Você está na página 1de 194

FO

Fundamentos e Práticas
Pediátricas e Neonatais
Edição XI

Organizadores
Guilherme Barroso L. de Freitas
Ariádine Reder Custodio de Souza
Roberta da Silva

2023
2023 by Editora Pasteur
Copyright © Editora Pasteur

Editor Chefe:
Dr Guilherme Barroso Langoni de Freitas

Corpo Editorial:
Dr. Alaercio Aparecido de Oliveira MSc. Guilherme Augusto G. Martins
(Faculdade INSPIRAR, UNINTER, CEPROMEC e Força Aérea Brasileira) (Universidade Estadual do Centro-Oeste - PR)
Dra. Aldenora Maria Ximenes Rodrigues Dr Guilherme Barroso Langoni de Freitas
(Universidade Federal do Piauí - PI)
MSc. Aline de Oliveira Brandão
(Universidade Federal de Minas Gerais - MG) Dra. Hanan Khaled Sleiman
(Faculdade Guairacá - PR)
Dra. Ariadine Reder Custodio de Souza
(Universidade Estadual do Centro-Oeste – PR) MSc. Juliane Cristina de Almeida Paganini
(Universidade Estadual do Centro-Oeste - PR)
MSc. Bárbara Mendes Paz
(Universidade Estadual do Centro-Oeste - PR) Dra. Kátia da Conceição Machado (Universidade
Federal do Piauí - PI)
Dr. Daniel Brustolin Ludwig
(Universidade Estadual do Centro-Oeste - PR) Dr. Lucas Villas Boas Hoelz
(FIOCRUZ - RJ)
Dr. Durinézio José de Almeida
(Universidade Estadual de Maringá - PR) MSc. Lyslian Joelma Alves Moreira
(Faculdade Inspirar - PR)
Dra. Egidia Maria Moura de Paulo Martins Vieira
Professora UNIFSA (Centro Universitário Santo Agostinho )
Dra. Márcia Astrês Fernandes
(Universidade Federal do Piauí - PI)
Dr. Everton Dias D’Andréa
(University of Arizona/USA)
Dr. Otávio Luiz Gusso Maioli
(Instituto Federal do Espírito Santo - ES)
Dr. Fábio Solon Tajra
(Universidade Federal do Piauí - PI)
Dr. Paulo Alex Bezerra Sales
Francisco Tiago dos Santos Silva Júnior MSc. Raul Sousa Andreza
(Universidade Federal do Piauí - PI) MSc. Renan Monteiro do Nascimento
Dra. Gabriela Dantas Carvalho MSc. Suelen Aline de Lima Barros
Dr. Geison Eduardo Cambri Professora UNIFSA (Centro Universitário Santo Agostinho )
Grace Tomal Dra. Teresa Leal
(Universidade Estácio de Sá- PR)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Editora Pasteur, PR, Brasil)

FR862c FREITAS, Guilherme Barroso Langoni de.


Fundamentos e Práticas Pediátricas e Neonatais / Guilherme
Barroso Langoni de Freitas- Irati: Pasteur, 2023.
1 livro digital; 193 p.; ed. XI; il.

Modo de acesso: Internet


ISBN 978-65-6029-017-4
https://doi.org/10.59290/978-65-6029-017-4
1. Pediatria 2. Saúde Infantil 3. Patologia
I. Título.

CDD 610
CDU 616/618
Em pediatria, há necessidade de reconhecer o desenvolvimento infantil como processo de
formação, transacional e determinante na formação do adulto. A abordagem terapêutica
em pacientes neonatais e pediátricos é diferenciada, ocorre muitas vezes sem testes
clínicos adequados, e sempre deve buscar a promoção do conhecimento. Para
assegurarmos a qualidade e garantia do atendimento à saúde infantil os serviços
pediátricos devem ser responsivos, inovadores e com o máximo de segurança. Este
conhecimento é fruto da troca dos saberes, das constantes atualizações dos profissionais,
do conhecimento epidemiológico e da prática clínica quando bem executada. Parte dos
profissionais de saúde se sente inadequadamente treinado para atender a este público em
particular, o que gera justificável insegurança nos pais, pacientes e também nos próprios
profissionais. O estudo das experiências profissionais, relatos de caso, revisões bem
fundamentadas entre outros estudos possibilidade base para formação dos profissionais
que desejam trabalhar com pediatria. Portanto, a Editora Pasteur criou uma coletânea para
fornecer um campo rico de conhecimento. Este projeto foi possível devido à participação
de profissionais e estudantes da área da saúde empenhados em fornecer o melhor material
possível aos seus leitores.
Capítulo 01 ...................................................................................................................... 1
ANÁLISE DO PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DE VÍTIMAS QUEIMADAS DE 01 A
04 ANOS NO PERÍODO DE 2016 A 2022 NO BRASIL
Capítulo 02 ...................................................................................................................... 9
TRANSPLANTE FECAL E USO DE PROBIÓTICOS: BENEFÍCIOS PARA
PACIENTES COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA
Capítulo 03 .................................................................................................................... 16
O AUMENTO DO NÚMERO DE CASOS DE DEPRESSÃO NA CRIANÇA E
ADOLESCENTE PÓS PANDEMIA DA COVID-19
Capítulo 04 .................................................................................................................... 27
TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA E SEUS PRINCIPAIS
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
Capítulo 05 .................................................................................................................... 35
CORRELAÇÃO ENTRE TEMPO DE TELA E DISTÚRBIOS DE SONO NA
INFÂNCIA
Capítulo 06 .................................................................................................................... 43
INFLUÊNCIAS DO AMBIENTE NO DESENVOLVIMENTO MENTAL
INFANTIL: UMA REVISÃO DE LITERATURA
Capítulo 07 .................................................................................................................... 48
PROTEÇÃO AOS TRAUMAS FÍSICOS E PREVENÇÃO DE ACIDENTES EM
PACIENTES PEDIÁTRICOS
Capítulo 08 .................................................................................................................... 59
A PREVALÊNCIA DA SÍFILIS CONGÊNITA EM HOSPITAIS PÚBLICOS DO
BRASIL E DO ESPÍRITO SANTO
Capítulo 09 .................................................................................................................... 67
O USO DA MÚSICA COMO POSSIBILIDADE DE CUIDADO HUMANIZADO A
CRIANÇA HOSPITALIZADA
Capítulo 10 .................................................................................................................... 77
MENSURAÇÃO DA FADIGA EM ADOLESCENTES: CONHECENDO O
FENÔMENO EM POPULAÇÃO SAUDÁVEL
Capítulo 11..................................................................................................................... 85
DIAGNÓSTICO, TRATAMENTO E MANEJO DA SEPSE NEONATAL PRECOCE
Capítulo 12 .................................................................................................................... 94
USO DE AGONISTAS DO GNRH NO TRATAMENTO DA PUBERDADE
PRECOCE
Capítulo 13 .................................................................................................................. 102
FATORES ASSOCIADOS À OCORRÊNCIA DE ASFIXIA PERINATAL: UMA
REVISÃO INTEGRATIVA DA LITERATURA
Capítulo 14 ................................................................................................................... 111
INFECÇÕES CONGÊNITAS: MANIFESTAÇÕES CLÍNCAS, DIAGNÓSTICOS E
TRATAMENTO MATERNO-FETAL
Capítulo 15 .................................................................................................................. 124
DOENÇAS GENÉTCAS CROMOSSÔMICAS
Capítulo 16 .................................................................................................................. 137
TRAUMATISMO CRANIOENCEFÁLICO NA PEDIATRIA
Capítulo 17 .................................................................................................................. 143
CRISES CONVULSIVAS NA EMERGÊNCIA PEDIÁTRICA
Capítulo 18 .................................................................................................................. 150
TRATAMENTO MEDICAMENTOSO PARA OBESIDADE INFANTIL
Capítulo 19 .................................................................................................................. 163
MANEJO E IDENTIFICAÇÃO DA BRONQUIOLITE VIRAL AGUDA
Capítulo 20 .................................................................................................................. 171
A DOENÇA CELÍACA NA PEDIATRIA SOB A ÓTICA DA LITERATURA ATUAL
Capítulo 21 .................................................................................................................. 180
COMPLICAÇÕES DA PNEUMONIA NA INFÂNCIA
Capítulo 01

ANÁLISE DO PERFIL
EPIDEMIOLÓGICO DE VÍTIMAS
QUEIMADAS DE 01 A 04 ANOS NO
PERÍODO DE 2016 A 2022 NO
BRASIL

PAULO RICARDO DILELIO DIAS¹


LUCILA FRANZ BEZERRA¹

1. Discente – Medicina em Universidade Católica de Pelotas.

Palavras Chave: Queimaduras; Crianças; Internação

10.59290/978-65-6029-017-4.1 1|P á gi n a

DOI
INTRODUÇÃO MECANISMOS DE QUEIMADURA

As lesões por queimaduras são considera- Calor: A profundidade da lesão térmica é


das mundialmente como um dos principais pro- diretamente proporcional a temperatura, dura-
blemas de saúde pública, sendo bastante eleva- ção do contato e espessura da área atingida. A
dos os índices de mortalidade por este tipo de grande maioria das queimaduras térmicas en-
injúria. Quando não levam à morte, depen- volve apenas a epiderme e parte da derme. As
dendo da gravidade e do nível de comprometi- lesões mais comuns estão associadas a chamas,
mento, as mesmas podem ocasionar sequelas líquidos quentes, objetos sólidos quentes e va-
graves, ou seja, significativas limitações funci- por (ORGILL et al., 1998).
onais, psicológicas e de ordem social (SILVA Descarga elétrica: A energia elétrica se
et al., 2010). transforma em calor à medida que a corrente
Esse tipo de evento constitui, nas diferentes passa pelos tecidos corporais. Sua magnitude
idades, a terceira causa de óbito por trauma e a depende do caminho da corrente, da resistência
segunda em menores de quatro anos, tendo na ao fluxo através dos tecidos e da força e duração
maioria dos casos, uma ocorrência acidental. da corrente. Pode ocorrer devido a raios ou cho-
Estima-se que no Brasil ocorram cerca de um ques.
milhão de acidentes por queimaduras anual- Fricção: A lesão por atrito ocorre devido a
mente, dos quais apenas 200.000 pacientes bus- uma combinação de ruptura mecânica dos teci-
cam assistência hospitalar, evidenciando ainda dos e o calor gerado pelo atrito.
importante subnotificação nacional (VIANA et Produtos químicos: As lesões são geradas a
al., 2009). partir de reações que afetam o pH e a estrutura
Além disso, cabe destacar que no que se re- da membrana celular. A duração da exposição
fere a pediatria, esse tema é de extrema relevân- e a natureza do agente determinarão a gravidade
cia, visto que as principais causas de queimadu- da lesão. Além da lesão local que pode incluir a
ras são por acidentes domésticos, os quais po- espessura da pele e estruturas subjacentes, a ab-
deriam ter sido evitados (KAIRYS, 2020). sorção sistêmica de alguns produtos químicos é
As queimaduras são resultado de lesões fatal. Podem existir dois tipos de necrose como
traumáticas na pele ou em outros tecidos causa- mecanismo de lesão: por coagulação causada
das principalmente por exposições térmicas, pelo contato com o ácido e por liquefação cau-
mas não exclusivamente, existindo outras expo- sada por substâncias alcalinas. Muito comum
sições agudas. São geralmente associadas a le- serem decorrentes de acidentes no ambiente de
sões de pele causadas pelo calor. As queimadu- trabalho.
ras são feridas agudas decorrentes da necrose Radiação: O tipo mais comum de queima-
tecidual desencadeadas por diferentes mecanis- dura por radiação é a queimadura solar. Porém
mos como calor, descarga elétrica, atrito, pro- são frequentemente visualizadas hoje após a ra-
dutos químicos ou radiação. São lesões hetero- dioterapia terapêutica e em pacientes que rece-
gêneas que podem acometer diversos órgãos e bem radiação excessiva de procedimentos de
em diferentes profundidades que denotam, por- diagnóstico (BURKE-SMITH et al., 2015). As
tanto, diferentes graus de gravidade (MONS- lesões são decorrentes da dose, do tempo de ex-
TREY et al., 2008). posição e do tipo de partícula que determina a

2|P á gi n a
profundidade da exposição. Dependendo da parciais profundas se estendem até a derme
energia gerada pelo fóton, a radiação pode cau- mais profunda, formam bolhas úmidas, doloro-
sar queimaduras internas muito profundas sas a pressão e não branqueiam. Tem como ca-
(SHIN & YI, 2016), racterística ser um processo cicatricial lento, em
torno de nove semanas e acarretar em uma ci-
CLASSIFICAÇÃO POR PROFUN- catriz hipertrófica. Podem causar disfunção ar-
DIDADE ticular (CROUZET et al., 2015).

A profundidade da queimadura é um impor- ● Espessura total


tante fator que determina em grande parte o po- Se estendem e destroem todas as camadas
tencial de cicatrização e a necessidade de en- da derme. Por vezes afetam o tecido subcutâneo
xerto cirúrgico. A classificação tradicional de adjacente. São lesões tão profundas que afetam
queimaduras como primeiro, segundo, terceiro os neuroreceptores da dor tendo como caracte-
ou quarto grau foi substituída por um índice ba- rística uma lesão indolor ou levemente dolo-
seado nas necessidades de intervenção cirúr- rosa. Apresenta pele seca e inelástica, com co-
gica. As subdivisões atuais de profundidade de loração variável.
queima são superficiais, espessura parcial su-
perficial, espessura parcial profunda e espes- EXTENSÃO DA LESÃO
sura total (MERTENS et al., 1997).
Uma estimativa completa e precisa do ta-
● Superficial manho da queimadura é essencial para determi-
Apenas a camada epidérmica da pele é aco- nar a terapia utilizada. A extensão das queima-
metida. São lesões que não fazem bolhas, mas duras é estimada e expressa como a porcenta-
são dolorosas, secas e apresentam eritema que gem total da área de superfície corporal
branqueia com pressão. Tem como caracterís- (WACHTEL et al., 2000). Os dois métodos
tica persistirem no paciente por cerca de sete usualmente mais utilizados na prática para ava-
dias e por não afetarem a derme são lesões que liação da extensão em adultos são o gráfico
não deixarão cicatrizes. Seu principal exemplo Lund-Browder e a Regra dos Nove (WOOD-
são queimaduras solares. SON et al., 2007). Sendo o primeiro preferido
em crianças visto que leva em consideração o
● Espessura parcial crescimento.
Envolvem a epiderme e partes da derme. Princípios do atendimento de queimaduras
São subdivididas em parciais superficiais ou térmicas (ALLISON & PORTER, 2004):
parciais profundas. As parciais superficiais ● Fornecer suporte básico de vida. Na ma-
atingem epiderme e parte superior da derme, ioria das vezes os pacientes recebem oxigênio
tem como características a formação de bolhas suplementar.
após 24 horas do ocorrido, são dolorosas, erite- ● Transferir o paciente o mais rapidamen-
matosas, podem apresentar saídas de líquidos te possível para um hospital;
claros e branqueiam a digito-pressão. Sua cica- ● Remover roupas queimadas e demais a-
trização ocorre em cerca de 21 dias e geral- cessórios;
mente não costuma deixar marcas. Já as lesões

3|P á gi n a
● Manter a criança aquecida cobrindo a ameaçam a vida, um exame cuidadoso para
área queimada com um lençol ou cobertor lim- identificar as lesões associadas e a determina-
po; ção da extensão e gravidade da lesão por quei-
● Em casos de queimaduras muito exten- madura. A identificação precoce e tratamento
sas pode ser necessário o uso de fluidoterapia de lesões associadas, ressuscitação com fluidos,
intravenosa (IV).; controle da dor e encaminhamento imediato de
● Analgesia pode ser realizada IV ou in- crianças com queimaduras graves para centros
tranasal. Evitar IM. de queimaduras melhoram os resultados.
O manejo de crianças com queimaduras
Para queimaduras leves e moderadas, o res- moderadas e graves inclui oxigenação, ventila-
friamento imediatamente após uma queimadura ção, manutenção da pressão arterial e controle
(máximo 20 min após lesão) limita a área da le- adequado da dor (ROMANOWSKI & PALMI-
são e melhora a cicatrização da ferida. Não é ERI, 2017). Crianças com lesão das vias aéreas
indicado utilizar gelo. superiores devem ter as vias aéreas protegidas.
As feridas por queimadura devem ser inici- Todas as crianças devem ter acesso vascular
almente limpas com água e sabão neutro. De- confiável. É importante que fluidos cristaloides
sinfetantes são normalmente evitados porque isotônicos sejam usados nas primeiras 24 horas
podem inibir a cicatrização de feridas. Roupas de ressuscitação com fluidos após lesão por
e detritos incrustados nas feridas devem ser re- queimadura (MITRA et al., 2006). A resposta à
movidos. ressuscitação volêmica deve ser cuidadosa-
É importante realizar o desbridamento de mente monitorada (BUNN et al., 2004).
tecido desvitalizado com gaze estéril e solução As crianças que desenvolvem hiperglicemia
salina, com intuito de diminuir risco de infec- devem ser tratadas com insulina para manter os
ções. Queimaduras superficiais geralmente são níveis de glicose no sangue dentro da faixa nor-
tratadas com agentes antimicrobianos tópicos mal. Vítimas de incêndios devem ser submeti-
com um curativo sobreposto (SCHIESTL et al., das a avaliação de envenenamento por monó-
2013). xido de carbono e cianeto. Embora controver-
As vítimas de queimaduras devem ser trans- sas, bolhas grandes, com probabilidade de rup-
portadas rapidamente para o hospital, rece- tura e dolorosas (independentemente do tama-
bendo suporte básico de vida quando necessário nho) podem ser removidas. Queimaduras pal-
(SERRANO et al., 2015). pebrais e oculares garantem uma avaliação cui-
Roupas queimadas e quaisquer joias devem dadosa para identificar a probabilidade de cica-
ser removidas (a menos que estejam grudadas trização e retração subsequente da pálpebra e a
no paciente). Queimaduras químicas requerem possibilidade de lesão térmica direta do globo
irrigação imediata no campo. Para pacientes ocular. Para pacientes que estão sendo transfe-
com queimaduras leves a moderadas, resfriar a ridos rapidamente para uma unidade de queima-
área envolvida com água fria por 10 a 20 minu- dos, as queimaduras devem ser cobertas com
tos imediatamente após a queimadura pode li- curativos estéreis secos. Pomadas ou cremes
mitar a extensão da lesão. não devem ser aplicados, pois podem dificultar
A avaliação das vítimas de queimaduras in- a avaliação inicial da ferida no centro de quei-
clui a identificação rápida das condições que mados. A imunização antitetânica deve ser ad-

4|P á gi n a
ministrada a crianças com queimaduras mais idade, internadas ou mortas por queimadura ou
profundas do que superficiais. corrosão no Brasil durante o período de 2016 a
Os critérios de encaminhamento para um 2022. Com relação a descrição dos dados obti-
centro de queimados incluem o tamanho da dos nesse estudo, foi utilizado o programa Mi-
queimadura, a profundidade da queimadura, o crosoft Excel para a confecção de gráficos,
tipo de lesão e a presença de outras condições sendo tais resultados analisados com a litera-
médicas ou traumáticas (BARROW et al, tura.
2000).
Diante do exposto, o objetivo desse capítulo RESULTADOS
é analisar o perfil epidemiológico de crianças
queimadas entre as faixas etárias de 1 e 4 anos De acordo com a coleta de dados foi obser-
durante o período de 2016 a 2022 no Brasil. vado que 31.839 crianças de 01 a 04 anos foram
internadas e 142 foram a óbito por queimaduras
MÉTODO e corrosões no período de 2016 a 2022, corres-
pondendo à 16,62% do total de vítimas
Trata-se de um estudo ecológico. A coleta (192.342) no mesmo período.
de dados ocorreu entre março e abril de 2023, Dentre as vítimas, 19.312 (60,6%) corres-
por meio da busca de informações no Sistema ponderam ao sexo masculino enquanto o sexo
de Informações de Agravos de Notificação (SI- feminino apresentou 12.584 casos de interna-
NAN) do Ministério da Saúde. Foram selecio- ções e óbitos, o que responde a 39,4 % dos ca-
nados dados de crianças entre 01 a 4 anos de sos, como mostra a Imagem 1.1.

Imagem 1.1 Sexo das vítimas de queimaduras de 01-04 anos no Brasil de 2016 a 2022

Também pode ser observado no estudo que or prevalência, correspondendo a 33,09% (47)
a região nordeste corresponde a aproximada- seguida das regiões, nordeste com 27,46% (39),
mente ⅓ (11.037) do total dos casos de interna- sul com 16,19% (23), centro oeste com 13,38%
ção. (19) e norte com 9,85% (14), conforme consta
Entretanto, quando analisado somente o nú- no gráfico abaixo (Imagem 1.2).
mero de óbitos a região sudeste apresentou mai-
5|P á gi n a
Imagem 1.2 Incidência de queimadura em crianças de 01-04 anos no Brasil de 2016 a 2022

É notório a delimitação de um perfil de cri- entes de queimaduras por regiões, no âmbito


anças vítimas de queimaduras e corrosões no nacional, ainda são escassos. Nesse sentido, é
Brasil, na faixa etária de 01 a 04 anos, sexo importante salientar que a obtenção dessas in-
masculino, e maior incidência de internações na formações e, consequentemente, o delineamen-
região nordeste. to epidemiológico são fundamentais para que se
É importante destacar que a maioria desses possa caracterizar a população acometida e as
acidentes ocorrem de forma doméstica e pos- circunstâncias nas quais essas lesões ocorre-
suem forte relação com o desenvolvimento neu- ram. Além disso, essa análise diagnóstica torna-
ropsicomotor dessa faixa etária. No entanto, se um subsídio para que as instituições locais
embora a queimadura geralmente resulte de um envolvidas nesse tipo de assistência melhorem
acidente, ainda podem haver casos de negligên- o planejamento de ações de controle e preven-
cia. Negligência é a falha de um pai ou cuidador ção desse agravo, a partir da identificação do
em fornecer os recursos necessários para a cri- problema, com vistas à redução da demanda
ança crescer e prosperar. A detecção de negli- hospitalar e prevenção dos índices de morbi-
gência na infância é bastante difícil. Como o pa- mortalidade por queimaduras, na população in-
ciente não é totalmente capaz de se explicar, o fanto-juvenil.
evento é facilmente diagnosticado erronea- Os acidentes por este tipo de lesão merecem
mente como um acidente. O abuso físico é um atenção específica com abordagem preventiva.
dano ou ameaça de danos à saúde ou bem estar Compreende-se que profissionais de diferentes
de uma criança por meio de lesões físicas não áreas do conhecimento, a exemplo da educação
acidentais (TOON et al., 2011). A possibilidade e da saúde, no âmbito da atenção primária, po-
de abuso para cada criança ferida deve ser man- dem contribuir orientando pais, responsáveis e
tida em mente. a própria criança para os riscos ambientais que
Apesar de evidências estatísticas, os dados os rodeiam e assim ter subsídios para evitá-los
epidemiológicos relacionados a lesões proveni- (TOON et al., 2011).

6|P á gi n a
Uma das maneiras de promover a preven- comportamento preventivo por parte das famí-
ção de acidentes infantis consiste na participa- lias. Neste sentido, o conhecimento dos aciden-
ção direta da família e da escola enquanto res- tes com queimaduras entre crianças e adoles-
ponsáveis pela formação das crianças e dos centes deve estar pautado numa ótica cultural e
adolescentes (BRITO, 2010). Assim sendo, as familiar a fim de que seja valorizado por elas
abordagens e comportamentos preventivos de- não apenas a cura da doença, mas a prevenção
vem ser iniciados no âmbito familiar e ser ex- de novos acidentes (BATTLE et al., 2016).
tensivos ao contexto escolar, devendo promo- Faz-se necessário então implementar medi-
ver a participação da criança e de seus respon- das para que o número de internações e óbitos
sáveis. Considerar a cultura, os costumes e as decresça. Dessa forma, é imprescindível que
crenças familiares constituem fatores essenciais tais números sejam divulgados através das mí-
para implementação do cuidado e prevenção de dias sociais para que alcancem toda a população
novos acidentes domésticos. Estes, na maioria e sirvam como um portal de educação e alerta
das vezes, são potencializados pela inobservân- para garantir um cuidado mais efetivo na pre-
cia, pelos hábitos de vida e pela ausência de um venção de acidentes.

7|P á gi n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALLISON, K. & PORTER, K. Consenso sobre a aborda- MONSTREY, S. et al. Avaliação da profundidade da
gem pré-hospitalar para tratamento de pacientes queima- queimadura e potencial de cicatrização da ferida. Quei-
dos. Emergency Medicine Journal, v. 21, n. 1, p. 112, maduras, v. 34, n. 6, p. 761, 2008
2004
ORGILL, D.P. et al. A finite-element model predicts
BATTLE, C.E. et al. Epidemiology of burns and scalds thermal damage in cutaneous contact burns. The Journal
in children presenting to the emergency department of a of Burn Care & Rehabilitation, v. 19, n. 3, p. 203, 1998.
regional burns unit: A 7-year retrospective study. Burns
Trauma, v. 4, p. s41038, 2016. ROMANOWSKI, K.S. & PALMIERI, T.L. Ressuscita -
ção de queimados pediátricos: passado, presente e futuro.
BARROW, R.E. et al. A ressuscitação volêmica precoce Queimaduras Trauma, v. 5, p. 26, 2017.
melhora os resultados em crianças gravemente queima-
das. Ressuscitação, v. 45, n. 2, p. 91, 2000. SCHIESTL, C. et al. Management of burn wounds. Eu-
ropean Journal of Pediatric Surgery: official Journal of
BRITO, M.E.M. A cultura no cuidado familiar à criança Austrian Association of Pediatric Surgery, v. 23, n. 5, p.
vítima de queimaduras. Revista Eletrônica de Enferma- 341, 2013.
gem, v. 12, n. 2, p. 321, 2010.
SERRANO, C. et al. Features identification for automa-
BUNN, F. et al. Cristalóide hipertônico versus quase iso- tic burn classification. Burns, v. 41, n. 8, p. 1883, 2015.
tônico para ressuscitação com fluidos em pacientes criti-
camente enfermos. The Cochrane Database of Systema- SILVA, G.P.F. et al. Estudo epidemiológico dos pacien-
tic Reviews, v. 4, p. CD002045, 2004. tes idosos queimados no Centro de Tratamento de Quei-
mados do Hospital Instituto Doutor José Frota do muni-
BURKE-SMITH, A. et al. A comparison of non-invasive cípio de Fortaleza -CE, no período de 2004 a 2008. Re-
imaging modalities: Infrared thermography, spectropho- vista Brasileira de Queimaduras, v. 9, n. 1, p. 7, 2010.
tometric intracutaneous analysis and laser Doppler ima -
ging for the assessment of adult burns. Burns, v. 41, n. 8, SHIN, J.Y. & YI, H.S. Diagnostic accuracy of laser Do-
p. 1695, 2015. ppler imaging in burn depth assessment: Systematic re-
view and meta -analysis. Burns, v. 42, n. 7, p. 1369, 2016
CROUZET, C. et al. Acute discrimination between su-
perficial-partial and deep-partial thickness burns in a pre- TOON, M.H. et al. Children with burn injuries-asses-
clinical model with laser speckle imaging. Burns, v. 41, sment of trauma, neglect, violence and abuse. Journal of
n. 5, p. 1058, 2015 Injury & Violence Research, v. 3, n. 2, p. 98, 2011.

KAIRYS, S. Child abuse and neglect. The role of the pri- VIANA, F.P. et al. Aspectos epidemiológicos das crian-
mary care paediatrician. Pediatric Clinics of North Ame- ças com queimaduras internadas no pronto socorro para
rica, v. 67, n. 2, p. 325, 2020 queimaduras de Goiânia. Revista Eletrônica de Enferma-
gem, v. 11, n. 4, p. 779, 2009.
MERTENS, D.M. et al. Manejo ambulatorial de queima-
duras. The Nursing clinics of North America, v. 32, n. 2, WACHTEL, T.L. et al. A confiabilidade entre avaliado-
p. 343, 1997. res de estimar o tamanho das queimaduras a partir de vá -
rios desenhos de gráficos de áreas queimadas. Burns:
MITRA, B. et al. Ressuscitação com fluidos em grandes Journal of the International Society for Burn Injuries, v.
queimaduras. ANZ Journal of Surgery, v. 76, n. 1-2, p. 26, n. 2, p. 156, 2000
35, 2006
WOODSON, L.C. et al. Anestesia para pacientes quei-
mados. In: Total Burn Care, 3ª edição, Herndon DN (Ed),
Saunders Elsevier, Filadélfia 2007.

8|P á gi n a
Capítulo 02

TRANSPLANTE FECAL E USO DE


PROBIÓTICOS: BENEFÍCIOS
PARA PACIENTES COM
TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA
EDUARDO CARNEIRO DIAS¹
CAROLINA WALTRICK¹
CAROLINA GETNERSKI BISEWSKI¹
CAMILA RODRIGUES KUSTER¹
EDUARDO ADRIANO RAMOS¹
HENRIQUE CLAUMANN DE SOUZA¹
ISADORA GUIMARÃES DA ROCHA 2
LUCIANA HENKEMAIER¹
PÂMELA MAYARA DA SILVA CASSEMIRO¹
THAINAN ZOTTI MIGNONI¹

1. Discente – Medicina da Universidade do Planalto Catarinense


2. Discente – Medicina da Universidade do Sul de Santa Catarina

Palavras Chave: Transtorno do espectro autista; Microbioma intestinal; Probióticos.

10.59290/978-65-6029-017-4.2 9|P á gi n a
INTRODUÇÃO lógica, podendo suas alterações serem respon-
sáveis por uma vasta gama de doenças, inclu-
O transtorno do espectro autista (TEA) é ca- indo o TEA (KANG et al., 2019).
racterizado por déficits e dificuldades na comu- O microbioma é a coleção de micróbios que
nicação e interação social, associados a interes- vivem no trato intestinal e nele exercem fun-
ses e atividades restritas e circunscritas. O TEA ções com contribuição nutricional, prevenção
é classificado, de acordo com a última versão do crescimento excessivo de bactérias nocivas
do Manual Diagnóstico e Estatístico de Trans- e imunomodulação (KANG et al., 2019).
tornos Mentais (DSM 5), como sendo um trans- Estima-se que no trato gastrointestinal haja
torno do desenvolvimento, cujas características aproximadamente 10x10¹³ micro-organismos,
clínico-sintomatológicas iniciam nos primeiros composto por mais de 1000 tipos distintos de
anos da infância. espécies de mais de três milhões de genes com-
Além disso, o quadro clínico de indivíduos parados a aproximadamente 30 mil no genoma
portadores de TEA possui grande influência humano, interagindo com o hospedeiro de for-
tanto de fatores genéticos, quanto de fatores ma simbiótica (WAGNER et al., 2018).
ambientais, com destaque para toxinas, polui- Atualmente, os tratamentos eficazes para
ção e alimentação inadequada e modificada este transtorno incluem terapia comportamen-
(GAZOLA et al., 2015). tal, terapia da fala e social, medicamentos psi-
Por conta de alterações genética relaciona- quiátricos e abordagens dietéticas e nutricionais
das a tais fatores ambientais, estes pacientes (KANG et al., 2019). Tratamentos alternativos
apresentam problemas comportamentais, entre para o TEA, como uso de probióticos e trans-
os quais se destacam a hiperatividade, impulsi- plante fecal, vêm mostrando benefícios na me-
vidade e agressividade; problemas sensoriais lhora dos sintomas de pacientes com TEA.
como hiper e hipossensibilidade a estímulos tá- Este trabalho tem por objetivo verificar os
teis, olfativos e gustativos (SILVA, 2011). Ade- benefícios trazidos pelo emprego dos métodos
mais, indivíduos autistas frequentemente apre- alternativos de tratamento, e esclarecer a rela-
sentam sinais/sintomas gastrointestinais, como ção entre Transtorno do Espectro Autista e alte-
constipação, dor abdominal, disbiose, diarreia, rações do microbioma intestinal nos portadores
vômitos, padrão anormal de fezes, seletividade deste transtorno, com base em uma revisão bi-
para determinados alimentos, dificuldade para bliográfica realizada com artigos publicados no
controlar o esfíncter anal para a eliminação das período de 2010 a 2020.
fezes, doença inflamatória intestinal, e intole-
rância alimentar (GAZOLA et al., 2015). Em MÉTODO
crianças com TEA a presença de disfunção gas-
trointestinal costuma estar associada ao aumen- O presente trabalho consiste em uma revi-
to da irritabilidade, acessos de raiva, comporta- são bibliográfica realizada nas bases de dados
mento agressivo e distúrbios do sono (CRIT- SciELO, Google acadêmico, LILACS e Pub-
CHFIELD et al., 2011). Med. Foram selecionados 12 artigos tanto na
Pesquisas recentes sugerem que o microbi- língua inglesa quanto portuguesa publicados no
oma intestinal humano influencia significativa- período compreendido entre os anos de 2010 à
mente a comunicação cerebral e a saúde neuro- 2020.

10 | P á g i n a
A seleção foi realizada por meio de uma lei- comensais de um doador saudável (CRITCHFI-
tura criteriosa das publicações que ao final se- ELD et al., 2011).
lecionou-se apenas estudos que atendiam aos Outro aspecto importante relacionado aos
critérios de inclusão definidos nesse estudo. pacientes com autismo é evidenciado pela dis-
função de mecanismos ou componentes do sis-
RESULTADOS E DISCUSSÃO tema imune incluindo uma proporção anormal
de células T CD4 + de células T CD8 +, eleva-
O TEA é um transtorno de herança com- das contagens de monócitos, diminuição do nú-
plexa, ou seja, uma doença de caráter genético mero de linfócitos e de anticorpos autorreativos
influenciada por fatores ambientais, os quais e desequilíbrio de imunoglobulina do soro e da
acarretam no déficit de interação social e comu- mucosa (CRITCHFIELD et al., 2011).
nicação. Foi observado, ao analisar a influência Estudos comparando a microbiota intestinal
dos fatores genéticos e ambientais, que essa in- de pacientes com autismo com o grupo controle
fluência é de 50% para cada fator, sendo variá- mostram que o primeiro possui uma concentra-
vel nas questões relacionadas ao quadro clínico ção dez vezes mais elevada de microrganismos
e a gravidade do transtorno (GAZOLA, et al., do gênero Clostridium. Existem hipóteses que
2015). Apesar de ser uma doença multifatorial, relacionam esta disfunção da microbiota, assim
os distúrbios do sistema gastrointestinal presen- como a presença do gênero Clostridium e suas
tes em portadores de TEA estão associados à toxinas com os sintomas comportamentais do
severidade sintomatológica da doença. A pre- autismo, mas trata-se e de um único pequeno
dominância de sintomas gástricos em crianças estudo que utilizou 11 crianças tratadas com
portadoras de autismo é mais relevante (46- vancomicina (CRITCHFIELD et al., 2011).
72%) quando comparada a crianças não autistas Além do aumento de Clostridium, trabalhos
(10-30%). Crianças autistas possuem caracte- mais recentes mostraram aumentos também de
rísticas de resistência ao novo, assim realizam Enterobacteriaceae, Bacteroidetes e Alistipes,
um bloqueio a novas experiências alimentares, enquanto Faecalibacterium e Bifidobacterium
seu comportamento repetitivo e de interesse se apresentaram em níveis reduzidos em crian-
restrito possuem papel importante na dieta ças com autismo (DE ANGELIS et al., 2013).
(SILVA, 2011). Outros trabalhos recentes sugerem a participa-
Diversos estudos demonstram microbiota ção dos ácidos graxos voláteis (AGV), particu-
anormal em indivíduos autistas, sugerindo, por- larmente o ácido propiônico, no autismo. Esses
tanto, uma relação entre o microbioma intesti- AGV poderiam promover uma alteração na fun-
nal e comportamentos característicos da do- ção mitocondrial, e teriam uma origem tanto
ença. Portanto, modificar a microbiota intesti- microbiana como alimentar (MACFABE,
nal é uma opção potencial para a melhora dos 2015).
sintomas tanto gastrointestinais quanto com- Em estudo realizado com 58 crianças autis-
portamentais em indivíduos com autismo, atre- tas e 38 crianças saudáveis no Arizona - Estados
lado a isso, o transplante de microbiota fecal Unidos, por meio de testes de fezes com cultura
pode transformar a disbiose intestinal em um de bactérias, leveduras, lisozima, IGA, ácidos
microbioma saudável ao incorporar micróbios graxos de cadeia curta entre outros, demonstrou
uma relação dos sintomas gastrointestinais com

11 | P á g i n a
a gravidade do autismo concluindo que crianças dois anos após o tratamento, em comparação
com sintomas de autismo mais graves, têm com antes do início do tratamento.
maior probabilidade de apresentar sintomas O transplante de microbiota fecal consiste
gastrointestinais, os níveis baixos de ácidos gra- na transferência de material fecal de um doador
xos de cadeia curta foi associado ao aumento do saudável para um paciente receptor com o obje-
uso de probióticos e parcialmente devido à pro- tivo de aumentar a diversidade de todo o micro-
dução mais baixa ou maior absorção desse no bioma gastrointestinal (FILIP et al., 2018).
corpo (ADAMS et al., 2011). Um estudo anterior apenas com o antibió-
Além disso, estudos evidenciam que amos- tico vancomicina encontrou grandes melhorias
tras fecais de crianças autistas possuem maior no trato gastrointestinal e nos sintomas do
quantidade de Clostridium difficile, o qual é a- transtorno, mas os benefícios foram perdidos
pontado como causador de diarreias associado em algumas semanas após o tratamento ser in-
ao uso de antibióticos, os mecanismos inflama- terrompido, apesar do uso de probióticos sem
tórios envolvidos na composição dessas toxinas receita (KANG et al., 2019).
são complexos, portanto medidas de controle da Foi, ainda, comparado as diferenças entre o
infecção como a administração de Vancomicina microbioma de crianças portadores de TEA e o
o qual altera o equilíbrio da flora intestinal e faz microbioma de crianças com desenvolvimento
com que a Clostridium difficile torne-se sensí- típico. Nesta comparação, descobriu-se que cri-
vel ao fármaco, evidenciando uma melhora tan- anças com autismo tinham menor diversidade
to no comportamento e comunicação do autista em seus respectivos micróbios intestinais e ti-
(PERLMUTTER et al., 2015). nha depleção de certas cepas de bactérias úteis,
Em um estudo realizado por pesquisadores como Bifidobacterium e Prevotella. O trata-
da Arizona University Rosa, nos Estados Uni- mento com Terapia de Transferência de Micro-
dos, “Benefício de Longo Prazo da Terapia de biota (MTT) aumentou substancialmente a di-
Transferência de Microbiota em Sintomas de versidade microbiana e a presença de bactérias
Autismo e Microbiota Intestinal”, foi demons- benéficas no intestino. Depois de dois anos, a
trado efeitos benéficos de longo prazo para cri- diversidade era ainda maior e a presença de mi-
anças diagnosticadas com TEA, por meio de cróbios benéficos permaneciam (KANG et al.,
uma técnica conhecida como Terapia de Trans- 2019). MTT é um protocolo modificado de
ferência de Microbiota, um tipo especial de transplante fecal, a qual inclui 2 semanas de tra-
transplante fecal. Notavelmente, melhorias na tamento com antibióticos, uma limpeza intesti-
saúde intestinal e nos sintomas de autismo pa- nal e uma alta dose de microbiota intestinal hu-
recem persistir por muito tempo após o trata- mana padronizada por cerca 2 meses (LI et al.,
mento. Neste estudo, os pais dos pacientes rela- 2017).
taram uma redução lenta e constante dos sinto- A avaliação profissional revelou ainda uma
mas de TEA de seus filhos durante o tratamento diminuição de 45% nos sintomas de TEA, em
e nos próximos dois anos após o mesmo. Um comparação com a linha de base. Os pesquisa-
avaliador profissional encontrou uma redução dores observaram que, embora possa haver um
de 45% nos principais sintomas de TEA (lin- efeito placebo, muito desse efeito parece ser
guagem, interação social e comportamento) real. No início do estudo, 83% dos participantes
foram classificados como autismo “grave”. No

12 | P á g i n a
final do estudo, apenas 17% eram “graves”, do que crianças sem TEA e que a terapia com
39% eram leves/moderados e 44% estavam a- probióticos diminuiu significativamente as con-
baixo do ponto de corte para TEA leve. O MTT centrações fecais de TNF-α em crianças com
melhora o estresse gastrointestinal, introduzin- TEA desde o início. Da mesma forma, embora
do cepas-chave de bactérias benéficas e ajudan- não alcancem significância, as concentrações
do a aumentar os níveis de biodiversidade no fecais de TNF-α mostraram uma tendência de
intestino, melhorando a saúde geral (KANG et correlação com a gravidade do autismo e os sin-
al., 2019). tomas gastrointestinais foram fortemente corre-
Em relação ao uso de probióticos, os mes- lacionados com as concentrações fecais de
mos podem ser definidos pela Organização TNF-α (BRANDAO et al., 2022).
Mundial da Saúde como "microrganismos vi- Em um ensaio concluído, L. plantarum foi
vos que quando administrados em quantidades fornecido uma vez ao dia por 3 semanas para 17
adequadas, conferem benefício à saúde do hos- crianças com TEA, houve uma alteração signi-
pedeiro” (WORLD GASTROENTEROLOGY ficativa na microbiota intestinal em compara-
ORGANISATION, 2017). ção com o placebo. Especificamente, a quanti-
Esses efeitos, no entanto, variam de acordo dade de Lactobacillus e Enterococcus aumen-
com a quantidade, espécie e, em particular, com tou e Clostridium coccoides diminuiu. De modo
a cepa selecionados, com base nas diferenças similar, após 3 meses de suplementação com
genéticas e na natureza da interação entre os mi- probióticos, também descobriram que crianças
crorganismos e o hospedeiro. As cepas perten- com TEA experimentaram um aumento signifi-
centes aos gêneros Bifidobacterium e Lactoba- cativo de Bifidobacterium e Lactobacillus em
cillus são as mais comumente usadas. Esses mi- suas amostras fecais (PATUSCO & ZIEGLER,
crorganismos atuam limitando o número de 2018).
bactérias patogênicas, estabilizando a micro- Em geral, poucos efeitos colaterais foram re-
flora intestinal, reduzindo a permeabilidade in- latados como resultado da terapia com probióti-
testinal e o pH, fortalecendo função de barreira cos. Em um ensaio quase 14% das crianças rela-
através das junções estreitas e estimulando res- taram piora da constipação ou gravidade da diar-
postas imunes (LÁZARO et al., 2017). reia com a suplementação de probióticos. Três ad-
Em estudos observados, utilizou-se o PCR ventos adversos foram relatados durante a inter-
em tempo real para analisar a microbiota fecal, venção probiótica, incluindo um episódio de 3
dias de erupção cutânea, diarreia e perda de peso
e relatou que a terapia probiótica em 10 crianças
(PATUSCO & ZIEGLER, 2018).
com TEA diminuiu significativamente a quan-
tidade de Bifidobacterium e trouxe a abundân- As limitações para esta revisão se basearam
cia para níveis semelhantes aos encontrados em no fato de existirem poucas pesquisas primárias
controles sem TEA. Da mesma forma, bactérias que examinam o papel da terapia probiótica e
do gênero Desulfovibrio tiveram suas quantida- do transplante fecal na alteração dos sintomas
des significativamente reduzidas em crianças comportamentais e gastrointestinais em indiví-
com ASD após 4 meses de terapia com probió- duos com TEA. A literatura consiste em apenas
ticos. Descobriu-se ainda que, embora não em alguns estudos pequenos e mal controlados que
proporções significativas, o TNF-α fecal é necessitam de uma mensuração consistente dos
sinais e sintomas. A ausência da avaliação de
maior entre crianças com TEA e seus irmãos,

13 | P á g i n a
ingestão de fontes alimentares de probióticos probiótica e, embora nem todos tenham alcan-
ou seletividade alimentar, também dificultou o çado significância, ainda pode haver aplicações
presente trabalho. Uma quantidade maior de es- clínicas para isso.
tudos devidamente sustentados com controles Já os estudos que relacionaram o trans-
apropriados são fundamentais para abordar as plante fecal com o TEA revelaram uma dimi-
questões em torno do potencial benéfico do nuição expressiva da gravidade dos sinais e sin-
transplante fecal e do uso de probióticos em pa- tomas do transtorno nos portadores do mesmo,
cientes com TEA. Assim, um maior conheci- após o tratamento a longo prazo. Além disso, os
mento acerca do tema permitirá planos de trata- estudos também demonstraram que, com a apli-
mento mais adequados (BRANDÃO et al., cação do transplante fecal, houve diminuição
2022). dos sintomas gastrointestinais e um aumento da
diversidade microbiana, bem como um acrés-
CONCLUSÃO cimo da quantidade de bactérias benéficas,
como Bifidobacterium e Prevotella, anterior-
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é mente reduzidas em pacientes com TEA.
uma doença na qual alterações genéticas e os Por fim, conclui-se que, apesar dos estudos
fatores ambientais possuem grande influência apresentados evidenciarem uma importante in-
sobre o quadro clínico dos pacientes portadores fluência do microbioma intestinal e significan-
do transtorno; sendo suas características, por- tes benefícios trazidos pelos tratamentos alter-
tanto, determinadas não apenas pela genética, é nativos para indivíduos portadores de TEA, faz-
importante que mais estudos sejam realizados se necessário ainda uma maior quantidade de
com a finalidade de melhorar a qualidade de ensaios clínicos randomizados e controlados
vida de indivíduos portadores de TEA. para confirmar criticamente a eficácia do trans-
É evidente, em vista do estudo realizado, a plante fecal e dos probióticos no TEA.
relação entre os sinais e sintomas do TEA, bem Esta revisão forneceu evidências sugestivas
como a gravidade dos mesmos, com o microbi- sobre o potencial benefícios das terapias alter-
oma intestinal, uma vez que estudos demons- nativas e complementares na melhoria de sinto-
tram melhora do quadro clínico, seja após o mas gastrointestinais em crianças com TEA e
transplante fecal e/ou o uso de probióticos. Os consequentemente em parâmetros comporta-
estudos selecionados para este trabalho, de- mentais. No entanto, há pouca disponibilidade
monstraram que, apesar da variabilidade em es- de pesquisas robustas sobre intervenção dessas
pécies, cepas, dosagens e duração utilizada, a terapias para TEA disponíveis na literatura, e as
terapia probiótica, alterou consistentemente a pessoas de modo geral possuem amostras pe-
microbiota fecal de forma benéfica. Ademais, quenas, o que limita ainda mais a qualidade
estes estudos observaram uma redução na gra- dessa revisão e consequentemente a possibili-
vidade dos sintomas de TEA após a intervenção dade de uma conclusão mais efetiva.

14 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ADAMS, J. et al. Gastrointestinal flora and gastrointes- LI, Q. et al. The gut microbiota and autism spectrum dis-
tinal status in children with autism – comparisons to typ- orders. Frontiers in Cellular Neuroscience, [s. l.], v. 11,
ical children and correlation with autism severity. BMC p. 20, 2017.
Gastroenterology, [s. l.], v. 11, p. 22, 2011.
MACFABE, D. F. Enteric short-chain fatty acids: micro-
BRANDAO, T.L.S. et al. Suplementação de prebióticos bial messengers of metabolism, mitochondria, and mind:
e probióticos em crianças autistas: revisão integrativa. implications in autism spectrum disorders. Microbial
Research, Society and Development, v. 11, n. 1, p. Ecology in Health and Disease, v. 26, p. 28177, 2015.
e12811124061, 2022.
PATUSCO, R. & ZIEGLER, J. Role of Probiotics in
CRITCHFIELD, J.W. et al. The Potential Role of Probi- Managing Gastrointestinal Dysfunction in Children with
otics in the Management of Childhood Autism Spectrum Autism Spectrum Disorder: An Update for Practitioners,
Disorders. Gastroenterology Research and Practice, v. Advances in Nutrition, v. 9, n. 5, p. 637, 2018.
2011, p. 161358, 2011.
PERLMUTTER, D. et al. Amigos da Mente: Nutrientes
DE ANGELIS, M. et al. Fecal microbiota and metabo- e Bactérias que vão curar e proteger seu cérebro. 1. ed.
lome of children with autism and pervasive developmen- [S. l.]: Editora Paralela, 2015.
tal disorder not otherwise specified. PLoS One, v. 8, n.
10, p. e76993, 2013. SILVA, N.I. Relação entre hábito alimentar e síndrome
do espectro autista. (Mestrado em Ciência e Tecnologia
FILIP, M. et al. Fecal transplantation: digestive and ex- de Alimentos) - Escola Superior de Agricultura Luiz de
tradigestive clinical applications. Clujul Medical, [s. l.], Queiroz, Universidade de São Paulo, Piracicaba, 2011.
v. 91, n. 3, p. 259, 2018.
WAGNER, N. et al. Mudanças na microbiota intestinal e
GAZOLA, F. et al. Ingestão de lactose, caseína e glúten uso de probióticos no pós-operatório de bypass gástrico
e o comportamento do portador de autismo. Revista Sa- em y-de-roux e gastrectomia vertical sleeve: Uma revisão
úde Quântica, Maringá, v. 8, n. 4, p. 53, 2015. integrativa. ABCD Arquivos Brasileiros de Cirurgia Di-
gestiva, [s. l.], v. 31, n. 4, p. e1400, 2018.
KANG, D. et al. Autism symptoms reduced nearly 50
percent two years after fecal transplant. Scientific Re- WORLD GASTROENTEROLOGY ORGANIZATION.
ports, [s. l.], 2019. Probióticos e prebióticos. Diretrizes Mundiais da Orga -
nização Mundial de Gastroenterologia, [s. l.], 2017. Dis-
LÁZARO, C. et al. Do probiotics exert beneficial effects ponível em: https://www.worldgastroentero-
on the manifestations of autism spectrum disorders?. Re- logy.org/UserFiles/file/ guidelines/probiotics-and-prebi-
vista Brasileira de Neurologia e Psiquiatria, [S. l.], v. 21, otics-portuguese-2017.pdf. Acesso em: 19 out. 2020.
n. 1, p. 60, 2017.

15 | P á g i n a
Capítulo 03

O AUMENTO DO NÚMERO DE
CASOS DE DEPRESSÃO NA
CRIANÇA E ADOLESCENTE
PÓS PANDEMIA DA COVID-19

ANA CLAUDIA OLIVEIRA AMORIM 1


VANUSA LESSA BENEVIDES NASCIMENTO 1
JOSÉ LUCAS MOURA VASCONCELOS 2
ANA CLARA SERTÃO ALVES 2
FERNANDA ARAÚJO SILVA PEREIRA2
ALLANA SANTOS REIS 2
TERESA D’ÁVILA BARBOSA CRUZ 2
EMILI MARIANE MACHADO GONÇALVES 2
GABRIELLE NOGUEIRA LUCIANO 2
MARCIO RYAN ARAÚJO DE NOVAES 2
MARIA EDUARDA TEIXEIRA SEPÚLVEDA 2
GÉSSICA LIMA RIBEIRO 2

1. Orientadora – Médicas, Pediatras e Docente de Medicina da UniFG – Guanambi.


2. Discente – Curso de Medicina da UniFG – Guanambi.

Palavras Chave: Depressão; COVID-19; Criança.

10.59290/978-65-6029-017-4.3 16 | P á g i n a
INTRODUÇÃO sível quadro depressivo. Dessa forma, a depres-
são infantil configura um desequilíbrio no hu-
Os transtornos depressivos incluem-se entre mor, sendo capaz de impactar negativamente o
as doenças que apresentam, na atualidade, altas desenvolvimento neuropsicomotor da criança
e crescentes taxas de prevalência na população ou adolescente, comprometendo também seu
geral. A depressão consiste em uma doença psi- processo de maturidade psicológica e social
quiátrica crônica, que apresenta uma série de (RAMOS et al., 2022).
características complexas. Por um lado, causa Mundialmente, aproximadamente 166 mi-
um estado de ânimo irritável, enquanto por ou- lhões de jovens com idades entre 10 e 19 anos
tro, resulta em falta de motivação e diminuição atenderam aos critérios para um transtorno de
do comportamento adaptativo. É comum tam- saúde mental em 2019. Nesse mesmo ano, o su-
bém haver alterações no apetite, no sono e na icídio foi uma das cinco principais causa de
atividade motora, além de cansaço, especial- morte entre adolescentes de 15 a 19 anos em 8
mente pela manhã, baixa autoestima, conceito das 9 regiões do Fundo das Nações Unidas para
de si mesmo prejudicado, sentimentos de culpa, a Infância (UNICEF), incluindo a América La-
dificuldades para pensar ou se concentrar, tina e o Caribe (BUCHWEITZ et al., 2022).
indecisão, ideias de morte e/ou suicídio e até Nos EUA, tem se notado um aumento con-
mesmo tentativas de suicídio (RUFINO et al., siderável na prevalência da depressão entre
2018). 2005 e 2014, principalmente na faixa etária en-
De acordo com a Organização Mundial da tre 12 e 20 anos. Pesquisas mostraram que uma
Saúde (OMS), a depressão se tornará a doença em cada 37 crianças foi diagnosticada com de-
mais prevalente nos próximos anos, ultrapas- pressão entre 2011-2012, e que cerca de 13% a
sando outras condições de saúde como doenças 20% apresentam sinais de transtornos compor-
cardíacas e câncer. A instituição cita, ainda, que tamentais em algum momento da infância e a-
ela vem se tornando uma epidemia silenciosa dolescência (SBP, 2019).
(FRAGA, 2015). A prevalência real, no Brasil, não é conhe-
Ao contrário do que o senso comum acre- cida mas acredita-se que vem se tornando uma
dita, as crianças também são atingidas pela de- questão emergente de saúde pública, já que os
pressão. Um dos principais fatores que fortale- dados referentes a tentativas e casos efetivos de
cem esse estigma são os elevados índices de ca- suicídio têm crescido em idades cada vez mais
sos subdiagnosticados, uma vez que o diagnós- precoces, assim como também há um aumento
tico dessa condição em crianças se dá de manei- nos casos de automutilação, especialmente no
ra mais complexa, haja vista que seu quadro clí- sexo femino (SBP, 2019).
nico pode ser facilmente confundido por condi- A etiologia da depressão é multifatorial e
ções comportamentais comuns dessa faixa etá- complexa, e abrange uma série de fatores gené-
ria, como irritabilidade, birras, mau humor e a- ticos, neurobiológicos e ambientais, incluindo
gressividade (RAMOS et al., 2022). sexo feminino, idade mais elevada, nível socio-
No entanto, quando há a persistência de tais econômico baixo, introspecção, história de de-
manifestações e amplitude exacerbada destas, pressão na família, entre outros (RAMOS et al.,
somadas a alterações nos hábitos regulares das 2022).
atividades da criança, aponta-se para um pos-

17 | P á g i n a
Existem estudos que correlacionam a ocor- vas, como padrões de sono adequado, prática
rência de eventos estressantes na infância – co- regular de atividade física; desenvolvimento de
mo experiências repetidas de fracasso - com o habilidades interpessoais; e aprender a adminis-
surgimento de pensamentos e sentimentos de- trar emoções (OPAS, 2018).
pressivos, que facilitam o desenvolvimento da Em contraponto, segundo a Organização
depressão infantil (FRAGA, 2015). Justifican- Mundial da Saúde, 50% de todos os distúrbios
do tal relação, existem pesquisas que indicam psicológicos são iniciados até os 14 anos de ida-
que o estresse nas fases iniciais do desenvolvi- de, evidenciando, assim, a fase da infância e
mento infantil, pode estimular alterações na ca- adolescência como o período que compreende
pacidade do eixo Hipotálamo Pituitária-Adre- a base da maioria dos transtornos mentais de-
nal (HPA) em responder efetivamente ao estres- senvolvidos ao longo da vida (OPAS, 2018).
se na vida adulta, tornando o indivíduo mais Nesse sentido, a mídia exerce grande in-
suscetível ao desenvolvimento de transtornos fluência, visto que exacerba a disparidade entre
mentais (SPRANG & SILMAN, 2013). a realidade vivida por um adolescente em con-
Outros fatores de risco também são impor- trapartida a suas aspirações irrealistas de uma
tantes para a instalação e progressão do trans- vida ideal. Ademais, a quantidade de tempo que
torno, como problemas no sistema familiar ou o indivíduo está exposto às telas, torna-se um
no meio escolar, fatores genéticos, abuso físico fator preocupante. Estudos apontam que, em
ou sexual e separação dos pais. Este último é um dia corriqueiro, adolescentes americanos
um fator importante, já que implica em uma gastam em média seis horas e meia frente a elas.
perda vincular abrupta, que reflete expressiva- Tal situação caracteriza um uso em excesso,
mente nas relações, pensamentos e sentimentos podendo ser associado a problemas de sono, de-
da criança (FRAGA, 2015). pressão, baixo desempenho acadêmico e inte-
A escola e a família constituem os ambien- ração social, levando inclusive ao aumento do
tes que mais influenciam no estado psicosso- risco de suicídio – fator que ganhou força es-
cial, e consequentemente no desenvolvimento pecialmente no período pandêmico (JOSHI et
do quadro depressivo na criança, principalmen- al., 2018).
te no que se diz respeito aos padrões de relacio- A pandemia do Covid- 19, representou um
namentos disfuncionais, opressão, humilhação colapso na saúde mundial, uma vez que a in-
e maltrato. Além do mais, outros fatores prediti- fecção pelo novo coronavírus apresentava rápi-
vos para tal condição, relacionados ao meio es- do contágio. Nesse contexto, foi necessário a
colar, são os problemas de relacionamento com tomada de medidas que visavam o distancia-
professores e colegas, o sentimento de rejeição, mento social, dentre elas, o fechamento de es-
o bullying e o baixo desempenho escolar (FRA- colas e centros de educação infantil. Nesse viés,
GA, 2015). de modo abrupto, as crianças e adolescentes se
A adolescência constitui uma fase de suma encontravam em uma nova realidade privada da
importância para o desenvolvimento e modu- socialização e expostas a novos mecanismos de
lação dos hábitos sociais e emocionais que ensino (ROMANZINI et al., 2022).
exercem relevantes impactos no estabelecimen- O impacto da pandemia influencia negati-
to de uma vida adulta saudável, esse é o mo- vamente no desenvolvimento infantil, haja vista
mento propício para adoção de medidas positi- que com a suspensão das aulas presenciais e

18 | P á g i n a
consequente aumento no uso de telas em detri- tria, além de livros que trouxeram conheci-
mento da nova realidade virtual, somado à res- mento acerca do tema. Foram utilizados artigos
trição da interação social, houve a amplificação escritos em inglês, português, e espanhol, publi-
de condições de estresse levando ao aumento de cados nos últimos 10 anos, ou seja, de 2013 a
sintomas depressivos (FIOCRUZ, 2020). Tal 2023. Excluindo-se as duplicidades, foram se-
problemática foi demonstrada em um estudo lecionados artigos que atenderam aos critérios
realizado na China, com uma amostra que con- de inclusão e exclusão pré-estabelecidos.
tou com 2.330 estudantes entre 7 e 18 anos de A pesquisa foi realizada em três fases: (1)
idade, no período de fevereiro a março de 2020, Pesquisa por títulos e resumos do tema: nesta
e mostrou aumento dos sintomas de ansiedade fase, foram excluídos os artigos que não se ade-
e depressão se comparados aos números ante- quaram à temática estudada; (2) Verificação da
riores à pandemia. No estudo foram citados al- existência de duplicidade dos artigos seleciona-
guns pontos relacionados ao aumento da de- dos nas bases de dados usadas, ou seja, se arti-
pressão, dentre eles, houve destaque para a re- gos iguais foram selecionados em bases de da-
dução das atividades ao ar livre e de interação dos diferentes. (3) foram excluídos os artigos
social (XIE et al., 2020). que não apresentavam relevância para a pes-
O presente artigo tem o objetivo de apresen- quisa.
tar as possíveis causas e os impactos da depres- Ao todo, após triagem 18 documentos fo-
são no desenvolvimento da criança, relacionan- ram selecionados, estes foram lidos integral-
do a realidade pós pandemia do Covid19. mente para a construção deste trabalho, além de
algumas recomendações da Sociedade Brasilei-
MÉTODO ra de Pediatria (SBP) e da Organização Mundial
de Saúde (OMS).
A revisão não sistemática da literatura foi
realizada a partir das bases de dados on-line. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram usadas a seguintes referências: BVS
Brasil (Biblioteca Virtual em Saúde Brasil), LI- Depressão na infância
LACS (Literatura Latino-americana e do Ca- A depressão, possui alta prevalência em to-
ribe em Ciências da Saúde), PubMed (US Nati- do o mundo e assim como diversos transtornos
onal Library of Medicine National Institutes of mentais, apresenta grandes desafios na prática
Health), SciELO (Scientific Electronic Library clínica. Na criança, esses impasses são ainda
Online) e principais revistas das sociedades mais altos com etiologia complexa e multifato-
brasileiras de pediatria. As palavras chave usa- rial. No Brasil, existe uma dificuldade em rela-
das para a busca foram “depressão”, “Trans- ção à abordagem do tema, pois mesmo com um
torno Depressivo Maior”; “criança” e “desen- aumento exponencial no número total de casos,
volvimento infantil” e “Covid-19” todos os des- há uma escassez de estudos epidemiológicos
critores incluídos no DeCS/MeSH (Descritores que colaborem com esse aumento, principal-
em ciência de saúde). mente no que tange à metodologia dos mesmos.
As buscas foram realizadas em maio de Sendo assim, sabe-se que muitos casos são sub-
2023, incluindo-se artigos originais, de revisão diagnosticados (FRAGA, 2015).
e diretrizes das principais sociedades de pedia-

19 | P á g i n a
Por muito tempo, o transtorno depressivo A privação afetiva, ou seja, a criança não re-
na infância não recebeu a atenção devida, os re- ceber amor, carinho e apoio dos genitores é um
gistros datam que em 1621 já haviam descri- fator de risco de grande importância. Crianças
ções de possíveis casos relatados em crianças, com essa característica têm mais dificuldade em
mas que na época eram consideradas apenas situações de estresse vivenciadas durante a vida
uma melancolia. Foi a partir da década de 70 estando mais propensas ao desenvolvimento de
que o tema começou a ter relevância pois, no- sintomas depressivos e consequentemente, o
tou-se as consequências desse transtorno na vi- transtorno (FRAGA, 2015).
da da criança, principalmente no desenvolvi- Além das experiências ambientais, existe
mento neuropsicomotor (RAMOS et al., 2022). associação entre o quadro depressivo e algumas
A depressão é considerada uma doença patologias como: malformações congênitas, do-
multifatorial, pois sua etiologia advém da in- enças crônicas, fibrose cística, número de inter-
fluência ambiental e/ou genética. Alguns desses nações elevado devido a procedimentos, longos
fatores conseguem predizer o transtorno em cri- períodos de hospitalizações. A sintomatologia é
anças como: a idade em que ocorreu pela pri- de grande espectro e varia com a idade, visto
meira vez, duração do episódio depressivo e se que crianças menores de 12 anos possuem sin-
houve uma forte intensidade e impacto na vida tomas inespecíficos. O quadro clínico está apre-
do indivíduo, a presença de fatores de estresse sentado na Tabela 3.1.
que agravam o quadro e a falta de adesão ao O diagnóstico é feito de forma clínica, atra-
tratamento proposto (FRAGA, 2015). vés do Manual Diagnóstico e Estatísticos dos
No que se refere a genética, a SBP afirma Transtornos Mentais (DSM), atualmente em
que possuir um parente de 1º grau com trans- sua quinta edição (DSM-V, 2013). Esse mate-
torno depressivo maior duplica as chances de a rial foi elaborado para diagnóstico da depressão
criança desenvolver o mesmo (SBP, 2019). Ao no adulto, apresentando algumas dificuldades
passo que, outros autores afirmam que a influ- em seu uso na pediatria. Nessa ferramenta são
ência da herança genética é pequena e que o apresentados critérios – A, B, C, D e E – para o
ambiente em que a mesma está inserida é mais diagnóstico médico, avaliando a presença e o
determinante para o desenvolvimento. Sendo tempo dos sintomas e sinais descritos (SBP,
assim, a hereditariedade é importante, mas não 2019).
deve ser considerada como causa única (FRA- O quadro clínico da criança, apresentado na
GA, 2015). Imagem 3.1, é diferente do apresentado por
O ambiente que envolve a criança possui adultos e por isso tem-se uma maior dificuldade
uma forte associação com o surgimento do qua- em diagnosticar casos de depressão infantil, au-
dro depressivo. Crianças que sofreram com a mentando os subdiagnósticos. A faixa etária in-
separação dos pais, abandono de uma ou ambas fanto-juvenil é fase de intensas mudanças cor-
as partes possuem maior chance do transtorno, porais, sociais e emocionais e muitos sintomas
de forma geral, qualquer experiência sofrida são considerados por pais e/ou responsáveis co-
pela criança ou pela família pode se relacionar mo sendo normais para idade e assim, deixam
com aumento do risco de depressão (FRAGA, de procurar auxílio profissional (SBP, 2019).
2015).

20 | P á g i n a
Imagem 3.1 Sintomas e sinais da depressão em menores e maiores de 12 anos

Fonte: Adaptado da SBP, 2019

Tabela 3.1 Critérios diagnósticos pelo DSM-V B. Os sintomas causam sofrimento clinicamente
A: Cinco ou mais dos sintomas seguintes, presen- significativo ou prejuízo no funcionamento social,
tes por pelo menos duas semanas e que representam ocupacional ou em outras áreas importantes da vida
mudanças no funcionamento prévio do indivíduo; do indivíduo;
pelo menos um dos sintomas é: C. Os sintomas não se devem aos efeitos fisioló-
1) humor deprimido ou gicos diretos de uma substância (p. ex.: droga) ou ou-
2) perda de interesse ou prazer tra condição médica (Notas: 1. Os critérios de A-C
(Nota: não incluir sintoma nitidamente devido a representam um episódio depressivo maior; 2. Res-
outra condição clínica): postas a uma perda significativa (luto, perda finan-
1. Humor deprimido na maioria dos dias, quase ceira, perda por um desastre natural, uma grave do-
todos os dias (p. ex.: sente-se triste, vazio ou sem es- ença médica ou invalidez) podem incluir sentimento
perança) por observação subjetiva ou realizada por de tristeza intensa, reflexão excessiva sobre a perda,
terceiros (Nota: em crianças e adolescentes pode ser insônia, falta de apetite e perda de peso observado no
humor irritável); critério A que pode assemelhar-se a um episódio de-
2. Acentuada diminuição do prazer ou interesse pressivo. Embora estes sintomas possam ser compre-
em todas ou quase todas as atividades na maior parte ensíveis ou considerados apropriados para a perda, a
do dia, quase todos os dias (indicado por relato subje- presença de um episódio depressivo maior em adição
tivo ou observação feita por terceiros); a uma resposta normal a uma perda significativa,
3. Perda ou ganho de peso acentuado sem estar deve também ser considerado cuidadosamente. Esta
em dieta (p.ex. alteração de mais de 5% do peso cor- decisão, inevitavelmente, requer o exercício de julga -
poral em um mês) ou aumento ou diminuição de ape- mento clínico baseado na história do indivíduo e as
tite quase todos os dias (Nota: em crianças, conside- normas culturais para a expressão de angústia no con-
rar incapacidade de apresentar os ganhos de peso es- texto de perda);
perado); D. A ocorrência de episódio depressivo maior
não é melhor explicada por transtorno esquizoafetivo,
4. Insônia ou hipersônia quase todos os dias
esquizofrenia, transtorno delirante ou outro trans-
5. Agitação ou retardo psicomotor quase todos os torno especificado ou não do espectro esquizofrênico
dias (observável por outros, não apenas sensações e outros transtornos psicóticos;
subjetivas de inquietação ou de estar mais lento); E. Não houve nenhum episódio de mania ou hi-
6. Fadiga e perda de energia quase todos os dias; pomania anterior (Nota: esta exclusão não se aplica
7. Sentimento de inutilidade ou culpa excessiva se todos os episódios tipo maníaco ou hipomaníaco
ou inadequada (que pode ser delirante), quase todos forem induzidos por substância ou atribuíveis aos
os dias (não meramente autorrecriminação ou culpa efeitos fisiológicos de outra condição médica).
por estar doente); Fonte: Adaptada da SBP, 2019
8. Capacidade diminuída de pensar ou concen-
trar-se ou indecisão, quase todos os dias (por relato COVID-19
subjetivo ou observação feita por outros); O primeiro caso de Covid-19 foi detectado
9. Pensamentos de morte recorrentes (não apenas
medo de morrer), ideação suicida recorrente sem um em Whuan, na China, em dezembro de 2019.
plano específico, ou tentativa de suicídio ou plano es- Desde então os casos aumentaram, de forma di-
pecífico de cometer suicídio;
sseminada por todo o mundo, principalmente

21 | P á g i n a
pela falta de imunidade da população já que se com as gotículas do paciente infectado. Essas
tratava de um novo coronavírus, o SAR-CoV- gotículas podem atingir um novo hospedeiro
2. Em março de 2020 foi declarada pela OMS através da tosse, espirro, saliva, catarro, como
uma pandemia e a partir disso iniciou-se uma também repousar em objetos e/ou superfícies
série de mudanças na vida da população. compartilhadas. A entrada do vírus pode ser pe-
Devido à alta transmissibilidade do vírus foram los olhos, nariz ou boca e é por isso que a lava-
instituídas medidas de prevenção - não farma- gem das mãos, uso de máscaras e isolamento
cológicas - para tentar conter o avanço da pan- social são medidas eficazes no combate a CO-
demia e diminuir o número de mortes (GAR- VID-19 (GOVERNO DO ESTADO DO ESPÍ-
CIA & DUARTE, 2020). RITO SANTO, 2023)
O agente etiológico da COVID-19 é o O isolamento social foi uma das principais
SARS-CoV-2, da família Coronaviridae, um medidas não farmacológicas de combate. O fe-
vírus de ácido ribonucleico que possui alta chamento de diversos locais se fez necessário
transmissibilidade e infecta o hospedeiro cau- para cessar o contágio e com isso as escolas,
sando uma síndrome respiratória aguda grave creches e outros locais de convívio infantil tive-
podendo levar a óbito. Os sintomas, mais co- ram suas atividades presenciais interrompidas,
muns, são: febre, cefaleia, alterações respirató- por conta da aglomeração e transmissibilidade
rias como espirros e tosse, mal estar e em casos do vírus. O ensino remoto foi instituído e um
mais graves a dispneia pode estar presente. O nova realidade foi imposta (GARCIA & DU-
diagnóstico pode ser feito pelo exame que iden- ARTE, 2020).
tifica a presença do material genético no sangue Os dados de COVID-19 em crianças são es-
do paciente, o RT-PCR (reação de transcriptase cassos, visto que muitas apresentavam sintomas
reversa seguida pela cadeia de polimerase) ou inespecíficos e não realizavam testes. Porém,
pela presença de anticorpos contra o vírus no segundo a FIOCRUZ (Fundação Oswaldo
sangue, o método sorológico (UZUNIAN, Cruz, 2022), de 2020 a 2022 cerca de 540 crian-
2020). ças, de seis meses a três anos, foram a óbito por
Em crianças a infecção pelo COVID-19, conta da COVID-19. De 2020 a 2021, 867 cri-
muitas vezes, se apresenta assintomática. O ris- anças com menos de quatro anos de idade mor-
co de contrair a doença é o mesmo do adulto, reram por conta da doença, de quatro a cinco
mas a ausência de sintomas leva a falta de diag- anos o número foi de 194 mortes, de 10 e 14
nósticos, então, os números não retratam a rea- anos 273 mortes e esse número triplica na faixa
lidade da infecção dessa faixa etária. Os sinto- etária de 15 aos 19 anos (ROMANZINI et al.,
mas quando apresentados são: febre, tosse, con- 2022).
gestão nasal, coriza, e em casos graves pode le- Outro impacto da pandemia foi na cobertura
var a aumento da frequência respiratória, pneu- vacinal mostrando que 22,7% das crianças de
monia e dispneia. Chama atenção os sintomas maior vulnerabilidade social deixaram de se va-
gastrointestinais nas crianças como diarreias cinar enquanto nas de melhor nível socioeco-
e/ou vômitos, que não costumam ocorrer nos nômico esse número reduz para 15%, levando a
adultos (SBP, 2020). um aumento e até mesmo reaparecimento de
A transmissão do novo coronavírus ocorre doenças infecto contagiosas, por exemplo, a po-
a partir do contato com secreções contaminadas liomielite e o sarampo que eram bem controla-

22 | P á g i n a
das na fase pré pandemia (ROMANZINI et al., crescimento do índice de automutilação e ten-
2022). tativas de suicídio (OPAS, 2022).
A queda da cobertura vacinal é motivo de Os sintomas de depressão e ansiedade au-
muita apreensão na área de saúde. Dentre as ra- mentaram, também, nas crianças e adolescentes
zões para esse fenômeno tem-se a disseminação durante a pandemia. Um dos principais contri-
das 'fake-news' veiculadas nas redes sociais que buintes para esse fator é a diminuição das ati-
amedrontam os pais e responsáveis acerca dos vidades externas e interação social levando a
possíveis efeitos colaterais das vacinas dando sensação de solidão. Esse sentimento pode cau-
força a um movimento anti-vacina. O medo em sar: labilidade do humor, sonolência excessiva,
levar seus filhos aos serviços de saúde e contrair tristeza e outros que contribuem para um qua-
a COVID-19 também influenciou nessa redu- dro depressivo (ROMANZINI et al., 2022).
ção, além do fato de muitas pessoas que pos- Essa solidão é alimentada por diversos fato-
suem filhos na faixa etária infantil hoje não te- res: falta de um espaço de privacidade para a
rem sofrido com as sequelas das doenças in- criança no ambiente domiciliar, lacuna de aten-
fectocontagiosas e assim não consideram a va- ção por parte dos pais/responsáveis que acabam
cinação essencial. negligenciando os filhos por estarem estressa-
dos, ansiosos e cansados e tédio que foi relatado
Depressão e COVID-19 pelos pais como um queixa recorrente. Estudos,
Os impactos da pandemia nas crianças e realizados em Portugal no ano de 2022, mos-
adolescentes são diversos, incluindo todas as traram que dos 23 participantes de 14 a 18 anos,
áreas do desenvolvimento infantil (socioemoci- 100% apresentavam queixas de tristeza e soli-
onais, cognitivas, linguagem/comunicação e dão (ROMANZINI et al., 2022)
motora). Sabe-se que esse grupo foi vítima da Em uma análise qualitativa feita no Rio
necessidade de readaptação à nova realidade Grande do Sul (RS) em 2022, fica evidente que
que lhe foi imposta sofrendo com questões rela- uma das principais queixas dos pais/respon-
cionadas a déficit de aprendizagem, irritabilida- sáveis foi o medo dos filhos contraírem a
de, tristeza, medo, insegurança, solidão e outros COVID-19, transmitir a doença para alguém do
sentimentos que podem agravar, levando um convívio doméstico e perder um familiar por
quadro depressivo, que deve ser identificado de esse motivo. Ou seja, houve um fator de estres-
forma precoce para melhor manejo (ROMAN- se importante e constante durante a pandemia
ZINI et al., 2022). da COVID-19, que contribuiu de forma signifi-
Durante a pandemia, os serviços de saúde cativa para os sintomas depressivos nas crian-
mental foram interrompidos para dar espaço a ças e nos pais (ROMANZINI et al., 2022).
atenção especializada na infecção por Covid - O processo de aquisição de conhecimento
19, esse cenário associado aos fatores de estres- foi consideravelmente mais difícil durante a
se vividos pelas famílias como o medo, insegu- pandemia. O ensino remoto trouxe desafios tais
rança e ansiedade amplificou o número de qua- como: necessidade de aparelhos tecnológicos
dros depressivos. A depressão aumentou sua de qualidade e assistência dos pais/responsáveis
prevalência em 25% em todo o mundo no pri- para elaboração das tarefas de casa. Notou-se
meiro ano da pandemia e os mais afetados fo- uma diminuição da capacidade de aprendizado,
ram as mulheres e os jovens, houve também o dificuldades de concentração, aumento do es-

23 | P á g i n a
tresse por conta das cobranças dos pais e esse tando a chance de desenvolver sintomas da
quadro culmina no surgimento de sentimentos depressão (ROMANZINI et al., 2022)
de frustração, desânimo intenso e irritação nas O excesso do tempo de tela, principalmente
crianças (ROMANZINI et al., 2022). de forma não supervisionada aumenta a expo-
As crianças podem, ainda, sofrer direta- sição de crianças e adolescentes a conteúdos
mente com a instabilidade familiar, principal- impróprios para a idade, crimes cibernéticos,
mente a financeira. Durante a pandemia, é sabi- abuso sexual e exploração sexual. Durante a
do a crise econômica enfrentada no Brasil, devi- pandemia, casos de violência sexual de forma
do aos fechamentos de empresas e demissões virtual aumentaram consideravelmente princi-
em massa. A redução da renda familiar, acabou palmente pela falta de monitoração dos res-
alterando a qualidade de vida da criança e do ponsáveis que torna o público infanto-juvenil
adolescente gerando, mais uma vez, medo, es- mais vulnerável a esses crimes. Abuso sexual se
tresse e sintomas ansiosos (FIOCRUZ, 2020). caracteriza como situação estressante que asso-
Com a pandemia vários eventos estressores ciado a outros fatores contribui quadro de tris-
aumentaram as chances de violência doméstica teza (SANTOS, 2022).
e consequentemente desfechos negativos a saú-
de física e mental de crianças e adolescentes. CONCLUSÃO
Além disso, esses agentes estressores atuam
também na relação conjugal dos adultos cuida- A depressão consiste em uma doença psi-
dores expondo a criança a situações de violên- quiátrica crônica, que apresenta uma etiologia
cia doméstica, vivência danosa para sua saúde multifatorial, com sintomatologia complexas e
mental. Simultaneamente as crianças também difícil manejo. Durante o período pandêmico
podem estar mais irritadas em frente a restri- houve maior suscetibilidade aos fatores de risco
ções de mobilidades e contato com outras crian- relacionados ao transtorno depressivo nas cri-
ças e adultos significativos em suas vidas, rea- anças e adolescentes.
gindo de forma mais impaciente, agressivas as As necessidades impostas à criança pela
demandas externas e solicitações da família pandemia da COVID-19 - diminuição das ativi-
(FIOCRUZ, 2022). dades externas e interação social - influencia-
As alterações do sono durante a pandemia ram negativamente no desenvolvimento infan-
também foram intensas. Um estudo realizado til. Simultaneamente, a negligência dos pais/
na China evidenciou que de 320 crianças e ado- responsáveis com os filhos devido ao estresse,
lescentes, 21% apresentaram alterações no so- ansiedade e cansaço diretamente relacionado
no. A falta de rotina e excesso do tempo de tela, com a instabilidade familiar, principalmente fi-
instrumento usado como sala de aula e escape nanceira. Fatores que somados contribuem para
pelos pais/responsáveis para entreter e distrair a presença de sintomas de tristeza e anedonia.
os filhos, são os principais fatores envolvidos. Ademais, houve desafios trazidos no ensino
Esses distúrbios do sono podem influenciar em remoto que culminaram em alterações do sono
todas as áreas do desenvolvimento infantil, tor- e excesso do tempo de tela, múltiplos fatores
nando-o mais cansado durante o dia, diminuin- que juntos amplificaram as condições de es-
do sua capacidade de aprendizado e aumen- tresse e o aumento de sintomas depressivos e
tentativas de suicídio.

24 | P á g i n a
Sendo necessário, então, aos médicos pedi- coce e, consequente tratamento. Por fim, nota-
atras e/ou generalistas explicarem aos pais/res- se uma carência de estudos sobre os impactos
ponsáveis a necessidade de estarem atentos aos do isolamento, decorrente a COVID-19, no de-
sinais de alerta e possíveis consequências da senvolvimento de sintomas depressivos nas cri-
pandemia nas crianças, para diagnóstico pre- anças e adolescentes.

25 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BUCHWEITZ, C. et al. Em nossas mentes: o estado de


saúde mental da criança e do adolescente. Brazilian Jour- RAMOS, L.L.F. et al. Depressão Infantil e Depressão
nal of Psychiatry, v. 44, n. 3, p. 233, 2022. Materna e suas Influências no Desenvolvimento Infantil.
[s.l; s.n.]. Disponível em: <https://multivix.edu.br/wp-
FIOCRUZ- Fundação Oswaldo Cruz- Crianças na Pan- content/uploads/2022/04/depressao-infantil-e depressao-
demia COVID 19: Saúde mental e atenção psicossocial materna -e-suas-influencias-no-desenvolvimento-infan-
na Pandemia COVID 19. 2020. Disponível em: til.pdf>. Acesso em: 17 maio. 2023.
https://www.fiocruzbrasilia.fiocruz.br/wpcontent/upload
s/2020/05/crianc%CC%A7as_pandemia.pdf. Acesso ROMANZINI, A.V. et al. Repercussões da pandemia da
em: 17 maio. 2023. Covid-19 em crianças do Ensino Fundamental. Saúde em
Debate, v. 46, p. 148, 2022.
FIOCRUZ. Pesquisadores analisam o impacto da Covid-
19 entre crianças de 6 meses a 3 anos. Observa Infância. RUFINO, S. et al. Aspectos gerais, sintomas e diagnós-
2022. Disponível em: <https://por- tico da depressão. Revista Saúde em Foco, v. 10, p. 837,
tal.fiocruz.br/noticia/pesquisadores-analisam-o-impacto- 2018.
da-covid-19-entre-criancas-de-6-meses-3-anos>. Acesso
em: 17 maio. 2023. SANTOS. I.C. Crimes Cibernéticos – Ciberpedofilia. O
Aumento da Atividade do Pedófilo Virtual em Tempos
FRAGA, B.P. Depressão na Infância: Uma revisão da li- de Pandemia. Artigo Científico apresentado à disciplina
teratura. Monografia apresentada como exigência parcial Trabalho de Curso II, da Escola de Direito, Negócios e
do Curso de Especialização em Psicologia – Ênfase em Comunicação, Curso de Direito, da Pontifícia Universi-
Infância e Família: Avaliação, Prevenção e Intervenção. dade Católica de Goiás (PUCGOIÁS), GOIÂNIA-GO -
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Instituto de 2022.
Psicologia - Porto Alegre -RS, 2015.
SBP - Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamento
GARCIA, L.P. & DUARTE, E. Intervenções não farma- Científico de Infectologia. Orientações a Respeito da In-
cológicas para o enfrentamento à epidemia da COVID- fecção pelo SARS-CoV-2 (conhecida como COVID-19)
19 no Brasil. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 29, em Crianças. [s.l; s.n.]. 2020. Disponível em:
p. e2020222, 2020. https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/Covid-
19-Pais-DC-Infecto-DS__Rosely_Alves_Sobral_-con-
GOVERNO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. Su- vertido.pdf. Acesso em: 17 maio. 2023.
perintendência Estadual de Comunicação Social do Espí-
rito Santo (SECOM). COVID-19 - Coronavírus. 2023. SBP – Sociedade Brasileira de Pediatria. Depressão na
Disponível em: <https://coronavi- infância e adolescência. Departamento Científico, n. 8,
rus.es.gov.br/#transmissao>. Acesso em: 17 maio. 2023. 2019. Disponível em: <https://www.sbp.com.br/filead-
min/user_upload/_21999cDocCient__Depressao_na_inf
JOSHI, S. et al. O uso da tecnologia por jovens: implica - ancia_e_adolescencia.pdf>. Acesso em: 17 maio. 2023.
ções para educadores psiquiátricos. Associação Brasi-
leira de Psiquiatria, v. 43, n. 1, p. 101, 2018. SPRANG, G. & SILMAN, M. Posttraumatic stress disor-
der in parents and youth after health-related disasters. Di-
OPAS- Organização Pan-Americana da Saúde- Saúde saster Medicine and Public Health Preparedness, v. 7, n.
mental dos adolescentes, 2018. Disponível em: 1, p. 105, 2013.
https://www.paho.org/pt/topicos/saude-mental-dos-ado-
lescentes. Acesso em: 17 maio. 2023. UZUNIAN, A. Coronavirus SARS-CoV-2 and Covid-
19. Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laborato-
OPAS/OMS - Organização Pan-Americana da Saúde. rial, v. 56, p. e3472020, 2020.
Pandemia de COVID-19 desencadeia aumento de 25%
na prevalência de ansiedade e depressão em todo o XIE, X. et al. Mental Health Status Among Children in
mundo, 2022. Disponível em: Home Confinement During the Coronavirus Disease
<https://www.paho.org/pt/noticias/2-3-2022-pandemia - 2019 Outbreak in Hubei Province, China. JAMA Pedia -
covid-19-desencadeia -aumento-25-na-prevalencia -ansi- trics, v. 174, n. 9, p. 898, 2020.
edade-e-depressao-em>. Acesso em: 17 maio. 2023.

26 | P á g i n a
Capítulo 04

TRANSTORNO DO
ESPECTRO AUTISTA E SEUS
PRINCIPAIS DIAGNÓSTICOS
DIFERENCIAIS
ANA CLAUDIA OLIVEIRA AMORIM 1
VANUSA LESSA BENEVIDES NASCIMENTO 1
EMILI MARIANE MACHADO GONÇALVES 2
GABRIELLE NOGUEIRA LUCIANO 2
JOSÉ LUCAS MOURA VASCONCELOS 2
MARCIO RYAN ARAÚJO DE NOVAES 2
MARIA EDUARDA TEIXEIRA SEPÚLVEDA 2
ANA CLARA SERTÃO ALVES 2
FERNANDA ARAÚJO SILVA PEREIRA 2
ALLANA SANTOS REIS 2
TERESA D’ÁVILA BARBOSA CRUZ2
GÉSSICA LIMA RIBEIRO 2

1. Orientadora – Médicas, Pediatras e Docente de Medicina da UniFG – Guanambi.


2. Discente – Curso de Medicina da UniFG – Guanambi.

Palavras Chave: Autismo; Diagnóstico diferencial; Crianças.

10.59290/978-65-6029-017-4.4 27 | P á g i n a
INTRODUÇÃO dicamentos (valproato e antidepressivo) e sín-
dromes genéticas, como síndrome do X frágil,
A etimologia da palavra autismo é derivada esclerose tuberosa, síndrome de Rett, síndrome
do grego autos, ou seja, a si mesmo, refere se a de Down, distrofia muscular e neurofibromato-
uma condição em que o indivíduo permanece se.
submerso em um mundo próprio. Diante disso, O TEA é uma síndrome comum de caráter
temos o entendimento esclarecido de que o global que tem apresentado prevalência cres-
Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é cente nos últimos anos devido a uma série de
uma síndrome neuropsiquiátrica que apresenta fatores que envolvem tanto as alterações nos
como base manifestações comportamentais critérios de diagnósticos, como o maior conhe-
juntamente com déficits na comunicação e in- cimento a respeito da ocorrência e manifesta-
teração social, além de padrões de comporta- ções clínicas pela população em geral, e princi-
mentos repetitivos e estereotipados e uma res- palmente, pelos pais, além da criação de servi-
trição de interesse e atividades que rodeiam os ços especializados em TEA espalhados pelo
indivíduos que a apresentam, a qual acompa- mundo. Diante disso, os Estados Unidos publi-
nham da vida infantil até a vida adulta. caram uma nova prevalência de diagnóstico de
O TEA deve ser entendido como uma con- autismo de uma a cada 44 crianças aos 8 anos
dição que afeta a capacidade de uma pessoa em de idade, que representa um aumento de 22%
se relacionar e entender o mundo que a rodeia e comparado ao mesmo estudo de 2023 realizado
que pode ocorrer em diferentes níveis de com- pelo CDC (Centro de Controle de Doenças e
prometimento de forma que a quinta edição do Prevenção). No Brasil, há uma escassez de es-
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtor- tudos epidemiológicos, mas é conhecido que os
nos Mentais (DSM-5) a definiu como um es- índices de autismo são em torno de 27,2 casos
pectro de desordens e não mais como uma con- para cada 10.000 habitantes.
dição única (APA, 2013). É de grande valia o reconhecimento dos sin-
O autismo ainda não apresenta uma etio- tomas manifestados pela criança com autismo
logia concreta definida, sendo considerada um para que seja realizado um diagnóstico precoce
distúrbio de origem multifatorial, que envolve e um cuidado multidisciplinar para o mesmo em
fatores genéticos com grande importância em busca de resultados funcionais e qualidade de
sua definição, mas também fatores neurológi- vida. Devemos nos atentar que os sinais possu-
cos e sociais da criança, uma vez que muito se em uma gama de expressividade e geralmente
acredita que grande parte dessas alterações nos tem início aos três anos de idade, persistindo até
genótipos recebem modulação da expressão fe- a idade adulta. Apresenta como sintomas prin-
notípica por fatores ambientais. É nesse contex- cipais a dificuldade e o prejuízo qualitativo na
to que desenvolvemos o entendimento dos prin- comunicação verbal e não verbal, na interativi-
cipais fatores de riscos associados ao aumento dade social e na restrição do seu ciclo de ativi-
do risco de TEA, como gênero masculino, his- dades e interesses. Outrossim, podemos citar os
tórico familiar de irmão ou pai com TEA, idade movimentos estereotipados, maneirismos, pa-
paterna e materna avançada, prematuridade (i- drão de inteligência variável e temperamento
dade gestacional menor que 35 semanas) ou in- lábil compondo o amplo conjunto que envolve
fecções pré natais, exposição pré natal a me- a sintomatologia do TEA.

28 | P á g i n a
O diagnóstico do TEA é essencialmente clí- bora muitas vezes exista a coexistência de TEA
nico, através de critérios do DSM-5, não exis- com outros transtornos neuropsiquiátricos, co-
tindo biomarcadores ou exames complementa- mo o distúrbio de personalidade esquizoide ou
res que corroborem (STYLES et al., 2020). Os esquizotípica, TDAH e transtorno obsessivo
critérios diagnósticos baseiam se em padrões de compulsivo (RINALDI et al., 2021).
comportamento constantes do indivíduo, como A terapia cognitivo comportamental é o pi-
a presença de prejuízo na comunicação e intera- lar para o tratamento, iniciadas precocemente
ção com outras pessoas, padrões estereotipados possibilitam melhora significativa do desenvol-
e repetitivos identificados através de várias fon- vimento cognitivo, intelectual, comunicação
tes de informação, para assim construir uma social e na qualidade de vida como um todo.
história clínica mais segura e confiável, além de Além disso, para o desenvolvimento de uma te-
possibilitar a graduação em especificadores de rapêutica individualizada, é necessária uma
gravidade, baseada no nível de dependência, equipe multiprofissional e interdisciplinar com
classificando em nível leve, médio ou severo psicólogo, pediatra, fonoaudiólogo, fisioterape-
(STYLES et al., 2020). uta e educador físico, para que possam atuar de
A identificação precoce dos critérios diag- acordo com as necessidades de cada criança. É
nósticos é fundamental, em virtude de possibi- importante enfatizar, o papel dos familiares e
litar a promoção de intervenções oportunas que responsáveis, que devem compartilhar respon-
contribuam para o desenvolvimento e qualidade sabilidade nas tomadas de decisão sobre qual
vida dessas crianças, diante disso se faz impor- medida terapêutica seguir e precisam ser orien-
tante a triagem das crianças através de instru- tados a estimular a criança no domicílio, pos-
mentos como M-Chat-R, um questionário apli- sibilitando um melhor desenvolvimento das ha-
cado pelo pediatra para todas as crianças dos 18 bilidades de comunicação (BRENTANI et al.,
aos 24 meses, é respondido pelos responsáveis 2013).
e possibilita a graduação de risco para TEA O tratamento farmacológico não muda o
(LORD et al., 2018). curso clínico do TEA, estão indicados apenas
A partir do DSM-5 o autismo é exclusiva- para o controle de diagnósticos concomitantes
mente chamado de Transtorno do espectro au- ou sintomas disruptivos. Os antipsicóticos atí-
tista (TEA) e passou a contemplar as nomencla- picos, Risperidona e Aripiprazol, são utilizados
turas anteriores: Transtorno Autista, autismo de com sucesso para o controle da irritabilidade e
alto funcionamento, autismo atípico, Transtor- agressividade em boa parte das crianças, mas o
no de Asperger, Transtorno desintegrativo in- uso deve ser feito com cautela devido ao risco
fantil e Transtorno Invasivo do Desenvolvi- de síndrome metabólica e sedação (LORD et
mento (APA, 2014). al., 2018).
É necessário a pesquisa de diagnósticos di- O presente artigo objetiva uma revisão bi-
ferenciais frente uma criança com suspeita de bliográfica sobre o autismo, elucidando, princi-
TEA, dentre eles o mutismo seletivo, Síndrome palmente, seus critérios diagnóstico, classifica-
de Rett, Transtornos da linguagem e comunica- ção e os principais diagnósticos diferenciais
ção, Transtorno do movimento estereotipado, que causam dúvidas na prática clínica do médi-
Transtorno do déficit de atenção e hiperativida- co pediatra e/ou generalista.
de (TDAH) e esquizofrenia (APA, 2014). Em-

29 | P á g i n a
MÉTODO Ao todo, após triagem 13 documentos fo-
ram selecionados, esses foram lidos integral-
A revisão não sistemática da literatura foi mente para a construção deste trabalho.
realizada a partir das bases de dados on-line.
Foram usadas a seguintes referências: BVS RESULTADOS E DISCUSSÃO
Brasil (Biblioteca Virtual em Saúde Brasil), LI-
LACS (Literatura Latino-americana e do Ca- Em 2013, a quinta edição do Manual Diag-
ribe em Ciências da Saúde), PubMed (US Nati- nóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
onal Library of Medicine National Institutes of (DSM-5) definiu o transtorno do espectro autis-
Health), SciELO (Scientific Electronic Library ta (TEA) como uma condição neurobiológica
Online) e principais revistas das sociedades caracterizada por déficits persistentes na comu-
brasileiras de pediatria. As palavras chaves usa- nicação social e psicossociais restritas e repeti-
das para a busca foram “autismo”, “transtorno tivas, além da presença de interesses restritos e
do espectro autista”, “diagnóstico”, “diagnós- comportamentais estereotipados. O TEA afeta
tico diferencial” e “criança” todos os descrito- o desenvolvimento e a funcionalidade em vá-
res inclusos no DeCS/MeSH (Descritores em rias áreas, incluindo a linguagem, interação so-
ciência de saúde). cial, comportamento e processamento sensorial
As buscas foram realizadas em março de (APA, 2013).
2023, incluindo-se artigos originais, de revisão Alguns sinais e sintomas comuns incluem
e diretrizes das principais sociedades de pedia- dificuldade em estabelecer contato visual, difi-
tria, além de livros que trouxeram conheci- culdade em manter conversas, falta de resposta
mento acerca do tema. Foram utilizados artigos aos estímulos sociais, dificuldade em compre-
escritos em inglês, português, e espanhol, publi- ender e expressar emoções, interesses restritos
cados nos últimos 96 meses, ou seja, de 2015 a e repetitivos, padrões de comportamento este-
2023. Excluindo-se as duplicidades, foram se- reotipados, sensações sensoriais e dificuldades
lecionados artigos que atenderam aos critérios na adaptação a mudanças.
de inclusão e exclusão pré-estabelecidos. É importante ressaltar que os sinais e sinto-
A pesquisa foi realizada em três fases: (1) mas do TEA podem variar amplamente de uma
Pesquisa por títulos e resumos do tema: nesta pessoa para outra e podem se manifestar de ma-
fase, foram excluídos os artigos que não se ade- neira diferente em diferentes idades e possibi-
quavam à temática estudada; (2) Verificação da lidades de desenvolvimento. A identificação
existência de duplicidade dos artigos seleciona- precoce dos sinais de autismo é fundamental
dos nas bases de dados usadas, ou seja, se arti- para permitir intervenções precoces e oportuni-
gos iguais foram selecionados em bases de da- dades de apoio adequadas (BISHOP-FITZPA-
dos diferentes. (3) foram excluídos os artigos TRICK et al., 2021).
que não apresentavam relevância para a pes- O diagnóstico do TEA é clínico, não neces-
quisa. sitando de exames complementares. De acordo
o DSM-5 para o diagnóstico são necessários os
critérios descritos na Imagem 4.1.

30 | P á g i n a
Imagem 4.1 Critérios diagnósticos do TEA

Fonte: Adaptada APA, 2013

No entanto, apesar dos avanços nos crité- O DSM-5 consolidou as categorias de au-
rios diagnósticos do TEA ao longo do tempo, tismo infantil, síndrome de Asperger, transtor-
ainda há desafios significativos na identificação no desintegrativo da infância e transtorno gene-
precoce do transtorno, como as características ralizado do desenvolvimento não especificado
do TEA que podem variar significativamente em um único diagnóstico, TEA. Nesse sentido
de um indivíduo para outro, o que pode tornar pode ser avaliado em três níveis de gravidade,
ainda mais difícil sua identificação (RYD- dispostos na Imagem 4.2.
ZEWSKA et al., 2021). Assim, é necessária É importante lembrar que a classificação do
uma abordagem cuidadosa e sistemática para o TEA em níveis de gravidade não é uma medida
diagnóstico do TEA, considerando as caracte- de inteligência ou habilidade, mas sim uma for-
rísticas individuais de cada indivíduo e reali- ma de avaliar o grau de suporte necessário para
zando avaliações detalhadas para evitar diag- a vida cotidiana e a capacidade de se adaptar a
nósticos equivocados ou tardios. diferentes ambientes.
O desenvolvimento de uma classificação Também tem sido propostos outros siste-
adequada e precisa do TEA é fundamental para mas de classificação do autismo, como o Crité-
a identificação precoce e tratamento adequado rio de Triagem para o Autismo em Crianças
de indivíduos com o transtorno. A classificação Pequenas (M-CHAT) e a Classificação Interna-
deve levar em conta não apenas os sintomas cional de Funcionalidade, Incapacidade e Saú-
comportamentais, mas também os fatores bio- de (CIF). Esses sistemas levam em conta outros
lógicos subjacentes ao transtorno (RUTTER, fatores além dos comportamentais, como fato-
2017). res genéticos e neurológicos subjacentes ao
transtorno.

31 | P á g i n a
Imagem 4.2 Classificação do autismo

Fonte: Adaptada APA, 2013 .

A avaliação da gravidade do transtorno do rar seu desenvolvimento e qualidade de vida


espectro autista é importante para o planeja- (LORD, 2013). Desse modo, o tratamento do
mento do tratamento, previsão de resultados e autismo é baseado em abordagens multidisci-
identificação de necessidades clínicas e edu- plinares, envolvendo diferentes profissionais de
cacionais, contudo, há autores que consideram saúde, educadores e familiares, e pode variar de
que a abordagem atual de classificação em ní- acordo com as necessidades individuais de cada
veis de gravidade não reflete adequadamente a pessoa com TEA.
heterogeneidade do TEA e pode levar a diag- Não existe uma cura para o autismo, mas o
nósticos imprecisos e inadequações na presta- tratamento pode ajudar a melhorar a qualidade
ção de serviços de intervenção. de vida, desenvolver habilidades sociais e co-
Ao realizar a avaliação diagnóstica do autis- municativas, reduzir comportamentos proble-
mo, é importante considerar diversos transtor- máticos e maximizar o potencial de cada indi-
nos que podem mimetizá-lo, tais como o atraso víduo (ROSENBLATT, 2021). Além disso, é
global do desenvolvimento, o transtorno do enfatizada a importância de uma abordagem
déficit de atenção/hiperatividade (TDAH), o personalizada para o tratamento do autismo,
transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), o que leve em consideração as necessidades indi-
transtorno de ansiedade social, o transtorno de viduais da pessoa com autismo.
comunicação social (SCD), a esquizofrenia e As principais abordagens terapêuticas utili-
outros transtornos do espectro neurológico. zadas no tratamento do autismo incluem terapia
A identificação precoce do TEA é crucial comportamental, as quais visam desenvolver
para garantir que as crianças recebam interven- habilidades sociais, linguísticas, motoras e de
ções adequadas e oportunas que possam melho- comportamento, bem como reduzir comporta-
32 | P á g i n a
mentos problemáticos; intervenções médicas, tude de possibilitar a promoção de intervenções
como o uso de medicamentos para tratar sinto- oportunas atrelado a um cuidado multidiscipli-
mas específicos associados ao autismo, como nar que contribuam para o desenvolvimento e
ansiedade, depressão, hiperatividade e irritabi- qualidade vida dessas crianças, devendo ser
lidade; intervenções educacionais a fim de aju- foco do médico pediatra e/ou generalista em sua
dar as crianças com autismo a desenvolver ha- prática clínica.
bilidades acadêmicas, sociais e comportamen- O diagnóstico do transtorno do espectro au-
tais, lembrando sempre de inclui-los em ambi- tista (TEA) é clínico, feito através dos critérios
entes escolares típicos; bem como, terapias al- do DSM 5, não sendo necessário a realização de
ter-nativas e complementares. nenhum exame complementar ou a presença de
As intervenções personalizadas, que aten- biomarcadores para fechar diagnóstico. Atual-
dem às necessidades específicas de cada crian- mente, as categorias de autismo infantil, sín-
ça, podem levar a maiores ganhos em habilida- drome de Asperger, transtorno desintegrativo
des sociais e de comunicação do que as inter- da infância e transtorno generalizado do desen-
venções padronizadas (DAWSON et al., 2020), volvimento não especificado foram consolida-
pois o espectro do autismo é composto por di- das pelo o DSM 5 em um único diagnóstico,
ferentes perfis de habilidades e desafios, que TEA. Além disso, é necessário a pesquisa de di-
variam em gravidade e podem mudar ao longo agnósticos diferenciais frente uma criança com
do tempo, refletindo o fato de que o autismo é suspeita de TEA, dentre eles o mutismo sele-
mais apropriadamente concebido como um tivo, Síndrome de Rett, Transtornos da lingua-
continuum de diferenças individuais do que co- gem e comunicação, Transtorno do movimento
mo uma síndrome única e homogênea (LAI et estereotipado, Transtorno do déficit de atenção
al., 2014). e hiperatividade (TDAH), deficiência intelec-
tual e esquizofrenia.
CONCLUSÃO Apesar de não existir cura para o autismo, o
tratamento é importante para ajudar a melhorar
Crianças que possuem o Transtorno do Es- a qualidade de vida, desenvolver habilidades
pectro do Autismo (TEA) por se tratar de uma sociais e comunicativas, reduzir alterações do
síndrome neuropsiquiátrica, apresentam défi- comportamento e maximizar o potencial de ca-
cits na comunicação e interação social, além de da indivíduo, sendo utilizadas abordagens tera-
padrões de comportamentos repetitivos e este- pêuticas tais como terapia comportamental e
reotipados com restrição de interesse e ativida- intervenções médicas, como o uso de medica-
des que os acompanham da vida infantil até a mentos para tratar sintomas específicos associ-
vida adulta. Assim, a identificação precoce dos ados ao autismo.
critérios diagnósticos é fundamental, em vir-

33 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA).


Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: LORD, C. Early Diagnosis of Autism Spectrum Disor -
DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. der: Challenges and Opportunities. Journal of Clinical
Child & Adolescent Psychology, v. 42, n. 2, p. 147, 2013.
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. (APA).
Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders RINALDI, C. et al. Autism spectrum disorder and perso-
(5th ed.). Washington, DC. 2013. nality disorders: Comorbidity and differential diagnosis.
World Journal of Psychiatry, v. 11, p. 1366-1386, 2021.
BISHOP-FITZPATRICK, L. et al. A Biologia da Comu-
nicação Social: Examinando a Relação Entre as Caracte- ROSENBLATT, M. Interventions for Autism Spectrum
rísticas do Transtorno do Espectro do Autismo e a Comu- Disorder: A Review of the Literature for Parents and Pro-
nicação Social e Interação Através do Desenvolvimento. fessionals. Journal of Developmental and Physical Disa -
Jornal da Academia Americana de Psiquiatria Infantil e bilities, v. 33, n. 1, p. 63, 2021.
Adolescente, v. 60, n. 5, p. 582, 2021
RUTTER, M. Autism research: Lessons from the past
BRENTANI, H. et al. Autism spectrum disorders: an and challenges for the future. Autism Research, v. 10, n.
overview on diagnosis and treatment. Revista Brasileira 5, p. 700, 2017.
de Psiquiatria, v. 32, p.62, 2013.
RYDZEWSKA, E. et al. Diagnostic Criteria for Autism
DAWSON, G. et al. Autismo: de alto desempenho. 2ª ed. Spectrum Disorder: A Scoping Review. Frontiers in
Belo Horizonte, MG: Autêntica Editora, 2020. Psychiatry, v. 12, p. 664939, 2021.

LAI, M.C. et al. Autismo. The Lancet, v. 383, p. 896, STYLES, M. et al. Risk factors, diagnosis, prognosis and
2014. treatment of autism. Frontiers in Bioscience-Landmark,
v. 9, p.1682, 2020.
LORD, C. et al. Autism spectrum disorder. Lancet, v.
392, p.508, 2018.

34 | P á g i n a
Capítulo 05

CORRELAÇÃO ENTRE
TEMPO DE TELA E
DISTÚRBIOS DE SONO NA
INFÂNCIA
ANA LUÍSA CRISTAL PABLOS¹
CRISTINA TERUMI NAKASHIMA HONÓRIO¹
EMILLE TEJO VIANA¹
FERNANDA DA ROCHA¹
GABRIELA HERREIRO MUNHOZ¹
JULIANA OLIVEIRA AMORIM¹
LARISSA MARTINS KITAHARA GUEDES¹
ROMANY MARTINS LORIJOLA¹
SARA LEOPOLDO¹

1. Discente – Medicina da Universidade Anhembi Morumbi

Palavras Chave: Distúrbio de sono; Uso excessivo de tela; Pandemia.

10.59290/978-65-6029-017-4.5 35 | P á g i n a
INTRODUÇÃO sável por regular o ciclo do sono e vigília, a me-
latonina (MADIGAN et al., 2019; NOBRE et
A infância é um momento fundamental para al., 2021).
o desenvolvimento motor e cognitivo. Essa in- Durante a pandemia de Covid-19, essa ex-
teligência é adquirida principalmente nos mil posição a telas aumentou, pois muitas famílias
primeiros dias de vida, que através do estímulo, usam esses dispositivos no intuito de entreter as
experiências e relações vividas, determinam crianças, que passam mais tempo em casa.
grande parte do amadurecimento das estruturas Além do intuito recreativo, muitos adolescentes
e regiões cerebrais, portanto, é principalmente passam mais tempo em frente ao computador
nesse período que a criança deve ser estimulada assistindo aula, visto que, muitas escolas opta-
dentro dos seus marcos de desenvolvimento ram pelo estudo remoto devido ao distancia-
(MADIGAN et al., 2019). mento social. A Sociedade Brasileira de Pedia-
Para que ocorra o aprendizado de tarefas tria divulgou um alerta de algumas sugestões
novas, é essencial uma noite de sono repara- para esse período de pandemia, reconhecendo a
dora, uma vez que através do sono é que ocorre importância dos eletrônicos neste momento,
a restauração das atividades cerebrais, tais porém, reforçou aos pais principalmente a ne-
como a reparação dos tecidos, metabolismo de cessidade de manter os horários de sono bem
radicais livre, edição de memórias e liberação definidos (SBP, 2020; VALENTIM & BACA-
de hormônios essenciais para o desenvolvi- TUM, 2021).
mento neuropsicomotor da criança, podendo
ser considerado assim, uma fonte de revitaliza- Objetivos
ção das funções orgânicas humanas. Logo, sua Objetivo geral
ausência total ou parcial pode gerar distúrbios Analisar a relação entre o tempo de exposi-
que limitam a maturação e manutenção da sa- ção às telas e os agravos do sono na infância e
úde como um todo, podendo levar a complica- na adolescência.
ções sistêmicas: obesidade, sedentarismo, hi- Objetivos específicos
pertensão arterial, diminuição do desempenho a. Identificar a relação entre o tempo de
escolar entre outros. Tais desordens caracteri- tela e os distúrbios do sono;
zam uma queixa importante na faixa etária pe- b. Identificar o distúrbio mais prevalente;
diátrica (NUNES & HALAL, 2018; SILVA et c. Identificar a relação do aumento de tela
al., 2017; SILVA e COSTA et al., 2020). com o distanciamento social;
Hoje em dia o que mais tem causado inter- d. Identificar a relação da luz azul com a
ferência no tempo e na qualidade do sono, na melatonina.
maioria das pessoas, é o chamado "tempo de
tela" que nada mais é do que o tempo de uso de MÉTODO
dispositivos eletrônicos tais como celular, ta-
blet, computador e televisão. Algumas pesqui- Estratégia de pesquisa
sas mostraram que o tempo excessivo em frente O estudo proposto é de uma revisão de lite-
às telas pode prejudicar muito o sono devido a ratura narrativa que consiste em descrever a
luz que esses aparelhos emitem, a chamada “luz correlação entre o uso exagerado de tela e os
azul” que inibe a secreção do hormônio respon- distúrbios de sono na infância. Para isso, foram

36 | P á g i n a
utilizados os periódicos indexados no SciELO, nal, visto que, a maioria das Instituições adota-
PubMed e Google acadêmico. Para a busca fo- ram o método remoto de ensino. Ademais, no
ram utilizados os seguintes descritores e suas contexto familiar, os aparelhos de mídia intera-
combinações: "tempo de tela"; "distúrbios de tiva tornaram-se uma opção de entretenimento
sono"; "qualidade do sono"; "transtorno do para possibilitar que os responsáveis exerces-
sono"; "uso de eletrônicos". sem suas ocupações sem perturbações no
home-office (SBP, 2020).
Critérios de inclusão e exclusão No período de neurodesenvolvimento, veri-
Os artigos foram inicialmente selecionados fica-se um maior número de redes neurais com-
por meio da leitura do título, resumos e resulta- parado às da vida adulta, havendo intensifica-
dos práticos, sendo incluídos artigos práticos ou ção das podas sinápticas, um processo bioló-
teóricos relacionados com os distúrbios de sono gico irreversível sob influência extrínseca.
na infância, em inglês, português ou espanhol, Desta forma, a superestimulação cerebral cor-
cujo tempo de publicação não ultrapassasse os relacionada à exposição repetitiva e prolongada
últimos dez anos. Artigos cujas características à tecnologia digital, propicia apoptose sináptica
não estivessem de acordo com os critérios de dos lobos cerebrais pouco estimulados por ou-
inclusão e aqueles trabalhos repetidos em mais tras atividades fundamentais para infância, im-
de uma base de dados, foram excluídos do pro- pactando negativamente sobre a capacidade de
cesso de seleção para esta revisão. aprendizagem de habilidades cognitivas, sensi-
tivas e motoras (SBP, 2019).
Comitê de ética Com o intuito de reduzir as consequências
Uma vez que este trabalho faz uma revisão relacionadas ao uso indiscriminado de tecnolo-
das evidências na literatura disponíveis nas pla- gia digital, a Sociedade Brasileira de Pediatria
taformas citadas, o estudo em questão não in- não recomenda acesso aos dispositivos anteri-
vestiga os pacientes de maneira direta, sendo ormente aos 2 anos completos, sendo que de 2
dispensada a aprovação do Comitê de Ética e aos 5 anos, orienta-se uma limitação de 60 mi-
Pesquisa (CEP). nutos de Tela, enquanto de 6 aos 10 anos, uma
limitação de 120 minutos, sob supervisão de um
DESENVOLVIMENTO dos seus responsáveis. A partir de 11 anos, per-
mite-se uma exposição máxima de 180 minu-
O aumento sugestivo do tempo de tela, pe- tos, evitando contato em 120 minutos prévios
ríodo em frente aos dispositivos de tecnologia ao horário do sono. Destaca-se a importância da
digital, na infância e na adolescência durante a aplicação de regras saudáveis nesta faixa etária,
pandemia da Covid-19 apresentou inúmeros sempre estimulando a mediação parental para
impactos negativos significativos na saúde fí- um acesso seguro aos meios tecnológicos.
sica, psicológica e social dessa população. Em Além disso, a identificação do uso inadequado
consequência do distanciamento social para re- precoce, prolongado, problemático ou tóxico é
dução da disseminação do SARS-CoV-2, os re- necessário para intervenções imediatas a fim de
cursos de mídia digital, além de serem manipu- prevenir possíveis transtornos físicos, mentais e
lados em momentos recreativos, tornaram-se comportamentais associados à dependência di-
ferramentas essenciais no contexto educacio- gital (SBP, 2020).

37 | P á g i n a
Segundo a Sociedade Brasileira de Pedia- ormente de 13 a 10, 11 a 9 e 10 a 8 horas nos
tria, os principais problemas médicos e alertas pré-escolares, nos escolares e nos adolescentes,
de saúde na Era Tecnológica encontram-se ci- respectivamente. Em consequência do ritmo
tados abaixo: circadiano, o número dos despertares noturnos
• Dependência digital e uso problemático reduz-se gradativamente no primeiro ano de
das mídias interativas; vida (SBP, 2019).
• Problemas de saúde mental; Por ser um processo fisiológico primordial
• Transtornos de déficit de atenção e de para manutenção dos mecanismos inerentes à
hiperatividade; homeostase humana, a privação do sono im-
• Distúrbios de sono na infância e na ado- plica negativamente sobre o funcionamento fí-
lescência; sico, comportamental, cognitivo e social, inter-
• Transtornos alimentares; ferindo na qualidade de vida dos pacientes pe-
• Distúrbios de imagem corporal e de au- diátricos. Os distúrbios de sono na infância e na
toestima; adolescência relacionam-se ao comprometi-
mento do crescimento biológico, ao atraso do
• Risco de sexualidade, sextorção e estu-
desenvolvimento neuropsicomotor, à depressão
pro virtual;
do sistema imunológico, à propensão de patolo-
• Comportamentos auto lesivos, indução
gias sistêmicas crônicas e frequentemente, os
e ideação suicida;
transtornos mentais (SBP, 2020; SILVA et al.,
• Bullying e cyberbullying;
2017).
• Transtornos posturais e musculoesque-
Considera-se prevalente na faixa etária pe-
léticos;
diátrica, estimando que aproximadamente de 20
• Problemas auditivos e perda auditiva in-
a 30% dos pacientes apresentam algum distúr-
duzida por ruídos;
bio de sono. Dentre eles, evidencia-se a insônia,
• Problemas visuais, miopia e síndrome distúrbios respiratórios relacionados ao sono,
visual do computador; hipersonias de origem central, distúrbios do
• Consumo de substâncias ilícitas; ritmo circadiano de sono e vigília, parassonias,
• Sedentarismo; distúrbios do movimento relacionados ao sono
• Outros. (HARTMANN, 2019).
Na pediatria, o sono é fundamental ao cres- Segundo a Classificação Internacional dos
cimento biológico e ao desenvolvimento neu- Distúrbios do Sono, a insônia apresenta a maior
ropsicomotor. Durante o primeiro ano de vida, incidência, sendo caracterizada como a resis-
há mudanças marcantes nas características do tência ao início do sono em um ambiente propí-
sono, sendo que sua maturação segue ocorrendo cio ou confrontação à manutenção do sono
na infância. Enquanto um recém-nascido apre- (SBP, 2020).
senta padrão ultradiano de sono, com desperta- A insônia é considerada uma perturbação
res relacionados aos seus próprios desconfor- do sono, subdividida em dissonia intrínseca, ca-
tos, o lactente jovem apresenta um ritmo circa- racterizada por narcolepsia, síndrome da ap-
diano bem estabelecido. Em 24 horas, o sono néia-hipopnéia obstrutiva do sono, síndrome
varia de 17 a 14 horas em um recém-nascido, das pernas inquietas e insônia psicofisiológica.
reduzindo de 14 a 11 horas no lactente, posteri- Em dissonia extrínseca, por insônia relacionada

38 | P á g i n a
ao estresse agudo, falha no estabelecimento de neurônios pré-ganglionares simpáticos da me-
limites, problemas de associação para iniciar o dula espinhal, via prosencefálico medial
sono, ingestão excessiva de líquidos ou alimen- (NETO & CASTRO, 2008).
tação noturna, higiene inadequada do sono Na sequência, conectam-se aos neurônios
(NUNES & CAVALCANTE, 2005). pós-ganglionares simpáticos do gânglio cervi-
Atualmente, salienta-se que a origem da in- cal superior, apresentando emissão de fibras no-
sônia na faixa etária pediátrica refere-se primor- radrenérgicas à glândula pineal. Estas atuam so-
dialmente à higiene inadequada do sono, com bre os receptores Ⲁ-1 Adrenérgicos, propici-
relevância para a superestimulação a partir da ando um aumento dos níveis intracelulares de
tecnologia digital no período noturno. Na qual, AMP cíclico nos pinealócitos para a síntese
como citado anteriormente, a exposição repe- hormonal de melatonina a partir da conversão
tida à luz azul suprime a produção de melato- de Triptofano em 5-Hidroxitriptofano, mediado
nina, levando a uma desregulação do ritmo cir- por Triptofano Hidroxilase, seguido de sua con-
cadiano (NUNES & CAVALCANTE, 2005). versão em 5-Hidroxitriptamina, mediado por 5-
A luz visível, composta pelos comprimen- Hidroxitriptofano Descarboxilase, em N-Aceti-
tos de onda entre 400 e 780nm, são classifica- lserotonina, por ArilAlquilAmina-N-Acetil-
dos em curtas, médias e longas. Ondas curtas, transferase e subsequentemente, em N-Acetil-
caracterizadas pela coloração azulada, compre- 5-Metoxitriptamina, por Hidroxindol-O-metil-
endem comprimentos de onda entre 400 e transferase (NOTOMI, 2019).
500nm, apresentando maior potencial energé- Portanto, período de luminosidade, o nú-
tico. A emissão de luz azul por aparelhos ele- cleo supraquiasmático encontra-se ativado pelo
trônicos é essencial à visão, entretanto sua ex- mecanismo de ação GABAérgica exercido so-
posição contínua propicia a formação de radi- bre o núcleo paraventricular, sem a estimulação
cais livres e consequentemente, de severas noradrenérgicas da pineal. Enquanto, no perí-
complicações fotoquímicas aos fotorreceptores odo sem luminosidade, o núcleo supraquiasmá-
sensíveis ao comprimento de onda. Estes são tico está inativo, propiciando ativação da glân-
responsáveis pelas respostas não visuais à lumi- dula. Desse modo, no escuro, a repetida exposi-
nosidade, em particular na regulação do ritmo ção à luz azul suprime a produção de melato-
circadiano, na supressão da produção de mela- nina levando a uma desregulação do ritmo cir-
tonina, na melhora da performance em estado cadiano (NETO & CASTRO, 2008).
vigília e na ativação cerebral (NOTOMI, 2019; O manejo da insônia consiste em uma in-
SILVA et al., 2017). vestigação minuciosa, abordando primeira-
Os impulsos luminosos apresentam uma mente a rotina diagnóstica através da coleta de
ação excitatória sobre as células ganglionares história dirigida ao problema do sono, contexto
da retina, conectadas ao núcleo supraquiasmá- social e físico. Em seguida, propedêutica clínica
tico através do trato retino-hipotalâmico. Neste, completa a fim da exclusão de problemas orgâ-
há projeções GABAérgicas inibitórias ao nú- nicos agudos ou crônicos. Em casos de patolo-
cleo paraventricular, sendo sua porção sub pa- gias, propor um plano terapêutico direcionado à
raventricular conectada ao núcleo dorsomedial causa base, porém se houver identificação de
do hipotálamo, na qual exerce controle sobre os interferências externas, é necessário um plane-
ritmos circadianos relacionados ao ciclo sono- jamento de higiene do sono (NOTOMI, 2019).
vigília. Fibras eferentes fazem sinapse com

39 | P á g i n a
A higiene do sono refere-se ao processo de dizado, memória e a atenção (LLAGUNO et al.,
instauração e de manutenção de condições con- 2021).
gruentes a um sono saudável. Nesta, realiza-se Um estudo conduzido por pesquisadores do
uma abordagem aos aspectos fundamentais pa- Departamento de Aconselhamento Psicológico
ra uma higiene do sono adequada, com relevân- e Serviços Humanos da Universidade de Ore-
cia para ambiente, horários e atividades prévias gon, Estados Unidos, evidenciou que o sono
ao sono (NOTOMI, 2019; NUNES & HALAL, dos adolescentes tem sido de má qualidade e de
2018). pouco tempo, causando maior sonolência du-
Importante que este ambiente seja silenci- rante o dia, devido ao uso de aparelhos eletrô-
oso, pouco luminoso, com uma temperatura nicos antes de dormir, sendo 71%, smartphones
considerada agradável. Determinação de horá- (LLAGUNO et al., 2021).
rios regulares e constantes para uma rotina Foram coletados dados de 345 alunos, na
ideal. Fundamental que haja consistência nas faixa etária de 12 a 14 anos. No estudo foi ob-
atividades prévias ao hábito noturno, incluindo servado um maior uso de mídia na hora de dor-
a redução da ingesta hídrica e da oferta de ali- mir, em um primeiro momento, associado a me-
mentação noturna, com relevância para as subs- nos tempo na cama com maior sonolência di-
tâncias estimulantes, a substituição da prática urna e maior latência de início de sono em um
de atividades físicas rigorosas por relaxantes acompanhamento ao longo de 6 meses.
próximo ao horário do sono e, sobretudo, evitar Em um novo estudo, foram revisados 23 ar-
a hiper estimulação cerebral a partir da tecnolo- tigos, incluindo aproximadamente 35 mil indi-
gia digital (NUNES & BRUNI, 2015). víduos de 14 países. Foi constatado que pacien-
Além disso, uma outra possibilidade é a tes com vício tiveram maiores chances de sofrer
abordagem comportamental a partir de métodos com alterações no sono, como tempo reduzido,
de extinção sistemática, checagem mínima com quando comparados com os não adictos (CAS-
extinção sistemática, extinção gradual, ignorar TRO, 2021). Clinicamente, isso demonstra um
sistemático com um responsável presente, igno- efeito negativo quando jovens viciados em in-
rar sistemático gradual, extinção modificada, ternet não praticam a higiene do sono. Conse-
despertar programado ou reorganização do ho- quentemente dormem menos, com uma pior
rário de sono. A abordagem farmacológica é qualidade e funcionamento diário, desenvol-
restrita aos casos selecionados, na qual em ad - vendo, assim, problemas de saúde (CASTRO,
junto à terapêutica comportamental adminis- 2021).
tram-se fármacos de forma transitória (NO- Deve-se levar em consideração que o com-
TOMI, 2019). portamento dos pais serve como modelo para os
A Academia Americana de Medicina do so- filhos, sendo assim, ficaria difícil educá-los pa-
no recomenda que os adolescentes tenham de 8 ra que diminuíssem o uso de tela antes de dor-
a 10 horas de sono por dia, porém pesquisas re- mir se os pais as utilizam (LLAGUNO et al.,
centes mostram que nos últimos 10 anos 70% 2021).
desses adolescentes relatam dormir menos que
8 horas por dia, tendo como consequências CONCLUSÃO
comportamentos agressivos, depressivos, ansi-
osos, antissociais, além de prejudicar o apren- Concluímos que o sono é fundamental em
vários aspectos do desenvolvimento da criança

40 | P á g i n a
e do adolescente; e tanto o excesso quanto a fre- vez que a higiene do sono é muito bem-vinda
quência do uso de telas influenciam negativa- também. Sendo importante ressaltar que os pais
mente na qualidade de vida. Porém, deve ser le- têm grande responsabilidade em serem um me-
vado em consideração que conforme a idade o lhor espelho para seus filhos, visto que eles
tempo de tela permitido varia. também são adictos à era digital.
Apenas a ausência do uso de telas não per-
mitiria um avanço na qualidade de vida, uma

41 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CASTRO, R.E.V. O uso de eletrônicos antes de dormir NUNES, M.L. & BRUNI, O. Insomnia in Childhood and
prejudica o sono dos adolescentes? Portal PEBMED, Adolescence: Clinical Aspects, Diagnosis and Thera peu-
2021. Disponível em: https://pebmed.com.br/o-uso-de- tic Approach. Jornal de pediatria, v. 91, Suppl. 1, p. S26,
eletronicos-antes-de-dormir-prejudica -o-sono-dos-ado- 2015.
lescentes/. Acesso em 12 mar 2023.
SILVA, A.O. et al. Tempo de Tela, Percepção da Quali-
HARTMANN, P.B. Qual a relação entre vício em inter- dade de Sono e Episódios de Parassonias em Adolescen-
net e transtornos do sono? Portal PEBMED, 2019. Dis- tes. Revista Brasileira de Medicina do Esporte, v. 23, n.
ponível em: <https://pebmed.com.br/qual-a-relacao-en- 05, p. 375, 2017.
trevicioeminternetetranstornosdosono/?utm_source=arti
goportal&utm_medium=copytext. Acesso em: 12 de SILVA E COSTA Z.M.S. et al. Validação Brasileira dos
março de 2023. Bancos de Itens Distúrbio do Sono e Distúrbio da Vigília
do Patient-Reported Outcomes Measurement Informa-
NUNES, M.L. & CAVALCANTE, V. Avaliação clínica tion System (PROMIS). Caderno de Saúde Pública, v. 36,
e manejo da insônia em pacientes pediátricos. Jornal de n. 6, 2020.
Pediatria, v. 81, n. 4, p. 277, 2005.
SBP - SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA.
LLAGUNO, N.S. et al. Elaboração e Validação da Car- Alerta sobre o Uso Saudável de Tecnologia durante a
tilha: Higiene do Sono para Crianças. Acta Paulista de Pandemia e possível Dependência Virtual em Crianças e
Enfermagem, v. 34, p. eAPE001125, 2021. Adolescentes. 2020. Disponível em:
<https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/sbp-faz-
MADIGAN, S. et al. Association Between Screen Time alerta-sobre-o-uso-saudavel-da-tecnologia -durante-pan-
and Children's Performance on a Developmental Screen - demia-e-possivel-aumento-da-dependencia -virtual-em-
ing Test. JAMA Pediatrics, v. 173, n. 3, p. 244, 2019. criancas-e-adolescentes/>. Acesso em: 23 de maio de
2023.
NETO, J.A.S. & CASTRO, B.F. Melatonina, Ritmos Bi-
ológicos e Sono: Uma Revisão da Literatura. Revista SBP - SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA.
Brasileira de Neurologia, v. 44, n. 01, p. 5, 2008. Manual de Orientação: “Menos Tela, Mais Saúde”. 2019.
Disponível em: <https://www.sbp.com.br/filead-
NOBRE, J.N.P. et al. Fatores Determinantes no Tempo min/userupload/22246c-Man Orient - MenosTelas Mais-
de Tela de Crianças na Primeira Infância. Ciência & Sa - Saude.pdf>. Acesso em: 23 de maio de 2023.
úde Coletiva, v. 26, n. 3, p. 1127, 2021.
SBP - SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA.
NOTOMI, E.H. Influência da Luz Azul sobre o Sono. Manual de Orientação: Saúde das Crianças e dos Adoles-
Monografia apresentada para obtenção do título de Espe- centes na Era Digital. 2020. Disponível em:
cialista no Curso de Pós-Graduação em Engenharia de <https://www.sbp.com.br/fileadmin/userupload/2016/
Segurança do Trabalho, Departamento Acadêmico de 11/19166dMOrient-Saude-Crian-e-Adolesc.pdf>.
Construção Civil, Universidade Tecnológica Federal do Acesso em: 23 de maio de 2023.
Paraná, UTFPR, Curitiba – PR, 2019.
VALENTIM, P.A.P. & BACATUM, C.M.J. Implicações
NUNES, M.L. & HALAL, C.S.E. Distúrbios do Sono na do Uso das Tecnologias da Informação e Comunicação
Infância. Residência Pediátrica, v. 8, supl. 1, p. 86, 2018. no Padrão de Sono das Crianças: Uma Revisão de Sco -
ping. Revista Recien – Revista Científica de Enferma-
gem, v. 11, n. 34, p. 33, 2021.

42 | P á g i n a
Capítulo 06

INFLUÊNCIAS DO AMBIENTE
NO DESENVOLVIMENTO
MENTAL INFANTIL: UMA
REVISÃO DE LITERATURA

ARTHUR CHUKWUEMEKA AGOSTINHO¹


CÍNTIA EVELYN DE OLIVEIRA MAIA MAGLIONI¹
LEONARDO CUNHA DA SILVA¹
YASMIN MARIA SILVEIRA FALEIROS FERREIRA PIMENTA¹

1. Discente – Medicina da Universidade do Vale do Sapucaí.

Palavras Chave: Criança; Desenvolvimento infantil; Saúde mental.

10.59290/978-65-6029-017-4.6 43 | P á g i n a
INTRODUÇÃO no desenvolvimento, nas ações cotidianas e, in-
clusive, na vida (CID et al., 2019).
Nos últimos tempos, observa-se o surgi- Assim, pode-se afirmar que a intervenção
mento de um inovador paradigma em saúde, o em saúde mental na infância e, também, na ado-
qual é caracterizado por considerar o ser huma- lescência deve ser uma prioridade, uma vez que
no em sua totalidade ao inserir aspectos físicos, a elevada prevalência das perturbações psicoló-
sociais e psicológicos como dimensões sanitá- gicas nessa faixa etária está associada a um alto
rias (FARIA & RODRIGUES, 2020). Dessa índice de tendência à cronicidade da psicopato-
forma, no que diz respeito ao fator relacionado logia para a idade adulta. As pesquisas atuais
à saúde mental, destaca-se a sua importância no elencam a necessidade de descentralizar os cui-
pleno desenvolvimento humano e, sobretudo, dados sanitários, promovendo uma intervenção
infantil. baseada na comunidade, isto é, nas influências
A saúde psíquica da criança deve ser com- ambientais (AMARO et al., 2022).
preendida como um fenômeno complexo e mul- Nesse sentido, evidencia-se o impacto dire-
tidimensional, envolvendo, em especial, aspec- to das condições socioeconômicas, nutricio-
tos emocionais, comportamentais e sociais nais, de estimulação cognitiva, cuidados na pri-
(CID et al., 2019), os quais possuem relação ín- meira infância e de saúde infantil e materna so-
tima com diversos fatores do ambiente circun- bre as capacidades e habilidades emocionais da
dante (HALPERN & FIGUEIRAS, 2004). criança (MUNHOZ et al., 2022).
Nesse contexto, recentes estudos demons- O objetivo deste estudo foi apresentar uma
tram que a fase da primeira infância, ou seja, revisão literária a respeito do impacto da influ-
período entre a concepção até os seis anos de ência do ambiente no desenvolvimento mental
idade, é significativamente sensível para o de- infantil a fim de identificar os principais aspec-
senvolvimento humano, pois toda a estrutura tos e fatores de risco envolvidos, visto que se
emocional e afetiva é consolidada e, além disso, trata de um importante instrumento de pesquisa
são formadas áreas primordiais do cérebro rela- para os profissionais destinados ao cuidado de
cionadas ao caráter, à personalidade e à capaci- menores, inclusive pediatras.
dade de aprendizado.
A moldagem do processo mental continua MÉTODO
ao longo dos anos da vida do indivíduo, o qual
é resultado de suas experiências vividas e com- Trata-se de uma revisão narrativa realizada
partilhadas, em especial, com seus pais, paren- no período de janeiro a maio de 2023, operaci-
tes e cuidadores em geral, ou seja, com o ambi- onalizada mediante à busca eletrônica de arti-
ente em que está inserido (BRASIL, 2023). gos científicos por meio de pesquisas nas prin-
Análises de investigações epidemiológicas cipais bases de dados da área da saúde, tais
indicam que 10 a 25% das crianças e dos ado- como SciELO, LILACS e Medline. Foram uti-
lescentes no Brasil e em todo o mundo viven- lizados os descritores associados a ambiente fa-
ciam episódios de sofrimento psíquico. Esse da- miliar, físico, social, cultural e escolar em que
do representa grande relevância, uma vez que as crianças estão inseridas; desenvolvimento in-
se trata de uma condição que envolve prejuízos fantil e escolarização. Desta busca foram en-

44 | P á g i n a
contrados 15 artigos, posteriormente submeti- mento em todos os aspectos. Casas pequenas,
dos aos critérios de seleção. sem infraestrutura, famílias grandes, muitas ve-
Os critérios de inclusão foram: artigos nos zes desarmoniosas, formam o ambiente físico
idiomas português e inglês; publicados no perí- de muitas crianças brasileiras.
odo de 2004 a 2023 e que abordavam as temá-
ticas propostas para esta pesquisa, estudos do Ambiente social
tipo revisão, disponibilizados na íntegra. Os cri- A desvantagem socioeconômica tem sido
térios de exclusão foram: artigos duplicados, apontada como fator de risco ao desenvolvi-
disponibilizados na forma de resumo, que não mento, isso porque a criança que vive em um
abordavam diretamente a proposta estudada e ambiente social de pobreza aliada à violência, a
que não atendiam aos demais critérios de inclu- más condutas, à vizinhança de risco e à insta-
são. bilidade familiar tende a apresentar problemas
Após os critérios de seleção, restaram oito de comportamento e socialização, prejudicando
artigos que foram submetidos à leitura minuci- sua aprendizagem e seu desenvolvimento.
osa para a coleta de dados. Os resultados foram
apresentados de forma descritiva, divididos em Ambiente cultural
categorias temáticas abordando os seguintes O ambiente cultural é formado pelo ambi-
contextos: ambiente familiar, ambiente físico, ente familiar, físico e, principalmente, pelo so-
ambiente social, ambiente cultural e ambiente cial. A integração desses três níveis de repre-
escolar. sentação de ambiente é que formam o ambiente
cultural. O ambiente cultural em que a criança
RESULTADOS E DISCUSSÃO se situa deve ser respeitado pela escola na me-
dida em que venha a contribuir com o seu cres-
Foram identificados estudos relevantes so- cimento e que não venha a comprometer o seu
bre o impacto do ambiente no desenvolvimento desenvolvimento. Muitos comportamentos e a-
mental da criança. Esses estudos abordaram ções realizadas pelas crianças e, até mesmo, pe-
cinco categorias principais: ambiente familiar, los pais, são frutos desse ambiente cultural em
ambiente físico, ambiente social, ambiente cul- que vivem.
tural e ambiente escolar.
Ambiente escolar
Ambiente familiar A importância do ambiente físico no desen-
Grande parte das crianças brasileiras vivem volvimento das habilidades infantis é incontes-
em famílias totalmente diferentes do que é idea- tável. A escola deve garantir que seu espaço fí-
lizado. Convivem com separações de pais, uni-
sico contemple todos os aspectos necessários
ões informais, famílias monoparentais etc., fa- para o crescimento e o desenvolvimento das cri-
tores esses que são considerados perigosos para
anças na educação infantil. Uma infraestrutura
o bom desenvolvimento das crianças em todos
de qualidade, juntamente com ambientes agra-
os seus aspectos.
dáveis e amplos, promove um aprendizado mais
efetivo. Além da organização do espaço, é fun-
Ambiente físico
damental que haja materiais didáticos e peda-
O ambiente físico onde a criança cresce po-
gógicos adequados para enriquecer o ambiente
ssui grande influência sobre seu desenvolvi-

45 | P á g i n a
educativo. As creches e pré-escolas podem ser dados e deve ser acolhedor, atrativo, seguro e
vistas como campos de explorações e vivências, prazeroso para que as crianças possam se de-
repletos de recursos e possibilidades para que senvolver da melhor forma possível.
as crianças possam reconhecer objetos, com- É preciso compreender e analisar também
preender e experimentar o significado de ex- que, muitas vezes, crianças com situações so-
pressões e palavras, bem como ampliar suas cioeconômicas desfavorecidas são expostas a
sensações e percepções do mundo. diversos riscos, tais como vizinhança, saúde e
O ambiente desempenha um papel crucial nutrição não adequadas para o desenvolvimen-
no desenvolvimento infantil e, portanto, deve to. Portanto, esses menores em relação a outros
ser cuidadosamente planejado pelo responsável com condições melhores encontram-se em des-
e educador que é disponível para a criança (DO vantagem, podendo não atingir seu pleno poten-
NASCIMENTO & ORTH, 2008). cial de habilidades cognitivas e emocionais
Diante dos estudos analisados e dos resul- (MORAIS et al., 2017).
tados obtidos em relação às influências do am-
biente no estado psíquico infantil, torna-se pos- CONCLUSÃO
sível afirmar que o desenvolvimento mental é o
resultado da interação constante do indivíduo Em geral, os estudos mostram que, para a-
com suas características genéticas e biológicas tingir o pleno desenvolvimento mental infantil,
e, além disso, associa-se na forma de como es- é necessário que os diversos ambientes nos
sas características podem interferir e interagir quais a criança está inserida sejam tratados com
com o contexto ambiental no qual o indivíduo muita atenção, dedicação e acolhimento, seja no
em questão está exposto e envolvido. Os estu- espaço interno, como na vizinhança e moradia,
dos em questão mostram que são diversos os fa- ou no externo, como na escola, sendo necessá-
tores ambientais que interferem no desenvolvi- rio garantir segurança e prazer nesses âmbitos
mento da criança, sendo os principais: histori- (MORAIS et al., 2017).
cidade individual, formação familiar, social e Nesse contexto, a intervenção sobre os fato-
cultural e situação socioeconômica. Todos es- res de risco que afetam o desenvolvimento psi-
ses aspectos são de extrema importância pois cológico na infância extrapola a área de saúde.
condicionam a criança a determinadas vivên- Cada vez mais é percebida a importância da
cias que podem influenciar seu desenvolvi- atuação intersetorial, envolvendo as áreas de sa-
mento, podendo interferir diretamente no local úde, educação, assistência social e econômica,
onde irá aprender, que são as creches, escolas e com geração de emprego e renda para as famí-
vizinhança. lias, além de infraestrutura ambiental e lazer
Tendo em vista esse cenário, observa-se o (HALPERN & FIGUEIRAS, 2004).
enorme papel que os educadores possuem Portanto, reformas ou políticas públicas, ou
quando se trata de conhecer os fatores ambien- seja, intervenções em nível individual e popu-
tais em que a população infantil se enquadra e lacional que visam melhorar a qualidade do de-
de saber desenvolver e trabalhar com cada um senvolvimento mental infantil devem levar em
dos diferentes sujeitos que estarão presentes no consideração o valor e a importância de cada
ambiente escolar com o intuito de aprender e se ambiente ecológico frequentado pela população
desenvolver cada vez mais. Além dos educado- dessa faixa etária (MORAIS et al., 2017; DO
res, o ambiente escolar necessita de muitos cui- NASCIMENTO & ORTH, 2008).

46 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMARO, R. et al. Vamos falar de saúde mental infantil? FARIA, N.C. & RODRIGUES, M.C. Promoção e pre-
Um estudo do impacto de formação especializada em sa- venção em saúde mental na infância: implicações educa-
úde mental infantil para médicos e técnicos de cuidados cionais. Revista Psicologia da Educação, n. 51, p. 85,
de saúde primários. Revista Portuguesa de Clínica Geral, 2020.
v. 38, n. 6, p. 631, 2022.
HALPERN, R. & FIGUEIRAS, A.C.M. Influências am-
BRASIL. Ministério da Saúde. Primeira Infância. Dispo- bientais na saúde mental da criança. Jornal de Pediatria,
nível em: <https://www.gov.br/saude/pt-br/assun- v. 80, n. 2, p. 104, 2004.
tos/saude-de-a-a-z/s/saude-da-crianca/primeira -infan-
cia>. Acesso em: 27 maio 2023. MORAIS, R.L.S. et al. A Influência do Contexto Ambi-
ental no Desenvolvimento de Crianças na Primeira Infân-
CID, M.F.B. et al. Saúde mental infantil e contexto esco- cia. Revista Vozes dos Vales – UFVJM – MG – Brasil,
lar: as percepções dos educadores. Pró-Posições, v. 30, n. n. 11, Ano VI, 2017.
0, 2019.
MUNHOZ, T.N. et al. Fatores associados ao desenvolvi-
DO NASCIMENTO, G.S. & ORTH, M.R.B. A Influên- mento infantil em crianças brasileiras: linha de base da
cia dos Fatos Ambientais no Desenvolvimento Infantil. avaliação do impacto do Programa Criança Feliz. Cader-
Revista de Ciência s Humanas, v. 9, n. 13, 2008. nos de Saúde Pública, v. 38, n. 2, 2022.

47 | P á g i n a
Capítulo 07

PROTEÇÃO AOS TRAUMAS


FÍSICOS E PREVENÇÃO DE
ACIDENTES EM PACIENTES
PEDIÁTRICOS

MICHELE ANTUNES¹
SILVIA VIVIANE RODRIGUES2

1. Enfermeira – Pós-doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da


Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Doutora em Informática na Educação
pela UFRGS. Chefia da Emergência Pediátrica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
2. Enfermeira – Especialista em Nefrologia. Hospital Moinhos de Vento de Porto Alegre.

Palavras Chave: Enfermagem; Prevenção de acidentes; Acidentes domésticos; Pediatria.

10.59290/978-65-6029-017-4.7 48 | P á g i n a
INTRODUÇÃO rem nos países em desenvolvimento (OMS,
2018).
Os traumas físicos trata-se de eventos noci- No cenário brasileiro, os acidentes repre-
vos que advém da liberação de formas específi- sentam hoje a principal causa de morte de cri-
cas de energia ou de barreiras físicas ao fluxo anças de 01 a 14 anos no Brasil, e anualmente,
normal de energia, com o resultado de ação da cerca de 3,6 mil crianças morrem por atropela-
energia exercida pelo meio externo sobre o te- mentos e afogamentos (OMS, 2018). Destaca
cido corporal. Esta provoca alterações estrutu- ainda, que 111 mil pacientes pediátricos são
rais e fisiológicas no indivíduo, a qual poderia hospitalizados devido a trauma no país, e mais
ser evitado. Destacam-se as causas externas, da metade por quedas e queimaduras (BRASIL,
tais como atropelamentos, afogamentos, quei- 2018).
maduras, quedas, asfixias, intoxicações e agres- As causas externas relacionadas ao trauma
sões (PHTLS, 2019). incluem lesões não-intencionais: atropelamen-
A prevenção de acidentes visa impedir que tos, ocupantes de veículos automotores, afoga-
o trauma ocorra, pois buscam impedir que o fa- mentos, queimaduras, quedas, envenenamen-
tor externo originando dano corporal ou mental tos, obstruções de vias aéreas. E as intencionais,
aconteça. Mas caso o evento ocorra, é necessá- tais como, homicídios, suicídios e abuso (SBP,
rio que o socorrista esteja instrumentalizado 2007).
para que realize o atendimento de maneira se- Os fatores de risco para traumas físicos e
gura e adequada (AHA, 2020). acidentes na infância, incluem a faixa etária, as
O socorrista é aquele usuário que realiza o etapas do desenvolvimento, a exploração e suas
atendimento, e não é necessário ser da área da tentativas de descobertas, as condições socioe-
saúde, mas deve estar capacitado para realizá- conômicas, o contexto familiar, o local de mo-
lo (PHTLS, 2019). Desde o ano de 2018, a Lei radia e a identificação de locais com potencial
Lucas (n. 13722), obriga que escolas, públicas de risco (SBP, 2007).
e privadas, e espaços de recreação infantil a se Diante do exposto, este capítulo tem o ob-
prepararem para atendimentos de primeiros so- jetivo de descrever identificar os principais aci-
corros (BRASIL, 2018). dentes em pacientes pediátricos, e verificar as
Os primeiros socorros consistem nos cuida- estratégias de proteção e prevenção destes con-
dos imediatos prestados a uma pessoa cujo es- forme a faixa etária.
tado físico coloca em perigo a sua vida ou a sua
saúde, com foco em manter as suas funções vi- MÉTODO
tais e evitar o agravamento de suas condições
(PHTLS, 2019). Trata-se de uma revisão de literatura, de ca-
No cenário mundial, o relatório elaborado ráter descritivo e qualitativo. Como critérios de
pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e inclusão foram selecionados artigos científicos
Organização das Nações Unidas sobre a de pre- publicados entre os anos de 2013 a 2023, no idi-
venção de injúrias na infância, identificou que oma português e espanhol, nas bases de dados
as causas não-intencionais representam grave LILACS e BDENF. Os descritores utilizados
problema de saúde pública e são responsáveis foram: “enfermagem”, “acidentes domésticos”,
por 830.000 mortes/ano e que, 98% das mortes “prevenção de acidentes”, por meio das pala-
de crianças e jovens causadas por trauma ocor- vras-chaves selecionadas segundo a classifica-
49 | P á g i n a
ção dos Descritores em Ciências da Saúde derando a etapa do crescimento e desenvolvi-
(DeCS). Os critérios de exclusão foram: artigos mento da criança. Dessa forma, a Sociedade
duplicados, disponibilizados na forma de re- Brasileira de Pediatria (SBP) (DATASUS,
sumo, que não abordavam diretamente a pro- 2018), estratifica em: nascimento a 4 meses de
posta estudada e que não atendiam aos demais vida, 5 a 12 meses de idade, crianças maiores
critérios de inclusão. de 1 ano até 4 anos de idade e crianças de 5 a
A população do estudo foi composta por 23 11 anos.
artigos, que após a aplicação dos critérios de se-
leção, três artigos foram submetidos a leitura RESULTADOS E DISCUSSÃO
dos títulos e resumos das publicações selecio-
nadas, com o objetivo de refinar a amostra por Dos 08 artigos que compuseram a amostra,
meio dos critérios de inclusão. A avaliação crí- 07 estudos estavam indexados nas bases de da-
tica dos artigos consistiu na leitura do estudo na dos LILACS, e um deles na BDENF. Quanto
íntegra e, em seguida, na elaboração de uma ta- aos anos de publicação, os de maior prevalência
bela com os dados coletados com informações foram de 2017 e 2016, com dois artigos, respec-
de cada artigo científico: autores, ano, perió- tivamente.
dico, objetivo, tipo de estudo, métodos, resulta- Os artigos foram numerados e organizados
dos e conclusões. em uma tabela (Tabela 7.1), contendo a princi-
Os resultados foram agrupados por faixa pal estratégia de proteção e prevenção de trau-
etária, considerando que as estratégias de prote- mas físicos em pacientes pediátricos.
ção e prevenção variam conforme esta, consi-

Tabela 7.1 Tabela com os artigos identificados na busca das categorias temáticas dos principais acidentes e estratégias de
proteção e prevenção em pacientes pediátricos
Ano
N. do Estratégias de proteção e prevenção de traumas
Título Base de da-
artigo físicos
dos
Orientações, dos profissionais da saúde, aos cuidadores
Tecnologias para prevenção de
das crianças, com a detecção de possíveis fatores de
acidentes domésticos em crianças 2023
01 risco, por meio do uso de tecnologias da informação e
na primeira infância: revisão de LILACS
impressas: folder, questionários, gamificação, vídeo
escopo
educativo, dramatização e arteterapia.
Identificação dos conhecimentos Fortalecimento dos conhecimentos junto as mães sobre
de mães na prevenção de 2018 prevenção de acidentes domésticos infantis, objetivando
02
acidentes domésticos com LILACS assim prevenir a ocorrência de injúrias, podendo ser
crianças da primeira infância criados para este fim programas e ações de prevenção.
Prevenção de acidentes em uma
2017 Realização de atividades educativas com as crianças, e
03 creche: experiência com pais,
BDENF entrevista com os pais e educadores.
professores e pré-escolares
Fatores determinantes para a
2017 Orientações de pais e cuidadores sobre a prevenção de
04 ocorrência de acidentes
LILACS acidentes na infância.
domésticos na primeira infância
Prevenção de acidentes domésti- O enfermeiro, enquanto educador em saúde, realize
2016
05 cos infantis: susceptibilidade ações integrais e intersetoriais voltadas para os cui-
LILACS
percebida pelas cuidadoras dadores a fim de prevenir esses acidentes.
O estudo traz subsídios para a abordagem preventiva do
Percepções de cuidadores de cri-
acidente infantil pela enfermagem no contexto
anças menores de cinco anos so- 2016
06 domiciliar.
bre a prevenção de acidentes do- LILACS
A supervisão da criança pelo cuidador e a orientação
mésticos
prestada por ele à criança, sobre prevenção de acidentes.

50 | P á g i n a
A criança vítima de acidentes
2015 Os acidentes são justificados pelas mudanças que
07 domésticos sob o olhar das teorias
LILACS acontecem no indivíduo em cada etapa da vida.
de enfermagem
Acidentes domésticos e
diagnósticos de enfermagem de 2014
08 Orientação aos pais e responsáveis.
crianças nascidas expostas ao LILACS
HIV

Posterior a identificação dos acidentes nes- impacto, afogamentos, quedas e aspiração e su-
tes pacientes, procedeu-se a identificação das focação (SBP, 2007).
principais estratégias de proteção e prevenção As queimaduras podem ocorrer com a água
de acidentes em pacientes pediátricos, confor- do banho, com o leite quente da mamadeira ou
me a faixa etária. A publicação da SBP (DA- com a água que pode ficar dentro da chupeta
TASUS, 2018) não foi identificada na busca nas após ela ser fervida (SBP, 2007). Como estraté-
bases de dados, todavia, trata-se de um docu- gias de proteção e prevenção têm-se as orienta-
mento importante marco condutor para a dis- ções aos cuidadores, esta poderá ser consultada
cussão dos achados deste estudo, assim como, também na caderneta da criança na página so-
como um marco referencial no que se refere ao bre prevenção de acidentes; atentar para ba-
cuidado do paciente pediátrico. Dessa forma, as nheira, baldes e bacias - colocar primeiro a água
autoras incluíram o mesmo na discussão dos ar- fria e experimentar a temperatura com a região
tigos a fim que possam contribuir do encadea- de antebraço; agitar a mamadeira para unifor-
mento dos conceitos e relacioná-los com os ar- mizar o calor; verificar se não possui água
tigos desta revisão. quente dentro da chupeta; nunca manipular lí-
Os artigos foram estratificados por catego- quidos ou substâncias quentes com o bebê no
rias temáticas, sendo que o mesmo artigo pode- colo e não cozinhar com a criança no colo (SBP,
ria estar presente em mais de uma categoria, 2007).
pois tratava dos principais acidentes em pacien- No estudo e número 03, acerca das queima-
tes pediátricos, conforme as faixas etárias. duras, verificou-se que, apesar dos vários tipos,
A partir das categorias identificadas, proce- as mais suscitadas pelas crianças foram aquelas
deu-se à discussão dos resultados do estudo, que envolviam panelas, fogões e choque elé-
permitindo a interlocução dos achados dos di- trico, pois provavelmente, sejam objetos e situ-
ferentes autores sobre a temática de pesquisa. A ações mais vivenciadas e que mais são apresen-
seguir, será realizada o aprofundamento dos tadas e alertadas pelos pais (ARAÚJO et al.,
achados deste estudo, com o referencial da SBP 2017).
(SBP, 2007). Neste caso, as ações preventivas incluem
manter cabos de panelas voltados para o lado de
Categoria temática: do nascimento aos 4 dentro do fogão; manter velas, isqueiros, fósfo-
meses de vida ros, álcool e produtos químicos inflamáveis
A etapa do nascimento a 4 meses de vida,
fora do alcance das crianças; guardar ferro de
nesta fase o bebê é totalmente dependente do
passar roupa em local adequado; colocar prote-
adulto cuidador e passivo quanto à sua movi-
tores nas tomadas e não manusear líquidos ou
mentação e os acidentes ocorrem por descuido
alimentos quentes com a criança no colo, Lima
ou distração de pais ou responsáveis. Os princi-
et al. (2014), artigo 08.
pais acidentes são: queimaduras, traumas por

51 | P á g i n a
Os traumas por impacto podem ocorrer com mudança de comportamentos de risco (FER-
móbiles e cadeiras de transporte. Como estraté- NANDES et al., 2023).
gias de proteção e prevenção, deve-se atentar Os afogamentos podem ocorrer em banhei-
para que os móbiles estejam bem fixados no ras ou bacias, nas quais nunca deixar o bebê so-
berço ou carrinho; no carro, o bebê sempre deve zinho na banheira e atentar para que o bebê não
estar na cadeirinha apropriada à sua idade e aspire a água quando for higienizar as costas
peso, fixada no banco de trás, voltada para a tra- (SBP, 2007).
seira do carro (SBP, 2007). Nesta faixa etária, podem ocorrer a aspira-
As quedas podem ocorrer quando este está ção e sufocação por cordões, correntes, mama-
no colo dos cuidadores, durante o uso das ca- deiras, mantas e talcos. Deve-se orientar os cui-
deiras de transporte e quando o cuidador está dadores a nunca usar correntes ou cordões no
descendo escadas e degraus. Para a prevenção pescoço do bebê, nunca deixar o bebê mamando
deste, deve-se orientar os cuidadores para que sozinho, as cobertas e cobertores devem ser
nunca deixe o bebê sob os cuidados de outra cri- proporcionais ao tamanho do bebê, atentar para
ança, o uso do cinto de segurança e com a alça ações de crianças maiores que podem colocar
travada e se estiver carregando o bebê, apoie-se algo ao alcance do bebê e dele colocar na cavi-
sempre no corrimão evitando pisos lisos, mo- dade oral, e nunca usar talco (SBP, 2007).
lhados ou escorregadios (SBP, 2007). Ainda, no artigo 05, mesmo quando a cri-
No estudo de Lima et al. (2018), de número ança não adquire a capacidade de se locomover,
02, o principal evento foi a queda, e com rela- outras habilidades podem concorrer para os aci-
ção à parte do corpo mais acometida pelos aci- dentes domésticos (GURGEL & MONTEIRO,
dentes, a maioria acometeram a cabeça/face e o 2016). Pois, para os autores supracitados, ape-
local da casa em que mais ocorreram as injúrias sar da percepção satisfatória acerca dos tipos de
foi o quarto. acidentes constituir um elemento que favorece
No estudo de número 05, as participantes a adoção de práticas preventivas, para a preven-
demonstraram ter entendimento sobre diversos ção ser eficaz, necessita estar associada ao co-
tipos de acidente que acometem, com frequên- nhecimento sobre as fases do crescimento e de-
cia, crianças na faixa etária de zero a cinco anos senvolvimento infantil.
de idade, associados às suas respectivas formas Pode-se inferir o fato dessas crianças serem
de prevenção. De acordo com as entrevistadas, mais vulneráveis a sofrer asfixia mediante a in-
estas destacaram a possibilidade de as crianças gestão de peças pequenas, haja vista levarem fa-
serem vítimas de queimaduras ocasionadas por cilmente os objetos em direção à boca, pois
fogão e líquidos quentes, bem como de quedas nesta fase, portanto, deve-se evitar o contato da
da própria altura ou de lugares elevados, cho- criança com brinquedos pequenos e objetos
ques elétricos e intoxicação por ingestão de pro- pontiagudos ou com algum revestimento tóxico
dutos de limpeza (GURGEL & MONTEIRO, (GURGEL & MONTEIRO, 2016). Outros aci-
2016). dentes também podem acontecer quando a cri-
Os profissionais da saúde têm uma grande ança possui até seis meses, como afogamentos
responsabilidade na prevenção dos acidentes, e quedas, pois, nesse período, elas adquirem a
pois, os cuidadores depositam muita confiabili- capacidade de rolar (GURGEL & MON-
dade nestes que facilitam através de recursos, a TEIRO, 2016).

52 | P á g i n a
Os fatores de risco presentes no ambiente Categoria temática: dos 5 A 12 meses de
doméstico podem comprometer o desenvolvi- idade
Na faixa etária de 5 a 12 meses de idade os
mento da criança, contribuindo para desencade-
riscos a traumas físicos e acidentes podem as-
ar diversos tipos de acidentes que, em deter-
semelhar-se aos da fase anterior, mas os fatores
minados casos, podem originar graves lesões e
de risco e as estratégias de prevenção serão di-
sequelas irreversíveis (BRITO & ROCHA,
2015), artigo 7. ferentes. A partir do quarto ao quinto mês de
As crianças, nos diversos estágios de desen- vida, o bebê já reconhece as suas mãos e vai
volvimento, apresentam traumas diferentes, e passar a utilizá-las para ir atrás dos objetos e
isso é fundamental para a definição de progra- tentar levá-los à boca, e começam a ter maior
mas eficientes de prevenção, pois o conceito de capacidade motora e vão aprender a se virar de-
desenvolvimento do comportamento da criança pois a rolar, engatinhar e alguns a andar (SBP,
e as características de cada fase podem ser ex- 2007). Os principais acidentes envolvem que-
tremamente úteis para os pais e também para a das, queimaduras, choque elétrico e afogamen-
equipe de saúde (BRITO & ROCHA, 2015), ar- tos (SBP, 2007).
O estudo de número 01, destaca a importân-
tigo 7.
Ainda, o artigo citado no parágrafo anterior, cia do uso de tecnologias de informação que tra-
balharam para o reconhecimento e detecção de
as crianças que se encontram na faixa etária de
possíveis fatores de risco e dentre estas, a mais
um a cinco anos necessitam de maior proteção
e vigilância por parte das pessoas responsáveis, utilizada, foi a tecnologia da informação. Tam-
porque a noção de perigo ainda não está concre- bém se utilizou tecnologia impressas do tipo
tizada, sendo fluentes à imaginação, a brinca- folder, questionários, gamificação, vídeo edu-
deira, a curiosidade, a ânsia pelo desconhecido, cativo, dramatização e arteterapia (FERNAN-
características do comportamento infantil que, DES et al., 2023).
se não vigiados, podem induzir a sérios aciden- As quedas podem ocorrer no trocador ou
tes. cama, pois os bebês apresentam o reflexo de hi-
Os acidentes identificados de maior risco perextensão posterior (SBP, 2007). Como estra-
tégias de proteção e prevenção consistem em:
para ocorrência em crianças de 22 dias a 2 anos
nunca deixar o bebê sozinho no trocador ou em
e 9 meses foram as quedas e traumas; intoxica-
ções; choque elétrico e asfixias/sufocações/en- locais altos, pois existe o risco de que o trauma
cause um traumatismo craniano encefálico; es-
gasgos, artigo 08, Lima et al. (2014).
timular o desenvolvimento, preferencialmente
Ainda, no artigo supracitado, relacionado
ao risco de corpos estranhos nas vias aéreas, no chão e com o uso de almofadas para proteger
este representa um dos cinco principais aciden- a cabeça; uso de berço com grades - distância
tes que ocorrem na população infantil, podendo máxima de 7cm, para evitar que a cabecinha do
ser classificado como um acidente potencial- bebê ou outra parte de seu corpo passe por ela e
mente fatal. Destaca-se a necessidade de maior fique presa; atentar para degraus e escadas
atenção na disponibilização de brinquedos fora (SBP, 2007).
da padronização conforme a idade. Os brinque- No artigo 02, destaca a necessidade de se-
dos não devem ser pequenos nem soltar ou des- rem fortalecidos conhecimentos junto às mães
sobre prevenção de acidentes domésticos infan-
locar partes com facilidade.

53 | P á g i n a
tis, objetivando assim prevenir a ocorrência de de altura, com portão mantido com trava de se-
injúrias, podendo ser criados para este fim pro- gurança (SBP, 2007).
gramas e ações de prevenção. Percebeu-se ain- No artigo de número 04, no que concerne a
da que as abordagens prevencionistas não de- situações que constituem risco para a ocorrên-
vem ser pautadas apenas nos agentes lesivos, cia de acidentes domésticos com crianças, de
levando em conta também fatores como, por acordo com as cuidadoras, 23,4% das crianças
exemplo, condições sociodemográficas, núme- tomavam banho sozinhas e usavam baldes/ba-
ro de cômodos na casa, quantidade de habitan- cias/banheiros para brincadeiras (SILVA et al.,
tes no ambiente domiciliar e medidas preven- 2017).
tivas tomadas, visto que as variáveis levantadas No artigo número 06, de Bezerra et al.
influenciam umas às outras, direta ou indire- (2016), os acidentes no ambiente doméstico, os
tamente, na ocorrência de acidentes domésticos participantes relataram o descuido como possí-
(LIMA et al., 2018). vel motivo, e pode-se identificar a inquietação
No artigo 05, retoma algumas característi- em proteger a vida da criança contra os aciden-
cas das fases do desenvolvimento pueril e sua tes, pois os relatos dos sujeitos desta pesquisa
influência sobre os riscos de acidentes domésti- insinuaram que o acidente é consequência de
cos, a ideia de que os riscos aumentam com a descuido do adulto cuidador.
idade, pois no período infante, o qual se dá entre Ainda, no estudo citado no parágrafo ante-
um e dois anos de vida, a criança começa a an- rior, foi percebido o reconhecimento (ou não)
dar e o processo de aprendizagem é adquirido do processo de desenvolvimento da criança, o
de forma sensorial e motora (GURGEL & qual explica o porquê de crianças, dependendo
MONTEIRO, 2016). da faixa etária, gostarem de colocar objetos na
As queimaduras podem ocorrer com líqui- boca ou cair frequentemente (BEZERRA et al.,
dos quentes ou cabos de panelas, por isso é im- 2016).
portante orientações aos cuidadores não permi- Os participantes exemplificando-se, que
tir a entrada da criança na cozinha, pois ela está uma criança menor de um ano corre o risco de
suscetível, também, a outros acidentes domésti- aspirar corpos estranhos, uma vez que, nessa
cos, como cortes, lacerações e intoxicações idade, adquire a capacidade de achar a sua boca
(SBP, 2007). Ao cozinhar, usar as bocas de trás e levar objetos pequenos deixados ao seu redor
do fogão, líquidos mais quentes, frituras e pa- ou partes removíveis de objetos (BEZERRA et
nelas abertas e nunca deixar os cabos de panelas al., 2016).
para fora do fogão (SBP, 2007). Quanto a cho-
ques elétricos, deve-se proteger todas as toma- Categoria temática: crianças maiores de
das elétricas da casa, não deixar fios elétricos e 1 ano até 4 anos de idade
extensões ao alcance da criança e nunca manter Para crianças maiores de 1 ano até 4 anos
fios elétricos desencapados (SBP, 2007). de idade, o desenvolvimento neuropsicomotor
O afogamento poderá ocorrer em banheiras vai dar à criança maior possibilidade de obser-
e piscinas, e nunca se deve deixar o bebê sozi- vação do mundo adulto e a capacidade de tentar
nho em piscinas, as quais devem ter cerca de imitar o que vê as pessoas fazerem à sua volta,
bloqueio em toda sua volta - acima de 150 cm mas a relação de causa e efeito vai se desenvol-
ver aos poucos e possuem a impulsividade e o

54 | P á g i n a
não sabem avaliar todas as consequências de das situações facilitadoras, das características
seus atos (SBP, 2007). Os principais acidentes peculiares às fases da criança, de comportamen-
consistem em quedas e intoxicação exógena. tos inadequados dos familiares e de pouco in-
No artigo 03, ilustrou-se para as crianças centivo às medidas e comportamentos preventi-
imagens ligadas ao ato de brincar simplesmen- vos.
te, com diversos brinquedos espalhados pelo Estes ainda destacam que as intoxicações
chão. Para as crianças, o ato de deixar brinque- são facilitadas porque os produtos apresentam
dos espalhados pela casa não despertou a as- embalagens atraentes à curiosidade infantil, são
sociação ao ato de cair, no entanto, quando in- fáceis de manusear, estocados em locais indevi-
dagadas quanto ao que poderia acontecer, as dos, como também se faz presente a falha do
crianças conseguiram associar causa e efeito adulto na vigilância adequada à criança. Po-
(ARAÚJO et al., 2017). dendo ainda, ser potencializadas pelo hábito de
No estudo de número 04, de Silva et al. se criar os filhos com certa liberdade no ambi-
(2017), quanto à ocorrência de acidente domés- ente doméstico por supor conhecê-los muito
ticos anteriores, 47,6% das crianças internadas bem, além do hábito enraizado culturalmente de
já haviam caído de cadeira ou lugares altos e acondicionar produtos químicos em embala-
23,8% tinham sofrido queda de carrinho/bi- gens de refrigerantes.
cicleta/velocípede/moto; o engasgo já havia a- Para Gurgel & Monteiro (2016) a vivência
contecido em 19% das crianças; 14,3% já havia prévia da criança com situações desagradáveis,
se queimado e nenhuma ingeriu produtos de causadoras de alguma dor, como as queimadu-
limpeza/medicamentos/plantas/tóxicos. ras, por exemplo, permite a elas correlacionar o
No artigo 5, o fato de crescer esteve associ- ato de tocar em algo quente como causa de uma
ado a um elemento protetor contra os acidentes lesão. Ainda, observa-se, portanto, a crença das
domésticos, uma vez que a aquisição e aperfei- participantes de que, na fase pré-escolar, a cri-
çoamento de capacidades cognitivas e, conse- ança tem a capacidade de memorizar situações
quentemente, maior autonomia da criança, fo- negativas e, ao se deparar com casos similares,
ram vinculados à possibilidade de torná-la par- age para evitar experiências dolorosas.
ceira no processo de prevenção dos acidentes Diante disso, ainda, no estudo de Gurgel &
domésticos infantis (GURGEL & MONTEI- Monteiro (2016), as participantes também te-
RO, 2016). rem atribuído a redução dos riscos de acidentes
Para a prevenção da intoxicação exógena domésticos à capacidade infantil de compreen-
deve-se manter os produtos de limpeza e medi- der a diferença entre o “certo” e “errado”, con-
camentos em lugares altos e longe do alcance forme vão crescendo. Ressalta-se ainda, que
da criança, e atentar para álcool, produtos infla- isso está intimamente relacionado com a per-
máveis, tóxicos, cáusticos ou que possam cau- cepção das depoentes de que a susceptibilidade
sar envenenamentos (SBP, 2007). aos riscos de acidentes na faixa etária entre qua-
Para Brito & Rocha (2015), estudo 07, as tro e cinco anos diminuiu em razão de as crian-
intoxicações exógenas estão incluídas nos aci- ças entenderem as ordens dos pais e obedece-
dentes domésticos mais frequentes em crianças, rem-nos.
principalmente nas menores de 5 anos, nos A criança na faixa etária de um a três anos,
quais a maioria é acidental, porém, decorrentes por exemplo, adquire um senso de autonomia

55 | P á g i n a
que proporciona, muitas vezes, a perturbação acerca do que é semáforo, seu funcionamento e
do ambiente e se resume na característica típica o significado de suas cores, além da faixa de pe-
do negativismo que, frequentemente, quando a destres. Na sessão educativa, para ilustrar, a
criança tenta manifestar sua vontade, pode en- pesquisadora elaborou uma situação envol-
trar em choque com tudo à sua volta, facili- vendo carros e pedestres, os meninos represen-
tando, assim, os acidentes (BEZERRA et al., tariam os carros e as meninas os pedestres; em
2016), como destacado no artigo de número 06. seguida, houve inversão de papéis (ARAÚJO et
No artigo 07, de Brito & Rocha (2015), des- al., 2017).
taca o enfermeiro um educador, está apto a rea- No artigo supracitado, foi abordado sobre
lizar programas educacionais envolvendo pais subir em lugares altos, e foi demonstrado uma
ou responsáveis pelos cuidados da criança, criança subindo em uma mobília. Os participan-
promovendo ações que dizem respeito à pre- tes conseguiram entender a consequência desse
venção de acidentes e às condutas a serem to- ato, e quando se falou em como subir escadas
madas nestes casos. com segurança, eles não souberam relacionar a
situação de estar subindo com a necessidade de
Categoria temática: crianças de 5 a 11 prevenção.
anos O afogamento pode correr em parques aqu-
Na etapa de 5 a 11 anos, existem as mudan- áticos, piscinas, lagos e rios e as estratégias de
ças no crescimento físico, intelectual e psíquico
proteção consistem e orientar os cuidadores a,
e a capacidade física e de desafiar o mundo em parques aquáticos e brinquedos radicais,
adulto para se igualar a ele, elas tendem a repro- identificarem os brinquedos que possuem risco
duzir comportamentos dos pais e responsáveis, de afogamentos e os perigos de quedas e trau-
os quais entendem como corretos (SBP, 2007). mas por impacto (SBP, 2007).
Os principais acidentes consistem em quedas, No artigo de Araújo et al. (2017), número
atropelamentos e acidentes com veículos auto- 03, na quanto a afogamento, discutiu-se por
motores e afogamentos. meio de imagens, e os infantes demonstraram
Os atropelamentos e acidentes com veícu- conhecimento sobre o assunto e até citaram
los automotores ocorrem, pois, nesta faixa etá- uma situação em que um deles caiu na piscina
ria, elas não têm bom discernimento de perigo
de um familiar.
e não é bem desenvolvido o senso de distância No artigo 05, Gurgel & Monteiro (2016), há
de objetos. Como estratégias de proteção e pre- uma percepção irreal do ambiente no qual se
venção, antes dos 12 anos, a criança não deve vive, desencadeando a incapacidade de apren-
andar desacompanhada de um adulto cuidador; der noções de segurança, contudo, convém res-
como passageira de veículos automotores, a cri- saltar a importância do “faz de conta” como
ança deve ir no banco de trás do carro, em ca- uma brincadeira essencial para o desenvolvi-
deira apropriada; o uso de bicicletas, patinetes mento infantil, pois é uma forma utilizada para
e skates devem acontecer em áreas protegidas compreender o mundo do adulto. Dessa forma
e, sempre com equipamentos de segurança cabe aos adultos responsáveis por crianças
(SBP, 2007). nessa faixa etária estarem cientes de que o pen-
No artigo 03, o tema prevenção de acidentes samento mágico característico dessa idade per-
de trânsito foi iniciado mediante conversa
mite à criança comparar-se aos desenhos ani-

56 | P á g i n a
mados, fazendo-a acreditar na possibilidade Os grupos do sexo masculino e do feminino
cair sem se machucar (GURGEL & MONTEI- culturalmente terão manifestações, comporta-
RO, 2016). mentos e modos de vida diferentes que devem
O enfermeiro deve atuar realizando capaci- ser percebidos tanto no ambiente doméstico
tações para os profissionais da educação para quanto pelos profissionais de saúde para pode-
que eles saibam promover conhecimentos ade- rem, a partir desse aspecto, implementar ações
quados contemplando as necessidades de cada de prevenção de acidentes de acordo com cada
faixa etária da criança (ARAÚJO et al., 2017). faixa etária, como descrito no artigo 07, Brito
Pois é por meio das consultas de enfermagem à & Rocha (2015).
criança que os profissionais devem dar mais
atenção para a prevenção de acidentes, desde a CONCLUSÃO
primeira consulta de puericultura até a última
que antecede a adolescência (ARAÚJO et al., Diante do exposto, o enfermeiro deve ela-
2017). borar estratégias de orientação aos cuidadores a
Recomenda-se que esse profissional se arti- fim de que os traumas físicos e acidentes sejam
cule com os demais membros da equipe, junta- prevenidos, impedindo que o evento ocorra. Es-
mente com outros setores, como creches, esco- tas estratégias de proteção a traumas físicos e
las, igrejas, e realize parcerias para promover prevenção de acidentes devem considerar as
medidas integrais e intersetoriais no intuito de faixas etárias e as etapas do crescimento e de-
prevenir acidentes domésticos infantis (GUR- senvolvimento na infância, a fim de que possam
GEL & MONTEIRO, 2016). considerar as especificidades do paciente pedi-
É inegável a necessidade de se reconhecer átrico.
que, de fato, algumas características da própria O quantitativo de estudos disponíveis nas
criança concorrem para o aumento do risco de bases de dados foi incipiente, evidenciando a
acidentes. Entretanto, faz-se necessário refletir, necessidade de abordar esta temática em dife-
a partir do reconhecimento da variedade de fa- rentes contextos assistenciais. Como prospec-
tores provenientes de diferentes dimensões e ção para estudos futuros, sugere-se a realização
que interagem, que outras nuanças podem ser de mais estudos com foco na proteção e preven-
agrupadas como fatores de risco para a ocorrên- ção de traumas físicos em pacientes pediátricos.
cia de acidentes em crianças (BEZERRA et al.,
2016).

57 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AHA. American Heart Association. Destaques das dire- cia: revisão de escopo. Arquivos de Ciências da Saúde da
trizes de 2020. https://cpr.heart.org/-/media/CPR-Fi- UNIPAR, v. 27, n. 1, 2023.
les/CPRGuidelinesFiles/High lights/Hghlghts_2020ECC
Guidelines_Portuguese.pdf >. Acesso em: 08 de março GURGEL, A.K.C. & MONTEIRO, A.I. Prevenção de
de 2023. acidentes domésticos infantis: susceptibilidade percebida
pelas cuidadoras. Domestic accident prevention for chil-
ARAÚJO, A.R. et al. Prevenção de acidentes em uma dren: perceived susceptibility by the caregivers. Revista
creche: experiência com pais, professores e pré-escola - de Pesquisa Cuidado é Fundamental Online, v. 8, n. 4, p.
res. Revista de Enfermagem UFPE on line, v. 11, n. 4, p. 5126, 2016.
1671, 2017.
LIMA, E.P.M. et al. Identificação dos conhecimentos de
BEZERRA, M.A.R. et al. Percepções de cuidadores de mães na prevenção de acidentes domésticos com crianças
crianças menores de cinco anos sobre a prevenção de aci- da primeira infância. Enfermagem em Foco, v. 9, n. 4, p.
dentes domésticos. Revista Mineira de Enfermagem, v. 77, 2019.
20, 2016.
LIMA, I.C.V. et al. Acidentes domésticos e diagnósticos
BRASIL. Lei nº 13722, de 04 de outubro de 2018. Disp õe de enfermagem de crianças nascidas expostas ao HIV.
sobre a Lei Lucas. Disponível em: https://legis.sena - Escola Anna Nery, v. 18, n. 2, p. 215, 2014.
do.leg.br/norma/30228750/publicacao/30228784.
Acesso em: 28 maio 2023. OMS. Organização Mundial da Saúde. “Saúde 21”. Uma
introdução ao enquadramento político da saúde para to-
BRITO, M.A. & ROCHA, S.S. A criança vítima de aci- dos na Região Europeia da OMS. Lusociência, p. 32,
dentes domésticos sob o olhar das teorias de enferma- 2018.
gem. Revista de Pesquisa Cuidado é Fundamental On-
line, v. 7, n. 4, p. 3351, 2015. PHTLS. Prehospital Trauma Life Support. 9th ed. Bur-
lington, MA: Jones & Bartlett Learning; 2019.
DATASUS. Ministério da Saúde. Causas Externas. 2017.
2018. Disponível em: http://tab- SILVA, M.F. et al. Fatores determinantes para a ocorrên-
net.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sim/cnv/ext10uf.def. cia de acidentes domésticos na primeira infância. Journal
Acesso em 28 de mai 2023. of Human Growth and Development, v. 27, n. 1, p. 10,
2017.
FERNANDES, M.J.S. et al. Tecnologias para prevenção
de acidentes domésticos em crianças na primeira infân- SBP. Sociedade Brasileira de Pediatria. Crianças e Ado-
lescentes Seguros. Publifolha, São Paulo, p. 336, 2007.

58 | P á g i n a
Capítulo 08

A PREVALÊNCIA DA SÍFILIS
CONGÊNITA EM HOSPITAIS
PÚBLICOS DO BRASIL E DO
ESPÍRITO SANTO

NATHÁLIA JACOB BORGES WOLFGRAMM¹


GABRIELA NERY COLODETTI¹
ALESSANDRA KÁTIA LAGE ROCHA¹
ANNA CLARA VENTURIM TEIXEIRA¹
LUÍSA DANTAS SILVEIRA¹

1. Discente – Medicina do Centro universitário Multivix Vitória.

Palavras Chave: Sífilis congênita; Incidência; Gestante.

10.59290/978-65-6029-017-4.8 59 | P á g i n a
INTRODUÇÃO e na administração de tratamento adequado nas
unidades de saúde. No Espírito Santo, foram
Sífilis congênita (SC) é a disseminação he- notificados 6.563 casos de sífilis em gestantes e
matogênica, por via transplacentária, da espiro- 3.908 de sífilis congênita entre os anos de 2011
queta do Treponema pallidum, para o feto, pela e 2018.
gestante infectada por sífilis não tratada ou tra- O tratamento é baseado no uso da Benzilpe-
tada inadequadamente, podendo ocorrer em nicilina na mãe e seu parceiro sexual, a fim de
qualquer fase da gestação, sendo mais preva- reduzir a probabilidade de reinfecção e inter-
lente no primeiro trimestre. Existe ainda, a pos- romper a cadeia de transmissão, devido ao fato
sibilidade de transmissão direta do agente por de que a eficácia do recurso terapêutico é docu-
via de canal de parto quando há presença de le- mentada e este possui capacidade de atravessar
sões genitais ou ainda por aleitamento materno, a barreira placentária, chegando efetivamente
caso lesões na mama. A doença pode se mani- ao feto. Sendo qualquer outra abordagem tera-
festar em dois estágios, o precoce na qual a cri- pêutica considerada tratamento materno inade-
ança é diagnosticada com até dois anos de vida quado (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2022).
e a tardia que ocorre após essa idade (DOMIN- Diante do exposto, de modo a amplificar a
GUES et al., 2021). Ademais, a infecção pode compreensão acerca da sífilis congênita, o es-
resultar em diversas consequências ao feto, tudo objetivou conceituar a doença, seu modo
desde prematuridade à morte, dentre outras al- de transmissão, bem como observar o crescente
terações (PEELING et al., 2017). aumento da incidência da infecção no Brasil de-
A grande vulnerabilidade desse problema correntes principalmente do tratamento inade-
de saúde pública deve-se à que grande parte dos quado, não tratamento e diagnostico tardio.
bebês infectados se apresentam assintomáticos Além de elucidar as consequências e manifes-
nos primeiros meses de vida, além do não trata- tações nos fetos de mães não assistidas adequa-
mento ou tratamento inadequado das mães in- damente.
fectadas. Com isso, há a necessidade de triagem
materna efetiva, tratamento adequado caso po- MÉTODO
sitivo e um bom exame físico, anamnese e teste
treponêmico na mãe e no recém-nascido, mes- Trata-se de uma revisão integrativa de lite-
mo que assintomáticos (SOARES et al., 2020). ratura, realizada no período de março a maio de
Outrossim se observa uma tendência de au- 2023, por meio de pesquisas nas bases de da-
mento da incidência ao longo dos anos no dos: SciELO, protocolos clínicos e diretrizes te-
mundo. Em 2019 foram identificados 24.130 rapêuticas do Ministério da Saúde. Foram utili-
casos no Brasil, sendo a maioria dos casos en- zados os descritores: “Sífilis Congênita”. Desta
contrados na região sudeste. Além disso, ainda busca foram encontrados 116 artigos, posterior-
apresenta uma alta incidência com números de mente submetidos aos critérios de seleção, res-
802 casos para cada 1.000 nascidos vivos. Entre tando 7 artigos.
2014 e 2018, a taxa se elevou em 2,4 vezes para Os critérios de inclusão foram: artigos nos
sífilis em gestantes e 1,6 para sífilis congênita. idiomas inglês, português e espanhol; publica-
Isso se deve à ampliação da realização de testes dos no período de 2018 a 2023 e que abordavam
rápidos e uma redução do uso de preservativos as temáticas propostas para esta pesquisa, estu-

60 | P á g i n a
dos disponibilizados na íntegra. Os critérios de dos primeiros sintomas apenas nos primeiros 3
exclusão foram: artigos duplicados, disponibili- meses de vida, a triagem sorológica materna na
zados na forma de resumo, que não abordavam maternidade antes do parto é de suma importân-
diretamente a proposta estudada e que não aten- cia. Para o diagnóstico da sífilis congênita,
diam aos demais critérios de inclusão. ainda na maternidade, deve-se considerar os as-
Após os critérios de seleção restaram 7 arti- pectos maternos com a doença de sífilis tais
gos que foram submetidos à leitura minuciosa como tratamento e seguimento durante a gesta-
para a coleta de dados. Os resultados foram ção, além do teste não treponêmico. Para o re-
apresentados de forma descritiva, divididos em cém-nascido, mesmo assintomático, é imposi-
categorias temáticas abordando: A definição de tivo uma anamnese, exame físico e teste não
Sífilis Congênita, Epidemiologia, Desafios en- treponêmico de sangue periférico, que deverá
frentados na realização do tratamento, Trans- ser comparado ao da mãe (SOARES et al.,
missão congênita e manifestações clínicas, Tra- 2020).
tamento e Controle. A testagem simultânea com o mesmo tipo
de teste não treponêmico, da mãe e do RN logo
RESULTADOS E DISCUSSÃO após o parto, confere melhor significado para os
achados sorológicos da criança. É preconizado
Sífilis congênita - definição que um título maior que o materno em pelo me-
A sífilis congênita (SC) consiste na disse- nos duas diluições caracterizam infecção con-
minação hematogênica para o feto da espiro- gênita. Porém, a ausência desse achado não ex-
queta do Treponema pallidum pela gestante in- clui a doença, o que corrobora para que o diag-
fectada por sífilis não tratada ou tratada inade- nóstico leve em consideração os aspectos clí-
quadamente, por via transplacentária, podendo nicos, epidemiológicos e sorológicos da mãe e
ocorrer em qualquer fase da gestação, sendo do RN (SOARES. et al., 2020).
mais prevalente no primeiro trimestre. Segundo
o manual de sífilis brasileira, a taxa de infecção Epidemiologia
vertical do T. pallidum em mulheres não trata- No mundo, em 2016, foram avaliados
das é de 70 a 100% nas fases primárias e secun- 661.000 casos de sífilis congênita. No Brasil, no
dárias da doença materna com redução nas fa- ano de 2019, foram notificados 24.130 casos de
ses tardias. Existe ainda a possibilidade de sífilis congênita. Sendo que a maioria se locali-
transmissão direta da espiroqueta através do ca- zava no Sudeste (44,6%), seguido pelo Nordes-
nal de parto, na presença de lesões genitais ou te (26,3%), Sul (13,7%), Norte (9,2%) e Centro-
ainda através do aleitamento materno caso haja Oeste (6,1%). Houve diminuição entre os anos
lesão nas mamas por sífilis. A sífilis congênita de 2018 para 2019 de 8,7% no número de
apresenta dois estágios: a precoce que é diag- notificações (DOMINGUES et al., 2021).
nosticada até dois anos de vida e a tardia que Entretanto, a sífilis persiste com alta inci-
ocorre após esse período (DOMINGUES et al., dência no país. No ano de 2019, observou-se
2021). uma taxa de incidência de 802 casos para cada
Por se tratar de uma doença congênita em 1.000 nascidos vivos no Brasil. Visto que a re-
que mais de 50% das crianças infectadas são as- gião Sudeste (9,4 casos/1.000 nascidos vivos)
sintomáticas ao nascimento e com surgimento

61 | P á g i n a
estava acima da taxa nacional (SANTOS et al., taxas altas e altíssimas para ambas as infecções
2022). (SOARES et al., 2020).
O Brasil apresentou 650.258 casos de sífilis Os municípios com mais de 50 mil habitan-
adquirida, 297.003 casos de sífilis em gestantes tes, como Cachoeiro de Itapemirim apresenta-
e 162.173 casos de sífilis congênita entre os ram altíssima incidência de sífilis congênita e
anos de 2010 e 2019. Nesse mesmo tempo, fo- incidência intermediária de sífilis em gestante.
ram notificadas 11.480 mortes fetais precoces e Enquanto os municípios de Cariacica, Viana,
tardias, atribuídas à sífilis congênita (DOMIN- Guarapari, Vitória, Vila Velha, Aracruz, Serra
GUES et al., 2021). e São Mateus revelaram alta e altíssima inci-
Entre 2014 e 2018, elevou-se em três vezes dência para sífilis congênita e alta e altíssima
a taxa de detecção de sífilis adquirida (era 25,1 incidência para sífilis em gestantes (SOARES
casos para 100 mil habitantes e foi para 75,8 ca- et al., 2020).
sos para 100 mil habitantes). A de sífilis em
gestante elevou-se em 2,4 vezes (era 8,9 casos Desafios enfrentados na realização do
para mil nascidos vivos e foi para 21,4 casos por tratamento
No ano 2000, o Ministério da Saúde deu iní-
mil nascidos vivos) e a de sífilis congênita em
1,6 vezes (era 5,5 casos por mil nascidos vivos cio ao Programa de Humanização do Pré-Natal
e Nascimento que tem como importante função
e foi para 9,0 casos por mil nascidos vivos).
diminuir as chances de transmissão vertical de
Esse aumento se deu através do estímulo à tes-
tagem pelos testes rápidos e com a redução no sífilis e outras doenças por meio de acompanha-
uso de preservativos e na administração da pe- mento pré-natal, do nascimento e no pós-parto,
nicilina nas unidades de saúde (DOMINGUES de acordo com um número estabelecido de con-
et al., 2021). sultas e testes de triagem sorológica
No Espírito Santo, foram notificados 6.563 De acordo com Magalhães et al. a sífilis
casos de sífilis em gestantes e 3.908 casos de congênita tem cura, possui modo de transmis-
sífilis congênita entre os anos de 2011 e são bem conhecido, tratamento de baixo custo
2018.Com relação aos municípios de até 20 mil e eficácia comprovada e, apesar disso, ainda é
um grave problema de saúde pública. Sabe-se
habitantes, como Domingos Martins, São José
que existem estratégias para prevenção da do-
dos Calçados, Marilândia, Santa Leopoldina,
Iconha, Jerônimo Monteiro, Fundão, Vila Valé- ença, métodos de rastreio e metas a serem cum-
pridas, no entanto, encontram-se falhas na apli-
rio, Ibiraçu, Itaguaçu, Alegre, Marechal Flori-
cação de tais ferramentas (MAGALHÃES et
ano, Presidente Kennedy, São Domingos do
Norte, Irupi e São Roque do Canaã, apresenta- al., 2011).
ram taxas de incidência intermediária e alta A maioria dos contaminados são assintomá-
para sífilis congênita, e incidência baixa e inter- ticos, fato que pode resultar em maior dissemi-
mediária para sífilis em gestantes (SOARES et nação da doença devido ao desconhecimento da
al., 2020). infecção. Durante a gestação, a sífilis pode cul-
Entre os municípios de 20 mil a 50 mil ha- minar em abortos, nascimento de natimortos,
bitantes apresentaram incidência baixa e inter- baixo peso ao nascer e até morte do recém-nas-
mediária, tanto para sífilis congênita como para cido (PEELING et al., 2017).
sífilis em gestantes, enquanto sete apresentaram

62 | P á g i n a
Possíveis causas para a incidência de sífilis gio terciário ou latente tardio, há uma maior
congênita podem estar relacionadas a diagnós- transmissibilidade nos primeiros 4 anos de in-
ticos incorretos, falha no acesso à gestante e seu fecção, porém essa velocidade reduz com a for-
parceiro culminando em falhas no tratamento, mação de anticorpos maternos (BEZERRA, et
dificuldade quanto ao uso de preservativo e re- al., 2020).
cusa do tratamento pelo parceiro (PALLITO et A sífilis pode apresentar-se de diferentes
al., 2016). formas, sendo ela como sífilis primária, secun-
Em relação aos desafios encontrados no tra- dária, latente recente, latente tardia e terciária,
tamento da SC, a dificuldade em tratar o par- e essas variam de formas assintomáticas ou oli-
ceiro é um grande entrave na cura dos pacien- gossintomáticas até formas graves com sepse,
tes. Tal dificuldade está pautada, provavel- aborto, natimorto, óbitos fetais e neonatais e
mente, na cultura masculina de falha no au- prematuridade, desse modo, sendo imprescindí-
tocuidado. Além disso, falhas na detecção pre- vel o pré-natal adequado, reconhecimento da
coce por parte dos profissionais de saúde tam- afecção, diagnóstico e rastreio precoce com tri-
bém são fatores relevantes quando se pensa em agem sorológica materna de extrema importân-
tratamentos inadequados, pois, mesmo que a cia para evitar a propagação para o feto, além
gestante dê seguimento correto ao programa, de que, é de suma importância a realização de
uma equipe despreparada e pouco familiarizada tratamento caso resultado positivo para evitar
com o processo deixa lacunas que invalidam os maiores complicações (DOMINGUES et al.,
acertos prévios (COSTA et al., 2022). 2021).
Divide-se a sífilis congênita em precoce e
Transmissão congênita e manifestações tardia, a primeira pode surgir até os 2 anos de
clínicas idade e a presença de sinais e sintomas depende
A transmissão de sífilis congênita resulta da do período de infecção intrauterina e presença
transposição do Treponema pallidum do sangue ou não de tratamento durante a gestação. Já a
da mãe para o feto por via transplacentária, po- segunda, caracteriza-se por surgimento dos sin-
dendo ocorrer em qualquer estágio clínico da sí- tomas a partir do 2 ano de vida, estando relaci-
filis materna (BEZERRA et al., 2020). Essa in- onada a um processo cicatricial ou perpetuação
fecção depende da capacidade do agente etioló-
da infecção anterior (DOMINGUES et al.,
gico de ultrapassar a barreira placentária e a 2021).
concentração de treponemas circulantes, acon- Na precoce observam-se manifestações fre-
tecendo em qualquer fase da gestação, porém quentes como: hepatomegalia, esplenomegalia,
mais comumente nas fases iniciais do desenvol- icterícia, rinite serossanguinolenta (rinite sifilí-
vimento fetal, entre a nona e décima semana de tica), erupção cutânea maculopapular, pênfigo
idade gestacional (BEZERRA et al., 2020). sifilítico (principalmente palmo-plantar), linfa-
A contaminação varia de acordo com a fase denopatia generalizada, periostite, osteocon-
da doença que a gestante apresenta, sendo as drite, trombocitopenia e anemia. Além de pre-
maiores infecções nas fases primárias, latentes maturidade e o baixo peso ao nascer que são
precoces e secundárias, na qual há maior circu- bem frequentes. Já as manifestações da tardia
lação de agentes etiológicos circulantes no san- estão ligadas a formação de gomas sifilíticas em
gue da mãe. Já nas fases tardias, como no está-
vários tecidos da criança, sendo elas ceratite in-

63 | P á g i n a
tersticial, articulação de Clutton e surdez neu- gia. Com regressão espontânea após 12 a 24 ho-
rossensorial, fronte olímpica, nariz em sela, pa- ras. Esse evento é denominado como reação de
lato em ogiva, coriorretinite, dentes de Hutchi- Jarisch-Herxheimer e seu controle é feito de
nson, molares em amora, atraso no desenvolvi- forma sintomática com o uso de analgesia sim-
mento, comprometimento intelectual e tíbia em ples, conforme demanda, sem que interfira na
sabre (SOARES et al., 2020). continuidade do tratamento para sífilis (MINIS-
Ademais, há casos de neurossífilis, que TÉRIO DA SAÚDE, 2022).
pode manifestar-se de forma assintomática e Qualquer outra abordagem terapêutica, com
sintomática, na qual observamos alterações no a finalidade de tratamento da sífilis congênita,
líquor como positividade de VDRL, pleocitose realizada na gestação é considerada como trata-
e aumento de proteinorraquia (DOMINGUES mento materno inadequado, sendo assim, o re-
et al., 2021). cém-nascido (RN) é notificado compulsoria-
mente como um novo caso de sífilis congênita
Tratamento e submetido à avaliação no âmbito clínico e la-
Durante o período gestacional a Benzilpe- boratorial (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2022).
nicilina benzatina é o único fármaco utilizado Portanto, para o tratamento ser considerado
no tratamento da sífilis, devido a sua eficácia adequado, deve ser iniciado no mínimo 30 dias
documentada nessa fase (MINISTÉRIO DA antes do parto, e o esquema terapêutico deve ser
SAÚDE, 2022). Ademais, esse medicamento finalizado até o momento do parto. Embora não
possui a capacidade de atravessar a barreira seja critério epidemiológico de definição para o
transplacentária, chegando efetivamente ao diagnóstico de casos de sífilis congênita, o tra-
feto. tamento presuntivo de parcerias sexuais (inde-
Reações anafiláticas à Benzilpenicilina pendente do estágio clínico, sinais ou sintomas)
benzatina apesar de serem considerados even- com dose única de Benzilpenicilina benzatina
tos raros, podem ocorrer em cerca de 0,002% 2,4 milhões UI intramuscular (1,2 milhões UI
dos casos (DOMINGUES et al., 2021). As ges- em cada glúteo) é de suma importância a fim de
tantes que tenham história prévia documentada diminuir as probabilidades de reinfecção e in-
de alergia à penicilina devem realizar a dessen- terromper a cadeia de transmissão. Em virtude
sibilização em ambiente hospitalar. Manifesta- da positividade do teste de rastreio (teste trepo-
ções clínicas como reação anafilática prévia e nêmico ou não treponêmico), o tratamento das
lesões cutâneas graves, como a síndrome de parcerias sexuais deve basear-se no estágio clí-
Stevens-Johnson, em pacientes sem conheci- nico da doença (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
mento prévio de alergia à penicilina devem ser 2022).
encaminhadas para descartar esse diagnóstico O tratamento imediato com benzilpenicilina
de alergia (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2022). benzatina na posse de apenas 1 teste reagente
Durante as primeiras 24 horas, sobretudo para sífilis, com ou sem sinais e sintomas, é re-
nas fases primária e secundária da infecção, comendado para gestantes, vítimas de violência
após a primeira dose de benzilpenicilina benza- sexual, pessoas com chance de perda de seg-
tina podem ocorrer manifestações clínicas mento, pessoas com sinais/sintomas de sífilis
como exacerbação das lesões cutâneas, pre- primária ou secundária e pessoas na primo-in-
sença de mal-estar geral, febre, cefaleia e artral- fecção por sífilis. Entretanto, faz-se necessária

64 | P á g i n a
a realização do segundo teste, para melhor elu- Decorrentes principalmente de diagnóstico tar-
cidação diagnóstica e controle de cura (MINIS- dio e tratamentos não realizados ou realizados
TÉRIO DA SAÚDE, 2022). de maneira inequívoca. Apesar dos esforços do
Ministério da Saúde, que através do Programa
Controle de Humanização do Pré-Natal e Nascimento
Espera-se que após a realização do trata- criado em 2000, busca reduzir as chances de
mento de forma correta, ocorra regressão dos transmissão vertical de sífilis e outras doenças
sinais, sintomas (resposta terapêutica) e manu- por meio do acompanhamento pré-natal, a
tenção de títulos baixos após queda em duas ou transmissão da SC é frequente e crescente em
mais titulações do Teste não treponêmico todo território brasileiro. Ainda que até 50% das
(TNT) até 3 meses depois da última dose medi- crianças infectadas sejam assintomáticas ao
camentosa, entretanto, o acompanhamento das nascimento, os desfechos da infecção são gra-
titulações com o TNT deve permanecer de ves e podem levar à morte neonatal. Logo, é
forma mensal até o momento do parto, e depois preciso identificar as falhas no diagnóstico e no
desse período, o seguimento deve ocorrer de tratamento da sífilis congênita, e a partir disso,
forma trimestral até 12 meses da data do diag- estabelecer políticas públicas que melhorem o
nóstico de sífilis (0º, 3º, 6º, 9º e no 12º mês). acesso das famílias ao diagnóstico precoce e ao
Após o tratamento adequado é garantido um tratamento adequado da mãe e do seu parceiro.
segmento ambulatorial para crianças expostas a Propiciar um ambiente que favoreça o entendi-
sífilis ou com sífilis congênita até 18 meses de mento dessas famílias, no que tange a caracte-
idade (DOMINGUES et al., 2021). rísticas e riscos materno e neonatal desta do-
ença, através de uma relação de confiança entre
CONCLUSÃO família e profissionais do atendimento primário
de saúde. Além disso, é preciso um enfreta-
A partir do referencial e análise epidemio- mento para a redução da transmissão da SC re-
lógica sobre a sífilis congênita, podemos con- forçando dentro da população sexualmente
cluir uma forte incidência de casos no Brasil. ativa, por exemplo a prática de sexo seguro.

65 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BEZERRA, L.F. et al. A abordagem clínica e terapêutica (IST). Ministério da Saúde; 2022. Disponível em: <mi-
da Sífilis Congênita: Uma Revisão de literatura. Revista olo_pcdt_tv_04_2022.indd (saude.gov.br)>. Acesso em:
de Medicina e Saúde de Brasília. v. 9, 2020. 10 abr. 2023.

COSTA, L.C. et al. Perfil epidemiológico e clínico da sí- PALLITO, C. et al. Testing a counselling intervention in
filis congênita na região Norte do Espírito Santo. Brazil- antenatal care for women experiencing partner violence:
ian Journal of Development. v.8, n. 1, p. 2300, 2022. a study protocol for a randomized controlled trial in Jo -
hannesburg, South Africa. BMC Health Services Re-
DOMINGUES, C.S. et al. Protocolo Brasileiro para In- search, v. 16, n. 1, p. 630, 2016.
fecções Sexualmente Transmissíveis 2020: sífilis congê-
nita e criança exposta à sífilis. Epidemiologia e Serviços PEELING, R.W. et al. Sífilis. Nature Reviews. Disease
de Saúde, v.30, n. esp1, p. e2020597, 2021. Primers. v.3, p. 17073, 2017.

MAGALHÃES, D.M.S. et al. A sífilis na gestação e sua SANTOS, M.D. et al. Perfil epidemiológico dos casos
influência na morbimortalidade materno-infantil. Comu- notificados de sífilis materna e congênita em uma mater-
nicação em Ciências da Saúde, v. 22, sup. 1, p. 43, 2011. nidade referência em Belo Horizonte. Revista Médica de
Minas Gerais, v. 32, p. e-32110, 2022.
MS. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Vigilância
em Saúde. Departamento de Doenças de Condições Crô - SOARES, K.K.S. et al. Análise espacial da sífilis em ges-
nicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Protocolo tantes e sífilis congênita no estado do Espírito Santo,
Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às 2011-2018. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 29,
Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis 2020.

66 | P á g i n a
Capítulo 09

O USO DA MÚSICA COMO


POSSIBILIDADE DE
CUIDADO HUMANIZADO A
CRIANÇA HOSPITALIZADA

LETÍCIA GUIMARÃES FASSARELLA¹


LETÍCIA SILVA DA ROCHA 1
MICHELLE DAREZZO RODRIGUES NUNES 2
FERNANDA MACHADO SILVA-RODRIGUES 3
BÁRBARA BERTOLOSSI MARTA DE ARAÚJO 2

1. Enfermeira – Hospital Universitário Pedro Ernesto.


2. Docente – Departamento Enfermagem Materno-Infantil, Faculdade de Enfermagem,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – FENF UERJ.
3. Docente - Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo – FCMSCSP

Palavras Chave: Enfermagem pediátrica; Hospitalização; Música.

10.59290/978-65-6029-017-4.9 67 | P á g i n a
INTRODUÇÃO demos pensar no quanto esta tecnologia pode
estimular a comunicação, interação e acolhi-
A hospitalização pode ser uma experiência mento, colaborando para a humanização do am-
traumática para criança, possibilitando insatis- biente hospitalar pediátrico (SILVA et al.,
fações ou prejuízos que ultrapassam a interna- 2017).
ção. Ela tira a criança de seu ambiente de con- A música tem o poder de influenciar no hu-
forto, causa frustração, e interfere em sua qua- mor e na saúde física dos indivíduos, trazendo
lidade de vida e bem-estar (PAIXÃO et al., benefícios para emoções, funções cognitivas,
2016; LOPES, 2012). comportamento, melhora do humor, sono, da
A criança internada sofre a mudança para motivação, da autoconfiança, diminuição da an-
um novo ambiente, repleto de pessoas desco- siedade, auxílio no combate à tensão e na elimi-
nhecidas, restrições e permanece na maior parte nação do estresse. Além disso, a música auxilia
do tempo em seu leito, sendo submetida a pro- na memória, que em conjunto de gestos e mo-
cedimentos dolorosos. Esse processo tem in- vimentos corporais, acaba estimulando na cri-
fluência nas esferas afetiva, psicológica e emo- ança pelo menos seis sistemas de seu cérebro,
cional. Desta forma, é necessário que o profis- tornando-se uma alternativa rica de aprendi-
sional de enfermagem esteja atento a todas es- zado, motivação e neurodesenvolvimento (ZA-
sas mudanças físicas e emocionais, indo além NETTINI et al., 2015).
da doença, adentrando no universo infantil e en- Para a criança, a hospitalização significa o
tendendo suas peculiaridades (SANTOS et al., afastamento de sua casa e do cotidiano, local
2016). onde vinha acontecendo o seu desenvolvi-
Sendo assim, o desenvolvimento de ativida- mento, ocasionando medo e angústias, assim
des lúdicas, recreativas e pedagógicas desti- como o desencadeamento de tensão emocional.
nado às crianças pode ser realizado no ambiente Nesta perspectiva, pode-se perceber que há uma
hospitalar, permitindo que a mesma expresse necessidade de um atendimento mais humani-
suas emoções e sentimentos provenientes da zado na pediatria, onde se pode pensar na atua-
doença e internação. A utilização da música é ção de profissionais que valorizem atividades
um exemplo que pode contribuir no cuidado às lúdicas e de lazer, com vistas ao bem-estar da
crianças (FALBO et al., 2012) e pode incentivar criança nesse período (NICOLA et al., 2014).
a comunicação, acolhimento e interação, o que Assim, o objetivo deste estudo foi compreender
ajudar na humanização do ambiente hospitalar a percepção das crianças hospitalizadas sobre
da pediatria (SILVA et al., 2017). uma atividade musical realizada no ambiente
A música é uma das formas de promover a hospitalar.
saúde da criança, que pode ser uma ferramenta
que proporciona conforto, alivia a dor, além de MÉTODO
facilitar a comunicação entre profissional e usu-
ário de saúde. Isso torna o cuidado mais huma- Trata-se de um estudo de abordagem quali-
nizado e com efeitos positivos para a criança, tativa do tipo descritiva exploratória, realizado
como no lazer e no reforço de laços sociais nas enfermarias clínica e cirúrgica pediátricas
(ZANETTINI et al., 2015). Assim, quando fa- em um Hospital Universitário do Rio de Ja-
lamos da utilização da música com crianças po- neiro.

68 | P á g i n a
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética Técnica “desenhar, escrever e contar” (POPE
em Pesquisa da instituição proponente, sob o et al., 2019): as crianças foram orientadas a de-
parecer nº 3.091.286/2018. Os responsáveis au- senharem ou escreverem sobre como foi a inter-
torizaram a participação das crianças na pes- venção musical para elas; e etapa 3: entrevista
quisa e assinaram o Termo de Consentimento semiestruturada: após contarem sobre seus de-
Livre e Esclarecido (TCLE) e as crianças assi- senhos as crianças foram incentivadas a falar
naram o Termo de Assentimento. Para as crian- sobre como havia sido a intervenção musical
ças participantes que não sabiam escrever seu para elas.
nome, foi disposto uma tinta de carimbo para Os relatos das crianças acerca de seus dese-
que pudessem registrar a digital no lugar da as- nhos e suas respostas a questão da entrevista fo-
sinatura, concordando com a participação do ram analisados através da análise de conteúdo
estudo. Buscou-se preservar o anonimato dos do tipo temática segundo Bardin (BARDIN,
entrevistados durante todo o estudo, sendo os 2011). Além disso realizou-se uma caracteriza-
nomes das crianças substituídos por codinomes ção dos participantes e da atividade musical re-
de personagens de desenho infantil ou super- alizada.
heróis, escolhidos por eles mesmos.
Os participantes foram crianças hospitaliza- RESULTADOS E DISCUSSÃO
das com idades entre 4 e 12 anos incompletos,
de ambos os sexos. Excluíram-se aquelas em Doze crianças participaram do estudo. A
condições graves ou incapazes cognitivamente média de idade foi 6,25 anos (±2,45), onde a
de participar e as que não responderam às ques- metade pertencia a faixa etária entre 4 e 5 anos
tões da entrevista e/ou não realizaram o dese- (50%). A maioria era do sexo masculino e esta-
nho. vam internadas para tratamento cirúrgico (8–
A coleta de dados ocorreu nos meses de 66,7%). No que se refere ao diagnóstico teve
março e abril de 2019 e foi composta por três maior predominância de fimose e doença renal,
etapas. Etapa 1. Atividade musical: as crianças ambos com 2-16,8%. Todas as crianças do es-
escolheram músicas e instrumentos musicais de tudo estavam inseridas na escola, sendo 6 na
brinquedo que foram tocadas e cantadas pelas pré-escola e 6 no ensino fundamental. Como
pesquisadoras junto com a criança; Etapa 2. mostra a Tabela 9.1.

Tabela 9.1 Dados sociodemográficos e clínicos da s crianças participantes da pesquisa. Rio de Janeiro, 2019
n %
Idade na coleta (anos; média ± DP) = 6,25±2,45
4–5 6 50,0
6–7 3 25,0
8-9 1 8,3
10 – 11 2 16,7

Sexo
Masculino 8 66,7
Feminino 4 33,3

69 | P á g i n a
Cor da pele
Branco 7 58,3
Pardo 3 25,0
Negro 2 16,7

Escolaridade
Pré-escola 6 50,0
Fundamental 6 50,0

Diagnóstico
Hipertrofia de pequenos lábios 1 8,3
Fimose 2 16,8
Doença Renal 2 16,8
Hérnia Inguinal 1 8,3
Pterígio poplíteo 1 8,3
Fístula gastrocutânea 1 8,3
Broncoespasmo 1 8,3
Criptorquidia 1 8,3
Epilepsia 1 8,3
Linfoma 1 8,3

Motivo da internação
Cirúrgico 8 66,7
Clínico 4 33,3

A atividade musical durou em média 15 mi- cia, sendo divididos entre sertanejo, rock, pop,
nutos. A maioria das crianças (9-75%) ouviram rap e gospel.
três músicas, duas ouviram cinco e uma criança Os relatos das crianças sobre a experiência
duas músicas. Todas tiveram participação na com a atividade musical desencadearam duas
escolha da música, escolhendo o gênero musi- categorias, sendo elas:
cal de preferência e auxiliando na escolha das
músicas que seriam tocadas. Além disso, algu- Percepções da criança sobre a atividade
mas crianças (4-33,33%) também dançaram musical
além de cantar e/ou utilizaram os instrumentos Nesta categoria identificou-se como os par-
de brinquedo (9-75,0%), dentre ticipantes perceberam a atividade musical e
eles tambor, violão, pandeiro e microfone. Os como foi ter participado da mesma. Assim, as
crianças manifestaram em suas falas opiniões
gêneros musicais mais escolhidos foram “funk”
positivas frente a participação a esta atividade
(5-41,7%), seguidos de “infantil” e “música po-
(Figura 9.1).
pular brasileira”, com 4 (33,3%) crianças cada.
Outros ritmos apareceram com menos frequên-

70 | P á g i n a
[...] eu gostei de cantar com elas. (Thor, A atividade musical ser realizada em grupo
11a) (criança, familiar e pesquisadoras), também foi
Foi legal. (Luna, 6a) observada como algo positivo e influenciador
Foi boa! (Batman, 9a) para melhor interação do participante na ativi-
Porque é muito legal. (Homem Aranha, 4a) dade, como exemplificado nas seguintes falas:
[...] a gente cantou em grupo, aí fica legal,
Figura 9.1 Valente, 7 anos. Rio de Janeiro, RJ, Brasil,
2019. Referiu ter desenhado ela mesma (preto) e as pes- fica mais legal. (Lanterna Verde, 9a)
quisadoras (rosa) cantando e dançando. Eu me soltei, e vocês também cantaram, aí
eu me senti melhor. (Thor, 11a)

Despertando sentimento positivos


As crianças relataram que a atividade musi-
cal lhes fez bem, provocando bem-estar e me-
lhora. A experiência da atividade musical dei-
Além disso, foi possível identificar alguns xou as crianças dispostas e fez com que se sen-
componentes que tornaram a atividade mais in- tissem diferentes momentaneamente, tornando
teressante para criança, dentre eles, destaca-se a a hospitalização mais favorável. Isso pode ser
utilização de instrumentos musicais de brin- notado na fala:
quedo. Senti bem mesmo! (Valente, 7a)
Me senti melhor, melhor que nunca. (Luna,
Foi legal por quê? (Entrevistadora) 6a)
Porque a gente cantou com instrumento. Como você fica? (Entrevistadora)
(Rapunzel, 7a) Melhor. (Mickey, 4a)
Porque eu gostei [...] do instrumento. (Mu- Além disso, a atividade despertou a felici-
lher Maravilha, 7a) dade. Nas falas dos participantes as palavras fe-
liz, alegre e felicidade foram muito frequentes
Gostar das músicas selecionadas e gostar de quando questionados sobre o que a atividade
cantar, como identificado em falas de algumas musical causava, que pode ser identificado nas
crianças: falas e explicação dos desenhos:
Porque eu gosto muito delas (músicas) E esse desenho? (Entrevistadora)
[...] porque eu gosto de cantar. (Super Cho- É uma cara feliz. (Thor, 11a)
que, 10a) E você desenhou a cara feliz por que? (En-
Foi legal como? (Entrevistadora) trevistadora)Porque eu gostei, porque eu me
Porque essas músicas eu gosto muito senti feliz. (Thor, 11a) (Figura 9.2).
(Luna, 6a)

71 | P á g i n a
Figura 9.2 Thor, 11 anos. Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2019.

Na entrevista referiu se desenhando feliz. Figura 9.4 Lanterna Verde, 9 anos. Rio de Janeiro, RJ,
Brasil, 2019.
Escrito no desenho: “Eu me senti nervoso mas
depois eu gostei de cantar com elas. Elas são
muito legais. Obrigada pelo o que vocês fize-
ram.”
Outro exemplo é o desenho da Luana (Fi-
gura 9.3).

Figura 9.3 Luna, 6 anos, referiu ter-se desenhado feliz


após a atividade musical. Rio de Janeiro, RJ, Brasil,
2019 .

Outro participante referiu:


E como você se sentiu? (Entrevistadora)
Feliz. (Super Choque, 10a)
Feliz como? Me explica melhor. (Entrevis-
tadora)
Muito feliz. (Super Choque, 10a)

Em algumas falas também foram identifica-


dos outros sentimentos positivos desencadea-
dos pela atividade musical. Os resultados de-
E a fala e desenho do Lanterna Verde (Fi-
mostraram que a música aflora sentimentos
gura 9.4).
bons que fazem as crianças vivenciem uma ex-
Lanterna verde, me explica o que você de-
periência diferente do que a hospitalização ofe-
senhou aqui. (Entrevistadora)
rece, dentre eles estão o entusiasmo, causando
Eu desenhei eu ficando mais alegre. Mais
euforia e diversão. Como mostra a seguinte
animado, mais feliz. (Lanterna Verde, 9a)
fala:
E por que você ficou mais alegre e mais fe-
Porque foi bem divertido (Homem Aranha,
liz? (Entrevistadora)
4a)
Porque eu cantei. (Lanterna Verde, 9a)

72 | P á g i n a
Eu me diverti muito (Nemo, 4a) Na entrevista referiu ter se desenhado como
E o que a música fez? (Entrevistadora) princesa, estando feliz após escutar música
Me divertiu. (Mickey, 4a) Como se a música de alguma forma a tirasse
dessa condição, fazendo com que lembrassem
Além disso, a atividade remete a experiên- da forma como estavam antes da internação, re-
cias para além da hospitalização, a vivências metendo a experiências boas para além da do-
que extrapolam as paredes do hospital, associ- ença e hospitalização.
ando a música a pessoas ou até mesmo momen-
tos. Algumas músicas fizeram a criança lembrar A atividade musical pode ser percebida ini-
de alguém, de com alguma pessoa próxima que cialmente como uma forma de descontração
faziam a conexão com a música e a sentirem para as crianças, onde elas se mostraram entu-
saudade, como exemplifica a fala a seguir: siasmadas para escutar música, visto que nos
Você disse que a música te fez lembrar al- hospitais não podem ou não costumam fazer
guma coisa, o que foi? (Entrevistadora) isso com frequência. Achados na literatura cor-
Meu irmão. (Thor, 11a) roboram com os achados, ressaltando que o uso
E por que te lembrou seu irmão? (Entrevis- da música é frequente na vida das pessoas como
tadora) uma forma de relaxamento, distração ou até
Porque eu gosto dele, senti saudade dele mesmo para a expressão dos sentimentos, tor-
(irmão mais novo). (Thor, 11a) nando-se cada vez mais indispensável para sa-
úde mental e física dos seres humanos (VI-
Apesar da hospitalização limitar a criança a CENTE & PIOVESAN, 2018).
um leito de hospital, a atividade com a música Analisando as respostas fornecidas pelos
fez com que uma criança remetesse a sentimen- participantes, quando questionados sobre o que
tos de liberdade. Esse sentimento pode ser per- sentiram quando cantaram com as pesquisado-
cebido na seguinte fala: ras, a maioria respondeu palavras que remetem
E como você se sentiu quando você estava a felicidade e bem-estar, sendo possível perce-
cantando? (Entrevistadora) ber que a música contribui para o sentimento de
Livre. (Lanterna Verde, 9a) alegria e além de ser possível observar a exteri-
orização desse sentimento através de sorrisos, e
Figura 9.5 Rapunzel, 7 anos. Rio de Janeiro, RJ, Brasil,
2019. por outras vezes, da dança. Os achados corro-
boram com outro estudo que evidenciou que a
música promove mudanças no estado emocio-
nal, causando felicidade e bem-estar, além de
outros sentimentos (SILVA et al., 2016).
Além disso, em algumas situações a música
remeteu a criança a lembranças de pessoas e si-
tuações vividas fora do ambiente hospitalar, li-
bertando-a dos problemas vivenciados no hos-
pital, sendo uma estratégia eficaz para que a cri-
ança se desvinculasse da internação hospitalar
e seu motivo de doença ou cirurgia mesmo que

73 | P á g i n a
momentaneamente. A literatura afirma que a tradas nas perguntas da entrevista, necessitando
utilização da música permite a criança viajar de maior atenção, uma vez que as crianças
num mundo diferenciado por meio da imagina- dessa faixa etária respondiam as questões ape-
ção e manifestação da criatividade, colabo- nas com sinais não verbais (como através de
rando-a a fugir de seus problemas e inclusive movimentos com a cabeça) e apresentaram com
resolvê-los. Diante disso, salientam que é fun- frequência características de distração com ele-
damental um espaço designado à música em di- mentos do ambiente, o que também foi identifi-
versos ambientes, até mesmo dentro dos hospi- cado em nosso estudo. (SILVA-RODRIQUES,
tais (VICENTE & PIOVESAN, 2018). 2019).
Notou-se também, a participação efetiva e Cabe ainda ressaltar que a escolha do gê-
animada dos responsáveis, o que reflete a im- nero musical ou das próprias músicas que se-
portância de incluir a família nas atividades re- riam tocadas na atividade musical e a possibili-
creativas, tendo em vista que além de ser o dade de escolherem se utilizariam os instru-
ponto de referência da criança, este também vi- mentos musicais de brinquedo ou não e quais,
vencia a sobrecarga física e emocional da hos- possibilitam a criança o exercício da autono-
pitalização com a criança. Estudos apontam que mia, que é tão tolhida durante a internação hos-
a utilização da música no ambiente hospitalar pitalar. De acordo a literatura a oportunidade de
estimula a participação da família no cuidado à uma criança internada poder tocar um instru-
criança, além de amenizar os traumas decorren- mento musical faz com que haja a criação de
tes do ambiente hospitalar e sua adaptação a outras habilidades, uma vez que deixa a criança
esse novo ambiente (SILVA et al., 2017; NI- em uma nova posição, diferente da que ocupava
COLA et al., 2014). enquanto doente, sendo o sujeito de uma ação
Com relação às características dos partici- (LIMA, 2015). Além disso, a rotina hospitalar,
estruturada para garantir o tratamento ou a cura
pantes do estudo, a maioria encontrava-se na
da doença, invade a vida da criança, trazendo
faixa etária de 4 e 5 anos. Apesar de estudos
apontarem que crianças a partir de quatro anos como consequência a perda da sua privacidade
e de seu cotidiano, o que impede qualquer pos-
conseguem se expressar verbalmente e descre-
sibilidade de ela exercer sua autonomia. O pro-
ver suas vivências, pois estas já possuem habi-
cesso de hospitalização provoca mudanças na
lidades cognitivas, mentais e conceituais (SIL-
rotina, sendo esse fato relacionado a uma fragi-
VA et al., 2017; VASQUES et al., 2014), no
lidade emocional representada pelo afastamen-
presente estudo evidenciou-se grande dificul-
to de amigos, familiares, escola, ocasionando
dade de extrair dados através da entrevistas de
crianças menores de 7 anos, principalmente nas impactos na saúde (CONCEIÇÃO, 2016).
Vale registrar que uma das limitações do es-
crianças de 4 e 5 anos que apresentaram difi-
tudo se refere ao limitado conjunto de partici-
culdade para exteriorizar seus pensamentos e
pantes e apenas um cenário que impedem a ge-
sentimentos decorrentes da atividade musical
neralização dos achados.
na realização das entrevistas, falando pouco,
com frases curtas e vocabulário limitado.
Corroborando este achado, outro estudo re- CONCLUSÃO
cente mostrou que crianças de 7 e 8 anos apre-
sentaram dificuldades em se manterem concen- Através deste estudo foi possível desvelar
as percepções da criança hospitalizada acerca
74 | P á g i n a
de uma atividade musical. Os achados eviden- O cuidado lúdico se torna um importante
ciaram que as crianças gostam e acham legal aliado para os profissionais, para que a criança
participar da atividade e que através dela é pos- possa socializar tornando a vivência hospitalar
sível apreender benefícios e sentimentos positi- sob outra perspectiva, auxiliando em seu bem-
vos desencadeados pela música e revelados estar e da família, aproximando os sujeitos en-
pelo bem-estar, felicidade, diversão e saudade, volvidos.
possibilitando ainda a fuga momentânea da cri- Acredita-se que esta pesquisa possa contri-
ança do sofrimento ou ansiedade gerados pela buir na assistência da enfermagem à criança
hospitalização. hospitalizada como uma possibilidade de cui-
As crianças expressaram-se seus sentimen- dado humanizado, podendo incentivar a imple-
tos através de reações faciais, gestos e dese- mentação desse tipo de atividade em unidades
nhos, além da forma verbal. O uso da técnica pediátricas. Além de colaborar para ensino e
“desenhar, escrever e contar” em conjunto com pesquisa, no incentivo a discussão e reflexão
a entrevista facilitou a expressão das opiniões sobre a temática, assim como no desenvolvi-
sobre a atividade e demonstrou interesse nas mento de pesquisas ainda incipientes.
crianças, aproximando-as, de certa forma, da
rotina a qual estava acostumada.

75 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARDIN, L. Terceira parte: método. In: _____ (org.) SANTOS, P.S. et al. Os cuidados de enfermagem na per-
Análise de Conteúdo. São Paulo: Edição 70; 2011. p. cepção da criança hospitalizada. Revista Brasileira de
123-158. Enfermagem, v. 69, n. 4, p. 646, 2016.

CONCEIÇÃO, L.S. A influência do lúdico no cuidado e SILVA, K.G. et al. A utilização terapêutica da música
tratamento de crianças hospitalizadas. Psicologia. O por- junto ao cuidado de enfermagem em uma unidade pediá-
tal dos psicólogos. 2016. trica. Revista de Enfermagem UFPI, v. 5, n. 3, p.4, 2016.

SILVA, K.G. et al. A utilização da música em uma uni-


FALBO, B.C.P. et al. Estímulo ao desenvolvimento in- dade pediátrica: contribuindo para a humanização hospi-
fantil: produção do conhecimento em enfermagem. Re- talar. Revista de Enfermagem UERJ, v. 25, p.1, 2017.
vista Brasileira de Enfermagem, v. 65, n. 1, p. 148, 2012.
SILVA-RODRIGUES, F.M. A perspectiva do paciente
LIMA, V.O. O efeito de atividades musicais interativas oncológico pediátrico no relato de sintomas e efeitos ad-
sobre o bem-estar de crianças com alterações urogenitais versos da quimioterapia: teste de modelo preditivo e es-
durante a internação hospitalar para cirurgia [disserta - tudo de elicitação de conceitos [tese]. São Paulo: Escola
ção]. São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de
de São Paulo; 2015. São Paulo; 2019.

LOPES, M.G.C. Estudo da Sa úde e da Qualidade de Vida VASQUES, R.C.Y. et al. Sampaio PS. Dando voz às cri-
Percebida pela Criança Hospitalizada [tese]. Salamanca: anças: considerações sobre a entrevista qualitativa em pe-
Faculdade de Educação da Universidade de Salamanca; diatria. Revista Mineira de Enfermagem, v. 18, n. 4, p.
2012. 1021, 2014.

VICENTE, F. & PIOVESAN, J.C. Música e criança hos-


NICOLA, G.D.O. et al. Cuidado lúdico à criança hospi- pitalizada: promovendo a sensibilidade e a humanização.
talizada: perspectiva do familiar cuidador e equipe de en - Cataventos - Revista de Extensão da Universidade de
fermagem. Revista de Pesquisa , v. 6, n. 2, p. 703, 2014. Cruz Alta, v. 8, n. 1. 2018.

PAIXÃO, A.B. et al. Importância das Atividades Lúdicas ZANETTINI, A. et al. Quem canta seus males espanta:
na Terapia Oncológica Infantil. Cuidart Enfermagem, v. um relato de experiência sobre o uso da música como fer-
10, n. 2, p. 209, 2016 ramenta de atuação na promoção da saúde da criança. Re-
vista Mineira de Enfermagem, v. 19, n. 4, p. 1060, 2015.
POPE, N. et al. Using 'draw, write and tell' to understand
children's health-related experiences. Nurse Researcher,
v. 26, n. 2, p. 42, 2019.

76 | P á g i n a
Capítulo 10

MENSURAÇÃO DA FADIGA
EM ADOLESCENTES:
CONHECENDO O FENÔMENO
EM POPULAÇÃO SAUDÁVEL

CAROLINA ALMEIDA BRAGA¹


MICHELLE DAREZZO RODRIGUES NUNES 2
LIVIA GRAZIELLE BENEVIDES DOS SANTOS 3
FERNANDA MACHADO SILVA-RODRIGUES 4
LUCILA CASTANHEIRA NASCIMENTO 5
GIOVANNA CRISTINA MACHADO KAYZUKA 6

1. Discente – Mestrado em Enfermagem da Universidade Federal do Rio de Janeiro.


2. Docente – Departamento Materno-Infantil da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro.
3. Discente – Mestrado em Enfermagem pela Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro.
4. Docente – Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
5. Docente – Departamento Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem de
Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
6. Doutoranda - Programa de Pós Graduação de Enfermagem em Saúde Pública da Escola de Enfermagem
de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

Palavras Chave: Fadiga; Enfermagem pediátrica; Adolescente.

10.59290/978-65-6029-017-4.10 77 | P á g i n a
INTRODUÇÃO câncer (HO et al., 2015; ROSENBERG et al.,
2016; NUNES et al., 2017; LOPES-JUNIOR et
O termo “fadiga” tem sido utilizado como al., 2018) ela tem sido frequentemente ignora-
sinônimo de cansaço e pode ter uma série de de- da, em comparação a outros sintomas (HO et
finições. Entretanto, constantemente tem sido al., 2015; VIJVER et al., 2019). Isso pode estar
citada como indicativo de doenças físicas e associado com o fato de o termo ainda não ser
mentais e consequência de tratamentos de do- universalmente aceito (HORNSBY et al.,
enças crônicas (HORNSBY et al., 2016). Ela é 2017), seja pela ausência de um conceito bem
considerada um sintoma normal e incapacitante estabelecido ou pela falta de instrumentos de
na adolescência, principalmente naqueles que avaliação adequados de natureza multidimensi-
vivem com alguma condição crônica (LOA- onal dos sintomas (VIJVER et al., 2019).
DES & KAGEE, 2017), afetando o funciona- Uma vasta literatura internacional investiga
mento físico, emocional, cognitivo e social fadiga em crianças e adolescentes saudáveis e
(VIJVER et al., 2019). com doenças crônicas (JONES et al., 2015;
A fadiga é uma experiência subjetiva e di- VARNI et al., 2018; VIJVER et al., 2019), em
fusa (HO et al., 2015; VIJVER et al., 2019), especial em crianças com câncer (HO et al.,
com manifestações nos domínios físico e men- 2015; ROSENBERG et al., 2016; NUNES et
tal (ARMBRUST et al., 2016; HORNSBY et al., 2017; LOPES-JUNIOR et al., 2018). Po-
al., 2017). Pode ser diferenciada do cansaço ha- rém, no contexto brasileiro, as pesquisas sobre
bitual quando se mostra persistente e não me- a temática ainda são limitadas e escassas (KU-
lhora com o repouso, impactando diretamente RASHIMA, 2007; SILVA, 2009; NUNES et
na qualidade de vida dos indivíduos (LOADES al., 2017).
& KAGEE, 2017). Os estudos brasileiros supracitados investi-
As consequências desse sintoma podem li- garam fadiga em crianças com câncer sem
mitar atividades diárias comuns, como ler e es- chance de cura (KURASHIMA, 2007), adoles-
tudar, assistir televisão e realizar atividades de centes sobreviventes de câncer (SILVA, 2009)
lazer (HO et al., 2015). Em adolescentes, esse e crianças e adolescentes hospitalizados com
sintoma pode exacerbar-se no aumento do ab- câncer (NUNES et al., 2017) e em quimiotera-
senteísmo escolar, com consequente diminui- pia (LOPES-JUNIOR et al., 2018).
ção do rendimento acadêmico e redução da pro- Outra lacuna no conhecimento sobre fadiga
dutividade no trabalho, das relações sociais e da no Brasil está na ausência de estudos que inves-
qualidade de vida (LOADES & KAGEE, tiguem os escores de fadiga em crianças e ado-
2017). lescentes saudáveis. O valor desse escore é im-
Apesar de a fadiga estar entre os sintomas prescindível para comparar com os escores en-
mais angustiantes (NUNES et al., 2017; MAN- contrados na população doente. Diante disso, o
ZONI et al., 2018), sendo apontada como de al- objetivo deste estudo foi avaliar a fadiga em
ta prevalência, e afligir crianças e adolescentes adolescentes saudáveis brasileiros.
com condições crônicas, como diabetes (VAR-
NI et al., 2018), doença intestinal inflamatória MÉTODO
(VIJVER et al., 2019), paralisia cerebral (E-
KEN et al., 2016), deficiência física (MAA- Trata-se de um estudo quantitativo, do tipo
HER et al., 2015), lúpus (JONES et al., 2015) e descritivo e transversal, desenvolvido em um

78 | P á g i n a
colégio público de Ensino Médio no Rio de Ja- o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
neiro com 74 adolescentes. Os critérios de in- (TCLE) junto de um bilhete aos responsáveis,
clusão foram: ter idade entre 13 e 18 anos, estar para levarem para casa. Os responsáveis rece-
matriculados na escola selecionada e presentes beram uma ligação telefônica em que foram es-
na sala de aula nos dias da coleta de dados. Fo- clarecidos os objetivos e procedimentos da pes-
ram excluídos alunos com 19 anos ou mais e quisa e a necessidade de assinatura do TCLE
aqueles que referiram ter alguma doença crô- para que o adolescente pudesse participar.
nica. Este estudo faz parte do projeto de pesquisa
O período de coleta de dados ocorreu nos intitulado “Avaliação da fadiga em crianças e
meses de junho a outubro de 2017, nas depen- adolescentes saudáveis e com doenças crôni-
dências da instituição selecionada. O instru- cas”, submetido à apreciação do Comitê de
mento utilizado para mensurar os sintomas de Ética e de Pesquisa da instituição proponente
fadiga foi o PedsQL™ Escala Multidimensio- (parecer 1.976.901) e obteve aprovação da Se-
nal de Cansaço, na versão de autorrelatos dos cretaria de Educação (parecer E03/001/5684),
adolescentes. A escala foi desenvolvida e vali- respeitando-se os preceitos éticos estabelecidos
dada por Varni e colaboradores (VARNI et al., na resolução 466/12 do Conselho Nacional de
2002) na língua inglesa e para várias outras lín- Saúde (BRASIL, 2012). Além disso, os autores
guas, inclusive para o português do Brasil obtiveram permissão para o uso da PedsQL™
(NASCIMENTO et al., 2015). Escala Multidimensional do Cansaço.
A escala é constituída por três dimensões,
cada uma com seis itens que incluem a avalia- RESULTADOS E DISCUSSÃO
ção do cansaço geral, cansaço relacionado ao
sono/repouso e cansaço mental (VARNI et al., Participaram do estudo 74 adolescentes
2002). Todos os itens utilizam uma escala Li- com idades entre 15 e 18 anos matriculados em
kert de cinco pontos para as respostas, variando um colégio público de Ensino Médio selecio-
de um ("nunca") a cinco ("quase sempre"). Os nado. As características sociodemográficas dos
escores brutos são transformados em escalas de participantes podem ser demonstradas na Ta-
zero a cem, sendo um igual a cem, dois igual a bela 10.1.
75, três igual a 50, quatro igual a 25 e cinco Os adolescentes tiveram idade média de 17
igual a zero. Maior pontuação indica menores anos (±0,99), eram na maioria do sexo feminino
sintomas da fadiga. A escala é autoaplicável, fá- (45; 60,8%), autodenominados pardos (34;
cil e rápida de ser completada. 45,9%) e a maioria cursava o primeiro ano do
O banco de dados foi inicialmente estrutu- Ensino Médio (34; 45,9%).
rado em uma planilha do software Microsoft
Office Excel e posteriormente foram exportados Tabela 10.1 Características sociodemográficas dos ado-
lescentes participantes do estudo. Rio de Janeiro (RJ),
para o software Statistical Package for the So- Brasil, 2017
cial Sciences (SPSS). Para quantificar a fadiga, Variáveis n (%)
foi utilizada a estatística descritiva (média, des- Gênero
vio padrão e escore mínimo e máximo). Feminino 45 (60,8)
Os alunos foram orientados na própria es- Masculino 29 (39,2)
cola sobre os objetivos da pesquisa e receberam Idade

79 | P á g i n a
15 13 (17,6) 2015; VAN DIJK-LOKKART et al., 2019),
16 22 (29,7) bem como com outras doenças crônicas, como
17 10 (13,5) doença falciforme (PANEPINTO et al., 2017) e
18 29 (39,2) lúpus (JONES et al., 2015).
Etnia Na dimensão cansaço geral, a maioria dos
Branco 22 (29,7) participantes obteve pontuação abaixo de 75
Pardo 34 (45,9) pontos (55; 74,3%), indicando ter cansaço geral
Outro 18 (24,3) algumas vezes, muitas vezes e quase sempre.
Série Apenas 19 (25,7%) alunos apresentaram can-
Primeira 34 (45,9) saço geral, nunca ou quase nunca, vide Tabela
Segunda 19 (25,7) 10.3.
Terceira 21 (28,4)
Fonte: Pesquisa “Avaliação da fadiga em crianças e ado- Tabela 10.3. Número de participantes e respectiva pon-
lescentes saudáveis e com doenças crônicas", 2017. tuação obtida em cada dimensão. Rio de Janeiro (RJ),
Brasil, 2017.
A escala utilizada para avaliar o cansaço Dimensões n (%)

possibilitou avaliar um escore total de cansaço Cansaço Geral

e escores de três dimensões, a saber: cansaço 100 1 (1,4)


geral, cansaço com relação ao sono/repouso e 99-75 18 (24,3)
cansaço mental, conforme mostra a Tabela 74-50 33 (44,6)
10.2. 49-25 18 (24,3)
<24 4 (5,4)
Tabela 10.2 Escore de cansaço dos adolescentes partici- Total 74 (100)
pantes do estudo. Rio de Janeiro (RJ), Brasil, 2017.
Média ± Escore Escore Cansaço relacionado ao
Cansaço sono/repouso
DP mínimo máximo
Cansaço Geral 67,9±20,2 12,5 100 100 0
Cansaço relaci- 99-75 9 (12,2)
onado ao 52,4±18,1 12,5 95,8 74-50 38 (51,4)
sono/repouso
49-25 22 (29,7)
Cansaço Mental 53,8±24,6 4,1 100
<24 5 (6,7)
Cansaço Total 54,3±17,1 15,3 88,9
*DP: Desvio Padrão. Fonte: Pesquisa “Avaliação da fa- Total 74 (100)
diga em crianças e adolescentes saudáveis e com doenças Cansaço Mental
crônicas", 2017.
100 1 (1,3)
99-75 19 (25,7)
Os escores de cansaço encontrados nos ado-
74-50 25 (33,8)
lescentes saudáveis brasileiros foram surpreen-
49-25 18 (24,3)
dentemente baixos, indicando que os partici-
pantes deste estudo tinham problemas com can- <24 11 (14,9)

saço muitas vezes ou quase sempre. Tais acha- Cansaço Total 74 (100)
Fonte: Pesquisa “Avaliação da fadiga em crianças e ado-
dos assemelham-se a resultados encontrados lescentes saudáveis e com doenças crônicas", 2017.
em estudos que avaliaram fadiga em crianças e
adolescentes com câncer no Brasil (NUNES et Estudo brasileiro (NUNES et al., 2017)
al., 2017) e internacionalmente (NUNES et al., com crianças e adolescentes com câncer apre-

80 | P á g i n a
sentou escores de fadiga semelhantes (cansaço possam ter relação com os resultados aqui apre-
geral: 66,6±18,7; cansaço do sono/repouso: sentados, como sugerido pela literatura a res-
58,7±20,8; cansaço mental: 66,7±25,1 e cansa- peito do desenvolvimento do adolescente e a
ço total: 63,8±18,5) ao nosso estudo, no qual a promoção de sua saúde (SENNA & DESSEN,
dimensão cansaço relacionado ao sono/repouso 2015).
também foi a mais comprometida. Pesquisa realizada com estudantes adoles-
Já estudo holandês (VAN DIJK-LOK- centes do sexto ao nono ano do Ensino Funda-
KART et al., 2019) com um grupo de adoles- mental e do primeiro ao terceiro ano do Ensino
centes saudáveis e outro com câncer tratado Médio de escolas públicas e privadas de todo o
com quimioterapia ou radioterapia e que ainda território brasileiro classificou mais da metade
estavam recebendo tratamento ou dentro do pri- deles (60,8%) como insuficientemente ativo, ou
meiro ano após sua interrupção encontrou me- seja, realizam menos atividades físicas que o re-
lhores resultados nos adolescentes saudáveis comendado (IBGE, 2016). Outro estudo (LO-
(cansaço geral: 76,72; cansaço relacionado ao PES-JUNIOR et al., 2015) apontou que, dentre
sono/repouso: 71,88; cansaço mental: 77,15 e as intervenções para melhorar o cansaço, a prá-
Cansaço total: 75,24) do que nos adolescentes tica de exercícios físicos tem demonstrado re-
com câncer (cansaço geral: 61,93; Cansaço re- sultados positivos. Dessa forma, a ausência ou
lacionado ao sono/repouso: 66,33; Cansaço a baixa frequência da prática de atividades físi-
mental: 65,99 e Cansaço total: 64,75). cas pode ser um dos fatores associados aos bai-
A literatura tem demonstrado resultados xos escores de cansaço na população saudável.
opostos aos encontrados em nosso estudo, uma Além disso, a população de adolescentes e
vez que os adolescentes saudáveis brasileiros ti- jovens têm entrado cada vez mais cedo no mer-
veram piores resultados do que os com câncer e cado de trabalho, seja por meio de programas
adolescentes saudáveis de outros países (NU- do governo ou informalmente, visando comple-
NES et al., 2015; VAN DIJK-LOKKART et mentar a renda familiar, principalmente em pa-
al., 2019), o que não era esperado, visto que íses mais pobres e de média renda, como o Bra-
adolescentes que não têm doença crônica em sil (IBGE, 2016). Embora alguns estudos apon-
geral apresentam melhor qualidade de vida, tem que o trabalho tem pouca interferência na
pois conseguem desenvolver competências so- escolarização, ele tem sido atribuído a questões
ciais e manter rotinas que colaboram para o seu relacionadas a problemas de saúde e restrição
desenvolvimento saudável, como ir à escola e de atividades de lazer, o que recai sobre a qua-
praticar atividades físicas (SENNA & DES- lidade de vida e o consequente adoecimento
SEN, 2015). dessa população e pode também justificar a au-
Os baixos escores de cansaço encontrados mento de cansaço nos participantes deste es-
no presente estudo podem estar associados a vá- tudo (SANTANA, 2017).
rios fatores, que vão além do cuidado de proble- Somando-se a isso, a revolução tecnológica
mas denominados orgânicos, uma vez que este nos últimos anos tornou o uso do telefone celu-
estudo foi realizado com um grupo de adoles- lar muito atrativo e popular entre crianças e
centes saudáveis. É possível inferir que fatores adolescentes, influenciando consideravelmente
físicos, psicológicos e socioambientais, além do na sua qualidade de vida. O uso crescente de
contexto social e histórico desses adolescentes, tecnologias entre essa população e de forma de-

81 | P á g i n a
sordenada está associado ao aumento dos rela- nal, impõe limites à generalização de seus re-
tos de sintomas como cansaço, dor de cabeça e sultados, considerando-se a heterogeneidade
exaustão, podendo ser outra justificativa para os populacional, socioeconômica e cultural dos
escores de cansaço encontrados, visto que, in- adolescentes oriundos das diferentes regiões
dependentemente da renda familiar, a maioria brasileiras.
da população tem acesso ao uso de celulares, e
os adolescentes estão entre os indivíduos que CONCLUSÃO
mais fazem uso desses dispositivos (AMRA et
al., 2015; SCHOENI et al., 2015). Este foi o primeiro estudo brasileiro que
Outrossim, o uso de videogames e de com- avaliou fadiga em adolescentes saudáveis. O
putadores ou a exposição a outras telas por vá- aparecimento do cansaço nessa população evi-
rias horas, principalmente no período noturno, dencia um resultado preocupante, cuja frequên-
atrapalham o sono e, com isso, aumentam o cia se encontra acima da observada em outros
risco de problemas físicos e mentais, como a estudos, indicando a necessidade de se investi-
menor aptidão física e a baixa autoestima, prin- gar, por meio de novas pesquisas, os reais mo-
cipalmente na adolescência (AMRA et al., tivos para tal e, a partir de outras evidências,
2015; WHO, 2016; SCHAAN et al., 2019). traçar e implementar estratégias de gerencia-
Muitos adolescentes desconhecem os efei- mento, com vistas à promoção da saúde dos
tos adversos do uso de dispositivos eletrônicos, adolescentes.
principalmente à noite, acreditando até que es- Os resultados obtidos por meio desta pes-
sas tecnologias podem os ajudar a dormir, quisa têm potencial para contribuir com a la-
quando, na verdade, seu uso está associado a cuna de conhecimento existente no contexto
transtornos do ciclo sono-vigília e pode agir brasileiro, em relação ao cansaço em adolescen-
como um mediador parcial para o desenvolvi- tes saudáveis, até mesmo para efeitos compara-
mento de sintomas depressivos (AMRA et al., tivos de futuras pesquisas que incluam adoles-
2015). centes não saudáveis, como aqueles com al-
Apesar da representatividade da amostra, as guma condição crônica. Podem ainda, na prá-
limitações do estudo referiram-se ao número de tica, sensibilizar outros profissionais de saúde e
participantes menor que o estimado, prejudi- educadores, para a necessidade de uma maior
cado pelo baixo retorno dos TCLEs assinados aproximação com a temática, visando ao plane-
pelos pais e responsáveis. Ademais, o fato de a jamento e à implementação de um cuidado cada
pesquisa ter sido desenvolvida em uma única vez mais qualificado.
escola, de um único estado do território nacio-

82 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMRA, B. et al. The association of sleep and late-night view. European Journal of Cancer Care, v. 25, n. 6, p.
cell phone use among adolescents. Jornal de Pediatria, v. 921, 2015.
93, n. 6, p. 560, 2017.
LOPES-JÚNIOR, L.C. et al. The Effect of Clown Inter-
ARMBRUST, W. et al. Fatigue in patients with Juvenile vention on Self-Report and Biomarker Measures of
Idiopathic Arthritis: relationship to perceived health, Stress and Fatigue in Pediatric Osteosarcoma Inpatients:
physical health, self-efficacy, and participation. Pediatric A Pilot Study. Integrative Cancer Therapies, v. 17, n. 3,
Rheumatology, v. 14, n. 1, 2016. p. 928, 2018.

BRASIL. Resolução n° 466, de 12 de dezembro de 2012. MAHER, C. et al. Fatigue is a major issue for children
Dispões sobre as seguintes diretrizes e normas regula - and adolescents with physical disabilities. Developmen-
mentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. tal Medicine & Child Neurology, v. 57, n. 8, p. 742, 2015.
Brasília, DF., 2012. Disponível em:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudele- MANZONI, G.M. et al. Feasibility, Validity, and Relia -
gis/cns/2013/res0466_12_12_2012.html. Acesso em: 17 bility of the Italian Pediatric Quality of Life Inventory
set. 2020. Multidimensional Fatigue Scale for Adults in Inpatients
with Severe Obesity. Obesity Facts, v. 11, n. 1, p. 25,
EKEN, M.M. et al. Relations between muscle endurance 2018.
and subjectively reported fatigue, walking capacity, and
participation in mildly affected adolescents with cerebral NASCIMENTO, L.C. et al. High Validity and Reliability
palsy. Developmental Medicine & Child Neurology, v. of the PedsQLTM Multidimensional Fatigue Scale for
58, n. 8, p. 814, 2016. Brazilian Children with Cancer. v. 32, n. 1, p. 57, 2015.

HORNSBY, B.W.Y. et al. A Taxonomy of Fatigue Con- NUNES, M.D.R. et al. Fatigue and Sleep Experiences at
cepts and Their Relation to Hearing Loss. Ear and Hear- Home in Children and Adolescents With Cancer. Onco-
ing, v. 37, p. 136S144S, 2016. logy Nursing Forum, v. 42, n. 5, p. 498, 2015.

HORNSBY, B.W.Y. et al. Subjective Fatigue in Children NUNES, M.D.R. et al. Fatigue and health related quality
With Hearing Loss Assessed Using Self- and Parent- of life in children and adolescents with cancer. European
Proxy Report. American Journal of Audiology, v. 26, n. Journal of Oncology Nursing, v. 29, p. 39, 2017.
3 Suppl, p. 393, 2017. PANEPINTO, J.A. et al. Determining the longitudinal
HO, K.Y. et al. Psychometric properties of the Chinese validity and meaningful differences in HRQL of the Pe-
version of the fatigue scale-adolescent. BMC Cancer, v. dsQLTM Sickle Cell Disease Module. v. 15, n. 1, 2017.
15, n. 1, 2015. ROSENBERG, A.R. et al. Quality of Life in Children
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pes- With Advanced Cancer: A Report From the PediQUEST
quisa Nacional de Saúde do Escolar, 2019. Disponível Study. Journal of Pain and Symptom Management, v. 52,
em: https://bibliote- n. 2, p. 243, 2016.
ca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101852.pdf. SANTANA, R.R. Produção de sentidos por adolescentes
Acesso em: 17 set. 2020. trabalhadores sobre a experiência de trabalhar e estudar.
JONES, J.T. et al. Pain, Fatigue, and Psychological Im - 138F. Dissertação (Mestrado em Psicologia) Universi-
pact on Health-Related Quality of Life in Childhood-On- dade Federal da Bahia, Salvador-BA, 2017.
set Lupus. Arthritis Care & Research, v. 68, n. 1, p. 73, SCHAAN, C.W. et al. Prevalence of excessive screen
2015. time and TV viewing among Brazilian adolescents: a sys-
KURASHIMA, A.Y. Pacientes pediátricos fora de possi- tematic review and meta -analysis. Jornal de Pediatria, v.
bilidades terapêuticas curativas: avaliação de sintomas, 95, n. 2, p. 155, 2019.
depressão, fadiga e qualidade de vida. 228f. Tese (Dou - SCHOENI, A. et al. Symptoms and Cognitive Functions
torado em Ciências). Fundação Antônio Prudente, São in Adolescents in Relation to Mobile Phone Use during
Paulo-SP, 2007. Night. PLOS ONE, v. 10, n. 7, p. e0133528, 2015.
LOADES, M.E. & KAGEE, A. Exploring our under- SENNA, S. & DESSEN, M. Reflections about the health
standing of fatigue among adolescents living with HIV: of the brazilian adolescent. Psicologia, Saúde & Doenças,
Highlighting the unknown. Journal of Health Psychol- v. 16, n. 2, 2015.
ogy, v. 24, n. 1, p. 125, 2017.
SILVA, R.Z. Avaliação da fadiga em sobreviventes de
LOPES-JÚNIOR, L.C. et al. Non-pharmacological inter- câncer infantil e correlação com sintomas depressivos,
ventions to manage fatigue and psychological stress in distúrbios do sono e variáveis clínicas. 145F. Dissertação
children and adolescents with cancer: an integrative re-

83 | P á g i n a
(Mestrado em Ciências). Fundação Antônio Prudente, VIJVER, E.V.D.E et al. Fatigue in children and adoles-
São Paulo-SP, 2009. cents with inflammatory bowel disease. World Journal of
Gastroenterology, v. 25, n. 5, p. 632, 2019.
VAN DIJK‐LOKKART, E.M. et al. Longitudinal deve-
lopment of cancer‐related fatigue and physical activity in WHO. Health Behaviour in School-Aged Children
childhood cancer patients. Pediatric Blood & Cancer, v. (Hbsc) Study: International Report from the 2013/2014
66, n. 12, 2019. Survey Growing up unequal: gender and socioeconomic
differences in young people’s health and well-bein g
VARNI, J.W. et al. The PedsQLTM in pediatric cancer. Health Policy for Children and Adolescents, NO. 7. [s.l:
Cancer, v. 94, n. 7, p. 2090, 2002. s.n.]. Disponível em:
VARNI, J.W. et al. Pediatric Quality of Life Inventory <http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0003/3
(PedsQL) 3.2 Diabetes Module for youth with Type 2 di- 03438/HSBC-No.7-GrowingupunequalFullReport.pdf>.
abetes: reliability and validity. Diabetic Medicine, v. 36,
n. 4, p. 465, 2018.

84 | P á g i n a
Capítulo 11

DIAGNÓSTICO,
TRATAMENTO E MANEJO DA
SEPSE NEONATAL PRECOCE
NAYSA GABRIELLY ALVES DE ANDRADE¹
ANA CAROLINA OLIVEIRA¹
ANDRÉ FURTADO DUARTE¹
BRENDA MICHELLY DA SILVA CARVALHO²
CAMILA DO CARMO E SILVA³
FABRÍCIO AUGUSTO RODRIGUES DE CASTRO 4
GIOVANNA LUGLI MANTOVANI PERINI 5
MATHEUS SIQUEIRA MILHOMEM RIBEIRO BARBOSA 6
MILENA GOUVEIA PAIVA 7
MRUNIELLY MEDEIROS ASSIS¹
PRISCILLA ALINE AMADOR PINHEIRO CARDOSO5
RALPH BARBOSA RODRIGUES ALVES5
TARCÍSIO RODRIGUES DOURADO¹
VITOR HUGO MARTINS FREIRES⁵
WINÍCIUS DE PÁDUA RIBEIRO¹

1. Discente - Medicina da Universidade de Rio Verde/Campus Rio Verde


2. Graduada pelo Centro Universitário Metropolitano da Amazônia (UNIFAMAZ)
3. Discente – Medicina do Centro Universitário Metropolitano da Amazônia (UNIFAMAZ)
4. Graduado pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES)
5. Discente – Medicina da Universidade de Rio Verde/Campus Goianésia
6. Discente – Medicina da Universidade de Rio Verde/Campus Formosa
7. Discente – Medicina da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN )

Palavras Chave: Sepse neonatal; Diagnóstico; Tratamento.

10.59290/978-65-6029-017-4.11 85 | P á g i n a
INTRODUÇÃO Ressalta-se que a SN pode trazer prejuízos
à saúde física do recém-nascido e maior risco
A sepse neonatal precoce (SNP) é uma con- de óbito, além da necessidade de tratamento in-
dição multissistêmica que pode ser de origem tensivo com antibióticos, internação hospitalar
bacteriana, viral ou fúngica. Ela pode ser defini- prolongada e necessidade de procedimentos in-
da como precoce (sendo de provável origem vasivos e de alta complexidade, sobrecarregan-
materna) quando ocorre em até 48 horas com- do dessa forma o serviço de saúde (ALVES et
pletas de vida, e é uma importante causa de al., 2018).
morbidade e mortalidade, principalmente entre Desse modo, o objetivo desse estudo foi a-
os recém-nascidos prematuros (RNPT) (SBP, valiar por meio da literatura atual a definição,
2022). classificação e etiologia da SN precoce, méto-
A SNP está relacionada diretamente a fato- dos diagnósticos, os métodos utilizados no tra-
res gestacionais e/ou do período periparto, sen- tamento e manejo da SNP, incluindo a antibio-
do a idade gestacional um preditor importante. ticoterapia, o suporte hemodinâmico e o contro-
Sendo que embora o saneamento básico, o aces- le de complicações.
so a cuidados pré-natais e o controle de infec-
ções hospitalares contribuam para a prevenção, MÉTODO
cerca de 1 milhão de recém-nascidos morrem a
cada ano por sepse. A sepse neonatal (SN) é Trata-se de uma revisão integrativa reali-
mais frequente sob condições de higiene precá- zada no período de maio de 2023, por meio de
ria, pouca instrução materna e devido a essas pesquisas nas bases de dados: Scientific Elec-
características, é mais provável em populações tronic Library Online (SciELO) e Acervo Mais.
de fracos recursos econômicos (URBANOVS- Foram utilizados os descritores: Sepse neona-
KÁ et al., 2020). tal, Diagnóstico, Tratamento. Desta busca fo-
Os agentes etiológicos da SNP e da SN tar- ram encontrados 103 artigos, posteriormente
dia são muito diferentes. A sepse precoce é ad - submetidos aos critérios de seleção.
quirida no período periparto, antes do nasci- Os critérios de inclusão foram: artigos nos
mento ou no momento do parto, de modo que idiomas inglês e português; publicados no perí-
as bactérias geralmente se originam do trato odo de 2013 a 2023 e que abordavam as temá-
geniturinário da mãe. Bactérias Gram-positivas ticas propostas para esta pesquisa, disponibili-
são responsáveis por 62% da SNP, de acordo zados na íntegra. Os critérios de exclusão fo-
com a Rede Americana de Neonatologia. Por ram: artigos duplicados, disponibilizados na
outro lado, a SN tardia ocorre frequentemente forma de resumo, que não abordavam direta-
em neonatos que permaneceram internados por mente a proposta estudada e que não atendiam
períodos prolongados, como os recém-nascidos aos demais critérios de inclusão.
pré-termos ou de termos que necessitam de in- Após os critérios de seleção restaram 16 ar-
ternação prolongada ou submetidos a procedi- tigos que foram submetidos à leitura minuciosa
para a coleta de dados. Além disso, também foi
mentos invasivos, sendo as bactérias mais fre-
utilizado o documento científico da Sociedade
quentemente aquelas adquiridas do ambiente
Brasileira de Pediatria n. 11 “Sepse neonatal
hospitalar (PROCIANOY et al., 2020).
precoce e a abordagem do recém-nascido de

86 | P á g i n a
risco: o que há de novo?” Os resultados foram horas. Já a Academia Americana de Pediatria
apresentados de forma descritiva, divididos em (AAP) utiliza como ponto de corte 72 horas
categorias temáticas abordando: a definição da completas de vida, e este critério também é ado-
sepse neonatal precoce, classificação, fatores de tado pelas redes de pesquisas nacionais e inter-
risco envolvidos, diagnóstico, incluindo crité- nacionais (SBP, 2022).
rios diagnósticos e exames laboratoriais, trata- Durante o período de gestação, o feto pode
mento (antibioticoterapia empírica e específica) ser colonizado ou infectado no ambiente intrau-
e medidas gerais, abrangendo suporte hemodi- terino de diferentes formas. Uma delas é por via
nâmico, suporte respiratório e prevenção do hematogênica, enquanto a outra ocorre por uma
choque séptico. via ascendente, especialmente quando há rup-
tura prematura ou prolongada das membranas,
RESULTADOS E DISCUSSÃO associada ou não à corioamnionite (SBP, 2022).
Nos recém-nascidos a termo (RNT), a transmis-
Definição, classificação e etiologia são de infecção geralmente ocorre durante o tra-
A SN consiste em uma infecção multissis- balho de parto, quando o compartimento ute-
têmica, que ocorre nos primeiros 28 dias de rino é colonizado e infectado pela flora gastroi-
vida da criança. Ela pode ser de origem bacteri- ntestinal e geniturinária da mãe. Isso resulta na
ana, viral ou fúngica e é uma importante causa colonização e infecção do feto e/ou na aspira-
de morbidade e mortalidade, principalmente ção de líquido amniótico infectado. Já nos re-
para os RNPT (SBP, 2022). É uma síndrome cém-nascidos pré-termo (RNPT), a infecção in-
clínica com alterações hemodinâmicas e outras tra-amniótica ocorre mais frequentemente antes
manifestações clínicas sistêmicas decorrentes do início do trabalho de parto e, em cerca de
da presença de germe patogênico em fluido nor- 25% dos casos, é a causa do trabalho de parto
malmente estéril, como o sangue ou o líquor. prematuro e da ruptura prematura das membra-
A síndrome pode ser classificada quanto ao nas, especialmente em gestações de menor ida-
momento de aparecimento em precoce ou tardia de gestacional.
(PROCIANOY et al., 2020). A SN precoce Observa-se que o principal agente de SNP
ocorre quando o quadro clínico se manifesta nas em RNT é o Streptococcus do grupo B (EGB),
primeiras 72 horas de vida, sendo que a SN cau- porém a prevalência da doença tem diminuído
sada pelo Streptococcus agalactiae é uma exce- pela profilaxia antibiótica periparto. A infecção
ção para esta definição, visto que, embora sua neonatal por pneumococo é infrequente. Além
etiologia seja perinatal, ela pode surgir nos pri- disso, a SNP por esse agente é descrita como
meiros sete dias de vida. A SN tardia é aquela grave, com alta letalidade. A infecção por esta-
que se inicia após as 72 horas de vida. filococo coagulase-negativa é comumente rela-
Por outro lado, de acordo com o Center for cionada à prematuridade e ao baixo peso, além
Disease Control and Prevention (CDC) dos Es- de ser causa frequente de sepse tardia, sendo o
tados Unidos e a Agência Nacional de Vigilân- agente raramente descrito na SNP (CAMAR-
cia Sanitária (ANVISA) do Brasil, a sepse neo- GO et al., 2022).
natal é definida como precoce quando a evidên-
cia diagnóstica ocorre em até 48 horas comple- Fatores de risco
tas de vida, considerando que 60-80% dos casos Os principais fatores de risco associados ao
apresenta manifestação clínica nas primeiras 24 desenvolvimento da SNP estão relacionados às

87 | P á g i n a
mães. Além do parto pré-termo, destacam-se a de inserção periférica) (MEDEIROS et al.,
infecção por Streptococcus B, Candida spp., 2016).
Klebsiella pneumoniae, ruptura prematura ou Os neonatos do sexo masculino também
prolongada de membranas, infecção urinária, apresentam maior propensão ao desenvolvi-
corioamnionite, febre materna, sepse materna e mento de SNP (ALVES et al., 2018). Supõe-se
fisometria (DORTAS et al., 2019; CAMARGO que isso se deve ao fato de a deficiência de gli-
et al., 2022). cose-6-fosfato desidrogenasse aumentar as
A candidíase invasiva é um fator de risco chances de desenvolvimento de sepse, e pacien-
significativo, pois pode induzir outros fatores tes com essa deficiência são geralmente do sexo
de risco, como nascimento pré-termo, adminis- masculino (DORTAS et al., 2019).
tração de antibióticos de amplo espectro (como Dentre os fatores mencionados, observa-se
Ampicilina-sulbactam, piperacilina-tazobac- que a presença de Staphylococcus coagulase-
tam, cefotaxima, cefepima, meropenem ou van- negativos é a principal causa do desencadea-
comicina) e hospitalização prolongada (SILVA mento de sepse (DORTAS et al., 2019).
& FREITAS, 2021). Conclui-se, portanto, que Para avaliar a mortalidade neonatal pode-se
a candidíase materna aumenta a morbimortali- utilizar o SNAPPE (Score for Neonatal Acute
dade em recém-nascidos e deve ser tratada ade- Physiology Perinatal Extension) a partir de va-
quadamente. riáveis maternas e condições do nascimento, no
Entre os fatores de risco relacionados ao re- qual o índice de mortalidade mais alto
cém-nascido, podemos citar o muito baixo peso (87,21%), refere-se a neonatos com menos de
ao nascer (menor do que 1500g, de acordo com 1000g. As variáveis utilizadas são pressão arte-
a OMS), prematuridade, pontuação APGAR rial média, a mais baixa temperatura, pressão
menor ou igual a 7 no quinto minuto, procedi- parcial de oxigênio no sangue arterial, o menor
mentos cirúrgicos, especialmente abdominais, pH sérico, convulsões múltiplas, débito uriná-
ventilação assistida, ausência de choro imediato rio, APGAR, peso ao nascer e tamanho inferior
após o nascimento, nutrição parenteral, hiper- do que sugere a idade gestacional (FONTE-
tensão pulmonar secundária e hemoculturas po- NELE et al., 2020).
sitivas (NERY et al., 2022). Ademais, é fato Apesar de todos os fatores de risco citados,
que crianças prematuras com muito baixo peso atitudes como boa higiene das mãos antes de ter
que demonstraram sepse neonatal possuem ma- contato com neonatos é capaz de reduzir os ín-
iores chances de ter um desenvolvimento neu- dices de SN (OMRAN et al., 2018).
romotor alterado ou atrasado na infância (FER-
REIRA et al., 2014). Diagnóstico
Procedimentos invasivos, por quebrarem a Os sinais clínicos da SN incluem febre, hi-
barreira de proteção ao ambiente, deixam o pa- potermia, hipotonia e convulsões, irritabilidade
ciente propenso a adquirir agentes patogênicos. e letargia, dificuldade respiratória, palidez cutâ-
Entre esses procedimentos encontra-se acessos nea, sintomas gastrintestinais, icterícia idiopá-
venosos periféricos, cateter umbilical arterial, tica, sinais de sangramento e taquicardia (BAR-
intubação traqueal na sala de parto, intubação BOSA et al., 2021). Com isso, nota-se que as
traqueal na UTI e uso de PICC (cateter central manifestações clínicas são muito variadas e
inespecíficas, podendo estar presentes também

88 | P á g i n a
em causas não infecciosas, o que torna o diag- ladora diminui o uso de antibióticos em recém-
nóstico de sepse neonatal precoce mais difícil e nascidos pré-termos tardios ou de termo sob
predispõe ao uso excessivo de antibióticos, risco de sepse em torno de 40%, sem aumentar
logo, para se valorizarem os sinais clínicos, o o risco de falsos negativos.
ideal é que o RN apresente manifestações de Em recente publicação, a Academia Ameri-
três sistemas distintos, ou dois sinais clínicos de cana de Pediatria sugere que a observação clí-
sistemas distintos associado a um fator de risco nica atenta nas primeiras 48 horas de vida possa
materno (PROCIANOY et al., 2020). ser mais eficaz do que a EOS Calculator em de-
Em virtude da natureza pouco específica terminar o RNPT e de termo com SN precoce
das manifestações clínicas, é essencial realizar (PROCIANOY et al., 2020). Para os RN com
uma investigação dos fatores de risco tanto ma- idade gestacional menor ou igual a 34 semanas,
ternos quanto neonatais para considerar e pron- o fator de risco mais importante é a presença de
tamente investigar o diagnóstico de sepse. corioamnionite definida por hipertermia ma-
Tanto as condições de nascimento quanto a terna igual ou maior do que 39°C ou entre 38-
evolução clínica nas primeiras 12 a 24 horas de 39°C acompanhada de pelo menos um dos si-
vida são indicadores significativos de sepse nais clínicos: leucocitose materna, secreção va-
precoce, independentemente do agente causa- ginal purulenta ou taquicardia fetal.
dor, e a maioria dos recém-nascidos infectados O risco de sepse precoce é aumentado
apresenta sintomas nesse período. Portanto, é quando o nascimento do RNPT ocorre após tra-
crucial examinar cuidadosamente esses aspec- balho de parto espontâneo, ruptura prolongada
tos para a identificação e o tratamento precoces de membrana amniótica ou presença de corio-
da SN (SBP, 2022). amnionite. Sendo que, diante dessas situações,
Devido a solicitação excessiva de exames a conduta mais adequada é coletar hemocultura,
para afastar SN e o uso excessivo de antibióti- líquor, exames complementares e iniciar a anti-
cos por suspeita de SNP, o grupo da Kaiser Per- bioticoterapia empírica. Em contrapartida, o
manent Northern California, criou uma calcu- risco de sepse precoce é reduzido quando o
ladora para RN com idade gestacional maior ou parto for cesariano, sem bolsa rota e sem traba-
igual a 34 semanas que leva em conta a idade lho de parto.
gestacional, o tempo de bolsa rota, a tempera-
tura materna, a presença ou não de colonização Exames laboratoriais
por Streptococcus agalactiae e o uso ou não de Dentre os exames laboratoriais utilizados
antibiótico no período imediatamente anterior na investigação da sepse está o hemograma, po-
ao parto para determinar a probabilidade de um dendo ser utilizados reagentes de fase aguda,
RN ter SNP. Avaliando a importância de alguns como a proteína C reativa (PCR) e procalcito-
sinais clínicos, especificamente os de origem nina (PCT) para auxiliar no diagnóstico, sendo
respiratória foram acrescentados os sinais clíni- o teste mais recomendado a hemocultura
cos do RN nas primeiras 24 horas de vida, apri- (BARBOSA et al., 2021). Os resultados de exa-
morando a calculadora, que está disponível gra- mes laboratoriais, como hemograma e marca-
tuitamente tanto para iPhone quanto para An- dores inflamatórios, quando considerados isola-
droid (EOS Calculator) (PROCIANOY et al., damente, apresentam um valor preditivo posi-
2020). Tem sido mostrado que o uso da calcu- tivo insatisfatório para o diagnóstico de sepse

89 | P á g i n a
precoce, especialmente em recém-nascidos pré- dessa condição, pois ele determina diversos as-
termo. Isso dificulta a sua aplicabilidade clí- pectos do tratamento, como a dosagem, o tipo e
nica, tornando ainda mais importante valorizar a duração da antibioticoterapia, além de afetar
o quadro clínico do paciente em conjunto com o prognóstico. A análise do líquor inclui a rea-
os resultados das culturas. Nesse sentido, é ne- lização de bacterioscopia, cultura, teste de sen-
cessário analisar os sintomas e o estado clínico sibilidade aos antibióticos, análise bioquímica,
do recém-nascido em conjunto com os resulta- contagem total e diferencial de células. A pun-
dos de testes microbiológicos para obter um di- ção lombar deve ser realizada caso o recém-
agnóstico mais preciso de sepse neonatal (SBP, nascido apresente condições clínicas adequadas
2022). para o procedimento. No entanto, quando não
Mediante suspeita de SNP devem ser colhi- for possível coletar o LCR antes do início da
dos hemocultura e líquor. Observa-se que o he- antibioticoterapia, é essencial realizá-lo o mais
mograma e a proteína C-reativa sérica apresen- rapidamente possível, especialmente se houver
tam um melhor valor preditivo negativo do que crescimento de patógenos na hemocultura
um valor preditivo positivo (FIORENTINO et (SBP, 2022).
al., 2021). No hemograma os achados que cos-
tumam ser valorizados são a relação de neutró- Tratamento
filos imaturos por número total de neutrófilos 1) Antibioticoterapia empírica
>0,2, leucopenia (<5.000) ou leucocitose Os Staphylococcus coagulase negativo
(>25.000). Quanto a proteína C-reativa seriada, (SCN) são os principais causadores da SN. Es-
níveis séricos baixos (<10 mg/L) auxiliam em ses microrganismos são minimamente invasi-
afastar o diagnóstico de sepse neonatal em um vos. No entanto, os recém-nascidos possuem
RN com hemocultura negativa. um sistema imunológico pouco desenvolvido,
A hemocultura é considerada o critério pa- aumentando a probabilidade de contrair infec-
drão ouro para o diagnóstico de sepse precoce. ções (ROMANELLI et al., 2016).
Quando há suspeita dessa condição, é recomen- Para o tratamento adequado da SN precoce,
dado coletar duas amostras de hemocultura de é necessário realizar hemoculturas e adminis-
locais distintos antes de iniciar a antibioticote- trar antibioticoterapia empírica. O tratamento
rapia empírica. Cada amostra deve ter um vo- empírico é baseado nos microrganismos mais
lume mínimo de 1 mililitro, sendo que pelo me- frequentemente observados nesse perfil de do-
nos uma delas deve ser obtida por punção peri- ença (FIORENTINO et al., 2021). Os medica-
férica, enquanto a outra pode ser coletada atra- mentos utilizados são ampicilina e gentamicina,
vés de acesso central, no momento da inserção que demonstram eficácia no tratamento. A am-
do cateter umbilical. Além disso, é importante picilina possui espectro de ação contra Strepto-
solicitar o teste de sensibilidade aos antibióticos coccus agalactiae e Listeria, enquanto a genta-
junto com as hemoculturas. O crescimento de micina é eficaz contra germes gram-negativos,
patógenos em hemocultura nas primeiras 48 ho- como Escherichia coli (PROCIANOY et al.,
ras de incubação deve ser considerado como 2020).
agente causador da infecção. Durante a evolução clínica do paciente, é
Apesar da baixa incidência de meningite na necessário realizar exames como hemoculturas
sepse precoce, é crucial realizar o diagnóstico e PCR. Caso o diagnóstico de sepse seja descar-

90 | P á g i n a
tado, a suspensão da antibioticoterapia também Além disso, é crucial ressaltar a importân-
deve ser considerada, o que geralmente ocorre cia de administrar o tratamento para SN com
entre 36 e 48 horas. O tratamento só deve ser doses e intervalos corretos. Os neonatos são
continuado após 48 horas se ainda houver sinais particularmente sensíveis a erros de dosagem, o
clínicos e laboratoriais positivos (SBP, 2022). que pode afetar significativamente a eficácia do
Existem também medidas para prevenir a tratamento. Devido ao crescimento constante
SN. Para evitar a sepse causada por Streptococ- desses recém-nascidos, é necessário ajustar re-
cus agalactiae, é necessário realizar a pesquisa gularmente a posologia dos medicamentos.
de colonização entre 35 e 37 semanas de gesta- Portanto, é de extrema importância que os mé-
ção. Caso a gestante esteja infectada, é reco- dicos estejam atentos a esse crescimento, uma
mendada a quimioprofilaxia. A profilaxia intra- vez que a administração de antimicrobianos em
parto pode ser realizada com penicilina crista- doses inadequadas pode resultar não apenas em
lina endovenosa, administrando uma dose de um tratamento pouco eficaz, mas também no
ataque de 5 milhões de unidades, seguida de 2,5 desenvolvimento de resistência bacteriana. A
milhões de unidades 4 horas antes do parto. resistência bacteriana é um fator relevante
Também pode ser administrada ampicilina en- quando se trata do aumento da morbimortali-
dovenosa, com uma dose inicial de 2g e 1g a dade em UTIs neonatais (NUNES et al., 2017).
cada 4 horas até o momento do parto (PROCI-
ANOY et al., 2020). Medidas gerais
Os pacientes com Sepse Neonatal Precoce
2) Antibioticoterapia específica (SNE) diagnosticados com pneumonia apresen-
Quando a SN é confirmada, a antibioticote- tam desconforto respiratório e alterações na
rapia específica deve ser iniciada com antibió- ausculta pulmonar, para a qual pode ser indi-
ticos direcionados ao agente causador da do- cado a terapia de reposição de surfactante
ença. Se houver confirmação de meningite por (FERRI et al., 2021). Devido a esses sintomas,
bactéria gram-positiva na hemocultura e pun- cerca de 87,5% dos casos necessitam de suporte
ção lombar, indica-se o uso de cefotaxima. A ventilatório, ou seja, ventilação mecânica.
duração do tratamento é variável, dependendo Além disso, aproximadamente 57,1% dos paci-
dos resultados das hemoculturas, da evolução entes requerem suporte hemodinâmico com o
clínica do paciente e da presença de outros sí- uso de drogas vasoativas, a fim de prevenir o
tios de infecção. Para casos de sepse clínica ou desenvolvimento de choque. O choque se ma-
pneumonia sem agente isolado, o tratamento nifesta através de sintomas como palidez cutâ-
geralmente dura de 5 a 7 dias. Infecções primá- nea, mãos e pés frios, letargia e diminuição da
rias de corrente sanguínea com isolamento do produção de urina (CAMARGO et al., 2022).
agente requerem tratamento de cerca de 7 a 10
dias. Meningite por bactérias gram-positivas CONCLUSÃO
exige um tempo de tratamento de 14 dias, en-
quanto a por bactérias gram-negativas requer A sepse neonatal precoce é uma condição
um tempo de tratamento de 21 dias. Para ven- multissistêmica de origem bacteriana, viral ou
triculite e infecção osteoarticular, o tratamento fúngica que representa uma importante causa de
deve ser mantido por 4 semanas. morbidade e mortalidade, especialmente entre

91 | P á g i n a
os recém-nascidos prematuros. A prevenção, o com um antibiótico de espectro estreito direci-
diagnóstico preciso e a intervenção precoce são onado ao agente causal.
fundamentais para reduzir os danos causados Além do tratamento antimicrobiano, o su-
por essa condição. porte hemodinâmico e o controle das complica-
Os principais sinais clínicos de sepse pre- ções são fundamentais no manejo da sepse ne-
coce incluem instabilidade térmica, dificuldade onatal precoce. A identificação precoce dos si-
respiratória, manifestações do sistema nervoso nais de choque séptico e a implementação de
central, manifestações gastrointestinais, insta- medidas para estabilização do recém-nascido
bilidade hemodinâmica, intolerância à glicose, são essenciais para melhorar os desfechos clíni-
icterícia e sinais de sangramento. A investiga- cos.
ção dos fatores de risco maternos e neonatais é Os profissionais de saúde devem estar aten-
importante para considerar e investigar o diag- tos aos sintomas inespecíficos da sepse neona-
nóstico de sepse. tal precoce, uma vez que eles podem coexistir
A antibioticoterapia empírica deve ser ini- com outros quadros clínicos próprios do perí-
ciada imediatamente, direcionada aos micror- odo neonatal. A realização de hemocultura e
ganismos mais prevalentes, como o Streptococ- punção lombar, juntamente com a avaliação clí-
cus do grupo B e a Escherichia coli. Após a nica do paciente, são essenciais para o diagnós-
confirmação da sepse por hemocultura, é neces- tico adequado e o início oportuno do trata-
sário realizar a punção lombar e iniciar a anti- mento.
bioticoterapia específica, preferencialmente

92 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, J.B. et al. Sepse neonatal: mortalidade em mu- onatal. Acta Paulista de Enfermagem, v. 29, n. 5, p. 573,
nicípio do Sul do Brasil, 2000 a 2013. Revista Paulista de 2016.
Pediatria , v. 36, n. 2, p. 132, 2018.
NERY, C.B.S. et al. Sepse neonatal: as principais linhas
BARBOSA, J.S. et al. Use of non-conventional biomar- de tratamento com antimicrobianos. Revista Eletrônica
kers in the early diagnosis of acute kidney injury in pre- Acervo Saúde, v. 15, n. 5, 2022.
term newborns with sepsis. Brazilian Jounal of Nephro-
logy, v. 44, n. 1, p. 97, 2021. NUNES, B.M. et al. Problemas relacionados a medica-
mentos antimicrobianos em unidade de terapia intensiva
CAMARGO, J.F. et al. Early neonatal sepsis: prevalence, neonatal. Revista Brasileira de Terapia Intensiva, v. 29,
complications and outcomes in newborns with 35 weeks n. 3, p. 331, 2017.
of gestational age or more. Revista Paulista de Pediatria,
v. 40, p. e2020388, 2022. OMRAN, A. et al. Salivary C-reactive protein, mean pla-
telet volume and neutrophil lymphocyte ratio as diagnos-
DORTAS, A.R.F. et al. Fatores de risco associados a tic markers for neonatal sepsis. Jornal de Pediatria, v. 94,
sepse neonatal:Artigo de revisão. Revista Eletrônica n. 1, p. 82, 2018.
Acervo Científico, v. 7, p. e1861, 2019.
PROCIANOY, R.S. et al. The challenges of neonatal
FERREIRA, R.C. et al. Neonatal sepsis as a risk factor sepsis management. Jornal de Pediatria, v. 96, p. 80,
for neurodevelopmental changes in preterm infants with 2020.
very low birth weight. Jornal de Pediatria, v. 90, n. 2, p.
293, 2014. ROMANELLI, R.M.C. et al. Empirical antimicrobial
therapy for late-onset sepsis in a neonatal unit with high
FERRI, W.A.G. et al. Retreatment with surfactant in very prevalence of coagulase-negative Staphylococcus. Jornal
low birth weight preterm infants: risk predictors and theis de Pediatria, v. 92, n. 5, p. 472, 2016.
influence on neonatal outcomes. Revista Paulista de Pe-
diatria, v. 39, p. e2019360, 2021. SILVA, H.Y.W. & FREITAS, F.T.M. Invasive candidi-
asis in a Brazilian neonatal intensive care unit. Revista
FIORENTINO, A.N. et al. Os desafios no diagnóstico e Brasileira de Saúde Materno Infantil, v. 21, n. 2, p. 547,
manejo da sepse neonatal: uma revisão narrativa. Revista 2021.
Eletrônica Acervo Saúde, v. 13, n. 11, 2021.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Sepse
FONTENELE, M.M.F.T. et al. Snappe ii: analysis of ac- neonatal precoce e a abordagem do recém -nascido de
curacy and determination of the cutoff point as a death risco: o que há de novo?. Departamento Científico de Ne-
predictor in a brazilian neonatal intensive care unit. Re- onatologia, 11ª ed. - São Paulo, 2022
vista Paulista de Pediatria, v. 38, p. e2019029, 2020.
URBANOVSKÁ, N. et al. Sepsis neonatal em díade
MEDEIROS, F.V.A. et al. A correlação entre procedi- mãe-filho de minoria étnica: estudo de caso. Acta Pau-
mentos assistenciais invasivos e a ocorrência de sepse ne- lista de Enfermagem, v. 33, p. eAPE20180041, 2020.

93 | P á g i n a
Capítulo 12

USO DE AGONISTAS DO
GNRH NO TRATAMENTO
DA PUBERDADE PRECOCE
ANNANDA OLTRAMARI MELLO 1
BIANCA TESSELE 1
CAROLINA CERON REGINATTO 1
ÉRIKA MAHL ROYES1
GISELE KARLEC JACOBS 1
GUSTAVO GALERA PAGNUSSATT 1
ISADORA BARASUOL BOTTEGA 1
JULIA MAZZAROTTO CORSO 1
JULIANA VARGAS FRANCO 1
LAÍS CRISTINE ZANELLA CAPPONI1
LARISSA BARONI1
LAURA RICHETTI FRANZOSI1
MARCOS VINICIUS DALLA LANA 2
MARIA EDUARDA KINDEL 1
MILENA DE ALMEIDA DA MOTTA 1

1. Discente - curso de Medicina da Universidade de Passo Fundo (UPF)


2. Docente – curso de Medicina da Universidade de Passo Fundo (UPF)

Palavras Chave: Agonistas do GnRH; Puberdade precoce; Tratamento.

10.59290/978-65-6029-017-4.12 94 | P á g i n a
INTRODUÇÃO abetes tipo 2, doença cardiovascular, além de
alterações da saúde óssea, baixa estatura final e
Em linhas gerais, podemos inferir que a pu- distúrbios comportamentais (COMINATO et
berdade precoce (PP) seria a ocorrência de al., 2021).
qualquer sinal de maturação sexual em idade Assim sendo, o presente trabalho tem como
cronológica antecipada (COMINATO et al., objetivo descrever a fisiopatologia, as manifes-
2021). tações clínicas, o diagnóstico e principalmente
Entretanto, a definição, quando aplicada à o uso de agonistas do GnRH no tratamento da
atuação médica diária, encontra inúmeros puberdade precoce.
obstáculos referentes à multifatoriedade do pro-
cesso biológico, preconizando, portanto, uma MÉTODO
avaliação ainda mais individualizada do desen-
volvimento do adolescente. Ademais, a Socie- O presente trabalho trata-se de uma revisão
dade Brasileira de Pediatria define a PP como o de literatura realizada a partir de livros didáti-
desenvolvimento de caracteres secundários an- cos, do UpToDate e de artigos disponíveis nas
tes dos oito anos em meninas - com o apareci- bases de dados SciELO, PubMed, LILACS,
mento das mamas - e antes dos nove anos em Portal CAPES e Google Acadêmico. Utilizou-
meninos - com aumento do volume testicular se o descritor “Puberdade Precoce” e em com-
acima de 4 mL (SBP, 2017). binação com os descritores “Tratamento Far-
O início do desenvolvimento puberal é de- macológico”, “Diagnóstico” e seus respectivos
terminado por diversos fatores, dentre eles: ge- sinônimos, sendo as buscas realizadas tanto no
néticos, nutricionais, ambientais, étnicos e soci- idioma inglês quanto no português.
oeconômicos. Dentre os fatores ambientais, Foram incluídos na revisão artigos que con-
surge a importância da epigenética e dos cha- templassem o tema e estivessem disponíveis no
mados interferentes endócrinos, ou disruptores formato online. Foram excluídos artigos que
endócrinos, que são substâncias químicas capa- não contemplassem o tema abordado, que este-
zes de interferir na ação hormonal (COMI- jam fora do período proposto e que estejam re-
NATO et al., 2021). petidos em diferentes bases de dados.
Sendo assim, a PP pode ser classificada em
origem central, dependente de gonadotrofinas FISIOPATOLOGIA
através da ativação do sistema hipotálamo-
hipófise-gônadas pelo hormônio liberador de A PP pode ser dividida em duas categorias:
gonadotrofina (GnRH), ou periférica, que central ou GnRH-dependente e periférica ou
resulta da produção dos hormônios sexuais por GnRH-independente (COMINATO et al.,
fontes endógenas ou exógenas, independente 2021; SBP, 2017; TRISOTTO, 2020; CHEU-
do eixo gonadotrófico (SBP, 2017; CHE et al., 2021).
TRISOTTO, 2020) A puberdade precoce central (PPC) ocorre
Portanto, a PP deve ser bem avaliada e devido à maturação e ação antecipada do eixo
acompanhada pela equipe médica uma vez que hipotálamo-hipófise-gônadas (HHG), promo-
esse adolescente tem um risco aumentado de vendo o estímulo das gonadotrofinas e provo-
apresentar, futuramente, doenças como câncer cando as mudanças sexuais mais cedo (SBP,
de mama, câncer de endométrio, obesidade, di- 2017). As principais causas da PPC são dividi-
95 | P á g i n a
das em dois grupos: idiopática ou neurogênica. NATO et al., 2021; SILVEIRO & SATLER,
As causas neurogênicas englobam o SNC e são 2015).
mais frequentes nos meninos, enquanto que a
idiopática é mais frequentemente nas meninas MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
(COMINATO et al., 2021).
A forma idiopática da PPC é muito mais co- Para melhor avaliação clínica do paciente é
mum, atingindo 80-90% dos casos (COMI- necessário estar consciente da evolução crono-
NATO et al., 2021). Dessa forma, a PPC de- lógica normalmente, uso de medicamentos, sin-
pende da ativação do eixo HHG, liberação no tomas relacionados ao SNC (dores de cabeça,
hipotálamo de gonadotrofinas que estimulam a alterações visuais, mudanças de personalidade),
secreção de hormônio luteinizante (LH) e do através da monitorização da estrutura, peso, es-
hormônio folículo estimulante (FSH) pela hipó- tadiamento puberal de acordo com Tanner, que
fise (COMINATO et al., 2021; SBP, 2017; se faz importante no diagnóstico clínico (CHE-
TRISOTTO, 2020). Entre anormalidades do UCHE et al., 2021).
sistema HHG há tumores que podem interferir O exame físico nas meninas consiste em fi-
na organização neuronal, incluindo neurônios car atento aos efeitos do estrogênio no orga-
secretores de GnRH, como os hamartomas, es- nismo, como desenvolvimento do broto mamá-
ses considerados malformações congênitas be- rio, crescimento dos grandes e pequenos lábios,
nignas (COMINATO et al., 2021). Dentre as além disso, pelo lado mais androgênico exami-
causas secundárias de PPC pode-se citar a sín- nar hipertrofia do clítoris e também examinar a
drome de McCune-Albright e o contato com es- pele buscando por acne e hirsutismo (SBP,
teroides sexuais usados cronicamente para o 2017).
tratamento para outras doenças (SBP, 2017). Nos meninos é importante avaliar indicati-
Na puberdade precoce periférica (PPP) as vos de produção endógena de gonadotrofinas
suprarrenais ou as gônadas, independente de es- primárias, como testosterona, através da obser-
tímulos do eixo HHG, irão secretar esteroides vação do tamanho dos testículos, o tamanho do
sexuais em excesso (COMINATO et al., 2021; órgão genital, presença de odor, acne e pelos
SILVEIRO & SATLER, 2015). (COMINATO et al., 2021).
A PPP pode ocorrer também devido a uma O desenvolvimento da estatura também é
exposição a esteroides sexuais de forma exó- alterado, normalmente as crianças apresentam
gena e a uma produção ectópica de gonadotro- um pico de crescimento inicial, sendo maiores
pina (COMINATO et al., 2021). No sexo femi- que os colegas ou irmãos da mesma idade, po-
nino, cistos ovarianos foliculares e tumores rém, seu tamanho final é menor do que o espe-
ovarianos são as principais etiologias, enquanto rado, assim, a radiografia do punho-distal é ex-
os tumores das células de Leydig são a principal tremamente útil, pois avalia o desenvolvimento
ósseo em parâmetro com a idade numérica
etiologia no sexo masculino (SILVEIRO & SA-
(COMINATO et al., 2021). Um achado impor-
TLER, 2015). É possível classificar a PPP em
tante é quando a idade óssea é maior em um ou
heterossexual ou contrassexual - quando há vi-
dois anos que a cronologia normal configu-
rilização do sexo feminino e feminilização do
rando uma maturação óssea precoce (CHEU-
sexo masculino - ou isossexual - caracteres
CHE et al., 2021).
compatíveis com o sexo da criança (COMI-

96 | P á g i n a
DIAGNÓSTICO nais, contato da pele com gel de testosterona,
aplicação de androgênios), existência de sinto-
Anamnese e Exame Físico mas neurológicos que possam estar associados
Antes de iniciar a investigação clínica, cabe a doenças do sistema nervoso central (cefaleia,
ressaltar que tanto os pais, quanto os filhos po- alterações visuais, alterações de personalidade),
dem ter dificuldade em falar sobre as mudanças história de trauma ou infecção do sistema ner-
do corpo. Por isso, a anamnese exige bastante voso central, bem como histórico familiar
delicadeza, podendo-se iniciar com perguntas
(idade da menarca, quebra de voz, primeiro bar-
mais abertas, mostrando compreensão e questi-
bear, surto de crescimento) e histórico médico
onando sobre possíveis preocupações referen-
pregresso (CHEUCHE et al., 2021).
tes às mudanças do corpo. Assim, vai se cons-
No exame físico, durante a inspeção, ob-
truindo um vínculo necessário para uma melhor
serva-se o desenvolvimento dos caracteres se-
avaliação clínica (BRADLEY et al., 2020).
xuais secundários, classificados nos estágios de
Na suspeita de puberdade precoce, inicia-se
Tanner. Esses estágios servem para categorizar
a investigação com uma história clínica deta-
os caracteres sexuais secundários (pelos, ma-
lhada, coletando dados do paciente, como
mas e genitais), que podem ser definidos desde
idade, velocidade de progressão dos caracteres
pré-puberes (Tanner 1) até a forma adulta (Tan-
sexuais secundários, exposição a hormônios
ner 5) (COMINATO et al., 2021), como pode
exógenos (ingestão de pílulas anticoncepcio-
ser observado na Figura 12.1.

Figura 12.1 Critérios de Estágio Puberal de Marshall e Tanner para o sexo feminino e masculino

Fonte: COMINATO et al., 2021

97 | P á g i n a
Deve-se desprender uma atenção especial Exames de imagem
na avaliação das mamas e dos testículos, uma A depender do quadro clínico, pode ser ne-
vez que o principal sinal de puberdade precoce cessária a realização de Ultrassonografia pél-
em meninas é a telarca e em meninos é o au- vica, de região adrenal, abdominal e/ou testicu-
mento testicular (≥4 mL), que pode ser avaliado lar, além de radiografia de punho para avaliação
usando o orquidômetro. (CHEUCHE et al., da idade óssea. A Ressonância Magnética de
2021). É importante também a diferenciação sela túrcica deve ser realizada em todas as me-
entre PPP e PPC, a qual pode ser encontrada ob- ninas menores de 6 anos e em todos os meninos
servando, principalmente, o volume testicular. que apresentam PP, bem como em todas as cri-
Assim sendo, volume testicular <4 mL associ- anças com sintomas neurológicos para excluir
ado ao desenvolvimento de pelos pubianos su- anormalidades do sistema nervoso central (CO-
gere PPP, enquanto que se associado a outras MINATO et al., 2021)
características de puberdade precoce sugere
PPC (CHEUCHE et al., 2021). TRATAMENTO
Ademais, avalia-se a presença de odor axi-
lar e sinais de crescimento rápido. Também, A escolha do tratamento da puberdade pre-
inspeciona-se a pele para observar a presença coce depende da sua origem e da sua causa sub-
de acne, oleosidade na pele e nos cabelos, bem jacente, ou seja, se há algum fator que tenha
como aumento de pigmentação (CHEUCHE et precipitado tal quadro, como uma lesão identi-
al., 2021). Na continuidade do exame físico, ficável do sistema nervoso central que esteja
palpa-se as mamas, o abdome e a tireoide. Além causando uma PPC neurogênica.
disso, avalia-se a estatura, o peso e o índice de
massa corporal (IMC), colocando nas curvas de Tratamento da puberdade precoce cen-
crescimento para detectar modificação de pa- tral
drão (COMINATO et al., 2021). Cabe salientar Para a PPC, em geral, a escolha terapêutica
que a altura esperada da criança é calculada a são os análogos do hormônio liberador de go-
partir da altura dos pais, por meio da seguinte nadotrofina (GnRH). Esse grupo de drogas
equação: para meninas ([altura do pai em cm - inibe a atividade do GnRH endógeno, que é um
13 cm] + altura da mãe em cm)/2 e para meni- hormônio sintetizado pelo hipotálamo respon-
nos ([altura da mãe + 13 cm] + altura do pai em sável por estimular a glândula hipófise a liberar
cm)/2 (CHEUCHE et al., 2021). os hormônios FSH e LH. Nesse caso, a admi-
nistração contínua do agonista, ao contrário da
Laboratoriais fisiológica, em pulsos, em vez de estimular per-
Dando continuidade à investigação e con- manentemente a secreção de gonadotrofinas,
forme o quadro clínico, pode-se fazer dosagem suprime profundamente os níveis de LH e FSH,
das concentrações de LH, FSH, estrógeno em fenômeno conhecido como supressão do eixo
meninas, testosterona em meninos, DHEA-S e pituitário-gonadal e induz uma inibição acentu-
17OHP. O teste de estímulo com GnRH é feito ada da atividade gonadal e regressão dos sinto-
através da dosagem de gonadotrofinas em ní- mas clínicos (LAHLOU et al., 2000). No Bra-
veis basais após o estímulo de ensaios imuno sil, o análogo mais utilizado é o acetato de
fluorimétricos e auxilia na diferenciação entre leuprorrelina via intramuscular a cada 28 ou 84
PPP e PPC. dias, dependendo da apresentação da droga

98 | P á g i n a
(COMINATO et al., 2021). Cabe ressaltar que, Quanto às formulações de agonistas de
em caso de PPC causada por uma lesão identi- GnRH, existem preparações de depósito para
ficável do SNC, o tratamento é também direci- dosagem mensal, trimestral ou semestral e um
onado, sempre que possível, a essa patologia implante subcutâneo que é inserido cirurgica-
subjacente, como é o caso dos hamartomas hi- mente a cada 12 meses. Essas preparações não
potalâmicos benignos já citados anteriormente, foram comparadas diretamente em ensaios ran-
que são frequentemente deixados in situ e mo- domizados, mas parecem ser igualmente efica-
nitorados neurorradiologicamente ao longo do zes na supressão do eixo hipófise-gonadal, de
tempo. modo que a escolha depende da preferência do
Uma das justificativas para a intervenção da paciente, do médico e das aprovações regulató-
PPC com o uso de análogos do GnRH é a pre- rias locais. Ademais, existem ainda as formula-
servação do potencial de altura, visto que a PPC ções de agonistas de GnRH de ação curta, tais
não tratada pode resultar na interrupção prema- como injeções subcutâneas diárias e sprays in-
tura do crescimento e consequente baixa esta- tranasais de dose múltipla diária, que são utili-
tura. Todavia, a decisão de iniciar o tratamento zadas em situações clínicas especiais como em
farmacológico depende de alguns fatores como: caso de desenvolvimento de abscessos estéreis
idade da criança, taxa de progressão puberal com terapia com agonista de GnRH de depó-
(maturação sexual), velocidade da altura e al- sito. (HARRINGTON et al., 2022)
tura adulta estimada conforme determinado Por fim, deve-se monitorizar o tratamento
pela taxa de avanço da idade óssea (HAR- para garantir que os objetivos da terapia com
RINGTON et al., 2022). Em relação a isso, as agonista de GnRH sejam alcançados, sendo
crianças que mais se beneficiam da terapia com eles: diminuição na velocidade de crescimento,
GnRH são as mais jovens e as que possuem cessação da menstruação e interrupção da pro-
uma rápida progressão da maturação - isto é, gressão puberal. Em linhas gerais, avalia-se o
quando há mudança no estágio da mama, pelos desenvolvimento e crescimento puberal a cada
pubianos ou desenvolvimento genital durante três a seis meses. Quanto à duração do trata-
seis meses ou mais de observação -, pois apre- mento, geralmente o faz até aproximadamente
sentam fusão epifisária precoce e altura adulta os 11 anos em mulheres e 12 anos em homens,
reduzida se não forem tratadas. Em contrapar- embora a decisão de interrompê-lo seja indivi-
tida, aquelas que se apresentam próximas à dual e dependente de fatores como idade da cri-
idade da puberdade normal ou que possuem ança, idade óssea e idade da altura, altura pre-
uma variante muito lentamente progressiva da vista e desejo de ter progressão puberal conco-
puberdade precoce nem sempre necessitam de mitante com seus pares.
terapia, especialmente se a altura adulta sem
tratamento for concordante com a faixa de al- Tratamento da puberdade precoce peri-
tura média dos pais. Existem estimativas de ga- férica
nho de altura em meninas e meninos conforme Para precocidade periférica - causada pelo
a idade de início da PPC, no entanto, o grau de excesso de secreção de hormônios sexuais deri-
avanço da idade óssea antes do início do trata- vados das gônadas, glândulas adrenais, tumores
mento com agonista de GnRH pode atenuar ou fontes exógenas -, ao contrário da puberdade
esse ganho de altura (LAZAR et al., 2007). precoce central, a terapia com agonistas do hor-
mônio liberador de gonadotropina (GnRH) não

99 | P á g i n a
é eficaz. Logo, nesses casos, o tratamento visa de puberdade precoce, inicia-se a investigação
bloquear a produção e/ou resposta aos esteroi- com uma história clínica detalhada, um exame
des sexuais, dependendo da causa. físico focado na observação do desenvolvi-
Nesse sentido, tumores, dependendo do tipo mento dos caracteres sexuais secundários desse
e do local, podem ser ressecados ou requererem adolescente, e, após essa avaliação minuciosa,
quimioterapia ou radioterapia. Em contrapar- prossegue-se a investigação laboratorial (LH,
tida, em caso de cistos foliculares funcionantes, FSH, estrógeno em meninas, testosterona em
o tratamento costuma ser conservador, visto meninos, DHEA-S e 17OHP) e de imagem (ul-
que tendem a regredir espontaneamente. Ade- trassonografia pélvica, de região adrenal, abdo-
mais, em caso de exposição exógena a esteroi- minal e/ou testicular, além de radiografia de pu-
des sexuais, basta identificar e remover a fonte. nho para avaliação da idade óssea).
Por fim, defeitos adrenais são tratados com gli- No que se refere ao tratamento da PP, deve-
cocorticoides (LAZAR et al., 2007). Ressalta- mos considerar as duas categorias: central ou
se que há outras diversas causas de precocidade GnRH-dependente e periférica ou GnRH-inde-
periférica não abordadas no presente trabalho. pendente. A primeira, em geral, apresenta como
Além disso, crianças com PPP com exposi- escolha terapêutica os análogos do hormônio li-
ção a altos níveis séricos de esteroides sexuais berador de gonadotrofina (GnRH). Esse grupo
podem desenvolver PPC secundária após a re- de drogas inibe a atividade do GnRH endógeno,
solução da PPP. Nesse contexto, é extrema- suprimindo o eixo pituitário-gonadal. Sendo
mente importante monitorar clinicamente que as crianças que mais se beneficiam da tera-
quaisquer sinais de desenvolvimento mamário pia com GnRH são as mais jovens e as que pos-
ou testicular progressivo após o tratamento de suem uma rápida progressão da maturação. Já
uma criança com precocidade periférica. Em na PPP, a terapia com agonistas do hormônio
caso positivo, a adição de um agonista de liberador de gonadotropina (GnRH) não é efi-
GnRH pode ser justificada. caz. Sendo utilizado então, nesses casos, um
tratamento que visa bloquear a produção e/ou
CONCLUSÃO resposta aos esteroides sexuais, de acordo com
a principal causa desencadeante do quadro.
O conceito de puberdade precoce quando Portanto, o diagnóstico e o tratamento da
aplicada à atuação médica diária, encontra inú- puberdade precoce devem ser feitos por meio
meros obstáculos referentes à multifatoriedade de uma avaliação criteriosa e dentro das limita-
do processo biológico, portanto, a anamnese ções e desejos de cada paciente e sua família.
exige bastante delicadeza, já que se faz extre- Ademais, o seguimento deve ser orientado
mamente necessária a criação de um vínculo desde o início do tratamento para a otimização
médico-paciente na construção de uma boa ava- da dose hormonal e para uma melhor resolução
liação clínica. Sendo assim, quando se suspeita do quadro clínico que se apresenta.

100 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRADLEY, S.H. et al. Puberdade precoce. BMJ (Clini-
cal research ed.) v. 368l6597, 2020. LAZAR, L. et al. Growth pattern and final height after
cessation of gonadotropin-suppressive therapy in girls
CHEUCHE, A.V. et al. Diagnosis and management of with central sexual precocity. Journal of Clinical Endo -
precocious sexual maturation: an updated review. Euro- crinology and Metabolism, v. 92, n. 9, p. 3483, 2007.
pean Journal of Pediatrics, v. 180, n. 10, p. 3073, 2021.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA / organi-
COMINATO, L. et al. Pediatria Atualize-se – Puberdade zadores Dennis Alexander Rabelo Burns et al. Tratado de
Precoce. Boletim da Sociedade de Pediatria de São Paulo, Pediatria. 4. ed. Barueri, SP: Manole; 2017.
Ano 6, n. 4, 2021
SILVEIRO, S.P. & SATLER, F. Rotinas em endocrino-
HARRINGTON, J. et al. Treatment of precocious pu- logia. Artmed Editora, 1ª edição; 2015.
berty. UpToDate, 2022. Disponível em:
<https://www.uptodate.com/contents/treatment-of-pre- TRISOTTO, A.L. Puberdade Precoce: avaliação do de-
cocious-puberty/print>. Acesso em: 27 mai. 2023. senvolvimento de crianças tratadas com análogo de
GnRH\. Trabalho de conclusão de curso (graduação) Flo-
LAHLOU, N. et al. Pharmacokinetics and pharmacody- rianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, Cen-
namics of GnRH agonists: Clinical implications in pedi- tro de ciências da Saúde, Graduação em farmácia; 2020.
atrics. Journal of Pediatric Endocrinology and Metabo-
lism, v. 13, Suppl. 1, p. 723, 2000.

101 | P á g i n a
Capítulo 13

FATORES ASSOCIADOS À
OCORRÊNCIA DE ASFIXIA
PERINATAL: UMA REVISÃO
INTEGRATIVA DA LITERATURA

KEYLLA EUGÊNIA QUEIROZ ARAÚJO¹


HELEN NASCIMENTO SOUZA FERREIRA²
LARISSA SENHORINHO PIRES DE CARVALHO²
PAULO VICTOR LIMA DA CUNHA 2
CINOÉLIA LEAL DE SOUZA 3

1. Discente - Medicina do Centro Universitário UNIFG.


2. Discente - Medicina da Universidade Faculdade de Tecnologia e Ciência - UniFTC.
3. Doutora em Ciências da Saúde, Docente no Centro Universitário UNIFG.

Palavras Chave: Asfixia perinatal; Óbito neonatal; Neonato.

10.59290/978-65-6029-017-4.13 102 | P á g i n a
INTRODUÇÃO Geralmente, essa condição pode ser desen-
cadeada por quatro quadros: pela interrupção do
A asfixia perinatal é uma consequência da fluxo sanguíneo através do cordão umbilical,
falta de oxigênio adequado para o feto ou neo- pela alteração da troca gasosa a nível placentá-
nato no periparto, que é definido entre três se- rio por descolamento da placenta, pelo compro-
manas pré-parto e as três semanas pós-parto, metimento da perfusão placentária e por último,
essa consequência pode ser considerada tam- pela falha na expansão pulmonar imediata-
bém um indicador da qualidade de assistência mente após o parto. Com isso, clinicamente, o
prestada a gestante quanto ao recém-nascido bebê apresentará uma síndrome clínico-neuro-
(DARIPA et al., 2013). lógica, caracterizada por hipoxemia, hipercap-
De acordo com o Ministério da Saúde nia e acidose decorrente de hipóxia e isquemia
(2022), estima-se que, no Brasil, aproximada- no período periparto. A priori a hipoxemia e a
mente 20 mil crianças nasçam com falta de oxi- acidose metabólica levarão a mecanismos cor-
genação no cérebro em um período de 12 me- porais compensatórios – taquicardia, vasocons-
ses. Também, a asfixia perinatal está entre as trição periférica, elevação da pressão arterial e
principais causas de lesão cerebral permanente manutenção da perfusão de órgãos nobres. À
em bebês nascidos com idade gestacional de 37 evolução da diminuição da oxigenação levará a
e 42 semanas. De forma que, alguns prematuros uma falência e lesão de múltiplos órgãos (DA-
precisam de ventilação pulmonar para restabe- RIPA et al., 2013).
lecer a respiração, em que esse procedimento é Apesar de não haver um consenso para di-
feito na sala de parto. Nesse viés, a asfixia peri- agnóstico de asfixia, um dos parâmetros utili-
natal é uma realidade que atinge todas as classes zado é o da American Academy of Paediatrics
sociais e, além disso, em alguns casos os pre- (AAP) e da American College of Obstetrics and
maturos sofrem com sequelas neurológicas e Gynaecology (ACOG), que considera os se-
déficits, como paralisia cerebral, deficiência guintes fatores: Pontuação de Apgar que per-
cognitiva, cegueira e surdez (BRASIL, 2022). maneça entre 0-3 em mais de 5 minutos; artéria
No Brasil, estudos comprovam que a asfixia umbilical fetal pH <7,0 ou deficiência de base
perinatal como uma das principais causas da ≥12 mmol/L ou ambos; manifestações neuroló-
mortalidade neonatal precoce, e há uma varia- gicas neonatais, como convulsões, coma ou hi-
ção em sua incidência conforme os critérios uti- potonia; e disfunção orgânica multissistêmica
lizados, como dados populacionais e oficiais (MORALES et al., 2011).
sobre causas de morte, na qual são obtidos atra- No que concerne a idade gestacional em re-
vés de atestados de óbitos, são difíceis de serem lação à asfixia perinatal, essa constitui a causa
interpretado e, às vezes, constam com relatos importante de mortalidade em recém-nascidos
incompletos, além de não apresentarem padro- a termo (RNT) e pré-termo (RNPT). Essa con-
nização em seus diagnósticos. Nesse sentido, dição é decorrente da falha do sistema de trocas
conhecer o perfil epidemiológico desses óbitos gasosas, podendo evoluir à síndrome hipóxico-
é importante e, para isso, é imprescindível ter isquêmica (SHI), caracterizada por gerar múlti-
um planejamento de políticas públicas que pos- plas alterações neurológicas (TAKAZONO &
sam efetivamente reduzir a mortalidade neona- GOLIN, 2013).
tal por asfixia (DARIPA et al., 2013). Dentre os fatores de risco para a asfixia pe-
rinatal, encontra-se o menor peso ao nascer

103 | P á g i n a
(<2500g), ameaça de parto prematuro, menor dentre outras. Com o objetivo de encontrar arti-
idade materna, primiparidade, antecedente de gos científicos relacionados ao tema e publica-
natimortalidade, intercorrência clínica e assis- dos nos últimos cinco anos (2017 a 2022).
tência pré-natal de baixa qualidade (FERNAN- Para a identificação e localização das publi-
DES et al., 2020). cações foram utilizados os descritores em por-
Diante disso, para obter a prevenção da as- tuguês extraídos dos Descritores em Ciências
fixia perinatal, é preciso que as gestantes te- da Saúde (Decs) da Bireme: Asfixia perinatal
nham um pré-natal de qualidade, investir no AND Óbito neonatal AND Brasil.
cuidado perinatal em rede, na qual é imprescin- Os critérios de inclusão para seleção foram:
dível integrar a atenção primária à saúde, à artigos disponíveis em texto completo, artigos
atenção ambulatorial especializada e à atenção na língua portuguesa e inglesa e de estudos pri-
hospitalar, para assistir adequadamente a ges- mários. Os critérios de exclusão foram: artigos
tante de acordo com os riscos gestacional, asse- publicados apenas em resumo, artigos de revi-
gurando bons resultados á parturiente, mãe e re- são de literatura, artigos em idioma estrangeiro,
cém-nascido. fontes de livros, cartas ou editoriais, disserta-
O objetivo deste estudo foi analisar os fato- ções e teses. Foram selecionados para a análise
res associados à asfixia perinatal: uma revisão apenas artigos que tinham como foco a temática
integrativa da literatura. em questão, o levantamento desses artigos o-
correu de setembro a novembro de 2022.
MÉTODO Inicialmente foi realizada a busca com os
descritores na base de dados, e foram encontra-
Tratou-se de uma revisão integrativa da li- das 61 publicações, e posteriormente com a re-
teratura, que buscou analisar artigos publicados alização dos filtros restaram 31 publicações,
sobre o fenômeno investigado. A revisão inte- após leitura dos títulos e resumos foram excluí-
grativa da foi realizada em seis etapas: (I) sele- dos 19 por não responderem o objetivo da pes-
ção das hipóteses ou questões para a revisão; quisa, e por fim, restou o total de 12 artigos fo-
(II) definição dos critérios para a seleção da ram inclusos na revisão (Figura 13.1).
amostra; (III) definição das características da A análise foi realizada com base na pro-
pesquisa original; (IV) análise de dados; (V) in- posta de Minayo (2013) para a análise de con-
terpretação dos resultados e (VI) apresentação teúdo, constituída pela organização dos dados,
da revisão (LAKATOS & MARCONI, 2011). a classificação e pôr fim a descrição dos resul-
A questão norteadora que direcionou essa pes- tados. A organização dos dados se deu por meio
quisa foi: quais os principais fatores associados da construção de um quadro simples, no qual
à asfixia perinatal descritos na literatura? foi apresentado as seguintes informações: nú-
Para a busca dos artigos foi utilizada a base mero, autor e ano, objetivo e uma síntese dos
de dados da Biblioteca Virtual em Saúde, que principais resultados. Na classificação veio à
integra: Bases de Dados de Enfermagem formação das categorias de análise para a dis-
(BDENF); Literatura Latino Americana e do cussão, que foram: Fatores associados à morta-
Caribe em Ciências as Saúde (LILACS) e o Sci- lidade neonatal; e, Asfixia como causa de mor-
entific Electronic Library Online (SciELO), talidade neonatal.

104 | P á g i n a
Figura 13.1 Fluxograma de seleção de artigos para a Re- Fatores associados à mortalidade neona-
visão Integrativa BVS 2023 tal
A Organização das Nações Unidas (ONU)
criou em 2015, a Agenda 2030 com a finalidade
de estabelecer metas globais de desenvolvi-
mento sustentável. Dentre os Objetivos de De-
senvolvimento Sustentável, existe a meta 3.2,
responsável por ações que contribuam com a di-
minuição da mortalidade neonatal no mundo.
Nota-se, portanto, que diminuir a mortalidade
neonatal é uma preocupação global, logo é es-
sencial identificar os fatores associados aos óbi-
tos como forma eficaz de entendê-los e encon-
trar consequentemente a forma ideal de com-
batê-los (ONU, 2015).
O estudo de Rêgo et al. (2018), mostrou que
Por se tratar de uma pesquisa que utilizou entre os anos 1990 e 2015, o número de óbitos
como fonte de dados uma base secundária e de de menores de 5 anos caiu 52%, sobretudo de-
acesso público, não se fez necessário à aprova- vido adoção de políticas públicas e estratégias
ção de um Comitê de Ética em Pesquisa para a de combate a doenças preveníveis, como infec-
realização do estudo. Entretanto, cabe inferir ções e deficiências nutricionais. Entretanto, os
que os preceitos éticos quanto a estruturação, mesmos autores revelam que a mortalidade ne-
referências e normativas foram mantidos. onatal permaneceu um grande desafio, pois das
três principais causas de mortalidade infantil
RESULTADOS E DISCUSSÃO em menores de 5 anos são neonatais, atreladas
complicações de parto prematuro e eventos re-
A amostra do estudo foi constituída por 12 lacionados ao parto.
artigos científicos de estudo primário que tra- Nesse sentido, é pertinente conceituar que a
tam sobre as ações de asfixia perinatal, dissemi- morte neonatal, define-se como o óbito do bebê
nados em periódicos no período de 2017 a que possui menos de 28 dias de vida, sendo in-
2022. A partir da organização dos artigos inclu- clusive um importante marcador de saúde pú-
ídos no estudo, pode-se observar que 75% se blica. Sendo assim, no estudo de Almeida et al.
concentravam nos anos 2018, 2020 e 2022, se- (2017), dentre os nascidos vivos com peso ao
guido de 2021 com dois, e um em 2017 respec- nascer ≥2.500g e sem malformações que mor-
tivamente, e a caracterização desses artigos está reram até seis dias após o nascimento, por asfi-
descrita no Quadro 13.1 a seguir. No que xia perinatal, em todo o Brasil, estavam concen-
concerne aos conteúdos expostos, selecionados trados nas regiões norte e nordeste, com as mai-
e inseridos na revisão, após a leitura minuciosa ores taxas de morte.
e análise dos resultados, foram sintetizadas
duas categorias para discussão do artigo.

105 | P á g i n a
Quadro 13.1 Caracterização dos artigos selecionados para o estudo, BVS, 2023
N Autor/ano Objetivo Método Revista/Periódico
Avaliar a taxa anual de óbitos neonatais precoces associados à asfixia perinatal Estudo estatístico Sociedade Brasileira de
1 ALMEIDA et al., 2017
em neonatos de peso ≥2.500 g no Brasil de 2005 a 2010. descritivo. Pediatria (SBP)
Analisar a tendência anual da mortalidade neonatal por asfixia perinatal
KAWAKAMI et al., segundo a idade gestacional no Estado de São Paulo, Brasil, durante um Estudo estatístico BMC Pregnancyand
2
2021 período de 10 anos e verificar as características demográficas, maternas e descritivo. Childbirth
neonatais associadas a esses óbitos.
Descrever características epidemiológicas dos óbitos perinatais por ações do Estudo descritivo de Revista Gaúcha de
3 RÊGO et al., 2018
Sistema Público de Saúde. análise temporal. Enfermagem
Determinar a incidência e a etiopatogenia da falha nos órgãos mais
IRIBARREN et al., Estudos clínicos e pré-
4 frequentemente envolvidos na falência de múltiplos órgãos (MOF) neonatal Anales de Pediatría
2022 clínicos.
após asfixia perinatal.
Determinar o papel da asfixia perinatal na formação da deficiência auditiva em The International Tinnitus
AZIZA & Estudo observacional
5 recém-nascidos e desenvolver com base nisso os princípios de manejo de Journal
YULDASHEV, 2022 retrospectivo
recém-nascidos com essa patologia.
FEKEDE & FUFA, Investigar os determinantes da asfixia nas unidades de saúde pública da zona Estudo de caso-
6 Scientific Reports
2022 de Illu Aba Bor. controle
Analisar as características clínico-epidemiológicas dos óbitos ocorridos por Archives of Health
7 PABIS et al., 2021 Estudo transversal
asfixia perinatal e comparar com outras causas de óbitos no mesmo período. Investigation
Estudo descritivo
Avaliar o perfil dos recém-nascidos atendidos em uma maternidade publica quantitativo, re-
FERNANDES et al.,
8 terciária de referência do Distrito Federal e os fatores de risco para asfixia trospectivo, de corte Residência Pediátrica (RP)
2020
perinatal. transversal e com
dados secundários.
Conhecer a prevalência de asfixia perinatal e encefalopatia hipóxico isquêmica Estudo transversal Revista de Medicina da
MACHADO &
9 em recém-nascidos de termo no Serviço de Neonatologia de uma maternidade retrospectivo de dados UFC
LAVOR, 2018
pública terciária do município de Fortaleza. secundários.
Determinar a correlação entre a diseletrólitomia e o grau de encefalopatia
Cureus Journal of Medical
10 ACHARYA et al., 2020 hipóxico-isquêmica (HIE) e descobrir os principais fatores de risco que con- Coorte prospectivo
Science
tribuem para a gravidade do HIE e da morte neonatal.
Avaliar a associação entre asfixia perinatal e encefalopatia hipóxico -isquêmica
LOCATELLI et al., (EHI) com a presença de fatores de risco pré e intraparto e/ou achados Coorte observacional BMC Pregnancy and
11
2020 anormais da frequência cardíaca fetal (FCF), a fim de melhorar o manejo prospectivo Childbirth
materno e neonatal.
Estudo documental Revista da Rede de
Identificar a gravidade e o uso de intervenções em recém -nascidos com asfixia
12 CARNEIRO et al., 2018 com utilização de Enfermagem do Nordeste
perinatal.
fontes primárias (Revista Rene)

106 | P á g i n a
Somado a esse aspecto, a autora Kawakami tas de pré-natal, idade gestacional, tipo de parto,
et al. (2021), em estudo realizado no Estado de presença de malformações, uso de oxigênio e
São Paulo que avaliou as causas de mortalidade peso ao nascer (PABIS et al., 2021).
neonatal de 2004 a 2013, mostrou que há uma Fernandes et al. (2020), observaram em seu
relação entre idade gestacional, peso ao nascer, estudo, que no Brasil, os óbitos neonatais pre-
idade materna, ocupação materna, hospital em coces associados à asfixia perinatal represen-
que ocorreu o óbito e via de parto, usando como tam 40% de todos os óbitos neonatais precoces,
base populacional e os óbitos neonatais associ- em neonatos nascidos com 2500g ou mais, e
ados à asfixia perinatal de 0 a 27 dias. sem malformações congênitas. Apesar disso,
A respeito dessas relações, tem-se que, sabe-se que o óbito por asfixia perinatal pode
quanto mais prematura a criança e quanto me- ser facilmente prevenido por meio de diagnós-
nor o peso ao nascer, maior o risco. Como tam- tico e tratamento precoces. Elevada taxa desse
bém as mães abaixo de 20 anos e que sejam do- indicador, portanto, reflete má qualidade da as-
nas de casa, correm maior risco. Em contrapar- sistência prestada no período perinatal, tanto à
tida, esse mesmo estudo traz à luz que partos gestante quanto ao RN.
cesáreos se mostraram como fator protetor para O estudo de Fekede & Fufa (2022), reali-
asfixia perinatal para bebês entre 28 e 36 sema- zado na zona sudoeste de Alu Aba Bor, Etiópia,
nas (KAWAKAMI et al., 2021). mostraram que, os fatores que contribuem para
Tais dados podem revelar que há um en- asfixia no parto são os materno-fetais, entre
trave no encaminhamento desses bebês que so- eles, os fatores sociodemográficos maternos, na
freram asfixia perinatal para serviços mais pre- qual incluem a idade da mãe, estado civil e edu-
parados, com unidades de terapia intensiva ne- cacional. Também foi relatado no estudo que, a
onatal. Em contrapartida, o estudo da SBP hipertensão durante a gravidez, duração do tra-
(2020) revelou que cerca de 40% dos óbitos balho de parto, ruptura prolongada da mem-
precisam visitar mais de um serviço para busca- brana, apresentação fetal, paridade, idade ges-
rem vagas de internamento em uma materni- tacional ao nascer e peso do recém-nascido con-
dade a sofrimento fetal e retardo no recebi- tribuem para ocorrer asfixia perinatal.
mento precoce de cuidados. Diante os fatores que compõem a estatística
Seguindo essa reflexão, de acordo com o es- de mortes neonatais é possível perceber que a
tudo realizado por Pabis et al. (2021), no estado asfixia neonatal tem um importante fator con-
de Santa Catarina, em que foram analisados o tributivo nessa progressão, devendo suas causas
número de óbitos neonatais, observando dois norteadoras destacar-se, a fim de modificar essa
grupos, na qual o primeiro grupo foi avaliado perspectiva.
que a morte por asfixia perinatal ocorre na pri-
meira semana de vida, não são prematuros ex- Asfixia como causa de mortalidade neo-
tremos e tem um bom peso ao nascer, e quando natal
se comparando ao segundo grupo, o índice de Segundo o Ministério da Saúde, atualmente
Apgar e ausência de prematuridade extrema o Brasil conta com diversas estratégias para di-
mostraram correlação com a morte por Asfixia. minuição do número de óbitos neonatais decor-
Durante a comparação entre esses dois gru- rentes de asfixia como as boas práticas de aten-
pos, o estudo também mostra que não houve di- ção obstétrica e neonatal; capacitação da ges-
tão; capacitação da gestante; neuroproteção do
ferença entre idade no óbito, número de consul-

107 | P á g i n a
recém-nascido; além de centros de reabilitação. fixia no nascimento. A identificação de tais al-
Assim, é possível perceber que a asfixia neona- terações bioquímicas ligado com a rápida reso-
tal é uma triste realidade, não apenas brasileira, lução pode impedir a progressão das complica-
mas mundialmente temida pelas suas conse- ções (ACHARYA et al., 2020).
quências e seu potencial fatal. Para Aziza & Yuldashev (2022), a asfixia
Em 2018, Machado & Lavor, apontou na perinatal causa diversas complicações, e dentre
sua pesquisa que a asfixia perinatal como uma elas encontra-se a patologia auditiva congênita
das principais causas de mortalidade neonatal, em recém-nascidos que compromete a micro-
tendo como a principal consequência a encefa- circulação e a licorodinâmica da parte neuros-
lopatia hipóxico-isquêmica causadora de dano sensorial do labirinto, sendo a principal causa
neurológico. de perda auditiva em prematuros e recém-nas-
Este comprometimento neurológico é ava- cidos de baixo peso. A hipoperfusão tecidual
liado, até os dias de hoje, conforme a classifica- que ocorre com a asfixia pode causar danos
ção de Sarnat e Sarnat que divide em três está- neurológicos e danos as células ciliadas da có-
gios conforme o nível de consciência, tônus clea de diversos graus que causam alterações
muscular, postura, reflexos tendinosos, pre- nas partes periféricas do analisador auditivo.
sença de mioclonias e alterações das funções Conforme Acharya et al. (2020), a asfixia
anatômicas. Já a asfixia é diagnosticada através perinatal é uma das causas mais valorosas de
do índice Apgar (0 a 3 no primeiro minuto de morbimortalidade neonatal principalmente em
vida – asfixia grave; 4 a 7 no primeiro minuto países em desenvolvimento. Fatores como
de vida – asfixia moderada) que avalia a condi- acesso limitado a serviços de saúde, práticas
ção física do recém-nascido no primeiro e no precárias de cuidado perinatal, baixo nível de
quinto minuto de vida, sendo o quinto minuto conscientização e informação, falta de recursos
considerado o melhor preditor de sobrevida na para políticas de saúde e condições socioeconô-
infância (MACHADO & LAVOR, 2018). micas desfavoráveis, como desnutrição materna
Iribarren et al. (2022), em pesquisa reali- e infantil, podem agravar o risco de morbimor-
zada na Espanha, reforçam que a asfixia perina- talidade neonatal por asfixia perinatal em países
tal é a maior responsável pela ocorrência da en- em desenvolvimento.
cefalopatia hipóxica-isquêmica em recém-nas- Locatelli et al. (2020), expõe uma relação
cidos, sendo a principal complicação causada. dose-dependente entre o grau de acidose e a
Diante de tal quadro o organismo preserva a probabilidade de resultado neonatal desfavorá-
perfusão de órgãos como cérebro, coração e vel. Dentre as complicações neonatais constam
glândulas adrenais em detrimento de outros ór- a encefalopatia hipóxico isquêmica (EHI) e
gãos, podendo causar uma disfunção de múlti- convulsões neonatais. Eventos sentinelas que
plos órgãos, se tornando esta outra complicação precederam a E.H.I também foram descritos
importante da asfixia. Dentre os órgãos mais como a bradicardia fetal, distocia do ombro,
acometidos estão o rim, fígado, intestino e co- descolamento prematuro da placenta e ruptura
ração que podem sofrer isquemias. uterina.
É importante destacar que, marcadores bio- Em suma, Carneiro et al. (2018), decorre
químicos como hiponatremia, hipocalcemia, hi- sobre a identificação da gravidade da asfixia pe-
percalemia, ureia sérica e creatinina aumenta- rinatal e do uso de intervenções. Os autores dis-
das estão relacionados com a magnitude da as- sertam sobre as principais complicações em

108 | P á g i n a
unidade de cuidados intensivos pediátricos de revisão buscou analisar os fatores associados à
um hospital localizado no estado do Ceará, Bra- asfixia perinatal.
sil. É empregado o sistema de escore Neonatal A partir disso, os dados analisados foram
Therapeutic Intervention Scoring System para retirados de artigos científicos publicados em
prever a morbimortalidade intra-hospitalar e a revistas e periódicos de grande notoriedade e
utilização de recursos intervencionais. com base neles foi possível desenvolver uma
As intervenções efetuadas englobam o discussão em cima de duas grandes bases, quais
transporte do paciente, a monitorização dos si- sejam: fatores associados a mortalidade neona-
nais vitais, o controle da temperatura corporal, tal e a asfixia como causa de mortalidade neo-
a ventilação pulmonar artificial invasiva, a ad - natal.
ministração de fármacos antibióticos, a realiza- Na primeira grande discussão foi possível
ção de venopunção, o gerenciamento do ba- perceber que a asfixia perinatal é responsável
lanço hídrico e a terapia anticonvulsivante pelo alarmante número de óbitos neonatais e
(CARNEIRO et al., 2018 ). que fatores como valores baixos do índice de
Por fim, no bojo da contemporaneidade a Apgar ao nascer, mães muito jovens, crianças
asfixia perinatal, apresenta-se como a terceira com baixo peso ao nascer, prematuras extremas
maior causa de óbitos neonatais no mundo, as- possuem o risco elevado para esta condição. Já
sim como uma das principais responsáveis por na segunda grande discussão percebeu-se que a
lesões cerebrais perenes em bebê. No âmbito encefalopatia hipóxico-isquêmica é o principal
nacional, estima-se que ao ano 20 mil crianças motivo desses óbitos, justamente por causar
nasçam com diminuição de oxigenação no cé- dano neurológico, isquemia de órgãos nobres e
rebro (BRASIL, 2022). Portanto, essa condição acidose importante.
é uma pauta importante para a saúde pública, Ponto comum em ambas as discussões é
urgindo a necessidade de aprimorar a qualidade que identificar os fatores causadores, ter uma
da saúde materna e infantil, para reduzir a ne- assistência de qualidade e atenção precoce dis-
cessidade de intervenções, antevendo precoce- pendida ao neonato pode minimizar as compli-
mente o risco de asfixia neonatal. cações e até mesmo diminuir a taxa de mortali-
dade dos recém-nascidos por asfixia.
CONCLUSÃO Nessa perspectiva, este estudo pode contri-
buir para identificar estes fatores, trazer à tona
A asfixia perinatal é um tema de suma im- tal discussão e estimular políticas públicas que
portância no cenário de saúde pública, tendo em colaborem com a diminuição dos óbitos e se-
vista a sua prevalência. Entender os fatores que quelas trazidas pela asfixia perinatal.
contribuem para a sua ocorrência é essencial Não obstante, novos estudos devem ser re-
para o entendimento da matéria e para dirimir alizados para ampliar o conhecimento e conse-
questões que alavanquem essa estatística. Essa quentemente as ações de combate a asfixia pe-
rinatal.

109 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACHARYA, A. et al. Clinico-Biochemical Correlation middle-income country. BMC Pregnancy and Childbirth,
in Birth Asphyxia and Its Effects on Outcome. Cureus, v. v. 21, n. 1, p. 169, 2021.
12, n. 11, p. e11407, 2020.
LOCATELLI, A. et al. Is perinatal asphyxia predictable?
ALMEIDA, M.F.B. et al. Early neonatal deaths associ- BMC Pregnancy and Childbirth, v. 20, n. 1, p. 186, 2020.
ated with perinatal asphyxia in infants ≥2500g in Brazil.
Jornal de Pediatria (Rio J), v. 93, n. 6, p. 576, 2017. LAKATOS, E.M. & MARCONI, M.A. Metodologia ci-
entífica . 6. ed. São Paulo: Atlas, 2011.
AZIZA, M. & YULDASHEV, BS. Hearing Impairment
in Infants with Asphyxia. The international tinnitus jour- MACHADO, I.L. & LAVOR, M.F.H. Prevalência de as-
nal, v. 26, n. 1, p. 11, 2022. fixia perinatal em recém-nascidos de termo em materni-
dade de referência terciária e principais disfunções orgâ -
BRASIL. Asfixia perinatal é a terceira causa de morte nicas associadas. Revista de Medicina da UFC, v. 58, n.
neonatal no mundo. Disponível em: 3, p. 10, 2018
https://www.gov.br/saude/ptbr/assun-
tos/noticias/2022/dezembro/asfixia -perinatal-e-a-ter- MORALES, P. et al. Pathophysiology of perinatal as-
ceira-causa -de-morte-neonatalnomundo#:~:text=Segun- phyxia: can we predict and improve individual out-
do%20a%20Organi- comes? The EPMA journal, v. 2, n. 2, p. 211, 2011.
za%C3%A7%C3%A3o%20Mundial%20da. Acesso em:
10 de maio de 2023. MINAYO, M.C.S. O desafio do conhecimento: Pesquisa
qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec, 2013.
CARNEIRO, J.L. et al. Identification of the severity and
use of interventions in neonates with perinatal asphyxia. ONU Organização das Nações Unidas Brasil. Sustaina-
Revista da Rede de Enfermagem do Nordeste, v. 19, n. 0, ble Development Goal 3: Saúde e Bem-Estar | As Nações
p. e3310, 2018. Unidas no Brasil. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-
br/sdgs/3. Acesso em: 10 de maio de 2023.
DARIPA, M. et al. Asfixia perinatal associada à mortali-
dade neonatal precoce: estudo populacional dos óbitos PABIS, J.S. et al. Perfil dos óbitos por asfixia perinatal
evitáveis. Revista Paulista de Pediatria [online], v. 31, n. em maternidade pública do sul do Brasil. Archives Of
1, p. 37, 2013. Health Investigation, v. 10, n. 2, p. 255, 2021.

FEKEDE, T. & FUFA, A. Determinants of birth asphyxia RÊGO, M.G.S. et al. Óbitos perinatais evitáveis por in-
at public hospitals in Ilu Aba Bor zone southwest, Ethio - tervenções do Sistema Único de Saúde do Brasil. Revista
pia: a case control study. Scientific Reports, v. 12, n. 1, Gaúcha de Enfermagem, v. 39, p. e2017, 2018.
p. 10705, 2022.
SBP. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA.
FERNANDES et al. Risk factors for perinatal asphyxia Entidade se unem para alertar sociedade sobre prevenção
in newborns attended at a tertiary public maternity hos- e tratamento da asfixia perinatal. 2020. Disponível em:
pital. Residência Pediátrica, v. 10, n. 2, 2020. https://www.sbp.com.br/impren-
sa/detalhe/nid/entidades-se-unem-para-alertar-socie-
IRIBARREN, I. et al. Neonatal multiple organ failure af- dade-sobre-prevencao-e-tratamento-da-asfixia-perina-
ter perinatal asphyxia. Anales de Pediatría (English Edi- tal/. Acesso em: 10 de maio de 2023.
tion), v. 97, n. 4, p. 280.e1, 2022.
TAKAZONO, P.S. & GOLIN, M. O. Asfixia Perinatal:
KAWAKAMI, M.D. et al. Neonatal mortality associated Repercussões Neurológicas e Detecção Precoce. Revista
with perinatal asphyxia: a population-based study in a Neurociências, v. 21, p. 108, 2013.

110 | P á g i n a
Capítulo 14

INFECÇÕES CONGÊNITAS:
MANIFESTAÇÕES CLÍNCAS,
DIAGNÓSTICOS E
TRATAMENTO MATERNO-
FETAL
ANA PAULA BARRETO ARANTES1
ANNA LÍDIA MASSON ROMA1
BHRISA AVLIS FERRAZ1
CAMILLA STÉFANI DE OLIVEIRA1
CLARA COSTA MENDES1
ELOÍSA CORRÊA DAMACENA1
HEUSÉBIO FLAUZINO DA SILVA1
ISADORA RODRIGUES DE OLIVEIRA SANTOS1
MILENA BAVARESCO GONDIN1
NAYSA GABRIELLY ALVES DE ANDRADE1
THALLYTA FERREIRA SILVA1

1. Discente – Medicina pela Universidade de Rio Verde (UniRV), Goiás.

Palavras Chave: Infecções congênitas; Sífilis congênita; Herpes congênita; Citomegalovirose


congênita; Toxoplasmose congênita.

10.59290/978-65-6029-017-4.14 111 | P á g i n a
INTRODUÇÃO ma, contribuir para a maior divulgação cientí-
fica dessa condição.
As infecções congênitas são um grupo de
doenças conhecidas como TORCHS, do qual MÉTODO
fazem parte Toxoplasmose, Rubéola, Citome-
galovírus, Herpes e Sífilis. São transmitidas de Trata-se de uma revisão integrativa da lite-
forma vertical (da mãe para o filho), e seus efei- ratura- método que se caracteriza por reunir e
sintetizar resultados de pesquisa- realizada no
tos imediatos e a longo prazo representam um
período de maio a junho de 2023, por meio de
importante problema de saúde pública em todo
pesquisas nas bases de dados: PubMed e Scien-
o mundo (TRAVASSOS et al., 2012).
tific Eletronic Library Online (SciELO). Foram
Essas infecções podem causar sérios danos
ao desenvolvimento do bebê ou até mesmo le- utilizados os descritores: infecções congênitas,
var à morte. A prevenção dessas patologias é sífilis congênita, herpes congênita. Assim sen-
muito importante, principalmente através do do, desta busca foram encontrados 110 artigos,
acompanhamento pré-natal e da vacinação ade- posteriormente submetidos aos critérios de
quada. No caso de infecções já adquiridas pela seleção. Os critérios de inclusão foram: artigos
mãe, é possível fazer tratamentos para reduzir nos idiomas inglês e português, publicados no
os riscos de transmissão para o feto, mas é fun- período de 1947 a 2023, com prioridade em ar-
damental que o diagnóstico seja feito o mais tigos mais atuais e que abordavam as temáticas
cedo possível para que as medidas necessárias propostas para esta pesquisa, disponibilizados
na íntegra. Os critérios de exclusão forma: arti-
sejam tomadas. Além disso, é importante lem-
gos duplicados, disponibilizados na forma de
brar que as consequências das infecções congê-
resumo, que não abordavam diretamente a pro-
nitas podem ser graves e irreversíveis, por isso
a prevenção é a melhor opção (KLEIN et al., posta estudada e que não atendiam aos demais
1995). critérios de inclusão. Após os critérios de sele-
As infecções congênitas podem afetar di- ção restaram 26 artigos que foram submetidos à
versos órgãos e sistemas do corpo do bebê, de- leitura minuciosa para coleta de dados.
pendendo do tipo de infecção e do momento em
que ocorreu a transmissão. Algumas dessas RESULTADOS E DISCUSSÃO
complicações podem ser perceptíveis logo após
o nascimento, enquanto outras podem surgir Toxoplasmose congênita
apenas meses ou anos mais tarde. Entre as pos- A toxoplasmose congênita é uma das prin-
síveis consequências estão malformações con- cipais infecções neonatais e possui distribuição
gênitas, retardo mental, surdez, cegueira, pro- mundial. Ela ocorre devido a transmissão verti-
blemas cardíacos, hepáticos, renais e neurológi- cal (da mãe para o feto) do protozoário Toxo-
cos (OVERALL JR & LOWELL, 1992). plasma gondii. A aquisição do protozoário pela
Dessa forma, o objetivo desse trabalho é de- mãe ocorre principalmente pela ingestão de cis-
monstrar através da literatura atual as caracte- tos em carnes cruas ou preparadas inadequada-
rísticas das infecções congênitas, suas caracte- mente ou de oocistos em água ou alimentos
rísticas e manifestações, além de retratar os as- contaminados (BRASIL, 2014). Somente trans-
pectos maternos e neonatais, assim como o tra- mitem a toxoplasmose aquelas que estão tendo
tamento materno-fetal instituído. E dessa for- uma primo-infecção, uma vez que não possuem

112 | P á g i n a
imunidade prévia (FIGUEIRÓ-FILHO et al., timento e edema de retina, catarata, lesões vas-
2005). culares da coroide, neurite óptica, microftalmia,
Não há chance de ocorrer toxoplasmose nistagmo, estrabismo e iridociclite (MIT-
congênita quando a infecção materna aguda é SUKA-BREGANÓ et al., 2010).
adquirida vários meses (não é definido um li-
mite específico) antes da gestação. Quando ad - Diagnóstico
quirida na época da concepção, tem-se uma taxa O diagnóstico laboratorial de infecção
de transmissão de 2% e, após a 10ª semana de aguda na gestação é crucial para o diagnóstico
gestação, a transmissão é de até 80%. Contrário definitivo, uma vez que gestantes imunocompe-
a isso, quanto mais avançada a gestação no mo- tentes são frequentemente assintomáticas. Os
mento da infecção, menor é o risco de a criança métodos indiretos, ou seja, pesquisa de anticor-
apresentar uma doença grave (BRASIL, 2014). pos específicos ao T. gondii, são os mais utili-
zados (IgM, IgA, IgE e, principalmente IgG)
Manifestações clínicas (CARVALHO et al., 2014).
A gravidade da doença é variável de acordo São casos definitivos de toxoplasmose na
com alguns fatores, como a virulência e cepa do gestante: soroconversão gestacional e detecção
parasita, capacidade de resposta imune materna do DNA do T. gondii em líquido amniótico pela
e o período gestacional, podendo ser assintomá- PCR. São casos de ausência da doença: IgG ne-
tica, gerar diferentes gravidades de sintomas e gativo e IgM negativo durante toda a gestação,
até mesmo causar morte fetal, o que torna evi- IgG positivo antes da concepção e IgM positivo
dente a importância do acompanhamento soro- sem aparecimento de IgG. É importante que pa-
lógico periódico no pré-natal (MITSUKA- cientes não reagentes no pré-natal tenham a so-
BREGANÓ et al., 2010). rologia acompanhada durante o 2° e 3° trimes-
Quando a infecção ocorre no primeiro tri- tre, por estarem suscetíveis à doença (MO-
mestre de gestação, pode ser que ocorra morte RAES, 2022).
fetal e abortamento espontâneo. Nos que sobre- Podem ser usados exames laboratoriais es-
vivem, geralmente há formas clínicas graves pecíficos, como Teste de Aglutinação (ISA-
com evolução para sequelas importantes, como GA), considerado o padrão-ouro, além de PCR
malformações do feto. Podem estar presentes (Reação em Cadeia de Polimerase), teste de
sinais ao nascimento, como hipotonia, hepato e avidez IgG, seriado IgG do binômio mãe-filho
esplenomegalia, petéquias, febre, rash macu- por imunofluorescência indireta (IFI) ou ELI-
lopapular, icterícia e trombocitopenia (MO- SA, IgA sérica, ELISA IgM por captura, reação
RAES, 2022). de Sabin Feldman e isolamento direto do para-
Por outro lado, quando no segundo ou ter- sito.
ceiro trimestre de gestação, tem-se geralmente Em casos de recém-nascidos assintomáticos
prematuridade e a chamada Tétrade de Sabin: de mães com diagnóstico de toxoplasmose na
retinocoroidite (manifestação mais comum), gestação, deve-se realizar anatomopatológico
microcefalia, calcificações cerebrais e atraso no da placenta, ELISA IgM por captura, IgG do bi-
desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM). nômio, UST, fundoscopia, hemograma e, so-
As perturbações neurológicas podem desenca- mente casos estes apresentarem alterações, rea-
dear encefalite e convulsões. Outras alterações lizar estudo do líquor, função hepática e renal,
oculares incluem graus variáveis de comprome- audiometria e TC de crânio. A depender da in-

113 | P á g i n a
terpretação destes exames, inicia-se o trata- defeitos congênitos e malformações (ARAÚJO
mento por um ano. Por outro lado, todos os exa- et al., 2022).
mes devem ser realizados em recém-nascidos A Síndrome da Rubéola Congênita (SRC) é
sintomáticos (BRASIL, 2014). uma anomalia decorrente da Rubéola e desde
1996 é caracterizada como uma doença de noti-
Tratamento ficação compulsória. No Brasil, estudos socio-
É importante iniciar o tratamento da ges- econômicos e de prevalência da SRC mostram
tante com infecção aguda a fim de diminuir a que a maioria dos pacientes notificados pos-
incidência e gravidade da infecção fetal. suem idade inferior a 1 ano e são do sexo femi-
Quando a infecção ocorre nas primeiras 18 se- nino.
manas, é utilizada a Espiramicina até o final da O período de incubação do vírus, da expo-
gestação se o concepto não infectado. Caso a sição até a manifestação dos primeiros sinto-
infecção ocorra no fim do segundo trimestre ou mas, é em média de 17 dias. Nesse contexto,
no terceiro, com infecção fetal confirmada ou podem ocorrer febre, linfadenopatia e exantema
altamente suspeita, são utilizadas Sulfadiazina, maculopapular com início na face e com pro-
Pirimetamina e ácido folínico até o final da ges- gressão para o tronco e os membros, podendo
tação. acometer diferentes estruturas do organismo. A
Recém-nascidos, sintomáticos ou não, com surdez costuma ser o sintoma mais precoce da
exames confirmatórios devem ser tratados a Síndrome da Rubéola Congênita, porém a do-
partir da primeira semana de vida com Sulfadi- ença também pode ser assintomática (LIMA et
azina, Pirimetamina e ácido folínico (para com- al., 2019).
bater a ação antifólica da Pirimetamina). Quan- O diagnóstico clínico é dificultado pelos
do há comprometimento do SNC (proteína sintomas inespecíficos, por isso é associado
>1g/dL) e/ou ocular, associa-se ao tratamento a com o laboratorial feito por testes sorológicos,
Prednisona até a redução do processo inflama- identificando anticorpos IgM e IgG para rubé-
tório. Crianças com HIV concomitante devem ola. Em casos de suspeita da doença, amostras
fazer uso profilático dos medicamentos por de sangue devem ser colhidas após o nasci-
tempo indeterminado de acordo com moni- mento. Atualmente não tem tratamento especí-
toramento. Anticonvulsivantes podem ser usa- fico para a SRC, então os sintomas apresenta-
dos até resolução de encefalites (BRASIL, dos devem ser tratados com medidas farmaco-
2014). lógicas de acordo com as manifestações (LIMA
et al., 2019).
Síndrome da Rubéola congênita Desse modo, é importante frisar a necessi-
A Rubéola é uma doença viral, com evolu- dade da prevenção por meio da vacinação. No
ção benigna e presença de sintomas leves. É esquema vigente, é aplicado uma dose da va-
uma doença infectocontagiosa e atinge crianças cina tríplice viral, composta pelo vírus atenu-
e jovens, o impacto epidemiológico surge ado, aos 12 meses de idade e a segunda dose aos
quando uma gestante é acometida, haja vista a quatro anos. A vacinação tanto na infância
possibilidade de transmissão vertical, tendo quanto em mulheres em idade fértil é impres-
como alta taxa de propagação as primeiras 12 cindível na prevenção da doença, interrom-
semanas. O vírus da família Togaviridae, por pendo a transmissão do vírus e reduzindo a ex-
meio da placenta, pode infectar o feto, gerando posição (ARAÚJO et al., 2022).

114 | P á g i n a
Varicela congênita ner, microftalmia e nistagmo, além de deficiên-
A varicela é uma doença infecciosa aguda, cia intelectual. Porém, se a infecção ocorrer no
causada pela primo-infecção do vírus varicela- período entre as 20 semanas de gestação e até o
zoster (VVZ), da família Herpetoviridae. É al- 5º dia pré-parto, devido à passagem de anticor-
tamente contagiosa cuja transmissão ocorre pos maternos para o recém-nascido, a doença é
através de gotículas respiratórias ou por con- tipicamente benigna podendo surgir algumas
tacto direto com as lesões. Em grande maioria, lesões cutâneas nos primeiros dias de vida.
ocorre na infância e caracteriza-se por erupções Contudo, se a infecção materna tiver início 5
cutâneas generalizadas que consistem em má- dias antes ou 48 horas após o parto, a gravidade
culas, pápulas, vesículas que evoluem rapida- da doença no recém-nascido é maior, com leta-
mente para pústulas e crostas e podem ocorrer lidade de até 35%. Isso seria explicado pelo o
de forma simultânea. A evolução para a cura fato de não haver tempo suficiente para a ges-
geralmente ocorre em até uma semana. O qua- tante formar anticorpos e transferi-los ao feto
dro clínico pode vir acompanhado de febre mo- por via transplacentária nos 5 dias que prece-
derada, prostração, cefaleia, anorexia e dor de dem o parto.
garganta. Em crianças, a evolução geralmente é O diagnóstico de embriopatia pelo VVZ é
benigna e autolimitada. No entanto, em adoles- realizado com base na história de lesões carac-
centes e adultos, o quadro clínico tende a ser terísticas e infecção materna durante a gravidez
mais severo (BONITO, 2012). associado a presença de anormalidades no re-
Em gestante essa infecção adquire especial cém-nascido. É confirmada por sorologia para
importância quando incluída no grupo das in- antígenos do vírus após nascimento e pré-natal
fecções congênitas. Estima-se que a infecção pode ser realizado, pela reação em cadeia da po-
primária pela varicela durante a gestação atinja limerase (PCR) (ENDERS et al., 1994).
de 1 a 7 em cada 10 mil gestantes. Contudo, se A prevenção é fundamental para evitar pos-
ocorre primo-infecção ou reativação do vírus síveis casos de recém-nascidos com essa sín-
durante a gestação, sua transmissão ocorre prin- drome. Gestantes devem evitar contato com
cipalmente por via placentária (LAFORET & possíveis fontes de contágio e em caso de con-
LYNCH, 1947). tato, a imunoglobulina de exposição deve ser
As anomalias congênitas causadas pela administrada para o VVZ dentro de 96 horas
transmissão do vírus, vai depender do momento após a exposição. Além disso, a vacinação é a
da gravidez em que ocorre o contágio. Quando forma mais eficiente de prevenir a ocorrência
a gestante se infecta entre as primeiras 20 sema- da doença na população, sendo que no Brasil,
nas de gestação é considerada uma síndrome desde 2013, a vacina tetra viral (sarampo, rubé-
congênita. Entretanto, quando ocorre no recém- ola, caxumba e varicela) está disponível na ro-
nascido até 10 dias depois do nascimento, de- tina de vacinação infantil.
nomina-se varicela perinatal, que ocorre por O manejo da síndrome da varicela congê-
transmissão horizontal. A síndrome da varicela nita, portanto é de suporte. O tratamento para
congênita, possui alta mortalidade e morbidade, gestante com aciclovir para evitar ou modificar
podendo ocorrer, portanto, restrição do cresci- a gravidade da varicela congênita não é conhe-
mento intrauterino, malformações das extremi- cida, mas o seu uso deve ser considerado para
dades, cicatrizes cutâneas, defeitos oculares, proteger a mãe da forma grave da doença. Não
como catarata, coriorretinite, síndrome de Hor- há indicação para o tratamento antiviral de re-

115 | P á g i n a
cém-nascidos com síndrome varicela congê- óbitos fetais e neonatais, sendo que ao nasci-
nita, pois a doença viral ativa é improvável. No mento cerca de 60-90% dos RN com sífilis con-
entanto, o recém-nascido com varicela perinatal gênita são assintomáticos e por isso a triagem
de infecção materna próximo ao nascimento sorológica da gestante na maternidade é de
corre risco de doença grave, e nesses casos, a suma importância.
terapêutica com aciclovir é essencial. A sífilis em gestantes, quando não tratada,
pode resultar em aborto, óbito fetal, óbito neo-
Sífilis congênita natal e, quando as crianças sobrevivem, cerca
A sífilis congênita é uma doença infecciosa de 20% são sintomáticas e apresentam manifes-
de transmissão vertical, ou seja, materno-fetal, tações precoces, isto é, com menos de dois anos
causada pela bactéria Treponema pallidum, do de idade, e tardias, acima de dois anos (CA-
gênero Treponema, da família Treponemata- VALCANTE et al., 2019). Cerca de dois terços
ceae. Esta bactéria é um patógeno exclusivo do das crianças desenvolvem sintomas em três a
ser humano e é facilmente destruído pelo calor, oito semanas, e raramente surgem manifesta-
água e sabão, resistindo até 26 horas fora do seu ções clínicas após três a quatro meses.
ambiente. São manifestações frequentes da sífilis con-
A doença pode ser transmitida por via se- gênita precoce: hepatomegalia, esplenomega-
xual, sendo que o contato com as lesões conta- lia, icterícia, rinite serossanguinolenta, erupção
giantes pelos órgãos genitais é responsável por cutânea maculopapular, pênfigo sifilítico prin-
95% dos casos de sífilis adquirida e vertical- cipalmente palmo-plantar, linfadenopatia gene-
mente pela placenta da mãe para o feto, cha- ralizada, anormalidades esqueléticas como pe-
mada de sífilis congênita. riostite e osteocondrite, trombocitopenia e ane-
A transmissão transplacentária do trepo- mia (DOMINGUES & LEAL, 2016). A prema-
nema pode ocorrer em qualquer estágio clínico turidade e o baixo peso ao nascer são complica-
da sífilis materna, porém a transmissão vertical ções perinatais frequentes da sífilis congênita
é mais frequente na sífilis recente e se reduz precoce.
com a evolução da doença para as fases tardias As manifestações clínicas da sífilis congê-
(DOMINGUES & LEAL, 2016). A redução na nita tardia estão relacionadas à inflamação cica-
probabilidade de transmissão está diretamente tricial ou persistente da infecção precoce e se
relacionada à diminuição de treponemas circu- caracterizam pela presença da formação das go-
lantes, que passa de 70-100% na sífilis com le- mas sifilíticas em diversos tecidos. As manifes-
sões primárias para 30% na latência recente ou tações mais citadas são: fronte olímpica, nariz
tardia da sífilis. Além de ser a fase com maior em sela, palato em ogiva, ceratite intersticial,
transmissibilidade, a fase recente da sífilis ma- coriorretinite, perda auditiva sensorial, dentes
terna também pode afetar mais gravemente o de Hutchinson, molares em amora, atraso no
feto. desenvolvimento, comprometimento intelec-
tual e tíbia em sabre.
Manifestações Clínicas
A sífilis congênita é uma doença com am- Diagnóstico
plo espectro clínico e pode se manifestar desde Para o diagnóstico da sífilis congênita deve-
as formas assintomáticas ou oligossintomáticas se avaliar a história clínico-epidemiológica da
até às formas graves, com quadros sépticos, mãe, realizar exame físico detalhado da criança

116 | P á g i n a
e avaliar os resultados dos testes laboratoriais e ponêmicos (TNT), são os mais usados e se ca-
dos exames radiológicos. racterizam pela pesquisa de anticorpos em
Existem alguns critérios para definição de amostras de sangue total, soro, plasma ou lí-
caso de sífilis congênita são eles: quor.
• Todo recém-nascido, natimorto ou • Testes treponêmicos → detectam anti-
aborto de mulher com sífilis não tratada ou tra- corpos específicos produzidos contra os antíge-
tada de forma não adequada nos do T. pallidum, são exemplos os testes rá-
• Toda criança com menos de 13 anos de pidos, FTA-Abs e ELISA.
idade com pelo menos uma das seguintes situa- • Testes não treponêmicos → detectam
ções: anticorpos não específicos para os antígenos do
T. pallidum (anticardiolipina), são exemplos o
A. Manifestação clínica, alteração liquó- VDRL, RPR, TRUST e USR
rica ou radiológica de sífilis congênita e teste Quando existir histórico de sífilis em ges-
não treponêmico reagente. tante, independente do tratamento da mãe,
B. Títulos de teste não treponêmicos do deve-se comparar os resultados de testes não
lactente maiores que os da mãe, em pelo menos treponêmicos em sangue não periférico do re-
duas diluições de amostras de sangue perifé- cém-nascido (RN) e da mãe, coletados simulta-
rico, coletadas simultaneamente no momento neamente e utilizando o mesmo método, sendo
do parto. que os testes não treponêmicos do RN não de-
C. Títulos de testes não treponêmicos as- vem ser realizados com amostra de cordão um-
cendentes em pelo menos duas diluições no se- bilical, devido a mistura do sangue do RN com
guimento da criança exposta. o materno. É indicativo de sífilis congênita ape-
D. Títulos de testes não treponêmicos ainda nas quando o resultado dos testes não treponê-
reagentes após 6 meses de idade, exceto em si- micos da amostra do RN for maior do que o da
tuação de seguimento terapêutico. mãe, em pelo menos, duas diluições.
E. Testes treponêmicos reagentes após 18 Quando se observa sinais e sintomas na cri-
meses de idade, sem diagnóstico prévio de sífi- ança, também podem ser realizados exames di-
lis congênita. retos para pesquisa de Treponema pallidum em
amostras de material coletado de lesões cutâ-
• Evidência microbiológica de infecção neo-mucosas ou de secreção nasal, ou de amos-
pelo Treponema pallidum em amostra de secre- tras de biópsia ou necropsia, quando for o caso.
ção nasal ou lesão cutânea, biópsia ou necropsia Não se deve utilizar testes treponêmicos até
de criança, aborto ou natimorto. os 18 meses de idade, pois não há correlação
Os testes usados para o diagnóstico de sífi- entre a positividade dos testes treponêmicos do
lis são divididos em duas categorias, os diretos RN e da mãe que possa sugerir sífilis congênita.
e os imunológicos. Os exames diretos incluem
a pesquisa de T. pallidum em amostras coleta- Neurossífilis
das de lesões, usando microscopia de campo es- A bactéria T. pallidum se espalha para o sis-
curo, impregnação pela prata, imunofluores- tema nervoso central (SNC) poucos dias após a
cência ou técnicas de biologia molecular por re- exposição, logo, a neurossífilis pode ocorrer a
ação de cadeia polimerase. Os testes imunoló- qualquer momento no curso da sífilis e não deve
gicos, testes treponêmicos (TT) e testes não tre- ser considerada apenas uma manifestação de sí-

117 | P á g i n a
filis terciária. As formas iniciais de neurossífilis tratamento materno durante a gestação ou da ti-
ocorrem dentro de meses até os primeiros anos tulação de TNT do RN comparado ao materno
após a infecção primária e afetam as meninges e dos exames clínicos e laboratoriais da criança
e os vasos sanguíneos, enquanto as formas tar- (DOMINGUES & LEAL, 2016). Além disso,
dias ocorrem anos a décadas após a infecção existem esquemas terapêuticos diferentes para
primária e também afetam o parênquima cere- o tratamento no período neonatal e para o trata-
bral e a medula espinhal. mento no período pós-neonatal e para a criança
A infecção no SNC ou neurossífilis pode com sífilis adquirida.
ser sintomática ou assintomática e ocorre em I. Tratamento no período neonatal:
cerca de 60% das crianças com sífilis congênita. • Benzilpenicilina cristalina 50.000UI/kg,
São consideradas alterações no líquor: reativi- intravenosa, de 12/12h na primeira semana de
dade no venereal disease research laboratory vida e de 8/8h após a primeira semana de vida
(VDRL), pleocitose e aumento na proteinorra- por 10 dias, pode ser administrada para crianças
quia (DOMINGUES & LEAL, 2016). No perí- com ou sem neurossífilis.
odo neonatal, consideram-se neurossífilis as se- • Benzilpenicilina procaína 50.000UI/kg,
guintes situações: VDRL reagente no líquor ou intramuscular, uma vez ao dia, por 10 dias,
leucócitos superiores a 25 células/mm³ ou pro- pode ser administrada apenas para crianças sem
teína superior a 150mg/dl, e, no período pós-ne- neurossífilis e é necessário reiniciar o trata-
onatal, VDRL reagente no líquor ou leucócitos mento se houver atraso de mais de 24 horas na
superiores a 5 células/mm³ ou proteína superior dose.
a 40mg/dl. • Benzilpenicilina benzatina
O diagnóstico da neurossífilis é baseado em 50.000UI/kg, intramuscular, dose única, pode
uma combinação de achados clínicos, altera- ser administrada em crianças nascidas de mães
ções do líquido cefalorraquidiano (LCR) e re- não tratadas ou tratadas de forma não adequada,
sultado do VDRL no LCR. Por não existir teste com exame físico normal, exames complemen-
padrão ouro, que tenha boa sensibilidade e es- tares normais e teste não treponêmico não rea-
pecificidade, o diagnóstico de neurossífilis é gente ao nascimento.
um desafio na prática clínica. O VDRL é o teste
de escolha para investigação da neurossífilis, II. Tratamento no período pós-neonatal e
sendo que um VDRL reagente no LCR confere na criança com sífilis adquirida.
diagnóstico de neurossífilis, mesmo havendo a • Benzilpenicilina cristalina 50.000UI/kg,
possibilidade de encontrar resultados falso-rea- intravenosa, de 4/4h a 6/6h, por 10 dias, pode
gentes em algumas situações. Os testes treponê- ser administrada em crianças diagnosticadas
micos, mesmo que apresentem alta sensibili- com sífilis congênita após um mês de idade e
dade, não são muito úteis, pois se mantêm rea- aquelas com sífilis adquirida.
gentes pela vida toda e apresentam especifici- No momento da alta, é responsabilidade da
dade muito variável no LCR. maternidade ou casa de parto, referenciar todas
as crianças expostas à sífilis e com sífilis con-
Tratamento gênita, tratadas ou em tratamento, às unidades
O tratamento da sífilis congênita no período de saúde, preferencialmente com consulta pré-
neonatal é realizado com Benzilpenicilina cris- agendada, sendo que o seguimento pode ser re-
talina, procaína ou benzatina, dependendo do alizado durante consultas de puericultura na

118 | P á g i n a
atenção primária, com monitoramento cuida- PANA et al., 1992). A título de conhecimento,
doso de sinais e sintomas sugestivos de sífilis a infecção pode ocorrer também pelo contato
congênita, além dos testes de sífilis e exames com exsudatos como fezes, urina, sangue, sê-
complementares. O seguimento ambulatorial men, secreção cervical, saliva, leite materno e
deve ser garantido a todas as crianças expostas lágrima. Após esse contato exógeno, já denomi-
à sífilis ou com sífilis congênita até 18 meses de namos a infecção como peri e pós-natal.
idade. Mundialmente, a citomegalovirose congê-
nita acomete cerca de 0,2 e 2,2% dos recém-
Citomegalovirose congênita nascidos. No Brasil, a incidência gira em torno
Citomegalovírus (CMV) é um vírus mem- de 0,5 a 6,8%, com prevalência de anticorpos
bro da família Herpesvírus, juntamente com IgG para CMV em gestantes na ordem de
Epstein-Barr (EBV); vírus herpes simplex 65.5% a 92%. Infelizmente, o rastreamento
(HSV) 1 e 2; vírus varicela-zoster (VZV) e her- ainda não é recomendado, baseado na ausência
pesvírus humano (HHV), que comumente in- de imunidade permanente e na falta de uma te-
fecta pessoas independentemente da idade, rapia eficaz gestacional (KAPRANOS et al.,
grupo étnico e condição social. Na citomegalo- 2003).
virose congênita, observou-se que a incidência A maioria das infecções por CMV são as-
de infecção torna-se inversamente proporcional sintomáticas (90%), porém em recém-nascidos
ao status socioeconômico (83,5% em gestantes e crianças com imunidade debilitada, o vírus
de nível socioeconômico baixo, contrastando pode causar distúrbios no decorrer da vida, re-
com 49,3% na classe econômica elevada). Não presentando 10% das crianças infectadas. Nos
há influência da idade gestacional no risco de recém-nascidos gravemente infectados, a mor-
transmissão intrauterina, entretanto as conse- talidade pode chegar a 30%.
quências clínicas parecem se agravar quando a Os sinais clínicos mais frequentes nos lac-
infecção ocorre antes da 20ª semana de gesta- tentes infectados são o aumento do fígado e do
ção, sendo pior o prognóstico e maior a chance baço, muitas vezes associado a alteração labo-
de malformações graves (DEMMLER-HARRI- ratorial de TGP (>80UI/mL) e da bilirrubina
SON et al., 2009). direta (>2 mg/dL), icterícia atrelada a colestase,
A infecção pelo citomegalovírus pode ocor- petéquias, anemia, trombocitopenia. Os sinais
rer antes, durante ou após o nascimento. neurológicos variam desde surdez neurossenso-
Quando adentramos no âmbito de infecções rial (mais aparente nos 3 primeiros anos de
congênitas, essa enfermidade foi adquirida in- vida), hipotonia com sonolência, convulsões e
traútero, ou seja, via transplacentária, como re- espasticidade até microcefalia e displasia corti-
sultado de infecção materna aguda ou por reati- cal (principalmente quando a infecção ocorre
vação de vírus endógeno materno. Em detri- no primeiro trimestre, podendo acometer o pro-
mento de propriedades biológicas de latência e cesso de migração neuronal). Baixo peso ao
reativação, o vírus, por não ser eliminado do or- nascer, coriorretinite e doenças pulmonares
ganismo, permanece em seu interior, aloja-se também compõem o quadro clínico.
predominantemente no epitélio tubular renal, Quando a infecção gera isquemia encefá-
onde inicia sua replicação e causa infecções re- lica, com grande destruição do parênquima ce-
correntes e sequelas graves. Assim, dá-se o rebral, o quadro clínico engloba encefalia e es-
nome de citomegalovirose congênita (BOP- quizencefalia, ocasionando sequelas neurológi-

119 | P á g i n a
cas como as calcificações cerebrais periventri- reu semanas a meses antes da concepção. Ou
culares. Até 90% das crianças que têm sintomas seja, a sorologia pode ser falha em 50% dos ca-
de infecção pelo CMV ao nascimento apresen- sos de infecção aguda ou se houver a necessi-
tarão anormalidades no decorrer de sua existên- dade de se diferenciar uma infecção primária de
cia. Apenas 5 – 10% das crianças sem sintomas uma reinfecção ou reativação pelo CMV. A ele-
terão esses problemas (AGAMANOLIS et al., vação de títulos de IgG e/ou a detecção de IgM
2011). pode ocorrer na presença de infecção recor-
A presença do CMV na urina (virúria) e/ou rente. A detecção de anticorpos IgG e IgM anti-
na saliva do RN nas primeiras 3 semanas de CMV não define a ocorrência de infecção pri-
vida, detectada por isolamento viral ou por mária gestacional ou maior risco de transmissão
identificação de DNA viral pela PCR, é consi- fetal (SCHLEISS, 2005).
derada marcador definitivo de infecção congê- O diagnóstico fetal é realizado por amnio-
nita pelo CMV. Como consequência do aloja- centese, preferencialmente realizado a partir de
mento no epitélio tubular renal, onde há maior 21 semanas de gestação. Uma carga viral maior
replicação viral, ocorre excreção do CMV por ou igual a 105 cópias/mL demonstra o desenvol-
via urinária, fazendo com que o líquido amnió- vimento de doença sintomática no recém-nas-
tico reflita a carga viral na urina fetal. Além cido em todos os casos. Quando positivo, con-
disso, o líquido amniótico é ingerido pelo feto, firma a infecção fetal, mas não avalia a gravi-
permitindo que o vírus se instale e replique na dade (GUERRA et al., 2000).
orofaringe, atingindo a circulação fetal e le- Crianças que apresentam sintomas clínicos
sando outros órgãos. compatíveis com infecção por CMV deverão
Urina e saliva são as amostras clínicas ide- ser periodicamente avaliadas quanto ao peso,
ais para o diagnóstico de infecção congênita comprimento e perímetro cefálico, hepatimetria
pelo CMV por conterem grandes quantidades e tamanho do baço. A audição é averiguada pela
do vírus ao nascimento em praticamente 100% otoemissão acústica e pelo Potencial Evocado
das crianças infectadas. A ausência do vírus na da Audição (BERA) ao nascimento, devendo
saliva e/ou na urina do nascimento até 2 a 3 se- ser repetido com 3, 6, 12, 18, 24, 30 e 36 meses.
manas de vida exclui o diagnóstico de infecção A partir dessa idade, audiometria infantil con-
congênita. A detecção do vírus a partir da dicionada a cada 6 meses até 6 anos de idade. A
quarta até 12ª semana de vida indica infecção fundoscopia ocular, com objetivo de avaliar co-
adquirida no período perinatal ou pós-natal pre- riorretinite e outros acometimentos oculares,
coce. deve ser realizada ao nascimento e com 12 e 60
A soroconversão durante a gestação, neces- meses.
sitando de intervalo entre dois exames maior Os exames de imagem, como tomografia
que quatro semanas, confirma a infecção primá- computadorizada de crânio, realizar ao nasci-
ria materna pelo CMV. A primeira deve ser mento e, sempre que possível, em todas as cri-
obrigatoriamente negativa e a segunda positiva anças com infecção congênita por CMV,
para a detecção de anticorpos IgM e IgG anti- mesmo naquelas assintomáticas. Laboratório
CMV. Apesar da presença de IgM anti-CMV agrega hemograma com contagem de plaque-
sugerir a ocorrência de infecção recente, esses tas, bilirrubina total e frações, transaminases sé-
anticorpos podem persistir até seis meses, po- ricas. No líquor, avaliar celularidade, proteinor-
dendo significar infecção recente, ou que ocor-

120 | P á g i n a
raquia, glicorraquia e pesquisa do DNA do Devem-se excluir outras etiologias de in-
CMV (ORNOY & DIAV-CITRIN, 2006). fecção congênita, especialmente sífilis e toxo-
Até o momento, não há nenhum tratamento plasmose, cujos sinais e sintomas podem ser se-
intra-uterino para a infecção congênita pelo melhantes.
CMV. Como o rastreamento sorológico para
CMV não faz parte da rotina pré-natal no Bra- Herpes simples
sil, a citomegalovirose congênita é suspeitada Pesquisas realizadas pela Organização
pela presença de alterações fetais observadas Mundial da Saúde estimaram uma prevalência
durante o pré-natal, através de USG. Entretanto, global de 63,3% pessoas infectadas pelo vírus
o exame ultrassonográfico não é capaz de pre- herpes simplex (HSV) em sua forma oral, e
dizer a evolução natural da doença intra-útero 13,2% infectadas por herpes genital. Dentre es-
ou mesmo pós-natal. tes, as mulheres eram o grupo mais acometido
Para o tratamento pós-natal, os agentes an- pela forma genital da doença (CHARLOTTE et
tivirais aprovados para uso no tratamento da in- al., 2016).
fecção por CMV estão longe do ideal em termos Quando se trata da infecção congênita, a via
de índice terapêutico, facilidade de administra- vertical é uma das principais responsáveis pela
ção e toxicidade. Nenhum agente antiviral foi transmissão do HSV, com ênfase para a trans-
aprovado para o tratamento intra-útero da infec- missão durante o parto, que representa cerca de
ção congênita por CMV, contudo nos recém- 85% das infecções totais, em contraste com a
nascidos sintomáticos com a forma neonatal transmissão intra útero, que representa aproxi-
clínica têm-se administrado o ganciclovir, val- madamente 5% destas.
ganciclovir, foscarnet e cidofovir (GRIFFITHS O risco de infecção neonatal é mais signifi-
& LUMLEY, 2014). cativo quando a infecção primária materna se
Os critérios para tratamento com agentes dá ao final da gestação, visto que o desenvolvi-
antivirais, em específico o Ganciclovir, incluem mento e transferência, ao feto, de anticorpos
RN sintomáticos com evidências de envolvi- maternos protetores, podem ainda não ter ocor-
mento do SNC (calcificações intracranianas, rido. E apesar de raro, o herpes neonatal está as-
microcefalia, atrofia cortical, surdez neurossen- sociado a condição potencialmente fatal, com
sorial, líquor anormal e coriorretinite), RN com índices de morbidade e mortalidade considerá-
quadro de síndrome sepsis-like viral, pneumo- veis (LOOKER et al., 2017).
nite intersticial por CMV, excluídas outras eti- As manifestações clínicas das infecções pe-
ologias e como último critério a necessidade de rinatais e neonatais por HSV são divididas em
idade inferior a 1 mês na ocasião do diagnós- três grupos de acordo com a extensão de aco-
tico. metimento, sendo estas: infecção confinada a
A dose do ganciclovir é de 10mg/Kg/dia pele, olhos e/ou boca; infecção disseminada; e
(variando de 8 a 12 mg/Kg/dia) dividido em infecção do sistema nervoso central (SNC), em-
duas doses administradas por via endovenosa, bora possa haver sobreposição destas. As for-
rediluído em soro fisiológico 0,9% ou soro gli- mas citadas diferem ainda das manifestações
cosado a 5%, não ultrapassando 10 mg/ml, em vistas na infecção transplacentária, que podem
infusão endovenosa lenta por 1 hora, durante ser uma combinação de coriorretinite, lesões
por 2 a 6 semanas de acordo com a gravidade cutâneas, microcefalia e/ou hidranencefalia.
da doença.

121 | P á g i n a
Quando confinada a pele, olhos e/ou boca, zado para controle de recidivas, este consiste na
caracteriza se por vesículas cutâneas patogno- administração oral de aciclovir 60 mg/kg/dia
mônicas, e pode evoluir para as formas mais dividida em três se o tratamento for iniciado nas
graves caso não adequadamente tratada. A in- primeiras quatro semanas de vida, então dosado
fecção disseminada pode manifestar se com in- por área de superfície pelo resto do período.
suficiência respiratória, insuficiência hepática e
coagulação intravascular disseminada, sendo a CONCLUSÃO
de maior mortalidade, e a infecção do sistema
nervoso central pode apresentar se como con- Este estudo demonstra as diversas altera-
vulsões, paralisia cerebral, atraso no neurode- ções que as infecções adquiridas durante a ges-
senvolvimento, letargia e microcefalia tação podem causar no desenvolvimento do
O diagnóstico de HSV é baseado no isola- bebê na vida intrauterina e ao longo dos anos.
mento do DNA viral de fluidos biológicos, le- As infecções congênitas são um grupo de doen-
sões cutâneas ou no líquido cefalorraquidiano ças conhecidas como TORCHS, sendo elas, To-
em caso de envolvimento do SNC (LUCIG- xoplasmose, Rubéola, Citomegalovírus, Herpes
NANI et al., 2022). A punção lombar não deve e Sífilis. As possíveis manifestações que podem
atrasar o tratamento, assim, diante da confirma- acometer o lactente são malformações congêni-
ção diagnóstica, o recém-nascido deverá rece- tas, retardo mental, surdez, cegueira, problemas
ber terapêutica especifica para o quadro que cardíacos, hepáticos, renais e neurológicos.
apresenta. Sendo assim, a finalidade desse artigo é de-
O tratamento consiste na administração de monstrar as manifestações sistêmicas do RN
aciclovir 60 mg/kg/dia em via intravenosa, di- que adquiriu determinada infecção congênita,
vidido em três doses, durante 14 dias para a por meio de artigos atuais e deliberar o ade-
forma mucocutânea isolada e por pelo menos quado tratamento ou seguimento para o bebê. E
21 dias para as formas disseminada e do SNC, dessa maneira, contribuindo para a educação
devendo, nestas últimas, ser obtido negativação social sobre as TORCHS e prevenções para o
do vírus em pesquisa do Líquido Cefalorraqui- acontecimento como seguir o pré-natal correta-
diano. Um tratamento adicional pode ser reali- mente.

122 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGAMANOLIS, D.P. Neuropathology. Viral Diseases of GUERRA B. et al. Prenatal diagnosis of symptomatic
the Nervous System-General Principles. Akron: Cap. 5, congenital cytomegalovirus infection. Jornal Americano de
2011. Obstetrícia e Ginecologia, v. 183, n. 2, p. 476, 2000.

ARAÚJO, B.S. et al. O atendimento de enfermagem no pré- KAPRANOS, N. et al. Detection of herpes simplex virus,
natal como meio de prevenção da rubéola congênita: revisão cytomegalovirus, and Epstein-Barr virus in the semenof
narrativa. Trabalho de Conclusão de Curso, do Curso de men attending an infertility clinic. Fertility and sterility, v.
Enfermagem da Pontifícia Universidade Católica de Goiás 79, n. 3, p. 1566, 2003.
para obtenção do bacharelado em Enfermagem. Goiânia –
GO, 2022. KLEIN, J.O. et al. Current Concepts of infections of the
fetus and newborn infant. In: Remington JS & Klein JO, eds.
BONITO, R.R. Manual de Neonatologia. Segunda Edição. Infectious Diseases of the Fetus and Newborn Infant. 4™
Espanha: The McGraw-Hill companies, 2012. ed. Philadelphia: WB Saunders Co; p. 1, 1995.

BOPPANA, S.B. et al. Symptomatic congenital cytome- LAFORET, E.G. & LYNCH, C.L. Multiple congenital
galovírus infection: neonatal morbidity and mortality. The defects following maternal varicella: report of a case The
Pediatric Infectious Disease Journal, v. 11, n. 2, p. 93, 1992. New England Journal of Medicine, v. 236, n. 15, p. 534,
1947.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à
Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. LIMA, L.A.C. et al. Síndrome da rubéola congênita. Revista
Atenção à saúde do recém-nascido: guia para os pro- Brasileira de Análises Clínicas, v. 51, n. 2, p. 111, 2019.
fissionais de saúde. 2. ed. atual. Brasília; 2014. Disponível
em: <https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publica- LOOKER, K.J. et al. First estimates of the global and re-
coes/atencaosauderecemnascidov1.pdf>. Acesso em 3 de gional incidence of neonatal herpes infection. Lancet Glob
junho de 2022. Health, v. 5, n. 3, p. e300, 2017.

CHARLOTTE, J. et al. Herpes simplex virus: global in- LUCIGNANI, G. et al. From Fetal to Neonatal Neuroi-
fection prevalence and incidence estimates, Boletim da maging in TORCH Infections: A Pictorial Review. Children
Organização Mundial da Saúde, v. 98, n. 5, p. 315, 2016. (Basel, Switzerland), v. 9, n. 8, p. 1210, 2022.

CARVALHO, A.G.M.A et al. Diagnóstico Laboratorial da MITSUKA-BREGANÓ, R. et al. Toxoplasmose adquirida


Toxoplasmose Congênita. Revista de Ciências da Saúde na gestação e congênita: vigilância em saúde, diagnóstico,
Nova Esperança, v. 12, n. 1, p. 90, 2014. tratamento e condutas [online]. Londrina: EDUEL, p. 62,
2010.
CAVALCANTE, A.N.M. et al. Fatores associados ao se-
guimento não adequado de crianças com sífilis congênita. MORAES, C.F.G. Toxoplasmose congênita. ACiS – Atas
Revista de Saúde Pública, v. 53, p. 95, 2019. de Ciências em Saúde. Escola de Ciências da Saúde e Bem-
Estar CISBEM/FMU: atualidades na área de Saúde/São
DEMMLER-HARRISON, G.J. et al. Cytomegalovirus. Paulo, v. 10, n. 4, 2022.
Textbook of Pediatric Infectious Diseases. 6th ed. Phila -
delphia: WB Saunders, p. 2022, 2009. ORNOY, A. & DIAV-CITRIN O. Fetal effects of primary
and secondary cytomegalovirus infection in pregnancy.
DOMINGUES, R.M.S.M. & LEAL, M.C. Incidência de Reproductive toxicology (Elmsford, N.Y.), v 21, n. 4, p.
sífilis congênita e fatores associados à transmissão vertical 399, 2006.
da sífilis: dados do estudo Nascer no Brasil. Cadernos de
Saúde Pública, v. 32, n. 6, p. e00082415, 2016. OVERALL JR, J.C.O. & LOWELL, A.G. Viral Infections
of the fetus and Neonate. From the Departments of
ENDERS, G. et al. Consequences of varicella and herpes Microbiology and Pediatrics, University of Rochester
zoster in pregnancy: prospective study of 1739 cases. School of Medicine and Dentistry, v. 77, n. 2, p. 315, 1970.
Lancet, v. 343, n. 8912, p. 1548, 1994.
SCHLEISS, M.R. Antiviral therapy of congenital cyto-
FIGUEIRÓ-FILHO, E.A. et al. Toxoplasmose aguda: es- megalovirus infection. Seminars in Pediatric Infectious
tudo da frequência, taxa de transmissão vertical e relação Diseases, v. 16, n. 1, p. 50, 2005.
entre os testes diagnósticos materno-fetais em gestantes em
estado da Região Centro-Oeste do Brasil. Revista Brasileira TRAVASSOS, A.G.A. et al. Prevalence of sexually
de Ginecologia e Obstetrícia, v. 27, n.8, p. 442, 2005. transmitted infections among HIV-infected women in
Brazil. The Brazilian Journal of Infectious Diseases, v. 16,
GRIFFITHS, P. & LUMLEY, S. Cytomegalovirus. Current n. 6, p. 581, 2012.
Opinion in Infectious Diseases, v. 27, n. 6, p. 554, 2014.

123 | P á g i n a
Capítulo 15

DOENÇAS GENÉTCAS
CROMOSSÔMICAS

ANA LUIZA MARTINS GUIMARÃES 1


GABRIELA LARAIA PINHEIRO DE MEDEIROS 1
GABRIELA RODRIGUES RAIMUNDO 1
LUANA KARINE MARTINS DE AZEVEDO 1

1. Discente – Medicina da Universidade do Vale do Sapucaí (UNIVÁS)

Palavras Chave: Pediatria; Síndromes; Genética.

10.59290/978-65-6029-017-4.15 124 | P á g i n a
INTRODUÇÃO uma síndrome genética caracterizada por um
erro na distribuição dos cromossomos durante a
As Doenças Genéticas Cromossômicas, divisão celular do embrião, revertendo na maior
também chamadas de Distúrbios Cromossômi- parte dos casos, numa trissomia do cromos-
cos, são caracterizadas pela variação na estru- somo 21 (COELHO, 2016). Considerada uma
tura ou no número de cromossomos. De forma anomalia congênita, a Síndrome de Down tem
geral, os seres humanos possuem 23 pares de caráter compulsório na Declaração de Nascidos
cromossomos; caso o cariótipo seja diferente de Vivos, documento padrão para registro no Sis-
46, XX ou 46, XY, as alterações possíveis são tema de Informações sobre Nascidos Vivos (Si-
classificadas em numéricas ou estruturais nasc). De acordo com dados do sistema, foram
(BERNARDELI, 2022). notificados 1.978 casos de Síndrome de Down
Anomalias numéricas ocorrem quando de 2020 a 2021. A prevalência geral da doença
uma pessoa tem uma ou mais cópias adicionais no Brasil, neste período, foi 4,16 por 10 mil nas-
de um cromossomo ou não tem um cromos- cidos vivos (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
somo; já as anomalias estruturais ocorrem 2022).
quando parte de um cromossomo é anormal,
quando um cromossomo inteiro se une a outro Patogenia
cromossomo de maneira incorreta ou quando A Síndrome de Down corresponde a uma
partes de cromossomos estão ou foram dupli- entidade clínica de origem genética, caracteri-
cadas (POWELL-HAMILTON, 2021a). zada por um erro na distribuição dos cromosso-
Embora em alguns casos possam ser here- mos das células durante a divisão celular do em-
ditários, os distúrbios cromossômicos são mais brião, ilustrada na maior parte dos casos pela
comumente originados a partir de eventos alea- presença de três cópias no cromossomo 21. A
tórios ocorridos durante a formação de gametas alteração genética na Síndrome de Down pre-
ou do zigoto (BERNARDELI, 2022). A maio- sente desde o desenvolvimento intrauterino do
ria destes distúrbios também está associada à feto pode ocorrer de três formas: trissomia 21
idade materna avançada; o risco aumenta pro- simples (95% dos casos), translocação cromos-
porcionalmente com a idade da mãe, devido a sômica ou mosaicismo (COELHO, 2016).
diminuição da qualidade dos ovócitos I na mei- A translocação mais comum é t (14;21), na
ose (SOUZA et al., 2017). qual o fragmento do cromossomo 21 adicional
O presente capítulo tem como objetivo é ligado ao cromossomo 14. Em torno de me-
abordar as principais doenças genéticas cro- tade das pessoas com a translocação t (14;21),
mossômicas e suas características, de modo a ambos os pais têm cariótipo normal, indicando
elucidar a importância de conhecê-las para a uma translocação de novo. Na outra metade,
prática médica. um dos pais (geralmente a mãe), embora feno-
tipicamente normal, tem apenas 45 cromosso-
SÍNDROME DE DOWN mos, um dos quais é t (14;21) (POWELL-HA-
MILTON, 2021b).
Epidemiologia
A Síndrome de Down (SD), descrita em
1866 por John Langdon Down, corresponde a

125 | P á g i n a
Figura 15.1 Principais características físicas da SD

Fonte: NERY (2017).

O mosaicismo na síndrome de Down re- nolentas. Logo após o nascimento, elas mos-
sulta, presumivelmente, de uma não disjunção tram dificuldades para a sucção e deglutição.
durante a divisão celular no embrião. Pessoas Observa-se, também, um atraso no desenvolvi-
com síndrome de Down mosaica têm duas li- mento de alguns reflexos do bebê, havendo um
nhagens de células, uma com os 46 cromosso- comprometimento na postura de semiflexão dos
mos normais e outra com 47 cromossomos, in- quadris, que pode não ser evidente ou, até
cluindo o cromossomo 21 extra (POWELL- mesmo, estar ausente (SILVA & DESSEN,
HAMILTON, 2021b). 2002).
Os indivíduos com SD podem ainda apre-
Sinais e sintomas sentar múltiplas condições médicas associadas,
Dentre as características fenotípicas desta como problemas de visão e de audição, a apneia
síndrome destacam-se a braquicefalia, descrita do sono obstrutiva e as cardiopatias congênitas.
por um diâmetro fronto-occipital muito pe- Além disso, o risco de ocorrência de otite média
queno, fissuras palpebrais com inclinação supe- e de perda de audição é importante, assim como
rior, pregas epicânticas, base nasal achatada e uma maior susceptibilidade para infeções respi-
hipoplasia da região mediana da face (SILVA ratórias e um risco elevado para doença inva-
& DESSEN, 2002) (vide Figura 15.1). siva pneumocócica (COELHO, 2016).
Além dessas características da face, ob- A deficiência mental é uma das caracterís-
serva-se, também, que o pescoço é curto, po- ticas mais presentes na síndrome de Down de-
dendo estar presente apenas uma prega palmar; vido, provavelmente, a um atraso global no de-
a pina é pequena e displásica; a língua é protusa senvolvimento, que varia de criança para cri-
e hipotônica; há clinodactilia do 5° dedo das ança (SILVA & DESSEN, 2002). Os indiví-
mãos e uma distância aumentada entre o 1° e o duos com SD apresentam uma predominância
2° dedos dos pés. Em geral, as crianças com SD de déficits motores na primeira infância e de dé-
apresentam hipotonia muscular e são muito so- ficits cognitivos na idade escolar. As alterações
126 | P á g i n a
do comportamento, sintomas característicos do Além disso, deve-se incluir aconselha-
autismo assim como manifestações clínicas re- mento genético, suporte familiar e social e pro-
lacionadas com hiperatividade com déficit de grama educacional apropriado para o nível do
atenção também são comuns (COELHO, 2016). funcionamento intelectual do indivíduo (PO-
WELL-HAMILTON, 2021b).
Diagnóstico
O diagnóstico de SD é, em sua maioria, clí- SÍNDROME DO X FRÁGIL
nico, por meio do reconhecimento oficial das
características clínicas associadas à síndrome Epidemiologia
(COELHO, 2016). A Síndrome do X Frágil é uma anomalia
Entretanto, pode-se suspeitar do diagnós- cromossômica mais frequentemente encontrada
tico da síndrome de Down no pré-natal com em mulheres, sendo de aproximadamente
base nas anomalias físicas detectadas por ul- 1/6000 no sexo feminino e 1/4000 no sexo mas-
trassonografia fetal, triagem sérica materna e culino (SANTOS, et al., 2008). Além disso, en-
triagem pré-natal não invasiva (SOUZA et al., tre os portadores da pré-mutação, podem apre-
2017). Anormalidades ultrassonográficas fe- sentar outras doenças associadas como a Sín-
tais incluem aumento da translucência nucal, drome de Ataxia (FTAX), na qual atinge cerca
defeito do canal atrioventricular e atresia duo- de 30% dos homens de menos de 5% das mu-
denal. Testes séricos maternos podem mostrar lheres quando adultos, e o risco de desenvolver
níveis anormais da proteína A plasmática no a doença aumenta com o envelhecimento, como
final do 1º trimestre e de alfafetoproteína, beta- também da Falência Ovariana Precoce (POI)
hCG (gonadotrofina coriônica humana), es- que dentre 5% de sua ocorrência estão relacio-
triol não conjugado e inibina no início do 2º nadas à trissomia X, especificamente nos cro-
trimestre (15 a 16 semanas de gravidez) (PO- mossomos 13 ou 18, levando as mulheres ao
WELL-HAMILTON, 2021b). risco de desenvolver POI 10 vezes maior (LA-
Os métodos de confirmação fetais incluem CHIEWICZ et al., 2000).
amostragem do vilo coriônico e/ou amniocen-
tese com testes por análise do cariótipo. A ca- Patogenia
riotipagem é o teste de escolha para descartar É uma doença genética de caráter domi-
uma translocação associada de modo que os nante ligada ao cromossomo X causada por
pais possam receber aconselhamento genético uma amplificação de nucleotídeos (CGG) no
apropriado em relação ao risco de recorrência gene FMR1, localizado no Xq27.3, que leva a
(POWELL-HAMILTON, 2021b). falha ou a baixa produção da proteína FMRP, a
qual está envolvida no controle da transcrição
Tratamento de alguns RNAm nos neurônios, além de em
A SD, propriamente dita, não tem cura; o uma variedade de tecidos (SANTOS et al.,
tratamento depende das manifestações especí- 2008).
ficas, mas a vigilância é relativamente uni-
forme para todas as crianças. Algumas cardio- Sinais e sintomas
patias congênitas são corrigidas cirurgica- As manifestações clínicas podem ser desde
mente e o hipotireoidismo é tratado com repo- o desenvolvimento intelectual até mesmo ca-
sição dos hormônios tireoidianos (POWELL- racterísticas físicas, como dificuldade de apren-
HAMILTON, 2021b).
127 | P á g i n a
dizado a um retardo mental profundo, hiperati- ralmente não apresenta sintomas em todos os
vidade, TDAH e até mesmo autismo. Além aspectos, é de fácil terapêutica.
disso, entre os afetados, pode-se encontrar fe- Existem tratamentos multidisciplinares vol-
nótipos como movimentos estereotipados, face tados aos déficits intelectuais apresentados,
alongada, frontal alto e proeminente, cristas su- desde terapias fonoaudiólogas e ocupacionais,
pra-orbitais salientes, orelhas grandes e em como também educação especial e intervenções
abano e macroorquidia que é o aumento do vo- comportamentais, ressaltando que quando mais
lume testicular (vide Figura 15.2) (SANTOS et precoce se iniciar o tratamento, mais chances de
al., 2008). um bom resultado. O uso de medicamentos para
amenizar os sintomas de hiperatividade e
Figura 15.2 Manifestações diferenciais da Síndrome do TDAH e, instabilidade emocional também deve
Triplo X
ser considerada sobre acompanhamento e pres-
crição médica (ROSEMBERG et al., 2006).

SÍNDROME DE KLINEFELTER

Epidemiologia
Estima-se que a incidência da Síndrome de
Klinefelter seja de 1/600 nascimentos e que re-
presente uma das causas mais frequentes de in-
fertilidade masculina (BOJESEN & GRA-
VHOLT, 2007).
Fonte: A síndrome do X frágil – Payro. Disponível em: Por ser uma síndrome com uma heteroge-
https://payro.sejose.com/a-sindrome-triplo-x. Acesso em neidade clínica grande é uma condição subdi-
9 jun. 2023.
agnosticada. Cerca de apenas 25% dos pacien-
tes recebem o diagnóstico, e desse total, uma
Diagnóstico
minoria recebe antes da puberdade. A maioria
O diagnóstico pode ser dado ainda no pré-
procura atendimento médico na idade adulta
natal, analisando-se o DNA extraído da vilosi-
por apresentarem os sinais típicos da doença,
dade coriônica ou das células do líquido amnió-
como testículos pequenos, infertilidade ou alte-
tico. Ademais, quando adulta, pode-se fazer in-
ração hormonal.
vestigação genética do gene FMR1 ou da prote-
Quanto mais cedo o diagnóstico é feito,
ína FMRP devido a relação da trissomia com a
maior é a eficácia do tratamento (CURADO et
Falência Ovariana Precoce e a Síndrome de
al., 2020).
Ataxia (LACHIEWICZ et al., 2000).

Patogenia
Tratamento
O cariótipo clássico do paciente com Sín-
A alteração cromossômica que causa a Sín-
drome de Klinefelter, presente entre 80% e 90%
drome do X frágil não tem cura, no entanto, de-
dos casos, é 47, XXY. Então, se trata de uma
vido a maioria dos sinais e sintomas serem de
paciente do sexo masculino que possui dois cro-
natureza tratável e por ser uma doença que ge-
mossomos X. No entanto, também existe, 48,
XXXY; 48, XXYY; cromossomos X com es-

128 | P á g i n a
trutura anormal e mosaicismo. A grande varia- de origem paterna, o erro só pode ter ocorrido
bilidade possível nos cariótipos explica a hete- na meiose I (CURADO et al., 2020).
rogeneidade clínica e a dificuldade de se firmar
o diagnóstico quando os sinais e sintomas dife- Sinais e Sintomas
rem do clássico (GIES et al., 2014). As características clínicas da síndrome são
Para entender os cariótipos possíveis, é pre- causadas pela falência testicular primária, ou
ciso entender o processo de formação de game- seja, o hipogonadismo, definido como deficiên-
tas, que acontece por meio da meiose. cia de testosterona. O hipogonadismo é caracte-
A meiose envolve dois processos. A meiose rizado pela incapacidade dos testículos de res-
I, ocorre a separação dos cromossomos análo- ponderem ao FSH e LH, levando ao aumento
gos, enquanto na meiose II ocorre a separação desses hormônios e da gonadotrofina.
das cromátides irmãs. Para que esses processos Como resultado tem-se disgenesia dos tú-
ocorram de maneira adequada, todos os meca- bulos seminíferos, falha na espermatogênese e
nismos celulares que controlam e coordenam o hiperplasia das Células de Leydig.
processo de divisão celular precisam também Dentre as características fenotípicas mais
estar funcionando sem nenhuma irregularidade comuns, tem-se micropênis; altura elevada; tes-
(CURADO et al., 2020). tículos pequenos e sólidos; poucos pelos faci-
Na Síndrome de Klinefelter, o erro pode ais, axilares, pubianos; ginecomastia; infertili-
acontecer tanto na ovocitogênese quanto na es- dade. Podem, ainda, apresentar diminuição do
permatogênese. Para ser de origem materna, o intelecto, com problemas de linguagem e apren-
erro pode ter ocorrido tanto na meiose I quanto dizado (vide Figura 15.3) (BOURKE et al.,
na II, no entanto se o cromossomo X extra for 2014).

Figura 15.3 Possíveis características clínicas na Síndrome de Klinefelters

Fonte: CURADO et al., 2020

129 | P á g i n a
Diagnóstico Outras medidas podem ser associadas, prin-
O diagnóstico da Síndrome de Klinefelter cipalmente nos pacientes mais jovens, para aju-
pode ser feito em vários momentos da vida do dar no desenvolvimento intelectual da criança
paciente. com Síndrome de Klinefelter, como a fonoau-
No período pré-natal, o diagnóstico pode diologia e acompanhamento psicológico (CU-
ser feito por amniocentese ou biópsia da vilosi- RADO et al., 2020).
dade coriônica. Geralmente, esses testes são re-
alizados para investigação de outras síndromes SÍNDROME DO TRIPLO X
genéticas, e geralmente, é um achado acidental.
Na infância, a síndrome deve ser considerada Epidemiologia
como hipótese quando há atraso no desenvolvi- Anomalia cromossômica mais comum no
mento e/ou dificuldade de aprendizado. Na pu- sexo feminino, com uma incidência de aproxi-
berdade quando apresenta virilização incom- madamente 1 em cada 1000 nascimentos.
pleta e na fase adulta quando há infertilidade. Como a maioria dos indivíduos é ligeiramente
Podem ser usados dosagens de hormônios afetado ou assintomático, estima-se que apenas
FSH, LH, Testosterona, Inibina B e Hormônio 10% dos indivíduos com essa síndrome sejam
anti-mulleriano, porém são aplicados em idades diagnosticados (TORALLES et al., 2013.).
específicas.
O exame cariótipo de rotina deve ser reali- Patogenia
zado em todo adolescente e jovem com testí- O cariótipo presente nessa síndrome é 47,
culo pequeno, hipogonadismo hipergonadotró- XXX. Geralmente, o erro ocorre durante a divi-
fico, azoospermia não obstrutiva (CURADO et são celular, na linhagem materna, mais especi-
al., 2020). ficamente durante a meiose I da ovocitogênese.
A idade materna avançada pode ser consi-
Tratamento derada um fator de risco, estando presente em
Como a Síndrome de Klinefelter está asso- aproximadamente 30% dos casos de trissomia
ciada ao risco aumentado de comorbidade, in- do X. Mosaicismo e casos de combinações com
cluindo alterações metabólicas, cardiovascula- outras síndromes, como a de Turner, estão pre-
res e cerebrovasculares, o tratamento envolve sentes em cerca de 10% dos casos (TARTA-
uma equipe multidisciplinar, de acordo com a GLIA et al., 2010).
necessidade do paciente em questão.
Não existe uma cura para a Síndrome de Sinais e Sintomas
Klinefelter, porém os tratamentos visam au- As características físicas mais prevalentes
mentar a qualidade de vida do portador. da Síndrome do Triplo X incluem alta estatura,
A Terapia de Reposição de Testosterona rosto mais alongado, epicanto, hipertelorismo,
(TRT) é o tratamento mais utilizado e quanto clinodactilia e hipotonia (Figura 15.4) (TAR-
mais cedo for seu início, melhores resultados TAGLIA et al., 2010).
serão alcançados. Seu objetivo é prevenir os Já no aspecto cognitivo e comportamental
sintomas e as consequências da deficiência an- podem apresentar dificuldade de aprendizagem,
drogênica. Dentre seus efeitos está a melhora do problemas de linguagem, atraso cognitivo, an-
humor, diminuição da fadiga, aumento da li- siedade e depressão (vide Figura 15.5) (OT-
bido, melhora da força muscular e da densidade TER et al., 2010).
óssea. No entanto, não melhora a fertilidade.
130 | P á g i n a
Figura 15.4 Características perceptíveis da Síndrome do Triplo X. (a) Pregas epicânticas, menina de 2 anos; (b)
Hipertelorismo, menina de 9 anos

Fonte: TARTAGLIA et al., 2010

Figura 15.5 Crescimento e desenvolvimento de portadoras da Síndrome do Triplo X

Fonte: OTTER et al., 2010

Podem desenvolver ainda convulsões, ano- Como alternativa, há o teste pré-natal não
malias renais e genito-urinárias e falência ova- invasivo NACE, que pode ser realizado a partir
riana primária, causando infertilidade (TO- da décima semana de gravidez e utiliza como
RALLES et al., 2013). material uma amostra de sangue materna.
Diagnóstico Durante a infância ou adolescência, quando
O diagnóstico pode ser feito ainda no pré- alguns sinais da síndrome começam a aparecer,
natal por amniocentese ou amostragem de vilo- o diagnóstico pode ser feito por exame gené-
sidade coriônica. No entanto, por se tratar de tico, a análise de cariótipo, que mostrará a pre-
um exame invasivo representa risco tanto para sença de 3 cópias do cromossomo sexual X.
a gestante quanto para o feto. Em mulheres com idade inferior a 40 anos
com infertilidade inexplicada, irregularidade
131 | P á g i n a
menstrual ou sintomatologia de deficiência es- Patogenia
trogênica, a falência ovariana primária deve ser A síndrome de Turner ocorre devido a uma
investigada. Para isso, é utilizada a dosagem de perda parcial ou total do segundo cromossomo
FSH e estradiol, além de outras exames para ex- sexual, resultando no desenvolvimento de ca-
cluir outros diagnósticos diferenciais (CANTO racterísticas clínicas altamente variáveis (ÁL-
et al., 2020). VAREZ-NAVA & LANES, 2018). A constitui-
ção cromossômica mais frequente é a constitui-
Tratamento ção 45X (53%), causada pela não disjunção na
Como na maioria das síndromes genéticas meiose paterna ou materna. A não disjunção na
não há uma cura para a Síndrome do Triplo X. meiose paterna é mais frequente nesses casos
O tratamento médico deve ser realizado como (60%), uma vez que o par XY possui maior ten-
forma de garantir suporte e maior qualidade de dência a esse fenômeno. Outras possíveis cons-
vida para o portador e deve ser pensado de tituições cromossômicas são 45X/46XX (20%),
forma individualizada para atender as necessi- 46Xi (Xq) (10%) e 45X/46XX/47XXX (8%)
dades especificas de cada um. De maneira ge- (RIBEIRO et al., 2021).
ral, devem incluir:
Suporte educacional para atender as dificul- Sinais e Sintomas
dades de aprendizado juntamente com um pro- Meninas com síndrome de Turner podem
grama de fonoaudiologia para melhoras as ha- apresentar os seguintes sinais e sintomas: linfe-
bilidades de fala e comunicação; Suporte psico- dema do dorso das mãos e dos pés e linfedema
lógico para ajudar nos quadros de ansiedade, ou pregas lisas de pele redundante na nuca ao
depressão e habilidades sociais; Aconselha- nascer, pescoço alado e tórax largo, mamilos in-
mento genético para informar as famílias sobre vertidos, hipertelorismo mamário e baixa esta-
a natureza esporádicas dessas anomalias e o tura. Mais raramente, podem ocorrer implanta-
baixo risco de incidência (menor que 1% a 5%); ção baixa de cabelos na nuca, ptose, inúmeros
Terapia hormonal para aquelas mulheres nevos pigmentados, quarto metacarpo e meta-
com diagnóstico de falência ovariana primária tarso curtos, coxins dos dedos proeminentes
como forma de aliviar sintomatologia de defici- com estrias nos dermatóglifos da ponta dos de-
ência de estrógeno (CANTO et al., 2020). dos e hipoplasia ungueal e cúbito valgo (vide
Figura 15.6) (POWELL-HAMILTON,
SÍNDROME DE TURNER 2021d).

Figura 15.6 Aspecto clínico da síndrome de Turner


Epidemiologia
É a anormalidade genética mais frequente
em humanos, estando presente em aproximada-
mente 2% de todas as concepções, embora 99%
desses embriões sejam abortados espontanea-
mente (ÁLVAREZ-NAVA & LANES, 2018).
A monossomia do X tem incidência de 1/2130
nascidas vivas, estimando-se que existam, em
todo o mundo, cerca de 1,5 milhões de casos
(RIBEIRO et al., 2021).
Fonte: TORRES et al., 2019

132 | P á g i n a
Anormalidades cardiovasculares represen- devido a fatores de risco cardiovascular. O es-
tam uma preocupação significativa tanto no trogênio exógeno tem efeitos protetores na den-
útero quanto no período pós-natal. Defeitos car- sidade óssea, saúde cardiovascular, pressão ar-
díacos incompatíveis com a vida contribuem terial, neurocognição e função sexual. Mesmo
para uma perda fetal estimada em 99%, en- em terapia de reposição hormonal e/ou GH, as
quanto valva aórtica bicúspide e coarctação da pacientes com síndrome de Turner necessitam
aorta são complicações mais comuns em nasci- de acompanhamento multidisciplinar devido a
das vivas. Durante a vida, aneurisma aórtico e a risco aumentado de alterações cardiovascula-
dissecção da aorta em idades relativamente jo- res, metabólicas, ortopédicas, renais e neuropsi-
vens contribuem para o aumento da mortali- cológicas (HUANG et al., 2021).
dade (HUANG et al., 2021).
TRISSOMIA DO CROMOSSOMO
Diagnóstico 18: SÍNDROME DE EDWARDS
O diagnóstico é suspeitado pela aparência
clínica. Nas neonatas, é suspeitado na presença Epidemiologia
de linfedema ou pescoço alado e, na ausência É a segunda trissomia mais comum nos se-
desses sinais, algumas crianças podem ser diag- res humanos, com incidência de 1/6000 a
nosticadas mais tardiamente, com base em 1/8000 nascidos vivos. É mais frequente no
baixa estatura, ausência de sinais de puberdade sexo feminino, na razão de 3:1. A idade materna
e amenorreia (POWELL-HAMILTON, 2021d). avançada aumenta o risco, sendo que em 63%
Historicamente, a idade na qual as pacientes dos fetos as mães têm idade acima de 35 anos
mais são diagnosticadas é aos 15 anos de idade. (RIBEIRO et al., 2021).
Após suspeita, o diagnóstico é confirmado por
teste citogenético (HUANG et al., 2021). Patogenia
A síndrome de Edwards normalmente re-
Tratamento sulta de uma cópia extra do cromossomo 18q.
Não há tratamento específico, sendo base- O fenótipo pode ser resultado de três formas da
ado nos resultados da paciente. O linfedema síndrome: completa, parcial e em mosaico (BA-
pode ser controlado com uso de meias apropri- LASUNDARAM & AVULAKUNTA, 2023).
adas e massagens. (POWELL-HAMILTON, A trissomia completa é a forma mais co-
2021d). Em relação ao crescimento, a realiza- mum (94%). Nesse tipo, todas as células do or-
ção de terapia com GH recombinante pode be- ganismo apresentam cópia extra do cromos-
neficiar a altura final dessas pacientes. Já a re- somo 18, advinda da não disjunção durante a
posição hormonal com estrógeno e progeste- meiose, mais frequentemente de origem ma-
rona é realizada para desenvolver os caracteres terna. A forma em mosaico é a segunda mais
sexuais secundários, a menarca e a manutenção comum (menos de 5%), na qual linhagens celu-
e ganho de massa óssea, a fim de prevenir a os- lares com e sem a trissomia do cromossomo 18
teoporose (RIBEIRO et al., 2021). coexistem. A forma parcial representa 2% dos
Embora algumas pacientes sejam esponta- pacientes com síndrome de Edwards, os quais
neamente férteis, a maioria requer doação de apresentam cópia extra de apenas um segmento
ovócitos se desejar prosseguir com a gravidez, parcial do cromossomo 18q, advinda de trans-
o que é possível, mas geralmente é de alto risco

133 | P á g i n a
locação balanceada de um dos pais (BALA- diagnóstico. Estudos de diagnóstico por ima-
SUNDARAM & AVULAKUNTA, 2023). gem podem ser usados para avaliar anormalida-
des intracranianas, cardíacas, intra-abdominais
Sinais e sintomas e renais. Por último, embora seja tipicamente
Com frequência, há história pré-natal de um diagnóstico clínico, testes de cariótipo e
fraca atividade fetal, polidrâmnio, placenta pe- “microarray” podem confirmar a trissomia e in-
quena e artéria umbilical única. O tamanho pré- formações mais detalhadas sobre o mosai-
natal e ao nascimento é pequeno para a idade cismo, respectivamente (BALASUNDARAM
gestacional. Os lactentes são hipotônicos, têm & AVULAKUNTA, 2023).
hipoplasia acentuada da musculatura esquelé-
tica e gordura subcutânea, apresentam choro Tratamento
fraco e não respondem bem a estímulos sono- O tratamento depende das comorbidades.
ros. Ademais, as cristas orbitais são hipoplási- Devido ao mau prognóstico, evita-se tecnolo-
cas, as fissuras palpebrais são curtas e a boca e gias assistivas de alta complexidade e procedi-
a mandíbula são pequenas (POWELL-HAMIL- mentos invasivos, indicando-se cuidados palia-
TON, 2021c). tivos (RIBEIRO et al., 2021). Uma abordagem
Outros sinais comuns são: microcefalia, oc- individual deve ser considerada para cada paci-
cipício proeminente, orelhas malformadas com ente, levando-se em consideração as escolhas
implantação baixa, pelve estreita, esterno curto, dos pais nos melhores interesses da criança
punhos cerrados com o dedo indicador sobre- (BALASUNDARAM & AVULAKUNTA,
pondo-se ao 3º e 4º dedos, dobra distal do 5º 2023).
dedo ausente, dobras da pele redundantes sobre
o pescoço, unhas hipoplásicas, grande artelho TRISSOMIA DO CROMOSSOMO
curto e dorsofletido, pé torto com planta arque- 13: SÍNDROME DE PATAU
ada e calcâneo proeminente (POWELL-HA-
Epidemiologia
MILTON, 2021c).
É a terceira trissomia autossômica mais co-
mum, com incidência de 1/7000 nascimentos.
Diagnóstico
A síndrome de Patau ocorre com maior fre-
O diagnóstico da trissomia 18 começa no
quência no sexo feminino e é uma das princi-
período pré-natal. A triagem de soro materno
pais causas de aborto nos primeiros meses de
pode mostrar níveis baixos de alfafetoproteína,
gravidez, sendo mais comum em gestantes com
gonadotrofina coriônica humana e estriol não
idade acima de 35 anos (RIBEIRO et al., 2021).
conjugado. Marcadores séricos e genéticos são
mais úteis quando combinados com achados ul-
Patogenia
trassonográficos clássicos, como aumento da
A causa da síndrome de Patau é a presença
translucência nucal. Amniocentese ou biópsia
de três cópias do cromossomo 13, podendo ser
de vilosidades coriônicas são recomendadas se
decorrente de várias constituições cromossômi-
a triagem pré-natal sugerir um alto risco de
cas diferentes. A causa mais frequente da sín-
aneuploidia fetal (BALASUNDARAM &
drome de Patau é a não disjunção na meiose,
AVULAKUNTA, 2023).
ocorrendo com mais frequência em mães de
Após o nascimento, as características feno-
idade avançada. A segunda causa mais comum
típicas e apresentação clínica poderão sugerir o
é uma translocação Robertsoniana desequili-
134 | P á g i n a
brada, que resulta em duas cópias normais do anomalias de implantação uretral, problemas
cromossomo 13 e um braço longo adicional do congênitos cardíacos, malformação do trato
cromossomo 13. Outra causa menos comum é o gastrointestinal, holoprosencefalia e rins displá-
mosaicismo, que resulta em 3 cópias do cro- sicos. Alterações relacionadas ao sistema repro-
mossomo 13 em algumas células e duas cópias dutor são, majoritariamente, encontradas em
em outras. O mosaicismo é o resultado de um homens e são caracterizadas por um micropênis
erro de não disjunção mitótica e não está relaci- com hipoplasia de bolsa escrotal e criptorquidia
onado à idade materna (WILLIAMS & BRA- bilateral (RODRIGUES et al., 2020).
DY, 2022).
Diagnóstico
Sinais e sintomas O diagnóstico da síndrome de Patau pode
A síndrome de Patau apresenta anomalias ser feito no período pré-natal com biópsia de vi-
congênitas clássicas que estão relacionadas a losidades coriônicas, amniocentese ou análise
malformações anatômicas e dos sistemas ner- de DNA fetal livre. A ultrassonografia pré-natal
voso central, gastrointestinal, geniturinário e também pode ajudar a detectar as malformações
cardiovascular, sendo que outros sistemas e te- da síndrome, sendo que a ultrassonografia após
cidos também podem ser afetados. As anoma- 17 semanas de gestação é mais sensível para de-
lias anatômicas podem ser identificadas por: tectar as anormalidades da síndrome de Patau.
orelhas dismórficas e de implantação baixa, Os achados anormais devem ser confirmados
fenda palatina, fendas palpebrais estreitas com com uma avaliação citogenética de células fe-
obliquidade para cima, pescoço curto, polidac- tais (WILLIAMS & BRADY, 2022).
tilia, cebocefalia e aplasia cutânea do couro ca-
beludo (vide Figura 15.7) (RODRIGUES et Tratamento
al., 2020). O tratamento depende da natureza e da gra-
vidade das anormalidades anatômicas e sinto-
Figura 15.7 Apresentação clínica da síndrome de Patau mas associados, sendo que a instituição de cui-
dados paliativos objetiva trazer menor sofri-
mento e melhor qualidade de vida ao paciente
(RIBEIRO et al., 2021). Bebês diagnosticados
com síndrome de Patau podem precisar de oxi-
genação e ventilação pós-parto, o que pode exi-
gir intubação ou traqueostomia devido a defei-
tos faciais. Pacientes com defeitos cardíacos
podem necessitar de cirurgia cardíaca e outras
cirurgias podem ser indicadas para defeitos co-
muns, incluindo herniorrafia, reparação do lá-
bio leporino, colocação de tubo de alimentação
ou cirurgias ortopédicas corretivas. Tratamen-
Fonte: IACOBINI & LOTERSZTEIN, 2011
tos adicionais podem ser realizados, incluindo
alimentação dietética especializada, profilaxia
Outras anomalias clássicas são: microcefa-
para convulsões, antibióticos profiláticos para
lia, surdez neurossensorial, ausência de trígo-
infecções do trato urinário e o uso de aparelhos
nos e de bulbos olfativos, hipoplasia pulmonar,
auditivos (WILLIAMS & BRADY, 2022).
135 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALASUNDARAM, P & AVULAKUNTA, I. D. Edwards POWELL-HAMILTON, N.N. Considerações gerais sobre
Syndrome. StatPearls Publishing, 2023. doenças cromossômicas e genéticas. 2021a. Disponível em:
https://www.msdmanuals.com/pt-br/casa/problemas-de-
ÁLVAREZ-NAVA, F. & LANES, R. Epigenetics in Turner saúdeinfantil/anomaliascromossômicasegenéticas/consider
syndrome. Clinical epigenetics, v. 10, p. 45, 2018. ações-gerais-sobre-doenças-cromossômicas-e-genéticas
Acesso em: 08 jun 2023.
BERNARDELI, J. Síndromes cromossômicas: conheça as
principais. 2022. Disponível em: https://blog.varso- POWELL-HAMILTON, N.N. Síndrome de Down (tris-
mics.com/sindromes-cromossomicas/ Acesso em: 08 jun somia do 21). 2021b. Disponível em: https://www.msd-
2023. manuals.com/ptbr/profissional/pediatria/anomaliasgenética
secromossômicas/s%C3%ADndrome-de-down-trissomia -
BOJESEN A. & GRAVHOLT C.H. Klinefelter syndrome do-21#v1098913_pt. Acesso em: 08 jun 2023.
inclinical practice. Natureza Clínica Urologia, v. 4, p. 192,
2007. POWELL-HAMILTON, N.N. Síndrome de Edwards,
2021c. Disponível em: <https://www.msdmanu-
BOURKE, E. et al. Klinefelter syndrome - a general practice als.com/ptbr/profissional/pediatria/anomaliasgen%C3%A9t
perspective. Australian Family Physician, v. 43, n. 1, p. 38, icasecromoss%C3%B4micas/trissomia-do-18>. Acesso em:
2014. 08 jun. 2023.

CANTO, L.P. et al. Síndrome do Triplo X: As Compli- POWELL-HAMILTON, N.N. Síndrome de Turner, 2021d.
cações Decorrentes da Doenças à Luz da Revisão de Li- Disponível em <https://www.msdmanu-
teratura, no Período de 2010-2019. Múltiplos Acessos, v. 4, als.com/ptbr/profissional/pediatria/anomaliasgen%C3%A9t
n. 2, p. 119, 2020. icasecromoss%C3%B4micas/s%C3%ADndromedeturner?
query=S%C3%ADndrome%20de%20Turner>. Acesso em:
COELHO, C. A síndrome de Down. Psicologia, 2016. 08 jun. 2023.

CURADO, R.M.O.F. et al. (2020). Síndrome de Klinefelter, RIBEIRO, E.M. et al. Síndromes Genéticas: reconhecer
uma condição subdiagnosticada: Revisão de literatura. para tratar. Editora Unichristus, Fortaleza, 2021.
Referências em Saúde do Centro Universitário Estácio de
Goiás, v. 3, n. 1, p. 68, 2020. RODRIGUES, A.P.P. et al. Aspectos Genéticos da Sín-
drome de Patau. Revista Interdisciplinar do Pensamento
GIES, I. et al. Management of Klinefelter syndrome during Científico, v. 5, n. 4, 2020.
transition. European Journal of Endocrinology, v. 171, n. 2,
p. R67, 2014. ROSEMBERG, C. et al. Array-CGH detection of micro
rearrangement is mentally retarded individuals: clinical
HUANG, A.C. et al. A Review of Recent Developments in significance of imablances present both in affected children
Turner Syndrome Research. Journal of Cardiovascular and normal parentes. Journal of Medical Genetics, v. 43, n.
Development and Disease v. 8, n. 11, p. 138, 2021. 2, p. 180, 2006.

LACHIEWICZ, A.M. et al. Physical characteristics of SANTOS, P.A.C. et al. Diagnóstico da Síndrome de X-
young boys with Fragile X syndrome: reasons for diffi- frágil em uma amostra de pacientes com Autismo idiopático.
culties in making a diagnosis in young males. American 54º Congresso Brasileiro de Genética; 2008; Salvador (BA),
Journal of Medical Genetics, v. 92, p. 229, 2000. Brasil.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Dia mundial da síndrome de SILVA, N.L.P. & DESSEN, M.A. Síndrome de Down:
Down celebra a importância da inclusão. 2022. Disponível etiologia, caracterização e impacto na família. Interação em
em: https://www.gov.br/pt-br/noticias/saude-e-vigilancia- Psicologia, v. 6, n. 2, p. 167, 2002.
sanitaria/2022/03/diamundialdasindromededowncelebraai
mportanciadainclusao#:~:text=De%20acordo%20com%20 SOUZA, J.C.M. et al. Síndromes cromossômicas: uma
dados%20do,%2C03%20por%2010%20mil. Acesso em: 08 revisão. Cadernos da Escola de Saúde, v. 1, n. 3, 2017.
jun 2023.
TARTAGLIA, N.R. et al. A review of trisomy X (47,XXX).
NERY, B.M. Síndrome de Down – Características que o Orphanet Journal of Rare Diseases, v. 5, n. 8, 2010.
pediatra deve saber. 2017. Disponível em:
https://www.portalped.com.br/outrasespecialidades/genetic TORALLES, M.B.P. et al. Estudo prospectivo de paciente
a/sindrome-de-down-o-que-voce-nao-sabe/. Acesso em: 08 com a Síndrome do triplo X e falência ovariana prematura.
jun 2023. Revista de Ciências Médicas e Biológicas, Salvador, v. 12,
n. 3, p.389, 2013.
OTTER, M. et al. Triple X syndrome: a review of the
literature. In: Nature -European Journal of Human Genetics, WILLIAMS, G. M. & BRADY, R. Patau Syndrome. Sta-
v.18, n. 3, p.265, 2010. tPearls Publishing, 2022.

136 | P á g i n a
Capítulo 16

TRAUMATISMO
CRANIOENCEFÁLICO NA
PEDIATRIA

ALICE MARTINS OLIVEIRA¹


AMANDA RODNITZKY NUNES²
BRUNA CORRÊA NOGUEIRA¹
CAROLINA BORGES DE CARVALHO PINTO¹
GABRIELA OLIVEIRA CASSARO¹
GABRIELA ZUCATELLI PONTES¹
JULIA RIBEIRO COELHO¹
JULIA SOARES GONÇALVES¹
KÉREN VALENTINA DELBONI BROZZI¹
LARA MYLLENA FURTADO PIMENTEL¹
LORENZO DARDENGO SIPOLATTI¹
THAÍS PETERLE RIOS¹

1. Discente - Medicina do Centro Universitário Multivix Vitória.


2. Discente - Medicina da Universidade de Vila Velha

Palavras Chave: Trauma cranioencefálico; Pediatria; Trauma.

10.59290/978-65-6029-017-4.16 137 | P á g i n a
INTRODUÇÃO avaliar algum sinal de alteração da consciência,
transtorno sensorial e da linguagem, alterações
Traumatismo cranioencefálico (TCE) é visuais e auditivas, epilepsia, incontinência,
uma das causas mais comuns de trauma na in- disfunção autonômica, hipotensão, hipertonia e
fância, sendo um quadro frequentemente visto instalação de posturas anormais, além de edema
dentro da emergência pediátrica. A cada ano, cerebral e, principalmente, a classificação na
nos EUA, o TCE é responsável por 7400 mor- escala de Coma de Glasgow (ECG). A ECG é o
tes, mais de 60 mil internações e mais de principal método de avaliação da gravidade do
600.000 atendimentos de urgência em indiví- quadro, classificando-o em leve (ECG 13-15),
duos com idade igual ou inferior a 18 anos. moderado (ECG 9-12) e grave (ECG 3-8). (CA-
Aproximadamente 75% de todas as hospitaliza- LADO & BOTA, 2022; COSTA & PEREIRA,
ções por traumatismo em crianças se devem ao 2012)
traumatismo cranioencefálico, e 70% das mor- Para auxiliar no diagnóstico, é realizada
tes ocorrem nas primeiras 48 horas após o tra- uma tomografia computadorizada (TC) nos pa-
uma. Por serem indivíduos em constante desen- cientes, sendo importante racionalizar seu uso,
volvimento e de alta sensibilidade, os pacientes pois a TC de crânio apresenta riscos de malig-
pediátricos são mais predispostos a sofrerem nidade induzida por radiação em crianças, prin-
traumatismos. Há vários propagadores de trau- cipalmente em menores de 2 anos. Após a con-
mas, sendo os mais comuns: acidentes automo- firmação do diagnóstico do TCE, devemos to-
bilísticos, atropelamentos, acidentes de bicicle- mar medidas individualizadas imediatas para
ta e quedas de altura, podendo ocorrer também melhor prognóstico do paciente, levando em
por abuso ou maus-tratos (COSTA & PEREI- consideração a gravidade do quadro (COUTO
RA, 2012; ZEITEL et al., 2017; COUTO et al., et al., 2015).
2015). O objetivo deste estudo foi condensar in-
O TCE consiste em qualquer agressão de formações e contextualizar a cerca do TCE,
ordem traumática que acarrete lesão anatômica dando ênfase nos principais métodos de trata-
ou comprometimento funcional do couro cabe- mento e diagnóstico utilizados para pacientes
ludo, crânio, meninges, encéfalo ou de seus va- que sofreram trauma craniano.
sos. É um quadro de elevada morbidade, morta-
lidade e urgência médica, sendo constantemen- MÉTODO
te o motivo de suas vítimas apresentarem se-
quelas. Esta revisão bibliográfica tem como intuito
O TCE responde por 75% a 97% das mortes promover o conhecimento acerca do trauma
por trauma em criança, e para cada paciente cranioencefálico em crianças e seu manejo, ten-
morto, pelo menos 3 ficam gravemente seque- do como principal objetivo, servir de base para
lados. Também é importante dizer que sua in- acadêmicos.
cidência é duas vezes maior em meninos do que Este capítulo do livro aborda a temática
em meninas (COSTA & PEREIRA, 2012; TCE na Pediatria, por meio de revisão na litera-
GUERRA et al., 1999). tura. Foi feito o levantamento bibliográfico nas
É essencial uma análise clínica minuciosa o bases de dados "SciELO", "PubMed", livros
quanto antes, pois o diagnóstico precoce e ma- acadêmicos, já publicados, relacionados à pedi-
nejo adequado reduz de forma acentuada a mor- atria, buscando artigos, revisões bibliográficas,
bimortalidade e prováveis sequelas. Deve-se capítulos e relatos que abordam a temática. Fo-

138 | P á g i n a
ram utilizados os descritores "Emergência pedi- vres de oxigênio, e na sequência, uma cascata
átrica", "Traumatismo cranioencefálico na pe- inflamatória. Na lesão cerebral pós TCE, pode
diatria", "Cabeça pediatria" ou "Trauma pedia- ocorrer a liberação de neurotransmissores exci-
tria", “Traumatismo cranioencefálico”. tatórios, como acetilcolina, glutamato e aspar-
A análise foi composta em 3 etapas. 1°: lei- tato, que causam danos neuronais (VAVILALA
tura dos títulos e separação dos artigos; 2°: lei- & TASKER, 2021; LÖHR JUNIOR, 2008).
tura completa dos artigos e resumo; 3°: retirada O edema cerebral difuso após TCE grave
de dados para a realização da pesquisa. Os es- também é comum na pediatria. Em nível sistê-
tudos que foram utilizados atenderam ao crité- mico, pode haver supressão da imunidade me-
rio de seleção. Deste modo, os resultados foram diada por células, facilitando o desenvolvi-
descritos retratando o TCE. mento de infecções secundárias. Pacientes que
sofrem trauma cranioencefálico podem apre-
RESULTADOS E DISCUSSÃO sentar lesões secundárias minutos e até dias
após a lesão primária, com desordens sistêmi-
Fisiopatologia cas e/ou intracranianas (VAVILALA & TAS-
O desempenho do sistema nervoso central KER, 2021; LÖHR JUNIOR, 2008).
depende do fluxo sanguíneo cerebral, que é as- A hipertensão intracraniana secundária
segurado pela perfusão, pressão arterial média pode comprometer ainda mais a perfusão cere-
e pressão intracraniana. Em decorrência de uma bral, reduzindo ainda mais o fluxo sanguíneo e,
lesão cerebral pós-traumática, a pressão intra- consequentemente, podendo provocar isquemia
craniana é elevada, visando manter a perfusão cerebral. A hipóxia, hipotensão e hipertermia,
do sistema, ocasionando reajustes fisiológicos. como condições sistêmicas secundárias, tam-
Ao esgotamento de mecanismos, instaura-se a bém são importantes na complicação da lesão
hipertensão craniana com dano secundário, cerebral. Deste modo, é importante saber que o
conforme o tipo de lesão traumática (SOLÉ et trauma frequentemente leva à perda de consci-
al., 2022). ência, comprometendo estruturas vitais do
O TCE grave envolve dois tipos de lesão: tronco encefálico (VAVILALA & TASKER,
primária e secundária. A lesão primária está re- 2021; LÖHR JUNIOR, 2008).
lacionada ao trauma que afeta diretamente o cé-
rebro, sendo decorrente da energia que o com- Epidemiologia
partimento craniano adquire após o impacto. O TCE é a principal causa de morte por
Não se pode interferir nesse tipo de lesão, ape- trauma em crianças, com altas taxas de morbi-
nas controlar os sintomas dos danos primários. dade e mortalidade. Nos Estados Unidos, ocor-
Já a lesão secundária, é resultante de uma cas- rem mais de 400 mil casos de TCE em crianças
cata de respostas bioquímicas, celulares e meta- a cada ano, com uma incidência de aproxima-
bólicas à lesão direta (primária), ou seja, é de- damente 1.115 casos por 100 mil habitantes me-
corrente de um desbalanço fluxo-consumo ce- nores de 5 anos. No Brasil, o TCE também é um
rebral (DE CARVALHO et al., 2020). grave problema de saúde pública, afetando
Procedendo o impacto, ocorre hipoperfusão principalmente crianças e adolescentes. Cerca
associada ao aumento da demanda metabólica, de 30% das vítimas de TCE no país têm até 20
tornando o cérebro mais suscetível a lesões se- anos de idade, sendo o segundo grupo mais afe-
cundárias. Pode-se citar também a fase de re- tado, após os pacientes entre 21 e 40 anos
fluxo cerebral, onde há produção de radicais li- (BURNS et al., 2017).

139 | P á g i n a
Outrossim, as principais causas de TCE na O diagnóstico do TCE em crianças pode ser
infância são quedas de altura, acidentes auto- desafiador. Ele é dado através de anamnese,
mobilísticos, atropelamentos e acidentes de bi- exame físico e exame de imagem. Na anam-
cicleta. As quedas são responsáveis pela maio- nese, o foco é identificar o mecanismo do
ria das internações hospitalares por TCE, geral- trauma; no exame físico, utiliza-se a Escala de
mente de gravidade leve a moderada. Além Coma de Glasgow (ECG) para classificar o tipo
disso, o TCE intencional, resultado de maus- de TCE, podendo ele ser dividido em leve, mo-
tratos ou abuso, é comum em crianças, inclu- derado ou grave. Pacientes com traumas leves
indo lesões diretas, penetrantes e a síndrome do pontuam de 13 a 15, quadros moderados de 9 a
bebê sacudido, que ocorre frequentemente em 12 e quadros graves, menor ou igual a 8. O
crianças menores de 1 ano de idade (BURNS et exame de imagem de escolha é a tomografia de
al., 2017). crânio (TC), porém, não é realizada em todos os
pacientes. Segundo o Quadro 16.1, são indica-
Diagnóstico ções para a realização de TC (SILVA, 2009;
SOLÉ et al., 2022).
Quadro 16.1 Indicações para realização de TC

Em menores de 2 anos de idade (qualquer um dos tópicos a seguir):


1. ECG ≤ 14 ou outros sinais de alteração do nível de consciência.
2. Todas as crianças menores de 3 meses.
3. Presença de fratura craniana palpável.
4. Presença de hematoma occipital, temporal ou parietal.
5. Perda de consciência maior ou igual a 5 segundos.
6. Mecanismo moderado ou grave de trauma – já citados anteriormente.
7. Trauma não presenciado pelos responsáveis.
8. Comportamento não habitual com os pais.

Em maiores de 2 anos de idade:


1. ECG ≤ 14 ou outros sinais de alteraçã o do nível de consciência.
2. Sinais de fraturas de base de crânio (hematoma de mastoide ou “sinal de Battle”, hematoma periorbitário ou
“sinal do guaxinim”, hemotímpano, perda de líquor através de otorreia/rinorreia).
3. História de perda de consciência.
4. História de vômitos.
5. Cefaleia intensa – que interrompe as atividades diárias.
6. Mecanismo de trauma grave.

Fonte: Adaptado de SOLÉ et al, 2022

EmTratamento
menores de 2 anos de idade (qualquer um dos tópicos a mesma
seguir): em todos os casos. Possuem como obje-
9. ECG ≤ 14 ou outros sinais de alteração do nível de consciência.
10.ÉTodas
importante ressaltar
as crianças menoresquede o TCE pode ser
3 meses. tivo evitar as causas que levariam ao óbito e são
11. Presença de fratura craniana palpável.
classificado de acordo com seu mecanismo, constituídas por 5 passos. O primeiro passo é a
12. Presença de hematoma occipital, temporal ou parietal.
morfologia
13. Perda deouconsciência
gravidade, sendo
maior usada
ou igual a 5 asegundos.
Escala avaliação das vias aéreas associadas à imobili-
de14.coma de Glasgow
Mecanismo moderado(ECG) como
ou grave de trauma – já citadoszação
referência. cervical. Em sequência, a ventilação ade-
anteriormente.
15. Trauma não presenciado pelos responsáveis.
Além disso, podem ser divididas em primária – quada, a examinação da circulação e controle
16. Comportamento não habitual com os pais.
decorrente direto do trauma – e secundária – al- dos sangramentos externos. O quarto passo é a
Em maiores de 2 anos de idade:
terações causadas no Sistema Nervoso Central realização de um exame neurológico, e por úl-
7. ECG ≤ 14 ou outros sinais de alteração do nível de consciência.
devido ao trauma
8. Sinais (STEWART
de fraturas et al.,
de base de crânio 2018). de mastoide
(hematoma timo,ouuma
“sinalavaliação de todo operiorbitário
de Battle”, hematoma corpo (STE- ou
“sinal do guaxinim”, hemotímpano,
O manejo de pacientes com trauma cranio- perda de líquor através de otorreia/rinorreia).
WART et al., 2018).
9. História de perda de consciência.
encefálico varia
10. História de acordo com a gravidade da
de vômitos. Além disso, sabe-se que em casos leves é
lesão,
11. Cefaleia intensa –a que
entretanto, abordagem
interrompe asinicial é adiárias.indicado a realização de exames laboratoriais e
atividades
12. Mecanismo de trauma grave.

140 | P á g i n a

Em menores de 2 anos de idade (qualquer um dos tópicos a seguir):


17. ECG ≤ 14 ou outros sinais de alteração do nível de consciência.
a observação do paciente até que o valor da niana pode ser identificada a partir de sinais
ECG retorne para 15. Nos casos de alteração do apresentados pelo paciente, como por exemplo,
estado mental, suspeita de fratura no crânio, a Tríade de Cushing, exame alterado de pupila,
episódios de 2 ou mais vômitos, uso de antico- diminuição de três ou mais pontos na ECG ou
agulantes ou episódios de convulsão, é indicado postura motora de decorticação ou descerebra-
executar uma TC do crânio do paciente. Resul- ção. Nesses casos, o tratamento indicado deve
tados anormais na tomografia de crânio reque- ser a administração de solução salina hipertô-
rem uma segunda avaliação neurológica, além nica a 3% (0,1 a 1 mL/Kg/h) ou manitol (0,25 a
de um período maior de observação do paci- 1g/kg em bolus), intubação e hiperventilação,
ente, realizando outra tomografia após o perí- sendo a hiperventilação profilática evitada. É
odo de algumas horas. Em casos moderados, o importante ressaltar que o manitol não deve ser
manejo é igual ao de lesões leves, no entanto, a utilizado em pacientes hipotensos. Além disso,
realização de tomografia computadorizada é a drenagem liquórica pode ser considerada uma
necessária em todos os casos. Após os exames, medida de tratamento para a hipertensão crani-
o paciente passa por um período de observação ana. Quando estável hemodinamicamente, é ex-
e deve ser submetido a outra tomografia antes tremamente importante a realização de uma TC
de ser liberado. Nos casos graves, o primeiro de crânio do paciente para avaliação neuroló-
passo é garantir uma via aérea definitiva, a fim gica, além de exames laboratoriais (WALTERS
de evitar a hipóxia. Durante o procedimento de et al., 2002; STEWART et al., 2018; MÜLLER
intubação podem ser utilizados analgésicos, se- et al., 2017).
dativos e bloqueadores musculares, com o ob-
jetivo de facilitar o procedimento, contudo o CONCLUSÃO
uso não deve ser excessivo, pois pode prejudi-
car a avaliação neurológica e a descoberta da Em vista dos dados e argumentos apresen-
progressão dos sintomas, além de ser crucial a tados, fica notória a importância do manejo ágil
manutenção da imobilização cervical do paci- e correto perante um TCE na infância. Ade-
ente durante o procedimento (WALTERS et al., mais, é considerado um quadro de elevada mor-
2002; STEWART et al., 2018; MÜLLER et al., bidade, mortalidade e urgência médica, sendo
2017). constantemente o motivo de suas vítimas apre-
Após a intubação, o ideal é administrar oxi- sentarem sequelas.
gênio 100% para o paciente a fim de manter Constatou-se que a anamnese associada ao
uma saturação acima de 98%, em seguida, exame físico são as ferramentas mais utilizadas
deve-se estabelecer parâmetros de 35mmHg para o diagnóstico. Concomitantemente, obser-
para a pressão parcial de gás carbônico no san- vou-se que em referência ao tratamento, o seu
gue. O segundo passo, nos casos graves, é a ma- principal objetivo é aumentar a pontuação do
nutenção da pressão arterial sistólica acima de paciente na ECG e evitar possíveis complica-
70mmHg para as crianças entre 1 e 12 meses, ções.
acima de 70 + (2x a idade) mmHg para crianças Em síntese, é sugerido a condução de futu-
entre 1 ano e 10 anos e acima de 90mmHg para ros estudos que visem o aprimoramento do ma-
crianças maiores que 10 anos. É essencial a ava- nejo e a utilização de ferramentas que busquem
liação da pressão intracraniana do paciente, a diminuição de distúrbios neurológicos e/ou
sendo necessária a intervenção nos casos de hi- desordens sistêmicas associadas ao TC.
pertensão intracraniana. A hipertensão intracra-

141 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BURNS, D.A.R. et al. Tratado de Pediatria. 4. ed. Baru-
eri SP: Editora Manole Ltda, 2017. MÜLLER, H. et al. Trauma Cranioencefálico. Sociedade
Brasileira de Pediatria, n. 1, 2017.
CALADO, C. & BOTA, M. Traumatismo crânio-encefá-
lico grave em pediatria: avaliação e abordagem pré-hos- SILVA, L.R. Diagnóstico em Pediatria. Rio de Janeiro:
pitalar. Life Saving Scientific, v. 2, n. 2, p. 23, 2022. Guanabara Koogan, 2009.

COSTA, A.C.S.M. & PEREIRA, C.U. Traumatismo cra- SOLÉ, D. et al. Tratado de Pediatria. 5. ed. Barueri SP:
nioencefálico na infância: aspectos clínicos e reabilita - Editora Manole Ltda, 2022.
ção. RBM Revista Brasileira de Medicina, v. 48, n. 2,
2012. STEWART, R.M. et al. Advanced Trauma Life Support.
Advanced Trauma Life Support, 10ª edição, 2018.
COUTO, P.T. et al. Criança com traumatismo crânio -
encefálico na emergência hospitalar: quando tomogra- VAVILALA, M.S. & TASKER, R.C. Severe traumatic
far?. Acta médica (Porto Alegre), v. 36, n. 6, 2015. brain injury (TBI) in children: Initial evaluation and man-
agement. In: UpToDate, Post TW (Ed), UpToDate, Wal-
DE CARVALHO, W.B. et al. Terapia Intensiva. 36. ed. tham, MA, 2021.
Barueri SP: Editora Manole Ltda, 2020.
WALTERS, B.C et al. Guidelines for Prehospital Man-
GUERRA, S.D. et al. Traumatismo cranioencefálico em agement of Traumatic Brain Injury. Journal of Neuro -
pediatria. Jornal de Pediatria, v. 75, supl. 2, p. S279, trauma, v. 19, n. 1, p. 111, 2002.
1999.
ZEITEL, R.S. et al. Traumatismo craniano em pediatria.
LÖHR Junior, A. Conduta frente à criança com trauma Traumatismo craniano em pediatria, v. 17, Supl. 1, p. 1,
craniano. Jornal De Pediatria, 78, S40, 2002. 2017.

142 | P á g i n a
Capítulo 17

CRISES CONVULSIVAS NA
EMERGÊNCIA
PEDIÁTRICA

ALICE MARTINS OLIVEIRA¹


BRUNA CORRÊA NOGUEIRA¹
CAROLINA BORGES DE CARVALHO PINTO¹
EDUARDO ALMEIDA BEZERRA¹
GABRIELA OLIVEIRA CASSARO¹
JULIA RIBEIRO COELHO¹
JULIA SOARES GONÇALVES¹
KÉREN VALENTINA DELBONI BROZZI¹
LARA MYLLENA FURTADO PIMENTEL¹
MÁRGYA NEVES SOUZA¹
NATHALIA ZAGOTTO PINEHIRO¹
THIAGO SALUME LIMA NOGUEIRA¹

1. Discente – Medicina do Centro Universitário Multivix Vitória.

Palavras Chave: Convulsão; Emergência; Pediatria.

10.59290/978-65-6029-017-4.17 143 | P á g i n a
INTRODUÇÃO prevalência assim como os métodos terapêuti-
cos utilizados baseado em evidências.
As crises convulsivas compõem as princi-
pais causas de emergência infantil, evento ao MÉTODO
qual requer uma atenção imediata, devido sua
recorrência ser motivador para o aumento da Trata-se de uma revisão sistemática reali-
morbimortalidade do paciente, expondo-se ao zada no período de março a junho de 2023, por
risco de neurotoxicidade e danos cerebrais. Es- meio de pesquisas nas bases de dados: ex. Pub-
ses quadros são de grande relevância na área Med e Medline. Foram utilizados os descrito-
pediátrica, uma vez que podem repercutir nega- res: “convulsão”, “crise convulsiva”, “mal epi-
tivamente para o desenvolvimento psicossocial, lético”, “emergência pediátrica” e “crise con-
evidenciando a necessidade de realizar uma vulsiva febril na emergência pediátrica”. Desta
busca etiológica, assim como tratá-la segundo busca foram encontrados 12 artigos, posterior-
os protocolos e intermediar um acompanha- mente submetidos aos critérios de seleção.
mento adequado para o caso. Os critérios de inclusão foram: artigos nos
As convulsões são episódios transitórios idiomas português e inglês, publicados no perí-
propiciados por uma descarga elétrica cerebral odo de 2012 a 2022 e que abordavam as temá-
excessiva, fator que se manifesta com altera- ticas propostas para esta pesquisa, estudos do
ções motoras desordenadas, com contraturas tipo revisão, disponibilizados na íntegra. Os cri-
musculares involuntárias, podendo associar-se térios de exclusão foram: artigos duplicados,
a momentos de ausência. Os sintomas são de- disponibilizados na forma de resumo, que não
finidos de acordo com a categorização, poden- abordavam diretamente a proposta estudada e
do ser resultante de uma crise focal ou genera- que não atendiam aos demais critérios de inclu-
lizada. É preciso esclarecer a etiologia do qua- são.
dro, assim como diferenciá-lo de um episódio Após os critérios de seleção restaram 5 arti-
agudo ou decorrente de doença crônica. Ade- gos que foram submetidos à leitura minuciosa
mais, deve-se estabelecer uma anamnese deta- para a coleta de dados. Os resultados foram
lhada, após estabilização do paciente, abordan- apresentados de forma descritiva, divididos em
do as características do episódio paroxístico, do categorias temáticas abordando: Introdução, fi-
pré e pós-ictal, juntamente com os possíveis fa- siopatologia, epidemiologia, diagnóstico e tra-
tores adversos que podem ser contribuintes para tamento.
o desencadeamento da crise. Na investigação de
um quadro convulsivo destaca-se a crise con- RESULTADOS E DISCUSSÃO
vulsiva febril que acomete em média 2-5% das
crianças na faixa etária de 6 meses a 5 anos, Fisiopatologia
portanto é de suma importância atentar-se à A crise epiléptica é comumente vista nos
possível evolução para o estado de mal epilético serviços de urgência e emergência de pediatria,
(GUARAGNA et al., 2016; MARRA, 2022). necessitando de intervenção imediata aquelas
O objetivo deste estudo foi reunir informa- as quais apresentam uma duração maior que 5
ções atualizadas sobre crises convulsivas em minutos ou que são recorrentes, uma vez que
crianças e elucidar os diagnósticos de maior estão atreladas à neurotoxicidade e danos cere-
brais a depender do tempo de duração de cada

144 | P á g i n a
uma. Dentre as que são atendidas em emergên- do fluxo sanguíneo evita dano cerebral e com-
cia estão: crise convulsiva febril, crise epilép- plicações sistêmicas na maioria dos casos de
tica após traumatismo cranioencefálico (TCE), crises de curta duração (<5 minutos) (BURNS
estado epiléptico febril e estado de mal epilép- et al., 2017).
tico (EME) (GUARAGNA et al., 2016). Quando em crise, o paciente pode apresen-
•Crise convulsiva febril: é caracterizada tar uma ventilação inadequada e/ou insuficiente
quando a criança estando na faixa etária de 6 mecanismo compensatório em decorrência da
meses a 5 anos possui temperatura corporal é dificuldade de manter a via aérea sustentada. A
≥38o C, mas não apresenta sinais de infecção do partir disso, o quadro evolui para acidose respi-
sistema nervoso central (SNC) ou distúrbios ratória, hipoxemia e hipercarbia. À medida que
metabólicos e sem história de convulsão afebril se estende o tempo de duração da crise os sin-
(GUARAGNA et al., 2016; DYNAMED, tomas se agravam, havendo risco de acidose lá-
2023a). tica, hiperpotassemia, hipertermia, hipoglice-
•Estado epiléptico febril: é uma crise febril mia, rabdomiólise, hipoxemia e hipotensão, de-
que se comporta como generalizada ou parcial sencadeando o EME (BURNS et al., 2017).
evoluindo para generalizada e com duração >30 O EME está presente quando um conjunto
minutos, estando associada à história familiar e de neurônios inicia e mantém disparos de sinap-
a anormalidades neurológicas. ses anormais, sendo elas facilitadas pela perda
•Crise epilética após TCE: em média 20 a do neurotransmissor ácido gama-aminobutírico
40% das crianças acometidas de uma TCE são (GABA) que faz a mediação de inibição sináp-
passíveis de apresentar uma crise epilética após tica (inibição se torna inefetiva) e quando as si-
o trauma. napses são sustentadas por transmissão excita-
•EME: a criança permanece em crise con- tória mediada pelo glutamato (excitação exces-
vulsiva por mais de 30 minutos ou duas ou mais siva) (DYNAMED, 2023b)
crises de curta duração. No intervalo dessas cri- As causas mais comuns de crises epiléticas
ses, a criança não é capaz de recobrar a consci- em crianças são: convulsões febris; níveis bai-
ência. xos ou retirada de anticonvulsivantes, distúr-
Essas crises são definidas como uma ativi- bios metabólicos (como, por exemplo, desba-
dade elétrica anormal dos neurônios corticais lanço de glicose ou de eletrólitos – principal-
que resulta em movimentos involuntários (con- mente hipocalcemia, hipomagnesemia e hiper-
trações musculares exageradas e anormais) e natremia); epilepsia; asfixia perinatal e encefa-
alteração do nível de consciência, sendo desen- lopatia hipóxico isquêmica não progressiva;
cadeados por descargas neuronais excessivas e tumores do SNC; hemorragia intracraniana;
síncronas. Dessa forma, há um aumento do con- acidente vascular cerebral; hiperviscosidade
sumo de oxigênio (O 2 ) e de glicose e eleva-se a sanguínea (BURNS et al., 2017).
produção de lactato e gás carbônico (CO 2 ), pro-
vocando ainda na fase inicial: taquicardia e hi- Epidemiologia
perglicemia. A crise convulsiva derivada do estado do
Ademais, associado a esse quadro, na fase mal epilético (EME) e da crise febril é uma e-
inicial nota-se uma elevação do fluxo sanguí- mergência pediátrica muito frequente, acomete
neo cerebral como mecanismo compensatório crianças de todas as raças, etnias, culturas, inde-
e, por conseguinte, hipertensão. Esse aumento pendente de condições socioeconômicas, de-

145 | P á g i n a
vendo ser tratadas o mais breve possível para 2018; BRENO & LIBERALESSO, 2018;
evitar complicações. DENNIS et al., 2017).
A definição de EME mais utilizada é a crise
epilética única ou conseguintes sem recupera- Diagnóstico
ção do nível de consciência entre uma e outra O diagnóstico das crises convulsivas é esta-
com duração superior ou igual a 30 minutos. belecido mediante a história clínica do paciente,
Porém até hoje, não há um consenso sobre o realizada através de uma anamnese completa,
conceito de EME, com diversas propostas de al- associada ao exame físico, neurológico, requisi-
teração. ção de exame de imagem e coleta laboratorial.
Estudos demonstram que há maior risco Deve-se lembrar que o diagnóstico das crises,
para ocorrência do EME nos primeiros anos assim como a busca etiológica só é realizada
após o diagnóstico de epilepsia, sendo que cerca após estabilização do paciente. Inicialmente se
de 20% das crises epiléticas são devido a refra- faz necessário colher a história precedente ao
tariedade da medicação oferecida e 40% dos quadro, avaliando se há infecção viral conjunta,
casos ocorrem nos primeiros 2 anos de vida, episódios de queda e início de quadro febril,
sendo 12% desses a 1ª manifestação da infân- sendo este de suma importância para definir a
cia. Cerca de 27% das crianças com epilepsia etiologia das crises febris. Outra abordagem a
de idade inferior a 16 anos já tiveram ao longo ser avaliada é a história patológica pregressa de
da vida pelo menos um episódio de EME. internações maiores de 28 dias, atraso de desen-
Infelizmente é uma patologia com grande volvimento, estado de mal epilético anterior-
mortalidade e morbidade neurológica, pois o mente definido assim como obter a informação
EME possui relação direta com a evolução do dos medicamentos em uso e comorbidades as-
seu prognostico. Já a crise febril (CF) é ca- sociadas. Vale ressaltar que história familiar
racterizada por uma crise convulsiva que ocorre positiva pode elevar a probabilidade de a crian-
entre 6 meses e 6 anos devido a presença de ça desenvolver convulsões similares aos dos
febre e ausência de crise afebril prévia, crise seus genitores. Na investigação diagnóstica
neonatal infecções neurológicas; com pico aos deve-se incluir o padrão convulsivo, assim co-
18 meses aproximadamente. A CF possui etio- mo o tempo de duração da crise e as caracte-
logia multifatorial, envolvendo fatore genéticos rísticas do pós-ictal, sendo assim possível guiar
e ambientais. a hipótese entre os três tipos mais comuns, CF
Possui ocorrência de 4% em crianças de simples, CF complexa e estado de mal epilético.
acordo com uma pesquisa no Chile e na faixa Inicialmente deve ser realizado a analise dos
etária de 3 mês até 5 anos de acordo com o sinais vitais, temperatura e o dextro atual e pre-
National Institute of Health (NIH), tendo limi- viamente computados. Em segundo plano, tor-
tação até os 6 anos. Sabe-se que cerca de 2 a 5% na-se necessário a coleta de exames laborato-
das crianças com menos 5 anos apresentarão riais entre eles: hemograma completo, VHS,
um episódio de CF. Há ocorrência de 1% se não PCR para afastar infecções adjacentes, glice-
houver fator de risco e 2% se houver. Se possuir mia, eletrólitos tais como sódio, potássio, cál-
2 ou mais fatores de risco, o risco sobe para cio, magnético e fósforo, dosagem sérica de
10% de a criança que passou pela CF desen- medicações anticonvulsivantes, função renal e
volver epilepsia. A incidência é elevada em paí- hepática, gasometria arterial, exame qualitativo
ses asiáticos 7-8%, posteriormente Europa e de urina e busca toxicológica no sangue e urina.
EUA com 2-4%. (FILHO, 2012; DE et al., Deve-se ressaltar que a realização da triagem
146 | P á g i n a
infecciosa é estabelecida após 6 horas do início ofertando oxigênio a 100% via cateter nasal ou
do quadro. A realização de exames de imagem máscara facial, além de garantir acesso venoso
deve ser prescrita de forma individualizada, periférico, para infusão de medicações e even-
sendo assim, recomenda-se realizar eletroence- tuais coletas de exames (GUARAGNA et al.,
falograma caso suspeita de doença cerebral sub- 2016).
jacente, presença de atraso no desenvolvimento Para o controle de uma CF prolongada (>5
psicomotor ou na presença de déficit neuroló- minutos) ou complexa, os benzodiazepínicos
gico. Outra abordagem de imagem é a tomogra- são os fármacos de primeira escolha, sendo Mi-
fia computadorizada de crânio ou ressonância dazolam e Diazepam os mais utilizados. Reco-
magnética de encéfalo, exames que podem ser menda-se administrar Diazepam na dose de
requeridos para auxílio diagnóstico ou em casos 0,3mg/kg a 0,5mg/kg por via intravenosa (má-
de crises focais, quadros de estado epilético fe- ximo de 1mg/kg/min) ou na dose de 0,5mg/kg
bril, história de queda importante com hipótese se via retal. Outra opção seria utilizar Midazo-
de TCE nas últimas 72 horas ou anterior a pun- lam na dose de 0,2mg/kg via intravenosa (má-
ção lombar na suspeita de hipertensão intracra- ximo de 4mg/kg/min) ou 0,2mg/kg em vias in-
niana. É importante ressaltar que a punção lom- tramuscular, nasal ou oral (GUARAGNA et al.,
bar é realizada em casos selecionados, como em 2016).
quadros clínicos indicativos de processo infec- Caso uma nova crise se inicie ou se pro-
cioso neurológico em vigência, sinais de irrita- longue por mais 10 minutos, deve-se repetir a
ção meníngea, menores de 18 meses sem foco dose do benzodiazepínico utilizado anterior-
infeccioso definido, história de crise convulsiva mente. Se apesar dessas medidas ainda persis-
com pós-ictal prolongado e no primeiro episó- tir, será necessária a utilização de uma droga
dio de uma crise convulsiva febril complexa. anticonvulsivante de longa ação, como a Feni-
Nota-se que os casos convulsivos mais fre- toína (DE et al., 2018).
quentes são resultantes da crise convulsiva fe- Fenitoína pode ser utilizada na dose de 15 a
bril que mediante a elucidação de um episódio 20 mg/kg (máximo 1,5 g) em 1 hora, porém sua
febril prévio não há necessidade de uma inves- infusão requer alguns cuidados, pois pode ins-
tigação extensa, assim como em pacientes em taurar arritmias cardíacas e hipotensão arterial
uso continuo de anticonvulsivante. se administrada rapidamente. Ademais, em pa-
Mediante ao supracitado, ressalta-se que o cientes usuários crônicos de Fenitoína é prefe-
diagnostico é guiado pela história clínica do pa- rível utilizar o Fenobarbital na dose de 15 a 20
ciente, sendo assim os exames completares são mg/kg (máximo de 1000mg), pois os estudos
solicitados de forma individualizada (GUARA- sugerem um maior risco de impregnação e efei
GNA et al., 2016; NELSON et al., 2017). tos adversos se utilizada nesses pacientes.
Se apesar dos esforços iniciais o paciente
Tratamento permanecer em crise após 40 minutos, está indi-
No manejo da crise convulsiva febril, é de cada a indução anestésica rápida com o Tio-
suma importância caracterizar o tipo de crise pental via endovenosa (NELSON et al., 2017).
manifestada pela criança, além de sinais de Além do tratamento medicamentoso alguns
alarme que definirão a conduta médica. De exames complementares podem ser importan-
forma geral, a abordagem inicial de uma criança tes. A punção lombar é opcional em crianças
em crise convulsiva na emergência consiste em entre 6 e 12 meses de idade sem imunização ou
estabelecer medidas de proteção de via aérea, imunização incompleta contra Haemophilus in-
147 | P á g i n a
flenza B, Streptococcus pneumoniae ou calen- Torna-se imprescindível que durante o atendi-
dário vacinal desconhecido. No entanto, a pun- mento ao paciente com quadro epiléptico, os
ção lombar torna-se obrigatória se houver qual- profissionais sigam os protocolos pré-estabe-
quer suspeita de meningite ou infecções no sis- lecidos pelo hospital e sejam capazes de realizar
tema nervoso central. É importante salientar um bom exame físico e anamnese para rastrear
que quando for necessário a punção lombar, e descartar outras possíveis doenças que cursam
deve-se solicitar hemocultura e glicemia com manifestações de crises epilépticas. Dessa
(GUARAGNA et al., 2016). forma, conclui-se que o estado epiléptico pre-
cisa ser um tema amplamente conhecido pelo
CONCLUSÃO médico atuante do pronto-socorro, bem como
pela equipe, a fim de promover a redução da
Diante do apresentado, é notório a frequen- morbimortalidade, das complicações sistêmicas
te prevalência de quadros epiléticos na infância. e das possíveis sequelas neurológicas.

148 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRENO, P. & LIBERALESSO, N. Estado de mal epilép- GUID-4A53CD9A-296F-4831-8B7D-C2947D258013.
tico. Diagnóstico e tratamento Resumo. Residência Pedi- Acesso em: 01 de jun. 2023
átrica, v. 8, n. 1, p. 35, 2018.
FILHO, H.S.M. Abordagem das crises epilépticas na
BURNS, D.A.R. et al. Tratado de Pediatria. 4 a Edição. emergência pediátrica. Revista de pediatria SOPERJ, v.
Barueri, SP: Manole, 2017. 13, n. 2, p. 29, 2012.

DE, M. et al. Crise febril na Infância: Uma revisão dos GUARAGNA, J.B.A. et al. Manejo das crises convulsi-
principais conceitos Resumo Febrile seizure in chil- vas na emergência pediátrica. Acta médica (Porto Ale-
dhood: A review of the main concepts. Residência Pedi- gre), v. 37, p. 7, 2016.
átrica, v. 8, n. 1, p. 11, 2018.
MARRA, P.S. Protocolo clínico de atendimento de es-
DENNIS, A.R.B. et al. Tratado de Pediatria: 2 volumes tado epiléptico no pronto-socorro infantil. Trabalho de
– 4a Edição, 2017. Conclusão de Curso apresentado à Comissão de Residên-
cia Médica do Hospital do Servidor Público Municipal,
DYNAMED. Convulsão Febril. Serviços de informação como requisito parcial para obtenção do título de Especi-
da EBSCO. 2023a. Disponível em: https://www.dyna- alista – Modalidade Residência Médica. São Paulo, 2022.
med.com/condition/febrile-seizure. Acesso em: 01 de
jun. 2023 NELSON, W.E. et al. Nelson Tratado de Pediatria. 20a
ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017.
DYNAMED. Apreensão em Crianças. Serviços de infor-
mação da EBSCO. 2023b. Disponível em:
https://www.dynamed.com/condition/seizureinchildren#

149 | P á g i n a
Capítulo 18

TRATAMENTO
MEDICAMENTOSO PARA
OBESIDADE INFANTIL

GIOVANA RUGERI¹
JÚLIA CALDATO¹
LAURA FAISTEL MARQUES¹
LAURA RICHETTI FRANZOSI¹
LUISA SIMONI¹
MARCOS ALEXANDRE INNOCENTI¹
MARIA CLARA TONINI PAGLIARIN¹
MARIA EDUARDA KINDEL¹
MARIA EDUARDA TOMASETTO¹
MARIA FERNANDA GUADAGNIN¹
MARINNA VEDANA¹
NATASHA BALEN CARAZZO²
PIETRA CAMPIGOTTO AQUINO¹
VALENTINA ANTONIAZZIA BROTTO¹

1. Discente - curso de Medicina da Universidade de Passo Fundo (UPF)


2. Docente – curso de Medicina da Universidade de Passo Fundo (UPF)

Palavras Chave: Obesidade infantil, Tratamento medicamentoso; Manejo comportamental.

10.59290/978-65-6029-017-4.18 150 | P á g i n a
INTRODUÇÃO concentrações glicêmicas e perfil lipídico alte-
rado, a obesidade acarreta uma inflamação me-
Conceito tabólica generalizada, piorando a resposta imu-
A obesidade, hoje, é um grande desafio à nológica da criança e predispondo ao surgi-
saúde pública no mundo todo, considerada co- mento de diversas outras doenças. Essa infla-
mo o grande mal do século XXI. Isso se deve a mação de forma sistêmica contribui também
inúmeros fatores, entre eles estão os hábitos e com processos ateroscleróticos que podem re-
atitudes tomadas pela população desde a infân- sultar na formação de trombos e, consequente-
cia. A obesidade infantil, atualmente, é consi- mente, possível trombose e infarto agudo do
derada pela Organização Mundial da Saúde miocárdio de forma assustadoramente precoce.
(OMS) como um problema global e de muito Tais repercussões dependem também da carga
difícil resolução (WHO, 2022). genética do indivíduo, porém a obesidade é uma
Quando se pensa em obesidade, geralmente condição que pode acelerar o desenvolvimento
relaciona-se imediatamente a um excesso de o- de outras doenças que talvez apareceriam ape-
ferta de alimentos, logo, condições financeiras nas com a idade muito mais avançada.
acima da média. Porém, consoante a OMS, a o- Outro fator importante é que o excesso de
besidade infantil atinge mais significativamente peso dificulta o desempenho em atividades diá-
países de baixa e média rendas em áreas ur- rias simples, visto a sobrecarga gerada tanto no
banas (VERDE, 2014). Assim, percebe-se que sistema cardiovascular quanto no músculo-es-
essa questão vai muito além do que ou do quelético. Nesse sentido, a criança fica mais
quanto é ingerido, sendo importante considerar predisposta a deformações articulares e lesões
também fatores secundários que contribuem de membros inferiores (BRANDALIZE &
com o problema, como um estilo de vida seden- LEITE, 2010). Por tal fato, alterações posturais
tário, alimentação seletiva, oferta de alimentos e dores músculo-esqueléticas são as consequên-
prejudiciais, e até mesmo fatores psicossociais cias diretas mais comuns da obesidade (DÂ-
como timidez, aspectos antissociais e a própria MASO, 2004).
ansiedade. Ademais, fatores psicossociais também es-
De modo geral, o diagnóstico da obesidade tão associados ao aumento da incidência de
infantil não é difícil, podendo ser feito durante obesidade infantil, porém os mecanismos des-
a inspeção de uma consulta clínica. Devem ser sas condições ainda não estão inteiramente cla-
avaliados dados antropométricos, como peso e ros para o meio médico-científico. Ainda assim,
estatura, para calcular o valor do Índice de sabe-se que distúrbios como ansiedade e de-
Massa Corporal (IMC) da criança, além da pos- pressão podem alterar o relacionamento do jo-
sibilidade de análise das dobras cutâneas e da vem com a comida, desenvolvendo uma possí-
circunferência abdominal. vel seletividade alimentar mesmo após a pri-
O diagnóstico da obesidade infantil é de ex- meira infância.
trema importância para que as intervenções ne- Tendo em mente todos esses efeitos negati-
cessárias sejam feitas da maneira mais precoce vos que o excesso de peso pode causar, o com-
possível, a fim de evitar as comorbidades que bate à obesidade infantil torna-se imperativo e,
estão associadas a ela, tanto a curto quanto a para isso, é necessário entender primeiramente
longo prazo. Além da possibilidade de gerar um quais os fatores que a provocam e o motivo pelo
estado pré-hipertensivo na criança, elevadas qual tem aumentado sua incidência.
Epidemiologia
151 | P á g i n a
Ao longo das últimas décadas, o padrão ali- de acordo com a OMS, para crianças até os 2
mentar da população em geral vem sendo mo- anos de idade o uso de telas deve ser totalmente
dificado aos poucos, favorecendo o aumento de restrito. Entretanto, sabemos que essa não é a
peso. As taxas de obesidade quase triplicaram realidade da maioria da população, que busca
desde 1975 em todo o mundo, e aumentaram nas tecnologias um refúgio para acalmar e en-
quase cinco vezes entre crianças e adolescentes treter as suas crianças. Consequentemente, tem-
(OPAS, 2021). se taxas cada vez mais elevadas de sedenta-
Agora, em um mundo muito mais urbani- rismo infantil, que afeta inclusive o desenvolvi-
zado, o acesso a qualquer elemento do dia a dia mento psicomotor dos pequenos.
foi extremamente facilitado, favorecendo uma Além desses fatores que já estavam ocor-
mudança de costumes que se mostrou antagô- rendo de maneira natural ao longo dos últimos
nica em relação a práticas saudáveis. Tendo isso anos, em 2020 o mundo foi assolado pela pan-
em vista, tornou-se muito comum as famílias se demia de SARS-CoV-2. Em períodos de qua-
submeterem a uma oferta de alimentos com rentena, crianças e adolescentes foram obriga-
baixa carga nutricional e altos teores de gordu- dos a permanecer o máximo de tempo possível
ras em prol, simplesmente, de facilitar o cotidi- dentro de suas casas, o que aumentou de forma
ano, uma vez que esses tipos de alimentos estão drástica as taxas de sedentarismo pediátrico
abundantemente disponíveis em forma de in- (BISCARO & CIVIDINI, 2022).
dustrializados. Ademais, de modo oposto ao Por outro lado, as consequências de todas
senso comum, um estudo recente do Fundo das essas mudanças de hábitos já estavam ocor-
Nações Unidas para a Infância (UNICEF), rendo antes da pandemia. De acordo com dados
identificou que o exacerbado consumo de ultra- de crianças acompanhadas pela Atenção Primá-
processados não se faz presente somente em fa- ria do Sistema Único de Saúde (SUS) no ano de
mílias com melhores condições financeiras, 2019, em relação a crianças de até 5 anos de
mas sim apresentou um consumo significativo idade, o sobrepeso atingia 14,8% dessa popula-
entre famílias que enfrentam uma importante ção, e 7% dela já apresentava obesidade. No
fragilidade social e se beneficiam de programas que se refere a crianças entre 5 e 9 anos de
governamentais como o Bolsa Família (UNI- idade, 13,2% delas eram afetadas por essa do-
CEF, 2021a). Como evidência de tal fato, veri- ença, e 28% estavam em situação de sobrepeso,
ficou-se que o crescimento das taxas de obesi- a um passo de entrarem para os índices de obe-
dade infantil foi maior em famílias de baixa sidade (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2021a).
renda (SBP, 2019), apesar de alegarem terem Em comparação, apenas um ano depois, em
conhecimento da relevância de hábitos saudá- 2020, o sobrepeso atingia 15,9% dos menores
veis para sua qualidade de vida (UNICEF, de 5 anos e 31,8% das crianças entre 5 e 9 anos,
2021b). ao passo que a obesidade já estava presente em
Associada ao elemento nutricional, a dimi- 7,4% em crianças de até 5 anos e 15,8% entre 5
nuição gradual da atividade física na população e 9 anos (MS, 2021b). Além disso, a estimativa
infanto-juvenil é algo que contribui ainda mais mais atual, de 2022, é de que 6,4 milhões de cri-
com a obesidade. A supremacia dos jogos de vi- anças tenham excesso de peso no Brasil e 3,1
deogame e dos programas infantis na sociedade milhões já evoluíram para obesidade (MS,
atual se manifesta de forma tão ampla que foi 2021b).
necessário ser designado um tempo limite de Ademais, um relatório do Sistema Nacional
exposição a telas nessa faixa etária, sendo que de Vigilância Alimentar e Nutricional averi-
152 | P á g i n a
guou os dados de crianças e adolescentes acom- zendo com que diminua a ingestão alimentar
panhadas pela Atenção Primária à Saúde e con- (no hipotálamo ativam as vias efetoras catabó-
cluiu que mais de 340 mil crianças de 5 a 10 licas e inibem vias efetoras anabólicas, e como
anos de idade foram diagnosticadas com obesi- essas vias têm efeitos opostos no balanço ener-
dade do início de 2022 até o mês de setembro gético, elas determinam os estoques de energia,
desse mesmo ano (MS, 2022). Em relação às re- sob a forma de triglicérides).
giões brasileiras, a região Sul é a que possui as
maiores taxas, representando 11,52% de crian- Diagnóstico da obesidade e das princi-
ças em situação de obesidade entre 5 e 10 anos pais comorbidades
de idade. Posteriormente estão as regiões Su- Ferramentas disponíveis para diagnós-
deste, com 10,41%; Nordeste, com 9,67%; tico da obesidade em crianças e adolescentes
Centro-Oeste, com 9,43%; e Norte, com 6,93% A ferramenta mais utilizada é a antropome-
de crianças obesas nessa mesma faixa etária tria, que classifica a criança quanto ao estado
(MS, 2022). nutricional, de acordo com o peso e com a esta-
Apesar da população ser muito alertada a tura. Com esses dois parâmetros, é possível
respeito das consequências do excesso de peso também realizar o cálculo do índice de massa
na infância, as taxas de obesidade na pediatria corporal (IMC). Atualmente, para os menores
só estão inclinadas a aumentar. No ano de 2022, de 5 anos, utilizam-se curvas de classificação
o Relatório Mundial da Obesidade reconheceu do estado nutricional elaboradas pela OMS, re-
que o aumento exponencial da obesidade infan- presentadas em percentis e z-escore, enquanto
til é uma tendência global, e estimou que, até que para os maiores de 5 anos, utilizam-se os
2030, o Brasil terá 7,7 milhões de crianças obe- dados do Center for Disease Control
sas (USP, 2022). Ele também estima que cerca (CDC/NCHS). Vale ressaltar que o IMC pode
de 23% das crianças entre 5 e 9 anos e 18% dos superestimar o valor em crianças de baixa esta-
adolescentes de 10 a 19 anos serão afetados pela tura, bem como subestimar naquelas que pos-
doença (USP, 2022). suem baixa massa magra.
Em decorrência disso, como método com-
Fisiopatologia plementar, pode-se utilizar a análise das dobras
A obesidade se desenvolve, na grande mai- cutâneas e da circunferência abdominal. Quan-
oria dos casos, pela associação de fatores gené- do se diz respeito à circunferência abdominal,
ticos, ambientais e comportamentais. Na área seu uso na pediatria é limitado, uma vez que não
da genética há mais de 400 genes já isolados há congruência tanto no tocante ao local ana-
que codificam componentes que participam da tômico de análise quanto nos pontos de referên-
regulação do peso corporal. Entre esses compo- cia de classificação dessa medida na população
nentes, alguns agem preferencialmente na in- infantil. No caso das dobras, elas são tão acura-
gestão alimentar, outros no gasto energético e das quanto o IMC para realização de diagnós-
ainda existem aqueles que atuam nos dois me- tico. Sant’Anna e colaboradores (2009), por
canismos ou modulam essas ações. meio de uma revisão de métodos para avaliação
Os componentes mais importantes que par- da composição corporal, observaram que a do-
ticipam da informação ao sistema nervoso cen- bra escapular é a que tem maior relação com a
tral do grau de adiposidade do organismo são a distribuição de gordura. Além desta, podem ser
insulina e a leptina. Secretadas proporcional- aferidas a dobra cutânea tricipital, a supra ilíaca
mente ao conteúdo de gordura corporal, fa- e a da panturrilha medial. Todavia, ainda não
153 | P á g i n a
existe uma padronização brasileira para as me- risco cardiovascular e a partir dos 9 anos para
didas de dobras cutâneas. No entanto, em crian- todas as crianças obesas.
ças, Buonani e colaboradores avaliaram que ● Doença gordurosa não alcoólica do fí-
para essa população, a equação proposta por gado: é considerada a doença hepática crônica
Deurenberg et al. (1991) é a de melhor de- mais comum em crianças e adolescentes com
sempenho, que é representada pela respectiva sobrepeso e obesidade. A avaliação das enzi-
fórmula “≤15 anos 1,51 * IMC - (0,70* idade) mas hepáticas e a ultrassonografia hepática são
- (3,6*X) +1,4 X 1 = masc e 0 = fem”, sendo os indicadas para detectar possíveis alterações no
pontos de corte para excesso de gordura de 25% fígado.
para meninos e 30% para meninas. ● Alterações ortopédicas: podem ser diag-
Atualmente, tendo em vista o aumento ex- nosticadas por meio de exame físico e radiogra-
pressivo de casos de obesidade ao redor do fias.
mundo, novos aspectos estão sendo estudados ● Síndrome dos ovários policísticos
para agregar ao diagnóstico de obesidade infan- (SOP): a obesidade infantil pode contribuir para
til, como a bioimpedância elétrica (BIA) e a di- o hiperandrogenismo e manifestações metabó-
luição isotópica com óxido de deutério medido licas e reprodutivas da SOP. No entanto, o di-
por Espectrometria de Infravermelho com agnóstico dessa síndrome em adolescentes
Transformação de Fourier (FTIR), entretanto ainda é controverso e requer a presença de cri-
são medidas ainda não bem especificadas para térios específicos.
o contexto infantil. ● Alterações dermatológicas: estrias, in-
tertrigo, ceratose pilar, foliculite, furúnculos,
Diagnóstico das Principais Comorbida- hiperceratose plantar, hirsutismo, acne e acan-
des tose nigricans podem aparecer associadas a
● Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS): obesidade. O diagnóstico é realizado por meio
a aferição está indicada a partir dos 3 anos de de exame clínico dermatológico.
idade e, caso seja detectada uma pressão arterial Tendo em vista o surgimento de novos me-
igual ou superior a 90 mmHg em uma consulta dicamentos para tratamento e controle da obe-
médica, são necessárias duas aferições adicio- sidade e sabendo que o manejo dessa enfermi-
nais em momentos diferentes para confirmar o dade em crianças e adolescentes não se encon-
diagnóstico. tra bem estabelecido, o presente trabalho tem
● Resistência insulínica e perfil glicê- como objetivo revisar literaturas referentes ao
mico: aumenta o risco de diabetes tipo 2 e sín- tratamento da obesidade infantil, a fim de me-
drome metabólica. Além dos sintomas clínicos, lhorar o entendimento sobre as melhores evi-
como obesidade, alta estatura e acantose nigri- dências existentes atualmente sobre o tema.
cans, podem ser utilizados testes como medida
de glicemia em jejum, teste oral de tolerância à MÉTODO
glicose ou teste de tolerância à glicose intrave-
nosa. O padrão-ouro para determinar a resistên- Trata-se de uma revisão integrativa reali-
cia insulínica é o clamp euglicêmico-hiperinsu- zada no período de fevereiro a junho de 2023,
linêmico. por meio de pesquisas nas bases de dados Sci-
● Dislipidemia: é recomendado realizar ELO, PubMed, UpToDate e Google. Também,
screening a partir dos 2 anos para crianças com obteve-se como base o Manual de Orientação

154 | P á g i n a
de Obesidade na Infância e Adolescência, dis- O tratamento da criança e adolescente com
ponibilizado pela Sociedade Brasileira de Pedi- sobrepeso ou obesidade deve sempre iniciar pe-
atria, e a Diretriz de Prática Clínica para Avali- las mudanças de estilo de vida, abrangendo
ação e Tratamento de Crianças e Adolescentes tanto mudanças dietéticas quanto a inserção de
com Obesidade da American Academy of Pedi- atividades físicas na rotina diária, minimizando
atrics. Foram utilizados os descritores “Obesi- o tempo gasto em atividades sedentárias (SBP,
dade Infantil”, “Manifestações Clínicas”, “Di- 2019).
agnóstico”, “Tratamento não Farmacológico e As metas do tratamento dietoterápico da
“Tratamento Farmacológico” e seus respecti- obesidade infantil devem ser individualizadas
vos sinônimos. Desta busca foram encontrados de acordo com a idade da criança, gravidade da
30 artigos, posteriormente submetidos aos cri- obesidade e a presença e/ou risco de comorbi-
térios de seleção. Os critérios de inclusão foram dades. Além disso, é extremamente importante
artigos nos idiomas português e inglês; publica- avaliar o contexto socioeconômico em que a fa-
dos no período de 2003 a 2023 e que abordavam mília está inserida, já que isso torna possível
as temáticas propostas para esta pesquisa, estu- identificar hábitos passíveis de mudança, bem
dos do tipo revisão sistemática e meta-análise, como inserir novas práticas que possam ser re-
disponibilizados na íntegra. Os critérios de ex- alizadas dentro da realidade de cada grupo fa-
clusão foram artigos que não abordavam direta- miliar (SBP, 2019; AAP, 2023).
mente a proposta do capítulo. Não há estudos que comparem diferentes
Após os critérios de seleção restaram 16 ar- estratégias de tratamentos comportamentais e
tigos que foram submetidos à leitura minuciosa não medicamentosos, especialmente conside-
para a coleta de dados. Os resultados foram rando características únicas do paciente, como
apresentados em forma descritiva, divididos em necessidades dietéticas especiais, idade e está-
categorias temáticas abordando: descrever os gio de desenvolvimento e outras doenças de
subtítulos ou pontos que foram mencionados na base, por isso a individualização das estratégias
discussão) ou, com base na âncora teórica
é de extrema importância (AAP, 2023).
(exemplo: política nacional de humanização;
É imprescindível para o tratamento da obe-
diretrizes internacionais de prevenção e con-
sidade a participação efetiva do restante da fa-
trole do diabetes, entre outros).
mília no tratamento, especialmente dos pais, já
que existem diversas evidências que mostram
RESULTADOS E DISCUSSÃO
melhores resultados na evolução do paciente
quando há a participação ativa da família, em
Tratamento não farmacológico da obesi- comparação com o tratamento realizado apenas
dade
Deve-se, inicialmente, considerar que a pela criança (SBP, 2019).
obesidade é uma doença crônica, cujo manejo Além disso, é necessário determinar estra-
deve ser planejado a longo termo e acompa- tégias continuadas, já que as crianças tendem a
nhado de perto pelo médico assistente. Além ganhar novamente o peso se o tratamento for
disso, deve-se monitorar a ocorrência e o trata- suspenso e, portanto, perder os benefícios ad-
mento de comorbidades associadas, como disli- quiridos com as ferramentas comportamentais,
pidemia, alterações glicêmicas, elevação de en- dietéticas e medicamentosas (AAP, 2023).
zimas hepáticas, além de outras endocrinopa- As bases para o manejo da obesidade na cri-
tias (AAP, 2023). ança são: diminuição no consumo total de calo-

155 | P á g i n a
rias, diminuição do tempo sedentário e aumento mente que dietas rígidas e extremamente restri-
da atividade física. Intervenções com apenas tivas devem ser evitadas. A dieta também pode
um componente (como atividade física isolada) ser baseada em alimentos que já são habituais e
geralmente não ocasionam sucesso, o que de- têm uma aceitação mais fácil na alimentação da
monstra a importância da abordagem multidis- criança (SBP, 2019).
ciplinar (SBP, 2019). Quanto a atividades físicas, as metas devem
Em crianças com obesidade leve, pode ser ser estabelecidas considerando-se a idade da
optada a manutenção do peso ao invés da perda criança, preferências pessoais e tolerância ao
do mesmo, já que com o crescimento haverá di- exercício. Em crianças mais novas, atividades
minuição do IMC. Já para crianças com obesi- não estruturadas, como brincadeiras, devem ser
dade grave, presença de comorbidades e/ou encorajadas. Já em crianças mais velhas, é mais
risco aumentado, a diminuição do peso pode ser indicada a realização de atividades estrutura-
uma boa escolha. Apesar de a perda de peso ser das, como esportes (SBP, 2019).
uma estratégia em alguns casos de obesidade Também deve ser considerado o tempo em
infantil, deve-se manter em mente que existem que as crianças permanecem em frente a telas
poucas evidências mostrando a segurança de (televisão, tablets e computadores), sendo que
uma diminuição agressiva do peso em crianças, este não deve ultrapassar 2 horas por dia (em
sendo que as melhores evidências de benefício crianças menores de 2 anos, a recomendação é
desta medida são para adolescentes que já com- que não exista tempo de tela) (SBP, 2019).
pletaram o estirão. Assim, fica reforçada a ideia Outro ponto importante durante o trata-
de que cada caso deve ser individualizado (SBP, mento não-farmacológico é a boa qualidade e
2019; AAP, 2023). quantidade de sono, as quais estão comprova-
Existem algumas estratégias nutricionais damente relacionadas com a obesidade, além de
que podem ser utilizadas para a perda de peso estarem diretamente relacionadas ao rendi-
em crianças, como as dietas de baixo índice gli- mento escolar e desenvolvimento neuropsicoló-
cêmico, dietas com baixa quantidade de carboi- gico. São indicadas 10 a 13h de sono durante a
dratos e dietas com porções controladas de to- noite para pré-escolares e 8 a 10h para adoles-
dos os grupos alimentares, contando com uma centes (SBP, 2019; AAP, 2023).
distribuição adequada de micro e macronutrien- Além de tudo isso, devem ser identificados
tes. Esta última é tão efetiva quanto as outras e manejados, na medida do possível, fatores de
duas mencionadas, mas parece ter uma aderên- risco para o sobrepeso e a obesidade, conside-
cia maior, especialmente a longo prazo. Dietas rando-se tanto o paciente como o contexto fa-
muito restritivas, além de não mostrarem bene- miliar e social. Os hábitos alimentares dos pais
fícios em relação às outras, podem levar a com- ou responsáveis, frequência de jantares em res-
plicações como colelitíase, hipotensão ortostá- taurantes ou fast foods, o uso do alimento como
tica, diarreia, halitose e, talvez as complicações recompensa ou comemoração, entre outros há-
mais graves de todas, um comprometimento da bitos modificáveis (SBP, 2019; AAP, 2023).
velocidade de crescimento (as curvas de cresci- Todo o plano de cuidado deve ser discutido
mento devem ser monitoradas durante toda a in- e negociado com o paciente e sua família, ga-
tervenção) (SBP, 2019). rantindo a confiança no profissional, a fim de
Além disso, a diminuição do tamanho das manter uma boa aderência ao tratamento.
porções é também uma boa estratégia, tendo em

156 | P á g i n a
Sugestões de estratégias comportamen- Educação nutricional
tais A fim de orientar a família e o paciente so-
Abordagens dietéticas bre como deve ser organizada a alimentação,
1. Incentivar consumo de e porções de fru- uma ferramenta muito útil é a Pirâmide Alimen-
tas e vegetais diariamente; tar (Figura 18.1) da SBP, a qual coloca em evi-
2. Diminuir o consumo de alimentos com dência os conceitos de quantidade, qualidade,
alta densidade calórica, como gorduras satura- harmonia e adequação.
das, salgadinhos e alimentos com alto índice Segundo a Sociedade Americana de Pedia-
glicêmico, como doces; tria (“American Academy of Pediatrics”), ori-
3. Diminuir o consumo de bebidas açuca- entações dietéticas gerais trazem mais resultado
radas e/ou com aromatizantes; do que dietas fixas e rígidas, portanto, são mais
4. Diminuir o consumo de alimentos fora recomendadas.
de casa, principalmente fast foods; Devemos lembrar que, além de variada, a
5. Tomar café da manhã todos os dias; alimentação deve ser adequada em quantidade
6. Não pular refeições. de acordo com a idade da criança, conforme
exemplo na Figura 18.2 (SBP, 2019).
Abordagens gerais
1. Diminuir atividades sedentárias, como Figura 18.1 Pirâmide Alimentar
ver televisão, internet e jogar vídeo game para,
no máximo, 2 horas por dia;
2. Participar de exercícios físicos diverti-
dos e adequados para a idade;
3. Aumentar a intensidade, frequência e
duração das atividades físicas gradualmente e
de acordo com a tolerância do paciente;
4. Praticar mais de 1 hora de atividade fí-
sica moderada a vigorosa diariamente.
5. Garantir uma quantidade adequada de
Fonte: SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA,
sono conforme a idade da criança ou adoles-
2019).
cente.

Figura 18.2 Número diário de porções recomendado para cada grupo da pirâmide alimentar, de acordo com a faixa
etária.

Fonte: SBP, 2019.

157 | P á g i n a
Outros fatores importantes que interferem 11. Sanduíches podem ser ofertados, desde
na qualidade da alimentação são: realizar seis que preparados com alimentos com baixos teo-
refeições diárias (café da manhã, lanche da ma- res de gordura e sódio.
nhã, almoço, lanche da tarde, jantar e ceia), com
intervalo de 3 horas entre cada uma delas, ofer- Tratamento farmacológico da obesidade
tar as refeições em local adequado e agradável A primeira consideração que deve ser feita
(sentado à mesa, na companhia dos familiares, sobre o tratamento farmacológico da obesidade
evitando-se a alimentação em frente às telas) e é que este deve ser realizado em conjunto com
orientar a criança a mastigar devagar (SBP, o tratamento dietoterápico e atividades físicas,
2019). não podendo ser utilizado de forma isolada.
A mudança dietética inicia com uma con- No Brasil, não existem fármacos antiobesi-
versa e delimitação das metas com o paciente e dade aprovados para uso na população pediá-
os familiares. Após, começamos mudando há- trica, contudo, existem indicações de uso (ainda
bitos que podem estar atrapalhando a alimenta- que limitado) em casos de obesidade grave e/ou
ção (pular refeições, comer em frente a telas,…) associada a comorbidades, tais como depressão,
e mudando a qualidade da alimentação, para, compulsão alimentar e outros. Por outro lado,
apenas depois de a criança estar acostumada de acordo com a Academia Americana de Pedi-
com esse novo padrão de alimentação, dimi- atria, atualmente, para crianças menores de 12
nuirmos a quantidade de porções (SBP, 2019). anos ainda não há evidências suficientes para
uso de farmacoterapia para a única indicação de
Dicas práticas para melhorar a dieta obesidade. Porém, para maiores de 12 anos al-
1. Substituir o leite integral por leite semi- gumas opções surgem. São dois os grupos de
desnatado (após os 2 anos de idade); fármacos utilizados na obesidade infantil: os
2. Oferecer frutas e legumes com casca, a medicamentos antiobesidade e aqueles com
fim de aumentar o consumo de fibras (a reco- ação indireta sobre a obesidade.
mendação de consumo diário de fibras é de 5g
+ idade); Medicamentos antiobesidade
3. Incentivar a criança ou adolescente a le- Sibutramina
var sempre uma garrafinha de água nas suas ati- Atua promovendo a saciedade precoce e au-
vidades. mento do gasto energético por meio da inibição
4. Preferir o consumo de frutas ao invés de da recaptação de serotonina, dopamina e nora-
sucos; drenalina no hipotálamo. Diversos ensaios clí-
5. Não oferecer sucos de pacotinho; nicos randomizados demonstraram eficácia a
6. Evitar refrigerantes; partir dos 12 anos de idade, apresentando efei-
7. Quando utilizar produtos semiprontos, tos colaterais semelhantes ao uso em adultos
assar no forno ao invés de fritar; (taquicardia, hipertensão, cefaleia, xerostomia,
8. Substituir os salgadinhos de pacote por insônia e constipação).
pipoca feita em casa com óleo de soja; Pode acontecer reganho de peso após a sus-
9. Retirar o saleiro da mesa; pensão do uso, por isso a mudança na dieta e no
10. Não oferecer alimentos diet ou light se a estilo de vida da criança/adolescente e da famí-
criança não for portadora de Diabetes Mellitus; lia são tão importantes.

158 | P á g i n a
O tratamento com a sibutramina parece ser Já nos EUA, é aprovada pela FDA para trata-
útil para adolescentes obesos graves sem res- mento a longo prazo da obesidade em crianças
posta ao tratamento dietético e mudanças de há- maiores de 12 anos com ou sem DM2.
bitos. Contudo, no Brasil o uso só está liberado
para maiores de 18 anos, com assinatura de um Medicamentos com ação indireta sobre a
obesidade
termo que comprova estar ciente dos riscos da
Inibidores seletivos da recaptação de se-
utilização deste medicamento. rotonina (ISRS)
São indicados nos casos de depressão,
Orlistate transtornos de compulsão alimentar e nos trans-
A ação do Orlistate é através da inibição da tornos de ansiedade. Os principais representan-
lipase pancreática e gástrica, o que promove re- tes são a fluoxetina (pode ser utilizada acima de
dução de até 30% da absorção da gordura inge- 8 anos), a Sertralina (pode ser utilizada acima
rida. Existem estudos randomizados mostrando de 6 anos), a Paroxetina e o Citalopram. É de
eficácia na população entre 12 e 16 anos. extrema importância o acompanhamento do pa-
Os principais efeitos adversos são: esteator- ciente com nutrólogo e psiquiatra durante todo
reia, escape fecal e risco de deficiência de vita- o tratamento.
minas lipossolúveis (A, D, E, K), e está contra- A Sertralina está associada a uma pequena
indicado em indivíduos com doenças disabsor- perda de peso no início do tratamento, enquanto
tivas (celíaca, Chron e doença inflamatória in- a fluoxetina parece proporcionar uma maior
testinal). perda de peso por meio de uma inibição mais
No Brasil, é liberado apenas para uso potente do apetite. Em contraponto, a Paroxe-
adulto, enquanto nos EUA é aprovado pela tina e o Citalopram demonstraram aumento de
Food and Drug Administration (FDA) para tra- peso.
tamento a longo prazo da obesidade em crian- Os principais efeitos adversos são: náuseas,
ças de 12 anos ou mais. vômitos, dor abdominal, diarreia, agitação, an-
siedade, insônia, virada maníaca, tremores, fa-
Liraglutida diga e urticária.
É um medicamento da classe dos agonistas
do receptor do GLP-1, que é um hormônio pro- Topiramato
duzido pelo intestino na presença de alimentos. É uma droga anticonvulsivante que possui
Sua ação consiste em aumentar a saciedade, o ação como estabilizadora do humor e neuropro-
que reduz a ingestão de alimentos. Isso acon- tetora. Tem como efeito adverso a diminuição
tece por conta de uma atividade no centro da sa- do apetite, por isso pode ser utilizada para perda
ciedade no cérebro e por causar um retardo no de peso em alguns casos.
esvaziamento gástrico. Também é utilizado em Deve ser prescrita com cuidado na pedia-
pacientes diabéticos, já que estimula a produção tria, pois possui como efeitos adversos sonolên-
de insulina na vigência de hiperglicemia. cia, letargia, distúrbio de atenção, fadiga e irri-
Estudos demonstraram boa tolerância em tabilidade, os quais podem comprometer o
adolescentes acima de 12 anos, com efeitos co- aprendizado.
laterais similares aos apresentados por adultos Embora o Topiramato tenha indicação para
(principalmente náuseas e diarreia). No entanto, tratamento do transtorno da compulsão alimen-
no Brasil é liberado apenas para uso em adultos. tar periódica em adultos (≥18 anos), apenas 1

159 | P á g i n a
estudo avaliou o uso de Topiramato em crianças Profilaxia da obesidade
e não diferiu do placebo. Já a Fentermina e o A prevenção da obesidade infantil é um dos
Topiramato como medicamento combinado são principais fatores para frear o crescimento ace-
aprovados para perda de peso em adultos se- lerado dessa doença e evitar suas consequências
gundo a FDA. Dados recentes com adolescen- futuras.
tes entre 12 a 17 anos de idade com histórico Atualmente, existem diversas informações
documentado de falha em perder peso ou em disponíveis tanto para atualização de profissio-
manter a perda de peso em um programa de mo- nais de saúde quanto para a população em geral
dificação do estilo de vida, demonstraram que para que adotem um estilo de vida mais saudá-
essa combinação é melhor que placebo para di- vel. No site da Sociedade Brasileira de Pediatria
minuição de peso e melhora dos perfis de coles- podem ser encontrados documentos relaciona-
terol HDL e TG. dos com a nutrição infantil, como o Manual de
Alimentação, Manual de Lanches Saudáveis e
Metilfenidato Atividade Física na Infância e na Adolescência:
É uma droga psicoestimulantes indicada Guia Prático para o Pediatra, os quais podem
para o tratamento de crianças acima de 6 anos trazer maior entendimento a respeito de práticas
com transtorno de déficit de atenção e hiperati- que levam a prevenção da obesidade infantil.
vidade. Possui como efeitos colaterais a dimi- Um dos principais fatores para a profilaxia
nuição do apetite, insônia, dependência e efei- é evitar alimentos que estimulem de forma exa-
tos cardiovasculares. cerbada a insulina e o IGF-1, que são aspectos
relacionados com o crescimento dos lactentes,
Metformina como por exemplo a ingesta exagerada de ali-
É um agente antidiabético usado no DM2 mentos ricos em proteína do leite nos primeiros
2 anos de vida. Além disso, os maiores vilões
em pacientes com 10 anos ou mais, porém não
para a saúde dos pequenos são os alimentos ul-
foi aprovada como medicamento para obesi-
traprocessados, que muitas vezes começam a
dade, consoante a Academia Americana de Pe-
ser incluídos logo no início da introdução ali-
diatria, uma vez que as evidências de sua eficá-
mentar, por serem mais palatáveis.
cia para perda de peso em populações pediátri-
Cada informação dada e reforçada ao longo
cas são conflitantes.
do acompanhamento médico da gestante, da
Diante disso, percebe-se que os recursos
criança e do adolescente torna-se essencial,
farmacológicos para tratamento da obesidade
com participação ativa do pediatra durante a in-
em crianças e adolescentes ainda são muito res-
fância e a adolescência.
tritos. Nenhuma evidência atual apoia o uso de
Nas consultas de pré-natal é importante
medicamentos para perda de peso como mono-
identificar fatores de risco familiar, monitorar
terapia. Ainda que surjam mais medicamentos
sequencialmente o estado nutricional da ges-
eficientes e seguros, é improvável que estes im-
tante, prevenir o baixo peso fetal e nascimentos
peçam o reganho de peso após o fim do trata-
prematuros, e orientar incansavelmente sobre a
mento, reforçando mais uma vez a importância
importância de a gestante ter uma alimentação
das mudanças dietéticas e de estilo de vida adequada e praticar atividade física regular-
como principal pilar no tratamento da obesi- mente, se possível.
dade infantil. Já nas consultas de puericultura, devem
sempre ser monitorados o peso, a estatura e o
160 | P á g i n a
IMC da criança, relacionando com as curvas de da criança, tanto familiar, escolar, quanto na co-
crescimento da Caderneta da Saúde da Criança munidade. Nos primeiros anos de vida a criança
e dar as orientações adequadas a respeito do ainda não tem discernimento para decidir o que
aleitamento materno exclusivo, uso de fórmulas é melhor para ela, por isso todos os responsá-
infantis se necessário e, posteriormente, sobre a veis ao seu redor devem auxiliá-la para que de-
introdução alimentar. Ao fazer isso, deve-se senvolva hábitos saudáveis.
também mostrar à família como realizar a iden-
tificação de saciedade na criança e os diferentes CONCLUSÃO
tipos de choro. Após a introdução alimentar,
orientar a respeito das necessidades nutricionais A obesidade infantil é um problema de sa-
da criança, focando não somente em quantidade úde pública extremamente preocupante e com
como em qualidade dos alimentos, além de cui- necessidade de ser mitigado o mais rápido pos-
dados que devem ser tomados na hora das refei- sível, visto todas as suas consequências possí-
ções da criança, como mastigar bem os alimen- veis. O tratamento medicamentoso surge como
tos e não fornecer distrações. Tudo isso sempre um adjuvante na tentativa de combate a essa do-
associado ao incentivo do lazer ativo, para que ença, porém a mudança de hábitos é o primor-
a criança também desenvolva seus aspectos psi- dial para frear a epidemia de obesidade infantil
comotores e fuja do sedentarismo. que o mundo vem enfrentando.
Por fim, a prevenção da obesidade infantil
deve ser realizada em todas as esferas da vida

161 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BISCARO, S. R. & CIVIDINI, F.R. Abordagem da mí- para acabar com estigma, prevenir e controlar obesidade.
dia sobre obesidade infantil em tempos de pandemia do Organização Pan-Americana da Saúde, [s. l.], 2021. Dis-
novo coronavírus, Revista Contribuciones a las Ciencias ponível em: <https://www.paho.org/pt/noticias/5-3-
Sociales, v. 2, n. 9, p. 34, 2022. 2021-representante-da-opasoms-no-brasil-faz-chamado-
acao-para-acabar-com-estigma/>. Acesso em: 25 fev.
BRANDALIZE, M. & LEITE, N. Alterações ortopédicas 2023.
em crianças e adolescentes obesos. Fisioterapia em Mo-
vimento, v. 23, n. 2, p. 283, 2010. SANT’ANNA, M.S. et al. Métodos de avaliação da com-
posição corporal em crianças. Revista Paulista de Pedi-
BUONANI, C. et al. Desempenho de diferentes equações atria; v. 27, n.3, p. 315, 2009.
antropométricas na predição de gordura corporal exces-
siva em crianças e adolescentes. Revista de Nutrição, SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA.
Campinas, v. 241, p. 41, 2011. Obesidade na infância e adolescência – Manual de Ori-
entação/Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamento
DÂMASO, A.R. et al. Atividades motoras na obesidade. Científico de Nutrologia. 3ª. Ed. – São Paulo: SBP. 2019.
In: Fisberg M, editor. Atualização em obesidade na infân-
cia e adolescência. São Paulo: Atheneu; 2004. UNICEF. Fundo das Nações Unidas para a Infância. Al-
imentação na Primeira Infância. UNICEF, [s. l.], 2021b.
DEURENBERG P. et al. Body mass index as a measure Disponível em:
of body fatness: age- and sex specific prediction formu- <https://www.unicef.org/brazil/relatorios/alimentacao-
las. Brazilian Journal of Nutrition, v. 65, n. 2, p. 105, na-primeira-infancia/>. Acesso em: 25 fev. 2023.
1991.
UNICEF. Fundo das Nações Unidas para a Infância. Es-
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Ações para o combate ao so- tudo inédito do UNICEF aponta alto consumo de alimen-
brepeso das crianças também tem lançamento de painel tos ultraprocessados em lares atendidos pelo Bolsa
nutricional. Ministério da Saúde, [s. l.], 2021b. Dis- Família. UNICEF, [s. l.], 2021a. Disponível em:
ponível em: <https://aps.saude.gov.br/noticia/13378/>. <https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-im-
Acesso em: 25 fev. 2023. prensa/estudo-inedito-do-unicef-aponta-alto-consumo-
de-alimentos-ultraprocessados-em-lares-atendidos-pelo-
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Acompa nhadas pelo SUS, bolsa-familia/>. Acesso em: 25 fev. 2023.
mais de 340 mil crianças brasileiras entre 5 e 10 anos pos-
suem obesidade. Ministério da Saúde, [s. l.], 2022. Dis- USP. Universidade de São Paulo. Relatório mundial
ponível em: <https://www.gov.br/saude/pt-br/assun- alerta para os riscos da obesidade infantil no Brasil. Jor-
tos/noticias/2022/setembro/acompanhadas-pelo-sus- nal da USP, [s. l.], 2022. Disponível em:
mais-de-340-mil-criancas-brasileiras-entre-5-e-10-anos- <https://jornal.usp.br/atualidades/relatorio-mundial-
possuem-obesidade/>. Acesso em: 25 fev. 2023. alerta-para -os-riscos-da-obesidade-infantil-no-brasil/>.
Acesso em: 25 fev. 2023.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Obesidade infantil afeta 3,1
milhões de crianças menores de 10 anos no Brasil. Min- VERDE, S.M.M.L. Obesidade infantil: o problema de
istério da Saúde, [s. l.], 2021a. Disponível em: saúde pública do século 21. Revista Brasileira em
<https://www.gov.br/saude/ptbr/assuntos/noticias/2021 - Promoção da Saúde, v. 27, n. 1, 2014.
1/junho/obesidade-infantil-afeta-3-1-milhoesdecriancas-
menores-de-10-anos-no-brasil/>. Acesso em: 25 fev. WHO. World Health Organization. Noncommunicable
2023. diseases: Childhood overweight and obesity. WHO,
2022. Disponível em:
OPAS. Organização Pan-Americana da Saúde. Repre- <http://www.who.int/dietphysicalactivity/childhood/en/
sentante da OPAS/OMS no Brasil fazem chamado à ação >. Acesso em: 25 fev. 2023.

162 | P á g i n a
Capítulo 19

MANEJO E
IDENTIFICAÇÃO DA
BRONQUIOLITE VIRAL
AGUDA
BIANCA DOSSO DE OLIVEIRA¹
CAMILA MELANI DUTRA¹
GESLAINE CHEMIN DOS SANTOS¹
GIOVANNA ROLIM¹
GIOVANNA NEVES CARTAGENA MIRANDA¹
GIULIA BELLINGHAUSEN PAGLIARUSSI¹
LARA SCHIAVINATO MERLOTO¹
NATALIA TIEMI OHE¹
VALENTINA NUNES D´ANGELO¹

1. Discente - Medicina da Universidade Anhembi Morumbi

Palavras Chave: Bronquiolite viral aguda; Bronquiolite; Vírus sincicial respiratório.

10.59290/978-65-6029-017-4.19 163 | P á g i n a
INTRODUÇÃO critérios de exclusão foram: artigos sem relação
com o tema principal, duplicados, publicados
A bronquiolite é uma infecção aguda do anteriormente a 2013 e que foram apresentados
trato respiratório inferior na primeira infância apenas em formas de resumo.
causada por diferentes vírus, tendo como prin- Ao final, foram escolhidos 9 artigos que se-
cipais sintomas tosse, sibilo e má nutrição guiram todos os critérios de inclusão apresenta-
(MANTI et al., 2023). dos. Estes foram lidos minuciosamente para
É o motivo mais comum de hospitalização que houvesse uma coleta de informações eficaz.
de crianças em muitos países, desafiando tanto
a economia pessoal quanto em departamentos RESULTADOS
pediátricos (MANTI et al., 2023).
Em geral, o diagnóstico da bronquiolite é Para a realizar o diagnóstico de bronquiolite
baseado na história clínica e exame físico ainda não foi validado um score de estratifica-
(MANTI et al, 2023). ção da sua gravidade, sendo fundamental que o
Não há um tratamento específico para o profissional de saúde colete dados da história
VSR e as medidas de suporte são sempre reco- pregressa e exame físico do paciente. Podendo
mendadas, além daquelas preventivas e de con- assim dizer que seu diagnóstico é clínico. Seu
trole da infecção (MANTI et al., 2023). pico de incidência ocorre entre crianças de 3
Considerando a importância desse tópico na meses a 6 meses de idade, e o pico de gravidade
pediatria, o objetivo deste trabalho é abordar o em torno de 3 a 5 dias após o aparecimento dos
conhecimento desde a história natural da bron- sintomas iniciais, apresentando melhora do
quiolite, especialmente sobre o vírus sincicial quadro após 7 a 14 dias (OYMAR et al., 2014).
respiratório (VSR), bem como diagnóstico e A infecção começa no trato respiratório su-
manejo da patologia. perior, ocasionando no início da sintomatolo-
gia, a rinorreia, febre e falta de apetite são os
MÉTODO primeiros a aparecerem. Com a progressão do
vírus para o trato respiratório inferior, tosse, ta-
Trata-se de uma revisão bibliográfica, pro- quipneia e na ausculta pode-se encontrar sibi-
duzida entre maio e junho, com base nos bancos lância e crepitações. Há a possibilidade de pro-
de dados: Biblioteca Nacional de Medicina, So- gredir à sinais mais graves, como esforço respi-
ciedade Brasileira de Pediatria, PubMed e Aca- ratório, manifestado pelo uso da musculatura
demia Americana de Pediatria. As palavras cha- acessória ou retrações intercostais e/ou subcos-
ves utilizadas variaram entre: bronquiolite agu- tal da parede torácica, batimento de asas de na-
da, crianças, bronquiolite, diagnóstico, vírus riz e grunhido, cianose, rebaixamento do estado
sincicial respiratório e manejo. Foram encon- geral (MANTI et al., 2023).
trados cerca de 15 artigos, os quais passaram Na tentativa de evitar o curso grave da do-
por critérios de seleção. ença é importante a identificação dos fatores de
Os artigos foram selecionados por meio dos risco, sendo eles, a história de prematuridade,
seguintes critérios de inclusão: idioma em por- exposição ao tabaco, amamentação de curta du-
tuguês ou inglês; publicados a partir de 2013 e ração, fatores socioeconômicos ruins, doença
que tinham relação com o presente tema. Já os pré-existente, como, imunodeficiência, distúr-
bio neuromuscular, cardiopatia congênita, do-

164 | P á g i n a
ença pulmonar crônica (displasia broncopulmo- cas não clássicas da bronquiolite, quando as cri-
nar, fibrose cística, anomalia congênita). Com a anças hospitalizadas não melhoram, e se há ou-
detecção desses fatores para evolução da bron- tra suspeita diagnóstica. Na maioria dos casos
quiolite grave, devem ser considerados como típicos, os achados radiográficos são normais
critério de internação (OYMAR et al., 2014). ou inespecíficos, tendo relatos do aumento das
Para a internação hospitalar, as condições prescrições de antibióticos após o exame. Atu-
clínicas sugestivas de bronquiolite moderada a almente a ultrassonografia de tórax está sendo
grave, capacidade de manter hidratação ade- mais utilizada na verificação das condições car-
quada, incerteza sobre o diagnóstico de bron- diopulmonares pelos seus achados clínicos
quiolite, níveis de saturação de oxigênio e sua mais específicos, mas mais estudos são neces-
persistência abaixo de 92% e fatores de risco, sários para estabelecer se há um papel do ultras-
devem ser considerados. Para o encaminha- som no diagnóstico ou avaliação da gravidade
mento à UTI a insuficiência respiratória com (FLORIN et al., 2017).
necessidade de suporte respiratório (CPAP), O hemograma e a urinálise podem ser soli-
apneia com dessaturação e grave comprometi- citados na suspeita de infecção bacteriana se-
mento do estado geral são os principais critérios cundária associada a bronquiolite e febre, sendo
(MANTI et al., 2023). que, em bebês com mais de 1 ano, há um risco
Na grande maioria dos cenários, a apresen- elevado de infecção do trato urinário. Enquanto
tação da bronquiolite é evidente e nenhum as medições dos eletrólitos séricos apresentam
exame complementar é necessário para descar- pouco valor na maioria dos lactentes
tar outras possíveis causas. Em crianças com (TESHOME et al., 2013).
apresentações atípicas, como ausência de sinto- Os testes específicos de detecção viral em-
mas do trato respiratório superior, devemos bora ainda não estejam disponíveis, garantem o
considerar outras patologias. A coqueluche, conhecimento da etiologia da infecção respira-
pneumonia, refluxo gastroesofágico, aspiração tória, sendo útil em alguns quadros de pacientes
de corpo estranhos e doenças pulmonares con- imunocomprometidos, outros com apresenta-
gênitas devem ser consideradas (FLORIN et ção grave da doença, reduz o uso inapropriado
al., 2017). de antimicrobiano e melhora conhecimento so-
Em relação aos exames complementares, bre a epidemiologia das infecções respiratórias.
rotineiramente os de imagem e laboratoriais não A amostra deve ser obtida preferencialmente do
são recomendados pelas atuais diretrizes e revi- aspirado de nasofaringe, na impossibilidade de
sões baseadas em evidências, pois apresentam sua utilização, pode-se utilizar o swab de naso-
baixo benefício em relação aos gastos. A oxi- faringe, exclusivamente com swab de rayon
metria, deve ser realizada em situação de hipo- (SBP, 2017).
xemia, em que há dificuldade respiratória grave O isolamento do vírus em cultura de tecido,
e potencial insuficiência respiratória, se for re- permite a caracterização antigênica e a suscep-
alizada em crianças que não apresentam esses tibilidade aos antivirais. Porém, demora vários
sinais a intervenção poderia potencialmente in- dias para se obter os resultados e tem alto custo.
duzir internações hospitalares desnecessárias A Detecção de antígenos virais identifica frag-
(CABALLERO et al., 2017). mentos antigênicos do VSR, obtendo resultados
O uso de radiografia de tórax deve ser con- em minutos. Detecção de sequências de ácidos
siderado em pacientes com apresentações clíni- nucleicos específicos por ensaios de amplifica-

165 | P á g i n a
ção, predominantemente reação em cadeia da completamente estabilizado (MANTI et al.,
polimerase em tempo real (PCR-TR), garante 2023).
rapidez de resultados com acurácia com alta O uso de broncodilatadores na bronquiolite
sensibilidade. As sorologias não são úteis para viral aguda demonstrou pouca efetividade,
o diagnóstico (SBP, 2017). comparado a placebos em relação a melhora
O manejo da bronquiolite viral aguda geral- dos níveis de saturação de oxigênio, resolução
mente é de suporte, pois nenhum tratamento dos sintomas e na diminuição do tempo de in-
médico demonstrou melhorar desfechos clíni- ternação em um número expressivo de pacien-
cos importantes, como tempo de internação, tes em tratamento ambulatorial e hospitalar, se-
uso de cuidados de suporte ou transferência gundo uma revisão da Cochrane de 2014. Em
para uma unidade de terapia intensiva. Uma ambiente ambulatorial foi observado pequena
abordagem conservadora de manejo mínimo melhora na média de sintomas, com pouca im-
parece benéfica, especialmente para a faixa etá- portância clínica. Não houve redução na taxa de
ria mais jovem, menores de 3 meses. A posição admissão hospitalar (SBP, 2017).
prona pode melhorar a oxigenação e é sugerida A bronquiolite está associada a edema das
para bebês se eles forem cuidadosamente obser- vias aéreas e descamação do epitélio respirató-
vados (OYMAR et al., 2014). rio. O uso da solução salina hipertônica nebuli-
A alimentação e hidratação adequadas são zada tem propriedades osmóticas e eficácia
fortemente recomendadas no tratamento, diante comprovada em determinadas patologias e seu
do fato que o desconforto respiratório em lac- uso na bronquiolite viral aguda através da aspi-
tentes pode afetar negativamente o estado de hi- ração nasal pode proporcionar alívio temporá-
dratação. A amamentação ou alimentação com rio, melhorando a desobstrução das vias aéreas,
fórmulas deve ser incentivada para todos os be- reduzindo o edema, a produção de muco e rei-
bês com a doença, mesmo quando recebem O2 dratando a mucosa da superfície. Estudos mos-
pelo cateter nasal de alto fluxo. Alimentações tram que seu impacto na redução de internações
frequentes e pequenas são sugeridas para evitar é quase nulo (CABALLERO et al., 2017).
o risco de inalação, sendo aconselhadas por via O uso de corticosteroides é considerado
nasogástrica ou parenteral para pacientes que quando existe uma história familiar ou pessoal
não toleram a via oral (MANTI et al., 2023). de atopia, mas não há evidências de qualquer
A saturação de O2 deve ser monitorizada benefício clínico aos pacientes. Vários estudos
corretamente pela oximetria de pulso, sendo re- examinaram o papel dos corticosteroides no tra-
alizada durante toda a duração da suplementa- tamento de crianças com bronquiolite e os da-
ção de O2 e descontinuadas em lactentes com dos de dois grandes estudos multicêntricos
melhora clínica estável com níveis acima de comparando corticosteroides com placebo, não
93% e capazes de se alimentar. Recomenda-se demonstraram redução na admissão, tempo de
realizar aspiração nasal suave antes da medição permanência no pronto-socorro ou tempo de re-
da satO2, usar sondas pediátricas e evitar a me- solução dos sintomas. Com base nesta evidên-
dição quando o bebê estiver experimentando cia, várias diretrizes de prática clínica recomen-
vasoconstrição periférica. Lactentes com co- dam contra o uso de corticosteroides para lac-
morbidades que predispõem à insuficiência res- tentes com bronquiolite (FLORIN et al., 2017).
piratória grave, as medições de satO2 não de- Os antibióticos devem ser usados apenas
vem ser interrompidas até que o paciente esteja em crianças com bronquiolite viral aguda que

166 | P á g i n a
têm indícios específicos da coexistência de uma DISCUSSÃO
infecção bacteriana. Quando presente, a infec-
ção bacteriana deve ser tratada da mesma ma- A bronquiolite viral aguda é uma infecção
neira que na ausência de bronquiolite. Existe respiratória comum principalmente em lacten-
uma grande preocupação em especial com os tes e crianças pequenas, caracterizada pela obs-
lactentes menores em relação a uma possível pi- trução das vias aéreas inferiores, os bronquío-
ora clínica e diante de qualquer sinal de piora los. É causada geralmente pelo VSR (vírus sin-
em pacientes com bronquiolite a terapia anti- cicial respiratório), mas pode ser originária de
bacteriana é iniciada para deter no início qual- outros agentes, como adenovírus; rinovírus;
quer foco de infecção bacteriana secundária metapneumovírus humano; coronavírus, o que
(AAP, 2006). faz com que as infecções respiratórias agudas
A indicação de terapia antiviral específica sejam os responsáveis por um grande fluxo nos
para bronquiolite é controversa. Estudos têm serviços de saúde em pediatria (SBP, 2017).
mostrado resultados mistos. Estudos demons- O vírus sincicial respiratório, um RNA ví-
tram que a Ribavirina tenha o potencial de re- rus não segmentado e envelopado da família
duzir o número de dias de ventilação mecânica Paramyxoviridae, que pode causar infecções
e hospitalização, porém, os dados são insufici- respiratórias em todas as idades, é um dos prin-
entes para apoiar seu uso rotineiro no trata- cipais agentes etiológicos da doença, sendo res-
mento da bronquiolite por vírus sincicial respi- ponsável por até 75% dos casos em crianças in-
ratório. Seu custo e benefício restringem esta te- feriores a 2 anos de idade, nos períodos de sa-
rapia a situações altamente selecionadas, como zonalidade predominantemente no inverno e na
casos clínicos graves ou aqueles pacientes com primavera, entretanto, pode haver variações de
risco de doença grave (imunocomprometido ou acordo com cada região analisada (SBP, 2017).
doença cardiopulmonar hemodinamicamente A transmissão é dada pelo contato direto
significativa) (TESHOME et al., 2013). com o vírus pela mucosa (olhas; boca; nariz)
Por fim, a realização de fisioterapia respira- através de gotículas de tosse e espirro ou super-
tória na bronquiolite viral aguda é mencionada fícies e objetos contaminados, o que facilita a
em uma revisão recente da Colaboração Co- transmissão em ambientes fechados como esco-
chrane de 12 estudos contendo 1.249 partici- las e creches. O período de incubação da doença
pantes, não demonstrou nenhuma evidência de varia de quatro a cinco dias após o contato di-
benefício para qualquer tipo de fisioterapia res- reto, com replicação de até 8 dias, em casos es-
piratória entre pacientes internados no tempo de pecíficos como recém-nascidos; lactentes jo-
internação, saturação de oxigênio ou parâme- vens e imunocomprometidos a replicação do ví-
tros respiratórios, logo, nenhuma diretriz publi- rus pode chegar até 4 semanas (OYMAR et al.,
cada recomenda fisioterapia respiratória roti- 2014).
neiramente para o tratamento de bronquiolite O percurso natural da doença, na grande
não complicada em crianças saudáveis sem co- maioria, é leve e autolimitado, com recuperação
morbidades respiratórias. Seu uso nos protoco- completa em até 2 semanas. Alguns fatores de
los de tratamento ao paciente com a doença pa- risco estão associados a suscetibilidade de ad-
rece variar de país para país (FLORIN et al., quirir a doença e sua gravidade como prematu-
2017). ridade; lactentes menores de 6 meses; exposi-
ção ao tabaco e condições médicas subjacentes

167 | P á g i n a
(displasia bronco pulmonar; malformações car- mento de utensílios pessoais e de cozinha deve
díacas) (FLORIN et al., 2017). ser evitado (OYMAR et al., 2014).
O diagnóstico é feito por meio de dados da
história pregressa; exame físico completo e exa- CONCLUSÃO
mes complementares como radiografia de tórax
e testes virais. Sinais e sintomas como rinorreia; Com base na revisão bibliográfica, conclui-
febre; falta de apetite; tosse; taquipneia; sibilos se que a bronquiolite é uma infecção aguda do
e crepitações, podem se fazer presentes, assim trato respiratório inferior, principalmente cau-
como sinais de gravidade como esforço respira- sada pelo VSR embora existam outros agentes.
tório; cianose e rebaixamento do estado geral E o diagnóstico na primeira infância baseia-se
(MANTI et al., 2023). na história clínica e exame físico, portanto os
O manejo da bronquiolite aguda é, em sua profissionais de saúde devem estar atentos aos
maioria, de suporte, devido a nenhum trata- sintomas como tosse, sibilo, dispneia, rinorreia,
mento ter demonstrado melhora efetiva na clí- febre e desnutrição, como também aos picos da
nica dos pacientes. A abordagem conservadora doença de incidência e gravidade e aos fatores
é benéfica e de grande importância no quadro, de risco que podem agravar o quadro clínico,
medidas como oferta de oxigênio e posição levando a internação e as medidas de suporte e
prona são exemplos desta abordagem. Dieta controle da infecção são sempre recomendadas.
rica em nutrientes e uma hidratação elevada são Observamos que o manejo da bronquiolite
essenciais na recuperação. Diante da ausência envolve suporte respiratório, monitorização dos
de tratamento específico, a redução da morbi- sinais vitais, alimentação adequada e hidrata-
dade por VSR e outras infecções virais que po- ção. No entanto, é necessário enfatizar a neces-
dem causar bronquiolite deve depender também sidade de mais pesquisas e estudos para preen-
de medidas preventivas. Quanto ao cuidado cher lacunas de conhecimento em alguns pon-
oferecido pelos cuidadores, são medidas profi- tos encontrados, como o uso de antibióticos em
láticas a amamentação exclusiva até os 6 meses casos de infecção bacteriana coexistente. Os
de vida, assim, diminui-se a morbidade das in- exames complementares de imagem e laborato-
fecções do trato respiratório. Lavagem fre- riais não são recomendados pelas diretrizes atu-
quente das mãos e descontaminação das mes- ais, sendo realizados em investigação de outras
mas, a utilização de máscaras quando resfriados hipóteses ou piora do quadro. Não há evidên-
e a não exposição a fumaça também são medi- cias do uso de corticosteroides, e a realização
das cabíveis aos responsáveis (OYMAR et al., de fisioterapia respiratória e uso de broncodila-
2014). tadores apresentaram resultados limitados e
Em âmbito hospitalar, são deveres dos pro- com baixa efetividade.
fissionais da saúde, esterilizar as mãos e instru- Esses resultados sugerem que toda a equipe
mentos utilizados durante o cuidado, o uso de de profissionais que conduzirem os quadros
EPI’s e a troca constante das vestimentas e rou- precisam estar capacitados para auxiliar e expli-
pas de cama que o paciente utiliza. Importante car sobre a transmissão e prevenção da doença,
ressaltar que os vírus envolvidos no contágio da que ocorre pelo contato direto do VSR com a
bronquiolite se espalham facilmente por trans- mucosa, através de gotículas de tosse ou es-
missão horizontal, assim, todo o cuidado citado pirro, bem como objetos contaminados facili-
é extremamente necessário. O compartilha- tando a disseminação em creches. Portanto,

168 | P á g i n a
para a prevenção podem ser desenvolvidas no- nores de 2 anos com outras pessoas que estão
vas ações educacionais com foco em doenças com infecção respiratória e manter a higiene
prevalentes que abordem os cuidados com os adequada em casa e na creche. Essa revisão for-
lactentes e pré-escolares, também como meio nece uma visão abrangente sobre a bronquiolite
de proteção da causa do quadro os pais e cuida- viral aguda e pode servir como base para outros
dores devem evitar o contato das crianças me- estudos e intervenções clínicas futuras.

169 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AAP. American Academy of Pediatrics. Diagnosis and
management of bronchiolitis. Pediatrics, v. 118, n. 4, p. OYMAR, K. et al. Acute bronchiolitis in infants, a re-
1774, 2006. view. Scandinavia n Journal of Trauma, Resuscitation and
Emergency Medicine, v. 22, 2014.
CABALLERO, M.T. et al. Viral bronchiolitis in young
infants: new perspectives for management Ane treat- SBP. Sociedade Brasileira de Pediatria. Diretrizes para o
ment. Jornal de Pediatria, v. 93, p. 75, 2017. manejo da infecção causada pelo vírus sincicial respira -
tório (VSR) - 2017. Disponível em:
FLORIN, T.A. et al. Viral bronquiolitis. Lancet, v. 389, https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/Diretri-
p. 211, 2017. zes_manejo_infeccao_causada_VSR2017.pdf>. Acesso
em: 12 maio 2023.
MANTI, S. et al. UPDATE - 2022 Italian guidelines on
the management of bronchiolitis in infants. Italian Jour- TESHOME, G. et al. Acute Bronchiolitis. Pediatric Cli-
nal of Pediatrics, v. 49, n. 1, 2023. nics of North America, v. 60, p. 1019, 2013.

170 | P á g i n a
Capítulo 20

A DOENÇA CELÍACA NA
PEDIATRIA SOB A ÓTICA
DA LITERATURA ATUAL
BEATRIZ GOMES LERIA¹
ANDRÉA FONTES DA SILVEIRA¹
EDUARDA LEYLANE CORREA E SOUZA¹
GABRIELLA DA SILVA CABRAL¹
GABRIELLE SCHWAB INGLES¹
ISABELA PETRY CANALLI¹
LAIANA AGUIAR PEREIRA¹
LIVIA FERNANDA GRACIANO VIEIRA¹
LÍVIA FERREIRA NUNES¹
LUANA LURY MORIKAWA¹
MARIANA FERREIRA SILVA¹
RAMYLLA DE OLIVEIRA FALCÃO¹
RAVANIELY XAVIER DO NASCIMENTO¹
SARAH ELISA MOKARZEL BERALDO¹
THALITA NUNES BERTTONIO¹

1. Discente -Medicina da Universidade Nove de Julho - UNINOVE

Palavras Chave: Doença celíaca; Criança; Tratamento.

10.59290/978-65-6029-017-4.20 171 | P á g i n a
INTRODUÇÃO gráfico, avaliação de conteúdo e discussão entre
os autores. Foram utilizadas como bases de da-
A doença celíaca (DC) é definida como dos, as plataformas Scientific Electronic Li-
uma enteropatia imunomediada, que ocorre brary Online (SciELO) e PubMed, totalizando
após a ingestão de alguns alimentos como trigo, 517 estudos, buscados através das terminolo-
centeio e cevada, em indivíduos geneticamente gias “celiac disease”, “children” e "treatment”,
predispostos. conectados pelo operador booleano “and”.
Conforme expõe Di Nardo et al. (2019), es- Foram selecionados artigos nos idiomas
ta doença é caracterizada por uma alta gama de português e inglês, publicados nos últimos 5
sintomas clínicos, que geram respostas especí- anos (2018-2023), com o uso de um filtro adi-
ficas de autoanticorpo sérico e graus variados cional de idade: “child: birth - 18 years”, com
de dano à mucosa do intestino delgado. A real ressalva dos artigos pioneiros a tratar da proble-
prevalência desta doença ainda é pouco delimi- mática. Dentre os estudos escolhidos, foram ex-
tada, pelo fato de as apresentações serem consi- cluídos aqueles que não abrangiam a temática
deravelmente variáveis, visto que, existem mui- proposta ou se repetiam nas bases de dados,
tos indivíduos assintomáticos, principalmente sendo reproduzidas 22 referências que se en-
na faixa etária pediátrica. quadraram na discussão levantada pelas auto-
Entretanto, nota-se uma tendência crescente ras.
do número de casos na infância. Recentes pes-
quisas demonstraram que, na América do Nor- RESULTADOS E DISCUSSÃO
te, até 1 em cada 80 crianças é afetada pela DC
na atualidade, o que torna a reflexão acerca des- Epidemiologia
sa condição e dos desafios do seu tratamento, Diante da crescente importância clínica da
um tema de extrema relevância (GALLEGOS DC, ressalta-se ainda uma escassa literatura
& MERKEL, 2019). acerca da sua epidemiologia. Mesmo com a
Ainda, de acordo com Jimenez et al. (2021), falta de diagnóstico, em virtude dos casos as-
essa desordem imunológica, desencadeada pe- sintomáticos em grande parte dos pacientes, a
las prolaminas do glúten, somente é tratada com DC mostra-se em ascensão nos últimos 50 anos
sucesso pela exclusão total deste componente (AL-TOMA et al., 2019). Dados substanciais
da dieta. revelam a manifestação da DC em quase 1% da
Desta forma, ao considerar os conceitos ex- população global, que varia de acordo com a
postos, entende-se que o objetivo do presente dieta com glúten e a presença ou não do antí-
trabalho é revisar os principais aspectos concer- geno leucocitário humano (HLA), manifestado
nentes à doença celíaca considerando sua epi- através de uma predisposição genética (LEO-
demiologia, fisiopatologia, diagnóstico e trata- NARD et al., 2021).
mento, a fim de conhecer os desafios da dieta Esse distúrbio, conforme o Tratado de Pe-
livre de glúten para crianças e adolescentes, in-
diatria de 2017, possui quatro classificações:
cluindo seu possível impacto na saúde e os fa- clássica ou típica, não clássica ou atípica, as-
tores que dificultam a adesão ao tratamento. sintomática ou silenciosa e potencial. Porém,
no geral, a DC clássica é a mais vista e diag-
MÉTODO
nosticada principalmente nos primeiros (6-18)
Trata-se de uma revisão bibliográfica do
meses de idade, apresentando sintomas típicos
tipo narrativa pautada no levantamento biblio-

172 | P á g i n a
de diarreia, má absorção, atraso no crescimento vendo agressão dos enterócitos, isso causa o au-
e perda de peso (TARAR et al., 2021). mento da permeabilidade da mucosa e conse-
Na pediatria, a DC também se apresenta si- quentemente uma maior penetração de gliadina
lenciosamente, com prevalência de 60% das na lâmina própria (KUMAR et al., 2023).
crianças recém-diagnosticadas assintomáticas Na lâmina própria dos enterócitos, a glia-
(GALLEGOS & MERKEL, 2019). Apesar da dina sofre desaminação por meio da enzima
elevação recente de diagnósticos na camada pe- transglutaminase tecidual 2 formando a glia-
diátrica, quase 91% dos casos ainda permane- dina deaminada (AURICCHIO et al., 2019).
cem sem diagnóstico adequado (WHITBURN A Gliadina deaminada é reconhecida pela
et al., 2021), o que demonstra a necessidade de APC (portadora dos polimorfismos HLA-DQ2
atenção por parte dos profissionais para esta e HLA-DQ8) que apresenta o antígeno para o
afecção. linfócito TCD4+, que responde produzindo ci-
Dados quantitativos ainda demonstram que, tocinas inflamatórias (IFN-gamma e IL-21) e
na América do Norte, até 1 em cada 80 crianças para a célula B, a qual produz anticorpos anti-
é afetada pela DC na atualidade (GALLEGOS gliadina deaminada, antitransglutaminase-2 e
& MERKEL, 2019), fortalecendo a evidência antiendomísio, culminando na inflamação crô-
do aumento da prevalência nessa camada. nica e destruição tecidual características da do-
Quanto à prevalência da DC no público ge- ença autoimune (FILHO, 2021).
ral em São Paulo (1: 214), observou-se que o re-
sultado foi pelo menos três vezes maior do que Diagnóstico: Etapas clínicas
nas cidades de Brasília (1: 681) e Ribeirão Preto Para que o diagnóstico seja feito de forma
(1: 600). Logo, seu elevado nível de prevalência adequada, antes mesmo da realização de exa-
assemelhou-se ao de países europeus (OLIVEI- mes complementares, é preciso analisar os si-
RA et al., 2007). nais e sintomas do paciente pediátrico. A partir
disso, é importante salientar que a Doença Ce-
Fisiopatologia líaca pode se apresentar, principalmente, de
A DC, de caráter multifatorial, se trata de duas formas: clássica e não clássica.
uma enteropatia inflamatória imunomediada A forma clássica está relacionada aos pri-
causada pela ingestão de glúten, sobretudo em meiros anos de vida e manifesta-se por meio
indivíduos geneticamente suscetíveis (FILHO, dos seguintes sintomas: quadro de diarréia crô-
2021), que culmina na atrofia da mucosa intes- nica, vômitos, irritabilidade, falta de apetite, dé-
tinal gerando prejuízo na absorção de macronu- ficit de crescimento, distensão abdominal, di-
trientes e micronutrientes, corrobora a Socie- minuição do tecido celular subcutâneo e atrofia
dade Brasileira de Pediatria, 2018. da musculatura glútea (SDEPANIAN et al.,
A patogênese da doença celíaca é composta 1999).
por uma tríade: Ingestão de glúten, suscetibili- Estudos realizados na cidade de São Paulo
dade genética e perda de tolerância imunológica na década de 80, avaliaram 72 crianças com DC
ao glúten (JIMENEZ et al., 2021). Na quebra e relataram que as principais queixas no mo-
do glúten, peptídeos são liberados, dentre eles o mento do diagnóstico foram diarréia crônica
peptídeo alfa (gliadina 33 mer), que estimula os (84,4%), distensão abdominal (81,1%) e perda
enterócitos a produzirem IL-15, que ativa e pro- de peso (70,2%) (SDEPANIAN et al., 1999).
lifera linfócitos intraepiteliais TCD8+, promo- Sendo assim, é observado que esta forma de

173 | P á g i n a
apresentação foi a mais frequente nos pacientes teína encontrada no glúten). Já o EMA é um
com DC. anticorpo que reage ao mesmo antígeno tTG,
Já a forma não clássica está presente mais porém apresenta-se ligado ao endomísio, pro-
tardiamente na infância, sendo caracterizada duzindo um padrão característico no tecido que
por baixa estatura, anemia por deficiência de é detectado por imunofluorescência (SILVA &
ferro refratária à ferroterapia oral, artralgia ou FURLANETTO, 2010).
artrite, constipação intestinal, hipoplasia do Em alguns casos, o teste sorológico pode
esmalte dentário, osteoporose e esterilidade. acusar um falso-negativo, visto que a precisão
Em alguns casos, pode não apresentar mani- do teste pode variar dependendo da idade da
festações digestivas, as quais estão presentes na criança (GALLEGOS & MERKEL, 2019). A-
forma clássica (SDEPANIAN et al., 1999). lém do mais, em crianças menores de 18 meses
Em crianças e adolescentes não tratados com DC, o teste anti-tTG pode não ser preciso,
para DC é comum observar hipoplasia do es- pois com essa idade os anticorpos ainda não es-
malte dentário, um defeito do esmalte da den- tão presentes (CALADO & MACHADO,
tição permanente. Essa condição também está 2021).
presente em alguns pacientes adultos que apre- Outro teste possível de ser realizado é o tes-
sentam dermatite herpetiforme, uma dermatite te para DC que é feito por intermédio do con-
induzida pelo glúten. Isso indica, então, que es- sumo de glúten. Todavia, se o paciente pediá-
ses pacientes já possuíam uma enteropatia trico iniciar uma dieta sem glúten (DFG: glu-
glúten-induzida subclínica no momento do de- ten-free diet) antes de efetuar esse teste, a mu-
senvolvimento de sua dentição permanente e cosa do trato gastrointestinal cicatriza e os mar-
assim é possível concluir que a DC está rela- cadores sorológicos voltam a ficar normais, as-
cionada tanto com a hipoplasia do esmalte den- sim o diagnóstico irá acusar como se o paciente
tário quanto com a dermatite herpetiforme não apresentasse DC, mesmo possuindo essa
(SDEPANIAN et al., 1999). condição (GALLEGOS & MERKEL, 2019).
Portanto, após a análise da sintomatologia, De acordo com o American college of Gas-
é essencial a realização de exames complemen- troenterology, o teste para DC deve ser realiza-
tares para a conclusão do diagnóstico. do nas seguintes condições:
1. Criança com sintomas, sinais ou evidên-
Diagnóstico: Exames complementares cias laboratoriais sugestivas de má absorção, ou
Ao suspeitar de DC, o primeiro teste a ser seja, diarreia crônica com perda de peso, estea-
realizado é o teste sorológico (GALLEGOS & torreia, dor abdominal pós-prandial e distensão
MERKEL, 2019), baseado na análise dos anti- abdominal.
corpos antiendomísio IgA (EMA) e anticorpos 2. Criança com sintomas, sinais ou evidên-
antitransglutaminase tecidual IgA (anti-tTG). cia laboratorial para a qual a DC é uma causa
Entretanto, atualmente, o teste anit-tTG é o tes- tratável.
te de primeira linha, devido a sua alta sensi- 3. Criança que apresenta possíveis sinais
bilidade e especificidade (CALADO & MA- ou sintomas de DC e cujo familiar de primeiro
CHADO, 2021). grau tem diagnóstico confirmado de DC.
O Anti-tTG é o anticorpo que reage a trans- 4. Teste de parentes assintomáticos com
glutaminase tecidual, sendo esta uma enzima um familiar de primeiro grau com diagnóstico
responsável pela desaminação da gliadina (pro-

174 | P á g i n a
confirmado de DC (GALLEGOS & MERKEL, nesse período, os pacientes permanecem sem o
2019). tratamento adequado até que seja descoberto
Além desses testes, há a possibilidade de re- qual é o real problema. Em um estudo realizado
alizar a endoscopia digestiva alta com biópsias na Espanha, a duração de tempo para um diag-
duodenais que são feitas em conjunto com os nóstico completo, após o aparecimento dos pri-
testes sorológicos para confirmar o quadro. meiros sintomas, foi de 7,6 meses para as crian-
Ademais, se uma criança apresenta sintomas de ças com DC (MEARIN et al., 2022).
DC e tem um teste sorológico negativo, a bióp- Outro fator que dificulta o diagnóstico, é a
sia é recomendada (TARAR et al., 2021). renda familiar do paciente, que por ser traba-
Os achados histopatológicos da biópsia du- lhoso, é de alto custo e assim nem todas as cri-
odenal característicos da doença celíaca são: anças têm acesso. Segundo um estudo realizado
linfocitose intraepitelial, hiperplasia da cripta e na Inglaterra, as crianças de baixa renda não são
atrofia das vilosidades. Ressalta-se, ainda, que diagnosticadas corretamente, e estima-se que
o principal achado em crianças e adolescentes em torno de 83% a 91% das crianças com a do-
com doença celíaca é a atrofia das vilosidades ença celíaca estão sem diagnóstico no mundo
(CALADO & MACHADO, 2021). (GALLEGOS & MERKEL, 2019).
Entretanto, a Sociedade Europeia de Gas- Entretanto, vale ressaltar que mesmo com
troenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediá- todas as dificuldades, é de suma importância a
trica (2012) recomenda que crianças sintomáti- presença de um diagnóstico precoce e adequado
cas e com níveis séricos de anticorpos anti-tTG para evitar qualquer alteração no desenvolvi-
superiores a 10 vezes o limite considerado nor- mento da criança.
mal, não precisem fazer endoscopia digestiva
alta com biópsias duodenais para confirmar o O tratamento e seus desafios
diagnóstico de DC (GALLEGOS & MERKEL, O principal tratamento para a doença celí-
2019) por esse ser um exame mais invasivo. aca é a introdução de uma dieta vitalícia isenta
Desse modo, o diagnóstico é realizado com a de glúten (DFG), a fim de reverter o dano às
análise da sorologia e dos sintomas. microvilosidades promovido pelo contato com
Por fim, o teste genético é um teste comple- a proteína gliadina, evitando assim, repercus-
mentar para o diagnóstico de DC, este é impor- sões negativas decorrentes da má absorção dos
tante para excluir a doença celíaca, caso o paci- nutrientes (AL-TOMA et al., 2019)
ente pediátrico apresente sintomas similares aos Assim, a remoção completa da gliadina da
expostos anteriormente (CALADO & MA- dieta, leva a uma recuperação gradual das vilo-
CHADO, 2021). sidades do intestino delgado, que pode ser par-
cial ou completa. (ALJADA et al., 2021).
Possíveis dificuldades Quanto ao público infantil, também é fun-
A DC por ser uma doença com variadas ma- damental o seguimento com equipe multidisci-
nifestações, possui um difícil diagnóstico, e as- plinar, que inclui, os gastropediatras que são
sim muitas crianças vivem com os sintomas por responsáveis por avaliar a resposta à terapêutica
vários anos sem o devido tratamento, assim e dar orientações aos cuidadores acerca da dieta
como explicita Di Nardo et al. (2019). restritiva. Estas consultas devem ocorrer em in-
A demora do diagnóstico é um grande obs- tervalos de 3 a 6 meses durante o primeiro ano
táculo para os portadores da DC, uma vez que, após o diagnóstico. Com o desaparecimento dos

175 | P á g i n a
sintomas e normalização da sorologia, reco- Inclusive, já foi descrito que crianças em di-
menda-se o acompanhamento anual (TARAR eta sem glúten apresentam maior ingestão de
et al., 2021). açúcares simples e gorduras do que os grupos
Os celíacos também devem ser encaminha- controles, uma vez que, muitos produtos sem
dos para nutricionistas especializados capazes glúten processados apresentam alto índice gli-
de realizar avaliação alimentar detalhada, edu- cêmico ou elevado teor de gorduras totais e sa-
cação dos familiares e criação de uma dieta ba- turadas, principalmente os pães e massas sem
lanceada que evite desfechos negativos às cri- glúten (LARRETXI et al., 2019).
anças (MEARIN et al., 2022). Existem ainda, alguns relatos levantando
preocupações sobre o desenvolvimento da sín-
Impactos nutricionais da dieta restritiva drome metabólica e da esteatose hepática em
de glúten pacientes com doença celíaca em DFG. Entre-
Devido a fisiopatologia previamente ex- tanto, há outros estudos mostrando o inverso.
posta, a Síndrome mal absortiva derivada da Outro ponto de conflito entre os autores é sobre
DC pode levar a diferentes deficiências nutrici- a composição corporal e os parâmetros antropo-
onais que podem ser corrigidas com a dieta. métricos em crianças submetidas à dieta, o que
São encontradas deficiências de minerais
torna duvidosa a sua influência sobre o desen-
como o ferro, cálcio e zinco, mas também de
volvimento de sobrepeso (DI NARDO et al.,
micronutrientes, dentre eles, as vitaminas D e 2019)
B12. A má absorção de ferro, presente em 7- Quanto aos macronutrientes, uma dieta sem
80% dos pacientes, pode levar ao desenvolvi- glúten geralmente é pobre em fibras, podendo
mento da anemia ferropriva. Inclusive, é possí- levar à constipação, que é uma queixa comum
vel recuperar os estoques de ferro a partir de na infância. Entretanto, novas evidências têm
seis meses de tratamento (GONZÁLEZ et al., demonstrado que, populações pediátricas não
2021). atendem às recomendações quanto à quantidade
A deficiência de zinco, mineral diretamente adequada de fibras, independentemente de esta-
relacionado à síntese proteica, pode levar a pa- rem seguindo ou não uma dieta (BALAM-
rada do crescimento, alterações da função celu- TEKIN et al., 2015).
lar e do sistema imune. Este quadro pode ser re- Logo, precisa-se de mais estudos envol-
solvido com a DFG, não sendo necessária a su-
vendo uma variedade de pacientes pediátricos
plementação de longo prazo (DI NARDO et al, para analisar essas correlações. Nesse caso, os
2019). doentes devem ser informados sobre este possí-
Já a deficiência de vitamina B12 está pre- vel risco e aconselhados a ter uma dieta equili-
sente em 5 a 41% dos casos não tratados de do- brada e um estilo de vida ativo.
ença celíaca e é tipicamente corrigida através da
dieta sem glúten, mas deve ser tratada com su- Complicações da não adesão ao trata-
plementação de B12 a curto prazo (AL-TOMA mento
et al., 2019). A não adesão ao tratamento da DC em pa-
Entretanto, recentes estudos demonstraram cientes pediátricos pode desencadear, a longo
que mesmo com a recuperação histológica e a prazo, a diminuição da densidade mineral óssea
remissão completa, ainda é possível encontrar (DMO), que está relacionada à redução de até
limitações nutricionais. 70% dos níveis de cálcio e vitamina D, aumen-

176 | P á g i n a
tando assim o risco de osteopenia e fratura incentivar a adesão à dieta. Além disso, os cui-
(KREUTZ et al., 2020). dadores devem atentar-se aos rótulos dos ali-
Vale ressaltar que a dieta restritiva tende a mentos industrializados (MEYER & ROSEN-
auxiliar na recuperação da mineralização, con- BLUM, 2018).
tudo não há consenso entre os estudiosos com Ademais, a forma da preparação dos ali-
relação ao tempo necessário de tratamento, por mentos e a interação entre pais e criança durante
esse motivo muitos responsáveis tendem a op- a alimentação podem influenciar nas preferên-
tar por suplementação de cálcio e vitamina D, cias alimentares infantis (FEWTRELL et al.,
como tratamento alternativo que apresenta re- 2017).
sultado inconclusivo (KREUTZ et al, 2020) Outra dificuldade enfrentada por famílias
Caso não ocorra adesão precoce ao trata- em situação de vulnerabilidade social com fi-
mento, depois de 20 a 40 anos de doença ativa, lhos celíacos, trata-se do fato da dieta ser eco-
ainda é possível o desenvolvimento de outras nomicamente mais exigente, uma vez que, os
complicações como o linfoma intestinal e cân- produtos são mais caros e escassos. Inclusive,
ceres gastroduodenais, sendo que, esse mau ainda existe a preocupação concomitante
desfecho é significativamente limitado pela di- quanto à necessidade de reposição de nutrientes
eta (AL-TOMA et al., 2019). (FRUHAUF et al., 2018).
Por fim, considerando os desafios socioafe-
Fatores relacionados à não adesão ao tra- tivos gerados pela dieta, pode-se afirmar que os
tamento adolescentes celíacos são os mais afetados,
Algumas das principais razões para a não visto que, muitas vezes essa população não se
adesão à dieta é a disseminação de informações sente incluída em confraternizações sociais que
equivocadas sobre produtos livres de glúten, a envolvem comidas, como comemorações em
dificuldade para evitar contaminação cruzada, a restaurantes ou coquetéis (MEYER & ROSEN-
presença de uma pequena quantidade deste BLUM, 2018).
componente em medicamentos, o alto custo dos
alimentos e a pressão social na adolescência Alternativas de tratamento: existe dosa-
(TARAR et al., 2021). gem segura?
Além disso, para a introdução bem-suce- Outra preocupação constante dos cuidado-
dida da dieta celíaca é necessário que a família res decorre da possibilidade de existir um nível
e/ou responsável pela criança diagnosticada se- seguro para ingestão de glúten. Cada paciente
jam participantes efetivos desse processo. Por- possui uma suscetibilidade diferente à contami-
tanto, é fundamental a conscientização destes nação de alimentos com glúten. Algumas pes-
sobre a importância de seguir a dieta e as con- quisas apontam sobre níveis de glúten “segu-
sequências da não adesão (FRUHAUF et al., ros”, sendo que em uma ingestão diária de 500
2018). mg foram observadas alterações definidas e de
Ainda, segundo estudos observacionais, o 100 encontradas alterações observáveis. Por-
estilo de alimentação dos pais influencia direta- tanto, um limite seguro pode ser estabelecido
mente na alimentação das crianças. Sendo as- entre 10 e 100 mg. Sendo uma ingestão diária
sim, quando os responsáveis não celíacos esco- de glúten <10mg mais segura ainda em menores
lhem seus próprios alimentos com cuidado, po- probabilidades de apresentar anormalidades
dem evitar a exposição da criança ao glúten e

177 | P á g i n a
histológicas significativas (AL-TOMA et al., contra a interleucina-15 e uma vacina chamada
2019). Nexvax2 estão atualmente sob investigação.
Em 2008, a Comissão do Codex Alimenta-
rius da OMS emitiu diretrizes para o conteúdo CONCLUSÃO
de glúten em alimentos processados, e uma lei
da Comissão Europeia (EC41/2009), em vigor Conclui-se que a DC é uma enteropatia
desde janeiro de 2012, especificava que os ali- imunomediada de caráter multifatorial, que
mentos rotulados como “sem glúten” deveriam pode apresentar-se de diversas maneiras na in-
conter ≤20 ppm de glúten, que é considerado fância. Além disso, sua prevalência tem aumen-
seguro para pessoas com doença DC (AL- tado significativamente dentro desta faixa etá-
TOMA et al., 2019). ria. Por este motivo, é importante o estabeleci-
mento do diagnóstico precoce, através de inves-
Terapias novas tigação cautelosa da apresentação clínica e dos
Considerando a preocupação que a faixa exames complementares, visando tratá-la de
etária pediátrica desperta, é interessante citar maneira eficiente desde seu surgimento.
que existem esforços voltados ao desenvolvi- O tratamento da DC consiste na adoção de
mento de novas terapias para a DC, isto é, a uma dieta vitalícia isenta de glúten, que permite
possibilidade de inibição de uma ou mais etapas a recuperação da absorção de nutrientes e a re-
na via fisiopatológica têm sido testadas (AL- dução gradativa da sintomatologia. Inclusive,
TOMA et al., 2019). evidencia-se a necessidade do monitoramento
Poucos medicamentos estão em fase de en- do quadro por uma equipe multidisciplinar ca-
saios clínicos, sendo os mais promissores o ace- paz de orientar os pacientes e seus responsáveis
tato de larazotida e as proteases específicas do sobre a importância da adesão ao tratamento.
glúten ALV003 ou latiglutenase. Todavia, recentes estudos apontaram que a
O acetato de larazotida é um antagonista da DFG também apresenta limitações no valor nu-
zonulina, um peptídeo oral projetado para aper- tricional, tornando necessário um monitora-
tar as aderências entre os revestimentos das cé- mento dietético vigilante, buscando prevenir re-
lulas intestinais e impedir que o glúten atra- percussões a longo prazo. Foram encontrados
vesse a barreira epitelial, este foi eficiente no como desafios que dificultam o tratamento:
alívio dos sintomas em pacientes que estão em Falta de orientação, descomprometimento dos
dieta sem glúten em comparação com placebo cuidadores, fatores psicossociais, escassez e
mais dieta (MURRAY et al., 2018). alto custo dos produtos.
A latiglutenase, uma mistura oral de protea- Em virtude dos fatos levantados, torna-se
ses direcionadas ao glúten recombinante, tem relevante a realização de mais estudos que ex-
como alvo o glúten, quebrando-o em pequenos plorem o real impacto da DC e seu tratamento
fragmentos antes de atingir o duodeno, por- na infância, isto é, os benefícios e malefícios da
tanto, em teoria, para evitar o dano patológico dieta, além dos desafios enfrentados pelas famí-
causado pelo glúten. Em um grande estudo feito lias a partir do diagnóstico.
por Murray et al. (2018), não houve diferença
entre latiglutenase e placebo nos sintomas ou
melhora histológica. Um anticorpo monoclonal

178 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALJADA, B. et al. The gluten-free diet for celiac disease LARRETXI, I. et al. Gluten-free-rendered products con-
and beyond. Nutrients, v. 13, p. 3993, 2021. tribute to imbalanced diets in children and adolescents
with celiac disease. European Journal of Nutrition, v. 58,
AL-TOMA, A. et al. European Society for the Study of p. 775, 2019
Coeliac Disease (ESsCD) guideline for coeliac disease
and other gluten-related disorders. United European Gas- LEONARD, M. M. et al. Microbiome signatures of pro-
troenterology Journal, v. 7, p. 583, 2019. gression toward celiac disease onset in at-risk children in
a longitudinal prospective cohort study. Proceedings of
AURICCHIO, R. et al. Progression of Celiac Disease in the National Academy of Sciences, v. 118, 2021.
Children with Antibodies Against Tissue Transglutami-
nase and Normal Duodenal Architecture. Gastroenterol- MEARIN, M.L. et al. ESPGHAN position paper on man-
ogy, v. 157, p.413, 2019. agement and follow-up of children and adolescents with
celiac disease. Journal of Pediatric Gastroenterology and
BALAMTEKIN, N. et al. Is compliance with gluten-free Nutrition, v. 75, p. 369, 2022.
diet sufficient? Diet composition of celiac patients. Turk
Jornal de Pediatria, v. 57, p. 374, 2015. MEYER, S. & ROSENBLUM, S. Daily Experiences and
Challenges Among Children and Adolescents with Ce-
liac Disease: Focus Group Results. Journal of Pediatric
CALADO, J. & MACHADO, M.V. Celiac Disease Re-
Gastroenterology and Nutrition, v. 66, p. 58, 2018.
visited. GE - Portuguese Journal of Gastroenterology, v.
29, p. 111, 2021. MURRAY, J.A. et al. Celiac Disease. Gastroenterology,
v. 154, p. 2005, 2018.
DI NARDO, G. et al. Nutritional Deficiencies in Chil-
dren with Celiac Disease Resulting from a Gluten-Free OLIVEIRA, R.P. et al. High prevalence of celiac disease
Diet: A Systematic Review. Nutrients, v. 11, 2019. in Brazilian blood donor volunteers based on screening
by IgA antitissue transglutaminase antibody. European
FEWTRELL, M. et al. A Position Paper by the European Journal of Gastroenterology & Hepatology, v. 19, p. 43,
Society for Paediatric Gastroenterology, Hepatology, and 2007.
Nutrition (ESPGHAN) Committee on Nutrition. Journal
of Pediatric Gastroenterology and Nutrition, v. 64, p. SBP. Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamento
119, 2017. Científico de Gastroenterologia Pediátrica. In: Doença
Celíaca. [S. l.], 2018. Disponível em:
FILHO, G.B. Bogliolo - Patologia. São Paulo: Guanabara <https://www.sbp.com.br/especiais/pediatria -para-fami-
Koogan; 2021. lias/doencas/doenca-celiaca/>. Acesso em: 05 maio.
2023
FRUHAUF, P. et al. Celiac disease in children and ado-
lescents. Casopis Lekaru Ceskych, v. 157, p. 117, 2018. SDEPANIAN, V.L. et al. Doença celíaca: a evolução dos
conhecimentos desde sua centenária descrição original
GALLEGOS, C. & MERKEL, R. Current Evidence in até os dias atuais. Arquivos de Gastroenterologia, v. 36,
the Diagnosis and Treatment of Children with Celiac Dis- p. 244, 1999.
ease. Gastroenterology Nursing, v. 42, p. 41, 2019.
SILVA, T.S.G. & FURLANETTO, T.W. Diagnóstico de
GONZÁLEZ, M. S. et al. Gluten-Free Diet: Nutritional doença celíaca em adultos. Revista da Associação Mé-
Strategies to Improve Eating Habits in Children with Ce- dica Brasileira, v. 56, p. 122, 2010.
liac Disease: A Prospective, Single-arm Intervention
Study. Nutrients v. 13, p. 1108, 2021. TARAR, Z.I. et al. The Progression of Celiac Disease,
Diagnostic Modalities, and Treatment Options. Journal
JIMENEZ, J. et al. Celiac Disease in Children. Pediatric of Investigative Medicine High Impact Case Reports, v.
Clinics, v. 68, p. 1205, 2021. 9, 2021.

KREUTZ, J.M. et al. Narrative Review: Nutrient Defi- WHITBURN, J. et al. Diagnosis of celiac disease is being
ciencies in Adults and Children with Treated and Un- missed in over 80% of children particularly in those from
treated Celiac Disease. Nutrients, v. 12, p. 500, 2020. socioeconomically deprived backgrounds. European
Journal of Pediatrics, v. 180, p. 1941, 2021.
KUMAR, V. et al. Robbins & Cotran Patologia: Bases
Patológicas das Doenças. São Paulo: Grupo GEN; 2023.

179 | P á g i n a
Capítulo 21

COMPLICAÇÕES DA
PNEUMONIA NA INFÂNCIA

ANA BEATRIZ ROCHA DE JESUS¹


BEATRIZ DIONISIO MAIA¹
CINTIA SAYURI OHE¹
FLAVIA VIGARANI INANCIA¹
GIOVANNA COSTA STAUT¹
GIOVANNA DIONISIO MAIA¹
MARIANA RODRIGUES LOURO¹
MARINA CRISTIANE BROLLO¹
VANESSA AVELAR ALCANTARA MELO¹

1. Discente do curso de Medicina da Universidade Anhembi Morumbi

Palavras Chave: Complicações; Pneumonia; Pediatria.

10.59290/978-65-6029-017-4.21 180 | P á g i n a
INTRODUÇÃO tem-se usado antibióticos empíricos para os pa-
cientes com pneumonia, principalmente àque-
A pneumonia é uma das doenças mais fre- les com disfunção respiratória grave e/ou infil-
quentes tratadas na prática pediátrica. A maio- tração segmentar/lobular (LEE et al., 2010).
ria dos pacientes com pneumonia recupera-se Em geral, a maioria das pneumonias bacte-
sem complicações, assim como ocorre nas do- rianas em crianças saudáveis responde ao trata-
enças autolimitadas. Contudo, alguns pacientes mento com antibióticos dentro de 48 a 72 horas
evoluem para uma forma clínica grave, po- após seu início. Nesse momento, é importante
dendo chegar até mesmo óbito. A diferença na manter o acompanhamento e a contagem dife-
evolução clínica está associada à virulência dos rencial de leucócitos para a identificação do
agentes etiológicos e/ou ao estado de imuni- agente etiológico. Se a criança com pneumonia
dade do hospedeiro (ALEMAYHEU et al., apresentar uma contagem de leucócitos diminu-
2023). ída com uma contagem de linfócitos mais baixa,
A pneumonia adquirida na comunidade é poderá ter uma possibilidade maior de apresen-
uma das principais causas de internação na pe- tar pneumonia viral ou pelo Mycoplasma. O pa-
diatria, sendo que uma pequena proporção delas ciente com pneumonia que apresentar conta-
desenvolve posteriormente derrame pleural ou gem de leucócitos aumentada ou não alterada e
empiema. Através de investigações realizadas contagem de neutrófilos com mais formas em
em países de alta renda, descobriu-se que a eti- bastão pode indicar infecção bacteriana resis-
ologia mais comum para a causa é o Streptococ- tente a antibióticos (LEE et al., 2010)
cus pneumoniae, apesar de sua incidência estar As manifestações clínicas da pneumonia
diminuindo desde a introdução das vacinas anti também podem ser diferentes de acordo com a
pneumocócicas conjugadas (ALEMAYHEU et idade do paciente. Estudos realizados demons-
al., 2023). traram que, nas epidemias por micoplasma e na
Antibióticos contra patógenos bacterianos e gripe pandêmica de 2009, as crianças menores
drogas antivirais podem ajudar a induzir uma de 5 anos tinham uma evolução clínica relativa-
recuperação precoce da pneumonia ao reduzi- mente leve com um padrão de pneumonia do
rem o número de patógenos e a resposta imuni- tipo menos grave (consolidação alveolar rara)
tária do hospedeiro aos agentes etiológicos. As comparadas a crianças maiores de 6 anos. Ape-
células imunitárias circulantes, incluindo neu- sar disso, os pacientes mais jovens com pneu-
trófilos, linfócitos e monócitos, estão envolvi- monia bacteriana, como por exemplo, pneumo-
das na patogênese da doença, ou seja, a altera- nia pneumocócica ou pneumonia estafilocó-
ção desses parâmetros pode refletir a gravidade cica, demonstraram ser mais prevalentes e apre-
das lesões pulmonares (ARANCIBIA et al., sentam uma evolução clínica mais grave
2007). quando comparados a crianças mais velhas
Nos pacientes com pneumonia, a identifica- (LEE et al., 2010).
ção precoce do agente etiológico é fundamental
para o tratamento, para que a seleção dos anti- MÉTODO
bióticos adequados seja feita. Contudo, como o
diagnóstico precoce de patógenos etiológicos Este capítulo trata-se de uma revisão siste-
têm sido pouco satisfatórios e algumas pneu- mática realizada no período de abril a maio de
monias podem evoluir para um desfecho fatal, 2023 através de pesquisas nas bases de dados:

181 | P á g i n a
PubMed, LILACS e SciELO. Os descritores outro lado, o Streptococcus pyogenes é uma
utilizados foram: “complications’, "pneumo- causa menos comum, mas sua incidência está
nia", “pediatrics”, “pleural effusion”. A partir aumentando. É importante que as equipes mé-
dessa busca, foram encontrados 127 artigos, dicas estejam cientes dessa infecção e tomem
subsequentemente analisados aos critérios de medidas preventivas para reduzir sua incidên-
seleção. cia, como adotar técnicas assépticas rigorosas
Os critérios de inclusão foram conter no seu durante a intubação e manter uma higiene ade-
resumo ao menos 1 de 4 descritores utilizados quada dos equipamentos de ventilação mecâ-
na pesquisa inicial, artigos publicados no perí- nica (MEGGED, 2020).
odo de 2002 a 2023, nos idiomas português, in- O estudo descreve as características clínicas
glês e espanhol e que abordassem diretamente e laboratoriais de crianças hospitalizadas com
os temas propostos para a pesquisa. Os critérios empiema pleural (EP) e efusão pleural compli-
de exclusão foram artigos duplicados, que não cada por pneumonia adquirida na comunidade
possuíam como foco principal a proposta estu- (NAC). Foram analisados 24 casos de EP e 25
dada e que não atendiam aos demais critérios de controles. Os pacientes com EP apresentaram
inclusão. idade média de 2,9 anos, sendo a maioria com
Após análise dos critérios de seleção, 15 ar- menos de 5 anos. Os sintomas mais comuns fo-
tigos foram selecionados e submetidos a leitura ram febres e tosse. Streptococcus pneumoniae
minuciosa para coleta de dados e construção da foi o microrganismo mais frequente identifi-
pesquisa. Os resultados foram apresentados de cado nas amostras de líquido pleural. A maioria
forma descritiva. dos pacientes foi tratada inicialmente de forma
conservadora, com administração de antibióti-
RESULTADOS E DISCUSSÃO cos e drenagem pleural em casos selecionados.
A duração da hospitalização foi significativa-
No presente estudo, serão apresentados os mente maior no grupo EP em comparação com
resultados de uma pesquisa sobre as complica- o grupo controle. A maioria dos pacientes com
ções da pneumonia em crianças. Compreender EP não precisou de intervenção cirúrgica. Con-
esses resultados pode fornecer informações va- cluiu-se que o EP em crianças é uma condição
liosas para profissionais de saúde, pesquisado- respiratória aguda que está associada a hospita-
res e formuladores de políticas interessados em lizações mais prolongadas, especialmente em
melhorar as estratégias de prevenção, diagnós- crianças mais novas, e que a maioria dos casos
tico e tratamento de complicações relacionadas não requer intervenção cirúrgica (ARANCIBIA
à pneumonia infantil. Compreender as compli- et al., 2007).
cações associadas à pneumonia infantil é extre- O artigo conclui que o diagnóstico precoce
mamente importante para melhorar o atendi- e o tratamento imediato com antibióticos e
mento clínico, desenvolver estratégias eficazes procedimentos de drenagem são essenciais para
de prevenção e reduzir o impacto global da do- evitar complicações graves como empiema e
ença. derrame pleural em crianças com pneumonia.
O artigo conclui que o Streptococcus pneu- Além disso, medidas preventivas, como a
moniae é a causa mais comum de pneumonia vacinação e o uso adequado de antibióticos, são
com derrame pleural em crianças, mas sua inci- necessárias para reduzir a incidência dessas
dência está diminuindo devido às vacinas. Por complicações. O artigo também destaca que

182 | P á g i n a
outras bactérias, como Staphylococcus aureus, quados nessa condição. Estudos randomizados
Streptococcus pyogenes e Klebsiella pneumo- controlados adicionais sobre o uso precoce de
niae, podem causar essas complicações (GAY- fibrinolíticos intrapleurais em pacientes com
RETLI-AYDIN et al., 2016). empiema pleural complicado são necessários
O estudo concluiu que a pneumonia ad- (SHEN et al., 2006).
quirida na comunidade em crianças pode levar Este artigo discute a pneumonia causada
a complicações locais, como empiema e derra- por Mycoplasma pneumoniae, pneumonia bac-
me pleural, que aumentam a gravidade e o risco teriana e pneumonia viral em crianças. A evo-
de mortalidade. Os fatores de risco para essas lução clínica da pneumonia está relacionada à
complicações incluem idade mais jovem, pre- virulência dos agentes causadores e à imuni-
sença de derrame pleural na admissão, maior dade do hospedeiro. O tratamento com antibió-
duração dos sintomas antes do diagnóstico e ticos e antivirais pode ajudar na recuperação. A
tratamento inadequado com antibióticos. O es- patogênese da pneumonia pode variar para cada
tudo destaca a importância de um diagnóstico agente etiológico. O Mycoplasma pneumoniae
precoce e tratamento adequado com antibióti- é um dos agentes mais comuns da pneumonia
cos e procedimentos de drenagem para reduzir adquirida na comunidade em crianças e jovens
o risco de complicações, além de medidas adultos. O diagnóstico dessas pneumonias pode
preventivas como vacinação e uso apropriado ser difícil, e os médicos muitas vezes utilizam
de antibióticos (KRENKE et al., 2016). antibióticos empíricos. Os achados laboratori-
O estudo analisou a duração da hospitaliza- ais e radiográficos podem ser semelhantes entre
ção e a necessidade de procedimentos de drena- as pneumonias atípicas e bacterianas. A conta-
gem ou intervenção cirúrgica em pacientes com gem diferencial de leucócitos pode ser útil na
pneumonia complicada por derrame pleural. diferenciação do agente causador. Os achados
Diante desses dados de mau prognóstico na ad- radiológicos da pneumonia por Mycoplasma
missão, uma intervenção mais agressiva e pre- pneumoniae podem variar (LEE et al., 2010).
coce pode reduzir o tempo de doença e de hos- Foi relatado no artigo que uma variedade do
pitalização, trazendo benefícios claros para o subtipo 14 causa a pneumonia necrotizante em
paciente e para o sistema de saúde (SOARES et crianças. Além de observarem a presença de
al., 2009). gangrena pulmonar, caracterizada por um infar-
A adesão às diretrizes de tratamento e a to pulmonar e que pode decorrer da pneumonia.
terapia antibiótica inicial concordante estão as- O estudo ressalta a importância de diferenciar
sociadas a melhores resultados em pacientes gangrena pulmonar, pneumonia necrotizante e
com empiema pleural complicado e derrame abscesso pulmonar no começo da doença
parapneumônico. Pneumologistas têm mais (HSIEH et al., 2006).
probabilidade de aderir às diretrizes de trata- O estudo concluiu que a maioria das crian-
mento para empiema pleural complicado e ob- ças afetadas com a pneumonia necrotizante fo-
ter melhores resultados. Os médicos devem es- ram as imunocompetentes e a maioria foi cau-
tar cientes de que a bacteriologia do empiema sada pelo S. pneumoniae. Entre os efeitos
pleural complicado é diferente da pneumonia adversos, foram apontados: empiema, fístula
adquirida na comunidade e que os antibióticos broncopleural e pneumotórax. O tratamento foi
recomendados pelas diretrizes para pneumonia com base antibiótica e drenagem (KRENKE et
adquirida na comunidade podem não ser ade- al., 2015).

183 | P á g i n a
No caso relatado, a paciente apresentou oxigênio e nutrição adequada para melhora da
pneumonia necrotizante com pneumatocele. O patologia (DE BENEDICTIS et al., 2020).
tratamento escolhido foi uma lobectomia de Entre os achados do artigo, 142 pacientes
emergência a fim de melhorar a ventilação. A estavam internados com pneumonia, sendo a
pneumatocele obteve melhora após a quarta maioria do sexo feminino e com pneumonia
semana de internação e antibioticoterapia (AL- bacteriana. Estertores crepitantes foram relata-
SALEH et al., 2008). dos como sinal clínico importante para o diag-
No artigo, foi constatado que as crianças nóstico, além de tosse, taquipneia e dificuldade
foram internadas por PAC com complicações respiratória. As complicações encontradas fo-
como derrame ou empiema. O uso de amostra- ram: fístula broncopulmonar, sepse, empiema e
gem de líquido pleural como método para diag- abscesso pulmonar (RUIZ ARIZAGA et al.,
nóstico se mostrou mais eficaz que métodos 2017).
como cultura. Além de mostrar que a mortali- A pneumonia comunitária na infância é
dade por PAC é rara (ALEMAYHEU et al., obtida em ambientes extra-hospitalares, geral-
2023). mente em creches e instituições de acolhimen-
O estudo demonstrou que os casos com to. O seu quadro clínico é composto por febre,
complicações foram 42% maiores que os casos tosse, dispneia e taquipneia, e varia de acordo
não complicados. E essas complicações esta- com os fatores: idade, estado nutricional, pre-
vam presentes, em sua maioria, em crianças sença de doença de base e agente etiológico.
menores de 4 anos. As complicações citadas Em crianças menores de 2 anos o quadro costu-
foram: hidropneumotórax e pneumatocele ma ser mais intenso e grave (SANAR, 2023).
(KUNYOSHI et al., 2006). A febre pode estar ausente em infantes com
No estudo, foi observado que o número de infecção por C. trachomatis, B. pertussis ou
pacientes com pneumonia complicada cresceu Ureaplasma. As crianças podem manifestar
de 1994 (22,6%) para 1999 (53%). As com- apenas diminuição do apetite e agitação e os
plicações relatadas foram: pneumonia necroti- menores de cinco anos de idade costumam ter
zante, derrame pleural, empiema, pneumatocele pródromos de febre baixa e rinorreia, devido a
e abscesso pulmonar. Mais da metade dos pa- uma infecção viral prévia das vias aéreas supe-
cientes com complicações tiveram subtipos da riores, antes de apresentar sintomas do trato res-
pneumonia que estão incluídas na vacina hep- piratório inferior. As crianças mais velhas po-
tavalente, sendo os mais comuns o 1 e 3 (TAN dem referir dor torácica tipo pleural ou rigidez
et al., 2002). da nuca (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PE-
O artigo apresentou como complicações da DIATRIA, 2021).
pneumonia: enfisema, pneumonia necrotizante Outros sinais de PAC que indicam gravi-
e abscesso pulmonar. Foi citado que a partir do dade e necessidade de internação são: saturação
momento em que o paciente não houve melhora de oxigênio menor que 92%; abolição do mur-
com a antibioterapia em 48-72h, pode-se sus- múrio vesicular, com possibilidade ou confir-
peitar de PAC complicada. Além de demons- mação radiológica de complicações. (SBP,
trarem que o uso da vacina PCV13 mostrou 2021).
uma diminuição nos casos com complicações e A avaliação clínica e laboratorial de crian-
para estes foi ressaltado o uso de suporte de ças com PAC não deve ser invasiva, e os exa-
mes laboratoriais aplicados em pacientes inter-

184 | P á g i n a
nados não deve necessariamente ser complica- servado diferença na frequência de complica-
dos. Testes rápidos, à beira do leito, como swab ções associadas à pneumonia por pneumococo
de nasofaringe para vírus respiratórios, devem resistente à penicilina (DIRETRIZES BRASI-
ser o procedimento inicial quando disponíveis e LEIRAS EM PNEUMONIA ADQUIRIDA NA
indicados. Isso pode reduzir o uso desnecessá- COMUNIDADE EM PEDIATRIA, 2007;
rio de métodos de imagem, como o a radiogra- MANI, 2018).
fia de tórax, e de antimicrobianos (SBP, 2021). A PAC pode levar a várias complicações,
Crianças com doença grave e aspecto tó- principalmente em casos mais graves ou quan-
xico, devem realizar hemograma, eletrólitos, do não é realizado o tratamento precoce. As
testes de função hepática, renal, hemocultura e principais complicações da PAC são: derrame
exames de acordo com critérios clínicos. Os pleural, abcesso pulmonar, empiema, sepse e
marcadores inflamatórios não são capazes de insuficiência respiratória (SBP, 2021).
diferenciar entre pneumonia viral e bacteriana O derrame pleural é a complicação mais
em crianças. Entretanto, podem ser utilizados frequente de pneumonia bacteriana, no qual
durante a evolução da doença e servem como ocorre em 40% das crianças hospitalizadas por
marcadores prognósticos (SBP, 2021). pneumonias. Nele são encontrados os sintomas:
Apesar do uso de radiografia de tórax em dor no peito e dispneia. O tratamento é feito
crianças apresentar uma confirmação diagnos- através da toracocentese. Caso esteja em pe-
tica de PAC, tal procedimento expões a criança quena quantidade, ele poderá ser drenado es-
à radiação, tem custo para o sistema de saúde, pontaneamente (SBP, 2021) (“Diretrizes brasi-
podendo levar a resultados falso-negativos, e leiras em pneumonia adquirida na comunidade
consequentemente, a um tratamento desneces- em pediatria - 2007”).
sário. Portanto, o uso de imagem deveria ser re- Após a toracocentese, o exame do líquido
sumido somente a casos mais graves com evo- deve ser feito, o qual deve ser enviado para
lução prolongada e recorrente, apesar do trata- exame bacterioscópico e cultura de pesquisa de
mento (SBP, 2021). bácilo álcool-ácido-resistente. Se o líquido não
Todos os casos devem ser tratados com an- for purulento, a análise bioquímica (pH, gli-
tibiótico intravenoso com cobertura para S. cose) pode identificar características de empi-
pneumoniae, que é o agente mais frequente (DI- ema e direcionar à necessidade de drenagem
RETRIZES BRASILEIRAS EM PNEUMO- (DIRETRIZES BRASILEIRAS EM PNEU-
NIA ADQUIRIDA NA COMUNIDADE EM MONIA ADQUIRIDA NA COMUNIDADE
PEDIATRIA, 2007). EM PEDIATRIA, 2007).
A definição de resistência é baseada na con- O empiema é outra complicação da PAC
centração inibitória mínima (CIM) do pneumo- que é diagnosticado quando é detectado pus na
coco à penicilina. Considera-se que cepas com análise do líquido extraído da toracocentese.
CIM até 1 µg/mL são sensíveis, cepas com CIM Geralmente ocorre na infecção não tratada,
entre 1 e 2 µg/mL têm resistência intermediária, tendo como manifestação, febre persistente, dor
e cepas com CIM >4 µg/mL são de alta resis- no peito e dispneia. O líquido deve ser drenado,
tência. A relevância clínica da resistência do pois líquidos fétidos indicam a presença de ana-
Streptococcus pneumoniae à penicilina é ques- eróbios (SBP, 2021; DIRETRIZES BRASILEI-
tionável para infecções localizadas fora do sis- RAS EM PNEUMONIA ADQUIRIDA NA
tema nervoso central. Também não se tem ob- COMUNIDADE EM PEDIATRIA, 2007).

185 | P á g i n a
O abcesso pulmonar corresponde a uma mento deve ser realizado em unidade de terapia
área de cavitação do parênquima pulmonar re- intensiva (SANAR, 2023).
sultante da necrose e supuração e age em res-
posta à infecção. Pode ocorrer como acúmulo CONCLUSÃO
de material infectado devido ao tratamento não
adequado. Os sintomas encontrados são: febre Portanto, concluímos que as principais e
persistente, dor no peito e tosse produtiva. Ge- mais frequentes complicações da pneumonia
ralmente, nesses casos, a radiografia de tórax nas crianças são derrame pleural, empiema
em posterior (anterior e perfil) são suficientes pleural, sepse, abscesso pulmonar, e até morte
para o diagnóstico, resultando geralmente com causados quando não tratado adequadamente a
cavidade maior de 2 cm com paredes espessas doença de início. Seus principais agentes são
e nível hidroaéreos. Os antibióticos isolada- Streptococcus pneumoniae Streptococcus pyo-
mente resolvem 90% dos casos e a duração do genes, com sintomas iniciais de febre e tosse,
tratamento depende da evolução clínica e radi- podendo haver diferença de acordo com a idade
ológica da criança (SBP, 2021; DIRETRIZES da criança, onde quanto mais jovem for a cri-
BRASILEIRAS EM PNEUMONIA ADQUI- ança mais grave é o quadro. Ademais, notamos
RIDA NA COMUNIDADE EM PEDIATRIA, que o diagnóstico precoce da doença e seu tra-
2007). tamento correto com antibióticos evita as com-
A insuficiência respiratória e sepse são cau- plicações, além da vacina. O tratamento das
sadas nos casos mais graves da infecção, sendo complicações varia de acordo com a qual foi
necessário um tratamento intensificado, com apresentado, podendo ser toracocentese, drena-
suporte ventilatório e em alguns casos, o trata- gem pleural, antibiótico endovenoso e outros.

186 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALEMAYHEU, G. et al. Children hospitalized with LEE, K.-Y. et al. Mycoplasma pneumoniae pneumonia,
community-acquired pneumonia complicated by effu- bacterial pneumonia and viral pneumonia. Jornal de Pe-
sion: a single-centre retrospective cohort study. BMC Pe- diatria, v. 86, n. 6, p. 480, 2010.
diatrics, v. 23, n. 1, p. 181, 2023.
MANI, C.S. Acute Pneumonia and Its Complications.
AL-SALEH, S. et al. Necrotizing Pneumonia Compli- Principles and Practice of Pediatric Infectious Diseases,
cated by Early and Late Pneumatoceles. Canadian Res- p. 238-.e4, 2018.
piratory Journal, v. 15, n. 3, p. 129, 2008.
MEGGED, O. Characteristics of Streptococcus pyogenes
ARANCIBIA, M.F. et al. [Empyema and pleural effu- Versus Streptococcus pneumoniae Pleural Empyema and
sion in children]. Revista Chilena De Infectologia: Or- Pneumonia with Pleural Effusion in Children. Pediatric
gano Oficial De La Sociedad Chilena De Infectologia, v. Infectious Disease Journal, v. 39, n. 9, p. 799, 2020.
24, n. 6, p. 454, 2007.
RUIZ ARIZAGA, S.M. et al. Estudio Descriptivo: Neu-
DE BENEDICTIS, F.M. et al. Complicated pneumonia monía y Complicaciones en Niños en el Hospital de Es-
in children. The Lancet, v. 396, n. 10253, p. 786, 2020. pecialidades José Carrasco Arteaga. Enero - Diciembre
2015. Revista Médica Hospital José Carrasco Arteaga, v.
DIRETRIZES BRASILEIRAS EM PNEUMONIA AD- 9, n. 1, p. 36, 2017.
QUIRIDA NA COMUNIDADE EM PEDIATRIA. Jor-
nal brasileiro de pneumologia: publicacao oficial da So- SANAR. Resumo: Pneumonia Comunitária na Infância -
ciedade Brasileira de Pneumologia e Tisilogia, v. 33, n. Sanar Medicina. 2023. Disponível em: <https://www.sa -
suppl 1, p. s31, 2007. narmed.com/pneumonia-comunitaria -na-infancia>.
Acesso em: 8 jun. 2023.
GAYRETLI-AYDIN, Z.G. et al. Evaluation of compli-
cated and uncomplicated parapneumonic effusion in chil- SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Departa-
dren. The Turkish Journal of Pediatrics, v. 58, n. 6, p. mento científico de pneumologia. Pneumonias adquiri-
623, 2016. das na comunidade complicadas, n. 5, 2021. Disponível
em: https: www.sbp.com.br/filead-
HSIEH, Y.-C. et al. Necrotizing pneumococcal pneumo- min/user_upload/23054dDCPneumonias_Adquiridas_N
nia in children: the role of pulmonary gangrene. Pediatric ao_Complicadas.pdf. Acesso em: 06 jun. 2023.
Pulmonology, v. 41, n. 7, p. 623, 2006.
SHEN, Y.-H. et al. Complicated parapneumonic effusion
KRENKE, K. et al. Necrotizing Pneumonia and Its Com- and empyema in children. Journal of Microbiology, Im -
plications in Children. Advances in Experimental Medi- munology, and Infection = Wei Mian Yu Gan Ran Za
cine and Biology, v. 857, p. 9, 2015. Zhi, v. 39, n. 6, p. 483, 2006.

KRENKE, K. et al. Risk factors for local complications SOARES, P. et al. Pediatric parapneumonic pleural effu-
in children with community-acquired pneumonia. The sions: experience in a university central hospital. Revista
Clinical Respiratory Journal, v. 12, n. 1, p. 253, 2016. Portuguesa De Pneumologia, v. 15, n. 2, p. 241, 2009.

KUNYOSHI, V. et al. Complicated pneumonias with TAN, T.Q. et al. Clinical Characteristics of Children
empyema and/or pneumatocele in children. Pediatric With Complicated Pneumonia Caused by Streptococcus
Surgery International, v. 22, n. 2, p. 186, 2006. pneumoniae. Pediatrics, v. 110, n. 1, p. 1, 2002.

187 | P á g i n a
Acidentes domésticos, 48 Infecções congênitas, 111
Adolescente, 77 Internação, 1
Agonistas do GnRH, 94 Manejo comportamental, 150
Asfixia perinatal, 102 Microbioma intestinal, 9
Autismo, 27 Música, 67
Bronquiolite, 163 Neonato, 102
Bronquiolite viral aguda, 163 Obesidade infantil, 150
Citomegalovirose congênita, 111 Óbito neonatal, 102
Complicações, 180 Pandemia, 35
Convulsão, 143 Pediatria, 48, 124, 137, 143, 180
COVID-19, 16 Pneumonia, 180
Criança, 16, 43, 171 Prevenção de acidentes, 48
Crianças, 1, 27 Probióticos, 9
Depressão, 16 Puberdade precoce, 94
Desenvolvimento infantil, 43 Queimaduras, 1
Diagnóstico, 85 Saúde mental, 43
Diagnóstico diferencial, 27 Sepse neonatal, 85
Distúrbio de sono, 35 Sífilis congênita, 59, 111
Doença celíaca, 171 Síndromes, 124
Emergência, 143 Toxoplasmose congênita, 111
Enfermagem, 48 Transtorno do espectro autista, 9
Enfermagem pediátrica, 67, 77 Tratamento, 85, 94, 171
Fadiga, 77 Tratamento medicamentoso, 150
Genética, 124 Trauma, 137
Gestante, 59 Trauma cranioencefálico, 137
Herpes congênita, 111 Uso excessivo de tela, 35
Hospitalização, 67 Vírus sincicial respiratório, 163
Incidência, 59

188 | P á g i n a

Você também pode gostar