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Doenças infecciosas e parasitárias

Edição V

Organizadores
Guilherme Barroso Langoni de Freitas
Grace Tomal
Camilla Castro de Almeida

2023
2023 by Editora Pasteur
Copyright © Editora Pasteur

Editor Chefe:
Dr. Guilherme Barroso Langoni de Freitas

Corpo Editorial:
Dr. Alaercio Aparecido de Oliveira Dr Guilherme Barroso Langoni de
(Faculdade INSPIRAR, UNINTER, CEPROMEC e Força Aérea Freitas
Brasileira) (Universidade Federal do Piauí - PI)
Dra. Aldenora Maria Ximenes Rodrigues Dra. Hanan Khaled Sleiman
MSc. Bárbara Mendes Paz (Faculdade Guairacá - PR)
(Universidade Estadual do Centro-Oeste - PR) MSc. Juliane Cristina de Almeida
Dr. Daniel Brustolin Ludwig Paganini
(Universidade Estadual do Centro-Oeste - PR) (Universidade Estadual do Centro-Oeste - PR)
Dr. Durinézio José de Almeida Dr. Lucas Villas Boas Hoelz
(Universidade Estadual de Maringá - PR) (FIOCRUZ - RJ)
Dr. Everton Dias D’Andréa MSc. Lyslian Joelma Alves Moreira
(University of Arizona/USA) (Faculdade Inspirar - PR)
Dr. Fábio Solon Tajra Dra. Márcia Astrês Fernandes
(Universidade Federal do Piauí - PI) (Universidade Federal do Piauí - PI)
Francisco Tiago dos Santos Silva Júnior Dr. Otávio Luiz Gusso Maioli
(Universidade Federal do Piauí - PI) (Instituto Federal do Espírito Santo - ES)
Dra. Gabriela Dantas Carvalho Dr. Paulo Alex Bezerra Sales
Dr. Geison Eduardo Cambri MSc. Raul Sousa Andreza
MSc. Guilherme Augusto G. Martins MSc. Renan Monteiro do Nascimento
(Universidade Estadual do Centro-Oeste - PR)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Editora Pasteur, PR, Brasil)
F866 FREITAS, GUILHERME BARROSO LANGONI DE
Doenças Infecciosas e Parasitárias.
FREITAS, G.B.L. de et al. - Irati: Pasteur, 2023.
1 livro digital; 226 p.; ed. V; il.

Modo de acesso: Internet


ISBN 978-65-6029-012-9
https://doi.org/10.59290/978-65-6029-012-9
1. Medicina 2. Parasitologia. 3. Doenças infecciosas.
I. Título.
CDD 610
CDU 61
O livro Doenças Infecciosas e Parasitárias reúne aspectos da prevenção, diagnóstico e manejo de
doenças infecciosas e sexualmente transmissíveis em humanos e animais, bem como genética
molecular, fisiopatologia e epidemiologia. O Brasil é considerado um local endêmico para várias
dessas doenças como dengue, chikungunya, malária, doenças de Chagas entre outras. Os casos de
doenças sexualmente transmissíveis ainda continuam crescendo, o que deve ser alerta para serviços
públicos de saúde. Reunir trabalhos de qualidade na área é a proposta da Editora Pasteur e isso foi
obtido com êxito nesta primeira edição. Acadêmicos, profissionais e pesquisadores da área assinam
suas contribuições através dos capítulos publicados e esperam que o leitor tenha uma agradável
experiência com seus estudos. Esperamos ansiosos pelas próximas edições!

Guilherme Barroso Langoni de Freitas


Dr. Prof. Dpto. Bioquímica e Farmacologia
Universidade Federal do Piauí (UFPI)
Diretor Científico do Grupo Pasteur
CAPÍTULO 1 - NEUROCISTICERCOSE ........................................................................................ 1
CAPÍTULO 2 - PARACOCCIDIOIDOMICOSE EM PACIENTE ADULTO COM NÓDULOS
PULMONARES: UM RELATO DE CASO ...................................................................................... 9
CAPÍTULO 3 - PATOGÊNESE DA TUBERCULOSE PULMONAR EM ADULTOS: UMA
REVISÃO DE LITERATURA ......................................................................................................... 15
CAPÍTULO 4 - DETERMINAÇÃO DE AUTOANTICORPOS EM PACIENTES COM COVID-
19 EM UM HOSPITAL TERCIÁRIO DO OESTE DO PARANÁ ............................................... 23
CAPÍTULO 5 - ANÁLISE EPIDEMIOLÓGICA DO NÚMERO DE ÓBITOS EM GESTANTES
E PUÉRPERAS POR COVID-19 NO PERÍODO DE MARÇO DE 2020 A JULHO DE 2021 NO
ESTADO DO PARÁ .......................................................................................................................... 30
CAPÍTULO 6 - REVISÃO SISTEMÁTICA DE PLANTAS DO BIOMA CAATINGA COM
ATIVIDADE ANTIPARASITÁRIA ................................................................................................ 39
CAPÍTULO 7 - SÍFILIS CONGÊNITA: ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS E MANEJO ..... 53
CAPÍTULO 8 - TUBERCULOSE PULMONAR: TRATAMENTO FARMACOLÓGICO E A
CONTRIBUIÇÃO DO PROFISSIONAL FARMACÊUTICO ..................................................... 66
CAPÍTULO 9 - DIAGNÓSTICO E ABORDAGEM AO PORTADOR DO VÍRUS DA
IMUNODEFICIÊNCIA HUMANA (HIV) ...................................................................................... 76
CAPÍTULO 10 - TUBERCULOSE NA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA: UMA
REVISÃO DE LITERATURA ......................................................................................................... 88
CAPÍTULO 11 - SÉRIE TEMPORAL DA SÍFILIS CONGÊNITA NO PARÁ DE 2010-2019 E
O IMPACTO DA PANDEMIA DE COVID-19............................................................................... 98
CAPÍTULO 12 - PAPEL DO ENFERMEIRO FRENTE ÀS ENTEROPARASITOSES NA
INFÂNCIA: REVISÃO INTEGRATIVA ...................................................................................... 107
CAPÍTULO 13 - INCIDÊNCIA E PREVALÊNCIA DOS VARIADOS TIPOS DE HEPATITE
EXISTENTES NO TERRITÓRIO BRASILEIRO ....................................................................... 117
CAPÍTULO 14 - CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS DA LEISHMANIOSE VISCERAL EM
PACIENTES INFECTADOS PELO VÍRUS DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA (AIDS)
............................................................................................................................................................ 130
CAPÍTULO 15 - ASPECTOS CLÍNICO-EPIDEMIOLÓGICOS DO ARANEÍSMO NO
BRASIL ............................................................................................................................................. 138
CAPÍTULO 16 - FEBRE FAMILIAR DO MEDITERRÂNEO: EPIDEMIOLOGIA,
DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO ............................................................................................. 150
CAPÍTULO 17 - MALÁRIA: ASPECTOS CLÍNICO-EPIDEMIOLÓGICOS E ABORDAGEM
TERAPÊUTICA NO BRASIL ........................................................................................................ 161
CAPÍTULO 18 - DENGUE NO BRASIL: CARACTERÍSTICAS E SITUAÇÃO
EPIDEMIOLÓGICA ....................................................................................................................... 171
CAPÍTULO 19 - UMA ANÁLISE RETROSPECTIVA E CLÍNICA DA DENGUE E DO
COEFICIENTE DE GINI DA PNAD: UMA REVISÃO DE LITERATURA DE 2012 A 2022
............................................................................................................................................................ 182
CAPÍTULO 20 - ANGIOSTRONGILÍASE ABDOMINAL E CEREBRAL: UMA REVISÃO DE
LITERATURA ................................................................................................................................. 192
CAPÍTULO 21 - COINFECÇÃO ENTRE O VÍRUS DA IMUNODEFICIÊNCIA HUMANA E
O VÍRUS DA HEPATITE B (HIV/HBV) ...................................................................................... 204
CAPÍTULO 22 - MONITORAMENTO DE INFLUENZA AVIÁRIA EM AVES SILVESTRES
NO BRASIL ...................................................................................................................................... 213
CAPÍTULO 1

NEUROCISTICERCOSE

DANIELA ALVES GULHOTE¹


AYME DE OLIVEIRA1
JÚLIA OLIVA DA FONSECA1
NICOLE IAFIGLIOLA GOMES1
VICTORIA DE LIMA BURNIER1
GABRIELA BISTAFFA VITOR1
GIOVANNI SILVEIRA D’ANDRÉA ROSSI1
AMANDA PERES1
GIOVANA GUERNELLI BATISTA1
ROBERTA DUARTE2
ARTHUR SANTOS DA SILVA3
GABRIEL DE MORAES MANGAS4
ENZO LUSTOSA CAMPOS5
RICARDO SANTOS DE OLIVEIRA6
MATHEUS FERNANDO MANZOLLI BALLESTERO7

1. Discente – Acadêmico de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.


2. Discente – Acadêmica de Medicina da universidade de Rio verde.
3. Discente – Acadêmico de Medicina da Universidade Federal do Tocantins.
4. Discente – Acadêmico de Medicina da Universidade Federal Fluminense.
5. Discente – Acadêmico de Medicina da Universidade Federal de Jataí.
6. Docente – Divisão de Neurocirurgia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de
São Paulo.
7. Docente – Medicina da Universidade Federal de São Carlos.

PALAVRAS-CHAVE
Cistos; Tratamento; Calcificações.

10.59290/978-65-6029-012-9.1
INTRODUÇÃO quantidade de cisticercos, tamanho, locali-
A neurocisticercose é uma doença do sistema zação, estágio de desenvolvimento e resposta
nervoso central (SNC) causada pela larva do imune do hospedeiro. Seu diagnóstico ocorre
helminto Taenia solium e é considerada um através de exames de imagem como ressonân-
grande problema de saúde pública em países cia magnética (RM) e tomografia computado-
em desenvolvimento, como regiões da rizada (TC) de crânio e através do líquor
América Latina, Ásia e África. Nesses locais, (LCR). O tratamento engloba a abordagem
por apresentarem precárias condições so- cirúrgica, o uso de sintomáticos e de drogas
cioeconômicas, a transmissão da doença pela antiparasitárias (TAKAYANAGUI & HAES,
ingestão de água e alimentos contaminados 2022; MOURA et al., 2020). Esse capítulo
com ovos do parasita ocorre mais facilmente. realizou uma ampla revisão da literatura
As manifestações clínicas da neurocisticercose buscando acessar aspectos do diagnóstico e
dependem de diversos fatores, dentre eles: tratamento dessa doença negligenciada.

Figura 1.1. Ciclo da Taenium solium

Fonte: NEVES, 2016.

MÉTODOS RESULTADOS E DISCUSSÃO


Para escrever esse capítulo foram utilizados Diagnóstico
11 artigos publicados nos últimos 10 anos, A neurocisticercose é uma doença
entre 2013 e 2023. A revisão sistemática foi pleomórfica, embora às vezes não produza
baseada em trabalhos recuperados nas plata- manifestação clínica. Esse pleomorfismo se
formas PubMed (51), SciELO (36) e Lilacs deve a variações na localização das lesões, no
(114) através do descritor "neurocysticer- número de parasitas e na resposta imune do
cosis". Destes artigos foram excluídos artigos hospedeiro. O início dos sintomas geralmente
duplicados e que abordavam larvas, vermes, é subagudo a crônico, com exceção das
tênias, cistos e doenças causadas pelo convulsões, que se apresentam de forma aguda
cisticerco diferentes do tema em questão. (GARCIA, 2018).

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A presença dos cisticercos é a principal também podem ocorrer e têm sido relatadas
causa de epilepsia de início na idade adulta, como resultado de ruptura de aneurismas
sendo esta a apresentação mais comum da micóticos da artéria basilar, majoritariamente.
doença (70% dos casos) e também uma Ambas as apresentações de AVEs podem ser
complicação. Convulsões secundárias à neu- responsáveis por paresia ou plegia, movi-
rocisticercose podem ser generalizadas ou mentos involuntários, distúrbios da marcha ou
parciais. Crises parciais simples e complexas parestesias (MAHALE et al., 2015).
podem estar associadas à presença de uma Disfunção cognitiva pode variar de baixo
única lesão. Já as convulsões generalizadas são desempenho em testes neuropsicológicos a
geralmente tônico-clônicas; acredita-se que demência grave. Esses sintomas parecem estar
isso esteja relacionado à presença de múltiplas mais relacionados à presença de hipertensão
lesões. No entanto, a irritação do tecido intracraniana do que ao número ou localização
cortical focal por uma das lesões pode levar a dos parasitas (GARCIA, 2018).
um início focal com generalização secundária. Hidrocefalia está presente em 10 a 30% dos
Crises mioclônicas também foram descritas na pacientes na forma comunicante devido à
literatura (GARCIA, 2018). inflamação e fibrose das vilosidades aracnoi-
A presença de cefaleia pode estar associada des ou à reação inflamatória às meninges e
à hipertensão intracraniana e é sugestiva de subsequente oclusão dos forames de Luschka
hidrocefalia e/ou meningite. Quando crônicas, e Magendie. A forma não comunicante pode
podem estar associadas a náuseas e vômitos ser consequência de cistos intraventriculares
(simulando quadros de enxaqueca) (MAHALE (GRIPPER & WELBURN, 2017).
et al., 2015). Na maioria das vezes, a Com relação à localização:
hipertensão intracraniana deve-se à obstrução - Forma intrasselar: apresenta manifes-
causada por cisticercose basal ou ventricular. tações oftalmológicas e endocrinológicas que
Entretanto, também pode ser resultado de mimetizam as dos tumores hipofisários.
grandes cistos, deslocando estruturas da linha - Forma espinhal: rara e pode ser
média, ependimite granular, aracnoidite ou a extramedular ou intramedular, sendo a pri-
chamada encefalite cisticercótica (causada meira mais frequente e responsável por
pela resposta inflamatória a uma infestação sintomas como dor radicular, fraqueza e pares-
maciça do parênquima cerebral com cisti- tesias. A apresentação intramedular pode cau-
cercos). A associação de convulsões e deterio- sar paraparesia, déficits sensoriais ao nível
ração do estado mental é comum, principal- afetado e distúrbios esfincterianos.
mente devido à reação inflamatória do hos- - Forma ocular: mais comum no espaço
pedeiro como resposta à infestação maciça. sub-retiniano, podendo cursar com dor ocular,
Diplopia também pode estar presente por diminuição da acuidade visual, defeitos do
aprisionamento ou compressão dos nervos campo visual ou cegueira monocular.
cranianos III, IV ou VI (MAHALE et al., - Forma sistêmica: mais comum no
2015; GARCIA, 2018). continente asiático, com parasitas podendo
Complicações cerebrovasculares isquêmi- estar localizados no tecido subcutâneo ou no
cas incluem infartos lacunares e também músculo, havendo relatos de envolvimento de
grandes infartos cerebrais resultantes de nervos periféricos, bem como de fígado ou
oclusão ou dano vascular. Hemorragias
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baço (MAHALE et al., 2015; GARCIA, attenuated inversion recovery” (FLAIR) antes
2018). e após a inalação de oxigênio a 100% são as
20% ou menos dos pacientes infectados que fornecem melhor detecção. Também são
com neurocisticercose apresentam achados ao mais úteis na avaliação da degeneração cística
exame físico, os quais dependem de e da reação inflamatória pericística onde
localização dos cisticercos e incluem: declínio evidencia os seguintes achados (TAKAYA-
cognitivo, disartria, paralisia ou paresia do NAGUI & HAES, 2022):
movimento extra-ocular, hemiparesia ou - No estágio vesicular: cistos seguem o sinal
hemiplegia (relacionada a AVE ou paralisia de do líquido cefalorraquidiano (LCR), escólex
Todd), perda hemissensorial, distúrbios do hiperintenso em T2 pode ser visto, sem edema
movimento, hiper/hiporreflexia, distúrbios da e geralmente sem realce.
marcha e sinais meníngeos (GARCIA, 2018). - No estágio coloidal: cistos são hiperin-
Com relação aos estudos de imagem, a tensos ao LCR, com edema circundante e a
tomografia computadorizada (TC) é geral- parede do cisto em destaque.
mente o exame inicial, devido à detecção de - No estágio nodular-granular: a parede do
calcificações parenquimatosas as quais cisto engrossa e retrai, há diminuição do
predominam na cronicidade, dependendo do edema e realce nodular ou anelar.
estágio de evolução da infestação. Os achados A análise do LCR está indicada em
são variáveis, como segue (MAHALE et al., pacientes que apresentam crises de início
2015): recente ou déficit neurológico nos quais a
- Estágio vesicular (larva viável): lesões neuroimagem mostra uma lesão solitária sem
hipodensas e sem realce. diagnóstico definitivo. Está contraindicada em
- Estágio coloidal (degeneração larval): casos de cistos grandes que causem edema
lesões hipodensas/isodensas com realce peri- grave e deslocamento de estruturas cerebrais,
férico e edema perilesional. bem como em lesões que causem hidrocefalia
- Estágio nodular-granular: lesões com obstrutiva. Quando os parasitas estão loca-
realce nodular. lizados no parênquima cerebral, os resultados
- Encefalite cisticercótica: edema difuso, podem ser normais sendo geralmente anormais
ventrículos colapsados e múltiplas lesões (50-80%) quando estão presentes nas cisternas
parenquimatosas. basais ou nos ventrículos. Achados incluem
- Estágio parenquimatoso ativo: escólex pleocitose mononuclear, níveis normais ou
dentro de um cisto pode aparecer como um baixos de glicose, níveis elevados de proteínas,
ponto hiperdenso. alto índice de imunoglobulina G (IgG) e, em
- Estágio calcificado: calcificações nodu- alguns casos, a presença de bandas oligoclo-
lares parenquimatosas são vistas quando o nais. Eosinofilia (5-500 células/µL) no LCR
parasita morre. sugere neurocisticercose; entretanto, os eosi-
A ressonância magnética (RM) é a nófilos também estão elevados na neurossífilis
modalidade de imagem de escolha, especial- e na neurotuberculose (TAKAYANAGUI &
mente para avaliação de cistos intraven- HAES, 2022).
triculares e cisternal/subaracnoideos. Imagens Sendo a teníase e a neurocisticercose
ponderadas em “noninvasive magnetic coexistentes em 10-15% dos pacientes, há
resonance cisternography” (MRC) ou “fluid- indicação de exame parasitológico de fezes.
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Portadores de tênia geralmente são cistos podem estar aderidos às meninges, estes
identificados examinando parentes de um não têm escólex. Devido à sua localização,
paciente com neurocisticercose. Sugere-se que podem produzir hidrocefalia, causada pela
a detecção de coproantígenos específicos por inflamação das meninges com fibrose e
ensaio imunoenzimático (ELISA) e reação em obstrução subsequente. Por vezes dão a
cadeia da polimerase (PCR) pode ajudar a impressão de um aspecto “infiltrativo” (a
melhorar a triagem em áreas endêmicas chamada apresentação “canceriforme” de
(OLIVEIRA et al., 2018; GARCIA, 2018). Trelles) (TAKAYANAGUI & HAES, 2022).
ELISA é o teste mais amplamente utilizado - A forma mista refere-se à presença de
do líquido cefalorraquidiano (LCR) com ambas as formas cística e racemosa.
sensibilidade de 50% e especificidade de 65% Os principais diagnósticos diferenciais na
para neurocisticercose. Há também o enzyme- suspeita de neurocisticercose incluem: abs-
linked immunoelectrotransfer blot (EITB), que cesso cerebral, gliomas do tronco cerebral,
utiliza antígenos de glicoproteína de lectina de amebíase, tumores do SNC, neurotoxo-
lentilha de cistos de T. solium, o qual também plasmose, neurocriptococose, craniofaringio-
é altamente sensível e específico. Em ma, granulomas micóticos, neurossarcoidose,
pacientes com mais de duas lesões, foi relatada tumores hipofisários, meningite tuberculosa e
sensibilidade de 90%, diminuindo para 50- tuberculose do SNC (GARCIA et al., 2014).
62% com uma única lesão e para lesões Por fim, a neurocisticercose representa um
calcificadas. Anticorpos monoclonais para dilema complexo de diagnóstico e tratamento,
detecção de antígenos parasitários circulantes pois sua apresentação depende da localização
podem ser úteis no monitoramento da resposta das lesões, do número de parasitas e da
à terapia cisticida (TAKAYANAGUI & resposta imune do hospedeiro, bem como de
HAES, 2022). A biópsia cerebral somente é quaisquer sintomas.
necessária em casos selecionados e sem
diagnóstico de neurocisticercose. Um teste de Figura 1.2. RM com contraste de uma paciente de 44
anos com achado incidental de calcificações
drogas cisticidas com imagem de seguimento possivelmente secundárias a NCC
em 2 meses é recomendado antes de considerar
a biópsia (TAKAYANAGUI & HAES, 2022).
No quesito histológico, o cisticerco é uma
vesícula cheia de líquido com uma parede de 3
camadas e escólex, embora o escólex não
possa ser visualizado em alguns casos. O
parasita pode adotar três apresentações:
- A forma cística relaciona-se à presença de
cistos em qualquer parte do cérebro com
aproximadamente 7 mm de diâmetro, podendo
ser únicos ou múltiplos, localizados mais
frequentemente em leptomeninges e córtex.
- A forma racemosa refere-se à presença de
múltiplos cistos nas cisternas basais onde as
vesículas podem ter tamanhos diferentes, e os
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Figura 1.3. RM em homem de 43 anos admitido com Diagnóstico diferencial
cefaleia e rebaixamento do nível de consciência, lesão
cística frontal mimetizando tumor cerebral De acordo com Chitkara et al. (2020), as
características radiológicas da neurocisti-
cercose, obtidas por ressonância magnética
(RM) e tomografia computadorizada (TC)
com contraste, incluem em sua maioria
múltiplas lesões císticas cerebrais ou se
apresentam na forma de pequena lesão nodular
intraparenquimatosa realçada pelo disco,
semelhantes às do abscesso cerebral,
tuberculoma, meningioma, metástase cerebral,
infecções fúngicas, sífilis, sarcoidose ou cisto
hidático, levando a uma interpretação errada
da lesão cerebral. Portanto, para além dos
exames de imagem, é preciso atenção ao
Figura 1.4. Radiografia mostrando cistos calcificados histórico geográfico e ao histórico de viagens
do paciente em conjunto com a análise dos
dados laboratoriais.
Em casos em que uma única lesão está
presente, pode haver confusão com uma
neoplasia primária ou secundária do SNC,
abscessos e granulomas de outras origens.
Dessa forma, é importante atentar-se a achados
patognomônicos da doença: uma imagem mais
densa, geralmente excêntrica, é característica
do escólex do helminto no interior da vesícula
(GARCIA, 2021).
As malformações cavernosas também
fazem parte do diagnóstico diferencial, se
Figura 1.5. Radiografia mostrando cistos calcificados apresentando com convulsões e múltiplas
calcificações intracranianas na tomografia
computadorizada, podendo haver confusão
com os cistos calcificados por neurocis-
ticercose. Dessa forma, a ressonância mag-
nética é o melhor teste de neuroimagem de
escolha para o diagnóstico correto dessas
doenças, ainda que não detecte claramente a
calcificação (GASPARETTO et al., 2016).

Tratamento
De acordo com Bustos et al. (2021), a
primeira abordagem do paciente com NCC é
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um manejo adequado dos sintomas. Sendo 15 dias, demonstraram eficácia principalmente
assim, o tratamento da neurocisticercose é sobre cistos paren-quimatosos. Estudos
realizado com drogas anti-helmínticas, anti- apontam que a escolha do medicamento
inflamatórios esteroidais e também com antiparasitário deve ser mais influenciada
antiepilépticos (FRACKOWIAK et al., 2019). pelos custos e efeitos colaterais, uma vez que
Em casos de lesões de massa ou hidrocefalia, diversas análises mostram eficácia de
a depender da magnitude da lesão, deve-se tratamento semelhante entre o albendazol e o
considerar o tratamento cirúrgico (BUSTOS et praziquantel (PAIVA et al., 2017).
al., 2021). Ainda, temos a possibilidade de associar o
O tratamento depende da forma do albendazol e o praziquantel. De acordo com
acometimento. O tipo parenquimatoso geral- Garcia et al. (2014), o uso isolado de
mente não requer cirurgia, o que é mais albendazol, ainda que em dose aumentada, não
comum na forma extraparenquimatosa. A atinge a mesma eficácia da combinação de
hidrocefalia é uma complicação frequente albendazol mais praziquantel.
porque os cistos muitas vezes obstruem o fluxo Por fim, a terapia anti-inflamatória
cerebrospinal. Assim, os cistos devem ser esteroidal, ainda que reduza efeitos indese-
removidos sempre que possível, para evitar a jados da morte dos parasitas, deve ser utilizada
necessidade de derivações ventriculares como adjuvante à terapia principal, uma vez
permanentes (PAIVA et al., 2017). que seu uso a longo prazo pode causar efeitos
Muitos estudos têm foco direcionado ao colaterais, tais como insuficiência renal,
benefício do tratamento antiepiléptico em gastrite e doença ulcerosa péptica (BUSTOS et
pacientes com neurocisticercose, uma vez que al., 2021).
as convulsões são a apresentação mais comum
da patologia em questão (FRACKOWIAK et CONCLUSÃO
al., 2019). A carbamazepina é o medicamento Conclui-se que a neurocisticercose é uma
mais utilizado, especialmente devido à doença com características pleomórficas no
disponibilidade em regiões endêmicas. No sistema nervoso, causando aos portadores
entanto, o levetiracetam está sendo cada vez epilepsia, cefaleias, entre outros sintomas a
mais prescrito (BUSTOS et al., 2021). depender do número e local de alojamento dos
No que tange ao medicamento antipa- cisticercos.
rasitário, o albendazol continua sendo a O tratamento envolve o manejo adequado
primeira escolha de tratamento. O uso de dos sintomas. Sendo assim, o tratamento da
medicamentos antiparasitários é uma concor- neurocisticercose é realizado com drogas anti-
dância entre os especialistas devido ao seu helmínticas, anti-inflamatórios esteroidais e
benefício clínico e radiológico na maioria dos também com antiepilépticos. Em casos de
casos de NCC, principalmente em indivíduos lesões de massa ou hidrocefalia, a depender da
com múltiplos cistos viáveis ou naqueles que magnitude da lesão, deve-se considerar o
apresentam NCC subaracnoide, não estando tratamento cirúrgico. Tais fatores supracitados
indicado no estágio nodular-granular são causa de morbidade, logo, são necessárias
(BUSTOS et al., 2021). Praziquantel (50-70 medidas de saúde coletiva mais enérgicas.
mg/kg/dia) ou albendazol (15 mg/kg/dia), por

7
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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GRIPPER, L.B. & WELBURN, S.C. Neurocysticercosis
v. 427, e117527, 2021.
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CHITKARA, A. et al. Neurocysticercosis: an easy to 218, 2017.
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GASPARETTO, E. et al. Neurocysticercosis, familial Arquivos de Neuro-Psiquiatria, v. 80, p. 296, 2022.
cerebral cavernomas and intracranial calcifications:

8
CAPÍTULO 2

PARACOCCIDIOIDOMICOSE EM
PACIENTE ADULTO COM
NÓDULOS PULMONARES: UM
RELATO DE CASO

ALICE CARDOSO RODRIGUES¹


ANA LUISA DE ABREU¹
GIOVANNA GODINHO PEREIRA¹
LAVINIA MOREIRA BASTOS¹

1. Discente – Curso de Medicina da Universidade do Vale do Sapucaí.

PALAVRAS-CHAVE
Itraconazol; Paracoccidioidomicose; Micose sistêmica.

10.59290/978-65-6029-012-9.2
INTRODUÇÃO 2019).
A blastomicose sul-americana (paracocci- A doença pode manifestar-se de duas
dioidomicose) é uma micose sistêmica formas: a forma crônica, causadora da maioria
granulomatosa causada por um fungo dos casos, acomete com maior frequência
termodimórfico do gênero Paracoccidioides trabalhadores rurais que têm fungos endógenos
spp., sendo esse gênero composto por uma reativados nos pulmões e em outros órgãos na
variedade de espécies como: Paracoccidioides idade avançada, e a forma aguda ou subaguda,
brasiliensis, Paracoccidioides americana, que aparece em pacientes mais jovens e é mais
Paracoccidioides restrepiensis, Paracoccidio- grave devido ao envolvimento retículo
ides venezuelensis e uma nova espécie intitulada endotelial progressivo, levando a um alto índice
Paracoccidioides lutzii. É uma enfermidade de complicações, inclusive ao óbito.
observada principalmente em pacientes da Os sintomas da doença podem ser
América do Sul, sendo o Brasil a área mais sistêmicos, com dores musculares, problemas
afetada, com endemia nos estados de São Paulo, respiratórios e cefaleia, ou relacionados a
Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do especificidades de determinados órgãos que
Sul, Paraná, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, foram acometidos. O diagnóstico é baseado em
com principal incidência em áreas rurais informações clínicas e biológicas (TRINDADE
(TRINDADE et al., 2022). et al., 2022).
O fungo encontra-se presente principalmente Dessa forma, o presente estudo tem como
em solos contaminados, podendo atingir as vias objetivo relatar um caso clínico de um paciente
aéreas superiores através da inalação, primei- com blastomicose sul-americana atendido no
ramente acometendo os pulmões e, então, pode Hospital das Clínicas Samuel Libânio (HCSL)
se espalhar para os mais diversos órgãos, como de Pouso Alegre, no ano de 2023, através da
pele, membranas mucosas, região gastrointes- análise e revisão de prontuários, que foram
tinal, baço e sistema linfático (SOUSA et al., discutidos com base na literatura atual a respeito
2021). do quadro de paracoccidioidomicose com
No Brasil, a taxa de mortalidade por quadro de nódulos pulmonares.
paracoccidioidomicose é de cerca de 1,45 por 1
millhão de habitantes, sendo a oitava causa mais MÉTODO
comum de mortalidade entre as doenças Trata-se de uma revisão de literatura com
infecciosas e parasitárias recorrentes. A taxa de relato de caso. Após consentimento informado,
letalidade se encontra em uma porcentagem em as informações contidas neste trabalho foram
torno de 5 a 27%. obtidas por meio de revisão do prontuário. Em
A duração do tratamento depende da imuni- complemento, realizou-se uma busca por
dade do hospedeiro, da virulência do isolado, do referencial teórico nas bases de dados SciELO e
tamanho do inóculo de Paracoccidioides sp. e PubMed utilizando os descritores: paracocci-
do composto antifúngico utilizado. Além disso, dioidomicose, paracoccidioidomycosis, micose
o tratamento é mantido até a recuperação da sistêmica e South American blastomycosis. A
imunidade mediada por células, evitando a busca resultou em 594 estudos no SciELO e
reativação de células fúngicas que podem 5136 no PubMed. Foram excluídos artigos
persistir como focos latentes (ANDRADE et al., publicados antes de 2018.

10
Após os critérios de seleção, restaram nove apresentaram resultado negativo e a terceira
artigos que foram submetidos a leitura resultado positivo para presença de fungos
minuciosa para posterior coleta de dados. Além leveduriformes.
disso, foram retiradas informações do site Ademais, a biópsia, realizada em fevereiro
oficial do Ministério da Saúde e de um artigo de 2023 através do produto de linfo-
brasileiro publicado no periódico internacional nodomegalia, detectou a presença de linfadenite
Research, Society and Development. crônica granulomatosa com algumas células
gigantes multinucleadas contendo frequentes
RELATO DE CASO estruturas arredondadas com membranas
J.C.G.C, 38 anos, sexo masculino, lavrador, birrefringentes compatíveis com Paracocci-
residente e procedente da zona rural de dioides brasiliensis.
Silvianópolis-MG, ex-etilista por 10 anos e Por fim, como exames complementares,
tabagista há 20 anos. Paciente foi atendido no realizou-se TC de tórax, que evidenciou
dia 28 de fevereiro de 2023 referindo o múltiplos diminutos nódulos pulmonares de
surgimento de fístulas por todo o corpo distribuição randômica pelo parênquima
associadas a prurido, perda ponderal e pulmonar bilateralmente, resultando em uma
linfonodomegalia indolor presente há dois suspeita de tuberculose miliar, TC de abdome,
meses. Além disso, relatou sintomas como que identificou múltiplas linfonodomegalias
odinofagia, lesões orofaríngeas e edema de retroperitoneais, peritoneais mesentéricas e
MMII noturno. Paciente relatou já ter passado inguinais bilaterais, e TC de pescoço, que
por ações do serviço de saúde do Hospital das demonstrou múltiplas linfonodomegalias
Clínicas Samuel Libânio, onde permaneceu cervicais bilaterais, algumas com centro de
internado por 10 dias em uso de “Anfotericina degeneração cística/necrótica, podendo ser
B” por 8 dias, apresentando boa resposta à associadas à processo inflamatório/infeccioso
medicação. Após o episódio, foi possível granulomatoso ou doenças linfoproliferativas.
receber alta para o tratamento ambulatorial com Após manter o tratamento contínuo fazendo
“Itraconazol”. Paciente não soube referir as uso medicamentoso de Itraconazol 100 mg (0-
doses da medicação, negou qualquer outro tipo 2-0) e ciclo de 7 dias de Anfotericina intra-
de queixa e mencionou manejo de terra hospitalar, o paciente relata tosse pouco
frequente. Depois de 2 meses, no dia 28 de abril, secretiva, melhora nas linfonodomegalias e
paciente chega ao atendimento alegando início regressão completa das lesões de pele. Paciente
de prurido há 3 meses de forma intensa e difusa. negou estado febril e alterações dos hábitos
Alegou como fator de melhora somente o uso de intestinais e urinários.
“Itraconazol”.
De início, foi solicitado o hemograma, o qual RESULTADOS E DISCUSSÃO
identificou hipovitaminose D, sendo necessária A paracoccidioidomicose é uma micose
a reposição, e raio x de tórax, após ser tropical sistêmica que afeta indivíduos com
observado durante o exame físico nodulação em certos fatores de risco que vivem na América
região cervical sugestiva de adenomegalia. Latina, especialmente no Brasil (HAHN et al.,
O paciente foi submetido ao exame de 2022). A doença atinge em sua maioria homens
BAAR. As primeira e segunda amostras que vivem na zona rural e associados a

11
atividades agrícolas, possuindo contato direto e de idade entre 30 e 60 anos. Possui evolução
prolongado com o solo (TOMAZINI et al., lenta, com predomínio de comprometimento
2023). Sendo assim, a porta de entrada do fungo pulmonar, além do acometimento cutâneo-
é a via inalatória (PEREIRA et al., 2022), fato mucoso, mononuclear fagocitário, podendo
importante a acentuar, uma vez que o paciente ocasionar, ainda, danos ao sistema nervoso
relata sintomas de odinofagia, lesões orofa- central e às glândulas adrenais. Outrossim, essas
ríngeas e tosse seca com piora ao decúbito. manifestações clínicas podem persistir entre 4 a
As principais formas clínicas da enfermidade 6 meses ou até 1 ano (URETA-FERNÁNDEZ
se caracterizam pelo aparecimento de lesões na et al., 2019).
pele, linfonodomegalia, hipertrofia do sistema Sendo assim, apesar do exame clínico e a
reticuloendotelial, comprometimento pulmonar anamnese contribuírem para uma suspeita pelo
e alterações anatômicas e funcionais de órgãos, profissional de saúde, o exame físico é de suma
como pulmões, pele, laringe, traqueia, dentre importância para registrar tais suspeitas. O
outros (BRASIL, 2022). Diante disso, associa- edema, em especial em membros inferiores, o
se o fato de o paciente ser ex-etilista e possuir aumento dos linfonodos e as fístulas pelo corpo
+20 anos de tabagismo, o que provoca uma permitem uma desconfiança visual. A ausculta
deficiência considerável do seu sistema imuno- pulmonar, frequência cardíaca, pressão arterial
lógico e o deixa mais suscetível à disseminação e saturação evidenciam a homeostase hemo-
de propágulos para outras partes do corpo. dinâmica e respiratória do paciente, permitindo
A fase aguda ou subaguda da doença possui a percepção se os inóculos fungicidas
maior incidência em pacientes com idade deterioram os órgãos envolvidos ou se permi-
abaixo de 30 anos de idade, sendo mais tem manter a sua integridade.
agressiva e com evolução mais rápida. Essa fase Percebe-se, assim, que o contato capacita o
tem como característica o envolvimento do médico a compreender com maior precisão a
sistema fagocitário mononuclear, com destaque situação do paciente, a fim de buscar uma
pela presença de gânglios linfáticos localizados melhor orientação terapêutica. No entanto, é
ou generalizados, hepatoesplenomegalia e necessário um monitoramento de exames
manifestações digestivas. Além destas, há laboratoriais, como raio X do tórax e
outras manifestações, como lesões cutâneo- tomografias, com o intuito de analisar tecidos de
mucosas, comprometimento osteoarticular e granulações ocasionados pelo parasita. Como
febre (URETA-FERNÁNDEZ et al., 2019). realizado, a TC de pescoço teve sucesso na
Nesse sentido, por mais que o paciente já esteja monitorização da mucosa orofaríngea, a qual
acima da idade apropriada para a fase aguda, permaneceu isenta de lesões. Quanto aos
suas queixas, como fístulas corpóreas associ- linfonodos cervicais bilaterais, constatou-se
adas à prurido, linfonodomegalia indolor e uma degeneração cística e necrótica muito
emagrecimento, explicitam a presença do presente em situações de defesa do organismo a
agente agressor no histórico da doença atual. infecções. Na TC do abdome, observou-se
A fase crônica, a atual encontrada no resultados dentro da normalidade, exceto os
enfermo, está relacionada com a aguda, no linfonodos retroperitoneais, peritoneais, mesen-
entanto, de forma mais acentuada. Essa fase é téricos e inguinais bilaterais, o que indica uma
predominante no sexo masculino, em uma faixa manifestação da doença crônica agravada no

12
organismo. Todavia, a ausência do avanço da resultado positivo para a presença de fungos
doença se deve ao fato de o paciente manter um leveduriformes, e a biópsia, na qual os
tratamento constante. Outrossim, é necessário fragmentos de linfonodos apresentaram linfade-
um exame neurológico de punção liquórica para nite crônica granulomatosa com algumas célu-
monitoramento de infecções fúngicas na las gigantes multinucleadas, contendo frequen-
meninge, a qual não apresentou alterações tes estruturas arredondadas, com membranas
significativas na análise. birrefringentes compatíveis com Paracocci-
Por fim, salienta-se que a infecção pelo dioides brasiliensis.
patógeno tem uma tendência de progressão para Dessa forma, a conduta adotada foi a
formas cada vez mais graves, no entanto, o prescrição de Itraconazol 200 mg por tempo
tratamento se dá por uma forma simples, pelo prolongado (mínimo de 3 meses). Atualmente,
uso de Itraconazol, no caso do paciente, 200 mg as recomendações terapêuticas são válidas para
atualmente. Porém, mesmo que o medicamento todos os pacientes com paracoccidioidomicose.
primário ofereça indícios de melhora, em casos Nesse sentido, o Itraconazol tem sido usado
de crises torna-se interessante o uso de amplamente no combate das formas leves e
Anfotericina B, um medicamento secundário moderadas da doença, apresentando taxas
administrado via intravenosa lenta de 6 a 8h, o elevadas de eficácia e segurança, sendo esse
qual foi utilizado nos períodos de piora e triazólico o tratamento escolhido para pacientes
internação. O mecanismo de ação desses fárma- com estas formas da doença. O tratamento pode
cos consiste na inibição da síntese de ergosterol, possuir duração variando entre 9 a 18 meses,
componente vital da membrana dos fungos, com uma média de 12 meses (SHIKANAI-
possuindo um potente efeito antifúngico. YASUDA et al., 2018).
Com isso, é importante ressaltar que a
CONCLUSÃO contaminação acontece normalmente em
O caso descrito demonstrou um paciente regiões rurais, porém, os sintomas podem se
masculino de 38 anos com o diagnóstico de manifestar após anos, mesmo se o paciente
paracoccidioidomicose. A respeito disso, para estiver morando em uma região urbana. Nesse
que a investigação fosse realizada, foram contexto, nota-se que o Brasil registra 80% dos
solicitados como exames complementares: casos de paracoccidioidomicose ao redor do
tomografia computadorizada de tórax, que mundo, sendo que as taxas de infecção estão
indicou diminutos nódulos pulmonares de aumentando na região amazônica, devido ao
distribuição randômica esparsos pelo parên- desflorestamento, e diminuindo no sul, graças à
quima pulmonar bilateralmente, tomografia mecanização da agricultura e urbanização.
computadorizada de abdome, mostrando múlti- Além disso, sabe-se que o principal fator de
plas linfonodomegalias retroperitoneais, perito- risco para adquirir a doença é a exposição ao
neais mesentéricas e inguinais bilaterais, e solo contaminado de áreas rurais, portanto, essa
tomografia computadorizada de pescoço, que enfermidade é frequentemente observada em
demonstrou múltiplas linfonodomegalias cervi- agricultores. Assim, para prevenção, recomen-
cais bilaterais. da-se evitar a exposição à poeira originada de
Ademais, para o fechamento do diagnóstico, escavação do solo e terraplanagem (BRASIL,
foi feito o exame de BAAR, que apresentou 2022).

13
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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with paracoccidioidomycosis in Central-West Brazil. 2018.
Jornal Brasileiro de Pneumologia, v. 45, 2019.
SOUSA, J.A.B. et al. Consequences of late diagnosis
BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde de A a Z: paracoccidioidomycosis: case report. Jornal Brasileiro de
paracoccidioidomicose. Brasília, 2022. Patologia e Medicina Laboratorial, v. 57, 2021.
HAHN, R.C. et al. Paracoccidioidomycosis: current TOMAZINI, K.A. et al. Reproducibility of double agar
status and future trends. Clinical Microbiology Reviews, gel immunodiffusion test using stored serum and plasma
v. 35, 2022. from paracoccidioidomycosis patients. Journal of
Venomous Animals and Toxins including Tropical
PEÇANHA, P.M. et al. Paracoccidioidomycosis: what
Diseases, v. 29, 2023.
we know and What is new in epidemiology, diagnosis,
and treatment. Journal of Fungi, v. 8, 2022. TRINDADE, J.B.S. et al. Advances and challenges in the
diagnosis of paracoccidioidomycosis caused by the
PEREIRA, F.V. et al. Disseminated paracoccidioido-
paracoccidioides species complex: integrative review.
mycosis with skull and mandible involvement in a heart
Research, Society and Development, v. 11,
transplant recipient. Revista da Sociedade Brasileira de
e13911326152, 2022.
Medicina Tropical, v. 55, 2022.
URETA-FERNÁNDEZ, L.E. et al. Paracocci-
SHIKANAI-YASUDA, M.A. et al. II Consenso
dioidomicosis: reporte de un caso clínico. Revista
Brasileiro em Paracoccidioidomicose - 2017.
Uruguaya de Medicina Interna, v. 4, p. 43, 2019.

14
CAPÍTULO 3

PATOGÊNESE DA TUBERCULOSE
PULMONAR EM ADULTOS: UMA
REVISÃO DE LITERATURA

BHENISE VITÓRIA SANTOS NUNES¹


DRIELI LEITE AMARAL¹
JAIME DE LIMA SOUZA JUNIOR¹
LAÍS DE SOUZA ALMEIDA¹
MARIANE KOLANDJIAN ROCHA¹
OLÍVIA ROSA LEMES DE MOURA¹
RAUL KONRAD GONZAGA¹
SAMUEL PINTO¹
VINÍCIUS SOARES SILVA PEDROZO¹

1. Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

PALAVRAS-CHAVE
Tuberculose Pulmonar; Fisiopatologia; Mycobacterium tuberculosis.

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10.59290/978-65-6029-012-9.3
INTRODUÇÃO noturna, perda ponderal de peso, mal-estar e
Em 1882, o microbiologista alemão Robert fraqueza (SILVA et al., 2018). Com a
Koch identificou que o bacilo Mycobacterium progressão da patologia, a tosse passa a ser
tuberculosis causava a tuberculose (TB) mais frequente. Portanto, adota-se que
(FOGEL, 2015). Trata-se de uma doença qualquer indivíduo com tosse há mais de três
infectocontagiosa disseminada de pessoa a semanas é classificado como sintomático
pessoa por meio de gotículas de aerossóis que respiratório e deve ser submetido a
contêm o patógeno (BUSSI & GUTIERREZ, investigação para TB (SILVA et al., 2018;
2019; SILVA et al., 2018). FURIN et al., 2019). Nessa perspectiva, o
Ainda hoje, o estudo da fisiopatologia da TB curso do tratamento da TB depende se a doença
faz-se relevante, visto que a doença é a está em estado latente ou ativo e seu tratamento
principal causa de mortes por doenças se dá por combinação de diversos fármacos
infecciosas em adultos, com mais de 10 anti-TB, sendo uma doença curável (FOGEL,
milhões de novos casos a cada ano (FURIN et 2015; FURIN et al., 2019; SILVA et al., 2018).
al., 2019). Nesse sentido, a Organização Cabe ressaltar que os esforços de prevenção
Mundial da Saúde (OMS) considera que, têm se concentrado na vacinação contra a TB,
dentre as doenças causadas por um único como é o caso da vacina BCG (bacilo de
agente infeccioso, a TB é a que apresenta maior Calmette-Guérin), que está no Programa
letalidade (CHURCHYARD et al., 2017; Nacional de Imunização (SILVA et al., 2018).
SILVA et al., 2018). Desse modo, a TB é um Dessa forma, o objetivo desta revisão
problema grave de saúde pública mundial literária foi descrever os mecanismos patogê-
(SILVA et al., 2018). Os humanos são o único nicos da TB em indivíduos adultos, identificar
reservatório conhecido do complexo M. os mecanismos imunológicos ativados na
tuberculosis (BUSSI & GUTIERREZ, 2019; doença, citar os principais métodos diagnós-
MASHABELA et al., 2019; PAI et al., 2016). ticos e apresentar as classificações da enfer-
Destaca-se que o complexo M. tuberculosis é midade.
tanto um agente patogênico como um
simbionte (PAI et al., 2016). MÉTODOS
O bacilo da TB espalha-se de pessoa para O presente capítulo pautou-se na análise de
pessoa quase que exclusivamente por artigos e livros de áreas médicas específicas.
partículas aerossolizadas. Isto porque, durante Foram utilizadas buscas em plataformas
o contágio, partículas contendo bacilos transi- digitais como: Biblioteca Nacional de
tam pela região nasofaríngea ou traqueobrôn- Medicina dos Estados Unidos (PubMed),
quica e são depositadas nas vias aéreas distais Biblioteca Eletrônica Científica Online
(BUSSI & GUTIERREZ, 2019). As manifes- (SciELO), Google Acadêmico e as bases de
tações clínicas da doença decorrem de res- dados UpToDate e Literatura Latino-Ameri-
postas imunológicas do hospedeiro à infecção cana e do Caribe em Ciências da Saúde
pelas micobactérias e aos seus antígenos (LILACS), durante os períodos de junho e
(SILVA et al., 2018). julho de 2021.
A TB no adulto inicia-se com sintomas Em busca de se obter uma análise centrada
inespecíficos, como febre diurna, sudorese nas descobertas científicas atuais referentes à

16
patogênese da tuberculose pulmonar, foram condições biológicas do indivíduo ou a
selecionados 21 artigos publicados de 2011 a questões sociais e ambientais. Dentre os
2021, encontrados nas línguas portuguesa e primeiros, uma imunidade prejudicada pode
inglesa. Trabalhos anteriores à janela temporal acarretar uma maior incidência de TB. Nesse
estipulada foram excluídos com o intuito de sentido, destaca-se a infecção por HIV como
produzir uma revisão mais atualizada sobre o um dos agravantes dessa situação. Os
assunto. indivíduos infectados por esse vírus têm um
Os principais descritores utilizados em risco de 6 a 19 vezes maior de desenvolver a
português e inglês foram: “Tuberculose TB, sendo que esse número varia de acordo
Pulmonar", “Tuberculose”, “Fisiopatologia”, com o comprometimento do sistema
“Mycobacterium tuberculosis”. imunológico (HORSBURGH JR, 2021).
Diante disso, convém destacar que a
RESULTADOS E DISCUSSÃO transmissão da TB depende de fatores relativos
A TB, doença infectocontagiosa, atinge ao hospedeiro e à bactéria, além da pro-
primariamente os pulmões, através da inalação ximidade entre os indivíduos, do tempo de
de gotículas contendo o bacilo do complexo M. contato, da continuidade da interação e do
tuberculosis aerossolizadas, de 5 a 10 mícrons, ambiente onde a interação ocorre. Indivíduos
as quais conseguem atingir os espaços que apresentam TB pulmonar e baciloscopia de
alveolares (VON REYN, 2021; SILVA et al., escarro positiva transmitem a doença mais
2018). frequentemente (KOZAKEVICH & SILVA,
O bacilo M. tuberculosis pertence a um 2016; CHURCHYARD et al., 2017; SILVA et
conjunto de outras micobactérias de mesmo al., 2018).
gênero, no entanto, referidas como não Para que a infecção se concretize, o agente
tuberculosas. Possui forma bacilar e uma infeccioso deve passar por diversos pontos de
parede celular rica em ácido micólico, o que interação (PI), os quais servem como barreira
confere ao agente etiológico a característica de contra uma infecção pulmonar efetiva e
Gram positivo e de bacilo álcool-ácido apresentam múltiplas estratégias de defesa
resistente (BAAR) (VON REYN, 2021). Tal altamente efetivas que permitem a eliminação
caráter permite ao complexo M. tuberculosis de 99% dos micróbios inalados, como a
ultrapassar as barreiras imunológicas do indi- limpeza mucociliar, que remove fisicamente os
víduo e se utilizar de estratégias de subversão micróbios; a secreção de várias enzimas e
imunológica para potencializar sua transmissão mediadores (pró e anti-inflamatórios) para
pelo trato respiratório (GAGNEUX, 2018). combater a infecção; e o reconhecimento dos
No Brasil, foram registrados por volta de padrões moleculares associados a patógenos,
69.000 casos de TB e aproximadamente 4.500 por receptores expressos no epitélio pulmonar
mortes no ano de 2015 (CARVALHO et al., e nas células mieloides (TORRELLES &
2018). Em um contexto global, desde 2003, há SCHLESINGER, 2017). É importante enfa-
uma tendência de queda lenta da incidência tizar os principais PIs superados pelo patógeno
dessa doença. No entanto, há muitos fatores de para que a infecção se estabeleça.
risco que acabam por fazer com que a TB ainda Antes de atingir o primeiro PI, o patógeno
seja muito presente, sejam eles relacionados a passa pela cavidade nasal, a qual apresenta

17
fatores físicos e imunes que podem impedir uma reação inflamatória específica, granu-
uma infecção. Somente aqueles que superam lomatosa, para conseguir controlar o
esses fatores atingem o primeiro PI: a traqueia crescimento bacteriano e não desenvolver a
e os brônquios principais. Essa região doença. Portanto, após primeiro contato, a
apresenta um epitélio pseudoestratificado resposta imune vai desenvolver hipersensi-
ciliado colunar cujos cílios, revestidos por bilidade do tipo tardia, mediada por células, e
muco, desempenham um movimento rítmico aumento da resistência do indivíduo, carac-
que contribui para a limpeza mucociliar. O terísticas da TB primária (KUMAR et al.,
segundo PI é a divisão dos brônquios em 2018).
bronquíolos terminais e respiratórios, cuja A TB primária geralmente é assintomática e
anatomia dificulta o trânsito do microrganismo sua única evidência de infecção são nódulos
até os alvéolos. O terceiro PI é representado fibrocalcificados localizados na região
pelos alvéolos e sacos alveolares. Em cada saco subpleural (GAGNEUX, 2018). O resultado da
alveolar, há o surfactante pulmonar que infecção vai depender diretamente do
apresenta proteínas e lipídios os quais auxiliam desenvolvimento da imunidade antimico-
a ação de células residentes (macrófagos bacteriana mediada por células T. Essas células
alveolares) e células recrutadas (monócitos, controlam a resposta do hospedeiro e
linfócitos e neutrófilos). Por último, o quarto PI desencadeiam o desenvolvimento de lesões
é o granuloma formado no pulmão após a patológicas como granulomas e cavitação
chegada do patógeno, que apresenta (BUSSI & GUTIERREZ, 2019; FURIN et al.,
macrófagos espumosos, células epitelioides, 2019; GAGNEUX, 2018; PAI et al., 2016). A
células multinucleadas gigantes e, às vezes, primoinfecção se dá após a inalação de bacilos
células natural killer (NK), células dendríticas que chegam nos alvéolos e atraem neutrófilos
e neutrófilos (TORRELLES & e macrófagos alveolares. Esses neutrófilos são
SCHLESINGER, 2017). gradativamente substituídos por macrófagos,
As manifestações clínicas da TB derivam células nas quais a linhagem virulenta de
das respostas imunes do hospedeiro à infecção micobactéria entra por endocitose. Essa
iniciada pela disseminação de micobactérias e entrada é mediada por receptores macrofágicos
antígenos do bacilo. Com o objetivo de se expressos na superfície celular, incluindo o
defender, o organismo dispara reações receptor de manose e o receptor complemento
inflamatórias para eliminar ou conter o agente tipo 3 (CR3), que reconhecem componentes
invasor (PAI et al., 2016). Caso o indivíduo das paredes dos microrganismos como carboi-
não tenha tido contato prévio com o complexo dratos e tuberculoproteína (CHURCHYARD
M. tuberculosis, iniciará uma resposta et al., 2017; MASHABELA et al., 2019; PAI
inflamatória inespecífica, por imunidade inata, et al., 2016). Após o reconhecimento, o
visando conter a multiplicação dos agressores macrófago inicia a fagocitose da micobactéria.
(GAGNEUX, 2018; MASHABELA et al., No entanto, a bactéria impede a formação do
2019). Entretanto, somente uma resposta fagolisossomo por manipulação endossomal,
inespecífica não será suficiente no caso desse inibindo o aumento da acidez e da quantidade
patógeno, sendo necessária também uma de cálcio citoplasmático, principais meca-
resposta por imunidade adaptativa, através de

18
nismos ativadores das enzimas (PAI et al., indiretamente pela produção de mediadores de
2016). inflamação e contenção bacteriana, IFN- gama,
Após evitar a fagocitose, o bacilo aproveita TNF-alfa e NO (FOGEL, 2015; FURIN et al.,
o material disponível no citoplasma da célula 2019; KUMAR et al., 2018; PAI et al., 2016).
de defesa para se multiplicar e proliferar. O TNF-alfa recruta os monócitos formando
Protegido pelas respostas microbicidas anor- os histiócitos epitelioides que, junto às células
mais, o M. tuberculosis inicia uma replicação imunes nas periferias, circundam o local da
desordenada, até acarretar na liberação por infecção na tentativa de isolar a bactéria,
rompimento do fagócito (FURIN et al., 2019). criando um granuloma, com células gigantes
Apesar de não formar o fagolisossomo, os no centro. Os macrófagos também vão se
macrófagos continuam tentando ativar a diferenciar em células epitelioides, se
resposta inflamatória, produzindo citocinas e aglomerar formando sincícios, e dar origem às
mediadores que vão recrutar outras células células gigantes multinucleadas (BUSSI &
imunes e causando também danos teciduais GUTIERREZ, 2019; FURIN et al., 2019; PAI
pulmonares (CHURCHYARD et al., 2017). et al., 2016). Os granulomas, cujo conjunto é
Após três semanas da infecção, os macrófagos chamado de nódulo de Ghon, vão se formar
alveolares vão apresentar as proteínas das preferencialmente na região inferior do lobo
micobactérias pelo MHC II ao receptor TCR pulmonar superior ou na região superior do
dos linfócitos T CD4+. Os macrófagos lobo inferior, onde a concentração de oxigênio
infectados secretam interleucina-12 (IL-12) e e ventilação são maiores (TORRELLES &
interleucina-18 (IL-18) enquanto liberam SCHLESINGER, 2017). Após a formação do
antígenos de bacilos processados, que são granuloma inicial, tem-se um aumento na
levados até os linfonodos traqueobrônquicos e quantidade de células que o compõe, isolando
apresentados aos linfócitos (PAI et al., 2016). seu centro em relação à chegada de oxigênio e
A influência da IL-12 e da IL-18 faz com que nutrientes. Assim, o centro do granuloma passa
as células T CD4+ se diferenciem em TH1, que a sofrer necrose por hipóxia e recebe o nome de
secretam citocinas, sobretudo interferon-gama necrose caseosa (KUMAR et al., 2018).
(IFN-gama), principal substância ativadora dos A área de consolidação inflamatória, que
macrófagos, tornando-os capazes de conter a compreende o granuloma, a necrose caseosa,
infecção e criar um ambiente hostil, para os bacilos e as células imunes, é conhecida
destruir as micobactérias. Macrófagos ativados como foco de Ghon. Durante esse processo de
aumentam a produção de óxido nítrico (NO) e lesão do parênquima respiratório também pode
radicais livres, atuando como bactericidas, ocorrer uma lesão linfonodal. Bacilos livres,
liberam algumas citocinas e produzem algumas nos espaços aéreos, ou no interior de
quimiocinas, dentre elas o Fator de Necrose macrófagos, seguem a via de drenagem
Tumoral-alfa (TNF-alfa), fundamental para o linfática em direção aos nódulos linfáticos
recrutamento de monócitos, para iniciar a hilares onde, assim como no parênquima
formação do granuloma, regulando a respiratório, ocorre a formação do granuloma
hipersensibilidade tardia. Portanto, linfócitos T com necrose caseosa. Esse conjunto de lesões
CD4+ têm papel crucial na imunidade mediada parenquimatosas e linfonodais é chamado de
por células, pois são responsáveis direta e

19
complexo de Ghon (GAGNEUX, 2018; PAI et replicação bacteriana. A rápida proliferação
al., 2016). aumenta as chances de mutação e resistência a
Teoricamente, junto ao fenômeno da medicamentos (URBANOWSKI et al., 2020).
hipóxia e morte tecidual no centro dos A forma secundária da doença pode ter duas
granulomas, deveria ocorrer a morte do causas principais: a recontaminação por cepas
microrganismo aeróbico restrito, porém alguns mais virulentas ou a reativação de bacilos que
bacilos conseguem ficar no estado viável, estavam na forma latente. Essa última constitui
latente. A cura ocorre na maioria dos casos de a causa mais comum de TB secundária em
TB primária com destruição do microrga- pacientes imunossuprimidos (KOZAKEVICH
nismo, processo de cicatrização e reparo das & SILVA, 2016).
lesões. O tecido encapsulado pelo granuloma Acredita-se que a reativação se relaciona
sofre fibrose progressiva, retração, cicatrização com as respostas das células T na TB
e calcificação. Esse último processo é secundária. Essa hipótese é sustentada pelo fato
detectável em radiografias. Exemplo disso é o de que, em algumas deficiências genéticas,
achado do complexo de Ranke, fruto da como na sinalização de IL-12 ou na sinalização
calcificação de um complexo de Ghon que foi de IFN-gama, o indivíduo se torna mais
disseminado para outros órgãos, por vias suscetível à TB. Outro respaldo se encontra em
linfáticas e hematogênicas, mas também é pacientes portadores da síndrome da imunode-
controlado pela imunidade mediada por células ficiência adquirida (SIDA), causada pelo vírus
(FOGEL, 2015; MASHABELA et al., 2019; HIV, os quais apresentam depleção das células
PAI et al., 2016). Normalmente, após um longo T CD4, favorecendo a instauração e reativação
período de tempo da primoinfecção, pode da doença (BELL & NOURSADEGHI, 2017).
observar-se a ocorrência da TB secundária, a O teste da tuberculina é o padrão
qual, por se manifestar tardiamente, encontra internacional para a triagem da TB e sinaliza o
um ambiente já sensibilizado pelos antígenos. desenvolvimento da hipersensibilidade. Toda-
Isso leva a manifestações clínicas evidentes, via, esse teste não confirma diagnóstico da
marcadas por lesões que evoluem rapidamente enfermidade, sinalizando apenas o contato
para cavitação e por um aumento no processo anterior com o bacilo ou com a cepa vacinal
fibrótico. Na TB secundária há uma (SILVA et al., 2018).
disseminação acentuada dos patógenos pelas Entre os principais procedimentos diagnós-
vias aéreas, o que é caracterizado como ticos tem-se a baciloscopia, caracterizada pela
transmissão ativa (PAI et al., 2016; análise de BAAR, como é o caso do complexo
KOZAKEVICH & SILVA, 2016). M. tuberculosis, no escarro ou aspirado
A cavitação tem início com a erosão do pulmonar e posteriormente a coloração pela
centro necrótico de um abscesso pulmonar, técnica de Ziehl-Nielsen. É o exame mais
formando uma cavidade, na qual continuam comum, sendo possível executá-lo em locais
presentes alguns detritos necróticos. Esses com pouca infraestrutura (SILVA et al., 2011).
detritos irão mobilizar pequena quantidade de Por outro lado, o diagnóstico pode ser feito
fagócitos e granulócitos que, somada aos altos por meio de cultura do material biológico
níveis de oxigênio dentro da cavidade, fornece positivo (fragmentos, tecido e secreções)
um ambiente favorável para altas taxas de (SILVA et al., 2011). Com isso, tal método é

20
realizado por meio da cultura do material espaço aéreo com padrão de árvore em
coletado, com segregação e identificação do brotamento ou acomodados em trevo (“sinal do
bacilo. O meio de cultura mais comum para o trevo”). Esse método também possibilita a
isolamento da bactéria é o de Lowenstein- observação da TB ativa, caracterizada por
Jensen, que propicia o crescimento da maioria focos de consolidação (com ou sem bronco-
das micobactérias no meio. O aumento da grama aéreo), nódulos parenquimatosos,
quantidade de bacilos do complexo M. erosões, padrão de árvore em brotamento e
tuberculosis ocorre aproximadamente no 28º deformações brônquicas, como obstrução e
dia de incubação à temperatura de 37º C. É bronquiectasia (SILVA et al., 2021).
perceptível que tal exame exige um tempo
maior para a sua conclusão, necessitando de CONCLUSÃO
recursos específicos e uma estrutura melhor Com base no que foi apresentado, o
(BARRETO et al., 2014). complexo M. tuberculosis, agente etiológico da
Outrossim, o exame radiológico pode ser tuberculose, provoca maior incidência de casos
um método de avaliação inicial, mesmo que em indivíduos em vulnerabilidade social e
apresente baixa especificidade diagnóstica, já possui contágio por gotículas aerossóis. Além
que pode ser útil para definir a forma de disso, notou-se que a patogenia da TB decorre
apresentação da doença, avaliar possíveis da resposta imunológica do hospedeiro.
comorbidades e acompanhar a evolução da Outrossim, percebe-se que a TB é dividida em
patologia durante o tratamento. Nesse tipo de primária e secundária. Ademais, a triagem é
exame, pode-se observar alterações no feita pelo teste da tuberculina e o diagnóstico é
parênquima, nos brônquios segmentares e feito principalmente por testes de baciloscopia
lobares e aumento dos linfonodos hilares ou e de cultura, também podendo ser utilizados
mediastinais (SILVA et al., 2021). A exames de imagem. Tendo em vista a
tomografia computadorizada é mais específica incidência relativamente alta na população e
do que a radiografia e é recomendada em caso sua taxa de mortalidade, concentradas em
de baciloscopia do escarro negativa, para obter países subdesenvolvidos, em destaque, o
mais informações (CAPONE et al., 2017). Brasil, urge a necessidade de novos estudos
Permite identificar mudanças fisiológicas que para aperfeiçoar o diagnóstico e o tratamento e
ocorrem preferencialmente nas regiões dos facilitar o planejamento de políticas públicas.
ápices pulmonares, como pequenos nódulos de

21
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22
CAPÍTULO 4

DETERMINAÇÃO DE
AUTOANTICORPOS EM PACIENTES
COM COVID-19 EM UM HOSPITAL
TERCIÁRIO DO OESTE DO PARANÁ
BRUNO XAVIER KEMPER¹
BIANCA MALISKA KLAUCK2
ALEX SANDRO JORGE3
RAFAEL ANDRADE MENOLLI3

1. Discente – Residência em Ciências Farmacêuticas – Análises Clínicas, Hospital Universitário do Oeste


do Paraná, Universidade Estadual do Oeste do Paraná.
2. Farmacêutica Analista Clínica – Hospital Universitário do Oeste do Paraná, Universidade Estadual do
Oeste do Paraná.
3. Docente – Centro de Ciências Médicas e Farmacêuticas, Universidade Estadual do Oeste do Paraná.

PALAVRAS-CHAVE
SARS-CoV-2; Epidemiologia; Anticorpos antinucleares.

23

10.59290/978-65-6029-012-9.4
INTRODUÇÃO estímulo autoimune com potencial de
Os betacoronavírus são vírus zoonóticos reatividade cruzada com proteínas alvos
pertencentes ao gênero Coronavírus. Posterior- próprias. Antígenos nucleares são frequente-
mente ao surgimento do coronavírus causador da mente o alvo desses autoanticorpos, possibili-
síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV), tando sua detecção em indivíduos com Covid-19
em 2003, e do coronavírus da síndrome (PEKER et al., 2021).
respiratória do oriente Médio (MERS-CoV), em Considerando o potencial autoimune do
2012, surgiu um novo betacoronavírus em 2019, SARS-CoV-2, o presente estudo buscou detectar
o SARS-CoV-2 (MOBASHERI et al., 2022). autoanticorpos em pacientes internados pelo
O primeiro caso de infecção pelo vírus Covid-19 em um hospital público terciário,
SARS-CoV-2 foi confirmado na China em coletando também os dados epidemiológicos
dezembro de 2019, na cidade de Wuhan. O vírus destes pacientes e a ligação entre esses fatores.
é o causador da Covid-19, a qual é caracterizada
por uma doença infecciosa respiratória aguda. A MÉTODO
partir de então, a Covid-19 se disseminou em Trata-se de um estudo transversal, descritivo
âmbito mundial de forma rápida, em decorrência e não controlado realizado por meio de revisão
de sua alta transmissibilidade, levando a de prontuários e coleta de sangue de pacientes
Organização Mundial da Saúde (OMS) a diagnosticados com Covid-19 e internados no
declarar estado de emergência de saúde pública Hospital Universitário do Oeste do Paraná, em
em todo o mundo (WU, 2021). Cascavel-PR. O projeto foi submetido e
O SARS-CoV-2 é um vírus, entre vários, com aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em
potencial de gerar autoimunidade, a qual pode Seres Humanos da Universidade Estadual do
ser desenvolvida por diversos fatores, levando a Oeste do Paraná (UNIOESTE) sob parecer de
uma hiperestimulação do sistema imunológico. número 4.517.274.
Isto contribui para a formação de autoanticorpos, Os pacientes eram provenientes da
bem como para o desencadeamento de doenças enfermaria e da Unidade de Terapia Intensiva
autoimunes (DOTAN et al., 2021). (UTI) Covid, sendo internados durante a
Fatores metabólicos e imunológicos relacio- primeira onda de casos de infecção por SARS-
nados à gravidade foram detectados em paci- CoV-2 (entre abril e junho de 2020). Foram
entes acometidos pela Covid-19. No sistema considerados para o estudo somente aqueles com
imunológico, esta doença desencadeia a amplifi- teste da reação em cadeia da polimerase (RT-
cação das citocinas pró-inflamatórias, causando PCR) positivo para SARS-CoV-2. Os dados
danos e lesões no endotélio e promovendo epidemiológicos e clínicos individuais foram
modificações na cascata de coagulação. Assim, obtidos por meio do prontuário eletrônico do
esses transtornos foram relacionados de forma paciente no sistema Tasy, sendo coletados dados
semelhante a certas patologias de caráter au- de sexo, idade, tempo de internamento total,
toimune, e estão muitas vezes associados à quantidade de dias de sintomas antes do
presença de autoanticorpos como os anticorpos internamento, se havia doença pregressa, se o
antinucleares (ANA) (MENDES et al., 2022). internamento evoluiu para óbito e a presença de
Anticorpos na Covid-19 em pacientes anticorpos IgM e IgG positivos para o SARS-
suscetíveis aparecem como um possível CoV-2. Foram coletadas duas amostras

24
sanguíneas de cada paciente, uma no inter- sexo feminino (53%), contudo tal variável não
namento e a segunda após ao menos três dias de foi analisada de forma estatística.
internamento. As amostras de sangue foram A idade foi uma das variáveis que apresentou
coletadas em tubos da marca BD Vacutainer com relevância estatística (p = 0,0034), com
acelerador de coagulação, aguardado o tempo diferença entre as seis faixas etárias nas quais os
para formação do coágulo e, em seguida, pacientes foram divididos. Do total de
centrifugadas. O soro foi separado e armazenado indivíduos, a média de idade foi de 58,27 ± 15,62
em freezer -80 °C até o momento da realização anos, o que demonstra um predomínio da
dos testes. infecção em pessoas com maior idade. Nesse
Os autoanticorpos foram determinados sentido, a faixa etária com maior frequência de
utilizando o teste de fator antinuclear (FAN) com pacientes foi entre 50 e 59 anos (37,7%), seguida
o soro diluído (1:80) em ambas as amostras de pela faixa de 60 a 69 anos (17,7%).
cada paciente. Foram utilizadas células HEp- Assim como os dias de sintomas, o tempo de
2000 e a reatividade lida em imunofluores- internamento também foi estatisticamente
cência, de acordo com o protocolo do fabricante significante (p < 0,0001). O tempo médio de
(Immuno Concepts, NA Ltd., Sacramento, CA). internamento foi de 10,64 ± 9,98 dias, com
As lâminas foram observadas em microscópio tempo máximo de 56 dias e o mínimo de 3 dias,
Olympus BX60, acoplado à lâmpada de vapor de o que demonstra uma grande amplitude de
mercúrio em epifluorescência, em aumento de complexidade no atendimento a esses pacientes
400X e classificadas conforme seu padrão de durante o tratamento da infecção e suas
fluorescência. complicações.
A análise estatística para os parâmetros Em se tratando da presença de doenças
coletados foi realizada por meio do teste de pregressas (p = 0,0001) a grande maioria, 77,8%
bondade de ajuste multinomial de qui-quadrado. (35), apresentava ao menos um tipo de doença
Foi adotado um alfa 0,05 (p < 0,05) e as análises prévia ao internamento, sendo a hipertensão
foram realizadas no software Microsoft Office (HAS) a de maior prevalência, com 23 casos. A
Excel versão 365 com o pacote XLSTAT. Para literatura descreve que a HAS se destaca como
isso, os dados foram organizados em tabelas de sendo uma das principais doenças presentes em
contingências com os valores absolutos. pacientes que evoluíram a óbito nos casos de
Covid-19, sendo que, no presente estudo, dos
RESULTADOS E DISCUSSÃO oito pacientes que foram a óbito, seis
Ao todo foram utilizadas amostras de 45 apresentavam HAS (TADIC et al., 2020; LIPPI
pacientes infectados pelo SARS-CoV-2 et al., 2020).
atendidos no Hospital Universitário do Oeste do Os mesmos autores ainda colocam que tal
Paraná durante a primeira onda de contami- patologia está diretamente ligada a casos graves
nação. As variáveis demográficas e clínicas do e óbitos em decorrência do tratamento com os
presente estudo estão dispostas na Tabela 4.1. medicamentos utilizados, como inibidores da
Quanto à variável sexo, houve predominância enzima conversora de angiotensina, pois essa
do sexo masculino 57,8% (26), porém sem enzima atua como um receptor para a entrada do
significância estatística (p = 0,257). Tal fato é vírus nos tecidos levando a ocorrência de lesões
discrepante do estudo de Paiva et al. (2020), que de diversos graus.
demonstrou uma preferência de infecção para o
25
Tabela 4.1. Perfil demográfico e clínico-laboratorial dos pacientes com Covid-19 internados no HUOP/Cascavel-PR entre
abril e junho de 2020 (n = 45)
Característica n % p
Sexo 0,257
Masculino 26 57,8
Feminino 19 42,2
Dias de sintomas < 0,0001
≤3 8 17,7
>3 34 75,5
Sem informação 3 6,6
Tempo de internamento < 0,0001
< 1 mês 43 95,6
> 1 mês 2 4,4
Doença pregressa 0,0001
Sim 35 77,8
Não 10 22,2
Óbito < 0,0001
Sim 8 17,7
Não 37 82,8
Idade 0,0034
20 – 29 2 (4,4%)
30 – 39 3 (6,6%)
40 – 49 5 (11,1%)
50 – 59 17 (37,7%)
60 – 69 8 (17,7%)
70 – 79 5 (11,1%)
80 – 89 5 (11,1%)

Na Tabela 4.2 são apresentados os resultados maioria dos estudos concentra-se em pacientes
de anticorpos (FAN e Anticorpos IgG e IgM graves, sendo uma amostra diferente deste
anti-SARS-CoV-2) dos pacientes envolvidos no estudo, a qual detectou ANA em pacientes de
estudo. Houve a presença de autoanticorpos em enfermaria e UTI.
cinco pacientes, ou seja, uma prevalência de Interessante notar que apenas um paciente
11,1%; dentre eles, apenas um possuía histórico teve positividade somente na segunda amostra
de doença autoimune preexistente. utilizada, sugerindo que esses autoanticorpos
Estudos mostram uma taxa maior de surgiram no decorrer do internamento.
positividade para anticorpos antinucleares entre Em consulta ao prontuário eletrônico desse
pacientes com Covid-19, com os mesmos paciente, observou-se que se trata de um
variando de 33,3 a 50% de positividade (ZHOU indivíduo do sexo feminino de 54 anos que
et al., 2020; VLACHOYIANNOPOULOS et al., retornou para acompanhamento ambulatorial na
2020; PASCOLINI et al., 2020). No entanto, a mesma instituição de saúde aproximadamente
26
três meses após a alta hospitalar em decorrência feminino entre os 20 e 50 anos. Relatam ainda
da Covid-19 com a única queixa de hipoacusia que não se conhece um exame único para seu
bilateral. diagnóstico, baseando-se unicamente na
Como apresentado por Branco et al. (2016), a exclusão de outras etiologias e na pesquisa de
perda de audição pode ser também de caráter autoanticorpos específicos e não específicos,
autoimune, sendo mais frequente no sexo entre este último, os anticorpos antinucleares.

Tabela 4.2. Perfil de anticorpos antinucleares (FAN) e anti-SARS-CoV-2 dos pacientes com Covid-19 internados no
HUOP/Cascavel-PR entre abril e junho de 2020 (n = 45)
Variável n % p
FAN reagente em 1 <
amostra 0,0001
Sim 1 2,2
Não 44 97,8
FAN reagente em 2 <
amostras 0,0001
Sim 4 8,8
Não 41 91,1
Anticorpos IgG positivo 0,0002
Sim 3 6,7
Não 21 46,7
Sem informação 21 46,7
Anticorpos IgM positivo 0,0043
Sim 5 11,1
Não 19 42,2
Sem informação 21 46,7

A Tabela 4.3 apresenta variáveis frente à de internação entre os pacientes testados, com
presença de autoanticorpos. Quando analisado o média de 8,2 ± 3,96 dias entre os pacientes com
percentual de óbitos, observamos um aumento FAN reagentes e 10,95 ± 10,48 dias com FAN
de aproximadamente 14,28% entre os pacientes não reagentes.
que apresentaram títulos de autoanticorpos Tais dados se assemelham com os encon-
comparados aos que não demonstraram essa trados no estudo de Santos et al. (2021), o qual
característica. A média de idade não sofreu avaliou, entre outras características, o tempo de
grandes variações entre os dois grupos internamento de 56 indivíduos com Covid-19,
comparados e não se distanciou da média geral. demonstrando uma média de 12,5 ± 8,0 dias.
Doenças pregressas foram relatadas em todos Nota-se uma pequena diferença quando se
os pacientes que apresentaram reatividade para o compara com a média de tempo dos pacientes
FAN e em 75% dos pacientes com resultados que apresentam FAN reagente, contudo, a
negativos. Não houve grande variação do tempo autoimunidade não fez parte do referido estudo.

27
Tabela 4.3. Perfil demográfico e clínico dos pacientes com Covid-19 internados no HUOP/Cascavel-PR positivos ou
negativos para anticorpos antinucleares (FAN) (n = 45)
Variável FAN positivo (n = 5) FAN negativo (n = 40)
Óbitos 1 (20%) 7 (17,5%)
Doença pregressa 5 (100%) 30 (75%)
Idade média 53 ± 3,94 58,93 ± 16,43
Tempo médio de internamento (dias) 8,2 ± 3,96 10,95 ± 10,48

A autoimunidade em decorrência da Covid- demonstra uma predominância das mulheres no


19 vem sendo amplamente estudada para obter desenvolvimento de patologias de caráter
maiores esclarecimentos, contudo, alguns estu- autoimune, corroborando o que é vastamente
dos sugerem que em casos graves da infecção, o demonstrado na literatura (MICHET JR et al.,
SARS-CoV-2 promove uma desregulação do 1985; MASI & KASLOW, 1978).
sistema imune levando ao desencadeamento de A maior frequência de autoanticorpos rela-
doenças autoimunes. Os principais mecanismos cionados a doenças autoimunes em mulheres
envolvidos são amplificação na liberação de pode ser explicada pelo fato de elas possuírem
autoantígenos em decorrência do dano tecidual e altos níveis de imunoglobulinas e uma diminui-
maior ativação dos neutrófilos e de células auto- ção na resposta citotóxica, a qual é intermediada
imunes reativas (DAMOISEAUX et al., 2022). pelas células natural killer, levando à geração de
Nos outros quatro pacientes com positividade uma resposta pró-inflamatória. Por outro lado, o
para FAN, ambas as amostras de soro utilizadas gênero masculino possui maior privilégio em
foram reagentes para a presença de autoanti- decorrência das particularidades hormonais, ex-
corpos. Quanto aos padrões de fluorescência pressando níveis menores de estrogênio e prolac-
observados, dois pacientes apresentaram o tina e níveis elevados de andrógenos e de hormô-
padrão nuclear e os outros três o padrão nio do crescimento (TOLENTINO JR, 2017).
nucleolar, enquanto os indivíduos que tiveram
ambas as amostras reagentes não sofreram CONCLUSÃO
alterações no padrão de fluorescência entre as O estudo demonstrou que, embora a variável
amostras. O título e os padrões dos anticorpos no sexo não tenha apresentado diferença
teste FAN são relevantes marcadores para significativa, os indivíduos do sexo masculino
auxiliar no diagnóstico de doenças reumáticas foram os mais acometidos pelo SARS-CoV-2 e
autoimunes, de modo especial para os Lúpus a HAS foi a comorbidade de maior frequência,
Eritematoso Sistêmico, Esclerose Sistêmica, seguida de Diabetes mellitus. Houve prevalência
Síndrome de Sjögren e Doença Mista do Tecido de 11,1% da presença de autoanticorpos, com
Conjuntivo (BRITO et al., 2013). 80% dos pacientes FAN positivos sendo do sexo
Outro achado foi que, embora entre os feminino. Apesar da Covid-19 estar envolvida
infectados a prevalência tenha sido maior entre o em vários mecanismos que podem desencadear
sexo masculino, entre os pacientes que doenças autoimunes, estudos detalhados e
apresentaram FAN positivo a maior prevalência acompanhamento de longo prazo são necessá-
foi no sexo feminino (com 80% dos casos), o que rios para melhores esclarecimentos.

28
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MENDES, T.O.R. et al. As alterações imunológicas
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Translational Science, v. 13, p. 1077, 2020.

29
CAPÍTULO 5

ANÁLISE EPIDEMIOLÓGICA DO
NÚMERO DE ÓBITOS EM GESTANTES
E PUÉRPERAS POR COVID-19 NO
PERÍODO DE MARÇO DE 2020 A JULHO
DE 2021 NO ESTADO DO PARÁ
ELTON ARRUDA COSTA¹
THINAN ANTHONY LEÃO WALFREDO¹
DIEGO FERNANDES BARBOSA¹
PAULO RICARDO SAMPAIO DE OLIVEIRA¹
RENATO DE ANDRADE VELOSO¹
ANDRE RODRIGUES ATAIDE¹
SIMONE ARGENTINO²
JULIANE ALESSA SIMÕES REBELO3
MOZART MAÇU JOSÉ MANOEL ALMEIDA LACERDA3
JOAQUIM PEREIRA NETO4
HATUS DA SILVA ALMEIDA5

1. Discente – Universidade Estadual do Pará.


2. Docente – Universidade Estadual do Pará.
3. Discente – Faculdade de Ciências Médicas do Pará.
4. Graduado em Medicina pela Universidade Federal do Pará.
5. Graduado em Medicina pela Universidade Federal do Maranhão.

PALAVRAS-CHAVE
Covid-19; Gestante; Óbitos.

30

10.59290/978-65-6029-012-9.5
INTRODUÇÃO 19 estão: idosos, pessoas com doenças crônicas
O ano de 2020 pode ser considerado atípico ou imunossuprimidas, recém-nascidos e
devido a uma eventualidade que afetou o mundo gestantes. O último grupo citado é o foco do
drasticamente e de maneira a qual sua presente estudo, visto que a gravidez é um
similaridade remonta o início do século XX período de inúmeras transformações tanto
durante a disseminação da Gripe Espanhola, fisiológicas como imunológicas para a gestante,
que, por sua vez, sucedeu a dita “peste negra”, como alterações da imunidade celular e do
ocorrida no século XIV, podendo classificar funcionamento pulmonar, aumentando a
todas essas situações anteriormente citadas suscetibilidade e gravidade de possíveis
como pandemias devido à maneira pela qual pneumonias. Logo, é imprescindível evitar
repercutiram na demografia humana quaisquer infecções virais devido ao risco
(SENHORAS, 2020). Em dezembro de 2019, a oferecido à grávida e à gravidez (DIAS et al.,
cidade de Wuhan, localizada na província de 2020).
Hubei, na China, apresentou surtos de A pandemia da Covid-19 ainda é algo
pneumonia que ficaram conhecidos a posteriori presente na realidade brasileira e por
como Covid-19 (Coronavírus Disease 2019), conseguinte no estado do Pará. Conforme
devido ao seu agente etiológico ser da família preconizado na meta do milênio, o Brasil não
dos coronavírus (SARS-CoV-2), um causador conseguiu reduzir a mortalidade materna em
de síndrome respiratória aguda grave (CAVAL- 75% no período de 1990 a 2015, sendo que
CANTE et al., 2020). Em consequência da fácil desde 2012 não se sustenta uma redução nas
disseminação do vírus, em curto espaço de taxas. Mediante infecção por Covid-19,
tempo outras localidades do globo passaram a indubitavelmente, as taxas de mortalidade
apresentar surtos parecidos, apresentando sofrerão um aumento, em consequência do que
relatos na Ásia, Europa e América do Norte afirma Pereira et al. (2020), de que no Brasil
ainda em janeiro de 2020, sendo necessário que persistem barreiras no acesso a serviços com
a Organização Mundial da Saúde (OMS) cuidado especializado e monitorização
declarasse Emergência em Saúde Pública de inadequada de complicações obstétricas tanto
Importância Internacional (ESPII). Em março nos hospitais quanto na atenção básica e
de 2020 foi declarada oficialmente como uma ambulatórios de especialidade. Diante disso, é
pandemia (TEICH et al., 2020). de fundamental relevância analisar os índices de
Mediante o surgimento de uma nova doença, mortes de gestantes por Covid-19 desde o início
é de suma importância compreender sua da pandemia até o período vigente.
manifestação clínica. Conforme ratifica Huang É notável que durante a pandemia de Covid-
apud Teich et al. (2020), ocorre a presença de 19 o número de pessoas que vieram a óbito
febre, mialgia, fadiga e dispneia, com disfunção aumentou, dentre elas uma população em
de órgãos que causam Síndrome do Desconforto particular que seria o grupo das gestantes. Sabe-
Respiratório Agudo Grave, choque, cardio- se que o não cumprimento do objetivo do
patias e lesões renais agudas, além de mortes milênio de reduzir a morte materna no período
nos casos graves. Além disso, segundo Rondelli de 1990 a 2015 exigiu que o Governo Federal
et al. (2020), dentre a população mais do Brasil tomasse providências a fim de
vulnerável a se infectar com o vírus da Covid- colaborar com os atuais Objetivos do
Desenvolvimento Sustentável da Organização
31
das Nações Unidas (ONU). A meta estabelecida da Saúde fortalece a vigilância de casos de vírus
é de 30 mortes por 100 mil nascidos vivos até respiratórios. Com a pandemia do novo
2030 (PEREIRA et al., 2020). Dessa forma, o coronavírus (COVID-19), a Secretaria de
presente estudo objetiva quantificar o número Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde
de óbitos de gestantes e puérperas por Covid-19 (SVS/MS) adaptou o sistema a fim de
no decorrer da pandemia, além de analisar em acompanhar a transmissão de casos do vírus no
quais momentos houve agravos e melhorias, o Brasil.
que ajudaria na percepção e na tomada de A atualização desta base é realizada pelo
atitudes no que se refere ao cumprimento do Ministério da Saúde pelo portal Open Data SUS.
objetivo proposto pela ONU. Para a elaboração dos resultados, os desen-
volvedores construíram a base de dados a partir
MÉTODO das variáveis CS_GESTANT assumindo os
Trata-se de uma pesquisa quantitativa, na valores 1 para primeiro trimestre; 2 para
qual os dados foram obtidos de modo público segundo trimestre; 3 para terceiro trimestre; 4
com base em um painel dinâmico alimentado para idade gestacional ignorada; 5 para não; 6
pelo sistema SIVEP-Gripe, banco de dados que não se aplica; 9 para ignorado, para puérperas a
notifica síndromes respiratórias agudas graves. variável foi PUERPERA, 1 como sim e 2 como
Tal painel dinâmico é chamado Observatório não.
Obstétrico Brasileiro COVID-19 (OOBr
COVID-19) e é produzido por Francisco et al. Coleta de dados
(2021) e Rodrigues et al. (2021). O trabalho em questão foi elaborado a partir
O Sistema de Informação da Vigilância de dados filtrados a fim de contabilizar e
Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe) foi relacionar quantidade de casos e óbitos de
implantado em 2000, a fim de monitorar o vírus gestantes e puérperas, sem analisar a relação de
influenza no Brasil. Isso foi possível através de causa e efeito, separando as idades gestacionais.
uma rede de vigilância sentinela da síndrome Os dados foram contabilizados do período de
gripal (SG). Com a pandemia do vírus março de 2020, com o primeiro caso de Covid-
influenza, a H1N1, foi implantada a vigilância 19 no Brasil, até julho de 2021, conforme
da Síndrome Respiratória Aguda Grave esquematizado no Quadro 5.1.
(SRAG) e, a partir deste momento, o Ministério

Quadro 5.1. População x período de estudo

População Período
Gestante 1º trimestre
Gestante 2º trimestre
Gestante 3º trimestre Março a dezembro de 2020 Janeiro a julho de 2021
Idade Gestacional
ignorada
Puérperas

32
Análise de dados do segundo trimestre e puérperas, o padrão é
Os dados coletados foram posteriormente ascendente de março de 2020 até maio;
tabulados com o auxílio do software Microsoft posteriormente torna-se descendente, com
Excel 2021, com a finalidade de armazená-los períodos de constância. Gestantes do primeiro
de forma ágil e segura. Os resultados foram trimestre e aquelas com idade gestacional
analisados por meio da apresentação de gráficos ignorada apresentaram pouquíssima variância
e tabelas para melhor interpretação e de março a dezembro de 2020.
compreensão dos resultados. Analisando-se o Gráfico 5.2, é possível
observar se os padrões da curva no número de
RESULTADOS E DISCUSSÃO casos se mantiveram de um ano para o outro ou
O presente estudo organizou as informações não. Em 2021, o terceiro trimestre gestacional
obtidas no Observatório Obstétrico Brasileiro continuou sendo aquele com maior número de
COVID-19 (OOBr COVID-19) sobre gestantes casos, seguindo o padrão ascendente da curva
e puérperas que contraíram Covid-19, de acordo até atingir seu pico em março de 2021,
com as seguintes idades gestacionais: 1° decrescendo até julho. Para as gestantes do
trimestre, 2° trimestre, 3° trimestre, idade segundo trimestre, o pico foi atingido também
gestacional ignorada e puérperas, compreen- em março, tendo um aumento no número de
didas no período de março de 2020 a julho de casos a partir de fevereiro e uma curva
2021. os dados foram dispostos em gráficos, um decrescente discreta até o mês de julho. Os
para o número de casos e outro para o número demais períodos gestacionais apresentaram
de óbitos ocorridos mês a mês. Como recorte pouca variação na curva de número de casos.
temporal do estudo segue dois anos diferentes, Com base nos dois gráficos, é possível
separou-se os números de casos e óbitos do ano estabelecer outra comparação sobre a própria
de 2020 dos de 2021, sendo relacionados em evolução da pandemia no Brasil como um todo.
tabela constando a taxa de letalidade para as Segundo Moraes (2021), os números de casos e
mesmas idades gestacionais supracitadas. O óbitos eram baixos no final de março de 2020,
cálculo da letalidade foi efetuado da seguinte bem como a pressão no sistema de saúde, isso
maneira: razão entre o número de óbitos e o porque governos estaduais anteciparam a
número de casos registrados. adoção de medidas preventivas frente a
Sob uma ótica geral, separando-os por manifestação de um cenário mais crítico para a
período de gestação, observa-se que, conforme Covid-19 – e assim se sucedeu a primeira onda.
apresentado no Gráfico 5.1, os casos de Covid- Entretanto, ainda com base em Moraes (2021),
19 se sobressaem em gestantes no terceiro na segunda onda de Covid-19, iniciada a partir
trimestre de gestação frente aos outros períodos de dezembro de 2020, apenas quando o número
gestacionais. Embora o pico de casos seja logo de casos e óbitos já haviam atingidos níveis
em abril de 2020, a curva para o terceiro elevados e o sistema de saúde pressionado que
trimestre vai diminuindo até outubro e, em medidas mais rígidas passaram a ser adotadas.
sequência, apresenta um aspecto ascendente Justifica-se, assim, o aumento nas curvas de
novamente. No número de casos em gestantes casos durante os três primeiros meses de 2021.

33
Gráfico 5.1. Casos por período gestacional (2020)

Fonte: Elaborado a partir de OOBr COVID-19, 2020-2021.

Gráfico 5.2. Casos por período gestacional (2021)

Fonte: Elaborado a partir de OOBr COVID-19, 2020-2021.

O Gráfico 5.3 apresenta os dados relativos à dezembro deste ano apenas um óbito de uma
mortalidade por idade gestacional no ano de gestante do segundo trimestre.
2020. O mês com mais mortes foi o mês de O Gráfico 5.4 representa o número de óbitos
maio, sendo a maior delas no terceiro trimestre por idade gestacional de janeiro a julho de 2021.
de gestação, seguidas de puérperas. Nos meses O mês de abril foi o que abrangeu mais mortes,
subsequentes, até setembro, houve um ritmo de sendo ele o mês de pico de mortes para todas as
queda na curva de óbitos, sendo que idade idades gestacionais abordadas. Vale ressaltar
gestacional ignorada e primeiro trimestre não novamente o período gestacional do terceiro
registraram mortes. De setembro a novembro trimestre como aquele com maior quantitativo,
não houve registros, sendo registrado em apresentando um segundo pico em junho com

34
aproximadamente o dobro do número de mortes para o feto e para o recém-nascido, isso devido
do primeiro pico, em um momento em que o à maior suscetibilidade de ocorrência de uma
ritmo de mortes decresceu para as outras idades cesariana de emergência causada por alterações
gestacionais. obstétricas como: sofrimento fetal, rotura
Nota-se, ao se observar o Gráfico 5.1 prematura das membranas amnióticas e trabalho
juntamente do Gráfico 5.3 e o Gráfico 5.2 de parto prematuro. Bonatti et al. (2021)
juntamente do Gráfico 5.4, que nos meses de acrescentam que a gestação possui consigo
aumento do número de casos o número de óbitos modificações fisiológicas próprias, sendo que a
acabou se elevando. Além disso, o terceiro imunodeficiência, o aumento da suscetibilidade
trimestre gestacional é tido como um período de aos patógenos respiratórios e a alteração na
maior vulnerabilidade segundo os dados resposta orgânica a infecções virais aumentam o
obtidos. Segundo Soares et al. (2021), as risco de necessidade de ventilação mecânica e
infecções que ocorrem no terceiro trimestre de de internação em Unidades de Terapia Intensiva
gestação podem trazer consequências graves (UTI) ou mesmo de evoluir para óbito.

Gráfico 5.3. Óbitos por período gestacional (2020)

Fonte: Elaborado a partir de OOBr COVID-19, 2020-2021.

Gráfico 5.4. Óbitos por período gestacional (2021)

Fonte: Elaborado a partir de OOBr COVID-19, 2020-2021.

35
No quesito letalidade, comparando os anos Nesse contexto, grávidas e puérperas com
em questão, a Tabela 5.1 demonstra que em comorbidades eram consideradas prioridades
2020 a letalidade foi maior para puérperas para vacinação desde 15 de março deste ano.
(26,6%), seguida de gestantes do terceiro Em 26 de abril aquelas sem doenças
trimestre (12%). Já na Tabela 5.2, o padrão preexistentes passaram a ser assistidas. O foco
muda. Puérperas continuam sendo o grupo com das diretrizes sobre a vacinação deste público-
maior letalidade (30,95%), seguido de mulheres alvo é expandir a prevenção da infecção do
cuja idade gestacional foi ignorada (14,28%). binômio materno-fetal e reduzir os desfechos
Porém, em relação ao número de mortes, negativos (RODRIGUES et al., 2021). Por
observa-se que não há uma simetria nas relações conseguinte, é importante considerar a cam-
de casos e mortes entre gestantes. Os elevados panha de imunização como um dos elementos
números de casos não se refletiram em elevados que diminuíram a letalidade demonstrada na
números de mortes. Tabela 5.2.
O início da imunização no Brasil tornou-se
abrangente a partir do final de janeiro de 2021.

Tabela 5.1. Letalidade por período gestacional (2020)


Idade gestacional (IG) Qtde de casos Qtde de óbitos Letalidade
1º Trimestre 11 0 0%
2º Trimestre 48 5 10,4%
3º Trimestre 120 10 12%
IG Ignorada 6 0 0%
Puérpera 45 12 26,6%
Fonte: Elaborado a partir de OOBr COVID-19, 2020-2021.

Tabela 5.2. Letalidade por período gestacional (2021)


Idade gestacional
Qtde de casos Qtde de óbitos Letalidade
(IG)
1º Trimestre 22 1 4,54%
2º Trimestre 96 6 6,25%
3º Trimestre 234 16 6,83%
IG Ignorada 14 2 14,28%
Puérpera 42 13 30,95%
Fonte: Elaborado a partir de OOBr COVID-19, 2020-2021.

CONCLUSÃO puerpério, bem como com a letalidade do


O presente trabalho buscou apresentar dados mesmo.
brutos relativos à quantidade de infecções Cabe ressaltar que a pesquisa traz fragili-
relatadas em gestantes e puérperas com o novo dades no que se refere a faltas de informações
coronavírus (Covid-19) sem estabelecer relativas aos porquês da situação epidemioló-
relações de causa e efeito entre o número gica no Brasil, isso se deve ao fato de que a
relativo de casos por idades gestacionais e no doença é relativamente nova, logo, pouco se

36
sabe sobre suas possíveis complicações, desse modo, sugere-se futuras pesquisas acerca
principalmente em gestantes e puérperas. do problema proposto.
A pesquisa, portanto, apresentou que há Isto posto, é visto que campanhas de
grupos de gestantes mais vulneráveis tanto no conscientização de autocuidado e prevenção
contágio, devido ao predomínio de algumas contra vírus respiratórios, seja gripe comum ou
faixas etárias, como em óbitos. Além disso, Covid-19, bem como melhorias em condições e
observou-se a alta taxa de letalidade em protocolos de manejo em gestantes em
puérperas. Hipóteses sobre o fato podem ser emergência, são medidas que podem resultar em
levantadas a fim de se compreender a maior uma melhora na situação epidemiológica no
incidência de casos entre gestantes diretamente estado do Pará.
relacionada à maior idade gestacional, quanto
maior a idade maior a quantidade de casos;

37
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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TEICH, V.D. et al. Características epidemiológicas e
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pandemia da covid-19 no brasil. Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada, n. 33, 2021.

38
CAPÍTULO 6

REVISÃO SISTEMÁTICA DE PLANTAS


DO BIOMA CAATINGA COM
ATIVIDADE ANTIPARASITÁRIA
DÉBORA MIDIAN GALDINO BENEVIDES¹
MARIA GILDETE MARIANO DE ARAÚJO¹
RANNY MARIA LEITE LOPES¹
JORGE LUIZ COSTA FILHO¹
FRANCISCO DAVID NASCIMENTO BRAGA2
ANA KAROLINNE DE ALENCAR FRANÇA3
YANDRA THAIS ROCHA DA MOTA3
RENATA CRISTINA BORGES DA SILVA MACEDO3
JOÃO INÁCIO LOPES BATISTA4
ANA CARLA DIÓGENES SUASSUNA BEZERRA5

1. Discente – Graduação em Biotecnologia da Universidade Federal Rural do Semi-Árido.


2. Discente – Mestrado em Ambiente, Tecnologia e Sociedade da Universidade Federal Rural do Semi-Árido.
3. Discente – Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal Rural do Semi-Árido.
4. Farmacêutico – Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Federal Rural do Semi-Árido
5. Docente – Departamento de Biociências da Universidade Federal Rural do Semi-Árido.

PALAVRAS-CHAVE
Caatinga; Controle alternativo; Saúde animal.

39

10.59290/978-65-6029-012-9.6
INTRODUÇÃO temas brasileiros que apresenta espécies
Produtos naturais e seus derivados têm sido medicinais como pata-de-vaca ou mororó
utilizados para produção de fármacos, o que (Bauhinia cheilantha), aroeira (Myracrodruon
representa 39,1% dos medicamentos aprovados urundeuva), catingueira (Poincianella pyrami-
pela Food and Drug Administration (FDA) dalis), imburana-de-cambão (Commiphora
(BOY et al., 2018). Entre esses produtos, leptophloeos), alecrim-pimenta (Lippia sidoi-
destacam-se as plantas como fontes de com- des), jurema-preta (Mimosa tenuiflora), baraúna
postos farmacologicamente ativos, que desde a (Schinopsis brasiliensis), umbu (Spondias
pré-história até os dias atuais são utilizadas no tuberosa), amburana de cheiro ou cumaru
tratamento de enfermidades (TANG et al., (Amburana imbaúba ou Amburana cearensis),
2022; VELOSO et al., 2023). marmeleiro ou cassetinga (Croton argyrophy-
O conhecimento das plantas medicinais tem llus), cutia (Eugenia brejoensis) e cagaiteira
origem em diversos lugares. Através da obser- (Eugenia dysenterica) (BARBOSA et al., 2014;
vação e experimentação, descobriu-se o poten- DINIZ et al., 2022).
cial medicinal dos vegetais, o que foi passado Diante do grande potencial farmacológico da
através das gerações e serviu como base para o flora da Caatinga, pesquisas têm sido desen-
tratamento das doenças (HALBERSTEIN, volvidas para explorar as diversas atividades
2005; MAMEDOV, 2012; DAS et al., 2022). biológicas, dentre essas a antiparasitária, a fim
O Brasil é considerado o país com maior de controlar e combater essas doenças (DINIZ
biodiversidade no mundo, com aproximada- et al., 2022). Entretanto, estudos de revisão
mente 20% da riqueza mundial e 22% da sistemática com levantamento dos principais
biodiversidade vegetal, o que pode representar artigos publicados ainda são insuficientes.
55 mil espécies identificadas (LEITE et al., Nesse sentido, o objetivo deste estudo foi
2021; MEIRELLES & RUPPELT, 2023). realizar uma revisão sistemática de plantas do
Assim, apresenta riqueza relacionada ao conhe- bioma Caatinga com atividade antiparasitária.
cimento tradicional associado inicialmente às
culturas indígenas, europeias e africanas MÉTODO
(CARTAXO et al., 2010). Esta pesquisa foi realizada através da
Dentre os biomas, a Caatinga é exclusiva do identificação e revisão sistemática de artigos
Brasil e representa cerca de 10,1% do território publicados nos últimos 10 anos (de 2012 a
nacional, com predominância na região Nor- 2022) em inglês, espanhol e português, com
deste do país (MMA, 2022). O bioma tem como busca em diferentes bases de dados online,
característica o clima semiárido com grande sendo elas: Google, Google Acadêmico, Perió-
biodiversidade e conta com aproximadamente 4 dicos da CAPES, ScienceDirect (Elsevier),
mil espécies (BARBOSA et al., 2014). PubMed e Scientific Electronic Library Online
As plantas da Caatinga têm sido utilizadas (SciELO).
desde muito tempo, devido às suas propriedades Para escolha dos descritores, levou-se em
medicinais, no tratamento de infecções, doenças consideração os termos mais generalistas como
de pele, respiratórias e gastrintestinais (SÁ- “plantas”, “antiparasitária” e “parasito”, além
FILHO et al., 2021; PINTO et al., 2023). de palavras que levassem em consideração o
Destaca-se como um dos principais ecossis- bioma de interesse, como: “Caatinga”, “Nordes-

40
te do Brasil” e “Nordeste brasileiro”. Os para o desenvolvimento de medicamentos
descritores foram selecionados e gerados com a naturais.
ajuda dos Descritores em Ciências da Saúde O bioma Caatinga apresenta grande biodi-
(DeCS) para facilitar a busca por publicações versidade vegetal, utilizada pela cultura popular
através de terminologias em comum entre os em razão das suas propriedades medicinais no
idiomas português e inglês, onde os principais tratamento de enfermidades (CARTAXO et al.,
descritores selecionados foram “plants”, “phy- 2010). A utilização dos vegetais como trata-
totherapy”, "antiparasitic agents" e “parasite”. mento alternativo foi possível em razão do
Para seleção dos artigos, foi realizada uma avanço das pesquisas baseadas nessa cultura e
avaliação do conteúdo com base na leitura de tradição (SACRAMENTO et al., 2022). Entre-
título e resumo a fim de identificar quais se tanto, há a necessidade de estudos que compro-
encaixavam no tema em estudo. Como critério vem eficácia e dosagem adequada, além da
de seleção, foram incluídos trabalhos originais. determinação do uso sustentável para preser-
Foram excluídos relatórios, monografias, vação do bioma e sua biodiversidade (PAU-
dissertações e teses. LINO et al., 2011; SÁ-FILHO et al., 2021).
Os dados pesquisados foram então tabulados, A importância da fitoterapia e homeopatia na
analisados e comparados com outros dados da cura de patologias pela medicina alternativa foi
literatura para discussão, tendo os resultados reconhecida pelo Ministério da Saúde.
quantitativos expressos em frequência simples e Atualmente, há uma lista com 71 plantas que
percentual, e dados qualitativos expressos em podem ser prescritas no tratamento no Sistema
quadro e gráficos. Único de Saúde (SUS) na Relação Nacional de
Plantas Medicinais de Interesse no SUS
RESULTADOS E DISCUSSÃO (Renisus).
No total foram selecionados 43 artigos, Os artigos encontrados foram analisados de
sendo 100% dos materiais (43/43) em inglês, acordo com espécie da planta, parte utilizada,
com descrição de plantas oriundas do bioma tipo de preparação testada e parasito do qual se
Caatinga e verificação da importância dessas obteve o efeito biológico desejado (Quadro
6.1).

Quadro 6.1. Resultados encontrados nos estudos das plantas da Caatinga com ação antiparasitária, de acordo com a parte
utilizada, parasito e tipo de preparação testada

Parte da Preparação
Espécie vegetal Parasito Referência
planta testada

Plasmodium falciparum e
Folhas Óleo essencial Mota et al. (2012)
Plasmodium berghei
Borges et al.
Folhas Trypanosoma cruzi Óleo essencial
Lippia sidoides (Alecrim- (2012)
pimenta) Rhipicephalus sanguineus e Gomes et al.
Folhas Óleo essencial
Amblyomma cajennense (2014)
Folhas e Rhipicephalus (Boophilus) Pereira et al.
Óleo essencial
galhos microplus (2022)

41
Leishmania amazonensis e Chaves et al.
Casca Extrato etanólico
Trypanosoma cruzi (2019)
Folhas e Extrato Vieira et al.
Trichomonas vaginalis
Manilkara rufula galhos hidroalcoolico (2016)
(Maçaranduba)
Extrato Vieira et al.
Folhas Trichomonas vaginalis
hidroalcoolico (2017a)
Trichomonas vaginalis e Vieira et al.
Folhas Extrato bruto
Tritrichomonas foetus (2017b)
Leishmania braziliensis e Extrato aquoso Andrade et al.
Casca
Ziziphus joazeiro Leishmania infantum (2019)
(Joazeiro)
Nematoides gastrintestinais Gomes et al.
Casca Extrato aquoso
de caprinos (2016)
Aspidosperma pyrifolium Ceravolo et al.
Casca Plasmodium falciparum Extrato bruto
(Pereiro) (2018)
Borges et al.
Folhas Trypanosoma cruzi Óleo essencial
Chenopodium (2012)
ambrosioides (Mastruz) Partes Queiroz et al.
Leishmania amazonensis Extrato aquoso
aéreas (2014)
Croton blanchetianus
Rhipicephalus (Boophilus) Rodrigues et al.
(Marmeleiro-da- Folhas Óleo essencial
microplus (2019)
Caatinga)
Partes Queiroz et al.
Leishmania amazonensis Extrato aquoso
Hyptis pectinata aéreas (2014)
(Sambacaitá) Souza et al.
Folhas Trypanosoma cruzi Óleo essencial
(2017)
Gomes et al.
Lippia gracilis (alecrim- Folhas Schistosoma mansoni Óleo essencial
(2022)
da-chapada ou alecrim-
Nematoides gastrintestinais Souza et al.
de-serrote) Folhas Óleo essencial
de caprinos (2020)
Araújo et al.
Flores Leishmania amazonensis Extrato etanólico
Mimosa caesalpiniifolia (2020)
(Sabiá ou unha-de-gato)
Casca Leishmania amazonensis Extrato etanólico Brito et al. (2021)

Folhas e
Rhipicephalus (Boophilus) Extrato etanólico Dantas et al.
partes
Neoglaziovia variegata microplus e hexânico (2015)
aéreas
(Caruá ou gravá)
Torres-Santos et
Folhas Rhipicephalus microplus Extrato hexânico
al. (2021)
Plasmodium falciparum e
Folhas Óleo essencial Mota et al. (2012)
Vanillosmopsis arborea Plasmodium berghei
(Candeeiro) Colares et al.
Folhas Leishmania amazonensis Óleo essencial
(2013)
Eugenia gracillima Leishmania braziliensis e Sampaio et al.
Folhas Óleo essencial
(Murta) Leishmania infantum (2021)
Cratylia mollis
Nematoides gastrintestinais Mendonça-Lima
(Camaratuba ou feijão- Folhas Extrato aquoso
de caprinos et al. (2016)
camaratu)

42
Cassia fistula (cássia-
Nematoides
imperial ou chuva-de- Folhas Extrato bruto Silva et al. (2018)
gastrointestinais de caprinos
ouro)
Aloe vera (Babosa)
Ruta graveolens (Arruda) Partes Queiroz et al.
Leishmania amazonensis Extrato aquoso
Pfaffia glomerata aéreas (2014)
(Giseng Brasileiro)
Caesalpinia pyramidalis Nematoides Santos et al.
Folhas Extrato aquoso
(Caatingueira) gastrointestinais de caprinos (2012)
Croton argyrophylloides
(Marmeleiro Prateado ou Folhas Leishmania infantum Extrato etanólico Silva et al. (2016)
Cassetinga)
Spondias tuberosa
Folhas e Leishmania braziliensis e Extrato aquoso e Gomez et al.
(Umbuzeiro ou
raízes Leishmania infantum hidroalcoolico (2020)
imbuzeiro)
Croton pulegiodorus
(Velaminho ou velame
Gomes et al.
rasteiro) Folhas Leishmania infantum Óleo essencial
(2021)
Croton piauhiensi
(Velame peludo)
Croton rhamnifolioides Trypanosoma cruzi,
Alcantara et al.
(Quebra-faca ou Folha Leishmania braziliensis e Óleo essencial
(2021)
Caatinga-branca) Leishmania infantum
Menezes et al.
Eugenia pohliana Folhas Trichomonas vaginalis Óleo essencial
(2022)
Croton zehntneri (Canela Plasmodium falciparum e
Folhas Óleo essencial Mota et al. (2012)
de cunhã ou Canelinha) Plasmodium berghei
Leishmania braziliensis,
Tarenaya spinosa Extrato aquoso e Bezerra et al.
Folhas Leishmania infantum e
(Mussambê) extrato etanolico (2019)
Trypanosoma cruzi
Frasson et al.
Polygala decumbens Raiz Trichomonas vaginalis Extrato aquoso
(2012)
Caryocar coriaceum
Fruto Leishmania amazonensis Extrato etanólico Alves et al. (2017)
(Pequi ou pequi-branco)
Extratos de
Platymiscium
hexano,
floribundum (Jacarandá- Caule
clorofórmio e
canudo ou rabugeira) Leishmania infantum Vila-Nova et al.
etanol
chagasi (2012)
Dimorphandra Extratos de
gardneriana (Fava d'anta Fruto acetato de etila e
ou Faveira) metanol
Psidium myrsinites Vandesmet et al.
Folhas Leishmania braziliensis Óleo essencial
(Araçá-bravo) (2022)
Opuntia ficus-indica Cladódio Nematoides gastrintestinais Extrato bruto e Féboli et al.
(Figo-da-índia ou palma) s e frutos de ovinos etanólico (2016)
Extrato
Psidium brownianum Machado et al.
Folhas Trypanosoma cruzi hidroalcoolico e
(Araçá-de-veado) (2018)
aquoso

43
Dalbergia ecastaphyllum Leishmania braziliensis,
Resina Extrato Regueira-Neto
(rabo-de-bugio ou Leishmania infantum e
vegetal hidroalcoólico et al. (2018)
marmelo-do-mangue) Trypanosoma cruzi
Extrato por
Partes
Melocactus zehntneri extração com
aéreas Brandão et al.
(Coroa-de-frade ou Trichomonas vaginalis fluido
jovens e (2017)
cabeça-de-frade) supercrítico
adultas
(SFE)
Poincianella
Extrato aquoso
(Caesalpinia)
bruto
microphylla (Catingueira- Frutas Trichomonas vaginali Silva et al. (2020)
enriquecidas com
das-folhas-miúdas ou
taninos
Catingueirinha)
Spondias mombin Accioly et al.
Folhas Leishmania chagasi Extrato etanólico
(Cajazeira) (2012)
Croton velutinus Abreu et al.
Raízes Trypanosoma cruzi Extrato hexânico
(Pimentinha) (2020)
Lippia origanoides
(Alecrim-pimenta ou
alecrim-do-nordeste)
Ocimum gratissimum
(Alfavacão ou
Borges et al.
Manjericão-cheiroso) Folhas Trypanosoma cruzi Óleos essenciais
(2012)
Justicia pectoralis
(Chambá ou anador)
Vitex agnus-castus
(Agnocasto ou alecrim-
da-angola)
Ximenia americana Trypanosoma cruzi,
Extrato Menezes et al.
(Ameixa-do-mato ou Casca Leishmania infantum e
hidroetanólico (2019)
ameixa-brava) Leishmania brasiliensis
Lippia alba (Carmelitana Gomes et al.
Folhas Schistosoma mansoni Óleo essencial
ou cidreira) (2022)
Eugenia brejoensis
(Cutia)
Hypenia salzmannii Souza et al.
Folhas Trypanosoma cruzi Óleos essenciais
(Barrigudinha ou (2017)
alfazema brava)
Lippia macrophylla

Os artigos pesquisados são de 20 famílias propriedades biológicas de interesse medicinal.


diferentes, confirmando a biodiversidade ve- Deste resultado, observou-se a predominância
getal da Caatinga e a variedade de espécies com da família Fabaceae (Gráfico 6.1).

44
Gráfico 6.1. Famílias das plantas com ação antiparasitária encontradas nos artigos pesquisados durante a revisão
sistemática realizada em plantas do bioma Caatinga com ação antiparasitária

Esse resultado está de acordo com os pimenta), encontrada em quatro dos 43 artigos
levantamentos de plantas medicinais da (9%) e que mostrou ter atividade antimalárica,
Caatinga feitos por Magalhães et al. (2019) e antitripanossomal e carrapaticida, e Manilkara
por Sá-Filho et al. (2021), nos quais a família rufula (Maçaranduba), também mencionada em
Fabaceae apresentou a maior quantidade de quatro artigos (9%), que apresentou atividade
espécies indicadas para uso medicinal, sendo de contra L. amazonensis, T. cruzi, T. vaginalis e T.
grande importância econômica e medicinal, foetus. Apenas essas duas plantas, juntas,
seguida da Euphorbiaceae, que foi a segunda representam 19% dos resultados (8/43).
família mais representada. A quantidade de Nos quatro artigos que estudaram a eficácia
estudos das plantas pertencentes a essas famílias antiparasitária da Lippia sidoides, foi descrito
pode estar relacionada a sua real frequência na que esta planta possui uma grande variedade de
vegetação da Caatinga, assim como relatado por usos na medicina popular e que seu óleo
Sabino et al. (2016), que identificaram que a essencial apresenta vários compostos com
maioria das espécies encontradas nas áreas de propriedades antiparasitárias, e por esses
estudo pertenciam a estas famílias, apre- motivos houve o interesse em estudá-las
sentando mais riqueza e diversidade do que as (BORGES et al., 2012; MOTA et al., 2012;
outras. GOMES et al., 2014; PEREIRA et al., 2022). A
Também houve uma grande variedade de Manilkara rufula, apesar da diversidade de
espécies encontradas nos estudos selecionados atividades biológicas atribuídas às espécies de
(47 espécies), porém, as mais citadas nos artigos Manilkara, incluindo a antiparasitária, não
selecionados foram Lippia sidoides (Alecrim- possui referências para seu uso na medicina
45
popular e os estudos sobre suas propriedades (VIEIRA et al., 2016; VIEIRA et al., 2017a;
são bastante escassos, o que despertou o VIEIRA et al., 2017b; CHAVES et al., 2019).
interesse dos pesquisadores para descoberta de Nos artigos selecionados houve grande
novos compostos e atividades biológicas predominância das folhas (61%) como a parte
utilizada no estudo (Gráfico 6.2).

Gráfico 6.2. Partes mais utilizadas das plantas nos artigos pesquisados durante a revisão sistemática realizada em plantas
do bioma Caatinga com ação antiparasitária

As folhas costumam ser mais utilizadas influência na obtenção da atividade biológica


devido a sua facilidade de coleta, conservação e desejada.
armazenamento, em comparação a outras partes Quanto à atividade antiparasitária das plantas
das plantas, além de permitir a conservação do da Caatinga, destaca-se:
recurso vegetal, pois não é uma parte importante - Ação contra protozoários: corresponde a
para o desenvolvimento e a reprodução da 72% (31/43) dos resultados, sendo eles Trypa-
planta (SGANZERLA et al., 2022). Além disso, nosoma cruzi, em 29% dos artigos referentes à
essa parte vegetal apresenta grande quantidade protozoários (9/31), e espécies do gênero
de metabólitos secundários. Os metabólitos Leishmania, que representou grande parte dos
secundários responsáveis pela atividade bioló- protozoários pesquisados, em 61% dos artigos
gica desejada nas plantas medicinais podem (19/31), Trichomonas em 23% (7/31) e
apresentar diferentes padrões de acúmulo e Plasmodium em 6% (2/31);
biossíntese, podendo ser mais complexos ou - Atividade anti-helmíntica: corresponde a
diversificados dependendo do órgão ou tecido 16% (7/43) de artigos selecionados, princi-
em que estão presentes (LI et al., 2020), assim a palmente contra nematoides de ruminantes, em
parte da planta que será estudada possui grande 86% dos artigos referentes a helmintos (6/7), e

46
apenas um artigo para Schistosoma mansoni A tricomoníase é uma doença causada por
(14%); protozoários do gênero Trichomonas em
- Ação contra ectoparasitos: corresponde a humanos e animais. A tricomoníase humana
12% (5/43) dos artigos selecionados, todos para causada pelo Trichomonas vaginalis é a
o controle de carrapatos (5/5). principal doença sexualmente transmissível não
As doenças causadas por Trypanosoma cru- viral, afetando milhões de pessoas em todo o
zi, Leishmania spp. e Plasmodium spp., doença mundo. Outra espécie importante é a Tricho-
de Chagas, Leishmanioses e Malária, respecti- monas foetus, que acomete bovinos e cuja
vamente, são consideradas algumas das doenças transmissão também ocorre sexualmente,
negligenciadas (DN) mais frequentes em países gerando muitas perdas econômicas devido aos
pobres e em desenvolvimento, logo, são seus efeitos no rebanho (VIEIRA et al., 2017b;
relacionadas à desigualdade social (SOUZA et AL-HASNAWY & RABEE, 2023). A busca
al., 2021). Por isso, as empresas farma-cêuticas por alternativas em produtos naturais para
consideram a produção de medica-mentos para controle dessas tricomoníases se deve ao
tratamento dessas doenças não lucrativas, aumento da resistência ao medicamento
dificultando pesquisa e desenvolvi-mento de metronidazol, utilizado para combater o T.
produtos medicinais (MUKHERJEE et al., vaginalis em humanos. Em bovinos, a
2023). dificuldade de erradicar a doença se deve à
O tratamento para a doença das Chagas, ausência de tratamento aprovado, cujo controle
causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi,é depende do descarte de touros com teste
baseado em apenas duas drogas, nifurtimox e positivo para a infecção (VIEIRA et al., 2016).
benzonidazol. Devido à resistência do parasito, Nematoides gastrointestinais que acometem
requer doses elevadas para o tratamento, tor- pequenos ruminantes são responsáveis por
nando-se drogas muito tóxicas para os pacientes problemas econômicos na pecuária, pois afetam
(BORGES et al., 2012; ANDRADE et al., a saúde de animais, causando perdas na
2019). O tratamento para a Leishmaniose, cau- produção e aumento da mortalidade. A espécie
sada por várias espécies do gênero Leishmania, Haemonchus contortus é apontada como o
também não é satisfatório, apresentando efeitos parasito de maior prevalência e patogenicidade.
tóxicos pela terapia à base de antimoniais O uso contínuo e exclusivo de medicamentos
pentavalentes, com tratamento prolongado e de anti-helmínticos tem resultado na resistência
alto custo (QUEIROZ et al., 2014; BRITO et parasitária e gera riscos de presença de resíduos
al., 2021). No caso da Malária, a resistência das desses produtos nos alimentos de origem animal
espécies de Plasmodium aos medicamentos e meio ambiente (GOMES et al., 2016; SILVA
antimaláricos tem sido a principal preocupação, et al., 2018). Já a esquistossomose, causada por
que atualmente inclui até mesmo os derivados trematódeos do gênero Schistosoma, assim
da artemisinina isolados da Artemisia annua, como as DNs, está relacionada à pobreza e
destaque contra os parasitos resistentes aos me- situação socioeconômica vulnerável dos
dicamentos (MOTA et al., 2012; CERAVOLO indivíduos que vivem principalmente em
et al., 2018). Além disso, os vetores dessas condições sanitárias ruins. O tratamento desta
doenças também podem apresentar resistência doença é baseado na administração de apenas
aos piretroides, inseticidas utilizados no con- um medicamento disponível, o praziquantel
trole dos mosquitos (MUSOKE et al., 2023). (PZQ), que, apesar de ser eficaz, tem efeito
47
minimizado em formas imaturas do parasito e Assim, é necessário identificar novos
não previne reinfecções (GOMES et al., 2022). compostos bioativos que apresentam uso mais
Os carrapatos são ectoparasitas que podem seguro, com toxicidade reduzida, que sejam
infestar tanto animais quanto humanos e são melhores e mais acessíveis. As plantas são umas
transmissores de doenças que afetam principal- das principais opções na produção de produtos
mente os animais de estimação e a pecuária naturais com essas características por serem
causando perdas econômicas, sendo de difícil ricas em metabólitos com potencial bioativo,
controle, pois possuem poucos inimigos natu- sendo utilizadas para fins medicinais na
rais (ABBAS et al., 2023). Os principais medicina popular (MOTA et al., 2012;
métodos de controle se baseiam no uso de DANTAS et al., 2015; ANDRADE et al., 2019;
acaricidas químicos, porém, têm causado BRITO et al., 2021; GOMES et al., 2022).
problemas pelo surgimento de carrapatos Quanto à preparação testada (Gráfico 6.3),
resistentes e pela contaminação com resíduos observou-se que os óleos essenciais repre-
em produtos de origem animal e meio ambiente sentaram 38% dos resultados, seguidos por
(DANTAS et al., 2015; ABBAS et al., 2023). extrato aquoso (19%) e extrato etanólico (15%).

Gráfico 6.3. Tipos de preparações testadas nos artigos pesquisados durante a revisão sistemática realizada em plantas do
bioma Caatinga com ação antiparasitária

A prevalência dos óleos essenciais está permite interagir com alvos intracelulares
associada à diversidade de aplicações que pos- variados. Assim, estes óleos possuem potencial
suem e ao seu grande potencial farmacoló-gico, no uso medicinal para superar a toxicidade e
apresentando propriedades antimicrobia-nas, resistência de patógenos a medicamentos
analgésicas, anti-inflamatórias, sedativas, (BORGES et al., 2012; BAILÉN et al., 2023).
antiespasmódicas, inseticidas e antiparasitárias. Em alguns dos trabalhos selecionados, a
Seus efeitos biocidas podem estar relacionados partir da purificação desses preparados, foi
à sua baixa densidade e lipofilicidade, o que possível obter os compostos isolados ou
48
próximos a isso, o que facilita a descoberta dos vasta diversidade de espécies que possui e pelo
mecanismos de ação e redução da toxicidade. vasto conhecimento tradicional sobre plantas
Isso ocorreu em um dos estudos de Vieira et al. medicinais que ainda é difundido. Este trabalho
(2017b) selecionados neste trabalho, no qual foi conseguiu reunir os principais estudos relaci-
possível isolar uma saponina bidesmosídica onados à atividade antiparasitária de plantas do
incomum da Manilkara rufula (Maçaranduba), bioma Caatinga, identificando as espécies,
chamada Mi-saponina C. Esta saponina foi partes das plantas e preparações testadas mais
capaz de atuar na membrana do Trichomonas utilizadas, bem como os principais parasitos
vaginalis e causar danos profundos induzindo a estudados, sistematizando os dados obtidos nos
morte (VIEIRA et al., 2017b). De acordo com artigos.
Wink (2012), por serem um produto natural com Os resultados para atividade antiparasitária,
propriedades detergentes, as saponinas podem que ainda é pouquíssima explorada, revelam o
causar uma perturbação na fluidez ou na potencial medicinal da flora da Caatinga para
permeabilidade de biomembranas, podendo tratamento e produção de medicamento contra
causar um efeito citotóxico em parasitas. Além doenças parasitárias, tanto em humanos quanto
do T. vaginalis, também foi relatada pela em animais, que sejam naturais e menos
atividade antitripanossomal, antimalárica e ofensivos ao homem e ao meio ambiente.
moluscicida contra os vetores da esquistosso- Além da continuidade dos estudos para
mose. validar o saber popular, visando a orientação da
Outros exemplos de metabólitos isolados população quanto às formas corretas de uso,
com atividade antiparasitária observados nos riscos de intoxicação, interação com outros
artigos selecionado, estão no estudo de Vila- compostos, são necessários, ainda, estudos mais
Nova et al. (2012), que relataram a atividade aprofundados para identificação e caracteriza-
leishmanicida em compostos isolados do caule ção dos compostos responsáveis pela atividade
de Platymiscium floribundum, onde obteve-se biológica desejada e descoberta de novas
uma cumarina chamada escoparona, e dos grãos plantas cujo potencial ainda não foi explorado.
de Dimorphandra gardneriana, onde obteve-se Estas pesquisas podem ajudar na valorização da
os flavonoides rutina e quercetina, que tiveram flora da Caatinga, pois a difusão de sua
seu mecanismo de ação contra o parasito importância medicinal pode contribuir para a
associado à atividade anticolinesterásica. preservação das espécies de plantas medicinais
contra ações antrópicas que podem colocá-las
CONCLUSÃO em risco de extinção.
A Caatinga é rica em plantas com grande
potencial terapêutico, o que é evidenciado pela

49
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52
CAPÍTULO 7

SÍFILIS CONGÊNITA: ASPECTOS


EPIDEMIOLÓGICOS E MANEJO

NATÁLIA CARIELLO BROTAS CORRÊA¹


LUISA LOCATEL GOMES SILVEIRA¹
BRENO BERTONCELI LONGUE¹
YASMIN BINDA DE SOUZA¹
GABRIELA SALOMÃO MOURA¹
MARIANI MAIN SIQUARA¹
MARIA CLARA MORELLATO RUBIM CREMONINI¹
RENAN AZEVEDO GALVÊAS LOUREIRO¹

1. Discente – Medicina pela Universidade Vila Velha.

PALAVRAS-CHAVE
Sífilis congênita; Epidemiologia; Manejo.

53

10.59290/978-65-6029-012-9.7
INTRODUÇÃO comprometimento intelectual (DOMINGUES
A sífilis é causada pela bactéria gram- et al., 2021).
negativa Treponema pallidum, que possui Em relação ao tratamento, nos recém-
grande motilidade e formato espiralado. A nascidos de mães com sífilis não tratada ou
sífilis congênita (SC) resulta da infecção inadequadamente tratada, independentemente
materna antes ou durante a gravidez. A do resultado do VDRL do recém-nascido, é
infecção vertical ocorre mais frequentemente necessário realizar hemograma, radiografia de
por via transplacentária e mais raramente ossos longos, punção lombar e outros exames,
durante o parto devido ao contato do neonato quando clinicamente indicados. De acordo
com uma lesão genital. É uma doença de com a avaliação clínica e de exames
grande espectro clínico e se manifesta desde as complementares, se houver alterações clínicas,
formas assintomáticas até às formas graves, sorológicas, radiológicas ou hematológicas, o
com quadros sépticos, óbitos fetais e neona- tratamento deverá ser feito com penicilina G
tais. No nascimento, cerca de 60 a 90% dos cristalina na dose de 50.000 UI/kg/dose, por
recém-nascidos com sífilis congênita são via endovenosa, a cada 12 horas (nos
assintomáticos e, por isso, a triagem soro- primeiros 7 dias de vida) e a cada 8 horas (após
lógica da gestante na maternidade é importante 7 dias de vida), durante 10 dias. Se houver
(TSAI et al., 2019). alteração liquórica, o tratamento deverá ser
Classifica-se a sífilis congênita em precoce, feito com penicilina G cristalina 6, na dose de
que surge até o segundo ano de vida, e tardia, 50.000 UI/kg/dose, por via endovenosa, a cada
quando os sinais e sintomas são observados a 12 horas (nos primeiros 7 dias de vida) e a cada
partir do segundo ano de vida. São 8 horas (após 7 dias de vida), durante 10 dias.
manifestações frequentes na sífilis congênita Se não houver alterações clínicas, radioló-
precoce: hepatomegalia, esplenomegalia, icte- gicas, hematológicas e/ou liquóricas, e a
rícia, rinite serossanguinolenta, erupção cutâ- sorologia for negativa, deve-se proceder o
nea maculopapular, pênfigo sifilítico (princi- tratamento com penicilina G benzatina 7 por
palmente palmo-plantar), linfadenopatia gene- via intramuscular na dose única de 50.000
ralizada, anormalidades esqueléticas, trombo- UI/kg (BRASIL, 2022).
citopenia e anemia. A prematuridade e o baixo Nos recém-nascidos de mães adequada-
peso ao nascer são complicações perinatais mente tratadas: realizar o VDRL em amostra
frequentes (ADHIKARI, 2020). de sangue periférico do recém-nascido; se este
As manifestações clínicas da sífilis con- for reagente com titulação maior do que a
gênita tardia estão associadas à inflamação materna, e/ou na presença de alterações
cicatricial ou persistente da infecção precoce e clínicas, realizar hemograma, radiografia de
se caracterizam pela presença de formação das ossos longos e análise do LCR. Se existirem
gomas sifilíticas em diversos tecidos. As alterações, realizar tratamento.
manifestações da sífilis congênita tardia mais Após o tratamento, no período pós-natal, a
citadas são: fronte olímpica, nariz em sela, criança deve ser avaliada em consultas
palato em ogiva, ceratite intersticial, coriorre- ambulatoriais com análise do VDRL e da
tinite, perda auditiva sensorial, dentes de titulação sorológica, além da observação dos
Hutchinson, atraso no desenvolvimento e sinais e sintomas clínicos (BRASIL, 2006).

54
No Brasil e no mundo, foi constatado um terapia”, em português. Durante a seleção dos
crescimento no número de casos de sífilis artigos, foram aplicados critérios de inclusão
congênita. Essa elevação pode ser atribuída ao específicos, com ênfase na relevância dos
incremento na testagem decorrente da estudos para os aspectos epidemiológicos e o
disseminação dos testes rápidos, mas também manejo da sífilis congênita. Foram excluídos
à diminuição no uso de preservativos, de os artigos que não se enquadraram nos
falhas na testagem durante o pré-natal ou de critérios de inclusão estabelecidos, bem como
tratamento inadequado ou ausente da sífilis aqueles que não abordaram diretamente a
materna (DOMINGUES et al., 2021). Além temática central do estudo. A avaliação dos
disso, associam-se: vulnerabilidade social, títulos e resumos dos artigos obtidos nas bases
analfabetismo, menor nível de escolaridade, de dados supracitadas foi realizada para
gravidez precoce à grande maioria dos casos identificar os estudos que estavam alinhados
de sífilis gestacional e, consequentemente, à com o escopo do trabalho. Ao todo, 246
congênita (COSTA, 2022). Diante disso, artigos foram selecionados para análise, dos
constata-se a existência de um significativo quais 26 artigos foram utilizados para a revisão
problema de saúde pública com lacunas final, sendo considerados como as principais
existentes na assistência pré-natal. Ademais, fontes de informação para embasar as
evidencia-se, diante desses dados, que, além conclusões deste estudo. Adicionalmente, foi
de uma questão de saúde pública, a sífilis é construído o Quadro 7.1, que descreve os 26
uma pauta social. estudos selecionados de acordo com título do
Destarte, o objetivo deste capítulo é estudo, ano de publicação, autor, idioma e uma
promover uma revisão da atual literatura breve contextualização acerca do artigo,
acerca da temática de sífilis congênita, com proporcio-nando uma visão mais clara e
foco em epidemiologia e tratamento, a fim de sistemática das principais contribuições
comparar as informações existentes e oferecer encontradas na literatura.
uma fonte de informações compiladas sobre o
tema proposto. RESULTADOS E DISCUSSÃO
A sífilis congênita é considerada um
MÉTODO problema de saúde pública, em razão de sua
Para realizar a presente revisão sistemática, elevada prevalência em diversas partes do
adotou-se uma abordagem metodológica rigo- mundo. A mortalidade perinatal causada pela
rosa. A busca de estudos relevantes foi condu- SC está em aproximadamente 40%.
zida utilizando diversas fontes de informação, No Brasil, foi instituída a notificação
incluindo a base de dados Cochrane de compulsória de sífilis congênita a partir de
revisões sistemáticas, bem como as bases 1986 e, além disso, também foram estabe-
LILACS, PUBMED, MEDLINE, SciELO, lecidas as notificações de sífilis em gestantes e
DATASUS e Ministério da Saúde. A busca foi de sífilis adquirida. Os casos foram coletados
restrita a estudos publicados no período a partir do Departamento de Informática do
compreendido entre 2018 e 2023, em qualquer Sistema Único de Saúde (DATASUS), através
idioma. Os descritores utilizados foram “sífilis do SINAN. No boletim epidemiológico, foram
congênita/epidemiologia” e “sífilis congênita/ abordadas diversas variáveis, como: idade

55
materna, escolaridade materna, raça/cor no período pré-natal, época do diagnóstico e
materna, frequência das consultas realizadas esquema de tratamento utilizado.

Quadro 7.1. Sumarização dos artigos selecionados

Título do artigo Autor e


Idioma Contexto
ano

Administration of intravenous
benzylpenicillin in 13 infants Ikuta et al. O artigo trata do manejo de sífilis em lactentes de
Inglês
born to mothers with syphilis (2021) baixo risco.
infection: a case series

O artigo relata aspectos a respeito da


Diagnosis, treatment, and
epidemiologia da sífilis congênita no Brasil,
notification of syphilis during Oliveira et
Inglês especificamente em Goiás, além das possíveis
pregnancy in the state of Goiás, al. (2021)
classificações e tratamentos empregados em cada
Brazil, between 2007 and 2017
caso.

O artigo descreve o perfil epidemiológico da


Sífilis em Tocantins entre 2007 e 2015,
Distribuição da sífilis congênita demonstrando que a incidência teve aumento
no estado do Tocantins, 2007- Silva et al.
Português considerável em 2015, o que requer
2015 (2020)
intensificação e melhora da qualidade do pré-
natal, especialmente em municípios com alta
incidência.

O artigo descreve aspectos da sífilis congênita no


Adhikari neonato, a qual é dividida em duas síndromes
Syphilis in pregnancy Inglês
(2020) características. Traz o tratamento na gravidez e
após a exposição.

Adequacy of prenatal care,


O artigo descreve aspectos epidemiológicos da
diagnosis and treatment of
Benzaken et sífilis no Brasil, demonstrando que há uma baixa
syphilis in pregnancy: a study Inglês
al. (2019) adesão ao pré-natal e no tratamento da sífilis
with open data from Brazilian
gestacional.
state capitals

O artigo discute as diferentes formas de


apresentação clínica da sífilis e os impactos da
Tsai et al.
Syphilis in pregnancy Inglês sífilis nos neonatos, além de descrever o
(2019)
tratamento da sífilis com benzilpenicilina
benzatina.

O artigo descreve alguns fatores epidemiológicos


Fatores associados ao
Cavalcante da sífilis. Destaca-se que a maioria dos serviços
seguimento não adequado de Português
(2019) não promovem seguimento adequado para
crianças com sífilis congênita
crianças notificadas com sífilis congênita.

Tendência temporal e
distribuição espacial da sífilis O artigo trata sobre os aspectos epidemiológicos
congênita no estado do Rio Teixeira et da sífilis no Brasil e aborda, mais
Inglês
Grande do Sul entre 2001 e al. (2018) especificamente, a avaliação da tendência da
2012 distribuição da SC no Rio Grande do Sul.

56
Diagnostic and therapeutic
knowledge and practices in the
O estudo faz uma análise dos conhecimentos dos
Management of congenital Santos et al.
Inglês profissionais pediátricos a respeito das diferentes
syphilis by pediatricians in (2019)
formas de manejo da sífilis congênita.
public maternity hospitals in
Brazil

Congenital syphilis: a O artigo discute epidemiologia, fisiopatologia,


discussion of epidemiology, diagnóstico e manejo da SC, as implicações sobre
Rowe et al.
diagnosis, management, and Inglês o bebê, o papel do enfermeiro na identificação
(2018)
nurses' role in early imediata da SC e as intervenções oportunas
identification and treatment necessárias para minimizar as sequelas.

Spatiotemporal distribution
O artigo constata que, apesar da existência de
analysis of syphilis in Brazil:
Silva et programas de controle e conscientização para
Cases of congenital and syphilis Inglês
al. (2022) ISTs, as medidas são ineficazes para diminuição
in pregnant women from 2001-
da incidência de SC no Brasil.
2017

Este artigo teve como objetivo descrever


matematicamente a relação entre os casos de SM
Stochastic Petri net model
e SC notificados no Brasil no intervalo de 2010 a
describing the relationship
Valentim et 2020, considerando a probabilidade de
between reported maternal and Inglês
al. (2022) diagnóstico e tratamento materno efetivo e
congenital syphilis cases in
oportuno durante o pré-natal, apoiando assim a
Brazil
tomada de decisão e a coordenação dos esforços
de resposta à sífilis.

O artigo promove uma análise do efeito da


Effect of the coverage of rapid
cobertura de testes rápidos na Atenção Básica
tests for syphilis in primary care Roncalli et
Inglês sobre a taxa de detecção de sífilis em gestantes
on the syphilis in pregnancy in al. (2021)
no Brasil, em municípios com mais de 100 mil
Brazil
habitantes.

A qualitative assessment of
structural barriers to prenatal O estudo avalia as barreiras estruturais ao acesso
Chan et al.
care and congenital syphilis Inglês e utilização de cuidados pré-natais e prevenção
(2021)
prevention in Kern County, da sífilis congênita em Kern County, CA.
California

O objetivo desta revisão é destacar o impacto da


Syphilis in pregnancy: the Uku et al. infecção por sífilis na gravidez e discutir as
Inglês
impact of "the Great Imitator" (2021) tendências atuais no diagnóstico e manejo da
sífilis materna e congênita.

Este estudo teve como objetivo analisar a


Outcomes of infants born to
Lim et al. manifestação e evolução da SC, incluindo
pregnant women with syphilis: Inglês
(2021) tratamento e seguimento, com base em um estudo
a nationwide study in Korea
nacional.

O estudo trata sobre a incidência da SC no Brasil


Spatial scenery of congenital e aborda doenças e agravos de notificação no
Seabra et
syphilis in Brazil between 2007 Inglês período de 2007 a 2018 de crianças de 0 a 23
al. (2022)
and 2018: an ecological study meses de idade e nascidas de mães residentes no
Brasil.

57
Estudo da série temporal ecológica usando taxas
Congenital syphilis in Brazil: de sífilis congênita em crianças menores de um
Rêgo et al.
distribution of cases notified Inglês ano de idade e vivendo nas capitais brasileiras. O
(2020)
from 2009 to 2016 modelo de regressão PRAIS-WIMSTEN foi
usado para avaliar a tendência.

Spatiotemporal clustering, O artigo tem como objetivo investigar a


social vulnerability and risk of Souza et al. distribuição espacial da sífilis congênita e sua
Inglês
congenital syphilis in northeast (2020) associação com índices de vulnerabilidade social
Brazil: an ecological study no nordeste do Brasil.

Spatial analysis of syphilis in


Estudo que aplica a análise espacial de casos de
pregnancy and congenital Soares et al.
Inglês sífilis na gravidez e sífilis congênita relatada no
syphilis in the state of Espírito (2020)
sistema de informação de doenças notificáveis.
Santo, Brazil, 2001-2018

Syphilis in pregnant women and


O artigo aborda análise retrospectiva dos dados
congenital syphilis: spatial
Oliveira et nacionais de vigilância (2007-2017) da sífilis
pattern and relationship with Inglês
al. (2020) adquirida e congênita (SC) emitida pela Diretoria
social determinants of health in
Geral de Epidemiologia.
Mato Grosso

Congenital syphilis as a O artigo promove análise acerca do número de


Bezerra et
measure of maternal and child Inglês casos e sua relação com epidemiologia e
al. (2019)
healthcare, Brazil marcadores socioeconômicos.

Diferenciais intraurbanos da O objetivo do estudo foi caracterizar casos


sífilis congênita: análise notificados de sífilis congênita no período de
preditiva por bairros do Reis et al. 2011 e 2014 no Rio de Janeiro, e analisar
Português
Município do Rio de Janeiro, (2018) possíveis associações entre a morbidade por
Brasil sífilis congênita e as condições de vida das
populações residentes nos bairros da cidade.

O artigo aborda diferentes orientações para sífilis


em gestantes e manejo clínico da sífilis
congênita, com a prevenção da transmissão
vertical do Treponema pallidum, além de
Brazilian protocol for sexually aspectos epidemiológicos e clínicos dessas
transmitted infections, 2020: Domingues infecções e recomendações para gestores no
Inglês
congenital syphilis and child et al. (2021) manejo da sífilis. Também inclui orientações
exposed to syphilis para profissionais de saúde na triagem,
diagnóstico, tratamento de pessoas com infecções
sexualmente transmissíveis e seus parceiros
sexuais, além de estratégias para ações de
vigilância, prevenção e controle da doença.

O artigo mostra que a sífilis é um problema de


saúde pública devido ao aumento de casos entre
2008 e 2018, apontando a necessidade de reforçar
Temporal trend of gestational as ações de vigilância, prevenção e controle de
syphilis between 2008 and 2018 infecção. Correlaciona o índice de sífilis
Dantas et
in Brazil: association with Inglês gestacional com fatores como Índice de
al. (2022)
socioeconomic and health care Desenvolvimento Humano Municipal, taxa de
factors analfabetismo, percentual de cobertura da
atenção primária à saúde e proporção de médicos,
enfermeiros e unidades básicas de saúde por
habitante.

58
Estudo observacional, que com base em dados
Mortality in children under 5 coletados no brasil de 2011 a 2017, mostrou que
years of age with congenital Paixao et de 93525 crianças com SC, 2476 morreram. O
Inglês
syphilis in Brazil: A nationwide al. (2023) estudo mostrou risco aumentado de mortalidade
cohort study entre crianças com SC que ultrapassam o
primeiro ano de vida.

No boletim epidemiológico da Secretaria de Sul, Rio Grande do Norte, Ceará, Tocantins,


Vigilância em Saúde, número especial de Roraima e Espírito Santo. Entre as capitais, 10
outubro de 2022, com dados coletados de 1999 apresentaram taxa de incidência de sífilis
até junho de 2022, foram notificados no SINAN congênita acima da média nacional. Foram elas:
293.339 casos de sífilis congênita em menores Porto Alegre, Recife, Natal, Rio de Janeiro,
de um ano de idade, dentre esses, mais de 40% Fortaleza, Aracaju, Maceió, Macapá, Salvador e
somente na região Sudeste. No ano de 2021, a Florianópolis.
taxa de incidência da SC entre menores de 1 ano Em análise de UF e suas capitais, 16 capitais
era de 9,9 casos a cada 1.000 nascidos vivos apresentaram uma incidência acima da média da
(NV), em contraste com 2011, quando menos de UF correspondente. Sendo assim, 59,2% das
4 casos/1.000 NV eram registrados. O aumento capitais tiveram uma taxa de incidência de SC
da incidência de SC que ocorreu a nível nacional acima das respectivas UF.
também é visto nas regiões, onde, liderando a Dentre os 10 estados que apresentaram uma
maior incidência de casos de SC em menores de incidência de SC em menores de 1 ano acima da
1 ano, está o Sudeste, seguido pelo Nordeste, média nacional, três também tinham o
Sul, Norte e Centro-Oeste. coeficiente de mortalidade infantil acima da
Além do aumento na incidência da SC em média nacional, sendo eles: Rio de Janeiro,
menores de 1 ano no Brasil, o coeficiente de Roraima e Sergipe.
mortalidade infantil por sífilis congênita passou Dentre os quase 300 mil casos de SC
de aproximadamente 3,5 casos/100.000 NV em notificados de 1999 até meados de 2022, 92,6%
2011 para 6,5 casos/100.000 NV em 2021, um foram classificados com sífilis congênita recen-
aumento de 85,7% em 10 anos. O coeficiente de te, 0,4% como sífilis congênita tardia, 3,8%
mortalidade infantil por SC do Brasil em 2021 como aborto por sífilis e 3,2% como natimorto
foi de 7 casos/100.000 NV, em análise, 10 por sífilis. A evolução do caso em 87% das
unidades da federação (UF) apresentaram um vezes foi “vivo”.
coeficiente acima da média nacional, logo, 37% Em análise das variáveis maternas selecio-
das UFs. Os estados que apresentaram o nadas, a faixa etária média foi de 20 a 29 anos
coeficiente acima da média nacional no boletim (53,9%), seguida de 15 a 19 anos (21,4%) e 30
epidemiológico de 2022 foram: Rio de Janeiro, a 39 anos (19,1%). Em 28% dos casos, a
Amapá, Amazonas, Roraima, Acre, Piauí, Mato variável de escolaridade materna foi ignorada,
Grosso, Sergipe, Goiás e Pará. em 22,8% dos casos a escolaridade materna era
Em 2021, a taxa de incidência média de 5ª a 8ª série incompleta e 13,3% apresen-
nacional de SC foi de 9,9 casos/1.000 NV, e 10 tavam ensino médio completo. Em relação à
UFs apresentaram uma incidência acima da raça materna, 56,3% eram pardas, 23,5%
média nacional. Foram eles: Rio de Janeiro, brancas e 9,7% pretas.
Amapá, Pernambuco, Sergipe, Rio Grande do
59
A época do diagnóstico de sífilis materna realizado com 2,4 milhões de UI 1 vez por
apresentou 52,9% durante o pré-natal, 34,3% semana (1,2 milhão de UI em cada glúteo), por
durante o parto/curetagem e 7,5% após o parto. um período de 3 semanas (OLIVEIRA et al.,
Já o esquema de tratamento materno 7,5% foi 2021). Para o controle da eficácia e avaliação da
considerado adequado, 51,4% inadequado, resposta imunológica ao tratamento da sífilis,
28,3% não realizado e 12,8% ignorado. deve-se dosar mensalmente com teste não
Uma variável materna que demanda maior treponêmico (VDRL).
análise é a realização do pré-natal. No ano de A gestante infectada pela sífilis pode
2018, 81,7% das gestantes que tiveram filhos transmitir a espiroqueta do Treponema pallidum
com SC confirmada fizeram o pré-natal. Já no da corrente sanguínea para o concepto via
ano de 2022, esse percentual se alterou para transplacentária ou por contato com lesão
79,5%. vaginal durante o parto, via transmissão vertical
Um ponto que deve ser colocado em pauta (CAVALCANTE et al., 2019). A transmissão
são métodos para adesão do tratamento, tendo ocorre majoritariamente em pacientes que não
em vista que a qualidade do diagnóstico tem se realizaram o pré-natal, portanto, não foram
provado eficaz, representada por 52,9% do submetidos ao teste para sífilis ou não
diagnóstico durante o pré-natal e pelos 79,5% de receberam o tratamento adequado para a sífilis.
realização do pré-natal em gestantes que É importante destacar que a transmissão pode
tiveram filhos com SC confirmada. A ineficácia ocorrer em qualquer fase gestacional ou estágio
do tratamento, identificada em 51% dos casos, e da doença materna, mas ocorre comumente no
os 28% que não o realizaram alertam para a período fetal precoce, entre 14 e 16 semanas de
necessidade de melhorar a adesão a este, com o gestação, quando as espiroquetas do T. pallidum
apoio de uma equipe multidisciplinar que possa são capazes de ultrapassar as camadas do saco
abordar a gestante de maneira adequada, a fim amniótico e infiltrar no feto em desenvolvimen-
de garantir a execução inequívoca do tratamento to (ROWE et al., 2018). Após a infecção, ocorre
(BRASIL, 2022). a disseminação, podendo afetar múltiplos
Na gestação, a sífilis pode ocasionar diversas órgãos e sistemas.
complicações. Dentre elas, pode-se citar: abor- Os infantes podem apresentar sinais e
tamento, prematuridade, manifestações congê- sintomas ou serem assintomáticos. A doença
nitas precoces ou tardias e morte do recém- possui um espectro clínico amplo e pode ser
nascido (BRASIL, 2022). Para confirmação dividida didaticamente em duas categorias:
diagnóstica da sífilis gestacional, é preciso de precoce e tardia (DOMINGUES et al., 2021). A
um teste treponêmico e um teste não trepo- SC precoce é identificada aos 3 meses de idade,
nêmico reagentes. Na gestação, basta um teste mas os sintomas podem aparecer até 2 anos. As
reagente para sífilis, sendo treponêmico ou não, características típicas dessa categoria são
para iniciar o tratamento imediatamente organomegalia, como hepatoesplenomegalia,
(BRASIL, 2022). anemia, icterícia, trombocitopenia, lesões mu-
O tratamento de escolha da sífilis gestacional cocutâneas, edema generalizado, rinite se-
é realizado com benzilpenicilina benzatina, na rossanguínea, linfadenopatia, anormalidades
dose total de 7.200.000 unidades internacionais ósseas, lesões maculopapulares e anormalidades
(UI), aplicada via intramuscular, preferencial- em olhos, nariz e orelhas, além de sintomas
mente na região ventro-glútea. O esquema é como irritabilidade, dificuldades no desenvolvi-
60
mento e dificuldade de alimentação (ROWE et o líquor deve ser avaliado a cada 6 meses em
al., 2018). O não tratamento da SC precoce pode crianças que apresentarem neurossífilis, até que
levar à SC tardia, que é associada a inflamação haja sua normalização. De acordo com
persistente da infecção inicial, incluindo características clínicas, realiza-se exames como
sintomas de rinite, vasculite, anormalidades hemograma, plaquetas, avaliação de função
neurológicas e musculoesqueléticas (DOMIN- hepática, pancreática, renal, eletrolítica, radio-
GUES et al., 2021). grafia de ossos longos, radiografia de tórax e
O diagnóstico tardio e a falta de diagnóstico neuroimagem (BRASIL, 2022).
podem ocasionar danos em diversos órgãos, O tratamento da sífilis congênita e de
como coração e cérebro, podendo assim ocorrer crianças expostas à sífilis no período neonatal é
complicações como convulsões, paralisias, realizado com benzilpenicilina, podendo ser
deformidades que resultam em imobilidade, potássica/cristalina, procaína e benzatina
restrições de crescimento, perda auditiva, (DOMINGUES et al., 2021). Tal fato é depen-
cegueira e morte (ROWE et al., 2018). Tais dente de fatores como tratamento materno
aspectos reforçam a importância do diagnóstico durante a gravidez, titulação apresentada no
precoce e do tratamento imediato, além do teste não treponêmico da criança comparado ao
acompanhamento da evolução da doença. materno e exames clínicos e laboratoriais da
A avaliação inicial para SC parte da suspeita criança (BRASIL, 2022).
de infecção vertical. Assim, filhos de mães com Na maternidade, deve ser realizado o teste
sífilis não tratada ou tratada de maneira indevida rápido de sífilis em todas as gestantes e nas
devem sempre ser avaliados minuciosamente. A mulheres em abortamento. Caso o teste rápido
primeira parte da avaliação consiste em coleta seja não reagente, não há necessidade de
de histórico materno de sífilis, tratamento e condutas para gestante ou para a criança. Se o
seguimento na gestação, seguida por avaliação teste rápido for reagente, é preciso realizar a
dos sinais e sintomas da criança, que costumam avaliação do histórico de tratamento de sífilis da
estar ausentes ou ter características inespecí- gestante.
ficas, em associação a um teste não treponêmico Considera-se o tratamento adequado quando
de sangue periférico do infante comparado com o uso de benzilpenicilina benzatina for iniciado
um teste materno. até 30 dias antes do parto. Qualquer outra
O diagnóstico de SC deve partir de análise situação será enquadrada em tratamento ina-
clínica, epidemiológica e laboratorial, tendo em dequado.
vista que não há exame complementar que Mesmo se a mãe houver sido tratada
precise o diagnóstico sozinho. Portanto, é adequadamente na gestação, deve-se realizar o
preciso realizar a investigação com uma bateria teste não treponêmico (TNT) sérico materno e
de exames complementares para identificar no recém-nascido. Quando o resultado do teste
possíveis alterações. O teste não treponêmico for pelo menos duas diluições maior que o
deve ser realizado com 1, 3, 6, 12 e 18 meses de materno, é preciso notificar a sífilis congênita e
idade e interrompido apenas após dois testes não o tratamento é definido como uma criança
reagentes consecutivos. O esperado é que os nascida de mãe não adequadamente tratada.
testes não treponêmicos involuam aos 3 meses Caso o resultado não seja duas diluições maior
de idade e que sejam não reagentes aos 6 meses, que o materno, e o exame físico da criança não
se realizado tratamento condizente. Outrossim, apresentar alterações, não há necessidade de
61
tratamento imediato. Quando houver qualquer zando os testes de sífilis. Recomenda-se realiza-
alteração do exame físico e o TNT for reagente, ção de consultas oftalmológica, audiológica e
notifica-se o SINAN e trata-se conforme o neurológica semestrais em um período de 2
protocolo para mães tratadas de maneira anos, avaliando possíveis anomalias e desenvol-
inadequada. Caso o exame físico tenha vimento neuropsicomotor (BRASIL, 2022).
alterações, porém o TNT não seja reagente, O risco da sífilis está intimamente associado
deve-se realizar a avaliação para STORCH a disparidades étnicas, baixo status socioeco-
(sífilis, toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus nômico, práticas sexuais sem proteção e pré-
e herpes vírus). natal insuficiente ou falta deste devido ao acesso
Quando a mãe não foi tratada adequa- limitado à saúde (ROWE et al., 2018). Dessa
damente durante a gestação, deve-se notificar forma, a prevenção da sífilis envolve diagnós-
no SINAN para sífilis congênita e realizar o tico precoce, tratamento efetivo da doença,
TNT sérico na mãe e no recém-nascido ao tratamento de parceiros, além de medidas
mesmo tempo. Além disso, é preciso realizar sociais, a partir da educação em saúde, educação
exames complementares no recém-nascido sexual e identificação de fatores de risco (UKU
(hemograma completo, glicemia, RX de ossos et al., 2021).
longos e coleta de líquor). Em crianças de mães
não tratadas, com exame físico normal e teste CONCLUSÃO
não treponêmico não reagente ao nascimento, Frente aos inúmeros problemas de saúde
com exames complementares nor-mais, pode atuais, conclui-se, através desta análise, que a
ser realizada como opção terapêutica a sífilis congênita é uma doença que requer
benzilpenicilina benzatina, dose única intramus- grande atenção devido ao crescimento da taxa
cular, com 50.000 UI/kg. de detecção em gestantes e ao aumento do
Quando o exame físico ou laboratorial número de casos no Brasil, visto que, no ano de
obtiver alterações ou o TNT for reagente, deve- 2021, a taxa de incidência da SC entre menores
se realizar a coleta do líquido cefalorraquidiano de 1 ano era de 9,9 casos a cada 1.000 NV, em
(LCR), com a conduta seguinte baseada no contraste com 2011, onde menos de 4 casos/
resultado deste. Sendo o resultado do líquor 1.000 NV eram registrados, sendo a região de
anormal, o medicamento de escolha para maior incidência a Sudeste.
crianças com sífilis congênita que apresentam Destaca-se, nos aspectos epidemiológicos,
neurossífilis é a benzilpenicilina cristalina por maior prevalência da enfermidade em gestantes
10 dias, com internação. Caso o resultado do mais jovens, solteiras, negras ou pardas e com
líquor seja normal, considera-se criança com menor nível de escolaridade. Os dados
sífilis congênita sem neurossífilis. Portanto, coletados revelam que a SC é, além de ser um
pode ser tratada com benzilpenicilina procaína desafio de saúde pública, uma pauta social
sem internação, via intramuscular por 10 dias ou (COSTA, 2022).
com benzilpenicilina potássica/cristalina, via Além do aumento na incidência da SC em
intravenosa na internação. menores de 1 ano no Brasil, o coeficiente de
O seguimento da criança com sífilis mortalidade infantil por sífilis congênita
congênita deve ser realizado na puericultura, a também aumentou. Os estados que apresen-
partir da avaliação rotineira, atentando-se para taram o coeficiente acima da média nacional no
sinais sugestivos da sífilis congênita e reali-
62
boletim epidemiológico de 2022 foram: Rio de O seguimento não adequado da SC e a falta
Janeiro, Amapá, Amazonas, Roraima, Acre, de diagnóstico podem ocasionar danos em
Piauí, Mato Grosso, Sergipe, Goiás e Pará. diversos órgãos, como coração, cérebro, levan-
Dentre os dez estados, três tinham o coeficiente do a complicações sistêmicas e deformidades
de mortalidade infantil acima da média (ROWE et al., 2018). Tais aspectos reforçam a
nacional, sendo eles: Rio de Janeiro, Roraima e importância do diagnóstico precoce, tratamento
Sergipe. imediato com benzilpenicilina (DOMINGUES
Os métodos de incentivo para adesão ao et al., 2021) e acompanhamento clínico durante
tratamento foram mais eficazes na qualidade de a puericultura, além do acompanhamento da
tratamento e diagnóstico, representado por evolução da doença em unidades de atenção
52,9% dos diagnósticos durante o pré-natal e primária. Ademais, medidas relacionadas à
pelos 79,5% de realização do pré-natal em educação sexual e estímulo da prevenção e
gestantes que tiveram filhos com SC confirma- capacitação dos profissionais de saúde são
da, mostrando a importância de uma equipe necessárias para uma melhor ação frente à SC
multidisciplinar que garanta um bom trata- (UKU et al., 2021).
mento.

63
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65
CAPÍTULO 8

TUBERCULOSE PULMONAR:
TRATAMENTO FARMACOLÓGICO E A
CONTRIBUIÇÃO DO PROFISSIONAL
FARMACÊUTICO

EDUARDA RENATA MUCHAK¹


MAYARA GABRIELLE DOS SANTOS¹
ANGELA REKSIDLER BRAGA2

1. Discente – Farmácia do Centro Universitário Santa Cruz de Curitiba.


2. Docente – Farmácia do Centro Universitário Santa Cruz de Curitiba.

PALAVRAS-CHAVE
Tuberculose; Atenção farmacêutica; Mycobacterium tuberculosis.

66

10.59290/978-65-6029-012-9.8
INTRODUÇÃO profissional farmacêutico possui uma vasta
A tuberculose (TB) é uma doença importância no combate à TB, visto que é o
infectocontagiosa causada pela micobactéria profissional qualificado para acompanhar o
Mycobacterium tuberculosis (Mtb), também paciente durante o tratamento farmacológico,
denominada bacilo de Koch, responsável por auxiliando no uso do medicamento e avaliando
acometer principalmente os pulmões. A sua eficácia, efeitos adversos e interações
principal forma de transmissão da doença é medicamentosas com alimentos e outras drogas
através das vias aéreas com a inalação de (BORGES et al., 2021). A prática da atenção
gotículas contaminadas com o bacilo de Koch farmacêutica possibilita ao farmacêutico intera-
(SILVA et al., 2020). A doença está presente na gir diretamente com o paciente, estando apto
humanidade há milhares de anos, sendo para atender às suas necessidades relacionadas
encontrados relatos em análises arqueológicas aos medicamentos, realizando o acompanha-
de múmias, entretanto, o agente causador foi mento farmacoterapêutico e o uso racional de
descoberto há cerca de um século (NICOLETTI medicamentos (COSTA et al., 2021),
et al., 2020). contribuindo, inclusive, na adesão do paciente a
Os casos de TB, em 2015, ultrapassaram os terapia farmacológica e, consequentemente, na
de síndrome da imunodeficiência adquirida prevenção da disseminação de bactérias
(AIDS) (NICOLETTI et al., 2020). No ano de resistentes a antibióticos.
2015, cerca de 10,4 milhões de pessoas Portanto, este estudo possui o objetivo de
desenvolveram a TB no mundo todo. Dentre realizar um estudo de revisão sobre a TB e a
estas, 580 mil na forma da TB multirresistente atenção farmacêutica prestada aos pacientes
(TB MDR) ou TB resistente à rifampicina (TB com TB pulmonar.
RR), sendo que 1,4 milhões de pessoas
morreram da doença. O Brasil faz parte dos 30 MÉTODO
países de alta carga para TB e TB-HIV Trata-se pesquisa bibliográfica do tipo
(BRASIL, 2019). No Brasil, em 2022, foram narrativa e de natureza descritiva e explicativa,
contabilizados 78.057 novos casos de pessoas utilizando o método de pesquisa bibliográfica,
com TB (36,6 casos por 100 mil habitantes), pela possibilidade de analisar referências
superando os anos anteriores (BRASIL, 2023). publicadas em estudos já realizados. Portanto,
Uma grande preocupação em relação à TB é esta pesquisa visa analisar a TB pulmonar, o
a resistência medicamentosa, que está bacilo Mtb, assim como a contribuição do
aumentando exponencialmente. Estudos mos- profissional farmacêutico no combate e no
tram que a resistência está relacionada a fatores tratamento farmacoterapêutico da TB.
como tratamento inadequado, uso irregular dos Para a busca de artigos foram utilizadas as
medicamentos, dificuldade de acesso aos bases bibliográficas PubMed, SciELO e Google
serviços de saúde, baixa adesão à terapia Acadêmico. Os critérios de inclusão foram:
farmacológica e abandono do tratamento artigos publicados, em sua maior parte, nos anos
(BRASIL, 2019; OLIVEIRA et al., 2021). de 2015 a 2023, nos idiomas português e inglês,
A TB ainda se configura como um problema que abordavam as temáticas propostas para esta
de saúde pública mundial, exigindo aprimora- pesquisa e disponibilizados na íntegra. Na
mento de estratégias para o seu controle. O busca, foram utilizados os descritores:

67
Mycobacterium tuberculosis, tuberculose, me- majoritariamente por ácidos micólicos (ácidos
dicamentos antituberculosos e atenção farma- graxos de cadeia longa) que formam uma
cêutica. Os critérios de exclusão foram: artigos barreira hidrofóbica que lhe resulta em uma
duplicados, disponibilizados na forma de resistência à dessecação, descoloração por
resumo, que não abordavam diretamente a álcool-ácido, agentes químicos e aos antibió-
proposta estudada e que não atendiam aos ticos. Embora seja raramente corado pelo
demais critérios de inclusão. método de gram, é tido como uma bactéria
Os resultados foram apresentados de forma gram-positiva por conta das características de
descritiva, divididos em categorias temáticas sua parede celular (COELHO et al., 2006). A
abordando: TB, Diagnóstico da TB pulmonar, bactéria da TB é definida como um bacilo
Tratamento farmacológico da TB pulmonar, imóvel, sendo reto ou então ligeiramente curvo,
Isoniazida, Rifampicina, Pirazinamida, Etam- não encapsulado, não esporulado, medindo de 1
butol, Resistência bacteriana aos fármacos de a 10 µm de comprimento por 0,2 a 0,6 µm de
primeira linha no tratamento da TB pulmonar e largura (GRATÃO et al., 2021).
fatores associados e a Contribuição do farma- O gênero Mycobacterium pertence à família
cêutico no tratamento efetivo da TB pulmonar. Mycobacteriaceae, que compreende mais de
100 espécies. A espécie Mtb é responsável por
RESULTADOS E DISCUSSÃO cerca de 98,5% dos casos de infecção de TB
Tuberculose (MASSABNI et al., 2019).
Segundo a Organização Mundial de Saúde A TB pulmonar é a forma mais comum da
(OMS), a TB é considerada uma das principais doença, porém, outras formas podem ser
causas de problemas de saúde e mortes ao redor desenvolvidas. A TB extrapulmonar pode afetar
do mundo. A doença era a principal causa de os gânglios linfáticos, cavidade pleural, regiões
morte por consequência de um único agente osteoarticular, cutânea, abdominal, linfática e
infeccioso até a chegada da pandemia de Covid- meningoencefálica e atinge cerca de 15 a 20%
19 (WHO, 2022). de todos os casos da doença (MASSABNI et al.,
Acredita-se que o gênero Mycobacterium 2019).
tenha se originado há mais de 150 milhões de
anos e estima-se que entre 15 e 20 mil anos atrás Diagnóstico da TB pulmonar
o ancestral comum do Mtb possa ter surgido e Os testes mais empregados para o
desde então o Mtb encontra-se frequentemente diagnóstico da TB pulmonar são a baciloscopia
na humanidade (MASSABNI et al., 2019). O e a cultura de escarro (MALACARNE et al.,
bacilo de Koch, em encontro com a espécie 2019). A baciloscopia constitui a técnica de
humana, desenvolveu adaptações para uma identificação mais utilizada no mundo, após
melhor adequação ao seu novo hospedeiro, o coloração específica que possibilita a visualiza-
homem. Encontrou nos pulmões um microecos- ção do bacilo e permite detectar de 60 a 80% dos
sistema conveniente para a sua sobrevivência, casos de TB pulmonar (COSTA et al., 2018).
um ambiente úmido, quente, arejado e sombrio Embora seja um método rápido e de baixo custo,
(BERTOLLI FILHO, 2001). sua sensibilidade varia de 40 a 60% e pode ser
O bacilo Mtb é Álcool-Ácido Resistente menor em pacientes com coinfecção por HIV.
(BAAR), e sua parede celular é constituída Para otimizar os resultados, são recomendadas
duas a três amostras de escarro, com pelo menos
68
uma coleta no início da manhã e um volume baixa especificidade diagnóstica, a radiografia é
ideal de 5-10 mL. A microscopia de fluores- útil na definição da forma de apresentação, na
cência e centrifugação/sedimentação do escarro avaliação de comorbidades e na evolução
pode aumentar a sensibilidade da baciloscopia durante o tratamento (SILVA et al., 2021).
(SILVA et al., 2021).
A cultura do escarro é considerada padrão- Tratamento farmacológico da TB
ouro para o diagnóstico da TB, podendo ser pulmonar
realizada em meio sólido ou líquido. Além de O tratamento da TB tem como propósito a
detectar o Mtb, oferece a relação de sensibi- cura e a redução da transmissão da doença. Os
lidade a certos antibióticos. Esse método deve medicamentos antituberculosos, para serem
ser feito em todos os casos de suspeita de mais efetivos, devem possuir a competência de
tuberculose, mesmo com teste rápido molecular restringir os bacilos de Koch, para interromper
(TRM-TB) negativo, persistência de sintomas e a transmissão da doença e prevenir a seleção de
resistência à rifampicina (RONDON et al., cepas resistentes aos medicamentos (RABA-
2022). O processo de cultivo de micobactérias HI et al., 2017). Os medicamentos considerados
para diagnóstico de tuberculose passa por cinco agentes de primeira linha para o tratamento da
etapas: pré-tratamento, fluidificação e descon- TB são: isoniazida, rifampicina, pirazinamida e
taminação, semeadora, incubação e leitura do etambutol.
resultado (COSTA et al., 2018). Detecta entre No Brasil, os medicamentos para o trata-
70 e 90% dos casos e apresenta praticamente mento da TB são gratuitos e disponibilizados no
100% de especificidade, entretanto, as culturas Sistema Único de Saúde (SUS). Atualmente, o
em meio sólido devem ser incubadas a 37 °C e esquema de tratamento é padronizado, sendo
observadas semanalmente até o aparecimento utilizado por um período de seis meses. O
de colônias, podendo levar de 14 a 60 dias para tratamento é realizado em duas fases: a fase
obtenção do diagnóstico (MALACARNE et al., intensiva (ataque), que corresponde a dois
2019). meses de tratamento e tem o objetivo de
A fim de diminuir o tempo do diagnóstico e diminuir a maior quantidade de bacilos
também do início do tratamento, a OMS possíveis, e a fase de manutenção, que visa
aprovou e recomendou a implantação do teste eliminar os bacilos latentes ou persistentes e
rápido molecular (TRM). O Xpert MTB/RIF é diminuir as chances da doença reaparecer, esta
uma técnica baseada na amplificação de fase possui duração de quatro meses (BRASIL,
recebimento nucleicos para a detecção do DNA 2019).
dos bacilos do complexo Mtb e triagem de cepas O esquema básico padronizado é utilizado
resistentes à rifampicina. Está indicado para o para todas as formas da doença, pulmonar e
diagnóstico de casos novos de TB pulmonar e extrapulmonar, exceto em pacientes com me-
laríngea em adultos e adolescentes, com ningoencefálica e osteoarticular. Em crianças
sensibilidade em torno de 90%. No Brasil acima de 10 anos e adultos com a doença ativa
recebeu a denominação de TRM-TB (SILVA et e sem suspeita clínica de resistência aos
al., 2021). antibióticos, deve ser aplicado o esquema básico
Na TB, a radiografia de tórax é o método de (BRASIL, 2019).
escolha devido a facilidade de execução, baixo Nos primeiros dois meses de fase intensiva
custo e baixa dose de radiação. Embora tenha são utilizados comprimidos em doses fixas
69
combinadas (DFC) de rifampicina-isoniazida- atividade e resulta no empecilho da conversão
pirazinamida-etambutol (rifampicina: 150 mg, do pró-fármaco para o seu metabólito ativo
isoniazida: 75 mg, pirazinamida: 400 mg, (ARBEX et al., 2010).
etambutol: 275 mg). Após o término desta fase, O medicamento isoniazida é um inibidor das
entra a fase de manutenção, sendo quatro meses famílias CYP2C9, CYP2C19 e CYP2E1 do
com o esquema de rifampicina-isoniazida sistema citocromo P450 (CYP450) e possui um
(BRASIL, 2019; RABAHI et al., 2017). efeito mínimo na família CYP3A. Em
Em casos de TB em crianças menores de 10 recorrência a esta ação inibidora, pode elevar a
anos, o tratamento é realizado com três concentração plasmática de certos medicamen-
medicamentos, na fase intensiva: rifampicina- tos em níveis tóxicos. Fenitoína e carbama-
isoniazida-pirazinamida; na fase de manuten- zepina podem ter suas concentrações plasmá-
ção: rifampicina-isoniazida (BRASIL, 2019). ticas ampliadas com uso da isoniazida, o que
Convencionou-se desta forma para o menor também pode ocorrer com diazepam, triazolam,
risco de desenvolvimento de resistência à teofilina, ácido valpróico, dissulfiram, aceto-
isoniazida para pacientes infantis, que normal- minofeno e anticoagulantes orais. Além destes
mente possuem uma menor carga bacilar. medicamentos, o uso da isoniazida com
Também é considerado o risco de alterações levodopa pode ocasionar hipertensão, palpita-
visuais que são causadas pelo uso do medica- ções e rubor facial (ARBEX et al., 2010).
mento etambutol (RABAHI et al., 2017).
Os medicamentos utilizados possuem uma Rifampicina
grande eficácia no tratamento farmacológico, A rifampicina é o fármaco mais importante
entretanto, os fármacos aplicados podem pro- no tratamento da TB, sendo utilizado desde
duzir interações medicamentosas indesejáveis 1966. O mecanismo de ação da droga acontece
entre si e com outros medicamentos que estão inibindo a transcrição gênica do Mtb, liga-se na
em uso pelo paciente, podendo interferir nas subunidade beta da RNA polimerase DNA
concentrações séricas dos medicamentos dependente, impossibilitando a síntese de RNA
alterando assim a sua eficácia (ARBEX et al., mensageiro e diminuindo a síntese de proteínas
2010). da bactéria (ARBEX et al., 2010; CETRAN-
GOLO, 2018).
Isoniazida A maioria dos casos de resistência à
Utilizada desde 1952, é um dos fármacos rifampicina ocorre por mutações no gene rpoB,
mais importantes no tratamento da TB. É uma que codifica a para a subunidade beta da RNA
pró-droga que requer ser biotransformada por polimerase, resultando em alterações que
meio da enzima catalase-peroxidase (KatG) diminuem a sua afinidade ao fármaco ocorrendo
dentro do Mtb para atividade bactericida, a resistência a droga (CETRANGOLO, 2018).
produzindo radicais reativos de oxigênio (su- A rifampicina é um grande indutor do
peróxido, peróxido de hidrogênio e peroxi- CYP450, incluindo as subfamílias CYP3A e
nitrato) e radicais orgânicos que possuem o CYP2C. O fármaco pode aumentar o metabo-
objetivo de inibir a formação do ácido micólico, lismo de inúmeros medicamentos que são
do qual é um componente essencial da parede da metabolizados pelo CYP450 se utilizados de
bactéria. A resistência à isoniazida se dá através forma concomitante. Ocorre interação entre a
de mutações na KatG, o que minimiza a sua rifampicina e a enzima UDP-glicuroniltrans-
70
ferase, o mesmo induz esta enzima fazendo com xicidade. Em casos de pacientes em tratamento
que vários medicamentos possam ter seus níveis de gota, o medicamento pirazinamida pode
plasmáticos reduzidos quando administrados aumentar a concentração do ácido úrico, sendo
juntos (ARBEX et al., 2010). necessária uma avaliação de análise para um
Pacientes com diabetes mellitus, câncer e possível ajuste nas doses de alopurinol e
AIDS que são acometidos pela doença sofrem colchicina (ARBEX et al., 2010).
um agravamento durante o tratamento, visto que
os medicamentos antirretrovirais e hipoglice- Etambutol
miantes orais interagem com os medicamentos Sendo utilizado no tratamento da TB desde
do esquema de tratamento, sobretudo com a 1966, o etambutol é um fármaco bacteriostático
rifampicina (ROCHA et al., 2015). que possui ação contra multiplicação dos
bacilos por interferir na biossíntese do
Pirazinamida componente arabinogalactana da parede celular
A pirazinamida foi introduzida no tratamento da Mtb (PALOMINO et al., 2014). A droga
da TB em 1952. É uma droga derivada do ácido inibe a enzima arabinosil transferase, que media
nicotínico e possui uma forte ação esterilizante a polimerização de arabinose para arabinoga-
em meio ácido no interior dos macrófagos e nas lactano (BARBOSA et al., 2023). A resistência
zonas de inflamação aguda (ARBEX et al., do etambutol tem sido associada às mutações do
2010). Quando incluída no esquema de trata- gene embB que codifica a enzima arabinosil
mento da TB, houve redução no tempo de transferase (PALOMINO et al., 2014).
tratamento de doze meses para seis me- O uso de antiácidos com o etambutol pode
ses (LIMA et al., 2011). resultar em uma redução de 28% na
O seu mecanismo de ação ainda não é concentração do fármaco. Em uso concomitante
completamente conhecido, entretanto, acredita- com a etionamida, pode ficar intensificado aos
se que o composto entre no bacilo passivamente, efeitos tóxicos da droga (ARBEX et al., 2010).
sendo convertido em ácido pirazinóico através As reações adversas ou interações dos
da ação da enzima pirazinamidase. O ácido fármacos utilizados na TB podem alterar o
pirazinóico se concentra no citoplasma da tratamento ou até mesmo levar à descontinuação
bactéria, o que resulta em uma diminuição do da terapêutica. As reações adversas estão
pH intracelular até ocorrer a inativação das relacionadas a vários fatores, como dose, horá-
enzimas, que são necessárias para a formação de rios administrados dos fármacos, idade, estado
lipídeos da bactéria (BARBOSA et al., 2023). nutricional, doenças ou disfunções preexisten-
A resistência à pirazinamida acontece por tes. As reações adversas podem resultar na
mutações no gene pnc, que codifica a enzima desistência no tratamento, entretanto, esta
nicotinamidase/pirazinamidase, tornando-a ina- atitude pode trazer sérias consequências como
cessível e impedindo a transformação da resistência adquirida, falência do tratamento,
pirazinamida em sua forma ativa, o ácido aumento dos casos da doença e morte (ARBEX
pirazinóico (ARBEX et al., 2010). et al., 2010).
Rifampicina, isoniazida, probenecida e Um estudo realizado por Vieira et al. (2018)
etionamida são medicamentos que podem constatou a necessidade de levar conhecimento
resultar na potencialização dos efeitos tóxicos aos pacientes em relação às possíveis reações
da pirazinamida, como, por exemplo, hepatoto- adversas que podem ocorrer durante o
71
tratamento e as consequências da interrupção do - TB MDR: o bacilo é resistente à rifampicina
mesmo. e isoniazida, os dois medicamentos mais
Quando o tratamento da doença é su- importantes no tratamento da TB (BRASIL,
pervisionado de forma adequada as taxas de 2019; RABAHI et al., 2017);
abandono diminuem e resultam em ótimos - TB RR: resistência ao fármaco rifampicina
resultados, pois permite uma ação corretiva identificada através do TRM-TB (BRASIL,
imediata, se necessário, ao identificar a tentativa 2019; RABAHI et al., 2017).
de abandono do tratamento (VIEIRA et al., O uso inadequado dos fármacos de primeira
2018). linha para o tratamento da TB contribui de
forma direta para surgimento de bactérias
Resistência bacteriana aos fármacos de resistentes a um ou mais fármacos. O abandono
primeira linha no tratamento da TB do tratamento muitas vezes ocorre pela melhora
pulmonar e fatores associados da sintomatologia clínica, que dá a falsa
A resistência bacteriana aos fármacos tem sensação ao paciente de que ele está curado no
contribuído para o aumento de óbitos e o início do tratamento, porém o paciente continua
reaparecimento da TB. As principais causas doente e não deixa de ser fonte de contágio
para o desenvolvimento da resistência envol- (NICOLETTI et al., 2020; BARRETO, 2022).
vem tratamento inadequado, dificuldades de Após a adesão ao tratamento farmacológico, a
acesso aos serviços de saúde, baixa adesão ao transmissão e os sintomas da doença tendem a
tratamento e a vulnerabilidade do sistema de diminuir gradualmente em dias, entretanto, com
saúde do Brasil para manejar os casos de a repentina melhora, os pacientes acreditam
TB (OLIVEIRA et al., 2021). estar curados e abandonam o tratamento e,
Souza et al. (2017) identificaram os princi- consequentemente, contribuem para o desenvol-
pais fatores associados à dificuldade de adesão vimento de bacilos resistentes (POERSCH et
ao tratamento e que contribuem para o al., 2021). Além disso, o abandono do tratamen-
abandono da terapia: falta de informação do to também pode resultar no reaparecimento da
paciente e dos familiares, uso de álcool e drogas TB, dificultando o processo de cura e elevando
ilícitas, barreiras sociais, econômicas, culturais, o tempo e o custo do tratamento (BARRETO,
demográficas e cultural, escolaridade e proble- 2022).
mas relacionados aos fármacos.
Os casos de resistência são classificados com Contribuição do farmacêutico no
relação à sensibilidade do Mtb às medicações de tratamento efetivo da TB pulmonar
primeira e segunda linha: A associação medicamentosa adequada,
- TB monorresistente: o bacilo é resistente a doses corretas e uso por tempo suficiente, com
um fármaco do tratamento da TB de primeira supervisão da tomada dos medicamentos, são os
linha; meios para evitar a persistência bacteriana e o
- TB polirresistente: ocorre quando o bacilo desenvolvimento de resistência às drogas, asse-
é resistente a mais de um fármaco do tratamento gurando, assim, a cura do paciente (CHIRINOS
de primeira linha (com exceção da isoniazida e & MEIRELLES, 2011).
rifampicina sendo considerado multirresis- O farmacêutico, como profissional, constitui
tência) (RABAHI et al., 2017); uma peça muito importante no combate à TB,
dispensando e orientando os pacientes quanto à
72
medicação a ser utilizada, prestando a chamada e dos seus esquemas terapêuticos para orientar
atenção farmacêutica aos pacientes, auxiliando- o paciente, auxiliando-o no longo período de
os quanto à administração correta e forma de tratamento, assistindo-o e fortalecendo o vín-
armazenamento dos fármacos, possíveis intera- culo farmacêutico-paciente durante a prestação
ções farmacológicas e com alimentos, apoiando das ações da atenção farmacêutica. Dessa
no reconhecimento de reações adversas a fim de forma, o farmacêutico tem papel estratégico na
manter a adesão ao tratamento. Assim, o melhora dos sintomas e no processo de cura do
profissional reduz o possível abandono da paciente com TB (BORGES et al., 2021).
terapêutica, contribuindo, dessa forma, com a Entretanto, para que todo esse processo se torne
redução do número de contágios e combatendo possível, é imprescindível que o profissional
o surgimento da resistência bacteriana (NICO- seja consciente de suas atribuições e capaci-
LETTI et al., 2020). dades e se mantenha constantemente atualizado
A atenção farmacêutica é um conjunto de e qualificado (NICOLETTI et al., 2020). Os
medidas promovidas por um farmacêutico, em farmacêuticos devem ter ciência do impacto que
colaboração com outros profissionais de saúde, podem ter na educação do público sobre esta
como prestador responsável do tratamento doença.
medicamentoso, proporcionando a farmacote-
rapia racional e alcançando resultados concretos CONCLUSÃO
na busca por melhores resultados clínicos para O uso inadequado dos fármacos de primeira
proporcionar uma melhoria da qualidade de vida linha para o tratamento da TB pulmonar
deste usuário. O farmacêutico presta informa- contribui de forma direta para o desenvol-
ções e orientações e educa sobre o uso dos vimento de bacilos resistentes a um ou mais fár-
medicamentos (COSTA et al., 2021; ARAÚJO macos, além de favorecer o contágio da doença,
et al., 2023). prolongar o processo de cura e aumentar os
Através do trabalho do farmacêutico, pode- custos do tratamento.
se melhorar a adesão do tratamento, reduzir A falta de adesão ou abandono do tratamento
custo do sistema de saúde, monitorar tanto e a carência de informações dos pacientes em
interações medicamentosas quanto reações relação aos medicamentos e em relação à
adversas e proporcionar o uso racional de própria doença representam um desafio no
medicamentos (GIACOMETTI et al., 2021), controle da TB. Neste sentido, os farmacêuticos
além de contribuir no combate à resistência podem ser atores-chave na prevenção e trata-
medicamentosa e na redução do contágio. Clark mento da TB promovendo, através de ações de
et al. (2007) demonstraram que a adesão dos atenção farmacêutica, a melhora na adesão
pacientes ao tratamento da TB melhorou quando farmacológica, avaliando os pacientes quanto
um farmacêutico forneceu educação ao paciente aos fatores de risco para doença resistente,
sobre o uso de medicamentos. fornecendo informações sobre controle e
A atuação do profissional farmacêutico é prevenção da doença e monitorando eficácia,
essencial para o combate a esta crescente efeitos adversos e interações medicamentosas.
problemática apresentada, para isso é necessário
que o farmacêutico tenha conhecimento da TB

73
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75
CAPÍTULO 9

DIAGNÓSTICO E ABORDAGEM AO
PORTADOR DO VÍRUS DA
IMUNODEFICIÊNCIA HUMANA (HIV)
MARIA ALICE DA SILVA GONÇALVES COSTA¹
ATHOS GUIMARÃES SOARES¹
LUIZ FILIPE CARVALHO SILVA1
SARA MONTEIRO DE MOURA1

1. Discente – Medicina do Centro Universitário de Caratinga – UNEC.

PALAVRAS-CHAVE
HIV; Síndrome da imunodeficiência adquirida; Imunossupressão.

76
10.59290/978-65-6029-012-9.9
INTRODUÇÃO possuem significados diferentes: o primeiro é
As infecções sexualmente transmissíveis apenas o agente etiológico da doença que é a
(ISTs), no geral, são patologias cuja principal AIDS. Logo, a AIDS se refere às manifestações
via de contaminação é o sexo oral, anal ou clínicas geradas pela infecção do HIV, vírus
vaginal desprotegido ou com o uso incorreto do que provoca um prejuízo imunológico impor-
preservativo. A transmissão por via sexual é a tante por agir na depleção de forma seletiva aos
principal forma de contágio, mas também há linfócitos CD4+, também denominados de T4
outras vias, como a congênita que se caracteriza ou T-helper (LOPES et al., 2019; VERONESI
pela transmissão de mãe para os filhos ao longo & FOCACCIA, 2021; FERNANDES &
da gestação, do parto ou da amamentação CORREIA, 2022).
(MOLEIRO et al., 2015; BRASIL, 2020; O vírus do HIV é considerado um dos
LOPES et al., 2019). maiores problemas de saúde pública, uma vez
As ISTs podem ser causadas por diversos que atinge cerca de 38 milhões de pessoas em
microrganismos, como vírus, bactérias e todo mundo, sendo responsável, ao todo, por
fungos. Devido a essa variabilidade de agentes aproximadamente 33 milhões de mortes. No
etiológicos, torna-se complexa a caracterização Brasil, de acordo com o sistema de Agravos de
dessas infecções, pois apresentam diversas Notificação (SINAN), mais de 400 mil casos
manifestações clínicas. Desse modo, para foram registrados no período de 2007 a 2022
tornar o entendimento mais palpável, (BRASIL, 2021; BRASIL, 2022; FERNAN-
classificou-se as doenças em dois grandes DES & CORREIA, 2022; UNAIDS, 2023).
grupos: as doenças incuráveis controláveis, Apesar dos números assustadores a respeito
composto pelos portadores do Vírus da do HIV, atualmente, com o desenvolvimento de
Imunodeficiência Humana (HIV); e as doenças novas tecnologias, estudo, disseminação da
curáveis, como gonorreia, tricomoníase, informação, acesso à prevenção, diagnóstico e
clamídia e a sífilis (BRASIL, 2020; SILVA et tratamento, as mortes decorrentes de infecções
al., 2021; DOMINGUES et al., 2021). oportunistas e pelo HIV/AIDS estão
As ISTs são responsáveis por afetar o diminuindo. Dessa forma, considera-se a
indivíduo no meio social e na saúde, causando infecção pelo HIV uma condição de saúde
impactos sobre a vida reprodutiva, provocando crônica negociável, pois, ainda que não possua
quadros de infertilidade, gestações e partos de cura, é passível de controle por meio de
alto risco e em casos extremos podem levar à antirretrovirais (ARV) e da terapia antirretro-
morte fetal. Dentre elas, a infecção pelo HIV viral (TARV), que controlam a replicação viral,
ainda é umas das mais preocupantes, permitindo a prevenção da transmissão e
principalmente, pela disseminação descontro- proporcionando melhor qualidade e lon-
lada, por ainda não possuir cura e por ser gevidade de vida para aquelas pessoas vivendo
rodeada de tabus sociais (LOPES et al., 2019; com HIV/AIDS (PVHA) (VERONESI &
DOMINGUES et al., 2021; WHO, 2023). FOCACCIA, 2021; BRASIL, 2023; WHO,
Ainda hoje, observa-se a associação de 2023).
forma errônea entre o HIV e a Síndrome da Devido à magnitude de problemas que a
Imunodeficiência Adquirida (AIDS) como se infecção pelo HIV causa, torna-se importante o
fossem sinônimos. Entretanto, tais termos estudo sobre a epidemiologia dessas doenças,
fisiopatologia, características clínicas especí-
77
ficas, tratamento imediato, aconselhamento transmissão, agente etiológico e mecanismos
pós-infecção e prevenção. Tais questões são que causavam severas debilitações aos
cruciais para que seja possível alcançar o infectados. Após alguns anos de estudo,
diagnóstico, mas também para que sejam descobriu-se que o causador da doença era um
rompidas as barreiras socioculturais da doença vírus, posteriormente denominado HIV,
que é passível de controle (DANIEL & responsável por suprimir o sistema imuno-
PARKER, 2018; BRASIL, 2023; DOMIN- lógico dos humanos e que sua transmissão
GUES et al., 2021). ocorre por contato sanguíneo ou fluidos corpo-
Considerando a relevância social e médica rais de um indivíduo contaminado com outro
do tema e sua inserção em um contexto de saudável (LOPES et al., 2019; VERONESI &
preconceitos e dificuldade de aceitação da FOCACCIA, 2021; FERNANDES &
doença, o presente estudo propõem uma CORREIA, 2022).
avaliação mais fácil e clara da doença para os Após mais de 40 anos da descoberta do HIV,
profissionais da área da saúde, abordando o a infecção causada pelo vírus ainda é um dos
paciente portador do HIV de forma certeira e maiores problemas de saúde pública do Brasil e
humanizada. Destacou-se a necessidade e do mundo. De acordo com o Programa
importância do conhecimento acerca da Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS
fisiopatologia, contágio, manifestações clínicas (UNAIDS), em 2021, havia cerca de 38,4
e manejo da doença, focando na importância de milhões de pessoas infectadas pelo HIV, sendo
realização de diagnóstico precoce, tratamento, 54% deste total ocupado por mulheres e
medicamento e acompanhamento multipro- meninas. No Brasil, os números relacionados ao
fissional em prol de maior adesão terapêutica e HIV são alarmantes, cerca de 920 mil pessoas
remissão da doença. vivem atualmente com o vírus e dessas, 89%
foram diagnosticadas e apenas 77% realizam o
EPIDEMIOLOGIA tratamento com antirretroviral (BRASIL, 2021;
Nos anos 1980 houve uma grande epidemia BRASIL, 2022; UNAIDS, 2023).
nos Estados Unidos da América que matou Ressalta-se que a infecção pelo HIV (ges-
milhares de pessoas. Inicialmente, possuía tantes ou não gestantes) e o desenvolvimento da
causas desconhecidas e levava os pacientes AIDS são doenças que necessitam ser
rapidamente ao óbito após o desenvolvimento notificadas ao SINAN por fazerem parte da
de doenças secundárias, ditas oportunistas, Lista Nacional de Notificação Compulsório de
como pneumonia, tuberculose e diarreia. A Doenças (BRASIL, 2017). Entretanto, muitos
nova doença era pautada por questões que casos ainda são subnotificados, implicando
englobavam não somente características bioló- diretamente no desconhecimento de informa-
gicas, mas também socioculturais que associa- ções que seriam importantes para traçar a
vam a contaminação às pessoas homossexuais epidemiologia da doença em relação a fatores
do sexo masculino (DANIEL & PARKER, como número totais de caso, taxa de sucesso do
2018; SILVA & CUETO, 2018; FERNANDES tratamento, entre outros (DOMINGUES et al.,
& CORREIA, 2022). 2021; BRASIL, 2022).
Diversas pesquisas foram iniciadas com o Acredita-se que no Brasil esteja ocorrendo
intuito de identificar rapidamente meios de uma queda no registro e número de casos de
infecções de HIV e que desde 2012 esteja
78
ocorrendo um decréscimo na detecção da válido destacar que a doença não possui
doença (BRASIL, 2021). Os boletins epide- predileção a grupos específicos de risco, mas
miológicos publicados pelo Ministério da maior acometimento em detrimento do nível de
Saúde através do Departamento de HIV/AIDS, informação e maior exposição ao risco
Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções (KNAUTH et al., 2020; BRASIL, 2021;
Sexualmente Transmissíveis (DATHI) cor- BRASIL, 2022; SILVA et al., 2023).
roboram esse dado, mostrando que em 2019
foram diagnosticados cercas de 38.327 novos FISIOPATOLOGIA
casos de HIV/AIDS, apresentando uma taxa de O HIV é o vírus da imunodeficiência adqui-
detecção de 18,5 casos por 100 mil habitantes. rida com RNA de fita simples, pertencente à
Já em 2020, foram diagnosticados 30.638 novos família Retroviridae, do gênero Lentivirus. A
casos da doença com taxa de detecção de cerca característica mais marcante deste vírus é seu
de 18,2 por 100 mil habitantes. Entretanto, tal tropismo pelos linfócitos TCD4 +, sendo
queda está em investigação, principalmente, responsável pela imunossupressão causada pela
pelo fato de em 2021 o número de casos doença o que torna o indivíduo suscetível a
declarados tenha subido para 35.246 com taxa outras infecções oportunistas. O HIV pode ser
de detecção caindo para 14,5. Tais disparidades subdividido em dois tipos antigênicos: HIV1,
podem estar ocorrendo devido à subnotificação que é o mais virulento e disseminado pelo
de casos ao longo da pandemia da Covid-19 em mundo, e HIV2, que é menos patogênico
decorrência da sobrecarga dos serviços de (BRASIL, 2018; VERONESI & FOCACCIA,
saúde no primeiro ano pandêmico (PEREIRA 2021).
et al., 2018; BRASIL, 2021; BRASIL, 2022). A infecção pelo HIV em humanos se inicia
De acordo com relatório publicado pelo após o contato com fluidos e mucosas
Ministério da Saúde em 2021, observa-se que a contaminadas (sangue, sêmen, lubrificação
epidemia por regiões do país se concentra nas vaginal ou leite materno), tanto com partículas
regiões Sudeste e Nordeste, acumulando um livres virais como células imunitárias infec-
total de 21.256 casos no ano. Além disso, nota- tadas. Normalmente, a transmissão do vírus se
se que o HIV ainda afeta mais homens (2,8 dá por meio de relações sexuais desprotegidas,
homens para cada mulher). Homossexuais compartilhamento de seringas contaminadas e
ainda representam a maior parcela da população também na transmissão entre mãe e feto na
contaminada, representando cerca de 5.380 gestação, parto ou amamentação (BRASIL,
PVHA, enquanto os heterossexuais representa- 2018; LOPES et al., 2019; VERONESI &
vam 4.350. Jovens entre 20 e 34 anos e negros FOCACCIA, 2021; BRASIL, 2023).
também são considerados grupos com maior O HIV, ao entrar no corpo de uma pessoa
incidência (BRASIL, 2021; BRASIL, 2022; que previamente não era contaminada, inicia
SILVA et al., 2023; FAVARATO et al., 2023). suas interações expondo em sua superfície a
Sabe-se, que em relação às questões de glicoproteína do envelope GP120 que reco-
gênero ocorrem comportamentos distintos em nhece e inicia as interações com as moléculas
relação a homens e mulheres, principalmente receptoras das células alvo, no caso os
no quesito cuidados com a saúde, que são mais linfocitos TCD4+ en macrófagos. A ligação que
presentes no sexo feminino, isso pode ter se forma (gp120-DC4+) é de alta afinidade.
relação com menor prevalência nesse grupo. É
79
Após completada, ocorre a fusão das membra- cefaleia, astenia, adenopatia, faringite, mialgia,
nas, permitindo a entrada do capsídio viral no anorexia, vômitos, perda de peso e depressão.
citoplasma da célula alvo e posterior A SRA atinge, principalmente, tecidos linfoi-
incorporação do DNA pró-viral à célula do des, provocando esplenomegalia e linfade-
hospedeiro. Dessa forma, ocorrerá replicação nomegalia em cadeias cervicais, submandibu-
viral que levará que acarretará prejuízo funcio- lares, occipital e axilar (LOPES et al., 2019;
nal às células T CD4, culminando em apoptose PINTO NETO et al., 2021; BRASIL, 2023;
celular e disseminação viral (BRASIL, 2018; FAVARATO et al., 2023).
VERONESI & FOCACCIA, 2021). Devido à falta de sintomas específicos na
Sabe-se que a infecção aguda pelo HIV se SRA após infecção do HIV, a doença
inicia já nas primeiras semanas quando o vírus geralmente deixa de ser diagnosticada na forma
apresenta intensa atividade de replicação viral aguda. Sabe-se que a SRA dura por cerca de três
nos tecidos e células linfoides. Ao longo dessa a quatro semanas após contato com o vírus e
fase, observa-se elevada carga viral do HIV, após esse período ocorre a fase de latência
depleção dos linfócitos, principalmente dos T clínica com exame físico, geralmente, sem
CD4 +, e também importante capacidade de o alterações (LOPES et al., 2019; BRASIL, 2018;
indivíduo transmitir o vírus (LOPES et al., BRASIL, 2023).
2019). A medida em que o tempo passa e a infecção
O vírus HIV é o agente etiológico que pode progride com destruição das células T CD4+, os
gerar a doença propriamente dita, a AIDS. Esta sintomas constitucionais podem aparecer e se
última caracteriza-se pelo surgimento de tornar mais constante; dentre eles, ressalta-se
manifestações de imunodeficiência avançada, emagrecimento, febre baixa persistente, sudo-
deixando o indivíduo mais suscetível a infec- rese, fadiga, diarreia crônica de origem inexpli-
ções oportunistas ou neoplasias. Dessa forma, o cada, cefaleia, alterações neurológicas e cons-
indivíduo PVHA não necessariamente possui tantes infecções bacterianas (BRASIL, 2018;
AIDS, mas o vírus, sem que ocorram DIAS et al., 2020; VERONESI & FOCACCIA,
manifestações clínicas caso realize a TARV 2021).
corretamente (BRASIL, 2018; LOPES et al.,
2019; PINTO NETO et al., 2021; BRASIL, DIAGNÓSTICO
2023). Estima-se que no Brasil mais de 10% das
pessoas com HIV não sabem o real status da
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS sorologia para a doença. A realização de
As manifestações clínicas iniciais da testagem para o vírus é o primeiro passo para
infecção pelo vírus HIV são variáveis e que as pessoas consigam delimitar estratégias
dependem de fatores como tempo decorrido de prevenção em caso negativo ou de ações de
após o contágio, quantidade de linfócitos T tratamento e acompanhamento da doença em
CD4 +, evolução natural da doença, presença de caso de resultado reagente. A estratégia para
infecções oportunistas e uso de medicação. testagem do HIV objetiva um diagnóstico de
Inicialmente, o PVHA pode apresentar a qualidade, de forma precoce, segura e com
chamada Síndrome Retroviral Aguda (SRA) rápida conclusão (BRASIL, 2023).
que cursa com sintomas inespecíficos febre,

80
O Departamento de HIV/AIDS, Tuber- como triagem, sendo este o TR. Caso o
culose, Hepatites Virais e Infecções Sexual- resultado seja negativo, a amostra é liberada
mente Transmissíveis (DIAHV) disponibilizou como não reagente. Em caso positivo é
em meados de 2020 um guia Rápido de necessário solicitar ao paciente que retorne ao
Testagem Focalizada para o HIV capaz de local de coleta após 30 dias para a realização de
auxiliar a traçar estratégias que guiem a outro exame. Após nova coleta, caso esta seja
detecção da doença por meio do rastreio do positiva em novo TR, ela deverá ser submetida
vírus. Dessa forma, para que se maximize a a testes moleculares ou técnicas com alta
confiabilidade na emissão dos resultados e se especificidade capaz de elevar o valor preditivo
obtenha o diagnóstico sorológico da infecção positivo do exame, como imunoblot, imunoblot
pelo HIV real (evitando resultados falso rápido ou western blot. Confirmada a infecção,
negativos ou falso positivos), o Ministério da a amostra é liberada como reagente para HIV e
Saúde indica a realização de procedimentos deverá ser liberada constando “resultado defini-
sequenciados para o diagnóstico de infecção do com a 2ª amostra, conforme estabelecido
para o HIV, incluindo pelo menos dois testes, pela Portaria n. 29, de 17 de dezembro de
um inicial e outro mais específico para comple- 2013”. Em caso de amostra indeterminada, é
mentar o resultado do primeiro (BRASIL, necessário liberar laudo como amostra
2018; MAGNABOSCO et al., 2018; KNAUTH indeterminada para HIV, ressaltando a
et al., 2020; BRASIL, 2023). recomendação e necessidade de nova coleta em
Os testes rápidos (TR), geralmente, são 30 dias (BRASIL, 2018; KNAUTH et al., 2020;
aqueles mais utilizados da triagem inicial para VERONESI & FOCACCIA, 2021).
a detecção do HIV. Tais testes costumam ser os Destaca-se que ao longo do diagnóstico do
mais escolhidos por serem imunoensaios HIV é necessário realizar um teste molecular
simples que utilizam sangue total por punção que seja capaz de detectar a presença do vírus.
digital ou amostra de fluidos orais, que podem Para isso, a quantificação da carga viral do HIV
ser realizados em ambiente laboratorial ou não no sangue do paciente deve ser realizada por
e são capazes de prover um resultado em até 30 meio da detecção do antígeno p24 do HIV-1, de
minutos. Além dos TR, há os autotestes, que RNA ou DNA. Tal teste é importante para o
são similares, mas que podem ser realizados diagnóstico de infecções agudas em que ainda
pela própria pessoa em qualquer local ou não é possível detectar a presença de anticorpos
momento conveniente. Dessa forma, é possível e que podem estar no período designado como
realizar a detecção da doença de forma rápida, janela imunológica, assim como em crianças
em ambientes laboratoriais e não laboratoriais com idade inferior a 18 meses (BRASIL, 2018;
de modo a ampliar o acesso ao diagnóstico LOPES et al., 2019; FAVARATO et al., 2023).
precoce (BRASIL, 2018; KNAUTH et al.,
2020; FERNANDES & CORREIA, 2022; TRATAMENTO
BRASIL, 2023). A abordagem clínica do paciente portador do
De acordo com o Ministério da Saúde, o HIV é bem específica, devendo ser realizada
diagnóstico do HIV deve, teoricamente, seguir com cautela e sempre que possível conduzida
um fluxograma de exames. A primeira amostra por médico e equipe multidisciplinar com maior
de sangue deverá ser coletada para a realização experiência em manejo a esses pacientes.
de um teste de imunoensaio de 3ª ou 4ª geração
81
Inicialmente é necessário realizar o acolhi- alterar o curso da doença, promovendo a
mento ao PVHA, trabalhando a escuta ativa, inibição da replicação viral e, com isso, a
promoção de ambiente favorável ao diálogo que diminuição de sintomas clínicos decorrentes da
proporcionem maior conhecimento sobre o que imunossupressão. Assim, o controle viral
é o HIV e a AIDS, riscos, vulnerabilidades, adequado proporcionado pelo tratamento
necessidade de práticas sexuais seguras, entre corrobora o atual status do HIV de doença
outras questões que forem necessárias e crônica, aumentando a qualidade de vida dos
levantadas pelo paciente. Vale ressaltar, que a pacientes por meio da melhora da imunidade e,
escuta qualificada deve ser realizada sem consequentemente, estendendo a expectativa de
preconceitos, respeitando a história de vida e o vida (BRASIL, 2018; MATEUS et al., 2022;
momento enfrentado pelo paciente, de modo a BRITO & SEIDL, 2015; FAVARATO et al.,
possibilitar que ele próprio seja capaz de 2023).
solucionar suas questões da forma mais A partir do diagnóstico positivo para o HIV,
saudável possível (BRASIL, 2018; VERONESI são necessários: anamnese minuciosa, exame
& FOCACCIA, 2021; FAVARATO et al., físico completo do paciente e uma abordagem
2023). laboratorial inicial para acompanhar clinica-
A abordagem de acolhimento inicial ao mente a condição geral de saúde do paciente.
PVHA fortalece o vínculo entre profissionais da Após realização desses procedimentos, o mé-
saúde e pacientes, sendo um importante dico avaliará a indicação para início da TARV
facilitador relacionado à adesão ao tratamento (BRASIL, 2018, MATEUS et al., 2022). O
medicamentoso. Atualmente, são utilizadas Quadro 9.1 mostra os exames necessários para
drogas antirretrovirais (ARV) como terapia esta avaliação inicial minuciosa.
para o controle do HIV e da AIDS capazes de

Quadro 9.1. Exames complementares para abordagem inicial ao paciente portador do vírus HIV
Exames complementares para abordagem inicial
Hemograma;
Contagem de LT-CD4+ e carga viral do HIV;
Avaliação hepática e renal (AST, ALT, Cr, Ur, Na, K, exame básico de urina);
Exame parasitológico de fezes;
Testes não treponêmicos (VDRL ou RPR);
Testes para hepatites virais (anti-HAV, anti-HCV, HBsAg, anti-HBc e anti-HBs para verificação de
imunização);
IgG para toxoplasma;
Sorologia para HTLV I e II e Chagas (considerar triagem na rotina para indivíduos oriundos de áreas
endêmicas);
Dosagem de lipídios;
Glicemia de jejum;
Prova tuberculínica (PT)
Fonte: Dados extraídos de BRASIL,2018.

No Brasil, o Ministério da Saúde propõe a proposta como forma de poupar o sistema


máxima de que todas as pessoas diagnos- imune do paciente, independente-mente da
ticadas com o HIV possuem o direito de iniciar existência de sintomatologia ou da contagem
o tratamento com a terapia ARV imediatamente alta de linfócitos TCD4 +, uma vez que
após a descoberta do vírus. Tal medida é pacientes em uso de TARV, que mantém cargas
82
virais indetectáveis e contagens de linfócitos esquemas terapêuticos simplificados, com
TCD4+ maiores que 500 células/mm3, podem doses fixas combinadas em apenas um
apresentar expectativa de vida semelhante a comprimido; conhecimento sobre a enfermi-
população não reagente para o vírus (BRASIL, dade e seu tratamento; estímulo ao o uso de
2018; MATEUS et al., 2022). dispositivos e técnicas para adesão (porta-
Com a criação da TARV, a infecção pelo pílula, diários, alarmes, tabelas e mapas de
HIV assumiu características de doença crônica, doses, materiais educativos); acesso facilitado
principalmente em países onde o acesso aos aos ARV por meio da localização adequada da
medicamentos é efetivamente garantido pelo Unidade Dispersora de Medicamentos (UDM);
poder público. Sabe-se que com a correta apoio social, entre outros (BRASIL, 2018;
adesão ao tratamento medicamentoso ocorrem LOPES et al., 2019; MARTINS et al., 2023).
melhoras nos indicadores de morbimortalidade Para iniciar o TARV, o esquema proposto
e da qualidade de vida dos PVHA. Dessa forma, deverá ser preferencialmente a associação de
no Brasil, há políticas públicas que além de três medicações: dois inibidores da
focar no diagnóstico da doença também transcriptase reversa análogos de nucleo-
direcionam o tratamento por meio de centros sídeos (itRN), como a lamivudina (3TC) e
especializados e oferta gratuita das medicações tenofovir (TDF); e um inibidor de integrase
utilizadas na TARV (BRASIL, 2018; 2023). (INI), como o dolutegravir (DTG). Este
O estímulo à adesão ao TARV é sempre uma esquema deverá ser analisado e substituído em
das principais preocupações dos trabalhadores casos de coinfecção tuberculose-HIV (TB-
da saúde, pois esta é a principal causa de falha HIV), mulheres vivendo com HIV (MVHIV)
terapêutica nos pacientes PVHA. É impres- com possibilidade de engravidar e gestantes
cindível a prescrição das medicações de modo (BRASIL, 2018; MATEUS et al., 2022). No
a facilitar a adesão e a garantia de manutenção Quadro 9.2 é possível observar os esquemas
e continuidade ao tratamento. Ações que podem alternativos e as medicações utilizadas e
auxiliar ao longo do manejo do paciente são: preconizadas pelo Ministério da Saúde.

Quadro 9.2. Esquemas medicamentosos que podem ser utilizados no tratamento preferencial antirretroviral para adultos
vivendo com HIV/AIDS

Medicações Indicações
3TC + TDF + DTG Esquema para início de tratamento para adultos
- Gestantes
- Coinfecção TB-HIV sem critério de gravidade (conforme critérios
TDF + 3TC + Efavirenz (EFZ) elencados a seguir)
- Esquema alternativo para início de tratamento em caso de
intolerância ou contraindicação ao DTGd
- Gestantes
- Esquema para tratamento na coinfecção TB-HIV com um ou mais
TDF + 3TC + Raltegravir (RAL) dos critérios de gravidade a seguir: CD4 < 100 células/mm 3;
Presença de outra infecção oportunista; Necessidade de internação
hospitalar/doença grave; TB disseminada
Esquema para início de tratamento em caso de contraindicação ao
Abacavir (ABC) + 3TC + DTG
TDF em PVHA com teste negativo para HLA-B 5701
Zidovudina (AZT )+ 3TC+ DTG Esquema para pacientes intolerantes ao TDF e ABC
Fonte: Adaptado de BRASIL, 2018; LOPES et al., 2019.

83
É imprescindível que a equipe multidisci- As intervenções biomédicas são caractere-
plinar tenha muita atenção e cuidado em, zadas por estarem direcionadas à redução do
principalmente, três momentos relacionados à risco à exposição dos indivíduos ao HIV,
terapia com o ARV: início da terapia; partindo de estratégias capazes de impedir a
mudança de esquema terapêutico; retor- sua transmissão direta entre pessoas infectadas
no/abandono do tratamento. Dessa forma, e as não infectadas. Como exemplo, temos o
após avaliação global do paciente de forma uso de preservativos (masculinos ou femini-
minuciosa e indicação da TARV, os pacientes nos) durante a relação sexual, a Profilaxia Pós-
devem ser sempre acompanhados pela equipe, Exposição (PEP) e a Profilaxia Pré-Exposição
avaliando a resposta ao tratamento e a (PrEP) (ZUCCHI et al., 2018; CASTOLDI et
intolerância ou não às medicações para que al., 2021; BRASIL, 2023).
sejam realizadas trocas que beneficiem a A PEP diz respeito ao uso de medicações
manutenção e continuidade à terapia (BRA- ARV combinadas com início após 12 horas de
SIL, 2018; MARTINS, 2023). possível exposição ao vírus e que devem ser
utilizadas de forma ininterrupta ao longo de 28
PREVENÇÃO dias. Já a PrEP consiste na utilização de ARV
A prevenção para a não infecção pelo vírus em associação, como o tenofovir e o entrici-
do HIV, geralmente, ocorre com a combinação tabina, por pessoas que estão constantemente
de vários fatores, tanto aqueles diretamente expostas a um possível contato com o HIV.
associados ao combate ao HIV quanto aos Tais medidas de prevenção são estratégias
fatores associados à infecção propriamente utilizadas pelo governo baseadas na
dita. Tal abordagem é dita Prevenção combi- perspectiva da Prevenção Combinada no
nada e ela parte do pressuposto que é necessá- enfrentamento da epidemia do HIV (BRASIL,
ria a associação de três eixos para intervir na 2018; ZUCCHI et al., 2018; CASTOLDI et
disseminação do HIV: as biomédicas, as al., 2021; BRASIL, 2023). No Quadro 9.3 é
comportamentais e as estruturais (BRASIL, possível observar as indicações para cada tipo
2018; ZUCCHI et al., 2018; MAGNABOSCO de profilaxia.
et al., 2018; BRASIL, 2023).

Quadro 9.3. Indicações para o uso da PEP e PrEP frente ao HIV


Indicações para a PEP
- Violência sexual;
- Relação sexual desprotegida (sem o uso de camisinha ou com rompimento da camisinha);
- Acidente ocupacional (com instrumentos perfurocortantes ou contato direto com material biológico).
Indicações para a PrEP
- A PrEP é indicada para qualquer pessoa em situação de vulnerabilidade para o HIV.
- Relações sexuais (anais ou vaginais) frequentemente sem o uso do preservativo;
- Uso repetido de PEP (Profilaxia Pós-Exposição ao HIV);
- Apresenta histórico de episódios de Infecções Sexualmente Transmissíveis;
- Contextos de relações sexuais em troca de dinheiro, objetos de valor, drogas, moradia, etc.
- Chemsex: prática sexual sob a influência de drogas psicoativas (metanfetaminas, Gama-hidroxibutirato (GHB),
MDMA, cocaína, poppers) com a finalidade de melhorar e facilitar as experiências sexuais.
Fonte: Dados extraídos de BRASIL,2022.

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As intervenções comportamentais e Desse modo, a prevenção combinada é
estruturais são trabalhadas de forma conjunta importante e eficaz no controle às epidemias
e são aquelas que estão direcionadas à locais do HIV, principalmente, aquelas
abordagem dos indivíduos expostos a graus relacionadas às mudanças cognitivas compor-
diferentes de risco para adquirirem o HIV. tamentais capazes de gerar intervenções de
Tais medidas visam intervir na população acordo com cada contexto social, respeitando
alterando aspectos socioculturais, políticos e práticas de cada nicho populacional e a
econômicos que podem ser potencializados identidade de cada indivíduo e da comunidade.
pela vulnerabilidade dos indivíduos em É necessário que as estratégias traçadas pelos
relação ao HIV. Acredita-se que esta forma de governos em associação com a saúde sejam
intervenção é a que mais domina o cenário na ofertadas de modo a mobilizar toda a
prevenção do vírus, concentrando ações na comunidade, sendo capaz de interferir e
distribuição de preservativos, realização de quebrar paradigmas estruturais, sociais e cul-
seminários, palestras, folders e outras medidas turais que envolvem o HIV e acabam expondo
de conscientização da população pautadas em a risco e vulnerabilidades os indivíduos que
políticas ou programas que visem mudanças não possuem acesso à prevenção adequada por
comportamentais (BRITO & SEIDL, 2015; falta de informação ou por preconceitos
BRASIL, 2018; SILVA et al., 2023). (BRITO & SEIDL, 2015; BRASIL, 2018).

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RHR-16.09. Acesso em: 20 maio 2023.

87
CAPÍTULO 10

TUBERCULOSE NA POPULAÇÃO EM
SITUAÇÃO DE RUA: UMA REVISÃO DE
LITERATURA
ANA CAROLINA SILVA ROCHA¹
ANA MARIA RAMOS GOULART1
ARTHUR DUARTE DE SOUSA1
BRUNA LARISSA NOLETO SOUSA1
CAMILA DE CARVALHO VIEIRA1
FERNANDA KAROLYNNE SOUSA COIMBRA1
INGGRYD EDUARDA POSSIDONIO DE SOUZA SANTOS1
ISABELA CAROLYNE DE MELO COSTA1
LAYANNE SILVA OLIVEIRA1
LAURA FROES NUNES DA SILVA1
MARIA CLARA ALVES OLIVEIRA DE FARIAS1
RICARDO DAMOUS FIGUEIREDO1
THAJISON ROBERT MENEZES DE HOLANDA1
VINÍCIUS FREIRE PEREIRA1
YAN CAIO MENDES AMARAL1

1. Discente – Medicina da Universidade Federal do Maranhão.

PALAVRAS-CHAVE
Tuberculose; População; Vulnerabilidade.

88

10.59290/978-65-6029-012-9.10
INTRODUÇÃO Pessoas em situação de rua (PSR) enfrentam
A tuberculose (TB) é uma doença constante exposição a diferentes tipos de
respiratória causada pelo agente Mycobacte- vulnerabilidades e condições de vida precárias,
rium tuberculosis, que está entre as dez o que torna o cuidado em saúde um desafio
doenças que mais matam no mundo atualmente ainda maior e requer intervenções específicas
e é a primeira colocada em causas de óbito (BRASIL, 2016). Nesse contexto, as pessoas
entre as doenças infecciosas (WHO, 2020). A que fazem parte desse grupo apresentam
transmissão da tuberculose se dá por meio da diversos problemas de saúde, incluindo a
inalação de aerossóis, levando a um processo tuberculose.
infeccioso no trato respiratório inferior. Essa Ademais, fatores como deficiência nutricio-
doença está intimamente ligada a fatores nal, uso de álcool e outras drogas, privação de
socioeconômicos, uma vez que, segundo a sono, falta de segurança, infecção por HIV,
Organização das Nações Unidas (ONU), cerca idade avançada e acesso limitado à assistência
de 95% dos casos são registrados em países de médica prejudicam a função imunológica e
renda média e baixa (ONU, 2016). Liderando aumentam a probabilidade de desenvolver
o ranking de casos estimados e de mortes para tuberculose (FESKE et al., 2013), sendo vários
a doença, estão o continente africano e as desses também presentes na população em
Américas (WHO, 2020). situação de rua.
No Brasil, a tuberculose é uma questão de Por consequência dessa exposição e
saúde pública relevante, apresentando uma precarização de suas vidas, a tuberculose entre
taxa de mortalidade de 2,2 a cada 100 mil PSR é muito frequente. Pessoas nestas
habitantes e uma incidência de 31,6 a cada 100 condições apresentam 56 vezes mais chances
mil habitantes (BRASIL, 2021). Para o de serem acometidas por esse agravo no Brasil.
combate a essa doença, o Sistema Único de (BRASIL, 2021). Além disso, é importante
Saúde (SUS) possui programas específicos, ressaltar alguns fatores que dificultam o
tais como o Programa Nacional de Controle da controle da tuberculose nesse grupo, tais como:
Tuberculose e a aplicação do tratamento falta de conscientização em relação à própria
diretamente observado por meio da rede básica condição de saúde e aos cuidados necessários,
de saúde. No entanto, a taxa de adesão dos barreiras de acesso aos serviços de saúde,
pacientes ao tratamento é baixa, o que resulta estigma e preconceito sofridos por essa
em um número elevado de abandonos e população, dentre outros aspectos. Diante
administração incorreta ou intermitente dos desse cenário, o Programa Nacional de
medicamentos. Isso contribui para a persis- Controle da Tuberculose inclui as PSR como
tência do alto índice de mortalidade e para o população prioritária (BRASIL, 2011).
desenvolvimento de resistência aos medica- Como resultado da situação descrita, as
mentos utilizados (RABAHI et al., 2017). pessoas que vivem nas ruas tendem a não
A presença de pessoas vivendo nas ruas é buscar atendimento para sua saúde, ou só o
um fenômeno antigo e complexo que ocorre fazem quando se encontram muito debilitadas.
em diversas cidades ao redor do mundo, sendo Isso também se aplica à tuberculose, que pode
influenciado por transformações políticas, ser tratada em unidades de atenção primária à
sociais e econômicas (BURSZTYN, 2003). saúde. Os pacientes com agravamento do
quadro clínico ou vulnerabilidades sociais
89
podem, ainda, ser encaminhados para interna- objeto de estudo; (2) busca e seleção das
ção hospitalar, o que é especialmente comum publicações; (3) inclusão e exclusão conforme
entre as pessoas em situação de rua devido à os critérios estabelecidos; (4) apresentação dos
falta de estruturas institucionais que ofereçam principais resultados em forma de tabela e,
suporte para o tratamento ambula-torial da finalmente; (5) análise descritiva das infor-
doença (BRASIL, 2011). mações obtidas em forma de tópicos.
A tuberculose é uma doença que tem sua O levantamento bibliográfico foi realizado
incidência influenciada por fatores sociais, durante o período de abril a maio de 2023,
sendo que a condição de viver na rua pode mediante busca nas bases de dados Scientific
agravar a vulnerabilidade à doença por Electronic Library Online (SciELO), PubMed
diversas razões, como a ausência de habitação e no buscador Google Acadêmico. Para seleção
adequada, condições precárias para descanso e das publicações foram utilizados os descritores
alimentação, abuso de álcool e outras drogas, “Pessoas em Situação de Rua”, “População em
esforços para garantir a subsistência, difi- Situação de Rua”, “Tuberculose”, “Tuberculo-
culdade de cuidar de si mesmo, entre outras sis”, “Homeless Persons” e suas combinações
(SILVA et al., 2021). entre si.
Para direcionar as ações de saúde, é Os critérios de inclusão foram: publicações
fundamental compreender a vulnerabilidade realizadas entre 2018 e 2023, nos idiomas
(individual, social e programática) em relação inglês e português, com texto disponível na
à tuberculose na população em situação de rua. íntegra e palavras-chave no título da
Nesse sentido, o objetivo deste estudo é publicação, artigos originais e estudos de
selecionar e descrever informações sobre a revisões de literatura que abordam o tema
prevalência da tuberculose na população em proposto. Foram excluídas as publicações
situação de rua e suas implicações devido ao duplicadas, realizadas em período anterior ao
contexto de vulnerabilidade em que se inserem, ano de 2018 e que não se enquadram na
por meio da avaliação das evidências literárias temática delimitada. A seleção inicial foi
que abrangem o cenário brasileiro. composta por 53 publicações e, após aplicação
dos critérios de seleção, apenas 10 foram
MÉTODO utilizadas neste estudo. Por fim, através da
Este estudo trata-se de uma revisão análise descritiva, os principais resultados
integrativa de literatura, a qual abrangeu as foram selecionados e agrupados no Quadro
seguintes etapas: (1) definição da temática e do 10.1.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Quadro 10.1. Categorização dos estudos analisados


Autor e ano Resumo Objetivos
Revisão sistemática de escopo, que utilizou 36
trabalhos, cuja análise permitiu a elaboração de quatro
Compreender melhor as
categorias: vulnerabilidade socioeconômica, fatores
Barbosa (2019) especificidades do adoecimento
individuais do usuário, vulnerabilidade do contexto de
e tratamento da TB na PSR
saúde, fragilidade de protocolo/evidência em saúde. A
partir da análise das categorias foi possível

90
compreender melhor o contexto de vulnerabilidade no
qual a população em situação de rua vive e os fatores
que interferem para o tratamento e cura da doença.
Revisão sistemática de literatura sobre tuberculose em
pessoas em situação de rua entre os anos de 2014 e Analisar, sistematizar e
2020. Os fatores de vulnerabilidade mais descritos compilar os fatores de
Gioseffi et al. foram: uso de drogas, coinfecção com HIV e falha no vulnerabilidade (social,
(2022) tratamento da tuberculose, respectivamente. A média individual e programática)
de tempo também se mostrou relacionada à maior associados à tuberculose e HIV
frequência de tuberculose e da infecção latente da em pessoas em situação de rua
tuberculose, segundo a literatura.
Revisão integrativa da literatura que procura artigos
científicos com embasamento crítico sobre a relação
entre a ocorrência da TB e a PSR. Observou-se que Analisar as repercussões da TB
diversos fatores, frequentemente relacionados às no cotidiano de pessoas em
Silveira Júnior et
condições de vida, aspectos sociais, culturais, políticos situação de rua por intermédio
al. (2023)
e sociodemográficos, contribuem para essa realidade e do acervo bibliográfico
para a exclusão social enfrentada pelas pessoas em referente a essa temática
situação de rua, tornando-as mais vulneráveis ao
desenvolvimento da tuberculose.
Estudo descritivo, transversal com abordagem
quantitativa realizado a partir do levantamento das
variáveis sociodemográficas, clínicas e do tratamento
dos casos tuberculose e HIV. Observou-se a frequência
Analisar o perfil da População
maior de mulheres, faixa etária entre 31 e 38 anos,
em Situação de Rua (PSR) que
raça/cor autodeclarada parda, baixa escolaridade,
é acometida pela tuberculose
Órfão et al. doenças e agravos associados, tais como aids,
(TB) e pelo HIV,
(2021) alcoolismo e uso de drogas ilícitas, além de não se
simultaneamente, em Porto
caracterizarem como população especial. O tratamento
Velho-RO, no período de 2015
foi observado com duração de 61 a 120 dias e mais do
a 2018
que 181 dias, e alto percentual de abandono, por isso,
questiona-se a efetividade das ações de controle da
doença na APS e a articulação com o consultório na rua
e demais níveis de atenção na Rede de Atenção à Saúde.
De modo a analisar o conhecimento dessa população
acerca da TB, foi realizada uma pesquisa quali-
quantitativa, de caráter exploratório e descritivo,
constituída por 300 pessoas em situação de rua,
Analisar a percepção e o
realizada em quatro regiões administrativas do DF.
conhecimento das pessoas em
Para a coleta de dados, utilizou-se de entrevista com
situação de rua acerca da
Prado et al. roteiro estruturado, contendo 21 questões. Verificou-se
sintomatologia da tuberculose
(2022) a interferência dos determinantes sociais no
respiratória, bem como
conhecimento e percepção dos sintomas da TB na PSR,
identificar fatores que
o que contribui para a falta de adesão ao tratamento,
favorecem sua disseminação
risco de adoecimento e diagnóstico tardio, sendo
necessárias ações individualizadas que considerem o
cuidado à saúde de maneira holística, além de aumentar
o volume de estudos dedicados ao diagnóstico precoce.
O estudo foi realizado através de um questionário
(pesquisa avaliativa) que incluiu os aspectos da
assistência à tuberculose para pessoas em situação de
Analisar as ações para o
rua, com a participação de 171 profissionais da
controle da tuberculose na
estratégia da família. Concluiu-se que as especi-
Queiroga et al. população em situação de rua
ficidades da população de rua não são consideradas,
(2018) em Campina Grande-PB, entre
como os hábitos de vida e as barreiras para acesso aos
os meses de abril a julho de
serviços, o que dificulta ainda mais o controle da
2017
tuberculose. Além disso, a falta de capacitação dos
profissionais de saúde também é um fator associado à
problemática.

91
Estudo quantitativo transversal, realizado no ano de
2017 em um hospital de referência para doenças
infectocontagiosas em João Pessoa-PB. Os resultados Analisar determinantes para
Rodrigues et al.
demonstraram a necessidade de desenvolver e tuberculose e HIV de pessoas
(2021)
implementar políticas que busquem melhorar as em situação de rua
condições de vida e o acesso aos cuidados de saúde para
as pessoas em situação de rua.
Estudo transversal com dados obtidos no Sistema de Comparar dados sobre sucesso
Informação de Agravos de Notificação (SINAN). no tratamento, perda de
Verificou-se que a população em situação de rua seguimento e óbitos por
Santos et al. apresentou uma probabilidade aproximadamente 50% tuberculose entre a população
(2021) menor de obter sucesso no tratamento da tuberculose. em situação de rua no Brasil
Além disso, a perda de seguimento e os óbitos foram comparando-a com a população
2,9 e 2,5 vezes maiores na população em situação de geral e em suas regiões no ano
rua quando comparada à população geral. de 2018
Foi realizado um estudo descritivo sobre dados do
Sinan e do CadÚnico, sendo incluídas 127.536 pessoas Caracterizar o perfil
cadastradas no CadÚnico e 14.059 com tuberculose sociodemográfico da população
notificadas no Sinan. Além de observadas maiores em situação de rua (PSR)
concentrações da PSR nos estados das regiões Sul e inscrita no Cadastro Único para
Sudeste, nas duas subpopulações analisadas, Programas Sociais (CadÚnico)
Silva et al. (2021) predominou uma PSR do sexo masculino (CadÚnico = até 2019, e da morbidade por
86,8%; Sinan = 80,9%), de raça/cor da pele negra tuberculose nessa população
(CadÚnico = 67,5%; Sinan = 64,1%) e escolaridade até notificada no Sistema de
o ensino médio incompleto (CadÚnico = 81,9%; Sinan Informação de Agravos de
= 60,1%). A alta proporção de abandono (39,0%) do Notificação (Sinan) no período
tratamento refletiu-se nos elevados percentuais de 2014-2018
reingresso e recidiva.
O estudo é composto por indivíduos sem-teto (n = 150)
que foram incluídos em um estudo transversal em três
abrigos em Münster, na Alemanha, no período de
outubro de 2017 a julho de 2018. Foram analisados os Analisar a prevalência e os
Von Streit et al. fatores de riscos e realizados exames, como radiografia fatores de risco da tuberculose
(2019) de tórax, para a triagem de tuberculose na amostra latente em uma população
pesquisada. Foi observada a prevalência de infecção alemã de rua
tuberculosa latente de 16% e nenhuma tuberculose
ativa foi diagnosticada na população de rua alemã
estudada.

Vulnerabilidade de um número reduzido de pesquisas que


A tuberculose é uma doença que surge e se tratam de doenças específicas mais comuns
agrava devido ao contexto social da população nessas pessoas (SILVA et al., 2021).
que, por sua vez, é caracterizado pela preca- Ainda assim, é possível definir os cidadãos
riedade de vida das pessoas em situação de em situação de rua como um conjunto de
vulnerabilidade (SILVEIRA JÚNIOR et al., pessoas de características diferentes, mas que
2023). vivem em uma realidade semelhante de
A problemática da população em situação extrema pobreza na qual não possuem uma
de rua é muito presente no Brasil. No entanto, residência fixa ou temporária convencional.
ainda carece de estudos mais detalhados. Tal Ademais, suas relações interpessoais também
questão engloba desde a não inclusão dessas são sucintas e frágeis, em virtude de um imenso
pessoas nos últimos censos demográficos preconceito da população de modo geral.
realizados pelo Instituto Brasileiro de Elementos históricos, políticos e socioculturais
Geografia e Estatística (IBGE) até a presença provocam relações antagônicas na sociedade,
92
cada vez mais responsáveis pela desregulação condições dignas de saúde e de prevenção a
social do capital, esvaziamento dos direitos doenças prevalentes (SILVA et al., 2021).
sociais e crescimento das injustiças em saúde.
As ações e políticas públicas destinadas às Dificuldade no tratamento
pessoas em situação de rua são influenciadas O tratamento inadequado em virtude do
por pensamentos preconceituosos, cuja abandono e da administração errada ou
fragilidade não é reconhecida ou compreendida intermitente dos medicamentos faz com que o
de forma efetiva pela sociedade geral, número de óbitos permaneça elevado e que se
conduzida pela ideologia dominante de que crie resistência aos fármacos utilizados, além
estar nessa situação veio de uma escolha de demonstrar uma falha do sistema público de
individual (SILVA et al., 2021). saúde em fornecer informação e estrutura
Nesse sentido, a vivência na rua contribui adequadas para evitar a piora do quadro clínico
para o desenvolvimento de patologias crônicas do indivíduo com tuberculose (GIOSEFFI et
infecciosas como a tuberculose e diversos al., 2022).
fatores como o uso de drogas (álcool, tabaco e Para se ter uma ideia da dificuldade de tratar
drogas ilícitas), coinfecção com HIV e falha no a tuberculose nessa população, segundo Silva
tratamento intensificam essa problemática et al. (2021), o percentual de indivíduos que
(GIOSEFFI et al., 2022; PRADO et al., 2022). alcançaram a cura ficou em 34,5% em 2018,
A falta de moradia é um fator de risco para enquanto, no mesmo período, o índice de
infecção com tuberculose pois os indivíduos mortalidade por essa doença foi de 7,5%.
buscam como alternativa locais superlotados e Ambos os dados representam uma piora em
com higiene precária, o que é mais propício relação a anos anteriores (índice de cura de
para o desenvolvimento do bacilo Mycobac- 39,6% e mortalidade de 5,8% em 2014).
terium tuberculosis (BARBOSA, 2019). Dito Tais dados são ainda mais alarmantes se
isso, pessoas em situação de rua têm um comparados com o restante da população. Para
elevado risco de contrair tuberculose. A preva- comparação, em Belo Horizonte, em 2017,
lência da infecção latente por tuberculose e o foram registrados 804 casos de tuberculose,
risco de progressão para a tuberculose ativa são dos quais 770 na população em geral (0,03%
mais elevados nessa população do que na po- de incidência) e 34 na PSR (incidência de
pulação em geral (VON STREIT et al., 2019). 0,76%). O índice de cura foi maior na popu-
Segundo pesquisas, quanto mais tempo a lação em geral (58,6% contra 26,5%), enquan-
pessoa fica exposta, mais chances ela tem de to os níveis de abandono foram mais elevados
desenvolver a tuberculose, já que a vivência na na PSR (52,9% contra 4,3%) (BARBOSA,
rua associada ao estigma social pejorativo 2019).
acerca das pessoas que vivem em situação de É importante ressaltar que o tratamento da
rua colabora para a proliferação dessa reali- tuberculose demanda tempo e dedicação por
dade (GIOSEFFI et al., 2022). parte do paciente e da equipe de saúde que o
Quanto à atuação governamental, em 2009 acompanha. Casos de TB sensível necessitam
foi instituída a Política Nacional para a de pelo menos 6 meses de tratamento dividido
população em situação de rua. Porém, como é em duas fases e com a administração de quatro
possível observar pelos dados apresentados, drogas ao todo: rifampicina, isoniazida, pira-
suas ações não foram capazes de garantir zinamida e etambutol. Portanto, a complexi-
93
dade dessa ação representa um importante pessoas infectadas pelo vírus da imunode-
desafio à população em questão, pois suas ficiência humana (HIV) à morte, principal-
condições socioeconômicas dificultam idas aos mente no Brasil (RODRIGUES et al., 2021).
postos de atendimento da atenção primária, A tuberculose é uma doença oportunista, ou
entendimento da necessidade de cura e o seja, quando um paciente apresenta um quadro
desenvolvimento de formas mais graves e de redução do sistema imunológico, a TB tende
resistentes de tuberculose, cujo tratamento, a infectar e causar problemas de saúde mais
inclusive, pode durar até 12 meses e demandar graves em relação a pessoas que possuem uma
internação hospitalar (BARBOSA, 2019). imunidade boa. Portanto, diante de um
Acerca da vulnerabilidade social foi diagnóstico de tuberculose, preconiza-se o
observado que em relação a raça, cerca de 64% rastreamento do HIV, uma vez que esta
são pretos e pardos e a média de idade é enfermidade é capaz de agravar àquela e causar
aproximadamente 50 anos (GIOSEFFI et al., apresentações atípicas. Ademais, além desse
2022). 80,9% dos acometidos eram homens e a rastreio no diagnóstico, também é necessário
faixa etária predominante foi entre os 35 e 44 realizar o monitoramento anual da TB entre as
anos (54,2% do total) (SILVA et al., 2021). pessoas vivendo com HIV. Nesse aspecto, as
Analisando dados do Sistema de Infor- características de ambas as doenças mostram
mação de Agravos de Notificação (SINAN), do uma relação de agravamento que deve ser
Ministério da Saúde (MS), sobre situações de monitorizada com frequência (ÓRFÃO et al.,
encerramento, observou-se que a população 2021).
em situação de rua teve aproximadamente a O Brasil apresentou, em 2018, 72.788 casos
metade da probabilidade de obter sucesso no de tuberculose, dos quais 8,8% apresentavam
tratamento quando comparada à da população coinfecção TB/HIV. No tocante às pessoas
geral no país. Já as taxas de perda de HIV positivas e que são moradoras de rua, as
seguimento e óbito foram 2,9 e 2,5 vezes chances de desenvolver tuberculose são 28
maiores na população em situação de rua, vezes maiores do que na população geral.
respectivamente. Em relação ao desfecho no Outrossim, em todo o mundo, a tuberculose é a
tratamento, foi observada maior proporção na principal causa de morte nesse grupo,
população geral na região Sudeste (75,9%), mostrando a importância do combate à essa
enquanto a menor proporção foi registrada na comorbidade para a melhoria dos indicadores
região Sul para a população em situação de rua de saúde (GIOSEFFI et al., 2022).
(33,5%). Em relação a perda de seguimento do É importante destacar, ainda, que a
tratamento, a maior desigualdade relativa foi fisiopatologia das doenças não é o único
observada no Nordeste, e a maior taxa de perda motivo para prevalência e risco maiores. As
de seguimento na população em situação de rua pessoas em situação de rua estão mais sujeitas
foi registrada na região Norte. Quanto aos a outros fatores de risco que agravam ambas as
óbitos, destacaram-se negativamente no doenças, como o alcoolismo e o uso de drogas
Centro-Oeste e Norte (SANTOS et al., 2021). ilícitas, pois utilizar essas substâncias vai
interferir na continuidade do tratamento, no
Tuberculose e HIV retardo para a procura de ajuda médica
A tuberculose se apresenta como uma das especializada e até mesmo, em usuários de
coinfecções que mais frequentemente levam psicoativos, ocultar os sintomas e afetar a
94
percepção acerca da própria condição de saúde dos à unidade de referência para o proce-
(ÓRFÃO et al., 2021). dimento.
Nesse cenário, a Rede de Atenção à Saúde Há equipes conhecidas como Consultórios
ainda não se mostrou efetiva. É possível na Rua, que são a frente de trabalho para o
perceber a manutenção da cadeia de transmis- atendimento das pessoas em situação de rua.
são da TB e do HIV, já que a PSR ainda possui Porém, apesar de muitos municípios se
taxas de infecção dessas doenças maiores se enquadrarem nos requisitos para a implantação
comparadas ao restante da população. À desses consultórios, apenas 30% implantou
medida que novas modificações e implementa- essas equipes até o final de 2016. Embora
ções sejam realizadas, especialmente no perceba-se um aumento do número dessas
sistema primário, será possível alterar esse equipes entre 2016 e 2019 no território
quadro no Brasil (ÓRFÃO et al., 2021). nacional, o quadro ainda se apresenta 40%
abaixo do previsto. Essa baixa aderência ao
Despreparo dos profissionais de saúde programa é influenciada por diversos fatores,
Outrossim, os próprios profissionais da como indisponibilidade de profissionais para
saúde não recebem um treinamento correto compor as equipes, falta de priorização das
para atuar nessa parcela da população. Em um necessidades de saúde dessa população e baixo
estudo realizado por Queiroga et al. (2018), investimento pelo governo federal (SANTOS
22,2% dos profissionais entrevistados des- et al., 2021).
conhecem completamente as ações que
poderiam ser desenvolvidas para esse grupo CONCLUSÃO
especial de indivíduos e outros simplesmente O desenvolvimento de estudos científicos é
não as realizam (25,7%). Ainda de acordo com formador de informações úteis para a reali-
a pesquisa, isso se deve ao fato de que 82,5% zação de medidas voltadas ao controle da
dos pesquisados desconhecem se existe algum tuberculose adequadas à realidade da popula-
tipo de capacitação ou não a realizam, ção em situação de rua, principalmente no que
refletindo em uma repetição de atitudes no diz respeito ao aperfeiçoamento de variadas
tratamento de pessoas em situação de rua e da estratégias de detecção de TB e escolha dos
população em geral. métodos mais adequados ao cenário da PSR.
Em relação à identificação e avaliação da Destaca-se o grande rendimento da radiologia
PSR, grande parte dos profissionais realiza para a triagem de casos e a contribuição do
essa atividade apenas quando demandado cultivo para o aumento da detecção de casos.
(42,1%). Da mesma forma, a maioria dos A epidemiologia molecular, utilizada ainda
profissionais não realiza o registro dessa por poucos estudos, reflete a consequência das
população (57,9%), representando, assim, um elevadas taxas de TB em PSR, com a exclusão
desempenho primitivo. Outro problema iden- social, a falta de acesso aos serviços de saúde e
tificado ocorre na coleta de material para a a discriminação, além do adoecimento. Obser-
realização da baciloscopia no sintomático va-se, além disso, uma importante ferramenta
respiratório em situação de rua que também é para o monitoramento do desempenho das
incipiente, pois, em vez de ser realizada no medidas de controle e aponta para questões
próprio serviço, os pacientes são encaminha- operacionais que podem qualificar o manejo da

95
tuberculose nesse grupo de risco. Nota-se de desordem política, social e de recursos
lacunas de conhecimento acerca do real humanos, tais como as dificuldades para o
impacto em longo prazo da procura ativa sobre desenvolvimento de intervenções para
a epidemiologia da TB em PSR, embora a detecção precoce dos casos e a garantia de
possibilidade de um impacto positivo seja continuidade do tratamento. A vivência na rua
apontada por modelos matemáticos. Merece potencializa os riscos para a ocorrência de
especial atenção, ainda, investigar o quanto a doenças crônicas e infecciosas, bem como a
detecção precoce e a continuidade do trata- priorização de questões mais pragmáticas à
mento influenciam na melhoria dos desfechos manutenção da vida, como segurança e
de tuberculose e reduz a transmissão do bacilo. alimentação, em detrimento à saúde. Dessa
Nas pesquisas incluídas nesta revisão, a forma, a questão socioambiental é outro
descrição de como os profissionais de saúde aspecto que pode ser objeto de estudo a ser
estão despreparados para lidar com TB em um explorado pelas pesquisas com enfoque na TB
ambiente tão amplo, como as ruas, é vasta se em PSR.
comparada com as informações fornecidas Por fim, esta revisão, utilizando os diversos
sobre outros elementos do processo meto- estudos publicados, possui um objetivo amplo
dológico, como a implementação de políticas que viabilizou sumarizar uma diversidade de
que busquem melhorar as condições de vida e intervenções e desfechos mensurados nos
o acesso aos cuidados de saúde para as pessoas estudos incluídos. A discussão de resultados
em situação de rua. Essa condição de falta de produzidos por estudos brasileiros, cotejada
residência noturna fixa, regular e apropriada e, pela literatura internacional, permite aos
além disso, a necessidade de se estabelecer em profissionais e gestores da área da saúde a
abrigo ou local não destinado à habitação obtenção de informações relevantes sobre
humana podem estar relacionadas com fragili- como o problema da TB em PSR tem sido
dades para a implementação dessas políticas. abordado em diferentes contextos. Estudos
Tem sido sugerido que a TB em PSR está com o mesmo objetivo do presente trabalho
associada a características individuais e não foram até então publicados e os resultados
condição de vida nas ruas, bem como a fatores aqui descritos podem subsidiar a formulação e
ambientais. Considera-se que entre tais fatores a adoção de estratégias voltadas à melhor
ambientais se incluem, além do espaço físico, resolubilidade dos problemas associados à TB
a questão organizacional do sistema, questões em pessoas em situação de rua.

96
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acabar-com-epidemia-de-tuberculose-ate-2030. Acesso
em: 5 maio 2023.

97
CAPÍTULO 11

SÉRIE TEMPORAL DA SÍFILIS


CONGÊNITA NO PARÁ DE 2010-2019 E O
IMPACTO DA PANDEMIA DE COVID-19

ADRIANO CRIZEL DIEHL¹


ALICIA CHAVES MANITO2
ANA CLARA DE SOUSA LOPES3
ESTER GAMA CHAMBOULEYRON2
ISRAEL OSVALDO LIMA DE MELO3
GIOVANNA LOPES EVANGELISTA1
GYOVANNA CORRÊA BARATA1
LUCAS GUILHERME MEDEIROS E SILVA2
PEDRO HENRIQUE DE CASTRO SAMPAIO2
RAÍSSA VIEIRA DE SOUZA2
ROGÉRIO MONTEIRO GONÇALVES2
RONALD MELO DOS SANTOS2
VICTÓRIA BARROS PEREIRA FURTADO2
WESLEY WANDER NEGRÃO FONSECA3
YAN KENZO MOTOMYA1

1. Discente – Medicina do Centro Universitário Metropolitano da Amazônia.


2. Discente – Medicina da Universidade Federal do Pará.
3. Discente – Medicina do Centro Universitário do Estado do Pará.

PALAVRAS-CHAVE
Covid-19; Sífilis congênita; Série temporal.

98
10.59290/978-65-6029-012-9.11
INTRODUÇÃO representando um grave desafio para a saúde
A sífilis congênita (SC) é uma enfermidade pública. Dado o exposto, a ocorrência da sífilis
ocasionada pela bactéria espiroqueta Trepo- na gravidez é um problema para o país que pode
nema pallidum, que infecta o feto durante a resultar em várias complicações para a criança,
gestação, com uma infecção prévia da gestante incluindo feto natimorto, parto prematuro e um
pela sífilis primária ou secundária. A sífilis amplo espectro de lesões do bebê. “Segundo
durante a gestação pode levar ao aborto dados do SINAN, entre 1998 e 2016 foram
espontâneo e à morte perinatal. Ao nascer, a notificados 142.961 casos de sífilis congênita
maioria dos fetos são assintomáticos, podendo em menores de um ano de idade, dando
apresentar prematuridade e baixo peso destaque às regiões Sudeste e Nordeste. Houve
(GALVIS & ARRIETA, 2020). Contudo, a SC aumento de casos entre 2006 e 2015 de dois para
pode-se manifestar precocemente, até os dois 6,5 casos/1.000 nascidos vivos, entre os estados
anos de idade, ou tardiamente - após esse com taxas superiores à nacional encontra-se o
período. Os sintomas podem ser dermatoló- Rio de Janeiro, com 12,4 casos, e o Rio Grande
gicos, ósseos, oftalmológicos, auriculares, neu- do Sul, com 11,5 casos, destacando a cidade de
rológicos ou nos dentes, e, em adição, alterações Porto Alegre, com 30,2 casos por 1.000
podem ser encontradas pelos exames laborato- nascidos vivos” (BOTTEGA, 2018). Além
riais, como leucopenia e leucocitose (ROCHA disso, no pré-natal das gestantes, mais da
et al., 2021). Os recém-nascidos podem ser metade das mulheres que o realizou apresentou
tratados com antibióticos específicos logo após o diagnóstico de sífilis e boa parte delas
o parto, porém essa alternativa requer um alto descobriu a doença no período do parto no ano
nível de suspeita e um diagnóstico apropriado. de 2015 (BOTTEGA, 2018).
A SC é a segunda causa mais comum no Essa doença é transmitida verticalmente, isto
mundo de natimorto evitável, superada apenas é, quando a genitora - já diagnosticada - não
pela malária (PINTO et al., 2022). Esses dados trata ou não realiza o tratamento de forma
demonstram que, apesar do vasto conhecimento adequada. Salienta-se que a maioria das gestan-
sobre a doença, da acessibilidade às opções de tes que foram diagnosticadas no Brasil ou não
tratamento e das estratégias preventivas ao redor receberam o tratamento de maneira adequada ou
do mundo, a SC ainda é globalmente prevalente. não o adotaram, achado que pode ser explicado
Sua incidência global é impulsionada pela alta pela carência das ações de educação em saúde,
taxa de ocorrência da coinfecção com o HIV em além da baixa escolaridade. Destaca-se a maior
adultos (KOJIMA & KLAUSNER, 2018). De prevalência da infecção em gestantes jovens
acordo com uma estimativa de 2017 da (entre 20 a 24 anos), pardas, com baixa
Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca escolaridade e donas de casa, visto que o menor
de 930 mil mulheres grávidas são infectadas por acesso à informação interfere no entendimento
sífilis em todo mundo anualmente, resultando sobre a importância dos cuidados com a saúde,
em aproximadamente 143 mil mortes fetais principalmente no que se refere às medidas
precoces (PINTO et al., 2022). preventivas, resultando na interferên-cia na
A sífilis é uma doença que apresenta cadeia de transmissão. Ademais, um grande
tratamento acessível, efetivo e eficaz, contudo, fator de risco para a transmissão dessa doença
ainda exibe altas taxas de incidência, em gestantes é o fato dos parceiros sexuais
destas ou não aderirem ao tratamento ou
99
resistirem ao mesmo, o que maximiza a cadeia a 2019 e correlacionando com os registros feitos
de transmissão e as chances de elas desenvol- entre 2020 e 2021 durante a pandemia do Covid-
verem essa enfermidade em seu estágio primá- 19, objetivou-se averiguar os impactos desse
rio, principalmente no primeiro trimestre da período na vigilância em saúde construindo um
gestação (CONCEIÇÃO et al., 2019; NOVAES estudo de série temporal. “Estimativas apontam
et al., 2022). que a sífilis responde por aproximadamente 500
No ano de 1996, foi realizado um estudo mil mortes fetais a cada ano, nos quais dois
inédito na maternidade da Fundação Santa Casa milhões de gestantes estariam infectadas pelo
de Misericórdia do Pará, entre os meses de maio Treponema pallidum no mundo, sendo que 50%
a setembro, onde foram investigadas 361 mães dessas gestações terminam em morte fetal ou
e seus respectivos recém-nascidos, a partir de perinatal” (FLORES, 2011).
três métodos: teste VLDR, FTA-ABS e ELISA. Nesse sentido, o presente artigo buscou
Após os resultados, identificou-se uma taxa de expor esse declínio de notificações da doença,
sífilis congênita de 9,1% (33 casos), sendo que dessa forma, evidenciando um crescimento de
a maior parcela de mães infectadas registravam casos subnotificados que pode refletir extensi-
faixa etária entre 20 a 35 anos (81,8%) e 63,6% vamente na mortalidade infantil.
com realização de pré-natal completo
(ARAÚJO et al., 1999). MÉTODO
A SC é agravo de notificação obrigatória no É um estudo ecológico de análise temporal
Brasil desde 1986, cuja incidência é variável de com utilização de dados agregados dispo-
acordo com a região estudada (BRASIL, 2009). nibilizados pelo SINAN referentes aos anos de
No estado do Pará, de acordo com dados 2010 até 2019 no estado do Pará.
extraídos das fichas de investigação do Sistema Usou-se o site do Departamento de Informa-
de Informação de Agravos de Notificação ções do Sistema Único de Saúde (DATASUS) e
(SINAN), no período de 2010 a 2019, foram o Sistema de Informação de Agravos de
registrados 6.356 casos de sífilis congênita. As Notificação (SINAN), disponível no site
cidades de Belém, Marabá e Parauapebas DATASUS – Ministério da Saúde (saude.gov.
concentram as maiores taxas de incidência, br). Para a construção dos gráficos da série
sendo responsáveis, respectivamente, por temporal, foi utilizado o software RStudio
26,7%, 13,7% e 8,1% dos casos totais. A análise versão 4.2.3, cuja linguagem está disponibili-
estatística mostra que a ocorrência de sífilis zada gratuitamente para download, e instalou-se
congênita no estado do Pará foi crescente os pacotes forecast, ggplot2, Urca, tseries, zoo,
durante todo o período analisado e houve estrita que possibilitam o desenvolvimento da decom-
relação com mães jovens, de idade superior a 20 posição, teste de estacionariedade e previsão do
anos, tratamento inadequado ou ignorado para o série temporal estudada.
paciente, baixa escolaridade dos genitores e Para a decomposição da série temporal,
ausência de terapêutica para o parceiro, embora usou-se o método de Sazonalidade e Tendência
os índices de diagnóstico recente e pré-natal por Loess, cujo algoritmo retira o termo cíclico
tenham sido relevantes em todas as regiões da série temporal, a tendência e os valores
(SILVA et al., 2019). remanescentes permanecem com ruído branco,
Com base na compreensão dos dados elenca- isto é, o termo aleatório da série temporal. No
dos com relação à SC no estado do Pará de 2010
100
RStudio, o comando mstl (x), sendo x os valores RESULTADOS E DISCUSSÃO
referentes ao conjunto de dados registrados que A série temporal do registro de casos de SC
performam a série temporal, após carregar os no estado do Pará (Figura 11.1), tendo como
dados, o software fornece o gráfico da sazo- referência inicial o ano de 2010, apresentou
nalidade, tendência e ruído branco. Posterior- aumento constante de registros de casos,
mente, usando esses três componentes, pode-se demonstrando picos de notificações nos anos de
construir uma estimativa de valores para série 2014 (689 casos) e 2019 (937 casos).
temporal ao longo de um determinado tempo No recorte temporal apresentado foi
(SEABRA et al., 2022). No RStudio, o identificado um aumento progressivo do nú-
comando stlf (x, h= y) do pacote forecast foi mero de notificações, entretanto, houve de-
usado, sendo x a série temporal anteriormente créscimos no número de casos nos anos de 2012
decomposta e y o número de meses no futuro os (431 casos) e 2015 (667 casos) em relação aos
quais a estimativa será disponibilizada. Após anos anteriores. Por fim, o ano de 2019, que
carregar os dados, o gráfico da previsão foi encerra o período analisado, obteve mais de 900
fornecido, com a média dos valores fornecidos casos registrados desde 2010, o que segue a
integrando a tendência e a sazonalidade adquiri- tendência observada e projeta o aumento do
das anteriormente, os intervalos de confiança registro de casos para os anos seguintes.
80% e 95% são também fornecidos.
O Teste de Kwiatkowski-Phillips-Schmidt- Figura 11.1. Série temporal do registro de casos
Shin (KPSS) foi usado para verificar a notificado no SINAN entre 2010-2019

tendência. Esse método utiliza raízes unitárias


dos conjuntos de valores da série temporal para
avaliar a estacionariedade. Se p > 0,05 no teste
estatístico então a hipótese nula, a qual
identifica a série como estacionária é aceita, se
p < 0,05, então a hipótese nula é rejeitada e a
hipótese alternativa, a qual identifica a série
temporal como não estacionária, é aceita. No
RStudio, o comando test.kpss (x) do pacote
Tseries versão 0.10-53 é usado para execução
estatística de estacionariedade, sendo x a série A série temporal do registro de casos de SC
temporal fornecida previamente para o teste. No no estado do Pará mostrou uma tendência
console do RStudio, os dados da série são crescente, que representa a variável de
utilizados para o fornecimento dos p-value, velocidade da série temporal (Figura 11.2). A
KPSS level e truncation pag parameter. sazonalidade - cujo termo fixo representa o
Também é fornecida a comparação do p-value movimento periódico e cíclico que se apresenta
em relação ao valor crítico, no qual o valor de regularmente ao longo da série analisada,
0.05 foi utilizado para consideração de identificando-se assim padrões de picos,
significado estatístico. depressões e estabilidades ao longo do tempo -

101
fornecida pela decomposição STL demonstrou IC95%: 70-105) e agosto (n = 89, IC95%: 71-
aumento e diminuição do registro de casos de 106), terminando o ano de 2020 em queda:
maneira bem definida quando analisado o dezembro de 2020 com previsão de 77 casos
registro anualmente. A sazonalidade em um ano (IC95%: 59-94). Em janeiro de 2021, a previsão
analisado foi dada com média de três picos mostrou um número de 97 (IC95%: 79-114)
durante os três primeiros trimestres do ano, com casos registrados de SC, com picos em julho (n
queda progressiva no último trimestre, entre = 93, IC95%: 76-111) e agosto (n= 94, IC%95:
outubro, novembro e dezembro. O termo fixo da 77-112), encerrando o ano com 83 caso (IC95%:
série de registo adquiriu forma característica 65-100).
durante o decorrer dos anos, visto que por volta
de 2010 a 2015 a diminuição de registro no Figura 11.3. Previsões do número de notificação de SC
para os anos de 2020 e 2021
último trimestre do ano se apresentava menos
acentuada e os picos mais frequentes no começo
do ano. A partir de 2015, é bem definido o
aumento no registro de casos quando compa-
rado aos últimos meses do ano anterior, com
padrão semelhante até o final de 2019. O ruído
branco, cujo conteúdo representa os valores que
escapam ao esperado em relação à sazonalidade
e à tendência, mostrou-se como um resíduo
aleatório.
Legenda: Média de casos previstos em azul, intervalos de
Figura 11.2. Decomposição da série temporal de SC no confiança 95 e 80%, sombras mais claras e sombra mais
Pará entre 2010-2019 escura, respectivamente.

A SC no Pará, com base na análise do gráfico


que apresenta a série temporal de 2010 a 2022,
revela alguns aspectos relevantes, especial-
mente durante o período da pandemia. O gráfico
compara a linha azul, que representa a previsão
dos casos baseada na tendência observada nos
anos anteriores, com a linha vermelha, que
indica oficialmente o registro de casos no
cenário pandêmico. Um relevante ponto obser-
vado na pesquisa foi o decréscimo significativo
O teste KPSS demonstrou série não de casos registrados e, nos últimos meses de
estacionária (p = 0.01) de SC no Pará. A 2021, constatou-se a ausência de dados, o que
previsão de casos registrado para o ano de 2020 levanta a hipótese da possibilidade de
e 2021 pelo método de STL (Figura 11.3) subnotificação.
utilizou a sazonalidade descrita e a tendência Ao analisar o gráfico de comparação (Figura
descrita anteriormente, com pico de registro em 11.4), surge a pergunta sobre a representa-
janeiro (n = 91, IC95%: 74-109), maio (n = 87, tividade da linha vermelha, que supostamente

102
reflete a ocorrência real de SC no Pará. É crucial da SC nesse período. Essa ausência pode ser
considerar se essa linha está de acordo com a resultado de atrasos na notificação, sobrecarga
sazonalidade e a tendência observada nos anos dos sistemas de saúde ou outros fatores
anteriores. Se a linha vermelha for muito menor relacionados à pandemia. Portanto, é necessário
do que o esperado com base nos padrões cautela ao interpretar os dados e reconhecer as
históricos, isso poderia indicar subnotificação possíveis limitações associadas à falta de
sistemática dos casos durante o período da informações atualizadas.
pandemia. Diante dessas observações, torna-se necessá-
rio investigar mais profundamente a subnotifi-
Figura 11.4. Comparações entre a previsão e o registro cação dos casos de SC durante a pandemia.
real disponibilizado pelo SINAN no registro de SC entre
2020 e 2021 Segundo Ramos Júnior (2022), estudos adicio-
nais podem ser realizados para compreender o
impacto da crise de saúde na vigilância epide-
miológica da doença, identificar os fatores que
contribuíram para a diminuição dos registros e
propor estratégias para melhorar a detecção e o
monitoramento da SC, garantindo uma resposta
adequada para prevenção e tratamento.
A análise cuidadosa do gráfico da série
temporal da SC no Pará, especialmente durante
o período da pandemia, sugere a possibilidade
Legenda: Média de casos previstos em linha azul, de subnotificação dos casos e destaca a
intervalos de confiança 95 e 80%, sombra mais clara e
sombra mais escura, respectivamente, número real de importância de se considerar os efeitos da crise
casos registrados no SINAN em linha vermelha. sanitária na vigilância epidemiológica. Essa
discussão inicial fornece uma base sólida para
A subnotificação dos casos de SC é um
investigações futuras e ressalta a necessidade de
desafio enfrentado em muitos contextos, e a
abordar a questão da subnotificação para uma
pandemia pode ter exacerbado esse problema.
compreensão mais precisa da situação da SC no
Restrições de acesso aos serviços de saúde,
estado.
redistribuição de recursos para o enfrentamento
Durante o período pandêmico analisado, foi
da Covid-19 e alterações nos protocolos de
observada uma queda na notificação de casos de
atendimento podem ter contribuído para a
SC, refletindo os impactos da epidemia global
diminuição dos registros de casos durante o
de Covid-19 nas notificações compulsórias da
período analisado (KOJIMA & KLAUSNER,
doença em questão. Há diversas possíveis
2018). Essa redução aparente não necessaria-
causas para o fenômeno ocorrido. Dentre elas,
mente reflete uma diminuição real na ocorrência
cabe citar que o momento pandêmico da Covid-
da doença, mas a dificuldade em detectar e
19 foi marcado por uma saturação da
registrar adequadamente os casos durante a crise
capacidade de atuação do sistema de saúde, que
sanitária.
sofreu com o esgotamento de recursos para
É importante considerar que a falta de
tratar os pacientes infectados com o vírus e com
registros de dados nos últimos meses de 2021
o esgotamento mental e físico dos profissionais
pode não ser um reflexo preciso da incidência
de saúde (SALLAS et al., 2022). Esse contexto
103
fez com que os serviços de saúde priorizassem maiores riscos de desenvolver complicações ao
o combate à pandemia, reduzindo o destino de nascer, como baixo peso, doenças neurológicas,
recursos para o controle epidemiológico de surdez, cegueira e morte prematura. Além disso,
outras doenças, como a SC. quando não diagnosticados precocemente, há
É importante destacar que, durante o período prejuízos sanitários, além de influência negativa
da pandemia, houve uma diminuição da busca e no bem-estar das famílias envolvidas (BRASIL,
do acesso a serviços de saúde, visto que os 2022).
lockdowns e o receio de frequentar determina- As gestantes, ao não terem o tratamento e
dos espaços fizeram com que muitas pessoas rastreamento correto, podem transmitir a doença
reduzissem a ida a esses serviços (BRITO et al., aos parceiros sexuais, perpetuando a doença em
2022). Esse fato teve impacto na notificação um ciclo familiar e até mesmo externo (COSTA
compulsória de muitas doenças que ocorrem na et al., 2010). Tudo isso aumenta a prevalência
atenção básica. da doença e dificulta seu controle e prevenção.
A literatura mostra que notificação, trata- As epidemias suscitam uma demanda
mento e prevenção de outras doenças também econômica no sistema de saúde público, que terá
foram afetados pela pandemia da Covid-19 mais gastos com medicamentos e profissionais
(BRITO et al., 2022). A exemplo, cabe citar para a contenção da doença instalada (BRASIL,
uma redução das internações por leptospirose na 2008). O tratamento da sífilis congênita é
região Norte, que tiveram uma queda de 79% no custoso e demorado, além de poder haver
Amapá (BRITO et al., 2022). Algumas doenças complicações, o que demanda mais gastos com
infectocontagiosas também tiveram a sua remédios e hospitalização (BRANDÃO et al.,
notificação afetada pela pandemia, como a 2023).
meningite, que se apresentou como uma das Dessa forma, diante de todas essas pro-
mais afetadas, tendo uma queda de 73% de 2019 blemáticas, são necessárias medidas para
para 2020, na região Norte (BRITO et al., combater e proteger a saúde da população da SC
2022). Outra doença que foi profundamente e de outras ISTs, dentre elas a promoção da
afetada pela pandemia da Covid-19 foi a vigilância em saúde, o fortalecimento do
hanseníase, com queda do número de diagnós- incentivo à realização do pré-natal em gestantes
ticos, que costumam ser feitos na atenção e a educação em saúde para a comunidade geral.
básica, associada com uma subnotificação dos A vigilância em saúde é o ponto de partida
novos casos da doença (BRASIL, 2023). para que muitas doenças sejam rastreadas em
A vigilância adequada em saúde é uma uma população. Com a atenção em saúde atenta
conduta crucial na diminuição dos casos de e atualizada, as infecções podem ser contidas e
infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) em tratadas, principalmente no que diz respeito às
uma população. Contudo, atualmente, o Pará ISTs, que possuem disseminação silenciosa -
apresenta um significativo déficit de moni- característica decorrente da falta de conhe-
toramento, visto que os números de casos de SC cimento da população e da “vergonha” de ser
têm aumentado nos últimos anos. Como identificado como um portador da enfermidade
consequência, são observados impactos na (LAFETÁ et al., 2016).
saúde pública, como o aumento na transmissão Como mencionado anteriormente, o pré-
da doença e a alta morbidade e mortalidade natal é uma forma eficaz e segura de identificar
infantil. Bebês contaminados pelas mães correm e tratar possíveis doenças que a gestante possa
104
vir a apresentar e transmitir ao feto, além de incluindo a sífilis congênita, só podem ser
garantir um tratamento precoce e adequado aos tratadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS)
assistidos (FIGUEIREDO et al., 2020). (BRASIL, 2022), a preservação e o
Ao propagar o conhecimento entre a popu- fortalecimento estrutural da saúde pública são
lação, doenças epidêmicas podem ser identifica- fundamentais para garantir o tratamento
das. Conhecer sobre as formas de transmissão, adequado em larga escala. Tal situação
de sintomas e de prevenção ajuda a população a demanda uma reforma basal no sistema, desde
procurar o sistema de saúde quando perceberem ampliação e ajuste no modelo de educação em
alguma alteração em seu bem-estar e corpo, saúde oferecido aos usuários, de modo que
fazendo com que muitas doenças possam ser possam compreender, dentro de uma visão
tratadas e contidas com eficiência (OPAS, prática, como identificar sinais e sintomas, até o
2010). início do tratamento, quando necessário.
Somente por esse meio pode ser garantida a
CONCLUSÃO superação das disparidades socioeconômicas no
Em suma, observa-se que há fragilidades acesso ao diagnóstico e tratamento da sífilis
quanto à vigilância de ISTs, além de múltiplos congênita, bem como de outras ISTs, ameni-
fatores relacionados à perspectiva pessoal do zando seus impactos na saúde da população.
paciente que podem influenciar em sua aderên- Assim, os princípios do SUS serão uma reali-
cia ao tratamento. Visto que algumas ISTs, dade para todos os usuários.

105
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24, e1003, 2019.

106
CAPÍTULO 12

PAPEL DO ENFERMEIRO FRENTE ÀS


ENTEROPARASITOSES NA INFÂNCIA:
REVISÃO INTEGRATIVA

KALINE LORRANY MENDES DA SILVA¹


TAINAH CRISTINA DE ARAÚJO FERREIRA DANTAS¹
FRANCISCO ADALBERTO DO NASCIMENTO PAZ²

1. Discente – Enfermagem do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA.


2. Docente – Enfermagem do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA.

PALAVRAS-CHAVE
Crianças; Parasitose intestinal; Cuidados de enfermagem.

107
10.59290/978-65-6029-012-9.12
INTRODUÇÃO creches ou escolas. As crianças ficam mais
Os seres que sobrevivem se beneficiando de vulneráveis à exposição dos parasitas, a partir da
um organismo hospedeiro é denominado execução de hábitos inadequados como a
parasita. Os mesmos podem ser denominados ausência de higiene, levar objetos desconhecidos
ectoparasitos quando sobrevivem externamente à boca, alimentação com pouca ou ausência da
ao corpo do hospedeiro e enteroparasitos quando higiene correta (MUNARETTO et al., 2021).
vivem no interior do corpo do hospedeiro. O As principais adversidades causadas pelas
parasitismo é uma relação entre seres vivos, enteroparasitoses na infância estão relacionadas
sendo que apenas um dos envolvidos se favorece, à imaturidade do sistema imunológico, visto que
ou seja, o hospedeiro é o prejudicado pois abriga indivíduos entre 0 a 12 anos o sistema imuno-
o parasita (ENGLISH et al., 2020). lógico estão em desenvolvimento, apresentando
Os enteroparasitas são seres que habitam o dificuldades de combater os parasitas (SILVA &
interior do sistema gastrointestinal e sobrevivem ALMEIDA, 2022).
através da absorção de substâncias necessárias Os danos causados pelos enteroparasitas
para a sobrevivência humana. Dentre os podem incluir, entre outras manifestações,
principais enteroparasitas, destacam-se os desnutrição (A. lumbricoides e T. trichiura),
helmintos, como Ascaris lumbricoides, Tenia obstrução intestinal (A. lumbricoides), anemia
solium/sarginata, Schistossoma mansoni, Ancy- por deficiência de ferro (ancilostomídeos), má
lostoma duodenalis/Necator Americanus, absorção e quadros de diarreia (E. histolytica e
Enterobius vermiculares, Trichuris trichiura e G. lamblia). As mais frequentes enteropara-
Strongyloides stecoralis. Entre os protozoários sitoses estão associadas a infecções por
patogênicos mais comuns estão Giardia lamblia Cryptosporidium parvum e Giardia lambia
e Entamoeba histolytica (CHAVES et al., 2021). (protozoários), que são causadores de diarreia
As enteroparasitoses são consideradas um dos persistente, gerando um quadro de saúde grave e
mais graves problemas de saúde pública, podendo refletir de forma negativa no desen-
principalmente nos países subdesenvolvidos e volvimento nutricional, físico e psicológico das
em desenvolvimento. A forma mais frequente da crianças (KROLEWIECKI & NUTMAN, 2019;
transmissão das parasitoses intestinais ocorre por ALMEIDA et al., 2017).
vias orais-fecais, associadas a fatores socioe- A equipe de enfermagem atua no
conômicos (saneamento básico, condições da enfrentamento das enteroparasitoses, no âmbito
água para consumo, qualidade de habitação, da implementação de medidas profiláticas e ao
práticas de higiene e consumo de alimentação, desenvolvimento de ações educativas de saúde,
acesso da sociedade aos antiparasitários) principalmente em escolas e creches direcio-
ambientais (solo e clima), e relacionados ao nadas aos pais e professores sobre a importância
hospedeiro (sistema imunológico, microbiota da profilaxia. A equipe da Estratégia Saúde da
intestinal/parasito) (ASSANDRI et al., 2018). Família (ESF) realiza visitas domiciliares à
As infecções parasitárias podem ocorrer em comunidade para verificar os grupos de riscos,
qualquer faixa etária, entretanto, sua maior agendar consultas e realizar ações de vigilância
frequência é vista em crianças. O maior índice epidemiológica (CHAVES et al., 2021;
ocorre no período de desmame, início da AVELINO et al., 2022).
introdução de novos alimentos, e no início da Diante disso, o enfermeiro é o profissional de
frequência de ambientes educacionais, como as saúde responsável por um papel cada vez mais

108
importante no que se refere à identificação das pesquisas, além de conter definições conceituais,
necessidades e demandas de cuidados da revisão de teorias, evidências e análise de
população. O enfermeiro atua compartilhando problemas metodológicos, ocasionando uma
seu conhecimento científico para tratamento e reflexão para a realização de estudos futuros. O
prevenção de doenças, realizando um trabalho de método teve como propósito inicial adquirir um
educação em saúde para que se possa, por meio entendimento acerca de um fenômeno exposto
da educação, melhorar higiene e saneamento e em questões com embasamento em estudos
dar orientações a pais, responsáveis e crianças anteriores (SOUSA et al., 2018).
sobre as formas corretas de higiene e saneamento A revisão integrativa é sequenciada em seis
(LOPES et al., 2021; BRITO et al., 2019). fases, sendo: 1 - Delimitação do tema e escolha
O presente estudo justifica-se pela da questão de pesquisa; 2 - Organização dos
importância de ampliar o conhecimento social critérios de inclusão e exclusão de publicações ou
sobre a prevalência das doenças parasitárias busca na literatura; 3 - Identificação e caracteri-
intestinais no público infantil e as principais zação das publicações selecionadas; 4 - Análise
práticas do enfermeiro frente a tais infecções das publicações incluídas; 5 - Compreensão dos
diante da fragilidade da higiene e do saneamento resultados; 6 - Apresentação da revisão integra-
sanitário em países subdesenvolvidos ou em tiva da literatura (SOUSA et al., 2018).
desenvolvimento. Além disso, é essencial que as Para a elaboração da pergunta norteadora,
evidências científicas acerca do assunto exposto empregou-se a estratégia População - Interesse -
sejam exploradas considerando os impactos Contexto (PICo), na qual foi considerado: (P)
positivos para acadêmicos e profissionais. Crianças; (I) Doenças Parasitárias; (Co) Cuida-
Para atender a esta questão, o objetivo deste dos de Enfermagem.
estudo foi buscar evidências científicas acerca A partir da pergunta norteadora foi possível a
das principais estratégias da equipe de enferma- identificação dos descritores controlados, seus
gem no âmbito de prevenção, tratamento e reabi- sinônimos indexados na base Descritores em
litação de crianças com infecções parasitárias. Ciências da Saúde (DeCS), junto aos corres-
pondentes indexados na Medical Subject
MÉTODOS Headings (Mesh-terms). Os descritores foram
Esse estudo é uma revisão integrativa da associados por operadores booleanos AND e OR
literatura, que consiste na construção de uma para que fossem elaboradas estratégias de busca
análise abrangente de dados provenientes da amplas para a proposta dessa pesquisa. Assim, os
literatura, sendo utilizados como auxílio para descritores foram extraídos a partir da estratégia
discussões sobre métodos e resultados de apresentada no Quadro 12.1, a seguir:

Quadro 12.1. Estratificação da pergunta de pesquisa: estratégia PICo e descritores controlados

PICo Componentes Descritor DeCs/Mesh


Crianças
P Crianças Child
Niño
Infecções Parasitárias; Infestações Parasitárias; Parasitismo;
Doenças Parasitoses
I
Parasitárias Parasitic Diseases
Enfermedades Parasitarias

109
Assistência de Enfermagem; Atendimento de Enfermagem;
Cuidados Sistematização da Assistência de Enfermagem
Co
de Enfermagem Nursing Care
Atención de Enfermería
Legenda: MeSH = vocabulário controlado da base Pubmed; DeCS = Vocabulário controlado.

A estratégia de busca aplicada contemplou ses. Alguns limites foram aplicados, como idio-
uma série de palavras-chave relacionadas com ma português, inglês e espanhol e texto completo
crianças, assistência de enfermagem e parasito- (Quadro 12.2).

Quadro 12.2. Expressão de busca utilizada nas bases de dados


Base de Dados Expressão de busca
(crianças) OR (child) OR (niño) AND (parasitose intestinal) OR
Via BVS (infecções parasitárias) OR (parasitic diseases) OR
BDENF (enfermedades parasitarias) AND (assistência de enfermagem)
LILACS OR (enfermagem) OR (nursing care) OR (atención de
MEDLINE enfermería) AND ( fulltext:("1") AND db:("MEDLINE" OR
"LILACS" OR "BDENF"))
Via PORTAL CAPES
Child AND parasitic diseases AND nursing care
Web of Science

O levantamento foi realizado através de excluídos artigos duplicados (n = 1.612),


pesquisas em artigos científicos de revistas totalizando 1.575 estudos, os quais foram
listadas em acervos eletrônicos nas bases de submetidos aos critérios de elegibilidade. Foram
dados Web of Science, Literatura Latino- excluídos artigos escritos em outro idioma (n =
Americana e do Caribe em Ciências da Saúde 124), excluído por apresentar método não claro,
(Lilacs), Base de Dados de Enfermagem ou eram revisão, editoriais (n = 471), não
(BDENF) e MEDLINE. abordavam assistência de enfermagem (n = 421),
Para inclusão dos artigos no estudo foram aplicado em faixa etária superior a 12 anos (n =
considerados como critérios de inclusão: textos 477). Restaram 82 estudos que foram submetidos
originais, sem delimitação, estudos que apresen- à leitura do texto completo. Destes, 70 foram
taram uma amostra mista de crianças e excluídos por não atenderem a questão de
adolescentes com diagnóstico de enteroparasito- pesquisa, apresentarem métodos frágeis ou
ses entre 0-12 anos, publicados no idioma tratarem de outras patologias. A amostra final foi
português, inglês e espanhol que responderam à constituída por 12 estudos.
pergunta norteadora da pesquisa. Excluíram-se A avaliação da qualidade metodológica dos
artigos duplicados, cartas, dissertações, mono- estudos realizou-se a partir da classificação
grafias e pesquisas com amostras com idade quanto ao nível de evidência, considerando os
superior a 12 anos e crianças com outras níveis: I - estudos de metanálises de estudos
patologias. controlados e randomizados; II - estudos experi-
O processo de análise dos estudos encontrados mentais; III - estudos quase-experimentais; IV -
foi iniciado pela inserção das estratégias de busca estudos descritivos/não experimentais ou quali-
nas bases de dados. Na busca, foram encontradas tativos; V - relatos de experiência e de caso; VI -
3.187 publicações, sendo LILACS (n = 443), opiniões ou consenso de especialistas (LUD-
BDENF (n = 19), MEDLINE (n = 1.455), Web of WIG, 2017).
Science (n = 1.270). Em seguida, foram

110
Os estudos foram organizados em quadro estudos), bem como aqueles no idioma português
descritivo dividido em categorias, sendo elas: (7 estudos). O país com o maior número de
autores, ano, país de publicação, objetivos, publicações foi o Brasil (7 estudos). A maioria
método utilizado e nível de evidência. dos estudos possuía abordagem qualitativa dos
dados (6 estudos). Quanto à assistência de
RESULTADOS E DISCUSSÃO enfermagem, notou-se que a educação em saúde
A amostra foi composta por 12 estudos, sendo (9 estudos) foi a estratégia mais comum entre os
descritos a seguir por quadro-síntese das artigos que compuseram a amostra. O nível de
principais variáveis relacionadas à questão de evidência mais comum entre os artigos que
pesquisa (Quadro 12.2). Há destaque para compuseram a amostra foi o nível IV (10
estudos que foram realizados no ano de 2019 (5 estudos).

Quadro 12.3. Descrição da amostra por autor, ano, país, objetivo, metodologia, nível de evidência e papel do cuidador ao
idoso diabético

Metodologia/Faixa
Autor/ano/país Objetivo etária/Nível de Papel do enfermeiro
evidência
Elaborar um modelo de
Intervenção educacional,
Rosa et al. intervenção na promoção da Estudo qualitativo
sendo realizado ciclo de
(2020) saúde, incluindo sistema de Crianças de 6 a 11 anos
palestras para professores
Uruguai saúde, promotores, professores, NE IV
e alunos
alunos e comunidade
A enfermagem teve uma
Averiguar o papel do Enfermeiro abordagem insuficiente
Brito et al. Estudo qualitativo
da Estratégia Saúde da Família na assistência a
(2019) Crianças de 0 a 10 anos
frente às infecções enteroparasitoses em
Brasil NE IV
enteroparasitárias na infância crianças no sistema de
saúde
Identificar os fatores de risco
Kassaw et al. Estudo qualitativo
para doenças parasitárias Identificação de fatores
(2019) Crianças de 0 a 5 anos
intestinais entre crianças pré- de risco
Etiópia NE IV
escolares na Etiópia
Silva et al. Intervenções de saúde escolar Estudo qualitativo Educação em saúde
(2019) abordando infestações de Crianças de 8 e 9 anos utilizando atividades
Brasil parasitoses intestinais NE IV lúdicas e interativas
Mobilização comunitária
Avaliar o papel do enfermeiro na Pesquisa qualitativa
Butera et al. de educação em saúde
prevenção dos riscos associados transversal
(2019) para os pais de crianças
às parasitoses intestinais em Crianças de 0 a 2 anos
Ruanda em situações de risco
crianças NE IV
para enteroparasitoses
Determinar os fatores de risco de Elaboração de um plano
Sousa et al. Estudo qualitativo
doenças parasitárias intestinais de cuidado social e
(2019) Crianças de 7 a 10 anos
em crianças frequentadoras de individual com ênfase na
Brasil NE IV
uma escola pública municipal educação em saúde
Elaborar um plano de
Silva & Braga Elaborar um plano de profilaxia Pesquisa qualitativa
profilaxia, orientando
(2018) voltado para a prevenção de Crianças de 2 a 5 anos
sobre medidas de higiene
Brasil enteroparasitoses em crianças NE IV
no ambiente e pessoas
Relatar a experiência de uma Educação em
Dias et al. intervenção em saúde com Relato de experiência saúde com escolares do
(2018) escolares do ensino fundamental Crianças de 6 a 11 anos ensino fundamental
Brasil de uma escola pública em zona NE V utilizando estratégia
rural audiovisual

111
Analisar o conhecimento de Estudo quase
Justino et al. Educação em saúde
crianças sobre enteroparasitas e experimental
(2018) utilizando jogo de
realizar intervenção Crianças de 6 a 12 anos
Brasil tabuleiro
abordando prevenção de doenças NE III
Descrever assistência do
Educação em saúde
Novaes et al. enfermeiro em escolares Relato de experiência
utilizando vídeos sobre
(2017) utilizando atividades lúdicas Crianças de 7 a 11 anos
enteroparasitoses e
Brasil como prevenção de parasitoses NE V
medidas de profilaxia
intestinais em crianças
Enfatizar a eficácia da aplicação
Santos et al. de atividade lúdica por Estudo qualitativo Educação em saúde
(2016) enfermeiros para os processos de Crianças de 8 a 10 anos utilizando massinha de
Brasil ensino e aprendizagem de NE IV modelar
parasitas intestinais
Educação em saúde na
comunidade para crianças
Gomes et al. Descrever o efeito da educação Pesquisa qualitativa
e familiares, utilizando
(2016) em saúde para os familiares de Crianças de 2 a 10 anos
roda de conversas e
Brasil crianças sobre enteroparasitoses NE IV
esclarecimento de
dúvidas

Os resultados apontam o papel enfermeiro para crianças, abrindo espaço para esclareci-
frente às enteroparasitoses nos aspectos de mento de dúvidas, investigação sobre os hábitos
prevenção, utilizando intervenções de saúde de higiene da criança e incentivo a práticas
escolar com utilização de jogos lúdicos (SILVA preventivas. Assim, fica evidente a importância
et al., 2019; DIAS et al., 2018; SANTOS et al., da colaboração de enfermagem nas escolas,
2016; NOVAES et al., 2017; JUSTINO et al., com o intuito de reverter o quadro das
2018) e orientações e saúde comunitária, parasitoses e transformar a visão das crianças
englobando pais, professores e crianças (ROSA sobre métodos preventivos (DIAS et al., 2018).
et al., 2020; GOMES et al., 2016; SILVA & Corroborando os dados acima, outra
BRAGA, 2018; BUTERA et al., 2019), além da pesquisa de intervenção foi realizada no Ceará
busca ativa de fatores de risco (SOUSA et al., com crianças de 8 e 9 anos, em que a
2019; KASSAW et al., 2019; BUTERA et al., enfermagem realizou atividades lúdicas, como
2019). Entretanto, também foi verificada a teatro de fantoches, cartazes com ilustrações,
carência da assistência de enfermagem (BRITO vídeos e rodas de conversas utilizando uma
et al., 2019). linguagem acessível ao contexto educacional e
A educação em saúde é uma ferramenta faixa etária das crianças. As atividades abor-
essencial em todas as faixas etárias, auxiliando daram infecções parasitárias, sinais e sintomas,
em prevenção, compreensão e tratamento de fatores de risco, métodos de prevenção e
patologias. A equipe de enfermagem realizou esclarecimento de dúvidas. Constatou-se que
um estudo de intervenção educacional em uma após o processo de intervenção as crianças
escola infantil com crianças brasileiras de 6 a apresentaram uma construção satisfatória sobre
11 anos, utilizando uma apresentação lúdica de técnicas de profilaxia, construção e compreen-
audiovisual como ferramenta para apresentar as são sobre parasitas e melhor identificação de
parasitoses intestinais, os fatores de riscos e os sintomas (SILVA et al., 2019).
métodos de higiene. Além disso, foi realizada Outra pesquisa brasileira avaliou o
uma roda de conversa aberta, com uma conhecimento de crianças de 6 a 12 anos sobre
linguagem apropriada e de fácil entendimento hábitos de higiene, utilizando um material

112
lúdico contendo figuras sobre os métodos de sobre contaminação, sintomas e prevenção dos
prevenção. Foi observado que as crianças parasitas intestinais, buscando a atenção das
tinham um bom conhecimento sobre os hábitos crianças com conteúdo de imagem e vídeos
de higiene apontados, como tomar banho, retratando os principais enteroparasitas. Foi
cuidar das unhas, lavar os alimentos antes de observado que o conteúdo teve um alcance
ingerir, andar de sapatos, não roer unhas e satisfatório e as crianças conseguiram trans-
tomar água filtrada. Após a aplicação do mitir o conhecimento através da construção de
formulário investigativo, foi realizada uma parasitas intestinais utilizando massinhas de
intervenção educacional utilizando o jogo de modelar (SANTOS et al., 2016).
tabuleiro como ferramenta. O jogo objetivou No Uruguai, foi realizada uma intervenção
estimular a criança a esclarecer dúvidas, educacional em que os profissionais de
auxiliar na prevenção das parasitoses e enfermagem realizaram educação em saúde
modificar hábitos de risco e fortalecer o para professores e crianças de 6 a 11 anos. Os
processo de educação em saúde dentro e fora do professores receberam palestras sobre educação
ambiente escolar. Diante disso, fica evidente em saúde escolar e medidas profiláticas contra
que a amplificação da assistência gerou uma as enteroparasitoses no contexto infantil. Foram
ressignificação na compreensão e prevenção realizadas peças de teatro e distribuição de
das enteroparasitoses (JUSTINO et al., 2018). material ilustrativo, além de jogos educativos
A utilização do jogo foi destaque entre as sobre o tema proposto. Nota-se que a
estratégias de educação em saúde para crianças intervenção foi um forte veículo na modificação
de 7 a 11 anos em uma escola no estado de dos estilos de vida não só das crianças, mas
Minas Gerais. Os profissionais de enfermagem também dos educadores e adultos responsáveis
realizaram uma intervenção com as crianças, por elas (ROSA et al., 2020).
apresentando um conteúdo ilustrativo de vídeo, Nesse sentido, no Pará, o alto índice de
áudio e explicações sobre ciclo biológico, enteroparasitoses em crianças é um agravo sério
sintomas, transmissão e prevenção dos na saúde pública. Diante disso, uma pesquisa
principais parasitas intestinais que acometem os realizada com crianças de 2 a 5 anos buscou
escolares. Após a explicação, foram realizados realizar um plano de cuidado baseado em
jogos da memória e jogos de perguntas e estratégias de prevenção à contaminação. O
respostas com premiações para estimular as plano foi constituído de orientações sobre o
crianças e verificar a aprendizagem. A proposta tratamento da água do poço artesiano, distribui-
de intervenção foi positiva para as crianças e ção de hipoclorito de sódio a 2,5% para utilizar
educadores, ampliando o conhecimento e duas gotas a cada litro de água antes da infesta-
aproximando as crianças do sistema de saúde ção, cuidados na lavagem de alimentos, cozi-
(NOVAES et al., 2017). mento e observação das carnes, além de
Outra pesquisa realizada em Minas Gerais orientações sobre lavagem das mãos (SILVA &
utilizou a massinha de modelar para estimular BRAGA, 2018).
alunos de uma escola estadual na faixa etária de A educação em saúde voltada para os
8 a 10 anos a identificar os principais parasitas familiares e crianças de 2 a 10 anos foi destaque
intestinais que acometem crianças. No âmbito em uma pesquisa realizada no Maranhão. O
educacional, a enfermagem é um educador profissional de enfermagem membro da ESF
capacitado para realizar atividades lúdicas realizou ações em comunidades periféricas,

113
promovendo aos familiares interações em Entamoeba coli foi mais prevalente entre as
grupos, rodas de conversas, esclarecimento de crianças. O plano de cuidado contempla
dúvidas, orientações sobre a importância da estratégias de educação em saúde, orientações
higiene pessoal e das crianças e cuidado com o sobre medidas de higiene, incentivo a buscar a
preparo dos alimentos, evidenciando a impor- unidade básica de saúde e encaminhamento
tância de saneamento básico, consumo da água para realização de exames laboratoriais
filtrada/fervida, lavagem das mãos antes das (SOUSA et al., 2019).
refeições e após o uso dos sanitários. Para as Em Ruanda também foi realizado um estudo
crianças, foram realizados jogos interativos e com crianças menores de 2 anos em que a
apresentação de teatro. A intervenção teve enfermagem veio a identificar os fatores de
resultado positivo, visto que as crianças e os risco associados à infecção parasitária. A
pais se mostraram mais estimulados e atentos às maioria dos relatos indica que o alto índice de
medidas de profilaxia (GOMES et al., 2016). enteroparasitoses está relacionado ao consumo
Por outro lado, foi realizada uma pesquisa no de água não tratada, contato direto com o gado
Piauí com pais de crianças de 0 a 10 anos no agregado familiar, ausência de medidas
acompanhados por enfermeiros da ESF. As preventivas de higiene, cozimento inadequado
crianças apresentam diagnóstico positivo para da carne e lavagem insuficiente de frutas e
infecções pelo parasita intestinal giardíase, com vegetais. Diante disso, o profissional enfermei-
sintomas de diarreia, vômitos, desidratação, ro traçou medidas de controle como mobiliza-
emagrecimento, manchas na pele e dores ção comunitária em relação ao tratamento de
abdominais. Os pais relataram que não houve água, à melhoria do saneamento e à manutenção
uma assistência adequada da equipe de da adesão regular aos programas de despara-
enfermagem, negando periodicidades de con- sitação para crianças (BUTERA et al., 2019).
sultas e encaminhamentos para o tratamento No mesmo parâmetro, na Etiópia, foi
adequado, ausência de conhecimento sobre as realizada uma pesquisa de delimitação de
enteroparasitoses, condições de vulnerabilida- fatores de risco em crianças de 0 a 5 anos, onde
de, exposição aos riscos e medidas inadequadas foram observados fatores de risco modificáveis
de profilaxia, além da carência de notificação e evitáveis. Dentre os fatores, foram eviden-
nos prontuários sobre as condutas realizadas ciados: eliminação de excrementos perto de
(BRITO et al., 2019). casa, ausência do uso de medicamento para
Partindo do parâmetro de investigação de desparasitação, contato direto com animais,
vulnerabilidade e fatores de risco, foi realizado higiene precária, pouco conhecimento social
um estudo no estado do Maranhão com crianças sobre a importância das medidas de higiene e
de 7 a 10 anos que frequentavam uma escola investimento precário do governo em sanea-
municipal. A equipe de enfermagem realizou mento básico. A responsabilidade do profissio-
assistência na investigação de fatores de risco e nal de enfermagem compreendeu a realização
identificação dos parasitas intestinais com o de condutas básicas na comunidade, como o
intuito de traçar um plano terapêutico coletivo incentivo à ingestão periódica de antiparasitá-
ou individual. Os principais fatores de risco rios, transformação dos hábitos de higiene e
encontrados foram esgoto inadequado, consu- cuidados em relação ao contato direto com
mo de água sem tratamento e carência em animais, além de campanhas de educação em
relação à higiene das mãos. O parasita

114
saúde e visitas domiciliares frequentes (KAS- saúde para comunidade e professores é
SAW et al., 2019). indispensável na elaboração de um plano de
cuidado baseado na situação social de cada
CONCLUSÃO região, no incentivo à ingestão periódica de
Os resultados enfatizam a importância do antiparasitários, no desenvolvimento de
papel do enfermeiro na educação escolar, sendo melhores hábitos de higiene, no cuidado com o
responsável por transmitir informações de preparo dos alimentos e nas orientações sobre a
acordo com a faixa etária abordada. A utili- fervura e filtragem da água.
zação do lúdico é uma ferramenta fundamental Os resultados apresentados poderão
para transmitir o conhecimento de forma eficaz contribuir para qualificar a assistência de
e de acordo com o entendimento infantil, enfermagem voltada a estratégias de educação
favorecendo a interação das crianças com escolar de modo que atenda o conhecimento de
professores e profissionais de enferma-gem, diferentes faixas etárias, mobilização social,
facilitando a busca de fatores de risco e busca ativa de fatores de risco, acompanhamen-
vulnerabilidades, orientações sobre profilaxias to na unidade básica de saúde e elaboração de
e identificação de sinais e sintomas. um plano assistencial de qualidade.
Além disso, a busca de fatores de risco e a
mobilização social baseada na educação em

115
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KROLEWIECKI, A. & NUTMAN, T.B. Strongy-
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116
CAPÍTULO 13

INCIDÊNCIA E PREVALÊNCIA DOS


VARIADOS TIPOS DE HEPATITE
EXISTENTES NO TERRITÓRIO
BRASILEIRO
AMANDA KLEIN GAIOTTI¹
CAROLINA BORGES DE CARVALHO PINTO¹
GABRIELA NOGUEIRA NASCIMENTO¹
GABRIELA OLIVEIRA CASSARO¹
ISABELLA FAVORETTI NICHIO¹
JÚLIA ALTOÉ GAMA¹
JÚLIA OLIVEIRA BAIENSE¹
MICHELLE RODRIGUES FASSARELLA¹
THAINÁ REGIANE OLIVEIRA¹

1. Discente – Medicina do Centro Universitário Multivix Vitória.

PALAVRAS-CHAVE
Hepatite; Incidência; Prevalência.

117

10.59290/978-65-6029-012-9.13
INTRODUÇÃO seja individualizado a cada um, visando evitar
As hepatites são doenças inflamatórias que desde as complicações mais simples às mais
acometem a região do fígado, podendo derivar complexas, garantindo longevidade e
de diversos fatores, como infecções virais de qualidade de vida aos pacientes (FERREIRA
diferentes agentes etiológicos, uso indiscrimi- & SILVEIRA, 2004).
nado de bebidas alcoólicas, terapias farmacoló- Em suma, devido ao grande contraste no
gicas e autoimunidade. Apesar da diversidade acesso à saúde e nas políticas e práticas de
etiológica desta doença, é notável que no Brasil, higiene, é indiscutível que no Brasil há focos
sua principal causa seja as infecções virais epidêmicos localizados de forma extrema-
pelos vírus tipo A, tipo B, tipo C, tipo D ou tipo mente difusa. Somado aos diversos desfechos
E. O contágio destes pode se dar por via fecal- indesejados que as hepatites podem causar, é
oral, transmissão vertical ou ser inserida no de suma importância discutir acerca de formas
âmbito das doenças sexualmente transmissí- para garantir a equidade no acesso ao
veis, a depender do vírus causador (WHITE JR tratamento adequado, seja de suporte ou cura-
et al., 2020). tivo, e a prevenção, em destaque a vacinação
As últimas cinco décadas foram de notáveis contra hepatite A e B que fazem parte do
conquistas com relação à prevenção e ao calendário vacinal e são ofertadas pelo
controle das hepatites virais na sociedade. Tal Sistema Único de Saúde Brasileiro (SUS).
evolução foi marcada pelo desenvolvimento Para tal, o presente capítulo tem como objeti-
tecnológico, permitindo a identificação dos vo discutir a prevalência das hepatites no
agentes virais, o aprimoramento de testes labo- Brasil, visando obter dados que possam ser
ratoriais - e consequentemente a capacida-de de úteis à criação de novos métodos para reduzir
rastrear indivíduos infectados - e o surgimento o predomínio desta doença no país.
de vacinas, por exemplo. Entretan-to, desafios
da saúde pública brasileira no tocante às MÉTODO
doenças transmissíveis endêmico-epidêmicas Trata-se de uma revisão integrativa de
ainda se fazem presentes na atualidade devido à literatura, realizada no período de setembro a
heterogeneidade socioeco-nômica e outubro de 2022, por meio de pesquisas na
desigualdade no acesso à saúde de qualidade base de dados SciELO. Foram utilizados os
notados ao longo do território nacio-nal, descritores: “Hepatites” e “incidência” e
evidenciada por focos epidêmicos localiza-dos “prevalência”. Desta busca, foram encontra-
de forma difusa no país (FERREIRA & dos artigos que posteriormente foram subme-
SILVEIRA, 2004). tidos aos critérios de seleção.
Contudo, a importância em garantir formas Os critérios de inclusão foram: artigos nos
de diagnóstico e manejo das hepatites não se idiomas inglês, português e espanhol; publica-
limita ao enorme número de pessoas infectadas, dos no período de 2018 a 2023 e que
mas estende-se às complicações tanto agudas abordavam as temáticas propostas para esta
quanto crônicas que os diferentes vírus pesquisa e disponibilizados na íntegra. Os
causadores podem ter como consequência. critérios de exclusão foram: artigos duplica-
Assim, é imprescindível que o agente etiológico dos, disponibilizados na forma de resumo, que
específico seja identificado, para que o manejo não abordavam diretamente a proposta

118
estudada e que não atendiam aos demais foram fatores decisivos que muito contribu-
critérios de inclusão. íram para esta modificação (FERREIRA &
Após a aplicação dos critérios de seleção, os SILVEIRA, 2004).
artigos restantes foram submetidos à leitura As hepatites virais agudas causam doenças
minuciosa para a coleta de dados. Os resultados clinicamente semelhantes e podem evoluir, a
foram apresentados de forma descritiva, dividi- depender do vírus causador, de forma assinto-
dos em categorias temáticas, abordando: defini- mática/oligossintomática à doença hepática
ção de hepatite, epidemiologia, tipos de hepa- crônica, que pode progredir para cirrose e
tites, quadro clínico, diagnóstico e tratamento. carcinoma hepatocelular (WHITE JR et al.,
2020). Considerando que as consequências
RESULTADOS E DISCUSSÃO das infecções são diversas, é imprescindível
Definição estabelecer o diagnóstico completo, esclare-
As hepatites são doenças do fígado que cendo o agente etiológico a cada infecção
designam inflamação do mesmo, podendo ser detectada no país.
causadas por vírus, medicamentos, consumo de
álcool e relacionadas à autoimunidade (WHITE Epidemiologia
JR et al., 2020). Segundo dados do boletim epidemiológico
A etiologia mais comum são as hepatites realizado em 2022 pela Secretaria de
virais agudas, que são infecções sistêmicas, mas Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde,
que acometem predominantemente o fígado. Os as hepatites virais atingiram o número de
principais vírus causadores são: vírus do tipo A 718.651 casos notificados no período de 2021
(HAV), vírus do tipo B (HBV), vírus do tipo C a 2022 pelo Sistema de Informação de
(HCV), vírus do tipo D (HDV) e vírus do tipo Agravos de Notificação (Sinan). Dentre esses
E (HVE). Todos eles são compostos de RNA, casos notificados a maior porcentagem está
exceto o vírus da hepatite B, composto de DNA, relacionada a hepatite C com 38,9% e a menor
mas que se replica como retrovírus (WHITE JR porcentagem está para hepatite D com apenas
et al., 2020). 0,6% dos casos totais. Dos casos notificados,
Segundo o estudo epidemiológico descritivo 23,4% são casos de hepatite A e 36,8% de
realizado por meio da análise de dados no hepatite B (BRASIL, 2022).
Estado de Minas Gerais, a hepatite C foi a mais Analisando o período que compreende o
prevalente com 50%, seguido da hepatite B com ano de 2000 a 2020, no Brasil, foi possível
39% e da hepatite A com 11% (BANDEIRA et analisar dados referentes através do Sistema
al., 2018). de Informação de Mortalidade (SIM). Foram
Apesar dos dados colhidos, é indiscutível notificadas 82.169 mortes por causas básicas
que o comportamento epidemiológico das e associadas às hepatites virais dos tipos A, B,
hepatites virais, no Brasil e no mundo, tem C e D. Entre esses óbitos, cerca de 1.315 casos
sofrido grandes mudanças nos últimos anos. A foram relacionados à hepatite viral A, número
expansão da cobertura vacinal no que se refere pequeno perto das outras hepatites, o que pode
à hepatite B, a mais efetiva detecção por parte ser explicado pelo fato de ser uma doença
dos bancos de sangue do vírus C e a substancial aguda, e cerca de 17.502 relacionados à
melhoria das condições sanitárias, entre outros, hepatite B, levando em conta que ela pode se

119
tornar crônica em alguns casos. Os óbitos ocor- que a ocorrência de hepatite fulminante é rara
rem em sua maioria por hepatite C, compreen- nos casos ictéricos. Sabe-se que os infectados
dendo cerca de 62.613 casos, o que pode ser transmitem o vírus durante todo o período de
esclarecido pelas complicações que essa doença incubação, intervalo de tempo entre a
traz (cirrose e câncer de fígado), enquanto exposição ao vírus e o início dos sinais e
apenas 739 foram causados pela hepatite D, sintomas da infecção, que dura entre 15 e 50
tendo em vista que ocorre apenas em pessoas dias (média de 30 dias), persistindo até uma
que já possuem a hepatite B (BRASIL, 2022). semana após o início da icterícia (BRASIL,
2005).
Tipos de hepatites O vírus da hepatite B (HBV) causa uma
O termo hepatite se refere a inflamação dos doença infecciosa e contagiosa, e seu agente
hepatócitos desencadeada por causas diversas. etiológico é um vírus de DNA da família
Dentre elas podemos citar as hepatites virais, Hepadnaviridae. Sua apresentação clínica
hepatite alcoólica desencadeada pelo uso pode ser sintomática ou assintomática.
crônico e abusivo do álcool, hepatite tóxica Adultos infectados, em sua grande maioria, se
induzida por fármacos e a esteato-hepatite não curam e apenas uma minoria desenvolve a
alcoólica (JAMESON et al., 2018). forma crônica da doença, permanecendo com
As hepatites virais são infecções que o vírus por mais de seis meses. Nos indivíduos
atingem predominantemente o fígado e podem que desenvolvem a forma crônica, pode-se ter
ser causadas por cinco tipos de vírus, todos dois diferentes desfechos: o vírus pode se
vírus de RNA, com exceção do vírus da hepatite replicar (HBeAg reagente) conferindo maior
B que é um vírus de DNA. A apresentação propensão a evolução da doença para forma
clínica desses vírus é semelhante, entretanto, a avançada ou podem permanecer sem a
doença pode variar de infecções silenciosas, replicação viral (HBeAg não reagente e anti-
podendo não apresentar sintomas, a infecções HBe reagente), tendo menor chance de
agudas fulminantes e fatais. Em alguns casos progressão da doença. Na hepatite B menos de
podem evoluir para hepatite crônica levando a 1% dos infectados apresentam o quadro agudo
cirrose e até mesmo a carcinoma hepatocelular grave (fulminante). O período de incubação
(JAMESON et al., 2018). varia de 30 a 180 dias (em média 70 dias)
A hepatite A é uma doença infecciosa, (BRASIL, 2005).
contagiosa, causada pelo vírus A (HAV), cujo A hepatite B aguda consiste em três fases:
agente etiológico é um vírus de RNA perten- prodrômica, ictérica e convalescença. A fase
cente à família Picornaviridae. A doença é dita prodrômica (pré-ictérica) é marcada pelo
como autolimitada, não evoluindo para doença surgimento de febre, astenia, dores muscula-
crônica. A sintomatologia, quando presente, é res e articulares, e sintomas digestivos como
predominante em adultos. O quadro clínico náuseas, vômitos e anorexia. A evolução dos
costuma ser pelo início súbito de náuseas, sintomas ocorre por um período aproximado
vômitos, anorexia, febre, mal-estar e dor abdo- de quatro semanas. Na fase ictérica os
minal seguida por icterícia, colúria, acolia fecal sintomas digestivos vão se tornando mais
e prurido (DUARTE et al., 2021). brandos e dando início ao surgimento da
A manifestação da icterícia aumenta icterícia, que às vezes é precedida de colúria.
conforme eleva-se a faixa etária. Vale ressaltar Pode surgir também hipocolia e prurido nessa
120
fase. A convalescença é marcada pelo desapa- (média de 35 dias). A fase aguda pode ser
recimento da icterícia e o paciente apresenta sintomática ou assintomática e pode ocorrer
melhora clínica. Cerca de 95% dos pacientes de duas maneiras, por coinfecção do vírus D
adultos evoluem para cura (BRASIL, 2005). com o vírus B, quando um indivíduo se infecta
A hepatite B se torna crônica quando a simultaneamente com os vírus B e D. Nesse
inflamação do fígado nos casos agudos persiste caso a hepatite é dita como benigna pois
por um período superior a seis meses. Em geralmente ocorre completa recuperação e
alguns casos, essa cronicidade pode levar ao clarificação do HBV e HDV. Possui as
surgimento de cirrose, com surgimento de mesmas características de uma hepatite B
icterícia, edema, ascite, varizes de esôfago e clássica e a evolução para cronicidade é rara.
alterações hematológicas. É importante salien- A outra maneira de se adquirir é denominada
tar que a hepatite B crônica também pode levar superinfecção pelo vírus D em portadores do
ao hepatocarcinoma sem passar pelo estágio de vírus B, ou seja, o indivíduo já foi
cirrose (BRASIL, 2005). previamente infectado pelo vírus B, evoluiu
A hepatite C é uma doença infecciosa para a fase crônica e posteriormente se
contagiosa causada pelo vírus da hepatite C infectou pelo vírus D. Nesse caso o
(HCV) cujo agente etiológico é um vírus de prognóstico é mais grave pois pode haver
RNA da família Flaviviridae. Sua clínica pode dano hepático severo ocasionando formas
se manifestar de forma sintomática ou fulminantes de hepatite, assim como rápida
assintomática, e cerca de 80% dos infectados evolução para cirrose. Na hepatite D
desenvolvem a forma crônica pois o organismo cronificada, a cirrose torna-se mais comum
não consegue eliminar o vírus, e cerca de 20% neste tipo de hepatite do que nos casos de
o eliminam dentro do período de seis meses do hepatite B isolada (BRASIL, 2005).
início da infecção. Seu período de incubação A hepatite E é uma doença infecciosa viral
varia de 15 a 150 dias (BRASIL, 2005). contagiosa causada pelo vírus E (HEV), um
Na hepatite C aguda, a manifestação de vírus de RNA da família Caliciviridae quee
sintomas é rara, mas quando presente é possui um período de incubação de 15 a 60
semelhante aos sintomas das outras hepatites. A dias (média de 40 dias) (BRASIL, 2005).
hepatite C é dita como crônica quando a reação Esse vírus é mais comumente encontrado
inflamatória persiste por um período superior a na Índia, Ásia, África e na América Central.
seis meses. Os sintomas, quando presentes, são Ele possui características semelhantes ao
inespecíficos, predominando a fadiga, mal- HAV, dentre elas a não evolução para
estar geral e sintomas digestivos. A hepatite C cronicidade (JAMESON et al., 2018).
pode levar a cirrose com o surgimento de icterí- Em relação à hepatite tóxica induzida por
cia, edema, ascite, varizes de esôfago e altera- fármacos, os fármacos hepatóxicos podem
ções hematológicas, além de poder desenvolver causar danos diretos ao hepatócito por meio de
hepatocarcinoma (BRASIL, 2005). radical livre ou de um intermediário meta-
A hepatite D também denominada de bólico que produz peroxidação dos lipídeos da
hepatite Delta é uma doença contagiosa causada membrana, resultando em lesão das células
pelo vírus Delta (HDV), um vírus de RNA que hepáticas, assim como um fármaco ou seu
precisa do vírus B para que a infecção ocorra. metabólito pode ativar componentes do
Seu período de incubação varia de 30 a 50 dias sistema imune inato ou adaptativo, estimular
121
vias de apoptose ou provocar danos às vias vem hepatopatia avançada com ingestão
excretoras de bile. A interferência nas bombas alcoólica substancialmente menor. A
dos canalículos biliares pode permitir a esteatose hepática é a resposta histológica
acumulação dos ácidos biliares endógenos que inicial e mais comum aos estímulos
podem danificar o fígado. Essa lesão secundária hepatotóxicos, inclusive ingestão excessiva de
pode resultar em necrose dos hepatócitos ou álcool, ou seja, a ingestão excessiva e contínua
lesões dos ductos biliares. Diversas classes de de álcool resulta no acúmulo de gordura nos
fármacos podem ser responsáveis por levar a hepatócitos que pode levar a hepatite
lesão hepática morfologicamente dita como alcoólica. É importante ressaltar que a hepatite
hepatite, dentre eles vale citar os antibióticos alcoólica é um precursor do desenvolvimento
(isoniazida e rifampicina), anticonvulsivantes de cirrose. Entretanto, assim como a da
(fenitoína, carbamazepina, ácido valproico, esteatose hepática, é potencialmente reversí-
fenobarbital), antidepressivos (iproniazida, vel com a cessação do consumo de álcool
amitriptilina, trazodona, venlafaxina, fluoxe- (JAMESON et al., 2018).
tina, paroxetina, duloxetina, sertralina, nefazo- A esteato-hepatite não alcoólica (EHNA)
dona), antifúngicos (cetoconazol, fluconazol, está relacionada ao acúmulo de triglicerídeos
itraconazol), anti-inflamatórios (ibuprofeno, no fígado que podem levar a inflamação dos
indometacina, diclofenaco, sulindaco, bronfe- hepatócitos e sua destruição histológica. Os
naco), diuréticos (clorotiazida), dentre outros triglicerídeos em si não são hepatotóxicos,
(JAMESON et al., 2018). contudo, seus precursores e os subprodutos
A ingestão excessiva e crônica de álcool é metabólicos podem danificar os hepatócitos,
uma das causas principais de doença hepática, levando à lipotoxicidade dessas células desen-
responsável por cerca de 50% da mortalidade cadeando a formação de citocinas inflamató-
de todos os pacientes cirróticos. A patologia da rias que desregulam os sistemas que
doença hepática alcoólica consiste em três normalmente mantêm a viabilidade dos
lesões principais: esteatose hepática, hepatite hepatócitos. Isso resulta na morte acelerada
alcoólica e cirrose. A esteatose hepática está dos hepatócitos. A cirrose e o câncer hepático
presente em > 90% dos alcoolistas crônicos e são resultados da EHNA crônica (JAMESON
compulsivos. Um percentual muito menor de et al., 2018).
alcoolistas graves progride para hepatite
alcoólica, considerada um precursor da cirrose. Quadro clínico
Apesar do álcool ser considerado uma As fases de desenvolvimento da hepatite
hepatotoxina direta, apenas 10 a 20% dos são divididas em fase pré-ictérica e fase
alcoolistas desenvolvem hepatite alcoólica e ictérica, podendo apresentar manifestações
sabe-se que envolve a interação de fatores sintomatológicas, com risco de desenvol-
facilitadores como padrões de ingestão, dieta, vimento do quadro clínico grave, ou até um
obesidade e sexo. A quantidade e a duração da quadro assintomático. Com isso, a hepatite é
ingestão de álcool são os fatores de risco mais conhecida por apresentar sinais clínicos
importantes envolvidos na patogênese da variados (MACEDO et al., 2013).
doença hepática alcoólica. As mulheres são Na fase pré-ictérica, os sintomas conhe-
mais suscetíveis à lesão hepática alcoólica, cidos ainda não são específicos da hepatite.
quando comparadas aos homens, e desenvol- São sintomas como: fadiga, náuseas, anorexia
122
e dor leve no quadrante superior direito do média. A evolução do quadro de hepatite A é,
abdome. Logo, encontra-se na fase de em geral, boa na maioria dos casos, findando
desenvolvimento da infecção (MACEDO et al., com a cura do paciente (PEREIRA &
2013). GONÇALVES, 2003).
Na fase denominada como ictérica, Hepatite B: a representação clínica da
encontra-se sintomas mais característicos da hepatite B pode variar de quadros assintomá-
doença, sendo o principal a icterícia (cor ticos, oligossintomáticos, podendo evoluir
amarelada da pele e das mucosas por excesso de para cenários de insuficiência hepática fulmi-
bilirrubina), em associação aos sintomas nante, marcada por alta taxa de letalidade.
descritos acima, podendo estar de forma mais Geralmente, nos casos de hepatite B o
exacerbada, e ainda apresentar disgeusia e paciente apresenta um quadro semelhante à
perda ponderal. Como resultados do exame gripe, incluindo astenia, mal-estar, anorexia,
físico, são perceptíveis nos pacientes, icterícia e náuseas, vômitos e febre baixa, com duração
dor a palpação do hipocôndrio direito. Já em de três a dez dias, em média. Entretanto,
casos clínicos mais graves, ocorre hepato- sintomas como artralgias, artrites, mialgias e
esplenomegalia, elevação dos níveis séricos de exantemas cutâneos rubeoliformes também
bilirrubina total e direta e aminotransferases são descritos nos casos de hepatite pelo VHB.
(MACEDO et al., 2013). Icterícia, dor abdominal em o hipocôndrio
Diante de cada tipo de hepatite, pode haver direito e colúria também podem compor o
modificações, intensificação ou diminuição de quadro da doença. Ademais, sabe-se que em
certos sintomas clínicos. Abaixo será 90% dos casos de exposição exclusiva ao
especificado cada quadro clínico, do tipo de VHB, nos indivíduos adultos, ocorre cura
hepatite. espontânea, todavia, alguns pacientes,
Hepatite A: a infecção com o vírus da variando de 5 a 10% não eliminam o VHB,
hepatite A pode resultar em infecção assinto- evoluindo para infecção crônica. As infecções
mática, infecção sintomática anictérica ou em crônica e aguda são pouco sintomáticas na
infecção sintomática ictérica. Assim, as formas maioria dos pacientes (SILVA et al., 2012).
assintomáticas e sintomáticas anictéricas da Hepatite C: a maioria dos portadores de
hepatite A são comuns em crianças nas regiões hepatite aguda pelo vírus C apresenta a forma
endêmicas e, em geral, as crianças têm proteção anictérica ou com manifestações inespecíficas
dos anticorpos maternos até o oitavo mês de da doença. É comum que a elevação da ALT
vida e, a partir daí, a maioria estará propensa a seja a única manifestação da doença. Há
se infectar até os cinco anos de idade. Nessa estimativas de que a doença em sua forma
linha de raciocínio, as manifestações clínicas da ictérica seja desenvolvida em apenas 1% dos
forma sintomática ictérica aparecem de duas a pacientes. Assim, nos casos sintomáticos,
sete semanas após a infecção, sendo o período predominam sintomas gerais como anorexia,
de incubação, com média de 30 dias. As cefaleia, artralgias, mialgias, náuseas e
manifestações prodrômicas podem durar de vômitos, febre baixa e astenia. A icterícia é
dois a quinze dias, e em casos menos comuns pouco intensa quando relatada. Visando ter-
não são relatadas. Nesses casos, a doença se mos laboratoriais, a elevação das aminotrans-
manifesta diretamente pela icterícia, sendo de ferases é a regra, mencionando-se que a
duração variável, com relatos de 4 a 22 dias, em eosinofilia transitória pode ser observada.
123
Com relação ao desfecho da doença, cerca de anemia. O paciente portador de hepatite aguda
15% dos infectados apresentam cura viral também pode apresentar icterícia
espontânea (SILVA et al., 2012), mas nos esclerótica, denotando hiperbilirrubinemia
quadros mais graves, quando não há o devido (AMARAL et al., 2003).
tratamento da doença, pode haver quadros de
insuficiência hepática, cirrose e carcinoma Transmissão
hepatocelular (PARUMS, 2023). A transmissão pelo vírus da hepatite A
Hepatite D: Na maioria das vezes, o quadro (HAV) ocorre pela via fecal-oral, por água e
de hepatite D se apresenta como o de hepatite alimentos contaminados ou por contato inter-
aguda benigna, semelhante à hepatite B clássica humano. A disseminação está de acordo com
(SILVA et al., 2012). Somado a isso, em o nível socioeconômico da população,
pacientes infectados pelo VHD, o período de condições de saneamento básico, condições
progressão para a cronicidade varia de dois a de higiene da população e educação sanitária.
seis anos, enquanto em crianças a evolução para A transmissão pode ocorrer 15 dias antes do
a cronicidade ocorre mais rapidamente. Nos início dos sintomas até uma semana após
casos de superinfecção aguda pelo VHD em início do quadro de icterícia. A hepatite A
portadores do VHB mutante, observa-se curso também pode ser transmitida por meio do
clínico assintomático, sem expressão aguda da contato da mucosa da boca de uma pessoa
doença hepática. Dessa forma, na maioria dos com o ânus da outra portadora da infecção,
casos, o quadro clínico da coinfecção aguda representando a transmissão sexual oral-anal.
VHB e VHD evolui com hepatite aguda Outra via de transmissão da hepatite A é a
benigna (FONSECA, 2002). prática digito-anal-oral (BRASIL, 2005).
Em cerca de 3% dos casos, a síntese de VHD A transmissão do vírus B se faz através de
torna-se intensa e, associada aos efeitos acidentes perfurocortantes; aleitamento ma-
patológicos da infecção pelo VHB, culmina na terno; transfusão de sangue e hemoderivados;
ocorrência de hepatite fulminante. Além do exposição percutânea a agulhas ou outros
quadro de coinfecção, pode haver superin- equipamentos contaminados; relações sexuais
fecção, onde o paciente pode evoluir para um desprotegidas; transmissão vertical (mãe/
cenário de lesão hepática mais grave (SILVA et filho); realização de intervenções odontoló-
al., 2012). gicas ou cirúrgicas, hemodiálise, tatuagens,
Hepatite E: cerca de 20% das mulheres que perfurações de orelha ou colocação de pier-
adquirem a doença durante a gravidez desen- cings sem esterilização adequada ou utiliza-
volvem formas graves, com insuficiência ção de material descartável (BRASIL, 2005).
hepática fulminante (PARANÁ & SCHINONI, A transmissão pelo vírus C (VHC), em
2002). percentual significativo de casos, não é
Hepatite aguda viral: Os portadores de possível definir a via de infecção. Os
hepatite aguda viral apresentaram elevações mecanismos conhecidos para transmissão do
nos níveis de AST, ALT, bilirrubinas totais, VHC são: transfusão sanguínea e uso de
fosfatase alcalina e GGT em proporções acima drogas injetáveis, hemodiálise, acupuntura,
de 70% de ocorrência. Nesses casos também piercings, tatuagem, droga inalada, mani-
foram frequentes icterícia cutâneo-mucosa cures, instrumentos cirúrgicos, relação sexual,
hepatomegalia, seguindo com poucos casos de transmissão vertical, acidente ocupacional,
124
aleitamento materno e transplante de órgãos e Essas doenças apresentam como principais
tecidos (BRASIL, 2005). diagnósticos diferenciais esteatose hepática
As vias de transmissão da hepatite D são as não alcoólica, brucelose, colecistite, colangite
mesmas do HBV. Na hepatite E, a via de esclerosante, dengue, neoplasia do fígado,
transmissão é a fecal-oral. Não é comum a rickettsiose, sífilis secundária, dentre outros
transmissão interpessoal (BRASIL, 2005). (BRASIL, 2005).
Exames laboratoriais, em associação à
Diagnóstico clínica, são essenciais para o diagnóstico de
O diagnóstico das hepatites virais pode ser hepatite. Exames gerais de rotina (hemograma
realizado de acordo com aspectos clínicos, que e urina) podem evidenciar hiperbilirrubine-
não apresentam alta especificidade para cada mia, linfocitose e elevação da fosfatase
sorotipo da doença, e laboratoriais, que incluem alcalina, que podem estar presentes em qual-
exames sorológicos e de biologia molecular, quer uma das hepatites (FERREIRA &
capazes de identificar o agente etiológico da SILVEIRA, 2004).
doença. O diagnóstico precoce da hepatite, Entretanto, apesar dos sinais e sintomas
facilitado pelo emprego de novos avanços clínicos característicos e das análises
tecnológicos, é considerado de suma impor- laboratoriais gerais, a identificação dos
tância, visto que permite evitar a rápida agentes etiológicos das hepatites só ocorre por
disseminação da doença e identificar os meio dos exames de sorologia e biologia
tratamentos mais corretos e indicados para cada molecular (BRASIL, 2005).
caso, tratando, assim, cada paciente da melhor Os testes sorológicos são variados e
forma. Porém, é grande o número de pacientes específicos para cada sorotipo de hepatite.
assintomáticos, os quais ainda representam um Para o diagnóstico da hepatite A, tem-se
grande impasse na identificação e na desa- positivo o anti-HAV total. Além disso, em
celeração da transmissão dessa doença infecções agudas, tem-se o anti-HAV IgM
(FERREIRA & SILVEIRA, 2004). positivo e, em crônicas, negativo. Na hepatite
As hepatites podem ser divididas, de acordo B, pesquisa-se HBsAg, anti-HBc IgM e IgG e
com sua clínica, em agudas e crônicas. As anti-HBs. A positividade do primeiro
hepatites agudas, em sua maioria, cursam com marcador por até 24 semanas indica uma
quadros sintomáticos caracterizados por mal- doença aguda e, quando persiste além desse
estar geral, fadiga, perda ponderal, náusea e tempo, crônica. Anti-HBc IgM é positivo para
prostração, associados à elevação das transami- infecções recentes, enquanto anti-HBc IgG
nases (TGO e TGP), que podem alcançar níveis está presente em fases agudas e crônicas. Por
dez vezes mais elevados que o limite superior último, anti-HBs positivo, indica desenvol-
considerado “normal”. Outras alterações tam- vimento de imunidade contra a doença. Em
bém encontradas são colúria, icterícia e caso de sorologia negativa, mas o paciente
hipocolia fecal, em quadros mais sintomáticos tenha lesão hepática e forte suspeita de
e graves. Em contrapartida às agudas, as mutação viral, solicita-se o teste de biologia
hepatites crônicas costumam se apresentar molecular para pesquisa de HBV-DNA, que
oligossintomáticas ou assintomáticas, e a evidencia o vírus da hepatite B. Na sorologia
sintomatologia clínica é evidente principalmen- da hepatite Delta, há positividade de HDVAg
te em casos mais avançados de lesão hepática. na 1ª semana da doença, de anti-Delta IgM em
125
fase aguda e de anti-Delta IgG em fase crônica. É importante enunciar que as duas pri-
Na hepatite E, há positividade de anti-HEV meiras consultas possuem um intervalo de
total, e de anti-HEV IgM apenas em fases duas semanas e são realizadas as dosagens de
agudas da doença (BRASIL, 2005). gama-GT, fosfatase alcalina e proteínas totais
Por último, para o diagnóstico da hepatite C, e frações. As subsequentes são executadas
solicita-se, pela sorologia, a pesquisa de anti- com intervalo de quatro semanas e feitos os
HCV (quando positivo, indica contato prévio seguintes exames: aminotransferases, tempo
com o vírus), e, pela biologia molecular, de de protrombina, bilirrubinas e albumina.
HCV-RNA qualitativo, que evidencia o vírus Portanto, ambas possuem o objetivo de
no sangue. O HCV-RNA positivo por mais de acompanhamento clínico com seguimento
seis meses indica uma hepatite C crônica laboratorial. Os critérios de alta incluem
(FERREIRA & SILVEIRA, 2004). remissão dos sintomas, podendo persistir
Para esse sorotipo de hepatite, também é de discreta adinamia e sintomas digestivos va-
suma importância a realização de exames gos, normalização das bilirrubinas, normaliza-
laboratoriais de rotina em grupos de risco para ção do tempo de protrombina e normalização
essa doença, objetivando o diagnóstico precoce. das aminotransferases, com pelo menos duas
Algumas das pessoas que deveriam ser testadas dosagens normais com intervalo de quatro
são usuários de drogas, filhos e parceiros de semanas, devido à possibilidade de recrudes-
mulheres infectadas pelo vírus HCV, aquelas cência (BRASIL, 2005).
que sofreram acidentes com perfurocortantes Sobre a hepatite crônica, os cuidados são
contaminados, entre outras (BRASIL, 2005). feitos a fim de diminuir a chance de
progressão para cirrose ou câncer do fígado. É
Tratamento recomendado não consumir bebidas alcoóli-
As hepatites virais podem ser divididas em cas, prevenção contra infecção pelo HIV e
dois agrupamentos: agudas e crônicas. Em se controle de distúrbios metabólicos. Além
tratando das formas agudas das hepatites virais, disso, pode-se fazer o diagnóstico precoce,
o bom prognóstico está relacionado às hepatites encaminhamento adequado (média e alta
A e E, sendo a evolução e seguimento da complexidade) e não compartilhar utensílios e
doença a recuperação íntegra. Evidencia-se o objetos de uso pessoal (BRASIL, 2005).
fato de não existir tratamento específico, Uma parcela dos pacientes com hepatite
porém, o uso de medicações sintomáticas (para crônica necessita de tratamento, sendo a
vômitos e febre) é recomendado quando indicação baseada no grau de acometimento
pertinente. Entretanto, é necessário ter atenção hepático, observado no exame anatomopato-
para remédios hepatotóxicos. Além disso, lógico do tecido e obtido por meio de biópsia.
aconselha-se repouso, dieta pobre em gordura e Aqueles que possuírem exames com taxas
rica em carboidratos, restringir a ingestão de normais podem ser avaliados a cada seis
álcool (por no mínimo seis meses, preferen- meses (BRASIL, 2005).
cialmente por um ano) e vitamina K (de um a Pode-se destacar o tratamento da hepatite
três dias) nos casos de queda da atividade de B crônica, que nos últimos anos apresentou
protrombina. As drogas “hepatoprotetoras” não grande progresso. Atualmente, há cinco
possuem valor terapêutico (BRASIL, 2005). drogas aprovadas para o tratamento dessa
virose: interferon A, lamivudina, adefovir,
126
entecavir e telbivudina. O interferon foi a principais causas de hepatite, e a importância
primeira droga utilizada, tendo como resposta a de seu diagnóstico precoce, assim como a
perda do DNA-VHB e do AgHbe em alguns prevenção, a fim de reduzir suas possíveis
casos. A lamivudina foi o primeiro análogo de complicações e taxas de mortalidade no país.
nucleosídeo utilizado no tratamento da doença No que diz respeito a alta prevalência das
e sua eficácia é limitada pela resistência. O hepatites virais na população brasileira, foi
adefovir possui eficácia semelhante à lami- constatado que elas atingiram a marca de
vudina, mas com baixa resistência. Já o 718.651 casos notificados no Brasil no
entecavir e telbivudina são medicamentos que período de 2000 a 2021, das quais a hepatite
se mostraram ativos para controlar a replicação C se encontra com a maior porcentagem de
do vírus da hepatite B, ligados à pouca casos, com 39% do total, bem como a maior
resistência, mesmo quando uso prolongado taxa de mortalidade também está relacionada
(FERREIRA & BORGES, 2007). a hepatite C, com 63.613 casos das 82.169
O tratamento para hepatite C é feito com mortes causadas por hepatites notificadas pelo
agentes antivirais de ação direta, de segunda SIM no período de 2000 a 2020. Sabendo
geração. São eles: sofosbuvir, simeprevir, ledi- disso, torna-se necessário dissertar sobre cada
pasvir/sofosbuvir, velpatasvir/sofosbuvir, om- um dos tipos de hepatites virais, salientando
bitasvir/paritraprevir/ritonavir e glecaprevir/ suas particularidades.
pibrentasvir com ou sem ribavirina (RBV). Tendo a noção da gravidade da
Foram disponíveis a partir de 2014. No SUS, fisiopatologia da doença e de sua notória
foram disponibilizados a partir de 2015, disseminação no contexto brasileiro, é
substituindo o tratamento antes existente. fundamental ressaltar a forma da transmissão
Entretanto, tornou-se mais importante certificar das hepatites C e B que estão relacionadas,
a adesão ao tratamento. São consideradas principalmente, pelo contato com materiais
medidas indiretas: autorrelato, contagem de perfurocortantes contaminados, transfusão
pílulas, registros de farmácia e prontuários, sanguínea, aleitamento materno, relações
dispositivos eletrônicos e diário do paciente; e sexuais desprotegidas e no processo de
medidas diretas: detecção do medicamento no tatuagens e piercings com matérias não
sangue e nível sérico terapêutico. A fim de devidamente esterilizados. Sendo assim,
aprimorar a avaliação utilizou-se métodos conclui-se que a maneira mais adequada de
combinados (CÔCO et al., 2022). prevenção seria através do uso de proteção nas
Contudo, é de grande importância identificar relações sexuais, evitar compartilhamento de
as variáveis de adesão ao tratamento por ser utensílios perfurocortantes de uso pessoal
uma doença de alta complexidade, alto custo e (lâminas, alicates de unha, seringas) para
grande impacto social e pessoal (CÔCO et al., melhor controle da transmissão. Já a hepatite
2022). A e E possuem como principal forma de
transmissão a fecal-oral, sendo necessárias
medidas básicas de saneamento e higiene para
CONCLUSÃO
controle. Além disso, as hepatites A e B
A partir da análise dos estudos recuperados,
possuem vacinas disponibilizadas pelo SUS
foi possível perceber a prevalência das hepatites
como meio de prevenção primária.
virais no contexto brasileiro como uma das
127
Diante desse contexto, o diagnóstico precoce a progressão para cirrose ou câncer de fígado,
das hepatites virais é de suma importância, visto como não consumir bebidas alcoólicas e
que permite evitar a rápida disseminação da controlar distúrbios metabólicos. O tratamen-
doença e indicar os tratamentos mais adequados to é indicado para pacientes com acometimen-
para cada caso. No diagnóstico de hepatites to hepático e pode ser realizado com medica-
virais, além da clínica apresentada pelo mentos como interferon, lamivudina, adefo-
paciente, conclui-se que os exames laborato- vir, entecavir e telbivudina. Para hepa-tite C,
riais, que incluem exames sorológicos e de os tratamentos são antivirais de ação direta de
biologia molecular, são essenciais na diferen- segunda geração, como sofosbuvir e
ciação das hepatites, visto que, muitas das ribavirina.
vezes, a sintomatologia clínica é semelhante É válido reforçar a importância da preven-
entre elas. ção primária por meio da vacinação preconi-
Sabe-se que, referente ao tratamento das zada pelo SUS para hepatites A e B, como
hepatites virais, no caso das formas agudas, as uma das principais formas de prevenção da
hepatites A e E têm bom prognóstico, com a doença, a fim de reduzir riscos de dissemina-
recuperação completa sem necessidade de ção e complicações causadas por essas
tratamento específico, apenas com medicações patologias, bem como uso de preservativos,
sintomáticas, portanto, devem ser incentivadas. adoção de medidas básicas de higiene e
Já a hepatite crônica requer cuidados para evitar saneamento básico.

128
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129
CAPÍTULO 14

CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS DA
LEISHMANIOSE VISCERAL EM
PACIENTES INFECTADOS PELO VÍRUS
DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA
(AIDS)

ISABEL FELIPE VÁSQUEZ¹


GABRIEL ALVES DE SOUZA¹
GUILHERME MARTINS BEZERRA EMERICIANO¹
JOÃO HENRIQUE MENEZES FERNANDES¹
MATEUS LAURINDO FERREIRA DE CARVALHO¹
CLÁUDIO GLEIDISTON LIMA DA SILVA²
MARCOS ANTONIO PEREIRA DE LIMA AUTOR²
MARIA DO SOCORRO VIEIRA DOS SANTOS²

1. Discente – Medicina da Universidade Federal do Cariri.


2. Docente – Departamento da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Cariri.

PALAVRAS-CHAVE
Coinfecção; HIV; Leishmaniose visceral.

130
10.59290/978-65-6029-012-9.14
INTRODUÇÃO trabalhos coletados na base de dados PUBMED,
O vírus da imunodeficiência humana (HIV) publicados no período de 2019 a 2023. Para a
tem como principal característica o desenvol- busca, foram adotados os descritores: “Visceral
vimento da síndrome da imunodeficiência leishmaniasis”, “HIV”, “Visceral leishmaniasis/
adquirida (AIDS) (ABBAS et al., 2019). Esta HIV co-infection”, “Brazil", utilizando o termo
infecção está relacionada com a supressão do booleano AND. Além disso, para contextualizar
sistema imune e com o acometimento de doenças adequadamente a temática principal, realizou-se
oportunistas (MURRAY et al., 2014). O primeiro uma busca de dados na literatura cinzenta.
relato da interação patológica de LV/HIV foi Foram utilizados como critérios de inclusão
registrado em 1985, no sul da Europa, onde 70% artigos publicados gratuitamente, que abordavam
dos casos diagnosticados por leishmaniose visce- o tema principal, nos idiomas inglês e português.
ral (LV) estão associados à infecção pelo HIV Na busca, foram excluídos artigos duplicados,
(WHO, 2022). Nesse sentido, o indivíduo infec- relatos de caso, revisões de literatura e que não
tado pelo vírus HIV está suscetível a diver-sas atendiam à temática central do trabalho.
patologias, favorecendo um quadro de coinfec- Após a aplicação dos critérios de seleção, cada
ções, dentre elas por LV (RAMOS et al., 2021). trabalho foi lido na íntegra de forma minuciosa
A coinfecção LV/HIV está relacionada ao para posterior análise e coleta de dados. Os
efeito potencializador que o HIV deflagra sobre resultados foram apresentados no Quadro 14.1,
a ação do protozoário Leishmania donovani, o dividido em título, autor e ano de publicação e
qual acomete principalmente as células imunes, principais resultados. As informações coletadas
denominadas macrófagos, presentes no organis- dos trabalhos recuperados na base de dados e da
mo do hospedeiro. Essa correlação intrínseca literatura cinzenta foram organizadas em tópicos
culmina na forma mais grave da doença, sendo na forma dissertativa.
um importante prognóstico para a identificação
do desenvolvimento de AIDS em paciente RESULTADOS E DISCUSSÃO
coinfectado. Na busca na base de dados, foram encontrados
Ademais, as interações dos patógenos resul- 34 trabalhos, e, após a aplicação dos critérios de
tam na produção de proteínas utilizadas como inclusão e exclusão, foram selecionados 10
biomarcadores específicos da coexistência de artigos. Analisando as pesquisas selecionadas,
LV/HIV em organismos infectados. verificou-se que seis testaram a possibilidade de
Dessa forma, o presente trabalho teve como biomarcadores para diagnóstico da coinfecção,
objetivo abordar as características clínicas de duas verificaram que Leishmania se comporta
pacientes com quadro de coinfecção LV e HIV, como uma doença oportunista em pacientes
enfatizando os achados clínicos e patológicos, portadores de HIV, duas verificaram que o
com a aplicação critérios laboratoriais para a polimorfismo causado pelo vírus HIV facilita a
conclusão de diagnósticos. propensão à leishmaniose e a progressão da Aids
nos pacientes coinfectados. As principais
MÉTODO informações, abordando a temática principal,
Trata-se de uma revisão de literatura de foram distribuídas no Quadro 14.1.

131
Quadro 14.1. Principais resultados dos artigos selecionados no banco de dados
Autor/ano Amostra Principais resultados
O trabalho envolveu um estudo Pacientes com HIV/ATL ou HIV/LV apresentaram níveis
retrospectivo e outro prospectivo. No elevados de marcadores de ativação em células T CD4+ e
retrospectivo, trabalhou-se com 31 CD8+. O uso regular de terapia antirretroviral altamente
pacientes coinfectados (17 com LV e ativa (HAART) e a carga viral no momento do diagnóstico
Araújo et al. (2021) 14 com LTA), enquanto no não influenciaram nas taxas de recaída. Recaídas
prospectivo foram utilizados 18 ocorreram em 36,4% (4/11) dos pacientes com HIV/LV
pacientes coinfectados (11 que receberam profilaxia secundária e em 5,9% (1/17) dos
apresentaram LV e 7 apresentaram pacientes que não receberam profilaxia secundária (p =
LTA). 0,06).
A amostra foi composta por 30 O estudo constatou a presença de 26 proteínas que
pacientes com LV, 25 pacientes com poderiam servir de biomarcadores para pacientes com LV
Machado et al. (2020)
HIV e 28 pacientes co-infectados por e HIV, destacando-se a Beta-tubulina com 100% de
LV/HIV. sensibilidade e de especificidade.
O estudo envolveu um grupo
experimental e outro controle. No
grupo experimental, foram utilizados
49 soros de pacientes com LV e 63
O estudo reportou que houve uma melhora substancial do
soros de pacientes LV/HIV, enquanto
antígeno Ag Lci2 em comparação com o rK39. O Lci2
no controle trabalhou-se com 50 soros
mostrou uma sensibilidade muito maior (94%) do que
de pacientes saudáveis, todos
rK39 (75%) para o diagnóstico de LV com os soros
negativos para LV e HIV, e 12 soros
coinfectados.
Ramos et al. (2021) HIV positivos com diagnóstico
negativo de LV confirmado por meio
de ensaios de teste de aglutinação
direta (DAT).
As amostras testadas com a prova de ELISA mostraram
que a proteína rLiHyQ foi sensível e específica para
Foram utilizadas 45 amostras de soro
detectar anticorpos nas formas clínicas de leishmaniose
canino (20 com LV assintomático e 25
humana e animal, bem como em de soros de pacientes
Santos et al. (2021) LV sintomáticos) e 175 amostras de
coinfectados com LV/HIV. O desempenho da proteína
soro humano (140 com Leishmania
recombinante foi superior a uma preparação antigênica
spp. e 35 coinfectados LV/HIV).
parasitária e a dois kits comerciais (EIE-CVL® e e Kalazar
Detect™ Rapid Test).
Este estudo mostrou que houve produção aumentada de
TNF e IL-4 nos coinfectados LV/HIV estando a IL-4
relacionada com a carga viral, havendo, também,
O estudo envolveu um grupo de 65 correlações positivas entre TNF e IL-2, IL-6 e IL-10, IFN-
Barbosa Júnior et al. amostras de pacientes coinfectados de ÿ e IL-6, IFN-ÿ e IL-10 no grupo LV/HIV. A relação
(2020) LV/HIV e outra com 48 amostras Th1/Th2 no grupo monoinfectado pelo HIV mostrou que
monoinfectadas de HIV. IL-6 e IFN-ÿ, e IL-4 e TNF foram positivamente
correlacionados. Foi levantada a hipótese de que isso pode
levar à AIDS, aumentando a suscetibilidade a
Leishmaniose spp.
O estudo reportou que 41,4% dos pacientes apresentaram
recidiva de LV, revelando um quadro de esplenomegalia,
adenomegalia e níveis mais elevados de ureia (p = 0,005)
e creatinina (p < 0,001). Em relação ao óbito, 11,2% dos
pacientes faleceram apresentando contagens mais baixas
de glóbulos vermelhos (p = 0,012), hemoglobina (p =
Amostra com 169 pacientes
Costa et al. (2023) 0,017) e plaquetas (p < 0,001).
coinfectados com LV/HIV.
O modelo ajustado mostrou que a terapia antirretroviral por
mais de 6 meses foi associada a uma diminuição na
recidiva de LV, e a adenomegalia foi associada a um
aumento na recaída de LV. Além disso, edema,
desidratação, mau estado geral de saúde e palidez foram
associados a um aumento de óbito hospitalar.

132
O estudo revelou que 6,8% dos pacientes coinfectados
LV/HIV apresentaram recaídas após uma média de 6
meses de tratamento. Na análise estatística, utilizando o
Estudo de coorte com 657 pacientes
Simão et al. (2020) Programa SPSS 20, foi constatado que a recaída dos
coinfectados LV/HIV.
pacientes está associada à presença de edema de membros
inferiores, baixa contagem de plaquetas na admissão e
pneumonia secundária.
Investigando biomarcadores em pacientes com LV/HIV foi
demonstrado que o sCD14 foi associado à morte, sendo um
O estudo foi realizado com 24 preditor independente para a gravidade da doença. Na
Ferreira et al. (2022)
pacientes coinfectados LV/HIV. resposta inflamatória precoce, a sCD14 pode ser produzida
na fase aguda, sendo um fator prognóstico da coinfecção
LV/HIV.
O estudo envolveu um grupo
O estudo sugere um possível mecanismo genético
experimental e outro controle. O
envolvido na suscetibilidade à LV em pacientes com HIV,
Barbosa Júnior et al. grupo experimental foi composto de
tendo em vista que a análise em modelos recessivo e alélico
(2019) 109 pacientes coinfectados LV/HIV e
confirmaram a associação do polimorfismo SLC11A1
o grupo controle de 199 pacientes
(rs3731865) com a coinfecção VL-HIV.
monoinfectados HIV.
Realizou-se um estudo para comparar as capacidades de
A amostra envolveu a coleta de soro
diagnóstico do polipeptídeo recombinante (ChimLeish)
de 45 pacientes com LV (28 homens e
com os peptídeos sintéticos individuais. O ChimLeish
17 mulheres, com idades variando de
reagiu com soros de todos os pacientes com LV e
27 a 64 anos), 25 coinfectados
coinfectados com LV/HIV, mostrando 100% de
Galvani et al. (2021) LV/HIV (17 homens e 8 mulheres,
sensibilidade, e demonstrou uma redução significativa (p <
com idades variando de 31 a 55 anos)
0,05) de anticorpos anti-ChimLeish após 6 meses de
e 20 infectados pelo HIV (13 homens
tratamento e cura de um pequeno número de pacientes.
e 7 mulheres, com idades variando de
Os autores concluíram que a reatividade sérica com rK39
22 a 50 anos).
pode não ser um critério de cura clínica adequado para LV.

Manifestações clínicas a esplenomegalia esteve presente em 98% dos


As manifestações clínicas mais recorrentes episódios de LV em pacientes coinfectados no
são febre, esplenomegalia e perda de apetite e/ou período de junho de 2012 e junho de 2016.
perda de peso, verificadas tanto em pacientes Simão et al. (2020), realizando estudo de
coinfectados LV/HIV como naqueles monoin- coorte com 657 pacientes coinfectados LV/HIV,
fectados com LV. A esplenomegalia aparece com observaram que o edema de membros inferiores
menor frequência, em pacientes extremamente está correlacionado com a recidiva de LV. Por
imunossuprimidos e pode afetar o trato gastroin- outro lado, Costa et al. (2023) associou o edema
testinal, mucosa oral, espaço peritoneal, in- como risco para morte hospitalar em 169
tragânglios linfáticos abdominais e pele (WHO, pacientes coinfectados. Neste sentido, embora
2022). exista a divergência do fator de risco, estas des-
Os estudos realizados por Ferreira et al. crições clínicas são fundamentais para a
(2022) e Costa et al. (2023) reportaram que elaboração do diagnóstico.
pacientes coinfectados LV/HIV com eventos Barbosa Júnior et al. (2019), analisando uma
hemorrágicos e sangramentos digestivos têm amostra com 109 pacientes coinfectados, verifi-
maior probabilidade estatística de evoluir para caram que a diarreia é uma manifestação com
óbito, enquanto aqueles com quadro de significância para a coinfecção. Por outro lado,
esplenomegalia e adenomegalia têm maior fator os mesmo autores realizaram outro estudo com
de risco para quadros de recidiva de LV. uma amostra com 65 pacientes coinfectados e
Mohammed et al. (2020), desenvolvendo uma verificaram que a perda de peso foi a caracte-
pesquisa em Gondar, na Etiópia, constataram que rística clínica mais marcante (BARBOSA
133
JÚNIOR et al., 2020). Esta informação corrobora com menos febre, adinamia, icterícia e edema
a pesquisa de Henn (2016), que, realizando um periférico, entretanto, revelou-se uma maior
estudo coorte retrospectivo em prontuários de 81 frequência de diarreia e manifestações
pacientes coinfectados LV/HIV, constatou que a hemorrágicas, com predominância do trato
maioria apresentava os sintomas da LV, porém gastrointestinal.

Quadro 14.2. Principais características clínicas de pacientes coinfectados LV/HIV


Autor/ano Estado/Região Manifestações clínicas

Araújo et al. Sintomas clínicos semelhantes aos dos portadores de LV. Febre e
(2021) Goiás hepatoesplenomegalia são menos frequentes, observando-se
principalmente sintomas gastrointestinais.

Hepatomegalia, esplenomegalia, perda de peso e febre irregular não


Nordeste (2019) estão correlacionadas com a coinfecção, entretanto, a diarreia é uma
Barbosa Júnior manifestação clínica mais significante.
et al.
(2019; 2020) Hepatomegalia, esplenomegalia, diarreia e febre irregular não estão
Pernambuco
correlacionadas com fato de os pacientes estarem coinfectados, sendo a
(2020)
perda de peso um sintoma significativo para a coinfecção.

Costa et al. Esplenomegalia e adenomegalia foram associadas a uma maior chance


Maranhão
(2023) de recidiva de LV.

Simão et al. Hepatomegalia, esplenomegalia, icterícia, diarreia, febre irregular,


(2020) edema dos membros inferiores, manifestações hemorrágicas e palidez
São Paulo
intensa. O edema de membros inferiores foi considerado um fator de
risco para recaídas de pacientes monoinfectados com LV.

Febre, anemia e esplenomegalia são frequentemente acompanhadas de


Ferreira et al. edema, sangramento e distúrbios hematológicos, comprometimento
(2022) Piauí hepático, insuficiência renal, desconforto respiratório e infecções
bacterianas. Na avaliação inicial, verificou-se principalmente
emagrecimento, palidez, diarreia, tosse e esplenomegalia.

Imunopatologia patógenos oportunistas (FERREIRA et al.,


A associação entre a LV e o HIV possui 2022).
mecanismos que envolvem biomarcadores O entendimento dos mecanismos de ação da
específicos, como as interleucinas, responsá- coinfecção LV/HIV depende da compreensão
veis por uma ativação imune crônica, principal de biomarcadores do sistema imunológico
resposta causadora da imunopatogenia. Quando humano. O principal mecanismo utilizado pelo
essa cascata é ativada, o HIV atua no aumento HIV consiste na clivagem das células CD4+,
da carga parasitária da LV, acentuando os principal posto reconhecedor de antígenos, o
sintomas e dificultando o tratamento do que leva à formação de CD4 solúvel (sCD14),
paciente. considerado o principal biomarcador de patoge-
Ademais, a forte atuação da LV acarreta o nicidade da associação LV/HIV. Ademais, foi
aumento da imunodeficiência ocasionada pelo constatado que a diminuição das células CD4+
HIV, o que compromete o sistema imunológico e a ativação das células T estão relacionadas ao
do ser humano e possibilita a infecção por aumento de IL-6, IL-8, Fator de Necrose
134
Tumoral (TNF) e Fator inibidor da migração de apresenta sensibilidade e especificidade de
macrófagos (MIF), sendo a interleucina-6 um 100% para essa enfermidade. Esse antígeno
dosador de gravidade em doenças letais (FER- mostrou baixa reatividade para as outras amos-
REIRA et al., 2022). Outro ponto bastante tras de soro de pacientes com outras doenças.
discutido nos estudos são os achados de lipopo- Além disso, nos experimentos de ELISA, essa
lissacarídeos (LPS) em indivíduos acometidos proteína também se apresentou satisfatória para
por LV/HIV, sendo esse resultado atribuído à diagnosticar a coinfecção LV/HIV, onde
imunodeficiência e ao desequilíbrio da micro- demonstrou altos valores de sensibilidade e
biota intestinal. especificidade. Apesar disso, a β-tubulina
Diversos estudos revelaram que a resposta evidenciou um fator limitante que é a possível
imunológica no paciente LV/HIV fica compro- ocorrência de reatividade cruzada nos ensaios
metida em virtude da presença de linfócitos T imunológicos, em razão da sequên-cia de
CD8+ ativados e pelos baixos níveis de aminoácidos semelhantes aos seus homó-logos
linfócitos T CD4+, o que pode potencializar o em humanos (MACHADO et al., 2020).
polimorfismo do gene SLC11A1, favorecendo
Quadro 14.3. Uso do teste Elisa na avaliação dos
a recidiva de LV (SANTOS-OLIVEIRA et al., biomarcadores sintéticos para o diagnóstico da
2010). Isso acontece, pois o gene modificado coinfecção de LV/HIV
pelo vírus tem como função controlar os Avaliação (%)
Autor/Ano Biomarcador
patógenos invasores. Sendo assim, quando esse Sensibilidade Especificidade
mecanismo é alterado, o paciente fica imunode- Galvani et al. ChimLeish 100,0 100,0
(2021) SLA 56,8 69,5
primido, favorecendo a invasão das amastigotas rK39 32,0 96,0
Ramos et al.
nos macrófagos, desenvolvendo o ciclo das LV (2021) Lci2 98,0 96,0
(BARBOSA JÚNIOR et al., 2019). Machado et
β-tubulina 100,0 100,0
al. (2020)

Diagnóstico
No Brasil, as técnicas de Reação de Imu-
CONCLUSÃO
nofluorescência Indireta (Rifi) e teste imuno-
A leishmaniose visceral tem caráter
cromatográfico para diagnóstico de pacientes
oportunista em pacientes infectados por HIV,
LV/HIV são recomendadas pelo Ministério da
revelando sinais e sintomas semelhantes
Saúde (BRASIL, 2015). Diante disso, com o
àqueles observados em pacientes infectados
intuito de melhorar a resposta de identificação
apenas por LV, como febre, esplenomegalia e
contra essa coinfecção, vários testes imunoló-
perda de apetite. Devido ao acometimento de
gicos rápidos e eficientes têm sido desenvol-
outras áreas específicas do organismo, o efeito
vidos a partir de proteínas recombinantes
patogênico mútuo de LV/HIV apontou, nos
(ChimLeish, o Lci2 e o rK39) que potencia-
estudos, hemorragias no trato gastrointestinal,
lizam a sensibilidade e a especificidade do
adenomegalia, desenvolvimento de edema em
diagnóstico para LV/HIV (Quadro 14.3).
membros inferiores relacionado à recidiva de
Nos estudos utilizando Immunoblotting,
LV em pacientes imunossuprimidos pela pato-
foram identificadas proteínas biomarcadoras
genicidade do HIV e perda de peso como mani-
para diagnóstico de coinfecção LV/HIV. A β-
festações clínicas características da coinfecção.
tubulina foi encontrada durante a abordagem
A avaliação da imunopatogenia da interação
imunoproteômica como uma proteína que
dos agentes de LV/HIV revelou a presença de
135
biomarcadores específicos e polimórficos de fatores de importante auxílio na conclusão de
sensibilidade e especificidade de 100% para a diagnósticos.
enfermidade, por exemplo a β-tubulina, como

136
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137
CAPÍTULO 15

ASPECTOS CLÍNICO-
EPIDEMIOLÓGICOS DO ARANEÍSMO
NO BRASIL

ANDRÉ VINÍCIUS COSTA MACHADO¹


ARGEMIRO ÉRICK LANDIM GRANGEIRO¹
BEATRIZ CÂNDIDO MONTEIRO DA SILVA¹
BIANKA NASCIMENTO LIMA¹
FRANCISCO WALLACE BEZERRA SALVIANO¹
JOÃO EMANUEL BRAGA AMARO VIEIRA¹
JOSÉ PAULO DOS SANTOS NETO¹
MARCOS ANTÔNIO PEREIRA DE LIMA²
CLÁUDIO GLEIDISTON LIMA DA SILVA²
MARIA DO SOCORRO VIEIRA DOS SANTOS²

1. Discente – Medicina da Universidade Federal do Cariri.


2. Docente – Departamento da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Cariri.

PALAVRAS-CHAVE
Aranhas; Epidemiologia; Acidente.

138

10.59290/978-65-6029-012-9.15
INTRODUÇÃO português e que abordavam as temáticas propos-
O início dos relatos acerca dos aracnídeos é tas para esta revisão, disponibilizados gratuita-
datado de autores romanos que escreveram sobre mente e na íntegra. Os critérios de exclusão
aspectos da zoologia, dos efeitos e dos cuidados foram: artigos duplicados, disponibilizados na
com os envenenamentos (SILVA et al., 2015). forma de resumo, que não abordavam direta-
No Brasil, os acidentes causados por aranhas são mente a proposta estudada e que não atendiam
relatados desde o Período Colonial (BORGES et aos demais critérios de inclusão.
al., 2022). Após os critérios de seleção, os materiais
Os acidentes com aranhas, ou araneísmo, são encontrados foram submetidos à leitura minu-
o quadro clínico da intoxicação decorrente da ciosa para a coleta de dados. Os dados obtidos no
inoculação da peçonha da aranha, por um par de SINAN foram analisados estatisticamente pelo
ferrões localizados na parte frontal do animal. programa BioEstat desenvolvido pelo Instituto
Representa um notável problema de saúde Mamirauá. Os resultados foram apresentados de
pública, considerando que a dimensão territorial, forma descritiva, divididos em categorias temáti-
climática e ambiental do Brasil proporciona um cas abordando: epidemiologia, características
ambiente propício para o desenvolvimento de dos agentes, patogenia, manifestações clínicas,
diferentes gêneros e espécies de aranhas, diagnóstico, tratamento e profilaxia.
destacando-se Loxosceles sp., Phoneutria sp. e
Latrodectus sp., que podem ocasionar acidentes RESULTADOS E DISCUSSÃO
com óbitos, em complicações clínicas mais No Brasil, o elevado número de enve-
graves (CARDOSO et al., 2003). nenamentos ocasionados por aranhas constitui
O presente estudo teve por objetivo promover um grave problema de saúde pública, sendo
um levantamento da literatura acerca dos considerado pela Organização Mundial de Saúde
aspectos epidemiológicos e clínicos do araneís- (OMS) como um agravo tropical negligenciado
mo no Brasil, possibilitando a reconstrução de (MARCELINO et al., 2021). A partir da análise
redes de pensamentos e de conceitos relacio- dos determinantes sociais em saúde, infere-se
nados à temática. que o cenário social, como o impacto humano
sobre a natureza, pode deslocar aracnídeos
MÉTODO perigosos para próximo de assentamentos
Trata-se de uma revisão de literatura realizada humanos, encontrando condições favoráveis para
a partir de artigos recuperados nos bancos de sobrevivência (GÓMEZ et al., 2007).
dados PubMed, Medline e Scopus, publicados O cenário ocupacional representa outro
em período atemporal. Além disso, no intuito de importante determinante social em saúde para a
abordar a temática principal de forma mais ocorrência dos acidentes com animais peçonhen-
ampla, também utilizou-se literatura cinzenta e tos. Acidentes ocasionados por aranhas dos
dados do Sistema de Informação de Agravo de gêneros Phoneutria sp. e Latrodectus sp. podem
Notificação (SINAN). estar relacionados ao meio agrícola. Por outro
Foram utilizados os descritores “Spider lado, os casos do gênero Loxosceles sp. são
Venoms”, “Spider Bites”, “Spiders”, “Clinical” e constantemente ligados a atividades domésticas
adotado o termo booleano AND. Os critérios de e construção civil, pois este gênero possui um
inclusão foram: artigos nos idiomas inglês e nicho ecológico convergente com acidentes
139
nesses locais (BRITO et al., 2023). tipo de acidente com as atividades laborais
(LOPES et al., 2017). Silva et al. (2015),
Epidemiologia realizando um estudo, descritivo e retrospectivo,
O perfil epidemiológico dos acidentes por sobre a ocorrência de araneísmo constataram que
animais peçonhentos no Brasil varia tanto no a faixa etária dos indivíduos acometidos foi
espaço, entre suas macrorregiões geográficas, semelhante em todas as regiões do Brasil
quanto no tempo (SOUZA et al., 2022). Estudos (Figura 15.1).
indicaram uma maior incidência de picadas de
aranha no sul do Brasil, destacando-se a Figura 15.1. Distribuição da porcentagem de casos de
acidentes com serpentes, escorpiões e aranhas de acordo
frequência relativa de 65% de acidentes pelo com a faixa etária no Brasil durante os anos de 2009 a 2013
gênero Loxosceles nesta região. Além disso, a
incidência sazonal foi estável durante o ano em
todas as regiões, exceto na região Sul, onde a
incidência diminuiu significativamente em dois
terços no inverno (CHIPPAUX, 2015). No
entanto, percebe-se que, em certas regiões do
Brasil, como no Nordeste, os registros de
acidentes com aranhas são escassos e
possivelmente subestimam a verdadeira situação Fonte: SILVA et al., 2015.
de risco na área (LEMOS et al., 2009).
No que tange ao aspecto espacial e temporal,
Dados de campo têm revelado a existência de
um estudo observacional de caso-controle
um problema em relação ao araneísmo,
realizado na Amazônia Ocidental brasileira, no
mostrando que em uma grande proporção de
período de 2007 a 2014, demonstrou que a
casos não há referência ao tipo de aranha
incidência de picadas de aranha correlacionou-se
causadora do acidente no preenchimento da ficha
com o período de maior pluviosidade e foi maior
do SINAN (Ign/branco). Este fato ocorre em
nas áreas sob influência dos cursos d'água
virtude da dificuldade de algumas equipes de
[Coeficiente de regressão (IC 95%) = 0,005
saúde em identificar espécies de aranhas, tanto
(0,001 a 0,009); p = 0,029] (SAMPAIO et al.,
pela falta de conhecimento da sintomatologia dos
2016).
grupos de importância médica, quanto pelo
impasse na identificação quando o animal Um estudo observacional retrospectivo acerca
causador do acidente é levado ao hospital com o dos aspectos epidemiológicos de acidentes com
intuito de ajudar no diagnóstico (BENEDET et aranhas no Brasil reportou uma mortalidade
al., 2021). média anual de 0,117 óbitos por 100 mil
Em relação à faixa etária, um estudo habitantes e um coeficiente de correlação de
transversal retrospectivo, no período de 2012 a Pearson de 0,9684, indicando uma correlação
2015 na região norte do Brasil, constatou que há forte, com nível de significância igual a p < 0,05
maior incidência de acidentes peçonhentos na (Figura 15.2) (CHIPPAUX, 2015).
população economicamente ativa (20-39 anos) e Souza et al. (2022), estudando uma análise da
menor frequência em indivíduos acima de 60 tendência temporal dos acidentes com animais
anos. Esse fato é justificado pela relação desse peçonhentos no Brasil, no período de 2007 a
2019, constataram que a taxa de letalidade dos
140
casos de picadas de aranha foi de 0,05%, com Tabela 15.1. Análise da incidência e dos óbitos por
araneísmo no Brasil (2012-2022)
destaque para as regiões Nordeste (0,28%) e
Centro-Oeste (0,22%). Variável Média Desvio padrão

Incidência 215.7073 ±53.2839


Figura 15.2. Tendências da mortalidade anual por
envenenamento por 100 mil habitantes no Brasil, (2001-
Óbitos 292.8182 ±64.8349
2012)

Características do agente
Características do gênero Loxosceles sp.
As Loxosceles spp., popularmente conhecidas
como aranhas-marrons, possuem um tamanho de
1 cm de corpo e até 4 cm de envergadura de
pernas e coloração caracteristicamente amarron-
zada (Figura 15.3). Além disso, suas teias têm
um formato irregular. Elas são mais ativas
durante a noite e podem ser encontradas em
lugares protegidos da incidência de luz direta,
Fonte: CHIPPAUX, 2015.
como embaixo de folhas de árvores, de telhas e
Realizando um estudo transversal a partir da de tijolos, atrás de móveis, dentro de roupas e de
análise do número de notificações de araneísmo calçados. Por não serem agressivas, geralmente
no SINAN, constatou-se uma média de 215.7 (± picam quando são espremidas contra o corpo de
53.2) casos de picadas e 292.8182 (± 64.8) casos uma pessoa (MARQUES, 2020).
de óbitos, no período de 2012 a 2022. Utilizando
Figura 15.3. Aranha do gênero Loxosceles (aranha-
o teste de Pearson, verificou-se que o grau de marrom)
correlação entre a incidência e o óbito foi r² =
0,7215, com um IC de 0,22 a 0,92 e um erro alfa
de 0,015, delineando uma correlação moderada
estaticamente significativa (Tabela 15.1).
Fazendo, também, uma análise de correlação
entre os principais gêneros de aranha e a
ocorrência de acidentes entre os sexos, verificou-
se a ausência de causalidade (p) = 0,2525,
indicando a rejeição da hipótese de nulidade
(Ho), ou seja, as diferenças apresentadas entre a Fonte: CEARÁ, 2021.
incidência de acidentes entre homens e mulheres
foram ao acaso (Teste de Grubbs = 4,0844). Estes Características do gênero Phoneutria sp.
resultados convergem com outro estudo que As Phoneutria spp., de nome popular aranha-
evidenciou resultados semelhantes sobre a armadeira, têm tamanho de 3 cm a 4 cm de corpo
incidência de araneísmo entre os sexos em todo e 15 cm de envergadura de pernas (Figura 15.4),
o Brasil (razão sexual equilibrada = 1,01; p = Elas podem ser achadas entre materiais de
0,94) (CHIPPAUX, 2015). construção, madeira, folhas de bananeira e em
141
alimentos colhidos sem a retirada desse animal. reconhecer os efeitos do araneísmo no paciente,
Visto que não produzem teias, podem ser vistas estabelecer a gravidade do quadro clínico e ligar
andando à noite, quando estão caçando. Seu tais manifestações a um determinado gênero do
comportamento é mais hostil, logo, ao se aracnídeo.
sentirem ameaçadas, elas erguem suas pernas
dianteiras, abrem as quelíceras e buscam atacar o Figura 15.5. Aranha do gênero Latrodectus (viúva-negra)
que as ameaça (BRASIL, 2022).

Figura 15.4. Aranha do gênero Phoneutria (aranha-


armadeira)

Fonte: CEARÁ, 2021.

A picada do gênero Loxosceles sp. pode


Fonte: CEARÁ, 2021. acarretar manifestações clínicas tanto na forma
de loxoscelismo cutâneo (ou cutâneo-necrótico)
Características do gênero Latrodectus sp. quanto na forma mais rara, o loxoscelismo
As Latrodectus spp., popularmente chamadas cutâneo-hemolítico (SILVA, 2019).
de viúvas-negras, possuem um porte discrepante No loxoscelismo cutâneo, sintomas inespe-
entre as fêmeas — de 1 cm de comprimento e 3 cíficos, como febre, vômito e mialgia, podem
cm de envergadura de pernas — e os machos — estar presentes, além da picada com pouca dor,
com 3 mm de comprimento, os quais não causam porém, a característica crucial do loxoscelismo
acidentes (Figura 15.5). São caracterizadas por cutâneo é a presença da placa marmórea (placas
um abdômen de formato globular com uma equimóticas endurecidas e rodeadas por erite-
marca vermelha semelhante a uma ampulheta. mas). Alguns casos podem conter uma espécie de
Elas podem ser encontradas em ambientes bolha com conteúdo sanguíneo. As placas
domiciliares e peridomiciliares. São mais ativas surgem de 12-24 horas após a picada, indicando
à noite e produzem uma teia de formato irregular a gravidade do quadro, sendo as lesões com
entre a vegetação. O araneísmo decorrente desse diâmetro maior que 3 centímetros e sensação de
gênero de aranha ocorre, principalmente, quando queimação na área afetada consi-deradas graves.
as fêmeas são comprimidas contra o corpo do ser A lesão é considerada moderada a partir da
humano (MOKHTAR et al., 2021). presença da placa marmórea com o maior
diâmetro medindo menos de 3 centíme-tros. A
Manifestações clínicas possibilidade de sensação de queimação nos
As manifestações clínicas compreendem o quadros moderados não é descartada, como
conjunto de sinais e de sintomas apresentados mostra o Quadro 15.1 (USP, 2017).
pela vítima da picada que são usados para
142
Quadro 15.1. Manifestações clínicas conforme o grau de gravidade do loxoscelismo cutâneo

Gravidade do
Manifestações clínicas
acidente

Lesão local inespecífica, sem muita dor no início, sendo necessária a identificação da aranha
Leve para confirmação de caso.

Surgimento de lesões características (placas marmóreas), febre, mialgia, sensação de


Moderado queimação no local da picada.

Lesões características maiores (diâmetro maior que 3 cm), podendo ainda ter sensação de
Grave queimação e outros sintomas inespecíficos, mas sem hemólise.
Fonte: Adaptado de USP, 2017.

As manifestações para o loxoscelismo cutâ- Patogenia


neo-hemolítico são consideradas diretamente As aranhas produzem venenos que possuem
graves. O motivo para esta classificação consiste uma composição complexa, apresentando com-
na lise das hemácias, podendo ocasionar quadros ponentes peptídicos que podem diversificar em
de anemia, icterícia e hemoglobinúria nos relação à sua taxonomia. Seus efeitos variam
pacientes acometidos, além da possível evolução desde a inflamação até a necrose, ocasionando,
para insuficiência renal. Há possibilidade do em casos mais graves, a morte (TRINDADE et
surgimento de febre, cefaleia e êmese nas al., 2022).
primeiras 24 horas (SILVA, 2019). As lesões
cutâneas não estão diretamente relacionadas a Patogenia da Loxosceles sp.
este loxoscelismo (USP, 2017). A mordida desse aracnídeo injeta cons-
Para o gênero Phoneutria sp, os casos são tituintes que apresentam elementos com ação
leves quando há presença de dor, leve eritema e cutânea e sistêmica. Dentre seus elementos, há a
edema. Nos casos moderados, são observados toxina fosfolipase-D, a qual era chamada ante-
episódios de vômito, sudorese, agitação ou riormente de esfingomielinase-D, que é respon-
hipertensão no paciente. Os casos graves de sável pela quebra da esfingomielina e pela
acidentes fonêutricos podem apresentar mialgia, geração da colina e do fosfato de ceramida, sendo
edema pulmonar, contínuos episódios de vômito, a responsável por manifestações clínicas como a
anemia ou a entrada do paciente em coma dermonecrose, a hemólise e o edema (GREMSKI
(CEARÁ, 2021). et al., 2020). Outros componentes liberados pelo
Em relação ao gênero Latrodectus sp, os Loxosceles sp. são as hialuronidases e as
quadros podem ir de dor no local da picada e proteases, responsáveis pela disseminação do
transpiração demasiada do paciente até rabdo- veneno no organismo, e a metaloproteinase, que
miólise (ruptura dos músculos esqueléticos), dor está ligada à hemorragia (TRINDADE et al.,
abdominal, vômitos, hipertensão e convulsões, 2022).
os danos ao músculo cardíaco são raros. Ainda A insuficiência renal, presente nos casos mais
não há comprovação de evolução para óbito por graves, pode estar interligada a fatores como os
latrodectismo no Brasil (BRASIL, 2022). distúrbios que resultam de lesões na membrana

143
basal glomerular (TRINDADE et al., 2022). agente pode ser baseada na descrição fornecida
pela vítima, em fotos, ou, até mesmo, na
Patogenia da Phoneutria sp. apresentação da própria aranha, se coletada,
A picada da Phoneutria sp, considerada uma auxiliando na elaboração de um plano de
das mais letais, possui um veneno complexo com tratamento (CEARÁ, 2021).
efeito neurológico, agindo nos canais de sódio,
desencadeando uma despolarização das suas Diagnóstico de acidente por Loxosceles sp.
terminações nervosas na junção mioneural e das No acidente loxoscélico, o paciente geralmen-
miofibras e promovendo a circulação de neu- te testemunhará que a picada é indolor. Na
rotransmissores (acetilcolina, adrenérgicos) evolução do quadro pode ser observado febre,
(SALVATIERRA et al., 2018). cefaleia, mal-estar, icterícia, hematúria e insufi-
ciência renal. A lesão apresentará uma área
Patogenia da Latrodectus sp.
central vermelha, cercada por um halo branco
A constituição do veneno da Latrodectus sp.
(placa marmórea), com aspecto plano e possíveis
apresenta como elemento principal a substância
bolhas (Figura 15.6). Costuma evoluir para a
neurotóxica alfa-latrotoxina, que afetará as ter-
formação de uma úlcera necrótica com até 10 cm
minações nervosas sensíveis. Essa ação ocasio-
e 3 meses para completa resolução (MARQUES,
nará uma interação com receptores específicos
2020).
dos terminais neuronais, ocorrendo uma libera-
ção de neurotransmissores, como acetilcolina e Figura 15.6. Lesão de acidente por Loxosceles sp. (aranha-
noradrenalina, baseada na produção de cascatas marrom) com evidência da placa marmórea
de sinalização intracelular e de poros. Além
disso, há outras moléculas presentes, como a
latrodectina, mas esta apresenta função des-
conhecida (CARUSO et al., 2021).

Diagnóstico
Os acidentes com aranhas são de notificação
compulsória no Brasil. O profissional de saúde
responsável deve preencher uma ficha de
Fonte: CEARÁ, 2021.
notificação de acidente por animais peçonhentos,
que será armazenada no banco de dados do No geral, o quadro clínico de araneísmo com
SINAN, garantindo a vigilância epidemiológica Loxosceles sp. é frequentemente diagnosticado
adequada (BRASIL, 2011). de forma equivocada. Foi desenvolvida uma
Na análise inicial do diagnóstico, é crucial ferramenta mnemônica chamada "NOT
atentar-se aos sinais físicos, ao testemunho do RECLUSE" para auxiliar na identificação dos
aspectos de um acidente com esse gênero
paciente e à identificação do agente. Ao analisar
(Quadro 15.2) (MARQUES, 2020).
os sinais físicos, é importante observar o aspecto
da lesão, como edema, necrose e extensão. Em Diagnóstico de acidente por Phoneutria sp.
relação ao relato do paciente, deve-se verificar as
A vítima poderá relatar dor imediata e intensa
circunstâncias do acidente e possíveis compor-
no local da inoculação, evoluindo para pares-
tamentos da aranha agressora. A identificação do
144
tesia. Ao longo do curso clínico, é possível cons- O foneutrismo apresenta manifestações
tatar vômito, sudorese acentuada, priapismo, similares ao escorpionismo, o que frequente-
bradicardia e edema agudo de pulmão (BENE- mente dificulta a diferenciação desses acidentes
DET et al., 2021). A lesão evidenciará uma área (BRASIL, 2022).
vermelha e edemaciada, sem evolução necrótica,
com sudorese local e fasciculações (Figura Diagnóstico de acidente por Latrodectus sp.
15.7). O latrodectismo geralmente produz uma lesão
pequena e pouco visível. Usualmente, é relatada
Quadro 15.2. Ferramenta mnemônica para diagnóstico de dor imediata, que pode ser intensa no local da
loxoscelismo picada, podendo irradiar para os gânglios
Letra Significado Achados típicos linfáticos regionais (CARUSO et al., 2021).
Durante o desenvolvimento clínico, podem ser
N Número Lesão única observados espasmos musculares, sudorese,
O Ocorrência
Compressão da aranha pela trismo e retenção urinária. A aparência da lesão
vítima
será de um pequeno ponto vermelho no centro
T Tempo Aumento de casos na
primavera e no verão que pode difundir para áreas próximas e persistir
R
Centro
Área central vermelha
por vários dias (Figura 15.8) (GOGOS et al.,
vermelho
2020; MOKHTAR et al., 2021).
E Elevação Área em geral plana
Figura 15.8. Picada de Latrodectus sp. (viúva-negra) na
C Cronicidade Até 3 meses para resolução área abdominal inferior
L Largura Lesão necrótica de até 10 cm
Ulceração
U Ulceração entre 7 e 14 dias
precoce
Não costuma haver edema
S Inchaço
significativo
Lesão geralmente não
E Exsudação
exsudativa
Fonte: Adaptado de MARQUES, 2020

Figura 15.7. Edema após picada de Phoneutria sp. (aranha


armadeira) Fonte: GOGOS et al., 2020.

De modo geral, os achados laboratoriais do


araneísmo por Loxosceles sp., Phoneutria sp. e
Latrodectus sp. são, em sua maioria, inespe-
cíficos e dependem da forma de envenenamento,
podendo incluir leucocitose com neutrofilia,
hiperglicemia, anemia, plaquetopenia, elevação
de creatinina quinase (CK) e de AST. Além
disso, o exame ELISA pode detectar a presença
de antígenos ou anticorpos específicos do veneno
Fonte: CEARÁ, 2021. em questão (CEARÁ, 2021).
145
Tratamento loxoscelismo, sugere-se a soroterapia com cinco
O tratamento é feito de acordo com a ampolas de soro e/ou a corticoterapia com
gravidade das manifestações clínicas e a espécie prednisona, adultos 40 mg/dia e crianças 1
da aranha que provocou o acidente. Geralmente, mg/kg/dia durante cinco dias. Nos casos graves,
nos procedimentos, são aplicados medicamentos recomenda-se soroterapia com dez ampolas e
que auxiliam no alívio da dor e da inflamação, corticoterapia com prednisona, adultos 40
utilizando analgésicos, como a dipirona, e, se mg/dia e crianças 1 mg/kg/dia, durante cinco dias
necessário, soro, que possui a capacidade de (BRASIL, 2022; CARVALHO, 2022).
controlar a evolução da peçonha.
Tratamento de acidente por Phoneutria sp.
Tratamento de acidente por Loxosceles sp. No tratamento sintomático, utiliza-se uma
O tratamento sintomático é dividido em infiltração anestésica, local ou troncular, à base
manifestações locais e sistêmicas. É reco- de lidocaína a 2% sem vasoconstrictor (1 a 2 ml
mendado antisséptico local e limpeza periódica em crianças e de 3 a 4 ml em adultos). Caso haja
da ferida, melhorando a cicatrização da úlcera reincidência da dor, geralmente após 60 a 90
loxoscélica, devendo ser lavada cinco a seis minutos, pode ser necessário aplicar outra
vezes por dia com sabão neutro, e compressas de infiltração, desde que não existam sintomas de
KMn04 - 1:40.000 (um comprimido em quatro depressão do sistema nervoso central. Recomen-
litros de água) ou água boricada 10% aplicadas da-se o uso, com cautela, de meperidina, nas
por cinco a dez minutos duas vezes ao dia. No seguintes doses: 1,0 mg/kg via intramuscular
caso de infecções secundárias, é indicado o uso para crianças e 50 a 100 mg via intramuscular
de antibiótico sistêmico, visando a cobertura para para adultos (BRASIL, 2022).
patógenos de pele (BRASIL, 2022). Na terapia específica é ministrado o soro
Não é recomendado realizar o desbridamento antiaracnídico (SAAr) por intravenosa. Em
precoce, pois o procedimento aumenta o crianças apresentando manifestações sistêmicas,
processo inflamatório e o efeito dos venenos. Se em casos moderados, utiliza-se de 2 a 4 ampolas
necessário, realiza-se a cirurgia plástica em de SAAr, enquanto nos casos graves são de 5 a
lesões estabilizadas com cicatrização prolongada 10 ampolas de SAAr (CARVALHO, 2022).
(entre 6 e 10 semanas) ou perda permanente de
tecido (MARQUES, 2020). Tratamento de acidente por Latrodectus sp.
Na forma cutâneo-hemolítica, indica-se uma No tratamento sintomático, são utilizados
boa hidratação, a fim de manter a perfusão renal. benzodiazepínicos, pois acentuam os efeitos
Por outro lado, na forma hemolítica, que evolui inibitórios do sistema nervoso central, provo-
com insuficiência renal aguda, é preciso analisar cando efeito depressor. Além disso, podem ser
a necessidade da terapêutica dialítica e da administrados gluconato de cálcio 10%, que
reposição de concentrados de hemácias, em reduz dor e espasmo muscular, e clorpromazina,
hemólises intensas (USP, 2017). que possui ação estabilizadora no sistema nervo-
O tratamento específico é realizado com o so central e periférico e uma ação depressora
soro antiloxoscélico (SALox), via intravenosa, seletiva sobre o sistema nervoso central
ou, na ausência deste, com soro antiaracnídico (MENDES, 2013; BRASIL, 2022).
(SAAr) (USP, 2017). Nos casos moderados de A terapia específica utiliza o soro antila-
146
trodectus (SALatr) na dose de uma ampola, em metros das casas;
casos moderados, e duas em casos graves, por via d) Não colocar a mão em buracos, troncos
intramuscular. Deve-se garantir suporte car- podres e sob pedras, pois são ambientes
diorrespiratório e permanência de pacientes no favoráveis às aranhas;
hospital por, no mínimo, 24 horas (CEARÁ, e) A utilização de calçados e raspas de
2021). couro auxilia a atenuar o risco de acidentes;
f) Vedar soleiras das janelas e portas quan-
Profilaxia do começar a escurecer, bem como frestas e
Os primeiros socorros são os cuidados iniciais buracos nas paredes, nos assoalhos e vãos entre
que devem ser prestados rapidamente a uma o forro e paredes, consertar rodapés despregados,
pessoa, vítima de acidentes ou mal súbito, apli- utilizar telas nas janelas e sacos de areia nas
cando medidas e procedimentos até a chegada da portas;
assistência. g) Afastar berços e camas de paredes,
Em virtude de acidente com aracnídeo, deve- evitar que as roupas de cama e os mosqueteiros
se lavar a região da picada e utilizar compressas encostem no chão. Não pendurar roupas na
mornas que auxiliam a aliviar a dor. Posterior- parede;
mente, buscar o serviço médico mais próximo e, h) Inspecionar roupas e calçados antes de
caso possível, levar o animal para identificação. utilizá-los, sacudindo-os;
Certas práticas não são recomendadas, pois i) Utilizar telas em ralos de pias, do chão e
podem agravar a situação da vítima, a exemplo de tanques;
de torniquetes ou garrotes que não impedem a j) Acondicionar lixo domiciliar em sacos
circulação do veneno e aumentam o risco de plásticos ou outros recipientes que possam ser
necrose local. Outras práticas condenáveis são mantidos fechados, a fim de evitar a proliferação
furar, cortar, queimar, espremer ou fazer sucção de baratas, moscas e insetos que servem de
no local da ferida, colocar pó de café ou terra a alimento para as aranhas;
fim de não propiciar o desenvolvimento de k) Resguardar os inimigos naturais dos
infecções. Além disso, não se deve ingerir que- aracnídeos, como aves de hábitos noturnos (a
rosene, fumo, nem bebidas alcoólicas (INSTI- exemplo da coruja e do joão-bobo), lagartos,
TUTO BUTANTAN, 2022). sapos, gansos, galinhas, macacos, entre outros
Algumas medidas podem ser realizadas com (principalmente na zona rural).
o objetivo de impedir ou atenuar os acidentes Dessa forma, com a realização dessas ações
com aracnídeos, dentre elas: simples pela população em geral, poder-se-á
a) Preservar limpos quintais e jardins, atenuar a prevalência de ataques por aracnídeos
evitando acumular folhas secas, entulho, lixo (BRASIL, 2022).
doméstico e materiais de construção próximo às
residências; CONCLUSÃO
b) Evitar folhagens densas, como plantas Na análise do banco de dados do SINAN,
ornamentais e trepadeiras, coladas a paredes e constatou-se a frequência de notificação por
muros da casa, além de manter aparada a grama; acidentes com aracnídeos no Brasil, principal-
c) Limpar, de forma periódica, terrenos mente com relação à aranha do gênero
baldios vizinhos, que se localizam de um a dois Loxosceles sp.
147
Os estudos revelaram que as ocorrências de aracnídeos venenosos, pois agiliza o diagnóstico
araneísmo podem levar ao desenvolvimento de e o tratamento específico com soro antiarac-
dermonecroses, hemólise intravascular, insufi- nídico, evitando o agravamento das manifesta-
ciência renal, convulsões, choque e sequelas ções clínicas. Faz-se necessário o desenvolvi-
locais que podem evoluir, em casos específicos, mento de novos estudos para subsidiar conduta
ao óbito do paciente. mais específica dos profissionais de saúde e
É essencial o conhecimento do aspecto da manutenção da prevenção da população
lesão provocada pelas distintas espécies de

148
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INSTITUTO BUTANTAN. Primeiros socorros.

149
CAPÍTULO 16

FEBRE FAMILIAR DO
MEDITERRÂNEO: EPIDEMIOLOGIA,
DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO

GIULIA REBOUÇAS PINHEIRO1


EDVAR MACIEL BARBOSA NETO1
ANA LIVIA MACHADO SALES1
MARIANA FIDANZA VASCONCELOS CAVALCANTE1
LUIZA VALESKA MESQUITA FERNANDES1
MATHEUS MACEDO BRAGA COELHO1
GILBERTO SANTOS CERQUEIRA1
EMILE NYCOLLE DA SILVA SOUZA1
VIRNA ALMEIDA COUTINHO1
MARCO FELIPE CASTRO DA SILVA2

1. Discente – Faculdade de Medicina, Centro Universitário Unichristus.


2. Docente – Faculdade de Medicina, Centro Universitário Unichristus.

PALAVRAS-CHAVE
Febre; Febre do Mediterrâneo; Medicina.

150

10.59290/978-65-6029-012-9.16
INTRODUÇÃO EPIDEMIOLOGIA
A febre familiar do Mediterrâneo (FFM) é A febre familiar do Mediterrâneo decorre de
uma doença autoinflamatória hereditária carac- uma mutação autossômica recessiva do gene
terizada por episódios recorrentes de febre e MEFV que foi descrita inicialmente em 1945.
inflamação serosa ou poliserosite, cuja principal Estudos correlacionam tal doença com habitantes
complicação é o desenvolvimento insidioso de e descendentes de regiões do Mediterrâneo e
amiloidose secundária, o que pode resultar em Oriente Médio, pois suas populações apresentam
dano renal, sobretudo em pacientes com curso maior taxa de portadores de variantes do gene
persistente de atividade da doença (BEN- envolvido, sendo assim consideradas de alto
CHETRIT, 2018). A FFM é causada por muta- risco (SEYAHI, 2023).
ções de ganho de função no gene MEFV, que Como se trata de padrão de herança
codifica uma proteína chamada pirina, a qual tem autossômica recessiva, há uma forte relação com
funções reguladoras no sistema imunológico o histórico familiar, sendo necessário os
inato (TUFAN & LACHMANN, 2020). progenitores portarem o gene da doença para ter
A doença geralmente se apresenta entre 5 e 15 a possibilidade de transmiti-la para seu filho. A
anos de idade, com 90% dos pacientes desen- apresentação inicial ocorre em média antes dos
volvendo a doença antes dos 20 anos (SILIGA- 20 anos, porém esse fato não é um padrão,
TO et al., 2021). Os pacientes têm ataques febris podendo ocorrer em fases mais tardias. Em
recorrentes, que podem ocorrer uma vez ao ano populações de alto risco, a FFM tem uma
ou até duas vezes ao dia, e normalmente são prevalência de 3 a cada mil habitantes. Já em
assintomáticos no período entre as crises regiões consideradas de baixo risco sua
(RODRÍGUEZ, 2017). No Quadro 16.1, são ocorrência é menor, não existindo dados
elencados os principais fatores de risco para a epidemiológicos suficientes que demonstrem sua
doença. frequência. No Brasil, é considerada uma doença
rara e sua ocorrência está relacionada à
Quadro 16.1. Fatores de risco para Febre Familiar do descendência e distribuição geográfica da popu-
Mediterrâneo lação. Portanto, é importante não excluir a
Hereditariedade Doença viral possibilidade diagnóstica em grupos que não
fazem parte das regiões de alto risco, já que, no
Ascendência mediterrânea Idade > 20 anos
mundo moderno, a propagação da doença pode
Mutação genética do MEFV Estresse psicológico ocorrer pela facilidade de transporte (BEN-
CHETRIT, 2018).
Sexo Masculino
Fonte: Elaborado a partir de RODRÍGUEZ, 2017.
FISIOPATOLOGIA
A FFM é uma doença que tem componentes
Dessa forma, o presente estudo tem como
genéticos e imunológicos. Essa patologia se
objetivo realizar uma revisão sobre a febre
desenvolve por uma mutação do gene MEFV,
familiar do Mediterrâneo, demonstrando os
localizado no cromossomo 16 (16p13.3). Tal
principais sítios de infecção e suas características
gene codifica uma proteína composta de 781
epidemiológicas, clínicas e terapêuticas.
aminoácidos, a pirina, que funciona como um

151
membro de receptores citosólicos de reconhe- ativação da pirina, que é transformada em pirina
cimento de padrões (RRPs), os quais são inflamassoma, a qual ativa a caspase-1,
responsáveis por respostas imunes inatas rápidas. acarretando a liberação de interleucinas pró-
A pirina citoplasmática não reconhece inflamatórias (IL-1β e IL-18) que se transformam
diretamente patógenos endógenos ou exógenos, em formas maduras. A IL-1β aumenta o
mas possui somente meios de detecção de mecanismo inflamatório por meio da expressão
alterações moleculares da homeostase citoplas- de genes de toda a cascata de IL-1, aumentando
mática, que convertem a pirina em pirina a produção dessa interleucina. As mutações no
inflamassoma (TUFAN & LACHMANN, 2020). NLRP3 prejudicam o controle da montagem do
Fisiologicamente, a pirina é mantida inativa inflamassoma e, portanto, levam à produção
devido à fosforilação pela família de genes aberrante de IL-1beta (NIGROVIC & SUNDEL,
homólogos das quinases Ras. No entanto, quando 2023). Na Figura 16.1 está representado o
há intervenção do gene mutado da FFM, ocorre resumo da fisiopatologia da FFM.

Figura 16.1. Fisiopatologia da Febre do Mediterrâneo

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS disso, os pacientes podem apresentar os seguintes


Na FFM, é comum ocorrer crises curtas e sintomas:
esporádicas de febre e inflamação das camadas
que revestem a parede abdominal, coração e Febre
pulmão. Essas crises se iniciam normalmente na É o sintoma mais característico da doença e
primeira infância, ou seja, do nascimento até os está presente em quase todos os pacientes. A
seis anos de idade. Os episódios podem durar de temperatura varia de 38 a 40° C, porém, em casos
um a três dias e os intervalos entre eles variam leves, pode ocorrer febre baixa. A febre costuma
entre os pacientes, podendo variar de semanas a ser breve e durar em torno de 24 horas (BEN-
meses ou até anos (BEN-CHETRIT, 2018). CHETRIT, 2018). Em lactentes, os episódios
Inicialmente, o indivíduo pode apresentar pró- febris podem ser a única manifestação clínica da
dromos, os quais têm duração de aproxima- doença, constituindo um desafio diagnóstico
damente 20 horas e se manifestam de formas (WEKELL et al., 2016).
variadas (SHOHAT & HALPERN, 2011). Além
152
Dor abdominal espontaneamente em dois a três dias sem neces-
As crises de dor abdominal se assemelham à sidade de uso de antibióticos (BEN-CHETRIT,
apresentação clínica do abdome agudo, ou seja, 2018).
dor intensa e difusa com rigidez (SIMON et al.,
2005). Esse sintoma é extremamente prevalente Outras manifestações
na FFM, estando presente em aproximadamente Mialgia de esforço
95% dos pacientes. É causada por peritonite, É a dor muscular induzida por exercício físico.
costuma começar em uma parte do abdome e Afeta principalmente membros inferiores,
posteriormente se torna difusa (BEN-CHETRIT, melhora com repouso e anti-inflamatórios não
2018). O exame físico abdominal apresenta hormonais (AINHs), não tem caráter episódico e
defesa involuntária dos músculos abdominais, não é controlada pela colchicina (SHOHAT &
dor à palpação e perda dos ruídos hidroaéreos. Os HALPERN, 2011).
exames de imagem são importantes para
descartar outras patologias. Mialgia febril
É uma mialgia debilitante grave com duração
Dor torácica de até oito semanas que geralmente envolve
Ocorre devido a inflamação pleural e se extremidades inferiores e em alguns casos podem
manifesta normalmente com acometimento ser mais difusas. Além disso, ocorre o aumento
unilateral e ventilatório-dependente. Geralmente da velocidade de hemossedimentação, leucoci-
se resolve dentro de três dias (WEKELL et al., tose e hiperglobulinemia (SHOHAT & HAL-
2016). PERN, 2011).

Artralgias Pericardite aguda


A dor nas articulações afeta mais de 50% dos Ocorre em uma minoria dos pacientes com
pacientes e se manifesta subitamente com edema FFM. Manifesta-se com dor torácica que tende a
nas articulações associado à dor. Normalmente, melhorar ao se inclinar para frente, fricção
as crises envolvem uma ou duas grandes pericárdica e elevação generalizada do segmento
articulações dos membros inferiores. Pelo fato de ST no eletrocardiograma (BEN-CHETRIT,
ser acompanhado de febre pode ser confundida 2018).
com artrite séptica. Os sintomas de artralgia e
edema tendem a desaparecer espontaneamente Escroto agudo
em uma semana (TUFAN & LACHMANN, Resulta da inflamação da túnica vaginal,
2020). caracterizada por uma tumefação gradual e
unilateral do escroto que tem resolução
Lesões cutâneas espontânea em 12 a 24 horas. É importante
A manifestação cutânea mais comum da FFM diferenciá-lo da torção testicular, tendo em vista
é um eritema que se assemelha ao da erisipela e que não necessita de intervenção cirúrgica
afeta principalmente pés, tornozelos e pernas (KUCUK et al., 2014).
(MEDLEJ-HASHIM et al., 2004.). É caracte- No Quadro 16.2 são apresentadas as
rizada tipicamente por placas eritematosas e principais manifestações clínicas da FFM.
acometem áreas de 10 a 35 cm². Desaparecem

153
Quadro 16.2. Principais manifestações clínicas da FFM

Principais manifestações clínicas Manifestações clínicas menos comuns

Febre alta Mialgia de esforço

Dor abdominal Mialgia febril

Dor torácica Pericardite aguda

Artralgia Escroto agudo

Lesões cutâneas Dor de cabeça e meningite asséptica

Fonte: Elaborado a partir de BEN-CHETRIT, 2018.

Complicações necessária ressecção extensa (D’ANNUNZIO et


Amiloidose secundária al., 2011).
É a complicação mais grave da FFM.
Apresenta-se comumente em indivíduos não Infertilidade
tratados e cursa com proteinúria elevada e É mais comum em pacientes não tratados,
persistente, com consequente síndrome nefrótica especialmente os que apresentam múltiplos
e insuficiência renal terminal. Quando a ataques. Ocorre devido à inflamação crônica que
amiloidose renal é a primeira e única mani- favorece o aparecimento de aderências pélvicas,
festação do paciente com FFM é chamada de com consequente obstrução das trompas de
FFM tipo 2 (SHOHAT & HALPERN, 2011). Falópio, levando a infertilidade mecânica em
Vários estudos demonstram que o tratamento da mulheres com FFM. Em homens, pode ocorrer
FFM com colchicina é responsável por reduzir a azoospermia devido à amiloidose testicular
frequência e a gravidade dos episódios inflama- (BEN-CHETRIT, 2018). Além disso, poliarterite
tórios, além de prevenir o aparecimento da nodosa, púrpura de Henoch-Schonlein e
amiloidose secundária. Contudo, a colchicina síndrome de Behçet também representam
não se mostra eficaz em pacientes que já complicações de alta incidência em pacientes
possuem manifestações clínicas de amiloidose com FFM (BASHARDOUST, 2015).
secundária (SEVILLANO et al., 2016).
DIAGNÓSTICO
Obstrução do intestino delgado O diagnóstico de FFM é feito com base nos
Em razão da peritonite recorrente, podem achados clínicos (episódios de febre intermitente
ocorrer aderências inflamatórias e consequente com serosite concomitante, na ausência de uma
obstrução do intestino delgado. O uso da causa alternativa), resposta à colchicina, etnia,
colchicina no tratamento da FFM também história familiar (TANATAR et al., 2020), além
previne a progressão das aderências peritoneais. dos critérios classificatórios já existentes na
É importante a realização precoce de uma literatura: critérios de Tel Hashomer, critérios
tomografia computadorizada abdominal em Livneh ou critérios pediátricos publicados pelos
casos de persistência dos sintomas, visto que, em grupos European League Against Rheumatology
pacientes mais graves, pode ocorrer necrose (EULAR) e Pediatric Rheumatology Internatio-
intestinal por estrangulamento intestinal, sendo nal Trials Organization (PRINTO). Estes crité-

154
rios são elencados no Quadro 16.3. o paciente apresentar manifestações atípicas
Além da história clínica do paciente, também (TUFAN & LACHMANN, 2020). O critério de
podem ser dosados marcadores inflamatórios e a Livneh é uma forma mais abrangente e
análise genética, uma ferramenta mais recente, diagnostica FFM na presença de ≥ 1 critério
também pode ser realizada. Os critérios clínicos maior ou ≥ 2 critérios menores ou 1 critério
possuem poder diagnóstico em regiões endê- menor associado a ≥ 5 “critérios de suporte”, o
micas, mas a confirmação está sujeita a erros se que está demonstrado no Quadro 16.4.

Quadro 16.3. Diferenças entre critérios diagnósticos para a Febre Familiar do Mediterrâneo

Critério O que considera

Febre, peritonite, pleurite, artrite, eritema erisipela-like,


Tel Hashomer (1967)
amiloidose e história familiar

Tel Hashomer + dor em MMII aos esforços + achados


Livneh (1997) laboratoriais (marcadores inflamatórios e achados urinários
como proteinúria e hematúria) + exclusão da amiloidose

Critérios pediátricos da Turquia (2009) História familiar, febre, artrite, dor gástrica e dor torácica
Fonte: Elaborado a partir de TUFAN & LACHMANN, 2020.

Não há nenhum exame laboratorial específico provas inflamatórias (VHS, PCR, imunoglo-
para o diagnóstico de FFM, exceto a pesquisa de bulinas) e, paralelamente, leucocitose neutrofíli-
mutação genética no gene MEFV. Durante um ca de até 20.000/mm³ (MANNA & RIGANTE,
episódio de crise da doença, há aumento das 2019).

Quadro 16.4. Diagnóstico de FFM segundo os critérios de Livneh

Critérios de Livneh

Ataques típicos com peritonite (generalizada)

Ataques típicos com pleurite (unilateral) ou pericardite


Maiores
Ataques típicos com monoartrite (quadril, joelho, tornozelo)

Ataques típicos apenas com febre

Ataques incompletos envolvendo dor no peito

Ataques incompletos envolvendo monoartrite


Menores
Dor nas pernas por esforço

Resposta favorável à colchicina

História familiar de FFM


Critérios de
Origem étnica condizente
suporte
Idade < 20 anos ao início das manifestações

155
Ataques severos de sintomatologia necessitando de repouso na cama

Remissão espontânea dos sintomas

Presença de períodos assintomáticos

Elevação transitória de marcadores inflamatórios

Proteinúria ou hematúria episódicas

Consanguinidade dos pais

Retirada de apêndice “limpo” em laparotomia improdutiva


Fonte: Elaborado a partir de BEN-CHETRIT, 2018 e MANNA & RIGANTE, 2019.

Os ataques incompletos são definidos como foi inferior a 12 horas ou superior a quatro dias
ataques dolorosos e recorrentes que não (BEN-CHETRIT, 2018). Os principais diagnós-
preenchem os critérios para um ataque típico. Por ticos diferenciais são observados no Quadro
exemplo, que ocorreram menos de três vezes, a 16.5.
febre foi inferior a 38° C e a duração dos ataques

Quadro 16.5. Principais diagnósticos diferenciais da Febre do Mediterrâneo

Doença Características

Ataques inflamatórios recorrentes e autolimitados, geralmente se iniciam antes dos


Outras síndromes de febre
20 anos de idade e são marcados por febre alta, dores abdominais lancinantes, como
periódica
manifestação de peritonite, artrite, pleurite, orquite e pericardite

Febre alta, erupção cutânea, serosite e linfadenopatia. A artrite geralmente é evidente


Artrite idiopática juvenil no início, podendo se manifestar em semanas ou meses depois. Ao contrário da FFM,
forma sistêmica os pacientes com essas condições geralmente apresentam um padrão específico de
febre diária que não desaparece após vários dias.

Febre intermitente, exantema urticariforme, dor articular e surdez progressiva; 25%


Síndrome de Muckle-Wells
dos pacientes desenvolvem amiloidose renal.

Exantema urticariforme, episódios desencadeados por frio e/ou estresse, perda


Síndromes periódicas auditiva neurossensorial, sintomas musculoesqueléticos (artralgias, artrite e
associadas à criopirina mialgias), meningite asséptica crônica, anormalidades esqueléticas (bossa frontal e
hipercrescimento epifisário).

Pode causar deformidades articulares e nos membros, deformidades faciais,


Doença inflamatória
meningite asséptica crônica, atrofia cerebral, uveíte, edema papilar, atraso no
multissistêmica de início
desenvolvimento e amiloidose, além de febre e exantema urticariforme migratório.
neonatal
Cerca de 20% dos pacientes morrem até os 20 anos de idade se não tratados.

A febre recorrente também pode ser a manifestação predominante de malignidades,


como leucemia ou síndromes mielodisplásicas. No entanto, a expansão monoclonal
Malignidade de células B e T, monocitose ou macrocitose podem distinguir essas malignidades da
FFM. Pacientes com linfoma costumam apresentar achados como esplenomegalia,
linfadenopatia ou aumento dos níveis de lactato desidrogenase.

156
Síndrome periódica Os ataques febris são acompanhados de conjuntivite e edema periorbital, além de
associada ao receptor do mialgias migratórias focais, erupção cutânea, dor abdominal e monoartrite.
fator de necrose tumoral Geralmente duram de 7 a 21 dias.

Edema subcutâneo de face ou extremidades do corpo, além das mucosas internas,


Angioedema hereditário como as da laringe e do tecido gastrointestinal. A doença costuma se manifestar a
partir dos 11 anos de idade.

Doenças reumáticas Febre, serosite e artrite podem ser as manifestações predominantes de outras doenças
sistêmicas reumáticas sistêmicas, como lúpus eritematoso sistêmico e artrite reumatoide.

Dor abdominal intensa, incluindo poliarterite nodosa, vasculite por imunoglobulina


Vasculite sistêmica A (IgAV) e síndrome de Behçet. Essas vasculites podem ser diferenciadas da FFM
envolvendo o abdome pela presença de envolvimento de múltiplos órgãos com achados como vasculite
cutânea de pequenos vasos e glomerulonefrite.
Fonte: Elaborado a partir de BEN-CHETRIT, 2018 e ANDRADE, 2011.

TRATAMENTO explica ainda a falta de resposta de alguns


O objetivo inicial do tratamento da FFM é pacientes com FFM em virtude do polimorfismo
evitar crises agudas, reduzir a inflamação no do gene que codifica a glicoproteína P (ÖZEN et
período intercrítico e prevenir o desenvolvimento al., 2017; IMAZIO & NIDORF, 2021).
e progressão da amiloidose (BEN-CHETRIT, Estudos têm evidenciado que a administração
2018). diária da colchicina impede tanto os ataques
A colchicina é uma medicação que tem sido inflamatórios quanto a amiloidose secundária,
usada há décadas para a prevenção de surtos maior complicação em longo prazo da FFM
inflamatórios agudos na FFM (IMAZIO & (TERRERI et al., 2016).
NIDORF, 2021). Isso ocorre porque este fármaco As propriedades anti-inflamatórias da colchi-
atua na divisão celular e afeta a atividade dos cina são devidas à regulação da quimiotaxia e
neutrófilos, reduzindo os sintomas inflamatórios. ativação de neutrófilos, inibição da liberação de
A administração contínua de 1-2 mg reduz superóxido e IL-1, IL-8 via NALP3-inflamas-
frequência, intensidade e duração das crises soma, além da inibição da síntese do TNFα,
(LIDAR & LIVNEH, 2007). É recomendada leucotrieno B4, atividade da ciclooxigenase 2,
para todos os pacientes, independentemente da prostaglandina E2 e tromboxano A2 (ÖZEN et
frequência e intensidade dos ataques. Para al., 2017). Além disso, a colchicina também
aqueles que forem intolerantes ou refratários ao apresenta atividades direcionadas ao endotélio,
tratamento com colchicina, pode-se utilizar o prejudicando a adesão de neutrófilos e inibindo a
canaquinumabe, um anticorpo monoclonal anti- estimulação do fator de crescimento endotelial
IL-1. vascular (VEGF) (ÖZEN et al., 2017; EROGLU,
A colchicina atinge, nos monócitos, concen- et al., 2015).
trações mais elevadas do que os níveis observa- Além da colchicina, novos anticorpos mono-
dos no plasma, seus níveis são dependentes da clonais, como os inibidores de IL-1 anakinra e
glicoproteína P. Essa característica faz com que canaquinumabe, e anti-IL-6 tocilizumabe podem
seja difícil prever, com base nos níveis representar uma chave para otimizar o tratamento
plasmáticos, a concentração de colchicina que da FFM e a prevenção ou controle da amiloidose
pode ser alcançada nas células inflamatórias e (SILIGATO et al., 2021). Destarte, novos

157
marcadores como a lipocalina associada à antes e três meses após o início do tratamento
gelatinase neutrofílica (NGA) podem mudar com colchicina, sete apresentaram piora ou
radicalmente os resultados renais (SILIGATO et desenvolvimento de má absorção de lactose.
al., 2021). Portanto, uma dieta isenta de lactose resultou em
Os distúrbios gastrointestinais estão entre os uma melhora parcial dos sintomas gastroin-
principais efeitos colaterais do uso da colchicina. testinais (FRADKIN et al., 1995).
Podem ser observados em cerca de 10% dos Alguns estudos sugerem que a associação da
pacientes no primeiro mês de tratamento, o que acupuntura no tratamento de pacientes com febre
pode levar ao aumento da excreção fecal de do mediterrâneo foi benéfica durante as crises,
amido, gordura e ácidos biliares e diminuição da resultando em uma redução da escala visual
absorção de D-xilose e vitamina B12. Em altas analógica da dor no pós-tratamento (BECEL et
doses, a colchicina pode estar associada à al., 2016).
azoospermia. Em mulheres, o uso é seguro
durante a gravidez e a lactação (EL HASBANI et PREVENÇÃO DE PROCESSOS IN-
al., 2019). FECCIOSOS
A colchicina induz uma má absorção A FFM pode estar associada a vários
significativa de lactose em pacientes com FFM, processos infecciosos que podem mimetizar ou
o que contribui parcialmente para os efeitos provocar uma exacerbação da doença, sendo
colaterais gastrointestinais causados pela droga. necessário prevenir essas complicações para
Estudos realizados sugerem que pacientes que reduzir a morbimortalidade dos pacientes. As
tomaram colchicina apresentaram uma propor- principais afecções estão dispostas no Quadro
ção significativamente maior de má absorção de 16.6.
lactose em comparação com os pacientes com
FFM não tratados. De 12 pacientes investigados

Quadro 16.6. Principais afecções relacionadas à Febre do Mediterrâneo

Doença Prevenção

Ataques típicos Tonsilectomia; Colchicina nos pacientes com mutação MEFV


apenas com febre pode ser útil.

Pode ser oferecida a opção de apendicectomia eletiva para os


Apendicite pacientes com FFM, a fim de evitar a ocorrência de
apendicite.

Peritonite Colchicina

Colchicina; em pacientes resistentes à colchicina devido ao


Monoartrite
seu uso crônico, pode ser associada uma terapia anti-IL1.

Pleurite Colchicina

Pericardite Colchicina
Fonte: Elaborado a partir de ADROVIC et al., 2019; OZDOGAN & UGURLU, 2019; IMAZIO & NIDORF, 2021;
KEHRIBAR & ÖZGEN, 2021; WEKELL & WESTER, 2021.

158
CONCLUSÃO No Brasil a deficiência de estudos epidemio-
Verificou-se que a febre familiar do lógicos robustos, com colaborações multicêntri-
Mediterrâneo é uma doença autossômica domi- cas, dificulta a identificação de sua incidência
nante, que pode aparecer como febres recorrentes e/ou prevalência e, por consequência, a
hereditárias ou síndromes febris periódicas em elaboração de políticas públicas para diagnóstico
crianças e adultos. Na reumatologia e na e tratamento dessa afecção.
medicina interna, a FFM deve ser considerada no
diagnóstico diferencial de artrite, espondilite e
outras afecções inflamatórias.

159
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160
CAPÍTULO 17

MALÁRIA: ASPECTOS CLÍNICO-


EPIDEMIOLÓGICOS E ABORDAGEM
TERAPÊUTICA NO BRASIL

JULIA WONG ALENCAR¹


MARIANA COSTA SILVÉRIO VITOR¹
GIOVANNA BOGARI AKL¹
BRUNO CONCHON DE ARRUDA SILVEIRA2
KARINI VIRGENTIN¹
LARISSA BANDEIRA DE TOLEDO¹
JÉSSICA DE SOUZA OLIVEIRA¹
LUCAS CAMPOS LOPES3

1. Discente – Medicina, Universidade Anhembi Morumbi (UAM).


2. Discente – Medicina, Faculdade de Medicina de Jundiaí (FMJ).
3. Preceptor – Medicina, Universidade Anhembi Morumbi (UAM).

PALAVRAS-CHAVE
Malária; Medicina tropical; Plasmodium.

161

10.59290/978-65-6029-012-9.17
INTRODUÇÃO pesquisas nas bases de dados The United States
A malária é uma doença febril infectopa- National Library of Medicine NLM (PubMed),
rasitária causada por protozoários do gênero Scientific Electronic Library Online (SciELO) e
Plasmodium, com apenas cinco associadas à Google Scholar. Ademais, foram utilizados
malária humana: Plasmodium vivax, Plasmo- livros que abordam o tema e informações
dium falciparum, Plasmodium malariae, disponíveis na plataforma online do Ministério
Plasmodium ovale. Recentemente, o Plasmo- da Saúde e Organização Mundial de Saúde
dium knowlesi foi incluído como uma espécie de (OMS), assim como boletins epidemiológicos e
interesse clínico (ANTINORI et al., 2012). relatórios com diretrizes voltadas para profissio-
A malária possui dois mecanismos de nais da saúde. Para levantamento bibliográfico,
propagação: através de vetores ou por foram utilizados termos livres como: Malária,
transmissão parenteral. A imensa maioria dos Plasmodium, Epidemiologia da malária e
casos são decorrentes da forma vetorial, ou seja, Antimaláricos.
por meio da picada de mosquitos do gênero Os critérios de inclusão foram: artigos nos
Anopheles. No Brasil, o principal vetor é o idiomas português e inglês; publicados no
Anopheles darlingi (MAGRIS et al., 2007), período de 1990 a 2023, que abordavam as
sendo a fêmea a responsável pelo hábito temáticas propostas para esta pesquisa, disponi-
hematófago e ao picar um indivíduo ela consegue bilizados na íntegra. Os critérios de exclusão
disseminar a forma infectante da doença, o foram: artigos duplicados, disponibilizados na
esporozoíta, que está armazenado em suas forma de resumo, que não abordavam direta-
glândulas salivares. mente a proposta estudada e que não atendiam
Em menor frequência, a transmissão acontece aos demais critérios de inclusão.
por meio parenteral em que os protozoários são Após os critérios de seleção, as referências
liberados na forma de merozoíta, decorrentes da foram submetidas à leitura minuciosa para a
ruptura de hemácias parasitadas. Portanto, a coleta de dados. Os resultados foram apresenta-
transmissão também pode ocorrer em casos de dos em forma descritiva, divididos em categorias
hemotransfusão, transplante de órgãos, agulhas temáticas abordando: etiologia e transmissão,
contaminadas e congênita (COURA, 2013). ciclo biológico, epidemiologia da malária no
Dentre os fatores que interferem na transmissão mundo, epidemiologia da malária no Brasil e
da doença estão aspectos ambientais e geográ- tratamento.
ficos, uma vez que climas quentes e úmidos
favorecem a reprodução de vetores e manutenção RESULTADOS E DISCUSSÃO
do ciclo biológico do protozoário. Ciclo biológico
O presente capítulo objetiva delimitar os Os parasitos causadores da malária possuem
aspectos clínicos, epidemiológicos e terapêuticos um ciclo de vida dividido entre um hospedeiro
da malária atualmente no Brasil, por meio de uma intermediário vertebrado e um inseto vetor, con-
revisão integrativa da bibliografia existente. siderado o hospedeiro definitivo (REY, 1991).
O ciclo pré-eritrocitário se inicia quando a
MÉTODO fêmea do mosquito do gênero Anopheles pica um
Trata-se de uma revisão integrativa realizada indivíduo e inocula na corrente sanguínea o
no período de março e maio de 2023, por meio de parasita na forma de esporozoíta. A partir desse

162
momento, o protozoário é liberado na circulação No sangue do hospedeiro, alguns merozoítas
e consegue atingir os hepatócitos 30 minutos se transformam em elementos sexualmente
após o início de sua disseminação no corpo diferenciados, chamados de gametócitos. Ao se
(FRANÇA et al., 2008). O mecanismo da infec- alimentar de sangue humano contaminado por
ção nas células hepáticas transcorre através da gametócitos do Plasmodium sp., os mosquitos do
ligação entre a proteína circunsporozoíta do gênero Anopheles são responsáveis pela repro-
protozoário com moléculas sulfatadas na dução sexuada do protozoário. No estômago dos
membrana dos hepatócitos. Ao penetrar no vetores, os gametócitos viram gametas, e cada
fígado, passa a ser um criptozoíta, onde adquire um destes origina quatro microgametas flage-
uma forma mais arredondada iniciando a repro- lados com potencial para se locomover e
dução assexuada, chamada de esquizogonia fecundar o macrogameta, assim originando o
tecidual, que origina o esquizonte, posteriormen- zigoto, uma célula diploide que será maturada
te evoluindo para a configuração de merozoíta do após 18-24h no oocineto (célula ameboide). O
plasmódio. Todo o processo do ciclo pré- oocineto é cercado por uma membrana envoltória
eritrocitário, também conhecido como hepático, chamada de oocisto que estabelece a reprodução
efetua-se em torno de 8 a 15 dias, considerado esporogonia por meiose, sendo este a forma
período de incubação da protozoário. Ao final do esporozoíta que reiniciará todo o ciclo nova-
ciclo, os merozoítos se acumulam e rompem a mente (COURA, 2013).
membrana dos hepatócitos, sendo liberados nos
sinusoides hepáticos e, na sequência, parasitando Epidemiologia da malária no mundo
as hemácias. Nas espécies P. vivax e P. ovale, é A análise da epidemiologia da malária em
passível a formação de hipnozoítas que são uma âmbito mundial é um campo de pesquisa
conformação latente do plasmócito que se essencial para obter dados sobre a propagação,
mantém infectando o interior dos hepatócitos e prevalência e repercussões da enfermidade em
são responsáveis pelas recidivas tardias da distintas áreas geográficas e grupos popula-
malária (ANTINORI et al., 2012). cionais. A malária é amplamente reconhecida
Ao interagir com receptores de membrana como uma questão de saúde pública de extrema
específicos das hemácias, os merozoítas come- gravidade em escala global, representando uma
çam o ciclo eritrocitário por meio da reprodução das enfermidades com maior impacto na saúde e
assexuada da esquizogonia eritrocitária e assim no número de óbitos entre as populações
surgem os sinais e sintomas da doença. Esse residentes nas nações localizadas nas zonas
processo leva em torno de 48-72h para se tropicais e subtropicais do mundo.
concluir. Nas hemácias, o merozoíto amadurece Os registros mais antigos da doença datam do
e garante a forma de trofozoíta em anel. A partir século XVII a.C., encontrados em textos médicos
disso, cresce e passa a ser um trofozoíta ame- do antigo Egito. Ao longo dos séculos, a malária
boide e, por fim, evolui com a divisão dos seus espalhou-se por diversas regiões do mundo,
núcleos em esquizonte eritrocitário, que dará acompanhando a disseminação de mosquitos
origem a novos merozoítas que serão liberados vetores do gênero Anopheles. Durante o período
no organismo após o rompimento da hemácia, colonial, a malária era endêmica em muitas
podendo, dessa forma, infectar outra hemácia e partes da África, Ásia e América Latina, afetando
dar seguimento ao ciclo. tanto os colonizadores quanto as populações
locais. A história da malária é marcada por
163
esforços de controle e erradicação, como a essenciais de saúde e estima-se que 13.4 milhões
campanha global liderada pela OMS na década de casos e 63 mil mortes entre 2019 e 2021 foram
de 1950. No entanto, foi somente no século XX decorrentes desses efeitos (WHO, 2022).
que os esforços de monitoramento e vigilância da
malária foram intensificados (FERREIRA & Epidemiologia da malária no Brasil
LUZ, 2003). No decorrer da década de 1960, ocorreu no
A África Subsaariana, historicamente a região Brasil uma intensa campanha de erradicação da
mais afetada pela malária, registrou avanços malária, o que resultou no menor número de
notáveis na última década, uma vez que vários casos registrados (52.469), restritos à região
países da região conseguiram reduzir significa- amazônica. Esse índice foi mantido nos anos
tivamente a prevalência da doença. No entanto, a subsequentes devido à baixa densidade popula-
malária continua sendo um obstáculo relevante, cional e ao isolamento geográfico e social dessa
com o continente africano contando com cerca de região. No início dos anos 1980, cerca de 97,5%
95% dos casos e 96% das mortes relacionadas à dos casos de malária no Brasil estavam concen-
doença em 2021, sendo que a Nigéria, República trados na região amazônica (BARATA, 1995).
Democrática do Congo, Uganda e Moçambique Ao mesmo tempo, órgãos governamentais
concentram aproximadamente metade dos casos incentivaram a ocupação e integração da região
no mundo. Essas nações enfrentam desafios ao restante do país, através da construção de
relacionados ao acesso a serviços de saúde, estradas, usinas, estímulo à agropecuária e
infraestrutura precária e fatores socioeconômicos atividades de garimpo. Essas medidas resultaram
que contribuem para a disseminação da malária em um considerável aumento na transmissão da
(WHO, 2022). doença (OLIVEIRA-FERREIRA et al., 2010).
Os casos notificados e mortes relacionadas à Consequentemente, o número de casos triplicou,
malária foram consistentemente reduzindo entre passando de 52.469 para 169.871. Esses novos
2000 e 2015, com 245 milhões casos e 230 casos apresentaram maior incidência nos estados
milhões, respectivamente. No entanto, foram de Rondônia (34,8%), Pará (22,4%), Maranhão
aumentando a partir de 2016, com 232 milhões (11,3%), Mato Grosso (9%) e Roraima (8%).
de casos ao ano. Em 2021, foram evidenciados Além da região endêmica, os estados de Goiás,
247 milhões de casos de malária no mundo e 619 Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul também
mil mortes em 84 países considerados endê- apresentaram um grande número de casos, estes
micos. Esses dados representam uma redução em geralmente associados às correntes migratórias.
comparação ao ano anterior, o que demonstra A implementação de projetos de assentamento
progressos no combate à doença. Contudo, é resultou em altas taxas de desmatamento,
importante ressaltar que a malária ainda favorecendo ainda mais a transmissão da malária
representa um desafio significativo em termos de e em 1985, registrou-se um aumento de 140%
saúde pública. nos casos.
As mortes relacionadas à malária sofreram Em 1990, todos os estados que compõem a
redução considerável nos últimos 20 anos, sendo Amazônia Legal apresentavam um Índice
que em 2000 foram notificadas 897 mil mortes Parasitário Anual (IPA) acima de sete lâminas
no mundo e em 2019, 568 mil mortes. No por mil habitantes. É relevante destacar a
entanto, a ocorrência da pandemia de Covid-19 heterogeneidade da incidência da doença, com
causou prejuízos importantes aos serviços poucos municípios sendo responsáveis pelas
164
maiores taxas de infecção. Esses municípios, sofreram aumento em relação aos anos
geralmente, abrigavam atividades de mineração anteriores, sendo que em 2017 foram registrados
e expansão da fronteira agrícola, apresentando 189.515 casos. A partir de 2019, observou-se
IPA acima de até 100 lâminas positivas por mil uma redução significativa de 18,4%, com
habitantes. Embora a maioria dos casos estivesse 153.268 casos notificados. No ano de 2020,
concentrada nesses municípios, indivíduos infec- durante o período da pandemia de Covid-19,
tados movimentavam-se por todo o território houve uma diminuição adicional em comparação
brasileiro, reintroduzindo a transmissão em ao ano anterior, com 143.394 casos autóctones
regiões onde anteriormente era mínima ou notificados, segundo dados do Sivep-Malária e
controlada (BARATA, 1995). Sinan/SVS/MS.
O maior número de casos foi registrado em É importante, na epidemiologia da doença no
1999, contabilizando 637.470 notificados. Devi- Brasil, a substituição da fórmula parasitária entre
do a esse recorde, o governo brasileiro decidiu as principais espécies causadoras da doença, a P.
intensificar as ações de combate à malária, a falciparum e P. vivax. Em 1989, a P. falciparum
partir do Plano de Intensificação das Ações de era responsável por 47% dos casos, sofrendo
Controle da Malária (OLIVEIRA-FERREIRA et redução nessa proporção para 15% em 2014, taxa
al., 2010). Ao longo dos anos 2000, foram que se mantém próxima a dos dias atuais. Do
registrados diversos focos de malária além da total de casos autóctones registrados em 2021,
região amazônica, em locais onde a densidade de 16,3% foram causados pelo Plasmodium
vetores era suficiente para restabelecer o ciclo de falciparum, enquanto os 83,7% restantes foram
contaminação. Esses focos eram menos preva- atribuídos ao Plasmodium vivax e a outras
lentes em áreas com maior desenvolvimento espécies. No que diz respeito à letalidade,
socioeconômico e melhores sistemas de vigilân- ocorreu um aumento significativo em 2018,
cia epidemiológica, indicando que uma identifi- quando o número de óbitos superou em 64,7%
cação mais precisa dos locais mais vulneráveis a (56 óbitos totais) dos registrados em 2017 (34
se tornarem possíveis focos possibilita um óbitos totais). Em 2019, foram registrados 37
planejamento mais efetivo e adoção de políticas óbitos, representando uma redução de 33,9%. Já
públicas para contê-los. em 2020, houve um aumento de 37,8% (51 óbitos
Atualmente, a região amazônica é responsável totais), seguido de um novo aumento de 13,7%
por 99% dos casos autóctones. Enquanto isso, (58 óbitos totais) em 2021.
nas demais regiões do país, 80% dos casos Em 2021, a letalidade da malária na região
registrados são importados dos estados perten- amazônica foi de 0,04%, enquanto nas demais
centes à área endêmica, apesar de também ser regiões do país esse índice atingiu 0,9%. Segun-
observada uma transmissão residual da malária do o Ministério da Saúde, a maioria dos óbitos
em áreas de Mata Atlântica na região sudeste nessas outras regiões provém de pessoas infecta-
(BARATA, 1995). das em áreas endêmicas que não receberam
A partir de 2005, segundo dados do Ministério diagnóstico e tratamento adequados devido à
da Saúde, houve redução quase constante na dificuldade de suspeitar de uma doença relativa-
incidência da malária, tendência que se manteve mente rara nessas áreas.
até 2016, ano em que foi registrado o menor
número de casos em 37 anos (143.250). A partir
deste momento, os casos autóctones de malária
165
Quadro clínico da doença, principalmente na infecção por P.
Como colocado anteriormente, os sinais e falciparum, que pode ser letal, apresentando
sintomas associados à infecção se iniciam na fase complicações potencialmente fatais, como
eritrocítica do ciclo biológico de vida do parasito, anemia grave, insuficiência renal, distúrbios
uma vez que os merozoítos se multiplicam no respiratórios, choque, coagulação intravascular
eritrócito e os rompem. Isso leva à liberação de disseminada, comprometimento cerebral (cha-
toxinas e substâncias inflamatórias que desen- mado de malária cerebral, responsável por 80%
cadeiam uma resposta imunológica do hospedei- dos casos letais da doença, segundo a Fundação
ro, posteriormente gerando a sintomatologia. Oswaldo Cruz) e disfunção de múltiplos órgãos.
O quadro clínico da malária é composto de
sintomas inespecíficos: febre precedida de cala- Diagnóstico
frios seguida de sudorese. Os sintomas geralmen- O diagnóstico da malária envolve uma
te começam a aparecer de 7 a 30 dias após a combinação clínica e laboratorial. É preciso
infecção, embora em certos casos possam surgir investigar as pessoas que estejam com febre,
até mesmo após vários meses. O quadro clínico mialgia e outros sintomas da doença, além de
pode variar dependendo da espécie envolvida, da questionar se moram ou visitaram locais
imunidade do indivíduo e de outros fatores. Os endêmicos da malária. Segundo diretrizes do
sintomas mais comuns são: Ministério da Saúde, após a correlação da
● Febre alta: a febre é um dos sintomas sintomatologia e exame físico, devem ser efetua-
mais comuns da malária. Pode ocorrer em pa- dos exames complementares para verificar
drões cíclicos, com episódios de febre e calafrios alterações laboratoriais e feita a coleta de uma
intercalados por períodos de remissão. amostra de sangue para verificar a presença do
● Calafrios: calafrios intensos são fre- parasita. Dentre as alterações laboratoriais, é
quentemente observados antes e durante os possível encontrar a presença de anemia, plaque-
episódios de febre. topenia e leucopenia no hemograma, além de
● Sudorese: após o pico da febre, o paciente bilirrubinemia elevada e uma moderada elevação
pode suar intensamente. das enzimas hepáticas. Há também uma alteração
● Cefaleia: a dor de cabeça é comum e pode na coagulação e, além da plaquetopenia, um
variar de leve a intensa. aumento do tempo de protrombina (TP). Na
● Mal-estar geral: fadiga, fraqueza, falta de forma inicial da doença encontra-se um discreto
apetite, náuseas e vômitos são sintomas frequen- aumento de ureia e creatinina, diferente da forma
temente apresentados antes das manifestações grave, onde há uma evidenciada elevação. Outro
mais características. achado é o elevado nível de imunoglobulinas,
● Mialgia e artralgia. alfa-1-glicoproteína ácida e procalcitonina,
Além destes sintomas comuns, a malária diferente da albumina sérica, que apresenta-se
grave pode gerar prostração, alteração do nível reduzida. Essas alterações laboratoriais são
de consciência, dispneia ou hiperventilação, compatíveis com a fisiopatologia da doença.
convulsões, hipotensão arterial, choque, Com a coleta da amostra de sangue é possível
hemorra-gias, entre outros (GOMES et al., realizar o esfregaço sanguíneo, também conhe-
2011). cido como teste em gota espessa ou o teste rápido
Crianças, gestantes e pessoas infectadas pela para diagnóstico da malária. O esfregaço do
primeira vez estão propensas à maior gravidade sangue ou teste de gota espessa é considerado
166
diagnóstico padrão-ouro (GOMES et al., 2011). resultado de exame negativo da malária, o
Esse teste consiste na coleta de uma amostra de mesmo deverá ser repetido a cada 24 horas até a
sangue, que é acomodada em uma lâmina de definição do diagnóstico.
vidro, onde é feito o esfregaço para posterior- A escolha do esquema terapêutico é
mente ser avaliada com um microscópio, sendo influenciada por diversos fatores: espécie
possível verificar a presença do parasita. É um causadora, idade do paciente, histórico de
teste que limita-se a locais que possuem lâminas exposição anterior à infecção atual, gravidade da
e microscópio. O teste de diagnóstico rápido para doença e condições de saúde associadas (como a
malária detecta os antígenos específicos dos presença de gravidez ou deficiência de glicose-6-
parasitos de malária humana que estão presentes fosfato desidrogenase – G6PD).
no sangue das pessoas infectadas. Esse método
diagnóstico é de grande importância, pois Esquemas de tratamento para malária não
abrange a população que vive em áreas remotas complicada por P. vivax, P. ovale e P. malariae
e regiões que não possuem acesso ao mi- Nas infecções por P. vivax ou por P. ovale,
croscópio para a realização do esfregaço recomenda-se o uso de cloroquina por 3 dias (10
sanguíneo ou quando é preciso de um diagnóstico mg/kg no dia 1 e 7,5 mg/kg nos dias 2 e 3) para
rápido, em menos de 24 horas. Alguns estudos formas sanguíneas associado à primaquina por 7
têm demonstrado que a técnica de PCR é mais dias (na dose de 0,5 mg/kg/dia) para formas
sensível e específica em comparação ao teste de hepáticas latentes. Ambas drogas combinadas
gota espessa, pois possibilita a detecção do possuem sinergia para a interrupção de formas
parasita mesmo em pacientes com baixa taxa de assexuadas. O objetivo do tratamento combinado
parasitemia no sangue. Porém, atualmente, este é exterminar a forma sanguínea do parasita e sua
teste possui aplicação restrita devido ao alto forma hepática, evitando a recrudescência da
custo e a necessidade de mão de obra infecção. Cerca de 30% dos pacientes podem ter
especializada. recaídas, seja por má metabolização da droga ou
por resistência do parasita, sendo necessário o
Tratamento aumento da dose do medicamento em questão.
O tratamento para malária possui três Não está recomendado o uso de primaquina para
objetivos principais, de acordo com o Ministério gestantes ou puérperas com até 1 mês de
da Saúde, atingindo os diferentes estágios do aleitamento ou crianças menores de 6 meses.
ciclo biológico do parasito: a interrupção da Para gestantes, recomenda-se o uso de cloroquina
esquizogonia sanguínea, a destruição das formas por três dias e o uso profilático do mesmo
latentes do protozoário (hipnozoítos) nos tecidos medicamento na dose de 5 mg/kg/dose/semana
do hospedeiro humano e a interrupção da até o final do primeiro mês de lactação, a fim de
transmissão do parasito ao utilizar fármacos que prevenir recaídas. O uso de artemisinina por 3
eliminam os gametócitos. Para isso, a abordagem dias associado à primaquina por 14 dias está
terapêutica inclui medicamentos que agem de indicado em casos de reincidência por Plasmo-
forma específica no ciclo de vida do parasito, os dium vivax.
antimaláricos. Nas infecções por P. malariae, o tratamento
A dispensação de antimaláricos é gratuita e é consiste no uso de cloroquina por 3 dias, com
realizada apenas após confirmação laboratorial. dose dependente do peso.
Caso os sintomas persistam mesmo após o
167
Esquemas de tratamento para malária não por P. falciparum há 42 dias ou mais, tratar como
complicada por P. falciparum caso novo, ainda que não apresente sintomas.
As opções de tratamento são artemeter +
lumefantrina ou artesunato + mefloquina por 3 Esquemas de tratamento para malária
dias para o tratamento clínico somados grave e complicada por P. falciparum ou P.
à primaquina para eliminação dos gametócitos. vivax
Gestantes, puérperas com um mês de lactação e A maioria dos casos de malária grave são
crianças menores de 6 meses não devem usar causados pelo P. falciparum, porém, casos
primaquina e deverão receber tratamento so- causados pelo P. vivax também podem ser
mente com derivados de artemisinina. graves, levando à morte por ruptura do baço,
complicações respiratórias ou anemia grave,
Recorrência por P. falciparum principalmente em pacientes com comorbidades,
Caso haja falha no tratamento após o uso de em estado grave ou desnutridos. Pacientes com
artemeter + lumefantrina em até 28 dias após o forma grave, devem ser tratados em unidade
início, é recomendado o uso de artesunato + hospitalar, objetivando o tratamento precoce,
mefloquina. Em caso de falha após 42 dias do evitando a morte consequente de complicações.
início do tratamento com artesunato + me- O tratamento para as formas graves orientado
floquina, é recomendado o uso do esquema com pela OMS, para lactentes, crianças e gestantes em
artemeter + lumefantrina. todos os períodos de gestação e amamentação é
de uso do potente antimalárico artesunato nas
Esquemas de tratamento para malária formas intravenosa ou intramuscular, por no
mista (P. falciparum e P. vivax ou P. ovale) mínimo 24 horas, até a transição para medicação
Se paciente com infecção mista por P. oral, complementando assim o tratamento por
falciparum e P. vivax (ou P. ovale), o tratamento espécie parasitária. Crianças pesando menos de
deve incluir artemeter + lumefantrina ou 20 kg devem receber a dose de 3 mg/kg/dose.
artesunato + mefloquina, drogas capazes de Crianças com mais de 20 kg e adultos devem
eliminar as formas de esquizócitos sanguíneos, receber 2,4 mg/kg/dose.
sendo relativamente eficazes nas espécies
supracitadas se associadas à primaquina por 7 Tratamento da malária em pacientes com
dias. deficiência de G6PD
No caso de pacientes com mais de 120 kg, a Medicações como a primaquina podem
dose da primaquina deve ser ajustada ao peso. O induzir sintomas da deficiência de G6PD,
tratamento com primaquina com duração de 14 principalmente em homens, devido a doença
dias está indicado quando ocorre recaída após o estar ligada ao cromossomo X. Se a deficiência
tratamento em 7 dias com a dose adequada de de G6PD for grave, o uso do medicamento
primaquina. Gestantes, puérperas até um mês de poderá levar a complicações e até mesmo ao
lactação e crianças menores de 6 meses não óbito do paciente. Idealmente, o teste para
devem utilizar primaquina. O tratamento deve ser detecção de deficiência de G6PD deve ser feito
feito com artemeter + lumefantrina ou artesunato em pacientes antes de usarem a medicação. Caso
+ mefloquina. Se o paciente apresentar a atividade enzimática do paciente em questão
parasitemia na gota espessa (forma sexuada ou for menor que 30%, utilizar a dose de primaquina
assexuada) e já tenha sido tratado para malária
168
de 0,75 mg/kg/semana, iniciada após 4 dias do portanto, um agravo intimamente ligado a
início da cloroquina. aspectos socioeconômicos que não podem ser
ignorados. O diagnóstico precoce da malária é
CONCLUSÃO fundamental para garantir o tratamento ade-
Com base nessas informações, explicita-se quado, reduzindo, assim, a morbimortalidade e
que a malária é uma doença com grande impacto gravidade dos casos. Uma vez que o tratamento
na saúde pública mundial, que apresenta raízes para a malária é baseado no ciclo de vida do
desde a Antiguidade e que permanece extrema- parasito, que envolve diversas fases dentro do
mente relevante até hoje. hospedeiro, este pode ser complexo e longo, o
Ao considerar os locais de maior incidência da que demanda uma abordagem terapêutica
doença, entende-se que a malária possui impacto individualizada e longitudinal para obtenção do
desigual na população mundial e aflige majori- sucesso do tratamento e redução da possibilidade
tariamente comunidades vulnerabilizadas, sendo, de recidivas.

169
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância
2022.
em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças

170
CAPÍTULO 18

DENGUE NO BRASIL:
CARACTERÍSTICAS E SITUAÇÃO
EPIDEMIOLÓGICA

DAVI DE SOUZA NOGUEIRA¹


DANIEL RODRIGUES SILVA FILHO¹
LUIZ CARLOS GONÇALVES FILHO¹
ANDREIA KARINE KUHN¹
DENIS AGUIAR DE SOUZA FILHO¹
TIAGO DA PONTE PESSOA¹
ANA CAROLINA CAMPOS MIRANDA¹
DEBORAH CRISTINA DE SOUSA BRAGA¹
GIULIANNE EMANUELLE BENTES E SOUZA¹
FERNANDA COUTO CARDOSO¹
JOÃO VITOR CAMPELO CRUZ¹
DIOGO ESSADO RESENDE LEÃO¹
MARIA ALICE CARDOSO MIRAS¹

1. Discente - Medicina do Centro Universitário Alfredo Nasser (UNIFAN).

PALAVRAS-CHAVE
Dengue; Epidemiologia; Controle de doenças transmissíveis.

171

10.59290/978-65-6029-012-9.18
INTRODUÇÃO Embora o país ainda passe por
A dengue é caracterizada como uma doença desigualdades de acesso e utilização dos
viral do gênero Flavivírus em que a trans- serviços de saúde, é importante destacar que a
missão se dá através da fêmea do mosquito dengue é um agravo de notificação
Aedes aegypti infectada. Em aspectos clínicos, compulsória e todos os casos suspeitos ou
o quadro pode variar de sintomas inespecíficos confirmados devem ser notificados ao Sistema
de síndromes virais como febre, cefaleia de Informação de Agravos e Notificação
autolimitadas até quadros graves e hemorrá- (Sinan), o que facilita a vigilância epidemio-
gicos, a depender da cepa do vírus, sistema lógica da doença. Todavia, há poucas pesqui-
imunitário dos pacientes e infecções prévias sas que buscam demonstrar como a incidência
(TAUIL, 2001). de dengue se comporta no Brasil ao longo dos
Nas últimas décadas, taxas alarmantes de anos, dimensionando o problema e identifi-
casos de dengue no Brasil são motivo de cando os locais mais afetados (BRASIL,
grande preocupação aos agentes públicos de 2011a).
saúde em razão das dificuldades do sistema
público em suprir os atendimentos necessários MÉTODO
aos infectados por esse vírus e o controle das Trata-se de uma revisão da literatura, do
epidemias em diversas regiões (BARRETO & tipo narrativa, que objetiva descrever as
TEIXEIRA, 2008). características e a situação epidemiológica
Inúmeras condições contribuíram para a provocada pela dengue no Brasil, sob o ponto
formação de epidemias no Brasil nos últimos de vista teórico, através de materiais que já
anos, tais quais o crescimento demográfico foram publicados sobre o tema em questão,
exacerbado e desordenado, a urbanização mediante análise e interpretação da literatura.
aliada à estrutura urbana precária e despre- A revisão foi realizada no período de fevereiro
parada, o que viabiliza a proliferação do a maio de 2023, por meio de pesquisas nas
mosquito vetor, a produção intensa e o mau bases de dados Biblioteca Virtual em Saúde
armazenamento de lixo, entre outros fatores, (BVS), Literatura Latino Americana e do
além da ineficácia de políticas públicas Caribe em Ciências de Saúde (LILACS),
educativas acerca do tema (MENDONÇA et National Institutes of Health’s Library of
al., 2009). Medicine (PubMed) e Scientific Electronic
As consequências da dengue estão além dos Library Online (SciELO). Foram utilizados os
problemas gerados para o setor da Saúde, seguintes descritores: “dengue”, “aspecto
podendo afetar a economia. Por exemplo, os clínico”, “sorotipos”, “epidemiologia”, “trans-
surtos de dengue acarretam gastos e absen- missão da doença” e “medidas de controle” a
teísmo, mantendo indivíduos, enquanto fim de encontrar os artigos pertinentes ao
adoecidos, fora do mercado de trabalho. Falta assunto abordado.
de infraestrutura e de saneamento básico, bem Para a realização de uma revisão narrativa é
como condições precárias de moradia, têm sido necessário seguir uma sequência ordenada de
apontadas como fatores contribuintes para o passos a fim de se obter um estudo organizado,
aumento das taxas de incidência da doença racional e eficiente. Deste modo, o presente
(MACIEL et al., 2008). estudo iniciou com a escolha do tema. Em

172
seguida, foi definido um problema relevante A doença apresenta um padrão sazonal,
que merecesse ser investigado e, finalmente, ocorrendo com maior frequência no verão e em
delimitada a técnica de pesquisa, uma vez que períodos mais chuvosos, em regiões tropicais
é necessário determinar a extensão e a onde as condições climáticas contribuem para
compreensão da pesquisa de acordo com o foco o desenvolvimento e a proliferação do mosqui-
do estudo. to. O vetor Aedes Aegypti possui hábito diurno,
Primordialmente, foram encontrados alguns especialmente no início da manhã e ao
artigos que, posteriormente, foram submetidos anoitecer, e se desenvolve em reservatórios
aos critérios de seleção e exclusão. Os critérios contendo água parada, principalmente nas
de inclusão foram: artigos nos idiomas inglês e áreas urbanas e intradomiciliares (FURTADO
português, publicados, indexados, disponíveis et al., 2019).
de livre acesso nos últimos 20 anos e que O vírus da dengue tem como fonte de
abordavam na íntegra a temática proposta para infecção e hospedeiro vertebrado a espécie
esta pesquisa. Os critérios de exclusão foram: humana. Assim, a transmissão da doença
artigos duplicados, disponibilizados na forma ocorre quando o mosquito fêmea do Aedes
de resumo, que não abordavam diretamente a aegypti, ao necessitar de sangue para o
proposta estudada e que não atendiam aos amadurecimento dos seus ovos, pica um
demais critérios de inclusão. indivíduo infectado por um dos quatro
Posteriormente, foram selecionados os sorotipos da dengue adquirindo o vírus, este
artigos que de fato foram incluídos na revisão período é denominado de viremia e ocorre um
e submetidos à leitura minuciosa para a coleta dia antes do aparecimento da febre até o sexto
de dados. Os resultados encontrados estão dia da doença. Dentro do Aedes, o vírus da
apresentados adiante em forma de texto e dengue se replica até chegar nas glândulas
discutidos segundo a literatura pertinente, salivares do mosquito e penetra na circulação
possibilitando ao leitor a avaliação da aplicabi- sanguínea do indivíduo picado, passando a se
lidade da revisão de literatura elaborada. multiplicar em órgãos específicos e células
sanguíneas, como os macrófagos, atingindo a
RESULTADOS E DISCUSSÃO medula óssea e comprometendo a produção de
A Dengue é uma doença febril infecciosa plaquetas. O período de incubação tem duração
aguda, causada por um arbovírus pertencente à média de quatro a sete dias (DIAS et al., 2010).
família Flaviviridae, do gênero Flavivírus, A infecção pelo vírus da dengue apresenta
transmitida através do mosquito do gênero um espectro clínico variado, incluindo formas
Aedes, que possui inúmeras espécies e tem assintomáticas até quadros graves, que podem
como principal vetor o Aedes aegypti, e em evoluir para o óbito. A manifestação da doença
menor proporção o Aedes albopictus. O vírus ocorre geralmente sob duas formas principais:
da dengue (DENV) apresenta quatro sorotipos a forma clássica e a forma hemorrágica
diferentes presentes no Brasil: DENV-1, (BRAGA & VALLE, 2007).
DENV-2, DENV-3, DENV-4, sendo o DENV- A dengue clássica (DC) ou febre clínica da
3 considerado o tipo mais virulento dengue, tem evolução habitualmente benigna,
(FURTADO et al., 2019). sendo caracterizada pela febre alta de início
súbito, associada à cefaleia, prostração, mial-
gias, artralgias, dor retro-orbitária, náuseas e
173
vômitos, que podem coincidir com prurido e com 49.675 casos (3.193,2 /100 mil hab.),
rash cutâneo, com uma duração de três a sete Joinville, com 21.365 (3.533,1 casos/100 mil
dias (BRASIL, 2011b). hab.), Aparecida de Goiânia, com 21.164 casos
A dengue hemorrágica, ou febre hemorrá- (3.516,5 casos/100 mil hab.), Araraquara, com
gica da dengue (FHD), é a forma mais grave da 20.937 casos (8.704,1/100 mil hab.) e
doença, podendo evoluir para a síndrome do Anápolis, com 19.881 (5.013,8/100 mil hab.)
choque da dengue (SCD) se não diagnosticada (BRASIL, 2022).
precocemente e tratada em tempo hábil. A A análise epidemiológica das 35 semanas
FHD possui sintomas semelhantes à DC, foi de 1.304 casos confirmados de dengue
porém, caracteriza-se pelo aumento da permea- grave (DG) e 16.114 casos de dengue com
bilidade capilar e extravasamento plasmático, sinais de alarme (DSA). Ressalta-se que 687
podendo causar derrame pleural, ascite e casos de DG e DSA permanecem em
hipoalbuminemia; bem como manifestações investigação (BRASIL, 2022).
hemorrágicas, plaquetopenia, sangramento de
mucosas, elevação de hematócritos, dor Manifestações clínicas
abdominal intensa e vômitos persistentes, A infecção por dengue causa uma doença
sendo estes considerados sinais e sintomas de cujo espectro inclui desde infecções inaparen-
alerta, propiciando um prognóstico desfavorá- tes até quadros de hemorragia e choque,
vel (OLIVEIRA et al., 2010). podendo evoluir para o êxito letal.
Dengue Clássica: o quadro clínico é muito
Epidemiologia da dengue no Brasil variável. A primeira manifestação é a febre alta
No Brasil, até a 35ª semana do ano de 2022, (39 a 40° C), de início abrupto, seguida de
ocorreram 1.337.413 casos prováveis de cefaleia, mialgia, prostração, artralgia, anore-
dengue, com uma taxa de incidência de 627,0 xia, astenia, dor retroorbital, náuseas, vômitos,
casos por 100 mil habitantes. Em comparação exantema e prurido cutâneo. Hepatomegalia
com o ano de 2019, houve redução de 7,8% de dolorosa pode ocorrer, ocasionalmente, desde
casos registrados para o mesmo período anali- o aparecimento da febre. Alguns aspectos
sado. Quando comparado com o ano de 2021, clínicos dependem, com frequência, da idade
ocorreu um aumento de 189,1% de casos até a do paciente. A dor abdominal generalizada
respectiva semana (BRASIL, 2022). pode ocorrer, principalmente em crianças. Os
Isto posto, no ano de 2022, a Região Centro- adultos podem apresentar pequenas manifesta-
Oeste foi a que apresentou a maior taxa de ções hemorrágicas, como petéquias, epistaxe,
incidência de dengue, com 1.867,3 casos/100 gengivorragia, sangramento gastrointestinal,
mil hab., seguida das Regiões: Sul (1.018,0 hematúria e metrorragia. A doença tem uma
casos/100 mil hab.), Sudeste (494,4 casos/100 duração de 5 a 7 dias. Com o desaparecimento
mil hab.), Nordeste (398,5 casos/100 mil hab.) da febre, há regressão dos sinais e sintomas,
e Norte (227,6 casos/100 mil hab.) (BRASIL, podendo ainda persistir a fadiga (BRASIL,
2022). 2002).
As cidades com maior número de casos Febre Hemorrágica da Dengue (FHD): os
prováveis de dengue registrados até a semana sintomas iniciais são semelhantes aos da
correspondente foram: Brasília, com 62.265 dengue clássica, porém, evoluem rapidamente
casos (2.012,2 casos/100 mil hab.), Goiânia, para manifestações hemorrágicas e/ou derra-
174
mes cavitários e/ou instabilidade hemodinâ- morrágicas espontâneas (sangramentos de
mica e/ou choque. Os casos típicos da FHD são pele, petéquias, epistaxe, gengivorragia e
caracterizados por febre alta, fenômenos outros);
hemorrágicos, hepatomegalia e insuficiência • Grau III – preenche todos os critérios de
circulatória. Um achado laboratorial impor- FHD e apresenta colapso circulatório com
tante é a trombocitopenia com hemoconcen- pulso fraco e rápido, diminuição da pressão
tração concomitante. A principal característica arterial ou hipotensão, pele pegajosa e fria e
fisiopatológica associada ao grau de severidade inquietação;
da FHD é a efusão do plasma, que se manifesta • Grau IV – preenche todos os critérios de
através de valores crescentes do hematócrito e FHD e apresenta choque profundo, com
da hemoconcentração. pressão arterial e pulso imperceptíveis. Os
Entre as manifestações hemorrágicas, a graus III e IV também são chamados síndrome
mais comumente encontrada é a prova do laço do choque da dengue (SCD).
positiva. A prova do laço consiste em se obter,
através do esfignomanômetro, o ponto médio Diagnóstico diferencial
entre a pressão arterial máxima e mínima do Considerando que a dengue tem um amplo
paciente, mantendo-se esta pressão por 5 espectro clínico, as principais doenças a serem
minutos; quando positiva, aparecem petéquias consideradas no diagnóstico diferencial são:
sob o aparelho ou abaixo do mesmo. Se o gripe, rubéola, sarampo e outras infecções
número de petéquias for de 20 ou mais em um virais, bacterianas e exantemáticas.
quadrado desenhado na pele com 2,3 cm de Febre Hemorrágica da Dengue - FHD: no
lado, essa prova é considerada fortemente início da fase febril, o diagnóstico diferencial
positiva. Nos casos graves de FHD, o choque deve ser feito com outras infecções virais e
geralmente ocorre entre o 3 e 7º dia de doença, bacterianas e, a partir do 3 ou 4º dia, com
precedido por um ou mais sinais de alerta. O choque endotóxico decorrente de infecção
choque é decorrente do aumento da permea- bacteriana ou meningococcemia. As doenças a
bilidade vascular seguido de hemoconcentra- serem consideradas são: leptospirose, febre
ção e falência circulatória. É de curta duração amarela, malária, hepatite infecciosa, influen-
e pode levar ao óbito em 12 a 24 horas ou à za, bem como outras febres hemorrágicas
recuperação rápida após terapia antichoque transmitidas por mosquitos ou carrapatos
apropriada (BRASIL, 2002). (BRASIL, 2019).
Segundo a Organização Mundial de Saúde
(OMS), a definição de FHD é baseada em Diagnóstico laboratorial
critérios clínicos e laboratoriais. Após o preen- Exames específicos
chimento desses critérios, os casos devem ser A comprovação laboratorial das infecções
classificados quanto à gravidade de acordo pelo vírus da dengue faz-se pelo isolamento do
com as categorias abaixo. agente ou pelo emprego de métodos soro-
• Grau I – preenche todos os critérios de lógicos - demonstração da presença de
FHD, sendo que a única manifestação he- anticorpos da classe IgM em única amostra de
morrágica é a prova do laço positiva; soro ou aumento do título de anticorpos IgG
• Grau II – preenche todos os critérios de em amostras pareadas (conversão sorológica).
FHD, com presença de manifestações he-
175
Isolamento: é o método mais específico Coagulograma: aumento nos tempos de
para determinação do sorotipo responsável protrombina, tromboplastina parcial e trombi-
pela infecção. A coleta de sangue deverá ser na; diminuição de fibrinogênio, protrombina,
feita em condições de assepsia, de preferência fator VIII, fator XII, antitrombina e α antiplas-
no terceiro ou quarto dia do início dos mina.
sintomas. Após o término dos sintomas não se Bioquímica: diminuição da albumina no
deve coletar sangue para isolamento viral. sangue, albuminúria e discreto aumento dos
Sorologia: os testes sorológicos com- testes de função hepática: aminotransferase
plementam o isolamento do vírus e a coleta de aspartato sérica (conhecida anteriormente por
amostra de sangue deverá ser feita após o sexto transaminase glutâmico-oxalacética - TGO) e
dia do início da doença. aminotransferase alanina sérica (conhecida
Não congelar o sangue total, nem encostar o anteriormente por transaminase glutâmico
frasco diretamente no gelo para evitar hemó- pirúvica - TGP).
lise. Os tubos ou frascos encaminhados ao
laboratório deverão ter rótulo com nome Sinais de alerta
completo do paciente e data da coleta da Aos primeiros sinais de choque, o paciente
amostra, preenchido a lápis para evitar que se deve ser internado imediatamente para
torne ilegível ao contato com a água (BRASIL, correção rápida de volume de líquidos perdidos
2002). e da acidose. Durante a administração rápida
de fluidos é particularmente importante estar
Exames inespecíficos atento a sinais de insuficiência cardíaca.
Dengue clássica Dor abdominal intensa e contínua; vômitos
Hemograma: a leucopenia é achado usual, persistentes; hepatomegalia dolorosa; derra-
embora possa ocorrer leucocitose. Pode estar mes cavitários; sangramentos importantes;
presente linfocitose com atipia linfocitária. A hipotensão arterial (PA sistólica < 80 mmHg
trombocitopenia é observada ocasionalmente. em menores de 5 anos / PA sistólica < 90
mmHg em maiores de 5 anos); diminuição da
Febre Hemorrágica da Dengue - FHD pressão diferencial (diferença entre PA sistó-
Hemograma: a contagem de leucócitos é lica e PA diastólica > 20 mmHg); hipotensão
variável, podendo ocorrer desde leucopenia até postural (diferença entre PA sistólica sentado e
leucocitose leve. A linfocitose com atipia PA sistólica em pé > 10 mmHg); diminuição
linfocitária é um achado comum. Destaca-se a da diurese; agitação; letargia; pulso rápido e
concentração de hematócrito e a trombo- fraco; extremidades frias; cianose; diminuição
citopenia (contagem de plaquetas abaixo de brusca da temperatura corpórea associada à
100.000/mm3). sudorese profusa; taquicardia; lipotimia; e
Hemoconcentração: aumento de hemató- aumento repentino do hematócrito (BRASIL,
crito em 20% do valor basal (valor do hemató- 2002).
crito anterior à doença) ou valores superiores a
38% em crianças, a 40% em mulheres e a 45% Tratamento
em homens) (BRASIL, 2002). A fim de diminuir o tempo de espera por
Trombocitopenia: contagem de plaquetas atendimento, acelerar um correto diagnóstico,
abaixo de 100.000/mm3. tratamento e internação do paciente com
176
suspeita de dengue, a classificação de risco é orientar a conduta a ser tomada no caso de
realizada por um enfermeiro ou médico. Essa aparecimento desses sinais;
classificação identifica os casos mais graves - Prescrever hidratação via oral de forma
que precisam de atendimento mais imediato. sistemática (Adultos: 60 a 80 ml/kg/dia, sendo
Utiliza os critérios da Política Nacional de 1/3 soro oral e 2/3 com água, suco de frutas,
Humanização e o estadiamento da Doença e chá, água de coco. Crianças: soro oral de forma
propicia organização dos serviços de saúde, precoce e abundante em 1/3 das necessidades
agiliza o atendimento e evita mortes (BRASIL, basais e suplementando com outros líquidos
2009). como água de coco, chá, leite, sopa);
- Prescrever analgésicos e antitérmicos, em
Classificação de risco caso de dor e febre, alertando o paciente sobre
Toda pessoa suspeita de dengue, ao chegar o risco de automedicação;
em uma unidade de saúde, deve receber soro de - Contraindicar o uso de anti-inflamatórios
hidratação oral enquanto aguarda atendimento. não hormonais (ibuprofeno, diclofenaco,
É considerado um caso suspeito de dengue, nimesulida) e salicilatos;
o paciente que apresenta febre com duração - Retornar à unidade de saúde diariamente
máxima de 7 dias, acrescido de mais dois ou pelo menos no primeiro dia de
sintomas, no mínimo, dos quais: cefaleia, dor desaparecimento da febre, ou ainda em caso de
retro-orbitária, mialgia, artralgia, prostração, surgimento de sinais de alarme;
exantema, que tenha estado em local de - Realizar notificação individual de casos;
transmissão de dengue ou com presença do - Orientar sobre a limpeza de possíveis
mosquito vetor nos últimos 15 dias (BRASIL, criadouros do mosquito;
2009). - Prover visita domiciliar do agente
comunitário de saúde para acompanhamento
Azul: Grupo A - atendimento de acordo com da microárea de abrangência (BRASIL, 2009).
o horário de chegada
Pacientes sem sangramento e sem sinais de Quadro 18.1. Tratamento de sintomáticos
alarme ou sinais de choque. Crianças Paracetamol ou Dipirona: 10 a 15
São aqueles que apresentam sinais e mg/kg/dose de 6/6 horas

sintomas clássicos da dengue: febre até 7 dias Adultos Paracetamol (até no máximo 750 mg
e mais dois sintomas (cefaleia, mialgia, de 6/6 horas) ou Dipirona: 500
mg/dose de 6/6 horas.
artralgia, prostração, dor retro-orbitária, prova
Fonte: BRASIL, 2009.
do laço negativa, lactentes com irritabilidade e
choro) (BRASIL, 2009).
A realização do hemograma e contagem de
Esses serão encaminhados à Unidade de
plaquetas é recomendável para pacientes desse
Atenção Primária em Saúde onde será
grupo. Entretanto, para crianças menores de 15
estabelecida a seguinte conduta:
anos, gestantes, adultos maiores de 60 anos e
- Orientar quanto ao tratamento domiciliar,
pacientes com comorbidade é obrigatória a
bem como sobre a necessidade de repouso;
realização desses exames.
- Alertar o paciente e seus cuidadores sobre
os sinais de alarme, principalmente no primeiro
dia de desaparecimento da febre, assim como
177
Verde: Grupo B - prioridade não urgente gias importantes (hematêmese e/ou melena),
Pacientes com sangramento ou prova do diminuição repentina da temperatura corpórea
laço positiva. ou hipotermia, diminuição da diurese, descon-
São aqueles que apresentam febre até 7 dias forto respiratório ou aumento repentino do
e mais dois sintomas (cefaleia, mialgia, hematócrito (BRASIL, 2009).
artralgia, prostração, dor retro-orbitária, Esses pacientes devem receber atendimento
gengivorragia, metrorragia, petéquias, equimo- em Unidades de Atenção Terciária em Saúde
ses, sangramento de mucosa, sangramento com leitos de internação, como hospitais de
menor em trato gastrointestinal) (BRASIL, referência, onde deve ser tomada a seguinte
2009). conduta:
Esses pacientes devem receber atendimento - Fase rápida de expansão (soro fisiológico
em Unidades de Atenção Secundária em Saúde ou ringer lactato): 20 ml/kg/h em crianças ou
com suporte para observação, onde deve ser adultos, repetindo-se em até três vezes;
tomada a seguinte conduta: - Hematócrito após 2 horas;
- Hidratação supervisionada, via oral ou - Reavaliar clínica de hora em hora;
venosa; - Com melhora, iniciar hidratação de
- O paciente deve ficar em leito de manutenção via venosa: no adulto, 25 ml/kg de
observação por, no mínimo, 12 horas em 6/6 horas, podendo evoluir com melhora e
hidratação supervisionada pela equipe de estabelecendo frequência de 8/8 horas até
enfermagem e avaliação médica; 12/12 horas; na criança, de acordo com a
- Realizar hemograma completo, com necessidade de hidratação diária, levando em
liberação do resultado no mesmo dia. O consideração as perdas (regra holliday-segar);
paciente deve aguardar o resultado em leito de - Avaliar após hidratação;
observação; - Se não houver melhora, tratar como grupo
- Após melhora clínica por hidratação D (BRASIL, 2009).
supervisionada, o paciente pode realizar o
tratamento em seu domicílio; Vermelho: Grupo D - emergência, paciente
- Deve retornar diariamente à unidade de com necessidade de atendimento imediato
saúde ou em caso de surgimento de sinais de Pacientes com sinais de choque.
alarme; São aqueles que apresentam pressão arterial
- Prover visita domiciliar do agente convergente (PA diferencial < 20 mmHg),
comunitário de saúde para acompanhamento cianose, hipotensão arterial, pulso rápido e
da microárea de abrangência (BRASIL, 2009). fino, extremidades frias ou enchimento capilar
lento > 2 segundos (BRASIL, 2009).
Amarelo: Grupo C - urgência, atendimento Esses pacientes necessitam receber atendi-
o mais rápido possível mento imediato em qualquer unidade de saúde,
Pacientes com sinais de alarme. receber hidratação venosa vigorosa e ser
São aqueles que apresentam dor abdominal transferido em ambulância de suporte avança-
intensa e contínua, queda abrupta das do para uma unidade de Atenção Terciária em
plaquetas, vômitos persistentes, sonolência Saúde com leitos de Unidade de Terapia
e/ou irritabilidade, hepatomegalia dolorosa, Intensiva, na qual deve-se proceder da seguinte
hipotensão postural e/ou lipotimia, hemorra- forma:
178
- Estabelecer dois acessos venoso em locais - Outros exames necessários: hemograma,
diferentes; dosagem de albumina, coagulograma (TP/AP,
- Hidratação venosa de solução isotônica TTPA), dosagem de eletrólitos, função
imediatamente (20 ml/kg em até 20 minutos). hepática, função renal, US abdominal, raio-X
Podendo repetir em até três vezes; de tórax (BRASIL, 2009).
- Avaliação da hemoconcentração (aumento
do hematócrito); Prevenção da dengue
- Hematócrito após 2 horas; É importante ressaltar que o principal vetor
- Reavaliação clínica a cada 15-30 minutos; que transmite o vírus da dengue (DENV 1, 2, 3
- Observar melhora de choque (norma- e 4) é o gênero Aedes aegypti, encontrado em
lização do débito urinário e densidade, da PA, grande quantidade no Brasil. Para o combate
pulso e respiração); de tal vetor, torna-se importante a adoção de
- Se houver melhora clínica e laboratorial, uma política multifatorial, mobilizando os
tratar como paciente do grupo C, sob supervi- gestores políticos, de saúde e a comunidade.
são por 24 horas. Se não houver, reavaliar Deve-se enfatizar que o controle vetorial se
hemoconcentração; baseia em ações conjuntas de todos esses
- Choque e ascensão do hematócrito: após setores e não somente sendo responsabilidade
hidratação adequada, utilizar expansores (co- do pilar em saúde e de seus componentes
loide sintético – 10 ml/kg/hora ou, na falta profissionais (BRASIL, 2009).
deste, proceder com albumina: adulto 3 ml/kg/ Sabe-se que para o êxito dessas ações de
hora, criança: 0,5 g a 1 g/kg/hora). controle e prevenção é importante a criação de
- Choque e queda do hematócrito: necessita um setor que vise a execução das ações,
de avaliação médica imediata devido a promovendo um correto planejamento e
ocorrência de possível hemorragia. Iniciar fornecendo um abastecimento adequado de
cuidados em Unidade de Terapia Intensiva; água e de coleta de resíduos, principalmente os
- Corrigir hiponatremia, hipocalcemia e sólidos para que não haja acúmulo de água e
acidose metabólica, se houver, a fim de evitar proliferação do mosquito (BRASIL, 2009).
coagulação intravascular disseminada; Ao pilar de saúde, deve-se haver uma
- Investigar hiperhidratação com sinais de vigilância epidemiológicas dos casos de forma
insuficiência cardíaca congestiva e tratar com rígida, envolvendo vários profissionais nesse
diuréticos, se necessário; trabalho, principalmente os agentes comunitá-
- Após reversão do choque, em 12 a 24 rios de saúde (ACS) e os agentes de controle de
horas, a persistência da velocidade e dos endemias (ACE), cada um desses tem um papel
volumes de infusão líquida, pode levar ao e uma responsabilidade da prevenção contra o
agravamento do quadro de hipervolemia; mosquito, e as suas ações devem ser planejadas
- Monitoramento laboratorial: Hematócrito de acordo com o local que eles executam o seu
a cada duas horas, durante o período de trabalho (BRASIL, 2009).
instabilidade hemodinâmica, e a cada quatro a Nesse sentido, pontua-se o importante papel
seis horas, nas primeiras 12 horas após do ACS nas visitas domiciliares, identificando
estabilização do quadro. Albumina a cada 12 nessa ação os possíveis criadouros do mosquito
horas. Plaquetas a cada 8, 12 ou 24 horas ou utilizando larvicida nos lugares com foco
(BRASIL, 2009). suspeito, com a finalidade de eliminar os locais
179
de reprodução do mosquito. O ACS, ou ACE, apontadas como fatores que contribuem para o
deve executar essas ações junto com o morador aumento da incidência da doença.
ou proprietário da residência. Torna-se A partir da revisão da literatura, constatou-
importante também que esse profissional da se a importância da notificação compulsória
saúde reforce a fala sobre a correta coleta dos dos casos de dengue ao Sistema de Informação
resíduos sólidos, mostrando a forma adequada de Agravos e Notificação (Sinan), o que
de destinação e a importância da vedação dos permite a vigilância epidemiológica da doença.
lugares de depósito de água parada (BRASIL, No entanto, são necessárias mais pesquisas
2009). para compreender como a incidência da
dengue se comporta ao longo dos anos no
CONCLUSÃO Brasil e identificar as áreas mais afetadas.
A dengue é uma doença viral transmitida No que diz respeito à classificação e ao
pelo mosquito Aedes aegypti e representa um tratamento da dengue, é essencial realizar uma
desafio significativo para a saúde pública no classificação de risco adequada para identificar
Brasil. A revisão narrativa realizada neste os casos mais graves e garantir um atendimento
estudo permitiu descrever as características e a rápido e eficiente. A hidratação oral é funda-
situação epidemiológica da dengue no país, mental durante o manejo do paciente com den-
com base na análise e interpretação da gue, e a orientação sobre os sinais de alarme é
literatura disponível. crucial para um diagnóstico precoce e um
A situação epidemiológica da dengue no prognóstico favorável.
Brasil é preocupante, com taxas alarmantes de Em conclusão, a dengue continua represen-
casos nos últimos anos. A falta de infraestru- tando um desafio para o sistema de saúde no
tura adequada, o crescimento demográfico Brasil. Ações integradas de prevenção, como o
desordenado, a urbanização precária e o arma- combate ao mosquito vetor, a melhoria da
zenamento inadequado de lixo são fatores que infraestrutura e saneamento básico, juntamente
contribuem para a proliferação do mosquito com a conscientização da população por meio
vetor. Além disso, a ineficácia das políticas de políticas públicas eficazes, são essenciais
públicas educativas sobre a doença agrava o para controlar a propagação da doença. Além
problema. disso, investimentos em pesquisas e vigilância
As consequências da dengue vão além dos epidemiológica são necessários para com-
problemas de saúde, impactando também a preender melhor a dinâmica da dengue e
economia. Os surtos de dengue resultam em direcionar estratégias de controle mais efeti-
gastos adicionais ao sistema de saúde e no vas. Somente com esforços conjuntos será
absenteísmo, prejudicando a participação das possível reduzir o impacto da dengue na saúde
pessoas no mercado de trabalho. A falta de pública e na sociedade como um todo.
infraestrutura e saneamento básico, juntamente
com condições precárias de moradia, são

180
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARRETO, M.L. & TEIXEIRA, M.G. Dengue no Brasil: BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância
situação epidemiológica e contribuições para uma agenda em Saúde. Boletim Epidemiológico. Monitoramento
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35 de 2022, v. 53. Brasília: Ministério da Saúde, 2022.
BRAGA, I.A. & VALLE, D. Aedes aegypti: histórico do
controle no Brasil. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v.
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Epidemiologia em Serviços. Guia de Vigilância em Saúde:
volume único. 3. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2019.

181
CAPÍTULO 19
UMA ANÁLISE RETROSPECTIVA E
CLÍNICA DA DENGUE E DO
COEFICIENTE DE GINI DA PNAD: UMA
REVISÃO DE LITERATURA DE 2012 A
2022
NAILLA BYATRIZ SILVA DE MORAIS¹
ANNY CAROLINE SETUBAL KUNZ¹
BRUNA VIVIANE BACHA MIRANDA³
ENZO PONTE SOUZA RICCIO5
FERNANDO AUGUSTO REZENDE SOUZA3
ISABELA COSTA VAZ²
IZABELLA MARIA PINHEIRO PALHETA3
JENNIFER RIBEIRO AGUIAR5
JOÃO VICTOR TEIXEIRA COLARES5
JOSÉ HENRIQUE SANTOS SILVA4
LOUI DE OLIVEIRA NÉRY¹
MARINA IZABEL MONTEIRO DE OLIVEIRA²
MARIA CLARA PIMENTEL BENZAQUEM DE OLIVEIRA²
THIAGO SOUZA LUZ¹
YAN KENZO MONTEIRO MOTOMYA¹

1. Discente - Medicina na Universidade Federal do Pará (UFPA).


2. Discente - Medicina na Universidade Estadual do Pará (UEPA).
3. Discente - Medicina no Centro Universitário do Pará (CESUPA).
4. Discente - Medicina no Instituto de Educação Médica (IDOMED).
5. Discente - Medicina no Centro Universitário Metropolitano da Amazônia (UNIFAMAZ).

PALAVRAS-CHAVE
Coeficiente de Gini; Dengue; Dengue hemorrágica.

182

10.59290/978-65-6029-012-9.19
INTRODUÇÃO dengue no Brasil, sendo que os anos de 2015 e
Epidemiologia da dengue 2019 ocuparam o primeiro e o segundo lugar
A dengue é uma arbovirose endêmica de em número de casos na série histórica,
regiões de clima tropical e subtropical, respectivamente. No mesmo período, foram
transmitida pela picada do mosquito fêmea confirmados 6.429, sendo 986 em 2015 e 840
Aedes aegypti e causada pelo vírus da dengue em 2019 (SANTANA et al., 2022).
(DENV), o qual é caracterizado por ser um O Brasil ainda corresponde ao país com
microrganismo de RNA perntencente à família maior número de casos registrados de dengue.
Flaviviridae do gênero flavivírus, apresentando Esse fato é motivo de maiores preocupações
quatro sorotipos (DENV1, DENV2, DENV3, quando considerada a subnotificação de casos
DENV4), sendo o DENV1 mais prevalente no no território, com estimativas de 12 casos não
Brasil e o DENV3 responsável pelas formas registrados a cada notificação realizada, o que
mais graves da doença. Atualmente, a dengue é denota falhas preocupantes quanto ao alcance
uma das doenças emergentes transmitidas por dos meios responsáveis pelo manejo da
mosquitos mais difundidas em todo o mundo e arbovirose e possíveis lacunas no reconhe-
sua incidência aumentou 30 vezes nas últimas cimento de prioridades de cuidado (SILVA et
cinco décadas. Essa arbovirose é endêmica em al., 2016). Outras questões pertinentes são a
128 países, a maioria em desenvolvimento, concentração dos casos e epidemias recorrentes
incluindo o Brasil. Um modelo recente de nos centros urbanos do país e a comparação da
distribuição da dengue estimou 390 milhões de situação endêmica e do Índice de GINI em 2012
infecções por dengue anualmente, dos quais 96 no Brasil (Tabela 19.1). Em um contexto
milhões de casos ocorreram aparentemente contraditório, a estruturação dessas áreas tende
(KHETARPAL & KHANNA, 2016). a maior informação populacional e
No Brasil, o vírus voltou a circular e possibilidades de intervenção pública em
acometer a população na década de 1980, relação à doença, entretanto, observam-se
tendo, desde então, um aumento constante no baixos níveis de responsabilização por grande
número de casos e de regiões do país parte da população (PEREIRA et al., 2022).
acometidas por essa doença, com ciclos Dessa forma, observa-se que a dengue
endêmicos e epidêmicos. Os quatro sorotipos representa um grave problema à saúde pública,
virais da dengue existem no Brasil, pelo menos, em especial no contexto de países como o
desde 2010, e o cenário da doença no país está Brasil, cujo clima favorece a propagação dos
se tornando cada vez mais complexo, com vetores da doença (ROY & BHATTACHAR-
hiperendemicidade e número crescente de JEE, 2021) e cujas políticas de manejo sanitário
óbitos. Entre 2008 e 2019, foram notificados existentes evidenciam falhas no cuidado com a
aproximadamente 10,6 milhões de casos de saúde pública (SILVA et al., 2022).

Tabela 19.1. Coeficiente de Gini da renda domiciliar per capita, segundo Região e UF (Brasil, 2012)
Região Norte Região Nordeste Região Sudeste Região Sul Região Centro-Oeste Brasil
0,5136 0,5424 0,5013 0,4646 0,5271 0,5277
Nota: Coeficiente de Gini consiste em um número entre 0 e 1, onde 0 corresponde à completa igualdade (no caso toda a
população recebe o mesmo salário) e 1 corresponde à completa desigualdade (onde uma pessoa recebe todo o rendimento
e as demais nada recebem). Fonte: IBGE/Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD.

183
Os diversos contextos clínicos da dengue meio de anticorpos provenientes da mãe. Caso
A dengue é uma enfermidade que impacta o lactente tenha sido previamente imunizado
predominantemente a população infantil, em- com o sorotipo correspondente ao da mãe, ele
bora esteja cada vez mais presente entre possui maior probabilidade de desenvolver um
adultos, incluindo gestantes. A identificação quadro de febre hemorrágica (CAMARGO et
tardia da infecção, especialmente quando al., 2022).
ocorre durante o terceiro trimestre da gestação, Outra população afetada e com alto risco são
acarreta prognósticos desfavoráveis, já que os idosos, em virtude do envelhecimento
existe maior risco de comprometimento fetal, populacional, que acarreta um aumento nas
tornando o processo de parto mais complexo proporções de indivíduos suscetíveis à infec-
(TISSERA et al., 2014). ção. Devido à fragilidade e vulnerabilidade
É crucial estar atento à síndrome do choque característica dessa faixa etária, os idosos
da dengue, especialmente quando há suspeita enfrentam maior risco de complicações e
de extravasamento de plasma e sangramento. letalidade em comparação com indivíduos mais
Ademais, é fundamental distinguir o que é jovens, além de apresentarem manifestações
fisiológico na gravidez daquilo que corres- clínicas distintas dos adultos e uma variedade
ponde a manifestação clínica da dengue de comorbidades associadas, que requerem o
hemorrágica, como aumento da frequência uso frequente de diversos medicamentos
cardíaca acima de 100 batimentos por minuto, (HÖKERBERG et al., 2020).
sinais de hipotensão arterial, sofrimento fetal, Os fatores epidemiológicos relacionados a
hematócrito entre 38% e 40%, bem como uma essa população englobam maior acometimento
tendência de redução na contagem de de mulheres idosas e menor nível de escola-
leucócitos (TISSERA et al., 2014). ridade. As manifestações mais comuns entre os
O manejo terapêutico da dengue durante a idosos incluem uma maior proporção de
gestação requer uma abordagem multidisci- petéquias e equimose, como também hematú-
plinar, envolvendo uma equipe composta por ria, com sangramento de mucosas menos
obstetras, neonatologistas e intensivistas, e evidente. A maior taxa de letalidade observada
deve estar embasado em princípios que levem nos indivíduos mais velhos é provavelmente
em consideração o trimestre da gestação e a fase atribuída ao sistema imunoló-gico em processo
da dengue hemorrágica (fase febril, crítica ou de senescência aliado às comorbidades indivi-
de recuperação), a fim de avaliar a necessidade duais, resultando em menor controle da infec-
de administrar soluções cristaloides e realizar ção e da resposta inflamatória (HÖKERBERG
um parto emergencial, entre outras inter- et al., 2020).
venções (TISSERA et al., 2014). Os transplantados renais, apesar de perten-
Cabe ressaltar que o vírus da dengue é com- cerem a um grupo vulnerável devido à imunos-
posto por quatro sorotipos distintos, variando supressão, não estão isentos dos riscos de
do DENV 1 ao DENV 4, os quais provocam infecção pela dengue, sendo mais suscetíveis a
diferentes graus de gravidade, desde a forma desenvolver uma forma grave da doença.
clássica da dengue até a febre hemorrágica, que Entretanto, é importante ressaltar que, em
constitui a forma mais severa da doença. Esta alguns casos, a dengue pode se apresentar de
última pode se manifestar em recém-nascidos forma leve nesses indivíduos, uma vez que a
após a infecção por transmissão vertical, por função do aloenxerto renal é minimamente
184
afetada. As manifestações clínicas mais outras formas, com ou sem prurido, frequen-
comuns incluem cefaleia, febre, hiporexia e temente no desaparecimento da febre (BRA-
mialgia, além de sintomas gastrointestinais SIL, 2016).
como diarreia, dor abdominal, náuseas e Nessa fase inicial, é difícil diferenciar esses
vômitos (RIBEIRO et al., 2020). sinais de outras doenças febris que não estejam
No âmbito laboratorial, observa-se trombo- relacionadas à dengue, além de ser
citopenia e leucopenia, sem evidências de indistinguível entre casos graves e não graves
aumento do hematócrito, sendo que essas últi- de dengue. A fase crítica ocorre no período de
mas alterações provavelmente estão associadas defervescência da febre entre o terceiro e o
ao uso frequente de imunossupressores. É sétimo dia do início da doença. A
importante mencionar que os receptores de defervescência dura cerca de 48 horas, estando
transplante renal tendem a apresentar menor associada a um aumento da propensão para
prevalência de febre em comparação à extravasamento capilar e hemorragia. Nesta
população em geral, o que provavelmente se fase, os pacientes com aumento da permea-
deve ao uso de corticosteroides. Os pacientes bilidade capilar podem piorar como resultado
que experimentaram uma deterioração da do vazamento de plasma, o que pode levar ao
função renal durante o período de infecção óbito, enquanto os pacientes sem aumento da
conseguiram se recuperar completamente em permeabilidade capilar irão melhorar (HARA-
termos de função renal (RIBEIRO et al., 2020). PAN et al., 2020). O choque ocorre quando um
volume crítico de plasma é perdido pelo
Os sinais clássicos da dengue extravasamento, ocorrendo habitualmente
A infecção pelo vírus da dengue causa uma nesse período. Além disso, podem surgir sinais
doença sistêmica, que varia de casos e sintomas como vômitos importantes e
assintomáticos a casos graves com choque, frequentes, dor abdominal intensa e contínua,
comprometimento de órgãos-alvo ou coagulo- hepatomegalia dolorosa, desconforto respirató-
patia associada, que podem evoluir a óbito. No rio, sonolência ou irritabilidade excessiva,
geral, após o vírus passar por um período de hipotermia, sangramento de mucosas, diminui-
incubação, a infecção pode ser classificada em ção da sudorese e derrames cavitários (pleural,
três fases: febril, crítica e de recuperação pericárdico e ascite) (BRASIL, 2016).
(HARAPAN et al., 2020). Na primeira fase, na O vazamento vascular sistêmico cessa e o
apresentação clássica, o início das manifesta- líquido do compartimento extravascular é
ções ocorre com o aparecimento de febre, reabsorvido gradualmente nas 48 a 72 horas
geralmente alta e de início abrupto, que dura de seguintes, na fase final de recuperação. Ocorre
2 a 7 dias, associada à cefaleia, adinamia, uma melhora do bem-estar geral do paciente,
mialgias, artralgias, dor retro-orbitária intensa e estabilização do estado hemodinâmico e
outros sintomas como náuseas, vômitos, dor de retorno do apetite. A persistência de sintomas
garganta e conjuntivite, podendo ocorrer como dor de cabeça e retro-orbitária, insônia,
hemorragia subconjuntival bilateral e intensa. mialgia, artralgia, astenia, anorexia, tontura,
O exantema clássico é predominantemente do náusea, vômito e coceira são comuns, estando
tipo maculopapular, atingindo face, tronco e relacionada a alterações do sistema imune
membros de forma aditiva, presentes também (HARAPAN et al., 2020). A forma grave se
nas mãos e pés, podendo apresentar-se sob desenvolve em até 5% dos pacientes com a
185
doença, apesar de certas populações, como estrutura textual da pesquisa dentre o total de
crianças menores de 1 ano, gestantes, adultos 2.283 artigos encontrados na plataforma
com idade superior 65 anos ou indivíduos com Scientific Electronic Library Online (SciELO),
asma, coagulopatia, gastrite ou úlcera péptica, a qual está com o quantitativo de 544 artigos, e
doença hemolítica, doença hepática crônica, na plataforma PubMed (National Library of
diabetes, obesidade classe III, hipertensão, Medicine), estando essa com a oferta de 1.739
terapia anticoagulante ou doença renal, artigos científicos.
apresentarem maior risco de desenvolvimento Dentre os 544 artigos disponíveis da plata-
da doença grave (WONG et al., 2022). forma SciELO, 27 artigos foram analisados e
Os sinais de alarme são achados clínicos que selecionados para o escopo desta pesquisa. Já
podem prever a progressão da doença para a na plataforma PubMed, 60 artigos foram
forma grave e anunciam a iminência de choque. metodologicamente agrupados para a escrita da
Entre esses achados estão: irritabilidade, pesquisa. Sendo assim, com a adição dos
aumento progressivo do hematócrito, dor abdo- artigos recuperados SciELO e PubMed, foram
minal intensa e contínua, vômitos persistentes, selecionados 87 artigos finais para a produção
acúmulo de líquidos (ascite, derrame pleural, da presente pesquisa, publicados no intervalo
derrame pericárdico), hipotensão postural e/ou de 20 anos, de 2012 a 2022, através dos filtros
lipotimia, hepatomegalia maior do que 2 cm presentes nas bases eletrônicas em ambas as
abaixo do rebordo costal, e sangramento de plataformas (SciELO e PubMed).
mucosa (BRASIL, 2016). O levantamento bibliográfico foi feito por
Uma vez que medidas efetivas de prevenção intermédio de três descritores “Dengue" e
e controle da endemia perpassam questões de “Dengue hemorrágica”, não havendo restrição
saneamento básico, preservação ambiental, de idiomas na busca dos artigos, pois a
participação governamental, avaliação sociode- ferramenta Google Tradutor, que abrange cerca
mográfica e Índice de GINI, o estudo da de 133 idiomas de forma eficiente e compreen-
literatura e da epidemiologia são fundamentais sível aos pesquisadores, foi utilizada. Assim, de
para concretizar as metas de controle da doença forma minuciosa, os artigos foram escolhidos
em questão. Portanto, o presente texto tem por para integrar a produção científica deste estudo
objetivo averiguar a literatura sobre a dengue, com base em sua relação intrínseca com a
com a finalidade de contribuir, de maneira temática proposta de Doenças Infecciosas e
concisa, para a comunidade científica, realizan- Parasitárias, com especial foco na definição,
do, simultaneamente, associação com dados manejo e fisiopatologia da dengue. Para tal,
epidemiológicos do contexto nacional. também foram consideradas, atenciosamente,
as diretrizes atuais sobre o respectivo assunto
METODOLOGIA com objetivo de nortear a prática clínica de
O presente estudo trata-se de uma revisão forma atualizada, integrando as informações
integrativa de literatura a respeito da temática: coletadas sobre a dengue nesta pesquisa e
“Uma análise retrospectiva e clínica da Dengue contemplando a temática estabe-lecida nos
e do Coeficiente de Gini da PNAD: uma revisão objetivos desta revisão: produções bibliográ-
de literatura de 2012 a 2022”, na qual foram ficas centradas na relação epidemiológica da
coletados 87 artigos finais para compor a dengue entre contexto social e território, as
principais populações afetadas, a sintomatolo-
186
gia clássica da doença e o manejo clínico- As informações sobre a metodologia estão
hospitalar. dispostas no Quadro 19.1 abaixo.

Quadro 19.1. Esquema metodológico da seleção de artigos para compor este estudo
Plataforma SciELO PubMed
Artigos disponíveis = 2283 544 1739
Artigos selecionados = 544 27 60
Período de publicação 01/01/2002 01/01/2022
Restrição de idioma Nenhum Nenhum
Descritor “Dengue” e “Dengue hemorrágica” “Dengue” e “Dengue hemorrágica”
Uso da plataforma Google Tradutor Sim Sim

RESULTADOS E DISCUSSÃO habitantes) e Norte (265,0 casos/100 mil


A epidemiologia da dengue no Brasil habitantes) (Gráfico 19.2).
Após o delineamento e análise dos estudos
selecionados, foi possível identificar que, Gráfico 19.1. Casos registrados no Brasil de 1998 a 2019

dentre os inúmeros fatores socioeconômicos e


geográficos envolvidos na dinâmica da ocor-
rência da dengue no Brasil, os mais relevantes
são a expansão das áreas urbanas sem planeja-
mento adequado e o abastecimento de água
precário que leva ao armazenamento de água
nas residências; a coleta e destinação inade-
quada do lixo; o acesso limitado aos serviços de
saúde; e a crescente mobilidade espacial da
população.
Ademais, aproveitando a obrigatoriedade de
notificação da dengue no Brasil, foi possível
explorar dados de boletins epidemiológicos
elaborados pelo Sistema de Informação de
Agravos de Notificação (SINAN) e
disponibilizados pelo Ministério da Saúde. Eles
demonstraram que, ao longo das últimas Fonte: BRASIL, 2016.
décadas, o Brasil vem apresentando uma média
de 580.298 casos por ano (Gráfico 19.1), sendo Neste mesmo espaço temporal, os
a região Centro-Oeste a protagonista nesse municípios com maior (Tabela 9.2) incidência
cenário. foram Araraquara/SP, Aparecida de Goiânia-
Em 2022, por exemplo, a região apresentou GO, Anápolis-GO e Goiânia-GO, confirmando
taxa de 2.043,7 casos/100 mil habitantes, a prevalência territorial da dengue em centros
seguida das regiões Sul (1.047,5 casos/100 mil urbanos pelo maior número populacional.
habitantes), Sudeste (521,5 casos/100 mil Porém, o índice de GINI mais próximo a 1
habitantes), Nordeste (426,8 casos/100 mil também influencia a prevalência. Dessa forma,
187
esses números nos permitem entender as baixa intervenção dos formula-dores de
dificuldades inerentes ao processo de políticas públicas brasileiros em termos de
crescimento urbano no Brasil, no intervalo de planejamento e orientação desse fenômeno.
2012 a 2022, especialmente considerando a

Gráfico 19.2. Distribuição da taxa de incidência de dengue por região (Brasil, 2022)

Nota: Dados sujeitos a alteração. Dado referente a SE 51. Fonte: SINAN, 2022.

Tabela 19.2. Municípios com maiores registros de casos de dengue (Brasil, 2022)
UF de residência Município de residência Casos Incidência (casos/100 mil hab.)
Dengue SE 51
DF Brasília 69.334 2.240,7
GO Goiânia 54.475 3.501,8
GO Aparecida de Goiânia 26.547 4.410,9
SC Joinville 21.339 3.528,8
SP Araraquara 20.949 8.709,1
SP São José do Rio Preto 20.204 4.306,3
CE Fortaleza 19.112 707,0
GO Anápolis 17.468 4.405,3
PI Teresina 16.173 1.856,6
RN Natal 16.065 1.791,6
Nota: Dados sujeitos a alteração. Dado referente a SE 51. Fonte: SINAN, 2022.

Além disso, o conjunto de informações critério diagnóstico realizado mais frequen-


coletadas nos artigos selecionados permitiram temente. Novamente, tomando como exemplo
delinear o perfil epidemiológico da doença, de análise o ano de 2022 a partir dos boletins
destacando-se, no recorte temporal dos últimos epidemiológicos supracitados, dos 1.423.614
10 anos (2012-2022), a prevalência do sexo casos prováveis de dengue, foram notificados
feminino e da faixa-etária de 20 a 39 anos. 1.441 casos de dengue grave (DG) e 17.831
Quanto à raça e escolaridade, tais variáveis casos de dengue com sinais de alarme (DSA),
normalmente são “ignoradas” nas fichas de além da quantidade de 992 óbitos confirmados.
notificação. É fato que as pessoas de zonas
urbanas são as mais afetadas por essa A relação da dengue e o índice de GINI
arbovirose e, a respeito da história natural da Arboviroses e saneamento básico são
doença, a variável clínico-epidemiológica é o intimamente interligados, uma vez que o vetor,
188
Aedes aegypti necessita de água parada para índice Gini elevado, como a Região Nordeste.
concluir seu ciclo de vida. Nesse sentido, para Tentar reduzir a incidência da dengue não tem
compreender essa relação, é imprescindível a sido uma tarefa simples para os gestores de
análise sobre o contexto brasileiro e o porquê saúde do Brasil. Vários fatores impedem o
desse problema de saúde pública ainda persistir controle da doença: diferentes sorotipos do
no país. Dessa forma, o Índice GINI é uma DENV circulando simultaneamente, condições
ferramenta que auxilia no entendimento da ambientais adequadas para a reprodução do
medida de desigualdade socioeconômica no vetor e crescimento rápido e desordenado da
país, referida pela Pesquisa Nacional de população nos centros urbanos, impactando
Amostra de Domicílios (PNAD). A partir desse outras problemas como falta de saneamento e
índice, notou-se que a Região Nordeste possui coleta inadequada de lixo (RODRIGUES,
índice de 0,5424, seguida da Região Centro- 2020).
Oeste: 0,5271; Região Norte: 0,5136; Região A exclusão social e a pobreza aumentam os
Sudeste: 0,5013 e, por conseguinte, a Região índices de vulnerabilidade social. A exclusão
Sul com GINI de 0,4646. Nessa perspectiva, ou falta de acesso aos serviços de saúde, renda
todos os estados estavam próximos de 0,5. adequada, trabalho, educação, condições de
Quanto mais próximo do valor 1, maior a moradia, transporte, meio ambiente sustentável
desigualdade de renda. De acordo com o e rede de apoio social levam a persistentes
Programa das Nações Unidas Para o desigualdades sociais em saúde (ARAÚJO et
Desenvolvimento (PNUD), no ano de 2020, o al., 2020). Como os vetores da dengue
Brasil localizava-se na sétima posição entre os geralmente vivem perto das pessoas, eles são
dez países mais desiguais do mundo durante o comuns nos centros urbanos do Brasil.
período analisado. Pesquisas anteriores indicaram que as princi-
O cenário atual do Brasil e seu impacto sobre pais áreas de risco para a dengue são: áreas
a dengue estão vinculados ao grande fluxo urbanas, áreas com alta densidade popula-
demográfico que o país passou a partir dos anos cional, áreas com assentamentos infor-mais e
1960. Com a rapidez do processo e o aumento locais onde as condições de saneamento não são
do volume populacional, os espaços ocupados satisfatórias. Nessas áreas, o mosquito fêmea
não foram adequadamente preparados, encontra condições para se alimentar e se
acarretando o “Inchaço Urbano” e a falta de reproduzir (RODRIGUES, 2020).
estruturas essenciais para dignidade humana, O crescimento de favelas e construções
dentre elas, moradia segura, renda justa e o irregulares em centros urbanos superlotados e
saneamento básico. O deficiente manejo de associados à falta de saneamento e coleta de
água e tratamento desse recurso facilita a lixo insatisfatória favorece a reprodução do
reprodução do vetor da dengue, uma vez que Aedes aegypti, dificultando o controle da
depósitos de água são feitos para amenizar a dengue e outras doenças transmitidas pelo
falta de água encanada, além de aumento de Aedes (RODRIGUES, 2020). Um dos fatores
resíduos sólidos, como pneus e garrafas, que associados a essa característica é o fato de a
não são recolhidos efetivamente e servem de dengue ser uma doença que se manifesta
criadouros para o mosquito. Dessa forma, essa principalmente em períodos de chuvas intensas
população torna-se mais propensa à doença e, dependendo dos determinantes sociais, pode
viral discutida, principalmente, as que possuem causar sérios prejuízos à população. Assim,
189
ações de saúde pública tornam-se essenciais arbovirose. O Brasil, apesar de ser o país com
para seu controle. O Brasil é um dos países do maior número de casos registrados de dengue,
mundo onde esse comportamento é mais possui taxas de subnotificação relevantes, o que
evidenciado, pois dados apontam condições torna o fato ainda mais preocupante. Essa
precárias de moradia e renda como fatores que subnotificação atrapalha os cálculos de indica-
contribuem significativamente para o aumento dores para criação de políticas públicas, o que
da doença. Especificamente, a falta de serviços gera falhas no sistema de saúde. Nesse sentido,
robustos de saneamento está diretamente é necessária uma organização eficiente dos
associada ao surgimento da dengue (LESSA et sistemas de saúde, principalmente em situações
al., 2023). de epidemia, por meio de ações de prevenção e
De acordo com a Organização Pan- controle, como análises sociode-mográficas
Americana de Saúde (OPAS), a dengue tem (questões ambientais e saneamento básico) e
estado presente no país desde seu retorno, em medidas socioeducativas.
1980. Desde seu ressurgimento no Brasil, o Ademais, é necessário estar ciente dos
número de casos de dengue e o número de sintomas mais comuns da dengue, tais como
regiões do Brasil acometidas por essa doença febre alta, cefaleia, adinamia, artralgia, exante-
têm aumentado anualmente, com ciclos endê- mas, dor retro-orbitária, vômito e náusea. Na
micos e epidêmicos (SANTANA et al., 2022). maioria das vezes, essa doença se manifesta de
O cenário sugere a necessidade de maiores forma assintomática, entretanto, alguns casos
medidas cooperativas entre instituições compe- podem se agravar e levar o paciente ao choque
tentes e a comunidade civil. Tais instituições ou até mesmo ao óbito.
necessitam de amplo conhecimento dos núcleos O tratamento para dengue não possui um
e variáveis comunitárias para implementação fármaco específico para o vírus e consiste
efetiva e resolutiva. Nesse sentido, a educação essencialmente em repouso, administração de
em saúde observa-se como medida eficiente analgésicos e hidratação do paciente até sua
para controle da dengue, em especial nos completa recuperação. Entretanto, os casos
pilares da capacitação de agentes de cuidado e mais graves podem exigir hospitalização para
sensibilização da comunidade leiga para unifi- monitoramento constante, especialmente nos
cação e expansão dos esforços (DIAS et al., casos de dengue hemorrágica. Isso ocorre por-
2022). Para isso, as informações acerca da que a dengue é uma doença sistêmica, logo,
problemática existente devem estar organizadas pode ocorrer remissão completa ou agrava-
e simplificadas, de modo a facilitar sua mento dos sintomas, exigindo que haja observa-
divulgação e aplicabilidade no atual cenário. ção constante e manejo adequado para evitar
óbitos, sobretudo, nas populações mais vulnera-
CONCLUSÃO veis, como idosos, crianças e gestantes. Por fim,
A dengue é influenciada por fatores é necessário que haja mais estudos a respeito
ambientais, sociais e econômicos, que podem dessa temática para o melhor estadiamento e
ser observados nos países endêmicos dessa prognóstico do paciente.

190
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Brazil. Tropical Medicine and Infectious Disease, v. 8, p.
241, 2023.

191
CAPÍTULO 20
ANGIOSTRONGILÍASE ABDOMINAL E
CEREBRAL: UMA REVISÃO DE
LITERATURA
BIANCA TESSELE1
CAROLINA CERON REGINATTO1
DIÓGENES WILLIAM DE PAULA1
ENZO CASTRO LIMA1
GABRIEL DIEHL DE BRITTO1
GUSTAVO GALERA PAGNUSSATT1
ISADORA BARASUOL BOTTEGA1
JÚLIO DE CARLI CAMARGO1
LARISSA BARONI1
LAURA RICHETTI FRANZOSI1
LUANA GARCIA DE OLIVEIRA1
MARIANA PASTRE BORTOLUZZI1
MILENA DE ALMEIDA DA MOTTA1
PÂMELA TOSO MEIRA1
ALESSANDRA LOUREIRO MORASSUTTI2

1. Discente - Curso de Medicina da Universidade de Passo Fundo (UPF).


2. Docente - Faculdade de Medicina, Programa de Pós-Graduação em Odontologia, Universidade de Passo
Fundo (UPF).

PALAVRAS-CHAVE
Angiostrongylus costaricensis; Angiostrongylus cantonensis; Infecções por nematoides.

192

10.59290/978-65-6029-012-9.20
INTRODUÇÃO Electronic Library Online (SciELO), Literatura
Os parasitas Angiostrongylus Latino-Americana e do Caribe em Ciências da
costaricensis e Angiostrongylus cantonensis, Saúde (LILACS) via PubMed, Portal Capes e
causadores, respectivamente, da angiostron- UpToDate e no buscador Google Acadêmico.
gilíase abdominal (AA) e da meningite Utilizou-se como descritores os termos:
eosinofílica em humanos, são vermes Angiostrongylus costaricensis, Angiostron-
encontrados em roedores e que acabam por gylus cantonensis, Metastrongyloidea, entero-
causar doença no homem de forma acidental. patias parasitárias, infecções por nematoides e
Pelo fato de serem zoonoses transmitidas por seus respectivos sinônimos, nos idiomas
meio de alimentos, encontramos diferentes português e inglês. Foram incluídos apenas
prevalências de tais doenças em diferentes artigos publicados que tratassem do tema e
regiões do globo, levando em consideração estivessem disponíveis na forma online. Foram
culturas, hábitos alimentares e presença dos excluídos artigos publicados fora do período
hospedeiros intermediários e definitivos com determinado, que não tratassem sobre o tema,
muitas variáveis em cada região. Com a indisponíveis de forma online e repetidos
expansão recente dos casos de meningite encontrados em diferentes bases de dados.
eosinofílica para países antes livres da doença,
a comunidade científica movimentou-se em Angiostrongylus costaricensis
uma busca mais acelerada por estudos e Características, morfologia, ciclo evolutivo
informações sobre o Angiostrongylus canto- e transmissão
nensis, propiciando novas descobertas em A angiostrongilíase abdominal (AA) é
termos de diagnóstico e, consequentemente, causada por um parasita zoonótico nematódeo
maior agilidade na detecção da doença em denominado Angiostrongylus costaricensis,
pacientes acometidos (SILVA & MORASSU- que pode produzir enterite eosinofílica em
TTI, 2021). Com relação à AA, a preocupação humanos (ROJAS et al., 2021). Este verme
com a evolução de estudos e métodos pertence a superfamília Metastrongyloidea, que
diagnósticos reside no fato de que a AA está associada ao parasitismo dos sistemas
representa uma infecção grave em humanos, respiratório e vascular de roedores, canídeos,
acometendo principalmente crianças em idade felinos e outros pequenos mamíferos e,
escolar e adultos jovens (ROJAS et al., 2021). ocasionalmente, primatas, incluindo humanos
Diante disso, o objetivo deste estudo foi (SILVA & MORASSUTTI, 2021). No total, 21
descrever as principais características, ciclo de espécies infectantes já foram descritas, porém,
vida, epidemiologia, quadro clínico, diagnós- apenas duas espécies são patogênicas aos
tico e profilaxia das infecções causadas pelas humanos. Dentre elas, o Angiostrongylus
espécies do gênero Angiostrongylus. costaricensis caracteriza-se por morfologia
similar ao Angiostrongylus cantonensis, sendo
MÉTODO diferenciado devido ao comprimento e largura
O presente estudo consiste em uma revisão do macho, 15-18 mm e 0,28 mm, respec-
da literatura com base em levantamento de tivamente, presença de seis pares de papilas
artigos científicos publicados no período de sensoriais ordenadas em círculos e bursa
1980 a 2023 nas bases de dados Scientific copulatória de tamanho médio, com dois

193
espículos delgados. As fêmeas possuem como larvas e são expelidos nas fezes dos
comprimento entre 24-27 mm e largura de 0,30 roedores, ficando viáveis no meio ambiente por
mm (VASCONCELOS, 2016). até 10 dias (ROJAS et al., 2021).
Angiostrongylus costaricensis tem um ciclo O homem é hospedeiro acidental desta
de vida indireto envolvendo roedores como parasitose e se infecta pela ingestão de alimen-
hospedeiros definitivos e gastrópodes como tos contaminados com o muco das lesmas
hospedeiros intermediários (SILVA & MO- contendo larvas infectantes, ou até mesmo
RASSUTTI, 2021). Os hospedeiros definitivos ingerindo as lesmas contaminadas (SOLANO-
são infectados pela ingestão de larvas presentes BARQUERO et al., 2021). As larvas ingeridas
em tecidos fibromusculares de gastrópodes migram para a parede intestinal, onde ocorre a
infectados ou por meio do contato com seu sua maturação. Nos tecidos, a presença de
muco contendo larvas (SILVA & MORAS- vermes e ovos causa uma intensa resposta
SUTTI, 2021). As larvas são liberadas no inflamatória, o que impede a mobilização dos
estômago, penetram na mucosa gastroin- ovos para o lúmen intestinal e é responsável por
testinal e atingem sistema linfático e circulação degenerar as larvas, que não são eliminadas nas
arterial até alcançar seu nicho final nas artérias fezes. Por este motivo, os humanos são
mesentéricas ou ileocólica. Nestes locais, considerados hospedeiros acidentais para o A.
machos e fêmeas copulam e produzem centenas costaricensis, impedindo, assim, a sua dissemi-
de ovos, que eclodem na mucosa intestinal nação no ambiente (WANG et al., 2008).

Figura 20.1. Ciclo de vida do Angiostrongylus costaricensis

Fonte: CDC, 2019a.

Epidemiologia a ser considerada endêmica no país quando


O A. costaricensis foi descrito pela primeira ocorreram centenas de casos positivos entre
vez na Costa Rica, em 1971 (MORERA & 2012 e 2020 (VARGAS et al., 2012). Até o ano
CÉSPEDES, 1971). A angiostrongilíase passou 2000 a doença era mais prevalente em adultos

194
maiores de 18 anos, mas, desde então, a distribuição por idade ou sexo entre os
incidência tem sido maior em crianças menores pacientes gaúchos (GRAEFF-TEIXEIRA et al.,
de 15 anos. Atualmente, a Costa Rica é o país 1991). O local epidemiológico mais frequente
com a maior concentração de casos (VARGAS consiste geralmente em áreas serranas (GRA-
et al., 2012). Além disso, a doença também é EFF-TEIXEIRA et al., 1991). Ademais, há
reportada em outros 24 locais geográficos, com também um aumento sazonal no número de
extensão desde o sul dos Estados Unidos e casos, que vai desde o final da primavera até o
englobando a maioria dos países latinoame- outono, entre dezembro e março, o que não
ricanos e ilhas caribenhas (ROMERO-ALE- coincide com a época de maior índice plu-
GRIA et al., 2014). Nesses locais, há condições viométrico, diferindo mais uma vez do relatado
ideais (temperaturas quentes, pluviosidade na América Central (GRAEFF-TEIXEIRA et
moderada a intensa e diversidade de vegetação) al., 1991). Isso pode ser justificado pela
para o desenvolvimento do parasita em seus diminuição da atividade reprodutiva das lesmas
hospedeiros intermediário e definitivo. durante o inverno e aumento a partir da pri-
No Brasil, a ocorrência de angiostrongilíase mavera. O frio também diminui o estágio
abdominal tem sido reportada desde 1975, infectante das larvas tanto de A. cantonensis
incluindo a capital Brasília e os estados de São quanto de A. costaricensis.
Paulo (SP), Paraná (PR), Santa Catarina (SC) e
Rio Grande do Sul (RS), totalizando 16 casos Manifestações clínicas
até 1986. A prevalência da doença no país entre As manifestações clínicas da angiostron-
os anos de 1995 e 1999 era de aproximada- gilíase abdominal estão ligadas principalmente
mente 28,2% ao ano (GRAEFF-TEIXEIRA et à localização usual do verme adulto no ramo
al., 2005). O local epidemiológico consiste ileocecal da artéria mesentérica inferior. Desse
geralmente em áreas com muita vegetação e de modo, os pacientes apresentam dor abdominal,
transição urbano-rural, onde há a presença de espontânea ou induzida pela palpação, em fossa
moluscos terrestres e roedores silvestres, ilíaca direita e flanco direito, exame retal
hospedeiros intermediários e definitivos do doloroso, febre, anorexia, vômitos e alteração
parasito, respectivamente. O Rio Grande do Sul do trânsito intestinal (diarreia ou constipação).
desponta como o estado do Brasil onde foi No exame físico, os principais sinais relatados
registrado e diagnosticado o maior número de são distensão abdominal, palpação dolorosa do
casos da doença, principalmente na sua metade abdome e rigidez abdominal. A palpação de
norte (GRAEFF-TEIXEIRA et al., 1991). massa tumoral no quadrante inferior direito
A enfermidade é endêmica na região norte pode ser um indicativo da infecção, sendo
do Rio Grande do Sul, entretanto, um estudo muitas vezes confundido com tumor maligno.
clínico e epidemiológico que observou 27 casos Frequentemente, há eosinofilia e leucocitose
no estado revelou aspectos distintos em relação presentes. Ocasionalmente, pode ocorrer envol-
à ocorrência da doença na Costa Rica vimento hepático, referido por dor à palpação
(GRAEFF-TEIXEIRA et al., 1991). Ao do quadrante superior direito e hepatomegalia
contrário dos casos na América Central, a (LORIA-CORTES & LOBO-SANAHUJA,
angiostrongilíase no Brasil, e especialmente no 1980).
Rio Grande do Sul, não tende a ser uma doença Além disso, podem ocorrer manifestações
pediátrica e afeta tanto adultos quanto crianças, extraintestinais por migração errática das lar-
não havendo diferenças significativas na vas. Um exemplo disso é o envolvimento dos

195
testículos, referido por dor, eritema e descolo- paciente, e um ensaio imunoenzimático de
ração púrpura do local (RUIZ & MORERA, imunoglobulina G (IgG), ou ELISA IgG, no
1983). Apresentações clínicas como trombose qual atualmente se tem utilizado antígenos
arterial distal dos membros inferiores e brutos de fêmeas de A. cantonensis devido à
sangramento gastrointestinal grave são raras, dificuldade de obtenção de quantidades signi-
mas implicam em aumento da gravidade e ficativas do verme para se realizar o controle
morbimortalidade do caso (LORIA-CORTES dos resultados. Dessa forma, um ponto positivo
& LOBO-SANAHUJA, 1980). do método ELISA é o fato de ser possível
detectar o parasita por cerca de 12 meses após
Diagnóstico a infecção aguda e de forma já conhecida,
A confirmação diagnóstica ocorre através de diferenciando as infecções por Angiostrongylus
exames que identificam após a suspeita clínica cantonensis de Angiostrongylus costaricensis
do paciente. Assim, o padrão-ouro é a análise através da clínica de cada paciente (GRAEFF-
histopatológica de tecidos acometidos, normal- TEIXEIRA et al., 2020; ROJAS et al., 2021).
mente apêndice vermiforme e intestinos grosso
e delgado, com a visualização de ovos e/ou Tratamento
larvas nos órgãos ou vermes adultos dentro de Considerando que a maioria dos casos de
vasos arteriais. Quando não se encontra nada angiostrongilíase abdominal apresenta curso
disso, o diagnóstico ainda pode ser inferido autolimitado, o tratamento é baseado em medi-
pelo achado de vasculite, arterite, infiltrado das de suporte como o uso de analgésicos diante
eosinofílico ou granulomas peri e intravas- de quadro doloroso. O tratamento cirúrgico
culares (ROJAS et al., 2021). pode ser indicado para exclusão de outras
Outra forma de se chegar ao diagnóstico é patologias, como a apendicite aguda ou ainda
através de testes moleculares, como a Reação quando há perfuração intestinal subsequente ao
em Cadeia da Polimerase (PCR). Este teste comprometimento arterial pelo parasita
amplifica sequências gero-específicas para a (LEDER, 2022).
Angiostrongylus spp. podendo detectar o para- Quanto ao uso de fármacos anti-helmínticos,
sita no soro e em tecido. O teste possui em estudos com ratos algodoeiros infectados
sensibilidade intermediária, mas uma especi- com A. costaricensis, testes foram realizados
ficidade alta, o que o é útil para diferenciar este com os fármacos dietilcarbamazina, tiabenda-
parasita dos demais, além de detectá-lo durante zol e albendazol em diferentes doses e em
o momento agudo da infecção (RODRIGUEZ diferentes momentos do ciclo do verme. As
et al., 2023). análises demonstraram que os parasitas não
Além disso, testes sorológicos vêm sendo estavam sendo mortos, mas se movendo
pesquisados e utilizados no segmento de ativamente. Além disso, as lesões observadas
diagnóstico como principal opção na Costa eram mais graves com o tratamento anti-
Rica (Cartago) e no Brasil (São Paulo e Porto helmíntico do que sem ele (MORERA &
Alegre). São eles, o teste de aglutinação de BONTEMPO 1985). Em revisão sistemática
látex, onde o contato de antígenos somáticos do sobre o uso de drogas no tratamento de angios-
parasita é utilizado em busca da aglutinação trongilíase humana, Mentz e Graeff-Teixeira
com os anticorpos presentes no soro do (2003) apontam que anti-helmínticos não são

196
úteis para o tratamento da angiostrongilíase cérebro espinhal de uma jovem com quadro
abdominal. clínico de meningite. No Brasil, o primeiro caso
foi relatado em Cariacica (ES) no ano de 2006
Profilaxia (VASCONCELOS, 2016).
A transmissão de A. costaricensis para Com relação à sua morfologia, são vermes
humanos ocorre por meio do contato com os filiformes, apresentando a extremidade anterior
hospedeiros intermediários – seja, principal- mais afilada, sendo que a fêmea mede de 22 a
mente, pela ingestão de vegetais e frutas 34 mm de comprimento, enquanto o macho
contaminadas, ou seja, pelo contato com as mede de 20 a 25 mm. Em relação ao seu ciclo
secreções derivadas destes. Dessa forma, antes evolutivo, não encontramos o verme em seu
do consumo, é necessário realizar a higieni- estágio adulto em humanos, mas em ratos, nos
zação adequada de frutas e vegetais potencial- quais vive dentro das artérias pulmonares,
mente contaminados, que deve ser feita durante sendo ali também o local onde produzem a fase
uma hora e utilizando solução de água sanitária larval infecciosa, denominada L1. Dando
a 1,5% (ROJAS et al., 2021; ZANINI & sequência ao ciclo, fezes de ratos contendo L1
GRAEFF-TEIXEIRA, 2001). Outra medida são liberadas no ambiente e infectam moluscos,
possível de ser tomada para diminuir o risco da como lesmas e caramujos (hospedeiros
doença é realizar o controle biológico dos intermediários), por ingestão ou penetração
hospedeiros intermediários (ROJAS et al., tegumentar. Já nos moluscos, as larvas passam
2021). por duas evoluções e dão origem à terceira fase
larval (L3). Humanos se infectam com essa fase
Angiostrongylus cantonensis da larva, quando ingerem tais moluscos ou
Características, morfologia, ciclo evolutivo alimentos crus contendo secreções mucosas dos
e transmissão mesmos. Após a ingestão de L3, os parasitos
O Angiostrongylus cantonensis, verme que penetram na parede intestinal e migram pela
pode causar meningite eosinofílica em seres circulação sistêmica, chegando até o sistema
humanos, é um parasita zoonótico nematódeo nervoso central em cerca de 2 a 3 dias, onde
pertencente à superfamília Metastrongyloidea. evoluem mais duas vezes, alcançando L4 e L5
Reconhecido como a causa mais comum de (CARVALHO et al., 2022).
meningite eosinofílica no sudeste da Ásia e na Assim como na infecção por Angiostron-
bacia do Pacífico, tem chamado a atenção da gylus costaricensis, a angiostrongilíase causada
comunidade científica pelo fato de sua ocor- pelo Angiostrongylus cantonensis ocorre de
rência ter se expandido para ilhas caribenhas e forma acidental no homem. Pelo fato das larvas
países da América do Sul, América Central e não serem capazes de completar seu ciclo
América do Norte (SILVA & MORASSUTTI, evolutivo em humanos e atingirem a forma
2021). O Angiostrongylus cantonensis foi adulta responsável pela produção de ovos, os
identificado pela primeira vez em Taiwan, no humanos não são capazes de disseminar a
ano de 1944, sendo localizado no líquido doença no ambiente (VASCONCELOS, 2016).

197
Figura 20.2. Ciclo de vida do Angiostrongylus cantonensis

Fonte: CDC, 2019b.

Epidemiologia primeira vez no Espírito Santo, em 2007, quando


O cenário de ocorrência de A. cantonensis, os primeiros casos foram confirmados por RT-
que consistia tipicamente nos países do Sudeste PCR em dois homens adultos no município de
Asiático e nas Ilhas do Pacífico, começou a Cariacica e em uma criança de 20 meses em Vila
mudar a partir de 1981, quando ratos e caramujos Velha (CALDEIRA et al. 2007; GARCIA et al.,
infectados foram encontrados na América e o 2008). No ano de 2009, houve o caso fatal de uma
primeiro caso no continente foi relatado mulher em Olinda (PE), diagnosticado pelo
(AGUIAR et al. 1981). Desde então, episódios mesmo método anterior (LIMA et al., 2009). No
de infecção por A. cantonensis foram vistos nos estado de São Paulo, foram detectados, em 2010,
Estados Unidos, na Jamaica e no Equador e quatro casos de uma mesma família em
também foram relatados casos no Brasil Mongaguá (SP) e, em 2011, um caso de uma
(MORASSUTTI et al., 2014; CARVALHO et criança do sexo masculino no distrito de
al., 2022). Detectou-se tanto hospedeiros Guarapinga (SP), todos diagnosticados por meio
definitivos quanto hospedeiros intermediários, de ELISA e Western Blot (ESPÍRITO-SANTO
ambos naturalmente infectados, nas regiões et al., 2013). Ademais, confirmou-se ainda, em
Nordeste e, principalmente, Sul e Sudeste do 2013, desta vez no estado gaúcho, mais um caso
Brasil. Dentre os estados onde há presença de em uma cidade próxima à capital Porto Alegre
moluscos com larvas do parasita ou ratos com (RS), onde um paciente jovem do sexo masculino
vermes adultos, destacam-se: São Paulo (SP), portador de deficiência cognitiva foi identificado
Rio de Janeiro (RJ), Espírito Santo (ES), Pará com meningite eosinofílica por A. cantonensis
(PA), Bahia (BA), Paraná (PR), Santa Catarina (COGNATO et al., 2013). Ainda, nessa mesma
(SC) e Rio Grande do Sul (RS) (MORASSUTTI região, três pacientes com meningite eosinofílica
et al., 2014). que tinham em comum a ingestão de moluscos
No Brasil, o isolamento laboratorial e a após um ritual religioso, foram investigados em
identificação do A. cantonensis ocorreram pela

198
dois hospitais de Porto Alegre (MONTEIRO et outras manifestações podem ocorrer como
al., 2020). paralisia da musculatura extraocular, edema de
Por fim, quanto ao perfil epidemiológico do papila, ataxia, convulsões, paralisia facial
paciente, não é possível notar nenhum padrão ou periférica, sinais de Kernig e Brudzinski, redução
fator de risco a respeito de idade ou sexo. Desde do nível de consciência, distensão abdominal,
pacientes idosos com 78 anos de idade até bebês hepatomegalia e incontinência urinária. Por sua
com 8 meses já foram afetados (CARVALHO et vez, pode ter invasão ocular, onde a presença de
al., 2022). A maior prevalência de infecções larvas no humor aquoso, ocasiona, em menor
decorre principalmente da ingestão de caramujos frequência, perda parcial ou total de visão e
e lesmas contaminados com o parasita. Raros são hiperemia conjuntival (JHAN et al., 2020).
os casos envolvendo ingestão de lagartos
Varanus e centopeias (CARVALHO et al., Diagnóstico
2022). No Brasil, os hábitos alimentares não Para confirmar o diagnóstico de A. canto-
incluem tipicamente comida crua ou exótica. nensis há diferentes formas que se auxiliam
Mesmo assim, o caracol africano da espécie durante a investigação. Inicialmente, precisamos
Achatina fulica já foi encontrado em diversas da clínica do paciente compatível com a
regiões do país, como Paraná, Rio de Janeiro, parasitose. Após a forma mais simples de
Pará, Bahia, Pernambuco, Santa Catarina, Rio diagnóstico: a visualização do parasita em locais
Grande do Sul e São Paulo (MORASSUTTI et acometidos como o líquido cerebroespinhal
al., 2014). Isto tem despertado a atenção dos (LCE), ou o próprio globo ocular onde já foram
órgãos de vigilância do país, pois, sendo um relatados vermes translúcidos de 15 mm de
animal exótico, não possui predador natural, comprimento na câmara anterior. Além disso, há
sendo extremamente resistente e com altas taxas a possibilidade de visualizar o verme no LCE,
de reprodução. onde também observamos suas características,
diferindo de outras infecções. Seu aspecto é
Manifestações clínicas claro, sem cor ou turbidez, uma contagem média
As manifestações clínicas da angiostron- de eosinófilos de 33%, alta proteinorraquia
gilíase cerebral ocorrem pela migração das larvas (cerca de (54 mg/dL) e baixa glicose 59 mg/dL)
do trato gastrointestinal para o sistema nervoso (TIWARI et al., 2019; MURPHY & JOHNSON,
central, as quais se alojam nas meninges e 2013).
causam meningite/meningoencefalite eosinofíli- A ressonância magnética (RM) com
ca, que em casos graves pode atingir uma administração intravenosa de quelato de
letalidade de 80% (GRAEFF-TEIXEIRA et al., gadolínio também é realizada em casos suspeitos
2023). Os sintomas mais prevalentes desta para procura de congestão cerebral, leptome-
inflamação são cefaleia intensa, febre, pareste- níngea espessada, lesões arredondadas, ovais ou
sias (sensação de formigamento, queimação e em forma de bastão na substância branca, com
pressão na pele), náuseas e vômitos. Ademais, diâmetro de 3 a 14 mm nas imagens ponderadas
rigidez na nuca, é comum nas meningites em T1, realce meníngeo e realce anormal do
provocadas por vírus ou bactérias, mas nem globo pálido. Porém, apenas uma RM não é
sempre, é um sinal encontrado na meningite capaz de confirmar ou negar um diagnóstico de
provocada pelo A. cantonensis. Nesse modo, A. cantonensis pela ausência de lesões

199
patognomônicas e a possibilidade de pacientes que a meningite eosinofílica causada por A.
com a clínica compatível não possuírem cantonensis, possui, geralmente, evolução au-
alterações no exame (MURPHY & JOHNSON, tolimitada. (RAMIREZ-AVILA et al., 2009) Em
2013; ANSDELL et al., 2021). revisão integrativa brasileira (CARVALHO et
Como a visualização direta do verme no al., 2022), o uso de anti-helmínticos e corticos-
cérebro é muito rara, testes imunológicos foram teroides, como albendazol e prednisona, apresen-
desenvolvidos para avaliação do soro do tou boas respostas no tratamento do parasita,
paciente, através da detecção de anticorpos anti- reduzindo a inflamação meníngea. Em relação à
Angiostrongylus que reconhecem componentes doença ocular, há possibilidade de tratamento
antigênicos provenientes de vermes adultos. cirúrgico específico ou terapia à laser (SAWA-
Além disso, testes sorológicos vêm sendo NYAWISUTH & SAWANYAWISUTH, 2008).
pesquisados e utilizados no segmento de
diagnóstico como principal opção no Havaí e Profilaxia
Tailândia, onde um teste ELISA vem sendo Para combater a transmissão do A. canto-
realizado com antígenos da proteína específica nensis ao ser humano, orienta-se evitar o
31 kDa no qual apresentou 100% de consumo de moluscos crus ou mal cozidos ou
sensibilidade, 98,72% de especificidade, 95% de vegetais potencialmente contaminados com
valor preditivo positivo e 100% de valor secreções parasitárias (WANG et al., 2008) e
preditivo negativo (JARVI et al., 2020). realizar lavagem cuidadosa das mãos (SOHAL et
Por fim, temos os testes moleculares, o al., 2022). É também importante a educação da
método PCR em tempo real quantitativo sensível. população sobre a doença e suas formas de
Este teste utiliza pares de bases específicas rRNA transmissão (THIENGO et al., 2013). Por último,
18S para detectar o parasita no soro e possui pode-se manter o monitoramento dos hospe-
sensibilidade intermediária, mas uma especifi- deiros intermediários e definitivos em áreas de
cidade alta, o que o torna útil para diferenciar o relevância epidemiológica, na tentativa de conter
parasita dos demais, além de detectá-lo durante o novos focos de transmissão (THIENGO et al.,
momento agudo da infecção. Porém pode 2013).
apresentar falsos positivos devido a reatividade
cruzada com outras espécies de nematoides CONCLUSÃO
(QVARNSTROM et al., 2007). Angiostrongilíase é uma importante zoonose
de origem alimentar que se tem espalhado por
Tratamento diversas partes do mundo, incluindo regiões
Em casos de meningite eosinofílica, o brasileiras, gerando impactos para a saúde
tratamento consiste em controle sintomático, pública e preocupações significativas no controle
com analgésicos e punções lombares seriadas dessas infecções. Considerando sua transmissão
para reduzir a pressão intracerebral, corticoides e por meio da ingestão de alimentos crus ou
anti-helmínticos (RAMIREZ-AVILA et al., malcozidos, é fundamental a conscientização da
2009). Nesse cenário, o uso de prednisolona 60 população em áreas endêmicas sobre os modos
mg diariamente por duas semanas reduz sintomas de transmissão. No que tange a epidemiologia,
de cefaleia e a necessidade de repetidas punções encontra-se, na literatura, muitos dados qualita-
(CHOTMONGKOL et al., 2000). Cabe destacar

200
tivos, porém, ainda, há poucos dados quan- tratamento, não há fármacos antiparasitários que
titativos sobre as infecções. demonstrem eficiência no combate a essas
Em relação ao diagnóstico, percebe-se que o parasitoses, de modo que o tratamento cirúrgico
conhecimento epidemiológico e das manifes- permanece como primeira escolha para angios-
tações clínicas é fundamental para a suspeição trongilíase abdominal.
diagnóstica em áreas endêmicas, visto que ainda Desse modo, verifica-se a importância do
que os métodos de diagnóstico laboratorial conhecimento epidemiológico, evolutivo clínico
estejam evoluindo, eles não estão disponíveis em e diagnóstico a fim prevenir a disseminação das
todos os lugares. Por fim, em relação ao espécies do gênero Angiostrongylus.

201
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203
CAPÍTULO 21

COINFECÇÃO ENTRE O VÍRUS DA


IMUNODEFICIÊNCIA HUMANA E O
VÍRUS DA HEPATITE B (HIV/HBV)
JOSÉ GUSTAVO ZANIS DIAS DE OLIVEIRA¹
ANNA BEATRIZ DE JEZUS2
BRUNA KELSCH SAÁDI2
ANA JULIA SARAGOÇA CIMOLIN2
AMANDA EDUARDA NITCHAI2
LIA FABRIN DE ARAUJO2
MICAELLA RONCHI TESTONI2
NATÁLIA DE OLIVEIRA BARBOSA DOS SANTOS2
PEDRO HENRIQUE LORENZ FREITAS2
LUIZA LENZI2
SABRINA GARBI TIBOLLA2
GABRIELA DACOL BERTHOLDE2
CAMILA SCHONS2

1. Docente – Departamento de Clínica Médica da Universidade do Vale do Itajaí.


2. Discente – Medicina da Universidade do Vale do Itajaí.

PALAVRAS-CHAVE
Coinfecção; HIV; HBV.

204

10.59290/978-65-6029-012-9.21
INTRODUÇÃO dinâmica que amplia os efeitos de cada um dos
As infecções sexualmente transmissíveis vírus, resultando em maior morbidade e
(ISTs) constituem um grave problema de saúde mortalidade nesses pacientes (OLIVEIRA et al.,
pública pelo impacto socioeconômico gerado 2014).
mundialmente, principalmente nos países em Este quadro clínico faz com que os níveis de
desenvolvimento (WERNECK et al., 2019). HBV DNA aumentem, acelerando a progressão
Como principais agentes de duas dessas infec- da doença hepática, com risco elevado para
ções, pode-se citar o Vírus da Imunodeficiência desenvolvimento de carcinoma hepatocelular.
Humana (HIV) e o Vírus da Hepatite B (HBV). Portanto, pacientes portadores de ambas
O Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) patologias apresentam impacto significativo na
é um retrovírus responsável por causar a história natural da infecção crônica por vírus da
Síndrome da Imunodeficiência Adquirida Hepatite B (SINGH et al., 2017).
(AIDS) pelo seu potencial de atacar o sistema Dessa forma, após o diagnóstico de uma das
imunológico, em especial os linfócitos TCD4+ infecções, seja por HIV ou HBV, em um
(MATOS & ZÖLLNER, 2022). indivíduo, deve-se realizar o teste para a outra,
A Hepatite B é causada pelo Vírus da assim como para HCV e sífilis. As pessoas que
Hepatite B (HBV), o qual tem tropismo pelos vivem com HIV (PVHIV) possuem indicação
hepatócitos e é responsável por causar uma de rastreamento semestral para HBV com
infecção que atinge o fígado e, frequentemente, HBsAg e anti-HBc total e devem ter sua
pode evoluir para a cronicidade, o que acarreta situação vacinal verificada (BRASIL, 2022).
maior morbimortalidade pela doença (MATOS Desta maneira, pela alta prevalência da
& ZÖLLNER, 2022). As principais causas de infecção mútua de HIV e HBV é crucial a
óbito dos pacientes portadores de Hepatite B identificação de pacientes que necessitem de
decorrem da cirrose e do carcinoma tratamento para HBV, bem como aqueles que
hepatocelular (BRASIL, 2022). podem se beneficiar com a vacinação
Sabe-se que a infecção pelo HIV abre espaço (CORCORRAN & KIM, 2023). Assim, o
para outras infecções oportunistas. Uma gama estabelecimento precoce de uma terapia
enorme de infecções de origem microbiana e antirretroviral adequada para ambos os vírus é
parasitária é comum, sendo a coinfecção pelo de extrema importância, visando diminuir a
vírus da Hepatite B uma das mais relevantes morbimortalidade associada à coinfecção
(ARAÚJO et al., 2017). A prevalência deste (SINGH et al., 2017).
quadro clínico reflete variações geográficas, e
as vias predominantes de transmissão do HBV MÉTODO
frequentemente se relacionam com o grau de Trata-se de uma revisão narrativa realizada
endemicidade (MARTINS et al., 2014). no período de maio a junho de 2023 por meio de
A coinfecção HBV e HIV é comumente pesquisas nas bases de dados PubMed, SciELO,
observada uma vez que esses vírus Lilacs e Google Scholar. Foram utilizados os
compartilham rotas comuns de transmissão descritores: HIV, Coinfecção, Infecção sexual-
(atividade sexual, vertical e drogas injetáveis) mente transmissível, Imunodeficiência, Hepa-
(MARTINS et al., 2014). Assim, a infecção totoxicidade, Hepatites virais, Hepatite B. Esta
mútua de HIV e HBV gera uma interação metodologia foi escolhida por abranger

205
publicações amplas, apropriadas para descrever sociais, econômicos e culturais, que estão
e discutir o desenvolvimento ou o "estado da vinculados à forma de transmissão. Sendo
arte" de um determinado assunto, sob ponto de assim, de acordo com estatísticas, é possível
vista teórico ou contextual (ROTHER, 2007). obter grupos de riscos e áreas de alta,
Para facilitar o entendimento do tema proposto, intermediária e baixa endemicidade (UNAIDS,
foram utilizados também livros, diretrizes e 2022a; CHENG et al., 2021).
manuais para complementar a compreensão do Nesse sentido, a problemática imunológica
tema escolhido. que facilita a infecção por hepatite B em pessoas
Os critérios de inclusão foram: artigos nos com HIV, e sua eventual cronificação em
idiomas português, inglês e espanhol; aproximadamente 2,6 milhões de pessoas,
publicados entre 2013 e 2023 e que abordassem também propicia demais infecções oportunistas,
as temáticas propostas para esta pesquisa, que no ano de 2021 levou 650 mil portadores de
estudos do tipo revisão, disponibilizados na HIV à morte. Todavia, mesmo com taxas de
íntegra. Os critérios de exclusão foram: artigos novas infecções e mortes apresentando-se em
duplicados, disponibilizados na forma de queda nos últimos anos, os números ainda são
resumo, que não abordavam diretamente a superiores às metas esperadas pela UNAIDS,
proposta estudada e que não atendiam aos programa das Nações Unidas responsável pelo
demais critérios de inclusão. Foram utilizados monitoramento global da doença (UNAIDS,
para a escrita do trabalho 26 artigos, que foram 2022b).
submetidos à leitura minuciosa para a coleta de Tem-se demonstrado que a maioria dos
dados. Os resultados foram apresentados de pacientes com HIV ou AIDS possuem algum
forma descritiva, divididos em categorias marcador sorológico da hepatite B, eviden-
temáticas abordando: epidemiologia e fatores de ciando infecção atual ou antiga pelo HBV
risco, história natural e características clínicas, (SILVA & RODRIGUES, 2017). Esses pacien-
diagnóstico e tratamento. tes têm 5 a 6 vezes mais chances de se tornarem
portadores crônicos do HBV (OLIVEIRA et al.,
RESULTADOS E DISCUSSÃO 2014).
Epidemiologia e fatores de risco Os fatores de risco para infecção conco-
Em 2021, 38,4 milhões de pessoas em todo o mitante de HIV e HBV estão fortemente
mundo estavam infectadas com HIV, das quais relacionados à sobreposição das vias de trans-
10 a 28% possuíam coinfecção pelo vírus da missão dos agentes virais, sendo elas principal-
hepatite B (UNAIDS, 2022a; CHENG et al., mente: sexual, parenteral e vertical (SILVA &
2021). Estima-se que 4 mil pessoas sejam RODRIGUES, 2017).
infectadas todos os dias por HIV, sendo 1.100 De acordo com o Ministério da Saúde, a
jovens de 15 a 24 anos. Além disso, não há uma principal via de contaminação é através do
projeção otimista no controle infeccioso, visto contato sexual, tanto em mulheres (97,1%)
que a meta de novas infecções para 2025, de 370 quanto em homens (95,8%) (LIMA & COSTA,
mil casos, corresponde a apenas ⅓ do provável 2021). Dentre eles, cinco grupos são conside-
cenário deste ano (UNAIDS, 2022b). rados mais vulneráveis ao HIV, que, concomi-
As taxas de infecção por esses agentes, no tantemente, são os que mais carecem de acesso
aspecto geográfico, são reflexos de fatores adequado aos serviços de saúde. São eles:
homens que fazem sexo com homens,
206
profissionais do sexo, transgêneros, pessoas que O status de coinfecção entre os dois vírus é
injetam drogas e pessoas privadas de liberdade capaz de modificar a história natural das duas
ou prisioneiras (UNAIDS, 2022b). doenças de forma individual. Sobre a infecção
Outrossim, destacam-se ainda a transmissão com o vírus da hepatite B, o paciente tem maior
vertical, a qual pode ocorrer antes do nasci- chance de tornar a infecção crônica, apesar de
mento, de forma transplacentária (intrauterino), após a infecção, apresentar grande risco de
ou no momento do parto (perinatal), sendo a hepatite aguda. Por outro lado, em pacientes
última a mais comum, por isso, ressalta-se a vivendo com HIV, como mencionado anterior-
necessidade de atenção à gestação e ao mente, a presença do vírus da hepatite B está
puerpério. Também estão suscetíveis indivíduos associada com uma menor contagem de células
que compartilham seringas no uso de drogas T CD4+, pacientes com contagem de CD4+ <
injetáveis, sendo muitas vezes relacionado ao 50 células/mm3 são mais propensos a ter maior
uso de álcool, e profissionais da saúde por nível de replicação viral (HBV DNA > 200.000
negligência no uso de seringas e equipamentos IU/mL) do que aqueles com contagem mais alta
de proteção individual, já que estão expostos (THIO et al., 2014).
rotineiramente a possíveis contaminações no Pacientes que se recuperam espontaneamen-
ambiente hospitalar com fluidos de pacientes te da hepatite aguda causada pelo vírus da
infectados e lesões percutâneas (SANTOS et al., hepatite B possuem altas contagens de células T
2019). Mesmo possível, a via de infecção por CD4+ e CD8+, enquanto pacientes que
transfusão sanguínea tornou-se relativamente desenvolvem a doença na forma crônica
rara, sendo relatado menos de um caso a cada 2 possuem essa contagem baixa (SARMATI &
milhões de transfusões após a implementação da MALAGNINO, 2019). Mesmo que a
triagem para hepatite B e HIV nos bancos de recuperação após a hepatite aguda seja relacio-
sangue (SANTOS et al., 2017). nada à obtenção de proteção imune, uma pe-
Cabe ressaltar que a diversidade dos fatores quena quantidade de vírus ainda pode ser
de risco e aspectos epidemiológicos pode variar detectada. Essa viremia residual sugere que o
de acordo com período, região geográfica, vírus é controlado pela imunidade humoral e
comportamentos habituais e exposição da área celular, e, portanto, pode reemergir em períodos
estudada (SANTOS et al., 2017). de imunossupressão (ZALTRON et al., 2023).
A proteína HBeAg contribui para a
História natural e características clínicas tolerância imunológica e a persistência viral nos
A coinfecção entre o vírus da imunode- hepatócitos, além de ter sido demonstrado que
ficiência humana (HIV) e a hepatite B é comum diminui a resposta das células T ao nucleocap-
pela rota de transmissão dos dois vírus serem a sídeo intracelular. Dessa forma, impede a
mesma (ZALTRON et al., 2023). Em adição a eliminação de células infectadas pelo vírus da
isso, deve-se ressaltar a imunodeficiência como hepatite B por vias mediadas pelas células T
fator relevante para esse processo, uma vez que (SINGH et al., 2017). A reativação após
pacientes coinfectados têm menor contagem de soroconversão da hepatite B (com a perda de
células T CD4+ em comparação a pacientes anti-HBe e reaparecimento de HBeAg) ocorre
monoinfectados com HIV (CORCORRAN & com mais frequência em pacientes concomi-
KIM, 2023). tantemente comprometidos com a infecção pelo
HIV. Além disso, a reativação está associada
207
com a presença de malignidades hematológicas, Um dos principais contribuintes para esse
quimioterapia, corticoterapia e síndrome da aumento de risco é a alta prevalência de hepatite
imunodeficiência adquirida (AIDS) (SINGH et entre essa população. A presença de cirrose é o
al., 2017). principal fator de predisposição para o
O mecanismo pelo qual a infecção pelo HIV desenvolvimento do CHC, e a presença do HIV
acelera a progressão da hepatopatia causada acelera o seu surgimento. Além disso, outros
pelo vírus da hepatite B é multifatorial. elementos que podem levar ao desenvolvimento
Entretanto, fatores em potencial incluem a do CHC em indivíduos infectados pelo HIV
direta interação entre os vírus HIV e HBV em incluem uma maior prevalência de fatores de
células alvo como, por exemplo, os hepatócitos; risco conhecidos, como o consumo de álcool e a
a infecção direta pelo HIV em múltiplas células presença de esteato-hepatite não alcoólica
hepáticas; aumento da translocação bacteriana e (SINGH et al., 2017).
elevação de lipopolissacarídeos nas circulações Pacientes coinfectados HBV/HIV podem
portal e sistêmica, ativando assim as células de evoluir com “HBV oculto”, caracterizado por
Kupffer e as células estreladas hepáticas baixa carga viral de HBV-DNA e HBsAg não
(SARMATI & MALAGNINO, 2019). reagente (BRASIL, 2017), ou seja, podem
A coinfecção HBV/HIV está associada a um frequentemente apresentar HBV-DNA detec-
maior risco de cronificação do HBV, níveis tável. Em indivíduos HIV-positivos, essa
mais elevados de HBV-DNA, taxa de condição tem sido associada a um baixo número
clareamento de HBeAg mais lenta e com uma de linfócitos CD4-positivos, elevação de alanina
progressão acelerada da fibrose hepática e com aminotransferase (HBV) e doenças definidoras
maior risco para desenvolvimento de CHC, de AIDS mais frequentes (SARMATI &
cirrose e descompensação hepática. Ademais, a MALAGNINO, 2019).
presença de infecção oculta (presença de HBV- Consequentemente, a coinfecção pelo HBV
DNA detectável em indivíduos HBsAg não eleva o risco de mortalidade geral em 50% e em
reagente) é mais frequente em pessoas vivendo mais de três vezes as mortes relacionadas ao
com HIV/AIDS (PVHA) (até 10-45%) fígado em comparação com a mono-infecção
(BRASIL, 2022). A infecção ativa pelo HBV pelo HIV. Após a redução da mortalidade
afeta o status viroimunológico dos pacientes relacionada ao HIV pela disponibilidade da
coinfectados, caracterizado por uma contagem TARV, a mortalidade relacionada à hepatopatia
menor de linfócitos CD4+, fato que contribui emergiu como uma das principais causas de
também para progressão da fibrose hepática óbito em PVHA (BRASIL, 2022).
(SARMATI & MALAGNINO, 2019).
A doença hepática, particularmente o Diagnóstico
carcinoma hepatocelular, continua sendo uma Preconiza-se que todos os indivíduos
das principais causas de hospitalização de infectados pelo HIV sejam submetidos à
pacientes infectados pelo HIV. O risco de CHC triagem para VHB, tal como o contrário. Assim,
é de 5 a 6 vezes maior em pessoas vivendo com frente à suspeita por quadro clínico e para
HIV em comparação com a população geral, diagnóstico definitivo da coinfecção HIV/HBV
mesmo quando estão em tratamento antir- em geral, é crucial a realização de exames
retroviral (TARV). No entanto, o HIV não é complementares (CORCORRAN & KIM,
causa suficiente para a vigência do carcinoma. 2023).
208
Com a aprovação do primeiro teste diag- confirmação da infecção aguda pelo tipo 1 do
nóstico do HIV, em 1985, houve aprimoramento HIV; se negativo, os resultados das amostras são
através de novas gerações ao longo do tempo. considerados falsos positivos na triagem
Entretanto, a nomenclatura dessas está em (ALEXANDER, 2016).
processo de mudança, sendo que agora há Os exames associados à Hepatite B per si são
diferenciação pelo alvo analítico ao invés do os testes sorológicos específicos, também
número da geração em questão. Os ensaios de 1ª conhecidos como imunoensaios, e os testes
e 2ª geração, por exemplo, detectam apenas IgG, moleculares (PETTY et al., 2014; COR-
levando o nome de "sensíveis a IgG”; em que CORRAN & KIM, 2023).
anticorpos anti-HIV nas amostras coletadas dos Na presença da infecção pelo vírus B da
pacientes se ligam aos antígenos sintéticos ou hepatite, os ensaios imunoenzimáticos detectam
recombinantes. Ainda, complementava-se com antígenos (HBsAg e HBeAg) e anticorpos (anti-
o ensaio rápido especializado, com múltiplos HBc, anti-Hbe e anti-HBs) no soro dos
antígenos tanto de HIV-1 quanto de HIV-2, pacientes. O aparecimento e a duração desses
permitindo a diferenciação na presença de IgG. marcadores varia conforme a evolução da
Em seguida, desenvolveram os testes sensíveis doença. Juntamente a esses, complementa-se a
à IgM/IgG, associados à terceira geração, em investigação através dos testes moleculares,
que há redução do período da janela e o uso de capazes de qualificar e quantificar a viremia do
um segundo antígeno - método “sanduíche de HBV pelo DNA (PETTY et al., 2014; COR-
antígeno”. Por fim, surgiram os testes de CORRAN & KIM, 2023).
combinação de antígeno/anticorpo, antes Em primeira instância, recomenda-se a
chamados de 4ª geração, em que fundiram o testagem dos seguintes: HBsAg, anti-HBc e
teste IgM/IgG com a detecção do antígeno p24. anti-HBs; sendo que pacientes soropositivos
Hodiernamente, essa é a opção inicial para o com resultados negativos para VHB devem ser
diagnóstico frente à suspeita de paciente imunizados. Caso o teste dê positivo para
infectado pelo vírus da imunodeficiência HBsAg - primeiro marcador a aparecer -, reali-
humana (HURT et al., 2017). zar testes sorológicos HBeAg e anti-HBe, tal
O Centro de Controle e Prevenção de como o teste molecular para determinar o grau
Doenças (CDC - Centers for Disease Control de replicação do vírus (PETTY et al., 2014;
and Prevention, em inglês) propôs um algo- CORCORRAN & KIM, 2023).
ritmo para o diagnóstico de HIV. Em suma, Ademais, indivíduos HIV positivos com
consiste no teste de 4ª geração supracitado que, hepatite aguda pelo vírus B, quando com-
se positivo, é seguido de um procedimento para parados aos soronegativos para HIV, possuem
determinar quais anticorpos o paciente tem, maior probabilidade de se tornarem portadores
logo, diferenciando entre HIV-1 e HIV-2, ou crônicos do HBV, haja vista que há aumento da
mesmo confirmando presença de ambos replicação viral, menores taxas de sorocon-
(ALEXANDER, 2016). versão espontânea e, consequentemente,
Em casos de amostras repetidamente reativas aumento do risco de complicações tanto quanto
pelo primeiro teste, mas negativas ou inde- mortalidade. Assim, torna-se necessário o
terminadas no segundo procedimento de seguimento do paciente com a repetição dos
diferenciação, faz-se um ensaio de PCR testes. Se caso o antígeno HBsAg der positivo
qualitativo para o HIV-1 RNA. Se positivo, há em dois momentos com intervalo mínimo de
209
seis meses, confirma-se um processo infeccioso apresentações disponíveis no Sistema Único de
crônico por HBV (BRASIL, 2017; COR- Saúde (SUS) para o tratamento de PVHIV.
CORRAN & KIM, 2023). Nesses pacientes, Segundo o Ministério da Saúde, o início da
mostra-se ideal acompanhamento minucioso TARV deve ser iniciado logo após o diagnóstico
com realização de outros exames, como o do HIV, independente da presença de sintomas.
hemograma completo, tempo de protrombina e Os benefícios e riscos do tratamento devem ser
enzimas de função hepática. Além disso, para informados ao paciente, bem como o direito de
avaliar possível extensão da fibrose do fígado, escolha de adesão ou não ao tratamento. Com a
há monitoramento com elastografia hepática, inibição da multiplicação retroviral, a terapia
sendo que a biópsia é mais indicada em casos de administrada erroneamente pode tornar o vírus
discrepância das informações. Por fim, a resistente, além de piorar o estado clínico do
infecção crônica por HBV aumenta o risco de paciente. A boa adesão ao tratamento traz
carcinoma hepatocelular (CHC), validando o grandes benefícios individuais, como aumento
uso da ultrassonografia a cada seis meses e, à da disposição, da energia e do apetite,
critério do médico, a medição conjunta do nível ampliação da expectativa de vida e a diminuição
sérico da alfafetoproteína (AFP) - relação de chances de desenvolvimento de doenças
controversa na literatura (PETTY et al., 2014). oportunistas (BRASIL, 2018).
Há possibilidade, ainda, de um paciente A terapia inicial deve ser composta por três
coinfectado evoluir com HBsAg não reagente e antirretrovirais (ARV), sendo dois ITRN/
baixa carga viral do VHB-DNA. Nesses casos, ITRNt associados a uma outra classe de ARV
o Ministério da Saúde autoriza a realização em (ITRNN, IP/r ou INI). O esquema preferencial
regime semestral do teste molecular (BRASIL, para a população adulta iniciada no Brasil é a
2017). As hipóteses mais consolidadas até o associação de dois ITRN/ITRNt, sendo a
momento sobre o porquê há redução da lamivudina (3TC) e tenofovir (TDF),
sensibilidade dos exames em pacientes infec- associados ao inibidor de integrase (INI), o
tados pelo HIV quando comparados aos sorone- dolutegravir (DTG). Os esquemas podem ser
gativos baseiam-se tanto no aumento da modificáveis em casos de coinfecção TB-HIV,
incidência de pacientes soropositivos com MVHIV com possibilidade de engravidar e
hepatite B oculta quanto no uso de terapias gestantes (BRASIL, 2018).
antirretrovirais por parte dos mesmos Em pacientes com contraindicação ao
(EASTERBROOK et al., 2017). esquema TDF/3TC, o esquema alternativo é o
Por fim, vale ressaltar que tais exames são início de ABC/3TC. A maior complicação
fundamentais não somente para investigação, relacionada ao uso de ABC está associada às
mas também seguimento da coinfecção. reações de hipersensibilidade (RHS). O risco de
RHS está altamente associado à presença do
Tratamento alelo HLA-B*5701. Aproximadamente 50%
Em todo Brasil, a aquisição e distribuição dos pacientes positivos para o HLA-B*5701 em
dos medicamentos antirretrovirais utilizados uso ABC terão RHS. O teste HLA-B*5701 deve
para tratamento do HIV são de responsabilidade preceder o uso do ABC. O ABC não deve ser
exclusiva da rede pública de saúde (ALVES et administrado a pacientes que apresentem um
al. 2023). Atualmente há 22 medicamentos e 38 resultado positivo para HLA-B*5701 (BRASIL,
2018).
210
Além disso, os medicamentos antirretro- imunodeficiência humana (HIV) com o vírus da
virais, em geral, são passíveis de causarem hepatite B (HBV), o presente capítulo conside-
reações adversas e alterações metabólicas, rou que essa coexistência tem fator clínico
podendo levar à toxicidade hepática, que pode determinante e corrobora para pior prognóstico
variar desde elevação assintomática dos do paciente. Dessa forma, destaca-se a
marcadores bioquímicos até falência hepática importância do reconhecimento de seus fatores
grave. A hepatotoxicidade pode ser causada por de risco, suas características clínicas e seus
ação direta ou indireta de metabólitos presentes meios diagnósticos e terapêuticos.
no ARV, acarretando em agressão das células Ao ler o capítulo, entende-se que as ISTs são
hepáticas, elevando valores de marcadores um grave problema de saúde pública, com
bioquímicos, como aspartato amino transferase impacto socioeconômico significativo em todo
(AST) e/ou alanina amino transferase (ALT). o mundo. O HIV e o HBV são os principais
Outros exames que também podem ser usados agentes causadores de duas dessas infecções. O
para a análise de lesão hepática: fosfatase HIV é um retrovírus que se não tratado pode
alcalina, gama glutamil transferase, bilirrubina causar a AIDS, comprometendo o sistema
total, indireta e direta (BRASIL, 2018). imunológico e levando a infecções oportunistas.
Dessa forma, faz-se necessário o A Hepatite B é causada pelo HBV, afetando o
monitoramento e manejo de pacientes em fígado e frequentemente evoluindo para uma
tratamento com TARV, a fim de evitar a infecção crônica. A coinfecção de HIV e HBV
hepatotoxicidade, por meio da dosagem dos é comum e aumenta a morbimortalidade devido
marcadores bioquímicos antes do início do ao maior risco de doença hepática avançada e
tratamento medicamentoso e periodicamente carcinoma hepatocelular.
após o seu uso, além de realizar o rastreio Desta forma, é fundamental destacar a
quanto a doenças hepáticas preexistentes, como importância da triagem com o AgHBs/Anti-
infecções por hepatite B e C (BRASIL, 2018). HBc para todo paciente infectado pelo HIV,
Assim, é imprescindível a consideração dos assim como está indicada a solicitação do anti-
possíveis efeitos adversos, das comorbidades, HIV para todo paciente portador de HIV.
do uso de medicações simultâneas, da história Assim, é possível que uma terapia
prévia de intolerância ou hipersensibilidade aos antirretroviral adequada para ambos os vírus
medicamentos ao escolher a TARV (BRASIL, seja estabelecida precocemente, visando
2018). diminuir a morbimortalidade associada a essa
coinfecção.
CONCLUSÃO
Mediante o objetivo de revisar de forma
didática e integrativa a coinfecção do vírus da

211
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212
CAPÍTULO 22

MONITORAMENTO DE INFLUENZA
AVIÁRIA EM AVES SILVESTRES NO
BRASIL

MARIA SINARA DE MATOS SILVA¹


MARIA RUTH GONÇALVES DA PENHA1
HIURY ANTONIO SOUZA CRUZ1
LARISSA BRUNA DE OLIVEIRA SALES1
EDGARD HENRIKI DA SILVA LIMA1
KAILANE FRANÇA CARVALHO1
FÁBIO SOUZA ANANIAS OLIVEIRA1
JOÃO GUILHERME BEZERRA CAETANO1
MARIA SOCORRO VIEIRA DOS SANTOS2

1. Discente - Medicina Veterinária, Universidade Federal do Cariri - UFCA, Crato, Ceará.


2. Docente - Universidade Federal do Cariri – UFCA, Barbalha, Ceará, Brasil.

PALAVRAS-CHAVE
Aves silvestres; Brasil; Influenza A.

213
10.59290/978-65-6029-012-9.22
INTRODUÇÃO disponíveis nos bancos de dados da Biblioteca
O Brasil é uma porta de entrada de aves Virtual de Saúde, Public Medline e no Portal de
migratórias através da rota das Américas para o Periódicos CAPES, abrangendo o período de
Atlântico, possuindo dezoito sítios migratórios 2015 a 2023. Na pesquisa, foram utilizadas as
catalogados em diferentes estados no país, palavras-chave “avian influenza”, “Brazil”,
possibilitando uma disseminação mais ampla “wild birds”, “Influenza A” e “aves migratórias”.
(ICMBIO, 2016). No presente momento, todo o No cruzamento das palavras adotou-se a
território nacional encontra-se em emergência expressão booleana “AND” e "OR". Ademais, no
zoossanitária, medida instituída pela Portaria intuito de contextualizar melhor a temática
MAPA nº 587, de 22/05 após a confirmação de principal foram consultados sites oficiais do
cinco casos de influenza aviária, válida por 180 Ministério de Agricultura e Pecuária e
dias decorrente da detecção da variante de alta Abastecimento (MAPA) e do Instituto Chico
patogenicidade (H5N1) nesses casos (BRASIL, Mendes de Conservação e Biodiversidade
2023). (ICMBio) e a literatura cinzenta.
A influenza aviária (IA), zoonose de Os seguintes critérios de inclusão foram
notificação obrigatória à Organização Mundial adotados: (a) artigos publicados nos idiomas
de Saúde Animal (OMSA), é uma enfermidade inglês e português; (b) artigos completos,
infectocontagiosa viral aguda considerada de disponíveis gratuitamente e na íntegra; (c) que
grande relevância no contexto de saúde única, abordavam o tema central da pesquisa, com
pois acomete as aves e os mamíferos, inclusive o enfoque em aves silvestres. Como critérios de
homem (ARAÚJO, 2018; CASTRO- exclusão foram excluídos comentários, cartas ao
SANGUINETTI et al., 2022). O primeiro surto editor e aqueles que não abordavam o objeto de
do vírus de Influenza Aviária de Alta estudo da pesquisa.
Patogenicidade (IAAP, Highly Pathogenic Avian A busca foi realizada usando filtros para
Influenza – HPAI) foi identificado em 1880 no título, resumo e assunto. Cada artigo do banco de
norte da Itália em aves domésticas. Mais tarde, dados foi lido na íntegra e suas informações
em 1996, o vírus H5N1 foi identificado em aves foram dispostas em uma planilha, incluindo ano
aquáticas na China. Em 2003 e 2005, o vírus de publicação, autores, base de dados e revista ou
diversificou suas linhagens genéticas e cruzou jornal no qual foi publicado. Os dados foram
fronteiras, causando surtos generalizados em compilados no programa computacional Micro-
aves de capoeira na Ásia, África, Europa, Oriente soft Office Word e as informações analisadas
Médio e América do Norte (SIMANCA- correlacionando os parâmetros estudados. O
RACINES et al., 2023). processo de síntese dos dados foi realizado por
Neste contexto, o trabalho teve por objetivo meio de uma análise descritiva e quantitativa dos
apresentar os aspectos epidemiológicos e o estudos selecionados, sendo o produto da análise
controle da vigilância sanitária da influenza apresentado de forma dissertativa.
aviária em aves migratórias no Brasil.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
MÉTODO Etiologia
Foi realizada uma pesquisa de revisão de Os vírus influenza A, que incluem os vírus da
literatura através de publicações online influenza aviária (AIV), são membros da família

214
Orthomyxoviridae. Os subtipos de AIV ou nenhum sinal clínico nas aves, e IAAP, que
dependem dos antígenos hemaglutinina e neura- pode causar graves sinais clínicos e altas taxas de
minidase presente na superfície do vírus (Figura mortalidade (NOGUEIRA & PONCE, 2021;
22.1). Existem 16 subtipos de hemaglutinina SIMANCA-RACINES et al., 2023).
(HA) e nove subtipos de neuraminidase (NA) que A patogenicidade resulta do acúmulo de
foram isolados de aves aquáticas (NOGUEIRA múltiplos aminoácidos básicos no local de
& PONCE, 2021; SIMANCA-RACINES et al., clivagem do AH, permitindo que a molécula de
2023). AH se desenvolva fora do trato gastrointestinal e
estabeleça uma infecção sistêmica, causando um
Figura 22.1. Vírus da influenza aviária surto de IAAP que é caracterizado pelo rápido
início e pela progressão da doença associados a
altas taxas de mortalidade. Os subtipos H5 e H7
podem pertencer tanto a IAAP quanto à IABP,
enquanto os subtipos H1 a H4, H6 e H8 a H16
são exclusivamente IAPP. A notificação
obrigatória deve ser feita imediatamente à
Organização Mundial da Saúde Animal (OIE)
quando as cepas HPAI são identificadas
Fonte: NOGUEIRA & PONCE, 2021. (MONNE et al., 2014; EVEREST et al., 2021;
BRASIL, 2023).
Hurtado e Vanstreels (2016) reportaram que
os subtipos de HA mais frequentemente Características epidemiológicas
encontrados em aves migratórias foram H13 As aves aquáticas são os principais
(18,2%), H3 (14,5%) e H6 (12,7%), já os reservatórios de todos os subtipos virais da IA na
subtipos de NA mais comuns foram N2 (28,8%) natureza, sendo possíveis fontes de infecção e
e N9 (26,9%). Os subtipos H8, H14, H15 e H16 dispersão do vírus entre diferentes continentes a
e o subtipo N4 ainda não foram registrados em partir das rotas migratórias. Dessa forma, a
aves migratórias na América do Sul, epidemiologia e a dinâmica dessas infecções
provavelmente devido à sua raridade. Contudo, o virais estão intimamente relacionadas ao
atual cenário epidemiológico mostra a veiculação comportamento das aves aquáticas reservatório,
do subtipo H5N1 como a principal cepa incluindo sua alimentação, habitats e padrões
patogênica em todo mudo, sendo registrada a migratórios (VENKATESH et al., 2018;
ocorrência em países como Argentina, Bolívia, SHRINER & ROOT, 2020).
Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, A transmissão pode ocorrer de forma direta
Equador, Estados Unidos, Guatemala, Honduras, entre uma ave infectada e uma saudável a partir
México, Panamá, Peru, Uruguai e Venezuela, da via oro-fecal ou por fontes de água e
acometendo aves domésticas e silvestres, além de alimentação contaminados pelo vírus, como
mamiferos silvestres (OPAS, 2023). exemplo em sítios migratórios. A transmissão
O vírus de influenza pode ser classificado em zoonótica ocorre pela capacidade do vírus em
duas categorias: Influenza Aviária de Baixa atravessar a barreira entre as espécies por razões
Patogenicidade (IABP; Low Pathogenic Avian multifatoriais, como suscetibilidade do hospe-
Influenza – LPAI), que geralmente causa poucos deiro, nível de exposição a aves infectadas,
215
mutações virais e condições ambientais No Brasil, a primeira detecção foi feita em 15
favoráveis. O AIV consegue sobreviver em de maio de 2023, quando o Departamento de
baixas temperaturas (abaixo de 28 °C), por até Saúde Animal da Secretaria de Defesa
200 dias nos fluidos corporais de aves infectadas, Agropecuária do Ministério da Agricultura e
quatro dias nas fezes à temperatura corporal dos Pecuária (DSA/SDA/MAPA) notificou a OMSA
animais, 35 dias nas fezes a temperaturas a detecção do vírus da influenza aviária H5N1 de
inferiores a 4 °C e cerca de cinco semanas no alta patogenicidade nos municípios Marataízes-
ambiente do aviário infectado, além de sobre- ES e Vitória-ES, em três aves migratórias
viver em carcaças, carnes e ovos (REISCHAK, costeiras, sendo duas aves da espécie Thalasseus
2016; SIMANCA-RACINES et al., 2023). acuflavidus (trinta-réis de bando) e uma ave da
Recentemente, em países da América Latina, espécie Sula leucogaster (atobá-pardo).
foram identificados novos casos de influenza
aviária. Na Lagoa de Pozuelos, na Argentina, em Monitoramento
15 de fevereiro de 2023 ocorreu a primeira Todos os anos, milhões de aves migratórias de
detecção da influenza aviária (H5) em aves diferentes rotas aéreas norte-americanas
selvagens. No Chile, até 28 de fevereiro de 2023, convergem para locais de invernada no Brasil.
já havia sido detectada a presença de casos de Três grandes rotas migratórias de aves são
Influenza Aviária Altamente Patogênica (H5N1) reconhecidas nas Américas: a via aérea das
em 21 espécies de aves aquáticas. Em Cuba, no Américas do Pacífico, a rota aérea das Américas
dia 7 de fevereiro de 2023, foi informada a do Mississippi e a rota aérea das Américas do
detecção da influenza aviária (H5N1) em aves Atlântico (ARAÚJO et al., 2018). No Brasil são
silvestres pertencentes ao Zoológico de Havana. reconhecidas cinco rotas principais, sendo elas:
Na Costa Rica, no dia 24 de janeiro de 2023, (1) Rota Atlântica, (2) Rota Nordeste, (3) Rota do
foram relatados quatro novos casos de Gripe Brasil Central, (4) Rota Amazônia Central/
Aviária (H5) em Pelicanos Marrons. No Uruguai, Pantanal e (5) Rota Amazônia Ocidental
em 15 de fevereiro de 2023, foi identificado um (ICMBIO, 2016) (Figura 22.2).
surto de influenza aviária (H5) em cisnes de
pescoço negro (OPAS, 2023).

Figura 22.2. Mapa das principais rotas de aves migratórias no Brasil

Fonte: ICMBIO, 2016.

216
Os sítios migratórios ou sítios de invernada tração de Aves Migratórias no Brasil (2022), há
são as áreas preferenciais das aves migratórias 57 áreas de agregação em 19 estados, locais de
para pouso, alimentação, muda e ganho de peso ocorrência de espécies migratórias limícolas e
(HURTADO & VANSTREELS, 2016). De costeiro-oceânicas (Quadro 22.1).
acordo com o Relatório de Áreas de Concen-

Quadro 22.1. Áreas de concentração de aves migratórias no Brasil (2022)

Região Estado Áreas de concentração

Alagoas (AL) Pontal do Peba e ilha do Cabeço

Mangue Seco

Baía de Todos os Santos e Cacha-Prego

Baía de Camamu
Bahia (BA)
Barra Velha e ilha Coroa Vermelha

Corumbau

Ponta do Curral

Ilha Grande
Ceará (CE)
Região do Banco dos Cajuais

Reentrâncias Maranhenses

Região Nordeste Maranhão (MA) Baixada Maranhense


(22 áreas)
Praias de Raposo e Panaquatira

Paraíba (PB) Ilha da Restinga

Parque dos Manguezais


Pernambuco (PE)
Ilha da Coroa do Avião

Foz do rio Apodi-Mossoró e salinas de Areia Branca

Complexo Litorâneo da Bacia Potiguar


Rio Grande do Norte
(RN)
Lagoa de Guaraíras

Foz do rio Cunhaú

Estuário do rio Sergipe e praia de Atalaia

Sergipe (SE) Praias e manguezais do estuário do rio Vaza-Barris

Complexo estuarino dos rios Piauí, Fundo e Real

Praia do Goiabal
Região Norte
Amapá (AP)
(8 áreas)
Praias do Parque Nacional do Cabo Orange

217
Lagos e igarapés da Reserva Extrativista Catuá-Ipixuna

Lagos e igarapés da Reserva de Desenvolvimento


Sustentável Piagaçu-Purus
Amazonas (AM)
Rio Solimões e afluentes na Reserva de Desenvolvimento
Sustentável Mamirauá

Ilhas do Cumaru e do Papagaio

Pará (PA) Reentrâncias Paraenses

Tocantins (TO) Parque Estadual do Cantão

Ilhas dos municípios de Vila Velha, Guarapari e


Marataízes
Espírito Santo (ES)
Foz do rio Doce

Região Sudeste Rio de Janeiro (RJ) Região de Quissamã


(6 áreas)
Várzea e foz do rio Embu-Mirim

São Paulo (SP) Manguezais da baixada Santista

Arquipélago de Alcatrazes e ilhas costeiras do litoral


paulista

Chapada dos Guimarães


Região Centro-Oeste
Mato Grosso (MT) Rio Cuiabá-Sesc Pantanal
(3 áreas)
Estação Ecológica Taiamã e região

Parque Municipal Barigui

Parque Regional do Iguaçu e adjacências

Parque Nacional Marinho das Ilhas dos Currais, ilha da


Paraná (PR)
Figueira e ilhas Itacolomis

Nordeste dos Campos Gerais

Trecho inferior do rio Ivaí

Banhado do Maçarico
Região Sul
(18 áreas)
Estuário da laguna dos Patos

Reserva Biológica do Mato Grande e extremo sul do


canal São Gonçalo
Rio Grande do Sul
(RS) Banhado do Taim

Parque Nacional da Lagoa do Peixe

Praias do Litoral Médio

Banhado Capão da Areia

218
Margem oeste da lagoa Mirim

Municípios de Bocaina do Sul, Painel e Urupema

Coxilha Rica e Estância do Meio

Ilhas marinhas costeiras da Deserta (Reserva Biológica


Arvoredo), Moleques do Sul (Parque Estadual do
Santa Catarina (SC)
Tabuleiro) e ilhas Itacolomis

Foz do rio Tijucas

Praias entre a foz do rio Urussanga e a foz do rio


Araranguá
Fonte: ICMBIO, 2022.

Em virtude da vigilância do AIV em aves, notificações serão investigadas a campo, por


entre 2009 e 2012, no sítio migratório localizado parte do SVO, para confirmar ou não Influenza
no Parque Nacional da Lagoa do Peixe, no Rio Aviária e Doença de NewCastle. Se realmente
Grande do Sul, o gene AIV M foi detectado em forem caracterizadas como suspeitas, serão
3,96% das amostras de aves migratórias, colhidas amostras para diagnóstico laboratorial
principalmente gaiteiros-de-papo-branco (Cali- oficial, realizada investigação epidemiológica e
dris fuscicollis). Nesta amostragem, foram estabelecidas medidas de proteção a plantéis de
identificados os subtipos H2N2 (1), H6Nx (1), produção da região (BRASIL, 2022).
H6N1 (8), H9N2 (1) e H12N5 (1). Além disso, a
partir de análise de Inibição de Hemaglutinação CONCLUSÃO
(IH) foi verificado que os vírus H6N1 da Com base na presente revisão bibliográfica,
América do Sul e do Norte eram antigenicamente constata-se as aves aquáticas, principalmente
indistinguíveis (ARAÚJO et al., 2018). No migratórias, como principais reservatórios para o
período de 15 a 19 de maio de 2023, foram vírus da influenza aviária. Esta enfermidade
realizadas colheitas de amostras de 520 aves infectocontagiosa, de notificação obrigatória,
silvestres no Complexo Estuarino-lagunar de acomete aves e mamíferos, inclusive o homem.
Cananeia – Iguape – Ilha Comprida, com o A relação entre a disseminação do vírus e as aves
objetivo de verificar quadro de sintomatologia migratórias mostra-se como uma condição
compatível com a IAAP. epidemiológica relevante no Brasil. No país, são
A vigilância passiva em mortalidade registradas 57 áreas de concentração de aves
excepcional de aves silvestres possui como base migratórias, possíveis locais de transmissão entre
o pronto atendimento do Serviço Veterinário as aves, evidenciando a importância e necessi-
Oficial (SVO) e notificações feitas por qualquer dade do monitoramento do AIV no Brasil. Por-
pessoa que tenha conhecimento da ocorrência de tanto, é essencial conduzir estudos adicionais
mortalidade repentina nas aves de vida livre, para avaliar a suscetibilidade de infecções das
principalmente daquelas de áreas de concen- diversas espécies de aves migratórias, sua epide-
tração e rotas migratórias, de aves aquáticas ou miologia e as medidas de vigilância sanitária no
não, além de aves que habitam próximo a corpos país.
de água onde essas aves silvestres estejam. Essas

219
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Hypothesis in Medicine, v. 1, p. 62, 2016. Virology, v. 92, e00433-18, 2018.

220
Acidente 138 Imunossupressão 76
Angiostrongylus cantonensis 193 Incidência 117
Angiostrongylus costaricensis 193 Infecções por nematoides 193
Anticorpos antinucleares 23 Influenza A 214
Aranhas 138 Itraconazol 9
Atenção farmacêutica 66
Aves silvestres 214 Leishmaniose visceral 130

Brasil 214 Malária 161


Manejo 53
Caatinga 39 Medicina 150
Calcificações 1 Medicina tropical 161
Cistos 1 Micose sistêmica 9
Coeficiente de Gini 182 Mycobacterium tuberculosis 15, 66
Coinfecção 130, 205
Controle alternativo 39 Óbitos 30
Controle de doenças transmissíveis 171
Covid-19 30, 98 Paracoccidioidomicose 9
Crianças 107 Parasitose intestinal 107
Cuidados de enfermagem 107 Plasmodium 161
População 88
Dengue 171, 182 Prevalência 117
Dengue hemorrágica 182
SARS-CoV-2 23
Epidemiologia 23, 53, 138, 171 Saúde animal 39
Série temporal 98
Febre 150 Sífilis congênita 53, 98
Febre do Mediterrâneo 150 Síndrome da imunodeficiência adquirida 76
Fisiopatologia 15
Tratamento 1
Gestante 30 Tuberculose 66, 88
Tuberculose pulmonar 15
HBV 205
Hepatite 117 Vulnerabilidade 88
HIV 76, 130, 205

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