Você está na página 1de 273

SAÚDE MENTAL

Desafios da Prevenção, Diagnóstico, Tratamento e


Cuidado na Sociedade Moderna

Edição XI

Organizadores
Guilherme Barroso L. De Freitas
Márcia Astrês Fernandes
Ariadine Reder Custodio de Souza
Roberta da Silva

2023
2023 by Editora Pasteur
Copyright © Editora Pasteur

Editor Chefe:

Dr Guilherme Barroso Langoni de Freitas

Corpo Editorial:

Dr. Alaercio Aparecido de Oliveira MSc. Guilherme Augusto G. Martins


(Faculdade INSPIRAR, UNINTER, CEPROMEC e Força Aérea Brasileira) (Universidade Estadual do Centro-Oeste - PR)
Dra. Aldenora Maria Ximenes Rodrigues Dr Guilherme Barroso Langoni de Freitas
MSc. Aline de Oliveira Brandão (Universidade Federal do Piauí - PI)
(Universidade Federal de Minas Gerais - MG) Dra. Hanan Khaled Sleiman
Dra. Ariadine Reder Custodio de Souza (Faculdade Guairacá - PR)
(Universidade Estadual do Centro-Oeste – PR) MSc. Juliane Cristina de Almeida Paganini
MSc. Bárbara Mendes Paz (Universidade Estadual do Centro-Oeste - PR)
(Universidade Estadual do Centro-Oeste - PR) Dra. Kátia da Conceição Machado (Universidade Federal do
Dr. Daniel Brustolin Ludwig Piauí - PI)
(Universidade Estadual do Centro-Oeste - PR) Dr. Lucas Villas Boas Hoelz
Dr. Durinézio José de Almeida (FIOCRUZ - RJ)
(Universidade Estadual de Maringá - PR) MSc. Lyslian Joelma Alves Moreira
Dr. Everton Dias D’Andréa (Faculdade Inspirar - PR)
(University of Arizona/USA) Dra. Márcia Astrês Fernandes
Dr. Fábio Solon Tajra (Universidade Federal do Piauí - PI)
(Universidade Federal do Piauí - PI) Dr. Otávio Luiz Gusso Maioli
Francisco Tiago dos Santos Silva Júnior (Instituto Federal do Espírito Santo - ES)
(Universidade Federal do Piauí - PI) Dr. Paulo Alex Bezerra Sales
Dra. Gabriela Dantas Carvalho MSc. Raul Sousa Andreza
Dr. Geison Eduardo Cambri MSc. Renan Monteiro do Nascimento
Dra. Teresa Leal
l Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Editora Pasteur, PR, Brasil)

FR862c FREITAS, Guilherme Barroso Langoni de.


Saúde Mental - Desafios da Prevenção, Diagnóstico,
Tratamento e Cuidado na Sociedade Moderna /
Guilherme Barroso Langoni de Freitas - Irati: Pasteur,
2023.
1 livro digital; 272 p.; ed. XI; il.

Modo de acesso: Internet


ISBN 978-65-6029-006-8
https://doi.org/10.59290/978-65-6029-006-8
1. Medicina 2. Saúde Mental 3. Ciências da Saúde
I. Título.
CDD 610
CDU 601/618
A Saúde Mental é uma área que requer atenção especial, em vista da
sua complexidade e pelo impacto que causa na sociedade, sendo de grande
relevância para a saúde pública. Ter saúde mental não se resume apenas à
ausência de transtornos mentais. Sabe-se que há uma diversidade de
fatores que contribuem o bem-estar ou mal-estar mental, como os fatores
sociais, culturais e biológicos. Costuma-se dizer que a somatória de vários
fatores corrobora para o sofrimento psíquico. De forma que, compreender
todas essas influências é extremamente importante e, especialmente,
conhecer as possibilidades de prevenção e promoção em saúde mental,
bem como as políticas públicas que norteiam esse campo da saúde e as
possiblidades terapêuticas, com vistas a uma melhora da qualidade de vida
das pessoas que convivem com problemas dessa natureza. Nessa
perspectiva, essa obra visa disseminar mais o conhecimento sobre essa
temática, tão necessária para a saúde global humana.
Desejamos uma proveitosa leitura e que desperte a motivação dos
leitores e leitoras para novas investigações, assim como estimule os
cuidados em saúde mental.

Drª Márcia Astrês Fernandes


Pós-doutora pelo Departamento
de Enfermagem Psiquiátrica e
Ciências Humanas da Escola De
Enfermagem de Ribeirão Preto-
EERP da Universidade de São
Paulo-USP. Doutora em Ciências
pela Escola de Enfermagem de
Ribeirão Preto-EERP da
Universidade de São Paulo-USP.
Professora Associada da
Universidade Federal do Piauí.
Membro do Corpo Editorial da
Editora Pasteur.
Capítulo 01 ......................................................................................................................... 1
O TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE: ENTRE A NEUROSE E PSICOSE
Capítulo 02 ......................................................................................................................... 9
ANSIEDADE E COVID – 19
Capítulo 03 ....................................................................................................................... 17
IMPACTOS DA MUSICOTERAPIA NO TRATAMENTO DOS SINTOMAS DA DOENÇA DE
ALZHEIMER: REVISÃO DE LITERATURA
Capítulo 04 ....................................................................................................................... 26
UMA DISCUSSÃO ACERCA DE PSICOLOGIA, GÊNERO E DIVERSIDADE SEXUAL
Capítulo 05 ....................................................................................................................... 37
EPILEPSIAS: UMA ABORDAGEM ABRANGENTE
Capítulo 06 ....................................................................................................................... 50
ESTRESSE COMO FATOR DE RISCO PARA QUEDA NA IMUNIDADE: DIMINUIÇÃO DA
QUALIDADE DE VIDA
Capítulo 07 ....................................................................................................................... 56
A CORRELAÇÃO ENTRE O USO DA MACONHA E A PREDISPOSIÇÃO À PSICOSE
Capítulo 08 ....................................................................................................................... 63
TRANSTORNO FACTÍCIO AUTOIMPOSTO
Capítulo 09 ....................................................................................................................... 69
O IMPACTO DO USO DE REDES SOCIAIS E A DISTORÇÃO CORPORAL ENTRE ADOLESCENTES E
JOVENS ADULTOS
Capítulo 10 ....................................................................................................................... 78
ANSIEDADE E AUTOMEDICAÇÃO ENTRE JOVENS UNIVERSITÁRIOS: UMA REVISÃO
INTEGRATIVA DE LITERATURA
Capítulo 11 ....................................................................................................................... 87
COMO VOCÊ NÃO PERCEBE QUE EU VOU ME MATAR?
Capítulo 12 ....................................................................................................................... 94
OS IMPACTOS DO USO DE SUPLEMENTOS NUTRICIONAIS NO TRATAMENTO ADJUVANTE DOS
TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
Capítulo 13 ....................................................................................................................... 99
A INFLUÊNCIA DA ALIMENTAÇÃO NA SAÚDE MENTAL
Capítulo 14 ..................................................................................................................... 106
ISOLAMENTO SOCIAL DEVIDO AO COVID, IMPACTO NA SAÚDE MENTAL E USO DE
ANSIOLÍTICOS E ÁLCOOL – UMA VISÃO GERAL
Capítulo 15 ..................................................................................................................... 112
BENZODIAZEPÍNICOS E DROGAS Z
Capítulo 16 ..................................................................................................................... 120
PRESCRIÇÃO DE ANTIPSICÓTICO EM PACIENTES PORTADORES DE ESQUIZOFRENIA: UMA
REVISÃO DA LITERATURA
Capítulo 17 ..................................................................................................................... 129
RELATO DE CASO DE “FOLIE EN FAMILLE” EM ASSOCIAÇÃO COM PSEUDOCIESE
Capítulo 18 ..................................................................................................................... 135
FISIOPATOLOGIA E MANEJO CLÍNICO DO TRANSTORNO DO DÉFICIT DE ATENÇÃO COM
HIPERATIVIDADE: REVISÃO INTEGRATIVA
Capítulo 19 ..................................................................................................................... 142
EPILEPSIA: REVISÃO DE LITERATURA
Capítulo 20 ..................................................................................................................... 149
AÇÕES DE ENFERMEIROS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA FRENTE À VIOLÊNCIA
PRATICADA CONTRA O IDOSO
Capítulo 21 ..................................................................................................................... 159
POLÍTICAS PÚBLICAS EM FACE DA VIOLÊNCIA CONTRA A PESSOA IDOSA: UM ESTUDO
TEÓRICO-REFLEXIVO
Capítulo 22 ..................................................................................................................... 165
A INFLUÊNCIA DA HISTÓRIA PSICOSSOCIAL NOS TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS: UMA
REVISÃO ACERCA DOS ESTRESSORES AMBIENTAIS
Capítulo 23 ..................................................................................................................... 170
A INVISIBILIDADE DA SAÚDE MENTAL DE PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA NO BRASIL - UMA
AVALIAÇÃO SOBRE A DEPRESSÃO
Capítulo 24 ..................................................................................................................... 178
COMPULSÃO SEXUAL: PRINCÍPIOS E ALTERNATIVAS DO TRATAMENTO
Capítulo 25 ..................................................................................................................... 186
PRÁTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES DE SAÚDE
Capítulo 26 ..................................................................................................................... 193
TRANSTORNO MENTAL NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA: FATORES DE RISCO
Capítulo 27 ..................................................................................................................... 199
MECANISMOS FISIOPATOLÓGICOS, DIAGNÓSTICO E MANEJO DA DEMÊNCIA POR
ALZHEIMER: UMA REVISÃO INTEGRATIVA
Capítulo 28 ..................................................................................................................... 209
USO DE AGONISTAS MUSCARÍNICOS M1 NO TRATAMENTO DA DOENÇA DE ALZHEIMER: UMA
REVISÃO SISTEMÁTICA
Capítulo 29 ..................................................................................................................... 218
ANSIEDADE EM POPULAÇÕES VULNERÁVEIS E SEUS AGRAVANTES – REVISÃO INTEGRATIVA
Capítulo 30 ..................................................................................................................... 224
DEMÊNCIA POR CORPOS DE LEWY E SEUS IMPACTOS NA FUNCIONALIDADE DOS IDOSOS
Capítulo 31 ..................................................................................................................... 232
EVOLUÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL SOBRE DROGAS: IMPACTOS DA ABORDAGEM DE
REDUÇÃO DE DANOS
Capítulo 32 ..................................................................................................................... 239
O USO DA HIPNOSE NO CONTROLE DA DOR
Capítulo 33 ..................................................................................................................... 244
SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS NA NEUROPLASTICIDADE DESENCADEADA POR COCAÍNA E
MORFINA
Capítulo 34 ..................................................................................................................... 257
SÍNDROME DE BURNOUT: UM ESTUDO COM FARMACÊUTICOS DA REDE PÚBLICA
Capítulo 01

O TRANSTORNO DE
PERSONALIDADE
BORDERLINE: ENTRE A
NEUROSE E PSICOSE
MATHEUS VIEIRA SAMPAIO¹
ANA LUIZA ARAÚJO MACHADO¹
ANA CAROLINA DE OLIVEIRA TONHOLO¹
MAÍRA LOBO PINTO¹
MONIQUE STEPHANY VITOR¹
RAFAEL AMANSO DA CONCEIÇÃO¹
ALLAN CALDAS DE SOUZA¹
JULIO CESAR DE AGUIAR ALMEIDA¹
LAVÍNIA SILVA FONSECA¹
KAROLINE NOGUEIRA BORGES¹
VITÓRIA RODRIGUES FERREIRA¹
MATHEUS HENRIQUE MARQUES DE SOUSA¹
LARISSA VICTORIEN DE SOUZA VIANA BELCHIOR¹
BÁRBARA LUIZA PEREIRA2
RAFAELLA FIGUEIREDO ASMAR OLYNTHO DE ALMEIDA3

1. Discente – Medicina da Universidade de Rio Verde, Câmpus Aparecida de Goiânia.


2. Discente – Medicina da Universidade Evangélica de Goiás, Câmpus Anápolis.
3. Discente – Medicina da Faculdade FACERES, Câmpus São José do Rio Preto.

Palavras Chave: Boderline, Transtorno de Personalidade, Psicopatologia.

INTRODUÇÃO
10.59290/978-65-6029-006-8.1 1 | Página
A personalidade consiste no conjunto de ca- terna e comportamento que se desvia acentua-
racterísticas específicas de um indivíduo que damente das expectativas da cultura do indiví-
ditam seus pensamentos, ações e sentimentos duo. Sendo assim, o DSM-V divide os transtor-
(NIEMANTSVERDRIET et al., 2022). No que nos de personalidade em 3 grandes grupos (Fi-
tange ao transtorno de personalidade, enuncia gura 1.1):
sobre um padrão persistente de experiência in-

Figura 1.1 Divisão dos TP

Fonte: LOUZÃ et al., 2020.

O transtorno de Personalidade Borderline meio de critérios clínicos, de acordo com a di-


(TPB) pertencente ao cluster B, é caracterizado retriz do Diagnostic and Statistical Manual of
por um padrão difuso de instabilidade e hiper- Mental Disorders (DSM V). O tratamento de
sensibilidade nos relacionamentos interpesso- base recomendado é a psicoterapia, podendo re-
ais, com distorção da autoimagem, medo de correr ao uso do de psicofármacos, nos casos
abandono, flutuações extremas de humor e im- em que as reações do transtorno, geram poten-
pulsividade, causando prejuízo significativo cial risco de suicídio e autolesão e ocasionam
para a vida pessoal e social. Os pacientes com prejuízos psicossociais aos pacientes.
TPB cursam com uma variedade de sintomas, Nesse contexto, o objetivo deste estudo é
podendo coexistir com outras entidades nosoló- evidenciar os fatores relacionados ao transtorno
gicas. Existe, também, correlação da neurose e de personalidade borderline, a partir de uma re-
da psicose nos pacientes com o transtorno de visão geral sobre o tema, esclarecendo de forma
personalidade, principalmente aquelas que cul- objetiva os aspectos abordados nessa condição
minam com as manifestações dissociativas, e avaliar as manifestações psiconeuróticas em
compulsões, obsessões e oscilação no padrão pacientes com esse diagnóstico em sua plurali-
sexual (WEST et al., 2021). A psicose consiste dade social e sintomatológica, visando possí-
no distúrbio da percepção da realidade, das veis abordagens terapêuticas (FOLMO et al.,
emoções e do pensamento. Ademais, podem 2021).
cursar com uma raiva inapropriada e intensa MÉTODO
(PURI et al., 2018). O diagnóstico é feito por

2|P á g i n a
Foi realizada uma busca literária, de forma início, o termo era utilizado para indivíduos que
sistemática, na base de dados PubMed, e usados não pertenciam nem ao grupo das neuroses nem
os descritores seguintes: borderline AND neu- ao grupo das psicoses, ou seja, que estavam na
rosis AND psychosis; borderline personality di- “linha” ou fronteira (NIZO, 2019).
sorder AND neurosis OR psychosis. A partir da Por muito tempo, a categorização de paci-
combinação desses descritores, foram localiza- entes com TPB foi inconsistente – alguns con-
das 69 publicações sobre o tema. sideraram “borderline” como uma forma de es-
Os critérios de inclusão foram baseados no quizofrenia (esquizofrenia latente, pseudo-
conteúdo dos títulos e resumos que tinham in- neurótica ou borderline) ou como um transtorno
terface com o tema e artigos que estivessem dis- de personalidade (organização de personali-
poníveis na íntegra, em plataformas de acesso dade borderline de Kernberg). Com a introdu-
aberto e gratuito, na data estabelecida, que de- ção do DSM-III, o TPB foi separado de um
veria ser menor ou igual a seis anos. Foram ex- transtorno de personalidade esquizotípica (que
cluídos os artigos que não estavam disponíveis era então considerado um transtorno psicótico)
na íntegra cuja data de publicação fosse supe- e os critérios entraram no sistema de classifica-
rior a seis anos, que não abordassem com am- ção psiquiátrica. No entanto, os sintomas psicó-
plitude o tema central do estudo, artigos que ticos, apesar de sua presença, não foram incluí-
não atendiam à questão da pesquisa e artigos dos. Não foi até a quarta revisão do DSM
com os temas repetidos. (DSM-IV) que sintomas psicóticos como “sin-
Após essas seleções e a eliminação dos ar- tomas dissociativos graves” ou “ideações para-
tigos, 21 artigos atenderam aos critérios para noides relacionadas ao estresse transitório” fo-
compor este estudo. Não houve riscos, pois re- ram adicionados como critério para o diagnós-
fere-se à uma revisão sistemática. O principal tico de TPB (SLOTEMA et al., 2019). Os crité-
benefício desse texto é ampliar o repertório re- rios DSM-5 BPD permanecem inalterados na
lacionado ao tema proposto. Seção II. Na Parte III do DSM-5, o estado de
“psicoticismo” (ou seja, desregulação cognitiva
RESULTADOS E DISCUSSÃO e perceptiva) é incluído como uma possível ca-
racterística não essencial do TPB (MINARI-
A noção de Borderline constitui-se inicial- KOVA et al., 2022).
mente como uma entidade vaga e imprecisa, De acordo com o Manual Diagnóstico e Es-
que compreende sintomas que se estendem tatístico de Transtornos Mentais 5ª Edição
desde o espectro “neurótico”, passando pelos (DSM-5), o transtorno de personalidade border-
“distúrbios de personalidade”, até o espectro line (TPB) acomete de 2% a 3% da população
“psicótico” (DALGALARRONDO, 2019). Sob mundial, sendo que as taxas de prevalência para
essa perspectiva, é possível notar que havia uma os Transtornos de Personalidade podem chegar
insatisfação em relação à definição de quadros a até 50% em pacientes que apresentam outros
puramente neuróticos ou puramente psicóticos, transtornos mentais comórbidos, como: trans-
o que levou ao estudo dos estados limítrofes, tornos de humor, ansiedade generalizada, trans-
que eram casos que tinham tanto características tornos alimentares, estresse pós-traumático ou
neuróticas como psicóticas. Estes estudos leva- dependência em substâncias (APA, 2014).
ram à criação do conceito e do termo Borderline Com critérios diferentes dos propostos pelo
(ARCHER et al., 2022; BEATSON, 2019). No Código Internacional de Doenças (CID-10), o

3|P á g i n a
DSM-5 aponta como transtornos de personali- Segundo os Critérios Diagnósticos 301.83
dades os padrões persistentes de experiência ín- (F60.3), temos: Um padrão difuso de instabili-
tima e de comportamentos que se desviam de dade das relações interpessoais, da autoimagem
expectativas culturais do indivíduo (Figura e dos afetos e de impulsividade acentuada que
1.2). São inflexíveis e pervasivos, ou seja, não surge no início da vida adulta e está presente em
ficam restritos a apenas um campo da vida, de- vários contextos, conforme indicado por cinco
vendo se manifestar em ao menos duas dentre (ou mais) dos seguintes: 1. Esforços desespera-
as seguintes áreas: cognição, afetividade, rela- dos para evitar abandono real ou imaginado.
ções interpessoais e controle de impulsos. Co- (Nota: não incluir comportamento suicida ou de
meçam na adolescência ou no início da vida automutilação coberto pelo critério 5.) 2. Um
adulta, provocam sofrimento clínico e prejuízo padrão de relacionamentos interpessoais instá-
significativo, não sendo atribuídos a efeitos fi- veis e intensos caracterizado pela alternância
siológicos de substâncias ou a outras condições entre extremos de idealização e desvalorização.
médicas (WINSPER et al., 2020). 3. Perturbação da identidade: instabilidade
acentuada e persistente da autoimagem ou da
Figura 1.2 Aspectos psicopatológicos do TP
percepção de si mesmo. 4. Impulsividade em
pelo menos duas áreas potencialmente autodes-
trutivas (p. ex., gastos, sexo, abuso de substân-
cia, direção irresponsável, compulsão alimen-
tar). (Nota: não incluir comportamento suicida
ou de automutilação coberto pelo critério 5.) 5.
Recorrência de comportamento, gestos ou ame-
aças suicidas ou de comportamento auto muti-
lante. 6. Instabilidade afetiva devida a uma
acentuada reatividade de humor (p. ex., disforia
episódica, irritabilidade ou ansiedade intensa
com duração geralmente de poucas horas e ape-
nas raramente de mais de alguns dias). 7. Senti-
Fonte: Adaptada de SERAFIM & MARQUES, 2014. mentos crônicos de vazio. 8. Raiva intensa e
inapropriada ou dificuldade em controlá-la (p.
O sujeito com transtorno de personalidade ex., mostras frequentes de irritação, raiva cons-
Borderline apresenta um quadro de instabili- tante, brigas físicas recorrentes). 9. Ideação pa-
dade afetiva e impulsividade e possui autoima- ranoide transitória associada a estresse ou sin-
gem deficiente, que pode variar de acordo com tomas dissociativos intensos (APA, 2014).
o contexto dos relacionamentos. Sentimento de Quanto à Classificação Internacional de
vazio ou perda de identidade são frequentes. Doenças e Problemas Relacionados à Saúde
Seus relacionamentos interpessoais são inten- (CID), o diagnóstico de TPB só entrou em 1992
sos, estabelecem-se rapidamente, mas também na 10ª edição como um subtipo limítrofe do
podem ser interrompidos subitamente. Reações transtorno de personalidade emocionalmente
hostis ou agressivas podem acontecer mediante instável. Sintomas psicóticos não estavam pre-
a antecipação de abandono real ou imaginário sentes entre os critérios. A iminente 11ª edição
(NIZO, 2019). do CID adotará uma avaliação multidimensio-

4|P á g i n a
nal do transtorno de personalidade limítrofe, in- no padrão neurótico e nem no padrão psicótico
cluindo “sintomas dissociativos transitórios ou plenamente. Tal fato pode ser evidenciado na
sinais psicóticos em situações de alta excitação concepção de que a fenomenologia do TPB não
afetiva” (MINARIKOVA et al., 2022). se apresenta idêntica entre os indivíduos, ade-
O transtorno de personalidade limítrofe é ti- mais, pode estar presente nas queixas psiquiá-
picamente diagnosticado por um especialista tricas ideação paranoide associada a estresse e
em saúde mental usando entrevistas semiestru- episódios micro psicóticos, a exemplo de aluci-
turadas. A maioria das pessoas com TPB tem nações auditivas que ocorrem nos transtornos
transtornos mentais coexistentes, como trans- do espectro da esquizofrenia (SLOTEMA et al.,
tornos do humor (ou seja, depressão maior ou 2018a).
transtorno bipolar) (83%), transtornos de ansie- Sabendo que o quadro clínico inclui sinto-
dade (85%) ou transtornos por uso de substân- mas cognitivo-perceptivos, como desconfiança,
cias (78%). A etiologia do TPB está relacio- ideações de referência, pensamentos paranoi-
nada tanto a fatores genéticos quanto a experi- des, delírios, desrealização, despersonalização
ências adversas na infância, como abuso sexual e sintomas semelhantes a alucinações, e consi-
e físico (LEICHSENRING et al., 2023). derando os resultados dos estudos recentes,
Tendo em vista que o padrão de impulso e conclui-se que os sintomas psicóticos no TPB
instável das relações interpessoais, da autoima- não são incomuns (COTTON et al., 2022; FER-
gem e dos afetos, sintomas como sentimentos NÁNDEZ-GUERRERO, 2017). São sintomas
crônicos de vazio e acentuada reatividade de psicóticos diversos e fenomenologicamente se-
humor se refletem em comportamentos auto melhantes aos dos transtornos do espectro da
mutilantes, relacionamentos problemáticos e esquizofrenia, porém têm sido descritos como
tentativas suicidas frequentes; foi verificado de curta duração, menos graves e qualitativa-
que a autoagressão pode ser considerada um mente diferentes. Além disso, são marcadores
importante marcador de risco observável du- de psicopatologia mais grave e pior prognóstico
rante a adolescência para a detecção precoce do (especificamente hospitalizações mais frequen-
TPB, uma vez que esse comportamento está li- tes e tendências suicidas). No entanto, não há
gado com problemas subjacentes de regulação um consenso comum sobre sua etiologia, feno-
emocional e controle de impulsos (REICHL & menologia, gravidade ou tratamento (MINARI-
KAESS, 2021). KOVA et. al, 2022).
Nessas circunstâncias, percebe-se que a afe- Em um estudo da Northwestern Mental
tividade negativa, caracterizada pelo humor ne- Health Behavioural and Psychiatric Research
gativo oscilante, acarreta a baixa capacidade de and Ethics Committee, os achados revelam que
adaptação a situações de estresse, dificuldade os sintomas psicóticos, tais como, alucinações,
de compreensão e disfunção crônica das emo- paranoia e pensamentos estranhos, são impor-
ções e da autoimagem; levando a um comporta- tantes marcadores de risco para uma ampla
mento autodestrutivo e se tornando um grande gama de transtornos e que os jovens com expe-
obstáculo para vivências interpessoais. riências de psicose têm maior comprometi-
Vale considerar, a complexidade dos aspec- mento funcional do que aqueles sem, mesmo
tos psicopatológicos representada pelo trans- quando comparados a jovens com a mesma psi-
torno de personalidade limítrofe, tendo em copatologia (THOMPSON et al., 2019). Logo,
conta que os pacientes não se enquadram nem o TPB é associado a vários fatores psicopatoló-

5|P á g i n a
gicos, bem como causas multifatoriais e varia neurose, a angústia considerada é a de castra-
de acordo com indivíduos em sua estrutura ção" (NIZO, 2019). Freud percebeu sua impor-
mental e psíquica. Há agravantes quanto à pre- tância na constituição do ser humano e a estu-
sença persistente de psicose, uma vez que a per- dou em seus diversos aspectos. Embora a ques-
turbação das alucinações, sensação de vazio e tão da castração esteja presente no Borderline,
abandono levam ao aumento das tentativas de ela não é estruturante da sua personalidade,
autoextermínios, hospitalizações e automutila- como acontece no neurótico.
ção (THOMPSON et al., 2019). A psicose e neurose se encontram em uma
A psicose no transtorno de personalidade li- linha tênue do transtorno de personalidade, por-
mítrofe pode ser caracterizada pela presença de tanto, o tratamento consiste na junção de uma
alucinações auditivas, olfativas, táteis e visuais. escuta ativa e acolhedora com enfrentamento
Além de que, há associação ao transtorno do es- dos traumas do inconsciente (SCHANDRIN et
tresse pós-traumático e a uma história de trau- al., 2022). De forma que a psicoterapia seja pri-
ma na infância, especialmente por abuso emo- mordial para restabelecer as raízes da formação
cional, sexual e físico. (MINARIKOVA et al., da personalidade, alívio do sofrimento e sensa-
2022). Embora o transtorno de personalidade ção de abandono com a formação de consciên-
borderline possua separações dos critérios diag- cia social relacionado aos sintomas de gravi-
nósticos de esquizofrenia, os estudos demons- dade, na prevenção de suicídios, exposição a
traram mais semelhanças do que diferenças. Há comportamento de risco e preservação da vida
diferenças entre perturbações das alucinações, (SIHN, 2022).
descolamento da realidade, e ainda um acome- Portanto, a primeira linha para o tratamento
timento não funcionalidade e realização das é a psicoterapia, como a terapia comportamen-
atividades de vida diária. Na esquizofrenia há tal dialética e a terapia psicodinâmica, que re-
maior prejuízo e menor resistência emocional duz a gravidade dos sintomas primários mais do
ao se submeterem a controles por vozes das alu- que o tratamento usual. Não há evidências de
cinações auditivas. que qualquer medicação psicoativa melhore
Em uma linha psicanalítica, a junção das fa- consistentemente os sintomas centrais do TPB.
ses do desenvolvimento de identidade (id, ego Para transtornos mentais comórbidos discretos
e superego) do ser, bem como, a sua inserção na e graves, por exemplo, depressão maior, pode
sociedade e capacidade de percepção da reali- ser prescrita farmacoterapia, como os inibido-
dade resulta na construção de relações sociais. res seletivos da recaptação da serotonina Esci-
Ao estabelece-las, o inconsciente do indivíduo talopram, Sertralina ou Fluoxetina. Para o trata-
com TPB retoma conflitos que tem raízes na mento de curto prazo da crise aguda no TPB,
história infantil entre o desejo e a defesa (GA- consistindo em comportamento ou ideação sui-
JWANI et al, 2022). Outrossim, o comporta- cida, ansiedade extrema, episódios psicóticos
mento entre o que é desejável e permitido ou ao ou outro comportamento extremo que possa co-
que é nocivo e prejudicial suscita a percepção locar em risco um paciente ou outras pessoas, é
do que é certo ou errado inserindo ao contexto necessário o gerenciamento da crise, que pode
de realidade. Tais raízes de sofrimento da infân- incluir a prescrição de antipsicóticos de baixa
cia, geram angústia no jovem ou adulto e afe- potência (por exemplo, Quetiapina) ou uso off-
tam as relações interpessoais, como referenci- label de anti-histamínicos sedativos (por exem-
ado pela autora Ruth Di Nizo em que cita “na plo, prometazina). Esses medicamentos são

6|P á g i n a
preferidos aos benzodiazepínicos, como Diaze- a alterações do juízo da realidade, sensoriais,
pam ou Lorazepam (LEICHSENRING et al., perturbações do humor e pensamento. Vale
2023). considerar que o grau de perturbação psíquica
está vinculado a presença ou não de patologias
CONCLUSÃO mentais comórbidas e, também, a gravidade dos
conflitos interpessoais e de autoimagem avalia-
Tendo em vista que o Transtorno de Perso- dos na história do paciente (SLOTEMA et al.,
nalidade Borderline (TPB) acomete de 2 a 3% 2018b). O diagnóstico é clínico, de acordo com
da população mundial, é notório que essa mor- a diretriz do Diagnostic and Statistical Manual
bidade juntamente com outras questões de sa- of Mental Disorders (DSM V). Porém ainda é
úde mental, são fatores de preocupação para a um diagnóstico recente comparado aos demais,
saúde pública. Uma vez que, esse transtorno que carece de mais aprofundamentos em estu-
pode ser responsável por 20% de internações dos específicos do transtorno devido às diversas
psiquiátricas e 75% dos pacientes podem cursar confusões teóricas e falta de consenso entre
com automutilação e suicídio. Os pacientes por- pesquisadores sobre tal psicopatologia. Em re-
tadores de TPB apresentam problemas graves lação ao tratamento, inclui psicoterapia e trata-
nas relações interpessoais e cursam com sofri- mento farmacológico como estabilizadores de
mento intenso e má adesão ao tratamento. Sua humor, antipsicóticos atípicos e pesquisam
angústia o move a comportamentos impulsivos mais recentes também incluem ômega-3 e oci-
e explosivos sem que o mesmo a perceba, o que tocina. Estima-se que se estabeleça um “bom”
a torna muitas vezes imprevisível até para si prognóstico de acordo com o DSM-V entre os
mesmo. Assim as suas características de impul- 30 e 50 anos de idade, adquirindo estabilidade
sividade e os demais elementos do diagnóstico emocional, diminuição dos comportamentos
borderline podem ser facilmente controlados impulsivos e explosivos e melhora em suas re-
com auxílio de psicoterapia. lações, sendo relativo ao contexto sócio histó-
A correlação da neurose e da psicose é evi- rico, biopsicossocial e do padrão de vida de
dente nesse grupo, uma vez que está vinculada cada sujeito.

7|P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
APA - AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. NIZO, R.D. Uma Reflexão Sobre o Transtorno de Perso-
Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais - nalidade Borderline. 43 p. Trabalho de conclusão de
5ª edição. Porto Alegre: Artmed, 2014. curso (Graduação em Psicologia) - PUC-SP, São Paulo,
2019.
ARCHER, M. et al. Mentalizing in first-episode psycho-
sis: Correlates with symptomatology and traits of border- PURI, P. et al. Individuals with Borderline Personality
line personality disorder. Early Interv Psychiatry, v. Disorder manifest cognitive biases implicated in psycho-
10.1111, p. eip.13356, 2022. sis. Psychiatry research, v. 267, p. 414, 2018.

BEATSON, J. Borderline personality disorder and audi- REICHL, C. & KAESS, M. Self-harm in the context of
tory verbal hallucinations. Australasian Psychiatry, v. 27, borderline personality disorder. Current Opinion in
n. 6, p. 548, 2019. Psychology, v. 37, p. 139, 2021.

COTTON, S.M. et al. A comparison of experiences of SCHANDRIN, A. et al. Co-occurring first-episode


care and expressed emotion among caregivers of young psychosis and borderline personality pathology in an
people with first-episode psychosis or borderline perso- early intervention for psychosis cohort. Early interven-
nality disorder features. Australian and New Zealand tion in psychiatry, v. 10.1111, p. eip.13352, 2022.
Journal of Psychiatry, v. 56, n. 9, p. 1142, 2022.
SERAFIM, A.P. & MARQUES, N.M. Transtornos da
DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e Semiologia Personalidade. 1ª Edição, Porto Alegre: Artmed, p. 241,
dos Transtornos Mentais, 3ª Edição. Porto Alegre: Ar- 2014.
tmed, 2019.
SIHN, K.H. Distinguishing between neurosis and
FERNÁNDEZ-GUERRER O, M.J. Los confusos límites psychosis: discourses on neurosis in colonial. Korea His-
del trastorno límite. Revista de la Asociación Española tory of psychiatry, v. 33, n. 3, p. 350, 2022.
de Neuropsiquiatría, Madrid, v. 37, n. 132, p. 399, 2017.
SLOTEMA, C.W. et al. Auditory Verbal Hallucinations
FOLMO, E.J. et al. Development of therapeutic alliance in Borderline Personality Disorder and the Efficacy of
in mentalization-based treatment-Goals, Bonds, and Antipsychotics: A Systematic Review. Frontiers in
Tasks in a specialized treatment for borderline persona- psychiatry, v. 9, p. 347, 2018a.
lity disorder. Psychotherapy research: journal of the So -
ciety for Psychotherapy Resea rch, v. 31, n. 5, p. 604, SLOTEMA, C.W. et al. Comorbid Diagnosis of Psycho-
2021. tic Disorders in Borderline Personality Disorder: Preva -
lence and Influence on Outcome. Frontiers in psychiatry,
GAJWANI, R. et al. Recruiting and exploring vulnerabi- v. 9, p. 84, 2018b.
lities among young people at risk, or in the early stages
of serious mental illness (borderline personality disorder SLOTEMA, C.W. et al. Hallucinations in patients with
and first episode psychosis). Frontiers in Psychiatry, v. borderline personality disorder: characteristics, severity,
13, p. 943509, 2022. and relationship with schizotypy and loneliness. Acta
Psychiatrica Scandinavica, v. 139, n. 5, p. 434, 2019.
LEICHSENRING, F. et al. Borderline Personality Disor-
der: A Review. JAMA, v. 329, n. 8, p. 670, 2023. THOMPSON, K.N. et al. Psychotic symptoms in adoles-
cents with borderline personality disorder features. Euro-
LOUZÃ, M.R. et al. Transtornos da Personalidade - 2ª pean Child & Adolescent Psychiatry, v. 28, n. 7, p. 985,
Edição. Porto Alegre: Artmed, p. 15-100. 2020. 2019.

MINARIKOVA, K.B. et al. Hallucinations and Other WEST, M.L. et al. Comorbid early psychosis and border-
Psychotic Symptoms in Patients with Borderline Perso - line personality disorder: Conceptualizing clinical over-
nality Disorder. Neuropsychiatric disease and treatment, lap, etiology, and treatment. Personal Ment Health, v. 15,
v. 18, p. 787, 2022. n. 3, p. 208, 2021.

NIEMANTSVERDRIET, M.B.A. et al. Characteristics WINSPER, C. et al. Psychopathological outcomes of


and stability of hallucinations and delusions in patients adolescent borderline personality disorder symptoms.
with borderline personality disorder. Comprehensive Australian and New Zealand Journal of Psychiatry, v. 54,
Psychiatry, v. 113, p. 152290, 2022. n. 3, p. 308, 2020

8|P á g i n a
Capítulo 02

ANSIEDADE E COVID – 19

MELINA COSTA MIRANDA¹


ÉRIKA CAROLINE CISNE RODRIGUES¹
BRUNA DE SOUSA ALBUQUERQUE¹
TALITA AGUIAR PARENTE¹
FERNANDA SANTOS GONÇALVES ARAÚJO¹

1. Discente - Medicina Centro Universitário Cristhus.

Palavras Chave: Ansiedade; COVID-19; Pandemia; SARS-CoV-2.

10.59290/978-65-6029-006-8.2
9|P á gi n a
INTRODUÇÃO de inibição comportamental. Porém, se o estí-
mulo não é compatível com o esperado, o sis-
Os transtornos de ansiedade incluem pato- tema de inibição comportamental age de ma-
logias que compartilham características de neira diferente, aumentando a vigilância e o
medo e de preocupação excessivas, além de de- controle de ameaças ambientais (CUNHA et
sordens comportamentais relacionadas ao es- al., 2021).
tresse psicoemocional. Segundo os critérios do Assim, encontrando-se em estado de alerta,
DSM 5, os transtornos de ansiedade se diferen- o organismo humano apresenta um comporta-
ciam do medo ou da ansiedade adaptativos por mento de fuga ou de ataque ao agente estressor.
serem excessivos ou persistirem além de perío- No indivíduo saudável, essa reação hormonal é
dos apropriados ao nível de desenvolvimento. equilibrada, já que após o estresse súbito, com
Eles diferem do medo ou da ansiedade provisó- liberação momentânea de adrenalina, ocorre a
rios, com frequência induzidos por estresse, por volta a um estágio de equilíbrio basal. Porém,
serem persistentes. Em geral, duram seis meses nos indivíduos que têm transtorno de ansiedade
ou mais. esta fase é prolongada, envolvendo outros pro-
Em se tratando de mecanismos fisiopatoló- cessos internos até a exaustão mental (ARA-
gicos, é importante ressaltar que os sistemas ce- ÚJO et al., 2006).
rebrais de defesa biológica são formados pelas É importante pontuar que o Brasil é um dos
seguintes estruturas nervosas: amígdala, hipotá- países que mais se destaca com altos percentu-
lamo medial, matéria cinzenta periaquedutal e ais de indivíduos com transtornos de ansiedade
o sistema de inibição comportamental. Todo no mundo. Segundo estimativas da Organiza-
esse sistema está “hiperativado” no estado ansi- ção Mundial da Saúde (OMS) divulgadas em
oso. A amígdala possui conexões nervosas com 2020, 9,3% dos brasileiros têm algum trans-
o neocórtex, com estruturas límbicas, funcio- torno relacionado à ansiedade (LEE et al.,
nando como uma conexão sensório-emocional, 2020).
avaliando e classificando o tipo e grau do estí- Também é importante perceber que muitos
mulo. Logo, o resultado dos estímulos ambien- indivíduos que apresentam algum transtorno
tais é direcionado ao hipotálamo medial e a ma- psicológico não recebem tratamento adequado
téria cinzenta periaquedutal. O hipotálamo me- de acordo com o diagnóstico psiquiátrico. Re-
dial ajusta o funcionamento da hipófise que, por força tal dado, o estudo São Paulo Megacity que
meio da secreção do hormônio adrenocortico- estimou que somente 23% dos indivíduos diag-
trófico estimula a suprarrenal a secretar glico- nosticados com algum tipo de transtornos de
corticóides (ou os hormônios do estresse), ansiedade obtiveram acesso a algum tipo de ser-
como o cortisol, a norepinefrina e a epinefrina viço especializado em saúde mental. Desse
(ANDRADE et al., 2019). grupo, poucos pacientes utilizaram outras for-
A ativação do sistema de controle e redução mas de terapia de suporte (MANGOLINI et al.,
a estímulos comportamentais ligados a frustra- 2019).
ção e ameaças, provoca a redução do potencial Na ontogenia e na filogenia, os seres huma-
de ação de qualquer animal. Quando o estímulo nos são indivíduos relacionais, aptos para con-
atual é compatível com o esperado, então o sis- viver em sociedade, necessitando de vida em
tema permanece no modo de “alerta” não ha- comunidade para prosperar. Assim, o isola-
vendo o controle comportamental pelo sistema mento social crônico aumenta a ativação do
eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenocortical e
10 | P á g i n a
esses efeitos são mais dependentes da ruptura retrizes para a promoção da saúde e controle do
de um vínculo social entre um par significativo vírus, enquanto informações imprecisas ou co-
do que o isolamento objetivo em si (CACI- brindo eventos angustiantes provaram ser bas-
OPPO et al., 2015). tante deletéria para a saúde mental da popula-
No início de 2020, a pandemia gerada pelo ção.
Covid-19 deixou os indivíduos confusos sobre Logo, em situações em que a informação
o que fazer frente a esse novo contexto mundial. transmitida é ambígua e sem clareza, os indiví-
A partir desse momento, o mundo entrou em duos desenvolvem diferentes percepções de
colapso e uma das áreas mais afetadas foi a sa- risco e conhecimento, níveis de tolerância e ina-
úde mental, em que os níveis de ansiedade, de- dequados medos. Desinformação e relatórios
pressão, estresse e angústia tiveram um au- falsos sobre a doença são amplamente difundi-
mento alarmante atingindo todos os públicos, dos nas redes sociais e têm contribuído para au-
infância, adolescência, adultos e idosos (RO- mentar o nível de estresse, fortalecendo um es-
LIM et al., 2020). tado de ansiedade crônico de quem acessa as in-
Segundo Silva et al. (2021) diante desse formações errôneas e causando problemas de
quadro caótico supracitado, observou-se um au- saúde mental (PIMENTA et al., 2020). Por-
mento considerável nos casos de ansiedade no tanto, essa revisão sistemática tem como obje-
mundo. Associado a isso, o isolamento social, tivo compilar e analisar estudos que avaliaram
ansiedade, medo de contágio, incerteza, es- o impacto psicológico e mental da pandemia de
tresse crônico e dificuldades econômicas são COVID-19.
capazes de desenvolver ou aumentar a quanti-
dade de indivíduos que apresentam transtornos MÉTODO
depressivos, ansiedade e uso de substâncias, in-
cluindo indivíduos com transtornos psiquiátri- Essa revisão seguiu as orientações do PRIS-
cos pré-existentes e pessoas que residem em MA para revisões sistemáticas da literatura e
áreas de alta prevalência de COVID-19. metanálises de estudos que avaliam interven-
De acordo com Maia & Dias (2020), é im- ções em saúde. Foi realizada por quatro autoras
portante salientar que por causa do isolamento autônomas de formas distintas, selecionando
social proposto como medida eficaz para redu- artigos relevantes publicados entre os meses de
ção da contaminação, tal situação provocou um maio de 2020 até fevereiro de 2022, pesquisan-
aumento significativo de perturbação psicoló- do nas plataformas PubMed e SciELO.
gica entre os adultos jovens no período pandê- Não se aplicou restrição de idiomas. Os ter-
mico comparativamente a períodos normais. mos de busca utilizados foram: Anxiety AND
Assim, este momento apresentou - se como ce- (Covid-19 OR Pandemic OR Sars-Cov-2). A re-
nário favorável a potencializar sintomas como alização das buscas foi executada de forma au-
ansiedade generalizada e picos de estresse. tônoma pelas autoras, utilizando dispositivos
No entanto, no que se refere ao uso das eletrônicos. Quaisquer divergências que surgi-
grandes mídias ela é capaz de ser uma fonte de ram entre os revisores foram resolvidas por
informações imprecisas, gerando a reprodução meio de discussões ou por uma discussão pos-
das chamadas “Fake News”, informações falsas terior com um terceiro revisor.
sem base científica. Em situações como a do- Os termos de pesquisa e variantes relativas
ença coronavírus 2019 (COVID-19) pandemia, foram as seguintes: (Anxiety AND covid-19 OR
a mídia social pode ser útil para atualizar as di-
11 | P á g i n a
Pandamic OR Sars-Cov-2). Os critérios de in- De maneira geral, os estudos descreveram um
clusão: (1) adultos maiores de 19 anos; (2) aumento considerável de transtorno de ansie-
idade limite de até 50 anos; (3) ansiedade diag- dade em decorrência do período pandêmico vi-
nosticada em período pandêmico. Já os critérios venciado no período do final de 2019 até o ano
de exclusão: (1) relatório duplicado; (2) resu- de 2022. Das inúmeras consequências geradas
mos de congresso; (3) relato de casos; (4) car- pela infecção do coronavírus, talvez os menos
tas; (5) trabalhadores da saúde. É importante considerados sejam os agravos psicológicos.
ressaltar que, na plataforma SciELO, foram en- Os doentes acometidos que evoluíram para
contrados 65 artigos na qual apenas 5 artigos fa- casos graves e sobreviveram tem a grande pos-
rão parte desta revisão. sibilidade de sofrer estresse pós-traumático e
Na busca inicial na plataforma PubMed ansiedade por anos, sendo um trauma emocio-
com as seguintes chaves Anxiety AND Covid- nal comparativo a pessoas que estiveram em
19 OR Pandemic OR Sars-CoV-2) foram en- guerra ou sofreram acidentes graves. Além
contrados 250 artigos. Dentre esses foram ex- disso, os profissionais de diversas áreas da sa-
cluídos 227 artigos e 23 artigos farão parte desta úde foram afetados com a rotina de trabalho
revisão. exaustiva e o medo de contaminação e de trans-
A seleção ocorreu por meio de leitura de tí- missão do vírus para os seus familiares (PE-
tulos, resumos e, quando necessária, a leitura REIRA et al., 2021). Grande parte desses pro-
íntegra dos textos como forma de selecioná-los fissionais optaram por mudanças temporárias
de acordo com os critérios de inclusão e exclu- de moradia, reduziram consideravelmente a fre-
são. quência de encontros familiares, contribuindo
Foi definido como critérios de exclusão es- para o isolamento social e o aumento da carga
tão relacionados a presença de editoriais, arti- de estresse emocional e físico (VINDEGAARD
gos de revisão de literatura, artigos de opinião e & BENROS, 2020).
relatos de casos. Estudos com foco em amostras Vale ressaltar que os jovens adultos, em
que não eram o público adulto jovem (por
particular, ficaram mais ansiosos à proporção
exemplo, profissionais médicos ou da saúde,
que o SARS-CoV-2 destrói quaisquer planeja-
crianças, idosos). Artigos que relatavam outras
mentos que se tinha em mente. Logo, diante da
patologias psiquiátricas e orgânicas que não a
frustração de não atingir os seus planos em mo-
ansiedade, também foram excluídos. Foram ex-
mento pré-definido e o medo com relação ao fu-
cluídos aqueles que não tinham metodologia e
turo inesperado, proporcionaram insegurança,
resumos. Critérios de inclusão: público adulto
medo e paralisação em relação ao momento
jovem com 19 anos de idade até os 50 anos de
presente, que repercutiram de forma significa-
idade. Foram considerados elegíveis artigos
tiva na vida desses jovens (ADAMS &
completos disponíveis nas bases de dados defi-
WALLS, 2020).
nidas e publicações que atendessem a pergunta
De acordo com Vindegaard & Benros
norteadora.
(2020) pacientes com COVID-19 tiveram ní-
veis elevados de estresse pós-traumático, níveis
RESULTADOS E DISCUSSÃO
altos de depressão, pacientes diagnosticados
com transtornos psiquiátricos preexistentes
De um total de 315 estudos, 28 preenche-
apresentaram piora dos sintomas, profissionais
ram critérios de inclusão citados anteriormente.
da saúde tiverem níveis aumentados de sinto-

12 | P á g i n a
mas psiquiátricos e ocorreu uma redução no sas, dificultando o processo de consentimento
bem-estar psicológico no público em geral. A no cumprimento de medidas para diminuir a
partir desses resultados, torna-se imprescindí- transmissão do vírus. De acordo com Moreira
vel que estudos sejam bem conduzidos em et al. (2020), medidas de quarentena, isola-
grande escala sobre esses achados. mento social provocaram sentimentos relacio-
Nos EUA, a taxa nacional de ansiedade tri- nados a vigilância excessiva, desconfiança e pâ-
plicou no segundo trimestre em relação ao nico, afetando o bem-estar psicossocial. Por-
mesmo período de 2019 (de 8,1% para 25,5%), tanto, a pandemia trouxe fenômenos conjuntu-
e a depressão quase quadruplicou (de 6,5% para rais de desordem social, incorporando novas
24,3%). Na Grã-Bretanha, que também teve um normas sanitárias comunitárias, que, em geral,
surto severo e um longo período de isolamento eram de suma importância para diminuir a dis-
social, a decorrência de depressão praticamente seminação em massa. Mas havia discordâncias
dobrou, de 9,7% dos adultos antes da pandemia entre a população, dificultando a adesão com-
para 19,2% em junho. Esses dados ratificam pleta e impactando diretamente do ponto de
que houve uma piora do bem-estar psicológico vista psicológico e social da população.
da população como um todo. Conforme Rogers et al. (2020), em um es-
O medo da contaminação e das complica- tudo realizado na China, Hong Kong, Coréia do
ções da doença, a suscetibilidade à morte, asso- Sul, Canadá, Arábia Saudita, França, Japão,
ciados à rapidez de propagação, à história natu- Cingapura, Reino Unido e EUA, em que a idade
ral e ao curso da patologia pouco conhecidos, média dos participantes de 12 a 68 anos, com o
tornam os impactos na saúde mental perceptí- tempo de seguimento dos estudos pós-doença
veis, fazendo que se tenha maior atenção às in- variando entre 60 dias e 12 anos por avaliar as
tervenções e à avaliação de resultados focados apresentações psiquiátricas e neuropsiquiátri-
no enfrentamento do medo e das suas repercus- cas de síndrome respiratória aguda grave
sões em saúde mental. Também é fundamental (SARS), a partir de 2012, síndrome respiratória
observar que na população em geral, os níveis do Oriente Médio (MERS), a partir de 2012 e
de ansiedade e o estresse de indivíduos saudá- COVID-19 a partir de 2019. Dados referentes a
veis se tornam elevados e, por outro lado, po- esse estudo sistemático afirmam que na fase
tencializam os sintomas basais pré-existentes pós-doença os sintomas mais presentes foram
nos indivíduos com transtornos psíquicos pre- humor deprimido, ansiedade, insônia e por fim,
gressos, aumentando o risco de suicídio. memórias traumáticas e distúrbios de sono fo-
Além disso, destacou-se o medo da popula- ram descritos com frequência.
ção geral de ser contaminada pelo novo Coro- A meta-análise referente ao estágio pós-do-
navírus e de se tornar potenciais contaminado- ença indicou prevalência de estresse pós-trau-
res(as) dos membros da família, afetando a sa- mático que foi de 32,2% (IC 95% 23,7-42,0;
úde das pessoas que integram a sua rede de re- 121 de 402 casos de quatro estudos), o de de-
lacionamentos. Logo, torna-se necessário traçar pressão foi de 14,9% (12,1-18,2; 77 de 517 ca-
estratégias de prevenção dos fatores que inten- sos de cinco estudos), e o de transtornos de an-
sificam o medo e proteção face ao comporta- siedade foi de 14,8% (11,1-19,4; 42 de 284 ca-
mento suicida (MOREIRA et al., 2020). sos de três estudos). Essa revisão sistemática
No período da pandemia, era comum a dis- contribuiu de forma significativa ao alertar os
seminação de informações equivocadas e fal- profissionais de saúde em relação à possibili-

13 | P á g i n a
dade de desencadear transtornos psiquiátricos, temer infectar membros da família do que aque-
como transtorno de estresse pós-traumático, de- les não colocados em quarentena. Eles também
pressão e ansiedade a longo prazo mesmo após se tornaram particularmente preocupados se
a doença COVID-19. (ROGERS et al., 2020). eles experimentaram quaisquer sintomas físicos
É importante ressaltar que a atual pandemia potencialmente relacionados à infecção e medo
está adicionando um aspecto de quarentena e de que os sintomas podem refletir a continuação
isolamento que é um fator de risco estabelecido da infecção estar relacionado a resultados psi-
com impacto psicológico (BROOKS et al., cológicos de vários meses mais tarde.
2020). Assim, preocupar-se com a infecção de Os achados revelam a dimensão do impacto
familiares, amigos e conhecidos também é um da pandemia e do isolamento social sobre as-
dos fatores que acentuam os sintomas ansiosos. pectos da saúde mental e da qualidade do sono
Segundo Brooks et al. (2020), os fatores estres- da população no contexto brasileiro. O maior
sores mais prevalentes que desencadearam na impacto nos adultos jovens e nas mulheres si-
ocorrência de mais sintomas ansiosos foram: a nalizam segmentos demográficos de maior vul-
duração da quarentena, o medo da infecção, nerabilidade, a demandar a aplicação e o apri-
frustração e tédio. Três estudos mostraram que moramento das estratégias de preservação e
durações mais longas de quarentena foram as- atenção à saúde mental durante a pandemia. Os
sociadas especificamente a problemas de saúde resultados ressaltam que as pessoas com ante-
mental, sintomas de estresse pós-traumático, cedentes de depressão são as mais vulneráveis
comportamentos ansiosos e raiva. Um estudo no contexto pandêmico.
mostrou que aqueles em quarentena por mais de Portanto, os achados revelam a dimensão
10 dias mostraram-se significativamente maio- do impacto da pandemia e do isolamento social
res sintomas de estresse pós-traumático do que sobre aspectos da saúde mental, com piora dos
aqueles em quarentena por menos de 10 dias. critérios para ansiedade, segundo o DSM - 5.
A quarentena envolve aspectos como o dis- (APA, 2014). O maior impacto nos adultos jo-
tanciamento de entes queridos, a limitação da vens e nas mulheres sinaliza segmentos demo-
liberdade, a incerteza referente a doença e frus- gráficos de maior vulnerabilidade, a demandar
tração, podendo contribuir para efeitos negati- a aplicação e o aprimoramento das estratégias
vos, desencadeando o aumento de transtornos de preservação e atenção à saúde mental du-
de ansiedade. Diante da mudança na rotina de rante a pandemia. Os resultados ressaltam que
grande parte da população, percebe-se o au- as pessoas com antecedentes de depressão são
mento do consumo de álcool e tabaco, redução as mais vulneráveis no contexto pandêmico.
da prática de esportes e aumento de alimentos Entende-se como necessária uma maior divul-
industrializados. Isso pode ter relação direta gação das medidas e práticas de preservação da
com o estado de humor ansioso e depressivo. saúde mental e da qualidade do sono recomen-
Logo, os benefícios potenciais de medidas de dadas pela OMS, sociedades e associações de
quarentena em grande escala de forma obriga- profissionais da saúde mental. Também é es-
tória precisam ser analisados com cautela. sencial a disponibilização de serviços on-line
Outros dados definiram que o medo de in- para atenção a pacientes necessitados de cuida-
fecção dos participantes de oito estudos relatou dos quanto às suas condições emocionais e
temores sobre a própria saúde ou medo de in- mentais.
fectar outras pessoas e eram mais propensos a

14 | P á g i n a
CONCLUSÃO demia, pois a raça humana é formada por seres
integrais e a patologia física repercute na saúde
O distanciamento social, foi medida essen- psíquica, gerando consequências variáveis a
cial de proteção e de redução da exposição, di- curto, médio e longo prazo na saúde mental do
minuindo a morbimortalidade da doença. En- indivíduo. Portanto, entende-se como necessá-
tretanto, o estudo apontou que essa medida rio, o planejamento de cuidados em saúde men-
pode resultar em consequências negativas no tal. Identificar estratégias preventivas no âm-
âmbito psicossocial e emocional da população. bito da saúde para que as pessoas tenham uma
Além disso, é de suma importância, compreen- maior habilidade para lidar com aspectos emo-
der o aspecto biopsicossocial do sujeito diante cionais referentes ao sofrimento psíquico, valo-
do processo de adoecimento durante uma pan- rizando a saúde mental.

15 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADAMS, J.G. & WALLS, R.M. Supporting the Health tura. Revista Médica de São Paulo, v. 98, n. 6, p. 415,
Care Workforce During the COVID-19 Global Epide- 2019.
mic. JAMA, v. 323, n. 15, p. 1439, 2020.
MOREIRA, W.C. et al. Adoecimento mental na popula-
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION - APA. ção geral e em profissionais de saúde durante a COVID-
Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: 19: scoping review. Texto Contexto Enfermagem, v. 29,
DSM-5. Porto Alegre: Artmed, 2014. 2020.

ANDRADE, J.V. et al. Ansiedade, um dos Problemas do PEREIRA, A.C.C. et al. O agravamento dos transtornos
Século XXI. 2019. Revista de Saúde ReAGES, Paripi- de ansiedade em profissionais de saúde no contexto da
ranga (BA), v. 2, n. 4, p. 34, 2019. pandemia da COVID-19. Brazilian Journal of Health Re-
view, v. 4, p. 4094, 2021.
ARAÚJO, S.R.C. et al. Transtornos de ansiedade e exer-
cício físico. Revista Brasileira de Psiquiatria, [S.L.], v. PIMENTA, I.D.S.F. et al. Media and scientific commu-
29, n. 2, p. 164, 2006. nication about the COVID-19 pandemic and the reper-
cussions on the population's mental health: A protocol for
BROOKS, S.K. et al. O impacto psicológico da quaren- a systematic review and meta -analysis. Medicine, [S.L.],
tena e como reduzi-lo: revisão rápida das evidências. The v. 99, n. 50, p. e23298, 2020.
Lancet, Londres, Reino Unido, v. 395, p. 912, 2020.
ROGERS, J.P. et al. Psychiatric and neuropsychiatric
CACIOPPO, J.T. et al. The neuroendocrinology of social presentations associated with severe coronavirus infec-
isolation. Annual review of psychology, v. 66, p. 733 tions: a systematic review and meta -analysis with com-
2015. parison to the covid-19 pandemic. The Lancet Psychia -
try, [S.L.], v. 7, n. 7, p. 611, 2020.
CUNHA, C.E.X. et al. Isolamento social e ansiedade du-
rante a pandemia da COVID-19: uma análise psicosso- ROLIM, J.A. et al. Manejo da Ansiedade no Enfrenta-
cial. Brazilian Journal of Health Review, v. 4, n. 2, p. mento da Covid-19. Revista de Enfermagem e Saúde Co-
9022, 2021. letiva, v. 4, n. 2, p. 64, 2020.

LEE, S.A. et al. Coronavirus Anxiety Scale: A brief men- SILVA, D.F.O. et al. Prevalência de ansiedade em pro-
tal health screener for COVID-19 related anxiety. Death fissionais da saúde em tempos de COVID-19: revisão sis-
studies, v. 44, n. 7, p. 393, 2020. temática com metanálise. Ciência & Saúde Coletiva, v.
26, n. 2, p. 693, 2021.
MAIA, B.R. & DIAS, P.C. Ansiedade, depressão e es-
tresse em estudantes universitários: o impacto da CO- VINDEGAARD, N. & BENROS, M.E. COVID-19 pan-
VID-19. Estudos de Psicologia (Campinas), v. 37, p. demic and mental health consequences: systematic re-
e200067, 2020. view of the current evidence. Brain, Behavior, And
Immunity, [S.L.], v. 89, p. 531, 2020.
MANGOLINI, V.I. et al. Epidemiologia dos transtornos
de ansiedade em regiões do Brasil: uma revisão de litera -

16 | P á g i n a
Capítulo 03

IMPACTOS DA
MUSICOTERAPIA NO
TRATAMENTO DOS SINTOMAS
DA DOENÇA DE ALZHEIMER:
REVISÃO DE LITERATURA

NATHALLIA VIANA DINIZ¹


BRUNA DE ALMEIDA MACEDO¹
JEAN DE BESSA MELO¹
LUDMYLLA RAMOS TEIXEIRA¹
MARINA CURADO TAVEIRA¹
NATÁLIA CRISTINA SILVA GOMES¹
CRISTIANE TEIXEIRA VILHENA BERNARDES2

1. Discente do curso de Medicina da Universidade Evangélica de Goiás – UniEVANGÉLICA.


2. Doutora em Ciências Farmacêuticas - Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto
- Universidade de São Paulo - FCFRP-USP e Docente do curso de Medicina da Universidade
Evangélica de Goiás – UniEVANGÉLICA.

Palavras Chave: Musicoterapia; Doença de Alzheimer; Eficácia terapêutica.

10.59290/978-65-6029-006-8.3
17 | P á g i n a
INTRODUÇÃO neurofibrilares (NFT), chamados também de
emaranhados neurofibrilares, devido ao acú-
A Doença de Alzheimer (DA) é um tipo de mulo de filamentos de proteína tau hiperfosfo-
demência ocasionada pela perda de células ce- rilada no parênquima cerebral (SERENIKI &
rebrais e das ligações entre elas. Ainda não VITAL, 2008; ABRAZ, 2019).
existem evidências que expliquem o que leva à Essa doença possui significativa ocorrência
sua ocorrência, entretanto, sabe-se que ela pode em todo o mundo, afetando cerca de 35,6 mi-
ter uma relação genética não hereditária e que lhões de pessoas. Ela ainda não possui cura,
as pessoas acometidas por ela são, quase que apenas tratamento, o qual pode ser farmacoló-
em sua totalidade, são pessoas idosas. Inclu- gico ou não farmacológico (ABRAZ, 2019).
sive, a idade é o maior fator de risco para a ocor- Porém, existem dificuldades de tratamento em
rência dessa doença, o que é evidenciado pelo ambos os métodos, uma vez que as abordagens
fato de que, a partir dos 65 anos de idade, as medicamentosas não vêm obtendo os resultados
chances de desenvolvimento dessa doença do- clínicos esperados (LYU et al., 2018; RA-
bram a cada cinco anos. Tem-se conhecimento, TOVOHERY et al., 2019) e as medidas não
também, de que essa doença progride com o medicamentosas ainda não comprovaram sua
avançar da idade podendo ser classificada, efetividade em número suficiente de estudos
dessa forma, em três diferentes fases de acordo (MCCREEDY et al., 2019).
com evolução dos sintomas: leve, moderada e Tendo isso em vista, uma das medidas não
grave (ABRAZ, 2019). farmacológicas que vem ganhando força é a
Estatisticamente, 10% dos indivíduos a par- musicoterapia, a qual consiste no uso de inter-
tir dos 65 anos e 40% daqueles a partir dos 80 venções musicais, por um profissional capaci-
anos, são vítimas dessa doença. Essa doença, tado, a fim de se obter um resultado terapêutico
gera declínio cognitivo sobretudo naquelas ca- (TRAINOR, 2019). A musicoterapia pode,
racterísticas cognitivas relacionadas à memória, ainda, ser utilizada na forma ativa, com a parti-
orientação espacial, atenção e linguagem es- cipação dos idosos, e receptiva, com a escuta
crita e falada, sendo a memória recente uma das simples das melodias, e demonstrou ser uma
primeiras habilidades a ser afetada. Tendo isso opção promissora, pois portadores de DA con-
em vista, a redução cognitiva tem como causa a sideram essa metodologia agradável e motiva-
perda de ligações sinápticas de neurônios nas cional, o que aumenta a adesão deles ao trata-
regiões cerebrais responsáveis por essas capaci- mento e otimiza o uso das funções cognitivas
dades, dentre as quais cabe citar o córtex cere- ainda preservadas. Aliás, o real intuito terapêu-
bral, o hipocampo, o córtex entorrinal e o estri- tico das medidas não farmacológicas não é re-
ado ventral (SERENIKI & VITAL, 2008). cuperar as funções cognitivas perdidas, mas
Além do mais, como fim de se obter um melhor sim, gerar um melhor prognóstico a partir das
entendimento dos elementos causais dessa do- funções ainda não comprometidas (ABRAZ,
ença, é importante a compreensão de que as 2019; GALLEGO et al., 2021).
duas principais alterações histopatológicas res- O objetivo deste estudo foi avaliar a eficá-
ponsáveis por esses danos neurais são a forma- cia terapêutica da musicoterapia no retardo dos
ção de placas senis, decorrentes do depósito de sintomas da DA. Dentre os quais estão: distúr-
proteína beta-amilóide, na parede dos vasos bios comportamentais, psicológicos, cognitivos
sanguíneos cerebrais e a formação de novelos e de memória.

18 | P á g i n a
MÉTODO Pela análise dos resultados dos artigos, foi
identificado que o tipo de música utilizada, com
Trata-se de uma revisão integrativa de lite- efeitos significativos, era principalmente aque-
ratura, realizada no período de 2021 a 2022, las que remetiam os pacientes a memórias afe-
cuja busca por descritores foi feita no site Des- tivas (32%). E de forma global, foram encontra-
critores em Ciência da Saúde (DeCS). Os des- dos como benefícios da musicoterapia na pro-
critores encontrados foram “musicoterapia” e gressão do Alzheimer os seguintes aspectos:
“Doença de Alzheimer”. Esses descritores fo- melhoria da cognição, do comportamento, do
ram utilizados para realização de buscas na pla- estado funcional, da ansiedade, da comunica-
taforma digital Biblioteca Virtual em Saúde ção, da recordação imediata e tardia, da psicose,
(BVSalud). da depressão, da qualidade de vida, da lingua-
Os critérios de inclusão foram: textos com- gem, da qualidade de sono e da resposta tera-
pletos; últimos 5 anos e que abordavam as te- pêutica. Sendo que apenas alguns destes apare-
máticas propostas para esta pesquisa. Os crité- ceram com maior frequência nos estudos em
rios de exclusão foram: artigos duplicados, dis- questão e por isso foram agrupados em 4 grupos
ponibilizados na forma de resumo, revisões de para uma melhor análise: melhoria comporta-
literatura, cartas e relatos de caso. mental (53%); melhoria psicológica/ psiquiá-
Após os critérios de seleção restaram 19 ar- trica (68%); melhoria cognitiva (47%); e me-
tigos que foram submetidos à leitura minuciosa lhoria de memória (53%). Desses, houve consi-
para a coleta de dados. Os resultados foram derável evolução, quando era realizada terapia
apresentados de forma descritiva, divididos em em grupo (42%), enquanto apenas três citaram
categorias temáticas abordando: distúrbios benefícios diante da terapia individualizada
comportamentais, psicológicos, cognitivos e de (RATOVOHERY et al., 2019; IMTIAZ et al.,
memória. 2018).
Com relação ao tratamento dos sintomas
RESULTADOS E DISCUSSÃO comportamentais resultantes da DA, a aborda-
gem não farmacológica de primeira linha para
o tratamento de Sintomas Comportamentais e
Entre os artigos selecionados para a realiza-
ção desta revisão, há uma prevalência de estu- Psicológicos da Demência (BPSD) em um
dos quantitativos, sendo apenas quatro qualita- modo geral e para aqueles diretamente relacio-
tivos. Em relação ao idioma, a maioria dos arti- nados à agitação, é o método DICE (Descrever,
gos foram escritos em língua inglesa, há um em Investigar, Criar e Avaliar) seguido da musico-
espanhol e um em francês. Quanto ao perfil dos terapia (MT) e a abordagem de segunda linha
autores, nota-se que 82% dos estudos foram re- são medidas farmacológicas com a utilização de
alizados por profissionais da saúde, no entanto, Dextrometorfano e Quinidina (KALES et al.,
alguns foram realizados por estudantes da área 2018).
Analisando mais especificamente a musico-
da saúde. No que se refere ao ano de escrita dos
terapia, antes que ela seja utilizada como mé-
artigos, estes se encontram no intervalo de 2016
todo terapêutico, é importante que se tenha co-
a 2021, sendo que 36% dos estudos são de 2018
nhecimento de que existem formas de aplicação
e os demais se encontram bastante diversifica-
que devem ser priorizadas, uma vez que, é a in-
dos nesse intervalo.
tervenção musical ativa que possui o real poten-

19 | P á g i n a
cial de melhora dos sintomas comportamentais, fácil a memórias pessoais, resultante da tera-
enquanto a intervenção musical receptiva ape- pêutica da musicoterapia, permite uma melhor
nas gera um efeito estabilizador sobre esse sin- gestão de distúrbios de identidade em pacientes
toma (GALLEGO et al., 2021). Ademais, estu- com DA, e tem como consequência a redução
dos comprovaram também que, mesmo para de distúrbios comportamentais (CHEVREAU
pessoas portadoras de DA grave, a musicotera- et al., 2017).
pia mostrou-se eficaz no controle de BPSD ge- Os fatores psicológico/psiquiátrico analisa-
ral, demonstrando que o efeito terapêutico da dos nos artigos relacionam-se a aspectos do hu-
musicoterapia independe do grau de desenvol- mor e comportamento como ansiedade, depres-
vimento da doença de Alzheimer (IMTIAZ et são, tristeza, estresse, bem-estar mental, delí-
al., 2018; LYU et al., 2018). rios, alucinações, apatia e irritabilidade. A mai-
Dentre os BPSD gerais (delírios, alucina- oria dos artigos relatou uma melhora significa-
ções, agitação, agressão, disforia, ansiedade, tiva quanto aos sintomas em questão, ou seja,
euforia, apatia, desinibição, irritabilidade, labi- pacientes com Alzheimer tiveram seus sinto-
lidade e atividade motora aberrante), aqueles mas clínicos reduzidos e, consequentemente,
que possuem maior nível de redução identifi- uma melhora na qualidade de vida. Entretanto,
cado são a agitação, física ou verbal, e a irrita- o estudo realizado por Onieva-Zafra et al.
bilidade, enquanto, dentre os sintomas específi- (2018), mostrou não haver mudança significa-
cos, a relação social mostrou melhora com a tiva no sintoma de ansiedade em pacientes que
musicoterapia, sobretudo se realizada de forma foram submetidos ao tratamento de musicotera-
grupal e interativa e a independência nas Ativi- pia. Além disso, o estudo realizado por Garrido
dades de Vida Diária (AVD) mostrou-se depen- et al. (2018), constatou um aumento do sintoma
dente da forma de aplicação da MT e do grau tristeza ao ouvir músicas, em pacientes com DA
da DA (GALLEGO & GARCÍA, 2017; GIO- com níveis altos de depressão. Sendo assim, a
VAGNOLI et al., 2017; KALES et al., 2018; maioria dos estudos analisados apoiam a expo-
MCCREEDY et al., 2019; GALLEGO et al., sição à musicoterapia para pacientes com DA,
2021). Nos estudos em que nem a forma de apli- quando se tem por objetivo a redução de sinto-
cação da MT nem o grau de DA foi avaliada, mas clínicos.
não foi possível detectar efeitos significativos Sob a perspectiva da função cognitiva, “so-
sobre as AVD, naqueles em que houve uma di- bretudo de capacidade de utilização de lingua-
ferenciação quanto a forma de aplicação da MT, gem verbal,” observou-se um efeito positivo da
o método ativo demonstrou maior melhora so- música na capacidade de evocação imediata e
bre as AVD e para aqueles que fizeram uma di- tardia de palavras em pacientes com DA leve,
ferenciação quanto ao grau de acometimento apresentando melhora na fluência de palavras,
dos pacientes, as AVD obtiveram efeitos posi- na memória autobiográfica, de letras e na me-
tivos sobre pessoas com demência leve a mode- mória afetiva (LYU et al., 2018; NAGY et al.,
rada (GALLEGO & GARCÍA, 2017; SATOH 2019; CHEVREAU et al., 2017). Além disso,
et al., 2017; GALLEGO et al., 2021). alguns estudos demonstraram que aplicação da
Sendo assim, é importante ressaltar que a musicoterapia ativa, utilizando as ferramentas
musicoterapia também pode apresentar um do “cantar e tocar instrumentos musicais”, apre-
efeito terapêutico secundário sobre os sintomas sentou maiores resultados do que as metodolo-
comportamentais, uma vez que o acesso mais gias passivas, sobre os sintomas cognitivos

20 | P á g i n a
(LYU et al., 2018; NAGY et al, 2019; GIO- mais, observou-se que a memória episódica não
VAGNOLI et al., 2017). Ademais, identificou- mostrou alterações no final do treinamento rea-
se que a aplicação de exercício físico com mú- lizado em um dos estudos - treinamento que se
sica (ExM) levou a redução da atrofia dos lobos utilizou de testes neuropsicológicos para avaliar
temporais, mediais e parietais, responsáveis iniciativa, memória episódica, depressão, ansi-
pela função viso espacial e somatossensorial, edade e relações sociais em comparação à mu-
que atuam na percepção musical do cérebro e sicoterapia ativa (GIOVAGNOLI et al., 2017;
isso impactou com melhoria das atividades co- INNES et al., 2016). Outrora, foi implemen-
tidianas (SATOH et al., 2017). tada, também, a prática da meditação junto a um
Ao avaliar a musicoterapia no âmbito da programa de música, ambos bem aceitos e viá-
memória, observou-se que os idosos com DA se veis em adultos com perda de memória precoce
lembraram dos rostos dos estudantes que esta- (INNES et al., 2016).
vam presentes durante a intervenção. Para tal, Além dos déficits cognitivos, 80% a 90%
foi utilizada uma seleção de músicas planejada dos portadores de DA também são afetados por
de acordo com os participantes do estudo, a fim Sintomas Comportamentais e Psicológicos da
de corresponder às preferências individuais, es- Demência. Esses sintomas não costumam apa-
timulando uma memória afetiva (NAGY et al., recer de forma isolada, tendendo a se agravar
2019). com o tempo e o avanço na gravidade da do-
Notou-se, também, a melhora na memoriza- ença, e os fatores responsáveis pelo seu surgi-
ção de curto prazo, bem como quando utiliza- mento ainda não são bem conhecidos, pois é sa-
vam músicas de valência positiva ao se compa- bido, por exemplo, que as alterações cerebrais
rar com as negativas. Todavia, a melhora na características da DA já se encontram presentes
memorização também ocorreu com o uso de em seus portadores antes do surgimento dos
músicas e situações que estavam envolvidas sintomas. Porém sabe-se que além dos fatores
com o cotidiano do paciente. Ademais, as lem- responsáveis pelo aparecimento dos sintomas
branças imediatas, há 10 minutos e há 24 horas cognitivos, os BPSDs também têm seu surgi-
melhoraram quando em condição musical posi- mento e agravamento relacionado a fatores pró-
tiva (RATOVOHERY et al., 2019). Os pacien- prios da pessoa e a fatores externos (CAIXETA,
tes também apresentaram melhora na memória 2012; KALES et al., 2018; ABRAZ, 2019).
autobiográfica e de letras, porém, nenhum paci- Analisando, primeiramente, os fatores pró-
ente verbalizou uma memória específica asso- prios da pessoa, estão, por exemplo, a atividade
ciada à música que tocou, mesmo relatando que cerebral — visto que quanto maior a atividade
a música ouvida era relativamente familiar cerebral de uma pessoa, maior o número de si-
(GARRIDO et al., 2018; LYU et al., 2018). napses nervosas que ela possui e maior o tempo
Não obstante, evidenciou-se que as memó- necessário para que essas sinapses se desfaçam
rias pessoais podem ser preservadas em pacien- em quantidade suficiente para o início dos sin-
tes com DA e a música pode constituir uma ma- tomas— e os hábitos de vida — dado que os
neira diferente de estimular a lembrança, me- hábitos de uma pessoa podem a levar a desen-
lhorando o acesso às memórias dos pacientes volver doenças que configuram como fatores de
(CHEVREAU et al., 2017). Constatou-se, risco para a DA, como é o caso da hipertensão,
ainda, que a musicoterapia contribui para um da diabetes e da obesidade (ABRAZ, 2019).
melhor desempenho de memorização. Além do Enquanto que, utilizando como segunda análise

21 | P á g i n a
os elementos externos, os mais frequentes são: com a música, é de fundamental importância a
baixa qualidade de vida, estresse pelo ambiente compreensão de que, idosos com demência,
ou pelo convívio com o cuidador e redução das normalmente não conseguem aprender ou inter-
atividades da vida diária decorrente do declínio pretar um novo ambiente, portanto, essa incon-
cognitivo acelerado (CAIXETA, 2012). gruência gerada pelo desconhecimento de um
Os sintomas comportamentais mais comuns ambiente pode levar a resultados psicossociais
são agitação e agressão, cuja frequência de negativos e ao subsequente aparecimento de
ocorrência em pessoas com DA é de 20%, mas distúrbios comportamentais como agitação. A
também podem surgir sintomas como psicose, agitação representa um dos sintomas comporta-
a qual mostrou possuir melhores resultados mentais mais desafiadores, tanto para aquele
com a utilização de uma abordagem terapêutica que o possui, como para aqueles que cuidam ou
de primeira linha diferente daquela indicada convivem com seus portadores. Nesse ponto é
para BPSD geral/agitação, sendo que, para a possível questionar qual a relação da musicote-
psicose, o tratamento preferencial é o farmaco- rapia com a melhora desse quadro, e verifica-se
lógico com uso de risperidona (principal- que atualmente, apesar da memória ser o pri-
mente), e o subsequente uso de antipsicóticos meiro elemento afetado pela DA, a memória do
alternativos, como Quetiapina ou Haloperidol tipo implícita, que é aquela relacionada à fami-
caso ocorra progressão do sintoma (KALES et liaridade, normalmente é preservada, portanto,
al., 2018). a utilização de músicas conhecidas pelos idosos
Mesmo que a eficácia de medidas não far- pode ativar memórias familiares e reduzir o es-
macológicas ainda esteja em processo de pes- tresse ambiental (SUNG & CHANG, 2005).
quisa, elas são indicadas pela Sociedade Ame- Conclui-se, portanto, que a musicoterapia apli-
ricana de Geriatria, pela Associação Americana cada com a utilização de músicas conhecidas
de Psiquiatria Geriátrica e pela Associação de pelos pacientes, é uma boa estratégia de pri-
Alzheimer como a ação de primeira linha que meira linha para o tratamento de distúrbios
deve ser adotada para o tratamento de sintomas comportamentais, tais como a agitação.
comportamentais (CAIXETA, 2012; MCCRE- Contrapondo alguns artigos principais utili-
EDY et al., 2019). Existem quatro tipos de tra- zados, que relatam não haver mudança signifi-
tamentos não farmacológicos: emocional-ori- cativa na ansiedade e um aumento da tristeza ao
entada, estimulação-orientada, comportamen- ouvir música, em pacientes com altos níveis de
tal-orientada e cognitivo-orientada e a aborda- depressão, outros estudos apontam um efeito
gem que será adotada deve ser pensada de positivo da musicoterapia no tratamento da de-
forma individualizada considerando os aspec- pressão e ansiedade, porém, com a participação
tos próprios do indivíduo, de sua família e dos de uma equipe multiprofissional, bem como
terapeutas envolvidos. Tendo isso em vista, a com um planejamento estratégico para tal inter-
abordagem estímulo-orientada é aquela que venção (ONIEVA-ZAFRA et al., 2018; GAR-
promove estimulação ambiental e é a recomen- RIDO et al., 2018; JUNIOR et al., 2018).
dada para o tratamento de sintomas comporta- Sendo assim, a percepção musical do indi-
mentais e de humor, sendo que é nela em que se víduo pode alterar os seus parâmetros psicoló-
enquadra a musicoterapia (CAIXETA, 2012). gicos, através da influência direta que a música
Analisando especificamente os fatores es- causa no sistema límbico do paciente, regu-
tressantes ambientais e a relação que possuem lando de maneira positiva o seu estado emocio-

22 | P á g i n a
nal (JUNIOR et al., 2018). Logo, a relação dos pelo tronco cerebral dos neurotransmissores do-
sintomas psicológicos de indivíduos com DA e pamina e noradrenalina, e da amídala, principal
a musicoterapia merece destaque, pois a maio- área do processamento emocional no córtex. Já
ria dos resultados dos estudos mostrou eficácia na leitura musical, o córtex visual é a área utili-
da mesma no tratamento dos pacientes, com zada bem como o ato de acompanhar uma mú-
consequente melhora na qualidade de vida de sica é capaz de ativar o hipocampo, responsável
pacientes com DA, com promoção do relaxa- pelas memórias, e o córtex frontal inferior. Já
mento e do prazer, bem como fortalecimento do para a execução de músicas, são acionados os
vínculo entre paciente/família/profissional lobos frontais do córtex motor e sensorial (OC-
(CAIRES et al., 2014). TAVIANO, 2021). Desse modo, a música é um
Inicialmente, é importante destacar que a importante recurso no tratamento alternativo de
cognição não diz respeito a um processo único, DA, visto que as regiões mais afetadas pela do-
mas a um conjunto de desempenhos e compor- ença são o hipocampo e o lobo temporal medial
tamentos em tarefas aferidas por métodos labo- que são regiões ativadas pela música (PERRA-
ratoriais ou tarefas do dia- a- dia, que durante o CINI, 2019).
processo do envelhecimento nota-se um declí- Falando especificamente de memória, é sa-
nio (NUNES, 2009). A DA é considerad a a bido que ela pode ser dividida, de acordo com o
causa mais prevalente de demência, aproxima- tempo que ela é guardada, em memória de curto
damente 50% a 60% dos casos (FREITAS & e longo prazo, memória prospectiva e memória
PY, 2016). Quase todos os pacientes que apre- remota. Também pode ser categorizada consi-
sentam a DA são idosos com perda de funções derando o tipo de material arquivado em memó-
cognitivas, causada pela morte de células cere- ria visual, verbal, para fatos ou de eventos ocor-
brais (ABRAZ, 2019). A síndrome demencial ridos ou assistidos pela pessoa (FREITAS &
tem sido apontada como a condição crônica PY, 2016). Conceitualmente, chama-se de me-
com maior impacto na determinação de incapa- mória a capacidade que os seres vivos têm de
cidade funcional no idoso. A condição compro- adquirir, armazenar e evocar informações (JÚ-
mete a qualidade de vida não apenas do seu por- NIOR & FARIA, 2015). Desta forma, a memó-
tador, mas também daqueles que o cercam ria é um dos mais importantes processos psico-
(FREITAS & PY, 2016). lógicos, pois além de ser responsável pela iden-
Os resultados apresentados mostram que, tidade pessoal do indivíduo e por guiar em
visando melhorar esse estado degenerativo, a maior ou menor grau o dia a dia, também está
música pode ser usada na redução da atrofia dos relacionada a outras funções corticais, como a
lobos temporais, mediais e parietais, atuando na função executiva e de aprendizado. Todavia,
percepção musical do cérebro e na melhoria das não há um conhecimento profundo acerca do
atividades cotidianas (SATOH et al., 2017). Os armazenamento da memória. O que se sabe é
efeitos da música no cérebro são multifuncio- que as informações que chegam ao cérebro for-
nais visto que a atividade musical envolve mam um circuito neural, ou seja, a informação
quase todas as regiões do cérebro e os subsiste- recebida ativa uma rede de neurônios resul-
mas neurais. Quando uma música causa emo- tando na retenção dessa informação, sendo que
ção, são ativadas estruturas que estão nas regi- informação é qualquer evento passível de ser
ões instintivas do verme cerebelar, estrutura do processado pelo sistema nervoso (JÚNIOR &
cerebelo que modula a produção e liberação FARIA, 2015).

23 | P á g i n a
Assim, para o exercício da memória, é pre- ciou a melhora nos sintomas relacionados à
ciso que o circuito neural seja acionado e a per- cognição, psicológicos/psiquiátricos, compor-
cepção do som envolve uma série de estruturas tamental, memória e consequente melhora na
cerebrais que fazem parte do circuito neural, e qualidade de vida do paciente. A musicoterapia
essas áreas envolvidas na percepção musical também trilha um caminho no qual promove
abrangem desde a percepção auditiva do som, atenção qualificada pelo profissional e adesão
até o reconhecimento de seus parâmetros bási- ao tratamento pelo paciente.
cos (altura, duração, timbre e intensidade) e as De maneira geral, a revisão em questão
relações entre eles (ROCHA & BOGGIO, identificou, por meio dos estudos analisados, o
2013). Tal fato deixa evidente a intrínseca rela- importante papel da musicoterapia como tera-
ção entre música e memória, e a sua importân- pia para a doença de Alzheimer, apresentando
cia para ativar as conexões cerebrais. Não obs- seus resultados na redução dos sintomas da do-
tante, a musicoterapia torna-se uma importante ença, bem como na melhora no cotidiano dos
ferramenta no tratamento dos sintomas da DA. pacientes com Alzheimer.
Assim, torna-se evidente a relevância da
CONCLUSÃO musicoterapia como terapia para pacientes com
doença de Alzheimer. Sendo necessários traba-
O presente estudo apresentou a observação lhos como este que permitam discussões sobre
dos impactos da musicoterapia no desenvolvi- o assunto, bem como a abertura para novas
mento da Doença de Alzheimer, o que eviden- abordagens em relação à temática.

24 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
ABRAZ - Associação Brasileira de Alzheimer. Tratamento. ternational Delphi consensus. International psychogeria-
São Paulo, 2019. trics, v. 31, n. 1, p. 83, 2019.

CAIRES, J.S. et al. A utilização das terapias complementa- LYU, J. et al. The Effects of Music Therapy on Cognition,
res nos cuidados paliativos: benefícios e finalidades. Cogi- Psychiatric Symptoms, and Activities of Daily Living in Pa-
tare enfermagem, v. 19, p. 471, 2014. tients with Alzheimer's Disease. Journal of Alzheimer's di-
sease: JAD, v. 64, n. 4, p. 1347, 2018.
CAIXETA L. Doença de Alzheimer. 1. ed. Porto Alegre:
ARTMED, 2012. MCCREEDY, E. M. et al. Measuring Effects of Nondrug
Interventions on Behaviors: Music & Memory Pilot Study.
CHEVREAU, P. et al. Récupérer ses souvenirs grâce à la Journal of the American Geriatrics Societyv, v. 67, n. 10, p.
musique dans la maladie d’Alzheimer. Gériatrie et Psycho- 2134, 2019.
logie Neuropsychiatrie du Vieillissement, v. 15, p. 309,
2017. NAGY, K. et al. Music Therapy: A Novel Student Phar-
macy Outreach to Manage Symptoms of Alzheimer's De-
FREITAS, E.V. & PY, L. Tratado de Geriatria e Gerontolo- mentia. The Senior Care Pharmacist, v. 34, n. 9, p. 600,
gia. 4ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. 2019.

GALLEGO, M. & GARCÍA, J. Musicoterapia en la enfer- NUNES, M.V.R.S. Envelhecimento cognitivo: principais
medad de Alzheimer: efectos cognitivos, psicológicos y mecanismos explicativos e suas limitações. Cadernos de Sa-
conductuales. Neurología, v. 32, n. 5, p. 300, 2017. úde, v. 2, n. 2, p. 19, 2009.

GALLEGO, M.G. et al. Comparative Efficacy of Active OCTAVIANO, C. Os efeitos da música no cérebro humano.
Group Music Intervention versus Group Music Listening in ComCiência, Campinas, n. 116, 2010.
Alzheimer's Disease Jornal internacional de pesquisa ambi-
ental e saúde pública, v. 18, n. 15, p. 8067, 2021. ONIEVA-ZAFRA, M.D. et al. Music intervention with re-
miniscence therapy and reality orientation for elderly people
GARRIDO, S. et al. Music and Dementia: Individual diffe- with Alzheimer disease living in a nursing home: a pilot
rences in response to personalized playlists. Journal of Al- study. Holistic nursing practice, v. 32, n. 1, p. 43, 2018.
zheimer’s Disease, v. 64, p. 933, 2018.
PERRACINI, M. Funcionalidade e Envelhecimento. 2ª ed.
GIOVAGNOLI, A.R. et al. Cognitive training in Alzhei- Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019.
mer’s disease: a controlled randomized study. Neurological
sciences: official journal of the Italian Neurological Society RATOVOHERY, S. et al. Music as a mnemonic strategy to
and of the Italian Society of Clinical Neurophysiology, v. mitigate verbal episodic memory in Alzheimer's disease:
38, n. 8, p. 1485, 2017. Does musical valence matter?. Journal of Clinical and Ex-
perimental Neuropsychology, v. 41, n 10, p. 1060, 2019.
IMTIAZ, D. et al. A mobile multimedia reminiscence the-
rapy application to reduce behavioral and psychological ROCHA, V.C. & BOGGIO, P.S. A neuroscientific perspec-
symptoms in persons with Alzheimers’s. Journal of heal- tive on music. Per Musi, n.27, p. 132, 2013.
thcare engineering, v. 2018, p. 1536316, 2018.
SATOH, M. et al. Physical Exercise with Music Maintains
INNES, K.E., et al. Effects of Meditation Versus Music Lis- Activities of Daily Living in Patients with Dementia: Mi-
tening on Perceived Stress, Mood, Sleep, and Quality of Life hama-Kiho Project Part 21. Journal of Alzheimer's disease,
in Adults with Early Memory Loss: A Pilot Randomized v. 57, p. 85, 2017.
Controlled Trial. Journal of Alzheimer’s Disease, v. 52, p.
1277, 2016. SERENIKI, A. & VITAL, M.A.B.F. A doença de Alzhei-
mer: aspectos fisiopatológicos e farmacológicos. Revista de
JÚNIOR, C.A.M. & FARIA, N.C. Memory. Psychology: Psiquiatria do Rio Grande do Sul, v. 30, p. 1, 2008.
Reflection and Criticism, v. 28, p. 780, 2015.
SUNG, H.C.C. & CHANG, A.M. Uso de música preferida
JUNIOR, C.R.P. et al. Estratégias não farmacológicas utili- para diminuir comportamentos agitados em pessoas idosas
zadas na redução da depressão em idosos: revisão sistemá- com demência: Uma revisão da literatura. Journal of Clini-
tica. Revista de Enfermagem do Centro-Oeste Mineiro, v. 8, cal Nursing, v. 14, p. 1133, 2005.
2018.
TRAINOR, H.B.S. Effects of Using Music Therapy for Pa-
KALES, H.C. et al. Management of behavioral and psycho- tients Suffering From Dementia. The Health Care Manager,
logical symptoms in people with Alzheimer's disease: an in- v. 38, p. 206, 2019.

25 | P á g i n a
Capítulo 04

UMA DISCUSSÃO ACERCA


DE PSICOLOGIA, GÊNERO E
DIVERSIDADE SEXUAL

CLEYSON ROCHA DA SILVA¹


PEDRO HENRIQUE CARRIAS DE CARVALHO2

1. Discente - Psicologia pela Faculdade Estácio de Belém.


2. Discente – Enfermeiro pela Faculdade Integrada Brasil Amazônia (FIBRA) pós-graduando em
Psiquiatria e Saúde Mental pela Faculdade Estácio de Belém.

Palavras Chave: Psicologia;Gênero;Diversidade sexual.

10.59290/978-65-6029-006-8.4
26 | P á g i n a
INTRODUÇÃO ação de determinados conceitos, enraizados em
lógicas biologizantes e psicopatologizantes de
Para compreendermos a importância da psi- tudo aquilo que não se adequa as ideias pré-con-
cologia no conhecimento das noções identitá- cebidas de gênero e sexualidade em nossa exis-
rias de gênero e sexualidade, primeiro devemos tência?
entender o significado das palavras psicologia, Os padrões definidores de normalidade se
gênero, diversidade e sexualidade para então fundamentam em uma lógica binária, restrin-
compreendermos a dimensão desses termos em gindo a sexualidade a dois polos, deixando de
sua totalidade. lado tudo o que é “estranho” (LOURO, 2007).
Psicologia origina-se das palavras gregas E, a partir dessa crença dualista e determinista,
“psiquê” que significa “alma” e “logia” que sig- reproduzimos uma educação também exclu-
nifica “estudo de”, ou seja, estudo da alma, eti- dente, que restringe violentamente as manifes-
mologicamente falando (DANTAS, 2023). tações eróticas consideradas “diferentes” e
O termo gênero vem do latim genus, que “desviantes” (MAIA & MAIA, 2009).
significa "nascimento", "família", "tipo". Tra- O objetivo deste presente artigo, é romper
dicionalmente, o termo gênero é utilizado com essas ideias estigmatizadas, e mostrar que
como um conceito gramatical de classificação precisamos sistematizar conhecimentos históri-
de palavras, dividindo-se entre: masculino, fe- cos e os engendramentos socioculturais acerca
minino e neutro. Embora em sua origem grega, de gênero e sexualidade, afinal, nada daquilo
genos e genes, o termo também fizesse refe- que o sujeito é, no final das contas, escapa à sua
rência ao sexo, foi somente a partir do século sexualidade, bem como os campos de percep-
XV que esta associação passou a ser mais uti- ções dentro da psicologia, para finalmente,
lizada, ou seja, o termo gênero passou a ser si- compreender o porquê de tanta falta de entendi-
nônimo do sexo biológico dos indivíduos. mento acerca desse assunto e dos preconceitos
Consequentemente, os termos masculino e fe- ainda enfrentados dentro e fora dos estudos das
minino tornaram-se especificações do gênero, ciências psicológicas.
sendo o primeiro empregando aos machos e o
segundo as fêmeas (MERRIAM-WEBSTER, MÉTODO
1998).
Diversidade é registrado no francês antigo Trata-se de uma revisão integrativa reali-
como “diversete”, sobre o latim em “diversi- zada de outubro de 2022 a abril de 2023, que
tas”, “diversitatis”, abarcando tanto a ideia de envolveu uma pesquisa em bases de dados e
multiplicidade quanto de confrontação (VES- periódicos eletrônicos como SciELO e PEP-
CHI,2020). SIC, além de recursos como sites especializa-
Sexualidade vem da palavra sexo, do Latim dos, revistas e livros de referência. A seleção
“sexus”, “gênero”, estado de ser macho ou fê- das regras seguiu critérios rigorosos, incluindo
mea”, relacionado a “secare”, “dividir, cortar”, a conformidade com o código de ética da psi-
pois ele define a raça humana em duas partes cologia e a proteção dos direitos humanos.
(LUANDA, 2014). A busca inicial foi por produções acadêmi-
Mas se na etimologia das palavras gênero e cas que contivessem em seus títulos os indexa-
sexualidade encontramos uma maneira dualista dores de gênero, diversidade sexual, sexuali-
de entender a realidade, estaríamos desde a cri- dade e psicologia. Após minuciosa investiga-

27 | P á g i n a
ção, foram selecionados cerca de 18 artigos di- tização em torno do hermafroditismo (VIEIRA
retamente citados no presente texto, tendo sido et al., 2021).
escolhidos com base em sua voz e pertinência [...] As noções de “intersexualidade”, “pes-
para o tema, bem como sua contribuição para soa intersexo” e “variações intersexuais” não
o avanço do conhecimento científico sobre a são estáticas; essas conceituações mudam con-
diversidade sexual e de gênero na psicologia. forme as normas sociais culturalmente sedi-
O objetivo principal da pesquisa foi forne- mentadas por cada tempo histórico e em cada
cer uma análise crítica e reflexiva sobre as te- país. Suas definições são acordos momentâneos
máticas relacionadas à diversidade sexual e de feitos pelos ativismos, como também de termi-
gênero, respeitando os preceitos éticos e os di- nologias rastreadas e consensuadas por grupos
reitos humanos. Para tal, foi essencial selecio- acadêmicos, mas que estão permanentemente
nar publicações que representem as diferentes em processo de mutação (VIEIRA et al., 2021).
perspectivas e abordagens sobre o tema, vi- A orientação sexual diz respeito à atração
sando o desenvolvimento de uma psicologia que um indivíduo sente por outros indivíduos,
mais inclusiva e pluralista. envolvendo questões relacionadas aos senti-
mentos. Assim, se o indivíduo se sente atraído
RESULTADOS E DISCUSSÃO sexualmente pelo sexo oposto, ele é conside-
rado heterossexual; se a atração é por indiví-
Sexo e orientação sexual duos do mesmo sexo, sua orientação é denomi-
A sexualidade humana manifesta-se de vá- nada homossexual, e aqueles que se interessam
rias formas. A vivência da sexualidade não se por ambos os sexos são bissexuais (SILVA &
limita a relação sexual, pois envolve sentimen- LASTORIA, 2019).
tos e nos motiva a procurar, o contato físico e Uma pessoa assexual experimenta pouca ou
afetivo, a intimidade de um relacionamento, po- nenhuma atração sexual. Mas isso não significa
dendo ou não haver reprodução. Assim, nossa que ela não pratique sexo, beije e abrace em ne-
sexualidade é um processo que se inicia em nhuma circunstância. Ela pode ter atração ro-
nosso nascimento, vá até nossa morte e en- mântica por outro indivíduo, bem como gostar
volve, além do nosso corpo, nossa história, nos- de toques e ter o desejo de estar em um relacio-
sos costumes, nossa cultura (JESUS et al., namento afetivo (PIMENTA, 2021).
2008). Todas essas características da sexualidade
O sexo é a parte biológica e se divide em são determinadas por muitos fatores distintos,
macho, fêmea e intersexo. Ele é definido pelos tais quais: a herança genética passada pelos
seus cromossomos e por características, como pais, o funcionamento das glândulas e dos hor-
os órgãos reprodutivos internos e externos. No mônios do corpo, as primeiras experiências de
entanto, definir o sexo de alguém não é algo socialização, a cultura vigente e as suas expe-
tão simples assim, já que uma pessoa biologi- riências durante a vida. A nossa sociedade in-
camente intersexo pode nascer com caracterís- centiva algumas orientações e identidades, en-
ticas sexuais de macho e fêmea. quanto discrimina outras. Por isso, alguns pais
A intersexualidade, em sua etimologia car- costumam incentivar ou reprimir as manifesta-
rega impressionante simbolismo em cada ções de sexualidade a partir das normas cultu-
tempo histórico, apontando para algumas vari- rais com as quais eles concordem.
abilidades terminológicas, como a longa tema-

28 | P á g i n a
Ao longo da vida se aprende que as relações Para Foucault, o discurso médico científico
afetivas e sexuais são “normais” se ocorrerem do século XIX possibilitou o deslocamento do
entre pessoas de sexos opostos, dado que a he- conjunto de saberes normativos sobre as práti-
terossexualidade foi erigida como padrão, isto cas sexuais, migrando sua ênfase do campo re-
é, como a “única forma correta de vivenciar a ligioso e jurídico (mas sem silenciá-los) para o
sexualidade, socialmente aceita e inquestioná- campo médico-psiquiátrico (ANZOLIN &
vel”. Admitir que é homossexual não é tarefa MOSCHETA, 2019).
fácil, pois o indivíduo se vê acuado pelo clima
adverso que o condena como imoral, pecador Gênero, identidade de gênero e seus con-
ou até mesmo patológico (JESUS et al., 2008). ceitos
Heterossexualidade compulsória é, justa- Gênero é uma “lente de análise” para dis-
mente, o modelo normativo de vida, o desejo e cernir as relações sociais e como elas padroni-
as instituições que colocam como destino natu- zam, em um contexto histórico e político, pa-
ral o casamento heterossexual, as divisões soci- péis sociais distintos e desiguais para homens
ais de trabalho e gênero, a monogamia e a re- e mulheres. As expectativas de gênero seriam
todas essas prescrições – algumas mais e ou-
produção como modelos únicos e padronizados
tras menos implícitas – que criam modelos tra-
de existência (RICH, 2010).
dicionais que se pretendem biológicos, mas
O sexo trata-se tanto de uma materialização
são ensinados cotidianamente para produzir o
quanto de uma norma. Materialização porque se
que um homem ou uma mulher é na sociedade.
estabiliza ao longo do tempo para demarcar es-
paços, fronteiras, relações de poder e desigual- O gênero é a categoria de masculino e fe-
dades como um todo. Normas porque regula- minino que construímos socialmente e que en-
menta e governa a materialização do corpo, isto globa todas as práticas atribuídas às pessoas
é, os frutos das relações de poder que demar- que nascem com um aparelho genital ou outro.
cam, diferenciam ou excluem os corpos. Desse Cada cultura incentiva que as pessoas tenham
modo, sexo é “uma das normas pelas quais o certos comportamentos, vestuários, profissões
“alguém” simplesmente se torna viável, é e valores de acordo com o gênero que foi atri-
aquilo que qualifica um corpo para a vida no in- buído à pessoa quando ela nasceu.
A identidade de gênero é a maneira como
terior do domínio da inteligibilidade cultural”.
alguém se sente e se apresenta para si e para os
Portanto, o sexo é uma qualificação social e cul-
turalmente construída que governa a materiali- demais na condição de homem ou mulher ou,
em alguns casos, de uma mescla de ambos, sem
zação dos corpos (DE ARAÚJO & JÚNIOR,
que haja nisso uma conexão direta e obrigatória
2016).
O estudo da história dos discursos científi- com o sexo biológico (JESUS et al., 2008).
cos sobre a sexualidade, que encontra em Fou- Cisgênero, se refere ao termo utilizado
cault (1987/2015) um aporte fundamental, de- para pessoa que se identifica com seu sexo de
monstra que as práticas sexuais entre pessoas de nascença. O termo cisgênero emerge para de-
mesmo gênero e as vivências de pessoas trans signar a experiência das pessoas que possuem
já foram descritas como pecado, crime, desvio uma identificação com o gênero atrelado e as-
e patologia (ANZOLIN & MOSCHETA, signado ao nascer, além de buscar uma visão
2019). que naturaliza e dicotomiza as experiências,
posto que cis seria o oposto de trans, por assim

29 | P á g i n a
dizer. Entretanto, em sua concepção, o intuito tência de diferenças inatas e estáveis entre os
para o qual o conceito fora criado não seria esse, sexos. Na visão essencialista, gênero é conce-
sendo empregado para evidenciar que tanto pes- bido como uma propriedade estável, inata e bi-
soas trans quanto pessoas cisgêneras passam polar de diferenciação sexual, como um caráter
por processo de identificação de gênero eminentemente determinista e como um traço
(SILVA et al., 2019). que descreve as personalidades e os processos
Transgênero designa o que vai além do con- cognitivos.
ceito de masculino e feminino. Ser “trans” se Nessa mesma postura, mas tendo por base a
refere à questão de identidade de gênero. O abordagem da socialização, gênero é entendido
transgênero é o indivíduo que não se identifica como o resultado de forças sociais e culturais,
com o órgão genital de nascença; ou seja, uma no qual ele é aprendido, e não, inato. A dife-
pessoa que nasceu com pênis, mas que não se rença entre homens e mulheres passa a ser ex-
identifica com o gênero masculino, ou nasceu plicada não mais pela teoria das diferenças se-
com uma vagina, mas não se identifica com o xuais, mas, primeiramente, pela androginia, e,
gênero feminino (VIÑAS, 2016). posteriormente, pela teoria dos papéis sociais,
Há ainda a identidade de gêneros não-biná- na qual homens e mulheres aprendem e interna-
rias, e para exemplificar a sua multiplicidade lizam identidades específicas através da socia-
podemos observar casos como bigênero: pes- lização. Um dos problemas da postura empirista
soas que são totalmente de dois gêneros, sem que tem por base a socialização refere-se ao fato
que haja, entretanto, uma mescla bem delimi- de que gênero permanece definido em termos
tada entre os dois; qualquer combinação de gê- de diferença dicotômica, e continua a ser visto
neros é possível, não apenas a combinação fe- como interno e imutável.
minina com masculino; agênero: identidade O conceito serve, assim, como uma ferra-
onde os indivíduos vivenciam ausência de gê- menta analítica que é, ao mesmo tempo, uma
nero; tem sinônimos como não-gênero ou gen- ferramenta política. Ao dirigir o foco para o ca-
dergless; demigênero: termo para vários gêne- ráter “fundamentalmente social”, não há, con-
ros onde pessoas leem suas identidades como tudo, a pretensão de negar que o gênero se cons-
sendo parcialmente femininas ou masculinas e titui com ou sobre corpos sexuados, ou seja, não
parcialmente alguma identidade não-binária; ou é negada a biologia, mas enfatizada, delibera-
ainda, parcialmente agênero e parcialmente al- damente, a construção social e histórica produ-
guma outra identidade não-binária; pangênero: zida sobre essas características biológicas.
identidade que se refere a uma grande gama de (...) As justificativas para as desigualdades
gêneros que pode ultrapassar a finitude do que precisariam ser buscadas não nas diferenças bi-
entendemos atualmente sobre gênero; e gênero ológicas (se é que essas podem ser compreendi-
fluido: identidade de pessoas que possuirão o das fora de sua constituição social), mas sim
espectro de gêneros em constante mudança, não nos arranjos sociais, na história, nas condições
sendo restrito a dois gêneros apenas (REIS & de acesso aos recursos da sociedade, nas formas
PINHO, 2016). de representação (LOURO, 1997).
Centrado na abordagem essencialista, o pa- No entanto, não apenas a possibilidade, mas
radigma das diferenças sexuais que orientou a a própria existência da configuração de atribu-
psicologia na primeira metade do século XX e tos como sexo, desejo, gênero e práticas sexuais
que constitui a postura empirista, sugere a exis- fora da sequência habitual e hegemônica denun-

30 | P á g i n a
cia essa sequência como também sendo um ar- ordem heterossexual e patriarcal. Sua política
ranjo artificial, produzido, em vez de uma subs- consiste em desvelar a construção fictícia dos
tância ou essência. Ou seja, a denúncia do cará- fatos da identidade e da sexualidade, demons-
ter produzido do gênero e a visualização de seus trar a arbitrariedade das correlações entre sexo,
atributos de forma descontínua nos faz questio- gênero e desejo (BORGES & SANTOS, 2021.)
nar a artificialidade da continuidade do que an- De um modo geral, as teorias queer questi-
tes víamos como sólido e permanente (FIR- onam a posição do sujeito moderno como um
MINO & PORCHAT, 2017). todo, em que se considera não apenas os sujei-
Assim, masculinidades e feminilidades pre- tos gays/lésbicas, a população LGBTQIA+,
cisariam ser vistas como forças contrárias que mas também todos/as aqueles/as que se consi-
se completam, mas não se integram, sendo algo deram dissidentes das formas normativas. Uma
que reverbera na cultura através dos enunciados pessoa que se considera heterossexual, mas não
do temperamento, da personalidade, do desejo. quer o matrimônio, ou ter filhos/as, por exem-
Em outras palavras, uma suposta divergência plo, pode ser alguém que, de certo modo, des-
que faria com que aqueles que perfurassem o familiarize as concepções normalizadoras de
sistema sexo/gênero, contrabandeando o mas- identidade sexual, as relações dominantes de fa-
culino e o feminino, vissem-se diante de uma mília. Com o conceito queer, portanto, há um
arriscada negociação com valores tanto religio- deslocamento na ênfase em se considerar a cen-
sos quanto científicos. Haveria, por consequên- tralidade das identidades sexuais para se consi-
cia, uma moral binária que regula os papéis so- derar as práticas sexuais abrigadas sob o
ciais para o funcionamento da cisnorma (FA- guarda-chuva dos diferentes (BORGES et al.,
VERO et al., 2023). 2013).
Ao compararmos o ponto de vista constru-
As Teorias Queer cionista com o queer, podemos afirmar que se,
Na década de 90, outra perspectiva ganha por um lado, a perspectiva construcionista so-
lugar: a perspectiva queer. A autora feminista bre a sexualidade propiciou maior alcance para
Judith Butler, conhecida por ser uma das cria- contestar a naturalização dos sexos a partir da
doras desse movimento, propõe uma leitura do emergência do conceito de gênero, por outro
sexo como efeito tanto do processo de naturali- lado, ao não problematizar que o sexo também
zação e da estrutura social de gênero como da é construído socialmente, incorporando na dis-
matriz heterossexual. Esse movimento se colo- cussão a constituição dos corpos, ela não con-
cou contra tudo aquilo que considerou essenci- seguiu romper a ideia de entidades polarizadas
alistas, que tomavam a diferença sexual como e fixas – homens e mulheres, homossexualidade
uma verdade natural ou pré-discursiva e, final- e heterossexualidade. A teoria queer diferencia-
mente, contra quaisquer imposições normativas se da perspectiva construcionista na medida em
de formas determinadas de masculinidade e fe- que radicaliza o questionamento de estabili-
minilidade (PRADO & MACHADO, 2008) dade, da fixidez e da coerência das identidades
Butler (1990/2020) recusa o valor das cate- sexuais, representando uma ruptura com as teo-
gorias identitárias ao trazer à baila, inspirada rias que compreendiam a identidade como algo
em Foucault, que as identidades e suas normas fixo, coerente e natural (BUTLER, 2003).
regulatórias são frutos de regimes de poder, [...]Podemos concluir que queer tem, pelo
cujo objetivo é, para ela, a manutenção de uma menos, duas vertentes: de um lado, é uma ati-

31 | P á g i n a
tude existencial que se reflete no comporta- Presentemente, as abordagens teóricas da
mento transgressivo que não respeita a hetero- sexualidade descontroem e admoestam visões
normatividade e, de outro lado, é uma teoria que advindas que patologizavam e moralizavam a
busca estabelecer princípios e criar dispositivos diversidade sexual. Atualmente, o esforço aca-
que levem a uma ruptura de valores impostos dêmico-político é garantir a produção de uma
pela doxa (FIGUEIREDO, 2018). noção que valorize a diversidade dos costumes
A questão é sobre o que somos, e em alguns e existências no mundo.
séculos, uma certa corrente nos levou a colocá-
la em relação ao sexo. Nem tanto ao sexo-natu- Psicologia e diversidade sexual
reza (elemento do sistema do ser vivo, objeto Se os modelos de sexualidade que hoje em
para uma abordagem biológica), mas ao sexo- dia sustentamos foram definidos pelas crenças
história, ao sexo-significação, ao sexo-discurso. e pelos valores da sociedade, necessitamos de
Colocamo-nos, a nós mesmos, sob o signo do um apoio ético que nos ajude a fortalecer um
sexo, porém, de uma lógica do sexo, mais do exercício profissional de cuidado sem morali-
que de uma Física. Não devemos enganar-nos: zações.
sob a grande série das oposições binárias A Psicologia como saber científico e saber
(corpo-alma, carne-espírito, instinto-razão, pul- histórico, legitima a luta pela liberdade e acei-
sões-consciência) que pareciam referir o sexo a tação da realidade, e quando se trata do enten-
uma pura mecânica sem razão, o Ocidente con- dimento acerca da diversidade sexual, o código
seguiu, não somente e nem tanto anexar o sexo de ética do profissional da psicologia assegura
a um campo de racionalidade, o que sem dúvida em seus princípios fundamentais, inciso I e II
nada teria de extraordinário, tanto nos habitua- que:
mos, desde os gregos a esse tipo de "conquista"; I. O psicólogo baseará o seu trabalho no res-
mas sobretudo colocar-nos, inteiros — nós, peito e na promoção da liberdade, da dignidade,
nosso corpo, nossa alma, nossa individualidade, da igualdade e da integridade do ser humano,
nossa história — sob o signo de uma lógica da apoiado nos valores que embasam a Declaração
concupiscência e do desejo (ALBUQUERQUE Universal dos Direitos Humanos.
& ALBURQUERQUE, 1998). II. O psicólogo trabalhará visando promo-
Uma vez que se trate de saber quem somos ver a saúde e a qualidade de vida das pessoas e
nós, é ela, doravante, que nos serve de chave das coletividades e contribuirá para a elimina-
universal. Há vários decênios, os geneticistas ção de quaisquer formas de negligência, discri-
não concebem mais a vida como organização minação, exploração, violência, crueldade e
dotada, também, da estranha capacidade de se opressão.
reproduzir; eles veem, no mecanismo de repro- Portanto, a questão aqui, não é construir um
dução, o que introduz propriamente à dimensão saber teórico e uma análise clínica que padro-
do biológico: matriz não somente dos seres vi- nize formas de se viver a vida, mas de devolver
vos, mas também da vida. Ora, há séculos, de a cada pessoa sua integralidade e subjetividade,
modo sem dúvida bem pouco "científico", os de acordo com suas próprias ideias de bem-es-
inúmeros teóricos e práticos da carne já tinham tar e felicidade.
transformado o homem no filho de um sexo im- A diversidade sexual compreende todo o es-
perioso e inteligível. O sexo, razão de tudo (AL- pectro de possibilidades de “ser no mundo” da
BUQUERQUE & ALBURQUERQUE, 1998). sexualidade e a orientação diz respeito para

32 | P á g i n a
onde se volta o desejo do sujeito, como uma soas LGBT (CONSELHO FEDERAL DE PSI-
bússola apontando para determinado norte COLOGIA,2018).
(SILVA et al., 2018). Não existem soluções simples para as ques-
Borges et al. (2013), ao revisarem produ- tões, debatidas calorosamente, da igualdade e
ções acadêmicas dos programas de graduação e da diferença, dos direitos individuais e coleti-
pós-graduação do curso de Psicologia da Ponti- vos, das identidades de grupo; posicioná-los
fícia Universidade Católica de Goiás (PUC como conceitos opostos significa perder o
Goiás) que versam sobre gênero, sexualidade, ponto de suas interconexões. Pelo contrário, re-
homossexualidade e/ou homossexuais, perce- conhecer e manter uma tensão necessária entre
bem que o ensino da Psicologia ainda se con- igualdade e diferença, entre direitos individuais
centra predominantemente nos estudos das e identidades grupais, é o que possibilita encon-
identidades, em uma visão normativa, polari- trarmos resultados melhores e mais democráti-
zada e patologizada quanto ao gênero e às sexu- cos (SCOTT, 2005).
alidades. Essa constatação é importante no in- É necessário lembrar que, neste âmbito, di-
tuito de repensar a prática do profissional de sa- ferentemente das religiões, que se dizem porta-
úde, tendo em vista o papel de autoridade que, doras de verdades inquestionáveis, as teorias
conscientemente ou não, é assumido pelo psi- psicológicas não devem preencher o vazio ins-
cólogo e que pode ser um fator de aproximação taurado pela crise de sentido apresentada pelo
ou de afastamento (SILVA et al, 2018). cliente. O psicólogo clínico é inversamente, o
Neste contexto, a Psicologia vem sendo in- agente que possibilita reflexões sobre os assen-
fluenciada, questionada pelos movimentos so- tamentos socioculturais constituidores do cli-
ciais e, ao menos em parte, transformada. Em ente – inclusive, se for o caso, os religiosos.
contraposição à patologização, a partir da dé- Não é o profissional de Psicologia quem vai dar
cada de 1990, ganharam força leituras e posici- a régua moral que oriente para onde deve tender
onamentos profissionais antidiscriminatórios. a mudança e, assim, a superação do sofrimento.
Em vigor há 18 anos, a Resolução nº 01/1999 Esta é uma descoberta/criação do próprio cli-
veta que as (os) profissionais da Psicologia ente ao longo do processo (CONSELHO FE-
exerçam qualquer atividade que favoreça a pa- DERAL DE PSICOLOGIA, 2011).
tologização de comportamentos ou práticas ho- O que quero dizer é que os parâmetros que
moeróticas. (CONSELHO FEDERAL DE PSI- guiam o terapeuta não devem ser contingentes
COLOGIA, 1999). a eles mesmos, mas devem estar respaldados
Proíbe, ainda, adotarem ação coercitiva que em acordos mais ampliados do que é o bem-vi-
busque orientar homossexuais para tratamentos ver em sociedade. E nós temos um conjunto de
não solicitados. que estabelece normas para a marcos regulatórios, gerais o suficiente para ca-
atuação de profissionais de Psicologia junto às ber as diversidades socioculturais e as peculia-
pessoas LGBT; pela nota técnica sobre o pro- ridades individuais, do mesmo modo capazes
cesso transexualizador, que instrui o papel de informar, com certa precisão, o que possa
desse profissional durante o processo; e pela ameaçar o contrato social. São eles a Carta de
Resolução no 01/2018 do CFP, que impede o Direitos Humanos (e outros acordos do sistema
uso de técnicas psicológicas para manter ou re- ONU), a Constituição Federal, o nosso Código
forçar a discriminação e preconceito contra pes- de Ética Profissional e as resoluções de nosso
conselho profissional. Todos esses documentos

33 | P á g i n a
são acordos coletivos, pactuações entre conhe- A sexualidade e expressão de gênero de
cimentos de origens as mais diversas que de- cada um, só dizem sobre os próprios sujeitos e
vem pautar a vida em sociedade (CONSELHO seus corpos e vidas.
FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2011).
O desenvolvimento do presente estudo pos- CONCLUSÃO
sibilitou análise dos sentidos sobre psicologia,
gênero e diversidade sexual a partir de uma aná- As reflexões aqui trazidas, foram feitas com
lise discursiva que tem como enquadre questões o intuito de informar e trazer a discussão a im-
éticas, a psicologia e o papel do psicólogo na portância do entendimento de um discurso que
compreensão do conceito de gênero e sexuali- já transcorre a humanidade, envoltos de concei-
dades, trazendo à tona, que a função do psicó- tos e formas de pensar discriminatórios e pre-
logo não é ditar comportamentos ou regras mo- conceituosos. Devemos falar sobre gênero e se-
rais para o paciente seguir, mas sim ajudá-lo a xualidade abertamente, e quebrar paradigmas
superar o sofrimento, com suas próprias ferra- sociais pré-impostos, entendendo nossos direi-
mentas. tos e deveres vigentes em lei, e como cidadãos,
É certo que as pressões sociais fazem com viver de forma ética e democrática.
que a maioria das pessoas não heterossexuais Não seria atraente que todos pudessem
ou que expressam o gênero diferente daquele compreender que algumas determinações de
que nasceram, sintam desconforto social e gênero e sexualidade não são fatos universais
culpa, justamente pela existência de padrões e que existem outros modos de experienciar
sociais impostos e autoimpostos. Por conse- isso? Aprender isso não sugere tornar heteros-
guinte, a sexualidade do indivíduo está à mercê sexuais em homossexuais ou pessoas cis em
dos poderes discursivos das ciências e de algu- indivíduos trans. Constitui, apenas, reconhecer
mas religiões, os quais controlam os desejos e que há uma diversidade no mundo que tem di-
os corpos dos sujeitos. reito a ser garantida e valorada.
Mas a questão é, se funcionar tudo segundo A psicologia, como saber legitimador de
a lógica dominante, corremos o risco de perder um sistema democrático e de direito, precisa
nossa individualidade, e conseguinte, nossa fe- buscar quebrar preceitos cisheterossexistas,
licidade, tendo em vista a subjetividade e gama com o fim de um saber/fazer comprometido
de possibilidades existentes. Além do mais, a com as mudanças socioculturais no campo das
realidade dos fatos não deixará de acontecer sexualidades, ao lado dos movimentos sociais
em razão da permissividade e pluralidade exis- na luta contra o machismo e o patriarcado, o cis
tencial. sexismo e o heterossexismo e outras formas de
ditar comportamentos enraizados em discrimi-
nação e preconceito.

34 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBUQUERQUE, M.T.C. & ALBUQUERQUE, J.A. FIRMINO, F.H. & PORCHAT, P. Feminismo, identi-
História da sexualidade I: A vontade de saber. Editora dade e gênero em Judith Butler: apontamentos a partir de
Graal. Rio de Janeiro, RJ, p.43,1998. “problemas de gênero”. DOXA - Revista Brasileira de
Psicologia da Educação, Araraquara, v.19, n.1, p.
ANZOLIN, B., & MOSCHETA, M.S. Sentidos sobre Di- 51,2017.
versidade Sexual e o Trabalho de Psicólogas na Atenção
Básica. Psicologia: Ciência e Profissão, v. 39, (n.spe 3), FIGUEIREDO, E. Desfazendo o gênero: a teoria queer
p. 1, 2019. de Judith Butler. Criação & critica, n. 20, 2018.

BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e subver- JESUS, B. et al. Diversidade sexual na escola: uma me-
são da identidade. 22º Ed. Editora: Civilização Brasileira, todologia de trabalho com adolescentes e jovens. Ed. Es-
2003. pecial, revista e ampliada. ECOS – Comunicação em Se-
xualidade, São Paulo, SP, 2008.
BORGES, L. et al. Abordagens de gênero e sexualidade na
Psicologia: revendo conceitos, repensando práticas. Revista LOURO, G.L. Gênero, sexualidade e educação - Uma
Psicologia: Ciência E Profissão, v. 33, n. 3, p. 730, 2013. perspectiva pós-estruturalista. Editora Vozes, Petrópolis,
RJ, p. 14, 1997.
BORGES, F.S. & SANTOS, T.C. A razão moderna e a
pós-modernidade: aliança, sexualidade e diversidade se- LOURO, G.L. Gênero, sexualidade e educação: das afi-
xual. Revista Asephallus de Orientação Lacaniana. Rio nidades políticas às tensões teórico-metodológicas. Edu-
de Janeiro, RJ, p.38, 2021. cação em Revista. Belo Horizonte. n. 46, p. 201, 2007.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Psicologia LOURO, G. L. Currículo, gênero e sexualidade – o “nor-


e diversidade sexual: desafios para uma sociedade de di- mal’, o “diferente” e o “excêntrico”. In: LOURO, G. L.
reitos. Brasília, DF, p. 42, 2011. Disponível em: et al. (Org.). Corpo, gênero e sexualidade: um debate
contemporâneo na educação. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vo -
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Psicologia zes, p. 41, 2007.
e práticas homossexuais. Resolução nº 01/1999. Brasília,
DF,1999. Disponível em: https://site.cfp.org.br/resolu- LUANDA, P. Origem da palavra sexualidade. 2014. Dis-
cao0199/historico/#:~:text=Em%20vigor%20h%C3%A ponível em: https://origemdapalavra.com.br/pergunta/se-
1%2018%20anoshomossexuais%20para%20tratamen - xualidade4/#:~:text=Resposta%3Ara%C3%A7a%20hu -
tos%20n%C3%A3o%20solicitados. Acesso em 25 maio mana%20em%20duas%20partes. Acesso em 9 out.2022.
2023.
MAIA, A.C.B. & MAIA, A.F. Educação para as questões
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Transexu- de Gênero e Diversidade Sexual. Educação na Diversi-
alidade não é transtorno mental, oficializa OMS. Resolu- dade e Cidadania v. 4: MEC-SECAD-UNESP-E AD,
ção CFP nº 01/2018. Disponível em: 2009.
https://site.cfp.org.br/tag/resolucao012018/#:~:text=A%
20Resolu%C3%A7%C3%A3o%20CFP%20n%C2%BA MERRIAM-WEBSTER. Online Dictionary: Onlin e
%2001,desenvolvimento%20de%20culturas%20instituc Etymology Dictionary; The American Heritage Dictio -
ionais%20discriminat%C3%B3rias. Acesso em 25 maio nary of the English Language, 2000; The New Oxford
2023. Dictionary of English, 1998.

DANTAS, P.L. Conceito de Psicologia. 2023. Disponí- PIMENTA, T. Sou uma pessoa assexual? Entenda o sig-
vel em: https://mundoeducacao.uol.com.br/psicologia/ nificado disso! 2021. Disponível em: https://www.vit-
conceito-psicologia.htm. Acesso em: 8 out.2022. tude.com/blog/sou-uma-pessoaassexual-o-que-e/ . Aces-
so em: 25 maio. 2023.
DE ARAÚJO, S.A & JÚNIOR, J.M.B. Gênero, identi-
dade e diversidade sexual: levantamento bibliográfico de PRADO, M.A.M. & MACHADO, F.V. Preconceito con-
discussões dessa temática no âmbito escolar. (Educação tra homossexualidades: hierarquia da invisibilidade. São
E (Trans)formação, v. 1, n. 2, p.63, 2016. Paulo: Cortez, p. 144, 2008.
REIS, N. & PINHO, R. Revista Reflexão e Ação, Santa RICH, A. Heterossexualidade compulsória e existência
Cruz do Sul, v. 24, n. 1, p. 7, 2016. lésbica. Revista Bagoas, Rio Grande do Norte, RN, v. 4,
n. 5, 2012.
FAVERO, S. et al. Uma teoria psicológica transfeminista:
sobrevivendo aos escombros da saúde mental brasileira. Psi-
cologia: Ciência e Profissão, v. 43, p. e243741, 2023

35 | P á g i n a
SILVA, L.S. & LASTORIA, L.A.C.N. Educação e diver- VESCHI. B. Origem da palavra diversidade. 2020. Dis-
sidade sexual. Bauru, SP, v. 7, n. 1, p. 279,2019. ponível em: https://etimologia.com.br/diversidade/. A-
cesso em 9 out.2022.
SILVA et al. Aproximações entre psicologia da saúde e
homossexualidade. Revista Psicologia da Saúde Teoria e VIÑAS, S. Transgêneros: preconceitos, discriminação e
Intervenção, Actas do 12º Congresso Nacional de Psico - o modelo autodeterminativo para o direito. 2016. Dispo -
logia da Saúde, 2018. nível em: <https://sandravinas.jusbrasil.com.br/noticias/
334551684/transgeneros-preconceitos-discriminacao-e-
SILVA et al. (Trans)tornando a norma cisgênera e seus de- o-modelo-autodeterminativo-para-o-direito>. Acesso
rivados. Revista de Estudos Femininos, v. 27, n. 2, p. em: 10 out. 2022.
e54397, 2019.
VIEIRA, A. et al. Intersexualidade: desafios de gênero.
SCOTT, W.J. O enigma da igualdade. Estudos Feminis- Periódicus – Revista de estudos indisciplinares em gêne-
tas, Florianópolis, v. 13, n. 1, p. 216, 2005. ros e sexualidades. Salvador-BA, v. 1, n. 16, p. 1, 2021.

36 | P á g i n a
Capítulo 05

EPILEPSIAS: UMA
ABORDAGEM ABRANGENTE

IRIS LEITE GOMES¹


MARIA GABRIELA TIRELLI DE FREITAS¹
PEDRO VICTOR OLIVEIRA ARAÚJO¹
NATANAEL LOURENÇO MOTA2

1. Discente – Medicina em Universidade Federal de Lavras


2. Docente – Neurologista do corpo docente da Universidade Federal de Lavras

Palavras Chave: Epilepsia; Transtorno convulsivo; Convulsão.

10.59290/978-65-6029-006-8.5
37 | P á g i n a
INTRODUÇÃO vulsões podem afetar diferentes partes do cor-
po, dependendo da região do cérebro que está
A epilepsia tem uma longa história que sendo afetada. Elas podem variar de breves es-
remonta a tempos antigos. Acredita-se que a pasmos musculares a crises mais graves, que
doença tenha sido descrita pela primeira vez em podem incluir movimentos descoordenados até
textos médicos do antigo Egito, datados de perda de consciência (GOMES, 2012).
cerca de 2000 a.C. Desde então, a epilepsia tem Existem diferentes tipos de epilepsia, cada
sido documentada em muitas culturas ao redor um com suas próprias características e sinto-
do mundo, incluindo a Grécia Antiga, a Índia e mas. Alguns tipos de epilepsia são mais comuns
a China. em crianças, enquanto outros afetam principal-
Na antiguidade, as convulsões eram fre- mente adultos. O tratamento da epilepsia pode
quentemente interpretadas como possessão de- envolver medicamentos, mudanças no estilo de
moníaca ou castigo divino. Isso levou a um vida e, em alguns casos, cirurgia (GOMES,
estigma em torno da epilepsia e às vezes a trata- 2012).
mentos cruéis, como exorcismo e reclusão for- Embora a epilepsia possa ser debilitante,
çada (GÓIS, 2004). muitos pacientes com o distúrbio são capazes
No entanto, com o tempo, as compreensões de controlar suas convulsões com sucesso e le-
da epilepsia e das convulsões foram evoluindo. var vidas plenas e produtivas. O diagnóstico
Na Grécia Antiga, o médico Hipócrates propôs precoce e o tratamento adequado são impor-
que a epilepsia era uma doença natural, não tantes para melhorar a qualidade de vida das
uma punição divina. Ele também recomendou pessoas que sofrem de epilepsia (GÓIS, 2004).
tratar a epilepsia com uma dieta saudável e A origem exata da epilepsia é desconhecida
exercícios físicos (GÓIS, 2004). em muitos casos, mas pode ser resultado de
Ao longo da Idade Média, a epilepsia foi uma combinação de fatores genéticos e am-
frequentemente associada à bruxaria, e as con- bientais. Algumas possíveis causas da epilepsia
vulsões eram consideradas um sinal de posses- incluem:
são demoníaca. Foi somente durante o Ilumi- • Lesões cerebrais: lesões cerebrais, co-

nismo que a compreensão da epilepsia como mo traumas cranianos, tumores cerebrais, aci-
uma doença física começou a se tornar mais dentes vasculares cerebrais (AVCs) e infecções
generalizada (GÓIS, 2004). cerebrais, podem levar ao desenvolvimento de
Hoje em dia, a epilepsia é amplamente acei- epilepsia.
ta como uma condição médica tratável. Há uma • Condições médicas: algumas condições

variedade de medicamentos e terapias disponí- médicas, como doenças cardíacas, doenças me-
veis para ajudar a controlar as convulsões e tabólicas, doenças renais e hepáticas, podem
melhorar a qualidade de vida das pessoas com estar associadas ao desenvolvimento de epilep-
epilepsia. No entanto, o estigma em torno da sia.
epilepsia ainda pode ser um desafio para muitas • Predisposição genética: alguns casos de

pessoas que vivem com a doença (MATOS et epilepsia são causados por alterações genéticas
al., 2017). que afetam a atividade elétrica do cérebro.
Sabe-se que é um distúrbio neurológico • Desenvolvimento anormal do cérebro:

caracterizado por convulsões recorrentes, que em alguns casos, a epilepsia pode ser causada
podem variar em gravidade e duração. As com-

38 | P á g i n a
por um desenvolvimento anormal do cérebro Os critérios de inclusão foram: artigos nos
durante a gestação ou o parto. idiomas inglês e português; publicados no
• Exposição a toxinas: Exposição a subs- período de 1998 à 2021 e que abordavam as
tâncias tóxicas, como metais pesados e solven- temáticas propostas para esta pesquisa, estudos
tes, pode aumentar o risco de epilepsia. do tipo revisão bibliográfica, bem como meta-
É importante notar que nem todas as pes- análises, disponibilizados na íntegra também
soas com fatores de risco desenvolvem epilep- foram utilizados. Os critérios de exclusão fo-
sia, e algumas pessoas podem desenvolver epi- ram: artigos duplicados, disponibilizados na
lepsia sem ter nenhum fator de risco conhecido. forma de resumo, que não abordavam dire-
O diagnóstico preciso da causa da epilepsia é tamente a proposta estudada e que não atendiam
importante para determinar o melhor tratamen- aos demais critérios de inclusão.
to para cada pessoa (GOMES, 2012). Após os critérios de seleção restaram 12
Atualmente, a doença é definida por uma artigos que foram submetidos à leitura minu-
das três situações que se seguem: ciosa para a coleta de dados. Os resultados fo-
1) Pelo menos duas crises epilépticas não ram apresentados de forma descritiva, divididos
provocadas (ou reflexas) com intervalo >24 ho- em categorias temáticas abordando: o quadro
ras entre elas; clínico das epilepsias, suas causas, tratamentos
2) Uma crise não provocada (ou reflexa), e disponíveis, síndrome do mal epiléptico e
probabilidade de ocorrência de novas crises eventos paroxísticos não epilépticos.
semelhante à probabilidade de recorrência após
duas crises não provocadas (ou seja, pelo menos EPIDEMIOLOGIA
60%);
3) Diagnóstico de uma síndrome epiléptica A epilepsia é uma condição neurológica
(CENDES & MORITA, 2016). comum. De acordo com a Organização Mundial
O objetivo do presente capítulo é de com- da Saúde, cerca de 50 milhões de pessoas em
preender o transtorno convulsivo em sua totali- todo o mundo têm epilepsia. No entanto, a
dade, identificar suas peculiaridades e auxiliar prevalência da epilepsia varia de acordo com a
no diagnóstico precoce e pontual, possibili- região e o país (OHTAHARA et al., 1998).
tando um tratamento adequado para o quadro Estima-se que a prevalência da epilepsia em
clínico de cada paciente atingindo. países de baixa e média renda seja de 5 a 10
vezes maior do que em países de alta renda
MÉTODO (OHTAHARA et al., 1998).
A epilepsia pode afetar pessoas de todas as
Trata-se de uma revisão narrativa realizada idades, mas sua distribuição etária gráfica se dá
no período de janeiro à abril de 2023, por meio em dois picos e, não coincidentemente, nos
de pesquisas nas bases de dados: PubMed, extremos de idade, crianças e idosos. Cerca de
MEDLINE e Biblioteca Virtual em Saúde. 50% dos casos de epilepsia começam na
Foram utilizados os descritores: epilepsia, crise infância ou na adolescência. Ademais, a
convulsiva e síndrome do mal epiléptico. Desta epilepsia também é mais comum em homens do
busca foram encontrados 1354 artigos, poste- que em mulheres (OHTAHARA et al., 1998).
riormente submetidos aos critérios de seleção. De acordo com dados do Ministério da
Saúde do Brasil, a doença é uma das condições

39 | P á g i n a
neurológicas mais comuns no país. Estima-se tornos do humor, como depressão, ansiedade ou
que cerca de 3 milhões de pessoas no Brasil irritabilidade;
tenham epilepsia, o que representa uma preva- • Distúrbios cognitivos: Epilépticos po-
lência de aproximadamente 1,5% da população dem ter afecções cognitivas, como dificuldade
(TAVARES, 2015). de concentração, problemas de memória e difi-
As convulsões são um sintoma comum da culdade de aprendizado;
epilepsia e podem variar em gravidade e dur- • Distúrbios motores: Pacientes relatam
ação. Cerca de 60% das pessoas com epilepsia incoordenações motoras, como tiques, espas-
no Brasil relatam ter convulsões (TAVARES, mos musculares ou movimentos involuntários.
2015). É importante lembrar que nem todas os
É importante lembrar que esses dados são pacientes com epilepsia experimentam todos
apenas uma estimativa e podem variar depen- esses sintomas. Além disso, é possível que ou-
dendo do estudo e da metodologia utilizada tras condições médicas possam causar sintomas
para coletar as informações. O diagnóstico pre- semelhantes aos da epilepsia, por isso a neces-
coce e o tratamento adequado da epilepsia são sidade de criteriosa investigação diagnóstica
cruciais para melhorar a qualidade de vida das (TAVARES, 2015).
pessoas afetadas pela condição no Brasil e em
todo o mundo (TAVARES, 2015). DIAGNÓSTICO

QUADRO CLÍNICO O diagnóstico de epilepsia envolve um


conjunto de procedimentos clínicos e laborato-
A epilepsia é uma condição neurológica que riais que têm como objetivo identificar as cau-
afeta o cérebro e pode causar convulsões e ou- sas e os fatores desencadeantes das crises epi-
tros sintomas, descritos a seguir. O quadro clí- lépticas. Este capítulo de livro detalha os prin-
nico da epilepsia pode variar de uma pessoa cipais métodos de diagnóstico da epilepsia, in-
para outra, mas os principais sintomas incluem: cluindo a história clínica, o exame físico, os
• Convulsões: são o sintoma mais comum exames de imagem e os exames laboratoriais
da epilepsia. Elas podem variar em gravidade e (SILVA, 2021).
duração e podem ser generalizadas, afetando
todo o corpo, ou parciais, afetando apenas uma História clínica
parte do corpo; A história clínica é a primeira etapa do
• Perda de consciência: durante a descar- diagnóstico da epilepsia. O médico entrevista o
ga elétrica desorganizada, causadora do quadro paciente e seus familiares para obter informa-
epiléptico, o paciente pode perder a consciên- ções sobre o histórico das crises epilépticas. É
cia; importante que o médico saiba o tipo, a fre-
• Sensações pré-ictais: Alguns pacientes quência e a duração das crises, bem como os
epiléticos podem ter sensações estranhas antes sintomas que o paciente apresenta antes, duran-
de uma convulsão, como um odor ou sabor te e depois das crises (SILVA, 2021).
incomuns, uma parestesia ou uma sensação de O médico também pode perguntar sobre
déjà vu; possíveis fatores desencadeantes das crises, co-
• Alterações emocionais: Algumas pes- mo falta de sono, estresse, ingestão de álcool ou
soas com epilepsia podem sofrer com trans- drogas, dentre outros. Além disso, o profissio-

40 | P á g i n a
nal deve perguntar sobre o histórico médico e A seguir, apresentamos mais informações sobre
familiar do paciente, incluindo a presença de alguns desses aspectos:
outras doenças neurológicas ou epilepsia em
parentes próximos (SILVA, 2021). Monitoramento eletroencefalográfico
(EEG)
O EEG é um exame não invasivo, indolor e
Exame físico
de curta duração, geralmente realizado em uma
O exame físico é outro passo importante no
diagnóstico da epilepsia. Durante o exame, o clínica ou hospital. É importante que o paciente
médico pode observar sinais físicos de epilep- esteja relaxado e sem estresse durante o exame,
sia, como movimentos anormais, tremores, pois isso pode interferir nos resultados. O mé-
convulsões, entre outros. Além disso, o médico dico que realiza o EEG é um neurofisiologista
pode avaliar a função neurológica do paciente, clínico ou um neurologista especializado em
incluindo a capacidade de memória, a fala, a epilepsia (SILVA, 2021).
coordenação motora, e demais domínios afeta- O EEG pode ser realizado em diferentes
dos (SILVA, 2021). momentos do dia, mas é mais comum durante o
período da manhã ou da tarde. É importante que
o paciente esteja bem alimentado e descansado
Exames de imagem
antes do exame, para que a atividade cerebral
Os exames de imagem são essenciais para o
seja registrada adequadamente (SILVA, 2021).
diagnóstico da epilepsia. Os mais comuns são a
Durante o exame, o paciente fica sentado
ressonância magnética (RM) e a tomografia
computadorizada (TC). Esses exames permitem em uma cadeira confortável, com os olhos fe-
ao médico visualizar a estrutura do cérebro e chados ou abertos, dependendo das orientações
identificar possíveis lesões, como tumores, do médico. Eletrodos são fixados no couro ca-
anormalidades vasculares, cicatrizes ou outras beludo com uma pasta condutora, e a atividade
alterações que possam estar relacionadas às cri- cerebral é registrada em um monitor ou impres-
ses epilépticas. Além de servirem para exclusão sa em um papel (SILVA, 2021).
diagnóstica (SILVA, 2021). O EEG pode ser realizado em diferentes
tipos de epilepsia, desde crises focais (que
afetam apenas uma parte do cérebro) até crises
Exames laboratoriais
generalizadas (que afetam todo o cérebro). O
Os exames laboratoriais também são impor-
tantes no diagnóstico da epilepsia. O médico tipo de alteração registrada no EEG pode ajudar
a determinar o tipo de epilepsia (SILVA, 2021).
pode solicitar exames de sangue para avaliar a
Por exemplo, no EEG de pacientes com
função renal, hepática, hormonal, metabólica e
imunológica do paciente. Além disso, exames epilepsia do lobo temporal, é comum encontrar
específicos podem ser usados para identificar atividade epileptiforme (ondas agudas e espi-
possíveis causas das crises epilépticas, como gões) na região temporal do cérebro. Já no EEG
análises genéticas, testes de alergia, entre outros de pacientes com epilepsia generalizada, po-
(SILVA, 2021). dem ser encontradas ondas de pico e ondas len-
Além das etapas mencionadas anteriormen- tas em todo o cérebro (SILVA, 2021).
te, existem outros aspectos importantes no diag- Para mais, o EEG pode ser utilizado para
nóstico da epilepsia que podem ser detalhados. monitorar a eficácia do tratamento da epilepsia.
Após o início do tratamento com medicamentos

41 | P á g i n a
antiepilépticos, é comum realizar um novo EEG principalmente em casos de lesões cerebrais
para verificar se houve redução ou eliminação suspeitas de malignidade ou inflamação, porém
da atividade epileptiforme (SILVA, 2021). é quase não é usada (SILVA, 2021).
Em resumo, o EEG é um exame importante Por fim, o diagnóstico preciso da epilepsia
e complementar para o diagnóstico e tratamento é uma etapa fundamental para o tratamento ade-
da epilepsia. Ele permite identificar as áreas do quado da doença. Ele envolve uma série de
cérebro afetadas pelas crises epilépticas, clas- procedimentos clínicos e laboratoriais que vi-
sificar as crises e monitorar a eficácia do trata- sam identificar as causas e os fatores desen-
mento. É importante que o exame seja realizado cadeantes das crises epilépticas. O diagnóstico
por um profissional experiente em epilepsia, e deve ser individualizado para cada paciente,
que seja interpretado em conjunto com outras levando em consideração as características clí-
informações clínicas (SILVA, 2021). nicas e os resultados dos exames (SILVA,
2021).
Vídeo EEG
O vídeo-EEG é um exame que combina a TRATAMENTO
gravação de vídeo com o EEG. Ele permite que
o médico observe o paciente durante as crises O tratamento da epilepsia pode envolver o
epilépticas e correlacione os padrões de ativida- uso de medicamentos antiepilépticos, cirurgia,
de elétrica do cérebro com os sintomas apresen- dieta cetogênica e estimulação nervosa. Cada
tados. O vídeo-EEG é especialmente útil para a caso é único e o tratamento deve ser individua-
classificação das crises epilépticas e para a lizado, considerando fatores como a frequência
avaliação da eficácia do tratamento. Para mais, e tipo de crises, idade do paciente, comorbida-
esse exame é considerado o padrão-ouro para o des e outros aspectos clínicos (GREENBERG
diagnóstico da condição epilética (SILVA, et al., 2014).
2021). Medicamentos antiepilépticos (MAEs) são
frequentemente utilizados como primeira opção
Avaliação neuropsicológica para o tratamento da epilepsia. Existem vários
A avaliação neuropsicológica é um conjun- tipos de MAEs, e o médico escolhe o mais
to de testes que avaliam as funções cognitivas adequado para cada caso, considerando a idade,
do paciente, como a memória, a atenção, a lin- peso e outras condições de saúde do paciente,
guagem, o raciocínio, entre outras. A avaliação como gravidez (GREENBERG et al., 2014)
pode ser útil para identificar déficits cognitivos É importante que os MAEs sejam utilizados
que possam estar relacionados às crises epi- de maneira correta e regular, para garantir que
lépticas, bem como para monitorar a evolução as crises sejam controladas e que os efeitos
do tratamento (SILVA, 2021). colaterais sejam minimizados. A dose dos
medicamentos pode ser ajustada ao longo do
Biópsia cerebral tempo, de acordo com a resposta do paciente
Em alguns casos, pode ser necessário reali- (GREENBERG et al., 2014)
zar uma biópsia cerebral para identificar a causa Em alguns casos, a cirurgia pode ser uma
das crises epilépticas. A biópsia envolve a re- opção para o tratamento da epilepsia. A cirurgia
moção de uma pequena amostra de tecido cere- pode ser indicada para pacientes que apresen-
bral para análise laboratorial. Ela é indicada tam crises frequentes e que não respondem bem

42 | P á g i n a
aos medicamentos, ou para pacientes que têm médico. Alguns medicamentos antiepilépticos
um foco de epilepsia identificado no cérebro. mais comuns incluem Carbamazepina, Fenitoí-
Durante a cirurgia, o foco epileptogênico é re- na, Valproato, Lamotrigina e Levetiracetam
movido ou desconectado do restante do circuito (GREENBERG et al., 2014).
cerebral (GREENBERG et al., 2014). É importante que os MAEs sejam utilizados
A dieta cetogênica é uma opção de trata- de maneira correta e regular, para garantir que
mento para pacientes com epilepsia refratária, as crises sejam controladas e que os efeitos co-
ou seja, que não respondem bem aos medi- laterais sejam minimizados. A dose dos medi-
camentos. A dieta consiste em uma alimentação camentos pode ser ajustada ao longo do tempo,
com alto teor de gorduras e baixo teor de car- de acordo com a resposta do paciente (GRE-
boidratos, o que leva o corpo a produzir ceto- ENBERG et al., 2014).
nas, que podem ter um efeito anticonvulsivante Os efeitos colaterais dos MAEs variam de
(GREENBERG et al., 2014). acordo com o medicamento e a dose utilizados,
A estimulação nervosa é uma técnica que mas podem incluir sonolência, tontura, náusea,
envolve a aplicação de corrente elétrica em vômito, perda de coordenação, distúrbios do
áreas específicas do cérebro ou do nervo vago, sono, alterações de humor e problemas de me-
com o objetivo de reduzir a frequência e in- mória. É importante que os pacientes informem
tensidade das crises. A estimulação pode ser seu médico sobre quaisquer efeitos colaterais
feita por meio de eletrodos implantados no que possam estar experimentando, para que as
cérebro ou por meio de um dispositivo externo medidas adequadas possam ser tomadas (GRE-
(GREENBERG et al., 2014). ENBERG et al., 2014).
Além do tratamento medicamentoso, cirúr- É importante destacar que o tratamento
gico, dieta e estimulação nervosa, é importante medicamentoso não é uma cura para a epilepsia,
que os pacientes com epilepsia recebam suporte mas ajuda a controlar as crises e a melhorar a
emocional e psicológico. A epilepsia pode ter qualidade de vida dos pacientes. É essencial que
um impacto significativo na qualidade de vida, os pacientes sigam o tratamento prescrito pelo
e é importante que o paciente e sua família médico e mantenham consultas regulares para
recebam orientações sobre como lidar com as ajuste da dosagem e monitoramento da eficácia
crises, como prevenir lesões e como manter do tratamento (GREENBERG et al., 2014).
uma vida normal (GREENBERG et al., 2014). O tratamento da epilepsia no Brasil é
oferecido gratuitamente pelo Sistema Único de
Tratamento medicamentoso Saúde (SUS). Os medicamentos antiepilépticos
Os MAEs atuam diminuindo a atividade são amplamente utilizados para ajudar a con-
elétrica anormal no cérebro, o que ajuda a trolar as convulsões. No entanto, muitas pes-
prevenir as crises epilépticas. A maioria dos soas com epilepsia no Brasil ainda enfrentam
MAEs é administrada por via oral, mas algumas desafios no acesso ao tratamento e estigma-
opções também podem ser administradas por tização social (MATOS et al., 2017).
via intravenosa ou intramuscular (GREEN- Em resumo, o tratamento da epilepsia pode
BERG et al., 2014). envolver medicamentos antiepilépticos, cirur-
A escolha do medicamento antiepiléptico gia, dieta cetogênica e estimulação nervosa,
adequado dependerá do tipo de epilepsia, das além de suporte emocional e psicológico. Cada
características do paciente e da preferência do caso é único e o tratamento deve ser individua-

43 | P á g i n a
lizado, considerando as características clínicas as convulsões, como privação de sono, ingestão
e as necessidades do paciente (GREENBERG excessiva de álcool, estresse emocional, luzes
et al., 2014). piscantes ou padrões visuais (MATOS et al.,
2017).
MANUTENÇÃO DO TRATAMEN- Educação e aconselhamento: O médico
TO também deve fornecer educação e aconselha-
mento para o paciente e seus familiares sobre a
A manutenção do tratamento é essencial epilepsia, incluindo como gerenciar as convul-
para o paciente epiléptico, a fim de controlar as sões e o que fazer em caso de emergência (MA-
convulsões e reduzir o risco de complicações TOS et al., 2017).
relacionadas à epilepsia. Aqui estão algumas Em resumo, a manutenção do tratamento é
das etapas que geralmente fazem parte da fundamental para garantir que o paciente com
manutenção do tratamento do paciente com epilepsia possa controlar adequadamente as
epilepsia. convulsões e melhorar sua qualidade de vida. É
Tomar medicação conforme prescrição: a importante que o paciente siga as instruções de
maioria dos pacientes com epilepsia requer me- seu médico, tome a medicação conforme pres-
dicação antiepiléptica para controlar suas con- crita, adote um estilo de vida saudável e evite
vulsões. É importante que o paciente tome a gatilhos de convulsão (MATOS et al., 2017).
medicação conforme prescrita pelo médico, e
não pare de tomá-la sem orientação médica ACOMPANHAMENTO
(MATOS et al., 2017).
Ajuste da medicação: Em alguns casos, O acompanhamento médico é essencial
pode ser necessário fazer ajustes (M na medi- para o manejo adequado da epilepsia. Aqui
cação do paciente, a fim de controlar adequa- estão algumas das etapas que geralmente fazem
damente as convulsões. O médico pode precisar parte do acompanhamento médico do paciente
aumentar ou diminuir a dose da medicação, ou com epilepsia:
mudar para um medicamento diferente (MA- Diagnóstico preciso: O primeiro passo no
TOS et al., 2017). acompanhamento de um paciente com epilepsia
Monitoramento regular: O paciente com é um diagnóstico preciso. Isso envolve a rea-
epilepsia deve ser acompanhado regularmente lização de exames médicos e neurológicos, bem
pelo médico para monitorar a eficácia do trata- como testes de imagem, como a ressonância
mento, fazer ajustes de medicação conforme magnética, para avaliar a atividade cerebral
necessário e avaliar quaisquer complicações ou (FERNANDES, 2013).
efeitos colaterais (MATOS et al., 2017). Identificação do tipo de epilepsia: Uma vez
Estilo de vida saudável: O paciente com que o diagnóstico de epilepsia é feito, o médico
epilepsia deve adotar um estilo de vida saudá- irá trabalhar para identificar o tipo de epilepsia
vel, com boa alimentação, atividade física regu- que o paciente tem. Isso é importante porque o
lar e sono adequado, para ajudar a controlar a tipo de epilepsia determina o tratamento e o
epilepsia e melhorar sua qualidade de vida prognóstico.
(MATOS et al., 2017). Tratamento adequado: O tratamento da epi-
Evitar gatilhos de convulsão: O paciente lepsia geralmente envolve medicação antiepi-
deve evitar os fatores que podem desencadear léptica, mas em alguns casos, a cirurgia pode

44 | P á g i n a
ser recomendada. É importante que o paciente a cirurgia pode ser uma opção para aqueles que
siga as instruções de tratamento de seu médico não respondem bem à medicação (GOMES,
e informe-o sobre quaisquer efeitos colaterais 2012).
que possa estar experimentando (FERNAN- No entanto, em alguns casos, a epilepsia
DES, 2013). pode ser difícil de controlar e pode afetar signi-
Acompanhamento regular: O paciente com ficativamente a qualidade de vida do paciente.
epilepsia deve ser acompanhado regularmente Convulsões frequentes podem levar à fadiga,
pelo médico para monitorar a eficácia do tra- problemas de memória, problemas emocionais
tamento, fazer ajustes de medicação conforme e sociais e, em alguns casos, até mesmo danos
necessário e avaliar quaisquer complicações ou cerebrais (GOMES, 2012).
efeitos colaterais (FERNANDES, 2013). O prognóstico também pode ser pior para
Educação e aconselhamento: O médico pacientes com epilepsia de difícil controle, epi-
também deve fornecer educação e aconselha- lepsia de início precoce, epilepsia associada a
mento para o paciente e seus familiares sobre a outras condições médicas graves ou epilepsia
epilepsia, incluindo como gerenciar as convu- com danos cerebrais (GOMES, 2012).
lsões e o que fazer em caso de emergência Em resumo, o prognóstico para pacientes
(FERNANDES, 2013). com epilepsia depende de vários fatores, mas
Estilo de vida saudável: Além disso, o paci- muitos pacientes podem ter uma vida normal
ente deve ser incentivado a adotar um estilo de com o tratamento adequado. É importante que
vida saudável, com boa alimentação, atividade o paciente siga as instruções de seu médico,
física regular e sono adequado, para ajudar a tome a medicação conforme prescrito e receba
controlar a epilepsia e melhorar sua qualidade acompanhamento regular para gerenciar sua
de vida. condição de forma eficaz (GOMES, 2012).
O acompanhamento médico regular é es-
sencial para garantir que o paciente com epi- SÍNDROME DO MAL EPILÉPTICO
lepsia receba o tratamento adequado e possa ge-
renciar sua condição de forma eficaz (FER- A Síndrome do Mal Epiléptico (SME) ou
NANDES, 2013). Estado de Mal Epiléptico (EME) é definido
pela Liga Internacional contra Epilepsia (In-
PROGNÓSTICO ternational League Against Epilepsy - ILAE)
como uma condição que resulta da falência de
O prognóstico para um paciente diagnos- mecanismos responsáveis pelo término da crise
ticado com epilepsia pode variar dependendo de ou de iniciação da crise, o que ocasiona uma
vários fatores, incluindo a causa subjacente da crise prolongada. De acordo com a ILAE, pode
epilepsia, o tipo de epilepsia, a gravidade das haver consequências em longo prazo se a crise
convulsões, a idade do paciente e se a epilepsia ocorrer de forma prolongada, os quais incluem
é controlada com tratamento (GOMES, 2012). dano ou morte neuronal e alterações das redes
Em geral, muitos pacientes com epilepsia neurais, de acordo com o tipo e a duração das
podem ter uma vida normal com o tratamento crises. O tempo varia a depender do tipo de
adequado e seguindo as instruções de seu SME, para a crise ser considerada prolongada
médico. A medicação antiepiléptica é eficaz em (SILVA, 2021).
controlar as convulsões em muitos pacientes, e

45 | P á g i n a
O EME pode ser classificado como convul- farmacológicos para o tratamento como a dieta
sivo ou não convulsivo, sendo o não convulsivo cetogênica e pulsoterapia (SILVA, 2021).
subdividido em focal ou generalizado. Etiolo-
gicamente, divide-se entre causas conhecidas EVENTOS PAROXÍSTICOS NÃO
ou sintomáticas, e desconhecidas ou criptogêni- EPILÉPTICOS
cas. As causas sintomáticas podem ser subdivi-
didas em agudas, remotas e progressivas. Em Os eventos paroxísticos não epilépticos
geral, as causas agudas têm incidência maior (EPNEs) podem ser conceituados como epi-
que as causas crônicas. Cabe salientar que as sódios clínicos parecidos com às crises epi-
causas agudas apresentam maior taxa de lépticas, porém sem a descarga elétrica anormal
mortalidade e de morbidade do que as crônicas no cérebro. Assim como nas crises epilépticas,
(BLAKA, 2022). envolvem atividade motora, alterações sensiti-
Os objetivos do tratamento do EME são vas, alterações sensoriais, alterações emocio-
estabilizar o paciente, cessar as crises, tratar a nais ou comprometimento da consciência. Os
epileptogênese aumentada, prevenir a recorrên- EPNEs podem ser classificados como fisioló-
cia e tratar a etiologia após sua determinação. gicas ou psicogênicas. As causas fisiológicas
Para estabilização do paciente deve-se checar e estão associadas a distúrbios orgânicos e podem
corrigir sinais vitais como pressão arterial e ser classificadas em fenômenos hipóxico-isquê-
frequência cardíaca, além da glicemia capilar e micos, transtornos do sono, transtornos do mo-
vias aéreas. Para cessar as crises epilépticas, vimento e transtornos associados à migrânea. Já
lança-se mão do tratamento farmacológico as causas psicogênicas estão associadas a
sendo o Midazolam de administração intramus- distúrbios psicológicos, estando relacionado ao
cular o mais rápido para correção do quadro transtorno conversivo (SCHWIND & ANTO-
clínico, no início do tratamento; outra opção de NIUK, 2018).
benzodiazepínico é o Diazepam intravenoso. Os fenômenos hipóxico-isquêmicos são
Para prevenir a recorrência das crises a avalia- uma das classificações fisiológicas dos EPNEs,
ção pela neurologia mostra-se crucial, deve-se dentre as mais comuns estão a síncope e a crise
investigar e tratar a doença de base, bem como de perda de fôlego. A síncope pode ser definida
iniciar a dose de manutenção do fármaco como uma perda súbita e transitória da cons-
anticrise. A determinação e tratamento da etio- ciência e do tônus postural, seguida de uma
logia deve ser realizada com base na história recuperação rápida e completa; a síncope deve
clínica e exame físico do paciente (SILVA, ser entendida como um sintoma, que possui
2021). variadas etiologias, e não deve ser entendida
Nos casos de estado de mal refratário, usa- como uma patologia; o tratamento da síncope
se fármacos anestésicos por via intravenosa deve ser direcionado para a etiologia. A crise de
contínua objetivando a supressão das crises. Os perda de fôlego, atinge principalmente bebês de
fármacos que podem ser utilizados são Mida- 6 a 12 meses, consiste na interrupção respi-
zolam, Propofol, Ketamina ou Tiopental. Já nos ratória prolongada na inspiração, e, ao chorar, a
casos de tratamento do estado de mal super- criança é incapaz de relaxar ao final da expi-
refratário, podem ser utilizadas outras opções ração, o que leva à perda de fôlego, podendo
de fármacos como o Topiramato e Clobazam, provocar hipóxia, bradicardia, hipotensão arte-
além de poder lançar mão de métodos não rial e baixo débito cardíaco; a criança inicia um

46 | P á g i n a
estado de palidez que pode evoluir para ciano- podendo ser administrado terapia medicamen-
se; o tratamento da crise de perda de fôlego se tosa ou feita orientações para mudança com-
baseia em suplementação alimentar, uso de portamental ou ambiental em que o paciente
Atropina ou Escopolamina, uso de Levetirace- está inserido (SCHWIND & ANTONIUK,
tam, Fluoxetina, Glicopirolato e Teofilina (TU- 2018).
MAS & FERNANDES, 2021; SCHWIND & Os EPNEs atingem uma parte significativa
ANTONIUK, 2018). da população pediátrica encaminhada aos
Dentre os transtornos do sono, os mais des- serviços de epilepsia. Muitos dos diagnósticos
tacados na EPNE são os transtornos de hiper- da doença são dados de forma errônea, devido
sonolência, as parassonias e os transtornos do a falhas na coleta da história clínica, inter-
movimento relacionados ao sono. A narcolep- pretação errada dos sinais de alarme tradicio-
sia do tipo 1 ou narcolepsia-cataplexia é o trans- nais e dos exames, em especial o eletroencefa-
torno de hipersonolência mais importante, que lograma. Para que os prejuízos de um diagnós-
leva o indivíduo à sonolência diurna excessiva, tico errado sejam evitados, recomenda-se estra-
associada à cataplexia ou concentração de hipo- tégias para reconhecer o erro diagnóstico e ado-
cretina-1 no líquor menor ou igual à 110 pg/ml; tar práticas de revisão e reconsideração dos
o tratamento desse transtorno é sintomático. As diagnósticos já feitos (SCHWIND & ANTONI-
parassonias consistem em evento físico ou UK, 2018).
experiência não desejada que pode ocorrer ao
adormecer, no meio do sono ou ao despertar; os CONCLUSÃO
benzodiazepínicos são os mais utilizados nas
parassonias do sono REM. Entre os transtornos A epilepsia é uma condição neurológica co-
do movimento relacionados ao sono, destacam- mum que afeta pessoas de todas as idades. É
se as síndromes das pernas inquietas, o trans- caracterizada por convulsões recorrentes que
torno periódico de membros , o bruxismo rela- podem variar em intensidade e duração, além de
cionado ao sono, o transtorno de movimentos outros sintomas que podem incluir perda de
rítmicos do sono e mioclonia benigna; o trata- consciência, confusão mental e movimentos
mento varia de acordo com cada tipo de trans- involuntários do corpo.
torno, podendo ser administrado tratamento Embora a causa exata da epilepsia seja des-
medicamentoso e/ou orientado o tratamento conhecida em muitos casos, existem fatores de
comportamental (SCHWIND & ANTONIUK, risco que podem aumentar a probabilidade de
2018). desenvolver a condição, como lesões cerebrais,
Os transtornos de movimentos mais co- infecções, histórico familiar e doenças genéti-
muns, associados aos EPNEs, são de causali- cas.
dades variadas, algumas se destacam como o O tratamento para a epilepsia geralmente
transtorno de tique, as distonias, as crises de envolve medicamentos anticonvulsivantes, que
auto estimulação, o spasmus nutans, o opso- podem ajudar a controlar as convulsões. Em
clonus, o torcicolo paroxístico benigno, o tre- alguns casos, a cirurgia pode ser necessária para
mor essencial, as estereotipias, as discinesias remover uma parte do cérebro que está cau-
paroxísticas e a doença do refluxo gastroeso- sando as convulsões. Além disso, outras tera-
fágico. Assim como nos transtornos do sono, o pias, como a estimulação nervosa, dieta ceto-
tratamento varia de acordo com a causalidade,

47 | P á g i n a
gênica e terapia comportamental, também po- çam seus fatores de risco para a síndrome do
dem ser utilizadas. mal epiléptico e recebam tratamento adequado
Já o tratamento para a síndrome do mal para controlar suas convulsões e evitar compli-
epiléptico envolve medicamentos para inter- cações.
romper as convulsões e, em alguns casos, cui- Embora a epilepsia possa ser desafiadora e
dados de suporte como ventilação mecânica, afetar a qualidade de vida de uma pessoa, mui-
sedação e tratamento de outras complicações. É tas pessoas com epilepsia são capazes de levar
importante que o tratamento seja iniciado rapi- uma vida normal com o tratamento adequado.
damente para reduzir o risco de danos perma- É importante que as pessoas com epilepsia
nentes no cérebro. recebam um diagnóstico precoce e tratamento
Embora a síndrome do mal epiléptico seja adequado para ajudar a controlar suas convul-
uma condição grave, muitas pessoas podem se sões e evitar complicações. Além disso, ter um
recuperar completamente com tratamento ade- bom suporte emocional e cuidados de saúde
quado e atenção médica de emergência. É im- mental pode ajudar a lidar com os desafios
portante que as pessoas com epilepsia conhe- associados à epilepsia.

48 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BLAKA, K. Estado do mal epiléptico super refratário MATOS, R.L.A et al. O uso do canabidiol no tratamento
concomitante à infusão de propofol: relato de caso. da epilepsia. Revista Virtual de Química, v. 9, n. 2, p.
Trabalho apresentado à Universidade Federal de Santa 786, 2017.
Catarina, como requisito para a conclusão do Curso de
Graduação em Medicina. UFSC – Florianópolis - SC, OHTAHARA, S. et al. A epidemiologia da epilepsia.
2022. Journal of Epilepsy and Clinical Neurophysiology, v. 4,
n. 1, p. 13, 1998
CENDES, F. & MORINTA, M., et al. Purple book - guia
prático para o tratamento de epilepsias. São Paulo - SP: SCHWIND, M.R. & ANTONIUK, S.A. Distúrbios
Phoenix, 2016. paroxísticos não epilépticos na infância e adolescência.
Residência Pediátrica – a Revista do Pediatra, v. 8, supl.
FERNANDES, M.J.S. Epilepsia do lobo temporal: 1, 2018.
mecanismos e perspectivas. Estudos avançados, v. 27, p.
85, 2013. SILVA, V.R. Manual para o Diagnóstico e Tratamento
das Epilepsias. Rio de Janeiro: Thieme Brazil. E-book.
GÓIS, S.R.M. Epilepsia: concepção histórica, aspectos 2021.
conceituais, diagnóstico e tratamento. Mental, v. 2, n. 3,
p. 107, 2004. TAVARES, A. et al. O perfil da epilepsia no Brasil. In:
II Congresso de Pesquisa e Extensão da Faculdade da
GOMES, M.M. Prognóstico a Longo Prazo da Epilepsia. Serra Gaúcha (FSG). Caxias do Sul–RS, p. 822, 2015.
Journal of Epilepsy and Clinical Neurophysiology, v. 18,
p. 35, 2012. TUMAS, V. & FERNANDES, R.M.F. Como atender um
paciente com crises epilépticas ou epilepsia. Faculdade
GREENBERG, D.A. et al. Neurologia clínica. 8.ed. de Medicina de Ribeirão Preto da USP. Departamento de
AMGH Editora. São Paulo: Grupo A. E-book. 2014. Neurociências. Moodle USP: e-Disciplinas, 2021.

49 | P á g i n a
Capítulo 06
ESTRESSE COMO FATOR DE
RISCO PARA QUEDA NA
IMUNIDADE: DIMINUIÇÃO
DA QUALIDADE DE VIDA
ANA BEATRIZ MESQUITA MARQUES DE ARAÚJO FARIA¹
JÚLIA LANDIM SILVA LIMA²
DANIEL VIEIRA DE SOUZA2
MARIANA PEREIRA ANDRADE²
PHILLIPE RODRIGUES MARQUEZ NUNES¹
SARAH GODOI JACINTO²
SARAH LUIZA SANTOS ROCHA²
JHULLY LANE ANDRADE SILVA²
LÊNIO AIRAM DE PINHO³
AMANDA DOS REIS CUNHA²
STELLA ALVES SOUZA²
CRISTIANA ALMEIDA NAVES SORNA4
NATÁLIA FERREIRA BRETAS²
LARISSA PEREIRA DA SILVA¹
BIANCA BITTARELLO NICHELE5

1. Discente – Medicina na Universidade de Rio Verde (UniRV), Goiás.


2. Discente – Medicina no Centro Universitário de Goiatuba (UNICERRADO), Goiás.
3. Discente – Médico especialista em Endocrinologia e Metabologia, formado pela Universidade Vale do
Rio Verde (UninCor), Minas Gerais.
4. Discente – Medicina na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Mato Grosso.
5. Discente – Médica pela Faculdade Morgana Potrich (FAMP), Goiás.

Palavras Chave: Estresse; Imunidade; Qualidade de vida.

10.59290/978-65-6029-006-8.6
50 | P á g i n a
INTRODUÇÃO B, que causaram que circulam sistemicamente
(O'HEARNY, 1990 apud OPPERMANN et al.,
A conceituação do estresse por Selye 2002). Nesse viés, observa-se que as funções
(1956) como uma "Síndrome Geral de Adap- desses dois sistemas de imunidade são essen-
tação" destaca a quebra da homeostase interna ciais para manter o organismo saudável e prote-
em resposta a um evento estressor, planejado de gido contra agentes invasores (OPPERMANN
adaptação por parte do indivíduo. Esse processo et al., 2002).
é composto por três fases distintas: fase de Por conseguinte, a Organização Mundial de
alerta, fase de resistência e fase de exaustão. A Saúde (OMS) considerou o estresse como uma
adaptabilidade do organismo é limitada, e se o epidemia de abrangência global, tendo em vista
estressor persistir ou não for suprimido, poderá a Era de constantes mudanças em que se vive,
chegar à exaustão física e psicológica, momen- em que o ser humano é cada vez mais confron-
to em que as doenças se manifestam, podendo tado com inúmeras situações que requerem
ser potencialmente fatais (SELYE, 1983 apud adaptação (SADIR et al., 2010). Nesse contex-
SANTOS & CARDOSO, 2010). Nesse sentido, to, a compreensão aprofundada dos mecanis-
é importante ressaltar que o estresse não causa mos de regulação do estresse e de suas implica-
diretamente doenças, mas pode facilitar o seu ções sobre o sistema imunológico torna-se de
aparecimento (SANTOS & CARDOSO, 2010). suma importância, dada a expressiva preva-
Conforme a natureza do estresse, o corpo lência desse mal na sociedade contemporânea
manifestará respostas fisiológicas, tais como o (SILVA, 2016 apud NECA, 2022). Em síntese,
aumento do ritmo cardíaco e do vigor físico, o estresse pode acarretar em repercussões na
entre outros. Assim, essas respostas fisiológi- saúde, na qualidade de vida e no bem-estar de
cas, desencadeadas pelo sistema nervoso sim- forma integral.
pático (SNS) e pelo sistema endócrino, são pro- O objetivo deste estudo é revisar a literatura
gressivamente atenuadas após um intervalo de científica atual sobre os efeitos do estresse na
tempo decorrido desde o evento ou aconteci- função imunológica e discutir os mecanismos
mento estressante, permitindo que o organismo biológicos e psicossociais envolvidos nessa re-
retorne gradualmente ao seu estado de estado lação. Demonstrando, assim, que o estresse e-
homeostático basal (NECA et al., 2022). xerce um impacto significativo sobre o sistema
A imunidade é uma função fundamental do imunológico, constituindo um fator de risco pa-
organismo, responsável por identificar e elimi- ra a supressão imunológica. Ademais, serão
nar agentes estranhos que penetram ou entram abordados os principais achados da literatura,
em contato com os tecidos internos do corpo. destacando as evidências científicas mais re-
Além disso, desempenhe um papel crucial no centes e relevantes nessa área, com o intuito de
reconhecimento específico do que é próprio e fornecer uma base sólida para futuras pesquisas
não próprio ao organismo. Tradicionalmente, o e intervenções clínicas.
sistema imunológico pode ser dividido em dois
componentes distintos: a imunidade celular e a MÉTODO
imunidade humoral. Desse modo, a imunidade
celular é mediada pelos linfócitos T, que con- Trata-se de um estudo realizado por meio
trolam diretamente sobre o antígeno, enquanto de uma revisão integrativa da literatura, de na-
a imunidade humoral é mediada pelas células tureza exploratória e qualitativa. Dessa forma,

51 | P á g i n a
a busca foi conduzida nas bases de dados constante exposição a estímulos estressores
Medical Literature Analysis and Retrieval Sys- (BRASIL, 2012).
tem online (MEDLINE), Scientific Electronic Nessa perspectiva, vários estudos têm de-
Library Online (SciELO) e Biblioteca Virtual monstrado que o estresse crônico ou prolon-
em Saúde (BVS). gado pode ter efeitos negativos sobre o sistema
Nesse contexto, foram considerados os des- imunológico, comprometendo sua função e au-
critores "estresse" e "imunidade", por serem ter- mentando a suscetibilidade a doenças infecci-
minologias comuns à pesquisa. Os critérios de osas, inflamatórias e autoimunes (GOUIN,
inclusão dos artigos para análise foram: artigos 2012). A relação entre estresse e imunidade é
publicados entre 2000 e 2022, disponíveis na complexa, envolvendo uma série de processos
íntegra, nos idiomas português e inglês, que biológicos e psicossociais que influenciam a
abordavam a influência do estresse na imuni- resposta imunológica do organismo.
dade. Esses artigos foram selecionados com ba- Desse modo, observa-se que estudos recen-
se em sua relevância para a proposta dessa revi- tes têm mostrado que o estresse pode afetar a
são. atividade de células do sistema imunológico,
Como critério de exclusão, optou-se por como os linfócitos, macrófagos e células natu-
excluir artigos que não estavam disponíveis na ral killer, bem como a produção de citocinas
íntegra online ou que não tinham relação com a pró-inflamatórias e anti-inflamatórias (COHEN
temática do presente estudo. Assim, após o et al., 2012). Além disso, o estresse também po-
levantamento de dados, foram encontrados 22 de influenciar a permeabilidade da barreira in-
artigos no Medical Literature Analysis and testinal, afetando a microbiota intestinal e de-
Retrieval System Online (MEDLINE), 41 sencadeando respostas imunológicas inadequa-
artigos na base de dados Scientific Electronic das (BAILEY et al., 2014).
Library Online (SciELO) e 30 artigos na Logo, compreender a relação entre estresse
Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), totalizando e imunidade é fundamental para o avanço do
93 artigos. Em seguida, após a leitura e análise conhecimento científico e para o desenvolvi-
desses artigos, foram selecionados e explorados mento de estratégias de prevenção e interven-
15 artigos de acordo com sua relevância. ção em saúde.
Por conseguinte, entende-se que o estresse
RESULTADOS E DISCUSSÃO é uma resposta complexa do organismo a estí-
mulos internos ou externos que podem pertur-
O estresse é um fenômeno complexo que bar seu equilíbrio fisiológico e psicológico.
afeta a saúde do indivíduo de diversas formas, Segundo Selye (1936), o estresse é uma reação
incluindo seu sistema imunológico. A relação do organismo a situações que exigem adapta-
entre estresse e imunidade tem sido objeto de ção, sendo composto por três fases distintas: a
estudo em diferentes áreas da ciência, incluindo fase de alerta, a fase de resistência e a fase de
a psicologia, a medicina e a imunologia. Como exaustão.
já pontuado anteriormente, segundo a Organi- Nessa perspectiva, observa-se que na fase
zação Mundial da Saúde (OMS), o estresse é de alerta, também conhecida como fase de alar-
considerado uma epidemia global devido ao me, o organismo reconhece o estímulo estressor
aumento das demandas da vida moderna e a e desencadeia uma série de reações fisiológicas,
como aumento da frequência cardíaca, libera-

52 | P á g i n a
ção de hormônios do estresse - como o cortisol Os estados de humor estressores têm efeitos
- e aumento da pressão arterial (MCEWEN, sobre o sistema imunológico do indivíduo.
2000). Assim, essa fase é caracterizada por uma Dentre os fatores estressores que podem ser
resposta rápida do organismo, visando prepará- considerados, encontram-se os de natureza psi-
lo para enfrentar a situação estressora. cológica, como aspectos da personalidade, tem-
Por contiguidade, na fase de resistência, o peramento e experiências de vida precoces; os
organismo tenta se adaptar ao estímulo estres- fatores sociais, como a situação relacional e
sor, buscando manter seu equilíbrio interno. econômica; e os fatores de ordem biológica, co-
Nessa fase, ocorre a liberação contínua de hor- mo os de natureza genética (DRAGAN, 2018
mônios do estresse, como o cortisol, e o orga- apud GALVÃO et al., 2021).
nismo mantém suas funções vitais em um esta- Nesse viés, os indicadores de estresse o-
do de alerta prolongado (SELYE, 1936). No en- bservados são predominantemente de natureza
tanto, se o estímulo estressor persistir por muito física, como tensão muscular, taquicardia, do-
tempo, pode levar à exaustão do organismo. res de cabeça e desgaste físico constante, entre
Desse modo, por conseguinte, se observa a outros. Assim sendo, entende-se que esses sin-
fase de exaustão, o organismo apresenta sinais tomas podem ter um impacto negativo na dis-
de desgaste e esgotamento, tanto a nível fisio- posição e no desempenho dos indivíduos, in-
lógico quanto psicológico. Logo, nessa fase os clusive em suas atividades cotidianas. Logo, a-
recursos do organismo estão esgotados e a ca- ções controladas para o gerenciamento ade-
pacidade de adaptação fica comprometida, po- quado do estresse são necessárias para garantir
dendo levar a problemas de saúde, como o bem-estar físico e mental dos seres humanos,
doenças cardiovasculares, depressão e distúr- bem como para garantir a qualidade de vida dos
bios do sono (MCEWEN, 2000). mesmos (SANTOS & CARDOSO, 2010).
Ademais, nota-se que as emoções são atri-
butos intrínsecos à natureza humana, desem- CONCLUSÃO
penhando um papel primordial na resposta
adaptativa a diferentes situações e podendo A partir desta análise, foi evidenciado que o
influenciar tanto de forma benéfica quanto pre- estresse provoca efeitos deletérios no sistema
judicial (MACIEL, 2019 apud GALVÃO et al., imunológico, desencadeando modificações que
2021). Logo, os estados emocionais possuem a aumentam a suscetibilidade ao desenvolvimen-
capacidade de favorecer o bem-estar ou desen- to de doenças crônicas, tais como hipertensão
cadear o surgimento de doenças de ordem física arterial, transtornos de ansiedade, obesidade e
e mental (SAWADA et al., 2016 apud GAL- diabetes, decorrentes de um desequilíbrio imu-
VÃO et al., 2021). nológico (NECA et al., 2022).
A princípio, entende-se que a capacidade de Assim, considerando que o estresse exerce
adaptação dos indivíduos é limitada, como afir- um papel significativo como um agente faci-
mado por Selye (1983). Portanto, é crucial que litador na manifestação de doenças, torna-se
se desenvolva estratégias eficazes para geren- imperativo desenvolver estratégias de enfren-
ciar os eventos estressores, a fim de evitar um tamento adequadas para mitigar as consequên-
maior desgaste físico e o subsequente desen- cias prejudiciais na qualidade de vida dos
volvimento de doenças (SANTOS & CARDO- indivíduos (LIPP, 1996 apud SANTOS &
SO, 2010). CARDOSO, 2010). Conforme destacado por

53 | P á g i n a
Lipp & Malagris (1998), o nível de qualidade ção consciente dos limites psicológicos e físi-
de vida em todas as suas dimensões, incluindo cos dos indivíduos na sociedade contemporâ-
o bem-estar mental, físico e social, é profunda- nea. Assim, cuidar da saúde mental e promover
mente afetado pelo grau de estresse apresentado mudanças nas rotinas extenuantes impostas
pela pessoa em questão (SANTOS & CAR- pelo ritmo de vida do século XXI revela-se uma
DOSO, 2010). necessidade crucial. Ademais, enfatiza-se a im-
Nesse contexto, é perceptível que o estresse portância de priorizar o autocuidado e a busca
exerce um impacto prejudicial na qualidade de por estratégias planejadas para gerenciar o es-
vida, podendo apresentar uma ampla gama de tresse, a fim de preservar o bem-estar e a saúde
patologias. Portanto, torna-se uma autoavalia- integral.

54 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAILEY, M.T. et al. Exposure to a social stressor alters MCEWEN, B.S. Protective and damaging effects of
the structure of the intestinal microbiota: implications for stress mediators. New England Journal of Medicine, v.
stressor-induced immunomodulation. Brain, behavior, 338, n. 3, p. 171, 2000.
and immunity, v. 25, n. 3, p. 397, 2014.
NECA, C.S.M. et al. A influência do estresse no sistema
BRASIL. Ministério da Saúde. Biblioteca Virtual em imunológico: uma revisão de literatura. Pesquisa,
Saúde. Estresse, 2012. Disponível em: Sociedade e Desenvolvimento, [S.l.], v. 11, n. 8, p.
https://bvsms.saude.gov.br/estresse/. Acesso em: 03 abr e539118291, 2022.
2023.
OPPERMANN R.V. et al. Efeitos do estresse sobre a
COHEN, S. et al. Chronic stress, glucocorticoid receptor imunidade e a doença periodontal. Revista da faculdade
resistance, inflammation, and disease risk. Proceedings de odontologia de Porto Alegre. Porto Alegre, v. 43, n. 2,
of the National Academy of Sciences, v. 109, n. 16, p. p. 52, 2002.
5995, 2012.
SADIR, M.A. et al. Stress e qualidade de vida: influência
DHABHAR F.S. Effects of stress on immune function: de algumas variáveis pessoais. Paidéia (Ribeirão Preto),
the good, the bad, and the beautiful. Immunologic rese- v. 20, n. 45, p. 73, 2010.
arch, v. 58, n. 2-3, p. 193, 2014.
SANTOS AF.O. & CARDOSO C.L. Profissionais de
GALVÃO, E.M.V. et al. Ansiedade, Depressão, Estresse saúde mental: estresse, enfrentamento e qualidade de
e sua Relação com a Qualidade e Vida de Pacientes com vida. Psicologia: Teoria E Pesquisa, v. 26, n. 3, p. 543,
Câncer na Região Norte do Brasil. Contextos Clínicos, v. 2010.
14, n. 1, p. 118, 2021
SELYE, H. A syndrome produced by diverse nocuous
GOUIN, J.P. et al. Estresse crônico, estressores diários e agents. Nature, v. 138, p. 32, 1936.
marcadores inflamatórios circulantes. Saúde & Psicolo-
gia, v. 31, p. 264, 2012.

55 | P á g i n a
Capítulo 07

A CORRELAÇÃO ENTRE O
USO DA MACONHA E A
PREDISPOSIÇÃO À PSICOSE

ANA BEATRIZ MESQUITA MARQUES DE ARAÚJO FARIA¹


MARIA EDUARDA DANTAS DOS SANTOS²
VINÍCIUS NOGUEIRA XISTO VIEIRA¹
MATEUS PEREIRA MUNDOCA³
MAURÍCIO TAVARES SILVA¹
RAUL FERREIRA DE ALMEIDA 4
BARBARA CARDOSO PARONETO 5
LAIS MARQUES DE OLIVEIRA BATISTA 6
MARIA FERNANDA LEME ALVES¹
LARA RODRIGUES LIMA RIBEIRO 8
ROBSON FERREIRA PORTO DA SILVA¹
GIOVANNA BORGES DE OLIVEIRA¹
IARA DA SILVA¹
IURI VIEIRA AGUIAR7
EDUARDO FERNANDO DUARTE MACHADO FILHO¹

1. Discente – Medicina na Universidade de Rio Verde (UniRV), Goiás.


2. Discente – Medicina no Centro Universitário de Mineiros (UNIFIMES), Goiás.
3. Discente – Medicina na Faculdade de Ensino Superior da Amazônia Reunida (FESAR), Pará.
4. Discente – Psicologia na Universidade Federal de Catalão (UFCAT), Goiás.
5. Discente – Medicina na Universidade de Uberaba (UNIUBE), Minas Gerais.
6. Discente – Medicina no Instituto Master de Ensino Presidente Antônio Carlos (IMEPAC), Minas Gerais.
7. Discente – Medicina no Centro Universitário Tocantinense Presidente Antônio Carlos (UNITPAC), Tocantins.
8. Discente – Médica formada pela Universidade de Rio Verde (UniRV), Goiás.

Palavras Chave: Cannabis; Maconha; Psicose.

10.59290/978-65-6029-006-8.7
56 | P á g i n a
INTRODUÇÃO mento social. Assim sendo, a esquizofrenia é
considerada a forma mais grave de transtorno
Em 1845, o psiquiatra austríaco Ernst V. psicótico, pois apresenta sintomas intensos e
Feuchtersleben criou o termo "psicose" para se persistentes que podem prejudicar as funções
referir às manifestações psíquicas da doença cognitivas e sociais, causando danos significa-
mental e distingui-las das supostas alterações tivos na vida pessoal e familiar.
do sistema nervoso que eram associadas às Por contiguidade, é possível observar que
"neuroses". Com isso, o termo "psicose" surgiu normalmente a esquizofrenia se desenvolve en-
como uma maneira de especificar o aspecto psi- tre as idades de 16 e 25 anos, mas muitas vezes
cológico e distinguir o campo de atuação da psi- é difícil para as pessoas reconhecerem e com-
quiatria em relação a outras áreas médicas. Em- preenderem a doença, o que atrasa o diagnós-
bora a suposição que todas as manifestações tico e o início do tratamento apropriado. Nesse
psíquicas estivessem ligadas a alterações do sis- viés, diagnosticar precocemente os transtornos
tema nervoso, a noção de "psicose" permitiu a psicóticos e a esquizofrenia podem melhorar o
descrição, classificação e tratamento das diver- tratamento e reduzir o sofrimento e a incapaci-
sas psicoses sem se preocupar exclusivamente dade causados pela doença (VILLARES,
com as causas neurológicas subjacentes (GAR- 2014).
RABÉ, 2004, apud TENÓRIO, 2016).
A princípio, durante quase dois séculos, a Cannabis sativa
psiquiatria se baseou na noção de "psicose" A cannabis sativa é uma planta que contém
como uma categoria que descrevia uma estru- mais de 400 componentes, dentre os quais cerca
tura psíquica oposta à neurose, e que se mani- de 60 são canabinóides. Por conseguinte, o D9-
festava em uma ampla variedade de sintomas. tetrahidrocanabinol (D9-THC) é o principal
Dessa forma, essa ideia circunscrevia o objeto constituinte psicoativo da cannabis, o qual foi
da psiquiatria e era amplamente utilizada até isolado pela primeira vez na década de 60. Ade-
pouco tempo atrás. mais, observa-se que a influência do D9-THC
No entanto, as classificações atuais, como o no cérebro é complexa e depende da dose,
DSM-5 e a CID, abandonaram essa concepção sendo que parece ser o componente responsável
em favor de uma classificação "descritiva" e pela indução de sintomas psicóticos em indiví-
"empírica" dos transtornos mentais, que se con- duos temperamentais. Assim, esse efeito é com-
centra na identificação e quantificação de sinto- patível com o aumento do efluxo pré-sináptico
mas supostamente objetivos. Com isso, as cate- de dopamina no córtex pré-frontal medial
gorias tradicionais da psiquiatria, como para- (CRIPPA et al., 2005).
noia, melancolia, psicose maníaco-depressiva, Apesar de ser utilizada há séculos para fins
histeria e neurose obsessiva, foram deixadas de recreativos e medicinais, a cannabis sativa
lado. A oposição entre neurose e psicose tam- (cannabis) é uma droga de abuso que provoca
bém foi abandonada (TENÓRIO, 2016). muita controvérsia. Desse modo, observa-se
Por conseguinte, é possível observar que os que é a droga ilícita mais amplamente utilizada
transtornos psicóticos afetam a habilidade da no mundo, ficando atrás apenas do álcool e dos
pessoa em discernir o que é real e o que não é cigarros (CRIPPA et al., 2005).
caracterizado por sintomas como delírios, alu- O uso de cannabis pode produzir vários
cinações, pensamento desorganizado e isola- efeitos subjetivos, como euforia, disforia, seda-

57 | P á g i n a
ção, alteração na percepção do tempo, interfe- psicose. Dessa maneira, ressalta-se a importân-
rência na atenção seletiva e no tempo de reação, cia de discorrer sobre a temática, trazendo no-
além de prejuízo nas funções sensoriais e moto- toriedade aos possíveis desdobramentos e con-
ras e na memória de curto prazo. Dessa ma- sequências do uso dessa substancia química.
neira, nota-se efeitos neurovegetativos, como
boca seca, taquicardia e hipotensão postural, MÉTODO
também são comuns. Assim, o uso de cannabis
também pode levar a crises de ansiedade, ata- A metodologia aplicada trata-se de uma re-
ques de pânico e exacerbação de sintomas psi- visão integrativa da literatura - realizada no pe-
cóticos existentes (CRIPPA et al., 2005). ríodo de janeiro à fevereiro de 2023, por meio
Apesar dos riscos associados ao uso de can- de pesquisas nas bases de dados: Medical Lite-
nabis, nos últimos anos houve um aumento no rature Analysis and Retrieval System Online
interesse pelo uso terapêutico do D9-THC. Por (MEDLINE), Literatura Latino-Americana e do
conseguinte, demonstrou-se que ela tem diver- Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e Sci-
sas utilidades clínicas, como o tratamento da entific Eletronic Library Online (SciELO); so-
dor, náusea e vômito causado por quimiotera- bre o uso da cannabis e a predisposição à psi-
pia, perda de apetite em pacientes com AIDS, cose.
distúrbios do movimento, glaucoma e doenças Foram utilizados os descritores: Cannabis,
cardiovasculares (CRIPPA et al., 2005). Maconha e Psicose. Assim sendo, desta busca
Nesse viés, entende-se que os canabinoides foram encontrados 37 artigos, posteriormente
possuem diversas aplicações terapêuticas, submetidos aos critérios de seleção.
como efeito analgésico, controle de espasmos Os critérios de inclusão foram: artigos nos
em pacientes com esclerose múltipla, trata- idiomas inglês e português; publicados no perí-
mento de glaucoma, efeito broncodilatador, odo de 2000 a 2023 e que abordavam as temá-
efeito anticonvulsivo, entre outros. No entanto, ticas propostas para esta pesquisa, disponibili-
alguns efeitos colaterais podem estar associa- zados na íntegra. Os critérios de exclusão fo-
dos a esses efeitos terapêuticos, como altera- ram: artigos duplicados, disponibilizados na
ções na cognição e memória, euforia, depres- forma de resumo, que não abordavam direta-
são, sedação, dentre outros (HALL, 1611 apud mente a proposta estudada e que não atendiam
HONÓRIO et al., 2006). aos demais critérios de inclusão.
Por conseguinte, nota-se que a relação entre Após os critérios de seleção restaram 08 ar-
o consumo de maconha e transtornos mentais, tigos que foram submetidos à leitura para a aná-
como ansiedade, depressão, transtorno bipolar lise e coleta de dados.
e esquizofrenia, ainda não é completamente
compreendida. No entanto, há evidências de RESULTADOS E DISCUSSÃO
que o uso de maconha pode desencadear sinto-
mas psicóticos e agravar sintomas psicóticos A Cannabis sativa é um arbusto pertencente
pré-existentes, especialmente em relação à es-
à família Moraceae, comumente conhecido
quizofrenia. como "cânhamo da Índia", que cresce natural-
O objetivo deste presente trabalho é de- mente em diversas partes do mundo, especial-
monstrar pelos estudos analisados que o uso da mente em regiões tropicais e temperadas. Por
cannabis correlaciona-se com a predisposição à

58 | P á g i n a
conseguinte, entende-se que esta planta é mente o valor medicinal dessas substâncias
dióica, ou seja, possui indivíduos do sexo mas- (HONÓRIO et al., 2006).
culino e feminino. Ademais, após a polinização Apesar de os canabinoides apresentarem
da planta feminina, a planta masculina geral- efeitos diretos em diversos órgãos, como os sis-
mente morre. temas imunológico e reprodutivo, os efeitos far-
Além de Cannabis sativa, outros nomes que macológicos mais significativos são observa-
se referem aos produtos derivados da Cannabis dos no sistema nervoso central (IVERSEN,
incluem marijuana, hashish, charas, bhang, 1252 apud HONÓRIO et al., 2006).
ganja e sinsemila. Hashish – conhecido como Assim sendo, os efeitos psicóticos de curto
haxixe - e charas são termos usados para des- prazo podem ser explicados pela ativação do
crever a resina seca extraída das flores de plan- sistema dopaminérgico mesolímbico, enquanto
tas femininas, que contêm a maior concentração os efeitos de longo prazo podem estar relacio-
de compostos psicoativos (entre 10 a 20%). Por nados à desregulação duradoura do sistema ca-
contiguidade, os termos ganja e sinsemila se re- nabinoide e outros sistemas neurotransmisso-
ferem ao material seco encontrado no topo das res. Embora existam muitos fatores que possam
plantas femininas, que contêm aproximada- contribuir para a associação entre o uso de ma-
mente 5 a 8% de compostos psicoativos. Assim conha e transtornos psicóticos, não há conclu-
sendo, bhang e marijuana são preparações com sões definitivas sobre o assunto, sugerindo uma
menor teor (2 a 5%) de substâncias psicoativas explicação multifatorial (CRUZ et al., 2009).
extraídas de outras partes da planta. Em conclu- Recentes revisões reproduzem a relação en-
são, observa-se que o termo maconha é utili- tre o abuso de cannabis e o desenvolvimento de
zado no Brasil para os preparados da Cannabis psicoses agudas, como relatado em estudos da
sativa (JULIEN, 1997 apud HONÓRIO et al., década de 30. Além disso, elas indicam que o
2006). uso frequente de maconha pode aumentar o
A quantidade de compostos psicoativos – risco de desenvolvimento de esquizofrenia e
conhecidos como canabinoides - presentes na sintomas psicóticos recorrentes. Dessa maneira,
Cannabis é influenciada por fatores genéticos e esse risco parece variar de 1,2 a 2,8 (95% IC,
ambientais, porém existem outros fatores que ODDS RATIO); especialmente em indivíduos
podem afetar a concentração de substâncias psi- mais vulneráveis, e a cannabis pode ser um fa-
coativas na planta. Desse modo, pode-se obser- tor de risco independente para o desenvolvi-
var que o período de cultivo, que inclui a matu- mento de psicoses crônicas. Esses resultados
ração da planta; e os processos de tratamento da provem de estudos longitudinais que controlam
amostra, que englobam a secagem, armazena- outros fatores de risco e consideram a tempora-
mento, extração e condições de análise; são fa- lidade, causalidade, força da associação, vulne-
tores influentes na quantidade de canabinoides rabilidade biológica e relação dose-efeito, que
(NAHAS, 1984 apud HONÓRIO et al., 2006). leva em consideração a dose, início e duração
Desse modo, observa-se que o conheci- da exposição. Assim, é possível considerar que
mento acerca do uso terapêutico dos canabinoi- o abuso de cannabis seja um dos componentes
des pode ser obtido através da compreensão do de uma sequência causal que pode levar ao de-
mecanismo de ação desses compostos no cére- senvolvimento de esquizofrenia em adultos
bro, especialmente quando não há dados expe- (DIEHLL et al., 2010).
rimentais disponíveis que avaliem adequada-

59 | P á g i n a
Por conseguinte, nota-se que diversas pes- na incidência de esquizofrenia em nível popu-
quisas epidemiológicas têm demonstrado que lacional. No entanto, é necessário realizar estu-
pessoas que sofrem de transtornos mentais gra- dos em amostras populacionais maiores para
ves têm maior probabilidade de fazer uso, abuso avaliar um número maior de indivíduos com
e dependência de substâncias psicoativas, em transtornos psicóticos e testar esses achados.
especial a cannabis, quando detectados com a Desse modo, ao observar um estudo recente que
população em geral. Por exemplo, pacientes modelou o impacto dos índices de uso de ma-
com esquizofrenia são mais prováveis a fazer conha versus incidência de esquizofrenia na
uso abusivo de cannabis do que indivíduos sau- Austrália não encontrou uma relação causal
dáveis, sendo que há um aumento no risco de (DEGENHARDT et al., 2003 apud WITTON
abuso em torno de 10,1% nesta população. As- & MURRAY, 2004). Além disso, são necessá-
sim sendo, em pacientes com episódios manía- rias mais pesquisas para entender os mecanis-
cos, a taxa pode chegar a 14,5%, enquanto em mos pelos quais a maconha pode causar a psi-
indivíduos com depressão maior, a taxa pode cose.
atingir até 4,1%. Já em pacientes com trans- Ademais, estudos recentes sobre a genética
torno do pânico, a taxa é de cerca de 4,3%, e em do uso de drogas confirmam a existência de
portadores de fobias, ela chega a 2,4% (DI- agregação familiar para o uso, abuso e depen-
EHLL et al., 2010). dência de Cannabis. No entanto, essa observa-
Logo, a partir de bases de evidências já ção por si só não é suficiente para verificar a
comprovadas, foi demonstrado que a maconha transmissão genética, já que pode ser influenci-
pode apresentar breves reações psicóticas, es- ada por fatores ambientais. Nesse viés, alguns
pecialmente em usuários inexperientes (HALL poucos estudos recentes têm como objetivo
et al., 2008 apud WITTON, 2004.) e agravar os identificar os genes envolvidos nesse processo
sintomas de pessoas diagnosticadas com esqui- e em comorbidades associadas à depressão e es-
zofrenia (LINSZEN et al., 1994 apud WIT- quizofrenia (CRUZ et al., 2009).
TON, 2004). Entretanto, a determinação do pa-
pel causal da maconha no desenvolvimento da CONCLUSÃO
esquizofrenia tem se mostrado mais desafiador.
Assim sendo, por um período de 15 anos, a Desse modo, nota-se que a psicose pode
única evidência que comprovou uma relação atingir qualquer pessoa, sendo maior o risco nos
causal veio de um estudo sueco com 50.087 indivíduos com predisposição genética ou que
conscritos, que constatou que usuários autode- tenham sofrido danos cerebrais – seja através de
clarados como "usuários pesados" de maconha traumas ou de exposição a substâncias quími-
tiveram seis vezes mais chances de serem sub- cas. Dessa maneira, a psicose não deve ser ig-
sequentemente diagnosticados com esquizofre- norada; indivíduos que sofrem com psicose de-
nia do que os não usuários (ANDREASSON et vem ser acolhidos por profissionais da saúde
al., 1987 apud WITTON & MURRAY, 2004). para afastar possibilidades mais graves e rece-
Desse modo, o que os estudos indicam é berem o tratamento devido. Além disso, agir
que, embora o uso de maconha aumente o risco com hostilidade ou de forma leiga com quem
relativo de esquizofrenia em duas a três vezes apresenta um estado mental delicado por causar
no nível individual, a eliminação do uso da consequências mais graves.
droga poderia levar a uma redução de 7 a 13%

60 | P á g i n a
Pacientes com transtornos psiquiátricos, zias que não refletem suas próprias experiên-
como esquizofrenia, transtornos do humor e de cias. No entanto, medidas devem ser tomadas
ansiedade, que fazem uso abusivo de cannabis, para evitar uma sobrecarga ainda maior nos ser-
podem apresentar impacto negativo tanto na viços de saúde mentais já extenuados (WIT-
fase aguda quanto em fases avançadas dessas TON & MURRAY, 2004).
condições. Portanto, é importante estimular es- Logo, a mensagem de saúde pública é evi-
tratégias de prevenção primária, esforços de tra- dente: é possível prevenir alguns casos de trans-
tamento integrado e desenvolvimento de estu- tornos psicóticos por meio da desestimulação
dos longitudinais para ampliar as evidências ci- do uso de maconha, especialmente entre os jo-
entíficas e melhorar o prognóstico em longo vens psicologicamente vulneráveis. Assim, en-
prazo (DIEHLL et al., 2010). tende-se que os usuários mais jovens da droga
Ademais, é de extrema importância que as estão em maior risco, portanto, é importante de-
mensagens de saúde sejam transmitidas com sencorajá-los a experimentá-la (ARSENE-
moderação e cuidado, pois é fácil influenciar o AULT et al., 2002 apud WITTON & MUR-
público jovem com propaganda alarmista e va- RAY, 2004).

61 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CRIPPA, J.A. et al. Efeitos cerebrais da maconha: resul-
tados dos estudos de neuroimagem. Brazilian Journal of TENÓRIO, F. Psicose e esquizofrenia: efeitos das mu-
Psychiatry, v. 27, n. 1, p. 70, 2005. danças nas classificações psiquiátricas sobre a aborda-
gem clínica e teórica das doenças mentais. História, Ci-
CRUZ, M.S. et al. Cannabis e saúde mental: uma revisão ências, Saúde-Manguinhos, v. 23, n. 4, p. 941, 2016.
sobre a droga de abuso e o medicamento. Jornal Brasi-
leiro de Psiquiatria, v. 58, n. 1, p. 69, 2009. VILLARES, C.C. Orientações Guia Prático sobre Psico-
ses para Profissionais da Atenção Básica. 1ª Edição – São
DIEHLL, A. et al. Abuso de cannabis em pacientes com Paulo: Associação Brasileira de Familiares, Amigos e
transtornos psiquiátricos: atualização para uma antiga Portadores de Esquizofrenia (ABRE) e UNIFESP, 2014.
evidência. Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 32, p. 541,
2010. WITTON, J. & MURRAY, R.M. ''Loucura do baseado''
revisitada: maconha e psicose. Brazilian Journal of Psy-
HONÓRIO, K.M. et al. Aspectos terapêuticos de com - chiatry, v. 26, n. 1, p. 2, 2004.
postos da planta Cannabis sativa. Química Nova, v. 29,
n. 2, p. 318, 2006.

62 | P á g i n a
Capítulo 08

TRANSTORNO FACTÍCIO
AUTOIMPOSTO

GIOVANNA PACHECO DE MAGALHÃES FRÓES¹


JULIA PEIXOTO VICENTE ARAUJO¹
JULIANA GONZAGA ARAÚJO CLARK¹
IZABELA OLIVEIRA CERQUEIRA CALDAS 2

1. Discente - Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais (FCMMG), Minas Gerais;


2. Discente - Universidade Nove de Julho (UNINOVE - VERGUEIRO), São Paulo.

Palavras Chave: Síndrome de Münchhausen; Transtorno factício; Transtorno factício autoimposto

10.59290/978-65-6029-006-8.8 63 | P á g i n a
INTRODUÇÃO apresentando informações a respeito dos trans-
tornos somáticos, com enfoque no Transtorno
Anteriormente denominado Síndrome de Factício Autoimposto. Para isso, optou-se por
Münchausen, o Transtorno Factício foi descrito artigos publicados no período de 1983 a 2020,
pela primeira vez em 1951, em referência aos presentes em pesquisas realizadas nas bases de
pacientes que inventavam sintomas próprios dados KARGER, SciELO, PubMed e Google
para procurar atendimento médico, sendo infor- Acadêmico e em jornais acadêmicos como The
malmente conhecido por “dependência hospita- Lancet e The American Journal of Psychiatry.
lar” e “síndrome do vício hospitalar”, sendo es- Os critérios de inclusão utilizados foram artigos
tes achados, quando impostos a outra pessoa, nos idiomas inglês e português e foram utiliza-
denominados “Síndrome de Münchausen por dos os descritores: Síndrome de Münchhausen;
transferência”. Os termos caíram em desuso, Transtorno factício; Transtorno factício autoi-
sendo hoje a doença definida pela 11ª edição da mposto.
Classificação Estatística Internacional de Do-
enças e Problemas Relacionados à Saúde (CID- RESULTADOS E DISCUSSÃO
11) como Transtorno Factício, que é referenci-
ado como duas desordens diferentes, a de nú- Epidemiologia
mero 6D50, identificada como Transtorno Fac- A respeito do grupo de doenças somáticas,
tício imposto a si mesmo e a 6D51, Transtorno que engloba o transtorno em discussão, as pos-
Factício Imposto a Outro. Já os critérios e ca- sibilidades diagnósticas são vastas. Estudos
racterísticas diagnósticas, características asso- afirmam que até 30% dos pacientes atendidos
ciadas, prevalência, desenvolvimento, curso e em serviços de atenção primária preenchem cri-
térios para uma doença psiquiátrica, dentre os
diagnóstico diferencial são abordados pelo Ma-
nual diagnóstico e estatístico de transtornos quais, mais da metade possuem manifestações
somáticas (KESSLER et al., 1985).
mentais, da Associação Psiquiátrica Ameri-
O Transtorno Factício não tem prevalência
cana, na 5ª edição (DSM-5), que o engloba den-
estabelecida, e é mais estudado em ambiente
tro da categoria de transtornos de sintomas so-
hospitalar, em oposição às doenças somáticas
máticos e transtornos associados (APA, 2014).
em geral supracitadas. Existe uma estimativa,
O objetivo do estudo foi descrever o Trans-
relatada pelo DSM-5, de que cerca de 1% dos
torno em questão, de modo a abordar aspectos
indivíduos hospitalizados atendam aos critérios
qualitativos e reflexivos, com foco no subtipo
diagnósticos estabelecidos no mesmo manual.
autoimposto da doença.
Outro estudo relatou incidência de 0,8% em um
centro médico terciário, com base em 10 paci-
MÉTODO entes encaminhados à psiquiatria em 1.288 con-
sultas psiquiátricas, em que, dentre eles, 70%
A matriz metodológica adotada foi a de re- eram do sexo feminino (SUTHERLAND &
visão bibliográfica narrativa não sistemática da RODIN, 1990), sendo 95% a incidência de mu-
literatura. O material tem como referência lheres em outro estudo (REICH & GOTT-
maior o manual diagnóstico da American FRIED, 1983). Outra população muito afetada
Psychiatric Association, o DSM-5, e é também pelo transtorno são os profissionais de saúde,
composto de citações e análises críticas de 13 um estudo afirma um número de 47,3% do total
artigos que possuem dados literários relevantes,
64 | P á g i n a
(KRAHN & O’CONNOR, 2003), e outro 68%, esses sintomas podem ser fabricados e relatados
sendo este realizado em uma experiência de 10 de modo a ser o mais parecido com o sintoma
anos com 41 pacientes, que também estabele- real, para que sejam confundidos e tratados
ceu a idade média dos pacientes de 33 anos como tal. Pacientes com frequência falsificam
(REICH & GOTTFRIED, 1983). prontuários e relatórios médicos, resultados de
exames, entre outros documentos semelhantes,
Definição e, se realizados com acurácia e conhecimento
O Transtorno Factício tem como caracterís- prévio, podem ser confundidos como um docu-
tica essencial a falsificação de sinais e sintomas mento original, alterando o curso do atendi-
físicos ou psicológicos, podendo ser acompa- mento, tanto em ambiente hospitalar como am-
nhada de indução de lesões ou doenças para que bulatorial, favorecendo receituários, pedidos de
sejam diagnosticadas e abordadas. Para diag- exames e internações desnecessários.
nóstico, segundo o DSM-5, é necessária esta ca- Outro fator pode favorecer a falsificação de
racterística de falsificação, comprovando-se a sintomas com grande semelhança ao sintoma
fraude e a auto apresentação do paciente como real, que diz respeito ao acesso à internet. Nela,
incapacitado, doente. Não pode haver, também, o paciente é posto à disposição de conhecimen-
a evidência de uma recompensa externa que tos médicos por pesquisa e por intercâmbio de
motive o paciente à fraude ou indução e deve- informações, por meio de grupos de apoio em
se realizar a pesquisa de diagnósticos diferenci- redes sociais, em que pessoas com uma doença
ais como transtorno delirante ou outra condição real compartilham seus sintomas e desenvolvi-
psicótica, que poderiam explicar o comporta- mento de uma doença específica, fortalecendo
mento citado. a capacidade do paciente de repassar sintomas
O DSM-5 exemplifica o transtorno com ca- fictícios que se assemelham com os reais
sos hipotéticos e comuns na prática clínica, (SOUSA FILHO et al., 2017).
como manipulação de um exame de urina,
acrescentando substâncias a ele com finalidade Diagnóstico Diferencial
de que apresente alteração no resultado, relatos O diagnóstico diferencial, inicialmente,
de convulsões, tonturas e desmaios que geral- deve ser feito com a doença que o indivíduo
mente não têm características que apoiem o di- está relatando ter, ou a que os sintomas do pa-
agnóstico, bem como resultados de exames que ciente indicam haver. Esta fase da avaliação e a
os justifiquem. Outros estudos caracterizam pa- propedêutica a se seguir deve depender da sus-
cientes com dores, principalmente abdominais peição do médico acerca da veracidade dos sin-
e inespecíficas e que falsificam seus registros tomas (JONES, 1999). Dessa forma, o diagnós-
médicos eletrônicos para criar um relatório fic- tico precoce, em um primeiro atendimento em
tício, como, por exemplo, de um câncer (BASS um serviço sem documentação anterior do pa-
& HALLIGAN, 2014). ciente que possa indicar ou relatar um diagnós-
Como concluído na análise epidemiológica, tico prévio de Transtorno Factício se torna difí-
existe uma predisposição de que pacientes da cil, estendendo o tempo de doença, aumentando
área da saúde o desenvolvam. Esse fato traz à prejuízos iatrogênicos e o desperdício de ser-
tona outra discussão sobre o tema, que diz res- viço e recursos médicos. O diagnóstico, na mai-
peito ao conhecimento do paciente sobre as oria das vezes, ocorre após observação prolon-
apresentações das doenças falseadas por eles, o gada, envolvendo uma equipe de diferentes pro-
que dificulta o diagnóstico precoce, visto que fissionais, de modo a criar uma visão integral e
65 | P á g i n a
longitudinal do paciente (PEREIRA et al., tes que não desenvolvem lesão grave, têm seu
2019). cotidiano e relações interpessoais prejudicadas
Vale ressaltar que, dentre os critérios diag- pelo transtorno (KRAHN & O’CONNOR,
nósticos, existe um que diz respeito à exclusão 2003).
de outras condições psiquiátricas causando o
comportamento de falsificação de sintomas e Tratamento
doenças. Por conseguinte, após a primeira ex- O transtorno ainda é pouco estudado e sua
clusão do diagnóstico diferencial de doença fí- documentação é baseada principalmente em re-
sica relacionada à sintomatologia, deve-se se- latos de casos, revisões bibliográficas e estudos
guir, de acordo com o DSM-5, o enfoque no di- de média e pequena abrangência. O manejo do
agnóstico diferencial com psicoses e delírios, paciente, por consequência, não é padronizado
estes presentes em doenças como transtorno e necessita de uma abordagem particular em
afetivo bipolar, esquizofrenia, lúpus, entre ou- cada caso. Inicialmente, é necessário empatia,
tras diversas que cursam com quadros de com- boas técnicas de comunicação e cautela para
prometimento da capacidade do indivíduo de não se estabelecer uma relação de contrarrefe-
diferenciar o que é real ou não. rência, está sendo muito comum após identifi-
Por fim, deve-se levar em consideração as cado o transtorno, visto que o paciente acaba
outras desordens somáticas supracitadas, pela por consumir demasiadamente o tempo dos
semelhança da causa e possível semelhança do profissionais da saúde e recursos do hospital,
quadro clínico. O DSM-5 enumera 6 outras, sem uma necessidade real para o manejo clí-
além do transtorno em questão, que são classi- nico, salvo o psiquiátrico, e isso pode desenca-
ficadas no mesmo grupo de doenças somáticas: dear sentimentos negativos do médico em rela-
Transtorno de Sintomas Somáticos, Transtorno ção ao paciente, como, por exemplo, senti-
de Ansiedade de Doença, Transtorno Conver- mento de indignação e raiva.
sivo, Fatores Psicológicos que Afetam Outras Não é ideal que o confronto dos sintomas
Condições Médicas, Outro Transtorno de Sin- falsificados pelo paciente seja imediato, visto
tomas Somáticos e Transtorno Relacionado Es- que muitos não aceitam o diagnóstico e cria-se
pecificado e Transtorno de Sintomas Somáticos uma relação médico-paciente ruim, dificul-
e Transtorno Relacionado Não Especificado. tando o manejo posterior (GONÇALVES et al.,
2020). Em casos em que o paciente se expõe a
Curso e prognóstico lesão iatrogênica ou lesão induzida para falsifi-
A ocorrência do transtorno pode ser episó- car doenças e exames, porém, a conduta de evi-
dica, e este é um tipo de acometimento menos tar enfrentamento do paciente pode ser mais fle-
comum. Geralmente o curso é intermitente, cri- xível, de modo a impedir desfechos desfavorá-
ando-se um padrão de contato sucessivo do pa- veis. Quanto à postura do paciente, é comum a
ciente com profissionais e instituições de saúde, negação do diagnóstico e continuidade da pro-
com múltiplas internações em curtos espaços de cura por atendimento, notada por estudos pela
tempo, troca de serviço com frequência (GON- evasão de internações, procura de outro serviço
ÇALVES et al., 2020). médico, ameaça ou realização de processos ju-
O prognóstico, em geral, não é bem estabe- diciais contra as instituições, recusa de alta, en-
lecido, mas existem relatos de caso com desfe- tre outros (KRAHN & O’CONNOR, 2003).
chos desfavoráveis, dentre eles morte e danos Além da cautela com a comunicação e ma-
irreversíveis por iatrogenia e, mesmo os pacien- nejo do paciente, deve-se iniciar um acompa-
66 | P á g i n a
nhamento com a psiquiatria e psicologia, com um manejo cuidadoso devido suas particulari-
busca diagnóstica de outra condição psiquiá- dades e difícil abordagem. Seu diagnóstico é in-
trica e posterior tratamento específico, se neces- tegralmente clínico e deve ser realizado ideal-
sário, além de início de psicoterapia, principal- mente em ambiente hospitalar, quando o paci-
mente a terapia cognitivo comportamental. Este ente procura atendimento por doença falseada,
acompanhamento multidisciplinar tem de ser além de que deve ser abordado de forma multi-
gradual e com foco em induzir o paciente a de- disciplinar e integral, com finalidade de evitar
sistir dos comportamentos presentes no trans- erros diagnósticos e desfechos desfavoráveis
torno (GONÇALVES et al., 2020). secundários à iatrogenia. Se não realizado siste-
maticamente e de forma precoce, pode levar a
CONCLUSÃO injúrias físicas e psicológicas aos pacientes,
além do consumo desnecessário de tempo e re-
O Transtorno Factício Autoimposto, uma cursos dos profissionais e sistema de saúde.
desordem classificada como somática, requer

67 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
APA. American Psychiatric Association. Manual Diag- KRAHN, L.E. et al. Patients Who Strive to Be Ill: Facti-
nóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM-5. 5a tious Disorder With Physical Symptoms. American Jour-
ed. Porto Alegre, RS: Artmed, 2014. Sessão III, p. 309, nal of Psychiatry, v. 160, n. 6, p. 1163, 2003.
2014.
PEREIRA, A.V. et al. Transtorno Factício e a Equipe In-
BASS, C. & HALLIGAN, P. Factitious disorders and terdisciplinar: identificação de sinais e fatores de risco.
malingering: challenges for clinical assessment and ma- CoDAS, v. 31, n. 1, p. e20180173, 2019.
nagement. The Lancet, v. 383, n. 9926, p. 1422, 2014.

GONÇALVES, B.M. et al. Síndrome de Munchausen re- REICH, P. & GOTTFRIED, L.A. Factitious disorders in
lacionada à calculose urinária não metabólica: um relato a teaching hospital. Annals of internal medicine, v. 99, n.
de caso. Revista de Patologia do Tocantins, v. 7, n. 2, p. 2, p. 240, 1983.
41, 2020.
SUTHERLAND A.J. & RODIN, G.M. Factitious disor-
JONES, R.M. Transtornos Factícios. In: KAPLAN, H.J. ders in a general hospital setting: clinical features and a
& SADOCK. B.J. - Tratado de Psiquiatria 6ª Ed, v. 2, review of the literature. Psychosomatics, v. 31, n. 4, p.
Porto Alegre, p. 1382, 1999. 392, 1990.

KESSLER, L.G. et al. Psychiatric disorders in primary SOUSA FILHO, D. et al. Munchausen syndrome and
care. Archives of General Psychiatry, v. 42, n. 6, p. 583, Munchausen syndrome by proxy: a narrative review.
1985. Einstein (São Paulo), v. 15, n. 4, p. 516, 2017.

68 | P á g i n a
Capítulo 09

O IMPACTO DO USO DE REDES


SOCIAIS E A DISTORÇÃO
CORPORAL ENTRE
ADOLESCENTES E JOVENS
ADULTOS
GIZELLE COSTA AZEVEDO¹
BARBARA PEREIRA BRITO 2
SANDRIELE CRISTINA DE ASSIS 3
EDILÂNIA GOMES DE ARAÚJO 4
LARISSA MICELA MONTEIRO LIMA 5
MARIA ALINY ALVES PEREIRA 6
LUANA DOS SANTOS ALVES7
LAÍS JÉSSICA DATIVO DA SILVA 8
ANA BEATRICE RANGEL COSTA DE ALMEIDA 9
MILENA CORDEIRO DE FREITAS 10
1. Discente - Serviço Social - Instituto de Ensino Superior Franciscano (IESF).
2. Bacharel em Serviço Social - Universidade Federal do Pará (UFPA).
3. Bacharel em Serviço Social - Centro Universitário Santa Amélia (UNISECAL).
4. Bacharel em Serviço Social - Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).
5. Discente - Serviço Social - Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
6. Discente - Serviço Social - Universidade Federal do Piauí (UFPI).
7. Psicóloga - Universidade de Fortaleza (UNIFOR).
8. Discente - Serviço Social - Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
9. Discente - Serviço Social - Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
10. Assistente Social – Faculdade Cearense (FAC).

Palavras Chave: Redes sociais; Distorção corporal; Adolescentes; Jovens Adultos.

10.59290/978-65-6029-006-8.9
69 | P á g i n a
INTRODUÇÃO manho, forma ou contorno, bem como dos sen-
timentos advindos dessas características. Os au-
Estamos inseridos em uma sociedade cada tores ressaltam ainda que a definição da IC está
vez mais globalizada, onde a tecnologia avança para além da construção cognitiva, revela tam-
a passos largos, freneticamente para responder bém o grau de satisfação, os desejos, as emo-
às necessidades da sociedade que, gradativa- ções os quais se relacionam com a aceitação e
mente demonstra não possuir limites. Aliadas influência do meio social ao qual se faz parte.
às grandes tecnologias, estão o uso das redes so- Para os autores supracitados, pode ocorrer a
ciais, que já fazem parte do contexto social e insatisfação da imagem corporal (IIC), contri-
contemporâneo. Em meio à vida corriqueira, buindo para os sentimentos de solidão, de insô-
não se pode negar o lado benéfico que elas pro- nia, de isolamento social, ocorrendo em qual-
porcionam, como comunicação, agilidade na quer faixa etária, independente de raças e sexos,
resolução de problemas do dia a dia, entre ou- porém é potencializada sobretudo, na fase da
tros. adolescência, onde ocorre a passagem para a
Todavia, dispensar boa parte do uso do vida adulta, haja vista que ao passo que nascem
tempo em função das redes sociais tem se tor- as descobertas e mudanças biológicas, cogniti-
nado eixo para grandes discussões, principal- vas, emocionais e, até mesmo, sociais somam-
mente quando o excesso de uso traz consequên- se a elas as incertezas e vulnerabilidades desta
cias negativas, vindo a contribuir para o afasta- fase, principalmente pelo que é ditado cultural-
mento de laços de sociabilidade, além de inter- mente na sociedade, ou seja, há a necessidade
ferir em aspectos relacionados à saúde física e de estar inserido dentro dos moldes pré deter-
mental, sobretudo, de adolescentes e jovens minados (mídia, família, amigos, ambiente so-
adultos que delas fazem uso, servindo muitas cial) no que tange a imagem corporal (WROB-
vezes de subterfúgios, justamente por distorce- LEVSKI et al., 2022).
ram a realidade vivenciada por estes públicos, É importante enfatizar que, as mídias soci-
por sustentarem o ideário de que uma vida per- ais representadas em maior parte pela televisão,
feita existe (COSTA et al., 2022). internet, revistas tornam-se responsáveis por di-
Nesse sentido, com apenas poucos cliques é fundir as imagens do que seriam os corpos ide-
possível ter o fácil acesso e também o uso de- ais, bem aceitos e também os ambientes férteis
senfreado das redes sociais, que de maneira para que ocorra a IIC, como sinalizam os estu-
contundente refletem na autoestima e na autoi- dos feitos por Silva et al. (2020), pois estas re-
magem e desencadeiam diversos questiona- percutem de forma negativa na vida de seus
mentos sobre o modo de ser e de se viver, bem usuários, mesmo que não influencie na IC, elas
como na imagem corporal (IC) das pessoas, esta proporcionam oscilação do humor, da autoes-
última relacionada ao que as principais redes tima, o que de fato está relacionado com a sa-
midiáticas (Facebook, Youtube, Twitter e Insta- tisfação corporal, ou seja, distorcem a reali-
gram, surgidas no século XXI), impõe e que são dade, promovem a comparação social em ternos
propagadas cotidianamente no meio social da aparência, interferindo, portanto no entendi-
(SANTOS & RODRIGUES, 2023). mento do que as pessoas já tem em relação ao
Wroblevski et al. (2022) descrevem que a próprio corpo.
IC está relacionada à percepção de como cada Ademais, é importante considerar os papéis
pessoa se define mentalmente, seja no seu ta- que os chamados “Influencers Digitais” exer-

70 | P á g i n a
cem na vida dos usuários nas redes sociais. quisa social a intervenção social da realidade,
Conforme apontam Costa et al. (2022) “são que segundo Neves (1996) agrupa técnicas in-
pessoas que vivem a sua vida para influenciar terpretativas e diversas, com o objetivo de tra-
outros através das mídias”, ou seja, ao se utili- duzir os fenômenos que se encontram na esfera
zarem da internet para compartilhar fotos, ví- social, sistematizando assim, a lacuna entre te-
deos, ideais de uma vida cotidiana perfeita a ser oria e base de dados. No que se refere ao tipo
seguida, também precisam vender a convicção de estudo, o presente trabalho apresenta-se para
de um corpo ideal e acabam por proporcionar ser uma Revisão Integrativa de Literatura
efeitos negativos não somente para si mesmos, (RIL), que é caracterizada por ter um levanta-
como também para seu público, que em grande mento acerca de uma determinada temática in-
parte são adolescentes e jovens adultos, que as- tegrando estudos experimentais e não-experi-
sociam a felicidade ao conteúdo compartilhado mentais (SOUZA et al., 2010).
virtualmente. Em concordância com Teixeira et al.,
É notório, que essa pretensa idealização de (2013) e Souza et al. (2010) para que esse es-
um corpo padrão, aceitável, bem delineado, tudo seja elaborado faz-se necessário seguir 06
além de serem corpos mercadorizados e que in- etapas, sendo estas a elaboração da pergunta
duzem públicos adolescentes e jovens adultos a norteadora, busca na literatura, coleta de dados,
seguirem com a mesma rotina de seus influen- análise crítica dos estudos incluídos, discussão
ciadores digitais, também vai na contramão do dos resultados e apresentação da revisão inte-
que realmente representa a realidade social. São grativa. Desse modo, é indispensável o debate
situações que podem representar gatilhos para o acerca dos impactos do uso de redes sociais as-
adoecimento físico e mental, para a exclusão sociado à distorção corporal entre adolescentes
social, sem ser consideradas suas particularida- e jovens adultos. Quanto à periodicidade, o le-
des, caso não estejam devidamente enquadra- vantamento de dados foi realizado no mês de
dos em tais exigências (COSTA et al., 2022). abril de 2023.
Diante deste panorama, o presente estudo Para a realização da pesquisa foram utiliza-
tem por objetivo discorrer sobre o impacto do das as seguintes bases de dados: Biblioteca Vir-
uso das redes sociais e a distorção entre adoles- tual em Saúde (BVS), SciELO, Portal de Perió-
centes e jovens adultos, através do qual será es- dicos (CAPES) e Google Acadêmico. Com o
sencial provocar não somente reflexões, mas objetivo de direcionar a pesquisa nas bases e en-
também considerar os fatores e contextos soci- contrar artigos pertinentes com a temática fo-
ais existentes nesse processo, onde tais realida- ram aplicados os descritores: Redes sociais, dis-
des precisam estar além do que as grandes redes torção corporal, adolescentes e jovens adultos.
sociais preconizam, um padrão de vida perfeito, No processo de seleção dos artigos foram utili-
que pode ser atingido por qualquer pessoa, mas zados os critérios de inclusão e exclusão, os cri-
que na verdade ocultam grandes consequências térios de inclusão foram: artigos publicados en-
na vida desses indivíduos. tre 2018 a 2023, gratuitos e completos disponi-
bilizados na íntegra. Quanto aos critérios de ex-
MÉTODO clusão, foram excluídos: artigos não relaciona-
dos à questão norteadora, não publicados nos
últimos 05 anos e em língua estrangeira.
Tratando-se de um estudo qualitativo, o
Diante disso, após a aplicação dos descrito-
presente texto desenvolve no campo da pes-
res nas bases de dados supracitadas foram en-
71 | P á g i n a
contrados ao todo 223 artigos, destes nove (09) quisa. Na base de dados SciELO, foram encon-
foram encontrados na base de dados da BVS e trados quarenta e seis (46) artigos, destes ape-
dezenove (19) no Portal de Periódicos (CA- nas um (01) foi selecionado para a pesquisa e
PES), após análise os mesmos foram excluídos, no Google acadêmico foram encontrados cento
pois possuíam mais relação com a temática das e quarenta e nove (149) artigos, destes foram
redes sociais e transtornos alimentares, não cor- selecionados cinco (05) para a pesquisa, con-
respondendo ao que de fato interessa na pes- forme exposto no Quadro 9.1.

Quadro 9.1 Quantidade de estudos encontrados nas bases de dados

Base de Dados Artigos Encontrados Artigos Excluídos Artigos Selecionados

BVS 9 9 0

SciELO 46 45 1

CAPES 19 19 0

Google acadêmico 149 144 5

Quantidade total 223 217 6

Desse modo, após aplicação dos descritores RESULTADOS E DISCUSSÃO


e dos critérios de inclusão e exclusão, foram se-
lecionados 06 artigos que abordam assuntos Para apresentar a síntese dos estudos, foi
pertinentes à temática em estudo e respondem elaborado um quadro que contém as seguintes
os questionamentos do estudo. Os artigos sele- informações: ano de publicação, título, objeti-
cionados podem ser visualizados de modo deta- vos, metodologia, conforme pode ser visuali-
lhado no Quadro 9.2. zado no Quadro 9.2.

Quadro 9.2 Exposição dos artigos analisados

ANO TÍTULO OBJETIVO METODOLOGIA

Realizar uma revisão bibliográfica sobre o


padrão de autoimagem nos adolescentes,
Uma revisão acerca do padrão de enfatizando a diferença desse padrão entre o Revisão bibliográ -
2018
Autoimagem em adolescentes sexo masculino e feminino, a influência da fica
mídia como geradora de padrões de referência
corporais e as questões relacionadas a saúde.

Refletir sobre o uso do aplicativo Instagram e


A Influência do Instagram no a forma pela qual a vida de seus usuários é
Revisão bibliográ -
2019 cotidiano: Possíveis Impactos do afetada pelo mesmo, diante da compreensão
fica
Aplicativo em seus usuá rios das consequências geradas pelo uso
exacerbado do site.

Disfunção de imagem: as relações Delinear o fator determinante para o aumento, Revisão bibliográ -
2021
entre as redes sociais e a nos últimos anos, dos casos de transtornos fica

72 | P á g i n a
construção da imagem pessoal relacionados a imagem pessoal e identificar se
existe correlação com o crescente uso das
mídias virtuais em foco, as redes sociais.

Discutir o fenômeno da exibição dos ado-


Nem ver, nem olhar: visualizar!
lescentes nas redes sociais, buscando con- Revisão bibliográ -
2021 Sobre a exibição dos adolescentes
siderar os impasses de separação do olhar que fica
nas redes sociais
as telas vão introduzir.

Identificar o que é retratado pelos artigos


científicos, nos últimos anos, sobre a IIC
A insatisfação com a imagem (Insatisfação com a imagem corporal) em Revisão bibliográ -
2022
corporal na adolescência adolescentes e sua relação com a mídia, pa - fica
drões de beleza impostos pela sociedade e
transtornos alimentares.

Discorrer sobre as consequências do uso


Impactos das redes sociais em
indiscriminado das redes sociais na autoi- Revisão bibliográ -
2023 relação à autoestima e Autoima -
magem, autoestima e saúde mental dos fica
gem
usuários delas.

Os 06 (seis) estudos selecionados foram de convém com a realidade, e pode ser criada pela
extrema relevância no entendimento da temá- própria mente (ANJOS & FERREIRA, 2021).
tica abordada. Em relação ao método dos arti- Os padrões de beleza juntamente com os meios
gos escolhidos, todos os artigos foram estudos de convívio social constroem a percepção cor-
de revisão bibliográfica. Além disso, um ponto poral do indivíduo, bem como influenciam a sa-
importante a ser destacado, é que todos os 06 tisfação ou a insatisfação com o corpo (SOUZA
artigos dão ênfase aos impactos das mídias so- et al., 2018). Assim, o conceito de beleza, vive
ciais sobre a distorção corporal de adolescentes em constante mudança, e com passar dos tem-
de jovens adultos, tendo em vista que é este pos surgem novas formas do que é belo. Com
grupo que mais se prejudica com a influência os avanços das tecnologias, o padrão de beleza
presente nas plataformas digitais. foi se tornando mais exigente, os corpos obesos
Nessa perspectiva, o presente trabalho, para retratados como perfeitos e ideais no período do
melhor apresentar as discussões dos resultados Renascimento, pintados pelos pintores Leo-
e para discorrer de forma coerente sobre o ob- nardo da Vinci, a Gioconda ou Mona Lisa per-
jeto de estudo apresentado, fez-se necessário a deram lugar para o novo ideal de corpo.
definição de subtópicos: “A influência das re- A chegada da tecnologia possibilitou novas
des sociais na construção da imagem corporal formas de comunicação, relacionamento e de-
na adolescência”, “A relação entre redes sociais senvolve influências, assim, essa evolução veio
e autoimagem de adolescentes”, “Percepção da acompanhado deste novo padrão de beleza, que
imagem corporal através do ambiente virtual pode influenciar o consumo de dietas compul-
entre jovens adultos”. sórias, exercícios excessivos e procedimentos
estéticos para atingir este novo modelo de be-
A influência das redes sociais na constru- leza ideal: corpos masculinos sarados e defini-
ção da imagem corporal na adolescência dos e corpos femininos magros e de silhuetas
A imagem corporal é definida como o indi-
finas. Cabe destacar que os jovens e adolescen-
víduo vê a si mesmo. A distorção desta imagem
tes são a geração mais ativa na Internet, pois é
é a visão irrealista do próprio corpo, que não

73 | P á g i n a
um público que cada dia mais busca o meio vir- liação negativa de si próprio. A partir disso é
tual para se relacionar, se expressar e comuni- possível identificar a necessidade de uma mu-
car. E, é através das publicações e visualizações dança nos papéis das mídias sociais na constru-
de imagens corporais “ideais” que influenciam ção da educação na vida dos jovens e adoles-
essa geração a aderir a esse tipo de corpo para centes, no sentido de promover orientações so-
si. Aderindo dietas e exercícios excessivos in- bre a imagem corporal saudável, sem que pro-
fluenciados por uma cultura digital que a todo voque danos psicossociais no desenvolvimento
instante dita novas fórmulas de atingir esse deste sujeito. Portanto, é necessária uma des-
ideal de corpo, seja por propagandas, digitais construção social do que é belo pelas mídias so-
influencers, procedimentos estéticos ou novos ciais, e exaltar é valorizar o corpo real e dife-
hábitos alimentares sem prescrição médica e rente.
tendências.
Estudos realizados por Lira et al. (2017) A relação entre redes sociais e autoima-
apontam que as influências digitais impactam gem de adolescentes
de forma negativa o desenvolvimento psicosso- Os adolescentes sofrem diversas mudanças
nessa fase da vida, alterações que variam dos
cial dessa população, ocasionando surgimento
aspectos fisiológicos aos psicológicos, cau-
de doenças como: anorexia, sintomas depressi-
sando uma série de dúvidas e inseguranças pe-
vos, baixa autoestima, transtornos alimentares,
rante o meio social no qual estão inseridos
bulimia entre outros. Desenvolvendo uma insa-
(MURARI & DORNELES, 2018). Uma das vá-
tisfação com a imagem corporal (IIC) acarre-
tando sérios problemas de saúde e psicológica rias mudanças que os adolescentes buscam é a
que futuramente também impactam a fase autoimagem, a busca de uma imagem “per-
adulta. Pinho et al. (2019), quando investiga- feita”, que são visualizadas pelas mídias soci-
ram sobre IIC de forma separada, apontaram ais, e que acometem tanto mulheres como ho-
que 42,9% dos indivíduos do sexo feminino de- mens.
monstraram apresentar IIC, enquanto esse ín- De acordo com Gomes et al. (2021), as re-
dice nos meninos foi 32,7%, ou seja, mostrou des sociais, tais como Instagram e Facebook,
indícios de que as adolescentes em tese podem constituem veículos que incitam os sujeitos a
uma posição subjetiva particular frente ao ou-
ser as quem mais sofrem com a IICA adoles-
tro. As disputas por visualizações e likes pas-
cência é a transição da criança para a vida
adulta, marcada por uma passagem na qual sam a reger os laços que se organizam prepon-
derantemente em torno da imagem, da exibição
acontecem várias alterações na forma corporal
e da solicitação do olhar. Sendo assim, as redes
e em propriedades psíquicas que ocorrem tam-
bém no âmbito cognitivo, afetivo e social sociais vêm exigindo padrões de beleza, onde
(FORTES et al., 2015). os adolescentes são influenciados a seguir esses
Conforme Lira et al. (2017) e Fantineli et padrões para serem aceitos na sociedade.
al. (2020), a imagem corporal que é criada em Diante disso, o desejo de ter um corpo con-
nossa mente, se dá através de sentimentos e siderado “normal” e “perfeito” foi encontrado
pensamentos que estão relacionados ao corpo, tanto pelas meninas quanto pelos meninos,
construídos com base em experiências adquiri- pois, segundo eles, ter um corpo neste padrão
das ao longo da vida e a IIC é a distorção da ajudaria a obter sucesso na vida. No entanto, o
padrão de autoimagem funciona um pouco di-
imagem corporal, que neste caso seria uma ava-

74 | P á g i n a
ferente nos adolescentes do sexo masculino. Percepção da imagem corporal através
Para os meninos, o corpo no aspecto másculo - do ambiente virtual entre jovens adultos
“um corpo que aguente”, foi destacado, associ- Nos dias atuais, se tornou muito comum os
compartilhamentos e exposição da vida pessoal
ado à questão do trabalho. Quanto às conse-
através das mídias sociais. É uma variável cres-
quências de não ter o corpo ideal, foram ditas
cente quando tratamos de exibição de fotos, ví-
situações como exclusão, doenças, infelicidade
deos, pensamentos e estilo de vida no ambiente
e, até morte. Assim, observa-se que os adoles-
centes do sexo masculino revelam querer mu- virtual. São práticas que acabam levando à es-
danças no corpo, com o intuito de serem magros pera de uma mera curtida ou algum comentário
e desejando obter mais massa muscular, con- que possa estar validando a vida de quem está
forme aponta o estudo de Murari & Dorneles se colocando nas redes sociais e é, de fato, emo-
(2018). cionante e prazeroso (CORDÁ, 2016).
De acordo com o estudo realizado por Pai- Assim, a exposição das pessoas no ambi-
xão et al. (2006), o qual comparou 36 adoles- ente virtual traz uma repercussão para sua auto-
centes da rede privada de ensino e da rede pú- estima, pois há distorção da autoimagem. Cul-
turalmente, o padrão de beleza vem sendo im-
blica, com idade entre 13 e 14 anos do sexo fe-
posto na sociedade há décadas, porém com o
minino, percebe-se que as adolescentes da rede
avanço da tecnologia e criação das redes soci-
privada de ensino apresentam nível de distorção
ais, gerou um impacto na forma como homens
da autoimagem maior do que as da rede pública.
e mulheres olham para si mesmos, comparando
As adolescentes da rede particular se mostraram
mais preocupadas com a própria imagem. Tal com outros corpos.
distorção, em ambas realidades, gera preocupa- As redes sociais têm o poder de passar a vi-
ção, pois o modelo de beleza imposto pela soci- são de que a vida de todos é ótima, menos a sua,
edade atual, corresponde a um corpo magro e causando ansiedade no usuário, e confrontar o
atlético, sem levar em consideração aspectos que os outros chamam de realização pode de-
selecionados com a saúde e a individualidade sencadeá-la. O indivíduo pode pensar que está
física de cada ser humano (PAIXÃO et al., parado, ou que seus esforços não foram sufici-
2006 apud MURARI & DORNELES, 2018). entes para conquistar a vida dos seus sonhos.
Notícias negativas constantes e comentários de-
Dessa forma Murari & Dorneles (2018)
sagradáveis também podem criar tensão, pois o
apontam que aparência física em adolescentes
vem sendo um agravante, visto que estes bus- cérebro não consegue digerir todas as informa-
ções que recebe durante o dia. Desta forma, “a
cam dietas disponíveis pela Internet, suplemen-
má estimulação se tornará um fardo para a
tos sem controle, exercícios físicos exagerados,
e alimentação sem orientação, e assim acarre- mente. Pode-se, então, começar a questionar o
tando doenças e distúrbios prejudiciais à saúde. estado do mundo e da sociedade que gera ansi-
São questões que devem ser repensadas, pois edade sobre o futuro” (ACÁCIO, 2021). A
são exigências que a sociedade exige, e os ado- busca de ser e apresentar um corpo ideal para
lescentes sem orientação acabam seguindo es- ter a padronização estética nas redes sociais, ex-
ses padrões, se deixando levar por essas mídias põe o usuário a mudanças comportamentais e
sem saber as consequências futuras. procedimentos estéticos de maneira que contri-
bui para desestabilizações da auto estima e o au-
mento de diversas doenças psicossomáticas.

75 | P á g i n a
A narrativa construída no ambiente virtual, bem-estar físico e mental dos adolescentes e jo-
com relação a percepção da própria imagem vens adultos, com consequências de afasta-
torna-se cada vez mais restritiva e específica, mento de seus vínculos sociais e afetivos, além
sendo, portanto, aconselhável o acompanha- de muitas vezes estagnaram em seu mundo real
mento de pessoas que apresentam princípios e viverem em um mundo "fictício”, não sendo
desses transtornos, que podem se agravar neste o que se é de verdade e idealizando coisas per-
contexto. Dessa forma o uso crescente das mí- feitas. Obtendo, assim também como conse-
dias sociais e sua influência por padrões estipu- quências negativas baixa autoestima e autoima-
lados, desencadeia a visão distorcida do próprio gem, insegurança, distorção corporal e questio-
corpo, desenvolver-se uma ideia de felicidade namento sobre o modo de ser e viver.
para sua vida, só terá caso consiga o corpo per- Portanto, é necessário que haja uma psicoe-
feito para publicar na rede social, porém poste- ducação, manejo e intervenções coerentes para
riormente o indivíduo de forma geral terá uma dialogar e trabalhar com essa temática exposta
armadilha para sua saúde-mental, e assim afe- neste estudo. É de suma importância trabalhar
tando o seu bem-estar emocional podendo agra- em conjunto (profissionais da área da saúde e
var sintomas, como ansiedade. educação, familiares e escolas) em prol do bem-
estar dos adolescentes e jovens adultos. Pois o
CONCLUSÃO cuidado com o desenvolvimento psicossocial
desses jovens é de extrema relevância para pre-
Sabe-se que as redes sociais podem ser be- venção de doenças como transtornos de ansie-
néficas ou maléficas e através desse estudo foi dade e autoimagem, depressão, anorexia, buli-
possível observar os impactos das redes sociais mia, transtorno alimentar e dentre outros. Por
e a relação com a distorção corporal na vida de fim, em virtude dos fatos mencionados fica evi-
adolescentes e jovens adultos. Atualmente a in- dente que o uso exagerado das redes sociais
ternet encontra-se em fácil acesso, qualquer ser acaba impactando na imagem corporal dos jo-
humano consegue acessar as redes sociais. No vens, o que ocasiona adoecimento tanto físico
entanto, o estudo apresenta que o excesso nas como psicológico.
redes sociais traz consequências negativas no

76 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACÁCIO, M.L.F. Relação entre o Uso problemático da LIRA, A.G. et al. Uso de redes sociais, influência da mí-
internet, sintomas psicopatológicos e autoestima em jo- dia e insatisfação com a imagem corporal de adolescentes
vens adultos. 2021. Dissertação (Mestrado em Psicolo - brasileiras. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, v. 66, n. 3, p.
gia) -Universidade de Évora -Escola de Ciências Sociais, 164, 2017.
Espírito Santo, 2021.
MURARI, K.S. & DORNELES, P.P. Uma revisão acerca
ANJOS, L.A. & FERREIRA, Z.A.B. Saúde Estética: Im- do padrão de autoimagem em adolescentes. Revista Pers-
pactos emocionais causados pelo padrão de beleza im - pectiva: Ciência e Saúde, v. 3, n. 1, p. 155, 2018.
posto pela sociedade. Revista de Psicologia, v. 15, n. 5,
p. 595, 2021. PINHO, L. et al. Perception of body image and nutritio-
nal status in adolescents of Public schools. Revista Bra -
COSTA, K.I.B. et al. Um estudo acerca da era digital e a sileira Enfermagem, v. 72, n. 2, p. 240, 2019.
influência de uma vida perfeita. Revista Pasteur, Saúde
Mental - Desafios da prevenção, diagnóstico, tratamento SANTOS, T.C.A. & RODRIGUES, K.L.A. Impactos das
e cuidado na sociedade moderna. Ed. IV, 2022. Redes Sociais em Relação à Autoestima e Autoimagem.
Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e
CORDÁ, T.A. Transtornos alimentares: classificação e Educação, [S. l.], v. 9, n. 3, p. 851, 2023.
diagnóstico. In: Revista Psiquiatria Clínica . v. 31. n. 4.
2016. SILVA, A.F.S. et al. Repercussões das Redes Sociais na
Imagem Corporal de Seus Usuários: Revisão Integrativa.
FANTINELI, E.R. et al. Imagem corporal em adolescen- Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 36, p. e36510, 2020.
tes: Associação com o estado nutricional e atividade fí-
sica. Ciência & Saúde Coletiva, v. 25, n. 10, p. 3989, SOUZA, M.T. et al. Revisão integrativa: o que é e como
2020. fazer. Einstein, v. 8, n. 1, p. 102, 2010.

FORTES, A.L.S. et al. Associação da internalização dos SOUZA, J.C. et al. dimensão do belo no tempo. Revista
padrões corporais, sintomas depressivos e comporta- Psicologia e Saúde, v. 10, n. 3, p. 87, 2018.
mento alimentar restritivos em jovens do sexo masculino.
Revista Ciência & Saúde Coletiva, v. 20, n. 11, p. 3457, TEIXEIRA, E. et al. Revisão Integrativa da Literatura
2015. passo-a-passo & convergências com outros métodos de
revisão. Revista de Enfermagem da UFPI, v. 2, n. 5,
GOMES, A.C.C. et al. Nem Ver, Nem Olhar: Visualizar! 2013.
Sobre a Exibição dos Adolescentes nas Redes Sociais.
Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica, v. 24, n. 1, p. 91, WROBLEVSKI, B. et al. Relação entre insatisfação cor-
2021. poral e saúde mental dos adolescentes brasileiros: um es-
tudo com representatividade nacional. Ciência & Saúde
Coletiva, v. 27, n. 8, p. 3227, 2022.

77 | P á g i n a
Capítulo 10

ANSIEDADE E AUTOMEDICAÇÃO
ENTRE JOVENS UNIVERSITÁRIOS:
UMA REVISÃO INTEGRATIVA DE
LITERATURA

JOANA PATIELE CORRÊA DA SILVA¹


ALINE AGUIAR DE SOUZA DOS SANTOS 2
EDUARDO FELIPE PONTES DA SILVA 3
ADRIENE SILVA DE LIMA 4
VITÓRIA DIAS LORDELLO 5
KASSIA EMMILLA GONÇALVES RODRIGUES 6
ISABEL VITÓRIA BARROS DE SOUSA7
LUANA DOS SANTOS ALVES 8
LILIA DE FARIAS MONTEIRO BARBOSA 3
ANA BEATRICE RANGEL COSTA DE ALMEIDA 7
MILENA CORDEIRO DE FREITAS 9

1. Discente - Serviço Social - Universidade Cesumar (UNICESUMAR).


2. Discente - Psicologia - Centro Universitário Celso Lisboa.
3. Discente - Serviço Social - Universidade Federal de Pernambuco.
4. Bacharel de Serviço Social - Universidade da Amazônia (UNAMA).
5. Discente - Serviço Social - Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
6. Bacharel em Serviço Social - Centro Universitário Doutor Leão Sampaio.
7. Discente - Serviço Social - Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
8. Psicóloga - Universidade de Fortaleza (UNIFOR).
9. Assistente Social – Faculdade Cearense.

Palavras Chave: Automedicação; Universitários; Ansiedade.

10.59290/978-65-6029-006-8.10
78 | P á g i n a
INTRODUÇÃO desse fato mencionado cita-se os Benzodiazepí-
nicos (BZDs), fármacos utilizados no trata-
Os fármacos são produtos que contribuem mento de insônia/ansiedade. O uso do mesmo
para o restabelecimento e conservação da sa- não é recomendado por longos períodos. Mes-
úde, uma vez que melhora a qualidade de vida mo em pequenas dosagens, o uso crônico dessa
dos indivíduos. Apesar disso, seu uso inade- medicação pode causar reações indesejáveis co-
quado e indiscriminado pode ocasionar riscos à mo zumbido, cefaleia, sonolência, quadros an-
mesma, conforme apontam Domingues et al. siosos e prejuízos cognitivos e motores (NA-
(2017). Diante disso, destaca-se que muitos jo- LOTO et al., 2016).
vens ao introduzir-se no âmbito universitário, Os fármacos BZDs são utilizados para solu-
onde diante de uma infinidade de demandas cionar problemas de ansiedade, os mesmos têm
acadêmicas, tais como seminários, trabalhos, efeitos sedativos podendo contribuir na vida
provas, estágios, iniciação científica, mas tam- dos universitários ou não, sendo capaz de trazer
bém de sua sociabilidade com novas amizades, malefícios com o seu uso indiscriminado. Ju-
novas rotinas, problemas no âmbito individual nior & Rocha (2021) apontam que os indiví-
e familiar podem se sentir ansiosos. Esses desa- duos procuram remédios que possam diminuir
fios se acumulam no corpo humano e provocam os sintomas de estresse, nervosismo e apreen-
alterações psicológicas e físicas que exigem do são conforme sua vida no dia a dia, e assim, es-
aluno uma adaptação contínua ao contexto, ses fatores podem gerar o uso contínuo e como
contribuindo para os fatores de estresse e ansi- consequência a dependência. Portanto, os sinto-
edade (LANTYER et al., 2016). mas causados pelo uso indiscriminado dos
Devido a esse agente, contabiliza-se que BZDs se caracterizam por causar perda de me-
15–25% dos estudantes universitários apresen- mória, sonolência e quedas. Ao usufruir os
tam algum tipo de transtorno psiquiátrico du- BZDs de forma ilógica, além da consequência
rante sua formação acadêmica (ADEWUYA et de dependência física e psíquica poderá ocasio-
al., 2006). Um desses distúrbios é a ansiedade nar hospitalização e até mesmo morte (SAN-
que tem como principais sintomas o cansaço TOS et al., 2022).
extremo, tremores, sensação de falta de ar ou Em suma, os sintomas físicos de estresse no
asfixia, coração acelerado, náuseas, dentre ou- meio acadêmico contribuem fortemente para a
tros indícios. Em virtude dos fatos mencionados prática de automedicação entre os universitá-
muitos jovens acorrem à automedicação, sendo rios. Muitas vezes, a ansiedade causada pelas
considerada “a prática rotineira e culturalmente provas e avaliações, problemas com autoes-
naturalizada de recorrer ao uso de medicamen- tima, problemas econômicos e entre outros fa-
tos sem qualquer orientação ou prescrição mé- tores, são considerados gatilhos para que esse
dica” (LARANJEIRA et al., 2020). problema ocorra entre os alunos, conforme
Visto isso, diante da saúde mental abalada, apontam Lima et al. (2021). Dessa forma, os
os estudantes, inicialmente, preferem ingerir os fármacos são utilizados muitas das vezes de
medicamentos por conta própria, como forma forma inadequada, perpassando de pessoa para
de aliviar os sintomas. Entretanto, cabe salien- pessoa sem consultar os profissionais da medi-
tar que o uso prolongado desses medicamentos cina que são aptos a prescrever medicamentos
e o não tratamento correto do distúrbio pode de acordo com a demanda de cada pessoa.
acarretar inúmeras consequências. Em virtude Diante do exposto, esse estudo é produto de
um grupo de pesquisa multiprofissional estrutu-
79 | P á g i n a
rado por estudantes e profissionais do Serviço dade e automedicação entre jovens adolescen-
Social e Psicologia, e possui como objetivo ge- tes.
ral: apresentar as consequências da automedica- A coleta ocorreu no mês de abril de 2023,
ção para ansiedade em jovens universitários. onde foi realizada uma busca nas bases de da-
Por intermédio deste, o objetivo é contribuir de dos do Google Acadêmico, BVS - Biblioteca
forma positiva com a literatura vigente sobre a Virtual de Saúde e SciELO. A partir disso, para
temática abordada, fomentando assim, os pro- encontrar os estudos relevantes para a temática
cessos de embasamento reflexivos e interventi- foram utilizados os descritores: Ansiedade, Au-
vos frente ao uso da automedicação e ansiedade tomedicação, Jovens e Universitários. Os crité-
em jovens universitários. rios de inclusão foram: estudos publicados dos
últimos 05 anos (2019-2023), exclusivamente
MÉTODO no idioma português, além de serem gratuitos,
que respondessem à questão norteadora do es-
É um estudo qualitativo, que segundo Ne- tudo e que estivessem disponíveis na íntegra. Já
ves (1996) é um instrumento que possibilita re- no que diz respeito aos critérios de exclusão, fo-
unir técnicas variadas e interpretativas, de dife- ram descartados estudos publicados nos anos
rentes características, a fim de traduzir e descre- anteriores a 2019, indisponíveis na íntegra e es-
ver as engrenagens que originam os fenômenos tudos pagos, além dos estudos que não contem-
expressados no mundo social, com isso, visa plaram totalmente o tema abordado.
sistematizar a distância entre a teoria e dados. Nesse contexto, ao pesquisar nas três bases
No que se refere ao tipo de estudo, para o pre- de dados, foram obtidos inicialmente 418 resul-
sente trabalho foi escolhido uma Revisão Inte- tados. O primeiro filtro aplicado foi de idioma,
grativa de Literatura. Conforme, Souza et al. sendo selecionado “português”. O segundo fil-
(2010), a RIL é um método que possibilita de- tro utilizado foi o de área do conhecimento, se-
terminar um conhecimento por meio de uma te- lecionando as grandes áreas de ciências da sa-
mática específica e para que esse estudo seja su- úde e ciências humanas, e assim, chegou-se a
cedido faz-se necessário seguir 06 etapas, que 317 resultados. Ao aplicar o filtro ano de publi-
foram seguidas durante a pesquisa sendo estas, cação, levando em consideração apenas artigos
a elaboração da pergunta norteadora, busca ou publicados entre 2019 a 2022, chega-se à marca
amostragem na literatura, coleta de dados, aná- de 237. No Quadro 10.1, exposto abaixo, po-
lise crítica dos estudos incluídos, discussão dos derá ser visualizado a quantidade de artigos en-
resultados e para finalizar, apresentação da RIL. contrados em cada base de dados, quantos fo-
Desse modo, buscou-se questionar sobre ansie- ram excluídos e quantos foram utilizados.

Quadro 10.1 Seleção dos estudos

Base de dados Artigos Encontrados Artigos Excluídos Artigos Utilizados

Biblioteca Eletrônica Científica - SciELO 105 103 02

Google Acadêmico 237 235 02

BVS - Biblioteca Virtual de Saúde 76 75 01

80 | P á g i n a
Fazendo-se o uso do filtro de assunto, sele- modo, 1 (um) artigo trata de automedicação de
cionando os seguintes termos: “Ansiedade”, maneira geral, (3) três artigos, afunilam essa
“Automedicação”, “Universitários”, e “Jovens” questão e tratam da saúde no contexto dos uni-
resultou em 13 artigos. Por último, foram reali- versitários, e apenas (1) um artigo tratando do
zadas as leituras dos resumos de cada texto e consumo de antidepressivos durante o período
avaliação do conteúdo individualmente, e dessa da pandemia. Em relação a metodologia ado-
forma, elegeu-se 05 estudos que responderam à tada, identificou-se que: 3 (três) artigos consis-
pergunta norteadora para serem debatidos no tem em uma revisão integrativa de literatura de
tópico a seguir. cunho qualitativo e exploratório, (1) um artigo
cujo a metodologia é descritiva e quantitativa,
RESULTADOS E DISCUSSÃO dentre estes 3 (três) artigos realizaram questio-
nário, e fizeram também um delineamento
Para a elaboração deste trabalho foram se- transversal. A seguir há a demonstração das in-
lecionados 5 (cinco) estudos que contribuíram formações sintetizadas dos artigos seleciona-
para construção e foram de extrema relevância dos. Os artigos selecionados podem ser visuali-
para o processo de pesquisa e produção, desse zados a seguir no Quadro 10.2.

Quadro 10.2 Artigos encontrados nas bases de dados

ANO TÍTULO OBJETIVO METODOLOGIA

Sintomas de depressão, an- Avaliar os sintomas de ansie-


Estudo descritivo, transversal, de análise
2019 siedade e uso de medica - dade e depressão e o uso de me-
quantitativa.
mentos em universitários dicamentos em universitários.

Compreender e caracterizar
O impacto do consumo de como a ansiedade, depressão e Estudo quantitativo com universitários
substâncias psicoativas na o stress têm impacto no con- que têm o hábito de consumir substân-
2022
saúde mental dos jovens sumo e abuso de substâncias cias psicoativas. dados coletados através
universitários psicoativas pelos estudantes de questionários.
universitários.

Revisão integrativa de literatura, de cu-


Estudo do elevado consumo
Analisar o aumento no consumo nho qualitativo exploratório, baseada em
de antidepressivos em con-
de antidepressivos em conse- estudos já divulgados, sobre o aumento
2022 sequência da pandemia da
quência da pandemia da Covid- no consumo de antidepressivos em con-
Covid-19 no Brasil – Revi-
19 no Brasil, sequência da pandemia da Covid-19 no
são Integrativa
Brasil

Busca reunir informações rele-


vantes, como a divulgação de
Automedicação e o risco à
riscos inerentes associados à Trata -se de uma revisão integrativa de li-
2021 saúde: uma revisão de lite-
essa prática, como a ocorrência teratura.
ratura
de reações adversas e intoxica -
ções.

Compreender, por meio das his-


Foi aplicado um questionário sociode-
Histórias de vidas de uni- tórias de vidas, aspectos relaci-
mográfico e um relato autobiográfico; na
2022 versitários e uso de substân- onados ao uso de substâncias
sequência, as entrevistas narrativas fo-
cias psicoativas psicoativas por estudantes uni-
ram realizadas.
versitários

81 | P á g i n a
No primeiro estudo, realizado em uma fa- cio do uso de substâncias psicoativas para dimi-
culdade privada localizada no norte de Minas nuir a timidez, aumentar a aceitação social, di-
Gerais, foi aplicado um questionário onde 292 versão e influência do ambiente (PUCCI &
estudantes entre 20 e 30 anos responderam POLLI, 2022).
questões voltadas para sintomas de depressão e Neste cenário, motivadores de estresse
ansiedade e o uso de medicamentos. O segundo como a influência pelo desempenho acadêmico
estudo, aplicou-se um questionário sociodemo- e de metas a serem atingidas, tais jovens podem
gráfico, contanto com a participação de 109 gerar sentimentos de ansiedade, vivenciando
com idades entre 18 e 38 anos, todos estudantes angústia e inquietação. Deste modo, os jovens
universitários e de nacionalidade portuguesa. O universitários estariam mais expostos ao uso de
terceiro estudo consistiu em pesquisa com base substâncias psicoativas e a condutas de risco
em outros estudos que constataram o aumento (ABREU, 2022). Ainda segundo Abreu (2022),
no uso de antidepressivos em consequência da no que se refere a sintomas de ansiedade social,
pandemia da Covid-19 no Brasil. complemen- a dependência e abuso dessas substâncias está
tando o quarto estudo, que reuniu materiais pu- relacionado a sinais anteriores de traço ansioso,
blicados entre os anos de 2015 e 2020 acerca que é identificado pelo medo demasiado em que
dos riscos da automedicação. Por fim, o último o jovem apresenta quando socialmente precisa
estudo que através das histórias de vida, reali- se expor. Com isso, propõe que a ausência de
zou um estudo com 15 estudantes, entre 18 e 28 saúde mental pode se mostrar como contribui-
anos, cujo foco é o uso de substâncias psicoati- dora para o uso de substâncias psicoativas.
vas. Ademais, todos os estudos seguem uma li- Tendo em vista este novo panorama, em
nha lógica, dialogam e se complementam tra- que o jovem universitário pretende buscar e ex-
zendo aspectos sobre os malefícios da autome- perienciar a sua própria identidade e autonomia,
dicação para tratar a ansiedade entre os jovens considera-se a forma individual diante da vida
universitários. A seguir será realizado um de- e as distintas demandas de caráter familiar, au-
bate acerca desses materiais. toconfiança, inquietude entre outros, o estímulo
para a decisão com relação a utilização de subs-
Juventude e os desafios de adequação no tâncias psicoativas. Ainda que o consumo facil-
Ensino Superior mente transitável no meio acadêmico não favo-
O ingresso do jovem na universidade é ca-
reça (ABREU, 2022). Observa-se a família co-
racterizado por incontáveis transições em diver- nectada com a escola sendo as primeiras formas
sos aspectos. Isso porque, esse acesso acaba por de socialização e desempenham atribuições in-
admitir novas condutas e relações interpessoais. dispensáveis para preservar o uso indiscrimi-
Esses jovens, que na sua maior parte são influ- nado de substâncias psicoativas. Sendo assim,
enciados pelo meio, apresentam desajustes para acredita-se que a informação pode contribuir no
práticas saudáveis, conforme aponta Abreu que diz respeito a driblar e conter o consumo
(2022). Entendendo a juventude como uma fase (PUCCI & POLLI, 2022).
de transformações mentais e também de mu- No entanto, a utilização de tais substâncias
danças sociais no cenário universitário, onde torna-se uma problemática no quesito saúde pú-
possuem a garantia de vivenciar a momentânea blica onde o alto padrão de consumo é consoli-
ausência da família e vivenciar condutas de dado com diversos impedimentos sociais e físi-
risco. Ademais, os diversos motivos para o iní- cos. Carregando assim, tantas outras demandas

82 | P á g i n a
também para a adultez, considerando que o edade em que afetam a sua qualidade de vida,
abuso de tais substâncias é correlacionado com mesmo sendo em um grau leve e, por isso, re-
a perda da plasticidade neural que a curto e quer uma maior atenção quando há reclamações
longo prazo decorre a limitações comportamen- e possíveis uso de medicamentos entres os edu-
tais (ABREU, 2022). Segundo Pucci & Polli candos, conforme sinalizam Leão et al. (2018).
(2022), a investigação do uso de drogas lícitas Logo, o uso de antidepressivos, ansiolíticos,
ou ilícitas entre jovens é importante, pois inici- analgésicos e relaxante muscular, tornam-se
ativas de prevenção apresentam resultados sig- frequentes com a prática de automedicação.
nificativos. Do ponto de vista das formas de tra- Através de uma investigação sobre sinto-
tamento, notam-se políticas de abstinência, mas depressivos entre os universitários obser-
quando se garante o tratamento em regime fe- vou-se que alguns estudantes assumiram o uso
chado, que são predileções dos familiares e na atual ou prévio de terapia medicamentosa anti-
forma por redução de danos, quando é lançado depressiva. Assim, as classes mais usadas para
mão da informação concernente às substâncias a automedicação foram as dos Antidepressivos
e uso, para que se atenue os riscos. Atípicos e Tricíclicos (ADT), os Inibidores Se-
letivos da Recaptação de Serotonina (ISRS) e
Depressão e uso de medicamentos os Inibidores dos Receptores da Serotonina No-
Os motivos que são fatores motivadores da radrenalina (IRSN) (CYBULSKI & MAN-
ansiedade e depressão nos estudantes são: a alta SANI, 2017). O predomínio da automedicação
carga horária, acúmulo de matéria, insegurança apresenta algumas variáveis no perfil da popu-
na vida profissional e etc. Ademais, os proble- lação, em alguns grupos com maior aconteci-
mas relacionados à saúde mental dos estudantes mento dessa prática como os universitários, jo-
são frequentes, no entanto poucos destes recor- vens e mulheres. De acordo com Santos et al.
rem ao tratamento, por medo ou insegurança, (2018), é representado e relacionado à prática
assim resistentes em não demonstrar fragilidade entre estudantes de enfermagem em uma amos-
perante a sociedade, conforme apontam Vas- tra de 240 acadêmicos que 91,3% afirmaram re-
concelos et al. (2015). Na pesquisa em que foi alizar automedicação e somente 8,8% afirma-
avaliado o uso de antidepressivos em estudan- ram não realizar essa prática.
tes, observou-se que 11,4% deles afirmaram Sobre os medicamentos, a maior parte faz
que fazem ou já fizeram uso de medicamentos uso do paracetamol 75,9% e 67,6% usam dipi-
para tratar a depressão. A aderência foi baixa rona. Assim, de acordo com Gama & Secoli,
entre os acadêmicos quanto ao tratamento me- (2017), há uma comparação observável tam-
dicamentoso pois tinham dúvidas quanto à far- bém em estudantes do curso de enfermagem do
macoterapia (RIBEIRO et al, 2014). Amazonas, em que a prevalência da automedi-
As principais causas de ausência do traba- cação por paracetamol e dipirona (48,8%), em
lho podem-se destacar a tristeza, o abandono fa- uma amostra com 116 estudantes. Ademais, os
miliar, os transtornos neuróticos, as alterações sintomas mais citados e tratados com autome-
no humor e o uso de medicamentos psicotrópi- dicação, foram a cefaleia e o resfriado, que são
cos (WHO, 2012), na qual também leva ao afas- parecidos aos encontrados pelos outros estudos
tamento dos estudantes das atividades acadêmi- que avaliaram tal prática no curso de enferma-
cas. Portanto, os universitários possuem mais gem. Por consequência, a cefaleia é referida
tendência a terem quadros de depressão e ansi- como um sintoma simples, comum e sem rele-
vância, porém é um sinal de doenças mais com-
83 | P á g i n a
plexas, como a enxaqueca, hipertensão arterial ras consequências no mundo atual, dentre essas
ou tumores cerebrais. Além disso, a cefaleia consequências destaca-se o quadro agravante
pode ser causada pelo abuso dos medicamentos, do aumento de distúrbios como a depressão e a
uma vez que a automedicação inadequada para ansiedade em decorrência do isolamento social
o tratamento deste sintoma pode atrapalhar o di- vivenciado pelo contexto. Por esse segmento,
agnóstico de importantes problemas de saúde Andrade et al. (2022) apontam que o isola-
(XAVIER et al., 2021). mento social refletiu de forma intensa na saúde
Moraes et al. (2018) sinalizam que a domi- mental das pessoas em geral, já que as mesmas
nância da automedicação em estudantes de me- se sentiam inseguras e com medo de uma do-
dicina é igualmente a índices nacionais, no qual ença desconhecida, cabe também ressaltar que
há altas taxas regionais da prática inadequada as notícias e os noticiários causavam pavor nas
do consumo desregulado de fármacos, com pre- pessoas, ainda nesse estudo os autores apontam
domínio no sexo feminino entre os estudantes, que houve múltiplos fatores que ocasionaram o
principalmente do terceiro e quarto ano de agravo dos quadros de ansiedade e depressão da
curso, período em que já estão na reta final da população, dentre eles destacam-se solidão,
faculdade e há uma maior exigência por parte medo de ser infectado, sofrimento e morte de
destes. Assim, é de grande importância destacar familiares, luto e preocupações financeiras
e esclarecer os riscos e as consequências desta (ANDRADE et al., 2022 apud FIOCRUZ,
prática desapropriada, pois pode levar o indiví- 2020).
duo a casos extremos, como à morte, já que Em vista disso, convém salientar que a pan-
todo medicamento possui reações diferentes, demia causou um aumento global nesses distúr-
não obstante do quão habitual seja o seu uso. bios ao apresentarem no ano de 2020 diagnósti-
Dessa forma, de acordo com Trebien et al. cos de 53 milhões de novos casos de depressão
(2011), quando se estabelece uma comparação e 76 milhões de novos casos de ansiedade, con-
com as reações medicamentosas, verifica-se forme apontam Andrade et al., (2022). Isso faz
que as reações achadas nos resultados podem
refletir acerca da conjuntura vivenciada que
ser divididas em dois tipos de reações.
contribuiu para o aumento desses casos, bem
Além disso, Zullig et al. (2015) afirma que
como o aumento da automedicação na busca de
a automedicação em adolescentes é associada a
alívio dos sintomas desses distúrbios. Logo,
diversas psicopatologias, das quais podem in-
pode-se compreender que a pandemia possui re-
cluir a depressão e os pensamentos suicidas, por
lação direta com aumento expressivo deste
consequência, os medicamentos mais usados
agravo em questão. Em consonância com os au-
são os antidepressivos, estimulantes e para alí-
tores, uma pesquisa realizada por Lima et al.
vio de dor. Portanto, Perez et al. (2015) relata
(2021) aponta que houve um aumento notório
que tanto mulheres como homens, no qual so-
de psicofármacos após a chegada da pandemia
frem com altas cargas horárias de trabalho e
da Covid-19 no Brasil.
baixo nível de escolarização associado a falta
Desse modo, concerne ponderar as mudan-
de conhecimento sobre saúde, faz o uso exces-
ças sofridas na vivência universitária no cenário
sivo da automedicação.
pandêmico, entendendo que as circunstâncias
experienciadas pelos alunos colaboram no cres-
COVID-19 e automedicação
É de ciência de todos que a pandemia da cimento da automedicação, visto que os mes-
COVID-19 (novo coronavírus) deixou inúme- mos passaram por momentos de pressão e ansi-

84 | P á g i n a
edade constante em detrimento do novo for- Considera-se, então, que no âmbito univer-
mato de educação, evidenciando as transforma- sitário, a automedicação entre jovens é muito
ções do ambiente acadêmico enquanto fator frequente, pois estes estão inseridos em um ce-
adoecedor desses jovens. nário que acaba sendo desgastante por estarem
expostos a momentos de estresse, desânimo,
CONCLUSÃO problemas com a sua situação financeira, con-
ciliação entre estudos e trabalho, desentendi-
Este trabalho possibilitou mostrar que os mentos no seio familiar, insônia, inúmeras ati-
medicamentos são substâncias que contribuem vidades a serem cumpridas e pouco rendimento
para a saúde e o bem-estar das pessoas, quando na vida acadêmica que geram a ansiedade e os
estas fazem o uso correto e com prescrição de levam a buscarem soluções para o controle de
um profissional, contudo quando não são ma- tal transtorno. Foi possível notar que a depres-
nuseados de forma adequada, podem desenca- são e a ansiedade estão fortemente presentes na
dear diversos danos à saúde e ao serem usados vida dos jovens acadêmicos e por isso essa
de forma excessiva acabam causando depen- busca incessante em alcançar a qualidade de
dência. A automedicação, quando usada para o vida através da automedicação.
tratamento do transtorno da ansiedade, em Com isso, os jovens universitários optam
grande parte, acaba se tornando um refúgio para pelo tratamento mais rápido indicado por co-
aqueles que pensam em aliviá-la para lhe dar nhecidos ou simplesmente por conta própria,
com as demandas do dia a dia. não levando em consideração que a automedi-
Diante disso, observou se que o âmbito uni- cação pode sim aliviar seus sintomas, mas es-
versitário pode ser um espaço de adoecimento quecem que é apenas por um momento e que
mental, pois o processo de adaptação em que o pode mascarar ou desenvolver um problema de
jovem é submetido afeta sua vida diretamente e saúde mais grave. A automedicação pode ser
consequentemente o seu desempenho, fazendo- considerada um problema de saúde pública e
o recorrer aos medicamentos para combater sua com esse estudo pretende-se alcançar o inte-
frustração em não conseguir colocar em prática resse em conhecer a temática e se fazer neces-
suas atividades e cumprir seu compromisso sário o alerta a jovens universitários e a popula-
como realmente deseja. Esta ação ficou mais re- ção em geral seja feito para que haja a consci-
corrente durante o período pandêmico, pois os entização da busca pela orientação profissional
estudantes passaram pela adaptação de uma para que tenha acesso ao tratamento correto e
nova forma de estudar e estar inserido no âm- adequado para a sua a saúde.
bito acadêmico.

85 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREU, A, C, M. O impacto do consumo de substâncias do Brasil. Revista brasileira de educação médica, v. 42,
psicoativas na saúde mental dos jovens universitários. n. 4, p. 55, 2018.
Dissertação de mestrado em Psicologia Clínica, Univer- LIMA, J.M.S. et al. The practice of self medication by
sidade Lusíada de Lisboa, 2022. university students. Research, Society and Development,
[S. l.], v. 10, n. 8, p. e47610817594, 2021.
ADEWUYA, A.O. et al. Depression amongst Nigerian
university students. Social psychiatry and psychiatric MORAES, L.G.M. et al. Automedicação em acadêmicos
epidemiology, v. 41, n. 8, p. 674, 2006. de Medicina. Revista da Sociedade Brasileira de Clínica
Médica, v. 16, n. 3, p. 167, 2018.
ANDRADE, M.D.S. et al. Estudo do elevado consumo
de antidepressivos em consequência da pandemia da Co- NALOTO, D.C.C. et al. Prescription of benzodiazepines
vid-19 no Brasil–Revisão Integrativa. Research, Society for adults and older adults from a mental health clinic.
and Development, v. 11, n. 13, p. e187111335271, 2022. Ciência & Saúde Coletiva, v. 4, n. 16, p. 1267, 2016.

BRASIL. FIOCRUZ. Fundação Oswaldo Cruz. Brasil. NEVES, J.L. Pesquisa qualitativa: características, usos e
Ministério da Saúde, Saúde mental e atenção psicossocial possibilidades. Caderno de Pesquisas em Administração,
na pandemia Covid. Recomendações para gestores, 2020. São Paulo, v. 1, n. 3, p. 1, 1996.
Disponível em: https://www.fiocruzbrasi-
lia.fiocruz.br/wpcontent/uploads/2020/04/Sa%C3%BAd PEREZ, M. et al. Preditores do uso de medicamentos na
e-Mental-e-Aten%C3%A7%C3%A3o-Psicossocial-na- população cigana na Espanha: um estudo nacional de
Pandemia -Covid-19-recomenda%C3%A7%C3%B5es- base populacional. Public Health, Europa, v. 129, n. 5, p.
gerais.pdf Acesso em 10 maio 2023. 453, 2015.

CYBULSKI, C.A. & MANSANI, F.P. Análise da De- PUCCI, A. & POLLI, G. Histórias de vidas de universi-
pressão, dos Fatores de Risco para Sintomas Depressivos tários e uso de substâncias psicoativas. Estudos Interdis-
e do Uso de Antidepressivos entre Acadêmicos do Curso ciplinares em Psicologia, Londrina, v. 13, p. 1, 2022.
de Medicina da Universidade Estadual de Ponta Grossa.
Revista Brasileira de Educação Médica, Rio de Janeiro, RIBEIRO, A.G. et al. Antidepressivos: uso, adesão e co-
v. 41, n. 1, p. 92, 2017. nhecimento entre estudantes de medicina. Ciência & Sa -
úde Coletiva, v. 19, n. 06, p. 1825, 2014.
DOMINGUES, P.H.F. et al. Prevalence and associated
factors of selfmedication in adults living in the Federal SANTOS, M.C.L. et al. Os Riscos da Automedicação
District, Brazil: a cross-sectional, populationbased study. pelo uso de Benzodiazepínicos no Tratamento da Ansie-
Revista de Epidemiologia e Serviços de Saúde, [S.I], v. dade e Depressão. Revista Científica FESA, [S. l.], v. 1,
2, n. 26, p. 319, 2017. n. 21, p. 11, 2022.

SANTOS, T.S. et al. Prática da automedicação entre aca- SOUZA, M.T. et al. Revisão integrativa: o que é e como
dêmicos do curso de enfermagem de uma instituição de fazer. Einstein (São Paulo), v. 8, p. 102, 2010.
ensino superior. Scientia Plena, [S. l.], v. 14, n. 7, 2018.
TREBIEN, H. A. et al. Medicamentos-Benefícios e Ris-
GAMA, A.S.M. & SECOLI, S.R. Automedicação em es- cos com Ênfase na Automedicação. Editora: UFPR. 1ª
tudantes de enfermagem do Estado do Amazonas – Bra- Ed. Curitiba: HA, 2011.
sil. Revista Gaúcha de Enfermagem, v. 38, n. 1, p.
e65111, 2017. VASCONCELOS, T.C. et al. Prevalência de sintomas de
ansiedade e depressão em estudantes de Medicina. Re-
LANTYER, A.D.S. et al. Anxiety and Life Quality vista Brasileira de Educação Médica, v. 39, n. 1, p. 135,
among Freshmen College Students: Evaluation and Inter- 2015.
vention. Revista Brasileira de Terapia Comportamental
Cognitiva, v. 18, n. 2, p.4, 2016. XAVIER, M.S. et al. Automedicação e o risco à saúde:
uma revisão de literatura. Brazilian Journal of Health Re-
LARANJEIRA, A.L.C. et al. As consequências do uso view, v. 4, n. 1, p. 225, 2021.
indiscriminado dos benzodiazepínicos e sua relação com
a dependência química. Ciências Humanas e Sociais, v. ZULLIG, K.J. et al. Uso não médico de analgésicos, es-
6, n. 1, p. 289, 2020. timulantes e depressivos prescritos por adolescentes e
risco de suicídio. Subst Use Misuse, Estados Unidos, v.
LEÃO, A.M. et al. Prevalência e fatores associados à de- 50, n.13, p. 1678, 2015.
pressão e ansiedade entre estudantes universitários da
área da saúde de um grande centro urbano do Nordeste

86 | P á g i n a
Capítulo 11

COMO VOCÊ NÃO PERCEBE


QUE EU VOU ME MATAR?
RAFAEL FONSÊCA DIAS¹
SYLLAS FONSÊCA DIAS²
ANNA LUIZA TORRES DE VASCONCELOS²
ALLANY MIRELA CEZARINO³
PATRÍCIA FERREIRA FREIRE²
MARIANA ALENCAR MÁXIMO LACERDA²
LEONARDO FERREIRA LOUREIRO²
TAIZA LIANNE SOMBRA LIMA²
MANOEL FELIPE MACHADO CAMPOS²
TASSIO GARRIDO PIMENTEL²
JOÃO BOSCO ANTUNES TEIXEIRA NETO²
JOÃO PAULO DA SILVA GOMES4
SAULO SILVA JUCÁ5
BRUNO GONÇALVES PEIXOTO²
ALANA DINIZ DE OLIVEIRA6

1. Discente – Doutorado em Medicina da Universidade Federal do Acre- UFAC


2. Discente – Doutorado em Medicina da Faculdade de Medicina de Olinda - FMO
3. Discente – Doutorado em Medicina da Univerdad Internacional Tres Fronteras - UNINTER
4. Discente – Doutorado em Medicina do Centro Universitário Maurício de Nassau - UNINASSAU
5. Discente – Doutorado em Medicina do Centro Universitário Uninorte
6. Graduada – Doutorado em Medicina da Universidad Maria Serrana- Revalidada pela Universidade de
Brasília.

Palavras Chave: Suicídio; Ideação suicida; Tentativa de suicídio.

10.59290/978-65-6029-006-8.11
87 | P á g i n a
INTRODUÇÃO De acordo com a OMS, em 2021 mais de
700 mil pessoas tiraram sua própria vida no
O suicídio tem sido cada vez mais comum mundo no último ano. Vidas são ceifadas pelas
principalmente entre os jovens, com a rapidez próprias vítimas que poderiam ter sido evitadas,
da globalização e os padrões, como estética, caso alguém percebesse. Apesar da depressão
formação acadêmica, status social, vida finan- ser de causa multifatorial, majoritariamente
ceira, poder aquisitivo, esses padrões que a so- está implicada na pessoa com comportamento
ciedade impõe estão cada vez mais exigentes, a suicida, acompanhado de sintomas como hu-
comparação é quase que inevitável, no entanto, mor deprimido, a falta de interesse e/ou prazer
há uma necessidade de saber lidar com essas nas atividades diárias que poderia ser percebido
questões para não cair nas armadilhas da mente. por familiares, amigos, vizinhos a ligarem um
Dessa forma, é necessário ter um emocional es- alerta e buscar uma ajudar para que possa salvar
tável para saber lidar com adversidades que a essa vida.
vida nos impõe, porque além disso, há situações Há um estigma muito grande que impera na
inesperadas que acabam sucedendo, tais como sociedade sobre o suicídio que são endossadas
acidentes, traumas, perdas, frustrações. com muito preconceito, frase como: “isso para
O suicídio é considerado um problema de chamar atenção” “É falta do que fazer”, “Isso é
saúde pública e está entre umas das principiais de quem não teve uma boa criação”, é muito
causas de mortalidade no mundo (OMS, 2021). proferida por pessoas que não tem conheci-
Neste mesmo ano, a campanha internacional mento algum sobre o que está acontecendo com
sobre a conscientização do suicídio que é o se- vítima. A ideação suicida associada à depressão
tembro amarelo, com lema a vida é minha me- em adolescentes é prevenível desde que o ado-
lhor escolha, foi incentivada pela OMS e pelo lescente seja devidamente tratado. Há necessi-
Ministério da Saúde a ter palestra e discussões dade de investimentos em pesquisas no Brasil,
em âmbito nacional sobre essa temática em toda dado o crescimento das taxas de suicídio entre
a sociedade brasileira, tendo em vista que os ín- adolescentes, sobretudo do sexo masculino
dices de suicídios continuam alarmantes. Esta (MOREIRA & BASTOS, 2015).
mesma campanha iniciou há 10 anos, em 2013, O suicida na verdade não quer se matar, ele
quando o presidente da Associação Brasileira quer matar sua dor (CURY, 2006). Mas para
de Psiquiatria (ABP), Antônio Geraldo da acabar com essa dor, acabam ceifando a própria
Silva, deu devida importância sobre a conscien- vida. A falta de suporte, apoio emocional con-
tização do tema e colocou no calendário nacio- tribui também para que ocorra esse episódio fa-
nal a campanha internacional setembro-Ama- tal, que muitas vezes para amigos e familiares
relo. No ano seguinte, a ABP em parceria com passa de maneira oculta porque não tinha co-
o Conselho Federal de Medicina – CFM divul- nhecimento sobre os traços de uma pessoa sui-
gam e conquistam parceiros no Brasil que per- cida.
mitiu a implementação da campanha em todo O objetivo deste estudo foi a criação de um
território nacional. Outra campanha importante, manual de prevenção contra o suicídio, abor-
é o janeiro-branco que aborda sobre questões dando com uma linguagem fácil, acessível e di-
voltadas à saúde mental e demonstra a impor- nâmica para ser divulgada em escolas públicas,
tância do cuidado da saúde mental e seus refle- particulares e comunidades afim de identificar
xos nos comportamentos. possíveis pessoas que pensam na prática do sui-

88 | P á g i n a
cídio. Ademais, criar cards (propaganda) infor- ticas abordando: O que fazer diante uma possí-
mativos para divulgação nas mídias sociais, vel tentativa de suicídio; o que não fazer; quais
com o intuito de alcançar o maior número de os sinais e sintomas e explicando porque a pes-
pessoas. Dessa forma, o principal objetivo soa geralmente não busca ajuda.
desse manual é a conscientização sobre o risco
de suicídio, a busca por prevenir de forma efe- DISCUSSÃO
tiva e mostrar de forma simples e direta quais
os sinais e sintomas de uma pessoa que pensa A maioria das pessoas que cometem o sui-
nesta temática, abordar as comorbidades podem cídio elas deixam evidencia muitas vezes expli-
estar potencializando o comportamento suicida citas que irá cometer o ato, um comportamento
e quais as faixas etárias que são mais vulnerá- diferente, uma fala, que em uma simples con-
veis. versa poder ser detectado, muitas vezes de
forma subliminar, vão deixando traços que es-
MÉTODO tão piorando ou decaindo emocionalmente.
Há evidência de uma série de alterações
Trata-se de uma revisão integrativa reali- químicas no cérebro de uma pessoa depressiva,
zada no período do mês de março a abril de onde existe uma diminuição de hormônios
2023, por meio de pesquisas nas bases de dados como a serotonina e noradrenalina, hormônios
PubMed e SciELO. Foram utilizados os descri- estes que são fundamentais para um equilíbrio
tores: Suicídio, ideação suicida, tentativa de do funcionamento mental, que estão ligados a
suicídio. Desta busca foram encontrados 15 ar- felicidade, prazer e alegria, tanto que os fárma-
tigos, posteriormente submetidos aos critérios cos que são utilizados para o tratamento de de-
de seleção. pressão são para ajustar os desequilíbrios des-
Os critérios de inclusão foram: artigos nos ses neurotransmissores.
idiomas inglês e português; publicados no perí- As causas não são tão bem elucidadas, no
odo de 2017 a 2023 e que abordavam as temá- entanto há evidências de fatores genéticos, am-
ticas propostas para esta pesquisa, estudos do bientais, traumáticos que marcam o indivíduo
tipo (revisão, meta-análise), disponibilizados gerando um sentimento de medo, culpa, infeli-
na íntegra. Os critérios de exclusão foram: arti- cidade, tristeza patológica, martírio que pode
gos duplicados, disponibilizados na forma de ser ou não precedido de um evento desencade-
resumo, que não abordavam diretamente a pro- ante como uma perda de um ente querido, trau-
posta estudada e que não atendiam aos demais mas psicológicos marcantes da infância, sepa-
critérios de inclusão. Ressalta-se que estes da- ração, bullying, fracassos nos projetos ou asso-
dos brutos sem identificação das vítimas e res- ciados a outras patologias física, psicológica.
peitando integralmente as resoluções 466/2012 Existe uma alteração da percepção da reali-
e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde e dade com uma visão pessimista e negativa so-
suas prerrogativas interinstitucionais. bre si e sobre o mundo ao redor. Dessa maneira,
Após os critérios de seleção restaram 06 ar- a perspectiva da vítima está estagnada sobre a
tigos que foram submetidos à leitura minuciosa ótica do problema que o atormenta. Geral-
para a coleta de dados. Os resultados foram ex- mente, a pessoa está sofrendo algum transtorno
postos de forma descritiva, e foram menciona- mental ou ter passado por uma fase muito difícil
dos na discussão, divididos em categorias temá- na vida, como uma traição, bullying, dificul-

89 | P á g i n a
dade financeira, problemas no trabalho, um • Êxito ou suicídio consumado
abandono, problemas com a sexualidade e luto,
etc. Para Bachmann (2018) a maioria dos suicí- O que é a ideação suicida?
dios em todo o mundo está relacionada a doen- A ideação suicida (IS) é quando há pensa-
ças psiquiátricas. Entre eles, depressão, uso de mentos de autodestruição e ideias suicidas, en-
substâncias e psicose constituem os fatores de globando desejos, atitudes e planos que o indi-
risco mais relevantes, mas também ansiedade, víduo tem para dar fim à própria vida e está im-
transtornos de personalidade, alimentares e re- plicado diante o risco iminente de alguma pes-
lacionados a traumas. soa realizar o ato. É evidente que as ideações
A vida não vem com um manual de instru- suicidas se apresentam de "maneira crescente e
ções de como devemos fazer diante de certas si- minguante", de modo que a magnitude e as ca-
tuações, com isso, não há uma certeza se as coi- racterísticas da IS flutuam dramaticamente
sas irão sair como planejado, então o que resta (HARMER et al., 2022).
é amenizar os riscos por meio da prevenção, cri-
ando hábitos saudáveis que possibilita a gera- Porque a pessoa com o pensamento sui-
ção de um ambiente mais propício para que pos- cida NÃO procura ajuda?
Há um estigma muito grande que impera na
samos cultivar, aprender, melhorar planos e
sociedade com uma visão pecaminosa e cheia
projetos para que sejam realizados, mas se tam-
de condenação, ao invés emanar um olhar mais
bém isso não ocorrer, sejam criados métodos
empático e cuidadoso para fazer com que a ví-
para os danos emocionais sejam amenizados.
Quais métodos? tima se sinta acolhida/amparada. O medo de ser
Primeiramente, buscar assistência psicoló- julgada ao abordar a causa, seja por alguma de-
gica, por meio de terapia ou até mesmo um ficiência física, problemas com sexualidade,
acompanhamento para um profissional mais problemas familiares, falta de aceitação de al-
qualificado para, se necessário, fazer o uso de guma condição, trauma psicológico em decor-
medicamentos. Há uma necessidade urgente de rência de uma violência física, psicológica, se-
elaborar e implementar programas educativos e xual ou dificuldade financeira impede buscar
campanhas de conscientização sobre suicídio e ajuda e resolver o que está afetando mental-
mente.
saúde mental entre jovens em escolas e univer-
A IS é muito comum, principalmente entre
sidades. Tais intervenções podem aumentar o
conhecimento, diminuir o estigma, mudar as os jovens, geralmente desencadeado por algum
trauma psicológico, alguma perda ou fator que
atitudes de busca de ajuda psicológica (AL-
marcou sua vida de maneira negativa. Existe
SHANNAQ & ALDALAYKEH, 2023).
Após tudo isso, fazer atividades que auxi- uma tristeza fisiológica, pois é normal ficarmos
liam um melhor desempenho mental, sendo de tristes de vez em quando com pesares da vida,
maneira satisfatória, como atividades de agrado com algum acontecimento ruim ou notícia trá-
do paciente. O ideal seria o estímulo por ativi- gica, no entanto, quando isso passa ser diário e
dade física que estimula a produção de endor- progressivo demonstra que a pessoa necessita
fina, regular o sono e serotonina. de ajuda e já se torna uma tristeza patológica e
O suicídio possui 3 etapas: muitas vezes há um pedido de socorro sublimi-
• Ideação suicida
nar, que passa despercebido por pessoas mais
próximas.
• Tentativa de suicídio

90 | P á g i n a
O que é a tentativa de suicídio? 5- Acolher a vítima tanto física como emo-
A tentativa é um ato sem resultado letal que cionalmente;
o indivíduo causa danos a si mesmo, geralmente 6- Conscientizar os familiares sobre o ocor-
as mulheres estão implicadas em métodos me- rido;
nos drásticos, como tomar muitos medicamen-
tos de uma vez, cortar os pulsos, envenenar-se. O que NÃO fazer?
“mais mulheres tentam o suicídio do que ho- 1- Menosprezar a situação;
mens, mas mais homens morrem. Isso porque 2- Agir de maneira omissa;
as tentativas masculinas tendem a ser mais vio- 3- Brigar com a pessoa por pensar ou tentar
lentas” (VIANA- UFES, 2022), como enforcar, fazer tal ato;
pular de prédio, dar um tiro na própria cabeça, 4- Desafiar a pessoa cometer suicídio;
e às vezes a pessoa necessita de várias tentativas 5- Julgá-la ou condená-la;
para conseguir tirar a própria vida. De acordo 6- Deixar a pessoa sozinha;
com o boletim epidemiológico 33, do ministé- 7- Comparações com outros casos (ex.: fu-
rio da saúde de 2021: “Homens apresentam um lano está pior do que você e não se matou);
maior risco de morte por suicídio em relação às 8- Jurar segredo;
mulheres. Não obstante, mulheres apresentam 9- Não buscar ajuda;
maiores prevalências de ideação e tentativas de 10- Não orientar a família caso entenda do
suicídio”. assunto.
O êxito é conseguir efetuar o suicídio pro-
priamente dito. É onde não há mais solução Quais os sinais e sintomas de uma pessoa
para o caso. Todo e qualquer ato por meio do que pode se matar?
qual uma pessoa causa lesão a si própria, inde- • Falta de interesse em coisas que tinha
pendente do grau de letalidade, é considerado antes;
comportamento suicida • Perda de prazer nas atividades diárias;
• Humor deprimido;
RESULTADOS • Isolamento Social;
• Sentimento de culpa excessiva;

Espera-se que haja uma redução drástica do • Mudança drástica de comportamento;

número de suicídio com a divulgação do ma- • Comportamento retraído;

nual, devido a conscientização da população de • Dificuldade de relacionamento pessoal;

traços simples de uma pessoa com grande po- • Doença psiquiátrica;


• Alcoolismo e drogas;
tencial de suicídio. Com uma linguagem sim-
• Ansiedade ou pânico;
ples e objetiva.
• Mudança na personalidade, irritabili-
dade, pessimismo, depressão ou apatia;
O que fazer?
• Mudança no hábito alimentar e de sono;
1- Impedir que a pessoa cometa o suicídio;
• Tentativa de suicídio anterior;
2- Acalmar a vítima;
• Odiar-se, de se sentir sem valor ou com
3- Alertar as autoridades ou serviços de
vergonha;
atendimento médico;
• Uma perda recente importante – morte,
4- Ligar no Centro de Valorização da Vida
divórcio, separação, etc;
188;

91 | P á g i n a
• História familiar de suicídio; que 90% dos suicídios SÃO EVITÁVEIS e que
• Desilusão amorosa; ocorre:
• Pesquisa sobre suicídio/morte; Um suicídio ocorre a cada 40 segun-
• Escrever sobre despedida; dos no mundo e a cada 45 minutos no Bra -
sil. Todo dia, 28 brasileiros cometem sui-
• Falar muito sobre suicídio;
cídio e, para cada morte, há entre 10 a 20
• Automutilação. tentativas, de acordo com a Organização
Mundial de Saúde (OMS). Suicídio ou au-
Isolamento Social: É um dos principais tocídio é o ato intencional de matar a si
alertas que devemos nos atentar, pois quando há mesmo. Não é drama. Não é pra chamar a
atenção. Não é falta de Deus, e muito me-
o isolamento sem causa aparente como apenas
nos frescura. É uma opção errada. Aliás,
a reclusão para estudo de um concurso ou pro- nem é opção, é um equívoco gravíssimo. O
jeto no qual há uma dedicação, já demonstra comportamento suicida está associado
que a pessoa não quer compartilhar e nem des- com a impossibilidade do indivíduo de
frutar momentos com outras pessoas, acompa- identificar alternativas viáveis para a solu-
nhado de tristeza já mostra que essa pessoa ção de seus conflitos, optando pela morte
como resposta à fuga da situação de es-
pode necessitar de ajuda.
tresse.
Mudança de Humor: A mudança repen-
tina de humor, mudança drástica de comporta-
mento e reações desproporcionais ao estímulo CONCLUSÃO
demonstra a presença de desequilíbrio mental
que a pessoa possa estar enfrentando. Este estudo indica que os jovens são mais
Humor deprimido: Na maior parte do susceptíveis a tentativa de suicídio, apesar das
tempo a pessoa está com um semblante triste, campanhas feitas pela OMS e pelo Ministério
chorosa, abatida, cabisbaixa, descuidada, não da Saúde, os números permanecem alarmantes,
demonstra nenhum sorriso, o descontentamento dessa forma, a criação de políticas públicas
diário ou na maior parte do tempo com aconte- mais efetivas e de maior impacto necessitam ser
cimentos bons. realizadas. Contudo, a criação deste manual se
Falta de interesse: Perda de interesse em faz necessário na conjuntura atual, na qual os
atividades que antes gostava de fazer, fica res- índices de suicídios estão em níveis altíssimos,
trita ao leito na maior parte do tempo, seus hob- apesar das campanhas serem realizadas os nú-
bies são deixados de lado. meros demonstram que a eficácia ainda se man-
Mudança no hábito alimentar e de sono: tém baixa, dessa forma, há uma necessidade de
São os primeiros sintomas a se manifestar e já aprimorar essas campanhas de conscientização,
pode ser preditor de uma depressão e que uma exemplificando como identificar possíveis ris-
pessoa está passando por problemas emocio- cos de forma clara, para qualquer cidadão possa
nais. perceber e buscar ajuda. À medida que nos ade-
quamos a cada cenário com acolhimento rá-
Estatísticas pido, dando um suporte físico e emocional ne-
Um estudo publicado na página do CO- cessário às vítimas, e os índices começarem a
REN/ES (Conselho Regional de Enfermagem diminuir, mostrará que as condutas trarão resul-
do Espírito Santo) em 26/09/2017, reportando tados benéficos.

92 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
ABP- Associação Brasileira de Psiquiatria. 2013. Dis-
ponível em: < https://www.setembroamarelo.com/>. CURY, A. Pais brilhantes, professores fascinantes. Edi-
Acesso em 14 fev. 2023. tora Sextante, 1ª edição, 2006.

ABP- Associação Brasileira de Psiquiatria. 2014. Dis- HARMER B. et al. Suicidal Ideation. 2022. In: StatPearls
ponível em: <https://www.abp.org.br/setembro-ama- [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing;
relo>. Acesso em 14 fev. 2023. 2022.

AL-SHANNAQ, Y. & ALDALAYKEH M. Suicide lit- ICICT - Instituto de Comunicação e Informação Cientí-
eracy, suicide stigma, and psychological help seeking at- fica e Tecnologia em Saúde. Fiocruz. Disponível em:
titudes among Arab youth. Current psychology, v. 42, n. <https://www.icict.fiocruz.br/>. Acesso em: 17 jan.
8, p. 6532, 2023. 2023.

BACHMANN S. Epidemiology of Suicide and the Psy - JANEIRO BRANCO. Saúde Mental. Conves Digital.
chiatric Perspective. International Journal of Environ- Disponível em: <https://janeirobranco.com.br/>. Acesso
mental Research and Public Health, v. 15, n. 7, p. 1425, em 17 fev. 2023.
2018.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Vigilância em
CEP/CONEP. Autoridade Institucional e autoridade na- Saúde. Mortalidade por suicídio e notificações de lesões
cional do Conselho Nacional de Saúde. Diário Oficial da autoprovocadas no Brasil. Boletim Epidemiológico 33, v.
União. Resolução 510. 2016. Disponível em: 52, 2021. Disponível em: <https://www.gov.br/saude/pt-
<https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2016/re br/centraisdeconteudo/publicacoes/boletins/epidemiolog
s0510_07_04_2016.html>. Acesso em 15 de fev. 2023. icos/edicoes/2021/boletim_epidemiologico_svs_33_fina
l.pdf>. Acesso em 17 fev. 2023.
CNS - Conselho Nacional de Saúde. Resolução 466.
2012. Disponível em: <https://conse- MOREIRA, L.C.O. & BASTOS, P.R.H.O. Prevalência e
lho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf>. Acesso fatores associados à ideação suicida na adolescência: re-
em 15 de fev. 2023. visão de literatura. Psicologia Escolar e Educacional, v.
19, p. 445, 2015.
COREN/ES. Conselho Regional de Enfermagem do Es-
pírito Santo. 2017. Setembro Amarelo: 90% dos suicídios WORLD HEALTH ORGANIZATION. Suicide. World
são evitáveis e você pode ajudar. Disponível em: Health Organization, 2021. https://www.who.int/news-
<http://www.coren-es.org.br/setembro-amarelo-90-dos- room/factsheets/detail/suicide. Acesso em: 28/05/2022.
suicidios-sao-evitaveis-e-vocepodeajudar_12689.html>.
Acesso em 17 fev. 2023.
.

93 | P á g i n a
Capítulo 12

OS IMPACTOS DO USO DE
SUPLEMENTOS NUTRICIONAIS
NO TRATAMENTO ADJUVANTE
DOS TRANSTORNOS DE
ANSIEDADE

JEAN DE BESSA MELO¹


ANA GABRIELA BRANDÃO SILVA 1
GABRIELLA MORAES ALVES¹
GIOVANNA MARIA DE OLIVEIRA TOMÉ 1
GUSTAVO BORGES DE OLIVEIRA ARANTES 1
JACKELINE DIAS DA CUNHA BORGES 1
JULIE PAIVA SOUZA1

1. Discente – Medicina da Universidade Evangélica de Goiás (UniEVANGÉLICA)

Palavras Chave: Ansiedade; Terapêutica; Suplementos nutricionais.

10.59290/978-65-6029-006-8.12
94 | P á g i n a
INTRODUÇÃO dos: Biblioteca Virtual em Saúde (BVSalud).
Foram utilizados os descritores: Suplementos
Define-se ansiedade como aflição, angústia, Nutricionais e Ansiedade. Desta busca foram
perturbação de espírito causado pela incerteza. encontrados 211 artigos, posteriormente sub-
Assim, é importante ressaltar que deve-se con- metidos aos critérios de seleção.
siderar ansiedade como uma manifestação emo- Os critérios de inclusão foram: publicados
cional que ora nos beneficia ora nos prejudica, no período de 2018 a 2023 e que abordavam as
dependendo das circunstâncias ou intensidade, temáticas propostas para esta pesquisa, dispo-
podendo tornar-se patológica, isto é, prejudicial nibilizados na íntegra. Os critérios de exclusão
ao nosso funcionamento psíquico e somático foram: artigos duplicados, disponibilizados na
Dessa forma, compreende-se que a ansiedade forma de resumo, revisões de literatura, cartas,
fisiológica é quando o individuo está diante de relatos de caso e protocolos, artigos que não
uma ameaça e em contrapartida a ansiedade abordavam diretamente a proposta estudada e
patológica provoca prejuízo na funcionalidade, que não atendiam aos demais critérios de in-
sendo assim há aspectos fundamentais para a clusão.
distinção destas, tais quais frequência, etiologia Após os critérios de seleção restaram 13
e duração (DALGALORRONDO, 2019). artigos que foram submetidos à leitura minu-
Além disso, é relevante indicar que as sín- ciosa para a coleta de dados. Os resultados fo-
dromes ansiosas representam os transtornos ram apresentados de forma descritiva, divididos
mentais mais prevalentes entre os sujeitos, dito em categorias temáticas abordando: terapêutica
isso tem-se ocorrência entre 17% e 30%, sendo significante, sintomas de melhora e suplemen-
o sexo feminino mais afetado (DALGALOR- tos utilizados.
RONDO, 2019).
Ademais, embora o tratamento medicamen- RESULTADOS E DISCUSSÃO
toso seja considerado a primeira linha de inter-
venção, tem-se como aliado mudanças de hábi- A análise dos 13 artigos selecionados per-
tos, como eliminação de uso de estimulantes e mite a observação de 5 artigos publicados no
a prática regular de exercícios físicos somados ano de 2022, 5 artigos publicados no ano de
a psicoterapia e terapia cognitivo-comporta- 2021, 2 artigos publicados no ano de 2020 e 1
mental (BERNIK et al., 2014). artigo publicados no ano de 2018. Diante desses
O presente estudo tem por objetivo compre- artigos, as revistas em que se encontram a pes-
ender, por meio de uma revisão de literatura, os quisa na íntegra são: Nutrientes, Food & Func-
impactos do tratamento adjuvante ou suplemen- tion, Human Psychopharmacology, Codas,
tação dietética nutricional no desenvolvimento Neuroscience, Scientific Reports, Nutritional
e na progressão do transtorno de ansiedade. Neuroscience e Brain and Behavior, com pre-
dominância de 46% na Nutrients, equivalentes
MÉTODO a 6 artigos, e 1 artigo em cada revista respec-
tivamente. O idioma de publicação de 12 arti-
Trata-se de uma revisão de literatura inte- gos foi em língua inglesa e apenas 1 artigo em
grativa, realizada no período de março e abril português. Ademais, a adoção de metodologias
de 2023, por meio de pesquisas na base de da- baseou-se em sua maioria (77%) em ensaios
clínicos randomizados controlados por placebo.

95 | P á g i n a
Diante das pesquisas selecionadas, percebe- tanto (ZHU et al., 2020; KIMBALL et al.,
se como utilização de suplemento nos desenhos 2018).
de estudo: suplemento de vitamina D (23%), O intestino é visualizado com uma micro-
probióticos (30,8%), multivitamínicos (15,4%), biota rica de microrganismos envolvidos na
multiminerais (15,4%), açaí (7,7%), doadores manutenção da vitalidade humana, sendo cons-
de metila (7,7%), S-adenosilmetionina (7,7%), tatada a comunicação entre esse órgão e as vias
extratos de Tilia tomentosa Moench Bud (7,7%) neurais, conhecido como eixo cérebro-intesti-
e prebióticos (7,7%). Outrossim, alguns estu- no. A neurofisiologia envolvida nesse eixo,
dos, avaliaram ainda a influência de outros fato- possui ligação com os neurotransmissores 5-hi-
res na melhora dos sintomas de ansiedade, tais droxitriptamina e norepinefrina, e que quando
como: exposição ao sol, realização de atividade alteradas essas vias, seja por disbiose, inflama-
física, obesidade e exposição a estressores. ção, neoplasias ou distúrbios metabólicos, há
A vitamina D está ligada a função de intensa assimilação com a patogênese de trans-
sinalização de trofismo neuronal por meio da tornos neuropsiquiátricos, tal como a ansiedade
modulação do fator de crescimento derivado de (BIASIBETTI & XAVIER, 2022).
células gliais (GDNF) e do fator de crescimento Todos os artigos que estudaram a influência
neural (NGF). Logo, atribui-se relação de neu- do uso de suplementos probióticos, mostraram
roproteção, uma vez que influencia a sobre- redução significativa do estresse referido, sinto-
vivência e migração de neurônios em desenvol- mas de ansiedade e estresse relacionados ao
vimento, e a modulação de receptores dopami- ambiente de trabalho (WU et al., 2022; SAL-
nérgicos e colinérgicos. O estabelecimento de LEH et al., 2021; HAGHIGHAT et al., 2021;
alterações nessas vias por influência ambiental KIMBALL et al., 2018). A melhoria dos sinto-
e epigenética está interligada com o processo de mas de alterações de sono não se mostrou signi-
estabelecimento de transtornos psiquiátricos ficativas, exibindo relativa melhoria apenas em
(ESERIAN, 2013). grupos que exibiam níveis de ansiedade ou es-
tresse mais graves (WU et al., 2022). Além dis-
O transtorno de ansiedade é influenciado
por fatores ambientais, tal como o tempo de so, não houveram diferenças significativas en-
tre grupo controle e grupo probiótico quanto
exposição solar, sendo a evitação desse um
aos sintomas de humor (SALLEH et al., 2021).
fator amplamente associado ao alto risco de
O uso de suplementos probióticos envolveu a
desenvolvimento ou piora da progressão do
utilização de Lactobacillus paracasei, Lactoba-
transtorno (ANOUTI et al., 2022). Diante dis-
cillus casei, Lactobacillus acidophilus, Bifido-
so, a suplementação de vitamina D, quando
bacterium bifidum, Bifidobacterium lactis e
comparado com grupos controle, apresentou
Bifidobacterium longum (WU et al., 2022;
resultados significantes na melhoria de sinto-
SALLEH et al., 2021; HAGHIGHAT et al.,
mas em populações específicas, como gestan-
2021; KIMBALL et al., 2018). Outrossim, o
tes, pessoas idosas e pessoas expostas a ansie-
uso de prebióticos não digeríveis que excitam o
dade sazonal devido a vivência em locais com
crescimento bacteriano no intestino, tal como o
invernos prolongados. No entanto, essa suple-
uso de galacto-oligossacarídeos em pacientes
mentação apresentou resultados discordantes
altamente ansiosos, apresentou tendência em
quanto a diminuição de sintomas do transtorno
melhorar o bem-estar emocional desses pacien-
depressivo, não havendo indicação segura por-
tes (JOHNSTONE et al., 2021).

96 | P á g i n a
Além da microbiota intestinal influenciar transtorno (MATOS, 2022). Assim sendo, o
por si só os sistemas neurais disfuncionais da estudo de Oppitz et al. (2022) demonstrou que
ansiedade, a absorção de íons essenciais (mag- a suplementação dietética com açaí provocou
nésio, ferro, cobre, zinco, magnésio e cobalto), redução desses biomarcadores de metabolismo
fibras, ácidos graxos, minerais, vitaminas antio- oxidativo, mas não de modo significativo. Em
xidantes e vitaminas do complexo B estão inti- relação a suplementação de S-adenosilmetioni-
mamente ligados ao eixo cérebro-intestino. O na identificou-se resultados como: aumento dos
magnésio, por exemplo, é um dos cátions mais níveis de glutationa no fígado, aumento de TGF
importantes encontrados no corpo humano, cerebral e melhoria da morfologia microglial,
envolvido em reações enzimáticas, contrações sem melhoria nos marcadores periféricos
musculares e atividades neuronais, como a libe- (VELDEN & OSBORNE, 2021). Já em relação
ração de neurotransmissores (LAKATOS et al., a suplementação com doares de metila, apre-
2004). Já a vitamina B6, relaciona-se a dinâmi- sentou-se melhora do perfil oxidativo (COU-
ca de metabolização lipídica e no transporte de LIBALY et al., 2021). Por fim, para o uso de
substâncias essenciais através do plasmalema extratos de Tilia tomentosa Moench Bud, a me-
(SOUZA, 2013, apud SILVA & MURA, 2007). lhoria dos sintomas de ansiedade variaram a
Os estudos de Kimball et al. (2018) e Field depender da idade e sexo dos pacientes (TUR-
et al. (2022) evidenciaram redução nos sinto- RINI et al., 2020).
mas autorreferidos de ansiedade, no transtorno
de ansiedade generalizada quando em uso de CONCLUSÃO
suplemento vitamínico de B6. Corrobora com
esse resultado o estudo de Souza (2013), reali- O presente estudo apresentou a observação
zado anteriormente, que demonstra também dos impactos do tratamento adjuvante com su-
performance positiva para tais aspectos encon- plementação dietética nutricional no desenvol-
trados, assim como melhorias na variabilidade vimento e na progressão do Transtorno de
da pressão arterial e correlação com o aumento Ansiedade e consequente melhora na qualidade
da biossíntese de 5-hidroxitriptamina e dopami- de vida do paciente. A suplementação nutri-
na. Além disso, mostrou-se que a suplemen- cional percorre um caminho no qual promove
tação dietética com peptídeos bioativos junto ao atenção qualificada pelos profissionais da saúde
íon metálico magnésio, não piora os sintomas e adesão ao tratamento pelos portadores de
de ansiedade, assim como não provocou ne- ansiedade. De maneira geral, a revisão em ques-
nhum efeito colateral ou sintoma rebote após tão identificou, por meio dos estudos anali-
descontinuação, mas ainda assim não foi eficaz sados, o importante papel da nutrição como te-
em aspectos comparativos a ansiolíticos, evi- rapia para o Transtorno de Ansiedade, apresen-
denciando a incerteza de sua eficácia no trata- tando seus resultados na redução dos sintomas
mento adjuvante (ODDOUX et al., 2022). da doença, bem como na melhora no cotidiano
Outros suplementos e resultados associados dos pacientes com ansiedade. Assim, torna-se
foram avaliados, tais como o uso de açaí, doa- evidente a relevância do apoio nutritivo como
dores de metila e extratos de S-adenosilmetio- terapia adjuvante para tais pacientes. Sendo
nina. Na atualidade, é conhecido que indivíduos necessários trabalhos como este que permitam
com transtorno de ansiedade apresentam bio- discussões sobre o assunto, bem como a aber-
marcadores de estresse oxidativo elevados, evi- tura para novas abordagens em relação à
denciando sua relação com a psicopatologia do temática.
97 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANOUTI, F.A. et al. Associations between Doetary LAKATOS, B. et al. The role of essential metal ions in
Intake of Vitamin D, Sun Exposure, and Generalized the human organismo and their oral supplementation to
Anxiety Among College Women. Nutrients, v. 14, n. 24, the human body in deficiency states. Orvosi Hetilap, v.
p. 5327, 2022. 145, n. 25, p. 1315, 2004.

BERNIK, M. et al. Trasntornos de ansiedade ao longo da MATOS, A.C.P. Efeito da suplementação com ômega-3
vida. In: FORLENZA, O. V. & MIGUEL, E. C. Clínica em comportamento relacionado à ansiedade em
Psiquiátrica de Bolso. Manole: Barueri, p. 241, 2014. camundongos alimentados com dieta rica em
carboidratos. Monografia (Bacharelado). Universidade
BIASIBETTI, A.C.T. & XAVIER A.L.G. A influência Federal de Uberlândia - Patos de Minas, MG, 2022.
do eixo intestino-cérebro na ansiedade e na depressão.
23f. Dissertação (Trabalho de Conclusão de Curso de ODDOUX, S. et al. Effect of a Dietary Supplement
Nutrição). Centro Universitário Ritter dos Reis – Porto Combining Bioactive Peptides and Magnesium on
Alegre, RS, 2022. Adjustment Disorder with Anxiety: A Clinical Trial in
General Practice. Nutrients, v. 14, n. 12, p. 2425, 2022.
COULIBALY, S.M. et al. Effects of the Methyl Donors
Supplementation on Hippocampal Oxidative Stress, OPPITZ, S.H. et al. Suplementação com açaí (Euterpe
Depression and Anxiety in Chronically High Fructose- Oleracea Martius) para o tratamento do zumbido crônico:
treated Rats. Neuroscience, v. 476, p. 1, 2021. efeitos na percepção, níveis de ansiedade e
biomarcadores de metabolismo oxidativo. CoDAS, v. 34,
DALGALARRONDO, P. Síndromes ansiosas e n. 4, 2022.
síndromes com importante componente de ansiedade. In:
DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e semiologia SALLEH, R.M. et al. Effects of Probiotics on Anxiety,
dos transtornos mentais. Porto Alegre, 2000. Artmed: Stress, Mood and Fitness of Badminton Players.
Porto Alegre, p. 365, 2019. Nutrients, v. 13, n. 6, p. 1783, 2021.

ESERIAN, J.K. Papel da vitamina D no estabelecimento SOUZA, B. S. Investigação do potencial ansiolítico de


e tratamento de transtornos neuropsiquiátricos. Revista Magnésio e Vitamina B6 em uma única administração
de Ciências Médicas e Biológicas., v. 12, n. 2, p. 234, em humanos. Dissertação (Mestrado em Ciências da
2013. Nutrição). Universidade Federal da Paraíba – João
Pessoa, PB, 2013.
FIELD, D.T. et al. High-dose Vitamin B6
supplementation reduces anxiety and strengthens visual TURRINI, F. et al. Use of an Animal Model to Evaluate
surround suppression. Human Psychopharmacology, v. Anxiolytic Effects of Dietary Supplementation with Tilia
37, n. 6, p. e2852, 2022. tomentosa Moench Bud Extracts. Nutrients, v. 12, n. 11,
p. 3328, 2020.
HAGHIGHAT, N. et al. Effect of synbiotic and probiotic
supplementation on serum brain-derived neurotrophic VELDEN, J.W.V. & OSBORNE, D.M. Obesity Prevents
factor level, depression and anxiety symptoms in S-Adenosylmethionine-Mediated Improvements in Age-
hemodialysis patients: a randomized, double-blinded, Related Peripheral and Hippocampal Outcomes.
clinical trial. Nutritional Neuroscience, v. 24, p. 490, Nutrients, v. 13, n. 4, p. 1201, 2021.
2021.
WU, S. et al. Psychobiotic supplementation of HK-PS23
JOHNSTONE, N. et al. Anxiolytic effects of a galacto- improves anxiety in highly stressed clinical nurses: a
oligosaccharides prebiotic in healthy females (18-25 double-blind randomized placebo-controlled study. Food
years) with corresponding changes in gut bacterial & Function, v. 13, p. 8907, 2022.
composition. Scientific Reports, v. 11, n. 1, p. 8302,
2021. ZHU, C. et al. Vitamin D supplementation improves
anxiety but not depression symptoms in patients with
KIMBALL, S.M. et al. Database Analysis of Depression vitamin D deficiency. Brain and Behavior, v. 10, n. 11, p.
and Anxiety in a Community Sample-Response to a e01760, 2020.
Micronutrient Intervention. Nutrients, v. 10, n. 2, p. 152,
2018.

98 | P á g i n a
Capítulo 13

A INFLUÊNCIA DA
ALIMENTAÇÃO NA SAÚDE
MENTAL
LUCAS MORAIS RODRIGUES DE OLIVEIRA¹
JOSÉ MARCELO FERREIRA GUIMARÃES CRUVINEL¹
MARIA CAROLINA DE MORAIS RIBEIRO²
ENZO HENRIQUE MOTA¹
MARIA EDUARDA CORDEIRO REIS¹
GUILHERME DOMINGUES FERREIRA¹
JULIA FURTADO DOS REIS¹
FERNANDA LACERDA PRATES¹
LAURA MOORE GAISSLER¹
GABRIEL FIGUEIREDO DE CARVALHO¹
GIOVANNA MELO ANTINOSSI¹
MATHEUS VALE DINIZ REZENDE¹
VITOR FERRARI COSSI¹
LUCAS NEVES OLIVEIRA DOS SANTOS¹
VINICIUS THEODORO BARROS DE SOUZA¹

1. Discente - Medicina da Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais - FCMMG.


2. Enfermeira - Centro Psíquico da Adolescência e Infância (CEPAI) e Centro de Referência em Saúde
Mental Infanto-Juvenil (CERSAMI) Centro Sul/ FHEMIG.

Palavras Chave: Overdose; Medicamentos; Emergência.

10.59290/978-65-6029-006-8.13
99 | P á g i n a
INTRODUÇÃO KAJIMA et al., 2019; TAN & NORHAIZAN,
2019) Além disso, o consumo elevado de açú-
A saúde mental é um tema de grande rele- cares refinados tem sido associado a processos
vância na atualidade, com uma compreensão inflamatórios e estresse oxidativo, que podem
crescente da interconexão entre o corpo e a ter impacto na saúde mental (DHAR & PRA-
mente. Estudos científicos têm demonstrado SAD, 2014).
que a alimentação desempenha um papel im- A compreensão da influência da alimenta-
portante na saúde mental, influenciando a ocor- ção na saúde mental é fundamental para o de-
rência e a gravidade de transtornos mentais senvolvimento de estratégias de prevenção e
como ansiedade e depressão (BREMNER et al., tratamento de transtornos mentais. Uma abor-
2020). Além disso, a relação entre alimentação dagem integrada, que considere tanto a alimen-
e saúde mental é complexa e envolve múltiplos tação quanto outros aspectos da saúde mental,
mecanismos, incluindo modulação do microbi- pode ser uma estratégia efetiva no cuidado de
oma intestinal, inflamação, estresse oxidativo e pacientes com transtornos mentais (GRAJEK et
neurotransmissão (MORAES et al., 2014). Por- al., 2022). Portanto, o objetivo deste estudo é
tanto, compreender a influência da alimentação fornecer uma visão geral da influência da ali-
na saúde mental é fundamental para o cuidado mentação na saúde mental, com base em evi-
adequado dos pacientes e o manejo efetivo de dências científicas, destacando a importância
transtornos mentais. de uma abordagem nutricional adequada como
Estudos têm demonstrado que uma alimen- parte integrante do cuidado da saúde mental.
tação equilibrada, rica em nutrientes como
ômega-3, vitaminas do complexo B, zinco e MÉTODO
magnésio, pode ter efeitos positivos na saúde
mental. Por exemplo, o consumo adequado de Trata-se de uma revisão narrativa realizada
ácidos graxos ômega-3, encontrados em peixes, no período de março a abril de 2023, por meio
nozes e sementes, tem sido associado a uma re- de pesquisas nas bases de dados LILACS e
dução do risco de desenvolvimento de transtor- Medline. Foram utilizados os descritores
nos depressivos (CORTES et al., 2013; PA- “diet”; “mental disorder” e “mental health”.
GLIAI et al., 2018). Além disso, vitaminas do Desta busca foram encontrados 2663 artigos,
complexo B, presentes em alimentos como ve- posteriormente submetidos aos critérios de se-
getais folhosos, leguminosas e grãos integrais, leção.
estão envolvidas na produção de neurotrans- Os critérios de inclusão foram: artigos nos
missores e na regulação do humor (VAN DE idiomas Inglês; Português e Espanhol; publica-
LAGEMAAT et al., 2019). dos no período de 2015 a 2023 e que abordavam
Por outro lado, uma alimentação inade- as temáticas propostas para esta pesquisa, meta-
quada, rica em alimentos ultraprocessados, açú- análise, disponibilizados na íntegra. Os critérios
cares refinados e gorduras saturadas, pode ter de exclusão foram: artigos duplicados, que não
efeitos negativos na saúde mental. Estudos têm abordavam diretamente a proposta estudada e
demonstrado uma associação entre o consumo que não atendiam aos demais critérios de inclu-
excessivo de alimentos processados e o au- são.
mento do risco de desenvolvimento de transtor- Após os critérios de seleção restaram 18 ar-
nos mentais, como depressão e ansiedade (NA- tigos que foram submetidos à leitura minuciosa

100 | P á g i n a
para a coleta de dados. Os resultados foram Os benefícios visualizados podem estar re-
apresentados em de forma descritiva abordando lacionados ao acréscimo na ingestão de ômega-
as principais classes de medicamentos envolvi- 3. Portanto a adesão da dieta mediterrânea
das na overdose e seu manejo, associando com como um tratamento adjuvante para sintomas
a âncora teórica, considerando cartilhas, teses, depressivos e transtornos de humor em geral é
bases de dados governamentais e guias de ma- bem recomendada e pode trazer ao paciente be-
nejo disponibilizadas pelas associações médi- nefícios clínicos (CHATTERTON et al., 2018).
cas e pelas instituições governamentais. No entanto, não há definições ou diretrizes pa-
Introdução à relação entre alimentação e sa- dronizadas para a dieta mediterrânea, o que
úde mental: Exploração da interação entre ali- pode levar a recomendações heterogêneas de
mentação e saúde mental, destacando a impor- profissionais de saúde.
tância do tema. Dieta cetogênica é uma dieta de alta inges-
tão de fontes de gordura e restrição significativa
DIETAS E HÁBITOS ALIMENTA- de carboidrato e moderado consumo de proteí-
RES QUE AFETAM A SAÚDE MEN- nas. Para este tipo de padrão alimentar são es-
TAL perados a interferência de múltiplos mecanis-
mos potenciais para sua eficácia nos tratamen-
A dieta mediterrânea tem como base a ali- tos dos transtornos de humor, dentre estes fo-
mentação rica em grãos integrais, alimentos de ram propostos a modulação dos níveis de neu-
origem vegetal, feijões, nozes, sementes e ali- rotransmissores, função mitocondrial, estresse
mentos ricos em ácidos graxos poli-insaturados oxidativo e inflamação. No entanto, não hou-
e ômega-3, não só isso a diminuição da ingestão veram grandes ensaios clínicos randomizados e
de alimentos ultraprocessados também está pre- robustos para avaliar a real eficácia da dieta ce-
conizada nesse hábito alimentar. Tal padrão ali- togênica em sintomas de humor (BRIETZKE et
mentar está relacionado com à redução do risco al., 2018a).
cardiovascular, desaceleração do declínio cog- Outras dietas comumente adotadas, tais
nitivo e risco de múltiplas malignidades. Além como dietas que excluem certos alimentos e
dos benefícios para condições médicas crôni- aquelas que eliminam o glúten, foram sugeridas
cas, a dieta mediterrânea é também a mais estu- como possíveis tratamentos complementares
dada em relação ao impacto nos transtornos de para pacientes que sofrem de psicose e transtor-
humor (PAGLIAI et al., 2018). nos de humor. Entretanto, as evidências que
Estudos demonstraram que em pacientes apoiam tais práticas são limitadas, e, portanto,
previamente hígidos a adesão da dieta mediter- é desaconselhável recomendar essas dietas ex-
rânea foi correlacionada a um menor risco de clusivamente como tratamento para transtornos
desenvolvimento de depressão, diminuição do de humor (BRIETZKE et al., 2018b).
declínio cognitivo e de desenvolvimento de
comportamentos alimentares compulsivos MECANISMOS DE AÇÃO DOS NU-
(OPIE et al., 2018). Em outras análises, foram TRIENTES E COMPOSTOS NA SA-
encontrados resultados significativamente rele- ÚDE MENTAL
vantes que mostram uma melhora nos sintomas
clínicos em pacientes com depressão moderada Omega-3 é um ácido graxo não sintetizado
a grave que tiveram como terapêutica o uso de pelo organismo humano e sua obtenção provém
dieta mediterrânea (TANAKA et al., 2018). primariamente de frutos do mar, como sardinha
101 | P á g i n a
e salmão, além de também estar presente em pia coadjuvante nos transtornos psiquiátricos,
nozes e óleos vegetais. Este nutriente é com- além de que na maioria dos casos depressivos
posto por dois ácidos graxos de cadeia longa, existe um aumento da ingestão desse nutriente
sendo estes o ácido docosa-hexaenoico (DHA) que se associa a um aumento possivelmente
e o Ácido eicosapentaenoico (EPA), que são prejudicial dos índices glicêmicos (GANG-
parte da composição da bicamada fosfolipídica WISCH et al., 2015).
da membrana celular responsável pela fluidez Diversos micronutrientes, como cálcio, vi-
da membrana e transdução de sinal para media- tamina B12, zinco e vitamina D, devido a asso-
ção de respostas inflamatórias (MUELLER et ciação a efeitos defensivos contra danos oxida-
al., 2020). Tendo em vista, tal atuação do tivos às mitocôndrias nos circuitos neurais rela-
Omega-3, alguns estudos foram desenvolvidos cionados a comportamentos cognitivos e emo-
visando compreender seus efeitos em pacientes, cionais (LANG et al., 2015) com isso, trata-
e assim observaram que indivíduos com depres- mentos complementares para Transtorno bipo-
são apresentaram alteração na integridade da lar, TDHA e desregulação de humor utilizando
substância branca cerebral após seis semanas de estes micronutrientes demonstraram efeitos po-
suplementação de altas doses de ômega-3, além sitivos em estudos de pequena escala.
da associação da diminuição dos sintomas de-
pressivos e melhora clínica após a suplementa- PAPEL DA ALIMENTAÇÃO NOS
ção (GABBAY et al., 2018). TRANSTORNOS DO HUMOR E ES-
Os aminoácidos são primordiais para for- TRESSE
mação de neurotransmissores implicados em
transtornos de humor. Tanto a dopamina quanto A fisiopatologia dos distúrbios de humor é
a noradrenalina são sintetizadas indiretamente a complexa, e envolve o todo o contexto biopsi-
partir de tirosina ou fenilalanina, enquanto a se- cossocial do indivíduo. Estilo de vida e elemen-
rotonina é sintetizada principalmente a partir do tos nutricionais desempenha um papel na regu-
triptofano, e o glutamato que funciona direta- lação dos distúrbios de humor, impactando ní-
mente como um neurotransmissor excitatório veis de estresse, liberação de neurotransmisso-
quanto precursor do GABA é sintetizado pela res, reabsorção ou metabolismo de neurotrans-
descarboxilação do ácido glutâmico. Assim, a missores ou fornecendo substratos para produ-
ligação entre a depleção destes precursores com ção de neurotransmissores. Recentemente, tor-
a fisiopatologia dos transtornos de humor vem nou-se evidente que a resposta individual a pro-
sendo tema de estudos na psiquiatria, que mos- dutos químicos é afetada pelo genótipo indivi-
tram efeitos positivos na suplementação de dual, que se manifesta fenotipicamente como
aminoácidos, como o triptofano nos transtornos mudanças em receptores, enzimas e transporta-
de depressão e ansiedade (MUELLER et al., dores em um nível celular (MUELLER et al.,
2020). 2020).
Teoriza-se que os carboidratos teriam papel A certos tipos de padrões alimentares em
na síntese de serotonina no cérebro, portanto pacientes com transtornos de humor podem
podendo ser usado como terapêutica para trans- agravar suas patologias, da mesma forma que
tornos de humor. Contudo o que foi observado em contrapartida, mudanças de hábitos de ali-
por estudos é que existe pouca relevância clí- mentação, concentrando-se em evitar lanches e
nica a suplementação de carboidratos para tera- alimentos açucarados e ultraprocessados, se-

102 | P á g i n a
guindo uma dieta mediterrânea, têm sido asso- gravidade de transtornos de humor através de
ciadas a melhorias em perturbações de humor várias vias de interação, incluindo inflamação,
gerais, incluindo tensão, raiva e confusão, ansi- estresse oxidativo e microbioma intestinal
edade, sintomas de transtorno de estresse pós- (MONTEIRO, 2019).
traumático, sintomas depressivos e comporta- Desta maneira, a má qualidade da dieta está
mentos de compulsão alimentar (OLIVAN- bem estabelecida como um fator de risco poten-
BLÁZQUEZ et al., 2018). cialmente modificável para transtornos men-
Portanto, mudanças na dieta e no estilo de tais, principalmente por meio do seu impacto na
vida estão associadas a melhora significativa adiposidade, sendo alimentos com alta densi-
em vários processos de doenças, incluindo dade energética e fomentando o consumo ex-
transtornos do humor. A recomendação de cessivo e um superávit calórico devido seus
complementação do cuidado médico padrão atributos sensoriais, e todos esses mecanismos
para transtornos de humor complementado com por fim alteram a sinalização intestino-cérebro
orientações e incentivos a mudanças no estilo e os ciclos de feedback sabor-nutriente (TO-
de vida incluindo melhora na estrutura e rotina, BIAS & HALL, 2021).
aumento da atividade física e consumo de uma
dieta equilibrada rica em nutrientes e fibras se RELAÇÃO ENTRE MICROBIOTA
torna um imenso aliado no tratamento e preven- INTESTINAL E SAÚDE MENTAL
ção destas patologias (MUELLER et al., 2020).
Evidências de estudos clínicos transversais
IMPACTO DO CONSUMO DE ALI- vêm reforçando a implicação da microbiota in-
MENTOS ULTRAPROCESSA-DOS testinal como um possível fator chave de susce-
NA SAÚDE MENTAL tibilidade para distúrbios neurológicos, inclu-
indo a doença de Alzheimer, transtorno do es-
Os alimentos ultraprocessados são defini- pectro do autismo, esclerose múltipla, doença
dos como aqueles que contém cinco ou mais in- de Parkinson (CRYAN et al., 2019).
gredientes, e normalmente incluem aditivos ali- Com isso, é reforçado o fato de que uma
mentares artificiais raramente ou nunca usados composição alterada da microbiota pode se re-
em cozinhas domésticas. Esses alimentos são lacionar com a fisiopatologia dos distúrbios psi-
frequentemente de baixo preço, convenientes, quiátricos, sugerindo uma semelhança transdi-
estáveis nas prateleiras, facilmente consumidos agnóstica principalmente com TDM, transtorno
e altamente palatáveis, o que faz com que seu bipolar, ansiedade e psicose e esquizofrenia,
consumo seja em ampla escala (MONTEIRO et principalmente pela relação de bactérias produ-
al., 2017). toras de butirato anti-inflamatórias e bactérias
Os alimentos ultraprocessados também nor- pró-inflamatórias (NIKOLOVA et al., 2021).
malmente carecem de várias fibras, polifenóis, Portanto, o uso de probióticos tem sido pro-
ácidos graxos ômega-3 e vitaminas e minerais posto como um tratamento adjuvante para o
essenciais de alimentos naturais, como vege- transtorno depressivo maior através de altera-
tais, frutas, legumes, grãos integrais, peixes ções na microbiota intestinal, modulando assim
gordurosos, carnes magras, nozes e sementes e o eixo intestino-cérebro. A depressão e o sofri-
outros, desta forma este perfil pobres em nutri- mento psiquiátrico melhoraram ligeiramente na
entes tem relação a prevalência, incidência e condição probiótica saudável, contudo, ainda

103 | P á g i n a
não está claro até que ponto os probióticos são úde mental deve ser sempre preconizada nas
benéficos para melhorar o bem-estar mental e consultas de especialidade psiquiátrica. E para
os sintomas psiquiátricos (NADEEM et al., isto se faz necessário uma abordagem individu-
2019). alizada do sujeito, entendendo sua relação física
e emocional com a alimentação, dando protago-
ESTRATÉGIAS NUTRICIONAIS E nismo ao paciente na escolha da dieta de forma
CONSIDERAÇÕES CLÍNICAS E a envolvê-lo garantir sua adesão ao plano tera-
PRÁTICAS NA ABORDAGEM NU- pêutico nutricional, sempre atentando-se a fato-
TRICIONAL PARA A PROMOÇÃO res de risco e características do paciente, como
DA SAÚDE MENTAL histórico familiar de doenças crônicas não
transmissíveis e psiquiátricas, idade, vulnerabi-
É essencial que a prevenção da saúde men- lidade social, via de alimentação entre outras
tal seja integrada aos programas existentes de (LANE et al., 2022).
prevenção e controle de doenças, como a obesi- Contudo, é importante considerar que, ne-
dade ou doenças cardiovasculares, a fim de for- nhum estudo analisou a eficácia das interven-
necer uma estratégia economicamente viável ções dietéticas com medicamentos antidepres-
que provavelmente beneficiará tanto transtor- sivos. Assim, a intervenção dietética só pode
nos mentais quanto físicos (MUELLER et al., ser considerada uma estratégia adjuvante para o
2020). manejo dos sintomas.
Com isso, para uma abordagem integral é
importante implementar estratégias de preven- CONCLUSÃO
ção nos estágios mais precoces da vida humana.
O crescimento embrionário e a infância são ca- Assim, é notável que intervenções dietéti-
racterizados por uma alta plasticidade do desen- cas para transtornos de humor podem ser úteis
volvimento e são influenciados por fatores am- como terapia adjuvante, mas não são suficientes
bientais intrauterinos. Portanto, esse período é para servirem de monoterapia nessas condi-
um alvo importante para intervenções de saúde ções. Portanto, a mudança de hábitos de vida,
que visam influenciar a predisposição a doenças como a adoção de uma dieta rica em nutrientes
não transmissíveis, e assim também incluídas as e vitaminas e também a prática de exercícios fí-
doenças mentais (DAWSON et al., 2016). sicos, são fatores que modificam o curso natural
Em adição, o controle da obesidade na po- de grande parte das patologias psiquiátricas, e
pulação em geral deve ser de grande preocupa- que quando complementados com o cuidado
ção na prática médica atual, pois tal condição é médico padrão destes transtornos estão associ-
fator de risco para inúmeras doenças em todos ados a imensa melhora terapêutica.
os estágios de vida e diminui expectativa como Contudo estas relações apesar de mostra-
também qualidade de vida (MONTEIRO, rem grandes efeitos benéficos numa primeira
2019). Por conseguinte, a adoção de estratégias análise, ainda precisam ser melhor estudadas,
para promoção da perda de peso e adoção de um com intuito de padronizar a orientação dos mé-
estilo de vida mais saudável, com recomenda- dicos acerca das recomendações realmente efi-
ções sobre ultraprocessados e também da neces- cazes para determinadas doenças.
sidade de ingestão de nutrientes benéficos à sa-

104 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BREMNER, J.D. et al. Diet, Stress and Mental Health. Nu- MONTEIRO, C. A. Ultra -processed foods: what they are
trients, v. 12, n. 8, p. 2428, 2020. and how to identify them. Public health nutrition, v. 22, n.
5, p. 936, 2019.
BRIETZKE, E. et al. Gluten related illnesses and severe
mental disorders: a comprehensive review. Neuroscience MORAES, A.C.F. et al. Microbiota intestinal e risco cardi-
and Biobehavioral Reviews, v. 84, p. 368, 2018a. ometabólico: mecanismos e modulação dietética. Arquivos
Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia, v. 58, n. 4, p.
BRIETZKE, E. et al. Ketogenic diet as a metabolic therapy 317, 2014.
for mood disorders: Evidence and developments. Neurosci-
ence & Biobehavioral Reviews, v. 94, p. 11, 2018b. MUELLER, M. et al. Gut Health = Mental Health? The Im-
pact of Diet and Dietary Supplements on Mood Disorders.
CHATTERTON, M.L. et al. Economic evaluation of a die- Current Nutrition Reports, v. 9, n. 4, p. 361, 2020.
tary intervention for adults with major depression (the
“SMILES” trial). BMC Public Health, v. 18, n. 1, 2018. NADEEM, I. et al. Effect of probiotic interventions on de-
pressive symptoms: A narrative review evaluating systema-
CORTES, M.L. et al. Uso de terapêutica com ácidos graxos tic reviews. Psychiatry and Clinical Neurosciences, v. 73, n.
ômega -3 em pacientes com dor crônica e sintomas ansiosos 4, p. 154, 2019.
e depressivos. Revista Dor, v. 14, n. 1, p. 48, 2013.
NAKAJIMA, S. et al. Saturated fatty acid is a principal
CRYAN, J.F. et al. The gut microbiome in neurological di- cause of anxiety-like behavior in diet-induced obese rats in
sorders. The Lancet Neurology, v. 19, n. 2, 2019. relation to serum lysophosphatidyl choline level. Internatio-
nal Journal of Obesity, v. 44, n. 3, p. 727, 2019.
DAWSON, S.L. et al. The Importance of Diet and Gut
Health to the Treatment and Prevention of Mental Disorders. NIKOLOVA, V.L. et al. Perturbations in Gut Microbiota
International Review of Neurobiology, v. 131, p. 325, 2016. Composition in Psychiatric Disorders. JAMA Psychiatry, v.
78, n. 12, 2021.
DHAR, I. & PRASAD, K. Oxidative Stress as a Mechanism
of Added Sugar-Induced Cardiovascular Disease. Internati- OLIVAN-BLÁZQUEZ, B. et al. Facilitators and barriers to
onal Journal of Angiology, v. 23, n. 04, p. 217, 2014. modifying dietary and hygiene behaviours as adjuvant trea-
tment in patients with depression in primary care: a qualita-
GABBAY, V. et al. A Double-Blind Placebo-Controlled tive study. BMC Psychiatry, v. 18, n. 1, 2018.
Trial of Omega -3 Fatty Acids as a Monotherapy for Adoles-
cent Depression. The Journal of Clinical Psychiatry, v. 79, OPIE, R.S. et al. A modified Mediterranean dietary inter-
n. 4, 2018. vention for adults with major depression: Dietary protocol
and feasibility data from the SMILES trial. Nutritional Neu-
GANGWISCH, J.E. et al. High glycemic index diet as a risk roscience, v. 21, n. 7, p. 487, 2018.
factor for depression: analyses from the Women’s Health
Initiative. The American Journal of Clinical Nutrition, v. PAGLIAI, G. et al. Mediterranean Diet, Food Consumption
102, n. 2, p. 454, 2015. and Risk of Late-Life Depression: The Mugello Study. The
Journal of Nutrition, Health & Aging, v. 22, n. 5, p. 569,
GRAJEK, M. et al. Nutrition and mental health: A review 2018.
of current knowledge about the impact of diet on mental
health. Frontiers in Nutrition, v. 9, p. 943998, 2022. TAN, B.L. & NORHAIZAN, M.E. Effect of High-Fat Diets
on Oxidative Stress, Cellular Inflammatory Response and
LANE, M.M. et al. Ultra-Processed Food Consumption and Cognitive Function. Nutrients, v. 11, n. 11, p. 2579, 2019.
Mental Health: A Systematic Review and Meta-Analysis of
Observational Studies. Nutrients, v. 14, n. 13, p. 2568, 2022. TANAKA, T. et al. Adherence to a Mediterranean Diet Pro-
tects from Cognitive Decline in the Invecchiare in Chianti
LANG, U.E. et al. Nutritional Aspects of Depression. Cellu- Study of Aging. Nutrients, v. 10, n. 12, p. 2007, 2018.
lar Physiology and Biochemistry, v. 37, n. 3, p. 1029, 2015.
TOBIAS, D.K. & HALL, K.D. Eliminate or reformulate ul-
MONTEIRO, C.A. et al. The UN Decade of Nutrition, the tra-processed foods? Biological mechanisms matter. Cell
NOVA food classification and the trouble with ultra-proces- Metabolism, v. 33, n. 12, p. 2314, 2021.
sing. Public Health Nutrition, v. 21, n. 1, p. 5, 2017.
VAN DE LAGEMAAT, E. et al. Vitamin B12 in Relation
to Oxidative Stress: A Systematic Review. Nutrients, v. 11,
n. 2, p. 482, 2019.

105 | P á g i n a
Capítulo 14

ISOLAMENTO SOCIAL
DEVIDO AO COVID, IMPACTO
NA SAÚDE MENTAL E USO DE
ANSIOLÍTICOS E ÁLCOOL –
UMA VISÃO GERAL

THIAGO DE MELLO TAVARES¹


GABRIEL SOARES DE LEMOS¹
MIRELA HOFFMANN MAGNANI¹
ISABELA DE OLIVEIRA NASCIMENTO2

1. Discente – Medicina em Universidade do Contestado – MAFRA/SC.


2. Discente – Medicina em Universidade Brasil – FERNANDÓPOLIS/SP.

Palavras Chave: Covid; Isolamento Social; Pandemia.

10.59290/978-65-6029-006-8.14
106 | P á g i n a
INTRODUÇÃO cam através do uso de medicamentos ansiolíti-
cos, sedativos, hipnóticos e álcool, um conforto
A COVID-19 é uma doença causada pelo para suas mazelas (BROOKS et al., 2020).
coronavírus que é um vírus zoonótico, um RNA Os ansiolíticos, apresentam componentes
vírus da ordem Nidovirales, da família Corona- que atuam no controle da ansiedade de pacien-
viridae (BRASIL, 2020). As manifestações clí- tes com alterações de saúde associadas ao Sis-
nicas apresentam um quadro que pode variar de tema Nervoso Central (SNC), afetando suas
infecções assintomáticas a quadros respirató- emoções e comportamento. O uso não criteri-
rios graves. De acordo com a Organização oso e abusivo, pode gerar diversos efeitos ad-
Mundial de Saúde (OMS), a maioria dos paci- versos, intoxicações, além de dependência,
entes com COVID-19, cerca de 80%, podem ser acarretando grandes risco para a saúde do indi-
assintomáticos e em torno de 20%, necessitam víduo (NOTO et al., 2002; FÁVERO et al.,
de atendimento hospitalar por apresentarem di- 2017).
ficuldade respiratória, sendo que aproximada- Portanto, o impacto no estresse emocional
mente 5% podem necessitar de suporte para o durante o isolamento social, dever ser bem ad-
tratamento de insuficiência respiratória (su- ministrado, encontrando meios de contenção da
porte ventilatório) (BRASIL, 2020). ansiedade, de forma eficaz e evitando-se o uso
A transmissão ocorre de um indivíduo in- indiscriminado de medicamentos e bebidas al-
fectado para outro, seja por contato direto, gotí- coólicas o que só irá acarretar prejuízos e pro-
culas de saliva, espirro, tosse, objetos ou super- blemas maiores no futuro. O mundo passa por
fícies contaminadas (BRASIL, 2020). um momento em que todos precisam de discer-
O ser humano vive em uma sociedade onde nimento e criatividade diante dos problemas en-
há muita pressão, seja pela coletividade, pela frentados (BROOKS et al., 2020; ORNELL et
família e até mesmo a auto cobrança. A pande- al., 2020).
mia de SARS-CoV-2 causou pânico, acarre- Tendo como objetivo de o estudo identificar
tando distanciamento social, crise econômica, possíveis transtornos emocionais, uso exces-
incerteza no futuro, onde muitos ficam sem sa- sivo de ansiolíticos e álcool, relacionado ao iso-
ber se permanecerão em seus empregos, medo lamento social e a própria pandemia causada
da doença, da morte e da falência, alguns sem pelo COVD-19. Produzindo conhecimento para
perspectiva para o futuro (ASMUNDSON & possível uso de autoridades de saúde e governa-
TAYLOR, 2020). mentais em abordagens futuras dentro do sis-
O medo de morrer por um vírus que não tema de saúde.
existe cura tem sido pauta de estudo, e há pouco
conhecimento sobre sua origem e dissemina- MÉTODO
ção, o que acarreta negativamente na saúde
mental e psicológica de muitas pessoas (AS- Trata-se de uma pesquisa bibliográfica de
MUNDSON & TAYLOR, 2020). revisão integrativa da literatura, de caráter ex-
Compreende-se que as medidas de distanci- ploratório e descritivo. Os ambientes pesquisa-
amento e isolamento social, são necessárias, dos foram as plataformas digitais: SciELO com
contudo, não se sabe como podem repercutir na o operador booleano, Biblioteca Virtual em Sa-
saúde mental e física de todos. Já é sabido que úde (BVS), Google Acadêmico e PubMed.
indivíduos que são levados ao sofrimento, bus-

107 | P á g i n a
Para o cruzamento de dados foram utiliza- oso (WILDER-SMITH & FREEDMAN,
dos os descritores: Covid; isolamento social; 2020). Muitas pessoas se viram abaladas, pois
pandemia; ansiedade; ansiolíticos; álcool. há a incerteza do futuro, que gera impactos psi-
Os critérios de inclusão foram: Artigos nos cológicos, como a ansiedade e/ou depressão, e
idiomas português e inglês; foram selecionados que não podem ser desprezados nesse momento
árticos em periódicos indexados nas principais (BROOKS et al., 2020; XIAO, 2020).
bases de dados que abordavam as temáticas A ansiedade é descrita como uma inquieta-
propostas para esta pesquisa, estudos do tipo re- ção interna, um sentimento negativo em relação
visão, meta-análise, literaturas e artigos que ao futuro, uma sensação de medo inexplicável,
fossem considerados de base para produção de "contagiosa" e envolvente, que passa facil-
trabalhos subsequentes e relatos de caso dispo- mente para os familiares, causando, por meio de
nibilizados na íntegra. um mecanismo de círculo vicioso, maior aflição
Os critérios de exclusão foram: Artigos du- no paciente.
plicados, disponibilizados na forma de resumo, De acordo com um relatório divulgado pela
que não abordavam diretamente a proposta es- Organização Mundial de Saúde (OMS), a popu-
tudada e que não atendiam aos demais critérios lação brasileira é a mais deprimida da América
de inclusão. Latina (World Health Statistics, 2020). No Bra-
sil, o consumo de álcool é cada vez maior (MU-
DISCUSSÃO NHOZ et al., 2017).
Os meios de comunicação em massa não se
O mundo foi surpreendido pelo novo coro- preocupam com esses dados cada vez mais alar-
navírus, onde o primeiro caso de infecção foi mantes, se ocupando em noticiar somente sobre
reportado na China, e foi se alastrando de uma as drogas ilícitas. Em termos de saúde pública
forma rápida, em que os Países foram sendo temos que destacar que entre as causas de óbito
atingidos, e o tempo de duração e os desdobra- relacionadas com drogas, mais de 95% são de-
mentos da pandemia ainda permanecem impre- vidas a drogas legais como álcool. O malefício
visíveis (XIAO, 2020). do consumo de álcool ainda não despertou o in-
Virou um verdadeiro colapso do sistema em teresse da população em geral, é preciso buscar
diferentes nações, devido à ausência de inter- informações científicas sobre esse mal que tem
venções farmacológicas eficazes e seguras, tais atacado sorrateiramente toda a sociedade
como medicamentos e vacinas (FERGUSON et (COSTA, 2003).
al., 2020). Na fase inicial do seu consumo alcoólico,
Para que diminuíssem o número de infecta- um efeito de relaxamento é atingido e desinibi-
dos e o número de mortes, alguns países opta- ção do usuário, podendo ser, erroneamente,
ram por medidas drásticas, tais como isola- considerado como útil para o convívio social.
mento social, fechamento de escolas, universi- Todavia, com o aumento de sua concentração
dades, shopping, locais de aglomeração, só per- no sangue, seus efeitos adversos irão diminuir a
manecendo serviços essenciais, ou seja, foi im- consciência, memória e sensibilidade, prejudi-
posta a quarentena (BROOKS et al., 2020). En- cando a percepção do indivíduo, devido a ação
tende-se por quarentena como o período de res- dessa droga sobre o sistema nervoso central
trição de circulação de indivíduos potencial- (COSTA, 2003).
mente expostos a determinado agente infecci-

108 | P á g i n a
A dependência do álcool é gerada pela pro- psicológicos causados durante a pandemia
dução de um estímulo de reforço para a atitude (BROOKS et al., 2020).
compulsiva de beber. Tal estimulo é produzido Os pacientes infectados com COVID-19
na região do núcleo acumbens, núcleo do pro (ou com suspeita de infecção) podem sofrer in-
encéfalo basal próximo ao septo, recebe botões tensas reações emocionais e comportamentais,
terminais de neurônios dopaminérgicos prove- como medo, tédio, solidão, ansiedade, insônia
nientes da área tegmental ventral e acredita-se ou raiva (SHIGEMURA et al., 2020). As
estar envolvido no reforço e na atenção (CAR- incertezas provocadas pela Covid-19, os riscos
LSON 2002). de contaminação e a obrigação de isolamento
A depressão, ansiedade e estresse tem sido social podem agravar ou gerar problemas men-
identificado na população geral (WANG et al., tais, segundo a OMS (ONU NEWS, 2020). A-
2020), o que faz com que muitos busquem uma lém disso, pode aumentar a insegurança devido
forma de se refugiar e ocorre o aumento de uso às repercussões econômicas e sociais dessa tra-
de medicamentos de maneira abusiva (NOTO gédia em larga escala (ORNELL et al., 2020).
et al., 2002). Existem algumas categorias des- O uso abusivo de medicamento e/ou be-
ses medicamentos que atuam sobre o Sistema bidas alcoólicas tendem aumentar devido es-
Nervoso central, estes, classificam-se em qua- tresse e a ansiedade (WANG et al., 2020.). Este
tro categorias: ansiolíticos-sedativos; antide- comportamento pode ser explicado pelo efeito
pressivos; estabilizadores do humor e antipsicó- do álcool na libertação do neurotransmissor do-
ticos ou neurolépticos (FIGUEIREDO, 2015). pamina, o qual age nos circuitos de recompensa
Os ansiolíticos são medicamentos cujos do sistema nervoso central (SKELLY et al.,
componentes químicos atuam no controle da 2015).
ansiedade com efeitos que incidem sobre as O rápido avanço da epidemia e a sobrecarga
emoções, o humor e o comportamento (FIGUE- de informações disponíveis, por vezes contradi-
REDO, 2015). O principal representante desta tórias, é um campo facilitador para mudanças
classe são os benzodiazepínicos, um dos medi- comportamentais impulsionadoras de adoeci-
camentos mais prescritos mundialmente, como mento psicológico (QIAN et al., 2020). A
o Diazepam, o Clonazepam, o Alprazolam e o WHO (2020) recomenda que a população evite
Midazolan (CARVALHO et al., 2016; RANG o uso de álcool, de tabaco e de outras drogas,
et al., 2016). Os benzodiazepínicos têm risco de como estratégia de controle do estresse, pois es-
adição e abuso, especialmente em pacientes tas podem contribuir, a longo prazo, para um
com história de abuso de álcool (KASPER et deterioramento da saúde física e mental, além
al., 2017; RANG et al., 2016). Sintomas de de- de diminuir a capacidade de defesa do sistema
pressão, ansiedade e estresse diante da pande- imunológico.
mia têm sido identificados na população geral
(WANG et al., 2020). CONCLUSÃO
Lidar com sentimentos desafiadores como
angústia, medo, incerteza e a pressão social e Lidar com sentimentos desafiadores e man-
ainda manter a saúde mental e física é um ter a saúde física e mental se tornou um grande
grande desafio e um dos maiores problemas so- desafio, e por esse motivo poderiam ter sido
ciais da atualidade. Sabendo-se disso, deveriam abordados mais e melhores ações para amenizar
ser adotadas medidas para conter problemas os problemas psicológicos causados pelo isola-

109 | P á g i n a
mento social e em paciente infectados. Pacien- que não existe cura, pode ter levado ao aumento
tes infectados ou com suspeita ainda apresen- de transtornos de ansiedade e depressão, e con-
tam o somatório emocional de medo, solidão sequentemente, o aumento do uso de ansiolíti-
e/ou transtornos de humor. cos e uso nocivo de álcool.
Por todo o mundo foram adotadas medidas Concluímos que o isolamento social cau-
rígidas e imponentes, acreditando que princi- sado pela pandemia, quanto as outras medidas
palmente com o isolamento social diminuiria o que foram adotadas para contê-la contribuíram
número de infectados, e também o número de negativamente para a saúde mental da popula-
mortes. Entretanto, foi notado que a incerteza ção geral, aumentando o risco para surgimento
do futuro causada pela pandemia, trouxe con- de sintomas de estresse, ansiedade e depressão.
sigo impactados na saúde mental da população. São necessários mais estudos comporta-
Somado a isso, nossa sociedade negligencia o mentais e epidemiológicos para avaliar a real
alcoolismo, devido ao uso abusivo do álcool te- eficácia quanto ao risco/benefício do isola-
mos em todo planeta óbitos que poderiam ter mento social e seu impacto na saúde mental.
sido evitados. O medo de morrer por um vírus

110 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASMUNDSON, G. J G; STEVEN, T. Coronaphobia:
Fear and the 2019-nCoV outbreak. Journal of Anxiety ONU NEWS. Covid-19: OMS divulga guia com cuida -
Disorders. v.70, p. 102196, 2020. dos para saúde mental durante pandemia. Disponível em:
https://news.un.org/pt/story/2020/03/1707792 / Acesso
BRASIL. Ministério da Saúde. Protocolo de manejo clí- em 29 de março de 2023.
nico para o novo-coronavírus (2019-nCoV). 2020. Dis-
ponível em: https://portalarquivos2.saud e.gov.br/ima- ORNELL, F. et al. “Pandemic fear” and COVID-19:
ges/pdf/2020/fevereiro/11/protocolomanejo-coronavi- mental health burden and strategies. Revista Brasileira de
rus.pdf. Acesso em: 05 de dezembro 2020. Psquiatria, v.42, n. 3, p 333. 2020.

BROOKS, S.K. et al. The psychological impact of QIAN, M et al. Psychological responses, behavioral
quarantine and how to reduce it: rapid review of the changes and public perceptions during the early phase of
evidence. The Lancet. Elsevier. v.395, p 912, 2020. the COVID- 19 outbreak in China: a population based
cross - sectional survey. MedRxiv. v.2.n.18.p 20024448,
CARLSON, N.R. Fisiologia do Comportamento, 7ª Ed., 2020.
Editora Manole, Barnen, São Paulo, 2002.
RANG, H. P. et al. Rang & Dale farmacologia . 8ª Edição.
CARVALHO, E.F. et al. Perfil de dispensação e estraté- Rio de Janeiro: Elsevier, p. 760, 2016.
gias para uso racional de psicotrópicos. 45f. Monografia
(Linhas de Cuidado em Enfermagem) - Universidade Fe- SHIGEMURA, J. et al. Public responses to the novel
deral de Santa Catarina, Florianópolis, 2016. 2019 coronavirus (2019-nCoV) in Japan: Mental health
consequences and target populations. Psychiatry and cli-
COSTA, R.M.R. O álcool e seus efeitos no Sistema Ner- nical neurosciences, v.74, n.4, p 281, 2020.
voso. 2003. 17 f. Monografia para conclusão do curso de
Biologia do Centro Universitário de Brasília, Brasília, SKELLY, M.J. et al. Adolescent social isolation increa -
2003. ses anxiety-like behavior and ethanol intake and impairs
fear extinction in adulthood: Possible role of disrupted
FÁVERO, V.R. et al. Uso de ansiolíticos: abuso ou ne- noradrenergic signaling. Neuropharmacology. v.97, p
cessidade?. Visão Acadêmica, Curitiba, v.18, n.4, 2017. 149, 2015.

FERGUSON, N. et al. Impacto das intervenções não far- WANG, C. et al. Immediate Psychological Responses
macêuticas (NPIs) para reduzir a mortalidade por CO- and Associated Factors during the Initial Stage of the
VID19 e a demanda de assistência médica. Imperial 2019 Coronavirus Disease (COVID-19) Epidemic
College London, 2020. among the General Population in China. International
Journal of Environmental Research and Public Health,
FIGUEIREDO, A.C.D. Consumo e gastos com psicotró- v.17, n.5, p 1729, 2020.
picos no Sistema Único de Saúde no estado de Minas Ge-
rais: análise de 2011 a 2013. 63f. Dissertação (Mestrado WILDER-SMITH, A. & FREEDMAN, D.O. Isolation,
em Saúde Coletiva) - Universidade de Brasília, Brasília, quarantine, social distancing and community contain-
2015. ment: pivotal role for old-style public health measures in
the novel coronavirus (2019-nCoV) outbreak. Journal of
KASPER, D.L. et al. Medicina Interna de Harrison. 19. Travel Medicine, v.27, n.2, 2020.
ed. Porto Alegre: AMGH, 2017.
WHO. Mental health and psychosocial considerations
MUNHOZ, T.N. et al. Tendências de consumo abusivo during the COVID-19 outbreak. 2020. Disponível em:
de álcool nas capitais brasileiras entre os anos de 2006 a <https://www.who.int/docs/defaultsource/c oronavi-
2013: análise das informações do VIGITEL. Cadernos de ruse/mentalhealthconsiderations.pdf>. Acesso em: 14 de
Saúde Pública [online]., v. 33, n. 7, 2017. dezembro 2020.

NOTO, A.R. et al. Análise da prescrição e dispensação XIAO, C. A novel approach of consultation on 2019 no-
de medicamentos psicotrópicos em dois municípios do vel coronavirus (COVID-19) - related psychological and
Estado de São Paulo. Revista Brasileira de Psiquiatra, mental problems: Structured letter therapy. Psychiatry in-
v.24, n. 2, p. 68, 2002. vestigation, v. 17, n. 2, p. 175, 2020.

111 | P á g i n a
Capítulo 15

BENZODIAZEPÍNICOS E
DROGAS Z

RENATA BORGES DA SILVA LINS¹


SOFIA HELENA RUGERI PIMENTA¹
TOMÁS ELAWAR SILVIANO BRANDÃO¹
ÚRSULA GUIMARÃES DAYRELL COSTA¹

1. Discente - Medicina da Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais.

Palavras Chave: Benzodiazepinas; Drogas-Z; Farmacovigilância.

10.59290/978-65-6029-006-8.15
112 | P á g i n a
INTRODUÇÃO A dependência de benzodiazepínicos é um
problema crescente, com milhões de pessoas
Os benzodiazepínicos e as drogas Z são em todo o mundo lutando para reduzir ou parar
duas classes de medicamentos amplamente uti- o uso desses medicamentos. O uso prolongado
lizadas no tratamento de transtornos de ansie- de benzodiazepínicos pode levar a efeitos cola-
dade e insônia. A história dessas drogas re- terais graves, como confusão, amnésia, distúr-
monta aos anos 50, quando os primeiros benzo- bios do sono e alterações de humor. Já o uso
diazepínicos foram descobertos e rapidamente prolongado das drogas Z pode levar a tolerân-
se tornaram uma opção popular para o trata- cia, dependência e abuso, embora esses medi-
mento da ansiedade. A partir da década de 60, camentos geralmente sejam considerados me-
com o lançamento do Diazepam (Valium), os nos propensos a causar dependência do que os
benzodiazepínicos se tornaram uma das classes benzodiazepínicos.
de medicamentos mais prescritas em todo o Este capítulo, tem o objetivo de discutirmos
mundo (SHORTER, 2005). as indicações atuais dessas duas classes de me-
Os benzodiazepínicos atuam no sistema dicamentos e abordaremos a epidemia atual de
nervoso central, aumentando a atividade do insônia e a crescente preocupação com a depen-
neurotransmissor GABA e diminuindo a ativi- dência de benzodiazepínicos e das drogas Z.
dade de neurotransmissores excitatórios, como Através desta discussão, esperamos fornecer in-
a serotonina e a noradrenalina. Isso leva a uma formações importantes para médicos, pacientes
redução na ansiedade, tensão muscular e agita- e familiares que buscam entender melhor esses
ção, tornando-os úteis no tratamento de trans- medicamentos e sua utilização clínica, bem
tornos de ansiedade, insônia, epilepsia e sín- como os riscos associados ao seu uso prolon-
drome de abstinência de álcool (BRUNTON et gado (ZHANG et al., 2019)
al., 2012).
As drogas Z, como o Zolpidem e o Zopi- MÉTODO
clone, surgiram mais tarde na década de 80,
como uma alternativa mais segura para o trata- Trata-se de uma revisão sistemática reali-
mento da insônia. Essas drogas têm uma estru- zada no período de setembro a outubro de 2022,
tura química diferente dos benzodiazepínicos, por meio de pesquisas nas bases de dados Pub-
mas atuam no mesmo receptor GABA. Elas fo- Med e Scopus. Foram utilizados os descritores
ram desenvolvidas para ter um perfil farmaco- "insônia", "benzodiazepínicos", "drogas Z" e
cinético mais favorável do que os benzodia- "tratamento farmacológico" em diferentes com-
zepínicos, com menor risco de dependência e binações, com aplicação de filtros para os idio-
tolerância (BRUNTON et al., 2012). mas português, inglês e espanhol, e para artigos
Atualmente, a insônia é considerada uma publicados nos últimos 10 anos. Após a aplica-
epidemia global, afetando milhões de pessoas ção dos critérios de seleção, foram encontrados
em todo o mundo. A busca por medicamentos 36 artigos que atenderam aos critérios de inclu-
para tratar a insônia e a ansiedade tem levado são e foram submetidos à leitura minuciosa para
ao aumento no uso de benzodiazepínicos e dro- a coleta de dados.
gas Z, apesar dos riscos associados ao seu uso Os critérios de inclusão foram: artigos nos
prolongado e à possibilidade de desenvolvi- idiomas português, inglês ou espanhol; publica-
mento de dependência. dos no período de 2012 a 2022; que abordavam

113 | P á g i n a
as temáticas propostas para esta pesquisa, inclu- A Food and Drug Administration (FDA),
indo revisões sistemáticas, meta-análises e es- agência reguladora de medicamentos dos Esta-
tudos clínicos controlados; e disponibilizados dos Unidos, também aprova o uso de benzodia-
na íntegra. Os critérios de exclusão foram: arti- zepínicos e drogas Z para essas indicações. No
gos duplicados, disponibilizados na forma de entanto, a FDA alerta que o uso prolongado
resumo, que não abordavam diretamente a pro- desses medicamentos pode levar à dependência
posta estudada e que não atendiam aos demais e tolerância, e que eles devem ser prescritos
critérios de inclusão. apenas em casos em que outros tratamentos não
Os resultados foram apresentados de forma foram eficazes ou não são apropriados (FDA,
descritiva, divididos em categorias temáticas 2023).
que abordaram as principais indicações, contra- É importante ressaltar que o uso desses me-
indicações, efeitos adversos e dosagens habitu- dicamentos deve ser feito com cuidado e moni-
ais dos benzodiazepínicos e das drogas Z, bem toramento adequado, uma vez que há riscos sig-
como seus mecanismos de ação e considerações nificativos associados ao seu uso prolongado,
sobre sua utilização no cenário atual da epide- incluindo dependência, abuso, efeitos colaterais
mia da insônia. Foram citadas as referências graves e possibilidade de overdose. Os médicos
dos artigos selecionados, seguindo as normas devem avaliar cuidadosamente os riscos e be-
ABNT brasileiras atualizadas. nefícios do uso desses medicamentos em cada
paciente e considerar opções de tratamento não
RESULTADOS E DISCUSSÃO farmacológicas antes de prescrevê-los.
Embora as drogas Z e benzodiazepínicos
Indicações formais de tratamento e a sejam amplamente prescritos para a insônia, o
Epidemia cenário atual é de uma epidemia desse trans-
As indicações formais para o uso dos ben- torno do sono. A falta de sono afeta a saúde e o
zodiazepínicos incluem transtornos de ansie- bem-estar de muitas pessoas, levando a conse-
dade, transtornos do sono, espasticidade mus- quências negativas, como fadiga, diminuição
cular e convulsões. De acordo com a American do desempenho cognitivo, aumento do risco de
Psychiatric Association (APA), os benzodia- acidentes e problemas de saúde mental. Diante
zepínicos são uma opção de tratamento de pri- desse cenário, as drogas Z e benzodiazepínicos
meira linha para o transtorno do pânico, o trans- podem oferecer alívio temporário, mas não de-
torno de ansiedade generalizada e o transtorno vem ser vistas como uma solução a longo prazo
obsessivo-compulsivo. Além disso, eles podem (SATEIA et al., 2017; STEIN et al, 2009).
ser úteis no tratamento de transtornos do sono, Além disso, a dependência desses medica-
como a insônia (APA, 2013). mentos é um problema significativo, principal-
Já as drogas Z, como o Zolpidem e o Zopi- mente em relação aos benzodiazepínicos. A de-
clone, são indicadas principalmente para o tra- pendência pode levar a um ciclo vicioso de in-
tamento da insônia de curto prazo. A APA sônia e uso contínuo de medicamentos para dor-
afirma que as drogas Z são opções de trata- mir, que pode ser difícil de quebrar. Por essa ra-
mento de segunda linha para a insônia, com os zão, é importante que os profissionais de saúde
benzodiazepínicos ainda sendo considerados a tenham cautela ao prescrever benzodiazepíni-
primeira opção para o tratamento de longo cos e drogas Z, e que esses medicamentos sejam
prazo (APA, 2013). utilizados apenas por um curto período de

114 | P á g i n a
tempo (ZHANG et al., 2019; SILBER & AM- nuindo a ativação neuronal em vias diversas do
BROSEUS, 2011). sistema nervoso central, inclusive aquelas rela-
Existem outras opções de tratamento para a cionadas à ansiedade (BRUNTON et al., 2012).
insônia que devem ser consideradas, como tera- Os benzodiazepínicos ligam-se a proteínas
pia comportamental, mudanças no estilo de plasmáticas, como a albumina, favorecendo seu
vida e outras intervenções farmacológicas. A depósito no tecido adiposo. Ademais, são alta-
terapia comportamental tem se mostrado espe- mente lipossolúveis o que permite com que es-
cialmente eficaz no tratamento da insônia crô- ses medicamentos consigam penetrar facil-
nica, ajudando os pacientes a melhorar seus pa- mente no SNC, comparando-se com drogas ilí-
drões de sono e a desenvolver habilidades para citas, como a maconha, cocaína e heroína. Tal
lidar com o estresse e a ansiedade (SATEIA et fato explica o seu abuso bem como sua depen-
al., 2017; NATIONAL INSTITUTE OF MEN- dência (BRUNTON et al., 2012).
TAL HEALTH, 2023).
Em conclusão, enquanto as drogas Z e ben- Indicações e Contraindicações
zodiazepínicos têm suas indicações formais no As indicações dos benzodiazepínicos in-
tratamento da insônia e de transtornos de ansie- cluem o tratamento da ansiedade, insônia, cri-
dade, é necessário um uso criterioso e limitado, ses convulsivas, abstinência alcoólica, estresse
levando em conta os riscos e benefícios de cada pós-traumático, distúrbios do sono e tensão
paciente individualmente. A compreensão dos muscular. No entanto, é importante ressaltar
efeitos colaterais, a dependência e outras impli- que esses medicamentos devem ser utilizados
cações dos medicamentos deve ser prioridade com cautela e por um período curto de tempo,
em todos os casos. pois podem causar dependência física e psico-
lógica.
BENZODIAZEPÍNICOS As contraindicações para o uso de benzodi-
azepínicos incluem hipersensibilidade aos com-
Mecanismo de ação ponentes da formulação, glaucoma de ângulo
Os benzodiazepínicos são uma classe de fechado, insuficiência respiratória grave, mias-
medicamentos psicotrópicos que possuem tenia gravis, apneia do sono, hepatopatias gra-
efeito ansiolítico, sedativo, hipnótico, anticon- ves e insuficiência renal grave (SADOCK et al.,
vulsivante, relaxante muscular e amnésico. O 2017).
seu mecanismo de ação ocorre pela potenciali-
zação dos efeitos do ácido gama-aminobutírico Efeitos Adversos
(GABA), que é um neurotransmissor inibitório Os efeitos adversos dos benzodiazepínicos
do sistema nervoso central (SNC), promo- incluem sonolência diurna, tontura, fraqueza
vendo, assim, a redução da atividade neuronal. muscular, alterações da coordenação motora,
Eles dificultam a transmissão e a excitação dos depressão respiratória, amnésia anterógrada, ir-
neurônios que contém receptor GABAa. Isso se ritabilidade, alterações do humor, agressivi-
dá pela entrada de íons negativos, mais especi- dade, euforia, dependência física e psicológica,
ficamente, CL- na célula, que leva a uma hiper- entre outros (BRUNTON et al., 2012).
polarização entre os meios intenso e externos Deve-se instruir os pacientes em uso de
do neurônio. Tal hiperpolarização afasta o po- benzodiazepínicos a não dirigirem, não mane-
tencial pós-sináptico do valor limiar, dimi- jarem cargas pesadas tampouco executarem ta-

115 | P á g i n a
refas de maior risco sob efeito da droga, pelo senvolvimento de tolerância e dependência. Es-
risco de acidentes causados pela indução a so- ses fármacos possuem efeito de curta duração,
nolência, inerente ao mecanismo de ação do sem efeito ansiolítico (SEDA et al., 2007).
fármaco (SADOCK et al., 2017). Indicações e Contraindicações
O uso indiscriminado ou recreativo é o res- As principais indicações das Drogas Z são
ponsável pelos efeitos adversos mais graves, o tratamento de curto prazo da insônia, especi-
sobretudo quando seu uso é concomitante ao almente quando ela está associada a transtornos
uso de substancias alcoólicas. O etanol, assim psiquiátricos como depressão e ansiedade. Al-
como a classe medicamentosa em questão, é um guns dos principais representantes dessa classe
depressor do sistema nervoso central (SNC). são o Zolpidem, o Zaleplona e o Eszopiclona
Quando utilizados concomitantemente há um (BRUNTON et al., 2012).
efeito sedativo sinérgico potencializando o Assim como os benzodiazepínicos, as Dro-
risco de uma overdose fatal. A combinação com gas Z têm algumas contraindicações importan-
qualquer outra substancia depressora do SNC, tes, incluindo histórico de alergia a esses medi-
como os opioides acarretam os mesmos riscos. camentos, apneia do sono, insuficiência hepá-
(BRU NTON et al., 2012) tica ou renal grave e gravidez ou lactação
(BRUNTON et al., 2012).
Principais Representantes
Os principais representantes da classe dos Efeitos Adversos
benzodiazepínicos incluem o Diazepam, Lora- De modo geral, as drogas Z são bem tolera-
zepam, Clonazepam, Alprazolam, Bromaze- das. Pequena porcentagem de usuários pode
pam e Midazolam (Tabela 15.1). As dosagens sentir tontura, sonolência, dispepsia ou diarreia.
habituais oscilam de acordo com a indicação, O uso de Zolpidem, no entanto, pode estar as-
sociado a comportamento automático e amnésia
podendo variar desde 0,25mg a 10mg por dia, a
anterógrada. Ademais, pode-se mencionar irri-
depender do medicamento e da gravidade do
quadro clínico. tabilidade, cefaleia, fadiga, especialmente com
o uso do Zolpidem (BRUNTON et al., 2012).
Os efeitos adversos estão relacionados com
DROGAS Z
a dose e susceptibilidade de cada paciente.

Mecanismo de ação Principais Representantes


As Drogas Z, também conhecidas como Z- Os principais representantes da classe das
hypnotics, são uma classe de medicamentos se- Drogas Z são o Zolpidem, a Zoplicona e a Es-
dativos-hipnóticos que atuam em receptores es- zoplicona (Tabela 15.2). As dosagens habituais
pecíficos do neurotransmissor GABA, produ- variam de acordo com o medicamento e a indi-
zindo efeitos sedativos e ansiolíticos. Ao con- cação específica. Por exemplo, a dose diária re-
trário dos benzodiazepínicos, as Drogas Z são comendada de Zolpidem é de 5-10 mg para
mais seletivas para as subunidades α1 de recep- adultos, enquanto a dose diária recomendada de
tores do GABA, responsáveis pelos efeitos Eszoplicona é de 2-3 mg para adultos (Tabela
hipnóticos, o que reduz a probabilidade de de- 15.2).

116 | P á g i n a
Tabela 15.1 Tabela com o resumo dos principais representantes da classe farmacológica dos Benzodiazepínicos

Benzodiazepínico Indicações Contraindicações Efeitos Adversos Representantes Dosagens

Ansiedade, insônia, convulsões, Gravidez, glaucoma, apneia do Sonolência, fadiga, tontura, fra- Valium, Diazepam, Dipe- 2-10 mg, 1-4 vezes ao
Diazepam
espasmos musculares sono, depressão respiratória queza muscular, dependência zona dia

Transtornos do pânico, ansieda- Gravidez, glaucoma, apneia do Sonolência, fadiga, tontura, fra- 0,5-2 mg, 2-3 vezes ao
Clonazepam Rivotril, Clonotril
de, epilepsia sono, depressão respiratória queza muscular, dependência dia

Gravidez, depressão respirató- Sonolência, fadiga, tontura, fra-


Lorazepam Ansiedade, insônia, convulsões Lorax, Lorazepam 2-6 mg, 2-3 vezes ao dia
ria queza muscular, dependência
Gravidez, depressão respirató- Sonolência, fadiga, tontura, fra- 0,25-1 mg, 2-3 vezes ao
Alprazolam Transtornos do pânico, ansiedade Frontal, Alprazol, Trika
ria queza muscular, dependência dia
Gravidez, glaucoma, apneia do Sonolência, fadiga, tontura, fra- 0,5-2,5 mg, por via oral
Midazolam Sedação, anestesia, ansiedade Versed, Dormicum
sono, depressão respiratória queza muscular, dependência ou injeção
Fonte: Adaptado de BRUNTON et al., 2012.

Tabela 15.2 Tabela com o resumo dos principais representantes da classe farmacológica das Drogas Z

Droga Z Indicações Contraindicações Efeitos Adversos Representantes Dosagens

Hipersensibilidade à droga, gravi- Sonolência diurna, cefaleia, ton-


Zolpaz, Patz, Zolpi-
Zolpidem Insônia de curta duração dez, lactação, apneia do sono e insu- tura, náusea, amnésia anteró- 5-10mg, 1 vez ao dia
dem
ficiência hepática e renal. grada

Sonolência diurna, cefaleia, ton-


Hipersensibilida de à droga, gravi-
Insônia de curta e longa dura- tura, náusea, amnésia anteró- Expoclone, Zopli-
Zoplicona dez, lactação, apneia do sono e insu- 7,5mg, 1 vez ao dia
ção grada, distúrbios gastrointesti- cona
ficiência hepática e renal.
nais

Sonolência diurna, cefaleia, ton-


Hipersensibilida de à droga, gravi-
Insônia de curta e longa dura- tura, náusea, amnésia anteró-
Eszoplicona dez, lactação, apneia do sono e insu- Prysma, Eszoplicona 2-3 mg, 1 vezes ao dia
ção grada, distúrbios gastrointesti-
ficiência hepática e renal.
nais
Fonte: AMERICAN ACADEMY OF SLEEP MEDICINE, 2017.

117 | P á g i n a
CONCLUSÃO incidência de efeitos adversos em comparação
aos benzodiazepínicos.
A pesquisa apresentou uma revisão sobre os Desta forma, os profissionais de saúde de-
benzodiazepínicos e as Drogas Z, suas caracte- vem avaliar cuidadosamente a necessidade do
rísticas farmacológicas, mecanismo de ação, in- uso desses medicamentos e orientar os pacien-
dicações e efeitos adversos. Foi possível obser- tes quanto à dosagem correta e duração do tra-
var que os benzodiazepínicos são uma classe de tamento, para evitar complicações. É impor-
fármacos amplamente utilizada para o trata- tante ressaltar que, embora os benzodiazepíni-
mento de ansiedade e insônia, porém devem ser cos e as Drogas Z tenham uma ampla utilização
utilizados com cautela devido aos seus efeitos clínica, novos estudos ainda são necessários
colaterais, como sonolência, sedação, depen- para melhor compreensão de seus efeitos a
dência e tolerância. Já as Drogas Z, por terem longo prazo e possíveis alternativas terapêuti-
um perfil farmacológico mais seletivo, são in- cas.
dicadas para tratamento da insônia, com menor

118 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMERICAN ACADEMY OF SLEEP MEDICINE. DE PSIQUIATRIA: ciência do comportamento e
Clinical Practice Guideline for the Pharmacologic Treat- psiquiatria clínica. 11 ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.
ment of Chronic Insomnia in Adults - An American
Academy of Sleep Medicine Clinical Practice Guideline, SATEIA, M. J. et al. Clinical practice guideline for the
2017. Journal of Clinical Sleep Medicine, v. 13, n. 2, p. pharmacologic treatment of chronic insomnia in adults.
307, 2017. Journal of Clinical Sleep Medicine, v. 13, n. 2, p. 307,
2017.
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diag-
nostic and Statistical Manual of Mental Disorders: DSM- SEDA, G. et al. Dose-dependent effects of zolpidem on
5. 5. ed. Arlington: American Psychiatric Association, hippocampal long-term potentiation and long-term de-
2013. pression in vivo. Neuroscience Letters, v. 417, p. 133,
2007.
BRUNTON, L.L. et al. As bases farmacológicas da tera-
pêutica de Goodman e Gilman. 12. Ed. Porto Alegre: SHORTER, E. Benzodiazepines. A Historical Dictionary
AMGH, 2012. of Psychiatry. [S.l.]: Oxford University Press, p. 41,
2005.
FOOD AND DRUG ADMINISTRATION. Drug Safety
and Availability - Benzodiazepine Information. 2023. SILBER, M.H. & AMBROSIUS, W.T. Sleep Disorders.
Disponível em: https://www.fda.gov/drugs/drug-safety- In: GOLDMAN, Lee; AUSIELLO, Dennis (Eds.). Cecil
and-availability/benzodiazepine-information. Acesso Medicine. 24. ed. Philadelphia: Saunders, p. 374, 2011.
em: 19 abril 2023
STEIN, M.B. et al. Practice guideline for the treatment
NATIONAL INSTITUTE OF MENTAL HEALTH. of patients with panic disorder. American Psychiatric As-
Sleep Disorders. Disponível em: sociation. APA Practice Guidelines. 2 editions, 2009.
https://www.nimh.nih.gov/health/topics/sleepdisorders/i
ndex.shtml. Acesso em: 19 abril 2023 ZHANG, J. et al. Sleep Duration and Quality in People
with Chronic Pain: A Systematic Review and Meta -Anal-
SADOCK, B.J. et al. Benzodiazepínicos e fármacos que ysis. Journal of Pain Research, v. 12, p. 1269, 2019.
atuam sobre os receptores de GABA. In: COMPÊNDI O

119 | P á g i n a
Capítulo 16

PRESCRIÇÃO DE
ANTIPSICÓTICO EM
PACIENTES PORTADORES DE
ESQUIZOFRENIA: UMA
REVISÃO DA LITERATURA

MARIA ALICE DA SILVA GONÇALVES COSTA¹


VANESSA OLIVEIRA SILVEIRA AZEVEDO¹
EMANUELLE SOUSA COUTINHO1
ELIANA GOMES XAVIER 1

1. Discente - Medicina do Centro Universitário de Caratinga - UNEC.

Palavras Chave:Esquizofrenia; Antipsicóticos; Tratamento esquizofrenia.

10.59290/978-65-6029-006-8.16
120 | P á g i n a
INTRODUÇÃO (DALGALARRONDO, 2019; FULONE et al.,
2023).
Nos últimos anos, nota-se uma grande evo- A esquizofrenia por ser uma doença crônica
lução da ciência em relação ao estudo da mente é necessário que existam intervenções capazes
humana e seu funcionamento, mas observa-se de proporcionar melhores condições de vida e
certa incipiência em relação às doenças mentais alívio dos sintomas. Infelizmente, por um longo
e seus mecanismos. Ainda existe muito a ser período, o tratamento para os pacientes psiquiá-
compreendido, principalmente, no que tange as tricos era, na verdade, apenas o confinamento
síndromes psicóticas, como no caso da esqui- em diversos hospitais e sanatórios espalhados
zofrenia que atinge cerca de 0,7% da população pelo Brasil sem que houvesse uma real terapia
brasileira e 1% da população mundial e não clínica. Nos anos 50 este cenário teve algumas
possui seu mecanismo completamente elucida- mudanças e o tratamento farmacológico da es-
do (CHARLSON et al., 2018; OMS, 2022; FU- quizofrenia teve início com a descoberta dos
LONE et al., 2023). antipsicóticos (APs), medicamentos esses que
Sabe-se que a esquizofrenia possui mani- auxiliam no controle dos sintomas da doença
festações clínicas variadas que, no geral, são por meio de ação direta na produção de dopa-
graves, crônicas e pautadas em disfunções cog- mina e serotonina no sistema nervoso central
nitivas, comportamentais e emocionais que po- (CORDIOLI, 2015; FREITAS et al., 2017).
dem culminar, na maior parte dos casos, em Atualmente, a Diretriz Terapêutica do Mi-
uma característica emblemática: os sintomas nistério da Saúde, em concordância com diver-
psicóticos (DALGALARRONDO, 2019). En- sos outros autores, recomenda que o tratamento
tretanto, a psicose não é patognomônico da para os transtornos da esquizofrenia sejam ini-
doença e pode ser encontrada em outras pato- ciados com antipsicóticos em monoterapia,
logias, como no transtorno bipolar e alguns avaliando sempre o perfil de segurança da dro-
tipos de depressão. Dessa forma, o diagnóstico ga e também a tolerabilidade do paciente. Ade-
da esquizofrenia é pautado na exclusão de ou- mais, é importante ressaltar que a doença não
tras patologias que fazem diagnóstico diferen- possui cura, mas é imprescindível a disciplina e
cial com esta enfermidade e os sinais e sintomas regularidade ao tratamento para que os efeitos
apresentados por cada paciente (APA, 2014; terapêuticos das medicações sejam atingidos e,
FREITAS et al., 2017; DALGALARRONDO, consequentemente, a remissão dos sintomas.
2019). (BRASIL, 2013; CORDIOLI, 2015; AZORIN
O diagnóstico da esquizofrenia é complexo & SIMON, 2020; FULONE et al., 2023).
e esbarra não somente nas dificuldades clínicas Considerando a relevância do tema, sua in-
da própria doença, mas também em questões serção em um contexto de pouca visibilidade
sociais discriminatórias. Infelizmente, esta do- social e a dificuldade em se estabelecer um tra-
ença está inserida em um contexto precon- tamento individualizado, o presente estudo tem
ceituoso repleto de paradigmas que dificultam como objetivo expor por meio da literatura es-
mais um diagnóstico que já se torna complicado pecializada uma revisão bibliográfica narrativa
devido ao seu caráter idiopático, de análise acerca da esquizofrenia em seus aspectos ge-
subjetiva que depende basicamente de aspectos rais. Destacou-se a necessidade do manejo ade-
clínicos e comportamentais para ser descoberta quado dos pacientes com esquizofrenia em re-
lação às medicações antipsicóticas, focando nos

121 | P á g i n a
mecanismos de ação, efeitos adversos e doses Tratamento farmacológico no manejo da esqui-
das drogas, aspectos esses cruciais para a tolera- zofrenia.
bilidade e sucesso ao tratamento. Além disso,
torna-se importante a disseminação do conhe- ESQUIZOFRENIA: DEFINIÇÃO E
cimento sobre as drogas antipsicóticas para ETIOLOGIA
toda a comunidade médica, não somente para
os especialistas, objetivando maior domínio das A Organização Mundial da Saúde caracteri-
prescrições por todos. za a esquizofrenia como uma distorção do pen-
samento e da percepção do indivíduo, sendo
MÉTODO marcada pelo afeto inadequado ou embotado.
Ressalta-se, que em muitos casos existe a cons-
Este capítulo utilizou como opção metodo- ciência clara da manutenção da capacidade inte-
lógica uma revisão narrativa da literatura, reali- lectual, embora certos déficits cognitivos pos-
zada no período de janeiro e fevereiro de 2023 sam surgir com o progredir da doença e com o
por meio de pesquisa nas seguintes bases de da- tempo (DALGALARRONDO, 2019; OMS,
dos: SciELO, PubMed, BVS e Google Scholar. 2022).
Foram utilizados os seguintes descritores (com- As características gerais das síndromes psi-
binados ou isolados): “esquizofrenia”, “antipsi- cóticas observadas na esquizofrenia remetem a
cóticos”, “antipsicóticos típicos” e “antipsicóti- distorção da realidade formada a partir de delí-
cos atípicos”. rios, alucinações, afrouxamento das associa-
Os critérios de inclusão foram: livros e tra- ções, pobreza de conteúdo do pensamento, pen-
tados consagrados na área da psiquiatria médica samento ilógico, conduta bizarra e até catatonia.
independentes do ano; artigos e dissertações de As causas para o desenvolvimento desses sinto-
mestrado/doutorado publicados nos idiomas mas ainda não são elucidados, mas é consenso
(português e inglês) no período de 2017 a 2023. que são fruto de manifestações heterogêneas e
Os critérios de exclusão foram: publicação an- multifatoriais. Desse modo, existe uma correla-
terior ao ano de 2017, estudos duplicados, tex- ção do desenvolvimento doença com fatores
tos disponibilizados somente no formato de re- genéticos, neurobiológicos, psicológicos e soci-
sumos e trabalhos que não apresentassem rela- ais que podem ser ativados por algum tipo de
ção com o tema escolhido ou relevância clínica estresse que produzem vulnerabilidades naque-
e científica. le indivíduo, como abuso de substâncias, fato-
Inicialmente, para análise dos textos, foi re- res psicossociais ou traumas. (FREITAS et al.,
alizada a leitura criteriosa dos resumos e pos- 2017; DALGALARRONDO, 2019; FULONE
teriormente do texto completos, avaliando se et al., 2023).
estavam dentro dos critérios de seleção. Em
março de 2023, foram incluídas 27 publicações CLASSIFICAÇÃO E DIAGNÓSTI-
para coleta de informações e posterior confec- CO DA ESQUIZOFRENIA
ção deste artigo, sendo os resultados apresenta-
dos de forma descritiva e divididos nas seguin- Existem algumas formas para a classifica-
tes categorias: Esquizofrenia: aspectos gerais; ção da esquizofrenia, considerando as caracte-
Classificação e diagnóstico da esquizofrenia; rísticas inerentes a cada paciente e sua hetero-
geneidade, destacando-se o início do desenvol-
122 | P á g i n a
vimento da doença, sinais e sintomas, resposta ção aos sintomas negativos, observa-se uma su-
ao tratamento, prognóstico e substrato patogê- pressão dos sintomas positivos, caracterizando
nico. Para auxiliar os profissionais de saúde a a perda das funções psíquicas (FREITAS et al.,
conferirem um diagnóstico correto para a doen- 2017; CHARLSON et al., 2018; DALGALAR-
ça os sinais e sintomas são subdivididos em po- RONDO, 2019; . No Quadro 16.1, observa-se
sitivos e negativos. No geral, os sintomas posi- a condensação destes sinais e sintomas, poden-
tivos se apresentam por distorção do funciona- do ser observados alguns exemplos de cada.
mento normal de funções psíquicas. Já em rela-

Quadro 16.1 Apresentação dos sintomas positivos e negativos na esquizofrenia


Sintomas Positivos Sintomas Negativos
Delírios (frequentemente persecutórios) Aplainamento afetivo ou afeto embotado
Alucinações auditivas Associalidade
Distorções da realidade Abulia
Discurso desorganizado Apatia
Comportamento bizarro Anedonia,
Afeto Incongruente Restrição dos interesses
Agitação psicomotora Lentificação e empobrecimento motor
Neologismos Empobrecimento do discurso
Parafasias Deficiências intelectuais e de memória
Fonte: Adaptado de FREITAS et al., 2017; DALGALARRONDO, 2019.

Devido à dificuldade para se estabelecer um bipolar, depressão grave com sintomas psicó-
diagnóstico, atualmente, no Brasil, existem dois ticos, transtornos esquizofreniforme e o trans-
critérios capazes de ajudar nesta tarefa, sendo torno psicótico breve. Tal dissociação se torna
eles o Manual Diagnóstico e Estatístico de importante, pois cada uma das síndromes psicó-
Transtornos Mentais, que coloca a doença no ticas exige um tratamento médico direcionado,
grupo do Espectro da esquizofrenia e Outros assertivo e que sejam prescritas medicações de
Transtornos Psicóticos; e a Classificação Inter- modo otimizado que realmente sejam voltadas
nacional de Doenças que cataloga a esquizo- para a remissão dos sintomas e reabilitação do
frenia e seus espectros no código F20. Destaca- paciente (CORDIOLI, 2015; FILHO et al.,
se que estes manuais não devem ser analisados 2021; AZORIN & SIMON, 2020).
de forma isolada, mas sim concomitante com
indivíduo avaliado perante a sua singularidade, TRATAMENTO FARMACOLÓGI-
atividades sociais, história familiar e história CO NO MANEJO DA ESQUIZO-
patológica pregressa (APA, 2014; CORDIOLI, FRENIA
2015; FEITAS et al., 2017; BRASIL, 2021).
É notória que a diferenciação da esquizofre- Os medicamentos que constituem a base
nia em relação à normalidade é tarefa fácil para o tratamento da esquizofrenia foram des-
perante as classificações diagnósticas usadas. cobertos casualmente, por volta da década de
Entretanto, para que se inicie o tratamento é 50, através do principal representante da classe
imprescindível não somente estabelecer um a clorpromazina. Constatou-se que esta medica-
diagnóstico de transtorno esquizofrênico, mas ção era capaz de produzir sedação, diminuir
também descartar diagnósticos diferenciais, tais ansiedade e também controlar sintomas psicóti-
como transtornos esquizoafetivos, transtorno cos. Com o avançar dos anos e da ciência,

123 | P á g i n a
posteriormente foram produzidos outros medi- versas formas, entretanto a de maior interesse
camentos que foram denominados “antipsicóti- clínico é aquela baseada nos efeitos colaterais e
cos”, pois esses fármacos possuem a capacida- ações terapêuticas propostas ao longo do uso.
de de abolir a psicose e aliviar o processo men- Podemos, então, subdividir os antipsicóticos
tal de desorganização em pacientes esquizofrê- em típicos (primeira geração) e os atípicos (se-
nicos ou que possuem outras síndromes psicó- gunda geração). Tal divisão está relacionada
ticas (GOLAN et al., 2009; CORDIOLI, 2015; com o mecanismo de ação das medicações e a
FREITAS et al., 2017; FULONE et al., 2023). capacidade de gerar efeito colateral nos pa-
Os antipsicóticos são um grupo de medica- cientes (GOLAN et al., 2009; CORDIOLI,
mentos considerados quimicamente heterogê- 2015; GRILO, 2020). No Quadro 16.2, é pos-
neos que compartilham algumas estruturas quí- sível observar os principais representantes de
micas, propriedades farmacológicas e utilida- cada classe e seus principais mecanismos de
des clínicas. Eles podem ser classificados de di- ação.

Quadro 16.2Classificação dos antipsicóticos


Classe dos Antipsicóticos Representantes
Antipsicóticos Típicos Alta Potência Haloperidol; Flufenazina; Pipotiazina ; Penfluridol; Pimozida
(ou incisivos).
Antipsicóticos Típicos Baixa Potência Clorpromazina; Levomepromazina; Sulpirida;Tioridazina;
(Ou sedativos) Trifluoperazina; Periciazina
Antipsicóticos Atípicos Clozapina; Risperidona; Olanzapina; Quetiapina; Ziprasidona;
Aripiprazol
Fonte: Adaptado CORDIOLI, 2015; GRILO, 2020.

Os mecanismos de ação tanto dos antipsi- DIOLI, 2015; DALGALARRONDO, 2019;


cóticos típicos, quanto dos atípicos não estão GRILO, 2020).
completamente elucidados. Entretanto, sabe-se Os antipsicóticos de segunda geração mo-
que o mecanismo básico de ambos é em relação dulam a ação da dopamina de forma indireta por
ao bloqueio dopaminérgico localizados nas vias meio dos receptores serotoninérgicos 5-HT2 e
nigroestriatal, mesolímbica, mesocortical e tu- são drogas importantes que melhoram os sinto-
beroinfundibular (GOODMAN et al., 2005; mas negativos, como embotamento afetivo, hi-
GOLAN et al., 2009; CORDIOLI, 2015; DAL- pobulia, retraimento social e a deterioração
GALARRONDO, 2019; GRILO, 2020). cognitiva. Pelo fato de serem menos seletivos,
Os antipsicóticos de primeira geração estão esses medicamentos modulam um pouco me-
relacionados ao bloqueio dopaminérgico dos lhor a descarga dopaminérgica na via nigroes-
receptores D2R atuando, principalmente na re- triatal produzindo menos efeitos extrapirami-
moção de sintomas positivos. Os incisivos pos- dais. Entretanto, possuem sítio de ligação em
suem como principal efeito a diminuição dos diversos receptores (CORDIOLI, 2015; DAL-
sintomas psicóticos, como os delírios e as alu- GALARRONDO, 2019; GRILO, 2020). No
cinações. Já os sedativos são poucos seletivos Quadro 16.3 é possível observar os principais
para o bloqueio dos receptores dopaminérgicos efeitos terapêuticos e adversos gerados pelo
e agem também sobre os histamínicos, musca- bloqueio de alguns receptores pelos antipsicó-
rínicos e nicotínicos, sendo muito usados para ticos.
sedação e tranquilização dos pacientes (COR-

124 | P á g i n a
Quadro 16.3Classificação dos antipsicóticos
Receptores Efeitos Terapêutico Principais Efeitos Adversos
Bloqueados
Dopaminérgicos D2 Melhora dos sintomas Sintomas extrapiramidais (distonia, parkinsonismo, acatisia,
positivos discinesia tardia); Hiperprolactinemia (disfunções sexuais e
menstruais, galactorréia, ginecomastia)
α – 1 - Adrenérgico Desconhecidos Taquicardia Reflexa; Hipotensão postural; Vertigem; Tontura;
Potencialização de efeito de alguns anti-hipertensivos
α -2 -Adrenérgico Desconhecidos Bloqueio de efeitos anti hipertensivos da clonidina e da
metildopa
Histamínicos H 1 Sedação Sedação; Ganho de Peso; Potencialização de drogas
depressoras centrais
Redução de Sintomas Visão turva; Exacerbação do glaucoma de ângulo fechado;
Muscarínicos extrapiramidais Boca seca; Taquicardia sinusal; Obstipação; Retenção
urinária; Déficit de memória
Serotoninérgicos Redução de Sintomas Desconhecido
5HT2A extrapiramidais;
Melhora de sintomas
negativos
Fonte: Adaptado de CORDIOLI, 2015; DALGALARRONDO, 2019.

Observa-se então que os antipsicóticos, no ceção a clozapina que possui resultados com-
geral, não possuem uma seletividade pelos re- provados em casos de esquizofrenia refratária.
ceptores e com isso ocorrem diversos efeitos Dessa forma, a prescrição da medicação deverá
adversos, no entanto eles não são totalmente ser embasada no perfil de cada paciente e suas
indesejáveis para o tratamento da esquizofre- necessidades específicas, considerando antece-
nia. Desse modo, torna-se claro que a prescri- dentes como história clínica, uso de outro anti-
ção do antipsicótico deve ser realizada estudan- psicótico, resposta clínica, perfil dos efeitos
do tanto o paciente, quanto os efeitos terapêu- colaterais, comorbidades, custo e disponibili-
ticos e adversos, tornando-se esse um ponto dade do fármaco (CORDIOLI, 2015; FREITAS
crucial para a escolha da terapêutica adequada et al., 2017; RABEN et al., 2018; BERTONI &
para cada paciente (CORDIOLI, 2015; DAL- LEAL, 2023). Na Tabela 16.1, observam-se
GALARRONDO, 2019; GRILO, 2020). alguns medicamentos disponíveis para uso no
Sabe-se que não existem evidências clínicas Brasil, suas respectivas doses recomendadas e
suficientes para a determinação de eficácia en- os receptores em que mais atuam.
tre os antipsicóticos, tornando-se a única ex-

Tabela 16.1Exemplos de antipsicóticos disponíveis no Brasil e manejo da respectiva droga


Dose Faixa
Dose média
Medicamento Inicial terapêutica Receptores que atuam bloqueando a ação
(mg/dia)
(mg) (mg/dia)
Clorpromazina 50-100 400-600 200-1600 Dopaminérgico e α-Adrenérgico
Flufenazina 5 5-10 1-30 Desconhecido
Haloperidol 1-5 5-10 1-30 Dopaminérgicos
Dopaminérgicos; α-Adrenérgicos; 5HT2;
Levomepromazina 25 100-300 25-600
Muscarínicos
Dopaminérgicos; α-Adrenérgicos; 5HT2;
Pimozida 1-2 2-4 1-8
Muscarínicos
Tioridazina 50-100 50-600 50-600 dopaminérgicos; α-Adrenérgicos; 5HT2;

125 | P á g i n a
Zuclopentixol 10-20 10-75 10-75 Dopaminérgico
Aripiprazol 10-15 15-30 10-30 Dopaminérgicos e Serotoninérgicos
Dopaminérgicos; serotoninérgicos; α-Adre-
Clozapina 25 300-600 50-900
nérgicos; histamínicos; entre outros
Serotoninérgicos; Dopaminérgicos; Histamí-
Olanzapina 5-10 10-20 5-30
nicos; α-Adrenérgicos
Serotoninérgicos; Dopaminérgicos; Histamí-
Quetiapina 25 400-800 150-750
nicos; α-Adrenérgicos; Muscarínicos
Alta afinidade pelos Serotoninérgicos e dopa-
Risperidona 0,5-1 2-6 4-8 minérgicos; Baixa afinidade pelos Histamí-
nicos; α-Adrenérgicos
Alta afinidade pelos serotoninérgicos e mode-
Ziprasidona 40 80-160 40-160
rada para os histamínicos.
Fonte: Adaptado de CORDIOLI, 2015.

O manejo medicamentoso do paciente com combinada de mais medicamentos poderá ser


antipsicótico pode ser realizado por qualquer realizada. Além disso, em casos que o paciente
profissional médico e, inicialmente, deverá ser apresente catatonia ou que não responda a
em monoterapia, sendo baixas doseses seguidas associação de antipsicóticos a eletroconvulso-
do aumento progressivo se necessário e de acor- terapia poderá ser indicada após revisão do
do com a tolerância ou não do paciente. Sabe- diagnóstico (CORDIOLI, 2015; BIGHELLI et
se que a sedação inespecífica proporcionada al., 2022; BERTONI & LEAL, 2023).
pelos antipsicóticos ocorre mais rapidamente
do que a resposta dos sintomas psicóticos, CONCLUSÃO
sendo a ação plena estabelecida em torno de
seis semanas. Em caso de risco a si próprio ou Baseado na análise da literatura especiali-
a terceiros, as doses podem ser reajustadas em zada e em vista aos argumentos apresentados,
busca de aumentar os efeitos sedativos. É válido observa-se que a esquizofrenia ainda é uma
ressaltar que o tratamento deverá ser de modo doença de caráter desafiador, tanto para o diag-
multiprofissional, proporcionando não apenas nóstico, quanto para o controle clínico. Isso
atendimento médico, mas também de psico- ocorre devido à sua etiologia desconhecida e os
terapias. Após desaparecimento dos sintomas aspectos clínicos subjetivos avaliados pelo mé-
agudos e associaação benéfica do medicamento dico. Tais implicações acabam recaindo sobre o
é possível reduzir as doses lentamente, reava- tratamento que pode se tornar complexo, exi-
liando o paciente devido ao possível surgimen- gindo um conhecimento mais profundo sobre
to das sintomatologias psicóticas (CORDIOLI, os antipsicóticos. É importante ressaltar que as
2015; BIGHELLI et al., 2022; GRILO, 2020; evidências clínicas sugerem que o tratamento
BERTONI & LEAL, 2023). da esquizofrenia deva ser realizado após um
Em caso de não tolerância ou sem resposta diagnóstico cauteloso e, preferencialmente, em
ao medicamento inicial após seis semanas a monoterapia, uma vez que dessa forma ocorre
troca da medicação poderá ser realizada. Com a maior adesão ao tratamento e menos efeitos
persistência do quadro, mesmo após troca da adversos. Além disso, a inclusão de acompa-
droga a esquizofrenia se torna refratária e a nhamento psicoterapêutico é de grande valia
clozapina se torna uma boa opção. Caso não neste contexto, auxiliando não apenas ao
ocorra resposta à clozapina, a administração paciente entender e aceitar seu diagnóstico, mas

126 | P á g i n a
também como aliado na manutenção do trata- assunto, pois algum dia pode ser necessário
mento farmacológico. conduzir tais casos, sendo sempre importante
O acompanhamento médico do paciente saber considerar todos os critérios impostos no
não é obrigatoriamente realizado por especia- tratamento, visando sempre o bem estar do pa-
lista, principalmente, devido a falta de tais pro- ciente, a não descontinuidade a medicação e,
fissionais em muitas regiões ou unidades de principalmente, a tolerância aos efeitos colate-
saúde. Por conseguinte, é importante que todo rais.
médico detenha conhecimento amplo sobre o

127 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
APA – AMERICAN PsychiatricAssociation. DSM-V-
Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e semiologia
5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. dos transtornos mentais / Paulo Dalgalarrondo. – 3. ed. –
Porto Alegre: Artmed, 2019.
AZORIN, J.M & SIMON, N. Antipsychotic polyphar-
macy in schizophrenia: evolving evidence and rationale. FILHO, F.F.S, etal. Uso de quetiapina no tratamento da
Expert Opinion on Drug Metabolism &Toxicology,v. 16, esquizofrenia: Revisão da Literatura. Brazilian Journal of
n.12, p. 1175, 2020. Development, Curitiba, v.7, n.12, p.110494, 2021

BERTONI, R.A.& LEAL, F.M. Uma revisão do FREITAS, B.S. et al. Perfil de Usuários Diagnosticados
tratamento da esquizofrenia: monoterapia vs associação com Esquizofrenia de um Caps do Interior de Rondônia.
de antipsicóticos.Debates em Psiquiatria, Rio de Janeiro, Nucleus, v. 14, n. 1, 2017.
v. 13, p. 1, 2023.
FULONE, I. et al. Use of atypical antipsychotics in the
BIGHELLI, I. et al. Antipsychotic polypharmacy reduc- treatment of schizophrenia in the Brazilian National
tion versus polypharmacy for people with schizophrenia. Health System: a cohort study, 2008-2017. Epidemio-
Cochrane Database Systematic Reviews, v. 8, n. 8, p. logia e Serviços de Saúde, v. 32, n. 1, 2023.
CD014383, 2022.
GOLAN D.E. et al. Princípios de Farmacologia: a base
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº364, de 9 de fisiopatológica da farmacoterapia. 2. ed. São Paulo:
abril de 2013. Aprova o Protocolo Clínico e Diretrizes Guanabara Koogan, 2009.
Terapêuticas - Esquizofrenia. Diário Oficial da União,
Brasília (DF), 2014. Seção 1:62. Disponível em: GOODMAN, A.G. et al. As bases farmacológicas da
https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/protocolos- terapêutica. Tradução de Carla de Mello Vorsatz. 10º ed.
clinicosediretrizesterapeuticaspcdt/arquivos/2021/portar McGraw-Hill, Cap 20 – p. 365, 2005.
ia-sas-no-364-esquizofrenia.pdf. Acesso em: 15 de fev
2023. GRILO, R.R.C. Efeitos adversos metabólicos dos
antipsicóticos atípicos: uma revisão da literatura. 2020.
BRASIL. Ministério da Saúde.Departamento de 42 f., il. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado
Informática do Sistema Único de Saúde.CID 10.Brasília: em Farmácia)—Universidade de Brasília, Brasília, 2020.
DATASUS, 2021. Disponível em: http://tab-
net.datasus.gov.br/cgi/sih/mxcid10lm.htm . Acessado OMS. Organização Mundial da Saúde. Transtornos
em: 15 de fev. 2023. mentais. Geneva: 2022. Disponível em:
https://www.paho.org/pt/topicos/transtornos-mentais.
CHARLSON, F.J, et al. Global epidemiology and burden Acesso em: 10 de fev. 2023.
of schizophrenia: findings from the Global Burden of
Disease Study 2016. Schizophrenia bulletin, v. 44, n. 6, RABEN A.T, et al. The Complex Relationship between
p. 1195, 2018. Antipsychotic-Induced Weight Gain and Therapeutic
Benefits: A Systematic Review and Implications for
CORDIOLI, A.V. Psicofármacos: consulta rápida – 5 ª Treatment. Frontiers in neuroscience,v. 11, p. 741, 2018.
ed. Porto Alegre: Artmed; 2015.

128 | P á g i n a
Capítulo 17

RELATO DE CASO DE
“FOLIE EN FAMILLE” EM
ASSOCIAÇÃO COM
PSEUDOCIESE

PETRUS BEZERRA MARTINS¹ ²


VALLIANE EUCARISTA ALBUQUERQUE¹
CLARA EDWIGES FROTA MORAES²
LUCAS THIESEN PIENTKA²
ANTÔNIO DE PÁDUA SIQUEIRA MARTINS³
MARCOS TADEU ELLEY FROTA⁴

1. Médico da Estratégia de Saúde da Família de São Paulo do Potengi


2. Discente - Médico Residente em Medicina de Família e Comunidade da Secretaria Municipal
de Saúde de Fortaleza
3. Docente - Médico de Família e Comunidade da Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza
4. Médico Pós-Graduado em Psiquiatria pela Faculdade Verbo Educacional

Palavras Chave: Transtorno Psicótico Compartilhado; Folie à deux; Transtorno Paranóide


Compartilhado.

10.59290/978-65-6029-006-8.17
129 | P á g i n a
INTRODUÇÃO Trois quando envolve três pessoas e Folie en
Famille quando envolve quatro ou mais pes-
Folie à Deux, também conhecido como soas. Portanto, Folie en Famille é um subtipo
Transtorno Psicótico Compartilhado, Transtor- de Folie à Deux (SADOCK et al., 2017).
no Psicótico Induzido, Folie Impose ou ainda Esse artigo tem como objetivo relatar e ana-
Insanidade Dupla é um distúrbio mental raro lisar um caso de Folie en Famille em associação
que ocorre quando dois ou mais indivíduos que com pseudociese, incluindo informações sobre
estão intimamente relacionados e compartilham os sinais e sintomas apresentados pelos indi-
as mesmas crenças ilusórias (SADOCK et al., víduos envolvidos, as relações entre eles e o im-
2017). Eles têm um relacionamento próximo, pacto negativo na saúde e bem-estar dos afe-
geralmente vivendo em relativo isolamento tados.
social. Na maioria dos casos, os delírios são Portando, o objetivo geral seria contribuir
compartilhados entre um pai e um filho, irmãos para o conhecimento científico na área da psi-
ou cônjuges. quiatria, fornecendo informações importantes
Primeiramente descrito por Lasegue e Fal- sobre um caso incomum, com o intuito de au-
ret (SADOCK et al., 2017), o transtorno é des- mentar a compreensão desse fenômeno.
crito no DSM-5 como "sintomas delirantes em
parceiro de indivíduo com transtorno deliran- DEFINIÇÃO DE PSEUDOCIESE
te"(APA, 2014). Sendo extremamente inco-
mum, não há números sobre incidência e preva- A pseudociese, também conhecida como
lência. Deste modo, a literatura consiste quase falsa gravidez, é uma condição rara, todavia
inteiramente em relatos de casos. menos incomum que Folie à Deux. Nela, uma
Geralmente o paciente primário é o indiví- pessoa experimenta os sintomas da gravidez,
duo mais influente da relação, fazendo que os apesar de não estar grávida. A condição é mais
outros membros, mais sugestionáveis, passem comum nas mulheres que têm um forte desejo
também a desenvolver o delírio. Portanto, os ou um grande medo de engravidar, podendo
demais indivíduos costumam ser pessoas com levar a uma angústia emocional significativa
menor inteligência, mais ingênuas, mais passi- (MONTENEGRO & REZENDE FILHO,
vas ou com a autoestima mais baixa que o pri- 2015).
mário (SADOCK et al., 2017). A condição é frequentemente diagnosticada
Os indivíduos afetados podem sofrer alu- através de uma combinação de exame físico,
cinações, delírios e pensamentos desordenados. exames de sangue e imagens de ultrassom. O
Podem, também, apresentar comportamentos tratamento normalmente envolve a abordagem
bizarros e irracionais que são consistentes com das questões psicológicas subjacentes e o for-
seus delírios. É um distúrbio de difícil diagnós- necimento de apoio emocional ao indivíduo
tico porque os afetados são geralmente altamen- afetado (LOPES et al., 2016).
te funcionais em outras áreas de suas vidas. No
entanto, os delírios podem levar a um prejuízo METODOLOGIA
significativo no funcionamento social, ocupa-
cional e acadêmico. O diagnóstico do caso em questão ocorreu
Tal transtorno é conhecido como Folie à após sua resolução. Portanto, o estudo foi feito
Deaux quando envolve duas pessoas, Folie à

130 | P á g i n a
com base em entrevistas com as pacientes e ter feito Beta HCG, negativo. Já tinha o enxoval
exames realizados na época. Foi aplicado um da criança que acreditava gerar.
questionário com as pacientes para caracterizar
os sinais e sintomas apresentados na época. Das Segundo Caso
quatro pacientes que vivenciaram o fato, três A segunda mulher tinha 39 anos, dona de
foram entrevistadas. Todavia, uma preferiu não casa, casada, com dois filhos nascidos de parto
participar da entrevista, impossibilitando a aná- normal. Também evangélica, era laqueada há
lise de seu caso. nove anos, não referindo vontade de engravidar.
Ela chegou a engordar mais de 30kg, tendo feito
ESTUDO DE CASO: APRESENTA- três Beta HCG, todos negativos, assim como
ÇÃO E SINTOMAS nove ultrassonografias, oito ultrassonografia
transvaginais e uma abdominal total, sem o
Paciente Primária achado de gestação, mas com o primeiro exame
O caso em questão ocorreu em uma pe- compatível com ovário micropolicístico. Ficou
quena cidade do interior do nordeste brasileiro um ano e dois meses em amenorreia.
com cerca de 18.000 habitantes. A paciente pri- Também negava passado pessoal e familiar
mária tinha 52 anos, casada, tendo já realizado de doenças psiquiátricas. Passou por intenso
laqueadura, menopausada. Ela já havia engravi- desgaste emocional, passando a apresentar pro-
dado duas vezes anteriormente, tendo dois fi- blemas conjugais, com surgimento de quadro
lhos vivos, não tendo tido aborto e negava von- depressivo no marido. Durante o ocorrido, apre-
tade de engravidar. Não apresentava passado de sentou aumento de mamas, do volume abdo-
doença psiquiátrica prévia, também negando minal, galactorréia, escurecimento areolar, sen-
doença psiquiátrica na família. Tratava-se de sação de movimentos fetais, náuseas e polaciú-
uma senhora evangélica que trabalhava em uma ria. Passou por acompanhamento psicológico,
loja de artigos religiosos. Tinha estudado até a referindo que sua psicóloga também acreditava
4ª série do ensino fundamental. Negava proble- em sua possível gestação.
mas conjugais, tendo uma relação muito próxi- Durante o caso, passou por um rompimento
ma com as outras mulheres envolvidas. Como com a paciente primária, referindo:
era de uma igreja evangélica com sede no Rio
de Janeiro, sem filial na cidade do ocorrido, "o inimigo tapou minha mente, eu não via
passava a celebrar os cerimoniais religiosos em nada, só acreditava no que ela dizia"
que as outras mulheres estavam presentes,
sendo cerimônias apenas com a presença das "senti que estavam falando de mim"
quatro.
Durante o caso, ela chegou a apresentar au- "eu estava cega”
mento de mamas e aumento de volume abdo-
minal, tendo ganhado 13,5kg. Também descre- Terceiro Caso
veu escurecimento da aréola, náuseas, dois epi- A terceira mulher, de 41 anos, já era mãe de
sódios de infecção do trato urinário não docu- cinco filhos, laqueada há 13 anos. Refere que a
mentados, polaciúria e sensação de movimentos paciente primária ficava constantemente rea-
fetais. A paciente realizou cinco ultrassono- firmando sua gestação. Negava pretensão de
grafias, comprovando a não gestação, além de engravidar, assim como conflitos significativos

131 | P á g i n a
em seu relacionamento conjugal. Também não tanto o indivíduo que possui o transtorno psi-
apresentava antecedente pessoal e familiar psi- cótico primário quanto os que desenvolveram
quiátrico. Referia ciclos menstruais regulares, sintomas compartilhados.
tendo ficado um ano em amenorreia. Dentre as abordagens terapêuticas podemos
Ela referiu que a paciente primária reco- citar:
mendava para que elas se inspirassem nela. 1. Intervenção psicoterapêutica: A terapia
Com o passar do tempo, começou a duvidar da psicoterapêutica, como a terapia cogni-
gestação, passando a ter um conflito com a pa- tivo-comportamental (TCC), pode ser
ciente primária, que passou a duvidar de sua fé. útil para todos os indivíduos. Ela pode
Referiu acreditar muito na paciente primária. ajudar o indivíduo primário compre-
Paciente apresentou crescimento abdominal, ender seus sintomas e desenvolver es-
sensação de movimentação fetal, aumento de tratégias de enfrentamento. Além disso,
peso, náuseas, aumento de mamas, aumento da a terapia pode ajudar os pacientes
fome e polaciúria. Negou galactorréia. secundários a lidar com a influência do
outro e a fortalecer sua própria iden-
RESOLUÇÃO DO QUADRO tidade (SADOCK et al., 2017).
2. Medicação: Em alguns casos, medica-
Com o passar do tempo, cada vez mais as mentos antipsicóticos podem ser pres-
pacientes questionavam a gestação afirmada critos para tratar sintomas psicóticos
pela paciente primária. Uma delas chegou a ser (LOPES et al., 2016).
encaminhada para uma maternidade acreditan- 3. Suporte Familiar: Envolver a família no
do estar em trabalho de parto. Assim, elas pas- processo de tratamento pode ser bené-
saram a ser motivo de fofocas e especulações na fico. Isso pode incluir educar a família
cidade, além de passarem a ter desgaste nos re- sobre o transtorno psicótico e oferecer
lacionamentos conjugais. apoio emocional para todos os mem-
Como os profissionais de saúde não acre- bros envolvidos. A terapia familiar po-
ditavam na gestação delas, a paciente primária de ser uma opção valiosa para melhorar
solicitou que ela fosse rapidamente avisada no a comunicação e o entendimento entre
momento em que as outras iniciassem o traba- os membros da família.
lho de parto, para que as acompanhasse na ma- 4. Suporte Social: Participar de grupos de
ternidade. Assim, a população começou a temer apoio ou programas de reabilitação psi-
um possível sequestro de bebês, vindo a alertar cossocial pode fornecer uma rede de
a polícia local. Devemos levar em consideração suporte social para os indivíduos, aju-
que o caso ocorreu em uma pequena cidade do dando-os a compreender experiências,
interior do nordeste, fazendo que elas fossem obter suporte emocional e aprender es-
motivo constante de fofocas. tratégias de enfrentamento.

DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO É importante ressaltar que cada caso é


único, e o tratamento deve ser individualizado
de acordo com as necessidades específicas de
O tratamento para o Transtorno Psicótico
compartilhado envolve abordagens que visam cada pessoa. É recomendável que a pessoa com
Transtorno Psicótico Compartilhado seja ava-

132 | P á g i n a
liada e acompanhada por uma equipe de Durante o desenrolar do caso, as pacientes
profissionais de saúde mental, incluindo psi- enfrentaram desafios emocionais significativos,
quiatras e psicoterapeutas, para desenvolver um incluindo aumento de peso, mudanças físicas e
plano de tratamento adequado. impacto nos relacionamentos conjugais. A falta
Em alguns casos de Folie à Deux somente a de reconhecimento médico e a descrença da po-
separação do paciente primário dos demais já pulação local agravaram ainda mais a situação,
pode ser suficiente para a resolução do quadro, resultando em fofocas e especulações na comu-
podendo o paciente secundário deixar o delírio. nidade.
Todavia, isso não ocorre de maneira uniforme O diagnóstico e tratamento do transtorno
(SADOCK et al., 2017). psicótico compartilhado envolve abordagens
Como as pacientes do caso em questão terapêuticas abrangentes. A intervenção psico-
tiveram a relação deteriorada com o tempo, já terapêutica, como a terapia cognitivo-compor-
que o parto não chegava, foram gradualmente tamental, pode ajudar o indivíduo primário a
se distanciando da paciente primária. compreender seus sintomas e desenvolver es-
O atendimento das pacientes na Estratégia tratégias de enfrentamento. Medicamentos an-
de Saúde da Família foi fundamental para o tipsicóticos podem ser prescritos em alguns
diagnóstico, pois possibilitou inicialmente a casos para tratar os sintomas psicóticos (APA,
análise dos casos isolados, possibilitando poste- 2014).
riormente o entendimento de que se tratava de Cada caso de transtorno psicótico compar-
casos correlatos, possibilitando a análise dos tilhado é único, e o tratamento deve ser adapta-
casos em conjunto. Como o caso foi identifica- do às necessidades individuais de cada pessoa.
do após sua resolução, não foi necessário o uso É essencial que os indivíduos afetados sejam
de psicofármacos. avaliados e acompanhados por uma equipe de
profissionais de saúde mental, incluindo psiqui-
CONSIDERAÇÕES FINAIS atras e psicoterapeutas, para desenvolver um
plano de tratamento adequado.
O presente artigo relata um caso de Folie No caso em questão, a separação gradual
em Famille em associação com pseudociese, das pacientes da paciente primária foi essencial
fornecendo informações relevantes sobre os para a resolução do quadro. O atendimento na
sinais e sintomas apresentados pelos indivíduos Estratégia de Saúde da Família foi fundamental
envolvidos, as relações entre eles e o impacto para o diagnóstico e acompanhamento das pa-
negativo na saúde e bem-estar dos afetados. O cientes, permitindo a análise dos casos isolados
objetivo deste estudo foi contribuir para o e posteriormente a compreensão da correlação
conhecimento científico na área da psiquiatria, entre eles.
aumentando a compreensão deste fenômeno
incomum.

133 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (Porto MONTENEGRO, C.A.B. & REZENDE FILHO, J.


Alegre) (ed.). Manual Diagnóstico e Estatístico de Obstetrícia Fundamental. 14. ed. Rio de Janeiro:
Transtornos Mentais. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. Guanabara Koogan, 2017.
LOPES, J.F. et al. PSEUDOCIESE: investigação sobre a
SADOCK, B.J. et al. Compêndio de Psiquiatria: ciência
práxis de enfermeiros da atenção primária à saúde.
do comportamento e psiquiatria clínica. 11. ed. Porto
Sanare: Revista de Políticas Públicas, Sobral, v. 15, n. 01,
Alegre: Artmed, 2017.
p. 55, 2016.

134 | P á g i n a
Capítulo 18

FISIOPATOLOGIA E MANEJO
CLÍNICO DO TRANSTORNO DO
DÉFICIT DE ATENÇÃO COM
HIPERATIVIDADE: REVISÃO
INTEGRATIVA
ANA KLARA RODRIGUES ALVES1
PEDRO HENRIQUE COELHO SOARES3
RAQUEL SANTOS MUNIZ3
MARINA GABRIELA MAGALHÃES BARBOSA MURTA 7
THAÍS SOUTO GUEDES JUCÁ 3
IAN LUCAS DE SOUSA BATISTA 3
ÁDREA RODRIGUES BATALHA 2
ISABEL MARIA ALVES DE AGUIAR XAVIER 2
LEVI DE CARVALHO FREIRES2
PATRICIA LIANE COELHO CAMPOS3
THIAGO RIBEIRO FRANÇA 3
EDMAR JOSÉ FORTES JÚNIOR 4
SAMARA MENALI PEREIRA CAPRONI 5
MARIA EUGÊNIA RODRIGUES COSTA 3
MARIA IVONETE SILVA URBANO 6

1. Enfermeira - Universidade Estadual do Piauí (UESPI).


2. Discente- Medicina do Instituto de Educação Superior do Vale do Parnaíba - IESVAP.
3. Discente- Medicina do Centro universitário UNINOVAFAPI.
4. Médico- Instituto de Educação Superior do Vale do Parnaíba - IESVAP.
5. Médica- Especialista em Saúde Mental
6. Discente- Medicina Unifacid-Piauí
7. Discente- Medicina FAM Faculdade das Américas

Palavras Chave: Manejo clínico; Prevenção; Tratamento

10.59290/978-65-6029-006-8.18
135 | P á g i n a
INTRODUÇÃO mulantes. O distúrbio é particularmente rele-
vante na sociedade atual, pois é um dos diag-
O transtorno do déficit de atenção com hi- nósticos mais comuns em ambientes educacio-
peratividade (TDAH) é transtorno psiquiátrico nais e de saúde mental infantil (DRECHSLER
que surge precocemente na infância e pode per- et al., 2020).
manecer até a vida adulta, com uma taxa de pre- Além disso, muitas crianças diagnosticadas
valência atual de 5% em crianças de 4 a 17 anos. com o transtorno passam a ter problemas rela-
O TDAH é uma condição prevalente e prejudi- cionados à educação, funcionamento social
cial que frequentemente é comórbida com ou- e/ou outras doenças mentais quando adolescen-
tros transtornos psiquiátricos e cria um fardo tes e jovens adultos (PEREIRA-SANCHEZ &
substancial para o indivíduo, sua família e a co- CASTELLANOS, 2021).
munidade (POSNER et al., 2020). O objetivo deste estudo é compreender a fi-
O transtorno é classicamente caracterizado siopatologia do transtorno do déficit de atenção
por sintomas de desatenção, impulsividade e hi- com hiperatividade.
peratividade. Acredita-se que o TDAH tenha
início tipicamente na primeira infância, embora MÉTODO
o diagnóstico geralmente seja determinado nos
anos de idade escolar (RUBIA et al., 2021). O presente estudo utilizou como método a
O TDAH como outros transtornos psiquiá- revisão integrativa da literatura, que conforme
tricos representa uma construção em evolução Galvão (2012), é uma construção de uma aná-
que foi refinada e desenvolvida nas últimas dé- lise ampla da literatura com passos pré-defini-
cadas em resposta à pesquisa sobre sua natureza dos, realizado via Biblioteca Virtual de Saúde
e estrutura clínica. A apresentação clínica e o (BVS), e por meio de uma busca nas bases de
curso da doença foram amplamente caracteriza- dados Medline, PubMed e SciELO (Scientific
dos. Tratamentos eficazes baseados em medica- Electronic Library Online) usando os cruza-
mentos estão disponíveis e são amplamente uti- mentos os descritores “pathophysiology”, “At-
lizados, muitas vezes juntamente com aborda- tention deficit hyperactivity disorder”. Para a
gens psicossociais complementares (FARA- avaliação do problema de pesquisa e sua estra-
ONE, 2018). tificação foi utilizada a estratégia PVO (Popu-
O TDAH raramente afeta apenas um domí- lação/ Problema, Variável/Resultados e Outco-
nio funcional, mas afeta muitos aspectos do mes/ Desfechos) sendo formulada a seguinte es-
bem-estar de um indivíduo, incluindo saúde fí- tratégia que pode ser observada no Quadro
sica e funcionamento acadêmico, social e ocu- 18.1. A estratégia supracitada permitiu formu-
pacional. Frequentemente surgindo na infância, lar a seguinte questão norteadora: Como é rea-
o TDAH também pode ser de natureza crônica, lizado o manejo clínico do TDAH? A partir da
frequentemente continuando até a adolescência questão norteadora foram utilizados os opera-
e além, pelo menos no nível de comprometi- dores booleanos para a sistematização das bus-
mento (JAIN et al.,2017). cas com o seguinte esquema: Attention deficit
Com relação ao tratamento dos sintomas do hyperactivity disorder AND Clinical manage-
TDAH, organizações médicas dos Estados Uni- ment AND Pathophysiology.
dos, do Canadá, da América Latina e da Europa
recomendam o uso de medicamentos psicoesti-

136 | P á g i n a
Quadro 18.1 Estratificação do problema de pesquisa se- substâncias (ANAND et al., 2017; PEREIRA-
guindo estratégia PVO para formulação de pesquisa
P
SANCHEZ e CASTELLANOS, 2021).
Pessoas com TDAH.
População Na idade adulta, os sintomas evoluem ainda
V
Fisiopatologia e manejo clínico. mais, de modo que a hiperatividade diminui ou
Variáveis
O Como realizar o manejo clínico do se transforma em atividade mais intencional ou
Desfechos TDAH. inquietação interior, enquanto a desatenção, de-
sorganização e impulsividade permanecem, o
Para a seleção dos artigos foram utilizados que pode levar a dificuldades funcionais em
os seguintes critérios de inclusão: artigos escri- ambientes domésticos, sociais e de trabalho
tos na língua inglesa; publicados nos últimos 5 Medicamentos usados para tratar o TDAH,
anos e que abordem o manejo clínico e os fato- como Metilfenidato, Anfetamina e Atomoxe-
res de risco do TDAH sendo selecionados ape- tina, indicam um déficit de Dopamina/Nore-
nas ensaios clínicos. No que diz respeito aos pinefrina como a base neuroquímica do TDAH,
critérios de exclusão, dispensaram-se artigos mas a etiologia é mais complexa (COHEN et
que se distanciavam da temática central desta al., 2018).
revisão e trabalhos que não apresentassem resu- As estratégias de tratamento baseadas em
mos na íntegra nas bases de dados pesquisadas.
medicamentos têm se mostrado eficazes e eco-
Após a pré-leitura e leitura seletiva dos tex- nômicas no curto prazo e vários compostos es-
tos, foram selecionados 10 artigos (Quadro tão disponíveis, recomendados e amplamente
18.2), nos quais realizou-se uma leitura inter- utilizados. No entanto, a eficácia a longo prazo
pretativa buscando responder à pergunta de pes- desses tratamentos nos principais resultados
quisa desta revisão. educacionais, vocacionais e sociais permanece
incerta (DUNN et al., 2019).
RESULTADOS E DISCUSSÃO Além disso, tais efeitos são agravados pela
baixa adesão, principalmente após uso prolon-
A partir das buscas realizadas nas bases de gado na adolescência. Essas limitações são pro-
dados, foi encontrado um total de 1.438 artigos, vavelmente o resultado de processos biológicos
sendo selecionados, 10 artigos encontrados na e psicossociais (por exemplo, o aumento da to-
base de dados PubMed. lerância à medicação, estigma relacionado ao
O TDAH é um distúrbio neurológico que TDAH e resistência social à medicação) (POZ-
afeta crianças, mas os sintomas podem persistir ZI et al., 2020).
na idade adulta. Indivíduos que sofrem deste Claramente, há uma necessidade premente
transtorno apresentam hiperatividade, desaten- de melhores tratamentos de longo prazo para o
ção, impulsividade e problemas na interação so- TDAH. Ao mudar a forma como o campo pensa
cial e no desempenho acadêmico, os adolescen- sobre as causas do TDAH, o progresso cientí-
tes com TDAH geralmente experimentam pro- fico pode ajudar a estimular o desenvolvimento
blemas de autoestima, relacionamentos ruins de novas estratégias para aumentar a eficácia
com os colegas, conflito parental, delinquência dos tratamentos atuais ou a evolução de novas
e um risco aumentado de tabagismo e abuso de alternativas (FARAONE, 2018).

137 | P á g i n a
Quadro 18.2 Distribuição dos artigos segundo o título, autores, objetivo, abordagem do artigo, revista e ano
ANO DE PU-
TÍTULO AUTORES OBJETIVO ABORDAGEM REVISTA
BLICAÇÃO
Fornecer um relato do diagnóstico, epidemiologia e
tratamento do TDAH sob a perspectiva da quinta edi-
Attention-deficit hyperactivity
POSNER et al. ção do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtor- Manejo Clínico Lancet. 2020
disorder.
nos Mentais e da décima primeira edição da Classifi-
cação Internacional de Doenças.
The pharmacology of ampheta - Educar os médicos sobre as diferenças na farmacolo-
mine and methylphenidate: Re- gia e nos mecanismos de ação entre a anfetamina e o
Neuroscience &
levance to the neurobiology of metilfenidato, melhorando assim a compreensão do
FARAONE Fisiopatologia Biobehavioral 2018
attention-deficit/hyperactivity médico sobre os psicoestimulantes e seu uso no trata -
Reviews
disorder and other psychiatric mento de indivíduos com TDAH que podem ter co-
comorbidities. morbidades psiquiátricas.
ADHD: Current Concepts and
Analisar os conceitos Atuais e Tratamentos em Cri-
Treatments in Children and DRECHSLER et al. Manejo clínico Neuropediatrics 2020
anças e Adolescentes.
Adolescents.
Neurotherapeutics for Attention Enfoca as evidências para neuroterapêutica para
Deficit/Hyperactivity Disorder RUBIA et al. transtorno de déficit de atenção/hiperatividade Manejo clínico Cells 2021
(ADHD): A Review. (TDAH)
Descreve o impacto negativo do TDAH em vários
Addressing Diagnosis and Trea - domínios funcionais, diretrizes de diagnóstico para
Primary Care
tment Gaps in Adults With At- TDAH em adultos e suas características clínicas, a 2017
JAIN et al. Manejo clínico Companion for
tention-Deficit/Hyperactivity importância de ferramentas de triagem e entrevistas
CNS Disorders.
Disorder. clínicas para ajudar a avaliar adultos para TDAH e
opções de tratamento de TDAH em adultos
PEREIRA-SAN- Revisar pesquisas recentes de ressonância magnética Current Opi-
Neuroimaging in attention-defi-
CHEZ & CASTEL- sobre o TDAH para identificar descobertas robustas, Manejo clínico nion in Psychia - 2021
cit/hyperactivity disorder.
LANOS tendências e desafios atuais. try
Safety, Tolerability and Effi-
cacy of Drugs for Treating
Identificar e avaliar a qualidade dos estudos publica -
Behavioural Insomnia in Chil-
dos relatando a segurança, tolerabilidade e eficácia
dren with Attention-Defi- ANAND et al. Manejo clínico Pediatric Drugs. 2017
de drogas usadas no tratamento da insônia comporta-
cit/Hyperactivity Disorder: A
mental em crianças com TDAH.
Systematic Review with Metho-
dological Quality Assessment.
Effects of Yoga on Attention,
Analisar os efeitos da ioga na atenção, impulsividade Journal of De-
Impulsivity, and Hyperactivity COHEN et al. Manejo clínico 2018
e hiperatividade em crianças em idade pré-escolar velopmental &
in Preschool-Aged Children

138 | P á g i n a
with Attention-Deficit Hyperac- com sintomas de transtorno de déficit de atenção e Behavioral Pe-
tivity Disorder Symptoms hiperatividade diatrics
Discutir as alterações neurobiológicas do desenvolvi-
Neuroinflammation as a risk Pharmacology
mento envolvidas no TDAH, no que diz respeito à
factor for attention deficit hype- DUNN et al. Manejo clínico. Biochemistry 2020
sua possível ligação com a neuroinflamação como
ractivity disorder. and Behavior
mecanismo.
Emerging drugs for the trea - Resumir os avanços feitos nos últimos 10 anos Expert Opinion
tment of attention-deficit hype- POZZI et al. (2010-2020) para o tratamento farmacológico do Manejo clínico on Emerging 2020
ractivity disorder (ADHD). TDAH. Drugs

139 | P á g i n a
O diagnóstico do TDAH é feito através de lhor compreensão do TDAH e sua etiologia.
um diagnóstico clínico que requer uma avalia- Apesar do crescente corpo de literatura investi-
ção detalhada dos sintomas atuais e anteriores e gando a fisiopatologia do transtorno, o TDAH
do comprometimento funcional. Uma história continua sendo um transtorno psiquiátrico com-
familiar completa, gestacional e de desenvolvi- plexo para caracterizar.
mento deve ser tomada. O DSM-5 da American Compreender a fisiopatologia do TDAH é
Psychiatric Association define o TDAH em cri- fundamental para que assim os profissionais
anças (menores de 17 anos) como a presença de possam realizar o rastreio precoce e o trata-
seis ou mais sintomas nos domínios desatento mento efetivo, portanto, os profissionais devem
ou hiperativo e impulsivo, ou ambos (RUBIA se capacitar sobre o tema, pois grande parte dos
et al., 2021). pacientes são subdiagnosticados pela falta de
Embora o TDAH seja de natureza crônica e conhecimento da equipe.
o tratamento geralmente seja fornecido ao Conhecer os principais fatores de risco as-
longo de vários anos, o curso do distúrbio pode sociados ao TDAH e as diferentes formas de
variar de um paciente para outro. Estudos lon- manifestação dos sinais a ele associados pode
gitudinais sugerem a possibilidade de pelo me- ser um passo importante para o planejamento de
nos quatro trajetórias de desenvolvimento: iní- programas de prevenção. A identificação dos
cio precoce (TDAH pré-escolar [3 a 5 anos]), fatores de risco é importante para sua preven-
início na metade da infância (6 a 14 anos) com ção, os profissionais da saúde devem estar aten-
um curso persistente, início na metade da infân- tos para saber interpretá-los e manejá-los de
cia com compensação na adolescência e adoles- forma adequada.
cente ou adulto início (16 anos ou mais) A necessidade de desenvolvimento de pro-
(DRECHSLER et al., 2020). gramas de intervenção para alunos da educação
Estimar com precisão o número de indiví- infantil e ensino fundamental mostra-se de fun-
duos afetados pelo TDAH em uma população é damental importância para o processo de des-
essencial para o planejamento dos serviços de coberta dos fatores de risco, constituído por iní-
saúde. Esta estimativa permite que o ônus asso- cio, permanência e desenvolvimento da autono-
ciado ao transtorno seja aproximado e, então, o mia e de potencialidades e final de curso sendo
investimento necessário seja feito (ANAND et este o mais desgastante.
al., 2017; POZZI et al., 2020). Políticas públicas são necessárias para a
Além disso, dados epidemiológicos preci- melhoria na qualidade de vida e saúde, além
sos ao longo do tempo e dos países podem aju- disso, propor projetos sociais que possam pro-
dar a testar a validade do diagnóstico de TDAH mover saúde e apoio aos alunos nas escolas.
e fornecer indicações sobre suas causas e fisio- É relevante que outros estudos sejam reali-
patologia (DUNN et al., 2019). zados e busquem compreender melhora fisiopa-
tologia e o manejo clínico do TDAH, já que
CONCLUSÃO pode impedir o bom desenvolvimento do su-
jeito e interferir de forma desfavorável no meio
Nas últimas duas décadas, inúmeros avan- escolar e, consequentemente, na qualidade de
ços técnicos e metodológicos foram disponibi- vida.
lizados aos clínicos e pesquisadores para me-

140 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANAND, S. et al. Safety, Tolerability and Efficacy of GALVÃO, C.M. et al. Revisão integrativa: método de re-
Drugs for Treating Behavioural Insomnia in Children visão para sintetizar as evidências disponíveis na litera -
with Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder: A Syste- tura. In: Brevidelli MM, Sertório SCM. Trabalho de con-
matic Review with Methodological Quality Assessment. clusão de curso: guia prático para docentes e alunos da
Pediatric Drugs, v. 19, n. 3, p. 235, 2017. área da sa úde, p. 105, 2012.

COHEN, S.C.L. et al. Effects of Yoga on Attention, Im - JAIN, R. et al. Addressing Diagnosis and Treatment
pulsivity, and Hyperactivity in Preschool-Aged Children Gaps in Adults With Attention-Deficit/Hyperactivity Di-
with Attention-Deficit Hyperactivity Disorder Symp- sorder. Primary Care Companion for CNS Disorders, v.
toms. Journal of Developmental & Behavioral Pediatrics, 19, n. 5, p. 17nr02153, 2017.
v. 39, n. 3, p. 200, 2018.
PEREIRA-SANCHEZ, V. & CASTELLANOS, F.X.
DRECHSLER, R. et al. ADHD: Current Concepts and Neuroimaging in attention-deficit/hyperactivity disorder.
Treatments in Children and Adolescents. Neuropedia - Current Opinion in Psychiatry, v. 34, n. 2, p. 105, 2021.
trics, v. 51, n. 5, p. 315, 2020.
POSNER, J. et al. Attention-deficit hyperactivity disor-
DUNN, G.A. et al. Neuroinflammation as a risk factor der. Lancet, v. 395, n. 10222, p. 450, 2020.
for attention deficit hyperactivity disorder. Pharmaco-
logy Biochemistry and Behavior, v. 182, p. 22, 2019. POZZI, M. et al. Emerging drugs for the treatment of at-
tention-deficit hyperactivity disorder (ADHD). Expert
FARAONE, S.V. The pharmacology of amphetamine Opinion on Emerging Drugs, v. 25, n. 4, p. 395, 2020.
and methylphenidate: Relevance to the neurobiology of
attention-deficit/hyperactivity disorder and other psychi- RUBIA, K. et al. Neurotherapeutics for Attention Defi-
atric comorbidities. Neuroscience & Biobehavioral Revi- cit/Hyperactivity Disorder (ADHD): A Review. Cells, v.
ews, v. 87, p. 255, 2018. 10, n. 8, p. 2156, 2021.

141 | P á g i n a
Capítulo 19

EPILEPSIA: REVISÃO DE
LITERATURA

MATHEUS GURGEL SARAIVA¹


ADRIANA FERREIRA POTIGUARA RIBEIRO²
ALAN LIRA GUEDES²
ALBERIS GUEDES DA SILVA ARAÚJO²
ALFREDO LAMENHA LINS BAIA NETO²
CAROLINA SOUSA MARTINS²
DENYLSON BARROS CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE²
FLAVINA RACHEL FELICIANO DE AMORIM²
IGOR BELTRÃO LEITE²
ITALO RAFAEL NOVAIS ROCHA²
KALINE LUNA CASTOR CAMELO²
MANUELA CAVALCANTI MAGALHÃES²
LUAN DA COSTA RODRIGUES²
MARCUS ODILON RIBEIRO COUTINHO NETO²
WANDER MOREIRA LOPES²

1. Docente – Curso de Medicina do Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ.


2. Discente – Curso de Medicina do Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ.

Palavras Chave: Epilepsia; Convulsão ; Crise epiléptica.

10.59290/978-65-6029-006-8.19
142 | P á g i n a
INTRODUÇÃO As fontes de pesquisa utilizadas são do ano de
2017 adiante.
A epilepsia é um distúrbio neurológico que
leva a uma predisposição crônica no desen- RESULTADOS E DISCUSSÃO
volvimento de crises epilépticas com repercus-
sões psicossociais, cognitivas e neurobiológi- Definição
cas. É uma doença neurológica relevante crôni- Condição neurológica crônica que afeta o
ca que se caracteriza por variadas apresentações sistema nervoso central (SNC), que leva o paci-
e etiologias (GAGLIARDI & TAKAYANA- ente a uma predisposição no desenvolvimento
GUI, 2019). de crises epilépticas de maneira espontânea e
Crise epiléptica pode ser definida como in- recorrente. Essa condição tem apresentação va-
cidência temporária de sinais e sintomas atí- riada impactando de maneira diferente a vida
picos decorrente de uma ativação neuronal sín- dos pacientes (TUMAS & FERNANDES,
crona e exacerbada. Os achados clínicos in- 2021).
cluem eventos anormais agudos e transitórios,
como alterações motoras, do nível de cons- Epidemiologia
ciência, sensitivas, autonômicas e psíquicas. A prevalência da epilepsia é de cerca de 1%
Esses sintomas são involuntários e podem ser da população mundial. Sua incidência varia
percebidos pelo próprio paciente ou por um ob- conforme raça, sexo, idade e condições socio-
servador externo (BERTOLUCCI et al., 2021). econômicas. No Brasil, são diagnosticados cer-
O objetivo deste estudo foi contribuir com ca de 340 mil casos por ano, existindo cerca de
o estudo, pesquisa e difusão de conhecimento 1,8 milhões de pessoas com epilepsia ativa, e 9
acerca da epilepsia. Serve de objeto de pesquisa milhões de pessoas que já apresentaram crise
para pesquisadores, profissionais da área de epiléptica em algum momento de sua vida
saúde e estudantes da área da saúde que quei- (COSTA et al., 2020).
ram se informar quanto ao assunto.
Classificações das crises epilépticas
MÉTODO Em 2017, a International League Against
Epilepsy (ILAE) classificou as epilepsias con-
O trabalho é uma revisão integrativa na qual forme tipos de convulsão, tipos de epilepsia e
abordamos o tema epilepsia. Para o desenvol- síndromes epilépticas.
vimento do presente trabalho foram realizadas
pesquisas em diferentes fontes primárias, tais Tipos de convulsão
como: livros da área médica, revistas científicas Primeiramente, o profissional deve identi-
especializadas, e outros materiais extraídos de ficar se o paciente teve uma crise epiléptica ou
sites científicos especializados. Os artigos aca- algum distúrbio paroxístico. O tipo de convul-
dêmicos pautados no estudo advêm das biblio- são é classificado com base na manifestação
tecas eletrônicas SciELO, Google Acadêmico, inicial da convulsão como: generalizada, focal
LILACS, PubMed e UpToDate. Para a seleção ou desconhecida (COSTA et al., 2020).
do material foi utilizado o descritor: epilepsia. As convulsões generalizadas são subdivi-
didas em convulsões motoras e não motoras. Já
as crises focais são subdivididas com base no

143 | P á g i n a
nível de consciência em: consciente, consciên- quanto à percepção de si e do meio ambiente,
cia prejudicada e consciência desconhecida. sendo classificadas em crises focais perceptivas
Além disso, as crises focais são subgrupadas em ou disperceptivas. Elas podem ter início motor
crises motoras e não motoras, com base nos ou não motor ambos podendo cursar com crises
sinais e sintomas iniciais. Descritores adicio- tônico-clônicas bilaterais (BERTOLUCCI et
nais para crises generalizadas e focais podem al., 2021).
ser adicionados com base em sintomas motores Nas crises de início focal perceptivas o
ou não motores específicos. As crises focais paciente tende a iniciar com manifestações não
também podem ser descritas com mais clareza motoras: formigamento, queimação, dormência
com base em suas características elementares em diferentes partes do corpo, visualização de
(WIRREL et al., 2022). flashes de luzes, sente odores (Crises sensitivas,
crises perceptivas). O paciente pode apresentar
Tipos de crises epilépticas também, dor na região abdominal, desconforto
Em 2017 a Liga Internacional contra a Epi- gástrico, êmese, alterações na frequência
lepsia (ILAE) classificou os tipos de crise epi- cardíaca, taquipneia (crises perceptivas, crises
lépticas nos seguintes grupos: crises de início autonômicas) (TUMAS & FERNANDES,
focal; crises de início generalizado; crises de 2021).
início desconhecido. Sendo utilizado como sub- Em crises de início focal disperceptivas te-
categorias a definição delas como motoras ou mos uma mudança súbita no nível de cons-
não motoras (COSTA et al., 2020). ciência apresentado pelo paciente, tendo uma
Por fim, as crises epilépticas que não se parada comportamental que interrompe as ati-
enquadram nesses grupos, ou com dados insu- vidades que esteja executando, podendo apre-
ficientes para sua subclassificação são chama- sentar diferentes tipos de automatismo (TU-
das de crises não classificáveis (FISHER et al., MAS & FERNANDES, 2021).
2017).
Crises generalizadas
Crises focais Crises de início generalizado são crises epi-
Crises que abrangem alterações unifocais e lépticas desencadeadas por uma ativação anor-
multifocais gerando estímulos incontroláveis mal, súbita e sincronizada em um grande grupo
acometendo apenas um conjunto de neurônios de neurônios abrangendo extensas áreas do cór-
de um mesmo hemisfério. Os pacientes podem tex atingindo os dois hemisférios do cérebro
apresentar alterações cognitivas e de língua- (FALCO-WALTER, 2020).
gem, além de perda na percepção da realidade, Podem se apresentar como crises de caráter
podendo cursar com crises emocionais. Ade- irregular de origem motora (tônicas, clônicas,
mais, a doença também pode cursar com sinto- tônicas-clônicas, atônicas, mioclônicas, mio-
mas autonômicos, como alterações termorre- clono-atônicas, mioclono-tônico-clônicas e es-
guladoras, gastrointestinais e cardiovasculares pasmos epiléticos) ou não motora (ausência atí-
(GAGLIARDI & TAKAYANAGUI, 2019). pica, ausência típica, ausência com mioclonias
As crises focais podem ser classificadas em palpebrais, ausências mioclônicas). Infrequen-
diversos níveis tais como crise focal sensorial, temente, crises monoclonais palpebrais têm ori-
crise focal tônica e crise focal com automatis- gem palpebral (FISHER et al., 2017).
mo. Além disso, elas podem ser categorizadas

144 | P á g i n a
Crises de início desconhecido epilepsia chegou a ser atribuída a causas como
Crises epilépticas que não tenham em sua feitiçaria, possessões demoníacas e à loucura.
história clínica informações suficientes que Somente a partir do século XVI surgem estudos
permitam sua classificação como crises de iní- que conseguem identificar o cérebro como
cio focal ou generalizado são classificadas co- origem do problema, embora enfatizem causas
mo crises de início desconhecido (FALCO- que se mostraram incorretas. As concepções
WALTER, 2020). modernas, que começam a identificar as causas
As crises podem ter início desconhecido, a epilepsia, surgem a partir dos séculos XVIII e
em que apenas contamos com relatos do próprio XIX, principalmente com Hughlings Jackson,
paciente quando este preserva seu estado de considerado o pai da epilepsia (GOMES, 2006;
consciência, ou de observadores, podem surgir REYNOLDS & KINNIER, 2008).
com apresentação tônico-clônicas ou parada Após a classificação clínica do tipo de crise
comportamental na qual não houve acompanha- epiléptica, deve ser definida a etiologia. A
mento para classificar o tipo de crise (BERTO- ILAE (2017) reconheceu seis grupos etiológi-
LUCCI et al., 2021). cos: 1. estruturais; 2. genéticas; 3. infecciosas;
4. metabólicas; 5. imunológicas; e 6. desconhe-
Síndromes Epilépticas cidas. É importante destacar que esses grupos
Conforme as diretrizes da ILAE de 2017, não possuem hierarquia e um mesmo paciente
após definir o tipo de crise epiléptica e o tipo de pode ter mais de uma etiologia (COSTA et al.,
epilepsia, verifica-se a possibilidade de diag- 2020).
nosticar uma síndrome epiléptica. A síndrome
epiléptica é caracterizada por um conjunto de 1) Etiologia estrutural
sinais e sintomas que comumente ocorrem jun- A epilepsia é considerada de etiologia
tos e podem ser clínicos ou de alterações detec- estrutural quando anormalidades são visíveis
tadas por exames complementares. As síndro- em exames de neuroimagem, além de exames
mes eletroclínicas são agrupadas por idade de eletrográficos também apresentarem alterações,
início e remissão. Outros casos têm em comum o que leva ao entendimento de que a provável
o tipo de precipitantes de crises, a variação causa é estrutural. A causa pode ser adquirida –
diurna ou mesmo o prognóstico. Uma síndrome como acidente vascular cerebral (AVC), trau-
epilética nem sempre terá uma correlação etio- matismo e infecções – ou genética, como mal-
lógica específica, mas poderá ter implicações formações do desenvolvimento cortical
na conduta terapêutica (COSTA et al., 2020). (SCHEFFER et al., 2017).
Existem variadas síndromes eletroclínicas,
que são agrupadas pela idade que teve início, e 2) Etiologia genética
são classificadas da seguinte forma pela ILAE: Epilepsia causada diretamente por muta-
neonatal, infância, adolescência e idade adulta ções genéticas, em muitos casos causadas por
(WIRREL et al., 2022). genes ainda desconhecidos, sendo as crises o
principal sintoma. Nesse grupo incluem-se pa-
Etiologia cientes com histórico familiar de doença here-
Mesmo havendo relatos antigos, como ma- ditária autossômica dominante, como na Epi-
nuscritos babilônicos de 2.000ac, detalhando lepsia Neonatal Benigna Familiar; etiologia ge-
tipos de crises epiléticas reconhecidas hoje, a nética sugerida pela pesquisa clínica em

145 | P á g i n a
populações com a mesma síndrome, como na dente da razão, se enquadram nessa etiologia. A
Epilepsia Mioclônica Juvenil (EMJ); onde uma investigação da causa da epilepsia vai depender
base molecular pode ter identificado um ou dos recursos disponíveis para o paciente, o que
mais genes, sendo a síndrome de Dravet a mais vai variar de acordo com a região (SCHEFFER
conhecida (COSTA et al., 2020; SCHEFFER et et al., 2017).
al., 2017)
Diagnóstico
3) Etiologia infecciosa O diagnóstico de crises epilépticas é basea-
Trata-se da etiologia mais comum no mun- do nas apresentações clínicas, podendo ser fun-
do. Pacientes com crises convulsivas na fase damentado nos relatos extraídos do paciente, e
aguda de uma infecção, como meningite, não de seu acompanhante. Logo a avaliação médica
são pacientes com epilepsia (PCE). Exemplos deve ser baseada numa anamnese e exame
de infecções causadoras de epilepsia são: neu- físico bem feitos, com foco em sintomas neuro-
rocisticercose, neuro toxoplasmose e HIV lógicos, investigando a história pregressa do pa-
(FALCO-WALTER et al., 2018). ciente (BRASIL, 2022; TUMAS & FERNAN-
DES, 2021).
4) Etiologia metabólica O diagnóstico de epilepsia é baseado em: ao
Quando a epilepsia é causada diretamente menos duas crises não provocadas (crise refle-
por um distúrbio metabólico conhecido ou pre- xa) dentro de um intervalo maior que a 24h;
sumido, sendo as crises o seu principal sintoma, apenas uma crise não provocada (crise reflexa)
sua etiologia é metabólica. Pacientes com dis- considerando a possível incidência de crises no
túrbios metabólicos transitórios, embora pos- futuro com risco de recorrência após uma se-
sam ter crises convulsivas, não possuem epilep- gunda crise não provocada maior que 60% num
sia. Dentre as causas metabólicas estão: a porfi- período médio de 10 anos (COSTA et al.,
ria; a uremia; e as aminoácidopatias. Apesar de 2020).
provavelmente muitas das epilepsias metabóli- A doença pode ser considerada como resol-
cas terem causas genéticas, elas também podem vida ou inativa se os pacientes ficarem sem a
ser adquiridas, como a Epilepsia Responsiva à ocorrência de crises epilépticas por um período
Piroxidina (FALCO-WALTER et al., 2018). de 10 anos, sem uso de medicamentos antie-
pilépticos por no mínimo 5 anos (TUMAS &
5) Etiologia imune FERNANDES, 2021).
Epilepsia causada por inflamação autoimu- O eletroencefalograma é a ferramenta pri-
ne do sistema nervoso central, onde as crises mariamente utilizada para identificação de
convulsivas são o principal sintoma. O diagnós- crises epilépticas. A tomografia computadori-
tico desses distúrbios no sistema imunológico zada e a ressonância magnética também são
está cada vez mais frequente, devido ao au- utilizadas para diagnóstico, porém a visuali-
mento no número de indivíduos realizando tes- zação de alterações estruturais é superior na
tes de anticorpos (SCHEFFER et al., 2017). ressonância magnética (COSTA et al., 2020).

6) Etiologia desconhecida Tratamento


Como o próprio nome diz, essa etiologia A abordagem inicial deve ser feita prefe-
significa que a causa ainda não foi determinada. rencialmente na atenção primária e, caso haja
Pacientes com causa desconhecida, indepen- necessidade, o paciente deve ser encaminhado
146 | P á g i n a
para a rede especializada. No Brasil, o SUS Gabapentina, Lacosamida, Lamotrigina, Leve-
oferece tratamento gratuito para todos os casos tiracetam, Pregabalina, Primidona, Valproato,
de epilepsia diagnosticados (BRASIL, 2022). dentre algumas outras alternativas, que será
O tratamento medicamentoso é a base do escolhido, conforme já mencionado, de acordo
tratamento das epilepsias. Regra geral, deve ser com o perfil do paciente e as características da
iniciado após uma segunda crise não provo- síndrome epiléptica. O Ministério da Saúde
cada, uma vez que após esta, três a cada quatro possui um Protocolo de Diretrizes Terapêuticas
pacientes recorrerão com novo episódio epilép- que norteia o tratamento da epilepsia e lista os
tico. A escolha dos fármacos antiepilépticos se medicamentos ofertados pelo SUS (YACU-
dará a depender do perfil de cada paciente, ou BIAN et al., 2020).
seja, se idoso, criança, presença de comor- Muitos pacientes apresentam efeitos adver-
bidades, obesidade ou mulher em idade fértil, sos ao uso dos fármacos antiepilépticos, por
por exemplo. Além disso, avaliar a conveniên- isso, é importante pesquisa ativa nas consultas
cia para adesão e o custo dos medicamentos a fim de verificar a ocorrência ou não desses.
(YACUBIAN et al., 2020). Os efeitos indesejados principais se dão no
A escolha da droga mais adequada passa Sistema Nervoso Central, tais como tonturas,
também sobre o tipo de crise ou síndrome alterações cognitivas e comportamentais, ata-
epiléptica. Em regra, a primeira indicação para xia, diplopia e cefaleia, bem como sintomas na
epilepsia é o uso da monoterapia, que, não apre- pele (COSTA et al., 2020).
sentando resposta satisfatória, deve ser suce-
dida de mais das outras tentativas de monote- CONCLUSÃO
rapia antes de se tentar a combinação de drogas.
Caso a associação também seja infrutífera, o A epilepsia é uma doença de alta preva-
procedimento cirúrgico pode ser necessário lência. Por isso, é de suma importância dispor
(COSTA et al., 2020). de conhecimentos para dar ao paciente um
Há algumas opções de drogas no mercado melhor tratamento e um melhor prognóstico.
atualmente. Em que pese a existência de novas Deve-se ter em mente a definição, classifi-
opções no mercado, entende-se que as drogas cação das crises, tipos de crises, etiologias,
tradicionais são a primeira escolha. Dentre as diagnóstico e tratamento. É indispensável o co-
opções, tem-se Benzodiazepínicos, Carbamaze- nhecimento para o manejo adequado.
pina, Etossuximida, Fenitoína, Fenobarbital,

147 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BERTOLUCCI, P.H.F. et al. Neurologia: Diagnóstico e
Tratamento. 3ª edição. São Paulo/SP: Editora Manole; GOMES, M.M. História da epilepsia: um ponto de vista
2021. epistemológico. Journal of Epilepsy and Clinical Neuro-
physiology, v. 12, n. 3, p. 161, 2006.
BRASIL. Epilepsia: conheça a doença e os tratamentos
disponíveis no SUS. Ministério Saúde, 2022. Disponível REYNOLDS, E.H. & KINNIER, W.J.V. Psychoses of
em: https://www.gov.br/saude/pt- epilepsy in Babylon: the oldest account of the disorder.
br/assuntos/noticias/2022/marco/epilepsia -conheca-a- Epilepsia, v. 49, n. 9, p. 1488, 2008.
doenca-e-os-tratamentos-disponiveis-no-sus. Acessado
em: 04/03/2023. SCHEFFER, I.E. et al. ILAE classification of the epilep-
sies: Position paper of the ILAE Commission for Clas-
COSTA, L.L.O. et al. Atualização em epilepsia: revisão sification and Terminology. Epilepsia , v. 58, n. 4, p. 512,
de literatura. Revista de Medicina, v. 99, n. 2, p. 170, 2017.
2020.
TUMAS, V. & FERNANDES, R.M.F. Como atender um
FALCO-WALTER, J. Epilepsia - Definição, Classifica - paciente com crises epilépticas ou epilepsia. Faculdade
ção, Fisiopatologia e Epidemiologia. Seminários em de Medicina de Ribeirão Preto, 2021. Disponível em:
Neurologia, v. 40, n. 6, p. 617, 2020. https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/6707222/mod_
resource/content/3/TEXTO%20Como_atender_um_paci
FALCO-WALTER, J.J. et al. The new definition and ente_com_epilepsia%202020.pdf Acessado: 08/03/2023.
classification of seizures and epilepsy. Epilepsy
Research, v. 139, p. 73, 2018. WIRREL, E. et al. ILAE classification and definition of
epilepsy syndromes with onset in neonates and infants:
FISHER, R.S. et al. Operational classification of seizure Position statement by the ILAE Task Force on Nosology
types by the International League Against Epilepsy: and Definitions. Epilepsia, v. 63, n. 6, p. 1349, 2022.
Position Paper of the ILAE Commission for
Classification and Terminology. Epilepsia, v. 58, n. 4, p. YACUBIAN, E. et al. Purple Book: Guia prático para o
522, 2017. tratamento de epilepsias. 2ª Edição. São Paulo: Editora
Planmark, 2020.
GAGLIARDI, R.J. & TAKAYANAGUI, O.M. Tratado
de Neurologia da Academia Brasileira de Neurologia. 2ª
edição, Rio de Janeiro-RJ, Elsevier Editora; 2019.

148 | P á g i n a
Capítulo 20

AÇÕES DE ENFERMEIROS DA
ESTRATÉGIA SAÚDE DA
FAMÍLIA FRENTE À
VIOLÊNCIA PRATICADA
CONTRA O IDOSO
TÉRCIO MACÊDO DE ANDRADE¹
ELIANA CAMPELO LAGO2
MARCIA ASTRÊS FERNANDES3
JOÃO PAULO BARROS IBIAPINA4
FABRICIO IBIAPINA TAPETY5
CARMEN VIANA RAMOS6
AMANDA ALVES DE ALENCAR RIBEIRO7

1. Doutor em Engenharia Biomédica pela Universidade Brasil. Mestre em Saúde da Família pelo Centro
Universitário UNINOVAFAPI. Professor Substituto da Universidade Federal do Piauí.
2. Pós-Doutora pela Universidade de Brasília. Professora Adjunta da Universidade Estadual do Maranhão.
3. Pós-Doutora em Enfermagem Psiquiátrica pela Universidade de São Paulo. Professora Associada da
Universidade Federal do Piauí.
4. Discente - Curso de Enfermagem da Universidade Federal do Piauí.
5. Doutor em Endodontia. Professor Adjunto da Universidade Estadual do Piauí/FACIME/CCS.
6. Nutricionista. Mestre e Doutora em Saúde da Criança e da Mulher pela Fundação Osvaldo Cruz.
7. Enfermeira. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do
Piauí.

Palavras Chave: Idoso; Violência; Saúde da família.

10.59290/978-65-6029-006-8.20
149 | P á g i n a
INTRODUÇÃO registros de violações. Entre os agressores, os
principais responsáveis pela violação são os
O envelhecimento populacional vem se es- próprios filhos (BRASIL, 2022).
tabelecendo como novo cenário em diversos pa- Entende-se que o envelhecimento é uma re-
íses no mundo. Atualmente, os idosos (60 anos alidade presente em diversos níveis sociais e re-
ou mais) representam 13,9% da população laciona-se de forma direta à saúde. Nesse con-
mundial. Até 2050, estima-se um aumento des- texto, situa-se a importância da Estratégia de
se percentual, com média estimada de 20%. No Saúde da Família (ESF) que delimita a família,
Brasil, as estimativas apontam que, em 2045, a inserida em seu contexto social, como o seu
população de jovens e adultos (de 20 a 39 anos) foco principal de intervenção.
já será ultrapassada pela população idosa A ESF suscita o estabelecimento de rela-
(ALVES, 2022). ções mais estreitas entre profissionais de saúde
Em decorrência desta transição demográ- e comunidade, nas quais se desenvolvam ações
fica, os desafios econômicos, previdenciários e humanizadas, com habilidades técnicas compe-
de infraestrutura dos serviços passam a ser im- tentes, articulação intersetorial e socialmente
portante pauta de discussão na busca pela me- contextualizadas (BRASIL, 2012).
lhor qualidade de vida e elevam à necessidade Portanto, compreende-se que os profissio-
de maior atenção às políticas públicas voltadas nais atuantes no contexto da ESF ocupam es-
aos idosos, especialmente relacionadas à saúde paço privilegiado para o desenvolvimento de
(DAMASCENO & CHIRELLI, 2019). ações de promoção em saúde que englobem
Em consonância ao aumento do envelheci- medidas de prevenção à violência. Inseridos na
mento populacional, o número de casos de vio- comunidade onde atuam e conhecendo a famí-
lência contra a população idosa também tem se lia com a qual trabalham, poderão desenvolver
expandido. O fenômeno da violência contra o formas preventivas que favoreçam a compreen-
idoso independe de gênero ou condição social e são e o entendimento sobre as diversas formas
se manifesta não somente por meio de atos e de violência e os contextos e implicações que a
condutas de violência, mas também pela negli- circundam.
gência e abandono. Embora diversos fatores es- Diante do exposto, definiu-se como objeto
tejam relacionados à potencial violência contra desse estudo as ações dos enfermeiros para pre-
os idosos, a dependência física, motora e/ou venção e notificação de casos suspeitos e/ou
emocional e o prejuízo nos vínculos social e fa- confirmados da violência praticada contra o
miliar aumentam consideravelmente as chances idoso. Para nortear a pesquisa elegeu-se a se-
de violência e abusos (SILVA et al., 2023; ZA- guinte questão norteadora: “Quais as ações dos
BIELSKA, 2016). enfermeiros da Estratégia Saúde da Família na
No Brasil, mais de 35 mil denúncias de vi- atenção ao idoso frente aos casos suspeitos
olações de direitos humanos contra pessoas ido- e/ou confirmados de violência?”.
sas foram registradas a partir do serviço de de- Assim, o objetivo do estudo esteve centrado
núncias disponibilizado pela Ouvidoria Nacio- em discutir as ações do enfermeiro da ESF
nal de Direitos Humanos (Disque 100). Segun- frente aos casos suspeitos e/ou confirmados de
do dados da Secretaria Nacional dos Direitos da violência contra idosos, bem como ações e es-
Pessoa Idosa (SNDPI), os maus tratos a idosos tratégias para prevenção e notificação efetiva
estão na terceira posição da lista de maiores desses agravos.

150 | P á g i n a
Ressalta-se a relevância da presente pes- universo dos significados, dos motivos, das as-
quisa, uma vez que proporciona o entendimento pirações, das crenças, dos valores e das atitudes
e reflexão crítica sobre a importância da atua- subjetivas que podem ser observados nas falas
ção dos enfermeiros da ESF no desenvolvi- dos indivíduos.
mento de ações efetivas contra a violência ao O estudo foi realizado no município de Te-
idoso. resina, capital do estado do Piauí, nas Unidades
Entende-se que a ausência do dimensiona- Básicas de Saúde (UBS) das Diretorias Regio-
mento realista do fenômeno pode levar à manu- nais de Saúde Sul, Centro/Norte e Leste/Su-
tenção das limitações na elaboração de ações e deste da Fundação Municipal de Saúde (FMS).
políticas públicas de caráter resolutivo e, con- No ano de 2017 (delimitação temporal com-
sequentemente, levar à continuidade da violên- patível ao período da coleta de dados), a cidade
cia. Torna-se fundamental, portanto, a compre- de Teresina/PI possuía aproximadamente 860
ensão da dinâmica de atuação dos profissionais mil habitantes, numa área de 1.167 Km² com
da ESF em relação a essa problemática. um total de 259 equipes de ESF, divididas em
Destaca-se ainda que os resultados, após três regionais, sendo detalhadamente a seguinte
publicados, poderão subsidiar o aperfeiçoa- divisão conforme dados da própria Fundação
mento das ações dos profissionais de enferma- Municipal de Saúde de Teresina:
gem, possibilitando melhorias no cuidado à • Regional Sul: com 81 Equipes, sendo 07
pessoa idosa em situação de violência. Entende- na ESF (zona urbana) e 74 na ESF com Saúde
se que o tema é complexo e sua análise é multi- Bucal (69 equipes na zona urbana e 05 na zona
disciplinar, envolvendo a formação acadêmica, Rural);
questões éticas, valores morais e políticos; por • Regional Centro/Norte: com 81 Equi-
isso, investigá-lo e desvendar suas interfaces é pes, sendo 03 na ESF (zona urbana) e 78 na ESF
um desafio acadêmico. com Saúde Bucal (72 equipes na zona urbana e
06 na zona Rural);
MÉTODO • Regional Leste/Sudeste: com 97 Equi-
pes, sendo 10 na ESF (zona urbana) e 87 na ESF
Trata-se de um estudo descritivo-explorató- com Saúde Bucal (74 equipes na zona urbana e
rio e com abordagem qualitativa. Essa tipologia 13 na zona Rural).
de pesquisa visa a aproximação e familiaridade Foram incluídos como participantes do es-
com o fenômeno-objeto da pesquisa, a descri- tudo enfermeiros de ambos os sexos que desen-
ção de suas características, a criação de hipóte- volviam atividades nas ESF do município de
ses, apontamentos e o estabelecimento de rela- Teresina há, pelo menos, 12 meses e que reali-
ções entre as variáveis estudadas no fenômeno zaram notificação de algum caso de violência
(DYNIEWICZ, 2014). contra a pessoa idosa no ano de 2015. Foram
A abordagem qualitativa no campo da sa- excluídos enfermeiros que estavam de licença
úde possibilita, segundo Minayo (2012), a apre- para tratamento de saúde, afastamento por li-
ensão das perspectivas socioeconômicas, políti- cença-prêmio ou por férias.
cas e ideológicas, relacionadas ao saber teórico Para a definição do número de participan-
e prático sobre saúde e doença, institucionaliza- tes, utilizou-se o critério da saturação de dados,
ção, organização, administração e avaliação dos com encerramento da fase de coleta no mo-
serviços e de sua clientela. Visa compreender o mento em que a pré-análise delineou o quadro

151 | P á g i n a
empírico da pesquisa para o alcance dos objeti- tuito que se ancora no software R e permite di-
vos (FONTANELLA et al., 2011). Dessa ferentes formas de análises estatísticas sobre
forma, um quantitativo de 16 enfermeiros foi corpus textuais e tabelas de indivíduos por pa-
entrevistado. lavras (CAMARGO & JUSTO, 2013).
Para a coleta dos dados foi utilizada a téc- Segundo Camargo & Justo (2013), o IRA-
nica de entrevista, guiada por um roteiro semi- MUTEQ viabiliza diferentes tipos de análises,
estruturado, processo que consiste em na reali- das mais simples às multivariadas, como a aná-
zação de uma série de perguntas que possibili- lise de similitude, que se baseia na teoria dos
tam discorrer sobre o tema proposto, sem res- grafos e possibilita identificar a ocorrência en-
postas e/ou condições prefixadas pelo pesquisa- tre as palavras e seu resultado fornece indica-
dor (GIL, 1999). O instrumento continha per- ções de conexidade entre as palavras, auxili-
guntas abertas, em que tiveram a possibilidade ando na identificação da estrutura da represen-
de discorrer sobre o tema proposto, contendo tação.
também questões relacionadas a variáveis sócio Os resultados foram expostos e analisados à
demográficas. O instrumento foi norteado pelas luz do referencial teórico.
seguintes questões: A presente pesquisa obedeceu à Resolução
• “Em caso de violência ao idoso, o que 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, que
você, normalmente, faz?” trata de pesquisas com seres humanos. O pro-
• “De que forma você realiza a promoção jeto foi encaminhado à instituição mediadora da
e prevenção à saúde voltada à violência ao pesquisa e, após aceitação, foi submetido à
idoso?” apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa
• “Quais as dificuldades e/ou facilidades (CEP) do Centro Universitário UNINOVA-
encontradas no processo de prevenção e notifi- FAPI, obtendo parecer favorável em 11 de maio
cação dos casos de violência ao idoso? de 2016 sob o nº 1.541.096.
As entrevistas ocorreram no período de fe- A referida Resolução incorpora, sob a ótica
vereiro a março de 2017. Realizou-se contato do indivíduo e das coletividades, referenciais da
prévio para agendamento da entrevista e os ho- bioética, tais como, autonomia, não maleficên-
rários foram agendados conforme a disponibili- cia, beneficência, justiça e equidade, dentre ou-
dade dos participantes. A entrevista foi gravada tros, e visa a assegurar os direitos e deveres que
em aparelho digital, sob autorização prévia, dizem respeito aos participantes da pesquisa, à
teve duração média 30 minutos e foi realizada comunidade científica e ao Estado (BRASIL,
de forma individual e reservada, garantindo o 2013).
sigilo das informações, conforto e anonimato Em relação aos riscos e benefícios, a pes-
aos participantes. quisa conferiu riscos mínimos de constrangi-
Para realizar o processamento e a análise mento na abordagem entre o pesquisador e o
dos dados foi utilizado o software IRAMUTEQ participante, insegurança quanto ao sigilo das
(Interface de R pour les Analyses Multidimen- informações pessoais coletadas e/ou o receio da
sionnelles de Textes et de Questionnaires), de- crítica por parte dos pesquisadores durante a co-
senvolvido na França por Pierre Ratinaud. Esse leta de dados.
programa é vastamente utilizado nas pesquisas Tais riscos foram minimizados pelo treina-
ancoradas pela TRS e começou a ser usado no mento da equipe envolvida na pesquisa, pela
Brasil em 2013. Trata-se de um programa gra- correta e apropriada abordagem ao participante,

152 | P á g i n a
priorizando o bem-estar e zelando pelo sigilo dos para a análise de similitude com a identifi-
das informações. cação das concorrências entre as palavras e os
Os benefícios são indiretos, na medida em indicativos de conexidade entre os termos:
que poderá contribuir com informações sobre a idoso, vez, não, saúde, violência e física.
atuação do enfermeiro da ESF frente à preven- Pode-se observar que a palavra “idoso” está
ção e notificação de casos suspeitos e/ou con- no centro da árvore e dá origem a ramificações
firmados de violência contra o idoso. que permite identificar a estrutura de similari-
dade associada as ações do enfermeiro frente a
RESULTADOS E DISCUSSÃO violência contra o idoso no âmbito da ESF.
A conexidade dos termos “idoso”, “violên-
Dentre os participantes da pesquisa, identi- cia” e “físico”, permitem inferir o tipo de vio-
ficou-se predominância de mulheres, casadas, lência percebido com maior frequência pelos
formadas há cerca de seis anos e com média de enfermeiros da ESF, tal evento ocorre por meio
cinco anos de atuação na ESF. de agressões que repercutem na saúde física e
A Figura 20.1 mostra a árvore representa- psicológica dos idosos.
cional obtida por meio da interface dos resulta-

Figura 20.1 Árvore representacional de similitude

As ramificações revelam que os eventos de dos casos o agressor é um membro da própria


violência são comuns no domicílio e na maioria família.

153 | P á g i n a
A “consulta de enfermagem” e a “visita do- Neste estudo, as ações dos enfermeiros da
miciliar” foram reveladas como os mecanismos ESF frente à violência praticada contra o idoso
de ação mais utilizados pelos enfermeiros no relacionaram-se à consulta de enfermagem, re-
processo de prevenção e identificação de casos alização de visitas domiciliares e atividades de
de violência contra o idoso. A palavra “pales- educação em saúde, sendo evocadas dificulda-
tra” também foi evocada como recurso de pre- des no processo de identificação e notificação.
venção. O principal pressuposto sobre a violência
Devido ao índice elevado de ocorrências contra o idoso é que essa nasce das práticas de
dentro do seio familiar as vítimas não denun- hostilidade, falta de respeito e agressão que ca-
ciam os agressores. Nesse sentido torna-se um racterizam os maus-tratos contra o idoso. As
dos grandes desafios dos enfermeiros na identi- formas e o cenário da violência foram bastante
ficação de casos de violência. ressaltados, destacando-se a física e psicológica
Em relação aos casos suspeitos e/ou confir- como as modalidades mais comuns no ambi-
mados de violência, as ações centram-se no en- ente familiar. As marcas da violência contra o
caminhamento à assistência social, bem como idoso não são apenas de ordem física, mas tam-
para delegacias especializadas. Sobre a notifi- bém de ordem psicológica e, às vezes, até moral
cação de casos, os enfermeiros referem dificul- (MOREIRA et al., 2016). Esse tipo de violên-
dades relacionadas ao processo de formação e cia, que atinge o psicológico, revela no idoso o
treinamento profissional. Ao se tratar de caso sentimento de incapacidade em lidar com os fi-
suspeito preferem não notificar, informando lhos, os netos, o companheiro, e em enfrentar o
apenas a delegacia especializada para que in- mundo.
vestiguem o caso. Uma colocação muito importante que
Pelo método da nuvem de palavras (Figura exemplifica essa consideração foi realizada
20.2) agrupam-se e organizam-se as mesmas pelo entrevistado 03.
graficamente em função da sua frequência, pos-
sibilitando rápida identificação das palavras- “Violência inclui a verbal, física, sendo os maus tra-
chave do corpus. As que obtiveram maior fre- tos mais evidentes por parte dos cuidadores ou mesmo
por familiares que não estão preparados para realização
quência foram: “Idoso”, “Físico”, “Violência”, de tais cuidados que já demandam tempo e paciência. A
“Não”, “Agressão”. violência física apresenta-se como último estágio da vi-
olência onde agressão se configura nesse contexto.”
Figura 20.2 Representação visual - Nuvem de palavras (E03)

Nesse ambiente, existem fatores de risco,


como a dependência do idoso fragilizado ao
agressor, incapacidade funcional para o au-
tocuidado, estresse do cuidador, isolamento so-
cial do idoso e do cuidador, problemas na área
da saúde mental, presença de alcoolistas entre
os membros da família, que são os cuidadores
(SANTOS et al., 2020).
A identificação de casos de violência nesse
ambiente é mais difícil, pelos idosos, devido à

154 | P á g i n a
manutenção do vínculo afetivo e/ou à relação frágeis diante das situações conflituosas vivenciadas”
de dependência com os perpetradores, o que (E10).

leva à tendência de omissão de relato da violên-


“Em primeiro lugar a gente identifica na visita do-
cia pela vítima (MIZIARA et al., 2015). miciliar. É a melhor ocasião/situação que você tem para
O entrevistado 08 exemplifica essa proble- identificar. De repente você chega na própria residência,
mática. você encontra o idoso em situação crítica. A visita domi-
ciliar é um recurso muito importante, pois a partir dela
“A principal dificuldade é que o idoso normalmente podemos conhecer a real situação em que se encontram
esconde abusos físicos que sofre e se isola para que ou - os idosos e como é o cotidiano familiar presente” (E13).
tros não tomem conhecimento, pois muitas vezes o agres-
sor é alguém da família. Violência ao idoso se trata de Além das dificuldades citadas acima, é pos-
um agravo a saúde e física ou psíquica, obrigando a con- sível também identificar que nem sempre há in-
dições desumanas e outras vezes pela falta de cuidados
fraestruturas nas residências dos idosos e pro-
necessários”. (E08)
fissionais capacitados para lidar com essa pro-
Neste sentido, a consulta de enfermagem blemática, fato que contribui significativamente
pode ser uma importante ferramenta na identi- para o seu agravamento.
ficação desses casos; assim, é necessária maior Não obstante, o despreparo dos profissio-
atenção aos sinais que permitam suspeitar e, nais – por incapacidade de reconhecê-lo e noti-
posteriormente, confirmar ou não um caso de ficá-lo, por exemplo – que se defronta com si-
violência. Tais sinais podem ser: medo, insegu- tuações de violência contra o idoso impede que
se tenha um real dimensionamento sobre o pro-
rança nas respostas, baixa autoestima, depres-
blema. Os casos notificados apresentam rele-
são ou agitação, ausência às consultas, visitas
vante importância, pois é por meio deles que a
frequentes ao serviço de emergência e demais
violência ganha visibilidade, permitindo o seu
sinais sugestivos de violência (SALES et al.,
dimensionamento epidemiológico e a constru-
2014).
A visita domiciliar tem como mecanismo ção de políticas públicas voltadas à sua preven-
propiciar o conhecimento do ambiente familiar ção (OLIVEIRA et al., 2012).
e dos riscos vivenciados pelo idoso, além de Uma colocação muito importante que
proporcionar suporte assistencial para as suas exemplifica essa consideração foi realizada
necessidades humanas e sociais (SCHENKER pelo entrevistado 12.
& COSTA, 2019).
“A dificuldade é na identificação, pois como na mai-
Para exemplificar, as colocações abaixo dos oria das vezes estamos dentro da UBS, não fazemos
entrevistados “10 e 13” foram significativas. muito a visita domiciliar, é somente uma vez ao mês, en-
tão eu creio que a identificação é o que mais impede. As
“A gente faz uma análise do paciente para ver se ele vezes falta o carro da prefeitura para realizarmos as vi-
apresenta alguma mancha roxa, a questão do emagreci- sitas domiciliares. A formação é fraca também, não
mento, alimentação. Aquela agressão psicológica é co - aborda, não estudei muito, não me sinto preparada real-
mum, normalmente eles são chorosos, poliqueixosos e mente”. (E12)
apresentam muito apego ao profissional que lhe visita ou
quando vem à unidade de saúde. Nas consultas não é
O reconhecimento de um ato ou comporta-
muito fácil identificar os casos de violência, mas - às ve-
zes - durante as conversas que estimulamos com os ido- mento de violência está diretamente relacio-
sos, acontece deles estarem relatando algum problema, nado às capacidades de percepção e sensibili-
às vezes choram e se demonstram muito angustiados e dade de cada indivíduo. Os profissionais de sa-

155 | P á g i n a
úde, no exercício de suas atribuições, incluindo ciados a própria família (filhos e netos), que se
os enfermeiros da ESF, devem realizar suas nega a cuidar do idoso.
condutas guiados por norteadores éticos e mo- Segundo dados da Delegacia do Idoso do
rais, que devem ser reforçados durante sua for- Estado do Piauí, casos de violência contra ido-
mação profissional. É preciso despertar e man- sos crescem a cada ano no Piauí. Foram 1.500
ter a sensibilidade dos profissionais para com os registros em 2015. O levantamento aponta,
atos de negligência, covardia e injustiça prati- ainda, que 74% das ocorrências correspondem
cados (ALARCON et al., 2021). à violência domiciliar.
Os casos de suspeita ou confirmação de vi- Em relação às ações de como prevenir os
olência praticada contra idosos são objeto de eventos de violência, palestras foram os meca-
notificação compulsória pelos serviços de sa- nismos mais citados pelos enfermeiros. O entre-
úde públicos e privados à autoridade sanitária, vistado 14 exemplifica essa problemática.
bem como serão obrigatoriamente comunica-
dos por eles a quaisquer dos seguintes órgãos “Anualmente nós promovemos uma grande palestra
públicos e privados que lhe cause morte, dano com representantes da delegacia do idoso que vão expli-
car os direitos legais dos idosos, as formas que configu-
ou sofrimento físico ou psicológico (BRASIL,
ram tipos de violência, os disque-denúncias e todas as
2011). formas de como se comportar e proceder diante de uma
Ao identificar casos de violência contra ido- eventual violência sofrida” (E14).
sos, os enfermeiros citaram o acionamento de
serviços de proteção ao idoso, como delegacias As intervenções educativas podem estar
especializadas e assistência social. Em termos centradas nas atividades com os idosos, famili-
institucionais, a Delegacia do Idoso é o canal ares e cuidadores, por meio de palestras, seleci-
especializado para a resolução de possíveis pro- onando temáticas convenientes para o cuidado
blemas sofridos pelos idosos. de acordo com o perfil dos idosos. Essas inter-
Para exemplificar, as colocações abaixo dos venções contribuem para a prevenção e manu-
entrevistados “01 e 15” foram significativas. tenção da integridade física e psíquica, além do
fortalecimento da autonomia e do autocuidado
“Aciono a delegacia do idoso, denuncio, chamo po - do idoso (CARVALHO et al., 2018).
lícia, assistente social, não admito de forma alguma”
(E01)
“Quando identificamos um idoso vítima de abusos CONCLUSÃO
ou maus tratos, imediatamente, acionamos a Delegacia
do Idoso, mas sempre mantendo cautela e sigilo para não O estudo permitiu o entendimento sobre as
quebrar o elo com aquele idoso e também para não com-
ações de enfermeiros frente à violência prati-
prometer a equipe” (E15).
cada contra os idosos, bem como a delimitação
A demanda de denúncia de violência contra das principais dificuldades relacionadas ao pro-
idosos nas delegacias especializadas se materi- cesso de identificação e notificação dos casos
aliza de várias formas, de ações que vão desde no âmbito da ESF.
abusos físicos, financeiros, psicológicos e sexu- As ações estão relacionadas principalmente
ais, até omissões (abandono, negligência e au- à prevenção desse agravo, sendo a educação em
tonegligência); tendo como os maiores denun- saúde um importante recurso de prevenção, ori-
entação e empoderamento da população assis-
tida. A consulta de enfermagem e as visitas do-

156 | P á g i n a
miciliares também surgiram como aliados rele- tos de fragilidade da população idosa do en-
vantes nesse processo. torno da área de cobertura da ESF.
Verificou-se ainda que as limitações relaci- Ressalta-se que as limitações deste estudo
onadas à notificação dos casos são, em sua mai- estão alocadas na restrição de campo e de parti-
oria, reflexos dos contextos que circundam a cipantes, não podendo refletir a realidade pes-
agressão ao idoso: muitas vítimas se sentem co- quisada em sua integralidade. Porém os resulta-
agidas a não realizarem a denúncia das práticas dos encontrados requerem a atenção de gestores
de violência porque os seus agressores são pes- públicos para o planejamento, investimento e
soas ligadas ao seio familiar. implementação de estratégias direcionadas à
Infere-se ainda que outros entraves na noti- formação e capacitação de recursos humanos
ficação possam ter relação inclusive com a for- qualificados para a efetiva intervenção de ações
mação profissional e a necessidade de capacita- de suporte à comunidade.
ção de profissionais que reconheçam os contex-

157 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALARCON, M.F.S. et al. Violência contra o idoso: ações DAMASCENO, M.J.C.F. & CHIRELLI, M.Q. Imple-
e sugestões dos profissionais da Atenção Primária à Sa - mentação da Saúde do Idoso na Estratégia Saúde da Fa -
úde. REBEn – Revista Brasileira de Enfermagem, v. 74, mília: visão dos profissionais e gestores. Ciência & Sa -
n. 2, p. e20200263, 2021. úde Coletiva, v. 24, n. 5, p. 1637, 2019.

ALVES, J.E.D. Portal do Envelhecimento. 8 bilhões de DYNIEWICZ, A.M. Metodologia da pesquisa em saúde
habitantes e 1,1 bilhão de idosos no mundo. 2022. para iniciantes. 3ª ed. Difusão Editora, 2014.
Disponível em:
<https://www.portaldoenvelhecimento.com.br/8bilhoes- FONTANELLA, B.J.B. et al. Amostragem em pesquisas
de-habitantes-e-11-bilhao-de-idosos-no-mundo> Acesso qualitativas: proposta de procedimentos para constatar
em: 24 abr. 2023. saturação teórica. Cadernos de Saúde Pública, v. 27, n. 2,
p. 388, 2011.
BRASIL. Lei nº. 12.461/11de 26 de julho de 2011. Altera
a Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, para estabele- GIL, A.C. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. São
cer a notificação compulsória dos atos de violência prati- Paulo: Atlas, 1999.
cados contra o idoso atendido em serviço de saúde. Bra-
sília, DF: Presidente da República, 2011. Disponível em: MINAYO, M.C.S. Análise qualitativa: teoria, passos e
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011- fidedignidade. Ciência & Saúde Coletiva, v. 17, n. 3, p.
2014/2011/lei/L12461.htm>. Acesso em: 10 jun. 2017. 621, 2012.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à MIZIARA, C.S.M.G. et al. Vítima silenciosa: violência
Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política doméstica contra o idoso no Brasil. Saúde, Ética e Jus-
Nacional de Atenção Básica. Brasília: Ministério da tiça, v. 20, n. 1, p. 1, 2015.
Saúde, 2012. 110p. Disponível em:
<https://www.gov.br/saude/ptbr/acessoainformacao/aco MOREIRA, W.C. et al. Análise sobre as políticas
eseprogramas/estrategiasaudedafamilia/legislacao/politi públicas de enfrentamento a violência contra o idoso.
ca-nacional-atencao-basica-2012.pdf/> Acesso em 23 Revista de enfermagem UFPE, v. 10, n. 4, p. 1324, 2016.
abr. 2023.
OLIVEIRA, M.L.C. et al. Características dos idosos ví-
BRASIL. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. timas de violência doméstica no Distrito Federal. Revista
Dispõe sobre diretrizes e normas regulamentadoras de Brasileira de Geriatria e Gerontologia, v. 15, n. 3, p. 555,
pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial: 2012.
Brasília, DF. 2013. Disponível em: <http://conse-
lho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf> Acesso SALES, D.S. et al. A violência contra o idoso na visão
em: 20 abr. 2023. do agente comunitário de saúde. Estudos interdisciplina -
res sobre envelhecimento, v. 19, n. 1, p. 63, 2014.
BRASIL, C.I. Agência Brasil. Em 5 meses, país registra
35 mil denúncias de violência contra idosos – Dados são SANTOS, M.A.B. et al. Fatores associados à violência
do Disque 100. Rio de Janeiro: Agência Brasil, 2022. contra o idoso: uma revisão sistemática da literatura. Ci-
Disponível em: <https://agenciabra- ênc. Saúde Coletiva, v. 25, n. 6, p. 2153, 2020.
sil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2022-06/em-5-
meses-pais-registra-35-mil-denuncia s-de-violencia -con- SCHENKER, M. & COSTA, D.H. Advances and chal-
tra-idosos> Acesso em: 23 abr. 2023. lenges of health care of the elderly population with chro-
nic diseases in Primary Health care. Ciência & Saúde Co-
CAMARGO, B.V. & JUSTO, A.M. Tutorial para uso do letiva, v. 24, n. 4, p. 1369, 2019.
software de análise textual IRAMUTEQ. Laboratório de
Psicologia Social da Comunicação e Cognição – SILVA, S.P.C. et al. Violência na velhice: representações
LACCOS. Universidade Federal de Santa Catarina. sociais elaboradas por pessoas idosas. Escola Anna Nery,
Brasil, 2013. v. 27, e20220169, 2023.

CARVALHO, K.M. et al. Intervenções educativas para ZABIELSKA, P. Analysis of violence against elderly
promoção da saúde do idoso: revisão integrativa. Acta people residing in the City of Szczecin. Pomeranian
Paulista de Enfermagem, v. 31, n. 4, p. 446, 2018. Journa l of Life Sciences, v. 62, n. 4, p. 41, 2016.

158 | P á g i n a
Capítulo 21

POLÍTICAS PÚBLICAS EM
FACE DA VIOLÊNCIA
CONTRA A PESSOA IDOSA:
UM ESTUDO TEÓRICO-
REFLEXIVO
TÉRCIO MACÊDO DE ANDRADE¹
ELIANA CAMPELO LAGO2
MARCIA ASTRÊS FERNANDES3
JOÃO PAULO BARROS IBIAPINA4
FABRICIO IBIAPINA TAPETY5
CARMEN VIANA RAMOS6
AMANDA ALVES DE ALENCAR RIBEIRO7

1. Doutor em Engenharia Biomédica pela Universidade Brasil. Mestre em Saúde da Família pelo Centro
Universitário UNINOVAFAPI. Professor Substituto da Universidade Federal do Piauí.
2. Pós-Doutora pela Universidade de Brasília. Professora Adjunta da Universidade Estadual do Maranhão.
3. Pós-Doutora em Enfermagem Psiquiátrica pela Universidade de São Paulo. Professora Associada da
Universidade Federal do Piauí.
4. Discente - Curso de Enfermagem da Universidade Federal do Piauí.
5. Doutor em Endodontia. Professor Adjunto da Universidade Estadual do Piauí/FACIME/CCS.
6. Nutricionista. Mestre e Doutora em Saúde da Criança e da Mulher pela Fundação Osvaldo Cruz.
7. Enfermeira. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do
Piauí.

Palavras Chave: Política pública;Saúde do idoso; Violência.

10.59290/978-65-6029-006-8.21
159 | P á g i n a
INTRODUÇÃO discriminação e abandono (WHO, 2002; BRA-
SIL, 2020).
O envelhecimento populacional é um fenô- Os sinais fisiológicos do envelhecimento fa-
meno preocupante e de ordem mundial caracte- zem com que os idosos precisem, cada vez
rizado por mudanças na estrutura etária da po- mais, de um maior auxílio para exercer ativida-
pulação, que decorrem, principalmente, da re- des comuns e que antes eram realizadas por eles
dução nas taxas de fecundidade e pelo aumento mesmos, o que acarreta uma maior dependência
da expectativa de vida. Esse fenômeno é um dos física e mental, bem como os tornam mais vul-
maiores desafios da saúde pública contemporâ- neráveis à violência. Essa situação é ainda mais
nea, pois desperta preocupação em diversas grave quando ocorre em um ambiente familiar
áreas sociais e econômicas, como a saúde, a que não possui condições psicossociais adequa-
previdência, a educação e o mercado de traba- das para esse contexto (ALARCON et al.,
lho (CEE, 2020). 2020; MORAES et al., 2020).
Para o ano de 2030, a estimativa é de que Atualmente, a Política Nacional do Idoso,
haverá cerca de 42 milhões de idosos no Brasil instituída em 1994, e o Estatuto do idoso, em
e, em 2060, a proporção de pessoas na terceira 2003, são as principais legislações no Brasil que
idade poderá chegar a um terço dos brasileiros. garantem o direito da pessoa idosa, com penali-
Entretanto, esse aumento da expectativa de vida dades a todos que praticam qualquer tipo de vi-
no país não é acompanhado da qualidade de olência contra o idoso. No entanto, o Estado não
vida ideal à essa população, trazendo à tona as- cumpre adequadamente o seu dever de garantir
pectos negativos da velhice, como as doenças a proteção integral à pessoa idosa, uma vez que
crônico-degenerativas, frequentes nessa faixa as leis criadas para esse fim não são efetiva-
etária, e que provocam dependência nos idosos mente implementadas.
(MENDONÇA et al., 2021; IBGE, 2019). A partir disso, objetivou-se refletir, a partir
Paralelo ao aumento da expectativa de vida da literatura científica, sobre as políticas públi-
está o crescente índice de Violência Contra a cas em face da violência contra a pessoa idosa
Pessoa Idosa (VCPI), tema ainda pouco discu- no contexto brasileiro.
tido na sociedade contemporânea. Este grave
problema de saúde pública pode ocorrer de di- MÉTODO
ferentes formas e provoca sérias consequências
à saúde física e mental, afetando a qualidade de Trata-se de um estudo teórico do tipo refle-
vida de suas vítimas (YON et al., 2017). xivo, caracterizado como uma formulação dis-
A VCPI é caracterizada como um ato único, cursiva aprofundada com foco no constructo
repetido ou a falta de ação apropriada, ocor- teórico da área correspondente ou discussão so-
rendo em qualquer relacionamento em que bre um tema específico, estabelecendo analo-
exista uma expectativa de confiança que cause gias, apresentando e analisando diferentes pon-
danos ou sofrimento a uma pessoa idosa. Pode tos de vista, teóricos e/ou práticos que, nesse
ser classificada em nove categorias: violência caso em particular, consiste em refletir sobre
física; violência psicológica ou emocional; vio- políticas públicas em face da violência contra a
lência financeira; violência patrimonial; violên- pessoa idosa no contexto brasileiro.
cia institucional; violência sexual; negligência; Por se tratar de um artigo de reflexão, e não
uma revisão de literatura, não se delineou espe-

160 | P á g i n a
cificamente critérios de exclusão e inclusão afetam a autoimagem e a autoestima do ofen-
para a seleção do material bibliográfico. As re- dido. Outro tipo bastante recorrente é a violên-
ferências teóricas utilizadas foram selecionadas cia física, que reprime os idosos e os obrigam,
levando em consideração a abordagem acerca através da força, a fazerem o que não desejam,
do tema, independente do recorte temporal. para feri-los, provocar dor, incapacidade ou
Através da abordagem qualitativa, os pesquisa- morte. (LOPES et al., 2018; CASTRO et al.,
dores interpretaram e analisaram os elementos 2018).
teóricos obtidos no levantamento bibliográfico. Na grande maioria dos casos há uma forte
relação de proximidade entre a vítima e o agres-
sor, sendo frequentemente cometido pelos pró-
RESULTADOS E DISCUSSÃO prios filhos e tendo a própria residência como o
principal local de violência. Entre os motivos
Caracterização da violência contra a relacionados a essa proximidade da agressão,
pessoa idosa
A violência está presente nas sociedades destaca-se o contexto familiar, que muitas ve-
desde as civilizações antigas e se configura zes, é estressante e contém a presença de cuida-
como um problema cultural de raízes seculares. dores despreparados ou sobrecarregados (LO-
Em relação ao perfil da pessoa idosa vítima de PES et al., 2018).
violência, a maior parte é do sexo feminino, na Quanto aos fatores relacionados aos cuida-
faixa etária de 60 a 69 anos, predominante- dores que predispõem à violência, o abuso de
mente sem companheiros e com baixo nível de álcool ou outras substâncias, alto nível de es-
escolaridade (BOÁGUA et al., 2021). tresse, dependência financeira ou emocional à
Acerca da questão de gênero no Brasil, em pessoa idosa, carga de trabalho excessiva, falta
2021, as mulheres apresentavam uma expecta- de preparo para atuar como cuidador, história
tiva de vida de 80,5 anos, número superior ao de violência, bem como problemas na saúde fí-
da população masculina e que fornece indícios sica e mental são os que mais se destacam
de uma feminização do envelhecimento. Desse (CLARYSSE et al., 2018; FANG et al., 2019).
modo, há uma concentração maior de mulheres Chama atenção o fato de que os diferentes
e, consequentemente, maiores índices de idosas tipos de violência contra a pessoa idosa não são
violentadas (IBGE, 2022; MATOS et al., excludentes, podendo ser cumulativos, levando,
2019). inclusive, ao óbito da vítima. Nota-se que esse
O fator socioeconômico também se confi- tipo de violência é uma violação aos direitos hu-
gura como um fator de risco para os casos de manos, sendo uma das causas mais importantes
violência uma vez que problemas financeiros de lesões, perda de produtividade, isolamento e
podem influenciar a ocorrência de violência fi- incapacidades (MOREIRA et al., 2016).
nanceira e/ou patrimonial, por exemplo. Além
disso, pode afetar as relações familiares, ponto Políticas públicas de enfrentamento à vi-
olência contra o idoso
importante para a ocorrência de violência do- O aumento quantitativo do número de pes-
méstica contra pessoas de mais idade soas na terceira idade demonstra a necessidade
(AGUIAR et al, 2015). de o poder público observar o panorama dessa
O tipo de violência mais comum é a psico- transição demográfica, e, em conjunto com a
lógica, caracterizada por insultos, ameaças e
sociedade, discutir e aplicar políticas integrais
outros tipos de agressões verbais e gestos que
161 | P á g i n a
de atenção à pessoa idosa (MOREIRA et al., idosa, assim como a atual transição demográ-
2016). Segundo dados da Organização Mundial fica e epidemiológica não estavam tão eviden-
de Saúde (PAHO, 2002), até 2025 o Brasil será tes naquele período (MINAYO & SOUZA,
o sexto país do mundo com maior número de 2006).
idosos, daí a necessidade de políticas sociais Essa identificação específica do tema é ne-
que preparem a sociedade para essa realidade e cessária para que as ações públicas, já previstas
mudem a forma como essa população é tratada. na legislação nacional, sejam colocadas em prá-
Diante do processo de envelhecimento po- tica. As ações com previsão legal se iniciaram
pulacional, a Organização Mundial das Nações no ano de 2001, com o lançamento da Política
Unidas (ONU), da qual o Brasil faz parte, reali- Nacional de Redução da Morbimortalidade por
zou, em 1982, a primeira Assembleia Mundial Acidentes e Violência (PNRMAV), que enfa-
sobre o Envelhecimento, em Viena. Esse foi o tiza a promoção da saúde para o alcance da qua-
primeiro evento direcionado para a temática e lidade de vida, prioriza as ações preventivas in-
resultou em 66 recomendações para os países tersetoriais e a ação comunitária. Essa política
membros, visando o bem-estar da pessoa idosa. não apresenta muito êxito, como demonstra o
A fim de defender a pessoa idosa e para re- atual contexto violento do país (BRASIL,
afirmar em território nacional as recomenda- 2005).
ções da ONU, em 1994 foi promulgada a Lei nº. Quase dez anos depois da promulgação da
8.842/94, que criou a Política Nacional do Política Nacional do Idoso, foi promulgada a
Idoso (PNI), com as seguintes diretrizes: Lei nº. 10.741, de 1º de outubro de 2003, que
Lei 8.842/94. Art. 3º. Priorização do aten- define idoso como “pessoa com idade igual ou
dimento familiar ao idoso e não o seu re-
superior a 60 (sessenta) anos, resguardando-lhe
colhimento a asilos, exceto quando o idoso
é sozinho; busca de opções de integração
direitos similares àqueles previstos às crianças
entre os idosos e as demais gerações; par- e aos adolescentes, inclusive o direito à prote-
ticipação do idoso no planejamento, desen- ção integral”. Dessa forma, foi sancionado o
volvimento, implementação e avaliação de Estatuto do Idoso, no ano de 2003, que veio
políticas, projetos, planos e programas de para regulamentar, garantir direitos e estipular
seu interesse; descentralização política ad-
deveres para melhorar a vida de pessoas com
ministrativa; reciclagem e capacitação de
novos profissionais nas áreas de geriatria, idade igual ou superior a sessenta anos no país
gerontologia e prestação de serviços; im - (BRASIL, 2003).
plementação de sistemas de informações Nota-se que o Estatuto do Idoso é de grande
que divulguem de forma educativa os as-
importância para regularizar o respeito aos ido-
pectos biopsicossociais do envelheci-
sos, e as políticas públicas são fundamentais
mento; priorização de serviços públicos e
privados prestadores de serviços; apoio a para tal. Porém, o distanciamento entre a lei e a
estudos e pesquisas sobre questões relati- realidade dos idosos no Brasil ainda é uma rea-
vas ao envelhecimento (BRASIL, 1994). lidade; e para que essa situação se modifique é
Em contrapartida, a Política Nacional do necessário que continue a ser debatida e reivin-
Idoso não traz qualquer discussão acerca da te- dicada em todos os espaços possíveis, pois ape-
mática da violência. Essa invisibilidade do as- nas a mobilização permanente da sociedade é
sunto pode ser explicada pelo fato de se tratar capaz de configurar um novo olhar sobre o pro-
de um documento mais antigo, em que as ques- cesso de envelhecimento dos cidadãos brasilei-
tões relativas à violação dos direitos da pessoa ros (MOREIRA et al., 2016).

162 | P á g i n a
CONCLUSÃO Ademais, ressalta-se que a violência contra
pessoa idosa constitui uma violação dos Direi-
Conclui-se que o envelhecimento populaci- tos Humanos e requer ações estratégicas por
onal é um fenômeno preocupante devido a sua parte do poder público e da sociedade, tanto no
associação com os elevados índices de Violên- âmbito da prevenção quanto do enfrentamento,
cia Contra a Pessoa Idosa (VCPI) e as suas re- a fim de resgatar e garantir a dignidade desse
percussões físicas e mentais. A violência leva segmento, além do que, as políticas públicas já
em conta as vulnerabilidades da pessoa idosa e implementadas significaram um grande avanço
também está associada às características do na promoção dos direitos dos idosos, porém,
agressor. apenas a produção de instrumentos legais não é
suficiente para mudar essa situação.

163 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGUIAR, M.P.C. et al. Violência contra idosos: descrição as/noticias/29505-expectativa-de-vida -dos-brasileiros-au-
de casos no Município de Aracaju, Sergipe, Brasil. Escola menta-3-meses-e-chega-a-76-6-anos-em-2019.html.
Anna Nery Revista de Enfermagem, v. 19, n. 2, p. 343, 2015. Acesso em 20 abr. 2023.

ALARCON, M.F.S. et al. Percepção do idoso acerca da vi- IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Rio de
olência vivida. Revista Baiana de Enfermagem, v. 34, p. Janeiro: IBGE, 2022. Disponível
e34825, 2020. em:https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/11/25/exp
ectativa-de-vida-sobe-de-768-para-77-anos.ghtml. Acesso
BOÁGUA; J.S.S. et al. A violência doméstica contra a pes- em 20 abr. 2023.
soa idosa: uma revisão de literatura. Brazilian Journal of
Health Review, v. 4, n. 2, p. 8705, 2021. LOPES, E.D.S. et al. Maus-tratos a idosos no Brasil: uma
revisão integrativa. Revista Brasileira de Geriatria e Geron-
BRASIL. Lei nº. 8.842/94. Política Nacional do Idoso. Dis- tologia, v. 21, n. 5, p. 652, 2018.
ponível em: http://www.planalto.gov.br/leis. Acesso em: 20
abr. 2023. MATOS, N.M. et al. Perfil do agressor de pessoas idosas
atendidas em um centro de referência em geriatria e geron-
BRASIL. Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe tologia do Distrito Federal, Brasil. Revista Brasileira de Ge-
sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Disponí- riatria e Gerontologia, v. 22, n. 5, p. 1, 2019.
vel em: http://www.planal-
to.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.741.htm. Acesso em: 20 MENDONÇA, J.M.B. et al. O sentido do envelhecer para o
abr. 2023. idoso dependente. Ciência & Saúde Coletiva v. 26, p. 1678,
2021.
BRASIL. Ministério da Mulher, Família e Direitos Huma-
nos. Violência contra a pessoa idosa: vamos falar sobre isso? MINAYO, M.C.S. & SOUZA, E.R. As múltiplas mensa-
Brasília, 2020. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt- gens da violência contra idosos. Rio de Janeiro. Violência
br/assuntos/noticias/20202/junho/cartilhacombateviolencia sobre o olhar da saúde: a infra-política da contemporanei-
pessoaidosa.pdf. Acesso em 20 abr. 2023. dade brasileira. Fiocruz, p. 223, 2006.

BRASIL. Ministério da Saúde. Política nacional de redução MORAES, C.L.D. et al. Violência contra idosos durante a
da morbimortalidade por acidentes e violência. Brasília, 2 pandemia de Covid-19 no Brasil: contribuições para seu en-
ed., 2005. Disponível frentamento. Ciência & Saúde Coletiva, v. 25, p. 4177,
em:https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_re 2020.
ducao_morbimortalidade_acidentes_2ed.pdf. Acesso em 21
abr. 2023. MOREIRA, W.C.et al. Análise sobre as políticas públicas
de enfrentamento a violência contra o idoso. Revista de en-
CASTRO, V.C.C. et al. Violência contra os idosos brasilei- fermagem UFPE, v. 10, n. 4, p. 1324, 2016.
ros: uma análise das internações hospitalares. Revista Bra-
sileira de Enfermagem, v. 71, n. 2, p. 830, 2018. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Plano de Ação
Internacional sobre o envelhecimento. Brasília: Secretaria
CEE. O envelhecimento populacional compromete o cresci- Especial de Direitos Humanos, 2002. Pan American Health
mento econômico no Brasil. FIOCRUZ, 2020. Disponível Organization (PAHO). Envelhecimento ativo: uma política
em: https://cee.fiocruz.br/?q=envelhecimento-populacio- de saúde. Disponível em: https://iris.paho.org/han-
nal-compromete-o-crescimento-economico. Acesso em 20 dle/10665.2/7685#:~:text=%22At%C3%A9%202025%2C
abr. 2023. %20segundo%20a%20OMSp%C3%BAblica%20em%20n
osso%20contexto%20social. Acesso em 21 abr. 2023.
CLARYSSE, K. et al. Sinais de abuso físico e negligência
no paciente maduro. Clinics in dermatology, v. 36, n. 2, p. WHO - World Health Organization. International Network
264, 2018. for the Prevention of Elder Abuse (INPEA). Missing Voi-
ces: views of older persons on elder abuse [Internet]. Ge-
FANG, B. et al. Risk and protective factors associated with neva: WHO; 2002. Disponível em:
domestic abuse among older Chinese in the People’s Repu- https://www.who.int/ageing/publications/missing_voices/e
blic of China. Archives of Gerontology and Geriatrics, v. 82, n/. Acesso em 21 arb. 2023.
p. 120, 2019.
YON, Y. et al. Elder abuse prevalence in community set-
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Expec- tings: a systematic review and meta-analysis. Lancet Global
tativa de vida dos brasileiros. 2019. Disponível em: Health, v. 5, n. 2, p. 147, 2017.
https://censo2021.ibge.gov.br/2012-agencia-denotici-

164 | P á g i n a
Capítulo 22

A INFLUÊNCIA DA HISTÓRIA
PSICOSSOCIAL NOS
TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS:
UMA REVISÃO ACERCA DOS
ESTRESSORES AMBIENTAIS
MATHEUS VIEIRA SAMPAIO¹
JORDANA CARVALHO SILVA¹
JULIANA MARIA ALVES MORAES¹
GUSTAVO MESQUITA DE OLIVEIRA¹
MARIA EDUARDA CAMPOS SILVA ¹
MARIA CLARA DE ASSIS FERREIRA¹
MIRLENE CANDIDA FAUSTINO BORGES¹
VICTÓRIA ELIAS DE FREITAS HONORATO¹
KATHYUCE MENDES DOS SANTOS¹
ALLAN KLEISON RIBEIRO MARTINS¹
KARIME NEVES FONSECA¹
ISABELLA MARTINS THOMAZ¹
PAULO CÉSAR MOREIRA¹
VICENTE PEREIRA DE CARVALHO NETO¹
VALDIMAR DE ARAÚJO SANTANA¹

1. Discente – Medicina da Universidade de Rio Verde, Câmpus Aparecida de Goiânia.

Palavras Chave: Psicossocial, Transtornos; Estressores ambientais.

10.59290/978-65-6029-006-8.22
165 | P á g i n a
INTRODUÇÃO quisa eletrônica, utilizando artigos adequados
segundo a linguagem oficial da base de dados
Os transtornos psiquiátricos são condições proposta, das plataformas SciELO, PubMed e
prevalentes e persistentes ao longo da vida do Google Acadêmico. Os descritores utilizados
indivíduo, interferindo em seu funcionamento e foram: “mental disorder”, “psychosocial influ-
desenvolvimento. Além disso, inúmeras são as ences”, “psychiatric disorders” e “stress di-
influências que implicam no aparecimento des- sorders”, bem como suas variantes linguísticas
ses transtornos, envolvendo desde questões pré- e suas combinações. Após essa elegibilidade bi-
determinadas geneticamente, até os fatores am- bliográfica, foi realizada uma análise dos estu-
bientais, moldando assim, o quadro psíquico do dos encontrados durante a busca na base de da-
paciente. Alguns desses transtornos, como o dos, filtrando por meio da avaliação do título,
afetivo bipolar e o transtorno do espectro au- do resumo, disponibilidade de obter os artigos
tista, recebem uma grande influência genética, na íntegra e avaliação dos resultados. A partir
enquanto outros obtêm dos fatores externos um da exclusão dos artigos que eram revisões siste-
peso bem maior para sua etiologia. No âmbito máticas e meta-análises e dos artigos que não se
relacionado aos fatores externos são enquadra- referiam ao tema pesquisado, restaram, ao final,
dos vários elementos, tais como o desemprego, 16 artigos publicados nos últimos 5 anos. Os ar-
frustrações amorosas, abuso de álcool e drogas, tigos escolhidos serão analisados e será feita
violência nas modalidades psicológicas, físicas uma revisão sobre os gatilhos com maior in-
e sexuais, dentre outras situações. Mostrando, a fluência na qualidade de vida do indivíduo e
partir de então, a relevância de uma investiga- que contribuíram para o desenvolvimento de al-
ção da vida pregressa desse paciente no desen- gum tipo de transtorno psiquiátrico, incluindo
volvimento e curso da doença. aqueles em que a genética tem um papel funda-
O objetivo deste estudo foi analisar justa- mental. Afinal, fatores externos podem ser es-
mente o impacto de gatilhos externos, como es- senciais para o início desse tipo de transtorno
tresse, traumas, fatores sociais e familiares nos naqueles que já possuem alguma predisposição
transtornos psiquiátricos. E investigar a possí- genética.
vel associação que há entre essas patologias e
fatores demográficos (sexo, etnia), fatores rela- RESULTADOS E DISCUSSÃO
cionados ao nascimento (complicações na ges-
tação ou no parto, estação do ano no nasci- A partir da análise dos 16 artigos adequados
mento, local de nascimento – urbano/rural, or- ao objetivo do estudo, notou-se a extensa corre-
dem de nascimento), antecedentes pessoais (QI lação entre fatores sociais e familiares, exposi-
pré-mórbido, lateralidade, ajustamento pré- ção a maus-tratos e traumas – abuso físico e/ou
mórbido), fatores sociais (padrão socioeconô- psicológico – no desenvolvimento de transtor-
mico, eventos de vida estressantes), anteceden- nos psiquiátricos, principalmente quando ocor-
tes familiares (disfunção familiar, perda paren- ridos na infância ou adolescência. As experiên-
tal) e história médica pregressa (epilepsia, trau- cias adversas ocorridas na primeira infância es-
ma cranioencefálico, esclerose múltipla). tão ligadas à psicopatologia na idade adulta, in-
cluindo transtornos de personalidade, transtor-
MÉTODO nos depressivos e de ansiedade (KAUR &
Foi realizada uma revisão sistemática da li- SANCHES, 2023).
teratura nacional e internacional mediante pes-
166 | P á g i n a
Essas experiências, podem induzir uma cas- a severidade de maus-tratos. (PADOVANI &
cata de eventos neurobiológicos, mesmo se vi- WILLIANS, 2008). Além das repercussões de
venciadas na vida intrauterina, com consequên- ordem psicológica, esses indivíduos podem so-
cias duradouras e que, muitas vezes, resultam frer processos de somatização, na esfera física
em uma desregulação do desenvolvimento des- e processos de hipersexualização na esfera se-
ses indivíduos, reduzindo sua resistência a xual, bem como transtornos de identidade de
eventos estressantes e levando a problemas pos- gênero (CRUZ et al, 2023; ZANATTA & CAS-
teriores de regulação emocional, além de tornar TRO, 2020). Há também os transtornos de
o metabolismo da serotonina mais lento (GIO- prefe-rência sexual, que incluem as parafilias,
TAKOS, 2020 e NILSEN et al., 2020). Devido como fetichismo, voyerismo, sadomasoquismo
a isso, pode ocorrer, também, maior tolerância e pedofilia (ARAÚJO et al., 2018 e BORGES
medicamentosa e baixa adesão ao tratamento & DELL’AGLIO, 2008). Casos de bullying –
nesses indivíduos. Em contrapartida, nota-se tipo de abuso psicológico – podem influenciar
que fatores psicossociais como a masculinidade no surgimento de TEPT mesmo após anos de
pode ser um fator protetor para o desenvolvi- exposição ao abuso (RIBEIRO et al., 2009,
mento de alguns transtornos como a ansiedade, ARAÚJO et al., 2018, BORGES & DELL’A-
enquanto a feminilidade pode ser um fator de GLIO, 2008 e FLORENTINO, 2015). A vítima
risco (FARHANE-MEDINA et al., 2022). passa a vivenciar situações de flashbacks, com
Dentre as experiências adversas citadas, o tendência a evitar situações relacionadas ao
abuso repercute com grandes problemas na es- trauma e a hiperestimulação (ALBUQUER-
fera psicológica como transtornos de ansiedade, QUE et al., 2013).
transtornos alimentares – principalmente a bu- Em relação às vivências familiares, foi no-
limia –, transtornos dissociativos, transtorno de tado que fatores relacionados à depressão ma-
estresse pós-traumático (TEPT), transtorno de terna no período após 3 meses do parto e pais
déficit de atenção e hiperatividade, transtornos que não vivem mais juntos atualmente são im-
do sono e transtornos de personalidade border- portantes para o surgimento de futuros transtor-
line, que são os mais associados a esse tipo de nos mentais. Indivíduos que tiveram custódia
trauma (CRUZ et al., 2021 e SILVA et al., apenas materna na infância apresentam risco de
2023). O sofrimento internalizado pelo indiví- ansiedade mais acentuada do que aqueles que
duo compromete seu desenvolvimento emocio- viviam com ambos os pais (FERRAZ et al.,
nal ao longo dos anos, podendo culminar em 2017). O estilo de criação dos filhos, como, por
quadros depressivos recorrentes (CRUZ et al., exemplo, má disciplina familiar, uso de castigo
2021 e SILVA & GONÇALVES, 2015). físico, desarmonia parental e violência conju-
As experiências traumáticas podem estar gal, estão associados ao surgimento de fobia so-
subjacentes a diversos transtornos psiquiátricos cial na adolescência. Casos de violência intra-
que envolvem o comportamento alucinatório, familiar além de resultarem em altos níveis de
como, por exemplo, os transtornos de humor, os ansiedade e fobia social, contribuem duas vezes
transtornos dissociativos, a esquizofrenia, o mais para sequelas como depressão, ideação
transtorno bipolar e os transtornos decorrentes suicida e TEPT (FERRAZ et al., 2017). Esse
do uso de substâncias psicoativas (PADOVANI histórico de exposição a maus-tratos pode re-
& WILLIANS, 2008). A prevalência de trans- sultar em intergeracionalidade da violência, em
tornos mentais aumentava conforme os tipos e

167 | P á g i n a
que o indivíduo, que um dia foi vítima, torna-se dos transtornos psiquiátricos e a persistente ex-
agressor (PADOVANI & WILLIANS, 2008). posição individual a estressores ambientais, de-
Compreende-se também que o apareci- preende-se que a complexidade do ser humano
mento de alguns distúrbios, como o transtorno está além do biológico, sendo patente a influên-
bipolar, depende da presença de um conjunto de cia no seu adoecimento psíquico causas outras
genes que, ao sofrerem influência do meio ex- externas ao seu organismo. Ou seja, estressores
terno, resultam no quadro clínico característico externos, como traumas, estresse, abuso de
da doença (MICHELON & VALLADA, 2005). substâncias, circunstâncias sociais, econômicas
Fatores como condição socioeconômica desfa- e familiares adversas impactam negativamente
vorável, desemprego ou baixa renda, e estado na vida e na saúde orgânica e mental do indiví-
civil solteiro, associados à genética favorável, duo, podendo desencadear distintos transtornos
resultaram em quadros característicos de bipo- psiquiátricos, seja de forma isolada ou associ-
laridade. ada. Isto significa que, quanto maior for a expo-
sição da pessoa a experiências traumáticas/ad-
CONCLUSÃO versas, principalmente na primeira infância e
adolescência, maiores serão os riscos do desen-
Com base no que foi apresentado e conside- volvimento de psicopatologias na idade adulta.
rando a íntima relação entre o desenvolvimento

168 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBUQUERQUE, P.P. et al. Efeitos Tardios do Bul- KAUR, M. & SANCHES, M. Parenting Role in the De-
lying e Transtorno de Estresse Pós-Traumático: Uma Re- velopment of Borderline Personality Disorder. Psycho-
visão Crítica. Psicologia: Teoria e Pesquisa, [s. l.], v. 29, pathology, [s. l.], v. 56, p. 109, 2023.
n. 1, p. 91, 2013.
MICHELON, L. & VALLADA, H. Fatores genéticos e
ARAÚJO, R.B. et al. Abuso sexual na infância e suas re- ambientais na manifestação do transtorno bipolar. Re-
percussões na vida adulta. Texto & Contexto – Enferma- vista de Psiquiatria Clínica., [s. l.], v. 32, p. 21, 2005.
gem, [S. l.], v. 26, n. 3, p. e0080016, 2018.
NILSEN, F.M. et al. A Systematic Review and Meta-
BORGES, J.L. & DELL´AGLIO, D.D. Relações entre Analysis Investigating the Relationship between Exposu-
abuso sexual na infância, transtorno de estresse pós-trau- res to Chemical and Non-Chemical Stressors during Pre-
mático (TEPT) e prejuízos cognitivos. Psicologia em Es- natal Development and Childhood Externalizing Beha-
tudo, [s. l.], v. 13, n. 2, p. 371, 2008. vior. Journal of Environmental Research and Public
Health, [s. l.], v. 17, n. 7, p. 2361, 2020.
CRUZ, M.A. et al. Repercussões do abuso sexual viven-
ciado na infância e adolescência: revisão integrativa. Ci- PADOVANI, R.C. & WILLIAMS, L.C.A. Histórico de
ência & Saúde Coletiva, [s. l.], v. 26, ed. 4, p. 1369, 2021. Violência Intrafamiliar em Pacientes Psiquiátricos. PSI -
COLOGIA CIÊNCIA E PROFISSÃO, [s. l.], v. 28, n. 3,
FARHANE-MEDINA, N.Z. et al. Factors associated p. 520, 2008.
with gender and sex differences in anxiety prevalence
and comorbidity: A systematic review. Science Progress, RIBEIRO, W.S. et al. Exposição à violência e problemas
[s. l.], v. 105, ed. 4, p. 1, 2022. de saúde mental em países em desenvolvimento: uma re-
visão da literatura. Revista Brasileira de Psiquiatria, [s.
FERRAZ, I.E.I. et al. Fatores psicossociais associados ao l.], v. 31 (Sup. II), p. S49, 2009.
desenvolvimento de transtornos psiquiátricos em crian -
ças e adolescentes. Revista Médica da UFC, [s. l.], v. 57, SILVA, D.G. et al. Sintomas e quadros psicopatológicos
n. 2, p. 8, 2017. em supostas vítimas de abuso sexual: uma visão a partir
da psicologia positiva. Aletheia 40, [s. l.], p. 58, 2013.
FLORENTINO, B.R.B. As possíveis consequências do
abuso sexual praticado contra crianças e adolescentes. SILVA, R.S. & GONÇALVES, M. A Ocorrência de
Fractal, Revista de Psicologia, [s. l.], v. 27, n. 2, p. 139, Transtornos Psiquiátricos em Crianças e Adolescentes
2015. Abusados Sexualmente. UNICIÊNCIAS, [s. l.], v. 19, n.
1, p. 72, 2015.
GIOTAKOS, O. Neurobiology of emotional trauma.
Psychiatriki, [s. l.], v. 31, p. 162, 2020. ZANATTA, A. & CASTRO, A. Impactos Psicossociais
para o Adulto do Abuso Sexual na Infância. Revista de
Psicologia, [s. l.], v. 14, n. 51, p. 1096, 2020.

169 | P á g i n a
Capítulo 23

A INVISIBILIDADE DA SAÚDE
MENTAL DE PESSOAS EM
SITUAÇÃO DE RUA NO BRASIL
- UMA AVALIAÇÃO SOBRE A
DEPRESSÃO
ISABELA SANTOS NOIVO 1
LUCAS SANT’ ANNA FELIX 2
ESTER CAMARGO TEIXEIRA 3
ERIC AKIO HIRAGA 4
RENATO MORAN RAMOS2
AMANDA AMBROSIO MACHADO 2
ANNA PAULA LUZ GIUSTI DE FREITAS3
THAÍS COIMBRA BATISTA 7
LUCAS PERUCHI SALLES2
ISABELLE CRISTINA DE OLIVEIRA FERREIRA3
MARÍLIA CAROLINA MOTA SIQUEIRA GUARDA 3
CARLA GOMES DA SILVA LACERDA 5
LARISSA MEIBE MIRANDA CARVALHO 6
RAFAELA DILELA ARRUK 6
ISADORA BARBOSA6

1. Discente – Medicina da Universidade de Rio Verde – UniRV.


2. Discente - Medicina da Universidade Iguaçu Campus V Itaperuna – UNIG.
3. Discente - Medicina da Universidade Nove de Julho – UNINOVE.
4. Discente - Medicina da Faculdade Evangélica Mackenzie do Paraná - FEMPAR.
5. Discente - Medicina do Centro Universitário Redentor – UniRedentor.
6. Discente - Medicina da Universidade Santo Amaro – UNISA.
7. Discente - Medicina da UniRedentor Afya.

Palavras Chave: Depressão, Pessoas em situação de rua, Saúde mental

10.59290/978-65-6029-006-8.23
170 | P á g i n a
INTRODUÇÃO O cotidiano vivenciado pelas pessoas em si-
tuação de rua é apontado por Fiorati et al.
Nos últimos anos, cidades em todo o mundo (2016) como produtor de sofrimentos que po-
têm visto um crescimento generalizado de de- dem decorrer da miséria, dos vínculos estabele-
sabrigados, nos quais uma pessoa dorme em um cidos com a criminalidade, situações de precon-
lugar não destinado à habitação humana, como ceito, solidão e até desespero. As condições ad-
carros, parques, calçadas e prédios abandona- versas de sobrevivência dos moradores de rua
dos. É amplamente compreendido que as pes- podem, também, desencadear problemas men-
soas que vivem em situação de rua têm piores tais orgânicos. Evidências epidemiológicas glo-
resultados de saúde do que a população em ge- bais mostram que uma proporção substancial de
ral. Sabe-se menos sobre a saúde das pessoas pessoas em situação de rua que vivem em países
desabrigadas, mas elas podem estar expostas a de alta e baixa renda sofrem de transtornos
maiores riscos de saúde do que suas contrapar- mentais, neurológicos e de uso de substâncias
tes protegidas (RICHARDS & RANDALL, (AYANO et al., 2017). A relação entre doença
2023). mental e falta de moradia é bem conhecida
Em uma abordagem sobre a população em (MOSCHION, 2021). No que se refere especi-
situação de rua, é importante ressaltar a multi- ficamente aos problemas depressivos, estudos
dimensionalidade e a heterogeneidade que per- mostraram que são os problemas de saúde men-
meia o cotidiano e as características dessas pes- tal mais comuns entre essa população (LEE et
soas (KUNZ et al., 2014). Dessa forma, a fim al., 2017), com estimativas variando entre 9,5%
de contemplar a complexidade dessa questão, é a 76,9% (COOHEY, 2015). Avalia-se que os
necessário considerar os seus múltiplos fenô- possíveis fatores para a maior prevalência em
menos e configurações, tanto no que se refere pessoas em situação de rua podem ser devido à
ao processo de determinação da ida para a rua, presença de eventos estressantes da vida, bem
bem como a própria vida na rua, marcada por como transtornos médicos, mentais e de uso de
condições adversas e por práticas e produção de substâncias comórbidos entre as pessoas em si-
novas relações e resistência social. Trata-se de tuação de rua (DIAS et al., 2017).
um fenômeno multifacetado que não pode ser Segundo Ayano et al. (2021), a prevalência
explicado por uma perspectiva unívoca e mono- de sintomas depressivos entre moradores de rua
causal, pois são múltiplas as causas de se ir para é 6,5 vezes maior do que a estimada na popula-
a rua, assim como são múltiplas as realidades ção geral (7,2%). Essas taxas de prevalência de-
da população em situação de rua (SILVA, monstram que os sintomas depressivos e trans-
2006). Algumas peculiaridades marcam a reali- tornos mentais em geral são importantes e pro-
dade dessa população, como as condições de blemas globais de saúde pública entre morado-
vida marcadas pela pobreza, a ruptura ou fragi- res de rua que requerem atenção urgente em ter-
lização de vínculos sociais e familiares, a vio- mos de prevenção e tratamento. Além disso, a
lência e o uso abusivo de drogas (CUNHA et grande maioria dos sem-teto com problemas
al., 2017). Além disso, aponta-se também o de- depressivos têm comorbidades físicas e trans-
semprego ou a precariedade do emprego e o iso- tornos por uso de substâncias (TOPOLOVEC-
lamento social como questões muito presentes VRANIC et al., 2017). É importante ressaltar
junto a essa população. que a saúde mental é bem mais ampla do que o
mero diagnóstico de transtornos mentais. No

171 | P á g i n a
caso das pessoas em situação de rua, devemos Pesquisa Econômica Aplicada, refere a concep-
considerar várias outras questões, desde a difi- ção de Vulnerabilidade Social como condições
culdade de dormir, a exposição constante à vio- individuais e coletivas de respostas diante aos
lência, as implicações da discriminação, o riscos decorrentes do contexto econômico, so-
medo, a baixa autoconfiança, a fragilidade das cial e político, conceito alinhado à concepção
relações sociais e as barreiras de acesso aos ser- dos Determinantes Sociais de Saúde e às di-
viços de saúde (AYANO et al., 2021). mensões de infraestrutura urbana, capital hu-
Partindo desse incentivo à produção de mano, renda e trabalho constantes que se ex-
conhecimento sobre a temática saúde da pressam por meio da exclusão, discriminação,
população de rua e reconhecendo que ela se barreiras de acesso às políticas públicas, viola-
encontra vulnerável a vários fatores que podem ção dos direitos humanos, dentre outros.
desencadear doenças, justifica-se a importância No Brasil, o número crescente de pessoas
de investigar a prevalência de sofrimento em situação de rua é consequência do agrava-
mental em relação a depressão entre a mento de questões sociais e econômicas, como
população em situação de rua. a aceleração da urbanização no século XX, a
migração para grandes cidades, a disparidade
MÉTODO social, a pobreza, o desemprego, os estigmas
sociais perante essa população e, muitas vezes,
O presente estudo consiste em uma revisão a existência de políticas públicas pouco efica-
sistemática de caráter descritivo. Para tanto, foi zes. Ademais, outros determinantes são rele-
necessária a utilização de metadados e ferra- vantes para a compreensão das causas de se ir
mentas de pesquisa disponibilizadas na rede de para a rua, como a miséria, violência, consumo
informações via internet nas bases indexadoras abusivo de drogas, rompimento com a família e
PubMed, SciELO, LILACS, Capes Teses e Dis- situações de violência doméstica, sexual e mo-
sertações e Science Direct. Foram utilizados os ral. Os fatores psicodinâmicos e socioambien-
descritores “depressão”, “pessoas em situação tais se associam para determinar a gravidade de
de rua” e “saúde mental”. O recorte temporal cada caso (BOTTI et al., 2010) que ampliam
foi de artigos publicados nos últimos 23 anos e sua vulnerabilidade de forma a enfatizar a aten-
foram encontrados em média 60 documentos, ção de uma equipe multiprofissional de saúde,
porém foram considerados 31 trabalhos dentre tendo em vista as condições de vida dos sujei-
os artigos selecionados que possuíam direta ou tos, diante do acolhimento em saúde prestado.
indiretamente alguma relevância com o pro- A situação de rua corresponde à condição
blema pesquisado. Após a coleta de dados, os extrema de miséria em que se têm negados os
materiais foram lidos e selecionados de acordo direitos fundamentais, representando a linha fi-
com a pertinência e similaridade do assunto nal do processo crônico de exclusão social. A
abordado. população em situação de rua torna-se alta-
mente vulnerável a múltiplos fatores de risco
RESULTADOS E DISCUSSÃO para a saúde (BOTTI et al., 2010), podendo ci-
tar-se a incidência de depressão entre os mes-
mos.
De acordo com o Atlas da Vulnerabilidade
A depressão, de acordo com o Atlas de Sa-
Social (2022), preconizado pelo Instituto de
úde Mental da Organização Mundial da Saúde

172 | P á g i n a
(WHO, 2021) é considerada um problema Além da depressão, observa-se a prevalên-
grave de saúde pública que cresce a cada ano. cia de outros transtornos mentais entre essa po-
Para determinar os sintomas de depressão, pre- pulação. Estudo realizado por Lovisi (2000),
sentemente é utilizado o Questionário de Saúde com homens e mulheres moradores de alber-
do Paciente (PHQ-9) contendo nove itens, gues públicos das cidades do Rio de Janeiro e
sendo o mesmo validado para uso em ambientes Niterói (RJ) mostra a presença de distúrbios
multiculturais (ARTHURS et al., 2012). Os in- mentais maiores (22,6%), esquizofrenia
divíduos entrevistados são solicitados a relatar (10,7%), depressão maior (12,9%), déficit cog-
a frequência de seus sintomas nas duas semanas nitivo grave (15%) e abuso/dependência de ál-
anteriores, classificados por meio de uma escala cool (44,2%) decorrentes da adversidade a que
Likert de 4 partes. O escore de depressão dos estão submetidos. Em geral, os distúrbios men-
participantes é calculado por meio da soma das tais maiores antecedem à condição de morar nas
respostas a todos os nove itens. Conforme apoi- ruas, como também a condição precária de exis-
ado pela literatura (MANEA et al., 2012), uma tência nas ruas pode exacerbar os seus sintomas
pontuação de corte de 10 é usada para definir anteriores, assim como favorecer o apareci-
um grupo deprimido (PHQ-9 ≥10) para análises mento de outros distúrbios, levando a uma alta
subsequentes. Embora o PHQ-9 não forneça um prevalência de comorbidade nesses indivíduos,
diagnóstico definitivo de depressão, esse ponto tornando os casos ainda mais graves (LOVISI,
de corte apresenta bom desempenho preditivo 2001).
quando comparado à entrevista clínica estrutu-
rada para o DSM-IV (UDEDI, 2019). Suicídio
Em um estudo realizado na França entre a Configuram-se, como elementos cruciais
população em situação de rua (HONOR, 2021), para a questão da vulnerabilidade, as condições
foi observado que os fatores de risco associados de vida nas ruas. Destaca-se, entre as vulnera-
para depressão foram ser do sexo feminino, sol- bilidades da população em situação de rua, o
teiro, ter doenças crônicas ou enfrentar insegu- comportamento suicida (CHRISTENSEN,
rança alimentar. Além disso, as pessoas que 2014). Entende-se por comportamento suicida
eram francesas ou que migravam de regiões uma ação consciente, cujo objetivo é desenca-
africanas ou mediterrâneas orientais apresenta- dear o fim da própria vida, envolvendo pensa-
vam níveis mais altos de depressão do que as mentos negativos e desejos de morte, tentativas
pessoas que migravam da Europa. O status de de suicídio e o suicídio consumado (SCHLOS-
relacionamento também está associado à de- SER et al., 2014). Sabe-se que o comportamen-
pressão, com participantes solteiros em maior to suicida é mais comum entre homens em
risco. Embora potencialmente ligado à segu- situação de rua, usuários de drogas (lícitas ou
rança financeira, o efeito positivo de ter um par- ilícitas) e com história de transtorno mental.
ceiro pode resultar do conforto ou apoio associ- Verifica-se que diversos fatores estão atrelados
ado, evitando assim a solidão. Em suma, per- a problemática, observando-se que na maioria
cebe-se que os presentes achados destacam a das vezes os mesmos não possuem um alicerce
frequência de dificuldades de saúde mental e a o qual tenham abertura desabafar sobre suas
importância dos cuidados de saúde mental entre aflições e vivências, podendo favorecer assim
pessoas com graves desvantagens socioeconô- na produção de ideações suicidas ou tentativas
micas. de suicídio (AYANO et al., 2021). Ademais,

173 | P á g i n a
tem-se a crise econômica, o desemprego e a in- pesquisa identificou o uso por mais da metade
flação do mercado imobiliário provocando inú- dos participantes de tabaco (69,15%), álcool
meros despejos, vivência a qual relaciona-se di- (67,02%) e maconha (52,13%), além de con-
retamente com o risco de suicídio (RICHARDS sumo de crack por 42,55% deles (MOSCHION,
& RANDALL, 2023). 2021).

Abuso de substâncias A importância do atendimento profissio-


Ressalta-se que o consumo de drogas por nal
pessoas em situação de rua é uma prática muito A precariedade das condições de saúde das
comum. As populações desabrigadas apresen- pessoas em situação de rua é um desafio aos
tam taxas mais altas de doenças crônicas, doen- serviços de saúde e à política pública em geral.
ças mentais graves e abuso de substâncias do Além disso, essas pessoas enfrentam dificulda-
que as populações abrigadas (RICHARDS & des no que diz respeito ao acesso aos serviços,
RANDALL, 2023). Neste contexto, a droga, em decorrência tanto da falta de documentos
muitas vezes, é utilizada como um alicerce com como da discriminação por parte de profissio-
nais (AGUIAR & IRIART, 2012). Além disso,
o intuito de preencher o sofrimento e a falta do
a discriminação sofrida pela sociedade em geral
apoio dos familiares, frustrações emocionais
e por agentes do Estado (FERREIRA et al.,
ou, ainda, como um meio de se obter forças para
2016) se apresenta como uma forte barreira de
encarar as condições precárias de vida e suas di-
acesso aos serviços públicos por parte das pes-
ficuldades (DIAS et al., 2017), como também
permite um afastamento do ambiente perturba- soas em situação de rua. O estigma de sujo,
dor por meio da alteração dos estados de cons- malcheiroso e drogado apresenta-se como de-
ciência. As drogas podem ser, tanto motivado- terminante para o atendimento precário à pes-
res para a situação de rua, como consequência e soa em situação de rua (HALLAIS & BAR-
tática de suportabilidade do contexto (TILIO & ROS, 2015).
OLIVEIRA, 2016). A falta de moradia despro- Segundo Borysow & Furtado (2014), há
tegida está fortemente associada à falta de mo- uma sobrecarga dos serviços de Assistência So-
radia crônica que exacerba doenças mentais cial, que acabam sendo a porta de entrada para
o atendimento às pessoas em situação de rua.
graves e uso de substâncias, que muitas vezes
Isso se deve à ineficiência do trabalho interse-
ocorre simultaneamente (RICHARDS & RAN-
DALL, 2023). Em uma pesquisa realizada em torial nas políticas públicas, caracterizada por
ausência de colaboração entre saúde, assistên-
Londres (FOUNTAIN et al., 2003), observou-
cia social e outros setores. Além disso, esses
se que entre adultos desabrigados, os períodos
mais longos de desabrigados foram acompa- mesmos autores apontam ainda uma série de
nhados por aumento do uso diário de substân- obstáculos ao acolhimento a essa população nos
cias, uso de drogas injetáveis e dependência. serviços de saúde, incluindo a localização dos
Enfatiza-se, principalmente, o uso problemá- serviços, transporte público inadequado e des-
tico de crack, uma droga barata e de fácil acesso preparo dos trabalhadores para atuarem frente
que, historicamente, vem sendo difundida com às peculiaridades características da situação de
maior impacto em pessoas de menores condi- rua. Somam-se a esses obstáculos a burocracia
ções financeiras multiculturais (ARTHURS et no momento de agendar consultas e a rigidez
nos horários de atendimento (HALLAIS &
al., 2012). Reverberando esse fato, a presente

174 | P á g i n a
BARROS, 2015). Na atual conjuntura política vista as suas condições de vida (AYANO et al.,
brasileira, persistem conflitos e antagonismos 2021).
entre as necessidades individuais e coletivas Os serviços que tentam solucionar esse pro-
das pessoas em situação de rua. Por exemplo, a blema no Brasil são os Consultórios de rua, que
falta de espaços médicos no reduto da experiên- foram instituídos pela Política Nacional de
cia de rua e descaso com sua doença e a extrema Atenção Primária em 2011, e visam ampliar o
falta de autonomia em suas narrativas de dor e acesso da população em situação de rua aos ser-
sofrimento psicológico. A tomada de decisão é viços de saúde. Suas equipes estão adaptadas a
geralmente circunscrita pela reprodução da vida esse contexto, realizando atendimentos itine-
social que os mantém anônimos e à margem da rantes e desenvolvendo ações articuladas com
sociedade (MATOS et al., 2022). as Unidades Básicas de Saúde da localidade
De acordo com Moschion (2021), entrar em (ROSA & BARRANCOS, 2022).
contato com os serviços de saúde mental não
parece reduzir significativamente a probabili- CONCLUSÃO
dade de transições para moradias precárias. Isso
destaca a importância de coordenar os serviços Diante do exposto, nota-se que há diversos
de apoio para garantir que alguns grupos não fatores que interferem em uma assistencia e
caiam nas brechas do sistema de apoio quando acolhimento adequado direcionado a população
mais precisam. A concepção de saúde encon- trans. Dessa forma, conclui-se que a forma mais
trada vai além da perspectiva imediatista e cu- eficaz de preparar este ambiente para receber
rativa, de forma que eles entendem saúde como novos públicos é criar um ambiente preparado
resistência para lidar com as dificuldades da para o acesso e acolhimento de pessoas trans. É
vida, e doença como barreira para trabalhar, ga- necessário que os profissionais conheçam e se
nhar dinheiro e realizar tarefas cotidianas (ES- capacitem cada vez mais sobre as questões de
MERALDO FILHO et al., 2021). Diante disso, gênero, visto que é dever dos profissionais da
a saúde é vista como um estado inalcançável saúde possuírem uma visão neutra do ser hu-
para a população em situação de rua, tendo em mano e olharem com cuidado para suas neces-
sidades pessoais.

175 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGUIAR, M.M. & IRIART, J.A.B. Significados e práti- tuação de vulnerabilidade social. Cadernos de Saúde Pú -
cas de saúde e doença entre a população em situação de blica, v. 32, n. 8, p. e00070515, 2016.
rua em Salvador, Bahia, Brasil. Cadernos de Saúde Pú-
blica, v. 28, n. 1, p. 115, 2012. FIORATI, R.C. et al. As rupturas sociais e o cotidiano de
pessoas em situação de rua: estudo etnográfico. Revista
AYANO, G. et al. As Transtornos mentais, neurológicos Gaúcha de Enfermagem, v. 37(esp), p. e72861, 2016.
e de uso de substâncias (MNS) entre moradores de rua na
Etiópia. Annals of General Psychiatry, v. 16, p. 40, 2017. FOUNTAIN, J. et al. Necessidades não atendidas de ser-
viços de drogas e álcool para moradores de rua em Lon-
AYANO, G. et al. Revisão sistemática e meta -análise da dres: uma questão complexa. Uso e abuso de substâncias,
prevalência de sintomas depressivos, distimia e transtor- v. 38, n. 3–6, p. 377, 2003.
nos depressivos maiores entre moradores de rua BMJ
Open, v. 11, p. e040061, 2021. HALLAIS, J.A.S. & BARROS, N.F. Consultório na Rua:
visibilidades, invisibilidades e hipervisibilidade. Cader-
BOTTI, N.C.L. et al. Prevalência de depressão entre ho- nos de Saúde Pública, v. 31, n. 7, p. 1497, 2015.
mens adultos em situação de rua em Belo Horizonte. Jor-
nal Brasileiro De Psiquiatria, v. 59, n. 1, p. 10, 2010. HONOR, S. et al. Depression during the COVID-19 pan-
demic amongst residents of homeless shelters in France,
BORYSOW, I.C., & FURTADO, J.P. Acesso, equidade Journal of Affective Disorders Reports, v. 6, p. 100243,
e coesão social: avaliação de estratégias intersetoriais 2021.
para a população em situação de rua. Revista da Escola
de Enfermagem da USP, v. 48, n. 6, p. 1069, 2014. KUNZ, G.S. et al. Modos de vida da população em situ-
ação de rua: inventando táticas nas ruas de Vitória/ES.
CHRISTENSEN R.C. Commentary on suicide and ho - Fractal: Revista de Psicologia, v. 26, n. 3, p. 919, 2014.
melessness: What differentiates homeless persons who
died by suicide from other suicides in Australia? A com - LEE, K.H. et al. Saúde mental, abuso de substâncias e
parative analysis using a unique mortality registry. Psi- suicídio entre adultos sem-teto. Journal of Evidence-In-
quiatria Social e Epidemiologia Psiquiátrica, v. 49, n. 4, formed Social Work, v. 14, p. 229, 2017.
p. 591, 2014.
LOVISI, G.M. Avaliação de distúrbios mentais em mo-
COOHEY C. et al. Fontes de dor psicológica e pensa- radores de albergues públicos das cidades do Rio de Ja -
mentos suicidas entre adultos sem -teto. Comportamento neiro e de Niterói. 2000. 167 f. Tese (Doutorado em Sa -
de Ameaça de Vida em Suicídio, v. 45, n. 3, p. 271, 2015. úde Pública) - Escola Nacional de Saúde Pública Sergio
Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2000.
CUNHA, J.G. et al. Novos arranjos: lançando um olhar
sobre os relacionamentos interpessoais de pessoas em si- LOVISI, G.M. et al. População de rua e os transtornos
tuação de rua. Gerais: Revista Interinstitucional de Psi- mentais maiores: revisão dos aspectos relevantes. Jornal
cologia, v. 10, n. 1, p. 95, 2017. Brasileiro de Psiquiatria, v. 50, n. 6, p. 149, 2001.

TILIO, R. & OLIVEIRA, J. (2016). Cuidados e atenção MANEA, L. et al. Escore de corte ideal para diagnosticar
em saúde da população em situação de rua. Psicologia em depressão com o Questionário de Saúde do Paciente
estudo, v. 21, n. 1, p. 101, 2016. (PHQ-9): uma meta -análise CMAJ: Canadian Medical
Association Journal = Journal de l'Association Medicale
DIAS M. et al. Tuberculose em moradores de rua: deve- Canadienne, v. 184, n. 3, p. E191,
mos mudar a estratégia? International Journal of Tuber-
culosis and Lung Disease, v. 21, p. 327, 2017. MATOS, A.A.G. et al. Desigualdades sociais e extrema
vulnerabilidade de crianças e adolescentes impactados
ARTHURS, E. et al. As pontuações nas versões em in- pela pandemia de covid-19 The Lancet Regional Health
glês e francês do PHQ-9 são comparáveis? Uma avalia- – Americas, v. 5, 2022.
ção do funcionamento diferencial do item PLoS One, v.
7, n. 12, p. e52028, 2012. MOSCHION, J., & VAN OURS, J.C. Do transitions in
and out of homelessness relate to mental health episodes?
ESMERALDO FILHO, C.E. et al. Pessoas em situação A longitudinal analysis in an extremely disadvantaged
de rua: uma revisão sistemática da produção científica no population, Social Science & Medicine, v. 279, p.
Brasil. Gerais, Revista Interinstitucional de Psicologia, 113667, 2021.
v.14, n.spe, p. 1, 2021.
RICHARDS, J. & RANDALL, K. Unsheltered Home-
FERREIRA, C.P.S. et al. Consultório na Rua em uma lessness and Health: A Literature Review, AJPM Focus,
Capital do Nordeste brasileiro: o olhar de pessoas em si- v. 2, Issue 1, 2023.

176 | P á g i n a
ROSA, D. & BARRANCOS, L. Políticas de Saúde Men- teto com doença mental. Journal of Psychiatric Research,
tal: direito de todos e dever do Estado. Folha de São v. 87, p. 53, 2017.
Paulo (2022).
UDEDI, M. A validade do questionário de saúde do pa-
SCHLOSSER, A. et al. Review: behavior suicidal ciente-9 para triagem de depressão em pacientes com di-
throughout the life sycle. Temas em Psicologia, v. 22, n. abetes mellitus tipo 2 em clínicas de doenças não trans-
133, p. 1, 2014. missíveis no Malawi. BMC Psychiatry, v. 19, n. 1, p. 81,
2019.
SILVA, M.L.L. Mudanças recentes no mundo do traba-
lho e o fenômeno população em situação de rua no Brasil WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Mental
1995-2005. 2006. 220 f. Dissertação (Mestrado em Polí- Health Atlas 2021. Disponível em:
tica Social) -Universidade de Brasília, Brasília, 2006. https://www.who.int/publicationsdetailredirect/9789240
036703.
TOPOLOVEC -VRANIC, J. et al. A alta carga de lesões
cerebrais traumáticas e comorbidades entre adultos sem -

177 | P á g i n a
Capítulo 24

COMPULSÃO SEXUAL:
PRINCÍPIOS E
ALTERNATIVAS DO
TRATAMENTO

GIOVANNA FERREIRA LOPES¹


LUMA ARIDE MOREIRA¹

1. Discente – Medicina na Universidade Santo Amaro

Palavras Chave: Compulsão sexual; Tratamento; Transtorno sexual compulsivo.

10.59290/978-65-6029-006-8.24
178 | P á g i n a
INTRODUÇÃO desejo, comportamento emocional, excitação e
satisfação física, configurando um circuito
Contexto da sexualidade (MELEIRO, 2018).
O entendimento sobre a sexualidade e seu
lugar na sociedade engloba um passado de vi- Transtorno sexual compulsivo
sões religiosas, matrimoniais, sentimentais, re- Considera-se como Transtorno sexual com-
produtivas e científicas. Como argumentado pulsivo, um quadro clínico que afeta mulheres
por Foucault, em sua obra “História da Sexua- e homens, no qual o ato sexual, de caráter não
lidade”, a análise da prática sexual e a curiosi- parafílico, seja ele praticado com si mesmo ou
dade acerca desta, se iniciou desde o século com um parceiro, ocorre de maneira desen-
XVII. Para o filósofo, toda a repressão da época freada. Além de ser caracterizado como um
seria um reflexo oculto da vontade de conhe- transtorno extenso e repetitivo, a definição im-
cimento sobre a sexualidade, dessa maneira, a plica a falha de seis meses ou mais do controle
temática foi ganhando espaço no meio cien- dos impulsos, gerando consequências negativas
tífico da modernidade (FOUCAULT, 2003). em diversas esferas da vida social do indivíduo.
Impulsionado pelos estudos de Freud & As manifestações essenciais para o diagnóstico
Kinsey, foram criados dois modelos para expli- incluem uma série de parâmetros, os quais são
car o funcionamento biopsicossocial sexual analisados somente após o descarte de outras
normal nos homens e nas mulheres. Em 1960, doenças mentais. O comportamento esperado
os terapeutas americanos Masters & Johnson, se resume, na atribuição do ato sexual como
apresentaram um modelo linear de resposta foco da vida do paciente, renegando seu bem-
sexual, composto por quatro fases: excitação, estar e higiene em conflitos na dinâmica con-
platô, orgasmo e resolução, o qual se perpetuou jugal, além de falhas nas tentativas de controle
e foi empregado pela American Psychiatric do comportamento e persistência do ato mesmo
Association (APA) como orientação para diag- sem obtenção de satisfação sexual própria
nóstico. Apesar da popularização e consenso (ICD-11 FOR MORTALITY AND MORBIDI-
sobre a teoria ter prevalecido por anos, décadas TY STATISTICS, [s.d.]).
depois, um novo modelo de pensamento foi Os questionamentos e a incerteza acerca da
exposto, o modelo circular. Esse contemplava classificação ideal da compulsão sexual dentro
também explicações não centralizadas apenas dos distúrbios mentais tem uma longa trajetória
no sexo masculino, como criticado ser o linear, na história da psiquiatria, gerando tanto aprimo-
abrangendo assim o comportamento sexual fe- ramentos, quanto recusas que desestabilizam o
minino (MELEIRO, 2018). avanço no campo terapêutico. Até o ano de
Dessa forma, Rosemary Basson e outros 2017, a Classificação Internacional de Doenças
defensores do modelo circular, concluíram que categoriza o distúrbio como pertencente aos
o estímulo para a prática sexual, implica diver- Transtornos Sexuais, atribuindo sinônimos de
sos aspectos como fatores sentimentais e desejo apetite sexual excessivo, dependência sexual,
espontâneo, os quais levariam a excitação ini- ninfomania e satiríase. A Iniciativa da alteração
cial e desencadeariam uma série de respostas conceitual começou em 2018, quando a OMS
correlacionadas entre si. Portanto, o ato sexual incluiu “Comportamento Sexual Compulsivo
seria uma resposta a diversos componentes, ou CSBD” ao CID-11, juntamente com os
como relacionamentos não sexuais, estímulo, transtornos de impulso, remodelando as defini-
ções na formulação da 11ª Classificação Inter-
179 | P á g i n a
nacional de Doenças, a qual foi validada em ção sexual visual. Somado a isso, a coexistência
2022. Apesar disso, em decorrência da inexis- com diferentes patologias psiquiátricas (trans-
tência de uma etiologia padronizada, inúmeras torno obsessivo-compulsivo, transtorno bipolar
instituições e profissionais, como o órgão de e ansiedade), a carência da educação sexual nas
saúde da ONU e Associação Americana de Psi- instituições, os problemas familiares e abusos e
quiatria (DSM), ainda não consideram o trans- negligência na infância, são outras bases expli-
torno como um problema psiquiátrico de impul- cativas do desenvolvimento do quadro (LARA
so (GRANT et al., 2014). & ABDO, 2015). O presente trabalho tem como
Seja pela carência de pesquisas ou negli- objetivo identificar os tratamentos da compul-
genciamento histórico, a compulsão sexual é são sexual descritos e reuni-los, a fim de auxi-
um comportamento multideterminado, assim liar e incentivar a pesquisa sobre o transtorno.
não redutível a apenas uma frente da vida do
indivíduo. Diversos estudiosos apoiam a ideia MÉTODO
da origem neuroendócrina do distúrbio e cada
vez mais existem evidências da correlação da O presente estudo trata-se de uma revisão
metilação do DNA com o desenvolvimento de sistemática. Para o desenvolvimento do traba-
doenças psiquiátricas. Uma das teorias mais lho, foram utilizados os descritores combina-
atuais, publicada em 2020, propõe investigar de dos: “compulsão sexual; compulsão sexual and
maneira mais aprofundada a correlação da com- tratamento; impulso sexual excessivo; hiperse-
pulsão sexual e seu funcionamento neuroen- xualidade and tratamento; comportamento
dócrino (BOSTRÖM et al., 2019). compulsivo and farmacoterapia; comportamen-
Segundo o estudo Sueco, alterações epige- to compulsivo and psicoterapia; compulsão
néticas na metilação do DNA, a atividade do sexual transtorno and tratamento”. Todos eles
miRNA e a expressão de MIR4456 com a via com filtro dos últimos 05 anos (2018-2023).
de liberação de ocitocina, são achados com rela- Tais descritores, foram aplicados nas bases de
ção direta à fisiopatogenia da compulsão se- dados “Biblioteca Virtual em Saúde”, “Pub-
xual. Estudos anteriores como os de Jokinen et Med”, “Google Acadêmico” e “SciELO”. Em
al. já haviam sugerido a associação da compul- algumas dessas bases de dados foi excluída a
são sexual com distúrbios no gene CRH e alte- palavra “alimentar”, para refinar a busca. O mé-
rações no sistema noradrenérgico, dopaminér- todo de seleção dos artigos foi, primeiramente,
gico e serotonérgico, além da baixa atividade de com base nos títulos que sugerissem diálogo
regiões específicas do cérebro (JOKINEN et com a temática do trabalho, posteriormente
al., 2017; KÜHN & GALLINAT, 2016; MAT- após a leitura dos resumos, excluem-se textos
SUDA, 2014). que tangenciam o tema. Dessa forma, foram se-
Além dos fatores neuroendócrinos sustenta- lecionados os principais artigos para leitura na
dos por diversas teorias, muitos especialistas íntegra para seleção de quais fariam parte do
ressaltam o contexto contemporâneo da socie- trabalho.
dade, na qual a internet exerce um papel funda-
mental como facilitadora do acesso e exacerba- RESULTADOS E DISCUSSÃO
ção do ato sexual. A intensificação e exposição,
em especial dos adolescentes á pornografia di- Clinicamente, a vida sexual está dissociada
gital, deturpa o conceito de sexo do indivíduo, do sentimento amoroso, caracterizada por um
desencadeando desde cedo, uma hiperestimula-
180 | P á g i n a
sentimento de insatisfação permanente, e preo- com especialistas, é indispensável para uma
cupação com pensamentos sexuais, com difi- evolução clínica significativa do paciente, uma
culdades de concentração em outros domínios vez que através dela há a identificação de
do cotidiano. A prevalência do comportamento potenciais medos e gatilhos. Dentre os artigos
hipersexual é de cerca de 2 a 6% na população selecionados, a menção à psicanálise e outros
em geral. A razão sexual é favorável aos ho- tipos de abordagem psicológica, é acordada co-
mens, com uma relação de 2-3 homens para 1 mo ferramenta base para que o paciente de fato
mulher, com estimativas de até 5:1. Fisicamen- evolua. O fortalecimento do vínculo e conver-
te, esses pacientes correm um risco maior de sação entre médico, familiar e/ou cônjuge e pa-
contrair uma doença sexualmente transmis- ciente se torna fundamental (SENA et al., 2020;
sível, como HIV, hepatite B e C, bem como sífi- LORDELLO & BECHER, 2022).
lis ou gonorreia. Eles também correm o risco de Os trabalhos analisados, também alertam
lesões físicas devido à atividade sexual repeti- para o cuidado multidisciplinar do paciente. Es-
tiva (EFRATI & GOLA, 2018; MALANDAIN se cuidado envolve bom atendimento e identi-
et al., 2020; SAVARD et al., 2020). ficação e acolhimento na UBS, encaminhamen-
Acredita-se que alterações epigenéticas na to do paciente ao CAPES, entendimento da sin-
metilação do DNA, bem como a atividade ir- gularidade do paciente e acolhimento da família
regular do miRNA e a expressão anômala de para incorporação no tratamento psicológico
MIR4456 com a via de liberação de ocitocina, (SILVA et al., 2020). Além disso, um estudo
são achados com relação direta à fisiopatogenia evidenciou que uma terapia em grupo reper-
da compulsão sexual (BOSTRÖM et al., 2019). cutiu positivamente no tratamento dos pacien-
Um bom entendimento da base patológica da tes, com diminuição na disfunção que se obser-
compulsão sexual é fundamental para um avan- vava nos relacionamentos, na saúde física, no
ço nos tratamentos e estabelecimento de dire- controle financeiro e no desenvolvimento labo-
trizes. A terapêutica do transtorno exige o em- ral (GOSLAR et al., 2020; GEIKER et al.,
prego de opções medicamentosas e acompanha-
2021).
mento profissional concomitante, pois medidas
Dessa forma, seja por emprego de entrevis-
mais extremas como internação, são cogitadas
tas motivacionais para identificar recaídas ou
apenas em casos de risco à integridade.
pela frequência de grupos anônimos como o
A coleta dos estudos, após aplicação minu-
DASA (Dependentes de Amor e Sexo Anôni-
ciosa dos critérios de inclusão e exclusão, resul-
mos), o paciente diagnosticado com compulsão
tou na seleção de 17 artigos que relataram op-
sexual não deve progredir qualquer outra forma
ções de tratamentos existentes para a compul-
de tratamento sem a concomitância de alguma
são sexual, compondo os seguintes resultados e
base de conversação e acompanhamento profis-
discussões acerca do tema. Neste estudo, divi-
sional (ABEAD, 2021).
diremos a abordagem dos tratamentos em não
farmacológica e farmacológica para melhor
Abstinência sexual
elucidação (ABDO & SCANAVINO, 2008).
Ao contrário do que já foi difamado, a
abstinência sexual não se adequa como linha de
Tratamento não farmacológico
tratamento, por se tratar de uma compulsão,
Terapia
A terapia, sendo essa psicodinâmica indivi- pois privar o paciente da sua ação de "vício", o
dual, em grupo, de casal ou familiar, de acordo redireciona para desencadear outros tipos de

181 | P á g i n a
compulsões, como alimentar, antes não presen- disponíveis na literatura, atualmente são insu-
tes. Lordello & Becher reforçam em seu estudo ficientes para o estabelecimento de protocolos
essa convicção, portanto, o papel do profissio- clínicos de amplo consenso, sendo a maior parte
nal será de estimular o paciente a reajustar seus das prescrições baseadas em relatos de caso e
hábitos de atividade sexual (LORDELLO & ensaios abertos (ABEAD, 2021).
BECHER, 2022). Nesse sentido, faltam diretrizes que auxi-
liem no tratamento clínico farmacológico, fa-
Tratamento farmacológico zendo com que a escolha da droga seja muitas
Estando ainda em debate e com aplicações vezes baseada em outras comorbidades que o
recentes, o pilar medicamentoso do tratamento paciente possa apresentar, seu perfil psiquiátri-
faz uso de classes de antidepressivos, princi- co e os desejos do paciente (GEIKER et al.,
palmente os Inibidores Seletivos da Recaptação 2021).
da Serotonina (ISRSs), como Fluoxetina, Ser-
tralina, Paroxetina, e Neurolépticos, como To- Inibidores seletivos da receptação de
piramato, Lamotrigina, Ácido valpróico. Os serotonina (ISRSs)
ISRSs modulam a concentração de serotonina Tratamentos medicamentosos como a Fluo-
pré e pós-sináptica, desencadeando como efeito xetina, um inibidor seletivo da recaptação de
adverso a redução do libido e possíveis comor- serotonina, parecem ser um tratamento promis-
sor para o comportamento sexual excessivo e
bidades psiquiátricas como depressão e ansie-
suas comorbidades ansioso-depressivas, pois
dade que podem estar cursando com o transtor-
melhora o humor, o sono e a energia. Singh e
no. Dessa maneira, diversas doses terapêuticas
seus colaboradores descrevem o caso de um ho-
e combinações são ajustadas de acordo com a
mem homossexual de 36 anos, com queixas de
resposta do paciente (ABDO & SCANAVINO,
angústia relacionada ao seu comportamento se-
2008; MALANDAIN et al., 2020).
xual contínuo que teve início no final da ado-
Em estudo, foi observado que intervenções
lescência. A abordagem medicamentosa foi fei-
farmacológicas que agem na regulação do
ta com Fluoxetina 20 mg por dia, que foi titu-
humor, impulsividade e ansiedade, obtiveram
lada para 40 mg por dia durante quatro sema-
bons resultados, ajudando os pacientes tratados
nas. Durante um período consistente de 6-8 se-
a ter controle sobre seus impulsos e comporta-
manas, houve uma melhora gradual em seus
mentos sexuais (LEW-STAROWICZ et al.,
sintomas gerais. O paciente referiu uma mudan-
2020). Esse tratamento é importante pois, em
ça significativa em seu humor e níveis de ener-
um estudo feito com 398 indivíduos mostrou
gia com redução notável em seus impulsos se-
que os indivíduos com dependência sexual
xuais. Depois de cerca de quatro meses de trata-
relataram maior dificuldade em regular emo-
mento, o paciente expressou satisfação e eficá-
ções e níveis mais altos de impulsividade do cia contínuas em seu regime atual de fluoxetina
que aqueles indivíduos que não foram definidos (SINGH et al., 2020; SAVARD et al., 2020).
como tendo dependência sexual (HEGBE et al., A Nefazodona é outro antidepressivo fenil-
2021). Além disso, ansiedade e depressão tam- piperazínico que bloqueia seletivamente os re-
bém foram significativamente associadas ao ceptores pós-sinápticos 5-HT2A e inibe mode-
vício sexual (HEGBE et al., 2021). radamente a recaptação de serotonina e nore-
Os ensaios clínicos randomizados sobre o pinefrina. Em um outro estudo aberto, 14 paci-
emprego farmacológico da compulsão sexual entes receberam nefazodona, com dose média
182 | P á g i n a
diária de 200 mg; o resultado obtido constatou O uso de Naltrexona, um grupo selecionado
que 6 pacientes relataram melhora e 5 relataram de 67 homens previamente diagnosticados, ti-
remissão das obsessões e compulsões sexuais. veram tanto melhora do transtorno compulsivo,
Em outro estudo selecionado, o paciente bem como de comorbidades de violência auto-
também refere aceitação e melhora com o em- relatadas, apesar dos efeitos adversos iniciais
prego de antidepressivos (LORDELLO & BE- (SAVARD et al., 2020).
CHER, 2022) Um estudo duplo-cego de 12 semanas, in-
cluindo 28 indivíduos homossexuais ou bisse-
Antagonista opiáceos xuais com dependência sexual, comparou a efi-
Medicamentos além dos ISRSs, como anta- cácia de 20-60 mg de citalopram versus o pla-
gonistas opiáceos e estabilizadores de humor, cebo. Os resultados demonstraram redução sig-
têm sido usados para tratar o Transtorno da nificativa no desejo sexual, frequência de mas-
Compulsão Sexual, auxiliando a direcionar e turbação e uso de pornografia, mas não no nú-
tratar condições que coexistem com tal compul- mero de parceiros. Além disso, o estudo relatou
são. A Naltrexona, por exemplo, é um antago- o uso de citalopram para tratar masturbação ex-
nista opiáceo aprovado inicialmente para o cessiva e uso pornográfico (EFRATI & GOLA,
transtorno do uso de opiáceos e, posteriormen- 2018; MALANDAIN et al., 2020).
te, para o tratamento do transtorno por uso de
álcool. Mas, o seu uso off-label hoje demons- Antiepiléticos
trou reduzir os sintomas de dependência sexual, O topiramato é um fármaco antiepiléptico
comportamento sexual ou transtorno do com- que parece ter um efeito “anti-impulsivo”, par-
portamento sexual compulsivo de forma eficaz ticularmente utilizado no tratamento do alco-
para um indivíduo com um distúrbio conco- olismo, compulsão alimentar e cleptomania.
mitante quando os ISRS falharam (SAVARD et Tem diferentes modos de operação, incluindo
al., 2020; SINGH et al., 2020; LEW-STARO- uma ação nos canais dependentes de voltagem
WICZ et al., 2022). de íons sódio e cálcio, no GABA e nos recep-
Tânia Sultana, descreve em seu estudo o tores AMPA glutamatérgicos (MALANDAIN
uso dos antidepressivos Sertralina e Naltrexona et al., 2020).
na dosagem de 50mg por dia para tratar a
depressão e o transtorno por uso de álcool em Tratamento hormonal
um paciente masculino de 53 anos com extensa Tratamentos hormonais como antiandrogê-
história de uso abusivo de álcool e impulsos nios ou análogos de GnRH são usados no tra-
sexuais incomuns de difícil controle por cerca tamento de parafilias graves, especialmente a-
de dois anos. Seu transtorno foi caracterizado quelas associadas a alto risco de agressão se-
pelo uso excessivo de pornografia e masturba- xual. Porém, eles não são usados no vício se-
ção compulsiva, resultando em algum grau de xual, a menos que transtornos parafílicos co-
comprometimento funcional em sua vida diária mórbidos graves estejam presentes (MALAN-
e social. Após um mês de início de naltrexona DAIN et al., 2020).
50 mg por dia, ele observou diminuição signi-
ficativa do uso de pornografia e masturbação Outros
compulsiva, além da melhora no seu funcio- Outros relatos terapêuticos com o emprego
namento diário (SULTANA & DIN, 2022). de clomipramina e estimulação magnética
transcraniana para pacientes resistentes a fár-
183 | P á g i n a
macos, se encontram entre tentativas de trata- namentos sobre a eficácia das terapias, todo
mento. Discussões referentes à antiandrogêni- paciente diagnosticado deve receber apoio do
cos, conhecido como castração química, e em- sistema de saúde, o cuidado com o indivíduo
prego profilático de emtricitabina e tenofovir, evita um ciclo de problemas sociais, sanitários
são alternativas de pouca aceitação e contro- e psicológicos. Os conflitos familiares, legais e
versas entre profissionais (ABEAD, 2021). profissionais, acrescidos com os problemas de
Apesar do crescente aumento das opções de convívio interpessoal, geram um paciente isola-
tratamento, uma parte significativa dos indiví- do, com alta vulnerabilidade para doenças se-
duos com transtorno de compulsão sexual de- xualmente transmissíveis e abuso de substân-
siste ou se inibe em iniciar a busca por ajuda cias ilícitas. O tratamento farmacológico deve
profissional, como relatado nos estudos de ca- ser considerado parte de um plano de cuidado
sos clínicos de Coelho & Silva, dois pacientes mais abrangente, incluindo psicoterapia e, na
abandonaram seus tratamentos pela falta de re- maioria dos casos, terapia cognitivo-comporta-
sultados e todos referem sentimentos de ver- mental, especificamente. A discordância moral,
gonha e culpa. Dessa maneira, pesquisas de al- científica e social da compulsão sexual tem im-
ternativas terapêuticas e para pacientes não res- possibilitado a evolução no campo da pesquisa
ponsivos aos tratamentos e métodos de acolhi- do transtorno, diminuindo a qualidade de vida e
mento, são necessários (SILVA & COELHO, o prognóstico do paciente afetado. Contudo, em
2019). todos os casos as comorbidades psiquiátricas e
somáticas devem ser tratadas em paralelo e os
CONCLUSÃO grupos de auto-ajuda podem ser úteis.Os ISRS
parecem ser um tratamento farmacológico a-
O transtorno sexual compulsivo teve muitos propriado de primeira linha para pacientes com
nomes, definições e modelos explicativos, sen- dependência sexual, mas estudos bem desenha-
do hoje considerado um transtorno aditivo pela dos conduzidos com grandes amostras são nec-
maioria dos clínicos, embora ainda persistam essários.
controvérsias. Mesmo diante de alguns questio-

184 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABDO, C.H.N. & SCANAVINO, M.T. Compulsão se- LARA, L.A.S. & ABDO, C.H.N. Aspectos da atividade
xual. Manual clínico dos transtornos do controle dos im - sexual precoce. Revista Brasileira de Ginecologia e Obs-
pulsos. Tradução. Porto Alegre: Artmed, 2008. tetrícia, v. 37, n. 5, p. 199, 2015.

ABEAD - Associação Brasileira de Estudos do Álcool e LEW-STAROWICZ, M. et al. Compulsive Sexual Beha-
Outras Drogas. Diretrizes para o Diagnóstico e Trata- vior and Dysregulation of Emotion. Sexual Medicine Re-
mento de Comorbidades Psiquiátricas e Transtornos por views, v. 8, n. 2, p. 191, 2020.
Uso de Substâncias. Editora Appristh ed. [Place
Unknown: Publisher Unknown], v. 338 p. 1, 2021. LORDELLO, R. & BECHER, G. Compulsão sexual sob
perspectiva fenomenológica. Revista Psicopatologia Fe-
BOSTRÖM, A.E. et al. Hypermethylation-associated nomenológica Contemporânea, v. 11, n. 2, 2022.
downregulation of microRNA-4456 in hypersexual di-
sorder with putative influence on oxytocin signalling: A MALANDAIN, L. et al. Farmacoterapia da dependência
DNA methylation analysis of miRNA genes. Epigene- sexual. Current Psychiatry Reports, v. 22, n. 6, p. 30,
tics, v. 15, n. 1-2, p. 145, 2019. 2020.

EFRATI, Y. & GOLA, M. Comportamento sexual com- MATSUDA, K.I. Epigenetic changes in the estrogen re-
pulsivo: uma abordagem terapêutica de doze passos. ceptor α gene promoter: implications in sociosexual
Journal of Behavioral Addictions, v. 7, n. 2, p. 445, 2018. behaviors. Frontiers in Neuroscience, v. 8, p. 344, 2014.

FOUCAULT, M. História da sexualidade, 1: a vontade MELEIRO, A.M.A.S. Psiquiatria - Estudos Fundamen-


do saber. Rio De Janeiro: Graal, 2003. tais 1st ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2018. In:
ABDO, N.H.C. & ABDO, A.J. Sexualidade Humana e
GEIKER, K.W. et al. [Hypersexuality]. Ugeskr Laeger, Disfunções Sexuais do capítulo, 2018.
v. 183, n. 16, p. V10200769, 2021.
SAVARD, J. et al. Naltrexone in Compulsive Sexual
GOSLAR, M. et al. Treatments for internet addiction, sex Behavior Disorder: A Feasibility Study of Twenty Men.
addiction and compulsive buying: A meta -analysis. Jour- The Journal of Sexual Medicine, v. 17, n. 8, p. 1544,
nal of Behavioral Addictions, v. 9, n. 1, p. 14, 2020. 2020.

GRANT, J.E. et al. Impulse control disorders and “beha- SENA, R. et al. O diagnóstico de transtorno hipersexual
vioural addictions” in the ICD-11. World Psychiatry, v. sob (psic)análise. Mudanças, São Paulo, v. 28, n. 2, p. 71,
13, n. 2, p. 125, 2014. 2020.

HEGBE, K.G. et.al. Sexual Addiction and Associated SILVA, F.M.G. et al. Transtorno do comportamento se-
Factors: The Role of Emotion Dysregulation, Impulsi- xual compulsivo em um cenário de pandemia do covid-
vity, Anxiety and Depression. Journal of Sex & Marital 19: teorias para apreciação da enfermagem. Revista Ele-
Therapy, v. 47, n. 8, p. 785, 2021. trônica Acervo Enfermagem, v. 5, p. e5159, 2020.

ICD-11 FOR MORTALITY AND MORBIDITY STA- SILVA, F.A.A. & COELHO, C.M. Um estudo sobre as
TISTICS. Disponível em: características comportamentais e sociais do portador do
<https://icd.who.int/browse11/lm/en#/htt%3a%2f%2fid. impulso sexual excessivo, Revista Contribuciones a las
who.int%2ficd%2fentity%2f163026804>. Acesso em: Ciencias Sociales, ed. 2019, 2019.
25 abr. 2023.
SINGH, G. et.al. Uso de fluoxetina no tratamento do
JOKINEN, J. et al. Methylation of HPA axis related ge- comportamento sexual compulsivo: um relato de caso.
nes in men with hypersexual disorder. Psychoneuroendo- Cureiro, v. 16, 2022.
crinology, v. 80, p. 67, 2017.
SULTA, T. & DIN J.S. Comportamento sexual compul-
KÜHN, S. & GALLINAT, J. Neurobiological Basis of sivo e transtorno por uso de álcool tratados com naltre-
Hypersexuality. International Review of Neurobiology, xona: um relato de caso e revisão da literatura. Cureiro,
p. 67, 2016. v. 9, 2022.

185 | P á g i n a
Capítulo 25

PRÁTICAS INTEGRATIVAS E
COMPLEMENTARES DE
SAÚDE

ANDREA MAZZOTTI PAES DE ALMEIDA¹


GABRIELA HERREIRO MUNHOZ¹
MARIANA NAZARIAN RESENDE¹
RAQUEL SOUZA FERASSOLI ZUCOLOTO¹

1. Discente - Medicina Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo

Palavras Chave: Práticas integrativas; Medicina alternativa; Modelo biopsicossocial.

10.59290/978-65-6029-006-8.25
186 | P á g i n a
INTRODUÇÃO 2015; SILVA et al., 2020; INSTITUTO DE
SAÚDE, 2021).
As Políticas Nacionais de Práticas Integra- Somente em 2006, no entanto, houve a ins-
tivas e Complementares (PNPIC) têm suas raí- tituição das PNPIC, reconhecendo oficialmente
zes na Declaração de Alma-Ata sobre Cuidados as Práticas Integrativas e Complementares com
Primários, em 1978. Esta declaração reafirmou seus desdobramentos em Medicina Tradicional
a concepção de que saúde não se limita à ausên- Chinesa/Acupuntura, Plantas Medicinais e Fi-
cia de doença, mas sim ao completo bem-estar toterapia, Medicina Antroposófica e Terma-
físico, mental e social. É fundamental que os lismo Social/Crenoterapia. Nos anos seguintes,
pacientes sejam tratados e cuidados de modo a mais práticas foram incorporadas ao SUS, atu-
considerar não apenas sua saúde física, mas almente contando com 29 práticas alternativas
também o contexto em que estão inseridos (DE- (AMADO et al., 2017; MINISTÉRIO DA SA-
CLARAÇÃO DE ALMA-ATA, 1978; AGNO- ÚDE 2002; INSTITUTO DE SAÚDE, 2021).
LIN et al., 2002) Além disso, em 2011 foram criadas as Re-
Os resultados obtidos a partir da incorpora- des de Atenção Psicossocial (RAPS) com o pro-
ção das PNPIC na prática médica demonstram pósito de estabelecer a junção dos atendimentos
que há ainda um longo caminho a percorrer para dos pacientes com problemas mentais inte-
que elas sejam amplamente aceitas e validadas grando ao SUS, permitindo uma responsabili-
pelos profissionais de saúde, pelos órgãos go- dade interdisciplinar dos casos e proporcionado
vernamentais e pela população em geral. Entre- práticas de cuidados inovadores, propondo uma
tanto, é importante salientar que essas práticas integralidade e continuidade do cuidado com
complementares auxiliam na promoção da sa- práticas clínicas, ações curativas e podendo in-
úde integral e são capazes de abranger a saúde cluir a PNPIC como forma interdisciplinar
mental em diversas dimensões (BRASIL, 2015; (SAMPAIO & BISPO JR, 2021).
WHO, 2019).
Este documento recomenda a incorporação Objetivos
dessas práticas na Atenção Primária à Saúde, Analisar os resultados obtidos sobre as prá-
com o objetivo de complementar a medicina ticas integrativas e complementares no âmbito
tradicional. Em 1986, durante a oitava Confe- da saúde pública e privada, identificando os
rência Nacional de Saúde, foi deliberado que as profissionais qualificados para exercer esta
práticas alternativas de assistência à saúde de- abordagem, benefícios para a saúde mental e sa-
veriam ser introduzidas no âmbito dos serviços úde no geral, assim como os desafios profissio-
de saúde, de modo a possibilitar ao usuário o nais.
acesso democrático a escolher sua terapêutica
preferida. Em 1988, após a criação do Sistema MÉTODO
Único de Saúde (SUS), as Resoluções da Co-
missão Interministerial de Planejamento e Co- Trata-se de uma revisão integrativa reali-
ordenação (CIPLAN) estabeleceram normas e zada no período de maio de 2023, por meio de
diretrizes para o atendimento em Homeopatia, pesquisas nas seguintes bases de dados eletrô-
Acupuntura, Termalismo, Técnicas Alternati- nicos: Scientific Electronic Library Online -
vas de Saúde Mental e Fitoterapia (BRASIL, SciELO, National Library of Medicine - Pub-
Med e o site Oficial do Ministério da Saúde, a

187 | P á g i n a
partir das palavras-chaves: Práticas Integrati- Ministério da Saúde vem ampliando o leque de
vas, Medicina Alternativa e Modelo Biopsicos- práticas oferecidas no SUS, passando a contar
social. com 29 práticas, incluindo plantas medicinais e
Desta busca foram encontrados 40 artigos, fitoterapia, homeopatia, medicina tradicional
posteriormente submetidos aos critérios de se- chinesa/acupuntura, quiropraxia, entre outras,
leção. Dentre os critérios de inclusão, encon- enquanto o sistema privado conta com uma
tram-se: periódicos publicados do período de maior variedade (AMADO et al., 2017).
1978 a 2021, em língua portuguesa e inglesa, As PNPIC têm sido utilizadas em diversas
com acesso gratuito na íntegra e com aborda- áreas da saúde, como no tratamento de dor crô-
gem das Práticas Integrativas e Complementa- nica, doenças autoimunes, transtornos mentais,
res no contexto da Saúde Mental. Enquanto principalmente na depressão e ansiedade, entre
que, aos critérios de exclusão, encontram-se: outras condições. Essas práticas podem ser rea-
periódicos repetidos, apresentando divergência lizadas por profissionais de diversas áreas,
literária à proposta estudada e não correspon- como médicos especializados em medicina in-
dência aos demais critérios de inclusão. tegrativa, terapeutas que dominam diversas téc-
Após aplicação dos critérios de seleção res- nicas de terapias integrativas, e outros profissi-
taram 28 artigos, submetidos à leitura minuci- onais da saúde que utilizam essas práticas como
osa para coleta de dados. Desse modo, os resul- complemento ao tratamento (MINISTÉRIO
tados foram apresentados de forma descritiva, DA SAÚDE, 2018).
com base na PNPIC e Política Nacional de Sa- É importante destacar que as PNPIC não
úde Mental disponibilizadas pelo Ministério da devem ser vistas como uma alternativa à medi-
Saúde. cina convencional, mas sim como um comple-
mento. A integração entre as práticas convenci-
onais e as complementares pode trazer benefí-
RESULTADOS E DISCUSSÃO
cios para o paciente, como o alívio dos sinto-
mas, o aumento da qualidade de vida e a melho-
Sobre a definição das PNPIC
ria da saúde de forma geral (TELESI JÚNIOR,
As Práticas Integrativas e Complementares
2016).
em Saúde (PICS) são uma abordagem terapêu-
Além disso, as PNPIC são consideradas
tica que busca integrar práticas complementares uma importante ferramenta de promoção da sa-
à medicina convencional para o tratamento de úde e prevenção de doenças. Ao adotar práticas
pacientes. Essa abordagem é baseada em uma
integrativas no dia a dia é possível melhorar a
visão holística do ser humano, considerando
qualidade de vida. Por isso, a incorporação das
que o bem-estar de um indivíduo está relacio- PNPIC na Atenção Primária à Saúde nos servi-
nado a diversos fatores, como a saúde física, ços públicos e privados é fundamental para a
mental, emocional e espiritual (TELESI JÚ-
promoção de uma saúde mais integral e huma-
NIOR, 2016; OPAS, 2023).
nizada (MINISTÉRIO DA SAÚDE).
As PNPIC no Brasil foram instituídas em
2006, com a finalidade de promover a amplia-
Sobre os benefícios das PNPIC na saúde
ção do acesso da população a essas práticas,
As práticas integrativas e complementares
além de fomentar a pesquisa, o desenvolvi-
em saúde oferecem diversos benefícios para o
mento e a incorporação das mesmas nas redes
bem-estar das pessoas, contemplando diferen-
públicas e privadas de saúde. Desde então, o
tes aspectos da vida. Primeiramente, elas pro-
188 | P á g i n a
porcionam um maior controle emocional e re- como a meditação, o reiki e a oração, é possível
dução do estresse. Por meio de técnicas como estimular a conexão com algo maior e a busca
meditação, biodança e yoga, é possível dimi- por um propósito de vida, trazendo uma maior
nuir a ansiedade, aumentar a sensação de calma sensação de felicidade e bem-estar emocional
e bem-estar, além da opção que engloba aroma- (TONIOL, 2017; BASTOS, 2019).
terapia e cromoterapia, melhorando a qualidade As práticas integrativas também oferecem
do sono e promovendo um sono mais reparador uma abordagem mais humanizada e individua-
(MENDES et al., 2019; INSTITUTO DE SA- lizada ao cuidado com a saúde, permitindo que
ÚDE, 2021). as pessoas sejam vistas de maneira holística e
Além disso, essas práticas ajudam a promo- única. Dessa forma, é possível personalizar as
ver a conexão entre corpo e mente, conside- terapias e técnicas utilizadas de acordo com as
rando que muitas vezes as emoções e o estresse necessidades de cada indivíduo, oferecendo um
afetam o corpo físico. A acupuntura, assim tratamento mais completo e eficaz que ao se
como a quiropraxia, estimula pontos específi- unir ao tratamento convencional trará mais van-
cos do corpo para aliviar dores, tensões muscu- tagens para o paciente (MINISTÉRIO SAÚDE,
lares e melhorar o fluxo de energia, trazendo 2017).
um maior equilíbrio para o organismo e redu-
zindo a inflamação e auxiliando a circulação Sobre os desafios profissionais existentes
sanguínea (DACAL & SILVA, 2018). na atuação das PNPIC
Outro benefício das práticas integrativas é o Apesar dos benefícios das PNPIC, a sua im-
fortalecimento do sistema imunológico, exis- plementação no sistema de saúde ainda enfrenta
tindo uma associação entre acupuntura e mas- alguns desafios. Um dos principais desafios é a
sagens e um maior equilíbrio do sistema imu- falta de conhecimento e capacitação dos profis-
nológico e uma maior resistência a doenças. Es- sionais de saúde em relação a essas práticas, o
sas práticas ajudam a reduzir o estresse e a in- que pode levar à desconfiança e resistência na
flamação, sendo um complemento essencial ao sua utilização. Além disso, a falta de informa-
tratamento conservador (SCOGNAMILLI- ções claras e específicas sobre as PNPIC pode
SZABÓ & BECHARA, 2001). gerar insegurança tanto para os profissionais
Com relação à promoção da saúde mental, que as utilizam quanto para os pacientes que as
as práticas integrativas contribuem para o trata- recebem (ISCHKANIAN & PELICIONI, 2012;
mento e prevenção de transtornos como depres- OTANI & BARROS, 2011).
são, ansiedade e estresse pós-traumático. A hip- Outro desafio é a falta de acesso às práticas,
noterapia e a arteterapia, por exemplo, são prá- já que a demanda ainda é maior do que a oferta,
ticas integrativas que auxiliam na melhoria da e muitos pacientes acabam ficando sem acesso
saúde mental, proporcionando uma maior com- a esses tratamentos, mesmo demonstrando inte-
preensão de padrões de pensamento e compor- resse em praticá-los (HABIMORAD et al.,
tamento e estimulando a expressão emocional 2020).
(SOARES & LIMA, 2003). Além disso, a desigualdade regional na dis-
Por fim, as práticas integrativas e comple- tribuição de serviços e a falta de infraestrutura
mentares em saúde podem oferecer um maior adequada em algumas regiões do país dificul-
senso de propósito e significado, contribuindo tam a implementação das PNPIC de forma am-
para a espiritualidade e a busca por uma vida pla e efetiva. É importante que as políticas pú-
mais plena e satisfatória. Através de práticas blicas e ações governamentais sejam voltadas

189 | P á g i n a
para a garantia de acesso equitativo e de quali- na Atenção Primária à Saúde a partir da institu-
dade aos serviços de práticas integrativas em to- cionalização da Política Nacional de Práticas
das as regiões do país. As unidades de saúde Integrativas e Complementares - PNPIC, propi-
apresentam falta de espaço físico para a execu- cia uma prática médica centrada na integrali-
ção das práticas integrativas, assim como a falta dade do indivíduo, visando um completo bem-
de investimento e pesquisas sobre o tema (LA- estar físico, psíquico, social e espiritual.
VERDE et al., 2017; SANTOS, 2009). Portanto, a Medicina Integrativa é conside-
Em síntese, é necessário que haja uma rada uma modalidade complementar à medicina
maior divulgação e conscientização da popula- convencional, com o objetivo de promover um
ção sobre a existência e os benefícios das atendimento humanizado ao paciente, visando
PNPIC, para que haja uma maior demanda e va- prevenção, promoção, manutenção e recupera-
lorização dessas práticas no sistema de saúde. ção da saúde e consequentemente, melhora da
A inclusão dessas práticas no currículo de for- qualidade de vida.
mação dos profissionais de saúde também pode Ademais, a partir da prevalência dos Trans-
contribuir para uma maior aceitação e adoção tornos Mentais na sociedade contemporânea,
das mesmas na rotina de atendimento aos paci- conclui-se que a aplicabilidade das Práticas Al-
entes (HABIMORAD et al., 2020). ternativas e Complementares no contexto da
Saúde Mental é de fundamental importância
CONCLUSÃO para a redução do prejuízo funcional causado
aos indivíduos.
Segundo a Organização Mundial da Saúde
(OMS), a Medicina Integrativa, implementada

190 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGNOLIN, J.S. et al. Popularization of Integrative and Integrativas e Complementares em Saúde. Campina
Complementary Healthy Practices. Research, Society Grande: Realize Editora, 2017.
and Development, [S. l.], v. 11, n. 10, p. e431111032927,
2022. MENDES, D. et al. Benefícios das práticas integrativas e
complementares no cuidado de enfermagem. Journal
AMADO, D. et al. Política Nacional de Práticas Health NPEPS, v. 4, p. 302, 2019.
Integrativas Complementares no Sistema Único de Saúde
10 anos: avanços e perspectivas, Journal of Management MINISTÉRIO DA SAÚDE. Glossário Temático: Práti-
and Primary Health Care, v. 8, n. 2, p. 290, 2017. cas Integrativas e Complementares em Saúde, 2018.
Disponível em <https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publica-
BASTOS, R. Do espírito na saúde: oferta e uso de coes/glossario_tematico_praticas_integrativas_complem
terapias alternativas/complementares nos serviços de entares.pdf>. Acesso em 28/04/2023.
saúde pública no Brasil, Ciência & Saúde Coletiva, v. 24,
n. 3, 2019. MINISTÉRIO DA SAÚDE. O Sistema Público de Saúde
Brasileiro, 2002. Disponível em
BRASIL. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à <https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/sistema_sa
Saúde, Departamento de Atenção Básica. Política ude.pdf>. Acesso em 28/04/2023.
Naciona l de Práticas Integrativas e Complementares
(PNPIC). Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2015. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria nº 849, de 27 de
Disponível em: março de 2017. Disponível em
https://www.gov.br/saude/ptbr/acessoainformacao/acoes <https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt
eprogramas/pnpic#:~:text=A%20Pol%C3%ADtica%20 0849_28_03_2017.html>. Acesso em 02/05/2023.
Nacional%20de%20Pr%C3%A1ticas%20Integrativas%
20e%20Complementares,as%20pr%C3%A1ticas%20int MINISTÉRIO DA SAÚDE. Saúde de A a Z: Práticas In-
egrativas%20e%20complementares%20%28PICS%29 tegrativas e Complementares. Disponível em
%20no%20SUS. Acesso em 30/04/2023 <https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-
z/p/pics>. Acesso em 02/05/2023.
DACAL, M. & SILVA, I. Impactos das práticas
integrativas e complementares na saúde de pacientes OPAS - ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE
crônicos, Saúde Debate, Rio de Janeiro, v. 42, n. 118, p. SAÚDE. Medicinas tradicionais, complementares e
724, 2018. integrativas. Disponível em
<https://www.paho.org/pt/topicos/medicinastradicionais
DECLARAÇÃO DE ALMA-ATA. Conferência Interna- -complementares-e-integrativas>. Acesso em
cional sobre cuidados primários de saúde; 6-12 de 28/04/2023.
setembro 1978; Alma -Ata; USSR. Disponível em:
<https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/declaracao OTANI, M. & BARROS, N. Medicina Integrativa e a
alma_ata.pdf.>. Acesso em 02/05/2023 construção de um novo modelo na saúde. Ciência &
Saúde Coletiva, v. 16, n. 3, p. 1801, 2011.
HABIMORAD, P. et al. Potencialidades e fragilidades de
implementação da Política Nacional de Práticas SAMPAIO, M.L. & BISPO Jr. J.P. Rede de Atenção Psi-
Integrativas e Complementares, Ciência & Saúde cossocial: avaliação da estrutura e do processo de
Coletiva, v. 25, n. 2, p. 395, 2020. articulação do cuidado em saúde mental. Cadernos de
Saúde Pública, v. 37, n. 3, p. e00042620, 2021.
INSTITUTO DE SAÚDE. Práticas Integrativas e Com -
plementares em Saúde: evidências científicas e SANTOS, I.S. O Mix Público-Privado no Sistema de
experiências de implementação, 2021. Disponível em Saúde Brasileiro: elementos para a regulação da
<https://www.saude.sp.gov.br/resources/institutodesaud cobertura duplicada, 2009. 186 f. Tese (Doutorado em
e/homepage/temassaudecoletiva/pdfs/temas29okweb.pd Saúde Pública) - Escola Nacional de Saúde Pública
f>. Acesso em 28/04/2023. Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro,
2009.
ISCHKANIAN, P. & PELICIONI, M. Desafios das
práticas integrativas e complementares no SUS visando a SCOGNAMILLI-SZABÓ, M.V.R. & BECHARA, G.H.
promoção da saúde. Revista Brasileira de Crescimento Acupuntura: bases científicas e aplicações. Ciência
Desenvolvimento Humano, v. 22, n. 1, p. 233, 2012. Rural, v. 31, n. 6, p. 1091, 2001.

LAVERDE. C. et al. Desafios e dificuldades na imple- SILVA, G.K.F. et al. Política Nacional de Práticas Inte-
mentação das PIC na APS em um município do sudeste grativas e Complementares: trajetória e desafios em 30
goiano, 2017. I Congresso Nacional de Práticas

191 | P á g i n a
anos do SUS. Physis: Revista de Saúde Coletiva, v. 30,
n. 1, p. e300110, 2020. TONIOL, R., O que faz a espiritualidade?, Religião &
Sociedade, v. 37, n. 2, p. 144, 2017.
SOARES, B.G.O. & LIMA, M.S. Estresse pós-
traumatico: uma abordagem baseada em evidências. WHO global report on traditional and complementary
Brazilian Journal of Psychiatry, v. 25, p. 62, 2003. medicine 2019. Geneva: World Health Organization;
2019. Disponível em: https://www.who.int/publica -
TELESI JÚNIOR, E. Práticas integrativas e complemen- tions/i/item/978924151536.Acesso em 01/05/2023 .
tares em saúde, uma nova eficácia para o SUS. Estudos
Avançados, v. 30, n. 86, p. 99, 2016.

192 | P á g i n a
Capítulo 26

TRANSTORNO MENTAL NA
POPULAÇÃO PEDIÁTRICA:
FATORES DE RISCO

PAULA BRAGA ANDRADE¹


LUÍSA BOMJARDIM CARVALHO GUIMARÃES¹
PAULA ARAÚJO PESSOA SANTOS 2

1. Discente - Medicina da Faculdade da Saúde e Ecologia Humana.


2. Discente – Medicina do Centro Universitário de Belo Horizonte

Palavras Chave: Transtorno mental; Fatores de risco; Público pediátrico

10.59290/978-65-6029-006-8.26 193 | P á g i n a
INTRODUÇÃO Portanto, esse trabalho objetiva identificar
os principais fatores de risco à saúde mental de
Nos últimos anos os padrões de adoeci- crianças e seu impacto ao longo da vida.
mento físico e mental de crianças têm mudado
consideravelmente. Estudos apontam que a pre- FATORES DE RISCO
valência de problemas emocionais é em torno
de 10,0%-20,0% na população infantil (LOPES Os transtornos mentais em crianças e ado-
et al., 2016). lescentes têm chamado atenção dos especialis-
Importante ressaltar que os estudos epide- tas nos últimos anos. Mais da metade dos estu-
miológicos na área de saúde mental da infância dos relacionados à saúde mental tiveram como
e adolescência eram escassos nos países em de- resultado prevalências de doenças mentais entre
senvolvimento até o final da década de 1990. 5,9% e 12,5% entre crianças e adolescentes.
Sendo a partir do ano 2000, estudos começaram Dentro dos principais fatores de risco associa-
a ser realizados em países em desenvolvimento, dos ao desenvolvimento de transtornos mentais,
incluindo estudos no Brasil (SÁ et al., 2010). estão fatores biológicos, genéticos e ambientais
Nesse contexto, o desenvolvimento das pes- (THIENGO et al., 2014).
quisas, as patologias mentais passam por um Indivíduos que forem expostos a algum fa-
período de intenso investimento em investiga- tor de risco podem apresentar vulnerabilidade
ções sobre a etiologia dos transtornos mentais, para o surgimento de determinado diagnóstico,
que buscavam identificar os principais fatores constituindo um grupo vulnerável dentro da so-
de risco para cada transtorno e sobre o funcio- ciedade. Sendo assim, a criança exposta a tais
namento cerebral, buscando relacioná-lo a si- fatores de risco sendo eles fatores biológicos,
nais e sintomas de doenças (SILVA, 2016). genéticos ou ambientais, terá maior probabili-
O esclarecimento da etiologia dos transtor- dade de ter seu desenvolvimento social e mental
nos mentais seria, idealmente, uma etapa fun- prejudicado, estando em maior vulnerabilidade
damental para a elaboração de práticas diagnós- dentro do convívio social (SÁ et al., 2010).
ticas, terapêuticas e preventivas mais eficazes. Os fatores que são mais fortemente associ-
No entanto, a despeito dos esforços empreendi- ados à saúde mental da criança são o ambiente
dos, das diversas teses elaboradas e das disputas social e psicológico, influenciando mais do que
que mobilizam o campo, seguimos conhecendo as características intrínsecas do indivíduo.
muito pouco sobre os caminhos que conduzem Como exemplo, a ideação suicida materna e a
à formação das doenças (SILVA, 2016) violência conjugal física grave colocaram as
Considerando que problemas de saúde crianças e adolescentes em maior risco para
mental são altamente persistentes, fazendo com problemas do tipo externalização, como agres-
que parcela importante desses indivíduos tenha sividade e dificuldade de seguir regras sociais.
algum prejuízo na vida adulta, identificar fato- Assim como também foi evidenciado que a pu-
res de vulnerabilidade, auxilia no delineamento nição física grave contra a criança/adolescente
de políticas de saúde, na possibilidade de desen- e embriaguez do pai/padrasto foram fatores as-
volvimento de programas de intervenção foca- sociados aos problemas do tipo internalização,
dos em prevenir ou atenuar os efeitos desses como ansiedade e depressão (HALPERN & FI-
transtornos (SÁ et al., 2010). GUEIRAS, 2004).

194 | P á g i n a
Os problemas genéticos e biológicos adqui- masculino tendem a iniciar o uso de drogas com
ridos podem ser ameaças diretas ao desenvolvi- colegas do mesmo sexo, já as meninas normal-
mento infantil. Dado ao fato de que as crianças mente iniciam o uso quando começam a se re-
têm diferentes oportunidades no seu desenvol- lacionar com parceiros homens. Assim, o sexo
vimento por conta de seus atributos pessoais (fí- feminino possui menos risco de se envolver
sico e mental) e pelo meio social em que vivem, precocemente com drogas. Além disso, para os
é necessário que haja uma maior atenção vinda jovens do gênero masculino é dada a liberdade
dos pais, para que possam observar e distinguir e independência em idade mais cedo do que
sinais de possíveis transtornos mentais e procu- para o sexo feminino, o que consequentemente,
rem auxílio psicológico e médico infantil espe- aumenta risco do início do uso mais precoce-
cializado para assim melhorar a qualidade no mente pelos meninos (THIENGO et al., 2014).
desenvolvimento e inclusão social dessa cri- Já em relação ao sexo feminino, há uma
ança ou adolescente. maior associação com transtorno depressivo e
alimentar. Em relação à depressão, no sexo fe-
Diferenciação dentre os gêneros minino há um predomínio de diagnóstico na
A diferença de gêneros dentro do diagnós- adolescência, entretanto o sexo masculino apre-
tico de transtornos mentais inclui uma série de senta maiores taxas de depressão na primeira
fatores que podem afetar o risco ou a suscetibi- infância e fase pré-escolar. É explicado que a
lidade, diagnóstico, tratamento e adaptação ao busca pela aceitação social e a insatisfação cor-
transtorno mental. Sendo importante para o poral é maior no sexo feminino, sendo a princi-
prognóstico de vários transtornos a diferencia- pal justificativa para a prevalência de depressão
ção e prevalência de algumas doenças (AFIFI, e os transtornos alimentares em mulheres (THI-
2007). ENGO et al., 2014).
A diferença de diagnóstico entre o gênero Estratégias para redução dos fatores de
masculino e feminino no TDAH se deve ao fato risco em relação à saúde mental não podem ser
de as meninas apresentam menos sintomas e si- neutras em termos de gênero, enquanto os pró-
nais de agressividade e impulsividade e con- prios riscos são específicos. A coleta de dados
duta, causando menos incômodo às famílias e à epidemiológicos envolvendo sexo e idade deve
escola, fazendo com que elas sejam menos en- se tornar padrão para todas as doenças e condi-
caminhadas aos especialistas para um diagnós- ções de saúde, afim de se melhorar a assertivi-
tico e tratamento (THIENGO et al., 2014). dade do diagnóstico e a individualização do tra-
Em relação ao sexo masculino e ao Trans- tamento (AFIFI, 2007).
torno de conduta, há uma associação maior en-
tre o gênero masculino e a agressividade por al- Fatores genéticos
guns pontos que caracterizam o sexo masculino A identificação de um gene ou de um con-
e o sexo feminino. Como exemplo temos a ex- junto de genes como a fonte originária de um
pressão da agressividade, maior entre meninos, processo mental patológico sempre esteve den-
o que justificaria em parte a maior prevalência tre os principais estudos e dúvidas dos maiores
do transtorno de conduta. especialistas. Décadas de pesquisa revelaram
O transtorno por uso de substâncias é maior inúmeros fatores de risco para transtornos men-
relacionado ao sexo masculino e geralmente se tais além da genética, mas sua consistência e
inicia em idade precoce. Pessoas do gênero

195 | P á g i n a
magnitude permanecem incertas (ARANGO et Isso se baseia em estudos anteriores que apon-
al., 2021). taram o uso de oxigenoterapia como potencial
A exposição a fatores ambientais durante comprometedor ao sistema nervoso central. A
períodos críticos de desenvolvimento do cére- explicação consiste na produção de radicais li-
bro pode levar a alguns transtornos mentais e vres consequentes ao uso de oxigênio comple-
marcar químicas no cérebro, influenciando a sa- mentar, o que pode levar à hipomielinização di-
úde individual. O modo como o meio externo fusa, culminando em lesão neurológica crônica
influencia na carga genética dos indivíduos é (ZAGO et al., 2017).
chamado de epigenética. Os mecanismos epi- Entretanto, estudos longitudinais que ava-
genéticos são como a via de interação entre o liam o desenvolvimento e o comportamento em
genoma e o ambiente, que corresponde à altera- crianças têm apontado que os fatores biológi-
ção na expressão de um gene, ou seja, a uma cos, isoladamente, não levariam ao desenvolvi-
modificação dos efeitos produzidos no orga- mento de transtornos mentais, por meio de um
nismo a partir da ativação desse gene (SILVA, acompanhamento de um coorte de crianças
2016). desde 1955, observou que os fatores biológicos
A hipótese epigenética explica como a in- só produzem tal efeito quando combinados a
fluência ambiental se mantém presente e exerce outros agravos (HALPERN & FIGUEIRAS,
efeitos em períodos posteriores quando o fator 2004).
ambiental propriamente dito não está mais atu- Neste contexto, os fatores ambientais ga-
ando, uma vez que as modificações no funcio- nham destaque, pois, somados aos fatores bio-
namento molecular do cérebro são duradouras. lógicos, podem culminar no atraso do desenvol-
Algumas condições ambientais com poten- vimento infantil e transtornos mentais. Segundo
ciais efeitos epigenéticos de longo prazo podem a Organização Mundial de Saúde, a estimulação
ser exemplificadas por uso e abuso de substân- cognitiva inadequada, a desnutrição, a deficiên-
cias como álcool e tabaco, má alimentação e cia de iodo e a anemia ferropriva são importan-
obesidade, influenciando nas taxas de transtor- tes fatores de risco para tais desfechos, princi-
nos mentais na geração atual (SILVA, 2016). palmente em países em desenvolvimento
(ZAGO et al., 2017).
Fatores biológicos
O surgimento de transtornos mentais em Fatores ambientais
crianças pode ser influenciado também por fa- Os fatores ambientais reúnem as mais di-
tores biológicos. Estes se desenvolvem desde o versas experiências vividas pela criança, desde
período intraútero, tendo relação com eventos o seu contexto familiar até a escola, a alimenta-
pré, peri e pós-natal. Fatores como peso ao nas- ção e a história pregressa de doenças (BRA-
cimento, estado nutricional e até mesmo defici- GHIROLLI et al., 2002).
ência física podem indicar alto risco biológico, Um fator sabidamente de destaque é a ex-
aumentando o risco de atraso ou anormalidades posição à violência, seja ela comunitária ou fa-
no desenvolvimento. O domínio da linguagem, miliar. Diante destas situações, a criança ou o
por exemplo, tem sido relacionado às intercor- adolescente procuram organizar ou explicar o
rências neonatais e à necessidade de internação sentido do ocorrido, o que pode causar prejuí-
em centro de terapia intensiva, estando esses zos ao seu desenvolvimento psíquico, evidenci-
eventos ligados ao desenvolvimento atípico. ando sentimentos negativos e comportamentos

196 | P á g i n a
agressivos. Esse processo pode culminar nos fatores relacionados, como um pré-natal ade-
transtornos ansiosos, afetivos e de conduta, quado, estímulo ao aleitamento materno (HAL-
como depressão, TDAH, transtorno de estresse PERN & FIGUEIRAS, 2004) e, principalmen-
pós-traumático e até mesmo transtorno por uso te, investimento em educação visando ambien-
de substâncias psicoativas (SÁ et al., 2010). tes familiares mais estáveis e planejados, que
Não somente os fatores ambientais podem proporcionem desenvolvimento emocional ade-
levar ao desenvolvimento de transtornos men- quado à criança. Além disso, incentivo à ali-
tais, mas diferentes tipos de exposição podem mentação saudável, ao hábito de beber água e
levar a diferentes alterações. A violência comu- às atividades físicas, além do sono de quali-
nitária tem sido relacionada a distúrbios de in- dade, são medidas cotidianas de extrema rele-
ternalização, com sintomas depressivos, ansio- vância neste processo (RIBAS et al., 2022).
sos e de retraimento, ao passo que a violência Os estímulos oferecidos à criança na pri-
doméstica tem associação aos distúrbios de ex- meira infância também são primordiais para o
ternalização, com manifestações de agressivi- seu desenvolvimento neuropsíquico. Ofertar
dade, impulsividade e comportamento desafia- brinquedos adequados para a idade, incentivar
dor (SÁ et al., 2010). a comunicação e cantar músicas são atitudes
Ainda que não haja violência doméstica, a que criam um ambiente favorável ao desenvol-
dinâmica familiar também se mostrou impor- vimento do cérebro, que ocorre com maior in-
tante no desenvolvimento de transtornos men- tensidade até os 3 anos de vida. Portanto, essa
tais. Estudos de revisão apontam que pais divor- fase não deve ser negligenciada (RIBAS et al.,
ciados/separados configuram um dos principais 2022).
fatores associados a esse processo, enquanto vi- Ainda existe uma grande carência na aten-
ver com ambos os pais se mostra um fator pro- ção à saúde mental infantojuvenil, o que se
tetor, desde que a dinâmica familiar seja saudá- agrava quando é levado em conta a exposição
vel (SÁ et al., 2010). cada vez maior das crianças à tecnologia e telas,
A criação a qual a criança recebe também é onde há acesso aos mais diversos tipos de con-
sabidamente importante, tendo em vista que cri- teúdo, nem todos adequados para essa faixa etá-
anças submetidas a qualquer tipo de agressão ria. Faltam também estudos epidemiológicos de
tendem a ter problemas com o manejo das pró- base populacional, que permitam o conheci-
prias emoções e podem até mesmo perceber mento da distribuição dos transtornos e de seus
hostilidade em comportamentos não violentos, fatores de risco nas diferentes idades e contex-
devido a um mecanismo de trauma gerado neste tos sociais (RIBAS et al., 2022).
contexto (CICCHETTI & TOTH, 2005). Quanto ao tratamento destas condições, a
multidisciplinaridade e a coparticipação fami-
CONSIDERAÇÕES FINAIS liar são imprescindíveis. A Organização Mun-
dial de Saúde (OMS) recomenda pelo menos
Depressão, transtorno de déficit de atenção três abordagens distintas, respeitando a indivi-
e hiperatividade, transtornos de ansiedade e por dualidade de cada caso, sendo elas a psicotera-
uso de substâncias tóxicas são alguns dos pro- pia, a farmacoterapia e a reabilitação psicosso-
blemas de saúde mental mais prevalentes na in- cial. É fato que um diagnóstico e um tratamento
fância e na adolescência. É possível reduzir sua bem estabelecidos influenciam imensamente no
incidência por meio de ações direcionadas aos prognóstico do paciente (SÁ et al., 2010).

197 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AFIFI, M. Gender differences in mental health. Singa - RIBAS, A.F. et al. O desenvolvimento na primeira infân-
pore Medical Journal, v. 48, n. 5, p. 385, 2007. cia e saúde mental: fatores de risco e fatores de proteção.
Trabalhos de Conclusão de Curso - Faculdade Sant’Ana,
ARANGO, C. et al. Risk and protective factors for men- [S. l.], 2022.
tal disorders beyond genetics: an evidence-based atlas.
World psychiatry: official journal of the World Psychia - SÁ, D.G.F. et al. Fatores de risco para problemas de sa -
tric Association (WPA), v. 20, n. 3, p. 417, 2021. úde mental na infância/adolescência. Psicologia: Teoria
e Pesquisa, v. 26, n. 4, p. 643, 2010.
BRAGHIROLLI, E.M. et al. Psicologia Geral. 22ª Edi-
ção. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. SILVA, L. A determinação biológica dos transtornos
mentais: uma discussão a partir de teses neurocientíficas
CICCHETTI, D. & TOTH, S.L. Child maltreatment. recentes. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.
Annu. Clinical Psychology Review, v. 1, p. 409, 2005. 32, n. 8, p. 1, 2016.

HALPERN, R. & FIGUEIRAS, A.C.M. Influências am- THIENGO, D.L. et al. Prevalência de transtornos men-
bientais na saúde mental da criança. Jornal De Pediatria, tais entre crianças e adolescentes e fatores associados:
v. 80, n. 2, p. 104, 2004. uma revisão sistemática. Jornal Brasileiro de Psiquiatria,
v. 63, n. 4, p. 360, 2014.
LOPES, C.S. et al. ERICA: prevalence of common men-
tal disorders in Brazilian adolescents. Revista de Saúde ZAGO, J.T.C. et al. Associação entre o desenvolvimento
Pública, v. 50, p. 14s, 2016. neuropsicomotor e fatores de risco biológico e ambien-
tais em crianças na primeira infância. Revista CEFAC, v.
19, n. 3, p. 320, 2017.

198 | P á g i n a
Capítulo 27

MECANISMOS
FISIOPATOLÓGICOS,
DIAGNÓSTICO E MANEJO DA
DEMÊNCIA POR ALZHEIMER:
UMA REVISÃO INTEGRATIVA
ANA BEATRIZ PEREIRA DE SOUZA¹
ANA CAROLYNE MORIBE¹
DÉBORA PEREIRA DA SILVA¹
FABRÍCIO ANTUNES ABADIA¹
GIOVANA BORDI PRIMO¹
GUILHERME ALVES FERNANDES DA CUNHA¹
MARCUS VINICIUS CORDEIRO ALEIXO DO NASCIMENTO¹
MARIANNA AZEVEDO DE CASTRO¹
MURILO ARAÚJO CANCELIER¹
MYLENA COSTA ROSENBURG ALVARES¹
WILLIAM JACKS LOPES SOUSA¹

1. Discente - Medicina na Universidade Federal do Norte do Tocantins, Campus de Araguaína.

Palavras Chave: Doença de Alzheimer; Diagnóstico; Terapêutica.

10.59290/978-65-6029-006-8.27
199 | P á g i n a
INTRODUÇÃO Diagnóstico
Na propedêutica da DA, o conhecimento
Fisiopatologia e epidemiologia dos aspectos clínicos e dos diagnósticos dife-
As demências, em sua generalidade, são um renciais é essencial para o diagnóstico precoce
processo frequentemente irreversível, caracteri- e manejo do paciente (KHAN et al., 2020). Re-
zado por deterioração intelectual severa que aliza-se, preferencialmente Tomografia compu-
acomete adultos, especialmente idosos, causan- tadorizada (TC) ou Ressonância magnética
do distúrbios da memória, linguagem, percep- (RM), para excluir diagnóstico de outras co-
ção, práxis, habilidade de desempenhar o auto- morbidades, a exemplo de doenças vasculares
cuidado, capacidade de solucionar problemas cerebrais. A TC e a RM podem ser normais ou
da vida cotidiana, pensamento abstrato e capa- mostrar atrofia cerebral, predominando nos
cidade de fazer julgamentos (CALDAS, 2002). lobos parietal, temporal e hipocampo e o
A Doença de Alzheimer (DA) é a principal SPECT ou TC com emissão de pósitrons irá re-
causa de demência, apresentando declínio cog- velar diminuição da atividade nas áreas cere-
nitivo gradual e progressivo associado a atrofia brais mais afetadas (BRUCKI et al., 2022). A-
cerebral característica, deposição de placas lém dos exames de neuroimagem, a investiga-
amiloides e formação de emaranhados neurofi- ção através de biomarcadores no líquido cefa-
brilares (GOEDERT & SPILLANTINI, 2006). lorraquidiano constitui-se um passo de otimiza-
Atualmente, sabe-se da imensa complexidade ção diagnóstica, sendo biomarcadores utiliza-
da doença e de suas causas incertas, havendo dos o peptídeo Aβ de 42 aminoácidos (Aβ1-42)
uma labiríntica combinação de eventos patoló- e a proteína tau em sua composição total (T-tau)
gicos inter relacionados que incluem processos e porção fosforilada no resíduo de 181 de treo-
metabólicos neurovasculares, inflamatórios, bi- nina (P-tau) (SCHILLING et al., 2022).
oenergéticos e sistêmicos, sendo a descrição tí-
pica da patologia relacionada à neuroinflama- Tratamento e prevenção
ção, ativação da apoptose, disfunção mitocon- O mecanismo de funcionamento farmacoló-
drial, comprometimento metabólico e estresse gico medicamentoso da DA trabalha para desa-
oxidativo crônico (POLIS & SAMSON, 2019). celerar o avanço dos estágios do enfermo, com
Com relação à sua prevalência, a DA foi es- relação à piora de seus sintomas. Tal mecanis-
timada em 5.05% da população européia, sendo mo age na manutenção das sinapses entre os
de 3.1% em homens e de 7.13% em mulheres, neurônios a fim de preservar a memória do pa-
havendo perceptível aumento com a idade: ciente. O protocolo atual utilizado segue recei-
0,97%, 7.66% e 22,53% para pacientes de 65 a tuário clínico de, prioritariamente, quatro con-
74 anos, 75 a 84 anos e acima de 85 anos, res- dutas: inibidores da acetilcolinesterase, antide-
pectivamente (NIU et al., 2017). No Brasil, rea- pressivos, antipsicóticos e anticonvulsivos
lizou-se um estudo sobre as taxas de mortalida- (OLCZAK et al., 2022; SEIBERT et al., 2021).
de relacionadas às demências e à DA, obtendo Entretanto, há estudos evidenciando que al-
aumento da mortalidade com a idade, maior ta- guns grupos específicos de pacientes possuem
xa em homens quando comparados às mulheres maiores riscos de vida através dos efeitos
e menores taxas com aumento da escolaridade induzidos pelos medicamentos em comparação
(SANDOVAL et al., 2019). ao desenvolvimento natural da doença. Ade-
mais, a fragilidade por fatores de risco parece

200 | P á g i n a
ser mais preditora de desfechos clínicos ruins publicações, as quais foram submetidas, poste-
do que a idade cronológica isoladamente (SEI- riormente, a critérios de seleção.
BERT et al., 2021). Nesse sentido, os critérios de inclusão fo-
Dessa forma, é imprescindível reconhecer ram estudos nos idiomas inglês, espanhol e por-
fatores de prevenção para além das barreiras tuguês disponibilizados na íntegra e de acesso
farmacológicas. Pesquisas comprovam que a- livre, publicados durante o período entre 2020
proximadamente 40% dos diagnósticos de de- e 2022 e estudos que fossem do tipo revisão sis-
mência poderiam ser prevenidos ou posterga- temática e revisão integrativa. Os critérios de
dos por alterações na infância, na vida adulta e exclusão, por sua vez, foram estudos publica-
na maior idade (TARAWNEH et al., 2022). Al- dos antes de 2020, artigos que não fossem do
terações essas na forma de educação, presença idioma inglês, espanhol ou português, estudos
de hipertensão, evitamento de obesidade, abuso que não fossem revisões sistemáticas ou inte-
de álcool, tabagismo, depressão, diabetes e ina- grativas e publicações que não atendessem o
tividade física. A atividade física constante está objetivo desta revisão.
associada a menores incidências de todas as Assim, após a aplicação dos critérios de
formas de demência e de DA de forma direta e seleção, um total de 19 estudos (Tabela 27.1)
indireta. Diretamente, atua na diminuição na foram então submetidos à análise pelos autores,
produção de β-amilóide, no aumento da remo- com o intuito de que fosse feita a coleta de da-
ção de β-amilóide, na melhora do fluxo san- dos para elaboração desta revisão. Além disso,
guíneo cerebral e na ação antioxidante/anti- livros e revistas científicas também serviram
inflamatória cerebral. Indiretamente, age em como mecanismos de buscas para maior deta-
benefício do sono, do humor e de outros riscos lhamento e compreensão das informações aqui
cardiovasculares (ISO-MARKKU et al., 2022). descritas, estabelecendo um verdadeiro elo en-
Diante do exposto, o presente estudo tem tre os dados da literatura empírica e teórica.
como objetivo realizar uma revisão integrativa RESULTADOS E DISCUSSÃO
a respeito dos mecanismos fisiopatológicos, di-
agnóstico, prognóstico e terapêutica no que tan- Dentre as 1.662 publicações encontradas,
ge à DA. foram aplicados critérios de seleção a essas
publicações, de forma criteriosa, para a discus-
MÉTODO são da temática e redação desta revisão inte-
grativa. Através dos dados coletados foi pos-
Este estudo constitui-se de uma revisão in- sível inferir que a DA é a forma mais comum
tegrativa realizada por meio de busca eletrônica de demência, representando 60-70% dos casos
na base de dados PubMed, utilizando-se os des- de demência. Essa doença afeta a memória de
critores “alzheimer’s disease”, “dementia”, forma progressiva, associada a outras disfun-
“treatment” e “diagnostic”, associados simul- ções cognitivas, como anormalidades visuoes-
taneamente utilizando-se o operador “AND”. A paciais, dificuldade de navegação, comprome-
pesquisa estabeleceu um recorte temporal entre timento da linguagem, entre outros (ABIYEV
2020 e 2022, encontrando um total de 1.662 et al., 2022).

201 | P á g i n a
Tabela 27.1 Estudos incluídos nesta revisão integrativa

AUTOR E ANO TIPO DE ESTUDO REVISTA


TÍTULO

Pharmacological and non-pharmacological interventions to enhance sleep in


BLACKMAN et al. (2021) mild cognitive impairment and mild Alzheimer’s disease: A systematic Revisão sistemática Journal of Sleep Research
review

Awareness of Cognitive Decline in Patients With Alzheimer’s Disease: A Revisão sistemática e Frontiers in Aging
CACCIAMANI et al. (2021)
Systematic Review and Meta -Analysis meta-análise Neuroscience

CHEYUO Connectomic neuromodulation for Alzheimer’s disease: A systematic Revisão sistemática e


Translational Psychiatry
et al. (2022) review and meta -analysis of invasive and non-invasive techniques meta-análise

Cortical excitability and plasticity in Alzheimer’s disease and mild cognitive


Revisão sistemática e
CHOU et al. (2022) impairment: A systematic review and meta-analysis of transcranial magnetic Ageing Research Reviews
meta-análise
stimulation studies

Management of the early stage of Alzheimer’s disease: A systematic review


COCCHIARA et al. (2020) Revisão sistemática Clinica Terapeutica
of literature over the past 10 years

Efficacy of preclinical pharmacological interventions against alterations of


ISLA et al. (2021) Revisão sistemática Experimental Neurology
neuronal network oscillations in Alzheimer’s disease: A systematic review.

Physical activity as a protective fator for dementia and Alzheimer’s disease: Revisão sistemática,
British Journal of Sports
ISO-MARKKU et al. (2022) systematic review, meta -analysis and quality assessment of cohort and case- meta-análise e avaliação
Medicine
control studies. de qualidade

Recent Advancements in Pathogenesis, Diagnostics and Treatment of


KHAN et al. (2020) Revisão integrativa Current Neuropharmacology
Alzheimer’s Disease

Plasma and cerebrospinal fluid Abeta42 for the differential diagnosis of


KOKKINOU et al. (2021) Alzheimer’s disease dementia in participants diagnosed with any dementia Revisão sistemática Cochrane Library
subtype in a specialist care setting

Journal of Biological
LEI et al. (2021) The essential elements of Alzheimer’s disease Revisão integrativa
Chemistry

202 | P á g i n a
Physical exercise is effective for neuropsychiatric symptoms in Alzheimer’s
MENDONÇA et al. (2021) Revisão sistemática Arquivos de Neuro-Psiquiatria
disease: A systematic review

International Journal of
Functional Therapeutic Strategies Used in Different Stages of Alzheimer’s
OLCZAK et al. (2022) Revisão sistemática Environmental Research and
Disease—A Systematic Review
Public Health

Potential cost savings for selected non-pharmacological treatment strategies Journal of Rehabilitation
ROSENVALL et al. (2020) Revisão sistemática
for patients with alzheimer’s disease in finland. Medicine

SÁIZ-VÁZQUEZ et al. Depression as a risk factor for alzheimer’s disease: A systematic review of Revisão sistemática e
Journal of Clinical Medicine,
(2021) longitudinal meta -analyses. meta-análise

Alzheimer’s Research and


Considerations regarding a diagnosis of Alzheimer’s disease before
SCHAAR et al. (2022) Revisão sistemática Therapy
dementia: a systematic review

Efficacy and safety of pharmacotherapy for Alzheimer’s disease and for


SEIBERT et al. (2021) behavioural and psychological symptoms of dementia in older patients with Alzheimer’s Research and
Revisão sistemática
moderate and severe functional impairments: a systematic review of Therapy
controlled trials

TARAWNEH et al. (2022). Central Auditory Functions of Alzheimer’s Disease and Its Preclinical Revisão sistemática e
Cells
Stages: A Systematic Review and Meta -Analysis meta-análise

Association between atherosclerosis and Alzheimer’s disease: A systematic Revisão sistemática e


XIE et al. (2020) Brain and Behavior
review and meta -analysis meta-análise

The Association Between Folate and Alzheimer’s Disease: A Systematic Revisão sistemática e
ZHANG et al. (2021) Frontiers in Neuroscience
Review and Meta -Analysis. meta-análise

203 | P á g i n a
Nesse sentido, há estudos clínicos que suge- De acordo com evidências patológicas para
rem que a depressão é um fator de risco poten- a DA, a degeneração em regiões ricas em neu-
cial para declínio cognitivo. Diante disso viu-se rônios colinérgicos, como o núcleo basal de
que estimativas precisas do risco de demência Meynert, córtex frontal, córtex cingulado ante-
por doença de Alzheimer (DDA) associado a rior e córtex cingulado posterior, está associada
diferentes critérios de depressão, mostrou que à perda de memória, agitação e apatia. Com
há um risco três vezes maior de DDA para de- isso, o tratamento farmacológico com inibido-
pressão clinicamente significativa, e o risco de res da acetilcolinesterase proporciona benefí-
DDA aumentou quase duas vezes em partici- cios sintomáticos no estágio intermediário da
pantes diagnosticados com medidas sintomáti- DA, melhorando as medidas de cognição,
cas de depressão (SÁIZ-VÁZQUEZ et al., função e comportamento. Ademais, iniciar o
2021). Ressaltando que a depressão deve ser tratamento precocemente promete preservar as
avaliada por médicos com medidas padroniza- habilidades cognitivas e funcionais no nível
das e validadas, e estratégias preventivas dire- mais alto possível em casos de comprometi-
cionadas devem ser projetadas a indivíduos em mentos mais leves. Portanto, há uma necessária
risco para DDA (SÁIZ-VÁZQUEZ et al., busca por um método diagnóstico não invasivo,
2021). Da mesma forma, estudos recentes pro- fácil de usar e barato para detectar a DA pre-
puseram que biometais, como zinco, cobre e coce (ABIYEV et al., 2022).
ferro, que possuem papel essencial na neuro- O gerenciamento de medicamentos inclui
fisiologia normal, como atuantes na DA, cau- agentes que melhoram a cognição, tratam anor-
sam neurotoxicidade e dano neurológico quan- malidades comportamentais e gerenciam dis-
do desregulados nutricionalmente (LEI et al., túrbios sistêmicos ou complicações da DA, jun-
2021). tamente com a prescrição de alimentos medi-
Medidas de plasticidade e excitabilidade cinais (COCCHIARA et al., 2020). Atualmen-
cortical derivadas de estimulação magnética te, o tratamento da DA visa preservar e defen-
transcraniana (EMT) podem ser utilizadas co- der as funções sinápticas com o uso de duas
mo biomarcadores de diagnóstico e alvos tera- classes de drogas: a classe dos inibidores da
pêuticos para DA (CHOU et al., 2022), por con- colinesterase e a classe dos antagonistas
ta hiperexcitabilidade observada no comprome- NMDA (COCCHIARA et al., 2020). Enfati-
timento cognitivo leve da DA, em que se apre- zando-se que o enfrentamento imediato da DA
sentaram maior excitabilidade cortical (com li- e o fornecimento de todas as ferramentas neces-
miares motores ativos e de repouso mais bai- sárias aos cuidadores são fundamentais para o
xos), menor inibição cortical (ou seja, menor manejo eficaz da doença (COCCHIARA et al.,
latência aferente e inibições intracorticais) e 2020).
plasticidade cortical prejudicada (isto é, dimi- Os inibidores da acetilcolinesterase aplica-
nuição da plasticidade semelhante à potencia- dos são a galantamina e a donepezila, sendo es-
lização de longo prazo) (CHOU et al., 2022). te último indicado para todos os estágios da
Ainda relatando que a neuromodulação (invasi- doença, enquanto o primeiro é aprovado apenas
va e não invasiva) pode melhorar a cognição na para o tratamento de estágios leves a modera-
DA modulando as redes cognitivas triplas em dos. Já os antidepressivos mais manuseados são
conjunto com o circuito de Papez (CHEYUO et clomipramina e fluoxetina, os quais possuem
al., 2022). efeitos parecidos e o anticonvulsivo mais uti-

204 | P á g i n a
lizado é a carbamazepina, comumente associa- vida pessoal do paciente (SCHAAR et al.,
da a outros medicamentos. Na classe dos anti- 2022). Diante disso, é possível dizer que o
psicóticos têm-se a quetiapina e o haloperidol, diagnóstico da DA é sobremaneira clínico, po-
sendo esses não recomendados como terapia rém é de fato importante que seja avaliado não
primária e, geralmente, são associados aos anti- só os biomarcadores patológicos clássicos, co-
depressivos (OLCZAK et al., 2022; SEIBERT mo Aβ e tau, como também seja delineada a
et al., 2021). dinâmica dos circuitos cerebrais em pacientes
Com isso, afirma-se que o manejo mais ade- com suspeita de DA com ou sem demências
quado para o tratamento de demência vai de- associadas, isso pois estudos demonstraram que
pender justamente de sua causa subjacente alterações em biomarcadores Aβ e tau podem
(KOKKINOU et al., 2021). E é sabido que ní- estar relacionadas à mudanças no circuito θ e γ
veis da proteína Aβ42 no sangue ou líquido (ISLA et al., 2021).
cefalorraquidiano (LCR) podem ajudar a dife- Não obstante, um diagnóstico precoce se faz
renciar a DDA de outros subtipos de demência de suma importância para um bom prognóstico
(KOKKINOU et al., 2021). Porém o teste ainda e diminuição da evolução da DA. Além disso,
é imperfeito e tende a diagnosticar erroneamen- deve-se entender por meio de exames comple-
te aqueles com não DDA como tendo DDA. mentares, como a medida da camada íntima-
Reforçando que o teste por Aβ42 pode ter um média da carótida (CIMT) - para avaliar ateros-
valor significativo como adjuvante de uma ava- clerose, que a associação de quadros patoló-
liação clínica completa, para auxiliar no diag- gicos como esse podem aumentar a prevalência
nóstico de demência (KOKKINOU et al., de pacientes com DA (XIE et al., 2020).
2021). A resposta esperada é redução da con- No mesmo sentido, em outros aspectos , o
centração de Aβ1-42 e aumento das concen- contexto nutricional do paciente pode-se mos-
trações de T-tau e P-tau, sendo estes padrões trar de exímio interesse para o diagnóstico clíni-
indicativos de amiloidose cerebral, que conduz co em pacientes com DA, haja vista que ensaios
a formação de placas senis, e taupatia, evolui clínicos já demonstraram que a diminuição no
para o padrão de emaranhados neurofibrilares. consumo de folato (ácido fólico) aumenta a
Enquanto o aumento de T-tau é indicativo de probabilidade de retardo cognitivo e atrofia
processo neurodegenerativo em progressão cerebral, sendo, portanto, importante o seu con-
(SCHILLING et al., 2022). Ademais, exames sumo para a prevenção de DA (ZHANG et al.,
laboratoriais são recomendados nesta etapa, pa- 2021).
ra descartar outras possíveis causas de demên- De modo geral, a doença se desenvolve por
cia, inclui-se avaliação hematológica, hepática, anos antes das primeiras alterações fisiológicas
renal, perfil lipídico, vitamina B12, TSH, T4 aparecerem. Inicialmente em um estado pré-
livre e alguns casos de sorologia anti-HIV clínico, caracterizado por sutis comprometi-
(KHAN et al., 2020). mentos da função cognitiva, momento mais in-
dicado para a reversão da patologia (BLA-
CONCLUSÃO CKMAN et al., 2021), avançando ao longo de
vários anos até o estágio demencial de fato
Dessa maneira, a prática diagnóstica da DA (CACCIAMANI et al., 2021). Neste momento,
em indivíduos com ou sem demência envolve há sintomas neuropsiquiátricos já evidentes,
desde aspectos sociais, contextos clínicos até a incluindo, além das perdas no que diz respeito

205 | P á g i n a
à memória, mudanças comportamentais, como mentosos, têm-se, cada vez mais, considerado
confusão, distúrbios no ciclo circadiano, e opções não farmacológicas para a DA (MEN-
outras neuro-divergências, tais como alucina- DONÇA et al., 2021).
ções, depressão, paranóia (MENDONÇA et al., Sob essa ótica, no que tange intervenções
2021). que excedem o campo da farmacologia, é im-
O tratamento mais utilizado no manejo dos portante destacar o manejo do ambiente no qual
pacientes com DA consiste na aplicação de o paciente está inserido, especialmente o apoio
medicamentos específicos visando atenuar e e formação ao cuidador e à família, além do
desacelerar os sintomas neurocognitivos sem, devido gerenciamento de cuidados. Ade-mais,
no entanto, interromper por completo o curso da a reabilitação multidisciplinar, com aten-ção ao
doença. Utiliza-se, também, uma série de outros fator social do portador de DA e sua inserção
fármacos (antidepressivos, antipsicóticos, etc.) em atividades físicas frequentemente, tem se
na contenção de outros fatores prejudiciais à mostrado muito eficaz no acréscimo de sua
qualidade de vida. Contudo, em razão da rela- qualidade de vida (ROSENVALL et al., 2020).
tiva lentidão nos avanços dos estudos medica-

206 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABIYEV, Azar. et al. A new diagnostic approach in KHAN, S. et al. Recent Advancements in Pathogenesis,
Alzheimer’ s disease: The critical flicker fusion thres- Diagnostics and Treatment of Alzheimer’s Disease. Cur-
hold. Dementia & Neuropsychologia , v. 16, n. 1, p. 89, rent Neuropharmacology, v. 18, n. 11, p. 1106, 2020.
2022.
KOKKINOU, M. et al. Plasma and cerebrospinal fluid
BLACKMAN, J. et al. Pharmacological and non-phar- Abeta42 for the differential diagnosis of Alzheimer’s
macological interventions to enhance sleep in mild cog- disease dementia in participants diagnosed with any
nitive impairment and mild Alzheimer’s disease: A syste- dementia subtype in a specialist care setting. Cochrane
matic review. Journal of Sleep Research, v. 30, n. 4, p. Library, v. 2021, n. 2, p. CD010945, 2021.
E13229, 2021.
LEI, P. et al. The essential elements of Alzheimer’s dise-
BRUCKI, S.M.D. et al. Manejo das demências em fase ase. Journal of Biological Chemistry, v. 296, p. 100105,
avançada: recomendações do Departamento Científico 2021.
de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da Aca -
demia Brasileira de Neurologia. Dementia & Neuropsy- MENDONÇA, D.C.B. et al. Physical exercise is effecti-
chologia, v. 16, p. 101, 2022. ve for neuropsychiatric symptoms in Alzheimer’s disea -
se: A systematic review. Arquivos de Neuro-Psiquiatria,
CACCIAMANI, F. et al. Awareness of Cognitive Decli- v. 79, n. 5, p. 447, 2021.
ne in Patients With Alzheimer’s Disease: A Systematic
Review and Meta -Analysis. Frontiers in Aging Neuros- NIU, H. et al. Prevalence and incidence of Alzheimer’s
cience, v. 13, p. 697234, 2021. disease in Europe: A meta -analysis. Sociedade española
de neurologia, [S. l.], v. 32, n. 8, p. 523, 2017.
CALDAS, C.P. O Idoso em Processo de Demência: o im -
pacto na família. In: MINAYO, Maria Cecília de Souza; OLCZAK, A. et al. Functional Therapeutic Strategies
COIMBRA JR., Carlos E. A. (org.). Antropologia, saúde Used in Different Stages of Alzheimer’s Disease—A
e envelhecimento. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, p. Systematic Review. International Journal of Environ -
51, 2002. mental Research and Public Health, v. 19, n. 18, p.
11769, 2022.
CHEYUO, C. et al. Connectomic neuromodulation for
Alzheimer’s disease: A systematic review and meta- POLIS, B. & SAMSON, A.O. A New Perspective on
analysis of invasive and non-invasive techniques. Trans- Alzheimer’s Disease as a Brain Expression of a Complex
lational Psychiatry, v. 12, p. 490, 2022. Metabolic Disorder. In: WISNIEWSKI, Thomas (org.).
Alzheimer’s Disease. Brisbane, Australia: Codon Publi-
CHOU, Y.-h. et al. Cortical excitability and plasticity in cations, p. 1, 2019.
Alzheimer’s disease and mild cognitive impairment: A
systematic review and meta -analysis of transcranial ROSENVALL, A. et al. Potential cost savings for selec-
magnetic stimulation studies. Ageing Resea rch Reviews, ted non-pharmacological treatment strategies for patients
v. 79, p. 101660, 2022. with alzheimer’s disease in finland. Journal of Reha-
bilitation Medicine, v. 52, n. 9, p. jrm00106, 2020.
COCCHIARA, R.A. et al. Management of the early stage
of Alzheimer’s disease: A systematic review of literature SANDOVAL, J.J. et al. Adjusted mortality rates attri-
over the past 10 years. Clinica Terapeutica, v. 171, n. 4, butable to Alzheimer’s disease dementia, Brazil, 2009-
p. E357, 2020. 2013. Cadernos de Saude Publica, v. 35, n. 6, p.
e00091918, 2019.
GOEDERT, M. & SPILLANTINI, M.G. A century of
Alzheimer’s disease. Science, v. 314, n. 5800, p. 777, SÁIZ-VÁZQUEZ, O. et al. Depression as a risk factor
2006. for alzheimer’s disease: A systematic review of longitu-
dinal meta -analyses. Journal of Clinical Medicine, v. 10,
ISLA, A.G. et al. Efficacy of preclinical pharmacological n. 9, 2021.
interventions against alterations of neuronal network
oscillations in Alzheimer’s disease: A systematic review. SCHAAR, J.V. et al. Considerations regarding a diagno-
Experimental Neurology, v. 343, p. 113743, 2021. sis of Alzheimer’s disease before dementia: a systematic
review. Alzheimer’s Research and Therapy, v. 14, p. 31,
ISO-MARKKU, P. et al. Katja. Physical activity as a 2022.
protective factor for dementia and Alzheimer’s disease:
systematic review, meta -analysis and quality assessment SCHILLING, L.P. et al. Diagnóstico da doença de
of cohort and case-control studies. British Journal of Alzheimer: recomendações do Departamento Científico
Sports Medicine, v. 56, n. 12, p. 701, 2022. de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da

207 | P á g i n a
Academia Brasileira de Neurologia. Dementia & matic Review and Meta -Analysis. Cells, v. 11, n. 6, p.
Neuropsychologia, v. 16, n.3, p. 21, 2022. 1007, 2022.

SEIBERT, M. et al. Efficacy and safety of pharmacothe- XIE, B. et al. Association between atherosclerosis and
rapy for Alzheimer’s disease and for behavioural and Alzheimer’s disease: A systematic review and meta -ana-
psychological symptoms of dementia in older patients lysis. Brain and Behavior, v. 10, n. 4, p. e01601, 2020.
with moderate and severe functional impairments: a
systematic review of controlled trials. Alzheimer’s Re- ZHANG, X. et al. The Association Between Folate and
search and Therapy, v. 13, p. 131, 2021. Alzheimer’s Disease: A Systematic Review and Meta-
Analysis. Frontiers in Neuroscience, v. 15, p. 661198,
TARAWNEH, H.Y et al. Central Auditory Functions of 2021.
Alzheimer’s Disease and Its Preclinical Stages: A Syste-

208 | P á g i n a
Capítulo 28

USO DE AGONISTAS
MUSCARÍNICOS M1 NO
TRATAMENTO DA DOENÇA DE
ALZHEIMER: UMA REVISÃO
SISTEMÁTICA

LUÍZA FARIA VASQUES¹


MARIA VITÓRIA FAGUNDES RODRIGUES¹
MARIA VITÓRIA GAUDÊNCIO DE MELO COSTA 1
MARIANA ARAÚJO GUIMARÃES 1

1. Discente - Medicina da Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais.

Palavras Chave: Doença de Alzheimer; Receptor muscarínico M1; Agonistas colinérgicos.

10.59290/978-65-6029-006-8.28
209 | P á g i n a
INTRODUÇÃO que o cérebro dos indivíduos com DA passa por
uma intensa perda sináptica e morte neuronal.
O envelhecimento da população é um fenô- Nesse sentido, já existem certas evidências e di-
meno universal que gera novas preocupações versos estudos, ainda em desenvolvimento, que
com relação às demandas geradas pelos idosos buscam esclarecer o motivo das defasagens
na esfera da saúde (KALACHE et al., 1987). As cognitivas apresentadas pelos acometidos. Den-
demências pertencem a um grupo de doenças tre os estudos sobre a fisiopatologia da DA, res-
que se manifestam preferencialmente nesse saltam-se se alguns achados que contribuíram
grupo populacional, e levam a uma queda drás- muito para a compreensão dos efeitos da do-
tica na qualidade de vida dos envolvidos (NIA, ença. Diante disso, uma constatação importante
2022). Nesse quadro, ocorre um declínio da foi a descoberta de uma mutação em um gene
função cognitiva do cérebro, ou seja, uma redu- encontrado no cromossomo 21 responsável pela
ção dos processos mentais envolvidos na capa- Proteína Precursora do Amilóide (APP) em in-
cidade de pensamento, na memória e no racio- divíduos com DA. A APP é a proteína trans-
cínio, além de ser uma condição marcada pela membrana mais comum no SNC e ela é meta-
perda de diversas habilidades comportamentais. bolizada em Proteína Beta Amilóide. Em cére-
A forma mais frequente de demência em idosos bros saudáveis há um equilíbrio entre a forma-
é o Alzheimer, com cerca de 35.6 milhões de ção e a degradação desse substrato, mas em in-
indivíduos diagnosticados no mundo. Portanto, divíduos com a doença, devido ao desequilíbrio
essa doença mostra-se muito relevante no cená- na produção de APP, ocorre um acúmulo anor-
rio atual, tendo em vista os diversos prejuízos mal da Proteína Beta Amilóide, formando le-
para a qualidade de vida dos portadores e o fato sões extracelulares denominadas Placas Neurí-
do número de pessoas com Alzheimer com ticas (CAIXETA, 2012).
mais de 65 anos duplicar a cada 5 anos (CDC, O acúmulo da Proteína Beta Amilóide e a
2020). consequente formação dessas placas, gera efei-
A Doença de Alzheimer (DA) é uma do- tos deletérios nos neurônios, causando disfun-
ença neurodegenerativa progressiva, caracteri- ção mitocondrial e estresse oxidativo. Além
zada pela morte neuronal, geralmente manifes- disso, a presença das placas ativa o sistema
tada a partir dos 65 anos de idade. Seu início é imunológico gerando um processo inflamató-
marcado por perda de memória recente, entre- rio. Outro achado importante presente nos en-
tanto, por se tratar de uma doença que acomete céfalos de pacientes com DA, são agregados de
mais idosos, os sintomas podem ser confundi- uma proteína denominada TAU. Diversos estu-
dos com consequências normais da senilidade dos demonstram que, em cérebros acometidos
(NHS, 2021). Com o avanço da doença, a pela doença, essa proteína sofre hiperfosforila-
aprendizagem e o planejamento ficam debilita- ção e perde sua função ideal de estabilização e
dos podendo evoluir para alterações na perso- organização dos microtúbulos. Essa alteração
nalidade e para dificuldade de reconhecer entes leva a uma mudança na morfologia dos neurô-
próximos. Nos estágios finais, o paciente torna- nios e prejudica o transporte intracelular de pro-
se incapaz de se comunicar (ALZHEIMER'S teínas importantes para a integridade e para o
ASSOCIATION, 2023). funcionamento destes, prejudicando a homeos-
Apesar de a fisiopatologia da doença ainda tase dessas células (CAIXETA, 2012). Além
não estar completamente esclarecida, já se sabe disso, já se sabe que o cérebro de pacientes com
a doença apresenta atrofia cortical difusa, ou
210 | P á g i n a
seja, há uma diminuição da massa encefálica mente sobre a acetilcolina, que é o mediador
(FALCO et al., 2016). Essa redução acomete químico fundamental dessa via de sinapses no
intensamente o hipocampo, região responsável sistema nervoso central, no sistema nervoso pe-
pela formação de novas memórias, o que evi- riférico e também na junção neuromuscular
dencia um sintoma muito relevante da DA. (BRUNEAU & AKAABOUNE, 2006). A Ace-
Conclui-se então, que todos esses eventos ava- tilcolina (ACh), seus receptores e as enzimas
liados levam à morte neuronal e a consequente responsáveis por sua síntese e degradação cons-
diminuição de sinapses, fundamentando diver- tituem o sistema de neurotransmissão colinér-
sas características clínicas da DA (ALZHEI- gica. A acetilcolinesterase (AChE) é a enzima
MER’S ASSOCIATION, 2023). de maior eficiência catalítica conhecida na atu-
Outro estudo relevante que busca funda- alidade (JOSÉ et al., 2009). Dentre os subtipos
mentar as alterações observadas na DA, é sobre de receptores colinérgicos, cabe ressaltar para
a via colinérgica. Sabe-se que em pacientes com melhor compreensão da fisiopatologia da DA,
DA, o encéfalo apresenta redução da atividade os muscarínicos, que no sistema nervoso central
desta via. Nesse sentido, ressalta-se que modi- (SNC) estão envolvidos em funções cognitivas
ficações neuroquímicas primárias no sistema como memória, aprendizado e atenção, em res-
colinérgico têm sido observadas em cérebros de postas emocionais, na modulação do estresse,
doentes de Alzheimer, sugerindo uma disfun- no sono e na vigília. O receptor muscarínico M1
ção colinérgica envolvida nas alterações de me- (M1R) é o principal receptor do SNC, consti-
mória, aprendizagem, atenção e outros proces- tuindo cerca de 50% dos receptores colinérgi-
sos cognitivos comuns afetados nesses pacien- cos muscarínicos presentes no hipocampo
tes (VENTURA et al., 2010). Tais alterações le- (VENTURA et al., 2010).
vam à degeneração dos neurônios colinérgicos O conhecimento desse sistema permite
no prosencéfalo basal e suas projeções para o compreender os fundamentos do padrão atual
córtex e o hipocampo, gerando prejuízo tanto de tratamento da DA, sendo a inibição da AChE
para a quantidade de receptores muscarínicos a principal estratégia utilizada na terapêutica
quanto para a sinalização intracelular induzida consolidada, a fim de aumentar a quantidade do
por esses receptores (POTTER et al., 2011). neurotransmissor ACh (PETRONILHOA et al.,
Sustentando isso, estudos post mortem de paci- 2011). Porém, além de ser uma terapia apenas
entes com DA confirmaram perdas significati- sintomática, a eficácia dos inibidores de acetil-
vas no número de neurônios colinérgicos do colinesterase não é absoluta, uma vez que ao
prosencéfalo basal e eferentes corticais e re- inibir a degradação da ACh, aumentam a sua
duções na atividade da colina-acetiltransferase, disponibilidade de maneira sistêmica, o que
enzima que catalisa a formação de acetilcolina, pode gerar, de forma não seletiva, a ativação de
sendo possível relacionar esse conhecimento às todos os subtipos de receptores de ACh, le-
manifestações clínicas observadas nessa neuro- vando a múltiplos efeitos colaterais relaciona-
patia degenerativa, uma vez que esses déficits dos ao mecanismo, mais comumente a diarreia
colinérgicos desempenham um papel funda- (YIN et al., 2022).
mental nas deficiências cognitivas subjacentes, Tendo em vista que o principal desafio do
bem como em alguns dos sintomas comporta- tratamento da DA pelos inibidores de acetilco-
mentais e psiquiátricos (PAPPAS et al., 2000). linesterase é a ausência de seletividade e a alta
Sendo assim, é de extrema importância compre- ocorrência de efeitos colaterais, demonstra-se a
ender a fisiologia da via colinérgica, principal- importância de um conhecimento pleno do sis-
211 | P á g i n a
tema colinérgico para o desenvolvimento de Os critérios de inclusão foram: artigos nos
novos tratamentos para doenças com o acome- idiomas português, inglês e espanhol, publica-
timento cognitivo. Um dos estudos para a oti- dos no período de 2013 a 2023 e que abordavam
mização das opções de tratamento atuais é so- as temáticas propostas para esta pesquisa, estu-
bre o uso de agonistas de receptores muscaríni- dos do tipo ensaio clínico randomizado contro-
cos pós-sinápticos, em particular os agonistas lado disponibilizados na íntegra. Os critérios de
de M1R, que estão mais envolvidos na função exclusão foram: artigos duplicados, disponibili-
cognitiva quando comparado com os outros re- zados na forma de resumo, que não abordavam
ceptores muscarínicos, ou seja, M2 e M3, os diretamente a proposta estudada e que não aten-
quais estão mais associados a efeitos colaterais diam aos demais critérios de inclusão.
periféricos (BAKKER et al., 2021). Essa seleti- Após os critérios de seleção restaram 09 ar-
vidade pode permitir uma terapêutica com uma tigos que foram submetidos à leitura minuciosa
dosagem mais alta e com menos efeitos adver- para a coleta de dados. Os resultados foram
sos, o que pode contribuir para a melhora de apresentados de forma descritiva, divididos em
certos sintomas cognitivos e comportamentais. categorias temáticas abordando os resultados
Portanto, agonistas seletivos para os receptores obtidos a respeito do uso de agonistas muscarí-
M1 podem ser drogas promissoras para o trata- nicos no tratamento de insuficiência cognitiva
mento de distúrbios cognitivos, como a DA, associada à DA e possíveis desenvolvimento de
ressaltando-se assim a importância de estudos novos fármacos, bem como o parâmetro atual
que avaliem a segurança, a tolerabilidade, a far- de pesquisas na área, visto que o tema ainda não
macocinética e a farmacodinâmica do uso des- é de ampla discussão.
ses medicamentos.
O objetivo desta revisão foi analisar e des- RESULTADOS E DISCUSSÃO
crever os resultados obtidos nos estudos publi-
cados na literatura sobre o uso de agonistas Encontram-se na literatura diversos estudos
muscarínicos no tratamento da insuficiência sobre a aplicabilidade de medicamentos agonis-
cognitiva associada à DA. tas M1 seletivos, parcialmente seletivos e tam-
bém sobre a modulação alostérica positiva des-
MÉTODO ses receptores M1. Dentre os achados estuda-
dos, todos encontram-se ainda em desenvolvi-
Trata-se de uma revisão sistemática reali- mento e os medicamentos não foram de fato in-
zada no período de março a maio de 2023, por troduzidos a pessoas que cursam com DA, mas
meio de pesquisas nas bases de dados PubMed destacam a importância dos dados para esse ni-
e SciELO. Foram utilizados os descritores em cho específico. Nesse sentido, os grupos seleci-
inglês e português: “Alzheimer Disease AND onados foram semelhantes em todas as temáti-
Receptor Muscarinic M1”, “Alzheimer Disease cas, baseando-se em indivíduos saudáveis de
AND Cholinergic Agonists”, “Receptor Mus- diferentes faixas etárias, grupos com debilida-
carinic M1 AND Cholinergic Agonists” e “Al- des específicas (fumantes, esquizofrênicos) e
zheimer Disease AND Receptor Muscarinic M1 animais. Os estudos se classificam como rando-
AND Cholinergic Agonists”. Desta busca foram mizados, duplo-cegos, controlados por placebo
encontrados 260 artigos, posteriormente sub- e demonstram seriedade nos vieses de seleção e
metidos aos critérios de seleção. exclusão de indivíduos, sistematizando as in-

212 | P á g i n a
formações de maneira pertinente, de modo a placebo, efeito que apresenta relação direta
tornar evidente os pontos fortes de cada medi- quando a dose é aumentada até 3 mg/kg. De-
camento e também as limitações ainda existen- monstrando, assim, que o composto gera um
tes. Destarte, serão descritos, posteriormente, significativo aumento na função cognitiva de
os resultados específicos encontrados em cada processamento de memória e reconhecimento
pesquisa. de objetos. O artigo fez uma comparação da ad-
ministração do presente composto com a rispe-
Modulação alostérica positiva (PAMs) ridona, demonstrando que quando administrada
A modulação alostérica positiva consiste na sozinha, o percentual de paralisia é bem baixo,
ligação do PAM a um sítio topograficamente mas, quando administrado com o medicamento
diferente do sítio de ligação do ligante natural, analisado, o efeito de paralisia é inexistente.
produzindo uma mudança de conformação no Dessa forma, a restauração do condicionamento
receptor ao aumentar sua afinidade pelo ago- e das funções cognitivas relacionadas pode ser
nista seletivo. Dessa maneira, um receptor M1 observada em função da dose de VU0486846.
PAM apresenta seletividade de subtipo e não Não houve efeitos colinérgicos ou efeitos ad -
ativa o próprio receptor, por isso, na ausência versos pronunciados em geral, o que é muito
de acetilcolina, não terá efeitos, o que gera uma positivo, demonstrando que o composto gera
resposta semelhante fisiologicamente. O PAM um aumento na capacidade cognitiva e apre-
pode gerar um aumento na atividade de vias es- senta um excelente perfil farmacológico. No
pecíficas, não influenciando nas demais, o que entanto, pesquisadores constataram que em hu-
pode implicar em uma maior especificidade na manos ele apresenta baixa permeabilidade ao
ação farmacológica. No estudo analisado, foi SNC e alto metabolismo, por isso não deve con-
citado o primeiro agonista seletivo do receptor tinuar como candidato clínico. Nesse sentido,
M1 PAM, o Ácido Benzil Quinolona Carboxí- encontra-se em desenvolvimento uma otimiza-
lico (BQCA), porém, como desvantagem, ele ção molecular do composto, caracterizando o
superestimula o receptor M1. Logo, apesar da agonista parcial do receptor M1 seletivo, o
especificidade, é capaz de causar sérios efeitos HTL0018318. Após 10 dias de tratamento, a
colaterais. Baseado nessas evidências, o artigo medicação foi associada a melhorias no número
relata que o desenvolvimento de PAMs para o de testes cognitivos (VARGAS & SOLEY,
receptor M1 parte da otimização molecular do 2021). No geral, teve efeitos mais consistentes
BQCA e está em aprimoramento, podendo re- em domínios cognitivos em idosos em compa-
sultar, futuramente, em um tratamento promis- ração com adultos mais jovens, o que caracte-
sor. riza um perfil compactuante com a DA, visto
que é uma enfermidade que acomete pessoas de
Composto VU486846 idade mais avançada.
Esse composto foi criado a partir da evolu-
ção do núcleo de quinolona de BQCA. O Agonista parcial M1 seletivo:
VU486846 é mais seletivo em receptores M1 HTL0018318
do que para M2 e M5. O estudo foi realizado Foram encontrados dois estudos que se
com dois grupos, um com indivíduos jovens e aprofundaram em estudá-lo. Além disso, o po-
outro com indivíduos idosos. A administração tencial do agonista parcial HTL0018318 tam-
oral de 1 mg/kg de VU486846 causa um au- bém foi citado no estudo TAL já citado nesta
mento na taxa de reconhecimento em relação ao revisão. No primeiro artigo analisado, redigido

213 | P á g i n a
em 2020, os testes foram realizados em dois seou-se em indivíduos jovens e saudáveis, sem
grupos de indivíduos saudáveis: um com jovens nenhuma condição prévia. O modulador de-
e um com idosos. Os principais efeitos adversos monstrou uma boa segurança e alta tolerabili-
reportados pelos participantes mais jovens fo- dade. Não foram relatadas mortes ou efeitos ad -
ram diarreia, náusea, vômito, dor de cabeça e versos graves. Quanto à farmacologia, TAK-
hipertensão, porém, os efeitos aparentemente 071 apresentou uma longa meia vida, combi-
aumentaram em função do aumento da dose ad- nada com uma excelente penetração no cérebro,
ministrada. Já nos participantes mais velhos, foi não havendo efeitos dos alimentos na exposição
observada cefaleia, hiperhidrose, hipertensão e sistêmica. A conectividade funcional do cére-
sintomas intestinais semelhantes aos relatados bro foi significativamente reduzida após a ad-
pelos jovens. A hiperhidrose e a hipertensão fo- ministração de TAK-071 em altas doses e foi
ram reportadas com mais frequência em paci- ainda aumentada com a coadministração de do-
entes que tomaram uma dosagem maior. Com nepezil (ACHeis) (YIN et al., 2021).
essa mesma dosagem, também foi relatado o
aumento da frequência cardíaca, o que condiz Agonista parcial seletivo de M1:
com os efeitos gerados com a ativação dos re- HTL9936
ceptores muscarínicos M1 no sistema cardio- O estudo foi realizado em camundongos.
vascular. Além disso, foram observadas melho- Foi administrado aos roedores a escopolamina,
ras significativas em processos cognitivos, para induzir a amnésia, sendo revertida pela uti-
como memória e função executiva, principal- lização do HTL9936. Seu efeito teve uma inten-
mente nos participantes idosos. O agonista foi, sidade similar ao donezepil (inibidor da acetil-
em geral, bem aceito pelos dois grupos e os colinesterase), que já é utilizado no tratamento
efeitos colaterais foram amenos. O segundo es- da DA em experimentos que não envolvem a
tudo analisado, publicado em 2021, também escopolamina. Foi observada uma importante
apresentou resultados satisfatórios e similares melhora na memória de trabalho e no reconhe-
ao de 2020, não apresentando nenhuma inova- cimento de novos objetos após a sua adminis-
ção além do que já havia sido publicado. Os tes- tração. Um resultado significativo quando com-
tes foram realizados com o mesmo padrão de parado aos ratos que receberam donezepil ou
indivíduos e os EAs observados foram seme- galantamina (BROWN et al., 2021). O
lhantes. Sendo assim, ainda não é possível che- HTL9936 mostrou-se benéfico em uma varie-
gar a nenhuma conclusão definitiva sobre seus dade de modelos para avaliar a cognição.
efeitos pró-cognitivos, podendo eles ser supe-
restimados ou subestimados nos estudos. Logo, Agonista M1 seletivo: GSK1034702
os dados encontrados em ambas as literaturas A literatura analisada relata que o
precisam ser interpretados com cautela, dado ao GSK1034702 aumenta o disparo de células na
pequeno tamanho da amostra e a ausência de região CA1 do hipocampo e em roedores, foi
efeitos relevantes nos biomarcadores da função capaz de reverter a amnésia induzida por esco-
cognitiva. polamina (estudo citado acima). Baseado nesse
achado pertinente, o estudo selecionou 70 fu-
Modulador alostérico muscarínico M1: mantes saudáveis em abstinência de nicotina,
TAK-071 visto que em fumantes crônicos uma abstinên-
Nesse estudo, foram obtidos resultados po- cia de pelo menos 12 horas pode reduzir a fun-
sitivos e poucas adversidades. A seleção ba- ção cognitiva basal. O medicamento foi bem to-

214 | P á g i n a
lerado quanto à segurança e os principais efei- divíduos tratados com KarXT em comparação
tos colaterais foram hipersecreção salivar, náu- com a xanomelina isoladamente. Não ocorre-
seas, dor de cabeça, fadiga e flatulência. Esses ram episódios de síncope em indivíduos trata-
efeitos foram considerados leves e tiveram um dos com a medicação, logo, foi constatado que
pequeno aumento com o ajuste de dose (de 4mg o tróspio é realmente eficaz na mitigação de
para 8mg). É sabido que o desempenho cogni- EAs colinérgicos, o que é de extrema importân-
tivo de fumantes em abstinência é reduzido pela cia para a adesão e tolerabilidade da medicação.
ausência de nicotina, dessa maneira, ao admi- A análise farmacocinética revela, ainda, que o
nistrar doses de 8 mg nos indivíduos, foi obser- tróspio não afetou o perfil farmacocinético da
vada uma melhora em recordações imediatas, xanomelina. Na fase 2 do estudo, realizada com
não havendo interferências na recuperação tar- pacientes esquizofrênicos, foi utilizada uma
dia na memória ou em outras tarefas cognitivas. etapa inicial de titulação da dose, incluindo um
Posto isso, fica claro que os testes com braço placebo paralelo, que melhorou a inter-
GSK1034702 em animais demonstraram me- pretação dos eventos relacionados ao medica-
lhorar o aprendizado e memória. No entanto, mento (BREIER et al., 2023). Desse modo, é
não se sabe se esses efeitos pró cognitivos po- fato que o estudo apresenta potenciais resulta-
deriam ser observados em humanos, devido à dos, no entanto, foi relatada falta de sensibili-
escassez de ligantes disponíveis para a sonda- dade nas medidas VAS usadas, sendo necessá-
gem de subtipos de receptores muscarínicos rio um período de tratamento mais longo para
(NATHAN et al., 2012). informar reduções dependentes do tempo em
AEs colinérgicos. O KarXT está atualmente sob
KarXT (associação de xanomelina com investigação em estudos de fase 3 para pacien-
tróspio) tes com esquizofrenia e em ensaios de pacientes
O desenvolvimento da xanomelina (ago- com psicose relacionada à demência, demons-
nista muscarínico M1 e M4) foi interrompido trando ser um potencial tratamento pró-cogni-
devido a níveis significativos de eventos adver- tivo para pacientes com DA.
sos colinérgicos. Além de estimular a central Os resultados analisados no conjunto de ar-
M1 e M4, a xanomelina também estimula os re- tigos se mostraram promissores e de grande re-
ceptores muscarínicos de acetilcolina localiza- levância para a comunidade científica, o que
dos no tecido periférico, que provavelmente confirma o interesse em uma profunda investi-
medeiam esses efeitos adversos colinérgicos. O gação dos compostos citados. No entanto, mui-
KarXT combina a xanomelina com tróspio, um tos deles pertencem a estudos pilotos e foram
antagonista pan-muscarínico restrito à periferia, realizados com uma amostra pequena de indiví-
capaz de mitigar os efeitos adversos. Nesse es- duos, sendo necessária, por unanimidade, a re-
tudo, foram analisadas as taxas de cinco EAs plicação dos estudos com amostras maiores,
colinérgicos pré-especificados (náuseas, vômi- otimizando a metodologia e buscando por reso-
tos, diarreia, sudorese excessiva e hipersecre- luções mais promissoras.
ção salivar), sendo comparados os resultados
entre o KarXT e a xanomelina sozinha. Na me- CONCLUSÃO
todologia, foram selecionados 70 indivíduos
saudáveis e jovens, sem condições prévias.
A DA é uma neuropatia progressiva em que
Houve uma redução de 46% na incidência de
ocorre o comprometimento neuronal em função
quaisquer EAs colinérgicos relatados pelos in-

215 | P á g i n a
de múltiplas alterações no sistema nervoso, sem exacerbar de modo prejudicial a resposta
dentre elas a redução da atividade colinérgica, dessa via.
resultando no déficit cognitivo em seus porta- O composto VU0486846 se mostra como
dores. Até o presente momento, ainda não foi uma boa opção farmacológica no tratamento da
descoberta cura ou impedimento do avanço dos DA, uma vez que possui todas as características
sintomas, porém, estudos científicos estão ca- necessárias para a estimulação do receptor M1:
minhando progressivamente em busca da miti- seletivo, não agonista e sem ação no sítio ostos-
gação máxima dos sintomas. O tratamento para térico. A partir dos ensaios realizados, foi pos-
a enfermidade está em constante evolução, mas sível obter um aumento na capacidade cognitiva
atualmente é apenas sintomático e consiste na de processamento de memória e reconheci-
utilização de inibidores da acetilcolinesterase, mento de objetos. Ademais, não demonstrou to-
com o objetivo de prolongar a disponibilidade xicidade colinérgica ou aparecimento de efeitos
de acetilcolina na fenda sináptica, e, consequen- adversos significativos em testes pré-clínicos.
temente, amenizar os sintomas cognitivos. En- Entretanto, não foi descoberta uma formulação
tretanto, apesar do tratamento existente ser be- de maior concentração do composto, o que im-
néfico para seus usuários, ainda existem diver- pede sua demonstração clínica.
sas limitações a seu respeito, sendo a falta de Os estudos focados em agonistas M1 seleti-
seletividade e a ocorrência frequente de efeitos vos – HTL0018318, HTL9936, GSK1034702 –
adversos, as principais. Perante o exposto, mos- apesar de apresentarem dados encorajadores
trou-se necessária a busca por novas alternati- para a prosperidade dos compostos no trata-
vas, incluindo a criação de novos fármacos e mento, necessitam ainda de reaplicações de tes-
descobertas a respeito de novos mecanismos de tes e aperfeiçoamento das técnicas, visto que fo-
defesa contra a patologia. Dessa maneira, a co- ram obtidos dados incertos e questionamentos
munidade científica ao redor do mundo cami- não solucionados, além de serem estudos inici-
nha em constante evolução para a desenvoltura ais e pilotos.
de novas tecnologias. O fármaco KarXT e o modulador TAK-
A descoberta da utilização de receptores 071, embora tenham apresentado seguranças
muscarínicos M1 é vista como uma possível al- favoráveis e otimizadas, ainda se mostram ne-
ternativa na busca de otimização ao tratamento cessários de novos estudos e avaliações clínicas
da DA. Esses receptores são amplamente ex- adicionais, para que seja possível elucidar ainda
pressos em áreas cerebrais associadas à memó- mais suas eficácias, tolerabilidade, farmacoci-
ria e a função cognitiva, e, diante disso, novos nética e segurança.
possíveis fármacos e compostos agonistas sele- Em suma, esta revisão sistemática elucida
tivos estão em diferentes fases de desenvolvi- que o presente cenário na terapia cognitiva na
mento e testes. O desenvolvimento de PAMs DA se mostra promissor e em constante evolu-
para o receptor M1 demonstra um grande inte- ção. O aprofundamento em receptores muscarí-
resse despertado no manejo dos sintomas cog- nicos M1 está em progresso e, até o momento,
nitivos da doença, uma vez que ocasiona maior apresentando dados promissores para uma fu-
especificidade em sua ação, embora ainda apre- tura diminuição dos sintomas cognitivos. Toda-
sente efeitos colaterais significativos. Por isso, via, a comunidade científica ainda possui um
o padrão buscado de maior relevância no desen- extenso caminho a ser percorrido, em que novos
volvimento de PAMs é a modulação da via coli- estudos devem ser realizados para que haja ga-
nérgica relacionada aos receptores M, porém, rantia do sucesso.
216 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALZHEIMER’S ASSOCIATION. ALZ. Disponível em: NATHAN, P.J. et al. The Potent M1 Receptor Allosteric
<https://www.alz.org/brain_portuguese/01.asp>. Acesso Agonist GSK1034702 Improves Episodic Memory in
em 04 mai. 2023. Humans in the Nicotine Abstinence Model of Cognitive
Dysfunction. International Journal of Neuropsychophar-
BAKKER, C. et al. Safety, pharmacokinetics and explo- macology, v. 16, n. 4, p. 721, 2012.
ratory pro-cognitive effects of HTL0018318, a selective
M1 receptor agonist, in healthy younger adult and elderly NIA. National Institute on Aging. What Is Dementia?
subjects: a multiple ascending dose study. Alzheimer's Symptoms, Types, and Diagnosis. 2022. Disponível em:
Research & Therapy, v. 13, n. 1, p. 87, 2021. <https://www.nia.nih.gov/health/what-is-dementia>.
Acesso em 04 mai. 2023.
BREIER, A. et al. Evidence of Trospium’s Ability to Mi-
tigate Cholinergic Adverse Events Related to Xanome- NHS. National Health Service. Alzheimer's disease.
line: Phase 1 Study Results. Psychopharmacology, v. 2021. Disponível em: <https://www.nhs.uk/condi-
240, n. 5, 2023. tions/alzheimers-disease/>. Acesso em: 04 mai. 2023.

BROWN, A.J.H. et al. From structure to clinic: Design PAPPAS, B.A. et al. Choline acetyltransferase activity
of a muscarinic M1 receptor a gonist with potential to tre- and cognitive domain scores of Alzheimer’s patients.
atment of Alzheimer's disease. Cell, v. 184, n. 24, p. Neurobiology of Aging, v. 21, n. 1, p. 11, 2000.
5886.e22, 2021.
PETRONILHOA, E.C. et al. Acetilcolinesterase: Alzhei-
BRUNEAU, E.G. & AKAABOUNE, M. Running to mer e guerra química. Ciência e Tecnologia, 2011.
Stand Still: Ionotropic Receptor Dynamics at Central and
Peripheral Synapses. Molecular Neurobiology, v. 34, n. POTTER, P.E. et al. Pre-and postsynaptic cortical choli-
2, p. 137, 2006. nergic deficits are proportional to amyloid plaque pre-
sence and density at preclinical stages of Alzheimer’s di-
CAIXETA, L. Doenças de Alzheimer. Porto Alegre: Ar- sease. Acta Neuropathologica, v. 122, n. 1, p. 49, 2011.
tMed, 2012.
VARGAS, R. & SOLEY, J. Modulación Alostérica Po-
CDC. Centers for Disease Control and Prevention. Al- sitiva selectiva para el receptor muscarínico M1: descu-
zheimer’s Disease and Related Dementia. Disponível brimiento y desarrollo del compuesto VU0486846 y su
em: <https://www.cdc.gov/aging/agingin - importancia para el desarrollo de tratamientos para el Al-
fo/alzheimers.htm>. Acesso em 04 mai. 2023. zheimer y la Esquizofrenia. ARS pharmaceutica, Gra -
nada, v. 62, n. 1, p. 90, 2021.
FALCO, A.D. et al. Alzheimer’s Disease: Etiological
Hypotheses and Treatment Perspectives. Química Nova, VENTURA, A.L. et al. Sistema colinérgico: revisitando
v. 39, n. 1, p. 63, 2016. receptores, regulação e a relação com a doença de Alzhei-
mer, esquizofrenia, epilepsia e tabagismo. Archives of
JÓSÊ, A.S. et al. Sensitivity of young rats to nicotine ex- Clinical Psychiatry (São Paulo), v. 37, n. 2, p. 66, 2010.
posure: Physiological and biochemical parameters. Eco-
toxicology and Environmental Safety, v. 72, n. 1, p. 242, YIN, W. et al. Safety, pharma cokinetics and quantitative
2009. EEG modulation of TAK‐071, a novel muscarinic M1 re-
ceptor positive allosteric modulator, in healthy subjects.
KALACHE, A. et al. O Envelhecimento Da População British Journal of Clinical Pharmacology, v. 88, n. 2, p.
Mundial: Um Desafio Novo. Revista De Saúde Pública, 600, 2022.
v. 21, n. 3, Faculdade de Saúde Pública da Universidade
de São Paulo, p. 200, 1987.

217 | P á g i n a
Capítulo 29

ANSIEDADE EM
POPULAÇÕES
VULNERÁVEIS E SEUS
AGRAVANTES – REVISÃO
INTEGRATIVA

FLÁVIA OLIVEIRA DA SILVA¹


LUANNA SANTOS DE JESUS¹

1. Discente – Medicina da Universidade Anhembi Morumbi.

Palavras Chave: Ansiedade; Vulnerabilidade; Acolhimento

10.59290/978-65-6029-006-8.29
218 | P á g i n a
INTRODUÇÃO bientais, como condições socioeconômicas in-
justas e experiências traumáticas responsáveis
O transtorno de ansiedade generalizada por fragilizá-los física e emocionalmente
(TAG) é um distúrbio psiquiátrico normal- (SCHMIDT et al., 2021).
mente associado a sintomas somáticos e desen- Adicional aos fatores de estresse comuns,
cadeado por múltiplos fatores, resultando na determinados acontecimentos negativos na so-
suscetibilidade a crises inesperadas. O principal ciedade – responsáveis por reforçarem a desi-
atributo são preocupações excessivas e persis- gualdade financeira e prejudicarem os serviços
tentes, de difícil controle, sobre diversos temas sociais, intensificam a exposição dessa classe
que normalmente não afligem a maioria das vulnerável à ansiedade. A pandemia da CO-
pessoas. Tal característica é também responsá- VID-19 se apresenta como um exemplo sólido
vel por induzir alterações físicas como insônia, desse fato, visto que refletiu em um aumento de
taquicardia, fadiga, sudorese, dor nos músculos problemas psicológicos já existentes, incluindo
e dificuldade de relaxar (ZUARDI, 2017). o TAG. A falta de saneamento básico, os ambi-
A fisiopatologia do TAG ainda não tem seu entes superlotados e a dificuldade de acessar os
mecanismo totalmente conhecido, no entanto, é serviços de saúde são características que relaci-
possível observar alterações nos sistemas sero- onam maior incidência do transtorno de ansie-
tonérgicos e noradrenérgicos, os quais passam dade nesse tipo de contexto pandêmico (SCH-
a apresentar baixa e elevada atividade, respecti- MIDT et al., 2021).
vamente. Concomitantemente, essas mudanças Portanto, esse capítulo tem o objetivo de
desencadeiam o sofrimento e prejuízo na con- evidenciar, através da literatura científica, os
cretização de atividades básicas daqueles aco- agravantes do transtorno de ansiedade nas po-
metidos por essa condição (LOPES et al., pulações vulneráveis em questão, expondo as
2021), pois muito deixam de realizar atividades carências sociais causadoras do TAG enfrenta-
rotineiras por medo das crises ou dos sintomas das por esse grupo, como também a falta de su-
(COSTA et al., 2019). A partir disso, o diagnós- porte adequado.
tico é feito quando há sofrimento ou danos no
funcionamento social, profissional ou em qual- MÉTODO
quer outro âmbito de vida do indivíduo (LOPES
et al., 2021). Trata-se de uma revisão integrativa iniciada
Dados recolhidos em estudos demonstram a em abril e finalizada maio de 2023, por meio de
presença de transtornos de ansiedade como algo artigos, na língua portuguesa e inglesa, publica-
frequente em adultos (COSTA, et al., 2019). dos nas bases de dados eletrônicos Scientific
Apesar de ser passível de atingir a todos, o TAG Electronic Library Online (SciELO), National
é frequentemente encontrado em populações de Library of Medicine (PubMed) e Revista USP.
vulnerabilidade, ou seja, aquelas em condições Foram utilizados os descritores: ansiedade, po-
de risco e/ou rotina instável, como indivíduos pulação vulnerável, jovens adultos, refugiados,
em situação de rua, refugiados e aqueles priva- situação de rua, prisioneiros, COVID-19 e seus
dos de liberdade. O grupo populacional menci- respectivos equivalentes em inglês. A partir
onado é mais propenso a dispor de sofrimento dessa busca, foram encontrados vinte e um arti-
psíquico, uma vez que estão amplamente ex- gos, seguidamente submetidos aos critérios de
postos a piores estressores psicossociais e am- seleção.

219 | P á g i n a
Os critérios de inclusão foram publicações nos são preditores potenciais de transtornos
que abordavam diretamente o tema para esta mentais comuns – classe abrangente do TAG
pesquisa, nos idiomas português e inglês e com (IM et al., 2022). Por estarem em conjunturas
o texto disponibilizado na íntegra. Dentre os muitas vezes cíclicas e com baixa assistência, o
critérios de exclusão, destaca-se artigos que não fator em destaque pode estar presente diaria-
tratavam propriamente a proposta estudada e mente na vida dessa população, gerando esto-
aqueles em que o conteúdo era sobre os demais pins para constantes crises de ansiedade e de-
grupos vulneráveis fora da delimitação reali- senvolvimento desse transtorno, implicando em
zada. maior propensão a demandas de Saúde Mental
Diante disso, foram submetidos à análise e Apoio Psicossocial (SMAPS) (SCHMIDT et
cautelosa dez artigos, publicados entre 2017 e al., 2021).
2023. Além do mais, foi também utilizado o ca- Em relação aos agentes de estresse intrínse-
pítulo de um livro sobre saúde mental e atenção cos, relacionados a pessoas em situação de rua,
psicossocial. Perante o exposto, e a partir dos evidenciam-se a pobreza extrema e falta de mo-
conteúdos coletados, foram compiladas infor- radia. Em decorrência, nota-se a existência da
mações necessárias que serão apresentadas dependência de doações e de vivência em situ-
neste texto. Os resultados foram demonstrados ações deploráveis, com acesso restrito à água e
de forma descritiva, divididos de acordo com aos alimentos adequados ao consumo. Tais ca-
cada população marginalizada mencionada. racterísticas são estressores sociais relevantes
para o desencadeamento do TAG e criam este-
RESULTADOS E DISCUSSÃO reótipos acerca dessa população, impedindo o
tratamento adequado quando há busca por ajuda
As populações vulneráveis, divergentes en- médica e propiciando ainda mais o ciclo do
tre si, possuem numerosos fatores extrínsecos transtorno (SCHMIDT et al., 2021).
culminantes em transtorno de ansiedade gene- No que diz respeito aos refugiados, a possi-
ralizada, sendo alguns comuns a todos e outros bilidade de deportação em qualquer momento é
mais específicos a determinado grupo desprivi- o motivo estressor singular de destaque para
legiado. A presença de circunstâncias difíceis ocasionar o transtorno de ansiedade. Tal grupo
de vida, incluindo condições socioeconômicas populacional, além de enfrentar condições hos-
injustas, é um exemplo de causa do TAG rela- tis no processo de migrar para outra nação, fica
cionado a todos os indivíduos pertencentes a suscetível à ameaça de expulsão do novo país,
esse recorte populacional. Isso porque, tais pro- passando a viver em uma constante incerteza
blemas econômicos, encontram-se diretamente (JUMAA, et al., 2022). Essa realidade suscita
associados ao estresse da dificuldade para efe- insegurança e medo, inclusive em crianças, pos-
tuar pagamentos, manter hábitos e comprar sibilitando aumento de psicopatologias, como o
bens materiais necessários –desde itens básicos TAG (NGO & HODES, 2019).
e baratos, até aqueles de maior valor agregado Diferencialmente dos casos anteriormente
(COSTA et al., 2019). mencionados, a população privada de liberdade
Outro elemento estressor congruente a es- possui o tempo de cumprimento de pena como
ses grupos são experiências traumáticas enfren- estímulo particular do TAG (ABDULKADIR
tadas. Situações como violência comunitária, et al., 2022). O sistema prisional brasileiro se
discriminação e subjugação dos direitos huma- caracteriza como sobrecarregado e frágil: de-

220 | P á g i n a
tentos são confinados em celas superlotadas, timas eminentes da desordem pandêmica. As
com acesso limitado à limpeza e alimentação superlotações ocasionam em altas taxas de pro-
apropriada (SCHMIDT et al., 2021). Como re- pagação de doenças infecciosas, favorecendo a
percussão, indivíduos com maior tempo de con- mortalidade e, com isso, afastando medidas sa-
denação são mais expostos a esses estressores, nitárias indicadas. Consequentemente, tais cir-
gerando um aumento nas chances do desenvol- cunstâncias implicantes em exclusão e fragili-
vimento do transtorno em questão (ABDUL- dade expõem esses grupos ao medo e à dubie-
KADIR et al., 2022). dade, exacerbando os sintomas associados ao
Situações responsáveis por acarretar caos transtorno de ansiedade (LIMA et al., 2020).
social atinge facilmente as populações em es- A pandemia da COVID-19 provocou uma
tado de vulnerabilidade. Recentemente, um fa- crise na Saúde Mental e Atenção Psicossocial
tor estressante de grande impacto foi a pande- (SMAPS) associada aos grupos vulneráveis.
mia da COVID-19, período em que houve um Por conta do aumento exponencial da infecção
grande aumento de sintomas ansiosos e depres- seguida de mortalidade, a assistência médica
sivos (BARROS et al., 2020). Mediante as me- manteve o foco no contágio, distanciando-se
didas de isolamento, quarentena e higiene, os dos outros cuidados necessários (JUMAA et
indivíduos em situação de rua, refugiados e al., 2023). Logo, devido ao aumento do TAG e,
aqueles privados de liberdade caíram em um em contrapartida, a diminuição do acesso aos
campo ainda maior de exclusão e temor exces- serviços de saúde, decorreu-se um prejuízo no
sivo, em virtude de suas vivências ocorrerem gerenciamento e na manutenção da sintomato-
em locais nitidamente superlotados, tornando- logia psíquica crônica e aguda circundante a es-
os mais suscetíveis a contrair doenças infeccio- ses indivíduos (RILEY et al., 2021).
sas, como o coronavírus (LIMA et al., 2020). As condições precárias vivenciadas pelos
De maneira a entender a superlotação em povos em situação de rua, refugiados e privados
cada um desses grupos, pessoas em situação de de liberdade naturalmente aumentam suas
rua enfrentam esse tipo de problema ao buscar suscetibilidades ao TAG. Juntamente a isso, a
abrigos, os quais não suportam todos os neces- desinformação e imprecisão sobre o cuidado
sitados de ajuda e não dispõem do cuidado fun- médico, no momento pandêmico, potencializou
damental. Em relação aos refugiados, devido à agravos direcionados tanto a própria compli-
vinda não programada, o estado de moradia cação, quanto a outros fatores, como o vício em
acaba ocorrendo de modo improvisado e cole- substância como álcool e drogas (JUMAA et
tivo, gerando aglomeração. Por fim, aqueles al., 2023). Ademais, sendo transtornos mentais
privados de liberdade se deparam com uma es- fatores de risco para o surgimento e compli-
trutura carcerária deficiente, tornando inviável cações de doenças crônicas, o TAG exacerbado
medidas de limpeza e isolamento por viverem pela pandemia aumentou os riscos do desen-
em celas com excesso de indivíduos em relação volvimento e agravamento de enfermidades
à capacidade máxima adequada (SCHMIDT et persistentes nesses seres que são submetidos a
al., 2021). condições vulneráveis e, muitas vezes, insalu-
Deste modo, entende-se que essas popula- bres (BARROS et al., 2020).
ções se encontram comumente excluídas da so- O transtorno de ansiedade carece de cuida-
ciedade, manifestando um acesso restrito ao sa- dos adequados, sobretudo aos grupos populaci-
neamento básico e higiene adequada e sendo ví- onais mencionados, os quais possuem diversos

221 | P á g i n a
fatores estressores (SCHMIDT et al., 2021). Os ria a riscos, além de apresentarem condições de
dois tratamentos ideais indicados são as tera- vida envoltas por experiências traumáticas e fa-
pias – cognitivo-comportamental, de suporte e tores estressores – psicossociais e ambientais –
interpessoal – e os medicamentos, com desta- agravantes de vulnerabilidade e distúrbios men-
que para a classe de inibidores seletivos da re- tais. Dentre os agentes de estresse para o TAG,
captação da serotonina e inibidores da recapta- destacam-se motivos comuns – como condições
ção da serotonina-norepinefrina. A continui- de vida difíceis e traumas – e específicos, tais
dade do cuidado e o devido acompanhamento quais pobreza extrema, deportação e duração da
de pacientes com TAG são essenciais, uma vez pena.
que caso não haja o procedimento de cura cor- Adicionalmente, perante a esse grupo, ob-
reto, o transtorno pode vir a ser debilitante. serva-se que a dificuldade de acesso aos servi-
(LOPES et al., 2021) ços de saúde e tratamentos adequados para en-
Apesar dos princípios de universalidade, fermidades mentais e físicas foi intensificada
equidade e integralidade da saúde pública bra- durante a pandemia da COVID-19. Problemas
sileira aspirarem a garantia do acesso universal envolvendo acessibilidade de assistência mé-
ao cuidado, a prática médica evidencia a exis- dica, superlotação em penitenciárias e abrigos e
tência de obstáculos, sobretudo no que diz res- saneamento básico levam a exacerbação de
peito à atenção psicossocial. O apoio adequado medo e insegurança em período de incertezas.
nessa área, a qual engloba o TAG, é ainda mais Esse contexto afeta diretamente a saúde mental,
precário quando colocado em destaque as pes- potencializando os sintomas do TAG.
soas vulnerabilizadas por processos de exclusão O suporte oferecido às populações vulnerá-
social – como aquelas em situação de rua, refu- veis acometidas pelo TAG sofreu declínio du-
giados e privadas de liberdade. Isso acontece rante o momento pandêmico, uma vez que os
porque não há intervenções sensíveis mais dire- serviços de saúde se mobilizaram em prol do
cionadas a esse recorte populacional (SCH- controle de contágio e tratamento dos doentes.
MIDT, et al., 2021). Contudo, mesmo após controle viral, nota-se
que o amparo à saúde mental da população vul-
CONCLUSÃO nerável ainda é negligenciado, fato responsável
por acentuar a ansiedade e dificultar o trata-
O transtorno de ansiedade generalizada é mento. Portanto, é evidente a necessidade de in-
comumente encontrado em adultos, no entanto, tervenções planejadas visando ao apoio ade-
as populações desamparadas, como pessoas em quado a esse recorte populacional, como me-
situação de rua, refugiados e aqueles privados lhoria do apoio à saúde, maior adesão a trata-
de liberdade, são consideravelmente mais afe- mentos medicamentosos e terapêuticos e maior
tadas. Esse fato é decorrente da exposição diá- acolhimento social.

222 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABDULKADIR, H. et al. Anxiety and its associated fac- LOPES, A.B. et al. Transtorno de ansiedade generali-
tors among inmates in ARBA Minch and JINKA town, zada: uma revisão narrativa. Revista Eletrônica Acervo
southern Ethiopia. BMC Psychiatry, v. 22, n. 1, p. 582, Científico, v. 35, p. e8773, 2021.
2022.
NGO, T & HODES, M. Pervasive refusal syndrome in
BARROS, M.B.A. et al. Relato de tristeza/depressão, asylum-seeking children: Review of the current evi-
nervosismo/ansiedade e problemas de sono na população dence. Clinical Child Psychology and Psychiatry, v. 25,
adulta brasileira durante a pandemia de COVID-19. Re- p. 227, 2022.
vista do SUS: Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 29,
p. e2020427, 2020. RILEY, E.D. et al. Factors Associated With Symptoms
of Depression and Anxiety Among Women Experiencing
COSTA, C.O. et al. Prevalência de ansiedade e fatores Homelessness and Unstable Housing During the CO-
associados em adultos. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, v. VID-19 Pandemic. Jama Network Open Psychiatry, v. 4,
68, p. 2, 2019. p. e2117035, 2021

IM, H. et al. Risk and protective factors for comorbidity SCHMIDT, B. et al. Saúde mental e atenção psicossocial
of PTSD, depression, and anxiety among somali refugees a grupos populacionais vulneráveis por processos de ex-
in Kenya.International Journal of Social Psychiatry, v. clusão social na pandemia de Covid-19. Parte II - Narra-
68, p. 134, 2022. tivas sobre populações vulnerabilizadas. In: MATTA,
G.C. et al. Os impactos sociais da Covid-19 no Brasil:
JUMAA, J.A. et al. Psychological distress and anxiety in populações vulnerabilizadas e respostas à pandemia [on-
Arab refugees and migrants during the COVID-19 pan- line]. Rio de Janeiro: Observatório Covid 19; Editora FI -
demic in Germany. Transcultural Psychiatry, v. 60, p. 62, OCRUZ, p. 87, 2021.
2023.
ZUARDI, A.W. Características básicas do transtorno de
LIMA, N.N.R. et al. People experiencing homelessness: ansiedade generalizada. Medicina (Ribeirão Preto), v. 50,
Their potential exposure to COVID-19. Psychiatry Rese- p. 51, 2017.
arch, v. 288, p. 112945, 2020.

223 | P á g i n a
Capítulo 30

DEMÊNCIA POR CORPOS DE


LEWY E SEUS IMPACTOS NA
FUNCIONALIDADE DOS
IDOSOS
LUIS FELIPE CUTRIM MARTINS¹
IAGO JOSÉ GUIMARÃES FROTA¹
GABRIEL COUTINHO BARBOSA¹
BRUNA DE SOUSA LOIOLA¹
ELTON JONES DIAS LIRA;
PABLO MENESES DE ARAÚJO CARVALHO¹
NICOLE ISABELA CARREIRO COELHO¹
MARIA CLARA SOUSA TORRES SANTOS¹
JOÃO RICARDO ALVES ARAÚJO¹
MIRIAM LINHARES TAVARES¹
LUAN ITALO FERREIRA MENESES¹
LÚCIO EUGÊNIO CERQUEIRA LOPES¹
CYNTYA HALYNNE FERREIRA DA PONTES¹
BIANCA PORTELA GARCIA¹
KARLO HEYTOR PORTELA GARCIA¹

1. Discente - Medicina na Faculdade de Ciências Humanas, Exatas e Saúde do Piauí (FAHESP –


IESVAP).

Palavras Chave: Demência com corpos de Lewy; Doença de Alzheimer; Alucinações.

10.59290/978-65-6029-006-8.30
224 | P á g i n a
INTRODUÇÃO presença de sintomas cognitivos e motores.
Outros exames de diagnóstico por imagem po-
A demência por corpos de Lewy (DCL) é dem ajudar os médicos a diagnosticarem a
uma doença neurodegenerativa progressiva que DCL. Eles incluem tomografia por emissão de
afeta os idosos. É caracterizada pela presença pósitrons (PET) e tomografia computadorizada
de corpos de Lewy nas células cerebrais, que por emissão de fóton único (SPECT) (FER-
afetam a cognição, a memória, a motricidade e MAN et al., 2019).
a regulação emocional. Essa demência pode ser O tratamento da DCL inclui o uso de
difícil de diagnosticar devido à sua medicamentos para tratar os sintomas motores
sobreposição de sintomas com outras doenças, e cognitivos, além de terapia ocupacional e
como a doença de Parkinson e a doença de fisioterapia. A DCL afeta significativamente a
Alzheimer. A DCL afeta a qualidade de vida qualidade de vida dos idosos, incluindo sua
dos pacientes e de seus cuidadores, tornando-se independência, relacionamentos sociais e bem-
uma preocupação crescente para a saúde estar emocional.
pública (GOMES & DALLA VECCHIA, Dessa forma, este capítulo de livro tem
2019). como objetivo realizar uma revisão de literatura
Portanto, a demência por corpos de Lewy é acerca da DCL, enfatizando os impactos fun-
uma doença neurodegenerativa progressiva que cionais que as manifestações clínicas degene-
afeta a qualidade de vida dos idosos. A com- rativas dessa enfermidade provocam no cotidi-
preensão dos fatores epidemiológicos, etiológi- ano dos idosos, relatando a sua influência no
cos, fisiopatológicos, clínicos, diagnósticos e comprometimento da autonomia desse grupo de
terapêuticos da DCL é fundamental para me- pacientes.
lhorar a qualidade de vida dos pacientes e de
seus cuidadores. O diagnóstico precoce e o tra- MÉTODO
tamento adequado podem reduzir os sintomas e
retardar a progressão da doença, melhorando a Este estudo se trata de uma revisão sistemá-
independência e a qualidade de vida dos idosos tica realizada no período de março a abril de
com DCL (FERMAN et al., 2019). 2023, por meio de pesquisas nas bases de dados
Tratando-se da DCL, estudos indicam que UpToDate, PubMed, Scopus, Web of Science e
ela é a segunda causa mais comum de demência Medline. Foram utilizados os descritores de-
após a doença de Alzheimer em idosos. Sua mência com corpos de Lewy, doença de Alzhei-
causa é complexa e multifatorial, envolvendo mer, neurolépticos e alucinações. Desta busca
fatores genéticos e ambientais. A patologia da foram encontrados 20 artigos, posteriormente
DCL é caracterizada pela presença de corpos de submetidos aos critérios de seleção.
Lewy nas células cerebrais, que afetam a neu- Os critérios de inclusão foram: artigos nos
rotransmissão, incluindo a dopamina, a seroto- idiomas inglês e português; publicados no perí-
nina e a acetilcolina. Os sintomas da podem odo de 2015 a 2023 e que abordavam as temá-
incluir alucinações, delírios, tremores, rigidez ticas propostas para esta pesquisa no formato de
muscular, perda de memória e alterações com- estudos do tipo revisão, disponibilizados na ín-
portamentais e emocionais. tegra. Os critérios de exclusão foram: artigos
Ademais, ressalta-se que o diagnóstico é duplicados, disponibilizados na forma de re-
baseado nos critérios clínicos, que incluem a sumo, que não abordavam diretamente a pro-

225 | P á g i n a
posta estudada e que não atendiam aos demais proteicos denominados corpos de Lewy no te-
critérios de inclusão. cido cerebral. A etiologia exata da DCL ainda
Após os critérios de seleção restaram 12 ar- não está completamente esclarecida, mas acre-
tigos que foram submetidos à leitura minuciosa dita-se que seja uma combinação de fatores ge-
para a coleta de dados. Os resultados foram néticos e ambientais (MCKEITH et al., 2017).
apresentados de forma descritiva, divididos em Estudos sugerem que a DCL possa estar re-
categorias temáticas abordando: epidemiologia, lacionada com alterações em diversos neuro-
classificação, etiologia, fisiopatologia e mani- transmissores cerebrais, como a dopamina, a
festações clínicas, abordagem diagnóstica e tra- acetilcolina e a serotonina. Essas alterações po-
tamento. dem causar danos aos neurônios e prejudicar a
comunicação entre eles, levando ao desenvolvi-
RESULTADOS E DISCUSSÃO mento de sintomas cognitivos, motores e neu-
ropsiquiátricos (FERMAN et al., 2019).
Epidemiologia Além disso, pesquisas recentes indicam que
A DCL é uma forma comum de demência a disfunção mitocondrial e o estresse oxidativo
em idosos. Estima-se que a prevalência da DCL também podem estar envolvidos na patogênese
seja de cerca de 5% a 30% entre os casos de de- da DCL. Estudos mostram que os neurônios dos
mência, variando de acordo com a população pacientes com DCL apresentam disfunção mi-
estudada (JELLINGER, 2018). Alguns estudos tocondrial, que pode levar a uma produção ex-
sugerem que a DCL seja mais comum em ho- cessiva de espécies reativas de oxigênio e danos
mens do que em mulheres, embora as razões às células cerebrais (FERMAN et al., 2019).
para essa diferença de gênero ainda não estejam Outros fatores que podem estar envolvidos
completamente claras (LÖKK et al., 2019). na etiologia da DCL incluem inflamação crô-
A idade é um dos principais fatores de risco nica, estresse neuroendócrino, alterações no
para o desenvolvimento da DCL. A doença é metabolismo lipídico e glicídico e a presença de
mais comum em idosos acima de 65 anos, doenças concomitantes, como a doença de Par-
sendo que sua incidência aumenta com a idade kinson e a doença de Alzheimer (MCKEITH et
(LÖKK et al., 2019). Além disso, alguns estu- al., 2017).
dos sugerem que a presença de certos polimor-
Portanto, a etiologia da DCL é complexa e
fismos genéticos pode aumentar o risco de de-
envolve uma combinação de fatores genéticos e
senvolvimento da DCL (NALLS et al., 2015).
ambientais. Alterações em neurotransmissores
A DCL é uma doença neurodegenerativa
cerebrais, disfunção mitocondrial e estresse
progressiva, que afeta diversas funções cogniti-
oxidativo são alguns dos mecanismos propostos
vas, como a memória, a atenção e a linguagem,
para o desenvolvimento da doença. É impor-
além de causar alterações motoras e neuropsi-
tante que pesquisas continuem a ser realizadas
quiátricas. Embora a doença seja mais comum
para que novos tratamentos possam ser desen-
em idosos, estudos recentes sugerem que a DCL
volvidos para pacientes com DCL.
também possa afetar pessoas mais jovens (LE-
MOS et al., 2020).
Fisiopatologia
Etiologia A DCL, de forma semelhante à demência de
A DCL é uma doença neurodegenerativa Parkinson, é causada pelo acúmulo anormal de
que se caracteriza pela presença de agregados sinucleína, uma proteína que existe natural-

226 | P á g i n a
mente no cérebro e que é responsável por auxi- son, em que as alterações extrapiramidais ante-
liar na comunicação interneuronal. Em ambas cedem a decadência cognitiva (DA SILVEIRA,
as demências, o metabolismo dessa proteína se 2021).
encontra comprometido, de modo que ocorre Ademais, alucinações costumam ocorrer na
um acúmulo de porções maiores desse com- maioria dos pacientes, as quais tendem a ser
posto proteico (falha no processo de “dobra- agressivas e extremas, causando considerável
mento”), formando os denominados corpos de sofrimento psíquico. Distúrbios do sono tam-
Lewi (GOMES & DALLA VECCHIA, 2019). bém podem ocorrer, principalmente na fase do
No entanto, essas estruturas histopatológi- sono REM, em que a paralisia muscular fisioló-
cas se localizam em regiões diferentes na DCL gica do sono não acontece, fazendo com que o
e na demência de Parkinson, sendo que naquela paciente tenha respostas motoras aos sonhos ví-
o acúmulo ocorre no córtex cerebral, enquanto vidos, que também são comuns (DA SIL-
nesta ele se dá nos neurônios dopaminérgicos VEIRA, 2021).
da substância negra. Em ambos os casos, essas Todas essas manifestações clínicas podem
proteínas anormais, que podem ser considera- comprometer seriamente a vida dos pacientes
das como príons, possuem a capacidade de se- idosos prejudicando, sobretudo, sua autonomia
rem resistentes à degradação enzimática provo- e sua capacidade de autocuidado. Dessa forma,
cada pelos lisossomos celulares, gerando um atividades básicas como alimentar-se, vestir-se,
dano neuronal progressivo que gera manifesta- realizar a higiene pessoal e ter a capacidade de
ções clínicas diferentes conforme a região afe- continência urinária e fecal podem ser afetadas.
tada, o que explica a diferença sintomatológica Outrossim, tarefas mais complexas, mas essen-
existente entre a DCL e a demência de Parkin- ciais ao convívio social adequado, também po-
son (STUDART NETO et al., 2021). dem sofrer comprometimento, como a compe-
tência em preparar as próprias refeições, admi-
nistrar as medicações, gerir o próprio dinheiro
Manifestações Clínicas e seus impactos
no idoso e executar atividades domésticas. A avaliação
De um modo geral, os sintomas da DCL em da capacidade do paciente em realizar essas ati-
pacientes idosos são decorrentes da degradação vidades pode ser avaliada pela escala de Law-
do córtex cerebral causado pelo acúmulo anor- ton e pela escala de Katz, retratadas na Imagem
mal de sinucleína, sendo que falhas na memória 30.1 e 30.2 (JÚNIOR et al., 2023).
e flutuações cognitivas configuram como mani-
festações clínicas iniciais. Nesse contexto, o pa- Abordagem diagnostica
ciente pode apresentar períodos de coerência e A DCL é uma doença neurodegenerativa
de atenção que se alternam com momentos de que pode ser desafiadora de diagnosticar devido
confusão e de dificuldades em responder a per- à sobreposição de sintomas com outras condi-
guntas e de manter o foco. Sintomas extrapira- ções, como a doença de Parkinson e a doença
midais como tremores posturais, bradicinesia, de Alzheimer. A abordagem diagnóstica da
rigidez muscular e instabilidade da marcha tam- DCL envolve uma avaliação abrangente do his-
bém podem ocorrer, mas estes surgem pelo me- tórico médico do paciente, exame físico e neu-
nos 1 ano após o aparecimento dos sintomas de- rológico, além de testes neuropsicológicos e de
menciais, ao contrário da demência de Parkin- imagem cerebral (MCKEITH et al., 2017).

227 | P á g i n a
Figura 30.1 Escala de Lawton

Fonte: DUARTE et al., 2007

Imagem 30.2 Escala de Katz

Fonte: DUARTE et al., 2007.


O primeiro passo no diagnóstico da DCL é psiquiátricos. Além disso, testes neuropsicoló-
avaliar o histórico médico do paciente e realizar gicos, como o Mini Exame do Estado Mental
um exame físico e neurológico para identificar (MEEM) e o Montreal Cognitive Assessment
possíveis sintomas motores, cognitivos e neuro- (MoCA), podem ser usados para avaliar a fun-
228 | P á g i n a
ção cognitiva do paciente (MCKEITH et al., À vista disso, a abordagem diagnóstica da
2017). DCL envolve uma avaliação abrangente do his-
Exames de imagem cerebral, como a PET e tórico médico do paciente, exame físico e neu-
a RM, também podem ser úteis na identificação rológico, testes neuropsicológicos e de imagem
de alterações no cérebro associadas à DCL. A cerebral, além de critérios diagnósticos especí-
PET pode ser usada para medir os níveis de ficos. A identificação precoce e precisa da DCL
neurotransmissores cerebrais, como a dopa- é importante para permitir um tratamento ade-
mina, que podem estar diminuídos em pacientes quado e melhorar a qualidade de vida dos paci-
com DCL (MCKEITH et al., 2017). Já a RM entes e suas famílias.
pode mostrar a presença de atrofia em regiões
específicas do cérebro, como o córtex temporal Tratamento
e parietal, como pode ser observado na Imagem O tratamento para a DCL é dividido em me-
30.3 (FERMAN et al., 2019). didas de suporte e em alternativas farmacotera-
pêuticas. As medidas de suporte focam em pro-
Imagem 30.3 Ressonância magnética evidenciando si- mover mudanças ambientais que se adequem à
nais de atrofia cerebral
progressiva perda de cognição e de atenção.
Dessa forma, o ambiente de convívio doméstico
de um paciente com DCL deve ter um caráter
acolhedor, sendo bem iluminado e transpare-
cendo familiaridade. Além disso, elementos
que estimulem a orientação alopsíquica devem
estar presentes, como relógios e calendários
bem visíveis. Também é importante que uma
rotina seja criada, com horários bem definidos
para realizar refeições, dormir, acordar e fazer
Fonte: GONÇALVES et al., 2022
atividades de lazer, de forma que quaisquer al-
terações nos hábitos diários da família devem
Além disso, critérios diagnósticos específi-
ser explicadas ao paciente. Por fim, algumas
cos foram desenvolvidos para ajudar a identifi-
medidas de segurança também podem ser úteis,
car a DCL. O Consórcio DCL, por exemplo, de-
como colocar detectores nas portas para identi-
senvolveu critérios que levam em consideração
ficar casos de atos errantes, que podem ser co-
a presença de sintomas cognitivos e motores,
muns nesses pacientes por conta dos sonhos ví-
além da presença de corpos de Lewy no cérebro
vidos característicos (SILVA et al., 2021).
(MCKEITH et al., 2017). Outros critérios diag-
Já em relação ao tratamento medicamen-
nósticos, como os critérios do Terceiro Con-
toso, alguns fármacos usados na doença de Al-
senso Internacional sobre a Doença de Parkin-
zheimer podem ser utilizados, como a rivastig-
son e Distúrbios Relacionados, também in-
mina, um inibidor da acetilcolinesterase que
cluem a presença de sintomas específicos,
atua aumentando a disponibilidade sináptica da
como alucinações visuais e flutuações cogniti-
acetilcolina, um neurotransmissor importante
vas, para ajudar a diferenciar a DCL de outras
para a manutenção da atenção, sendo impor-
condições (GONÇALVES et al., 2022).
tante para estabilizar os sintomas de declínio da
cognição. Fármacos que aumentem a biodispo-

229 | P á g i n a
nibilidade de dopamina, como a associação en- Nesse contexto, ressalta-se a importância
tre levodopa e carbidopa, apesar de serem efici- do diagnóstico precoce dessa condição clínica
entes no tratamento dos sintomas extrapirami- para que o tratamento seja executado em tempo
dais da demência de Parkinson, devem ser evi- hábil, visando ao retardamento da progressão
tados na DCL, por acentuarem os sintomas alu- dos sintomas. Para isso, torna-se necessário
cinatórios (CARAMELLI et al., 2022). uma ação conjunta entre parentes e profissio-
nais de saúde para a identificação de sinais pre-
CONCLUSÃO coces que sugiram o diagnóstico de DCL. Além
disso, a efetiva realização de medidas de su-
Este estudo abordou a DCL como um fator porte não medicamentosas na fase do trata-
etiológico de síndrome demencial em pacientes mento é crucial, como a promoção de um ambi-
idosos, destacando suas manifestações clínicas, ente seguro e familiar, bem como a existência
abordagem diagnóstica e conduta terapêutica, de uma rotina bem definida. Dessa forma, estu-
com o objetivo de evidenciar a importância da dos que foquem na importância e na influência
compreensão dos impactos que essa doença dessas alterações ambientais para o bem-estar
causa na vida dos pacientes dessa faixa etária de idosos com DCL devem ser fomentados, a
que são acometidos por essa enfermidade, haja fim de melhorar a qualidade de vida desses pa-
vista o considerável declínio de cognição e de cientes.
autonomia sofrido por tais pacientes.

230 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARAMELLI, P. et al. Tratamento da demência: reco- JÚNIOR, J.R.M.L. et al. Assistência de enfermagem em
mendações do Departamento Científico de Neurologia pacientes com Demência do Corpo de Lewy. Nursin g
Cognitiva e do Envelhecimento da Academia Brasileira (São Paulo), v. 26, n. 298, p. 9463, 2023.
de Neurologia. Dementia & Neuropsychologia, v. 16, p.
88, 2022. LEMOS, R. et al. The heterogeneity of cognitive profiles
in dementia with Lewy bodies: a systematic review. In-
DA SILVEIRA, F.M. Alterações Neuropsicológicas na ternational Psychogeriatrics, v. 32, n. 2, p. 131, 2020.
Demência por Corpos de Lewy. Revista Ibero-Ameri-
cana de Humanidades, Ciências e Educação, v. 7, n. 7, p. LÖKK, J. et al. Sex differences in Alzheimer biomarkers
126, 2021. in individuals with subjective cognitive decline: Results
from the Gothenburg-BIO sub-study. Journal of Alzhei-
DUARTE, Y.A.O. et al. O Índex de Katz na avaliação da mer's Disease, v. 71, n. 1, p. 65, 2019.
funcionalidade dos idosos. Revista da Escola de Enfer-
magem da USP, v. 41, p. 317, 2007. MCKEITH, I.G. et al. Diagnosis and management of de-
mentia with Lewy bodies: Fourth consensus report of the
FERMAN, T.J. et al. Dementia with Lewy bodies: an DLB Consortium. Neurology, v. 89, n. 1, p. 88, 2017.
emerging disease. American Journal of Geriatric Psychi-
atry, v. 27, n. 5, p. 484, 2019. NALLS, M.A. et al. Large-scale meta -analysis of ge-
nome-wide association data identifies six new risk loci
GOMES, S.C. & DALLA VECCHIA, D. Demência com for Parkinson’s disease. Nature Genetics, v. 47, n. 11, p.
Corpos de Lewy: Uma Abordagem Integrada da Litera- 1312, 2015.
tura. Revista UNIANDRADE, v. 20, n. 3, p. 136, 2019.
SILVA, L.F.A.L. et al. Tratamento dos transtornos neu-
GONÇALVES, H.Z. et al. Diagnóstico por imagem das rocognitivos e outros sintomas associados às demências:
demências. Brazilian Journal of Development, v. 8, n. 6, demência na doença de Parkinson, demência com corpos
p. 48436-48441, 2022. de Lewy, degeneração lobar frontotemporal e demência
vascular. In: Clínica psiquiátrica: a terapêutica psiquiá -
JELLINGER, K.A. Dementia with Lewy bodies and Par- trica. 2. edição, ampliada e atualizada. Manole, 2021.
kinson’s disease-dementia: current concepts a nd contro-
versies. Journal of Neural Transmission, v. 125, n. 4, p. STUDART NETO, A. et al. Demência com corpos de
615, 2018. Lewy e demência da doença de Parkinson. In: Neurolo -
gia. Editora Atheneu, 1ª edição, 2021.

231 | P á g i n a
Capítulo 31

EVOLUÇÃO DA POLÍTICA
NACIONAL SOBRE DROGAS:
IMPACTOS DA ABORDAGEM
DE REDUÇÃO DE DANOS

MARIANA COSTA SILVÉRIO VITOR¹


JULIA WONG ALENCAR¹
LUCAS CAMPOS LOPES 2

1. Discente – Medicina, Universidade Anhembi Morumbi (UAM – SP)


2. Preceptor – Medicina, Universidade Anhembi Morumbi (UAM – SP)

Palavras Chave: Redução de danos; Política Nacional de Álcool e Drogas; Saúde mental.

10.59290/978-65-6029-006-8.31
232 | P á g i n a
INTRODUÇÃO Os critérios de inclusão foram: artigos no
idioma Português; publicados no período de 20
O uso de substâncias psicoativas historica- anos (entre 2003 e 2023) e que abordavam as
mente possui aspectos de regulação sociocultu- temáticas propostas para esta pesquisa. Os cri-
rais, em que o posicionamento sobre a utiliza- térios de exclusão foram: artigos duplicados,
ção dessas substâncias é dependente do con- disponibilizados na forma de resumo, que não
texto específico em que o indivíduo está inse- abordavam diretamente a proposta estudada e
rido. As tentativas de controle do uso de subs- que não atendiam aos demais critérios de inclu-
tâncias por via Estatal tiveram origem no século são.
XIX, decorrente do aumento da industrializa- Após os critérios de seleção restaram 10 ar-
ção e consequente consumo de álcool e ópio nos tigos que foram submetidos à leitura minuciosa
Estados Unidos. Tais esforços para o controle para a coleta de dados. Os resultados foram
foram fortemente influenciados pela ótica proi- apresentados em forma descritiva, divididos em
bicionista, patologizando o uso e criminali- categorias temáticas abordando: Guerra às dro-
zando o usuário (ALVES, 2009). gas, Redução de Danos e Histórico da política
O objetivo deste estudo foi realizar uma nacional de álcool e outras drogas.
análise das políticas públicas referentes a esse
tema, considerando a evolução do contexto RESULTADOS E DISCUSSÃO
sociopolítico, e principalmente contrapondo a
lógica proibicionista com a política de redução Guerra às drogas
de danos (RD), com a hipótese de que ambas A guerra às drogas se tornou uma política
apresentaram grande influência na formulação global liderada pelos EUA no século XX,
das políticas públicas brasileiras sobre álcool e quando houve a realização da Convenção Única
outras drogas (AD). Sobre Entorpecentes em 1961. Convenção,
esta, aprovada pelos EUA e pela ONU e que ti-
MÉTODO nha como objetivo combater o abuso de drogas
por meio de ações internacionais coordenadas,
Trata-se de uma revisão integrativa de lite- aplicando sanções penais a quem comerciali-
ratura realizada no período de janeiro a maio de zasse substâncias psicoativas ilícitas (GOMES
2023, por meio de pesquisas em 3 bases de da- & VECCHIA, 2018). Em 1971, o então presi-
dos PubMed (The United States National Li- dente dos Estados Unidos da América, Richard
brary of Medicine NLM), SciELO (Scientific Nixon, declarou que o uso de drogas ilegais de-
Electronic Library Online) e Google Scholar. veria ser o maior inimigo da democracia. Nesta
Para levantamento bibliográfico, foram utiliza- época, houve um encarceramento em massa no
dos termos livres como: Redução de Danos, Po- país, principalmente de negros, latinoamerica-
lítica Nacional de Álcool e Drogas, Políticas de nos e pessoas em situação de vulnerabilidade
Saúde Mental, Saúde Mental e uso de drogas. social.
Desta busca foram encontrados 1.787 artigos, Tendo a declaração da guerra às drogas por
posteriormente submetidos aos critérios de se- parte dos EUA, houve uma ampliação e fortale-
leção. cimento bélico em todo o mundo. Com a justi-
ficativa de erradicar o uso de substâncias psico-
ativas ilícitas, combater o tráfico de drogas e

233 | P á g i n a
“manter a ordem social”, os EUA passaram a (PASSOS & SOUZA, 2011). Sendo esta ação
realizar intervenções militares em diversos paí- judicial mais um fracasso da "guerra às drogas".
ses, como na Bolívia, Colômbia e Panamá A criminalização da dependência química é
(PASSOS & SOUZA, 2011). algo que faz parte da "guerra às drogas", a qual
No Brasil, a guerra contra as drogas segue faz exercício do poder e da violência para punir
um viés moralista, conservador, racista e anti- e constranger moralmente não só o traficante,
comunista, associando estas substâncias a algo mas também o usuário. Esta criminalização e o
imoral: uma ameaça à "moral e aos bons costu- punitivismo colaboram para a ideia de que usu-
mes" (BRITO, 2021). Historicamente, a guerra ários de substâncias psicoativas ilícitas são de-
às drogas teve sua base na Ditadura Militar e linquentes e imorais, o que impacta diretamente
sua intensificação no fracasso do "milagre eco- na exclusão social destas pessoas e distancia-
nômico". Os métodos de tortura, comuns nesta mento destas dos serviços de saúde disponíveis
época, são utilizados até hoje como modelo re- para ajudar a combater efetivamente o abuso
pressivo em favelas, estas consideradas “culpa- destas substâncias.
das” e responsabilizadas pela disseminação do
uso de drogas no país. Redução de danos
O fracasso do modelo econômico da Dita- Historicamente, o primeiro relato da prática
dura Militar corrobora com o desemprego de de RD ocorreu em 1926, na Inglaterra, pelo Re-
grande parte da população, com a pobreza, au- latório Rolleston, no qual médicos obtiveram
mento de favelas, sucateamento da educação permissão para prescrever opioides a pacientes
pública, aumento do mercado ilícito, principal- dependentes que não conseguiam cessar o uso
mente o mercado de cocaína, e, com isso, au- destas substâncias a fim de que estes tivessem
mento da corrupção policial, superlotação car- uma vida mais estável e útil (SANTOS et al.,
cerária, violações dos direitos humanos e da vi- 2010).
olência urbana. Violência está entre facções ini- Porém, foi somente na década de 80, na Ho-
migas por disputa de territórios para o tráfico e landa, que a RD passou a ser uma estratégia ofi-
também entre facções e polícia, o que fez cres- cial a ser abordada pelos sistemas de saúde, pri-
cer o mercado de armas, algo atrelado também meiramente como uma forma de combater a
à corrupção policial. disseminação de hepatites. E conforme a infec-
Apesar do contexto de guerra às drogas, em ção pelo HIV foi se tornando mais frequente en-
1989 foi realizada a primeira ação de RD no tre usuários de drogas injetáveis - devido ao
Brasil, o Programa de Troca de Seringas compartilhamento de seringas - a RD foi sendo
(PTSs), em Santos - SP, cidade conhecida nesta cada vez mais adotada entre outros países para
época como a "capital da AIDS". Esta ação foi diminuir os casos de HIV e AIDS (GOMES &
realizada devido ao alto número de casos de VECCHIA, 2018).
HIV e AIDS relacionado ao compartilhamento Diferente das práticas tradicionais de absti-
de seringas para o uso de drogas. O coordena- nência - em que o foco são as substâncias psi-
dor do programa de DST/AIDS e o secretário coativas em si, a dependência química e como
municipal de saúde sofreram uma ação judicial eliminá-las -, na RD o foco é o indivíduo usuá-
com a justificativa de que estariam incenti- rio de drogas e suas singularidades, de forma a
vando o uso de drogas ao lançarem o PTSs informá-lo e orientá-lo para que ele tenha auto-
nomia e desenvolva o autocuidado. Assim, a

234 | P á g i n a
RD tem como objetivo a elaboração de estraté- como ópio, heroína, cocaína, e cannabis, entre
gias que visam a diminuição dos danos e riscos outras. Além disso, o Decreto-Lei instituiu a in-
causados pelo consumo de AD. ternação compulsória dos usuários de AD,
Como teorizado por Marlatt (1999), a RD é sendo estes denominados como "toxicômanos".
fundamentada nos seguintes princípios: Explicitando assim o fortalecimento do dis-
1- A RD é uma alternativa de saúde pública curso proibicionista e marginalizante no âmbito
para os modelos moral, criminal e de doença do mundial, que se tornava cada vez mais um pen-
uso e da dependência de drogas. samento hegemônico (BRASIL, 1938).
2- A RD reconhece a abstinência como re- Em 1946, foi criada pela ONU a Comissão
sultado ideal, mas aceita alternativas que ate- de Narcóticos (CDN) com intuito de incentivar
nuem as consequências adversas para pessoas mais ainda essa repressão, por meio da formu-
que continuam usando drogas. lação de políticas públicas de controle do uso de
3- A RD surgiu principalmente como uma drogas comuns entre os estados-membros. Em
abordagem de “baixo para cima”, baseada na 1971, foi criada a Lei nº 5.726, que aprofundou
defesa do usuário. as medidas de repressão ao tráfico e uso de en-
4- A RD promove acesso a serviços de torpecentes, também instituíndo uma relação de
baixa exigência, como uma alternativa para causa-consequência entre a dependência de en-
abordagens tradicionais de alta exigência. torpecentes à incapacidade de discernimento
5- A RD baseia-se no pressuposto do prag- dos chamados "infratores viciados" (BRASIL,
matismo empático versus idealismo moralista. 1971). Essa Lei, assim como o Decreto-Lei nº
Desta forma, demonstra-se que a política de 891, foram revogados pela Lei nº 6.368/1976,
RD visa a atenção integral à saúde, abordando que destacou a ampliação da assistência à saúde
não somente os efeitos adversos do uso de dro- aos usuários de substâncias psicoativas, citando
gas, mas também os decorrentes da estigmati- que as redes dos serviços de saúde deveríam in-
zação e marginalização do indivíduo. cluir estabelecimentos próprios para tratamento
dos dependentes dessas substâncias, estabele-
Histórico de políticas públicas sobre AD cendo uma assistência contínua nos moldes da
As primeiras tentativas para controle da Reforma Psiquiátrica (BRASIL, 1938; BRA-
oferta de AD datam desde o século XIX, SIL, 1976; SILVA JÚNIOR & MONTEIRO,
quando houve um incentivo internacional para 2014).
a proibição do ópio, sendo esta pauta discutida Com base nessas medidas, observamos que
nos Encontros em Xangai em 1906 e 1911, e a progressiva disseminação da lógica proibicio-
nas Conferências em Haia, em 1912 e 1914. Es- nista influenciou diretamente a legislação bra-
tas culminaram então na criminalização da co- sileira, inicialmente criando barreiras legais
mercialização, produção e consumo do ópio e para a construção de um modelo de saúde fo-
álcool nos Estados Unidos pela Lei Harrison em cado na clínica ampliada e que compreendesse
1914 e pela Lei seca de 1920, respectivamente a determinação social do processo saúde-do-
(RODRIGUES, 2004). ença como um fator determinante em relação à
Com base nessa ação, o Brasil aprovou a dependência de substâncias psicoativas.
Lei de Fiscalização de Entorpecentes (Decreto- Em 2002, foi instituída a Política Nacional
Lei nº 891) em 1938, que proibiu a produção, Antidrogas, pelo Decreto nº 4.345, que apesar
comercialização e consumo de substâncias de dispor sobre a repressão ao tráfico, assim

235 | P á g i n a
como as políticas antecedentes a esta, também influenciadas pela crise política no contexto do
apresentou mudanças importantes: se aproxi- governo de Jair Bolsonaro (BRASIL, 2019). A
mou à política de RD, associou o uso de entor- nova PNAD firmou a abstinência como obje-
pecentes como uma pauta de saúde pública in- tivo do tratamento de usuários de drogas e mo-
fluenciada pelas determinantes de saúde, e rea- dificou as estruturas centrais da assistência, co-
firmou sobre a importância da garantia de cida- locando em foco os Hospitais Psiquiátricos e as
dania para os usuários de AD (BRASIL, 2002). Comunidades Terapêuticas (CTs), em contra-
No mesmo ano, o Ministério da Saúde publicou posição à assistência organizada com base nos
a Portaria nº 336/2002, que regulamentou os CAPS (BARBOSA & ENGSTROM, 2023). As
Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), mo- CTs são entidades privadas que prestam acolhi-
dalidades I a III, e o CAPS AD (Centros de mento de pessoas com problemas referentes ao
Atenção Psicossocial Álcool e Drogas), progre- uso de álcool e outras drogas, incluídas no SIS-
dindo cada vez mais para um cuidado voltado à NAD em 2015 pelo Ministério da Justiça. No
atenção integral para essa população. Em 2003, entanto, o destaque das CTs nessa PNAD repre-
com o lançamento da Política de Atenção Inte- senta um impasse ideológico uma vez que 82%
gral a Usuários de Álcool e outras Drogas destas estão atreladas a instituições religiosas,
(PAIUAD), a RD passou a ser uma Política do principalmente cristãs, indicando não somente
Ministério da Saúde, adotada pelo SUS, para para um retorno ao sistema manicomial, mas
atenção integral a usuários de AD, tendo como também para a associação do uso de AD como
enfoque a saúde mental (MINISTÉRIO DA uma problemática puramente moral (BARDI &
SAÚDE, 2002). GARCIA, 2022).
A Política Nacional Antidrogas foi modifi-
cada em 2005, para dar espaço a Política Naci- CONCLUSÃO
onal sobre Drogas, que apresentou um foco
ainda maior na RD, sendo um marco na política Ao observarmos a trajetória dos marcos po-
brasileira na busca ao afastamento do proibici- líticos e das estratégias legais que abordam AD
onismo. No ano seguinte, foi aprovada a Lei nº podemos refletir sobre como o contexto socio-
11.343/2006, que criou o Sistema Nacional de político internacional influencia o cenário bra-
Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD), es- sileiro. Inicialmente as políticas voltadas a essa
tabelecendo o uso de drogas como um problema temática se limitaram a criminalizar o comércio
a ser abordado por meio de políticas públicas de AD e condenar o usuário a um local margi-
integradas. E por além disso, essa Lei reconhe- nalizado e frequentemente associado a incapa-
ceu diferenças entre os indivíduos usuários de cidade de discernimento. Conforme o conheci-
drogas e indivíduos relacionados ao comércio mento sobre a política de RD progressivamente
dessas substâncias ilícitas (BRASIL, 2006). se difundia na sociedade, houve mudanças ex-
O Decreto nº 4.345/2002 foi revogado ape- pressivas na abordagem da assistência à saúde
nas em 2019, com a aprovação do Decreto nº dos usuários de substâncias psicoativas. Com
9.761, que criou a Política Nacional sobre Dro- essa ruptura, entende-se que o aspecto social
gas (PNAD) atualmente vigente. A atual PNAD multifacetado em que o usuário de substâncias
apresentou mudanças que provocaram diversos psicoativas está inserido possui diversas in-
debates, colocando em foco a efetividade da po- fluências do histórico de criminalização dessas
lítica de RD, sendo estas alterações fortemente substâncias, abrangendo os âmbitos individuais

236 | P á g i n a
e coletivos. A RD representa uma alternativa ampliada e na decisão compartilhada. O retorno
contrária ao pensamento proibicionista, colo- a um modelo hospitalocêntrico é sintomático de
cando o enfoque em uma prática de empatia e uma crise sociopolítica e simboliza importantes
cuidado focado nas demandas e necessidades riscos à garantia de direitos dessa população,
específicas do indivíduo. que já é amplamente vulnerabilizada. Ao enten-
Em uma análise crítica, vemos que o pro- der que o uso de substâncias é uma problemá-
cesso de desenvolvimento de políticas públicas tica de saúde pública, tornam-se necessárias po-
não é linear e que este é influenciado direta- líticas públicas nacionais efetivas e compreen-
mente por diversos âmbitos sociais, políticos e sivas, que garantam o direito de cidadania e
econômicos. Atualmente, com a PNAD vigente contribuam para a qualificação dos profissio-
tornam-se evidentes os retrocessos, em diver- nais de saúde mental no cuidado do indivíduo.
gência ao cenário anterior, focado na clínica

237 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, V.S. Modelos de atenção à saúde de usuários de
álcool e outras drogas: discursos políticos, saberes e prá- BRASIL. Lei nº 6.368, de 21 de outubro de 1976. Dispõe
ticas. Cadernos de Saúde Pública, v. 25, p. 2309, 2009. sobre medidas de prevenção e repressão ao tráfico ilícito
e uso indevido de substâncias entorpecentes ou que de-
BARBOSA, V.R.A. & ENGSTROM, E.M. Marcos polí- terminem dependência física ou psíquica, e dá outras pro-
ticos-legais que tratam sobre álcool e outras drogas no vidências. Disponível em:
Brasil de 2000 a 2020. Research, Society and Deve- https://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:federal:lei:197
lopment, v. 12, n. 1, p. e2712139446, 2023. 6-10-21;6368. Acesso em: 5 maio 2023.

BARDI, G. & GARCIA, M.L.T. Comunidades terapêu- BRITO, A.M.F. A droga da subversão: anticomunismo e
ticas religiosas: entre a salvação pela fé e a negação dos juventude no tempo da ditadura. Revista Brasileira de
seus princípios. Ciência & Saúde Coletiva, v. 27, p. 1557, História, v. 41, p. 39, 2021.
2022.
GOMES, T.B. & VECCHIA, M.D. Estratégias de redu-
BRASIL. Decreto nº 4.345, de 26 de agosto de 2002. Ins- ção de danos no uso prejudicial de álcool e outras drogas:
titui a Política Nacional Antidrogas e dá outras providên- revisão de literatura. Ciência & Saúde Coletiva, v. 23, p.
cias. Disponível em: 2327, 2018.
https://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:federal:decreto
:2002-08-26;4345. Acesso em: 5 maio 2023. MARLLAT, G.A. Redução de danos: estratégias práticas
para lidar com comportamentos de alto risco. Porto Ale-
BRASIL. Decreto nº 9.761, de 11 de abril de 2019. gre: Artes Médicas Sul, 1999.
Aprova a Política Nacional sobre Drogas. Disponível em:
https://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:federal:decreto MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria GM/MS nº 336, de
:2019-04-11;9761. Acesso em: 5 maio 2023. 19 de fevereiro de 2002. Diário Oficial [da] União, Bra -
sília, DF, 9 fev. 2002. Disponível em:
BRASIL. Decreto-Lei nº 891, de 25 de novembro de https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2002/prt0
1938. Aprova a Lei de Fiscalização de Entorpecentes. 336_19_02_2002.html. Acesso em: 5 de maio de 2023.
Disponível em: https://le-
gis.senado.leg.br/norma/524406. Acesso em: 5 maio PASSOS, E.H. & SOUZA, T.P. Redução de danos e sa -
2023. úde pública: construções alternativas à política global de"
guerra às drogas". Psicologia & Sociedade, v. 23, p. 154,
BRASIL. Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui 2011.
o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas -
Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso inde- RODRIGUES, T. Drogas, proibição e abolição das pe-
vido, atenção e reinserção social de usuários e dependen- nas. Curso livre de abolicionismo penal. Rio de Janeiro:
tes de drogas; estabelece normas para repressão à produ- Revan, p. 131, 2004.
ção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define
crimes e dá outras providências. Disponível em: SANTOS, V.E. Redução de danos: análise das concep-
https://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:federal:lei:200 ções que orientam as práticas no Brasil. Physis: Revista
6-08-23;11343. Acesso em: 5 ma io 2023. de Saúde Coletiva, v. 20, p. 995, 2010.

BRASIL. Lei nº 5.726, de 29 de outubro de 1971. Dispõe SILVA JÚNIOR, F.J.G. & MONTEIRO, C.F.S. Refle-
sobre medidas preventivas e repressivas ao tráfico e uso xões acerca das políticas sobre drogas: interface histórica
de substâncias entorpecentes ou que determinem depen- e contextual. Revista de Enfermagem UFPE, v. 8, p. 290,
dência física ou psíquica e dá outras providências. Dis- 2014.
ponível em: https://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:fe-
deral:lei:1971-10-29;5726. Acesso em: 5 maio 2023.

238 | P á g i n a
Capítulo 32

O USO DA HIPNOSE NO
CONTROLE DA DOR
ANA BEATRIZ MESQUITA MARQUES DE ARAÚJO FARIA¹
ANDRÉA MENDES SANCHEZ CAVALERO²
ROBERTA LIVIA BARBOSA DE BRITO³
EDUARDA TIEMI OKUMOTO¹
GIOVANNA RIBEIRO BARROS¹
ELAINE LEMOS ALMEIDA4
EDUARDO SOLANO BEZERRA¹
RANGEL SILVA OLIVEIRA5
BRUNNA ANTUNES6
SAMIRA LACERDA COSTA MARINHO³
VINICIUS NOGUEIRA XISTO VIEIRA¹
DÉBORA ROSA PEREIRA DA MOTTA SALOMÃO¹
RENATA DIAS FURTADO MENDONÇA¹
THAISLA MENDES PIRES7
LUANA OLIVEIRA RIBEIRO7

1. Discente – Medicina na Universidade de Rio Verde (UniRV), Goiás.


2. Discente – Medicina na Faculdade FACERES, São Paulo.
3. Discente – Medicina no Instituto Tocantinense Presidente Antônio Carlos (ITPAC), Tocantins.
4. Discente - Medicina no Instituto Master de Ensino Presidente Antônio Carlos (IMEPAC), Minas Gerais.
5. Docente – Pedagogo/Psicopedagogo Clínico pelo Centro Universitário de Formiga (UNIFOR), Minas
Gerais.
6. Discente – Medicina no Centro Universitário de Goiatuba (UniCerrado), Goiás.
7. Discente – Medicina na Universidade Federal de Jataí (UFJ), Goiás.

Palavras Chave: Hipnose; Controle; Dor.

10.59290/978-65-6029-006-8.32
239 | P á g i n a
INTRODUÇÃO Nesse viés, o tempo de duração é um fator
chave que distingue a dor aguda da dor crônica.
De acordo com a Sociedade Brasileira para A dor crônica é identificada quando sua dura-
Estudo da Dor, a dor é uma sensação sentida ção excede seis meses, embora outros critérios
que envolve tanto o aspecto físico quanto o possam ser utilizados para delimitar sua nature-
emocional. Assim, essa sensação está associada za, dependendo da área de atuação. Por exem-
a uma lesão real ou potencial nos tecidos do plo, a dor oncológica é considerada crônica des-
corpo. Logo, quando o corpo sofre uma lesão, de seu início (TEIXEIRA et al., 1999).
os receptores de dor, chamados nociceptores, Ademais, enfatiza-se a importância do clí-
são ativados e enviam sinais através da medula nico na identificação da dor crônica, definindo-
espinhal até o cérebro. Por conseguinte, o cére- a como aquela que persiste por um período além
bro processa esses sinais e, em poucos segun- do tempo necessário para a cura da lesão, ou
dos, a sensação de dor é sentida. associada a processos patológicos que causam
A princípio, entende-se que a dor é atual- dor contínua, ou ainda que sejam recorrentes
mente definida como "uma experiência senso- por meses ou anos (TEIXEIRA et al., 1999).
rial e emocional desagradável relacionada com De acordo com a portaria n° 702, de 21 de
o dano real ou potencial de algum tecido ou que Março de 2018, do Ministério da Saúde, a hip-
se descreve em termos de tal dano" (PIMEN- noterapia consiste em um conjunto de técnicas
TA, 1999 apud LIMA & TRAD, 2008). que, por meio de um intenso relaxamento, con-
Nesse viés, observa-se que a dor aguda tem centração e/ou foco, conduz a pessoa a alcançar
uma função de alerta importante, ocorrendo um estado de consciência aumentado capaz de
após uma lesão tecidual, e geralmente desap- alterar uma ampla variedade de condições ou
arece após a resolução do processo patológico. comportamentos indesejáveis, como medos, fo-
Assim, essa dor é bem delimitada temporal- bias, insônia, depressão, angústia, estresse e do-
mente, com alterações neurovegetativas sistê- res crônicas. Além disso, pode favorecer o auto-
micas e sua fisiopatologia está bem compre- conhecimento e, em conjunto com outras for-
endida. Além disso, o diagnóstico etiológico é mas de terapia, ajudar a tratar uma série de pro-
relativamente simples e sua intensidade e blemas ( BRASIL, 2018).
localização correspondem bem ao local e di- Por conseguinte, em 1993 a American Psy-
mensão da lesão. Logo, com os recursos atuais chological Association (APA) definiu a hipno-
da biomedicina, o controle da dor aguda é terapia como um procedimento pelo qual um
adequado; essa descrição corresponde à dor re- profissional de saúde leva o indivíduo a experi-
gulatória, conforme descrito por Teixeira et al. mentar sensações, mudanças, percepções, pen-
(1999). samentos ou comportamentos, com aplicação
No entanto, quando a dor se torna crônica, em diversas condições, como transtornos de-
ela se desvia desse padrão e os procedimentos pressivos, ansiedade, neurose depressiva e de-
neurofisiológicos envolvidos na dor mudam, pressão, tendo sua indicação baseada em estu-
ganhando a qualificação de "patológica". Desse dos prévios (BRASIL, 2018).
modo, nota-se que o processo de transformação Assim sendo, alguns setores de saúde ado-
de dor fisiológica para dor patológica não é bem tam regularmente esta prática em seus proto-
compreendido, mas é considerado que o trata- colos de atendimento, como a odontologia, a
mento inadequado da dor aguda pode levar à psicologia, a fisioterapia, a enfermagem, dentre
sua cronificação (LIMA & TRAD, 2008). outras (BRASIL, 2018).

240 | P á g i n a
Por conseguinte, sendo a hipnose uma téc- nível de receptividade a sugestões e é capaz de
nica terapêutica que tem sido estudada como acessar recursos internos para promover mu-
um método não farmacológico para o controle danças terapêuticas, segundo a Sociedade Bra-
da dor; o objetivo deste artigo é revisar a litera- sileira de Hipnose (SBH, 2023).
tura científica sobre o uso da hipnose no contro- Nesse viés, a hipnose é reconhecida como
le da dor. Logo, os estudos revisados nesta aná- uma prática terapêutica tradicional, está se en-
lise sugerem que a hipnose pode ser uma técni- contra no centro do debate entre ciência e prá-
ca eficaz no controle da dor em uma variedade tica clínica. Isso ocorre principalmente porque
de condições médicas. a hipnose não se vincula a uma teoria específica
nem busca revelar uma realidade objetiva, mas
MÉTODO sim se concentra efetivamente nos indivíduos,
permitindo-lhes experimentar cura sem ter a ca-
Trata-se de uma revisão integrativa da lite- pacidade científica de explicá-la completa-
ratura, A busca foi realizada durante os meses mente. Portanto, a hipnose pode ser conside-
de abril e maio de 2023 nas bases da PubMed, rada uma encruzilhada ou uma bifurcação na
BVS (Biblioteca Virtual em Saúde do Ministé- psicologia, onde de um lado há uma demanda
rio da Saúde) e SciELO (Scientific Electronic por uma nova racionalidade e, do outro, a per-
Library). Como estratégia de busca foram con- sistência no mundo do inexplicável (NEU-
sideradas as seguintes palavras-chave: “hip- BERN, 2004).
nose”, “controle” e “dor”. Além disso, foi rea- Diante do exposto, pode-se observar que a
lizada a leitura das listas de referências de al- hipnose é utilizada para um possível controle da
guns artigos de revisão sistemática para a sele- dor; ademais o manejo da dor crônica tem sido
ção de possíveis estudos adicionais relevantes e associado a custos elevados, e há crescente
que pudessem ser incluídos. Os estudos seleci- questionamento sobre a efetividade dos trata-
onados foram em inglês e português, sem limite mentos disponíveis e a viabilidade de políticas
de tempo. públicas específicas para atender a essa de-
Os artigos selecionados foram lidos na ínte- manda (COHEN, 1996 apud LIMA & TRAD,
gra e avaliados de maneira independente pelos 2008). Assim, para atender a essa necessidade,
revisores. Assim, foram excluídos artigos de surgiram as clínicas de dor, presentes no Brasil
opinião, reflexões teóricas e artigos que não es- desde os anos 80 e no mundo a partir dos anos
tivessem disponíveis na íntegra online e publi- 70. Essas clínicas são compostas por equipes
cações que não abordassem a temática da revi- multiprofissionais, geralmente localizadas em
são. faculdades de medicina, que reúnem especialis-
Ademais, os pesquisadores extraíram os da- tas em terapias convencionais (medicina, fisio-
dos de forma separada e depois foi definido o terapia, psicologia e terapia ocupacional) e al-
padrão para descrever os detalhes em relação ao gumas terapias não convencionais, como acu-
tema proposto nessa revisão; logo, apresentou- puntura e hipnose (CASTRO, 1999 apud LIMA
se uma síntese dos artigos incluídos neste es- & TRAD, 2008).
tudo. Considerando que a dor é um reflexo da de-
sarmonia do organismo, o uso do tratamento
RESULTADOS E DISCUSSÃO magnético pode desencadear um novo processo
A hipnose é um estado alterado de consci- de harmonização orgânica, auxiliado pela sabe-
ência no qual um indivíduo apresenta um alto
241 | P á g i n a
doria da natureza, resultando em alívio ou até eficaz para controlar a dor em uma variedade de
mesmo cura da dor (NEUBERN, 2009). condições médicas. No entanto, é importante
Desse modo, entende-se que a hipnose é lembrar que a hipnose não é uma cura para a dor
uma técnica terapêutica que tem sido estudada e deve ser usada em conjunto com outras for-
como um método não farmacológico para con- mas de tratamento médico, como medicamen-
trole da dor. Assim, analisou-se um estudo feito tos e terapia física. Ademais, é importante falar
por Mark Jensen, no qual se avaliou os efeitos com um profissional de saúde qualificado antes
do treinamento em auto-hipnose e reestrutura- de iniciar qualquer tipo de tratamento para a
ção cognitiva na dor e catastrofização em indi- dor.
víduos com esclerose múltipla e dor crônica.
Dessa maneira, os resultados mostraram uma CONCLUSÃO
diminuição significativa da dor e da catastrofi-
zação em ambos os grupos de intervenção A hipnose tem se mostrado uma alternativa
(JENSEN et al., 2011). eficaz no controle da dor, e pode-se ser utilizada
Por conseguinte, observou-se um estudo tanto para dor aguda quanto para dor crônica.
descrito por Guy Montgomery, em que se ava- Nesse viés, observa-se que diversos estudos
liou os efeitos de uma intervenção breve de hip- têm evidenciado sua efetividade como terapia
nose no controle de efeitos colaterais em paci- complementar ou alternativa ao tratamento con-
entes submetidos à cirurgia de mama. Assim vencional da dor, proporcionando redução da
sendo, os resultados mostraram que a interven- intensidade e frequência da dor, melhora da
ção de hipnose foi associada a uma diminuição qualidade do sono e da qualidade de vida dos
significativa da dor, náusea, fadiga e descon- pacientes (JENSEN et al., 2011; ELKINS et al.,
forto geral (MONTGOMERY et al., 2007). 2007; MONTGOMERY et al., 2000).
Ademais, leu-se o artigo de revisão de Gary Em contrapartida, apesar dos benefícios
Elkins, onde este examinou a eficácia da hipno- comprovados da hipnose no controle da dor,
terapia no tratamento da dor crônica. Os resul- ainda há resistência por parte de alguns profis-
tados indicaram que a hipnoterapia é eficaz no sionais de saúde em utilizá-la como terapia
tratamento da dor em uma variedade de condi- complementar. Além disso, a disponibilidade
ções médicas, incluindo dor de cabeça, dor nas de profissionais capacitados em hipnose ainda
costas, fibromialgia e artrite (ELKINS et al., é limitada, o que pode dificultar o acesso dos
2007). pacientes a essa abordagem terapêutica.
Por conseguinte, observou-se o artigo Mark Portanto, é importante que os profissionais
Jensen, neste artigo de revisão discutiram-se es- de saúde estejam abertos às terapias comple-
tratégias para avançar a pesquisa em hipnose, mentares e alternativas, como a hipnose, como
incluindo a integração de neurociência cogni- forma de proporcionar um cuidado mais abran-
tiva e clínica. Nesse viés, os autores enfatizam gente e eficaz aos pacientes que sofrem de dor
a importância de uma abordagem interdiscipli- crônica. Logo, a inclusão da hipnose em progra-
nar para compreender a hipnose e seus efeitos mas de tratamento multidisciplinar para dor
terapêuticos na dor e outras condições médicas crônica pode ser uma alternativa viável e efe-
(JENSEN et al., 2018). tiva para o controle da dor e melhoria da quali-
Desse modo, entende-se que estes artigos dade de vida dos pacientes.
sugerem que a hipnose pode ser uma técnica

242 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro.
Portaria n° 702, de 21 de março de 2018. Altera a Portaria MONTGOMERY, G. et al. A meta -analysis of hypnoti-
de Consolidação nº 2/GM/MS, de 28 de setembro de cally induced analgesia: How effective is hypnosis?. The
2017, para Incluir Novas Práticas na Política Nacional de International Journal of Clinical and Experimental Hyp-
Práticas Integrativas e Complementares no SUS – nosis. v. 48, n. 2, p. 138, 2000.
PNPIC. Disponível em:
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2018/prt0 MONTGOMERY, G.H. et al. A randomized clinical trial
702_22_03_2018.html. Acesso em: 04 abr. 2023. of a brief hypnosis intervention to control side effects in
breast surgery patients. Journal of the National Cancer
ELKINS, G. et al. Hypnotherapy for the management of Institute, v. 99, n. 17, p. 1304, 2007.
chronic pain. The International Journal of Clinical and
Experimental Hypnosis, v. 55, n. 3, p. 275, 2007. NEUBERN, M.N. Hipnose e psicologia clínica: proble-
mas clínicos, epistemológicos e históricos. Universitas
JENSEN, M.P. et al. Effects of self-hypnosis training and Ciência da Saúde, Brasília, v. 2, n. 1, p. 1, 2004.
cognitive restructuring on daily pain intensity and
catastrophizing in individuals with multiple sclerosis and NEUBERN, M.S. Hipnose e dor: origem e tradição clíni-
chronic pain. The International Journal of Clinical and cas. Estudos de Psicologia (Natal), v. 14, n. 2, p. 105,
Experimental Hypnosis, v. 12, n. 3, p. 297, 2011. 2009.

JENSEN, M.P. et al. New directions in hypnosis re- SBH - SOCIEDADE BRASILEIRA DE HIPNOSE. De-
search: strategies for advancing the cognitive and clinical finição de hipnose. Disponível em: https://sbhyp-
neuroscience of hypnosis. Neuroscience of conscious- nose.com.br/definicao-de-hipnose/. Acesso em: 05 abr.
ness, v. 3, n. 1, p. niy007, 2018. 2023.

LIMA, M.A.G. & TRAD, L. Dor crônica: objeto insubor- TEIXEIRA, M.J. et al. Fisiopatologia da dor neuropática.
dinado. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 15, n. Revista Médica, São Paulo, v.78, p.53, 1999
1, p. 117, 2008.

243 | P á g i n a
Capítulo 33

SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS
NA NEUROPLASTICIDADE
DESENCADEADA POR
COCAÍNA E MORFINA

DANIEL DIAS RUFINO ARCANJO¹


MAURÍCIO PIRES DE MOURA DO AMARAL 2

1. Docente - Departamento de Biofísica e Fisiologia, Universidade Federal do Piauí


2. Docente - Curso de Farmácia, Universidade Federal do Piauí.

Palavras Chave: Morfina; Cocaína; Neuroplasticidade.

10.59290/978-65-6029-006-8.33
244 | P á g i n a
INTRODUÇÃO ação de um único neurotransmissor estão sendo
substituídas por conceitos mais complexos à
A busca por substâncias que fossem úteis medida que ocorrem avanços na área. Apesar
no tratamento da dor e depressão nos levou ao de, no início, a adicção às drogas ter sido en-
isolamento de substâncias presentes em plantas tendida como um distúrbio com características
milenarmente utilizadas na cura do sofrimento universais, atualmente evidências apontam para
humano. Ironicamente, os alcaloides isolados mecanismos diferentes entre as classes de dro-
da Papaver soniferum (morfina) e da Erytroxy- gas (ex. psicoestimulantes, opioides, álcool, ca-
lum coca (cocaína) (Imagem 33.1), que se mos- nabidinoides, nicotina) capazes de desencadea-
traram úteis nestes propósitos, apresentaram la.
um padrão de consumo adictivo. Segundo o O objetivo deste trabalho foi o de discutir
relatório do Escritório das Nações Unidas sobre os efeitos neurobiológicos desencadeados por
Drogas e Crime (UNODC), a cocaína foi utili- psicoestimulantes e opioides, aqui respectiva-
zada por 19 milhões de pessoas em 2018. Para mente representados pela cocaína e morfina,
opioides, no qual estão inclusos os opiáceos ressaltando as semelhanças e diferenças sobre
(ex. heroina e ópio), os dados demonstram que os diversos grupos de neurotransmissores do
em torno de 57,8 milhões pessoas consumiram Sistema Nervoso Central (SNC).
as substâncias em 2018 (UNODC, 2022). So-
mando-se aos graves problemas de saúde resul- Imagem 33.1 Molécula da Cocaína (A) e Morfina (B),
alcaloides obtidos a partir das folhas de Erytroxylum coca
tantes do uso compulsivo, o consumo destas e do exsudato oleoso da Papaver soniferum, respectiva -
substâncias é responsável pelo aumento cres- mente.
cente de gastos com políticas de combate ao trá-
fico, a criminalidade e violência que lhe são ca-
racterísticos.
É importante observar, que o conceito de
adicção às drogas refere-se a um transtorno
neuropsiquiátrico caracterizado por um desejo
recorrente de continuar utilizando a substância,
apesar das consequências prejudiciais a saúde.
Assim, ocorre uma recidiva crônica com com- MÉTODO
pulsão pela busca e ingestão da droga, perda de
controle na ingestão e surgimento de um estado Trata-se de uma revisão narrativa realizada
emocional negativo (ex. disforia, ansiedade, ir- no período de fevereiro de 2022 a março de
ritabilidade) quando o acesso à droga é impe- 2023, por meio de pesquisas nas bases de dados
dido. Atualmente este fenômeno, que anterior- PubMed. Foram utilizados os descritores:
mente era atribuído a pessoas com fraca perso- “drug addiction, morphine addiction, cocaine
nalidade, é melhor compreendido devido às addiction, reward system” e suas associações
pesquisas neurobiológicas que a cada dia avan- com “dopamine, serotonine, gamma-aminobu-
çam no sentido de esclarecer onde e como esse tyric acid e glutamate”.
transtorno se desenvolve (OLSEN, 2022). Os critérios de inclusão foram: artigos no
Teorias neurobiológicas que fundamenta- idioma inglês e que abordavam as temáticas
vam sua explicação, principalmente, através da propostas para esta pesquisa. Os critérios de ex-

245 | P á g i n a
clusão foram: artigos duplicados, disponibiliza- resolveram adaptar o protocolo experimental
dos em outra língua que não fosse o inglês e que permitindo que os animais se autoestimulassem
não abordavam diretamente a proposta do tra- e, consequentemente, eles o faziam toda vez
balho. que era dada essa possibilidade. Olds batizou
essas regiões do cérebro de áreas do prazer
RESULTADOS E DISCUSSÃO como fica evidente no título do seu artigo “Ple-
asure centers in the brain” publicado em 1956
Sistema recompensa: breve histórico, (KENNY, 2011).
neurofisiologia e neurobiologia da adicção à
cocaína e morfina. Figura 33.2 No início dos anos 1950, James Olds (foto
Atualmente sabe-se que existem áreas em de época) e seu aluno de pós-graduação Peter Milner
(foto mais recente), foram os responsáveis pela desco-
nosso cérebro formadas por neurocircuitos es- berta das áreas do sistema recompensa.
pecializados. Estes neurocircuitos, quando ati-
vados por dopamina (DA) nos proporcionam
experiências prazerosas e gratificantes. Psi-
coestimulantes como a cocaína agem no SNC
ao potencializar a liberação de DA e outros neu-
rotransmissores [ex. noradrenalina (NA) e sero-
tonina (5-HT)] inibindo mecanismos de recap-
tação neuronal. Para opioides como a morfina,
o mecanismo envolve a inibição de interneurô-
nios como ácido gama-aminobutírico (GABA),
Muitas outras descobertas surgiram a partir
desencadeando um aumento da liberação de DA
de então. Estudos de mapeamento neuroanatô-
(LISTOS et al., 2019). Assim, é possível perce-
mico com eletrodos móveis foram usados e pes-
ber que a liberação de DA, comum ao meca-
quisas utilizando métodos histoquímicos tam-
nismo das duas substâncias, tem um protago-
bém. Assim, a área do prazer acidentalmente
nismo no distúrbio da adicção às drogas. O
identificada por Olds & Milner tomou forma e
efeito central da DA leva a transformações neu-
foi, enfim, possível delimitá-la mostrando a in-
robiológicas capazes de fortalecer comporta-
trincada rede neural que compõem o sistema
mentos que reforçam a autoadministração des-
mesocorticolímbico (KENNY, 2011).
sas substâncias.
Basicamente, o sistema mesocorticolím-
Áreas do cérebro, que hoje são conhecidas
bico (Imagem 33.3) é formado pela via dopa-
como sistema ou circuito recompensam, foram
minérgica mesolímbica composta por feixes de
descobertas acidentalmente, no início dos anos
neurônios dopaminérgicos que partem da Área
1950 na Universidade McGill. James Olds e seu
tegumentar ventral (ATV) atingindo o Núcleo
aluno de pós-graduação Peter Milner (Imagem
accubens (NAc) e pela via mesocortical onde os
33.2) estimularam, equivocadamente, com um
feixes que se iniciam na ATV prolongam-se di-
eletrodo fixo, áreas subcorticais associadas ao
retamente até o córtex pré-frontal (CPF). Na
feixe prosencéfalo medial. Como resultado, os
composição dessas vias o NAc destaca-se, pois
dois observaram que os animais pareciam gos-
quando estimulado por uma corrente de baixa
tar da estimulação e voltavam espontaneamente
energia ou por uma administração de DA de
para o experimento. Logo após, Olds & Milner
forma direta, suas células produzem sentimen-
246 | P á g i n a
tos de prazer e satisfação. A função natural de ção do SNC explicaria as suas funções no sis-
sua ativação é fazer com que indivíduos priori- tema recompensa, já que uma informação sobre
zem atividades biológicas básicas, importantes o local exato onde um determinado animal con-
para a sobrevivência de sua espécie. Portanto, seguiu saciar sua sede ou sua fome teria tama-
quando uma pessoa sedenta mata sua sede ou nha importância para a sua sobrevivência que
alguém tem um orgasmo as células dopaminér- deveria ser devidamente preservada, pois pode-
gicas inundam o NAc com moléculas de DA. ria ser necessário, em outra oportunidade, aces-
Consequentemente, a resposta à ativação dessas sar, novamente, tal informação (MIZUMORI &
células o faz se sentir bem, querer repetir a ex- JO, 2013).
periência e reviver a sensação prazerosa (MA- Uma terceira região mesocorticolímbica
MELI & LÜSCHER, 2011). importante é o CPF. Dentre todas as outras es-
pécies conhecidas no planeta, nós, seres huma-
Figura 33.3 Sistema recompensa. Drogas ativam a Via nos, possuímos o CPF mais desenvolvido, pro-
Mesolímbica Dopaminérgica que se inicia com projeções
dopaminérgicas da ATV partindo em direção ao NAcc e vavelmente por ser a região de nosso cérebro
seguindo para as regiões corticais frontais (linha verme- onde os pensamentos mais complexos são ca-
lha). No NAc ocorre a identificação dos estímulos para o
acesso a recompensa. O OFC está envolvido no processo pazes de serem formados como, por exemplo, o
de tomada de decisão e determina a recompensa esperada planejamento de um dia de trabalho, escrever
de uma ação. A Am e o Hip estão envolvidos na formação
de memórias em relação ao estímulo/recompensa, en - uma ficção ou simplesmente eleger prioridades.
quanto o controle inibitório e a regulação emocional são Essa área também possui a função de filtrar e
fornecidos pelo CPF e pelo CG.
barrar o comportamento desencadeado pelas
outras áreas como a agressividade oriunda da
ativação da amígdala embora seja, em muitos
casos (ex. estresse), “suprimido” deixando os
comportamentos gerados pelas áreas primitivas
mais evidentes (ex. luta/fuga) (BARI & ROB-
BINS, 2013).
A cocaína e opioides agem sobre as sinap-
ses das áreas citadas. Entretanto, a cocaína e os
opioides (neste artigo, representados pela mor-
fina) ativam o sistema recompensa de forma di-
ferente. A cocaína inibe a recaptação de mono-
aminas como a DA, NA e 5HT, uma etapa de
suma importância para a finalização da ação
Legenda: ATV: Área tegumentar ventral; Nac: Núcleo
Accumbens; OFC: Córtex orbito frontal; Am: Amígdala; dos neurotransmissores na fenda sináptica. Já a
Hip: Hipocampo; CPF: Córtex pré-frontal; CG: Giro Cín- morfina ativa o sistema recompensa ao ligar-se
gulo. Fonte: Modificado de LEE et al., 2012.
em receptores opioides do tipo μ presentes em
interneurônios (ex. GABAérgicos ou Glu) que
Além do NAc, outras regiões subcorticais
modulam a transmissão dopaminérgica no ATV
relacionadas com a memória também são ativa-
e NAc. Fisiologicamente, interneurônios, como
das por neurônios dopaminérgicos na via meso-
os GABAérgicos, inibem a transmissão dopa-
límbica. A amígdala e o hipocampo são áreas
minérgica funcionando como um “freio” sináp-
primitivas de nosso cérebro e a própria evolu-
tico. Ao se ligar nesses receptores a morfina su-

247 | P á g i n a
prime o efeito inibitório dos interneurônios, Neuromodulação dopaminérgica (DA)
pois se acopla na proteína G (Gi/o), inibe a en- Há um certo tempo a DA é amplamente
zima adenilato ciclase (AC), os canais de cálcio aceita como a molécula responsável pela ativa-
e ativa os canais de potássio consequentemente ção do centro de prazer no SNC. Esta hipótese
hiperpolariza a membrana do neurônio. Como baseia-se no fato da alteração da sua homeos-
consequência ocorre um aumentando da quan- tase no SNC produz perda na capacidade do in-
tidade de DA no NAc (TRAYNOR, 2012). divíduo sentir prazer pela vida. Este fenômeno
As diferenças desses alcaloides sobre o sis- é conhecido como anedonia. A anedonia é ob-
tema mesocorticolímbico não podem ser resu- servada na adicção às drogas e em patologias
midas somente aos mecanismos de ação dessas como esquizofrenia, depressão e transtorno de
substâncias. As diferenças estão também nos estresse pós-traumático (TEPT). A capacidade
aspectos comportamentais. A síndrome de abs- em aumentar a concentração de DA nas áreas
tinência resultante da interrupção do uso crô- mesocorticolímbicas é um fator essencial para
nico de cocaína e morfina reflete bem isso. A que drogas desencadeiem adicção. Como neu-
abstinência à cocaína é caracterizada por de- rotransmissor, a DA precisa ser sintetizada e ar-
pressão, ansiedade, agitação, paranoia e desejo mazenada em vesículas presentes no citosol de
intenso para consumi-la novamente, que pode neurônios dopaminérgicos. O uso frequente de
durar até vários dias após a interrupção do seu drogas de abuso, provoca uma liberação exces-
uso. A abstinência por morfina leva ao desen- siva de DA e, em consequência, pode ocorrer
volvimento de sintomas físicos bastante aversi- uma redução na quantidade do neurotransmis-
vos. Para cocaína a dependência psíquica é evi- sor armazenado e liberado na fenda sináptica.
dente sendo a principal causa de recaídas. Para A síntese de DA no SNC ocorre em neurô-
a morfina a disforia, náuseas, vómitos, dores nios mesencefálicos de áreas que estão direta e
musculares, lacrimejamento, rinorreia, dilata- indiretamente ligadas ao sistema recompensa
ção da pupila, piloereção, sudorese, diarreia, como a ATV e a substância negra (SN). Atual-
bocejos, febre e insónia (sintomas físicos) são mente, sabe-se que a exposição repetida a subs-
fundamentais para o seu reforço. De modo ge- tâncias capazes de causar adicção levam a mu-
ral, a abstinência a cocaína é modulada por re- danças moleculares e celulares das vias dopa-
forços positivos enquanto para a morfina os re- minérgicas mesocorticais produzindo altera-
forços negativos são mais preponderantes (LIU ções motivacionais e consequentemente com-
et al., 2013). portamentais. Até hoje cinco subtipos de recep-
A neurobiologia da adição a estas drogas é tores de DA foram identificados. Sendo estes os
complexa, já que parece ser resultante da ação receptores D1, D2, D3, D4 e D5. A divisão dos
de vários neurotransmissores. Nos últimos receptores de DA é baseada em suas proprieda-
trinta anos, vários trabalhos foram realizados des estruturais e farmacológicas. Existem, por-
envolvendo os sistemas dopaminérgicos, sero- tanto, dois grupos maiores de receptores: i) os
toninérgico, glutamatérgicos e GABAérgicos. receptores semelhantes ao receptor D1 e ii) os
Estes demonstram estarem envolvidos na plas- semelhantes ao receptor D2, ambos pertencem
ticidade cerebral da ativação crônica do sistema a superfamília dos receptores acopladas à pro-
recompensa, sendo discutidos com mais deta- teína G (GPCR) (BAIK, 2013).
lhes a seguir. A ativação dos receptores semelhantes ao
D1 (D1 e D5), associados à Gαs , desencadeia o

248 | P á g i n a
aumento intracelular de monofosfato cíclico de modulando a síntese de DA assim como sua li-
adenosina (cAMP) e a ativação dos receptores beração (ABRAHAM et al., 2014).
semelhantes ao D2 (D2, D3 e D4), associados à Durante algum tempo a participação do re-
Gαi, provoca uma diminuição intracelular do ceptor D2 esteve envolvida em contradições.
cAMP. Apesar dos receptores D1 e D2 serem Ora resultados demonstram aumento desses re-
os mais amplamente estudados, atualmente os ceptores no corpo estriado de ratos após a auto-
receptores D3, D4 e D5 são considerados pro- administração de cocaína, ora resultados apre-
missores no tratamento da adicção à psicoesti- sentam uma redução da quantidade desses re-
mulantes e opioides (DI CIANO et al., 2014). ceptores. Na realidade, esses receptores existem
Os receptores D1 e D2 estão envolvidos di- em dois estados, um com alta (high-affinity
retamente com o comportamento adictivo rela- state) e outro com baixa (low-affinity state) es-
cionado ao uso de cocaína e morfina. Por exem- tando o de alta afinidade mais ativo apresen-
plo, sabe-se que a atividade locomotora espon- tando hipersensibilidade à cocaína durante a
tânea (ALE), um parâmetro importante no es- abstinência. No que se refere à participação des-
tudo do potencial adictivo de drogas em mode- ses receptores na adicção à cocaína e morfina, é
los animais é reduzida com a administração do possível encontrar na literatura trabalhos de-
antagonista de receptor D1 SCH23390 interfe- monstrado que receptores D2, presentes no hi-
rindo no desenvolvimento do modelo de Prefe- pocampo de ratos, são fundamentais para que o
rência Condicionada por Lugar (PCL). No PCL funcione com morfina e que receptores
PCL, o condicionamento ao ambiente ao qual a D2, presentes na região basolateral da amíg-
morfina é pareada não ocorre após a adminis- dala, também estão envolvidos na aquisição de
tração de antagonistas para o receptor D1. Para mais cocaína (BERGLIND et al., 2006).
a cocaína, os resultados são explicados por me- Sobre o sistema dopaminérgico mesocorti-
canismos antagônicos diretos e para a morfina colímbico tanto a cocaína como outros psicoes-
o mecanismo é indireto mediado por receptores timulantes (ex. metanfetamina) desencadeiam
opióides (ex. μ) (ABRAHAM et al., 2014). um fenômeno conhecido como sensibilização
Receptores D1 são encontrados no NAc, comportamental no qual a exposição repetida à
exercendo participação efetiva no comporta- droga produz um efeito locomotor estimulante
mento reforçador da cocaína e morfina desem- de incentivo. A administração repetida provoca
penhando um papel importante na manutenção mudanças no cérebro (sensibilização neural) e,
da adicção. Trabalhos utilizando camundongos como consequência, esses sistemas ficam hi-
“knock-out” para o receptor D1 demonstram re- persensíveis a efeitos específicos da droga, e a
duzir o efeito reforçador da cocaína. Para mor- estímulos associados a elas. O fenômeno da
fina, a administração de agonistas D1 no locus sensibilização neuronal é formado por duas fa-
cerúleos (LC) atenua os sintomas de abstinên- ses distintas, conhecidas como fase de inicia-
cia desencadeados por naloxona (DIZGAH et ção, caracterizada por um aumento extracelular
al., 2005). Esses resultados apresentam os re- de DA observado um dia após a administração
ceptores D1 como alvos farmacológicos pro- da substância e a fase de expressão caracteri-
missores na busca de drogas que sejam úteis na zada por uma hipersensibilidade após a inter-
prevenção de recaídas. Por outro lado, os recep- rupção da administração da droga. Logo, o
tores D2, localizados em neurônios pré-sinápti- efeito da cocaína é aumentado após administra-
cos da ATV e SN, agem como autoreceptores

249 | P á g i n a
ções repetidas contribuindo com seus efeitos to- triptofano hidroxilase e da síntese de 5-HT no
xicológicos aditivos (BAIK, 2013). núcleo de rafe. Por outro lado, durante a absti-
Essa característica comportamental obser- nência é possível observar que os níveis de 5-
vada com psicoestimulantes parece possuir me- HT estão baixos (PARSONS et al., 1996).
canismos diferentes em opioides, embora pro- Enquanto para a cocaína as evidências ca-
voque resultados semelhantes. Porém, parece minham em uma mesma direção, para opioides
haver uma diferença importante na vulnerabili- o envolvimento desse neurotransmissor parece
dade aos efeitos dessas drogas. Para dependen- ser mais complexo. Estudos apontam que em
tes de cocaína ou outro psicoestimulante o fe- diversas áreas do cérebro a exposição à morfina
nômeno da sensibilização neuronal que resulta provoca um aumento em toda a cadeia bioquí-
na estimulação locomotora e na perda de con- mica da 5-HT (ex. síntese, liberação e metabo-
trole sobre o consumo da droga, apesar de ainda lismo). Porém, no núcleo da rafe a morfina pa-
ser um mecanismo mal compreendido, é uma rece agir inibindo a ativação das células 5HT. A
mudança comportamental muito importante inervação serotoninérgica, que está diretamente
para novas recaídas e que parece não ser deci- relacionada com o sistema dopaminérgico,
sivo para opioides como a morfina surge a partir de corpos celulares provenientes
(BERGLIND et al., 2006). de duas regiões distintas, o núcleo da rafe dorsal
A DA atua de forma indiscutível na modu- (DRN) e o núcleo de rafe medial (MRN). Célu-
lação comportamental da adicção às drogas, las que contêm 5-HT dos núcleos da rafe en-
seja no prazer desencadeado durante a apresen- viam projeções para as células dopaminérgicas,
tação à substância, na dependência psíquica ca- tanto para a ATV, SN, NAc, CPF e estriado. A
racterística do uso de psicoestimulantes como neurotransmissão 5-HT é mediada por, pelo
também aos efeitos comportamentais motores. menos, 14 diferentes subtipos de receptores
O prazer é parte fundamental no reforço de dro- onde 13 são GPCR e um canal iônico (5-HT3)
gas de abuso tanto para cocaína quanto para sendo agrupados em 7 tipos de famílias 5HT1-7
morfina. em conformidade com suas estruturas, caracte-
rísticas funcionais e farmacológicas. Todos os
Neuromodulação serotoninérgica (5-HT) tipos de receptores 5-HT e seus respectivos sub-
O sistema serotoninérgico exerce uma par- tipos (5-HT1B, 5-HT2A, 5-HT2C e 5-HT3) são
ticipação importante nas alterações neurológi- relacionados com efeitos comportamentais de-
cas desenvolvidas durante o ciclo da adicção sencadeados por morfina ou cocaína (DI GIO-
(KIRBY et al., 2011). Por exemplo, o para- VANNI et al., 2010).
digma do PCL com camundongos “knockouts” O comportamento locomotor, característico
para o transporte de DA e 5-HT não é obser- da cocaína e de psicoestimulantes, além da par-
vado mediante a administração de cocaína, um ticipação de receptores para DA parece contar,
dado interessante e que demonstra a importân- também, com a participação dos receptores 5-
cia da 5-HT no mecanismo da adicção à coca- HT1B, embora sejam contraditórios em espécies
ína, já que o paradigma do PCL mimetiza o fa- diferentes. Ao se administrar perifericamente
tor ambiental ao condicionar o animal ao ambi- antagonistas do receptor 5-HT1B (GR 127935
ente em que ele recebe a dose da substância ou SB 216641) em ratos, a hiperatividade loco-
adictiva. Além disso, a exposição aguda à coca- motora induzida por cocaína é reduzida, já em
ína leva a um aumento na expressão da enzima camundongos knockout para o receptor 5-HT1B

250 | P á g i n a
o resultado observado é o oposto. Contradições Esse efeito seria o resultado de um mecanismo
semelhantes são obtidas em modelo de PCL sinérgico entre os dois receptores, e esse siner-
com cocaína, onde camundongos knockout gismo já se mostrou promissor como alternativa
para o receptor 5- HT1B não apresentam condi- farmacológica no desenvolvimento de novos
cionamento para o ambiente em que foram pa- fármacos com efeitos benéficos sobre o trata-
reados, e o resultado é o contrário, para esse mento da adição à cocaína (CUNNINGHAM et
mesmo modelo, quando o mesmo é testado com al., 2013).
antagonistas do receptor 5- HT1B em ratos. Para Além dos receptores 5-HT1B, 5-HT2A e 5-
morfina, os receptores 5-HT1 demonstram en- HT2c existem evidências da participação dos re-
volvimento com os sintomas característicos da ceptores 5-HT3 . Dentre todos os outros recepto-
abstinência à droga. Em camundongos, o com- res o único que funciona como um canal iônico
portamento estereotipado conhecido como o re- é o 5-HT3 cuja ativação resulta na rápida despo-
flexo de saltar é atenuado após a administração larização neuronal seguida de uma rápida des-
de drogas agonistas desses receptores (8-OH- sensibilização e liberação do neurotransmissor
DPAT e RU 24969) e é bastante atenuado ao se armazenado. O antagonismo desses receptores
utilizar uma droga específica para o receptor 5- por drogas como a ondansentron e granisetron
HT1B (BERTHOLD et al., 1989). altera a hiperatividade desencadeada pela coca-
Outra prova da participação do receptor 5- ína e morfina. Estudos que utilizam métodos de
HT1B na neurobiologia à cocaína e morfina vem microdiálise demonstram uma diminuição na li-
de trabalhos sobre a expressão do seu mRNA. beração de DA no NAc após o uso dessas subs-
A exposição crônica à cocaína (após 3 semanas) tâncias, o que sugere que tais receptores tam-
aumenta em 80% a expressão do mRNA para o bém são importantes no reforço comportamen-
5-HT1B no NAc de ratos, provavelmente, em tal associado ao uso de opioides e psicoestimu-
resposta a ativação de fatores de transcrição, lantes.
que levam à uma consequente sensibilização
maior à cocaína. Além disso, há uma, provável, Neuromodulação Glutamatérgica (Glu)
relação entre o gene HTR1B e o desenvolvi- O ácido L-Glutâmico é o principal neuro-
mento de dependência química, pois a sua ex- transmissor excitatório do SNC. Aproximada-
pressão poderia desencadear uma sucessibili- mente 70% das sinapses no cérebro são gluta-
dade maior a vulnerabilidades relacionadas a matérgicas, sendo provável que mais de 90%
drogas de abuso não só para cocaína, mas tam- dos neurônios utilizem o Glu como neurotrans-
bém para opioides (CAO et al., 2013). missor excitatório. Dentre as áreas cerebrais
Alguns trabalhos enfatizam uma possível que contam com a transmissão Glu, é possível
sinergia entre os receptores 5-HT2A e 5-HT2c. É citar regiões mesolímbicas como o NAc, amig-
possível reduzir a atividade dopaminérgica no dala, ATV e CPF (MAO et al., 2013). A deter-
NAc e CPF utilizando agonistas dos receptores minação espacial de neurônios para Glu têm
5-HT2c, como o Ro60-0175, e é possível elevar sido feitas através da identificação de mRNA
a concentração de DA ativando os receptores 5- para transportadores vesiculares de Glu
HT2A. Tanto a administração de um antagonista (VGluT1, VGluT2 e VGluT3). Essas vesículas
5-HT2A (M100907) quanto a administração de armazenam o Glu para posterior liberação nos
uma agonista 5-HT2c (WAY163909) diminuem terminais pré-sinápticos. Duas subpopulações
a impulsividade e a procura por mais cocaína. de neurônios, que expressam mRNA para

251 | P á g i n a
VGluT2 estão presentes em sinapses glutama- dongos dependentes de morfina os sintomas da
térgicas sobre DA na ATV (MAO et al., 2013). dependência física são atenuados. Efeitos se-
O Glu age através de três tipos de receptores melhantes também são observados com dextro-
ionotrópicos (IGlu) o NMDA, AMPA e cai- metorfano e memantina (TRUJILLO & AKIL,
nato, e oito receptores metabotrópicos (mGlu) 1991).
localizados em quase todas as áreas do cérebro. É correto afirmar que as alterações desen-
Os receptores IGlu são canais iônicos, respon- cadeadas pela morfina no SNC são duradouras,
sáveis pela neurotransmissão sináptica rápida, apesar de existirem muitas dúvidas de como
já os receptores mGlu exercem função de mo- esse mecanismo ocorre (ver próxima seção). É
dular a transmissão glutamatérgica e outras si- muito provável que durante esse processo áreas
napses do SNC. Os dois tipos de receptores responsáveis pelo aprendizado e memória, me-
existentes, são alvos farmacológicos, entre- diadas por Glu, sejam fundamentais. Resulta-
tanto, os mGlu são, provavelmente, aqueles que dos mostram que a concentração de Glu no flu-
apresentam maior segurança pois a ativação dos ido extracelular do hipocampo de camundongos
receptores IGlu por agonistas pode produzir é diminuída após o tratamento agudo ou crônico
efeitos tóxicos neuronais e a utilização de anta- com morfina e o tratamento com naloxona au-
gonistas resultaria em fortes efeitos psicomimé- menta, significativamente, a quantidade desse
ticos e comprometimento da função cognitiva. neurotransmissor. Da mesma forma que para a
Contudo, a importância dos receptores IGlu re- morfina, a cocaína modula a plasticidade cere-
side no fato de serem fisiologicamente respon- bral envolvida com a memória e receptores
sáveis por vária funções cerebrais como o NMDA, sendo possível bloquear a consolida-
aprendizado e a memória. Portanto, apesar dos ção das memórias relacionadas com a droga
efeitos neurotóxicos existem esforços na tenta- após a utilização de antagonistas para esses re-
tiva de se encontrar um fármaco eficaz no trata- ceptores (ALAGHBAND & MARSHALL;
mento da adicção à psicoestimulantes e opioi- 2013).
des. Esses esforços baseiam-se no fato de estu- Além da interação com a transmissão dopa-
dos que avaliam administrações repetidas de minérgica e com o fortalecimento da memória,
cocaína, seguidas por um longo período de abs- trabalhos utilizando a fenciclidina, uma droga
tinência (3-7 semanas), provocarem aumento antagonista de NMDA, propõem um novo olhar
da expressão de AMPA e do receptor NMDA e para distúrbios neurológicos como a esquizo-
pelo fato de que a utilização de antagonistas frenia ao ressaltar a complexa rede de conexões
para os receptores IGlu como MK-801 ou dex- entre Glu, DA e GABA. Os estudos sugerem
trorfano, em camundongos, reduzirem efeitos que o hipofuncionamento das neurotrasmissões
neurotóxicos da cocaína como convulsões e glutamatérgicas levam a um estado onde não
consequente letalidade (MAO et al., 2013). ocorre a ativação de vários interneurônios
No aspecto comportamental, os receptores GABA no CPF ou ATV. Logo, os neurônios
para IGlu também apresentam participação so- são excitados por Glu e inibidos pelo GABA (o
bre a estimulação locomotora induzida por co- mais importante neurotransmissor inibitório do
caína, mas não para opioides. Porém, existem SNC), e sobre ou sob a ativação de qualquer um
evidências que ao se administrar antagonistas destes dois sistemas existem desdobramentos
não competitivos (dizocilpina e MK-801) e sobre a patofisiologia de distúrbios neuropsi-
competitivos (ketamina) para IGlu em camun-

252 | P á g i n a
quiátricos como a adicção às drogas (KUMAR comportamentos locomotores em modelos de
et al., 2013). autoadministração e produz efeitos recompen-
sadores sobre o paradigma PCL. Portanto, a
Neuromodulação GABAérgica (GABA) manipulação dos receptores GABA, em mode-
O GABA descoberto em 1957 por Flory & los de autoadministração utilizando morfina,
Bazemore, exerce várias funções sobre tecidos com agonistas para receptor GABA A ou GA-
neuronais. Esse neurotransmissor age através BAB e antagonistas específicos, parecem redu-
de receptores ionotrópicos (GABA A e GABAc) zir o estímulo locomotor para autoadministra-
e metabotrópicos (GABA B). Os receptores io- ção (YOON et al., 2007).
notrópicos GABAérgicos são ligados a canais Também existem evidências pré-clínicas e
iônicos, e envolvidos com a transmissão sináp- clínicas da participação do neurotransmissor
tica rápida, enquanto os metabotrópicos perten- GABA sobre os efeitos centrais da cocaína. A
cem a superfamília das proteínas G e são res- utilização do agonista clordiazepóxido para re-
ponsáveis pela neuromodulação do GABA. Em ceptores GABA A demonstram que em doses
1980, Ticku & Huffman avaliaram o efeito do elevadas é possível reduzir a aquisição de coca-
GABA em um estudo pré-clínico em ratos com ína por ratos e os agonistas para o receptor GA-
abstinência à morfina desencadeada por nalo- BAB baclofeno, CPG 44532 e o inibidor de tran-
xona. Eles observaram que a administração de saminase do GABA g-Vinyl-GABA (GVG)
morfina (25 mg/kg) produzia uma redução da atenuam efeitos reforçadores da cocaína induzi-
ligação do GABA em regiões como cerebelo e dos através do modelo de autoadministração.
córtex. Provavelmente, durante o tratamento Somando-se aos modelos de autoadministra-
com morfina, a droga seria capaz de modular o ção, que simulam o comportamento de busca da
sistema GABA tanto de alta quanto de baixa droga e o envolvimento do GABA sobre os
afinidade o que contribuiria com os sintomas fí- efeitos centrais da cocaína, outros dados pré-
sicos da abstinência ao opiáceo (TICKU & clínicos tem relacionado a ação desse neuro-
HUFFMAN, 1980). transmissor e áreas do cérebro como a memó-
Outros dados também relacionam o GABA ria/ambiente/hipocampo estudados no para-
com dependência à morfina, por exemplo, estu- digma do PCL e a hiperestimulação mo-
dos de coadministração crônica de diazepam (1- tora/córtex motor/amigdala induzida por psi-
4 mg/kg) e morfina (8-45 mg/kg) atenuam os coestimulantes (DIXON et al., 2010; SHIN et
sinais de dependência física precipitados por al., 2011).
naloxona (ex. comportamento de saltar, com-
portamento exploratório e perda de peso) e es- CONCLUSÃO
tudos in vitro demonstram que, durante a absti-
nência, o tratamento crônico com morfina pro- A adicção desencadeada pelo uso crônico
duz um aumento na atividade enzimática da AC de morfina e cocaína apresentam semelhanças
e uma hiperexcitabilidade do terminal GABA- no que se refere aos neurotransmissores media-
érgico. Além disso, microinjeções do agonista dores do processo aditivo, porém, por diversas
GABA A muscinol, no núcleo da amigdala vezes, esses neurotransmissores agem de forma
(CeA), reduz o reflexo de sobressalto em ratos. diferente. A DA, por exemplo, responsável pelo
Porém, a administração de muscinol na ATV prazer relacionado ao uso de psicoestimulantes
aumenta a liberação de DA no NAc, facilita e opiáceos, reforça o uso dessas substâncias,

253 | P á g i n a
sendo mais importante para a dependência psí- desleal com áreas mais primitivas como o com-
quica à cocaína do que aos efeitos devastadores plexo amigdala-hipocampo envolvidas com a
da dependência física à morfina. Apesar de ter- memória. A lembrança do prazer seria mais
mos nos referido, em todo o trabalho, sobre a forte e resultaria de neuroadaptações no hipo-
participação dos neurotransmissores na adicção campo facilitando recaídas. Contudo, é percep-
à cocaína e morfina, existem trabalhos abor- tível a intrincada rede de neurotransmissores
dando uma visão mais ampla do problema e que que por meio de ativações sucessivas sobre di-
ressaltam o hipofuncionamento do CPF como versas áreas do cérebro, com o uso crônico de
uma etapa determinante para recaídas de usuá- morfina ou cocaína, desencadeiam modifica-
rios de psicoestimulantes e opiáceos. Ao que ções adaptativas e que, a longo prazo, resultam
parece, o hipofuncionamento de uma área do em comportamentos de recaída e de busca que
cérebro tão importante no raciocínio lógico e precisam ser mais bem compreendidos em nível
organizado desencadearia uma concorrência molecular e celular.

254 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRAHAM, A.D. et al. Dopamine and extinction: a con- KENNY, P.J. Reward mechanisms in obesity: new in-
vergence of theory with fear and reward circuitry. Neu - sights and future directions. Neuron, v.69, p.664, 2011.
robiology of Learning and Memory, v. 108, p.65, 2014.
KIRBY, L.G. et al. Contributions of serotonin in addic-
ALAGHBAND, Y. & MARSHALL, J.F. Common influ- tion vulnerability. Neuropharmacology, v.61, p.421,
ences of non-competitive NMDA receptor antagonists on 2011.
the consolidation and reconsolidation of cocaine-cue
memory. Psychopharmacol (Berl), v. 226, p.707, 2013. KUMAR, K. et al. Therapeutic potential of GABA(B) re-
ceptor ligands in drug addiction, anxiety, depression and
BAIK, J.H. Dopamine signaling in reward-related behav- other CNS disorders. Pharmacology, Biochemistry, and
iors. Frontiers in Neural Circuits, v. 7, p.152, 2013. Behavior. v.110, p.174, 2013.

BARI, A. & ROBBINS, T.W. Inhibition and impulsivity: LEE, N.M. et al. The neurobiology of overeating. Treat-
behavioral and neural basis of response control. Progress ing overweight individuals should make use of neurosci-
in Neurobiology, v.108, p. 44, 2013. ence research, but not at the expense of population ap-
proaches to diet and lifestyle. EMBO Reports, v. 13, p.
BERGLIND, W.J. et al. Dopamine D1 or D2 receptor an- 785, 2012.
tagonism within the basolateral amygdala differentially
alters the acquisition of cocaine-cue associations neces- LISTOS, J. et al. The Mechanisms Involved in Morphine
sary for cue-induced reinstatement of cocaine-seeking. Addiction: An Overview. International Journal of Molec-
Neuroscience, v.137, p.699, 2006. ular Sciences, v. 20, p. 4302, 2019.

BERTHOLD, H. et al. 5-HT1 receptor agonists attenuate LIU, K.S. A dose-response study on the efficacy of tricy-
the naloxone-induced jumping behaviour in morphine- clic antidepressa nts on reducing morphine-withdrawal
dependent mice. European Journal of Pharmacology, v. symptoms. Acta Anaesthesiologica Taiwanica: official
162, p. 19, 1989. journal of the Taiwan Society of Anesthesiologists. v.51,
p. 18, 2013.
CAO, J. et al. Associations of the 5-hydroxytryptamine
(serotonin) receptor 1B gene (HTR1B) with alcohol, co - MAMELI, M. & LUSCHER, C. Synaptic plasticity and
caine, and heroin abuse. American Journal of Medical addiction: learning mechanisms gone awry. Neurophar-
Genetics Part B, v. 162B, p. 169, 2013. macology. v.61, p.1052, 2011.

CUNNINGHAM, K.A. et al. Synergism between a sero- MAO, L. et al. Group III metabotropic glutamate recep-
tonin 5-HT2A receptor (5-HT2AR) antagonist and 5- tors and drug addiction. Frontiers of medicine, v. 7, p.
HT2CR agonist suggests new pharmacotherapeutics for 445, 2013.
cocaine addiction. ACS chemical neuroscience, v. 4, p.
110, 2013. MIZUMORI, S.J. & JO, Y.S. Homeostatic regulation of
memory systems and adaptive decisions. Hippocampus,
DI CIANO, P. et al. Dopamine D4 receptors in psychost- v.23, p. 1103, 2013.
imulant addiction. Advances in Pharmacology, v. 69,
p.301, 2014. OLSEN, Y. What Is Addiction? History, Terminology,
and Core Concepts. The Medical clinics of North Amer-
DI GIOVANNI et al. Role of serotonin in central dopa- ica, v. 106, p. 1, 2022.
mine dysfunction. CNS Neuroscience & Therapeutics.
v.16, p. 179, 2010. PARSONS, L.H. et al. Extracellular serotonin is de-
creased in the nucleus accumbens during withdrawal
DIXON, C.I. et al. Cocaine effects on mouse incentive- from cocaine self-administration. Behavioural brain re-
learning and human addiction are linked to alpha2 subu- search, v.73, p. 225, 1996.
nit-containing GABAA receptors. Proceedings of the Na -
tional Academy of Sciences of the United States of SHIN, E.J. et al. Gastrodia Elata Bl Attenuates Cocaine-
America, v.5, p. 2289, 2010. Induced Conditioned Place Preference and Convulsion,
but not Behavioral Sensitization in Mice: Importance of
DIZGAH, I.M. et al. Attenuation of morphine with- GABA(A) Receptors. Current Neuropharmacology, v. 9,
drawal signs by a D1 receptor agonist in the locus co - p. 26, 2011.
eruleus of rats. Neuroreport, v.15, p.1683, 2005.
TICKU, M. K. & HUFFMAN, R. D. The effects of acute
and chronic morphine administration on GABA receptor

255 | P á g i n a
binding. European Journal of Pharmacology, v. 68, p. 97, UNODC - Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e
1980. Crime. Relatório Mundial Sobre Drogas. Disponível em:
<https://www.unodc.org/lpobrazil/pt/frontpage/2022/06/
TRAYNOR, J. μ-Opioid receptors and regulators of G relatorio-mundial-sobre-drogas-2022-do-unodc-destaca-
protein signaling (RGS) proteins: from a symposium on as-tendencias-da-pos-legalizacao-da-cannabis-os-
new concepts in mu-opioid pharmacology. Drug and Al- impactos-ambientais-das-drogas-ilicitas-e-o-uso-de-
cohol Dependence, v. 121, p. 173, 2012. drogas-por-mulheres-e-jovens.html>. Acesso em: 24
mai. 2023.
TRUJILLO, K.A. & AKIL, H. Inhibition of morphine
tolerance and dependence by the NMDA receptor antag- YOON, S.S. et al. Potential roles of GABA receptors in
onist MK-801. Science. v.251, p. 85, 1991. morphine self-administration in rats. Neuroscience Let-
ters, v. 428, p. 33, 2007.

256 | P á g i n a
Capítulo 34

SÍNDROME DE BURNOUT:
UM ESTUDO COM
FARMACÊUTICOS DA REDE
PÚBLICA

ISABELLA RODRIGUES MINORELLO¹


STEPHANY FERNANDA BATISTA CRIVELLARO2
THAMYRES EMERY FERREIRA DOS SANTOS 2

1. Farmacêutica pela Fundação Educacional de Fernandópolis, pós-graduanda em Gestão Farmacêutica.


2. Farmacêutica pela Fundação Educacional de Fernandópolis, pós-graduanda em Farmácia Clínica com
ênfase em Atenção Farmacêutica.

Palavras Chave: Síndrome de Burnout; Estresse ocupacional; Esgotamento profissional.

10.59290/978-65-6029-006-8.34
257 | P á g i n a
INTRODUÇÃO tudo, evidencia-se que, o farmacêutico tem sua
atenção voltada à saúde do usuário, logo, seu
O estresse relacionado ao trabalho, conhe- próprio estado de exaustão é muitas vezes igno-
cido como estresse ocupacional, refere-se à fal- rado, ocasionando o desgaste físico e mental
ta de capacidade do profissional em reorganizar (SILVA et al., 2022).
às demandas existentes no emprego, bem como Outrossim, evidencia-se que, o desenvolvi-
às suas próprias demandas percebidas. Desse mento da SB está relacionado a um conjunto de
modo, destaca-se que, o estresse ocupacional estágios evolutivos, incluindo exaustão ocupa-
pode gerar uma série de distúrbios psicológicos, cional, despersonalização e sentimentos de in-
tal qual o sofrimento psíquico associados à ex- competência. Contudo, é necessário enfatizar
periência de trabalho, cujas demandas excedem que o diagnóstico psiquiátrico é de suma impor-
a capacidade física ou mental do profissional tância, pois auxilia a gerar medidas preventivas,
para enfrentar as metas do ambiente ocupacio- minimizando riscos de ampliar a patologia, bem
nal. Em suma, é inegável que, os principais fa- como os transtornos que a SB ocasiona, como a
tores que desencadeiam o estresse estão conti- evolução para uma depressão patológica (CAS-
dos na rotina do ambiente laboral e seus princi- TRO, 2020).
pais sintomas são o cansaço excessivo, físico e Por outro lado, salienta-se que, em confor-
mental; dor de cabeça frequente; insônia; difi- midade com Bao et al. (2020), a pandemia cau-
culdades de concentração; sentimentos de fra- sada pelo vírus SARS-CoV-2 (COVID-19)
casso e insegurança e negatividade constante contribuiu para o desenvolvimento da SB,
(FERNANDES & SILVA, 2018). principalmente nos farmacêuticos, em que, sua
Destarte, enfatiza-se que, na rede pública, o rotina de trabalho compreendida com vários fa-
estresse é considerado um fator de risco para a tores estressantes, agravou elevadamente, pois
saúde e bem-estar do profissional farmacêutico, o movimento das farmácias aumentou demasia-
bem como afeta o desempenho da atenção e damente e a convivência com o sofrimento pra-
assistência farmacêutica prestada ao paciente. ticamente inevitável, pode ocasionar a SB.
Embora haja vários níveis de estresse, quando Logo, é importante considerar que, devido
este distúrbio é indiscriminado, pode provocar a este cenário, a capacidade de resiliência do(a)
a Síndrome de Burnout (SB), considerada um farmacêutico(a) foi explorada ao executar o
estresse crônico no trabalho, sendo reconhecida trabalho durante a pandemia (AUSTIN & GRE-
pelo esgotamento físico e emocional (SOUZA, GORY, 2021).
2018). Ademais, o aumento excessivo da demanda
A SB, também conhecida como Síndrome por colaboradores referente a pandemia expres-
do Esgotamento Profissional, é um transtorno sou em altas cargas horárias de trabalho, além
psíquico, caraterizado como uma condição de do medo e angústia perante a situação viven-
esgotamento mental e físico, a qual é ocasiona- ciada. Todavia, vale ressaltar que, há outros a-
da pelo estresse permanente no âmbito profis- gentes que expressam suas influências, como a
sional (MAGALHÃES et al., 2022). Entretan- exposição constante ao risco de contrair a
to, ao analisar o indivíduo, é possível observar COVID-19 e outras patologias, depreciação da
a alta resistência que os profissionais de saúde qualidade de vida e redução salarial (SILVA et
têm à depressão, mas sabemos que, como qual- al., 2022).
quer pessoa, podem adquirir a patologia. Con-

258 | P á g i n a
Entretanto, ressalta-se que, a saúde é pri- que norteou está pesquisa foi a exaustão do
mordial, independente da área de atuação, por profissional em seu âmbito de trabalho, já que
este fato, buscou-se sucessivamente demonstrar há possibilidade de o(a) farmacêutico(a) não
aos farmacêuticos o conhecimento mais abran- enfrentar satisfatoriamente o estresse crônico
gente sobre o estresse e consecutivamente a SB, pertinente ao ambiente laboral e assim, mani-
despertando o senso questionador acerca da sa- festar a SB, no momento em que ocorre lapsos
úde física e mental. Contudo, evidencia-se que, nos processos de adaptação à tensão crônica
esta pesquisa foi capaz de despertar a busca pela (BARBOSA et al., 2021).
saúde e bem-estar dos farmacêuticos, consi- Há um foco crescente na saúde e bem-estar
derando os malefícios que o estresse elevado dos farmacêuticos que atuam em saúde pública,
ocasiona na vida profissional e pessoal destes. uma vez que, profissionais que apresentam os
É indubitável que, o farmacêutico vem se sintomas da SB, tais como cansaço excessivo,
tornando reconhecido pelos usuários da saúde físico e mental; desmotivação; dor de cabeça
pública, em que, o foco em atenção e assistência frequente; insônia; dificuldades de concentra-
farmacêutica eleva sua atuação com os usuá- ção; sentimentos de fracasso e insegurança; ne-
rios, pois o profissional não entrega somente os gatividade constante; entre outros, podem so-
medicamentos prescritos, mas sim, presta aten- frer grandes consequências no futuro. Por con-
dimento humanizado, explicando aos usuários seguinte, é importante considerar que, estes sin-
os modos corretos de usar os fármacos, bem tomas indicam a sobrecarga de trabalho, poden-
como os riscos que o uso inadequado pode cau- do trazer riscos à saúde dos farmacêuticos e
sar. Contudo, destaca-se que, com essa aproxi- afetar negativamente os seus resultados. No
mação o relacionamento destes se torna mais entanto, entre os riscos da sobrecarga de traba-
intenso, tal qual pode gerar preocupações ex- lho, pode-se citar a redução da produtividade;
cessivas com os usuários, deste modo, a auto impacto nos resultados; prejuízo à saúde física
preocupação pode ser deixada de lado. Logo, e emocional; aumento de doenças ocupacio-
evidencia-se que, compreender o déficit de resi- nais; impacto na atenção e assistência farma-
liência do(a) farmacêutico(a), mediante o es- cêutica; entre outros. Contudo, é importante
tresse, é um dos fatores que auxiliam no enten- considerar que, entre os vários estressores ocu-
dimento da complexidade de adaptação no âm- pacionais está a falta de reconhecimento profis-
bito laboral (AUSTIN & GREGORY, 2021). sional e o contato quase constante com a dor e
Além disso, agregado ao foco no usuário, o o sofrimento. Logo, faz-se preciso a conscien-
farmacêutico desempenha suas inúmeras fun- tização da importância da saúde e bem-estar do
ções rotineiras, muitas delas são estressantes, farmacêutico, a fim de melhorar a qualidade de
das quais exigem alta responsabilidade. Por ou- vida desses profissionais, bem como o clima
tro lado, evidencia-se que, existem várias ra- organizacional (SOUZA, 2018).
zões no âmbito laboral, que podem abalar a saú- Existem inúmeras causas para o estresse
de mental e física do farmacêutico, como as excessivo em farmacêuticos da rede pública,
longas jornadas de trabalho e o excesso de tra- como o atendimento ao usuário, em que, muitas
balho vinculado a pressão, o que pode ocasionar ocasiões o usuário é rude ou desagradável, des-
à Síndrome de Burnout, que surge após o indi- respeitando o(a) profissional. Outrossim, Sali-
víduo enfrentar situações desgastantes no âmbi- enta-se que, há outros fatores que ocasionam o
to laboral. Todavia, salienta-se que, a questão estresse, como os contratempos trabalhistas; a

259 | P á g i n a
pouca experiência no âmbito laboral; a pressão rede pública, sofrem de estresse elevado ou
da rotina de trabalho; baixa remuneração; lon- então possuem a SB de maneira indiscriminada,
gas jornadas de trabalho e falta de capacidade tal qual não possuem conhecimento sobre as
nas práticas clínicas. Contudo, essas razões po- ameaças desse distúrbio, fazendo-se necessário
dem expressar em maior ou menor grau a etio- a elaboração de campanhas de conscientização
logia do estresse excessivo, tal qual a SB em aos farmacêuticos da rede pública, esclarecen-
farmacêuticos (NGUYEN-THI et al., 2021). do os riscos que esse tipo de transtorno pode
Por outro lado, é importante ressaltar que, a trazer a sua saúde e bem-estar. É importante
SB é identificada por determinados órgãos de também o desenvolvimento de novos estudos e
saúde, mas a maioria dos trabalhadores des- pesquisas sobre a problemática, para maior
conhecem a síndrome, dessa forma não aplicam compreensão e esclarecimentos.
medidas preventivas ou interventivas em rela- Este estudo tem como objetivo geral descre-
ção a essa patologia (BERNARDO, 2019). No ver o nível de estresse, tal como a SB e suas
entanto, realça-se que, a SB foi adicionada na respectivas ameaças à saúde dos farmacêuticos.
11ª Revisão da Classificação Internacional de
Doenças (CID-11), apontada como um aconte- MÉTODO
cimento ocorrido por fatores ocupacionais. De
acordo com o CID-11, a SB pode ser consi- O presente estudo refere se a uma revisão
derada um resultado de elevada exaustão e bibliográfica que descreveu o nível de estresse,
estresse ocorrido de forma crônica no âmbito de tal como a SB e suas respectivas ameaças à sa-
trabalho. Embora, a SB pode ser acarretada pela úde dos farmacêuticos. O estudo foi realizado
sensação de incapacidade nas ações acometidas por meio de revisão de artigos científicos publi-
pelo serviço, e pode ser dividido em três dimen- cados nas bases de dados do Google Acadê-
sões: sentimentos de exaustão ou esgotamento mico, SciELO, PubMed, The Lancet, entre ou-
de energia; aumento do distanciamento mental; tros, priorizando principalmente artigos, fontes
sentimentos de negativismo ou cinismo relacio- de consulta e textos completos, publicados en-
nados ao próprio trabalho; e redução da eficácia tre o ano de 2015 e 2022, buscando assim uma
profissional (BRASIL, 2019). demanda atualizada. As buscas foram realiza-
Ademais, é importante relevar que, deter- das nos idiomas português, inglês e espanhol,
minadas atribuições no serviço, assim como as baseadas nos seguintes termos: Síndrome de
ocasiões negativas vivenciadas podem causar Burnout, estresse ocupacional, esgotamento
um estresse crônico no profissional farmacêu- profissional, saúde mental, estresse em profis-
tico da rede pública e sucessivamente resultar sionais da saúde.
no possível desenvolvimento da SB, neste Todavia, foram selecionados 109 artigos,
contexto o farmacêutico pode estar inserido em fontes de consulta e textos completos relativos
um dos grupos que são mais susceptíveis ao a problemática para leitura e no final, foram
desenvolvimento da SB, pelo serviço e am- usufruídas 28 fontes de consulta, com o intuito
biente a qual estão submetidos e por suas res- de ponderar a temática proposta. Vale eviden-
ponsabilidades profissionais (MENDES et al., ciar que, foram utilizados tais critérios de ex-
2018). clusão: artigos que não apresentavam texto
Partir-se-á do pressuposto que um percen- completo, pesquisas que não se enquadravam
tual elevado de profissionais farmacêutico da na temática proposta, artigos que foram publi-

260 | P á g i n a
cados fora do período estipulado, além de pes- acima são firmadas em evidências recolhidas
quisas científicas com apenas resumos disponí- através de atenção com exercícios de autocons-
veis. ciência podendo atenuar as taxas da Síndrome
de Burnout (DENNING et al., 2021).
RESULTADOS E DISCUSSÃO Segundo estudos, a pandemia acometeu
uma desaceleração das atividades exercidas e
É notório que o público feminino prevalece uma adequação dos indivíduos como o distan-
entre os farmacêuticos da rede pública e preva- ciamento social para amenizar o contato entre
lece em conformidade com o Conselho Nacio- as pessoas e, consequentemente, diminuindo a
nal de Secretarias Municipais de Saúde, que possibilidade de novas infecções, os profissio-
afirma que há um predomínio do protagonismo nais de saúde costumam ir na direção oposta já
feminino na área da saúde, em que, as mulheres que seu serviço é essencial. Dessa forma pode-
culturalmente apresentam um extenso olhar in- se evidenciar que há níveis de pressão psicoló-
tegrado na atenção à saúde (BRASIL, 2020). gica, onde desencadeiam sentimentos de de-
Além disso, de acordo com estudos, há um pre- samparo, desespero, solidão ou uma série de
domínio de farmacêuticos na rede pública bra- sentimentos como o estresse, irritabilidade, fa-
sileira, com a faixa etária prevalente entre 29 a diga física e mental (ORNELL et al., 2020).
38 anos (BRASIL, 2015). Pode-se observar que os profissionais que
Ressalta-se que ao analisar os artigos em realizam tratamento terapêutico, possuem re-
geral, é notório que o saber sobre a SB foi di- sultados significativos, pois o farmacêutico que
fundido ao longo dos anos, pois em 2018, a apresenta os sinais de SB necessita de cuidado,
maioria não conhece a SB (SCHUMANN, desde um acompanhamento psicoterápico, far-
2018). Salienta-se que a maioria dos farmacêu- macológico e terapias psicossociais (RUIZ-
ticos às vezes apresentam cansaço e indisposi- FERNÁNDEZ et al., 2020). Além disso, há
ção para realizar o trabalho. Todavia, este sen- uma revisão sistemática de 29 estudos que de-
timento está relacionado à exaustão emocional, monstra a verificação de intervenções acerca da
em que, os profissionais manifestam um com- terapia cognitivo-comportamental e de mindful-
portamento de indisposição que não ocorreu ness, que demonstram serem concretas na redu-
outrora (SILVA et al., 2022). ção do estresse, sintomas depressivos e da ansi-
Ao analisar o salário, segundo o Conselho edade, consequentemente, melhorando a taxa
Federal de Farmácia, a média salarial dos far- de contentamento com o emprego dos pacientes
macêuticos concentra entre R$ 2.001,00 a R$ (MELNYK et al., 2020).
3.000,00, consequentemente, este fato demons- É crucial um cuidado a saúde desde um
tra baixos honorários, desproporcional à res- acompanhamento psicoterápico até farmacoló-
ponsabilidade e funções executadas (BRASIL, gico se necessário (RUIZ-FERNÁNDEZ et al.,
2015). 2020).
Evidencia-se que, estudos sugeriram que a Para Sousa et al. (2019), salienta que o es-
SB muitas vezes procede a depressão, por con- gotamento emocional, é outro fator relevante no
sequência, é visto que a busca pelo tratamento que diz respeito à qualidade de vida dos profis-
do esgotamento mental minimiza a depressão sionais. Pois, os níveis elevados de esgota-
ou ansiedade, sendo altamente benéfico. De mento emocional, levam a uma queda da quali-
forma individual, as interferências citadas dade de saúde e de vida, ao desgaste emocional

261 | P á g i n a
e à sensação de falta de energia, mostrando as- profissionais, impotência, desânimo, insatisfa-
sociação inversa com desempenho no trabalho. ção, culpa, tristeza, além de outros sentimentos
Por outro lado, trabalhar com o que gosta, re- que causam desgaste físico e emocional, preju-
presenta um fator importante na escolha da pro- dicando assim o rendimento do profissional,
fissão, pois a satisfação está diretamente ligada podendo levar o profissional ao adoecimento
com o bom rendimento e realização do trabalho, (DUARTE et al., 2018).
quando esta satisfação não existe, tem-se pro- De um modo geral, a literatura aponta que
fissionais irritados, desmotivados e principal- o tratamento para SB é realizado por meio de
mente exaustos ao final do expediente. psicoterapia que, de acordo com o caso, pode
Estudos mostram, que a culpa parece surgir solicitar o uso de medicações de acordo com
da relação entre grandes demandas e esgota- cada sintomatologia apresentada pelo indivíduo
mento profissional incapacitante, ou seja, esse acometido com a SB (CRUZ et al., 2020).
resultado poderia sugerir que a culpa vivenci-
ada pelos profissionais de saúde pode estar re- CONCLUSÃO
lacionada a fadiga e baixa consciência da eficá-
cia do trabalho realizado devido a demandas ex- Salienta-se que, há inúmeras formas de cui-
cessivas (ESTEVES et al., 2019). dados individuais direcionados à prevenção
Para Oliveira et al. (2017), a exposição a desse distúrbio (SB), ou seja, é fundamental en-
condições potencialmente estressantes, o acú- sinar aos farmacêuticos as técnicas para contro-
mulo de funções associadas às características lar o estresse, utilizando simultaneamente de te-
do trabalho pode desencadear estados estres- rapias comportamentais, intensificar o autocui-
santes que interferem nas atividades exercidas, dado e a prática regular de exercício físico,
na saúde e na qualidade de vida dos profissio- como até mesmo a meditação, que trabalha com
nais. uma prática que acarreta um descanso e equilí-
A credibilidade, pode ser considerada o ter- brio entre os campos profissional e pessoal que
mo intermediário entre o sofrimento e o prazer devem ser cuidados. Destaque, no que abrange
pelo trabalho, tem grande importância na manu- medidas organizadas, já que é de alta relevância
tenção da saúde mental do profissional perante um adequado desenvolvimento das habilidades
a organização, visto que ter credibilidade no interpessoais que trazem consigo uma melhora
trabalho gera inúmeros benefícios, tanto para o no ambiente trabalhista, por meio de reformula-
profissional quanto para a organização como ção de afazeres, flexibilização de horários e
um todo. Estudos mostram como resultados, os plano de carreira, de forma a atribuir mais qua-
benefícios à saúde mental dos profissionais, o lidade de vida ao trabalhador (PERNICIOTTI
fortalecimento de sua identidade, a realização et al., 2020).
com maior prazer de suas atividades e a quali- Vale evidenciar que as pesquisas que visam
dade elevada do processo de trabalho (AMO- os resultados neuropsiquiátricos da saúde men-
RIM et al., 2017). tal, são essenciais para melhoria do tratamento,
O sofrimento se caracteriza por situações consequentemente traz como objetivo incenti-
frustrantes geradas no ambiente de trabalho, var a conscientização sobre a importância do
como alta responsabilidade, demanda acima da acompanhamento e do tratamento de doenças
capacidade, deficiência de recursos, insegu- psiquiátricas em pacientes durante e principal-
rança tanto para os pacientes quanto para os

262 | P á g i n a
mente após a COVID-19 (DENG et al., 2021; fissionais farmacêuticos é desenvolver ações
VINDEGAARD & BENROS, 2020). como medidas preventivas no ambiente de tra-
À medida que o estresse ocupacional se balho. Entretanto, incentivar a equipe pela
torna cada vez mais proeminente na vida diária busca de atividades complementares, como psi-
dos profissionais, especialmente os profissio- coterapia e atividades físicas, além de proporci-
nais farmacêuticos, que enfrentam diariamente onar um ambiente harmonioso, alegre e coope-
situações cotidianas de necessidades físicas e rativo no ambiente de trabalho, auxilia no de-
mentais, este estudo enfatiza a importância da senvolvimento humano do profissional.
prevenção, diagnóstico e tratamento da Sín- O bem-estar do profissional, tanto físico
drome de Burnout. É muito importante focar como mental, é necessário para garantir o de-
nos aspectos psicossociais dos profissionais far- senvolvimento do seu trabalho com eficiência,
macêuticos para que possam prestar assistência sendo que com a Síndrome de Burnout o profis-
integral ao paciente com o objetivo de melhorar sional perde a motivação na realização das suas
a qualidade do trabalho e desempenho, bem atividades. As informações sobre os principais
como a qualidade de vida pessoal e profissional. fatores de risco que contribuem para o apareci-
Este estudo mostra a importância do tema abor- mento de Burnout e suas consequências para os
dado, logo a inadequação de novos estudos e profissionais poderão contribuir para estraté-
projetos que possibilitem direcionar a preven- gias, tanto entre os profissionais envolvidos e
ção desta doença ocupacional, ocasiona conse- gestores, quanto para futuros profissionais da
quentemente o aumento do absenteísmo e afas- área. A saúde ocupacional é uma considerável
tamentos. Portanto, faz-se necessário melhorar estratégia, não somente para garantir a saúde
as condições de trabalho para os profissionais, dos profissionais, tal como para contribuir com
a fim de evitar o surgimento da SB. a motivação, produtividade e a satisfação com
Outro fator importante que pode contribuir o trabalho, e consequentemente a melhoria na
para a melhoria da qualidade de vida dos pro- qualidade de vida dos farmacêuticos.

263 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMORIM, L.K.A. et al. O trabalho do enfermeiro: reco- analysis. Annals of New York Academy of Sciences,
nhecimento e valorização profissional na visão do usuá- 2021, v. 1486, p. 90, 2021.
rio. Revista de Enfermagem UFPE online, v. 11, n. 5, p.
1918, 2017. DENNING, M. et al. Determinants of burnout and other
aspects of psychological well-being in healthcare work-
AUSTIN, Z. & GREGORY, P. Resilience in the time of ers during the Covid-19 pandemic: a multinational cross-
pandemic: the experience of community pharmacists dur- sectional study. PLoSOne, 2021, v. 16, p. 1, 2021.
ing COVID-19. Research in social and Administrative
Pharmacy (RSAP), Holanda, 2021, v.17, n. 1, p. 1.867, DUARTE, M.L.C. et al. O trabalho em emergência hos-
2021. pitalar: sofrimento e estratégias defensivas dos enfermei-
ros. Revista Gaúcha de Enfermagem, v. 39, 2018.
BAO, Y. et al. 2019-nCoV epidemic: address mental
health care to empower society. The La ncet, Reino ESTEVES, G.G.L. et al. Fadiga e Estresse como predito-
Unido, v.395, e.10224, p .37, 2020. res do Burnout em Profissionais da Saúde. Revista Psico-
logia Organizações e Trabalho, v. 19, n. 3, p. 695, 2019.
BARBOSA, S.S.S. et al. Síndrome de Burnout em pro-
fissionais de saúde atuantes em áreas de alta complexi- FERNANDES, J.A.T. & SILVA, C.H. Qualidade de vida
dade. Revista Caparaó, Espírito Santo, v. 3, n. 1, 2021. no trabalho – estresse ocupacional. Contribuciones a las
Ciencias Sociales, n. 2018, 2018.
BERNARDO, A. Precisamos falar sobre Burnout. São
Paulo: abril, 2019. Disponível em: MAGALHÃES, F.J. et al. Avaliação da síndrome de bur-
<https://saude.abril.com.br/especiais/precisamos-falar- nout em profissionais de enfermagem em unidade de te-
sobre-burnout/>. Acesso em: 6 abr. 2022. rapia intensiva neonatal. Nursing, São Paulo, v. 25, n.
286, p. 7.408, 2022.
BRASIL. Conselho Federal de Farmácia. Perfil do far-
macêutico no Brasil. Brasília, 2015. Disponível MELNYK, B.M. et al. Interventions to improve mental
em:<https://www.cff.org.br/userfiles/file/Perfil%20do% health, well-being, physical health, and lifestyle behav-
20farmac%c3%aautico%20no%20Brasil%20_web.pdf> iors in physicians and nurses: a systematic review. Amer-
. Acesso em:13 out. 2022. ican Journal of Health Promotion, v. 34, p. 929, 2020.

BRASIL. Conselho Nacional de Secretarias Municipais MENDES, D. et al. Estudo sobre Burnout e estilos de
de Saúde. Protagonismo feminino na saúde: mulheres são vida em profissionais de farmácia comunitária. In: CON-
a maioria nos serviços e na gestão do SUS. Brasília, GRESSO NACIONAL DE PSICOLOGIA DA SAÚDE,
2020. Disponível em: <https://www.conasems.org.br/o - 12, 2018, Lisboa. Promover [...]. Lisboa: ISPA – Instituto
protagonismo-feminino-na-saude-mulheres-sao-a-maio- Universitário, p. 279, 2018.
ria-nos-servicos-e-na-gestao-do-sus/>. Acesso em: 06
out. 2022. NGUYEN-THI, H-Y. et al. Assessment of Job Stress of
Clinical Pharmacists in Ho Chi Minh City, Vietnam: A
BRASIL. Organização Pan-Americana de Saúde. CID: Cross-Sectional Study. Frontiers in psychology, Vietnã,
burnout é um fenômeno ocupacional. Brasília, 2019. Dis- v. 12, p. 635595, 2021.
ponível em: <https://www.paho.org/pt/noticias/28 -5-
2019-cid-burnout-e-um-fenomeno-ocupacional>. OLIVEIRA, E.B. et al. Estresse ocupacional e burnout
Acesso em: 26 abr. 2022. em enfermeiros de um serviço de emergência: a organi-
zação do trabalho. Revista Enfermagem UERJ, v. 25, p.
CASTRO, D.G. Fatores associados ao desenvolvimento e28842, 2017.
da Síndrome de Burnout em profissionais farmacêuticos.
2020. 32p. Artigo (Graduação em Farmácia) – Centro ORNELL, F. et al. The impact of the COVID-19 pan-
Universitário Fametro, Fortaleza, 2020. demic on the mental health of healthcare professionals.
Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 36, n. 4,
CRUZ, F.M.P. et al. Impactos decorrentes da síndrome 2020.
de burnout nos profissionais do Serviço de Atendimento
Móvel de Urgência (SAMU). Revista Eletrônica Acervo PERNICIOTTI, P. et al. Síndrome de Burnout nos pro-
Saúde, v. 12, n. 10, p. e4748, 2020. fissionais de saúde: atualização sobre definições, fatores
de risco e estratégias de prevenção. Sociedade Brasileira
DENG, J. et al. The prevalence of depression, anxiety, de Psicologia Hospitalar, São Paulo, v. 23, n. 1, p. 35,
and sleep disturbances in COVID-19 patients: a meta- 2020.

264 | P á g i n a
RUIZ-FERNÁNDEZ, M.D. et al. Compassion fatigue, SOUSA, M.K.P. et al. Síndrome de burnout em profissi-
burnout, compassion satisfaction and perceived stress in onais de enfermagem. Revista Eletrônica Acervo Saúde,
healthcare professionals during the COVID-19 health cri- Minas Gerais, n. 34, p. e1413, 2019.
sis in Spain. Journal of Clinical Nursing, v. 29, p. 4321,
2020. SOUZA, T.E. O estresse do trabalho e o profissional de
saúde: discutindo a Síndrome de Burnout e fatores asso -
SCHUMANN, D. Síndrome de Burnout em profissionais ciados na atenção primária à saúde da rede SUS/Belo Ho-
da área de saúde. 2018. 35p. Artigo (especialização) - rizonte. 2018. 111p. Dissertação de Mestrado (Programa
Universidade Federal de Santa Maria, Campus de Pal- de Pós-Graduação em Promoção de Saúde e Prevenção
meira das Missões, Curso de Especialização em Gestão da Violência) – Universidade Federal de Minas Gerais,
de Organização Pública em Saúde, EaD, RS, 2018. Belo Horizonte, 2018.

SILVA, M.F.C.F. et al. Revisão sistemática sobre a sín- VINDEGAARD, N. & BENROS, M.E. COVID-19 pan-
drome de burnout em profissionais da área de saúde na demic and mental health consequences: systematic re-
pandemia pelo COVID-19. RECIMA21 - Revista Cientí- view of the current evidence. Brain, Behavior, and Im -
fica Multidisciplinar, São Paulo, v. 3, n. 2, p. e321200, munity, 2020, v. 89, p. 531, 2020.
2022.

265 | P á g i n a
Acolhimento, 218 Medicina alternativa, 186
Adolescentes, 69 Modelo biopsicossocial, 186
Agonistas colinérgicos, 209 Morfina, 244
Alucinações, 224 Musicoterapia, 17
Ansiedade, 9, 78, 94, 218 Neuroplasticidade, 244
Antipsicóticos, 120 Overdose, 99
Automedicação, 78 Pandemia, 9, 106
Benzodiazepinas, 112 Pessoas em situação de rua, 170
Boderline, 1 Política Nacional de Álcool e Drogas, 232
Cannabis, 56 Política pública, 159
Cocaína, 244 Práticas integrativas, 186
Compulsão sexual, 178 Prevenção, 135
Controle, 239 Psicologia, 26
Convulsão, 37, 142 Psicopatologia, 1
Covid, 106 Psicose, 56
COVID-19, 9 Psicossocial, 165
Crise epiléptica, 142 Público pediátrico, 193
Demência com corpos de Lewy, 224 Qualidade de vida, 50
Depressão, 170 Receptor muscarínico M1, 209
Diagnóstico, 199 Redes sociais, 69
Distorção corporal, 69 Redução de danos, 232
Diversidade sexual, 26 SARS-CoV-2, 9
Doença de Alzheimer, 17, 199, 209, 224 Saúde da família, 149
Dor, 239 Saúde do idoso, 159
Drogas-Z, 112 Saúde mental, 170, 232
Eficácia terapêutica, 17 Síndrome de Burnout, 257
Emergência, 99 Síndrome de Münchhausen, 63
Epilepsia, 37, 142 Suicídio, 87
Esgotamento profissional, 257 Suplementos nutricionais, 94
Esquizofrenia, 120 Tentativa de suicídio, 87
Estresse, 50 Terapêutica, 94, 199
Estresse ocupacional, 257 Transtorno convulsivo, 37
Estressores ambientais, 165 Transtorno de Personalidade, 1
Farmacovigilância, 112 Transtorno factício, 63
Fatores de risco, 193 Transtorno factício autoimposto, 63
Folie à deux, 129 Transtorno mental, 193
Gênero, 26 Transtorno Paranóide Compartilhado, 129
Hipnose, 239 Transtorno Psicótico Compartilhado, 129
Ideação suicida, 87 Transtorno sexual compulsivo, 178
Idoso, 149 Transtornos, 165
Imunidade, 50 Tratamento, 135, 178
Isolamento Social, 106 Tratamento esquizofrenia, 120
Jovens Adultos, 69 Universitários, 78
Maconha, 56 Violência, 149, 159
Manejo clínico, 135 Vulnerabilidade, 218
Medicamentos, 99

266 | P á g i n a

Você também pode gostar