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ORGANIZADORES

GUILHERME BARROSO L. DE FREITAS


ROBERTA DA SILVA
Estudos em Ciências Forenses

Organizadores
Guilherme Barroso L. De Freitas
Roberta da Silva

2021
2021 by Editora Pasteur
Copyright © Editora Pasteur

Editor Chefe:

Dr Guilherme Barroso Langoni de Freitas

Corpo Editorial:

Dr. Alaércio Aparecido de Oliveira Dr Guilherme Barroso L de Freitas


Dra. Aldenora Maria X Rodrigues Dra. Hanan Khaled Sleiman
Bruna Milla Kaminski MSc. Juliane Cristina de A Paganini
Dr. Daniel Brustolin Ludwig Dr. Lucas Villas Boas Hoelz
Dr. Durinézio José de Almeida MSc. Lyslian Joelma Alves Moreira
Dr. Everton Dias D’Andréa Dra. Márcia Astrês Fernandes
Dr. Fábio Solon Tajra Dr. Otávio Luiz Gusso Maioli
Francisco Tiago dos S Silva Júnior Dr. Paulo Alex Bezerra Sales
Dra. Gabriela Dantas Carvalho MSc. Raul Sousa Andreza
Dr. Geison Eduardo Cambri Dra. Teresa Leal
MSc. Guilherme Augusto G. Martins

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Editora Pasteur, PR, Brasil)

FR862c FREITAS, Guilherme Barroso Langoni de.


Estudos em Ciências Forenses
/ Guilherme Barroso Langoni de Freitas - Irati: Pasteur, 2021.
1 livro digital; 183 p.; ed. I; il.

Modo de acesso: Internet


ISBN 978-65-867-0081-7
https://doi.org/10.29327/547247
1. Medicina 2. Ciências Forenses 3. Ciências da Saúde
I. Título.

CDD 610
CDU 601/618
PREFÁCIO

Este livro apresenta a produção científica de graduandos e


graduados de cursos da área da saúde que atuam direta ou
indiretamente com temas articulados às ciências forenses.
Essa produção demonstra o aumento do interesse dos
profissionais da saúde na área que tende a se consolidar por
meio de uma atuação interprofissional e intersetorial.
É clara a tendência e a necessidade de desenvolvimento da
ciência forense no Brasil, pois vivenciamos altas
prevalências e incidências de situações forenses das mais
diversas, que afetam negativamente a qualidade de vida da
população e impactam os sistemas de saúde, de assistência
social, de segurança pública e jurídico.
O fortalecimento da área forense deve se dá de forma
organizada e embasada em evidências científicas. Um livro
que objetiva demonstrar a produção científica da área da
saúde articulada a forense deve ser reconhecida e servir como
referência às outras áreas do conhecimento que juntas
possibilitam a atuação forense no Brasil.

Drª Rafaella Queiroga Souto


Enfermeira. Especialista em Enfermagem Forense.
Mestre em Saúde Pública. Doutora em Ciências da Saúde.
Pós-doutora em Enfermagem.
Professora efetiva do Departamento de Enfermagem em
Saúde Coletiva da Universidade Federal da Paraíba.
CAPÍTULO 01
MASSACRE DE SUZANO – REVISÃO DE LITERATURA PELA ÓPTICA DA
MEDICINA LEGAL ...................................................................................................... 1

CAPÍTULO 02
RELAÇÃO ENTRE CRIMES SEXUAIS E TRANSTORNOS MENTAIS NA
ÓPTICA DA PSIQUIATRIA FORENSE .................................................................. 9

CAPÍTULO 03
LEVANTAMENTO MORFOMÉTRICO DE OSSADAS HUMANAS..................18

CAPÍTULO 04
TRAUMA ANORRETAL EM VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DURANTE
A PANDEMIA DA COVID-19: RELATO DE CASO.................................................29

CAPÍTULO 05
A DOAÇÃO DE CORPOS PARA O ENSINO DA ANATOMIA HUMANA:
REVISÃO DE LITERATURA......................................................................................35

CAPÍTULO 06
UTILIZAÇÃO MORFOMETRICA DOS PONTOS NÁSIO, FRONTOZIGOMÁTICO
ORBITAL E FORA-ME INFRAORBITAL PARA DETERMINAÇÃO DO SEXO....40

CAPÍTULO 07
CIÊNCIA FORENSE: IDENTIFICAÇÃO DE PESSOAS DESAPARECIDAS E
OSSADAS ATRAVÉS DE TÉCNICAS MOLECULARES.........................................49

CAPÍTULO 08
PRÁTICAS AVANÇADAS E ENFERMAGEM FORENSE ALIADAS AO
COMBATE À VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA A MULHER.................................58

CAPÍTULO 09
MEDICAMENTOS UTILIZADOS PARA HOMICÍDIO POR ENVENENAMENTO
.......................................................................................................................................72

CAPÍTULO 10
ENFERMAGEM FORENSE NA EMERGÊNCIA HOSPITALAR COM FOCO NA
VIOLÊNCIA DOMÉSTI-CA: UMA REVISÃO NARRATIVA DA LITERATURA..82

CAPÍTULO 11
COCAÍNA: A NECESSIDADE CONTÍNUA DE ESTUDOS DOS TESTES RÁPIDOS
REAGENTES AOS ANALITOS DA DROGA............................................................93
CAPÍTULO 12
ATUAÇÃO DO ENFERMEIRO FORENSE FRENTE À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
.....................................................................................................................................107

CAPÍTULO 13
ATUAÇÃO DO ENFERMEIRO FORENSE NA COLETA E PRESERVAÇÃO DE
VESTIGIOS EM VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL..........................................121

CAPÍTULO 14
A MEDICINA LEGAL E A TAFONOMIA FORENSE.............................................130

CAPÍTULO 15
VIOLÊNCIA CONJUGAL ASSOCIADA A TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS:
ANÁLISE DE PRONTUÁ-RIOS................................................................................138

CAPÍTULO 16
EFEITOS DO “BOA NOITE CINDERELA”............................................................. 149

CAPÍTULO 17
CONHECIMENTO DO DIMORFISMO SEXUAL BASEADO EM ESTRUTURAS
ÓSSEAS......................................................................................................................161

CAPÍTULO 18
A UTILIZAÇÃO DE PLATAFORMAS DIGITAIS COMO VEÍCULO DE ENSINO À
ENFERMAGEM FORENSE......................................................................................173

CAPÍTULO 19
O ENSINO DA ENFERMAGEM FORENSE COMO APORTE DE GARANTIA NA
PRESERVAÇÃO DE VESTÍGIOS E COLETAS EM CENAS DE CRIME..............177

ÍNDICE REMISSIVO.............................................................................................. 183


Capítulo 1
Estudos em Ciências Forenses

CAPÍTULO 01
MASSACRE DE SUZANO –
REVISÃO DE LITERATURA
PELA ÓPTICA DA
MEDICINA LEGAL

BÁRBARA APARECIDA COSTA SANTOS¹


ISABELLA CALDEIRA DE SALES¹
LORENA GOMES MARTINS¹
JADER JOSÉ DOS SANTOS¹
MARIAH SILVA DUARTE¹
SÉRGIO RANDT BARBOSA¹
SOFIA FERREIRA PENA QUADROS¹

¹Discente – Medicina do Centro Universitário de Belo Horizonte – UNIBH – MG.

Palavras-chave: Massacre de Suzano; Violência Escolar; Medicina Legal.

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Capítulo 1
Estudos em Ciências Forenses

1. INTRODUÇÃO rou contra o outro, seguido de um tiro em si


mesmo. Os responsáveis pelo atentado foram
Massacre é o termo utilizado para designar os jovens Guilherme Taucci Monteiro e Luiz
eventos agressivos que resultam em mortes Enrique de Castro (17 e 25 anos, respectiva-
em massa de vítimas indefesas, que podem mente), que participavam de um fórum da
ocorrer por diversos motivos. Como exempli- Deep Web chamado “Dogolachan”, onde re-
ficação, o Massacre de Columbine, em 1999, cebiam orientações sobre o plano que vinha
foi um dos massacres de maior impacto nos sendo elaborado a mais de um ano e tinha
Estados Unidos da América (EUA), no qual como inspiração o Massacre de Columbine,
resultou na morte de 13 pessoas, além do sui- nos Estados Unidos (RABELO, 2020).
cídio dos dois atiradores. Tal atentado reflete Antes de chegarem à Escola, passaram em
a seriedade do ambiente escolar e leva a ques- um “lava-jato”, onde um dos autores do crime
tionamentos a respeito da prática de bullying trabalhava, e lá atiraram contra o tio do jovem,
e demais pautas que possam resultar em práti- que supostamente havia descoberto o plano
cas violentas nas escolas (COELHO et al., deles. Os atiradores, que portavam pistolas e
2019). Dentre os vários motivos que desper- armas brancas, iniciaram o ataque na escola
tam a fúria dos agressores para a realização de por volta das 9 horas e 40 minutos, e, após a
um massacre estão: conflitos de interesse, des- chegada dos policiais, se esconderam em um
conforto em salas de aula, docentes desprepa- corredor, onde Guilherme matou Luiz e em
rados, precariedade do ambiente físico, meto- seguida cometeu auto extermínio (BOTÃO et
dologia equivocada, entre outros. al., 2019). Apesar do porte de todos esses ins-
Nesse sentido, o bullying se destaca por trumentos, a perícia concluiu que apenas as
ser um ato de agressão física, moral ou psí- pistolas e o machado foram utilizados
quica, no qual um dos indivíduos se encontra (RIBEIRO et al., 2019).
em uma posição de poder mais favorecida em O presente estudo tem como objetivo rea-
relação ao outro, que geralmente não se en- lizar uma revisão de literatura a respeito do
caixa em um padrão bem aceito. São atitudes atentado escolar ocorrido em 2019, conhecido
que geram impacto relevante na vida das víti- como “Massacre de Suzano”. A partir disso,
mas, que movidos por revolta e sentimento de analisar os fatos ocorridos e os recursos utili-
vingança podem ser protagonistas de futuros zados pelos criminosos, a fim de descrever as
massacres no ambiente escolar prováveis lesões encontradas nos corpos das
(RODRIGUES, 2012). vítimas. Dessa forma, este estudo ressalta a
Nesse contexto, o chamado “Massacre de gravidade do bullying nas escolas e as devas-
Suzano” foi um atentado realizado por dois tadoras consequências que ele pode trazer.
ex-alunos da Escola Estadual Professor Raul Ressalta também a importância de uma boa
Brasil, em Suzano, São Paulo, no dia 13 de perícia médico-legal, para determinação das
março de 2019. O fatídico episódio resultou causas de morte, do modus operandi, da posi-
em oito mortes, sendo dois deles funcionários ção das vítimas com relação ao assassino e
do colégio e seis alunos (EVANGELISTA, quais foram os instrumentos utilizados ou não
2020). Além disso, ainda houve 11 vítimas fe- para realização do ato criminoso.
ridas, e posteriormente, um dos atiradores ati-

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Capítulo 1
Estudos em Ciências Forenses

2. MÉTODO providências para evitar e impedir esse tipo de


comportamento dentro das escolas.
Foi realizada uma revisão bibliográfica Motivados principalmente por isso, no
com base em livros-texto de Medicina Legal, caso analisado, os jovens utilizaram armas de
com ênfase no estudo da traumatologia e, es- fogo (pistolas calibre 38 mm), armas brancas
pecificamente, da balística. Além disso, foram – um machado, um arco e flecha, e uma besta
utilizadas reportagens em jornais brasileiros – e um coquetel molotov, como forma de vin-
de grande circulação e artigos científicos na gança e auto afirmação (RIBEIRO et al.,
base de dados Google Acadêmico utilizando 2019). Se os instrumentos forem analisados
os seguintes descritores: “Massacre de Su- um a um, será possível descrever os prováveis
zano” e “violência escolar”. Os critérios de in- efeitos de cada arma sob o ponto de vista mé-
clusão basearam-se na leitura analítica de seus dico legal no corpo das vítimas, além de clas-
resumos para que os artigos mais adequados sificar esse instrumento e a lesão por ele pro-
fossem selecionados. vocada.
As principais armas utilizadas foram as de
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO fogo, que são constituídas de um ou dois ca-
nos, parcialmente fechados na parte de trás -
Devido ao histórico de bullying vivido du- onde se coloca o projétil - e abertos na outra
rante o período escolar somado à instabilidade extremidade. A ejeção do projétil é causada
psicológica dos jovens Guilherme Taucci pela expansão dos gases na combustão da pól-
Monteiro (17) e Luiz Enrique de Castro (25), vora contida em seu interior. São disparados
ocorreu na Escola Estadual Professor Raul junto com ele os gases, a chama, a fumaça, os
Brasil, em Suzano - SP, um massacre, no dia grânulos de pólvora que não sofreram com-
13 de março de 2019 (EVANGELISTA, bustão e a bucha.
2020). Por definição, caracteriza-se como Todas as características de armas de fogo
massacre toda morte cruel de grande número fazem parte do estudo de balística na Medi-
de vítimas indefesas (COELHO et al., 2019). cina Legal. Elas têm classificação segundo
O bullying é considerado uma infração pe- suas dimensões, podendo ser portáteis, semi-
nal - e não um crime, visto que normalmente portáteis e não portáteis. Quanto ao local de
é praticado por jovens com menos de 18 anos recarga, pode ser antecarga ou retrocarga e
- previsto na Lei 13.185/2015 e reforçado pela quanto ao projétil, de acordo com seu tamanho
Lei 13.663/2018. Ambas o definem como atos ou sua massa. Existem também os tipos raiada
de violência física ou psicológica de forma in- e não raiada, o que significa ter ou não a pre-
tencional e repetitiva. Ocorre quando há inti- sença de raias - pequenas saliências encontra-
midação, humilhação, ataques físicos, insultos das na face interna do cano com a função de
pessoais, comentários sistemáticos ou apeli- criar um movimento rotacional no projétil
dos pejorativos, ameaças por quaisquer meios, para que ele tenha mais estabilidade e precisão
grafites depreciativos, expressões preconcei- (FRANÇA, 2008). Em Suzano, a arma utili-
tuosas, isolamento social consciente e preme- zada era uma portátil, retrocarga, projétil de
ditado ou pilhérias. O reforço na lei de 2018 38 mm, raiada e do tipo pistola (BOTÃO et
obriga que as instituições de ensino tomem al., 2019).

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Capítulo 1
Estudos em Ciências Forenses

É de interesse médico legal, também, o es- Figura 1.2 Zona de tatuagem


tudo do movimento dos projéteis, as forças en-
volvidas em sua impulsão, o trajeto e a traje-
tória, e seus efeitos finais. Há aspectos impor-
tantes na análise dessas características, pois, a
partir delas, é possível definir a causa mortis,
a distância dos disparos, o tipo de projéteis,
modelo da arma e danos causados no corpo da
vítima. São primeiramente consideradas ins-
trumentos perfuro-contundentes, devido à Fonte: ESTUDANDO PERÍCIA, 2016.

ação perfurante somada à alta energia com a


qual os projéteis são disparados. Há também alterações produzidas pela
O tio de Guilherme, Taucci Monteiro foi a elevada temperatura dos gases, como cresta-
primeira vítima do dia. Conforme reportagem, ção de pelos e cabelos (quebradiços ou entor-
levou três tiros, mas não foram informados da- tilhados), manifestações de queimadura sobre
dos quanto à distância dos disparos. Um dos a pele (apergaminhada) e zona de compressão
entrevistados afirma terem sido "à queima- dos gases (FRANÇA, 2008).
roupa" (RIBEIRO et al., 2019), portanto As duas primeiras vítimas da escola em
pode-se supor que se trata de tiros de curta (Fi- Suzano tinham lesões do tipo perfuro-contu-
gura 1.1) e média distância. Apresentariam, sas. Elas foram analisadas de acordo com os
portanto, forma arredondada ou elíptica com ferimentos de entrada, o trajeto e os ferimen-
diâmetro maior que o do projétil, orla de esco- tos de saída. A perícia concluiu que elas te-
riação, bordas invertidas, halo de enxugo, halo riam características de tiros à distância devido
ou zona de tatuagem (Figura 1.2), orla ou à presença de orifício de entrada com halo de
zona de esfumaçamento, zona de queimadura, enxugo, orla de escoriação, aréola equimótica,
aréola equimótica e zona de compressão dos diâmetro menor que o do projétil, formato ar-
gases. redondado, bordas reviradas para dentro e um
possível orifício de saída (FRANÇA, 2008).
Figura 1.1 Lesão por arma de fogo a curta dis- Além das lesões em si, a conclusão permite
tância. supor com mais exatidão sobre o modus ope-
randi do evento da escola: os atiradores não
conseguiram se aproximar, capturar ou render
nenhuma das vítimas (RIBEIRO et al., 2019).
A forma do ferimento de entrada em um
disparo de curta distância, devido à alta ener-
gia, é sempre maior que o diâmetro do projétil.
Quando disparado a distâncias maiores, de-
vido à energia dissipada e à complacência dos
tecidos, o ferimento de entrada tende a ser de
Fonte: ESTUDANDO PERÍCIA, 2016. diâmetro maior que o projétil. Quanto maior a
inclinação do tiro sobre o alvo, maior será o

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Capítulo 1
Estudos em Ciências Forenses

eixo longitudinal do ferimento provocado. A Apesar de não ter sido utilizada, as lesões cau-
orla de escoriação é formada devido ao arran- sadas por ela seriam perfuro-contusas (Figura
camento da epiderme motivado pelo movi- 1.3), devido à forma perfurante da extremi-
mento rotatório do projétil. As bordas inverti- dade das flechas combinado à alta energia
das são devido ao movimento de entrada do com as quais elas são atiradas. Devido à au-
projétil no tecido complacente (FRANÇA, sência de combustão e de todos os elementos
2008). dos projéteis de arma de fogo, a besta é instru-
O halo de enxugo é explicado pelo atrito e mento que causa lesões caracterizadas princi-
contusão dos tecidos na passagem do projétil. palmente por orifício de entrada com bordas
Em geral, é escura e o centro depende do ân- reviradas para dentro, profundidade da lesão e
gulo de incidência. irregularidade das bordas do ferimento
O halo ou zona de tatuagem tem forma (FRANÇA, 2008).
que depende também da incidência do tiro, da
distância e do tipo de munição. É o que per- Figura 1.3 Lesão perfuro-contusa
mite à perícia quanto à posição da vítima e do
agressor.
A zona de esfumaçamento é decorrente do
depósito deixado pela fuligem de pólvora
combusta. A diferenciação entre zona de esfu-
maçamento e a zona de tatuagem é o fato da
primeira ser removível com água no momento
de higienização do corpo (FRANÇA, 2008).
Fonte: ESTUDANDO PERÍCIA, 2016.
Zona de queimadura é consequência da
ação superaquecida dos gases liberados com o
Outras duas armas que os autores porta-
disparo. Em regiões com pelos, há um cha-
vam foram o machado e o arco e flecha
muscamento deixando-os quebradiços. Essa
(RIBEIRO et al., 2019). É um instrumento
reação fala sempre em favor do orifício de en-
corto-contundente, que causa lesões corto-
trada em deflagração à queima-roupa. A aré-
contusas (Figura 1.4).
ola equimótica é superficial e difusa, ocorre
por causa da destruição dos vasos sanguíneos Figura 1.4 Lesão corto-contusa
no entorno da lesão. É vista próxima ao orifí-
cio de entrada do projétil na pele. Por último,
a zona de compressão de gases (presente ape-
nas in vivo) é uma depressão na pele causada
pela ação mecânica da compressão dos gases
Fonte: SUTURA, 2017.
também liberados no disparo do projétil
(FRANÇA, 2008).
Isso porque a foice do machado é
Outra arma presente no episódio do mas-
constituída por uma lâmina com capacidade
sacre foi a besta. Ela também é instrumento
cortante e deslizante, ao mesmo tempo que
pérfuro-contundente, mas tem mecanismo de
sua massa e energia associada no momento da
funcionamento diferente da arma de fogo.

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Capítulo 1
Estudos em Ciências Forenses

agressão fazem dela um instrumento de ação grau caracteriza-se por flictenas ou vesículas
contundente. O aspecto da lesão é de forma cheias de líquido amarelo-claro. Quando rom-
diversificada, comumente graves, profundas e pido, deixa a derme desnuda e, por ação do ar,
capazes de provocar fraturas. Nesse tipo de ressecada e com aspecto apergaminhado. O
lesão não há pontes de tecido íntegro entre terceiro grau incide até planos musculares e é
bordas de ferida e nem cauda de escoriação - caracterizada por coagulação necrótica de te-
característico de lesões cortantes (FRANÇA, cidos moles. Passado algum tempo, eles são
2008). substituídos por outros tecidos de granulação
Os autores também portavam um arsenal formados por cicatrizes de segunda intenção.
preparado com coquetel molotov, uma mis- Finalmente, o quarto grau é o mais destrutivo
tura inflamável que pode ser composta por ga- e inclui carbonização de tecido ósseo, po-
solina, álcool, ácido sulfúrico, éter etílico, en- dendo ser locais ou generalizados - o último
tre outros. É armazenado em recipiente de vi- denominado carbonização, que reduz volume
dro com um pavio embebido no líquido, capaz corporal por condensação de tecidos e, no
de gerar pequenas explosões quando é quei- caso de cadáveres, faz com que tomem posi-
mado. Essa arma não foi utilizada, mas es- ção de lutador.
pera-se que cause lesões de queimadura e con- Dados em fontes de livre acesso, utilizadas
tusões, a depender da proximidade do local de na pesquisa para elaboração do presente ar-
explosão devido à alta energia dos gases no tigo, não permitem descrever com exatidão
momento da combustão. quais são as características específicas de cada
As queimaduras são lesões causadas por lesão nas vítimas do Massacre de Suzano, mas
agente físico, no caso o calor direto. Causa de o estudo da traumatologia nos permite descre-
destruição de tecido e são classificadas, na ver o que se espera encontrar de acordo com
medicina legal, de acordo com a profundidade os instrumentos utilizados, os meios lesivos
do tecido lesionado - diferentemente da clas- desses instrumentos e os efeitos comumente
sificação clínica, que leva em consideração a provocados esperados no corpo por cada uma
área corporal afetada. A lesão contusa é pro- delas.
vocada pela alta energia dos gases na explosão
e suas consequências dependem da proximi- 4. CONCLUSÃO
dade entre a vítima e a explosão. Esse tipo de
instrumento age por pressão, explosão - como O Massacre ocorrido na cidade de Suzano,
no caso analisado - deslizamento, compres- em São Paulo, no ano de 2019, protagonizado
são, descompressão, distensão, torção, contra- por 2 ex-alunos, o qual resultou em 10 mortes
golpe ou misto. O aspecto é o mais variado, e alguns feridos, é mais um exemplo da vio-
podendo apresentar escoriação, equimose, he- lência escolar que pode ser desencadeada por
matoma, bossa, luxação, entorse, fraturas ou diversos fatores, dentre eles, o bullying.
rupturas viscerais (FRANÇA, 2008). Os agressores portavam pistolas calibre 38
Seriam classificados de acordo com a clas- mm, as quais, sobre a óptica da Medicina Le-
sificação de Hoffmann, que divide a lesão em gal, causam lesões caracterizadas como per-
quatro graus: o primeiro limita-se a eritemas e furo-contundentes. Também utilizaram um
não são visíveis em cadáveres. O segundo machado, que resulta em lesões corto-contun-

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Capítulo 1
Estudos em Ciências Forenses

dentes. Além da besta, que causa uma lesão tas acima, o que permite a confecção do laudo
perfuro-contundente de aspecto diferente da pericial por parte do profissional responsável.
arma de fogo devido ao seu mecanismo, e do Por fim, é de extrema importância a análise
coquetel molotov, que geraria lesões provoca- dos diferentes tipos de lesão, assim como suas
das por meio físico (calor direto), causando características de tamanho, profundidade, en-
queimaduras, e poderia - a depender de diver- tre outros, para avaliação da gravidade e dos
sos fatores - também gerar ferimentos do tipo efeitos de tais objetos no corpo humano pela
contuso, apesar de ambos não terem sido uti- óptica da medicina legal, pois permite a reso-
lizados durante o atentado. lução de aspectos jurídicos de diversos cri-
A análise pericial é feita de acordo com as mes, além de revelar os fatos ocorridos
características de cada lesão, algumas descri- mesmo após a morte da vítima.

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Capítulo 1
Estudos em Ciências Forenses

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOTÃO, A.C. et al. O Massacre de Suzano e a Cobertura RABELO, J.P.A.C. A cobertura da tragédia de Su-
Jornalística Nacional: uma Análise Baseada na Teoria da zano: entre humanização e sensacionalismo. 2019.
Espiral do Silêncio. Intercom - Sociedade Brasileira de 175f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em
Estudos Interdisciplinares da Comunicação, 2019. Dis- Jornalismo) - Universidade Federal de Uberlândia, Uber-
ponível em: https://portalintercom.org.br/anais/sul2019 lândia, 2020.
/resumos/R65-0402-1.pdf. Acesso em: 23 out. 2020.
RIBEIRO, R. et al. Assassinos planejaram massacre em
COELHO, M.D. et al. Uma breve reflexão sobre a vio- escola de Suzano por mais de um ano, aponta investiga-
lência nos ambientes escolares sob um olhar interdisci- ção: Polícia investiga possibilidade de Guilherme Mon-
plinar. Revista Transformar, v. 13, p. 1, 2019. teiro e Luiz Castro terem participado de fórum em rede
obscura da internet onde pessoas planejam crimes. Na
ESTUDANDO PERÍCIA. Lesões Causadas por Instru- quarta, eles mataram 8 pessoas e depois se mataram. G1,
mentos Perfuro-Contundentes. 2016a. Disponível em: São Paulo / SP, p. 1, 14 mar. 2019. Disponível em:
https://estudandopericia.wordpress.com/2016/12/20/le- https://g1.globo.com/sp/mogi-das-cruzes-suzano /noticia
soes-causadas-por-instrumentos-pefuro-contundentes/. /2019/03/14/assassinos-planejaram-massacre-em-es-
Acesso em: 23 out. 2020. cola-de-suzano-por-1-ano-e-meio-aponta-investiga-
cao.html. Acesso em: 13 nov. 2020.
EVANGELISTA, J.I.S. Massacre em Suzano: análise
da cobertura jornalística no programa Brasil Ur- RODRIGUES, G.C. O bullying nas escolas e o horror a
gente. 2019. 63f. Trabalho de Conclusão de Curso (Gra- massacres pontuais. Ponto-e-Vírgula: Revista de Ciên-
duação em Jornalismo) – Universidade Federal de Uber- cias Sociais, p. 10, 2012.
lândia, Uberlândia, 2020.
SUTURA. Feridas: tudo o que você precisa saber!. 2017.
FRANÇA, G.V. Medicina Legal. 8ª ed., Rio de Janeiro: Disponível em: <https://sutura.com.br/ feridas-tudo-o-
Guanabara Koogan, 2008. que-você-precisa-saber/>. Acesso em: 23 out. 202

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Capítulo 2
Estudos em Ciências Forenses

CAPÍTULO 02

RELAÇÃO ENTRE CRIMES


SEXUAIS E TRANSTORNOS
MENTAIS NA ÓPTICA DA
PSIQUIATRIA FORENSE

ALINE DUAILIBE MENDONÇA FELIX¹


ANDRESSA FERNANDA DOS SANTOS MELO OLIVEIRA¹
BEATRIZ BARROZO GONZALEZ OLIVEIRA¹
BRUNA GONÇALVES DANTAS DE ALMEIDA¹
EMANUELY GOMES DE PÁDUA SÁ¹
IZABELY LIMA ASSUNÇÃO¹
NATÁLIA MURAD SCHMITT¹
VALDEMIRO FREITAS NETO¹

¹Discente – Medicina da Universidade Uniceuma

Palavras-chave: Crimes Sexuais; Transtornos Mentais; Psiquiatria Forense.

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Capítulo 2
Estudos em Ciências Forenses

1. INTRODUÇÃO nitiva como os transtornos psiquiátricos rela-


cionados aos casos de crimes sexuais. Com-
No que tange ao estudo sexualidade preendendo, assim, o abuso sexual como um
humana, diversas áreas do conhecimento relevante problema de saúde pública além de
mostram-se interessadas e curiosas, desde às um problema social (JASCKSTET, 2015).
ciências sociais e humanas às ciências Diante disso, é importante entender que o
médicas. Visto que a sexualidade não se limita papel da psiquiatria forense consiste na avali-
aos aspectos físicos e biológicos do corpo e ação do comportamento humano diante de cri-
acompanha o ser humano desde sua infância mes cometidos por portadores de transtornos
até a morte (FREUD, 2006). de personalidade e psicopatas. Essa especiali-
Nesse contexto, a 5ª edição do Manual di- dade é o elo entre a medicina e o judiciário, no
agnóstico de Estatístico de Transtornos Men- âmbito dos desvios de personalidade e outros
tais (DSM-5) classifica os interesses sexuais transtornos mentais que levam ao delito. A li-
entre normofílicos e parafílicos. Os primeiros gação aumenta a eficácia do andamento e da
correspondem aos interesses com parceiros conclusão processual, seguindo a lei, os direi-
humanos, que apresentam fenótipo normal e tos humanos e com respaldo na aplicação das
maturidade física, em carícias ou estimulação sanções possíveis (SOUSA, 2018). O objetivo
genital consentidas. Já os parafílicos podem do trabalho foi relacionar crimes sexuais e os
ser classificados em parafilia, na qual o inte- transtornos mentais na óptica da psiquiatria
resse é recorrente, igual ou mais intenso que o forense.
normofílico, mas que não causa sofrimento ou
prejuízo aos envolvidos. Na última classifica- 2. MÉTODO
ção, enquadra-se os transtornos parafílicos,
esses que causam sofrimento, prejuízo, ou Intitula-se uma revisão integrativa, na qual
ainda quando não há consentimento de uma foram utilizadas as seguintes plataformas
das partes envolvidas no ato sexual como base de dados para pesquisa dos artigos
(AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATI- científicos: PubMed, LILACS, Scientific Ele-
ON, 2013). tronic Library On-line (SciELO), Cochrane
Dessa forma, a existência de desordens no Library e Google Scholar. Sendo utilizados
comportamento sexual pode levar a casos di- artigos publicados entre 2015-2021, nas lín-
versos de crimes contra a dignidade sexual. guas portuguesa e inglesa, que abordavam o
Esses são caracterizados, segundo o Código tema: “Relação entre crimes sexuais e trans-
Penal Brasileiro, como crimes contra a liber- tornos mentais na óptica da psiquiatria fo-
dade sexual (estupro, violação e assédio) e cri- rense”.
mes contra vulnerável (corrupção de menores Os descritores utilizados na pesquisa se-
e exploração sexual), Decreto-Lei 2.848/19 guiram o DeCs (Descritores em Saúde): "cri-
84). mes sexuais", "transtornos mentais" e "psiqui-
Essas desordens, parte das vezes, são ad- atria forense".
vindas de transtornos mentais que ultrapassam Com isso, de posse do material bibliográ-
a parafilia. Durante a pesquisa foram citados, fico, fora realizada leitura exploratória; leitura
principalmente, esquizofrenia, transtorno bi- seletiva, selecionando as obras que farão parte
polar, deficiência intelectual e distorção cog- da pesquisa; leitura analítica, analisando os
textos e leitura interpretativa, buscando-se se-
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Capítulo 2
Estudos em Ciências Forenses

lecionar a obra com o objeto de estudo do tra- A parafilia é classificada como distúrbio
balho. Nesse sentido, foram criadas tabelas, de desenvolvimento de uma identidade se-
de forma a identificar as obras e ordenar o xual, tendo como principais características o
conteúdo. Posteriormente, realizou-se a revi- impulso de agir para satisfazer seus desejos
são dos estudos já existentes, destacando os sexuais, a preocupação erótica ativa e a dis-
assuntos de maior relevância para a realização função sexual. Um exemplo de parafilia é a
do trabalho. pedofilia, um transtorno no qual um adulto
Nesta revisão integrativa, os critérios de que tem práticas sexuais com uma criança de
exclusão utilizados foram: resumos em even- idade igual ou inferior a 13 anos, incluindo fe-
tos, editoriais, revisões de literatura, artigos tichismo, voyeurismo e masoquismo.
que não cumpriam os critérios de inclusão su- Para diagnóstico desse quadro será neces-
pracitados e artigos duplicados. Os critérios sário, apenas, as fantasias ou desejos sexuais
de inclusão foram: artigos publicados entre em relação a crianças. Vale ressaltar, que o
2015-2021 e que abordam os temas dos des- abusador sexual de crianças não se encaixa
critores já destacados, Tabela 2.1. como pedófilo, pois ele não apresenta pertur-
bação psicótica ou encaixe no quadro clínico.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Geralmente os pedófilos se demonstram como
indivíduos de baixo nível de inteligência, com
A violência sexual apresenta um conceito escolaridade baixa e dependentes, apresen-
multidimensional, sendo o mais aceito o de tando comportamento passivo, mentiroso e ar-
qualquer ato sexual forçado pelo agressor sem giloso para guiar a criança até ele, enquanto
o consentimento da vítima. Esse tipo de vio- que os abusadores apresentam nível de inteli-
lência deixa marcas profundas na saúde física gência normal (considerando a população em
e psicológica da vítima. A maioria dos atos se- geral), escolaridade alta, perturbação de per-
xuais criminosos não apresenta transtornos sonalidade, preferência a isolamento social e
psiquiátricos, mas um número importante de- existência de outros transtornos, como esqui-
les foi diagnosticado com algum tipo de trans- zofrenia, depressão, hipocondria, etc.
torno de personalidade, distúrbios de humor, (VERÓNICO, 2015).
comportamento sexual compulsivo e até Com o aumento da preocupação com as
mesmo abuso de substância. No Brasil foi de- consequências psíquicas da vítima e seus di-
tectada uma precária classificação científica reitos como cidadã, a psiquiatria forense bus-
de quem são esses indivíduos por trás dos cri- cou, nos últimos anos, desenvolver métodos
mes sexuais, sendo uma área dominada pelo eficazes de classificação desse indivíduo. Ela
sensacionalismo da mídia e publicações avul- busca, portanto, classificar a função psicoló-
sas na internet sem aval científico gica e comportamental do agressor, focando
(VALENÇA et al., 2015). no grau de subordinação dele ao transtorno.

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Estudos em Ciências Forenses

Tabela 2.1 Artigos que abordam a relação entre transtornos mentais e psiquiatria forense

Autor, ano Título Objetivo Observações

Esclarecer como se dá a percepção, o diagnós-


No estudo, foi destacado casos de crimes sexuais pratica-
tico, o tratamento e a análise psiquiátrica da-
Direito e psiquiatria forense: um estudo dos contra crianças na psiquiatria forense, o foco foi cor-
JASCKSTET, quele que comete o delito, dentro da perspec-
sobre os crimes sexuais praticados con- relacionar o direito com estes casos psiquiátricos compre-
2015 tiva da Psiquiatria Forense, vez que necessário
tra crianças endendo o papel dessas duas áreas no combate a delitos
ao atendimento do propósito da pena no âmbito
sexuais contra crianças.
do Direito.

Caracterizar uma amostra de agressores sexuais


do norte de Portugal com o intuito de verificar
O estudo feito em Portugal, proveu caracterizar o agressor
se os agressores sexuais apresentam perturba-
sexual obtendo informações como idade, profissão, estado
VERÓNICO, Agressores sexuais: caracterização de ção mental diagnosticada e se o perfil encon-
civil e relação de proximidade com a vítima, para melho-
2015 uma amostra portuguesa trado nos agressores sexuais se enquadra na
rar a compreensão sobre os criminosos sexuais e desen-
classificação encontrada na literatura, bem
volver planos de intervenção.
como conhecer a relação de proximidade exis-
tente entre a vítima e o agressor.

Nesse estudo, feito por psiquiatras em indivíduos acusa-


Investigar as características sociodemográfi-
dos de terem cometido crimes sexuais e encaminhados
cas, correlatos clínicos, características do com-
para o hospital forense do Estado do Rio de Janeiro, foi
VALENÇA A forensic-psychiatric study of sexual portamento criminoso e o nível de responsabi-
constatado que as características principais dos agressores
et al., 2015 offenders in Rio de Janeiro, Brazil lidade penal dos agressores sexuais encaminha-
submetidos a avaliação psiquiátrica foi: homem, branco,
dos para avaliação psiquiátrica forense na ci-
trabalha meio período, nega responsabilidade na agressão
dade do Rio de Janeiro, Brasil.
e transtorno mental.

Identificar os fatores de risco para uma possível O estudo foca na avaliação probabilística de agressores
DIAS & Psicologia forense: uma análise teórica
intervenção, para evitar que esse agressor volte sexuais retornarem aos atos criminosos após saída do re-
ROCHA, da avaliação de risco de reincidência
a cometer a agressão em seu retorno à socie- gime carcerário, como forma de evitar a reincidência e
2016 com agressores sexuais
dade. identificar os fatores de risco para isto.

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Capítulo 2
Estudos em Ciências Forenses

Estudo Psiquiátrico-Forense de uma po-


Os estudos produzidos nos artigos concluíram que grande
pulação de indivíduos cumprindo me- Estudar a relação entre transtornos mentais e
JÚNIOR, parte dos indivíduos em medida de segurança no Rio de
dida de segurança em hospitais de cus- comportamento violento de indivíduos em me-
2016 Janeiro possuem problemas psíquicos relacionados a com-
tódia e tratamento no Estado do Rio de dida de segurança Estado do Rio de Janeiro.
portamentos violentos como crimes sexuais.
Janeiro por comportamento violento

Conhecer as representações sociais de abuso O estudo proveu buscar a compreensão do olhar do agres-
sexual para o agressor sexual de crianças e ana- sor em relação ao crime cometido, foi realizado em uma
SILVA, O olhar do agressor sexual sobre o abuso
lisar como essas representações influenciam no penitenciária estadual e concluiu que esses indivíduos não
2016 sexual infantil
seu posicionamento em relação ao ato abusivo percebem como ilícito e imoral é o crime que praticaram
cometido. e muitos optam em não assumir o ato.

Nesse estudo, foi constatado, através do estudo com 281


Aspectos de la distorsión cognitiva de Caracterizar a ocorrência de distorção cogni-
SILVA, presos por crimes sexuais em vulneráveis no complexo
agressores sexuales de niños reclusos en tiva e comportamental antissocial nos presos
2017 penitenciário de Brasília, que 90% deles demonstravam
la cárcel por crimes sexuais em crianças.
distorção cognitiva.

Pedofilia história de vida e o retorno Investigar a história de vida e o retorno para as O estudo mostrou que muitos homens cumprindo medida
MARAFIGA
para a família por meio de alta progres- famílias, por meio da Alta progressiva, de pa- de segurança em Hospitais de custódia por crimes sexuais
et al., 2017
siva cientes diagnosticados como pedófilos. possuíam o transtorno pedofílico.

Associações entre reações contra trans- Examinar as associações entre sentimentos


A tese por meio de um estudo, que foi conduzido por 56
ferenciais desencadeadas por agressores contra transferenciais desencadeados por cri-
BARROS, psiquiatras e psicólogos forenses brasileiros, constatou a
sexuais, mecanismos de defesa e trauma minosos sexuais, mecanismos de defesa e ma-
2018 correlação entre sentimentos de indiferença, trauma vicá-
vicário em psiquiatras e psicólogos fo- nifestações do trauma vicário em psiquiatras e
rio e mecanismos de defesa em criminosos sexuais.
renses psicólogos forenses.

O estudo propôs averiguar literatura sobre a avaliação psi-


Trazer à tona a situação atual da avaliação psi-
CARDOSO, Avaliação psicológica de agressores se- cológica clínica forense focando em agressores sexuais no
cológica no contexto forense brasileiro, com o
2020 xuais no contexto brasileiro Brasil, como resultados obteve escassez de pesquisas
foco nos “agressores sexuais”.
acerca do tema.

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Capítulo 2
Estudos em Ciências Forenses

Destaca-se nessa discussão, se a parafilia não volte a cometer crimes. Os testes mais uti-
provoca turvação de consciência ou de noção lizados para estimar o risco são:
da realidade, além de determinar se há auto-
controle ou o impulso já se tornou muito mar- • SVR-20: com 20 itens de scores 0 a 2
cante. É importante, também, buscar nele se em escala, sendo a única avaliação de
há intenção de não praticar o ato, luta interna risco para violência sexual. Uma boa
e respeito à lei e ao outro, como forma de en- pontuação final não é o único quesito
tender melhor como o transtorno se manifesta para a liberação do indivíduo, sendo
nesse indivíduo (JASCKSTET, 2015). usadas apenas como guia do avaliador,
Nessa posição de abusador é comum en- o qual foca nos pontos mais importantes
contrar pacientes com diagnósticos de esqui- de cada caso. Irá avaliar o desvio sexual,
zofrenia e psicose, os quais apresentam altera- vítimas de abuso infantil, psicopatias,
ção na percepção do ambiente em que estão, doenças mentais importantes, proble-
ou se encontram em ambiente violento. É im- mas de relacionamento, problemas com
portante avaliar a existência de fatores como emprego, agressões anteriores violentas
idade, gênero, status socioeconômico, meio- não sexuais, agressões anteriores não vi-
ambiente, criminalidade prévia, assim como olentas, fracasso em supervisão ante-
abuso de substâncias e uso regular de medica- rior, agressão sexuais de alta densidade,
mentos. A grande parte desses pacientes pode tipos de agressão sexuais múltiplas, da-
vir a cometer esses atos violentos devido à au- nos físicos às vítimas, uso de armas ou
sência do tratamento, consequência do ameaças de morte, intensificação de fre-
mesmo, podendo resultar em uma cadeia de quência ou gravidade, minimização ex-
violências, principalmente no âmbito familiar. trema ou negação, atitudes que apoiam
Observa-se que indivíduos diagnosticados ou admitem agressões sexuais, ausência
com esquizofrenia e retardo mental, que sofre- de planos realistas, atitudes negativas
ram experiências negativas precoces, como em relação às intervenções (DIAS &
abuso sexual, podem a vir a mimicar esse ROCHA, 2016).
comportamento na vida adulta. Apesar da • SORAG: é outra abordagem de avalia-
existente relação entre transtornos mentais e ção muito usada para analisar o risco de
atos violentos, a conduta criminosa também agressões sexuais, podendo ser classifi-
está associada a aspectos socioculturais e es- cadas em nove categorias. Irá conter 14
ses indivíduos são mais vulneráveis à essas itens que devem ser examinados, sendo
variantes. Não é necessário, portanto, um tra- eles o Escore do Psychopathy Checklist-
tamento de melhor qualidade para esses trans- Revised (PCL-R); Desadaptação na es-
tornos mentais, mas sim dar atenção para o ato cola elementar; Diagnóstico no DSM-
criminoso e seu contexto como um todo III de transtorno de personalidade; Idade
(JÚNIOR, 2016). quando da agressão; Viveu com ambos
Por fim, é importante avaliar o risco de os pais aos 16 anos; Fracasso na libera-
reincidência, analisando a existência dos fato- ção condicional anterior; Escore de
res de risco ligados ao comportamento crimi- agressão anterior; Escore de agressão
nal, sexualidade e impulsos desviantes. Esse não violenta; Estado civil; Diagnóstico
tipo de avaliação objetiva identificar o risco e no DSM-III de esquizofrenia; Escore de
intervir rapidamente para que esse agressor agressão violenta; História de abuso de

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Capítulo 2
Estudos em Ciências Forenses

álcool; História de agressões sexuais, imediata e a denúncia (PEREIRA, 2017). Vale


somente contra meninas abaixo de 14 ressaltar que a relação sexual forçada com o
anos ou se o agressor é 5 anos mais ve- menor de idade geralmente está associada aos
lho que a vítima. Resultado do teste fa- transtornos parafílicos, onde o abusador pro-
lométrico; Número de condenações pré- cura satisfazer suas fantasias, muitas vezes de
vias por agressões sexuais (HUSS, forma agressiva e assim, proporcionando risco
2011, p. 152). iminente de morte do violentado. Segundo Pe-
• Startic-99: possui 10 itens de scores 0 a reira (2017) este fenômeno é visto como um
20, sendo os valores acima de 6 avalia- ato de violência e agressão para com o vulne-
dos da mesma forma, correspondendo a rável e pode trazer consigo consequências gra-
probabilidade de reincidência em 5 a 15 ves para a saúde e qualidade de vida das víti-
anos. Essa abordagem avalia as agres- mas, gerando desconforto familiar, insegu-
sões sexuais anteriores; Datas de senten- rança, medo, ansiedade dentre outros fatores
ças anteriores; algumas condenações físicos e psíquicos.
por agressões sexuais sem contato; Con- Deste modo, é imprescindível relatar sobre
denações atuais por violência não se- um estudo realizado em 2016 pela Universi-
xual; Condenações anteriores por vio- dade Federal do Pará, que aponta sobre as dis-
lência não sexual; vítimas relacionadas; torções cognitivas de AASCAs (Autores de
vítimas estranhas; Vítimas do sexo mas- Agressão Sexual de Criança e Adolescente),
culino; Jovem; Solteiro (HUSS, 2011, p. compreendendo como um erro de pensamento
152). que o abusador pode ter, influenciando direta-
mente no seu modo de pensar e agir de acordo
Nos casos de reincidência, encontra-se com cada situação, gerando uma percepção
maior número de jovens, solteiros e de uma errônea sob a criança e/ou adolescente.
pequena porcentagem social, além de já terem Em prossecução, a saúde mental do abusa-
apresentados diversos comportamentos crimi- dor, faz-se necessário esclarecer que o trans-
nais e transtornos de personalidade antissocial torno pedofílico faz parte do grupo das parafi-
ou psicopatias. Deve-se perceber, então, que lias sexuais e a obtenção do desejo sexual ao
apenas superficialidades do caso não podem vulnerável, mesmo que não ocorra o ato, tam-
ser usadas para avaliar a realidade do agressor bém é uma característica para tal diagnóstico.
sexual, sendo necessários avaliações clínicas De acordo com um método estatístico reali-
e instrumentos psicométricos padronizados. A zado por (JASCKSTET, 2015) considera-se
psicoterapia também é uma forma evidenci- que a predominância da violência sexual na
ada de alteração no padrão comportamental população mundial seja de 11,8%.
violento de abusadores sexuais e pedófilos, A caracterização do abuso sexual não é de-
apresentando uma perspectiva analítica e finida somente pelo ato de penetração, mas
comportamental (DIAS & ROCHA, 2016). também carícias, olhares que deixam as víti-
A violência sexual contra crianças e ado- mas desconfortável, linguajar inadequado, in-
lescentes, ocorre principalmente por meio de sinuações e por fim, extrema violência e morte
agressores que são conhecidos e familiares, (CARDOSO et al., 2020).
podendo estar dentro de casa ou constante- Sendo assim, para obter a compreensão e
mente próximo, tendo em vista que, a propin- alcançar um diagnóstico mais preciso, o pro-
quidade do abusador dificulta a intervenção fissional forense ao tratar do caso, deverá

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Capítulo 2
Estudos em Ciências Forenses

manter-se passivo e indiferente para com a si- Atualmente tem-se um vasto número de
tuação, não levando para o seu lado emocio- escalas/instrumentos cientificamente valida-
nal, crenças ou valores. Entretanto, há um dos que possibilitam fazer uma avaliação cau-
peso levado para a saúde mental do próprio es- telosa do risco de diversos tipos de reincidên-
pecialista, ocasionado sentimento de estresse, cia e violência, em vários contextos. Ainda
o trauma vicário, conhecido também como o que obrigatoriamente multidisciplinar, a ava-
“custo de cuidar”. liação de risco de reincidência está sendo me-
Conforme a Revista Brasileira de Direito todologicamente desenvolvida com base nos
Processual Penal, a avaliação clínica forense princípios da psicometria, com intuito de ga-
tem como objetivo observar, analisar e diag- rantir a sua precisão e validade, conforme
nosticar o lado emocional, cognitivo e com- afirma (CARDOSO et al., 2020).
portamental dos pacientes envolvidos em de- Os crimes sexuais vêm se expandindo
litos, com o intuito de tratar o indivíduo, den- principalmente na infância e cada vez mais di-
tro do âmbito legal da constituição: “A saúde fundido, com implicações psicossociais, le-
é direito de todos e dever do Estado” gais e médicas. Entretanto, a violência física e
(CARDOSO et al., 2020). sexual com crianças e adolescentes ainda é um
fator de surpresa em nossa sociedade
4. CONCLUSÃO (FLORES & CAMINHA, 1994 apud
JASCKSTET, 2015). Sugar (1992 apud
A psiquiatria forense pode ser útil no com- JASCKSTET, 2015) aponta para o fato de que
bate aos crimes sexuais contra crianças ao muitas pessoas, inclusive profissionais, têm
identificar padrões de comportamento que es- dificuldade de aceitar que o abuso sexual de
tão na base dos atos que o Direito pune por crianças ocorra com aqueles de variado grau
serem criminosos e lesivos à sociedade. Para de consanguinidade e de proximidade.
tanto, busca-se um aprofundamento nas práti- Dessa forma, a existência de desordens no
cas dos crimes sexuais contra crianças, enfo- comportamento sexual pode levar a casos di-
cando a compreensão a respeito do autor do versos de crimes contra a dignidade sexual.
crime, como também nas consequências sobre Esses são caracterizados, segundo o Código
aquele que sofre a prática delituosa, o que de- Penal Brasileiro, como crimes contra a liber-
manda, por parte do Direito, a busca de su- dade sexual (estupro, violação e assédio) e cri-
porte nos conhecimentos da ótica psiquiátrica mes contra vulnerável (corrupção de menores
(JASCKSTET, 2015). e exploração sexual) (BRASIL. Decreto-Lei
2.848/1984).

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Capítulo 2
Estudos em Ciências Forenses

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROS, A.J.S. Associações entre reações contra Mental) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
transferenciais desencadeadas por agressores sexuais, Janeiro, 2016.
mecanismos de defesa e trauma vicário em psiquia- MARAFIGA, C.V. et al. Pedofilia: história de vida e o
tras e psicólogos forenses. 2018. 46f. Tese (Doutorado retorno para a família por meio de alta progressiva. Re-
em Psiquiatria) - Faculdade de Medicina, Programa de vista da SPAGESP, v. 18, p. 48, 2017.
Pós- Graduação em Psiquiatria e Ciências do Comporta- PEREIRA, C.A. Representações sociais sobre o abuso
mento. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sexual infantojuvenil: um estudo com juízes e profissio-
Porto Alegre, 2018. nais psicossociais. Repositório UFPB, 2017. p. 145.

CARDOSO, Á.L. et al. Avaliação psicológica de agres- REIS, D.C. Autores de Agressão Sexual de Crianças e
sores sexuais no contexto brasileiro: instrumentos e pers- Adolescentes: Características Biopsicossociais e Tra-
pectivas. Revista Brasileira de Direito Processual Pe- jetórias de Vida. Pará, 2016. 352p. Tese (Doutorado em
nal, v. 6, p. 247, 2020. Teoria e Pesquisa do Comportamento) - Universidade
Federal do Pará, Belém, 2016.
DIAS, L.G.S. & ROCHA, A.C. Psicologia Forense: Uma
análise teórica da avaliação de risco de reincidência com SILVA, D.A. O olhar do agressor sexual sobre o abuso
agressores sexuais. Revista Uningá, Maringá, v. 50, p. sexual infantil. 2016. 92f. Trabalho de Conclusão de
77, 2016. Curso (Bacharel em Psicologia) - Centro Universitário
Católico de Vitória, Vitória, 2016.
HUSS, M.T. Psicologia Forense: pesquisa, prática clí-
nica e aplicação. Porto Alegre: Artmed, 2011. SILVA, L.P. Aspectos de la distorsión cognitiva de
agresores sexuales de niños reclusos en la cárcel: Bra-
JASCKSTET, P.V. Direito e psiquiatria forense: um sília. 2014-2016. 2017. 213f. Dissertação (Mestrado em
estudo sobre os crimes sexuais praticados contra cri- Ciências Criminais-Forenses) - Universidad de Ciencias
anças. 2015. 70f. Trabalho de Conclusão de Curso (Ba- Empresariales y Sociales, Buenos Aires, 2017.
charelado em Direito) - Universidade de Brasília, Brasí-
lia, 2015. VALENÇA, A.M. et al. A forensic-psychiatric study of
sexual offenders in Rio de Janeiro, Brazil. Journal of Fo-
JÚNIOR, R.J.C.C. Estudo Psiquiátrico-Forense de rensic and Legal Medicine, v. 31, p. 23, 2015.
uma população de indivíduos cumprindo medida de
segurança em hospitais de custódia e tratamento no VERÓNICO, M.S.B. Agressores Sexuais: Caracteriza-
Estado do Rio de Janeiro por comportamento vio- ção de uma amostra portuguesa. 2015. 129f. Disserta-
lento. 65f. Dissertação (Mestrado em Psiquiatria e Saúde ção (Mestrado em Medicina Legal) - Instituto de Ciências
de Abel Salazar. Universidade do Porto, Porto, 2015
.

17 | P á g i n a
Capítulo 2
Estudos em Ciências Forenses

CAPÍTULO 03

LEVANTAMENTO
MORFOMÉTRICO DE
OSSADAS HUMANAS

ÉRICA CAVALLI TREMBULAK¹


BÁRBARA GIGANTE KREFTA²
ADRIANO DOS SANTOS¹
VILMA BERNARDES¹
FÁBIO AURELIANO RAFAEL³

¹Pesquisadores – Departamento de Anatomia da Universidade do Vale do Itajaí.


²Discente – Ciências biológicas da Universidade do Vale do Itajaí.
³Docente – Departamento de Anatomia da Universidade do Vale do Itajaí.

Palavras-chave: Antropometria forense; Antropologia forense; Anatomia.

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Capítulo 3
Estudos em Ciências Forenses

1.INTRODUÇÃO e projeções de diferentes partes do corpo e


torna-se pela sua objetividade, o melhor método
A antropologia, como a etimologia da antropológico de identidade médico-legal
palavra diz, é “o estudo do homem” e pode ser (VANRELL, 2010).
de origem física, baseada nas características Na análise de ossadas por antropometria é
somáticas do indivíduo, ou cultural/social, possível identificar o perfil biológico do
segundo características culturais, como idioma, indivíduo, incluindo gênero, idade, estatura,
religião, artes, costumes, entre outros (RABBI, ancestralidade, anomalias, patologias, informar
2000; SALZANO, 2009; COSTA; COSTA, padrões de alimentação, práticas culturais,
2015). Os exames antropológicos em ossadas doenças associadas ao avanço da idade e até
contribuem para a identificação humana ou, atividades cotidianas (COSTA, 2002;
quando isso não é possível, permitem a HERCULES, 2005; COSTA; COSTA, 2015).
exclusão de determinado grupo de pessoas No desenvolvimento de metodologias para
(COSTA, 2002). A antropologia física estuda identificação de dados biotipológicos há dois
tanto características qualitativas, observação tipos de investigação, sendo uma, não dirigida,
dos traços encontradas, quanto quantitativas, quando a ossada é de origem totalmente
relacionada a medição desses aspectos. Pode desconhecida, e a outra dirigida, quando há uma
ser aplicada para coleta e análise de evidências suspeita da identidade jurídica de um indivíduo,
legais, buscando estabelecer características que podendo assim utilizar procedimentos
possam levar ossadas para possível auxiliares como superposição de imagens e
identificação, causa, data e circunstâncias da análise de DNA se houver um padrão familiar
morte (COSTA, 2002; COSTA; COSTA, para confrontar (BORBOREMA, 2007).
2015). As perícias de antropologia forense são O objetivo deste estudo foi realizar
de fundamental importância principalmente em levantamento morfológico a fim de verificar
desastres em massa, como acidentes aéreos, gênero, estimativa de altura e idade e possíveis
incêndios e desabamentos, entre outros alterações utilizando métodos de identificação
(RABBI, 2000; COSTA, 2002). antropométrica em ossadas de um laboratório
A antropometria pode ser realizada em de anatomia de uma Universidade de Santa
indivíduos vivos, cadáveres conservados ou em Catarina.
diferentes estágios de decomposição, assim
como, em esqueletos completos ou 2. MÉTODO
fragmentados (RABBI, 2000; BORBOREMA,
2007). Quando um corpo se apresenta Trata-se de uma pesquisa de confirmação de
deteriorado, como nos casos de carbonização, metodologia. Esta pesquisa atendeu aos
encontro isolado de ossadas, cemitérios critérios de pesquisa envolvendo seres humanos
clandestinos, fragmentos de ossos, entre outros, estabelecidos na Resolução 466/2012 do CNS,
torna-se primordial uma pesquisa técnica tendo aprovação do Comitê de Ética em
antropológica para uma possível identificação Pesquisa sob o parecer de número 1799203. O
(RABBI, 2000; HERCULES, 2005; local da pesquisa envolveu um laboratório de
BORBOREMA, 2007; SHETTY, 2009). A anatomia humana de uma universidade
antropometria é baseada nas medidas, ângulos

19 | P á g i n a
Capítulo 3
Estudos em Ciências Forenses

localizada na região do Litoral Norte de Santa a distinção de gênero, principalmente através


Catarina. do crânio, mandíbula, tórax e pelve, sendo
Visando identificar um perfil biológico das maior assertividade atribuída à pelve (RABBI,
ossadas foram utilizados protocolos para 2000; COSTA, 2002; HERCULES, 2005;
análise já descritos em estudos anteriores. Na
Figura 3.1 Tabela para o registro das
literatura encontram-se diversos protocolos
medições das ossadas
para a identificação de um perfil biotipológico,
com a verificação de diversas estruturas. São
técnicas muito antigas que foram aprimoradas
com o passar dos anos, sendo ainda hoje de
extrema importância para a biologia forense.
O objeto deste estudo são ossadas que se
encontram acondicionadas em caixas
organizadoras de plástico e que são
provenientes de exumação de um cemitério
municipal. As mesmas não possuíam nenhuma
identificação prévia e receberam apenas
numeração para controle interno do laboratório.
Para realizar a análise foram selecionadas a
pelve, o sacro, o fêmur e tíbia direita e esquerda
e o crânio das ossadas já limpas e secas
presentes no laboratório do estudo. Esses ossos Legenda: Tabela confeccionada para registro de
deveriam estar limpos, secos, sem adesão de dados de mensuração, identificando cada uma das
amostras.
tecidos mole ou fungos, qualquer grau de
deterioração ou quebrados. Além dos critérios BORBOREMA, 2007; FRANÇA, 2011;
anteriores, os ossos da pelve e sacro deveriam VIRGÍNIO, 2013; COSTA; COSTA, 2015).
estar desarticulados e ossos do crânio, não RABBI (2000) e COSTA e COSTA (2015)
deveriam apresentar sinais de impacto. separam a exploração da pelve entre qualitativa
As medições foram realizadas em régua (diferenciação visual) e quantitativa (resultado
osteométrica de 60 cm, confeccionada de pontos de medição). Quantitativamente
especificamente para isso, e paquímetro digital. mede-se:
Os dados obtidos foram registrados em Tabela a) Acetábulo, nas dimensões verticais,
do Excel® (Figura 3.1), cujo modelo foi tomando-se como referência a borda inferior do
elaborado especialmente para esta finalidade. acetábulo em posição imediatamente à
esquerda da incisura acetabular e o ponto da
2.1. Determinação do gênero borda superior do acetábulo, corresponde a uma
A determinação do gênero do indivíduo se projeção da espinha ilíaca anteroinferior;
dá antes mesmo do nascimento e durante a b) Forame obturado. Foram mensuradas as
infância e adolescência esse dimorfismo sexual maiores dimensões no sentido longitudinal
vai se tornando mais marcante (GARDNER; (comprimento) e transversal (largura);
GRAY; RAHILLY, 1975). No esqueleto faz-se

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Capítulo 3
Estudos em Ciências Forenses

c) Incisura isquiática. Foram medidas ossos da pelve e a metodologia descrita por


distâncias entre a espinha ilíaca póstero- RABBI (2000). Segundo HÉRCULES (2005),
superior e a espinha isquiática (corda) e o raio o gênero deve ser identificado antes das demais
correspondente à intercessão entre o ponto características, pois este atributo pode interferir
médio da maior profundidade da incisura e a nos resultados das demais. Para essas
corda (profundidade); mensurações foram utilizados, um paquímetro
d) Distância espinha ilíaca anterossuperior digital e um pedaço de cordão.
ou tubérculo púbico. A dimensão entre as duas
estruturas anatômicas esta correlacionada com 2.2 Determinação da estatura
as dimensões e o formato da pelve. Foram Durante parte da vida, principalmente na
medidas as distâncias entre os dois pontos em infância e adolescência ocorre o aumento do
ambos ilíacos; comprimento dos ossos, isso leva ao aumento
e) Sacro. Foram analisadas as dimensões da da estatura. Em pessoas vivas, a estatura é
primeira vertebra sacral (comprimento e compreendida pela distância entre o ponto mais
largura) e largura total do sacro, medida em seu elevado da cabeça até a planta dos pés, em
terço superior. cadáveres essa medição de faz horizontalmente,
RABBI (2000) utilizou vários métodos mas em ossadas não é possível fazer uma
estatísticos para estabelecer as variáveis com mensuração desta maneira, já que a ausência de
melhor assertividade, usando essas tecidos moles compromete tal mensuração.
informações, foi utilizado do método de Tradicionalmente, a obtenção da estimativa
regressão, chegando a uma equação final. Para da estatura de um esqueleto é feita a partir da
o emprego dessa fórmula utilizamos as medidas medida dos ossos longos tais como: úmero,
do diâmetro vertical do acetábulo esquerdo rádio, fêmur e tíbia e análise dos dados
(dvae), dimensão do forame obturado direito, encontrados (RABBI, 2000; BORBOREMA,
comprimento (dfodc) e dimensão do forame 2007; FRANÇA, 2011; COSTA; COSTA,
obturado direito, largura (dfodl), obtidas nesse 2015). De acordo com BORBOREMA (2007) e
estudo, assim possibilitando chegar ao FRANÇA (2011) existe correlação entre o
resultado de gênero. gênero e a estatura, para Borborema (2007) a
Para analisar essa característica utilizam-se etnia segue esse mesmo preceito, além das
as duas fórmulas a seguir, a fórmula que chegar condições socioeconômicas que também
a um resultado de valor mais elevado, indicará podem interferir nos dados. Com a
qual o gênero daquela ossada. A utilização miscigenação existente nos povos brasileiros
dessa fórmula apresenta uma taxa de acerto de torna difícil precisar a etnia de indivíduos.
82,4% para o sexo feminino e 78,6% para o Os trabalhos que abordam o assunto são na
sexo masculino. sua maioria estrangeiros, aplicando a variável
Feminino=−129,95292+dvae∗2,86485+dfodc étnica sem grande dificuldade, mas no Brasil
∗1,32908+dfodl∗1,76206 segue a falta de metodologias específicas
Masculino=−153,12813+dvae∗3,33709+dfod (VIRGÍNIO, 2013). A partir desse problema
c∗1,54155+dfodl∗1,41516 BORBOREMA (2007) buscou um modelo de
Primeiramente, realizou-se o procedimento medição indireta da estatura que se adapta a esta
para determinação do gênero, utilizando os realidade, sem levar em conta a etnia. Com esse

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Capítulo 3
Estudos em Ciências Forenses

trabalho é possível estimar com 95% de Figura 3.2 Demonstração de uso de tábua
precisão a estatura de indivíduos com base em osteométrica
alguns ossos longos. Tendo margem de erro
entre 3,0 e 4,5 centímetros, para mais ou para A
menos.
No seu trabalho BORBOREMA (2007)
desenvolveu equações, levando em B
consideração o gênero e o osso analisado.
Fórmula com utilização do fêmur (F) no
indivíduo masculino:
Legenda: Medida do fêmur (A) e tíbia (B), com tábua
Estatura = 76,67 + 0,2019 F osteométrica, medidas realizadas em centímetros.
Fórmula com utilização do fêmur (F) no
indivíduo feminino: gando a um completo desenvolvimento na fase
Estatura = 62,89 + 0,2385 F adulta (COSTA, 2002), todo esse processo
Fórmula com utilização da tíbia (T) no deixa marcas que podem ser estudadas para de-
indivíduo masculino: terminar a idade aproximada do indivíduo.
Estatura = 102,62 + 0,1807 T A estimativa de idade é uma parte
Fórmula com utilização da tíbia (T) no integrante do perfil biológico empregado por
indivíduo feminino: especialistas para auxiliar na obtenção da
Estatura = 87,44 + 0,2114 T identificação de um indivíduo falecido
Após a identificação do gênero, passamos a desconhecido. Sua estimativa é de suma
estimar a estatura, utilizando a tábua importância e requer atenção especial nos casos
osteométrica para medidas dos ossos longos, em que os corpos são encontrados em estado
fêmur e tíbia (Figura 3.2), seguindo estudos de decomposto e mutilado ou apenas restos
BORBOREMA (2007). Sendo claro que a fragmentários são descobertos (KHANDARE;
estatura pode ser apenas estimada e não precisa, BHISE; SHINDE, 2015).
pois há variáveis como idade, gênero, etnia, Os principais estudos para a determinação
alimentação, condições socioeconômicas e deste quesito são a análise da soldadura das
psicossociais, além de tendências históricas epífises e das suturas cranianas, que são os
pessoais do indivíduo que interferem nessa pontos que mostram uma maior confiabilidade
característica (HERCULES, 2005; CROCE; e diversidade de acordo com a idade. O
CROCE JUNIOR, 2007). processo de ossificação das epífises às diáfises
é o ponto com maior significativa para a
2.3 Estimativa de idade determinação da idade óssea em indivíduos
A idade é um dado que pode ser conside- jovens, pois até a adolescência as diáfises e
rado em diversos pontos como aparência física, epífises estão unidas apenas pela cartilagem
desenvolvimento intelectual, idade civil, idade epifisária e será calcificada totalmente dando
óssea, entre outros. Nesse trabalho a idade que final ao crescimento longitudinal do indivíduo
consideramos é a óssea. Durante a vida o tecido (SPENSE, 1991; HERCULES, 2005; COSTA;
ósseo vai amadurecendo e aumentando de COSTA, 2015).
tamanho e espessura de forma contínua, che-

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Capítulo 3
Estudos em Ciências Forenses

Este trabalho focou nas suturas cranianas, Para o gênero feminino, usa-se a fórmula:
para isso consideramos a utilização do crânio
por ser parte do esqueleto geralmente Se tratando de indivíduos do gênero
encontrada em melhor estado de conservação masculino, usa-se a fórmula:
(SHETTY, 2009; KHANDARE; BHISE;
SHINDE, 2015). Silva (2015) propõe a
utilização de equações para estimar a idade de Para esta fórmula considera-se uma taxa de
morte de adultos a partir de sinostose (S) das erro, segundo CROCE e CROCE JÚNIOR
suturas cranianas, determinado pela média dos (2007) de meses na primeira infância, de 1 a 2
graus de obliteração observados em cada anos, quando se trata de jovens de até 21 anos,
segmento das suturas coronal (C1, C2, C3), e de cinco anos após essa idade. Como dito
sagital (S1, S2, S3, S4) e lambdoide (L1, L2, anteriormente para um resultado mais preciso,
L3). é preferível que o gênero já tenha sido
Para classificar a obliteração das suturas, identificado, pois há diferenças no
utilizamos a escala para encerramento de desenvolvimento de acordo com o gênero, já
Almeida e Masset (1982) (apud Lourenço, que indivíduos femininos se desenvolvem mais
2010), sendo: precocemente do que indivíduos masculinos
0 = Sutura completamente aberta. Ainda há (HERCULES, 2005).
pouco espaço entre as bordas dos ossos E por último observou-se e a soldadura das
adjacentes. suturas cranianas (Figura 3.3) específicas para
1 = Sutura com ligeira obliteração. a obtenção aproximada da idade de morte. As
Claramente visível como uma linha contínua suturas coronal, sagital e lambdoide foram
em ziguezague. estudadas aplicando a escala de Almeida e
2 = Sutura medianamente fechada. Linha Masset ectocranialmente (SILVA, 2015). A
mais fina, menos ziguezagues, interrompida obliteração das suturas foi determinada e o grau
pelo fechamento completo. de fechamento foi marcado por 16 partes das
3 = Sutura obliterada em cerca de ¾ da sua suturas cranianas principais, como foi feito por
superfície. Acsadi-Nemeskeri (SHETTY, 2009). A sutura
4 = Sutura completamente fechada, não se coronal foi observada em três partes do lado
notando qualquer vestígio. esquerdo, sutura sagital em quatro partes e
Após essa classificação é possível aplicar a suturas lambdoides em três partes também no
média de fechamento das suturas: lado esquerdo. Posteriormente para estimar a
S=(C1+C2+C3+S1+S2+S3+S4+L1+L2+ possível relação entre o fechamento da sutura e
L3)10 a idade na morte, foi determinada a média dos
Para então calcular a idade de morte graus de obliteração observados em cada
aproximada de cada uma das ossadas levando segmento dessas suturas. Após foi aplicado na
em consideração o gênero do indivíduo. fórmula que lhe compete descrita por SILVA
(2015).

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Capítulo 3
Estudos em Ciências Forenses

Figura 3.3 Observação das suturas cranianas

Legenda: Crânio com suturas coronal e sagital com menor grau de obliteração (esquerda) e crânio com elevado grau
de sinostose (direita).

Ao final do estudo das ossadas, os dados manuseio no laboratório de anatomia, não


encontrados foram arquivados e organizados, havendo, portanto, a necessidade da utilização
para que possam ser consultados sempre que de protocolos de limpeza.
necessário. Com as medições (Tabela 3.1) e a aplicação
da fórmula descrita por RABBI (2000) foi
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO possível identificar que sete das onze ossadas
são pertencentes ao gênero masculino e apenas
A análise foi realizada em 11 ossadas que já quatro são femininas (Tabela 3.2).
se encontravam sob as condições adequadas de

Tabela 3.1 Dados obtidos através da mensuração da pelve em centímetros.


Nº Caixa 005 008 009 115 334 442 446 555 556 557 559

dva-E 55,3 47,8 55,5 51,1 52,4 54,9 48,2 52,6 49,1 51,1 43,8

dfo-d-c 56,9 49,6 54,5 50,6 52,5 53,5 53,0 46,6 49,5 52,8 46,3

dfo-d-l 35,6 30,4 38,5 29,3 31,5 34,2 33,1 33,1 30,4 35,1 29,6

Tabela 3.2 Resultado da aplicação das medidas nas fórmulas apropriadas.


Nº Caixa 005 008 009 115 334 442 446 555 556 557 559

Feminina 166,83 126,48 169,32 135,32 145,45 158,70 136,90 141,00 130,07 148,46 109,22
Masculina 169,51 125,87 170,58 136,86 147,24 160,95 136,26 141,08 130,05 148,46 106,30

24 | P á g i n a
Capítulo 3
Estudos em Ciências Forenses

As medições dos ossos longos fêmur direito As medidas dos quatro ossos medidos
(FD) e esquerdo (FE) e tíbia direita (TD) e foram aplicadas na fórmula de referência para o
esquerda (TE) (Tabela 3.3) foram posteriores à gênero já conhecido, tendo então quatro valores
análise dos ossos da pelve, já que para a de altura aproximada (Tabela 3.4).
estimativa da idade é preferível o conhecimento
prévio do gênero do indivíduo.

Tabela 3.3 Medição dos ossos longos, em centímetros


Nº Caixa 005 008 009 115 334 442 446 555 556 557 559
FD 499 421 447 444 430 436 465 44,4 458 434 384
FE 492 421 449 453 430 440 465 437 461 441 389
TD 426 354 378 364 356 354 388 34,8 365 362 311
TE 428 358 380 355 357 358 386 349 366 360 314

Tabela 3.4 Altura aproximada das ossadas, em centímetros


Nº Caixa 005 008 009 115 334 442 446 555 556 557 559
FD 177,42 161,67 166,92 167,31 164,49 165,70 171,55 167,31 170,14 165,29 155,20
FE 176,00 161,67 167,32 169,13 164,49 166,51 171,55 165,90 170,75 166,71 156,21
TD 179,60 166,59 170,92 168,39 166,95 166,59 172,73 165,50 168,57 168,03 158,82
TE 179,96 167,31 171,28 166,77 167,13 167,31 172,37 165,68 168,76 167,67 159,36

A média de estatura obtida dessas ossadas calcular a média de sinostose, foi possível
coincide com a média do Estado de Santa aplicar a fórmula referente ao gênero já
Catarina, de acordo com dados do IBGE (2008- conhecido chegando a uma estimativa idade de
2009). morte dos indivíduos estudados (Tabela 3.5).
Após determinar o grau de fechamento das Chegando à média de 57,8 anos de idade no
suturas cranianas coronal, sagital e lambdoide e momento do falecimento.

Tabela 3.5 Estimativa de idade de morte nos indivíduos estudados.


Nº Caixa 005 008 009 115 334 442 446 555 556 557 559

Idade 559,73 159,42 553,19 155,65 559,40 158,64 661,21 554,24 162,47 154,57 157,53

A identificação humana é um processo que realidades. Em cadáveres e ossadas


leva em consideração características físicas, desconhecidas isso tem importância legal, em
funcionais, intelectuais e legais, entre outros, crimes, desaparecimentos e identificação de
assim durante muito tempo o ser humano busca ossadas desconhecidas.
meios para essa identificação ser cada vez mais A maioria das técnicas conhecidas hoje são
precisa. Com isso, métodos são criados e oriundas de países, principalmente europeus,
adaptados para que se adequem a diferentes que possuem grupos étnicos mais definidos,
25 | P á g i n a
Capítulo 3
Estudos em Ciências Forenses

assim, a utilização dessa variável na A determinação da altura do indivíduo ao


identificação é válida. No Brasil, país com qual pertence a ossada está intimamente ligada
presença de grande miscigenação a utilização ao gênero e pode sofrer influências externas,
da etnia para a identificação se torna inviável, como desnutrição, padrões alimentares na fase
já que não é possível identificar com precisão a de desenvolvimento, frio, seca, nutrição
presença de características étnicas específicas. materna (BORBOREMA, 2007). Nessa
É visto que o exame de um esqueleto característica, mesmo tendo um grau de
completo e a utilização de diferentes técnicas confiabilidade bem alto, não pode ser estimado
permite maior taxa de acerto nos resultados, já um valor correto, apenas aproximado. Diferente
que algumas técnicas podem reforçar o das outras características abordadas esta já
resultado de outras. Mas se tratando de possui um protocolo voltado à população
situações de campo a probabilidade de brasileira, técnica esta, descrita por Borborema
encontrar um esqueleto completo é um desafio. (2007) e que não utiliza padrões étnicos.
Não há muitas vezes um cuidado adequado na No momento em que o organismo morre ele
inumação ou exumação de ossadas ou há a para de envelhecer, portanto é possível
pratica criminosa visando a destruição das identificar a idade aproximada de morte. Assim
características do cadáver, assim podendo como as características anteriores, essa também
deteriorar boa parte do esqueleto. possui inúmeros protocolos de identificação em
Dentre diferentes estruturas ósseas usadas diferentes estruturas do esqueleto. A análise das
para a identificação do sexo de um indivíduo suturas cranianas é descrita por vários autores
encontradas na literatura a que tem maior como a melhor na identificação da idade de
credibilidade é a análise da pelve, já que essa morte em adultos, mas quando tratada
estrutura é a que melhor caracteriza o isoladamente sem nenhuma outra técnica de
dimorfismo sexual dos esqueletos humanos confirmação, se tornam menos válidas. Mesmo
(RABBI, 2000; HERCULES, 2005; assim possuem uma taxa de assertividade de
BORBOREMA, 2007; FRANÇA, 2011; 95%.
SILVA, 2015). Mas ainda nessa estrutura é
possível observar diferentes métodos de 4. CONCLUSÃO
avaliação, alguns estudos baseados em
características qualitativas, observando pontos A antropologia é uma técnica muito antiga
anatômicos e outros baseados em e com o desenvolvimento de novas tecnologias
características quantitativas, através de pode parecer defasada, mas em caráter real a
medições lineares de determinados pontos sua utilização na identificação de ossadas é
(RABBI, 2000; SILVA, 2015), o método extremamente válida e de alto nível de
qualitativo pode se tornar de mais fácil assertividade. Se tratando de ossadas secas é
utilização, já que permite apenas a observação preferível que seja examinado a maior
da peça sem a necessidade de aparelhos de quantidade de ossos possível e sejam utilizadas
medição, mas deve ser corroborado com dados diferentes técnicas, para que haja confirmação
quantitativos para que tenha maioria validade dos resultados obtidos.
(BORBOREMA, 2007). Na identificação humana o gênero é o
principal atributo a ser analisado e dentre todas

26 | P á g i n a
Capítulo 3
Estudos em Ciências Forenses

as técnicas observadas na literatura, sem dúvida precisão. Além disso, é um aspecto que sofre
a análise da pelve é a mais aceita e que alta influência externa.
apresenta o maior grau de confiabilidade, sendo As suturas cranianas, mesmo havendo
a análise quantitativa mais precisa que a muita discussão sobre a sua confiabilidade para
qualitativa, mesmo que esta última seja de mais a identificação da idade de morte, pode ser
fácil aplicação. A etnia também é um dado considerada uma das técnicas mais seguras,
muito importante para a identificação humana, apresentando 95% de assertividade em ossadas
mas se tratando da população brasileira, que de indivíduos adultos.
apresenta alto grau de mistura étnica esse dado É visível a necessidade de metodologias que
se torna inviável de ser trabalhando. sejam voltadas à população brasileira, pois a
Para a identificação biotipológica da ossada maioria dos trabalhos de referência são de
é de suma importância que o gênero seja autores estrangeiros que utilizaram para seus
conhecido inicialmente, pois esta característica estudos populações com um grupo étnico
influencia na obtenção dos resultados das homogêneo.
outras características, assim como a etnia e em O tecido ósseo é sem dúvida uma das
alguns casos a idade, que pode aumentar o grau estruturas do corpo humano que mais resistem
de assertividade da técnica. às adversidades do tempo, porém, alguns destes
A estatura é outra característica principal a podem se quebrar ou se perder com facilidade.
ser obtida em uma identificação, para obter a Isso é menos comum de se observar no crânio,
estimativa da estatura de uma ossada deve ser pois este é mais resistente, por geralmente ser
levada em consideração a falta de tecidos moles encontrado no conjunto ósseo, por esse motivo
entre os ossos, portanto deve ser aplicada a é um dos ossos mais envolvidos em técnicas de
fórmula correta, por esse mesmo motivo essa identificação.
característica não pode ser estimada com

27 | P á g i n a
Capítulo 3
Estudos em Ciências Forenses

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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KHANDARE, S. V.; S.S. BHISE; SHINDE, A. B. Age


estimation from cranial sutures: a Postmortem study. In-

28 | P á g i n a
Capítulo 4
Estudos em Ciências Forenses

CAPÍTULO 04
TRAUMA ANORRETAL EM
VÍTIMA DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA DURANTE A
PANDEMIA DA COVID-19:
RELATO DE CASO

ANGELITA MARIA FERREIRA MACHADO RIOS1


GEÓRGIA SAVICKI SCHNEIDER2
KESLLY KRAUSPENHAR CUCHINSKI2
VICTÓRIA FOREST HOPPEN2
TATIANA SANSONOWICZ1

1Docente - Departamento Médico-Legal de Porto Alegre / Instituto Geral de Perícias do Rio Grande do Sul
2Discente - Curso de Medicina – Universidade Luterana do Brasil – Canoas / RS

Palavras-chave: Feminicídio; COVID-19; Trauma.


anorretal.

.1. INTRODUÇÃO 29 | P á g i n a
Capítulo 4
Estudos em Ciências Forenses

1. INTRODUÇÃO apoio e encaminhamentos adequados do setor


de saúde (ROESCH et al., 2020).
A pandemia da COVID-19 fez com que, em O presente artigo tem por objetivo relatar o
março de 2020, recomendações internacionais caso de uma vítima de feminicídio, ocorrido
de isolamento social fossem implementadas no durante o período de isolamento social pela
Brasil, visando um controle rígido de contato pandemia da COVID-19, que evoluiu ao óbito -
interpessoal como forma de enfrentamento da potencialmente evitável em casos comparativos
disseminação do novo vírus, devido a sua alta de mesma lesão, e passível ao tratamento
transmissibilidade. Dela também decorreu uma cirúrgico. O trabalho também correlaciona o
reorganização nacional imediata em sistemas aumento de casos relacionados à violência
de cuidado com a saúde e mudanças na contra a mulher durante a pandemia com fatores
prestação de cuidados em saúde em todo o associados ao período, como a brusca redução
mundo (NUNOO-MENSAH et al., 2020). de relatos oficiais de caráter denunciante para o
Devido ao fato, novas configurações de sistema judicial e o decréscimo de procura por
convívio em sociedade tiveram de ser atendimento médico decorrente da situação de
reestabelecidas, fazendo com que a rotina diária isolamento social. A lesão em si decorreu do ato
de estudantes e trabalhadores fosse fortemente sexual sem consentimento da vítima, pela
afetada. As readaptações para novas formas de ruptura anorretal e posterior sepse abdominal,
convívio durante o isolamento social, evoluindo para o desfecho fatal da vítima. No
principalmente através da substituição das trabalho ainda serão abordadas questões étnico-
atividades presenciais por atividades remotas, raciais relacionadas à violência contra a mulher,
também fizeram com que a procura por ajuda particularmente associadas no relato de caso, e
em situações de violência contra a mulher fosse serão feitos comentários sobre medidas
reduzida, já que o acesso aos diversos protetivas de denúncia e suporte provenientes
estabelecimentos que normalmente servem de órgãos públicos durante o atual momento
como suporte e ajuda, a exemplos de escolas, e pandêmico.
ambientes de trabalho coletivo, foram
drasticamente reduzidos ou mesmo extintos. 2. MÉTODO
Esta migração das atividades que antes eram
sociais para atividades remotas aumentou o Trata-se de uma revisão de literatura com
período de reclusão das famílias e do convívio relato de caso. As informações relacionadas ao
de potenciais vítimas de violência doméstica caso foram obtidas por meio do laudo da
com seus agressores (BOND, 2020). Tendo em autópsia de necropsia da vítima em questão
vista a restrição de atendimento dos serviços de A busca por referencial teórico ocorreu nas
saúde e apoio impostas por decretos para plataformas digitais: MEDLINE, PubMed e
efetivar o isolamento social e a contenção da SciELO Foram utilizados os descritores:
transmissão do vírus COVID-19, como “COVID-19”, “rectal trauma”, “feminicidio”,
serviços de saúde sexual e reprodutiva, as “trauma surgery in quarantine” e “violence
mulheres submetidas à violência doméstica against woman”.
passaram a ter menor oportunidade de receber Os critérios de inclusão foram: artigos em
português ou inglês, publicados nos últimos dez

30 | P á g i n a
Capítulo 4
Estudos em Ciências Forenses

anos, sendo os artigos relacionados a pandemia pelo corpo, além da presença de vômitos
da COVID-19 entre 2019 e 2020; que fecalóides no local. O agressor alegou que a
abordavam as temáticas propostas para esta esposa teria saído de casa para um programa de
pesquisa. Os critérios de exclusão foram: prostituição em um outro hotel e quando voltou
artigos disponibilizados somente na forma de estaria ferida, relatando que fora abusada
resumo, que não abordavam diretamente o sexualmente com um pedaço de madeira, e
assunto abordado pelo relato de caso. posteriormente teve um mal-estar, caindo ao
Após os critérios de seleção restaram 8 chão. As investigações indicaram que o hotel
artigos que foram submetidos à leitura relatado pelo suspeito se encontrava fechado
minuciosa para a coleta de dados e devido à pandemia da COVID-19 durante o
embasamento teórico. período referido. No local do crime também
foram encontradas medicações como
3. RELATO DO CASO Escopolamina, Dipirona, Polissulfato de
Mucopolissacarídeo, Finasterida, Testosterona
A vítima do caso é uma mulher, de cor de uso veterinário e Sildenafil.
branca, 38 anos, integrante de um grupo étnico O laudo da autópsia de necropsia da vítima
cultural com características próprias e casada descreve inúmeras lesões em tegumento, em
com um homem, o qual estava devendo um alto sua maioria de aspecto recente e simultâneo
valor de dote para a família da vítima desde o com predomínio das colorações violáceas e
casamento, em virtude das idiossincrasias das azuladas, distribuídas pelo corpo da vítima,
relações pessoais típicas da comunidade em que causadas por instrumento contundente e
o casal se inseria. O marido da vítima, suspeito indicativas de origem em média entre 2 e 4 dias
do crime, utilizava Testosterona de uso prévios à data do exame. As lesões encontradas
veterinário de forma injetável e, à testemunho no períneo da vítima caracterizam elementos
de seu filho, possuía histórico agressivo com indicativos de tortura, com equimoses em todo
episódios de violência contra mulher em outros o períneo, escoriações e presença de secreção
relacionamentos e abuso sexual infantil. O casal sanguinolenta no canal vaginal e lacerações peri
residia em um hotel, onde alguns hóspedes por e intra-anais. Na inspeção da cavidade
vezes escutavam discussões no dialeto do grupo abdominal foi evidenciada extensa peritonite,
cultural que integravam e sons de golpes vindos extensas placas de fibrina aderidas às vísceras e
do quarto do casal. A vítima trabalhava como conteúdo purulento em cavidade, além de
vendedora ambulante e provia sustento à múltiplas aderências intra-abdominais (bridas).
família financeiramente, enquanto o marido O intestino delgado apresentava grau de dano
não trabalhava por alegar “problemas isquêmico e possivelmente síndrome do íleo
cardíacos”, permanecendo à toa no hotel adinâmico devido ao material fecalóide
diariamente. identificado nas narinas e boca da vítima. Essas
A vítima foi encontrada morta no chão do múltiplas lesões produzidas por instrumento
quarto do hotel do casal, pelo Serviço de contundente em região perineal e intra-
Atendimento Médico de Urgência (SAMU) abdominal, associadas à violência sexual,
acionado pelo filho do suspeito, e se provocaram contaminação da cavidade
apresentava fria, com hematomas múltiplos peritoneal com material fecal e desencadearam

31 | P á g i n a
Capítulo 4
Estudos em Ciências Forenses

um processo de sepse de origem abdominal no contexto de agressão sexual é rara


consecutiva a ruptura traumática verificada na (KOVELMAN et al., 2010). Sendo assim, o
parede anterior da porção intraperitoneal do fato da principal causa de morte ter sido por
reto, o que levou a vítima ao óbito. Pelos trauma anorretal confirma a crueldade
achados necroscópicos, o tempo decorrido associada ao caso, somado a lesões encontradas
entre a morte e o exame foi compreendido entre no períneo da vítima que caracterizam
12 e 24 horas prévias ao exame, visto que houve elementos indicativos de tortura. Ademais,
fixação dos livores cadavéricos, rigidez difusa, tanto a forma de agressão quanto o desfecho do
ausência de mancha verde abdominal e outros caso chocam por serem ambos de natureza
sinais de fase gasosa da putrefação, bem como potencialmente evitável (MENEGHEL et al.,
formação de bridas, as quais levam em torno de 2017).
48 horas para serem formadas. Medidas governamentais protetivas foram
instauradas no Brasil durante o atual momento
4. DISCUSSÃO pandêmico a fim facilitar e ampliar o número de
notificações por vítimas de abuso e violência
Embora o distanciamento social proteja doméstica. Dentre elas podemos citar o
contra a contaminação, expõe famílias aumento de regimes de plantão restritos ao
disfuncionais às consequências físicas, crime de violência contra a mulher, lançamento
emocionais e econômicas da violência de plataformas online para denúncia de
doméstica, que podem culminar em invalidez violência doméstica e páginas específicas que
permanente ou morte para as vítimas e seus reúnem esclarecimentos sobre os direitos da
descendentes “feminicídio estendido” mulher, além de orientações sobre como lidar
(TELLES et al., 2020). com vítimas (SILVA, 2020). Tais medidas
A violência sexual e particularmente a contribuíram como rede de proteção durante o
violência contra parceiros íntimos, aumentou atual momento, mas infelizmente não
dramaticamente durante a pandemia da abrangem a totalidade da população brasileira,
COVID-19, ao passo que os serviços de saúde devido ao limitado acesso à internet por grande
se encontram prejudicados pelo período de parte da população (IBGE, 2018).
isolamento com a brusca redução de denúncia Outro fato relatado é a questão étnico-racial
em casos de feminicídio e o decréscimo de da vítima, na qual a segregação da mulher é
procura por atendimento médico (CAMPOS et culturalmente aceita. Há diferenças sociais
al., 2020). Nesse contexto, a definição de facilmente distinguíveis na cultura cigana, a
"pandemia dentro de uma pandemia” surge em depender do sexo e idade dos membros da
referência a exacerbação dos casos de violência família. Três princípios básicos compõem a
contra a mulher, agravados pela reclusão social criação das mulheres: a preservação da
(JOHNSON et al., 2020). virgindade até o casamento, o matrimônio com
No caso em questão, a lesão pelo ato sexual membro da etnia cigana, e a procriação. A
sem consentimento da vítima causou ruptura educação do homem é voltada para um dia
anorretal e posterior sepse abdominal, seguir como chefe da família, o que inclui o
evoluindo ao desfecho fatal da vítima. A sustento e a posição de superioridade, sendo o
literatura orienta que a perfuração retal e sepse amor muitas vezes trazido como sentimento de

32 | P á g i n a
Capítulo 4
Estudos em Ciências Forenses

posse e pertencimento. Na cultura, a mulher é nos, a violência contra a mulher é fortemente


sempre vista sob a ótica da subordinação, sendo influenciada pelo ambiente de crise social, eco-
subjugada pelos pais durante a infância, e na nômica e sanitária, de acordo com a OMS
vida adulta, pelo marido. (MARQUES et al., 2020). Casos como o eluci-
Ao trazer para o caso as particularidades da dado ocorrem todos os dias, impactando a saúde
cultura cigana, a vítima em questão estava no sexual, reprodutiva e psicológica de mulheres
papel social de “chefe da família”, já que provia ao redor do mundo. Tal característica evidencia
o sustento da casa. Este “desvio cultural” da a fragilidade de questões estruturais para de-
lógica cigana, somado às pendências núncia, como redes de apoio, carência de proto-
financeiras entre as famílias da vítima e seu colos e recursos, limitação de instituições públi-
marido, podem ter sido possíveis fatores de cas para lidar com a complexidade de aspectos
incentivo para tal ato de brutalidade. que permeiam o assunto.
A contribuição para expansão de redes de
5. CONCLUSÃO apoio social deve se concretizar principalmente
no compartilhamento de informações sobre di-
A violência contra a mulher, já habitual em reitos da mulher e pela busca ativa de linhas de
uma sociedade machista e patriarcal devido aos ajuda, na forma de ajuda psicossocial e saúde
resquícios primordiais de ocupação e mental. A ampliação de formas de acolhimento
dominação (STEARNS, 2007), foi comprova- para vítimas de abuso sexual deve ser priori-
damente exacerbada no contexto da pandemia zada, principalmente em momentos de crise
da COVID-19 e evidenciada no relato de caso. como o vivenciado mundialmente em 2020, a
Conforme elucida o Instituto Maria da Penha, a fim de que o número de mulheres vítimas de
violência não é necessariamente física, agressões sexuais, morais e psicológicas tenha
podendo ser também de natureza psicológica, o mesmo impacto visionário na sociedade se
moral, patriarcal e sexual (BRASIL, 2006). comparado ao número de vítimas pela pande-
Apesar de mesmo anteriormente à 2020 ser mia da COVID-19.
uma das maiores violações dos direitos huma-

33 | P á g i n a
Capítulo 4
Estudos em Ciências Forenses

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOND, L. Casos de feminicídio crescem 22% em 12 es- MARQUES, Emanuele Souza, et al. A violência contra
tados durante a pandemia. Agência Brasil, São Paulo, 01 mulheres, crianças e adolescentes em tempos de pande-
jun. 2020. mia pela COVID-19: panorama, motivações e formas de
enfrentamento. Caderno de Saúde Pública, Rio de Ja-
BRASIL. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Dispõe neiro, v. 36, n. 4, e00074420, abr. 2020.
sobre mecanismos para coibir a violência doméstica e fa-
miliar contra a mulher. Brasília DF., 2006. Disponível MENEGHEL, S.N. et al. Feminicídios: conceitos, tipos
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004- e cenários. Ciência & Saúde Coletiva, 22(9):3077-3086,
2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em 10/06/2021. 2017.

CAMPOS, B. et al. Violência contra a mulher: Vulnera- NUNOO-MENSAH, J.W. et al. COVID-19 and the glo-
bilidade programática em tempos de SARS-CoV- bal impact on colorectal practice and surgery, Clin.
2/Covid-19 em São Paulo. Psicologia & Sociedade. Colorectal Cancer 19 (3) (2020) 178–190.e1.
vol.32 Belo Horizonte 2020 Epub Sep 04, 2020.
ROESCH, E. et al. Violence against women during co-
IBGE. Acesso à internet e à televisão e posse de telefone vid-19 pandemic restrictions. BMJ 2020; 369 :m1712.
móvel celular para uso pessoal PNAD contínua. 2018.
Disponível em: <https://www.ibge.gov.br/estatisticas/ SILVA, V.H. Governo lança app para denúncia de vio-
sociais/populacao/17270-pnadcontinua.html?edicao= lência contra a mulher. Abr. 2020. Disponível em:
27138&t=resultados>. Acesso em: 10/06/2021. <https://tecnoblog.net/332627/governo-lanca-direitos-
humanos-br-denuncia-violencia-contra-mulher/>.
JOHNSON, K. et al. The impact of COVID-19 on servi- Acesso em: 10/06/2021
ces for people affected by sexual and gender-based vio-
lence. International Journal of Gynecology & Obste- STEARNS, Peter N. História das relações de gênero.
trics v. 150, Issue 3 p. 285-287. São Paulo: Contexto, 2007.

KOVELMAN, I. et al. Fatal anorectal trauma in the set- TELLES, L.E.B. et al. Domestic violence in the COVID-
ting of sexual assault: case report and literature survey. 19 pandemic: a forensic psychiatric perspective. Brazi-
American Journal of Forensic Medicine and Patho- lian Journal of Psychiatry 2020
logy. 2010 Sep;31(3):273-7.
.

34 | P á g i n a
CAPÍTULO 05

A DOAÇÃO DE CORPOS
PARA O ENSINO DA
ANATOMIA HUMANA:
REVISÃO DE LITERATURA
ALLANA VICTÓRIA PEREIRA ALVES1
ANA MARIA MESTRE SILVA4
ANDREZZA MARIA SOUZA VIANA BARRETO BORBOREMA1
ANNALICE PINHEIRO PAES2
CAIO VICTOR QUEIROGA BARRETO3
DÉBORAH AMORIM QUESADO3
ELIZANDRA GOMES BEZERRA SOARES3
GABRIELY OLIVEIRA FERNANDES COUTINHO2
INDARA LIMA MOTA3
ISADORA MAYSA DE SOUZA1
ÍTALO BRUNO FEITOSA COUTINHO BRAGA6
JOÃO VITOR DE ALENCAR DUARTE GONÇALVES2
LARA MARIA CARVALHO LEITE2
LAURA DE SOUZA LIMA2
MARIA CECÍLIA ALENCAR DE AMORIM2
SAMARA CAROLINA ALVES DONATO5

1 Acadêmico do Curso de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança (FAMENE).


2 Acadêmico de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Paraíba (FCM).
3 Acadêmico de Medicina da Faculdade Santa Maria de Cajazeiras (FSM).
4 Acadêmico de Medicina da Universidade de Ciências Sociais Aplicadas (UNIFACISA).
5 Acadêmico de Medicina do Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos

(UNICEPLAC).
6 Acadêmico de Medicina da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).

Palavras-chave: Anatomia; Doação de corpos; cadavér.

35 | P á g i n a
Capítulo 5
Estudos em Ciências Forenses

1. INTRODUÇÃO tífico, ou altruístico, a disposição gratuita do


próprio corpo, no todo ou em parte para depois
A anatomia humana é a área que estuda as da morte. O ato de disposição pode ser livre-
estruturas do corpo humano, com a finalidade mente revogado a qualquer tempo”
de ampliar o conhecimento do funcionamento (UNIPAMPA, 2018).
do organismo humano e das doenças que o aco- O objetivo deste estudo consiste em
metem. Tal estudo, existe desde a pré-história, descrever o processo de doação de corpos para
não havendo registros concretos de quando se o ensino da anatomia humana no Brasil.
iniciou, porém, foi marcado como fato histórico
o estudo da anatomia pelos egípcios, que 2. MÉTODO
tinham a tradição de preservar o corpo do faraó
através da técnica de mumificação, visto que, 2.1 Referências bibliográficas
possuíam a crença da imortalidade e do retorno Este trabalho consiste em uma revisão de li-
à vida após a morte (SOCIEDADE teratura, realizada através da base de dados da
BRASILEIRA DE ANATOMIA, 2018). Literatura Latino-Americana e do Caribe em
Além disso, o estudo da anatomia sofreu Ciências da Saúde (LILACS), Scientific
intensa interferência da Igreja Católica na Idade Eletronic Library Online (SciELO) e Biblioteca
Média, que proibiu a dissecação de corpos Virtual em Saúde (BVS), dos quais foram utili-
humanos, impedindo sua evolução e, conse- zando os descritores “anatomia”, “doação de
quentemente, restando apenas a utilização de corpos” e “ensino”. Foram encontrados 149
corpos de animais para pesquisa. Contudo, a artigos, dos quais, 23 foram selecionados e ape-
dissecação foi retornando progressivamente e o nas 5 enquadravam-se nos critérios de seleção,
conhecimento da anatomia humana se tornou sendo ambos de língua portuguesa e publicados
base para a formação de futuros profissionais da entre os anos de 2010 e 2020.
área da saúde, sendo uma das primeiras dicipli- Além disso, foram utilizadas 3 fontes confi-
nas a ser ministrada pelas instituições de ensino áveis a respeito da doação de corpos humanos.
superior (SOCIEDADE BRASILEIRA DE Sendo tais fontes a Sociedade Brasileira de
ANATOMIA, 2018). Anatomia, a Universidade Federal da Paraíba e
A utilização de corpos para ensino e pes- a Universidade Federal do Pampa.
quisa, no geral, são realizadas através da capta-
ção de corpos de indigente, ou seja, pessoas que 2.2 Referências através de fontes oficiais
faleceram e não foram procuradas pelos amigos Além das referências bibliográficas foi
e familiares, cabendo ao Estado, mediante a Lei utilizado dados fornecidos pela Sociedade
n° 8.501, de 30 de novembro de 1992, fornecer Brasileira de Anatomia e pelo Departamento de
tal corpo para os centros de ensino e pesquisa Morfologia do Centro de Ciências da Saúde da
(SOCIEDADE BRASILEIRA DE ANATO- Universidade Federal da Paraíba.
MIA, 2018).
Aliás, há também a doação voluntária do 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
próprio corpo fundamentada pelo Artigo 14 da
lei 010.406/2002 do Código Civil Brasileiro, a Como citado anteriormente, a utilização de
qual descreve que “é válida, com objetivo cien- corpos humanos para o estudo da anatomia

36 | P á g i n a
Capítulo 5
Estudos em Ciências Forenses

pelos discente da área da saúde é de extrema 3.1 Formas de doação de corpos


importância, já que, estarão sendo preparados 3.1.1. Doação do corpo em vida
de forma realista para os futuros pacientes e Conforme descrito pelo Departamento de
adversidades que venham a ter durante sua vida Morfologia da Universidade Federal da Paraíba
profissional. (UFPB), o doador em vida deve preencher o
Contudo, para que seja possível tal estudo, Termo de Intenção de Doação de Corpo para
é necessário que haja corpos legalmente Fins de Estudo e Pesquisa, e assinar tal
fornecidos às instituições de ensino e pesquisa. documento juntamente com duas testemunhas,
Nesse contexto, há diversas formas de adquirir preferencialmente familiares de primeiro grau,
o corpo humano para estudo, sendo reconhecer firma em cartório de ambas as
categorizada como doação de corpos em vida; assinaturas. Em seguida, deve realizar cadastro
doação e corpos e/ou órgãos pela família; e e entregar o termo de intenção de doação de
doação de fetos, natimortos e ossadas (UFPB, corpo para fins de estudo e pesquisa na
2018). Secretaria do Departamento de Morfologia
Na maioria das Universidades Federais do (DMORF).
Brasil há programas específicos para doação, Após o falecimento do doador, cabe a
como por exemplo o Programa de Doação de família entregar a declaração de óbito e uma
Corpos do Departamento de Morfologia da segunda via do termo de intenção de doação de
UFPB, que tem como objetivo divulgar e corpo para fins de estudo e pesquisa, e
orientar a população a respeito do processo de providenciar o translado do corpo para o
doação de corpos para fins de estudo e pesquisa DMORF.
(Figura 5.1).
3.1.2. Doação do corpo pela família
Figura 5.1 Logotipo do Programa de Doação Conforme previsto no Art. 12 do Código
de Corpos Civil, pela Lei nº 10.406/2002, após o óbito de
um indivíduo os direitos sobre o corpo passam
a ser exercidos pelos seus familiares, sendo
inicialmente passado para o cônjuge
sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta,
ou colateral até o quarto grau. Dessa forma, é
de plena responsabilidade do familiar a decisão
referente a doação do corpo, parte dele ou
órgãos para fins de estudo e pesquisa
(BEZERRA et al., 2020).
Sendo assim, o familiar responsável deverá
preenche e assinar o termo de intenção de
doação do corpo, órgãos ou parte do corpo pela
família para fins de estudo e pesquisa, com dois
familiares como testemunha, reconhecer a
Fonte: UFPB, 2019. firma de ambos em cartório e entregar o
documento juntamente com a Declaração de

37 | P á g i n a
Capítulo 5
Estudos em Ciências Forenses

Óbito e cópia simples da identidade (RG) do 4. CONCLUSÃO


doador e documentos que comprovem o
vínculo familiar (POCHAT et al., 2011). Em contrapartida às informações
anteriormente citadas, o cadáver humano
3.1.3. Doação de fetos e natimortos doado, no ponto de vista bioético, não deve ser
O óbito fetal consiste na morte do feto visto como simples objeto de estudo, visto que
concebido antes de seu nascimento, é envolvido por um vínculo emocional e afetivo
independentemente da idade gestacional. Já o com os indivíduos com que estabeleceu uma
natimorto equivale ao óbito fetal com idade relação em vida. A questão da morte está
gestacional igual ou superior a 20 (vinte) presente desde o início do ensino médico e das
semanas ou se o feto tiver peso corporal igual outras profissões da área da saúde, sendo
ou superior a 500 (quinhentos) gramas e/ou inegável que o avanço da medicina se deu
estrutura igual ou superior a 25cm graças à possibilidade de ensino e pesquisa
(CORDEIRO; MENEZES, 2019). ética em cadáveres (COSTA et al., 2012).
Sendo assim, para que tais corpos sejam No entanto, opiniões diversas são
doados, é necessário que o familiar encontradas atualmente quanto à vantagem de
responsável, de preferência os de primeiro grau, usar peças cadavéricas no ensino da anatomia
preencha e assine o termo de intenção de humana, pois alguns apontam repulsa visual e
doação de corpos de natimortos pela família fortes reações negativas devido ao formol
para fins de estudo e pesquisa (MELO; utilizado como meio de conservação
PINHEIRO, 2010). cadavérica. Quanto ao lado positivo, defende-
Em situações em que o óbito ocorre após o se que a ausência de cadáveres para estudo
nascimento (nascido vivo seguido de óbito) o compromete o aproveitamento dos alunos de
procedimento é semelhante a doação de corpo todos os cursos da área da saúde, já que o
pela família cadáver é a representação fiel da anatomia em
que os futuros profissionais encontrarem em
seu cotidiano (COSTA et al., 2012).

38 | P á g i n a
Capítulo 5
Estudos em Ciências Forenses

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BEZERRA, PATRÍCIA MELO et al. Ethical and legal experiência do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital
analysis of scientific research on corpses in Brazil. Universitário Professor Edgard Santos da Universidade
Revista Bioética. 2020, v. 28, n. 3, pp. 554-564. Federal da Bahia. Revista Brasileira de Cirurgia
Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1983- Plástica. 2011, v. 26, n. 4, pp. 561-565.
80422020283420>. Acessado em 29 de julho de 2021.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE ANATOMIA.
CORDEIRO, ROGÉRIO GUIMARÃES; MENEZES, ENTENDENDO A DOAÇÃO DE CORPOS PARA
RICARDO FERNANDES. Lack of Corpses for FINS DE ENSINO E PESQUISA, 2018. Disponível em:
Teaching and Research. Revista Brasileira de <https://sbanatomia.org.br/doacao-de-corpos/>.
Educação Médica 2019, v. 43, n. 1 suppl 1, pp. 579-587. Acessado em 07 de agosto de 2021.
COSTA, GILLIENE BATISTA FERREIRA da et al. O UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA – UFPB,
cadáver no ensino da anatomia humana: uma visão DEPARTAMENTO DE MORFOLOGIA DO CENTRO
metodológica e bioética. Revista Brasileira de DE CIÊNCIAS DA SAÚDE, 2018. Disponível em:
Educação Médica. 2012, v. 36, n. 3, pp. 369-373. <http://www.ccs.ufpb.br/dmorf/contents/menu/doacao-
de-corpos/>. Acessado em 07 de agosto de 2021.
MELO, ELIZABETH NEVES DE; PINHEIRO, JOSÉ
THADEU. Procedimentos legais e protocolos para UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA –
utilização de cadáveres no ensino de anatomia em Unipampa. Existe alguma lei que fundamente a doação?,
Pernambuco. Revista Brasileira de Educação Médica. 2018. Disponível em: <https://sites.unipampa.edu.br/
2010, v. 34, n. 2, pp. 315-323. doacaodecorpos/existe-alguma-lei-que-fundamente-a-
doacao/>. Acessado em 05 de agosto de 2021.
POCHAT, VICTOR DINIZ de et al. Atividades de
dissecção de cadáveres e residência médica: relato da

39 | P á g i n a
CAPÍTULO 06
UTILIZAÇÃO MORFOMETRICA
DOS PONTOS NÁSIO,
FRONTOZIGOMÁTICO
ORBITAL E FORAME
INFRAORBITAL PARA
DETERMINAÇÃO DO SEXO

JOSÉ ADERVAL ARAGÃO¹


LÚCIO FLÁVIO MAYNART DA COSTA SANTOS²
FELIPE MATHEUS SANT’ANNA ARAGÃO³
IAPUNIRA CATARINA SANT’ANNA ARAGÃO³
PAÔLA CARDOSO³
PEDRO HENRIQUE ADÁRIO MARASSI³
BÁRBARA COSTA LOURENÇO4
FRANCISCO PRADO REIS5

1Docente – Departamento de Morfologia da Universidade Federal de Sergipe.


2Discente – Estudante de Medicina da Universidade Federal de Sergipe.
3Discente – Estudante de Medicina do Centro Universitário de Volta Redonda.
4Discente – Estudante de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas de Três Rios.
5Docente – Departamento de Medicina da Universidade Tiradentes.

Palavras-chave: Medicina legal, Antropologia Forense; Biometria; Análise para Determinação


do Sexo; Medida da Idade pelo Esqueleto.

40 | P á g i n a
Capítulo 6
Estudos em Ciências Forenses

1. INTRODUÇÃO (KIMMERLE, ROSS & SLICE, 2008). Uma


identificação do sexo feita a partir de um osso
O processo de identificação de cadáveres, a adulto, torna-se muito confiável se o esqueleto
partir de exames periciais do segmento cefálico completo estiver disponível para análise
ou de partes dele, tem sido de significante (LIMA, SILVA, & JÚNIOR, 2016). O pro-
importância para o esclarecimento de fatos de blema é que, na maioria dos cenários, apenas
interesse jurídico-social (JÚNIOR et al., 2013). algumas partes do esqueleto são recuperadas
É considerada uma das mais importantes (NIJAGUNAPPA & BIDARKO-TIMATH,
funções do perito médico e odontolegal, além 2016). Por esse motivo, tornou-se importante
de ser uma atividade complexa e vasta, no que desenvolver estudos específicos para diferentes
se refere às metodologias necessárias para partes ósseas do corpo humano.
realizá-la. Por esse motivo, é muito importante Dentre as partes mais estudadas, o crânio é
não confundir o processo de identificação com a segunda porção do esqueleto que mais se di-
o reconhecimento (JÚNIOR et al., 2015). ferencia entre os sexos, depois da pelve. É im-
A identificação é uma avaliação pericial portante salientar que essa diferenciação não é
baseada em metodologias científicas, que visa tão confiável antes do período da puberdade,
caracterizar um indivíduo, seja por meios pois o corpo humano ainda pode sofrer altera-
morfológicos ou morfométricos. Enquanto que ções, decorrentes dos hormônios e fatores am-
o reconhecimento trata-se de um procedimento bientais (LIMA, SILVA, & JÚNIOR, 2016).
empírico, baseado apenas em conhecimento O exame do dimorfismo sexual através do
prévio, cuja base de sustentação é unicamente crânio, tem sido objeto de numerosos estudos
testemunhal (FREITAS et al., 2016). morfológicos e craniométricos e bons resulta-
Morfologicamente, em geral, os crânios dos têm sido obtidos (JÚNIOR et al., 2013;
masculinos possuem estruturas mais grosseiras LIMA, SILVA, & JÚNIOR, 2016;
e ásperas, pelo fato de as inserções musculares NASCIMENTO et al., 2019).
serem mais fortes. Dentre essas estruturas, po- O objetivo deste estudo foi de analisar a uti-
dem ser citadas: a glabela, processos mastoides, lização dos pontos násio, frontozigomático or-
rebordo orbitário, extensão zigomática e rugo- bital e forame infraorbital na estimativa do sexo
sidade supra-orbital (JÚNIOR et al., 2010). e idade em crânios secos de adultos humanos.
Morfometricamente, os crânios masculinos
são, em geral, maiores que os femininos, rela- 2. MÉTODO
tando-se algumas características como a distân-
cia entre os forames condilares do osso occipi- Foram utilizados 234 crânios secos, sendo
tal (JÚNIOR et al., 2013) e diâmetro anteropos- 139 do sexo masculino e 95 do feminino, todos
terior e transverso do forame magno, além da com idade e sexo conhecidos. Os crânios foram
capacidade craniana (RADHA-KRISHNA et obtidos de acordo com a lei Nº 8501 de 1992,
al., 2012). que trata do uso de cadáveres não reclamados
A estimativa do sexo é um dos quatro pila- para uso em estudos e pesquisas. Estes crânios
res do protocolo antropológico, que consiste da pertencem ao acervo do Centro de Estudo e Pes-
análise métrica e avaliação visual das caracte- quisa em Anatomia e Antropologia Forense da
rísticas do esqueleto, do crânio ou da pelve Universidade Tiradentes, em Aracaju - Sergipe.

41 | P á g i n a
Capítulo 6
Estudos em Ciências Forenses

Foram incluídos na pesquisa todos os crânios de 95% de confiança, além de curvas ROC (Recei-
indivíduos com idade acima de 20 anos, e ex- ver Operating Curve) e estimada área abaixo da
cluídos aqueles que apresentavam qualquer tipo curva ROC e seus respectivos intervalos com
de dano, ou variações anatômicas relacionadas 95% de confiança. Foi estimado o efeito com-
à região do estudo. Foram realizadas as medidas binado das medidas por meio de regressão lo-
das distâncias entre os pontos násio e forame in- gística. Foram calculadas correlações de Spear-
fraorbital (FIO); násio e sutura frontozigomá- man para avaliar o poder preditivo das medidas
tica orbital (ZO) e FIO e ZO, a partir das quais do crânio e a idade. O software utilizado foi o
calculou-se uma área triangular (AT) formada R Core Team 2020 (Versão 4.0.4) e o nível de
por esses pontos. Todas as medidas foram obti- significância adotado foi de 5%.
das utilizando um paquímetro digital de preci-
são de 0,05mm. 3. RESULTADOS
A análise estatística foi a seguinte: as variá-
veis contínuas foram descritas por meio de mé- Dos 237 crânios analisados, três foram ex-
dia, mediana, desvio padrão e intervalo inter- cluídos por conta da idade, um possuindo 11
quartil. A hipótese de aderência das variáveis anos, e dois com idade de 18 anos. A partir dos
contínuas e a distribuição normal foi testada por 234 crânios restantes, foram realizadas estatís-
meio do teste de Shapiro-Wilks. Uma vez que ticas descritivas das variáveis, através do cál-
essa não foi verificada, a hipótese de igualdade culo da média, mediana, desvio padrão e inter-
de medianas foi testada por meio do teste de valo interquartil. Os valores de média e medi-
Mann-Whitney. Na análise de acurácia diag- ana foram maiores nos homens do que nas mu-
nóstica, foram estabelecidos pontos de corte por lheres, com exceção da distância do FIO até
meio do índice de Youden, que busca determi- ZO, que apresentou igualdade entre os sexos.
nar pontos com máxima sensibilidade e especi- Concomitantemente, o teste de Mann-Whitney
ficidade. Para caracterizar estes pontos foram indicou que a variável mais distinta entre os se-
estimados: sensibilidade, especificidade, valor xos foi a distância entre o násio e a ZO, sendo p
preditivo positivo e negativo, razão de chances < 0,001 (Tabela 6.1).
diagnósticas e seus respectivos intervalos com

Tabela 6.1 Descrição e comparação das medidas cefalométricas entre os sexos

Feminino Masculino

Média (DP) Mediana (IIQ) Média (DP) Mediana (IIQ) p-valor


FIO-ZO 35,4 (3,5) 36,2 (34,1-37,5) 35,7 (3,3) 36,3 (34,3-37,7) 0,556
FIO-Násio 42,3 (3,9) 42,3 (40,3-45,2) 44,0 (4,2) 44,3 (41,5-47,1) 0,001
ZO-Násio 50,1 (3,3) 50,6 (48,6-52,3) 51,9 (3,8) 52,2 (50,0-54,7) <0,001
Área do Triân-
738,0 (116,0) 753,9 (677,1-814,6) 775,3 (122,8) 785,6 (721,6-856,7) 0,011
gulo

Legenda: DP – Desvio Padrão. IIQ – Intervalo Interquartil. Teste de Mann-Whitney.

42 | P á g i n a
Capítulo 6
Estudos em Ciências Forenses

Os valores estatisticamente descritos foram tificados pontos de máxima sensibilidade e es-


então submetidos a uma análise de acurácia di- pecificidade, sendo calculados o valor preditivo
agnóstica, na tentativa de estimar o sexo e a positivo (VPP) e o valor preditivo negativo
idade a partir deles. Para cada variável foi cons- (VPN), que indicam a capacidade de identificar
truído um gráfico da curva ROC, cuja área um crânio como sendo do sexo masculino ou
abaixo da curva indica a capacidade que a vari- feminino, respectivamente. Os resultados mos-
ável possui de predizer o sexo de um crânio des- tram a distância ZO - násio como a variável
conhecido. Os resultados obtidos foram os se- mais discriminativa entre os sexos, sendo o seu
guintes: distância FIO - ZO (52,3%), distância VPP = 74,5% e o seu VPN = 53,1%. Ao passo
FIO - násio (62,6%), distância ZO - násio (66%) em que também é constatado um melhor de-
e área do Triângulo (59,8%), apontando a dis- sempenho das variáveis na estimativa do sexo
tância ZO - násio como a melhor variável para nos crânios masculinos do que nos femininos,
esse método, como indica a Figura 6.1. Além como está expresso na Tabela 6.2.
disso, por meio do teste de Youden, foram iden-

Figura 6.1 Desempenho das variáveis por meio do gráfico da curva ROC

43 | P á g i n a
Capítulo 6
Estudos em Ciências Forenses

Tabela 6.2 Desempenho das variáveis na estimativa do sexo, por meio da AUC, VPP e VPN
Área do
Masculino/Feminino FIO-ZO FIO-Násio ZO-Násio Efeito combinado
Triângulo
Ponto de corte (cm) 37,1 43,0 51,9 796,57 0,651
AUC 0,52 0,63 0,66 0,60 0,67
(IC95%) (0,45-0,60) (0,55-0,70) (0,59-0,73) (0,53-0,67) (0,60-0,74)
Sensibilidade (%) 35,2 64,0 56,8 46,1 56,1
Especificidade (%) 71,6 56,8 71,7 71,6 72,6
VPP (%) 64,5 68,5 74,5 70,3 75,0
VPN (%) 43,0 51,9 53,1 47,5 53,1
RCD 1,37 2,34 3,32 2,15 2,67
(IC95%) (0,78-2,41) (1,37-4,00) (1,90-5,79) (1,23-3,75) (1,54-4,68)
Youden 0,068 0,209 0,284 0,176 0,287

Legenda: AUC – Área abaixo da curva. IC95% – Intervalo com 95% de confiança. VPP – Valor preditivo positivo. VPN – Valor
preditivo negativo. RCD – Razão de Chance Diagnóstica. IC95% - Intervalo com 95% de Confiança.

Visando melhorar o desempenho das variá- Tabela 6.4 Desempenho do efeito combinado
veis na estimativa do sexo, combinou-se o mé- na estimativa do sexo
todo de regressão logística com o cálculo da Masculino/Feminino Efeito combinado
Ponto de corte (cm) 0,651
curva ROC, a partir da construção de uma equa-
AUC 0,67
ção característica, demonstrada na Tabela 6.3. (IC95%) (0,60-0,74)
As medidas foram avaliadas e comparadas com Sensibilidade (%) 56,1
Especificidade (%) 72,6
os pontos de corte. Valores acima do ponto de VPP (%) 75,0
corte combinado, indicam que o crânio é do VPN (%) 53,1
RCD 2,67
sexo masculino. Caso contrário, indica que o
(IC95%) (1,54-4,68)
crânio é do sexo feminino. A análise diagnós- Youden 0,287
tica combinada da variável ZO - násio apresen- Legenda: AUC – Área abaixo da curva. IC95% – Inter-
valo com 95% de confiança. VPP – Valor preditivo positivo.
tou o melhor desempenho, resultando em um VPN – Valor preditivo negativo. RCD – Razão de Chance Di-
valor preditivo positivo de 75% e um valor pre- agnóstica. IC95% - Intervalo com 95% de Confiança.
ditivo negativo de 53,1%, verificando-se uma Além disso, também foi calculada a área
ligeira melhoria do desempenho para crânios abaixo da curva para o efeito combinado, que
masculinos, enquanto que para crânios femini- resultou em uma capacidade preditiva de 67%,
nos não houve diferença, como se vê na Tabela indicando um aumento de 1 ponto percentual,
6.4. como demonstrado na Figura 6.2.

Tabela 6.3 Equação característica


Área do Pontos de
Condição Intercepto FIO-ZO FIO-Násio ZO-Násio
Triângulo corte
≥ -0,12982 0,46622 1,02308 0,02826
-0,26994 0,6515769
< 0 0 0 0

44 | P á g i n a
Capítulo 6
Estudos em Ciências Forenses

Figura 6.2 Avaliação do efeito combinado na curva ROC

As variáveis não apresentaram correlação tornando inviável estimá-la, como representa a


com a idade, pois apresentaram-se dispersas, Figura 6.3.

Figura 6.3 Correlação entre as medidas e idade

45 | P á g i n a
Capítulo 6
Estudos em Ciências Forenses

4. DISCUSSÃO A partir dessas medidas, conduziu-se uma


estatística descritiva, observando-se que as me-
A estimativa do sexo é um dos quatro pila- didas tendem a ser maiores no sexo masculino
res do protocolo utilizado na antropologia, além do que no feminino, o que está de acordo com
de, dentre os diferentes parâmetros, ser consi- os estudos realizados por MOODLEY et al.
derada o principal critério para estabelecer a (2019) e FREITAS et al. (2016), onde constata-
singularidade de um indivíduo. A identificação ram a influência do dimorfismo sexual nas dis-
do sexo pode ser feita a partir da análise visual tâncias entre os pontos cefalométricos descri-
do esqueleto, do crânio ou da pelve tos.
(KIMMERLE et al., 2008; SIVA-KUMAR et Com relação a aplicação das variáveis em
al., 2020). métodos para a predição do sexo, os pontos de
Dentre as partes do esqueleto que possibili- corte foram estabelecidos pelo índice de You-
tam esse estudo, o crânio é a segunda melhor den, visando obter a melhor sensibilidade e es-
porção para realizar a estimativa do sexo em um pecificidade das medidas, que indicou a variá-
cadáver adulto, logo após a pelve. Visto isso, vel ZO - násio como a mais adequada. Os resul-
quando se deseja discriminar o sexo de um ca- tados obtidos por meio da curva ROC (66%),
dáver por intermédio da porção cefálica, exis- valor preditivo positivo para homens (74,5%) e
tem dois métodos disponíveis: o qualitativo ou valor preditivo negativo para mulheres
morfológico e o quantitativo ou morfométrico (53,1%), indicam que o uso das medidas descri-
(JUNIOR et al., 2010). tas teve significância na identificação do sexo.
A maioria dos estudos relacionados à inves- Além disso, é possível observar melhores índi-
tigação do sexo que utilizam a porção cefálica ces no sexo masculino do que no sexo feminino,
do crânio, são de caráter morfológico, sendo diferente do que aconteceu no estudo de
bastante estudadas as características como: FREITAS et al. (2016), que utilizaram as mes-
seios frontais, dentes, glabela, forma do mento, mas variáveis e relataram um índice de acertos
processos mastoides e articulação frontonasal. de 60,43% para o sexo masculino e 64,89%
Todavia, com relação as variáveis quantitativas, para feminino.
visando melhorar a segurança de critérios na Também foi realizada a regressão logística,
hora de identificar o sexo, são utilizadas medi- combinada com o cálculo da curva ROC, ge-
das entre pontos pré-estabelecidos rando um efeito combinado que forneceu um
(NASCIMENTO et al., 2019). VPP para o sexo masculino de 75% e um VPN
No presente estudo, optou-se pelo método para o feminino de 53,1%, que pode ser compa-
quantitativo, pois fornecem valores matemáti- rado com os resultados de NIDUGALA et al.
cos que são analisados estatisticamente, o que, (2013), estudando 80 crânios de uma população
portanto, contribui para a minimização de erros sul indiana, usando a amplitude bizigomática,
de origem observacional, de interpretação pes- obteve um valor de 62,5% para o sexo mascu-
soal e deformações anatômicas. Dessa forma, lino e 75% para o feminino em cálculos de fun-
foram mensuradas as distâncias entre os pontos ção discriminante. Já LIMA, SILVA, &
násio e FIO, násio e ZO e FIO e ZO, bem como JÚNIOR (2016), em seu estudo, obteve um re-
também a área do triângulo formado por elas. sultado de 71,3%, por meio de regressão logís-
tica na predição do sexo.

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Capítulo 6
Estudos em Ciências Forenses

Em relação à predição da idade, as medidas 5. CONCLUSÃO


do presente estudo não apresentaram correla-
ção, o que impossibilitou a realização da regres- A partir dos resultados encontrados, é pos-
são linear múltipla. JÚNIOR et al. (2013) tam- sível concluir que existe uma diferença entre os
bém não obteve um valor de significância a par- sexos quanto ao tamanho das medidas, sendo
tir do estudo de distâncias interforaminais, em maiores no sexo masculino do que no feminino,
160 crânios secos de adultos, sendo o valor de com exceção, apenas, da distância entre o FIO
p = 0,1121. Contudo, a partir do estudo de ossos e a ZO, que foi igual entre os sexos. Já a distân-
occipitais, NASCIMENTO et al., 2019 estabe- cia entre os pontos násio e ZO obteve o melhor
leceram uma equação que apresentou signifi- desempenho na predição do sexo, sendo de 75%
cância na predição da idade, utilizando como para homens e 53,1% para mulheres. O que in-
variáveis a distância entre os forames condila- dica, também, a viabilidade das variáveis traba-
res e uma área triangular formada pelos dois fo- lhadas nesse estudo para estimar com precisão
rames condilares e o básio, sendo o valor de p o sexo de um cadáver desconhecido. Além
= 0,0105. disso, tendo em vista os métodos estatísticos
Dessa forma, os resultados obtidos por meio utilizados, os crânios masculinos demonstraram
dos métodos estatísticos permitem inferir que um melhor desempenho nessa tarefa, sendo que
os pontos cefalométricos, násio, FIO, ZO e a outros estudos que tomaram mão da análise dis-
área triangular formada, são potencialmente ca- criminante, obtiveram o melhor desempenho no
pazes de estimar com sucesso o sexo de indiví- sexo feminino. Por fim, não havendo correlação
duos desconhecidos, bem como as suas distân- entre a idade e as variáveis abordadas, não foi
cias apresentam diferenças entre os sexos. To- possível estimá-la e, portanto, recomenda-se a
davia, não apresentaram correlação com a utilização de outros pontos que já estão descri-
idade, o que impossibilitou a sua estimativa, po- tos na literatura.
dendo ser utilizados outros pontos descritos na
literatura para realização dessa atividade.

47 | P á g i n a
Capítulo 6
Estudos em Ciências Forenses

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FREITAS, B. et al. Utilização dos pontos násio, MOODLEY, M. et al. The Morphometry and
frontozigomático orbital e forame infraorbital na Morphology of the Foramen Magnum In Age And Sex
estimativa do sexo e idade em crânios secos de adultos. Determination Within The South African Black
Anais 2016: 18ª Semana de Pesquisa da Universidade Population Utilizing Computer Tomography (CT) Scans.
Tiradentes. “A prática interdisciplinar alimentado a International Journal of Morphology, vol. 37, n. 1, p.
Ciência”. n. 18, p. 1-4, 2016. [Apresentado no 18ª 251-257, 2019.
Semana de Pesquisa da Universidade Tiradentes; 2016
Out 24-28; Aracaju, BR]. NASCIMENTO, B et al. Investigação do Sexo e Idade
através de Mensurações em Ossos Occipitais de Crânios
JÚNIOR, E. et al. Investigação do sexo através de uma Secos de Adultos. Brazilian Journal of Forensic
área triangular facial formada pela interseção dos pontos: Sciences, Medical Law and Bioethics, vol. 8, n. 4, p.
forame infraorbital direito, esquerdo e o próstio, em 178-187, 2019.
crânios secos de adultos. Revista de Ciências Médicas e
Biológicas, v. 9, Supl 1, p. 8-12, 2010. NIDUGALA, H. et al. Sexual dimorphism of the
craniofacial region in a South Indian population.
JÚNIOR, E. et al. Investigação do sexo e idade por meio Singapore Medical Journal, vol. 54, n. 8, p. 458-462,
de mensurações interforames em crânios secos de 2013.
adultos. Revista de Ciências Médicas e Biológicas, v.
12, n. 1, p. 55-56, 2013. NIJAGUNAPPA, N & BIDARKOTIMATH, S.
Determination of sex using morphometry of foramen
JUNIOR, E. et al. Estimativa do sexo e idade por meio magnum in south indian population. Journal of
de mensurações cranianas. Revista Bahiana de Evidence-Based Healthcare, vol. 3, n. 5, p. 147-149,
Odontologia, vol. 6, n. 2, p. 81-88, 2015. 2016.

KIMMERLE, E, ROSS, A, SLICE, D. Sexual RADHAKRISHNA, S. et al. Morphometric Analysis of


Dimorphism in America: Geometric Morphometric foramen magnum for sex determination in south indian
Analysis of the Craniofacial Region. Journal of population. Nitte University Journal of Health
Forensic Sciences, vol. 53, n. 1, p. 54-57, 2008. Science, vol. 2, n. 1, p. 20-22, 2012.

LIMA, A, SILVA, R, JÚNIOR, E. Análise entre os SIVAKUMAR, M. et al. Gender determination analysis
pontos zigomáticos orbitais e espinha nasal anterior na using anthropometrical dimensions of 2D:4D, foot index
investigação do sexo e idade em crânios secos de adultos. and mandibular canine index. Journal of oral and Ma-
Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 5, n. 3, xillofacial Pathology, vol. 24, n. 3, p. 510-516, 2020.
p. 7-13, 2016.

48 | P á g i n a
CAPÍTULO 07
CIÊNCIA FORENSE:
IDENTIFICAÇÃO DE PESSOAS
DESAPARECIDAS E OSSADAS
ATRAVÉS DE TÉCNICAS
MOLECULARES

ISADORA OLIVEIRA GONDIM¹


LÍVIA MARINA SOUZA DOMINGOS 1
RENAN FELIPE DOS SANTOS1
ALINE APARECIDA SILVA MARTINS2
LUCAS FERREIRA ALVES3
1Discente – Centro Universitário UNA.
2 Docente- Centro Universitário UNA.
3Docente - Centro Universitário UNA e Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais.

Palavras-chave: Genética forense, Identificação humana, DNA forense.

49 | P á g i n a
Capítulo 7
Estudos em Ciências Forenses

1. INTRODUÇÃO 2. MÉTODO
A biologia molecular se baseia nas intera- Trata-se de uma pesquisa exploratória,
ções existentes no Ácido desoxirribonucléico composta por uma revisão narrativa da
(DNA) para a produção de Ácido ribonucléico literatura.
(RNA) e síntese de proteínas. Na busca por in- A revisão integrativa da literatura foi reali-
formações mais exatas, essa ciência se apre- zada no período de janeiro a novembro de 2020,
senta, com base em técnicas de alta sensibili- por meio de pesquisas nas bases de dados Lite-
dade e caráter discriminatório, como uma das ratura Latino-americana e do Caribe em Ciên-
áreas responsáveis no auxílio da justiça e da ci- cias da Saúde (LILACS), Medical Literature
ência forense contribuindo para a resolução de Analysis and Retrieval System Online
crimes a partir de vestígios/material genético, (MEDLINE), Biblioteca Virtual em Saúde
determinação de paternidade e em especial na (BVS), National Center for Biotechnology In-
identificação humana mediante seu perfil gené- formation (NCBI). Foram utilizados os descri-
tico (FRUEHWIRTH et al., 2015). tores: genética forense, identificação humana e
Metodologias moleculares utilizam amos- DNA forense, cadastrados no Descritores em
tras biológicas e fluidos corporais como man- Ciências da Saúde (DeCS). Desta forma, foram
chas de sangue, cabelo, ossos, sêmen, dentes, encontrados 168 artigos, posteriormente sub-
saliva, urina e, juntamente com a genética, pos- metidos aos critérios de seleção.
sibilitam a análise de marcadores moleculares Os critérios de inclusão foram artigos nos
empregados nas distinções entre sequências de idiomas Português, Inglês e Espanhol, publica-
DNA nas populações (FREDERICO, 2015). dos no período de 2005 a 2020 e que abordavam
Através da aplicação de conceitos técnicos as temáticas propostas para esta pesquisa, estu-
e acadêmicos, estudados em Biomedicina, refe- dos do tipo (revisão, meta-análise), disponibili-
rente à biologia molecular e genética, junta- zados na íntegra. Também foram incluídos dis-
mente com a necessidade de informações mais sertações, teses, livros e repositórios da inter-
exatas, baseadas nas técnicas moleculares, para net. Os critérios de exclusão foram: cartas ao
auxílio da ciência forense na resolução de cri- editor, artigos de opinião, artigos publicados
mes e na identificação humana, pretende-se res- sem material completo e artigos que não esta-
ponder o seguinte problema: Quais são as prin- vam de acordo com a questão norteadora e/ou
cipais técnicas de biologia molecular emprega- não se enquadraram nos critérios de inclusão
das na identificação humana? adotados.
Diante destas considerações, o objetivo Após os critérios de seleção restaram de-
deste estudo foi descrever os métodos mais uti- zoito artigos que foram submetidos à leitura mi-
lizados pelos laboratórios forenses e relacionar nuciosa para a coleta de dados, além de quatro
as técnicas de biologia molecular com a resolu- livros, cinco dissertações de mestrado, uma tese
ção de crimes e identificação humana. de doutorado e dois repositórios da internet. Os
resultados foram apresentados de forma descri-
tiva, divididos em categorias temáticas abor-
dando as técnicas moleculares utilizadas na ci-
ência forense.

50 | P á g i n a
Capítulo 7
Estudos em Ciências Forenses

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO senta extremamente resistente a deformações


cadavéricas, tornando-se assim uma fonte ex-
3.1. Biologia forense tremamente relevante para a extração do DNA
O DNA genômico humano está presente em (CANDIDO et al., 2014).
todas as células dos seres humanos, organiza- A existência de banco de dados genômicos
dos na forma de cromossomos. Além do DNA permitem a execução de técnicas de exploração
genômico, há a presença do DNA mitocondrial, em análises epidemiológicas, além de testes clí-
de herança exclusivamente materna nicos e genômicos, possibilitando estabelecer
(DECANINE, 2016). associações entre doenças, pesquisas, ciências
A Biologia forense representa uma área que forenses e novos tratamentos para um conjunto
associa e aplica em suas metodologias os con- de pessoas com padrões genéticos específicos
ceitos moleculares e as propriedades do mate- (PITASSI et al., 2014).
rial genético contribuindo com a justiça na re- No Brasil, a partir de 2010, implantou o
solução de casos sob investigação policial e/ou Combined DNA Index System (CODIS), um sis-
do Ministério Público, ou unicamente na iden- tema de informática que deposita perfis de
tificação de pessoas (BERRIEL et al., 2011). DNAs, elaborado por laboratórios forenses dos
A prática da biologia molecular vinculada a Estados Unidos da América. Os perfis genéti-
ciência forense compreende um fluxo de ativi- cos ali introduzidos devem se relacionar aos se-
dades como: a coleta de amostras biológicas, guintes índices: Forense; Desaparecidos; Cor-
extração do DNA, identificação de regiões ge- pos e despojos não identificados; Parentes de
nômicas de interesse, compreensão e análise desaparecidos (DECANINE, 2016).
comparativa de resultados (FRUEHWIRTH et No Contexto da genética forense, são anali-
al., 2015). sadas regiões conservadas e altamente polimór-
ficas no DNA. Os marcadores moleculares uti-
3.2 Aplicação do DNA na genética fo- lizados são regiões repetidas no DNA genô-
rense mico denominadas Short tandem repeats
A genética forense consiste na utilização do (STRs) e Variable number of tandem repeats
DNA, pelo fato desta molécula armazenar toda (VNTRs), denominadas micro e minissatélites,
a informação genética dos indivíduos, o que respectivamente. A grande diversidade nestas
permite através de sua análise, apresentar carac- regiões se dá pelo número de repetições de uma
terísticas individuais, para auxiliar em questões dada sequência de bases que varia entre indiví-
relacionadas à justiça. Desta forma, com o in- duos, podendo ser de 1 a 4 bases nos STRs e de
tuito de analisar o material genético, são utili- 10 a 100 bases nos VNTRs. Cada possibilidade
zadas técnicas moleculares para elucidar a ori- de número de repetições representa um alelo de
gem das amostras. A análise do material gené- um gene específico (DOLINSKY & PEREIRA,
tico permite confirmar ou negar suspeitas, o que 2016).
influencia no julgamento e condenação A análise baseada nos STRs, ainda que não
(MACHADO et al., 2010). forneça informações específicas de cada indiví-
A genética forense manifesta-se como uma duo, proporciona informações importantes
opção relevante para análises post mortem. Es- quanto à origem parental. Portanto, o estudo
pecialmente para ossos humanos, que se apre- desses marcadores do DNA do cromossomo Y

51 | P á g i n a
Capítulo 7
Estudos em Ciências Forenses

identifica um padrão que se estende por muitas como sangue, saliva, sêmen, dentre outros, em
gerações, por até mais de 500 anos. Desse condição líquida e em pequena quantidade, faz-
modo, um indivíduo masculino apresenta um se necessária à coleta por meio de swab estéril.
padrão de cromossomo Y praticamente idêntico Em grande quantidade, faz-se necessária à co-
a todos os seus ascendentes e descendentes (DA leta com seringa descartável e estéril
SILVA JÚNIOR & SOUZA, 2016). (FRUEHWIRTH et al., 2020).
Outro tipo de marcador utilizado são os po- Caso o fluido se encontre seco e em peque-
limorfismos de nucleotídeo único, do inglês, nos objetos ou peças de vestuário, estes objetos
Single Nucleotide Polymorphism (SNPs). Os devem ser conduzidos para análise. Em grandes
SNPs representam o polimorfismo mais comum objetos, superfícies metálicas, paredes ou mó-
encontrado no genoma. As variações ocorrem veis, necessitam ser retirados com bisturi, espá-
em apenas um nucleotídeo em cada sequência tula ou swab umedecido com água estéril
de DNA, ocorrendo perto de uma vez a cada (FRUEHWIRTH et al., 2020).
1.350 pares de bases (pb) no genoma humano Todo processo de coleta de material bioló-
(DECANINE, 2016). gico para análise deve considerar as normas de
O marcador de DNA Mitocondrial biossegurança padronizadas pela legislação e
(mtDNA) é utilizado quando o material bioló- pelos programas de acreditação laboratorial,
gico está muito danificado ou quando não é pos- tendo em vista a proteção pessoal do perito e
sível extrair DNA genômico nuclear. Para a evitando o que se denomina de erro humano.
análise é realizado o sequenciamento de deter- Em seguida a coleta e acondicionamento apro-
minadas regiões de mtDNA, que variam de uma priado dos materiais, estes devem ser direciona-
pessoa para outra. O mtDNA está presente em dos ao laboratório credenciado e preparado para
todas as células, apresentando assim menor análise (SILVA & GONTIJO, 2010).
risco de degradação em relação ao DNA nu- Com objetivo de isolar o material genético
clear (SANTOS et al., 2005). é necessário realizar a extração de DNA especí-
fica para cada amostra. Após extraídas, as
3.3 Manipulação do material genético amostras de DNA podem ser submetidas a pro-
3.3.1 Coleta, extração e purificação de cessos de concentração e de purificação a fim
DNA para uso forense melhorar sua qualidade (CORRAD, 2017 &
GALLAGHER, 2011).
Para uso forense o material biológico deve A assepsia durante todas as etapas é funda-
ser coletado, preservado e manipulado sobre rí- mental. Desta forma, o uso de luvas é obrigató-
gidos critérios, com o intuito de preservar sua rio no manuseio de amostras, a fim de evitar
estabilidade e possibilitar resultados confiáveis contaminação do material e para que não ocorra
(FRUEHWIRTH et al., 2020). a contaminação do profissional responsável
Amostras como órgãos, pelos com bulbo através do material biológico potencialmente
capilar, tecidos, pele, unha e ossos devem ser infectante. Adicionalmente, o uso de equipa-
documentados através de fotografias ou descri- mento de proteção individual (EPI), auxilia
ções. O equipamento de coleta deve ser estéril para que não aconteça a degradação dos ácidos
e cada amostra armazenada separadamente, se- nucleicos por nucleases, enzimas encontradas
lada e identificada. Para amostras de fluidos

52 | P á g i n a
Capítulo 7
Estudos em Ciências Forenses

em fluidos corporais principalmente nas mãos sim, os problemas mais comumente encontra-
(OLIVEIRA, 2007). dos incluem baixo número de cópias e aparên-
A extração e purificação do DNA são etapas cia de partículas que dificultam a cópia do con-
de suma importância, pois uma análise de qua- teúdo (ALVAREZ-CUBERO et al., 2010).
lidade envolve quantidade, qualidade e pureza A reação em cadeia da polimerase (PCR) é
satisfatória de DNA. Um grande desafio é a uma técnica utilizada nas ciências básicas e bi-
falta de protocolo padrão para a extração do ma- omédicas com o objetivo de amplificar uma de-
terial genético de diferentes origens biológicas terminada região do DNA. Pode ser aplicada
e/ou organismos (CARVALHO, 2009; WANG por exemplo, pelos cientistas forenses para cor-
et al., 2011). relacionar o DNA da cena do crime com os sus-
A metodologia fenol/clorofórmio é uma peitos (GHANNAM & VARACALLO, 2020;
técnica utilizada pelos laboratórios forenses, REECE et al., 2011).
esta técnica tem como objetivo a retirada das A PCR compreende três etapas: a primeira
proteínas da solução tornando-as insolúveis na etapa envolve a desnaturação do DNA da amos-
parte aquosa na qual o DNA se encontra, sendo tra, que acontece através do aumento de tempe-
considerada exaustiva e arriscada, pelo fato de ratura, em torno de 95ºC, responsável por rom-
o fenol ser uma substância tóxica (SILVA, per as ligações de hidrogênio possibilitando a
2017). abertura da fita dupla do DNA; a segunda etapa
Outra metodologia utilizada é a extração de ocorre o anelamento de primers específicos na
DNA adicionando-se esferas magnéticas reves- região de interesse; a terceira etapa ocorre a adi-
tidas de sílica, as quais isolam o DNA purifi- ção dos nucleotídeos na nova fita de DNA. Na
cado a um tampão de lise. As esferas magnéti- PCR convencional, as três etapas de ciclagem
cas possuem alta especificação de ligação ao são repetidas em torno de 25 a 35 ciclos, sendo
DNA permitindo eliminar inibidores e alto grau que a cada ciclo de amplificação ocorre um au-
de purificação. Atualmente é uma técnica muito mento exponencial do DNA (OLIVEIRA E
utilizada nos laboratórios forenses e garante FILHO, 2018; HAAS & TORRES, 2016).
uma maior segurança para a saúde do analista A execução da técnica requer os seguintes
por não apresentar toxicidade (BASTOS, insumos e equipamentos:
2018). ● Amostra: amostra biológica. Exemplo:
osso
3.4 Técnicas de identificação ● Primers: iniciadores da reação de ampli-
3.4.1 PCR e sua aplicação em ciências fo- ficação.
renses ● Desoxirribonucleicos Fosfatos
As amostras encontradas em cenas de cri- (dNTPs): responsáveis pela formação da nova
mes na maioria das vezes não estão em bom es- fita de DNA
tado de conservação, por esse motivo existe a ● Taq DNA polimerase: adiciona os
possibilidade de o material genético se encon- dNTPs na fita de DNA nascente
trar degradado. Em situações como essa, o ● Cloreto de Magnésio e Tampão: cofato-
DNA pode estar presente em pequenas quanti- res da enzima Taq DNA-polimerase
dades, danificado, fragmentado ou com modifi- ● Termociclador: equipamento responsá-
cações estruturais na sequência base. Sendo as- vel pela ciclagem de temperatura, possibili-

53 | P á g i n a
Capítulo 7
Estudos em Ciências Forenses

tando as etapas de desnaturação, anelamento do etapa ele é reamplificado através da utilização


primer e extensão de novas fitas de DNA. do produto da primeira PCR, mas com primers
Sendo que a desnaturação acontece em torno de específicos para a região que se queira investi-
94 – 97 ºC, o anelamento dos primers 50 – 65 gar. Sua maior aplicabilidade no campo forense
ºC e a síntese de DNA 72 ºC (OLIVEIRA E está na análise genética de impressões digitais
FILHO, 2018). (GALVÃO, 2014; PAVANI, 2017).
Polimorfismo de Tamanho dos Fragmen-
3.4.2 Variações da PCR Convencional tos (RFLP): Utilizando-se um par de primers
Além da PCR convencional, existem varia- complementares a sítios específicos do DNA,
ções da técnica, com alto grau de reprodutibili- amplifica-se a região-alvo. Posteriormente, as
dade e confiabilidade, como: cópias desta região-alvo são digeridas por enzi-
PCR Multiplex: reação onde múltiplas re- mas extraídas de bactérias chamadas endonu-
giões do DNA são amplificadas ao mesmo cleases de restrição. Estas endonucleases reco-
tempo, com primers específicos para cada re- nhecem e cortam sítios específicos (normal-
gião de interesse, com temperaturas de anela- mente de quatro a seis pares de base) da região-
mento semelhantes. Os fragmentos de DNA alvo, gerando fragmentos que podem ser sepa-
amplificados apresentam tamanhos diferentes, rados por tamanho após eletroforese em gel de
possibilitando assim a identificação de todas as agarose (ou poliacrilamida) (HAAS &
regiões de interesse. A PCR Multiplex apre- TORRES, 2016).
senta como vantagens o baixo custo e maior Na PCR-RFLP a identificação de polimor-
agilidade na obtenção dos resultados (HAAS & fismos entre os indivíduos é realizada a partir
TORRES, 2016). da diferenciação dos tamanhos dos fragmentos
É altamente utilizada nos laboratórios da de restrição gerados a partir do DNA amplifi-
área forense para a identificação humana de- cado através das endonucleases. Considerada
vido à ótima capacidade de discriminação, uma técnica rápida, de baixo custo e simples em
pouco gasto com insumos e amostras. Devido uma rotina de diagnósticos laboratoriais. Apli-
ao potencial de avaliação de múltiplas STRs cada na Medicina Forense para a identificação
junto a detecção de fluorescência multicolor, humana em virtude da alta sensibilidade e sim-
pode-se utilizar destas informações para a ob- plicidade na interpretação (THYSSEN et al.,
tenção de perfis genéticos sendo aplicados nas 2005; BONACCORSO, 2005).
perícias criminais para comparação e distinção PCR em tempo real (Real Time/RT-
entre indivíduos (RODOVALHO et al., 2017). qPCR): Técnica baseada na utilização de son-
Nested PCR: A fim de aumentar a sensibi- das específicas marcadas com um preparado
lidade e especificidade nos casos em que a fluorescente, como o sistema TaqMan®. Du-
amostra de DNA não possui um bom rendi- rante o processo a sonda se liga a sequência es-
mento e qualidade é utilizada a Nested PCR. pecífica. No decorrer da fase de extensão a
Este tipo de reação, ocorre em duas etapas uti- sonda é degradada provocando a liberação de
lizando um par de primer externo à região de fluorocromos que absorvem energia e produ-
interesse e um par específico à região de inte- zem um sinal fluorescente. A cada ciclo da PCR
resse. Na primeira etapa o segmento de DNA é este processo ocorre gerando cada vez mais in-
amplificado de forma abrangente, na segunda tensidade da fluorescência, sendo esta, monito-

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Capítulo 7
Estudos em Ciências Forenses

rada a cada ciclo possibilitando a leitura pelo rada à distância que outros fragmentos conheci-
equipamento e informando a quantidade de dos percorrem o mesmo gel (MAGALHÃES et
DNA ligado a sonda utilizada na reação. A PCR al., 2005).
em tempo real pode ser aplicada na ciência fo- A eletroforese capilar é largamente utili-
rense para análise mRNA post-mortem, avali- zada na análise de DNA forense, graças a sua
ando a expressão gênica (PAVANI, 2017). capacidade de permitir que vastas quantidades
de amostras possam ser examinadas de maneira
3.5 Eletroforese automatizada, além de serem necessárias pou-
A eletroforese é uma técnica que permite cas quantidades de amostra. Todavia, mesmo
separar e visualizar moléculas em relação ao sendo uma técnica versátil e de fácil aplicabili-
seu tamanho (massa), forma e compactação. dade, a eletroforese convencional possui a des-
Pela aplicação da molécula de DNA em um gel vantagem de identificar apenas quanto ao tama-
de agarose ou acrilamida e mediante a aplicação nho dos fragmentos e não as sequências que os
de uma corrente elétrica, o DNA irá migrar para formam (OLIVEIRA & FILHO, 2018).
o polo positivo, pois apresenta carga negativa.
Pelo fato de a molécula ser composta por frag- 4. CONCLUSÃO
mentos de tamanhos diferentes, a migração irá
ocorrer em velocidades diferentes. A distância Este estudo demonstra a importância da uti-
percorrida, a partir do ponto de aplicação, é lização de técnicas de biologia molecular apli-
comparada com outros fragmentos já classifica- cadas na ciência forense. A compreensão das
dos. O DNA pode ser visto com a utilização do propriedades do material genético possibilitou
composto brometo de etídio que se liga ao DNA o desenvolvimento de metodologias, as quais
dupla fita e que emite fluorescência quando ex- podem ser aplicadas para a identificação de pes-
posto à luz ultravioleta (KOCH & ANDRADE, soas desaparecidas e ossadas através de análises
2008). em regiões conservadas ao longo da evolução
No procedimento, o gel atua como filtro da espécie e altamente polimórficas. As técni-
molecular, no qual as moléculas de DNA são cas moleculares são cruciais e servem de base
posicionadas em paralelo ao campo elétrico. A para pesquisas, análises e desenvolvimento de
dificuldade de transpassar a matriz do gel em casos. A constante atualização das metodolo-
direção ao polo positivo é inversamente propor- gias representa uma ferramenta poderosa de au-
cional ao tamanho de cada fragmento. As mo- xílio tanto na resolução de crimes, quanto na
léculas menores tendem a migrar com mais fa- identificação de pessoas vítimas de acidentes,
cilidade e agilidade. Dessa forma, quanto maior onde apenas a análise do material genético pos-
for a molécula maior será o tempo de migração, sibilita sua identificação. Desse modo, a cons-
propiciando assim a separação por tamanho ou tante atualização dos métodos e pesquisas são
peso molecular. A distância que os fragmentos imprescindíveis para a ciência forense.
cruzam a partir do ponto de aplicação é equipa-

55 | P á g i n a
Capítulo 7
Estudos em Ciências Forenses

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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56 | P á g i n a
CAPÍTULO 08
PRÁTICAS AVANÇADAS E
ENFERMAGEM FORENSE
ALIADAS AO COMBATE À
VIOLÊNCIA SEXUAL
CONTRA A MULHER

SIMONE LUZIA FIDÉLIS DE OLIVEIRA1,3,7


MARIA JOELMA DOS SANTOS1,4,7
REGINA RIBEIRO RICARTE1,4
WINNIE LARA ROCHA2
ALBINO MANOEL GOMES5,7
DIRCE BELLEZI GUILHEM6

1Enfermeira Forense – Instituto Keynes.


2Enfermeira – Docente do Centro de Ensino Tecnológico de Brasília.
3Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem – Universidade de Brasília.
4Mestranda em Psicologia Criminal – Universidade Iberoamericana.
5Enfermeiro Forense Doutor – Docente da Universidade de Porto.
6Enfermeira Doutora – Docente do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da

Universidade de Brasília.
7Membro do International Association of Forensic Nurses (IAFN).

Palavras-chave: Enfermagem Forense; Práticas Avançadas de Enfermagem; Violência Sexual


contra a Mulher; Legislação em Enfermagem.

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Capítulo 8
Estudos em Ciências Forenses

1. INTRODUÇÃO cançada pela residência e o mestrado profissio-


nal (COFEN, 2015).
A Política Nacional de Atenção Básica Nesse cenário, também se encontra a Enfer-
(PNAB) aponta que a Atenção Primária à Saúde magem Forense, entendida como a junção da
(APS) consiste no primeiro contato no acesso Ciência da Enfermagem com as Ciências Fo-
de serviços de saúde, bem como o centro comu- renses, contribuindo com os cuidados de enfer-
nicador da rede de atenção, coordenadora do magem ao trazer a dimensão legal para a dis-
cuidado e ordenadora dos serviços de saúde cussão da demanda de saúde visando atingir a
(BRASIL, 2017). A APS permite o desenvolvi- justiça social. Neste sentido, a interdisciplinari-
mento de um conjunto de ações de saúde, indi- dade e intersetorialidade extravasam o âmbito
viduais e/ou coletivas, envolvendo da promo- da saúde e chegam a segurança e justiça
ção à reabilitação, por meio de ações interdisci- (LYNCH; DUVAL, 2011).
plinares e intersetoriais dirigidas a uma popula- Nesta inter-relação, o combate à violência
ção adstrita, visando a práticas de cuidado inte- sexual contra a mulher ganha aliados que pas-
grado e a gestão qualificada (VILAÇA, 2015). sam a avaliar o trauma da situação para além da
Para o fortalecimento da APS, se faz neces- questão biopsicossocial e veem na possibili-
sária a efetivação dos seus três papéis: a resolu- dade de coleta e preservação de vestígios uma
bilidade, a coordenação e, por fim, a responsa- forma de resolução do problema na busca do
bilização econômica e sanitária (VILAÇA, bem-estar final (LYNCH; DUVAL, 2011).
2015). Baseados nesses conceitos e buscando Na junção da prática mais autônoma do en-
suprir seus objetivos, surge a ideia de Prática fermeiro aliada a um arcabouço próprio e espe-
Avançada de Enfermagem no intuito de ampliar cializado de conhecimento pode-se fortalecer a
o papel do Enfermeiro (COFEN, 2015). APS e contribuir para as questões legais que en-
O enfermeiro, ao prestar cuidado centrado e volvem a temática. O fortalecimento da APS, a
integral ao paciente, utiliza arcabouço técnico- ampliação do papel do enfermeiro com o ad-
científico consolidado, além de atuação de vento da enfermagem e práticas avançadas e o
forma humanística, visando ao acolhimento surgimento da enfermagem forense são estraté-
para resolução de problemas. Em algumas situ- gias atuais que podem contribuir para o com-
ações, é imprescindível um atuar mais autô- bate à violência sexual contra a mulher, mini-
nomo e ampliado para que a demanda possa ser mizando os efeitos do trauma e possibilitando
resolvida. uma readaptação à normalidade das atividades
Neste sentido, o Conselho Federal de Enfer- do atingido de forma precoce.
magem (COFEN), juntamente com a Organiza- O presente estudo tem por objetivo relacio-
ção Pan-Americana de Saúde (OPAS), tem fo- nar a enfermagem e práticas avançadas e a en-
mentado a discussão sobre Enfermagem em fermagem forense na assistência à mulher ví-
Práticas Avançadas (EPA) planejando imple- tima de violência sexual.
mentar na esfera da rede da APS brasileira com
a finalidade de expandir a resolutividade do en-
fermeiro, a cobertura à saúde da população am-
pliando o acesso. Para que se atinja esse propó-
sito, a capacitação desse profissional seria al-

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Capítulo 8
Estudos em Ciências Forenses

2. REFLEXÃO A campanha Nursing Now ressalta a neces-


sidade de fortalecer e empoderar a enfermagem
2.1 O papel da Enfermagem na Atenção principalmente na atenção primária, no intuito
Primária à Saúde e as Redes de Atenção à de atender às crescentes necessidades de saúde
Saúde da população (OPAS, 2018).
Alterações na pirâmide etária brasileira e Além do papel essencial do enfermeiro na
mundial, aumento da expectativa de vida, ele- APS, ele tem um papel importante nos diversos
vado número de doenças crônicas, surgimento níveis de atenção à saúde, entretanto, quando se
de novas tecnologias, dinâmica da vida mo- avaliam os papéis relacionados à atenção bá-
derna, sucateamento dos serviços de saúde, ne- sica, vislumbra-se uma enfermagem forte, reco-
cessidade de ampliação da cobertura populaci- nhecida socialmente, ofertando suas práticas
onal, dificuldade com integração com a atenção embasada em evidências científicas, resolutivas
secundária têm exigido uma reavaliação sobre em suas avaliações e ações, direcionando a tra-
a APS e seus atores. Nesse sentido, são neces- tamentos eficazes baseadas nas necessidades
sários o fortalecimento da APS e maior qualifi- individuais e coletivas de determinada popula-
cação dos profissionais de saúde para que seus ção (PAZ et al., 2018).
papéis possam ser atingidos (FAUSTO et al., Também deve-se ressaltar a importância
2018). que tem o enfermeiro como agente regulador,
Pensando na qualificação profissional e na uma vez que detém de capacidade técnica sufi-
distribuição desses recursos humanos em sa- ciente para analisar a situação, entendendo a
úde, a Organização Mundial de Saúde (OMS) complexidade do estado de saúde e, assim, arti-
estima que, em 2035, o déficit mundial de pro- culando o direcionamento à rede de serviços de
fissionais de saúde atingirá o montante de 12,9 saúde conforme suas necessidades e o aporte
milhões. tecnológico e científico da unidade de saúde
Portanto, uma das metas discutidas na 68ª (VILAÇA, 2015). Frente ao exposto e à nova
Assembleia Mundial da Saúde realizada no ano realidade, o enfermeiro se torna cada vez mais
de 2015 estabelece o fortalecimento do trabalho importante, sendo necessário o aprimoramento
em enfermagem, propondo a criação de 40 mi- das suas competências, habilidades e atitudes.
lhões de vagas de emprego para que sejam Ao abordar a rede de atenção à saúde
avançados os objetivos globais da saúde, uma (RAS), a integralidade dos serviços deve ter
vez que é a categoria mais numerosa dos recur- como maior objetivo atender às demandas de
sos humanos em saúde nos países. Um ponto formas diferentes para necessidades distintas
importante também é focado na educação supe- pela indispensabilidade no avanço da constru-
rior voltada para fortalecer as competências e as ção do vínculo entre paciente e serviço e a reso-
habilidades para a atenção primária (OPAS, lução da sua demanda de acordo com a necessi-
2018). dade do seu perfil (BRASIL, 2014b).
Outro papel importante do enfermeiro é As RAS devem cuidar do indivíduo em uma
ofertar acesso à saúde em locais onde há escas- sequência de atendimentos que proporcionam
sez de outros profissionais, como médicos, pos- as linhas de cuidados essenciais para resolução
sibilitando tratamento e acompanhamento de dos problemas de saúde. Pode ser a porta de en-
doenças crônicas ou agudas (OPAS, 2018). trada às RAS a atenção básica, que estabelece

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Capítulo 8
Estudos em Ciências Forenses

um importante comunicador entre os diversos Desta forma, pode-se dizer que o NASF consti-
níveis da rede, por ter sua atividade focada na tui uma retaguarda especializada voltada para
resolubilidade de variadas doenças, integração atender às demandas que tiveram como o início
com as ações e programas e, se necessário, pode o atendimento via atenção básica ou pela estra-
dividir o cuidado com outros serviços ou pontos tégia saúde da família (BRASIL, 2014b).
de ação, desenvolvendo um papel regulador de Os atendimentos realizados por esses pro-
acesso (BRASIL, 2014b). fissionais especializados devem ter duas verten-
Cabe citar a Portaria nº 4.279, de 30 de de- tes como base, o clínico-assistencial e a técnica-
zembro de 2010, do Ministério da Saúde, que pedagógica. A primeira traz a ação direta cen-
define a RAS como: trada na doença do indivíduo propriamente
dito; o segundo traz uma visão mais coletiva,
[...] arranjos organizativos de ações e ser- estabelecendo ações voltadas aos riscos, vulne-
viços de saúde, de diferentes densidades rabilidade ou atividades laborais geradoras de
tecnológicas, que integradas por meio de
doenças (BRASIL, 2014b).
sistemas de apoio técnico, logístico e de
gestão, buscam garantir a integralidade Os pontos de atenção secundária e terciária
do cuidado O objetivo da RAS é promo- também fazem parte das RAS, entretanto, de
ver a integração sistêmica, de ações e ser- uma forma mais restrita, impondo certos tipos
viços de saúde com provisão de atenção de divisões técnicas. Os demais componentes
contínua, integral, de qualidade, respon-
da rede, como sistemas de apoio, logísticos e o
sável e humanizada, bem como incre-
mentar o desempenho do Sistema, em sistema de governança, são transversais a todos
termos de acesso, equidade, eficácia clí- os pontos da rede, sendo assim comum a todos
nica e sanitária; e eficiência econômica (VILAÇA, 2015).
(BRASIL, 2010, Anexo).

2.2 A violência sexual contra a mulher


A título exemplificativo, pode-se apontar
A violência contra a mulher consiste em um
como um ponto importante na rede de atenção
fenômeno sociocultural de grande impacto no
à saúde o Núcleo de Apoio à Saúde da Família
sistema de saúde independente do seu tipo ou
(NASF), que traz como maior objetivo oferecer
extensão, sendo capaz de trazer efeitos dura-
suporte às atenções básicas, fazendo com que o
douros e devastadores.
indivíduo tenha continuidade nas linhas de cui-
As estatísticas levantadas no Anuário Bra-
dados e maior adesão aos projetos terapêuticos
sileiro de Segurança Pública no ano de 2021, no
propostos. Desempenha, também, um papel im-
momento de plena pandemia, relata uma redu-
portante na articulação com os outros níveis de
ção de estupro e estupro de vulnerável (-
atenção à saúde e principalmente com a atenção
14,1%), porém, aumentaram em 4,4% as solici-
básica (BRASIL, 2014b). Muitas vezes, essa ar-
tações de medidas protetivas e de 16,3% em de-
ticulação exige a busca de outros setores e sis-
núncias através de chamadas realizadas para o
temas.
190, tendo em média 694.131 ligações relativas
A definição dos profissionais que devem
à violência doméstica, o que significa que, em
compor o NASF depende das demandas locais
2020, a cada minuto, 1,3 chamado foi de víti-
e necessidades da população. Portanto, para for-
mas ou de terceiros pedindo ajuda em razão de
mação dessas equipes, é preciso conhecer a re-
um episódio de violência doméstica. Portanto,
alidade do território e as redes de serviços.
60 | P á g i n a
Capítulo 8
Estudos em Ciências Forenses

não se pode afirmar que essa redução foi origi- O estupro pode trazer grandes danos para as
nada pelas campanhas e programas existentes, vítimas, como traumas físicos e psicológicos,
ou se foi pela subnotificação dos casos devido seja imediato, a curto ou longo prazo, depres-
aos isolamentos sociais ocorridos nesse período são, vícios (uso de álcool e drogas), transtornos
pandêmico (BUENO et al., 2021; FBSP, 2021). de ansiedade, transtorno de estresse pós-trau-
Analisando os últimos onze anos, estudos mático, como também outras sequelas mais gra-
realizados indicam que, enquanto os homicí- ves e irreversíveis, dependendo de como foi
dios a mulheres nas residências cresceram praticado o ato, tais como lesões nos órgãos ge-
10,6% entre 2009 e 2019, os assassinatos fora nitais, lacerações, perfurações de órgãos e até
das residências apresentaram redução de 20,6% mesmo tentativas de suicídio e morte por he-
no mesmo período, indicando um provável morragias.
crescimento da violência doméstica Vale mencionar que pode, ainda, ocorrer a
(CERQUEIRA et al., 2021). gravidez indesejada, em casos em que a vítima
As Organizações das Nações Unidas não venha a ser atendida em tempo oportuno
(ONU) definem a violência contra as mulheres para utilizar os métodos contraceptivos de ur-
como “qualquer ato de violência de gênero que gência e as profilaxias para evitar as doenças
resulte ou possa resultar em danos ou sofrimen- sexualmente transmissíveis. O tempo passa a
tos físicos, sexuais ou mentais para as mulheres, ser fator importante na minimização /erradica-
inclusive ameaças de tais atos, coação ou priva- ção desses danos (MASSARO et al., 2019).
ção arbitrária de liberdade, seja em vida pública Atualmente, a violência sexual contra a mu-
ou privada” (OPAS/OMS, [2002], online). lher é um dos temas mais comentados no
A conceituação de violência sexual contra a mundo. A pandemia da Covid-19 contribui para
mulher pode ser definida como qualquer ato se- esse aumento, pois, em razão de medidas como
xual, tentativa de obter um ato sexual, insinua- isolamento social, as vítimas ficaram em maior
ções sexuais não desejadas, atos de tráfico ou contato com seus agressores, ainda mais ex-
dirigidos contra a sexualidade de uma pessoa posta e impedidas de notificar, denunciar e de
usando coerção, por qualquer pessoa, não ne- buscar ajuda nos serviços essenciais disponí-
cessariamente sendo alguém do vínculo de re- veis, devido à interrupção ou adaptação para a
lacionamentos próximos, sem limitar a penetra- forma via telefone ou online desses serviços.
ção da vulva ou ânus com o pênis, ou outra É visível que, para mudar esse quadro que
parte do corpo ou objeto, entretanto essa defini- assola o mundo, medidas que possam servir de
ção pode mudar conforme o país (OMS, 2010). proteção para essas mulheres devem ser toma-
No Brasil, o estupro é o maior crime sexual, das. Uma delas consiste na construção de legis-
sendo definido como “ter conjunção carnal ou lações de proteção a mulher, como é o caso da
praticar outro ato libidinoso com alguém, medi- Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), que
ante fraude ou outro meio que impeça ou difi- cria mecanismos para coibir a violência domés-
culte a livre manifestação de vontade da vítima tica e familiar contra a mulher.
(BRASIL, 2009, art. 213), conforme descreve a Ainda neste sentido, no momento da pande-
Lei nº 12.015/2009. Sua penalidade é de reclu- mia, cujo registro do número de casos disparou,
são e pode estar no intervalo de 2 a 6 anos. outras normas se fizeram necessárias, tais como
as decorrentes do aumento do número de casos

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Estudos em Ciências Forenses

de violência; conforme demonstrado, surgiram até que o profissional capacitado venha realizar
legislações brasileiras que regulamentavam a recolha.
essa proteção, reforçando ou complementando
as já existentes. Dentre essas normas, a Portaria 2.3 As Práticas Avançadas de Enferma-
MC nº 86/2020, por meio da aprovação da Nota gem
Técnica nº 25/2020, e a Portaria GM/MS nº Para que o atendimento à mulher vítima de
78/21, que dispõe “sobre as diretrizes para a co- violência seja qualificado e atinja aos objetivos
municação externa dos casos de violência con- de redução dos efeitos do trauma físico e/ou psi-
tra a mulher às autoridades policiais” responsa- cológico e alcance o bem-estar final é evidente
bilizando a unidade de saúde a comunicação à que o atendimento na porta de entrada seja efe-
autoridade policial dos “casos de violência in- tivo.
terpessoal contra a mulher no prazo de 24 horas, No Brasil, a enfermagem vem reconhe-
contados da data da constatação da violência cendo que, em relação à atuação de seus profis-
(BRASIL, 2020, 2021). sionais na APS, não basta apenas um atuar fun-
Entendendo a violência como uma questão damentado na ideia humanista da profissão,
de saúde pública, outro fator que contribui é a mas certificar-se de que há uma oferta qualifi-
existência de profissionais especializados e ca- cada de cuidados de enfermagem efetivo e ade-
pacitados que desenvolvam suas habilidades quado (ANGELO, 1999).
adquiridas durante a sua especialização, onde A APS é o lugar propício para que o profis-
possam aplicar seus conhecimentos na criação sional de enfermagem desenvolva autonomia
e elaboração de protocolos, estratégias, planos, ao realizar o cuidado integral dos indivíduos,
colocando-os em prática, unificando, assim, os das famílias, da coletividade. No entanto, para
atendimentos que serão prestados às víti- alcançar mais autonomia para ampliar a meta de
mas/clientes ao adentrarem a qualquer unidade uma prática avançada de enfermagem, é essen-
de saúde, subsidiado com o apoio do governo e cial superar o modelo médico hegemônico e al-
de entidades judiciais e criminais, nos níveis lo- cançar o modelo centrado no paciente, assim
cal, regional e nacional. como analisar e evoluir as legislações que con-
A APS, por ser porta de entrada ao acesso tribuem na formação profissional e regulação
ao sistema de saúde, é uma das vias onde a mu- da prática de enfermagem, e aprimorar na me-
lher vítima de violência sexual pode ser aco- lhoria das práticas baseadas em evidências e na
lhida, sendo o enfermeiro um dos primeiros educação permanente dos profissionais de sa-
profissionais a prestar assistência. Frente a isto, úde; por fim, alcançar o bem-estar de saúde da
esse profissional deve ser qualificado para iden- população (TOSO et al., 2016b).
tificar situações de violência, realizar ações de A diferença entre uma prática generalista de
prevenção ao trauma e (re)trauma, contribuir uma prática avançada está, dentre outras, no au-
com o tratamento e a readaptação dessas víti- mento da qualidade da assistência prestada e da
mas. Os conhecimentos da Enfermagem Fo- satisfação dos usuários dos serviços de saúde,
rense podem ser relevantes para os profissio- ampliação do acesso e cobertura dos usuários
nais também identificarem e preservarem evi- aos recursos da saúde, redução de custos, prá-
dências que podem contribuir na avaliação da tica autônoma, planejamento, implementação e
dimensão legal da resposta humana ao trauma avaliação de programas /serviços de saúde

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Estudos em Ciências Forenses

(RIBEIRO et al., 2018). E é com essas vanta- mentares, prescrição de terapias e tratamentos
gens que surge e Enfermagem de Práticas (AGUIRRE et al., 2016; MIRANDA NETO et
Avançadas. al., 2018; TOSO, 2016a).
O Conselho Internacional de Enfermeiros O profissional de uma prática permanente-
(CIE) define o enfermeiro de prática avançada mente interage com a técnica resultante do sa-
como: ber científico, que permite a finalidade de uma
Um enfermeiro que adquiriu a base de racionalidade técnica para o progresso de uma
conhecimentos especializados, habilida- prática clínica autônoma, com a probabilidade
des complexas na tomada de decisão e
de melhorar a capacidade resolutiva da APS, no
competências clínicas para a prática ex-
pandida, cujas características são molda- que se refere a uma cobertura universal e ao
das pelo contexto e/ou país em que está acesso aos serviços, e na presença de profissio-
credenciado para praticar. O Mestrado é nais de saúde com formação especializada ca-
recomendado para o nível de entrada. paz de responderem e assumirem pela melhor
(INTERNATIONAL COUN-CIL OF
decisão e definição terapêutica (PAZ et al.,
NURSING, 2009).
2018).
O COFEN, juntamente com a OPAS, plane- O enfermeiro tem um papel fundamental no
jando implementar na esfera da rede da APS contexto da atenção básica de saúde e utili-
brasileira, tem fomentado a discussão sobre as zando os métodos das práticas avançadas da en-
Práticas Avançadas de Enfermagem. Entre- fermagem fará o atendimento com maior quali-
tanto, essas questões estão baseadas em dois dade, tomará decisões cabíveis e necessárias
modelos: o americano e o canadense, que têm durante a consulta de enfermagem, fazendo
como finalidade expandir a meta prática e a re- uma avaliação integral, prescrevendo cuidados
solutividade do enfermeiro e a cobertura à sa- de enfermagem, medicamentos previstos nos
úde da população, ampliando o acesso. Frente a programas de saúde, solicitando exames neces-
isto, se faz necessária a capacitação desse pro- sários para fechar um diagnóstico de enferma-
fissional, alcançada, preferencialmente, pela re- gem, reavaliando o tratamento prescrito e
sidência ou mestrado profissional (COFEN, acompanhando a mulher até a sua me-
2015). lhora/cura.
Dentro das características essenciais para Um outro ponto que merece destaque é que
implementar a Prática Avançadas na América as práticas avançadas de enfermagem surgem
Latina, encontram-se as políticas relacionadas à no intuito de minimizar a escassez de outros
regulação do exercício profissional, a infraes- profissionais visando solucionar a demanda de
trutura, a educação permanente, a formação em saúde. O que se assemelha a Enfermagem Fo-
graduação e pós-graduação e a certificação rense que supri a coleta de vestígios em ocasi-
(CASSIANI; ZUG, 2014). ões onde há escassez de profissional para suprir
A especialização na EPA é necessária, ou esta demanda.
seja, o enfermeiro desenvolve competências, Em casos de violência sexual; o enfermeiro
habilidades e atitudes clínicas para capacitação qualificado, inclusive com conhecimentos de
de tomada de decisão baseada em evidências Enfermagem Forense, poderá encaminhar ao
nas ocorrências complexas, como na autonomia Enfermeiro Forense que prestará a assistência
do diagnóstico, solicitação de exames comple- necessária e coletará vestígios para que sejam

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Estudos em Ciências Forenses

armazenados em cadeia de custódia; em se- LYNCH (2014) define como a aplicação


guida, encaminhará para o fluxo de atendi- dos conhecimentos científicos e técnicos da
mento com os antirretrovirais, acompanha- enfermagem a casos clínicos considerados
mento com psiquiatria/psicologia e mantendo forenses, pressupõe um cruzamento entre o
seu acompanhamento com a equipe da atenção sistema de saúde com o sistema legal.
básica, além de encaminhamentos para órgão e O enfermeiro forense tem como sua princi-
instituições dos sistemas de segurança e justiça pal área de prática e de pesquisa o trauma hu-
(COREN-RJ, 2012, p. 96-97). mano, seja ele físico e psicológico, tendo um
Observa-se que ainda há desafios para que papel muito importante no atendimento a mu-
se possa chegar a essa realidade de maior auto- lheres vítimas de abuso sexual, maus-tratos,
nomia e resolubilidade do trabalho do enfer- traumas e outras formas de violências; na coleta
meiro, havendo a necessidade de investimentos de dados através da entrevista; na identificação
em formação/qualificação especializada e alte- e caracterização de lesões por meios da anam-
ração das legislações. A existência de práticas nese, de exames físicos, fotografias e descrição;
avançadas de enfermagem contribui muito para na coleta e preservação de vestígios; no enca-
uma maior resolubilidade das demandas de sa- minhamento das vítimas; e no apoio à família e
úde e redução de seus custos, sem contar nos comunidade.
benefícios e satisfação dos usuários. O corpo da mulher passa a ser entendido
Na situação de atendimento às mulheres ví- como o local do crime, e o enfermeiro que não
timas de violência, essa prática mais completa detém de conhecimentos específicos, habilida-
e autônoma permite a redução dos efeitos do des técnicas e científicas para a realização da
trauma vivenciado, além de, quando aliados aos recolha desses dados durante o atendimento
conhecimentos da enfermagem forense, possi- prestado, o que prejudica a vítima e uma futura
bilitar a identificação de provas periciais, vestí- investigação, pois os vestígios serão perdidos,
gios e/ou produção documental capaz de se tor- destruídos ou contaminados antes mesmos de
nar uma prova pericial. Sabe-se que, para atin- serem recolhidos, perdendo-se, assim, as pro-
gir a esse objetivo, se faz necessário um arca- vas que seriam encaminhadas para a cadeia de
bouço técnico-científico especializado. custódia e, posteriormente, utilizadas para iden-
tificação do perpetrador e até mesmo na solução
2.4. Enfermagem Forense de um caso de abuso sexual (GOMES, 2014).
A Enfermagem Forense é a ciência e a arte Suas principais funções mediante os atendi-
da enfermagem aplicada para fins da ciência ju- mentos às mulheres vítimas de violências sexu-
rídica. Pode ser definida como a utilização dos ais e domésticas, traumas físicos ou psicológi-
conhecimentos técnicos e científicos da enfer- cos, entre outras, são: promover e prever novas
magem aplicados aos interesses das investiga- formas de violência; realizar exame físico, ge-
ções nos fóruns cível, criminal, administrativo nital e perianal; coletar informações pertinentes
e trabalhista. Sendo assim, a enfermagem fo- através de fotografias e documentação escrita;
rense é a única disciplina que integra a ciência elaborar relatórios e pareceres que contribuam
de enfermagem com os princípios da ciência fo- para a atuação do Poder Judiciário; executar en-
rense e saúde pública (GOMES, 2014). trevistas bem estruturadas para a orientação da
coleta, recolha e preservação de vestígios para

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Estudos em Ciências Forenses

a investigação criminal; coletar, recolher e pre- as áreas de atuação, quais sejam: violência se-
servar vestígios na vítima e no perpetrador, nos xual; sistema prisional; psiquiatria; perícia, as-
diferentes contextos da prática de Enfermagem sistência técnica e consultoria; coleta, recolha e
Forense, em âmbito pré-hospitalar, comunitá- preservação de vestígios; pós-morte; desastre
rio; elaborar protocolos de atendimentos e pla- de massa, missões humanitárias e catástrofes;
nos de cuidados, visando atender às dimensões além de maus-tratos, abuso sexual, traumas e
biopsicossociais e legal da demanda; estabele- outras formas de violências nos diversos ciclos
cer prioridades e definir estratégias de interven- de vida (COFEN, 2017).
ção às vítimas e famílias envolvidas em situa- Observa-se que a presença do enfermeiro
ções de maus-tratos, abuso sexual, traumas e forense pode e deve estar em quaisquer dos ní-
outras formas de violência, colaborando com o veis de atenção à saúde, possuindo-o competên-
sistema judicial na preservação dos vestígios, cia técnico-científica baseada em evidências e
através da cadeia de custódia e prestando depo- sendo capaz de tomada de decisões complexas
imentos em juízo na qualidade de perito, pro- relacionada perfeitamente com o que propõem
movendo a proteção dos direitos humanos e das as práticas avançadas de enfermagem.
garantias legais das vítimas, das suas famílias e Sabe-se que o enfermeiro é o primeiro pro-
dos perpetradores (GOMES, 2014). fissional da saúde que tem contato com as víti-
Os enfermeiros forenses são profissionais mas de violência; quando elas procuram a assis-
especialistas que têm conhecimentos e compe- tência médica, ele as acolhe, presta cuidados, dá
tências suficientes, que além de compreender os assistência e cria medidas que buscam amenizar
sistemas de saúde, enquanto peritos, podem de- aquela dor ou dano momentâneo. É, também,
senvolver a avaliação médico-legal das vítimas, esse profissional, o que atende aos perpetrado-
colaborando, assim, com os sistemas judiciais, res.
os sociais, os legais e as entidades governamen- Nesse contexto, faz se necessária a inserção
tais na investigação e interpretação clínica de do especialista em enfermagem forense em to-
lesões forenses, ou seja, em vida ou morte dos os níveis de atenção à saúde, seja na APS,
(GOMES, 2017). no serviço de emergência ou em qualquer uni-
Cabe ressaltar que, embora tenha uma atua- dade de saúde que presta assistência às vítimas
ção mais dirigida para a prestação de cuidados de violência, ajudando, consequentemente, na
de enfermagem forense voltadas à dimensão le- melhoria da decisão clínica, baseando-se em
gal da demanda de saúde, o enfermeiro forense evidências científicas, definindo diagnósticos
também contribui na identificação, prevenção, de enfermagem e utilizando a SAE no seu pro-
e promoção das situações de violência, po- cesso de trabalho (FONSECA, 2019)
dendo, inclusive, realizar o seu processo de tra- A Associação Internacional de Enferma-
balho por meio da Sistematização da Assistên- gem Forense refere que é de extrema importân-
cia de Enfermagem (SAE). cia que os enfermeiros saibam realizar diagnós-
A enfermagem forense, no Brasil, foi regu- ticos para um melhor direcionamento das práti-
lamentada pela Resolução COFEN nº cas do cuidado às necessidades das pessoas ví-
556/2017, que estabelece desde o princípio a timas de violência, baseadas nas definições e
necessidade de uma formação especializada por classificações do processo de enfermagem que
parte de quem a pratica, trazendo em seu anexo assegura ao enfermeiro a descrição de um plano

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Estudos em Ciências Forenses

de cuidados englobando indivíduos, famílias e os sistemas de saúde, segurança e justiça. A for-


comunidades afetadas pela violência e pelos mação qualificada de profissionais também é
traumas e consequências subsequentes um outro desafio.
(ANA/IAFN, 2017).
O enfermeiro forense tem muito a contribuir 2.5. Interação entre Enfermagem Fo-
nos programas de saúde já existentes no Brasil. rense e as Práticas Avançadas de Enferma-
Se o enfermeiro da família, ao fazer uma visita, gem: o papel do Enfermeiro Especialista no
suspeitar que há algum tipo de violência dentro atendimento à mulher vítima de violência
daquela residência, ele poderá encaminhar essa Pode-se observar que tanto nas práticas
possível vítima para uma consulta com o enfer- avançadas de enfermagem como na enferma-
meiro forense, que fará uma entrevista minuci- gem forense se projeta a necessidade de uma
osa, um exame físico, genital e perianal forense atuação mais autônoma do enfermeiro, com
e, possivelmente, uma coleta vestígios, se assim maior responsabilidade de poder de decisão, ba-
houver, segundo o relato e o consentimento da seada em evidências científicas e com habilida-
vítima, registrando através da evolução de en- des técnicas ampliadas, visando a uma maior re-
fermagem, de fotografias e encaminhando as solubilidade na demanda do paciente nas di-
informações colhidas aos órgãos competentes, mensões biopsicossociais e legais de saúde.
contribuindo para a prevenção e evitando agra- Dentre os aspectos comum aos dois concei-
vos que poderiam ocorrer no futuro, como um tos, têm-se a necessidade da quebra da hegemo-
feminicídio, um homicídio, um suicídio, trans- nia de outros profissionais, a necessidade de
tornos psiquiátricos, dentre outros formas de qualificação especializada, a resolução da de-
violências. manda de saúde (atingindo até a demanda le-
Um dos espaços que podem ser ocupados gal), o aprimoramento do arcabouço legislativo
pelo enfermeiro forense é na atenção primária, e a necessidade de interdisciplinaridade e in-
principalmente como componente do NASF. tersetorialidade.
Não se pode perder de vista que os conhecimen- LYNCH (2014) aponta que o enfermeiro fo-
tos da enfermagem forense, aliado à prática de rense deve ter competência técnica, científica e
enfermagem avançadas, poderão contribuir não legal, se tornando um cientista, praticante, aca-
apenas com a saúde da população, melhorando dêmico, examinador e reconhecido como auto-
os atendimentos dos pacientes com maior vul- ridade pela comunidade científica. A própria te-
nerabilidade principalmente quando há o fenô- oria demonstra que esse profissional deve ser
meno da violência, levando assistência a locais especialista para assistência capaz de transfor-
onde não existe ou existe de forma escassa, tais mar a realidade e de alcançar a justiça social.
como: povos indígenas, populações ribeirinhas, Ao se inserir na APS como componente do
deficientes físicos, idosos, áreas de difícil NASF, o enfermeiro forense pode contribuir
acesso, comunidades carentes e rurais, etc. para a prevenção, promoção, tratamento e rea-
(MIRANDA NETO et al., 2018, p. 2). bilitação das vítimas vulneráveis do fenômeno
Não se pode perder de vista que a concre- da violência, visando diminuir os efeitos dura-
tude da prática de enfermagem forense perpassa douros da situação de trauma e a readaptação à
pela inserção do profissional nos diversos ní- normalidade das atividades cotidianas. Embora
veis de saúde, assim como da interrelação entre esse profissional não atue exclusivamente com

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Estudos em Ciências Forenses

violência, esta tem sua a temática mais abor- É notório que, no atendimento à mulher ví-
dada ao se falar sobre ela. tima de violência sexual, tende-se a se preocu-
Cabe ressaltar que, conforme aponta par com a dimensão biopsicossocial primeiro,
GOMES (2017), o enfermeiro forense, dentre ou seja, inicialmente, há uma preocupação com
as suas atividades na assistência à mulher as ações que preconizam assegurar um acolhi-
vítima de violência, deve ser capaz de: mento que promova vínculo, um atendimento
identificar fatores de risco para traumas e humanizado, administração de medicamentos
(re)traumas; diferenciar fatos possivelmente para prevenção da gravidez indesejada, solici-
criminosos e não criminosos; reconhecer o tação de sorologias para detecção e prevenção
vestígio e proceder à sua coleta e preservação, de infecções sexualmente transmissíveis, imu-
utilizando técnicas adequadas e assegurando a nizantes pertinentes, administração de antirre-
cadeia de custódia para que possam ser trovirais pós-exposição sexual, acompanha-
consideradas provas periciais; realizar o mento psicológico e clínico.
registro adequado das informações subjetivas e Posteriormente, vem a preocupação com a
objetivas coletas de forma a produzir docu- dimensão legal com a Portaria Ministerial nº
mentação, inclusive fotográfica, legalmente 485/2014 que redefine o funcionamento do Ser-
considerada para uso nos sistemas de Segu- viço de Atenção às Pessoas em Situação de Vi-
rança Pública e Judicial. olência Sexual no âmbito do Sistema Único de
Ademais, LYNCH e DUVAL (2011) Saúde (SUS) (BRASIL, 2014a) e a Norma Téc-
trazem em sua teoria que uma das suas bases nica interministerial de atenção humanizada às
consiste no interacionismo, ou seja, é pessoas em situação de violência sexual com re-
necessário que ocorra uma inter-relação entre gistro de informações e coleta de vestígios
os sistemas de saúde, segurança e justiça, o que (MINISTÉRIO DA SAÚDE; MINISTÉRIO
é corroborado por trabalhos portugueses DA JUSTIÇA, 2015) possibilitou o ensaio de
(GOMES, 2014). Sendo assim, os necessidade de coleta e preservação de vestí-
conhecimentos especializados da enfermagem gios por profissionais de saúde.
forense podem e devem ser usados em qualquer É notório que o advento das práticas avan-
situação de violência sexual contra a mulher, no çadas de enfermagem aliada à enfermagem fo-
entanto, a coleta de vestígios apenas deve ser rense pode contribuir para a melhoria na quali-
realizada se há uma rede intersetorial que dade da assistência à mulher vítima de violên-
reconheça essa ação. cia. Exemplificando na prática, Miranda Neto
Mas não se pode perder de vista que, nas et al. (2018) apontam que o enfermeiro capaci-
práticas avançadas de enfermagem, o enfer- tado para prática avançada é portador de mes-
meiro forense possui mais autonomia e capaci- trado ou residência e pode, dentre outras ativi-
tação para aumentar a resolubilidade em suas dade: prescrever medicamentos que exijam um
ações, ou seja, o atual já especializado poderia fornecedor autorizado; solicitar exames labora-
contribuir para minimizar ou evitar os efeitos toriais e complementares que exijam pedidos
do trauma físico e/ou psicológico da vítima, oficiais; realizar diagnósticos diferenciais, de
agressor ou família em decorrência da violência efeitos colaterais, estadiamento de doenças e
sexual contra a mulher. avaliações avançadas de enfermagem; indicar
tratamentos e terapias; referenciar e contrar-

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Estudos em Ciências Forenses

referenciar para serviços ou profissionais; ser tífico e legal, ou seja, com tomada de decisão
referência para um conjunto de usuários. baseada em evidências e dentro das normatiza-
Neste sentido, e traçando um paralelo com ções da profissão e da APS aliadas ao papel do
a enfermagem forense, o enfermeiro forense do enfermeiro forense em avaliar a dimensão legal
NASF poderia: prescrever o esquema medica- da situação, contribuem bastante para minimi-
mentoso de pós-exposição sexual, inclusive re- zar os efeitos da situação de trauma e acelerar a
alizando o seu acompanhamento isolado ou em reabilitação da vítima.
conjunto com outros enfermeiros especialistas; Não se pode perder de vista que em ambas
solicitar exames complementares laboratoriais as áreas, embora já tenham as suas importâncias
e de imagem que contribuam não apenas para a no combate à violência sexual contra a mulher
condição clínica, mas, também, para compor demonstradas, há a necessidade do fortaleci-
uma prova pericial; referenciar as vítimas para mento da legislação no intuito de assegurar os
Delegacias de Atendimento à Mulher Vítima de objetivos das práticas avançadas de enferma-
Violência para iniciar; e, por fim, e mais rele- gem e da enfermagem forense com relação à ví-
vante para o sistema judicial, realizar a recolha tima de violência sexual.
e preservação de vestígios, garantindo o início No Brasil, existem normativas que já apon-
da cadeia de custódia. tam a possibilidade dessa concretude e que re-
É evidente que a aliança entre os dois con- gulamentam algumas ações, no entanto, ainda
ceitos beneficia as mulheres vítimas de violên- não há uma implementação concreta destas in-
cia, propiciando uma maior autonomia do en- ter-relações entre os diferentes sistemas e com
fermeiro especialista, proporciona uma maior a participação do Enfermeiro Forense, o que di-
cobertura populacional e possibilita um melhor ficulta a concreta atuação desse profissional.
gerenciamento de casos de mulheres vítimas de Outra fragilidade consiste em regulamenta-
traumas físicos e/ou psicológicos (REWA, ção que insira o enfermeiro forense nos diver-
2018). sos cenários do sistema de saúde e realize a sua
É notório que para que essa prática seja con- inter-relação entre os demais sistemas envolvi-
solidada é necessário investimento na formação dos na violência contra a mulher. A autonomia
especializada de todos os atores, interacionis- se faz necessária para que os objetivos possam
mos dos diferentes sistemas envolvidos com ser atingidos.
entendimento de intersetorialidade e interdisci- Por fim, novos estudos devem ser realiza-
plinaridade, realização de tomada de decisões dos no intuito de reconhecer as atividades de-
baseadas em evidências e ampliação da legisla- sempenhadas pelos especialistas, a difusão dos
ção, não apenas nos sistemas COFEN/COREN, conhecimentos da enfermagem forense, a de-
mas em resoluções e portarias das diversas ins- monstração de evidência de benefícios decor-
tituições de saúde competentes. rentes desta aliança e a identificação de fragili-
dades que podem ser superadas com a enferma-
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS gem forense e as práticas avançadas em enfer-
magem.
No contexto da violência contra a mulher, é
notório que as práticas avançadas de enferma-
gem, baseadas em um arcabouço técnico-cien-

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Capítulo 8
Estudos em Ciências Forenses

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Capítulo 8
Estudos em Ciências Forenses

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MINISTÉRIO DA SAÚDE (Brasil); MINISTÉRIO DA
JUSTIÇA. Secretaria de Políticas para as Mulheres.

70 | P á g i n a
CAPÍTULO 09

MEDICAMENTOS
UTILIZADOS PARA
HOMICÍDIO POR
ENVENENAMENTO

ADONYAS CARLOS SANTOS NETO1,4


ANA TÁRCILA ALVES DE ALMEIDA1,4
MATHEUS HENRIQUE DE SOUSA MOURA2,4
GUILHERME BARROSO LANGONI DE FREITAS3,4

1Discente – Farmácia da Universidade Federal do Piauí.


2Discente – Medicina da Universidade Federal do Piauí.
3Docente – Departamento de Bioquímica e Farmacologia da Universidade Estadual do Piauí.
4Integrante da Liga Acadêmica de Química Medicinal e Farmacologia da Universidade Federal do Piauí.

Palavras-chave: Envenenamento; Medicamento; Homicídio.

71 | P á g i n a
Capítulo 9
Estudos em Ciências Forenses

1. INTRODUÇÃO Os critérios de inclusão foram: artigos nos


idiomas português, espanhol e inglês; publica-
Intoxicação, ou envenenamento se refere ao dos no período de 2000 a 2021 e que abordavam
efeito dose-dependente que pode se desenvol- as temáticas propostas para esta pesquisa, estu-
ver após exposição a certos agentes, e podem dos do tipo observacionais, revisão, metanálise,
ser chamados de venenos. Contudo, a definição disponibilizados na íntegra. Os critérios de
de veneno é complexa, tanto sob perspectiva exclusão foram: artigos duplicados, disponibili-
farmacológica como legal. Qualquer substân- zados na forma de resumo, que não abordavam
cia, inclusive alimentos, tem capacidade de cau- diretamente a proposta estudada, com ausência
sar algum prejuízo, dependendo da quantidade de especificação sobre o tipo de substância uti-
que foi administrada e da resistência de que re- lizada no envenenamento e que não atendiam
cebeu (FRANÇA, 2017). aos demais critérios de inclusão.
A intoxicação pode ocorrer acidentalmente Após os critérios de seleção restaram 07 ar-
ou intencionalmente, seja na administração ia- tigos que foram submetidos à leitura minuciosa
trogênica ou em tentativas dano auto ou hete- para a coleta de dados. Os resultados foram
roinflingido. A toxicologia é a ciência que es- apresentados de forma descritiva, divididos em
tuda os venenos e o envenenamento de modo categorias temáticas abordando: descrever os
geral. Alcântara (1985) define Toxicologia subtítulos ou pontos que foram mencionados na
como “o conjunto de conhecimentos físicos, discussão) ou, com base na âncora teórica
químicos e biológicos aplicados ao estudo das (exemplo: política nacional de humanização;
substâncias nocivas à saúde e à vida”, ou como diretrizes internacionais de prevenção e con-
“o estudo da ação e dos efeitos tóxicos sobre os trole do diabetes, entre outros).
organismos vivos”.
Diante disso, o objetivo deste estudo foi 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
apresentar as principais drogas de importância
no estudo toxicológico forense e os princípios Inicialmente, a partir da execução das bus-
básicos da toxicologia clínica, desde o meca- cas nas bases de dados, observou-se a existên-
nismo de atuação até os tratamentos possíveis cia de uma repetição nos perfis medicamento-
para intoxicações. sos relacionados a casos de homicídio. Conco-
mitantemente, destaca-se a existência de três
2. MÉTODO grandes grupos de fármacos que estão associa-
dos a essa problemática. Além disso, em decor-
Trata-se de uma revisão narrativa realizada rência das características presentes em cada
no período de 15 de agosto a 10 de setembro de classe farmacológica, associou-se à questão das
2021, por meio de pesquisas nas bases de dados doses (terapêutica e máxima), e do tratamento
PubMed, SciELO, ScienceDirect, Scopus, Go- antitóxico em casos de interação com essas pos-
ogle acadêmico, LILACS. Foram utilizados os síveis substâncias, de acordo com os dados pre-
descritores: envenenamento, toxicologia fo- sentes na Tabela 9.1.
rense, substâncias tóxicas, intoxicação. Desta
busca foram encontrados 65 artigos, posterior-
mente submetidos aos critérios de seleção.

72 | P á g i n a
Capítulo 9
Estudos em Ciências Forenses

Tabela 9.1 Grupos medicamentosos recorrentes em casos de homicídios, com fármacos representantes de cada classe

Classificação Fármacos Dose Terapêutica Dose Máxima Antídotos


Dose inicial:
50 - 150 mg/dia;

Intervalo da dose: Administrar bicarbonato de sódio


2 a 4 vezes por dia; na forma intravenosa para desblo-
Clorpromazina 1.000 mg/dia (2) quear os canais de sódio; (3)
Dose alvo para primeiro episódio: Utilização de anticolinérgicos e
300 – 500 mg/dia; benzodiazepínicos. (4)

Dose alvo para múltiplos episódios


Tranquilizantes 300 – 1000 mg/dia. (7)
principais Dosagem inicial
50 mg/dia;

Intervalo da dose:
2 vezes por dia;
Não existem antídotos específicos
Quetiapina 750 mg/dia (2) (9)
Dose alvo para primeiro episódio:
300 – 600 mg/dia;

Dose alvo para múltiplos episódios


400 – 750 mg/dia. (7)
VO: Mal epiléptico:
5-20 mg/dia; 3 mg/kg/dia;
Diazepam (1)
Injetável: Eclâmpsia: Em casos de intoxicação grave,
Hipnóticos sedati- 2-30 mg/dia, EV ou IM. (7) 100 mg/dia. (7) utilizar carvão (5)
vos / tranquilizantes Transtornos de ansiedade: O uso de Flumazenil como antago-
menores 0,25-0,5 mg, VO, 3 vezes/dia; Transtornos de ansiedade: nista inespecífico dos receptores
4 mg/dia em doses fracionadas benzodiazepínicos (8)
Alprazolam (1)
Transtorno do pânico:
0,5 mg, VO, 3 vezes/dia ou 0,5-1 mg 1 vez/dia; Transtorno do pânico: 10 mg/dia. (7)
A dose pode ser aumentada em 1 mg a cada 3-4 dias. (7)

73 | P á g i n a
Capítulo 9
Estudos em Ciências Forenses

Depressão:
25-100 mg/dia, fracionado em 1-3 doses.
Depressão:
Amitriptilina (1)
300 mg/dia em doses fracionadas. (7)
Dose de manutenção:
50-100 mg/dia 1 vez/dia. (7)

Depressão:
Iniciar com 25 mg, 1-3 vezes/dia, aumentar a dose em
Glucagon e Bicarbonato de sódio
Antidepressivos 25 mg/dia até atingir 200 mg/dia. (6)

Pânico:
Depressão:
Imipramina (1) Iniciar com 10 mg/dia, aumentar a dose até que seja ob-
300 mg/dia fracionada em 3 doses. (7)
tida a resposta desejada, geralmente 75-200 mg/dia.

Condições dolorosas:
25-300 mg/dia, geralmente 25-75 mg/dia são suficien-
tes. (7)

Fonte: 1. TOMINAGA et al., 2015; 2. FALKAI et al., 2006; 3. MARTINS, 2019; 4. BARREIRA, MAGALDI, 2009; 5. MEDICINA 3, BENEDITO, 2020; 6. GALVÃO et al.,
2013; 7. Guia Farmacêutico, 2015; 8. AMARAL et al., 2010; 9. KENT, 2014.

74 | P á g i n a
Capítulo 9
Estudos em Ciências Forenses

3.1. Mecanismo de ação e fisiopatologia organismo, ocorre através do envolvimento


Os benzodiazepínicos (BNZ) como alpra- dessas substâncias nos receptores pré-sinápti-
zolam e diazepam estão entre as principais clas- cos e pós-sinápticos, ao bloquear o transporte
ses prescritas e envolvidos em casos de morte dos hormônios noradrenalina e serotonina
por overdose de medicamentos prescritos. (PAULIN et al., 2008). Concomitantemente,
Atuam modulando os receptores GABAA essa inibição que pode ser seletiva ou não, au-
(ácido gama-aminobutírico) aumentando a fre- menta ativamente a concentração dos neuro-
quência do fluxo de íons cloreto através do ca- transmissores na fenda dos receptores do sis-
nal iônico GABA, provocando hiperpolariza- tema nervoso central (GHESHLAGHI et al.,
ção da membrana e diminuindo a hiperexcitabi- 2012).
lidade neuronal, o que poderá levar a depressão De acordo com GROULEAU (1990), os
respiratória com parada cardíaca, resultado da ADTs apresentam outros mecanismos farmaco-
ação depressora generalizada nos reflexos da lógicos importantes, dessa forma, ações antico-
medula e do sistema ativador reticular. A gravi- linérgicas, inibição da bomba de amina e os
dade da depressão no Sistema Nervoso Central efeitos no músculo cardíaco análogos à quini-
(SNC) irá depender da dose, idade e estado clí- dina, estão atrelados a cardiotoxicidade dos
nico com toxicidade leve como sonolência, ata- ADTs. Além disso, esses medicamentos fazem
xia, dificuldade na fala e hipotensão até mani- a inibição de outros receptores importantes,
festações clínicas graves (GRELLER & como os muscarínicos, os histaminérgicos do
GUPTA, 2017) tipo 1, os α-2 e β-adrenérgicos, vários recepto-
Apesar de considerados medicamentos se- res serotoninérgicos e mais dificilmente os do-
guros com alto índice terapêutico observou-se paminérgicos. Destarte, essas interações não es-
em casos fatais a associação desta medicação tão relacionadas diretamente com os efeitos
com outros depressores do SNC como analgé- principais da classe, mas sim com os efeitos ad-
sicos opióides, álcool e outros sedativos com versos (BRASIL, e BELISÁRIO-FILHO,
ação sinérgica desencadeadas por diferentes 2000). Com resultado disso, é válido ressaltar a
mecanismos (JANN et al., 2014) importância da observação dos sintomas liga-
O alprazolam representa um dos benzodia- dos à sobredose de ADTs.
zepínicos com maior taxa de toxicidade se- Então, para KENT (2014), em casos de
gundo ISBISTER et al. (2004) estes dados es- doses em excesso desses fármacos, os sintomas
tão relacionados com as características do me- são observados entre 30 a 40 minutos após a
dicamento, bem como as maiores taxas de ad- ingestão, no entanto, podem sofrer influências
missão na UTI, maior necessidade de ventila- farmacocinéticas no processo de absorção
ção mecânica e mais casos em que o flumazenil devido aos efeitos anticolinérgicos ocasionados
foi administrado em comparação com outros pelas substâncias. Ademais, as ações anticoli-
agentes da mesma classe. nérgicas podem variar desde sedação, a
A imipramina e a amitriptilina fazem parte retenção urinária. Como consequência disso,
de um grupo de fármacos conhecidos como An- alterações associadas a hiperatividade muscular
tidepressivos Tricíclicos (ADTs), amplamente e sudorese reduzida, por exemplo, aumentam as
utilizado no tratamento da depressão chances de provocar um quadro de hipertermia.
(FREITAS et al., 2009). Por conseguinte, a ní- Essas alterações revertem, portanto, em
vel farmacodinâmico, a atuação dos ADTs no
75 | P á g i n a
Capítulo 9
Estudos em Ciências Forenses

diversos danos teciduais, resultando em uma casos de intoxicação por quetiapina resultam
insuficiência multissistêmica e morte. em sedação, hipotensão e taquicardia, mas
A clorpromazina é um antipsicótico usado arritmias, coma e morte já foram registrados.
para tratar principalmente a esquizofrenia, o As concentrações séricas ou plasmáticas de
transtorno afetivo bipolar, transtorno de déficit quetiapina estão geralmente na faixa de 1-10
de atenção e hiperatividade e náuseas e vômi- mg/L em sobreviventes de overdose, enquanto
tos. Essa substância pertence a classe de anti- níveis sanguíneos pós-morte de 10-25 mg/L são
psicóticos típicos. Embora seu mecanismo de geralmente observados em casos fatais. Os
ação não esteja completamente esclarecido, níveis não tóxicos no sangue pós-morte se
postula-se que a sua capacidade de antagonizar estendem a cerca de 0,8 mg/kg, mas os níveis
a dopamina (especialmente os receptores D2) tóxicos no sangue pós-morte podem começar
exerça papel importante na atuação desse com 0,35 mg/kg. Não há um antídoto específico
agente. Ele também apresentou atividades anti- para a quetiapina (NEMEROFF, KINKEAD,
serotoninérgicas e anti-histaminérgicas, que GOLDSTEIN, 2002). Os casos de intoxicação
também parecem exercer papel importante na grave necessitam de procedimentos de suporte
regulação das vias neuronais desses neurotrans- incluindo manutenção de vias aéreas, ventila-
missores (BRUNTON, CHABNER, ção e oxigenação, além de monitorização cardi-
KNOLLMAN, 2010). Na intoxicação aguda ovascular. Nos casos de hipotensão refratária a
por Clorpromazina, os principais sintomas são: superdose de quetiapina deve ser tratada com
depressão do sistema nervoso central, hipoten- medidas adequadas, tais como fluidos
são e sintomas extrapiramidais. Nestes casos, a intravenosos e/ou agentes simpatomiméticos
conduta é lavagem gástrica, administração de (epinefrina e dopamina devem ser evitadas,
antiparkinsonianos para os sintomas extrapira- uma vez que a estimulação beta pode piorar a
midais e estimulantes respiratórios (anfetamina, hipotensão devido ao bloqueio alfa induzido
cafeína com benzoato de sódio), caso haja de- pela quetiapina) (VENTO et al., 2020).
pressão respiratória. Deve-se evitar a indução
de vômito (HAMPTON et al., 2015). 3.2. Tratamento e manejo clínico
A quetiapina é um antipsicótico atípico A abordagem de pacientes envenenados de-
usado no tratamento da esquizofrenia, trans- verá ser complexa e sistêmica com o objetivo
torno depressivo, transtorno afetivo bipolar e a de fornecer o tratamento e manejo mais ade-
psicose da Doença de Parkinson. Já foi apon- quado ao paciente que irá depender de fatores
tado que a quetiapina é um antagonista dopami- toxicocinético e toxicodinâmicos do agente,
nérgico, serotoninérgico e adrenérgico, além de fase de intoxicação bem como a gravidade dos
ser um potente anti-histamínico e possuir algu- sintomas. O tratamento engloba manejos espe-
mas propriedades anticolinérgicas cíficos como: descontaminação tópica, antído-
(BRUNTON, CHABNER, KNOLLMAN, tos, carvão ativado, lavagem gástrica, medidas
2010). Em contraste com a maioria, demais an- de eliminação (BRENT et al., 2017).
tipsicóticos, que costumam ter efeito aversivo A descontaminação visa reduzir a absorção
no paciente, a quetiapina está relacionada com do agente tóxico em diferentes superfícies cor-
potencial de abuso por conta de seus efeitos porais seja tópica, ocular, respiratória ou gas-
hipnóticos, sedativos e seus limitados efeitos trointestinais. A indicação de descontaminação
adversos extrapiramidais. Grande parte dos gastrointestinal irá depender do tipo de substân-
76 | P á g i n a
Capítulo 9
Estudos em Ciências Forenses

cia (quantidade e potencial tóxico), tempo rações de liberação prolongada. A ação mais
transcorrido após ingestão (até 1-2 h), fatores de efetiva compreende a primeira hora após a into-
risco (sonolência, torpor), risco x benefício (as- xicação podendo ser utilizado em dose única
piração) e contraindicações (cáusticos, solven- (1g/kg) ou múltiplas doses o que irá depender
tes, risco de perfuração e sangramentos) da gravidade do paciente, não ultrapassando 72
(HOFFMAN et al., 2015). horas. Porém sua utilização apresenta contrain-
A lavagem gástrica em geral antecede a ad- dicações em intoxicações por agentes ácidos,
ministração de carvão ativado devido sua con- álcalis, álcoois, íons simples (cianeto, lítio,
figuração molecular com alto potencial absor- ferro), assim como recém-nascidos e gestante
vente. Geralmente utilizado em intoxicações (THANACOODY et al., 2015).
por múltiplas substâncias, medicamentos sub- A Tabela 9.2 resume os principais métodos
metidos a circulação êntero-hepática (fenobar- de descontaminação que podem ser usados nas
bital, carbamazepina e clorpropamida) e prepa- intoxicações.

Tabela 9.2 Principais métodos de descontaminação e seus mecanismos.


Métodos de descontamina-
Mecanismo de ação Notas
ção
Adsorve os venenos ingeridos den-
Provoca náuseas, vômitos, diarreia, constipação,
tro da luz intestinal, permitindo
prejuízo à absorção de fármacos via oral. Não é
Carvão Ativado que o complexo carvão- toxina
recomendado após a ingestão de substâncias cor-
seja eliminado pelas fezes.
rosivas. (EDDLESTON et al., 2008)
(EDDLESTON et al., 2008)

Descontamina a cavidade gástrica Pode provocar broncoaspiração, perfuração gás-


de substâncias tóxicas ainda não trica. Não é recomendada em caso de
Lavagem gástrica
digeridas (VALE & KULIG, ingestão de corrosivos, vias áreas desprotegidas,
2004) hemorragias. (VALE & KULIG, 2004)
Irrita o estômago e estimula a zona
American Academy of Pediatrics (AAP), que de-
de gatilho dos quimiorreceptores
fendia o uso da ipeca, publicou em 2003 uma de-
centrais (em geral, os vômitos
Xarope de ipeca claração de conduta recomendando que esse mé-
ocorrem cerca de 20 minutos após
todo não fosse mais utilizado no tratamento das
a administração). (MEADOWS-
intoxicações. (MEADOWS-OLIVER, 2004)
OLIVER, 2004)

Fonte: EDDLESTON et al. 2008; MEADOWS-OLIVER, 2004; VALE & KULIG, 2004.

Os antídotos são substâncias que agem neu- SNC, por meio da inibição competitiva do com-
tralizando ou reduzindo a ação do tóxico. Ape- plexo receptor GABA-BZD. O glucagon au-
sar de serem eficazes, não são a primeira me- menta o AMPc no coração, com efeito crono-
dida de tratamento empregada, visto que são trópico e inotrópico positivo utilizado para ca-
poucos antídotos conhecidos e a maioria das in- sos em que os fármacos têm ação beta-bloque-
toxicações são tratadas com medidas de su- adora. Além disso, encontramos quelantes, ca-
porte. Conforme os antígenos apresentados na tárticos e antagonistas químicos ou fisiológicos.
Tabela 9.1 destaca-se o uso do flumazenil que A Tabela 9.1 apresenta os antígenos conheci-
antagoniza a ação dos benzodiazepínicos dos contra as principais substâncias utilizadas
(BZD), imidazopiridinas (Zolpidem®) e outros no envenenamento e quando necessários devem
toxicantes que atuam nos receptores de BZD do ser fornecidos imediatamente, o que exige um

77 | P á g i n a
Capítulo 9
Estudos em Ciências Forenses

planejamento de saúde pública com base em da- 4. CONCLUSÃO


dos epidemiológicos e estatísticos (Galvão et
al., 2013). O conhecimento das principais drogas utili-
As medidas de eliminação como a alcalini- zadas no envenenamento, bem como seus me-
zação urinária com bicarbonato de sódio visam canismos, apresentação clínica e tratamento é
potencializar a eliminação pela urina de alguns de suma importância no contexto de se identifi-
agentes (ex.: fenobarbital, salicilatos) favore- car e tratar prontamente casos de intoxicação.
cendo a conversão de ácidos fracos lipossolú- Embora seja um tema relativamente negligenci-
veis em sais impedindo sua reabsorção pelos tú- ado, a intoxicação, seja ela acidental ou propo-
bulos renais. Entretanto é contraindicado em sital é um problema de saúde pública, principal-
casos de insuficiência renal e edemas. A hemo- mente por conta do fácil acesso da população a
diálise ou hipoperfusão são técnicas raramente esses agentes e de uma questão contemporânea
empregadas devido seu alto custo com exceção fundamental que é a temática do suicídio. Por
de quadros clínicos críticos em que a remoção fim, a pesquisa na área de toxicologia é funda-
extracorpórea se apresenta mais eficiente mental para o desenvolvimento de métodos di-
(BAILEY, 2005; GHANNOUM et al., 2015). agnósticos rápidos e antídotos específicos e de
fácil acesso contra os agentes de intoxicação
mais prevalentes.

78 | P á g i n a
Capítulo 9
Estudos em Ciências Forenses

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79 | P á g i n a
Capítulo 9
Estudos em Ciências Forenses

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80 | P á g i n a
CAPÍTULO 10

ENFERMAGEM FORENSE NA
EMERGÊNCIA HOSPITALAR
COM FOCO NA VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA: UMA REVISÃO
NARRATIVA DA LITERATURA

ANA PAULA RODRIGUES FERREIRA DA SILVA¹


CRISTINA LAVOYER ESCUDEIRO²

¹Enfermeira pela Universidade Federal Fluminense.


²Doutora e Docente – Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgico da Universidade Federal
Fluminense.

Palavras-chave: Enfermagem Forense; Enfermagem em emergência; Violência Doméstica.

86 | P á g i n a
Capítulo 10
Estudos em Ciências Forenses

1. INTRODUÇÃO violentas, principalmente de homicídios dolosos


sendo estas a maior taxa de feminicídios,
O aumento global da violência desencadeou segundo o Anuário Brasileiro de Segurança
necessidade de preparo de profissionais da área Pública (2018).
da saúde na educação preventiva de violência in- Em 2017, o Conselho Federal de
terpessoal e detecção de sinais de vitimização. A Enfermagem (COFEN) criou uma resolução em
enfermagem gradualmente ganha espaço e que habilita a atuação do profissional enfermeiro
reconhecimento na área forense, devido ao seu com especialização na área forense, contudo a
amplo desempenho no cuidado individual e primeira resolução do COFEN para tentar
coletivo (SILVA, 2009). regulamentar a criação da especialização no
A enfermagem forense combina os conceitos Brasil foi a nº 389/11, a mesma foi revogada
gerais da enfermagem com os princípios das quatro vezes e, atualmente, sendo redigida pela
ciências forenses tradicionais. Promove, num resolução nº 581/2018. Somente no ano de 2017
contexto clínico forense, cuidados direto às que a Sociedade Brasileira de Enfermagem
vítimas, ofensores e a todos quantos Forense – SOBEF, foi fundada (ABEn, 2019).
testemunham situações de violência, aplicando a Durante todo o ano de 2019, realizando
ciência forense à prestação de cuidados de estágio não obrigatório pelo programa da
enfermagem (ABEFORENSE, 2015). Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, onde
Nos anos 70, nos Estados Unidos surgem os atuamos em um Hospital Municipal, junto com
três primeiros cursos com objetivo de formar os enfermeiros da unidade e com uma média de
peritos nos exames às vítimas de agressão, quatro meses em setores como Unidade de
voltados somente para enfermeiros - Sexual Terapia Intensiva, Centro Cirúrgico, Clínica
Assault Nurse Examiner (SANE). Em 1974, a Médica e Emergência. Durante a vivência como
enfermeira Burgess e a socióloga Holmstrom acadêmica bolsista em uma Emergência de
criam um plano de intervenção que ainda hoje portas abertas, ou seja, livre demanda e
faz parte da formação SANE. Cursos esses que responsável por grande parte da Zona Norte do
são mais de 530 em hospitais, sendo a maioria na Rio de Janeiro, observei, na linha de frente com
urgência por toda a América, Canadá e outros os enfermeiros do setor vermelho, a rotina da
países no mundo (SHERIDAN; NASH; entrada no sistema de saúde das vítimas de
BRESEE, 2011). violência doméstica, suicídio, violência policial,
Na década de 90, após diversos anos de traumas por acidentes, além de diversos outros
estudo para se comprovar a relevância do campo casos.
no estudo forense, foi criada a International Despertou o interesse pela aplicação das
Association of Forensic Nurses, fundada por 72 atribuições do enfermeiro forense, os quais já
enfermeiros com formação SANE. Um ano mais atuamos, mas por prática de cuidado e não por
tarde, a especialidade é reconhecida como compreender que aquele paciente e tudo o que
ciência forense após cinco anos de sua ele nos fornece, seja por material abstrato como
apresentação por Virgínia Lynch, passando a ser na anamnese, e/ou objetivo como roupas, coleta
uma importante ligação entre as ciências do de material biológico, entre outros, é
cuidado e da saúde e os estudos forenses. Já no fundamental para a comprovação, resolução e, se
Brasil, a Enfermagem Forense surge dentro do necessário, a punição das partes cabíveis.
contexto de aumento na incidência de mortes Levantando assim o questionamento de como, de

83 | P á g i n a
Capítulo 10
Estudos em Ciências Forenses

fato, a(o) enfermeira(o) com especialização e lesões e classificando em intencionais ou não


conhecimento científico das ciências forenses intencionais; medir as lesões e determinar sua
atuaria nesse cenário? E por que ainda não é forma, podendo estabelecer uma relação da
empregado tal conhecimento desse profissional. violência com o tipo de objeto utilizado, através
Não somente no futuro, mas no momento da interpretação do mecanismo de força (cinética
presente, a Enfermagem Forense já tem um papel do crime); documentar os nomes das pessoas que
associado às vítimas e aos seus familiares, nos estiverem em contato com a vítima durante o seu
programas de saúde e na organização de tratamento e /ou seu deslocamento até a unidade
programas destinados a combater a violência e hospitalar; sem, em momento algum, quebrar a
promover a saúde mental, em escolas/centro cadeia de custódia, garantindo sua legalidade e
educacionais, além de programas especiais com confidencialidade.
a finalidade de diminuir os efeitos da violência Segundo a resolução 556/2017 do COFEN, o
doméstica, nas comunidades sejam elas de enfermeiro como um grande conhecedor do
pessoas livres ou de pessoas com restrições de sistema de saúde, social e legal, e ainda,
liberdade. enriquecida pelo conhecimento das ciências
Reforçando que a atuação desse profissional forenses e de saúde pública, e que pode colaborar
se faz necessária em diversos âmbitos, podemos com o Poder Judiciário, agentes policiais,
assim resumir a intervenção dos mesmos em: entidades governamentais e sociais na
avaliação para defender a vítima; ligação com as interpretação de lesões forenses, além de sua
agências de fora, por exemplo o campo intervenção de 24 horas nos hospitais são os
judicial/policial; cadeia de custódia; profissionais indicados para proceder ao
documentação de dados, incluindo diagramas e acolhimento da vítima (GOMES, 2014).
fotos; foco nas evidências físicas e eventuais; Sendo assim, esse trabalho tem grande
familiares e suas ligações; testemunhar em relevância mostrando que a falta desse
tribunal. profissional gera uma deficiência no sistema de
O objetivo deste estudo foi levantar a atuação às vítimas e em virtude de resoluções
literatura científica sobre a atuação da dos casos em âmbito penal, além de fomentar o
Enfermagem Forense no âmbito da Emergência campo de pesquisa para tal área, assim,
Hospitalar; e discutir a atuação da enfermagem melhorando e estimulando o ensino e a busca
forense, no âmbito hospitalar, com foco nas pela área.
vítimas de violência doméstica no atendimento
na emergência. 2. MÉTODO
Segundo o Regulamento das Competências
O estudo apresenta abordagem descritiva
Técnicas da Enfermagem Forense
qualitativa, com a base metodológica sendo a
(ABEFORENSE, 2015) e do Anexo da
revisão narrativa, pois possibilita o acesso a
Resolução 556 (COFEN, 2017), é competência e
experiências de outros autores que já
da responsabilidade do enfermeiro emergencista
pesquisaram sobre o tema (RUIZ, 1992).
forense: identificar cenários de violências;
Segundo ROTHER (2007), revisões narrativas
garantir a segurança da vítima, com ou sem vida;
são publicações amplas, apropriadas para
realizar registros fotográficos; coletar e
descrever e discutir o desenvolvimento de um
preservar os vestígios; examinando
determinado assunto, sob ponto de vista teórico
minuciosamente o estado físico, identificando
ou contextual, contudo o mesmo afirma que é
84 | P á g i n a
Capítulo 10
Estudos em Ciências Forenses

necessária uma atenção para as fontes utilizadas, das obras foram obtidos 7 artigos na íntegra, 23
para que assim possa assegurar que seja resumos, 3 livros para embasamento teórico, 9
fidedigno e tenha uma profundidade no tema. A arquivos de outras categorias: 2 cartilhas uma do
coleta do material para a pesquisa foi realizada Ministério da Saúde e a outra da Associação
no período de outubro de 2019 até fevereiro de Brasileira de Enfermagem Forense, 2 Anuários
2021. de Segurança Pública, 1 protocolo de
O levantamento foi realizado em ambiente acolhimento, a própria Constituição Federal para
virtual na Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), conhecimento legal e o Conselho Federal de
nas bases: LILACS, LIS (Localizador de Enfermagem (COFEN).
Informação da Saúde), MEDLINE, PubMed, Ao utilizar o descritor inicial, “enfermagem
Google Acadêmico e SciELO e em uma busca forense AND emergência hospitalar” 31 artigos
livre de textos completos atendendo aos critérios foram levantados inicialmente na BVS, 11
do Qualis Capes, como Biblioteca de Teses e atendiam preliminarmente aos critérios do
Dissertações e Periódicos CAPES, incluídos, nos estudo, contudo, os 11 eram pagos, com isso
resultados com os seguintes termos de busca: foram utilizados somente o resumo dos mesmos.
“enfermagem forense AND emergência Ao utilizar o descritor secundário “violência
hospitalar”, “violência AND enfermagem AND enfermagem forense” apresentou poucas
forense”, “emergência hospitalar AND obras referentes ao objeto de estudo, mesmo
violência”. Estes termos foram utilizados de quando somado ao termo emergência hospitalar.
forma conjunta e isolados. Pela quantidade As obras idênticas, repetidas em bases virtuais
escassa de material, em uma segunda pesquisa diferentes, foram eliminadas, considerando-se
foram acrescentados os termos: “enfermagem seu primeiro registro. Já na segunda busca com
hospitalar AND violência” e “enfermagem AND os termos “enfermagem hospitalar AND
violência”. violência” e “enfermagem AND violência”, 95
Foram selecionados para este estudo, artigos foram levantados inicialmente na BVS,
somente artigos que, na leitura demonstraram em ambos os artigos foram encontrados
semelhanças, com o objetivo do trabalho, não duplicados ou repetidos em relação às demais
houve restrição de busca quanto ao ano e idioma pesquisas anteriores, com isso somente fizeram
de publicação dos materiais científicos, somente contribuição preliminarmente para o estudo
à relevância do seu conteúdo para o presente foram 6 obras. Em uma busca livre de textos
artigo. Primeiramente, as obras foram completos atendendo aos critérios do Qualis
armazenadas em computador, para que em Capes, foram selecionados 4 artigos em
seguida fosse realizada uma pré-seleção de concordância com a relevância do tema
acordo com a leitura dos resumos. Nesta fase, abordado.
buscou-se a relação entre o conteúdo, título, Após a construção das fases da elaboração do
resumo, e se atendiam ao objeto do presente estudo, percebeu-se que somente as obras
estudo. encontradas em meio virtual não subsidiaram o
Na fase de seleção, as obras foram lidas na aspecto conceitual básico, visto que abordavam
íntegra, com atenção especial para os resultados de forma generalizada, entretanto além do
e conclusão das obras, os trabalhos que não material encontrado na BVS foi utilizado na
apresentavam qualquer relação com o caráter da pesquisa livros e periódicos da área de saúde, os
pesquisa foram excluídos. Realizada a triagem quais funcionaram como alicerce conceitual.

85 | P á g i n a
Capítulo 10
Estudos em Ciências Forenses

Deste ponto em diante foi feita uma busca especialização em enfermagem, sendo assim
nos livros na biblioteca virtual, bases de dados utilizando profissionais somente com nível
do Governo Federal, como a Constituição médio, sem nenhuma carga de conhecimento
Federal, Anuário de Políticas Públicas do científico da enfermagem em si (ASPECON,
Governo de São Paulo, Anuário Brasileiro de 2012).
Segurança Pública, Protocolos de Atendimento e É preciso da ênfase que o Brasil deveria ter
Acolhimento do Governo do Estado do Paraná e como grande referência para essa área, os
Maranhão e Cartilhas do Ministério da Saúde e Estados Unidos e Canadá, onde adotam o
Associação Brasileira de Enfermagem Forense. programa de Sexual Assault Nurse Examiners
Além de anais de eventos sobre anteriores, (SANE), nesse programa a enfermeira é
onde foram selecionadas 12 obras mais recentes especialista na realização do exame forense em
e que mostrassem relação com o caráter do tema. vítimas diversas, onde têm mostrado eficientes
Depois das etapas descritas acima, foram resultados em reduzir o trauma decorrente da
construídos nos resultados itens como os livros agressão sexual na avaliação e tratamento às
Enfermagem Forense: uma especialidade a vítimas de violência sexual (SOUTO, 2021).
conhecer, escrito por Rafaella Queiroga Souto, O Governo do Estado do Paraná, saiu a frente
além da disciplina ministrada pela própria; com a implementação do Protocolo para o
Enfermagem Forense vol, 1 e Enfermagem Atendimento às Pessoas em Situação de
Forense vol. 2, ambos escritos por Albino Violência Sexual, onde apresenta todo o passo a
Gomes, além de resoluções do Conselho Federal passo dessa abordagem multidisciplinar, onde o
de Enfermagem (COFEN). enfermeiro tem um papel fundamental, por ser o
profissional de triagem e de contato
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO direto/imediato com a vítima (GOVERNO DO
ESTADO DO PARANÁ, 2019).
A essência da prática da enfermagem forense Tal protocolo aborda o acolhimento,
assenta na resposta aos problemas de saúde atendimento clínico, recursos humanos,
decorrentes de trauma ou qualquer forma de materiais de coleta como secreções vaginais,
violência, não se limitando somente à prática sangue, digitais, entre outros materiais forenses,
clínica reparadora, mas passando também pelo exames e profilaxias de ists, anticoncepcional
índice de suspeita de lesões sugestivas de emergencial e, claro, a notificação dos casos
traumatismos não acidentais e pela preservação, (GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ,
coleta e recolha de vestígios de relevância 2019).
criminal e manutenção da cena do crime Essa última, precisamos abrir um parêntese
(COFEN, 2017). enorme, pois, entramos em um grande
No Brasil, o enfermeiro forense tem a sua paradigma entre: afastar a vítima da atenção
prática maior no campo de perito judicial ou hospitalar por medo da denúncia compulsória e
assistente técnico, sendo necessário que seja suas consequências para a mesma, enquanto
requisitado um parecer do âmbito pericial para o sofremos com subnotificações. O Governo do
especialista na área. Em alguns estados do país, Estado da Bahia com parceria do Governo de
nos IMLs já se desenvolve há muitos anos São Paulo, publicaram no dia seguinte desta
trabalhos no campo de enfermagem forense, alteração, uma reportagem onde mostra o receio
contudo ainda não vinculado ao título de uma de que o serviço de saúde, antes considerado uma

86 | P á g i n a
Capítulo 10
Estudos em Ciências Forenses

porta de entrada das vítimas na rede de isso, é necessário compreender alguns pontos,
atendimento, agora com a mudança feche mais como o fluxo e trajetória do paciente dentro do
essa porta para elas. "Acima de tudo a gente Sistema Único de Saúde.
precisa cada vez mais sensibilizar os Começando na atenção básica, o
profissionais de saúde para que tenham um olhar atendimento segue um ciclo de agendamento ou
para essa mulher que sofre violência doméstica. por demanda espontânea, onde o paciente
Quantos feminicídios nós poderíamos ter evitado comparece naquele dia, é atendimento pelo
com atenção à mulher que chega lá com o olho profissional de enfermagem, avaliando a
roxo na unidade dizendo que caiu da escada e o necessidade individual do paciente. O
profissional com uma escuta um pouco mais atendimento é todo registrado na ficha do
refinada e qualificada conseguiria perceber que paciente no CAD-SUS (sistema de cadastro do
não era exatamente isso?", pontuou nessa mesma Sistema Único de Saúde) e, caso seja necessário,
reportagem, Leila Rocha, enfermeira e pós- após a consulta é realizado o encaminhamento,
graduada em Gestão de Políticas Públicas com seja para o médico da unidade especialista, ou
recorte em gênero e raça pela UFBA, e para a rede hospitalar onde continuará o seu
articuladora do eixo Saúde do Coletivo de Oya – tratamento. A atenção básica é responsável pelo
Mulheres Negras da Periferia. cuidado contínuo para com o paciente, sendo
A fala da enfermeira Rocha só nos mostra o assim responsável pelos exames e tratamentos
que já sabemos: a enfermagem já trabalha com permanentes. Tal unidade é crucial no auxílio
os pacientes que já se enquadram na demanda da para identificação de violências em âmbito
área forense e que necessitamos de profissionais psicológico e físico em graus mais leves,
qualificados para tal. justamente por desenvolver um vínculo maior
SCHMITD, jornalista do G1, publicou que pelo acompanhamento com o mesmo.
no Rio de Janeiro, em um hospital da Baixada Já o nível hospitalar, é destinado a
Fluminense, foi implementado uma sala de atendimento pontuais como urgências que a UBS
acolhimento para as vítimas de violência não consegue comportar, emergências, exames
doméstica, onde ocorre uma abordagem específicos, internações, entre outros. O percurso
multidisciplinar pautada na Lei Maria da Penha, hospitalar acaba sendo bem similar ao da atenção
"Já tínhamos esta preocupação em oferecer algo básica, podendo ser por livre demanda ou agen-
diferenciado para a mulher, que não tem na damento. Ocorre uma consulta com a equipe de
região esse atendimento. Com a nossa entrada na enfermagem, onde ocorre uma triagem e classi-
batalha contra a COVID-19, notamos o ficação de risco que prioriza o atendimento mais
crescimento de casos de violência doméstica e rápido aos que precisam com mais velocidade.
tivemos a necessidade da implantação deste Durante essa consulta é fundamental o olhar
projeto. Teremos uma equipe especializada crítico do enfermeiro para qualquer sinal que
somente para este atendimento. No Hospital aponte algum tipo de violência, sem deixar de
Fluminense a mulher terá essa referência de lado o relato do paciente. Após essa consulta, o
acolhimento e cuidado de sua saúde", disse o paciente será encaminhado para o devido fim,
diretor da unidade Leandro Santoro. seja o exame destinado ou a consulta com
Por ser a Enfermagem Forense a união de médico, sendo destinado após finalizar seu
duas áreas respectivas, esse profissional precisa processo no hospital, para o acompanhamento na
transitar entre ambas: Saúde e Judiciário. Com UBS novamente.

87 | P á g i n a
Capítulo 10
Estudos em Ciências Forenses

O foco dessa pesquisa é o atendimento na mentar a história cronológica do vestígio cole-


Urgência e Emergência, com isso, dentro desse tado em locais ou em vítimas de crimes, para ras-
setor em específico o fluxograma do paciente trear sua posse e manuseio a partir de seu reco-
tem algumas peculiaridades. Como se observa na nhecimento até o descarte. E segue nos incisos
imagem ao lado, nesse cenário o enfermeiro na primeiros que “o início da cadeia de custódia dá-
classificação de risco é o que realizará o exame se com a preservação do local de crime ou com
primário, podendo assim identificar e começar o procedimentos policiais ou periciais nos quais
acolhimento psicológico e físico no paciente seja detectada a existência de vestígio. Comple-
violentado. menta no segundo ressaltando que o agente pú-
Em um ambiente ideal e padronizado para blico que reconhecer um elemento como de po-
esse enfermeiro com especialização em forense tencial interesse para a produção da prova peri-
terá toda a perícia para realizar a coleta de cial fica responsável por sua preservação e fina-
material biológico como unhas, cabelo, sangue, liza no terceiro concluindo que vestígio é todo
saliva, swab com possíveis secreções, exame de objeto ou material bruto, visível ou latente, cons-
Papanicolau, toda essa coleta antes de realizar tatado ou recolhido, que se relaciona à infração
qualquer profilaxia medicamentosa. Realização penal.
de fotografias das lesões e estado da vítima, Falar de Enfermagem Forense no Brasil
recolhimento roupas e/ou de qualquer material ainda é um assunto um tanto delicado, por diver-
que possa ser relevante. sos motivos, os principais são a área ser relativa-
E, atualmente, como o Brasil os Boletins de mente nova no país, e justamente por ser nova,
Ocorrência realizados via on-line, o enfermeiro os campos de atuação serem limitados ou ainda
realizaria esse preenchimento, além de passar a não existentes e a pouca literatura em português.
ser responsável por todos esses vestígios que O enfermeiro com essa capacitação pode atuar
foram coletados, iniciando assim a cadeia de em diversos locais, contudo quando citamos o
custódia. Não deixando de ressaltar o nome, o que a memória logo remete é a perícia
preenchimento no SINAN. em si. É preciso reforçar que, no Brasil, a inves-
Tal procedimento, hoje em dia, é realizado na tigação forense é realizada pelos peritos oficiais
Clínica Médica do IML, por técnicos de vinculados às polícias, contudo, segundo a por-
necropsia com auxílio de Médicos Legistas, taria n° 2.393, na falta dos peritos oficiais, pro-
contudo, como já citado acima, a profilaxia como fissionais de saúde habilitados para a coleta de
alguns antibióticos podem apagar alguns vestígios em vítimas de violências sexuais pode-
vestígios. E como os pacientes em estado mais rão realizar esse procedimento, além de poder
crítico são encaminhados diretamente ao atuar em perícias particulares ou ad doc, que se-
hospital, esse local é o lugar ideal para este ria um profissional de enfermagem a pedido do
procedimento. juiz para auxiliar o mesmo no entendimento dos
Para falarmos sobre a entrada no mundo do laudos.
direito, precisamos trazer a lei número 13.964/19 Não é necessário procurar em locais muito
que além de organizar diversas pendências do distantes, quando falamos de violência, ainda
universo jurídico penal, também estabelece o mais quando falamos do cenário brasileiro onde
que é cadeia de custódia. O artigo 158-A, consi- os percentuais de violência só vêm aumentando
dera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os e com o advento da COVID-19 piorou.
procedimentos utilizados para manter e docu- Tampouco se restringir às comunidades de

88 | P á g i n a
Capítulo 10
Estudos em Ciências Forenses

baixa renda, esse problema perpassa diversas ca- enfermeiros forenses licenciados e que não tenha
madas sociais. E isso acaba sendo mais doloroso a presença de um perito oficial, podem realizar
quando ocorre dentro das residências, no local essa coleta, para isso é importante avaliar a situ-
onde deveria ser o refúgio para as mazelas que ação do paciente, realizar o procedimento e após,
vivenciamos todos os dias. Na sociedade em que o atendimento do cuidado com essa vítima,
vivemos, nos deparamos vinte e quatro horas por sendo assim o primeiro responsável pela cadeira
dia com a violência e os enfermeiros da linha de de custódia.
frente atuantes em emergências, são os primeiros Porém, algo que já ocorre nas emergências
a ter contato tanto com a vítima quanto com o hospitalares, uma vez que vítimas de violência
agressor. E nem entraremos no mérito da violên- doméstica dão entrada e são imediatamente en-
cia que sofremos nesses ambientes. caminhadas para o cuidado. Nesse caso, com a
Durante todo o estudo e a vivência em setor profilaxia da cirurgia, sem protocolo padroni-
de emergência onde a demanda era livre, foi ní- zado atualmente, se perde amostras importantes
tido observar a necessidade do profissional de para uma investigação futura.
enfermagem atuando com esse público. Levando Então, não que estes profissionais já não es-
em consideração que o caminho normal do paci- tejam realizando uma parte desse trabalho espe-
ente violentado ou agredido no pronto socorro é rado deles, mas muitas vezes é somente mecani-
acolhido por um enfermeiro na triagem, logo zado sem um conhecimento mais teórico judicial
após verificado a gravidade, é direcionado para a e na falta de um protocolo nacional.
equipe médica. Seus cuidados começam no aco- A Associação Brasileira de Enfermagem Fo-
lhimento. O enfermeiro presta o cuidado dos fe- rense já elaborou uma cartilha para melhor didá-
rimentos físicos e começa o acolhimento psico- tica e análise dos pacientes que chegam a esse
lógico, após a consulta com o profissional mé- serviço, contudo não é algo amplamente divul-
dico, é novamente encaminhado para a realiza- gado. Cada instituição segue tendo seu protocolo
ção da profilaxia de doenças como ISTs. individual para atendimento e a cartilha do Mi-
Nós já realizamos esse caminho nas emer- nistério da Saúde de longe supre essa necessi-
gências, a diferença é que não compreendemos a dade. É importante frisar também que por ser
importância dos detalhes, mais propriamente uma especialização nova, é de se esperar pouco
dito: da coleta dos vestígios — tanto físicos conteúdo.
quanto verbais — antes de prestar essa assistên- A prova dessa escassez, junto com o fato da
cia, podendo virar provas que aquela vítima, fu- área ainda estar engatinhando, foi a dificuldade
turamente caso seja de sua vontade, abrir um pro- de encontrar obras que dessem sustentação para
cesso de fato contra o agressor e com isso, se essa pesquisa, ao todo foram realizadas quatro
perde esse material. pesquisas distintas: onde a primeira e a segunda
Atualmente no Brasil a notificação de aten- foram na BVS, com descritores e correlações di-
dimento a vítima agredida é compulsória. Justa- ferentes e a terceira busca foi em eventos da área,
mente por isso, todo profissional de saúde é obri- que mesmo assim, somente em dois tinham anais
gado a realizá-la, contudo a vítima pode optar com resumo e somente um artigo completo en-
por não denunciar na delegacia em si. Além contrado, já na última foi utilizado uma pesquisa
disso, somente quem pode fazer coleta de vestí- livre, encontrando assim livros, cartilhas, proto-
gios e provas são peritos oficiais, contudo, em colos e arcabouços jurídicos que possibilitou me-
hospital e unidades básicas de saúde onde atuam lhor estudo para a escrita . O que mais impressi-

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Capítulo 10
Estudos em Ciências Forenses

ona na pesquisa, além da pouca produção, são dentro do âmbito hospitalar para ser responsável
que utilizando os seguintes descritores “enfer- pela cadeia de custódia, caso ocorra denúncia de
magem hospitalar AND violência” e “enferma- fato.
gem AND violência”, a maior parte dos artigos Além de aumentar as notificações de fato e
abordados com esses descritores eram vincula- assim tentar diminuir a quantidade de sub notifi-
dos a violência contra o próprio profissional de cações, para assim, gerar números cada vez mais
saúde dentro do seu âmbito de trabalho, outro fidedignos à realidade, proporcionando assim um
grande problema enfrentado por essa categoria. melhor estudo e inspirar maior produtividade de
Partindo da premissa de Bacon (1597), onde materiais para melhores intervenções clínicas fo-
o mesmo descreve que conhecimento em si é po- renses especiais para esse público em departa-
der. O conhecimento não somente para a vítima, mentos de emergência.
para conseguir identificar as agressões e poder São necessários esforços educacionais para
sair desse ciclo para pedir ajuda, quanto também esses enfermeiros, como a capacitação dos pro-
para os atuais profissionais na linha de frente fissionais já atuantes nesse cenário e a necessi-
desse cuidado, assim conseguir aplicar um aco- dade de durante a graduação terem contato com
lhimento mais eficaz, aconselhar para a denúncia esse viés, já que a atuação, a cada dia, se mostra
de fato e, junto à equipe multidisciplinar, enca- mais precisa. Não esquecendo também de políti-
minhar essa vítima para um desfecho sem negli- cas para todos os grupos de vítimas de violência,
gência todos os aspectos da vivência humana repensando também na inclusão desse atendi-
como físico, emocional/psicóloga, social e judi- mento para os membros da família e às vezes até
cial. mesmo ao possível agressor.
Durante anos o enfermeiro atua nesse campo O presente trabalho se mostrou de imensa re-
e por falta de conhecimento dos detalhes judici- levância social, perante o crescente número de
ais e da importância da sua atuação que vai além denúncias em relação a violência contra a mu-
desse cuidado imediato, perpassando por toda a lher, e não somente contra ela, mas abrangendo
cadeia judicial com coleta de vestígios, notifica- também para as crianças, já que as mesmas são
ção sobre essa violência, as anotações de enfer- um elo indefeso no convívio familiar e domés-
magem e até mesmo depoimentos em julgamen- tico.
tos caso seja requerido. Se apropriar das compe- Mostrou, também, relevância acadêmica, re-
tências, mostrar sua importância e dialogar sobre forçando a baixa produtividade de materiais que
esse conhecimento são os principais meios de abordem essa temática e sugerindo que, com a
conseguirmos começar a ter espaço em novos publicação do mesmo, a possibilidade de ser uti-
campos. lizado como base para futuros estudos e desen-
volvimento de um treinamento voltado tanto
4. CONCLUSÃO para os profissionais atuantes, quanto para as
mulheres vítimas nas unidades de emergência,
O presente estudo possibilitou vivenciar a com ênfase na violência contra as mesmas, sem
grande demanda de vítimas de violência domés- deixar de lado o acolhimento e empoderamento
tica e observar a real necessidade do profissional para não somente se “curar” dos ferimentos físi-
de Enfermagem Forense para agilizar e facilitar cos, mas tentar diminuir um pouco o sofrimento
o atendimento, diminuir constrangimentos e as- psíquico e conseguir sair dessa situação de
sim evitando a revitimização da pessoa fragili- abuso.
zada, além de ser o profissional mais adequado
90 | P á g i n a
Capítulo 10
Estudos em Ciências Forenses

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CAPÍTULO 11

COCAÍNA: A NECESSIDADE
CONTÍNUA DE ESTUDOS
DOS TESTES RÁPIDOS
REAGENTES AOS ANALITOS
DA DROGA

JOSÉ MÁRCIO DE BARCELOS ALVES¹

1Discente – Pós Graduação em Medicina Legal e Direito Penal pela Minas Congressos. Discente
– Mestrado em Psicologia Forense pela FUNIBER. Bacharel em Farmácia pela Faculdade
Pitágoras/ Campus- Divinópolis/MG. Pós Graduado em Perícia criminal e ciências Forenses
pelo IPOG/Porto Alegre. Membro estudantil da SBTOX.

Palavras-chave: Cocaína; erythoxylum; Drogas.

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Capítulo 11
Estudos em Ciências Forenses

1. INTRODUÇÃO site americano, cientistas encontraram analitos


de coca em algumas tumbas de indígenas nestas
A criminalística desenvolve diversos estu- regiões (NIDA, 2004).
dos com intuito de aprimorar técnicas para elu- É uma droga simpatomimética com propri-
cidação de crimes, onde envolve fatores extrín- edades estimulantes no sistema nervoso central.
secos e materiais toxicológicos. Esta etapa para Doses altas podem provocar pânico, semelhan-
desenvolvimento, busca pesquisa para novos tes aos da esquizofrenia, convulsões, hiperter-
conhecimentos torna a disciplina independente mia, hipertensão, arritmias, acidente vascular
em sua ação e perpetuação de uma importante encefálico, dissecção da aorta, isquemia intesti-
base e elemento para a área forense. Os postu- nal e infarto agudo do miocárdio (IAM). A to-
lados da criminalística envolvendo o conteúdo xicidade é manejada com cuidados de suporte,
do laudo pericial, as conclusões e os padrões incluindo benzodiazepínicos IV (para agitação,
que a tornam imutável em relação ao tempo hipertensão e convulsões) e técnicas de resfria-
contém teses comprobatórias utilizando diver- mento. A abstinência se manifesta primeira-
sos meios científicos, dentre eles os testes rápi- mente como depressão, dificuldades de concen-
dos sensíveis a analitos de drogas. tração e sonolência (síndrome de retirada de co-
A toxicologia, é uma das disciplinas da cri- caína, (O’ MALLEY, 2018).
minalística que visa estudar os efeitos de subs- Sob a forma de folha íntegra e chás, essa
tâncias químicas no organismo, seus metaboli- substância, ainda é cultura local nos dias atuais,
tos, desenvolvendo literaturas, testes e todo popularmente conhecida como “coca”, cujo,
contexto que envolve substâncias químicas e objetivo local é diminuição do apetite para lon-
substâncias de proibição em território nacional. gas jornadas, aumento das condições físicas, es-
A conhecida lei “das drogas”, a 11.343/2016, é timulantes, algumas finalidades medicinais e
que concede os embasamentos para tomada de diminuição da necessidade de descanso na ro-
decisão das forças militares de forma preven- tina nessa região da América do Sul. Importante
tiva e corretiva (OLIVEIRA, 2006). destacar que, o processo de absorção de via oral
Os testes rápidos, são primeiramente utili- se diverge em relação a outras formas de uso da
zados para testagens presenciais de forma não planta, obtendo-se assim capacidade reduzida
invasiva e de forma rápida. Para identificação do analito ativo da cocaína. A planta possui des-
de analitos de cocaína estes foram desenvolvi- taques pela quantidade de proteínas, vitaminas
dos para aplicação qualitativa em variedades de (A, B, C e E), zinco, ferro, cobre, fósforo além
apresentação da droga. dos alcaloides de nicotina, ecgonina, higiênico
A Erythoxylum coca é uma planta típica da e a cocaína. A planta pertence à família
América do sul. Reconhecida como uma cultura Erythoxylaceae, possui tamanhos arbustivos e
milenar, a planta faz parte da história da cultura com flores amarelo-alvacentas de tamanho pe-
de indígenas latinos localizados na Bolívia, queno e com fortes aromas. Seus frutos apre-
Peru e Colômbia (a Colômbia apresenta varia- sentam coloração avermelhadas. Suas folhas
ções da planta em algumas regiões). Há relatos podem chegar a possuir 14 alcaloides distintos
do uso pelos indígenas latinos a 3000 anos atrás (OLIVEIRA, 2009).
de acordo com a publicação do ScienceDirect Na Europa, as folhas ganharam destaque
(2008:2. 1.1). De acordo com a publicação do através dos famosos vinhos da primeira classe
produzidos pelo químico Ângelo Mariani em
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Capítulo 11
Estudos em Ciências Forenses

1863. Posteriormente no século XIX, utilizadas dido entre as forças militares no mundo todo, os
nos tratamentos nos pacientes de Sigmound testes preliminares de sensibilidades para anali-
Freud. Já no fim do século, surgiram as primei- tos de drogas foram desenvolvidos para serem
ras evidências de surtos psicóticos, dependên- de fácil transporte e manuseio, para obtenção de
cias, danos físicos, e com a cultura emergente maior êxito nas perícias em local, operações po-
na época do proibicionista e puritanismo a uti- liciais e ou barreiras de contenção ao tráfico de
lização dos analitos de coca começaram a de- forma preventiva (como ocorre em aeroportos)
cair. (ROMÃO, 2011).
Atualmente, as formas de consumo da coca- De acordo com o jornal Diário Gaúcho (re-
ína variam de acordo com o diluente e adulte- portagem 09/02/21) a polícia civil juntamente
rantes. A droga se tornou desde 1970 das mais com a receita federal, descobriram um esquema
consumidas em todo o mundo, chegando a de tráfico de drogas no Rio Grande do Sul, onde
aproximadamente 2 milhões de usuários nos foi aprendido cocaína na coloração preta, cha-
EUA de acordo com a publicação da pesquisa mando assim, a atenção da polícia técnico-cien-
nacional do uso drogas (DEA, 2012). tífica. Atualmente, primeira abordagem da po-
Os processos clandestinos utilizam produ- lícia civil para detecções de objetos suspeitos,
tos químicos para o processo de extração dos caracteriza-se pela apresentação e a hipótese da
princípios ativos da cocaína, como exemplo constituição de analitos da cocaína, em segunda
querosene, soda cáustica e gasolina. A partir instância utiliza-se métodos colorimétricos para
deste princípio ativo, são manipuladas outras análise precoce e encaminhar material coletado
formas de apresentação. No popularmente co- ao laboratório de química forense para confir-
nhecido “pó” são adicionados diluentes, como mação.
talco, alguns analgésicos, outros materiais quí- O desenvolvimento de uma cor pode indicar
micos com coloração branca para que a quanti- a presença de uma droga ou de uma determi-
dade de ativo seja rentável nas unidades de me- nada classe de drogas. Uma vez que mais de 01
didas dos processos de vendas e tráficos da co- composto pode dar o mesmo resultado, os testes
caína (SKOOG, 2005). de cor não são específicos e não identificam
Com este elevado número de usuários cres- conclusivamente a presença de um composto
cendo e sendo utilizado diferentes meios de (LINCK, 2008).
transporte para determinadas regiões em todo o No ano de 2006, a revista Época, publicou
planeta, a polícia técnico-científica no uso de uma reportagem sobre erros cometidos e que
suas atribuições, passou a utilizar exames preli- ganharam forte mídia com relação ao padrão de
minares para substâncias químicas naturais ou teste Scott. O então diretor do laboratório de cri-
sintéticas, que podem causar alterações físicas, minalística do Estado de são Paulo, Osvaldo
psicológicas e/ou dependência. Negrini, chegou a declarar “que o teste Blue
A partir destes exames preliminares surgi- (Scott) é de boa qualidade. Mas que sua eficácia
ram os testes rápidos por colorimetria. Os testes depende da “maneira como é utilizado. Qual-
colorimétricos têm como principal funcionali- quer outra substância misturada ao pó, pode al-
dade, otimizar o processo de identificação de terar o resultado”, afirmou em entrevista à re-
uma classe específica de compostos, eliminar vista”.
uma categoria de compostos ou analitos quími- Estas técnicas de identificação de drogas
cos utilizando reagentes. Amplamente difun- são desenvolvidas para que sejam de rápida
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Capítulo 11
Estudos em Ciências Forenses

aplicação e facilitem o transporte, elas estão se no que diz respeito à similaridade de seu resul-
tornando cada vez mais necessárias para as tado conclusivo a outras substâncias que não
áreas criminais no Brasil e no mundo, na busca são de interesse forense.
do combate ao tráfico de entorpecentes em suas O desenvolvimento de estudos para especi-
distintas apresentações de fórmulas e formas. ficidade de um teste, mesmo que rápido vem
sendo discutido no meio acadêmico para o uso
Em virtude da crescente criminalidade e da forense. A elucidação da verdade em caráter
necessidade da prova pericial para uma
persecução penal eficaz, mais serviços têm presencial e de pró-análises se faz necessária.
sido demandados dos laboratórios de química Para isso, a constante pesquisa nessa área deve
forense. A imprescindibilidade de realização
desenvolver métodos que possam ser ainda
de todos esses exames, aliados à sua
heterogeneidade e ao limitado tempo para mais específicos a analitos de cocaína
emissão de resultados na forma de laudos (ZENTENO, 2021).
periciais, requer além de outras boas práticas
de laboratório, que os variados procedimentos A aplicação de métodos químicos para es-
metodológicos estejam sistematicamente clarecimentos de casos de crimes é como se de-
descritos e organizados, garantindo o rigor
cientifico e de qualidade das análises. Este fine a química forense. O conhecimento cientí-
trabalho, além de proporcionar uma visão fico vem sendo utilizado no esclarecimento de
acerca de algumas metodologias empregadas
em exames requisitados pelas autoridades
fraudes, infração e assassinatos desde os pri-
competentes, discute o significado dos mórdios da humanidade, ajudando os sistemas
resultados dos fenômenos químicos
judiciais a distinguir inocentes de criminosos. O
decorrentes de tais exames, o que é
fundamental para garantir a clareza ao laudo avanço tecnológico e o desenvolvimento de co-
pericial [...] (COSTA et al., 2020). nhecimentos correlatos auxiliam na expansão
do termo forense, como é conhecido atual-
Entretanto, os testes colorimétricos apre-
mente. Porém, ainda existe muito campo a ser
sentam falso-positivo e falso-negativo em al-
explorado. Assim como aprimoramentos em
guns casos, o que torna necessário a manuten-
muitos técnicos e métodos utilizados, principal-
ção de metodologias existentes e aprofundar
mente no Brasil, onde a área de químico forense
análises em novos métodos científicos como
ainda é carente de trabalhos e pesquisas cienti-
forma de diminuir erros dos testes e criar novas
ficas (MOTTA; D. IVITTA 2012).
metodologias afim de especificar o analito do
Á partir destas premissas, o presente artigo
material analisado excluindo outros compostos
visa trazer uma reflexão da necessidade contí-
do analito procurado. Com isso haveria possibi-
nua de estudos e metodologias analíticas sensí-
lidade de especificar o teste ao analito da coca-
veis para testes rápidos e específicos aos anali-
ína?
tos da cocaína e suporte dos testes rápidos as
Testes que indicam a presença de determi-
forças de segurança que necessita da utilização
nadas substâncias de maneira colorimétrica, são
para em um breve lapso temporal. A crítica pre-
os testes atualmente mais utilizados na química
sente no mesmo é sugestiva para revisões e apli-
forense de forma qualitativa. Estas reações quí-
cabilidade de novas práticas, investimentos em
micas entre as substâncias alvo e as substâncias
ciência químicas para testes mais específicos
utilizadas como métodos de identificação pro-
nas distintas formas de apresentação da droga,
vocam mudança de coloração na substância,
onde independente do excipiente e adulterante
efetuando assim papel de identificação. Porém
utilizado, a química do teste possa estar inte-
estes testes apresentam variações nos resultados

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Capítulo 11
Estudos em Ciências Forenses

gralmente ligada ao analito da droga de forma através da análise de matrizes onde envolva
qualitativa. produtos químicos. Esta ciência está associada
a metodologias que visam comprovar e materi-
2. MÉTODO alizar vestígios e evidências, auxiliando nas es-
tratégias para o combate à criminalidade.
Trata-se de uma revisão narrativa realizada Desenvolver estudos sobre caracterização
no período de dezembro/2020 a março/2021, do perfil químico da cocaína é primordial para
por meio de pesquisas nas bases de dados: Sci- o aperfeiçoamento das técnicas e dos testes rá-
ELO, PubMed e Medline. Foram utilizados os pidos de colorimetria e aumentar a sensibili-
descritores: Cocaína, Teste Scott, tiocianato de dade ao analito da droga. O presente artigo, faz
cobalto, testes rápidos, colorimetria e ciências uma revisão bibliográfica a assuntos ligados
forenses. Desta busca foram encontrados 8 arti- aos atuais testes de colorimetria utilizados pelos
gos, posteriormente submetidos aos critérios de departamentos de segurança da União Federa-
seleção. tiva do Brasil.
Os critérios de inclusão foram: artigos nos
Os testes para colorimetria, considerados
idiomas portugueses; publicados no período de testes rápidos para analitos de cocaína, apresen-
2010 a 2021 e que abordavam as temáticas pro- tam resultados falso-positivos e/ ou inconclusi-
postas para esta pesquisa, estudos do tipo revi- vos quando a substância (tiocianato de Cobalto)
são, disponibilizados na íntegra. Os critérios de através de reações colorimétricas químicas, re-
exclusão foram: artigos duplicados, disponibili- age com produtos do perfil químico da droga.
zados na forma de resumo, que não abordavam Estes, considerados adulterantes tem várias
diretamente a proposta estudada e que não aten- funções como, potencializar os efeitos da coca-
diam aos demais critérios de inclusão. ína ou diluir o teor da mesma em determinadas
Após os critérios de seleção restaram 3 arti- porções para ser rentável ao tráfico.
gos que foram submetidos à leitura minuciosa A identificação, qualificação e quantifica-
para a coleta de dados. Os resultados foram ção das cocaínas e dos demais componentes (no
apresentados de forma descritiva, divididos em caso do material apreendido ser oriundo do trá-
categorias temáticas abordando: O emprego da fico ilícito) auxilia também os serviços de inte-
química na atividade forense, a identificação da ligência a repensar nos procedimentos atuais
cocaína por testes qualitativos e quantitativos e utilizados e as probabilidades do uso de alguns
seus principais adulterantes, a mudança “com- adulterantes da cocaína serem inseridos naquele
portamental” do tráfico de cocaína no Brasil material. E ser reavaliado as metodologias dos
nos últimos 10 anos, as características químicas testes rápidos e suas utilizações, onde o que an-
da cocaína, a farmacocinética da cocaína e o teriormente poderia ser um diluente, com o de-
teste Scott com base na âncora National Insti- senvolvimento do perfil químico, estar associ-
tute on Drug Abuse (NDA) e a Agência Nacio- ado a um sistema inteligente para proporcionar
nal de Vigilância Sanitária (ANVISA). resultados inconclusivos ao teste rápido. Onde
mesmo que material seja encaminhado para
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO análises laboratoriais, o tráfico ainda teria uma
chance de escape até a atuação da justiça nos
A química forense, é uma ciência voltada tribunais, como por exemplo mudança de rotas.
para a busca de produção de provas materiais Um exemplo que levou a elaboração deste tra-
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Capítulo 11
Estudos em Ciências Forenses

balho, foi a notícia citada na introdução do Na literatura, há poucos materiais eluci-


mesmo, onde a polícia científica do Rio Grande dando a relação entre o tiocianato de cobalto e
do Sul efetuou uma análise de material apreen- os interferentes nos testes colorimétricos Scott
dido pela polícia federal em parceria com Mi- e suas interatividades com os analitos da coca-
nistério Público, localizou-se um material apre- ína.
endido denominada “cocaína preta”. O Auto
fluxo de tráfico de cocaína no Brasil devido sua 3.1. As características químicas da coca-
ampla fronteira e uma extensa costa que facilita ína
exportação ao sistema Europa- África e países
latinos ao norte da américa, torna o Brasil uma Figura 11.1 Imagem representativa da cocaína
rota importante para o fluxo. Além de ser rota, in-natura e sua formula molecular
atualmente o maior país da América do Sul,
também é o maior consumidor de cocaína do
continente. Os atuais números giram em torno
de quase 1 milhão de usuários, extraindo o uso
recreativo (FERREIRA, 2012).
Os estudos, visando esta caracterização ex-
terna, ainda não há relatos e poucas publica-
ções, apesar de a cocaína ser uma droga ampla-
mente estudada quando relacionada seus efeitos
no sistema nervoso central, em comparação as
matrizes biológicas (saliva, urina, sangue, ca- Legenda: FOGAÇA, 2021.
belo etc.). Essa defasagem de estudos publica-
dos sobre as matrizes químicas das cocaínas co- A cocaína apresenta-se quimicamente como
mercializadas no Brasil, coloca em riscos as um alcaloide encontrado nas folhas da E. Coca,
tecnologias e metodologias dos testes para de- conforme a imagem ilustrativa na Figura 11.1
tecção da cocaína, uma vez que o sistema de trá- e 11.2. Sua fórmula molecular C17H21NO4, é
fico utiliza de informações como “Arma” para denominada benzoilmetilecgonina onde possui
burlar o sistema. um éster do ácido benzóico com uma base ni-
Os aditivos químicos anteriormente menci- trogenada. Com características hidrofóbicas in-
onados como, adulterantes ou diluentes, ainda solúveis a água, seu peso molecular é de 303,36
não possuem um padrão no perfil químico da g/mol. A Figura 11.3 ilustra sua estrutura quí-
cocaína comercializada no país. Os grandes dis- mica de uma forma tridimensional e demostra a
tribuidores e comercializadores estão definidos grande solubilidade em álcool, éter e acetona
e caracterizados como grupo de narcotráfico (SORDAINI, 2016).
que utiliza destes para rentabilização e qualifi- Os alcaloides são assim definidos devido
cação do produto ao consumidor final, porém o sua estrutura química. A denominação vem da
que este trabalho levanta como hipótese, é o semelhança aos álcalis, que vem da tradução
fato de alguns adulterantes e diluentes estar base, onde o grupo amina tem o caráter básico,
mascarando os resultados de testes rápidos nas ou seja, alcalino. Este grupo é comportado por
malhas rodoviárias de transporte de cargas e anéis heterocíclicos contendo nitrogênio, assim
pessoas do país. definidos como pertencentes as aminas cíclicas.

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Capítulo 11
Estudos em Ciências Forenses

Com o conhecimento de produtos químicos, de- com que cada planta de coca seja específica em
senvolver testes de relações ácido/base estaria relação a região de plantação, a quantidade en-
muito aquém da metodologia necessária ao sis- contrada de cada substância também pode di-
tema antidrogas. A correlação entre estudos e vergir. Estas características servem tanto para
novos métodos envolvendo a reação onde de- identificação quanto para classificação da
tecta esta amina cíclica possa especificar ainda droga. Sua origem, faz parte dos estudos da cri-
mais resultados dos testes. A relação dos alca- minologia para identificação e combate ao trá-
loides básicos tem em sua maioria produtos de- fico de entorpecentes destas substâncias proibi-
rivados de plantas o que já poderia distinguir de das.
produtos sintéticos ou de origem biológica, A extração de cocaína por métodos naturais
como por exemplo o leite em pó, produto no envolve basicamente o mesmo processo e eta-
qual o teste Scott apresenta falso-positivo. Po- pas podendo alternar-se apenas nas substâncias
rém, aos derivados do ópio obviamente também utilizadas. A metodologia segue: a extração
o teste acusaria para a positividade em caso de com solvente orgânico e reações ácido-base
especificidade dos alcaloides, entretanto a rela- para purificação e obtenção das formas de apre-
ção local, transporte, destino e habilitação téc- sentação da droga. O fluxograma abaixo exem-
nica de manuseio seria forma de rastreio no sis- plifica o processo de extração.
tema de transporte e de cargas como tentativa O Processo de extração envolve os seguin-
de interceptar o tráfico de drogas. Uma caracte- tes subprodutos:
rística das aminas cíclicas são as suas proprie- Maceração e tratamento químico com sol-
dades amargas e alto índice de proporcionar de- ventes pesados e ácidos (pureza de 0,5 % a 2%
pendências físicas e psíquicas. (FOGAÇA, de cocaína nas folhas). Podem ser macerados.
2021) Para pasta coca: tratada com solventes e
Figura 11.2 Imagem representativa da ácido clorídrico (pureza de 20% a 85% de sul-
estrutura da sua forma molecular fato de cocaína). Podem ser fumados.
Crack: subproduto da cocaína, natureza bá-
sica. Podem ser fumados.
Merla: Subproduto da cocaína, natureza bá-
sica. Podem ser fumados.
Cloridrato de cocaína: Produto final do re-
fino em pó (pureza de 30 % a 90% de cloridrato
de cocaína). Podem ser inaladas ou diluídas em
H2O para injetáveis.
Os atuais testes rápidos para detecção da co-
Legenda: Disponível no link http://www.antidrogas. caína, são desenvolvidos para a aplicabilidade
com.br/cocaina.php em qualquer uma das apresentações do analito
da cocaína, observando-se assim, o mesmo pa-
As estruturas químicas dos diferentes alca- drão de acordo com sua forma. Apenas ressal-
loides encontradas na folha da planta, ajudam a tado que os objetivos químicos de forma e fór-
caracterizar a região de cultivo do mesmo. Os mula da cocaína são distintos em relação a me-
alcaloides se diferenciam de acordo com os fa- todologia aplicada.
tores climáticos de cada região, fazendo assim,

98 | P á g i n a
Capítulo 11
Estudos em Ciências Forenses

Figura 11.3 Representação da molécula de co- dem se tornar uma importante descoberta para
caína tridimensional análises e metodologias fora do corpo humano.
A seguir na Figura 11.4, dados farmacoci-
néticos da cocaína de acordo com sua via de
acesso. A farmacocinética é uma ciência farma-
cêutica que define o percurso e/ou movimento
que medicamento ou a droga faz no corpo hu-
mano. De acordo com estes dados, ocorre as de-
finições também relacionadas capacidades ao
abuso, toxicidade, hepatotoxicidade e outros
agravantes para produtos químicos relaciona-
dos ao organismo humano conforme destacados
Legenda: Representação tridimensional da molécula de
na Figura 11.5 (GOODMAN, 2005).
Cocaína ou benzoilmetilecgonina ou éster do ácido ben-
zoico. É uma droga alcaloide, derivada do arbusto
Importante destacar que no processo de fu-
Erythroxylum coca Lamarck, estimulante com alto poder mar a cocaína a velocidade pode ser comparada
de causar dependência. Seu uso continuado, pode levar a as vias endovenosas, onde há um grande poten-
dependência, hipertensão arterial e distúrbios psiquiátri- cial de abuso e transmissão de infecções. Atu-
cos. A produção da droga é realizada através de extração,
almente, pelas vias orais são mastigadas as fo-
utilizando como solventes álcalis, ácido sulfúrico, quero-
sene e outros. Nomenclatura IUPAC:3-benzoiloxi-8-
lhas de coca, enquanto a nasal é aspirada o pó,
metil-8-azabiciclo [3.2.1] octano-4-carboxilico. Fórmula já a endovenosa ou intravenosa é diluída e apli-
Molecular: C17H21NO4. Massa Molar: 303,353 g/mol. cada o líquido. A inalada em forma de fumo, se
Fonte: imagem disponível no site química. divide em dois processos, o crack e pasta da
peed.pr.gov.br, acesso em março/2021.
coca (LEITE, 1999).

3.2. A farmacocinética da cocaína


Figura 11.4 Esquema de química
O estudo do caminho que a droga faz no or-
ganismo, desde sua ingestão até a excreção e
sua farmacodinâmica é amplamente estudado.
Os aspectos bioquímicos e as reações neuroló-
gicas são destaques quando falamos de cocaína.
Os dados laboratoriais estão avançando nos úl-
timos tempos, com novas pesquisas e tecnolo-
gias para detecção da cocaína em fluidos corpó-
reos internos e/ou externos. Entretanto, estudos
envolvendo a correlação da droga a testes ainda
estão escassos e necessitam atualização
(KREEK, et al., 2002).
A farmacocinética, pode ser um importante
aliado para desenvolvimento de perfis químicos
das drogas e seus analitos. As mudanças quími-
cas e físicas de acordo com cada processo, po- Legenda: Esquema demonstrativo da cinética no orga-
nismo. Fonte: Autoria do autor do artigo.

99 | P á g i n a
Capítulo 11
Estudos em Ciências Forenses

Figura 11.5 Esquema de química, sobre a co- 3.3. Teste Scott- Colorimetria
caína As reações químicas ou fenômenos quími-
cos são processos denominados onde ocorrem
uma mudança na matéria. Esta mudança acar-
reta variações a nível molecular, ou seja, a mu-
dança do perfil de estado não acarreta nas vari-
ações a nível estrutural da molécula química. A
partir desta estruturação temos os reagentes que
são os componentes iniciais da reação química
e os produtos que são os resultados após a trans-
formação, ou seja, o que se resulta da equação
química.
O teste Scott foi desenvolvido por L.J. Scott
Jr. em 1973. Os testes que visam identificar a
cocaína de forma bruta são comumente utiliza-
Legenda: Esquema demonstrativo da cinética no orga-
nismo. Fonte: Autoria do autor do artigo. dos no padrão colorimétrico. O teste Scott, as-
sim conhecido utiliza o tiocianato de cobalto
A polícia científica federal desenvolve pes- para identificação de cloridrato de cocaína em
quisas para descobrir estes perfis químicos e análises de triagem, seja em campo ou em labo-
dos processos de manipulação/produção dos ratório (HUFFELL; PC-PR).
analitos da droga para elucidar crimes e catego- Esse teste, foi criado em 1973 e posterior-
rizar as drogas conforme mencionado anterior- mente aperfeiçoado por Fasanello e Hinggins
mente. Estas características bem definidas, para que pudesse ser usado para outras apresen-
atuam em um suporte da Polícia Federal, entre- tações da cocaína, como exemplo o Crack.
tanto os métodos de análises de forma rápida Abaixo, segue uma equação da reação ge-
para o campo de atuação ainda estão aquém de rada pelo tiocianato de cobalto em meio ácido,
pesquisas, afim de melhorar este suporte téc- ilustrada pela Figura 11.6.
nico. Estas pesquisas direcionadas a estrutura- A reação negativa (à esquerda) e reação po-
ção química da cocaína e inteligências que vi- sitiva (à direita) para a substância utilizando o
sam mapear a droga pouco acontecem. O ma- tiocianato de cobalto a 0,5% acidificado como
peamento do perfil químico auxilia em distintas reagente.
etapas. A primeira delas, é descobrir a região e Alguns estudos apontam para utilização de
a tipificação da produção, onde setores e servi- técnicas de espectrostrópicas como UV-VIS e
ços de inteligências podem atuar de maneira ATR-FTIR, as soluções colorimétricas para au-
preventiva. A segunda e não menos importante xiliar nos exames de falso-positivo para quanti-
é analisar o destino dessas drogas adulteradas. ficação do teor das amostras. Segundo o artigo
A terceira etapa está correlacionada direta- publicado nas parcerias do Instituto Federal e o
mente aos estudos externos e internos das capa- Departamento de Química com o Laboratório
cidades destas drogas e sua relação com o pa- de Química Legal do Espírito Santo, junta-
drão da caraterização de droga de abuso. mente com a Universidade de Química de Cam-
pinas/ SP (2014), os testes colorimétricos utili-
zando Método Scott apresenta falsa-positivi-
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Capítulo 11
Estudos em Ciências Forenses

dade ou inconclusividade para esta metodologia como um metal, suas características são pareci-
de teste rápido para os seguintes ativos: Li- das com a do ferro, conforme a Figura 11.7. Na
docaína (anestésico), leite em pó, prometazina natureza é encontrado disseminado como arsê-
(anti-histamínico) e fermento. O presente artigo nio ou sulfeto em diversos minerais. Sua massa
utilizou como abordagem, a diferenciação da atômica é de 58,93 u, e apresenta propriedades
cocaína dos adulterantes e evidenciar meios que discretamente magnéticas. Foi descoberto em
auxiliem a eficácia das análises para estes mé- 1735, pelo químico sueco Georg Brandt, já
todos de identificação do analito da droga. nome dado foi uma correlação a mitologia ger-
mânica onde “kabalt” é um ser místico (duende)
CO2+4SN + 2B----------→[ C0(SNN)4B2]2- com más intenções, e acreditava-se que o Co-
( Rosa) (Azul) balto era um metal contaminante e sem utili-
dade.
Figura 11.6 Teste colorimétrico de indicação Atualmente, o Cobalto está sendo utilizados
da presença de cocaína em várias áreas da indústria como por exemplo:
em tintas anticorrosivas, radioterapias e radio-
logia (sua capacidade ponte de raios gama), em
produtos de limpeza como bactericidas e etc.
Segue abaixo algumas características quí-
micas importantes do Cobalto: apresenta

Legenda: Esta inclusão do Tiocianato de cobalto em Figura 11.7 Nucleossíntese de elementos quí-
meio ácido, que na presença de cocaína (B), produz com- micos
pleto de cobalto II, produzindo assim uma coloração azul,
conforme a equação acima e ilustrada pelas imagens
abaixo. Fonte: SORDAINI, revista criminalística e me-
dicina legal (CML).

O teste Scott parte do princípio das leis de


física, cujos, alguns compostos são capazes de
emitir uma frequência de onda determinado
para emissão de cores de forma eletromagnéti-
cas. (VELHO, BRUNI & ANDRADE et al.,
2012).
Legenda: Tabela Periódica: Fonte site www.tabelaperio-
3.4. Tiocianato de cobalto dica.org

O tiocianato de cobalto também reage posi-


tivamente para outras drogas como heroína, Estado de oxidação CO+2, CO+3, ponto de
atropina, salicilato de nicotina e lidocaína, tra- fusão a 1490ºC ponto de ebulição a 2927ºC e
zendo assim dúvidas sobre o método que utiliza configuração eletrônica de 1s²,2s²,2p6,3s²,3
estas reações para dados qualitativos. p6,4s²,3d7. A Figura 11.8 demonstra a estrutura
O Cobalto é um elemento químico, na ta- molecular da reação do Tiocianato de cobalto
bela periódica está representando pelas letras com a cocaína, a ilustração é o resultado e/ou
CO, com número atômico 27. Classificado produto da reação química.

101 | P á g i n a
Capítulo 11
Estudos em Ciências Forenses

Figura 11.8 Requisições de rotina e testes co- forenses, para o uso do judiciário através de in-
lorimétricos empregados em Química Forense: formações e testes com embasamento cientí-
do preparo das soluções à descrição dos fenô- fico, aos longos dos anos, estão sendo de forma
menos químicos. Revista Brasileira de Crimi- unânime bem aceitas e condecoradas com rela-
nalística ção a evolução assertiva e evolução tecnológica
para a produção dos laudos. Sendo assim, se
tornando mais confiáveis e sólidos através dos
métodos de análises de analitos da cocaína. Os
aperfeiçoamentos constantes das técnicas têm
colaborado com esta garantia de qualidade no
chamado sistema de criminalística. Entretanto a
sensibilidade do teste ainda deixa a desejar de-
vido a materiais com produtos químicos não en-
quadrados a classe de entorpecentes e produtos
Legenda: Complexo cocaína tiocianato de cobalto
Fonte: COSTA, Marcus & Brito, Natilene (2020).
proibidos por lei. Justamente essa análise da ex-
clusão de produtos químicos não sendo analitos
A complexidade e a demanda técnica, exi- ainda coloca a fragilidade do teste à tona e en-
gem dos testes rápidos uma maior exatidão e fatiza a falta de estudos e investimentos no de-
qualidade nos resultados. O desconhecimento senvolvimento com mais especificidade para as
do perfil químico do que é atualmente, são co- forças militares, principalmente nas atividades
mercializados de forma ilícita no Brasil e fazem de forma preventiva para inibição do tráfico de
com que processos acumulem em torno de no- cocaína nas fronteiras e aeroportos do país. O
vas análises. papel inibidor da perícia criminal se faz rele-
Os índices considerados altos de falso-posi- vante para os aspectos de segurança pública e
tivo, tornam ainda mais a necessidade de eluci- dos direitos do cidadão local, já que o tráfico
dar as substâncias que compõem o material ana- tem uma correlação com a criminalidade e estão
lisado, afim de colaborar com o processo e com proporcionalmente interligados. Portanto con-
os procedimentos operacionais da perícia crimi- clui-se que, a necessidade de disseminar conhe-
nal. O teste Scott apresenta limitações em rela- cimentos em química forense, investir em estu-
ção a especificidade ao ativo da cocaína dos sobre o tema e ampliar o incentivo no meio
(Benzoilecgonina). acadêmico para produção de trabalhos de
Uma alternativa que vem sendo estudada é campo de iniciação cientifica para a química fo-
capacidade do teste detectar o teor de cocaína rense. O aumento de trabalhos acadêmicos con-
contida no material apreendido. Esta elabora- tribui para o aperfeiçoamento de técnicas e mé-
ção técnica ainda não definida pode se torar au- todos para análises primárias de drogas de
xiliar para os processos que tramitam e solici- abuso, colaborando assim, com a perícia crimi-
tam reanálise no pleito judicial. nal facilitando trabalho de campo dos profissi-
onais e materializando indícios em vestígios de
4. CONCLUSÃO possíveis crimes.

Os conhecimentos científicos, em específi-


cos os ligados a química aplicada nas ciências
102 | P á g i n a
Capítulo 11
Estudos em Ciências Forenses

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Brasília, 1999. Costa, L. J; Lanaro, R. Química Nova, v. 33, forense: Utilizando métodos analíticos em favor do poder
p. 725-729, 2010. Ferreira, G. M. D. Comportamento de judiciário. Revista Oswaldo Cruz.
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COSTA, Marcus & Brito, Natilene. Requisições de rotina e
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LEITE, M.C.; ANDRADE, A.C.; et al. Cocaína e crack:


dos fundamentos ao tratamento. Editora Artes Médicas
Sul. Porto Alegre, 1999.

103 | P á g i n a
CAPÍTULO 12

ATUAÇÃO DO
ENFERMEIRO FORENSE
FRENTE À VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA

NILDA LIBÉRIA RIOS CAMPOS¹


JULIANA OLIVEIRA BARROS2
EUNAIHARA LÍGIA LIRA MARQUES3

¹Discente – Graduanda em Enfermagem da Faculdade de Pará de Minas - FAPAM.


²Enfermeira coorientadora – Enfermeira Forense Graduada pela Faculdade Cristo Rei de Cornélio
Procópio.
³Docente orientadora – Psicóloga Responsável do Curso de Psicologia da Faculdade de Pará de Minas -
FAPAM.

Palavras-chave: Enfermagem Forense; Unidade Básica de Saúde; Violência doméstica.

104 | P á g i n a
Capítulo 12
Estudos em Ciências Forenses

1. INTRODUÇÃO onal, ela foi reconhecida em 1992 através da


criação da International Association of Forensic
O termo violência segundo a Organização Nursing – IAFN, onde 72 enfermeiras norte-
Mundial de Saúde (OMS, 2002) é definida americanas que periciavam vítimas de abuso se-
como o uso da força física ou poder, seja em xual e estupro. A especialidade foi reconhecida
forma de ameaça ou prática que possa acarretar no Brasil por meio da Resolução do COFEN de
sofrimento, morte, dano psicológico, privação nº 389/2011. O campo de atuação dessa especi-
em si próprio, outra pessoa ou até mesmo na co- alidade ocorre nos locais mais diversos, desde
munidade. Hospitais a Tribunais de Justiça, CAPS (Centro
Ainda de acordo com a OMS (2002) a vio- de Atenção Psicossocial), Escolas, entre outros.
lência doméstica e sexual é caracterizada pelo Segundo Medeiros e Mecenas (2010) “o en-
ato de agredir ou lesar alguém no seio intrafa- fermeiro forense é a voz, o grito de socorro,
miliar. Dada a multidimensionalidade do as- mesmo que oculto das vítimas de violência, es-
sunto, a violência doméstica e sexual é um pro- tando elas viva ou não”. Sendo os profissionais
blema universal e de saúde pública que ultra- de saúde os primeiros a prestar atendimento às
passa toda e qualquer barreira de forma brutal. vítimas torna-se necessário que tenham uma
Embora alguns fatores sejam cruciais e mais co- atuação qualificada para tal atendimento inicial
muns, destacam-se também problemas de or- e triagem. A relação estabelecida entre o enfer-
dem cultural, econômica, étnica, religiosa e de meiro e a vítima contribui com a justiça e coo-
gênero. Pode-se dizer que a violência doméstica pera com o exame forense (SANTOS et al.,
é o início de tudo, pois com ela a vítima vem a 2017).
ser toda a sociedade, visto que não é restrita so- De acordo com a ABEFORENSE (Associ-
mente no âmbito familiar. ação Brasileira de Enfermagem Forense), em
Em se tratando dos casos de violência do- seu Regulamento das Competências Técnicas
méstica e sexual ser vista como um caso de âm- da Enfermagem Forense datado de maio de
bito judicial e de segurança, a sua inclusão no 2015, os enfermeiros forenses atuam nos maus
setor de saúde ocorreu de maneira lenta e frag- tratos, violência sexual, doméstica, investiga-
mentada. Devido ao aumento considerável dos ção de morte entre outras. A violência no âm-
atendimentos de lesões, traumas e até morte, bito doméstico tem aumentado consideravel-
essa visão foi considerada uma questão de sa- mente e tem se tornado um problema social. A
úde. O fato de ser vista como saúde pública, os maioria das vítimas utiliza o serviço de atendi-
motivos que a levaram a esse reconhecimento mento médico, o que torna imprescindível a
destacam-se o perfil epidemiológico da popula- equipe de enfermagem ter conhecimento multi-
ção, bem como as várias implicações para o sis- disciplinar para que seja feita uma triagem com
tema de saúde em decorrência da necessidade eficiência. Cabe também ao profissional anali-
de assistência, emergência e reabilitação das ví- sar o caso e promover uma educação de acordo
timas (MINAYO, 2007). com as causas a fim de evitar reincidência
Desta maneira, a Enfermagem Forense é (ABEFORENSE, Resolução Maio/2015).
uma das várias vertentes que o profissional de O COFEN (Conselho Federal de Enferma-
saúde pode desenvolver. Embora seja uma es- gem), através da Resolução Nº 556/2017 regu-
pecialidade pouco conhecida no território naci- lamenta a atividade do enfermeiro forense, bem
como suas áreas de atuação que consiste na vi-
105 | P á g i n a
Capítulo 12
Estudos em Ciências Forenses

olência sexual, sistema prisional, psiquiátrica, contribuir com o sistema judicial, identificar e
perícia (tanto técnica como consultoria), coleta reconhecer possíveis situações de violência e
(recolha e preservação de vestígios), pós-morte, maus tratos, promover a proteção dos direitos
desastres em massa (humanitárias e catastrófi- humanos tanto das vítimas quanto dos perpetra-
cas), maus tratos, traumas e outras formas de vi- dores, colaborar com os profissionais da área
olência nos mais variados ciclos de vida jurídica, aplicar processos de enfermagem que
(COFEN, Resolução Nº 556/2017). Outra nor- visam a prevenção de todos os modos de vio-
mativa que vem tornar efetiva a função do en- lência. Promover a saúde física e mental afim
fermeiro forense é a Portaria Nº 276 de 11 de de reintegração na sociedade (ABEFORENSE,
março de 2021 pelo COREN- MG (Conselho Resolução Maio/2015).
Regional de Enfermagem), onde designou cola- A Lei Maria da Penha (LMP) (Brasil, 2006)
boradores que compõem a Área Temática da veio da necessidade de punir com rigor os
Enfermagem Forense da Câmara Técnica. agressores no seio familiar, tendo como tipos de
Entre suas competências estão: traçar pla- agressões a qual as mulheres são submetidas as
nos de cuidados às vítimas em diversas situa- seguintes violências: física, psicológica, sexual,
ções de violência, acolher e avaliar vítimas, patrimonial e moral, Quadro 12.1.

Quadro 12.1 Tipos de Violência – Lei Maria da Penha


É entendida como ações que violam a integridade ou a saúde corporal. Espancar, bater, ferir,
Física
atirar objetos, chutar, apertar, sacudir, queimar, cortar.

São ações que abalam a vítima emocionalmente causando danos emocional e diminuição da
autoestima. Interferir na crença, comportamento, decisões, cárcere, violação de intimidade,
Psicológica
constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, limitação, bem como qualquer atitude
que possa causar na vítima prejuízo ao seu bem estar psicológico.

São as ações que cause constrangimento em ver ou participar de ato sexual indesejado, uso da
Sexual força que obrigue a comercializar ou usar sua sexualidade, proibição de métodos contraceptivos,
aborto, prostituição, gravidez, forçar matrimônio, seja por suborno, coação ou ameaça.
Compreendida nas ações que configurem subtração, detenção, destruição de bens, valores,
Patrimonial
instrumentos de trabalho, recursos econômicos e documentos.
Moral São ações de calúnia, difamação ou injúria.

Fonte: BRASIL, Lei 11340/2006.

O tema violência doméstica e sexual é de o agressor faz parte do convívio das vítimas. Os
grande relevância e um caso de preocupação da crimes de maiores repercussões normalmente
Saúde Coletiva especialmente por sua invisibi- são cometidos por pessoas próximas que podem
lidade e ter muitas faces. Hoje tem se ganhado ser portadores de sofrimento mental, usuários
espaço na mídia, ainda que de modo meio tí- de drogas e álcool.
mido. Embora a visibilidade ainda é pequena Dessa maneira, o presente estudo objetiva
deve-se ressaltar a grande importância da Lei compreender a atuação do enfermeiro forense
Maria da Penha, lei essa que tem dado voz à ví- frente ao atendimento às vítimas de violência
tima, visto que o ambiente familiar deveria pro- doméstica no atendimento de urgência, bem
teger os vulneráveis, pois na maioria das vezes como em unidades de saúde básica.

106 | P á g i n a
Capítulo 12
Estudos em Ciências Forenses

2. MÉTODO sível definir a violência como um padrão ou


conceito absoluto (ROCHA, 2009).
Para alcançar os objetivos propostos foi re- A Política Nacional de Atenção Integral à
alizada uma pesquisa bibliográfica de literatu- Saúde da Mulher é uma das políticas criadas
ras existentes, usando de caráter descritivo com com a finalidade de superar a VCM (Violência
análise qualitativa. Através de uma revisão bi- Contra a Mulher). Tal princípio do SUS se deve
bliográfica é possível obter conhecimentos com o objetivo de capacitar os profissionais
mais amplos sobre o tema proposto, além de para que sejam supridas as necessidades da po-
proporcionar uma análise do pesquisador em pulação feminina. Porém, não existe um proto-
relação aos resultados obtidos na visão de ou- colo padronizado para os procedimentos nos
tros autores bem como às pesquisas atuais Praça Centros de Saúde, dessa forma, faz-se necessá-
(2015). rio a elaboração de normas técnicas para tal
A coleta de dados se deu no período de ja- atendimento (BRASIL, Ministério da Saúde,
neiro a julho de 2021, através de artigos cientí- 2004; Secretaria de Políticas para as Mulheres,
ficos publicados baseados nos dados Literatura 2010).
Latino-americana e do Caribe em Ciências da Grande parte dos profissionais de saúde ma-
Saúde (LILACS), Google Acadêmico, Google nifesta desconhecimento significativo para li-
Books, Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), dar com situações de VCM pela falta de uma
Atlas da Violência do Instituto de Pesquisa conduta padrão especialmente nas emergências.
Aplicada (IPEA, 2020) e Descritores em Ciên- Portanto de acordo com SILVA, PADOIN e
cias da Saúde (DeCS): Enfermagem Forense, VIANNA (2015) tal desconhecimento faz com
Enfermagem, Violência Doméstica, Violência que os profissionais não se sentem seguros e
Sexual. Foram usados artigos gratuitos em por- amparados em atender as mulheres em casos de
tuguês e inglês na íntegra e publicados nos últi- violência.
mos 6 anos. Como critérios de exclusão: artigos A capacitação e a existência de protocolos
incompletos, sem embasamento no tema e pu- de atendimento disponibilizados aos profissio-
blicados antes de 2013. nais de saúde visam possibilitar a identificação
de possíveis quadros de violência de acordo
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO com a assistência prestada ao paciente que
chega com queixas que possam ser indícios de
3.1. A violência contra a mulher violência no contexto domiciliar (SANTOS,
A violência é uma situação problemática em 2019).
nosso meio, tanto que as notícias midiáticas Sendo a violência doméstica e sexual um
vêm relatando a crescente escalada de atos cri- assunto complexo e que tem ganhado visibili-
minosos que vem atingindo a todos direta e in- dade na mídia devido a um aumento considerá-
diretamente. O termo violência não tem ne- vel, vem se tornando um caso de preocupação
nhum conceito plausível, pois pode ser obser- perante a sociedade. A inclusão do tema na
vada dentre vários critérios, percepções coleti- pauta dos Serviços de Saúde, segundo o Rela-
vas e individuais e varia de acordo com a forma tório Mundial Sobre Violência e Saúde – Brasí-
que o indivíduo se apresenta, seja por ser vul- lia OMS/OPAS (2002) da OMS (Organização
nerável ou frágil. Dessa forma torna-se impos- Mundial de Saúde) confere responsabilidade
aos profissionais de saúde, cientistas e outros
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Capítulo 12
Estudos em Ciências Forenses

setores sociais o ato de identificar essa silenci- Desde os tempos mais remotos já se tem re-
osa violência e também intervir no processo de latos de Aristóteles indicando que a mulher ti-
passível prevenção. Dentre as manifestações de nha um papel diante a família, mesmo sem levar
violências, nos deparamos com a violência do- em conta sua idade seria sempre inferior ao ho-
méstica e sexual, fato frequente em todos os pa- mem. Ao homem dava se o poder de sustento
íses, o que pode acarretar direta ou indireta- da família, enquanto que a mulher numa esfera
mente consequências graves (SANTOS, 2019). privada só restava o ato de obedecer. O homem
Nesse contexto faz-se necessário o desen- partindo do princípio de que ele supria a neces-
volvimento de políticas governamentais, visto sidade a fim de participar da vida como cidadão
que é notório se tratar de um caso de saúde pú- da vida pública. A sociedade patriarcal argu-
blica. Diante disso diversos autores já publica- mentava que a mulher estava impedida de acu-
ram a importância da capacitação perante o en- mular bens, por exemplo, e teria que ficar reser-
frentamento e a abordagem da violência domés- vada às atividades domésticas e a reprodução.
tica e sexual (WANDERBROOCKE; MORÉ, Eram oprimidas e exploradas enquanto que o
2012, SCHRAIBER; D'OLIVEIRA; COUTO, homem exercia o papel de provedor, dono da
2009). No entanto o estudo sobre o caso ainda força física e emocional e acima de tudo com
é lento, o que faz com que a vítima procure re- poder de decisão (PEDRO; GUEDES, 2010).
petidamente a assistência de saúde acarretando De acordo com o IPEA no Atlas de Violên-
num gasto alto aos cofres do Governo já que o cia 2020:
atendimento e prevenção se mostra ineficaz. A (...) somente no ano de 2018 4519 mulheres
foram assassinadas no Brasil, o que representa
assistência às vítimas deve ser baseada nos co- uma taxa de 4,3 homicídios para cada 100 mil
nhecimentos científicos, epidemiológico, tec- mulheres. Levando em consideração que entre
2017 e 2018 essa taxa apresentou uma redução
nológico e por profissionais qualificados para de (9,3%). Dentro desses dados podemos
identificar os mais diversos sinais de violência. certificar que dezenove UFs tiveram reduções
Nesse caso é desejável que o profissional de sa- nos homicídios entre as mulheres. Os estados
de Sergipe, Amapá e Alagoas apresentaram
úde tenha um bom preparo teórico, prático e uma queda expressiva e ficaram com redução
também psicológico. Quanto às Unidades de de (48,8%), (45,3%) e (40,1%) respectiva-
mente. Os estados em que os homicídios
Saúde é imprescindível que a mesma esteja tiveram as menores taxas por 100 mil ha-
equipada e que possua protocolos que permitam bitantes foram São Paulo (2,0), Santa Catarina
(2,6), Piauí (3,1), Minas Gerais (3,3) e Distrito
a atuação do profissional. Cabe aos serviços de Federal (3,4). Essas UFs apresentaram as
saúde, autoridades, os setores de emergência, menores taxas de homicídios em 2018 (IPEA,
Atlas da Violência, 2020).
escolas, bem como a sociedade civil divulgar a
forma que é conduzida o atendimento nesses
Os estados cujas taxas aumentaram no perí-
casos. O profissional de saúde deve ser prepa-
odo, três deles tiveram um aumento superior a
rado também para a notificação de qualquer
20% (Figura 12.1):
suspeita ou confirmação da violência.
Nessa perspectiva, o atendimento a vítima Roraima (93%) Ceará (26,4%) e Tocantins
de violência doméstica e sexual engloba o tra- (21,4%). Além disso, Roraima e Ceará
apresentaram as maiores taxas de homicídio
balho do enfermeiro forense. Partindo desse feminino por 100 mil habitantes no ano de
princípio, o profissional de saúde deve realizar 2018, fato também comprovado nos números
das taxas mais elevadas dos homicídios gerais
uma anamnese detalhada para fins de prova. no país. Entre os anos de 2008 e 2018, o
aumento de homicídios femininos foi de 4,2%

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Estudos em Ciências Forenses

e em alguns estados a taxa mais que dobrou outro lado, temos as maiores reduções no
em relação ao ano de 2008, onde, por exemplo, Espírito Santo 52,2%, São Paulo 36,3% e no
o Ceará teve um aumento de 278%, Roraima Paraná 35,1% (IPEA, Atlas da Violência,
186,8% e do Acre com taxa de 126,6%. Por 2020).

Figura 12.1 Taxa de homicídios por 100 mil mulheres

Fonte: Gerência de Estudos e Análises da Dinâmica Demográfica/IBGE e SIM/MS. Elaboração: Diest/Ipea e FBSP1.

Nos primórdios do ano de 2021 estudos ou parentes abusivos não pareceu ser uma boa
feitos sob a realização do Fórum Brasileiro de ideia (CAMPOS; OLIVEIRA, 2019).
Segurança Pública e Datafolha – Instituto de No Brasil os índices de violência já tinham
Pesquisa o levantamento da violência contra a números elevados antes da pandemia, contudo
mulher diante da pandemia do COVID-19, esses níveis tiveram um acréscimo bem signifi-
onde as mesmas se viram isoladas junto aos cante. De acordo com (MARIANI; YUKARI;
seus agressores. De acordo com o estudo publi- AMÂNCIO, 2020), no Rio de Janeiro e em São
cado pela ONU Mulheres, a quarentena se tor- Paulo mediante confinamento, pode ter aumen-
nou o desafio para todos, porém as mulheres fi- tado em 50%.
caram numa posição de vulnerabilidade trágica. De certa forma o isolamento social dificulta
No Brasil a cada quatro minutos a mulher sobre os registros de ocorrências nas delegacias. Mas
algum tipo de violência e entre esses 43% dos infelizmente esses dados tem se mostrado a ní-
casos é caracterizado pela violência doméstica, vel mundial. A Corte de Direitos Humanos
visto que acontece no seio familiar, ou seja, (CORTE INTERAMERICANA DE
dentro de casa (ONU Mulheres, 2020). DIREITOS HUMANOS, 2020), em abril de
Diante da proposta de distanciamento so- 2020, tornou-se público uma manifestação com
cial, segundo a ciência como proposta de con- o objetivo de atentar aos Estados de suas obri-
tenção do vírus, ficar em casa com parceiros e gações, na qual teve destaque para as medidas

1
Obs.: O número de homicídios de mulheres na UF de residência foi obtido pela soma dos CIDs 10 X85-Y09 e Y35-
Y36, ou seja: óbitos causados por agressão mais intervenção legal.

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Estudos em Ciências Forenses

de isolamento onde o aumento expressivo da vi- mas. Em vários casos o Estado não contribui
olência contra mulheres em suas casas. É dever nos casos de proteção e ainda se mostra perpe-
de o Estado promover respeito ao direito que as trador da violência. Especialmente em casos de
mulheres têm de viver sem violência, tomando comunidade e bairros de renda abaixo da média.
medidas necessárias a fim de prevenir os casos, No contexto da COVID-19, as medidas adota-
criar meios seguros para denúncia e acima de das na em meio à pandemia vem aumentando à
tudo ter atendimento eficaz em atenção às víti- medida que a doença avança.

Tabela 12.1 Violência nos últimos 12 meses. Brasil, 2021

Pensando nos últimos 12 meses, desde o início da pandemia de COVID-19, você sofreu algum tipo de violência ou
agressão? Por estado conjugal, Brasil, 2021.

Estado Conjugal
Separada/
Casada Solteira Viúva
Divorciada
FOI VÍTIMA DE VIOLÊNCIA OU AGRESSÃO 16,8 30,7 17,1 35,0
Insulto, humilhação ou xingamento (Ofensa verbal) 13,2 23,0 11,5 28,0
Ameaça de apanhar, empurrar ou chutar 5,5 9,9 7,5 15,6
Amedrontamento ou perseguição 5,1 9,2 8,4 13,5
Batida, empurrão ou chute 4,3 6,7 5,3 12,9
Ofensa sexual ou tentativa forçada de manter relação sexual 2,8 6,6 5,6 11,1
Ameaça com faca ou arma de fogo 2,2 2,5 4,6 8,3
Lesão provocada por algum objeto que lhe foi atirado 1,0 2,8 1,4 9,4
Espancamento ou tentativa de estrangulamento 1,4 2,5 2,4 5,6
Esfaqueamento ou tiro 0,5 1,1 3,8 5,8
Outro tipo 1,2 1,7 1,4 2,1
NÃO FOI VÍTIMA DE VIOLÊNCIA OU AGRESSÃO 82,1 68,3 80,5 65,0
RECUSA 1,1 1,0 2,4

Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Instituto DataFolha. Pesquisa Visível e Invisível: a vitimização de mu-
lheres no Brasil, 2021.

3.2. Danos físicos, emocionais e sociais sores por diversas razões. Na maioria dos casos
Dado o contexto crescente e significativo da elas temem pela sua vida e a de seus filhos, pro-
violência doméstica presente nas relações de vocando uma situação cada vez mais letal. Cabe
gênero, pode se dizer que se trata de um pro- ao sistema criar meios de respostas rápidas a
blema de saúde para as mulheres, onde a quali- fim de anular esse sentimento nas vítimas e evi-
dade de vida é afetada e promove uma erosão tar o processo de vitimação.
impactante no social, embora sendo causa de Viver num ambiente onde a vítima é violen-
mortalidade e morbidade, nem sempre é visto tada ou tratada com hostilidade é imensamente
como problema de saúde pública de acordo com ruim, pois provoca danos físicos e psicológicos,
os autores Deslandes, Gomes, Silva (2000). o que acarreta problemas também em relação a
Para Dias (2010), a violência doméstica outros membros da família (SANI, 2008).
afeta pessoas reais, onde as mulheres são mal- As mulheres passam a apresentar níveis al-
tratadas, coagidas e constrangidas que por ve- tíssimos de stress, baixa autoestima, ansiedade,
zes não abandonam ou denunciam seus agres- impotência e culpa, onde suas capacidades físi-

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Estudos em Ciências Forenses

cas e mentais afetam as responsabilidades pa- agressor e a mulher a vítima. Numa segunda
rentais (GOMES, 2012). concepção, tida como sistêmica, é quando a vi-
A vítima em situação de violência tende a olência é mútua (COLOSSI; FALCKE, 2013).
analisar o estado do agressor (que em sua mai- No entanto essa abordagem não tem como fina-
oria é o próprio companheiro) o porquê de ele lidade culpar a mulher, mas que existe um mo-
apresentar atos violentos. Tal situação afeta o vimento violento circular em relação ao casal
bem estar psicológico da mesma. Outros pro- (PATIAS; BOSSI; DELL'AGLIO, 2014;
blemas de cunho econômico também interfe- COLOSSI; FALCKE, 2013).
rem na forma de como a mãe lida com preocu- Ainda segundo Maldonado e Williams
pações e medos que os filhos enfrentam (2005) o número de crianças que vivenciam
(GONÇALVES, 2013). esse tipo de violência é grande. A criança não
Todo e qualquer ato de violência por parte precisa necessariamente ver para ser afetada.
do parceiro tais como maus tratos e ou espanca- Basta ouvir murmurinhos ou até mesmo sentir
mento vem acompanhado de pressão psicoló- os efeitos devastadores causados na relação dos
gica e pode também ocorrer a violência sexual. pais (BRANCALHONE; FOGO; WILLIAMS,
A violência contra a mulher, de uma forma ge- 2004). Sendo assim o desenvolvimento das cri-
ral difere da violência interpessoal, que pode anças e adolescentes que vivem ou viveram si-
culminar na morte da mulher (DAY et al., tuações de violência poderão ser afetados inclu-
2003). sive no aprendizado (SILVA; OLIVEIRA,
As consequências da agressão afetam a 2012).
saúde física e emocional das mulheres e o bem-
estar de todos os membros da família num 3.3. A enfermagem forense
âmbito econômico e social, seja de modo Ciência forense é a junção técnica e cientí-
imediato ou em longo prazo, de acordo com os fica no âmbito legal, ela atua na investigação de
autores citados. De forma mais específica crimes e violências das mais variadas. O termo
podemos citar quadros de lesões, dor crônica, forense intitula profissionais que agem direta-
problemas gastrointestinais, obesidade, mente na comunicação entre saúde e direito. De
invalidez, consumo excessivo de álcool e acordo com Lynch (2011) essa comunicação já
drogas, morte. Dentre as sequelas estão os era parte das carreiras de odontologia, medicina
problemas de saúde mental, que na maioria das e mais recente a enfermagem.
vezes se apresentam mais graves que os efeitos A Enfermagem Forense é uma das vertentes
físicos e ou econômicos. No sofrimento mental de desenvolvimento do profissional de saúde.
destaca-se a depressão, stress e tendência Essa especialidade passou a ser reconhecida
suicida (DAY et al., 2003). quando em 1992 pela criação da International
Como parte da família, as crianças podem Association of Forensic Nurses (IAFN), onde
ficar diante de agressão direta, ou indireta, ao 72 enfermeiras dos Estados Unidos e Canadá
presenciar cenas violentas entre os pais periciavam vítimas de abuso e estupro.
(MALDONADO; WILLIAMS, 2005). Nesse Ainda segundo Lynch (2011), tais práticas
contexto a violência entre os pais pode ser ca- se deram nas décadas de 70, 80 e 90 no século
racterizada unidirecional, quando há subversão XX nos Estados Unidos da América (EUA),
feminina ao masculino, onde o homem é o onde a medicina legal juntamente com as ciên-

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Estudos em Ciências Forenses

cias forenses estreitaram ações em contribuição Regionais (BRASIL, 2017). De acordo com a
onde conhecimento e responsabilidade visam Resolução a denominação Enfermagem Fo-
atingir objetivos comuns. rense difere de Perícia e Análise Criminal.
Lynch (2010) define a Enfermagem Fo- Devido ao alto índice de violência, partindo
rense como cuidados da saúde relacionados da necessidade de ter profissionais capacitados,
com investigação na morte e também em trau- visto que é com eles que ocorre o primeiro, foi
mas de vítimas e agressores sejam eles em cri- implantada no Brasil em 2012 por enfermeiras
mes ou eventos traumáticos levando em conta sergipanas e o escritor e Enfermeiro Forense
que os enfermeiros possuem experiências bio- Albino Gomes essa nova vertente da Enferma-
psicossociais. gem (ABEFORENSE, 2015).
Diante do crescimento mundial da violên- No ano de 2015 foi realizado no Brasil o
cia, tornou-se relevante que esse assunto fosse Forensic Nurse Examiner (FNE), onde Virgínia
tratado como questão de saúde pública. O caos Lynch, Albino Gomes e Jamie Ferrel ministra-
instalado faz-se necessário trabalhar em prol de ram um curso em Aracaju – SE. Com o objetivo
levar segurança e cuidado as vítimas, bem como de implantar a Enfermagem Forense no Brasil
conscientizar toda a sociedade de forma efetiva esteve presente órgãos como: COREN – SE,
(GARBIN, 2015). E de acordo com (SILVA, COFEN, Polícia Federal e outras instituições
2009), a enfermagem é uma área que atua como (ABEFORENSE, 2015).
facilitadora no ambiente forense. A adequada preparação dos profissionais
Ainda de acordo com Silva (2009), os EUA, desta área é um caso de emergência da socie-
Canadá, China, Itália e Inglaterra a enfermagem dade atual, devido a isso a Enfermagem Forense
forense já era atuante de forma rotineira, en- vem ganhando espaço e reconhecimento ainda
quanto que no Brasil foi reconhecida pelo Con- que um pouco tímida (COELHO, 2013).
selho Federal de Enfermagem (COFEN) desde A Resolução do COFEN Nº 564, de No-
2011, pela Resolução Nº 389, de 18 de outubro vembro de 2017, aprovou o novo Código de
de 2011 (BRASIL, 2011). Ética de Enfermagem, onde no capítulo I com
No Brasil está em vigor a Resolução N° base nos Direitos do profissional de enferma-
581, de julho de 2018 do Conselho Federal de gem, onde ficou estabelecido o seguinte:
Enfermagem (COFEN), onde é reconhecida
Art. 1º Exercer a Enfermagem com liberdade,
dentre as demais 48 especialidades sob o título segurança técnica, científica e ambiental,
de Enfermagem Forense (BRASIL, 2018). autonomia, e ser tratado sem discriminação de
Mesmo reconhecida pelo COFEN é necessário qualquer natureza, segundo os princípios e
pressupostos legais, éticos e dos direitos
a concretização da carreira no Brasil. humanos.
A Resolução COFEN Nº 556, de agosto de Art. 6º Aprimorar seus conhecimentos técnico-
científicos, ético-políticos, socioeducativos,
2017, regulamenta a especialidade, o Enfer- históricos e culturais que dão sustentação à
meiro Forense, bacharel em enfermagem deve prática profissional. (COFEN, 2017).
portar título de especialização emitido por Ins- Nesse contexto, o conhecimento técnico e
tituição de Ensino Superior reconhecida pelo científico torna-se livre para o exercício das ati-
MEC ou por Sociedades, Associações ou Colé- vidades do enfermeiro. Com isso a Enferma-
gios Especializados, desde que sejam devida- gem Forense passa a ser parte importante na
mente registrados no Sistema Cofen/Conselhos atuação da enfermagem. E os enfermeiros,

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Capítulo 12
Estudos em Ciências Forenses

sendo parte de uma equipe multidisciplinar são deve se dar através de investigações além das
os profissionais que prestam assistência às pes- evidências. Ele pode se dispor de perguntas que
soas em situações de violência, portanto tem o possam levar ao entendimento de que a vítima
dever de investigar, colher evidências e prestar está sofrendo de relacionamento abusivo, por
cuidados a essas vítimas com autonomia exemplo: tem sofrido humilhações públicas, foi
(SILVA, 2012). Deste modo, a preparação, ca- afastada de amigos e familiares, tem sofrido
pacitação e conhecimentos são fundamentais agressões físicas e ou psicológicas (Gasligh-
para tal cuidado e assistência (SOARES, 2016). ting), tem agido como se você fosse intelectual-
Segundo o Regulamento das Competências mente incapaz de entender algo (Mansplai-
Técnicas da Enfermagem Forense da Associa- ning), é interrompida na conclusão de uma frase
ção Brasileira de Enfermagem Forense – (Manterrupting), tem roubado sua ideia ou ar-
ABEFORENSE (2015) compete ao profissio- gumento (Bropriating), as ações dele desperta o
nal atuar em casos de várias formas de violên- pior em você. Se a resposta for sim, é certeiro
cia, enfermagem psiquiátrica forense, preserva- que se trata de uma vítima de violência domés-
ção de vestígios, desastres de massa, enferma- tica, mesmo que não tenha evidências de agres-
gem carcerária, investigação de morte, testemu- sões físicas.
nho pericial, maus tratos e abuso sexual. Deve O enfermeiro tem que agir de forma correta
também ter conhecimento necessário sobre o e respeitável tanto para a vítima, familiares ou
sistema legal para fins jurídicos e consultoria às agressores (GOMES, 2014), pois o olhar redu-
autoridades legais. cionista dificulta a relação de confiança entre as
partes, o que impede as vítimas de retornarem à
3.4. Combate à violência unidade em busca de ajuda (GADONI-COSTA
O enfermeiro forense está ligado direta- et al., 2011; SOUZA; SOUZA, 2015).
mente aos cuidados à vítima, familiares e a co-
munidade. O objetivo dessas ações se dá com a 4.CONCLUSÃO
junção de conhecimento técnico e científico a
fim de defender as vítimas em situação de vio- O problema a que se dá essa atuação vem
lência. dos desafios que o profissional de saúde en-
O enfermeiro tem que se atentar aos casos e frenta como: falta de treinamento específico,
situações que aparecem camufladas de doenças falta de segurança e apoio, a inexistência de um
súbitas ou traumas recentes, onde a mulher não protocolo único para o atendimento, a falta de
se sente vítima (GOMES, 2014). Por vezes eles conhecimento das leis que tratam de proteção
relutam por medo de respostas antipáticas, de- às vítimas. Nesse contexto os profissionais tam-
pendência financeira, medo de não serem acre- bém enfrentam o medo e acabam não se sen-
ditadas e também pelo fato de que o profissional tindo seguros para cumprir a lei.
de saúde pode e deve ser procurado diante da Na influência das ideias emerge a questão
necessidade de ajuda. central: “que dimensões da avaliação inicial são
É na triagem dos serviços de emergência identificadas pelos enfermeiros na abordagem à
que o enfermeiro forense que com frequência pessoa vítima de violência doméstica em con-
identifica a presença de lesões ocultas ou não a texto de urgência?” A enfermagem forense se
situação de violência doméstica. O acolhimento apresenta como uma nova área que liga os co-

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Capítulo 12
Estudos em Ciências Forenses

nhecimentos científico e técnico sob os princí- Nesse sentido os enfermeiros bem capacita-
pios da clínica forense. dos, dentro das suas competências atuam de
As mulheres geralmente não procuram as forma autônoma a fim de identificar os fatos
delegacias e sim um Hospital ou Unidade de ocultos, indícios e sinais de violência direcio-
Atenção Básica. Normalmente elas se apresen- nada aos outros.
tam com dores crônicas, depressão, lesões que Quando a violência é praticada contra pes-
evidenciam uma violência, contudo elas ten- soas vulneráveis (idosos, crianças e pessoas
dem a omitir os fatos sejam eles por vergonha, com alguma deficiência) é dever de todo cida-
proteção ou constrangimento. dão fazer a denúncia sobre a violência ocorrida
O objetivo do presente estudo é compreen- e existem números de contatos específicos
der a atuação do enfermeiro forense frente ao como o “Disque 180” (Central de Atendimento
atendimento às vítimas de violência doméstica. à mulher), “Disque 100” (Secretaria de Direitos
De que forma os enfermeiros reconhecem Humanos), 190 (Polícia Militar), Delegacia da
uma vítima através de fato oculto, indício, si- Polícia Civil, Delegacia de Defesa da Mulher,
nais ou indicadores. Através do diagnóstico de referente à cidade onde teve o ocorrido.
enfermagem aprofundado é possível traçar o
risco de violência

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Capítulo 12
Estudos em Ciências Forenses

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Capítulo 12
Estudos em Ciências Forenses

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Capítulo 12
Estudos em Ciências Forenses

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CAPÍTULO 13

ATUAÇÃO DO
ENFERMEIRO FORENSE NA
COLETA E PRESERVAÇÃO
DE VESTIGIOS EM VÍTIMAS
DE VIOLÊNCIA SEXUAL

WILLIAM FRANÇA DOS SANTOS1


MYLLENA DE OLIVEIRA SILVA1
THIALY MARIA SILVA DA CUNHA E SOUZA1
ADRIANE CRISTINA DA SILVA GUEDES1
BRENDA ELIZE NUNES DA HORA1
ESTER DOS SANTOS GOMES1
ITALO PATRICK BORBA1
MIKAELLA SILVA PAIVA1
CONCEIÇÃO APARECIDA SILVA SOUSA1
YASMIN CUNHA ALVES1
GIOVANNA LIMA BRIANO1
RENATA CRISTINNY DE FARIAS CAMPINA2

1Discente - Enfermagem da Universidade Federal de Pernambuco.


2Docente - Departamento de Anatomia da Universidade Federal de Pernambuco.

Palavras-chave: Enfermagem forense; Violência sexual; Prova pericial.

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Capítulo 13
Estudos em Ciências Forenses

1. INTRODUÇÃO Na prática das ciências forenses, a enferma-


gem forense colabora com a investigação, iden-
Compreende-se a violência sexual como o tificação, conservação dos vestígios e na escuta
ato sexual ou tentativa de realizá-lo, através de qualificada das vítimas, como forma de reduzir
violência ou coerção, por outra pessoa, sem le- os agravos psíquicos (CACHOEIRA et al.,
var em conta sua ligação com a vítima. Ações e 2020). Dessa forma, percebe-se que a atuação
investidas sexuais indesejadas também são do enfermeiro forense vai além dos cuidados in-
classificadas como violência sexual (KRUNG dividuais e coletivos, proporcionando constru-
et al., 2002). No mundo, a cada três mulheres, ção no desenvolvimento de uma relação empá-
uma delas é vítima de violência física e/ou se- tica com a vítima, facilitando assim o reconhe-
xual por parte do parceiro e, cerca de 42% refe- cimento e detalhes da situação e do aconteci-
rem lesões resultantes da violência (WHO, mento (FURTADO et al., 2021).
2020). Além disso, no âmbito da segurança pú-
É papel do enfermeiro prestar assistência a blica, o enfermeiro forense pode contribuir jun-
essas vítimas, no entanto, um grande número de tamente com outros profissionais na elaboração
profissionais ainda se sentem despreparados de estratégias que visem a identificação, redu-
frente às situações de violências sexuais, e pos- ção e investigação de localidades mais vulnerá-
suem conhecimento escasso sobre as medidas veis à violência (CACHOEIRA et al., 2020).
legais a serem adotadas (MARTINS et al., Dessa forma, saber reconhecer situações de vi-
2017). A escassez de disciplinas forenses na olências, principalmente sexuais, é de funda-
graduação contribui para a formação de enfer- mental importância para a prática e atuação do
meiros sem um olhar voltado para a assistência Enfermeiro nas unidades de saúde, permitindo
necessária a vítimas de violência sexual, e so- assim interligar a veracidade das provas coleta-
mam-se a isso a subnotificação dos casos como das com a esfera judiciária e consequentemente
também uma baixa qualidade na preservação contribuir com a segurança pública
dos vestígios (MARINHO et al., 2016). (FURTADO et al., 2021).
Com isso, de acordo com a Resolução É válido salientar, que durante a prática pro-
COFEN N° 556/2017 foi desenvolvida a ciên- fissional de enfermagem forense, por exemplo,
cia da enfermagem forense que consiste em no setor de emergência, a equipe se depara com
uma área da enfermagem que associa os cuida- diversas vítimas de violência, permitindo a es-
dos de saúde aos processos jurídicos (BRASIL, ses profissionais a oportunidade de realizar a
2017). Segundo a Associação Brasileira de En- identificação, documentação, preservação e co-
fermagem Forense (ABEFORENSE) essa espe- leta das possíveis evidências. Essa atitude é im-
cialidade da enfermagem, atua em diversas portante, pois a evidência possibilita eliminar,
áreas específicas da saúde, tais como assistên- identificar ou acusar o suspeito. Para isso, é ne-
cia às vítimas de trauma e acidentes traumáti- cessário que os enfermeiros sejam treinados,
cos, coleta de evidências, preservação de vestí- evitando a perda ou destruição de evidências
gios, violência doméstica, abuso sexual, maus inadvertidamente (PEEL, 2016).
tratos, investigação de óbitos, entre outros Diante do exposto, foi possível observar
(FURTADO et al., 2021; CACHOEIRA et al., que os enfermeiros forenses, são peças funda-
2020). mentais para criar vínculos com centros de re-
ferência à vítima de violência sexual, polícia e
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Capítulo 13
Estudos em Ciências Forenses

serviços de proteção, como também, podem dências, sobretudo no cenário da enfermagem


contribuir na conscientização e treinamento de forense brasileira. Esta revisão tem o objetivo
coleta de evidências. Esses especialistas devem de responder a seguinte pergunta norteadora:
se certificar quanto à correta identificação e “Quais as evidências científicas a respeito da
classificação da evidência, pois ela participa atuação do enfermeiro forense na coleta e pre-
ativamente das investigações e compreensão servação de vestígios em vítimas de violência
das cenas de crime (PEEL, 2016). Com isso, o sexual?”. Foram utilizadas diversas bases de
objetivo do estudo foi realizar um levantamento dados voltadas ao campo da saúde, bem como
na literatura científica sobre a atuação do enfer- PubMed, MEDLINE, Literatura Latino-Ameri-
meiro forense nos cuidados às vítimas de vio- cana e do Caribe em Ciências da Saúde
lência sexual. (LILACS), Scientific Eletronic Library Online
(SciELO), SCOPUS e Science Direct. Consulta
2. MÉTODO realizada entre os meses de junho e julho do
corrente ano, sem restrição quanto ao ano de
Trata-se de uma revisão de literatura de publicação dos artigos e com utilização dos fil-
abordagem integrativa (Teixeira et al., 2013), tros de idioma: inglês, espanhol e português.
instrumento válido da Prática Baseada em Evi-

Figura 13.1 – Fluxograma de seleção dos artigos

Para os critérios de busca, foram adotados “AND”. Em seguida, foram feitos os cruzamen-
os descritores da saúde (DECs) indexados “Fo- tos com as palavras-chaves supracitadas para
rensic Nursing” e ‘’Sexual Violence”, bem posterior análises aos critérios de inclusão e ex-
como foram utilizados os chamados Termos Li- clusão. Para os critérios de inclusão foram uti-
vres ‘’Preservation of traces”, combinados em lizados: I) Estudos de caso ou artigos originais
pares com auxílio do operador booleano que estejam na língua inglesa, espanhola ou

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Capítulo 13
Estudos em Ciências Forenses

portuguesa; II) Artigos relacionados a enferma- (AAFS) em 1991 (American Academy of Fo-
gem forense; III) Tempo indeterminado; IV) rensic Sciences, 2010) e pela American Nurses
Artigos que relacionem enfermagem forense Association (ANA) em 1995 (American Nurses
com preservação de vestígios e/ou violência se- Association, 2009).
xual; e V) Artigos gratuitos (full text). Os crité- Foi observado que cerca de 50% dos artigos
rios de exclusão dispostos foram: I) Revisões de selecionados mostraram a importância de im-
literatura; II) Artigos repetidos de outro banco plementação de programas, treinamentos, cur-
de dados; III) Artigos que estejam em outras sos ou capacitações envolvendo os enfermeiros,
línguas diferentes daquelas supracitadas; IV) principalmente os que trabalham em emergên-
Artigos que não abordem conteúdos da enfer- cias, indicando que a educação continuada deve
magem forense; e V) Artigos pagos, Figura ser uma prática cada vez mais comum nas roti-
13.1. nas das equipes de enfermagem.
Na análise de outros artigos foi verificado
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO a importância da inclusão de conteúdos foren-
ses na grade curricular das graduações e pós-
Após submeter os artigos aos critérios de in- graduação em Enfermagem. Tendo o conheci-
clusão e exclusão, obtivemos uma amostra de mento adequado acerca da conduta que os en-
22 artigos selecionados dentre as bases de da- fermeiros traçam diante de situações vítimas de
dos supracitadas, publicados entre os anos de violência, a proteção dos direitos do paciente
2002 a 2021 (Quadro 13.1), seguindo uma mé- pode ser mantida. Sabendo que o reconheci-
dia de 1 artigo publicado por ano. Os Estados mento, por profissionais de enfermagem, de le-
Unidos da América aparecem com a maior sões violentas deve, por lei, ser relatados à es-
quantidade de publicações (15), seguidos do fera judicial. Ou seja, os processos judiciais de-
Brasil (2), Reino Unido (1), Itália (1), Índia (1), vem conter evidências médicas e legais adequa-
Canadá (1) e África do Sul (1). A predominân- das para investigar a atividade criminosa. Em
cia de publicações oriundas da região norte outras palavras, esses profissionais são desafia-
americana, se justifica pelo fato de que a espe- dos não apenas para fornecer cuidados adequa-
cialidade da enfermagem forense, recém che- dos aos seus pacientes, mas também para forne-
gada ao Brasil, foi reconhecida formalmente cer cuidado enquanto mantém evidências vitais
pela American Academy of Forensic Sciences para um caso legal.

Quadro 13. 1 Características dos artigos selecionados para a revisão integrativa, Recife, Pernambuco, Brasil,
2021
Autor, ano, país de ori- Periódico
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Título

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Observou-se também uma lacuna no que se agressão, como por exemplo o programa “Se-
diz respeito ao conteúdo forense nos currículos xual Assault Nurse Examiner” (SANE), onde
acadêmicos da enfermagem. A associação enfermeiras devidamente qualificadas prestam
desse conteúdo à atuação do enfermeiro está na assistência psicológica, bem como cuidados à
prevenção e promoção à saúde proposta na as- saúde e cuidados forenses às vítimas de agres-
sistência de enfermagem à população, visto que são sexual. É necessário que esse enfermeiro
este é o profissional que tem o maior contato saiba coletar corretamente as amostras de evi-
com o paciente em âmbito hospitalar. Nos Es- dências, saiba como entrevistar corretamente a
tados Unidas foi implementado alguns progra- vítima e como lidar com as questões jurídicas
mas a fim de melhorar a assistência a vítima pós (DASH,2016).

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Capítulo 13
Estudos em Ciências Forenses

O maior objetivo dos cuidados imediatos à ceber atenção e cuidados dobrados da equipe
vítima de agressões é a proteção e preservação sobre ela, para que garanta sua segurança física
da evidência, além de encaminhar essa pessoa e a boa coleta de amostras forense. Essa vítima
para a justiça criminal e posteriormente aos gru- deverá passar por uma triagem feita pelo enfer-
pos de apoio devido aos diversos traumas cau- meiro, onde deverá ser avaliado as vias aéreas
sados, incluindo emocionais e psicológicos. A do paciente, respiração, circulação e hemodinâ-
coleta e documentação dessas evidências de- mica observando a estabilidade desse indiví-
vem ser suficientes no seu objetivo, auxiliando duo, e com este resultado, caso o paciente não
na análise dos casos (FILMALTER, 2018). esteja sofrendo risco de morte, deverá coletar as
Essa documentação dos vestígios deve ser feita evidências forenses antes de qualquer outro
antes de qualquer outro procedimento na ví- procedimento. Quanto mais rápido a vítima for
tima, a não ser que a mesma esteja sofrendo avaliada fisicamente, mais eficaz será a coleta
risco de morte, para que haja a preservação das das evidências forenses (DELGADILLO,
análises coletadas. O grande desafio no Brasil 2017).
encontra-se em vítima que sofreu agressão pro- No processo de relato da agressão às autori-
cura os serviços de segurança pública, a mesma dades, informações como idade da mulher e es-
é encaminhada aos serviços de saúde de emer- tado mental da mesma durante a agressão de-
gência antes de algum procedimento forense, o vem ser registrados, bem como as evidências
que faz com que os serviços de saúde sejam os forenses. Caso o serviço de saúde em que a ví-
primeiros a entrar em contato com essa vítima tima se encontra não apresente material para fo-
e os responsáveis por preservar os vestígios fo- tografias dos ferimentos/lesões, a equipe da
renses, por isso se faz necessário a qualificação agência da aplicação da lei deve ser acionada
para essa assistência (MUSSE, 2020). para que enviem um fotógrafo forense para
Foi observado algumas consequências re- registrar adequadamente as lesões resultantes
sultantes das agressões sexuais com os artigos da agressão (DELGADILLO, 2017).
selecionados, dentre elas, as consequências psi-
cossociais. Uma pessoa que sofreu algum tipo 4. CONCLUSÃO
de agressão normalmente após isso terá episó-
dios de estresse, depressão, dissociação, ansie- É perceptível que os estudos a respeito da
dade, alguns sintomas físicos, entre outros. ciência forense demonstraram fragilidade de
Com isso, a assistência psicossocial prestada a conteúdos disponíveis relacionados a Enfer-
esse indivíduo será de extrema importância para magem nesse contexto, contudo no Brasil essa
a reinserção dele na sociedade quanto para a su- realidade tem sido otimista, o cenário vem
peração do trauma e das consequências supra- sendo modificado e mais estudos tem sido cons-
citadas. Há também as consequências físicas, truído em relação a Enfermagem Forense e o
que vão desde lesões ou algum trauma físico, papel do enfermeiro na preservação de vestígios
gravidez indesejada e/ou alguma IST adquirida em vítimas de violência sexual.
na agressão. E isso deverá ser bem analisado As instituições de ensino superior deveriam
pela equipe de saúde e planejar o adequado tra- implementar disciplinas forenses aos currículos
tamento e qualidade de vida dessa vítima, res- com ajuda de profissionais habilitados para in-
peitando suas limitações. Ao chegar no serviço formar e ensinar como agir diante de situações
de saúde, a mulher vítima de agressão deve re-
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Capítulo 13
Estudos em Ciências Forenses

de violência, contando com o cuidado especial munidade, nas escolas e na atenção básica, vi-
no sigilo de informações do paciente. Sendo sando a perspectiva forense para alertar como
ainda fundamental a educação continuada com agir diante dessas situações. Apesar da mu-
os profissionais de saúde que lidam com situa- dança de cenário, ainda há necessidade de mais
ções de violência cotidianamente, qualificando- investimentos em estudos referente a Enferma-
os para identificação de possíveis vítimas e gem Forense devido a sua importância na assis-
agressores, atentos aos sinais para intervir tência ao sistema de justiça na resolução e pre-
adequadamente e prestar uma assistência mais venção de crimes de caráter médico-legal, pois
humanizada, respeitando a individualidade dos se houver qualquer falha na identificação dos
cuidados físicos, emocionais e sociais. sinais, acolhimento à vítima ou preservação de
Deve-se valorizar a atuação do enfermeiro vestígios prejudicará toda a averiguação dos fa-
como educador, possibilitando a construção de tos e deixará lacunas às perguntas necessárias
debates com temas de educação sexual na co- para apuração e justiça social do ocorrido.

127 | P á g i n a
Capítulo 13
Estudos em Ciências Forenses

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129 | P á g i n a
Capítulo 13
Estudos em Ciências Forenses

CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 14
A MEDICINA LEGAL
CAPÍTULO 14
E A TAFONOMIA
FORENSE
CAPÍTULO 14
A MEDICINA LEGAL
A MEDICINA
ANA BEATRIZ ARAÚJO DUARTE¹
BEATRIZ LIMEIRA SILVA¹
ELLEN VITÓRIA DE SÁ¹
LEGAL
E A TAFONOMIAE
A TAFONOMIA
FLÁVIA DANIELE DE OLIVEIRA ERVILHA¹

FORENSE
GABRIEL RIBEIRO SCIULI DE CASTRO¹
HELLEN JESUS SANTOS¹

FORENSECAPÍTULO 14
JOSÉ ALVES DA SILVA NETO²
JOSÉ VINÍCIUS LIMA SANTANA¹

A MEDICINA LEGAL
LUCAS HENRIQUE OLIVEIRA SANTOS¹
LUIZ MARCELO SANTANA MENDES²
MALANNY SANTOS ARAÚJO¹

CAPÍTULO 14
E A TAFONOMIA
PAHELMA RAMOS ALVES¹
PEDRO HENRIQUE MEDEIROS BARRETO³
RÔMULO THAYNAN VIANA BARROS¹
SUZANA PAPILE MACIEL4
¹Discente – Medicina na Universidade Tiradentes – Aracaju
FORENSE
CAPÍTULO 14
²Discente – Medicina na UNIFACS – Salvador
³Discente – Medicina na Estácio de Sá- Angra dos Reis
4Docente – Departamento de Odontologia e Medicina da Universidade Tiradentes – Aracaju
ANA BEATRIZ ARAÚJO DUARTE¹

A MEDICINA LEGAL
Universidade Tiradentes – Aracaju
BEATRIZ LIMEIRA SILVA¹
ELLEN VITÓRIA DE SÁ¹

CAPÍTULO 14
FLÁVIA DANIELE DE OLIVEIRA ERVILHA¹
E A TAFONOMIA
Palavras-chave: Tafonomia Forense; Medicina Legal; Fenômenos transformativos.
GABRIEL RIBEIRO SCIULI DE CASTRO¹
HELLEN JESUS SANTOS¹

FORENSE
JOSÉ ALVES DA SILVA NETO²
JOSÉ VINÍCIUSTafonomia
Palavras-chave: LIMA SANTANA¹
Forense; Medicina Legal; Fenômenos transformativos.

A MEDICINA LEGAL E A
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LUCAS HENRIQUE OLIVEIRA SANTOS¹
LUIZ MARCELO SANTANA MENDES²
Capítulo 14
Estudos em Ciências Forenses

1. INTRODUÇÃO 2. MÉTODO

Tafonomia é um termo que passa a ser inse- Trata-se de uma revisão integrativa reali-
rido no estudo dos fenômenos transformativos zada no período de /agosto a setembro de 2021,
para designar o estudo da transição dos restos por meio de pesquisas nas bases de dados como
biológicos a partir da morte até a fossilização PubMed, SciELO e Google Acadêmico. Foram
(FRANÇA, 2019). Dessa forma, sendo utili- utilizados os descritores: tafonomia, putrefa-
zado para determinar as circunstâncias e o ção, medicina legal e fenômenos transformati-
tempo de morte, assim, podendo ser definida vos. Desta busca foram encontrados cerca de 55
como o estudo dos processos pós-morte que artigos, posteriormente submetidos aos critérios
afetam a conservação, análise e recuperação de seleção.
dos seres mortos, na reformulação da sua biolo- Os critérios de inclusão foram: artigos nos
gia ou ecologia, ou a reconstrução das circuns- idiomas português, inglês e espanhol; publica-
tâncias referente a morte ocorrida. dos no período de 2000 a 2021 e que abordavam
Na história, o termo tafonomia foi utilizado as temáticas propostas para esta pesquisa, em
pela primeira vez no ano de 1940 pelo paleon- todos os tipos de estudos, disponibilizados na
tólogo russo, Efremov, para se referir a disci- íntegra. Os critérios de exclusão foram: artigos
plina que estuda as “leis de enterramento”, quer que não abordavam diretamente a proposta es-
dizer, a transição dos restos de animais desde a tudada e que não atendiam aos demais critérios
biosfera até a litosfera (LLOVERAS, 2016). 23 de inclusão.
anos depois (1963), Müller, fez uso da mesma Após os critérios de seleção restaram 15
terminologia, atualmente diagênese, para expli- fontes para o presente estudo, incluindo livros e
car os processos de fossilização que ocorrem artigos que foram submetidos à leitura minuci-
após o enterro. Desse modo, a tafonomia come- osa para a coleta de dados. Os resultados foram
çou a se dividir em duas fases, pré e pós morte. apresentados de forma descritiva, divididos em
É uma disciplina que integra um conjunto categorias temáticas abordando os fenômenos
de métodos científicos desenvolvidos principal- transformativos destrutivos e estes destrincha-
mente para a paleontologia, arqueologia e ciên- dos pelos eventos de autólise, putrefação e ma-
cias forenses. Dessa forma, os fenômenos trans- ceração, seguidos dos fenômenos transformati-
formativos possuem duas ordens: os destrutivos vos conservativos, formados pela mumificação,
e conservadores. Compreendem os destrutivos calcificação, saponificação, congelação, corifi-
(autólise, putrefação e maceração) e os conser- cação e fossilização.
vadores (mumificação e saponificação). Resul-
tam de alterações somáticas tardias tão intensas 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
que a vida se torna absolutamente impossível.
São, portanto, sinais de certeza da realidade de Ao longo da história, a Tafonomia Forense
morte (JÚNIOR, 2012). O objetivo deste estudo vem ganhando destaque na medicina legal de-
foi elucidar o conceito de Tafonomia Forense, vido as suas contribuições para a resolução de
o que ela abrange e a sua importância para a vários casos. Essa importância acontece por ser
Medicina Legal. um estudo que visa a compreensão das fases
que o ser humano passa após sua morte, seja

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Capítulo 14
Estudos em Ciências Forenses

esse fenômeno tendo uma transformação des- Por fim, devemos lembrar que na maioria
trutiva (autólise, maceração e putrefação) ou das vezes a autólise e a putrefação ocorrem em
conservadora (mumificação, calcificação, sapo- conjunto (ERIN, 2020). Esse fenômeno misto
nificação, congelação, corificação e fossiliza- ocorre em maior intensidade em órgãos como o
ção). pâncreas e o estômago devido a presença de
uma rica microbiota natural como também a
3.1. Fenômenos transformativos destruti- presença maior de enzimas específicas nesses
vos órgãos podendo aumentar a velocidade da des-
Os fenômenos transformativos destrutivos truição tecidual.
são caracterizados por processos que são capa- A putrefação é um fenômeno destrutivo ca-
zes de acelerar ou fomentar a destruição do davérico e não apenas acontece com a morte do
corpo e de toda sua composição. Portanto, os cadáver, para que ela ocorra são necessárias
fenômenos destrutivos poderão ser divididos e bactérias, cujas enzimas, em condições favorá-
estruturados em três categorias, sendo definidos veis, produzem a desintegração do material or-
e exemplificados a seguir: gânico. As bactérias que nós temos no interior
A autólise é a decomposição do corpo por do nosso corpo são as principais responsáveis
substâncias endógenas. Ela ocorre por uma sé- pelo processo de putrefação do cadáver. Esse
rie de fenômenos fermentativos anaeróbicos processo transformativo destrutivo, constitui de
que se verifica na intimidade da célula, motiva- 4 períodos e consiste na decomposição fermen-
dos pelas próprias enzimas celulares e que le- tativa da matéria orgânica. A marcha de putre-
vam à destruição do corpo humano logo após a fação, representa ações que seguem uma evolu-
morte. Quando ocorre a parada na circulação e ção de eventos e são divididas em 4 períodos: o
nutrientes não chegam às células, começam a período cromático, o período enfisematoso, o
ocorrer sem nenhuma interferência bacteriana, período coliquativo e o período de esqueletiza-
como se a célula estivesse programada para agir ção. Essas fases podem acontecer concomitan-
desta forma em determinado momento e de temente em um mesmo cadáver.
forma rápida e intensa (FRANÇA, 2019). O primeiro evento é chamado de cromático
Esse ataque pode ser dividido em duas fa- ou de coloração e é marcado pela mancha verde
ses: A fase latente, na qual, as alterações ocor- abdominal. A cor esverdeada, fruto da sulfa-
rem apenas no citoplasma da célula e na fase meta-hemoglobina, que surgiu a partir da de-
necrótica em que ocorre o desaparecimento do gradação da hemoglobina com as lises celulares
núcleo celular. Ao decorrer da autólise o meio que aconteceram após o óbito no corpo. O iní-
que uma vez foi neutro passa a se tornar cada cio da putrefação se dá pelo período da colora-
vez mais ácido. A acidez que resulta da autólise ção, onde ocorre o surgimento de manchas ver-
celular e tissular, e pela velocidade que aparece des na fossa ilíaca direita, devido aos gases pro-
e sua constância, é um importante elemento in- duzidos pelos microrganismos alojados no iní-
dicativo de morte real (PAULETE, 2016). Ao cio do intestino grosso, que posteriormente se
analisar essa acidez podemos encontrar sinais difundem pelo tronco, cabeça e membros
como: Sinal de Labord, Sinal de Brissemoret e (SILVA, 2008).
Ambard, Sinal de Sílvio Rebelo dentre outros A fase gasosa ou enfisematosa é marcada
sinais que através da detecção de uma variação pelo gigantismo do cadáver, os olhos e a língua
do PH podem sinalizar a morte do indivíduo. sofrem protrusão, como ilustração, a presença
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Capítulo 14
Estudos em Ciências Forenses

de gases e as flictenas. O período gasoso inicia- por alguns ligamentos articulares. Este último é
se com a produção de gases no interior do cadá- imprescindível para a estimativa do tempo de
ver, que se expandem por todo o corpo, gerando morte. Dependendo de algumas condições am-
bolhas de conteúdo leucocitário hemoglobínico bientais, os ossos podem resistir por dezenas e
na epiderme. O acúmulo desses gases faz com centenas de anos, mas com o passar do tempo,
que o cadáver aumente o seu volume, principal- esses perdem sua estrutura típica, tornando-se
mente na face, no abdómen e nos órgãos geni- friáveis e mais leves (RODRIGUES, 2015).
tais masculinos (SILVA, 2008). O gás sulfí- A maceração consiste no terceiro tipo de fe-
drico, por exemplo, é um dos responsáveis pelo nômeno destrutivo, no qual é possível perceber
odor característico dos cadáveres. Outro marco o achatamento do ventre e o amolecimento dos
dentro dessa fase é a presença de flictenas. A tecidos e órgãos, devido à submersão do cadá-
grande produção de líquidos, que migram para ver em meio líquido. Uma vez amolecidas, tais
a superfície dá origem a bolhas de tamanhos va- estruturas tendem a se soltar dos ossos, for-
riados, nos tegumentos, local onde a epiderme mando as chamadas luvas. Esse processo é mais
vai se destacando deixando a derme exposta, comum na região das mãos, o que coíbe o desa-
chamadas de flictenas putrefativas (NETO, parecimento das impressões digitais de maneira
2009). mais rápida (LEITE, 2019). Por essa razão,
É no terceiro evento, chamado coliquativo torna-se fácil a utilização da datiloscopia para a
ou de liquefação, que o cadáver começa a apre- identificação do corpo.
sentar partes moles e há uma ação dos insetos, Além disso, a maceração pode ser dividida
germes e larvas, trabalhando na destruição do em asséptica e séptica. No primeiro caso, tal fe-
cadáver. O período coliquativo é o período da nômeno ocorre em cadáveres mantidos em
dissolução pútrida do cadáver, devido à desin- meio líquido estático sob a ação de bactérias e
tegração progressiva dos tecidos, no qual as germes, o que é comum em vítimas de afoga-
partes moles diminuem de volume, resultando mento (LEITE, 2019). Já a maceração séptica
em um efluente líquido intermitente, denomi- acontece em casos de óbito intrauterino (com
nado de produto de coliquação, líquido humo- fetos no último trimestre da gestação) e tem
roso ou necrochorume (SILVA, 2008). Estu- como característica marcante o tom averme-
dada pela entomologia forense (EF), o estudo lhado dos tecidos, uma vez que a lise das hemá-
desses insetos e artrópodes são de fundamental cias gera o processo de embebição da hemoglo-
importância para identificar o estágio de putre- bina.
fação e tempo de morte, consequentemente. É Por fim, a maceração pode apresentar al-
uma ferramenta importante em perícia criminal guns sinais como: sinal de Hartley (perda da
que permite determinar características do cadá- configuração da coluna vertebral), sinal de
ver, circunstâncias de sua morte e, principal- Spangler (achatamento da abóbada craniana),
mente, o intervalo pós-morte (IPM), mediante sinal de Horner (assimetria craniana), sinal de
análise da colonização da carcaça pela entomo- Tager (curvatura acentuada da coluna verte-
fauna (OLIVEIRA, 2011). bral), sinal de Robert (presença de gases nos
O período final da putrefação é o de esque- grandes vasos e vísceras), sinal de Brakeman
letização, onde os ossos se soltam por atuação (queda do maxilar inferior – sinal da boca
do meio ambiente e dos elementos de degrada- aberta) (FRANÇA, 2019).
ção do corpo, ficando ligados em partes apenas
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Capítulo 14
Estudos em Ciências Forenses

3.2. Fenômenos transformativos conser- ais são produzidos através de métodos de em-
vativos balsamentos provisórios, a pedido da família ou
Os fenômenos transformativos conservati- por questões sanitárias”.
vos em cadáveres serão todos os processos que O método de mumificação natural, vai con-
vão retardar ou lentificar o evento de putrefa- sistir na perda fisiológica de alguns componen-
ção, fazendo com que características que acon- tes que influenciam no processo putrefativo,
tecem habitualmente pós morte sejam modifi- sendo o principal deles a perda de água seguida
cadas em ritmo e tempo. Além disso, os proces- de desidratação rápida. Dessa forma, evita que
sos conservativos cadavéricos estarão relacio- sejam iniciados os processos relacionados a
nados com fatores intrínsecos e extrínsecos, ação de microrganismos. Esse fenômeno se
como características do próprio cadáver e inter- dará em cadáveres não sepultados expostos a
ferências ambientais, respectivamente. grande insolação e ao meio externo quente
Nesse cenário, é possível uma avaliação úmido, por isso a frequência desse aconteci-
mais específica desses recursos, já que o estado mento ocorrerá em clima seco e árido, princi-
conservativo pode ser indicador de característi- palmente em regiões desérticas. No Egito an-
cas ambientais da localidade de morte, além de tigo era comum a população mais humilde e
ser mais palpável a avaliação cadavérica pelo sem posses para a elaboração de sarcófagos jo-
fato da estruturação de algumas peças anatômi- garem os corpos envoltos por tecidos no deserto
cas serem encontradas em estado razoável para para a preservação do corpo e como uma possi-
análise forense. Portanto, os fenômenos conser- bilidade de entrar no além vida.
vantes poderão ser divididos e estruturados em Além disso, a mumificação natural também
seis categorias, sendo definidos e exemplifica- pode ocorrer devido à presença de fatores rela-
dos a seguir: cionados ao próprio indivíduo, como idade,
A mumificação é um fenômeno conservante sexo e causa mortis, sendo frequente nos dias
histórico, tendo seu principal reconhecimento atuais em recém-nascidos e mais prevalente no
no Egito Antigo através das famosas múmias sexo feminino, estando relacionados com abor-
postas em catacumbas. Esse processo milenar tos retidos sem contaminação de bactérias ou
era produzido de forma artificial, estando li- outros agentes.
gado a rituais religiosos e na crença e cultura Ademais, a mumificação de causa artificial
egípcia de vida após a morte, necessitando de é incomum na realidade atual, mas pode acon-
um corpo bem preservado e com poucas perdas tecer de forma acidental através de uso de subs-
estruturais (MARTUSEVICZ, 2018). tâncias ou produtos pelo indivíduo ante morte,
A cultura egípcia antiga popularizou tal fe- as quais irão alterar a marcha de putrefação,
nômeno como um processo unicamente artifi- agindo de forma conservativa. Já no Egito An-
cial. tigo a prática era intencional, a qual era feita por
Desse modo, com o avançar dos estudos so- sacerdotes por meio de incisões para retiradas
bre a tanatologia forense e o avançar das práti- dos órgãos e lavagem interna, sendo substituído
cas de análises cadavéricas, foi compreendido por ervas e sais que atuariam na conservação
que a mumificação pode ocorrer de forma natu- (SOUZA, 2018). Os demais órgãos sofreram
ral, artificial e mista, havendo com a presença outros processos para serem mantidos em sua
das duas formas interligadas. Na atualidade, se- estrutura original. Por fim, a mista seria aquela
gundo FRANÇA (2019), “os processos artifici- resultante do conjunto de características tanto
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Capítulo 14
Estudos em Ciências Forenses

ambientais como de substâncias químicas, re- lhante à uma cera, que apresentará odor de
sultando num processo final de conservação. queijo rançoso. Por conta da conservação maior
A calcificação é um fenômeno bioquímico do tecido celular subcutâneo, apresenta impor-
caracterizado pela petrificação ou calcificação tante relevância médico-legal, porque permite
de partes do cadáver em virtude da putrefação que certas lesões sejam melhores investigadas,
rápida e assimilação pelo esqueleto de grande como nas feridas produzidas por armas de fogo
quantidade de sais calcários. Ela preserva o ca- ou de arma branca, como também, contribui-
dáver devido a razões externas, como condições ções através de exames toxicológicos e histopa-
do ambiente em que se encontra, mantendo sua tológicos (GALLI, 2014).
estrutura corpórea íntegra por muitos anos A corificação é um dos fenômenos transfor-
(BINA, 2014). É um fenômeno conservativo mativos mais raros, que consiste em uma fase
raro, mas aparece com mais frequência na inicial da putrefação, mas por motivos ainda
morte fetal retida (fetos mortos e mantidos na não explicados tão claramente a continuação do
cavidade uterina), onde o organismo materno processo é interrompida, sucedida posterior-
envolve o feto com cálcio, encapsulando-o, e mente em um processo de mumificação natural,
assim formando um litopédio (chamado popu- ou seja, o corpo é preservado da decomposição.
larmente de “bebê de pedra”). Na forma extra- Os cadáveres encontrados foram encontrados
uterina, esse processo ocorre de forma menos em urnas metálicas hermeticamente fechadas, e
frequente, surgindo quando as partes moles se por isso, a pele fica intacta, porém com aspecto
desintegram rápido pela putrefação e o esque- de couro. Ademais, os órgãos também perma-
leto começa a assimilar uma grande quantidade necem intactos, mas se encontram amolecidos.
de sais de cálcio, fazendo com que essas partes O fenômeno de congelação, por sua vez, há
do corpo passem a apresentar uma aparência uma atenuação da marcha de putrefação em
pétrea. O processo de saponificação se caracte- consequência da diminuição da temperatura.
riza pela reação química da hidrólise de gordura Por intermédio de temperaturas abaixo de –
que ocorre liberação de ácidos graxos, deixando 40°C, tem-se a conservação de materiais orgâ-
o meio ácido. Devido a isso, as bactérias putre- nicos como ossos e tecidos, inclusive de esper-
fativas são inibidas e, consequentemente, a de- matozoides, pois o cadáver se mantém em per-
composição do cadáver é atrasada. Para que feito estado de conservação, o que é de funda-
isso aconteça, é preciso que o corpo seja sepul- mental importância para a medicina legal, faci-
tado em ambiente pantanoso, em que possui ca- litando o método de identificação do indivíduo.
racterísticas típicas como solo argiloso, poroso, Já a fossilização é um dos fenômenos conserva-
impermeável, que ao ser saturado de água es- dores mais raros devido ao tempo prolongado
tagnada ou pouco corrente, irá facilitar esse fe- exigido para a sua ocorrência. Mantém a forma
nômeno, podendo inicia-se entre um ou dois do cadáver, mas não conserva qualquer compo-
meses. Além disso, está sujeito a outros fatores nente de sua estrutura orgânica.
que envolvam idade, sexo, obesidade e doenças
que originam degeneração de gordura 4. CONCLUSÃO
(STANCATI, 2016).
Nesse contexto, é formado sobre o cadáver A morte não é um momento, é um processo
a adipocera, caracterizada por uma massa gradativo até a cessação vital das funções vitais
branca, mole, quebradiça e com aspecto seme-
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Capítulo 14
Estudos em Ciências Forenses

do indivíduo ou sua morte encefálica, assim o ver desidrata rapidamente, inibindo a atividade
estudo de todas as fases em que o ser humano bacteriana, consequentemente impedindo ou in-
passa após a sua morte até a fossilização, no in- terrompendo o processo de putrefação, e nestas
teresse forense ou médico legal, é denominado condições, o cadáver se conserva indefinida-
tafonomia forense. As mudanças no corpo ocor- mente. Outrossim, além da mumificação, se en-
rem logo após a morte e os fenômenos desse pe- contram outros sinais transformativos que pos-
ríodo são divididos em fenômenos cadavéricos suem a capacidade de conservação, como a sa-
conservadores e transformativos. ponificação que atua através de uma transfor-
Os fenômenos transformativos, estão os mação gordurosa e calcárea do cadáver, a calci-
destrutivos, em que fazem parte os sinais de au- ficação, que nada mais é do que um fenômeno
tólise, putrefação e maceração e os conservado- transformativo conservador que se caracteriza
res, que são representados pelos fenômenos de pela petrificação ou calcificação do corpo, a co-
mumificação, saponificação, calcificação, cori- rificação, o fenômeno raro, encontrado em ca-
ficação, congelação e fossilização. dáveres que foram acolhidos em urnas metáli-
Á priori, na autólise, fenômeno cadavérico cas fechadas hermeticamente, principalmente
mais precoce, são cessadas as trocas nutritivas, de zinco, sendo preservados da decomposição.
e o meio se acidifica, em seguida entram em A congelação, fenômeno de grande importância
cena a microbiota anaeróbia, que são os produ- para medicina legal, através da conservação do
tores da putrefação gasosa, produzindo gases, corpo em baixas temperaturas, cessa o estágio
por fim, o último estágio dos fenômenos destru- de putrefação preservando ossos e tecidos, en-
tivos depende das condições do meio em que o quanto que na fossilização, mantém a forma do
cadáver se encontra, podendo ser asséptica ou cadáver, mas não conserva os componentes da
séptica, a maceração de forma asséptica ocorre sua estrutura orgânica.
quando o feto morre retido no útero e a forma Por conseguinte, os fenômenos transforma-
séptica, ocorre nos cadáveres mantidos em tivos definem as alterações que o corpo sofre
meio líquido contaminado, como nos afogados. durante a decomposição sendo de extrema im-
À posteriori, nos sinais destrutivos, a mumi- portância para a medicina legal e investigação
ficação é o processo responsável pela maior criminal.
conservação do corpo, acontece quando o cadá-

136 | P á g i n a
Capítulo 14
Estudos em Ciências Forenses

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Relato de Caso. Saúde, Ética & Justiça. V.14 n.2 p.92-
96, 2009.
.

137 | P á g i n a
CAPÍTULO 15

VIOLÊNCIA CONJUGAL
ASSOCIADA A TRANSTORNOS
PSIQUIÁTRICOS: ANÁLISE DE
PRONTUÁRIOS

MATHEUS ALHEIROS CASSUNDÉ1


IGOR DE OLIVEIRA MELO1
AILA IRINEU MOURA FREIRE2
MANUELA MAGALHÃES DARDENNE TENÓRIO1
GABRIELA SILVA DE BRITO1
ANA BEATRIZ NOGUEIRA DA CRUZ1

¹Discente – Medicina do Centro Universitário de João Pessoa


²Discente – Medicina da Faculdade Pernambucana de Saúde.

Palavras-chave: Violência conjugal; Psiquiatria forense; Psicopatologia.

138 | P á g i n a
Capítulo 15
Estudos em Ciências Forenses

1. INTRODUÇÃO pericial, com fins de responsabilidade penal ou


verificação de cessação de periculosidade.
O estudo em questão é de inegável impor- A obtenção na rede pública de condições de
tância para a sociedade médica e científica, manter o acompanhamento e a medicação são,
principalmente a brasileira e mais especifica- na maioria das vezes, inacessíveis. Já está bem
mente nordestina, onde sempre houve uma vio- descrito que a periculosidade potencial do paci-
lência contra mulher quase que endêmica, e ente psicótico está diretamente relacionada com
muitas vezes pôde ser relacionada com algum a falta de tratamento (DAY et al., 2003).
transtorno psiquiátrico no qual o parceiro apre- De acordo com MONTEIRO e SOUZA
senta ou apresentou. Tendo isso em foco, a (2007) a violência conjugal é manifestada no
busca pelo tratamento e seguimento desses ti- dia-a-dia de certas mulheres como um fator
pos de pacientes que cometem tais crimes de- repetitivo e cruel, que diversas vezes se torna
vem ser vista e estudada com o intuito de realo- usual e natural. A violência conjugal
car os mesmos na sociedade, na sua família, de significada pela mulher que vivencia é parte do
maneira que lhes surjam a possibilidade de es- seu cotidiano, envolta de brigas, humilhações e
tarem em pleno funcionamento da sua consci- vergonha. Vale ressaltar que, de acordo com a
ência social e moral. Organização Mundial de Saúde (OMS),
O Estudo Multipaíses sobre Saúde da Mu- violência conjugal é “qualquer comportamento
lher e Violência Doméstica mostrou que: dentro de um relacionamento íntimo que cause
danos físicos, psicológicos ou sexuais àqueles
A prevalência estimada de VPI (violência no relacionamento”. Podendo, portanto, a
por parceiro íntimo) em algum momento
da vida variou de 15% no Japão a 71% no violência conjugal ser consumada pela mulher
interior da Etiópia. Essa prevalência osci- contra o homem ou em casais homossexuais,
lou entre 29% e 37% no Brasil. Além de
ser uma questão social, a violência torna- porém, segundo afirma a OMS, 85% dos casos
se problema de saúde pelo impacto que são feitos pelo homem contra a mulher, o que
provoca na qualidade de vida individual e
coletiva, pelas lesões físicas, psíquicas e
acaba por prejudicar a saúde da mulher como
morais que produz e pelas exigências de um todo (KRUG et al., 2002).
atenção e cuidados dos serviços médico- Um estudo de coorte prospectivo, condu-
hospitalares (SILVA et al., 2012).
zido por SILVA et al. (2012) em Recife,
De acordo com BARROS (2018), a atenção Pernambuco, avaliou que existe um alto índice
pública vem se tornando cada vez mais voltada de violência conjugal no período pós-parto
para os crimes conjugais e sexuais no geral, (9,3%) e sendo majoritariamente violência
principalmente por causa de diversos relatos psicológica. Segundo TELLES, FOLINO e
que estão sendo divulgados pelas mídias nacio- TABORDA (2011) além das sequelas
nais e internacionais, em decorrência dos mui- vivenciadas por mulheres não grávidas vítimas
tos casos que vitimizaram figuras públicas. Psi- de violência conjugal, quando praticada contra
cólogos e psiquiatras forenses são os profissio- mulheres grávidas há um efeito negativo
nais específicos do grupo que trabalha direta- adicional, aumentando o risco de assistência
mente com os criminosos sexuais em questão, pré-natal inadequada, baixo ganho de peso,
seja tratando-os, durante o cumprimento e me- anemia, infecções, sangramento, depressão
didas de segurança, ou realizando a avaliação materna e ideação suicida e tentativas de
suicídio.
139 | P á g i n a
Capítulo 15
Estudos em Ciências Forenses

O comportamento agressivo em si não é milhadas pela violência que vivem, acabando


uma condição médica, pois ele pode se tratar de tudo isso sendo somado ao desconhecimento
sintomas de um quadro neurológico ou psiqui- dos direitos que a vítima possui e onde pode (e
átrico, porém a agressividade isoladamente não deve) procurar ajuda.
pode ser considerada uma doença ou um
O enfrentamento à VPI envolve inúmeros
“desvio de caráter”. Dentro de certos limites, o sujeitos e ações interdisciplinares. Requer
comportamento agressivo é esperado e até as redes de atendimento de saúde, segurança
pública, pessoal, jurídica e social, ainda
vezes aceitável por causa da decorrência de al-
que muitas mulheres saiam da situação de
guma condição emocional explicável no con- violência sem demandar ajuda institucio-
texto de uma situação. O comportamento agres- nalizada. A rede de atendimento a essas
mulheres é limitada no Brasil, apesar dos
sivo propriamente dito é aquele que se mani- acordos internacionais e dos avanços das
festa episodicamente sem provocação justificá- políticas públicas nacionais, com a criação
das Delegacias Especializadas de Atendi-
vel ou com um mínimo de provocação para o mento à Mulher (DEAM) e a promulgação
qual a agressão se mostra injustificável. Os es- da Lei Maria da Penha (Lei 11.340, 2006).
A situação é mais alarmante na região Nor-
tudos sobre o comportamento agressivo são deste, que detém 27,6% das Casas Abrigo
multifatoriais, e como tal, perde-se o objetivo e 16,0% do total da Rede de Atendimento
prático de se estabelecer causalidade e/ou fato- à mulher do País (SILVA et al., 2012).

res de risco seguros para se planejar políticas de Existem estudos epidemiológicos que cor-
controle da violência mais consistentes. Com- roboram com a hipótese de que o transtorno
bater violência com violência gera mais violên- mental impacta de modo especial na violência.
cia, e tampouco erradicar as tendências agressi- Até mesmo em estudos que mostram a grande
vas. A solução certamente só poderá decorrer diferença da violência de gênero em indivíduos
de uma parceria entre justiça social, cultura e sem psicopatologias (mostrando homens como
biologia (CÂMARA, 2018). mais violentos), diminuem a magnitude dessa
Quando um homem se envolve em um rela- diferença quando comparadas aos indivíduos
cionamento violento com uma mulher com com transtornos mentais (VALENÇA et al.,
quem compartilha ou compartilhou voluntaria- 2010).
mente sentimentos de intimidade e um projeto Muitos estudos vêm demonstrado um pa-
de vida com o qual frequentemente tem filhos drão duradouro de rompimento do contato com
em comum, pode-se pensar que sofre algum os serviços que auxiliam a questão da saúde
tipo de transtorno mental ou psicológico mental, enquanto outros estudos, o comporta-
(BRASFIELD, 2014). mento de violência se dá antes mesmo do agres-
Em um estudo feito por SILVA et al. (2012) sor entrar em contato com esses serviços
na cidade do Recife-PE, foi constatado que (MEEHAN et al., 2006).
21,6% das entrevistadas não procuraram ne- É de inegável importância que os serviços
nhum tipo de ajuda, e das que procuraram, 44% de saúde mental se esforcem para evitar a perda
referiram não ter recebido a assistência neces- de contato ou a não aderência ao tratamento,
sária. A violência mostrou-se problema multi- que por muitas vezes antecedem o comporta-
facetado. Há um envolvimento emocional mento violento que é cometido por pessoas pos-
muito presente para com os agressores e muitas suintes de transtornos mentais graves. Para isso,
mulheres não percebem os atos violentos como pode-se lançar mão de pesquisas que auxiliem
violação dos seus direitos, outras sentem-se hu- (fornecendo dados) a identificação dos indiví-
140 | P á g i n a
Capítulo 15
Estudos em Ciências Forenses

duos com tais patologias e que correm risco de do tipo antissocial, que aumenta o risco de pe-
exercer um comportamento agressivo, e tam- riculosidade dos pacientes e a evolução do tra-
bém ajudem no tratamento adequado dos mes- tamento. O trabalho de psiquiatras em âmbitos
mos, contribuindo então com a prevenção de re- forenses ou emergências pode propiciar muitas
corrência de sua expressão no meio social. Po- vezes mais de uma vitimização, lesões menores
dem ajudar, da mesma forma, a caracterizar me- geralmente, e por pacientes psicóticos. Os paci-
lhor os grupos e situações de risco, esclarecer entes que portam transtorno de personalidade
motivações da violência e muito mais geralmente apresentam maior prevalência de
(VALENÇA et al., 2010). eventos violentos quando comparados a outros
Dentre as várias condições psicopatológicas diagnósticos, por isso torna-se necessário en-
que envolvem atitudes agressivas, principal- tender a importância da avaliação clínica abran-
mente passional, tem-se a psicopatia, que está gendo todos os aspectos da doença, do apoio fa-
na base de todo comportamento amoroso passi- miliar e de fatores socioambientais. Esta cons-
onal que caracteriza o funcionamento do agres- tatação, reafirma o conhecimento da grande pe-
sor. É entendido por psicopatia, uma situação riculosidade dessa população, até mesmo
especifica psicologia de desarmonia constituci- quando contidas dentro de uma instituição psi-
onal, por imaturidade ou deterioração da perso- quiátrica forense (TELLES; FOLINO;
nalidade, com uma tendência para um compor- TABORDA, 2011).
tamento amoral, ou antissocial e regido pela im- O objetivo geral desse estudo foi analisar a
pulsividade. O paciente psicopata faz a vítima frequência de fatores pessoais e sociais dos
sofrer quando é rejeitado, porque o mesmo agressores que receberam o laudo forense de al-
acaba por viver um conflito interno de tendo um guma psicopatologia. Quanto aos objetivos es-
comportamento de autodestruição (LINO, pecíficos, se pautaram em descrever as relações
2011). dos transtornos psiquiátricos e a violência con-
O comportamento violento e antissocial de jugal no atual cenário da Paraíba e demonstrar
internos nos hospitais psiquiátricos gera conse- a necessidade de novos estudos para entender a
quências que podem ser consideradas graves e correlação de determinadas psicopatologias
acabam por determinar prejuízo ao tratamento com a violência conjugal
do agressor. Atrelado a isso, a falta de conheci-
mento sobre a incidência desses casos além de 2. MÉTODO
suas características acaba por favorecer sua per-
petuação. Já é compreendido pela população 2.1. Caracterização do estudo
médica que a não adesão aos medicamentos psi- Estudo documental exploratório transversal
cofármacos e o abuso de álcool e drogas cons- descritivo quantitativo e qualitativo que se pro-
tituem fatores associados às múltiplas interna- põe a avaliar variáveis relacionados a violência
ções em hospitais psiquiátricos, e nas condutas conjugal e perícias por transtornos psiquiátri-
violentas em portadores de transtornos mentais cos, atendendo as regras e exigências da Reso-
também são causas de hospitalização e influen- lução 466/2012 e ao Estatuto do Idoso, Lei Fe-
ciam muito na evolução e intervenção terapêu- deral de no 10.741.
tica, sendo necessário uma avaliação de riscos
bem-feita. Na ambientação psiquiátrica fo-
rense, além do ato violento, existem as atuações
141 | P á g i n a
Capítulo 15
Estudos em Ciências Forenses

2.2. Localização e período do estudo 6.04. Foram realizadas, então, análises de fre-
O estudo foi realizado no período de outu- quência e incidência, que tiveram como utili-
bro a novembro de 2020, tendo como local de dade ter uma visão sobre as distribuições das
coleta a Penitenciária de Psiquiatria Forense da variáveis sociodemográficas, como sexo, faixa
Paraíba. etária, escolaridade; estilo de vida (uso e/ou
abuso de drogas lícitas/ilícitas); antecedentes
2.3. População e amostra do estudo criminais, medidas de segurança, antecedentes
A população desse estudo foi coletada a mórbidos familiares e transtornos psiquiátricos
partir dos prontuários jurídicos dos indivíduos mais comumente vistos nas perícias forenses
periciados na Penitenciária de Psiquiatria Fo- que estão vinculados à violência. Portanto,
rense da Paraíba, sendo coletados mais de 1000 houve a análise descritiva de todas as variáveis,
prontuários. Tendo como amostra os pacientes realizadas no SPSS, versão 22.
que foram diagnosticados com transtorno psi-
quiátrico e cometeram violência conjugal, 2.7. Aspectos éticos
tendo um total de 150 prontuários elencados. O presente estudo foi submetido no Comitê
de Ética em Pesquisa do Centro Universitário
2.4. Critérios de inclusão de exclusão de João Pessoa – CEP/UNIPÊ e aprovado sob
Foram incluídos pacientes da Penitenciária número de CAAE: 35759020.0.0000.5176. A
de Psiquiatria Forense da Paraíba que comete- pesquisa foi desenvolvida de forma totalmente
ram um crime em relação a sua cônjuge e foram confidencial; atendendo as regras e exigências
diagnosticados com algum transtorno psiquiá- da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional
trico prévio associado ao evento. Foram exclu- de Saúde/Ministério da Saúde. Também será
ídos os prontuários dos pacientes que não fize- respeitada todos os critérios que remetem ao
ram parte do perfil de situações criminais en- Estatuto do Idoso, Lei Federal de no 10.741.
volvendo violência conjugal ou que não houve
certeza da associação com uma patologia psi- 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
quiátrica de base.
A pesquisa teve uma amostra de 150 laudos
2.5. Variáveis realizados no Instituto de Psiquiatria Forense da
Idade como variável quantitativa discreta, Paraíba, coletados no mês de novembro, e que
escolaridade, estado civil, naturalidade e proce- abrangeu todos desde janeiro de 2012 à novem-
dência, etnia, religiosidade, relações conjugais, bro de 2020, possuindo todos os periciados al-
patologia associada, qual patologia, nexo causal gum diagnóstico de relevância psiquiátrica fo-
com o crime, medidas de segurança recebidas, rense.
uso de drogas lícitas e ilícitas, quais drogas, an- Sobre a epidemiologia, a época dos laudos
tecedentes mórbidos familiares e qual crime co- forenses, os pacientes do presente estudo apre-
meteu são variáveis qualitativas nominais. sentavam a faixa etária de 18 a 70 anos e a mé-
dia de idade de 38 anos e 6 meses (Tabela
2.6. Análise de dados 15.1), quanto a religiosidade, 80,5% não decla-
A presente pesquisa teve seus dados que di- raram religião, 11,4% se dizem protestantes e
gitados duplamente e então submetidos à vali- 8,1% católicos. João Pessoa e Campina Grande
dação no sub-programa Validate do Epi Info
142 | P á g i n a
Capítulo 15
Estudos em Ciências Forenses

foram as cidades em que a procedência e natu- um ato violento criminoso perante a variação
ralidade se mantiveram com maior concentra- cultural na sua percepção e construção
ção de casos de violência contra mulher associ- (MARZUK, 1996; ARBOLEDA-FLOREZ,
ada à transtornos de relevância para psiquiatria 1998).
forense, porém, ao somar as porcentagens, as A pesquisa tomou como parâmetros princi-
outras localidades juntas acabaram por ter pais os tipos de delito (como agressão, ameaça,
maior número de casos (Tabela 15.2). homicídio e estupro) e os associou com as di-
versas variáveis do instrumento de coleta; em
Tabela 15.1 Idade dos pacientes, 2020 relação a incidência dos determinados delitos,
Média 38,51 foram constadas as distribuições de frequência
Erro Desvio 10,89 expressas na Tabela 15.3.
Mínimo 18
Máximo 70
Tabela 15.3 Incidência dos Delitos, 2020
Delito (%)
Tabela 15.2 Procedência dos pacientes, 2020
Cidade (%) Descumprimento de medida restritiva 0,7%
Tentativa de homicídio 12,7%
Campina Grande 22,0%
Agressão física e ameaça 13,3%
João Pessoa 14,7%
Estupro 6,7%
Guarabira 5,3%
Homicídio 4,7%
Bayeux 5,3%
Ameaça 9,3%
Patos 2,7%
Agressão Física 52,7%
Cajazeiras 1,3%
Total 100,0%
Outros 48,7%

Destes, 60,0% receberam medidas segu-


No país, um estudo populacional executado rança no momento ou próximo ao momento do
com uma amostra representativa de mais de 15 crime, fazendo com que quase metade das mu-
anos constatou que 43% das mulheres no brasil lheres que sofreram algum tipo de violência não
relataram ter sido, em algum momento da vida, tenham sido devidamente assistidas pelos ór-
violentadas por um homem; destas, cerca de um gãos policiais.
terço referiu ter sofrido alguma forma de vio- Santos et al., 2020 afirma que os menores
lência física, 27% psicológica e 13% de caráter níveis de instrução e escolaridade esteve asso-
sexual. Os principais agressores foram maridos, ciado à maiores níveis de prevalência da violên-
ex-maridos, namorados e ex-namorados, vari- cia contra mulher, além de acreditar que o es-
ando de 88% dos autores de tapas e empurrões clarecimento da mulher leva a menor tolerância
a 79% dos perpetradores de relações sexuais à violência.
não consensuais (SANTOS et al., 2020). No presente estudo, foram correlacionados
Na literatura, a associação sobre transtornos os diversos tipos de violência contra mulher
mentais graves a violência está sujeita à vieses com o nível de escolaridade, demonstrados na
metodológicos, assim como avaliações diag- Tabela 15.4.
nosticas não confiáveis, indiretas e retrospecti-
vas, principalmente quando há ocorrência de
comorbidades (como o uso de substancias psi-
coativas, principalmente), além do que é de fato

143 | P á g i n a
Capítulo 15
Estudos em Ciências Forenses

Tabela 15.4 Nível de escolaridade, 2020 Diversos estudos consideraram a situação


Nível de escolaridade (%) de ser casada ou em união estável como um
Sem Alfabetização 30,7% possível fator de risco para o acontecimento da
Alfabetizado 24,7%
violência doméstica, tornando o domicílio (que,
Ensino Fundamental Incompleto 18,0%
Ensino Fundamental Completo 13,3% teoricamente, seria um espaço de proteção) um
Ensino Médio Incompleto 7,3% habitat de maior probabilidade de sofrerem vi-
Ensino Médio Completo 4,7% olência e terem a perpetração das mesmas
Ensino Superior 0,7% (GOMES et al., 2012).
No presente estudo, a união estável não se
Quanto à etnia, 26,7% dos periciados foram mostrou com uma porcentagem tão significa-
descritos na cor branca, 8% negros e 10% par- tiva (Figura 15.1).
dos. O restante, que não foi declarado a etnia,
somou 55,3%.

Figura 15.1 Incidência de delitos em determinadas relações conjugais, 2020

A situação de não ter tido união estável De acordo com VALENÇA e MORAES
atual ou anterior se mostrou a de maior impacto (2006), pessoas que possuem transtornos
na pesquisa, pelo menos no que diz respeito à mentais estão mais propensas as serem
agressão física, com 24,7% dos casos se enqua- condenadas por crimes violentos do que
drando nesta variável. Nos demais, em ordem aquelas sem transtornos mentais. As diferenças
decrescente, 27,3% dos periciados haviam tido nas taxas de prevalência entre aqueles com e
pelo menos um casamento anterior, 21,3% es- sem transtornos mentais foram maiores para
tavam em união estável, 18,7% em um casa- crimes violentos do que para crimes não
mento atual e 8% em união estável atual (Fi- violentos, sendo a associação entre transtornos
gura 15.1). mentais e criminalidade (incluindo crimina-

144 | P á g i n a
Capítulo 15
Estudos em Ciências Forenses

lidade violenta) mais importante para as um estabelecimento de apoio à mulher onde ho-
mulheres. Ainda neste estudo, os autores re- mens que cometeram atos violentos são acom-
ferenciam pesquisas que reproduzem a ideia de panhados e tem apoio psicológico; no serviço,
que o maior preditor de comportamento vio- averiguaram que dos 118 entrevistados, 79,8%
lento era a existência de comportamento vio- possuíam pelo menos um transtorno de perso-
lento prévio. Na coleta de dados realizada no nalidade, e os que apareceram com maior fre-
Instituto de Psiquiatria Forense da Paraíba nesta quência foram antissociais, compulsiva, agres-
pesquisa atual, foi visto que 32,7% dos agresso- sivo-sádica, histriônica e narcisista. Os homens
res tinham antecedentes criminais registrados. que tinham dificuldade de permanecer no trata-
Em um estudo de coorte, prospectivo, reali- mento pareciam ter características em comum,
zado no período de maio de 2007 a maio de tais como: história previa de comportamento vi-
2008 no Instituto Psiquiátrico Forense Maurício olento, manter-se em uso rotineiro de consumo
Cardoso, com uma amostra de 137 pacientes de álcool durante o acompanhamento psicoló-
psiquiátricos internados que cometeram 470 gico/psiquiátrico e mostrar sinais de enfermi-
agressões evidenciou que, dentre os violentos, dade mental.
houve maior predomínio de internos esquizo- Estudos epidemiológicos aceitam que pes-
frênicos, com alucinações e que haviam tido soas com esquizofrenia (mesmo que a força
hospitalizações psiquiátricas prévias (TELLES; maior seja de um subgrupo da patologia) tem
FOLINO; TABORDA, 2011). maior probabilidade de serem violentas do que
O uso inveterado de drogas e álcool se ca- a população geral. Todavia, em questão de pro-
racterizam como um mérito de saúde pública, porção da violência social atribuída a esse sub-
uma vez que trazem para o âmbito familiar e grupo é baixíssima, estando por volta de 10%
social diversos problemas de ordem psíquica, (WALSH; BUCHANAN; FAHY, 2002).
física, econômica e laboral. Isto foi melhor des- Pelos dados coletados no IPF, é possível
crito em uma pesquisa de parâmetro nacional averiguar que dentre as patologias psiquiátricas
sobre o padrão de uso de álcool nos brasileiros envolvidas, a esquizofrenia se mostrou a mais
na qual 25% dos entrevistados disseram que prevalente, totalizando 20% de todos os laudos
o(a) companheiro(a) com quem morou ficou ir- selecionados (dentre elas, 2,0% heberfrênica,
ritado(a) com a bebedeira, enquanto 12% disse- 3,3% residual, 6,0% paranoide e 8,7% não es-
ram ter iniciado discussão ou briga com o par- pecificada). É imprescindível, porém, ressaltar
ceiro quando bebiam. É inegável, portanto, que o fato de que a maior porcentagem de agresso-
neste contexto social, as mulheres que são agre- res se enquadra na variável “Abuso de Álcool”,
didas todos os dias estão inseridas em situações com 26,7% de todos os prontuários coletados,
advindas, inclusive dos problemas decorrentes reiterando pesquisas anteriormente citadas nas
do abuso do álcool. Em um estudo que fez as- quais mostram que o álcool é um dos principais
sociações temporais entre o abuso alcoólico e a fatores associados à violência doméstica. Não
violência conjugal mostrou-se que a incidência muito atrás, com 16,7% está o abuso de drogas
das agressões contra as mulheres foram 6,5x ilícitas, e este grupo é o que, aparentemente,
mais altas quando os homens bebiam exagera- mais está relacionado com agressão física con-
damente (VIEIRA et al., 2014). tra mulher, tendo a maior porcentagem, de
SARTO e ESTEBÁN (2010) fizeram uma 8,7%. É importante destacar que, apesar de con-
pesquisa no Serviço Espacio (Espanha), que é ter 6% de todos os delitos, o Transtorno de Per-
145 | P á g i n a
Capítulo 15
Estudos em Ciências Forenses

sonalidade Antissocial foi o quadro psiquiátrico aos agressores, como por exemplo o fato de
mais frequentemente associado com casos de que, quanto maior o nível de escolaridade, me-
estupro, com 2,7%. nor foram os casos criminais registrados. Foi
Dentre todos os laudos de relevância à psi- descrito também, uma concentração maior de
quiatria forense, 77,3% demonstraram que exis- casos nos maiores municípios do estado da Pa-
tiu nexo causal entre o quadro o periciando e o raíba, que são João Pessoa e Campina Grande,
delito cometido, e 33,3% possuíam algum ante- porém as diversas situações de relevância
cedente mórbido psiquiátrico na família em pa- psiquiatria forense foram amplamente distri-
rentes de primeiro grau. buídas pela unidade federativa.
Quando levado em conta a utilização de No campo na psiquiatria propriamente dita,
drogas, sendo elas lícitas ou ilícitas, pelos paci- com a amostragem de 150 laudados no IPF, foi
entes do IPF, nota-se novamente a alta preva- possível aferir que existe uma maior prevalên-
lência do consumo de álcool (41,3%), sendo cia da esquizofrenia e alguns de seus subtipos
este consumo abusivo ou não. De maneira ge- (heberfrênica, paranoide, residual e indiferenci-
ral, quando questionados sobre o consumo de ada), somando 20% de todos os prontuários co-
drogas lícitas/ilícitas, aproximadamente 67,3% lhidos. É válido ressaltar, que mesmo não se ca-
afirmou que fazia uso; na coleta foram elenca- racterizando como uma psicopatologia orgâ-
das as drogas mais usadas e sua relação com os nica, o abuso de álcool e drogas somaram - jun-
diversos tipos de crimes cometidos. Destaca-se tos – 43,7% dos crimes de violência conjugal,
que cerca de 10,7% dos entrevistados consu- mostrando o quão influente nas vidas mulheres
miam álcool, maconha, crack ou mais drogas é a adicção a substâncias lícitas e/ou ilícitas.
com regularidade, 5,5% diziam utilizar apenas Vale ressaltar, que mesmo em menor prevalên-
crack e 1,3% apenas maconha. cia, o transtorno de personalidade antissocial
foi o mais vinculado com crimes de estupro.
4. CONCLUSÃO A presente pesquisa demonstra de maneira
explícita a necessidade mais estudos em no que
A violência conjugal é uma situação que as- diz respeito à real correlação entre uma patolo-
sola o cenário cotidiano brasileiro de forma en- gia psiquiátrica e a violência doméstica, através
dêmica ainda nos dias de hoje, provocando im- de testes estatístico para averiguar quais deter-
pacto sociocultural de grande relevância tam- minadas situações apresentam um fator de risco
bém para o meio médico-científico principal- indubitável para a vulnerabilidade feminina em
mente no que tange as patologias que podem ser frente ao atual cenário de agressão conjugal no
associadas às essas situações. nordeste brasileiro e no país como um todo.
No presente estudo, foi possível analisar di-
versas variáveis sociais e pessoais vinculadas

146 | P á g i n a
Capítulo 15
Estudos em Ciências Forenses

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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zophrenia: a national clinical survey in England and Wa-

147 | P á g i n a
CAPÍTULO 16

EFEITOS DO “BOA
NOITE CINDERELA”

ANNA CLARA DOS SANTOS SILVA1,4


EDNALDO DOS SANTOS MAGALHÃES JUNIOR2,4
IZABEL COSTA BARROS1,4
RAFAELA ODÍSIO NUNES1,4
GUILHERME BARROSO L. DE FREITAS3-6

1Discente- Farmácia da Universidade Federal do Piauí, Teresina.


2Discente– Medicina da Universidade Federal do Piauí, Teresina.
3Docente – Departamento de Bioquímica e Farmacologia da Universidade Federal do Piauí, Teresina.
4Membro da Liga Acadêmica de Química Medicinal e Farmacologia- LaQuiMF.
5Docente do Programa Profissional de Pós-Graduação em Biotecnologia em Saúde Humana e Animal,

UESPI/UECE.
6Docente do Programa de Pós-Graduação em Farmacologia - Universidade Federal do Piauí, Teresina.

Palavras-chave: Date rape drugs; Pharmacology; Toxicology.

148 | P á g i n a
Capítulo 16
Estudos em Ciências Forenses

1. INTRODUÇÃO bre os efeitos clínicos observados, presença de


antagonistas em quadros de overdose e riscos
O uso de substâncias com finalidade crimi- agudos à vítima. Portanto, o objetivo desse es-
nosa é prática recorrente em todo o mundo. De tudo foi analisar como cada droga atua no orga-
acordo com um levantamento feito no ano de nismo, permitindo entender seus mecanismos,
2020, cerca de 11 milhões de mulheres norte- efeitos biológicos e tratamentos medicamento-
americanas já foram estupradas enquanto esta- sos caso haja necessidade, através de uma aná-
vam bêbadas ou drogadas (SANDAL, 2020), lise detalhada de cada tópico visando esmiuçar
problema esse que permite que se tenha uma de forma sistemáticas as principais informações
perspectiva do que acontece em outros países sobre o assunto.
do mundo, como o Brasil, que apesar de carecer
de dados estatísticos sistematizados 2. MÉTODO
(BUSARDÓ et al., 2019), mostra-se ao longo
dos anos um país onde tais atos são bastante co- Trata-se de uma revisão narrativa realizada
muns. Prova disso é que no ano de 2016, de no ano de 2021, por meio de pesquisas nas ba-
acordo com o jornal Diário do Nordeste, em ses de dados Science Direct, PubMed, SciELO
uma operação da Polícia Cível de Fortaleza, fo- e Google Acadêmico. Foram utilizados os des-
ram apreendidos cerca de 46 mil comprimidos critores: “date rape drugs”, “pharmacology” e
utilizados para aplicar o golpe Boa Noite Cin- “toxicology”. Desta busca foram encontrados
derela, no qual as vítimas, ao ingerir tais subs- 72 artigos, posteriormente submetidos aos cri-
tâncias, fica com a consciência desvanecida térios de seleção.
(BUSARDÓ et al., 2019), estando sujeitas a so- Os critérios de inclusão foram: artigos nos
frerem danos nas mãos dos golpistas, desta- idiomas português e inglês; publicados no perí-
cando-se assaltos e ataques sexuais. Infeliz- odo de 2012 a 2021 e que abordavam as temá-
mente golpes dessa natureza permanecem ati- ticas propostas para esta pesquisa, estudos do
vos anualmente no Brasil, trazendo inúmeros tipo revisão, artigo de pesquisa e estudo de caso
homens e mulheres a sofrerem na mão de cri- disponibilizados na íntegra. Os critérios de ex-
minosos. clusão foram: artigos duplicados, disponibili-
O golpe Boa noite, Cinderela acontece de- zados na forma de resumo, que não abordavam
vido às ações de drogas que atuam alterando as diretamente a proposta estudada e que não aten-
funções cognitivas e motoras da vítima, dei- diam aos demais critérios de inclusão.
xando-as indefesas à assaltos e crimes sexuais. Após os critérios de seleção restaram 34 ar-
Além disso, o quadro de amnésia anterógrada é tigos que foram submetidos à leitura minuciosa
comum entre as vítimas, com presença de lap- para a coleta de dados. Os resultados foram
sos de memórias, responsável pela dificuldade apresentados de forma descritiva, divididos em
de reconhecer os infratores (BUSARDÓ et al., categorias temáticas abordando as 3 principais
2019). substâncias citadas.
Apesar da importância do tema, a literatura
ainda carece de trabalhos completos com as 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
principais drogas empregadas nesse tipo de
golpe que possam atualizar os profissionais so-

149 | P á g i n a
Capítulo 16
Estudos em Ciências Forenses

3.1. Ácido gama hidroxibutírico (GHB) e o 1,4-butanodiol (1,4-BD) estão disponíveis


O ácido gama hidroxibutírico (GHB) é uma legalmente por serem utilizados como solventes
substância depressora do sistema nervoso industriais, facilitando o acesso para produção
central (SNC) e está presente naturalmente no de GHB. Além disso, são muito utilizados
organismo em vários tecidos. Ele é o metabólito como substitutos devido à rápida conversão
precursor do ácido gama-aminobutírico dessas substâncias em GHB no organismo
(GABA) com rota sintética caracterizada para (PACHECO, 2017).
produção como produto exógeno. No final do
século XX, começou a ser utilizado como droga 3.1.2. Toxicocinética
de abuso, também conhecido pelos nomes de O GHB é administrado por via oral nas for-
“easy lay”, “ecstasy líquida” e “fantasia” mas de pó branco, comprimido ou na forma lí-
(KAPOOR et al., 2013; ON, 2021). quida, sendo está a mais comum. Não apresenta
É uma substância utilizada para fins recrea- sabor, cor ou cheiro, dificultando o reconheci-
cionais, devido ao seu efeito eufórico, podendo mento da vítima no momento da ingestão de ali-
causar dependência e tolerância. Já foi empre- mentos e bebidas contaminados com a droga
gada como anabolizante, pois aumenta a libera- (ON, 2021). Após a ingestão, o GHB é rapida-
ção do hormônio do crescimento e também uti- mente absorvido pelo trato gastrintestinal,
lizada pela sua capacidade de aumentar a libido sendo seu pico de concentração plasmática atin-
(KAPOOR et al., 2013). Ambos os efeitos são gido entre 20 e 90 min (KAMAL et al., 2017).
explicados pela capacidade do GHB de contro- A ingestão junto com alimentos atrasa sua ab-
lar a liberação de dopamina, em baixas doses sorção, bem como se for utilizada em doses ele-
propõe-se que ele desiniba neurônios dopami- vadas. A maior parte da dose de GHB adminis-
nérgicos da área tegumental ventral (VTA), en- trada é metabolizada a nível hepático, onde so-
quanto em altas doses inibe os neurônios dopa- fre o efeito de primeira passagem pelo cito-
minérgicos. Sabe-se que estimulantes dopami- cromo P450, resultando em uma biodisponibi-
nérgicos atuam promovendo um aumento da se- lidade relativamente baixa. A sua distribuição
creção de hormônio do crescimento (GH). Em no organismo é rápida e depende da distribui-
contrapartida, a desinibição dos neurônios do- ção de água corporal, visto que a ligação às pro-
paminérgicos da VTA, provocam aumento da teínas plasmáticas é irrelevante. Ela pode atra-
liberação de dopamina em áreas do cérebro re- vessar tanto a placenta- não tendo ainda estudos
lacionadas com a excitação sexual (BOSCH et conclusivos de risco na gravidez-, como a bar-
al., 2017). reira hematoencefálica. Possui meia-vida pe-
Além disso, também teve seu uso para fins quena (de 30 a 50 minutos). A principal via de
terapêuticos como anestésico geral, no trata- metabolização é a oxidação catalisada pela
mento do alcoolismo e da síndrome de absti- GHB desidrogenase, originando o semialdeído
nência alcoólica e opiácea, seu uso como anes- succínico, o semialdeído succínico então é me-
tésico foi suspenso devido a efeitos como con- tabolizado através da enzima semialdeído suc-
vulsões e coma. Atualmente, um dos seus prin- cínico desidrogenase em ácido succínico, que
cipais usos é como droga facilitadora de agres- entra no ciclo de Krebs formando dióxido de
sões sexuais, pelo seu efeito sedativo e amné- carbono e água, o que explica o rápido clea-
sico. Apesar de ser uma droga ilícita, seus pre- rence de GHB da circulação. O semialdeído
cursores e análogos gama-butirolactona (GBL) succínico, pode também ser convertido em
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Capítulo 16
Estudos em Ciências Forenses

GABA e vice-versa pela GABA transaminase gestão de doses de GHB abaixo de 10 mg/Kg
e, posteriormente, em GHB novamente. Sua eli- desencadeiam efeitos clínicos leves, como am-
minação é renal, ocorre entre 4 e 6 h e é dose- nésia anterógrada a curto prazo, hipotonia e eu-
dependente, sendo menos de 2% excretado de foria. Doses entre 20-30 mg/Kg provocam so-
forma inalterada (KAMAL et al., 2017; nolência e mioclonia, já doses superiores a 50
PACHECO, 2017; PIPER et al., 2017). mg/Kg podem levar a efeitos clínicos graves
como coma, bradicardia e/ou depressão respira-
3.1.3. Toxicodinâmica tória (PACHECO, 2017).
O GHB possui inicialmente efeitos estimu- Os efeitos mais comuns presentes em casos
lantes e posteriormente uma associação entre de intoxicação estão descritos na Tabela 16.2.
efeitos sedativos e estimulantes à medida que a
sua concentração no sangue aumenta, o que Tabela 16.2 Efeitos mais comuns do GHB em
pode ser explicado pelo fato de que o GHB se casos de intoxicação
liga a receptores GHB e GABA-B nos gânglios Sistema Efeitos clínicos
da base, córtex, hipocampo, mesencéfalo e Desorientação, confusão, aluci-
Sistema Nervoso
substância negra, tendo efeitos dose-depen- nações, tontura, sonolência, am-
Central
nésia, tremor
dente (Tabela 16.1) na liberação de glutamato Bradicardia, hipotensão, taqui-
Cardiovascular
e dopamina. Em baixas doses, o GHB estimula cardia, hipertensão
Depressão respiratória, bradi-
a liberação de dopamina por ativação dos recep- Respiratório pneia, apneia, insuficiência res-
tores GHB. piratória
Gastrointestinal Náusea, vômitos

Tabela 16.1 Efeito dose-dependente do GHB Fonte: KAMAL et al, 2017; PACHECO, 2017.
Dose Efeitos clínicos Estimulação
Amnesia de curto Alguns pacientes apresentam agitação e
Abaixo de
prazo, euforia, ↑ Dopamina
10 mg/Kg agressividade, também podem alternar entre
hipotonia
Entre 20-30 Sonolência,
↓ Dopamina
agitação e sonolência. Os efeitos
mg/Kg mioclonia
cardiovasculares mais presentes são a
Efeitos
Coma, bradicardia e a hipotensão (quando é ingerida
hipnóticos; ↓
Superior a bradicardia e/ou
Noradrenalina e juntamente com outras drogas), em
50 mg/Kg depressão
acetilcolina; ↑
respiratória contrapartida taquicardia e hipertensão também
Serotonina
são reportados, bem como aperto no peito e
Fonte: KAMAL et al., 2017; PACHECO, 2017.
palpitações. O edema pulmonar também é
reportado e bastante comum na autópsia. Po-
Em contrapartida, em altas doses ativas os
dem estar presentes ainda distúrbios metabóli-
receptores inibitórios GABA-B e diminui a
cos, como: hiperglicemia, hipocalemia, hiper-
liberação de dopamina. Ainda, em altas doses a
natremia e aumento da atividade da creatina ci-
sua afinidade por receptores GABA-A e
nase. Outros sintomas como: salivação, dor ab-
GABA-B causa efeitos hipnóticos, acompa-
dominal, incontinência fecal e urinária e diafo-
nhado por liberação endógena de opioides.
rese também podem ocorrer, além de hipoter-
GHB também atua inibindo a liberação de no-
mia. A maioria dos intoxicados por GHB se re-
radrenalina e acetilcolina e provoca aumento
cuperam sem sequelas, desde que recebam su-
leve de serotonina (KAMAL et al., 2017). A in-

151 | P á g i n a
Capítulo 16
Estudos em Ciências Forenses

porte adequado, casos fatais são raros e geral- pecífico para intoxicação por GHB, a naloxona
mente ocorrem devido insuficiência respirató- (antagonista dos receptores opioides) não é re-
ria. Estes são mais comuns quando há uso de comendada pois apresenta uma reversão limi-
GHB concomitante com outras drogas depres- tada dos efeitos sedativos, o flumazenil (anta-
soras do SNC, devido ao efeito sinérgico gonista benzodiazepínico) diminui a liberação
(KAMAL et al., 2017; PACHECO, 2017). do hormônio do crescimento induzido por
GHB, mas também não é recomendado. Porém,
3.1.4. Análises toxicológicas ambos os antídotos podem ser úteis em intoxi-
O GHB é incluído nas análises toxicológi- cações em que há coadministração do GHB
cas de rotina apenas quando há suspeita de uso com opioides ou benzodiazepínicos
em casos de agressões sexuais. A metaboliza- (BUSARDÒ & JONES, 2015; KAPOOR et al.,
ção e eliminação do GHB é rápida, diminuindo 2013).
a janela de detecção do mesmo e seus metabó- Dessa forma, o tratamento da intoxicação
litos. Após 4 horas é praticamente indetectável aguda envolve medidas de suporte e monitora-
no sangue, e após 12 horas, praticamente inde- mento dos sinais vitais, os sintomas cardiovas-
tectável na urina, sendo necessária à coleta e culares geralmente não precisam de interven-
análise das amostras o mais rápido possível. No ção, porém em alguns casos de bradicardia pode
entanto, verificou-se um aumento da sua con- ser necessária administração de atropina, nos
centração em amostras de sangue e urina du- casos de hipotensão leve são administrados flu-
rante o armazenamento a -20 °C. A cromatogra- idos endovenosos e caso não haja resposta, são
fia gasosa acoplada a espectrometria de massa administrados agentes vasopressores. Em paci-
(GC/MS) é a técnica mais utilizada hoje em dia. entes inconscientes é geralmente feita entuba-
Ensaios enzimáticos, envolvendo a degradação ção endotraqueal e/ou ventilação assistida para
do GHB em semialdeído succínico também são prevenir a aspiração pulmonar durante o vô-
utilizados (PACHECO, 2017; KAMAL et al., mito. No caso de pacientes com convulsão, oxi-
2017; ON, 2021). genação e ventilação adequada geralmente re-
solvem, mas caso sejam persistentes, pode ser
3.1.5. Desintoxicação necessário o uso de benzodiazepínico como lo-
Os sintomas de intoxicação vão depender da razepam ou diazepam (BUSARDÒ & JONES,
dose, via e tolerância individual à fármacos de- 2015; KAPOOR et al., 2013).
pressores, os sintomas são semelhantes com os
sintomas de intoxicação por drogas com propri- 3.2. Cetamina
edades sedativas e hipnóticas, como etanol, A cetamina é um anestésico geral introdu-
benzodiazepínicos e barbitúricos. Os sintomas zido no mercado em 1970, que produz um es-
iniciam cerca de 15-50 minutos após a ingestão tado de anestesia dissociativa: um estado cata-
e geralmente há recuperação da consciência no léptico com nistagmo onde o paciente perma-
período de 4 a 8 horas. A lavagem gástrica e in- nece com os olhos abertos apesar de não sentir
dução do vômito não são técnicas de desintoxi- dor e não ter consciência do ambiente. Derivado
cação recomendadas, porém a descontaminação da fenciclidina, é composto por uma mistura ra-
com carvão ativado pode ser feita, principal- cêmica de S- e R-cetamina. Além do seu efeito
mente em casos de suspeita de ingestão conco- anestésico, também possui efeito analgésico se-
mitante com outras drogas. Não há antídoto es- melhante aos opioides, mas com menos efeitos
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Capítulo 16
Estudos em Ciências Forenses

respiratórios depressivos. Ela pode ser utilizada 3.2.1. Toxicocinética


na psicoterapia de viciados em álcool, heroína Por ser hidrossolúvel e lipofílica, a ceta-
e cocaína, e nos últimos anos tem sido estudado mina pode ser administrado por via intravenosa,
seu promissor efeito antidepressivo muscular, oral, retal, epidural e intranasal,
(CORKERY et al., 2021; DINIS-OLIVEIRA, sendo a via principal a intravenosa. Pela via
2017; GAO, REJAEI, LIU, 2016; ZANOS et oral, sofre intenso metabolismo hepático de pri-
al., 2018). meira passagem, por isso sua biodisponibili-
Atualmente é mais utilizada em procedi- dade oral é baixa, em torno de 16 a 29%, com
mentos cirúrgicos curtos em animais e huma- início do efeito em 20 a 30 minutos e a duração
nos, principalmente em crianças, visto que em entre 60 e 90 minutos. Por ser lipofílica e apre-
adultos os efeitos adversos psicomiméticos são sentar baixa ligação às proteínas plasmáticas
mais relevantes. Dentre esses efeitos estão os (cerca de 20%-50%), a cetamina atinge um vo-
delírios e a euforia, motivado pelo qual é usada lume de distribuição muito grande (3-5 L/kg),
como droga de abuso, e por suas propriedades proporcionando uma rápida passagem pela bar-
sedativas é utilizada para uso em crimes como reira hematoencefálica para induzir seus efei-
estupro, além do fato de ser insípida, inodora e tos. É metabolizada no fígado à norcetamina
incolor, podendo facilmente ser adicionada à por desmetilação pelas enzimas CYP2B6 e
maioria das bebidas sem a percepção da vítima CYP3A4 e, em seguida biotransformada em hi-
(DINIS-OLIVEIRA, 2017; SINGH, SINGH, droxinorcetaminas (HNKs) e dehidronorceta-
JYOTI, 2020; SHBAIR, ELJABOUR, mina (DHNK) (DINIS-OLIVEIRA, 2017;
LHERMITTE, 2010). ZANOS et al., 2018) (Figura 16.1).

Figura 16.1 Principais vias metabólicas da cetamina catalisadas pelas enzimas CYP2B6 e CYP3A4

Fonte: ZANOS et al., 2018. Legenda: (R,S)-KET: Cetamina racêmica; (R,S)-norKET: Norcetamina racêmica;
(2R,6R;2S;6S)-HNK: Hidroxinorcetamina gerada pela hidroxilação da norKET na posição seis por CYP2A6;
(2R,4S;2S,4R)-HNK e (2R,4R;2S,4S)-HNK: Hidroxinorcetamina gerada pela hidroxilação da norKET na posição qua-
tro por CYP2A6 ou CYP2B6; (2R,5S;2S,5R)-HNK e (2R,5R;2S,5S)-HNK: Hidroxinorcetamina gerada pela hidroxila-
ção da norKET na posição cinco por CYP2B6; (R,S)-DHNK: Desidronorcetamina.

153 | P á g i n a
Capítulo 16
Estudos em Ciências Forenses

Em adultos, a cetamina tem uma curta meia- arterial e do débito cardíaco. O controle respi-
vida de eliminação, de 2-4 horas, sendo elimi- ratório é muito pouco afetado, no entanto em
nada principalmente pelos rins com baixos ní- altas doses e em uma administração muito rá-
veis excretados como cetamina (2%), norketa- pida, uma depressão respiratória pode ocorrer.
mina (2%) e DHNK (16%), a maior parte da (GAO, REJAEI, LIU, 2016; MIHALJEVIĆ et
droga, em torno de 80%, é excretada como con- al., 2020; TRIMMEL et al., 2018). Quando
jugados hidroxilados com ácido glucurônico. usada em doses sub-anestésicas, a cetamina
Níveis circulantes de DHNK e (2R,6R;2S,6S) - provoca estados imaginativos, dissociativos e
HNK foram observados por até 3 dias após a sintomas psicóticos semelhantes à esquizofre-
infusão de cetamina em pacientes diagnostica- nia devido à sua ação antagônica ao NMDA,
dos com depressão bipolar ou depressão grave bem como prejudicando severamente a memó-
resistente ao tratamento, na urina cetamina ria semântica e episódica, sendo esses efeitos
pode ser detectada no período de 5 a 11 dias, dose-dependentes (GAO, REJAEI, LIU, 2016;
dehidronorketamina 10 dias e norketamina 6 a NOWACKA, BORCZYK, 2019). Em doses
14 dias (CORKERY et al., 2021; ZANOS et al., elevadas, a cetamina pode causar vômitos, fala
2018). arrastada, amnésia, funções motoras prejudica-
das, taquicardia, palpitações, agitação e delírio
3.2.2. Toxicodinâmica (SHBAIR, ELJABOUR, LHERMITTE, 2010).
Acredita-se que o bloqueio do receptor de Sua dose letal é mediana (LD50), em ani-
glutamato N-metil-D-aspartato (NMDA) está mais é 100 vezes a dose intravenosa média, o
por trás dos efeitos dissociativos anestésicos e que dificulta a morte por overdose. De fato,
amnésicos da cetamina, bem como os efeitos mortes e emergências não fatais atribuídas ao
psicomiméticos e analgésicos induzidos pela uso de cetamina são consideradas muito raras
droga. O glutamato está relacionado com a via (SHBAIR, ELJABOUR, LHERMITTE, 2010).
da dor e excitação no Sistema Nervoso Central A ingestão junto com etanol ou outros medica-
(SNC), utilizando dois tipos de canais: iônicos mentos, tais como metilenodioximetanfetamina
e metabotrópicos. Os canais NMDA são canais (MDMA), GHB e flunitrazepam é que acabam
iônicos, ativados pela ligação de glutamato e aumentando seus efeitos tóxicos (DARKE et
glicina ou D-serina, ativando o influxo de Ca2+. al., 2021). Uma das maiores preocupações em
Além destes, a cetamina também interage com torno do uso agudo de cetamina é que ela reduz
vários outros receptores e canais de íons, inclu- a consciência do ambiente imediato, expondo
indo receptores de dopamina, serotonina, assim o usuário a potenciais danos físicos e
sigma, opioides, colinérgicos, muscarínicos e agressões (SHBAIR, ELJABOUR,
nicotínicos, bem como canais de nucleotídeos LHERMITTE, 2010).
cíclicos ativados por hiperpolarização (HCN),
sendo estes últimos também relacionados com 3.2.3. Análises toxicológicas
o efeito anestésico (PETRENKO et al., 2014; A análise toxicológica de cetamina é um
ZANOS et al., 2018) verdadeiro desafio, pois devido a seus efeitos
Pelo aumento na transmissão colinérgica sedativos e de amnésia, os envolvidos demoram
causada pela cetamina ocorre aumento da secre- a perceber que foram vítimas de um crime, o
ção de muco, já o aumento da atividade simpá- que acarreta em demora na coleta das espéci-
tica a nível central leva ao aumento da pressão mes biológicas necessárias para elucidação do
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Capítulo 16
Estudos em Ciências Forenses

caso (ALBRIGHT, STEVENS, BEUSSMAN, 3.3. Flunitrazepam


2012; SHBAIR, ELJABOUR, LHERMITTE, Os benzodiazepínicos consistem em uma
2010). A cetamina está presente nos fluidos cor- estrutura química composta por um anel de sete
porais, sangue e urina, por até aproximada- elementos fundido ao um anel aromático, que
mente 48 horas. A urina pode ser analisada para possui quatro substituintes principais e podem
a presença de cetamina utilizando a cromato- ser alterados sem ocasionar a perda da atividade
grafia gasosa acoplada à espectrometria de da droga. De acordo com os substituintes da
massa (GC-MS), já a cromatografia líquida de molécula determina-se a seletividade pelo re-
alto rendimento (HPLC) (ALBRIGHT, ceptor e modifica-se as características farmaco-
STEVENS, BEUSS-MAN, 2012) e a cromato- cinéticas (ANDERSON et al., 2017).
grafia líquida acoplada à espectrometria de Os benzodiazepínicos apresentam proprie-
massa (LC-MS) são utilizadas para identifica- dades sedativo-hipnótico, relaxante muscular,
ção de cetamina na urina e no sangue anticonvulsivante e amnésica, visto que atuam
(ALBRIGHT, STEVENS, BEUSSMAN, 2012; como agonistas do receptor GABAA, dessa
SWIADRO et al., 2021). A falta de análise es- forma potencializam a atividade do Ácido
pectral de massa nestas não permite a identifi- Gama Aminobutírico (GABA), um neurotrans-
cação inequívoca da cetamina, uma vez que ou- missor inibitório. Os receptores GABAA são
tras espécies podem ter tempos de retenção se- canais iônicos operados por ligantes e são alvos
melhantes (ALBRIGHT, STEVENS, de diversos grupos farmacológicos, inclusive os
BEUSSMAN, 2012). Existem testes rápidos benzodiazepínicos. Essa classe terapêutica atua
que identificam cetamina e outras drogas em por meio de interações alostéricas com o
bebidas e refeições através de mudança de cor receptor GABAA, ao se ligarem ao receptor
dos sensores de papel, no entanto não são total- proporcionam o aumento da frequência de aber-
mente confiáveis pois a descoloração pode ser tura do canal de cloreto, consequentemente in-
influenciada por outras substâncias na matriz tensifica-se o influxo de cloreto, resultando na
(SWIADRO et al., 2021). hiperpolarização da células pós-sinápticas e as
tornam menos reativas a neurotransmissores
3.2.4. Desintoxicação excitatórios (OCHOA-DE LA PAZ et al.,
Não existe tratamento específico para toxi- 2021).
cidade causada por cetamina, sendo o trata- Todos os medicamentos que compõem a
mento feito para controlar os sintomas e efeitos classe dos benzodiazepínicos compartilham o
causados pela droga. Medicamentos anticoli- mesmo mecanismo de ação e apesar das seme-
nérgicos, anti-inflamatórios, antibióticos, ma- lhanças entre os benzodiazepínicos, destaca-se
nejo da estimulação auditiva e visual excessiva o flunitrazepam, visto que é popularmente co-
até que os sintomas se resolvam podem ser uti- nhecido e utilizado como uma droga facilita-
lizados. Em casos de sintomas graves, particu- dora de crimes sexuais. As drogas utilizadas
larmente agitação/agressão, benzodiazepínicos para essa finalidade atuam em baixas doses,
podem ser necessários. A maioria dos pacientes produzem amnésia anterógrada e são metaboli-
normalmente melhora rapidamente após a toxi- zadas rapidamente, dificultando a detecção em
cidade aguda (LIU et al., 2016; SHBAIR, amostras biológicas. Além disso, possuem
ELJABOUR, LHERMI-TTE, 2010). baixo custo e são consideradas acessíveis, já
que, geralmente, são comercializadas ilegal-
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Capítulo 16
Estudos em Ciências Forenses

mente (WILLIAMS & LUNDAHL, 2019). tral como o álcool. Os sinais e sintomas de over-
dose por flunitrazepam consistem em redução
3.3.1. Toxicocinética da frequência cardíaca, sonolência, coma, am-
O flunitrazepam é amplamente utilizado nésia, depressão respiratória e diminuição dos
com o intuito de crimes sexuais devido às suas reflexos (HIKIJI et al., 2016).
propriedades farmacotécnicas, já que é uma No entanto, esse quadro pode ser revertido
substância insípida, inodora e dissolve-se com por meio da monitorização do paciente e trata-
facilidade em bebidas. Tendo em vista, a ocor- mento sintomático das alterações respiratórias e
rência desses crimes, em alguns países, a for- cardiovasculares, reidratação e lavagem gás-
mulação do flunitrazepam foi alterada com adi- trica, se necessário. Em situações graves de in-
ção de corantes para que quando diluído em be- toxicação por doses elevadas do flunitrazepam,
bidas, ocorra a mudança das características ori- utiliza-se o antagonista dos benzodiazepínicos,
ginais da bebida (CARFORA et al., 2020). o flumazenil, que reverte a ação farmacológica
No que se refere à cinética da droga, ela é dos benzodiazepínicos. Recomenda-se o uso
quase que completamente absorvida quando ad- desse antídoto na dose inicial de 0,3 mg por via
ministrada por via oral, já que apresenta uma endovenosa e com incrementos de 0,3 mg a in-
alta taxa de absorção pelo trato gastrointestinal tervalos de 60 segundos, até reversão do coma.
e os efeitos se iniciam a partir de 30 minutos Ressalta-se que o flumazenil possui sua utiliza-
após a administração. Ela atinge a concentração ção reservada a ambientes hospitalares e deve
máxima dentro de duas horas e os efeitos per- ser administrado apenas por médicos. Acres-
manecem de 8 a 12 horas. É metabolizado pelas centa-se que o flumazenil também pode ser
isoenzimas CYP2C19 e CYP3A4 e excretada usado para diagnóstico em casos de desconhe-
na forma de conjugados de glicuronídeo na cimento a respeito da droga causadora da into-
urina. Os principais metabólitos plasmáticos xicação (PENNINGA et al., 2015).
são o 7-aminofluni-trazepam e o N-desmetil-
flunitrazepam. A meia-vida de eliminação do 3.3.3 Análises Toxicológicas
metabólito ativo N-desmetil-flunitrazepam é de A partir de análises toxicológicas é possível
28 horas (WILLIAMS & LUNDAHL, 2019; determinar a droga utilizada em vítimas de cri-
ALI & EDWARDS, 2016). mes sexuais. As matrizes biológicas mais utili-
zadas para a análise são sangue total, plasma,
3.3.2. Desintoxicação soro e urina. No entanto, algumas matrizes
Diante do exposto, o flunitrazepam é uma apresentam como desvantagem o tempo curto
droga depressora do sistema nervoso central, de detecção como sangue e urina, já que as dro-
que pode causar sintomas de overdose quando gas são rapidamente metabolizadas e, geral-
utilizada acima do recomendado. A dose reco- mente, a vítima presta queixa do ocorrido após
mendada para pacientes adultos é de 0,5 – 1 dias. Por outro lado, os fios de cabelo apresen-
mg/dia. Em casos excepcionais, a dose pode ser tam a possibilidade de detecção do analitos me-
aumentada até 2 mg. A dose máxima não deve ses ou até mesmo anos depois do aconteci-
ser excedida. Além disso, o quadro de overdose mento. No diagnóstico por meio das matrizes
pode ser agravado devido ao uso concomitante soro e urina utiliza-se a técnica de cromatogra-
de outros depressores do sistema nervoso cen- fia em camada delgada, HPLC e imunocroma-

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Capítulo 16
Estudos em Ciências Forenses

tografia. Para a utilização dos fios de cabelo o sangue e na urina relativamente curtas, são am-
método de escolha é a cromatografia gasosa plamente utilizadas para cometimento de cri-
acoplada à espectrometria de massas (Ali & mes de abuso sexual. Nesse contexto, fazem- se
Edwards, 2016; CARFORA et al., 2020). necessárias à implementação de técnicas de de-
tecção mais robustas e ágeis, bem como elabo-
4. CONCLUSÃO ração e estudos na busca por antídotos específi-
cos. Ademais, o desenvolvimento de alterações
Devido ao GHB, cetamina e flunitrazepam nas substâncias que permitam identificar sua
possuírem efeitos sedativos e hipnóticos e se- presença em bebidas.
rem substâncias com uma janela de detecção no

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Capítulo 16
Estudos em Ciências Forenses

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Capítulo 16
Estudos em Ciências Forenses

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Estudos em Ciências Forenses

CAPÍTULO 17

CONHECIMENTO DO
DIMORFISMO SEXUAL
BASEADO EM
ESTRUTURAS ÓSSEAS

MARY ANNE PASTA DE AMORIM¹


THAINÁ SARAH DEMATɲ

¹Docente – Departamento de Ciências Naturais da Universidade Regional de Blumenau - FURB e


Departamento da Área da Saúde da Unisociesc Park Shopping.
²Técnica – Laboratório de Anatomia Humana do Centro Universitário de Brusque – UNIFEBE.

Palavras-chave: Antropologia forense; Anatomia humana; Dimorfismo sexual.

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Capítulo 17
Estudos em Ciências Forenses

1. INTRODUÇÃO menor com características mais delicadas


(GALVÃO, 1998).
Morfologicamente homem e mulher apre- O sistema esquelético é um dos principais
sentam características anatômicas, fisiológicas alvos de estudos antropológicos na área crimi-
e genéticas diferentes que podem ser observa- nal, com a finalidade de determinar a possível
das fisicamente, como por exemplo, a estatura, idade, gênero, estatura e ancestralidade
largura dos ombros e tamanho do quadril (GOMES et al., 2020). Estes estudos de dimor-
(BRUZEK; MURAILO, 2006). fismo sexual são amplamente empregados em
As características dimórficas entre os gêne- casos de carbonização, avançado estágio de de-
ros são estabelecidas à nível celular, através das composição ou quando apenas ossadas são en-
informações contidas nos cromossomos XX e contradas no local do crime (AZEVEDO, 2008;
XY, caracterizando primeira etapa de diferenci- GOMES et al., 2020).
ação do homem e da mulher, onde posterior- Para a determinação de gênero em ossadas,
mente irão se desenvolver estruturalmente antropologistas forenses dispõe de dois méto-
(AZEVEDO, 2008). dos: observacionais e métricos (AZEVEDO,
As principais causas destas diferenças no 2008; CUNHA, 1990; RÖSING et al., 2007). A
desenvolvimento corporal são devidas: à fun- metodologia observacional (qualitativa) baseia-
ção reprodutora, diferença na proporção de ta- se na inspeção visual de acidentes anatômicos
manho e desenvolvimento dos ossos bem como ósseos, descritos pela literatura e que são signi-
diferenças no volume e proporção muscular, o ficativamente dimórficos entre os gêneros
que ocasiona nas diferenças de caracteres ana- (AZEVEDO, 2008; BRUZEK, 2002). Nos es-
tômicos principalmente em relação ao maior tudos com base em métodos métricos (quantita-
desenvolvimento muscular do gênero mascu- tivos), são realizadas medições com paquíme-
lino, na qual necessitam de locais de inserções tros e réguas entre acidentes anatômicos ósseos
musculares mais resistentes (AZEVEDO, 2008; descritos na literatura, e a partir disto, são reali-
BRUZEK; MURAIL 2006; WHITE; zados cálculos estatísticos (AZEVEDO, 2008;
MICHAEL; FOLKENS, 2000). CUNHA, 1990).
Diferenças morfológicas de órgãos e estru- Embora as características entre os gêneros
turas anatômicas são resultado de atribuições se apresentem altamente dimórficas, os caracte-
reprodutivas distintas entre os gêneros res anatômicos devem sempre ser considerados
(FAIRBAIRN, 1997). Entretanto, estes atribu- relativos e não absolutos, indicando que pode
tos divergem quando considerados as estruturas haver homens com traços femininos e mulheres
da pelve. Na mulher, a pelve é maior e mais com traços masculinos. Isso depende de carac-
larga devido à função reprodutora e ao parto, terísticas morfológicas locais de populações em
sendo então a pelve masculina mais estreita regiões em particular (COMA, 1991;
(AZEVEDO, 2008; BRUZEK; MURAIL, PEREIRA; ALVIN, 1978; RÖSING et al.,
2006). 2007).
Desta forma, o homem frequentemente Assim, como é importante considerar os pa-
apresenta a estrutura corporal maior, com om- drões populacionais diferentes para o estudo da
bros mais largos e estatura alta. Em contrapar- antropologia forense, é importante ressaltar que
tida, a mulher, apresenta o corpo de modo geral para melhor caracterização sexual é necessário

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Capítulo 17
Estudos em Ciências Forenses

empregar os estudos com o maior número pos- De acordo com as literaturas, de modo geral,
sível de caracteres de um esqueleto e, não se ba- os acidentes e estruturas ósseas pertencentes ao
sear em apenas em um (AZEVEDO, 2008; gênero masculino se apresentam maiores, mais
GALVÃO, 1998; PEREIRA; ALVIN, 1978). robustas e grosseiras, linhas e inserções muscu-
O objetivo deste estudo foi verificar quais as lares bem-marcadas, em contrapartida, as estru-
estruturas ósseas mais citadas para diferencia- turas no gênero feminino se apresentam mais
ção entre gêneros XX e XY assim como estra- delicadas, suaves e menores (BRUZEK;
tégias de ensino destes durante a graduação. MURAIL, 2006; FRANÇA, 2017; GALVÃO,
1994; PEREIRA; ALVIN, 1978). A seguir, as
2. MÉTODO principais estruturas ósseas utilizadas para di-
morfismo sexual com base em observação.
Trata-se de uma pesquisa de natureza quali-
tativa por levantamento de dados e análise de 3.2. Crânio
conteúdo referente as características ósseas O crânio é composto por ossos que são divi-
possíveis de serem utilizadas para a identifica- didos em duas partes de acordo com componen-
ção do dimorfismo sexual através de inspeção tes funcionais e anatômicos: o neurocrânio e o
visual e descrição de práticas pedagógicas que viscerocrânio. Com o total de oito ossos, o neu-
podem ser utilizadas em sala de aula desenvol- rocrânio é composto pelo teto em forma de cú-
vidas pelas pesquisadoras. pula e pela base do crânio, tem como principal
Os dados foram levantados pela busca em função proteger o sistema nervoso central e
base de dados nas plataformas: Google acadê- suas estruturas adjacentes. O viscerocrânio é
mico, PubMed, Literatura Latino-Americana e formado por quatorze ossos que constituem os
do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e ossos da face, estando associados a visão e ao
Science Research. Os critérios de inclusão fo- início dos sistemas digestório e respiratório
ram: artigos e livros nos idiomas português, in- (GRAY; GROSS, 1988; MOORE et al., 2014).
glês e espanhol, disponibilizados na íntegra. Os Com o total de 28 ossos, o crânio apresenta
critérios de exclusão foram artigos e livros dis- diversos acidentes e estruturas que podem sem
ponibilizados na forma de resumo e que não empregues para estudos antropológicos.
atendiam a proposta estudada.
Os principais ossos utilizados para identifi- 3.2.1. Fronte
cação de gênero através de métodos observaci- O osso frontal está localizado na região an-
onais são os ossos do quadril, seguido de crânio terior do neurocrânio, formando a fronte ou
e mandíbula. A partir da leitura dos artigos re- testa, é um dos maiores e mais robustos ossos
tornados foi realizada uma listagem dos aciden- do crânio (GRAY; GROSS, 1988; WHITE;
tes anatômicos citados como possíveis de serem MICHAEL; FOLKENS, 2000).
utilizados para a identificação do dimorfismo No gênero masculino: a fronte é mais incli-
sexual em crânio, mandíbula e osso do quadril. nada para posterior.
No gênero feminino: a fronte é mais reta.
(COMA, 1991; FEREMBACH et al., 1980;
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
GALDAMES, 2009; GALVÃO, 1998; GRAY;
3.1. Análises de estruturas em ossadas GROSS, 1988; FRANÇA, 2017).

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Capítulo 17
Estudos em Ciências Forenses

3.2.2. Glabela No gênero feminino: côndilos occipitais


Glabela é uma crista horizontal localizada apresentam-se mais largos e curtos e com for-
no ponto mais anterior do osso frontal, acima da mato riniforme.
sutura frontonasal, entre os arcos superciliares (COMA, 1991; BIANCALANA, et al. 2015;
(MOORE et al., 2014; WHITE; MICHAEL; FRANÇA, 2017; FEREMBACH et al., 1980;
FOLKENS, 2000). GALDAMES, 2009; PEREIRA; ALVIN,
No gênero masculino: a glabela é mais pro- 1978).
nunciada.
No gênero feminino: a glabela é menos pro- 3.2.5. Processo mastoide
nunciada. Localizado na face póstero-lateral do osso
(COMA, 1991; FEREMBACH et al., 1980; temporal (porção mastoidea), o processo mas-
FRANÇA, 2017; GALVÃO 1994; GALVÃO, toide tem forma cônica e apresenta uma super-
1998; GRAY; GROSS, 1988; PEREIRA; fície rugosa onde há fixação de músculos
ALVIN, 1978). (GRAY; GROSS, 1988; WHITE; MICHAEL;
FOLKENS, 2000).
3.2.3. Arco superciliar No gênero masculino: os processos mastoi-
Os arcos superciliares são proeminências des são maiores e mais robustos, desta forma
logo acima das margens supra-orbitais, que se quando apoiados em superfície plana, o crânio
estendem lateralmente à glabela (MOORE et se apoiará nos processos mastoides.
al., 2014; WHITE; MICHAEL; FOLKENS, No gênero feminino: os processos mastoi-
2000). des são menores e desta forma quando apoiado
No gênero masculino: os arcos superciliares em superfície plana, o crânio se apoiará nos
são grandes e robustos. côndilos occipitais.
No gênero feminino: os arcos superciliares (COMA, 1991; FEREMBACH et al., 1980;
são pequenos e suaves. FRANÇA, 2017; GALDAMES, 2009;
(COMA, 1991; FEREMBACH et al., 1980; GALVÃO, 1994; GALVÃO, 1998; PETAROS
FRANÇA, 2017; GALDAMES, 2009; et al., 2015).
GALVÃO, 1998; PEREIRA; ALVIN, 1978;
SALIBA, 1999). 3.2.6. Sutura frontonasal
A articulação frontonasal é a região de arti-
3.2.4. Côndilo occipital culação entre os ossos nasais e o osso frontal
Os côndilos occipitais são estruturas eleva- (GRAY; GROSS, 1988; WHITE; MICHAEL;
das encontradas lateralmente ao forame magno FOLKENS, 2000).
na base do crânio. Estes se articulam com as fa- No gênero masculino: a sutura frontonasal
ces articulares superiores do Atlas, vértebra C1 se apresenta em uma curva mais angulosa.
(GRAY; GROSS, 1988; WHITE; MICHAEL; No gênero feminino: a sutura frontonasal se
FOLKENS, 2000). apresenta em uma curva mais suave.
No gênero masculino: os côndilos occipitais (COMA, 1991; FEREMBACH et al., 1980;
são mais longos e estreitos, com forma de sola FRANÇA, 2017).
de sapato.

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Capítulo 17
Estudos em Ciências Forenses

3.2.7. Margem supra-orbital 3.3. MANDÍBULA


As margens supra-orbitais são as bordas su- Localizado abaixo dos ossos da face, a man-
periores da órbita (GRAY; GROSS, 1988; díbula possui um corpo curvado horizontal-
WHITE; MICHAEL; FOLKENS, 2000). mente e dos ramos que ascendem posterior-
No gênero masculino: as margens supra-or- mente. Sua principal função é a mastigação
bitais são grossas e achatadas. (GRAY; GROSS, 1988; WHITE; MICHAEL;
No gênero feminino: as margens supra-or- FOLKENS, 2000).
bitais são finas e cortantes.
(COMA, 1991; FEREMBACH et al., 1980; 3.3.1. Corpo da mandíbula
FRANÇA, 2017; GALDAMES, 2009; O corpo da mandíbula tem o formato de U.
GALVÃO, 1998; PEREIRA; ALVIN, 1978). É responsável pela sustentação dos dentes infe-
riores bem como fornece superfície de inserção
3.2.8. Arco zigomático aos músculos da mastigação (GRAY; GROSS,
O arco zigomático é formado posterior- 1988; MOORE et al., 2014; WHITE;
mente pelo processo zigomático do osso tempo- MICHAEL; FOLKENS, 2000).
ral e anteriormente pelo processo temporal do No gênero masculino: o corpo da mandíbula
osso zigomático, formando uma ponte óssea é maior e grosseiro.
(GRAY; GROSS, 1988; WHITE; MICHAEL; No gênero feminino: o corpo da mandíbula
FOLKENS, 2000). é menor e mais delgado.
No gênero masculino: os arcos zigomáticos (COMA, 1991; FEREMBACH et al., 1980;
são grossos e longos. FRANÇA, 2017; GALDAMES, 2009;
No gênero feminino os arcos zigomáticos PEREIRA; ALVIN, 1978).
são finos.
(COMA, 1991; FEREMBACH et al., 1980; 3.3.2. Ramo da mandíbula
GALDAMES, 2009; PEREIRA; ALVIN, O ramo da mandíbula é uma lâmina de osso
1978). que se projeta verticalmente na parte posterior
do corpo da mandíbula, elevando-se acima do
3.2.9. Protuberância occipital externa nível dos dentes. Nesta região há a inserção de
Proeminência óssea na linha mediana do músculos importantes para a mastigação como
osso occipital que promove a fixação de mús- o músculo pterigoideo medial e masseter
culos do pescoço, juntamente com as linhas nu- (GRAY; GROSS, 1988, MOORE et al., 2014;
cais (GRAY; GROSS, 1988, WHITE; WHITE; MICHAEL; FOLKENS, 2000).
MICHAEL; FOLKENS, 2000). No gênero masculino: os ramos são maiores
No gênero masculino: a protuberância occi- e mais largos, com inserções musculares mais
pital externa é mais proeminente. rugosas e marcadas.
No gênero feminino: a protuberância occi- No gênero feminino: os ramos são menores
pital externa é mais suave. e mais finos, com inserções musculares menos
(COMA, 1991; FEREMBACH et al., 1980; rugosas e sutis.
GALDAMES, 2009; GRAY; GROSS, 1988; (COMA, 1991; FEREMBACH et al., 1980;
PEREIRA; ALVIN, 1978; WHITE; FRANÇA, 2017; GALDAMES, 2009;
MICHAEL; FOLKENS, 2000).

164 | P á g i n a
Capítulo 17
Estudos em Ciências Forenses

PEREIRA; ALVIN, 1978; RODRIGUEZ et al., (PEREIRA; ALVIN, 1978; RODRIGUEZ et


2020; SALIBA, 1999). al., 2020).

3.3.3. Processo condilar 3.3.6. Ângulo da mandíbula


O processo condilar ou cabeça da mandí- O ângulo da mandíbula está localizado na
bula tem o formato próximo arredondado. Arti- união da parte inferior do ramo da mandíbula
cula-se com a fossa mandibular (do osso tem- com a parte posterior do corpo da mandíbula
poral), formando a articulação temporomandi- (GRAY; GROSS, 1988).
bular (GRAY; GROSS, 1988; WHITE; No gênero masculino: o angulo da mandí-
MICHAEL; FOLKENS, 2000). bula tende a ser mais reto.
No gênero masculino: os processos condila- No gênero feminino: o ângulo da mandíbula
res são maiores e mais largos. tende a ser mais obtuso.
No gênero feminino: os processos condila- (COMA, 1991; FEREMBACH et al., 1980;
res são menores e estreitos. FRANÇA, 2017; PEREIRA; ALVIN, 1978;
(COMA, 1991; FRANÇA, 2017; RODRIGUEZ et al., 2020).
GALDAMES, 2009; PEREIRA; ALVIN,
1978; RODRIGUEZ et al., 2020). 3.3.7. Mento
A protuberância mentual, que forma a proe-
3.3.4. Processo coronóide minência do queixo ou mento, está localizada
Está localizado na parte superior do ramo, é na porção anterior do corpo da mandíbula, na
um processo em formato triangular, apresenta região da sínfise da mandíbula (MOORE et al.,
função de fixação para o músculo temporal 2014; WHITE; MICHAEL; FOLKENS, 2000).
(GRAY; GROSS, 1988; WHITE; MICHAEL; No gênero masculino: o formato tende a ser
FOLKENS, 2000). quadrangular.
No gênero masculino: os processos coronói- No gênero feminino: o formato tende a ser
des são mais largos e mais desenvolvidos. pontiagudo.
No gênero feminino: os processos coronói- (COMA, 1991; FEREMBACH et al., 1980;
des são delgados. GALDAMES, 2009; PEREIRA; ALVIN,
(FRANÇA, 2017; RODRIGUEZ et al., 2020). 1978; RODRIGUEZ et al., 2020).

3.3.5. Incisura da mandíbula 3.4. OSSO DO QUADRIL


A incisura da mandíbula está localizada en- A pelve óssea é constituída pelos dois ossos
tre o processo coronóide posteriormente, e pelo do quadril, estes formados pela fusão do ílio, ís-
processo condilar, anteriormente (GRAY; quio e púbis, juntamente com o sacro. Tem
GROSS, 1988; WHITE; MICHAEL; como principal função a fixação de músculos
FOLKENS, 2000) responsáveis pela estabilização do tronco e
No gênero masculino: as incisuras da man- músculos dos membros inferiores e, no gênero
díbula se presentam pouco profundas. feminino também tem grande importância de-
No gênero feminino: as incisuras da mandí- vido à atribuição de reprodução e parto
bula se apresentam profundas. (GRAY; GROSS, 1988; MOORE et al., 2014;
WHITE; MICHAEL; FOLKENS, 2000).

165 | P á g i n a
Capítulo 17
Estudos em Ciências Forenses

3.4.1. Características gerais da pelve No gênero feminino: o sulco pré-auricular


No gênero masculino: a pelve se apresenta pode ser profundo a médio.
alta e estreita. (AZEVEDO, 2008; BRUZEK, 2002;
No gênero feminino: a pelve se apresenta FEREMBACH et al., 1980).
baixa e larga.
(AZEVEDO, 2008; FEREMBACH et al., 3.4.5. Incisura isquiática maior
1980; FRANÇA, 2017). A incisura isquiática maior é definida como
um entalhe na borda do osso ílio e está locali-
3.4.2. Ângulo subpúbico zada logo abaixo da espinha ilíaca posterosupe-
Os ramos isquiopúbicos encontram-se na rior. É recoberta pelo músculo piriforme e está
sínfise púbica formando o arco púbico, e suas relacionada ao nervo isquiático (GRAY;
margens inferiores definem o ângulo subpúbico GROSS, 1988; MOORE et al., 2014; WHITE;
(MOORE et al., 2014; WHITE; MICHAEL; MICHAEL; FOLKENS, 2000).
FOLKENS, 2000). No gênero masculino: a incisura isquiática
No gênero masculino: o ângulo subpúbico é maior é mais fechada, tem formato de V.
mais fechado e estreito. No gênero feminino: a incisura isquiática
No gênero feminino: o ângulo subpúbico é maior é mais aberta, tem formato de U.
mais aberto e amplo. (AZEVEDO, 2008; BRUZEK; MURAIL,
(AZEVEDO, 2008; FEREMBACH et al., 2006; BRUZEK, 2002; FEREMBACH et al.,
1980; GALVÃO, 1998). 1980).

3.4.3. Ramo isquiopúbico 3.5. Ensino da diferenciação óssea de gê-


O ramo isquiopúbico é caracterizado por neros na graduação
uma ponte óssea que conecta o corpo do ísquio O estudo referente estas características po-
e o corpo do púbis (MOORE et al., 2014; dem ser iniciadas no período da graduação com
WHITE; MICHAEL; FOLKENS, 2000). o uso dos materiais disponíveis nos laboratórios
No gênero masculino: o ramo isquiopúbico de anatomia humana das instituições, em que
é mais largo. diferentes estratégias de ensino podem ser utili-
No gênero feminino: o ramo isquiopúbico é zadas, oportunizando os alunos o contato com
mais estreito. esse conhecimento e assim chegar melhor pre-
(AZEVEDO, 2008; FEREMBACH et al., parados ao mercado de trabalho e sua atuação
1980). profissional. As práticas didáticas podem ser
aplicadas para demonstrar e preparar o aluno a
3.4.4. Sulco pré-auricular reconhecer diferentes características que os os-
O sulco pré-auricular é um sulco variável ao sos apresentam, esses, denominados de aciden-
longo da borda anteroinferior da superfície au- tes anatômicos ósseos segundo a terminologia
ricular (WHITE; MICHAEL; FOLKENS, anatômica. A terminologia anatômica é uma pa-
2000). dronização mundial das estruturas encontradas
No gênero masculino: o sulco pré-auricular no corpo humano.
pode ser ausente ou muito suave.

166 | P á g i n a
Capítulo 17
Estudos em Ciências Forenses

3.6. Possibilidades para promover a postas de atividades colaborativos


aprendizagem na graduação (BERGMANN; SAMS, 2019).
O modelo atual de aulas práticas, na maioria As atividades não presenciais podem ser por
das instituições, oferece um modo de educação meio da Sala de Aula Invertida (SAI), no qual o
com um ensino de pouca dialogicidade e ativi- professor produz ou seleciona materiais e ativi-
dades experimentais somente no formato de- dades e, disponibiliza aos acadêmicos para es-
monstrativo, com o professor explicando e o tes se prepararem para o momento presencial
acadêmico sentado recebendo as informações (BACICH, TANZI NETO E TREVISANI,
dadas por este, na forma de uma aprendizagem 2015; BERGMANN; SAMS, 2019).
passiva, apenas olhando e memorizando No momento presencial, que ocorre na ins-
(CARVALHO, 2017). tituição, o professor prepara atividades refe-
O ensino precisa de processos inovadores e rente ao tema da aula. Estas atividades podem
motivacionais, dando significado ao que o aca- ser realizadas por meio de Rotações por Esta-
dêmico está aprendendo, de modo que ele seja ções, na qual, os alunos são separados em gru-
autor na construção de seu conhecimento e o pos, um tempo é determinado para cada esta-
professor, assume diversos papeis para auxiliar ção, cada uma destas aborda o conteúdo de di-
nesse processo. Vindo ao encontro a este ensino ferentes maneiras e os alunos vão rodando entre
inovador, estão as diversas possibilidades ofe- as estações, tendo o professor como um orien-
recidas pelos métodos ativos (MATTAR, tador e mediador (BACICH, TANZI NETO E
2017). TREVISANI, 2015; BERGMANN; SAMS,
Em um modelo ativo de ensino, os acadêmi- 2019). Outra premissa da rotação por estações
cos têm o acesso à informação e usam estas em é de o aluno ter autonomia na gestão do tempo
favor da sua aprendizagem, desenvolvendo pro- e na execução das atividades propostas, de
tagonismo, autonomia e responsabilidade pela forma que estes gerenciem como vão realizar as
construção do conhecimento. Existem diversas atividades propostas.
modalidades de métodos ativos, desde as que Assim, o ensino híbrido possibilita aos aca-
privilegiam os trabalhos em grupo até as que se dêmicos que se preparem para o momento da
centram na personalização do processo educa- aula, e na aula tiram dúvidas com o professor e
tivo ou ainda aquelas que combinam ambos os com os colegas e conseguem aplicar os conhe-
modelos (MATTAR, 2017; MORAN; cimentos aprendidos, levando assim ao
MASETTO; BEHRENS, 2013). Entre estas desenvolvimento da autonomia e reflexão dos
modalidades de ensino, destacamos o ensino hí- alunos, a problematizarem o aprendizado, dei-
brido, o qual alterna atividades não presenciais xando de ser um aprendizado mecânico para um
e presenciais, associado ao uso de tecnologias aprendizado ativo, estes que são princípios que
no processo de aprendizagem (BACICH, constituem os métodos ativos de ensino se-
TANZI NETO E TREVISANI, 2015). Desta gundo DIESEL, BALDEZ e MARTINS
forma, a sala de aula deixa de ser apenas para a (2017).
exposição de conceitos, este ficando assim
cargo do estudo prévio, e sim para a interação 3.7. Sala de Aula Invertida
entre os acadêmicos com a realização de pro- Para a aula prática sobre acidentes ósseos do
crânio, para compor a SAI, o professor pode

167 | P á g i n a
Capítulo 17
Estudos em Ciências Forenses

disponibilizar aos acadêmicos um material di- - Identificação de acidentes anatômicos nas


dático contendo orientações de ensino e apren- peças: dispor na bancada da estação uma lista
dizagem, como leitura sugeridas voltadas ao contendo os acidentes anatômicos que apresen-
tema indicando o recorte do livro didático refe- tem características distintas nos gêneros, ossos,
rente aos aspectos sexuais, etários e antropomé- cera de dentista, massa de modelar, etiquetas
tricos do crânio. O dimorfismo ósseo de crânio coloridas. Solicitar aos acadêmicos para identi-
é abordado em diferentes livros de anatomia da ficar as estruturas nos crânios dispostos na ban-
cabeça e do pescoço, apresentando geralmente cada e demarcá-las com cera de dentista ou
um capítulo referente a descrição deste. Livros massa de modelar.
que abordem anatomia topográfica geralmente - Mural com características dos gêneros:
tratam das características ósseas das pelves confeccionar um mural com post-it ou uma ta-
femininas e masculinas. bela que contenha em uma coluna o nome dos
O professor pode preparar uma lista de ter- acidentes anatômicos, seguida por uma coluna
mos anatômicos a ser estudado em sala, e a par- para o gênero feminino e outra para o mascu-
tir desta lista confeccionar vídeos no qual lino. Partindo dos textos da SAI, os acadêmicos
demonstra nas peças disponíveis no laboratório devem caracterizar cada acidente anatômicos.
de Anatomia os acidentes anatômicos, pode - Análise de ossos: dispor na bancada da esta-
fotografar os ossos e preparar um atlas com ção uma lista de acidentes anatômicos e dife-
identificação dos termos anatômicos nas rentes ossos. Solicitar que aos acadêmicos bus-
imagens capturadas. car nos materiais da SAI ou em atlas virtuais ou
A fim de garantir a leitura e o preparo do físicos as características dos acidentes anatômi-
aluno para o momento presencial na instituição, cos em cada gênero e assim, analisar e identifi-
o professor precisa preparar alguma atividade car se o pertencem ao gênero masculino ou fe-
para os alunos realizarem, e assim observar se minino.
estes realizaram as atividades. A atividade pode - Mensuração de acidentes anatômicos: dis-
ser disponibilizada pelo portal acadêmico da por na bancada ossos, paquímetro, tabela con-
instituição por exemplo, com uma pergunta tendo a listagem de acidentes anatômicos com
descritiva, algumas perguntas objetivas ou link suas proporções de identificação de gênero. So-
de uma palavra cruzada on-line para os licitar aos acadêmicos que utilizem o paquíme-
acadêmicos realizarem e postarem. tro para mesurar os acidentes anatômicos
especificados nos diferentes ossos dispostos na
3.8. Rotação por Estações bancada e buscar na tabela de proporções e
Para o momento em sala, realizado no labo- assim caracterizar cada osso em feminino e
ratório de anatomia humana, diferentes esta- masculino.
ções de ensino podem ser confeccionadas para - Casos clínicos: o professor pode buscar casos
ampliar os conhecimentos baseados nos clínicos reais ou produzir um modelo de caso
materiais disponibilizados na SAI. A seguir clínico e dispor o mesmo na bancada. Este pode
consta exemplos de estações que podem ser ter descrições das características de alguns aci-
desenvolvidas: dentes anatômicos, exames de imagem. Solici-
tar aos acadêmicos para ler o caso clínico, dis-
cutir no grupo as características elencadas e

168 | P á g i n a
Capítulo 17
Estudos em Ciências Forenses

procurar definir se o mesmo trata de um gênero desenvolvimento das atividades propostas, o


feminino ou masculino tempo destinado para a realização de cada uma
delas, como utilizar o material da SAI ou onde
- Anatomia palpatória. Dispor na bancada buscar informações adicionais, assim como a
uma lista de acidentes anatômicos passiveis de atuação do professor junto a dinâmica da aula.
serem palpados e um exemplar de ossos. Soli- Como método de acompanhamento e
citar aos acadêmicos identifiquem os acidentes avaliação posterior das atividades propostas, o
anatômicos nos ossos e em seguida usar da pal- professor pode solicitar que os acadêmicos
pação para identificar em si ou em um colega registrem as atividades desenvolvidas em cada
tais estruturas. Por isso, o ideal é que cada estação, por meio de captura de foto ou vídeos
grupo contenha um acadêmico do gênero femi- para posteriormente confeccionar um portfólio
nino e outro do masculino, para poder verificar das atividades.
as diferenças em cada gênero pela palpação. Ao final da atividade, como método de fe-
- Jogos de cartas. Confeccionar cartas con- chamento da aula para verificar o alcance dos
tendo a imagem identificando um acidente ana- objetivos propostos, o professor pode realizar
tômico e outra contendo a característica desse uma atividade utilizando aplicativos on-line
acidente em cada gênero. Os alunos podem jo- disponíveis como o Kahoot, Socrative ou Men-
gar individualmente, ou dependendo da quanti- timeter, no qual constam perguntas referente ao
dade de alunos por grupo podem formar duplas tema da aula para os alunos responderem de
de disputa. Podem usar as cartas como um jogo forma individual ou nos grupos formados no
da memória, onde as cartas ficam viradas com início da aula. Este é uma estratégia rápida e de
as informações viradas para a mesa e cada inte- fácil aplicação em que o professor e os próprios
grante vira uma carta e busca a sua correspon- acadêmicos têm de acompanhar a aprendiza-
dente, se achar continua a jogar, se não, passa a gem.
vez para o próximo integrante. Outro modelo
seria de um integrante tirar uma carta e pergun- 4.CONCLUSÃO
tar ao outro de qual característica o acidente
anatômico tem em cada gênero, em um modelo Com base nas significativas diferenças que
de perguntas e respostas. os gêneros apresentam, a Antropologia Forense
apresenta diversos caracteres anatômicos que
3.9. Dinâmica da aplicação da Rotação podem ser utilizados para a diagnose sexual,
por Estações bem como estabelecer a idade. Estes estudos
A prática deve iniciar com o professor sepa- são amplamente empregados em casos em que
rando os alunos em grupo, este sempre que pos- cadáveres são encontrados em avançado estágio
sível, deve apresentar uma pessoa do gênero fe- de decomposição, carbonização ou esqueletiza-
minino e outra do gênero masculino, e direcio- ção.
nar cada grupo para uma estação. As orienta- As análises em ossadas revelam a importân-
ções referente à dinâmica devem ser passadas cia do conhecimento anatômico de acidentes
inicialmente, explicando-se os objetivos da ósseos por parte dos acadêmicos e futuros pro-
aula, como irá ocorrer a troca de estações, a atu- fissionais, que têm a possibilidade de realizar
ação dos alunos quanto a sua autonomia para o estes estudos em sala de aula, possibilitando

169 | P á g i n a
Capítulo 17
Estudos em Ciências Forenses

maior compreensão e aprimoramento acerca todos ativos, pois desenvolvem a autonomia no


destes caracteres dimórficos. gerenciamento do tempo e de execução das ati-
O ensino híbrido por meio da Sala de Aula vidades propostas, aprender a trabalhar em
Invertida e da Rotação por Estações como pro- grupo, de saber ouvir, refletir sobre a opinião do
posto, pode ser facilmente adequado à realidade outro para enfim chegar a resolução dos proble-
de cada instituição, pela disponibilidade de pe- mas levantados, levando o aluno ao centro do
ças naturais ou sintéticas, tamanho das turmas, processo de aprendizagem, tendo o professor
tempo de aula e espaço disponível, bem como como mediador do ensino e assim, inovando as
pelas medidas de segurança impostas durante a aulas tendo a tecnologia como base preparatória
pandemia de COVID-19. As atividades propos- e aplicada em aula.
tas abrangem os princípios dispostos pelos mé-

170 | P á g i n a
Capítulo 17
Estudos em Ciências Forenses

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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171 | P á g i n a
Capítulo 17
Estudos em Ciências Forenses

.
CAPÍTULO 18
A UTILIZAÇÃO DE
PLATAFORMAS
DIGITAIS COMO
VEÍCULO DE ENSINO À
ENFERMAGEM FORENSE
FRANCISCA GEISA SILVA MARTINIANO1
TATIANY YULLY MARTINS IBIAPINA1
INGRID LARA SANTOS OLIVEIRA1
MARIA ANDRESSA GOMES DE LIMA1
JEORGIA TAVARES CARVALHO1
SAMIA DE SOUZA ALBUQUERQUE RODRIGUES1
LAIANE ESCOSSIO DE AGUIAR1
ALAN CÁSSIO MORAIS PALITOT2
RÍZIA KELLY DA SILVA GUSMÃO3
ELANE CRISTINA FERNANDES LIMA SOUSA4
MARIA JOSE DIAS GONZAGA5
ANAILDA FONTENELE VASCONCELOS4
ZENAIDE CAVALCANTI DE MEDEIROS KERNBEIS6

FRANCISCA GEISA SILVA MARTINIANO1


1
Discente - Enfermagem do Centro Universitário INTA-UNINTA.
2
Discente – Enfermagem da Faculdade Santa Maria – PB.
3
Graduada – Enfermagem da Universidade de Cárceres – MT.
4
Graduada - Enfermagem do Centro Universitário INTA-UNINTA.
5
Graduada – Enfermagem pela Universidade Vale do Acaraú.
6
Graduada – Enfermagem e especialista em Enfermagem Forense, presidente da ABEFORENSE.

Palavras-chave: Enfermagem Forense; Ensino com Apoio; Mídias Sociais


172 | P á g i n a
Capítulo 18
Estudos em Ciências Forenses

1. INTRODUÇÃO 2. MÉTODO

Ao abordar as questões inerentes a Enfer- Estudo descritivo do tipo relato de experi-


magem Forense, o objetivo pautava-se em am- ência. O Projeto ABEFORENSE CONVIDA
plificar o conhecimento e compreender as espe- teve início em junho de 2020, realizado uma
cificidades da área e sua importância para agre- vez na semana, especialmente nas segundas fei-
gar percepções, práticas e saberes aos profissi- ras às 20 horas no horário de Brasília, pelo Fa-
onais e acadêmicos da saúde, justiça e segu- cebook. Idealizado e realizado pela presidente
rança pública. A temática é considerada nova no da ABEFORENSE, Drª Zenaide Cavalcante de
Brasil, visto que foi regulamentada em 2011 Medeiros Kernbeis. Na data de 22 de junho de
pelo Conselho Federal de Enfermagem 2020, aconteceu uma live, mediado por duas
(ABEFORENSE, 2015). No momento está se Enfermeiras Forenses da ABEFORENSE e três
vivenciando a Pandemia provocada pela acadêmicos do curso de Graduação em Enfer-
COVID-19, colocando o país em uma situação magem, de instituições e estados distintos, com
de emergência ao qual foi decreto quarentena duraçãode aproximadamente duas horas. Como
em todo o território nacional. Foram suspensas segue a Figura 18.1.
atividades presenciais, exceto segurança, saúde
e comércio do ramo alimentício e farmacêutico. Figura 18.1 Imagem da arte divulgada no Ins-
Ao considerar a suspensão das atividades pre- tagram da página da ABEFORENSE (Associa-
senciais, abriu-se precedentes para inserção de ção Brasileira de Enfermagem Forense) sobre a
eventos online, tais como: podcasts, lives e ví- live citada no trecho acima.
deo conferências. Desenvolver ações online
acerca da Enfermagem Forense tornou-se fun-
damental para alargar e aproximar os interessa-
dos pela temática. A Associação Brasileira de
Enfermagem Forense (ABEFORENSE), vem
desenvolvendo práticas, projetos e discussões
por meio de plataformas online (Facebook e
YouTube). Disseminaram-se informações sobre
a assistência especializada do Enfermeiro Fo-
rense, com profissionais da área e de forma in-
terdisciplinar, com especialistas de áreas afins e
acadêmicos.
O objetivo deste estudo foi relatar a utiliza-
ção de plataformas digitais como veículo de en-
sino à Enfermagem Forense.

173 | P á g i n a
Capítulo 18
Estudos em Ciências Forenses

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO para a disseminação de informações, usadas de


forma correta.
O uso da plataforma digital, trouxe grande
engajamento com o público, que por sinal bem 4. CONCLUSÃO
diverso. Ao qual até o momento obteve a parti-
cipação de aproximadamente duas mil pessoas Sustentou-se a teoria de que apesar da espe-
na live com a temática “Acadêmicos de Enfer- cialidade ser nova no país há grandes probabili-
magem: o futuro da enfermagem forense brasi- dades da consolidação da ciência em toda exten-
leira”, dentre eles, cinco países fizeram-se pre- são brasileira. O cenário de isolamento social
sentes. Notou-se comentários com relato de ex- provocado pela pandemia trouxe uma série de
periências e trocas de opiniões; curtidas e com- agravantes,no entanto, despertou-se o uso das
partilhamentos frequentes; um maior número plataformas no intuito de beneficiar a troca de
de pessoas obtiveram acesso ao tema. Assim, informações, realização de reuniões entre pro-
constata-se que a Enfermagem Forense des- fissionais e estudantes. Diante de mudançasde
perta curiosidade, por ser uma área ainda pouco paradigmas no que tange tanto as formas de en-
discutida no cenário Brasileiro. Com a popula- sinar como de aprender, evidenciou-se que as
rização da internet, as redes sociais se tornaram redes sociais têm sido grandes aliada neste pro-
ferramentas versáteis de ensino e de grande valia cesso, unindo as pessoas, mesmo que de longe.

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Capítulo 18
Estudos em Ciências Forenses

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENFERMAGEM FORENSE. Materiais forenses. Aracaju, 2015. Disponível em:
<www.abeforense.org.br/> Acesso em: 26 de setembro de 2020.

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Capítulo 18
Estudos em Ciências Forenses

CAPÍTULO 19

O ENSINO DA ENFERMAGEM
FORENSE COMO APORTE DE
GARANTIA NA PRESERVAÇÃO
DE VESTÍGIOS E COLETAS EM
CENAS DE CRIME

ALAN CÁSSIO MORAIS PALITOT¹


AMANDA ÉVELIN PEREIRA FREITAS¹
APARECIDA ALVES DA SILVA¹
CAMILA ARRUDA ABRANTES2
ÉRICA LOPES DOS SANTOS¹
FRANCISCA GEISA DA SILVA MARTINIANO3
ITALLA RAIANNY GOMES FERREIRA¹
LAISSE CARLA CAMPOS COÊLHO¹
MARIANA MARQUES DA SILVA ALVES¹
STHEFANI DA SILVA MONTEIRO¹
VICTÓRIA DE OLIVEIRA GUEDES¹
ANA CAROLINE PAIVA DE SOUZA4
RÍZIA KELLY DA SILVA GUSMÃO5
MARIA JOSÉ DIAS GONZAGA6
ZENAIDE CAVALCANTI DE MEDEIROS KERNBEIS7

1
Discente- Enfermagem pela Faculdade Santa Maria- FSM; Cajazeiras PB.
2
Discente- Enfermagem pela Faculdade São Francisco da Paraíba- FASP; Cajazeiras PB.
3
Discente- Enfermagem pelo Centro Universitário INTA-UNINTA; Sobral CE.
4
Enfermeira- Graduada pelo Centro Universitário INTA- UNINTA Sobral- CE .
5
Enfermeira- Pós Graduanda em Gestão em Saúde Pública pela UNEMAT .
6
Enfermeira- Mestranda em Saúde do Adulto pela Universidade de São Paulo- USP.
7
Enfermeira Forense- Pós-Graduada em Gestão Acadêmica e Docência do Ensino Superior e Presidente
da Associação Brasileira de Enfermagem Forense- ABEFORENSE..

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Palavras-chave: Enfermagem forense; Emergência; Preservação biológica.
Capítulo 19
Estudos em Ciências Forenses

1. INTRODUÇÃO grades curriculares do curso de graduação em


Enfermagem no Brasil, compromete a respon-
Pactuar sobre o contexto da violência é an- sabilização na integridade dos vestígios coleta-
tes de tudo ressaltar que a mesma corresponde dos.
a um fenômeno que ao longo dos séculos vem
intensificando de modo veemente a dilaceração 2. MÉTODO
de todo o conjunto de relações sociais, trazendo
consequências multissistêmicas seja em caráter O estudo em questão preconizou a formali-
cultural, físico, moral, social, patrimonial ou até zação de uma revisão integrativa de literatura
mesmo biológico, onde cada vez mais a so- realizada no período de agosto a outubro de
ciedade se torna prova viva da banalização dos 2021, por meio de pesquisas realizadas em ba-
requintes de crueldade e da violação do direitos ses de dados eletrônicas como: Scientific Ele-
humanos que rotineiramente a violência impõe, tronic Library on line (SciELO) disponível na
considerada dessa forma um problema de saúde Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e United
pública (SILVA et al., 2020). States National Library of Medicine (PubMed).
Ratificando tudo o que concerne a Enferma- Foram utilizados os seguintes descritores: En-
gem Forense, é válido ressaltar uma ciência fermagem forense, emergência e preservação
múltipla que busca se fundamentar nos pilares biológica. O operador booleano usado foi o
da investigação, gerenciamento e prevenção AND para realizar o cruzamento entre os des-
dos atos de violência, englobando assim, uma critores nas referidas bases de dados. Desta
assistência tanto as vítimas quanto aos perpetra- forma foram encontrados treze artigos, e poste-
dores, ou seja, uma especialidade que permite riormente submetidos aos critérios de seleção.
um enlace conectivo entre a saúde e o campo Estabelecendo os critérios de inclusão, os
jurídico (FURTADO 2021). mesmos se consolidaram em: texto completo
Os profissionais da saúde atuantes no âm- disponível, artigos em idiomas português e in-
bito da Urgência e Emergência estão em ascen- glês, artigos com datação de publicação dos úl-
são pelo pioneirismo no contato íntimo, com os timos cinco anos e que abordavam as temáticas
agredidos na própria cena do crime. Usando em questão propostas para os objetivos desta
como principal arma o olhar clínico, o enfer- pesquisa. No que vão de encontro aos critérios
meiro possui tanto uma autonomia de excelên- de exclusão, os mesmos foram: publicações du-
cia para preservar os vestígios forenses adequa- plicadas, que não compactuavam diretamente
damente, quanto impossibilitar os achados na aos interesses científicos e literários do referido
elucidação da investigação criminal. Um fator estudo, e que não atendiam aos demais critérios
nefasto que possui suas raízes na escassez aca- de inclusão.
dêmica do processo de ensino aprendizagem da Após a aplicabilidade dos critérios de sele-
Enfermagem Forense no Brasil (MACHADO, ção, análise metódica e filtragem criteriosa das
2020). publicações científicas restaram ao final do
O objetivo desse estudo se pactuou em dis- longo processo cerca de oito artigos que foram
correr por meio da literatura, como o déficit na submetidos à leitura minuciosa para a coleta de
implementação da Enfermagem Forense em dados e construção deste estudo. Como medida

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Capítulo 19
Estudos em Ciências Forenses

expositiva dos resultados obtidos pelas fontes um contato pioneiro e majestoso com as vítimas
literárias, os resultados ganharam conotação de e agressores demonstram fraquejar em suas
forma descritiva, pautando-se assim em toda condutas, pois demonstram ter menos conheci-
uma contextualização de âncora teórica. mento que o esperado para lidar com situações
de crime.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Considerando um estudo realizado nos Es-
tados Unidos que avaliou o nível de conheci-
De acordo com o que foi estabelecido por mento em ciências forenses dos estudantes de
(NORMANDIN, 2020) o conhecimento se pós graduação em emergência, os resultados
torna uma ferramenta poderosa quando se está obtidos demonstraram uma realidade satisfató-
atrelada ao cuidado assistencial da enfermagem ria, onde por meio da aplicabilidade de um
no contexto da emergência, pois todo o legado questionário, os estudantes demonstraram um
de informações adquiridas e provenientes do nível de conhecimentos superior acerca dos
campo forense seja em nível de graduação, pós conceitos e preceitos éticos da enfermagem fo-
ou especializações são a base de sustentação rense, onde se reafirma mais uma vez que
para que os enfermeiros ganhem empodera- quanto mais precoce esses profissionais forem
mento e proatividade em identificar situações lançados ao conjunto de arsenal literário fo-
de violência, vulnerabilidade e omissão de di- rense, poderão cada vez mais estarem respalda-
reitos pessoais, fazendo jus ao que a ciência dos em fundir as correntes teóricas em sua apli-
vasta da enfermagem forense preconiza, fa- cabilidade prática e assistencial, pois ao final
zendo uma via dupla entre o cuidado em saúde deste estudo os índices afirmaram um aumento
a casos de contextualização forense. progressivo na confiança em reconhecer casos
Em uma pesquisa científica realizada na forenses e quais recursos estratégicos poderão
Turquia com enfermeiros atuantes no departa- serem utilizados ao seu favor. Ao término ficou
mento de emergência, (TOPÇU, 2020) conse- esclarecido que os alunos não se interessam so-
guiu agregar parâmetros importantes acerca da mente pela enfermagem forense, mas que en-
análise do nível de conhecimentos desses pro- xergam nessa especialidade a melhor ferra-
fissionais e de suas condutas diante de casos fo- menta para se lidar com situações que envol-
renses naquela localidade. O estudo depois de vam a prática forense das vítimas (DRAKE et
finalizado e analisado criteriosamente exibiu al 2020).
que cerca de 75% dos profissionais não foram Pairando-se sobre o cenário brasileiro, e a
contemplado durante a graduação com algum partir desta, analisando o nível de conhecimen-
tipo de treinamento forense e que 52% de casos tos de enfermeiros atuantes em serviços de
que davam entrada por meio da emergência não pronto atendimento e pré-hospitalar na cidade
passavam por um processo investigativo se pos- de Aracaju SE, acerca de condutas e práticas fo-
suíam alguma raiz de um contexto forense. renses diante de vítimas (SILVA, 2020) tam-
Dessa forma é possível elencar a existência de bém por meio de um questionário concluiu que
lacunas no processo de formação acadêmica os enfermeiros validaram a grande relevância
dos cursos de bacharelados em enfermagem, e em reconhecer, preservar, coletar e documentar
que os profissionais de emergência por terem todo e qualquer tipo de evidência contribuindo

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Capítulo 19
Estudos em Ciências Forenses

assim para o fortalecimento da cadeia de custó- olência e que desponta como uma ciência múl-
dia sejam em vítimas, perpetradores ou em ce- tipla e versátil que possui a capacidade intrín-
nas de crime, já que os mesmo são considerados seca de ir de encontro ao combate da violência,
correntes estruturantes na aplicação do Código seja pelo quadro assistencial e de reconheci-
Penal. Porém esses mesmos profissionais não mento investigativo que a mesma se enquadra,
se sentem seguros e respaldados para realizar como também sendo um elo educador, de ori-
procedimentos desta magnitude. O que ficou entação e vigilância de casos que levantem al-
evidente nesse estudo, é que a etiologia do pro- guma suspeita forense.
blema está anexada mais uma vez, assim como Como foi demonstrado nos resultados vei-
em consonância com os resultados obtidos em culados neste estudo, em diversas realidades
pesquisas anteriores, é que a ausência de educa- nacionais estrangeiras como Turquia, Holanda,
ção em protocolos forenses durante o período Estados Unidos e Egito, a Enfermagem Forense
acadêmico ou até mesmo a falta de especializa- já ganhou conotação real e está sendo aplicada
ção na área fornecida pelas instituições de ser- de modo paulatinado nas realidades dos profis-
viço. sionais de enfermagem, principalmente ao que
Partindo do pressuposto da participação dos compete os setores de urgência e emergência,
enfermeiros na preservação, coleta e recolha de tendo em vista que este setor é privilegiado pelo
vestígios em cenas de crime, é nítido abordar seu pioneirismo com os casos forenses, já que
um corrompimento na elucidação de fatos em são considerados as principais portas de entra-
decorrência do negligenciamento das memórias das de casos. Assim a enfermagem forense rea-
de corpo por parte da equipe de Atendimento firma ainda mais seu valor, garantindo respaldo
Pré- Hospitalar, que por uma carência informa- e proatividade aos enfermeiros em contribuir
cional das ciências forenses durante a gradua- ativamente com os setores jurídicos na aplica-
ção, acabam funcionando como principal eixo ção de condutas penais.
de resistência e desintegração da cadeia de cus- Ao que vai de encontro aos fins literários, a
tódia (CHANDRAMANI 2020). Portanto, con- educação e o conhecimento são a principal
textualizando com as explanações anteriores, arma de que qualquer profissional pode usar a
(VRIES 2019) afirma que se torna necessário seu favor quando se busca elevar o nível da ca-
ressaltar a importância de se fundamentar nas tegoria. As instituições de ensino dos cursos de
diretrizes e princípios das ciências forenses Bacharelado no Brasil infelizmente em sua
ainda no meio acadêmico, permitindo sua apli- grande maioria ainda não adequaram a curricu-
cabilidade de modo eficaz a nível assistencial larização da disciplina de Enfermagem Forense
em cenas de crime. no contexto de estudos dos estudantes, dei-
xando verdadeiras lacunas no processo de en-
4. CONCLUSÃO sino aprendizagem. Assim os estudantes ficam
omissos de conhecimentos legais, se tornam
Fica válido por meio dessa construção lite- uma barreira opositora para a perícia criminal e
rária que a Enfermagem Forense surge dos pri- tribunal do júri, adentram em cenários de crime
mórdios de uma sociedade marcada pelos de forma infeliz, contribuem para a perca de
exemplares de consequências impostas pela vi- provas e se tornam distantes em possuir um

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Capítulo 19
Estudos em Ciências Forenses

olhar clínico e avaliativo de lesões e dessa ente na preservação de provas forenses, sendo
forma acabam negligenciando casos de emba- imprescindível o conhecimento técnico cienti-
samento forense, por não possuírem qualquer fico do enfermeiro na atestação dos fatos médi-
instrução durante a graduação. cos legais, principalmente quando estão exer-
Em suma, conforme o estudo fica válido cendo suas finalidades laborativas em cenários
que a não curricularização é um dos principais de urgência.
fatores que corroboram em um manejo defici-

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Capítulo 19
Estudos em Ciências Forenses

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHANDRAMANI, A. et al. Uma avaliação de necessi- NORMANDIN, P. A. Enfermagem forense e emergen-
dade e intervenção educacional para abordar o atendi- cial. Revista de Enfermagem de Emergência, v.46, p.
mento a pacientes de violência sexual no departamento 268, 2020.
de emergência. Jornal de Enfermagem Forense, v. 16,
p. 73, 2020. SILVA, J. O. M. et a. Preservação de provas forenses por
enfermeiros em um serviço de pronto atendimento pré-
DRAKE, S. A. et al. Avaliação do conhecimento forense hospitalar no Brasil. Revista de Trauma em Enferma-
fundamental e habilidade percebida na educação do en- gem, v. 27, p. 58, 2020.
fermeiro de emergência via simulação forense. Jornal de
Enfermagem Forense, v.16, p. 22, 2020. TOPÇU, E. T.; KAZAN, E. E.; BUKEN, E. Conheci-
mento e gestão do pessoal de saúde de casos forenses en-
FURTADO, B. M. A. S. M. et al. Investigação em enfer- contrados com frequência em departamento de emergên-
magem forense: trajetórias e possibilidades de ação. Re- cia na Turquia. Jornal de Enfermagem Forense, v.16,
vista da Escola de Enfermagem da USP, v. 55, 2021. p. 29, 2020.

MACHADO, B. P.; ARAÚJO, I. M. B.; FIGUEIREDO, VRIES, M. L. et al. Educação e prática em enfermagem
M. C. B. Prática de enfermagem forense: o que os alunos forense na Holanda: onde estamos? Jornal de Enferma-
sabem afinal? Ciência forense internacional: Sinergia, v. gem Forense, v. 15, p. 78, 2019.
2, p. 138, 2020.

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ÍNDICE REMESSIVO
Análise para Determinação do Sexo 40 Identificação humana 49
Anatomia 18, 35 Legislação em Enfermagem 58
Anatomia humana 170 Massacre de Suzano 1
Antropologia forense 18, 40, 161 Medicamento 72
Antropometria forense 18 Medicina Legal 1, 40, 130
Biometria 40 Medida da Idade pelo Esqueleto 40
Cadáver 35 Mídias Sociais 173
Cocaína 93 Pharmacology 149
COVID-19 29 Práticas Avançadas de Enfermagem 58
Crimes Sexuais 9 Preservação biológica 177
Date rape drugs 149 Prova pericial 121
Dimorfismo sexual 161 Psicopatologia 138
DNA forense 49 Psiquiatria Forense 9, 138
Doação de corpos 35 Tafonomia Forense 130
Drogas 93 Toxicology 149
Emergência 177 Transtornos Mentais 9
Enfermagem Forense 58, 82, 107, 121, 173, 177 Trauma 29
Enfermagem em emergência 82 Unidade Básica de Saúde 107
Ensino com Apoio 173 Violência conjugal 138
Envenenamento 72 Violência Doméstica 82, 107
Erythoxylum 93 Violência Escolar 1
Feminicídio 29 Violência sexual 121
Fenômenos transformativos 130 Violência Sexual contra a Mulher 58
Genética forense 49
Homicídio 72

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