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Editorial
sumário
63 • Parada cardíaca na
3 • Anestesia na gestante gestação
com pré-eclampsia e Cardiac arrest during preg-
Foto: Logomarca da Sociedade de Aneste-
nancy
siologia de Minas Gerais eclampsia
Raphael de Almeida Carva-
Anesthetic management of
lho, Neuber Martins Fonseca,
parturients with pre-eclampsia
Roberto Araújo Ruzi
and eclampsia
Paulo César de Abreu Sales,
68 • Normas de
Newton Teixeira Franco
Publicação
13 • Vasopressores em
bloqueios do neuroeixo
para cesariana
Vasopressors in neuraxial anes-
thesia at cesarean sections
Vinícius Pereira de Souza,
Carlos Othon Bastos, Rômulo
Frota Lôbo, José Roberto de
Rezende Costa
RESUMO
ABSTRACT
Instituição:
INTRODUÇÃO Hospital Universitário São José
A hipertensão associada à gravidez contribui consideravelmente para morbidade e Endereço para correspondência:
R: Cel. Antônio Garcia de Paiva, nº 79/ aptº 2004 –
mortalidade materna (Tabela 1) durante o parto e representa um fator substancial do B: São Bento. Belo Horizonte/MG
CEP: 30360-010.
nascimento prematuro. No tratamento interdisciplinar de pacientes com pré-eclampsia E-mail: newtonfranco@hotmail.com
que até 40% dos pacientes não apresentam os dois Feto Hipóxia fetal, morte fetal intrauterina
sintomas característicos da pré-eclampsia, que são Fonte: Adaptado de Bäz E, Gogarten W (2006) Schwangerschaftsassozi-
ierte Erkrankungen. In: Wappler F, Tonner P, Bürkle H (Hrsg) Anästhesie und
hipertensão e proteinúria. As causas das convul- Begleiterkrankungen. Thieme, Stuttgart, S 422-440.
sões provavelmente são a encefalopatia hiperten-
siva, o vasoespasmo cerebral, o edema cerebral, a Tabela 5 - Manifestações laboratoriais da pré-eclampsia
hemorragia cerebral e a isquemia cerebral. Quan- e eclampsia
do a paciente apresenta sinais e/ou sintomas de Pressão Arterial
eclampsia, os mesmos devem ser tratados o mais Hemoglobina > 13 mg / dl
Níveis de
rápido possível. A HELLP síndrome é o principal Sangue
Hematócrito > 38%
Plaquetas <100.000/μl
diagnóstico químico (Tabela 5) em delimitação
Valores TGO Aumento de 3 vezes
para a pré-eclampsia e eclampsia. A HELLP síndro- hepáticos TGP o desvio padrão
me agrava a evolução da doença em até 10-14% das Ácido úrico > 6 mg / dl
Valores
pacientes com pré-eclampsia.5 Com isso a mortali- renais
Creatinina > 1,2 mg / dl
Proteínas na urina > 0,3 g/24 h
dade materna é de até 3%.6 Com trombocitopenia,
LDH ↑↑↑
aumento de D-dímero, de fibrinas e do complexo Parâmetros
Bilirrubina (indireta) > 1,2 mg / dl
de hemólise
antitrombina III, é aconselhável a resolução do Haptoglobina (opcional) ↓↓↓
caso o mais rápido possível. Quick <70%
Fibrinogênio <150 mg / dl
Testes de D-dímero ↑↑↑
Coagulação (ou testes similares, tais
como: TAT / complexo
Patogênese da pré-eclampsia e eclampsia trombina-antitrombina)
consequentemente, uma redução da perfusão orgâ- reflexa materna, a bradicardia e a acidose fetal.13,14
nica. Ao mesmo tempo, é liberado Tromboxano-A2 Mais um ponto negativo da Hidralazina está no
(TX-A2), vasoconstritores ativos e plaquetas. Essa tempo de latência prolongado (>10 a 20 minutos
disfunção endotelial, em combinação com um gran- após sua administração).
de número de causas inflamatórias e imunológicas A nifedipina é um bloqueador dos canais de cál-
relacionadas à genética, leva a uma generalizada cio, utilizada no tratamento de doença cardiovascu-
diminuição da microperfusão tecidual em pacientes lar. Nos últimos 20 anos, diversos estudos tem sido
com pré-eclampsia.8 realizados sobre sua eficácia e segurança na utiliza-
ção em pacientes gestantes. Suas principais aplica-
Terapia medicamentosa hipertensiva da ções neste grupo de pacientes são para o tratamento
pré-eclampsia e eclampsia da emergência hipertensiva, no tratamento da hiper-
tensão na gravidez por tempo prolongado, e também
como agente tocolítico.15
Por meio de uma terapia anti-hipertensiva con-
sistente e a disponibilidade de medicamentos sem
acentuados efeitos colaterais, o número de mortes Profilaxia das crises convulsivas
maternas relacionadas à pré-eclampsia foi reduzido
drasticamente.9 O objetivo da terapia anti-hiperten- O sulfato de magnésio é a droga de primeira
siva é a redução da pressão arterial materna sem o escolha para profilaxia e terapia de crises convulsi-
comprometimento da perfusão utero-placentária. vas em pacientes com pré-eclampsia e eclampsia.
Além disso, a deficiência de volume intravascular e Sulfato de magnésio diminui o risco e a incidência
o edema (hipoalbuminemia, pressão coloido-osmó- de crises convulsivas e é superior a substâncias
tica reduzida) representam um desafio terapêutico como, por exemplo, Fenitoína ou Diazepam no efei-
a mais. A eficácia medicamentosa de substâncias to anticonvulsivo.16
anti-hipertensivas é reduzida em pacientes com pré- O mecanismo patológico do ataque convulsivo
eclampsia. Em regra, a terapia anti-hipertensiva em na eclampsia é possivelmente por isquemia local
pacientes com pré-eclampsia e eclampsia é de res- na base de um vasoespasmo cerebral. Provavel-
ponsabilidade do obstetra. mente, a ação anticonvulsiva do sulfato de mag-
De acordo com as recomendações atuais, toda nésio é através de um bloqueio do receptor NMDA
grávida com pressão arterial sistólica ≥160mmHg (N-metil, D-aspartato) com consequente melhora
necessita de uma terapia anti-hipertensiva.10 É reco- da perfusão cerebral.17
mendado definir uma terapia objetiva e interdisci- Instrução para o uso de sulfato de magnésio: dose
plinar. O objetivo da terapia anti-hipertensiva não é inicial: sulfato de magnésio 2-4 gramas, IV, 15-20 mi-
regularizar a pressão arterial materna, porque toda nutos; dose de manutenção: 1-2 gramas durante as
redução da pressão arterial muito rápida ou muito primeiras 24 horas; objetivo terapêutico: concentra-
acentuada leva a uma redução da perfusão utero- ção sérica de magnésio 4-8 mg/dl (2-3,5 mmol/l) e
placentária, e isso acaba prejudicando o feto. A controle sérico de magnésio de seis em seis horas.
principal função da terapia antihipertensiva é evi- A incidência de efeitos colaterais depois do uso
tar complicações maternas graves como o acidente do sulfato de magnésio é pouca, porém podem apa-
vascular cerebral materno.11 recer efeitos severos indesejados, aos quais o anes-
Até agora ainda falta prova científica de que uma tesiologista deve estar habituado. Juntamente com
terapia hipertensiva em pacientes com pré-eclampsia as náuseas e os vômitos, podem surgir casos de hi-
leva a uma melhora no estado da criança. porreflexia tendínea. O exame do reflexo tendíneo
Na Alemanha, os medicamentos de primeira es- é utilizado clinicamente como parâmetro adequado
colha para a terapia anti-hipertensiva, de acordo com para a prevenção de uma overdose e deve ser sempre
a orientação atual da Associação Alemã de Gineco- complementado através de controle sérico de mag-
logia e Obstetrícia para diagnóstico e terapia, são o nésio de seis em seis horas. Depressão respiratória foi
Hidralazina e o Urapidil.12 observada em nível sérico acima de 10mg/dl. Após o
Nos Estados Unidos, a administração do Hidra- uso de relaxantes musculares, sob anestesia geral, é
lazina é bastante criteriosa, devido à taquicardia frequente um aumento do bloqueio neuromuscular.
Existem indicações para anestesia geral em pa- Comparação entre a raquianestesia e peridural
cientes com pré-eclampsia e eclampsia para cesaria- em pacientes com pré-eclampsia e eclampsia
na, nomeadamente as contraindicações para a pun-
ção subaracnoidea (distúrbios da coagulação, HELLP
síndrome com plaquetopenia, sinais de hipertensão Em um estudo retrospectivo comparando peridural
intracraniana, etc.) e indicação obstétrica para a in- e raquianestesia em pré-eclampsia, houve diferença
terrupção imediata da gravidez através de cesárea, se nos padrões hemodinâmicos, porém sem prejuízo no
ocorrer risco de vida materno e/ou fetal. A incidência estado do recém-nascido. Visalyaputra et al. comparou
de falha de intubação, por mucosa edemaciada em ensaios clínicos randomizados entre a raquianestesia e
obstetrícia, é dez vezes maior do que em pacientes a anestesia peridural para cesariana em pré-eclampsia
cirúrgicos gerais e, especialmente, pacientes com pré- grave.41 A pressão arterial média após a raquianeste-
eclampsia parecem predispostas a terem uma dificul- sia era estatisticamente menor do que após a aneste-
dade maior na manipulação das vias aéreas.33,34 A in- sia peridural. A diferença da pressão arterial sistólica
cidência de falha na intubação obstetrícia é de 1:249. mais baixa possível dos dois grupos foi de no máximo
Ficou esclarecido, em uma análise de insucessos de 10mmHg e não é clinicamente relevante. No entanto, as
intubação para a cesariana, que muitas vezes não ocor- fases hipotensas (PA ≤ 100 mmHg) em todos os pacien-
reu avaliação pré-operatória das pacientes ou o manejo tes foram curtas (≤ 1min), rápidas e facilmente tratáveis.
da via área não foi seguido de acordo com protocolos já Medido pelo estado ácido-base e os testes de Apgar
existentes. É recomendado implementar, através disso, dos recém-nascidos, não houve diferença entre os dois
algoritmos de tratamento e conduta como, por exem- procedimentos. Os autores concluem que o controle
plo, foi apresentado por Yentis. 35 Esses devem também da pressão arterial na raquianestesia, mesmo na pré-
ser treinados periodicamente e interdisciplinarmente.36 eclampsia grave, representa um procedimento seguro.
Caso contrário, podem surgir complicações respirató-
rias em anestesias obstétricas eletivas.37 A intubação Comparação de anestesia espinhal
traqueal em paciente com pré-eclampsia e eclampsia em pré-eclampsia grave para gestantes
deve ser realizada com sequência rápida. A elevação normotensas e gestantes submetidas
da pressão arterial deve ser evitada durante a laringos-
prematuramente ao parto
copia e a intubação traqueal. Um aumento da pressão
arterial pode ser compensado pelo uso de opioides,
anti-hipertensivos e β-bloqueadores. Em um estudo prospectivo, Aya et al. comparou
Em particular, a administração de magnésio intra- o comportamento hemodinâmico de pacientes com
venoso concomitantemente ao início da anestesia pa- pré-eclampsia grave e mulheres grávidas saudáveis
rece ser muito eficaz para evitar picos de pressão ar- após a instalação de anestesia espinhal para a cesa-
intracerebrais maternas, a pressão arterial sistólica 9. CEMACH/The Confidental Enquiry into Maternal and Child He-
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spinal anesthesia for caesarean delivery: an effective technique
RESUMO
ABSTRACT
Justification and objectives: Vasopressor drugs have always been highlighted for the
control of hypotension related to neuraxial blockade in obstetrical anesthesia. This
article purpose is arguing the several drugs used in the clinical practice and the count-
less strategies described in the literature for the prevention and treatment of arterial
hypotension after spinal anesthesia for caesarian section. Content: With the populariza-
tion of spinal anesthesia as the technique most used in anesthesia for caesarian section,
vasopressors became the angular stone for the improvement of the maternal and fetal
outcomes. Several changes of paradigms are introduced currently, highlighting the safe
use of alpha-agonist drugs, particularly phenylephrine. Ephedrine has no longer been
considered the unique first choice in obstetrical anesthesia, because it may cause reduc-
tion in fetal pH. CONCLUSIONS: The alpha adrenergic prophylactic and/or therapeutic
administration proved to be a safe and effective option for the hypotension control after
spinal anesthesia, optimizing the maternal and fetal outcomes. Therefore, that is the
time for reviewing old concepts!
Key words: Hypotension; Anesthesia, Spinal; Vasoconstrictor Agents; Cesarean Section.
INTRODUÇÃO
Os vasopressores constituem-se fármacos essenciais dentro do arsenal terapêu- Endereço para correspondência:
R. Senhora das Graças, 130/802 - B. Cruzeiro. Belo Hori-
tico à disposição do médico anestesiologista. Sua administração tem o objetivo de zonte/MG
CEP: 30310- 130
melhorar e/ou restaurar a perfusão adequada dos diversos órgãos e sistemas. Em E-mail: vinicius.ps@terra.com.br
anestesia obstétrica, sua utilização apresenta inúme- e tratamento da hipotensão, comprovando-se a segu-
ras particularidades, decorrentes de seus efeitos sistê- rança para a administração de fenilefrina. A diferença
micos e locais sobre a circulação utero-placentária.1,2 verificada nos estudos decorreu do maior valor de pH
Vários medicamentos e estratégias para a sua ad- da artéria umbilical em conceptos em que os vaso-
ministração são descritos; a administração de efedri- pressores alfa-agonistas foram administrados, quando
na, por exemplo, quando ocorre queda da pressão comparados com aqueles tratados com efedrina.
arterial basal acima de 20-30% já não é mais a melhor No início deste século, estudos realizados por
evidência da literatura. Outras abordagens apresen- Ngan Kee et al.4, bem como por Cooper et al.5, de-
tam, atualmente, impacto decisivo sobre a melhoria monstraram que o uso de efedrina para correção da
das condições do binômio materno-fetal. hipotensão arterial materna, ao contrário do que se
Este artigo tem o objetivo de discutir individual- supunha, estava associado com um pH de artéria um-
mente os fármacos vasopressores, assim como as di- bilical mais baixo em comparação com outros vaso-
versas estratégias de sua utilização para a prevenção pressores como a fenilefrina. Em 2004, Riley6 relatou
e tratamento da hipotensão arterial relacionada aos que a efedrina atravessa a placenta, levando a um
bloqueios espinhais, particularmente a raquianeste- aumento na atividade metabólica fetal e subsequente
sia, durante a realização de cesariana. redução do seu pH arterial.
Embora a diferença dos resultados seja estatisti-
A ESCOLHA DO VASOPRESSOR camente significativa, a relevância clínica ainda pre-
AO LONGO DO TEMPO cisa ser mais bem estabelecida. No entanto, os dois
fatores reconhecidos de má evolução neonatal são o
pH da artéria umbilical abaixo de 7,2 e seu excesso
Historicamente, a terapia vasopressora em aneste- de base abaixo de 12, ambos os critérios encontrados
sia obstétrica evoluiu desde seus primórdios, quando por Ngan Kee et al.4 e Cooper et al.5 em seus estudos.
se evitava o uso de qualquer fármaco vasoativo, op-
tando-se apenas por medidas como hidratação e des- BLOQUEIO SIMPÁTICO E HIPOTENSÃO
locamento manual uterino para a esquerda, a menos MATERNA EM CESARIANA
que os níveis pressóricos maternos caíssem significa-
tivamente. Atualmente, os vasopressores podem até
mesmo ser administrados profilaticamente em doses A extensão do bloqueio neuro-axial necessária
elevadas, evitando-se quedas da pressão arterial, do para a realização de uma cesariana atinge neces-
débito cardíaco e da perfusão utero-placentária. sariamente os dermátomos torácicos. Observa-se
Por mais de 20 anos, a efedrina foi considerada o um bloqueio simpático que envolve toda a extensão
vasopressor de escolha em anestesia obstétrica. Acre- toraco-lombar, causando uma simpatectomia farma-
ditava-se que, em virtude do aumento do débito cardí- cológica abrangente e praticamente total.2 Esse blo-
aco, seria o fármaco que menos prejudicaria o fluxo queio anestésico causa vasodilatação periférica com
sanguíneo uterino. Em 1974, Ralston et al.3 publicaram queda subsequente da resistência vascular sistêmica.
um estudo demonstrando que a efedrina não causava Assim, sobrevém em seguida e concomitantemen-
constrição arterial uterina, apesar da liberação pre- te diminuição do volume sistólico, queda do débito
ganglionar de noradrenalina. Dessa forma, esse vaso- cardíaco e hipotensão arterial. Como não há autor-
pressor manteria o fluxo arterial uterino e o pH fetal, regulação para o fluxo útero-placentário, qualquer
enquanto fármacos como a metoxamina, a menferter- diminuição do débito cardíaco materno correspon-
mina e o metaraminol diminuiriam o fluxo arterial ute- derá de forma direta a uma diminuição na oferta de
rino, causando alterações ácido-básicas fetais intensas. sangue, oxigênio e nutrientes ao concepto.7
Fármacos alfa-agonistas como a fenilefrina e o metara- O desenvolvimento dessa complicação acarreta
minol eram contraindicados em anestesia obstétrica. consequências materno-fetais potencialmente gra-
Entre os anos de 1991 e 2000, foram realizados sete ves, desde que não seja adequadamente tratada.
estudos comparando a efedrina com a fenilefrina em Geralmente, a gestante apresenta náuseas, vômitos,
pacientes submetidas a cesariana eletiva sob raquia- tontura e torpor secundários à diminuição do fluxo
nestesia. Os autores concluíram que não houve dife- sanguíneo cerebral, podendo evoluir para perda da
renças entre esses fármacos no que tange a prevenção consciência e colapso cardiovascular na ausência
de tratamento rápido e eficaz. O feto também sofre liberação endógena de noradrenalina dos terminais
as consequências dessa condição em decorrência neuronais presinápticos (ação indireta). É um fárma-
da redução do fluxo útero-placentário, que é direta- co resistente ao metabolismo da monoaminoxidase
mente dependente do débito cardíaco materno. Por (MAO) e da catecol-O-metiltransferase (COMT), re-
conseguinte, este último desenvolverá hipoxemia e sultando em uma duração de ação prolongada. Os
repercussões gasométricas na ausência de controle efeitos cardiovasculares da efedrina se assemelham
eficaz das alterações hemodinâmicas na gestante.2 aos da adrenalina, sendo cerca de 250 vezes menos
Além disso, a gestante apresenta aumento pro- potente que esta catecolamina. A elevação da pres-
gressivo do volume uterino. Assim, quando assume a são arterial é menos intensa, porém, sua meia-vida
posição supina, já apresenta sinais claros de aumento é dez vezes maior que a da adrenalina. Seu uso en-
da pressão venosa em membros inferiores, a partir de dovenoso resulta no aumento da frequência cardía-
aproximadamente 20 semanas gestacionais. Essa al- ca (receptores beta-1) e do débito cardíaco. Sua atu-
teração intensifica-se até o final do terceiro trimestre. ação em receptores alfa leva a uma vasoconstrição
Isso acontece em decorrência da compressão mecâni- do leito arterial com aumento da pós-carga, além de
ca em vasos pélvicos e na veia cava inferior, dificultan- venoconstrição, acarretando um aumento no retorno
do o retorno venoso ao coração e consequentemente venoso e consequentemente do débito cardíaco.9
limitando o volume sistólico e o débito cardíaco ma- A efedrina causa uma diminuição dos fluxos re-
ternos.7 Dessa forma, o deslocamento uterino manual, nal e esplâncnico e um aumento no fluxo coronaria-
ou através de aparatos específicos como cunhas ou no e na musculatura esquelética. A resistência vascu-
coxins, impõe-se quando estas pacientes assumem lar periférica pouco se altera, pois a vasoconstrição
a posição supina, tal como é necessária para a rea- inicial é compensada pelo estímulo nos receptores
lização de inúmeras manobras e procedimentos obs- beta-2, que promovem dilatação de outros leitos vas-
tétricos. Quando esse desvio não é adequadamente culares. Nos pulmões causa broncodilatação, fato
realizado, sobrevirão inevitavelmente hipotensão ar- que o elege como vasopressor de escolha na gestante
terial e queda do débito cardíaco materno, seguidas asmática em crise. O principal efeito cardiovascular
de hipoxemia e alterações metabólicas fetais.2,7 da efedrina é o aumento da contratilidade miocárdi-
As alterações hemodinâmicas podem ocorrer de ca devido aos estímulos nos receptores beta-1 adre-
forma bastante precoce, intensa e dinâmica. Aproxi- nérgicos. Ainda, uma segunda administração de efe-
madamente quatro minutos após a instalação do blo- drina pode produzir um efeito sistêmico menor que a
queio, observa-se a redução máxima do volume sistó- primeira, fenômeno denominado de taquifilaxia, que
lico. Por sua vez, o pico da redução da pressão arterial ocorre com vários fármacos simpato-miméticos.
acontece cerca de seis a oito minutos após o início A efedrina apresenta um efeito mínimo sobre o
da anestesia, com o estabelecimento do bloqueio na fluxo sanguíneo uterino, o que durante muito tempo
região torácica.8 Rotineiramente, a monitorização é a fez o vasopressor de primeira escolha em obstetrí-
realizada através da cardioscopia e de medidas indi- cia. Ela rapidamente atravessa a placenta, causando
retas da pressão arterial. Como a redução do volume um aumento das catecolaminas fetais circulantes,
sistólico antecede a queda da pressão arterial, qual- levando a um aumento da atividade simpática, da
quer diminuição observada nesse parâmetro, obtida contratilidade miocárdica e da frequência cardíaca
pelos mecanismos indiretos de aferição, justifica sua fetal. Adicionalmente, a efedrina leva a um aumento
correção imediata por meio do uso de vasopressores. da atividade metabólica fetal e a uma diminuição
do pH fetal, quando comparada à fenilefrina e ao
metaraminol. A relevância clínica desse fato ainda
FARMACOLOGIA DOS VASOPRESSORES não foi estabelecida.5,10
Efedrina Etilefrina
receptores alfa e beta-adrenérgicos, semelhante aos tensão pós-raquianestesia para cesariana apresenta-
efeitos da efedrina. Seu início de ação é de um a três ram menor número de episódios de taquicardia, hi-
minutos, e sua meia-vida de eliminação é de duas ho- pertensão e melhor perfil do pH da artéria umbilical,
ras. É metabolizada no fígado, embora 90% do fárma- quando comparado ao uso da efedrina.4
co seja eliminado na urina de forma inalterada.
Belzarena11 realizou estudo comparativo entre
etilefrina e efedrina como vasopressor para correção Fenilefrina
da hipotensão arterial materna em cesarianas eleti-
vas sob raquianestesia. O principal resultado do estu- Trata-se de fármaco vasoconstritor sintético com
do foi a ausência de diferenças no efeito da efedrina efeitos semelhantes à noradrenalina, embora com
e da etilefrina para tratar a hipotensão arterial, o que potência inferior a esta.14 Exerce sua ação diretamen-
ocorreu com frequência quando se realizou a raquia- te como agonista dos receptores alfa-1 adrenérgicos
nestesia para cesariana. O autor concluiu que, devi- na circulação periférica, promovendo venoconstri-
do à semelhança entre os fármacos e à diferença de ção (principal efeito do fármaco) e aumento da resis-
seus custos, a etilefrina pode ser considerada uma al- tência vascular sistêmica. A constrição dos vasos de
ternativa como vasopressor em cirurgia obstétrica.11 capacitância aumenta o retorno venoso e as pressões
de enchimento cardíacas (pré-carga); o aumento da
resistência vascular sistêmica, por sua vez, promove
Metaraminol o aumento da pós-carga. Seu mecanismo de ação
contrapõe-se, portanto, aos efeitos simpaticolíticos
O metaraminol é um agente simpato-mimético dos bloqueios do neuroeixo, particularmente o blo-
que estimula receptores alfa e beta-adrenérgicos, queio subaracnoide, facilitando o controle pressóri-
com efeito proeminente sobre os primeiros. Esse fár- co após a raquianestesia.
maco sofre captação nos terminais nervosos pós-gan- A fenilefrina apresenta efeitos mínimos em recep-
glionares simpáticos, onde substitui a noradrenalina, tores beta-adrenérgicos. Assim, não apresenta efeito
agindo como um falso neurotransmissor. Também cronotrópico positivo como a efedrina.15 Ao contrá-
apresenta efeito indireto por meio do estímulo à li- rio, a fenilefrina tende a apresentar um efeito crono-
beração de noradrenalina em terminais sinápticos.9,12 trópico negativo secundário ao aumento do retorno
O metaraminol apresenta a capacidade de au- venoso, com diminuição do débito cardíaco.16 A bra-
mentar a resistência vascular sistêmica, agindo no dicardia secundária à administração de fenilefrina
leito arterial e elevando a pós-carga, e de reduzir a pode necessitar de tratamento com antagonistas M2-
capacitância venosa, aumentando a pré-carga, além muscarínicos, como a atropina.
de apresentar efeito inotrópico cardíaco, melhoran- A fenilefrina apresenta meia-vida curta, sendo
do a contratilidade miocárdica. Como vantagens adi- rapidamente metabolizada pela COMT (o que não
cionais, apresenta uma curta latência e exibe baixa ocorre com a efedrina) e pela MAO2. Pode ser ad-
variabilidade individual de resposta.8 Quando com- ministrada em bolus ou em infusão contínua, sendo
parado à efedrina, o metaraminol produz uma maior comercializada em nosso meio em apresentação
vasoconstrição periférica (leito arterial e venoso) e de 10 mg.mL. Cuidados para a sua diluição e ad-
menor efeito inotrópico direto no miocárdio, o que ministração são fundamentais para se evitar iatro-
denota um predominante efeito alfa adrenérgico. genias.17 A diluição da fenilefrina é completamente
Essa vasoconstrição causa, inclusive, decréscimo de diferente da efedrina.
perfusões renal e cerebral.13 Frequentemente ocorre Lee et al.18 publicaram uma revisão comparando
bradicardia reflexa junto a esses aumentos pressóri- os efeitos da administração da efedrina e da fenilefri-
cos, o que resulta em redução do débito cardíaco. na em cesariana. Os autores não evidenciaram dife-
Tal fato pode até ser prevenido pela administração renças para a prevenção e tratamento de hipotensão
prévia de atropina. Há estudos que comprovam seus arterial. Os conceptos em cujas mães se administrou
resultados favoráveis quando comparados com os da fenilefrina para controle pressórico apresentaram
efedrina em cesáreas (doses de 1,5 a 5,0 mg).4 maior pH da artéria umbilical (0,03 unidades), assim
Outros estudos clínicos descrevem que pacientes como maior excesso de base, comparados com aque-
que receberam metaraminol para o controle da hipo- les onde as mães receberam efedrina.
Em pacientes com pré-eclampsia, Dyer e James19 fármacos. Nesse contexto, os vasopressores mais es-
descreveram recentemente a segurança da utilização tudados tem sido a efedrina e a fenilefrina.
de baixas doses de fenilefrina, sem alterações do dé- A maior parte dos estudos que utilizam a efedrina
bito cardíaco, durante anestesia para cesariana. profilática por via venosa avalia esse fármaco através
de infusão em bolus.21-27 As doses recomendadas va-
MODO DE ADMINISTRAÇÃO riam amplamente, indo de 5 até 30 mg. A maioria dos
DOS VASOPRESSORES autores demonstra a capacidade desse método em
diminuir significativamente a incidência de hipoten-
são materna sem, entretanto, eliminá-la. Além disso,
Tradicionalmente, toleravam-se queda de até 30% as doses mais elevadas tem sido relacionadas à hi-
dos níveis pressóricos após a realização de bloqueios pertensão reativa e a distúrbios ácido-básicos fetais.
do neuroeixo em pacientes normotensas e de 20% A melhor dose de efedrina, correlacionando sua efi-
em pacientes hipertensas; administravam-se vaso- cácia para a prevenção da hipotensão e a redução de
pressores apenas quando as quedas eram superiores seus efeitos colaterais, é de 12 mg. Essa dose, ainda
às relatadas. Novos paradigmas vem se apresentan- assim, é maior que aquelas utilizadas habitualmente.
do ao longo do tempo na literatura. A administração A fenilefrina é outro vasopressor que tem sido
profilática e/ou terapêutica segura de fármacos va- extensivamente avaliado para a profilaxia da hipo-
sopressores tem um papel central nessa abordagem, tensão após bloqueio do neuroeixo em obstetrícia.
buscando melhorar e otimizar os resultados mater- A maior parte dos estudos avalia esse fármaco atra-
no-fetais, assim como a qualidade da assistência do vés de um regime de infusão contínua,28,29,33 antece-
profissional anestesiologista.20 dido ou não por uma administração em bolus.10,34
Em decorrência das suas características farmaco-
lógicas e sua elevada potência, são raros os relatos
Terapia profilática da utilização da fenilefrina apenas em bolus para a
profilaxia da hipotensão.27,34
A fim de minimizar as consequências maternofe- A infusão preconizada de fenilefrina na litera-
tais da hipotensão arterial relacionada aos bloqueios tura varia em torno de 40 a 100 mcg/min-1.10,28,29,33,34
do neuroeixo em anestesia obstétrica, diversos mé- Quando se utiliza um bolus inicial antes dessa infu-
todos de administração profilática de vasopressores são, a dose média é de aproximadamente 100 mcg
tem sido propostos. infundidos em torno de dois a três minutos.10,34 Esses
Uma das técnicas que tem sido preconizadas estudos demonstram a eficácia desses métodos de
consiste na administração intramuscular (IM) destes administração na redução, mas não na eliminação,
fármacos. Essa via não consiste na primeira opção da incidência de hipotensão materna, especialmente
para a maioria dos autores. A absorção irregular e quando se utilizam concomitantemente expansão vo-
um tanto imprevisível do vasopressor podem levar lêmica e cristaloides29 e as doses administradas estão
a concentrações plasmáticas reduzidas indesejáveis em torno de 100 mcg/min-1.28
no momento da ocorrência da hipotensão arterial, ou Ngan Kee et al.10 titularam a infusão de fenilefrina
elevadas demais em outros instantes, submetendo a para a manutenção do nível pressórico em 100%, 90%
gestante a efeitos colaterais potencialmente graves. e 80% dos valores iniciais em pacientes submetidas a
A administração profilática intravenosa de va- raquianestesia para cesariana eletiva com 10 mg de
sopressores para controle da hipotensão após blo- bupivacaína hiperbárica. Essas pacientes foram alo-
queios do neuroeixo em gestantes tem sido preferida cadas em três grupos: G100, G90, G80, respectivamen-
pela maioria dos autores. A resposta rápida e mais te. A massa total de fenilefrina utilizada foi de 1520mcg
previsível desses fármacos, associada à possibilida- para G100, 1070mcg para G90 e 790mcg para G80. As
de de suspensão da administração na ocorrência de altas doses de fenilefrina administradas mostraram-se
efeitos colaterais significativos, é o motivo principal seguras clinicamente para a mãe e para os concep-
da preferência por essa técnica. tos. A incidência de náuseas e vômitos foi reduzida de
Tanto a administração em bolus21-27 ou em infusão 40% para 16% e 4% nos grupos G100, G90 e G80, res-
contínua28-33 quanto a associação de ambas9,10,32-36 tem pectivamente. Os conceptos, por sua vez, apresenta-
sido sugeridas como modo de administração desses ram média de pH da artéria umbilical de 7,32±0,04 no
G100 contra 7,30±0,03 dos demais grupos. Os autores Na tentativa de minimizar os efeitos colaterais
concluem que, para otimizar o manuseio, a infusão da administração de fenilefrina, a infusão contínua
de fenilefrina deverá ser titulada para manter a pres- de até 100 mcg/min tem sido descrita na literatu-
são arterial próxima aos níveis basais. ra.19 Entretanto, a infusão contínua de vasopresso-
Entretanto, somente a administração e titulação res necessita de bombas de infusão, apresentando
de fenilefrina pode ser insuficiente para a preven- custo elevado.
ção da hipotensão arterial após o bloqueio subarac-
noideo. Ngan Kee et al.10 estudaram a incidência de
hipotensão arterial com a infusão profilática de fe- Terapia combinada
nilefrina em altas doses (100 mcg/min), associadas
ou não à pré-hidratação com Ringer Lactato 2.000 O objetivo da associação de um agente alfa
mL, previamente à realização do bloqueio, submeti- com um de efeito beta-adrenérgico para a preven-
das a cesariana eletiva. Foram alocadas 102 pacien- ção e o tratamento da hipotensão após bloqueio do
tes, randomizadas em dois grupos. A incidência de neuroeixo para cesariana consiste na tentativa de
hipotensão arterial foi reduzida de 28% para 1,9% redução dos efeitos deletérios de ambos os vaso-
com a co-hidratação com Ringer Lactato. Apenas pressores usados individualmente. Por meio dessa
uma paciente apresentou náuseas com esse proto- associação, torna-se possível a diminuição da dose
colo. Os resultados maternos e neonatais não apre- de ambos os fármacos. Por exemplo, há a redução
sentaram diferenças entre os grupos. A incidência da taquicardia relacionada com a administração de
de hipertensão arterial, por sua vez, foi alta nesse efedrina juntamente com a minimização da incidên-
estudo. Os autores concluem que a combinação de cia de bradicardia relacionada à fenilefrina. Além
fenilefrina em altas doses com a concomitante infu- disso, doses maiores de efedrina, quando usadas
são rápida de cristaloides se traduz em uma técnica como agente único, podem causar repercussões
efetiva para a prevenção de hipotensão arterial con- metabólicas neonatais e taquicardia materno-fetal.
sequente à raquianestesia. Esses efeitos indesejáveis podem ser atenuados
quando se associa a fenilefrina.
Recentemente, três estudos foram publicados
Terapia de resgate comparando a terapia combinada alfa e beta com
um beta-agonista isolado, mostrando benefícios e
Para a administração de vasopressores de res- limitações em cada. Mesmo com o emprego da tera-
gate para o controle de hipotensão arterial, faz-se pia combinada, os autores mostraram que 50% das
necessário, inicialmente, a definição do limite de pacientes apresentaram hipotensão quando subme-
hipotensão a ser tolerado. A administração desses tidas a bloqueios. A administração de vasopressores
agentes poderá ser realizada em bolus ou em infu- imediatamente após a realização do bloqueio é um
são contínua. fator preponderante na diminuição da incidência de
A taquifilaxia decorrente da administração de hipotensão arterial materna.5,32,36
efedrina deverá ser tratada com a administração de
fármacos alfa-agonistas que, exercendo ação direta
sobre a circulação periférica, possibilitarão o contro- CONCLUSÃO
le do quadro pressórico.
A fenilefrina pode ser administrada em bolus que A efedrina foi considerada, por muitos anos, o
variam de 20 a 100 mcg, por via endovenosa. Tanaka vasopressor de escolha em anestesia obstétrica. Re-
et al.,35 em recente estudo, estimaram sua dose efeti- centemente, entretanto, os fármacos alfa-agonistas
va (DE95) em bolus para a prevenção de hipotensão passaram a ocupar lugar de destaque na prevenção
arterial em 135 mcg. Para a prevenção de náuseas, e no tratamento da hipotensão arterial, apresentando
vômitos e hipotensão arterial, a DE95 obtida foi de 159 favoráveis resultados maternos sem causar repercus-
mcg. Tais doses descritas são maiores que as habi- sões negativas fetais identificáveis. O estrito controle
tualmente empregadas na prática clínica, podendo pressórico, por meio da titulação da administração
também resultar em hipertensão em aproximada- desses fármacos, melhora a qualidade da assistência
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RESUMO
ABSTRACT
Pregnancy in most women with heart disease has a favorable maternal and fetal outcome.
With the exception of patients with Eisenmenger syndrome, pulmonary hypertension
primary, and Marfan syndrome with aortopathy, maternal death during pregnancy in
women with heart disease is rare. Pregnancy per se imposes significant hemodynamic
changes placing a major burden on the cardiovascular system. Rheumatic heart disease
remains the most frequent heart disease in the pregnant population and the pulmonary
edema is the most frequent complication. Atrial septal defect is the most frequent congeni-
tal acianotic heart disease in the adult population, whereas tetralogy of Fallot is the most
common cyanotic congenital heart disease. Pregnancy and heart disease present a unique
challenge to the anesthesiologist. To avoid untoward complications resulting in significant
maternal and/or fetal morbidity or mortality, the anesthesiologist must be familiar about
the progression of heart disease during pregnancy. In this article, we review the patho-
physiology, clinical presentation, and anesthetic management of valvular, congenital,
vascular and ischemic heart disease, and cardiomyopathy in pregnancy.
Endereço para correspondência:
Key words: Complications, maternal death; anesthesia, pregnant cardiac; pregnancy, R. Victor Marinho de Andrade, 156
cardiac disease; anesthesia technique, pregnant cardiac; anesthesia considerations, B. Jardim Arizona – Sete Lagoas/MG.
CEP: 35700-379
pregnant cardiac disease. E-mail: wndrlmrr@uai.com.br
As cardiopatias são a primeira causa não obstétri- A gravidez provoca importantes modificações
ca de morte materna no ciclo gravídico puerperal e, hemodinâmicas que podem não ser toleradas
dessas pacientes, 25% tem doença cardíaca congêni- nas pacientes com cardiopatia. O débito cardíaco
ta.1-3 Estas estão presentes em 0,1 a 4% das gestantes (DC), a frequência cardíaca (FC) e o volume san-
e a taxa de mortalidade, tanto materna como fetal, guíneo aumentam significativamente na gravidez.
depende do tipo da cardiopatia, da reserva funcional A resistência vascular sistêmica (RVS) reduz duran-
de cada paciente e das medidas profiláticas e tera- te a gravidez, mas aumenta muito durante o parto.
pêuticas adotadas.1,3 O parto também causa um aumento do retorno ve-
Nos países desenvolvidos, a cardiopata mais fre- noso (Tabelas 1, 2, 3 e 4).
quente é a doença cardíaca congênita (70-80%) fruto Estudos hemodinâmicos em gestantes sadias
dos avanços das técnicas cirúrgicas e da terapêuti- demonstram aumento do débito cardíaco, do traba-
ca. A proporção de doença cardíaca congênita em lho do ventrículo esquerdo (VE) e do consumo de
gestantes aumentou nas últimas duas décadas de 5% oxigênio. O débito cardíaco aumenta em função do
para quase 80%, significando que 85% dos 7 em 1000 aumento do volume sistólico, particularmente no pri-
nascidos com doença cardíaca congênita agora atin- meiro e segundo trimestres. No último trimestre, o
gem a maturidade reprodutiva. aumento do débito cardíaco é discreto e depende do
A atenção à gestante cardiopata deve considerar ligeiro aumento da frequência cardíaca que vai até
as modificações hemodinâmicas da gravidez em re- ao final da gravidez. A pressão de oclusão da arté-
lação ao débito cardíaco, sobrecarga de volume, va- ria pulmonar e a pressão venosa central não se alte-
riações dos níveis pressóricos e sua interpretação nas ram uma vez que o aumento significativo da volemia
diferentes fases da gestação. O atendimento deve ser é contrabalanceado pela da redução da resistência
multiprofissional, realizando-se consultas com o obs- vascular sistêmica e pulmonar.
tetra e o cardiologista durante o pré-natal.1-3 Durante a gravidez, o volume plasmático e o DC
A prioridade no atendimento multiprofissional é aumentam de 45 a 50%. Na 16ª semana, 80% do au-
prevenir o surgimento de complicações graves, algu- mento do DC são atingidos principalmente pelo in-
mas fatais, como a insuficiência cardíaca materna e cremento no volume sistólico. A frequência cardíaca
fetal, endocardite infecciosa, edema agudo pulmo- começa a aumentar no início da gravidez e continua
nar, fenômenos tromboembólicos e arritmias (prin- até 32ª semana, quando atinge o máximo de aumen-
cipalmente fibrilação atrial e taquicardia paroxística to (10-20 bpm). As dimensões das câmaras cardíacas,
supraventricular materna e/ou fetal). avaliadas pela ecocardiografia, aumentam cerca de
No Brasil a incidência das afecções cardíacas 2 a 5 mm durante a gravidez. A resistência vascular
no ciclo gravídico-puerperal varia de 1% a 1,5%, sistêmica reduz devido à baixa resistência dos vasos
sendo as doenças do coração a quarta causa de uterinos e elevados níveis de vasodilatadores. Essa
óbito não obstétrico. Em 55% dos casos, a etiologia redução é acompanhada pela queda da pressão ar-
é reumática (70% a 80% dos casos representados terial sistêmica durante o segundo trimestre. O fluxo
pela estenose mitral). A mortalidade materna varia sanguíneo renal e a taxa de filtração glomerular au-
de 1% a 30% nas portadoras de cardiopatias favorá- mentam. Renina, angiotensina e peptídeo natriuré-
veis à gestação (classes funcionais I e II), chegan- tico atrial aumentam durante a gestação normal. A
do a 50% nas desfavoráveis (classes funcionais III gravidez induz um estado de hipercoagulação decor-
e IV). A mortalidade fetal varia entre 2% e 10% nas rente do aumento da concentração plasmática de fi-
cardiopatias do grupo favorável e chega a até 30% brinogênio, fatores VII, VIII e X, e do inibidor do ativa-
no grupo desfavorável. dor de plasminogênio. Adesividade plaquetária está
As principais repercussões para o concepto são o aumentada e há resistência para ativar a proteína C.
retardo do crescimento intrauterino, prematuridade, Em posição supina, o fluxo sanguíneo dos membros
baixo peso ao nascer, cardiopatias congênitas, insu- inferiores é reduzido devido à compressão da veia
ficiência cardíaca fetal, fetos hidrópicos, arritmias cava inferior pelo útero gravídico, o que contribui
fetais, abortos e óbitos. para maior tendência para hipercoagulação.
Tabela 2 - Modificações hemodinâmicas na gestação normal. Perfil hemodinâmico normal durante a gesta-
ção e pós parto
Variáveis mensuráveis Não gestante Gestante Variação
DC L/min 4.3+- 0.9 6.2 +-10 43%
FC bpm 71 +-10 83+- 10 17%
RVS dinas.cm.sec-5 1530 +- 520 1210 +- 266 - 21%
PAM mmHg 86.4 +- 7.5 90.3 +- 5.8 NS
POAP mmHg 6.3 +- 2.1 7.5 +- 1.8 NS
PVC mmHg 3.7 +- 2.6 3.6 +- 2.5 NS
PCO mmHG 20.8 +- 1.0 18.0 +- 1.5 - 14%
DC = débito cardíaco, FC = frequência cardíaca, RVS = resistência vascular sistêmica, PAM = pressão arterial média, POAP = pressão de oclusão da artéria pulmonar,
PVC = pressão venosa central, PCO = pressão coloidosmótica , NS= Não Significativo
Fonte: Clark SL, Cotton DB, Hankins GDV, Phelan JP, eds. Cardiac Disease. In: Critical Care Obstetrics, 3rd ed. Madden, MA: Blackwell Science;1997;290-213
dias após o parto e gradualmente retorna aos valores pacientes com doença cardíaca, congênita ou adqui-
pré-gravídicos, entre duas semanas e três meses. rida, que receberam cuidados terciários predizendo
A avaliação cardiovascular inclui a história clí- o risco de evento materno adverso (edema pulmonar,
nica com sintomas cardíacos e achados de exame arritmia sustentada, acidente vascular cerebral, pa-
físico durante a gestação normal (Tabela 5), o exa- rada cardíaca ou morte de origem cardiovascular).4
me físico (inspeção, palpação precordial e ausculta Atribui-se um ponto quando presente: a) cianose
– Tabela 6) e os achados eletrocardiográficos (Tabe- (SpO2) < 90% ao ar ambiente ou classe funcional > II;
la 7), radiográficos (Tabela 8) e ecocardiográficos b) obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo
(Tabela 9). Por meio de exame minucioso com de- e área valvar mitral < 2 cm2 ou área valvar aórtica <
talhamento de sinais e sintomas, pode-se distinguir 1,5 cm2, com gradiente VE/Ao (ventrículo esquerdo/
uma gestação normal de uma com sinais sugestivos aórtico) < 30 mmHg; c) disfunção ventricular sistêmi-
de cardiopatia (Tabela 10). ca – fração de ejeção < 40%; e d) evento cardíaco
prévio: edema pulmonar, arritmia, acidente vascular
DETERMINAÇÃO DO RISCO GRAVÍDICO cerebral ou acidente isquêmico transitório. A taxa de
EM PACIENTES COM CARDIOPATIA eventos adversos foi de 5%, 30% e 60% para 0, 1, e > 1
pontos respectivamente.
Toda paciente cardiopata deverá ser orientada
O risco gravídico compreende o risco obstétrico, quanto ao planejamento familiar (que varia com o
o risco cardiológico e o risco de doenças associadas tipo de cardiopatia), sobre o intervalo entre as gesta-
e/ou preexistentes. ções e qual método anticoncepcional mais indicado.
Especificamente na gestante cardiopata, a ava- A respeito do número de filhos, geralmente consi-
liação do risco cardiológico inicia-se pela análise dera-se de um a três filhos nas portadoras de insufici-
dos critérios para quantificá-lo: causa da cardiopa- ência mitral ou aórtica, nas valvopatias corrigidas e
tia (congênita ou adquirida), avaliação funcional, de baixo risco, e um filho nas pacientes de alto risco
anatômica e hemodinâmica (classes funcionais I, cardiológico (prótese cardíaca biológica e metálica).
II, III ou IV, conforme a classificação da New York A gravidez deverá ser evitada nas portadoras da sín-
Heart Association). drome de Marfan, síndrome de Eisenmenger, depen-
Dentre os critérios utilizados na avaliação cardio- dendo da repercussão hemodinâmica, nas cardio-
vascular da gestante cardiopata, destacam-se: área miopatias com grande aumento câmaras cardíacas e
valvar, ritmo cardíaco, fração de ejeção, uso de medi- fração de ejeção < 30%.5-7
camentos, tempo de pós-operatório (cirurgia corretiva Sobre o método de anticoncepção, a cargo do
ou paliativa), época da cirurgia e idade da paciente. obstetra, ressalta-se que os dispositivos intrauteri-
Ao lado dos conhecidos riscos associados às le- nos devem ser utilizados somente em pacientes de
sões específicas, um sistema de pontuação foi de- baixo risco, pois aumentam a possibilidade de en-
senvolvido e validado pelo um seguimento de 562 docardite infecciosa.8
Tabela 8 - Achados à radiografia de tórax durante A definição da lesão cardíaca é fundamental para
a gestação normal
estratificação do risco e para orientar a condução do
Retificação da borda cardíaca superior esquerda caso. A natureza da lesão residual ou sequela deve
Posicionamento horizontal do coração ser esclarecida, especialmente a função ventricular,
pressão pulmonar, severidade das lesões obstrutivas,
Acentuação das imagens vasculares pulmonares
persistência de shunts e presença de hipoxemia. Qua-
Pequena efusão pleural no período pós-parto precoce se todas as pacientes podem ser estratificadas em
Fonte: Bonow RO, Carabello BA, Chatterjee K, de Leon Jr AC, Edmnds Jr H, Fed- grupos de risco: baixo, intermediário e alto (Tabelas
derly BJ et al. ACC/AHA 2006 guidelines for the management of patients with
valvular heart disease: a report of the American College of Cardiology/American 11,12, 13).9-13 O estado funcional materno é largamen-
Heart Association task force on practice guidelines (Committee on management te utilizado como preditor de resultados e mais fre-
of patients with valvular heart disease). J Am Coll Cardiol,2006;48:e1-e148.
quentemente definidos pelas classes funcionais I a IV.
O risco de a doença cardíaca recorrer nos descen-
Tabela 9 - Achados ecocardiográficos e ao Doppler dentes deve ser considerado. O risco da população
durante a gestação normal em geral é de 0,4 a 0,6%, e o risco específico parece
Dimensões do VE ao final da sístole e da diástole discretamente aumentar com determinadas doenças cardíacas.14-16
aumentadas (quando o paciente é examinada na posição lateral)
Em descendentes de primeiro grau, o risco é cerca
Função sistólica ventricular esquerda inalterada ou
discretamente maior de 10 vezes maior, e a taxa de recorrência pode ele-
Moderado aumento nos tamanhos de átrio direito, ventrículo var-se de 10 a 15% após o nascimento de dois irmãos
direito e átrio esquerdo afetados. Um padrão monogenético certamente não
Dilatação progressiva dos ânulos valvares pulmonar, tricúspide acomete mais que 1 a 2% de todos os afetados. Apro-
e mitral
ximadamente 4 a 5% dos pacientes com cardiopatia
Regurgitação funcional pulmonar, tricúspide e mitral
congênita apresentam aneuplodia. Quando a doença
Pequeno derrame pericárdico
cardíaca é diagnosticada no pré-natal, a associação
Fonte: Bonow RO, Carabello BA, Chatterjee K, de Leon Jr AC, Edmnds com aneuplodia aproxima-se a 30%. Outros fatores
Jr H, Fedderly BJ et al. ACC/AHA 2006 guidelines for the management
of patients with valvular heart disease: a report of the American contribuem com apenas 1 a 2% das anormalidades
College of Cardiology/American Heart Association task force on
practice guidelines (Committee on management of patients with cardíacas observadas. A ecocardiografia fetal é ins-
valvular heart disease). J Am Coll Cardiol,2006;48:e1-e148.
trumento valioso para identificação de doenças car-
díacas congênitas no pré-natal (Tabela 14).
Tabela 10 - Sinais e sintomas de uma gravidez nor- A gestante cardiopata deve ser acompanhada
mal versus insuficiência cardíaca através de uma rotina estabelecida para as situações
Pode estar presente em de gravidez de alto risco. Os princípios gerais podem
Sugere doença cardíaca
uma gravidez normal ser descritos como:
Fadiga Precordialgia 1. estabelecer o diagnóstico da paciente grávida
Dispnéia aos menores
cardiopata: etiológico, anatômico e funcional;
Dispnéia aos exercícios esforços, ortopnéia, dispnéia 2. classificar o grau funcional, segundo a New York
paroxística noturna, tosse
Heart Association, avaliando as repercussões he-
Palpitações (taquicardia
reentrada, extrassístoles
Flutter ou fibrilação, modinâmicas pelos exames clínico, eletrocardio-
taquicardia ventricular
atriais e ventriculares) gráfico e ecocardiográfico, parâmetros que per-
Pressão venosa jugular elevada Hipotensão sistêmica mitem a análise do risco cardiológico;
Taquicardia sinusal 10-15% Taquicardia sinusal > 15% 3. identificar os preditores de eventos cardíacos
acima da FC normal acima da FC normal maternos: insuficiência cardíaca, acidente isquê-
Pulso cheio mico transitório ou acidente vascular cerebral,
Terceira bulha presente Quarta bulha presente
arritmia, classe funcional > 2, cianose, obstru-
ção ventricular esquerda (área válvula mitral <
Sopro sistólico Edema pulmonar
2 cm2, área da válvula aórtica < 1,5 cm2, ou pico
Edema tornozelo Derrame pleural do gradiente do fluxo ventricular > 30 mmHg pela
Fonte: Bonow RO, Carabello BA, Chatterjee K, de Leon Jr AC, Edmnds Jr H, Fed- ecocardiografia), redução da função ventricular
derly BJ et al. ACC/AHA 2006 guidelines for the management of patients with esquerda (fração de ejeção < 40%);
valvular heart disease: a report of the American College of Cardiology/American
Heart Association task force on practice guidelines (Committee on management 4. identificar os preditores de eventos adversos ne-
of patients with valvular heart disease). J Am Coll Cardiol,2006;48:e1-e148.
onatais: classe funcional > II ou cianose durante
a visita pré-natal inicial, obstrução ventricular 11. a cardiotocografia serve para a avaliação das con-
esquerda, tabagismo materno, gestação múltipla, dições fetais, ritmo e contratilidade uterina e aná-
anticoagulante durante a gravidez; lise do bem-estar fetal. É utilizada na gravidez du-
5. identificar as doenças cardíacas com indicação rante a cirurgia cardíaca para monitorizar o feto e
formal para a cesariana: aortopatia com raiz da verificar os efeitos das drogas utilizadas durante o
aorta > 4 cm; dissecção aórtica ou aneurisma; tra- procedimento;
tamento com warfarina por duas semanas; 12. a monitorização ambulatorial da pressão arterial
6. reconhecer as condições que habitualmente (MAPA) permite a avaliação dos níveis pressóri-
não requerem unidades de cuidados intensi- cos maternos na cardiopatia hipertensiva e para
vos para gestantes cardiopatas: defeito do sep- adequação e controle dos medicamentos anti-
to atrial corrigido, defeito do septo ventricular hipertensivos;
corrigido sem shunt residual, defeito do ducto 13. o exame do fundo de olho para avaliação do grau
arterioso corrigido, estenose pulmonar leve, vál- de severidade da hipertensão induzida pela gra-
vula aórtica bicúspide sem estenose, estenose videz.4-6,17-20
aórtica leve, regurgitação valvular leve (aórtica,
mitral, tricúspide, pulmonar), defeito do septo PROCEDIMENTOS EM FUNÇÃO DA IDADE
atrial não corrigido sem dilatação do ventrícu- GESTACIONAL E ANTIBIOTICOPROFILAXIA
lo direito ou sintomas, defeito septo ventricular
pequeno, restritivo, sem dilatação do ventrículo
esquerdo ou sintomas (Tabela 15); Complicações da gravidez contribuem significati-
7. eletrocardiograma de três em três meses; vamente para morbidade e mortalidade materna. A
8. ecocardiograma materno no início e no final da média geral das pacientes obstétricas que requerem
gravidez. Quando realizado na 20ª semana, per- cuidados médicos em unidades intensivas durante
mite avaliar a repercussão hemodinâmica da a gravidez é de 1 a 9 em 1.000 gestações.2 Em um
cardiopatia na gestação pela análise do átrio es- inquérito, a mortalidade materna foi de 11,5 mor-
querdo, de fração de ejeção e da contratilidade tes maternas por 100.000 nascidos vivos durante o
miocárdica; período de 1991 a 1997. A taxa de mortalidade das
9. ecocardiograma fetal deve ser realizado a par- gestantes nas unidades de cuidados intensivos varia
tir da 21ª-22ª semana de gravidez para avaliar as de 12 a 20%. Uma revisão de 18 estudos relatando as
condições cardiovasculares fetais. Pode ser re- principais indicações médicas das gestantes para as
petido para avaliar as alterações do ritmo fetal, unidades intensivas mostrou: doenças hipertensivas
das câmaras e fluxos intracardíacos, da definição (eclâmpsia, pré-eclâmpsia, síndrome de Hellp) com
de insuficiência cardíaca e da afecção cardíaca, 30,8%; quadros hemorrágicos (choque, descolamen-
reconhecimento das arritmias e para acompanha- to de placenta, hemorragia pós-parto) com 20,3%; e
mento, em caso de tratamento fetal; complicações pulmonares (edema pulmonar, pneu-
10. O Holter é utilizado para avaliação, acompanha- monia, asma, síndrome da angústia respiratória do
mento e tratamento das arritmias maternas; adulto – SARA) com 16.7%.2
Tabela 11 - Risco de morbidade materna e morte resultante de determinadas lesões cardíacas na gravidez
Baixo risco Moderado risco Alto risco
Lesões cardíacas corrigidas Ventrículo único Classe funcional > 3
Shunt esquerdo-direito não complicado Ventrículo direito sistêmico História de cardiomiopatia periparto
Regurgitação aórtica Uso de anticoagulantes Síndrome de Marfan com tamanho aórtico > 4 cm
Regurgitação mitral, prolapso válvula mitral Estenose mitral Disfunção ventricular esquerda severa
Estenose aórtica
Tabela 12 - Mortalidade materna associada a ges- Tabela 13 - Risco de mortalidade associada com a
tante cardiopata gravidez
Condição Mortalidade materna % Grupo 1: Baixo risco - mortalidade < 1%
Estenose mitral classes I ou II 0-1.6 Defeito septal atrial não complicado (DSA)
Defeito septal ventricular não complicado (DSV)
Estenose mitral classes III ou IV 5.0-7.0
Persistência do ducto arterial não complicado (DAP)
Estenose aórtica 0-2.0
Doença leve da válvula tricúspide/pulmonar
Hipertensão pulmonar 30-50
Tetralogia de Fallot corrigida
Válvula mecânica 1.0-4.0 Válvula biológica
Síndrome de Marfan (todas Prolapso válvula mitral isolado sem regurgitação importante
0-1.1
apresentações) Válvula aórtica bicúspide sem regurgitação significativa
Síndrome de Marfan com fatores de risco 50 Regurgitação valvar com função sistólica normal
Síndrome de Eisennmenger 36 Estenose mitral, Classe funcional NYHA I e II
cardiopatas e não cardiopatas apresentam morbida- Síndrome de Marfan com aorta normal
de e mortalidade materna de acordo com a indica- História de cardiomiopatia periparto sem disfunção residual
ção da cirurgia (Tabelas 17, 18 e 19). Grupo 3: Risco alto - mortalidade 25% a 50%
A idade gestacional é fundamental para a indica- Hipertensão pulmonar severa
ção e o uso de medicamentos (16ª, 20ª, 25ª e 32ª sema- Estenose aórtica severa
nas) é a época ideal para a realização de cirurgia car- História de cardiomiopatia periparto com disfunção residual
díaca.8-10,24 Valvoplastia por cateter balão e implante de
Coartação aórtica complicada
marcapasso variam entre 16ª e 28ª a 30ª semanas.5-7 An-
Síndrome de Marfan com envolvimento aórtico ou valvular
tes da 16ª aumenta a incidência de abortos, e após a 28ª
Síndrome de Eisenmenger
semana, a incidência de partos prematuros. Durante a
Fonte: Davies GAL, Herbert WNP. Heart disease in pregnancy 2.
circulação extracorpórea, algumas medidas podem ser Congenital heart disease in pregnancy. J Obstet Gynaecol Can. 2007;
adotadas para proteção do feto (Tabela 20). O tempo 29:409-14.
Tabela 14 - Risco recorrente de doenças cardíacas A angioplastia pode ser realizada durante a gravi-
congênitas
dez, os resultados tem sido satisfatórios; a colocação
Risco de recorrência no feto (%) de stents, no entanto, não tem sido referida.
Grau de parentesco com a doença As próteses metálicas ou biológicas podem ser
Cardiopatia materna Irmão (ã) Pai Mãe utilizadas, dando preferência às biológicas por não
Estenose aórtica 2% 3% 17.9% exigirem o uso de anticoagulantes, que trazem risco
Trajeto atrioventricular 2% 1% 13.9% para o feto.
Defeito septo ventricular 3% 2% 9.5% Profilaxia para febre reumática com antibioticote-
Estenose pulmonar 2% 2% 6.5% rapia (diário ou mensal), de acordo com as diretrizes
Defeito do septo atrial 2.5% 1.5% 4.6% estabelecidas, é importante, assim como o manuseio
Coarctação da aorta 2% 2% 4.1% de complicações como a fibrilação atrial (FA) ou ede-
Persistência canal arterial 3% 2.5% 4.1% ma pulmonar.8 As recomendações oficiais da American
Tetralogia de Fallot 2.5% 1.5% 2.6% Heart Association sugerem que a antibioticoprofilaxia
Fonte: Pilu G, Baccarani G, Perolo A, Picchio FM, Bovicelli L. Prenatal diagnosis para um parto não complicado é desnecessária, exceto
of congenital heart disease. In: Fleischer AC, Manning FA, Jeanty P, Romero R, para os casos de próteses valvares cardíacas ou shunt
eds. Sonography in Obstetrics and Gynecology: principles and practice. 5th ed.
Stamford, CT: Aplpleton & Lange; 1996. p.149-72. sistêmico pulmonar cirurgicamente construído. Por cau-
sa das dificuldades em prever os partos complicados e
Tabela 15 - Condições que não requerem unidade devido às consequências potenciais da endocardite, o
de cuidados intensivos em obstetrícia antibiótico profilático para todos os partos em pacientes
DSA corrigido portadoras de doença cardíaca congênita parece razo-
DSV corrigido, sem shunt residual ável - exceto para os casos de defeito septal tipo ostio
DAP corrigido secundum e pacientes com seis meses ou mais após re-
Estenose pulmonar leve paro cirúrgico de defeitos septais ou ligadura cirúrgica
Valva aórtica bicúspide sem estenose e divisão do ducto arterioso. Devido à alta taxa de mor-
Estenose aórtica leve talidade da endocardite infecciosa, muitos centros tem
Regurgitação valvar leve: aórtica, mitral, tricúspide, pulmonar estabelecido a prática de antibioticoterapia para o parto
DSA não corrigido sem dilatação do ventrículo direito (VD) ou e o puerpério. A justificativa para utilizar antibióticos é
sintomas
baseada na ocorrência de bacteriemia assintomática e
DSV pequeno, restritivo sem dilatação VE ou sintomas
transitória em aproximadamente 5% das gestantes no
Fonte: Gatt S. Pregnancy, delivery and the intensive care unit: need,
outcome and management. Curr Opin Anaesthesiol,2003;16:263-267. parto e em relatos de endocardite no puerpério.11,24,27,28
Entretanto, não há nenhuma evidência de que a utili-
Tabela 16 - Potenciais indicações para monitoriza- zação de antibioticoprofilaxia tenha algum impacto na
ção invasiva em pacientes obstétricas frequência da endocardite bacteriana.29
Indicações cardíacas: Outra abordagem diante dessas questões seria
Doença cardíaca valvar severa (estenose aórtica ou estenose indicar a profilaxia com antibiótico nas seguintes si-
mitral associado com hipertensão pulmonar) tuações: cirurgia de troca valvar prévia (biológica ou
Cardiomiopatia com fração de ejeção menor que 15-20% mecânica), malformações congênitas, endocardite
Colapso cardiopulmonar súbito (embolia liquído amniótico ou anterior, doença reumática ou outra disfunção valvu-
embolia pulmonar)
lar adquirida (mesmo após a cirurgia valvular), cardio-
Indicações pulmonares:
miopatia hipertrófica e prolapso de valva mitral com
SARA com PEEP > 15 mmHg
regurgitação. As novas diretrizes de antibioticoprofi-
Doença pulmonar severa com hipertensão pulmonar secundária
laxia de endocardite bacteriana contemplam a não
Edema pulmonar associado com pré eclâmpsia severa
necessidade do uso de antibióticos profiláticos em
Indicações renais: pacientes com doença valvar nativa quando subme-
Oligúria persistente a despeito da ressuscitação volêmica tidos a procedimentos odontológicos ou cirúrgicos.8
Outras: No entanto, por causa do efeito devastador da en-
Choque séptico refratário a ressuscitação volêmica e terapia docardite infecciosa, da simplicidade e baixo custo
vasopressora
da utilização do antibiótico profilático e da dificulda-
Fonte: Davies GAL, Herbert WNP. Heart disease in pregnancy 2.
Congenital heart disease in pregnancy. J Obstet Gynaecol Can. 2007; de em antecipar partos complicados, vários autores
29:409-14.
defendem a utilização sistemática da prevenção.
Tabela 18 - Medidas gerais para procedimento Tabela 20 - Medidas de proteção fetal durante a
anestésico em gestante cardiopata circulação extra-corpórea (CEC)
Controlar frequência cardíaca (70 a 90 bpm); Monitorização do tônus uterino e frequência cardíaca fetal na
gestação > 24 semanas
Tratar as arritmias cardíacas
Inclinação lateral esquerdo em 15º para prevenir ou atenuar
Fazer o cálculo adequado da infusão de líquidos compressão aortocava
Controlar a pressão arterial Manter hematócrito materno > 28%
Evitar oscilações da resistência vascular sistêmica e pulmonar Manter saturação de oxigênio materno
Evitar o uso de drogas depressoras do miocárdio Normotermia
Fonte: Andrade J, Ávila WS. Cardiopatia e gravidez. In: Barreto ACP, Alto fluxo de perfusão durante a CEC (> 2.5 L/min/m2)
Souza AGMR. SOCESP-Cardiologia, atualização e reciclagem. Rio de
Janeiro: Atheneu,1994. p.771-782 Aumento da pressão de perfusão (> 70 mmHg)
Reduzir tempo de CEC
Considerar fluxo pulsátil
Tabela 19 - Morbidade e mortalidade materna em
procedimentos cirúrgicos cardíacos Aplicar na interpretação de alteração de pH o alfa-Stat
Dissecção aórtica 34 22
Aneurisma de aorta 41 0 TIPO DE PARTO NAS
Disfunção prótese valvar 23 9
GESTANTES CARDIOPATAS
Anomalia congênita 17 0
Tromboembolismo pulmonar 44 22
Tumor cardíaco 43 0 O parto não deve ser induzido por razões cardí-
Coronariopatia 75 0 acas, e sim por indicações obstétricas. De um modo
Fonte: Chandrasekhar S, Cook CR, Collard C. Cardiac Surgery in the parturient. geral, o trabalho de parto espontâneo e parto vaginal
Anesth Analg. 2009; 108:777-85.
é o preferido. Não há nenhuma evidência de que a
cesariana confere algum beneficio materno-fetal. En- te na estenose mitral, limitando-se a reposição líqui-
tretanto, para algumas pacientes com doença cardí- da. Infusão hídrica rápida pode ocasionar edema
aca grave, a cesariana eletiva será a melhor opção. agudo de pulmão.
Os cuidados são os mesmos para as gestantes Determinados tipos de cardiopatia habitualmente
sadias, incluindo evitar hipotensão e manter desvio não necessitam de cuidados intensivos pós-operató-
uterino. Balanço hídrico requer atenção especial. rios. Em outras, a indicação é necessária e a monito-
Monitorização da pressão venosa central, capilar pul- rizarão invasiva imperativa. (Tabela 16).
monar e pressão arterial contínua devem ser avalia- Outra complicação na gravidez é a fibrilação
das caso a caso. atrial aguda, que deve ser revertida prontamente
Na maioria das pacientes com reserva circulató- com cardioversão elétrica, em qualquer trimestre
ria adequada, a epidural é a anestesia ideal. Muitas gestacional. A persistência da fibrilação atrial eleva
pacientes tem um trabalho de parto rápido, particu- em três vezes o risco de mortalidade materna.
larmente aquelas que estão em uso de digoxina, já A endocardite infecciosa é uma complicação
que essa droga parece ter um efeito direto no miomé- grave e pode ser fatal. Deve ser tratada clinicamente
trio, aumentando as contrações. A técnica anestésica durante a primeira semana e, depois, cirurgicamente,
deve ser individualizada. A Tabela 21 refere-se às in- sempre mantendo-se a antibioticoterapia.
dicações, restrições e contraindicações das técnicas A parada cardíaca materna é uma situação gra-
regionais mais frequentemente recomendadas para ve, tem alto índice de óbito materno, e as medidas
analgesia de parto ou cesariana. adotadas são as mesmas padronizadas para a rea-
nimação. Em relação ao feto, as medidas adotadas
CUIDADOS CARDIOLÓGICOS dependem da idade gestacional, vitalidade e viabi-
DURANTE E APÓS O PARTO lidade fetal. A posição de reanimação deve ser em
decúbito dorsal com desvio lateral do útero, utili-
zando coxim de apoio. As manobras de ressuscita-
A monitorização eletrocardiográfica e a oxime- ção precisam ser iniciadas o mais rápido possível,
tria devem ser contínuas e o controle dos níveis pres- com adequada ventilação. Se a idade gestacional
sóricos deve ser realizado de cinco em cinco minu- for superior a 28 semanas e houver insucesso na
tos. O cateter de Swan-Ganz pode ser necessário reanimação, o feto deve ser retirado imediatamente
na medida dos níveis de pressão capilar pulmonar, por via cesariana.
medidas volumétricas e medida contínua da satura- As crises hipertensivas são tratadas com hidrala-
ção de oxigênio venosa. Colocar sonda vesical de zina em bolus e depois em infusão contínua. O sulfato
demora. A posição mais adequada para o parto é a de magnésio é reservado para os casos de doença
semifowler. Evitar sobrecarga hídrica, principalmen- hipertensiva específica da gravidez.
RDU NA/NI NA/CA NA/NI NA/NI NA/NI NA/CA NA/CA CA/CA NA/C-NI NA/CA
Pa I/I C/I R/I R/I R/I I-C/C C/CA C-I/CA I/I C-I/C-NI
RCb I/ND I/ND R/I ND/ND ND/ND I/C I-C/AC I/AC I/I I/C-NI
BCb I/ND I/ND R/I ND/ND ND/ND I/C I-C/AC I/AC I/I I/C-NI
RBc I/NA NA/NA I/NA I/NA ND/NA ND/NA ND/NA C-I/NA I/NA I/NA
EM – estenose mitral, EA – estenose aórtica, IM – insuficiência mitral, IA – insuficiência aórtica, S E-D – shunt esquerdo-direito, – EISEN – Eisenmenger, TF – tetralogia
de Fallot, HPP – hipertensão pulmonar primária, DAC – doença arterial coronariana, ESHI – cardiopatia hipertrófica, RDU – raquianestesia dose única, P – peridural,
RC – raquianestesia continua, BC – raquianestesia combinada com peridural, RB – raquianestesia baixa – sacral, NA= não aplicável, NI= não indicado, CA= contra-
indicação absoluta, I= indicado ou sem contra-indicação, C= controverso, R = recomendado, ND= dados insuficientes, Pa- baixas concentrações de anestésico local
pela peridural: analgesia trabalho de parto ou epidural para cesareana em doses incrementais, opióides em todos os procedimentos, avaliação perfil da coagulação
indicado, RCb- inicia-se com doses pequenas de opióides na raque ou com pequena dose de AL + opióide, RBc= pequena dose AL hiperbárico com ou sem opióide.
Fonte:Gomar C, Errando CL. Neuroaxial anaesthesia in obstetrical patients with cardiac disease. Curr Opin Anaesthesiol,2005;18:507-512.
A via de parto é de indicação obstétrica, mas IM é uma doença progressiva na metade dos pa-
usualmente está indicada a via vaginal com uso cientes afetados, causando um aumento estável de
de fórceps de alívio e analgesia peridural. Moni- volume regurgitado de aproximadamente 7 a 8 ml/
torização hemodinâmica invasiva está indicada batimento/ano.50 É em geral bem tolerada, em virtude
naquelas pacientes sintomáticas com área valvar < do esvaziamento ventricular esquerdo secundário à
1,5 cm2, e deverá se estender por várias horas no queda fisiológica da RVS. Em pacientes sintomáticas,
período pós-parto. a terapia com diurético está indicada, e a digoxina
O bloqueio peridural é a forma mais adequada pode ser útil naquelas com função sistólica ventri-
para analgesia de parto e anestesia para cesariana, cular esquerda comprometida. A hidralazina tem se
evitando uma rápida queda da resistência vascular mostrado segura durante a gestação. Ela reduz a pós-
periférica naqueles pacientes incapazes de aumentar carga ventricular esquerda e previne a piora hemodi-
o DC para manter a PA.35,41-48 nâmica associada ao exercício isométrico durante o
Conduta para prática anestésica em pacientes trabalho de parto. Por causa do risco da perda fetal,
com estenose mitral: a cirurgia deve ser evitada, se possível, durante a gra-
■ oxigenoterapia, posição decúbito lateral esquerdo; videz, devendo ser empregada apenas em pacientes
■ antibioticoterapia profilática; com insuficiência cardíaca grave e comprometimen-
■ restrição hídrica com monitorização invasiva to hemodinâmico a despeito do tratamento medica-
para manter pré-carga; mentoso adequado.
■ controlar frequência cardíaca – betabloqueado- As causas de IM incluem febre reumática, trauma,
res, analgesia, fenilefrina ou metaraminol para endocardite, infarto do miocárdio, doença cardíaca
tratar hipotensão arterial (não usar efedrina); congênita e degenerações mixomatosas do aparelho
■ prevenção/tratamento FA – digoxina, verapamil, valvar. Ecocardiografia e angiografia são métodos
betabloqueador, amiodarona, cardioversão; definitivos de diagnóstico.
■ monitorização – ECG, oximetria de pulso, pressão Na IM crônica, o AE adapta-se à sobrecarga
arterial invasiva, cateter artéria pulmonar na pre- volêmica com dilatação e aumento da complacên-
sença de hipertensão pulmonar –, manter pres- cia. Esse mecanismo protege a circulação pulmo-
sões de enchimento; nar (arterial, capilar e venosa) da pressão induzi-
■ anestesia regional – epidural ou epidural combi- da pela sobrecarga volêmica. Entretanto, na fase
nada com raqueanestesia, evitar queda abrupta tardia da doença, o aumento da pressão do AE
da resistência vascular periférica; é retransmitido de forma retrógrada elevando as
■ fórceps de alívio indicado para encurtar segundo pressões pulmonares com risco de causar conges-
estágio de parto; tão pulmonar e insuficiência ventricular direita. A
■ cesariana: peridural é a anestesia preferida, man- ejeção através da valva aórtica pode estar reduzi-
ter as pressões de enchimento; da em 50% a 60%. Essa redução dependerá da re-
■ período pós-parto – avaliação crítica nas primei- sistência da valva aórtica e da relação com a valva
ras duas horas pós-parto, avaliar a utilização de mitral. A redução da pós-carga reduz o fluxo de
dose adicional de anestésico pelo cateter peridu- sangue regurgitado e aumenta o DC.
ral no pós-operatório ou pós parto; O aumento do volume intravascular na gestante
■ a amamentação é recomendada, a não ser em pode comprometer o desempenho do VE e resultar
caso de estenose mitral severa e com área valvar em congestão pulmonar, muito embora a redução da
< 0,9 cm2. RVP atenue este efeito. Dor, apreensão, contrações
uterinas ou estimulação cirúrgica associados com o
parto e trabalho de parto causam aumento da RVS,
Insuficiência mitral através do tônus simpático, com risco de insuficiên-
cia ventricular esquerda e congestão pulmonar.
Insuficiência mitral (IM) é a segunda causa mais co- Nessas pacientes, deve-se prevenir a vasocons-
mum de doença valvar na gravidez. Geralmente é bem trição periférica, evitar depressão miocárdica, tratar
tolerada. Durante a gravidez, a incidência relatada de a FA aguda com cardioversão, manter a frequência
congestão pulmonar é de 5,5%, FA de 4,3%, embolismo cardíaca normal ou discretamente elevada e monito-
pulmonar de 2,8% e endocardite infecciosa de 8,5%.49-50 rizar a pressão capilar pulmonar, quando indicada.
Deslocamento uterino para a esquerda e cefalode- Durante o segundo estágio do trabalho de parto,
clive de 10º ajudam a manter o retorno venoso. Infusão a manobra de Valsalva necessária para a expulsão
volêmica pode ser necessária para manter as pressões do feto envolve prolongado aumento da pressão in-
de enchimento do VE como resultado do aumento da tratorácica com compressão das câmaras cardíacas
capacitância venosa induzida pela anestesia. e redução da pressão transmural limitando o enchi-
A incidência da FA na IM é de 30%, e da hipertensão mento cardíaco com redução do volume sistólico e
pulmonar é de 20% dos casos. A IM causa uma sobre- do débito cardíaco. Um aumento compensatório da
carga volêmica no VE com uma hipertrofia ventricular FC e da RVS ocorre na tentativa de manter a PA. Com
excêntrica. Uma redução da FEVE menor que 60% ou a liberação da pressão expiratória, o aumento da RVS
um aumento da dimensão do VE ao final da sístole > 45 resulta na elevação da PA, a qual é mantida por cerca
mm são indicativos de intervenção cirúrgica. de dois minutos. Contrações uterinas e manobra de
A insuficiência mitral é classificada como grave Valsalva frequentes acabam por determinar o não re-
se, além da presença do aumento do ventrículo es- torno a valores normais da RVS e, nas pacientes com
querdo ou átrio esquerdo, estiver associada no míni- insuficiência aórtica ou mitral, determinam o aumen-
mo aos seguintes itens: angiografia 3+ ou 4+, Doppler to do volume regurgitado. De fato, durante o segundo
> a 0,7 cm, volume regurgitado > a 60 ml, orifício da estágio do trabalho de parto, ondas V típicas de fluxo
área regurgitada > a 0,40 cm2. de regurgitação através da válvula mitral transmitido
A valvuloplastia mitral está indicada, com grau de para as veias pulmonares podem ser verificadas no
recomendação classe I, nas pacientes sintomáticas traçado da POAP, elevando a pressão diastólica da
com fração de ejeção > 30% e dimensão do ventrículo artéria pulmonar.
esquerdo ao final da sístole < 55 mm, e também na- Conduta anestésica:
quelas pacientes assintomáticas com fração de ejeção ■ oxigenoterapia, decúbito lateral esquerdo;
entre 30-60% ou dimensão do ventrículo esquerdo ao ■ antibioticoterapia profilática;
final da sístole > 40 mm. Como classe IIa, estaria indi- ■ controle da frequência cardíaca (70-80 bpm) –
cada valvuloplastia mitral na presença de FA de início betabloqueador, analgesia, fenilefrina, noradre-
recente, hipertensão pulmonar e sintomas com fração nalina, metaraminol para tratamento da hipoten-
de ejeção < 30% ou com dimensão do VE ao final da são arterial;
sístole > 55 mm. Quanto à troca da valva mitral, have- ■ prevenção e tratamento da FA – digoxina, verapa-
ria recomendação classe I nas pacientes sintomáticas, mil, betabloqueador, amiodarona, cardioversão;
com fração de ejeção > 30%, dimensão do VE ao final ■ manter volemia;
da sístole < 55 mm e impossibilidade de valvuloplas- ■ monitorização – ECG (V5, análise segmento ST),
tia. A troca mitral poderia ser considerada (classe IIb) oximetria de pulso, cateter arterial contínuo, ca-
em pacientes com sintomas cuja fração de ejeção for teterização da artéria pulmonar está associado a
menor ou igual a 30% e dimensão do VE ao final da alta incidência de arritmias;
sístole > 55 mm na impossibilidade de valvuloplastia. ■ anestesia regional – peridural contínua para anal-
Embora a RVP seja inferior ao normal da 16ª à 36ª gesia de parto, evitar queda abrupta da resistên-
semana de gestação, ela retorna ao normal próximo cia vascular periférica, fórceps de alívio indicado;
ao término da gravidez. Quando em posição supina, ■ cesariana – peridural ou anestesia geral venosa,
toda paciente experimenta algum grau de compres- manter pressões de enchimento, controlar frequên-
são aortocava, com consequente aumento da RVS cia cardíaca;
para manter a pressão arterial. Mudança para decúbi- ■ controle clínico de rotina e tipo de parto a critério
to lateral melhora o retorno venoso, aumenta o débito obstétrico;
cardíaco e reduz a RVS. O sangue lançado a circula- ■ a amamentação recomendada é a natural.
ção sistêmica pela contração uterina aumenta o volu-
me sanguíneo e contribui para o aumento as pressões
arteriais tanto a sistêmica quanto a pulmonar. Estenose aórtica
Analgesia epidural reduz o índex da RVP e POAP,
com aumento do índex cardíaco e do trabalho sistó- Estenose aórtica (EA) reumática é rara durante
lico do VE com consequente aumento dramático do a gestação (0,5 a 3%) e ocorre em associação a do-
desempenho ventricular. ença valvar mitral em cerca de 5% das gestantes.
A raridade da doença, nas gestantes, deve-se ao O grande risco é imposto pelo débito cardíaco
período latente típico de 35 a 40 anos entre a febre limitado, podendo afetar a pressão de perfusão co-
reumática aguda e sintomas da estenose. Gestantes ronariana. Estas pacientes não toleram desvios vo-
assintomáticas não possuem risco aumentado du- lêmicos observados durante o parto e no período
rante trabalho de parto, mas são vulneráveis à re- imediato do pós-parto. A utilização do cateter da ar-
dução do volume sistólico e hipotensão se a RVP for téria pulmonar pode ser útil para manter a pressão
abruptamente reduzida. de oclusão adequadamente elevada sem precipitar
A área normal da válvula aórtica é de 2,6 - 3,5 cm2. edema pulmonar.
Gestantes com área valvar inferior a 1,5 cm2 evoluem As indicações para cirurgia valvar (classe I) se-
com dispneia aos esforços, angina, edema pulmonar, riam para as pacientes sintomáticas com fração
pré-síncope e síncope. O desenvolvimento de sin- de ejeção < 50%, ou quando estiver indicada outra
tomas graves durante a gestação, especialmente se cirurgia cardíaca. Como classe IIb (pode ser consi-
refratários a terapia medicamentosa, pode requerer derada) estariam aquelas situações de hipotensão
interrupção da gravidez, reparo valvar cirúrgico ou arterial durante exercícios, calcificação valva aórti-
valvuloplastia percutânea com balão. ca, rápida progressão da estenose ou expectativa de
A estenose aórtica grave é definida na presença atraso da cirurgia.
de um ou mais dos seguintes critérios: velocidade do O tipo de parto será indicado pelo cardiologista
jato aórtico maior que 4,0 m/s; gradiente médio maior nos casos de estenose aórtica severa e de gradiente
que 40 mmHg; área da válvula aórtica menor que 1,0 sistólico > 60 mmHg. Monitorizar continuamente o
cm2 ou índex da área valvar menor que 0,6 cm2/m2. elevado risco de arritmias, dissecção de aorta e mor-
Recomenda-se o controle clínico mensal ou quin- te súbita. Evitar a infusão rápida de líquidos e fazer
zenal a partir do 7º mês, eletrocardiograma de rotina cobertura antibiótica para o parto. Recomenda-se
mensal ou quando indicado, ecocardiograma mater- anestesia geral nos casos de estenose crítica. A ama-
no (um a dois exames) e ecocardiograma fetal a par- mentação recomendada é a natural, e o risco cardio-
tir da 22ª semana de gravidez. O ultrassom obstétrico lógico deve ser avaliado antes de uma nova gravidez.
deve ser realizado mensalmente. O objetivo da anestesia é evitar queda da RVP e
Pacientes com estenose aórtica possuem risco bradicardia e manter o retorno venoso e enchimento
aumentado quando submetidos a procedimentos do VE. Medicação sistêmica, bloqueio de pudendo
anestésicos. A hipertrofia ventricular esquerda e anestesia inalatória podem ser selecionados para
compensatória torna-o vulnerável à isquemia. O analgesia do trabalho de parto e parto. O tratamento
estresse adicional imposto pelas modificações fi- da hipotensão arterial inclui deslocamento uterino,
siológicas da gravidez e do trabalho de parto pode infusão de cristalóide e vasopressores (efedrina ou
resultar em situações instáveis, com mortalidade metaraminol). Anestesia geral venosa é recomenda-
materna tão alta como 17% e mortalidade fetal de da para cesariana.
até 32%. A escolha da técnica anestésica deve ser
criteriosa. Os objetivos da anestesia são manter a
pré-carga, evitar hipotensão arterial sistêmica, is- Insuficiência aórtica
quemia, depressão miocárdica e evitar os extremos
da bradicardia e taquicardia. As principais causas da insuficiência aórtica no
Não existe consenso a respeito de qual técnica grupo de pacientes de insuficiência aórtica são a val-
anestésica seria a melhor para cesariana (anestesia va aórtica bicúspide, doença reumática, endocardite
geral ou bloqueio neuroaxial). Em situações nas prévia ou ânulo aórtico dilatado.53
quais a parturiente está bem, a técnica regional é ge- O tempo diastólico reduzido, a queda da resistên-
ralmente reconhecida como superior. Habitualmente cia vascular periférica, o aumento discreto da frequ-
é dito que, em casos críticos, a anestesia regional es- ência cardíaca e as alterações fisiológicas induzidas
taria contraindicada. pela gravidez tornam a gestação, na paciente porta-
Entretanto, mesmo em casos críticos, exceto a dora de insuficiência aórtica, quase assintomática.
raqueanestesia em dose única, tanto a peridural con- Essas alterações acabam por reduzir o fluxo de regur-
tínua, raqueanestesia contínua ou a combinação des- gitação e, por consequencia, a intensidade do sopro,
tas técnicas têm se mostrado seguras.51-51 a exemplo do que ocorre na insuficiência mitral.53
Nas pacientes com insuficiência aórtica severa, o mum. Geralmente é bem tolerada durante a gravidez,
fluxo coronariano, em vez de ocorrer durante a diás- sendo 85% das pacientes assintomáticas, mas pode
tole, ocorre predominantemente durante a sístole.54 causar arritmias, bradicardia, insuficiência mitral e
Insuficiência cardíaca pode desenvolver-se em 3 morte súbita.
a 9% dos pacientes durante a gravidez. A anestesia O PVM por degeneração mixomatosa é a doen-
deve evitar o aumento da RVS durante o trabalho de ça degenerativa mais prevalente da valva mitral. A
parto, manter normal ou ligeiramente aumentada a rotura da corda e a endocardite infecciosa são as
FC e evitar a depressão miocárdica.53,55 complicações mais temíveis, gerando insuficiência
Insuficiência aórtica grave é definida pelo aumen- mitral aguda ou piorando uma insuficiência prévia.
to do VE associada a um dos seguintes itens: angio- Ansiedade, palpitações, distúrbios emocionais, des-
grafia 3+ ou 4+; Doppler maior que 0,6 cm; volume re- conforto torácico, tonteiras e hipotensão ortostática
gurgitado maior ou igual a 60 ml; fração regurgitada habitualmente fazem parte do quadro clínico. Algu-
maior ou igual a 50% ou orifício da área regurgitada mas possuem características marfoinoides ou anor-
maior ou igual a 0,30 cm2. malidades do esqueleto torácico. O teste diagnóstico
Pacientes sintomáticas com fração de ejeção < definitivo é o ecocardiograma.
50% tem indicação de cirurgia de substituição val- Considerações anestésicas incluem evitar hipovo-
var (grau de recomendação classe I). Em outras lemia, bradicardia, vasoconstrição e depressão mio-
situações, a indicação cirúrgica parece razoável cárdica. Esses objetivos podem ser alcançados pela
(classe IIa) nas seguintes situações: achados eco- analgesia epidural lombar.
cardiográficos com dimensões finais na diástole Pacientes com PVM, especialmente aquelas com
do ventrículo esquerdo > 55 mm, dimensão dias- uma valva mitral espessada e regurgitação mitral, es-
tólica final > 75 mm, dimensão final sistólica do tão sob risco aumentado de endocardite infecciosa.
ventrículo esquerdo > 50 mm, dimensão diastólica Apesar de controversa, a conduta de usar antibió-
final > 70 mm com aumento do ventrículo esquer- ticos para profilaxia de endocardite bacteriana é a
do, ou em situações clínicas de intolerância aos prevalente.
exercícios.8,9
A anestesia epidural contínua está recomendada
para analgesia de parto.53 Anestesia geral ou regional Síndrome de Marfan
é aceitável para cesariana. A raqueanestesia em dose
única não está indicada. A raquianestesia contínua A gravidez em mulheres portadoras da síndrome
ou combinada com peridural ainda não tem dados de Marfan (SM) impõe um problema duplo: complica-
suficientes disponíveis para se estabelecer uma indi- ções cardiovasculares e um alto risco de as crianças
cação baseada em evidência.56 herdarem a condição.61 É uma doença autossômica
Anestesia regional evita os riscos associados dominante, com 50% de risco de os filhos apresen-
à anestesia geral tais como aspiração, dificuldade tarem lesões musculoesqueléticas, cardiovasculares
de intubação e respostas cardiovasculares a larin- e oculares. Existe uma história familiar em 85% dos
goscopia. casos, sendo os demais casos consequências de no-
Na verdade, há poucos dados na literatura para vas mutações. A prevalência é de 4-6 por 10.000, in-
guiar a conduta anestésica de parturientes com dependente da raça, sexo ou etnia. As manifestações
doença aórtica ou pulmonar. A associação da es- cardiovasculares, isoladas ou associadas, incluem
tenose pulmonar com a insuficiência aórtica (sín- prolapso de válvulas mitral e tricúspide e regurgita-
drome de Watson) apresenta-se como desafio, e ção aórtica com dilatação e/ou dissecção.
anestesia peridural com doses crescentes tem se Complicações cardiovasculares durante a gra-
mostrado factível.57-59 videz incluem dilatação da aorta ascendente, o que
pode ocasionar o desenvolvimento de regurgitação
mitral, insuficiência cardíaca congestiva, dissecção
Prolapso valvar mitral proximal e distal da aorta com possível envolvimento
das artérias ilíacas e coronárias.
Prolapso de valva mitral (PVM) ocorre em 5 a 10% Pacientes com SM que possuem apenas envolvi-
da população e é a lesão valva congênita mais co- mento mínimo do sistema cardiovascular e diâmetro
aórtico inferior a 40 mm geralmente toleram bem a Analgesia de trabalho de parto e parto com infu-
gravidez. A maioria das complicações ocorre próxi- são contínua com opioides como o remifentanil, tem
mo ao termo. A SM também pode ser responsável por sido descrita com excelentes resultados.62,63
complicações obstétricas incluindo incompetência
cervical, sítio placentário anormal e hemorragias
pós-parto. Dupla lesão mitral ou aórtica
O tratamento da gestante com SM deve incluir o
aconselhamento pré-concepção e discussão dos po- Na dupla lesão mitral, o controle clínico será de
tenciais riscos maternos e fetais. Mulheres com dila- rotina como na estenose mitral. O tipo de parto será
tação aórtica e história prévia de dissecção estão sob normal, e a anestesia, tipo peridural, raquidiana baixa
alto risco de complicações, nesse caso, a gravidez é ou bloqueio pudendo. A amamentação recomendada
desaconselhada. Em contraste, o risco para pacien- é a natural. Na dupla lesão aórtica, a evolução clínica
tes sem complicações cardíacas e com um diâmetro está relacionada ao grau de estenose. Nos casos de le-
aórtico normal é significativamente menor. Ainda sões moderadas a severas, o parto será por cesariana
assim, um diagnóstico favorável não é garantido, e e sob anestesia geral. A amamentação recomendada
a dissecção aórtica pode ocorrer, apesar de infre- está na dependência da severidade da lesão.
quente. Devido ao risco de progressão da dilatação
aórtica durante a gravidez, acompanhamento eco-
cardiográfico periódico está indicado. Aneurismas e Lesões múltiplas
dissecções podem ocasionalmente envolver a aorta
descendente, e, por tal razão, o uso da ecocardiogra- Mitral, aórtica e tricúspide. A evolução da gravi-
fia transesofágica parece preferido ao exame trans- dez depende fundamentalmente da lesão mitral e
torácico. Durante a gestação, a atividade física vigo- o tipo de parto depende da lesão aórtica. O tipo de
rosa deve ser evitada. A demonstração da redução anestesia está relacionado à lesão predominante, e o
da taxa da dilatação aórtica e das complicações pelo aleitamento é o natural.
betabloqueador impõe o seu uso durante a gravidez.
Na presença de dilatação substancial ou dissecção
aórtica, o abortamento terapêutico ou parto prema- Comissurotomia mitral prévia
turo pode ser indicado, dependendo da fase da ges-
tação (gestação a termo com parto cesareana, após Nos casos de comissurotomia mitral, o controle
substituição da raiz aórtica, é descrita). 61 Em geral, a clínico será de rotina. Contudo, observar o período
cesariana é indicada de rotina e a anestesia regional de pós-operatório (a gravidez apresenta menor risco
é a melhor opção. quando ocorrer entre seis meses e seis anos após a
comissurotomia). Átrio esquerdo com diâmetro en-
Estenose congênita da artéria pulmonar tre 35 e 40mm, área valvar residual de 2,5 a 3 cm2,
ritmo sinusal, fração de ejeção > 55% e a ausência
de fenômenos tromboembólicos reduzem o risco das
A estenose congênita da artéria pulmonar cons- pacientes com comissurotomia mitral prévia. O tipo
titui 13% de todas as doenças cardíacas congêni- de parto, a anestesia e o tipo de aleitamento são os
tas.62 A lesão pode ser valvar ou subvalvar (infun- mesmos recomendados para as pacientes com este-
dibular). Monitorização hemodinâmica invasiva nose mitral. Na necessidade de antibioticoterapia,
(pressão arterial e pressão venosa central) está dar preferência às cefalosporinas.
indicada. Deve-se evitar bradicardia, depressão do
miocárdio, aumento do volume intravascular e re-
dução do retorno venoso e da RVS. Para o trabalho Valvoplastia prévia
de parto e parto, a anestesia peridural ou raquea-
nestesia com doses diluídas de anestésico local e O controle da gestação dependerá do tipo de le-
opióides é recomendada. Para cesariana, anestesia são residual, da área valvar na pós-dilatação, do tem-
geral com opioides é adequada, mantendo a RVP, po de realização da valvoplastia em relação ao início
FC e contratilidade miocárdica. da gravidez, grau funcional e área valvar atual, medi-
camentos em uso, número de gestações anteriores, em mulheres com próteses valvares estão relaciona-
número de filhos vivos e número de abortos prévios. dos à maior sobrecarga hemodinâmica, incidência
As pacientes desse grupo são controladas da mesma de eventos tromboembólicos, efeitos adversos fetais
forma que as pacientes com estenose mitral. Podem causados pelas drogas cardiovasculares e anticoa-
ser submetidas à nova valvoplastia durante a gravi- gulantes. A experiência em mais de 1.000 gestações
dez. Contudo, avaliar previamente os riscos e os be- indica que a maioria das pacientes assintomáticas ou
nefícios de uma nova intervenção ou, eventualmente, levemente sintomáticas antes da gestação tolera a so-
a limitação de outra gestação. brecarga hemodinâmica da gravidez.
Permitida a gestação, ter acompanhamento car- Na avaliação e condução das pacientes com pró-
diológico de 20 em 20 dias e semanalmente do 7º teses valvares mecânicas as seguintes questões são
mês até o parto. Manter monitorização cardiológica de destaque:
durante o parto, com oximetria digital e controle de ■ a difícil decisão referente às válvulas mecânicas,
níveis pressóricos. A anestesia recomendada é a pe- especialmente em portadoras de insuficiência
ridural. A amamentação é natural. Deve-se limitar o valvular, é definir qual o melhor momento para
número de filhos a um ou, no máximo, dois. O risco a cirurgia;
cardiológico é decisivo quando se planeja outra gra- ■ nos casos de troca de válvula aórtica, escolher uma
videz. Devem ter cobertura antibiótica no parto com prótese mecânica adequada de forma que não tenha
cefalosporina (1ª ou 2ª geração), 1g venosa seguida uma área de orifício efetiva menor que 0.85 cm2/m2;
de 500 mg de 6/6 horas via oral, ou ampicilina 2g, ■ anticoagulação em pacientes com prótese mecâ-
venosa ou intramuscular, associada a gentamicina 80 nica aórtica (dois folhetos) deve ser mantida com
mg intramuscular. RNI entre 2,0-3,0 e as demais próteses mecânicas
e biopróteses entre 2,5-3,5 por três meses;
Gestação em pacientes com ■ sangramento na paciente com prótese mecânica
próteses valvares cardíacas é mais frequente do que trombose valvar. Trom-
bose ocorre em 1 a 3 % dos pacientes anualmen-
te, com eventos embólicos em 0,7% dos casos,
A seleção da prótese valvar cardíaca em mulhe- enquanto o risco anual de sangramento é de 2,7%;
res em idade reprodutiva permanece difícil. Valvas ■ mortalidade por complicações hemorrágicas é de
mecânicas de nova geração oferecem excelente 0.3%/ano e por complicações tromboembólicas
durabilidade, baixo risco de reoperação e perfil he- de 0,03%/ano;
modinâmico superior.8-10 No entanto, a necessidade ■ trombose de valva mecânica em pacientes hemo-
de anticoagulação esta associada à maior risco de dinamicamente estáveis deve ser primariamente
hemorragia materna e perda fetal. Valvas teciduais tratada com trombolíticos;
tem um perfil hemodinâmico inferior, especialmente ■ avaliar, no seguimento pós-operatório, a presen-
com pequenos tamanhos valvares na posição aórti- ça de disfunção ventricular esquerda, disfunção
ca. Estão associadas a maior incidência de deteriora- ventricular direita, hipertensão pulmonar e com-
ção em pacientes jovens, a qual pode ser acelerada plicações mecânicas;
durante a gestação, com uma taxa esperada de troca ■ antibioticoprofilaxia para prevenção de endocar-
valvar tão elevada quanto 30 a 50% em 10 anos. Ape- dite infecciosa;
sar de os homoenxertos valvares e novas valvas pe- ■ regurgitação para ou transvalvar é detectada pela
ricárdicas parecerem ter melhor hemodinâmica, in- ecocardiografia; quando surge mais tarde pode
formação relativa à gravidez em mulheres com essas ser inofensiva, mas pode indicar problema hemo-
valvas é limitada. Na população não obstétrica tem dinâmico ou endocardite;
sido relatado que os homoenxertos valvares apresen- ■ infecção de prótese valvar mecânica é uma com-
tam a mesma taxa de deterioração que a das valvas plicação séria e ocorre em 0,1 a 2,3% ao ano.
porcinas bioprotéticas. O acompanhamento a longo
prazo de mulheres não gestantes submetidas ao pro- Anticoagulantes orais atravessam a placenta e
cedimento de Ross exibiu taxas de reoperação de 24 podem ser danosos ao feto, com risco de embriopa-
a 38% e mortalidade de 15 a 39% em 10 e 20 anos, tia em 6-7%. O efeito teratogênico ocorre entre a 8ª e
respectivamente. Os riscos associados à gestação a 12ª semana de gestação. A embriopatia pela war-
farina apresenta um quadro polimorfo: ponte nasal ■ HNF ou HBPM, como anteriormente, até 13ª se-
achatada, hipoplasia nasal, ossos nasais pequenos, mana, substituída por warfarina até a metade do
aletas nasais hipoplásicas, telecanto, obstrução de terceiro trimestre, com nova substituição por he-
vias aéreas superiores relacionadas com a estenose parina até o parto;
de coanas, displasia pontual epifisária de ossos lon- ■ o uso de derivados cumarínicos ao longo da gra-
gos e placas vertebrais cervicais e lombares. Há o videz carreia um risco de 6% de embriopatia; esse
risco de hemorragia intracraniana fetal e perda fetal risco é reduzido com dose de warfarina < 5 mg/
(34%), principalmente devido ao abortamento espon- dia ou acenocoumarol < 2,0 mg
tâneo (25%). Um estudo sugeriu uma relação entre ■ substituição de derivados cumarínicos com HNF
complicações fetais e dose de warfarina com a maio- ou HBPM da 6ª à 12º semana da gravidez elimina
ria dos efeitos adversos fetais, ocorrendo em doses o risco de embriopatia relacionada à anticoagu-
superiores a 5 mg/dia. Essa relação, no entanto, não lação oral, mas está relacionada com risco de 9%
foi confirmada por outros estudos. de trombose valvar;
O risco de embriopatia pode ser eliminado pela ■ derivados cumarínicos parecem ser seguros para
substituição do anticoagulante oral pela heparina. A a mãe, com baixo índice de eventos tromboembó-
profilaxia tromboembólica para mulheres sob alto licos do que com o uso de HNF ou HBPM;
risco (próteses de primeira geração – Starr-Eswads®, ■ doses requeridas durante a gravidez para todos
Björk-Shiley® – em posição mitral, história de trom- os anticoagulantes podem ser diferentes dos regi-
boembolismo mesmo em níveis de anticoagulação mes fora da gravidez. O risco de trombose valvar
adequados, fibrilação atrial) parece ser mais bem com HNF ou HBPM é provavelmente menor com
alcançada com a anticoagulação oral (RNI de 3 até ajustamento rigoroso de doses baseado na moni-
4,5) pelas primeiras 35 semanas. Uma terapia alterna- torização da PTTa ou níveis anti-Xa;
tiva para evitar a warfarina no primeiro trimestre é a ■ todos os regimes de anticoagulação são poucos
utilização de heparina não fracionada (HNF), inicia- estudados e estudos prospectivos são necessários.
da na 6ª semana de gestação ou mais cedo e mantida
até 12ª semana, ou heparina fracionada (HF). Deve Recomendações sobre a conduta de anticoagula-
haver monitorização estreita e ajuste da dose no pri- ção em gestantes com próteses valvares mecânicas
meiro trimestre, substituição por warfarina da 13ª à estão incluídas em recentes publicações do Ameri-
36ª semana e, a partir de então, nova substituição por can College of Cardiology / American Heart Associa-
heparina até o parto. Como os níveis de pico nem tion (ACC/AHA) de 2006 e da European Society of
sempre podem predizer os níveis de queda, a anti- Cardiology de 2007, com nível de evidência C (ba-
coagulação deve se direcionar a níveis pré-dose de seado em consenso de especialistas e/ou pequenos
antifator Xa maiores que 0,55 unidades/ml com hepa- estudos retrospectivos).
rina não fracionada e superior a 0,7 unidades/ml com A elevada incidência de parto prematuro de
heparina de baixo peso molecular (HBPM) ou ainda, pacientes com próteses mecânicas justifica a
no intervalo médio das doses, tempo de tromboplas- substituição da warfarina por heparina na 35ª ou
tina parcial ativada (PTTa) de 2,5 até 3,5 segundos 36ª semanas. A troca de warfarina pela hepari-
(pré-dose = 2 segundos). na deve ser realizada no hospital. Nas pacientes
As últimas recomendações publicadas pelo Ame- de menor risco, incluindo aquelas com prótese
rican College of Chest Physicians para anticoagulação aórtica e prótese de segunda geração na posição
em gestantes com prótese valvares são as seguintes:64 mitral, a terapia subcutânea com heparina pode
■ dose ajustada agressiva de HNF, administrada a ser utilizada em toda a gestação (PTTa de duas a
cada 12 horas por via subcutânea ao longo da gra- três vezes o nível de controles). A mudança da via
videz: PTTa de duas vezes os níveis controle e co- subcutânea de heparina para infusão intraveno-
lhida entre as duas doses, ou níveis de heparina sa previamente ao parto eletivo pode ser aconse-
anti Xa mantidos em 0,35 a 0,7 UI/ml; lhável porque permite a descontinuação quatro
■ HBPM por toda a gestação, em doses ajustadas de horas antes do parto. Um nível mais elevado de
acordo com o peso, ou o necessário para manter anticoagulação parece justificável em pacientes
um nível de heparina anti Xa quatro horas após a com próteses mecânicas em posição mitral, com
injeção de cerca de 1,0 UI/ml; mais de uma prótese mecânica, com fibrilação
CARDIOPATIAS CONGÊNITAS
Portadoras de prótese biológica NÃO CIANÓTICAS
Podem ter um a dois filhos, evolução normal da Defeito septal atrial, defeito septal
gravidez, anestesia com bloqueio peridural e ama-
ventricular, ducto arterioso patente
mentação natural. Devem ter cobertura antibiótica
com cefalosporina ou ampicilina e gentamicina. O
parto poderá ser normal ou com fórceps de alívio ou Generalidades
cesárea, pois dependerá do estado da gestante, do
estado funcional das próteses, seu risco de ruptura, As principais lesões deste grupo são: defeito do
grau de calcificação das próteses implantadas, tem- septo atrial (DSA), relativamente comum e, em geral,
po de implante das próteses em relação a gravidez e tipo ostium secundum; defeito do septo ventricular
número de fetos nesta gestação, assim como do rit- (DSV) e ducto arterioso patente (DAP).67 O efeito do
mo do coração (se é ritmo sinusal ou fibrilação). aumento do débito cardíaco durante a gravidez cau-
sa uma sobrecarga volêmica do ventrículo direito no tensão pulmonar e arritmias atriais raramente ocorre
DSA e do ventrículo esquerdo no DSV e DAP. A sobre- em mulheres em idade reprodutiva. Como a endocar-
carga, no entanto, é geralmente é contrabalanceada dite é rara, a profilaxia antibiótica não está indicada
pela redução da resistência vascular periférica.68 em pacientes com defeito septal atrial tipo secundum.
Lesões de shunt esquerdo-direito pequenas a mo- DSA secundum, não raro, permanece sem diag-
deradas são bem toleradas e grandes defeitos podem nóstico até a gravidez, quando o sopro do fluxo
estar associados a hipertensão pulmonar. Na presen- pulmonar é exacerbado. Há um pequeno risco de
ça da síndrome de Eisenmenger a gravidez deve ser arritmias atriais em pacientes mais idosas devido à
desestimulada.69 sobrecarga volêmica do VD.
Ecocardiografia deve ser realizada para excluir Recomendações com relação à gestação em pa-
lesão residual ou sequelar, tais como disfunção ven- cientes com DSA devem ser feitas em bases individu-
tricular, elevação persistente da pressão pulmonar e ais considerando lesões associadas, status funcional
lesões associadas como regurgitação mitral no DSA e o nível de resistência vascular pulmonar. A embolia
ou regurgitação aórtica em algumas formas de DSV.70 paradoxal ocasionando acidente vascular tem sido
Tratamento cirúrgico tardio do DSA pode estar asso- relatada em pacientes com forame oval patente du-
ciado com alta probabilidade de arritmia atrial.71 rante a gestação.7,31 Em um dos casos, o fechamento
DSA, DSV e DAP, quando corrigidos na infância, percutâneo do forame oval patente foi realizado du-
não requerem nenhum cuidado adicional durante a rante a gestação, guiado por ecocardiografia.16
gestação.1 A gestação, incluindo o trabalho de parto DSAs são subclassificados de acordo com sua
e o parto, é geralmente bem tolerada. 67-70 Problemas exata localização. Suas consequências fisiológicas
como arritmias, disfunção ventricular e progressão são essencialmente independentes da localização e
da hipertensão pulmonar podem ocorrer em pacien- dependem, na verdade, do tamanho e da extensão
tes com grande shunt e/ou hipertensão pulmonar pre- do shunt. O comportamento do shunt depende da
existente.70 Ecocardiografia deve ser repetida durante complacência dos dois ventrículos e do tamanho do
a gestação. O shunt esquerdo-direito pode ser inverti- defeito. Um pequeno defeito (<5 mm) tem pouca re-
do pela elevação da resistência vascular pulmonar ou percussão hemodinâmica, ao contrário de um gran-
pela vasodilatação sistêmica.70 Raramente emboliza- de defeito, por exemplo, com 20 mm. O diagnóstico
ção paradoxal pode ocorrer.7 Recomendam-se filtros habitualmente é feito na infância, entretanto, alguns
nas vias de administração venosa para evitar bolhas casos somente são feitos na idade adulta. No início,
de ar e também utilização de solução salina na reali- a complacência do VD é substancialmente maior do
zação da anestesia peridural. que o VE, estando associado com o shunt esquerdo-
Alguns autores defendem o uso de AAS (100 mg) direito. O fluxo sanguíneo pulmonar (FSP) está au-
após o primeiro trimestre de gestação devido ao es- mentado, e hipertensão pulmonar desenvolve-se
tado de hipercoagulação da gravidez.72 Em pacientes com o tempo. Uma consequência dessas mudanças
com shunt residual e regurgitação valvular, a profila- fisiológicas é a dilatação do AD, AE, VD e artérias
xia da endocardite está indicada. pulmonares para acomodar o aumento do volume
sanguíneo. A complacência do VD cai, resultando na
redução do shunt ou inversão. Apesar de a hiperten-
Defeito septal atrial são pulmonar aumentar com a idade, é raro que a
RVP exceda 500 dyn s cm-5. Raramente o DSA é de-
O DSA geralmente é bem tolerado na gestação, tectado pela dispneia ou mesmo pela insuficiência
mesmo em pacientes com grandes shunts esquerdo- cardíaca na infância, e o mais frequente é que seja
direitos. O DSA ocorre em 17,5% das doenças cardía- diagnosticado pela ecocardiografia, realizada por
cas congênitas e é a lesão mais comum entre estas. outro motivo. Na idade, adulta o mais frequente é a
O risco de insuficiência ventricular esquerda está au- dispneia, arritmias atriais ou insuficiência cardíaca,
mentado durante a gravidez e mortalidade materno/ embora alguns pacientes permaneçam assintomáti-
fetal está entre 1 e 12%. cos até que ocorra inversão do shunt.75
Gestantes com defeito septal não corrigido apre- Muito raramente, ao contrário do DSV, alguns ca-
sentam maior incidência de aborto, parto prematuro sos de DSA fecham espontaneamente na infância.8,11
e sintomas cardíacos.30 O desenvolvimento de hiper- Na ausência de dilatação do VD, com aumento dis-
creto do FSP, o fechamento geralmente não é neces- ras do pós-parto podem ocasionar um shunt reverso
sário. DSA associado com aumento superior a 50% em mulheres com hipertensão pulmonar. Reduções
do FSP deve ser fechado, para prevenir disfunção periparto na pressão sanguínea sistêmica devem ser
do VD e arritmias atriais. Pacientes corrigidos antes corrigidas por meio de agentes vasopressores (fenile-
dos 25 anos de idade possuem expectativa de vida frina). Gestação pós-operatória é mais bem tolerada
geralmente normal. Tratamento realizado mais tarde pela mãe, e a recorrência do DAP no feto é rara (<1%).
apresenta risco de morte prematura. Os princípios da anestesia são: evitar aumento da
Apesar de os pequenos DSA serem geralmen- resistência vascular periférica, do volume sanguíneo,
te benignos, como um forame oval patente (FOP), e, na presença de hipertensão pulmonar, evitar redu-
eles podem permitir embolia paradoxal. Aproxima- ção da resistência vascular periférica e aumento da
damente 25 a 30% da população adulta tem FOP, e resistência vascular pulmonar. Em caso de insufici-
a maioria dos casos não tem nenhum transtorno ao ência ventricular, evitar depressão miocárdica. Em
longo da vida. Entretanto, alguns eventos cerebrovas- relação à técnica da anestesia, a peridural é adequa-
culares espontâneos podem estar relacionados com da, e com a anestesia geral seguem-se as diretrizes
FOP. Isso levou a ACC/AHA (American College of Car- anteriormente apresentadas.
diology/ American Heart Association) a recomendar
a ecocardiografia em todas as vítimas de AVC com
idade inferior a 45 anos.77 Defeito Septal Ventricular (DSV)
Ao contrário do DSA, o FOP não permite shunt es-
querdo-direito, mas permite um shunt direito-esquerdo Mulheres com DSV isolado geralmente toleram
se a pressão do AD exceder a do AE, como ocorre, por bem a gestação, apesar de insuficiência cardíaca con-
exemplo, no espirro. Apesar disso, nas neurocirurgias, gestiva e arritmias terem sido relatadas. Estas incidem
embolização venosa aérea pode ocorrer em até 50% em 7% das doenças cardíacas congênitas. O risco im-
dos procedimentos, e a embolia paradoxal é rara.79, 80 posto pela gravidez após o fechamento de um DSV não
Em geral, o fechamento do DSA requer cirurgia. complicado não deve diferir daquele de pacientes sem
Atualmente, o fechamento transcateter tem demons- doença cardíaca. A incidência de DSV no concepto
trado resultados encorajadores e somente os resul- tem sido relatada em 4 a 11%. Uma redução acentuada
tados a longo prazo darão certeza da consolidação da pressão sanguínea durante ou após o parto como
dessa revolucionária técnica. resultado de perda sanguínea ou anestesia pode levar
Arritmias devem ser evitadas ou tratadas pronta- a shunt reverso em pacientes com hipertensão pulmo-
mente, assim como o aumento da resistência vascu- nar. O uso de vasopressores (fenilefrina) e reposição
lar sistêmica. Na presença de hipertensão pulmonar, de volume para estabilizar a pressão sanguínea devem
deve-se evitar aumento adicional da resistência vas- prevenir complicações futuras. Deve-se evitar o au-
cular pulmonar. Para analgesia e trabalho de parto mento da resistência vascular sistêmica e o aumento
ou cesariana, a peridural é uma boa indicação. Anes- da frequência cardíaca. Na presença de hipertensão
tesia geral pode ser realizada com segurança com os pulmonar, deve-se evitar redução da resistência vascu-
critérios acima descrito. lar sistêmica e aumento da resistência vascular pulmo-
nar. Em relação ao trabalho de parto, parto vaginal ou
cesariana, a peridural contínua é uma técnica segura.
Ducto Arterioso Patente (DAP) Na presença de DSV pequeno, geralmente o úni-
co risco é de endocardite. Antibioticoprofilaxia é
O prognóstico materno do ducto arterioso patente recomendada para os partos complicados ou instru-
com shunt esquerdo-direito é geralmente favorável, mentalizados.11, 73
mas deterioração clínica e insuficiência cardíaca con-
gestiva podem ocorrer em algumas pacientes. Consti- DOENÇA CARDÍACA CONGÊNITA
tuem 15% de todas as doenças cardíacas congênitas. COMPLEXA CIANÓTICA
Não houve mortes maternas em um grande número
de pacientes com DAP. A necessidade de intervenção
cirúrgica durante a gestação é rara. Queda na resistên- O maior uso de procedimentos cirúrgicos paliati-
cia vascular sistêmica e hipotensão nas primeiras ho- vos e corretivos para anomalias cardíacas congêni-
tas complexas cianóticas permitiu a mais mulheres protegidos pela obstrução da vida de saída do VD.
afetadas alcançarem a idade reprodutiva. Apesar de A exceção é para aquelas crianças que foram sub-
gestações bem-sucedidas terem sido relatadas em metidas a cirurgia tipo shunt arterial paliativo para
pacientes com doença cardíaca congênita (DCC) melhorar o FSP ou aquelas com conexões arteriais
parcialmente corrigida e não corrigida, a gravidez pulmonares atípicas.
está associada a maior risco nestas pacientes. Um A tradicional cirurgia para esses pacientes é a
relato de 96 gestações em 44 pacientes com DCC criação de shunt arterial sistêmico-pulmonar, por vol-
sem hipertensão pulmonar demonstrou complica- ta de dois a cinco anos de idade. A maioria dos casos
ções cardiovasculares em 32% das pacientes (in- apresenta resposta satisfatória, alguns estão associa-
suficiência cardíaca, eventos tromboembólicos, dos com hipoxia crônica, progressão da hipertrofia
taquicardia supraventricular e endocardite bacte- VD levando a disfunção tardia do VD, problemas
riana periparto) resultando em óbito materno pós- com shunt arterial, distorção da artéria pulmonar e,
parto em uma paciente. Além disso, uma elevada raramente, doença vascular pulmonar. Isso levou a
incidência de perda fetal (57%), partos prematuros, uma mudança radical da correção cirúrgica nessa
recém-nascidos pequenos para a idade gestacional faixa etária, e cirurgias precoces nesses pacientes,
e malformações congênitas cardíacas e não cardía- abolindo a cianose na fase inicial da vida, normali-
cas foram relatadas. zando o fluxo sanguíneo pulmonar (FSP) e promo-
Mais de 100 gestações em mulheres com reparo vendo crescimento da rede arterial pulmonar.
intra-atrial para transposição de grandes artérias fo- A maioria dos pacientes operados precocemente
ram relatadas sem mortalidade materna. Pacientes é assintomática.83 Aproximadamente 10% dos pacien-
assintomáticas ou status funcional classe II antes da tes podem necessitar reintervenção cirúrgica mais
gravidez parecem tolerar bem gestação. tarde. A sobrevida é de 85% dos casos até 35 anos de
Um relato descrevendo a experiência com 60 ges- pós-operatório, com função do VE normal por aproxi-
tações em 22 mulheres com transposição de grandes madamente 24 anos. Muitos problemas encontrados
artérias congenitamente corrigida indicou um resul- durante a fase tardia do seguimento estão relaciona-
tado favorável na maioria dos casos. A perda fetal e dos com a fisiologia atípica do ventrículo direito, e
morbidade materna foram, entretanto, mais elevadas incluem intolerância ao exercício, arritmias ventricu-
(insuficiência cardíaca congestiva, piora da regurgi- lares e morte súbita devido à regurgitação pulmonar
tação valvar, endocardite, IAM). O risco de doença crônica. Para aqueles pacientes que desenvolvem
cardíaca congênita nos conceptos de mulheres com regurgitação pulmonar significativa, substituição da
transposição de grandes vasos é incerto. válvula pulmonar está associada com melhora na to-
lerância dos exercícios e redução das arritmias.
As alterações hemodinâmicas associadas à gesta-
Tetralogia de Fallot ção podem causar deterioração clínica em mulheres
com TF não corrigida cirurgicamente ou apenas par-
Tetralogia de Fallot (TF – obstrução de via de cialmente corrigida. Aumento no volume sanguíneo
saída ventricular direita, hipertrofia ventricular direi- e do retorno venoso ao átrio direito elevam a pres-
ta, defeito do septo ventricular e acavalgamento da são ventricular direita, o que, combinado à queda
aorta) é a causa mais comum da DCC cianótica na na resistência vascular periférica, pode produzir ou
infância, com incidência de 10%. Embora esses qua- exacerbar o shunt direito-esquerdo e cianose. São
tros defeitos estejam presentes, existe uma grande considerados sinais de mau prognóstico: hematócri-
variedade de apresentações complexas. Se não corri- to materno acima de 60%, saturação arterial de oxi-
gidas, 70% das crianças morrem antes de dez anos de gênio abaixo de 80%, hipertensão ventricular direita
vida, embora eventuais sobrevidas sejam possíveis. e episódio de síncope. Gestação em mulheres com
Pacientes com TF quase invariavelmente cursam cianose está associada a elevadas taxas de aborta-
com cianose importante, e, naqueles com leve obs- mento espontâneo, parto prematuro e retardo de
trução do trato de saída do VD, a cianose pode ser crescimento fetal.
menos grave. Ao contrário dos pacientes com grande Monitorização contínua da pressão arterial e ga-
DSV isolado, os pacientes com TF não desenvolvem ses sanguíneos durante o parto e trabalho de parto é
hipertensão pulmonar (HP) porque os pulmões estão recomendada para pacientes cianóticas ou sintomá-
ticas. A incidência de defeitos cardíacos relatada em resistência vascular pulmonar. Quando isso ocorre, a
neonatos varia de 3 a 17%. evolução, teoricamente, é desfavorável, com sobrevi-
O risco da gestação em pacientes com um bom da média até os 30 anos de idade, apesar de relatos
reparo cirúrgico é similar ao da população geral. de sobrevida até a sexta década. A sobrevida é subs-
Pacientes que foram submetidas apenas a procedi- tancialmente superior aos casos de hipertensão pul-
mentos paliativos e tem problemas residuais, como monar primária. Pacientes com lesão cardíaca mais
regurgitação pulmonar, obstrução ao fluxo de saída simples apresentam maior sobrevida do que aqueles
do ventrículo direito, dilatação ventricular direita e com lesões complexas.
disfunção, estão ainda sob risco de desenvolverem O desenvolvimento da falência do VD é indicati-
insuficiência cardíaca e arritmias durante a gestação. vo de mau prognóstico. Arritmias são mal toleradas
Pacientes que foram submetidas a procedimentos de bem como hipovolemia causando queda importante
derivação para melhorar a cianose podem desenvol- do DC, pois esses pacientes são muito dependentes
ver hipertensão pulmonar, o que eleva o risco gesta- da pré-carga.
cional. Em vista da melhora do prognóstico materno Como consequência dessas limitações fisiológi-
e fetal após a correção cirúrgica esse procedimento cas, procedimentos cirúrgicos estão associados com
deve ser realizado antes da concepção. alta morbidade e mortalidade. Existe considerável
Naquelas pacientes com correção incompleta e debate a respeito de realizar técnicas anestésicas
defeitos residuais, tais como comunicação interven- tipo bloqueio do neuroeixo, principalmente em fun-
tricular com razão de fluxo pulmonar/fluxo sistêmico ção da necessidade da manutenção da resistência
maior que 1,5:1,0, obstrução na via de saída do ven- vascular sistêmica. No passado, anestesia geral era
trículo direito cuja pressão sistólica for maior que 60 uma indicação incontestável.84,85 Recentemente, a
mmHg ou com insuficiência ventricular direita devi- anestesia regional tem se mostrado segura.87,88
da a regurgitação pulmonar, devem ser orientadas Alguns autores concluíram que a mortalidade pe-
quanto ao planejamento familiar. Para determinar o rioperatória está relacionada ao procedimento cirúr-
risco de defeitos congênitos no feto, pacientes com gico, mais do que à técnica anestésica.87,88 Além do
TF devem ser testadas com hibridização in situ fluo- tipo de anestesia, outros riscos como embolização
rescente para descartar síndrome de deleção 22q11 não são insignificantes. Todas as linhas venosas de-
(resultados negativos desse teste indicam um baixo vem conter filtros de ar, e, na realização da peridural,
risco de defeito fetal).82 o teste da perda resistência deve ser realizado com
solução salina. O objetivo da monitorização intraope-
ratória é detectar mudanças hemodinâmicas súbitas
Síndrome de Eisenmenger precocemente para evitar complicações. Não há es-
tudos para orientar o uso de monitorização cardíaca
A síndrome de Eisenmenger (SE) consiste em invasiva. Monitorizarão da pressão arterial contínua
hipertensão pulmonar com shunt reverso ou bidire- e oximetria de pulso são sensíveis indicadores das
cional em nível atrioventricular ou aortopulmonar. mudanças do shunt direito-esquerdo, sendo habitu-
O complexo de Eisenmenger é caracterizado por almente indicados.
uma resistência vascular pulmonar maior que 800 Cesariana apresenta alta mortalidade, podendo
dynes.s.cm-5, com fluxo inverso ou bidirecional. É a atingir 80% na presença de pré-eclampsia.89
causa mais comum das doenças cardíacas cianóti- A SE continua sendo associada a alto risco de
cas no adulto, enquanto na criança a causa mais co- morbimortalidade materna. Duas revisões envolven-
mum é a Tetralogia de Fallot. do 55 e 65 mulheres, respectivamente, relataram mor-
A evolução da SE é grandemente influenciada talidade materna de 40%. Em pacientes não grávidas
pelo nível do shunt. Na clássica série de Wood, 80% submetidas à cirurgia não cardíaca, a mortalidade é
dos casos foram secundários a defeito do septo ven- estimada em 10%.90,91
tricular (DSV) presente na infância, com pouco mais A causa de óbito materno frequentemente não
de 2% na idade adulta.84 Na idade adulta, 92% dos ca- é esclarecida; geralmente ocorre entre os primeiros
sos são secundários a DSA.84 dias e primeiras semanas após o parto, sendo prece-
Muitas vezes o tratamento do fechamento cirúr- dida por dessaturação e deterioração hemodinâmica
gico do orifício do shunt não reverte as alterações da e clínica. Necrose fibrinoide difusa das arteríolas pul-
monares foi encontrada em algumas pacientes, e em- tágio do trabalho de parto. Entretanto, em virtude do
bolia pulmonar foi relatada à necropsia.92 Qualquer maior risco de sofrimento fetal durante o trabalho de
hipovolemia causada por hemorragia ou hipotensão parto vaginal e da necessidade potencial de cesarea-
arterial pode resultar em morte súbita. na de emergência, a cesariana planejada é habitual-
A SE também está associada a mau prognóstico mente preferida.
fetal, com uma elevada incidência de perda fetal, O tipo de anestesia para essas pacientes é contro-
prematuridade, retardo de crescimento intrauterino verso. De um modo geral, bloqueio de condução está
e morte perinatal. contraindicado. Bloqueio neuroaxial (raqueanestesia
O grau de hipoxemia materna é o maior preditor ou peridural) pode causar hipotensão arterial inad-
de prognóstico fetal. Níveis de saturação de oxigê- vertida, sendo potencialmente perigoso. Todavia, pe-
nio arterial inferior a 85% anterior a gestação estão ridural em doses incrementais tem sido descrita com
associados com apenas 12% de nascimentos vivos, sucesso para salpingotripsia bilateral e cesariana. 97,98
enquanto níveis de saturação superiores a 90% estão Alguns autores reconhecem na peridural a técnica de
associados a 92% de nascimentos vivos.93 preferência para analgesia do trabalho de parto, mas
A mortalidade depende da lesão determinante da a contraindicam para cesariana.16 Nessa situação, a
síndrome: defeito do septo ventricular (60%), defeito maioria dos autores recomenda anestesia geral.98, 99
septo atrial (44%) e ducto arterioso patente (42%).92 A indução habitualmente é realizada com ceta-
Pacientes com SE devem ser aconselhadas a não mina associada a um opioide e um bloqueador neu-
engravidar. Uma vez grávidas, em face da alta taxa romuscular, e a manutenção, com agente inalatório
de mortalidade associada com a continuação da gra- como sevoflurano, mas anestesia venosa total tem
videz (em torno de 30 a 50%, sendo 34% para parto sido descrita.
vaginal e 75% para cesariana), o tratamento de opção A inserção de um cateter de Swan-Ganz pode ser
é a indução do aborto terapêutico. Caso a gravidez difícil e associada a arritmias, não sendo, portanto,
seja mantida, deve-se programar internação eletiva indicada de rotina.99, 100
no segundo trimestre.87 Oxido nítrico inalatório foi utilizado com sucesso
Oxigenoterapia contínua, anticoagulação e o uso para reduzir a pressão pulmonar e melhorar a oxige-
de vasodilatador pulmonar são objetos de contro- nação durante o TP e período pós-parto precoce em
vérsia. Um estudo nacional com 13 gestantes relatou duas pacientes com SE. As pacientes deram à luz dois
redução na taxa de mortalidade materna (23%) com neonatos vivos que morreram entre dois e 21 dias
uso de oxigenoterapia, heparina e warfarínico 48 ho- após o parto.87
ras após o parto.87 Não existe consenso sobre o tipo
de parto mais adequado.
A conduta com a gestante deve incluir seguimento Hipertensão Pulmonar Primária
estreito para detecção precoce da deterioração clíni-
ca. A terapia anticoagulante parece indicada no ter- Hipertensão pulmonar primária (HPP) é uma das
ceiro trimestre da gestação e por quatro semanas pós- poucas condições cardiovasculares que, na gesta-
parto, na ausência de sangramento com warfarínico. ção, continuam associadas a uma alta mortalidade
Como o parto prematuro é comum, a paciente de- materna, estimada em 30% a 40%. HPP é raramente
verá ser internada a qualquer sinal de atividade uteri- encontrada em gestantes e possui alto risco de mor-
na prematura. Muitas vezes a hospitalização eletiva é bidade e mortalidade, pouco alterada na última dé-
recomendada. O trabalho de parto espontâneo é pre- cada.94 Está associada a mau prognóstico fetal com
ferido à indução e deve reduzir a chance de prematu- altas taxas de prematuridade, retardo de crescimento
ridade ou necessidade de cesariana. Monitorização fetal e perda fetal.
da pressão arterial, cardioscopia e gases é essencial A evolução clínica é variável e não pode ser pre-
durante o trabalho de parto e parto. A monitorização vista baseada na apresentação clínica, nos dados he-
do CO2 exalado é um indicador inadequado em pa- modinâmicos e mesmo nos achados histológicos da
cientes com shunt significativo, estando indicada a biópsia pulmonar. Em geral, a sobrevida média após
monitorização com gasometria. o início dos sintomas é de somente dois a três anos.102
Oxigenoterapia está indicada. O uso do fórceps A incidência de HPP é de 1 a 2 por milhão, com
de alívio está indicado para encurtar o segundo es- predomínio nas mulheres na proporção 4-5:1.
Gravidez em pacientes com HPP implica em ris- póxia irreversível são as possíveis causas. A HPP está
co de 30% mortalidade, comparado com 30-40% na associada a mau prognóstico fetal com elevadas in-
síndrome de Eisenmenger e mais de 50% nos casos cidências de prematuridade, retardo de crescimento
de hipertensão pulmonar vascular secundária.16,103-107 fetal e perda fetal.
O prognóstico é pior quando o índice cardíaco A hipercoagubilidade e a trombogenicidade pul-
está abaixo de 2l/min/m2 e a pressão do átrio direito monar aumentada na HPP tornam a profilaxia trom-
acima de 15 mmHg. Mulheres que toleram a gravidez boembólica indicada no periparto. O ideal é que
sem significativa deterioração clínica possuem um essa prevenção ocorra durante toda a gravidez ou
prognóstico de sobrevida maior (> 6 anos) do que pelo menos durante o terceiro trimestre e a fase ini-
aquelas que pioram significativamente com a gravi- cial do pós-parto.
dez (< 2 anos).108 Monitorização hemodinâmica e medida de gases
A HPP é definida clinicamente pela elevação per- sanguíneos estão indicadas durante o parto e o traba-
sistente da pressão da artéria pulmonar, pressão mé- lho de parto. Não há consenso a respeito da monitori-
dia maior que 25 mmHg ao repouso, sem etiologia zação da pressão da artéria pulmonar.113 Oxigênio deve
conhecida. Está associada com a redução da síntese ser fornecido para prevenir hipoxemia, óxido nítrico
vascular do óxido nítrico e prostaciclina, com o au- inalatório ou prostaglandinas inalatórias ou intraveno-
mento da produção da endotelina e tromboxano, e sas podem ser úteis para reduzir a RVP. A monitoriza-
é caracterizada histologicamente pelo espessamento ção deverá se estender por alguns dias após o parto.
da camada média e fibrose da íntima.109 O uso do cateter de artéria pulmonar (CAP) nas
A deterioração clínica ou óbito durante a gesta- gestantes com HPP, embora permita identificar pre-
ção não podem ser previstos com base no estado cocemente a alteração da pressão da artéria pulmo-
clinico pré-concepção. Deterioração sintomática, ge- nar, assim como a deterioração da função do VD, não
ralmente, ocorre no segundo e terceiro trimestres e está associado com aumento da sobrevida.102 Alguns
pode manifestar-se por fadiga, dispneia aos esforços, autores defendem a utilização do CAP durante o par-
síncope, dor torácica, palpitações, tosse não produ- to e o período imediato pós-parto, destacando que
tiva, hemoptise e edema de membros inferiores. A o reconhecimento e tratamento com vasodilatadores
piora dos sintomas levou à hospitalização precoce pulmonares em conjunto com monitorização hemo-
em muitos dos casos relatados. Embolia pulmonar é dinâmica e anticoagulação para HPP reduzem as
um diagnóstico diferencial. Cintilografia pulmonar, complicações e mortalidade relacionadas à associa-
angiografia pulmonar, cateterização ventricular di- ção gravidez com HPP.
reita ou angiografia pulmonar digital por subtração A severidade da doença é dependente da res-
podem confirmar o diagnóstico nos pacientes com posta dos vasos pulmonares aos vasodilatadores e
evidências ecocardiográficas de falência do ventrícu- do grau de comprometimento do ventrículo direito.
lo direito (dilatado, hipertrofiado, regurgitação tricús- Redução da pré-carga pela venodilatação ou com-
pide e desvio septal direito-esquerdo). pressão aortocava é pouco tolerada. Redução da RVS
A ecocardiografia na gestante com suspeita de pelo bloqueio simpático pode ser fatal.
hipertensão pulmonar superestima a pressão da ar- Parto espontâneo prematuro é o habitual. Parto
téria pulmonar quando comparada com a cateteriza- planejado por volta da 32ª-34ª semana é o ideal. Na
ção da artéria pulmonar. Aproximadamente 32% das condução no período periparto, deve-se evitar au-
gestantes com pressão normal da artéria pulmonar mento da resistência vascular pulmonar e manter a
podem ser equivocadamente identificadas como por- pré-carga, a contratilidade do VD e evitar a redução
tadoras de hipertensão arterial pulmonar quando a da pós-carga. Em geral, esses objetivos são alcança-
ecocardiografia for o único método propedêutico.110 dos evitando-se aumento da RVP devido à hipoter-
O tratamento inclui heparina, oxigênio, nifedipi- mia, acidose, hipercabia, hipóxia, ventilação com
na, prostaciclina e óxido nítrico. A maioria das mortes pressão elevada e agentes simpaticomiméticos como
ocorre entre o segundo e o nono dia após o parto.11, 112 adrenalina e noradrenalina.114
Apesar de a causa exata da morte não ser escla- Outras técnicas tem sido descritas: opioides intra-
recida, isquemia e insuficiência ventricular direita tecal com bloqueio de nervo pudendo, e raqueanes-
pelo aumento da resistência vascular pulmonar após tesia combinada com peridural. Não há evidências
o parto, arritmias cardíacas, embolia pulmonar e hi- de superioridade de uma técnica sobre a outra.114
Ocitocina deve ser usada com cautela, em infusão terceiro trimestre e no puerpério na primeira ou se-
contínua, lenta e baixa dose, pois pode causar redução gunda gravidez, com idade média de 32 anos.130 Mu-
da RVS e elevação da RVP.115 Prostaglandina F2alfa pode lheres no pós-parto tem seis vezes maior risco de IAM
causar vasoconstrição pulmonar e deve ser evitada. do que pacientes não grávidas.
Quando indicada a cesariana, a correta escolha Os fatores de risco para doença isquêmica do
da técnica anestésica não é fácil e deve ser individu- miocárdio em mulheres mais jovens que 50 anos in-
alizada. Habitualmente, o bloqueio neuroaxial não cluem o tabagismo, a síndrome metabólica (uma en-
é recomendado. No entanto, anestesia epidural cui- tidade complexa que associa a deposição central de
dadosa, com doses incrementais, tem sido utilizada gorduras e a resistência à insulina a fatores de risco
com sucesso.116, 117 cardiovasculares bem estabelecidos como hiperten-
Anestesia geral venosa (opioide) minimiza o au- são arterial, dislipidemia e diabetes melito), história
mento da pressão pulmonar durante a laringoscopia familiar de doença isquêmica do miocárdio, toxemia
e evita os efeitos inotrópicos negativos dos agentes da gravidez e o uso de contraceptivos orais. A asso-
inalatórios. Óxido nitroso aumenta a resistência vas- ciação da síndrome metabólica com doença cardio-
cular pulmonar e deve ser evitado. vascular aumenta a mortalidade geral em cerca de
Tratamento agudo e prolongado com óxido nítri- 1,5 vez e a cardiovascular em 2,5 vezes.
co via inalatória ou venosa e prostaglandinas inala- Mulheres que tiveram neonatos de muito baixo
tórias (prostaciclina – PGI2, epoprostenol) melhora a peso ao nascimento ou partos prematuros também
função do endotélio pulmonar e o desempenho da parecem estar sob risco aumentado de doença isquê-
câmara cardíaca direita.106 O uso da PGI2 intravenosa mica do miocárdio.
é limitado pelo risco de sangramento causado pela O IAM tem sido relatado em qualquer estágio da ges-
inibição da agregação plaquetária, pela redução da tação e em mulheres de 16 a 45 anos. A incidência mais
RVS e hipoxemia. Tratamento com óxido nítrico pode elevada, no entanto, ocorre no terceiro trimestre e em
ser limitado por causar inibição da agregação plaque- mulheres acima de 33 anos. O IAM tem sido observa-
tária ou metemoglobinemia, formação de metabóli- do mais comumente em multíparas e com localização
tos tóxicos (nitratos) e pela dificuldade técnica para na parede ântero-lateral. Muitos dos óbitos maternos
sua aplicação. PGI2 via aerossol e o análogo sintético ocorreram no momento do infarto ou dentro de duas se-
iloprost são de fácil administração e mais eficientes manas. A mortalidade do IAM é alta (25-50%), principal-
em reduzir a pressão na artéria pulmonar quando mente se o infarto ocorre durante o período periparto.
comparados com PGI2 venosa ou ON inalatório.118 Apesar de a doença aterosclerótica parecer ser
Relatos de casos demonstram a heterogeneidade a causa primária do IAM, no periparto ela está asso-
de resposta ao tratamento da HPP bem como os ris- ciada a angiografias normais em metade dos casos, e
cos dos efeitos adversos com óxido nítrico e PGI.119-125 sugere ser ocasionada por redução na perfusão coro-
Infelizmente não há evidências que alguma interven- nariana causada pela dissecção coronariana, secun-
ção reduz a mortalidade.119-125 dária a mudanças hormonais, por espasmo ou trom-
O óxido nítrico inalatório pode ser uma alternati- bose in situ.130-132 A despeito da presença do espasmo
va no sangramento uterino pós-parto na falha a res- não ter sido documentada e sua causa não esclareci-
posta com ocitocina. da, ela tem sido sugerida como o mecanismo do IAM
Situações de emergência são dramáticas e até a em algumas situações, como hipertensão induzida
utilização de suporte por bypass cardiopulmonar par- pela gestação e com administração com derivados da
cial em paciente com HPP severa (com pressão da ar- ergotamina, bromocriptina, ocitocina e prostaglandi-
téria pulmonar de 120 mmHg obtida pelo Swan-Ganz) na (usada para suprimir a lactação ou sangramento
para realização de cesariana tem sido descrito.126-129 uterino), pacientes com feocromocitoma, embolismo,
arterite coronariana, anomalias congênitas das arté-
rias coronarianas e abuso de drogas ilícitas (especial-
DOENÇA ARTERIAL CORONARIANA mente a cocaína). A dissecção arterial coronariana,
principalmente no período pós-parto imediato, tem
O infarto agudo do miocárdio (IAM) é extrema- sido comumente associada ao IAM periparto. A dis-
mente raro na gestação, com incidência de 1 em secção envolve a artéria descendente anterior esquer-
10.000-30 000 gestações, mais comumente durante o da em aproximadamente 80% dos casos e a artéria
A taxa de mortalidade para dissecção aórtica pro- muitas delas são de origem atrial e não apresentam
ximal aumenta de 1 a 3% por hora após o início da repercussões hemodinâmicas. Em mulheres saudá-
dissecção, aproximadamente 25% durante as primei- veis, complexos prematuros atriais e ventriculares
ras 24 horas, 70% em uma semana e 80% em duas se- múltiplos e até frequentes podem ocorrer geralmente
manas.143 Em um grande estudo compreendendo um sem efeito para a mãe ou o feto.
período de 27 anos, a falha de diagnóstico ocorreu As arritmias são as principais causas de hospi-
em 85% dos pacientes com apresentação aguda da talização dos adultos com cardiopatia congênita
dissecção aórtica.144 Também no período periparto (CC), representando quase metade das admissões de
não é diferente.141, 142, 145. emergências, sendo, em alguns casos, a primeira ma-
A apresentação clínica mais comum é um início nifestação de doença cardíaca orgânica.151
súbito de dor torácica ou dorsalgia em até 96% dos ca- Apesar de palpitações, vertigem e até síncope
sos, que é caracteristicamente lancinante. Geralmen- serem sintomas relativamente comuns da gestação
te a dor possui característica migratória de acordo normal, estão raramente associados a arritmias car-
com a evolução da dissecção, e sua presença pode díacas. As arritmias cardíacas, no entanto, quando
sugerir o local e a extensão da dissecção. A isquemia ocorrem na gravidez, podem ser ter efeitos hemodi-
de órgãos resulta da obstrução das artérias originá- nâmicos significativas, mesmo em pacientes com co-
rias da aorta. Insuficiência aórtica aguda ocorre em ração normal. A redução pressórica ocasionalmente
18-50% na dissecção proximal da aorta e, após a rup- associada a tais arritmias pode resultar em bradicar-
tura aórtica, é a causa mais comum de morte. Cerca dia fetal e necessidade de tratamento imediato com
de 10 a 15% das pacientes apresentam anormalidades drogas antiarrímicas, cardioversão elétrica ou cesa-
regionais da parede ventricular devido à má perfusão riana de urgência.
coronariana. A artéria coronariana direita é mais en-
volvida do que a esquerda, podendo ocorrer infarto
do miocárdio. Trombólise nesse cenário é fatal. Tipos de arritmias durante a gravidez
A ecocardiografia transesofágica fornece uma
poderosa e segura ferramenta no estabelecimento
do diagnóstico de dissecção aórtica. Durante a ges- Extrassístoles atriais
tação, esse método é preferível à tomografia compu-
tadorizada (a qual envolve exposição à radiação) e Extrassístoles atriais são relativamente comuns,
ressonância magnética (cuja segurança durante a com incidência de 58% (sintomáticas ou não) quan-
gravidez ainda não foi completamente estabelecida). do as pacientes são submetidas a monitorização
A combinação de nitroprussiato intravenoso e agen- eletrocardiográfica de 24 horas.147 Em condições
tes bloqueadores betadrenérgicos é atualmente reco- normais, são desencadeadas pelo estado hiperdinâ-
mendada para o controle da hipertensão em não ges- mico da gravidez ou por consumo de estimulantes
tantes com dissecção aórtica e tem sido aplicada com como café, chá, cigarro, álcool e descongestionan-
sucesso durante a gestação. No entanto, em função de tes nasais. Podem ocorrer na doença reumática, na
o nitroprussiato poder resultar em toxicidade fetal, deve cardiopatia hipertensiva, chagásica ou congênita.
ser usado apenas no pós-parto ou em pacientes refra- Podem ser gatilhos para desencadeamento de FA,
tárias a outras drogas e pode ser substituído por hidra- flutter atrial, taquiarritmias supraventriculares ou ta-
lazina, nitroglicerina ou labetalol. Para evitar elevação quicardia atrial. No tratamento devem ser conside-
pressórica associada ao trabalho de parto e parto vagi- rados os fatores de risco citados e a compensação
nal em mulheres com DA, a cesariana é recomendada. do quadro hemodinâmico se houver algum grau de
insuficiência cardíaca associado.
ARRITMIAS CARDÍACAS
NAS GESTANTES Taquicardia Paroxística
Supraventricular (TPSV)
A gravidez está associada a uma maior incidência
de arritmias em mulheres com ou sem doença cardí- Os mecanismos mais frequentes de TPSV são a re-
aca estrutural.147-150 Arritmias benignas são comuns e entrada nodal e reentrada atrioventricular envolven-
cocaína, um fator desencadeante dessa arritmia. Dos e bloqueio completo, a arritmia tem sido tratada du-
casos de origem de cardiopatia estrutural, as causas rante a gravidez com marcapassos temporários ou
mais comuns são: miocardiopatia chagásica, dilatada permanentes e numerosas gestações foram relatadas
e hipertrófica, miocardiopatia periparto, valvopatias em pacientes após a implantação do marcapasso.
(estenose aórtica ou insuficiência mitral), prolapso
de valva mitral, displasia arritmogênica do ventrículo Abordagem das arritmias
direito, cardiopatias congênitas operadas ou não (Te- na paciente grávida
tralogia de Fallot) e insuficiência coronariana. O uso
indiscriminado de antiarrítmicos para tratamento de
extrassístoles ventriculares e a intoxicação digitálica A avaliação cardiológica inicial em pacientes com
são causas que devem ser investigadas. queixa de palpitações, síncopes ou tonteiras inclui
O tratamento deve ser direcionado à causa e indi- eletrocardiograma, monitorização eletrocardiográfica
vidualizado. Quando indicado o uso de drogas antiar- contínua de 24 horas (Holter) ou monitorização transte-
rítmicas, deve-se dar preferência aos medicamentos lefônica (Looper), ecocardiografia e teste ergométrico.
mais antigos, cujo metabolismo, efeitos terapêuticos De maneira geral, o tratamento das arritmias du-
e colaterais são mais conhecidos. rante a gestação não difere daquele empregado em
mulheres não grávidas.
Uma avaliação completa está indicada em pacien-
Bloqueio atrioventricular total tes com arritmias durante a gestação para descartar
causas tratáveis como desequilíbrio eletrolítico, do-
O bloqueio atrioventricular total (BAVT) é uma ença tireoidiana e efeitos arritmogênicos de drogas,
complicação incomum da gravidez. Nas últimas déca- álcool, cafeína e tabagismo. A causa identificável
das, as indicações para implante de marcapasso defi- deve ser tratada e o uso de drogas antiarrítmicas deve
nitivo sofreram grandes mudanças.152,153 Em gestantes ser iniciado apenas se a arritmia persistir ou for sinto-
com BAVT sintomáticas no primeiro e segundo trimes- mática, hemodinamicamente importante ou colocar
tres, o marcapasso definitivo está indicado. Em pa- em risco a vida. Quando a terapia medicamentosa
cientes a termo ou em idade gestacional próxima a ele, parece necessária, a menor dose terapêutica segura
o marcapasso temporário deve ser implantando antes conhecida para o feto deve ser utilizada. Níveis séri-
de induzir e/ou conduzir o parto. Os critérios para im- cos terapêuticos e a indicação para a manutenção da
plantar o marcapasso provisório incluem bradicardia terapia medicamentosa devem ser reavaliados perio-
resistente a atropina, bloqueio átrio ventricular de se- dicamente. Em virtude da imprevisível exposição à
gundo grau e FA com frequência ventricular baixa.154 radiação ionizante, a avaliação eletrofisiológica e o
Gestantes com BAVT congênito são raras. A dis- procedimento de ablação por cateter são geralmen-
tinção entre BAVT adquirido ou congênito é realiza- te postergados até o período pós-parto (embora haja
da pela aplicação dos seguintes critérios: lesão foi relatos de seu uso durante a gravidez). Cardioversão
diagnosticada na infância, FC de repouso de 40 bpm sincronizada tem sido realizada com segurança em
ou mais, ausência de cardiomegalia, configuração todos os trimestres e pode ser empregada em pa-
QRS normal, tolerância à atividade física normal ou cientes com taquiarritmias não responsivas a tera-
discretamente reduzida, ausência de ataques tipo pia medicamentosa associadas a descompensação
Stokes-Adams.155 e precença de tendência de história hemodinâmica. Não tem sido relatada a inserção de
familiar. Embora o BAVT congênito possa estar asso- cardiodesfibrilador implantável mas gestações em
ciado a alguma anomalia cardíaca, na maioria dos mulheres com este dispositivo foram relatadas como
casos inexiste qualquer outra anormalidade, mesmo livres de eventos.147-150
havendo presença quase constante de sopro sistólico
sugestivo de shunt esquerdo-direito.155 Dessa forma,
pacientes com BAVT podem permanecer assinto- MIOCARDIOPATIA HIPERTRÓFICA
máticas durante a gravidez e ter trabalho de parto
sem complicações. Nas pacientes sintomáticas com O diagnóstico da cardiomiopatia hipertrófica
anormalidades de condução, incluindo bloqueio bi- (CH) é baseado na evidência ecocardiográfica inex-
fascicular, bloqueio atrioventricular de segundo grau plicável de hipertrofia miocárdica, com espessamen-
to ventricular excedendo dois desvios-padrão para a ser favorável, mulheres com sintomas prévios à gravi-
idade.157,158 O contexto clínico é estudado por meio da dez tem um risco aumentado de prematuridade, com-
história médica, familiar, eletrocardiograma, ecocar- paradas com mulheres saudáveis. O risco de herdar a
diografia e monitorização por 24 horas com o Holter. doença pode ser tão alto quanto nos casos familiares
Uma resposta pressórica anormal ao exercício, defi- e menor em casos esporádicos.
nida como uma falha na elevação da pressão sistóli- A abordagem terapêutica da gestante com CH de-
ca maior que 25 mmHg dos valores basais ou a queda pende da presença de sintomas e obstrução ao fluxo
maior que 10 mmHg da pressão sanguínea máxima do VE. Na paciente sintomática com CH obstrutiva,
durante o exercício, são sugestivas de miocardiopa- deve-se tentar evitar perda sanguínea e uso de dro-
tia hipertrófica. gas que possam levar a vasodilatação ou estimulação
A experiência relatada de aproximadamente simpática durante o trabalho de parto. Indicações
350 gestações em 200 mulheres com cardiopatia para terapia medicamentosa durante a gestação in-
hipertrófica sugere um prognóstico favorável mas, cluem arritmias e sintomas de insuficiência cardíaca.
ao mesmo tempo, um potencial para aumento de Betabloqueadores, diuréticos, amiodarona e an-
morbidade e até mortalidade. Piora dos sintomas tagonistas de cálcio são drogas utilizadas no trata-
como a dispneia e fadiga foram relatados em 15 a mento das pacientes sintomáticas.
20% dos casos e predominam nas pacientes sinto- Em vista do potencial efeito arritmogênico da
máticas antes da gravidez. gestação, a implantação de um desfibrilador auto-
O quadro clínico cursa com dor torácica, palpi- mático antes da gravidez deve ser considerada em
tações, períodos de vertigem e síncope. Há relatos pacientes com história de síncope, arritmias amea-
de casos isolados de arritmias como taquicardia çadoras a vida ou história familiar de óbito causado
supraventricular resistente e mal tolerada com so- pela mesma condição.
frimento fetal, FA com deterioração hemodinâmica Parto vaginal demonstrou-se seguro. Nas pa-
requerendo cardioversão ou fibrilação ventricular cientes com sintomas de obstrução ao fluxo, o
tratada com desfibrilação. segundo estágio do trabalho de parto deve ser
Aproximadamente 30% dos portadores de CH encurtado pelo uso do fórceps de alívio. O uso de
apresentam gradiente pressórico em repouso na prostaglandina para indução do parto apresenta
via de saída do ventrículo esquerdo. Esse gradiente risco pelo efeito vasodilatador. A ocitocina habitu-
pressórico é gerado por obstrução mecânica da via almente é bem tolerada.
de saída, com grande variabilidade espontânea, po- Os agentes tocolíticos, pela sua ação beta adre-
dendo ser reduzido ou abolido por intervenções que nérgica, agravam a obstrução no trato de saída do
reduzam a contratilidade miocárdica (betabloquea- VE e estão contraindicados. O sulfato de magnésio
dores) ou por aumento do volume ventricular ou da não apresenta restrição quanto ao uso. Similarmente,
resistência periférica (vasoconstritores, anestesia ge- anestésicos espinhais e peridurais devem ser usados
ral, exercício isométrico). De maneira inversa, o gra- com cautela, devido à vasodilatação induzida. A per-
diente pode ser elevado por fatores que aumentam da sanguínea excessiva deve ser evitada e, se ocorrer,
a contratilidade miocárdica (inotrópicos positivos) e deve ser prontamente tratada.
fatores que reduzem o volume ventricular ou pressão Um estudo com 127 gestantes com miocardiopa-
arterial (manobra de Valsalva, nitratos, hipovolemia, tia hipertrófica demonstrou evolução favorável com
exercício dinâmico, vasodilatadores).157 poucas complicações.158 19 pacientes (15%) foram
Aproximadamente 20% dos pacientes com gra- submetidas a cesariana sob anestesia geral; em 11
diente na via de saída apresentam insuficiência mi- pacientes (8,7%) o diagnóstico foi feito antes da gra-
tral de intensidade variável, o que agrava a hiperten- videz. Peridural foi realizada em 24 pacientes (18,9%)
são venocapilar pulmonar e a dispneia, contribuindo sendo 11 (8,7%) com diagnóstico prévio. O gradiente
para o aumento do átrio esquerdo e facilitando o sur- do trato de saída do ventrículo esquerdo não apresen-
gimento de arritmias supraventriculares. tou alteração significativa (> 30 mmHg). 13 pacientes
A mortalidade materna relacionada com a gesta- (10,2%) com doença diagnosticada após a gravidez
ção é baixa em pacientes com CH, sendo maior em também receberam peridural para cesariana. Três
comparação com a população geral, e se deve às ar- dessas pacientes tinham um gradiente importante (>
ritmias ventriculares. Apesar de o prognóstico fetal 30 mmHg), e outra havia sido operada de miomecto-
mia anteriormente. Em 30% dos casos, o diagnóstico ■ para cesariana a anestesia geral é indicada; ha-
da CH só foi realizado após o término da gestação. lotano pelo seu efeito inotrópico e cronotrópi-
Apesar de dados favoráveis à anestesia peridural, co negativo é uma boa opção; cetamina deve
a recomendação ainda é de cautela nas pacientes ser evitada;
com gradiente da via de saída do VE importante.158-160 ■ peridural pode ser utilizada, desde que a resis-
Amiodarona tem sido associada com neuroto- tência vascular periférica seja mantida através
xicidade e hipotireoidismo fetal/neonatal. Tanto a de aumentos de doses lentamente; anestesia
amiodarona quanto o betabloqueador estão asso- combinada – peridural com raquianestesia –
ciados a atraso de crescimento intrauterino e morte pode ser utilizada, desde que esses princípios
fetal. Conclusões definitivas são difíceis de serem sejam mantidos;
obtidas com tão poucos dados, mas estes sugerem ■ a raquianestesia em dose única é relativamente
que essas drogas devam ser suspensas ou reduzidas contraindicada;
durante a gravidez. ■ deve-se realizar profilaxia antimicrobiana pelo
Alguns autores recomendam a profilaxia contra risco de endocardite bacteriana.159-160
endocardite infecciosa, principalmente na forma
obstrutiva.
As medidas preconizadas para o manuseio cirúr- CARDIOMIOPATIA PERIPARTO
gico dessas pacientes são:
■ manter o uso de betabloqueador ao longo da ges- A cardiomiopatia periparto (CPP) é uma forma de
tação para as pacientes sintomáticas; cardiomiopatia dilatada com disfunção sistólica ven-
■ evitar o uso de digital ou drogas simpaticomiméti- tricular esquerda que resulta em sinais e sintomas de
cas ou vasodilatadoras; insuficiência cardíaca.161 A síndrome tem sido defini-
■ manter a volemia adequada durante o trabalho da por quatros critérios: 1) desenvolvimento de insu-
de parto, durante a cirurgia e no pós-operatório ficiência cardíaca no último mês de gravidez ou no
imediato; período de cinco meses após o parto; 2) ausência de
■ monitorizar a pressão venosa central ou a pressão uma causa identificável para a insuficiência cardíaca;
capilar pulmonar nos casos mais graves ou em ci- 3) ausência de doença cardíaca reconhecida anterior
rurgias de grande porte; ao último mês de gestação; 4) disfunção sistólica do
■ durante o trabalho de parto, manter a paciente em ventrículo esquerdo demonstrada pelos critérios eco-
decúbito lateral, para evitar a redução do retorno cardiográficos clássicos, como fração de ejeção < 45%
venoso pela compressão aortocava pelo útero; e/ou encurtamento reduzido (> 30%), dimensão ao fi-
■ a indicação de parto cesáreo fica condicionada nal da diástole > 2.7 cm/m2. No entanto, há relatos de
às indicações obstétricas ou para os casos de in- casos de início precoce de CPP, durante o segundo e
suficiência cardíaca descompensada; terceiro trimestres de gestação, em uma minoria dos
■ encurtar o segundo estágio do parto, com fórceps pacientes. A incidência da doença é desconhecida e
de alívio, reduzindo e minimizando as manobras é relatada de 1:4.000 a 1:15.000 partos, com maior inci-
de Valsalva; dência nas populações mais subdesenvolvidas.
■ usar betabloqueadores endovenosos para contro- A causa é desconhecida, e entre as hipóteses
le da taquicardia e amiodarona para as arritmias estão a de origem autoimune ou miocardite viral.162
ventriculares e supraventriculares; Pode ocorrer em qualquer idade, mas é mais comum
■ usar fenilefrina ou noradrenalina para correção em maiores de 30 anos. Parece comprometer mulhe-
da hipotensão arterial grave; res de vários grupos étnicos e está relacionada com
■ na anestesia regional evitar taquicardia, inotrópi- a primeira e segunda gestações em quase 60% dos
cos positivos e queda abrupta da resistência vas- casos. Há uma forte relação entre o desenvolvimento
cular periférica; de CPP e hipertensão gestacional, gravidez gemelar e
■ na peridural analgésica manter retorno venoso e o uso de terapia tocolítica.
resistência vascular periférica; A identificação de uma causa específica para in-
■ parece haver maior estabilidade hemodinâmica suficiência ventricular esquerda exclui o diagnóstico
com anestesia endovenosa em relação aos blo- de CPP. Disfunção e dilatação ventricular esquerda
queios peridural ou subaracnoideo; são essenciais para o diagnóstico.163
Dispneia, fadiga, dor torácica, palpitações, ganho melhora significativa. Avaliações futuras dessas te-
ponderal, edema periférico, embolização pulmonar rapias são necessárias.
ou periférica e arritmias podem estar presentes no Em alguns casos, o transplante cardíaco está in-
curso da doença. O exame físico frequentemente re- dicado, com taxa de sobrevida semelhante à miocar-
vela um aumento cardíaco, terceira bulha e sopros de diopatia dilatada idiopática.
regurgitação mitral e tricúspide. O eletrocardiograma Gestações subsequentes em mulheres com CPP
pode exibir taquicardia, alterações do segmento ST-T, estão frequentemente associadas a recaídas, levando
anormalidades de condução e arritmias. Radiografia à disfunção ventricular esquerda, deterioração sin-
de tórax geralmente mostra cardiomegalia e ocasio- tomática e até ao óbito.165 De acordo com os dados
nalmente efusão pleural. A ecocardiografia com dop- disponíveis, a taxa de recorrência da CPP em uma
pler comumente demonstra aumento das quatros câ- nova gravidez é de 50 a 100% dos casos. Ausência
maras cardíacas com acentuada redução na função de cardiomegalia à radiografia de tórax realizada
sistólica ventricular esquerda. Derrame pericárdico seis meses após o diagnóstico indicaria um risco de
pequeno a moderado, regurgitação mitral, tricúspide recorrência de CPP em 25% em uma nova gravidez.
e pulmonar podem ser evidentes. A apresentação clí- Entretanto, um teste modificado de estresse com do-
nica e alterações hemodinâmicas são indistinguíveis butamina constatou que esses casos de recorrência
daquelas encontradas em outras formas de cardio- devem-se muito mais a uma disfunção ventricular
miopatia dilatada. sistólica subclínica. Apesar disso, em pacientes com
O curso clínico da CPP é variável. 50 a 60% das CPP prévia com ecocardiografia sob estresse com
pacientes exibem recuperações completas ou quase dobutamina normal, uma nova gravidez sempre é
completas do estado clínico e função cardíaca geral- considerada de risco.162,165
mente dentro de seis meses pós-parto e o restante Apesar de a possibilidade de recaída ser maior
das pacientes demonstra deterioração clínica poste- em pacientes com função cardíaca persistentemente
rior, podendo direcionar-se para morte prematura ou anormal, ela pode ocorrer naqueles que recupera-
disfunção ventricular esquerda persistente e insufici- ram completamente da cardiopatia. De maneira ge-
ência cardíaca crônica.164 ral, uma nova gestação deve ser bastante discutida.
A insuficiência cardíaca aguda deve ser tratada A conduta anestésica é determinada pela apre-
vigorosamente com oxigênio, diuréticos digitais sentação clínica. Não há dados para sugerir qual via
e agentes vasodilatadores. O uso de hidralazina de parto, normal ou cesariana, é a mais segura.
como agente redutor de pós-carga é seguro duran- A conduta pode ser assim descrita: tratar a insufi-
te a gravidez. O uso de nitratos orgânicos, dopa- ciência cardíaca com restrição hídrica e de sal, usar
mina, dobutamina e milrinona tem sido relatado diurético, digital, suporte inotrópico e monitorizarão
em pequeno número de casos. O uso nesiritide hemodinâmica invasiva quando indicada. A aneste-
durante a gestação ainda não foi relatado. Nitro- sia peridural contínua ou combinada com a raque-
prussiato de sódio tem sido utilizado com sucesso anestesia pode ser utilizada na cesariana. Anestesia
durante a gravidez, mas experimentos em animais geral com opioide para evitar a depressão miocárdi-
exibiram um potencial para toxicidade fetal. Os ca tem sido indicada.165
inibidores da enzima conversora de angiotensina
têm um efeito teratogênico, podendo causar dis- GESTAÇÃO APÓS
função renal, portanto não devem ser utilizados. A TRANSPLANTE CARDÍACO
terapia anticoagulante está indicada pelo aumento
de fenômenos tromboembólicos. Como a doença
pode ser reversível, o uso de balão de propulsão Um estudo conduzido para determinar o prog-
intra-aórtico ou dispositivo de assistência ventri- nóstico da gestação em transplantadas identificou
cular esquerdo pode auxiliar na estabilização das 47 gestações em 35 pacientes com 35 nascidos vi-
condições da paciente. Um pequeno estudo retros- vos (74%).158 Abortamento terapêutico foi realizado
pectivo sobre o uso de imunoglobulina intraveno- em cinco casos em virtude do curto intervalo entre
sa mostrou um efeito favorável na recuperação da o transplante e a concepção. Alterações hemodinâ-
disfunção ventricular esquerda. Pentoxifilina em micas maternas durante a gestação pareceram bem
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RESUMO
ABSTRACT
INTRODUÇÃO
Seguir o ACLS para doses de medicações. Medi- DHEG (doença hipertensiva especifica
cações como adrenalina, vasopressina e dopamina da gravidez) ou pré-eclampsia/elampsia
levarão à diminuição do fluxo sanguíneo útero-pla-
centário. Entretanto, não há recomendação para mu-
dar ou ajustar as drogas habitualmente utilizadas. Os distúrbios hipertensivos, que ocorrem em aproxi-
madamente 7% de todas as gravidezes a termo, estão en-
tre as principais causas de mortalidade materna, respon-
Diagnósticos diferenciais dendo por um quinto delas.8 Desenvolvem-se depois da
20ª semana de gestação e podem produzir hipertensão
As mesmas causas reversíveis de parada cardíaca severa e evoluir com falência de vários órgãos. O não tra-
que ocorrem em mulheres não grávidas podem ocor- tamento pode resultar em morbidade intensa, podendo
rer durante a gravidez. Os assistentes devem estar, facilmente converter-se em mortalidade materna e fetal.
porém, familiarizados com doenças específicas da
gravidez e suas possíveis complicações. Os clínicos
devem tentar identificar causas reversíveis de para- Dissecção aórtica
da cardíaca na gestação durante o procedimento de
ressuscitação, sem, contudo, interferir com outros Mulheres grávidas estão em risco aumentado
tratamentos. para dissecção aórtica espontânea.
A sobredose iatrogênica pode ocorrer durante o Uso bem-sucedido de fibrinolíticos tem sido re-
tratamento de gestantes com DHEG (doença hiper- portado no tratamento destas condições em mulhe-
tensiva específica da gravidez) que recebem sulfato res grávidas.
de magnésio, particularmente naquelas com com-
prometimento da função renal. Descrições sobre
essa condição são encontradas na literatura.10,11 A Embolia amniótica
justificativa para essa ocorrência é de que o sulfato
de magnésio é quase totalmente eliminado pela uri- Esta é uma condição grave, com mortalidade de
na (90%) até 24 horas depois da administração endo- 90%. O mecanismo não está esclarecido, provavel-
venosa. O efeito clínico e a toxicidade relacionam-se mente se deve à passagem de substâncias vasoati-
diretamente com a concentração plasmática. Níveis vas do líquido amniótico para a circulação materna,
terapêuticos são alcançados com 1,8 a 3,0mmol/L, levando a um quadro de hipotensão e hipoxemia.12
enquanto em níveis entre 3,5 e 5,0mmol/L já ocorre Entre as causas, podem ser citados trauma e amioto-
manifestação clínica de perda de reflexo patelar. A mia.13,14 Clínicos tem reportado sucesso com o uso de
parada cardiorrespiratória é descrita com dose plas- bypass cardiopulmonar durante o trabalho de parto e
mática de 12mmol/L1. o período expulsivo.1
Grávidas não estão isentas de sofrerem acidentes Cesariana de urgência não deve ser considerada,
e doenças mentais. A violência doméstica aumenta pois o tamanho do útero não compromete o débito
durante a gestação, e homicídios e suicídios não são cardíaco materno.
infrequentes nesse período.
Considerar idade gestacional 2. Hawkins JL, Gibbs CP, Orleans M, Martin- Salvaj G, Beaty B. Obs-
tetric anesthesia workforce survey: 1992 vs 1981. Anesthesiology.
1994; 81: A1128.
Embora o útero gravídico com 20 semanas já
3. Aufderheide TP, Sigurdsson G, Pirrallo RG, Yannopoulos D, McK-
comprometa o fluxo uteroplacentário, a vitabilidade nite S, Von Briesen C, et al. Hyperventilation-induced hypoten-
fetal inicia-se com 24 a 25 semanas. A idade gesta- sion during cardiopulmonary resuscitation. Circulation. 2004;
cional pode ser determinada com ultrassom portátil, 109:1960-5.
entretanto, seu uso não deve atrasar as manobras de 4. Kern KB, Hilwig RW, Berg RA, Sanders AB, Ewy GA. Importance
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