada, e buscando filmar e impedir a
invasão, ele ouviu de um dos que forçavam o portão que eles
tomassem cuidado, pois “era evangélico, mas era também um
ex-matador.” (EVANGÉLICOS..., 2012b).
segunda uma coação sobre Deus, isto é, a religião é “por favor”, respeito, prece,
culto e doutrina; a magia é coerção do sagrado, implicando a subordinação dos
deuses e a conjuração dos espíritos. (PIERUCCI, 2001). Se o monoteísmo judaico e a
teologia calvinista na Europa seiscentista e setecentista – e depois o protestantismo
estadunidense – buscaram expurgar a magia da religião através da racionalização
ético-ascética do cotidiano, nos países de forte religiosidade popular, como no caso
do Brasil, a magia permaneceu como fundamento inexterminável. (WEBER, 2009).
cor ser considerado ultrajante para quem sofre e degradante para quem pratica,
continua intocável no cotidiano desde que se mantenha o decoro no seu exercí-
cio. Essa “ambiguidade axiológica”, em parte produzida por um ethos católico de
comportamento, aponta para um dilema racial brasileiro no qual o preconceito
de cor, mesmo não institucionalizado como foi nos Estados Unidos e na África do
Sul, continua a pautar as relações sociais atravessando todo o espectro social. Seu
resultado tem sido uma forma historicamente gestada e elaborada de dissimulação
da discriminação que teve no mito da democracia racial, com sua defesa da mesti-
çagem, o seu principal expoente teórico (Cf. FERNANDES, 2007).
8 No campo evangélico, a transmissão familiar da filiação religiosa também sofre
perturbações externas como em outras religiões. Hoje não é mais incomum ver
filhos de pais evangélicos “desviados”, ou seja, que deixaram suas igrejas de
origem para transitar em outras religiões e crenças, para tornarem-se agnósticos
ou, raramente, para negarem qualquer profissão de fé. A fase em que as rupturas
começam a surgir é ao final da adolescência e começo da vida social adulta,
momento em que estímulos externos a família e a igreja influenciam a conduta de
vida do fiel e abalam suas convicções religiosas.
Referências Bibliográficas
Bas´Ilele Malomalo
Exílio
A toda diáspora africana exilada e migrante
No meu país
Só os pássaros cantam
[...]
Eu sinto a morte, o cheiro da pobreza
Vergonha que carrego na terra do exílio
Vergonha de um exilado
Sem país
[...]
(Bas´Ilele Malomalo).
Introdução
134 d
Sugiro, portanto, o seguinte tema para nossa reflexão:
“Desafios da democracia e do desenvolvimento na África: um
olhar sobre a República Democrática do Congo a partir da di-
áspora negra brasileira”. A minha intenção não é abordar a
realidade social, cultural, política e econômica do continen-
te africano na sua generalidade, que pode ser encontrada no
relatório 2006 da União Africana (UA), mas destacar uma de
suas realidades, tendo a RD Congo como um caso particular
por dois motivos. Primeiro: foi nesse país que nasci e comecei
a alimentar a minha consciência crítica sobre a negritude/afri-
canidade. Segundo: o advento da III República, nessa parte da
África, é um belo exemplo para discutirmos – nós, intelectuais
africanos, negros da diáspora, africanistas e simpatizantes da
nossa luta – sobre o nosso futuro e o dos nossos filhos.
Desenvolverei esta reflexão a partir dos instrumentos
teóricos que fazem parte da minha realidade intelectual na
atualidade, qual seja os estudos do desenvolvimento, espe-
cificamente a sociologia do desenvolvimento e das relações
raciais e do multiculturalismo. Articularei o meu discurso a
partir de três pontos: 1) o campo dos estudos do desenvolvi-
mento: dos velhos aos novos temas; 2) o paradoxo do subde-
senvolvimento africano: o caso da RD Congo; 3) os desafios
da democracia e do desenvolvimento na África a partir da Re-
pública Democrática do Congo. Finalizo o meu texto com uma
nota de esperança para o Congo, tendo por pano de fundo a
epígrafe de um poema de minha autoria intitulado de “Exílio”.