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CARDIOLOGIA

Teoria e prática
Edição XI

Organizadores
Guilherme Barroso L. de Freitas
Ariádine Reder Custodio de Souza
Egidia Maria Moura de Paulo Martins Vieira
Camilla Castro de Almeida

2023
2023 by Editora Pasteur
Copyright © Editora Pasteur

Editor Chefe:
Dr. Guilherme Barroso Langoni de Freitas

Corpo Editorial:

Dr. Alaercio Aparecido de Oliveira MSc. Guilherme Augusto G. Martins


(Faculdade INSPIRAR, UNINTER, CEPROMEC e Força Aérea Brasileira) (Universidade Estadual do Centro-Oeste - PR)
Dra. Aldenora Maria Ximenes Rodrigues Dr Guilherme Barroso Langoni de Freitas
(Universidade Federal do Piauí - PI)
MSc. Aline de Oliveira Brandão
(Universidade Federal de Minas Gerais - MG) Dra. Hanan Khaled Sleiman
(Faculdade Guairacá - PR)
Dra. Ariadine Reder Custodio de Souza
(Universidade Estadual do Centro-Oeste – PR) MSc. Juliane Cristina de Almeida Paganini
(Universidade Estadual do Centro-Oeste - PR)
MSc. Bárbara Mendes Paz
(Universidade Estadual do Centro-Oeste - PR) Dra. Kátia da Conceição Machado (Universidade Federal do
Piauí - PI)
Dr. Daniel Brustolin Ludwig
(Universidade Estadual do Centro-Oeste - PR) Dr. Lucas Villas Boas Hoelz
(FIOCRUZ - RJ)
Dr. Durinézio José de Almeida
(Universidade Estadual de Maringá - PR) MSc. Lyslian Joelma Alves Moreira
(Faculdade Inspirar - PR)
Dra. Egidia Maria Moura de Paulo Martins Vieira
Professora UNIFSA (Centro Universitário Santo Agostinho)
Dra. Márcia Astrês Fernandes
(Universidade Federal do Piauí - PI)
Dr. Everton Dias D’Andréa Dr. Otávio Luiz Gusso Maioli
(University of Arizona/USA)
(Instituto Federal do Espírito Santo - ES)
Dr. Fábio Solon Tajra Dr. Paulo Alex Bezerra Sales
(Universidade Federal do Piauí - PI)
Francisco Tiago dos Santos Silva Júnior MSc. Raul Sousa Andreza
(Universidade Federal do Piauí - PI) MSc. Renan Monteiro do Nascimento
Dra. Gabriela Dantas Carvalho MSc. Suelen Aline de Lima Barros
Professora UNIFSA (Centro Universitário Santo Agostinho)
Dr. Geison Eduardo Cambri
Grace Tomal Dra. Teresa Leal
(Universidade Estácio de Sá, Cruzeiro do Sul, Institúto Líbano)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Editora Pasteur, PR, Brasil)

F866 FREITAS, GUILHERME BARROSO LANGONI DE


Cardiologia Teoria e Prática.
FREITAS, G.B.L. de et al. - Irati: Pasteur, 2023.
1 livro digital; 250 p.; ed. XI; il.

Modo de acesso: Internet


ISBN 978-65-6029-060-0
https://doi.org/10.59290/978-65-6029-060-0

1. Medicina 2. Cardiologia. 3. Cardiopatias.


I. Título.
CDD 610
CDU 616.1
Este livro traz trabalhos sobre um dos sistemas vitais para nossa vida, responsável pelas principais
incidências de mortalidade e morbidades, o sistema cardiovascular. Ele possui o coração como ator
principal, caracterizado por batidas e frequências graciosamente rítmicas para distribuir sangue e
oxigênio a todos os outros órgãos e manter a pressão arterial, filtração glomerular e tantas outras
tarefas vitais.
Até o final de 1800 a cirurgia cardíaca era algo impensado, entretanto, os avanços da ciência médica
permitiram o advento de tratamentos eficientes, cirurgias minuciosamente realizadas de forma
presencial e até remota, políticas públicas eficazes para prevenção, controle e tratamento das doenças
cardiovasculares.
Muitos estudantes, profissionais da área e pesquisadores tornaram este livro possível. Portanto, a
Editora Pasteur deixa aqui o seu muito obrigado a todos e deseja uma ótima leitura nesta coletânea
de estudos sobre o campo da Cardiologia.

Guilherme Barroso Langoni de Freitas


Dr. Prof. Dpto. Bioquímica e Farmacologia
Universidade Federal do Piauí (UFPI)
Diretor Científico do Grupo Pasteur
CAPÍTULO 1 -TETRALOGIA DE FALLOT: UMA REVISÃO INTEGRADA _______________ 1
CAPÍTULO 2 - FIBRILAÇÃO ATRIAL E IMPLANTE DE MARCAPASSO CARDÍACO:
RELATO DE CASO _______________________________________________________________ 9
CAPÍTULO 3 - RELATO DE CASO SOBRE INSUFICIÊNCIA CARDÍACA DE FREQUÊNCIA
DE EJEÇÃO REDUZIDA _________________________________________________________ 14
CAPÍTULO 4 - ARRITMIAS CARDÍACAS: REVISÃO INTEGRATIVA DE 2012 A 2022 ____ 18
CAPÍTULO 5 - NECESSIDADE DE IMPLANTAÇÃO DE MARCA-PASSO EM RECÉM-NAS-
CIDO COM LÚPUS ERITEMATOSO NEONATAL POR BLOQUEIO ATRIOVENTRICULAR
TOTAL SECUNDÁRIO A LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO MATERNO: UM RELATO DE
CASO _________________________________________________________________________ 29
CAPÍTULO 6 - INSUFICIÊNCIA CARDÍACA: O QUE HÁ DE MAIS RECENTE NA
LITERATURA? _________________________________________________________________ 42
CAPÍTULO 7 - DOENÇA ARTERIAL PERIFÉRICA: O QUE HÁ DE MAIS RECENTE NA
LITERATURA? _________________________________________________________________ 49
CAPÍTULO 8 - EFEITOS CARDIOVASCULARES DO EXERCÍCIO FÍSICO NA SÍNDROME DE
MARFAN ______________________________________________________________________ 55
CAPÍTULO 9 - FEBRE REUMÁTICA: UM ALERTA SILENCIOSO PARA AS COMPLICAÇÕES
CARDIOVASCULARES _________________________________________________________ 61
CAPÍTULO 10 - CARDIOLOGIA PEDIÁTRICA ______________________________________ 71
CAPÍTULO 11 - TAMPONAMENTO CARDÍACO COMO COMPLICAÇÃO DE DERRAME
PERICÁRDICO SECUNDÁRIO À PERICARDITE: CONDUTAS DIAGNÓSTICAS E TERA-
PÊUTICAS_____________________________________________________________________ 78
CAPÍTULO 12 - DEEP LEARNING EM DIAGNÓSTICOS DE ELETROCARDIOGRAMAS:
REVISÃO INTEGRATIVA ________________________________________________________ 85
CAPÍTULO 13 - COMUNICAÇÃO INTERVENTRICULAR: UMA ABORDAGEM
INTEGRALIZADA ______________________________________________________________ 97
CAPÍTULO 14 - ABORDAGENS TERAPÊUTICAS PARA O MANEJO DE PACIENTES COM
ESTENOSE MITRAL POR FEBRE REUMÁTICA ____________________________________ 107
CAPÍTULO 15 - SÍNDROME DE BRUGADA E MORTE SÚBITA _______________________ 120
CAPÍTULO 16 - REVITALIZANDO O CORAÇÃO: PROCEDIMENTOS DE TROCA VALVAR
______________________________________________________________________________ 131
CAPÍTULO 17 - MANEJO DA FIBRILAÇÃO ATRIAL: UMA REVISÃO DA LITERATURA 149
CAPÍTULO 18 - FEBRE REUMÁTICA COMO PRINCIPAL ETIOLOGIA DA ESTENOSE
VALVAR MITRAL: UMA REVISÃO DE LITERATURA ______________________________ 159
CAPÍTULO 19 - PROTOCOLO PARA DIAGNÓSTICO DE ICFEp: UMA PATOLOGIA DE
DIFÍCIL DIAGNÓSTICO E MUITAS CONTROVÉRSIAS ______________________________163
CAPÍTULO 20 - EVOLOCUMABE: UMA OPÇÃO INOVADORA PARA O TRATAMENTO DA
DOENÇA ARTERIAL CORONARIANA ____________________________________________172
CAPÍTULO 21 - ENDOCARDITE INFECCIOSA: MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E DIAG-
NÓSTICO _____________________________________________________________________ 181
CAPÍTULO 22 - ENDOCARDITE: O QUE HÁ DE MAIS RECENTE NA LITERATURA? ___188
CAPÍTULO 23 - O MANEJO DAS DOENÇAS CARDIOVASCULARES NA PANDEMIA DE
COVID-19: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ______________________________________ 194
CAPÍTULO 24 - BAXDROSTAT: UM INIBIDOR DA SÍNTESE DE ALDOSTERONA E
POTENCIAL TRATAMENTO DA HIPERTENSÃO RESISTENTE _______________________ 204
CAPÍTULO 25 - INIBIDORES DA ENZIMA CONVERSORA DE ANGIOTENSINA NA DOENÇA
RENAL CRÔNICA: UMA REVISÃO NARRATIVA __________________________________ 212
CAPÍTULO 26 - COMUNICAÇÃO INTERATRIAL __________________________________ 223
CAPÍTULO 27 - HIPERTENSÃO ARTERIAL PULMONAR NO ADULTO ________________ 229
CAPÍTULO 1

TETRALOGIA DE FALLOT: UMA


REVISÃO INTEGRADA

FERNANDA KONOMI¹
GABRIELE PAIVA DA SILVA¹
ISABELA ALMEIDA GOMES¹
JULIANA JUBRAM DONÁ¹
LORRANY NOGUEIRA¹
MARIA VITÓRIA TEIXEIRA ROCHA DE MORAIS¹
NATALIA TIEMI OHE¹
SOFIA DE BRITTO GONÇALVES¹

1. Discente – Medicina na Universidade Anhembi Morumbi.

Palavras-chave:
Tetralogia de Fallot; Cardiopatia; Atenção básica.

1
10.59290/978-65-6029-060-0.1
INTRODUÇÃO ventrículo direito, formando um único fluxo de
Circulação fetal circulação que segue pela aorta descendente.
A circulação fetal difere da extrauterina pela Por fim, tal curso majoritariamente desoxi-
distinção de determinados aspectos anatômicos genado direciona-se à placenta por intermédio
e funcionais entre ambas, sendo a mais notável das duas artérias umbilicais, com intuito de ser,
a presença da placenta, cuja principal função é novamente, oxigenado e oferecido ao feto para
fornecer sangue oxigenado ao feto, concedendo que seja mantida adequada a sua saturação de
cerca de 80% do oxigênio disponível (SA- oxigênio (SADLER, 2016).
DLER, 2016). No entanto, é igualmente funda-
mental a variedade decorrente da existência de Circulação pós-fetal
comunicações entre as câmaras cardíacas e seus Fisiologicamente, ao nascimento, ocorre
respectivos vasos, como resultado, por uma série de adaptações anatômicas à vida
exemplo, da imaturidade pulmonar fetal. extrauterina, a começar pela interrupção do
A partir da placenta, o sangue, via veia fluxo sanguíneo antes oriundo da placenta que
umbilical, transcorre até a veia cava inferior já não existe, assim como veia e artérias
(tanto através da passagem direta pelo ducto umbilicais. De modo semelhante, em decorrên-
venoso, quanto por meio do fígado) e se cia da maturação pulmonar em associação ao
direciona ao átrio direito, local em que se início da respiração, há diminuição da resistên-
mistura com o sangue não oxigenado prove- cia pulmonar frente ao sangue proveniente das
niente de outras partes do organismo (ali artérias pulmonares, de maneira que os pulmões
encaminhado pela veia cava superior). Neste passam a receber irrigação, enquanto o ducto
ponto, contudo, a menor porção sanguínea en- arterioso se fecha e torna-se o ligamento
caminha-se ao ventrículo direito, enquanto a arterioso. Por fim, nesta conjuntura referente às
maior parte do volume atinge, diretamente, o alterações que ocorrem no ducto arterioso,
átrio esquerdo em detrimento do forame oval ocorre o fechamento do forame oval como
(SADLER, 2016). consequência direta do aumento de pressão no
Neste contexto, após a saída do átrio átrio esquerdo (MOORE & PERSAUD, 2016).
esquerdo, tal fração de sangue é conduzida ao Desta forma, na circulação pós-natal, o
ventrículo esquerdo e, em seguida, à aorta sangue desoxigenado proveniente de todo o
ascendente. No que tange o sangue que perma- organismo chega ao coração através da veia
nece no ventrículo direito, este é remanejado cava superior e inferior para que, em seguida,
em direção à artéria pulmonar. Entretanto, uma se dirija ao átrio direito, ventrículo direito e,
vez que os pulmões se encontram imaturos através do tronco pulmonar e artérias pulmo-
neste estágio fetal, imprime-se uma alta nares, ao pulmão, com o intuito de ser oxigena-
resistência que redireciona o fluxo sanguíneo ao do. Em seguida, o sangue retorna ao coração,
ducto arterioso, através do qual o sangue via veias pulmonares superior e inferior, no
desagua na aorta ascendente (MATTOS, 1997). átrio esquerdo, com o propósito de seguir ao
Percebe-se, por conseguinte, que a fração de ventrículo esquerdo e à aorta para, assim,
sangue proveniente do átrio esquerdo (via fornecer oxigenação, reiteradamente, a todo o
forame oval e, consequentemente, ventrículo organismo (MOORE & PERSAUD, 2016).
esquerdo) une-se ao sangue procedente do

2
FISIOPATOLOGIA monar. Isso induz uma dificuldade no transpor-
A Tetralogia de Fallot (ToF) é uma doença te de sangue oxigenado para o sistema pul-
cardíaca congênita que apresenta quatro monar e contribui para o aumento da pressão no
anormalidades morfológicas, resultando em lado direito do coração;
sintomas característicos. Além disso, é ● Comunicação interventricular: falha no
reconhecida pelo hipofluxo pulmonar e cianose, crescimento do tecido subendocárdico da
de modo que no passado era caracterizada como porção membranosa do septo interventricular.
“Baby blue”, pois os bebês apresentavam cor Pode ter vários orifícios ou um significante, no
azulada por conta da mistura de sangue com qual variam o fluxo sanguíneo e seus efeitos,
baixa saturação. Entretanto, é importante como a cianose;
ressaltar que nem todas as DCCs são ciano- ● Dextroposição da aorta: a principal
gênicas. Algumas delas podem ser classificadas artéria que conduz sangue oxigenado está des-
como acianogênicas, onde há uma mistura do locada para a direita e consequentemente
sangue venoso e arterial, porém pouco signifi- dificulta sua passagem sanguínea e contribui
cativa, assim o paciente não apresenta cianose. para o shunt direita-esquerda;
Sua etiologia é considerada multifatorial, ● Hipertrofia do ventrículo direito: sua
mas destaca-se a deleção do cromossomo hipertrofia é resultado das outras anomalias,
22q11.2 e a exposição a agentes teratogênicos, como a estenose e o aumento da pressão na
como a hereditariedade multifatorial, compo- câmara direita. Sua elevada carga de trabalho
nentes ambientais (álcool, drogas, agentes faz o uso de maior força na contração levando a
virais), além de componentes genéticos. Salien- hipertrofia.
ta-se que grande parte das DCCs ou outras A estenose pulmonar, a presença da CIV e a
doenças congênitas não tem uma causa identifi- maior pressão na câmara direita do coração
cada. No período embrionário, a sua exposição fazem com que ocorra a hipertrofia do
aos agentes fica mais sensível, principalmente ventrículo direito pela alta carga de trabalho,
em momentos de divisão, diferenciação celular adicionando a dextroposição da aorta faz com
e morfogênese, atenção para as duas primeiras que a ToF apresente shunt direita-esquerda,
semanas de desenvolvimento, na organogênese resultando em fluxo sanguíneo com baixa
(4-8 semanas) e durante o decurso fetal, poden- saturação dirigido aos tecidos. Em condições
do resultar em anomalias funcionais como normais, o sangue é impulsionado pelo VD e
morfológicas (MOORE & PERSAUD, 2016). levado para a artéria pulmonar onde irá ocorrer
As alterações anatômicas originam-se do a hematose. Mas, devido ao aumento da pressão
deslocamento anterior do septo infundibular e no lado direito, causado pelas complicações da
da hipertrofia dos trabéculos septoparietais, Tetralogia de Fallot, o sangue venoso e o
afetando o trato de saída subpulmonar. Durante arterial se misturam pela comunicação in-
a fase de desenvolvimento embrionário quem terventricular (direcionado pelo shunt) e circula
coordena esses processos é a crista neural, que pouco fluxo para a artéria pulmonar. Assim o
delimita a artéria aorta da pulmonar. sangue com baixa saturação é ejetado para a
circulação sistêmica, em vez de ir para os
Anomalias anatômicas na ToF pulmões e realizar adequada hematose, culmi-
● Estenose pulmonar: estreitamento na nando em hipofluxo pulmonar e consequente
luz da saída do VD em direção à artéria pul- hipoxemia (LEITE et al., 2021).
3
DIAGNÓSTICO fetal, através de exames de imagem (como
Diagnóstico fetal ultrassonografia e ecocardiograma), fornecen-
Melhorias na triagem pré-natal e na do uma descrição íntegra da anatomia intracar-
ecocardiografia fetal levaram a um aumento das díaca. A Figura 25.1 a seguir representa um
taxas de diagnóstico pré-natal da Tetralogia de ecocardiograma fetal, e nela é possível observar
Fallot. um defeito no septo ventricular na imagem A,
Assim como diversas doenças cardíacas que enquanto na imagem B vemos um desvio
são adquiridas de forma congênita, o diag- anterocefálico do septo de saída, causando uma
nóstico da Tetralogia de Fallot pode ser feito obstrução do tronco pulmonar (APITZ et al.,
enquanto o indivíduo encontra-se em sua vida 2009).

Figura 1.1 Ecocardiograma fetal

Fonte: Adaptado de APITZ et al., 2009.

O ecocardiograma é útil para a localização e uma característica muito comum no diagnóstico


extensão de defeitos ventriculares, além de (GRZYB et al., 2022).
avaliar o grau de obstrução do fluxo de saída do O diagnóstico precoce em casos de
ventrículo direito pela aparência e medidas obstrução pulmonar grave do fluxo sanguíneo
anatômicas (WISE-FABEROWSKI et al., auxilia em um planejamento mais organizado
2019). Essa condição pode ser diagnosticada já de tratamento pós-parto imediato, além de
no primeiro trimestre de gravidez, no entanto, é preconizar a administração da prostaglandina
difícil obter um exame detalhado nesse período, como terapia protetora da patência ductal. A
podendo resultar em um diagnóstico errôneo ou prostaglandina E1 promove angiogênese tera-
até mesmo em uma subestimação da gravidade pêutica (formando vasos sanguíneos a partir de
da doença. Por isso, os achados ecocar- vasos já existentes), além de possuir alta
diográficos precoces devem ser, sempre que atividade em vasodilatação, ativação da fibrinó-
possível, reavaliados para fornecer aconselha- lise e proliferação celular. A partir desse pla-
mento confiável e objetivo aos responsáveis nejamento, o risco de cianose do recém-nascido
pelo bebê, sendo o aumento do ângulo cardíaco pode ser evitado (APITZ et al., 2009).
4
Diagnóstico pós-fetal coração em “forma de bota” devido ao aumento
O diagnóstico da Tetralogia de Fallot tam- do ventrículo direito.
bém pode ser pós-natal, que, nesse caso, é Como teste pré-operatório, o cateterismo
essencialmente feito através de ecocardiografia cardíaco pode ser utilizado para avaliar a
(DOYLE & KAVANAUGH-McHUGH, estrutura do coração e planejar o tratamento
2023). cirúrgico. Durante esse procedimento, o médico
Há suspeita de doenças congênitas cardíacas insere um tubo fino e flexível (cateter) em um
em recém-nascidos que possuem níveis de vaso sanguíneo, geralmente na virilha, e o
oxigênio abaixo do normal, ou que se conduz até o coração. O corante flui através do
apresentam com cianose, além de poderem cateter para tornar as estruturas do coração mais
apresentar sopro cardíaco. Outros testes são fáceis de ver nos raios-X. O médico pode medir
realizados durante a avaliação da doença, a pressão e os níveis de oxigênio nas câmaras
incluindo eletrocardiograma e radiografia de do coração e nos vasos sanguíneos durante o
tórax. Achados no eletrocardiograma e na ra- procedimento.
diografia de tórax costumam ser sugestivos de “O Cateterismo Cardíaco - também conhe-
Tetralogia de Fallot, mas não são conclusivos cido como Cinecoronariografia ou Angiografia
para o diagnóstico (DOYLE & KAVA- Coronária ou Estudo Hemodinâmico - é um
NAUGH-McHUGH, 2023). exame invasivo que pode ser realizado de forma
Se forem necessários mais detalhes sobre a eletiva, para confirmar a presença de obstruções
anatomia das artérias pulmonar e coronárias e das artérias coronárias ou avaliar o funcio-
dos vasos aórtico-pulmonares colaterais, exa- namento das valvas e do músculo cardíaco -
mes como ressonância magnética cardíaca especialmente quando está sendo programada
podem ser realizados. Um cateterismo cardíaco uma intervenção (angioplastia, por exemplo) -
às vezes se torna útil para delinear melhor a ana- ou em situações de emergência, para determinar
tomia e as alterações hemodinâmicas (DOYLE a exata localização da obstrução que está
& KAVANAUGH-McHUGH, 2023). causando o infarto agudo do miocárdio e
Os exames utilizados para o diagnosticar a planejar a melhor estratégia de intervenção”
Tetralogia de Fallot incluem (MAYO CLINIC, (HOSPITAL ISRAELITA ALBERT EINS-
2021b): TEIN, 2023).
● Oximetria de pulso: na triagem
neonatal, recém-nascidos são rastreados para SINAIS E SINTOMAS
doenças cardíacas; Alguns achados físicos, como cianose e
● Ecocardiograma: mostra a estrutura, sopro em neonato, não são sinais específicos de
localização e função do miocárdio, câmaras que o indivíduo apresenta a Tetralogia de
cardíacas e válvulas pulmonares e aórtica; Fallot, no entanto, o sopro pode estar presente
● Eletrocardiograma: pode ajudar a ou ausente a depender do grau de obstrução da
determinar se as câmaras cardíacas estão via de saída. O paciente também pode apre-
aumentadas e se há ritmo cardíaco irregular; sentar alguns sinais físicos como elevação do
● Radiografia de tórax: mostra a estrutura ventrículo direito, pulsos proeminentes e
do coração e dos pulmões. Um sinal comum da frêmito sistólico (WISE-FABEROWSKI et al.,
Tetralogia de Fallot no raio X de tórax é o 2019).

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Há também consequências hemodinâmicas, (agachamento nas crianças mais velhas)
como diminuição do fluxo sanguíneo pul- aumenta a resistência vascular sistêmica e o
monar, desvio da direita para esquerda e oxigênio funciona como vasodilatador para a
aumento do volume aórtico. De modo geral, um artéria pulmonar.
maior grau de estenose pulmonar leva a uma Embora alguns episódios cianóticos súbitos
cianose precoce, além de que, à medida que a possam se resolver espontaneamente, períodos
criança se desenvolve e seu coração aumenta prolongados podem progredir para perda de
consequentemente, o orifício pulmonar não consciência e parada cardíaca (DOYLE &
cresce da mesma forma, piorando a estenose KAVANAUGH-McHUGH, 2023).
progressivamente (KUMAR et al., 2013).
Os sintomas da Tetralogia de Fallot variam TRATAMENTO
dependendo do grau de obstrução do fluxo O tratamento padrão da Tetralogia de Fallot
sanguíneo. Os sintomas podem incluir (MAYO é a correção cirúrgica que consiste no fecha-
CLINIC, 2021a): mento do defeito do septo ventricular e alívio
● Cianose decorrente de baixo nível de extensivo da obstrução da via de saída do
oxigênio no sangue ventrículo direito (RAHMATH & BOUDJEM-
● Dispneia principalmente durante esfor- LINE, 2020). O reparo cirúrgico do ToF foi
ços como amamentação descrito pela primeira vez em 1955. A
● Pouco ganho de peso obstrução da via de saída do ventrículo direito
● Choro prolongado foi abordada por uma ventriculotomia na parede
● Irritabilidade anterior do ventrículo direito e o alívio inclui a
● Sopro cardíaco inserção de um remendo transanular, se for
● Desmaio necessário. Essa abordagem resultou em
● Baqueteamento digital sobrevida relativamente boa em longo prazo.
Às vezes, bebês portadores da síndrome No entanto, lesões residuais após o reparo eram
subitamente evoluem com episódios cianóticos comuns e estudos de acompanhamento dessas
súbitos (“Tet spells”) com arroxeamento da primeiras operações mostraram que essas
pele, unhas e lábios depois de chorar, lesões residuais resultaram em morbidade e
amamentar ou estarem agitados. Esses epi- mortalidade tardias (VAN DER VEN et al.,
sódios são causados por uma queda rápida dos 2019).
níveis de oxigênio no sangue, são mais comuns Diferentes técnicas cirúrgicas foram desen-
em bebês com cerca de 2 a 4 meses. O objetivo volvidas minimizando a extensão da ventricu-
é o aumento do fluxo sanguíneo pulmonar. lotomia e tentando preservar a competência da
Bebês ou crianças mais velhas podem se valva pulmonar sem causar obstrução da via de
agachar instintivamente quando estão com falta saída do ventrículo direito residual (VAN DER
de ar, já que o agachamento aumenta o fluxo VEN et al., 2019). No momento, um reparo
sanguíneo para os pulmões (MAYO CLINIC, completo por meio de uma única incisão a partir
2021a). da artéria pulmonar principal, realizada através
O tratamento inclui acalmar o bebê e do anel da válvula pulmonar e na via de saída
segurá-lo em uma posição com os joelhos para do ventrículo direito, seguido de aumento do
cima tocando o peito (DIAZ-FRIAS & GUI- reforço da área incisada e acompanhado de
LLAUME, 2022). A posição de joelho ao peito fechamento do remendo do defeito do septo
6
ventricular, ainda continua sendo o tipo de CONCLUSÃO
reparo mais frequente (STELLIN et al., 2020). Conclui-se que a Tetralogia de Fallot trata-
Acredita-se que o reparo primário precoce se de uma malformação cardíaca congênita, de
do ToF pode limitar a exposição prolongada à etiologia multifatorial. A apresentação mais
carga de pressão do VD e reduzir a saturação de clássica engloba quatro defeitos cardíacos:
oxigênio, preservando a função cardiovascular estenose pulmonar, comunicação interventri-
e cerebral. No entanto, não há consenso sobre a cular, hipertrofia concêntrica de VD e dextro-
definição de reparo “precoce” versus reparo posição da aorta. Contudo, suas características
tardio. O reparo neonatal (ou seja, reparo antes dependem do grau de acometimento das
de 1 mês de idade) é viável com resultados estruturas cardíacas. Seus sinais e sintomas
aceitáveis, mas não é amplamente utilizado, podem ser variados, incluindo cianose, dispneia
devido aos melhores resultados a curto prazo do aos esforços, ganho de peso inadequado, choro
reparo não neonatal (VAN DER VEN et al., prolongado e irritabilidade, presença de sopro
2019). cardíaco, desmaios e baqueteamento digital.
Pacientes sintomáticos com ToF podem Em relação ao diagnóstico, o mesmo pode
requerer uma intervenção em período neonatal. ser feito intraútero, através de ultrassonografia
Porém, na maioria dos pacientes, o reparo e ecocardiograma fetal em busca de melhor
primário pode ser adiado para 3 a 6 meses de avaliação da anatomia cardíaca. Além disso, na
idade com excelentes resultados (VAN DER suspeita em recém-nascidos com baixos níveis
VEN et al., 2019). A maioria dos estudos de oxigênio ou que apresentam cianose e/ou
defende uma idade de reparo entre 3 e 6 meses sopro cardíaco, é possível diagnosticar a
e certamente abaixo de 1 ano de idade (PECK malformação congênita no período pós-natal
et al., 2021). por meio de um ecocardiograma, que pode ser
Mais estudos são necessários para complementado com RX de tórax, eletrocar-
determinar a melhor estratégia para o grupo de diograma e oximetria de pulso.
pacientes que requer intervenção precoce. As O tratamento para a Tetralogia de Fallot é
estratégias de gerenciamento provavelmente basicamente cirúrgico, através do fechamento
precisam ser individualizadas para um resul- do defeito do septo ventricular com uso de
tado ideal (VAN DER VEN et al., 2019). Em retalho e ampliação da via de saída do ven-
abordagens futuras, as tecnologias 3D (incluin- trículo direito. Contudo, a idade ideal para a
do impressão) foram utilizadas para descrever a realização do procedimento cirúrgico ainda é
anatomia dos vasos, orientando a abordagem questionada, devendo ser avaliada de forma
cirúrgica para a anatomia intracardíaca comple- individualizada para a escolha do melhor
xa. Os modelos anatômicos 3D mostraram uma momento para a realização da cirurgia.
tendência para reduzir o tempo de sala de
operação quando comparado com cirurgias se-
melhantes (RAHMATH & BOUDJEMLINE,
2020).

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
APITZ, C. et al. Tetralogy of Fallot. Lancet, v. 374, p. 1462, 2009. doi: 10.1016/S0140-6736(09)60657-7.
DIAZ-FRIAS, J. & GUILLAUME, M. Tetralogy of Fallot. StatPearls, 18 jan. 2022.
DOYLE, T. & KAVANAUGH-McHUGH, A. Tetralogy of Fallot (TOF): pathophysiology, clinical features, and
diagnosis. UpToDate. 2023. Disponível em: https://medilib.ir/uptodate/show/5769. Acesso em: 10 set. 2023.
GRZYB, A. et al. Tetralogy of Fallot in the fetus: from diagnosis to delivery. 18-year experience of a tertiary Fetal
Cardiology Center. Kardiologia Polska, v. 80, p. 834, 2022. doi: 10.33963/KP.a2022.0129.
HOSPITAL ISRAELITA ALBERT EINSTEIN. Cateterismo cardíaco (cinecoronariografia ou angiografia coronária ou
estudo hemodinâmico). Hospital Albert Einstein, 2023. Disponível em:
https://www.einstein.br/especialidades/cardiologia/exames-tratamento/cateterismo-cardiaco. Acesso em: 10 set. 2023.
LEITE, M.F.M. et al. Cardiopatias congênitas cianóticas com baixo fluxo pulmonar. In: LOUREIRO, T.N. & SILVA,
A.E.A., organizadoras. Cardiologia pediátrica 2. ed. Santana de Parnaíba: Manole; SOPERJ, 2021.
MATTOS, S.S. Fisiologia da circulação fetal e diagnóstico das alterações funcionais do coração do feto. Arquivos
Brasileiros de Cardiologia, v. 69, p. 205, 1997. doi: 10.1590/S0066-782X1997000900013
MAYO CLINIC. Tetralogy of Fallot: symptoms and causes. Mayo Clinic, 2021a. Disponível em:
https://www.mayoclinic.org/diseases-conditions/tetralogy-of-fallot/symptoms-causes/syc-20353477. Acesso em: 10 set.
2023.
MAYO CLINIC. Tetralogy of Fallot: diagnosis and treatment. Mayo Clinic, 2021b. Disponível em:
ww.mayoclinic.org/diseases-conditions/tetralogy-of-fallot/diagnosis-treatment/drc-20353482. Acesso em: 10 set. 2023.
MOORE, K.L & PERSAUD, T. V. N. Embriologia clínica. 10. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016.
PECK, D. et al. Timing of repair in Tetralogy of Fallot: effects on outcomes and myocardial health. Cardiology in Review,
v. 29, p. 62, 2021. doi: 10.1097/CRD.0000000000000293.
RAHMATH, M.R.K. & BOUDJEMLINE, Y. Tetralogy of Fallot will be treated interventionally within two decades.
Pediatric Cardiology, v. 41, p. 539, 2020. doi: 10.1007/s00246-020-02297-z.
SADLER, T. W. Langman: embriologia médica. 13. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016.
STELLIN, G. Evolving techniques for the achievement of optimal long-term results after Tetralogy of Fallot repair. World
Journal for Pediatric and Congenital Heart Surgery, v. 12, p. 116, 2021. doi: 10.1177/2150135120968103.
VAN DER VEN, J.P.G. et al. Current outcomes and treatment of tetralogy of Fallot. F1000Res, 2019. doi:
10.12688/f1000research.17174.1
WISE-FABEROWSKI, L. et al. Tetralogy of Fallot: Everything you wanted to know but were afraid to ask. Pediatric
Anesthesia, v. 29, p. 475, 2019. doi: 10.1111/pan.13569.

8
CAPÍTULO 2

FIBRILAÇÃO ATRIAL E IMPLANTE


DE MARCAPASSO CARDÍACO:
RELATO DE CASO
CAMILA FREITAS DE CASTRO¹
FRANCINI SPILLERE TANQUELLA¹
JULIA GUIMARÃES NETTO¹
LETÍCIA ROMÃO CASCAES¹
LUIZ PEDRO PEGO MOREIRA¹
NATHÁLIA RAMOS ENDLICH¹
1. Discente - Graduação em Medicina, na Universidade José do Rosário Vellano (UNIFENAS - BH).

Palavras-chave:
Marcapasso artificial; Fibrilação atrial; Cardioversão elétrica.

9
10.59290/978-65-6029-060-0.2
INTRODUÇÃO lares, ou seja, um ECG completamente
As arritmias são provocadas por distúrbios arrítmico (SOBRAC, 2015).
na formação e na condução do impulso elétrico O tratamento da FA depende das condições
que, em vez de se formar no nó sinusal, têm hemodinâmicas do paciente. Na presença de
origem em outras estruturas do coração. Elas instabilidade hemodinâmica, realiza-se cardio-
são classificadas como supraventriculares, versão elétrica imediata, e, na ausência, deve-se
quando os impulsos são originados nos átrios avaliar a necessidade de anticoagulação, cardio-
ou nó atrioventricular, e intraventriculares, versão para ritmo sinusal e controle da
quando se originam nos ventrículos (SOBRAC, frequência cardíaca através de medicação ou,
2015). A fibrilação atrial (FA) é um tipo de em casos mais severos, implantação de
arritmia supraventricular, caracterizada por dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis
impulsos elétricos extras originados nos átrios, (SEABRA et al., 2012). O prognóstico desta
que desencadeiam batimentos rápidos, desorga- doença está intimamente relacionado aos mar-
nizados e irregulares. As suas causas ainda não cadores de risco, cujo reconhecimento implica
são bem definidas, mas sabe-se que pode ser na orientação terapêutica profilática das com-
uma arritmia decorrente de anormalidades do plicações, aumentando a sobrevida e melho-
coração desde o nascimento, de danos na estru- rando a qualidade de vida dos pacientes. Os
tura do coração por um infarto agudo do mio- eventos tromboembólicos são responsáveis por
cárdio (IAM) ou, ainda, um problema de válvu- taxas de mortalidade de 50 a 100% mais
la cardíaca. Pessoas com corações normais elevadas em pacientes com FA, em relação a
também podem desenvolver FA (SOBRAC, indivíduos normais (SBC, 2003).
2015). O objetivo deste estudo foi relatar o caso de
A FA é a arritmia sustentada mais frequente um paciente com fibrilação atrial, com múlti-
na prática clínica, responsável por aproxima- plas cardioversões após episódios de taqui-
damente um terço das hospitalizações por cardia sintomática, sendo necessária a implan-
distúrbios do ritmo cardíaco (SBC, 2003). A tação de um marcapasso definitivo.
sua prevalência é de 0,4% na população geral,
sendo mais frequente em homens do que em MÉTODO
mulheres (2:1), aumentando com o avanço da Trata-se de um relato de caso com breve
idade (a partir dos 50 anos, duplica a cada revisão da literatura. As informações relaciona-
década) (SBC, 2003). Pacientes sintomáticos das ao caso clínico foram obtidas por meio de
podem manifestar a FA com palpitação, disp- revisão do prontuário e entrevista com paciente,
neia, vertigem, astenia, confusão mental, hipo- sem registro fotográfico dos laudos diagnós-
tensão arterial, dor torácica anginosa ou sín- ticos. A busca por referencial teórico ocorreu
cope. Dentre as complicações da FA, destacam- nas plataformas digitais SciELO, LILACS e
se, pela gravidade, os quadros de tromboembo- PubMed, bem como em livros científicos
lismo e de instabilidade hemodinâmica recentes da área relativa ao tema.
(FERNANDES NETO, 2018).
Para o diagnóstico, o eletrocardiograma de
RELATO DE CASO
12 derivações é mandatório, no qual identifica-
Paciente, 75 anos, sexo masculino, diag-
se atividade atrial desorganizada, com ausência
nosticado com fibrilação atrial há anos, chega
de onda P, associada a intervalos R-R irregu-
10
ao pronto-socorro queixando-se de mal-estar, detectada FA sintomática e o paciente foi
sudorese, náusea, dor torácica anginosa e cardiovertido e internado. Após estabilização
palpitação. História pregressa de fibrilação do quadro clínico, Holter evidenciou ritmo de
atrial, com três episódios de taquicardia FA, com 61 pausas no período do sono.
sintomática seguida de cardioversão. Negava Indicado implante de marcapasso, realizado no
tabagismo e etilismo e estava em uso de Xarelto dia 16 de agosto no ano de 2019. Com o
20 mg – MID; Atorvastatina 10 mg – MID; implante do marcapasso, o Atenolol foi retirado
Concor 2,5 mg – MID; Puran T4 100 mg – e as outras medicações foram mantidas. Holter
MID; Atenolol 25 mg - MID. História de evidenciou ritmo de FA e ritmo de marcapasso,
acidente vascular encefálico (pai) e hipertensão sem pausas.
arterial sistêmica (mãe) na família. Foi

Figura 2.1 Linha do tempo dos episódios de cardiopatia sistemática e cardioversões

DISCUSSÃO outra importante variante de risco. Em


A FA é de grande importância e merece indivíduos com idade superior a 65 anos, a
devida atenção, pois, quando não tratada, pode mortalidade associada à FA é de 10,8%.
ser um forte fator desencadeador de acidente Segundo Seabra et al. (2012), a cardio-
vascular cerebral, podendo também levar ao versão é um procedimento em que a descarga
óbito, sendo que na presença de insuficiência elétrica é sincronizada ao complexo QRS, mais
cardíaca associada esse risco pode aumentar especificamente à onda R, e é indicada para
duas vezes. Também observa-se a idade como situações de FA, flutter atrial, taquicardia
paroxística supraventricular e taquicardias com
11
complexo largo e com pulso, diferente da indicado para bloqueio de ramo alternante,
desfibrilação, na qual a descarga elétrica não é profilaxia de taquiarritmias dependentes de
sincronizada e pode ser aplicada em qualquer bradicardia, como na Síndrome do QT longo,
momento do ciclo cardíaco, com indicação para tentativa de cardioversão de taquicardias resis-
fibrilação ventricular e taquicardia ventricular tentes à reversão farmacológica através de
sem pulso. overdrive, underdrive ou extra-estímulos, pro-
No caso em questão, no qual o paciente filaxia para grandes cirurgias em pacientes
apresentou-se sintomático, as cardioversões de portadores de dromopatias importantes e pós-
urgência resolveram os sintomas temporaria- operatório de cirurgia cardíaca (SOBRAC,
mente, porém, ocorreram várias recorrências, 2015).
ou seja, foram efetivas provisoriamente. A fim O paciente relatou melhora da qualidade de
de evitar tais recorrências, visto que os Holter vida após o implante do marcapasso. Mencio-
anteriores tinham pausas evidentes, e devido à nou que nos episódios de taquicardia sinto-
retirada do betabloqueador em uso aumentar a mática sentia que o coração iria “explodir”,
FC basal e ocasionar o descontrole da arritmia, além de apresentar mal-estar, fortes dores no
foi proposto o implante de marcapasso per- peito e taquicardia. Com o tratamento medica-
manente. mentoso ajustado e o implante do marcapasso
O marcapasso é um dispositivo implantável há um ano, não apresentou recorrências e voltou
que emite estímulos elétricos até o coração para a fazer as atividades diárias sem se sentir mal.
garantir uma frequência cardíaca mínima do
órgão (SOBRAC, 2015). Suas principais indi- CONCLUSÃO
cações em pacientes sintomáticos que não A fibrilação atrial é comum e pode ser grave
sofreram IAM são fibrilação atrial por baixa se não tratada adequadamente. Os casos
resposta ventricular, bloqueio atrioventricular sintomáticos devem ser cardiovertidos com
total, bloqueio atrioventricular de 2o grau (tipo urgência e deve-se sempre avaliar a necessidade
Mobitz ou Hay) não responsivo à atropina e de terapias em casos recorrentes através de
doença do nó sinusal. Em pacientes assinto- medicamentos ou de implante de dispositivos
máticos, o marcapasso também pode ser cardíacos.

12
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FERNANDES NETO, J. Fibrilação atrial. Revista Qualidade HC FMRP-USP, 2018.
SEABRA, M.K. et al. Terapia elétrica: desfibrilação e cardioversão de taquiarritmias. Acta Medica, v. 33, 2012.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE ARRITMIAS CARDÍACAS - SOBRAC. Guia de imprensa: arritmias cardíacas e morte
súbita. São Paulo: SOBRAC, 2015.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA - SBC. Diretrizes Brasileiras de Fibrilação Atrial. Arquivos
Brasileiros de Cardiologia, v. 106, 2016.

13
CAPÍTULO 3

RELATO DE CASO SOBRE


INSUFICIÊNCIA CARDÍACA DE
FREQUÊNCIA DE EJEÇÃO REDUZIDA

MARIA RENATA MATOS DE MESQUITA¹


GABRIELLE FONTENELLE PAIVA¹
MATEUS ALVES TEIXEIRA¹
JOSÉ CARLOS LUCENA2
1. Discente - Centro Universitário Christus - Unichristus.
2. Docente - Centro Universitário Christus - Unichristus.

Palavras-chave:
Dispneia; Miocardiopatias; Cardiopatias isquêmicas.

14
10.59290/978-65-6029-060-0.3
INTRODUÇÃO saúde é essencial para melhorar a qualidade de
A insuficiência cardíaca (IC) é uma vida e o prognóstico dos pacientes com ICFEr.
síndrome clínica definida como alteração O objetivo do capítulo foi relatar caso de
funcional ou estrutural cardíaca. As alterações insuficiência cardíaca com frequência de ejeção
hemodinâmicas geralmente resultam em uma reduzida, além de evidenciar a importância de
redução do débito cardíaco e/ou aumento das um tratamento otimizado.
pressões de enchimento intracardíaco (VELAS-
CO et al., 2022). Essa síndrome pode ser RELATO DE CASO
dividida em subtipos, de acordo com a fração Paciente MVG, 79 anos, sexo masculino,
de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE). aposentado. Apresenta-se com dispneia aos
Quando a FEVE está abaixo de 40%, é pequenos esforços associada a uma tosse seca
denominada IC com FEVE reduzida (ICFEr). há 5 dias e edema em membros inferiores
Quando maior que 50%, denomina-se IC com (2+/4+). Há cerca de 7 dias, apresentou dois
FEVE preservada (ICFEp). Os pacientes que episódios de febre, entretanto não aferida. Além
apresentam FEVE entre 41 e 49% são disso, possui tungíase disseminada em ambos
denominados FEVE levemente reduzida os pés, não sabendo referir há quanto tempo.
(ICFELr) (CORREIA & MESQUITA, 2022). História patológica pregressa, paciente hiper-
A IC é a via final comum da maioria das tenso de longa data e diabético tipo 2. Não
doenças que acometem o coração, sendo um fazendo tratamento otimizado para nenhuma de
dos mais importantes desafios clínicos atuais na suas comorbidades. Nega tabagismo e alcoolis-
área da saúde (VELASCO et al., 2022). mo, além de alergias medicamentosas e
A insuficiência cardíaca com fração de alimentares. No exame físico realizado no dia
ejeção reduzida (ICFEr), especificamente, é da internação hospitalar (27/09/23) constatou-
uma condição clínica caracterizada pela se PA de 150 x 80, FR 20, temperatura 36,4, FC
incapacidade do coração em bombear sangue de 84, tempo de enchimento capilar menor que 3
forma adequada para suprir as demandas segundos. Ademais, percebeu-se turgência ju-
metabólicas do corpo devido a uma fração de gular, edema em membros inferiores bilateral-
ejeção ventricular esquerda inferior a 40%. Na mente, além de estertores crepitantes na
ICFEr, essa fração é diminuída devido a ausculta pulmonar. Paciente referia dispneia
disfunções miocárdicas, levando a uma série de importante a mudança de decúbito e sensação
sintomas como dispneia, fadiga, edema peri- de afogamento que o fazia acordar a noite.
férico e intolerância ao exercício. Esta condição Ausculta cardíaca RCR, 2T, BNF, S/SOPROS.
geralmente resulta de cardiopatias isquêmicas, O paciente realizou raio-x de tórax, no qual
hipertensão arterial, miocardites ou valvulo- evidenciou-se cardiomegalia associada a derra-
patias. O diagnóstico preciso é crucial para a me pleural bilateral, sumário de urina com
instituição do tratamento adequado, que inclui proteínas 2+/4+ e hemoglobina 1+/4+, bactérias
terapia medicamentosa, restrição de sódio na presentes. O ultrassom point-of-care (POCUS)
dieta, monitoramento rigoroso e, em alguns mostrou uma hipertrofia concêntrica do VE
casos, transplante cardíaco ou implantação de com presença de ICFEr de 30%. Sendo assim,
dispositivos de assistência ventricular. O foi iniciada terapia combinada com losartana 50
manejo multidisciplinar por profissionais de mg de 12/12 horas, carvedilol 25 mg de 12/12

15
horas, espironolactona 25 mg/dia, furosemida progressão da IC. A espironolactona, anta-
40 mg, heparina não fracionada 5000 u de 12/12 gonista do receptor mineralocorticoide, vai
horas, sinvastatina 40 mg noite, hidralazina 50 bloquear a ação da aldosterona, reduzindo
mg 3x ao dia e isossorbida 40 mg 2x ao dia. também a retenção de sódio e água, diminuindo
Após medidas terapêuticas, o paciente evoluiu a sobrecarga cardíaca.
com melhora do quadro clínico. Essas drogas possuem papel crucial no
tratamento da ICFEr, melhorando a função
DISCUSSÃO cardíaca, reduzindo sintomas e, principalmente,
O caso supracitado trata-se de um paciente prevenindo uma morte súbita.
com ICFER que apresentou evolução moderada A IC é uma doença de repercussão clínica
e prejuízo funcional significativo, NYHA III, sistêmica, que compromete habilidades funcio-
com melhora clínica importante após otimiza- nais, psicológicas e sociais do paciente. Nesse
ção do tratamento farmacológico na internação, âmbito, otimização medicamentosa, estilo de
um dos pilares de grande impacto no manejo da vida saudável e controle de fatores de risco,
doença. como tabagismo, etilismo e dislipidemia, são
No relato de caso em questão, foi instituída metas de tratamento com resultados favoráveis
a terapia com bloqueador do receptor da na melhora da fração de ejeção e da classe
angiotensina II (losartana), betabloqueador funcional, além de reduzir taxas de hospita-
(carvedilol) e antagonista do receptor mineralo- lização e mortalidade (BRITO et al., 2023).
corticoide (espironolactona), drogas que sabi-
damente controlam sintomas e mudam o
CONCLUSÃO
desfecho, diminuindo morbimortalidade. Por Por fim foi exposto neste trabalho o relato
indisponibilidade de fornecimento no hospital de caso de um paciente idoso com insuficiência
de origem, não foi ofertado o inibidor do cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFEr)
SGLT2, outra droga que também aumenta cujo quadro clínico foi significativamente
sobrevida. melhorado através da otimização do tratamento
A losartana, um bloqueador do receptor da farmacológico. A terapia combinada otimizada
angiotensina II, atua reduzindo a resistência desempenhou um papel fundamental na
vascular periférica e a sobrecarga no coração, redução de sintomas, melhorando a função
além de prevenir a retenção de sódio e água. cardíaca e prevenindo complicações graves.
Além disso, diminui a remodelação ventricular Enfatiza-se a importância do controle de fatores
adversa. O carvedilol, um betabloqueador, vai de risco e do estilo de vida saudável no manejo
agir bloqueando os receptores beta-adrenér- eficaz da insuficiência cardíaca, contribuindo
gicos do coração, diminuindo a frequência para a melhoria da qualidade de vida e a
cardíaca e a contratilidade, desacelerando a redução da mortalidade dos pacientes afetados
por essa condição clínica complexa.

16
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRITO, H.R.A. et al. A importância da reabilitação cardiopulmonar no tratamento da insuficiência cardíaca: relato de
caso. Brazilian Journal of Health Review, v. 6, p. 13374, 2023. doi: 10.34119/bjhrv6n3-388.
CORREIA, E.T.O. & MESQUITA, E.T. Insuficiência cardíaca com fração de ejeção levemente reduzida: considerações
terapêuticas e justificativas dessa renomeação. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 119, p. 124, 2022. doi:
10.36660/abc.20210752.
VELASCO, I.T. et al. Medicina de emergência: abordagem prática. 16. ed. São Paulo: Manole, 2022.

17
CAPÍTULO 4

ARRITMIAS CARDÍACAS: REVISÃO


INTEGRATIVA DE 2012 A 2022

NAILLA BYATRIZ SILVA DE MORAIS¹


ANNY CAROLINE SETUBAL KUNZ¹
ANDERSON VEIGA BARBOSA¹
ESTHER ANOUSE DESIR¹
GIOVANNA VICTORIA QUEIROZ BENTES¹
IVO DA CUNHA NUNES¹
JULIANE LOPES DOS SANTOS¹
JÚLIA PINHEIRO PIMENTEL¹
LUCAS JUNIOR DE SOUSA CARDOSO¹
LEONARDO YUJI NIHIRA ALENCAR¹
MELISSA DE OLIVEIRA ROCHA PIMENTEL²
PAULO ROBERTO TAVARES TAVARES¹
RAMON PATRÍCIO VALENTE PINHEIRO¹
RENATA CAROLINE SILVA SOUSA¹
SARAH EMILI CRUZ DA SILVA²
1. Discente - Medicina na Universidade Federal do Pará (UFPA), campus Belém.
2. Discente - Nutrição na Universidade Federal do Pará (UFPA), campus Belém.

Palavras-chave:
Arritmias cardíacas; Arritmia; Fibrilação.

18
10.59290/978-65-6029-060-0.4
INTRODUÇÃO de Covid-19 no contexto das doenças
Ao longo dos últimos anos, diversos estudos cardiovasculares, destacando a importância de
têm abordado aspectos importantes das monitorar e tratar adequadamente as arritmias
arritmias cardíacas, considerando desde os cardíacas nesse quadro clínico, considerando a
mecanismos fisiopatológicos até os fatores de possível relação entre a infecção pelo vírus e o
risco e as suas opções terapêuticas. Dentro surgimento de arritmias (ZANATTA &
desse contexto, há levantamentos que se FALCÃO, 2021).
debruçam nos progressos na eletrofisiologia Por fim, novas investigações abordam a
cardíaca e nas arritmias, fornecendo uma visão prevalência da fibrilação atrial na população
geral do estado da arte nessa área (GUERRA et brasileira, comparando-a com países de renda
al., 2012). As arritmias cardíacas representam mais alta e ressaltando o baixo uso de terapia
uma parcela significativa de causas de anticoagulante. Esta questão é fundamental
morbilidade e mortalidade. Esse quadro pode para a prevenção de arritmias relacionadas a
estar associado a acidentes vasculares encefá- essa condição (FAVARATO, 2021).
licos (AVEs), impactando principalmente a Para tal análise, a pandemia causada pelo
função cardíaca de homens com mais de 60 SARS-CoV-2 mudou a dinâmica de saúde
anos. Além disso, o estudo dos potenciais mundialmente, chamando atenção não somente
efeitos pró-arritmogênicos da farmacoterapia para a necessidade da aplicação de medidas de
contra o SARS-CoV-2 fornecem informações segurança na prevenção da infecção - tais quais
relevantes sobre a relação entre a Covid-19 e as higienização e uso de máscaras -, mas também
arritmias cardíacas, visto que se tornou um para a importância de analisar a doença causada
tópico crítico de investigação em um cenário de pelo vírus junto a outras comorbidades prévias
saúde coletiva em evolução (MEDEIROS- no indivíduo infectado, neste caso as arritmias
DOMINGO et al., 2020). cardíacas. A primeira descrição de 138 casos na
No que se refere às arritmias cardíacas China mostrou que as arritmias cardíacas foram
associadas a outras condições clínicas, inves- uma complicação em 16,7% do total de casos,
tigações têm explorado a relação entre subindo para 44,4% em pacientes internados
parâmetros plasmáticos de tiol e níveis de em unidade de terapia intensiva (UTI), sem
troponina em pacientes com síndrome corona- distinção quanto ao tipo de arritmia encontrada.
riana aguda, abordando a predição de arritmia Além disso, diversos estudos realizados
ventricular hospitalar, o que é de relevância globalmente mostraram que a presença das
significativa para a compreensão das arritmias arritmias em pacientes infectados com Covid-
em contextos clínicos específicos (ERDOGAN 19 piorou o prognóstico do grupo e aumentou a
et al., 2021). necessidade de internação em UTI e uso de
Somado a isso, estudos têm analisado a suporte ventilatório mecânico, bem como am-
associação entre consumo de álcool, arritmias pliou a taxa de mortalidade nesse grupo. As
cardíacas e doença coronariana, contribuindo arritmias mais encontradas foram taquicardias
para a compreensão dos fatores de risco com- supraventriculares, seguidas de taquicardias
portamentais associados que podem influenciar ventriculares sustentadas e bradicardias (SAN-
a ocorrência de arritmias cardíacas (CAORSI, TOS & SACILOTTO, 2021).
2020). Além do mais, investigações têm se Os mecanismos fisiopatológicos para as
debruçado sobre as consequências da pandemia arritmias permanecem incertos na infecção pelo
19
novo coronavírus. As hipóteses são de longo congênito (SQTL), mais raras e que,
internalização e redução de receptores da portanto, precisam de mais estudos. Os eventos
enzima conversora de angiotensina 2 (ECA2), fatais em pacientes com arritmias hereditárias
hiperativação inflamatória com aumento de podem ser desencadeados por estresse físico e
citocinas, disfunção endotelial, hipoxemia, emocional. Os impactos psicossociais da
hiperativação simpática ou disautonomia, além pandemia relacionados à depressão, estresse,
de distúrbios hidroeletrolíticos, os quais, em ansiedade e síndrome do pânico, agravados
conjunto, causaram alterações na despolari- pelo isolamento social, enfrentamento do medo
zação e repolarização dos miócitos, principal- e do luto, podem predispor a maior ocorrência
mente nos casos mais graves da doença de arritmias. A eventual necessidade de
(SANTOS & SACILOTTO, 2021). Ademais, suspensão temporária das medicações em
vale ressaltar que o SARS-CoV-2 pode, além de pacientes com instabilidade hemodinâmica, uso
infectar indivíduos que já apresentam arritmias, de fármacos vasopressores com efeito cateco-
acometer indivíduos saudáveis, o que pode laminérgico e distúrbios hidroeletrolíticos pode
estar relacionado ao aparecimento de danos à estar associada a maior risco de ocorrências
fisiologia cardiovascular. Neste caso, a resposta potencialmente fatais. Portanto, o período da
inflamatória sistêmica ocasionada pelo vírus, pandemia, por si só, já alerta para a necessidade
junto a fenômenos tromboembólicos, acarreta de garantir vigilância e orientações direcio-
achados como injúria miocárdica, miocardite, nadas para esses pacientes, que, por serem
insuficiência cardíaca, choque cardiogênico e portadores de doenças raras, não serão bem
as próprias arritmias. Casos com desfechos representados em estudos clínicos (SACI-
mais graves incluem ocorrência de fibrilação LOTTO et al., 2021).
atrial e parada cardíaca, seguida de óbito Além disso, o uso inadequado de cloroquina
(SACILOTTO et al., 2021; PIMENTEL et al., e hidroxicloroquina para tratamento da Covid-
2021). 19 chamou atenção para a necessidade de
Nesse sentido, a resposta inflamatória sistê- analisar detalhadamente o efeito que as me-
mica ocasionada pelo vírus pode levar o dicações podem apresentar sobre as arritmias,
paciente a um quadro de sepse e, por vezes, uma vez que ocasionaram alterações percep-
falência de órgãos. Os pacientes que apre- tíveis no intervalo QT de pacientes (SACI-
sentam quadros infecciosos mais graves podem LOTTO et al., 2021). Além disso, estudos
exacerbar arritmias ocultas ou bem controladas, mostraram que medicamentos usados no
por diversos fatores, tais como febre, distúrbios tratamento da Covid-19 podem induzir arrit-
eletrolíticos, interações medicamentosas, es- mias, como a azitromicina, que pode, em ex-
tresse adrenérgico e, eventualmente, o próprio posição crônica, prolongar intervalo QT e
dano miocárdico do paciente séptico. Todos induzir arritmias cardíacas. Outros medicamen-
esses fatores podem alterar o equilíbrio dos tos, como lopinavir, remdesivir e inibidores de
canais iônicos, tornando os pacientes com interleucina 6, não atuam diretamente no
arritmias hereditárias potencialmente mais aparecimento de arritmias, mas estão asso-
vulneráveis (SACILOTTO et al., 2021). Outro- ciados a outros achados, como diarreia, neu-
ssim, é importante salientar a preocupação que tropenia, insuficiência renal e disfunção de
se deve ter com pacientes portadores de órgãos (MEDEIROS-DOMINGO et al., 2020).
arritmias hereditárias, como síndrome do QT
20
MÉTODO artigos publicados nos últimos 10 anos - sendo
No presente estudo foi realizada uma datado de 01 de janeiro de 2012 a 01 de janeiro
revisão integrativa da literatura sobre arritmias de 2022 por meio do filtro temporal de
cardíacas. Foram coletados 101 artigos para pesquisa.
compor a pesquisa de um total de 1.054 artigos A presente revisão integrativa da literatura
encontrados na plataforma Scientific Electronic foi feita pela combinação de dois descritores:
Library Online (SciELO), a qual apresentou o (Arritmias) OR (Arritmias cardíacas). Foi
quantitativo de 538 artigos disponíveis sobre a utilizado o Operador Booleano (OR) entre os
temática, e na plataforma National Library of descritores à procura da união dos artigos que
Medicine (PubMed), que recuperou 516 artigos abordam ambas as temáticas, como disposto na
científicos. Figura 4.1. Não houve seleção por idiomas na
Dentre os 538 artigos recuperados na busca dos artigos, pois a ferramenta Google
plataforma SciELO, 66 artigos foram anali- Tradutor foi utilizada. Devido a possibilidade
sados e selecionados para o escopo desta de tradução de cerca de 133 idiomas de maneira
pesquisa. Na plataforma PubMed, 35 artigos entendível aos pesquisadores deste estudo, não
foram metodologicamente agrupados entre o foi necessária a restrição de idiomas na busca.
total de 516 artigos que correspondem aos Com isso, os artigos foram escolhidos
descritores da busca avançada. Totalizaram 101 minuciosamente para compor o estudo com
artigos para a produção da presente revisão base em sua relação com a temática proposta e
somando os artigos da plataforma SciELO e da sua relevância na literatura. Informações sobre
plataforma PubMed. Na busca foram incluídos a metodologia estão dispostas na Tabela 4.1.

Figura 4.1 Uso do operador booleano (OR) na busca pela união dos descritores

Tabela 4.1 Esquema metodológico da seleção de artigos para compor o estudo


Plataforma SciELO PubMed
Artigos disponíveis (n = 1.054) 538 516
Artigos selecionados (n = 101) 66 35
Período de publicação (n = 10 anos) 01/01/2012 01/01/2022
Restrição de idioma Não Não
Descritores (Arritmias) OR (Arritmias) OR
(Arritmias cardíacas) (Arritmias cardíacas)
Operador booleano OR OR
Uso da plataforma Google Tradutor Sim Sim

21
RESULTADOS E DISCUSSÃO aumentar a gravidade da infeção. Até onde
Complicações do tratamento da Covid-19 sabemos, nenhum estudo demonstrou que
e sua relação com arritmias inibidores da ECA ou ARA são prejudiciais e
Existe uma relação clara entre arritmias e a as principais sociedades cardiovasculares
gravidade da infecção por Covid-19. O recomendam a continuidade do tratamento
desenvolvimento de lesão miocárdica associada (ZANATTA & FALCÃO, 2021).
à Covid-19 não é raro e está relacionado ao É também necessário associar o Covid-19
aparecimento de arritmias. Em uma série de ao prolongamento do tempo de repolarização
casos de 187 pacientes, aqueles que estavam ventricular cardíaca (evidenciado no eletrocar-
com a proteína Troponina T elevada diograma convencional como prolongamento
apresentaram maior risco de arritmias do intervalo QT). Isso ocorre devido à alteração
ventriculares malignas do que aqueles sem de vários canais iônicos da membrana celular
(17,3 vs. 1,5%), sugerindo que a Troponina T é nos miócitos cardíacos. Alguns dos medica-
um marcador de lesão miocárdica com mentos que se mostram úteis no tratamento de
significativa sensibilidade e especificidade pacientes com Covid-19 são a hidroxiclo-
(MORA, 2020). Pacientes da terceira idade e roquina e a azitromicina; ambos podem pro-
pessoas com doenças subjacentes são mais longar o intervalo QT e predispor os pacientes
suscetíveis ao desenvolvimento de casos mais a arritmias malignas. Outra estratégia que está
graves de Covid-19 e têm maior taxa de sendo utilizada atualmente é o uso de antivirais,
mortalidade. As doenças cardiovasculares têm dentre os quais se destacam o lopinavir e o
importância particular, uma vez que a sua ritonavir. Esses medicamentos apresentam mui-
prevalência é elevada. O vírus usa os receptores tos efeitos adversos e interações medicamen-
da ECA2 para invadir as células humanas. tosas; um dos efeitos adversos mais reconhe-
Esses receptores estão principalmente nos cidos é o prolongamento do intervalo PR, que
pulmões e no coração, em que a hipóxia, a pode até levar ao bloqueio atrioventricular
tempestade de citocinas e a libertação de (AV) de terceiro grau, e do intervalo QT, que
catecolaminas também afetam esses órgãos pode causar torsade de pointes. Esses distúrbios
(ZANATTA & FALCÃO, 2021). da condução AV e prolongamento do intervalo
Além disso, estudos mostraram que a QT são mais comuns em pacientes com
Covid-19 pode causar miocardite, arritmias distúrbios de condução subjacentes (CUEVA-
ventriculares, síndrome coronária aguda e PARRA et al., 2020).
insuficiência cardíaca. A lesão cardiovascular
pode ser a primeira manifestação de infecção Prolongamento do intervalo QT e a sua
viral em alguns casos, motivo de maior relação com a ocitocina
preocupação durante esta pandemia. Os O intervalo QT representa, no ECG, a
inibidores da ECA e os bloqueadores dos despolarização e a repolarização. Tal intervalo
receptores da angiotensina (BRA) são medi- costuma ser inferior a 0,45 segundos em ho-
camentos de suma importância no tratamento mens e inferior a 0,47 segundos em mulheres.
de doenças cardiovasculares. No entanto, Acima disso, tal fenômeno clínico pode ser
alguns estudos sugeriram preocupação com denominado como síndrome do QT longo
esses medicamentos na Covid-19, pois eles (SQTL). Essa síndrome pode ser derivada de
poderiam causar um aumento da ECA2 e defeitos congênitos, muito embora essa con-
22
dição seja rara. Por outro lado, é mais do intervalo QT > de 470 milissegundos em
comumente achada SQTL do tipo adquirida, aproximadamente 25% das pacientes. Por fim,
onde esse quadro é advindo do uso de diversos muito embora a ocitocina possua benefícios
medicamentos, ou mesmo da presença de outras obstétricos, deve-se dar atenção aos efeitos
doenças, sendo elas cardíacas, como cardio- negativos na eletrofisiologia cardíaca e seus
patia isquêmica e cardiomiopatias, ou outras riscos para a vida das pacientes.
como AIDS, hipotireoidismo e acidose metabó-
lica (ROY et al., 2020). A administração de Arritmia e uma nova perspectiva sobre o
medicamentos pró-arrítmicos em pacientes seu tratamento
deve ser acompanhada com ECG em pacientes Arritmias cardíacas são bastante comuns na
idosos ou pacientes com doenças de base com população em geral, afetando milhões de
riscos cardiovasculares, principalmente se pessoas em todo o mundo. Nesse contexto, a
possuir os dois critérios. Entretanto, constata-se fibrilação atrial, uma das arritmias mais
que muitos desses casos passam despercebidos, prevalentes, é conhecida por estar associada a
pois o risco de arritmias é subestimado por um risco aumentado de acidente vascular
diversos profissionais. Ademais, omeprazol, encefálico (AVE) e outras complicações
tramadol, amiodarona, ondansetrona e furose- cardiovasculares. Isso destaca a importância
mida são medicamentos relacionados ao clínica dessas condições e a necessidade de
alargamento do intervalo QT, portanto, é diagnóstico precoce e intervenção adequada. A
necessário ter atenção à utilização de um ou classificação das arritmias cardíacas com base
mais desses medicamentos (ROY et al., 2020). na localização, caso atriais ou ventriculares e
Por sua vez, a ocitocina é um medicamento sua frequência cardíaca, caso em taquicardia ou
que pode ser utilizado durante o parto para que bradicardia, é fundamental para o diagnóstico e
haja o deslocamento antecipado da placenta, tratamento apropriado. Dessa forma, a com-
contrações eficazes do útero e também auxilia preensão dessas categorias ajuda os médicos na
na prevenção do sangramento pós-parto. En- identificação da origem do problema e direção
tretanto, esse medicamento pode prolongar o da terapia (TORTAJADA et al., 2020).
intervalo QT de alguns pacientes. A SQTL pode Nos últimos anos, houve avanços sig-
estar associada à síncope, ao aparecimento de nificativos nos métodos de diagnóstico das
arritmias ventriculares malignas, como torsade arritmias cardíacas. A tecnologia de monitora-
de pointes e morte súbita (ESTÉVEZ RUBIDO mento contínuo, como os dispositivos de Holter
et al., 2021). cardíaco, e monitoramento de eventos, permitiu
Segundo Estévez Rubido et al. (2021), o uma detecção mais precisa e melhor com-
intervalo QT é fisiologicamente mais largo nas preensão da frequência, tipo e duração das
mulheres, mas necessita estar abaixo de 0,47 arritmias. Nesse sentido, o uso de aplicativos de
segundos (470 milissegundos) para não ser saúde, dispositivos wearables e utilização de
considerado patológico. Foi possível observar, smartwatch também tem contribuído para a
utilizando como base alguns pacientes que vigilância dos ritmos cardíacos, permitindo que
possuíam cesárea marcada no Hospital Univer- os pacientes monitorem sua saúde cardíaca
sitário Ginecológico e Obstétrico Mariana (SOARES et al., 2021).
Grajales de Villa Clara, em Cuba, que, após a A abordagem do tratamento das arritmias
administração de ocitocina, houve um aumento cardíacas tem se tornado cada vez mais
23
personalizada. Com base no tipo de arritmia, a alterações no ritmo cardíaco, embora bem
presença de condições subjacentes e a gra- toleradas pelo coração normal, influenciam
vidade da situação, os médicos podem muito na estabilidade hemodinâmica do sistema
selecionar o tratamento mais adequado. Isso circulatório e podem causar prejuízos para
pode incluir intervenções não farmacológicas pacientes com problemas cardíacos crônicos ou
e/ou farmacológicas, como a ablação por adquiridos (ANDRADE, 2020). Com isso,
cateter, ou o uso de medicamentos antiarrít- marcadores de arritmias cardíacas são de no-
micos específicos. Dessa maneira, a pesquisa tável importância para a avaliação de risco e
científica sobre arritmias cardíacas continua a definição de um prognóstico para pacientes que
avançar, sendo que os cientistas buscam en- apresentam algum comprometimento cardíaco.
tender melhor as bases moleculares e genéticas Em se tratando de arritmias ventriculares (AV),
dessas condições, bem como desenvolver a frequência relacionada à síndrome corona-
terapias mais eficazes e menos invasivas. Além riana aguda (SCA) não é notável, porém, nessas
disso, estudos epidemiológicos exploram fato- condições, pode aumentar a ocorrência de
res de risco e estratégias de prevenção complicações e morte, principalmente, em pa-
(GUERRA et al., 2012). cientes hospitalizados, o que reforça a
À medida que a medicina avança, espera-se importância de um marcador capaz de prever
que o diagnóstico e o tratamento das arritmias essas probabilidades (GOMES, 2021).
cardíacas melhorem ainda mais. Novas te- Nesse sentido, um dos estudos analisados
rapias, como a estimulação elétrica não demonstrou que os níveis plasmáticos de tiol,
invasiva e a terapia genética, podem oferecer um indicador de estresse oxidativo, mostram-se
abordagens inovadoras que agem melhorando o viáveis à identificação de pacientes com SCA
prognóstico do paciente, embora ainda estejam com alto risco de desenvolvimento de AV intra-
em avanço e sejam atualmente menos hospitalar, uma vez que, o tiol plasmático é um
acessíveis à população como um todo. A marcador da proteção antioxidante no corpo
educação do paciente desempenha um papel humano e está associado negativamente ao
crucial na prevenção e no gerenciamento dessas processo inflamatório na SCA. Assim, pode
condições quando já estabelecidas. Em resumo, sugerir que o Tiol pode ser um marcador
as arritmias cardíacas continuam sendo um importante para diagnóstico e prognóstico da
campo de pesquisa e prática médica em SCA, todavia, mais estudos são necessários
constante evolução. A compreensão aprofun- para elucidar esse achado (ERDOGAN et al.,
dada dessas condições, aliada aos avanços 2021).
tecnológicos e científicos, tem o potencial de Ademais, mesmo com avanços conside-
melhorar significativamente o prognóstico e a ráveis na área da saúde, a insuficiência cardíaca
qualidade de vida dos pacientes com arritmias ainda demonstra ser relevante causa de morta-
cardíacas (GUERRA et al., 2012). lidade, em que grande parte está associada à
morte súbita. Em relação à insuficiência car-
Novos achados sobre marcadores de díaca não isquêmica, discute-se o papel da
arritmias cardíacas e seu impacto no galectina-3, uma proteína membro das famílias
prognóstico do paciente cardiopata das lectinas, em eventos arrítmicos graves e
As arritmias cardíacas são importantes mortalidade total. Na coorte analisada, os níveis
causas de morbimortalidade. Dessa forma, de galectina-3 não foram preditores de eventos
24
arrítmicos graves, contudo níveis elevados de Diagnóstico e tratamento de arritmias e
galectina-3 foram associados à mortalidade cardiopatias em pacientes infantis
total. As arritmias cardíacas, ou distúrbios do
Portanto, o estudo conclui que cardiover- ritmo cardíaco, podem ser particularmente
sores desfibriladores implantáveis (CDI), usa- difíceis de diagnosticar em crianças. Isso se
dos para prevenção de morte súbita cardíaca, deve em parte à natureza vaga e inespecífica
em pacientes com insuficiência cardíaca com dos sintomas associados, como palpitações,
cardiomiopatia não isquêmica, podem ajudar a desconforto no peito e, em casos mais graves,
determinar estratégias futuras para identificar síncope. Além disso, a incidência de arritmias
os pacientes que mais se beneficiaram com o em crianças é menor do que em adultos,
CDI (KOCHI et al., 2021). variando com fatores como idade, sexo e etnia.
Por outro lado, estudos apontam elementos No entanto, é fundamental reconhecer que essas
estruturais e anatômicos, além dos moleculares condições podem ter repercussões clínicas
e bioquímicos, como marcadores de riscos de importantes, mesmo quando não são facilmente
arritmias. A disjunção do anel mitral (DAM), identificadas (MAGALHÃES et al., 2016).
uma anomalia estrutural de origem incerta, Existem diferentes tipos de arritmias, como
consiste em um deslocamento atrial do ponto de taquicardias e bradicardias. A síndrome de
articulação da valva mitral, levando a uma Wolff-Parkinson-White (WPW) é um exemplo
relação espacial alterada entre a valva e a de arritmia que pode afetar crianças. Embora as
parede ventricular posterior adjacente, o que taquiarritmias sejam mais comuns em crianças
pode estar associado às arritmias ventriculares pequenas, as bradiarritmias também ocorrem.
e à degeneração miocárdica fibrosa, fator Portanto, o diagnóstico preciso é crucial e as
predisponente à morte súbita de maior investigações podem incluir exames como o
prevalência em mulheres jovens. Por isso, eletrocardiograma (ECG) (MAGALHÃES et
estudos aprofundados são necessários para al., 2016).
determinar com maior precisão o potencial A cardiomiopatia arritmogênica do
maligno da arritmia e, caso necessário, pro- ventrículo direito (CAVD) é uma condição
mover acompanhamento a longo prazo, visto hereditária rara que afeta o músculo cardíaco do
que esse quadro associado às arritmias ventri- ventrículo direito, substituindo-o progressi-
culares pode ser fatal (HERNÁNDEZ et al., vamente por tecido fibroadiposo. Isso pode
2021). Logo, entende-se que o estudo sobre resultar em arritmias ventriculares e aumentar o
marcadores de arritmias cardíacas é de risco de morte súbita, sendo este risco au-
fundamental importância para o planejamento mentado em crianças quando comparado a
de manobras e precauções para os pacientes. adultos (PÉREZ et al., 2020). O diagnóstico da
Desse modo, mais estudos são essenciais para CAVD envolve uma combinação de fatores,
elucidar novas alternativas, além dos marca- incluindo alterações no ECG, ressonância mag-
dores mencionados, para a definição de nética e história familiar. A condição pode
possíveis fatores de risco ao desenvolvimento progredir ao longo do tempo, tornando o trata-
de arritmias cardíacas. mento e o acompanhamento contínuos
essenciais.

25
Embora a ablação por radiofrequência e cruciais para garantir que crianças com
medicamentos possam aliviar sintomas, a arritmias ou cardiomiopatias recebam trata-
implantação de um cardioversor-desfibrilador mento adequado, reduzindo o risco de
(CDI) é atualmente a única intervenção que complicações graves.
demonstrou reduzir a mortalidade associada à
CAVD. No entanto, seu uso deve ser Perspectivas sobre arritmias cardíacas e
cuidadosamente ponderado, especialmente em Covid-19
pacientes jovens (PÉREZ et al., 2020). Na cidade de Wuhan, localizada na China,
Assim, o diagnóstico precoce e o manejo foi onde surgiram, em dezembro de 2019, os
eficaz de doenças cardíacas em crianças são primeiros casos de indivíduos acometidos pelo
fundamentais para melhorar o seu prognóstico. vírus SARS-CoV-2. Esse agravo acomete, em
No entanto, os desafios incluem a natureza maioria, o aparelho respiratório do indivíduo.
insidiosa das arritmias, a complexidade do No entanto, de acordo com Santos & Sacilotto
diagnóstico da CAVD e a decisão de implantar (2021), é comum que outros sistemas sejam
um CDI, uma intervenção invasiva (PÉREZ et prejudicados, como o sistema cardiovascular,
al., 2020). podendo resultar na injúria miocárdica e, dessa
Em resumo, o cuidado cardíaco pediátrico forma, em arritmias. Neste estudo, foi
requer uma abordagem multidisciplinar envol- constatado considerável percentual de casos de
vendo pediatras e cardiologistas. A colaboração arritmias cardíacas dentre os casos de pacientes
próxima e o acompanhamento rigoroso são com Covid-19 registrados inicialmente.

Quadro 4.1 Principais resultados encontrados em artigos relacionados à Covid-19 e arritmias cardíacas
Referência Resultados
Santos & Sacilotto (2021) Dentre os casos de Covid-19 registrados inicialmente, havia percentual considerável
de casos de arritmias cardíacas.
Pimentel et al. (2021) A taxa de mortalidade geral foi de 26,6% e a incidência de arritmias foi de 8,7%.
Mora (2020) Pacientes com histórico de arritmias apresentam maior probabilidade de
complicações e aumento da mortalidade.
Zanatta & Falcão (2021) Os sintomas cardíacos podem ser as primeiras formas de manifestação da doença.

Os prejuízos causados ao sistema cardio- mento desse agravo durante o acometimento


vascular, como as arritmias, podem ter sido pelo vírus causador da Covid-19 se mostra
causados pelo uso de medicamentos com como um indicador de mau prognóstico, por
efeitos pró-arrítmicos que eram administrados conta do dano miocárdico agudo ocorrido.
no tratamento contra o novo coronavírus. Além do mais, o SARS-CoV-2 utiliza os
Pimentel et al. (2021) constataram que a taxa de receptores da enzima de conversão de angio-
mortalidade geral foi de 26,6% e a incidência tensina 2 (ECA2) para invadir as células
de arritmias foi de 8,7%. O tempo de internação humanas. Esses receptores se encontram princi-
foi prolongado entre pacientes com arritmias palmente nos pulmões e no coração. Os
em relação aos que não apresentavam este sintomas cardíacos podem ser as primeiras
quadro. formas de manifestação da doença, de acordo
De acordo com Mora (2020), pacientes com com Zanatta & Falcão (2021).
histórico de arritmias apresentam mais riscos de
complicações e mortalidade. O desenvolvi-
26
CONCLUSÃO O desenvolvimento contínuo de técnicas de
Desse modo, é percebida uma visão diagnóstico, incluindo eletrocardiogramas
abrangente e diversa sobre as arritmias (ECG) avançados, é essencial para garantir
cardíacas ocasionadas por diferentes fatores, tratamento e acompanhamento adequados, es-
abordando os aspectos, desde o diagnóstico e pecialmente para intervenções como a im-
tratamento em adultos até aos desafios plantação de cardioversor-desfibrilador (CDI).
específicos em crianças e o impacto da Covid- Além disso, o presente estudo de revisão mostra
19 na anatomofisiologia cardiovascular durante que a qualidade de vida de indivíduos com
e após pandemia. As arritmias cardíacas são arritmias é drasticamente prejudicada em
condições médicas complexas que exigem uma decorrência da complicação da Covid-19, visto
compreensão profunda e uma abordagem que a doença, que acomete principalmente os
multidisciplinar para o diagnóstico e manejo pulmões, é capaz de comprometer funções
adequado do paciente. Além disso, ressalta-se a corporais importantes, gerando danos diretos
importância dos marcadores de arritmias como hipóxia, miocardite, arritmias ventri-
cardíacas como ferramentas imprescindíveis na culares, insuficiência cardíaca, entre outras
avaliação do risco e na avaliação do prognós- complicações que ainda requerem estudos para
tico dos pacientes, destacando alguns mar- sua maior compreensão. Os artigos analisados
cadores específicos, como o tiol e a galectina-3. trabalham desde arritmias em aspectos mais
A pesquisa científica continua avançando, abrangentes até a importância de marcadores de
buscando terapias mais eficazes e estratégias de arritmias cardíacas e seu papel dentro do
prevenção e tratamento. prognóstico do paciente. A promoção da quali-
Observa-se que medicamentos e condições dade de vida dos pacientes, a redução das com-
médicas podem desempenhar um papel im- plicações e a elaboração de métodos de preven-
portante no desencadeamento de arritmias ção primária, bem como o entendimento dos
cardíacas, como o prolongamento do intervalo aspectos patológicos, são de suma importância
QT relacionado ao uso de certos medicamentos, para melhor abordagem e prognóstico da
a exemplo da ocitocina, e doenças como patologia.
hipertensão arterial sistêmica e diabetes Assim, é necessário direcionar maiores es-
mellitus. Por fim, destaca-se a necessidade de forços para ampliar o quantitativo de pesquisas
um cuidado especial com pacientes com sobre o assunto e implementar programas de
arritmias cardíacas, especialmente em crianças, controle, com enfoque nos grupos populacio-
onde o diagnóstico pode ser desafiador, e em nais de risco e com maior probabilidade de
pacientes com condições complexas, como a desenvolvimento da doença. Além disso, a
cardiomiopatia arritmogênica do ventrículo combinação de preparação multiprofissional e
direito. O acompanhamento rigoroso, a colabo- educação em saúde pode reduzir a morbimor-
ração e a comunicação entre diferentes espe- talidade associada a arritmias cardíacas e
cialidades médicas e de outros profissionais da melhorar o bem-estar dos indivíduos afetados
saúde, como nutricionistas, fisioterapeutas e por ela.
psicólogos, são fundamentais para melhorar o
prognóstico desses pacientes, bem como o
esforço para o diagnóstico precoce.

27
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28
CAPÍTULO 5

NECESSIDADE DE IMPLANTAÇÃO DE
MARCA-PASSO EM RECÉM-NASCIDO COM
LÚPUS ERITEMATOSO NEONATAL POR
BLOQUEIO ATRIOVENTRICULAR TOTAL
SECUNDÁRIO A LÚPUS ERITEMATOSO
SISTÊMICO MATERNO: UM RELATO DE
CASO

GEORGIA MARQUES JARDIM¹


CAROLINA GUIMARÃES HERZOG¹
VINICIUS URBANO PALMA¹
ANDRIELLE MIOZZO SOARES¹
VÍTOR STEFFENS BRACHT¹
LEONARDO ARENHART PALADINI¹
VALENTINA STEFFENS BRACHT¹
RAFAELA DALL ARA NEGRI¹
GUILHERME RODRIGUES VIANA¹
ALEXANDRE PERIN DECOL¹

1. Discente – Medicina – Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre.

Palavras-chave:
Bloqueio atrioventricular; Lúpus eritematoso neonatal; Marca-passo.

29
10.59290/978-65-6029-060-0.5
INTRODUÇÃO dita a transmissão elétrica através do sistema de
Bloqueio atrioventricular condução atrioventricular é o nó atrioven-
Bloqueio atrioventricular (AV) é definido tricular, que conduz controladamente de
como atraso ou interrupção na transmissão de maneira a impedir a condução excessivamente
um impulso dos átrios para os ventrículos; tal rápida para os ventrículos. O BAV de terceiro
alteração se deve a um comprometimento grau (ou BAV completo) se refere a um ritmo
anatômico ou funcional no sistema de con- em que a atividade atrial e a atividade
dução. Nesse sentido, em se tratar de bloqueio ventricular ocorrem de forma independente e a
atrioventricular total (BAVT), é correto afirmar frequência atrial geralmente excede a fre-
que nenhum impulso atrial atinge o ventrículo quência ventricular. O BAV de terceiro grau
(ZOOB & SMITH, 1963). No que tange à pode ser visto com ritmo sinusal ou com
epidemiologia dos bloqueios cardíacos, estudos qualquer taquiarritmia atrial com um ritmo de
trazem uma prevalência pela população de escape regular na junção AV ou abaixo dela.
maior idade, acometendo cerca de 11 a cada 10 Eventualmente, pode não haver ritmo de escape
mil pessoas com menos de 55 anos, enquanto e o BAV resulta em assistolia (GOLDMAN &
em pessoas acima de 65 anos têm-se 55 por 10 SCHAFER, 2022).
mil pessoas (KHURSHID et al., 2018). Quanto às etiologias dos bloqueios, essas
No espectro fetal, o bloqueio atrioven- assemelham-se em diferentes graus, incluindo
tricular é considerado “congênito” quando causas reversíveis (patológicas e iatrogênicas) e
ocorre espontaneamente em um feto ou criança causas idiopáticas. Dentre as potencialmente
pequena [22], tendo uma incidência de 1 em 15 reversíveis, há isquemia miocárdica envol-
mil a 1 em 22 mil nascidos vivos em se tratando vendo o sistema de condução, cardiomiopatia,
de BAVT congênito (WHITE & EUSTIS, miocardite e relacionado a medicamentos
1921; MICHAELSSON & ENGLE, 1972). (BRITO-ZERÓN et al., 2016).
Quanto a sua origem, 60 a 90% dos casos de A maioria dos casos de bloqueio atrioven-
BAVT congênito derivam de lesão nos tecidos tricular total congênito é imunomediada e
de condução fetal causada pela exposição caracterizada patologicamente por fibrose de nó
transplacentária a autoanticorpos maternos atrioventricular (AV) e tecido circundante ou
relacionados ao lúpus eritematoso sistêmico ou por uma interrupção entre o miocárdio atrial e o
à doença de Sjögren (JOHANSEN & HERLIN, nó AV (HO et al., 1986). Como resultado
1998). Entre as mulheres com anticorpos anti- ocorre um bloqueio ao nível do nó AV, dando
Ro/SSA e/ou anti-La/SSB, o bloqueio atrio- margem a ritmos de escape juncionais que ge-
ventricular fetal/neonatal ocorre em aproxima- ralmente podem sustentar a circulação fetal e
damente 2% das gestações (BRUCATO et al., neonatal, pelo menos temporariamente (BU-
2001). No entanto, após dar à luz um bebê com YON et al., 1998). Acredita-se que essa lesão
bloqueio cardíaco autoimune, a taxa de re- primária é causada pela ligação de anticorpos
corrência em gestações subsequentes aumenta anti-Ro/SSA e/ou anti-La/SSB ao nódulo AV
para aproximadamente 15% (BRUCATO et al., em desenvolvimento (ALEXANDER et al.,
2001). 1992). A apoptose induz a translocação dos
Os distúrbios da condução atrioventricular antígenos Ro/SSA e La/SSB, que são
se referem à condução anormal no nó atrio- abundantes no tecido cardíaco fetal entre 18 e
ventricular ou no sistema Hiss Purkinje. O que 24 semanas, para a superfície dos cardio-
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miócitos fetais, permitindo a ligação aos segue apresentando sintomas relacionados à
anticorpos que, por sua vez, induz à liberação bradicardia e necessitará identificar e tratar as
do fator de necrose tumoral pelos macrófagos, possíveis causas reversíveis ou iniciar terapia
resultando em fibrose (MIRANDA-CARÚS et permanente com marca-passo implantável
al., 2000). Além de induzir dano tecidual, os (PANCHAL et al., 2020).
anticorpos anti-Ro/SSA e anti-La/SSB inibem a Se não houver quaisquer causas reversíveis,
ativação dos canais de cálcio ou os próprios o tratamento definitivo geralmente é a
canais de cálcio cardíacos do tipo T e L, esse colocação de marca-passo permanente (KUSU-
último crucial para a propagação e condução do MOTO et al., 2019).
potencial de ação no nó AV (GARCIA et al., O tratamento do BAVT congênito apresenta
1994). Dessa forma, percebe-se a íntima ligação particularidades. Dentre as opções de manejo,
entre BAVT congênito e anormalidades no têm-se a terapêutica in utero, a qual é limitada
desenvolvimento embriológico dos tecidos e o tratamento é primariamente expectante - o
especializados de condução atrioventricular, feto é capaz de tolerar o ritmo de escape lento
uma vez trazendo impacto funcional do nó e de na maioria dos casos (KUSUMOTO et al.,
seus feixes. 2019). Para neonatos e crianças que pos-
A presença e a gravidade de quaisquer sinais teriormente apresentam BAVT congênito, a
e sintomas relacionados ao ritmo de escape principal decisão terapêutica envolve a inserção
ventricular e a instabilidade do paciente de marca-passo permanente (KUSUMOTO et
determinam o manejo inicial do paciente com al., 2019); no que se refere a crianças mais
BAVT. Pacientes instáveis necessitam de velhas que conseguem expressar seus sintomas,
farmacoterapia imediata e, na maioria dos a terapêutica se dará com base na presença ou
casos, também devem receber estimulação, de ausência de sintomas. Pacientes com frequência
maneira temporária, para aumentar a frequência cardíaca ventricular adequada e sem sintomas
cardíaca e o débito cardíaco. Uma vez que o podem ser observados de maneira seriada,
paciente esteja hemodinamicamente estável, enquanto pacientes sintomáticos, de modo geral
realiza-se avaliação e tratamento de qualquer aqueles com frequência cardíaca ventricular
causa reversível, seguidos pela colocação de mais lenta, necessitarão de um marca-passo
marca-passo quando houver etiologia rever- permanente (KUSUMOTO et al., 2019).
sível identificável (KUSUMOTO et al., 2019). Aproximadamente 90% ou mais dos
Pacientes hemodinamicamente instáveis pacientes acabam tendo um marca-passo in-
devem ser tratados urgentemente com atropina, serido, independentemente de quando o BAVT
agonistas beta-adrenérgicos e/ou estimulação se desenvolveu (JAEGGI et al., 2002). Dentre
cardíaca temporária (PANCHAL et al., 2020). as classificações de recomendação, é consi-
Pacientes hemodinamicamente estáveis não derado classe I (recomendado) e classe lla
necessitam de terapia urgente com atropina ou (razoável) implantar marca-passo em pacientes
estimulação cardíaca temporária. Entretanto, que apresentem determinadas características
muitos ritmos de escape ventricular não são clínicas, tais como: bradicardia sintomática ou
confiáveis e são potencialmente instáveis, fa- baixo débito cardíaco (classe I); adultos assin-
zendo com que seja necessário o monitora- tomáticos com BAVT congênita (classe IIa);
mento contínuo com marca-passo transcutâ- bebês com anatomia normal e frequência
neos. Ademais, a maioria dos pacientes estáveis ventricular inferior a 55 bpm (classe I); bebês
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com outras cardiopatias congênitas estruturais e De modo geral, o prognóstico após o
frequência ventricular inferior a 70 bpm (classe implante de marca-passo é excelente. No
I) (KUSUMOTO et al., 2019; SHAH et al., entanto, uma parcela significativa de pacientes
2021). (5 a 11%) virá a desenvolver insuficiência
A BAVT, que se apresenta no útero ou no cardíaca a longo prazo, mesmo com um marca-
período neonatal e possui como principal fator passo. 6% desenvolveram cardiomiopatia
a presença de anticorpos autoimunes, está dilatada aos 6,5 anos de idade em um estudo
associada a uma elevada mortalidade precoce realizado com 149 pacientes acompanhados
(BRITO-ZERÓN et al., 2016). O resultado para durante 10 anos. Os fatores de risco observados,
pacientes diagnosticados como neonatos é entre outros, foram: anticorpos anti-Ro/SSA ou
melhor do que para aqueles diagnosticados no anti-La/SSB, aumento do tamanho do coração
útero (BRITO-ZERÓN et al., 2016). Bebês e na avaliação inicial e ausência de melhora com
crianças pequenas com bloqueio cardíaco com- marca-passo (UDINK TEN CATE et al., 2001).
pleto que são assintomáticos geralmente perma-
necem assim até o final da infância, adoles- Lúpus eritematoso neonatal
cência ou idade adulta (MICHAELSSON & O lúpus eritematoso neonatal (LEN) é uma
ENGLE, 1972). síndrome autoimune causada por passagem
Foi observado que 17% dos pacientes com transplacentária de anticorpos maternos, prin-
BAVT congênita diagnosticada in utero cipalmente anticorpo anti-Ro/SSA e anti-
morreram antes do parto ou nos primeiros três La/SSB, mas também do anticorpo anti-
meses de vida (BUYON et al., 1998; JAEGGI U1RNP (SILVA & CARVALHO, 2022). A
et al., 2002). A idade gestacional parece ter incidência do LEN é de aproximadamente 1 a
influência direta na sobrevida, uma vez que cada 12.500 a 20 mil nascidos vivos. Não há
recém-nascidos com menos de 34 semanas de predileção pela etnia. Alguns estudos apontam
gestação possuem uma taxa de mortalidade por uma distribuição igual entre os sexos,
mais elevada do que nascidos mais tarde (52% enquanto outros sugerem uma discreta predile-
versus 9%) (BUYON et al., 1998). ção pelo acometimento do sexo feminino.
O prognóstico geralmente é excelente entre Ademais, parece haver um risco aumentado de
recém-nascidos e aqueles diagnosticados mais prematuridade nessas crianças (FONSECA &
tarde na infância (BRITO-ZERÓN et al., 2016). RODRIGUES, 2021).
Existe um risco particular que inclui crianças A ocorrência do LEN é frequentemente
com frequência cardíaca média abaixo de 50 associada a doenças autoimunes maternas,
bpm e evidência de ritmo de escape juncional cerca de 50% das mães de crianças com a
instável (DEWEY et al., 1987). Até mesmo os doença apresentam autoimunidade, principal-
pacientes que se apresentaram assintomáticos mente lúpus eritematoso sistêmico, síndrome
durante a infância possuem risco de morte de Sjogren, doença mista do tecido conjuntivo
súbita aumentado. Em uma revisão, foi e vasculite leucocitoclástica (SILVA &
observado que 26% dos pacientes que não CARVALHO, 2022). Nota-se que cerca de
apresentavam sintomas até os 15 anos de idade 50% das mães com crianças acometidas pelo
tiveram um episódio de síncope subsequente, LEN são previamente saudáveis, porém
dos quais oito foram fatais (MICHAELSSON apresentam um dos três autoanticorpos (men-
et al., 1995). cionados no primeiro parágrafo) positivos.
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Cerca de metade dessas mulheres posterior- Portanto, além da lesão no tecido de condução
mente desenvolvem sintomas consistentes com cardíaco, o acometimento também pode
alguma doença autoimune. Tais anticorpos envolver o miocárdio, levando à cardiomiopatia
transferidos para o feto têm efeitos lesivos em dilatada (FONSECA & RODRIGUES, 2021;
diversos órgãos e as principais manifestações BUYON, 2022). Além disso, os autoanticorpos
são achados cardíacos e cutâneos (BUYON, parecem atuar inibindo as correntes de cálcio
2022). mediadas pelos canais cardíacos de cálcio do
As manifestações cardíacas do LEN (mais tipo L (cuja função é permitir a propagação e
comumente as que envolvem lesão do sistema condução do potencial de ação nos nódulos
de condução, sendo o BAVT o mais carac- atrioventricular e sinoatrial) e T. O grau de
terístico) ocorrem em cerca de 2% dos descen- elevação desses dois autoanticorpos parece ser
dentes de mulheres que têm anti-Ro/SSA e/ou diretamente proporcional com a incidência de
anti-La/SSB positivos. A doença é responsável BAVT e manifestações não cardíacas do LEN
por 80-95% de todos os casos de BAVT nesses pacientes. Por outro lado, apenas a
congênito na ausência de defeitos estruturais presença desses autoanticorpos não é suficiente
diagnosticados na vida intrauterina ou no para o desenvolvimento da doença, uma vez
período neonatal (BUYON, 2022). que a doença é rara (1 em 50) na prole dessas
A prevalência de anticorpos anti-Ro/SSA mães, mesmo quando altos títulos desses
foi inicialmente relatada como 0,2 a 0,72% em anticorpos estão presentes. Inclusive, há relatos
mulheres doadoras de sangue e, mais recente- de discordância da doença mesmo em gêmeos
mente, como 0,86% em mulheres saudáveis na monozigóticos (BUYON, 2022). Nesse sentido,
população em geral. Em mulheres com LES e sugere-se que fatores genéticos fetais e
síndrome de Sjogren, a prevalência estimada estressores ambientais parecem modular e
desse anticorpo é muito maior: 40% e 60-100%, contribuir para o desenvolvimento da doença
respectivamente (BUYON, 2022). (FONSECA & RODRIGUES, 2021; BUYON,
Presume-se que o LEN resulte da passagem 2022).
transplacentária de anticorpos maternos anti- A apresentação clínica da doença varia de
Ro/SSA e/ou anti-La/SSB, com consequente manifestações leves e transitórias até graves e
dano em órgãos neonatais (BUYON, 2022). fatais. Uma revisão sistemática reuniu 755
Esses anticorpos começam a atravessar a bar- pacientes e em 58% deles o diagnóstico foi
reira hematoplacentária por volta do terceiro realizado no período pós-natal. As manifes-
mês de gestação e eles vão sendo eliminados do tações mais observadas foram: bloqueio car-
organismo do recém-nascido por volta do 3-5° díaco congênito (65,2%), lúpus cutâneo
mês de vida (FONSECA & RODRIGUES, (33,1%), citopenias (15,5%), alterações hepáti-
2021). cas (10%), neurológicas (1%) e pulmonares
Embora o mecanismo completo da lesão (1%) (SILVA & CARVALHO, 2022).
não esteja desvendado, sugere-se que o Os pacientes com LEN podem apresentar
bloqueio cardíaco resulte da ligação dos achados cardíacos, cutâneos, ou ambos, como
anticorpos mencionados às células cardíacas principais manifestações da doença (BUYON,
fetais que sofreram apoptose fisiológica, le- 2022; CARVALHO et al., 2005). Outras
vando à lesão e fibrose secundária do nó manifestações hepatobiliares e hematológicas
atrioventricular e do tecido circundante. também podem estar presentes (BUYON,
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2022). O acometimento de mais de dois órgãos principalmente no segmento cefálico, incluindo
ou sistemas de forma simultânea não é comum face, couro cabeludo, pescoço, e, mais
(FONSECA & RODRIGUES, 2021). tipicamente, região periorbitária (conhecido
As manifestações cardíacas são respon- como “olhos de coruja” ou “olhos de falcão”)
sáveis pela lesão permanente da doença e (FONSECA & RODRIGUES, 2021; CAR-
podem ser fatais, constituindo a manifestação VALHO et al., 2005). As erupções podem
clínica mais importante da doença (FONSECA frequentemente serem confundidas com uma
& RODRIGUES, 2021). Geralmente ocorrem infecção fúngica da pele ou dermatite seborrei-
entre 18-25a semana de gestação, e as formas ca (BUYON, 2022). É uma manifestação
mais avançadas de bloqueio cardíaco apresen- transitória com duração de aproximadamente
tam-se como bradicardia fetal (BUYON, 2022). seis meses, coincidindo com o desaparecimento
Apesar de as principais características clínicas da imunoglobulina IgG materna, presente na
do quadro cardíaco desses pacientes incluírem circulação do lactente. A cicatrização geral-
o bloqueio cardíaco e a cardiomiopatia, outras mente não deixa lesão residual, mas em
anormalidades como prolongamento transitório algumas ocasiões pode haver hipopigmentação
do intervalo QT e bradicardia sinusal também e, mais raramente, cicatriz (CARVALHO et al.,
podem ser observadas (CARVALHO et al., 2005).
2005). Em torno de 20 a 40% dos pacientes podem
O bloqueio cardíaco de terceiro grau apresentar hepatomegalia observada no exame
(completo) é a manifestação mais grave da clínico. A frequência de manifestações
doença. No bloqueio cardíaco completo, há hepatobiliares em pacientes com LEN é de 9%,
dissociação completa das frequências atriais e e, em aproximadamente 80% desses casos, o
ventriculares porque não há condução atrioven- comprometimento hepático está associado às
tricular (AV). A frequência atrial geralmente é alterações cardíacas ou cutâneas. Esse acome-
normal e a frequência ventricular está timento ocorre como três variantes clínicas:
normalmente entre 50 e 80 bpm (BUYON, insuficiência hepática grave durante a gestação
2022). ou no período neonatal (frequentemente asso-
O envolvimento cutâneo é uma das ciada à hemocromatose neonatal); hiperbilirru-
manifestações não cardíacas mais comuns nos binemia direta, com alterações mínimas ou
pacientes com LEN, afetando 4-16% dos bebês ausentes das aminotransferases ocorrendo nas
expostos a anticorpos anti-Ro e/ou anti-La. A primeiras semanas pós-nascimento; e elevações
erupção pode estar presente no nascimento, mas leves das aminotransferases, no período de 2 a
é mais frequentemente observada algumas 3 meses de vida. Dessas manifestações, a
semanas após o nascimento, podendo aparecer primeira apresenta um pior prognóstico em
até aproximadamente os quatro meses de idade relação às duas últimas (CARVALHO et al.,
(BUYON, 2022). São lesões em placas eritê- 2005).
mato-descamativas anulares ou policíclicas, Em relação às manifestações hema-
fotossensíveis, que lembram as lesões do lúpus tológicas, a presença de hemocitopenias no
subagudo e ocorrem em aproximadamente recém-nascido, principalmente envolvendo as
metade dos pacientes com LEN. Na maioria dos plaquetas, pode ser observada após algumas
casos, essas lesões estão distribuídas nas semanas pós-parto. Plaquetopenia é um
regiões do corpo mais expostas à luz solar, fenômeno transitório que ocorre em 10-20%
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dos casos, podendo se apresentar clinicamente período neonatal. Durante o período intra-útero,
como petéquias, púrpuras, e raramente como o feto pode tolerar a frequência ventricular
hemorragia digestiva. Em relação a outras baixa, mas quando se detecta o risco de
manifestações hematológicas, a anemia hidropsia fetal ou insuficiência cardíaca, deve
hemolítica e a leucopenia são também podem ser avaliada a necessidade da retirada do feto
ser encontradas. Essas manifestações raramente para colocação de marca-passo. Também pode
são graves e requerem algum tratamento ser necessário o uso de medicações específicas
(FONSECA & RODRIGUES, 2021; CAR- para o tratamento de insuficiência cardíaca
VALHO et al., 2005). congestiva. Sabe-se que a hidroxicloroquina,
Dentre outras manifestações clínicas do habitualmente usada em pacientes com lúpus,
LEN, pode-se destacar pneumonite, meningite não apresenta toxicidade fetal, e pode reduzir o
asséptica, miastenia gravis e vasculite do risco de o feto desenvolver lesões cardíacas,
sistema nervoso central, porém, ainda não está sendo então recomendado seu uso nas mulheres
definido se tais manifestações fazem parte do grávidas que apresentam os autoanticorpos,
repertório clínico da doença ou se há uma devendo ser iniciado entre a 6-10a semana de
associação casual (CARVALHO et al., 2005). gestação. As alterações cutâneas não precisam
O diagnóstico é feito diante do quadro de um tratamento específico, sendo re-
clínico compatível associado à presença do comendada a proteção solar, reservando o uso
autoanticorpo no soro da mãe e da criança. O de corticoide tópico somente para casos graves.
autoanticorpo mais frequentemente encontrado As lesões evoluem para cura espontânea por
é o anti-Ro/SSA e, em menor frequência, volta do 4-8° mês de vida, quando os
ANA/FAN, anti-La/SSB e anti-U1RNP. Na autoanticorpos maternos são eliminados da
presença de acometimento hepático, pode haver circulação sanguínea. O acompanhamento com
elevação das enzimas aminotransferases, gama conduta expectante é recomendado nos quadros
GT, fosfatase alcalina, bilirrubinas totais e hematológicos, hepatobiliares e neurológicos,
fracionadas. Em relação às alterações já que a maioria deles não requer tratamento
hematológicas, pode haver anemia, leucopenia específico. Em casos de manifestações graves,
com neutropenia e trombocitopenia. Frente ao indica-se a transfusão de concentrado de
diagnóstico, a investigação deve incluir a hemácias e plaquetas, o uso de corticoide e de
realização de ecocardiograma e eletrocardio- imunoglobulina endovenosa e, em raros casos,
grama para a pesquisa de lesões cardíacas, uma de plasmaférese para reduzir os níveis de
vez que o LEN corresponde a cerca de 80% dos anticorpos circulantes (FONSECA & RO-
casos de bloqueio atrioventricular nos neona- DRIGUES, 2021).
tos. Dependendo da evolução, exames como Quando há acometimento cardíaco, com
ultrassonografia abdominal e ultrassonografia bloqueio atrioventricular, pode ocorrer óbito
transfontanela também podem ser úteis para a em cerca de 30% dos casos entre o período
investigação do acometimento sistêmico intrauterino e o primeiro trimestre de vida. As
(FONSECA & RODRIGUES, 2021). A biópsia demais manifestações clínicas são transitórias e
cutânea só é realizada quando há dúvida com vão regredindo de forma lenta, conforme os
relação ao diagnóstico (SBP, 2017). autoanticorpos maternos vão sendo eliminados
Quanto ao tratamento, a maioria dos casos do sangue da criança, por volta dos 6 meses de
requer a instalação de um marca-passo já no vida. Embora as manifestações extracardíacas
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se resolvam espontaneamente ao longo do Somado a isso, no miocárdio fetal geram cadeia
primeiro ano de vida, os pacientes com LEN inflamatória responsável por maturação incom-
apresentam risco de desenvolver doenças pleta de órgão, associando-se a fibrose,
autoimunes durante a infância, como o lúpus calcificação e destruição do sistema de
eritematoso sistêmico juvenil, e devem ser condução cardíaco (BUYON & CLANCY,
rigorosamente acompanhados em longo prazo 2003).
(SBP, 2017). Na maioria dos casos, o bloqueio surge de
forma isolada, coexistindo com outras mani--
Associação entre BAVT e LEN festações em cerca de 10% dos casos, podendo
O quadro clínico do recém-nascido portador se associar a defeitos septais, persistência do
de LEN independe dos sinais e sintomas canal arterial, pericardite fibrinosa, miocardite
apresentados pela mãe, abrangendo lesões e endocardite (COELHO et al., 2007). Confo-
cutâneas, manifestações hepáticas, anormali- me suas associações, a mortalidade relacionada
dades hematológicas e cardíacas (SILVER- pode aumentar significativamente, como é o
MAN & LAXER, 1997). As manifestações caso de sua associação com bradicardia
extracardíacas são transitórias, com tendência à excessiva e hidropsia fetal que traz uma taxa de
regressão conforme desaparecimento dos au- mortalidade superior a 80%, com prognóstico
toanticorpos maternos da circulação do desfavorável (DELOOG et al., 1997).
concepto em torno de seus seis a oito meses de Quanto a identificação e tratamento, o
vida (BUYON, 1997); contudo, dentro do quadro se faz presente entre a 16 e a 24ª semana
grupo de manifestações definitivas, a doença de gestação, já podendo ser detectado
traz como principal complicação o BAVT, (BUYON, 1997); no entanto, rotineiramente, o
quadro irreversível responsável por cerca de bloqueio atrioventricular é detectado ao nas-
31% da mortalidade no que tange à LEN, dentre cimento. Ademais, em casos de história familiar
outras complicações cardíacas constam blo- não investigada, o BAVT se apresenta como
queios atrioventriculares (BAV) de variados indício forte de lúpus eritematoso sistêmico
graus, prolongamento de intervalo QT, materno (SILVERMAN & LAXER, 1997). No
bradicardia sinusal, fibroelastose endocárdica e que tange a prevenção de bloqueio cardíaco,
malformações cardíacas como ducto arterioso têm-se a redução do processo inflamatório e
patente (COELHO et al., 2007). eliminação dos autoanticorpos maternos, assim,
De alta gravidade e associado à alta o diagnóstico e tratamento precoce de bloqueios
morbidade e mortalidade, sobretudo no que atrioventriculares incompletos a partir do uso
tange aos primeiros três meses de vida do de corticoides podem impedir a progressão da
recém-nascido, o BAVT derivado da LEN doença (BUYON & CLANCY, 2003). Em
apresenta fisiopatologia ainda discutida; em contrapartida, por sua irreversibilidade, em
geral, acredita-se que esteja relacionada aos BAVT o tratamento é limitado à implantação de
autoanticorpos Anti-Ro (SSA), Anti-LA (SSB) marca-passo cardíaco em recém-nascidos,
e Anti-U1RNP, estes reduzem o platô do medida terapêutica com prognóstico positivo e
potencial de ação dos cardiomiócitos e len- associado à expectativa de vida normal
tificam a condução pelo nó atrioventricular. (FREIRE et al., 2018).

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RELATO DE CASO
Paciente feminina, 37 anos, no oitavo mês RESULTADOS E DISCUSSÃO
de gestação, vai a emergência encaminhada O lúpus eritematoso neonatal (LEN) foi
após a realização de ecocardiograma fetal que descrito pela primeira vez em 1954, após dois
evidenciava bradicardia fetal que apresentou pesquisadores observarem a transmissão para
piora na internação, sendo indicado uso de recém-nascidos de fatores do lúpus eritematoso
salbutamol via oral, mantendo a internação para materno (DIAZ-FRIAS & BADRI, 2023).
monitorização. Durante a internação LES foi Trata-se de uma doença autoimune adquirida e
diagnosticado também hipotireoidismo gesta- rara que ocorre no período fetal e neonatal,
cional. O ecocardiograma realizado dois dias causada pela passagem transplacentária de
antes do parto mostrou o BAVT com frequência autoanticorpos patogênicos maternos do isotipo
ventricular média de 54 bpm. O exame foi IgG, principalmente anti-Ro/SSA e anti-
repetido após a cesária, dois dias depois, com La/SSB, que ocorre em cerca de 40% das
aumento de câmaras direitas, tronco pulmonar mulheres com lúpus eritematoso sistêmico
e aorta ascendente, aorta descendente de calibre (LES), além do P57 e anti-U1-RNP, mais
aumentado, canal arterial e forame oval raramente (SBP, 2020; MELO et al., 2000).
patentes, achados condizentes com a impressão Trata-se de uma doença multifatorial, associada
de BAVT por lúpus congênito. à presença de anticorpos, fatores genéticos e
Com oito dias de vida, o recém-nascido ambientais (SBP, 2020).
(RN) foi submetido a uma cirurgia de Sabe-se, também, que o anti-Ro e o anti-La
implantação de marca-passo (MP) (eletrodo estão intimamente ligados com efeitos tóxicos
bipolar epicárdico em ponta do ventrículo no miocárdio e outros órgãos, quando trans-
esquerdo). Apresentou instabilidade hemodinâ- feridos da mãe para o feto. O risco de bloqueio
mica no pós-operatório imediato, necessitou de atrioventricular total (BAVT), apresentado pelo
adrenalina temporariamente, tolerando a recém-nascido do caso descrito acima, é de 1-
suspensão após 24 horas. 2% em mães positivas para esses anticorpos,
Paciente evoluiu bem e teve alta uma independente delas manifestarem a doença ou
semana após a cirurgia, segue acompanhado não (ERDEN et al., 2020). O quadro clínico da
ambulatorialmente, com última sorologia Anti- LEN costuma ser variável, sendo que lesões
Ro 114,3 (reagente) e Anti-La 36 (reagente). cutâneas ocorrem em até 70% dos casos,
O LEN é uma condição rara e pode se diferentemente do paciente do caso, onde lesões
manifestar de forma grave com BAVT con- na pele não foram relatadas. Em uma revisão
gênito como no caso apresentado, sendo essen- sistemática recente, observou-se a presença de
cial o acompanhamento pré-natal das mães BAVT em 65% dos pacientes, sendo o coração
lúpicas a fim de monitorizar as bradicardias. o principal órgão-alvo acometido, um compro-
Por conseguinte, o implante de MP é um metimento grave e irreversível, responsável por
tratamento possível e seguro para o BAVT, 31% dos óbitos relacionados ao LEN, seguido
mesmo no recém-nascido. de manifestações cutâneas, hepáticas e
hematológicas (SBP, 2020; ERDEN et al.,
2020).

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Diversos mecanismos tentam explicar as pisia, resultando em redução da morbidade e
razões pelas quais o BAVT acontece nestes mortalidade (PRUETZ et al., 2019).
recém-nascidos. Um deles propõe que, da 18 a Em essência, toda doença sintomática e
26ª semana de gestação, os autoantígenos do irreversível do nó AV requer implante de
tipo A ou B translocam-se para a superfície dos marca-passo permanente. A estimulação
cardiomiócitos, após os autoanticorpos mater- cardíaca artificial também deve ser considerada
nos se ligarem ao tecido de condução cardíaca em bloqueios AV de alto grau assintomáticos
fetal, desencadeando fibrose do nó atrioven- com condições de risco específicas, como
tricular. Por outro lado, outro mecanismo ataques Stokes-Adams. No cenário da LEN
sugere que é baseado no mimetismo, ligando associada à BAVT, a única intervenção que
uma reação cruzada entre canais de cálcio do melhora a sobrevida das crianças acometidas é
tipo L e T e autoanticorpos que irão causar um o implante de marca-passo definitivo, sendo
desequilíbrio na homeostase do cálcio, que é que quase dois terços dos pacientes necessitarão
fundamental para a propagação do potencial de de marca-passo, a maioria nos primeiros 10 dias
ação e condução no AV e Nó SA (DIAZ-FRIAS de vida, como ocorreu no caso descrito
& BADRI, 2023). Esse BAVT pode ser isolado (LISZEWSKA & WOZNIACKA, 2022;
ou associado a outras manifestações cardíacas, BRITO-ZERÓN et al., 2015; BARUTEAU et
como insuficiência cardíaca, disfunção valvu- al., 2016).
lar, cardiomiopatia dilatada, defeitos septais, A escolha pelo dispositivo epicárdico ou
persistência do canal arterial, dentre outras, endocárdico nesses casos ainda é motivo de
como parto prematuro e até mesmo hidropsia discussão na literatura. A grande população de
fetal, que é rara, mas pode ocorrer quando a pacientes adultos permite que as práticas
frequência cardíaca for muito baixa. No caso cirúrgicas sejam estudadas de forma mais
apresentado, o paciente apresenta outras anor- eficaz, acarretando decisões baseadas em
malidades cardíacas, como aumento de câmaras evidências no cuidado ao paciente. Enquanto
direitas, tronco pulmonar e aorta ascendente isso, o menor volume de pacientes pediátricos
aumentados, aorta descendente de calibre não fornece informações suficientes e as
aumentado, canal arterial e forame oval decisões clínicas acabam muitas vezes baseadas
patentes, que condizem com o quadro de BAVT em fé, opinião, experiência e alguns dados
por LEN congênito, indicando possível quadro retrospectivos. Dentro dessas limitações, há um
de falência cardíaca (SBP, 2020; MELO et al., consenso geral de que os menores lactentes são
2000). mais bem servidos com sistemas de estimulação
Apesar dos avanços da tecnologia, que epicárdica, como o eletrodo bipolar epicárdico
permitem uma identificação mais precoce e em ponta do ventrículo esquerdo utilizado no
precisa do BAVT congênito, ainda não existe caso, por menor risco de trombose venosa
uma farmacoterapia médica padronizada e profunda. No período pós-natal, esses pacientes
consolidada para o tratamento da doença. O necessitam de monitoramento rigoroso, pois os
objetivo da farmacoterapia fetal é múltiplo e riscos de mortalidade continuam após o nas-
busca prevenir a progressão para graus mais cimento (BRITO-ZERÓN et al., 2015;
elevados de bloqueio AV e diminuir o risco de BARUTEAU et al., 2016).
deterioração clínica e progressão para hidro- Em termos de prevenção, as abordagens
profiláticas para a LEN foram revolucionadas
38
pela observação de que as gestantes com LES 2015; BARUTEAU et al., 2016). Pontuamos
que usaram hidroxicloroquina (HCQ) experi- que, mesmo com os diversos avanços da
mentaram atividade reduzida do LES, menos tecnologia que permitem uma identificação
crises e foram mantidas com uma dose menor mais precoce do BAVT congênito, não existe
de esteroides do que aquelas que não usaram uma farmacoterapia consolidada para o trata-
HCQ ou interromperam a droga por causa da mento da doença. O objetivo da farmacoterapia
gravidez. Descobriu-se que a HCQ fornece é prevenir a progressão para graus mais
efeitos protetores contra a LEN cardíaca, o que, elevados de bloqueio AV e diminuir o risco de
no caso descrito, poderia modificar o curso da deterioração clínica (PRUETZ et al., 2019).
doença (LISZEWSKA & WOZNIACKA, Além disso, ressaltamos o papel do uso de
2022). hidroxicloroquina pelas gestantes com LES,
sendo fundamental na prevenção das mani-
CONCLUSÃO festações cardíacas do LEN, abrindo portas
Apresentamos neste capítulo um relato de para novas estratégias terapêuticas (LIS-
caso referente a um recém-nascido portador de ZEWSKA & WOZNIACKA, 2022). Desta-
lúpus eritematoso neonatal associado a blo- camos também a importância da instalação de
queio atrioventricular total. Este quadro foi um marca-passo já no período neonatal desses
secundário ao lúpus eritematoso sistêmico recém-nascidos. Visto que, na gestação, o feto
materno, uma doença multifatorial associada à até pode tolerar a frequência ventricular baixa,
presença de fatores genéticos, ambientais e porém, a partir do momento que é observado o
imunológicos. Ilustramos ao longo do texto a risco de hidropsia fetal ou insuficiência
complexidade de ambas as patologias e as cardíaca, deve ser avaliada a necessidade da
possíveis correlações entre elas. Através do retirada do feto para colocação de marca-passo
estudo do caso associado à uma revisão biblio- (FONSECA & RODRIGUES, 2021). Trata-se
gráfica extensa, é possível observar que o de um tratamento eficaz e seguro, com o intuito
BAVT, uma complicação com diversas reper- de melhorar a sobrevida desses pacientes. Por
cussões clínicas e prognósticas, representa uma fim, esse relato de caso realça a necessidade de
das principais manifestações cardíacas asso- diagnóstico precoce, tratamento eficaz e
ciadas ao LEN (BUYON, 2022). acompanhamento rigoroso em pacientes com
É possível destacar a importância da LEN, especialmente aqueles com BAVT, para
identificação precoce e do tratamento com melhorar o prognóstico e qualidade de vida dos
implantação de marca-passo (LISZEWSKA & pacientes.
WOZNIACKA, 2022; BRITO-ZERÓN et al.,

39
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10.1136/bmj.2.5366.1149.

41
CAPÍTULO 6

INSUFICIÊNCIA CARDÍACA: O QUE


HÁ DE MAIS RECENTE NA
LITERATURA?

JOÃO ANTÔNIO NAVES DIAS AZEVÊDO¹


GABRIEL RODRIGUES JUBÉ1
FERNANDO SPINA2
DEBORAH RAABE ROCHA FIRMINO3
LUIS FELIPE TOMÉ RIBEIRO3
THIAGO SILVA SOUSA4
JOÃO VICTOR DE SOUZA CORRÊA5
RAFAELLA BANDEIRA DE MELO SOUZA CAVALCANTI5
GABRIEL MACHADO PINHEIRO LEÃO5
PEDRO HENRIQUE BRANDÃO CASTELO BRANCO5
VITOR LOPES5
LUCAS MACEDO MANHÃES DE SOUZA6
LEONARDO FERNANDES RIBEIRO6
JULIANA DE OLIVEIRA E SILVA7
LEONARDO PEREIRA LEVADA8

1. Discente - Medicina - Universidade Evangélica de Goiás.


2. Discente - Medicina - Universidade Federal de Viçosa.
3. Discente - Medicina - Universidade Paulista.
4. Discente - Medicina - Universidade Nove de Julho.
5. Discente - Medicina - Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
6. Discente - Medicina - Universidade Nilton Lins (UNL).
7. Discente - Medicina - Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB).
8. Discente - Medicina - Universidade Federal Fluminense (UFF).

Palavras-chave:
Cardiologia; Insuficiência; Insuficiência cardíaca.

42
10.59290/978-65-6029-060-0.6
INTRODUÇÃO estratégia de busca no PubMed. Dos 218 artigos
A Heart Failure Society of America encontrados, cinco foram selecionados, pois
(HFSA), a Heart Failure Association (HFA) da compreendiam os seguintes critérios de
European Society of Cardiology (ESC) e a inclusão: artigos de revisão, meta-análise e
Japanese Heart Failure Society (JHFS) propu- guidelines. Foram excluídos os artigos que não
seram a definição universal de insuficiência compreendiam ao tema proposto para o
cardíaca (IC). A IC é uma síndrome clínica com capítulo, trabalhos que não realizaram estudos
sintomas e/ou sinais causados por uma em humanos, que estavam em outros idiomas
anormalidade cardíaca estrutural e/ou funcional que não o inglês e que não estavam disponíveis
e corroborada por níveis elevados de peptídeo na íntegra.
natriurético (NP) e/ou evidência objetiva de
congestão pulmonar ou sistêmica (RICCARDI RESULTADOS E DISCUSSÃO
et al., 2022). Epidemiologia
A IC é uma doença progressiva carac- Apesar do progresso significativo nos
terizada por durações variáveis de estabilidade últimos 20 anos, a doença cardíaca isquémica
sintomática, muitas vezes pontuadas por episó- continua a ser a causa mais comum de morte na
dios de agravamento, apesar da continuação da Europa, tanto em homens como em mulheres,
terapia. Esses períodos de piora clínica são cada em 2021. O risco de mortalidade é maior na fase
vez mais reconhecidos como uma fase distinta inicial após infartos do miocárdio (IM). Uma
na história da IC, denominada piora da IC das principais complicações do IAM é a IC, que
(WHF). A definição de WHF continua a evoluir ocorre tanto de forma aguda quanto como se-
de um foco histórico apenas na hospitalização quela tardia. No estudo internacional GRACE,
para agora incluir eventos não hospitalares (por a incidência de IC na admissão foi de cerca de
exemplo, necessidade de terapia diurética 16%, tanto para IM com supradesnivelamento
intravenosa na emergência ou em ambiente do segmento ST (STEMI) quanto para infarto
ambulatorial) (GREENE et al., 2023). do miocárdio sem supradesnivelamento do
O objetivo deste estudo foi realizar uma segmento ST (NSTEMI), e 8% para pacientes
revisão da literatura que pudesse reunir o que há com angina instável. Neste registro, a presença
de mais recente e relevante sobre prevenção, de IC avaliada pela classe Killip foi o preditor
identificação, diagnóstico e manejo clínico do mais poderoso de mortalidade hospitalar em
paciente que apresenta Insuficiência Cardíaca. pacientes que apresentam IM (NÄGELE &
FLAMMER, 2022).
MÉTODO Os avanços médicos e cirúrgicos no
O capítulo propõe uma revisão da literatura tratamento de doenças cardíacas congênitas
no que tange ao manejo clínico dos pacientes (DCC) contribuíram para a expectativa de que
com IC. Desse modo, foi realizado um levan- crianças com doença coronariana complexa
tamento dos artigos publicados em inglês na possam sobreviver até a idade adulta. A pre-
plataforma Published Medical Literature Ana- valência de doença coronariana é de apro-
lysis and Retrieval System Online (PubMed) no ximadamente 1% dos nascidos vivos e, em
último ano (2022-2023). Utilizou-se a palavra- 2007, havia mais de 1 milhão de adultos
chave, em inglês, “Heart failure” como vivendo com doença coronariana (ACHD) nos
Estados Unidos. Embora a melhoria global na
43
sobrevivência à doença coronariana deva ser campos pulmonares claros são sinais carac-
celebrada, também deve ser reconhecido que as terísticos de insuficiência do VD e devem ser
doenças cardiovasculares e extracardíacas tar- confirmados por ecocardiografia (NÄGELE, &
dias tornaram-se cada vez mais importantes FLAMMER, 2022).
nesta coorte. Em particular, deve-se considerar O tamanho do infarto após IAM é o preditor
que a causa mais comum de morte em pacientes mais importante de disfunção e remodelamento
com ACHD é a insuficiência cardíaca do VE após IAM. Tamanho maior do infarto
(CHAUDHRY et al., 2022). devido à apresentação tardia ou reperfusão
Devido ao crescimento populacional e ao tardia, nenhum ou mínimo fluxo colateral ou
envelhecimento, o número total de pacientes localização anterior, está associado a maior
com IC continua a aumentar. Estima-se que disfunção do VE, remodelamento cardíaco
64,3 milhões de pessoas convivam com IC em adverso e IC ao longo do tempo. Em uma meta-
todo o mundo. Nos países desenvolvidos, a análise em nível de paciente de dez ensaios
prevalência de IC conhecida é geralmente randomizados, incluindo pacientes submetidos
estimada em 1-2% da população adulta em a intervenção coronária percutânea primária
geral. Um estudo estimou uma prevalência mais (ICP), o tamanho do infarto foi fortemente
realista de 4,2% com IC que permanece não associado à mortalidade subsequente e hospita-
detectada em mais da metade dos casos. lização por IC (DEL BUONO et al., 2022).
Um aumento alarmante em pessoas Após o IAM, a perda de miócitos contráteis
relativamente jovens e em países com baixo e a redução do volume sistólico levam à
índice sociodemográfico está provavelmente dilatação do VE. Este fenômeno pode ser
relacionado ao aumento dos fatores de risco. extremamente benéfico, mantendo o volume
Além disso, houve uma transição clara para a sistólico através do mecanismo de Frank-
ICFEP devido a uma melhoria no reconhe- Starling. No entanto, o estresse da parede do VE
cimento da doença, mas também na sua relação é proporcional ao raio da cavidade ventricular e
com obesidade e envelhecimento da população. inversamente correlacionado à espessura da
A IC ainda é sobrecarregada por elevada parede do VE, conforme explicado pela lei de
morbidade e mortalidade (RICCARDI et al., Laplace. Consequentemente, a dilatação do VE
2022). aumenta o estresse da parede e, portanto, o
consumo de oxigênio, levando à isquemia
Fisiopatologia miocárdica subendocárdica por meio da pressão
Embora a IC após infarto do miocárdio do de perfusão coronariana prejudicada, o que
ventrículo direito (IMVD) seja classicamente promove a contratilidade do VE prejudicada, o
observada após oclusão aguda da artéria débito cardíaco reduzido e a ativação de vias
coronária direita proximal, a disfunção do VD neuro-hormonais adversas ao longo do tempo.
também pode ocorrer após infartos maiores na Como parte do remodelamento ventricular
artéria coronária esquerda. Devido à sua ana- adverso pós-IAM, a geometria cardíaca muda
tomia e fisiologia diferentes, o VD parece ser de formato elíptico para esférico, o que é
mais resistente ao infarto permanente em impulsionado principalmente pelo alongamento
comparação ao VE com maior potencial de hipertrófico dos miócitos na zona não infartada,
recuperação do miocárdio isquêmico. Hipo- resultando em aumento da massa da parede e
tensão e pressão jugular elevada na presença de aumento do VE. Além disso, a disfunção
44
miocárdica remota pode ser vista como medida da fração de ejeção ventricular esquerda
secundária a alterações morfológicas na região (FEVE) continua sendo um determinante
do infarto, levando a um aumento do estresse importante do prognóstico, e a ecocardiografia
sistólico longitudinal da parede e à perda da é capaz de detectar pressões intracardíacas
função ventricular global. Um aumento relativo elevadas e sobrecarga de fluidos (RICCARDI
no volume diastólico final do VE (VDFVE) de et al., 2022).
pelo menos 20% usando ecocardiografia tem Além disso, a avaliação da função atrial,
sido tradicionalmente usado para definir o conhecida como “doença atrial”, é relevante
remodelamento adverso do VE. Em compara- especialmente em pacientes com IC de fração
ção com pacientes sem remodelação adversa, de ejeção preservada (ICFEP). Finalmente, o
aqueles que sofreram remodelação adversa uso de aprendizado de máquina tem se
apresentaram maior risco do composto de morte destacado na estratificação de risco, permitindo
cardiovascular, IAM, IC, acidente vascular a criação de escores de mortalidade e a iden-
cerebral ou parada cardíaca ressuscitada (DEL tificação de diferentes subgrupos de pacientes
BUONO et al., 2022). com ICFEP com desfechos diversos. Essas
abordagens têm o potencial de melhorar signi-
Diagnóstico ficativamente o manejo clínico e a tomada de
No campo do diagnóstico e prognóstico da decisões terapêuticas em pacientes com IC
IC, os níveis de eletrólitos desempenham um (RICCARDI et al., 2022).
papel crucial. Tanto a hipocalemia quanto a Em resumo, a avaliação dos eletrólitos, o
hipercalemia foram associadas a piores desfe- uso de biomarcadores e técnicas de imagem e o
chos, com evidências sugerindo que a hiper- emprego de aprendizado de máquina desem-
calemia pode ser um marcador de risco para a penham papéis essenciais no diagnóstico e
descontinuação de medicamentos específicos, prognóstico da insuficiência cardíaca, contri-
como inibidores do sistema renina-angioten- buindo para a melhoria da gestão e dos re-
sina-aldosterona (SRAA). Além disso, biomar- sultados clínicos (RICCARDI et al., 2022).
cadores como o peptídeo natriurético cerebral
(BNP) e a troponina cardíaca (Tn) têm se Tratamento
mostrado importantes para avaliar o prog- O tratamento da cardiomiopatia isquêmica
nóstico, com Tn associada a comorbidades e abrange diversas abordagens terapêuticas res-
evolução clínica desfavorável. Outros biomar- paldadas por evidências sólidas. Para pacientes
cadores em estudo incluem sST2, galectina-3 e com infarto agudo do miocárdio, a reperfusão
GDF-15, que têm potencial para fornecer imediata da artéria afetada é crucial para reduzir
informações valiosas sobre a inflamação e o tamanho do infarto e prevenir a insuficiência
fibrose associadas à IC (RICCARDI et al., cardíaca. O tratamento farmacológico inclui
2022). inibidores da enzima de conversão da angio-
A utilização de técnicas de imagem tensina (ECA), bloqueadores dos receptores da
desempenha um papel fundamental no diag- angiotensina (BRA) e antagonistas dos recep-
nóstico e prognóstico da IC. A ecocardiografia tores mineralocorticoides, demonstrando bene-
bidimensional com speckle tracking, por fícios na prevenção da fibrose miocárdica e na
exemplo, pode identificar anormalidades na melhoria da função ventricular. Além disso,
função cardíaca e prever resultados adversos. A medicamentos como sacubitril-valsartana,
45
inibidores do cotransportador de sódio-glicose betabloqueadores e inibidores do receptor de
2 (SGLT2) e anakinra têm mostrado eficácia na angiotensina-neprilisina (ARNIs). No entanto,
melhoria dos desfechos em pacientes com muitos pacientes não atingem doses-alvo ideais
cardiomiopatia isquêmica. A revascularização desses medicamentos, logo, estratégias de
do miocárdio viável também é considerada, implementação são necessárias. Além disso,
sendo a cirurgia de revascularização do mio- novas terapias, como inibidores do cotrans-
cárdio (CRM) uma opção em pacientes com portador de sódio-glicose 2 (SGLT2), fine-
anatomia coronariana apropriada. Novas abor- renona e estimuladores solúveis de guanilato
dagens, como dispositivos de suporte circula- ciclase, mostraram benefícios significativos na
tório mecânico e controle da resposta infla- redução de hospitalizações e melhora dos
matória, oferecem promissoras perspectivas desfechos cardiovasculares. Terapias não far-
terapêuticas para melhorar a recuperação e os macológicas, como intervenções dietéticas,
resultados dos pacientes (DEL BUONO et al., treinamento físico, implante de desfibrilador
2022). cardíaco e terapia de ressincronização cardíaca,
O tratamento da insuficiência cardíaca com também desempenham um papel importante.
fração de ejeção preservada (ICFEP) é um Além disso, tratamentos percutâneos, como o
desafio devido à sua natureza heterogênea e reparo da válvula mitral e da válvula tricúspide,
múltiplas etiologias. A síndrome é responsável estão sendo explorados como opções para
por mais da metade das hospitalizações por IC pacientes com insuficiência cardíaca grave e
e possui vários fenótipos clínicos. Diversos regurgitação valvar. Essas estratégias têm o
fatores, incluindo diabetes e obesidade, desem- potencial de melhorar a qualidade de vida e a
penham um papel na fisiopatologia da ICFEP. sobrevida dos pacientes com ICFEr
O diagnóstico é complicado, mas escores como (RICCARDI et al., 2022).
H2FPEF e HFA-PEFF foram propostos para
ajudar no diagnóstico e prognóstico. O CONCLUSÃO
tratamento revolucionário com inibidores do Em síntese, a IC é uma condição de
cotransportador de sódio-glicose 2 (SGLT2) crescente relevância global, impulsionada pelo
demonstrou benefícios significativos na redu- envelhecimento da população e pela preva-
ção de eventos cardiovasculares e hospi- lência de fatores de risco cardiovascular. Neste
talizações por IC em pacientes com ICFEP. estudo, exploramos diversos aspectos relacio-
Além disso, outras terapias, como drogas como nados à prevenção, identificação, diagnóstico e
a dronedarona, dispositivos de shunt atrial e tratamento dessa síndrome complexa. A
modulação do nervo esplâncnico, estão sendo epidemiologia revelou sua persistente ameaça,
investigadas para melhorar os desfechos e a especialmente após eventos cardíacos isquê-
qualidade de vida dos pacientes com ICFEP micos, enfatizando a necessidade de inter-
(RICCARDI et al., 2022). venções precoces e eficazes.
O tratamento da insuficiência cardíaca com Na fisiopatologia, destacou-se a impor-
fração de ejeção reduzida (ICFEr) envolve uma tância do tamanho do infarto na disfunção
abordagem farmacológica baseada em medica- ventricular pós-infarto, enfatizando a rele-
mentos como inibidores da enzima de vância da reperfusão e do controle do
conversão da angiotensina (IECAs), bloquea- remodelamento ventricular. O diagnóstico
dores dos receptores da angiotensina (BRA), evoluiu com a utilização de biomarcadores e
46
técnicas de imagem, enquanto o tratamento Este estudo ressalta a importância de
abraçou uma abordagem multifacetada, desde a abordagens integradas e inovações contínuas
terapia farmacológica tradicional até as pro- para melhorar a qualidade de vida e os
missoras terapias direcionadas, com destaque resultados clínicos dos pacientes com IC,
para os inibidores do co-transportador de sódio- refletindo os avanços da medicina no combate
glicose 2 (SGLT2) e novas intervenções não a essa condição desafiadora.
farmacológicas.

47
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48
CAPÍTULO 7

DOENÇA ARTERIAL PERIFÉRICA: O


QUE HÁ DE MAIS RECENTE NA
LITERATURA?

LUAN ANDRADE CARVALHO¹


EUCIMAR DA SILVA SANTANA1
NEUSA GABRIELA SANSÃO2
EDUARDO VASCONCELOS DE SOUZA2
POLIANA ALVES DE OLIVEIRA RIBEIRO2
MARIANA JARDIM RODRIGUES2
VERÔNICA MARTINS SANCHES DE BARROS2
LUÍZA DANIELA DE TOLÊDO ARAÚJO3
LUCCA RODRIGUES PASSOS4
JÚLIA KALIDA DINIZ5
FABLINE RIBEIRO AMORIM5
CÉSAR RIBEIRO DA SILVA6
TAYNARA CIBELLE NASCIMENTO LIMA7
JULIANA DE OLIVEIRA E SILVA8
LEONARDO PEREIRA LEVADA9

1. Discente - Medicina - Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf).


2. Discente - Medicina - Universidade Brasil.
3. Discente - Medicina - Centro Universitário (UNIPÊ).
4. Discente - Medicina - Universidade FTC.
5. Discente - Medicina - Universidade Evangélica de Goiás.
6. Discente - Medicina - Universidade de Marília (UNIMAR).
7. Discente - Medicina - Universidade Tiradentes (UNIT).
8. Médica - Graduada pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Pós-graduada em Cardiologia pela Faculdade
IPEMED de Ciências Médicas.
9. Discente - Medicina - Universidade Federal Fluminense.

Palavras-chave:
Cardiologia; Vasos; Doença arterial periférica.

49
10.59290/978-65-6029-060-0.7
INTRODUÇÃO vasculares e cirúrgicas também foram revisadas
A doença arterial periférica (DAP) resulta (PARWANI et al., 2023).
da perda isolada e/ou combinada da elasticidade O objetivo deste estudo foi realizar uma
arterial, agregação plaquetária patológica e revisão da literatura que pudesse reunir o que há
aumento da incidência de complicações de mais recente e relevante sobre prevenção,
microvasculares, como observado em casos de identificação, diagnóstico e manejo clínico do
hipertensão, hiperglicemia, hiperlipidemia, paciente que apresenta DAP.
hipercolesterolemia e tabagismo. A hipertensão
não controlada e de longa data reduz os efeitos MÉTODO
vasodilatadores das células endoteliais e ativa o O capítulo propõe uma revisão da literatura
sistema renina-angiotensina-aldosterona no que tange ao manejo clínico dos pacientes
(SRAA), o que leva à aterosclerose hialina e com DAP. Desse modo, foi realizado um
perda de elasticidade arterial. O DM tipo II tem levantamento dos artigos publicados em inglês
sido associado à DAP através da disfunção na plataforma Published Medical Literature
endotelial induzida por leucócitos. Fumar causa Analysis and Retrieval System Online
diminuição da vasodilatação e agregação (PubMed) no último ano (2022-2023). Utili-
plaquetária inadequada, levando à aterosclerose zou-se a palavra-chave, em inglês, “Peripheral
e eventos trombóticos. As complicações a arterial disease” como estratégia de busca no
longo prazo da DAP incluem isquemia e se PubMed. Dos 146 artigos encontrados, seis
apresentam como pulsos ausentes, cianose, foram selecionados, pois compreendiam os
úlceras que não cicatrizam e claudicação seguintes critérios de inclusão: artigos de
intermitente. Pode progredir para isquemia revisão, meta-análise e guidelines. Foram
crítica de membro (CLI), sepse, amputação e excluídos os artigos que não compreendiam o
morte (PARWANI et al., 2023). tema proposto para o capítulo, trabalhos que
Os objetivos da intervenção médica são não realizaram estudos em humanos, que
promover medidas preventivas na população, estavam em outros idiomas que não o inglês e
detectar a doença nas suas fases iniciais, gerir que não estavam disponíveis na íntegra.
os sintomas de forma adequada e prevenir a
recorrência e a mortalidade. Doença arterial nas RESULTADOS E DISCUSSÃO
artérias aortoilíaca, ilíaca comum e externa, Epidemiologia
femoral, poplítea, tibial anterior e posterior e Nosso planeta é atualmente habitado por
pedal dorsal é abordada. Técnicas comuns de aproximadamente 7.850 bilhões de pessoas.
mapeamento arterial, como ultrassonografia Com uma taxa de crescimento de 1,05% ao ano,
duplex (DUS), angiografia por ressonância o aumento médio da população é estimado em
magnética (ARM), angiografia por subtração 81 milhões de pessoas anualmente. Enquanto
digital (DSA) e angiografia por tomografia isso, segundo a Organização Mundial da Saúde
computadorizada (CTA), são analisadas quanto (OMS), as doenças cardiovasculares (DCV) são
à sua eficácia na visualização de diferentes a principal causa de morte em todo o mundo,
artérias. Métodos não invasivos, como cessação resultando em aproximadamente 17,9 milhões
do tabagismo, terapia antitrombótica e terapia de mortes anualmente. Apesar da enormidade
com estatinas, foram pesquisados para o das doenças cardiovasculares e dos esforços
manejo do paciente. Intervenções endo-
50
para promover a importância da sua prevenção, aumentou em um quarto, para
a nutrição continua a ser um aspecto aproximadamente 200 milhões em 2010. Este
dramaticamente subestimado na abordagem aumento foi maior nos países de baixa e média
desta “pandemia de aterosclerose” (CECCHINI renda (29%) do que nos países de alta renda
et al., 2022). (13%), resultando nos números mais altos em
Dados recentes da literatura mostram que a 2010 ocorrendo no Sudeste, regiões da Ásia e
DAP afeta cerca de 240 milhões de pessoas em do Pacífico Ocidental. Esta tendência
todo o mundo (VISONÀ et al., 2022). ascendente persiste, de modo que, em 2015,
Números exatos sobre a prevalência de estimava-se que 236 milhões de pessoas tinham
DAP não podem ser fornecidos, pois a a doença (NORDANSTIG et al., 2023).
prevalência geral de DAP varia entre 1,8 e 25%,
dependendo da população estudada e do valor Fisiopatologia
de corte do Índice Tornozelo Braquial (ITB). A A hipertensão é uma das principais causas
prevalência aumenta com a idade, de 3 a 10% de formação de placa aterosclerótica. Embora a
entre aqueles com idade entre 40 e 70 anos para hipertensão possa ser classificada em dois
10 a 20% entre aqueles com 70 anos ou mais. grandes tipos, acredita-se que sua associação
As estimativas da incidência de DAP são raras; com as células endoteliais permaneça a mesma.
no entanto, o estudo de coorte ARIC relatou A interação da hipertensão arterial com as
uma prevalência anual geral de DAP células endoteliais é considerada um
padronizada por idade de 10 a 13%, procedimento de mão dupla. Observa-se que a
acompanhada de uma incidência anual geral disfunção endotelial diminui a síntese de óxido
padronizada por idade de > 25% por mil nítrico, levando à diminuição da vasodilatação
pessoas-ano. Na DAP das pernas, a gravidade e, finalmente, à hipertensão. Outro regulador da
clínica é estimada com a classificação de pressão arterial, o SRAA, desempenha um
Fontaine, que é o principal determinante para papel importante na manutenção da pressão
encaminhamento ao especialista vascular e arterial. Embora o objetivo do SRAA seja
ponto de partida para o manejo clínico (NAGY otimizar os níveis de pressão arterial, o sistema
et al., 2022). pode ser de natureza mal adaptativa,
A DAP ocorreu predominantemente em contribuindo para a rigidez arterial devido à
indivíduos mais velhos em países de alta renda disfunção endotelial (PARWANI et al., 2023).
(PAR). No entanto, nos últimos anos, ocorreu Há efeitos na microcirculação devido à
uma transição epidemiológica global, de modo hiperlipidemia, diabetes mellitus e hipertensão.
que muitas populações em todo o mundo são Além das artérias e veias, a vasculatura restante
agora afetadas. não possui as três camadas de músculo liso:
Em países de alta renda, a prevalência de túnica íntima, túnica média e túnica adventícia.
DAP (sintomática e assintomática) relatada em Os capilares contêm pericitos, que revestem as
2013 foi semelhante em homens e mulheres e células endoteliais e formam uma parede in-
aumentou com a idade, de 5% aos 45 a 49 anos terrompida, permitindo trocas gasosas e nutri-
para 18% aos 85 a 89 anos. Nos países de baixo entes. Os pericitos secretam o fator de cresci-
e médio rendimento (PRMB) foi encontrado um mento angiopoietina-1, que se liga ao receptor
padrão comparável. O número de casos de DAP Tie-2 encontrado nas células endoteliais. Essa
em todo o mundo entre os anos 2000 e 2010 interação permite a liberação de fatores
51
antiapoptóticos, como BAD e procaspase-9, placa aterosclerótica e sinalização pró-
bem como fatores de sobrevivência, como inflamatória na parede arterial. A liberação de
survivina. Fatores como espécies reativas de quimiocinas, citocinas e vesículas extrace-
oxigênio (ROS), hipóxia e neoplasia impactam lulares (EVs) impulsiona ainda mais o cres-
negativamente a microcirculação. A interação cimento da placa aterosclerótica pelo recruta-
do colesterol, diabetes mellitus e hipertensão mento contínuo de células imunes. Quando as
arterial com pericitos foi discutida separada- lesões ateroscleróticas crescem, a hipóxia
mente. A hipercolesterolemia causa a regulação resulta em morte celular, formação de núcleo
negativa dos pericitos devido à diminuição da necrótico e angiogênese em placas. Além disso,
expressão de N-caderinas, bem como uma essas interações resultam na troca fenotípica de
redução na NO sintase, um importante regul- células musculares lisas vasculares (VSMCs),
ador necessário para o recrutamento de causando migração, proliferação e subsequente
pericitos. A regulação negativa de fatores de calcificação iniciada por vesículas extrace-
crescimento, como o fator de crescimento lulares. Além da inflamação e dos lipídios, os
endotelial vascular (VEGF) e a regulação fatores de coagulação ativados (estado pré-
positiva de leucócitos devido a ERO, também é trombótico) foram agora aceitos como fatores-
observada na hiperlipidemia. Sabe-se também chave na gênese e progressão da doença
que a hiperglicemia crônica afeta a perda de vascular. Os fatores de coagulação ativados (F)
pericitos, levando a danos nas células endo- IIa e Xa sinalizam através de uma família de
teliais, resultando em hipóxia e, finalmente, em receptores celulares ativados por protease
neovascularização. Isso, por sua vez, leva à (PARs), PAR1–4. Os PARs são amplamente
retinopatia diabética (RD), uma das primeiras distribuídos nas células vasculares em condi-
complicações do diabetes mellitus tipo 2 ções normais e são superexpressos durante a
(DM2). Ao contrário da hiperlipidemia e do aterogênese. A ativação proteolítica de PARs
DM2, a hipertensão arterial resulta na proli- por FIIa ou FXa resulta na ativação de uma via
feração de pericitos. Isso se deve à superex- canônica da proteína G, e as vias de sinalização
pressão de fatores de crescimento, como fator a jusante influenciam múltiplos eventos espe-
de crescimento de fibroblastos-2 e interleucina- cíficos de células regulados pela transcrição,
6. Apesar de uma superproliferação de peri- incluindo proliferação, inflamação, migração,
citos, o resultado final é a disfunção capilar. As adesão e apoptose (NAGY et al., 2022).
complicações microvasculares complicam
ainda mais o perfil do paciente com DAP Tratamento
(PARWANI et al., 2023). Recomenda-se uma dieta saudável, exer-
Embora seja geralmente aceito que a cícios regulares e a cessação do tabagismo
aterosclerose é caracterizada pela acumulação como medidas preventivas primárias. Terapias
de lípidos e inflamação na camada íntima da hipolipemiantes, incluindo estatinas, são reco-
parede do vaso arterial, a sua patogênese mendadas para controlar o colesterol. O
permaneceu controversa durante décadas. A tratamento anti-hipertensivo é importante,
aterosclerose é complexa e acredita-se que seja especialmente para pacientes com pressão
causada por um conjunto de interações entre arterial elevada. O tratamento antiplaquetário é
lipídios, células imunológicas, plaquetas e benéfico para DAP sintomática e a combinação
endotélio, resultando no desenvolvimento de de rivaroxabana e aspirina é sugerida em certos
52
casos. O controle rigoroso da glicose é reco- titrombóticos, como a rivaroxabana, além de
mendado para pacientes com DAP e diabetes. reduzirem o risco de trombose, fornecem
Em relação aos sintomas de claudicação suporte cardiovascular, sendo incluídos nas
intermitente (CI), o exercício é fundamental, e diretrizes de tratamento. Além disso, novos
alguns medicamentos como cilostazol e pen- alvos terapêuticos estão sendo explorados,
toxifilina podem ser considerados, embora a incluindo a inibição de FXI(a) ou FXII(a) e
documentação seja limitada. A revascula- terapias anti-inflamatórias, com o objetivo de
rização de membros inferiores é uma opção encontrar abordagens mais seguras e espe-
para pacientes com DAP, especialmente aque- cíficas para combater a aterosclerose, embora
les com claudicação intermitente ou isquemia permaneçam desafios na identificação de
crítica de membros. A escolha entre proce- terapias eficazes (CECCHINI et al., 2022).
dimentos cirúrgicos e endovasculares depende
da avaliação individual do paciente. No entanto, CONCLUSÃO
a falta de evidências de alta qualidade torna a A DAP é uma condição complexa com
decisão variável. Finalmente, terapias de múltiplos fatores de risco, incluindo hiper-
angiogênese, incluindo terapia de genes e tensão, diabetes, hiperlipidemia e tabagismo,
terapia celular, foram estudadas, mas resultados que contribuem para sua patogênese. Ela
consistentes e conclusivos ainda não foram apresenta uma alta prevalência global e está
alcançados. A terapia de genes e a terapia associada a complicações microvasculares
celular têm mostrado resultados variáveis em graves.
ensaios clínicos. Em suma, a pesquisa mostrou O manejo clínico da DAP é multifacetado e
que há várias estratégias de tratamento para envolve medidas preventivas, diagnóstico pre-
pacientes com DAP, incluindo mudanças no coce, controle de fatores de risco, terapias
estilo de vida, medicamentos e opções medicamentosas e intervenções cirúrgicas
cirúrgicas, além de terapias emergentes, como a quando necessário. Novas abordagens terapêu-
angiogênese terapêutica (NORDANSTIG et ticas, como a combinação de agentes antipla-
al., 2023). quetários e anticoagulantes, estão sendo explo-
O tratamento da doença arterial periférica radas para melhorar os resultados dos pacientes.
(DAP) envolve principalmente o uso de agentes Além disso, a pesquisa continua em busca de
antiplaquetários, como o clopidogrel, para alvos terapêuticos mais seguros e eficazes para
prevenção secundária da aterosclerose sinto- enfrentar a aterosclerose subjacente à DAP.
mática. Após intervenções percutâneas, a dupla A compreensão sobre epidemiologia, fi-
inibição plaquetária é prescrita por um curto siopatologia e opções de tratamento da DAP é
período, seguida de uma terapia antiplaquetária essencial para melhorar a qualidade de vida dos
única vitalícia. Para casos específicos, como a pacientes e reduzir sua morbidade e morta-
aterosclerose da artéria carótida, o uso de lidade. Portanto, o conhecimento atualmente
clopidogrel é rotineiro, enquanto a antico- disponível destaca a importância da prevenção,
agulação oral é indicada apenas em cirurgias de diagnóstico precoce e abordagens terapêuticas
revascularização venosa. Recentemente, inovadoras no manejo da DAP.
estudos clínicos sugeriram que agentes an-

53
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CECCHINI, A.L. et al. Dietary risk factors and eating behaviors in peripheral arterial disease (PAD). International Journal
of Molecular Sciences, v. 23, p. 10814, 2022. doi: 10.3390/ijms231810814.
NAGY, M. et al. Integrating mechanisms in thrombotic peripheral arterial disease. Pharmaceuticals, v. 15, p. 1428, 2022.
doi: 10.3390/ph15111428.
NORDANSTIG, J. et al. Peripheral arterial disease (PAD): a challenging manifestation of atherosclerosis. Preventive
Medicine, v. 171, p. 107489, 2023. doi: 10.1016/j.ypmed.2023.107489.
PARWANI, D. et al. Peripheral arterial disease: a narrative review. Cureus, v. 15, e40267, 2023. doi:
10.7759/cureus.40267.
VISONÀ, A. et al. Bleeding risk in patients with peripheral arterial disease. Life, v. 13, p. 47, 2022. doi:
10.3390/life13010047.

54
CAPÍTULO 8

EFEITOS CARDIOVASCULARES DO
EXERCÍCIO FÍSICO NA SÍNDROME
DE MARFAN
RAFAELA MACHADO DE SOUZA¹
MARIANA MOREIRA DE OLIVEIRA¹
JUCELINO LIBARINO DOS SANTOS JUNIOR¹
ANA CAROLINE RODRIGUES SILVA¹
ISABELA MACHADO DE SOUZA¹
MARIA CAROLINE TURATE FELGUEIRA¹
ANA CAROLINA DUTRA DE SOUSA¹
RAYANE ALVES CRUZ¹
CAMILA BENTO SOARES MIRANDA¹
RAINY DA SILVA ROGÉRIO1
ISABELA CRISTINA CARDOSO DAMASIO1
LUCAS DE DEUS BORGES1
JOÃO IVO DE FREITAS LINS RIBEIRO FIRMO1
1. Discente - Medicina - Centro Universitário Alfredo Nasser.

Palavras-chave:
Exercício físico; Síndrome de Marfan; Efeitos cardiovasculares.

55
10.59290/978-65-6029-060-0.8
INTRODUÇÃO indivíduo. Segundo a Organização Mundial de
A síndrome de Marfan (SM) é uma doença Saúde (OMS), a reabilitação cardíaca deve
de caráter genético autossômica dominante, garantir assistência ao paciente para que ele
com alteração do braço longo do cromossomo consiga com o seu próprio esforço integrar-se à
15. Os portadores desta doença têm alteração no comunidade. Isso porque o exercício físico
gene fibrilina-1 (FBN-1), responsável pela utilizado na reabilitação gera alterações e/ou
formação da fibrilina. Esta proteína é compo- adaptações fisiológicas (metabólicas, na função
nente importante na estrutura das artérias, sem ventricular, pressão arterial, consumo de
ela, as túnicas das artérias tendem a ser mais oxigênio) resultantes de uma alta demanda
finas e consequentemente menos elásticas e energética exigida provocada pelo estresse
fracas. O gene também é responsável pela fisiológico. Com o tempo, estas alterações
contenção do crescimento ósseo e fixação e tendem a virar crônicas e a intensidade do
sustentação do cristalino. Trata-se de uma do- exercício deve ser ajustada para provocar novas
ença com alterações sistêmicas (DIETZ,1993- adaptações, promovendo melhor efetividade do
2016; LOEYS & DIETZ, 1993-2016). treinamento que deve ser protocolado,
O diagnóstico principal é clínico, baseando- contínuo, com carga e velocidade progressiva
se em três características que o grupo (MORAES et al., 2005).
desenvolve, sendo elas: aneurisma de artéria Apesar dos benefícios, há contraindicações
aórtica, podendo até ter ruptura; estatura alta relativas e absolutas à reabilitação cardíaca. A
com membros longos, sem repercussão hor- SM é uma contraindicação relativa por conta da
monal; e luxação do cristalino. Através do presença de aneurismas de aorta que é
acompanhamento genético é possível confirmar considerada uma contraindicação absoluta para
a alteração da FBN-1 e investigar suas inclusão deste tipo de paciente em um programa
mutações (DE PAEPE et al., 1996). de reabilitação, mas deve ser levado em
O tratamento desta doença é farmacológico consideração o nível de gravidade e a
ou, em alguns casos, cirúrgico. O uso de associação com a dissecção aórtica (HERDY et
betabloqueadores é indicado para diminuir a al., 2014).
pressão arterial na artéria aórtica e evitar sua Visto que a elevação acentuada da pressão
ruptura. A longo prazo, os medicamentos arterial se mostra como uma contraindicação à
betabloqueadores podem ter efeitos colaterais, atividade física, bem como um impedimento à
sendo os mais limitantes fadiga, hipotensão prática de exercício, ficando restrita a prática de
postural e broncoespasmo. O procedimento alguns esportes de acordo com o grau de
cirúrgico envolve a colocação de um enxerto contato físico e exposição ao estresse físico
quando há dilatação ou dissecção em estágio (Quadro 8.1), nos interessou entender o
avançado (MAGALHÃES et al., 2015; comportamento desta e de outras variáveis
ALBUQUERQUE et al.,2004). cardiovasculares para que, diante da necessi-
Reabilitação cardíaca é um método não dade de abordagem destes indivíduos,
invasivo de tratamento que envolve uma equipe tenhamos mais segurança na aplicação dos
multidisciplinar, cujo objetivo é garantir exercícios terapêuticos (MARON et al., 2004).
integridade física, social e psicológica ao

56
Quadro 8.1 Nível de atividade, de acordo com intensidade e contato, que deve se ter atenção segundo a The Marfan
Foundation*
Nível de contato Atividade física
Contato elevado Basquete, boxe, hóquei em campo, futebol, hóquei
no gelo, artes marciais, rodeio, futebol, wrestling.
Contato limitado Beisebol, ciclismo (intenso), ginástica, passeios a
cavalo, patinagem, softball, squash, vôlei
Sem contato: intensidade Dança aeróbica (alto impacto), correndo (rápido),
média para alta levantamento de peso
Sem contato: Intensidade Dança aeróbica (baixo impacto), ciclismo (lazer),
moderada natação (lazer), tênis de mesa, tênis
Legenda: Physical activity guidelines. Fonte: Marfan Foundation.

O objetivo deste trabalho foi verificar, por ● Todos os estudos nos quais os pacientes
meio de uma revisão bibliográfica, as respostas eram diagnosticados com aneurisma de aorta
cardiovasculares frente ao exercício físico na não associado à SM;
síndrome de Marfan. ● Estudos experimentais que não abor-
dassem o exercício físico no tratamento dos
MÉTODO pacientes com SM;
Nossa busca baseou-se em estudos ex- Os dados extraídos dos três artigos sele-
perimentais utilizando os descritores em por- cionados nesta pesquisa foram apresentados de
tuguês e inglês, com os seguintes termos: forma descritiva a seguir.
exercício (“exercise”) e síndrome de Marfan
(“Marfan Syndrom”), conectados pelo boolea- RESULTADOS E DISCUSSÃO
no AND. Foram encontrados 109 artigos, que tiveram
Essa busca foi realizada de dezembro de seus títulos lidos. Após análise dos mesmos,
2015 a junho de 2016 e as bases de dados foram selecionados apenas três trabalhos
consultadas foram PUBMED, Biblioteca pertinentes ao tema escolhido, com sucesso de
Virtual em Saúde (BVS), Cochrane Library e busca apenas nas bases PUBMED e BVS. Nas
Physiotherapy Evidence Database (PEDro). demais não foram encontrados artigos.
- Critérios de inclusão: Dos estudos recuperados, 54 eram dupli-
● Estudos experimentais com pacientes cados, 51 não atendiam aos critérios de inclusão
diagnosticados com SM, contendo ou não e um era uma republicação. Assim, foram
histórico clínico de cirurgia de revascularização incluídos apenas três artigos para revisão.
de aorta; A leitura da versão “full text” dos três
● Estudos que associaram atividade física artigos só foi possível com o contato com o
(qualquer tipo de atividade) ao tratamento da pesquisador principal das publicações, que
SM; disponibilizou os três estudos via e-mail.
● Estudos protocolados; Os três artigos encontrados pertencem
● Na equipe responsável, deve constar ao mesmo grupo de pesquisadores, que
pelo menos um fisioterapeuta. abordam de forma diferente a exposição do
- Critérios de exclusão: portador de síndrome de Marfan à atividade
física (Quadro 8.2).

57
Quadro 8.2 Efeitos cardiovasculares em pacientes com SM expostos ao exercício físico, com base nos artigos
selecionados
Autor Objetivo Resultado
Foi demonstrada uma diminuição do
Verificar a resposta do remodelamento cardíaco, mas não foi possível
Medeiros et al. (2012) remodelamento cardíaco no explicar exatamente qual efeito fisiológico no
exercício físico exercício físico causou esse
antirremodelamento
Comparar a resposta da velocidade
Não houve diferença significativa na variação
da onda de pulso entre um grupo
do pulso elétrico antes e pós-teste submáximo,
Peres et al. (2010) com síndrome de Marfan e um com
em comparação a indivíduos que não possuem a
indivíduos normais após realização
doença
do teste submáximo
Analisar o tempo de recuperação Os pacientes tiveram uma redução no tempo de
Peres et al. (2016) cardíaca após o exercício recuperação, sugestiva de uma disfunção
submáximo e o risco autossômica e pelo déficit cronotrópico

É certo que alterações morfológicas na anos pós-inclusão, já era possível verificar anti-
artéria podem causar cardiopatias secundárias e remodelamento cardíaco e diminuição geomé-
modificações estruturais no músculo cardíaco. trica do coração nos exames de rotina, demons-
O paciente com síndrome de Marfan, ao longo trando um resultado benéfico após a prática de
do tempo, pode ou não desenvolver cardio- exercícios físicos.
patias secundárias sua deficiência genética, mas Peres et al. (2010) comparam a velocidade
nada impede que esta patologia seja de origem de onda de pulso (VOP) entre dois grupos, um
primária. O aneurisma arterial, como já foi dito, com síndrome de Marfan e outro grupo-
é a principal complicação cardiovascular e fator controle com indivíduos normais. No estudo,
incapacitante das atividades físicas. Em não foram vistas alterações significantes na
contrapartida, é possível encontrar pacientes VOP pré e pós-exercícios de intensidade
que desenvolvem remodelamento cardíaco por submáxima. A VOP é uma onda de pressão
aumentos pressóricos ou volumétricos no co- gerada com a ejeção ventricular que percorre do
ração. O remodelamento cardíaco é uma alte- coração em sentido às artérias. Quanto menor a
ração de formação e quantidades dos miócitos, complacência e maior o enrijecimento da
podendo levar a uma hipertrofia concêntrica, artéria, maior será a VOP. Um aumento da VOP
resultante de aumento de pressão, ou uma pode ocasionar um estresse maior do coração e
hipertrofia excêntrica, devido ao aumento de aumento da hipertrofia. Neste grupo de paci-
volume (ISSA et al., 2007). entes com SM, o aneurisma era mínimo ou não
Medeiros et al. (2012) relatam o caso de existente em alguns casos.
uma paciente que apresenta um remodelamento Peres et al. (2016) comparam a frequência
cardíaco resultante de uma hipertrofia excên- cardíaca de recuperação do primeiro minuto
trica, que faz uso de medicamentos betablo- (FCR1) após a realização de um teste
queadores e inibidores de ECA, estes que, pela submáximo entre um grupo de pacientes com
literatura, têm seu efeito comprovado no anti- síndrome de Marfan e um grupo-controle com
remodelamento cardíaco. No entanto, nos últi- indivíduos normais. Estudos demonstram que
mos dois anos pré-iniciação, o paciente apre- uma FCR1 ≤ 12 bpm é um forte preditor de
senta um aumento da geometria cardíaca e mortalidade e morbidade por disfunção dos
espessura de suas paredes. Nos primeiros dois tônus vagais cardíacos. Após correlação entre

58
os dois grupos não foram apontadas diferenças diretrizes de reabilitação cardiovascular
significativas entre as FCR1. contraindicam a prática de exercícios físicos
para estes pacientes. Os benefícios que a prática
CONCLUSÃO da atividade física traz para os demais grupos
Os pacientes que participaram dos estudos populacionais podem ser melhor discutidos
não apresentaram piora do quadro clínico ou com os profissionais de saúde envolvidos,
alterações cardiovasculares inesperadas. As favorecendo uma ampla inclusão deste paciente
nas atividades físicas fisioterapêuticas.

59
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBUQUERQUE, L.C. et al. Diretrizes para a cirurgia das doenças da aorta. Arquivo Brasileiro de Cardiologia, v. 82,
2004. doi: 10.1590/S0066-782X2004001100003.
DE PAEPE, A. et al. Revised diagnostic criteria for the Marfan syndrome. American Journal of Medical Genetics, v. 62,
p. 417, 1996. doi: 10.1002/(SICI)1096-8628(19960424)62:4<417::AID-AJMG15>3.0.CO;2-R.
DIETZ. H,C. Marfan Syndrome GeneReview. Seattle: University of Washington, 1993-2016.
HERDY, A.H. et al. Diretriz Sul-Americana de Prevenção e Reabilitação Cardiovascular. Arquivos Brasileiros de
Cardiologia, v. 103, 2014. doi: 10.5935/abc.2014S003.
ISSA, V.S. et al. Effects of bisoprolol on cardiac function and exercise in patients with heart failure. Arquivos Brasileiros
de Cardiologia, v. 88, p. 340, 2007. doi: 10.1590/S0066-782X2007000300014.
LOEYS, B.L. & DIETZ, H.C. Loeys-Dietz Syndrome GeneReviews. Seattle: University of Washington, 1993-2016.
MAGALHÃES, C.C. et al. Tratado de cardiologia SOCESP. 3. ed. Barueri: Manole, 2015.
MARON, B.J. et al. Working Groups of the American Heart Association Committee on Exercise, Cardiac Rehabilitation,
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physical activity and recreational sports participation for young patients with genetic cardiovascular diseases. Circulation,
v. 109, p. 2807, 2004. doi: 10.1161/01.CIR.0000128363.85581.E1.
MEDEIROS, W.M. et al. Effect of a physical exercise program in a patient with Marfan syndrome and ventricular
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MORAES, R.S. et al. Diretriz de Reabilitação Cardíaca. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 84, 2005.
PERES, P. et al. Immediate effects of submaximal effort on pulse wave velocity in patients with Marfan syndrome.
Brazilian Journal of Medical and Biological Research, v. 43, p. 397, 2010. doi: 10.1590/S0100-879X2010007500021.
PERES, P. et al. Abnormal heart rate recovery and deficient chronotropic response after submaximal exercise in young
Marfan syndrome patients. Cardiology in the Young, v. 26, 2016. doi: 10.1017/S1047951115002322.

60
CAPÍTULO 9

FEBRE REUMÁTICA: UM ALERTA


SILENCIOSO PARA AS
COMPLICAÇÕES
CARDIOVASCULARES
JOANNE CONCEIÇÃO MARTINS ARAGÃO COSTA DIAS¹
AMANDA SASSE²
GEOVANA MANOELA BRAGA CRUCIOL³
THIAGO GABAN TRIGUEIRO⁴
BÁRBARA MARIA ROCHA PONTE⁵
HELOÍSA MACEDO DE ARAÚJO MATIAS DA COSTA⁴
GISELLA RAMOS MESQUITA⁵
NATÁLIA NUNES DA CUNHA⁶
EUGÊNIO FROTA DE ALMEIDA NETO⁷
GABRIELA SACRAMENTO TENÓRIO COSTA¹
THIAGO MORAIS DA COSTA¹
MARIANA MEDEIROS DE SOUSA⁸
LUIZ PEDRO BOSCHETTI⁸
ANA CLARA OLIVEIRA LIMA¹
NATHÁLIA LINS SAMPAIO ARAÚJO¹
MARIA EDUARDA FONSECA DE MELO¹
FELIPE MOURA SANTOS¹

1. Discente – Medicina na Universidade Tiradentes.


2. Discente – Medicina na Faculdade São Leopoldo Mandic.
3. Discente – Medicina no Centro Universitário do Pará.
4. Discente – Medicina na Universidade Potiguar.
5. Discente – Medicina no Centro Universitário INTA.
6. Discente – Medicina na Universidade Católica de Pelotas.
7. Discente – Medicina na Universidade do Estado do Pará.
8. Discente – Medicina na Universidade Federal Rural do Semi-Árido.

Palavras-chave:
Febre reumática; Cardiopatia; Estreptococos.

61
10.59290/978-65-6029-060-0.9
INTRODUÇÃO escala global. Por isso, o objetivo deste estudo
A febre reumática (FR) representa uma é contemplar a fisiopatologia da febre
doença tropical negligenciada, apesar de seu reumática e suas consequências no aparelho
impacto substancial em termos de pacientes cardiovascular.
afetados e seu potencial para desencadear
complicações graves, incluindo a doença MÉTODO
cardíaca reumática (DCR). Esta enfermidade, Trata-se de uma revisão integrativa reali-
cuja etiologia está associada ao estreptococo do zada no período de agosto a setembro, por meio
grupo A, apresenta um desafio diagnóstico de pesquisas nas bases de dados PubMed,
significativo, devido à diversidade de mani- SciELO, Google Scholar e Medline. Foram
festações clínicas e ausência de exames labora- utilizados os descritores: Febre Reumática,
toriais específicos ou patognomônicos para a Cardiopatia, Valvopatia e Streptococcus. Desta
condição. O impacto cardiovascular é carac- busca, foram encontrados 298 artigos,
terizado por sua natureza pancardíaca, posteriormente submetidos aos critérios de
influenciando todas as camadas do coração, a seleção. Além disso, utilizou-se o DATASUS
saber, miocárdio, pericárdio e endocárdio. para compor o estudo epidemiológico da
Neste contexto, uma das consequências de revisão.
maior relevância identificadas é a valvopatia Os critérios de inclusão foram: artigos nos
mitral. idiomas inglês, português e espanhol, publi-
Um levantamento no Instituto do Coração cados no período de 2018 a 2023, que
do Hospital das Clínicas da Faculdade de abordavam as temáticas propostas para esta
Medicina da Universidade de São Paulo (InCor- pesquisa, estudos do tipo revisão, meta-análise,
HCFMUSP), com dados da fila cirúrgica de coorte, epidemiológico, disponibilizados na
2018 com 950 pacientes, mostra que 44% dos íntegra.
pacientes possuem valvopatia de etiologia Os critérios de exclusão foram: artigos
reumática. Dos pacientes reumáticos, 42% têm duplicados, disponibilizados na forma de
cirurgia cardíaca prévia, porcentagem bem resumo, que não abordavam diretamente a
maior que valvopatas de etiologia não proposta estudada e que não atendiam aos
reumática (26%). A doença reumática, desta demais critérios de inclusão. Estudos que
forma, acarreta um dos maiores custos para o estavam fora do período proposto, porém, que
Sistema Único de Saúde e para a comunidade apresentavam forte impacto científico foram
em geral, pois acomete indivíduos muito jovens selecionados.
e frequentemente determina múltiplas Após os critérios de seleção restaram sete
internações hospitalares e cirurgias (JATENE artigos que foram submetidos à leitura
et al., 2022). minuciosa para a coleta de dados. Os resultados
Portanto, a FR, apesar de sua negligência, foram apresentados de forma descritiva,
continua sendo um desafio clínico e de saúde divididos em categorias temáticas abordando
pública. O estudo dessa patologia é essencial, fisiopatologia da febre reumática, cardiopatia
não apenas para aprimorar o diagnóstico e reumática crônica e profilaxia da febre
tratamento precoces, mas também para reduzir reumática.
o impacto devastador da DCR, contribuindo
para a promoção da saúde cardiovascular em
62
RESULTADOS E DISCUSSÃO internações por febre reumática aguda entre
Febre reumática 1.617 crianças e adolescentes entre 5-14 anos,
A febre reumática é uma doença infla- sendo a região Nordeste responsável por 42,7%
matória multissistêmica aguda imunomediada dos casos. Também é importante ressaltar a
que costuma ocorrer de 10 dias a 6 semanas presença da FR em 1.341 internações de adultos
após faringite por estreptococos do grupo A em entre os 50-59 anos e 1.348 internações de
um hospedeiro suscetível e com determinados idosos entre os 60-69 anos (Tabela 9.1), seja
fatores ambientais. Ocorre com mais frequência por conta das complicações nos sistemas
em crianças entre 5 e 15 anos, mas pode ocorrer secundários ou por conta da subnotificação em
na meia-idade (KUMAR et al., 2013). idades mais jovens (DATASUS, 2023).
Os dados epidemiológicos apontam, entre
janeiro de 2018 e julho de 2023, os casos de

Tabela 9.1 Internações por febre reumática


Região 5 a 9 anos 10 a 14 anos 50 a 59 anos 60 a 69 anos
Norte 129 139 92 86
Nordeste 313 437 362 315
Sudeste 187 215 590 627
Sul 39 42 165 203
Centro-Oeste 6 51 132 117

Fonte: DATASUS, 2023.

Como dito anteriormente, os antígenos fismos do fator de necrose tumoral desem-


estreptocócicos, como a proteína M e o penham um papel na suscetibilidade genética ao
antígeno de carboidrato (N-acetil-beta-D- desenvolvimento da infecção. Um estudo
glucosamina) produzem anticorpos que reagem realizado em oito países da Oceania sugeriu que
de forma cruzada com proteínas cardíacas um alelo na cadeia pesada de imunoglobulinas
humanas, como a miosina e laminina, e está associado à suscetibilidade à doença
resultam em lesão mediada humoral. Fatores (CHOWDHURY et al., 2023).
genéticos, como alelos HLA classe II (DR, O diagnóstico da FR é feito pelos critérios
DQ), alo antígeno específico de células B de Jones de 2015, sendo preciso cumprir 2
(D8/17), polimorfismos genéticos (TNF-α, critérios maiores ou 1 maior e 2 menores para
interleucinas, TGF B1 etc.) foram propostos diagnosticar uma infecção primária e 2 critérios
para contribuir para esta suscetibilidade do maiores ou 1 critério maior e 2 menores ou 3
hospedeiro (ARVIND & RAMAKRISHNAN, critérios menores (Quadro 9.1). Culturas farín-
2020). geas para estreptococos podem ser negativas
A suscetibilidade do hospedeiro à infecção quando a doença começa. Anticorpos para uma
é, provavelmente, poligênica. Gêmeos mono- ou mais enzimas estreptocócicas, tais como
zigóticos demonstram um risco de concor- estreptolisina O e DNAse B, podem ser detec-
dância superior a 40% à febre. Alelos de tados no soro da maioria dos pacientes com FR
antígenos leucocitários humanos e polimor- (ARVIND & RAMAKRISHNAN, 2020).

63
Quadro 9.1 Critérios de Jones

Legenda: IRA: febre reumática aguda; CRP: proteína C reativa; VHS: velocidade de hemossedimentação; GAS:
Streptococcus do grupo A. Fonte: ARVIND & RAMAKRISHNAN, 2020.

As principais manifestações clínicas são nodulares redondas, firmes e insensíveis,


poliartrite migratória das grandes articulações, ocorrendo principalmente em proeminências
pancardite (miocardite, pericardite ou ósseas como cotovelos, punhos, joelhos,
endocardite), nódulos subcutâneos, eritema tornozelos e processos espinhosos (Figura 9.1).
marginatum e coreia de Sydenham, um O eritema marginatum é uma erupção macu-
distúrbio neurológico com movimentos lopapular rosa brilhante, indolor, com bordas
involuntários rápidos (KUMAR et al., 2013). serpiginosas e clareamento central (Figura
A poliartrite migratória é apontada em 40- 9.2). A coreia de Sydenham é caracterizada por
70% dos episódios de FR e é descrita como a movimentos involuntários e sem propósito e
presença de edema e dor em duas grandes labilidade emocional, podendo ser uma mani-
articulações subsequentes, como joelhos, festação tardia ou até 6 meses após uma farin-
tornozelos, cotovelos e punhos. Porém, esse gite por estreptococos e, de forma rara, pode ser
achado está se tornando menos comum e a a única manifestação da febre reumática aguda
monoartrite e as artralgias são mais frequentes. (ARVIND & RAMAKRISHNAN, 2020;
A pancardite é uma manifestação precoce AUWAERTER, 2022; POONIA et al., 2019).
responsável pela maioria dos casos de estenose
mitral. Os nódulos cutâneos são lesões

64
Figura 9.1 Nódulos cutâneos

Legenda: Sinal clínico de febre reumática. Fonte: POONIA et al., 2019.

Figura 9.2 Eritema marginatum

Legenda: Sinal clínico de febre reumática. Fonte: AUWAERTER, 2022.

O manejo da febre reumática aguda para alívio dos sintomas. Durante um período
concentra-se no tratamento da faringite pelos de 4 a 6 semanas, recomenda-se repouso na
estreptococos, tratamento das suas manifes- cama e limitação da atividade física em casos
tações, prevenção de recorrências e educação de cardite. A febre pode ser controlada com o
do paciente e família. Inicia-se com a adoção de uso de paracetamol ou aspirina; no entanto, em
medidas para eliminar o Streptococcus do situações de incerteza, a aspirina geralmente é
Grupo A da corrente sanguínea, indepen- evitada, pois pode obscurecer certos aspectos
dentemente da presença de sintomas de dor de clínicos e dificultar o diagnóstico preciso da
garganta. A penicilina é o antibiótico de escolha IRA (ARVIND & RAMAKRISHNAN, 2020).
para esse propósito, visto que a maioria das A terapia anti-inflamatória é introduzida na
cepas são sensíveis a essa substância (ARVIND forma de anti-inflamatórios não esteroides
& RAMAKRISHNAN, 2020). (AINEs) ou esteroides. A prednisona é o
A abordagem principal no tratamento da FR esteroide preferido em pacientes com cardite,
concentra-se em fornecer cuidados de suporte sendo administrada na dose de 2 mg/kg/dia. O

65
curso da terapia geralmente se estende por 4 ocasionando a chamada pancardite (KUMAR et
semanas, mas pode ser prolongado até 12 al., 2013).
semanas em casos de cardite grave. A aspirina Na CPR crônica também podem conter
é o AINE de escolha e é prescrita na dose de necrose fibrinoide nas cúspides ou cordas
180–100 mg/kg/dia, dividida em três a quatro tendíneas derivada da inflamação do
doses (ARVIND & RAMAKRISHNAN, endocárdio e vegetações de 1 a 2 mm acima das
2020). linhas de fechamento (Figura 9.3A). A valva
mitral é a principal envolvida e é afetada de
Cardiopatia reumática crônica modo isolado em cerca de dois terços dos casos
Posteriormente, como a principal sequela da e em outros 25% é afetada com a valva aórtica
progressão da infecção, pode surgir uma (Figura 9.3E), alterações na tricúspide e na
cardiopatia reumática crônica (CPR) carac- pulmonar são raras. As alterações cardinais da
terizada por uma valvopatia fibrótica defor- mitral na CPR crônica são espessamento de
mante, envolvendo principalmente a válvula folheto, fusão e encurtamento comissural e
mitral e sendo praticamente a única causa de espessamento e fusão das cordas tendíneas
estenose mitral (KUMAR et al., 2013). (Figura 9.3D) (KUMAR et al., 2013).
Do ponto de vista imunológico, após cerca Na estenose mitral reumática, ocorre a
de 2 ou 3 semanas da infecção reumática aguda calcificação e a formação de fibras que
pelo Streptococcus, a resposta imune adaptativa atravessam as comissuras valvares, resultando
é gerada através do recrutamento de anticorpos na criação de estreitamentos em forma de “boca
e células TCD4+ que irão se dirigir contra as de peixe” (Figura 9.3C). Quando a estenose é
proteínas M estreptocócicas. No entanto, por significante, o átrio esquerdo começa a dilatar
mais que seja uma resposta relativamente progressivamente, podendo acumular trombos
específica, pode haver reações cruzadas das nas paredes, os quais têm potencial para causar
células de defesa com os autoantígenos cardía- embolias. A presença de congestão crônica nos
cos e causar uma autoimunidade cardíaca. Após pulmões pode desencadear modificações
a resolução da inflamação aguda, lesões vasculares e parenquimatosas ao longo do
fibróticas crônicas são as consequências tempo, eventualmente levando à hipertrofia do
previsíveis da cicatrização resolutiva (KUMAR ventrículo direito. É importante destacar que a
et al., 2013). estenose mitral pura isolada praticamente não
As características do acometimento afeta o ventrículo esquerdo (KUMAR et al.,
cardiovascular durante a febre reumática aguda 2013).
e da cardiopatia reumática crônica consistem Do ponto de vista microscópico, as válvulas
em lesões inflamatórias focais encontradas em exibem sinais de inflamação aguda em processo
vários tecidos e, no coração, são caracterizadas de organização, acompanhada de neovascu-
por focos de linfócitos T e plasmócitos larização pós-inflamatória e fibrose que atra-
chamados de nódulos de Aschoff (Figura vessa todas as camadas dos folhetos, resultando
9.3B), como também de grandes macrófagos na desorganização da sua estrutura. Notavel-
ativados chamados de células de Anitschkow, mente, nódulos de Aschoff são raramente
ambos os achados podem ser encontrados em identificados em amostras cirúrgicas ou em
quaisquer das três camadas do coração, tecidos de necropsia de pacientes com cardio-
patia reumática crônica, devido aos longos
66
intervalos que se passam entre o evento inicial esquerdo está aumentado, ascite, edema e
e o desenvolvimento da deformidade crônica hepatomegalia (se houver desenvolvimento de
(KUMAR et al., 2013). insuficiência cardíaca direita).
O tratamento da estenose mitral envolve
Figura 9.3 Acometimentos cardiovasculares pela FR terapia médica, valvoplastia mitral percutânea e
terapia cirúrgica. Atualmente, nenhuma terapia
médica pode aliviar uma obstrução fixa da
válvula mitral. A terapia médica tem como
objetivo prevenir a endocardite, diminuir novos
casos de febre reumática, melhorar os sintomas
e diminuir o risco tromboembólico. A
profilaxia da febre reumática com penicilina
benzatina é o tratamento de prevenção primária
em pacientes com faringite estreptocócica.
Legenda: Cardiopatia reumática aguda e crônica. A:
Valvulite mitral reumática aguda sobreposta à
cardiopatia reumática crônica. B: Fotomicrografia de um Profilaxia primária da febre reumática
nódulo de Aschoff em um paciente com cardite reumática A prevenção eficaz da FR é fundamental
aguda. C e D: Estenose mitral com espessamento fibroso
difuso e distorção dos folhetos valvares e fusão para evitar surtos da doença. Isso pode ser
comissural (setas, C) e espessamento das cordas alcançado por meio da profilaxia primária, que
tendíneas (D). E: Amostra de estenose aórtica reumática
ressecada cirurgicamente demonstrando espessamento e consiste em identificar e tratar adequadamente
distorção das cúspides com fusão comissural. Fonte: as infecções por estreptococos beta-hemolíticos
KUMAR et al., 2013.
do grupo A na orofaringe, impedindo que
indivíduos suscetíveis desenvolvam a FR. Essa
As manifestações clínicas da CPR aparecem
abordagem é crucial, uma vez que infecções
anos ou mesmo décadas após o episódio inicial
estreptocócicas não diagnosticadas e maltra-
de FR e dependem de quais valvas estão
tadas podem desencadear surtos de FR em
envolvidas. A CPR pode apresentar sopros car-
pessoas suscetíveis.
díacos, hipertrofia e dilatação cardíaca e
A relação entre fatores socioeconômicos e a
insuficiência cardíaca, arritmias (particular-
ocorrência de infecções estreptocócicas que
mente, fibrilação atrial no contexto de estenose
levam à FR é evidente. A FR é tradicionalmente
mitral), complicações tromboembólicas e
vista como uma doença associada a condições
endocardite infecciosa. O reparo cirúrgico ou a
precárias de vida, como aglomerações e acesso
substituição das valvas doentes melhorou muito
limitado a cuidados de saúde adequados. Por-
as perspectivas para pessoas com CPR com um
tanto, melhorar essas condições é essencial para
prognóstico a longo prazo altamente variável
prevenir a FR, especialmente em populações de
(KUMAR et al., 2013).
baixa renda, que estão mais expostas à disse-
A estenose mitral apresenta-se de 20 a 40
minação dos estreptococos devido a aglome-
anos após um episódio de FR com sintomas
rações, higiene precária e falta de acesso ade-
comuns como ortopneia e dispneia paroxística
quado ao sistema de saúde.
noturna. Além disso, os pacientes podem
A infraestrutura adequada e um sistema
apresentar palpitações, dor torácica, hemoptise,
eficaz de tratamento de infecções estrepto-
tromboembolismo quando o volume atrial
cócicas desempenham um papel crucial na
67
redução da incidência da FR. A Europa e a farmacêuticas. A solução pode envolver a
América do Norte experimentaram uma participação de laboratórios estatais para
diminuição da FR devido ao avanço na garantir o fornecimento contínuo. Embora haja
infraestrutura e à capacidade de identificar e alternativas, como macrolídeos e cefalospori-
tratar precocemente portadores de amigdalites nas, esses medicamentos são mais caros e têm
estreptocócicas. uso limitado na amigdalite estreptocócica,
A profilaxia primária se concentra no quando há opções eficazes e econômicas
diagnóstico precoce de portadores de infecções disponíveis. Para pacientes alérgicos à
por estreptococos da orofaringe e no tratamento penicilina, a eritromicina é uma opção, mas
com antibióticos bactericidas. É essencial deve ser administrada por um período de 10
iniciar o tratamento o mais rápido possível, dias. As sulfas não são adequadas para o
preferencialmente nos primeiros dias dos tratamento da amigdalite estreptocócica.
sintomas, para evitar que o microrganismo É importante ressaltar que o diagnóstico da
persista no organismo e desencadeie reações FR requer sintomas clínicos típicos que se
imunológicas que podem levar ao desenvolvi- desenvolvem após a amigdalite e não durante a
mento da FR em pessoas suscetíveis. doença. O uso de títulos elevados de ASLO
Os sintomas da amigdalite estreptocócica apenas indica uma infecção estreptocócica
incluem dor de garganta intensa, febre elevada, anterior, não um diagnóstico de FR (JATENE
aumento dos gânglios linfáticos e pequenas et al., 2022).
manchas vermelhas no palato e úvula. Geral-
mente, não há corrimento nasal nem tosse, o Profilaxia secundária da febre reumática
que a diferencia de outras infecções das vias A profilaxia secundária desempenha um
aéreas superiores, geralmente causadas por papel fundamental na prevenção de recorrên-
vírus. Embora existam testes laboratoriais dis- cias da FR em pacientes que já receberam o
poníveis para diagnosticar a infecção por diagnóstico da doença. O diagnóstico preciso é
estreptococos, como culturas da orofaringe e essencial, e as melhores ferramentas para
testes rápidos, a administração precoce de an- alcançá-lo são uma história clínica detalhada e
tibióticos é preferível em ambientes com alta um exame físico minucioso. Isto é crucial para
prevalência de estreptococos ou surtos garantir que pacientes sem FR não recebam
epidêmicos. profilaxia desnecessária apenas com base em
A penicilina G benzatina é o antibiótico de altos títulos de antiestreptolisina e para garantir
escolha para a profilaxia primária da FR. É que pacientes com valvopatias graves recebam
administrada em dose única intramuscular, com a profilaxia adequada, o que pode melhorar seu
a quantidade variando de acordo com o peso do prognóstico a longo prazo.
paciente. A amoxicilina é a opção oral pre- A droga de escolha para a profilaxia
ferencial. O tratamento antibiótico deve ser secundária da FR é a penicilina G benzatina. As
mantido por pelo menos 10 dias para prevenir a doses variam de acordo com o peso do paciente,
FR, e as penicilinas são amplamente utilizadas sendo 600.000 UI para crianças com até 27 kg
devido à ausência de resistência. e 1.200.000 UI para pacientes acima desse peso.
A escassez de penicilina G benzatina é um A frequência das doses de penicilina tem sido
desafio global, pois é um antibiótico eficaz, mas objeto de debate e pesquisa. De acordo com as
com baixo retorno financeiro para as indústrias diretrizes da American Heart Association, a
68
administração mensal seria adequada, com significativamente para o ônus econômico dos
aplicações a cada três semanas recomendadas sistemas de saúde.
em áreas com alta incidência de FR ou A prevenção desempenha um papel crucial
amigdalites estreptocócicas. No entanto, estu- no combate à doença. A profilaxia primária,
dos em diferentes regiões demonstraram que o que se concentra no diagnóstico precoce e no
regime de uma aplicação a cada quatro semanas tratamento eficaz das infecções estreptocócicas,
é inadequado, especialmente em locais com alta é fundamental para evitar o desenvolvimento da
prevalência da doença. doença em indivíduos suscetíveis. Além disso,
Portanto, a profilaxia secundária deve ser a profilaxia secundária desempenha um papel
realizada com aplicações de penicilina G vital na prevenção de recorrências em pacientes
benzatina a intervalos de no máximo três já diagnosticados, com a administração ade-
semanas. Considerando que o maior risco de quada de antibióticos.
recorrência da FR ocorre nos dois primeiros É importante ressaltar que a educação em
anos após o surto inicial, a penicilina deve ser saúde, bem como o acesso a cuidados de saúde
administrada a cada 15 dias durante esse de qualidade, desempenha um papel crucial na
período e, posteriormente, em intervalos de 21 redução da incidência da doença. Além disso, a
dias. A preferência pelo regime de 15 em 15 pesquisa contínua sobre a patologia e suas
dias nos dois primeiros anos se baseia na alta complicações cardiovasculares é essencial para
probabilidade de recorrência nesse período. melhorar o diagnóstico precoce e o tratamento
Com aplicações quinzenais, a reincidência é eficaz.
praticamente nula (JATENE et al., 2022). Em última análise, a abordagem holística da
FR, que inclui prevenção, diagnóstico preciso e
CONCLUSÃO tratamento adequado, é fundamental para
Em conclusão, a FR é uma doença que, reduzir o impacto devastador dessa doença no
embora negligenciada, continua a representar sistema de saúde e promover a saúde cardio-
um desafio clínico e de saúde pública em muitas vascular em escala global. É imperativo que a
partes do mundo. Suas complicações cardiovas- comunidade médica, os formuladores de
culares, especialmente a cardiopatia reumática políticas de saúde e a sociedade como um todo
crônica, têm um impacto substancial na qua- estejam cientes desse desafio e trabalhem em
lidade de vida dos pacientes e contribuem conjunto para combatê-lo de forma eficaz.

69
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARVIND, B. & RAMAKRISHNAN, S. Rheumatic fever and rheumatic heart disease in children. Indian Journal of
Pediatrics, v. 87, p. 305, 2020. doi: 10.1007/s12098-019-03128-7.
AUWAERTER, P. Acute rheumatic fever. Johns Hopkins Medicine, 2022. Disponível em:
https://www.hopkinsguides.com/hopkins/view/Johns_Hopkins_ABX_Guide/540006/all/Acute_Rheumatic_Fever.
Acesso em: 22 out. 2023.
CHOWDHURY, S. et al. Acute rheumatic fever. StatPearls Publishing, 2023.
JATENE, I.B. et al. Profilaxia da febre reumática. In: JATENE, I.B. et al. Tratado de cardiologia SOCESP. 5. ed. São
Paulo: Manole, 2022.
KUMAR, V. et al. Febre reumática e cardiopatia reumática. In: KUMAR, V. et al. Robbins & Cotran Patologia: bases
patológicas das doenças. 10. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013.
POONIA, A. et al. Subcutaneous nodules in acute rheumatic fever. The Journal of Pediatrics, v. 213, p. 242, 2019. doi:
10.1016/j.jpeds.2019.04.049.

70
CAPÍTULO 10

CARDIOLOGIA PEDIÁTRICA

BRUNO ROCHA DE LIMA¹


DANIELA DE MELO SOUSA2
THIFFANY ESTEVES IGLESIAS3
ZILTER BORGES MEIRELES4

1. Médico – Universidad Nacional de Rosario, revalidado pela Universidade Federal de Uberlândia.


2. Médica – ITAPAC – Araguaína.
3. Médica – UNICID.
4. Médico – Centro Universitário do Espírito Santo – Campus Colatina.

Palavras-chave:
Doenças; Crianças; Problemas no coração.

71
10.59290/978-65-6029-060-0.10
INTRODUÇÃO bem como a magnitude de conhecimentos
Cardiologia pediátrica refere-se a área da necessários para a boa prática desta área. Hoje
Medicina que trata crianças e adolescentes que são necessários conhecimentos de pediatria,
apresentam problemas no coração e nos grandes neonatologia, terapia intensiva neonatal e
vasos do sistema circulatório (veias e artérias). pediátrica, cardiopatias congênitas, cardiologia
São dois grandes grupos de doenças: as fetal, cardiopatias congênitas no adulto, car-
congênitas (a criança já nasce com elas) e as diologia preventiva, cardiopatias adquiridas
adquiridas nos primeiros anos de vida. (valvopatias, miocardiopatias) e assim por
A cardiologia pediátrica atualmente é uma diante.
área de atuação bastante abrangente e tornou-se Embora no Brasil tenham ocorrido
muito complexa em decorrência da melhoria implementações nas políticas públicas de saúde
dos resultados obtidos com o tratamento das materno-infantil e avanços tecnológicos no
cardiopatias congênitas em todo o mundo. diagnóstico e tratamento de doenças cardíacas
O coração é um dos principais órgãos do em crianças, ainda há uma taxa bem elevada de
corpo humano, responsável por bombear o casos neste público.
sangue e fornecer oxigênio às células. Por isso, O objetivo deste estudo foi descrever como
manter a saúde em dia é imprescindível para o a cardiologia pediátrica atua no tratamento de
bom funcionamento do músculo cardíaco, doenças cardíacas que acometem crianças e
inclusive em crianças. adolescentes.
Assim, as principais enfermidades cardioló-
gicas pediátricas são as relacionadas ao MÉTODO
hiperfluxo pulmonar, como a comunicação Trata-se de uma revisão sistemática rea-
interatrial (CIA) ou interventricular (CIV) e o lizada por meio de pesquisas nas bases de dados
defeito do septo atrioventricular total (DSAVT) PubMed e Medline. Foram utilizados os des-
parcial ou total, e as associadas ao hipofluxo critores: Doenças, Crianças, Problemas no
pulmonar, como tetralogia de Fallot, estenose coração. Desta busca, foram encontrados 18
pulmonar e transposição de grandes vasos. Há artigos, posteriormente submetidos aos critérios
também tipos mais complexos, como os casos de seleção.
em que as crianças possuem apenas um Os critérios de inclusão foram: artigos nos
ventrículo em funcionamento. idiomas inglês e português, publicados no
A cardiologia pediátrica atua desde o pré- período de 2018 a 2023, que abordavam as
natal (diagnóstico fetal das cardiopatias), passa temáticas propostas para esta pesquisa, estudos
pelo período neonatal onde a maior parte das do tipo revisão, meta-análise e disponibilizados
cardiopatias críticas se manifesta, abrange os na íntegra. Os critérios de exclusão foram:
lactentes e pré-escolar, onde ocorrem os artigos duplicados, disponibilizados na forma
principais impactos sobre o crescimento e de resumo, que não abordavam diretamente a
desenvolvimento da criança, e alcançam proposta estudada e que não atendiam aos
adolescentes e adultos, visto que boa parte dos demais critérios de inclusão.
pacientes com cardiopatias congênitas chegam Após os critérios de seleção, restaram 12
a vida adulta. artigos que foram submetidos à leitura
As áreas de atuação dentro da cardiologia minuciosa para a coleta de dados.
pediátrica se avolumaram nos últimos anos,
72
RESULTADOS E DISCUSSÃO dos recém-nascidos, infelizmente, não
Há, na literatura, poucos estudos rela- completam cinco anos de idade (ENRIFER,
cionados à cardiologia pediátrica, que é a parte 2020).
da medicina responsável por cuidar de todo o Para contribuir com a reversão deste quadro,
sistema cardiovascular de crianças e uma série de avanços na área de cardiologia
adolescentes. Por meio de exames e cuidados pediátrica e fetal tem permitido o tratamento
periódicos, é possível diagnosticar doenças que bem sucedido de diferentes malformações que,
afetam essa faixa etária (DIMAS, 2019). há poucas décadas, limitavam a expectativa de
O coração é um dos órgãos mais vida de centenas de recém-nascidos. O desen-
importantes, não é à toa que é o primeiro a ser volvimento de técnicas cirúrgicas inovadoras e
formado. Durante sua formação, diversas diagnóstico precoce, aliado à aplicação de
alterações podem ocorrer. Monitorar esse conceitos diferenciados no atendimento a
desenvolvimento de maneira adequada durante gestantes, tem contribuído de maneira decisiva
a gestação é essencial para evitar futuras para a sobrevivência dos bebês cardiopatas que
complicações, por isso alguns exames são temos atendido ao longo dos anos (PEZZOLO,
solicitados no pré-natal (WOODHEAD, 2020). 2022).
Segundo Hudson (2022), anualmente Assim, é importante ressaltar que a
nascem 29 mil bebês com problemas formação cardíaca infantil é totalmente
congênitos no coração, sendo que 0,6% deles diferente da formação dos adultos, começando
infelizmente não completam o primeiro ano de desde os aspectos relacionados ao ritmo de
vida devido a esses problemas. Dessa forma, o batimentos, indo até outras características,
cardiologista pediátrico torna-se fundamental como peso e tamanho do músculo do coração.
no auxílio das famílias. Esses dados apontam a É exatamente nesse momento em que o
importância de consultas regulares com um profissional especializado faz toda a diferença.
cardiologista infantil para prevenir, diagnos- Esse médico é preparado para analisar e avaliar
ticar e, caso necessário, iniciar um tratamento qualquer problema encontrado e traçar as
antes de haver a complicação da patologia. melhores formas de lidar com eles (TIMÓTEO,
No Brasil, o número de cardiologistas 2023).
pediátricos ainda é pouco representativo. O acompanhamento médico no pré-natal é
Segundo o Ministério da Saúde, no Brasil são importante para o diagnóstico caso existam
registradas, anualmente, quase 30 mil crianças fatores que levantem a suspeita clínica de
com doenças cardíacas adquiridas logo ao problemas cardíaco-fetais. O ultrassom morfo-
nascer. Desse modo, as chamadas “cardiopatias lógico também pode apontar indícios de
congênitas” representam 6% da mortalidade cardiopatia. Há ainda o teste de coraçãozinho
infantil antes mesmo da criança alcançar os 12 feito antes da alta hospitalar, entre 24 e 48 horas
meses de vida. após o nascimento (ROSTING, 2023).
Em outro estudo, realizado pela O cardiologista pediátrico pode detectar
Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), problemas no coração de crianças entre a 18a e
números alarmantes revelam que cerca de oito 19a semana de gestação e alguns outros casos a
milhões de recém-nascidos já vêm ao mundo partir da 13a semana. Desta forma, o pro-
com alguma grave anomalia congênita. Além fissional possui a tarefa fundamental de detectar
disso, essas pesquisas ainda apontam que 37% os sintomas e sinais de provável origem
73
cardiovascular, contando para isso com outros podem possuir apenas um ruído diferente
ferramentas tecnológicas que hoje em dia na ausculta do coração, geralmente denominado
complementam a função. Com essas novas sopro no coração, o que por sua vez pode ser
possibilidades, pode-se reconhecer de maneira inocente ou funcional. Outra possibilidade é a
exata a presença de determinadas enfermidades existência de um desarranjo dos tecidos do
que dificultam as funções do coração, das coração (ABMAEL, 2023).
artérias e outros componentes do aparelho
cardiovascular de uma criança (FUNNY, 2021; Principais doenças cardíacas que afetam
BARTOLOMEU et al., 2019). crianças e adolescentes
Algumas causas de doenças cardíacas Dentre as doenças que afetam crianças estão
congênitas, além da herança e dos fatores as cardiopatias congênitas, que são anorma-
genéticos, são de natureza ambiental, tais como lidades na estrutura do aparelho cardiocircula-
radiação, infecções, drogas, diabetes, lúpus, tório secundárias a uma alteração no desen-
síndrome de Down, entre outras. As tipologias volvimento embrionário, que pode surgir nas
mais frequentes de cardiopatias congênitas primeiras oito semanas da gestação, momento
podem ser classificadas em cianóticas e em que é formado o coração do bebê, causando
acianóticas (WOODHEAD, 2020). insuficiência circulatória e respiratória, o que
Para dar uma explicação simples e com- pode comprometer a qualidade de vida do
preensível sobre o tema, teremos em conta que paciente (BORGES, 2020).
o coração é um músculo que bombeia o sangue A Organização Mundial de Saúde (OMS)
pelo corpo. Está dividido em quatro partes estima 1% de incidência de cardiopatias
denominadas câmaras cardíacas (dois átrios e congênitas, dado aceito para os países latino-
dois ventrículos). Um átrio e um ventrículo americanos. Assim, no Brasil, preveem-se cerca
estão localizados no lado direito do coração e de 28.846 novos casos de cardiopatias congê-
os outros dois no lado esquerdo. Dentro do nitas ao ano. Contudo, as notificações relacio-
coração há quatro válvulas abertas unidirecio- nadas às malformações congênitas do aparelho
nalmente que permitem ao sangue circular circulatório, no Sistema Único de Saúde (SUS)
unicamente em uma determinada direção (en- e na saúde suplementar, indicam a incidência de
trando ou saindo) (ROSTING, 2019). 0,06%, ou seja, aproximadamente 1.680 casos
O sangue vai do coração aos pulmões, onde por ano, refletindo que o número real ainda é
recebe oxigênio, necessário a todo o corpo, e desconhecido, possivelmente porque não há
adquire uma cor brilhante regressando ao diagnóstico.
coração. Este, logo bombeia o sangue através Segundo a última Pesquisa Nacional de
do corpo pelas artérias. Conforme o oxigênio é Demografia e Saúde (PNDS), aproximadamen-
usado pelos tecidos e órgãos do corpo, o sangue te 13% das mulheres que tiveram filhos nos
volta a escurecer e retorna pelas veias ao cinco anos que antecederam a pesquisa não
coração de onde o processo recomeça haviam realizado nenhuma consulta de pré-
(PITORESCO, 2021). natal. Dessas, 9% eram residentes nas regiões
As anomalias congênitas podem impedir urbanas e 32% no meio rural (BENFAN, 2019).
que este processo se desencadeie corretamente As cardiopatias constituem as malforma-
e em grau menor afetar a capacidade da criança. ções congênitas mais frequentes ao nascimento,
Alguns bebês já apresentam sintomas, enquanto estando presentes em aproximadamente 1 em
74
cada 100 recém-nascidos vivos, o que o recém-nascido precisará de algum
representa aproximadamente 29 mil novos procedimento após o nascimento.
casos por ano no Brasil. Constituem uma das Outra doença que acomete crianças é a
principais causas de morte na primeira infância, comunicação interventricular (CIV), que é um
e a terceira maior causa de mortalidade neonatal defeito na parte inferior do coração, onde se
no país. Infelizmente, uma parcela significativa forma uma abertura na parede entre os
das crianças portadoras dessas anomalias não é ventrículos, câmaras que bombeiam o sangue.
diagnosticada e/ou tratada adequadamente, com Quando a abertura é grande, o coração fica
grave risco de óbito ou sequelas graves sobrecarregado. Em casos mais graves, a
(LUZEIRO, 2020). criança pode desenvolver sopro cardíaco e o
A incidência de cardiopatias congênitas recém-nascido pode sofrer de falta de ar e
varia entre 0,8% nos países mais desenvolvidos interromper frequentemente as mamadas nos
e 1,2% nos países mais pobres, segundo dados primeiros meses de vida (WOODHEAD,
da OMS. Pode ser uma porcentagem pequena, 2020).
mas em números absolutos são cerca de 33.580 A coarctação de aorta é caracterizada por
crianças que nascem com alguma doença um estreitamento da aorta que dificulta o
cardíaca no Brasil anualmente. transporte do sangue para o organismo. O fluxo
A maioria delas pode ser detectada no de sangue diminuído pode acarretar
período de gestação por meio de exames como insuficiência cardíaca nos primeiros meses de
o ecocardiograma fetal. Em alguns casos, nos vida. O médico diagnostica a coarctação de
primeiros dias ou meses de vida a criança tem aorta avaliando alterações do pulso e diferença
de ser submetida a correção cirúrgica de pressão arterial nos membros inferiores e
(BORGES, 2020). superiores (ROSTING, 2019).
O diagnóstico da cardiopatia congênita A tetralogia de Fallot são quatro defeitos no
durante a gestação é realizado pela coração que, em conjunto, impedem a
ultrassonografia de rotina. No ultrassom básico oxigenação do sangue distribuído para o corpo:
há a recomendação da observação de algumas comunicação interventricular, desvio da aorta,
estruturas cardíacas que possuem um padrão de obstrução do ventrículo direito e hipertrofia
normalidade (PITORESCO, 2021). ventricular. A criança pode ter desmaios e
Quando este padrão de normalidade não é apresentar os lábios e pontas dos dedos roxos
encontrado, é recomendável que a gestante seja ou azulados. Exames físicos, de eletro-
encaminhada para a realização de cardiograma, cateterismo cardíaco e radiografia
ecocardiografia fetal, preferentemente com torácica identificam se é necessário realizar
ecocardiografista que possua conhecimento e intervenção cirúrgica (PITORESCO, 2021).
experiência no diagnóstico das cardiopatias Algumas destas patologias cardiovasculares
congênitas (ROSTING, 2019). são, como explicado anteriormente, as cardio-
Definida a cardiopatia, será planejado, em patias congênitas, a endocardite infecciosa, a
consulta pré-natal com cardiologista pediátrico, miocardite, a pericardite, a insuficiência
o que fazer. Este planejamento inclui a via de cardíaca, a hipertensão arterial e mais outras
nascimento, se parto normal ou cesariana, relacionadas às anteriores. Cada uma repre-
melhor idade gestacional para o nascimento e se sentará uma sintomatologia particular na

75
criança e deverá também ser tratada de maneira garantindo qualidade de vida, minimizando o
específica em cada caso (WOODHEAD, 2020). impacto da doença através de intervenções
seguras e precisas, proporcionando chegar a
CONCLUSÃO fase adulta para orientação diagnóstica e
Neste estudo, pode-se observar a terapêutica.
importância de um cardiologista pediátrico e Dessa forma, os objetivos propostos para
fornecer informações sobre as principais esta revisão foram alcançados, sendo possível
doenças que acometem crianças e adolescentes. descrever como a cardiologia pediátrica atua no
A cardiologia pediátrica baseia-se no acom- tratamento de doenças cardíacas que acometem
panhamento, diagnóstico, tratamento e crianças e adolescentes e fornecer dados sobre
prevenção de doenças cardiovasculares em o tratamento precoce de doenças cardíacas que
crianças e adolescentes. Durante a consulta, o podem ser diagnosticadas durante a gestação.
médico avalia o histórico médico do paciente, Diante do que foi exposto, conclui-se que os
seus sintomas e realiza o exame físico. estudos revisados evidenciam a importância do
Um profissional especializado faz toda a trabalho do cardiologista pediátrico, que tem
diferença no tratamento e diagnóstico, pois ele como função diagnosticar e tratar doenças
será capaz de alinhar todos estes pontos junto a relacionadas ao coração e aos grandes vasos do
família e a criança, promovendo saúde e sistema circulatório em crianças e adolescentes.

76
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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0582202032218913.

77
CAPÍTULO 11

TAMPONAMENTO CARDÍACO COMO


COMPLICAÇÃO DE DERRAME
PERICÁRDICO SECUNDÁRIO À
PERICARDITE: CONDUTAS
DIAGNÓSTICAS E TERAPÊUTICAS
MARCO ANTÔNIO MIRANDA PEREIRA FILHO¹
LUIS FELIPE CUTRIM MARTINS¹
MIRIAM LINHARES TAVARES¹
CYNTYA HALYNNE FERREIRA DA PONTES¹
BRUNA DE SOUSA LOIOLA¹
BIANCA PORTELA GARCIA¹
LÍVIA NOLETO SANTOS¹
CAMILA PONTES ALBUQUERQUE¹
LIVYA LUIZE VIEIRA NUNES PORTO¹
GUILHERME ANTONIO DOS SANTOS PEDROSO¹
PEDRO HENRIQUE FRÉRES HOLANDA¹
LEÔNIDAS ANTÔNIO DEOLINDO NETO¹
DAYENE MELLO DE MENESES¹
CLÁUDIA LORENA RIBEIRO LOPES¹
GONÇALO LAURENTINO DE BRITO NETO¹

1. Discente – Medicina – Faculdade de Ciências Humanas, Exatas e Saúde do Piauí (FAHESP – IESVAP).

Palavras-chave:
Tamponamento cardíaco; Derrame pericárdico; Pericardite.

78
10.59290/978-65-6029-060-0.11
INTRODUÇÃO cardíaco causado por derrame pericárdico
O tamponamento cardíaco, como com- secundário à pericardite, tendo como foco a
plicação do derrame pericárdico secundário à abordagem teórica das principais questões
pericardite, requer uma abordagem diagnóstica referentes a essa temática. Dessa forma, espera-
ágil e um tratamento imediato para garantir a se contribuir com a divulgação de informações
sobrevida do paciente. A combinação de referentes a esse quadro clínico, ressaltando sua
métodos diagnósticos, como a ecocardiografia, relevância para a área médica.
e intervenções terapêuticas, como a drenagem
pericárdica, desempenha um papel crucial no MÉTODO
manejo adequado dessa condição. A conduta Trata-se de uma revisão sistemática rea-
clínica deve ser baseada em diretrizes médicas lizada no período de julho a agosto de 2023, por
atualizadas e adaptada às características meio de pesquisas nas bases de dados PubMed,
individuais de cada paciente (FABRIC et al., SciELO, Scopus, Web of Science e Medline.
2023). Foram utilizados os descritores “tamponamento
Tratando-se de tamponamento cardíaco, os cardíaco”, “derrame pericárdico”, “pericar-
resultados indicaram que o derrame pericárdico dite”. Desta busca, foram encontrados 15
está associado ao mesmo como complicação. artigos, posteriormente submetidos aos critérios
Com base na revisão da literatura e análise de de seleção.
casos clínicos, foram identificadas diversas Os critérios de inclusão foram: artigos nos
condutas diagnósticas e terapêuticas eficazes idiomas espanhol e português, publicados no
para o manejo do tamponamento cardíaco período de 2015 a 2023, que abordavam as
secundário à pericardite. Os métodos diag- temáticas propostas para esta pesquisa no
nósticos incluem avaliação clínica, exames formato de estudos do tipo revisão e
laboratoriais, eletrocardiograma, ecocardiogra- disponibilizados na íntegra. Os critérios de
fia e tomografia computadorizada, sendo a exclusão foram: artigos duplicados, disponibi-
ecocardiografia o principal método para lizados na forma de resumo, que não abor-
confirmar o diagnóstico. No que diz respeito ao davam diretamente a proposta estudada e que
tratamento, a drenagem pericárdica por pericar- não atendiam aos demais critérios de inclusão.
diocentese é a intervenção inicial de escolha Após os critérios de seleção, restaram 10
para aliviar a pressão no pericárdio e restaurar a artigos que foram submetidos à leitura minu-
função cardíaca adequada. Em casos graves, a ciosa para a coleta de dados. Os resultados
cirurgia cardíaca, como a pericardiectomia, foram apresentados de forma descritiva, divi-
pode ser necessária. Ademais, o capítulo didos em categorias temáticas.
destaca a importância do monitoramento e
acompanhamento adequados aos pacientes RESULTADOS E DISCUSSÃO
após o tratamento do tamponamento cardíaco, Anatomia e fisiologia do pericárdio
visando prevenir recorrências e complicações O pericárdio, uma fina e resiliente mem-
futuras (FABRIC et al., 2023). brana dupla que envolve o coração, desem-
Nesse contexto, o objetivo deste capítulo foi penha um papel crucial na proteção e
realizar um estudo de revisão acerca das funcionamento adequado deste órgão vital.
condutas diagnósticas e terapêuticas mais Anatomicamente, o pericárdio é composto por
adequadas para lidar com o tamponamento
79
duas camadas distintas: o pericárdio fibroso, manutenção da homeostase cardíaca e cir-
externo e resistente, e o pericárdio seroso, culatória (SÁNCHEZ et al., 2021).
interno e mais delicado. Essas camadas A correta compreensão sobre a anatomia e a
trabalham em harmonia para proporcionar uma fisiologia do pericárdio é crucial para avaliar e
estrutura de suporte e lubrificação necessária manejar condições como a pericardite e o
para o movimento cardíaco (OLEGÁRIO et al., derrame pericárdico. Distúrbios nesse sistema
2021). podem afetar a função cardíaca, levando a
O pericárdio fibroso é a camada mais complicações potencialmente graves, como o
externa e resistente que circunda o coração e tamponamento cardíaco. Uma abordagem clara
está ligada aos grandes vasos sanguíneos, à da estrutura e função do pericárdio fornece a
parte superior do diafragma e à parede torácica. base para um diagnóstico preciso e um
Composto principalmente por tecido conjun- tratamento eficaz dessas condições, contribuin-
tivo denso, o pericárdio fibroso oferece pro- do para a saúde cardiovascular e o bem-estar
teção física ao coração, limitando seu geral do paciente (OLEGÁRIO et al., 2021).
movimento excessivo dentro da cavidade
torácica. Além disso, desempenha um papel Pericardite aguda e derrame pericárdico
vital na fixação do coração à parede torácica e A pericardite aguda e o derrame pericárdico
ao diafragma, ajudando a manter sua posição representam dois distúrbios cardíacos distintos,
anatômica adequada. Por sua vez, o pericárdio porém interligados, que afetam a membrana
seroso, que envolve a superfície externa do protetora que envolve o coração, o pericárdio.
coração, é composto por duas camadas: o Ambas as condições podem manifestar-se com
pericárdio parietal, que reveste internamente a sintomas semelhantes, mas suas causas subja-
camada fibrosa, e o pericárdio visceral centes e mecanismos são diferentes, tornando a
(epicárdio), que adere diretamente à superfície diferenciação crucial para um diagnóstico
do músculo cardíaco. Entre essas duas camadas, preciso e um manejo eficaz (SANTANA et al.,
há um espaço chamado de cavidade pericárdica, 2022).
que normalmente contém uma pequena A pericardite aguda é caracterizada pela
quantidade de líquido pericárdico (SÁNCHEZ inflamação do pericárdio, a membrana que
et al., 2021). envolve o coração. Essa inflamação pode
O líquido pericárdico atua como um resultar em dor torácica aguda e acentuada, que
lubrificante, permitindo que as camadas do é frequentemente agravada pela respiração
pericárdio deslizem suavemente umas sobre as profunda, tosses ou movimentos do corpo. A
outras durante os movimentos do coração. Essa dor pode irradiar para o pescoço, ombros ou
lubrificação é essencial para evitar o atrito costas. Além da dor, a pericardite aguda pode
excessivo que poderia ocorrer devido a constan- causar febre, mal-estar e um som característico
tes contrações e relaxamentos cardíacos. Além chamado de "fricção pericárdica" ao exame
de suas funções protetoras e lubrificantes, o físico, que se assemelha a um ruído de atrito ao
pericárdio também desempenha um papel na auscultar o coração. As causas da pericardite
regulação da pressão intratorácica durante o aguda podem variar, abrangendo infecções
ciclo cardíaco, ajudando a evitar variações virais, bacterianas ou fúngicas, doenças autoi-
bruscas. Ele é uma parte fundamental do munes, lesões traumáticas, pós-infarto agudo
ambiente cardiovascular, contribuindo para a do miocárdio e até mesmo algumas condições
80
malignas. Entre os fatores de risco, destacam-se pericárdio. Além disso, lesões traumáticas no
histórico de infarto, cirurgias cardíacas prévias, peito, como fraturas costais e complicações de
insuficiência renal, doenças autoimunes como o intervenções médicas, podem causar sangra-
lúpus e tratamento com radioterapia (COSTA et mento para a cavidade pericárdica, levando ao
al., 2017). tamponamento. Por fim, doenças autoimunes,
Por outro lado, o derrame pericárdico como o lúpus eritematoso sistêmico, também
envolve o acúmulo excessivo de fluido na podem gerar inflamação e formação de derra-
cavidade pericárdica, entre as camadas do mes pericárdicos (BARROSO et al., 2015).
pericárdio. Esse acúmulo de fluido pode ser
causado por uma série de fatores, como infla- Sinais e sintomas
mação, trauma, insuficiência cardíaca conges- Os sintomas de tamponamento cardíaco
tiva, infecções e tumores. Dependendo da podem variar em gravidade, mas geralmente
quantidade de fluido acumulado, o derrame incluem dispneia (falta de ar), dor torácica
pericárdico pode levar a uma compressão do opressiva, sensação de plenitude no pescoço,
coração, resultando em prejuízo à função aumento da frequência cardíaca e hipotensão
cardíaca (SANTANA et al., 2022). (pressão arterial baixa). Esses sintomas
ocorrem devido à compressão do coração e
Tamponamento cardíaco: conceitos e restrição do enchimento adequado das câmaras
mecanismos cardíacas (FABRIC et al., 2023).
O tamponamento cardíaco é uma emer-
gência médica que se caracteriza pela Diagnóstico de derrame pericárdico e
tamponamento cardíaco
compressão do coração devido ao acúmulo
anormal de fluido ou sangue na cavidade O diagnóstico de derrame pericárdico e
pericárdica. Esse acúmulo cria uma pressão tamponamento cardíaco é um desafio crítico na
externa sobre o coração, limitando sua capaci- prática clínica, exigindo uma abordagem
dade de se encher adequadamente durante a integrada e uma avaliação minuciosa dos sinais
diástole (fase de relaxamento) e, consequente- e sintomas apresentados pelo paciente. A
mente, comprometendo o bombeamento eficaz combinação de abordagem clínica, exame físico
de sangue para os órgãos e tecidos. Essa e exames complementares desempenha um
complicação cardiovascular pode ocorrer como papel fundamental na identificação dessas
resultado de diversas condições, sendo o condições potencialmente graves. O início da
derrame pericárdico uma das causas mais investigação começa com uma abordagem
comuns. Quando o líquido ou sangue se clínica cuidadosa, onde a história médica e os
acumula na cavidade pericárdica em excesso, a sintomas do paciente desempenham um papel
pressão sobre o coração aumenta progressi- central. Perguntas sobre a presença de dor
vamente. Isso pode ocorrer devido a várias torácica, falta de ar, palpitações, fatores de risco
razões, incluindo pericardite aguda, pois a cardiovascular e histórico de infecções recentes
inflamação do pericárdio pode levar ao podem fornecer pistas valiosas. O histórico do
acúmulo de exsudato inflamatório na cavidade paciente também pode revelar doenças
pericárdica, mecanismo que pode ocorrer de preexistentes, como insuficiência cardíaca,
forma secundária a doenças infecciosas do infarto do miocárdio ou condições autoimunes,
que podem aumentar o risco de desenvolver
81
derrame pericárdico ou tamponamento cardíaco Abordagem terapêutica: estabilização e
(NAVARRO-ULLOA et al., 2017). intervenção
Além disso, o exame físico desempenha um O tamponamento cardíaco, uma emergência
papel crucial na identificação de possíveis médica grave, requer uma abordagem terapêuti-
sinais indicativos de derrame pericárdico ou ca rápida e eficaz para aliviar a pressão sobre o
tamponamento cardíaco. Achados como taqui- coração e restaurar a função cardiovascular
cardia, hipotensão, ingurgitamento jugular, adequada. A estabilização do paciente é priori-
aumento dos sons cardíacos, pulsos paradoxais tária, seguida pela realização de procedimentos
e redução dos murmúrios pulmonares podem invasivos que visam reverter a compressão
sugerir a presença de um derrame pericárdico cardíaca e prevenir complicações graves.
ou tamponamento cardíaco. O exame físico Quando há suspeita de tamponamento cardíaco,
também deve focar na avaliação de outros a prioridade é a estabilização hemodinâmica do
sistemas, como o respiratório e o gastrointes- paciente. Isso frequentemente envolve a admi-
tinal, para avaliar possíveis complicações nistração de oxigênio, monitoramento contínuo
decorrentes da compressão cardíaca. Para dos sinais vitais (pressão arterial, frequência
confirmar o diagnóstico, diversos exames cardíaca, saturação de oxigênio) e, se
complementares são essenciais. O eletrocar- necessário, a colocação de acesso intravenoso
diograma (ECG) pode revelar sinais caracterís- para administração de medicamentos. O pa-
ticos de derrame pericárdico, como alterações ciente pode ser colocado em uma posição semi-
no segmento ST, elevação do segmento PR e inclinada, o que ajuda a reduzir a pressão
mudanças no eixo elétrico. No caso do tam- intrapericárdica e aliviar os sintomas (MEN-
ponamento cardíaco, o ECG pode mostrar DES et al., 2023).
sinais de baixo voltagem e alterações elétricas Os objetivos principais do tratamento do
devido à compressão cardíaca (SÁNCHEZ et tamponamento cardíaco são reduzir a pressão
al., 2019). intrapericárdica, permitir o enchimento ade-
A radiografia de tórax pode revelar um quado das cavidades cardíacas e restaurar a
alargamento da silhueta cardíaca e possivel- função cardíaca normal. A rápida intervenção
mente uma “garrafa d'água”, que é uma visa aliviar os sintomas do paciente e prevenir
elevação das bordas inferiores do coração complicações graves, como insuficiência car-
devido ao acúmulo de fluido. No entanto, o díaca, choque e morte súbita. Dois procedi-
ecocardiograma é frequentemente o exame de mentos invasivos comumente utilizados no
escolha para confirmar o diagnóstico. Ele tratamento do tamponamento cardíaco são a
permite a visualização direta do pericárdio, a pericardiocentese e a drenagem pericárdica
quantidade de fluido presente na cavidade (SÁNCHEZ et al., 2019).
pericárdica e a avaliação das consequências A pericardiocentese é um procedimento que
hemodinâmicas. O ecodoppler também pode envolve a inserção de uma agulha ou cateter no
ser usado para medir o gradiente de pressão espaço pericárdico para drenar o líquido acu-
entre as câmaras cardíacas durante a inspiração, mulado. É realizado sob orientação ecocardio-
auxiliando no diagnóstico de tamponamento gráfica ou fluoroscópica para garantir que a
cardíaco (NAVARRO-ULLOA et al., 2017). agulha seja inserida com precisão no local
apropriado. A drenagem do fluido alivia a
pressão sobre o coração, permitindo que ele
82
recupere sua função normal. A drenagem e identificar possíveis complicações e a adoção
pericárdica, por outro lado, envolve a colocação de um estilo de vida saudável que inclua a
de um cateter ou dreno no espaço pericárdico prevenção e o controle de fatores de risco
por meio de um procedimento cirúrgico ou cardiovasculares, como hipertensão e diabetes.
guiado por imagem. Esse cateter permite a Além disso, é crucial estar atento a sinais de
drenagem contínua do fluido acumulado ao complicações, como o desenvolvimento de
longo do tempo, o que pode ser necessário em derrame pericárdico, que pode ocorrer como
casos de derrame pericárdico recorrente ou resultado da inflamação contínua. A vigilância
crônico (MENDES et al., 2023). clínica contínua é essencial para a identificação
precoce de complicações potencialmente
Tratamento da pericardite e prevenção graves (SERODIO et al., 2020).
de complicações
O tratamento da pericardite aguda visa CONCLUSÃO
reduzir a inflamação do pericárdio, aliviar a dor O presente capítulo teve como foco
e prevenir a recorrência. Geralmente, começa conceitual a abordagem do tamponamento
com repouso e administração de medicamentos cardíaco como consequência de derrame peri-
anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), cárdico secundário a quadros de pericardite.
como a indometacina ou o ibuprofeno. Esses Nesse contexto, foram abordados aspectos
medicamentos ajudam a diminuir a inflamação como anatomia e fisiologia do saco pericárdico,
e aliviar os sintomas de dor. Em alguns casos fisiopatologia do derrame pericárdico e do
mais graves de pericardite aguda, pode ser tamponamento cardíaco, bem como o diagnós-
necessário o uso de corticosteroides, como a tico e os métodos terapêuticos referentes a essas
prednisona, para controlar a inflamação de enfermidades pericárdicas.
forma mais eficaz. No entanto, o uso de Dessa forma, é esperado que as informações
corticosteroides deve ser cuidadosamente apresentadas nessa produção contribuam para a
avaliado, uma vez que eles podem estar divulgação de conhecimentos relacionados à
associados a efeitos colaterais significativos e temática abordada, principalmente entre pro-
aumentar o risco de recorrências. A decisão de fissionais e acadêmicos da área da saúde.
utilizar corticosteroides é geralmente tomada Ressalta-se, ainda, a importância da realização
caso a caso, em colaboração entre o médico e o de novos estudos que foquem em oferecer uma
paciente (SERODIO et al., 2020). melhor compreensão acerca dos mecanismos
Para prevenir recorrências da pericardite etiológicos e fisiopatológicos que possam
aguda, é importante adotar medidas que culminar em derrame pericárdico e posterior
minimizem o risco de inflamação recorrente. tamponamento cardíaco, a fim de elaborar
Isso pode envolver a redução gradual dos propostas terapêuticas que ofereçam mais
medicamentos anti-inflamatórios conforme os resolutividade e melhor prognóstico para os
sintomas diminuem, acompanhamento médico pacientes acometidos por esses distúrbios.
regular para monitorar a progressão da doença

83
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROSO, R.C.N.L. et al. Tamponamento cardíaco. In: SOEIRO, A.M. et al., editores. Manual de condutas práticas
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e442984, 2023. doi: 10.47820/recima21.v4i4.2984.
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HOREVICHT C.M. Cardiologia em foco: prevenção, diagnóstico e tratamentos atuais. Rio de Janeiro: Epitaya, 2023.
doi: 10.47879/ed.ep.2023809p209.
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SÁNCHEZ, J.M.C. et al. Derrame pericárdico diagnóstico y tratamiento. RECIMUNDO, v. 3, p. 233, 2019. doi:
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SÁNCHEZ, P.C. et al. El pericardio: Anatomía, patología y técnicas de imagen. Seram, v. 1, 2021.
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et al., editores. Medicina de emergência: abordagem prática. 16. ed. São Paulo: Manole, 2022.
SERODIO, J.F. et al. Etiologia, tratamento e prognóstico da pericardite aguda. Medicina Interna, v. 27, p. 22, 2020. doi:
10.24950/O/185/19/1/2020.

84
CAPÍTULO 12

DEEP LEARNING EM DIAGNÓSTICOS


DE ELETROCARDIOGRAMAS:
REVISÃO INTEGRATIVA
LUDMILLA PINTO GUIOTTI CINTRA ABREU¹
ANDERSON CARLOS GOMES MARTINS2
ASAFE GUIMARÃES DANTAS CONRADO2
ANDRÉ GUISSONI FIUSA2
DAVI SILVEIRA GAMA BRAGA2
JESIEL DIAS ALVES2
VITOR DIAS SOUSA2
MATEUS SANTOS DE AVELAR2
HULLY CHRISTIANY GONÇALVES LEITE2
FLÁVIO MORAES DE MIRANDA3

1. Discente – Mestranda em Engenharia Biomédica pela Universidade de Brasília (UnB).


2. Discente – Instituto Federal de Goiás (IFG).
3. Docente – Probabilidade e Estatística do Instituto Federal de Goiás (IFG).

Palavras-chave:
Deep learning; Diagnóstico; Eletrocardiograma.

85
10.59290/978-65-6029-060-0.12
INTRODUÇÃO especialistas humanos podem não ser capazes
O eletrocardiograma (ECG) é um método de ver e memorizar durante a vida. O requisitos
não invasivo que ajuda a identificar sintomas de básicos para desenvolver um algoritmo robusto
doenças do coração que podem levar à morte. É de ML é um conjunto de amostras grande com
um gráfico que registra as flutuações da verdades de referência verificadas, represen-
atividade elétrica (SARSHAR & MIRZAEI, tativas das características da população de inte-
2022). Os algoritmos de aprendizagem pro- resse, para o treinamento da máquina (CHAN
funda de máquinas ou Deep Learning (DL) são et al., 2020).
domínios da inteligência artificial (IA) super- A síntese de imagens médicas de última
visionada que requerem grandes treinamentos geração geralmente usam as redes neurais
até um modelo ideal. O trabalho de organizar convolucionais (CNN), sendo que a mais
dados é atualmente uma barreira ao desenvol- popular é a Unet. Atualmente, uma série de
vimento de sistemas de DL (PHILBRICK et al., redes adversárias generativas (GAN) baseadas
2019). em CNN melhoram ainda mais os resultados
O DL é um método de aprendizagem de destas sínteses, por emparelhar imagem a
representação onde uma arquitetura complexa imagem. O modelo CycleGAN, com segmenta-
de rede neural multicamadas aprende dores sem definição específica para o conjunto
representações de dados automaticamente, de dados, e o CicloGAN, com conjunto de
transformando as informações de entrada em dados, são desenvolvimento de DL para
vários níveis de abstrações, sendo as mais imagens cardíacas baseados em CNN e GAN,
usuais as redes neurais convolucionais que surgiram a partir de 2017 (YU et al., 2021).
profundas (DCNN). As DCNN devem ser As CNN são ferramentas poderosas para
treinadas e não requerem recursos projetados análise de imagens, que podem ser treinadas
manualmente como entrada, pois possuem alta com alta precisão para os três respectivos
seletividade e invariância (CHAN et al., 2020). conjuntos de dados: objetos-alvo, fundo e
As informações de imagem são essenciais qualidade de imagem variados com tempo de
na tomada de decisão em muitas etapas do anotação maior que duas horas. As CNN são
processo de atendimento ao paciente, desde uma classe que representa o estado da arte em
detecção, caracterização, estadiamento, avalia- análises de imagens e estão atualmente entre os
ção da resposta ao tratamento, monitoramento métodos mais populares em pesquisa de visão
da recorrência da doença, até a orientação sobre computacional. Constituem um sistema neural
as intervenções. A abordagem convencional de multicamadas em rede que usa convolução em
Aprendizado de Máquina, em inglês Machine pelo menos uma camada, e são projetadas para
Learning (ML), tem algumas limitações devido processar dados semelhantes a grades, sendo
ao desenvolvedor humano não ser capaz de excelentes em tarefas como segmentação e
traduzir os padrões complexos da doença em classificação (SMITH et al., 2022).
um número finito de descritores de carac- As CNN são amplamente utilizadas para
terísticas, mesmo que tenha analisado um análise e classificação de sinais de ECG e
grande número de casos de pacientes. É podem aprender automaticamente recursos
importante ressaltar que o processo de complexos representativos diretamente dos
aprendizagem automatizado, como as DCNN, próprios dados, eliminando assim a necessidade
facilmente analisa milhares de casos que os de recursos artesanais, extraindo recursos
86
hierárquicos do simples ao complexo e Além disso, a estrutura da CNN é projetada
aplicando filtros de alta dimensão nos dados de para identificar características únicas que per-
entrada. Têm sido utilizadas com sucesso em mitem alcançar um desempenho de classifi-
problemas envolvendo imagens bidimensionais cação mais alto. Avaliando a eficácia desta
e em dados unidimensionais de séries tem- abordagem, compararam resultados obtidos
porais, como os ECG. Os modelos CNN usados com outras estratégias de referência, incluindo
para detecção de fibrilação atrial (FA) podem abordagens baseadas em ML tradicional, e
realizar extração e classificação de recursos, outras técnicas de DL. Os resultados mostraram
sem necessidade de introdução manual. Para que a abordagem proposta alcançou maior pre-
melhor precisão das CNN as camadas de cisão em comparação às estratégias de referên-
convolucionais são importantes e estudos cia e reduziu o tempo de computação. Os au-
propõe que: dois fluxos de CNN com 13 tores utilizaram uma rede neural artificial
camadas poderiam capturar recursos de ECG (ANN) como classificador, embora não forne-
em diferentes escalas; uma CNN profunda de 8 çam detalhes específicos sobre a arquitetura da
camadas para análise de FA, flutter atrial ANN utilizada (SARSHAR & MIRZAEI,
(AFL), uma arritmia relacionada à FA; CNN 2022).
com uma única camada de convolução para As redes neurais recorrentes (RNN) são um
detectar FA; CNN para rastrear automatica- tipo de rede neural artificial desenvolvido para
mente segmentos de FA de sinais de ECG resolução de problemas temporais com entradas
móveis; CNN com duas camadas de sequenciais, como sinais de ECG. Um ciclo
convolução e duas camadas de pooling único, ou segmentos curtos de ECG, é ade-
(subamostragem) para detectar FA; CNN denso quado para aplicações de monitoramento
de 18 camadas para detecção de FA; CNN remoto de dispositivos em tempo real,
combinada a uma rede neural Elman apri- experimentado para FA. As RNN bidirecionais
morada produzindo melhor desempenho para (BiRNN) aumentam o número de mecanismos
detecção de FA; e CNN unidimensional de 13 de atenção. Foram criados quatro modelos
camadas de convolução com 5 camadas de distintos para análise da precisão: RNN sem o
pooling apresentou uma boa precisão. Todas mecanismo de atenção, e RNN de rede
estas simulações são tentativas de melhor hierárquica (HAN)-ECG com um, dois e três
precisão e diagnóstico das imagens de ECG mecanismos de atenção. Melhores desempenho
(MURAT et al., 2021). e precisão foram obtidos com mais mecanismos
Um grupo de autores propuseram um de atenção, ou seja, continham atenção de onda,
reconhecimento da contração ventricular pre- batida e janela imprensadas entre camadas
matura (PVC) através do DL. A pesquisa BiRNN (MURAT et al., 2021).
consistiu em um pipeline de DL que utilizava a Modelos de memória de longo prazo
CNN para extrair características relevantes dos (LSTM) são amplamente utilizados em DL para
sinais de ECG e classificar os complexos PVC. resolver deficiências na arquitetura RNN que
O pipeline utilizava um conjunto de 10 incluem problemas de explosão e desapa-
características distintas, sendo três morfoló- recimento de gradiente, que limitam a capaci-
gicas das ondas do ECG e sete estatísticas. dade de aprender dependências de longos
Essas características são capazes de destacar as períodos de tempo. Os LSTMs bidirecionais
diferenças entre as partes dos sinais de ECG. aprendem e extraem efetivamente recursos de
87
dados de entrada do intervalo compostos de treinamento (GOMES-JÚNIOR et al., 2022;
segmentos de 100 batimentos e atingiram 98,51 SANTIAGO & DIAS, 2022).
e 99,77% de precisão para detecção de FA com Outra ferramenta é a Logistic Regression,
validação cruzada de dez vezes e validação às Regressão Logística (LR), que é uma
cegas, respectivamente. O LSTM foi capaz de generalização da regressão linear permitindo a
aprender recursos na presença ou ausência de classificação em três funções: predição, custo e
FA, passando para modelos superiores total- otimização da predição. Inicialmente, a LR se
mente conectados para classificação, eliminan- comporta como uma regressão linear tentando
do a necessidade de redução de informações por calcular uma linha no hiperespaço que produza
extração de recursos. Existem sinergias teóricas a melhor resposta para qualquer dado de
entre as CNN e os LSTM que podem ser entrada (SANTIAGO & DIAS, 2022). É um
combinados para produzir modelos DL pode- método simples e poderoso que infere a
rosos onde os recursos obtidos das camadas probabilidade de ocorrência de um evento, com
CNN são alimentados nas camadas LSTM em base na modelagem do logaritmo de sua razão
sequência, classificando FA ou ritmos sinusais de chances como uma combinação linear de
(SR), extraindo características de alto nível. algum conjunto de variáveis explicativas
Vários modelos utilizando essas junções foram assumidas como independentes (GOMES-
propostos, observando uma versão melhorada JÚNIOR et al., 2022).
da perda de entropia cruzada, e relataram O algoritmo Support Vector Machine,
sucesso na detecção de FA em quatro ritmos Máquinas de Vetores de Suporte (SVM), utiliza
diferentes. Ao incorporarem métodos de otimi- o cálculo vetorial para separar as distintas
zação os modelos, apresentaram bons resulta- classes através de hiperplanos equidistantes e
dos quando testado com três bancos de dados de paralelos ao principal, estando o mais próximo
ECG separados (MURAT et al., 2021). possível dos dados para classificação binária.
O algoritmo K-Nearest Neighbours (KNN) Teoricamente, este método é semelhante à
é um modelo não paramétrico, onde os ele- regressão linear, mas o cálculo é diferente. Um
mentos de uma mesma classe possuem caracte- vetor ortogonal ao hiperplano é obtido, cha-
rísticas semelhantes estando mais próximos no mados vetores de suporte, todas as entradas são
espaço de dados, baseado na distância entre os um componente. A classificação é baseada na
pontos em relação a cada dado no hiperespaço, projeção do vetor correspondente à entrada no
e como pontos, pode-se calcular geometrica- hiperplano, sendo o módulo maior que um
mente a distância entre eles. Quando um novo determinado valor pertence a uma classe, se
dado é apresentado ao sistema, a distância entre menor, a outra. O método utilizado para a
eles influencia na classificação, e a previsão é otimização é o multiplicador de Lagrange
dada como a classificação dos vizinhos mais (GOMES-JÚNIOR et al., 2022; SANTIAGO &
próximos. É extremamente simples no formato DIAS, 2022). O SVM pode endereçar conjuntos
computacional e muito rápido, podendo essa de dados não linearmente separáveis, utilizando
distância ser medida de variadas formas: o truque do Kernel, segundo o qual a entrada é
Euclidiana, Manhattan, Minkowski, entre ou- intrinsecamente mapeada em um espaço de alta
tras. O fator importante na qualidade do algo- dimensão com o objetivo de tornar as classes de
ritmo é o número de vizinhos (K) considerados, dados linearmente separáveis. O SVM apre-
poucos erros de vizinhos nos dados de senta alto desempenho, mas possui treinamento
88
complexo e exigente (GOMES-JÚNIOR et al., múltiplas DT são geradas sobre amostras de
2022). bootstrap do conjunto de dados, considerando
Outro algoritmo é o Extra Trees que não apenas um subconjunto pequeno e aleatório dos
utiliza o gradiente descendente para sua recursos originais. Uma vantagem significativa
otimização, e são ajustados pela Decision do RF é conjugar um bom desempenho em
Trees, árvores de decisão (DT), que separa os muitos problemas práticos com uma seleção de
dados de acordo com alguma característica características intrínsecas. Uma inconveniência
onde o ganho de informação é máximo (con- reside em uma interpretação do modelo mais
sidera maior aleatoriedade em sua parame- desafiador do que a DT padrão (GOMES-
trização), tornando-o mais robusto que os JÚNIOR et al., 2022).
demais, em determinados casos. Ao separar os O algoritmo Gradient Boosting, Aumento
dados em grupos, a classificação é feita de de gradiente (GB), semelhante ao Adaboost,
forma muito mais rápida e com a possibilidade explora a abordagem de boosting, mas utiliza
de utilizar menos dados do que outros um critério para fundir os modelos que
algoritmos. É uma aplicação mais sofisticada integram o conjunto com base no gradiente de
do DT, onde se constroem vários modelos de uma função de perda definida pelo usuário,
DT mais simples e ao final a decisão é tomada embora possuam o DT como classificador base
por maioria de votos. Este tipo de modelo é mais comum adotado. O GB dispõe de uma
mais robusto do que os vistos anteriormente, seleção de características intrínsecas e tem
pois reduz drasticamente o overfitting, e é muito como desvantagem o custo computacional
eficiente. Os algoritmos DT são modelos sim- maior que o RF. Já o algoritmo Perceptron
ples não paramétricos baseados em uma multicamadas (MLP) é uma rede feedforward
sequência de partições binárias do conjunto de totalmente conectada composta por uma ou
dados, considerando um conjunto de variáveis mais camadas de perceptrons, de aproximação
identificadas como as mais relevantes para a universal, é uma abordagem útil ao lidar com
previsão de classes. São instáveis e propensos a problemas não lineares complexos. A desvan-
superajustar os classificadores, uma vez que tagem do MLP é o elevado número de
uma pequena alteração no conjunto de trei- hiperparâmetros do modelo e as dificuldades na
namento pode modificar significativamente a interpretação da regra de decisão implementada
estrutura da árvore (SANTIAGO & DIAS, pela rede (GOMES-JÚNIOR et al., 2022).
2022). Alguns autores sugerem o software RIL-
O algoritmo AdaBoost é um modelo Contour para acelerar o DL de imagens mé-
conjunto que combina muitos classificadores dicas como ECG, pois suporta a automatização,
simples, implementados por árvores rasas, com os métodos semiautomáticos e os métodos
classificação altamente discriminativa, sendo manuais para anotação de voxel e/ou texto, além
aditivo e, portanto, para cada iteração do de promover a padronização de conjunto de
algoritmo uma nova árvore é adicionada ao dados. Isso pode melhorar a eficiência e a
conjunto. Uma desvantagem do AdaBoost é sua precisão dos diagnósticos, auxiliando os
sensibilidade a dados ruidosos e valores dis- médicos no tratamento de doenças cardíacas
crepantes. Há também o algoritmo Random (PHILBRICK et al., 2019).
Forests, Florestas Aleatórias (RF), que Em um estudo onde foram analisados 24
representa uma técnica de conjunto em que artigos sobre métodos de DL desenvolvidos
89
para detecção automática de FA em sinais médica de exames por imagens e a IA é uma
baseados em ECG, os autores discorrem sobre resposta para isso (HAFIZOVIC et al., 2021).
a eficácia de mais de 90% de precisão dos Com base neste contexto, o objetivo deste
modelos de DL (MURAT et al., 2021). estudo foi analisar por meio de uma revisão
Autores sugerem, através do desenvol- integrativa a eficácia do DL em diagnósticos de
vimento de seus estudos, que é necessário um ECG.
conhecimento médico especializado para
interpretação de exames, o que torna o ML uma MÉTODO
alternativa eficiente, importante e com alta Trata-se de uma revisão integrativa,
precisão para esses diagnósticos (FENLON et elaborada segundo as diretrizes metodológicas
al., 2023). para revisões (BRASIL, 2021), e acrônimo
Para realizar diagnósticos médicos através PICo (ARAÚJO, 2020), para pesquisas não
de exames de imagem, uma camada de com- clínicas. Os critérios de elegibilidade foram: de
plexidade perigosa é destinada ao profissional inclusão - estudos disponibilizados na íntegra,
médico que precisa interpretar os exames. A publicados nos últimos 5 anos, que abordassem
subjetividade e os erros humanos devem ser a temática; e de exclusão - referências
considerados, inclusive no diagnóstico. Sendo duplicadas, e cópia completa indisponível. O
assim, é importante padronizar a interpretação diagrama da metodologia utilizada neste estudo
segue conforme a Figura 12.1.

Figura 12.1 Diagrama da metodologia deste estudo

Após a metodologia aplicada para revisões, autores e das palavras-chave utilizadas nos
foi realizada a análise bibliométrica em gráfico estudos.
de rede através do software VOSviewer 1.6.18.,
para verificação da coocorrência, citações e RESULTADOS E DISCUSSÃO
cocitações e acoplamento bibliográfico dos Foram encontrados 172 estudos nas bases
de dados. Após serem submetidos aos critérios
90
de elegibilidade, restaram oito trabalhos para extração de dados, conforme Figura 12.2.

Figura 12.2 Fluxograma PRISMA

Observou-se que 100% das pesquisas (n = método mais usual, menos oneroso e popular de
08) apontavam para desfechos favoráveis à DL para ECG são as CNN, porém, apresentam
eficácia do uso do DL em diagnósticos de ECG. como desvantagem os ajustes de parâmetros.
Verificou-se, também, que o ano que contou Foi observado que a precisão de cada tipo de
com mais publicações foi 2022 (n = 04, 50%), DL depende da técnica usada para esta
seguido de 2021 (n = 03; 37,5%) e 2023 (n = avaliação, motivo pelo qual os percentuais são
01; 12,5%), o que enfatiza a atualidade e a distintos em cada estudo analisado. Ao
relevância da temática para a comunidade utilizarem uma mesma técnica avaliativa em
científica. um estudo individual verificaram a precisão
O modelo que apresentou maior precisão foi comparada às outras DL. Também foi possível
o Método de Otimização de Mud Ring com um observar que o Brasil foi o país com mais
Algoritmo de Classificação de Sinal de ECG estudos que responderam à questão de pesquisa
baseado em DL (MROA-DLECGSC). E o desta revisão, conforme Quadro 12.1.

Quadro 12.1 Características e desfechos dos artigos elegíveis para esta revisão
Tipo de
Autor Delineamento/
DL Financiamento Objetivo Resultados
e ano/País Amostra
em ECG
Universidade Melhor desempenho
King Khalid e (88,97% precisão) com-
Apresentar uma
Príncipe Sattam parado as metodologias
técnica de otimização
Alluhaidan Experimental MROA- bin Abdulaziz recentes (DLECG-CVD
de Mud Ring com
et al. (2023) (simulações) DLECG (Arábia 88,24%; DL-ECGA
uma técnica de
Suíça 3.000 ECG SC Saudita), e 84,70%; GBT 84,98%;
classificação de ECG
Future RF 79,83%; 1-DCNN
baseada em DL
University in 73%; LR 37,28%; DT
Egypt (Egito) 27,9%; e KNC 66,89%).

91
Aumento quantitativo de
artigos após 2017 devido
aumento da oferta de
sensores e wearables.
Brites
Revisão Analisar métodos e Evidenciou o foco em
et al. (2022) CNN N/A
58 estudos técnicas de DL descrever modelos diag-
Brasil
nósticos de disfunções
cardiovasculares através
do DL nos trabalhos mais
recentes.
DT Discutir sobre um Classificador RF treina-
AdaBoos detector automático do com sobreamostragem
t de arritmia em pacien- de classe minoritária, é
Gomes-
Experimental RF tes em diálise, visan- econômico em termos de
Júnior
(simulações) SVM N/A do operar dispositivos complexidade e custo
et al. (2022)
105 amostras KNN portáteis em tempo computacional,
Brasil
GB real, de resposta rá- alcançando uma precisão
LR pida aos profissionais de 98,7% para tamanhos
MLP de saúde de janelas pequenas.
Bem-sucedido em 100%
Apresentar um algo- em que o ângulo de
Modelo ritmo para digitaliza- declinação da imagem
ResNet ção de ECG e classi- não ultrapassou 20°,
Isabel Experimental
CNN ficação baseada em 100% precisa em que a
et al. (2021) (simulações) N/A
LSTM DL e, posteriormente, imagem foi digitalizada,
Espanha 7027 ECG
bidirecio é introduzida uma modelo ResNet acurácia
nal rede neural residual, de 88%, 43% na CNN e
pré-treinada 59% no LSTM
bidirecional.
CNN: maior desempenho
de detecção usando ECG
e sinais de variabilidade
da frequência cardíaca. É
carente em análise de
projetos e ajustes de
Discutir modelos DL
DN parâmetros. DNN: em
baseados em rede
CNN velocidade e memória é
Murat neural profunda, rede
Revisão LSTM mais vantajoso, pobre na
et al. (2021) N/A neural recorrente, me-
24 estudos Híbrido( representação de sequên-
Turquia mória de longo prazo,
CNN+LS cias. LSTM: útil para
CNN, e estruturas
TM) representações de se-
híbridas
quências, porém, lento e
consome muitos recursos.
Híbrido: vantajoso na
representação de sequên-
cias, mas exige mais
tempo e custo.
Extra Trees apresentou
os melhores resultados
para diagnosticar o ritmo
cardíaco alterado (98,9%
KNN Desenvolver um al- de acurácia e 98,8% de
Experimental
Santiago & LR goritmo para detecção sensibilidade), mais ro-
(simulações)
Dias (2022) SVM N/A e classificação de busta em técnicas de
1000 sinais de
Brasil Extra arritmia cardíaca em processamento de sinal,
ECG
Trees ECG com resultados seme-
lhantes para as 3
modelagens. KNN bons
resultados, porém, um
pouco inferiores.
92
Melhora o desempenho
Propor um
do diagnóstico de forma
Sarshar & reconhecimento de
Experimental mais eficaz; leva à
Mirzaei PVC baseado em uma
(simulações) 48 CNN N/A diminuição da taxa de
(2022) DL usando o banco de
ECG falsos positivos e ao
Irã dados de arritmia
aumento da taxa de
(MIT-BIH)
verdadeiros positivos.
GAN alcança melhor
desempenho de síntese de
Discutir dois tipos imagens que os modelos
típicos de modelos de convencionais em CNN,
Yu et al.
DL para síntese de devido à arquitetura 3D
(2021) Revisão CNN
N/A imagens médicas que preserva informações
Suíça 4 estudos GAN
(CNN e GAN) contextuais contínuas
e apresentar quatro melhorando os resulta-
trabalhos recentes dos. Os detalhes das
imagens são essenciais
para a clínica.
Legenda: Não se aplica ao estudo (N/A). Método de Otimização de Mud Ring com um Algoritmo de Classificação de
Sinal de ECG baseado em DL (MROA-DLECGSC). Análise de sinal de ECG baseada em DL (DL-ECGA). DL para
diagnóstico de ECG de doenças cardiovasculares (DLECG-CVD). Gradient-boosting Tree (GBT). Random Forests (RF).
Rede Neural Convolucional Profunda Unidimensional (1-DCNN). K Neighbors Classifier (KNC). Decision Trees (DT).
Support Vector Machine (SVM). K-Nearest Neighbors (KNN). Gradient Boosting (GB). Logistic Regression (LR).
Multilayer Perceptron (MLP). Redes Adversárias Generativas (GAN).

Para a verificação de coocorrência, citações conforme a Figura 12.3. A figura corrobora o


e cocitações e o acoplamento bibliográfico dos estudo de Brites et al. (2022), que mapeou os
autores e das palavras-chave utilizadas nos mesmos termos e observou maior frequência
estudos, foi identificada a força total dos links nos artigos publicados no ano de 2020,
entre elas. São autores que possuem evidenciando foco em descrever modelos para
acoplamento bibliográfico com termos DL, auxiliar nos diagnósticos de disfunções
neural networks e ML. Essa análise garante a cardiovasculares por DL em estudos mais
confiabilidade, a qualidade técnica e científica recentes, ratificando a relevância atual desta
do estudo proposto em uma abordagem temática.
quantitativa no mapeamento do campo da Alguns autores citaram a existência de duas
pesquisa. Observou-se o grau de colaboração abordagens gerais para desenvolver ferra-
entre os autores e a exploração de referências mentas automáticas de diagnóstico de arritmias
científicas sobre este assunto, auxiliando a cardíacas, sendo a divisão dos sinais de ECG
compreensão da tendência de novos estudos em unidades de batimento cardíaco ou ciclos
com esta temática, justificando futuras das formas de onda, o que gera uma grande
pesquisas sobre DL e sua eficácia nos quantidade de dados para treinar modelos de
diagnósticos da ECG em virtude das recentes ML. Enfatizam que extrair características
publicações na área. Identificou-se os autores morfológicas do ECG é desafiador devido à
com maior número de publicações, citações e imprecisão, embora a previsão tenha obtido
cocitações neste assunto, proporcionando precisões tão altas quanto 99% em estudos
embasamento teórico consolidado para a baseados em batimentos (CHEN et al., 2020).
análise da atuação do grupo de pesquisa. Outros estudos sobre a aplicação de inteligência
Para interpretação e melhor visualização artificial para detectar e classificar arritmias,
dos dados, foi escolhido o formato em rede, como a detecção de FA ou classificando o
93
infarto do miocárdio usando bancos de dados de eficácia tão ou superior a de um cardiologista
ECG de 12 eletrodos, são realizados humano (YOON et al., 2020).
regularmente e os resultados demonstram uma

Figura 12.3 Rede de coocorrência, citação, cocitação e acoplamento bibliográfico das palavras-chave deste estudo

Devido ao crescente número de pacientes analisados, e foi enfatizada a eficácia superior à


com doenças cardiovasculares, o resultado da de um cardiologista humano. Foi possível
classificação dos ECG em virtude das grandes observar que, neste contexto, o uso da CNN
mudanças nos padrões de sinal necessita de alcançou um desempenho alto de classificação
ferramentas de diagnóstico automático se comparado às outras estratégias tradicionais
assistidas por computador. Portanto, autores e de DL. Mais recentemente, o algoritmo de
sugerem a técnica MROA-DLECGSC. Esta otimização de Mud Ring (MROA-DLECGSC)
abordagem reconhece a presença de doença mostrou melhor desempenho se comparado aos
cardíaca, pré-processando os sinais de ECG algoritmos atuais analisados.
para transformá-los em um formato uniforme, e Esta revisão integrativa é parte inicial de um
otimiza hiperparâmetros, o que auxiliou na projeto onde, inicialmente, levantou-se a leitura
obtenção de melhor desempenho. Os resultados para extração de dados para entendimento do
experimentais do algoritmo MROA- tema seguida por análise bibliográfica,
DLECGSC foram testados e demonstram garantindo confiabilidade e qualidade técnica e
melhor desempenho se comparados com outros científica do estudo proposto em uma
algoritmos recentes (ALLUHAIDAN et al., abordagem quantitativa no mapeamento do
2023). campo da pesquisa. Observou-se as recentes
publicações com esta temática, explorando as
CONCLUSÃO referências, o que auxiliou a compreensão da
O DL se mostrou preciso e eficaz no tendência de novos estudos, justificando futuras
diagnóstico das ECG em todos os trabalhos pesquisas sobre DL e sua eficácia nos

94
diagnósticos da ECG. desenvolver um algoritmo mais completo de
Esta revisão é importante como recurso para DL que agregasse todos os exames
os pesquisadores interessados em desenvolver cardiológicos e proporcionasse uma análise
abordagens inovadoras de DL baseadas em completa destes sinais e sintomas para o
ECG. Outros estudos experimentais de grande diagnóstico mais eficaz possível e com menor
precisão, com maior amostragem e mais margem de erro. Sugere-se o método de Monte
robustos são necessários para o aprimoramento Carlo para esse desenvolvimento, além de
desta medição, sendo uma proposta importante pesquisas futuras.
para trabalhos futuros. Outra proposta seria

95
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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96
CAPÍTULO 13

COMUNICAÇÃO
INTERVENTRICULAR: UMA
ABORDAGEM INTEGRALIZADA

ANNE CAROLINE SIQUEIRA ALVES1


ARTHUR OLIVEIRA DA CRUZ1
ENZO JANÓLIO CARDOSO SILVA1
GABRIELLA LUCAS DE ASSIS1
GIOVANNA DOS REIS MARTINS BARROS1
JOANNE CONCEIÇÃO MARTINS ARAGÃO COSTA1
JOÃO VICTOR ARAGÃO DE ALMEIDA OLIVEIRA1
THIAGO MORAIS DA COSTA1

1. Discente - Medicina na Universidade Tiradentes, UNIT, Aracaju – SE.

Palavras-chave:
Comunicação; Comunicação interventricular; Pediatria.

97
10.59290/978-65-6029-060-0.13
INTRODUÇÃO infância mais ativa (SCHAAN et al., 2019).
A comunicação interventricular (CIV) é Neste sentido, o desenvolvimento físico e
uma malformação acianótica caracterizada por psicológico da criança é afetado, gerando
um defeito no septo (parede) que separa os desafios emocionais relacionados às restrições
ventrículos do coração. Essa condição permite físicas impostas pela condição.
a comunicação direta entre os ventrículos A endocardite infecciosa, as arritmias e a
direito e esquerdo, resultando em uma hipertensão arterial pulmonar irreversível são
passagem anormal de sangue entre essas complicações possíveis (NUNES, 2009; RI-
câmaras. A CIV pode ocorrer juntamente com BEIRO, 2020; SHAN et al., 2023). Devido ao
outros tipos de problemas ou defeitos cardíacos, potencial impacto a longo prazo na qualidade
tendo impactos no desenvolvimento e na saúde de vida e na sobrevivência das crianças
das crianças afetadas (SCHAAN et al., 2019; afetadas, muitas vezes o acompanhamento mé-
MOREIRA et al., 2020). dico é necessário ao longo de todo o período de
O diagnóstico da CIV geralmente é feito por vida para monitorar a função cardíaca e avaliar
meio de exames, como ecocardiografia, que a necessidade de intervenções adi-cionais
permitem visualizar a abertura na parede do (SCHAAN et al., 2019; MOREIRA et al.,
coração e seu tratamento depende do tamanho e 2020; RIBEIRO, 2020; KIŞIN et al., 2023).
da gravidade do defeito, bem como dos sin- Dessa forma, a rotina diária e o acesso ao
tomas apresentados. Pesquisas no campo da cuidado de saúde são, ainda, afetados.
cardiologia pediátrica resultaram na classifi- O diagnóstico precoce e a avaliação
cação da CIV em vários tipos com base em sua adequada da gravidade da CIV são essenciais
localização e tamanho, sendo fundamental para para determinar o melhor curso de tratamento.
a avaliação da gravidade da condição e para A intervenção cirúrgica, por sua vez, é fre-
determinar a abordagem terapêutica adequada quentemente necessária para corrigir a CIV e
(RIVERA et al., 2008; SCHAAN et al., 2019; evitar complicações a longo prazo. Geralmente
MOREIRA et al., 2020; RIBEIRO, 2020; sua indicação é feita quando a CIV é grande o
SHAN et al., 2023). Em casos mais leves, a suficiente para causar sintomas significativos,
CIV pode passar despercebida e se resolver como a sobrecarga de volume no coração,
espontaneamente ao longo do tempo. No hipertensão pulmonar ou outros problemas
entanto, CIVs maiores podem causar problemas cardíacos (RIVERA et al., 2008; SCHAAN et
sérios, como insuficiência cardíaca, problemas al., 2019; MOREIRA et al., 2020; RIBEIRO,
de crescimento e desenvolvimento inadequado, 2020; KIŞIN et al., 2023). Há várias abor-
além de complicações pulmonares. dagens cirúrgicas para corrigir a CIV, de-
O impacto hemodinâmico está relacionado pendendo da localização e tamanho do defeito
à passagem anormal de sangue de um ven- e, de maneira semelhante, as técnicas de fecha-
trículo ao outro, ocasionando uma sobrecarga mento são variadas, como o uso de patches
de volume no coração e nos pulmões que desen- sintéticos, tecido próprio do paciente ou uma
cadeia a hipertensão pulmonar e o aumento do combinação de ambos. Embora a cirurgia co-
trabalho cardíaco (RIVERA et al., 2008; KIŞIN mumente seja eficaz, implica riscos e demandas
et al., 2023). Além disso, sintomas como fadiga significativas, incluindo um período de recupe-
e dispneia afetam a capacidade da criança em ração variável com relação à complexidade da
realizar atividades normais e desfrutar de uma intervenção. No entanto, os benefícios da
98
correção da CIV geralmente superam os riscos, de risco, fisiopatologia, diagnóstico, tratamento
especialmente quando a CIV é significativa. e conclusão. Nesta revisão, procuramos iden-
Devido à complexidade da condição e às tificar as principais tendências e descobertas no
implicações do tratamento, o acompanhamento campo da CIV, com foco nas contribuições
médico e o apoio aos pais de pacientes com CIV mais recentes. Abordamos questões como a
também desempenham um papel crucial no prevalência da CIV em diferentes populações e
manejo eficaz da condição e no bem-estar geral grupos etários, as causas subjacentes à sua
das crianças afetadas (SOARES et al., 2022). A ocorrência, os fatores de risco associados e os
educação continuada no cuidado à criança, a avanços no diagnóstico e tratamento. Os resul-
participação ativa dos pais na tomada de tados da pesquisa foram satisfatórios e apresen-
decisões e a formação de uma rede de apoio são tados principalmente de forma descritiva.
fundamentais para o sucesso do manejo e
tratamento desses pacientes, garantindo o RESULTADO E DISCUSSÃO
melhor cuidado possível e a melhoria na Epidemiologia
qualidade de vida de toda a família. A coleta da epidemiologia da CIV é
Desta forma, a combinação de diagnóstico desafiadora devido à variabilidade na detecção,
precoce, tratamento eficaz, acompanhamento ao subdiagnóstico em populações com menor
médico e de uma rede de apoio é essencial para acesso aos serviços de saúde e à falta de
garantir que as crianças com CIV tenham a padronização nos registros de casos. Segundo o
oportunidade de crescer e desenvolver-se da Departamento de Informática do Sistema Único
melhor forma possível, superando as limitações de Saúde (DATASUS), foram registrados 300
impostas pela condição cardíaca congênita e casos de CIV em 2017, seguidos por 265 casos
desfrutando de uma vida saudável e ativa. Neste em 2018, 238 em 2019, 279 em 2020 e 210 em
sentido, a fim de esclarecer as principais la- 2021, totalizando 1.292 casos no período de
cunas no conhecimento sobre a CIV, o presente análise. Dentre esses casos, observou-se uma
estudo reúne informações da literatura mais variação significativa na incidência por etnia,
atual sobre a epidemiologia, etiologia, fatores com a população autodeclarada branca
de risco, fisiopatologia, diagnóstico e trata- representando a maioria, com 57,5% dos casos
mento da CIV. (n = 743). Em contraste, a etnia indígena
registrou apenas dois casos.
MÉTODO É importante ressaltar que a baixa in-
Trata-se de uma revisão de literatura pro- cidência de CIV em certas populações pode ser
duzida a partir de artigos científicos, bibliogra- influenciada por fatores socioeconômicos e
fias e sistemas de informação epidemiológica falta de acesso aos serviços obstétricos de
para dissertar sobre as atualizações dos últimos saúde, o que pode introduzir potenciais vieses
5 anos acerca da CIV. O método de inves- nos resultados do estudo (DATASUS, 2023).
tigação utilizado foi individualizado de acordo Esses achados enfatizam a relevância de um
com cada tópico, visando o melhor apro- monitoramento contínuo e de uma avaliação
veitamento das pesquisas. aprofundada da condição de saúde de recém-
O presente capítulo foi dividido em várias nascidos, especialmente considerando as dispa-
categorias temáticas, a saber: introdução, ridades étnicas na incidência de CIV. Este
metodologia, epidemiologia, etiologia, fatores estudo destaca a necessidade de políticas e
99
intervenções direcionadas para garantir um comunidades, visando a prevenção e o
atendimento igualitário e abrangente a todas as tratamento eficaz da CIV (DATASUS, 2023).

Tabela 13.1 Ocorrência de comunicação interventricular entre 2017 a 2021 e sua variação por etnia
Não
Branca Preta Amarela Parda Indígena Total
informado
TOTAL 743 89 18 422 2 18 1.292
2017 173 16 5 103 - 3 300
2018 148 21 3 88 1 4 265
2019 140 20 3 71 - 4 238
2020 173 15 6 80 1 4 279
2021 109 17 1 80 - 3 210
Fonte: Adaptado do DATASUS, 2017-2021.

Etiologia Defeitos associados às valvas atrioven-


No início do segundo mês de desen- triculares ocupam a posição posterior e inferior
volvimento, ocorre o crescimento do septo do septo, sendo classificados como defeitos de
interventricular, iniciando no ápice e se via de entrada, representando cerca de 5% dos
dirigindo aos coxins endocárdicos. Durante um casos (JATENE et al., 2022).
período, um forame interventricular permanece Defeitos relacionados às valvas arteriais
logo abaixo do canal atrioventricular, mas localizam-se na porção anterior e superior do
fecha-se rapidamente devido à formação de septo, denominados supracristais ou subpulmo-
uma massa composta de tecido conjuntivo nares, e compreendem aproximadamente 5%
originado da base dos coxins endocárdicos, do dos casos (JATENE et al., 2022).
cone e do próprio tecido conjuntivo presente no Irregularidades localizadas exclusivamente
septo muscular. É evidente que irregularidades na porção muscular do septo apresentam-se
no desenvolvimento desse processo podem como um único orifício na parte média do septo
resultar em diversos tipos de CIV (JATENE et (trabecular) ou como múltiplos orifícios na
al., 2022). porção trabecular ou próximo ao ápice. Esses
Irregularidades associadas ao septo mem- casos representam cerca de 10% do total
branoso (CIV perimembranosa) constituem (JATENE et al., 2022).
aproximadamente 70% dos casos e situam-se na
região média superior do septo ventricular, Fatores de risco
também conhecida como porção membranosa A cardiopatia congênita é uma doença
(HADDAD et al., 2021). Esses defeitos podem genética, constituída por uma malformação
estender-se para o septo muscular adjacente, congênita, que ocorre quando o coração do feto
abrangendo a porção trabecular, a via de é formado. Há fatores de risco, mas em termos
entrada ou a via de saída. Geralmente, encon- de cardiopatia congênita, as estatísticas de-
tram-se em estreita proximidade à valva aórtica, monstram que 90% das crianças cardiopatas
possibilitando uma conexão entre essa valva e a vêm de gestação sem fator de risco comprovado
valva tricúspide (JATENE et al., 2022). (LEITE et al., 2021).

100
Assim, alguns dos fatores de risco na causa gênitas. Apesar de a maior parte dos casos de
da CIV são comuns a todas as cardiopatias CIV advém de fatores de risco não com-
congênitas: tabagismo, alcoolismo, idade ma- provados, o acompanhamento garante melhores
terna avançada, histórico de cardiopatia congê- desfechos gestacionais e reduz o risco desse
nita na família (principalmente quando envolve grupo de doenças (LEITE et al., 2021).
mãe, pai ou irmão/irmã) (LEITE et al., 2021).
Para a CIV, algumas especificações rela- Fisiopatologia
cionadas aos fatores de risco podem ser en- Estudos revelam a influência do gene
contradas, como as relacionadas à síndrome de PPM1K nos casos de CIV. Esse gene, também
Down e anormalidades cromossômicas (LEITE chamado de PP2Cm, que é um membro da
et al., 2021). família da proteína fosfatase 2C direcionada à
A síndrome de Down é considerada a matriz mitocondrial, demonstrou ser essencial
anomalia cromossômica mais comum entre os para a sobrevivência celular e o desenvol-
nativivos e a mais frequentemente associada a vimento saudável, com os níveis de expressão
defeitos cardíacos. Esses defeitos ocorrem em mais altos detectados no coração e no cérebro,
50% das crianças afetadas pela síndrome, sendo codificando proteínas essenciais para as células
que cerca de 33% do grupo apresenta CIV. A do miocárdio por influenciar no potencial de
correção cirúrgica das cardiopatias em tais membrana mitocondrial (DONG & DU, 2019).
casos aumenta a sobrevida e melhora a A proteína fosfatase K1 desempenha um
qualidade de vida dos pacientes (JATENE et papel importante no desenvolvimento normal e
al., 2021). na sobrevivência celular e descobriu-se que se
Um estudo feito por pesquisadores na China liga especificamente ao complexo alfa-ce-
com um total de 220 fetos com CIV apontou toácido desidrogenase de cadeia ramificada
que a presença de anormalidades cromossô- (BCKD) e induz a desfosforilação de Ser293 na
micas pode aumentar em 6,5 vezes a chance de presença de substratos de BCKD. Em estudos
desenvolvimento da CIV, sendo um importante realizados de caso-controle, observou-se que
fator de risco (SHAN et al., 2023). todos os pacientes com defeitos do septo
Segundo resultados da revisão empreendida ventricular estavam com o gene PPM1K
por Shan et al. (2023), as anormalidades duplicados, fator que afeta o desenvolvimento
cromossômicas mais comuns entre pacientes cardíaco na fase intrauterina (DONG & DU,
com CIV eram trissomias, síndrome de Turner 2019).
e microdeleção 22q11.2. Contatou-se a forte As CIVs podem ser classificadas conforme
associação entre alterações cromossômicas e margem e localização, do ponto de vista ana-
malformações cardíacas, especialmente em tômico e fisiológico. A CIV perimembranosa é
CIV. a mais frequente, em que o septo membranoso
Ademais, a exposição a certos agentes é uma pequena área do septo interventricular,
teratogênicos e radiações promovem a indução localizada atrás do folheto septal da valva
às modificações genéticas que, em última tricúspide e logo abaixo da valva aórtica. Já a
instância, causam a CIV (JATENE et al., 2021). CIV muscular é a segunda classificação mais
Dessa forma, é importante que as gestantes frequente, complemente margeada por miocár-
sigam o devido pré-natal para reduzir os riscos dio e que se apresenta, na maioria das vezes,
de desenvolvimento das malformações con- múltiplas, com orifícios em qualquer porção do
101
septo muscular. A CIV subarterial ou du- uma câmara comum e a pressão sistólica da
plamente relacionada é situada no septo de artéria pulmonar se equaliza a pressão sistólica
saída e margeada pela continuidade fibrosa das na aorta, sendo mais frequente na CIV muscular
valvas aórtica e pulmonar (JATENE et al., (JATENE et al., 2022).
2022).
As CIVs se apresentam de diversos Diagnóstico
tamanhos, variando desde defeitos mínimos, O diagnóstico da CIV pode ser realizado por
sem repercussão hemodinâmica, até defeitos eletrocardiograma, radiografia de tórax, ecocar-
significativos, os quais geram insuficiência car- diograma, e, em casos selecionados, a an-
díaca e hipertensão pulmonar (JATENE et al., giotomografia ou ressonância magnética como
2022). formas de complemento, relacionando os gran-
Por isso, a intensidade do desvio de sangue des vasos, volume dos ventrículos e Qp (fluxo
pelo defeito depende do tamanho da comuni- pulmonar) /Qs (fluxo sistêmico) (JATENE et
cação entre os ventrículos e da relação entre a al., 2021).
resistência vascular pulmonar e sistêmica. Durante a vida intrauterina, a CIV, mesmo
Dessa forma, se a CIV for pequena e restritiva grande, não apresenta repercussão, em razão da
a resistência ao fluxo é determinada pelo resistência vascular pulmonar elevada. Após o
defeito propriamente dito, limitando o desvio nascimento, em torno de 2 a 3 semanas de vida,
de sangue da esquerda para a direita, mesmo na ocorre o hiperfluxo pulmonar decorrente da
presença de baixos níveis de resistência vas- queda da resistência pulmonar, quando o san-
cular pulmonar. Contudo, quando a CIV é gue desvia da esquerda para a direita (JATENE
grande, não restritiva e há baixa resistência et al., 2021).
vascular pulmonar, ocorre grande desvio de Pequenas comunicações, portanto, podem
sangue da esquerda para a direita pelo defeito se apresentar com sopros cardíacos nas pri-
(JATENE et al., 2022). meiras semanas de vida, assim que ocorre a
A resistência pulmonar na câmera direita queda da resistência vascular pulmonar. Ade-
influencia diretamente o desvio do fluxo san- mais, não são observados sintomas nem
guíneo da esquerda para direita, assim como a alterações no desenvolvimento da criança pelo
resistência vascular sistêmica. Nos casos em desvio de sangue da esquerda para direita por
que a resistência vascular pulmonar excede a ser um fluxo pequeno (JATENE et al., 2021).
sistêmica, o desvio de sangue ocorre da direita Comunicações moderadas resultam em dila-
para a esquerda, independentemente do ta- tação de câmaras esquerdas, mas raramente
manho do defeito. Uma vez que o volume levam a aumento expressivo da resistência
sistólico do ventrículo esquerdo está reduzido vascular pulmonar. Pacientes com CIV grandes
proporcionalmente ao volume do desvio de desenvolvem sintomas de insuficiência cardía-
sangue pela CIV, ocorre aumento compen- ca congestiva a partir das primeiras semanas de
satório do volume intravascular, de forma a vida. Apresentam-se com dificuldade para ma-
manter a pressão diastólica final e o débito mar, taquidispneia, taquicardia, sudorese e
sistólico do ventrículo esquerdo (JATENE et baixo ganho ponderal, podendo evoluir com
al., 2022). episódios de chiado e pneumonias recorrentes
Por outro lado, na presença de CIV grande, (JATENE et al., 2021).
não restritiva, os ventrículos funcionam como
102
A evolução de pacientes sem tratamento é o saída. Deve-se excluir a associação com banda
desenvolvimento de doença vascular pulmonar, anômala de ventrículo direito (JATENE et al.,
com aumento progressivo da resistência 2022).
vascular pulmonar e redução do fluxo pela CIV. Quando indicado, o cateterismo cardíaco é
Quando a resistência vascular pulmonar padrão-ouro para aferição das pressões e
exceder a sistêmica, há inversão do desvio de resistências sistêmico-pulmonar (JATENE et
sangue, que passa a ser da direita para a al., 2021).
esquerda, com aparecimento de cianose. Nesta
situação, o fechamento do defeito levaria à Figura 13.1 A: Eletrocardiograma de lactente de dois
meses com CIV; nas setas, destaque para sobrecargas de
falência ventricular direita aguda, baixo débito átrio esquerdo (SAE) e ventrículo esquerdo (SVE). B:
cardíaco e até ao óbito. Assim, pacientes em imagem radiológica posteroanterior destaca imagem de
átrio esquerdo (AE) por duplo contorno e dilatação de
evolução natural que desenvolveram a síndro- ventrículo esquerdo (VE); as setas destacam aumento do
me de Eisenmenger acabam apresentando tronco pulmonar (TP) e da trama vascular periférica
(TVP)
expectativa de vida maior quando o defeito é
mantido aberto (JATENE et al., 2022).
O ECG demonstra sobrecarga das câmaras
esquerdas no caso de sobrecarga de volume
com IC e hipertrofia ventricular direita em caso
Fonte: JATENE et al., 2021.
de hiperfluxo pulmonar (JATENE et al., 2021).
Na presença de CIV grande, geralmente são Figura 13.2 Ecocardiograma bidimensional com
Doppler de comunicação interventricular (CIV) em
revelados sinais de aumento do átrio esquerdo e lactente de dois meses de idade. A: aumento das câmaras
sobrecarga biventricular. Quando há aumento esquerdas, em especial átrio e ventrículo esquerdos
importante da resistência vascular pulmonar, (AE/VE); B (setas): CIV e fluxo através do defeito, por
mapeamento de fluxo em cores
desaparecem os sinais de sobrecarga de
câmaras esquerdas e predomina a hipertrofia do
ventrículo direito (JATENE et al., 2022).
Na radiografia de tórax, há reforço da
vasculatura pulmonar e cardiomegalia com pre-
Fonte: JATENE et al., 2021.
domínio das câmaras esquerdas; se a vascula-
tura pulmonar não é expressiva com silhueta Tratamento
direita proeminente, considerar HP (JATENE et Nos casos sintomáticos, o tratamento
al., 2021). Na CIV grande, pode ocorrer clínico medicamentoso alivia sintomas e evita
aumento da área cardíaca, da vascularidade complicações até a intervenção cirúrgica. O
pulmonar e artéria pulmonar proeminente tratamento clínico da insuficiência cardíaca
nesses pacientes (JATENE et al., 2022). (IC) é, na maioria dos casos, feito por diuréticos
O ecocardiograma detalha anatomia, associados aos inibidores da enzima de con-
número, localização e a relação dos defeitos versão de angiotensina (ECA). Especial atenção
com outras estruturas. Pode também permitir o deve ser dada à condição nutricional e ao
cálculo da pressão pulmonar por quantificar os calendário de vacinas, incluindo a prevenção da
fluxos. Também devem ser avaliada a presença infecção pelo vírus sincicial respiratório. Casos
de insuficiência aórtica, particularmente nas selecionados de CIV muscular podem ser
CIV subarteriais e perimembranosas de via de encaminhados ao tratamento percutâneo. A
103
cirurgia corretiva é o objetivo e em raras objetivo de reduzir seu diâmetro e, conse-
condições, como exceção, pode estar indicada a quentemente, o fluxo pulmonar. Pode ser
bandagem da artéria pulmonar. O tratamento indicada no caso de CIVs musculares múltiplas
clínico com prescrição de vasodilatador onde o fechamento das CIVs não é possível. À
pulmonar antecedendo, ou mesmo após a medida que as CIVs diminuem de tamanho, a
abordagem cirúrgica, pode ser aplicado em bandagem pode ser retirada (HERDY et al.,
casos selecionados. Uma acurada investigação, 2021).
quer por metodologia não invasiva ou invasiva Foi realizada uma análise coletiva, de um
da reatividade vascular pulmonar em pacientes registro nacional dedicado de CIV pós-infarto
suspeitos de hipertensão pulmonar (HP), deve do miocárdio, para elucidar ainda mais áreas
ser considerada junto ao especialista (JATENE controversas do tratamento cirúrgico desta
et al., 2021). entidade clínica. A sobrevida mediana da coorte
A associação de espironolactona a diu- (n = 76) foi de 72 meses (IC 95% 4-144 meses).
réticos contribui para diminuir a perda de A melhor sobrevida cumulativa foi observada
potássio, mas deve ser feita com cautela quando em pacientes submetidos ao fechamento da CIV
utilizados inibidores da ECA, que promovem mais de 10 dias após o infarto do miocárdio
aumento dos níveis de potássio sérico. O (log-rank p = 0,036). A cirurgia de revascu-
tratamento clínico não substitui a correção larização do miocárdio (CRM) concomitante
cirúrgica, quando indicada (HERDY et al., diferentes a técnicas de fechamento, localização
2021). da CIV, oxigenação por membrana extracor-
O tratamento cirúrgico é indicado em pórea como ponte para fechamento ou bomba
crianças com CIV hemodinamicamente impor- de balão intra-aórtico como ponte para fecha-
tante que não apresentam sinais de fechamento mento não mostraram diferenças estatistica-
espontâneo e antes de desenvolverem hiper- mente significativas na análise de Kaplan-
tensão arterial pulmonar irreversível. Lactentes Meier. A regressão logística binária multiva-
com CIVs grandes sem evidência de fecha- riada para fatores independentes que afetam o
mento espontâneo devem ser submetidos à estado aos 30 dias mostrou um efeito estatis-
cirurgia cardíaca antes dos 6 meses de vida. ticamente significativo da idade (OR 1,08; IC
Após 1 ano de idade, CIVs com Qp/Qs (fluxo 95% 1,01-1,15) e CRM concomitante (OR
pulmonar/fluxo sistêmico) maior do que 2:1 0,23; IC 95% 0,06-0,90) (MAGRO et al.,
têm indicação cirúrgica. Atenção especial deve 2023).
ser dada aos pacientes com síndrome de Down,
pois evoluem com hipertensão pulmonar muito CONCLUSÃO
precocemente (ainda no primeiro ano de vida), Portanto, conclui-se que a comunicação
sendo importante a definição da gravidade da interventricular é a cardiopatia congênita mais
CIV e possibilidade de fechamento até o sexto comum na infância, caracterizada por um
mês de vida. Após este período, há significativo defeito no septo entre os ventrículos do coração
aumento do risco de hipertensão pulmonar com apresentação de tamanho e localização
irreversível (HERDY et al., 2021). variado. Durante a vida intrauterina, a CIV,
A bandagem da artéria pulmonar é uma mesmo grande, não apresenta repercussão, em
cirurgia paliativa que consiste na colocação de razão da resistência vascular pulmonar elevada.
uma fita externa à artéria pulmonar, com o Após o nascimento, com a queda da resistência
104
vascular pulmonar, ocorre desvio de sangue da preocupação significativa pela repercussão
esquerda para direita, causando hiperfluxo hemodinâmica, e consequentemente cardiovas-
pulmonar que se manifesta em torno de 2 a 3 cular, nas crianças afetadas.
semanas de vida. Assim, tal problema gera

105
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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106
CAPÍTULO 14

ABORDAGENS TERAPÊUTICAS PARA


O MANEJO DE PACIENTES COM
ESTENOSE MITRAL POR FEBRE
REUMÁTICA
JULYANA ALCANTARA SILVA DE ARAÚJO¹
LÍVIA DOS SANTOS SILVA1
TATIELE BARBOZA DOS REIS GOMES1
ANA CAROLINA GUIMARÃES REZENDE1
NÍCOLAS VENTURA DA SILVA MENDES1
PEDRO LUCAS SILVEIRA DUARTE1
CAMILA BIANCA DE ASSUNÇÃO FONSECA1
HERMES FERREIRA DA COSTA FILHO1
LUCCA PASSAGLIA DIAS1
MARIA FERNANDA JACOBINO DE SOUSA1
ALANNA SIQUEIRA TAVARES1
JOÃO PEDRO MARCELINO BUENO CÂMARA NOGUEIRA1
VITOR STOPPA FONSECA DOS REIS1
MATHEUS FELIPE DE OLIVEIRA1
RODOLFO CINTRA E CINTRA2

1. Discente - Medicina da Universidade Federal de Jataí.


2. Docente - Medicina da Universidade Federal de Jataí.

Palavras-chave:
Estenose mitral; Febre reumática; Procedimentos clínicos.

107
10.59290/978-65-6029-060-0.14
INTRODUÇÃO na inter-aderência ao nível das comissuras
A febre reumática é uma doença (PINTO, 2014).
inflamatória de origem autoimune decorrente Nesse sentido, um estudo de 2014 sugeriu
de uma resposta cruzada contra infecções por que em pacientes que realizaram a troca da
Streptococcus pyogenes, sendo a cardite a valva mitral e em pacientes com febre
manifestação mais grave da doença. O reumática que não realizaram a troca da valva
acometimento cardíaco é caracterizado pela existe uma resposta imune para contenção do
pancardite, todavia, as lesões valvares, processo inflamatório que causa lesões
principalmente de mitral e aórtica, são as valvulares. Isso foi concluído devido à
responsáveis pelo quadro clínico e prognóstico observação de que os níveis de IL-10 se
de grande parte dos indivíduos impactados pela mostraram elevados nesses grupos em
doença (PINTO, 2014). comparação com o grupo-controle. A conclusão
A doença reumática cardíaca (DRC) é um é que a citocina inflamatória IL-10 participa da
grande problema de saúde pública, com altas manutenção do processo de cronicidade da
taxas de morbimortalidade, principalmente febre reumática em pacientes que passaram por
entre crianças e jovens adultos de países em troca da valva mitral e nos pacientes que estão
desenvolvimento, sendo duas vezes mais sob tratamento médico sem cirurgia (LEÃO et
prevalente em indivíduos do sexo feminino. al., 2014).
Estima-se que a DRC afete mais de 30 milhões Os tratamentos para a estenose mitral
de pessoas anualmente, com aproximadamente reumática são diversos e serão descritos e
300 mil mortes por ano (SANYAHUMBI et al., discutidos posteriormente. Sabe-se que exames
2022; MUTAGAYWA et al., 2020). Além complementares são importantes para deter-
disso, a doença cardíaca valvar reumática é um minar se pacientes com essa condição
fator de risco para progressão adversa de realmente se beneficiaram com a valvoplastia,
endocardite infecciosa e fibrilação atrial (FA), situação que não se verifica na estenose mitral
condições relacionadas ao acidente vascular de baixo fluxo e gradiente. Para esses pacientes,
cerebral na doença cardíaca reumática outras medidas, como redução da pós-carga
avançada (KIM et al., 2019; DADJO et al., (para reduzir a rigidez arterial) e tratamento da
2021). fibrilação atrial, podem obter maior sucesso
A válvula mitral é frequentemente a mais clínico (SABBAGH et al., 2019).
acometida entre os pacientes reumáticos. Os Nos casos em que se recorre ao tratamento
acometimentos mais comuns são a fusão cirúrgico, a troca valvar (bioprótese ou
comissural, que dificulta a abertura da válvula, mecânica) não é a única opção, há também a
e as lesões no plano subvalvar. Além disso, são opção da reparação valvar (PINTO, 2014).
frequentes o espessamento e a retração das Dentre as abordagens terapêuticas analisadas a
cúspides, resultando comumente em uma dupla partir desta revisão, algumas apresentaram-se
lesão ou insuficiência dessa válvula. No promissoras e com bom prognóstico para os
contexto da febre reumática, a estenose mitral pacientes submetidos, tal como a comissuro-
ocorre devido aos inúmeros focos de tomia mitral transvenosa percutânea (PTMC), a
inflamação que deixam a valva altamente qual é considerada um tratamento base para
deformada e obstruída, resultando em pacientes com estenose mitral grave por febre
espessamento fibroso das cúspides e alterações reumática com anatomia valvar favorável,
108
utilizando-se do balão de Inoue (ANDRADE et bem como pesquisas que tangenciam a temática
al., 2015; DADJO et al., 2021). estudada.
Contudo, técnicas de valvoplastia com Após os critérios de seleção, restaram 17
balão de Inoue necessitam de exames trabalhos, que foram submetidos à leitura
complementares para avaliar a situação do minuciosa para coleta de dados. Os resultados
paciente, suas características hemodinâmicas e foram apresentados de forma descritiva,
seus possíveis benefícios e malefícios pós- divididos em categorias temáticas abordando:
cirurgia (SABBAGH et al., 2019). Outras comissurotomia, troca valvar, prótese valvar,
técnicas que também se mostraram favoráveis laser de alta potência e penicilina G benzatina
para restauração da integridade valvar em injetável, com base na âncora teórica de artigos,
pacientes com estenose mitral reumática foram teses, livros e diretrizes internacionais.
avaliadas na literatura.
Desta forma, serão abordadas as principais RESULTADOS E DISCUSSÃO
técnicas terapêuticas para manejo dos pacientes A respeito das técnicas utilizadas para o
acometidos, levantando vantagens e desvan- manejo da doença cardíaca reumática com
tagens. Sabendo que se trata de um tema com estenose de valva mitral, a técnica de
literatura recente, o presente capítulo possui comissurotomia mitral transvenosa percutânea
como objetivo realizar uma abordagem dos apresenta-se como a intervenção de escolha em
eixos temáticos anteriormente citados, de modo pacientes com anatomia valvar favorável
a revisar as principais atualizações acerca da (DADJO et al., 2021; ANDRADE et al., 2015).
estenose mitral reumática. Ademais, outras técnicas também podem ser
utilizadas, como substituição da valva mitral,
MÉTODO que abrange diversas estratégias para aumentar
Trata-se de uma revisão integrativa a capacidade de preservação valvar, tal como a
realizada no período de setembro a outubro de técnica de substituição com preservação total
2023, por meio de levantamento bibliográfico dos folhetos (GUO et al., 2019).
realizado nas bases de dados PubMed, SciELO As terapias para estenose mitral reumática
e Lilacs. Foram utilizados os descritores: também abrangem técnicas que podem ser
“Estenose mitral”, “Febre reumática” e realizadas concomitantemente à cirurgia, tal
“Tratamento”. Desta busca, foram encontradas como a ablação da fibrilação atrial na
48 publicações, posteriormente submetidas aos valvoplastia mitral reumática. A adição dessa
critérios de seleção. técnica mostrou-se promissora na restauração e
Como critérios de inclusão, foram sele- manutenção do ritmo sinusal pós-cirurgia, com
cionadas publicações, que, independente de menor risco de eventos tromboembólicos (KIM
idioma, abordam diretamente propostas tera- et al., 2019).
pêuticas para estenose mitral reumática. Com o Além disso, é importante ressaltar o uso da
intuito de colher dados atuais, também foi penicilina G benzatina injetável (PGB) como
utilizado como critério publicações dos últimos uma escolha para a prevenção da recorrência de
5 anos (de 2018 a 2023) na Pubmed e dos febre reumática, contudo, estudos indicam que
últimos 10 anos (2013 a 2023) na SciELO e pacientes com doença cardíaca valvar grave
Lilacs. Ademais, foram descartados estudos podem apresentar maior propensão de compro-
não disponibilizados na íntegra e gratuitamente, metimento cardiovascular após seu uso, o que
109
faz com que seu efeito profilático não seja avaliação da área valvar, dos folhetos das
significativo para evitar reestenoses (GUO et válvulas, da função ventricular e atrial e do
al., 2019; SANYAHUMBI et al., 2022). gradiente de pressão valvar (BISHOP &
BORSODY, 2023).
Comissurotomia Obtidos os exames de imagem e achados
A comissurotomia é uma importante técnica complementares, a estenose mitral do paciente
cirúrgica para o tratamento da estenose mitral pode ser estadiada através de diferentes
reumática. De forma geral, trata-se de um classificações, como a Classificação Europeia e
procedimento de alargamento manual da luz da a Classificação da American Heart Association,
valva mitral realizado por algumas estratégias dentre outras. Algumas combinações de anato-
distintas. Para a correta indicação do proce- mia valvar e estado hemodinâmico (como este-
dimento cirúrgico e seleção da técnica a ser nose mitral de baixo fluxo e baixo gradiente,
utilizada é essencial que ocorra a análise por exemplo) podem não apresentar benefícios
cuidadosa do quadro clínico do paciente, bem clínicos com a comissurotomia ou podem gerar
como a verificação das variáveis anatômicas e indicação para algum procedimento específico,
hemodinâmicas presentes no caso (SABBAGH a depender dos guidelines utilizados e da
et al., 2019). Nesse contexto, três técnicas decisão médica (SABBAGH et al., 2019).
principais são descritas para a comissurotomia
mitral: comissurotomia de valva mitral aberta; Comissurotomia mitral aberta
comissurotomia de valva mitral fechada e a A comissurotomia mitral aberta é uma das
comissurotomia de valva mitral percutânea técnicas mais clássicas desse procedimento e já
(BISHOP & BORSODY, 2023). foi considerada por muito tempo como o
padrão-ouro para a realização dessa cirurgia,
Avaliação prévia da anatomia valvar e com alta segurança e eficácia, apesar de, nos
situação hemodinâmica dias atuais, estar em desuso. Nesse proce-
A valva mitral apresenta uma estrutura dimento, realiza-se a toracotomia ou esterno-
bastante complexa, com ricas interações com o tomia mediana para ganhar acesso à cavidade
tecido cardíaco através dos músculos papilares, torácica. Então, o cirurgião realiza um desvio
cordões tendíneos e outras estruturas. Na cardiopulmonar, com canulação da aorta e das
apresentação da estenose mitral, o acome- veias cavas, realizando, por fim, a cardioplegia.
timento da valva e das estruturas subjacentes Após esse procedimento, a incisão cardíaca em
pode ocorrer de uma grande variedade de si é realizada, por meio de uma de três técnicas:
formas, com consequências clínicas distintas incisão no sulco interatrial, incisão oblíqua
que impactam diretamente na taxa de sucesso transatrial ou incisão longitudinal no septo
das abordagens terapêuticas cirúrgicas da interatrial. Cada técnica apresenta consequên-
comissurotomia (SABBAGH et al., 2019). O cias favoráveis e desfavoráveis. Após a incisão,
seguimento dos guidelines das autoridades a valva mitral pode ser exposta.
competentes no que diz respeito aos exames Após a exposição da valva, o cirurgião
que devem ser solicitados previamente à realiza uma inspeção visual de sua situação e
intervenção cirúrgica é indispensável. Nessa das estruturas subjacentes, a fim de detectar
vertente, o principal exame de imagem a ser possíveis lesões, calcificações ou alterações não
solicitado é o ecocardiograma, que permite a detectáveis nos exames de imagem, na valva ou
110
em tecidos subvalvares. Então, uma pinça pode de três ciclos cardíacos, o que poderia gerar
ser inserida no orifício da valva e aberta arritmias ou ataques cardíacos.
delicadamente, expondo a região das comissu- Após esses procedimentos, uma pequena
ras mitrais. Por fim, pode-se realizar a incisão ventriculotomia é feita no ventrículo esquerdo
das comissuras, devendo-se tomar extrema no interior da sutura purse-string. Após essa
cautela em não danificar as estruturas extraval- ventriculotomia, dilatadores de Hagar são
vares ou exagerar no comprimento da incisão. usados para permitir a passagem de um
Se essa for muito extensa ou ocorrer danos a valvulótomo de Tubb, que é inserido no
outras estruturas, pode-se gerar insuficiência ventrículo esquerdo e introduzido no átrio
mitral ou até gerar a necessidade de instalação esquerdo pela valva mitral. O valvulótomo,
de prótese valvar. Por fim, o desvio cardiopul- então, é rapidamente aberto até o tamanho
monar é removido e a cirurgia é concluída predefinido de 3,5-4,5 cm, rapidamente fechado
(BISHOP & BORSODY, 2023). e removido do coração. Após essa remoção, as
suturas purse-string são fechadas e o pro-
Comissurotomia mitral fechada cedimento, finalizado. É importante não abrir o
A técnica de comissurotomia mitral fechada valvulótomo antes de introduzi-lo no átrio, pois
também é bastante antiga, e já foi muito isso pode danificar o aparato subvalvar e gerar
utilizada ao redor do mundo. Entretanto, nos insuficiência mitral. Se não for possível dilatar
dias atuais, ela é mais utilizada em países em totalmente a valva usando o valvulótomo, a
desenvolvimento ou em situações específicas técnica aberta deve ser imediatamente realiza-
que exijam essa técnica, por conta de variações da. Logo, para qualquer comissurotomia mitral
anatomopatológicas do paciente ou de decisão fechada, deve-se preparar para realizar desvio
do corpo cirúrgico. cardiopulmonar e a técnica aberta, caso ne-
Nessa técnica, uma toracotomia anterola- cessário. A técnica fechada apresenta resultados
teral ou posterolateral esquerda ao nível da 5ª satisfatórios e não necessita de desvio
costela é realizada. O pulmão é retraído e uma cardiopulmonar nem cardioplegia, como na
incisão no pericárdio é realizada paralela ao técnica aberta (BISHOP & BORSODY, 2023).
nervo frênico e esse é aberto com suturas de
tração. Duas suturas purse-string são então Comissurotomia mitral transvenosa percu-
realizadas: uma no apêndice atrial esquerdo e tânea
outra próximo ao ápice do ventrículo esquerdo. A partir da década de 1980, com o
O apêndice atrial esquerdo é retraído e uma surgimento da técnica do balão de Inoue, a
incisão é feita no interior da sutura purse-string. abordagem da estenose mitral mudou significa-
Então, após a palpação para pesquisa de tivamente. A partir disso, a comissurotomia
possíveis trombos (que devem ser removidos mitral transvenosa percutânea tornou-se técnica
por pinça. Se isso não for possível, é base para o tratamento de pacientes com
recomendada a técnica aberta), o dedo indi- estenose mitral reumática que possuem
cador do cirurgião é inserido no átrio esquerdo, anatomia valvar favorável (DADJO et al.,
com o qual deve-se pesquisar por estenoses, 2021; ANDRADE et al., 2015).
insuficiências ou calcificações. O dedo não Nessa técnica, descrita na Figura 14.1,
deve permanecer no interior do átrio por mais primeiramente é obtido um acesso venoso
femoral, seguindo os procedimentos padro-
111
nizados, com auxílio de USG. Então, um fio apenas alguns segundos, o balão é desinflado e
guia de aço inoxidável de 160 cm com uma removido do paciente.
cânula reforçada na porção terminal é Após e durante a realização da comissuro-
introduzido na veia femoral e inserido no tomia mitral transvenosa percutânea, a ava-
sistema venoso até chegar ao átrio direito pela liação ecocardiográfica é essencial para guiar os
veia cava inferior. Após esse procedimento, o procedimentos e avaliar o sucesso da técnica,
fio guia é introduzido, com o auxílio da cânula através da avaliação da área valvar pré e pós-
reforçada, no átrio esquerdo, através do septo comissurotomia, da presença de regurgitação
interatrial. Esse cateterismo transseptal é a parte mitral após o procedimento, dentre outros
mais importante e delicada do procedimento. fatores (BISHOP & BORSODY, 2023).
Após a introdução do fio guia no átrio Para avaliar a morfologia da valva mitral,
esquerdo, o balão de Inoue é introduzido na um dos critérios mais utilizados é o escore
extremidade de um cateter no átrio esquerdo semiquantitativo de Wilkins, de modo a
com auxílio do fio guia, que é retirado em determinar se o paciente possui anatomia
seguida. Este balão de borracha possui três favorável para ser submetido à técnica. As
partes, que podem ser infladas de forma principais intercorrências que levam à
separada, com o diâmetro máximo de 24-30 complicação do procedimento incluem
mm (o tamanho é selecionado segundo as tamponamento cardíaco, regurgitação mitral
características anatômicas do paciente). Após a imediata, ruptura atrial durante a inserção do
introdução do cateter e balão no átrio esquerdo, cateter do balão de Inoue, falha na punção do
este é introduzido no interior do orifício da septo interatrial e falha no balonamento da
valva mitral, processo facilitado pela curvatura valva mitral (DADJO et al., 2021).
natural do cateter. Então, a extremidade distal No que diz respeito a fatores preditivos de
do balão é inflada em 1 cm. Após esse eventos adversos em pacientes submetidos à
insuflamento, o fluxo natural de sangue do átrio comissurotomia mitral transvenosa percutânea,
para o ventrículo desloca o balão até o o ritmo cardíaco, as características morfoló-
ventrículo esquerdo. gicas da valva mitral, pressão arterial pulmonar
Com o balão no ventrículo esquerdo, sua e área valvar mitral preservada após o
extremidade distal é totalmente inflada. Após procedimento mostraram-se critérios cruciais a
isso, o balão é tracionado em direção ao átrio serem analisados para se evitar complicações
esquerdo, até que o cirurgião sinta que a clínicas (DADJO et al., 2021). Dessa forma,
extremidade inflada tocou a porção ventricular quando os critérios são favoráveis, a valvu-
da valva mitral. Posteriormente, a porção loplastia mitral por balão apresenta uma menor
proximal do balão é inflada, fixando o balão na morbimortalidade, custo razoável, bem como
valva mitral. Então, a porção média do balão é reduções no tempo de internação, o que faz com
totalmente inflada e adquire sua extensão que essa técnica seja bastante favorável frente a
máxima. Com isso, a valva mitral é dilatada e cirurgias valvares convencionais (NAVAS-
as comissuras, separadas, realizando a BLANCO et al., 2021; MUTAGAYWA et al.,
comissurotomia. Após esse processo, que leva 2020).

112
Figura 14.1 Técnica da comissurotomia mitral transvenosa percutânea

Legenda: AD: Átrio Direito; AE: Átrio Esquerdo; VD: Ventrículo Direito; VE: Ventrículo Esquerdo; V. Mitral: Válvula
Mitral; VCI: Veia Cava Inferior. 1. Introdução do fio guia e cateterismo transeptal; 2. Introdução do Balão de Inoue
através da valva mitral e remoção do fio guia; 3. Insuflação da porção distal do balão e tração reversa no cateter até que
o balão toque na valva; 4. Insuflação da porção proximal do balão, fixando-o na valva; 5. Insuflação total do balão,
finalizando a comissurotomia.

Assim, durante um período relativamente ocorrência de eventos tromboembólicos (KIM


longo após o procedimento, a grande maioria et al., 2019).
dos pacientes permanece isenta de eventos Em relação a contraindicações, além dos
cardíacos, além de apresentar um estado critérios previamente mencionados, a comissu-
funcional aceitável, de modo que a área valvar rotomia mitral transvenosa percutânea não é
mitral pós-comissurotomia mitral transvenosa indicada em idosos com calcificação mitral,
percutânea é uma importante variável a ser visto que o anel mitral fica fortemente enri-
analisada, pois se apresenta como preditora jecido e dificulta a correta realização da técnica,
para reestenoses (DADJO et al., 2021). de modo que, para esses casos, recomendam-se
Contudo, exames complementares são impor- tratamentos menos invasivos (DESNOS et al.,
tantes para determinar se os pacientes com 2019). Algumas literaturas divergem quanto ao
estenose mitral por febre reumática submetidos prognóstico, principalmente alguns estudos
ao procedimento de fato se beneficiaram com a antigos, que concluíram que o sexo não é um
valvoplastia (SABBAGH et al., 2019). fator preditivo significante para prognóstico
Ademais, algumas técnicas podem apre- pós-valvoplastia, de modo que a análise do
sentar bons resultados quando realizadas escore de Wilkins foi mais determinante para
concomitantemente à comissurotomia, tal como previsões acerca do sucesso terapêutico. Outros
a ablação da fibrilação atrial em pacientes com estudos concluem que o sexo masculino
cardiopatia reumática submetidos a valvulo- apresenta piores prognósticos e maiores taxas
plastia mitral, que foi considerada eficaz na de reestoneses pós-procedimento, devido a uma
manutenção do ritmo sinusal. Essa técnica está anatomia valvar menos favorável, idade e maior
relacionada a taxas reduzidas de mortalidade e
113
gradiente de pressão transmitral (MUTA- alongamento ou rupturas de suas cordoalhas.
GAYWA et al., 2020). Para a plastia da válvula mitral, encontramos
Contudo, no acompanhamento de longo várias técnicas, desde pontos em X nas suas
prazo, a maioria dos pacientes exibe resultados comissuras, levando a uma redução do anel
sustentados. Atualmente, devido a uma menor mitral, passando por outras técnicas como a
incidência de cardiopatia reumática em jovens, colocação de um anel protético de Carpentier e
a comissurotomia mitral transvenosa percutâ- de Duran, técnicas essas que visam a uma
nea é cada vez mais indicada em pacientes diminuição do anel para ajuste adequado.
idosos com válvulas deformadas. Assim, a Vários autores se interessam em reparar cordas
previsão prognóstica e os resultados a longo tendíneas, destacando-se Frater, que relata que
prazo dependem de análises multifatoriais, as cordas tendíneas podem ser confeccionadas
sendo a idade um fator importante, juntamente com pericárdio bovino conservado em glutaral-
como análise de comorbidades prévias e área deído, e a técnica de Gregori, que criou novas
valvar mitral pós-procedimento (NAVAS- cordas a partir da própria cúspide. Técnicas
BLANCO et al., 2021). para encurtamento, fenestração, translocação e
retirada de cordas tendíneas curtas na recons-
Troca valvar trução da valva mitral têm sido descritas na
A troca ou plastia valvar são técnicas da literatura mundial (GOMES, 2017; LEAL et
cirurgia cardiovascular que se optam quando a al., 2019).
viabilidade da estrutura valvar está compro- Várias evidências clínicas e experimentais
metida ou com grande perda estrutural e apoiam-se na manutenção da continuidade
funcional. Utiliza-se o termo plástica, plastia da anulopapilar e da não excisão de todas as cordas
valva mitral ou reconstrução da valva mitral, na troca valvar da mitral. Os relatos na literatura
quando é realizado procedimento cirúrgico apontam mortalidade operatória que varia de
conservador em valvas que apresentam refluxo, zero a 9,5% para os grupos submetidos à troca
isto é dupla lesão ou insuficiência. Há uma valvar mitral com preservação de cordas. Em
diversidade de técnicas que podem ser utili- estudos com pacientes submetidos à plástica
zadas, destacando-se as anuloplastias. A plastia valvar, estes tiveram melhor preservação da
é um método que preserva a valva nativa, e é função ventricular, não havendo diferença sig-
semelhante a uma plástica, que repara os nificativa no desempenho cardíaco entre os
tecidos ou estruturas da base, com a finalidade grupos submetidos à troca valvar mitral com
de buscar o retorno do seu funcionamento preservação das cordas. A plástica da valva
normal. Quando as condições não permitem a mitral pode ser realizada em pacientes com
plastia, a valva mitral é então trocada por uma doença reumática, mesmo em atividade. Nos
prótese, que pode ser biológica, chamada de pacientes que apresentam calcificação intensa
bioprótese, ou prótese mecânica (PINTO, 2014; do aparelho valvar, a plástica não é o método
HARB et al., 2017; NISHIMURA et al., 2017). ideal. Além disso, o procedimento cirúrgico
Na literatura, os primeiros relatos referem- durante a fase aguda da doença melhora a
se a soluções para valvas estenóticas, seguindo- qualidade de vida de pacientes com doença
se as tentativas em valvas insuficientes. A cardíaca reumática (PINTO, 2014)
insuficiência da valva advém de dilatação do A plástica da valva mitral, na febre
próprio anel, alterações nos seus folhetos, reumática, é bastante discutida na literatura e os
114
seus resultados são discordantes em várias Elas degeneram e levam o paciente a precisar
publicações, pois a reconstrução valvar não é de uma nova cirurgia para a troca da prótese
fácil. Os resultados tardios sofrem a inter- valvar no futuro (PINTO, 2014).
ferência de novos surtos da doença, diferente da A prótese mecânica, por ser de metal, requer
degeneração mixomatosa, onde os resultados da o uso de medicação anticoagulante de uso
plástica já estão bem definidos. Isto, porém, não contínuo. E isso cria uma condição que o
invalida a plástica valvar na febre reumática, paciente não tem: torna o seu sangue pouco
pois, no geral, os resultados são superiores à coagulável. A necessidade da anticoagulação
troca. Além disto, os resultados também associada às próteses mecânicas deve-se ao fato
dependem do estado da valva no momento da de que elas tendem a formar coágulos. Caso
reconstrução, ou seja, quanto maior for o seu surjam, há o risco de travamento do disco da
acometimento, piores os resultados a longo prótese e de embolia cerebral. Por isso, a
prazo (PINTO, 2014; LEAL et al., 2019). disciplina do paciente e seu comprometimento
Em relação às complicações pós-operató- com o tratamento são fundamentais, tanto em
rias, estas podem ocorrer sob a forma de relação a tomar a medicação anticoagulante
endocardite bacteriana, tromboembolismo e quanto realizar o controle de TAP. Até mesmo
hemólise. Estudos mostram que essas compli- seu estilo de vida precisa ser levado em conta,
cações são baixas e que a maioria dos eventos devido aos riscos desse tipo de medicação. No
tromboembólicos ocorre no pós-operatório caso das válvulas biológicas, quanto mais
imediato. Até hoje não se contatou uniformi- jovem for o indivíduo, menos elas duram;
dade de resultados na literatura sobre recons- quanto mais idosas, mais tempo elas duram. Por
trução valvar mitral em pacientes portadores de isso, a idade é mais um fator a ser considerado
lesões decorrentes da febre reumática. A ex- na opção entre válvula mecânica ou válvula
plicação poderia estar relacionada à interfe- biológica (PINTO, 2014; GOMES et al., 2021).
rência de novos surtos reumáticos na evolução
desses pacientes (GOMES et al., 2021). Laser de alta potência
O tratamento cirúrgico das valvopatias
Prótese valvar geralmente busca remediar a fusão comissural,
A grande diferença entre as próteses de o espessamento e retração de cúspides das
válvula mecânica ou biológica está no tipo de valvas cardíacas. Nesse sentido, o emprego de
material com a qual são feitas. As válvulas laser de alta potência (LAP) no âmbito das
mecânicas são feitas de metal, enquanto as intervenções cirúrgicas já é uma realidade na
biológicas, na maioria das vezes, são de tecido prática médica, entretanto, dentro das correções
de suínos ou bovinos. O tecido utilizado é valvares, o uso do LAP ainda é pouco discutido.
inerte, eliminando majoritariamente o risco de A técnica cirúrgica até hoje utilizada na
rejeição. O impacto dessa diferença entre as resolução da estenose mitral consiste em secção
válvulas mecânicas e as válvulas biológicas está da fusão comissural com bisturi de lâmina
centrado na necessidade de uma futura reope- (comissurotomia mitral), e, quando necessário,
ração. As válvulas mecânicas têm uma divisão dos papilares fusionados (papilarotomia
durabilidade longa, normalmente a vida inteira. mitral). Nesse contexto, a substituição da
Por outro lado, as válvulas biológicas, de uma lâmina de bisturi pelo LAP foi uma técnica
maneira geral, precisam ser trocadas um dia. investigada em valvas de suínos, como uma
115
possível alternativa para melhorar o O uso da LAP em cirurgia valvar configura
prognóstico dos pacientes submetidos à um campo promissor, porém desafiador.
comissurotomia. A princípio, os resultados Embora existam benefícios em relação ao
mostraram que os danos causados pela alta reparo tecidual e na redução de cordas
temperatura do laser foram maiores que os tendíneas, os cirurgiões e estudiosos devem
danos causados pela lâmina de bisturi, sendo estar atentos às lesões térmicas e ao retardo na
um achado desfavorável para o emprego do cicatrização. Pesquisas e estudos futuros são
laser. Contudo, mesmo com maior número de necessários para elaborar e refinar técnicas de
lesões, o uso do laser gerou lesões com bordas correções valvares com laser, além de
menores que 1 mm, o que favorece a analisar/mitigar efeitos colaterais das cirurgias
regeneração primária e melhora o prognóstico valvares com emprego de LAP (PINTO, 2014).
das lesões, evitando a cicatrização por segunda
intenção. Por fim, estudos apontam que a Penicilina G benzatina injetável
utilização do LAP induz um processo de Os pacientes que convivem com a doença
reparação tecidual mais demorado devido ao reumática cardíaca necessitam de acompanha-
aumento da temperatura no local de aplicação mento constantemente pelos serviços de saúde.
do laser. Tal hipótese tem importância Desde 1954, a Organização Mundial de Saúde
cirúrgica, uma vez que, após a comissurotomia (OMS) adotou oficialmente a penicilina G
convencional (utilizando bisturi), há uma taxa benzatina injetável (PGB) como forma profi-
de pacientes que apresentam reestenose mitral lática, seja primária ou secundária, para preve-
devido a uma nova fusão das comissuras nir a progressão de lesões valvulares graves
valvares. Sendo assim, caso confirmado o decorrentes dessa doença. A administração da
apontamento citado acima, a comissurotomia PGB por via intramuscular é recomendada a
com laser poderia dificultar a reestenose mitral cada 3 a 4 semanas, com duração variando entre
e postergar um possível procedimento cirúrgico 5 anos e a vida toda, dependendo da ne-
adicional. cessidade do paciente. No entanto, há uma
Dentre as alterações comuns nas lesões baixa adoção do uso desse medicamento, e os
valvares, tem-se o alongamento das cordas motivos desse obstáculo são multifatoriais,
tendíneas, que podem evoluir para ruptura incluindo o medo da injeção, a duração do
destas estruturas. Isto posto, a aplicação de LAP tratamento e o receio quanto às complicações.
nas cordas tendíneas de suínos apresentou Quanto ao receio de morte associado a este
redução do comprimento final das estruturas medicamento em pacientes com doença
quando comparadas ao grupo-controle. Além cardíaca valvular grave, o benefício do uso da
disso, as cordas tendíneas expostas ao LAP PGB é menor do que os riscos. O medo e a dor
apresentaram menor resistência mecânica e provocados pela injeção podem desencadear
maior distensão, apresentando maior força uma resposta de hipotensão vasovagal, bra-
máxima no momento de ruptura em relação ao dicardia e síncope, levando à morte cardíaca
grupo-controle. Tal achado é uma evidência súbita. Anteriormente, acreditava-se que a
promissora para os futuros tratamentos de morte seria por mecanismos anafiláticos. No
valvopatias relacionadas com o alongamento entanto, as características clínicas de uma morte
das cordas tendíneas. ocasionada por anafilaxia e por colapso
vasovagal são diferentes. Assim, o uso da PGB
116
em pacientes com cardiopatias graves é cedimentos cirúrgicos não são excludentes,
contraindicado por causar um comprometi- pelo contrário, podem ser realizados de acordo
mento cardiovascular, podendo ocasionar com a situação clínica específica de cada
possível óbito do paciente. Por conta disso, paciente, cada um apresentando seus prós e
opta-se por outros meios de profilaxia secun- contras. Por exemplo, no caso das comissu-
dária, como o uso de antibióticos orais, após a rotomias, a comissurotomia mitral aberta é
análise da necessidade e da condição do reconhecida por sua alta eficácia e segurança,
paciente. embora seja importante observar que a
No que diz respeito aos pacientes com formação de insuficiência mitral está associada
estenose mitral, eles podem ser divididos em à técnica, dependendo da incisão realizada. Por
dois grupos: os que têm a forma leve ou outro lado, a comissurotomia mitral fechada é
moderada e os que têm a forma grave. Para o uma alternativa que depende do grau de
primeiro grupo, o benefício da PGB, quando o dilatação da própria valva após a realização do
paciente não tem alergia, é maior, pois previne procedimento. Quando a dilatação completa
o desenvolvimento das formas graves da não é alcançada, a alternativa é a realização do
doença, sendo uma medida profilática secun- procedimento aberto.
dária adotada pela OMS. No entanto, é crucial A técnica de comissurotomia mitral trans-
que a administração dessa droga seja criteriosa venosa percutânea, que utiliza um balão de
para garantir maior adesão ao tratamento. Inoue, representa a abordagem mais contem-
Deve-se analisar também a equipe técnica que porânea e o tratamento de escolha para estenose
realizará a administração do medicamento. mitral. Entretanto, a sua viabilidade depende da
Quanto aos pacientes com a forma grave de anatomia valvar favorável e da ausência de
estenose mitral, o tratamento com PGB não é calcificações, que podem inviabilizar o
recomendado por causa das chances de com- procedimento, especialmente em pacientes
prometimento cardiovascular e, assim, de idosos. Além disso, é necessário a conduzir
morte, sendo necessárias outras medidas estudos adicionais para esclarecer a relação do
profiláticas mais eficazes, caso o paciente possa sexo do paciente com os possíveis prognósticos
realizá-las, ou o tratamento com outros pós-cirurgia, uma vez que ainda há falta de
antibióticos orais. Sempre deve ser feita uma consenso quanto a essa questão. No que diz
análise individual de cada paciente levando em respeito à substituição da válvula por próteses
consideração suas condições socioeconômicas mecânicas ou biológicas, procedimento mais
e de saúde (SANYAHUMBI et al., 2022). invasivo em comparação aos outros, destaca-se
a possibilidade de sua realização durante surtos
CONCLUSÃO agudos de febre reumática. No entanto, a
Este capítulo abordou diversas implicações incerteza persiste em relação aos resultados
relacionadas ao tratamento de estenose mitral, pós-procedimento, que variam de acordo com o
com foco particular na doença reumática grau de acometimento da válvula.
cardíaca. Em todos os procedimentos mencio- O uso de laser de alta potência é uma área
nados, a análise prévia da anatomia valvar do de grande potencial para futuras investigações.
paciente e a avaliação do benefício pós-pro- Apesar de ser mais invasivo, devido à
cedimento assumem papel de fundamental exposição do tecido a altas temperaturas, ele
importância. Vale ressaltar que esses pro- demonstrou favorecer a regeneração primária
117
dos tecidos, o que justifica a realização de formas cardíacas graves, o que inclui a estenose
estudos adicionais para explorar seu pleno mitral.
potencial. Desse modo, conclui-se que a relação entre
Por fim, a utilização de penicilina G riscos e benefícios de cada abordagem tera-
benzatina (PGB) em pacientes com quadros pêutica deve ser cuidadosamente considerada
graves da doença reumática cardíaca é em cada caso clínico, ressaltando a necessidade
contraindicado, uma vez que aumenta o risco de de uma abordagem individualizada e a reali-
morte. Contudo, seu uso continua sendo zação de estudos adicionais para aprofundar a
indicado aos pacientes com uma profilaxia compreensão dessas questões.
secundária para o não desenvolvimento de

118
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10.1161/JAHA.121.024517.

119
CAPÍTULO 15

SÍNDROME DE BRUGADA E MORTE


SÚBITA

AMANDA RAIMUNDO DA SILVA¹


ANA BEATRIZ BORBA¹
ANA JULIA SARAGOÇA CIMOLIN¹
ARIANE FURBRINGER¹
CECILIA HALMENSCHLAGER¹
DAYANE JAQUELINE GROSS¹
EMANUELE PERON¹
FERNANDO RODRIGUES MAGANHA¹
GIULIA FERRANDIN¹
GIULIA VERONICA GARCIA MAES NUNES¹
GUILHERME RIBEIRO¹
NATÁLIA CRISTINA CESÁRIO¹
RAFAEL DA SILVA¹
RAFAELA MARTINS NARCISO¹
NIVAM RODRIGUES DA SILVA JUNIOR2

1. Discente – Medicina da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).


2. Docente – Medicina da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).

Palavras-chave:
Doenças cardiovasculares; Morte súbita; Síndrome de Brugada.

120
10.59290/978-65-6029-060-0.15
INTRODUÇÃO de sintomas preditivos (BRUGADA, 2023;
A síndrome de Brugada (SBr) é uma SIEIRA et al., 2017).
condição clínico-eletrocardiográfica distinta, No que diz respeito aos aspectos
que foi inicialmente documentada em 1992 epidemiológicos da morte súbita, tem-se que
pelos irmãos Brugada. Eles relataram oito casos esse evento é responsável por 50 a 75% de
de pacientes que haviam experimentado morte todos os eventos cardiovasculares fatais no
cardíaca súbita ressuscitada e apresentavam país. A incidência aumenta consideravelmente
ECGs com supradesnivelamento do segmento com a idade e o sexo masculino, tendo em vista
ST nas derivações precordiais direitas, mesmo que os homens possuem duas a três vezes maior
na ausência de doença cardíaca estrutural, dese- probabilidade de sofrer parada cardíaca súbita
quilíbrios eletrolíticos ou isquemia (BRUGA- do que as mulheres (ZHANG et al., 2016).
DA, 2023; MILITZ et al., 2021). Kamakura (2013), em sua revisão siste-
A apresentação clínica da SBr pode variar mática da literatura, destacou que a prevalência
significativamente, com alguns pacientes do padrão eletrocardiográfico Brugada varia
permanecendo assintomáticos, enquanto outros conforme a população estudada e a faixa etária.
desenvolvem sintomas como síncope, fibri- O padrão eletrocardiográfico de tipo Brugada é
lação atrial, síndrome do nódulo sinusal, mais comum em países asiáticos, especialmente
distúrbios de condução, assistolia e fibrilação entre a população jovem, enquanto países
ventricular. Essa condição é causada por ocidentais tendem a ter uma prevalência mais
mutações nos genes que afetam o potencial de baixa. Em termos gerais, estima-se que a
ação das células cardíacas, sendo o gene prevalência da síndrome de Brugada em adultos
SCN5A frequentemente envolvido, o qual seja aproximadamente 0,15% em países
desempenha um papel na estrutura e função do asiáticos, incluindo o Japão; entre 0,1% e
canal de sódio cardíaco (BRUGADA, 2023). 0,02% no Oriente Médio; e menos de 0,02% em
Um aspecto notável da SBr é sua relação países ocidentais. A alta prevalência em pe-
com o risco de morte súbita, muitas vezes ssoas asiáticas pode ser atribuída, em parte, a
identificado após um episódio de morte car- polimorfismos genéticos comuns associados à
díaca súbita ressuscitada. No entanto, é cada etnia, que podem influenciar a expressão da
vez mais comum diagnosticar pacientes que são mutação responsável pela condição ou a
completamente assintomáticos. Após uma suscetibilidade a arritmias (KAMAKURA,
extensa pesquisa avaliando os sintomas prévios 2013; MILITZ et al., 2021).
apresentados pelos pacientes que sofreram Apesar da igualdade na transmissão
morte súbita, o Prof. Sieira desenvolveu um genética da mutação entre ambos os sexos, o
esquema de pontuação com a finalidade de fenótipo clínico é consideravelmente mais co-
estimar o risco de morte súbita a partir da mum em homens do que em mulheres,
apresentação dos seguintes fatores de risco: tipo resultando em um prognóstico desfavorável
espontâneo 1, diagnóstico de anemia falci- para o sexo masculino. No entanto, não foram
forme, anemia falciforme familiar precoce, identificadas disparidades nos sintomas e na
estudo eletrofisiológico indutivo, episódio de mortalidade entre meninos e meninas antes da
síncope e disfunção do nó sinusal. Dessa puberdade. Mesmo com uma prevalência si-
maneira, consagra-se a estratificação de risco milar em ambos os sexos durante a infância, a
de os pacientes com SBr sofrerem morte a partir elevação dos níveis de testosterona nos homens
121
durante a adolescência e o início da vida adulta, descritores: Doenças cardiovasculares, Morte
combinada com a maior incidência do padrão súbita e Síndrome de Brugada.
eletrocardiográfico de Brugada na faixa dos 30 Os critérios de inclusão foram: artigos nos
anos, sugere que as diferenças podem estar idiomas português, inglês e espanhol; publi-
relacionadas à testosterona variando conforme cados no período de 2013 a 2023; que
a idade (BRUGADA, 2023; KAMAKURA, abordavam as temáticas propostas para esta
2013). pesquisa; estudos do tipo revisão, meta-análise
A identificação dessa nova síndrome trouxe e ensaios clínicos; disponibilizados na íntegra;
benefícios significativos para diversas áreas da além de livros e guidelines que dão suporte ao
medicina. A caracterização da síndrome tema. Os critérios de exclusão foram: artigos
reforçou a importância do eletrocardiograma duplicados, disponibilizados na forma de resu-
(ECG) como uma ferramenta de diagnóstico mo, que não abordavam diretamente a proposta
acessível, econômica e extremamente valiosa, estudada e que não atendiam aos demais
visto que o diagnóstico da SBr é fundamentado critérios de inclusão.
em anomalias no ECG. Para a cardiologia Após os critérios de seleção, restaram 18
clínica, a descrição dessa síndrome desmisti- artigos que foram submetidos à leitura
ficou um padrão eletrocardiográfico conside- minuciosa para a coleta de dados. Os resultados
rado normal por anos e possibilitou estruturar foram apresentados de forma descritiva, divi-
prognóstico para os pacientes. Para a área da didos em categorias temáticas abordando:
genética, a descoberta do primeiro gene asso- fisiopatologia; sinais e sintomas; diagnóstico;
ciado à SBr em 1998 proporcionou maior relação com a morte súbita; outras com-
entendimento quanto ao comportamento da plicações; e tratamento.
corrente de sódio na fisiopatologia dessa
condição clínica. Para o ramo da pediatria, foi RESULTADOS E DISCUSSÃO
possível elencar a SBr como causa de síndrome Fisiopatologia
da morte súbita infantil (SMSI), o que opor- O músculo cardíaco, para sua ação de
tunizou maior eficiência nos casos passíveis de contração e relaxamento efetivos, funciona a
tratamento para arritmia (BRUGADA, 2023). partir de potenciais de ações dependentes da
Desta forma, os objetivos deste estudo são movimentação de íons para o interior ou
revisar e elucidar informações relevantes acerca exterior das células miocárdicas, variando seu
da síndrome de Brugada, trazendo enfoque à potencial de -85 milivolt a 20 milivolt. A
relação com a morte súbita, contribuindo para despolarização cardíaca, assim conhecida, pode
identificação e conhecimento sobre possíveis ser dividida em 5 fases (0 - 4), cada uma
de estratégias no seu manejo. determinada pelo influxo ou efluxo de íons
(potássio, sódio, cálcio) através da membrana.
MÉTODO A fase 0, inicia-se com a abertura de canais de
Trata-se de uma revisão narrativa realizada sódio dependentes de voltagem e canais lentos
no período de setembro a outubro de 2023, por de cálcio, ocasionando o aumento desses íons
meio de pesquisas nas bases de dados: Google no meio intracelular. Uma vez atingido o
Acadêmico, Portal Regional da BVS, PubMed, potencial positivo de 20 milivolt, os canais de
SciELO e UpToDate. Foram utilizados os sódio são inativados e ocorre a fase 1, com
efluxo de potássio e influxo de íons cloro,
122
culminando em uma rápida repolarização. A entre o epicárdio direito e o endocárdio. Por
fase 2, também caracterizada como fase de consequência, temos a elevação do segmento
platô, é resultante do influxo de cálcio, o que ST nas derivações precordiais direitas, em
resulta em um prolongamento na duração do função da dispersão da repolarização e da
potencial de ação. Passado esse período, os refratariedade (RODRIGUEZ-CONSTAIN et
canais de cálcio são inativados, e ocorre o al., 2019).
aumento da permeabilidade dos íons potássio, Teoria da despolarização: esta teoria tem
caracterizando a fase 3 de repolarização celular. como base o atraso na condução presente na
Por fim, a fase 4 atua estabilizando de volta o região anterior epicárdica na via de saída do
potencial de ação inicial (-85 milivolt), através ventrículo direito, onde pode-se observar a
da atuação da bomba Na-K-ATPase, com saída existência de áreas com potenciais de voltagem
do excesso de sódio e entrada de íons potássio baixa e longa duração, o que não ocorre no
(RODRIGUEZ-CONSTAIN et al., 2019). endocárdio anterior na mesma via de saída, ou
O mecanismo fisiopatológico da síndrome em outras áreas dos ventrículos esquerdo e
de Brugada pode ser explicado por diferentes direito. Em uma atividade elétrica normal, todas
teorias, com causas variadas e associações a as células do coração são despolarizadas e
fatores hereditários, os quais refletem no colocadas em um estado refratário, evitando
funcionamento anormal do coração, com a uma nova excitação. Porém, quando algumas
manifestação característica no eletrocardiogra- fibras não se ativam adequadamente no ciclo
ma de supradesnivelamento do segmento ST. A cardíaco, as mesmas podem ativar áreas já
primeira, conhecida como reentrada clássica na despolarizadas que já se recuperaram da
via de saída do ventrículo direito (VSVD), ativação inicial, gerando um segundo potencial.
decorre de mutações as quais reduzem o influxo Este segundo potencial produzirá um fenômeno
de cálcio às células cardíacas, culminando em de reentrada, despolarizando novamente células
uma condução lenta do gradiente elétrico, cardíacas já repolarizadas pelo primeiro
associado a potenciais de ação fora de fase. potencial (RODRIGUEZ-CONSTAIN et al.,
Uma segunda teoria, consiste no fenômeno de 2019).
reentrada da fase 2, o qual pode ser causado Bases genéticas: a síndrome de Brugada
pelo aumento anormal do efluxo de potássio, segue um padrão de herança autossômica
ocasionando o encurtamento dos potenciais de dominante com penetrância incompleta. Neste
ação no epicárdio da via de saída ventrículo viés, 25% dos pacientes apresentam mutação no
direito (VSVD), levando a manifestação de gene (3p21), tal gene é responsável por codi-
fibrilação ventricular (BRUGADA, 2023). ficar a subunidade alfa do canal de sódio
Comprometimento da repolarização: nesta Nav1.5 o qual determina a fase 0 do potencial
hipótese fisiopatológica é descrita pelo encur- de ação. Em consequência, temos como resul-
tamento do platô em 40 a 70% no epicárdio, tado a perda da função do canal de sódio, o que
deste modo, existirá um desequilíbrio das reduz a corrente de íons e leva às manifestações
cargas positivas por conta da alteração das clínicas e do eletrocardiograma característicos
correntes iônicas na fase 1. Neste sentido, o da síndrome (BARAJAS-MARTÍNEZ et al.,
encurtamento do platô pode ser ocasionado seja 2013).
pela redução do influxo de cálcio ou sódio, seja Além disso, há outras mutações relacio-
pelo aumento de efluxo transitório de potássio nadas, como a mutação do gene SCN10A,
123
encarregado por codificar o canal de sódio canais de sódio – como flecainida e pro-
Nav1.8, levando, em decorrência disso, à perda cainamida, betabloqueadores, anel antidepre-
de sua função, o que diminui a corrente de sódio ssivo triplo ou anel quádruplo, lítio, anestésico
por meio da modulação da atividade do canal local, ajuste eletrolítico. Pacientes assinto-
Nav1.5 codificado por SCN5A, levando à máticos com eletrocardiograma sugestivo são
alteração dos intervalos PR e QRS. Por fim, a denominados portadores do padrão de Brugada
mutação no gene SCN1B42 impede a abertura (pB) (SICCHAR et al., 2018).
do canal de sódio, e no gene SCN3B43 causa
redução na corrente de sódio em razão da Diagnóstico
interferência no tráfego normal do canal para a Há 30 anos um caso chocou a comunidade
membrana celular (RODRIGUEZ-CONSTAIN médica cardiológica. A síndrome de Brugada
et al., 2019). entrava na história após um artigo publicado no
Journal of the American College, o trabalho
Sinais e sintomas trazia luz sobre uma alteração eletrocar-
Do ponto de vista clínico, mais de 30% dos diográfica muitas vezes fatal, que por muito
pacientes inicialmente apresentam morte car- tempo foi considerada como uma alteração
díaca súbita, que geralmente ocorre à noite. fisiológica de alguns pacientes (BRUGADA,
Também podem ocorrer síncope, palpitações 2023).
(devido ao maior risco de fibrilação atrial) e Após tanto tempo, SBr ainda permanece
respiração dolorosa durante o sono (SICCHAR como um diagnóstico de exclusão para outros
et al., 2018). fenótipos que podem mimetizar as mesmas
Os eletrocardiogramas mostraram consis- alterações elétricas no coração. Tem como
tentemente bloqueio de ramo direito (sem principal exame diagnóstico o ECG, sendo o
alterações típicas de bloqueio de ramo direito único capaz de dar o diagnóstico definitivo
em V6) e elevação do segmento ST > 2 mm em desta síndrome clínico-eletrocardiográfica
mais de uma derivação V1 a V3. São descritos (BRUGADA, 2023; FACIN, 2021).
dois padrões de alterações do segmento ST: 1) Quanto aos achados típicos para esta pato-
diminuição gradativa da elevação do segmento logia, a presença de um supradesnivelamento
ST com a convexidade direcionada para baixo, do segmento ST nas derivações precordiais
em direção à linha de base, terminando em direitas, é o mais comum. Porém, podem ser
inversão da onda T; 2) a linha entre o segmento percebidas anormalidades de despolarização e
ST e a onda T tem um formato específico repolarização ventricular que ocorrem na au-
(“sela” em inglês), em que a altura do segmento sência de doenças cardíacas estruturais signi-
ST cai pelo menos 0,5 mm acima da linha de ficativas. Desta forma, a SBr é subdividida em
base e depois aumenta, resultando em dois fenótipos diferentes, o padrão eletrocar-
extremidades com sinal positivo ou resultado diográfico de Brugada tipo 1, no qual é
positivo e ondas T bifásicas. Alguns pacientes identificado ondas J proeminentes, elevação do
apresentam prolongamento do intervalo QT4. segmento ST ≥ 2 mm e ondas T negativas em
Já foi demonstrado anteriormente que as pelo menos uma derivação precordial direita
alterações no ECG podem ser transitórias e (convencional ou superior), ou, o padrão tipo 2
podem ser causadas por medicamentos com presença de onda r’ seguido por um
antiarrítmicos de classe I – bloqueadores dos
124
segmento ST convexo e elevado (FACIN, As abordagens de testes genéticos
2021; MILITZ et al., 2021). moleculares podem incluir uma combinação de
Apesar de sugestivo e o tipo eletro- testes direcionados a genes (testes seriados de
cardiográfico 1 só fechar diagnóstico em oco- um único gene, painel multigênico) e testes
rrêcia com sintomas clínicos como síncope, genômicos abrangentes (sequenciamento de
fibrilação atrial (FA), síndrome do nódulo exoma, sequenciamento de genoma), depen-
sinusal (SNS), distúrbios de condução, assis- dendo do fenótipo (BRUGADA, 2023).
tolia e fibrilação ventricular (FV), ou outros Os testes direcionados aos genes exigem
exames que validem a suspeita, muitos que o médico determine quais genes estão
pacientes são assintomáticos (FACIN, 2021; provavelmente envolvidos, enquanto os testes
MILITZ et al., 2021). genômicos não o fazem. Indivíduos com os
Embora o diagnóstico da síndrome de achados sugestivos provavelmente serão diag-
Brugada seja feito através de alterações no nosticados por meio de testes genéticos,
eletrocardiograma, em pacientes com fenótipos enquanto aqueles com fenótipo indistinguível
duvidosos o teste genético pode auxiliar na de muitos outros distúrbios hereditários com
confirmação diagnóstica, além de servir para anormalidades de condução cardíaca têm maior
facilitar o rastreio genético familiar em doentes probabilidade de serem diagnosticados por
com a síndrome já estabelecida. Isso porque, a meio de testes genômicos (BRUGADA, 2023).
doença tem sido associada a variantes genéticas Testes seriados de um único gene podem ser
em múltiplos genes, que codificam considerados começando com SCN5A. Alter-
principalmente canais de sódio e de cálcio nativamente, testes seriados de um único gene
(SOUSA et al., 2020). podem ser considerados se fatores incluindo
Atualmente, acredita-se que a síndrome de achados clínicos, laboratoriais e ancestralidade
Brugada afeta vários loci genéticos e é influ- indicarem que a mutação de um gene específico
enciada por fatores ambientais, sendo, portanto, é mais provável (BRUGADA, 2023).
considerada um distúrbio oligogênico. Apesar Testes genômicos abrangentes não exigem
disso, seu mecanismo continua desconhecido que o médico determine qual gene provavel-
em cerca de 70% dos casos e nenhuma mutação mente está envolvido. O sequenciamento do
isolada é suficiente para causar a doença exoma é mais comumente usado, e o se-
(PÉREZ-RIERA et al., 2021). quenciamento do genoma também é possível
O gene SCN5A foi o primeiro gene a ser (BRUGADA, 2023).
associado com a SBr e é ainda considerado Um dos principais desafios da genética
como o único gene definitivamente associado à clínica moderna é a interpretação das alterações
síndrome, estando presente em 20% dos pa- genéticas e sua tradução na prática clínica. Isso
cientes com essa condição. Sobre ele, são porque, apesar destas diretrizes, a maioria das
conhecidas mais de 400 mutações associadas à variantes genéticas da SBr permanece de
SBr. Em uma revisão baseada em evidências de significado desconhecido ou ambíguo, e a
genes relatados como causadores de SBr, que tradução para a prática clínica deve ser feita
estão em uso clínico, 20 dos 21 genes não com cautela (BRUGADA et al., 2018).
tinham evidência genética suficiente para Por conta de alguns pacientes serem total-
apoiar sua causalidade para SBr (PÉREZ- mente assintomáticos, um episódio incomum é
RIERA et al., 2021). verificado, intitulado paradoxo de Brugada. O
125
diagnóstico da síndrome pode ser realizado do segmento ST e morte súbita: uma síndrome
após um episódio de morte súbita ressuscitada, clínica e eletrocardiográfica distinta: um
e os sintomas já mencionados, quando relatório multicêntrico”, foram citados oito
presentes, têm impacto no prognóstico. Sendo pacientes que sofreram morte súbita por
assim, indicada a colocação de um desfibrilador fibrilação ventricular. Observou-se que todos
(CDI) para tais pacientes. Porém, é aqui que o eles apresentaram eletrocardiogramas com
paradoxo de Brugada se apresenta, quanto mais supradesnivelamento do segmento ST nas
pontos o paciente obter no escore de risco de derivações precordiais direitas, caracterizando
Brugada maior chance de sofrer com uma morte um aparente bloqueio de ramo direito. Naquele
súbita, no entanto, maior a chance de ser momento, as causas da síndrome que havia
implantado um CDI e este paciente ser salvo causado tais quadros de FV não eram
(BRUGADA, 2023). totalmente claras, no entanto, o que já se
Entretanto, pacientes com pontuações considerava era que o distúrbio seria hereditário
baixas, apesar da menor chance de morte súbita, (considerando-se, inclusive, que dois dos
também não têm a carga de proteção de um pacientes eram irmãos) e proveniente do
CDI. Assim, apesar da incidência de arritmias segmento elétrico do coração, e não estrutural.
ser muito menor em pacientes com baixo risco, Mais tarde, o estudo levou ao entendimento da
a mortalidade real é maior devido à falta de fibrilação ventricular como uma das causas de
proteção. O entendimento deste paradoxo morte súbita em pacientes diagnosticados com
mostrou a classe médica a importância do ECG síndrome de Brugada (BRUGADA, 2023).
como exame diagnóstico, ressaltando sua Na síndrome de Brugada ocorre uma mo-
validade e seus benefícios, afinal é um método dificação nos canais iônicos transmembranares
barato, simples e muito valioso já que o encarregados da realização do potencial de ação
diagnóstico dessa síndrome se dá inteiramente do miócito. A consequência mais fatal das
por este método (BRUGADA, 2023). canalopatias é a geração de arritmias ventri-
culares malignas desencadeadas por um
Relação com a morte súbita mecanismo de repolarização heterogênea dos
A morte súbita é determinada como um ventrículos, que por sua vez predispõem à
acontecimento abrupto que acomete um indi- morte súbita (VARGAS SANABRIA et al.,
víduo supostamente saudável, ou seja, aquele 2017).
sem doenças prévias de seu conhecimento. Além disso, é comum que a morte súbita
Pode ser dividida em causas cardíacas e não relacionada à síndrome de Brugada ocorra
cardíacas. Dentre as causas cardíacas, durante o período de sono ou repouso do
encontram-se as anomalias eletrofisiológicas indivíduo, após refeições, ou até mesmo
primárias, como a síndrome de Wolff Parkinson durante episódios febris, uma vez que é durante
White, a síndrome do QT longo congênito, os esses momentos que ocorre o aumento do tônus
bloqueios atrioventriculares e a síndrome de vagal, considerado um fator determinante no
Brugada (VARGAS SANABRIA et al., 2017). processo de arritmogênese (RODRIGUES,
No artigo publicado pelo Journal of the 2021).
American College of Cardiology (JACC) há Sobre a estratificação de risco de morte
cerca de 30 anos, denominado “Bloqueio do súbita, leva-se em consideração fatores clí-
ramo direito, supradesnivelamento persistente nicos, eletrocardiográficos, hereditários e
126
genéticos. A respeito das condições clínicas, foi Outras complicações
possível relacionar maior risco de eventos Em primeiro plano, faz-se imprescindível
cardíacos graves em pacientes que anterior- relatar que a síndrome de Brugada é uma
mente apresentaram parada cardíaca ressusci- patologia rara, portanto, ainda há pouco
tada, eletrocardiograma tipo 1 espontâneo e embasamento teórico para relacionar a doença
história de síncope cardiogênica, não incluindo com complicações, ressalva a morte súbita em
síncopes de outras origens. O aumento do risco decorrência de arritmias ventriculares malig-
de evento cardíaco severo em pacientes com nas. Atualmente, sabe-se que a SBr não traz
síndrome de Brugada é de 2 a 6 vezes nos que riscos particulares para as gestantes, o feto ou
apresentam padrão eletrocardiográfico do tipo 1 para o parto, entretanto, evidencia-se que crian-
espontâneo e de 2,5 a 6 vezes naqueles que ças podem desenvolver a SMSI. Paralelamente,
apresentam histórico de síncope cardiogênica algumas pesquisas estudam sobre os abortos
(KRAHN et al., 2022). espontâneos em famílias com histórico de
Em relação aos fatores hereditários e síndrome de Brugada, mas os dados ainda são
genéticos, muito se discute sobre o SCN5A. inconclusivos (BRUGADA, 2023).
Acredita-se que uma mutação desse gene possa Ademais, segundo a Sociedade de Car-
estar associada a manifestações mais severas e diologia do Estado de São Paulo (SOCESP), o
mais precoces, já que está presente em cerca de CDI possui uma taxa relevante de complicações
25% dos indivíduos com a doença. Além disso, (cerca de 36%), sendo as mais relevantes:
é possível destacar uma relação hereditária em disfunção do eletrodo, infecção relacionada ao
pessoas com síndrome de Brugada que corpo estranho e choques inapropriados (SA-
possuíam familiares com menos de 40 anos que CILOTTO et al., 2023).
tiveram morte cardíaca súbita, elevando em até
duas vezes o risco de eventos cardíacos graves Tratamento
nesses pacientes. Essa associação só pode ser Em primeira análise, no que tange ao
realizada com familiares jovens, já que o estudo tratamento, é recomendado que indivíduos que
não mostrou resultados similares com membros apresentem um padrão eletrocardiográfico
de outras idades (RATTANAWONG et al., (ECG) compatível com a síndrome de Brugada
2021). tipo 1, que tenham experimentado episódios de
Ademais, idade e sexo são fatores que não síncope inexplicada recentemente, ou que
apresentaram relação direta com o prognóstico tenham uma história de taquicardia ventricular
da doença nos estudos existentes. Eventos sustentada ou que sobreviveram a uma parada
cardíacos graves aconteceram em pacientes de cardíaca súbita, considerem seriamente a
diversas idades, incluindo crianças menores de implantação de um dispositivo conhecido como
1 ano. Apesar disso, a morte cardíaca súbita cardioversor-desfibrilador implantável (CDI).
devido à síndrome de Brugada é signifi- Nessa perspectiva, ressalta-se que essa medida
cativamente menos relatada em pacientes é frequentemente aconselhada como parte do
idosos, sendo o motivo desconhecido. O sexo tratamento para reduzir o risco de eventos
feminino mostra-se mais favorável a um bom cardíacos graves, uma vez que o CDI é capaz de
prognóstico em relação a morte súbita, mas as monitorar continuamente a atividade elétrica do
pesquisas ainda são incompletas, descon- coração e, quando necessário, restaurar o ritmo
siderando vários fatores (KRAHN et al., 2022). cardíaco normal por meio de intervenções
127
elétricas, como a desfibrilação (BRUGADA, o risco de eventos cardíacos graves com os
2023). potenciais efeitos adversos dos tratamentos.
Ademais, no que concerne ao tratamento
para os pacientes que optam por não receber um CONCLUSÃO
CDI ou para aqueles que não são candidatos a A síndrome de Brugada é uma canalopatia
esse dispositivo, existe como alternativa genética que precisa de atenção imediata em
recorrer ao uso de medicamentos antiarrítmi- casos agudos e de um diagnóstico precoce. A
cos, como a amiodarona ou a quinidina. Além apresentação do quadro clínico pode variar de
disso, o isoproterenol IV também tem sido pacientes assintomáticos até síncope ou morte
utilizado nos casos em que a causa das arritmias súbita por parada cardiorrespiratória, demons-
frequentemente recorrentes parece ser tran- trando a complexidade da doença. As díspares
sitória e reversível (WYLIE et al., 2020). apresentações clínicas possuem semelhantes
Por conseguinte, vale ressaltar que mesmo fatores de risco e fisiopatologia, entretanto, as
nos casos em que o CDI já foi implantado, os abordagens terapêuticas devem ser individua-
medicamentos supracitados podem ser utili- lizadas.
zados como parte da abordagem terapêutica, É relevante ressaltar que o diagnóstico da
especialmente quando há recorrência de patologia permanece um grande desafio, em
arritmias cardíacas. Nessa lógica, essas subs- virtude de que, geralmente, a descoberta da
tâncias medicamentosas desempenham um doença somente ocorre frente a um quadro
papel importante no controle das arritmias crítico, visto que grande parte dos portadores
cardíacas, ajudando a estabilizar o ritmo permanece assintomático até apresentar alguma
cardíaco e a prevenir episódios potencialmente complicação severa.
graves (WYLIE et al., 2020). Certamente, percebe-se a importância de
Ainda, segundo Brugada (2023), deve-se um diagnóstico precoce frente à síndrome de
atentar ao fato de que nos pacientes sem Brugada, pois, dessa forma, poderão ser
sintomas o acompanhamento clínico é indicadas terapêuticas e medidas preventivas
suficiente e, em casos muito selecionados, a que possuem grande correlação com um
ablação por cateter pode auxiliar no controle prognóstico mais exitoso e uma melhor
das crises. Em suma, o tratamento ideal da qualidade de vida para esses pacientes.
síndrome de Brugada em pacientes diagnos- Isto posto, esse capítulo buscou abordar os
ticados com base em alterações no ECG e principais tópicos sobre a doença, com o
histórico familiar, mas que não apresentam objetivo de facilitar a aprendizagem acerca de
sintomas como síncope ou arritmias, ainda é um quadro clínico, predisposições genéticas, diag-
tema em debate e não está completamente claro. nóstico, tratamento, prevenção e prognóstico.
Essa incerteza persiste apesar do fato de que Fica evidente a importância de um acom-
esses pacientes têm um risco aumentado de panhamento médico frequente a fim de que se
morte súbita devido à condição. Dessa maneira, possa realizar um diagnóstico precoce,
a decisão de tratamento para pacientes com evitando, assim, uma possível morte súbita. Por
síndrome de Brugada que não apresentam fim, percebe-se que os constantes estudos na
sintomas é complexa e deve ser individua- área buscam um aprimoramento do diagnóstico
lizada, levando em consideração todos os e da terapêutica, ambos fatores que são
fatores relevantes, com o objetivo de equilibrar
128
fundamentais para reduzir as complicações possíveis frente a essa condição hereditária.

129
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Observational Study, v. 95, 2016. doi: 10.1097/MD.0000000000002707.

130
CAPÍTULO 16

REVITALIZANDO O CORAÇÃO:
PROCEDIMENTOS DE TROCA
VALVAR

ANA JULIA DA SILVA ZSCHORNAK¹


ANA JULIA SARAGOÇA CIMOLIN¹
ANDREZZA VERRI LUCCA¹
ARIANE FURBRINGER¹
CAROLINA BRESOLIN COSTELLA PINHEIRO¹
FERNANDO RODRIGUES MAGANHA¹
GABRIELA VITECKI E COSTA¹
GIULIA VERONICA GARCIA MAES NUNES¹
MARIA EDUARDA CAMARGO DE ROCCO¹
NATHALYA DE SOUZA SILVA¹
PEDRO HENRIQUE GUASQUE CAVINA¹
PEDRO PIAZZA SCHMIDT¹
RAFAEL DA SILVA¹
SARAH RAYZA CORRÊA¹
NIVAM RODRIGUES DA SILVA JUNIOR2

1. Discente – Medicina da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).


2. Docente – Medicina da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).

Palavras-chave:
Procedimentos cirúrgicos; Procedimentos cirúrgicos cardiovasculares; Valvas cardíacas.

131
10.59290/978-65-6029-060-0.16
INTRODUÇÃO contexto pós-operatório (DESJARDIN et al.,
À primeira vista, têm-se as valvulopatias 2022). Em suma, as disparidades entre os dados
associadas às principais causas de morbidade e obtidos nas pesquisas clínicas é um critério de
mortalidade globalmente, ademais, diretamente abordagem urgente, de maneira a visar o correto
atreladas aos crescentes casos diagnósticos, manejo e sucesso de tratamento das doenças
encontram-se as repercussões clínicas valvares em diferentes esferas populacionais.
decorrentes das alterações estruturais de Nesse viés, é fundamental a escolha correta
insuficiência e estenose valvares (ALURU et do procedimento a ser realizado, considerando
al., 2022). Outrossim, a compreensão que as valvoplastias preservam a válvula nativa,
epidemiológica do acometimento por doenças reparando os tecidos e estruturas; enquanto as
valvares é de suma importância, entretanto, são trocas valvares consistem na substituição da
escassos os recursos confiáveis na obtenção de válvula nativa por uma prótese biológica ou
dados epidemiológicos globais, visto que a mecânica. A escolha geralmente é feita a partir
prevalência é superior à clinicamente relatada, da doença de base do paciente, sendo que
sendo a crescente estritamente correlacionada doenças infecciosas e reumáticas usualmente
às análises post-mortem (COFFEY et al., indicam a cirurgia de troca valvar, devido aos
2017). Além disso, a escassez de acesso a danos causados ao tecido; já doenças
facilitadores de diagnóstico, como ecocardio- degenerativas normalmente indicam a
grama, leva à subnotificação, principalmente valvoplastia (ALMEIDA, 2019). Ainda, é
mediante países em desenvolvimento e determinada a abordagem por cirurgia con-
populações menos favorecidas, como os vencional ou transcateter e se a prótese deve ser
indígenas (ALURU et al., 2022; MARANGOU biológica ou mecânica, porque, apesar do índice
et al., 2019). de mortalidade entre ambas ser semelhante,
Quanto à prevalência das doenças cardíacas deve-se levar em consideração que as próteses
em painel global, expõe-se, inicialmente, as biológicas possuem maior risco de reoperação
manifestações secundárias à febre reumática, devido à menor durabilidade; enquanto as
seguidas de estenose de válvula aórtica, próteses mecânicas apresentam maior risco de
regurgitação mitral e regurgitação aórtica. Já sangramento, por requerem o uso vitalício de
em países desenvolvidos, a maior prevalência é anticoagulantes (SAMPAIO, 2019). Dessa
referida para a doença estenótica de válvula forma, aspectos relevantes como risco
aórtica, da qual apresenta associação com idade cirúrgico, preferência do paciente, experiência
avançada e doença cardiovascular crônica. dos profissionais, disponibilidade dos proce-
Ademais, as doenças inerentes à válvula aórtica dimentos, factibilidade técnica, contraindi-
são responsáveis por 61% das causas de óbito cações e fragilidades devem ser pontuados para
por doença valvar, em contrapartida, doenças levantar os riscos e os benefícios e escolher a
da válvula mitral contribuem em 15% dos casos técnica melhor aplicável (TARASOUTCHI et
(ALURU et al., 2022). Ainda que as mulheres al., 2020).
constituam uma proporção significativa dos O objetivo do presente estudo deu-se por
casos de doença valvar mundialmente, o meio da elucidação dos procedimentos
resultado de estudos quanto às modalidades de cirúrgicos realizados para tratamento de
tratamento e posteriores eventos desencadeados defeitos valvares, abrangendo estenoses e
apresentou-se com piores desfechos no
132
insuficiências valvares, bem como indicações e valva mitral, endocardite infecciosa, lúpus
repercussões das técnicas utilizadas. eritematoso sistêmico e doenças congênitas
(SALIK et al., 2023). Como complicadores,
MÉTODO temos disfunção do ventrículo esquerdo (VE),
Trata-se de uma revisão narrativa realizada dilatação do VE, hipertensão pulmonar e
no período de setembro a outubro de 2023, por fibrilação atrial de início recente. A troca valvar
meio de pesquisas nas bases de dados: Google é indicada quando, além da anatomia da válvula
Acadêmico, Portal Regional da BVS, PubMed desfavorável para plastia valvar, o paciente
e SciELO. Foram utilizados os descritores: apresenta doença reumática e é sintomático
Procedimentos cirúrgicos cardiovasculares e com NHYA > 2, quando é assintomático e
Valvas cardíacas. possui complicadores como fração de ejeção
Os critérios de inclusão foram: artigos nos entre 30 e 60%, diâmetro sistólico de ventrículo
idiomas português, inglês e espanhol; esquerdo ≥ 40 mm e pressão sistólica da artéria
publicados no período de 2013 a 2023; que pulmonar ≥ 50 mmHg ou fibrilação atrial, e
abordavam as temáticas propostas para esta pode ser considerada em casos de IM reumática
pesquisa; estudos do tipo revisão, meta-análise assintomática e sem complicadores. Em casos
e ensaios clínicos; disponibilizados na íntegra; de outras etiologias, a troca valvar é feita em
além de livros, guidelines e sites que dão pacientes com NYHA > 2, assintomáticos,
suporte ao tema. Os critérios de exclusão foram: porém com os mesmos fatores de complicação
artigos duplicados, disponibilizados na forma citados anteriormente e em casos de
de resumo, que não abordavam diretamente a insuficiência mitral por prolapso, com anatomia
proposta estudada e que não atendiam aos desfavorável à plástica valvar e sem
demais critérios de inclusão. complicadores (TARASOUTCHI et al., 2020).
Após os critérios de seleção, restaram 26 Entre as causas mais comuns de
trabalhos que foram submetidos à leitura insuficiência mitral secundária, estão a doença
minuciosa para a coleta de dados. Os resultados arterial coronária e a miocardiopatia dilatada.
foram apresentados de forma descritiva, Não há fatores complicantes específicos, mas o
divididos em categorias temáticas abordando: agravamento da disfunção e dilatação do VE
troca de valva mitral; troca de valva tricúspide; idiopáticos podem ser causados pela IM não
troca de valva aórtica, troca de valva pulmonar; tratada. Para os indivíduos com insuficiência
pré e pós-operatório. mitral secundária de origem isquêmica que são
sintomáticos com NYHA > 3 ou que já estão
RESULTADOS E DISCUSSÃO programados para revascularização do
Troca de valva mitral miocárdio, deve ser considerada a troca valvar.
A insuficiência mitral pode ser classificada Já para os casos de IM secundária à
como primária, quando existe anormalidade da cardiomiopatia dilatada, a intervenção cirúrgica
válvula em si, ou secundária, quando os se revela mais restrita, não mostrando benefício
folhetos são normais e as alterações são de quando realizada de maneira isolada
origem ventricular (TARASOUTCHI et al., (TARASOUTCHI et al., 2020).
2020). As etiologias mais prevalentes do Entre as etiologias de estenose mitral,
primeiro caso são febre reumática, prolapso da predomina-se a febre reumática, calcificação de
anel valvar ou outras causas raras (congênita,
133
drogas, síndrome carcinoide). Como com- nuciosa dos pacientes que apresentam
plicadores da comorbidade, pode-se citar a sintomas, possuem evidências de hipertensão
hipertensão pulmonar (pressão sistólica da pulmonar e estreitamento extremo da área
artéria pulmonar (PSAP) > 50 mmHg em valvar (< 1 cm). Entre as opções, existe a
repouso) e a fibrilação atrial de início recente. valvuloplastia mitral por balão, valvuloplastia
A troca valvar deve ser considerada em cirúrgica aberta (comissurotomia) e troca
pacientes com estenose mitral de origem valvar mitral. A valvuloplastia mitral por balão
reumática com classe funcional III–IV com é realizada preferencialmente em pacientes sem
contraindicações à valvuloplastia mitral por calcificações ou deformações nas cordas
cateter-balão ou em pacientes com fatores tendíneas, contraindicado na presença de
complicadores. Em casos de estenose mitral regurgitação mitral moderada, espessamento ou
degenerativa, a troca valvar é indicada a calcificações de folhetos e aparelho valvar. A
pacientes refratários ao tratamento clínico técnica consiste na inserção de um ou dois
(TARASOUTCHI et al., 2020). cateteres-balão no septo interatrial e insuflação
Ao indicar-se tratamento cirúrgico, deve-se do balão dentro da valva mitral estenótica,
analisar o risco-benefício do procedimento em proporcionando aumento de área valvar, porém
si, para determinado paciente. Há escores muito pode gerar diminuição na pressão atrial
utilizados ultimamente, como o EuroSCORE II esquerda, embolismo sistêmico e perfuração
(Sistema Europeu de Avaliação de Risco cardíaca. É importante ressaltar a possibilidade
Operatório Cardíaco) e o STS proposto pela de valvoplastia cirúrgica aberta, ou comissu-
Sociedade de Cirurgiões Torácicos. O rotomia mitral, nesse procedimento é possível
EuroSCORE II avalia fatores relacionados ao examinar a valva mitral, remover trombos do
paciente, condição cardíaca do mesmo e átrio esquerdo, seccionar comissuras e folhetos
operação proposta, considerada muito útil para fusionados, além de desbridar calcificações.
dimensionar a eficácia e qualidade da cirurgia. Pode ser realizada de forma aberta via
O risco é fornecido em porcentagem, valores esternotomia, ou fechada através de
maiores que 4% já são considerados risco toracotomia, sendo contraindicada quando as
aumentado. Já o STS leva em conta cirurgia alterações morfológicas valvares são graves e
planejada, fatores do paciente (idade, sexo, há regurgitação mitral concomitante. Nesses
peso, altura, etnia), valores laboratoriais casos, é realizada a troca da valva mitral, que
(creatinina, hematócrito, leucócitos e pla- será abordada no próximo parágrafo
quetas), medicamentos pré-operatórios, comor- (SABISTON, 2014).
bidades e estado cardíaco. O STS também A valva mitral é substituída quando há
apresenta o risco em porcentagem, sendo assim, extensa deformação e calcificação de folhetos
< 4% baixo risco, entre 4-8% têm risco interme- ou aparelho valvar ou em casos de regurgitação
diário e alto risco se > 8% (TARASOUTCHI et mitral concomitante. A cirurgia visa a pre-
al., 2020). servação do segmento do ápice ventricular
A intervenção cirúrgica tem como objetivo esquerdo ao anel mitral, onde há cordas
a redução da morbimortalidade. O momento de tendíneas. A taxa de mortalidade operatória
indicação e o tipo de intervenção dependem do associada a esse procedimento é de 2 a 10%, e
diagnóstico anatômico e funcional da valvulo- aumenta em casos de doença coronariana e
patia cardíaca, além da avaliação geral mi- presença de idade avançada. Sendo assim,
134
deve-se preservar o folheto posterior da valva mitral e/ou valva aórtica. Ocorre espessamento
mitral nativa para evitar a disfunção ventricular e retração das cúspides, com acometimento
esquerda, criando uma válvula mitral eficiente comissural. Entre outras causas mais raras da
sem regurgitação durante a sístole ventricular ET tem-se a endocardite infecciosa, lúpus
(SABISTON, 2014; SALIK et al., 2023). eritematoso sistêmico, mixoma atrial, de-
Um anel de anuloplastia flexível de forma e formidades congênitas, entre outras. Tanto os
tamanho adequados corrige a dilatação anular. sintomas quanto as alterações do exame físico
Pode ser usada prótese mecânica feita de restringem-se habitualmente aos pacientes com
carbono pirolítico, material resistente e mais ET importante. Entre estes, quanto aos que não
durável, porém depende do uso de medica- tiverem sintomas secundários à valvopatia deve
mentos anticoagulantes. Há também as próteses ser avaliada a presença de complicadores
biológicas, de tecido animal, que não requerem (fibrilação atrial e/ou comprometimento
o uso de anticoagulantes, mas possuem menor hepático – elevação de enzimas e alterações no
durabilidade e possível necessidade de subs- coagulograma) (TARASOUTCHI et al., 2020).
tituição. Dependendo da patologia da válvula, o A insuficiência tricúspide (IT) é uma lesão
anel pode ser de tamanho real ou valvar mais comum e pode ser classificada em
subdimensionado, levando em conta que o primária e secundária conforme a localização
tamanho subdimensionado excessivo pode da anormalidade. Os casos de IT primária, em
causar a permanência da regurgitação no pós- geral, associam-se à doença reumática, dege-
operatório (SALIK et al., 2023). neração mixomatosa, podendo também estar
Além da técnica aberta descrita anterior- associados a intervenções médicas (biópsias
mente, foi demonstrado que a cirurgia mini- endomiocárdicas de repetição, eletrodos de
mamente invasiva da valva mitral reduz o marcapasso ou cardiodesfibrilador implantável)
trauma cirúrgico já que é realizado uma ou causas de endocardite infecciosa e causa
minitoracotomia ântero lateral direita e vi- congênita (Ebstein). A IT secundária representa
deoassistida. Os resultados comparativos entre a grande maioria dos casos (> 90%) e
a técnica aberta e a minimamente invasiva habitualmente está relacionada a condições
revelaram-se equivalentes em relação aos riscos clínicas que podem dilatar o anel valvar
de pós-operatório a curto e médio prazo como tricúspide, principalmente acometimentos das
acidente vascular encefálico, mortalidade e câmaras cardíacas esquerdas (cardiomiopatias e
durabilidade do reparo. Entretanto, os pacientes doenças valvares), hipertensão portal (HP),
submetidos à técnica minimamente invasiva fibrilação atrial (FA) de longa duração, e
reduziram a permanência na unidade de terapia pericardite constritiva (TARASOUTCHI et al.,
intensiva, bem como uma retomada mais rápida 2020).
das atividades regulares (SALIK et al., 2023). Em seu quadro discreto, habitualmente não
requer qualquer tipo de abordagem direcionada
Troca de valva tricúspide à valva. Já os pacientes com IT moderada a
A estenose tricúspide (ET) é uma valvopatia importante exigirão acompanhamento especí-
rara, habitualmente associada à insuficiência fico relacionado ao conhecimento da etiologia e
tricúspide (IT). Sua etiologia mais comum é a repercussões associadas (TARASOUTCHI et
doença reumática, e geralmente ocorre con- al., 2020).
comitantemente ao comprometimento da valva
135
Nos pacientes com IT importante, quanto complicador (exceto pacientes com IT
maior o período que o paciente permanece com importante), o qual é avaliado pelo ecocar-
essa condição, mais sintomas impactarão o diograma (TARASOUTCHI et al., 2020).
tratamento adequado. Em contrapartida, mes- No que diz respeito às indicações cirúrgicas
mo em pacientes que não apresentarem sin- da ET e da IT, considerou-se as classes de
tomas, pode haver evolução com remode- recomendação e níveis de evidência da Diretriz
lamento do VD, o que pode justificar de Prevenção Cardiovascular da Sociedade
intervenções sobre a valva. Dessa forma, os Brasileira de Cardiologia (SBC), conforme
pacientes com dilatação ou disfunção do VD demonstrado no Quadro 16.1:
serão considerados portadores de fator

Quadro 16.1 Classes de recomendação e níveis de evidência da Diretriz de Prevenção Cardiovascular da SBC
Classes (graus) de recomendação

Condições para as quais há evidências conclusivas, ou, na sua falta, consenso geral de que o
Classe I
procedimento é seguro, útil e eficaz.

Condições para as quais há evidências conflitantes e/ou divergência de opinião sobre


Classe IIa segurança e utilidade/eficácia do procedimento. Peso ou evidência/opinião a favor do
procedimento. A maioria dos estudos/especialistas aprova.

Condições para as quais há evidências conflitantes e/ou divergência de opinião sobre


Classe IIb segurança e utilidade/eficácia do procedimento. Segurança e utilidade/eficácia menos bem
estabelecida, não havendo predomínio de opiniões a favor.

Condições para as quais há evidências e/ou consenso de que o procedimento não é


Classe III
útil/eficaz e, em alguns casos, pode ser prejudicial.

Níveis de evidência

Dados obtidos a partir de múltiplos estudos randomizados de bom porte, concordantes e/ou
Nível A
de meta-análise robusta de estudos clínicos randomizados.

Dados obtidos a partir de meta-análise menos robusta, a partir de um único estudo


Nível B
randomizado ou de estudos não randomizados (observacionais).

Nível C Dados obtidos de opiniões consensuais de especialistas.


Fonte: PRÉCOMA et al., 2019.

Com relação à estenose tricúspide, a pacientes com refluxo tricúspide moderado e


presença dos sintomas ou complicadores contraindicada em presença de trombo
descritos acarreta na indicação de intervenção refratário à anticoagulação e/ou vegetação. As
sobre a valvopatia. Apesar da escassez de condições clínicas que possuem indicação para
literatura sobre os tratamentos, a valvoplastia esse tipo de intervenção são: ET importante iso-
tricúspide por cateter-balão (VTCB) e a troca lada sintomática sem contraindicações (classe
de valva tricúspide são os mais descritos. A IIa C) e valvoplastia mitral por cateter-balão
valvoplastia tricúspide por balão é tratamento concomitante (classe I C). Não se recomenda a
de escolha, visto que a plastia valvar apresenta VTCB quando há presença de IT importante –
maiores taxas de sobrevida se comparada com classe III (TARASOUTCHI et al., 2020).
a troca valvar, e é possível de ser realizada em
136
A troca da valva tricúspide é a opção de número de estudos voltados ao tratamento
escolha nas seguintes condições clínicas: ET percutâneo da IT em razão da aplicação desse
importante sintomática em caso de impossi- método para resolução de outras doenças
bilidade de VTCB (classe I C) e ET importante cardíacas estruturais, principalmente relacio-
isolada sintomática (classe IIa C). Também nadas à valva mitral. Devido ao maior risco de
nota-se preferência por esse método quando há complicações em procedimentos cirúrgicos,
associação à cirurgia destinada a tratar uma diversos dispositivos estão sendo desenvol-
valvopatia mitral subjacente, e a preferência vidos com o fim de um tratamento inter-
pela utilização de prótese biológica (classe I C). vencionista - coaptação entre os folhetos e di-
Ademais, ressalta-se que nos casos de ET minuição do anel valvar tricuspídeo (TARA-
discreta/moderada sem sintomas de fadiga ou SOUTCHI et al., 2020).
congestão sistêmica nem complicadores, deve- O conhecimento anatômico da valva
se dar um seguimento individualizado de tricúspide e o entendimento das possíveis
acordo com a etiologia, dispensando a variações anatômicas são fundamentais para a
intervenção cirúrgica (TARASOUTCHI et al., compreensão dos papéis dos diferentes tipos de
2020). intervenção, dos alvos da terapia e da correta
Com relação à insuficiência tricúspide, o interpretação de imagens pré, intra e pós-
tratamento intervencionista de escolha é a operatórias. A abordagem cirúrgica isolada
plástica da valva tricúspide com utilização de segue sendo pouco indicada atualmente por
anel protético capaz de diminuir o diâmetro do apresentar maior taxa de mortalidade (8,8 a
anel tricuspídeo, melhorar a coaptação dos 9,7%), complicações e necessidade de
folhetos valvares e corrigir a regurgitação. Esse marcapassos permanentes entre as cirurgias de
procedimento é indicado quando há IT trocas valvares. O método cirúrgico conser-
moderada a importante e abordagem cirúrgica vador de troca valvar é a comissurotomia, que
de outra valvopatia na presença de anel pode ser realizada por processos fechados ou
tricuspídeo ≥ 40 mm (classe I C). Outras por visão direta. Dentre os fechados tem-se a
condições clínicas que podem ser indicadas são comissurotomia digital realizada pelo dedo
(classe IIa C): abordagem de outra valvopatia, introduzido através da aurícula direita e a
IT importante e sinais de disfunção de VD; comissurotomia com o auxílio de comissu-
abordagem de outra valvopatia, IT moderada a rótomos. A sob visão direta é realizada a céu
importante e/ou anel ≥ 40 mm com PSAP ≥ 70 aberto com auxílio da circulação extracorpórea
mmHg; e IT importante isolada refratária ao (AGRICOLA et al., 2021).
tratamento clínico. A escolha desse método em A introdução de intervenções transcateter da
presença de disfunção sistólica do VD valva tricúspide (ITVT) na última década,
importante é contraindicada – classe IIb C devido à sua significativa emersão, tem sido
(TARASOUTCHI et al., 2020). uma alternativa valiosa à cirurgia para o
A troca valvar será indicada somente em tratamento de doenças tricúspides em pacientes
casos de pacientes sem condições anatômicas com risco cirúrgico, e pode se tornar o
para a plástica com resultado satisfatório (classe tratamento de escolha em um futuro próximo.
I C). Assim como na estenose tricúspide, tem- Estudos recentes têm comprovado maior
se preferência pelo uso de próteses biológicas viabilidade, segurança e eficácia das ITVT em
(classe I B). Além das cirurgias, têm crescido o comparação aos métodos cirúrgicos conser-
137
vadores. Dependendo do alvo anatômico, as Troca de valva aórtica
ITVT podem ser categorizadas como: 1) Como visto nas demais valvopatias, as
anuloplastia restritiva direta ou indireta; 2) principais causas das doenças de válvula aórtica
restauração da coaptação dos folhetos de são doenças reumáticas, degenerativas e
maneira direta ou indireta; 3) implantação de prolapsos (ALMEIDA, 2019).
válvula tricúspide heterotópica; e 4) troca Dentre as causas de obstrução da saída do
valvar transcateter (AGRICOLA et al., 2021). fluxo sanguíneo através do ventrículo esquerdo,
A troca valvar tricúspide transcateter a estenose da válvula aórtica apresenta-se como
(TVTT) é o procedimento minimamente a causa mais comum. Na avaliação do paciente
invasivo que visa a substituição completa da com estenose aórtica e indicação de inter-
válvula disfuncional por uma válvula sinté- venção, o primeiro fator a ser analisado é a
tica/biológica. É uma terapia em ascensão gravidade anatômica da valvopatia, visto que
principalmente para pacientes com insuficiên- pacientes com defeitos anatômicos importantes
cia tricúspide severa com contraindicações ao possuem benefícios da intervenção. O grau de
reparo transcateter e à troca valvar cirúrgica. comprometimento pode ser definido por meio
Nos últimos anos, tem sido realizada a partir de de ecocardiografia, sendo a estenose aórtica
diferentes técnicas e com o auxílio de diferentes importante quando área valvar aórtica (AVA) ≤
dispositivos, sendo os principais: 1 cm² e/ou AVA indexada ≤ 0,6 cm²/m² na
1) Cardiovalve: é composta de folhetos de presença de gradiente médio VE/aorta ≥ 40
pericárdio bovino montados em uma moldura mmHg ou velocidade máxima do jato aórtico ≥
de nitinol, sua ancoragem é obtida através da 4,0 m/s, indicando a intervenção. Também
preensão dos folhetos e de uma flange atrial possuem indicação pacientes com estenose
com auxílio de um elemento proprietário de aórtica com baixo fluxo e baixo gradiente
ancoragem e vedação; quando possuírem gravidade anatômica e
2) Sistema Evoque: é composto por folhetos FEVE preservada com escore de cálcio valvar
de pericárdio bovino com saia de vedação intra- elevado (> 1300 AU em mulheres e 2000 AU
anular e âncoras, e possui uma grande vantagem em homens). Já os pacientes com baixo fluxo,
relacionada ao seu sistema de entrega 28Fr de baixo gradiente e FEVE reduzida, devem
baixo perfil, o que permite seu emprego via realizar ecocardiograma de estresse com
acesso transfemoral, e ao sistema de entrega dopamina e são considerados importantes se
orientável multiplanar, permitindo implantação houver reserva contrátil e AVA reduzida
coaxial da valva; (TARASOUTCHI et al., 2020).
3) Lux-valve: é uma válvula auto-expansível A intervenção é indicada na presença de
de tecido pericárdico bovino montada em stent sintomas atribuíveis à valvopatia, como
de nitinol coberto por uma camada de dispneia importante, angina e síncope. Casos de
polietileno; pacientes assintomáticos precisam da presença
4) Sistema GATE: constituído de um stent de complicadores. São complicadores: ecocar-
cônico auto-expansível de nitinol com três diograma com disfunção de VE (FEVE < 50%)
folhetos pericárdicos equinos e winglets e/ou marcadores de mau prognóstico (AVA <
anulares que permitem a fixação do anel e dos 0,7 cm², velocidade máxima do jato aórtico >
folhetos (GOLDBERG et al., 2021). 5,0 m/s, gradiente médio VE/aorta > 60
mmHg), e teste ergométrico com ausência de
138
reserva inotrópica e/ou baixa capacidade expectativa de vida > 1 ano com
funcional, hipotensão arterial durante o esforço contraindicações e riscos proibitivos à cirurgia
e/ou presença de sintomas e baixa carga convencional possuem indicação - com nível
(TARASOUTCHI et al., 2020). IIb C de evidência, segundo a SBC - para
São três os principais procedimentos de intervenção de implante de válvula aórtica
escolha para o tratamento da estenose aórtica a transcateter (TAVI) (TARASOUTCHI et al.,
cirurgia de troca valvar aórtica, o implante de 2020).
bioprótese aórtica transcateter (TAVI) e a A escolha do tipo de procedimento e
valvoplastia aórtica por cateter balão. As material da válvula depende de diversos fatores
diretrizes atuais são categóricas na indicação da e a decisão deve ser feita em conjunto com o
TAVI em detrimento a cirurgia para pacientes paciente. Dentre os fatores a serem consi-
inoperáveis, frágeis e/ou com alto risco derados estão: idade do paciente, seus valores e
cirúrgico (TARASOUTCHI et al., 2020). preferências, a durabilidade da válvula
A insuficiência aórtica, também chamada de bioprotética, prevenção da incompatibilidade
regurgitação aórtica, ocorre em decorrência ao da prótese do paciente, potencial necessidade
inadequado fechamento dos folhetos valvares de reintervenção e os riscos associados à
aórticos. A insuficiência pode ser causada em anticoagulação com a válvula mecânica (OTTO
decorrência dos folhetos valvares ou aumento et al., 2021).
da raiz aórtica. Os sintomas tendem a aparecer Quanto à cirurgia de substituição da válvula
em pacientes em estágios mais graves da aórtica, existem principalmente dois materiais a
doença, onde começam a apresentar dispneia serem considerados para a prótese, as válvulas
aos esforços, angina e outros sintomas pre- mecânicas e as biológicas. As válvulas car-
sentes na insuficiência cardíaca (ALMEIDA, díacas mecânicas são conhecidas por ter maior
2019). duração, cerca de 25 anos, porém, apresentam
A intervenção através de tratamento algumas desvantagens como pré-disposição
cirúrgico com troca valvar aórtica consiste na para embolia, trombose e necessidade de
principal terapia intervencionista da insufi- anticoagulação ao longo da vida. Por isso, em
ciência aórtica. A cirurgia de troca valvar é pacientes com contraindicação à anticoa-
indicada para pacientes sintomáticos - nível de gulação ou aqueles que recusam terapia com os
evidência IB (pela SBC, AHA e ESC) em antagonistas da vitamina K, devem ser
pacientes sintomáticos e FEVE < 50% - e com analisadas alternativas diferentes. Quanto à
alterações dos diâmetros ventriculares - nível de anticoagulação, os novos anticoagulantes orais
evidência IIa B em paciente reumáticos com não se mostraram seguros ou eficientes em
DDVE > 75 mm ou DSVE > 55 mm, em não pacientes com válvulas mecânicas. A válvula
reumáticos com DDVE > 70 mm ou DSVE > mecânica pode ser uma boa opção para
50 mm ou DSVE indexado > 25 mm/m² (pela pacientes aos quais uma segunda intervenção
SBC), nível de evidência IIa C em pacientes envolve um alto risco, como aqueles com
com DDVE > 70 mm ou DSVE > 50 mm ou exposição prévia à radiação (RAJPUT &
DSVE indexada > 25 mm/m² (pela AHA), nível ZELTSER, 2023).
IIa B de evidencia em pacientes com DDVE > As válvulas bioprotéticas podem ser
70 mm ou DSVE > 50 mm ou DSVE indexado aloenxertos (através de tecidos de cadáver ou
> 25 mm/m². Pacientes sintomáticos com técnica de Ross) ou um xenoenxerto (nativo ou
139
pericárdio). A técnica de Ross envolve calcificados nos folhetos valvares e, em menor
substituir a valva aórtica doente pela valva grau, o estiramento do anel e a separação das
pulmonar do próprio paciente e substituir a comissuras calcificadas ou fundidas. Os
valva pulmonar com aloenxerto de pulmonar ou resultados hemodinâmicos imediatos incluem
aórtica. Dessa forma, o auto-enxerto pulmonar redução moderada do gradiente de pressão
tem as vantagens de crescer com o paciente e transvalvar, mas a área valvar pós-dilatação
não induzir uma resposta imunológica. Os raramente excede 1,0 cm. Apesar da modesta
xenoenxertos mais comuns são valvas aórticas alteração na área valvar, geralmente ocorre uma
de suínos ou valvas de pericárdio bovino. melhora sintomática precoce. No entanto,
Embora as valvas biológicas tenham melhor complicações agudas graves ocorrem dentro de
hemodinâmica em comparação às válvulas 6 a 12 meses na maioria dos pacientes. Portanto,
mecânicas, possuem uma vida menor por conta em pacientes com estenose, a dilatação aórtica
das calcificações que enrijecem os folhetos percutânea com balão não substitui cirurgia de
(RAJPUT & ZELTSER, 2023). troca valvar (OTTO et al., 2021).
Outro tipo de procedimento diz respeito ao Para pacientes não indicados à cirurgia
reparo da válvula aórtica. Atualmente, as devido a alto risco, o implante da válvula
indicações da plástica da valva aórtica são as aórtica transcatéter (TAVI) surge como uma
mesmas da troca valvar, com benefício de opção mais viável e menos arriscada. Essa
baixas complicações perioperatórias. Além técnica envolve o implante de uma válvula
disso, os especialistas sugerem a realização do aórtica artificial através de um cateter que é
reparo da valva aórtica como intervenção de introduzido por uma grande artéria periférica,
primeira linha na regurgitação/insuficiência da posicionado no local da válvula natural doente
valva aórtica. Os resultados do reparo da valva e, assim, o implante é liberado e expandido. Por
aórtica na insuficiência valvar aórtica se tratar de um procedimento minimamente
dependem do tamanho e da qualidade da invasivo, é indicado no tratamento cirúrgico de
cúspide disponível para reparo. Pacientes com pacientes com estenose aórtica grave e
destruição significativa da válvula aórtica, sintomática que são considerados de alto risco
calcificações ou danos mecânicos devido a ou inoperáveis por cirurgia aberta. Nesses
doença cardíaca reumática têm menor pro- pacientes, múltiplos estudos demonstram uma
babilidade de se beneficiar do reparo da válvula série de desfechos favoráveis, como aumento
aórtica. O reparo da valva aórtica mostrou re- de sobrevida, melhora da sintomatologia e
sultados positivos em valvas aórticas unicús- ganhos de qualidade de vida, além da redução
pides, bicúspides e quadricúspides (AHMED & de hospitalizações. A principal vantagem da
PUCKETT, 2022). TAVI é que a válvula pode ser inserida de
A dilatação percutânea por balão aórtico forma percutânea sobre a válvula nativa, sem a
tem um papel no tratamento de crianças, necessidade de cirurgia aberta (FOLLADOR, et
adolescentes e adultos jovens com estenose al., 2018; RAJPUT & ZELTSER, 2023).
aórtica, mas seu papel no tratamento de
pacientes idosos é muito limitado. O Troca de valva pulmonar
mecanismo pelo qual a dilatação do balão reduz A troca de válvula pulmonar, com ou sem
modestamente a gravidade da estenose em reconstrução da via de saída do ventrículo
pacientes idosos é a fratura dos depósitos direito (VSVD), propõe a intervenção por
140
implantação de prótese valvar sobretudo para próteses sofrem processo degenerativo, o qual é
pacientes com doença cardíaca congênita e acelerado em pacientes mais jovens (QUIN-
lesões no coração direito. Sob esse viés, em TESSENZA, 2021). Já o conduíte valvulado de
torno de 20% das doenças cardíacas congênitas ePTFE sintética possui baixa imunogenicidade
exigem reparo cirúrgico da VSVD em ope- e boa biocompatibilidade, enquanto as CVBJ
rações iniciais (CHAU, 2022). Ainda, a apresentam maior risco de endocardite tardia
prevalência de cardiopatias congênitas em todo em comparação às outras válvulas supracitadas
o mundo é de cerca de 9 por mil recém-nas- (OOTAKI & WILLIAMS, 2019).
cidos, das quais 20% afetam a válvula pulmonar Ensaios clínicos de longo prazo acerca da
ou o ventrículo direito (QUINTESSENZA, reintervenção e sobrevida após TPVR, com
2020). válvulas Melody (válvula venosa jugular bo-
Em relação a troca de válvula pulmonar, vina em stent revestido de platina e irídio) e
atualmente existem múltiplos tipos de próteses válvulas Sapien (tecido pericárdico bovino em
com diferentes indicações para uso, sendo as stent de cromo-cobalto com saia de tecido),
mais comuns as mecânicas e bioprotéticas. proporcionam dados estatísticos sobre a mor-
Apesar de possibilitarem melhora na condição talidade, necessidade de reintervenção cirúrgica
de vida dos pacientes, as próteses valvares e sobrevida dos pacientes pós-procedimento.
apresentam algumas limitações, em especial a Entre os estudos, uma coorte multicêntrica de
incapacidade de se adaptar hemodinamica- 2.476 pacientes demonstrou que 3,8% das
mente ao longo do crescimento do paciente. mortes foram causadas por IC, sendo o mal
Logo, uma prótese valvar ideal incluiria posicionamento da prótese um dos fatores de
componentes não obstrutivos, duráveis, sem risco, e a incidência cumulativa de reinterven-
resposta trombótica, inflamatória e/ou imu- ção, em 8 anos, de TPVR foi de 25,1% e de
nogênicas, de fácil implantação (cirurgicamen- cirúrgica foi de 14,4%. Acerca da necessidade
te ou transcateter) e acessibilidade (QUIN- de reintervenção, os fatores de risco mais
TESSENZA, 2020). Algumas opções presentes determinantes são idade do paciente, histórico
atualmente são os aloenxertos, válvulas de endocardite prévia, TPVR de válvula
bioprotéticas, mecânicas, conduítes valvulados bioprótese com stent e gradiente pós-implante.
de politetrafluoretileno expandido (ePTFE), Nesta mesma coorte de pacientes, foi cons-
conduítes de veia jugular bovina (CVBJ), e, tatado que 7,35% desenvolveram endocardite
ainda em estudos, válvulas cardíacas de (mediana de 2,7 anos após a TPVR), sendo a
engenharia de tecidos. Os aloenxertos apre- incidência cumulativa de 9,5% em cinco anos.
sentam bons resultados hemodinâmicos, com Por fim, a análise de resultados dos demais
menor risco tromboembólico e baixa imunoge- estudos apresentou taxas de sobrevivência e
nicidade, porém, possuem baixa disponibili- ausência de reintervenção (após TPVR) com-
dade e durabilidade limitada, com maior paráveis às taxas de substituição cirúrgica do
rapidez de degradação em crianças. As conduto/valva em faixa etária ampla (CHAU,
biopróteses, além de demonstrarem as mesmas 2022).
vantagens, possuem maior disponibilidade, no Dentre as condições que requerem a troca de
entanto não demonstram bom desempenho em válvula pulmonar destacam-se as valvulopatias
crianças e jovens, sendo consideradas fatores de pulmonares isoladas, doenças congênitas repa-
risco para reintervenção, uma vez que estas radas com conduto ventrículo direito-artéria
141
pulmonar e defeitos valvares pulmonares de- casos de estenose pulmonar (EP) são: (1) em
vido a cardiopatias congênitas, exemplificada adultos com EP moderada ou grave e sintomas
pela Tetralogia de Fallot (TOF) (BACKER, inexplicáveis de insuficiência cardíaca, cianose
2018). Outras indicações atuais contemplam e/ou intolerância ao exercício físico, que são
pacientes com maior risco de dilatação do VD, inelegíveis ou que falharam na valvoplastia
insuficiência do VD, intolerância ao exercício, com balão (dilatação por cateterismo para
arritmia e morte súbita. A troca de válvula revitalizar o fluxo sanguíneo), recomenda-se o
pulmonar tem como objetivo a melhora de reparo cirúrgico; (2) em adultos assintomáticos
função e sintomas relacionados à atividade do com EP grave, a intervenção é considerável. A
VD, com benefício máximo em intervenções substituição da válvula pulmonar também pode
precoces, mesmo com maior probabilidade de ser necessária na presença de displasia
reintervenção em 10 anos, porém, ressalta-se acentuada da valva ou em casos de hipoplasia
que os riscos cirúrgicos devem ser avaliados significativa do anel pulmonar. Já para casos de
segundo as singularidades do caso clínico regurgitação pulmonar (RP) isolada após o
(OOTAKI & WILLIAMS, 2019). reparo da EP, há recomendação da troca para
Acerca das indicações que abrangem as pacientes sintomáticos com RP moderada ou
diretrizes europeias, canadenses e da American grave resultante de EP isolada tratada, com
Heart Association (AHA) / American College dilatação ou disfunção do VD. Ainda, para
of Cardiology (ACC) em relação à troca de pacientes assintomáticos nas mesmas
válvula pulmonar transcateter, encontram-se condições cuja dilação no VD seja progressiva,
como critérios: sintomas de insuficiências a troca da válvula pulmonar pode ser
cardíacas com farmacoterapia necessária, considerada para terapêutica.
gradiente em PV com pico > 50 mmHg ou Outras recomendações das diretrizes são:
média > 30 mmHg, hipertensão de ventrículo (1) indicação da troca de válvula pulmonar para
direito (VD) (pressão VD/VE > 0,7), regur- alívio dos sintomas em paciente com TOF
gitação pulmonar moderada a grave, volume reparada e RP moderada ou grave com sintomas
diastólico final do ventrículo direito (RVED) > cardiovasculares sem outra explicação; (2)
160 ml/m², volume diastólico final do considera-se a troca valvar para preservação do
ventrículo direito (RVES) > 80 ml/ m2, volume tamanho e função ventriculares em pacientes
RVED ≥ 2 × volume diastólico final ventricular assintomáticos com TOF reparada e aumento
esquerdo (LVED), fração de ejeção do ou disfunção ventricular e RP moderada ou
ventrículo direito (RVEF) < 0.40 – 0.45 ou grave. Além disso, pode-se considerar a troca
duração do QRS ≥ 180 ms, além de outros para adultos com TOF reparada, RP moderada
fatores adicionais, como arritmias atriais ou ou grave e taquiarritmia ventricular (STOUT et
ventriculares sustentadas, lesões coexistentes al., 2019).
significativas ou disfunção de ventrículo Em relação à abordagem cirúrgica da troca
esquerdo (VE) (CHAU, 2022). de válvula pulmonar, a esternotomia é co-
Segundo as Diretrizes para Tratamento de mumente realizada em procedimentos abertos,
Adultos com Doença Cardíaca Congênita sendo que após uma incisão longitudinal que
(American Heart Association Task Force on atinja a VSVD, o anel pulmonar pode ser
Clinical Practice Guidelines) algumas reco- visualizado e a válvula ou conduíte de tamanho
mendações para troca de válvula pulmonar em apropriado pode ser inserida a partir de técnicas
142
cirúrgicas variadas, sendo a circulação ex- (OOTAKI & WILLIAMS, 2019). Portanto,
tracorpórea (CEC) normalmente utilizada em além do acompanhamento médico a curto e
normotermia ou hipotermia leve (OOTAKI & médio prazo e da abordagem cirúrgica, a
WILLIAMS, 2019). Já a troca de válvula colaboração entre cirurgiões cardíacos e
pulmonar transcateter (TPVR), realizada em cardiologistas demonstra-se altamente eficaz
humanos desde o início dos anos 2000, é para otimizar condutas acerca do quadro clínico
considerada minimamente invasiva. Atualme- do paciente a longo prazo, em especial para os
nte, trata-se de uma técnica segura e eficaz para riscos individuais apresentados (BACKER,
tratar disfunções valvares graves (estenose e/ou 2018).
insuficiência) em biopróteses ou condutos
cirúrgicos em posição pulmonar. O proce- Pré e pós-operatório
dimento inclui cateterismo cardíaco direito e Primeiramente, vale ressaltar, conforme
esquerdo, além de uma avaliação hemodinâ- observado por Rocha (2016), que, quando se
mica da VSVD realizada juntamente à trata dos fatores de risco associados às doenças
angiografia aórtica e coronária. Nesse cenário, cardiovasculares, vários deles se manifestam
é possível calcular o dimensionamento final do com uma frequência alarmante. Entre esses
balão, o risco de ruptura do conduto e fatores, destaca-se a alta prevalência de
compressão da artéria coronária, assim como o hipertensão arterial sistêmica (HAS), que afeta
preparo do conduto como pré-stent antes do cerca de 47,3% da população estudada, além da
implante da válvula pulmonar. Nesse viés, diabetes mellitus (DM), que atinge 16,1% dos
algumas das principais preocupações quanto à indivíduos analisados. A dislipidemia, caracte-
realização da TPVR são o diâmetro da VSVD < rizada por níveis elevados de lipídios no
28 cm, a não compressão da artéria coronária sangue, é outro fator de risco amplamente
durante a insuflação do conduto valvulado com presente, afetando 28,6% da amostra. Além
stent, devendo ser testada antes de sua disso, a inatividade física é notada em 60,7%
finalização, além do rompimento do conduto dos casos, enquanto o sobrepeso é uma con-
nos implantes. Convém ressaltar que como a dição presente em 41,1% dos participantes do
TPVR é menos invasiva que a troca de válvula estudo. Uma preocupação particularmente rele-
pulmonar cirúrgica, pacientes assintomáticos, a vante é a circunferência abdominal aumentada,
depender do quadro clínico, podem se identificada em surpreendentes 73,1% das
beneficiar com essa via de procedimento. mulheres e 20,6% dos homens analisados,
Contudo, as contraindicações para TPVR são a estando diretamente correlacionada com a
falta de acesso venoso (via femoral e jugular), hipertensão arterial sistêmica e o ganho de peso
estenose pulmonar grave sem a possibilidade de corporal. Além desses fatores, o histórico de
alívio por dilatação do balão, endocardite ativa tabagismo também emerge como um com-
ou infecção sistêmica, alergia à aspirina ou ponente crucial nas condições que predispõem
heparina, além de gestantes (CHAU, 2022). às doenças cardiovasculares. Este hábito tem
Ainda, após o procedimento o risco de um impacto significativo no desenvolvimento
endocardite é considerado a complicação mais de condições cardíacas, sendo especialmente
comum, porém “a mortalidade cirúrgica e a relevante no contexto da estenose aórtica.
morbidade após troca de válvula pulmonar Ademais, quando se leva em conta um pré-
cirúrgica têm sido mínimas na era atual” operatório das diversas intervenções cirúrgicas
143
cardíacas, a troca valvar emerge como uma No entanto, em estudo realizado por
procedimento de alto risco, especialmente em Covalski et al. (2021), no qual foram analisados
pacientes com idade superior a 60 anos, do sexo 119 pacientes submetidos a trocas valvares
feminino, que possuem uma fração de ejeção (sendo 55 troca valvar aórtica biológica, 33 de
(FE) igual ou inferior a 45%, bem como aqueles troca valvar aórtica metálica, 20 de troca valvar
que têm indicação para cirurgia de revas- mitral metálica e 11 de troca valvar mitral
cularização miocárdica (CRM) simultânea, biológica), constatou-se que 75,8% dos paci-
sofrem de hipertensão pulmonar e são entes apresentaram complicações dentro das 72
classificados como classe funcional III ou IV da horas iniciais, (destes, 75,9% apresentaram de
New York Heart Association (NYHA). Além 1 a 3 complicações, 18,8% de 4 a 6 e 5,2%
disso, os níveis de creatinina no sangue também apresentaram 7 ou mais, sendo 10 o número
se mostram como fator crucial neste cenário. máximo de complicações concomitantes
Entretanto, é possível observar uma disparidade apresentadas por um paciente). Nessa lógica,
significativa entre o volume de publicações que em relação ao ranking geral, no que tange às
abordam a CRM em comparação com aquelas complicações mais frequentemente apresenta-
que se dedicam à troca valvar. Tal desequilíbrio das, teve-se: baixo débito urinário com 38,9%,
ressalta a necessidade premente de uma arritmias com 22,2%, hipertensão com 18,7%,
investigação mais aprofundada sobre caracte- hipotensão com 17,1%; e, por fim, hipocalemia
rísticas clínicas, fatores de risco, comorbidades com seus 15,1%. Assim, ao se colocar uma
e complicações específicas relacionadas aos análise mais precisa no que concerne a quais
diferentes tipos de cirurgias envolvendo trocas sistemas acabaram sendo mais prevalentes,
valvares. levando em conta o estudo supracitado, con-
No que tange às complicações resultantes de clui-se que: em primeiro lugar tem-se as
uma intervenção cirúrgica, tem-se que estas complicações cardíacas com 46,0%, seguidas
podem surgir em até 30 dias após o ato das complicações renais com 38,9%, depois
cirúrgico e dentre as complicações mais hidroeletrolíticas com 25,8% e pulmonares com
comuns, destacam-se algumas: problemas 19,0%, já as hematológicas com 10,7% e as
pulmonares (como insuficiência respiratória neurológicas com 7,9%.
aguda, hipoxemia, pneumonia e derrame pleu- No contexto do pós-operatório, o estudo
ral), questões neurológicas (delirium, crises conduzido por Cabral et al. (2014) lançou luz
convulsivas e acidente vascular encefálico sobre a frequência de complicações pulmona-
isquêmico), cardíacas (como arritmias, hiper- res, revelando que estas ocorreram em 2,7% dos
tensão arterial e hipotensão arterial), infeccio- casos. Surpreendentemente, esta incidência foi
sas, renais (como baixo débito urinário, ligeiramente superior à incidência de com-
insuficiência renal aguda e necessidade de plicações cardíacas, que foi registrada em 2,5%.
realização de hemodiálise), desequilíbrios Assim, uma análise mais aprofundada desses
hidroeletrolíticos (como hipocalemia, hiperca- dados revelou uma distinção notável entre as
lemia e hipocalcemia), variações glicêmicas, complicações pulmonares e cardíacas: os
condições hematológicas (como sangramentos fatores relacionados ao procedimento cirúrgico
e trombose venosa profunda) e distúrbios mostraram ter um valor preditivo mais signi-
digestivos (PIVETTA et al., 2023). ficativo em relação às complicações pulmo-
nares do que os fatores relacionados ao estado
144
de saúde do paciente. Nessa lógica, tais este estudo resultou na criação de um índice,
resultados destacam a complexidade das denominado Score de Predição de Ocorrência
interações entre os procedimentos cirúrgicos e de Reintubação e Complicações Respiratórias
as respostas do corpo humano. Assim, parece Pós-Operatórias (SPORC). Nessa perspectiva,
haver uma interconexão intrincada entre a o índice foi meticulosamente desenvolvido com
natureza da cirurgia realizada e o desenvolvi- base nos dados e nas observações obtidas,
mento de complicações pulmonares, uma sendo especialmente relevante para predizer
dinâmica que merece uma investigação mais complicações respiratórias em pacientes
aprofundada na medida em que a compreensão submetidos a cirurgias de troca valvar. Desse
desses fatores preditivos específicos pode ter modo, o avanço não apenas representa um
implicações significativas na avaliação de marco significativo na pesquisa médica, mas
riscos e na preparação pré-operatória dos também oferece uma ferramenta clínica
pacientes, bem como na formulação de estra- tangível e valiosa para profissionais da saúde,
tégias pós-operatórias eficazes para mitigar permitindo uma identificação precoce e precisa
complicações pulmonares. Portanto, os achados de complicações respiratórias pós-operatórias
de Cabral et al. (2014) não apenas ressaltam a em um cenário tão sensível e crítico como a
importância crucial da vigilância pós-ope- cirurgia cardíaca.
ratória, mas também indicam a necessidade de
uma abordagem holística e personalizada ao CONCLUSÃO
gerenciamento de pacientes no período pós- As doenças valvares são disfunções ou
cirúrgico, consoante, a pesquisa oferece uma anomalias muito recorrentes na população
base sólida para futuros estudos, incentivando a brasileira e mundial. A apresentação clínica
exploração contínua desses fatores e, esperan- pode diferir desde pacientes assintomáticos até
çosamente, promovendo avanços significativos casos graves de alterações hemodinâmicas que
na prática clínica, visando uma recuperação afetam a qualidade de vida dos seus portadores.
mais segura e eficaz para os pacientes sub- Dessa forma, os diferentes quadros clínicos
metidos a procedimentos cirúrgicos complexos. possuem díspares fatores de risco e evolução,
Além disso, Brueckmann et al. (2013) fatores que demonstram a importância de
ressaltam um foco primordial na concepção de abordagens terapêuticas individualizadas.
um escore, uma ferramenta de avaliação É relevante frisar a importância de medidas
prática, que poderia discernir de forma eficaz a preventivas eficazes e de diagnósticos precoces
necessidade de reintubação e identificar casos para doenças cardiovasculares, visto que o
de insuficiência respiratória durante o período tratamento irá variar de acordo com a gravidade
pós-operatório. Este estudo pioneiro empregou das alterações dos aparatos valvares, per-
uma amostra substancial de 33.769 pacientes, mitindo, assim, uma redução nas abordagens
todos submetidos à intubação no início do cirúrgicas tradicionais e um aumento da utili-
procedimento cirúrgico e extubados ao seu zação de técnicas minimamente invasivas.
término. O ponto central da pesquisa foi a Quando se considera a intervenção cirúr-
incidência de reintubação após a extubação na gica, é essencial avaliar a relação entre os riscos
sala de operação, ao longo dos primeiros três e benefícios do procedimento para o paciente
dias subsequentes à cirurgia de troca valvar. específico. A decisão de realizar a cirurgia e o
Aprofundando-se nas minúcias desses casos, tipo de intervenção a ser realizada dependem do
145
diagnóstico anatômico e funcional da val- Com base nisso, este capítulo buscou
vulopatia cardíaca, juntamente com uma apresentar os principais tópicos sobre os
avaliação abrangente do estado de saúde do procedimentos de troca valvar com o intuito de
paciente. Entretanto, sabe-se que o reconhe- facilitar a compreensão de seus fatores de risco,
cimento antecipado de anomalias valvares quadro clínico, diagnóstico, terapêutica,
permanece um desafio frente às limitações do prevenção e prognóstico. Por fim, entende-se
sistema público de saúde. que o constante avanço da pesquisa sobre o
Certamente, percebe-se a importância de tema e o aprimoramento dos procedimentos
um diagnóstico precoce e certeiro frente às cirúrgicos, associados ao desenvolvimento de
doenças valvares, pois, dessa forma, poderão novas tecnologias diagnósticas, terapêuticas e
ser indicadas medidas terapêuticas e pre- profiláticas, são fundamentais para reduzir as
ventivas que possuem grande correlação com complicações e melhorar a sobrevida de
um prognóstico mais exitoso e uma melhor pacientes com essa condição.
qualidade de vida para esses pacientes.

146
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148
CAPÍTULO 17

MANEJO DA FIBRILAÇÃO ATRIAL:


UMA REVISÃO DA LITERATURA
BEATRIZ BERNARDINO GOMES SILVA¹
CAROLINA CUNHA DE CARVALHO E SILVA¹
GABRIELA LAENDER PIRES¹
GABRIELA QUARESMA VASCONCELOS¹
GABRIELE MACHADO CORDEIRO E SILVA¹
IRIS CARDOSO DE PÁDUA TERRA¹
JULIA FELIX FILGUEIRAS LIMA¹
JULIANA PEREIRA DA SILVEIRA DOS SANTOS¹
LARA FAZOL DO COUTO¹
LUIZ GUILHERME GUILHON DE ARAÚJO PERISSɹ
PAULA BARBOSA MAIA¹
RONALDO ALTENBURG ODEBRECHT CURI GISMONDI2
VITOR PIRES MACHADO¹
1. Discente - Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense.
2. Docente – Departamento de Medicina Clínica (MMC) da Universidade Federal Fluminense.

Palavras-chave:
Fibrilação atrial; Manejo; Arritmia.

149
10.59290/978-65-6029-060-0.17
INTRODUÇÃO Seu mecanismo fisiopatológico é complexo,
A fibrilação atrial (FA) é a arritmia cardíaca envolvendo alterações nos substratos elétricos e
sustentada mais comum e afeta mais de 33 anatômicos do coração. Em pacientes sem
milhões de pessoas em todo o mundo. Além de doença cardíaca estrutural, a origem da arritmia
ser a arritmia mais incidente, há um aumento se encontra, sobretudo, em focos ectópicos
em sua frequência, devido ao envelhecimento originados próximos às veias pulmonares.
da população. Há um aumento exponencial da Todavia, a maioria dos casos advém de
FA com o avanço da idade a partir da faixa dos alterações estruturais cardíacas prévias, como
50-59 anos, de 5 vezes na faixa dos 60-69 anos, aumento do átrio esquerdo, doenças valvares,
de 7 vezes na faixa dos 70-79 anos, e de 9 vezes fibrose e doenças isquêmicas do coração, que
acima dos 80 anos de idade. Os homens são modificam a ativação e condução da atividade
mais afetados que as mulheres, apresentando elétrica atrial (WANN et al., 2013). Outros
uma incidência mais alta de FA (FAVARATO, mecanismos são doenças sistêmicas, com des-
2021). taque para sepse, hipertireoidismo e distúrbios
Outros fatores de risco incluem sedenta- do potássio e do magnésio.
rismo, tabagismo, obesidade, diabetes mellitus, A FA pode ser classificada em paroxística,
apneia obstrutiva do sono, hipertensão, persistente, persistente de longa duração e
consumo de álcool, doença cardíaca coronária e permanente (ZIMETBAUM, 2017; BHATT &
insuficiência cardíaca (SILVA et al., 2020). FISCHER, 2015). Ela é classificada como
Essa doença se caracteriza pela atividade paroxística quando os episódios acabam espon-
elétrica atrial desorganizada, rápida e irregular taneamente ou com intervenção em um período
com consequente prejuízo da contração atrial e de até 7 dias (ZIMETBAUM, 2017; BHATT &
alteração da frequência ventricular, favore- FISCHER, 2015; GUTIERREZ & BLAN-
cendo a manifestação de distúrbios hemodinâ- CHARD, 2016). Sob outra perspectiva, a FA
micos. Consequentemente, essa arritmia pode persistente possui uma duração maior que 7
resultar em graves complicações para o paci- dias, exceto quando é realizada uma interven-
ente. Dentre elas, o acidente vascular encefálico ção, como a cardioversão. A FA persistente de
(AVE) isquêmico é uma das mais frequentes, longa duração ocorre por um período maior que
pois, à medida que os átrios fibrilam, o sangue 1 ano e geralmente é relacionada com casos de
se acumula na cavidade, propiciando a for- fibrose significativa (ZIMETBAUM, 2017;
mação de coágulos intracavitários, que podem BHATT & FISCHER, 2015). Por fim, a FA
alcançar a circulação e obstruir artérias cere- permanente refere-se a cenários de fibrilação
brais importantes. Ademais, a FA é um fator contínua, nos quais não foram feitas inter-
agravante e descompensador para pacientes venções ou houve falhas na restauração do
com insuficiência cardíaca e infarto do ritmo sinusal (ZIMETBAUM, 2017). Essas
miocárdio (GUTIERREZ & BLANCHARD, categorias podem mudar de acordo com a
2016). evolução do paciente, sendo sempre necessário
monitoramento e acompanhamento médico.

150
Quadro 17.1 Classificação da FA
Classificação da FA

Seus episódios acabam espontaneamente ou com intervenção em um período de até 7


Paroxística
dias

Possui uma duração maior que 7 dias, exceto quando é realizada uma intervenção,
Persistente
como a cardioversão

Persistente de longa Ocorre por um período maior que 1 ano e geralmente é relacionada com casos de
duração fibrose significativa

Cenários de fibrilação contínua nos quais não foram feitas intervenções ou houve
Permanente
falhas na restauração do ritmo sinusal
Fonte: Adaptado de CINTRA & FIGUEIREDO, 2021.

Dentre as manifestações clínicas da FA, as período de 2013 a 2023, que abordavam as


mais comuns são palpitações, intolerância ao temáticas propostas para esta pesquisa e
exercício e dispneia, fadiga, dor precordial, disponibilizados na íntegra. Os critérios de
tontura, síncope, taquicardia e variação de ritmo exclusão foram: artigos duplicados, disponi-
e amplitude da onda de pulso periférica. O bilizados na forma de resumo, que não
aumento da frequência ventricular pode agravar abordavam diretamente a proposta estudada e
outras comorbidades prévias, entre elas a que não atendiam aos demais critérios de
insuficiência cardíaca. Não obstante, a FA inclusão.
também é comum em pacientes assintomáticos, Após os critérios de seleção, restaram 14
principalmente aqueles com idade mais artigos que foram submetidos à leitura
avançada (ZIMETBAUM, 2017; BHATT & minuciosa para a coleta de dados. Os resultados
FISCHER, 2015). foram apresentados de forma descritiva,
O objetivo deste estudo foi avaliar divididos em categorias temáticas abordando
diferentes estratégias no controle do ritmo e diagnóstico, diagnóstico diferencial, prevenção
frequência cardíaca, tendo em vista tanto e controle e tratamento.
terapêuticas farmacológicas quanto não
farmacológicas, considerando também aspectos RESULTADOS E DISCUSSÃO
de eficácia e segurança. Diagnóstico
O diagnóstico da FA baseia-se em achados
MÉTODO da história clínica e do exame físico do paciente
Trata-se de uma revisão integrativa, associados à confirmação eletrocardiográfica.
realizada no período de setembro a outubro de A investigação clínica inicial deve ser
2023, por meio de pesquisas nas bases de dados direcionada para determinação do tipo e da
PubMed e SciELO. Foram usados os des- severidade dos sintomas, frequência e duração
critores: “atrial fibrillation treatment”, “atrial dos episódios, bem como os fatores associados
fibrillation”, “epidemiologia” e “fibrilação a eles. Além disso, deve-se avaliar a presença
atrial”. de outras comorbidades e de causas poten-
Os critérios de inclusão foram: artigos nos cialmente modificáveis, como o hipertireoi-
idiomas inglês e português, publicados no dismo e a ingesta excessiva de álcool
151
(CALKINS et al., 2022; JANUARY et al., QRS estreito na FC de repouso e haver
2014). aberrância (alargamento) quando em
O exame físico deve focar no sistema taquicardia (OLSHANSKY et al., 2021).
cardiovascular e em possíveis condições Durante a investigação diagnóstica é muito
associadas. As alterações sugestivas de FA são importante buscar definir o padrão da FA,
pulso irregularmente irregular, déficit de pulso classificando-a em paroxística, persistente,
(ou dissociação precórdio-pulso), variação na persistente de longa duração ou permanente.
intensidade da primeira bulha, ausência da Isso deve ser feito inicialmente através de uma
quarta bulha e ausência de onda a na curva de anamnese cuidadosa e detalhada. Quando a
pulso da veia jugular (JANUARY et al., 2014; história não está clara, 2 a 4 semanas de
KUMAR, 2023). monitoramento ambulatorial ou por telemetria
Um eletrocardiograma (ECG) ou outro ambulatorial cardíaca móvel são úteis para
registro eletrocardiográfico são ferramentas realizar essa diferenciação e para quantificar a
essenciais para confirmar o diagnóstico. Nesse frequência de episódios em caso de FA
contexto, todo caso suspeito de FA deve receber paroxística. É crescente também o uso de
um ECG. Na maioria dos pacientes, um único dispositivos de uso diário (wearables) capazes
ECG registrado enquanto o paciente está em FA de diagnosticar a FA (CALKINS et al., 2022;
é suficiente para garantir o diagnóstico. No PEREZ et al., 2019).
entanto, caso o diagnóstico da arritmia Uma vez estabelecido o diagnóstico de FA,
permaneça em questão, outras ferramentas todo paciente deve realizar um ecocardiograma
podem contribuir, como a telemetria cardíaca, bidimensional transtorácico e pelo menos um
os monitores ambulatoriais de ECG (monitor exame laboratorial contendo hemograma,
Holter ou gravador de loop), os dispositivos dosagem de hormônios tireoideanos, eletrólitos
eletrônicos cardíacos implantáveis (marca- e avaliação da função renal e hepática. O
passo permanente ou cardioversor-desfibrilador ecocardiograma transtorácico é empregado
implantável) ou, ainda, em casos mais raros, os para avaliar o tamanho atrial, a função
estudos eletrofisiológicos (CALKINS et al., ventricular e a presença de doença cardíaca
2022; JANUARY et al., 2014; KUMAR, 2023). estrutural (CALKINS et al., 2022; JANUARY
Dentre os achados eletrocardiográficos et al., 2014; KUMAR, 2023).
característicos, destaca-se a ausência de ondas A investigação adicional deve ser
P ou a presença de ondas f (oscilações na linha individualizada no contexto de cada paciente. O
de base de amplitude, formato e duração ecocardiograma transesofágico é o método
variáveis), ritmo ventricular irregularmente mais sensível e específico para detecção de
irregular e uma frequência variando entre 90- trombos no átrio esquerdo, sendo importante
170 bpm. Caso haja ondas P identificáveis, a para averiguar o risco de embolia sistêmica e,
frequência irregular acima de 300 bpm também assim, guiar a conduta terapêutica. Uma
diagnostica FA. O complexo QRS pode ser radiografia de tórax é apropriada se houver
estreito ou alargado, neste caso em pacientes alguma suspeita de doença pulmonar. Ademais,
com bloqueio de ramo prévio, bloqueio um teste de estresse pode ser solicitado para
fascicular, aberrância ou pré-excitação avaliação de doença isquêmica (CALKINS et
ventricular com condução anterógrada por via al., 2022; JANUARY et al., 2014; KUMAR,
acessória. Alguns pacientes podem apresentar 2023).
152
Diagnóstico diferencial biométricas: pressão arterial com valores pró-
O diagnóstico diferencial irá incluir, ximos de 120/80 mmHg, colesterol total menor
principalmente, outras arritmias que 200 mg/dL e glicose sérica de jejum menor
supraventriculares que serão diferenciadas que 100 mg/dL (SAGRIS et al., 2022).
mediante interpretação dos traçados A aplicação de tais critérios não tem
eletrocardiográficos, como taquicardia sinusal, somente poder profilático, mas também, frente
taquicardia atrial uni ou multifocal, taquicardia ao diagnóstico de FA, pode reduzir o número de
nodal e o flutter atrial. Além disso, artefatos episódios, os sintomas e a gravidade do quadro.
causados por alteração técnicas durante a Ademais, podem ser utilizadas substâncias
realização do ECG, como tremores ou não antiarrítmicas que afetam mecanismos de
frouxidão dos eletrodos, podem estar presentes remodelação atrial, como inibidores da enzima
no registro e mimetizar achados característicos conversora de angiotensina, bloqueadores do
da FA (OLSHANSKY et al., 2021). receptor da angiotensina, estatinas e ácidos
graxos poliinsaturados de cadeia longa, a fim de
Prevenção e controle retardar ou reduzir a ocorrência de FA, de
Dado que a patogênese da FA está acordo com a necessidade de cada caso (LI et
relacionada a processos de fibrose, estresse al., 2020).
oxidativo e inflamação, os quais culminam em
remodelação metabólica, elétrica e estrutural Tratamento
atrial, a prevenção desta patologia consiste O ponto de partida do manejo da FA
primariamente na atenuação de fatores de risco envolve a confirmação do diagnóstico de
modificáveis e no controle de doenças associa- arritmia e a caracterização dos pacientes pela
das a esses fenômenos. Portanto, os principais ferramenta 4S-AF, com base em risco de AVE,
focos de intervenção são: hipertensão arterial gravidade dos sintomas, gravidade da carga de
sistêmica, dislipidemias, resistência insulínica, FA e gravidade do substrato. A gravidade dos
diabetes mellitus tipo 2, tabagismo, obesidade, sintomas é determinada pelo escore EHRA, que
sedentarismo, doença arterial coronariana, subdivide as manifestações da doença em
valvulopatias, consumo excessivo de álcool, assintomática, leve, moderada, grave e inca-
hipertiroidismo e síndrome da apnéia obstrutiva pacitante. Já a gravidade da carga é determinada
do sono (SAGRIS et al., 2022; LI et al., 2020). pelo padrão temporal da doença e classificada
Nesse sentido, é recomendável que as em autolimitada, paroxística, persistente e
medidas preventivas englobem os sete pre- permanente. Por fim, a gravidade do substrato
ditores mais importantes da saúde cardíaca se refere à idade, às comorbidades e à doença
listados pela American Heart Association. cardíaca estrutural, por exemplo (BRUNDEL et
Idealmente, esses parâmetros incluem mudan- al., 2022).
ças de estilo de vida a partir da modificação de Após a caracterização do paciente, a terapia
quatro comportamentos: cessação do tabagis- é instituída de acordo com os princípios do
mo, manutenção do peso adequado com IMC “Atrial Fibrillation Better Care”, também
entre 18,5 e 25 kg/m2, alimentação saudável e conhecido como via ABC. O “A” da via indica
realização de pelo menos 150 minutos por a anticoagulação, a qual é fundamental para
semana de atividade física moderada. Além prevenir o AVE; o “B” se refere ao melhor
disso, é crucial a adequação de três medidas manejo dos sintomas, com decisões centradas
153
nos pacientes e direcionadas ao controle de pulmonar obstrutiva crônica (LI et al., 2020).
frequência e ritmo cardíaco; e o “C” reflete o Todavia, são contraindicados na presença de
risco cardiovascular e a otimização de comor- insuficiência cardíaca com fração de ejeção
bidades, incluindo alterações do estilo de vida, reduzida.
morbidade psicológica e preferências do A digoxina, por sua vez, é capaz de ampliar
paciente. Há indícios de que o uso dessa via está a atividade parassimpática por meio do tônus
associado à redução da mortalidade, AVE, vagal, e, assim, reduzir o quantitativo de
hemorragias graves e hospitalização (BRUN- contrações cardíacas. A desvantagem é que é
DEL et al., 2022). uma droga com índice terapêutico ruim, maior
Assim, o tratamento da FA é pautado em taxa de eventos adversos e contraindicada na
três pilares práticos: controle da frequência presença de disfunção renal grave. Já a amio-
cardíaca, controle do ritmo cardíaco, prevenção darona é recomendada como último recurso em
de fenômenos tromboembólicos, controle de pacientes que não toleram condutas não farma-
fatores de risco e mudança na qualidade de vida cológicas; pode ser utilizada mesmo na
(BRUNDEL et al., 2022). presença de cardiopatia estrutural, porém,
Em relação ao controle da frequência, a quando utilizada por longos períodos, conta
diretriz proposta pela European Society of com efeitos adversos extracardíacos importan-
Cardiology (ESC) sugere que o alvo para a tes, notadamente toxicidade tireoidiana e
frequência cardíaca deve ser igual ou inferior a pulmonar (LI et al., 2020; HINDRICKS et al.,
110 bpm. Para alcançar esse objetivo, alguns 2021).
fármacos podem ser usados. Os medicamentos A cardioversão (CV) elétrica será realizada
de primeira linha no controle da frequência são como primeira conduta em pacientes instáveis.
os betabloqueadores e os bloqueadores dos A CV costuma ser a opção inicial em pacientes
canais de cálcio não dihidropiridínicos. Drogas com FA de tempo inferior a 48 horas e coração
que podem ser associadas no tratamento de sem doença estrutural. Em pacientes com FA,
segunda linha são digitálicos, como a digoxina, há um tempo maior que 48 horas, logo, a CV
e os antiarrítmicos, como a amiodarona necessita da realização de um ecocardiograma
(HINDRICKS et al., 2021). transesofágico para excluir a possibilidade de
Os betabloqueadores mais recomendados um trombo atrial ou o uso por três semanas de
são o bisoprolol, o metoprolol e o atenolol. Essa anticoagulação, anterior à CV (PATEL et al.,
classe apresenta alta eficácia na redução da 2017; GUTIERREZ & BLANCHARD, 2016).
frequência e na melhora da qualidade de vida A CV pode ser elétrica ou química, sendo a
dos pacientes. Contudo, há algumas con- elétrica mais bem-sucedida quando realizada a
traindicações, como quadros de disfunção ven- curto prazo. Na CV química, no Brasil, são
tricular aguda, asma e bloqueio atrioventricular usados a propafenona ou a amiodarona, con-
grave (LI et al., 2020). siderando a presença ou não de cardiopatia
Quanto aos bloqueadores dos canais de estrutural para a escolha do fármaco (PATEL et
cálcio não dihidropiridínicos, estes consistem al., 2017; GUTIERREZ & BLANCHARD,
nos fármacos diltiazem e verapamil. Apre- 2016).
sentam potencial moderado na modulação do Após CV, há a manutenção do tratamento
cronotropismo e são medicamentos de escolha com anticoagulação por pelo menos quatro
no manejo da FA associada à asma ou doença semanas, considerando também a necessidade
154
de uso contínuo em casos de FA persistente e outros motivos (PATEL et al., 2017;
com risco elevado de formação de trombos. No GUTIERREZ & BLANCHARD, 2016).
entanto, uma forma de evitar a anticoagulação A prevenção de fenômenos tromboem-
prévia à CV é realizar um ecocardiograma bólicos na FA visa, sobretudo, reduzir o
transesofágico, quando disponível na unidade acometimento por AVE, dado que esses
de saúde, para confirmar a ausência de trombos, pacientes têm cinco vezes mais chances de
tornando a CV possível e segura para ser desenvolvê-lo. A profilaxia é realizada pela
realizada (PATEL et al., 2017; GUTIERREZ & prescrição de anticoagulantes, a depender dos
BLANCHARD, 2016). fatores de risco apresentados pelo paciente. A
Em casos refratários ou recorrentes, deve fim de identificar os indivíduos elegíveis à pre-
ser considerada a ablação da FA, especialmente venção, o escore CHA2DS2-VASc foi criado.
em pacientes com FA paroxística. Na ablação Ele classifica a probabilidade de desenvol-
por cateter, ocorre a “destruição” dos focos de vimento de AVE pelos pacientes em baixa,
arritmia, sendo esta útil em casos de FA moderada e alta com base nos fatores de risco,
paroxística em pacientes sintomáticos, sem que correspondem à insuficiência cardíaca,
doença cardíaca estrutural, intolerantes a hipertensão, idade igual ou superior a 65 anos,
antiarrítmicos ou com controle farmacológico diabetes mellitus, ataque isquêmico transitório
inadequado do ritmo. Por outro lado, o ou AVE prévio, doença vascular e sexo,
tratamento cirúrgico invasivo para FA é uma conforme o Quadro 17.2 (LI et al., 2020;
exceção, sendo considerado apenas em HINDRICKS et al., 2021).
pacientes submetidos à cirurgia cardíaca por

Quadro 17.2 Pontuação dos fatores de risco para AVE conforme escore CHA2DS2-VASc
Pontuação no escore
Critérios
CHA2DS2VASc
C Sim: +1 ponto
Congestive heart failure (insuficiência cardíaca) Não: 0 pontos
H Sim: +1 ponto
Hypertension (hipertensão) Não: 0 pontos
A ≥ 75 anos: +2 pontos 64-74 anos: +1
Age (idade) ponto < 65 anos: 0 pontos
D Sim: +1 ponto
Diabetes Não: 0 pontos
S2 Sim: +2 pontos
Stroke (AVE ou ataque isquêmico transitório prévio) Não: 0 pontos
VA
Sim: +1 ponto
Vascular disease (infarto agudo do miocárdio, doença
Não: 0 pontos
arterial periférica ou placa aórtica)
SC Mulheres: +1 ponto
Sex category (sexo) Homens: 0 pontos
Fonte: Adaptado de HINDRICKS et al., 2021.

Indivíduos são considerados de baixo risco recomendadas. A anticoagulação é sugerida em


quando apresentam pontuação 0, caso sejam homens com pontuação igual ou maior que 2 e
homens, e 1, caso sejam mulheres. Para esses mulheres com 3 ou mais pontos; é eletiva em
pacientes, terapias antitrombóticas não são homens com 1 ponto ou mulheres com 2

155
pontos, devendo-se considerar idade, risco de Todavia, deve-se atentar ao risco de
sangramento e preferência do paciente sangramento pela terapia antitrombótica. Com
(WOLFES et al., 2022; BRUNDEL et al., o fito de estimar objetivamente esse risco,
2022). surgiu o escore HAS-BLED, representado no
Quadro 17.3 (LI et al., 2020).

Quadro 17.3 Pontuação de risco de sangramento conforme escore HAS-BLED


Critérios Pontuação no escore HAS-BLED
H Sim: +1 ponto
Hypertension Não: 0 pontos
A
Hepática: +1 ponto
Abnormal liver or renal function (alteração hepática
Renal: +1 ponto
ou renal)
S Sim: +1 ponto
Stroke (AVE) Não: 0 pontos
B
Sim: +1 ponto
Bleeding (sangramento prévio ou pré-disposição a
Não: 0 pontos
sangramentos)
L Sim: +1 ponto
Labil INR (labilidade do INR) Não: 0 pontos
E Sim: +1 ponto
Elderly (idade ≥ 65 anos ) Não: 0 pontos
D Drogas: +1 ponto
Drugs or alcohol (drogas ou álcool) Álcool: +1 ponto
Fonte: Adaptado de HINDRICKS et al., 2021.

Uma pontuação igual ou inferior a 2 no Os antagonistas da vitamina K têm como


escore sugere baixo risco de sangramento, representante a varfarina. Seu mecanismo de
enquanto pacientes com 3 ou mais pontos estão ação envolve a inibição da enzima hepática
no espectro de alto risco (LI et al., 2020). A epóxi-redutase, o que resulta no bloqueio da
estratificação permite identificar pacientes com ativação da vitamina K e, por conseguinte,
alto risco e iniciar tratamento e profilaxia altera a função dos fatores de coagulação dela
precoces para hemorragia, além de atuar sobre dependentes (fatores II, VII, IX e X) e a
os fatores de risco modificáveis para atividade das proteínas C e S (LIP et al., 2023).
sangramento (LI et al., 2020; LIP et al., 2023). Quando utilizada, o seu efeito deve ser
De acordo com a diretriz proposta pela ESC, monitorizado pelo INR, cujo alvo é de 2,0 a 3,0.
os novos anticoagulantes orais (NOACs), que A varfarina ainda é a droga de escolha nos casos
não são antagonistas da vitamina K, são os de FA valvar, isto é, associada à estenose mitral
medicamentos de primeira escolha, enquanto os grave e/ou prótese valvar mecânica.
antagonistas da vitamina K constituem a Enquanto isso, os NOACS correspondem à
segunda linha na prevenção de fenômenos dabigatrana, rivaroxabana, apixabana e
tromboembólicos associados à FA. Isso se dá edoxabana. A dabigatrana inibe diretamente o
pela superioridade dos NOACs na diminuição fator II e os outros três reduzem a atividade do
do risco de sangramento quando comparados ao fator X ativado. Os fármacos que não
outro grupo, embora ambos apresentem o interferem no ciclo da vitamina K têm menos
mesmo potencial profilático para o AVE interações medicamentosas, tempo de ação
(WOLFES et al., 2022). mais curto e apresentam maior estabilidade
156
quanto às doses prescritas, exigindo menos identificar o tipo apresentado pelo paciente e
ajustes. Portanto, oferecem manejo mais fácil e tratá-la de maneira adequada com base nos três
são priorizados como tratamento fixo em pilares principais: controle da frequência
detrimento dos antagonistas da vitamina K, cardíaca, restauração do ritmo sinusal e
sendo contraindicados apenas para gestantes prevenção de eventos tromboembólicos.
(LIP et al., 2023). Em casos de FA aguda, se instável, o
Em relação às outras terapias, o ácido indicado é aplicar uma cardioversão
acetilsalicílico (AAS) não tem seu uso isolado sincronizada de 200J; se estável, deve-se tratar
recomendado na FA. Além disso, há evidências com amiodarona intravenosa juntamente com
de que a dupla antiagregação plaquetária - propafenona. Caso a FA persista, faz-se
associação de AAS e clopidogrel - tem menor também a cardioversão elétrica. Em pacientes
efeito sobre a prevenção de AVE e IAM quando apresentando FA por mais de 48 horas, é
comparada à varfarina e possui mesmo risco de necessário o uso de varfarina por três semanas
sangramento que os demais anticoagulantes antes de se realizar a cardioversão elétrica, com
orais. Desse modo, o uso de antiplaquetários o intuito de prevenção de fenômenos
não está indicado na profilaxia do AVE no tromboembólicos. Ainda assim, após a CV,
contexto da fibrilação atrial (HINDRICKS et mantém-se o uso de anticoagulantes por quatro
al., 2021). semanas. Por fim, faz-se necessário tratar e
prevenir, também, fatores de risco como
CONCLUSÃO sedentarismo, tabagismo, obesidade, diabetes
Em suma, torna-se importante saber o mellitus, apneia obstrutiva do sono,
manejo da FA devido à sua grande prevalência hipertensão, consumo de álcool, doença
na população. A fim de evitar as complicações cardíaca coronária e insuficiência cardíaca,
da FA, tal qual um AVE isquêmico, deve-se visando uma melhor qualidade de vida ao
paciente.

157
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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158
CAPÍTULO 18

FEBRE REUMÁTICA COMO


PRINCIPAL ETIOLOGIA DA
ESTENOSE VALVAR MITRAL: UMA
REVISÃO DE LITERATURA
ISADORA BARROS DE LACERDA FAFÁ RONCETE¹
DAYARA MARCARINI BIANCHI¹
AMANDA KLEIN GAIOTTI PASINATO1
ANA LUIZA CERUTTI DUTRA¹
ANA ELISA TAVARES FIGUEIREDO COSTA¹
MARINA BARROS BRIDI¹
PEDRO LEMOS BASTOS¹
LÍVIA SUZANO DE PAULA DOS SANTOS¹
GUSTAVO CORRÊA ALVES1
JÚLIA OLIVEIRA BAIENSE1
VITÓRIA LUMY NAGAO2
MARIA LUIZA DO AMARAL PINTO NAGAO3
BETINA DUTRA RESECK WALKER4

1. Discente - Medicina da Faculdade Brasileira (MULTIVIX) de Vitória-ES.


2. Discente – Medicina da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (EMESCAM), Vitória-
ES.
3. Discente – Medicina da Universidade de Vila Velha (UVV), Vila Velha-ES.
4. Orientadora - Médica Cardiologista pelo Hispotal do Coração Sanatório Sírio.

Palavras-chave:
Estenose valvar mitral; Febre reumática; Faringoamigdalite estreptocócica.

159
10.59290/978-65-6029-060-0.18
INTRODUÇÃO O objetivo deste estudo foi revisar a
A epidemiologia da febre reumática varia de literatura científica e apresentar concisamente
acordo com a região, a disponibilidade de informações sobre a relação direta entre a
serviços de saúde e a exposição à infecção estenose valvar mitral e a febre reumática.
estreptocócica. Além disso, a febre reumática
(FR) e a cardite reumática afetam prin- MÉTODO
cipalmente crianças e adultos jovens, e são Trata-se de uma revisão bibliográfica
complicações decorrentes de uma infecção pelo realizada em outubro de 2023 a partir de
Streptococcus B-hemolítico do Grupo A, que levantamento bibliográfico feito por meio da
leva à ocorrência de faringoamigdalite Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e da
estreptocócica em indivíduos de 5 a 18 anos, SciELO Brasil.
mundialmente. Os descritores “A estenose mitral como
O Instituto Brasileiro de Geografia e sequela em pacientes com febre reumática”, e
Estatística (IBGE) levantou dados de que o “Caracterização histológica das lesões da valva
Brasil apresentou 10 milhões de casos de mitral de pacientes com cardiopatia reumática”
faringotonsilite por ano, causando em torno de foram definidos pelo Descritores em Ciências
30 mil casos de febre reumática aguda (FRA). da Saúde (DeCS).
Populações de baixa renda, moradoras de áreas Os critérios de inclusão foram artigos
com acesso limitado à atenção médica e países completos, escritos em português e em inglês,
em desenvolvimento são mais suscetíveis. A publicados nos últimos 5 anos, enquanto os
doença cardíaca reumática (DCR) é uma critérios de exclusão foram artigos incompletos
sequela pós-infecciosa da FRA derivada de uma e com fuga de tema. Feita a análise, foram
resposta imunológica anormal a uma faringite selecionados dois artigos para fundamentar o
estreptocócica que desencadeia dano valvar, estudo.
frequentemente e de maneira mais grave, da
valva mitral (VM), que, com o passar do tempo, RESULTADOS E DISCUSSÃO
torna-se disfuncional, contribuindo para o A partir da correlação de dados, foi
maior risco de óbito e outras complicações evidenciado que a febre reumática contribui
importantes. para evolução de um quadro de cardite no
Dessa forma, a etiologia da estenose mitral endocárdio, levando a um acometimento,
de origem reumática tem início com a faringo- principalmente, da válvula mitral.
amigdalite estreptocócica, infecção causada O dano valvar ocorre devido a um processo
pelo Streptococcus pyogenes. A faringoamig- autoimune, onde anticorpos e linfócitos T
dalite, se não tratada, pode evoluir para febre direcionados a antígenos reconhecem o tecido
reumática e, consequentemente, levar ao cardíaco numa reação cruzada, contribuindo
acometimento de tecidos cardíacos, gerando para a inflamação das valvas, dilatação do ânulo
estreitamento da valva mitral. Sua incidência mitral e prolapso de folhetos, tendo, conse-
tem diminuído significativamente nas últimas quentemente, infiltração celular nas valvas,
décadas, em parte devido a melhorias no edema e neovascularização, resultando em uma
tratamento de infecções estreptocócicas e ao vegetação fribrinoide.
acesso a cuidados de saúde.

160
Assim, se estabelece a correlação de que a respectivamente, p = 0,021), podendo tal
principal causa da estenose mitral é a febre achado estar relacionado com o tipo de lesão.
reumática, devido à fusão de comissuras, Sumariamente, a análise dos dados histoló-
associada ao espessamento do folheto e, gicos exibiu acentuada fibrose entre todas as
possivelmente, calcificação. Assim, se torna valvas reumáticas, explicitando que a fibrose
compreensível o porquê de aproximadamente contínua perdura ao longo da progressão da
70% das pessoas com febre reumática evoluí- doença cardíaca reumática (DCR) e que o
rem para um quadro de cardite, sendo que 25% estado fibrótico da valva mitral antepassa a
dos pacientes com doença cardíaca reumática disfunção miocárdica observada na cardiopatia.
apresentam estenose mitral (EM) isolada.
Isto posto, foram feitas análises histo- CONCLUSÃO
lógicas, nas quais foi evidenciado que o A estenose valvar mitral (EM) é comumente
endocárdio das valvas mitrais reumáticas associada a febre reumática como uma
apresentou-se mais espesso, com maior grau de manifestação grave na fase crônica.
fibrose e infiltrado inflamatório, destacando-se Principalmente em regiões subdesenvol-
a presença de células mononucleares. Atrelado vidas economicamente, como o Brasil, as
a isso, ocorreu calcificação em 35% das valvas infecções estreptocócicas com apresentações
reumáticas, essencialmente entre as valvas com clínicas de faringoamigdalites têm um baixo
estenose, associada à área valvar mitral (p = índice de tratamento, facilitando a dissemi-
0,003). nação do estreptococo e a evolução para formas
Ademais, foi observado que os pacientes mais graves da doença.
reumáticos com maior grau de inflamação e Com ênfase nos aspectos morfológicos
sem calcificação apresentaram maior área macroscópicos das valvas mitrais de pacientes
valvar mitral e que a presença de angiogênese com cardiopatia reumática, além do elevado
foi mais significativa em tais pacientes. grau de fibrose, o processo inflamatório
Todavia, não houve diferenças em relação à permanece ativo nas valvas reumáticas, apesar
espessura do folheto e intensidade do processo de se tratar de uma fase crônica da doença.
inflamatório. A posteriori, foi realizada uma Ademais, é importante ressaltar que a
análise comparativa entre os parâmetros calcificação valvar indica um comprome-
ecocardio-gráficos e os achados histológicos, timento reumático grave e tardio, uma vez que
em que foi evidenciada a presença de é associado à estenose mitral e disfunção
inflamação mode-rada a acentuada em ventricular direita, decorrente do estreitamento
pacientes com disfunção ventricular esquerda, do orifício de saída do átrio esquerdo (AE)
definida por uma fração de ejeção menor que devido à estenose, elevando a pressão do AE,
50%, em relação aos pacientes com função causando hipertensão arterial pulmonar e,
sistólica ventricular preservada (50 e 12% consequentemente, sobrecarga ventricular
respectivamente, p = 0,023). direita. Nesse sentido, faz-se necessário, no
Outrossim, observou-se maior incidência de âmbito da saúde cardiovascular, compreender
calcificação valvar associada à disfunção ven- os impactos da febre reumática, visto que se
tricular direita em comparação com pacientes trata de uma consequência recorrente na vida
em que a função ventricular esquerda dos brasileiros.
encontrava-se preservada (56 e 21%
161
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE NETO, R. et al. A estenose mitral como sequela em pacientes com febre reumática. Brazilian Journal of
Health Review, v. 4, p. 21099, 2021. doi: 10.34119/bjhrv4n5-207.
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disease. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 116, p. 404–412, 23 abr. 2021. doi: 10.36660/abc.20200154.

162
CAPÍTULO 19

PROTOCOLO PARA DIAGNÓSTICO


DE ICFEp: UMA PATOLOGIA DE
DIFÍCIL DIAGNÓSTICO E MUITAS
CONTROVÉRSIAS
ANA CLARA KOZLOWSKI CARAVIERI¹
ÓTAVIO SIMON LOMBARDI ABREU¹
SOPHIA CALÁBRIA DA SILVEIRA¹
VINÍCIUS MOREIRA DE SOUZA¹

1. Discente – Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Palavras-chave:
ICFEp; Diagnóstico; Limitações.

163
10.59290/978-65-6029-060-0.19
INTRODUÇÃO crescimento da população idosa no Brasil, que,
Insuficiência cardíaca (IC) é uma complexa de acordo com estudos, chegará a 30 milhões de
síndrome cardiovascular que, segundo o idosos em 2025 (15% da população), tornando-
DATASUS, afeta 2 milhões de brasileiros, se o sexto país com a maior população de idosos
sendo diagnosticados 240 mil novos casos por do mundo (NOGUEIRA et al., 2010).
ano (NOGUEIRA et al., 2010). Caracteriza-se A IC pode ser classificada conforme a
pela incapacidade cardíaca de bombear sangue divisão fração de ejeção ventricular esquerda
a níveis adequados para oxigenação tissular (FEVE), sendo esta classificação extremamente
satisfatória. As etiologias são heterogêneas e importante devido à diferença em relação à
polimorfas, dentre elas, doença arterial corona- fisiopatologia e especificidade da resposta
riana (DAC), fibrilação atrial, hipertensão terapêutica e farmacológica de cada uma.
arterial (HAS), valvopatias, miocardiopatias, Define-se insuficiência cardíaca com fração de
doenças infecciosas e exposição crônica a ejeção preservada (ICFEp) se FEVE ≥ 50%;
toxinas e medicamentos. A DAC é a principal caso FEVE < 40%, insuficiência cardíaca com
causa de IC em todo o mundo, incluindo o fração de ejeção reduzida (ICFEr). Há ainda ICs
Brasil (SBC, 2018). Outra importante etiologia que apresentam FEVE entre 40 e 49%,
da IC observada em contexto nacional está classificando-se como insuficiência cardíaca
relacionada a cardiomiopatia chagásica, sobre- com fração de ejeção intermediária (mid-range
tudo na região Centro-Oeste, local em que ainda ou ICFEi), podendo representar pacientes em
são encontrados pequenos focos endêmicos transição para ICFEp ou ICFEr (GEVAERT et
devido aos intensos processos migratórios, al., 2022). Na maioria dos estudos clínicos até
apesar da Organização Mundial da Saúde ter o momento, somente pacientes com ICFEr
certificado a erradicação da transmissão apresentaram resposta satisfatória à terapia
vetorial da doença. Quanto a predominância farmacológica preconizada. Pacientes porta-
populacional da IC, ocorre em indivíduos acima dores de ICFEp são extremamente desafiadores
dos 60 anos de idade, sendo mais prevalente no do ponto de vista diagnóstico e terapêutico, não
sexo maculino (54,2%) (NOGUEIRA et al., havendo ainda algoritmo diagnóstico satisfató-
2010). rio e opções terapêuticas igualmente efetivas
Estima-se que 23 milhões de pessoas no (FONTES-CARVALHO & LEITE-
mundo têm IC e que dois milhões casos novos MOREIRA, 2011).
são diagnosticados anualmente. Com relação à Por tal limitação relacionada ao manejo dos
incidência, cresce a cada ano em cerca de 2 pacientes, ônus à qualidade de vida dos
milhões de novos casos, estando relacionado portadores e aos sistemas de saúde criado pela
aos avanços clínicos e terapêuticos nas ICFEp, é central a importância da criação de um
estratégias de manejo de doenças cardiovas- algoritmo capaz de identificar pacientes porta-
culares como infarto agudo do miocárdio dores de ICFEp. Contudo, há diversos fatores
(IAM), HAS e a própria IC, prorrogando assim que levam a diminuição na acurácia de
a sobrevida de pacientes e, consequentemente, algoritmos diagnósticos, corroborando ainda
aumentando a incidência de hospitalizações a mais a necessidade de rever evidências direcio-
longo prazo (NOGUEIRA et al., 2010). As nadas ao manejo clínico da ICFEp. Nesse
projeções indicam um grande crescimento na sentido, dada a importância do diagnóstico
incidência da IC, seguindo o ritmo acelerado de assertivo da ICFEp, o presente capítulo tem
164
como objetivo analisar evidências sobre as repouso, de forma que a oferta de sangue para
limitações para a criação de um algoritmo e os tecidos do organismo torna-se insuficiente.
protocolo para diagnóstico da ICFEp, assim Em algumas situações clínicas crônicas, como
como os critérios atuais para diagnóstico, tireotoxicose, anemia, fístulas arteriovenosas e
buscando o aprimoramento dos algoritmos. beribéri, a IC irá se instalar mesmo em
Dessa maneira, será possível identificar os situações de alto débito (SBC, 2018).
pacientes portadores da condição, assim como Em relação a fisiopatologia especificamente
iniciar a correta conduta terapêutica. da ICFEp, as causas são heterogêneas e
multifacetárias, contemplando aspectos de
MÉTODO inflamação e disfunção endotelial, hipertrofia e
Trata-se de uma revisão narrativa realizada fibrose dos cardiomiócitos, hipertensão pul-
no período de agosto a outubro de 2023 por monar, apneia obstrutiva do sono, disfunção
meio de pesquisas nas Diretrizes da Sociedade diastólica do ventrículo esquerdo (VE), desre-
Brasileira de Cardiologia e bases de dados gulação autonômica, rigidez vascular e isque-
Medline, LILACS e EMBASE. Foram utili- mia miocárdica. Ainda, associa-se à etiologia
zados os descritores: Insuficiência Cardíaca da doença o histórico prévio patológico do
com Fração de Ejeção Preservada, ICFEp, paciente associado a fatores de risco cardiovas-
diagnóstico e limitações de diagnóstico. culares, apresentando prevalência de hiperten-
Os critérios de inclusão foram: artigos em são, diabetes e obesidade (OMOTE et al.,
português e inglês e que abordavam as te- 2022), assim como comorbidades associadas
máticas propostas para esta pesquisa. Os como fibrilação atrial, insuficiência renal e
critérios de exclusão foram: artigos duplicados, anemia. Novas perspectivas apontam para altas
disponibilizados na forma de resumo, que não dosagens de espécies reativas de oxigênio e
abordavam diretamente a proposta estudada e fibroblastos anormais apoptose-tolerantes asso-
que não atendiam aos demais critérios de ciados a progressão e mau prognóstico da
inclusão. doença.
Após os critérios de seleção, os artigos Além disso, a disfunção diastólica desem-
foram submetidos à leitura minuciosa para penha um papel central, de tal forma que a
coleta de dados. Os resultados foram ICFEP é frequentemente designada por IC
apresentados de forma descritiva, divididos em diastólica. Na ICFEp ocorre a remodelagem
categorias temáticas abordando: fisiopatologia concêntrica, com volumes normais ou até
da insuficiência cardíaca de fração de ejeção diminuídos, e a principal alteração ocorre nas
preservada; manifestações clínicas e propriedades diastólicas, com atraso do relaxa-
prognóstico; e limitações. mento e/ou aumento da rigidez ventricular
(OMOTE et al., 2022). Em comparação com
RESULTADOS E DISCUSSÃO disfunções sistólicas, no miocárdio de tais
Fisiopatologia da insuficiência cardíaca pacientes ocorre remodelagem ventricular ex-
de fração de ejeção preservada cêntrica com aumento dos volumes diastólicos
Quanto à fisiopatologia da síndrome, na e a principal anomalia ocorre nas propriedades
maioria dos casos, caracteriza-se pelo débito sistólicas do VE (FONTES-CARVALHO &
cardíaco (DC) reduzido no esforço ou em LEITE-MOREIRA, 2011). Por uma perspec-
tiva clínica, a disfunção diastólica da ICFEp
165
leva à dilatação ventricular e atrial esquerda e etiológico e dada a predominância de tais
ao aumento na pressão capilar pulmonar, condições, o manejo de DAC, fibrilação atrial,
causando congestão pulmonar, dispneia e hipertensão arterial, obesidade e diabetes está
anormalidades na perfusão pulmonar e trocas relacionado à melhora no prognóstico da
gasosas (OMOTE et al., 2022). doença. Contudo, nenhum tratamento efetivo,
até os dias atuais, foi identificado para a ICFEp,
Manifestações clínicas e prognóstico e terapias com eficácia para ICFEp se
Do ponto de vista da IC descompensada, mostraram falhas na melhora dos prognósticos
destaca-se dispneia, edema de membros da síndrome.
inferiores, dispneia paroxística noturna (DPN), A ICFEp, muitas vezes considerada infre-
ortopneia, distensão da veia jugular, síncope e quente em comparação à insuficiência cardíaca
dor paraesternal irradiada, entre outros fatores, de fração de ejeção reduzida, está relacionada a
muitas vezes subjetivos, como mau humor, prognósticos similarmente reservados. Isso
ansiedade, cansaço, boca seca, falta de ar e pode ser evidenciado pelas taxas de mortalidade
sonolência (SBC, 2018). Tais sintomas são apresentadas pelos pacientes portadores de
decorrentes das principais alterações ICFEp ao fim de um ano de 29% (versus 32%
fisiológicas da miocardiopatia causal da IC, que nos doentes com ICFEr), e de 65% ao fim de
manifestam-se a partir de disfunção/dilatação cinco anos (versus 68%). Ainda, em relação a
ventricular, estase sanguínea, aumento na sua frequência na população, mais da metade
pressão venosa central (PVC) e queda no débito dos pacientes com algum tipo de IC são
cardíaco. Agora, em relação às manifestações portadores de ICFEp (FONTES-CARVALHO
mais especificamente da ICFEp, apenas uma & LEITE-MOREIRA, 2011).
porcentagem dos pacientes portadores apre- O índice de ICFEp responsável por
sentam sinais claros e característicos da IC no hospitalizações de alto custo aumentou de 48%
histórico e exame físico. Nesses pacientes, para 57% de 2000 a 2007, sendo um reflexo do
predominam sintomas associados a síndromes rápido crescimento das doenças de base
de disfunção diastólica, ou seja, relaxamento predominantes na população (obesidade,
anormal e insuficiente da parede ventricular diabetes e hipertensão arterial sistêmica)
esquerda por anormalidades na matriz extrace- (NAIR, 2020). Quanto aos ônus ao sistema de
lular, tais como hipertensão e congestão pul- saúde, tem-se que pacientes com ICFEp são
monar (pressão arterial pulmonar ultrapassando hospitalizados 1,4 vezes ao ano; somando-se às
20 mmHg), dispneia e alterações na perfusão ICFEr e ICFEi, geraram um custo governa-
dos pulmões (OMOTE et al., 2022). Entretanto, mental de 22,1 milhões de reais em 2015
grande parte dos pacientes pode apresentar-se (MESQUITA et al., 2021). Ainda, em relação
como oligossintomáticos ou até mesmo às características populacionais, há a
assintomáticos, de acordo com a etiologia prevalência da ICFEp em pacientes mais idosos
predisponente à ICFEp de cada paciente. e prevalentemente do sexo feminino
Considerando a diversidade clínica sinto- (NOGUEIRA et al., 2010).
matológica dos portadores da ICFEp, a conduta Em questão de mortalidade, a sobrevida de
terapêutica é dificultada e diversa e deve ser pacientes portadores de IC chega somente a
focada na resolução e manejo das comorbidades 35%, havendo uma queda na sobrevida dos
predisponentes à síndrome. Do ponto de vista pacientes conforme o aumento da idade,
166
chegando a 17,4% quando em idade superior ou mas não são suficientes para confirmar o
igual a 85 anos (NOGUEIRA et al., 2010). diagnóstico de IC, haja vista que esses sintomas
Ainda, a taxa da mortalidade tardia entre podem ser causados por outras condições
portadores de IC se distingue entre seus tipos, frequentes em idosos, como doenças pulmo-
sendo menor em portadores de ICFEp (6,3%), nares, insuficiência renal, anemia, obesidade,
quando em comparação à ICFEi (7,6%) e ICFEr doenças da tireoide e insuficiência venosa.
(8,8%) (SBC, 2018). Contudo, apesar de Logo, o estabelecimento de algoritmos, como
menores taxas de mortalidade na ICFEp, a proposto pela Associação de Insuficiência
hospitalização desses pacientes é mais fre- Cardíaca da Sociedade Europeia de Cardiologia
quente e a qualidade de vida pior (NOGUEIRA (PIESKE et al., 2019), define bem quais devem
et al., 2010). Isso relaciona-se à heteroge- ser os critérios diagnósticos, estratificando uma
neidade patofisiológica da síndrome clínica da probabilidade baixa, moderada ou alta para o
ICFEp e ausência de protocolos estabelecidos diagnóstico da ICFEp são de fundamental
para tratamento, demandando uma conduta te- importância para o fechamento do diagnóstico.
rapêutica centrada e específica para o indiví- Entretanto, apesar da elaboração de algoritmos
duo, que foge da convencional estabelecida por atualizados para o diagnóstico da ICFEp à luz
diretrizes. de técnicas ecocardiográficas e valores de
biomarcadores séricos (HOTTA et al., 2022),
Limitações de diagnósticos e de tra- ainda é necessária a incorporação de mais
tamento da insuficiência cardíaca com índices clínicos e ecocardiográficos que per-
fração de ejeção preservada mitam, além do diagnóstico, orientar e estra-
Com o aumento da expectativa de vida da tificar acerca da etiologia e conduta terapêutica
população e o crescimento na incidência de dos pacientes com ICFEp.
fatores de risco, como obesidade, hipertensão Além disso, ao contrário da insuficiência
arterial e diabetes (NOGUEIRA et al., 2010), é cardíaca com fração de ejeção reduzida
previsto um aumento na ocorrência da ICFEp. (ICFEr), para a qual existe um tratamento bem
Desse modo, o diagnóstico preciso da síndrome fundamentado em evidências, o manejo da
clínica de IC é o primeiro passo para identificar insuficiência cardíaca com fração de ejeção
a ICFEp. Entretanto, como evidenciado, o preservada é mais desafiador e, em grande
estabelecimento do diagnóstico é mais medida, empírico. Isso ocorre porque os
complexo que a simples presença de sintomas principais estudos clínicos que investigaram o
clássicos da referida síndrome associados a uma tratamento da insuficiência cardíaca excluíram
fração de ejeção preservada, uma vez que a pacientes com ICFEp (FERNANDES-SILVA
ICFEp é caracterizada pela presença de et al., 2020). Na prática clínica, o tratamento da
múltiplos fatores, com diversas etiologias e ICFEp segue os mesmos princípios e objetivos
mecanismos fisiopatológicos distintos, sendo que o tratamento da insuficiência cardíaca com
importante levar em conta distúrbios em que fração de ejeção reduzida. A abordagem inicial
substâncias se infiltram no coração, como a visa a redução dos sintomas de congestão e da
amiloidose cardíaca e a sarcoidose (PASEA et intolerância ao esforço, a eliminação ou ate-
al., 2023). nuação dos fatores que levam à descom-
Desse modo, sintomas como dispneia, pensação, o tratamento das comorbidades e, por
intolerância ao esforço e edema são comuns, fim, o tratamento da condição subjacente
167
responsável pela disfunção diastólica. Cabe Outra condição a ser avaliada na primeira
destacar que esse tratamento visa promover etapa são anormalidades eletrocardiográficas. É
melhoria na qualidade de vida, pois há uma fato que não existem sinais patognomônicos e
carência de estudos que comprovem alguma que o valor diagnóstico do eletrocardiograma
droga que reduza a mortalidade nesse grupo de para insuficiência cardíaca com fração de
pacientes (PASEA et al., 2023). ejeção preservada é pobre. Todavia, a análise de
A ausência de consenso na reação ao tal exame é um componente importante e é
tratamento padrão da insuficiência cardíaca fundamental a detecção de uma possível
pode ser explicada pela marcada diversidade fibrilação atrial, tanto etiologia quanto
nessa população, pela existência de múltiplas complicação frequente de ICFEp (PIESKE et
condições médicas subjacentes e por uma maior al., 2019).
prevalência de comorbidades. Exames laboratoriais devem ser realizado,
sendo preconizadas as análises de sódio,
Critérios diagnósticos da insuficiência potássio, ureia, creatinina, taxa de filtração
cardíaca com fração de ejeção preservada glomerular, testes de função hepática e
Como proposto pela Associação de Insu- hemoglobina glicada para pesquisa de de
ficiência Cardíaca da Sociedade Europeia de síndrome metabólica, diabetes tipo 2 e doença
Cardiologia, há um algoritmo que define bem renal crônica que são comorbidades comu-
quais devem ser os critérios diagnósticos, mente associadas. Dosagem de hormônio
estratificando uma probabilidade baixa, tireoestimulante (TSH), hemograma completo,
moderada ou alta para o diagnóstico da ICFEp. ferritina, índice de saturação de transferrina e
O algoritmo é dividido em quatro segmentos de anemia são igualmente importantes, sendo a
análise, ou quatro etapas (PIESKE et al., 2019) anemia associada ao agravamento dos sintomas
A primeira etapa é a avaliação inicial, ou da ICFEp e da intolerância ao exercício
pré-teste. Todos os pacientes com sinais e (PIESKE et al., 2019).
sintomas de IC devem passar por esta etapa com Peptídeos natriuréticos em níveis séricos <
a finalidade de exclusão de diagnósticos 125 pg/mL para o NT-proBNP ou < 35 pg/mL
diferenciais. Neste momento, faz-se uma boa para o BNP possuem altos valores preditivos
anamnese e avaliação clínico-epidemiológica, negativos (NPV; 95-99%) para exclusão de
exames laboratoriais, eletrocardiograma, eco- qualquer IC. O maior gatilho para liberação de
cardiograma para exclusão de hipóteses como tais peptídeos é o alto estresse diastólico na
doenças valvares e para investigar possibilidade parede do ventrículo esquerdo, que é inversa-
de isquemia, arritmia, anemia ou doenças mente proporcional à espessura. Entretanto,
pulmonares. Cabe atenção também à busca por indivíduos com fração de ejeção preservada não
sinais e sintomas típicos, como edema peri- tendem a apresentar paredes ventriculares
férico, condicionamento físico restrito e despro- dilatadas assim como os que sofrem com uma
porcional, dispneia, ortopneia, além de estra- fração de ejeção reduzida, o que significa que,
tificar o paciente em relação às classes da New na prática, até 20% dos pacientes com ICFEp
York Heart Association (NYHA), sendo que possuem níveis de peptídeos natriuréticos infe-
NYHA maior ou igual a 2 reforça a hipótese de riores a tais valores pré-definidos. Portanto, é
IC (PIESKE et al., 2019). uma ferramenta importante, ainda que possua
limitações (PIESKE et al., 2019).
168
A ecocardiografia deve ser realizada em diagnóstico da ICFEp. Caso sejam obtidos
todo paciente dispneico com suspeição de IC, escores intermediários (entre 2 e 4), reco-
sendo capaz de, inclusive, excluir causas menda-se a realização de testes de estresse ou
alternativas como doenças valvares, hiperten- medidas invasivas. Pacientes que preenchem
são pulmonar primária ou efusões pericárdicas. nenhum ou apenas um ponto ficam com a
A ejeção ventricular esquerda deve ser medida, hipótese de ICFEp afastada (PIESKE et al.,
e não estimada, idealmente por imagens bi ou 2019).
tridimensionais. O ponto de corte para uma Alguns dos componentes a serem avaliados
fração de ejeção preservada é definido como podem já estar até disponíveis pós-coleta na
maior ou igual a 50%. Deve-se avaliar o primeira etapa (PIESKE et al., 2019):
diâmetro ventricular esquerdo e volumes. O ● Critérios maiores funcionais: E’ septal <
diagnóstico de ICFEp é sugerido caso observe- 7 cm/s ou E’ lateral < 10 cm/s ou Média E/e’ ≥
se um ventrículo esquerdo não dilatado com 15 ou regurgitação tricúspide > 2,8 m/s (PSAP
fração de ejeção normal, remodelamento con- > 35 mmHg).
cêntrico ou hipertrofia ventricular esquerda e ● Critérios maiores morfológicos: índice
alargamento atrial esquerdo. Com frequência, de volume atrial esquerdo > 34ml/m²; índice de
tais achados ecocardiográficos em repouso são massa do VE > 149/122 g/m² e espessura
encontrados em pacientes assintomáticos, que relativa da parede > 0,42.
estão em risco de progressão evidente em uma ● Critérios maiores de biomarcadores
ICFEp (PIESKE et al., 2019). (sinusal): NT-proBNP > 220 pg/mL ou BNP >
Testes de estresse são capazes de prover 80 pg/mL.
informações sobre capacidade de exercício, ● Critérios maiores de biomarcadores
resposta de pressão arterial ao exercício e (fibrilação atrial): NT-proBNP > 660 pg/mL ou
resposta de frequência cardíaca ao exercício. BNP > 240 pg/mL.
Observa-se incompetência cronotrópica em 33- ● Critérios menores funcionais: Média
77% dos pacientes com ICFEp. Existe valor E/e’ entre 9 e 14; Strain global longitudinal
prognóstico em uma taxa de recuperação (SGL) < 16%.
reduzida após exercício, bem como uma ● Critérios menores morfológicos: índice
capacidade reduzida (< 75% do pico de trabalho do volume atrial esquerdo 29-34 ml/m²; índice
cardíaco predito para idade). Em pacientes com de massa do VE > 115/95 g/m² (h/m) e
suspeita de ICFEp, o teste de caminhada de 6 espessura relativa da parede > 0,42; espessura
minutos pode ser considerado anormal, mas sua da parede do VE > 12 mm.
performance também é afetada por outras ● Critérios menores de biomarcadores
variantes como condições cardiopulmonares (sinusal): NT-proBNP 125-220 pg/mL ou BNP
(PIESKE et al., 2019). 35-80 pg/mL.
A segunda etapa estabelece um escore. Para ● Critérios menores de biomarcadores
isso, são avaliados três critérios: funcional, (fibrilação atrial): NT-proBNP 365-660 pg/mL
morfológico, biomarcadores em condição ou BNP 105-240 pg/mL.
sinusal ou de fibrilação atrial. Critérios maiores A terceira etapa aplica-se em pacientes em
pontuam 2 pontos, e critérios menores pontuam que há dúvida diagnóstica, isto é, escores
um único ponto. A presença de um escore maior intermediários 2-4. Será realizada investigação
ou igual a 5 pontos torna confirmado o de alterações hemodinâmicas como redução do
169
volume sistólico e débito cardíaco bem como risco como obesidade, hipertensão arterial e
elevações nas pressões de enchimento diabetes, espera-se um aumento na prevalência
detectadas no esforço ou no repouso, tanto por de ICFEp, síndrome de baixo índice de
testes invasivos ou de estresse. Por meio de sobrevida quando instalada em pacientes de
cateterismo direto, pode ser ser demonstrada maior idade, alto ônus ao sistema de saúde, e
uma alta pressão de enchimento no ventrículo múltiplos fatores contribuintes, etiologias e
esquerdo (pressão diastólica final > 16 mmHg mecanismos fisiopatológicos distintos. Tais
ou pressão capilar pulmonar em cunha > 15 fatores somados culminam na dificuldade de
mmHg) ao repouso, então o diagnóstico pode conduta diagnóstica.
ser confirmado. Além disso, é recomendada Entretanto, apesar da relevância da
avaliação durante exercício por método não condição, ainda existem diversas limitações
invasivo (ecocardiografia de estresse) (PIESKE para o diagnóstico. Entre elas, a diversidade nas
et al., 2019). apresentações clínicas da condição, a
A quarta e última etapa busca determinar a variabilidade de procedimentos diagnósticos e
etiologia final. A maioria dos casos de IC com a ausência sobre quais parâmetros são mais
fração de ejeção preservada está atrelada a relevantes durante os testes cardiopulmonares.
fatores de risco e comorbidades variadas, mas Em suma, essas limitações contribuem para
existe a possibilidade de uma etiologia ausência de métodos padronizados e precisos
subjacente que deve ser considerada sempre. A para avaliação diagnóstica. Atualmente, as
identificação da etiologia específica possui melhores diretrizes disponíveis são as da
importância para o estabelecimento de uma Associação de Insuficiência Cardíaca da
terapia-alvo mais eficaz e melhora do Sociedade Europeia de Cardiologia, que
prognóstico do paciente. Com efeito, a frase definem uma probabilidade baixa, média ou
anterior se traduz no fato de que uma IC alta do indivíduo ser portador de ICFEp.
decorrente de HAS deve recorrer no tratamento Por fim, a limitação dos critérios
da condição primária, e o mesmo vale para um diagnósticos dificulta a estratificação dos
caso infeccioso, tóxico, imune ou inflamatório, pacientes, o que dificulta a individualização e
por exemplo (PIESKE et al., 2019). limita pesquisas em relação ao seu tratamento.
Assim, contribui para a ausência de terapias
CONCLUSÃO comprovadamente eficazes para a ICFEp em
Como citado anteriormente, pelos índices comparação a ICFEr que possui critérios
de aumento da expectativa de vida da diagnósticos específicos e tratamento melhor
população e a maior frequência de fatores de estabelecido.

170
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171
CAPÍTULO 20

EVOLOCUMABE: UMA OPÇÃO


INOVADORA PARA O TRATAMENTO
DA DOENÇA ARTERIAL
CORONARIANA

IAGO COLLINS TAVELLA PAULINO¹


ISABELLA LUTTERBACH ERTHAL¹
PEDRO ASSUMPÇÃO ARAUJO RODRIGUES DE SOUZA1
SARAH QUICK LOURENÇO DE LIMA¹
SOPHIA CALÁBRIA DA SILVEIRA¹

1. Discente – Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Palavras-chave:
Evolocumabe; Doença arterial coronariana; Tratamento.

172
10.59290/978-65-6029-060-0.20
INTRODUÇÃO Além disso, fatores genéticos desempenham
A doença arterial coronariana (DAC) um papel crucial, evidenciado por estudos que
permanece como uma das principais causas de mostram uma predisposição genética em certas
morbidade e de mortalidade em todo o mundo, populações. Em áreas urbanas, o estresse
apresentando uma complexa interação de crônico, associado a estilos de vida agitados,
fatores genéticos, metabólicos e ambientais. contribui para o aumento das taxas de DAC
Em primeira análise, no que tange ao estudo (BARQUERA et al., 2015).
epidemiológico da DAC, observa-se que ela Em relação ao processo fisiopatológico, a
afeta milhões de pessoas globalmente, sendo lesão endotelial, frequentemente causada por
que há variações significativas em sua fatores como hipertensão, tabagismo e diabetes,
prevalência devido a fatores demográficos, ao é o ponto de partida da DAC. A lesão permite a
estilo de vida e ao acesso aos cuidados de saúde, entrada de lipídios e de outras substâncias de
dentre outros determinantes sociais em saúde natureza semelhante, especialmente o coles-
(DSS). Nesse aspecto, estudos mostram uma terol de baixa densidade (LDL), na parede
associação entre a DAC e alguns fatores de arterial. No ambiente inflamatório resultante, o
risco, como hipertensão arterial sistêmica LDL é oxidado, desencadeando uma resposta
(HAS), obesidade, diabetes e tabagismo. Além imune que atrai monócitos, os quais, ao
disso, populações em transição epidemiológica, atingirem os extratos tissulares, diferenciam-se
como aquelas em países em desenvolvimento, em macrófagos (FROSTEGÅRD, 2013).
onde são notadas mudanças nos padrões Diante disso, os macrófagos, ao fagocitarem
demográficos, sociais e dos serviços de saúde, o LDL oxidado, transformam-se nas chamadas
vêem um aumento alarmante nos casos de células espumosas, dando origem ao núcleo
DAC, em virtude de mudanças nos padrões lipídico da placa de ateroma. As células
alimentares, de atividade física e de consumo espumosas liberam citocinas, promovendo a
do tabaco, por exemplo (BARQUERA et al., migração de células musculares lisas da parede
2015). arterial para a área da lesão. Estas células lisas,
De acordo com a Organização Mundial da juntamente com fibras de colágeno e de cálcio,
Saúde (OMS), aproximadamente 18,6 milhões formam o revestimento fibroso da placa.
de pessoas morrem, anualmente, de doenças Seguindo essa lógica, o processo inflamatório
cardiovasculares, sendo a DAC responsável por persistente na placa de ateroma atrai mais
uma proporção significativa dessas mortes. células inflamatórias, agravando a inflamação e
Estima-se que mais de 80 milhões de pessoas a instabilidade da placa, em um sistema de
vivam com DAC nos Estados Unidos e na retroalimentação (FROSTEGÅRD, 2013).
União Europeia, com números semelhantes em Percebe-se, então, que o desenvolvimento
países como China, Índia e Brasil (BAR- fisiopatológico da DAC culmina, irredutivel-
QUERA et al., 2015). mente, na redução do fluxo sanguíneo no ponto
As taxas de incidência da DAC variam, em que se forma a placa, devido à diminuição
consideravelmente, de acordo com a geografia da superfície luminal do vaso, de forma a
e os grupos étnicos. Por exemplo, comunidades comprometer o aporte de sangue nas áreas em
com dietas ricas em gorduras saturadas e que a obstrução se fixa. Logo, a partir desses
colesterol, juntamente com estilos de vida fatores, surgem as manifestações clínicas
sedentários, enfrentam um risco aumentado. típicas do quadro isquêmico constituído.
173
Assim, a angina estável, por exemplo, uma das artigos duplicados, disponibilizados na forma
manifestações da DAC, ocorre quando o de resumo, que não abordavam diretamente a
suprimento de oxigênio ao músculo cardíaco é proposta estudada e que não atendiam aos
insuficiente para atender à demanda aumentada demais critérios de inclusão.
durante o esforço físico. A isquemia miocárdica Os resultados foram apresentados em forma
temporária, diante da escassez de oxigênio, descritiva, divididos em categorias temáticas
acarreta o acúmulo de lactato no tecido abordando: limitações dos tratamentos atuais
cardíaco, logo, os receptores álgicos são para DAC, mecanismo de ação do evolocu-
ativados, resultando em dor em aperto mabe, resultados de segurança e eficácia nos
tipicamente no peito, que pode irradiar para o ensaios clínicos.
braço esquerdo, caracterizando a angina. Com
o tempo, a placa de ateroma pode se tornar RESULTADOS E DISCUSSÃO
instável devido ao afinamento da capa fibrosa e Doença arterial coronariana: tratamen-
ao acúmulo de líquido necrótico no seu núcleo. tos atuais e suas limitações
Uma placa instável está propensa a ruptura e O objetivo do tratamento da DAC é
pode obstruir parcial ou completamente a basicamente prevenir o infarto do miocárdio e
artéria, levando a complicações agudas como a reduzir a mortalidade; além de reduzir os
síndrome coronariana aguda (FROSTEGÅRD, sintomas e a ocorrência da isquemia miocár-
2013). dica, proporcionando uma melhor qualidade de
Apesar da ampla gama de medicações, vida. Isso é alcançado por meio de terapias que
muitos pacientes mantêm os sintomas, assim agem reduzindo a demanda de oxigênio e
como a progressão da dislipidemia e apre- aumentando a oferta de oxigênio pelo
sentam complicações graves. Dessa forma, este miocárdio, assim como reduzindo a formação
capítulo explora uma nova opção para o de novas placas ateroscleróticas (SBC, 2014).
tratamento de DAC, o evolocumabe, medica- Entre as opções terapêuticas, sempre inicia-
mento biológico hipolipemiante que promete se pela orientação dietética e de atividade física,
resultados frente à refratariedade dos ambas abordadas na I Diretriz Brasileira de
tratamentos mais antigos. Prevenção Cardiovascular. Há também fár-
macos e terapias intervencionistas, além das
MÉTODO novas opções de tratamento em desenvol-
Trata-se de uma revisão narrativa realizada vimento.
no período de agosto a outubro de 2023 por Em relação ao tratamento clínico, a
meio de pesquisas nas Diretrizes da Sociedade prevenção do infarto e redução da mortalidade
Brasileira de Cardiologia (SBC) e bases de cardiovascular é feita principalmente pelo uso
dados PubMed, LILACS e EMBASE. Foram de antiagregantes plaquetários, como aspirina,
utilizados os descritores: Evolocumabe, Do- derivados tienopiridínicos (ticlopidina e o
ença Arterial Coronariana e Tratamento. clopidogrel), dipiridamol, anticoagulantes, a-
Os critérios de inclusão foram: artigos nos gentes hipolipemiantes, como fibratos, resinas
idiomas inglês e português, publicados nos de troca, ácido nicotínico, estatinas, ômega 3 e
últimos 15 anos e que abordavam as temáticas ezetimibe, bloqueadores betadrenérgicos e
propostas para esta pesquisa, disponibilizados
na íntegra. Os critérios de exclusão foram:
174
inibidores da enzima conversora de angio- Quanto à terapêutica medicamentosa, os
tensina (SBC, 2014). antiagregantes plaquetários, os hipolipemian-
O tratamento sintomático inclui bloquea- tes, em especial as estatinas, os bloqueadores
dores betadrenérgicos, antagonistas dos canais betadrenérgicos e os inibidores da enzima
de cálcio, nitratos e trimetazidina (SBC, 2014). conversora de angiotensina-I reduzem a
Os agentes hipolipemiantes possuem di- incidência de infarto e aumentam a sobrevida,
versos mecanismos de ação e devem ser enquanto os nitratos, antagonistas dos canais de
utilizados devido às evidências de redução de cálcio e a trimetazidina reduzem os sintomas e
risco de morte e de IAM não fatal nos estudos os episódios de isquemia miocárdica, melho-
de prevenção primária e secundária. As rando a qualidade de vida dos pacientes. Desta
estatinas são agentes hipolipemiantes que forma, é prioritário e fundamental iniciar o
exercem os seus efeitos através da inibição da tratamento com medicamentos que reduzem a
HMG-CoA redutase, enzima fundamental na morbimortalidade e associar, quando necessá-
síntese do colesterol, levando a uma redução do rio, medicamentos que controlam a angina e
colesterol tecidual e consequente aumento na reduzem a isquemia miocárdica (SBC, 2014).
expressão dos receptores de LDL. Atualmente Também é possível realizar o tratamento
constituem a melhor opção terapêutica clássica com medidas invasivas. É o caso de uma
atual para o controle dos níveis séricos da LDL- cirurgia de revascularização direta do mio-
c, sendo os medicamentos de escolha para se cárdio, utilizando enxertos para as artérias
reduzir o LDL-c em adultos, contudo, devem coronárias, a partir da aorta, ou mesmo utili-
ser suspensas caso haja aumento das ami- zando a própria artéria nativa e a revascu-
notransferases > 3 vezes os valores normais, ou larização por catéter (SBC, 2014).
se houver dor muscular ou aumento da Contudo, esses tratamentos ainda apresen-
creatinoquinase > 10 vezes o valor normal tam limitações. A maioria dos pacientes com
(SBC, 2014). angina estável tem seus sintomas controlados
Com base nesses estudos, que estão por fármacos antianginosos, ICP e/ou por
contemplados nas metanálises 10-12, as metas CRM. No entanto, existe um grupo seleto de
recomendadas para os portadores de DAC pela pacientes com extensa aterosclerose coronária,
III Diretriz Brasileira de Dislipidemias in- cujos sintomas persistem a despeito da terapia
cluem: colesterol total < 200 mg/ dL, LDL-c < medicamentosa e com impossibilidade de
100 mg/dL, HDL-c > 40 mg/dL (com variações revascularização percutânea ou cirúrgica (SBC,
para sexo e portadores de diabetes), VLDL < 30 2014).
mg/dL e triglicérides < 150 mg/dL. A
importância dessas metas é vista na clínica. Nos Evocolumabe: mecanismo de ação e o que
ensaios clínicos, a redução de 1% nos níveis traz de novo em relação aos tratamentos
séricos de colesterol propiciou 2% na redução antigos
de eventos cardiocirculatórios. Nos estudos de Evocolumabe, medicamento comercial-
prevenção secundária, a redução da LDL-c com mente chamado Repatha, é um anticorpo
agentes hipolipemiantes diminuiu o risco de monoclonal humano que inibe a pró-proteína
eventos coronarianos em pacientes com DAC convertase subtilisina/kexina tipo 9 (PCSK9).
(SBC, 2014). Ele se liga a esta pró-proteína e inibe a ligação
da PCSK9 circulante ao receptor da lipo-
175
proteína de baixa densidade (LDLR), podendo progredir para sintomas de angina e
prevenindo a degradação do LDLR mediado culminar em trombose coronária e infarto
por PCSK9, permitindo, assim, que o LDLR se agudo do miocárdio (IAM) (KHATIB &
recicle de volta para superfície da célula WILSON, 2018).
hepática. Ao inibir a ligação de PCSK9 ao O uso clínico dessa droga, desse modo,
LDLR, o fármaco aumenta o número de LDLR também inclui quadros de doenças cardiovas-
disponível para captar o LDL do sangue, culares aterosclerótica estabelecida (infarto do
reduzindo, consequentemente, os níveis de miocárdio, acidente vascular encefálico ou
LDL-C e aumentando o clearance das lipo- DAC) com o intuito de reduzir o risco
proteínas pelo fígado (KASICHAYANULA et cardiovascular pela diminuição dos níveis de
al., 2018). LDL-C (BELLINO et al., 2023). Esse efeito é
Por isso, é indicado no tratamento de atingido pela combinação com dose máxima de
hipercolesterolemia primária (familiar hetero- estatina (na presença ou não de outras terapias
zigótica e não familiar) ou dislipidemia mista, hipolipemiantes) ou na forma monoterapia ou
podendo ser usado em combinação à estatina associação terapêutica com drogas hipolipe-
ou, além da estatina, associado a outras terapias miantes no tratamento de pacientes intolerantes
hipolipemiantes em pacientes incapazes de ou contraindicados à estatina (CHO et al.,
atingir os níveis da lipoproteína de baixa 2014).
densidade (LDL-C) com o máximo de dose de As estatinas são consideradas primeira linha
estatina tolerada. Também pode ser adminis- de tratamento para hiperlipidemia primária e
trada em casos de intolerância ou contrain- dislipidemias associadas. Seu uso reduz tanto
dicação à estatina (CHO et al., 2014). os níveis de LDL-C (30-40% em dose padrão),
Dislipidemias, caracterizadas por LDL-C, quanto eventos cardiovasculares, contudo parte
partículas de colesterol remanescentes ou li- dos pacientes tratados com essa terapia
poproteínas elevadas, assim como uma com- continuam apresentando elevado nível de LDL-
binação desses fatores, são consideradas causas C. Além disso, quadros de intolerância às
desencadeadoras para doenças cardiovasculares estatinas, assim como a descontinuidade de seu
aterosclerótica (ASCVD). A progressão e os uso revelam a importância da associação com
riscos envolvidos são influenciados por uma Evolocumabe no atendimento de pacientes
variedade de fatores genéticos e ambientais que acometidos por ASCVD (KASICHAYANULA
aceleram o processo de aterosclerose. Estes et al., 2018). A terapia combinada produz uma
incluem a resistência à insulina (com ou sem ação sinérgica pela inibição do aumento
obesidade), contribuindo para as dislipidemias compensatório da PCSK9 desencadeado pelo
mais comuns, e outras condições, como decréscimo da síntese de colesterol (KHATIB
hipertensão, diabetes, problemas renais crô- & WILSON, 2018).
nicos, doenças e fatores que influenciam a O uso do evocolumabe repercute efeitos na
coagulação/trombose, inflamação, formação de carga da doença aterosclerótica, na morfologia
ateroma, tônus vascular, mecanismos compen- da placa aterosclerótica coronariana, no risco
satórios e fatores de estilo de vida (tabagismo, cardiovascular em pacientes com doença
obesidade, sedentarismo e dieta pouco saudá- cardiovascular aterosclerótica estabelecida e no
vel) (ROSENBLIT, 2019). Dessa forma, a LDL-C durante a fase aguda das síndromes
aterosclerose inicia-se de forma assintomática,
176
coronárias agudas (SCA) (KOSKINAS et al., lar Outcomes Research with PCSK9 Inhibition
2019). in Subjects with Elevated Risk), um ensaio
Em relação aos pacientes com doença clínico randomizado duplo-cego, controlado
aterosclerótica, os efeitos do evolocumabe são por placebo e que acompanhou 27.564 paci-
redução percentual e total do volume do entes com doença cardiovascular ateroscleró-
ateroma e regressão aterosclerótica. Já em tica, altos níveis séricos de LDL-c e que faziam
relação à morfologia da placa aterosclerótica uso regular de estatinas (SABATINE et al.,
coronariana, nota-se alterações na espessura da 2017). Os pacientes foram divididos, aleatoria-
capa fibrosa e no arco lipídico máximo mente, em dois grupos: 13.784 pacientes no
(SABATINE et al., 2017). grupo intervenção (que fizeram uso de 420 mg
A administração de Repatha, em pacientes mensais de evolocumabe via injeções sub-
com doença cardiovascular estabelecida, induz cutâneas e mantiveram o tratamento com as
uma redução substancial do LDL-C e uma estatinas) e 13.780 no grupo controle (mantive-
diminuição significativa do risco de eventos ram o uso das estatinas e receberam placebo,
cardiovasculares definidos como a composição também na forma de injeções subcutâneas, na
de tempo até o primeiro evento de morte mesma frequência que o grupo intervenção
cardiovascular (CV), infarto do miocárdio recebeu o evolocumabe). Preliminarmente, o
(IM), Acidente vascular cerebral (AVC), estudo demonstrou uma redução nos níveis
revascularização coronária ou de hospitalização séricos de LDL de 59% no grupo intervenção,
por angina instável (SABATINE et al., 2017). de modo que a média da concentração sérica de
Também é possível observar uma redução LDL dos pacientes desse grupo se manteve em
do LDL-C da fase basal e uma redução média 30 mg/dl (0,78 mmol/l). Não foi observada
(DP) de LDL-C após semanas de tratamento qualquer alteração neste parâmetro no grupo
com evocolumabe em pacientes acometidos placebo. Além disso, o estudo demonstrou
com SCAs (BELLINO et al., 2023). redução entre 21 e 27%, de um modo geral, na
Com base nesses efeitos, o controle e a ocorrência de eventos cardiovasculares (infarto
redução da concentração plasmática de LDL-C, do miocárdio, AVC e hospitalização para
assim como a reciclagem de LDLRs promo- revascularização coronária) em relação a um
vidos pelo uso de Evolocumabe (tanto na forma grupo placebo. Ademais, notou-se que a
de monoterapia quanto em associação) a partir redução de risco dos eventos observados
do aumento do clearance hepático de lipoproteí- aumentava com o tempo de uso da medicação,
nas configura uma importante estratégia na sendo uma redução de 12% no primeiro ano de
prevenção de eventos cardiovasculares, como uso e aumentando para 19% no segundo
anginas, infartos e acidentes vasculares ence- (SABATINE et al., 2017).
fálicos, mostrando-se como um alternativa Em outro estudo, denominado GLAGOV
viável em grande parte dos casos (KHATIB & (Global Assessment of Plaque Regression with
WILSON, 2018). a PCSK9 Antibody as Measured by Intra-
vascular Ultrasound), também ensaio clínico
Eficácia e segurança do evolocumabe nos randomizado, controlado por placebo, acom-
ensaios clínicos panhou 968 pacientes com doença arterial
Foi publicado, em maio de 2017, um estudo coronariana já em tratamento com estatinas, por
denominado FOURIER (Further Cardiovascu- 76 semanas (aproximadamente um ano e meio)
177
(NICHOLLS et al., 2016). Tais pacientes foram intervenção (em uso de evolocumabe associado
divididos aleatoriamente em dois grupos: 484 às terapias medicamentosas padrão) e 368 no
no grupo intervenção (uso de evolocumabe e grupo controle (em terapia medicamentosa
estatinas) e 484 no grupo controle (em uso de padrão); tais pacientes foram acompanhados
placebo e estatinas). A princípio, destaca-se que por 5 anos. Assim como nos demais, neste
também ocorreu, nesse estudo, uma redução estudo, também foi observada uma consi-
nos níveis séricos de LDL-C nos pacientes que derável redução nos níveis séricos de LDL
fizeram uso do evolocumabe. Nesse sentido, a (cerca de 56%) no grupo intervenção, não sendo
média ponderada da concentração sérica de encontrada no grupo placebo (KOREN et al.,
LDL no grupo placebo esteve em 93 mg/dL, 2014; KOREN et al., 2017; KOREN et al.,
enquanto que no grupo em uso do evolo- 2019). Quanto à tolerabilidade, apenas 71
cumabe, o valor foi de 36,6 mg/dL (uma pacientes descontinuaram o uso da medicação
redução de 56,3 mg/dL, em média), corrobo- em decorrência de efeitos adversos, sendo a
rando o achado do estudo FOURIER (SABA- maioria no primeiro ano de uso. Os efeitos
TINE et al., 2017). Além disso, neste estudo adversos mais observados durante o período de
observou-se redução nos níveis séricos de uso da medicação, no estudo, foram
apolipoproteína B, triglicerídeos e lipoproteína nasofaringite, artralgia e infecções do trato
A, além de aumento nos níveis de HDL. respiratório superior. No entanto, os estudos
Ademais, demonstrou benefícios na progressão não demonstrou a relação entre tais sintomas e
da doença coronária nos pacientes que fizeram a medicação estudada (KOREN et al., 2017;
uso de estatinas associadas ao evolocumabe em KOREN et al., 2014).
relação ao grupo placebo. Nesse sentido, notou- Já o estudo FOURIER, citado anteriormen-
se que houve uma redução no volume te, também analisou os principais efeitos
percentual da placa de ateroma (-0,95% contra adversos causados pela medicação. Esse não
o aumento de 0,05% no grupo placebo), além encontrou nenhuma diferença significativa no
de um maior percentual de pacientes que que se refere a reações adversas normais e
apresentaram regressão da placa (64,3% no severas entre os dois grupos (intervenção e
grupo que fez uso de evolocumabe associado às controle), sendo, respectivamente, 77,4% vs
estatinas contra 47,3% no grupo de estatinas e 77,4% e 24,8% vs 24,7% (SABATINE et al.,
placebo). Ocorreu ainda uma diferença na 2017). Ainda segundo esse estudo, houve
diminuição do volume total da placa de ateroma apenas um efeito adverso observado com
de 4,9 mm³ entre o grupo intervenção e o grupo diferença significativa entre os grupos inter-
placebo (NICHOLLS et al., 2016). venção e placebo: reação no local da injeção
Quanto ao perfil de segurança, um estudo, (2,1% vs 1,6%). Todos os outros efeitos ad-
denominado OSLER-1 (Open-Label Study of versos foram estatisticamente semelhantes
Long-term Evaluation against LDL-C), foi entre os grupos, de modo que não se pode dizer
realizado com o intuito de avaliar a segurança que foram causados pela medicação. Dentre
do uso em longo prazo do evolocumabe eles, pode-se citar: reação alérgica, eventos
(KOREN et al., 2014; KOREN et al., 2017; relacionados à musculatura e desenvolvimento
KOREN et al., 2019). Neste estudo, 1.104 de diabetes (SABATINE et al., 2017).
pacientes com hipercolesterolemia foram Portanto, é passível de conclusão que os
randomizados em dois grupos: 736 no grupo inibidores da enzima PCSK9, em especial o
178
evolocumabe, possuem um grande poder de intimamente relacionada à dislipidemia e
melhora no perfil lipídico dos pacientes, graças formação de placas de ateroma. Dessa forma, o
a sua atuação, reduzindo a concentração sérica tratamento envolve regressão e interrupção de
de LDL e outros componentes, tais quais APO- progressão da aterosclerose, por meio de
B, triglicerídeos e lipoproteína A, além de hipolipemiantes. As estatinas, primeira linha de
majorar as concentrações de HDL (NICHOLLS tratamento nesse sentido, possuem diversas
et al., 2016; SABATINE et al., 2017). Desse limitações e muitos pacientes apesar do uso
modo, observa-se um efeito cardioprotetor de otimizado da classe farmacológica mantém a
tais medicações, levando a um benefício a dislipidemia e progressão da DAC.
pacientes com angina estável, de forma a O evocolumabe surge como opção
impedir que a doença evolua para eventos terapêutica, podendo ser utilizado tanto em
cardiovasculares, tais quais infarto do dupla terapia com as estatinas como em
miocárdio, acidente vascular encefálico e monoterapia. É um anticorpo monoclonal com
necessidade de revascularização coronariana. mecanismo de ação básico consistindo na
Nesse sentido, destaca-se também um efeito inibição da degradação do receptor de
benéfico da medicação na redução do volume lipoproteína de baixa densidade, reduzindo
das placas de ateroma dos pacientes, permitindo então a disponibilidade de LDL no sangue.
melhor circulação do sangue e reduzindo, O fármaco demonstrou alta eficácia em
portanto, os eventos citados (NICHOLLS et al., melhorar o perfil lipídico dos pacientes de
2016). Tudo isso aliado à segurança da forma segura em ensaios clínicos. Os benefícios
administração do medicamento, que não trouxe do foram associados ao tempo de uso da
consigo efeitos adversos graves, apresentando- medicação. Entretanto, uma limitação ao seu
se como um fármaco de excelente tolerância uso, é o preço, que o torna pouco acessível. Não
(KOREN et al., 2014; KOREN et al., 2017; obstante, revela-se uma importante estratégia
KOREN et al., 2019; SABATINE et al., 2017). para a prevenção da formação de placas de
ateroma e para progressão de riscos
CONCLUSÃO cardiovasculares em pacientes com intolerância
A DAC é uma importante causa de morte ou refratariedade aos tratamentos tradicionais e
em todo o mundo. Sua fisiopatologia está deve contar no arsenal de cardiologistas.

179
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA - SBC. Diretrizes de doença coronária estável. Rio de Janeiro: SBC,
2014.

180
CAPÍTULO 21

ENDOCARDITE INFECCIOSA:
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E
DIAGNÓSTICO

ANA VICTORIA TANIGAKI DE ANDRADE¹


BEATRIZ NUNES PASSOS DE ANDRADE¹
GABRIELA GUERRA DE VASCONCELLOS LIMA¹

1. Discente - Medicina na Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais.

Palavras-chave:
Endocardite; Sinais e sintomas; Diagnóstico.

181
10.59290/978-65-6029-060-0.21
INTRODUÇÃO periféricas são decorrentes do estímulo
A endocardite infecciosa é uma doença imunológico e antigênico persistentes, tais
causada pela infecção da face endotelial de como petéquias em mucosas e em extre-
estruturas cardiovasculares, requerendo a midades, hemorragia subungueal, nódulos de
presença de microrganismos. No coração, é Osler (formações nodulares dolorosas na polpa
acometida a superfície endotelial de estruturas e face lateral dos dedos), manchas de Janeway
cardíacas, especialmente das valvas atrioventri- (máculas eritêmato-hemorrágicas nas palmas
culares ou semilunares (HOLLAND et al., das mãos e plantas dos pés), hemorragias reti-
2016). A lesão inicial é formada por agregado nianas (manchas de Roth) e glomerulonefrite
de microorganismos, plaquetas e fibrina sobre a por depósito de imunocomplexos.
superfície endotelial. O fenômeno primordial Entre as complicações cardíacas geradas
para a ocorrência de endocardite infecciosa é a pela endocardite infecciosa estão falência
lesão endotelial causada pelo fluxo turbulento cardíaca decorrente de insuficiência valvar,
presente nas valvopatias, essa lesão pode sobretudo aórtica, ou de comprometimento
culminar em adesão e agregação plaquetária. miocárdico por abscesso no anel valvar,
Admite-se que estruturas ricas em fibrina e destruição dos folhetos valvares e/ou das cordas
plaquetas ocorram frequentemente em porta- tendíneas cursando com insuficiência valvar
dores de cardiopatias e representam local inicial aguda, obstrução valvar por trombos volu-
de adesão de microrganismos. Portanto, mosos, comunicações intercavitárias, pericar-
presença de cardiopatia que predisponha a lesão dite fibrinopurulenta e infarto do miocárdio,
endotelial e ocorrência de bacteremia por pois parte da vegetação pode se desprender e
microrganismo com capacidade de adesão são formar um êmbolo séptico, potencialmente
os dois eventos necessários para ocorrência de causador tanto de infarto quanto de infecção em
endocardite infecciosa. órgãos distantes. Além disso, tais êmbolos
No Brasil e em outros países em que a podem determinar, no local onde se alojam,
prevalência da doença reumática é elevada, a vasculite aguda que aumenta o risco de ruptura
taxa de endocardite infecciosa também o é, por do vaso acometido (YUAN et al., 2019).
conta da lesão gerada por essa condição O diagnóstico de endocardite é feito na fase
(SOUSA & PINTO, 2022). No entanto, mesmo sistêmica da doença quando é detectada
em países em que a incidência de doenças bacteremia persistente e acometimento do
reumáticas vem diminuindo, a incidência de endocárdio. Portanto, o diagnóstico tem como
endocardite não segue essa linha de com- base quadro clínico do paciente, hemoculturas
portamento. Atualmente existem novos grupos positivas, achados ecocardiográficos e resul-
de risco, como idosos, usuários de drogas tados laboratoriais (YUAN et al., 2019).
injetáveis, pacientes em hemodiálise e O objetivo deste estudo é analisar e
portadores de cardiopatias congênitas. compilar as informações mais atuais sobre as
A apresentação clínica da endocardite manifestações clínicas e o estabelecimento do
infecciosa compartilha sintomas e sinais co- diagnóstico da endocardite infecciosa.
muns às infecções de caráter sistêmico, como
febre, astenia, anorexia, linfonodomegalia e MÉTODO
hepatoesplenomegalia (BOGLIOLO & BRA- Trata-se de uma revisão integrativa
SILEIRO FILHO, 2011). As manifestações realizada no período de 6 de outubro a 30 de
182
outubro de 2023, por meio de pesquisas nas nódulos de Osler, pápulas hemorrágicas na
bases de dados: Pubmed, Medscape, SciELO, palma das mãos ou nos pés (lesões de Janeway)
National Library of Medicine e ScienceDirect. e hemorragias subungueais. Alguns pacientes
Foram utilizados os descritores: “infective podem ter efeitos sobre o sistema nervoso
endocarditis”, “diagnosis” e “symptoms”, central, embolia renal e/ou embolia esplênica.
aplicando-se o operador booleano “AND”. Além das manifestações clínicas, atual-
Desta busca, foram encontrados 24.674 artigos, mente, os critérios de Duke modificados são os
posteriormente submetidos aos critérios de mais utilizados para ajudar a diagnosticar
seleção. endocardite infecciosa. Eles representam um
Os critérios de inclusão foram: artigos no conjunto de exames e de achados clínicos e têm
idioma inglês, publicados no período de 2004 a uma sensibilidade geral de 80%, mas é sig-
2023, disponíveis no MEDLINE e que abor- nificativamente menor em casos de endocardite
davam as temáticas propostas para esta de válvula protética ou infecções de
pesquisa, estudos do tipo revisão, revisão dispositivos eletrônicos implantáveis. Nesses
sistemática e meta-análise, disponibilizados na casos, correlação microbiológica e imagens
íntegra. Os critérios de exclusão foram: artigos adicionais como tomografia computadorizada
duplicados, disponibilizados na forma de de corpo inteiro e ressonância magnética cere-
resumo, que não abordavam diretamente a bral, podem ser necessárias. Conforme esses
proposta estudada e que não atendiam aos critérios, para um diagnóstico de endocardite
demais critérios de inclusão. infecciosa é necessário ter dois critérios
Após os critérios de seleção, restaram 12 maiores, ou um critério maior e três menores,
artigos que foram submetidos à leitura ou então cinco critérios menores.
minuciosa para a coleta de dados. Os resultados Dentre os critérios maiores, estão:
foram apresentados de forma descritiva, abor- Achados na hemocultura:
dando as principais informações e desfechos de ● Microrganismos típicos consistentes
cada estudo. com endocardite infecciosa de duas hemo-
culturas separadas:
RESULTADOS E DISCUSSÃO ● Estreptococos do grupo viridans, grupo
O quadro clínico do paciente com endo- Streptococcus bovis, grupo HACEK,
cardite infecciosa é de extrema importância Staphylococcus aureus; ou
para o diagnóstico e é muito variável, podendo ● Enterococos adquiridos na comunidade
se apresentar com condições agudas, subagudas sem foco primário; ou
ou crônicas, variando conforme o micror- ● Microorganismos consistentes com
ganismo. Segundo estudos, até 90% dos endocardite infecciosa provenientes de hemo-
pacientes apresentam febre, sudorese noturna, culturas persistentemente positivas:
fadiga e perda de peso e apetite. Ou seja, ● ≥ 2 hemoculturas positivas colhidas
sintomas vagos e inespecíficos que podem com intervalo de >12 horas; ou
dificultar o diagnóstico. Também podem ser ● Todas as três ou a maioria de ≥4
encontradas lesões retinianas hemorrágicas, hemoculturas separadas (primeira e última
conhecidas como manchas de Roth, mani- amostras com intervalo ≥ 1 hora); ou
festações cutâneas como petéquias, nódulos
subcutâneos eritematosos, chamados de
183
● Única hemocultura positiva para leucócitos está elevada nos casos agudos; a
Coxiella burnetii ou título de anticorpos IgG de leucopenia é rara e está associada a
fase > 1:800. esplenomegalia ou toxicidade por drogas. A
Achados nos exames de imagem: trombocitopenia é encontrada em 10 a 15% dos
● Ecocardiograma positivo para casos. A velocidade de hemossedimentação
endocardite infecciosa; (VHS) está aumentada em praticamente todos
● Vegetação; os casos, e o seu valor médio é de 57 mm/h. O
● Abscesso, pseudoaneurisma ou fístula achado de valor normal de VHS põe em questão
intracardíaca; o diagnóstico de endocardite. Da mesma forma,
● Perfuração valvar ou aneurisma; a proteína c-reativa está aumentada em
● Nova deiscência parcial de prótese virtualmente todos os casos. Outros achados
valvar; são: hipergamaglobulinemia (23 a 30% dos
● Atividade anormal ao redor do local de casos), hipocomplementemia (5 a 10% dos
uma válvula protética detectada por PET/CT casos), fator reumatóide positivo (40 a 50% dos
presumindo > 3 meses após a cirurgia ou casos). Ademais, anormalidades hematológicas
SPECT/CT de leucócitos radiomarcados; estão quase sempre presentes, mas não são
● Lesões paravalvares definidas pela TC específicas do quadro de endocardite
cardíaca. infecciosa.
Critérios menores:
● Condição cardíaca predisponente ou Urina rotina
uso de drogas intravenosas; A análise da urina mostra anormalidades,
● Febre > 38 °C; sendo proteinúria e hematúria microscópica os
● Fenômenos vasculares (incluindo achados mais frequentes. Cilindros hemáticos,
aqueles detectados apenas por exames de piúria, cilindros leucocitários e bacteriúria
imagem): êmbolos arteriais, infarto esplênico, também podem ser encontrados. No entanto,
aneurismas micóticos, hemorragia esses resultados isolados não representam alta
intracraniana e lesões de Janeway; especificidade para o quadro de endocardite.
● Fenômenos imunológicos como
glomerulonefrite, nódulos de Osler, manchas de Ecocardiografia
Roth e fator reumatoide; Pacientes com quadro clínico sugestivo de
● Evidência microbiológica. endocardite infecciosa devem ser submetidos a
Adicionalmente, alterações hematológicas, ecocardiograma transtorácico. Quando o exame
exames de urina, exames de ecocardiografia e é realizado sob condições técnicas adequadas, a
hemoculturas são de extrema relevância para ausência de vegetação torna o diagnóstico
ajudar a equipe médica no diagnóstico de pouco provável. Há, entretanto, situações em
pacientes com endocardite infecciosa. que se recomenda seguir a investigação, mesmo
quando ecocardiograma inicial não mostra
Alterações hematológicas sinais de endocardite; essas situações são:
A anemia é encontrada em até 90% dos quadro clínico indicativo de endocardite, exame
casos, especialmente quando a duração dos inicial tecnicamente dificultado, suspeita de
sintomas é prolongada, e segue o perfil da endocardite em valva aórtica, endocardite em
anemia das doenças crônicas. A contagem de prótese valvar cardíaca. Nos pacientes com
184
suspeita de endocardite em prótese valvar, o são encontrados em 20-30% dos casos, sendo o
ecocardiograma transesofágico traz informa- Staphylococcus aureus o mais comum (80-
ções diagnósticas mais precisas do que o 90%) e sua frequência em casos de endocardite
ecocardiograma transtorácico. A sensibilidade é crescente. Dentre os estafilococos coagulase-
do ecocardiograma em detectar vegetações é de negativos, destaca-se o Staphylococcus epider-
50% e está reduzida em presença de vegetações midis, importante agente na endocardite em
pequenas, janela acústica inadequada ou de próteses valvares. Em caso de cultura negativa
prótese valvar (THUNY et al., 2014). A por conta do uso de agentes antimicrobianos e
sensibilidade do ecocardiograma transeso- infecções por microrganismos de difícil isola-
fágico varia de 88 a 100%, com especificidade mento, como os do grupo HACEK e fungos, é
de 90 a 100% e valor preditivo negativo de 68 recomendada a repetição do teste.
a 97%. São considerados achados ecocardio- Ademais, é importante ressaltar que um
gráficos indicativos de endocardite a presença diagnóstico de endocardite infecciosa deve ser
de vegetação, abscessos ou fístulas. A eco- cuidadosamente considerado naqueles paci-
cardiografia não permite diferenciar entre entes que apresentam fatores de risco
vegetações antigas cicatrizadas e vegetações predisponentes. Entre eles, os principais são:
ativas, não sendo método indicado para critério prolapso da válvula mitral, doença valvular
de cura. reumática, doença cardíaca congênita, endocar-
dite infecciosa prévia, pacientes com disposi-
Microbiologia tivos cardíacos implantados, como marca-
Hemoculturas são de extrema importância passos e próteses de válvulas cardíacas, uso de
para o diagnóstico de endocardite infecciosa; a drogas intravenosas, doença renal crônica,
bacteremia em geral é constante e de baixo doença hepática crônica, idade avançada e
grau. Quando coletadas antes da administração diabetes mal controlada (VINCENT & OTTO,
de antibióticos, a positividade das hemoculturas 2018).
chega a 95%, e o agente é recuperado na
primeira coleta em 80% dos casos (THUNY et CONCLUSÃO
al., 2014). Quando houver administração prévia O quadro clínico da endocardite infecciosa
de antimicrobianos e o quadro clínico é estável, é com frequência caracterizado por febre,
recomenda-se postergar o tratamento para que astenia, anorexia, linfonodomegalia, hepatoes-
seja possível fazer coletas seriadas de culturas. plenomegalia, presença de petéquias em
A coleta pode ser feita de veia periférica com mucosas e em extremidades, hemorragia
técnica asséptica a qualquer momento; não é subungueal, nódulos de Osler, manchas de
necessário que a coleta seja feita durante os Janeway, manchas de Roth e glomerulonefrite.
episódios de febre ou por punção arterial. São Ademais, podem ocorrer complicações como,
necessárias ao menos três coletas separadas principalmente, a insuficiência cardíaca.
durante 24 horas para que se possa avaliar a Apesar disso, existem variações sintomatoló-
existência de bacteremia persistente. Os gicas de acordo com o quadro de cada paciente
estreptococos são isolados em 30-65% dos e, muitas vezes, a apresentação clínica da
casos de endocardite infecciosa em valva infecção se assemelha com manifestações e
nativa. A maior parte dos estreptococos sintomas de outras patologias, dificultando o
pertence ao grupo viridans. Os estafilococos diagnóstico clínico e laboratorial da doença.
185
O diagnóstico da endocardite infecciosa é reconhecimento das suas manifestações
feito com base nos critérios de Duke, em que clínicas e dos métodos propedêuticos mais
deve-se obter pelo menos dois critérios específicos para a definição de um diagnóstico
maiores, ou um critério maior e três menores, assertivo e precoce, e, consequentemente, a
ou então cinco critérios menores. Essa análise definição de um tratamento específico para o
considera a apresentação clínica, história quadro.
patológica pregressa e social do paciente, Conclui-se que, mesmo frente a diversos
resultado de exame de hemocultura positivo, desafios que a endocardite infecciosa traz com
exames de imagem e laboratoriais sugestivos de si, é fundamental que as manifestações clínicas,
colonização microbiana. suas possíveis complicações mais prevalentes e
Nesse sentido, mesmo com as notórias os métodos propedêuticos mais específicos para
melhorias nos métodos diagnósticos e nas o quadro sejam temas mais estudados, a fim de
técnicas microbiológicas, a endocardite infec- aprimorar o diagnóstico e tratamento da
ciosa possui incidência que varia entre 3 e 15 doença. Além disso, vale ressaltar que a
casos por 100 mil pessoas e está associada a intervenção precoce será sempre a melhor
altas taxas de morbidade e mortalidade escolha e, dessa forma, é de suma importância
populacional. Assim, percebe-se a importância o conhecimento dos fatores de risco, da
e a necessidade do estudo dessa doença, do sintomatologia e da propedêutica mais sensível.

186
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOGLIOLO, L. & BRASILEIRO FILHO, G. Bogliolo Patologia: 40 anos. Rio De Janeiro: Guanabara Koogan, 2011.
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RAJANI, R. & KLEIN, J.L. Infective endocarditis: a contemporary update. Clinical Medicine, v. 20, 2020. doi:
10.7861/clinmed.cme.20.1.1.
REZAR, R. et al. Infective endocarditis: a review of current therapy and future challenges. Hellenic Journal of Cardiology,
v. 62, 2021. doi: 10.1016/j.hjc.2020.10.007.
SHMUELI, H. et al. Right-sided infective endocarditis 2020: challenges and updates in diagnosis and treatment. Journal
of the American Heart Association, v. 9, e017293, 2020. doi: 10.1161/JAHA.120.017293.
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THUNY, F. et al. Infective endocarditis: prevention, diagnosis, and management. Canadian Journal of Cardiology, v. 30,
p. 1046, 2014. doi: 10.1016/j.cjca.2014.03.042.
VINCENT, L.L. & OTTO, C.M. Infective endocarditis: updates on epidemiology, outcomes, and management. Current
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YUAN, X. et al. Diagnosis of infective endocarditis usina echocardiography. Medicine, v. 98, e17141, 2019. doi:
10.1097/MD.0000000000017141.

187
CAPÍTULO 22

ENDOCARDITE: O QUE HÁ DE MAIS


RECENTE NA LITERATURA?

CAMILA DE ASSIS FRANÇA¹


MARCELA RODRIGUES MELO1
JANAÍNA SANTOS COSTA LOPES1
EMILLY NICOLE SILVA XAVIER1
ISABELA EDUARDA ROSA BRAGA1
ALÍCIA VITÓRIA GOMES ALVES1
FELIPE ALVES MOTTA2
LUCAS FERNANDES PEREIRA2
POLLIANY CHAVES DE OLIVEIRA3
PATRÍCIA SOARES LEITE DE AQUINO4
CAROLINE MESSIAS ZWICKER5
ALINE CAMILO LELIS5
CAROLINA VEDOATO FERREIRA5
BRUNA LOPES MOYZÉS5
ANDERSON DANILO LEAL BATISTA5

1. Discente de Medicina - Faculdade de Ciências Médicas do Pará (FACIMPA).


2. Discente de Medicina - Universidade Brasil (UB).
3. Discente de Medicina - Universidade Federal do Espírito Santo.
4. Discente de Medicina - Faculdade de Ciências Médicas da Paraíba.
5. Discente de Medicina - Universidade de Araraquara (UNIARA).

Palavras-chave:
Cardiologia; Endocardite; Literatura.

188
10.59290/978-65-6029-060-0.22
INTRODUÇÃO excluídos os artigos que não abordaram o tema
A endocardite infecciosa (EI), descrita proposto para o capítulo, trabalhos que não
inicialmente há mais de 350 anos, envolve realizaram estudos em humanos, que estavam
infecção da superfície endocárdica do coração. em outros idiomas que não o inglês e que não
As manifestações clínicas da EI podem envol- estavam disponíveis na íntegra.
ver todos os sistemas orgânicos, e as mani-
festações cardíacas podem incluir vegetação RESULTADOS E DISCUSSÃO
valvar, abscesso, extensão perianular da Epidemiologia
infecção e miopericardite. A incidência anual de EI entre 1970 e 2000
A ecocardiografia é crucial no diagnóstico foi estimada em aproximadamente 5 a 7 casos
da EI, mas modalidades de imagem alternativas por 100 mil pessoas por ano. A incidência
estão desempenhando um papel cada vez maior aumentou a partir de 2000, aproximando-se de
no diagnóstico e tratamento da EI. O aten- 15 casos por 100 mil habitantes em 2011.
dimento multidisciplinar é fundamental para o Indivíduos do sexo masculino são mais
manejo da EI, muitas vezes exigindo a expe- comumente diagnosticados com EI do que
riência de cardiologistas, cirurgiões cardioto- indivíduos do sexo feminino, particularmente
rácicos, especialistas em doenças infecciosas, homens mais velhos, com idade média de 67
radiologistas e neurologistas (HUBERS et al., anos, em uma população ocidental típica.
2020). Apesar de ser mais comum em indivíduos
O objetivo deste estudo foi realizar uma mais velhos, a EI pode afetar pacientes mais
revisão da literatura que pudesse reunir o que há jovens, tipicamente aqueles provenientes de
de mais recente e relevante sobre prevenção, países em desenvolvimento e países ocidentais,
identificação, diagnóstico e manejo clínico do de grupos socioeconômicos demográficos
paciente que apresenta endocardite. desfavorecidos ou com fatores de risco para a
doença, como o uso de drogas intravenosas
MÉTODO (IVDU).
O capítulo propõe uma revisão da literatura A hospitalização por EI devido a IVDU
no que tange ao manejo clínico de pacientes aumentou entre 2000 e 2013, com o maior
com endocardite. Desse modo, foi realizado um aumento naqueles entre 15 e 34 anos. Além da
levantamento dos artigos publicados em inglês IVDU, os fatores de risco para EI incluem
na plataforma Published Medical Literature doença valvular degenerativa, válvulas proté-
Analysis and Retrieval System Online ticas, cateteres de demora e dispositivos cardía-
(PubMed) no último ano (2022-2023). cos implantados, diabetes, imunossupressão e
Utilizou-se a palavra-chave, em inglês, doença coronariana.
“Peripheral arterial disease” como fonte de A doença cardíaca reumática continua a ser
busca no PubMed. Dos 130 artigos encon- um fator de risco predisponente no mundo em
trados, seis foram selecionados, pois compreen- desenvolvimento, enquanto a EI devida a
diam os seguintes critérios de inclusão: artigos doença cardíaca reumática no mundo desen-
de revisão, meta-análise e guidelines. Foram volvido é muito menos comum e continua a
diminuir (HUBERS et al., 2020).

189
Literatura recente dados publicados sobre sua aplicação específica
A EI é uma doença desafiadora devido à sua na EI, sugerindo um potencial aumento de seu
complexa etiologia e apresentação. O aumento papel no futuro.
na implantação de dispositivos cardíacos Atualmente, estão em desenvolvimento
eletrônicos em idosos com comorbidades levou traçadores PET derivados de antibióticos para
ao crescimento da endocardite relacionada a superar limitações e aumentar a especificidade
esses dispositivos. Apesar dos avanços nos no diagnóstico de EI. Esses radiofármacos
testes microbiológicos e de imagem, as taxas de visam interagir diretamente com os micror-
mortalidade da EI não diminuíram em décadas. ganismos, o que pode melhorar ainda mais o
A infecção afeta endocárdio, válvulas e diagnóstico da EI. A maioria desses
dispositivos cardíacos, criando vegetações radiofármacos está em estágios pré-clínicos de
compostas por fibrina, microrganismos e desenvolvimento e pode ser dividida em dois
células inflamatórias. subgrupos: radiotraçadores antibióticos estrutu-
A apresentação clínica pode ser atípica, ralmente modificados e inalterados.
tornando o diagnóstico desafiador. Os sinais Embora haja poucos dados clínicos
incluem lesões cardíacas, embolias, reações disponíveis, alguns estudos em humanos
imunomediadas e insuficiência cardíaca. demonstraram a precisão de certos radiofár-
Não existe um único teste confiável para o macos na detecção de infecções em diferentes
diagnóstico, e a avaliação depende do tipo de tecidos. Embora ainda não haja dados espe-
doença. Novos critérios de diagnóstico têm sido cíficos sobre a aplicação desses radiofármacos
desenvolvidos, pois os critérios de Duke têm na investigação da EI, é possível que seu papel
limitações, especialmente em casos com aumente no futuro e se torne parte da prática
dispositivos cardíacos. Nos últimos anos, clínica. No entanto, ensaios multicêntricos e
modalidades de imagem híbridas, como 18 F- prospectivos são necessários para continuar
FDG PET/CT e 99m Tc-HMPAO-SPECT/CT, desenvolvendo a imagem molecular no
têm sido usadas para fornecer informações contexto das infecções cardiovasculares,
adicionais sobre a EI e guiar o tratamento incluindo a EI (HOLCMAN et al., 2023).
personalizado. Essas técnicas têm sido incor- A literatura e as diretrizes sobre o manejo
poradas às diretrizes da ESC e EHRA, cirúrgico da EI baseiam-se principalmente em
melhorando a classificação de pacientes e evi- estudos observacionais, dada a dificuldade em
tando tratamentos desnecessários (HOLCMAN desenhar ensaios randomizados em um cenário
et al., 2023). tão complexo, muitas vezes presente em
O papel da imagem molecular na contextos urgentes. Devido aos diversos ce-
investigação diagnóstica da EI tem crescido nários anatômicos e clínicos, as equipes
constantemente devido às melhorias técnicas e cardíacas são frequentemente levadas a
ao suporte crescente às suas contribuições decisões difíceis sobre a estratégia mais
diagnósticas e prognósticas. O uso de adequada a adotar; além disso, as melhores
inteligência artificial e aprendizado de máquina escolhas são feitas através de um processo de
está se expandindo no campo da imagem tomada de decisão partilhado que também deve
molecular, incluindo estratégias de redução de incluir o paciente.
ruído, delineamento automatizado de lesões e A tomada de decisão deve levar em
quantificação avançada, embora ainda não haja consideração a localização e a extensão da
190
infecção, o estado pré-operatório do paciente e complicações perioperatórias na EI, ainda há
as comorbidades, além da escolha do melhor várias áreas que requerem mais investigação e
momento para a cirurgia. Deve ser dada exploração. As direções futuras incluem estu-
especial relevância ao momento, que influencia dos prospectivos para determinar estratégias
o risco de complicações neurológicas e a ideais para estratificação de risco, algoritmos de
extensão da infecção, que, por sua vez, têm diagnóstico e intervenções de tratamento. Além
forte impacto nos resultados pós-operatórios e disso, são necessários estudos de acompanha-
nas taxas de mortalidade. Sempre que possível, mento de longo prazo para avaliar o impacto
os cirurgiões devem preferir uma estratégia de das complicações perioperatórias nos resul-
reparo à substituição, a fim de evitar a inserção tados dos pacientes e na qualidade de vida
de material protético no tecido infectado, (HERMANNS et al., 2023).
limitar a extensão do processo infeccioso e A pesquisa examina a prescrição de
preservar melhor a função ventricular. antibióticos profiláticos (AP) antes de
Outro passo fundamental importante é a procedimentos odontológicos como medida
escolha da prótese ou conduíte. Até o momento, preventiva contra o desenvolvimento de EI em
as diretrizes não apoiam a seleção de um pacientes de alto risco, com base em um único
substituto em detrimento de outro, e a seleção estudo de coorte prospectivo. Os resultados su-
da estratégia ou conduto de substituição valvar gerem que essa abordagem é consistente com as
mais adequada deve considerar a longevidade diretrizes atuais da American Heart Association
dos substitutos, especialmente quando bioló- (AHA) e da Sociedade Europeia de Cardiologia
gicos, a potencial recorrência de infecção e o (ESC), que recomendam o uso de AP em
risco de refazer cirurgia (IACCARINO et al., pacientes de alto risco que necessitam de
2023). procedimentos odontológicos. No entanto, é
Esta narrativa fornece uma visão geral das importante observar que não houve ensaios
complicações perioperatórias na EI que todos clínicos randomizados controlados por placebo
os profissionais de saúde envolvidos no para confirmar ou refutar a utilidade dos AP
tratamento de pacientes com EI tratados nesse contexto, e as evidências se baseiam em
cirurgicamente devem estar cientes. As estudos observacionais, que têm o potencial de
evidências atuais sugerem que uma abordagem viés. Além disso, a pesquisa destaca a falta de
multidisciplinar envolvendo cardiologistas, estudos que abordem essa questão em pacientes
especialistas em doenças infecciosas, cirurgiões de risco moderado ou baixo para EI, deixando
cardíacos e outros profissionais de saúde, como incerta a eficácia dos AP nesses grupos.
anestesistas cardíacos, é crucial para o manejo Alguns estudos antigos sobre o assunto são
ideal da EI e das complicações associadas. questionáveis em termos de validade, e a
Além disso, os pacientes que sobreviveram literatura sobre o efeito dos AP na prevenção da
a um episódio de EI apresentam um risco EI em pacientes de risco moderado ou baixo é
vitalício de complicações a longo prazo, como escassa. Algumas evidências sugerem que a
recorrência de EI, arritmias, acidente vascular incidência de EI não mudou significativamente
cerebral, infarto do miocárdio, insuficiência em pacientes de baixo risco após a mudança nas
cardíaca e morte cardíaca súbita. diretrizes da AHA, enquanto houve um aumen-
Embora tenham sido feitos progressos to modesto na população de risco moderado e
significativos na compreensão e gestão das um aumento dramático na população de alto
191
risco. No entanto, não foi estabelecida uma mais recentes no diagnóstico por imagem e
relação causal entre a redução na prescrição de tratamento cirúrgico.
AP e o aumento na incidência de EI. Os resultados destacam um aumento na
Diferentes estudos e revisões descrevem incidência da EI nas últimas décadas, com
resultados diversos, com alguns sugerindo que maior prevalência em homens mais velhos, mas
procedimentos odontológicos têm um papel também afetando pacientes mais jovens,
pequeno na ocorrência de EI e que os AP só especialmente aqueles com fatores de risco,
poderiam prevenir uma proporção muito baixa como uso de drogas intravenosas.
de casos. Por outro lado, estudos mais antigos A pesquisa atual também enfatiza a
relataram associações variáveis entre procedi- importância da imagem molecular e do uso de
mentos odontológicos e EI, com alguns inteligência artificial no diagnóstico da EI,
indicando que os AP poderiam ser eficazes em oferecendo perspectivas promissoras para o
pacientes de alto risco, mas com resultados futuro. Além disso, a revisão aborda a questão
inconclusivos. Em resumo, a pesquisa indica a da prescrição de antibióticos profiláticos antes
necessidade de estudos bem desenhados com de procedimentos odontológicos como medida
poder estatístico suficiente para esclarecer a preventiva contra a EI.
eficácia dos AP na prevenção da EI, espe- Os resultados apontam para a falta de
cialmente em pacientes de risco moderado e evidências conclusivas sobre a eficácia dessa
baixo, e para fornecer uma base sólida para prática, especialmente em pacientes de risco
futuras atualizações das diretrizes clínicas. Até moderado e baixo. Essa questão permanece
então, as diretrizes atuais são baseadas, prin- controversa e são necessários estudos
cipalmente, na opinião de especialistas, dadas adicionais para fornecer uma base mais sólida
as limitações das evidências disponíveis para as diretrizes clínicas.
(BERGADÀ-PIJUAN et al., 2023). Por fim, a pesquisa sublinha a complexidade
do manejo cirúrgico da EI, que envolve uma
CONCLUSÃO série de decisões clínicas desafiadoras. A
A endocardite infecciosa é uma condição escolha do momento e do tipo de cirurgia, bem
complexa que envolve infecção na superfície como a seleção de substitutos valvulares, são
endocárdica do coração, com manifestações aspectos críticos que exigem uma abordagem
clínicas que podem afetar diversos sistemas individualizada e uma equipe multidisciplinar.
orgânicos. O diagnóstico e o manejo da EI Em resumo, esta revisão abrange uma ampla
exigem uma abordagem multidisciplinar, gama de tópicos relacionados à EI, desde sua
envolvendo cardiologistas, cirurgiões cardioto- epidemiologia até os avanços mais recentes no
rácicos, especialistas em doenças infecciosas, diagnóstico e tratamento. No entanto, fica claro
radiologistas e neurologistas. que ainda há lacunas que exigem pesquisas
Neste estudo, foi realizada uma revisão da adicionais para aprimorar a compreensão e o
literatura para abordar diferentes aspectos da manejo dessa condição desafiadora.
EI, desde sua epidemiologia até os avanços

192
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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systematic review. Infection, v. 51, p. 47, 2023. doi: 10.1007/s15010-022-01900-0.
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p. 5891, 2023. doi: 10.3390/jcm12185891.

193
CAPÍTULO 23

O MANEJO DAS DOENÇAS


CARDIOVASCULARES NA PANDEMIA
DE COVID-19: UMA REVISÃO
BIBLIOGRÁFICA
BIATRIZ DA SILVA RODRIGUES¹
CARINE DA SILVA ALVES¹
DOMINGOS PINTO PIMENTEL2
JEREMIAS ESTEVAM LOPES1
JOÃO VITOR SMITH DA SILVA¹
LARISSA SUZAN BASILIO E SILVA¹
LARISSY CHRISTINE MENEZES LISBOA¹
LÍCIA MARIA NASCIMENTO SANTIAGO¹
LUCAS DA SILVA VINAGRE¹
MARIA CAROLINA PENA FERREIRA MORAES¹
MÔNICA PANTOJA GONÇALVES¹
RAYSSA SOUSA COSTA¹
SAMARA GONÇALVES CARVALHO SILVA¹
SOFIA VITÓRIA PEÇANHA DA SILVA¹
YGOR HENRIQUE ROCHA MACHADO¹

1. Discente - Medicina na Universidade Federal do Pará, campus Belém.


2. Discente - Enfermagem na Universidade Federal do Pará, campus Belém.

Palavras-chave:
Doenças cardiovasculares; Covid-19; Manejo.

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10.59290/978-65-6029-060-0.23
INTRODUÇÃO evidenciado pelo aumento de biomarcadores
A pandemia da Covid-19, que emergiu no cardíacos, é mais frequente em indivíduos com
final de 2019, transformou radicalmente o idade avançada, baixo nível imunológico ou
cenário da saúde global e desencadeou uma predisposição para doenças cardiovasculares
série de desafios sem precedentes na prestação (ASKIN et al., 2020).
de cuidados médicos. Dentre as inúmeras Durante a pandemia, estudos populacionais
implicações clínicas, uma correlação crítica que no mundo todo indicaram um impacto
surgiu no contexto da pandemia é o manejo das significativo nos números de internações
doenças cardiovasculares, que permanecem hospitalares e na mortalidade intra-hospitalar
como uma das principais causas de morbidade de doenças cardiovasculares, que operaram
e mortalidade em escala mundial. Investigações com diminuição e aumento respectivamente.
epidemiológicas apontaram para uma associa- No Brasil, o número de internações por razões
ção significativa entre a infecção por SARS- cardíacas, entre março e maio de 2020,
CoV-2 e o agravamento das condições cardio- apresentou redução de 15% de acordo com o
vasculares (TEIXEIRA & PINTO, 2020). DATASUS, enquanto a taxa de letalidade geral
Estudos foram capazes de identificar a apresentou aumento global de 9% de 2019 a
presença de lesões cardíacas em pacientes com 2020. Tal cenário tem como origem uma
Covid-19, mesmo naqueles sem histórico de diminuição da assistência à saúde coronária no
doença cardiovascular prévia. Essas descober- país durante a pandemia, cujas demandas
tas levantam questões cruciais sobre os modificaram as prioridades dos atendimentos e
mecanismos subjacentes e as implicações a a procura da população pelos hospitais
longo prazo para a saúde cardiovascular de (NORMANDO et al., 2021).
pacientes recuperados. Além disso, as medidas Na população brasileira, a partir de estudos
de distanciamento social e o medo da exposição populacionais, foi possível estimar o quan-
ao vírus levaram à interrupção dos cuidados de titativo de indivíduos com mais de 50 anos,
saúde de rotina e à relutância de pacientes em junto da ocorrência de multimorbidade, que
buscar tratamento médico, o que pode resultar torna-se risco para Covid-19 grave. No Brasil,
em atrasos nos diagnósticos e no manejo das percebeu-se maior prevalência das morbidades
doenças cardiovasculares (NORMANDO et al., na população acima de 50 anos as doenças
2021). cardiovasculares, seguido de obesidade, artrite
Ademais, é importante ressaltar que o e depressão, com pouca variação entre as
desenvolvimento de complicações cardíacas regiões do Brasil e entre os sexos. Entretanto,
associadas à infecção por Covid-19, mediado de acordo com o Estudo Longitudinal da Saúde
pelas interações do SARS-Cov-2 com o dos Idosos Brasileiro (ELSI-Brasil) de 2016,
receptor da enzima angiotensina 2 (ECA2), e o observou-se maior prevalência de multimor-
agravamento de doenças cardiovasculares bidade nas mulheres em relação aos homens,
preexistentes têm contribuído para o aumento mostrando maior suscetibilidade à ocorrência
da mortalidade e morbidade da doença. Cerca de Covid-19 grave na população feminina
de 10% dos pacientes que evoluíram para óbito (POLAT et al., 2021).
de Covid-19 apresentavam algum tipo de Quanto à prática de atividades físicas
comorbidade cardiovascular, conforme estudo durante o período pandêmico da Covid-19, foi
realizado na China. O dano miocárdico, uma incógnita como proceder e realizar
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exercícios em casa, principalmente, em em constante evolução de pesquisa e prática
indivíduos que possuem algum tipo de clínica.
cardiopatia. A indicação da realização da Durante a pandemia de Covid-19, houve
prática de exercícios se dá por questões de bem- uma redução na disponibilidade dos serviços de
estar em saúde e também por ser um dos saúde cardiovascular para a população brasilei-
principais cuidados para o combate à infecção ra atendida pelo Sistema Único de Saúde
por SARS-CoV-2. O incentivo a essas (SUS). Como resultado, houve uma diminuição
atividades aeróbicas foi de suma importância nas hospitalizações relacionadas à doença
aos indivíduos cardiopatas ou que possuem cardiovascular (DCV) e, consequentemente,
multimorbidade, prioritariamente por serem uma elevação na taxa de mortalidade dentro do
pessoas em grupo de risco para Covid-19. hospital para esses casos (NORMANDO et al.,
Exercícios físicos regulares devem ser man- 2021).
tidos, mesmo em isolamento, e, se o indivíduo A elevação na taxa de mortalidade durante
estiver sintomático para a doença, a prática as internações por DCV destaca a gravidade
deve ser suspensa, mas retomada após melhora potencial da Covid-19 em pacientes com DCV.
do quadro clínico (STEIN, 2020). Isso também pode ser atribuído ao atraso dos
A relação entre a Covid-19 e as doenças pacientes em buscar ajuda médica, levando a
cardiovasculares é intrincada, com evidências admissões hospitalares em estágios avançados
substanciais que apontam para a interação da condição de saúde (NORMANDO et al.,
complexa entre o vírus SARS-CoV-2 e o 2021).
sistema cardiovascular. A infecção pelo coro- Portanto, o objetivo deste estudo é
navírus pode levar a uma infecção sistêmica investigar e fornecer diretrizes eficazes para o
que resulta em complicações cardíacas diretas, manejo das doenças cardiovasculares durante a
como pericardite, miocardite e arritmias, pandemia de Covid-19, visando reduzir
enquanto também aumenta o risco de eventos complicações, otimizar o tratamento e
cardiovasculares em pessoas com doenças promover a saúde cardiovascular da população
preexistentes, como hipertensão, diabetes e em meio a esse cenário desafiador.
obesidade, que são fatores de risco
compartilhados entre as duas condições MÉTODO
(NORMANDO et al., 2021). Trata-se uma revisão bibliográfica, com
A compreensão aprofundada do manejo das intuito de pesquisar os fatores no que concerne
doenças cardiovasculares durante a pandemia sobre o manejo das doenças cardiovasculares na
da Covid-19 é de extrema importância. O pandemia da Covid-19, sob o ponto de vista
negativo impacto da pandemia sobre o acesso a teórico, através de materiais que foram
serviços médicos, potencial sobrecarga do publicados sobre o tema, mediante análise e
sistema de saúde e o adiamento de pro- interpretação da literatura, de forma ampla com
cedimentos coloca os pacientes com doenças foco na descrição e discussão do tema proposto
cardiovasculares em situação vulnerável. dentro do trabalho. A pesquisa foi realizada no
Portanto, a compreensão dessa relação com- período de 2020 a 2022, por meio de buscas na
plexa é fundamental para orientar estratégias de base de dados SciELO. Foram utilizados os
tratamento, prevenção e cuidados de saúde descritores: doenças cardiovasculares, Covid-
pública eficazes, especialmente em um cenário 19 e manejo. Desta busca, foram encontrados
196
53 artigos, posteriormente submetidos aos auxilia na determinação da gravidade das
critérios de seleção. condições de saúde. Nesse âmbito, as doenças
Os critérios de inclusão foram: artigos nos cardiovasculares e a obesidade mostram-se
idiomas espanhol, inglês e português, pu- como situações de saúde mais frequentes de
blicados no período de 2020 a 2022, que agravo em relação à infecção por Covid-19
abordavam as temáticas propostas para esta (NUNES et al., 2020).
pesquisa, estudos do tipo revisão, revisão Cerca de 10% dos casos de comorbidades
sistemática, ensaios clínicos e meta-análises evidentes em grande escala nos doentes por
disponibilizados na íntegra. Os critérios de infecção do Covid-19 são marcados por
exclusão foram: trabalhos repetidos, disponi- evolução para miocardite, sendo 22% deles
bilizados na forma de resumo, estudos que não estados críticos. Isso se dá pelo fato de que os
possuíam como enfoque do manejo das doenças receptores da enzima conversora de
cardiovasculares na pandemia da Covid-19, e angiotensina (ECA) são alvos de ação da
também os estudos que não atendiam aos Covid-19 e são, justamente, os inibidores de
demais critérios de inclusão. ECA e bloqueadores dos receptores da
Após os critérios de seleção, restaram 18 angiotensina os essenciais para o manejo de
artigos, os quais foram submetidos à leitura doenças cardiovasculares, como a hipertensão e
minuciosa para coleta de dados. Além disso, da insuficiência cardíaca (ASKIN et al., 2020).
também foram utilizados livros, revistas e sites Entretanto, embora a porta de entrada do
para detalhar as informações acerca desse vírus ao organismo possa ser facilitada pelo
assunto. Os resultados foram apresentados de aumento no número de receptores pelo uso
forma descritiva. desses medicamentos que envolvem a ECA,
não há evidências científicas suficientes para a
RESULTADOS E DISCUSSÃO interrupção desse tratamento. Contudo,
A doença cardiovascular é decisiva como acredita-se que haja correlação, após essas
fator de risco e condicionamento para o evidências, entre a Covid-19 e os danos ao
prognóstico da Covid-19, destacando-se a músculo cardíaco, e condições cardiovasculares
hipertensão arterial sistêmica como mais a subjacentes, portanto, podem providenciar um
prevalente, e a faixa etária avançada como fator prognóstico pior, sendo necessária a orientação
mais relevante quanto à letalidade. Além disso, pelos cardiologistas sobre os cuidados
a inflamação viral pode levar a problemas necessários nessas circunstâncias (FERRARI,
cardiovasculares precoces, como miocardite e 2020).
isquemia, e aumentar o risco de eventos O estudo demonstra uma redução da
vasculares agudos devido à alta capacidade assistência cardiovascular durante o período da
trombogênica do vírus, tanto nas veias quanto pandemia da Covid-19, especialmente no
nas artérias. Nesse contexto, a ressonância âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Os
magnética cardíaca (RMC) é um exame resultados indicam que nos primeiros meses
relevante para classificação da afecção cardíaca houve um decréscimo de 15% na taxa de
nesse preâmbulo de infecção e para projeção de internações por doenças cardiovasculares
tratamentos (TEIXEIRA & PINTO, 2020). (DCV) e de 9% no total de óbitos hospitalares
A autoavaliação do estado de saúde, da por DCV, além de um aumento na taxa de
fragilidade e das atividades básicas do cotidiano letalidade intra-hospitalar por DCV desses
197
pacientes durante a pandemia. A diminuição nas medidas de segurança durante a pandemia.
das hospitalizações foi mais perceptível durante No entanto, o estudo aponta uma limitação
os meses de abril e maio, possivelmente devido devido à falta de informações sobre
ao receio da população em contrair o vírus e à comorbidades em uma parte significativa da
reestruturação dos recursos de saúde para dar amostra (GUIMARÃES et al., 2021).
prioridade à pandemia. Além disso, a Além disso, é importante destacar que há
redistribuição de profissionais de saúde para diferentes perfis epidemiológico-nutricionais
lidar com a Covid-19 impactou o atendimento que tendem a se diferenciar em sua situação
de outras condições médicas, incluindo as epidemiológica de Covid-19. As estratégias
doenças cardiovasculares (DCV). O estudo contra a Covid-19 devem levar em
reconhece limitações, como a análise restrita à consideração as características epidemiológico-
população atendida pelo SUS, não sendo nutricionais e sociodemográficas de base.
possível generalizar para toda a população Durante a pandemia a maior incidência e
brasileira e aponta para a vulnerabilidade da letalidade se mostrou no perfil “consolidação da
população assistida pelo SUS devido ao menor tríade obesidade-sedentarismo-doenças cardio-
controle dos fatores de risco cardiovascular e ao metabólicas” associado a condições socioeco-
acesso limitado a medicamentos de qualidade. nômicas desfavoráveis. Isso destaca a ne-
O curto período de análise (3 meses) destaca a cessidade de políticas integradas para enfrentar
necessidade de estudos futuros para validar a interconexão entre a epidemiologia
essas descobertas em comparação com outros cardiovascular e Covid-19, especialmente em
períodos (NORMANDO et al., 2021). contextos heterogêneos (SCRUZZI et al.,
Foi observado um aumento progressivo nas 2021).
taxas de óbitos em domicílio pela Covid-19, A existência de problemas cardiovasculares
principalmente em março de 2020, quando a (DCV) em pessoas que contraíram o Covid-19
pandemia foi declarada pela Organização parece estar relacionada a um desfecho clínico
Mundial da Saúde. Embora a maioria dos casos menos favorável, o que ocasiona em uma taxa
de Covid-19 apresentem sintomas leves ou de mortalidade mais alta. Os registros indicam
sejam oligossintomáticos, até 20% requerem que a lesão cardíaca súbita, o choque cardíaco e
hospitalização e as taxas de mortalidade para arritmias ocorreram em 7,2%, 8,7% e 16,7%
tais casos podem chegar a 80%. A pandemia dos pacientes após a infecção por Covid-19,
tem gerado medo de buscar assistência médica respectivamente. É importante ressaltar que a
e serviços essenciais, o que pode atrasar o permanência em uma UTI pode agravar a
tratamento de outras doenças. Houve uma incidência dessas complicações. Pessoas com
redução na procura por atendimento em condições médicas preexistentes também
unidades de saúde durante a pandemia. É tendem a desenvolver formas mais graves da
essencial fortalecer a atenção básica para evitar doença, necessitando de intervenções médicas
o colapso do sistema de saúde, garantir o adicionais (PAIVA et al., 2021).
acompanhamento das doenças crônicas e A pandemia de Covid-19 teve impactos
educar a população sobre a importância do significativos na mortalidade de várias doenças
cuidado à saúde, mesmo durante a pandemia. A sob uma perspectiva global, com destaque para
alta taxa de óbitos em domicílio destaca a as doenças cardiovasculares (DCV). No Brasil,
necessidade de vigilância aprimorada e reforço o primeiro caso da doença foi confirmado em
198
fevereiro de 2020, e a primeira morte foi culares. Essa redução não se correlacionou
registrada em março do mesmo ano. Até abril principalmente com um aumento na incidência
de 2021, quase um ano e dois meses após o de Covid-19, mas com as medidas de
início da pandemia, o país acumulava cerca de distanciamento social adotadas na região. Além
14 milhões de casos confirmados e apro- disso, foi evidenciada uma diminuição no
ximadamente 373 mil óbitos, resultando em número total de óbitos em ambientes hospi-
uma taxa de letalidade de 2,7%. Adicio- talares, enquanto o Brasil experimentou um
nalmente, o Brasil enfrentou desafios políticos aumento na mortalidade hospitalar decorrente
e econômicos desde o início da pandemia, o que de doenças cardiovasculares no mesmo ano,
dificultou ainda mais o controle da doença. logo após o início da pandemia de Covid-19. As
Neste contexto, observou-se uma redução no intervenções médicas e consultas eletivas foram
número absoluto de mortes em hospitais, ao adiadas, priorizando questões relacionadas à
mesmo tempo em que houve um aumento na pandemia. Essa medida foi adotada para evitar
mortalidade hospitalar devido a DCV em 2020. que os pacientes en-frentassem um risco
Esses efeitos variaram entre as diferentes ma- excessivo de infecção em hospitais e clínicas
crorregiões e estados do país (ARMSTRONG (CERCI et al., 2022).
et al., 2022). De acordo com Oliveira (2020), a pandemia
Outrossim, é relevante salientar que as da Covid-19 foi grande responsável por gerar
doenças cardiovasculares (DCV) apresentaram desequilíbrios em patologias previamente
maior variação em diferentes regiões do Brasil compensadas. Isto ocorreu por perda da
durante o período em questão. Na Região orientação clínica continuada para acompanha-
Norte, essa variação foi de -2,2%, enquanto nas mento de condições passíveis de controle
regiões Sudeste e Sul, atingiu -10,5%. No mediante medicação, como quadros de
mesmo período de 2020, foi observado um hipertensão arterial ou insuficiência cardíaca.
aumento no número de óbitos que tinham as Além disso, o receio em comparecer aos
DCV como comorbidade em casos de câncer, serviços de urgência durante o período
totalizando 18.133 óbitos, e em casos de pandêmico também levou ao agravamento de
doenças cardiovasculares, 188.204 óbitos. Esse quadros que necessitam de intervenção precoce
aumento indicou um excesso proporcional de para melhor prognóstico, como os infartos do
mortes em comparação aos dados de 2019. É miocárdio e acidentes vasculares encefálicos.
importante destacar que, ao contrário das Ressalta-se ainda que a divulgação de que a
demais regiões do Brasil, a região Norte tinha população com comorbidades crônicas e
uma tendência de aumento na mortalidade por patologias cardiovasculares, especialmente os
DCV e câncer nos anos anteriores à pandemia. idosos, constituíam um grupo de risco para
Essa tendência prévia pode ter contribuído para Covid-19, contribuiu significativamente para o
os maiores índices de óbitos observados com quadro de medo em comparecer aos serviços de
essas doenças atuando como comorbidades urgência. Contudo, também foi possível
durante o período da pandemia (JARDIM et al., observar redução na procura de diversos outros
2022). serviços hospitalares ligados à especialidade
Em 2020, na América Latina, observou-se cardiovascular em hospitais de referência,
uma notável queda nos procedimentos de como redução de 70% em consultas presenciais
diagnóstico relacionados a doenças cardiovas- e de 60% em exames (OLIVEIRA et al., 2020).
199
Apesar da doença pulmonar aguda ser o ante a infecção por Covid-19. Elenca-se, nesse
principal problema relacionado à mortalidade e contexto, os benefícios do uso de termografia
morbidade em pacientes com Covid-19, infravermelha em unidades de saúde, dentre as
estudos disponíveis indicam que aproxi- quais ser uma tecnologia livre de radiação,
madamente 20% dos pacientes com a doença barata, não-invasiva e sem contato, que pode
também desenvolveram lesões no miocárdio. ser usada para triagem em massa de pacientes e
Além disso, nota-se o aumento no distúrbio de visitantes, permitindo o rápido isolamento de
repolarização miocárdica, com ênfase no pessoas febris, reduzindo a ocorrência de
prolongamento da repolarização ventricular, infecções cruzadas entre aqueles pacientes e os
em pacientes com pneumonia grave. Não é acometidos por Covid-19 (CASTRO et al.,
possível afirmar que as alterações eletro- 2021).
cardiográficas estejam diretamente relaciona- O quadro clínico de uma pessoa acometida
das com a infecção causada por Covid-19, mas com Covid-19 é um fator determinante para
é evidente que possuem vínculo com os quadros possíveis agravantes do quadro, tendo em vista
mais graves da doença (KOC et al., 2020). o relato do paciente que foi acometido com a
É possível observar a relação entre doença e evoluiu para um quadro irreversível de
inflamação e trombose em pacientes com alterações cardíacas. Desse modo, ressalta-se
Covid-19 e o surgimento do strain do ven- que a ligação da junção de cuidado mais
trículo direito no ECG, destacando a viabi- extremo em pacientes que ao apresentarem
lidade deste exame que além de ser econômico, comorbidade e se encontrarem com uma
seguro e rápido, pode ser utilizado na avaliação possível infecção do SARS-CoV-2 devem ter
e monitoramento de pacientes com Covid-19, um tratamento direcionado para a não evolução
quanto à sua gravidade de inflamação, dano de quadros cardíacos, tendo em vista o caráter
cardíaco e prognóstico. Vale destacar que os evolutivo da doença para casos irreversíveis,
autores não identificaram relação entre a idade acarretando, assim, o óbito (RENTE et al.,
dos pacientes e os danos cardíacos (POLAT et 2020).
al., 2021). A observação de exercícios físicos e
Observou-se notória mudança nos padrões qualidade de vida é essencial para toda
de mortalidade. Isso porque a Covid-19 atuou população visto que suas melhorias acarretam
como causa de morte competitiva, ocasionando índices mais saudáveis e decrescem o seden-
a migração da causa básica da morte dos casos, tarismo. Na população que sofre algum tipo de
até então, prevalentes de câncer e doença cardiopatia, torna-se ainda mais essencial. O
cardiovascular, de modo que os pacientes que atrelamento da pandemia aos casos mais
teriam maior risco de óbito por essas doenças, recorrentes de óbito em certos nichos popu-
acabam tendo suas mortes antecipadas pela lacionais demonstrou sua importância no que
Covid-19, implicando no excesso de óbitos por tange o processo de melhorias em pessoas
câncer e doença cardiovascular como co- acometidas por doenças cardiológicas. Em
morbidade em 2020 (JARDIM et al., 2022). tempos pandêmicos, isto foi uma variável de
Ademais, tendo em vista que pacientes com melhora nesses tipos de pacientes (STEIN,
comorbidades e doenças crônicas, como as já 2020).
citadas doenças cardiovasculares e oncológicas, Os números de casos de Covid-19 no estado
apresentam maior risco de prognóstico ruim do Maranhão atrelam-se diretamente ao quan-
200
titativo populacional, visto que a maioria dos de saúde em decorrência do receio de sofrer a
casos se estabeleceu na capital e nas grandes infecção por SARS-CoV-2, por parte dos
cidades, de maneira que o fluxo do vírus se pacientes cardiopatas ou com outras
tornou mais circulante. Observa-se a qualidade comorbidades, e pela priorização de casos de
de tratamento entre um mesmo estado: en- Covid-19, o que foi observado por meio da
quanto a capital maranhense conseguiu reverter diminuição na quantidade de consultas nas
grandes números de casos, a discrepância especialidades como a cardiologia, acarretando
acontecia no interior, onde o tratamento na diminuição da assistência aos cardiopatas e
contava com uma estrutura mais deficiente de do diagnóstico de novos casos de doenças
insumos e mão de obra para o período cardiovasculares, mesmo as associadas a essa
pandêmico. Portanto, necessita-se de investi- infecção.
mentos e celeridade nos repasses para o trata- Além disso, cabe ressaltar que a divulgação
mento dessas infecções (ALMEIDA et al., de que doenças crônicas e cardiovasculares
2020). cons-tituíam fatores de risco para Covid-19
É notável observar que os estudos indicam favoreceu consideravelmente para o quadro de
certos grupos mais incidentes para os casos medo em comparecer aos serviços de urgência
mais graves da infecção por SARS-CoV-2, em virtude do aconselhamento à procura de
idosos, imunodeprimidos, gestantes são alguns atendimento apenas em casos de apresentação
dos que podem sofrer com as patologias mais de sintomas preocupantes. Essas atitudes foram
graves dessa doença. As multimorbidades utilizadas com o intuito de reduzir os riscos de
atreladas à idade avançada podem ser um fator exposição dos pacientes a infecção pelo vírus
desastroso para uma infecção pelo vírus da em ambientes hospitalares e clínicas. Como
Covid-19. O estudo buscou mostrar como isso resultado, a revisão mostrou a ocorrência de
se alinha e como isso pode se mostrar em suas aumento da mortalidade hospitalar e em
fisiopatologias (NUNES et al., 2020). domicílio e atraso em diagnósticos de DCV,
bem como ocorreu a descompensação de
CONCLUSÃO doenças previamente controladas e agrava-
Portanto, é inegável ressaltar que as doenças mento de quadros de internação precoce devido
cardiovasculares possuem uma correlação com à interrupção no acompanhamento médico
a Covid-19, sendo atuantes como um fator de continuado durante o período em questão.
risco ou como uma consequência precoce Ademais, a partir da análise da revisão,
associada à infecção viral. convém destacar a relação entre o desen-
De acordo com a importância dos estudos volvimento de complicações cardíacas e
realizados para compor esta revisão biblio- agravamento de doenças cardiovasculares
gráfica, pode-se observar que houve alterações preexistentes associadas à infecção do Covid-
no manejo das doenças cardiovasculares 19, as quais foram relacionadas com aumento
durante a pandemia de Covid-19. Ocorreu uma do índice de mortalidade e morbidade em
diminuição das hospitalizações durante os situações onde há maior interação entre o
primeiros meses da pandemia e esse fato não SARS-CoV-2 com o ECA2, haja vista a
advém do declínio de patologias cardiovas- facilitação da entrada do vírus pelo aumento do
culares, mas é explicado pela redução da número de receptores ECA2. Porém, ainda não
procura por atendimento médico em unidades há evidências suficientes entre a interação entre
201
os medicamentos e o vírus para que ocorra incentivar a procura por atendimento caso
alteração do protocolo da utilização de IECAs, sintomas característicos sejam observados, mas
sendo necessário empreender mais pesquisas tomando as devidas precauções para evitar a
nesse viés. infecção por SARS-CoV-2.
Diante da análise bibliográfica, algumas Por fim, destaca-se que o manejo das
alternativas para o manejo de doenças doenças cardiovasculares na pandemia do
cardiovasculares seriam manter o contato com Covid-19 foi de suma importância para salvar
os pacientes cardiopatas para que não ocorra a vidas, minimizar complicações e impedir
descompensação da DCV, bem como orientar possíveis sequelas decorrentes desta infecção
sobre a necessidade da realização de exercícios viral. Nesse sentido, é imprescindível que estra-
físicos e hábitos alimentares adequados, uma tégias de manejo e tratamento sejam continua-
vez que é comprovado que diminuem a mente avaliadas e aprimoradas, priorizando
incidência de emergências cardiológicas, uma abordagem holística e individualizada no
muitas vezes devido ao controle de comor- cuidado do paciente com DCV.
bidades associadas. Além disso, recomenda-se

202
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203
CAPÍTULO 24

BAXDROSTAT: UM INIBIDOR DA
SÍNTESE DE ALDOSTERONA E
POTENCIAL TRATAMENTO DA
HIPERTENSÃO RESISTENTE
GUSTAVO MAURICIO ALMEIDA ANDRADE¹
ADRIANO ARAÚJO AIRES¹
JOÃO PAULO CARVALHO FIGUEIRA¹
SAMUEL TOLEDO FILHO¹

1. Discente – Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Palavras-chave:
Baxdrostat; Aldosterona; Hipertensão.

204
10.59290/978-65-6029-060-0.24
INTRODUÇÃO potencial de significativa redução na PA. Sua
De acordo com as Diretrizes Brasileiras de utilização torna-se especialmente relevante no
Hipertensão Arterial (2020), a hipertensão contexto da hipertensão arterial sistêmica
arterial sistêmica (HAS) é uma doença crônica resistente (HAR), condição que compreende,
não transmissível, multifatorial, que depende de aproximadamente, 10% dos pacientes com
fatores genéticos/epigenéticos, ambientais e HAS (AZZAM et al., 2023). Dessa forma, é
sociais. A HAS é definida pela presença imprescindível o desenvolvimento de novos
persistente de pressão arterial (PA) elevada, ou fármacos, como o baxdrostat, para controle
seja, pressão arterial sistólica (PAS) maior ou dessa condição.
igual a 140 mmHg e/ou a pressão arterial
diastólica (PAD) maior ou igual a 90 mmHg, MÉTODO
medidas com a técnica correta, em pelo menos Trata-se de uma revisão narrativa realizada
duas ocasiões diferentes, na ausência de no período de setembro de 2023 a outubro de
utilização de fármaco anti-hipertensivo. 2023, por meio de pesquisas na base de dados
Em setembro de 2023, a Organização MEDLINE com o mecanismo de busca da
Mundial da Saúde (OMS) publicou seu Biblioteca Virtual em Saúde do Ministério da
primeiro relatório sobre os efeitos globais Saúde (BVS-MS). Na busca, utilizou-se a
devastadores da HAS. De acordo com o palavra-chave Baxdrostat. Foram encontrados
documento, a HAS atinge um terço dos adultos 17 artigos, sendo que todos foram publicados
em nível global, e está associada a diversas entre os anos de 2022 e 2023.
patologias. Segundo as Diretrizes Brasileiras de Os critérios de inclusão foram: artigos nos
HA (2020), a HAS pode ser classificada em três idiomas inglês ou português e disponíveis
estágios, de acordo com os níveis de PA gratuitamente on-line e na íntegra. Excluiu-se
aferidos. A HAS estágio 1 é definida como PAS duplicatas e aqueles inadequados ao objetivo
de 140 a 159 mmHg e/ou PAD entre 90 e 99 proposto. Após leitura detalhada dos resumos
mmHg. Já o estágio 2 é definido por PAS de das produções científicas, foram selecionados
160 a 179 mmHg e/ou PAD de 100 a 109 quatro artigos, sendo dois deles resultados de
mmHg. Por fim, a HAS estágio 3 consiste em fase 1 e 2 dos ensaios clínicos do Baxdrostat.
PAS maior ou igual a 180 mmHg e/ou PAD Os objetivos e conclusões dos estudos
maior ou igual a 110 mmHg. Quanto maior o selecionados são detalhados no Quadro 24.1.
estágio da doença, maior é o risco de As Diretrizes Brasileiras de Hipertensão
desenvolvimento de complicações e outras Arterial (2020) e as produções científicas de
doenças para o paciente hipertenso. Dogra et al. (2023), Mancia et al. (2019),
O objetivo do presente estudo é avaliar as Whelton et al. (2017), Lainscak et al., (2015),
perspectivas de uso do fármaco baxdrostat, GBD (2015) e Lewington et al. (2002) foram
inibidor de aldosterona sintase. O fármaco, utilizadas como fontes adicionais de pesquisa
atualmente, se encontra sendo testado em bibliográfica, para fins de contextualização do
ensaio clínico em fase 3, mas já apresentou problema e definição da HAR.

205
Quadro 24.1 Referências, objetivos e conclusão dos trabalhos selecionados
Autores e ano de
Objetivos Conclusão
publicação
A administração oral de baxdrostat foi segura e
Estudo de fase 1: ensaio clínico randomizado,
bem tolerada por todos os participantes,
duplo-cego. Avaliar a segurança, tolerabi-
resultando em aumentos proporcionais à dose
lidade, farmacocinética e farmacodinâmica
Freeman et al. na concentração plasmática de baxdrostat, com
do baxdrostat após administração oral, uma
(2023) uma meia-vida que apoia a administração
vez por dia, ao longo de um período de 10
diária. A ausência de efeito sobre o cortisol
dias em participantes submetidos a uma dieta
demonstrou o bloqueio seletivo da síntese de
normal ou com baixo teor de sal.
aldosterona.
A administração oral de baxdrostat levou a
Estudo de fase 2: ensaio clínico randomizado,
alterações dependentes da dose na pressão
duplo-cego. Examinar a eficácia e segurança
arterial sistólica de -20,3 mmHg, -17,5 mmHg,
Freeman et al. do baxdrostat em pacientes com hipertensão
-12,1 mmHg e -9,4 mmHg nos grupos de 2 mg,
(2023) resistente, com 18 anos ou mais e que
1 mg, 0,5 mg e placebo, respectivamente.
apresentavam uma pressão arterial média de
Nenhum evento adverso grave foi atribuído ao
pelo menos 130/80 mmHg quando sentados.
baxdrostat.

O baxdrostat, um inibidor seletivo da


Evidenciar a relevância da hipertensão aldosterona sintase, demonstra uma redução
resistente no contexto de saúde mundial e substancial tanto na pressão arterial sistólica
Forzano et al.
fazer uma breve análise do panorama dos quanto diastólica em pacientes com hiper-
(2022)
fármacos inibidores seletivos da aldosterona tensão resistente, consolidando-se como uma
sintase. ferramenta inovadora e eficaz no tratamento
dessa condição.

Detalhar a definição e o cenário atual da


As recentes publicações de dois ensaios
hipertensão resistente no mundo, tendo em
clínicos de farmacoterapia de referência,
vista a necessidade terapêutica não atendida
BrigHTN e PRECISION, oferecem perspec-
Azzam et al. (2023) pelos fármacos convencionais. Resumir as
tivas animadoras para futuras opções tera-
evidências recentemente publicadas sobre
pêuticas no contexto da hipertensão resistente
novos medicamentos anti-hipertensivos e a
e ampliam as visões sobre sua fisiopatologia.
denervação renal.

RESULTADOS E DISCUSSÃO a duplicação do risco (LEWINGTON et al.,


A hipertensão arterial sistêmica 2002).
A HAS, uma condição multifatorial, Nesse sentido, medidas de controle da PA
apresenta diferentes impactos sobre os sistemas são imprescindíveis. O tratamento não medi-
do organismo, sendo um importante fator de camentoso está relacionado com o controle de
risco de mortalidade e morbidade (Lancet et al., fatores como tabagismo, obesidade, qualidade
2016). Segundo as Diretrizes Brasileiras de da dieta e frequência de atividade física.
Hipertensão Arterial, a HAS possui, em sua Todavia, a maioria dos pacientes hipertensos
fisiopatologia, associação com risco aumentado necessita de fármacos em adição às modifi-
para cardiopatia isquêmica, acidente vascular cações do estilo de vida adequação das metas
encefálico (AVE), doença renal crônica (DRC) pressóricas (WHELTON et al., 2017).
e mortalidade precoce. Quantitativamente, o Atualmente, a terapêutica farmacológica da
risco para tais doenças inicia-se a partir de HAS envolve cinco principais classes de
valores de 115 mmHg de (PAS) ou 75 mmHg fármacos anti-hipertensivos, diuréticos (DIU),
de PAD. Sendo que, a cada 20 mmHg de bloqueadores dos canais de cálcio (BCC),
elevação da PAS ou 10 mmHg de PAD, ocorre inibidores de enzima conversora de angioten-
sina (IECA), bloqueadores dos receptores da

206
angiotensina II (BRA) e betabloqueadores Farmacodinâmica e farmacocinética
(BB). Esses fármacos apresentam importante A aldosterona é um componente elementar
redução de desfechos cardiovasculares fatais e do sistema renina-angiotensina-aldosterona. É
não fatais, provenientes, sumariamente, em produzida na zona glomerulosa do córtex
decorrência da redução dos níveis pressóricos adrenal. Sua produção é estimulada frente à
(WHELTON et al., 2017). A monoterapia, é angiotensina II ou altas concentrações
tida como estratégia anti-hipertensiva inicial extracelulares de potássio ou hormônio
para pacientes com HAS estágio 1 com risco adrenocorticotrófico (ACTH). A partir da
CV baixo (WILLIAMS et al., 2018). Todavia, ativação do receptor mineralocorticoide, a
o início do tratamento com combinação de aldosterona participa da regulação da homeos-
fármacos em doses fixas associa-se com tase de fluidos e eletrólitos, promovendo
redução do risco de desfechos cardiovasculares vasoconstrição do músculo liso vascular e
e mais rápido alcance da meta pressórica, bem aumento da reabsorção de água e sódio pelos
como proteção de órgãos-alvo em relação ao rins. A enzima que participa da síntese da
tradicional tratamento com monoterapia aldosterona é a aldosterona sintase, também
(MANCIA et al., 2019) conhecida como CYB11B2 (FREEMAN et al.,
Quando a terapia anti-hipertensiva não 2023).
alcança a meta pressórica com o uso de pelo A associação entre aldosterona plasmática
menos três fármacos anti-hipertensivos de elevada e diminuição da sobrevida a longo
classes distintas, incluindo um diurético, prazo foi demonstrada em pacientes com
classifica-se a HAS como HAR (FORZANO et insuficiência cardíaca congestiva (ICC), infarto
al., 2022). As recomendações atuais indicam o agudo do miocárdio (IAM) e doença arterial
uso da espironolactona como quarto fármaco de coronariana fora do contexto de IAM ou ICC.
escolha no contexto da HAR. Entretanto, alguns Os níveis elevados de aldosterona de forma
dos efeitos adversos deste poupador de potássio crônica se relacionam à hipocalemia e à
incluem: redução da síntese de testosterona, elevação da reabsorção de sódio e retenção de
hipercalemia, ginecomastia, irregularidades no líquidos. Esses fatores resultam, independen-
ciclo menstrual e sangramento uterino anormal. temente da PA, não só em aumento da PA,
Estes efeitos estão relacionados com eventos como também da inflamação, danos a órgãos-
decorrentes do bloqueio não seletivo de alvo, fibrose, eventos cardiovasculares, como
diferentes receptores de hormônios esteroides hipertrofia ventricular, e eventos renais
(LAINSCAK et al., 2015). Com o intuito de adversos, como progressão da insuficiência
trazer uma alternativa aos efeitos adversos do renal. Portanto, concluiu-se que a inibição da
tratamento convencional e o controle da PA síntese de aldosterona, como por meio do
naqueles em que os fármacos atuais não são bloqueio da atuação da enzima aldosterona
eficazes, estudos relacionados à enzima sintase, constitui uma estratégia terapêutica
aldosterona sintase e seu efeito no controle da promissora para o controle da PA e redução de
HAS têm sido realizados. O fármaco danos aos órgãos-alvo (FREEMAN et al.,
baxdrostat, atualmente em fase 3 de estudos 2023).
clínicos, é o fármaco da classe dos inibidores da A aldosterona sintase tem sido um alvo
aldosterona sintase com os resultados mais farmacológico para o tratamento da HAS há
promissores (FREEMAN et al., 2023). várias décadas. Conforme demonstrado por
207
estudos pré-clínicos e clínicos em humanos, o Eficácia
baxdrostat é um inibidor altamente potente, Atualmente, foram realizados dois ensaios
seletivo e competitivo dessa enzima. Tanto in de fase clínicos para o fármaco baxdrostat,
vitro, como in vivo, o fármaco apresentou uma sendo que a terceira fase de estudo encontra-se
elevada taxa de seletividade para a aldosterona em desenvolvimento. O ensaio de fase 1 foi
sintase em comparação com a enzima altamente conduzido em 56 indivíduos saudáveis que
homóloga responsável pela síntese do cortisol receberam doses crescentes do fármaco. Os
11β-hidroxilase (CYP11B1), cuja sequência é principais objetivos dessa fase foram definir
93% similar com a aldosterona sintase. Em segurança, tolerabilidade e os aspectos da
estudos pré-clínicos e de fase 1, o baxdrostat farmacocinética e farmacodinâmica do
apresentou seletividade de 100:1 para essa baxdrostat durante um período de adminis-
inibição enzimática, e em vários níveis de dose, tração oral de 10 dias. Ao final do estudo
reduziu os níveis plasmáticos de aldosterona, prospectivo, foi demonstrado que o baxdrostat
mas não os níveis de cortisol, evitando, assim, apresentou boa tolerabilidade e elevada
o desenvolvimento de efeitos colaterais seletividade na inibição da aldosterona sintase
importantes associados ao hormônio (FREEMAN et al., 2022). Ademais, este
(FREEMAN et al., 2022). fármaco apresentou bom potencial como opção
Quanto à farmacocinética do medicamento, terapêutica para distúrbios associados a níveis
é importante ressaltar que com doses crescentes elevados de aldosterona como o aldosteronismo
do medicamento, houve aumento proporcional primário, sem interferir, contudo, na síntese de
dos níveis plasmáticos, com concentração cortisol.
máxima observada após 4 horas da adminis- O objetivo do ensaio de fase 2 fora tratar por
tração e uma meia-vida média de 26 a 31 horas. 12 semanas um grupo randômico de pacientes
A meia-vida indica uma administração de uma que apresentavam HAR, com valores de
vez por dia. pressão superiores ou iguais à 130/80 mmHg e
Independentemente da dieta, houve uma que realizavam tratamento farmacológico com
redução dose-dependente da aldosterona pelo menos três agentes anti-hipertensivos,
plasmática com doses de baxdrostat maiores incluindo um diurético. Ele se tratou de um
que 1,5 mg. Essa redução foi sustentada em estudo randomizado, duplo-cego, controlado
aproximadamente 51 a 73% no dia 10. A por placebo e baseado na variação de dose. Dos
redução dose-dependente da aldosterona indivíduos participantes, apenas 248 pacientes
plasmática e a ausência de efeito sobre o completaram o ensaio, sendo que estes
cortisol comprovam o bloqueio seletivo da receberam, ao longo do estudo, doses de 2 mg,
aldosterona sintase. Durante o estudo, o 1 mg e 0,5 mg do baxdrostat. Houve redução
fármaco não impactou de forma significativa dose dependente da PAS de -20.3 mmHg, -17.5
nos níveis plasmáticos de cortisol e resultou em mmHg e -12.1 mmHg, respectivamente,
diminuições ligeiras dependentes da dose nos enquanto a redução do grupo placebo fora de -
níveis plasmáticos de sódio e aumentos nos 9.4 mmHg. Desse modo, o ensaio de fase 2
níveis de potássio (FREEMAN et al., 2023). constatou o papel promissor do fármaco
inibidor de aldosterona sintase como redutor de
PAS e PAD em pacientes com HAR ao

208
tratamento convencional (FREEMAN et al., No ensaio de fase 2 não ocorreram mortes e
2023). nenhum evento adverso grave foi atribuído ao
A fase 3 do estudo em andamento tem baxdrostat. Também não foram registrados
múltiplos objetivos interligados. Em primeiro casos de insuficiência adrenocortical. Dois
lugar, busca-se realizar testes em larga escala pacientes apresentaram aumentos dos níveis de
do fármaco, uma abordagem que se diferencia potássio para 6.0 mmol por litro ou mais,
dos estudos anteriores, que se basearam havendo a suspensão do medicamento.
principalmente em pacientes saudáveis ou Entretanto, após a retirada e reintrodução do
pequenos subgrupos de indivíduos. Além disso, baxdrostat, não houve a recidiva desse efeito
o estudo visa avaliar a efetividade a longo prazo colateral (FREEMAN et al., 2022).
do baxdrostat na redução dos níveis de Porém, algumas limitações dos estudos
aldosterona, levando em consideração a relacionam-se ao fato de que pacientes com
observação de uma possível redução da eficácia taxa de filtração glomerular estimada < 45
em gerações anteriores dessa classe farmaco- ml/min/1,73 m foram excluídos. Pacientes com
lógica. PAS média sentada ≥ 180 mmHg ou PAD ≥ 110
Outro foco importante é observar o papel do mmHg também foram excluídos, o que dificulta
baxdrostat no tratamento do aldosteronismo a generalização dos resultados do estudo
primário e compará-lo com as medicações BrigHTN. Além disso, o efeito deste novo
antagonistas de receptores de mineralocor- medicamento foi comparado apenas ao placebo,
ticoides já existentes. Além disso, o estudo e não a outros medicamentos anti-hiperten-
procura determinar o impacto desse fármaco no sivos. Portanto, são necessárias mais investi-
controle da HAS, avaliando se há benefícios gações nesse sentido, incluindo ensaios de fase
significativos em iniciar o tratamento 3 (FORZANO et al., 2022).
preventivamente, em comparação com o
tratamento exclusivo de pacientes com HAR. CONCLUSÃO
Esta abordagem abrangente visa fornecer Nos últimos anos, a chegada de inibidores
informações valiosas sobre a eficácia e o de aldosterona sintase se mostrou como um
potencial desse medicamento no contexto do tratamento promissor de HAS, especialmente a
tratamento de distúrbios relacionados à classificada como resistente, sendo uma poten-
aldosterona e HAS. cial alternativa para os tratamentos já consa-
grados, como por meio da espironolactona.
Segurança e efeitos colaterais O baxdrostat, segundo medicamento
No ensaio de fase 1, o baxdrostat se mostrou desenvolvido da classe dos inibidores de
seguro e bem tolerado, induzindo uma redução aldosterona sintase, mostrou uma importante
dependente da dose na aldosterona plasmática, redução da PA em pacientes diagnosticados
mas não no cortisol (FORZANO et al., 2022). com HAR e que estavam recebendo pelo menos
No estudo, não houve mortes ou eventos três medicamentos antes da intervenção. Essa
adversos graves, e os eventos adversos rela- redução esteve associada, principalmente, com
cionados ao tratamento com baxdrostat foram a redução dos níveis plasmáticos de aldos-
considerados como de baixa gravidade terona, com a consequente elevação da ativi-
(FREEMAN et al., 2023). dade plasmática de renina e sem a redução dos
níveis de cortisol.
209
O novo fármaco apresentou um perfil de É necessário, portanto, a conclusão do
segurança aceitável, sem efeitos colaterais ensaio clínico de fase 3 para definir a eficácia a
importantes e com nenhuma descontinuação do longo prazo e segurança do medicamento ao ser
tratamento em decorrência do desenvolvimento utilizado em larga escala. Ademais, a utilização
de hipercalemia. Entretanto, os estudos mais do baxdrostat em outras condições, como
recentes foram realizados apenas em grupos aldosteronismo primário e doença renal crô-
pequenos e limitados, não havendo a possi- nica, e uma definição específica quanto a qual
bilidade de extrapolação de resultados. Dessa estágio de HAS ele deve ser iniciado, ainda
forma, não é possível definir se o medicamento precisam de novas investigações, sendo que os
realmente não provocará redução secundária estudos em andamento irão, possivelmente,
dos níveis de cortisol, hipercalemia ou outros sanar as lacunas sobre esse novo medicamento.
efeitos colaterais graves.

210
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211
CAPÍTULO 25

INIBIDORES DA ENZIMA
CONVERSORA DE ANGIOTENSINA NA
DOENÇA RENAL CRÔNICA: UMA
REVISÃO NARRATIVA

GIOVANNA MARTINS MILHOMEM¹


AMANDA GÊA GOMES GONÇALVES¹
ANA CLARA GARCIA SANTANA¹
ANDRÉ MATHEUS CARVALHO SILVA LEITE¹
DAVI DE OLIVEIRA SOARES¹
ESTER ROCHA BARIANI¹
JOÃO VICTOR COIMBRA PORTO RASSI¹
LUAN LINHARES DE AZEREDO COUTINHO¹
MARCEL DA SILVA GARROTE FILHO¹
MARIA EDUARDA MACHADO DE ARAÚJO SILVA¹
MATEUS OBERDAN CARVALHO DE OLIVEIRA¹
NATÁLIA CARVALHO GOMES DAVID¹
REYNIER AIRAM LOPES DA SILVA FILHO¹
OTAVIANO OTTONI DA SILVA NETTO²

1. Discente – Medicina na Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC Goiás.


2. Docente – Escola de Ciências Médicas e da Vida – Curso de Medicina – PUC Goiás.

Palavras-chave:
Doença renal crônica; Inibidores da enzima conversora de angiotensina; Hipertensão arterial.

212
10.59290/978-65-6029-060-0.25
INTRODUÇÃO denominado insuficiência renal, a TFG está
Os rins são órgãos responsáveis por diversas gravemente comprometida, exigindo tratamen-
funções no organismo dos seres vivos, sendo a tos como diálise ou transplante de rim para
principal a manutenção da homeostase, entre manter a vida.
outras funções, como excreção de produtos A prevalência da DRC varia
indesejáveis do metabolismo, excreção de geograficamente, mas tem observado um
substâncias químicas, regulação do balanço de aumento notável devido ao envelhecimento da
água e eletrólitos, controle da pressão arterial, população e ao crescimento das doenças
regulação do balanço ácido-base, secreção, crônicas, como diabetes e hipertensão, que são
metabolismo e excreção de hormônios, fatores de risco predominantes associados à
gliconeogênese, secreção de eritropoetina DRC. Além desses, outros fatores de risco
(GUYTON & HALL, 2021). incluem histórico familiar de doença renal,
Diante disso, há doenças que afetam a obesidade, tabagismo, uso prolongado de
função renal, como a doença renal crônica medicamentos que afetam os rins e doenças
(DRC), que é caracterizada pela perda lenta e cardiovasculares. A detecção precoce da DRC
progressiva da função dos rins. De acordo com e a gestão eficaz dos fatores de risco
a Sociedade Brasileira de Nefrologia, a desempenham um papel crucial na prevenção
prevalência da doença renal crônica no mundo ou retardo da progressão da doença. Portanto,
é de 7,2% para indivíduos acima de 30 anos e consultar regularmente um profissional de
28 a 46% em pessoas acima de 64 anos. No saúde, realizar exames de sangue e urina para
Brasil, é estimado que mais de 10 milhões de monitorar a saúde renal e adotar medidas para
pessoas desenvolvam a doença. Dessa forma, é controlar doenças subjacentes são ações
importante ressaltar que a hipertensão e a essenciais na preservação da função renal.
diabetes são as principais enfermidades Os inibidores da enzima conversora de
desencadeadoras da doença renal crônica, uma angiotensina (IECAs) são comumente utili-
vez que apresentam os rins como órgãos-alvo zados no tratamento de pacientes com
(LOUREIRO et al., 2023). insuficiência cardíaca, doença arterial crônica,
A DRC é uma condição debilitante dos rins diabetes e doença renal crônica, a fim de regular
que se manifesta pela perda gradual e a pressão arterial, principalmente reduzindo a
progressiva da capacidade de filtrar o sangue, resistência vascular periférica. Eles atuam
resultando na acumulação de resíduos e excesso promovendo o bloqueio do sistema renina
de fluidos no corpo. Esta condição é angiotensina-aldosterona através da inibição da
classificada em cinco estágios, com base na enzima conversora de angiotensina (ECA) que
taxa de filtração glomerular (TFG), que mede a hidrolisa a angiotensina I em angiotensina II
eficiência dos rins em eliminar substâncias (CAMPANA & BRANDÃO, 2020).
indesejadas do sangue. No estágio inicial, O córtex renal é estimulado a liberar a
conhecido como estágio 1, a DRC pode ser renina. Esta, por sua vez, atua sobre o
detectada através de lesões renais, mas a TFG angiotensinogênio clivando-o e formando a
permanece normal. Conforme a DRC avança angiotensina I que é convertida em angiotensina
pelos estágios 2 a 4, a redução da TFG se torna II através da enzima conversora de angiotensina
mais evidente, sinalizando uma diminuição endotelial. A angiotensina II tem ação va-
significativa na função renal. No estágio 5, soconstritora, além de promover retenção de
213
sódio, estimulando a liberação de aldosterona. fazendo uma análise comparativa com outras
Nesse contexto, os IECAs irão atuar inibindo a classes de anti-hipertensivos.
ECA e impedindo a formação de angiotensina
II. Além disso, a atividade vasopressora dos MÉTODO
IECAs também influencia, estimulando o Trata-se de uma revisão integrativa
sistema calicreína-cinina. Dessa forma, realizada no período de setembro e outubro de
aumenta-se os níveis de bradicinina que tem a 2023, por meio de pesquisas nas bases de dados
função de sintetizar prostaglandinas e óxido SciELO, Google Acadêmico e Pubmed. Foram
nítrico, que possuem propriedades vasodilata- utilizados os descritores: “ACE inhibitor AND
doras e, por consequência, reduzem a resis- chronic kidney disease”, com filtro de
tência vascular periférica (KATZUNG et al., disponibilidade textual em “texto gratuito
2017). completo” e com filtro de data de publicação
Os IECAs estão especialmente recomen- em “últimos 5 anos”. Desta busca foram
dados nos casos de DRC, tendo em vista que encontrados 494 artigos, em qualquer idioma,
reduzem a proteinúria e estabilizam a função posteriormente submetidos aos critérios de
renal. Isso advém do fato dos IECAs promo- seleção.
verem uma melhora da hemodinâmica intrarre-
nal, em decorrência da diminuição da RESULTADOS E DISCUSSÃO
resistência das arteríolas eferentes glomeru- O papel dos inibidores da enzima
lares, reduzindo a pressão capilar intraglo- conversora de angiotensina na doença renal
merular, o que será explicado mais detalhada- crônica
mente à frente (KATZUNG et al., 2017). O A hipertensão arterial, como um fator
efeito nefroprotetor dos medicamentos anti- etiológico e agravador da doença renal crônica,
hipertensivos é medido através da redução da deve ser controlada tendo em vista os meca-
proteinúria, dessa forma, quanto maior a nismos hemodinâmicos envolvidos na
redução da excreção de proteínas pela urina, fisiopatologia da DRC. Dessa forma, a
maior será a proteção contra o declínio do ritmo hipertensão capilar causa uma tensão mecânica
de filtração glomerular. Logo, ao reduzir a constante sobre as paredes do capilar,
hiperfiltração glomerular e melhorar a produzindo um dano glomerular progressivo,
permeabilidade da membrana dos capilares lesionando podócitos e aumentando a permea-
glomerulares, reduz-se o processo degenerativo bilidade da membrana basal. O estiramento
dos néfrons, retardando a fibrose renal. Assim, mecânico das células mesangiais e endoteliais
os IECAs são uma classe medicamentosa leva a secreção de substâncias como TGF beta
fundamental no tratamento dos pacientes com e angiotensinogênio. Esse último é um
DRC, pois atuam reduzindo os efeitos substrato fundamental usado na produção de
colaterais da redução do ritmo de filtração angiotensina II através do sistema renina-
glomerular (KASPER et al., 2017). angiotensina-aldosterona. A angiotensina II,
Assim, o objetivo deste estudo foi descrever como discutido previamente, tem ação vaso-
os mecanismos fisiológicos dos IECAs nos constritora na circulação periférica, incluindo
pacientes com DRC, descrevendo critérios de as arteríolas eferentes da microcirculação
indicação, sua posologia e administração, assim glomerular. Além disso, a angiotensina II
como seus efeitos colaterais e precauções, possui fator imunomodulador, que estimula a
214
síntese de fatores de crescimento que induz a monitorados de perto para avaliar a eficácia do
proliferação das células mesangiais. Todos tratamento, controlar a pressão arterial, medir
esses fatores levam a uma hipertrofia e os níveis de eletrólitos e avaliar a função renal.
hiperfiltração glomerular com aumento da Além disso, é importante ressaltar que a escolha
permeabilidade glomerular para macromolé- do IECA específico e a dosagem exata são
culas, como, por exemplo, proteínas, gerando a determinadas pelo médico com base nas
proteinúria (MARTINS et al., 2016). condições individuais do paciente, e o
Os IECAs são uns dos principais fármacos tratamento deve ser personalizado para atender
usados no controle pressórico dos pacientes às necessidades e tolerâncias de cada paciente
com DRC, tendo em vista sua capacidade de com DRC.
controlar tanto a pressão arterial quanto reduzir
a proteinúria. Desse modo, os IECAs atuam no Benefícios do uso
sistema renina-angiotensina-aldosterona, ini- Além de sua citada função no sistema
bindo a produção de angiotensina II e renina-angiotensina-aldosterona de modulação
impedindo a vasoconstrição das arteríolas do equilíbrio hidroeletrolítico e da pressão
eferentes dos glomérulos, o que reduz a pressão arterial, a ECA exerce função em diferentes
intraglomerular, retardando a progressão da partes do organismo. Devido a seu papel de
DRC e reduzindo a proteinúria (KASPER et al., conversão da angiotensina I em angiotensina II,
2017). ela participa indiretamente da regulação de
Os inibidores da enzima conversora de diversos processos fisiológicos. No sistema
angiotensina (IECA) são uma classe de nervoso central, a ANG II, através de AT 1,
medicamentos frequentemente prescrita para o funciona para indução de sede, liberação de
tratamento da doença renal crônica (DRC), AVP, aumento da atividade simpática e
especialmente quando certos critérios estão comprometimento da função barorreflexa.
presentes. As indicações incluem presença de No sistema cardiovascular, ela é respon-
proteinúria significativa (uma quantidade sável pela hipertrofia cardíaca induzida por
anormal de proteína na urina), hipertensão ANG II, além de agir em cardiomiócitos
arterial, diabetes tipo 2 e insuficiência cardíaca apoiando a formação local de ANG-(1–7) no
associada à DRC. A dosagem dos IECAs é coração. Embora ainda se pesquise sobre os
individualizada e normalmente começa com papéis fisiológicos dela nos pulmões, há
uma dose baixa, que é aumentada gradualmente estudos que relatam sua relação intrínseca a
de acordo com a resposta do paciente. Esses processos fisiopatológicos, através de suas
medicamentos são geralmente administrados ações anti-inflamatórias (FRIED et al., 2013).
por via oral na forma de comprimidos ou No sistema digestório, a ECA tem função
cápsulas, com uma frequência determinada pelo expressa no pâncreas e no fígado; no pâncreas,
médico, geralmente uma vez ao dia. ao modular a função das ilhotas através da
No entanto, o uso de IECA pode estar regulação do fluxo sanguíneo e da inibição da
associado a possíveis efeitos colaterais, incluin- fibrose e influenciar para melhorias na
do tosse seca, hipotensão e aumento dos níveis esteatose. No fígado, agindo na inflamação não
de potássio no sangue, por isso, o acompanha- alcoólica, fibrose hepática e sensibilidade à
mento médico regular é fundamental. Os insulina. Portanto, é possível perceber a
pacientes em tratamento com IECA devem ser relevância do ECA na manutenção do fun-
215
cionamento adequado de vários sistemas hipercalemia se manifestar, é de suma
fisiológicos (SANTOS et al., 2018). importância reconhecer imediatamente as
arritmias cardíacas e aplicar tratamento
Efeitos colaterais e precauções adequado para neutralizar os efeitos cardíacos
Os inibidores da enzima conversora de do excesso de potássio, redistribuir o potássio
angiotensina (IECA) costumam ser bem tole- nas células e promover a eliminação do excesso
rados, mas podem resultar em efeitos adversos de potássio do organismo (OKTAVIONO &
que envolvem tosse crônica, hipotensão, de- KUSUMAWARDHANI, 2020).
pressão da medula óssea (BRITO et al., 2020), O angioedema é um inchaço subcutâneo ou
assim como alteração do paladar, caracterizado submucoso, podendo ser desencadeado por
por sabor metálico, erupções cutâneas, hiperca- reações alérgicas a medicamentos, incluindo os
lemia e, em casos mais raros, angioedema, inibidores da enzima conversora de angioten-
toxicidade hepática e insuficiência renal sina (SOUSA et al., 2020). Esse inchaço pode
(SILVA et al., 2019). ocorrer após semanas ou mesmo meses de
A hipotensão ortostática, comum em idosos, tratamento com IECA, embora, em alguns
é uma importante causa de morbidade devido a casos, seja leve e de curta duração (COU-
riscos como síncope, quedas, infarto agudo do TINHO et al., 2022). Nesse sentido, o
miocárdio e acidente vascular encefálico (DA- angioedema afeta principalmente lábios, rosto e
VIS et al., 1987). Em pacientes com hipotensão língua, podendo causar complicações graves,
postural, a seleção de medicamentos anti- como dificuldades respiratórias e de deglutição
hipertensivos e a dosagem devem considerar a (BENTO et al., 2021). Embora a maioria dos
hora e a posição do paciente durante a medição casos seja leve e não exija tratamento es-
da pressão arterial. Elevar a cabeceira da cama pecífico, a falta de detecção precoce pode levar
e o uso de agentes para aumentar o volume a episódios mais graves. Portanto, é funda-
sanguíneo são opções para prevenir a mental estar ciente deste efeito adverso raro,
hipotensão matinal (FERREIRA FILHO et al., mas letal, ao usar o IECA (SOUSA et al.,
2010) 2020). Doses menores destes fármacos podem
A tosse seca, um efeito adverso causado apresentar melhor equilíbrio entre o resultado
pelo acúmulo nos níveis de bradicinina e terapêutico e o adverso (SILVA et al., 2019).
substância P no sistema respiratório, ocorre
devido à inibição da enzima conversora de Precauções e contraindicações
angiotensina (ECA), que normalmente as São essenciais para os pacientes em uso de
degradaria (SILVA et al., 2019). Esse acúmulo IECA, o monitoramento da função renal, o
direciona a ativação dos reflexos de tosse e da ajuste da dose de acordo com a individualidade
contração da musculatura lisa das vias aéreas de cada paciente, o estágio de doença renal
(SOUZA & SOUZA, 2022). crônica e a taxa de filtração glomerular (BAS-
Os IECAs têm potencial para aumentar o TOS et al., 2010), bem como o monitoramento
risco de hipercalemia, caracterizada por níveis dos níveis de potássio (SALIK et al., 2022).
séricos de potássio acima de 5,5 mmol/L Dentre os casos contraindicados para uso de
(SALIK et al., 2022). Monitorar os níveis de IECA estão os pacientes em estágios avançados
potássio no início do tratamento é uma medida de doença renal crônica com taxa de filtração
preventiva eficaz contra a hipercalemia. Se a glomerular muito baixa, por isso podem não ser
216
candidatos adequados para esse tratamento. restaurar completamente a função endotelial ao
Isso ocorre devido ao risco significativo de nível dos indivíduos normotensos (HIGASHI et
insuficiência renal aguda em pacientes com al., 2000).
estágios avançados da doença (BASTOS et al., Os IECA podem aumentar o óxido nítrico
2010). Além disso, pacientes que tiveram (NO) ao inibir a produção de angiotensina II.
reações adversas graves, como angioedema, Além disso, sob condições fisiológicas, a
devido ao uso prévio de IECA, devem evitar bradicinina endógena é limitada pela ECA. Os
essa classe de medicamentos (BISINOTTO et IECAs previnem a degradação da bradicinina,
al., 2019). Por fim, é essencial destacar que essa levando a aumentos na liberação de NO
classe de medicamentos é contraindicada na (VANHOUTTE et al., 1993). As evidências
gravidez (OLIVEIRA et al., 2009). demonstraram consistentemente a eficácia dos
IECA na redução da mortalidade e dos eventos
Comparação com outros agentes anti- cardiovasculares adversos maiores. Ensaios
hipertensivos relataram igual potência da telmisartana e do
Em adultos com DRC, que têm uma TFG ramipril na redução de eventos cardiovas-
entre 15 e 90 mL/min/1,73 m2 e que apresentam culares e de morte em pacientes com doença
proteinúria persistente apesar de estarem sob cardiovascular ou diabetes de alto risco.
doses máximas de IECA ou BRA, os Também foi evidenciado que a valsartana foi
antagonistas da aldosterona podem reduzir tão eficaz quanto os IECAs na redução da
proteinúria, TFG e pressão arterial sistólica. O morbimortalidade cardiovascular em pacientes
tratamento com antagonistas da aldosterona em com disfunção ventricular esquerda após
combinação com IECA ou bloqueador do infarto agudo do miocárdio. Os bloqueadores
receptor de angiotensina (BRA) pode aumentar dos receptores de angiotensina (BRA) têm se
o risco de hipercalemia, de injúria renal aguda mostrado tão eficazes quanto os IECAs na
e de ginecomastia (CHUNG et al., 2020). redução da pressão arterial, na melhoria dos
Um estudo demonstrou que a hiperemia sintomas de insuficiência cardíaca, na pre-
reativa, um índice de vasodilatação dependente venção da nefropatia diabética, na redução do
do endotélio, está prejudicada em pacientes acidente vascular cerebral e na redução do
hipertensos primários em comparação a indi- diabetes mellitus tipo 2 (HSIAO et al., 2015).
víduos normotensos. Demonstrou-se, também, Ademais, demonstrou-se que uma combi-
que a hiperemia reativa em pacientes tratados nação de doses fixas de IECA associado à BCC
com IECA é significativamente maior do que foi superior a uma combinação de doses fixas
em pacientes que recebem bloqueadores dos de IECA associado a tiazídicos na redução de
canais de cálcio (BCC), betabloqueadores (BB) eventos cardiovasculares. Também foi confir-
e agentes diuréticos (DIU). Apesar de todos mado o efeito combinado de BRA e BCC na
estes agentes terem sido eficazes na redução da redução da pressão arterial (SANTULLI,
pressão arterial, apenas os IECAs melhoraram, 2014). Hsiao et al. (2015) evidenciaram que os
de fato, a disfunção endotelial. Contudo, a regimes de combinação de doses fixas de BRA
hiperemia reativa em pacientes hipertensos associados a BCC foram comparáveis aos de
tratados com IECA foi menor do que em IECA associados à BCC na redução de eventos
indivíduos normotensos, sugerindo que a cardiovasculares adversos maiores, hospitali-
terapia anti-hipertensiva com IECA pode não zação por insuficiência cardíaca, novo
217
diagnóstico de doença renal crônica e início de melhor acompanhamento aos pacientes com
diálise, o que corrobora o estudo de Li et al. estenose da artéria renal, com a finalidade de
(2014), o qual demonstra não haver diferença prevenir a LRA de causas pré-renais
entre IECA e BRA para hipertensão primária na relacionadas à hipoperfusão tecidual.
mortalidade total, eventos cardiovasculares Dessa forma, tendo em vista os riscos que
totais ou mortalidade cardiovascular. uma terapia não individualizada pode trazer ao
paciente, fica evidente que a falta desta prática
Abordagem individualizada pode contribuir com o aumento ou a aceleração
É de extrema relevância a análise individual da perda da função renal, submetendo o
de cada paciente, em suas particularidades e até paciente à terapia renal substitutiva. Além
mesmo em relação ao estágio de sua doença. disso, pode fazer com que o paciente evolua
Morris e Manickavasagam (2023), em seus com hipercalemia, fato que se relaciona com a
estudos, puderam observar que pacientes com disfunção do ritmo cardíaco, dentre outros
doença renal crônica (DRC) e taxa de filtração fatores.
glomerular (TFG) de G4 e G5 em uso de iECA
tiveram um efeito prejudicial no declínio da Estratégias para otimizar o tratamento
TFG. Além disso, puderam observar que houve Para a redução do avanço da doença renal
restauração da TFG em 25-50% em 12 meses crônica, há dois componentes que são
após a interrupção do tratamento com inibi- primordiais: o tratamento da doença subjacente
dores da enzima conversora de angiotensina. e o tratamento de fatores secundários que são
Outro ponto encontrando por tais autores em capazes de predizer a progressão, como a
suas pesquisas é a redução da incidência da elevação da pressão arterial e a proteinúria.
terapia renal substitutiva (TRS) em pacientes Os medicamentos inibidores da enzima
com DRC que tiveram a terapia com iECA conversora de angiotensina, além de atuarem
descontinuada. reduzindo a pressão arterial, também conse-
Outro fator que deve ser levado em guem atuar na redução da proteinúria, sendo
consideração são os possíveis efeitos colaterais que seu efeito antiproteinúrico é mais proemi-
que se sucedem do uso de iECA, sendo os mais nente em pacientes que possuem uma dieta com
relevantes a hipercalemia e a lesão renal aguda baixo teor de sódio. Para Mann e Bakris, em
(LRA). O IECA, por inibir a angiotensina 2, 2014, ainda não estava clara a dose de iECA
que tem como função o aumento da excreção associada a um efeito anti-hipertensivo ideal e
renal de potássio, favorece o estado hiperca- a um efeito antiproteinúrico ideal. No entanto,
lêmico. Morris e Manickavasagam (2023) em relação ao efeito antiproteinúrico, uma dose
constataram a hipercalemia como decorrente do média de 6 mg/dia, usada por pacientes
uso de iECA, sendo indicado o uso de proteinúricos e com doença renal não diabética,
polímeros de ligação ao potássio para facilitar foi capaz de reduzir de 2,56 g/dia para 1,73
sua excreção. Ademais, os autores observaram g/dia de proteína na urina. Mas os autores
a relação entre o uso dos inibidores da enzima observaram que uma dose média de 12 mg/dia
conversora da angiotensina com a incidência de não fez obteve maiores reduções de pressão
lesão renal aguda, sendo que um dos fatores que arterial e proteinúria, ademais, também
constituem esta relação é a polifarmácia, além verificaram que a dose necessária para garantia
disso, foi observada a necessidade de um
218
da associação entre os dois benefícios varia de Uma vez que a maior parte dos estudos
acordo com o paciente. realizados no uso dos IECAs na DRC
O ensaio Benazepril, que foi realizado em retrataram a prescrição para pacientes nos
583 pacientes, com creatinina sérica média de estágios iniciais (DRC 1 e 2), as recomendações
2,1 mg/dL e proteinúria média de 1,8 g/dia, foi costumam priorizar os pacientes nessas fases da
capaz de observar redução na proteinúria e doença, comprovadamente reduzindo eventos
consequentemente na progressão da DRC. No cardiovasculares, insuficiência renal e
estudo de Mann e Bakris (2014), observou-se, mortalidade por todas as causas. Ainda assim,
de acordo com o ensaio Benazepril, uma evidências sugerem que com um cálculo
redução da pressão arterial média e de 25% da individualizado do risco-benefício ao paciente
excreção renal de proteínas em relação ao o uso nos demais estágios (3-5) pode ser
placebo. Os autores verificaram benefícios nos benéfico, reduzindo os desfechos acima citados
pacientes com doenças glomerulares crônicas e (ZHANG et al., 2020).
nos pacientes com nefropatia diabética, mas Esses fármacos são recomendados na
não foi observada melhora nos pacientes com guideline Kidney Disease: Improving Global
excreção de proteína na urina menor que 1 Outcomes (KDIGO) como terapia de primeira
g/dia. linha para pacientes com DRC por causa não
Outro estudo que versa sobre os diabética, especialmente quando há presença de
medicamentos iECA usados na DRC é o Ensaio proteinúria. A mesma guideline também sugere
REIN, que se deu a partir da análise de que em pacientes com DRC diabética e
pacientes que receberam ramipril e pacientes proteinúria (ainda que não apresentem
que receberam placebo, sendo que no início do hipertensão) os IECA devem ser preferidos.
estudo a creatinina sérica média entre os
pacientes era de 2,4 mg/dL e a média da Importância do acompanhamento mé-
proteinúria era de 5,3 d/dia. Mann e Bakris dico
(2014) conseguiram relatar benefícios que Os IECAs são frequentemente prescritos
decorreram da terapia com o ramipril em para os pacientes com DRC como medicamento
relação ao grupo placebo, sendo que após 20 de primeira linha, mas essa prescrição deve ser
meses do início do tratamento foi observada aliada ao acompanhamento médico, uma vez
uma queda na taxa média de declínio na taxa de que é importante o monitoramento não só da
filtração glomerular. O grupo que recebeu função renal, mas do corpo de forma integral
ramipril teve uma TFG significativamente mais para evitar que pacientes com doença renal
alta que o grupo placebo, dessa forma, se bem crônica evoluam para doença renal terminal.
aplicada, a terapia tem impacto positivo na Prova disso é que estudos sugerem que
progressão da DRC. pacientes com doença renal crônica também
estão em maior risco de doença cardiovascular
CONCLUSÃO e que, na doença, o rim e o coração podem se
Os IECA, assim como os BRA, são os afetar mutuamente (BANERJEE et al., 2021).
agentes anti-hipertensivos com o melhor efeito Desse modo, o manejo e acompanhamento
de proteção estudado, de maneira significativa, da pressão arterial e de comorbidades no
tanto do aparato cardiovascular quanto renal paciente com doença renal crônica é
para os pacientes com DRC (XIE et al., 2016). possivelmente capaz de reduzir a morbidade e
219
mortalidade da doença cardiovascular nessa ensaios clínicos, como a redução da progressão
população. Porém, apesar de ainda ser difícil a da DRC, dos riscos de doença cardiovascular
desassociação do controle da pressão arterial aterosclerótica, dos riscos de IC, além de ter
em pacientes que fazem a utilização de IECA, efeito redutor da glicemia (com baixo risco de
são necessários estudos que comprovem hipoglicemia) e contribuir para a redução do
efetivamente a superioridade dos IECAs em peso dos pacientes.
comparação com outras classes medica- A utilização de GLP-1 é recomendada para
mentosas (MESSERLI et al., 2018). pacientes com DM2 e DRC que, mesmo com o
Além disso, o uso de IECAs em pacientes uso de metformina e/ou SGLT2i, não conse-
com doença renal crônica pode apresentar guem atingir a sua meta glicêmica ou estão
efeitos colaterais e intolerância, sendo necessá- impossibilitados de utilizar esses medicamen-
rio o monitoramento e manejo constante do tos. Esse tratamento apresenta efeitos se-
paciente. Estudos sugerem que o principal melhantes aos do anterior, entretanto, apresenta
efeito adverso do uso dos inibidores da enzima menor benefício com relação ao retardo da
conversora de angiotensina, independente- progressão da DRC e a redução de casos de IC.
mente da dose, são tosse e angioedema, sendo o A finerenona é indicada para o tratamento
último o efeito mais significativo do uso da da DRC (estágios 3 e 4 com albuminúria,
droga. Para além desses, há efeitos que se fazem exceto em casos crônicos) associada a DM2 em
aparentes em menor grau, como, por exemplo, adultos. Pacientes tratados com esse medica-
a hipotensão e a hipercalemia, ou ainda mais mento apresentaram menores riscos de
raramente, a icterícia colestática ou hepatite, complicações cardíacas, insuficiência renal,
justificando, portanto, a necessidade do monito- menores TFGe e mortes por motivos renais.
ramento rotineiro do paciente em uso (IZZO JR Entretanto, é importante sempre monitorar os
& WEIR, 2011). níveis de cálcio e a PA, pois seu uso contínuo
pode causar hipercalemia e hiponatremia. Esses
Perspectivas futuras tratamentos apresentaram resultados tão
Apesar de o uso de iECA ser um dos promissores que a utilização deles foi defendida
tratamentos padrões para DM1, DM2 e DRC há em um novo consenso de tratamento da DRC
anos, estudos recentes descobriram novos que foi estabelecido pela American Diabetes
medicamentos que têm apresentado melhores Association (ADA) e pela Kidney Disease:
resultados e menos efeitos adversos, com Improving Global Outcomes (KDIGO), em 4
destaque para os inibidores do cotransportador de outubro de 2022. Esse consenso entre
sódio-glicose-2 (SGLT2i), agonistas do peptí- diabetologistas e nefrologistas trata de agir não
deo semelhante ao glucagon (GLP-1) e antago- apenas da forma medicamentosa nos casos de
nistas dos receptores mineralocorticoides DM2 e DRC, mas também da importância da
(MRAs), especialmente a finerenona. manutenção do monitoramento e acompanha-
Dentre os três tratamentos, a utilização de mento do paciente associado a mudanças para
SGLT2i apresentou melhores desfechos em um estilo de vida mais saudável.

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222
CAPÍTULO 26

COMUNICAÇÃO INTERATRIAL

JUCELINO LIBARINO DOS SANTOS JUNIOR1


RAFAELA MACHADO DE SOUZA¹
MARIANA MOREIRA DE OLIVEIRA¹
ANA CAROLINE RODRIGUES SILVA¹
ISABELA MACHADO DE SOUZA¹
MARIA CAROLINE TURATE FELGUEIRA¹
ANA CAROLINA DUTRA DE SOUSA¹
RAYANE ALVES CRUZ¹
CAMILA BENTO SOARES MIRANDA¹
RAINY DA SILVA ROGÉRIO¹
ISABELA CRISTINA CARDOSO DAMASIO¹
LUCAS DE DEUS BORGES¹
JOÃO IVO DE FREITAS LINS RIBEIRO FIRMO¹

1. Discente - Medicina do Centro Universitário Alfredo Nasser.

Palavras-chave:
Comunicação interatrial; Tratamento; Avaliação funcional.

223
10.59290/978-65-6029-060-0.26
INTRODUÇÃO foram apresentados de forma descritiva,
A comunicação interatrial (CIA) é uma divididos em categorias temáticas.
cardiopatia congênita acianogênica, caracte-
rizada por um defeito no septo que separa os RESULTADOS E DISCUSSÃO
átrios, permitindo a ocorrência de um shunt da Tipos de CIA
esquerda para direita, resultando em sobrecarga As comunicações do tipo ostium secundum
de volume nas cavidades direitas e aumento do são verdadeiros defeitos do septo atrial, as
fluxo pulmonar. Este defeito representa aproxi- demais formas derivam de defeitos em outras
madamente 33% de todas as malformações estruturas, ocasionando a comunicação entre as
cardiovasculares congênitas, afetando mais de cavidades atriais. O tipo ostium secundum é a
três em cada mil nascidos vivos, com uma mais prevalente correspondendo a cerca de 70 a
prevalência no sexo feminino (2:1), porém de 80% dos casos. Ocorre pela excessiva
forma isolada, estima-se uma incidência em reabsorção do septum primum ou crescimento
torno de 10%. É a cardiopatia congênita deficiente do septum secundum. As do tipo
encontrada com maior prevalência em adultos, ostium primum estão localizadas na porção
classificada em quatro tipos (ostium primum, inferior do septo interatrial, na formação do
ostium secundum, seio venoso e defeito do seio coxim endocárdico e correspondendo a cerca de
coronariano) (SANTANA et al., 2016). 20% dos casos. Defeitos de tipo de seio venoso
O objetivo deste estudo é descrever as localizam-se próxima a veia cava superior
características da CIA e seu tratamento. (VCS) e habitualmente têm associação à
drenagem anômala da veia pulmonar superior
MÉTODO direita. As do tipo de seio coronário são mais
Trata-se de uma revisão narrativa descritiva, raras e ocorrem por alterações anatômicas entre
por meio de pesquisas nas bases de dados o seio coronário e o átrio esquerdo (ATIK,
PubMed, Medline e SciELO. Foram utilizados 2014).
os descritores: comunicação atrial, tratamento e
avaliação funcional. Desta busca, foram Manifestações clínicas
encontrados 100 artigos, posteriormente A apresentação clínica da CIA tem, em
submetidos aos critérios de seleção. geral, aspecto insidioso, decorrente do shunt
Os critérios de inclusão foram: artigos de esquerda-direita desde o nascimento. A maioria
todos os idiomas, publicados a partir de 2016 e das crianças são assintomáticas. A malfor-
que abordavam as temáticas propostas para esta mação pode ser detectada ao exame físico pela
pesquisa. Os critérios de exclusão foram: presença do desdobramento fixo da segunda
artigos duplicados, disponibilizados na forma bulha cardíaca. Portanto, os sintomas geral-
de resumo, que não abordavam diretamente a mente se iniciam na adolescência ou no adulto
proposta estudada e que não atendiam aos jovem. Apresentação tardia se deve ao insidioso
demais critérios de inclusão. desenvolvimento do remodelamento ventricu-
Após os critérios de seleção, restaram 14 lar direito, com aumento das câmaras cardíacas
artigos que foram submetidos à leitura direitas e na quinta década de vida. Cerca de 75
minuciosa para a coleta de dados. Os resultados a 80% dos pacientes são sintomáticos (LOPES
& MESQUITA, 2014).

224
Os pacientes podem procurar por cuidados estão indicadas quando não é possível
médicos devido à dispneia acentuada aos visualizar a drenagem das veias pulmonares no
esforços, sintoma relacionado à disfunção ecocardiograma (SANTANA et al., 2016;
miocárdica direita ou global, arritmias ou LOPES & MESQUITA, 2014).
eventos tromboembólicos. Em pacientes com As principais alterações fisiopatológicas
CIA, a vasculopatia pulmonar era considerada mais comuns desta cardiopatia são: remode-
uma rara complicação. Apesar disso, com lamento cardíaco, insuficiência cardíaca, arrit-
conhecimento e interesse recente no tratamento mias atriais, eventos tromboembólicos e
da hipertensão arterial pulmonar (HAP), os hipertensão pulmonar. A HP é uma evolução
números estão mudando. De 1.877 adultos com relevante e está associada a muitos outros tipos
cardiopatias congênitas acompanhados por de cardiopatias congênitas, sendo considerada
cinco anos na União Europeia, 896 tinham o uma apresentação secundária. É um achado
diagnóstico de CIA, com prevalências de HAP clínico encontrado com frequência em pato-
de 12 e 34% para defeitos corrigidos e não logias que afetam o lado esquerdo do coração,
corrigidos, respectivamente (LOPES & drenagem venosa pulmonar, circulação arterial
MESQUITA, 2014). pulmonar e doenças que afetam o interstício e
Apesar da ausculta cardíaca mostrar parênquima pulmonar. É considerada mau
indícios da presença da comunicação, exames prognóstico em intervenções terapêuticas
complementares podem confirmar com exati- quando associada a cardiopatias e neuropatias.
dão a presença da cardiopatia. Temos, então, a Pode ser constatada quando a pressão média de
radiografia de tórax que demonstra aumento da artéria pulmonar (PMAP) for > 25 mmHg em
área cardíaca (cardiomegalias e aumento de repouso, ou > 30 mmHg no exercício. Os
trama vascular pulmonar). O eletrocardiograma sintomas mais evidentes quando instalada a HP
(ECG) revela alterações nas ondas de pulsos do são dispneia aos esforços, dor precordial,
coração, devido a modificações na estrutura e tontura e/ou síncope e sinais de insuficiência
tamanho das cavidades cardíacas. O cardíaca direita. Sua classificação vai de acordo
ecocardiograma é o exame considerado padrão- com a doença primária (RANCIARO et al.,
ouro para diagnosticar a alteração cardíaca, 2012; HOETTE et al., 2010):
sendo responsável pela medida de volumes, 1. Hipertensão arterial pulmonar;
capacidade e fluxo cardíaco, podendo ser feito 2. Hipertensão pulmonar causada por do-
transtorácico (ETT), esofágico (ETE) e intra- ença do coração esquerdo;
cardíaco (EIC). Além disso, no ecocardiograma 3. Hipertensão pulmonar causada por do-
é possível evidenciar shunt atrial (esquerda/ ença pulmonar e/ou hipoxemia;
direita ou direita/esquerda), medição das 4. Tromboembolismo pulmonar crônico
cavidades, principalmente de câmaras direita, hipertensivo;
atentando-se a dilatação e presença de alte- 5. Hipertensão pulmonar com mecanismos
rações no septo intraventricular (SIV). Na multifatoriais não esclarecidos.
realização deste exame, procura-se alterações Devido às diferenças no gradiente de
no septo interatrial, (podendo ser único ou pressão da circulação sistêmica e pulmonar,
múltiplo), visualizando ou não associação de associada a uma maior complacência das
outras anomalias. A tomografia computadori- câmaras direitas quando comparada com a
zada (TC) e a ressonância magnética (RM) esquerda, temos um shunt “natural” esquerda-
225
direita. Alterações pressóricas na circulação pulmonar < 70 mmHg (via cateterismo),
pulmonar podem levar a shunt reverso direita- PAS/PAD pulmonar > 2:1, resistência vascular
esquerda. A sobrecarga do ventrículo direito, pulmonar < 6 wood.m² (ideal 4 wood.m²),
causando sua hipertrofia e diminuição da ausência de valvopatia mitral e disfunção
cavidade, pode resultar em uma insuficiência diastólica ventricular esquerda, ausência de do-
valvar, regurgitação para cavidade atrial e shunt ença restritiva ventricular esquerda e ausência
para cavidade contralateral. Aspectos morfoló- de deterioração miocárdica avançada, arritmias
gicos nas estruturas do lado direito do coração graves ou comorbidades que agreguem fatores
são usados para tentar explicar essa alteração de de risco adicional (LOPES & MESQUITA,
shunt, quando não há alterações no gradiente 2014).
pressórico, no entanto, até o momento, pouco
foi comprovado. Há alguns fatores que podem Métodos de avaliação funcional
facilitar essa alteração do shunt e facilitar a Quanto melhor for a capacidade funcional e
passagem do fluxo para o lado esquerdo, como: o índice de atividade de um indivíduo, melhor
inspirações profundas, valsava, embolia pulmo- será seu prognóstico no pós-operatório. O
nar, hipoxemia, doença pulmonar obstrutiva preconizado para avaliar a capacidade funcio-
crônica (DPOC), infarto do ventrículo direito e nal é o teste de esforço (TE), um exame bem
pressão positiva associada com PEEP (LIS- específico, de alto custo e obrigatoriamente
BOA et al., 2007). com profissionais específicos e treinados. Em
contrapartida, temos os testes de campo, que, de
Tratamento forma indireta, nos apresentam valores signifi-
A presença da CIA até certa idade pode ser cativos para avaliar a capacidade funcional,
assintomática, frequentemente até a quinta sendo realizados de forma simples, sem
década de vida, mas, a partir do momento que equipamentos de alto custo e por qualquer
apresentar sinais clínicos, pode ter indicação de profissional da saúde treinado. Em relação ao
intervenções terapêuticas. A correção desta custo-benefício, são adotados os testes de
cardiopatia é feita cirurgicamente ou via campo ao invés do TE, sendo os mais
hemodinâmica. No entanto, nem todos os conhecidos: o teste da caminhada de seis
pacientes que apresentam sintomas são ele- minutos (TC6M), o teste do degrau de seis
gíveis para correção cirúrgica. O fechamento minutos (TD6M) e o sentar e levantar. Por mais
desta comunicação pode aliviar os sintomas em que seja comprovada a eficácia destes testes de
alguns casos, porém, não reverterá o remo- campo, não desconsideramos a importância da
delamento cardíaco, sendo necessária uma realização do TE para avaliação da capacidade
avaliação clínica criteriosa para indicar o funcional (ROCHA et al., 2006).
melhor plano terapêutico de tratamento. Os O TC6M pode ser realizado em diversas
pacientes elegíveis para correção cirúrgicas populações e relacioná-lo com objetivos
devem apresentar além dos sintomas, um diferentes. Dentre eles, é possível analisar
defeito > 10 mm (em adultos), anatomia favo- variáveis hemodinâmicas, clínicas e obter um
rável a menor frequência de HP (defeito tipo indicador da capacidade funcional do indivíduo
ostium secundum), SpO2 > 95% em repouso, a partir da distância percorrida. É considerado
shunt esquerda-direita (ecocardiograma), fluxo seguro, válido, confiável e requer um mínimo
sanguíneo pulmonar /sistêmico elevado; PAS de equipamentos para sua realização. Contudo,
226
é necessário que seja realizado de forma absolutas para sua execução são angina instável
padronizada, assegurando a fidedignidade do ou infarto agudo do miocárdio que tenha
processo, podendo ser indicado em diversos ocorrido menos de trinta dias (CRAPO et al.,
momentos, principalmente durante avaliação de 2002).
pacientes cardiopatas, neuropatas crônicos e
indicações cirúrgicas (BRITTO & SOUSA, CONCLUSÃO
2006). Conclui-se que indivíduos portadores de
A execução do TC6M exige lugar seguro e CIA demonstraram graus de sintomatologia
equipado com carrinho de emergência, oxi- variável que estão relacionados a idade,
gênio e um profissional apto para atuar numa tamanho do raio da comunicação e grau de
eventual intercorrência. As contraindicações remodelamento cardíaco.

227
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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RANCIARO, B.H. et al. Eisenmenger syndrome and pregnancy. Revista da Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba,
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SANTANA, C. et al. Case 1/2016: 56-year-old male with atrial septal defect, pulmonary arterial hypertension,
hospitalized due to Eisenmenger syndrome. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 106, 2016. doi:
10.5935/abc.20160035.

228
CAPÍTULO 27

HIPERTENSÃO ARTERIAL
PULMONAR NO ADULTO
LARISSA AZEVEDO DIAS¹

1. Discente - Medicina da Universidade do Grande Rio (Unigranrio).

Palavras-chave:
Hipertensão arterial pulmonar; Hipertensão pulmonar; Adulto.

229
10.59290/978-65-6029-060-0.27
INTRODUÇÃO MÉTODO
A hipertensão arterial pulmonar (HAP) é Trata-se de uma revisão literária realizada
uma doença rara da circulação pulmonar que no período de novembro de 2023 a junho de
representa o grupo 1 da classificação da 2023, por meio de pesquisas nas bases de dados
hipertensão pulmonar. Atualmente acomete PubMed, Dynamed, UpToDate e SciELO.
entre 48 e 55 indivíduos por milhão, sendo Foram utilizados os descritores: Hipertensão
considerada uma doença rara (GIBBS et al., Arterial Pulmonar; Hipertensão Pulmonar.
2019). É uma doença multifatorial, de diversas Desta busca foram encontrados 19 artigos,
etiologias, que consiste em aumento pressórico posteriormente submetidos aos critérios de
gradativo e sustentado no leito vascular seleção.
pulmonar, predominantemente nas arteríolas Os critérios de inclusão foram: artigos nos
pulmonares. Em conceitos técnicos, é definida idiomas português e inglês, publicados no
pela presença de hipertensão pulmonar (PAPm período de 2004 a 2023, que abordavam as
maior ou igual a 20 mmHg) associada a temáticas propostas para esta pesquisa, do tipo
resistência vascular pulmonar (RVP) maior ou revisão e disponibilizados na íntegra. Os
igual a 2 unidades de Wood – já excluídas critérios de exclusão foram: artigos duplicados,
outras causas de HP (BAUMGARTNER et al., disponibilizados na forma de resumo, que não
2021). abordavam diretamente a proposta estudada e
Com a progressão da doença, pode haver que não atendiam aos demais critérios de
complicações que implicam na mortalidade do inclusão.
paciente, como cor pulmonale, taquiarritmias, Após aplicação dos critérios de seleção,
hemoptise e até mesmo dissecção da artéria restaram nove artigos que foram submetidos à
pulmonar. O cor pulmonale é uma alteração leitura minuciosa para a coleta de dados. Os
importante da função e/ou da estrutura do ven- resultados foram apresentados de forma
trículo direito, como hipertrofia ou dilatação, descritiva, divididos em categorias temáticas.
que pode ser decorrente da HP ou de doenças
parenquimatosas pulmonares (FARESIN et al., RESULTADOS E DISCUSSÃO
2014). Ao nascimento, em condições fisiológicas,
Era classicamente considerada uma doença o leito vascular pulmonar adquire caracte-
mais comum entre jovens do sexo feminino. No rísticas de baixa pressão, baixa resistência e alta
entanto, atualmente, é mais comumente diag- capacitância. Além disso, a circulação
nosticada em pessoas acima dos 65 anos de pulmonar é capaz de recrutar, se necessário,
idade, acometendo os sexos de maneira arteríolas e capilares que se encontram em
uniforme. A taxa de sobrevida atual é de, em estado de repouso. Dessa forma, ela possui um
média, 7 anos a partir do momento do grande potencial de expansão, podendo aco-
diagnóstico (GIBBS et al., 2019). modar um possível aumento do fluxo sanguíneo
O objetivo deste estudo foi revisar a sem que haja alteração significativa da pressão
literatura, a fim de relatar a forma e o momento na artéria pulmonar – como ocorre fisiolo-
corretos para realização do diagnóstico de gicamente durante o exercício físico
hipertensão arterial pulmonar, destacando a (FARESIN et al., 2014).
importância de abordar esta patologia de forma
precoce.
230
Alguns fatores, no entanto, podem agir (alteração da estrutura ou função do ventrículo
direta ou indiretamente sobre a vasculatura direito decorrente da hipertensão pulmonar),
pulmonar, desencadeando um aumento gradual taquiarritmias, hemoptise e até dissecção da
e sustentado da pressão, chamado hipertensão artéria pulmonar.
pulmonar (HP) (FARESIN et al., 2014).
Antigamente, considerava-se como HP Fisiopatologia
qualquer valor de pressão arterial pulmonar Acredita-se que o principal mecanismo
média (PAPm) maior ou igual a 25 mmHg fisiopatológico que promove o desenvolvi-
(LIBBY et al., 2021). No entanto, as recentes mento da HAP é a disfunção endotelial, que
diretrizes reduziram o limiar de hipertensão, atua reduzindo a produção e disponibilidade de
considerando-a como qualquer valor de PAPm substâncias vasodilatadoras, como o óxido
maior ou igual a 20 mmHg (BAUMGARTNER nítrico (NO) e as prostaciclinas, e aumentando
et al., 2021). Este valor é aferido no paciente as substâncias vasoconstritoras e proliferativas,
em repouso através de um procedimento como a endotelina-1 (LIBBY et al., 2021). Em
chamado cateterismo cardíaco direito (CCD) função disso, essas três substâncias são
(LIBBY et al., 2021). utilizadas como alvo para fins terapêuticos.
Dentro desse termo, incluem-se diversos A vasoconstrição e a proliferação celular
subtipos específicos de HP que são classi- excessiva, além disso, desencadeiam um
ficados em cinco grupos distintos de acordo processo de remodelação nos vasos pulmo-
com os mecanismos fisiopatológicos predomi- nares, tornando-os mais espessos e estreitos.
nantes, sendo eles: Esses processos em conjunto promovem o
• Grupo 1: Hipertensão arterial pulmonar; aumento do tônus vascular pulmonar e, conse-
• Grupo 2: Hipertensão pulmonar por quentemente, da RVP, o que pode sobrecarre-
doença cardíaca esquerda; gar o ventrículo direito a médio ou longo prazo
• Grupo 3: Hipertensão pulmonar por e iniciar o desenvolvimento de insuficiência
doença pulmonar e/ou hipóxia; cardíaca (BISCEGLI et al., 2022).
• Grupo 4: Hipertensão pulmonar por
obstrução de artéria pulmonar; Etiologia
• Grupo 5: Hipertensão pulmonar por Acredita-se que a HAP seja uma condição
mecanismos multifatoriais e/ou desconhecidos. multifatorial resultante da interação de fatores
É importante ressaltar, a partir disso, a genéticos e ambientais. Foram identificadas ao
diferença entre os termos “hipertensão longo dos anos várias mutações genéticas
pulmonar” e “hipertensão arterial pulmonar”. associadas à HAP hereditária e idiopática.
De acordo com a classificação atualmente Essas mutações afetam genes envolvidos no
utilizada, a HAP é considerada um subtipo de metabolismo da via do óxido nítrico, na
HP. É uma doença da circulação pulmonar, de regulação da proliferação celular, na
caráter multifatorial, que consiste no aumento remodelação vascular e na função endotelial
pressórico gradativo e sustentado da pressão na (LIBBY et al., 2021).
vasculatura pulmonar, predominantemente no O principal gene mutado a ser identificado
leito arteriolar. Esta condição impacta direta- foi o BMPR2 (bone morphogenetic protein
mente na mortalidade do paciente, podendo receptor type 2), que é capaz de codificar um
acarretar complicações como cor pulmonale receptor chamado de BMPRII envolvido na
231
regulação do crescimento e na diferenciação e avançados e graves da doença. Esses sintomas
apoptose das células endoteliais e musculares podem limitar a capacidade funcional dos
que compõem a artéria pulmonar. Essa mutação doentes progressivamente, levando ao primeiro
é encontrada em 75% dos casos de HAP contato com atendimento médico (FARESIN et
hereditária. Além desse gene, outros podem ser al., 2014). Outros sintomas podem ser causados
encontrados mutados na HAP, como BMPR1B, pela eventual insuficiência ventricular direita
CAV1 e SMAD9, porém, são mais raros de predisposta em pacientes portadores de HAP,
serem identificados. como edema de membros inferiores e distensão
Dentre os fatores ambientais associados ao abdominal (LIBBY et al., 2021).
desenvolvimento da HAP, destaca-se a indução Os sinais e sintomas apresentados pela HAP
por substâncias altamente tóxicas, como são, de forma geral, inespecíficos, não gerando
medicamentos (principalmente os anorexí- um diagnóstico claro a um primeiro contato. De
genos, como o aminorex e as anfetaminas), acordo com os dados coletados pelo National
drogas ilícitas (como a cocaína) e até o Institute of Health (NIH), o tempo médio entre
sofosbuvir (agente antiviral indicado na o início dos sintomas e o diagnóstico da HAP é
terapêutica da hepatite C) (GIBBS et al., 2019). de 2 anos. Esse atraso no diagnóstico é comum,
Além das drogas, há doenças subjacentes em especial, entre os adultos jovens (LIBBY et
capazes de desencadear HAP, como colage- al., 2021). Por isso, vale a investigação indivi-
noses, infecção por HIV, cardiopatias congê- dual de cada paciente, sempre considerando-a
nitas (incluindo a comunicação interatrial), como hipótese diagnóstica diante de fatores de
doença hepática crônica e tromboembolismo risco, como presença de colagenoses, história
pulmonar crônico (BISCEGLI et al., 2022). familiar positiva, cardiopatia congênita, uso de
anorexígenos para emagrecimento, entre
Manifestações clínicas outros.
A sintomatologia da HAP é variável,
podendo iniciar de forma leve e progredir até Diagnóstico
sintomas mais graves. Reconhecer as ma- O diagnóstico da HAP pode ser retardado
nifestações dessa doença em estágio inicial é devido a sua clínica subjetiva e inespecífica,
fundamental para diagnóstico e abordagem sendo muitas vezes identificado em fases mais
terapêutica adequados. avançadas da doença que impedem interven-
As manifestações se dão principalmente por ções terapêuticas adequadas. Por isso, é
dois mecanismos: aumento da resistência na fundamental vincular a avaliação clínica aos
vasculatura pulmonar e a consequente dimi- exames laboratoriais de investigação, para que
nuição do débito cardíaco (FARESIN et al., a suspeita seja acionada de forma precoce.
2014). Devido a esses fatores, podem surgir A coleta da anamnese deve ser feita de
sintomas como dispneia, fadiga crônica, maneira minuciosa, atentando tanto a sin-
síncope e dor torácica. A dispneia e a dor tomatologia que traduz a HAP quanto aquela
torácica podem surgir, em estágios iniciais, que sugere a etiologia da doença; por exemplo:
apenas durante esforço físico mais intenso e sintomas articulares em um paciente com
evoluir com o surgimento em repouso nas suspeita de HAP pode sugerir uma doença do
doenças em estágio mais avançado. A síncope e tecido conjuntivo. Os fatores de risco também
a palpitação surgem em estágios mais
232
devem alertar para a suspeita de HAP, como o cada para hipertensão pulmonar, descrita no
uso de drogas anorexígenas e presença de Quadro 27.1. Apesar de ser subjetiva, essa
comorbidades. classificação é um importante marcador do
É fortemente recomendado que as prognóstico do paciente portador de HAP
manifestações clínicas sejam avaliadas de (BISCEGLI et al., 2022).
acordo com a classificação funcional da New
York Heart Association (CF-NYHA) modifi-

Quadro 27.1 Classificação funcional da NYHA


Pacientes com HP sem limitação Esforço físico habitual não causa dispneia
Classe I
de suas atividades físicas ou fadiga, dor torácica ou pré-síncope.
Pacientes com HP com leve Esforço físico habitual causa dispneia ou
Classe II limitação de suas atividades fadiga, dor torácica ou pré-síncope.
físicas Confortáveis ao repouso.

Pacientes com HP com Esforço físico menor do que o habitual


Classe III pronunciada limitação de suas causa dispneia ou fadiga, dor torácica ou
atividades físicas pré-síncope. Confortáveis ao repouso.

Manifestam sinais de insuficiência cardíaca


Pacientes com HP com sintomas direita. Dispneia ou fadiga podem estar
Classe IV para a realização de qualquer presentes mesmo em repouso. Desconforto
atividade física. está aumentado para qualquer atividade
física.
Fonte: Adaptado de FARESIN et al., 2014.

Há, além disso, sinais de alerta para a pulmonar que resulta em um fechamento mais
gravidade da doença, como progressão rápida vigoroso da válvula pulmonar;
dos sintomas, capacidade de exercício • Sopro holossistólico que aumenta com a
severamente reduzida, pré-síncope ou síncope inspiração, sendo sugestivo de insuficiência
em esforço leve e sinais de insuficiência tricúspide;
cardíaca direita. Diante desses sinais, é indicada • Sopro diastólico sugestivo de regur-
a urgência do quadro, sendo altamente gitação pulmonar;
recomendado encaminhar o paciente a um • B4 em ventrículo direito;
centro de tratamento especializado em HAP • Impulso paraesternal esquerdo;
(GIBBS et al., 2019). • Aumento da onda A no pulso venoso
Ademais, o diagnóstico clínico pode ser jugular;
corroborado com a presença de alguns achados • Sinais de insuficiência cardíaca direita,
no exame físico, que auxiliam na determinação como edema de membros inferiores, turgor
da gravidade da HAP e na identificação de jugular, hepatomegalia, ascite e B3 em
doenças subjacentes que possam estar ventrículo direito (LIBBY et al., 2021).
associadas a ela. Alguns achados que refletem
sua gravidade são: Exames complementares
• Hiperfonese da segunda bulha (B2) às Alguns exames podem ser solicitados para
custas da acentuação do componente pulmonar corroborar e até confirmar a hipótese de HAP.
(P2) – explicada pela alta pressão na artéria Inicialmente, realiza-se uma avaliação por meio

233
de exames não invasivos, como eletro- • Retificação do septo interventricular;
cardiograma, ecocardiograma, teste de função • Regurgitação tricúspide com velocidade
pulmonar, radiografia de tórax, entre outros. Se elevada;
a suspeita persistir, o próximo passo é • Excursão sistólica do plano anular
confirmar o diagnóstico com métodos tricúspide (TAPSE) reduzida;
invasivos. Alguns dos métodos disponíveis • Aumento do diâmetro e do fluxo pela
para o diagnóstico são: artéria pulmonar e veia cava inferior.
É um exame não invasivo e de fácil acesso,
Eletrocardiograma sendo considerado um método de primeira linha
É considerado de baixa sensibilidade e para investigação inicial da hipertensão
baixa especificidade para diagnóstico de HAP, pulmonar (FARESIN et al., 2014). Pode ser
sendo normal em até 13% dos casos utilizado como um teste de triagem para
(BISCEGLI et al., 2022). Pode ser utilizado, no identificar pacientes com HAP de alto risco
entanto, para avaliação prognóstica e através da medição ecocardiográfica com
identificação ou exclusão de condições doppler da velocidade de regurgitação
cardíacas subjacentes. Os achados mais comuns tricúspide (VRT) e, também, para elucidação
sugerem sobrecarga das câmaras direita, como etiológica, identificando condições cardíacas
o desvio do eixo cardíaco para a direita e subjacentes como insuficiência cardíaca
bloqueio completo ou incompleto de ramo esquerda e cardiopatia congênita (GIBBS et al.,
direito. Entretanto, não exclui a hipótese de 2019).
HAP na ausência de achados (GIBBS et al., A ecocardiografia isolada, entretanto, não é
2019). suficiente para confirmar o diagnóstico de
HAP, devendo ser realizado posteriormente o
Ecocardiograma transtorácico cateterismo cardíaco direito. Sua principal
Apesar de não ser capaz de confirmar de indicação clínica, por outro lado, é determinar
fato o diagnóstico, a ecocardiografia é o exame o prognóstico do paciente. Os achados
mais importante na avaliação de HAP, pois ecocardiográficos mais importantes na
traduz informações sobre morfologia do avaliação prognóstica são o derrame
coração, função ventricular, parâmetros hemo- pericárdico e a gravidade da disfunção
dinâmicos estimados e anormalidades valvares, ventricular direita (LIBBY et al., 2021).
incluindo uma estimativa da pressão sistólica da Ademais, a European Society of Cardiology
artéria pulmonar (PSAP) através do doppler (ESC) e a European Respiratory Society (ERS)
(BISCEGLI et al., 2022). Dessa forma, alguns estabeleceram um quadro usado para
sinais indiretos de hipertensão pulmonar podem determinar a probabilidade de hipertensão
ser identificados nesse exame, como: pulmonar (HP) baseada nos achados
• Aumento da dimensão do átrio direito; ecocardiográficos (Quadro 27.2) (GIBBS et
• Disfunção do ventrículo direito; al., 2019).
• Diminuição da dimensão das câmaras
cardíacas esquerdas com enchimento reduzido;

234
Quadro 27.2 Probabilidade de hipertensão pulmonar
Probabilidade de Velocidade de regurgitação Achados
HP tricúspide (VRT) adicionais*

> 3,4 met/s Presente ou ausente


Alta
2,9-3,4 m/s Presente

2,9-3,4 m/s Ausente


Intermediária
≤ 2,8 m/s Presente

Baixa ≤ 2,8 m/s Ausente


Nota: *Achados adicionais são considerados presentes se 2 ou mais critérios das categorias A, B C forem encontrados,
sendo eles: A (sinais do ventrículo) = razão do diâmetro do ventrículo direito/ventrículo esquerdo > 1, achatamento do
septo interventricular, ventrículo esquerdo em forma de D e relação entre a excursão sistólica do plano anular tricúspide
(TAPSE) e a PSAP < 0,5; B (sinais da artéria pulmonar) = tempo de aceleração do fluxo de saída do ventrículo direito <
105 milissegundos, incisura mesossistólica, velocidade diastólica precoce da regurgitação pulmonar > 2,2 milissegundos
e diâmetro da artéria pulmonar > 25 milímetros e maior que o diâmetro da raiz aórtica; C (veia cava inferior e sinais atriais
direitos) = diâmetro da veia cava inferior > 2. Fonte: Adaptado de HUMBERT et al., 2022.

Vale ressaltar, além disso, que a completo (LIBBY et al., 2021). Esse estudo é
aplicabilidade dos achados ecocardiográficos capaz de confirmar a presença de HP, definir se
para diagnóstico de hipertensão pulmonar em há caráter pré ou pós-capilar, excluir outras
adultos portadores de cardiopatia congênita é causas que não puderam ser identificadas no
limitada devido às alterações da estrutura ecocardiograma (como a presença de
cardíaca. Nessas condições, é necessário cardiopatia congênita) e avaliar a resposta
interpretar o ecocardiograma com cautela aguda aos vasodilatadores (FARESIN et al.,
(GIBBS et al., 2019). 2014).
A resposta aguda aos vasodilatadores é
Cateterismo cardíaco direito (CCD) mensurada por meio do teste de
O CCD é considerado o método padrão- vasorreatividade realizado durante o CCD, que
ouro para confirmação do diagnóstico de HAP, consiste na administração de óxido nítrico
pois é a única ferramenta que traduz a pressão inalatório durante 10 minutos, sendo positivo se
no leito vascular pulmonar de forma fidedigna houver uma queda maior que 10 mmHg na
(FARESIN et al., 2014). Deve ser realizado em PAPm do paciente, podendo atingir valores
todos os pacientes que permanecem com menores que 40 mmHg sem haver diminuição
suspeita de HAP após a avaliação pelos do débito cardíaco. Outros medicamentos que
métodos não invasivos – tanto para confirmar o podem ser usados neste teste incluem o
diagnóstico quanto para orientar a conduta epoprostenol, adenosina e iloprost. Quando
terapêutica individual – e em instituição positivo, há indicação de terapia específica com
especializada em hipertensão pulmonar, pois altas doses de bloqueadores de canal de cálcio
demanda técnica e suporte em caso de possíveis (BISCEGLI et al., 2022).
complicações graves (BISCEGLI et al., 2022). Em resumo, todos os pacientes com suspeita
Apesar de ser um exame invasivo, é de HAP devem ser submetidos a CCD antes do
fundamental na avaliação de qualquer paciente início da terapia. O diagnóstico final é
com suspeita de HAP pois, por meio dele, é confirmado pela presença de pressão arterial
possível realizar um estudo hemodinâmico pulmonar média (PAPm) ≥ 20 mmHg e

235
hipertensão pulmonar pré-capilar, caracterizada A radiografia de tórax pode ser normal, não
por pressão capilar pulmonar (PCP) ≤ 15 excluindo a hipótese de hipertensão pulmonar.
mmHg e RVP ≥ 2 unidades de Wood, sendo No entanto, auxilia a excluir algumas causas
estes achados sem outra causa evidente (GIBBS pulmonares moderadas a grave, como doença
et al., 2019). pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) (GIBBS
et al., 2019). Alguns achados podem estar
Exames laboratoriais presentes, como o alargamento do tronco, do
Durante a investigação da HAP e de hilo e dos ramos da artéria pulmonar, aumento
possíveis condições associadas, devem ser das câmaras cardíacas direitas – evidenciado
solicitados estudos bioquímicos, hematológicos pelo abaulamento do mediastino à direita – e
e imunológicos, incluindo sorologias de HIV, perda da vascularização periférica (BISCEGLI
hepatite B e C, função tireoidiana e autoanti- et al., 2022).
corpos. A avaliação do peptídeo natriurético A cintilografia de ventilação-perfusão
tipo B (BNP) também é importante para avaliar pulmonar é utilizada na suspeita de hipertensão
a presença de insuficiência cardíaca subjacente, pulmonar por tromboembolismo crônico
além de ser considerado um importante (HPTEC), sendo o estudo mais sensível nestes
marcador de prognóstico e gravidade. casos. O resultado normal exclui essa hipótese
A gasometria também pode ser realizada (LIBBY et al., 2021).
para auxiliar na diferenciação entre os tipos de O teste da caminhada de 6 minutos (TC6M),
hipertensão pulmonar. Comumente, os pacien- por sua vez, é utilizado para avaliar a limitação
tes com HAP apresentam redução discreta da do paciente ao esforço físico. É um método
pressão parcial de oxigênio arterial (PaO2) importante na definição do prognóstico e na
durante o repouso, porém, algumas condições avaliação da resposta terapêutica do paciente.
associadas podem reduzir drasticamente esse De maneira semelhante, o teste de exercício
parâmetro, como as cardiopatias congênitas cardiopulmonar (TECP) possui a mesma
com defeito septal (GIBBS et al., 2019). finalidade do TC6M, porém tem sido mais
relevante nesse contexto (FARESIN et al.,
Outros exames 2014).
Apesar de não serem fundamentais na A ressonância magnética cardíaca não é
investigação diagnóstica da HAP, outros fundamental no diagnóstico de HAP, mas pode
exames podem ser solicitados para ser utilizada para complementar o estudo da
complementar o estudo etiológico e o doença. É o método padrão-ouro para avaliar a
prognóstico do paciente. Os testes de função função ventricular direita e a circulação
pulmonar têm como objetivo avaliar a presença pulmonar, pois realiza uma análise estática e
de doenças pulmonares obstrutivas ou restri- dinâmica desses componentes. A desvantagem
tivas, por meio de exames como espirometria, desse exame é seu alto custo e baixa
medidas dos volumes pulmonares estáticos, disponibilidade nos sistemas de saúde (LIBBY
capacidade de difusão pulmonar e gases et al., 2021).
arteriais (FARESIN et al., 2014). Os pacientes Segundo as diretrizes mais recentes da
com HAP podem apresentar testes de função ESC/ERS, aconselha-se a realizar tomografia
pulmonar alterados ou normais (GIBBS et al., computadorizada de tórax em todos os pa-
2019). cientes com hipertensão pulmonar. É útil na
236
avaliação da presença de alguma doença síncope de esforço. Mulheres em idade fértil
pulmonar subjacente. Alguns sinais de HAP portadoras de HAP também devem ser
que podem ser visualizados na TC de tórax são: orientadas sobre a contracepção, visto que a
aumento do diâmetro da artéria pulmonar, gestação é contraindicada nesses casos
relação artéria pulmonar-aorta > 0,9, câmaras (BISCEGLI et al., 2022).
cardíacas direitas aumentadas, desvio septal > Apesar de não demonstrar reversão da
140 graus, entre outros (BISCEGLI et al., hipertensão, as comorbidades ou condições
2022). com fator etiológico associado a HAP devem
A angiotomografia computadorizada de ser controladas – por exemplo, deve-se in-
tórax, por sua vez, é considerada um método de terromper o uso de drogas ou toxinas, tratar
mais de 80% de sensibilidade e especificidade doenças de base, entre outros –, visando
para diagnóstico de hipertensão pulmonar, minimizar o risco de piora do quadro. É
logo, também pode ser utilizada (GIBBS et al., fundamental controlar as comorbidades do
2019). A angiografia pulmonar convencional, paciente mesmo que não associadas à etiologia
por outro lado, é indicada apenas em casos com da HAP (HUMBERT et al., 2022).
investigação inicial inconclusiva. Entretanto, Além dessas abordagens, algumas medidas
por ser um exame invasivo e de utilidade de suporte podem ser utilizadas para controle
limitada, tem sido pouco utilizado atualmente inicial da doença, como:
(FARESIN et al., 2014). • Oxigenoterapia: deve ser administrada
àqueles pacientes com pressão parcial de O2
Tratamento (PaO2) menor que 60 mmHg durante repouso,
Após confirmado o diagnóstico de HAP por exercício físico ou durante o sono. É
meio do CCD, deve-se iniciar a abordagem fundamental para evitar a vasoconstrição
terapêutica adequada ao paciente. O tratamento decorrente da hipoxemia (FARESIN et al.,
se baseia em medidas gerais e medidas 2014). Apesar de ser indicada visando a
específicas. qualidade de vida do paciente, a oxigenoterapia
não demonstrou benefício sobre a prolongação
Medidas gerais da sobrevida (HUMBERT et al., 2022).
Antes da abordagem específica, algumas • Anticoagulantes: deve ser avaliada indi-
medidas devem ser tomadas para iniciar o vidualmente, de acordo com os riscos e bene-
tratamento da HAP. As medidas gerais não fícios ao paciente. Não é mais recomendada a
farmacológicas incluem exercício físico de todos os pacientes com HAP, como foi no
baixa intensidade de forma regular, reabilitação passado. Usualmente, é indicada apenas na
pulmonar intensiva e supervisionada, cessa- presença de outras condições subjacentes que a
mento do tabagismo, estabelecimento de dieta demandam, como fibrilação atrial e trombose
hipossódica para controle volêmico e mini- venosa profunda, e em alguns casos de HAP
mização dos danos da insuficiência ventricular idiopática. O anticoagulante de escolha é a
direita e vacinação (principalmente anti- varfarina, titulada a manter alvo de INR entre
pneumocócica, anti-influenza e contra Covid- 1,5 e 2,5. Os novos anticoagulantes orais ainda
19) (HUMBERT et al., 2022). Vale ressaltar não tiveram eficácia avaliada para HAP
que é contraindicada a realização de exercícios (HUMBERT et al., 2022).
de alta intensidade, pois podem provocar
237
• Diuréticos: são indicados para os casos hipertensão pulmonar, podendo ter efeito
de HAP associada à insuficiência ventricular maléfico. É fundamental, portanto, que todo o
direita (IVD) com sobrecarga volumétrica algoritmo diagnóstico da HAP seja seguido à
(LIBBY et al., 2021). Os benefícios incluem risca e concluído de forma adequada (GALIÈ et
diminuição da congestão hepática, edema peri- al., 2019).
férico, derrame pleural e minimização do De forma geral, o tratamento inicial da HAP
abaulamento do septo ventricular à esquerda, em pacientes com teste de vasorreatividade
melhorando portanto o débito ventricular negativo é orientado pela classificação fun-
esquerdo. No entanto, devem ser utilizados com cional da NYHA modificada para hipertensão
cautela para evitar a diminuição excessiva da pulmonar (CF-NYHA), apresentada no Qua-
pré-carga, que pode comprometer o débito dro 27.1, que prediz o prognóstico do paciente.
cardíaco (FARESIN et al., 2014). Os diuréticos Basicamente, os grupos classificados como CF
de alça, como a furosemida, constituem a II ou III são considerados de baixo ou
principal escolha. Usualmente são indicados intermediário risco, enquanto o grupo classi-
por via oral, reservando a administração por via ficado como CF IV é considerado de alto risco.
venosa aos casos agudos. Deve-se atentar a Outros modelos de estratificação de risco foram
alterações de eletrólitos e de função renal propostos, porém possuem limitações que os
(BISCEGLI et al., 2022). impedem de serem usados rotineiramente
Apesar de ser usada pelo seu potencial (GALIÈ et al., 2019).
inotrópico positivo e cronotrópico negativo, No momento atual, o arsenal terapêutico
não há dados que evidenciam benefícios do uso para HAP dispõe de diversos medicamentos.
de digoxina na HAP, não sendo, portanto, Dentre os principais, estão incluídos aqueles
recomendado (HUMBERT et al., 2022). cujo mecanismo de ação possui como alvo as
três vias fisiopatológicas da doença, que são a
Medidas específicas via das prostaciclinas, do óxido nítrico e da
As medidas farmacológicas específicas para endotelina, e os bloqueadores do canal de
o tratamento de HAP evoluíram de forma cálcio, que são indicados aos pacientes
significativa nos últimos 15 anos (BISCEGLI et vasorreativos.
al., 2022). São direcionadas diretamente à
fisiopatologia da HAP, e não às causas Bloqueadores do canal de cálcio (BCC)
subjacentes (GALIÈ et al., 2019). Antes de Atuam bloqueando os canais de cálcio do
serem utilizadas, no entanto, devem preencher tipo L, que são responsáveis pela contratilidade
alguns critérios, como: do miocárdio e do músculo liso vascular. Dessa
• O diagnóstico de HAP foi devidamente forma, possuem potencial inotrópico negativo e
confirmado? vasodilatador (EISENBERG et al., 2004). São
• Foi realizado o teste de indicados para pacientes com HAP considera-
vasorreatividade? dos vasorreativos, isto é, que testaram positivo
• O prognóstico e o risco de morte do ao teste de vasorreatividade. Este teste é
paciente foram avaliados? geralmente positivo em pacientes com HAP
Essas questões norteiam o início do idiopática, hereditária e induzida por drogas ou
tratamento específico, pois este não é indicado toxinas. Nas doenças do tecido conjuntivo e nas
para todos os grupos e subgrupos de cardiopatias congênitas, em geral, é negativo,
238
não sendo indicada a terapia com BCC eventualmente, da associação de outro agente.
(EISENBERG et al., 2004). Pacientes não Por isso, devem ser administrados por 1 a 3
submetidos ao teste não possuem indicação meses e, posteriormente, reavaliados quanto à
clínica de tratamento com BCC (FERNANDES resposta terapêutica e a melhora da classe
et al., 2021). funcional do paciente (GALIÈ et al., 2019).
Segundo os estudos mais recentes, aproxi- Os agentes mais usados são o nifedipino,
madamente metade dos pacientes vasorreativos diltiazem e o besilato de anlodipino (LIBBY et
respondem à terapia com BCC. No entanto, a al., 2021). As principais informações acerca
maioria apresenta uma melhora do quadro por desses medicamentos estão dispostas no
um curto período de tempo, necessitando, Quadro 27.3 abaixo.

Quadro 27.3 Bloqueadores de canal de cálcio (BCC)


Via de
Droga Posologia Meia-vida
administração

Iniciar dose de 30 mg por dia e


Nifedipino de longa
aumentar gradativamente até 7 horas
duração
dose máxima tolerada

Iniciar dose de 120 mg por dia


Diltiazem de longa
Oral e aumentar gradativamente até 6 a 9 horas
duração
dose máxima tolerada

Iniciar dose de 2,5 mg por dia e


Anlodipino aumentar gradativamente até 30 a 50 horas
dose máxima tolerada
Fonte: Adaptado de EISENBERG et al., 2004.

Análogos das prostaciclinas (AnP) e classe são o epoprostenol, o treprostinil e o


agonistas dos receptores de prostaciclinas iloprost (GALIÈ et al., 2019).
Também chamados de prostanoides, os AnP Os agonistas dos receptores de prosta-
agem de forma análoga à prostaciclina, que é ciclinas, por outro lado, não são considerados
um metabólito do ácido aracdônico que, por prostanoides, porém, são considerados
estímulo da adenosina monofosfato (AMPc), agonistas seletivos dos receptores IP das
promove um efeito vasodilatador e antipro- prostaciclinas, promovendo por meio desse
liferativo. Foi a primeira classe a ser aprovada mecanismo uma vasodilatação do leito vascular
para o tratamento específico de HAP pulmonar. O principal agente representante
(BISCEGLI et al., 2022). Os efeitos colaterais dessa classe é o selexipague (GALIÈ et al.,
mais comuns associados a essa classe são dor 2019).
na mandíbula, diarreia, cefaleia, tosse, rubor e Os diversos agentes estão disponíveis em
artralgias. Os agentes representativos desta diferentes vias de administração, sendo
descritos no Quadro 27.4, a seguir.

Quadro 27.4 Análogos das prostaciclinas (AnP)


Droga Via de administração Posologia Meia-vida

Iniciar dose de 1 a 12 3 a 5 minutos (dose única)


Infusão intravenosa contínua
Epoprostenol ng/kg/min e titular a cada 1 a 2
via cateter venoso central
semanas até resposta 15 minutos (infusão contínua)
239
terapêutica esperada ou até
dose máxima tolerada

Infusão intravenosa contínua Iniciar dose de 0,625 a 1,25


via cateter venoso central ng/kg/min e titular a cada 1 a 2
semanas até resposta
Subcutânea terapêutica esperada ou até
dose máxima tolerada
Treprostinil 4 horas
Iniciar dose de 6 a 18 mcg (1 a
3 inalações) 4 vezes ao dia e
Inalatória titular gradativamente até 54
mcg (9 inalações) 4 vezes ao
dia

Administrar 2,5 a 5 mcg 6 a 9


Iloprost Inalatório 20 a 30 minutos
vezes ao dia

Iniciar dose de 200 a 1600 mcg


0,8 a 2,5 horas (selexipague)
2 vezes ao dia e titular a cada 1
Selexipague Oral a 2 semanas até resposta
6,2 a 13,5 horas (metabólito
terapêutica esperada ou até
ativo)
dose máxima tolerada
Legenda: ng/kg/min = nanograma por quilo por minuto; mcg = microgramas. Fonte: Adaptado de FERNANDES et al.,
2021.

Antagonistas dos receptores de endotelina diminuição do risco de piora da doença (GALIÈ


(ARE) et al., 2019).
Atuam inibindo a ação da endotelina-1, uma Os efeitos adversos mais comuns dos ARE
substância vasoconstritora e proliferativa, por são hepatotoxicidade, anemia e edema
meio do bloqueio de seus receptores A e B periférico. É importante, portanto, monitorar a
(FARESIN et al., 2014). Foram os primeiros função hepática mensalmente durante o
agentes via oral a serem aprovados para tratamento com eles e interromper seu uso em
tratamento de HAP. Estudos recentes reforçam caso de gravidade (FERNANDES et al., 2021).
a importância dos ARE como monoterapia na Os principais agentes disponíveis estão
HAP, demonstrando uma melhora da tolerância descritos no Quadro 27.5, a seguir.
ao exercício físico e da classe funcional e

Quadro 27.5 Antagonistas dos receptores de endotelina (ARE)


Via de
Droga Posologia Meia-vida
administração

Administrar 62,5 a 125


Bosentana 5 horas
mg 2 vezes ao dia*

Administrar 5 a 10 mg
Ambrisentana Oral 9 horas
por dia

Administrar 10 mg por 14 a 18
Macitentana
dia horas
Legenda: mg = miligrama; *A dose da bosentana deve ser ajustada em caso de baixo peso corporal ou interações
medicamentosas. Fonte: Adaptado de FERNANDES et al., 2021.

240
Inibidores da fosfodiesterase-5 (IF5) e inibitório, a concentração de GMPc aumenta e,
estimuladores da guanilato ciclase solúvel consequentemente, a ação do óxido nítrico é
O óxido nítrico (NO) é uma substância potencializada (BISCEGLI et al., 2022).
produzida pelas células endoteliais que age por De acordo com os estudos mais recentes, os
estímulo da guanosina monofosfato cíclica medicamentos da classe dos IF5 tendem a
(GMPc), promovendo vasodilatação e inibindo melhorar a classe funcional do paciente e
a proliferação de células musculares lisas diminuir o risco de morte. Os principais efeitos
(FERNANDES et al., 2021). Sua redução é colaterais relatados são cefaleia, desconforto
considerada um importante fator fisiopa- gastrointestinal, rubor, mialgia e artralgia. Os
tológico da HAP (FARESIN et al., 2014). principais agentes são o sildenafil e tadalafil,
Assim, os IF5 atuam inibindo a enzima sendo estes descritos a seguir, no Quadro 27.6
fosfodiesterase-5, que é responsável por (GALIÈ et al., 2019).
degradar o GMPc. Diante desse efeito

Quadro 27.6 Inibidores da fosfodiesterase-5 (IF5)


Via de
Droga Posologia Meia-vida
administração

Administrar 20 a 80
Sildenafil 4 horas
mg 3 vezes ao dia
Oral
Administrar 40 mg
Tadalafil 35 horas
por dia
Fonte: Adaptado de FERNANDES et al., 2021.

Além dos IF5, há outra classe chamada de do NO. O principal representante dessa classe é
estimuladores da guanilato ciclase (GC) o riociguate, conforme descrito no Quadro
solúvel. Esses medicamentos atuam em outro 27.7. No entanto, vale ressaltar que esse
ponto da via do NO, estimulando a enzima GC medicamento não deve ser utilizado em adição
responsável por catalisar a síntese do GMPc. aos IF5 devido ao risco hipotensão e síncope
Assim, eles agem de forma indireta na produção (HUMBERT et al., 2022).

Quadro 27.7 Estimuladores da guanilato ciclase solúvel


Via de
Droga Posologia Meia-vida
administração

Iniciar dose de 0,5 a 1 mg 3


vezes ao dia e aumentar em
0,5 mg a cada 2 semanas até
Riociguate Oral resposta terapêutica esperada 12 horas
ou até dose máxima tolerada
(dose máxima: 2,5 mg 3
vezes ao dia)
Fonte: Adaptado de FERNANDES et al., 2021.

Estudos demonstraram que o uso de gerou melhora significativa da sobrevida e


prostanoides, antagonistas de receptores de qualidade de vida do paciente em relação ao uso
endotelina e inibidores da fosfodiesterase-5 de nenhum medicamento. Esses dados foram
241
considerados em um tratamento médio de 14 dessas maneiras de estratificação depende da
semanas (GALIÈ et al., 2019). avaliação de nove parâmetros, incluindo
critérios clínicos e laboratoriais. No entanto,
Estratégia terapêutica como a indisponibilidade de alguns exames
Para orientar o tratamento e avaliar pode limitar seu uso, pode ser utilizada uma
individualmente cada paciente, é fundamental avaliação baseada em apenas três critérios:
determinar o risco de progressão da doença e de classe funcional NYHA modificada para
mortalidade de cada caso. Atualmente, há hipertensão pulmonar, teste de caminhada de 6
diversas formas de determinar esse risco, sendo minutos e BNP (Quadro 27.8).
algumas simples e outras mais completas. Uma

Quadro 27.8 Estratificação de risco e estimativa de mortalidade em 1 ano na hipertensão arterial pulmonar
Risco
Baixo risco Alto risco
Parâmetros intermediário
< 5% > 10%
5 a 10%

Classe funcional I ou II III IV

Teste de caminhada
> 440 metros 165 a 440 metros < 165 metros
de 6 minutos (TC6M)

BNP < 50 ng/L 50-300 ng/L > 300 ng/L


Legenda: BNP: peptídeo natriurético tipo B. Fonte: Adaptado de FERNANDES et al., 2021.

A monoterapia é indicada para uma minoria receptor de endotelina (ARE) e um inibidor da


de pacientes, incluindo aqueles portadores de fosfodiesterase-5 (IF5). A combinação mais
hipertensão portal, HIV e cardiopatia congênita recomendada de acordo com a literatura atual é
complexa e aqueles que já fazem uso dessa a ambrisentana e a tadalafila. Caso haja
estratégia e não apresentam progressão dos contraindicação a algum deles, outro agente
sintomas. Não há uma classe específica mais oral pode substituí-lo, porém não se deve
indicada para a monoterapia, sendo essa utilizar agentes da mesma classe associados
reservada a critério do médico especialista. (GALIÈ et al., 2019).
Alguns estudos compararam a monoterapia A terapia tripla, por sua vez, pode ser
com a terapia combinada e demonstraram indicada como terapia inicial em pacientes
redução do risco de piora clínica quando recém-diagnosticados com formas graves de
utilizada uma combinação de medicamentos HAP, mas não demonstrou benefícios em
(FERNANDES et al., 2021). Portanto, pacientes com formas menos graves. Podem ser
atualmente, há indicação de combinação de associados ARE, IF5 e AnP (FERNANDES et
fármacos de diferentes classes o mais precoce al., 2021).
possível no tratamento da HAP, de preferência
no momento do diagnóstico. CONCLUSÃO
A terapia oral combinada é indicada para A hipertensão arterial pulmonar (HAP) é
pacientes de risco baixo ou intermediário e uma condição clínica que consiste em um
virgens de tratamento. Inicialmente, deve ser aumento gradual e persistente da pressão no
iniciada a associação entre um antagonista do leito arterial pulmonar. Consiste em uma
242
variante da hipertensão pulmonar que pode ter O arsenal terapêutico da HAP evoluiu
como causa diversos fatores. É considerada significativamente nos últimos anos.
uma doença grave e não deve ser subestimada, Basicamente, os medicamentos agem nas três
pois pode acarretar em insuficiência ventricular vias envolvidas na fisiopatologia da doença,
direita grave – chamada de cor pulmonale. sendo elas: via da endotelina, via da
A abordagem diagnóstica inicial dessa prostaciclinas e via do óxido nítrico. As classes
doença deve ser baseada em anamnese e exame de medicamentos disponíveis são antagonista
físico associados a exames complementares. O dos receptores de endotelina-1 (ARE), análogos
mais utilizado destes é o ecodopplercardio- das prostaciclinas (AnP), inibidores da
grama que estima a pressão sistólica da artéria fosfodiesterase-5 (IF5) e estimuladores do
pulmonar e sinais de disfunção ventricular guanilato ciclase solúvel.
direita, que podem ser usados para avaliar A importância do diagnóstico e abordagem
indiretamente a presença de HAP. Também precoce da hipertensão arterial pulmonar
devem ser solicitados troponina e BNP, que são consiste na probabilidade do desenvolvimento
marcadores laboratoriais de extrema impor- de danos irreversíveis na vasculatura pulmonar
tância na determinação do prognóstico do e na estrutura cardíaca ao longo do tempo.
paciente. No entanto, para confirmar a hipótese Assim, deve-se identificar e abordar preco-
de HAP, deve ser realizado o cateterismo cemente os portadores dessa condição, visando
cardíaco direito, que demonstra de forma manter a qualidade de vida e melhorar a
precisa a PAPm e confirma ou exclui o sobrevida do paciente a curto e longo prazo.
diagnóstico. Esse é o método padrão-ouro.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Adulto, 229 Hipertensão, 204
Aldosterona, 204 Hipertensão arterial, 212
Arritmia, 18, 149 Hipertensão arterial pulmonar, 229
Arritmias cardíacas, 18 Hipertensão pulmonar, 229
Atenção básica, 1
Avaliação funcional, 223 ICFEp, 163
Inibidores da enzima conversora de
Baxdrostat, 204 angiotensina, 212
Bloqueio atrioventricular, 29 Insuficiência, 42
Insuficiência cardíaca, 42
Cardiologia, 42, 49, 188
Cardiopatia, 1, 61 Limitações, 163
Cardiopatias isquêmicas, 14 Literatura, 188
Cardioversão elétrica, 9 Lúpus eritematoso neonatal, 29
Comunicação, 97
Comunicação interatrial, 223 Manejo, 149, 194
Comunicação interventricular, 97 Marca-passo, 29
Covid-19, 194 Marcapasso artificial, 9
Crianças, 71 Miocardiopatias, 14
Morte súbita, 120
Deep learning, 85
Derrame pericárdico, 78 Pediatria, 97
Diagnóstico, 85, 163, 181 Pericardite, 78
Dispneia, 14 Problemas no coração, 71
Doença arterial coronariana, 172 Procedimentos cirúrgicos, 131
Doença arterial periférica, 49 Procedimentos cirúrgicos cardiovasculares,
Doença renal crônica, 212 131
Doenças, 71 Procedimentos clínicos, 107
Doenças cardiovasculares, 120, 194
Sinais e sintomas, 181
Efeitos cardiovasculares, 55 Síndrome de Brugada, 120
Eletrocardiograma, 85 Síndrome de Marfan, 55
Endocardite, 181, 188
Estenose mitral, 107 Tamponamento cardíaco, 78
Estenose valvar mitral, 159 Tetralogia de Fallot, 1
Estreptococos, 61 Tratamento, 172, 223
Evolocumabe, 172
Exercício físico, 55 Valvas cardíacas, 131
Vasos, 49
Faringoamigdalite estreptocócica, 159
Febre reumática, 61, 107, 159
Fibrilação, 18
Fibrilação atrial, 9, 149

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