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EDITORES

Airton Bagatini
Pedro Thadeu Galvão Vianna
Marcos Antonio Costa de Albuquerque
Cláudia Regina Fernandes
Oscar César Pires

Volume III

SBA
Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Rio de Janeiro
2013
EDITORES
Airton Bagatini
Pedro Thadeu Galvão Vianna
Marcos Antonio Costa de Albuquerque
Cláudia Regina Fernandes
Oscar César Pires

Volume III

SBA
Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Rio de Janeiro
2013
Educação Continuada em Anestesiologia
Copyright© 2013, Sociedade Brasileira de Anestesiologia

Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer sistema, sem prévio consentimento da SBA.

Diretoria
Airton Bagatini
Sylvio Valença de Lemos Neto
Ricardo Almeida de Azevedo
Sérgio Luiz do Logar Mattos
Oscar César Pires
Antônio Fernando Carneiro
Fábio Maurício Topolski
Comissão de Educação Continuada
Pedro Thadeu Galvão Vianna - Presidente e Coordenador do livro
Marcos Antonio Costa de Albuquerque
Cláudia Regina Fernandes
Capa e diagramação
Marcelo de Azevedo Marinho
Supervisão
Maria de Las Mercedes Gregoria Martin de Azevedo
Revisão Bibliográfica
Teresa Maria Maia Libório
Colaboradores
Marcelo de Azevedo Marinho
Maria de Las Mercedes Gregoria Martin de Azevedo
Simone Soares Nascimento da Gama
Teresa Maria Maia Libório

Ficha catalográfica
S678e Educação Continuada em Anestesiologia / Editores: Airton Bagatini, Pedro Thadeu Galvão
Vianna, Marcos Antonio Costa de Albuquerque, Cláudia Regina Fernandes e Oscar César Pires
Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Anestesiologia/SBA, 2013.
260 p.; 25cm.; ilust.

ISBN 978-85-98632-18-6
Vários colaboradores.

1. Anestesiologia – Estudo e ensino. I. Sociedade Brasileira de Anestesiologia. II. Bagatini,


Airton. III. Pires, Oscar César. IV. Vianna, Pedro Thadeu Galvão. V. Albuquerque, Marcos
Antonio Costa de. VI. Fernandes, Cláudia Regina.

CDD - 617-96

O conteúdo desta obra é de inteira responsabilidade de seu(s) autor(es).


Produzido pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia.
Material de distribuição exclusiva aos médicos anestesiologistas.
Produzido em outubro/2013

Sociedade Brasileira de Anestesiologia


Rua Professor Alfredo Gomes, 36 – Botafogo - Rio de Janeiro – RJ
CEP: 22251-080
Tel: (21) 3528-1050 – Fax: (21) 3528-1099
e-mail: sba@sba.com.br site: www.sba.com.br
EDITORES
Airton Bagatini
•• TSA/SBA - Presidente da Sociedade Brasileira de Anestesiologia
•• Instrutor corresponsável pelo CET SANE
•• Gestor do bloco cirúrgico do Hospital Ernesto Dornelles
Pedro Thadeu Galvão Vianna
•• TSA/SBA - Presidente da Comissão de Educação Continuada da SBA
•• Responsável pelo CET do Depto. Anest.da Fac. Med. Botucatu
•• Professor Titular do Departamento de Anestesiologia da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP
Marcos Antonio Costa de Albuquerque
•• TSA/SBA - Membro da Comissão de Educação Continuada da SBA
•• Responsável pelo CET Menino Jesus de Praga
Cláudia Regina Fernandes
•• TSA/SBA - Membro da Comissão de Educação Continuada da SBA
•• Responsável pelo CET Hosp.Univ.Walter Cantídio - UFCE
Oscar César Pires
•• TSA/SBA - Diretor do Departamento Científico da Sociedade Brasileira de Anestesiologia
•• Responsável pelo CET do Hospital Municipal de São José dos Campos
•• Doutor em anestesiologia/mestre em Farmacologia. Professor-doutor da Universidade de Taubaté

AUTORES
Ana Cristina Pinho Mendes Pereira
•• TSA/SBA - Responsável pelo CET/SBA
•• Presidente da SAERJ
•• Responsável pelo Serviço de Anestesia do Instituto Nacional do Câncer (INCA)
Beatriz Mandim
•• TSA/SBA
•• Medica anestesiologista do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia.
Bruno Mendes Carmona
•• TSA/ SBA - Presidente do Comitê de Via Aérea Difícil da SBA
•• Instrutor do Núcleo SBA Vida
•• Presidente da Sociedade de Anestesiologia do Estado do Pará (SAEPA)
Bruno Salomé de Morais
•• TSA/SBA - Presidente do Comitê de Anestesia em Transplantes de Órgãos da SBA
•• Anestesiologista do Hospital Lifecenter e do Programa de Transplante Hepático e Transplante Rim-Pâncreas do
Hospital das Clínicas da UFMG
Celso Schmalfuss Nogueira
•• TSA/SBA - Responsável pelo CET em Anest.da Santa Casa de Santos
•• Professor titular de anestesiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES)
•• Pós-graduação lato sensu em farmacologia pela Universidade Católica de Santos
Cibelle Magalhães Pedrosa Rocha
•• TSA/SBA - Membro do Comitê de Anestesia Loco-Regional da SBA
•• Instrutora Corresponsável no CET Serv.Anest.Instituto Dr. José Frota
•• Diretora Científica da Sociedade de Anestesiologia do Estado do Ceará (SAEC)
Danielle Maia Holanda Dumaresq
•• TSA/SBA - Responsável pelo CET/SBA S.A.do Instituto Dr. José Frota
•• Professora do curso de medicina Unichristus
Débora de Oliveira Cumino
•• TSA/SBA - Presidente do Comitê de Anestesia em Pediatria da SBA
•• Responsável pelo CET/SBA da Santa Casa de Miser.de São Paulo
Eduardo Manso de Carvalho Andrade
•• TSA/SBA
•• Membro do Comitê de Medicina Perioperatória da SBA
•• Responsável pelo CET/SBA do Hospital São Francisco e Instituto Sta.Lydia
Eduardo R. Nakashima
•• TSA/SBA
•• Responsável pelo CET/SBA S.Anest.Inst.Penido Burnier
Emanuela Lombardi
•• Médica anestesiologista, SBA
Enis Donizetti Silva
•• TSA/SBA
•• Membro do Comitê de Via Aérea Difícil da SBA
•• Diretor Científico da Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo (SAESP)
Fabiane Cardia Salman
•• Membro da Comissão de Qualidade e Segurança em Anestesiologia da SBA
•• Post-graduate Diploma in Administration Health Policy & Management - Fundação Getulio Vargas, SP
•• Gerente médica e coordenadora do Comitê de Qualidade e Segurança - Serviços Médicos de Anestesia (SMA) -
Hospital Sírio-Libanês, Hospital Alemão Oswaldo Cruz e Hospital Samaritano, SP
Fernando A. Martins
•• TSA/SBA
•• Presidente do Comitê de Anestesia Cardiovascular e Torácica da SBA, gestão 2012
Florentino Fernandes Mendes
•• TSA/SBA - Responsável pelo CET/SBA da Univ.Fed.Ciências da Saúde P.Alegre
•• Professor adjunto de anestesiologia do Departamento de Clínica Cirúrgica da Universidade Federal de Ciências da
Saúde de Porto Alegre (UFCSPA)
Francisco Ricardo Marques Lobo
•• TSA/SBA
•• Membro do Comitê de Anestesia em Transplantes de Órgãos
•• Professor doutor responsável pelo CET/SBA HB Funfarme do Hospital de Base de São José do Rio Preto, SP
Giovanni Menezes Santos
•• TSA/SBA - Presidente do Comitê de Distúrbios do Sono da SBA
•• Anestesiologista do Hospital Mater Dei, Belo Horizonte, MG
•• ASA Member
Isabela Galvão Vianna
•• Estudante do 11º Termo da Faculdade de Medicina de Teresópolis, RJ (Fundação Serra dos Órgãos, FESO)
Ivani Rodrigues Glass
•• TSA/SBA
•• Membro do Comitê de Anestesia Ambulatorial da SBA
•• Instrutora Corresponsável pelo CET/SBA Menino Jesus de Praga do HU da UFS
Janaína Fernandes Vieira
•• Residente do CET da Universidade Federal de Uberlândia
João Henrique Silva
•• TSA/SBA - Presidente da Comissão de Qualidade e Segurança em Anestesiologia da SBA
•• Instrutor Corresponsável pelo CET/SBA do SANE/MEC
•• Coordenador de anestesia do Hospital Moinhos de Vento
João Valverde Filho
•• TSA/SBA - Membro da Comissão de Treinamento e Terapêutica da Dor da SBA
•• Doutor em ciências médicas pela FMUSP
•• Anestesiologista dos Serviços Médicos de Anestesia (SMA) do Hospital Sírio-Libanês, São Paulo
José Samuel de Paula
•• Anestesiologista da Universidade Federal de Uberlândia e da Clinest Araguari
Juliana Surjan
•• Psiquiatra do Ambulatório de Dependentes Químicas Pré-natal do Amparo Maternal
•• Médica pela UNIFESP
Júlio Cezar Mendes Brandão
•• TSA/SBA
•• Preceptor da residência médica de anestesiologia da Universidade Federal de Sergipe
Kléber Machareth de Souza
•• TSA/SBA
•• Presidente do Comitê de Anestesia Cardiovascular e Torácica da SBA
Leandro Mamede Braun
•• TSA/SBA - Membro da Comissão de Treinamento e Terapêutica da Dor da SBA
•• Especialista em dor pela AMB - SBA
•• Fellow Interventional Pain Practice - FIPP
Luís Antônio dos Santos Diego
•• TSA/SBA - Membro da Comissão de Qualidade e Segurança em Anestesiologia da SBA
•• Professor da Universidade Federal Fluminense
•• Doutor em anestesiologia pela UNESP, Botucatu, SP
Luiz Fernando dos Reis Falcão
•• TSA/SBA - PhD
•• Professor adjunto da disciplina de anestesiologia, dor e medicina intensiva da Universidade Federal de São Paulo,
Escola Paulista de Medicina
Magda Lourenço Fernandes
•• TSA/SBA
•• Responsável pelo CET/SBA da Santa Casa de Belo Horizonte
Marcos Antônio Costa de Albuquerque
•• TSA/SBA
•• Membro da Comissão de Educação Continuada da SBA
•• Responsável pelo CET/SBA Menino Jesus de Praga
Marisa Pizzichini
•• TSA/SBA
•• Membro do Comitê de Anestesia Cardiovascular e Torácica da SBA
Mary Neide Romero
•• TSA/SBA
Melina Cristino de Menezes Frota
•• Médica anestesiologista do Instituto Dr. José Frota, Fortaleza - CE
•• Aprofundamento em anestesiologia no CHU de Caen - França
•• Formação em técnicas ultrassonográficas de anestesia e reanimação pela faculdade René Descartes - Paris V - França
Míriam Seligman Menezes
•• TSA/SBA - Presidente da Comissão de Treinamento e Terapêutica da Dor - SBA
•• Instrutora Corresponsável pelo CET/SBA Prof. Manoel Alvarez - UFSM
•• Doutora em medicina pela UNIFESP
Neuber Martins Fonseca
•• TSA/SBA
•• Presidente da Comissão de Normas Técnicas da SBA
•• Professor e Responsável pelo CET/SBA da Universidade Federal de Uberlândia
Paulo Ricardo Rabello de Macedo Costa
•• TSA/SBA
•• Instrutor Corresponsável pelo CET da UFU (Universidade Federal de Uberlândia, MG)
Pedro Thadeu Galvão Vianna
•• TSA/SBA - Presidente da Comissão de Educação Continuada da SBA
•• Professor Titular do Departamento de Anestesiologia da Faculdade de Medicina de Botucatu, UNESP
•• Responsável pelo CET do Departamento de Anestesiologia da Faculdade de Medicina de Botucatu, UNESP
Ricardo Caio Gracco de Bernardis
•• TSA/SBA
•• Presidente do Comitê de Anestesia Ambulatorial da SBA
•• Mestrado e doutorado pela Santa Casa de Misericórdia de São Paulo
Roberto Araújo Ruzi
•• TSA/SBA - Presidente do Comitê de Anestesia Loco-Regional da SBA
•• Instrutor Corresponsável pelo CET/SBA da Disc.Anest.FMUF Uberlândia
•• Membro da Comissão Científica da LASRA
Rodrigo Perreira Diaz André
•• TSA/SBA - Membro do Comitê de Anestesia em Transplantes de Órgãos da SBA
•• Anestesiologista do Programa de Transplante Hepático e Transplante Rim-Pâncreas do Hospital Universitário
Clementino Fraga Filho, da UFRJ
Rosa Marina Ávilla
•• TSA/SBA
•• Coordenadora do Serviço de Anestesia do Amparo Maternal
•• Médica pela UNIFESP
Rosalice Miecznikowski
•• TSA/SBA - Membro do Comitê de Via Aérea Difícil da SBA
•• Instrutora Corresponsável pelo CET/SBA da Universidade de Brasília
•• Instrutora do Núcleo SBA Vida
Waston Vieira Silva
•• TSA/SBA
•• Membro da Comissão Examinadora do Título Superior em Anestesiologia
•• Instrutor Corresponsável pelo CET/SBA S.A.Inst.Matern.Infant.PE - IMIP
APRESENTAÇÃO
Vivemos um momento especialíssimo em nosso País, onde a população brasileira cansa-
da de enfrentar crises sem solução vai às ruas, enfrenta os governantes e em coro uníssono
clama por mudanças em prol da recuperação de uma dignidade há tempos perdida, especial-
mente nos campos da saúde e da educação.
Neste clamor nacional, ecoa o imenso coro da classe médica na luta por melhores condi-
ções de trabalho, culminando no rompimento das negociações e apoio às ações do governo
federal. Embora os governantes aparentam não entender; o problema do Brasil não é quan-
tidade e sim qualidade da medicina. Mais uma vez se tenta utilizar paliativos para adiar
a solução definitiva dos problemas que assolam o País. Enquanto isso, precisamos fazer a
nossa parte, principalmente investindo na educação médica e no aperfeiçoamento de nossos
profissionais, para que o dia em que for chegada a hora de termos reconhecimento e con-
dições de exercermos uma medicina de primeiro mundo, estejamos bem preparados para
mostrar que competência nós temos, e se nos oferecem condições de trabalho e dignidade
para os nossos pacientes, podemos nos tornar um referencial.
No ano em que a Sociedade Brasileira de Anestesiologia, em excelente estado de maturi-
dade, completa 65 anos de fundação, desejamos deixar aqui registrada nossa solidariedade
e participação nas lutas pela melhoria da saúde, amor à nossa profissão e patriotismo, en-
tregando aos associados, mais uma ferramenta de estudo e aperfeiçoamento, assim como o
desejo de que os fatos atuais fiquem registrados na história deste País como momentos do
passado e de grandes conquistas.

Dr. Oscar César Pires


Diretor do Departamento Científico da SBA

Dr. Airton Bagatini


Presidente da SBA
SUMÁ RIO
Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Capítulo 1
Variações anatômicas em bloqueios de nervos periféricos. A importância da ultrassonografia. . . . . 15
Roberto Ruzi, Janaína Fernandes Vieira, Neuber Martins Fonseca e Beatriz Mandim

Capítulo 2
Iniciativas em anestesia para a qualidade e segurança do paciente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
Fabiane Salman, João Henrique Silva e Luís Antônio dos Santos Diego

Capítulo 3
Riscos anestésicos em crianças portadoras de apneia do sono. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
Mary Neide Romero, Celso Schmalfuss Nogueira e Giovanni Menezes Santos

Capítulo 4
Analgesia regional pós-operatória I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
João Valverde Filho, Míriam Seligman Menezes e Leandro Mamede Braun

Capítulo 5
Analgesia regional pós-operatória II. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
João Valverde Filho, Míriam Seligman Menezes e Leandro Mamede Braun

Capítulo 6
Anestesia regional periférica guiada por ultrassom (US). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
Danielle Maia Holanda Dumaresq, Melina Cristino de Menezes Frotae Cibelle Magalhães Pedrosa Rocha

Capítulo 7
Reposição volêmica em pediatria. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
Danielle Maia Holanda Dumaresq, Débora de Oliveira Cumino e Magda Lourenço Fernandes

Capítulo 8
Bloqueio do nervo femoral: do básico ao avançado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121
Roberto Araújo Ruzi, Paulo Ricardo Rabello de Macedo Costa, Eduardo R. Nakashima, Cibelle Magalhães
Pedrosa Rocha e José Samuel de Paula

Capítulo 9
Transporte aeromédico do paciente crítico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135
Júlio Cezar Mendes Brandão, Luiz Fernando dos Reis Falcão, Waston Vieira Silva e Marcos Antônio Costa de
Albuquerque

Capítulo 10
Manejo da coagulação sanguínea no transplante hepático . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153
Bruno Salomé de Morais, Rodrigo Perreira Diaz André e Francisco Ricardo Marques Lobo

Capítulo 11
Profilaxia e tratamento de náuseas e vômitos em anestesia ambulatorial. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175
Ricardo Caio Gracco de Bernardis, Ivani Rodrigues Glass e Emanuela Lombardi

Capítulo 12
Resposta inflamatória sistêmica da circulação extracorpórea (CEC) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 189
Fernando A. Martins, Kléber Machareth de Souza e Marisa Pizzichini

Capítulo 13
Técnicas de separação pulmonar – atualização. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207
Bruno Mendes Carmona, Rosalice Miecznikowski e Enis Donizetti Silva
Capítulo 14
Medicina perioperatória: imunonutrição e anestesia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 227
Eduardo Manso de Carvalho Andrade, Florentino Fernandes Mendes e Ana Cristina Pinho Mendes Pereira

Capítulo 15
Como realizar pesquisa no PubMed® . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 235
Pedro Thadeu Galvão Vianna e Isabela Galvão Vianna

Capítulo 16
Anestesia e gestante dependente de crack. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 245
Rosa Marina Ávilla e Juliana Surjan
PREFÁCIO
Em 2001 a Presidente da CET/SBA e o Diretor Científico da SBA decidiram criar o Livro
denominado “Curso de Educação à Distancia em Anestesiologia”. A Comissão de Educação
Continuada (CEC/SBA) a partir de 2005 ficou incumbida da edição deste livro. Em 2011 o
mesmo passou a ser denominado simplesmente “Educação Continuada em Anestesiologia”
e atualmente concluímos o volume III.
Esta obra tem o integral apoio dos Comitês e Comissões que compõem o Departamento
Científico. Os autores tem total liberdade na escolha do tema. Esta sistemática tem o obje-
tivo de dar oportunidade aos que escrevem os capítulos de abordar assuntos relevantes e
atuais nas suas respectivas áreas. Assim, nesta edição, há 2 capítulos sobre o uso da ultras-
sonografia, como método para realização de bloqueios periféricos. Deste modo, o leitor terá
a oportunidade de conhecer os avanços desta tecnologia descrita por diferentes autores. Os
demais capítulos mostram a evolução e a grande diversidade da nossa especialidade, dentre
estes o capítulo sobre anestesia e gestante dependente de crack, atualmente um problema de
saúde pública no Brasil que atinge todas as classes sociais.
Gostaríamos de agradecer à Diretoria da SBA que nos deu todo o apoio e suporte para a
realização desta obra. Com isso houve o envolvimento de funcionários da SBA, dos setores
TI, Biblioteca e Gerência, citados na página da ficha catalográfica.
Sem sombra de dúvida a criação de um livro é um ato mágico do ser humano cuja rele-
vância pode ser fielmente retratada com o poema de Castro Alves:

Livros...livros à mão cheia...


E manda o povo pensar!
O livro caindo n’ alma
É germe – que faz a palma
É chuva – que faz o mar

Pedro Thadeu Galvão Vianna


Marcos Antonio Costa de Albuquerque
Cláudia Regina Fernandes

Prefácio | 13
Capítulo 01

Variações anatômicas
em bloqueios de nervos
periféricos. A importância
da ultrassonografia.
Roberto Ruzi
Janaína Fernandes Vieira
Neuber Martins Fonseca
Beatriz Mandim
Variações anatômicas em bloqueios de nervos periféricos.
A importância da ultrassonografia.
A anestesia regional é um exercício de anatomia aplicada1. Este capítulo irá descrever as
estruturas normais e suas variações anatômicas que podem ser armadilhas durante a reali-
zação de um bloqueio periférico.
Entende-se por variação anatômica uma diferença morfológica que não traz prejuízo
para a função. Quando essa diferença compromete a função estamos diante de uma anoma-
lia e não de uma variação2 .
No passado as variações anatômicas eram observadas nas dissecções de cadáveres, nos
achados cirúrgicos e estudos detalhados de imagem em casos de complicações de anestesia
regional (lesões de nervo periférico). Atualmente a imagem tem possibilitado a identifica-
ção de estruturas variantes com maior facilidade e em tempo real.
Por muito tempo os bloqueios periféricos foram realizados por meio de técnicas “às
cegas”, sejam por parestesia ou por uso do estimulador de nervo3.
Nos últimos dez anos o uso da ultrassonografia na anestesia regional vem ganhando
espaço4. Os avanços tecnológicos permitiram melhora na resolução da imagem, o que pos-
sibilitou a visualização da agulha, das estruturas anatômicas e a dispersão do anestésico em
tempo real3.
A utilização desse recurso traz grandes vantagens em relação às técnicas tradicionais,
como, por exemplo, a visualização direta dos nervos e das estruturas vasculares proximais,
constatação da deposição do anestésico local ao redor dos nervos, diminuição das compli-
cações como injeção intraneural e intravascular de anestésicos locais5. Além de auxiliar em
situações difíceis, como por exemplo, a presença de variações anatômicas.
Além disso, a melhor identificação dos nervos reduz o desconforto do paciente e melhora
a eficácia do bloqueio pelo menor número de falhas6.

Plexo Braquial
O plexo braquial é formado pela união das divisões primárias anteriores do quinto ao
oitavo nervo cervical e o primeiro nervo torácico (Figura 1). As contribuições de C4 e T2
geralmente são pequenas ou estão ausentes. Conforme as raízes nervosas deixam o forame
intervertebral, elas convergem, formando troncos, divisões, fascículos e nervos7.
Três troncos distintos são formados entre os músculos escaleno anterior e médio, deno-
minados como superior (C5-C6), médio (C7) e inferior (C8-T1). Posteriormente cada um
desses troncos dá origem a duas divisões, anterior e posterior. Conforme o plexo braquial
emerge por baixo da clavícula, as fibras se combinam para formar três fascículos7:
1. Fascículo lateral: contribuirá na formação do nervo mediano antes de prosseguir
como nervo musculocutâneo.
2. Fascículo medial: envia uma ramificação para formar o nervo mediano antes de
prosseguir como nervo ulnar.
3. Fascículo posterior: precocemente dá origem ao nervo axilar e prossegue como
nervo radial.

16 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Figura 1: Plexo Braquial

Fonte: http://estudefisio.blogspot.com.br/p/briefing-mobilizacao-neural.html

Variações Anatômicas do Plexo Braquial


Existem muitas variantes do plexo braquial sem nenhuma implicação clínica para a
maioria dos pacientes. Kerr catalogou 29 formas variantes do plexo braquial, em estudo de
175 espécimes de cadáver, dissecados entre 1895 e 19108.
No início do século passado outro autor descreveu um total de 38 variações do mesmo
plexo9. Até 53,5% dos plexos em estudos realizados em cadáveres possuem variação anatô-
mica significativa a partir da descrição “clássica” do plexo braquial10,11.
A ultrassonografia permitiu a apreciação de detalhes anatômicos do plexo braquial, tais
como os troncos, divisões e feixes, bem como apreciação da variabilidade anatômica, que
será descrita abaixo12 .
Os músculos escalenos e o sulco virtual entre eles são os marcos principais para localiza-
ção bem sucedida do plexo braquial na fenda interescalênica. No entanto, a relação entre as
raízes, troncos, e músculos é variável. Num estudo de 51 espécimes de cadáver, Harry et al.
constatou que apenas 32% tinham o clássico arranjo anatômico dos músculos escalenos e
do plexo braquial bilateral no pescoço13.
Na região interescalênica a variação anatômica mais frequente envolve as raízes C5 e/ou
C6, com passagem através (Figuras 2.1 e 2.2) ou anterior (Figura 3) ao músculo escaleno
anterior, ao invés de passar através da fenda interescalênica. Quando isto ocorre, é possível
que as raízes nervosas aberrantes possam confundir a localização do plexo com o estimula-
dor de nervos14.

Variações anatômicas em bloqueios de nervos periféricos. A importância da ultrassonografia | 17


Figura 2.1:

Figura 2.2:

TPS: Tronco primário superior; ECM: Músculo esterno cleidomastoideo; EM: Músculo escaleno médio;
EA: Músculo escaleno anterior; JUG: Veia jugular interna; C: Artéria carótida.

Figura 3:

TPS: Tronco primário superior; ECM: Músculo esterno cleidomastoideo; EM: Músculo escaleno médio;
EA: Músculo escaleno anterior; JUG: Veia jugular interna; C: Artéria carótida.

18 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Natsis e col. descreveu anomalias do plexo braquial em 93 dissecações de cadáveres e
descobriu que 25% tiveram um tronco superior anormal, sendo o tronco perfurante ou
passando anteriormente ao músculo escaleno anterior14. Kessler e Gray foram capazes de
visualizar esta anomalia em voluntários em que o plexo e sua anatomia circundante foram
fotografados na região interescalênica com ultrassonografia15.
Um estudo francês também identificou o tronco primário superior passando anterior-
mente ao músculo escaleno anterior em 8% dos plexos avaliados, outras variantes encon-
tradas foram: troncos ou raízes intramusculares (33%) e artéria cruzando as raízes ou
troncos (23%)16.
Outras variações que identificamos foram o tronco primário superior medial ao músculo
escaleno anterior e os troncos primário médio e inferior, intramusculares (Figuras 4.1 e 4.2).
Figura 4.1: C5 e C6 medial ao músculo escaleno anterior

SCM: Músculo esternocleidomastoideo; IJV: Veia jugular interna; CA: Artéria carótida; ASM: Músculo
escaleno anterior.
Figura 4.2:

TPS: Tronco primário superior; ECM: Músculo esterno cleidomastoideo; EM: Músculo escaleno médio;
EA: Músculo escaleno anterior; JUG: Veia jugular interna; C: Artéria carótida.

Variações anatômicas em bloqueios de nervos periféricos. A importância da ultrassonografia | 19


Na fenda interescalênica o plexo braquial pode estar mais cefálico ou caudal que o nor-
mal em diferentes indivíduos, afetando o desempenho do bloqueio interescalênico. Em um
estudo de 200 amostras de plexo braquial em fetos abortados espontaneamente, Uysal e col.
constatou que 46,5% das amostras possuíam organização clássica, enquanto 53,5% possuí-
am algum grau de variação. Um quarto dos plexos era do tipo pré-fixado, com a participação
da raiz de C4, enquanto que 2,5% eram do tipo pós-fixado, com uma contribuição de raiz
de T211.
Ocasionalmente, tronco superior não se forma (ou seja, as raízes de C5 e C6 permane-
cem distintas)10. Outra variação é a presença de ponte muscular separando as raízes do plexo
braquial (Figuras 5.1 e 5.2).
Figura 5.1: Ponte muscular separando os troncos do plexo braquial.

Figura 5.2:

ECM: Músculo esterno cleidomastoideo; EM: Músculo escaleno médio; EA: Músculo escaleno anterior;
JUG: Veia jugular interna; C: Artéria carótida.

20 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Nessas condições, o bloqueio do plexo braquial por via interescalênica sem o recurso da
imagem provavelmente não será efetivo, podendo ocorrer falha parcial. Isto não acontece
com tanta frequência porque o volume de anestésico utilizado é grande ou é feita dupla abor-
dagem, interescalênica e axilar.
A ultrassonografia também possibilita identificar estruturas como a artéria cervical
transversa, que apesar de não ser uma variação anatômica, pode trazer complicações no
momento do bloqueio de plexo caso não seja identificada (Figura 6).
Figura 6:

ECM: Músculo esterno cleidomastoideo; EM: Músculo escaleno médio; EA: Músculo escaleno anterior;
JUG: Veia jugular interna; C: Artéria carótida.

Na fossa supraclavicular o plexo braquial é composto por um grupo compacto de seis


divisões, o que é, talvez, a porção do plexo mais anatomicamente favorável para o bloqueio
completo do plexo com uma única injeção12 . Porém, neste nível o plexo é extremamente
próximo da cúpula do pulmão, isto aumenta o risco de contato da agulha com a pleura,
podendo resultar em pneumotórax17. A apreciação desta relação anatômica em tempo real
pela ultrassonografia pode reduzir este risco e melhorar a segurança dos bloqueios realiza-
dos na região supraclavicular18. Apan et al. avaliaram 30 plexos através de ultrassonografia
e ressonância magnética e descobriram que a profundidade média do plexo braquial na
fossa supraclavicular, com o transdutor na posição coronal oblíquo, é 1,65 centímetros em
homens e 1,45 centímetros, em mulheres19.
Na região axilar também podem ocorrer diversas variações anatômicas. Segundo o es-
tudo realizado por Orebaugh, o nervo musculocutâneo estava ausente em 8% dos pacien-
tes, sendo os músculos bíceps, coracobraquial e braquial inervados por algum outro nervo.
Neste mesmo estudo em 20% dos casos o nervo musculocutâneo estava junto com o nervo
mediano20,21. Orebaugh também descreveu que o nervo musculocutâneo foi encontrado su-
perficial ao músculo bíceps ao invés de estar entre o bíceps e coracobraquial 20.
Na axila os principais nervos terminais para a mão permanecem bastante próximos à
artéria axilar. O nervo mediano geralmente localiza-se lateral ao vaso, o nervo ulnar ântero-

Variações anatômicas em bloqueios de nervos periféricos. A importância da ultrassonografia | 21


-medial e o nervo radial posterior à artéria, mas com considerável variabilidade anatômica.
Os livros didáticos comumente descrevem este padrão como mais comum quando o braço
é abduzido 90 graus no ombro22, 23.
Os estudos in vivo utilizando a ultrassonografia sustentam este padrão, mas também
revelam variações significativas na posição dos nervos. Retzl e col. relataram que, em uma
série de 69 voluntários, que o nervo ulnar estava ântero-medial à artéria axilar em 59% dos
casos. O nervo radial assumia posição póstero-medial ao vaso em cerca de dois terços dos
casos, enquanto o nervo mediano estava ântero-lateral ou ântero-medial ao vaso em 56%24.
Estes autores descobriram que estes nervos mudam de posição facilmente, mesmo com
leve a pressão sobre a pele. Da mesma forma, Chan e col., em um estudo comparando a
ultrassonografia para o bloqueio axilar ao estimulador de nervo, mostraram que o nervo
mediano era geralmente ântero-lateral à artéria braquial, o nervo ulnar ântero-medial, e o
nervo radial posterior ou póstero-medial 25.
Na axila comumente são encontradas variações na formação vascular. Kutiyanawala e
col. mostrou que 21 dos 100 pacientes submetidos a esvaziamento axilar tiveram forma-
ção venosa anormal na região, incluindo 10 pacientes com veias axilares duplas26. Varia-
ções na formação arterial também são frequentes nesta região. Uglietta e Kadir avaliaram
100 arteriografias do membro superior, 9% dos casos apresentavam variações arteriais
marcantes, o exemplo mais comum foi a ramificação alta da artéria radial na axila, que é
ramo da artéria braquial 27.
Variações com dupla artéria braquial, artéria braquial bífida, ou artéria braquial super-
ficial e profunda são relatadas28, 29. Tais variações arteriais ocorrem em até 10% das amos-
tras28. Variações e anomalias do sistema arterial ulnar e radial são mais frequentes, mas nor-
malmente ocorrem mais distalmente no braço, por isso, estas não são geralmente relevantes
para a realização de um bloqueio axilar12 .

Os Plexos Lombar e Lombo-sacral


O membro inferior é inervado pelos plexos lombar e lombo-sacral (Figura 7). O plexo
lombar, primariamente de L2 a L4, forma três grandes nervos que suprem a extremidade
inferior: o nervo cutâneo femoral lateral, o nervo femoral e o nervo obturador3.
Figura 7:

Plexo Lombar e Lombossacral

22 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


O plexo lombo-sacral é derivado das raízes de L4 a S3 e forma o nervo ciático que dará
inervação sensitiva e motora para a porção posterior do membro inferior até o pé, seus ramos
terminais são os nervos tibial e fibular comum7.

Variações Anatômicas dos Plexos Lombar e Lombo-sacral


Variações anatômicas do plexo lombar são comuns. No estudo realizado por Anloague
e Huijbregts em 2009, a prevalência média de variação anatômica foi de 20,1%, onde 41 dos
204 nervos estudados apresentaram variações30, sendo mais frequentemente encontradas
nos nervos femoral, iliohipogástrico, cutâneo femoral lateral e genitofemoral. Dos plexos
investigados 20,6% demonstraram a ausência de nervo iliohipogástrico, 26,5% apresenta-
vam divisão do nervo genitofemoral dentro da massa muscular do psoas, e 17,6% dos plexos
tiveram o nervo cutâneo femoral lateral proveniente das raízes nervosas L1 e L2. Em 35,3%
dos plexos investigados, o nervo femoral bifurcou e às vezes em trifurcou dentro do músculo
psoas maior30.
Outra variação encontrada na literatura referente ao nervo cutâneo lateral da coxa ocorre
quando este nervo surge diretamente do nervo femoral, Rajesh e Urvi encontraram esta
variante em 10% dos plexos estudados31.
As variações anatômicas do nervo femoral também estão relatadas na literatura30,31,33. Em
nosso serviço identificamos algumas formas variantes do nervo, como por exemplo: nervo fe-
moral em fita (fino e largo), estendendo-se por 2,7cm (Figuras 8.1 e 8.2); nervo femoral abaixo
da artéria femoral (Figura 9) e nervo femoral distante da artéria femoral (Figuras 10.1 e 10.2).
Classicamente o nervo femoral está a uma distância de 0,5-1,0cm da artéria femoral.
Figura 8.1: Nervo femoral em fita

Fonte: http://www.auladeanatomia.com/neurologia/lombar.htm

Variações anatômicas em bloqueios de nervos periféricos. A importância da ultrassonografia | 23


Figura 8.2:

N: Nervo femoral; A: Artéria femoral; V: Veia femoral.

Figura 9: Nervo femoral abaixo da artéria femoral.

N: Nervo femoral; A: Artéria femoral; V: Veia femoral.

Figura 10.1: Nervo femoral longe da artéria femoral.

24 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Figura 10.2:

N: Nervo femoral; A: Artéria femoral; V: Veia femoral.

Outras variantes do nervo femoral incluem o nervo femoral dividido, com uma porção
intramuscular e a outra acima do músculo psoas (Figura 11); ou uma porção abaixo do mús-
culo psoas e a outra acima do psoas (Figura 12)32 . O nervo femoral também já foi identifica-
do passando abaixo do músculo psoas (Figura 13)33.
Figura 11:

N: Nervo femoral; A: Artéria femoral; V: Veia femoral.


Figura 12:

N: Nervo femoral; A: Artéria femoral; V: Veia femoral.

Variações anatômicas em bloqueios de nervos periféricos. A importância da ultrassonografia | 25


Figura 13:

N: Nervo femoral; A: Artéria femoral; V: Veia femoral.

Uma estrutura importante que deve ser observada durante o bloqueio do nervo femoral
é a artéria ilíaca circunflexa, longitudinal ou transversal, que apesar de não ser uma variação
anatômica, pode tornar-se uma armadilha quando não identificada nas técnicas “às cegas”
(Figuras 14.1 e 14.2).
Figura 14.1:

N: Nervo femoral; A: Artéria femoral; V: Veia femoral; CI: Artéria circunflexa ilíaca.
Figura 14.2:

N: Nervo femoral; A: Artéria femoral; V: Veia femoral; CI: Artéria circunflexa ilíaca.

26 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


O nervo ciático geralmente se bifurca no ápice da fossa poplítea, formando os nervos ti-
bial e fibular comum, isso ocorre em 85-89% dos casos. Porém essa bifurcação pode ocorrer
em níveis variados, inclusive na pelve. Não se conhecem variações da largura e do compri-
mento do nervo ciático34.

Conclusão
É cada vez maior a utilização da ultrassonografia como recurso de imagem em várias áreas
da medicina. Por ser um método que permite a visualização das estruturas de forma inócua
para o paciente e para o médico, de fácil acesso, indolor e muitas vezes portátil, está se tornan-
do uma ferramenta muito útil na anestesiologia e principalmente na anestesia regional.
È necessário um bom entendimento do equipamento, porém o conhecimento da ana-
tomia é de extrema importância para a realização dos bloqueios regionais, diminuindo o
número de complicações das técnicas empregadas e possibilitando cada vez mais o acesso
às estruturas nervosas periféricas.

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Variações anatômicas em bloqueios de nervos periféricos. A importância da ultrassonografia | 27


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28 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Capítulo 02

Iniciativas em anestesia
para a qualidade e
segurança do paciente
Fabiane Salman
João Henrique Silva
Luís Antônio dos Santos Diego
Iniciativas em anestesia para a qualidade e
segurança do paciente
A questão da qualidade e segurança do paciente, muito embora seja um tema inerente a
qualquer área de atuação no setor de saúde, encontra-se intimamente relacionada à aneste-
siologia. Acredita-se que a necessidade imperiosa da garantia de segurança do paciente no
ato operatório tenha surgido em meados do século XIX. A questão não era tão somente a
administração da “anestesia”, mas, sim, prover eficácia e segurança, isto é, que, ao permitir
a cirurgia sem o infortúnio da dor, também seus riscos fossem, de algum modo, “controla-
dos”. Afinal, as propriedades anestésicas do éter dietílico já eram conhecidas desde o século
XVI, com as observações de Paracelsus, mas até então não haviam sido utilizadas na prática
clínica, pois não se aceitava que os pacientes viessem a “morrer da cura”.
A experiência clínica moderna, da qual a anestesiologia é protagonista diuturna, caracte-
riza-se por uma complexa intersecção de valores que vão além do estado clínico do paciente
e das evidências científicas da eficácia das intervenções. De igual modo, as preferências dos
próprios pacientes e os diversos cenários nos quais se encontram inseridos em determinada
ocasião hoje compõem a tomada de decisão.
Coube a Donabedian1, a partir dos anos 1960, consolidar os princípios e fundamentos da
qualidade do cuidado em saúde, na perspectiva do serviço às reais necessidades de pacientes
e comunidade. Destarte, apresentou a didática tríade: estrutura, processo e resultado, que
se mostrou muito útil na avaliação da qualidade dos serviços prestados pelos sistemas de
saúde2 . Posteriormente, o instituto de medicina também destacou os fatores mais relevantes
na qualidade do cuidado em seu relatório intitulado Crossing the Quality Chasm3, em que
elenca a segurança, eficiência e efetividade, mas também a oportunidade e equidade na pres-
tação do cuidado, sempre centrados no paciente.
Conjuminando-se os breves relatos históricos apresentados nos parágrafos anteriores,
compreende-se por que a anestesiologia moderna é considerada a especialidade médica
líder na questão da segurança do paciente4,5 e, por conseguinte, a razão de o ensino-apren-
dizagem desses aspectos nos cursos das escolas médicas (graduação6 ou pós-graduação7,8) e
especialização lato sensu9 ser relacionado à anestesia.
Entretanto, em levantamento recente sobre o quantitativo mundial de cirurgias10, foram
estimados cerca de 234 milhões de procedimentos anestésicos realizados a cada ano, e em
torno de 7 milhões dessas intervenções ocorreu algum tipo de complicação no pré-operató-
rio e cerca de 1 milhão de pacientes foram a óbito. Essas estimativas denotam a necessidade
de políticas de saúde pública que concentrem esforços na monitoração e na segurança cirúr-
gica, especialmente em função do elevado risco e dispêndio financeiro. O impacto clínico
desse fato implica elevação da permanência hospitalar em 10 a 15 dias, aumento do risco de
reinternação (cinco vezes), aumento da necessidade de internação em Unidade de Terapia
Intensiva (1,6%), duplicação da mortalidade e um custo estimado, nos Estados Unidos, de
10 bilhões de dólares por ano.
As complicações da anestesia em si continuam a desafiar a mortalidade. Com a melhora
do conhecimento, da padronização e das monitorizações, a morbimortalidade tem, efeti-

30 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


vamente, sido reduzida em 40 vezes em 30 anos, e o número de 1 para 5 mil passou de 1
para 200 mil em países desenvolvidos, embora países pobres tenham índices 100 a 1.000
menores que esses.

1. Padrões mínimos de monitoração perioperatória


A Anesthesia Patient Safety Foundation (APSF) foi fundada em meados dos anos 1980,
nos Estados Unidos da América, com a missão “nenhum paciente deverá sofrer dano por
efeitos da anestesia”11 e atuou para a adoção de padrões de monitoração básica durante o
intraoperatório (American Society of Anesthesiologists - ASA, Standards for Basic Intra-
operative Monitoring). Esses padrões, estabelecidos pela ASA, originaram-se de estudos
publicados no JAMA12 e foram um paradigma em relação à segurança do paciente por seu
pioneirismo e desafio às implicações médico-legais inerentes à própria especialidade. Eram
quatro os objetivos desses padrões mínimos de monitoração perioperatória: melhorar o
cuidado ao paciente; elevar a detecção de eventos adversos de baixa frequência; obter refe-
rências (benchmark) de eventos e estabelecer um precedente, de modo que outros aspectos
da prática anestésica pudessem vir a ser estabelecidos no futuro.
No Brasil, a Resolução nº 851, do Conselho Federal de Medicina (CFM), de 197813
(revogada pela Resolução n º 1.36314, de 1993), não especificava padrões mínimos de mo-
nitoração, muito embora já determinasse que o anestesista avaliasse o paciente antes do
procedimento, permanecesse durante toda a cirurgia e repudiasse a realização simultânea
de atos anestésicos. A Resolução nº 1.363, do CFM (revogada pela Resolução nº 1.80215,
do CFM, de 2006), determinou, pela primeira vez, a observação de padrões mínimos e o
registro em ficha apropriada de monitoração de sinais vitais durante o ato anestésico. A
Resolução nº 1.802, do CFM, em vigor na presente data, além de determinar mais detalha-
damente a monitoração necessária (artigo 3º), apresenta relações anexas de equipamento,
instrumental e fármacos (anexos 2, 3 e 4, respectivamente), também obrigatórios durante
os atos anestésicos. A Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA) colaborou na elabora-
ção dessas resoluções e atua politicamente para que essas determinações também integrem
uma possível Resolução da Diretoria Colegiada (RDC), da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (ANVISA).

1.1 O registro da anestesia


Atribui-se a Codman e Cushing16, ainda no fim do século XIX, a iniciativa de registra-
rem-se, de modo consistente e sistemático, os eventos ocorridos durante o ato anestésico,
inclusive os dados obtidos com a monitoração dos sinais biológicos. Esses registros estão
contemplados na Resolução nº 1.802 (anexo 1), ainda que muitos dos sinais obtidos durante
a anestesia estejam também sendo registrados eletronicamente nos modernos monitores
multiparâmetros e softwares apropriados17.
A evolução da forma como serão rotineiramente realizados em um futuro próximo
é objeto de discussão em função de um objetivo bem concreto - a segurança do paciente.
Argumenta-se que a obrigatoriedade de anotação a cada cinco minutos “garante” a atenção
do profissional ao paciente; de outro modo, entretanto, liberado da anotação, o anestesis-

Iniciativas em anestesia para a qualidade e segurança do paciente | 31


ta “poderia estar” mais atento a outras tarefas também relevantes ao cuidado do paciente.
Outros aspectos a serem considerados são a fidedignidade das anotações e a validade em
auditagem futura como em comprovações judiciais. Posner18, participante do Closed Clai-
ms Project - iniciativa da ASA em 1985 -, relatou observar uma correlação significante entre
inadequação das anotações e falha efetiva no cuidado perioperatório (59%). O Comitê de
Responsabilidade Profissional da ASA19 elencou vantagens no uso de registros eletrônicos
(Registro Eletrônico em Saúde - RES) e cotejou-as com possíveis malefícios, principalmen-
te em relação à responsabilidade profissional. A conclusão final foi que o RES é uma ponde-
rosa ferramenta para a otimização da qualidade do cuidado ao paciente e que médicos e
pacientes beneficiam-se da disponibilidade da informação.
No Brasil, o CFM, em parceria com a Sociedade Brasileira de Informática em Saúde
(SBIS), determinou, com a Resolução nº 1.821, do CFM, de 2007, que os sistemas de RES
“devem adotar mecanismos de segurança capazes de garantir autenticidade, confidenciali-
dade e integridade das informações de saúde”20.
1.2 Listas de verificação cirúrgica (checklists)
Em outubro de 2004, a Organização Mundial de Saúde (OMS) lançou a Aliança Mun-
dial para a Segurança do Paciente, com o objetivo de “despertar a consciência profissional
e o comprometimento político para melhor segurança na assistência à saúde.” O elemento
central do trabalho da Aliança é a formulação dos Desafios Globais para a Segurança do Pa-
ciente. A cada dois anos, um desafio é formulado para pactuar um comprometimento global
e reiterar temas relativos à segurança do paciente que estejam direcionados a uma área de
risco significativa em todos os estados-membros da OMS.
O primeiro desafio teve como foco as infecções relacionadas à assistência à saúde, e a ci-
rurgia segura foi escolhida como tópico para o segundo Desafio Global para a Segurança do
Paciente. Assim, o programa Cirurgia Segura Salva Vidas tem como objetivo aumentar os pa-
drões de qualidade almejados em serviços de saúde de qualquer lugar do mundo, contemplan-
do a prevenção de infecções de sítio cirúrgico, a anestesia segura, as equipes cirúrgicas seguras
e os indicadores da assistência cirúrgica. Para tal meta, foi definido um conjunto central de
padrões de segurança, o qual pode ser aplicado globalmente e em diversos cenários. Nesse
conjunto, ficou óbvio o caráter multiprofissional, pois nele são compreendidos todos aqueles
que, em conjunto, trabalham e contribuem para a excelência do cuidado ao paciente.
Os checklists21,22,23 são listas de verificação utilizadas como ferramentas rápidas e simples
que devem ser utilizadas por todos os profissionais, desde os iniciantes até os mais qualifica-
dos. Não se equiparam a “manuais básicos” ou até mesmo aos procedimentos operacionais
padrão (POP). As listas de verificação, como a proposta no projeto Cirurgia Segura Salva
Vidas, da OMS24, para aplicação antes da indução anestésica, antes da incisão cirúrgica e
antes da saída da sala de operações, devem ser breves, mas sem comprometimento da eficá-
cia em relação aos objetivos aos quais se propõem. Os itens que as compõem devem, portan-
to, conter-se ao essencial, muito embora, às vezes, o que pode ser considerado crítico em um
determinado cenário não o seja em outro.
Entre os 19 itens que compõem a lista de verificação de segurança cirúrgica, aqueles re-
lacionados diretamente à anestesia são: usar métodos conhecidos para impedir danos na

32 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


administração de anestésicos enquanto protege o paciente da dor; reconhecer e estar efe-
tivamente preparado para perda de via aérea ou de função respiratória que ameace a vida;
reconhecer e estar efetivamente preparado para o risco de grandes perdas sanguíneas; evitar
a indução de reação adversa a drogas, ou alergia, sabidamente de risco ao paciente, e se co-
municar efetivamente e trocar informações críticas para a condução segura da operação.
1.3 Prevenção de erros de medicação no perioperatório
Em estudo retrospectivo de 27.454 anestesias, Yamamoto e col.25 identificaram 233 in-
cidentes relacionados a medicamentos em um período de oito anos. Os erros de medicação
mais frequentes foram: sobredose (25%) e substituição (23%) e omissão (21%)26. Os medi-
camentos mais envolvidos nesses erros eram antibióticos e relaxantes musculares. Webster e
col.27 relataram uma incidência de 0,75% (58 casos) de erros de administração em um estudo
com amostra de 7.794 pacientes; já a Sociedade Americana de Anestesiologistas (ASA), no
Projeto Closed Claims, relata a proporção de 4% de erros com drogas anestésicas. Impor-
tante salientar que, de acordo com a amostra analisada e o tipo de hospitais estudados, os
erros relatados pela literatura internacional podem variar de 0,75 a 19%28. A subnotificação
desses eventos é uma realidade por causa da cultura da punição ainda presente nas institui-
ções de saúde e da baixa notificação de quase falhas29 (ocorrências que não atingiram o pa-
ciente, mas que poderiam ter causado um problema real). Apesar da pequena percentagem
dos eventos medicamentosos anestésicos notificados, esses erros ainda apresentam grande
potencial para morbidades graves.
Os incidentes com medicamentos durante anestesia têm sido frequentemente relaciona-
dos à parada cardíaca e mortalidade no período intraoperatório. Estudo realizado por Braz e
col. 30, em 2004, apresentou, entre as principais causas de mortalidade associada à anestesia,
os eventos relacionados à medicação empregada (27,3%). Hove e col. 31 observaram que, dos
24 óbitos avaliados relacionados à anestesia, oito (33,3%) eram atribuídos a falhas na admi-
nistração de medicamentos.
Com o intuito de estudar as causas e os incidentes mais comuns, reconhece-se que a
implantação de um sistema eficaz de notificação de eventos relacionado a medicamentos
deve ser prioridade, de tal modo que se possam analisar os incidentes mais comuns e, assim,
realizar ações preventivas e corretivas de falhas latentes no sistema que podem facilitar o
erro humano. Somam-se também como barreiras de segurança que priorizam a prevenção
dos erros medicamentosos as etiquetas de identificação de seringas e soros, as quais devem
ser lidas cuidadosamente e conferidas antes do preparo e da administração, e a organização
padronizada de gavetas, caixas de drogas e local de preparo dos medicamentos32 .
Fármacos com denominação e fonética semelhantes (sound alike) têm sido fonte frequen-
te de erros de medicação, que ocorrem por semelhanças tanto entre as marcas registradas
(comercial, como Nimbium e Nexium) quanto entre as denominações genéricas (por
exemplo, dopamina e dobutamina), ou, ainda, entre ambos (comercial e genérico), como
com o Epinefrin e a fenilefrina33. Medicamentos com aparência e rótulo semelhantes
também são considerados “armadilhas cognitivas”, pois, diante de distração, fadiga, burnout
e estresse, os anestesiologistas os administram erroneamente, ocasionando situações catas-
tróficas. A vigilância constante, portanto, é fundamental e recomendada.

Iniciativas em anestesia para a qualidade e segurança do paciente | 33


Reconhece-se, entretanto, que a participação e o envolvimento dos fabricantes de medi-
camentos são decisivos no enfrentamento do desafio de cuidados de saúde mais seguros, por
meio da emissão de rotulagens legíveis e de cores padronizadas segundo normas e padrões
previamente estabelecidos e da definição de nomes que realmente diferenciem os medica-
mentos por classe terapêutica.
O aumento da segurança durante o preparo e a administração de medicamentos em
anestesia é uma das prioridades internacionais de segurança, estando presente na Decla-
ração de Helsinki, assinada pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA), em 2010,
durante o Congresso Europeu de Anestesia. Em consenso com essa preocupação mundial,
a SBA, por meio da Comissão de Qualidade e Segurança em Anestesia (CQSA/SBA), tem
realizado ações com diversos players para aumentar a segurança no período perioperatório.
1.4 Sistemas de relatos de eventos adversos
O passo inicial de todo movimento para melhorar a segurança é o reconhecimento por
todos que a máxima “errar é humano” é verdadeira, e errar é sempre possível em nosso dia a
dia. Diminuir a possibilidade de sua ocorrência compreende diversos desafios. A nova cul-
tura do erro qualifica-o como um processo sistêmico, e não de um indivíduo, na maioria das
vezes. Sua patogenia está no sistema: trabalho sob pressão, equipamento inadequado, fadi-
ga, violação dos procedimentos de segurança, deficiências de construção e design. O maior
desafio é agir sobre esses fatos.
No passado, o indivíduo envolvido diretamente no erro era sempre o responsável: havia a
cultura da vergonha e da culpa, de esconder os erros, do medo da revelação, da baixa moral.
A consequência imediata é a dificuldade em se obter qualquer benefício na prevenção de
erros semelhantes. Atualmente, já existe o conceito de erro sistêmico, o qual permite que
se fale abertamente sobre os erros, avaliem-se as circunstâncias nas quais ocorreram e, por
conseguinte, elaborem-se ações preventivas, de modo que os integrantes do sistema passam
implementar barreiras efetivas.
A OMS publicou, em 2005, o World Alliance for Patient Safety – Who Draft Guidelines
for Adverse Event Reporting and Learning Systems. From Information to Action34, que
instrui que a função de um sistema de reportar eventos é usar os resultados da análise para
formular e disseminar mudanças dos sistemas.
A confidencialidade, entre outras, é peça-chave na construção da qualidade e, assim
como no caso da aviação, em que existe leis que protegem a denúncia, nos Estados Unidos,
em 2004, foi promulgada uma lei que protege quem denuncia eventos na área da saúde.
A ASA, em 2009, fundou o Anesthesia Quality Institute para promover qualidade por
meio da coleta e disseminação de dados práticos. Em 2010, foi criado o National Anesthesia
Clinical Outcomes Registry (NACOR)35, banco de dados gerado que envolve operação,
eficiência, segurança e outros itens. Além dos anestesistas que se incorporam para ajudar a
compor a ferramenta que servirá de ajuda em sua atividade, as entidades que contribuem são
diversas: Anesthesia Patient Safety Foundation, Closed Claims Project, ASA Committees e
Joint Commission, entre outras agências reguladoras.
A ASA, com o comitê de manejo da informação Anesthesia Management Systems
(AIMS)36, incentiva a adoção de métodos que facilitem a transmissão da informação, cre-

34 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


denciando iniciativas comerciais de desenvolvimento para coleta, processamento e integra-
ção de informação que se alinhem com a sociedade.
Na Inglaterra existe o National Confidential Enquire into Patient Outcome and Death
(NCEPOD), criado em 2011 para identificar pacientes que são de alto risco de mortalidade
e morbidade cirúrgica, além de revisar desde práticas de avaliação e cuidados perioperatório
até possível identificação de falhas do sistema, propondo mudanças. Ele revelou, por exem-
plo, que em 1 entre 5 pacientes críticos de cirurgia eletiva que não foram avaliados antes da
internação a mortalidade em 30 dias foi de 4,8%, comparado com 0,7% dos que foram vistos.
Em 2011, institui-se o Anesthesia Incident Report System (AIRS), Report Adverse
Events e Near Misses37, que se propõe a dinamizar as coletas e os retornos das análises.
A European Society of Anaesthesiology (ESA) aprovou, em 2011, a Declaração de Hel-
sinque38, com as seguintes recomendações: standards de monitorização mínima; avaliação
pré-operatória e preparo; checagem de equipamento e drogas; etiquetagem de seringas;
manejo de entubação difícil; hipertermia maligna; toxicidade de anestésico local; anafila-
xia; hemorragia maciça; controle de infecção; cuidado pós-operatório e tratamento da dor;
incorporação à campanha da OMS Cirurgia Segura Salva Vidas; produção de relatórios
anuais de mortalidade e morbidade e de resultado de medidas de segurança adotados e con-
tribuição para um sistema de incidentes críticos.
A SBA dispõe de banco de dados originado dos centros de ensino, log book, que poderá
ser a base para criar um sistema brasileiro de relato de eventos adversos em anestesia.

2. Considerações finais
Em saúde, há necessidade de, proativamente, se criar uma cultura de melhora do desem-
penho como meio de obter bons resultados. As organizações de saúde, como as de acre-
ditação e governamentais, e os planos de saúde começam a estimular boas práticas com
incentivos, nomeando-as como acreditadas, estabelecendo pagamento por desempenho
(payment for performance - P4P) e incentivos fiscais para quem se organiza e utiliza in-
dicadores permanentes, para analisar e corrigir desvios que constituem os fatores de risco
latente. A máxima: “o custo da qualidade é a falta de qualidade” é, cada vez mais, verdadeira
e deve sempre ser considerada em qualquer planejamento, desde a gestão macro da saúde até
o planejamento do ato anestésico.

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Iniciativas em anestesia para a qualidade e segurança do paciente | 35


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Iniciativas em anestesia para a qualidade e segurança do paciente | 37


Capítulo 03

Riscos anestésicos em
crianças portadoras de
apneia do sono
Mary Neide Romero
Celso Schmalfuss Nogueira
Giovanni Menezes Santos
Riscos anestésicos em crianças portadoras
de apneia do sono
Em 1976, Guilleminault relatou apneia do sono em seis crianças1. Descreveu-a como
uma síndrome caracterizada por roncos de alta intensidade, episódios de dessaturação da
hemoglobina e hipercapnia durante o sono. As consequências da desordem na respiração re-
sultariam numa variedade de sintomas, incluindo problemas neurocognitivos, distúrbios de
comportamento, baixo rendimento escolar, disfunção cardiovascular e doença respiratória.
A hipertrofia amigdaliana é o fator mais importante da obstrução respiratória durante o
sono e a adenoamigdalectomia é essencial para seu tratamento.
Quanto à prevalência, o ronco primário sem complicações ocorre em 5% a 27% em crian-
ças. E a síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) ocorre em 1% a 4%, sendo mais
prevalente em crianças com asma2 . Quanto à idade, há uma incidência bimodal com picos
entre 5 e 8 anos e entre 17 e 21 anos3.
Os distúrbios respiratórios relacionados ao sono (DRS) em crianças vêm ganhando
importância crescente nas últimas décadas, em virtude de acarretarem consequências
neurocomportamentais, cardiovasculares, endócrinas e metabólicas3. Os DRS em crianças
compreendem um espectro de apresentação clínica que abrange desde o ronco primário
até a síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS)4. A prevalência dos DRS é estimada
entre 0,7% a 13%, na dependência dos critérios utilizados para avaliação diagnóstica, como
saturação de oxigênio pela hemoglobina, fluxo aéreo, esforço respiratório e polissonografia 5.
O ronco primário é definido como ronco sem associação com apneia, hipoxemia, hipercapnia
ou fragmentação do sono4. Apesar de inicialmente ser considerado benigno, evidências recentes
sugerem que o ronco per se pode estar associado a alterações neurocomportamentais5.
A SAOS em crianças é definida como um distúrbio respiratório durante o sono, caracte-
rizado por obstrução parcial ou completa das vias aéreas superiores que altera a ventilação
normal e os padrões de sono. Está associada a sintomas que incluem ronco noturno, difi-
culdade para dormir e problemas comportamentais6. Sua prevalência é estimada entre 1% e
4%, de acordo com critérios que são variáveis7. Os três componentes mais importantes são:
hipóxia episódica, hipercapnia intermitente e fragmentação do sono.
A história e o exame clínico têm grande valor, mas não são suficientes para o diagnós-
tico, que está centrado na polissonografia. É esta que registra os eventos respiratórios por
hora, e sua média determina o índice de apneia/hipopneia (IAH), fundamental para o
diagnóstico. Em crianças, caso o AHI esteja entre 1 e 5, os DRS são considerados leves e,
acima de 5, moderados10.

1. Quadro clínico
O quadro clínico se apresenta com sintomas diurnos, noturnos e aspectos relacionados
ao exame físico. Alterações comportamentais, depressão, diminuição na performace escolar,
agressividade, deficit de atenção, hiperatividade, diminuição na qualidade de vida, sonolência
excessiva, cefaleias matinais, respiração bucal, congestão nasal, fala anasalada, otites e sinu-
sites de repetição são aspectos relacionados aos sintomas diurnos. Os sintomas noturnos ca-

40 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


racterizam-se por: ronco, apneia, sensação de sufocamento, aumento do trabalho respiratório,
diaforese, despertar frequente, respiração bucal, boca seca, enurese e sono inquieto.
Com relação ao exame físico, presença de obesidade, aumento da circunferência do pes-
coço, sonolência, edema das mucosas nasais, desvio de septo, hipertrofia adenoamigdaliana,
palato arqueado, macroglossia, retro/micrognatia, hipoplasia facial, respiração bucal, hiper-
tensão arterial sistêmica e edema de extremidades compõem o panorama da apresentação.

2. Etiologia
Qualquer anomalia na via aérea superior pode, teoricamente, produzir sintomas obs-
trutivos intermitentes durante o sono. As síndromes congênitas, com alterações orofaciais
e faríngeas, o hipotireoidismo e a síndrome de Down, com aumento desproporcional da
língua/cavidade oral, podem gerar obstrução ao fluxo aéreo. Doenças neuromusculares cau-
sam SAOS por causa do tônus anormal dos músculos constritores da faringe, responsáveis
por manter as vias aéreas pérvias8.
A obesidade e a hipertrofia das amígdalas e adenoides são responsáveis pela maioria dos
casos de SAOS em crianças9.
As principais doenças associadas à SAOS em crianças incluem, entre outras:
• hipertrofia de amígdalas e adenoides;
• obstrução nasal crônica, como estenose de coanas, desvio de septo, rinite alérgica,
pólipos nasais e tumores nasais;
• obesidade mórbida;
• síndromes de Down, Crouzon, Treacher Collins, Klippel-Feil, Beckwith-Wiede-
mann, Apert e Prader Willi e anomalia de Pierre Robin;
• síndrome de Marfan, acondroplasia, laringomalácia;
• mucopolissacaridoses;
• doenças neuromusculares - distrofia muscular de Duchenne, doença de Werdnig-
-Hoffman, síndrome de Guillán Barré, distrofias musculares e miopatias;
• malformação de Chiari;
• hipotireoidismo;
• anemia falciforme.

3. Fisiopatologia
A característica essencial da SAOS em crianças é o aumento da resistência das vias aéreas
superiores durante o sono11. Na maioria dos casos, isso se deve a uma combinação de fatores
como hipertrofia dos tecidos moles, dismorfologias craniofaciais, fraqueza neuromuscular
e obesidade12 .
A via aérea superior contém algumas estruturas flexíveis, como músculos e tecidos moles.
Durante a vigília, o tônus muscular se encontra preservado, mantendo as vias aéreas pérvias.
Com o sono e o relaxamento muscular que o acompanha, ocorre aumento da resistência ao
fluxo de ar. Embora a maioria das pessoas possa compensar essas alterações, indivíduos com
certos problemas anatômicos têm episódios repetidos de obstrução parcial ou completa das
vias aéreas superiores durante o sono8.

Riscos anestésicos em crianças portadoras de apneia do sono | 41


O aumento da resistência das vias aéreas pode levar à interrupção total ao fluxo aéreo,
caracterizando a apneia. Hipopneias são episódios de respiração superficial durante a qual o
fluxo de ar é reduzido em, pelo menos, 50%.
Em adultos, uma pausa respiratória de 10 segundos é considerada apneia ou hipopneia.
As crianças, entretanto, têm frequências respiratórias mais altas, menor capacidade residu-
al funcional e parede torácica mais complacente, resultando numa queda mais rápida da
saturação de oxigênio, quando o fluxo aéreo é interrompido. Dessa forma, considerar os
mesmos 10 segundos para definir apneia/hipopneia parece não ser adequado. Alguns cen-
tros de sono pediátricos consideram que, se ocorrer obstrução em duas ou mais respirações
consecutivas, o evento pode ser chamado de apneia/hipopneia, mesmo que dure menos de
10 segundos8.
A maioria das crianças com SAOS consegue obter longos períodos de respiração estável
durante o sono, indicando um papel para outros determinantes da permeabilidade das vias
aéreas, como ativação neuromuscular, controle ventilatório e limiar de excitação12 .
Do ponto de vista do racíocinio clínico, podemos dividir didaticamente o mecanismo
fisiopatológico através de:
• alterações na anatomia - as crianças com SAOS têm vias aéreas faríngeas mais es-
treitas e aumento de resistência nasal em comparação com os grupos controle13,14.
Hipertrofia adenoamigdaliana, constricção maxilar e retro/micrognatia são as alte-
rações anatômicas mais comuns na SAOS. No entanto, a correlação entre a gravidade
da apneia e o tamanho adenoamigdaliano é surpreendentemente variável15,16.
• alterações na mecânica das vias aéreas - a via aérea superior é um conduto altamente
complacente, no qual pequenas alterações de pressão produzem grandes variações em
sua área de secção transversal. A pressão luminal em que ocorre colapso das vias aéreas
é denominada pressão de fechamento crítica (Pcrit). O Pcrit é um índice relacionado
às propriedades neuromusculares e viscoelásticas da faringe. Crianças com SAOS têm
Pcrit maior que os grupos controle e crianças com ronco habitual12. O Pcrit correlacio-
na-se com a gravidade da SAOS e diminui após a adenoamigdalectomia17.
• alterações no controle ventilatório, despertar e compensação neuromuscular
- durante a inspiração, os músculos das vias aéreas são ativados, entre eles o genio-
glosso, o que aumenta o lúmen e a rigidez da via aérea. Na vigília, crianças com SAOS
têm a atividade do genioglosso aumentada em comparação com os grupos controle18.
No início do sono, a atividade dilatadora da faringe está reduzida, a variabilidade
ventilatória aumenta e um limiar de apneia ligeiramente abaixo dos níveis eupneicos
são observados. Em caso de colapso das vias aéreas, ocorrem aumento da ativida-
de dilatadora da faringe em resposta à hipercapnia e pressão luminal negativa. Nos
casos de apneia, o despertar do sono imediatamente normaliza as trocas gasosas12 .
• Obesidade - as crianças obesas são mais propensas a roncar quando comparadas às
magras21. A incidência de SAOS em crianças obesas é elevada, da ordem de 36%19,
e pode ultrapassar 60% se o ronco estiver presente20. No entanto, a relação entre a
gravidade da SAOS e o índice de massa corporal (IMC) é muitas vezes deficiente,
sugerindo que está relacionado com a distribuição de gordura corporal 21. As crianças

42 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


com obesidade central parecem apresentar maior risco para a SAOS12 . Infiltração de
gordura dos tecidos moles da faringe estreita o calibre da via aérea superior e contri-
bui para o aumento da resistência das vias aéreas.
A SAOS contribui para alterações sistêmicas, pois é causa de graves mudanças metabóli-
cas, cardiovasculares e neurocognitivas em crianças. Existem graus variáveis de inflamação,
estresse oxidativo, ativação autonômica e comprometimento da homeostasia durante o sono
em crianças portadoras dessa síndrome12 .
Quanto às alterações metabólicas, elevação da proteína C-reativa, resistência à insulina,
hipercolesterolemia, elevação de transaminases e diminuição da secreção do hormônio do
crescimento fazem parte da fisiopatologia.
As alterações comportamentais do tipo depressão, diminuição na performace escolar,
agressividade, deficit de atenção, hiperatividade e diminuição na qualidade de vida fazem
parte das alterações cognitivas.
As mudanças cardiovasculares que acompanham essa síndrome constam de: disfunção
autonômica, hipertensão arterial sistêmica, disfunção ventricular esquerda, hipertensão
pulmonar e arritmias cardíacas.

4. Avaliação pré-anestésica
A anamnese é um passo fundamental no diagnóstico dos distúrbios obstrutivos do sono
em crianças. No entanto, estudos têm mostrado fraca correlação entre sintomas clínicos e
achados polissonográficos. Em 1995, Carroll e col.24 compararam respostas de questioná-
rios referentes a sintomas clínicos de SAOS e achados polissonográficos de crianças com
hipertrofia adenotonsilar. Encontraram pobre correlação entre sintomas e polissonogra-
fia23. A utilização de questionários com dados da história clínica e exame físico não tem
um bom valor preditivo para o diagnóstico de SAOS em crianças24, pois a sensibilidade e
especificidade são de apenas 35% e 39%, respectivamente12 . Isso se deve, principalmente,
ao fato de esses questionários dependerem do relato de acompanhantes, que, muitas vezes,
podem não conhecer com exatidão os sintomas apresentados durante o sono24.
Gregório e col. observaram que o ronco foi o sintoma mais frequente em crianças e adoles-
centes com SAOS13. Esse resultado está de acordo com a literatura que aponta o ronco como
o preditor clínico mais importante para o diagnóstico de SAOS em crianças, com uma boa
sensibilidade (91%) e razoável especificidade (75%)16,18. Obstrução nasal e agitação das pernas
durante o sono são sintomas que apresentaram elevada prevalência na casuística de Gregório13,
porém, em outros estudos, não se relacionaram significativamente com a SAOS16. A presença
de sonolência diurna, que é um sintoma muito frequente em adultos com SAOS, não é um
dos principais sintomas em crianças. Foi encontrado em 0 a 19% dos casos em crianças não
roncadoras e de 0 a 30% em roncadoras habituais15. Outros sintomas que também são atual-
mente considerados importantes para o diagnóstico de SAOS em crianças foram sono agitado,
sudorese, enurese noturna, sintomas de rinite, hábito de dormir em posição de hiperextensão
cervical, alterações do comportamento e déficit de aprendizado17,29.
Um grande número de crianças, especialmente as que se submetem a procedimentos
otorrinolaringológicos, apresenta apneia obstrutiva do sono. Habitualmente, essas crianças

Riscos anestésicos em crianças portadoras de apneia do sono | 43


exibem pequena cavidade na via aérea superior, hipertrofia adenoamigdaliana, palato mole
redundante e/ou obesidade, gerando restrição das vias respiratórias. Crianças não diag-
nosticadas e não tratadas, a longo prazo, podem evoluir com hipertensão pulmonar e cor
pulmonale. Esse grupo de pacientes apresenta alto risco de complicações perioperatórias
decorrentes da hipoxemia e da insuficiência cardíaca direita, necessitando de monitoração
e, muitas vezes, terapia intensiva no pós-operatório18.
A polissonografia (PSG) realizada em laboratório do sono durante a noite inteira é o
exame padrão ouro tanto para o estabelecimento do diagnóstico como para o controle do
tratamento, quando indicado. O exame constitui-se de uma monitorização não invasiva de
diversos parâmetros e deve ser realizado durante o sono espontâneo e noturno. O diagnóstico
polissonográfico de SAOS é feito quando o índice de apneia obstrutiva for > 1 evento/hora de
sono, associado à dessaturação da oxi-hemoglobina (< 92%). Outro parâmetro utilizado para
o diagnóstico em polissonografia pediátrica é a capnografia, com valores de pico de CO2 exa-
lado > 53 mmHg, que são considerados alterados10. Recentemente, a Academia Americana de
Medicina do Sono, em sua publicação sobre escore do sono e eventos associados, recomendou
a utilização do percentual de tempo com CO2 > 50 mmHg (aferido por capnografia ou PaCO2
transcutâneo) superior a 25% do tempo total de sono como critério para hipoventilação29.
A polissonografia tem excelente reprodutibilidade, documenta a obstrução das vias aére-
as superiores (VAS), distingue apneia obstrutiva da apneia central e registra crises epilépti-
cas em crianças com doenças neurológicas29.
As indicações da American Thoracic Society para a realização da PSG em crianças são:
• estabelecer o diagnóstico diferencial entre ronco primário e síndrome da apneia obs-
trutiva do sono;
• avaliar a criança com padrão de sono patológico (sonolência excessiva diurna,
por exemplo);
• confirmar o diagnóstico de obstrução respiratória durante o sono para indicação de
tratamento cirúrgico;
• realizar avaliação pré-operatória do risco de complicações respiratórias da adenoton-
silectomia ou outras cirurgias nas vias aéreas superiores;
• avaliar pacientes com laringomalácia cujos sintomas são mais intensos no período
noturno ou aqueles que apresentam cor pulmonale;
• avaliar crianças obesas com sonolência excessiva diurna, roncos, policitemia ou
cor pulmonale;
• avaliar crianças com anemia falciforme (pelo risco de oclusão vascular durante o sono);
• se houver persistência do ronco no pós-operatório de adenotonsilectomia;
• controlar periodicamente o tratamento com pressão positiva contínua das vias aére-
as (CPAP).

5. Outros exames diagnósticos


Estudos domiciliares com equipamentos portáteis têm sido utilizados ocasionalmente em
crianças. Entretanto, apresentam baixa especificidade e não excluem a necessidade da polissono-
grafia28. Estudos de polissonografia diurna (sonecas) em crianças maiores de 1 ano mostraram

44 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


valor preditivo positivo de 77-100% e valor preditivo negativo de 17-49%, ou seja, as polissono-
grafias diurnas subestimam a presença e a gravidade da SAOS. Atualmente, recomenda-se a
polissonografia diurna com aproximadamente duas horas de duração apenas para lactentes.
Li e col.25 ressaltam que, ao exame de orofaringoscopia, apenas a parte superior das ton-
silas palatinas é visível, podendo causar falsa impressão do real tamanho e formato. Os auto-
res sugerem a realização da radiografia em perfil das VAS, para avaliar com maior precisão a
obstrução da coluna aérea pelas tonsilas palatinas.
A nasofibroscopia tem grande utilidade no exame das cavidades nasais e da rinofaringe,
permitindo ao otorrinolaringologista diagnosticar desvios do septo nasal, hipertrofia das
conchas nasais e da adenoide, bem como alterações da dinâmica respiratória e da deglutição
em consequência da hipertrofia das tonsilas palatinas.
A gravação dos ruídos respiratórios da criança durante o sono também é usada para tria-
gem de casos suspeitos de SAOS. Pode ser feita pelos pais no próprio quarto de dormir dos
filhos. Na análise da gravação, a equipe médica pode avaliar a intensidade dos roncos e as
pausas respiratórias27. A sensibilidade desse método para detecção de apneia é superior a
90%, porém, seu valor preditivo positivo não ultrapassa 50%29.
O registro das imagens do sono da criança é mais dispendioso e tecnicamente complicado,
podendo obrigar ao uso de câmaras infravermelhas para gravação em ambientes com pouca
luminosidade. A análise do padrão respiratório da criança na fita de vídeo tem uma sensi-
bilidade de cerca de 94% para diagnóstico da SAOS, com valor preditivo positivo de 83%29.
A cefalometria nos raios X em perfil das VAS analisa as estruturas craniofaciais e mede
a coluna aérea em diferentes pontos, o que é particularmente importante nas crianças
com malformações31.
O diagnóstico precoce da SAOS em crianças tornou mais raro o achado de sinais clínicos
de cor pulmonale29.

6. Cuidados perioperatórios
6.1. Vias aéreas
A manutenção da patência das vias aéreas durante a sedação com ventilação espontânea ou
anestesia é um dos grandes desafios para o anestesiologista nos portadores de SAOS. É bem es-
tabelecido que o colapso da via aérea seja intensificado durante o sono fisiológico, tão bem como
naqueles pacientes submetidos à anestesia geral, contribuindo para que os pacientes portadores de
SAOS apresentem incapacidade de tolerar a sedação, o que pode culminar com hipoventilação.
O conhecimento das alterações anatômicas das vias aéreas é vital para o planejamento da
entubação orotraqueal. A comunicação entre o anestesiologista, o cirurgião pediátrico e o radio-
logista é importante para avaliar doença de base, severidade, doenças coexistentes ou síndromes
que possam se associar e contribuir para a dificuldade em estabelecer uma via aérea segura.
Os agentes anestésicos pioram a condição obstrutiva na síndrome, o que predispõe ao
aumento da resistência das vias aéreas superiores, levando a eventos obstrutivos, principal-
mente no retropalato35.
Material para via aérea difícil deve ser programado naqueles pacientes com comprometi-
mento anatômico orofacial ou de vias aéreas.

Riscos anestésicos em crianças portadoras de apneia do sono | 45


Estabelecer o valor da oximetria de base do paciente antes do início da anestesia é um
fator importante como guia da oximetria no transoperatório.
6.2 Anestésicos
Há estreita correlação entre o grau de SAOS e a anestesia geral, assim, crianças porta-
doras da síndrome exacerbam a obstrução respiratória e a apneia após a administração de
anestésicos. Por esse motivo, a seleção dos anestésicos é importante.
Crianças com grau significante de SAOS são mais sensíveis a todos os fármacos sedativos
e anestésicos. Obstrução de vias aéreas e depressão respiratória podem ocorrer com doses
mínimas. Essas ocorrências são mais intensas quando são usados fármacos com grande
poder de depressão respiratória e bloqueadores neuromusculares.
O anestésico ideal deve ter um tempo e ação previsível, exercer mínima ação cardiovascu-
lar ou outros efeitos colaterais. Infelizmente, fármacos com essas características não existem35.
A seguir, seguem algumas medicações anestésicas e suas implicações nas crianças
com SAOS:
• PROPOFOL E BARBITÚRICOS
Exacerbam a obstrução das vias aéreas altas e aumentam o risco de depressão
respiratória e apneia.
• BENZODIAZEPÍNICOS
Relaxam a musculatura faríngea causando a redução do espaço da faringe.
• CETAMINA
Preserva o calibre da faringe
• OPIOIDES
Baixas doses de fentanil após anestesia inalatória resultam em agravamento dos sintomas
da SAOS. Waters et al relataram que crianças em respiração espontânea em uso de N2O
+ Halotano + O2 apresentaram apneia após a administração de 0,5ug/kg de fentanil36.
• CETAMINA + DEXMEDETOMIDINA
Promove anestesia sem exacerbação dos problemas respiratórios em crianças com
SAOS e síndrome de Down.
• ANESTESIA INALATÓRIA
Em dose dependente, resulta em relaxamento do músculo genioglosso, o que pode
resultar em oclusão das vias aéreas.
• BLOQUERADORES NEUROMUSCULARES
Deve ser feita titulação adequada e cuidadosa para evitar efeito residual.
• DEXMEDETOMIDINA
A dexmedetomidina produz sono com propriedades sedativas semelhantes ao sono natu-
ral. Tem propriedades ansiolíticas, sedativas e analgésicas. Na sedação de pacientes com
SAOS, quando comparado ao propofol, a necessidade de ventilação artificial é diminuí-
da e promove menor relaxamento do tônus da musculatura das vias aéreas superiores33.

7. Cuidados pós-anestésicos
Existem evidências de que crianças com SAOS têm alta incidência de complicações res-
piratórias pós-operatórias, incluindo edema pulmonar obstrutivo, pneumonia, obstrução

46 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


respiratória e insuficiência respiratória30. É importante compreender que quanto maior a
gravidade da SAOS, maior a incidência de complicações.
Outro fator fundamental relacionado à severidade de complicações pós-operatórias é o
índice de dessaturação noturna. Pacientes com MOS4 (três ou mais dessaturações menores
que 75%) apresentam maior sensibilidade aos opioides. Estudos em animais demonstram
aumento da densidade de receptor μ decorrente da hipóxia intermitente e especula-se que o
processo molecular envolve a regulação de gens sensíveis ao oxigênio.
O Escore de Oximetria de McGill pode ter relação com a severidade da SAOS. Esse esco-
re correlaciona o grau de dessaturação noturna e a gravidade da SAOS.
MOS 1  3 ou mais dessaturações
MOS 2  3 ou mais dessaturações menores que 90%
MOS 3  3 ou mais dessaturações menores que 85%
MOS 4  3 ou mais dessaturações menores que 75%

8. Dor pós-operatória
8.1 Opioides
O uso de opioides em crianças com SAOS causa depressão da resposta ventilatória ao
aumento de CO2 . Deprime o drive e relaxa o músculo dilatador da faringe, sendo essas ações
mais intensas no pós-operatório. Se a dor for de grande intensidade, o uso de opioide pode
ser útil, acompanhado de entubação e ventilação mecânica prolongada, com monitoração
constante do sistema cardiovascular e oximetria de pulso.
O uso de anti-inflamatórios não hormonais pode induzir sangramento, com exceção do
acetoaminofen. Em algumas cirurgias, como na adenoamigdalectomia, a infiltração com
anestésico local pode ser útil.
A medicação antirrefluxo e antisialogoga deve ser administrada para a prevenção de as-
piração e laringoespasmo.

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48 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Capítulo 04

Analgesia regional
pós-operatória I
João Valverde Filho
Míriam Seligman Menezes
Leandro Mamede Braun
Analgesia regional pós-operatória I
Está muito bem documentada, nos dias de hoje, a eficácia da abordagem multimodal no
tratamento da dor pós-operatória. Administrações sistêmicas de analgésicos não opioides,
analgésicos opioides e fármacos adjuvantes e diferentes técnicas de bloqueio regional com
anestésicos locais e/ou adjuvantes constituem a base desse tipo de analgesia1.
A utilização de anestésicos locais em bloqueios regionais, tanto no neuroeixo como em
nervos periféricos, em dose única ou em bloqueio contínuo, tem tido cada vez mais destaque
na analgesia pós-operatória. Isso é verdade, especialmente, quando se trata de bloqueios pe-
riféricos em procedimentos ambulatoriais, para uma recuperação mais rápida e com meno-
res efeitos adversos e, ainda, a possibilidade de estender a analgesia após a alta hospitalar2,3.
Serão abordados, neste capítulo, bloqueios periféricos para a analgesia pós-operatória
de adultos.

1. Bloqueios periféricos
Os bloqueios periféricos são procedimentos realizados há várias décadas, porém, nos úl-
timos anos, têm recebido atenção especial, principalmente, no tratamento da dor e na recu-
peração musculoesquelética dos doentes submetidos a diversos procedimentos cirúrgicos.
Os anestésicos locais, associados a adjuvantes ou não, são administrados por infusões
simples ou por cateteres implantados próximo de nervos, plexos e articulações ou direta-
mente no sítio cirúrgico.
A tecnologia avançou para produzir agulhas especiais, estimuladores de nervos, catete-
res, dispositivos eletrônicos ou elastoméricos de infusão e, recentemente, ultrassonografia,
para guiar o local de depósito do agente analgésico ou anestésico.
Os anestesiologistas têm papel de destaque na avaliação e no controle da dor no período
pós-operatório, para proporcionar conforto e reabilitação funcional dos doentes.
A morbidade decorrente dos diferentes procedimentos cirúrgicos está associada ao
melhor controle da dor e à satisfação com o tratamento, quando as técnicas de analgesia
regional com anestésicos locais são comparadas com as administradas por via sistêmica4.
Diversos estudos contribuem para demonstrar a redução de complicações respiratórias, car-
diovasculares e gastrointestinais5,6.
Para minimizar os efeitos indesejáveis da dor, os bloqueios anestésicos interrompem
funcionalmente as vias eferentes e aferentes de um segmento nervoso, reduzindo os reflexos
provenientes de incisões e manipulações cirúrgicas. As dores inflamatórias e neuropáticas,
decorrentes dos procedimentos cirúrgicos, são tratadas com diversas modalidades de anal-
gésicos; a redução do consumo de opioides e de fármacos adjuvantes é especialmente van-
tajosa para os doentes críticos e idosos7. Os nervos tornam-se mais sensíveis aos anestésicos
locais com o avanço da idade, em função de um declínio na população neural e do alente-
cimento da condução nervosa. Pode ocorrer toxicidade cumulativa nos idosos por causa da
redução global do clearance dos fármacos7.
A anestesia regional, quando realizada por injeção simples, é suficiente para promover
analgesia por tempo limitado à ação do anestésico local específico utilizado; porém, não há

50 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


consenso quanto à associação de cateter com relação ao tempo de infusão e à concentração
ideal do anestésico local. Há evidências de resultados que favorecem a recuperação motora
e analgésica dos pacientes8.

1.1 Indicações e métodos de infusão regional


Os procedimentos ambulatoriais recebem atenção especial porque a recuperação geral-
mente ocorre no domicílio. Esse momento é de grande preocupação por parte dos doentes,
especialmente no período noturno. Dessa forma, lembrar que a analgesia multimodal, com
associação de anti-inflamatório não hormonal e opioide fraco, é frequentemente prescrita e,
quando é associada ao bloqueio regional, as dores nas primeiras horas do período pós-ope-
ratório são mais bem controladas. Entretanto, procedimentos que produzem dor moderada
a intensa são elegíveis para infusões de anestésicos locais com cateter para obter o melhor
controle da dor, prolongar a analgesia e reduzir o uso de opioides e seus efeitos indesejáveis9.
As abordagens e os locais de infusão dos anestésicos locais são comumente realizados:
por via cervical, interescalênica, axilar, supraclavicular e infraclavicular para cirurgias dos
membros superiores e do ombro; o bloqueio paravertebral é indicado para tórax ou mas-
tectomias com reconstrução; o uso do compartimento do psoas ou femoral é indicado para
cirurgias do quadril; a fáscia ilíaca, femoral e plexo lombar, para joelho e coxa; o ciático-po-
plíteo, para cirurgias de perna, tornozelo e pé. Diversos bloqueios realizados isoladamente
podem contribuir com a anestesia e analgesia, como o bloqueio dos nervos obturador, safe-
no, tibial posterior e sural.

1.2 Anestésicos locais


Os anestésicos locais mais utilizados para anestesia e analgesia regional com ou sem cateter,
em nosso meio, são bupivacaína, ropivacaína e levobupivacaína em concentrações variáveis.
As concentrações equipotentes entre os diversos anestésicos locais ainda não estão bem
determinadas. É necessário considerar o risco de toxicidade quando são usadas concentra-
ções mais elevadas.
1.3 Adjuvantes dos anestésicos locais
1.3.1 Clonidina
A clonidina é um fármaco com propriedades analgésicas, ansiolíticas e sedativas e com
potencial de provocar modificações hemodinâmicas. É um derivado imidazólico com ati-
vidade agonista alfa parcial, com seletividade alfa2:alfa1 (200:1). Os receptores alfa estão
alocados no sistema nervoso periférico e na lâmina superficial da medula espinal, além de
nos núcleos centrais com sítio de ligação para a norepinefrina10. O efeito analgésico da ad-
ministração periférica da clonidina se deve possivelmente à redução na liberação de norepi-
nefrina nos terminais nervosos.
Quando a clonidina é adicionada aos anestésicos locais, há a possibilidade do prolonga-
mento da analgesia pós-operatória, especialmente quando é acrescentada aos anestésicos
locais com concentrações baixas. A dose recomendada pode variar entre 1-2 mg.ml-1 e 0,5
mg.kg-1 11,12 .

Analgesia regional pós-operatória I | 51


1.3.2 Epinefrina e opioides
A epinefrina é amplamente utilizada como adjuvante dos anestésicos locais para prolon-
gar o tempo de duração da analgesia regional.
A ação alfa-agonista produz vasoconstricção local, reduzindo a absorção sistêmica dos
anestésicos locais e outros adjuvantes associados à solução anestésica. A administração de
opioides tem sido uma recomendação recente.

1.3.3 Implante parcial de cateteres


As técnicas de inserção de cateteres próximo aos plexos nervosos ou à emergência
dos nervos periféricos vêm sendo continuamente desenvolvidas e aprimoradas com o
auxílio de novas tecnologias, como neuroestimuladores percutâneos e bloqueios guia-
dos por ultrassonografia13 .
O implante parcial dos cateteres objetiva prolongar a anestesia e a analgesia, para que
diferentes procedimentos cirúrgicos alcancem resultados adequados quanto à recuperação
dos doentes, evitando a imobilidade do paciente14.
Doses e regime de infusão podem variar de acordo com o local da cirurgia, da inten-
sidade da dor e da idade do doente; anestésicos locais de longa duração são infundidos
com ritmo de infusão de 5 -10 ml.h-1, bolus de 2-5 ml e intervalo entre as doses de bolus
de 20-60 minutos15.

1.3.4 Infiltração da ferida operatória


A infusão de anestésico local na ferida operatória tem sido utilizada há mais de uma déca-
da. A eficácia analgésica é limitada à duração do anestésico local, entretanto, recentemente,
tem sido empregada infusão contínua de anestésicos locais por cateteres implantados no
sítio cirúrgico. A técnica é realizada pelo cirurgião no campo cirúrgico e, após o fechamento
da ferida operatória, o cateter é conectado à bomba de infusão elastomérica ou eletrônica
para infusão. O objetivo é a redução do uso de opioides por via sistêmica, especialmente nas
cirurgias abdominais14.

1.3.5 Analgesia regional controlada pelo paciente


A analgesia regional controlada pelo paciente é representada pelos dispositivos eletrô-
nicos e pelos sistemas descartáveis elastoméricos aplicados geralmente nos procedimen-
tos ortopédicos15.
O dispositivo elastomérico é descartável e possibilita a administração de anestésico local
em regime ambulatorial ou domiciliar; entretanto, os cuidados com infecção, contamina-
ção ou uso indevido de anestésicos locais requerem monitoração frequente.
Indicações de diferentes métodos de analgesia pós-operatório em relação aos procedi-
mentos cirúrgicos:
Figuras 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15 e Tabelas I e II (cedidos para a
publicação pelo Dr. João Valverde Filho, Hospital Sírio-Libanês).

52 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Fig. 1 – Cirurgias no tórax

Fig. 2 - Cirurgias no abdome superior

Analgesia regional pós-operatória I | 53


Fig. 3 - Cirurgias no abdome inferior

Fig. 4 - Cirurgias no quadril

54 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Fig. 5 - Cirurgias no tornozelo e/ou pé

Fig. 6 - Cirurgias nos membros inferiores

Analgesia regional pós-operatória I | 55


Fig. 7 - Síndrome impacto/lesão manquito rotator e capsulite adesiva

Fig. 8 - Cirurgias nos membros superiores

56 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Tabela I - Guia de programação de PCA peridural e regional (pacientes anticoagulados)

Fig. 9 - Curativo

Analgesia regional pós-operatória I | 57


Tabela II – Guia de programação de PCA peridural e regional (bolus e taxa de infusão)

Fig. 10 - Infiltração na ferida operatória

58 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Fig. 11 - Infiltração na ferida operatória

Fig. 12 - Ultrassom para guiar o bloqueio regional

Analgesia regional pós-operatória I | 59


Fig. 13 - Ultrassom para guiar o bloqueio regional

Fig. 14 - Compartimento do psoas

60 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Fig. 15 - Bloqueio do compartimento do psoas; fixação e curativo

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62 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Capítulo 05

Analgesia regional
pós-operatória II
João Valverde Filho
Míriam Seligman Menezes
Leandro Mamede Braun
Analgesia regional pós-operatória II
Serão abordados, neste capítulo, bloqueios no neuroeixo para a analgesia pós-operatória
de adultos e bloqueios regionais para a analgesia pós-operatória em crianças.

1. Analgesia no neuroeixo
O impacto da anestesia regional no resultado das cirurgias tem sido extensivamente
estudado durante os últimos 20 anos. Dados conflitantes foram observados a respeito do
uso da anestesia regional no controle da dor aguda pós-operatória e na diminuição da mor-
bimortalidade cirúrgica.
Um marco histórico da anestesia regional foi o trabalho realizado por Yeager1, acompa-
nhado de editorial sobre o tema2, em que uma aparente redução da mortalidade foi obtida
quando comparado com os opioides sistêmicos. Em 2000, Rodgers3 realizou uma metaná-
lise na qual foram revisados 145 estudos com mais de 10 mil pacientes, em que concluiu
significantes benefícios na morbidade e mortalidade com o uso dos bloqueios neuroaxiais
centrais. Nessa metanálise, foram observadas significantes reduções nas complicações
respiratórias (39%); redução da incidência de pneumonia e depressão respiratória (59%);
eventos tromboembólicos (44%); e redução na incidência de trombose venosa profunda e
embolia pulmonar (55%). O uso de bloqueios regionais neuroaxiais reduziu a mortalidade
em 33%. Infelizmente, o estudo avaliou uma população heterogênea, submetida a diferentes
procedimentos cirúrgicos, com técnicas anestésicas e analgésicas não padronizadas. A anal-
gesia sistêmica multimodal foi raramente utilizada nos diferentes grupos.
A utilização tanto da anestesia peridural, especialmente a torácica (APT), quanto de
opioides intratecais apresenta grandes benefícios: analgesia de qualidade superior (com
anestésicos locais); atenuação da resposta ao estresse e ao trauma cirúrgico; simpatectomia
cardíaca torácica; redução de tempo de intubação; melhor função respiratória pós-operató-
ria; e melhor controle da pressão arterial. Infelizmente, a maioria dos estudos realizados até
o momento ainda apresenta limitações metodológicas.
1.1. Efeitos cardiovasculares
O miocárdio e a circulação coronária são inervados por fibras simpáticas provenientes
dos segmentos da medula espinhal entre T1 e T5, que influenciam a distribuição do fluxo
coronariano. No paciente com doença isquêmica coronariana, a ativação simpática altera o
balanço entre o fluxo sanguíneo coronariano normal e a demanda de oxigênio miocárdico.
Esses pacientes apresentam benefícios da simpatectomia induzida pelo bloqueio das fibras
cardíacas4. A anestesia peridural com anestésicos locais aumenta o diâmetro das artérias
epicárdicas estenosadas sem vasodilatação das arteríolas coronárias5, diminui o oxigênio do
miocárdico6, melhora o desempenho do ventrículo esquerdo7 e reduz a liberação de tropo-
nina T e catelominas8. Além disso, ocorrem o aumento da relação de fluxo sanguíneo endo-
cárdio/epicárdio9, a melhora o fluxo sanguíneo através de colaterais durante a isquemia9,10, a
diminuição da vasoconstrição pós-estenótica e a redução da incidência de isquemia provo-
cada por reflexo cardíaco11.

64 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Na realidade, os efeitos cardiovasculares da anestesia regional epidural ou raquidiana
dependem do nível de bloqueio. As fibras simpáticas pré-ganglionares estão presentes nas
raízes de todos os nervos torácicos. Níveis de bloqueio abaixo de T10 produzem mínimos
efeitos cardiovasculares. A intensidade da hipotensão secundária ao bloqueio depende da
volemia do paciente e de sua posição. Os efeitos cardiovasculares podem ser minimizados
pela vasoconstrição compensatória das extremidades superiores. No entanto, se o bloqueio
com anestésicos locais se estender acima de T6, os efeitos cardiovasculares serão conse-
quência da vasodilatação periférica e do represamento venoso e, finalmente, da redução
do retorno venoso (pré-carga), o que acarreta hipotensão arterial. A hipotensão responde
habitualmente ao tratamento com efedrina, mas, a utilização de fármacos como dopamina
e adrenalina pode ser necessária.
O bloqueio das vísceras abdominais, incluindo a medula adrenal, reduz a resposta ao
estresse em procedimentos do abdome inferior e da cavidade pélvica.
Através dos efeitos do bloqueio peridural no tônus vascular e na cascata de coagulação,
foi observada a redução dos eventos tromboembólicos em cirurgias não cardíacas1-3.
1.2. Efeitos respiratórios
Várias revisões sistemáticas têm evidenciado melhora na função respiratória após anes-
tesia epidural1,3,12,13.
Liem14 demonstrou que a PaO2 foi significativamente superior no grupo de pacientes
submetidos à revascularização do miocárdio sob anestesia epidural. No entanto, Ten-
ling15 apenas observou a redução dos tempos de ventilação mecânica pós-operatória
com tendênca discreta à redução da PaCO2 no pós-operatório, sem diferenças significa-
tivas sobre a quantidade de atelectasias, da oxigenação, do shunt e da relação ventilação-
-perfusão. O aumento do volume expiratório foi observado por Fawcett16 . Resultados
similares foram relatados pelo grupo de Stenseth17, associados ao aumento da oferta de
oxigênio tecidual e à elevação da saturação venosa mista de oxigênio. A hipertensão
pulmonar primária se reduz com a aplicação da APT em pacientes submetidos às cirur-
gias torácica e cardíaca18,19 .
O uso de afastadores esternais para a retirada de enxertos arteriais, como a artéria ma-
mária interna, aumenta a possibilidade de fraturas esternais se comparado à utilização de
enxertos de veia safena. Alguns pacientes podem apresentar dor de intensidade elevada,
para a qual a APT está indicada no alívio dos sintomas e na melhora do padrão respira-
tório20,21. Gruber22 demonstrou a segurança da aplicação da analgesia epidural torácica
em 12 pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica grave submetidos à cirurgia de
redução pulmonar.
1.3. Efeitos sobre a resposta endócrino-metabólica e resposta inflamatória sistêmica
A capacidade que bloqueios regionais têm de atenuar a resposta neuroendócrina à cirur-
gia é baseada nas medidas de catecolaminas, cortisol e imunomoduladores.
A analgesia epidural não bloqueia completamente a resposta ao estresse durante a ci-
rurgia. Isso se deve ao fato da persistência de aferências vagais e do bloqueio incompleto
das aferências somáticas. A ativação do eixo hipotálamo-hipofisário pode ocorrer através do

Analgesia regional pós-operatória II | 65


estímulo primário por alterações no padrão de perfusão do sistema nervoso central ou se-
cundariamente à atividade inflamatória sistêmica, com a liberação de mediadores humorais
e citocinas, produzidas pela modificação do padrão da perfusão esplâncnica.
A redução da produção de catecolominas parece resultar do bloqueio epidural torácico,
cujo efeito pode persistir no período pós-operatório8,14,23. A liberação de cortisol não se en-
contra diminuída em alguns trabalhos8,23, porém, outros autores relatam redução dos valo-
res plasmáticos do cortisol14,24.
Alguns autores13 correlacionaram melhor a perfusão esplâncnica à anestesia peridural
torácica. No entanto, Bach25 evidenciou a redução da liberação de substâncias inflamatórias
como a procalcitonina e o fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa) e a diminuição do nú-
mero de leucócitos em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca sob APT. Nesses pacientes
não foi observado aumento da perfusão esplâncnica, comparativamente aos pacientes do
grupo de controle que não receberam anestesia epidural.
A relevância clínica desses achados ainda é incerta, entretanto, há estudos que indicam
que o uso da anestesia regional pode afetar a recorrência de câncer após cirurgia para ressec-
ção tumoral através de imunomodulação26.
1.4. Função gastrointestinal
Por causa do bloqueio simpático induzido pelos bloqueios regionais com anestésicos lo-
cais, da liberação parassimpática e da associação ao consumo menor de opioides promovido
pela analgesia regional, tem sido relatada melhora da função e da motilidade gastrointesti-
nal nos pacientes que recebem analgesia no neuroeixo27.
1.5. Capacidade funcional
Os bloqueios regionais estão associados ao melhor controle da dor dinâmica, o que é
particularmente importante em cirurgias cuja reabilitação precoce é importante, como a
artroplastia total de joelho28. Quando comparados com analgesia sistêmica, os pacientes
submetidos à analgesia regional obtiveram melhora da flexibilidade e da capacidade de de-
ambulação em seis semanas pós-artroplastia de joelho29.
Pacientes submetidos a hemicolectomias sob analgesia epidural deambularam mais pre-
cocemente e obtiveram melhores respostas funcionais quando o cateter foi mantido até seis
semanas, em comparação à analgesia sistêmica controlada pelo paciente30.
1.6. Conclusões
Os bloqueios regionais espinhais têm sido utilizados em todo o mundo há mais de 40
anos como adjuvantes em cirurgias para o controle da dor perioperatória. Os benefícios da
analgesia regional espinhal têm sido evidenciados em vários estudos randomizados, con-
trolados, demonstrando maior eficácia no controle da dor aguda, redução das complicações
sistêmicas e melhora funcional. Apesar dos importantes resultados estatísticos desses estu-
dos, a relevância clínica desses resultados é difícil de quantificar.
Quando essas técnicas são utilizadas em pacientes de alto risco, com muitas comorbida-
des e submetidos a cirurgias de grande porte, a morbidade e, possivelmente, a mortalidade
são reduzidas.

66 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


2. Analgesia regional em crianças
Desde que foram reconhecidas as vantagens da associação da anestesia geral com a regio-
nal realizadas em crianças, tem-se observado um aumento dramático dessas associações, no
que se refere à analgesia pós-operatória. Entre essas vantagens, o alívio da dor pós-operatória,
a modificação da resposta neuroendócrina ao estresse, a rápida recuperação da anestesia, o
menor tempo de permanência hospitalar e a menor incidência de efeitos adversos31 parecem
ser as mais significativas e que realmente justificam essa indicação.
Em se tratando do uso de anestésicos locais em crianças, é fundamental o conhecimento
de suas características farmacocinéticas e farmacodinâmicas nas diferentes faixas etárias,
para evitar o risco de toxicidade.
Anestésicos locais do tipo amida, de longa duração (bupivacaína, ropivacaína e levobu-
pivacaína), são os mais utilizados nos bloqueios analgésicos. As amidas são metabolizadas
no fígado e se ligam às proteínas plasmáticas. Neonatos e crianças com menos de três meses,
quando comparados aos adultos, apresentam redução do fluxo sanguíneo hepático e das
vias de degradação metabólica e, em consequência, grandes frações de anestésicos locais
não são metabolizadas e permanecem ativas no plasma. Aliados a isso, os reduzidos níveis
de albumina e a1-ácido glicoproteínas elevam as concentrações de frações livres do anesté-
sico local, com potencial toxicidade, especialmente quando a bupivacaína é utilizada 32 .
São raros os efeitos tóxicos cardiovasculares e no sistema nervoso central decorrentes da
administração de anestésicos locais33,34 em crianças. Fatores que reduzem a probabilidade
de toxicidade pelos anestésicos locais são: dose e fracionamento; via de administração; e
rapidez de absorção pela circulação sistêmica35.
Atualmente, a escolha do anestésico local tem recaído sobre a ropivacaína e a levobupi-
vacaína, pelo maior índice terapêutico e maior margem de segurança quando comparado à
forma racêmica da bupivacaína36,37.
A dose máxima permitida de ropivacaína e levobupivacaína em crianças menores de
seis meses é de 2 mg.kg-1, em dose única, e 0,2 mg.kg-1.h-1, em infusão contínua; mais de
6 meses, a dose única máxima é 2,5 mg.kg-1 e 0,5 mg.kg-1.h-1 em infusão contínua. Para a
bupivacaína, em crianças com menos de 6 meses, a dose única máxima é de 1,5 mg.kg-1 e
em infusão contínua de 0,2 mg.kg-1.h-1; acima de 6 meses, a dose única máxima permitida
é de 2,5 mg.kg-1 e 0,4 mg.kg-1.h-1 em infusão contínua. Se a opção for lidocaína, em crianças
com idade inferior a seis meses, a dose única máxima é de 3 mg.kg e 0,8 mg.kg-1.h-1 quando
em infusão contínua; acima de 6 meses, a dose única máxima permitida é de 5 mg.kg-1 e 2
mg.kg-1.h-1 em infusão contínua31.
Muito se discutiu sobre a execução de anestesia regional em crianças sob sedação profun-
da ou anestesia geral, o que poderia dificultar o reconhecimento de injeções intravasculares
e/ou de parestesias e potenciais sequelas neurológicas. Entretanto, a Sociedade Americana
de Anestesia Regional e Medicina da Dor, através de evidências e opiniões de especialistas,
entendeu que os benefícios de realizar bloqueios em crianças imóveis e cooperativas é supe-
rior aos riscos de realizar esses bloqueios em crianças sob anestesia geral38.
A identificação da estrutura nervosa em crianças apresenta também particularidades,
sendo ainda difícil preconizar um método para tal. O uso de ultrassom e estimulador de

Analgesia regional pós-operatória II | 67


nervo periférico muitas vezes se complementa e reduz o tempo necessário para o bloqueio
efetivo de nervo periférico39.

2.1 Bloqueios analgésicos mais frequentes em crianças


2.1.1 Infiltração da ferida cirúrgica
Técnica simples e relativamente isenta de complicações, bastante utilizada na anestesia
pediátrica, desde que observadas as doses e a velocidade de absorção do anestésico local. Va-
soconstritores podem ser adicionados à solução quando se tratar de áreas muito vasculari-
zadas, mas está contraindicado em extremidades. A diluição dos anestésicos locais permite
maior dispersão sem o risco de exceder a dose máxima31.
2.1.2 Bloqueio de nervo peniano
É indicado para analgesia pós-operatória de postectomias e correção de hipospádias. As
abordagens mais utilizadas são o bloqueio do nervo dorsal, em duas punções, na base do
pênis (10 e 2 horas), ou o bloqueio suprapúbico em punção única, no nível da sínfise púbica.
O bloqueio subcutâneo da raiz do pênis complementa qualquer uma das técnicas citadas.
Bupivacaína 0,25%, levobupivacaína 0,25% ou ropivacaína 0,2%, sem vasoconstritor, pro-
movem analgesia de até 6 horas de duração40.
2.1.3 Bloqueio dos nervos ílio-inguinal/ílio-hipogástrico
Técnica que promove a analgesia perioperatória em procedimentos de herniorrafia in-
guinal, orquidopexia e hidrocelectomia. Considerada uma das técnicas regionais mais co-
muns na analgesia pediátrica, é comparável ao bloqueio caudal no que se refere à analgesia
pós-operatória. O bloqueio é de execução simples e requer somente a identificação de um
ponto de referência superficial (espinha ilíaca anterossuperior). Bupivacaína 0,25%, levo-
bupivacaína 0,25% ou ropivacaína 0,2%, 4 a 6 ml, promovem analgesia em torno de 180
minutos41. Embora raras, existem complicações descritas, como perfuração das alças intes-
tinais e bloqueio dos nervos femural e quadríceps. O bloqueio dos nervos ílio-inguinais/
ílio-hipogástricos guiado por ultrassom aumenta a eficácia em 20% a 30%, permite o uso de
volumes reduzidos de anestésicos locais e reduz a incidência de complicações42 .
2.1.4 Bloqueio de nervo intercostal
Promove analgesia pós-operatória para toracotomias, procedimentos de abdome supe-
rior e fraturas de costela. A dose é de 0,1 a 0,15 ml.kg-1 (máximo de 3 ml em cada interespaço)
de anestésico local injetado após aspiração negativa. Bupivacaína 0,25%, levobupivacaína
0,25% ou ropivacaína 0,2%. Devem ser injetados dois segmentos acima e dois segmentos
abaixo do segmento correspondente à incisão, o que promove analgesia de 8 horas a 12
horas. Pneumotórax, punção vascular, dispersão peridural ou subaracnóidea e risco aumen-
tado para toxicidade por absorção sistêmica são as complicações mais temidas40.
2.1.5 Bloqueio de nervo paravertebral
Promove analgesia em dermátomos específicos e é indicado para crianças submetidas a
procedimentos cirúrgicos unilaterais, como toracotomias, cirurgias renais e colecistecto-

68 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


mias. Tem a mesma indicação do bloqueio intercostal, com a vantagem de usar menor dose
de anestésicos locais e permitir a inserção de cateter para analgesia prolongada. Bupivaca-
ína 0,25%, levobupivacaína 0,25% ou ropivacaína 0,2% na dose de 0,5 ml.kg-1 promovem
analgesia em quatro dermátomos43. Complicações do bloqueio incluem hipotensão, punção
vascular, punção pleural e pneumotórax. O uso de ultrassom para esse tipo de bloqueio tem
sido descrito para a visualização da agulha e a possibilidade de guiá-la para fora da pleura e
de estruturas vasculares44.
2.1.6 Bloqueio de plexo braquial
Indicado para promover a anestesia e a analgesia pós-operatória de ombro, braço e mão.
Bloqueios de plexo braquial abaixo da clavícula (infraclavicular e axilar) estão indicados
para cirurgias de mão; bloqueios acima da clavícula (interescalênico, paraescalênico e su-
praclavicular), para cirurgia de ombro e braço. As técnicas supraclavicular, infraclavicular e
axilar guiadas por ultrassom promovem menor incidência de falhas com menores volumes
de anestésicos locais e permitem a colocação mais acurada do cateter para analgesia prolon-
gada. A via axilar é a abordagem mais comum em crianças, pela simplicidade da técnica e
baixo risco de complicações45. Bupivacaína e levobupivacaína 0,25% a 0,5% com vasocons-
tritor e ropivacaína 0,2 a 0,5% em volume de 0,5 ml.kg-1 para plexo braquial em crianças
promove analgesia de 4 horas a 12 horas. Clonidina 1 mg.kg-1 acrescida ao anestésico local
aumenta a duração da analgesia45.
2.1.7 Bloqueio de nervo ciático
Indicado para procedimentos cirúrgicos que envolvam extremidade abaixo do joelho.
A abordagem posterior oferece menor dificuldade e maior taxa de sucesso, com reduzida
incidência de complicações (punção de vasos glúteos)46. Ropivacaína 0,2%, 0,75 ml.kg-1 pro-
moveu de 8 horas a 12 horas de analgesia em cirurgia de tornozelo47.
2.1.8 Bloqueio peridural caudal
O bloqueio caudal em crianças com dose única de anestésico local ou infusão contínua
ainda é uma das técnicas de analgesia mais utilizadas, por combinar as vantagens da facilidade
técnica com a alta taxa de sucesso. É indicado para qualquer procedimento de abdome inferior
e membros inferiores, embora, em cirurgias pediátricas de baixa complexidade, vem perdendo
espaço para certos bloqueios regionais que conferem analgesia semelhante com menores ris-
cos. Atualmente, tem se dado ênfase ao uso de bloqueio caudal guiado por ultrassom, com o
objetivo de aumentar a eficácia e reduzir a incidência de efeitos adversos48.
A dose varia de acordo com o número de metâmeros a serem bloqueados, ou seja, 0,5 a
1,25 ml.kg-1 de bupivacaína, levobupivacaína ou ropivacaína em concentrações reduzidas
que não promovam bloqueio motor, respeitando sempre a dose máxima permitida. As doses
recomendadas para infusões contínuas são de 0,3 a 0,4 ml.kg-1.h-1 em concentrações de 0,1%
a 0,25% do anestésico local. Opioides (hidrofílicos e lipofílicos) e clonidina são frequente-
mente utilizados, associados ao anestésico local para prolongar e melhorar a qualidade da
analgesia pós-operatória.
Complicações do procedimento incluem riscos durante a execução da técnica, na injeção
do anestésico local e pelos efeitos adversos dos agentes utilizados49.

Analgesia regional pós-operatória II | 69


2.1.9 Bloqueio peridural lombar e torácico
Indicado para procedimentos de abdome superior e tórax, pois reduz complicações,
tempo de internação hospitalar e resposta ao estresse quando comparado à analgesia sis-
têmica50. O bloqueio peridural torácico tem lugar na analgesia de crianças submetidas a
cirurgias torácicas e de abdome superior associado à significante dor pós-operatória, porém,
deve ser realizado por profissionais que tenham prática e habilidade na técnica. O bloqueio
peridural guiado por ultrassom facilita e torna mais segura sua execução51.
A dose inicial para o bloqueio peridural é inferior à do bloqueio caudal, ou seja, 0,3-0,5
ml.kg-1, e a taxa de infusão, em torno de 0,08 ml.kg-1.h-1.
Do mesmo modo que a anestesia caudal, fármacos adjuvantes são utilizados para melho-
rar a qualidade da analgesia e prolongar o tempo. Clonidina e opioides nas doses recomen-
dadas são seguros para esse fim.
As complicações decorrentes da técnica são semelhantes às do bloqueio caudal, porém,
os riscos de infecção são muito baixos.

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72 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Capítulo 06

Anestesia regional
periférica guiada por
ultrassom (US)
Danielle Maia Holanda Dumaresq
Melina Cristino de Menezes Frota
Cibelle Magalhães Pedrosa Rocha
Anestesia regional periférica guiada por ultrassom (US)
A capacidade de realização e o sucesso dos bloqueios de nervos periféricos, até pouco
tempo atrás, variavam exclusivamente com o grau de conhecimento de anatomia profunda
e de superfície do médico anestesiologista.
A qualidade da anestesia regional depende de um conjunto de fatores relacionados com o
posicionamento ótimo da agulha e da injeção do anestésico local. Os fatores principais são o
conhecimento da anatomia, as sensações táteis do anestesiologista, o interrogatório do paciente
durante a realização da punção e a neuroestimulação. No entanto, a prática nos lembra, todos os
dias, de que essas informações podem ser falseadas, apesar da experiência e do rigor dos aneste-
siologistas, o que pode ocasionar incidentes ou falhas dos bloqueios de nervos periféricos1.
A introdução da ultrassonografia nas técnicas de anestesia regional permitiu que a liga-
ção, até então estática, entre anatomia, anestesia loco regional e imagem se tornasse uma
interação dinâmica, realizada em tempo real.
A ultrassonografia faz com que os objetivos da anestesia regional sejam obtidos de forma
rápida, eficaz e consideravelmente segura.
A associação do ultrassom com o estimulador de nervo periférico pode representar, na
prática, a frase citada pelo Dr. M. Morgan2: “Regional anaesthesia always works – provided
you put the right dose of the right drug in the right place” ou seja, anestesia regional sempre
funciona – desde que você coloque a dose certa da droga certa no local certo.

1. Vantagens da anestesia regional guiada por ultrassonografia


A anestesia regional guiada por ultrassom, apesar de ter um custo mais elevado relacio-
nado ao equipamento e requerer adequado treinamento para sua execução, oferece várias
vantagens (Tabela 1), especialmente na visualização das estruturas em tempo real associada
à possibilidade de verificar alterações anatômicas interindividuais3.
Apesar de todas essas vantagens, deve-se ressaltar que a ultrassonografia não dispensa a
neuroestimulação, e as duas devem ser consideradas técnicas suplementares, devendo haver
associação da ultrassonografia com a neuroestimulação para se chegar ao melhor resultado
na realização da anestesia regional4.
Tabela I - Vantagens da anestesia guiada por ultrassom
•• Visualização direta em tempo real da anatomia
•• Excelente identificação dos nervos e das estruturas que devem ser evitadas
•• Adaptação à realidade anatômica do paciente
•• Controle da agulha durante todo o seu trajeto em tempo real
•• Conforto do paciente
•• Limitação das contrações musculares desagradáveis ou bastante dolorosas em casos de fratura
•• Visualização da difusão do anestésico local
•• Possível reposicionamento da agulha em caso de distribuição ectópica
•• Diminuição de riscos e acidentes (lesão nervosa, injeção intraneural, injeção intravascular)
•• Redução da dose de anestésico local
•• Redução do tempo de instalação do bloqueio
•• Aumento da duração do bloqueio
•• Melhora da qualidade do bloqueio
•• Segurança durante bloqueios realizados com pacientes sob anestesia geral (pediatria)

74 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


2. Bases físicas da ultrassonografia

2.1 Ondas ultrassonoras


Ondas sonoras são vibrações mecânicas com propagação periódica (compressão e ex-
pansão) em sólidos e líquidos. Elas são classificadas de acordo com a frequência, de forma
que a faixa sonora audível corresponde a ondas sonoras com frequência entre 20 a 20.000
HZ. Os ultrassons são ondas cuja frequência está entre 20 kHz e 200 MHz.
As ondas de ultrassom são geradas por cristais piezoelétricos presentes na extremidade
do transdutor. A piezoeletricidade é uma característica inerente a determinados cristais,
como o quartzo, que, quando submetidos a deformidades mecânicas (compressão), trans-
formam a energia mecânica em elétrica. Cristais de diferentes espessuras e tamanhos emi-
tem ondas de diferentes frequências5.
Ao examinar um ciclo, ou seja, um fragmento de onda entre dois pontos (Figura 1), pode-
mos verificar a existência de um pico de pressão (amplitude) que se expressa em decibéis (dB).
O número de ondas por unidade de tempo corresponde à frequência, determinada pela fonte
emissora de ondas e estabelecida pela altura do cristal piezoelétrico (Figura 2). A frequência se
mede em ciclos por segundo ou Hz e seus múltiplos: kHz, MHz (1 milhão de Hz).

Fig. 1 - Ciclo de onda ultrassom

Na prática médica, os ultrassons utilizados possuem, habitualmente, frequências entre


2,5 a 15 MHz5, sendo os ultrassons de baixa frequência dedicados a estudos de estruturas
profundas e os de mais alta frequência, de estruturas bastante superficiais6.

Fig. 2 - Probes produzem ondas de alta ou baixa frequência, dependendo da espessura do cristal piezoelétrico

Anestesia regional periférica guiada por ultrassom (US) | 75


A velocidade de propagação da onda ultrassonora não depende de sua frequência e,
sim, das características (densidade) dos meios que ela deve ultrapassar (Tabela 2 ). Assim, a
velocidade com que o som se propaga no ar é consideravelmente lenta (330 m/s), intermedi-
ária nos líquidos e tecidos moles (cerca de 1.500 m/s) e bastante rápida nos ossos (de 3.000
a 4.000 m/s).
A geração de imagens de ultrassom depende da energia dos ecos que retornam ao probe,
e a quantidade de ondas refletidas, por sua vez, depende da diferença da impedância acústica
e da interface entre diferentes tecidos passados. Impedância acústica de um meio é a resis-
tência do material à passagem da onda ultrassonora (Tabela 2). A fronteira entre dois meios
de impedâncias acústicas diferentes é chamada de interface acústica.
Tabela 2 - Características físicas das ondas de US nos diversos meios
Velocidade de propagação Impedância acústica Coeficiente de atenuação
Estrutura
(m/seg) (10 6 Rayls) (dB/cm a 1 MHz)
Ar 300 0,0004
Gordura 1.450 1,35 0,65
Sangue 1.560 1,70 0,18
Músculo 1.580 1,75 1,35-3,5
Osso 4.000 7,8 5

Quando a onda ultrassonora atinge uma interface acústica, dependendo do grau de dife-
rença de impedância dos meios, ela pode sofrer processos de atenuação através de disper-
são, reflexão ou refração (Figura 3). A energia mecânica pode ser perdida à medida que as
ondas passam através dos diferentes tecidos. Quanto maior o coeficiente de atenuação do
tecido, maior a perda de energia.

Fig. 3 - Mecanismos de atenuação das ondas ultrassonoras

A intensidade dessas alterações é proporcional à diferença de impedância acústica


dos dois tecidos, de tal forma que, quanto maior essa diferença entre os dois meios,
maior será a ref lexão que ocorrerá. Por exemplo, o ar e os ossos possuem valores de im-
pedância acústica muito diferentes, consequentemente, nessa interface, as ondas serão
completamente ref letidas.

76 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Existe uma interdependência entre frequência, penetração e resolução (qualidade) da
imagem ultrassonográfica. A penetração da onda nos tecidos é maior quanto menor for sua
frequência. Assim, quanto maior for a frequência da onda, menor será sua capacidade de
penetração e melhor será a resolução da imagem.
A escolha da frequência ultrasonora de exploração é determinada pela profundidade de
penetração necessária.
A imagem ultrassonográfica é construída pelas ondas refletidas. Ela é formada com a
ajuda dos transdutores, ou probes, que são dispositivos que possuem cristais piezoelétri-
cos em seu interior. O probe age como transmissor e receptor de ondas sonoras (Figura 3),
convertendo-as em energia elétrica, que, por sua vez, são processadas, transformando em
imagens bidimensionais pelo software do aparelho (Figura 4).

Fig. 4 - Desenho esquemático que mostra a construção de imagens ultrassonográficas por meio da emissão
e reflexão de ondas pelo probe

As ondas sonoras de alta frequência (transdutores lineares) dissipam muita energia,


sendo facilmente absorvidas e difundidas à medida que penetram nos tecidos. Por isso, per-
mitem apenas estudos de estruturas superficiais (0,5 cm-6 cm). Elas possuem menor com-
primento de onda, o que permite maior discriminação entre dois pontos, gerando melhor
qualidade de imagem.

Fig. 5 - Tipos de transdutor de ultrassom

Anestesia regional periférica guiada por ultrassom (US) | 77


As ondas sonoras de baixa frequência (transdutores convexos) não sofrem muito os
efeitos de atenuação, por isso, permitem estudos de estruturas profundas (>6 cm). Elas
possuem maior comprimento de onda com consequente menor discriminação entre dois
pontos, gerando, assim, uma qualidade de imagem comprometida6.
2.2 Características das imagens ultrassonográficas
Estruturas anecogênicas: são estruturas que não reagem às ondas de US, não forman-
do, assim, nenhuma imagem na tela do ultrassom. Elas aparecem em preto (Figura 6) e,
geralmente, correspondem aos líquidos (sangue, bile, urina, coleções, conteúdos císticos).

Fig. 6 - Vaso sanguíneo (artéria subclávia) que


mostra característica anecoica

Estruturas hipoecogênicas: são estruturas que reagem moderadamente às ondas ultras-


sonoras e sofrem graus diferentes de reflexão e refração7. Elas aparecem em escala de cinza (Fi-
gura 7) e correspondem, por exemplo, a músculos, gordura, tecidos moles e nervos proximais7.

Fig. 7 - Imagem hipoecogênica dos músculos


escalenos anterior e médio

Estruturas hiperecogênicas: são estruturas que refletem a maioria das ondas de ul-
trassom e que, praticamente, não permitem a transmissão de energia mais profundamente,
gerando uma sombra acústica (artefato). Elas aparecem em branco (Figura 8), são secun-
dárias a interfaces de elevado fator de reflexão (alta diferença de impedância acústica) e
correspondem, por exemplo, a ossos, ar, fáscias e nervos distais.

78 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Fig. 8 - Estrutura óssea que mostra imagem
hiperecogênica

Anisotropia: é uma característica que algumas estruturas possuem, como os tendões, de


forma que sua ecogenicidade depende da orientação de penetração dos feixes de ultrassom.
A ecogenicidade é máxima quando os ultrassons são dirigidos perpendicularmente à super-
fície de reflexão e diminui quando a reflexão é oblíqua. Quanto mais o ângulo de obliquidade
aumenta, menos a estrutura parece ecogênica (Figura 9), podendo até mesmo desaparecer.

Fig. 9 - Anisotropia - mudança da ecogeni-


cidade da estrutura nervosa com a alteração
do ângulo

2.3 Principais artefatos


Os artefatos são, por definição, imagens ultrassonográficas que não correspondem
a uma estrutura real. Eles são formados com base na interação das ondas sonoras com
os tecidos.
O conhecimento dessas imagens é fundamental para a prática da ultrassonografia, tendo
em vista que elas podem interferir na interpretação das imagens, ora auxiliando, ora atrapa-
lhando a identificação de algumas estruturas8. Os principais artefatos são cone de sombra,
reforço posterior e reverberação (Tabela 3).

Anestesia regional periférica guiada por ultrassom (US) | 79


Tabela III - Artefatos encontrados nas imagens ecográficas
Artefato Características Imagem
Quando o feixe de US encontra uma estrutura com
grande diferença de impedância acústica com o tecido adja-
cente (ar, osso ou metal).
As características ultrassonográficas da sombra acústica
Sombra acústica
são a presença de uma estrutura bastante hiperecogênica e a
(cone de sombra)
ausência de imagem atrás (cone de sombra).
Estruturas localizadas abaixo não são visualizadas, pois
todas as ondas ultrassonoras foram refletidas e nenhuma foi
transmitida profundamente.
Quando o feixe de US encontra uma estrutura de baixa
impedância acústica (líquidos).
Essa estrutura não reage às ondas de US, fazendo com que
Reforço acústico
sofra pouco processo de atenuação.
(posterior)
As estruturas localizadas mais profundamente são atin-
gidas por ondas e produzem maior reflexão (imagens mais
hiperecogênicas que as adjacentes).

Quando o feixe de US encontra uma estrutura de altís-


sima impedância acústica, como as agulhas. Esse feixe é
Reverberação refletido e retorna para o transdutor, onde ele é detectado e
refletido novamente para o corpo do paciente, encontrando
as mesmas estruturas já gravadas.

2.4 Aspectos importantes da técnica de anestesia guiada por ultrassom:


como realizar?
Alguns aspectos técnicos são importantes para o sucesso da realização de bloqueios pe-
riféricos guiados por ultrassom e devem ser considerados inicialmente.
2.4.1 Ergonomia
O primeiro ponto a observar é o posicionamento adequado e a relação entre os olhos
do operador, o aparelho de US, o probe e a altura da mesa cirúrgica. O operador e o apare-
lho devem se posicionar de acordo com a lateralidade e a abordagem escolhida, de forma
que o operador fique de frente para a máquina, com visão clara da tela e da região a ser blo-
queada7,8. É recomendado que o transdutor seja manipulado com a mão não dominante e
a agulha, com a mão dominante. Importante segurar o probe o mais distal possível, para
que o dorso da mão possa ter apoio na superfície do paciente e, assim, proporcionar mais
estabilidade. Isso reduzirá a necessidade de movimentos, evitando que a imagem ideal se
perca e que o cansaço do operador interfira no processo.
2.4.2 Preparação do probe
Ao realizar anestesia regional guiada por US, a superfície do transdutor deve ser pre-
enchida com gel condutor, que deve estar envolvido com uma cobertura estéril. Se a colo-
cação de cateter é planejada, a cobertura deve ser mais abrangente e incluir boa parte do
cabo. Qualquer quantidade de ar entre o transdutor e o paciente vai levar a imagem de baixa
qualidade e artefatos. Uma quantidade pequena de gel é suficiente, já que seu excesso pode
dificultar a manipulação do probe7,8.

80 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


2.4.3 Reconhecimento inicial das estruturas
Inicialmente, é importante realizar um reconhecimento de todas as estruturas do sítio, exa-
minado as características ecográficas de cada tecido (Tabela 4 ). Os nervos por si sós são hipoe-
coicos, mas os tecidos conectivos existentes ao seu redor adicionam a eles hiperecogenicidade.
Dessa forma, os nervos possuem diferentes características ecográficas, misturando imagens
hipo e hiperecoicas, a depender da região examinada. Nervos acima da clavícula têm aparên-
cia mais hipoecoica e, abaixo, têm ecotextura mista, lembrando uma colmeia. Nervos largos,
como o isquiático, podem ter estrutura fascicular interna e aparentar ser hipo ou hiperecoicos,
a depender do ângulo entre o feixe do US e o nervo; um fenômeno chamado anisotropia.
Tabela IV - Características ecográficas das diversas estruturas
Estrutura Características Imagem
Nervos

Hipoecoico acima da clavícula e ecotextura mista abaixo


da clavícula.

Artéria
Estrutura arredondada anecoica ou hipoecoica com bordas
grossas; não compressível; observa-se pulsação.

Veia
Estrutura mais irregular anecoica ou hipoecoica; bordas
delgadas; a pressão do transdutor leva ao colapso.

Gordura Região mais superficial hipoecóica, com linhas


hiperecoicas irregulares
Músculo Textura heterogênea com linhas hiperecoicas curtas e
delimitação por uma fáscia hiperecoica.
Tendões Hiperecogênicos com grande anisotropia. Localizados na
região terminal dos músculos, não possuem curso homogê-
neo como os nervos.
Fáscia Linhas hiperecogênicas de grande reflexão acústica.
Pleura

Linha hiperecoica. Profundamente se observam tecido


pulmonar isoecogênico e movimentação com a respiração.

Osso

Linha hiperecogênica com sombra acústica determinada pela


impossibilidade de penetração das ondas de US.

Anestesia regional periférica guiada por ultrassom (US) | 81


2.4.4 Manuseio inicial e movimentação do probe
Os probes de ultrassom têm uma marca que corresponde à marcação presente na tela
do aparelho. Por convenção, essa marca de orientação é posicionada à direita do paciente,
quando o transdutor está em um corte transverso, e, cefalicamente, quando o probe está em
um plano longitudinal7.
Após a realização de um inventário para encontrar o nervo a ser bloqueado, deve-se,
inicialmente, procurar uma estrutura de referência que pode ser facilmente identificada e
que tem forte correlação anatômica com os nervos procurados, normalmente um vaso san-
guíneo. Uma vez que a estrutura alvo é encontrada, assim como os nervos que se localizam
próximo a ela, o manuseio mais fino com pequenas mudanças da angulação é necessário
para melhorar a qualidade da imagem, lembrando que os nervos têm a propriedade da ani-
sotropia. No momento em que a melhor imagem é obtida, deve-se manter o probe estático.
2.4.5 Inserção da agulha
O feixe do ultrassom é extremamente delgado, aproximadamente da espessura de um
cartão de crédito. Esse fato significa que, durante a inserção da agulha, pequenos desvios ou
movimentos vão levar à perda da visualização.
Na inserção da agulha em plano (Figura 10), a agulha é inserida no mesmo plano que
o feixe de ultrassom. O objetivo é visualizar a agulha em toda a sua extensão. Quanto mais
paralela a agulha é em relação ao probe, melhor a imagem obtida. Essa abordagem é reco-
mendada na fase de treinamento inicial. Quando a inserção está em plano parcial, somente
uma parte da agulha atravessa o feixe de ultrassom. Isso pode levar a situações perigosas, já
que não se sabe onde está a ponta da agulha9.
Na inserção fora de plano, a agulha está perpendicular ao feixe. A agulha é vista como
um pequeno ponto hiperecoico. Nessa abordagem, a agulha precisa passar apenas uma pe-
quena distância até o alvo. Nesse caso, quanto maior o ângulo de inserção, maior a facilida-
de. Encontrar a ponta da agulha pode ser complicado para iniciantes9.

Fig. 10 - Abordagem em plano e fora de plano para a inserção


da agulha

82 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


2.5 Bloqueios de membros superiores guiados por ultrassom
A anestesia regional guiada por ultrassom requer conhecimento da anatomia para sua
aplicação prática adequada.
O plexo braquial em sua formação, do sentido proximal para distal, passa por várias
transições. Desde a saída, nas raízes nervosas de C5 a T1, encontramos três troncos, seis
divisões, três fascículos e os cinco nervos terminais9,10. Esse entendimento possibilita ao
operador procurar as estruturas esperadas em cada abordagem (Figura 11).

Fig. 11 - Anatomia e formação do plexo braquial com relação


às técnicas utilizadas

2.5.1 Bloqueio interescalênico


O bloqueio interescalênico é recomendado para procedimentos que incluem o ombro, a
clavícula e o úmero proximal (Tabela 5). As raízes do plexo cervical de C2 a C4 emergem da
borda lateral do músculo esternocleidomastóideo, formando, entre outros, o nervo supraes-
capular, que provê sensibilidade para a região do ombro e da clavícula. O anestésico local
do bloqueio interescalênico vai dispersar para o plexo cervical em boa parte dos casos, no
entanto, em alguns pacientes, pode ser necessário bloqueá-lo separadamente10.
Tabela V - Indicações de bloqueio interescalênico, necessidade de suplementação, efei-
tos adversos e complicações
Bloqueio suplementar Efeitos adversos e
Bloqueio Indicações
necessário complicações
Artroscopia de ombro
Cirurgia aberta de ombro Plexo cervical superficial
Cirurgia de clavícula Síndrome de Horner
Bloqueio frênico
Interescalênico Úmero proximal Bloqueio laríngeo recorrente
Reparo muscular no bíceps Dispersão para o neuroeixo
Cirurgias de cotovelo Intercostobraquial Pneumotórax
Acesso para hemodiálise acima
do cotovelo

2.5.1.1 Posicionamento
Paciente em posição supina com a cabeça ligeiramente desviada para o lado contralateral
(Figura 12). Alguns autores recomendam que o probe seja segurado com a mão esquerda

Anestesia regional periférica guiada por ultrassom (US) | 83


para procedimentos no lado esquerdo e com a mão direita para procedimentos do lado di-
reito, ficando a máquina na região cefálica7,10. Em outros, a preferência é sempre segurar o
probe com a mão não dominante, deixando a dominante para o manuseio da agulha.

Fig. 12 - Posicionamento do probe na região interescalênica

2.5.1.2 Sonoanatomia e técnica


Podem-se realizar duas abordagens de reconhecimento das estruturas ao nível interes-
calênico. A primeira utiliza a artéria carótida como estrutura de referência. Após a visuali-
zação de uma estrutura anecoica pulsátil ao lado de outra estrutura anecoica não pulsátil e
compressível correspondente à veia jugular interna. Deslizando o transdutor lateralmente,
o plexo vai aparecer como estrutura arredondada ou oval hipoecoica, situada na fenda inte-
rescalênica entre os músculos escalenos anterior e médio (Figura 13). A fenda corresponde
a uma pequena depressão na fáscia cervical profunda. A artéria subclávia é vista como uma
grande estrutura pulsátil anecoica. Lateralmente e mais superficial à artéria pode-se obser-
var o plexo braquial na forma de suas divisões, apresentando uma ecotextura mista que lem-
bra uma colmeia ou um cacho de uvas. Uma linha hiperecoica abaixo da artéria subclávia
é a primeira costela11. As estruturas que devem ser identificadas estão listadas na Tabela 6.

Fig. 13 - Sonoanatomia do bloqueio interescalêni-


co; ECM = músculo esternocleidomastóideo; EM
= escaleno médio; EA = escaleno anterior

84 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Tabela VI - Aspectos técnicos do bloqueio interescalênico guiado por ultrassom
Estrutura de Estruturas que devem ser Tipo de transdutor Volume de
Bloqueio
referência encontradas /Profundidade anestésico local
Interescalênico Artéria carótida Artéria carótida Linear 15-20 ml
Veia jugular interna Alta
Artéria subclávia Músculo esternocleidomastóideo frequência
Escaleno anterior
Escaleno médio
Troncos/Divisões do plexo
Fáscia cervical profunda
Artéria subclávia 3-4 cm
Primeira costela/Pleura

Em alguns pacientes, a identificação do plexo braquial na região interescalênica


pode ser difícil, já que estruturas anecoicas vasculares facilmente visualizadas não
estão em grande proximidade aos nervos11. Uma alternativa nesses caos é iniciar o re-
conhecimento na fossa supraclavicular, em que existe maior consistência anatômica da
artéria subclávia e do plexo, e manusear o probe no sentido cefálico até que as divisões
encontrem os três troncos nervosos. Um volume de 15 a 20 ml de anestésico local é
normalmente utilizado12 .
2.5.2 Bloqueio supraclavicular
O bloqueio de plexo braquial supraclavicular proporciona anestesia de todo o membro
superior. Nessa localização, encontram-se as divisões, e o plexo está na sua conformação
mais densa, determinando um bloqueio rápido e completo13. Esse bloqueio é indicado para
as cirurgias que incluam o território do cotovelo ou abaixo dele (Tabela 7 ).
O nervo intercostobraquial deriva primariamente do nervo intercostal T2, ocasional-
mente com contribuição de T1 ou T3, e não é um componente do plexo braquial, devendo
ser bloqueado separadamente, quando o procedimento inclui a região medial e posterior do
braço e a axila13.
Tabela VII - Indicações de bloqueio supraclavicular, necessidade de suplementação, efei-
tos adversos e complicações
Bloqueio suplementar Efeitos adversos/
Bloqueio Indicações
necessário Complicações
Supraclavicular Cirurgias de mão -- Síndrome de Horner
Cirurgias de antebraço Intercostobraquial Bloqueio frênico
Cirurgias do cotovelo Intercostobraquial Pneumotórax
Acesso para hemodiálise Intercostobraquial Quilotórax

2.5.2.1 Posicionamento
O paciente deve ficar em posição supina, com a cabeça elevada em 30 o a 45o e virada para
o lado contralateral (Figura 14 ).

Anestesia regional periférica guiada por ultrassom (US) | 85


Fig. 14 - Posicionamento no bloqueio supraclavicular

2.5.2.2 Sonoanatomia e técnica


Com o transdutor na fossa clavicular, a artéria subclávia é facilmente visível e deve ser
usada como estrutura de orientação. As divisões do plexo braquial localizam-se superficial
e lateralmente à artéria e têm aparência de pequenas imagens arredondadas (Figura 15 ). A
primeira costela e a pleura se apresentam como linhas brilhantes e hiperecoicas logo abaixo
da artéria subclávia14. A angulação mais posterior do transdutor vai mostrar que a artéria e o
plexo se deitam sobre a pleura, diferenciando-a da primeira costela.

Fig. 15 - Sonoanatomia do bloqueio supraclavi-


cular; AS = artéria subclávia

Tabela VIII - Aspectos técnicos do bloqueio supraclavicular guiado por ultrassom


Bloqueio Estrutura de Estruturas que devem ser Tipo de transdutor/ Volume de anestésico
referência encontradas Profundidade local

Supraclavicular Artéria subclávia Artéria subclávia Linear Alta 20-30 ml


Divisões do plexo braquial frequência
Primeira costela
Pleura 2-3 cm

2.5.3 Bloqueio infraclavicular


O bloqueio infraclavicular guiado por US é realizado ao nível dos fascículos e propor-
ciona excelente anestesia e analgesia pós-operatória para procedimentos distais do membro
superior15 (Tabela 9).

86 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Tabela IX - Indicações de bloqueio infraclavicular, necessidade de suplementação, efei-
tos adversos e complicações
Bloqueio suplementar Efeitos adversos/
Bloqueio Indicações
necessário Complicações
Infraclavicular Cirurgias de mão __ Pneumotórax
Cirurgias de antebraço __
Acesso para hemodiálise abaixo __
do cotovelo __

2.5.3.1 Posicionamento
Com a cabeça voltada para o lado contralateral e o braço ao longo do corpo, o probe do
ultrassom é posicionado em um plano sagital no sulco deltopeitoral (Figura 16). A aborda-
gem utilizada é normalmente em plano.

Fig. 16 - Posicionamento no bloqueio infraclavicular guiado


por ultrassom

2.5.3.2 Sonoanatomia e técnica


A estrutura de orientação é a artéria axilar. A imagem transversal mostra o fascículo late-
ral posicionado cefalicamente, o fascículo medial entre a artéria e a veia axilar e o fascículo
posterior abaixo da artéria15,16 (Figura 17).
Por causa da angulação necessária, alguma dificuldade pode ser encontrada para visuali-
zar a agulha15. A pleura pode ser frequentemente visualizada. Uma injeção única ou múltipla
basta para individualizar cada fascículo com anestésico local16,17. Essa técnica de bloqueio
do plexo braquial facilita a inserção de cateteres.
Tabela X - Aspectos técnicos do bloqueio infraclavicular guiado por ultrassom
Bloqueio Estrutura de Estruturas que devem ser Tipo de transdutor/ Volume de anestési-
referência encontradas Profundidade co local
Infraclavicular Artéria axilar Artéria axilar Linear 20-30 ml
Fascículos do plexo braquial Alta frequência
Primeira costela
Pleura 4-6 cm

Anestesia regional periférica guiada por ultrassom (US) | 87


Fig. 17 - Sonoanatomia do bloqueio infraclavicular;
A = artéria axilar; V = veia axilar

2.5.4 Bloqueio axilar


A abordagem axilar guiada por ultrassom é comumente usada para procedimentos no
antebraço, no punho e na mão. É um bloqueio de abordagem mais superficial e segura do
plexo braquial18 (Tabela 11).
Tabela XI - Indicações de bloqueio axilar, necessidade de suplementação, efeitos adver-
sos e complicações
Bloqueio Indicações Bloqueio suplementar Efeitos adversos
necessário Complicações/
Axilar Cirurgias de mão __ Mínimos
Cirurgias de antebraço __
Acesso para hemodiálise abaixo __
do cotovelo __

2.5.4.1 Posicionamento
Com o paciente em decúbito dorsal com braço abduzido, antebraço flexionado e mão
supinada19. Utiliza-se o transdutor linear de alta frequência na dobra formada pelo músculo
peitoral maior na região da axila, na qual se pode bloquear os nervos terminais (Figura 18).

Fig. 18 - Posicionamento no bloqueio axilar guiado por ultrassom

88 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


2.5.4.2 Sonoanatomia e técnica
A estrutura de orientação para esse bloqueio é a artéria axilar. Uma imagem transversa
do feixe neurovascular axilar é gerada (Figura 19). A artéria axilar e as veias podem ser
extremamente superficiais, tipicamente com não mais que 1 a 2 cm de profundidade18,19.
Os vasos axilares e os nervos a seu redor podem apresentar grandes alterações anatô-
micas, e esse fato deve ser sempre lembrado21. No entanto, normalmente, o nervo mediano
é encontrado superiormente, o nervo ulnar, inferiormente, e o radial, mais posterior em
relação à artéria. O nervo radial pode ser o mais difícil de identificar, porque, provavelmen-
te, está mascarado pelo reforçamento acústico da artéria. O nervo musculocutâneo sai do
fascículo lateral precocemente e abaixo da prega axilar; localiza-se entre o músculo bíceps e
o coracobraquial ou dentro deste20.

Fig. 19 - Sonoanatomia do bloqueio axilar; AA


= artéria axilar

Tabela XII - Aspectos técnicos do bloqueio axilar guiado por ultrassom


Bloqueio Estrutura de Estruturas que devem ser Tipo de transdutor/ Volume de
referência encontradas Profundidade anestésico local
Axilar Artéria axilar Artéria axilar Linear 5-10 ml em cada
Veia axilar Alta frequência nervo
Nervos terminais do plexo
braquial: mediano, ulnar, radial
e musculocutâneo 3-5 cm

Músculo bíceps
Músculo tríceps
Músculo coracobraquial
Úmero

O bloqueio usualmente necessita de injeção de 5-10 ml de solução de anestésico local em


cada uma das estruturas nervosas identificadas, que têm ecogenicidade mista (Figura 20),
prestando atenção à dispersão do anestésico.

Anestesia regional periférica guiada por ultrassom (US) | 89


Fig. 20 - Injeção de
anestésico local nos
quatro nervos termi-
nais na região axilar

2.6 Bloqueios de membros inferiores guiados por ultrassom


A anestesia regional guiada por ultrassom compreende o conhecimento da anatomia dos
plexos lombar e sacral, os quais dão origem, respectivamente, aos nervos principais, isquiá-
tico e femoral21.

2.6.1 Bloqueio de nervo isquiático ao nível infraglúteo


O nervo isquiático pode ser anestesiado utilizando-se diversas abordagens, desde a clás-
sica transglútea descrita por Labat, a abordagem sub glútea, a por via anterior e os bloqueios
mais distais, como o poplíteo21,22 .
O bloqueio do nervo isquiático ao nível infraglúteo pode ser realizado com relativa faci-
lidade, comparado com outras abordagens. Esse bloqueio é recomendado para cirurgias do
membro inferior a partir do terço médio do fêmur23 (Tabela 13).
Tabela XIII - Indicações de bloqueio ciático ao nível infraglúteo, necessidade de suple-
mentação, efeitos adversos e complicações
Bloqueio Indicações Bloqueio suplementar Efeitos adversos/
necessário Complicações

Isquiático Cirurgia do terço distal do fêmur Nervo femoral Mínimos


infraglúteo
Cirurgia da perna Nervo safeno
Cirurgia do pé e tornozelo

2.6.1.1 Posicionamento
O paciente é colocado em posição lateral, com o lado a ser bloqueado para cima. O qua-
dril e o joelho do lado não dependente devem estar levemente flexionados para aumentar a
superfície anatômica (Figura 21).

90 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Fig. 21 - Posicionamento do paciente
no bloqueio infraglúteo

2.6.1.2 Sonoanatomia e técnica


Dependendo do tipo físico do paciente, um transdutor linear ou convexo pode ser usado.
A imagem ultrassonográfica dessa região é representada, superficialmente, pela pele e pelo
tecido adiposo subcutâneo, cuja importância é variável e o aspecto ultrassonográfico, he-
terogêneo. Profundamente, o nervo ciático apresenta-se, em corte transversal, como uma
estrutura de formato oval, hiperecogênica, numa profundidade de cerca de 4 a 8 cm e está
localizado entre as estruturas ósseas e musculares23,24. Os componentes ósseos de referência
são representados medialmente pela tuberosidade isquiática e, lateralmente, pelo grande
trocanter. Os componentes musculares são representados pelo músculo glúteo maior (mais
superficialmente) e pelo músculo quadrado femoral (mais profundamente) (Figura 22). Al-
gumas vezes, pode-se identificar a artéria do nervo ciático e/ou o ramo femoral da artéria
glútea inferior acionando-se o Doppler.

Fig. 22 - Sonoanatomia do bloqueio isquiático ao


nível infraglúteo

Tabela XIV - Aspectos técnicos do bloqueio ciático ao nível infraglúteo guiado por ultrassom
Bloqueio Estrutura de Estruturas que devem ser Tipo de transdutor/ Volume de
referência encontradas Profundidade anestésico local
Isquiático Tuberosidade Músculo glúteo maior Convexo 20-30 ml
infraglúteo isquiática Músculo glúteo menor Baixa frequência
Músculo quadrado femoral
Grande trocanter Nervo ciático Linear (pacientes
Artéria do nervo ciático muito magros e
Ramo femoral da artéria glútea pediátricos)
inferior
4-8 cm

2.6.1.3 Vias de abordagem


A sonda deve ser posicionada transversalmente, na borda inferior do glúteo maior e no
meio de uma linha imaginária que une o grande trocanter e a tuberosidade isquiática.

Anestesia regional periférica guiada por ultrassom (US) | 91


Nessa posição, o nervo ciático é visualizado em corte transversal e, por causa da profundidade
em que se encontra, devem ser utilizadas sondas convexas de baixa frequência (2 a 5 MHz) e agu-
lhas de 100 mm23,24. Em casos de pacientes pediátricos ou adultos extremamente magros, deve-se
dispor de sondas lineares de alta frequência (de 5 a 10 ou de 6 a 13 MHz) e agulhas de 50 mm.
2.6.1.4 Punção dentro do plano
Após anestesia local subcutânea, punciona-se na extremidade lateral da sonda. A pro-
gressão da agulha em direção ao nervo ciático através do músculo glúteo maior é de fácil
visualização ultrassonográfica, por causa do aspecto homogêneo da musculatura e da alta
hiperecogenicidade da agulha. Tal progressão deve ser realizada sem neuroestimulação,
a fim de não ocasionar contrações musculares inúteis e dolorosas. Ela deve ser acionada
apenas quando a agulha estiver próxima ao nervo, no sentido de se certificar quanto ao po-
sicionamento exato do bisel.

Fig. 23 - Abordagem em plano do bloqueio isquiático

2.6.1.5 Punção fora do plano


Inicialmente, deve-se posicionar o nervo ciático no meio da imagem do ultrassom, de forma
que, após a anestesia local subcutânea, a punção seja realizada exatamente na metade da sonda,
sendo a orientação da agulha caudal ou cefálica e com angulação de 45° com a pele. Nesse caso,
a progressão da agulha em direção ao nervo ciático possui visualização mais difícil e deve ser
realizada de forma mais cautelosa. É importante o cuidado na identificação da posição exata
da extremidade da agulha, que pode ser realizada através das técnicas de hidrolocalização com
soro glicosado 5%, pelo movimento dos tecidos ultrapassados pela agulha e/ou pelo seguimen-
to da agulha através do plano ultrassonoro (ponto hiperecogênico).

Fig. 24 - Abordagem fora do plano do bloqueio isquiático

2.6.2 Bloqueio de nervo isquiático ao nível poplíteo


O bloqueio de nervo isquiático ao nível poplíteo está recomendado para a realização de
cirurgia do pé e do tornozelo. Esse bloqueio deve ser associado ao bloqueio do nervo safeno
para obter a anestesia da face medial da perna e do pé23 (Tabela 15).

92 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Tabela XV - Indicações de bloqueio do nervo isquiático ao nível poplíteo, necessidade de
suplementação, efeitos adversos e complicações
Bloqueio Indicações Bloqueio suplementar Efeitos adversos
necessário Complicações/
Nervo isquiático Cirurgia da perna Femoral Injeção intravascular
poplíteo Falha na porção fibular
Cirurgia distal do pé e do Safeno
tornozelo

2.6.2.1 Posicionamento
O paciente pode ser posicionado de três formas, dependendo da abordagem selecionada
(Figura 25).

Fig. 25 - Possíveis posicionamentos do paciente para o bloqueio


poplíteo

2.6.2.2 Sonoanatomia e técnica


Superficialmente, encontram-se pele e tecido adiposo subcutâneo de importância va-
riável. Profundamente, a região poplítea é constituída por vários músculos, e seu aspecto
ultrassonográfico é bastante heterogêneo. A identificação do nervo isquiático para a realiza-
ção desse bloqueio deve começar através da procura do nervo tibial (em eixo transversal) ao
nível da fossa poplítea. Nessa região, o nervo tibial encontra-se numa profundidade de 3 a 5
cm e bastante próximo dos vasos poplíteos, os quais são usados como estruturas de referên-
cia25. Os últimos serão mais bem visualizado com o acionamento do Doppler (Figura 26).

Fig. 26 - Sonoanatomia do bloqueio do nervo ciático ao nível


poplíteo com efeito Doppler dos vasos poplíteos

Anestesia regional periférica guiada por ultrassom (US) | 93


À medida que deslizamos cefalicamente a sonda e visualizamos a aproximação do nervo
fibular, pode-se identificar o local exato da bifurcação do nervo ciático (Figura 27). Nessa posi-
ção, o nervo ciático encontra-se delimitado, superficialmente, pela pele e pelo tecido subcutâ-
neo; lateralmente pelo músculo bíceps femoral; medialmente pelo músculo semimembranoso
e pelo tendão do músculo semitendinoso; e profundamente pelos vasos poplíteos.

Fig. 27 - Sonoanatomia do bloqueio do nervo ciático ao


nível poplíteo; AP = artéria poplítea

Tabela XVI - Aspectos técnicos do bloqueio do nervo isquiático ao nível poplíteo guiado
por ultrassom
Bloqueio Estrutura de Estruturas que devem ser Tipo de transdutor/ Volume de anesté-
referência encontradas Profundidade sico local
Nervo ciático ao Artéria poplítea Vasos poplíteos Linear 20-30 ml
nível poplíteo Alta frequência
Nervo tibial Aproximação do nervo fibular
ao nervo tibial
Nervo fibular 3-5 cm

2.6.2.3 Vias de abordagem


A realização do bloqueio do nervo isquiático ao nível poplíteo pode ser feita por via pos-
terior ou lateral, com paciente em decúbito dorsal ou ventral (Figuras 28 e 29). A indica-
ção de uma via ou outra depende principalmente da possibilidade de mobilizar o paciente
traumatizado para o decúbito ventral ou lateral. Estudos demonstraram que as duas vias
(posterior e lateral) possuem a mesma eficácia.
A observação do modo de difusão do anestésico local pode ser um elemento preditivo po-
tencial da rapidez de instalação e eficácia do bloqueio. O objetivo primordial para o sucesso do
bloqueio é a obtenção de uma distribuição circunferencial ao nível do isquiático ou de cada
componente (tibial e fibular), individualmente. Se a injeção for realizada ao nível da bifurcação
do isquiático, normalmente, uma única injeção é capaz de abranger os dois contingentes.
Com relação ao tipo de visualização da agulha durante o bloqueio, a punção dentro
do plano dos ultrassons é considerada mais precisa para a realização desse bloqueio, cujo
tempo de instalação, em caso de distribuição inadequada do anestésico, pode ser conside-
ravelmente prolongado.

94 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


O bloqueio de nervo isquiático ao nível poplíteo é o que melhor permite a inserção de
cateter para analgesia pós-operatória em razão de sua localização.
O risco principal é a punção da artéria ou da veia poplítea, principalmente quando o
bloqueio é realizado em locais muito próximos da dobra de flexão do joelho, em que essas
estruturas vasculares estão mais próximas do nervo tibial.
Por causa da profundidade em que o nervo ciático se encontra nesse nível (3 a 5 cm),
deve-se utilizar uma sonda linear de alta frequência (de 5 a 10 ou de 6 a 13 MHz) e agulhas
de 50 ou 100 mm, de acordo com a espessura do tecido adiposo do paciente.
2.6.2.4 Paciente em decúbito dorsal
É a posição de escolha em casos em que a mobilização do paciente para o decúbito ven-
tral está comprometida por fraturas dolorosas.
A fim de se obter espaço suficiente para deslizar a sonda ao nível da fossa poplítea, deve-se
solicitar que alguém levante a perna ou pode-se fazer uso de um coxim ao nível do tornozelo.

Fig. 28 - Abordagem do nervo isquiático poplíteo em


decúbito dorsal

2.6.2.5 Paciente em decúbito ventral


Geralmente realizado em pacientes submetidos a cirurgias eletivas em que a mobilização
dos membros não é dolorosa. Essa é a posição mais favorável ao anestesiologista para a reali-
zação desse bloqueio, pois permite melhor visualização e identificação das estruturas, além
de ser mais confortável.

Fig. 29 - Abordagem do nervo isquiático poplíteo em


decúbito ventral

2.6.3 Bloqueio do nervo femoral


O bloqueio femoral é um bloqueio superficial e de fácil execução, podendo ser útil
como anestesia e, principalmente, como analgesia em diversas situações (Tabela 17), com
complicações mínimas.

Anestesia regional periférica guiada por ultrassom (US) | 95


A técnica ultrassonográfica difere da técnica de eletroestimulação ao prover bloqueio
sensorial e início de ação rápido, utilizando volume efetivo mínimo, pela possibilidade de
visualizar a deposição do anestésico local. É importante também por garantir a visualização
das estruturas vasculares, como a artéria e a veia femoral 27.
Tabela XVII - Indicações de bloqueio femoral, necessidade de suplementação, efeitos
adversos e complicações
Bloqueio Indicações Bloqueio suplementar Efeitos adversos/
necessário Complicações
Nervo femoral Cirurgia da coxa Nervo cutâneo femoral lateral Bloqueio motor do
quadríceps
Cirurgia superficial da face
medial da perna Perfuração da artéria
Fratura do colo ou da diáfise do Nervo isquiático femoral
fêmur
Artroplastia Artroscopia de __ Hematoma
joelho
Artroplastia Artroscopia de Infecção local
quadril
Nervo isquiático Lesão nervosa
(+/-)

Cirurgia de ligamento do joelho Nervo cutâneo femoral lateral


Nervo obturador

Nervo isquiático
(+/-)

2.6.3.1 Posicionamento
Paciente em posição supina e posicionamento do transdutor paralelo ao ligamento ingui-
nal, um pouco abaixo da prega inguinal.

Fig. 30 - Posicionamento para o bloqueio femoral

2.6.3.2 Sonoanatomia e técnica


Ao posicionarmos o transdutor, obtemos a visualização de uma estrutura hipoecoica pulsá-
til: a artéria femoral. Lateralmente a esta e entre a fáscia ilíaca e o músculo íleo-psoas, encontra-
-se a estrutura triangular hiperecoica, que é o nervo femoral. Procede-se, então, à inserção da
agulha em plano de lateral para medial entre o nervo femoral e a fáscia ilíaca, com conseguinte
injeção de 2 ml de anestésico local e visualização da dispersão subfascial do anestésico, de
modo a comprimir o nervo em direção posterior, contra o músculo íleo-psoas. Após confirmar
a deposição do anestésico em posição correta, procede-se à injeção do restante do anestésico
local. Para esse bloqueio, não é necessária a deposição circunferencial do anestésico.

96 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Tabela XVIII - Aspectos técnicos do bloqueio femoral guiado por ultrassom
Bloqueio Estrutura de Estruturas que devem ser Tipo de transdutor/ Volume de
referência encontradas Profundidade anestésico local
Nervo Artéria femoral Artéria femoral Linear de alta 20-30 ml
femoral Fáscia ilíaca frequência
Músculo íleo-psoas
Nervo femoral
3-5 cm

Fig. 31 - Sonoanatomia do bloqueio femoral

2.6.4 Bloqueio do nervo obturador


O nervo obturador é formado pelos ramos anteriores das raízes lombares L2-L4. O blo-
queio do nervo obturador é importante para técnicas de analgesia do joelho associada ao blo-
queio do femoral, bem como em anestesias com necessidade de utilização de garroteamento
da coxa (Tabela 19). Na maioria dos indivíduos, o nervo se divide em dois ramos. O ramo
anterior, que desce da pelve e é visualizado entre a fáscia do adutor longo e do adutor curto, e o
ramo posterior, que se localiza no plano fascial entre o adutor curto e o adutor magno.
Tabela XIX - Indicações de bloqueio do obturador, necessidade de suplementação, efei-
tos adversos e complicações
Bloqueio Indicações Bloqueio suplementar Efeitos adversos/
necessário Complicações
Nervo obturador Complementar às cirur- Nervo cutâneo femoral lateral Punção vascular
gias de joelho
Hematoma
Cirurgias com necessidade Nervo femoral
de garrote na coxa Lesão nervosa

Diagnóstico de espasmo Infecção


dos adutores
Punção de víscera pélvica
Síndromes dolorosas
crônicas do quadril

2.6.4.1 Posicionamento
Com o paciente em posição supina, com leve rotação externa da coxa e posicionamen-
to do transdutor 2 cm a 3 cm abaixo e paralelamente ao ligamento inguinal, em região
medial da coxa.

Anestesia regional periférica guiada por ultrassom (US) | 97


2.6.4.2 Sonoanatomia e técnica
Com o transdutor posicionado paralelamente ao ligamento inguinal e medialmente à
coxa, observa-se a veia femoral (estrutura hipoecoica). Ao deslizar-se o transdutor mais
medialmente, será possível visualizar a estrutura hiperecoica entre a fáscia do adutor longo
e do adutor curto, que é o ramo anterior do nervo obturador. Outra estrutura hiperecoica
aprisionada entre as fáscias dos músculos adutor curto e adutor magno é o ramo posterior do
nervo obturador. Insere-se a agulha em sentido lateral para medial e anterior para posterior.
Realiza-se, então, a injeção de 5 ml a 10 ml de anestésico local em cada ramo, com visuali-
zação da divulsão das fáscias pela dispersão do anestésico local, com certificação de que o
anestésico não foi depositado em localização intramuscular.
Tabela XX - Aspectos técnicos do bloqueio do obturador guiado por ultrassom
Bloqueio Estrutura de Estruturas que devem ser Tipo de transdutor/ Volume de
referência encontradas Profundidade anestésico local
Nervo Veia femoral Veia femoral Linear de alta 5-10 ml para cada
obturador Músculo adutor longo frequência ramo
Músculo adutor curto
Músculo adutor magno
Músculo pectíneo 3-5 cm
Nervo obturador, porções
anterior e posterior

Fig. 32 - Sonoanatomia de bloqueio do nervo obturador

2.6.5 Bloqueio do nervo safeno


O nervo safeno é o ramo terminal da divisão posterior do nervo femoral. O bloqueio
do nervo femoral provê adequado bloqueio do nervo safeno, porém, acompanhado de im-
portante bloqueio motor do quadríceps, o que é indesejável e desconfortável para alguns
pacientes27. O bloqueio do nervo safeno na região distal da coxa leva à analgesia da região
medial da perna e tem indicação como bloqueio suplementar (Tabela 21). A técnica ultras-
sonográfica apresenta uma taxa de sucesso superior às técnicas tradicionais de infiltração
subcutânea em leque abaixo do joelho.
2.6.5.1 Posicionamento
Com o paciente em posição supina e leve abdução e rotação externa da coxa, posiciona-se
o transdutor perpendicularmente ao eixo axial em região medial da coxa e cerca de 5 cm a 7
cm acima da borda da patela.

98 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


2.6.5.2 Sonoanatomia e técnica
Posiciona-se inicialmente o transdutor perpendicularmente ao eixo axial da região
medial da coxa ao nível da fossa poplítea, na qual será possível visualizar duas estruturas
hipoecoicas pulsantes: uma maior, que é a artéria poplítea, e uma de menor diâmetro, que é
a artéria genicular. Nessa posição, ascende-se o transdutor até 2 cm a 3 cm acima da patela.
Na confluência dos músculos sartório, vasto medial, grácil e adutor magno, encontra-se o
nervo safeno como uma estrutura hiperecoica, comprimida entre as fáscias dos músculos
e logo anterior à artéria genicular. Insere-se a agulha em plano em direção anterior para
posterior, com injeção de 2 ml de anestésico local ou salina e visualização da hidrodissec-
ção interfascial, certificando-se de que o anestésico local não foi depositado em localização
intramuscular. Após confirmar a deposição do anestésico em posição correta, proceder à
injeção do restante do anestésico local.
Tabela XXI - Indicações de bloqueio safeno, necessidade de suplementação, efeitos ad-
versos e complicações
Bloqueio Indicações Bloqueio suplementar Efeitos adversos/
necessário Complicações
Nervo safeno Complementar às cirur- __ Punção vascular
gias da perna
Hematoma
Complementar às cirur-
gias do pé Infecção

Lesão nervosa

Tabela XXII - Aspectos técnicos do bloqueio safeno guiado por ultrassom


Bloqueio Estrutura de Estruturas que devem ser Tipo de transdutor/ Volume de
referência encontradas Profundidade anestésico local
Nervo Artéria genicular Artéria genicular Linear de alta frequência 10 ml
safeno Artéria poplítea Artéria poplítea
Músculo sartório
Músculo vasto medial 3-5 cm
Nervo safeno

2.6.6 Bloqueio do nervo cutâneo lateral femoral (NCLF)


O NCLF se divide em dois a cinco ramos que inervam toda a região lateral e superior da
coxa. Por causa de sua grande variabilidade anatômica, as técnicas ultrassonográficas fazem
diferença na efetividade quando comparadas às técnicas baseadas em marcos anatômicos28.
Tabela XXIII - Indicações de bloqueio NCFL, necessidade de suplementação, efeitos
adversos e complicações
Bloqueio Indicações Bloqueio suplementar Efeitos adversos/
necessário Complicações
Nervo cutâneo Biópsias e cirurgias de Não é necessário Hematoma
femoral lateral superfície na região lateral
da coxa
Infecção local
Enxertos de pele

Anestesia regional periférica guiada por ultrassom (US) | 99


2.6.6.1 Posicionamento
Com o paciente em posição supina ou lateral, posiciona-se o probe transversalmente 2
cm medial e abaixo da espinha ilíaca anterossuperior (EIAS) .
2.6.6.2 Sonoanatomia e técnica
Está localizado tipicamente entre o tensor da fáscia-lata (TFL) e o músculo sartório, 1
cm a 2cm ínfero-medial à EIAS, imediatamente abaixo da fáscia ilíaca, na qual se encontra
uma estrutura ovalada pequena e hipoecoica. A inserção da agulha deve ocorrer em plano
de lateral para medial até o posicionamento abaixo da fáscia ilíaca. Procede-se, então, à in-
jeção de 2 ml de anestésico local ou salina, com visualização da dispersão intrafascial do
líquido; após confirmar a hidrodissecção em posição correta, realiza-se a injeção completa
da solução.
Tabela XXIV - Aspectos técnicos do bloqueio NCFL guiado por ultrassom
Bloqueio Estrutura de Estruturas que devem ser Tipo de transdutor/ Volume de
referência encontradas Profundidade anestésico local
Nervo cutâneo EIAS Fáscia ilíaca Linear de alta 5-10 ml
femoral lateral Músculo sartório frequência
Músculo tensor da fáscia lata
Nervo cutâneo femoral lateral 1-2 cm

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Anestesia regional periférica guiada por ultrassom (US) | 101


Capítulo 07

Reposição volêmica
em pediatria
Danielle Maia Holanda Dumaresq
Débora de Oliveira Cumino
Magda Lourenço Fernandes
Reposição volêmica em pediatria

1. Alterações fisiológicas da criança


1.1 Compartimentos corporais e distribuição de água e eletrólitos
A água corporal total (ACT) é composta pelo líquido intracelular (LIC) e extracelular
(LEC), separados pela membrana celular. O LEC está distribuído em diversos comparti-
mentos (Tabela 1): volume plasmático (intravascular ou sanguíneo) e líquido intersticial
(extravascular) separados anatomicamente pelo endotélio capilar1-4.
O volume intravascular efetivo é o volume sanguíneo que perfunde os tecidos e se encon-
tra em contato direto com receptores de pressão e volume. Em condições normais, o volume
plasmático circulante varia de acordo com as alterações do LEC1,2 .
O volume extravascular é constituído de linfa, líquido do interstício celular da pele e
dos tecidos conectivos e líquidos transcelulares, compostos pelos líquidos cerebroespinhal,
pleural, peritoneal, sinovial, das glândulas salivares, do pâncreas, do fígado, da árvore biliar
e também do líquido intraluminal do trato gastrointestinal1- 5.
Tabela I - Distribuição do líquido extracelular (LEC)
Sistema Lactentes Adulto
Plasma e linfa (mL.kg )
-1
60 55
Músculo e órgãos (mL.kg ) -1
80 85
Pele e tecido conectivo (mL.kg-1) 160 130
Líquido extracelular total (mL.kg-1) 300 270
Adaptado de Holliday5.

A água é o componente mais importante do corpo - constitui 70% do peso corpóreo do


recém-nascido de termo e 80% do peso do pré-termo, variando inversamente com o conte-
údo de gordura corporal1-4.
A composição da água, assim como sua proporção nos compartimentos (Tabela 2), varia
de acordo com o desenvolvimento da criança. Mas a osmolaridade (concentração de soluto
por unidade de solvente) de cada compartimento, independentemente da idade, é constan-
te, em torno de 280-300 mOsm/l3,4.
Tabela II - Composição corporal nas diversas faixas etárias
Prematuro Neonato 1 ano 3 anos Adultos
Peso (kg) 1,5 3 10 15 70
ASC (m )2
0,15 0,2 0,5 0,6 1,7
ASC/Peso 0,1 0,07 0,05 0,04 0,02
ACT (% peso) 80 78 65 60 60
LEC (% peso) 50 45 25 20 20
LIC (% peso) 30 35 40 40 40
ASC = área de superfície corporal; ASC/Peso = relação da área de superfície corporal e peso;
ACT = água corporal total; LEC = líquido extracelular; LIC = líquido intracelular.
(Adaptado de Cunlife M - Fluid and electrolyte management in children 4.)

104 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


As membranas celulares são altamente permeáveis, e a água se desloca de um compar-
timento para outro, de acordo com a concentração dos solutos contidos nesses comparti-
mentos, sendo assim, a tonicidade ou osmolaridade é semelhante no LIC e LEC (280 – 320
mOsm/L) na fase de equilíbrio3,4.
O conteúdo químico difere muito entre o LIC e LEC (Tabela 3), mas o equilíbrio elétri-
co é mantido constante pela bomba de sódio e potássio que limita o movimento de cátions
e ânions, sendo o deslocamento da água o principal responsável pelo equilíbrio osmótico3.
O LEC contém altas concentrações de sódio, bicarbonato e cloro, baixas concentrações
de potássio e magnésio. Em contraste, o LIC possui altas concentrações de potássio e mag-
nésio, com baixas concentrações de sódio e bicarbonato, além de possuir fosfatos e proteí-
nas. Como existem variações fisiológicas e funcionais das células, o LIC não é um líquido
homogêneo em todo o organismo3,4,6.
Tabela III - Composição dos líquidos corporais
Líquido extracelular (LEC) Líquido intracelular (LIC)
Osmolalidade (mOsm) 290 - 310 290 - 310
Cátions (mEq/L) 155 155
Na+ 138 - 142 10
K +
4,0 - 4,5 110
Ca+2 4,5 - 5,0 -
Mg +2
3 40
Ânions (mEq/L) 155 155
Cl- 103 -
HCO3 -
27 -
HPO4 -2 - 10
SO4 - 2 - 110
PO4 - 2 3 -
Ácidos orgânicos 6 -
Proteínas 16 40
Adaptado de McClain6.

O movimento molecular entre os vários compartimentos ocorre por difusão simples,


através da membrana lipídica (oxigênio e dióxido de carbono), por canais proteicos (sódio,
cálcio e potássio) e por difusão facilitada, por meio de carreadores proteicos transmembrana
(glicose e aminoácidos).
A água está em equilíbrio termodinâmico através das membranas celulares e se move
somente em reposta ao movimento de solutos contido nos diversos compartimentos. Esse
movimento da água através das membranas segue a equação de Starling3,6: Qf = K f [(Pc–Pi)
– σ (πc – π i)], em que Qf é o fluxo de líquido, K f é o coeficiente de filtração de fluido de deter-
minada membrana, Pc, Pi, πc e π i são as pressões hidrostáticas e osmóticas em cada lado da
membrana e σ é o coeficiente de reflexão do soluto da membrana estudada.
O coeficiente de reflexão (σ) mensura a permeabilidade de determinado soluto através de
uma membrana específica, portanto, contribui para a força osmótica depois de estabelecido
o equilíbrio6.

Reposição volêmica em pediatria | 105


O transporte de água entre o LIC e LEC ocorre por osmose, segundo a pressão osmótica
em cada lado da membrana permeável determinada principalmente pela concentração de
sódio, resultando em rápido fluxo de líquido através dessa membrana até que o equilíbrio
osmótico seja atingido. O valor de σ para o sódio quando a membrana é a barreira hemato-
-encefálica se aproxima de 1, enquanto no músculo e em outras membranas celulares é em
torno de 0,15 a 0,3. Assim, quando administramos soluções isotônicas intravenosas com
sódio, apenas 15% a 30% do sal e da água administrada permanece no espaço intravascular,
enquanto o restante se acumula como edema intersticial3,6.
Da mesma forma, o movimento de água entre o intravascular e o interstício ocorre se-
gundo a pressão hidrostática e a pressão coloidosmótica que, por sua vez, é determinada
principalmente pela albumina. O σ da albumina é o maior contribuinte na pressão coloidos-
mótica, em torno de 0,8, fazendo com que seja a responsável por aproximadamente 80% da
pressão coloidosmótica intravascular determinando o movimento d’água 3.
Em condições de redução do volume circulante, o líquido intersticial é desviado para o
intravascular, como uma tentativa de reestabelecer o equilíbrio, porém, apesar da quantida-
de de água existente no LEC, esse compartimento é incapaz de suprir as perdas líquidas que
acontecem no período perioperatório
O volume do LEC é controlado pela concentração de seu principal cátion, o sódio, atra-
vés dos barorreceptores carotídeos, receptores do estiramento atrial e do aparelho justa glo-
merular. A redução do volume do LEC causa liberação do hormônio antidiurético (ADH),
estimulação do sistema nervoso simpático causando vasoconstrição, e liberação do peptídeo
natriurético atrial com ativação do sistema renina - angiotensina - aldosterona.
A regulação da osmolaridade sérica ocorre através de osmorreceptores localizados no
hipotálamo que, ao detectarem aumento da osmolaridade do LEC, determinam a sensação
de sede e liberação de ADH com consequente reabsorção de água nos túbulos coletores
renais e concentração da urina.

1.2 Função renal


No recém-nascido, a função renal é imatura e o fluxo sanguíneo renal, baixo, aumentando
após o nascimento pela elevação do débito cardíaco, da pressão arterial média e da resistência
vascular renal. Porém, com um mês de vida, a maturidade renal alcança 90% da função, atin-
gindo valores semelhantes aos do adulto por volta do primeiro ou segundo ano de vida1,7.
A taxa de filtração glomerular (TFG) ao nascimento representa 25% a 30% do adulto,
que se deve à maior resistência renovascular e menor superfície de filtração glomerular, per-
meabilidade vascular e pressão de ultrafiltração1,7.
A função tubular do recém-nascido também é limitada, ocorrendo maior perda uriná-
ria de sódio por apresentar resposta inadequada à aldosterona e imaturidade da bomba de
sódio-potássio.
O rim do neonato possui também baixa capacidade de concentração da urina pela menor
concentração de ureia no interstício medular, pequeno tamanho das alças de Henle, níveis
aumentados de prostaglandinas e resposta inadequada ao HAD, o que causa maior perda
hídrica e, portanto, não tolera a desidratação7.

106 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Portanto, os rins apresentam dificuldade de eliminar o volume e eletrólitos durante a so-
brecarga, assim como de retê-los no estado de depleção. Entretanto, a capacidade de diluir a
urina é maior que a capacidade de concentrá-la. Sendo assim, o recém-nascido saudável tem
maior capacidade de excretar água livre e aumentar o volume urinário, tolerando melhor
sobrecarga hídrica moderada à desidratação1.
1.3 Sistema cardiovascular
O coração da criança tem pouco tecido muscular (apenas 30% de tecido contrátil) e muito
tecido conectivo. Os miócitos e as miofribrilas são desorganizados, as proteínas contráteis
(actina e miosina), imaturas e as organelas possuem baixas reservas de cálcio, determinando
coração menos complacente com contração menos eficiente8.
No período neonatal, o coração trabalha no limite superior da Lei de Frank-Starling, ou
seja, o aumento da pressão intracardíaca não determina aumento na contratilidade ou no
volume de ejeção. O débito cardíaco depende mais da frequência cardíaca do que do volume
sistólico, pois o volume de ejeção é limitado pela baixa complacência do miocárdio7,8.
Dessa forma, o aumento da pré-carga decorrente de sobrecarga hídrica não é bem tolerado,
podendo ocasionar falência biventricular, insuficiência cardíaca congestiva e parada cardíaca7.

2. Avaliação da volemia
Quando a criança é anestesiada, muitos parâmetros clínicos do estado volêmico são per-
didos ou sofrem interferência de fatores que causam confusões. Por exemplo, o aumento da
frequência cardíaca, apesar de ser um indicador bastante confiável do estado volêmico, na
criança, sofre alterações no perioperatório como resultado da influência de inúmeros outros
fatores; a taquicardia pode ser decorrente do aumento de temperatura, falta de plano anes-
tésico, falhas de bloqueios e outros6,9.
Portanto, a avaliação da volemia durante a anestesia é um desafio para o anestesiologista,
que deve considerar todas as possibilidades e conhecer os limites fisiológicos da frequência
cardíaca e da pressão nas diversas faixas etárias, correlacionar esses dados formando uma
hipótese e, então, tomar as devidas condutas.
Em procedimentos de pequeno porte, a avaliação do estado de hidratação e a reposi-
ção volêmica intraoperatória são mensuradas através de parâmetros clínicos. Na criança
anestesiada, podemos avaliar o estado das mucosas, o pulso, a pressão arterial média e a
diurese6 (Tabela 4).
Nos neonatos e lactentes, a avaliação do turgor das fontanelas pela palpação é uma técnica
elucidativa, capaz de fornecer dados sobre o estado da hidratação. Na vigência de hipovolemia
ou em estados de desidratação, a fontanela encontra-se deprimida e, em estados de hiper-
-hidratação ou hipertensão intracraniana, túrgida (Tabela 4). Um bom parâmetro para avaliar
o balanço hídrico em crianças pequenas é a medida do peso no pré e no pós-operatório.
O grau de hipovolemia pode ser avaliado por meio de uma combinação de sinais clínicos
e fisiológicos. Neonatos e lactentes apresentam, como resposta compensatória à hipovole-
mia, aumento da frequência cardíaca e vasoconstrição periférica. Entretanto, a habilidade
para aumentar o débito cardíaco só ocorre com o desenvolvimento e avanço da idade, sendo

Reposição volêmica em pediatria | 107


a hipotensão arterial um sinal tardio, que sugere deterioração iminente que exige de inter-
venção imediata.
Tabela IV - Avaliação clínica da desidratação
Sinais e sintomas Leve Moderada Grave
Perda/peso (%) 5 10 15
Déficit (ml.kg )
-1
50 100 150
Aparência - Palidez Hipotermia e sudorese
Turgor da pele Normal Diminuído Muito diminuído
Mucosa Úmida Seca Muito seca
Fontanela Normal Deprimida Muito deprimida
Pulso Normal Rápido Rápido e filiforme
Pressão arterial Normal Normal ou diminuída Diminuída
Respiração Normal Profunda Profunda e rápida
Diurese (ml.kg-1.h-1) <2 <1 < 0,5

A monitorização hemodinâmica não invasiva, principalmente a pressão arterial, a oxime-


tria de pulso e a capnografia, mensura, de forma indireta, o débito cardíaco (DC) e, conse-
quentemente, o estado volêmico.
O dióxido de carbono é um dos produtos finais do metabolismo aeróbio. No estado de
equilíbrio, a PaCO2 exprime o balanço entre a produção de CO2 (VCO2) e sua eliminação
através da ventilação alveolar (VA):PaCO2 = VCO2/VA . Portanto, alterações no EtCO2
podem exprimir alterações na perfusão, no metabolismo, no fluxo sanguíneo pulmonar e
no débito cardíaco10.
Em procedimentos de maior porte, a monitorização invasiva tem como vantagem for-
necer dados mais objetivos e em tempo real. A utilização de pressão arterial média invasiva
(PAMI), pressão venosa central (PVC), pressão de átrio esquerdo (PAE) e pressão de artéria
pulmonar (PAP) é muito útil na avaliação do DC, propiciando melhor adequação na repo-
sição volêmica.
A utilização da PAMI provê mensuração direta da variação pressórica e ainda possibilita
a coleta de gasometrias arteriais, que trazem informações sobre o equilíbrio hidroeletro-
lítico e ácido-base que, indiretamente, avaliam a perfusão tecidual. Atualmente existem
transdutores de tamanho adequado à população neonatal. Esses dispositivos infundem
constantemente pequenos volumes na linha arterial e minimizam o efeito damping, que é o
amortecimento da onda de pulso por conta das alteração de impedância e complacência das
extensões utilizadas no sistema11,12 .
De forma grosseira, a PAMI permite a mensuração da variação da pressão de pulso arte-
rial (ΔPP), que ocorre durante a ventilação com pressão positiva.
A utilização desse parâmetro (ΔPP) como um monitor da volemia é fundamentado nas
alterações fisiológicas da ventilação com pressão positiva: 1) a pressão de pulso arterial (sis-
tólica - diastólica) é diretamente proporcional ao volume de ejeção e inversamente relacio-
nada à complacência do sistema arterial; 2) a respiração com pressão positiva comprime o
sistema venoso pulmonar, provocando um aumento na pré-carga do ventrículo esquerdo

108 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


(VE) e, consequentemente, aumento no volume de ejeção e na pressão de pulso arterial
durante alguns batimentos; 3) respiração com pressão positiva também diminui o retorno
venoso para o ventrículo direito, pela compressão da cava e átrio direito, diminuindo, assim,
o enchimento do VE. Portanto, após os batimentos que apresentaram aumento da pressão
de pulso ocorre a diminuição da pressão de pulso no batimento seguinte, conforme a varia-
ção do volume circulante, determinando, dessa forma, a ΔPP (Figura 1)12 .
O aumento na variação da pressão de pulso não significa necessariamente que há redu-
ção do DC ou hipovolemia, mas a presença de variação acima de 10%, provavelmente é o
melhor indicador de que a pressão arterial responderá a administração de volume11,12 .
Atualmente, existem monitores que fazem essa análise e calculam a variação conforme a
respiração, fornecendo dados sobre a volemia e a variação volêmica (ΔPP)11.

Fig. 1 - Variação da pressão de pulso (ΔPP)

A monitorização da pressão venosa central (PVC) vem sendo utilizada há mais de 50


anos. Mensurada na veia cava superior, reflete o estado de enchimento atrial. A análise de
suas curvas, associada a outros parâmetros, pode demonstrar o estado de contratilidade
cardíaca11,13. Embora a PVC seja utilizada como um índice circulatório de avaliação da pré-
-carga, muitos fatores podem afetar a forma de suas curvas e a própria medida da pressão. A
diminuição na PVC, como sinal de depleção do volume intravascular, é relativamente tardio
em pacientes com reflexo vasoconstritor intacto, aumentando o risco de hipovolemia não
detectada através da monitorização13.
Devemos ter em mente que a PVC sofre influências de diversos fatores. Um dos proble-
mas mais evidentes com o uso da PVC é que, para otimizar o DC, se faz necessário melhorar
a função ventricular esquerda e a PVC se relaciona com as pressões das câmaras direitas11.
As curvas da PVC podem, naturalmente, ser afetadas por diversos fatores, como o estado
inotrópico do ventrículo direito e as alterações da pressão intratorácica, levando a impli-
cações práticas importantes, como o uso de fármacos inotrópicos, a escolha da estratégia
ventilatória e o uso de PEEP13.
Alterações cardíacas, como doença da valva tricúspide, infarto do miocárdio, doença pe-
ricárdica e anomalias do ritmo cardíaco, também afetam as ondas da PVC, gerando falhas
de interpretação.
A pressão venosa central, sem dúvida, sofre repercussões do volume intravascular. Apro-
ximadamente dois terços da volemia estão contidos no sistema venoso, porém, a distribuição
desse volume varia conforme o tônus vascular, que é também um determinante da PVC. A

Reposição volêmica em pediatria | 109


venoconstrição periférica aumenta o volume de sangue nas veias centrais, elevando a PVC.
Na vasodilatação periférica, a redistribuição do volume do compartimento central para o
periférico diminui a PVC, da mesma forma que as alterações posturais e as modificações de
posicionamento do paciente durante o ato anestésico-cirúrgico; as posições de céfalo-aclive
ou declive ocasionam alterações do retorno venoso e, consequentemente, da PVC13.
Portanto, do ponto de vista fisiológico, o estado volêmico não pode ser inferido a partir
de uma medida estática, logo, devemos considerar a PVC como uma medida de tendência
ao longo do tempo13.
O cateter de Swan-Ganz, sem dúvida, é o método que fornece o maior número de infor-
mações acerca da volemia, função cardíaca e perfusão tecidual, por muito tempo conside-
rado o padrão ouro para mensurar DC, porém, por causa de falha técnica, dificuldades de
interpretação, risco de complicações e baixo impacto no prognóstico e evolução dos pacien-
tes foi praticamente abolido da pediatria14,15. Especialmente em crianças pequenas, essas
evidências têm direcionado para uma tendência de utilização de métodos menos invasivos
para monitorização hemodinâmica15.
O Doppler transesofágico demonstra excelentes resultados na avaliação da volemia,
sendo considerado de excelência, porém, tem o inconveniente de ser operador dependente,
exigindo treinamento com o equipamento para que este tenha acurácia em determinar os
parâmetros hemodinâmicos. Alguns autores demonstram segurança e efetividade na utili-
zação rotineira do Doppler em correções de cardiopatias congênitas e transplante hepático
em crianças9.
Recentemente surgiram diversos monitores chamados minimamente invasivos baseados
na ΔPP, como o PiCCO® e o LiDCO®, que são dispositivos que necessitam da PAMI e de
acesso central para a administração de substâncias. O NiCO®, que utiliza a reinalação parcial
de CO2, é clinicamente aceitável em crianças com superfície corpórea > 0,6 m 2 e volume cor-
rente > 300 mL16, porém, sofre interferência de condições pulmonares e shunts intracardíacos.
O FLOTRAC® não possui algoritmo adaptado para a população pediátrica, mas é se-
melhante ao PulseCO® e ao PRAM®, que combinam a monitorização contínua do ΔPP, por
meio da análise da onda de pulso acoplada à linha arterial, todos com características que per-
mitem informação contínua do DC e da volemia, bem como outras variáveis derivadas17-19.
Entretanto, publicações sob a forma de editoriais e de estudos clínicos questionam
se existem sólidas indicações para uso desses métodos na pediatria. Será que esses
novos métodos mudaram a conduta da UTI? O que está faltando na avaliação do DC e
da volemia em crianças? Fizemos progressos, mas a resposta definitiva ainda está para
ser determinada17-19.
Esses métodos ainda devem ser submetidos a uma validação adicional em diferentes situa-
ções clínicas. O uso de algoritmos deve ser aplicado na medição do DC em crianças instáveis,
em choque, o que pode ser útil no processo de tomada de decisões e no resultado final17-19.
Nesse sentido, as experiências em adultos têm proporcionado metas mensuráveis para
a ressuscitação hemodinâmica, demonstrando melhoria nos resultados. No entanto, não
existem estudos que evidenciem sua validade na mensuração do DC e da volemia na po-
pulação pediátrica17-19.

110 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


3. Reposição volêmica em pediatria
A terapia de reposição volêmica tem como finalidade manter adequado balanço de lí-
quidos e eletrólitos no intravascular. Durante a cirurgia, ela é essencial para fornecer as ne-
cessidades metabólicas basais de líquidos, compensando o jejum pré-operatório e repondo
as perdas. Desidratação e algumas condições associadas ao sequestro de líquidos para o
terceiro espaço podem afetar o volume do líquido intravascular. A restauração desse volu-
me é fundamental para garantir estabilidade cardiovascular, perfusão orgânica e adequada
oxigenação tecidual20.
Na última década, muitas controvérsias surgiram acerca da hidratação transoperatória
em crianças, não só no que se refere ao cálculo do volume ideal, mas também quanto ao tipo
de solução a ser utilizada21.
3.1 Determinação do volume e do tipo de solução para reposição
Em 1957, Holiday e Seagar estabeleceram uma regra para calcular o volume de líquidos
a ser reposto em crianças submetidas a procedimentos cirúrgicos. A partir das necessidades
metabólicas do paciente em repouso no leito, eles determinaram a quantidade de líquidos a
ser reposta22 (Tabela 5).
Tabela V – Fórmula de Holiday e Seagar
Peso Gasto calórico Volume de líquidos para reposição
0 a 10 kg 100 kcal.kg -1
4 mL.kg.h-1
10 a 20 kg 1.000 kcal + 50 kcal.kg para cada kg
-1
40 mL + 2 mL.kg-1.h-1para cada kg acima de 10 e abaixo
acima de 10 de 20
10 a 20 kg 1.000 kcal + 50 kcal.kg-1 para cada kg 40 mL + 2 mL.kg-1.h-1para cada kg acima de 10 e abaixo
acima de 10 de 20
20 a 70 kg 1.500 kcal + 20 kcal.kg-1 para cada kg cima 60 mL + 1 mL.kg-1.h-1para cada kg acima de 20
de 20

Esses autores avaliaram também a quantidade de sódio e potássio do leite humano e de-
terminaram que, do ponto de vista eletrolítico, a solução ideal para manutenção em crianças
seria hipotônica. Com base nesses dados, as soluções salinas hipotônicas (1:2 a 1:4) foram
amplamente utilizadas por longos anos23.
Na década de 1980, Berry propôs outro esquema para reposição hídrica em crianças,
considerando a perda relacionada ao trauma cirúrgico (Tabela 6).
Tabela VI - Fórmula de Berry
Na primeira hora Nas horas seguintes
Idade < 4 anos: 25 mL.kg-1 Basal: 2 mL.kg-1.h-1
Idade ≥ 4 anos: 15 mL.kg-1 Trauma leve: 6 mL.kg-1.h-1
Trauma moderado: 8 mL.kg-1.h-1
Trauma severo: 10 mL.kg-1.h-1

O esquema proposto por Berry preconiza o uso de solução isotônica e considera um


jejum de seis a oito horas, com o clássico jejum após a meia-noite. O período de jejum
pré-operatório é um importante fator a ser considerando no planejamento da reposição

Reposição volêmica em pediatria | 111


volêmica, bem como a presença de condições que levam à desidratação (vômitos, diar-
reia e febre). Como recentemente o período de jejum pré-operatório foi reduzido (Ta-
bela 7), a perda hídrica relacionada ao jejum é mínima. Assim sendo, quando utilizamos
o esquema de Berry, a quantidade de líquido necessária para repor o jejum deve ser
diminuída caso o paciente tenha um período de jejum menor ou se estiver recebendo
soroterapia no pré-operatório. Entretanto, se o jejum for prolongado, o déficit do jejum
deve ser calculado multiplicando-se a necessidade de líquidos por hora pelo número de
horas de jejum 3 .
Além da duração do jejum, é importante pesquisar a presença de desidratação. Esta pode
ser avaliada por seus sinais clínicos, pela redução do peso (em casos de grandes perdas agu-
das) e pelo débito urinário. A correção da desidratação requer cerca de 10 mL.kg-1.h-1 de
líquidos. A taxa de infusão depende da gravidade e da rapidez da evolução da desidratação.
É importante destacar que a reposição deve ser individualizada, com base em uma adequada
avaliação pré-operatória, visando principalmente avaliar o estado de hidratação e estimar o
déficit hídrico, para distinguir os pacientes sem déficit daqueles gravemente comprometidos
por déficit de volume sanguíneo e/ou intersticial 20.
Tabela VII - Tempo de jejum pré-operatório em crianças
Tipo de alimento Tempo de jejum (horas)
Líquidos sem resíduos 2
Leite materno 4
Fórmulas de alimentos infantis 6
Leite não humano 6
Sólidos (refeição leve) 6
Sólidos (refeição completa) 8

3.2 Controvérsias sobre o tipo de solução para reposição


A transferência de líquidos entre o compartimento extracelular e o espaço intersticial
resulta no chamado volume do terceiro espaço. Para prevenir essa transferência, a repo-
sição do volume intravascular deve ser realizada utilizando-se soluções com tonicidade
e osmolaridade normais23. Assim sendo, o uso de soluções hipotônicas para reposição
volêmica no intra e pós-operatório em crianças vem sendo muito questionado nas últimas
décadas. Vários autores destacaram o risco de hiponatremia e consequente encefalo-
patia resultante dessa prática. Encefalopatia hiponatrêmica é um problema grave, mas
subestimado como complicação da cirurgia, embora haja vários relatos de esta causar
a morte ou lesão neurológica permanente em crianças e adultos saudáveis, após proce-
dimentos cirúrgicos comuns. As principais razões para a ocorrência dessa complicação
são a administração rotineira de fluidos hipotônicos no período pós-operatório e a falha
no diagnóstico e tratamento da encefalopatia hiponatrêmica quando se desenvolve20,21.
Apesar disso, o uso inadequado de soluções hipotônicas continua fazendo parte da rotina
de muitos profissionais, mesmo em países evoluídos, como o Reino Unido, onde isso foi
recentemente constatado23.

112 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


A hiponatremia adquirida em hospital (Na+ < 135 mEq.L -1) resulta basicamente
de dois fatores: 1) prejuízo da habilidade de excretar água livre, que ocorre em razão
do excesso de hormônio antidiurético (HAD) e 2) administração de líquidos hipotô-
nicos. Pacientes em pós-operatório são considerados de alto risco de desenvolver hi-
ponatremia porque têm a produção de HAD estimulada por vários fatores, como dor,
estresse, náusea e vomitos, ventilação com pressão positiva, administração de opioides
e depleção do volume intravascular. Toda solução líquida que possui uma tonicidade
de sódio e potássio menor do que a da fase aquosa da água plasmática (154 mEq.L -1) é
hipotônica e, portanto, capaz de produzir hiponatremia. Apesar de o sódio do plasma
normal ser 140 mEq.L -1, o plasma está 7% na forma anidra, o que faz com que a
concentração de sódio na fase aquosa do plasma seja cerca de 150 mEq.L -1. Portanto,
cloreto de sódio (NaCl) 0,45% (Na=77 mEq.L -1) e até mesmo a solução de Ringer com
lactato (Na = 130 mEq.L -1) são ambos hipotônicos em relação ao sódio plasmático e
podem produzir hiponatremia. Em teoria, mesmo o NaCl 0,9% pode resultar em hipo-
natremia, se houver excesso de HAD, quando a osmolalidade urinária atinge valores
acima de 500 mOsm. Kg-1 20 .
Recentes estudos prospectivos em crianças confirmam que soluções hipontônicas resul-
tam em hiponatremia24,25 e geraram grande preocupação em se abolir o uso rotineiro de
soluções hipotônicas no transoperatório. À luz dos conhecimentos atuais, acredita-se que a
encefalopatia secundária à hiponatremia no pós-operatório pode ser virtualmente elimina-
da através da administração sistemática de NaCl a 0,9%, quando estiver indicada reposição
hídrica. Com base em todos os dados disponíveis, não há justificativa para se administra-
rem líquidos hipotônicos no perioperatório. Estes podem produzir diminuição do sódio,
com consequente encefalopatia hiponatrêmica fatal. Portanto, soluções hipotônicas, como
glicose a 5% em água e NaCl 0,2 e 0,45 %, devem ser evitadas nas primeiras 24 a 48 horas
após a cirurgia. Mesmo soluções quase isotônicas, como a solução de Ringer lactato, devem
ser evitadas e, quando forem usadas, o sódio sérico deve ser monitorizado. A padronização
da reposição hídrica no transoperatório com NaCl 0,9% pode eliminar com segurança a
complicação de encefalopatia hiponatremia.

4. Manuseio da glicose nos fluidos intraoperatórios


O propósito da administração de glicose é prover energia necessária de forma a pre-
venir a hipoglicemia, que pode ser de difícil diagnóstico durante o período de jejum do
perioperatório. Além disso, a adição de glicose às soluções auxilia na oferta energética
ao cérebro, reduzindo o catabolismo proteico (gliconeogênese), prevenindo a cetose e a
perda de sódio e potássio26.
No entanto, o uso de soluções com glicose pode levar à hiperglicemia no intraopera-
tório. Esse risco foi, por muito tempo, subestimado e, nos últimos 20 anos, foi motivo
de reavaliação e mudança na prática diária sobre a utilização de soluções de glicose
em pediatria 27.
É importante pesar os riscos da ocorrência de hipo ou hiperglicemia, bem como suas
complicações (Tabela 8).

Reposição volêmica em pediatria | 113


Tabela VIII - Complicações associadas à hipo e hiperglicemia
Hiperglicemia Hipoglicemia
Diurese osmótica
Desidratação
Distúrbios eletrolíticos Lesão neuronal
(especialmente em neonatos)
Aumento do risco de lesões hipóxico-isquêmicas do SNC
Aumento de hormônios do estresse
Déficit neurológico pós-operatório Perda de autorregulação vascular cerebral
Cirurgia cardíaca com parada circulatória hipotérmica Alteração do metabolismo cerebral
Cirurgia neurológica
Pós-reanimação cardiopulmonar

A hipoglicemia é sabidamente prejudicial e pode levar a dano cerebral, especialmente em


neonatos. Dependendo da gravidade, a hipoglicemia pode provocar o aumento dos hormô-
nios do estresse, como cortisol, epinefrina, glucagon e hormônio do crescimento, e perda da
autorregulação e do metabolismo cerebral, levando à lesão neuronal permanente.
Entretanto, apesar de encontrarmos incidência variável a depender da definição do limi-
te considerado da glicose sérica, o risco em lactentes e crianças saudáveis tem se mostrado
baixo (menor que 1-2%) mesmo em períodos prolongados de jejum, levando a se pensar que
a hipoglicemia não seja de ocorrência tão comum assim, mesmo em pacientes pediátricos
menores de 1 ano28. A maioria dos casos de hipoglicemia durante anestesia foi observada
após períodos de jejum prolongados, em média de 10 horas, e não foi observada em crianças
que receberam líquidos claros por via oral cerca de 2 a 3 horas antes da cirurgia 29. Episódios
mais frequentes de hipoglicemia ocorrem quando o tempo de jejum se dá no período diurno
em relação ao noturno, por consequência da variação do nível de cortisol. Os fatores relacio-
nados com maior ocorrência de hipoglicemia estão relacionados na Tabela 9.
Tabela IX - Fatores associados com maior incidência de hipoglicemia
Fatores associados com maior incidência de hipoglicemia
Tempo de jejum prolongado
Jejum no período diurno
Neonatos
Estado nutricional ruim (< 25% percentil)
Crianças que recebem hiperalimentação
Anestesia regional: abolição de resposta ao estresse
Uso de fármacos: propranolol
RN de mãe diabética
RN com retardo de crescimento intrauterino
Adenoma ou carcinoma pancreático
Hepatoma
Hipopituitarismo
Insuficiência adrenal

Já o risco da hiperglicemia no perioperatório deve ser uma preocupação, e sua reper-


cussão tem sido vastamente citada na literatura, observando o aumento da incidência de
eventos transoperatórios, como a diurese osmótica.
Em estudos experimentais, foi observada a ocorrência de lesões estruturais na glia e nos
neurônios30, associada à agressão hipóxico-isquêmica quando a glicose foi administrada

114 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


previamente ao insulto, incuindo déficits neurológicos31,32 . A presença de isquemia-hipóxia
seria um impecílio à utilização e ao metabolismo da glicose, causando acúmulo de lactato
e diminuição do pH intracelular, com subsequente comprometimento da função celular33.
4.1 Administração de glicose no período perioperatório
Apesar de a administração de glicose ainda fazer parte da prática anestésica para a popu-
lação pediátrica, a quantidade de glicose utilizada vem diminuindo dramaticamente desde
os anos 1990.
A utilização de glicose a 5% ou 10% leva invariavelmente ao desenvolvimento de hiper-
glicemia34. As soluções de glicose a 2% e 2,5% aumentam a glicose sérica em menor exten-
são, mantendo-a dentro dos limites normais. A infusão não deve exceder 300 mg.kg -1.h1.
Seguindo essa linha de raciocínio e por causa do fato que alguns estudos mostraram eleva-
ções da glicose sérica, outros investigadores35 utilizaram soluções com baixa concentração
de glicose (1% a 0,9%) em Ringer lactato, sendo associado à manutenção de valores normais
e mostrando eficácia na prevenção de hipoglicemia.
Crianças em uso de nutrição parenteral têm indicação de um controle mais rigoroso da
glicemia. A maioria desses pacientes recebe infusões de glicose de 2,5% a 5%36.
Baseado nesses e em outros estudos, existe uma tendência crescente de se administrar
glicose no intraoperatório seletivamente em pacientes que estão sob maior risco de hipogli-
cemia e, nessas situações, deve-se considerar o uso de soluções com baixas concentrações
de glicose (1% 2,5%)37,38.

5. Uso de outras soluções não cristaloides


A reposição inicial da volemia do paciente pediátrico durante o período operatório se faz com
soluções cristaloides. Normalmente, uma expansão com 15-20 ml.kg-1 de Ringer lactato é utili-
zada para reestabelecer a estabilidade hemodinâmica. Após administração de volume superior a
30-50 mL.kg -1, é indicado o uso de soluções coloides para manter a pressão osmótica.
Nos últimos anos, estudos e metanálises têm falhado em demonstrar uma vantagem
clara sobre a mortalidade quando se comparam coloides e cristalóides37-42 . Estudos voltados
especificamente para a população pediátrica são menores em número e amostragem, no en-
tanto, alguns mostraram benefício em crianças gravemente doentes41.
Ao se pensar em utilizar uma solução coloidal, deve-se levar em consideração o tipo de
déficit de líquido existente (perda de líquido ou plasma), como também o efeito que o líqui-
do de reposição vai exercer no volume intravascular, cascata da coagulação e microcircula-
ção. Além disso, a possibilidade de reações alérgicas deve ser lembrada.
Os coloides podem ser classificados em derivados de proteína natural (albumina) e sin-
téticos (hidroetilamidos, dextrans e gelatinas).

5.1 Albumina42
A albumina é derivada do plasma humano e seu processamento proporciona esterilização
por pasteurização, o que elimina o risco de transmissão de doença infecciosas. Tem peso mo-
lecular de 69 kDa, sendo produzida em concentrações de 5% e 25%. A albumina a 5% osmo-

Reposição volêmica em pediatria | 115


ticamente é equivalente a um volume de expansão igual ao do plasma, enquanto a albumina
a 25% equivale a cinco vezes esse volume. Essa expansão do volume intravascular ocorre por
translocação do compartimento interticial para o intravascular. Contudo, em pacientes com
aumento da permeabilidade vascular (sepse, trauma, queimaduras), essa translocação de líqui-
do pode estar reduzida e os coloides podem migrar para o interstício, piorando o edema.
Acredita-se que a expansão do volume plasmático depende principalmente da quanti-
dade de albumina ofertada, e não da concentração da solução, sendo, portanto, geralmente
usada na dose de 20 mL.kg-1 em concentrações de 4 % ou 5% em Ringer lactato ou solução
salina 0,9%, o que permite aumento em até cinco vezes a capacidade de manter o líquido
administrado no intravascular.
Efeitos colaterais da albumina são raros, porém têm sido reportados. A albumina pode
ter uma fraca ação anticoagulante, através da inibição plaquetária ou semelhante à heparina
sobre a antitrombina III43. Esse efeito é insignificante se a reposição do volume do paciente
é menor de 25%. Reação alérgica é outra possível complicação. No entanto, a albumina está
associada a uma incidência menor que outros coloides.
A albumina tem sido considerada como o coloide padrão ouro para a manutenção da
pressão coloidosmótica em lactentes e neonatos, porém, o custo e a menor disponibilidade
têm levado alguns países como Grã Bretanha e França a preferirem outras soluções coloides,
permanecendo nos Estados Unidos como primeira escolha.
5.2 Hidroxietilamido (HEA)
Hidroxietilamidos são uma classe de coloides sintéticos modificados a partir de polissa-
carídeos naturais. Diferentemente de outros coloides, o HEA é caracterizado não somente
por sua concentração e peso molecular, mas por seu grau de substituição molar (SM) nos
carbonos na posição C2, C3 e C6, o que torna a solução mais estável, resistente à hidrólise
pela amilase e, portanto, com efeito mais prolongado. O grau de substituição é determinado
pela razão entre o número de moléculas de glicose com substituição do radical hidroxietil e
o número total de moléculas presentes. A razão da substituição molar é dada pela divisão do
número total de grupos hidroxietil pelo número de moléculas de glicose. Quanto maior o
grau de substituição e/ou a razão de substituição molar, menor é a degradação. Finalmente,
a relação C2:C6 define o número de glicoses que sofrem tal substituição molar por radicais
hidroxietílicos, definindo o grau de substituição de uma molécula de hidroxietilamido. A
razão C2/C6 expressa o tipo de substituição, traduzindo-se no dividendo do número de
moléculas de glicose com hidroxietilação no C2 pelo número destas com hidroxietilação no
C6. Quanto maior a razão, mais lenta é a depuração (Tabela 10).
Tabela X - Características das soluções coloides sintéticas de HEA
HEA 450/0,7 HEA 670/0,7 HEA 130/0,4
Concentração (%) 6 6 6
Duração efeito (h) 5-6 5-6 3-3
Peso molecular (kDa) 450 670 130
Substituição molar (SM) 0,7 0,7 0,4
C2:C6 4:1 4:1 9:1

116 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


A dose máxima varia com as características de cada amido. No caso do HES 450/0,7 a
6%, recomenda-se o máximo de 20 ml/kg/dia ou 1.500 ml/dia. Doses de 50 ml/kg/dia de
HES130/0,4 a 6% foram aprovadas para uso clínico.
Efeitos indesejáveis que podem ser observados com uso do HEA são: interferência na
coagulação (Fator vW, Fator VIII e plaquetas)44, disfunção renal45,46 (principalmente com
HEA com alto peso molecular e alto grau de substituição), reações alérgicas 47 (0,006%),
prurido (dose-dependente) e hiperamilasemia (sem disfunção pancreática).
O HEA pode ser considerado uma alternativa de menor custo quando comparado à albu-
mina. No entanto, ainda existem poucos estudos com relação a sua eficácia e segurança nas
crianças, seu uso sendo recomendado somente após cuidadosa avaliação do risco e do be-
nefício, respeitando sempre o volume máximo permitido diário (50 mL.kg-1 por dia) pelos
riscos associados.
5.3 Gelatinas
Gelatinas são coloides produzidos por degradação do colágeno bovino. Para a obtenção
das gelatinas, o colágeno bovino é submetido a um processo químico realizado em duas
etapas. Na primeira, sob a ação de um álcali, formam-se cadeias de peptídeos de peso mole-
cular entre 12.000 e 50.000 Daltons (Da). Na segunda etapa, de acordo com o tratamento a
que são submetidas, originam os diferentes tipos de gelatina. Existem três tipos de gelatina
(Tabela 11).
Tabela XI - Características das gelatinas
Gelatina com pontes de
Gelatinas Gelatina succinilada a 4% Oxiplogelatina a 5,5%
ureia a 3,5%
Peso molecular
30.000 35.000 30.000
(Da)
Osmolaridade (mOsm/L) 274 301 296

Atualmente, estão disponíveis para uso clínico as gelatinas com pontes de ureia, como
Haemaccel e Isocel, e as gelatinas succiniladas, como Gelafundin.
As apresentações de gelatinas com pontes de ureia e as succiniladas diferem entre si
quanto à concentração de eletrólitos. As gelatinas ligadas à ureia contêm maior quantidade
de cálcio e de potássio do que as soluções de gelatina succinilada. O cálcio presente nas
soluções de gelatina ligada à ureia pode reagir com o citrato usado como anticoagulante nas
bolsas de hemocomponentes. Dessa forma, recomenda-se que não se utilize, simultanea-
mente, a mesma via de administração para as duas soluções.
As gelatinas apresentam capacidade de expansão limitada, correspondendo a apenas
80% do volume infundido, ou seja, 1 mL corresponde à expansão de 0,8 mL. Isso se deve à
rápida passagem para o interstício, requerendo várias doses para manter a expansão.
Não há relatos de prováveis efeitos antitrombóticos ou sobre a coagulação, mas o empre-
go de doses elevadas, que ainda não estão bem estabelecidas, pode provocar diluição de fato-
res da coagulação com diminuição do fator de von Willebrand e do Fator VIII. As gelatinas
interferem na função da fibronectina (FVIII), o que pode representar fator restritivo quanto
ao volume a ser administrado; recomenda-se até 50 mL.kg-1 por dia. Podem desencadear

Reposição volêmica em pediatria | 117


reações anafiláticas ou anafilactoides e têm pequeno risco de transmissão de doenças priô-
nicas (doença de Creutzfeldt-Jakob). Podem induzir falência renal em grandes doses.
5.4 Dextrans
As dextranas são carboidratos originários do açúcar de beterraba cujo nome foi atribuído
em função da dextro-rotatividade óptica de suas moléculas. São polissacarídeos de origem
bacteriana resultantes da polimerização microbiana da glicose, produzida pelo Leuconostoc
mesenteroides, mediada por uma enzima dextran-sacarose. Os dextrans nativos têm peso
molecular muito alto e não podem ser utilizados em infusão venosa. Para o uso clínico são
submetidos à hidrólise ácida parcial, resultando em moléculas de peso molecular mais baixo
e distribuição bem definida. As apresentações disponíveis para uso clínico são o Dextran 70,
em solução salina a 6%, e o Dextran 40% a 5%, em solução glicosada ou a 10% em solução
salina. O Dextran 70 contém moléculas de peso médio 70.000 Da e cerca de 90% delas
situam-se na faixa entre 25.000 e 125.000 Da. No Dextran 40, as moléculas situam-se entre
10.000 e 80.000 com peso molecular médio de 40.000 Daltons.
Apesar de o Dextran apresentar excelente poder oncótico, seu efeito negativo sobre a
coagulação, aumentando o sangramento e a possibilidade de anafilaxia, limita seu uso.

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120 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Capítulo 08

Bloqueio do nervo
femoral: do básico
ao avançado
Roberto Araújo Ruzi
Paulo Ricardo Rabello de Macedo Costa
Eduardo R. Nakashima
Cibelle Magalhães Pedrosa Rocha
José Samuel de Paula
Bloqueio do nervo femoral: do básico ao avançado
Embora haja muitas semelhanças anatômicas entre a inervação dos membros superiores e
inferiores, o entusiasmo para a realização dos bloqueios de nervos periféricos nas extremida-
des inferiores não é tão grande. A maioria dos anestesiologistas prefere a técnica neuroaxial
(subaracnóidea e epidural) aos bloqueios de nervos periféricos para cirurgias dos membros
inferiores, apesar das potenciais desvantagens neuroaxiais: risco de sintomas neurológicos
transitórios; cefaleia pós-punção dural; lombalgia; repercussão hemodinâmica; meningite/
meningismo e hematoma epidural.
Nesse contexto, os bloqueios periféricos apresentam muitas vantagens e representam
uma técnica regional alternativa, tanto para a anestesia intraoperatória quanto para a analge-
sia pós-operatória1. As vantagens incluem: redução em admissões hospitalares pós-cirurgias
ambulatoriais (custo efetivo)2; menor alteração hemodinâmica; menos náuseas/vômitos e
retenção urinária e melhor analgesia pós-operatória3.
O pequeno uso de bloqueios em membros inferiores pode ser explicado pela menor divul-
gação dessas técnicas durante a residência médica de anestesiologia4, curva de aprendizado
mais lenta e maior custo para a aquisição de material e insumos necessários (neuroestimu-
lador, agulhas especiais, ultrassom). Entretanto, nessa última década, tem havido crescente
interesse pelos bloqueios periféricos, refletido pelo grande número de artigos publicados
nessa área. O conhecimento envolvido na realização de bloqueios periféricos é muito maior
do que aquele necessário à execução da raquianestesia, porém, a versatilidade e a satisfação
profissional conferidas pelo domínio dessas técnicas, principalmente com o uso da ultrasso-
nografia, justificam o emprego desses bloqueios.
Por muitas décadas, o bloqueio de nervos foi guiado por pesquisa de parestesia ou uso de
neuroestimulador de nervos. Ambas as técnicas se utilizam de reparos anatômicos e uso de
agulha em prospecção para encontrar o nervo desejado5.

1. Anatomia dos nervos periféricos na extremidade inferior


A realização de bloqueios de nervos periféricos nos membros inferiores exige perfeito
conhecimento da neuroanatomia do plexo lombossacral, condição sintetizada por Winnie:
“A anestesia regional é simplesmente um exercício de anatomia aplicada6.”
A anatomia do plexo lombossacral é constituída de duas entidades distintas: o plexo
lombar e o plexo sacral, que possuem uma comunicação entre eles através do tronco lom-
bossacral. Com exceção de pequena porção cutânea das nádegas, a inervação do membro
inferior é feita inteiramente pelos ramos do plexo lombar e sacral. Os nervos dos músculos
da coxa anterior e medial são derivados do plexo lombar. Já os músculos da nádega e da coxa
posterior e todos os músculos abaixo do joelho são supridos pelo plexo sacral.
1.1 Plexo lombar
O plexo lombar é formado na intimidade do músculo (m) psoas pelos ramos anteriores
das raízes de L1-4. Como no plexo braquial, pode ser pré-fixado (com contribuição de T12)
ou pós-fixado (com contribuição de L5). Os seis maiores ramos desse plexo são o nervo ílio-

122 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


-hipogástrico (T12-L1), ilioinguinal (L1), genitofemoral (L1-2), cutâneo lateral da coxa (L2-3),
nervo femoral (L2-3-4) e nervo obturatório (L2-3-4) e emergem nas bordas lateral, medial e
anterior do músculo psoas. Como parte dos ramos do plexo lombar, o femoral, o cutâneo
lateral da coxa e o obturatório são os mais importantes para a cirurgia do membro inferior.
1.2 Nervo femoral
O nervo femoral é formado pela divisão dorsal dos ramos anteriores do segundo, terceiro
e quarto nervos lombares (L2-L 4). O nervo femoral emerge do músculo psoas no compar-
timento fascial, entre o psoas e o músculo ilíaco, de onde fornece ramos para a articulação
do quadril, penetra na coxa posteriormente ao ligamento inguinal, situando-se lateral e pos-
teriormente à artéria femoral comum. No nível do ligamento inguinal, há um denso plano
fascial formado pela fáscia lata e fáscia ilíaca. A artéria femoral, a veia femoral e os linfáticos
residem num compartimento fascial medial ao nervo e independente desse (aspecto rele-
vante). Logo que o nervo penetra na coxa, ele se bifurca em divisão anterior e posterior,
ramificando-se rapidamente.
A divisão anterior do nervo femoral fornece os nervos cutâneo medial e intermédio, que
suprem a pele da superfície medial e anterior da coxa. Os ramos musculares da divisão ante-
rior suprem os músculos sartório e pectíneo e os ramos articulares para o quadril.
A divisão posterior fornece o nervo safeno (maior ramo cutâneo do nervo femoral),
ramos musculares para o músculo quadríceps e ramos articulares para o joelho. Os nervos
terminais da divisão posterior (o nervo safeno e o nervo vasto medial) continuam distal-
mente dentro do canal dos adutores. Após deixar o canal dos adutores (cerca de 10-12 cm
acima da prega poplítea), o nervo safeno emerge posteriormente ao músculo sartório, que
fornece o ramo infrapatelar e, então, continua distalmente para suprir a inervação cutânea
da face anteromedial da perna e medial do pé.

2. Indicações do bloqueio do nervo femoral


• Analgesia pós-operatória7-9:
–– cirurgia do quadril (artroplastia, fratura do colo do fêmur);
–– cirurgia da coxa (fratura transtrocanteriana, diáfise do fêmur, côndilo femoral);
–– cirurgia do joelho (artroplastia, reconstrução ligamentar LCA e LCP, fratura do platô
tibial, fratura de patela).
• Facilitação do posicionamento e do transporte do paciente com fratura de fêmur.
• Reabilitação fisioterápica precoce.
• Mobilização precoce (diminui eventos tromboembólicos).
2.1 Classificação dos bloqueios do nervo femoral
• Quanto à forma de administração do anestésico local:
–– injeção única (single shot);
–– contínuo (com a passagem de cateter).
• Quanto à via de abordagem
–– bloqueio do compartimento do psoas;

Bloqueio do nervo femoral: do básico ao avançado | 123


–– bloqueio do nervo femoral 3 em 1;
–– bloqueio no compartimento da fáscia ilíaca (Dalens).
• Quanto ao recurso utilizado:
–– - referência anatômica - 3 em 1;
–– - perda de resistência - compartimento da fáscia ilíaca;
–– - neuroestimulador - compartimento do psoas e 3 em 1;
–– - ultrassom - compartimento do psoas e Dalens.
2.2 Bloqueio do nervo femoral (3 em 1) com estimulador de nervos
periféricos (ENP)
• Posição do paciente - paciente em decúbito horizontal com discreta rotação externa do
membro a ser bloqueado.
• Pontos de referência - ligamento inguinal, artéria femoral e borda interna do músculo sartório.
• Técnica - punção 1-2 cm abaixo do ligamento inguinal e 1 cm lateral à artéria femoral;
inserção da agulha discretamente cranial.
• Resposta motora - contração do quadríceps femoral, pectínio, adutor longo da coxa e sar-
tório. A elevação da patela pelo músculo reto femoral é considerada a melhor resposta mo-
tora (a contração somente do sartório indica a estimulação do nervo femoral superficial,
que não deve ser aceita, uma vez que os ramos articulares e musculares derivam da parte
posterior do nervo femoral).
• Volume de anestésico local (AL) - 20-30 ml (a extensão do bloqueio é volume-dependente).
• Nesse bloqueio quase sempre o femoral é bloqueado, o nervo cutâneo lateral da coxa tam-
bém é bloqueado em 40-50% dos casos e em apenas 20-30% o obturatório é envolvido
(por causa da difusão lateral do AL e da dificuldade em vencer barreiras fasciais ao nível
do ligamento inguinal).

Fig. 1 - Técnica com estimulador de nervos

2.3 Bloqueio do compartimento da fáscia ilíaca (técnica de Dalens)


• Posição - decúbito dorsal horizontal com membro inferior na posição neutra.
• Pontos de referência - ligamento inguinal.
• Técnica - divide-se o ligamento inguinal em três partes. Na intersecção do terço lateral
com o terço mediano, introduz-se a agulha Tuohy cefalicamente, em 45º (em direção à
cicatriz umbilical). Após sentir o duplo clique (perfuração da fáscia lata e fáscia ilíaca),

124 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


obtém-se a perda da resistência na pressão exercida na seringa (com ar ou salina) e admi-
nistra-se a solução anestésica.
• Volume do AL - 30-40 ml (unilateral), 20 ml (bilateral); a extensão do bloqueio é volume-
-dependente.
• A solução anestésica se dispersa cranialmente para o plexo lombar. Tem como vantagem o
baixo custo, pois não há a necessidade de material específico (apenas agulha de peridural,
seringa para teste de perda de resistência e cateter em caso de bloqueio contínuo). Tem
melhor eficácia e extensão em comparação ao 3 em 1.

Fig. 2 - Demarcação da anatomia de superfície - bloqueio do


compartimento ilíaco (Dalens)

Fig. 3 - Agulha de epidural penetrando entre 1/3 lateral e 2/3


medial (técnica de Dalens)

Veja o vídeo com a técnica da perda de resistência com agulha de Tuohy e seringa de
vidro no seguinte link http://youtu.be/KyBo6pGJNm8

2.4 Bloqueio do compartimento do psoas


• Posição - decúbito lateral, com o membro a ser operado para cima, com flexão da coxa e
da perna.
• Pontos de referência - espinha ilíaca posterossuperior (EIPS), linha dos processos espi-
nhosos, linha bicrista e linha paralela à mediana que passa pela EIPS.
• Técnica - dependendo do local puncionado, podemos definir a técnica como: Hanna -
L3, Winnie - L 4 e Chayen - L5. Em todas as técnicas, a agulha deve ser introduzida per-
pendicularmente à pele, na intersecção entre a reta paralela que passa pela EIPS e a reta
perpendicular a esta, que passa pelo processo espinhoso respectivo, cerca de 7-10 cm de
profundidade, até obtermos a resposta motora (contração do quadríceps femoral). Se
ocorrer contato com o processo transverso, devemos redirecionar a agulha caudalmente e
progredir 0,5-2 cm além do processo transverso até obtermos resposta motora.

Bloqueio do nervo femoral: do básico ao avançado | 125


• Volume de AL - 30-40ml.
• Complicações - na técnica de Hanna (L3), há a possibilidade de punção da loja renal, prin-
cipalmente se à direita; na técnica de Chayen (L5), há grande probabilidade de dispersão
para o espaço epidural (principalmente em crianças).

3.Técnica guiada por ultrassonografia (USG)


As técnicas anestésicas para bloqueios periféricos de nervos evoluíram da pesquisa de pa-
restesia e da perda de resistência para a estimulação nervosa - há pouco considerada padrão
ouro10-12 e para a ultrassonografia10,13-16. Atualmente, a pesquisa de parestesia é questionada
pela maioria dos anestesiologistas, pois o estímulo mecânico da agulha no nervo pode ser
lesivo e muito desconfortável para o paciente17.
Na estimulação elétrica do nervo é considerada aceitável a corrente de 0,5 mA, que provoca
resposta motora apropriada, sugerindo, assim, que a agulha está próxima do nervo. Estudos
mostram que a resposta motora ao estímulo elétrico tem baixa sensibilidade para a localização
neural, sugerindo que a agulha do neuroestimulador possa entrar em contato direto com o
nervo a ser bloqueado sem resultar em estímulo motor, diminuindo a segurança do procedi-
mento anestésico18,19. Nesse caso, a imagem ultrassonográfica permite a visualização exata da
agulha à medida que esta se aproxima do nervo, evitando-se o contato indesejável.
O uso de ultrassom como método para guiar o posicionamento da agulha nos bloqueios
de nervos periféricos trouxe avanços importantes e adicionou precisão à arte da anestesia
regional. O emprego de ultrassom em anestesia regional tornou-se revolucionário, já que,
por meio dele, é possível visualizar a um só tempo: nervos, artérias, veias, pleura, penetração
da agulha e dispersão do anestésico local12-16,20,21.
Há quem defenda o uso combinado do ultrassom com o neuroestimulador nos bloqueios
nervosos, pois, nas situações de dúvida ao identificar o nervo visualizado, a estimulação elétri-
ca dele promoveria uma resposta motora específica, que confirmaria ou não sua identidade27.
É opinião dos autores que, se tivermos equipamento adequado (ultrassonografia), não se
justifica a utilização do estimulador de nervos pelos seguintes motivos:
–– a literatura tem mostrado que o estimulador de nervos periféricos (ENP) tem pequena
sensibilidade para afastar uma posição intraneural da ponta da agulha. Diversos artigos
contrariam o conceito clássico de que as contrações obtidas com estímulo entre 0,3 e 0,5
mA forneceria o diagnóstico correto da distância da agulha em relação ao nervo22;
–– com o ultrassom, pode-se ter alvos planos teciduais bem definidos, em que se alcança-
rá o nervo com AL, apesar de a agulha estar a uma distância segura;
–– o depósito do AL em planos teciduais permite a utilização de agulhas comuns (dispen-
sando-se as agulhas especiais e dispendiosas usadas na técnica da ENP);
–– a injeção de AL em planos teciduais permite introduzir, de maneira segura e eficiente,
cateteres comuns (como os de peridural), dispensando o uso de cateteres específicos,
de maior custo. (p. ex., Contiplex R) ou de cateteres estimuláveis.
Para a introdução da agulha, pode-se, também, utilizar a técnica no plano das ondas so-
noras (in plane) ou fora do plano (out of plane).

126 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Fig. 4 - Agulha no plano ou
fora do plano

Nos cortes transversais, é possível visualizar a agulha posicionado-a paralelamente ao


maior eixo do transdutor (“no plano”), o que permite acompanhar a progressão da ponta e
do corpo da agulha nos tecidos10,11,23, vista como uma linha hiperecoica19. Quando a agulha
é posicionada perpendicularmente ao maior eixo do transdutor (“fora do plano”), é possível
visualizar apenas um corte transversal da agulha (ponta ou corpo)24, visto como um ponto
hiperecoico e sua sombra acústica10,11,23.
Com a técnica “no plano”, há a vantagem de se ver inteiramente a agulha; por outro lado,
na técnica “fora do plano”, somente vemos a ponta da agulha, mas é possível introduzir ca-
teteres com facilidade.
A visualização da agulha na abordagem “fora do plano” pode ser difícil10,11,23,24 , mas
dispõe-se de algumas manobras para facilitá-la, como a movimentação dos tecidos,
hidrolocalização e injeção de microbolhas 24,25 . Pode-se usar a manobra de movi-
mentar delicadamente a agulha no sentido vertical, criando movimentos nos tecidos
adjacentes, o que é recomendado ao avançar a agulha. A hidrolocalização envolve a
injeção 0,5-1 ml de solução (AL, dextrose 5% ou água), que resulta na movimentação
dos tecidos e na formação de um ponto hipoecoico. Agitando-se uma solução líquida,
formam-se pequenas bolhas que, quando injetadas no tecido, apresentam-se altamente
ecogênicas, porém, deterioram a imagem por cerca de dois minutos. O bloqueio do
nervo femoral é talvez o mais fácil de aprender e realizar em plano tecidual (técnica
segura, longe do nervo).
Swenson recomenda: “O que anestesia o nervo não é a ponta da agulha, e sim o anestési-
co local. Portanto, mantenha a ponta da agulha longe do nervo, mas alcance o mesmo com
o anestésico local.”

3.1 Descrição da técnica segura do bloqueio de nervo femoral guiado


unicamente por ultrasson e agulhas comuns
1. Posicionamento
–– Decúbito dorsal, com membros inferiores em posição neutra.
2. Escolha do transdutor e da frequência
–– Como se trata de estruturas superficiais, utilizar transdutor linear com frequência
entre 6 e 18 Mhz (dependendo da profundidade das estruturas). Ex.: em paciente
magro, utilizar 13 a 18 Mhz; em paciente obeso, pode ser necessário diminuir a frequ-
ência, variando de 6 a 10 MHz.

Bloqueio do nervo femoral: do básico ao avançado | 127


3. Técnica
–– Após o preparo da pele e do transdutor, este é posicionado paralelamente ao ligamento
inguinal, em seu terço médio, em que é possível visualizar a pulsação da artéria femoral,
a veia femoral medial à artéria, o músculo iliopsoas posterolateral aos vasos femorais, a
fáscia lata (representada por uma linha hiperecoica superficial ao nervo e a vasos femo-
rais), a fáscia ilíaca (superficial ao músculo iliopsoas e ao nervo femoral e profunda aos
vasos femorais) e, finalmente, o nervo femoral (visualizado como uma estrutura triangu-
lar e hiperecoica, lateral à artéria femoral, acima do músculo iliopsoas).
Veja o vídeo que mostra a anatomia ultrassonográfica normal no seguinte link http://
www.youtube.com/watch?v=kk_ftJXKz_I
Ao se caminhar distalmente com o transdutor, observa-se que a artéria femoral se divide
em femoral superficial e profunda. Este não é um bom local para se realizar o bloqueio, pois
o nervo já se dividiu bastante. Portanto, o bloqueio deverá ser feito em nível ultrassonográ-
fico com a artéria femoral não dividida26.
O nervo se apresenta como uma estrutura hiperecoica triangular lateral à artéria na qual
existem duas fáscias: a fáscia lata, que passa por cima do nervo e por cima dos vasos; e a
fáscia ilíaca, que passa por cima do nervo, mas por baixo dos vasos femorais. Essa é uma im-
portante relação anatômica, utilizada para bloquear o nervo de maneira segura, mantendo a
ponta da agulha longe deste. Na maioria das vezes, essas fáscias não são vistas nitidamente,
mas se enxerga facilmente o padrão de dispersão do anestésico local.
O bloqueio pode ser realizado “no plano” ou ”fora do plano” (preferimos a técnica “fora
do plano” pela facilidade na introdução de cateteres).

4. Objetivo
Injetar lateralmente ao nervo e, quando no plano tecidual adequado, o anestésico se
dispersa por cima do nervo e por baixo dos vasos, empurrando o nervo posteriormente e
separando a fáscia ilíaca do músculo iliopsoas. Nessa técnica, como a ponta da agulha fica
longe do nervo, o estimulador de nervos não funcionará.
A seguir, figuras com desenhos esquemáticos com o passo a passo da técnica “fora do plano”.

Fig. 5 - Desenho esquemático da anatomia ultrassonográfica

Fig. 6 - Injetar pequenos volumes (1 ml AL) para se ter certeza de onde está a
ponta da agulha

128 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Fig. 7 - Padrão incorreto de dispersão do
anestésico local

Fig. 8 - Padrão correto de dispersão do anestésico


local no plano tecidual

Seguem links de quatro vídeos que mostram bloqueios realizados no Hospital de Clíni-
cas da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), MG:
Vídeo 1: http://youtu.be/Y-JpZaqn_nY
Vídeo 2: http://www.youtube.com/watch?v=VVbVktXidR8
Vídeo 3: http://youtu.be/YWD2-gSxwIo
Vídeo 4: http://youtu.be/L_T_jNDXaEA

Fig. 9 - Desenho esquemático da técnica mais invasiva


(tradicional)

Quando utilizar o estimulador de nervos, a agulha deve se encostar ao nervo ou ficar


muito próxima deste para desencadear contrações musculares. Nessa técnica, há mais difi-
culdade de progressão de cateteres.

Bloqueio do nervo femoral: do básico ao avançado | 129


Fig. 10 - Desenho esquemático da técnica menos
invasiva (segura)

O anestésico local alcança o nervo mesmo com a ponta da agulha longe dele, com menor
risco de lesão nervosa e maior facilidade para a passagem de cateteres. Com agulha nesse
local, o estimulador de nervos provavelmente não funcionaria.

5. Exceção
Em cerca de 10% dos casos, o anestésico local não se dispersa nesse padrão descrito, e sim
por baixo do nervo e dos vasos (entre a fáscia ilíaca e o músculo iliopsoas).

Fig. 11 – O padrão mais raro, mas também aceito, de


dispersão do anestésico local

Como o bloqueio é realizado em plano tecidual e a ponta da agulha não está próxima do nervo,
a introdução de cateteres comuns (até cerca de 15 cm - marca III) ocorre sem dificuldades.

6. Material
• Agulhas utilizadas para essa técnica:
–– agulha hipodérmica (25 x 8);
–– agulha extracath 20 ou 18 G;
–– agulha de epidural (se for usar cateter).
• Anestésicos locais utilizados (doses e concentrações):
–– bupivacaína: 0,125% a 0,5%;
–– ropivacaína: 0,2% a 0,75%;
–– lidocaína: 1,0% a 1,5%.
A escolha do anestésico local, da concentração utilizada e do uso ou não de adjuvantes
depende da indicação do bloqueio - anestesia ou analgesia - e da preferência e experiência
do anestesiologista.

130 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Volume de anestésico local: 30 a 40 ml (20 ml em cada lado se bilateral).
O ultrassom permite enxergar variações anatômicas, patologias e até mesmo estruturas
normais que poderiam ser potenciais complicações.

4. Linfonodos
Estrutura superficial às fáscias, ovalada, com maior eixo no sentido horizontal, centro
hiperecoico e córtex hipoecoico. A principal característica dos linfonodos é não ter trajeto,
ou seja, desaparece ao “caminhar com o transdutor proximal ou distalmente”.

Fig. 12 - Linfonodo (imagem característica)

Veja o vídeo no seguinte link http://youtube/Fp9CqH05T3U

5. Artéria circunflexa ilíaca


Estrutura normalmente encontrada em todos os pacientes, mas que, por vezes, está ca-
prichosamente no trajeto da agulha, e, se não a enxergarmos, poderíamos lesá-la, acarretan-
do injeção intravascular de AL e/ou hematomas.
Essa artéria pode ser visualizada no trajeto do bloqueio, tanto transversalmente como
longitudinalmente. Com frequência, é possível ver sua origem na artéria femoral. O uso do
Doppler confirma a natureza vascular da estrutura.
Seguem desenhos esquemáticos e links de vídeos.

Fig. 13 - Hematoma inguinal em paciente no qual


foi utilizado estimulador de nervos

Bloqueio do nervo femoral: do básico ao avançado | 131


Figs. 14 e 15 - Artéria circunflexa ilíaca

Veja os vídeos nos seguintes links http://www.youtube.com/watch?v=jthCUdC76ZI e http://


youtu.be/SK3_mj6H9Ms

6. Nervo femoral distante da artéria femoral


O nervo pode estar anormalmente longe da artéria, variando de 1,5 a 4 cm. Essa interes-
sante variação anatômica poderia dificultar a obtenção de contrações do quadríceps com
estimulador de nervos ou lesar o nervo femoral em técnica do compartimento da fáscia Ilía-
ca (Dalens) com perda de resistência.

Fig. 16 - Nervo femoral longe da artéria (2,6 cm)

Veja o vídeo no link http://www.youtube.com/watch?v=jGn9z4-D5-s

7. Nervo femoral fino e largo


Rara variação anatômica que mostra o nervo fino e largo que se estendia até 2,7 cm longe
da artéria. Na técnica do compartimento da fáscia Ilíaca (técnica de Dalens), com perda de
resistência, a lesão do nervo seria muito provável.

Fig. 17 - Femoral fino e largo

132 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Veja o vídeo no link http://www.youtube.com/watch?v=Fit_-m-5WHI

8. Nervo femoral abaixo da artéria femoral


Chin descreveu casos de variação anatômica em que, com ENP, se teria muita dificulda-
de em encontrar o nervo27. Este é um dos casos em que mesmo anestesiologistas experientes
em anestesia regional demorariam ou não conseguiriam realizar o bloqueio com ENP.

9. Conclusão
A manutenção de uma distância em que apenas o anestésico local entrará em contato
direto com o nervo transforma o trauma pela agulha e a injeção intraneural em lesões evitá-
veis, revela uma conduta menos agressiva, previne sensações desconfortáveis ao paciente e
agrega mais segurança ao procedimento anestésico.
O uso de ultrassom para guiar o bloqueio do nervo femoral está se tornando imprescin-
dível ao proporcionar segurança na realização do ato anestésico. Acredita-se que, em futuro
próximo, as técnicas “às cegas” não serão utilizadas e estarão apenas na história da anestesia.
Finalmente, a ultrassonografia, por ser uma técnica de localização mais segura, mais efi-
ciente e que propicia maior conforto ao paciente, se transformará na técnica de excelência
para a realização de bloqueios de nervos periféricos e para a cateterização venosa central,
sendo altamente recomendado que ela seja incorporada pelos profissionais e instituições
hospitalares brasileiras.

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134 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Capítulo 09

Transporte aeromédico
do paciente crítico
Júlio Cezar Mendes Brandão
Luiz Fernando dos Reis Falcão
Waston Vieira Silva
Marcos Antônio Costa de Albuquerque
Transporte aeromédico do
paciente crítico
O transporte aeromédico, principalmente dos pacientes críticos, é uma atividade com-
plexa e que vem se expandindo. Atualmente, o Brasil possui carência de unidades de terapia
intensiva (UTI), com número atual totalizando 25.367 leitos1. Destes, 70,6% são destinados
aos pacientes adultos, com importante desigualdade na distribuição geográfica. Quando le-
vada em consideração a Portaria nº 1.101/GM, de junho de 2002, elaborada pelo Ministério
da Saúde2, 51,9% do território nacional apresenta cobertura insatisfatória de leitos de UTI1.
Dessa forma, a demanda por deslocamento de pacientes para longas distâncias faz ressaltar
a importância do transporte aeromédico.
O anestesiologista tem inato em sua profissão o manuseio de pacientes críticos, o
que reúne as características essenciais para exercer o transporte do paciente grave. O
aprendizado e o aperfeiçoamento do transporte aéreo se fazem necessários para atu-
ação com qualidade e segurança. Contudo, existe grande carência de estudos acerca
do tema 3 .
Há uma série de passos a serem seguidos para o planejamento, o preparo e a ade-
quada execução do transporte aeromédico, sendo importante antever as necessidades
e possíveis intercorrências, a relação custo-benefício, novas alocações e os riscos en-
volvidos 3,4 . É importante ter ciência de que as variações durante o transporte poderão
trazer repercussões graves com maiores dificuldades de resolução por não se tratar
de unidade hospitalar fixa, apesar do grande arsenal e sofisticados aparelhos incor-
porados às aeronaves 5 . As alterações fisiológicas que ocorrem nas altitudes e a vulne-
rabilidade dos equipamentos médicos também devem ser lembradas para o sucesso
do transporte 4,5 .
Em um país com dimensões continentais como o Brasil, o transporte aeromédico tem
importância fundamental, pois permite o deslocamento de pacientes de regiões com poucos
recursos, ou de áreas remotas e distantes, para centros de referência.
Recentemente, presenciamos o desastre em Santa Maria/RS, que contou com importan-
te participação do transporte aéreo para a remoção de pacientes graves para centros espe-
cializados6,7. Visto a importância do assunto, propomos elaborar esta revisão, para permitir
a atualização do tema.

1. Histórico
Um dos primeiro relatos de transporte aeromédico de pacientes se deu próximo a
1870, durante a guerra franco-prussiana, com o uso de um balão para a remoção de fe-
ridos. Grande evolução ocorreu no período das guerras, em que se percebeu que havia
modificação do prognóstico ao oferecer um transporte mais rápido e eficiente aos pacien-
tes enfermos. Na Primeira Guerra Mundial, houve o aprimoramento das aeronaves e o
aumento da necessidade de fornecer socorro de forma imediata aos pilotos feridos em
combates. Já na Segunda Guerra Mundial, ocorreu a modificação da perspectiva que até

136 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


aquele momento existia acerca do transporte aeromédico8,9 – os pacientes eram transpor-
tados em aeronaves militares com algum preparo especial para o deslocamento de feridos,
o que demonstra alguma especialização de trabalho e evolução desse tipo de transporte
de pacientes. A partir desse momento, iniciou a introdução de equipamento e material
médico nas aeronaves8,10.
Na década de 1970, foi introduzido, no Brasil, um sistema de resgate pela Força Aérea
Brasileira (FAB) para regiões com menor infraestrutura, como a Região Amazônica e o
Centro-Oeste do Brasil8,10. Entre as décadas de 1980 e 1990, surgiram os serviços privados
de transporte aeromédico, que permanecem até os dias atuais e se consolidaram como
referência no transporte aeromédico nacional, já que percorrem grandes distâncias com
os pacientes, proporcionando acesso a atendimento médico especializado e transferência
entre unidades hospitalares em regiões diferentes9,10.

2. Alterações fisiológicas da altitude


A fisiologia da altitude tem como objeto descrever e interpretar as respostas fisiológicas,
agudas e crônicas, do organismo à exposição de moderada (1.400 a 3.000 metros) ou eleva-
da altitude (3.000 a 8.850 metros)11. Seu conhecimento é parte fundamental no cuidado do
paciente crítico nas alturas.
O contato agudo ou crônico com ambientes elevados induz aumento do estresse
fisiológico por causa das condições de hipóxia hipobárica, hipotermia e hipoglicemia.
Além dessas, acrescentam-se o disbarismo, que ocorre pela rápida redução da pressão
atmosférica, e a desidratação, ocasionada pela menor umidade relativa do ar nas aero-
naves. No caso do transporte aeromédico, a ênfase principal na abordagem se dá pelas
alterações em razão da exposição aguda e, entre essas, as principais são as relacionadas
à hipóxia hipobárica1,8,9. A seguir, discutiremos com mais detalhes as principais altera-
ções fisiológicas.

2.1 Hipóxia hipobárica


Com o aumento da altitude, associado ao decréscimo exponencial da pressão at-
mosférica e, concomitantemente, à diminuição da pressão parcial de oxigénio no ar at-
mosférico (PO2), há alterações no conteúdo arterial de oxigênio e, por conseguinte, na
quantidade de oxigênio fornecido aos tecidos11-13 . Tendo como referência a pressão at-
mosférica ao nível do mar (760 mmHg), à medida que aumentamos a altitude, a pressão
atmosférica vai reduzindo. A uma altitude de aproximadamente 5.800 metros, a pres-
são atmosférica reduz para cerca da metade (379 mmHg). No cume do Everest (8.850
metros), assume valores de cerca de um terço (253 mmHg) da registrada ao nível do
mar. Assim, uma vez que a concentração de oxigênio no ar atmosférico (20,93%) não
se altera em função da altitude, a PO2 diminui proporcionalmente com a redução da
pressão atmosférica. Dessa forma, registra-se a quase 9 mil metros de altitude uma PO2
de aproximadamente 26-50 mmHg, valor muito abaixo da assinalada ao nível do mar
(159 mmHg) (Tabela 1)11,14-17.

Transporte aeromédico do paciente crítico | 137


Tabela I - Pela Lei de Dalton, à medida que se aumenta a altitude, há redução na pressão
atmosférica, determinando menor pressão parcial de oxigênio (PO2) e causando a chamada
hipóxia hipóxica11,12,16
Altitude (metros) PaO2 (mmHg) SaO2 (%) PaCO2 (mmHg)
Nível do mar 90 - 95 96 40
1.524 75 - 81 95 32 - 33
2.286 69 - 74 92 - 93 31-33
4.572 48 - 53 86 25
6.096 37 - 45 76 20
7.620 32 - 39 68 13
8.848 26 - 33 58 9,5 - 13,8
PaO2 = pressão arterial de oxigênio; SaO2 = saturação arterial de oxigênio; PaCO2 = pressão arterial de
dióxido de carbono.

A exposição a ambientes de hipóxia hipobárica é indutora de adaptações fisiológicas


agudas e crônicas, que tendem a diminuir o efeito deletério da redução de oxigênio
disponível para os tecidos. Adaptações no sistema respiratório e circulatório, na regu-
lação hormonal e hídrica, nos componentes hematológicos e na morfologia e no meta-
bolismo muscular, entre outras, parecem contrariar os efeitos fisiológicos da rarefação
de moléculas de oxigênio para os tecidos. A exposição aguda a altitudes superiores a
2.500 e 3.000 metros, particularmente se associada a ascensões rápidas, poderá induzir
a ocorrência de um conjunto de alterações e sintomas clínicos, como cefaleias, anore-
xia, tonturas, náuseas, fraqueza, vômitos e distúrbios no sono, habitualmente designado
por Acute Mountain Sickness18 . As características e particularidades dessa síndrome
parecem estar relacionadas com o ritmo de subida, altitude atingida e intensidade e/ou
duração da atividade realizada, iniciando-se sua manifestação 6 horas após o início da
ascensão, agravando-se até 24 horas de permanência em altitude e regredindo gradual-
mente nos dois a quatro dias seguintes. Os sintomas que caracterizam essa síndrome são
consequência da resposta fisiológica inadequada à baixa pressão parcial de oxigênio. A
continuidade da exposição à altitude associada ao incremento da severidade dos sinto-
mas poderá induzir complicações graves, incluindo edema pulmonar e cerebral19. Esse
último geralmente não se aplica ao transporte aeromédico, pois o tempo de exposição
do paciente à altitude é curto20-23 . Assim sendo, em ambientes de hipóxia hipobárica,
particularmente em altitudes superiores a 5.500 metros, o desempenho funcional pode
estar bastante afetado, sobrepondo-se ao efeito da deterioração tecidual e orgânica e à
eficácia dos mecanismos de adaptação11,20.
As aeronaves modernas que fazem o serviço de transporte aeromédico e que voam
em tais alturas, habitualmente, dispõem de mecanismos de pressurização do ar, o que
aumenta a oferta de oxigênio em seu ambiente interno. Essa pressurização pode mini-
mizar, parcialmente, em graus variados, os sintomas da Acute Mountain Sickness. Dessa
forma, o impacto da hipóxia ainda será percebido nos diferentes sistemas, ocorrendo suas
respectivas adaptações.

138 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


2.1.1 Adaptações respiratórias
A difusão do oxigênio dos alvéolos para os tecidos ocorre por gradiente de pressão17,24. A
redução da PO2 afeta negativamente a taxa de difusão do oxigênio dos alvéolos para os capi-
lares pulmonares, diminuindo a saturação da hemoglobina e, por conseguinte, o conteúdo
arterial e o transporte de oxigênio para os tecidos. Assim, à medida que se eleva a altitude,
há diminuição da disponibilidade de oxigênio para o metabolismo celular, comprometendo,
de várias formas, a homeostasia dos diferentes sistemas fisiológicos12,17,24.
Nas condições de hipóxia hipobárica, a redução da oferta de oxigênio para os tecidos im-
plica decréscimo do consumo máximo de oxigênio. Considerando a mesma intensidade de
exercício, há aumento da intensidade relativa ou na diminuição da capacidade de trabalho
desenvolvido, resultando no aparecimento precoce da fadiga12,14,17,24.
Um dos mecanismos característicos de adaptação fisiológica intrínsecos à exposição
aguda a elevadas altitudes é o aumento acentuado da frequência respiratória e do volume
corrente. Essa resposta ventilatória à hipóxia induzida primordialmente pela estimulação
de quimiorreceptores periféricos sensíveis às variações do conteúdo arterial de oxigênio
(CaO2) possibilita o incremento da ventilação de duas a cinco vezes em relação aos valores
obtidos ao nível do mar e, com isso, o aumento da pressão parcial de oxigênio alveolar. Dessa
forma, o gradiente de pressão de oxigênio aumenta, melhorando a saturação de oxigênio no
sangue e, consequentemente, sua difusão para os tecidos. Nessa fase inicial de exposição à
altitude, os indivíduos que apresentam um incremento mais acentuado da ventilação esta-
rão mais bem adaptados para tolerar as condições de hipóxia.
A intensidade desse processo adaptativo apresenta grande variabilidade entre os indivíduos,
parecendo estar associada a diversos fatores de origem fenotípica e relacionada ao genótipo12,17,24.
Assim, influenciado por fatores ontogenéticos e filogenéticos, parece refletir um padrão de adap-
tação ventilatório característico, regulado pela importância da manutenção do equilíbrio ácido-
-base sanguíneo e por adaptações anatômicas específicas do sistema respiratório.
Em função do aumento agudo da ventilação, há redução da pressão parcial CO2 no
sangue arterial. Essa diminuição promove alcalose respiratória com desvio da curva da
oxi-hemoglobina para a esquerda. Com o decorrer dos dias de permanência em altitude, o
incremento da excreção renal de bicarbonato e da concentração de 2,3 difosfoglicerato nos
glóbulos vermelhos tende, ainda que não completamente, a restabelecer o pH para valores
mais próximos dos observados em indivíduos ao nível do mar e a deslocar, ainda que não
completamente, a curva de dissociação da oxi-hemoglobina novamente para a direita.
Assim, esses processos de adaptação pretendem estabelecer um compromisso entre os me-
canismos ventilatórios que visam à melhoria da eficácia do sistema de transporte de oxigênio
e aos reajustes metabólicos, com vista à manutenção de níveis ótimos de pH sanguíneo14,25.

2.1.2 Adaptações cardiovasculares


A exposição aguda à hipóxia hipobárica acarreta o aumento do tônus simpático, pro-
movendo elevação da frequência cardíaca e do débito cardíaco em repouso e em exercícios
submáximos, além de alterações do fluxo sanguíneo por vasoconstrição seletiva11,13,15. O
crescimento da atividade do sistema nervoso simpático não parece refletir no incremento

Transporte aeromédico do paciente crítico | 139


das concentrações de catecolaminas circulantes, mas sim no acréscimo da estimulação
direta de seus terminais nervosos.
A exposição prolongada a elevadas altitudes parece causar diminuição significativa do
volume plasmático por causa do elevado índice de perda de água por sudorese e pela venti-
lação e do aumento da diurese e da permeabilidade capilar, além de inadequada ingestão de
fluidos. Associada à redução da frequência cardíaca máxima, pode, ainda, resultar na dimi-
nuição do débito cardíaco máximo. Estudos experimentais26 e clínicos27 mostraram que o
decréscimo da frequência cardíaca máxima e do volume sistólico parece ser fator associado
à diminuição do consumo máximo de oxigênio (VO2 máx) típica da altitude.
2.1.3 Adaptações hematológicas
A diminuição do CaO2 , característica da exposição a ambientes hipóxicos, estimula
a liberação de eritropoietina (EPO) em nível renal e hepático, com consequências no
incremento da produção de eritrócitos pela medula óssea e na concentração de hemoglo-
bina13,15. O nível máximo das concentrações de EPO e o tempo necessário para atingi-
-lo parecem depender do grau de hipóxia a que os indivíduos são sujeitados. Porém, se a
secreção acrescida de EPO se inicia imediatamente após a exposição aguda à altitude, a
produção aumentada de glóbulos vermelhos é retardada, assumindo incrementos signifi-
cativos apenas após algumas semanas de exposição crônica a altitudes superiores a 3 mil
metros e valores máximos somente após alguns meses15,27,28. O aumento da viscosidade
sanguínea, induzido pela elevação do hematócrito, associado à diminuição do volume
plasmático, poderá incrementar o consumo energético cardíaco e dificultar o fluxo san-
guíneo nos capilares, reduzindo a eficácia cardiovascular no transporte de oxigênio para
os tecidos13,17,29.
2.1.4 Variabilidade na exposição ao ambiente hipóxico
Além das alterações fisiológicas citadas, é importante ressaltar os numerosos fatores
que inf luenciam a suscetibilidade individual à hipóxia, como16: tabagismo, que produz
monóxido de carbono e reduz a capacidade do sangue de se combinar com o oxigênio;
ingestão de álcool, que cria a hipóxia histotóxica; condicionamento físico, indivíduo
com boa reserva funcional fisiológica tem maior tolerância a problemas relacionados
à altitude; aumento da atividade física, por causar maior demanda de oxigênio e ins-
talação mais rápida da hipóxia; taxa metabólica basal, que aumenta pela exposição a
temperaturas extremas e, por isso, eleva as necessidades de oxigênio e reduz o limiar
de hipóxia; dieta e nutrição; emoções e ansiedade; fadiga e doença clínica predisponen-
te, como pneumonia, doença pulmonar obstrutiva crônica, asma aguda, pneumotórax
(este necessita de drenagem ou abordagem antes do transporte aéreo), doença cardíaca,
choque e perda sanguínea.
2.2 Hipotermia
Para cada 305 metros de altitude há a redução em 2 ºC até valores próximos a 55 ºC
negativos. A temperatura externa baixa diminui a temperatura interna da cabine, sendo esse
efeito reduzido parcialmente pelas novas tecnologias30.

140 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


O paciente habitualmente encontra-se num espaço restrito do leito e com cintos de se-
gurança afivelados, o que limita sua locomoção e capacidade de produzir calor. No caso de
pacientes sedados e inconscientes, estes podem não ter habilidade para responder às altera-
ções externas, podendo tornar-se hipotérmicos mais rapidamente.
A queda da temperatura pode ser determinante da diminuição da consciência, que pode
ser causada por diversos outros fatores, incluindo hipoxemia, diminuição do volume san-
guíneo circulante etc. O ambiente do transporte possui limitações e, por vezes, pode-se
tornar difícil o diagnóstico diferencial da causa da redução da consciência. A hipotermia
ainda pode causar tremores, e estes poderão dificultar a monitorização do paciente30. Assim,
minimizar a área de exposição do paciente e mantê-lo coberto e aquecido, além de utilizar
soluções intravenosas aquecidas para a hidratação, podem ser medidas eficazes contra a hi-
potermia e suas consequências30.
2.3 Desidratação
A queda da umidade do ambiente também ocorre com o ganho de altitude. Essa perda
de umidade é aumentada em aeronaves pressurizadas. Pacientes desidratados ou em risco
de desidratação acabam com redução mais acentuada do volume sanguíneo circulante. O
ar seco ainda se torna danoso ao epitélio respiratório, o que diminui a função das células
ciliadas e as secreções mucosas do trato respiratório e aumenta a incidência de infecções.
Promover a adequada hidratação do paciente antes do voo torna-se uma medida pertinente
para minimizar os efeitos da desidratação. A adição de umidificadores aos sistemas de for-
necimento de oxigênio também poderá ser uma medida de prevenção31.
2.4 O ambiente de cabine e a influência sobre o paciente transportado
Nas aeronaves comerciais e na maioria das aeronaves utilizadas no transporte aeromé-
dico (aeronaves do tipo asa fixa - aviões), a solução contra os efeitos da altitude foi o desen-
volvimento das cabines pressurizadas, que visa manter o ambiente interno da cabine com
características pressóricas mais próximas da pressão barométrica ao nível do mar.
Pode-se dizer “altitude de cabine” aquela equivalente à pressão barométrica obtida com
a pressurização. Essa pressão, entretanto, pode não ser igual à do nível do mar. De um modo
geral, tenta-se chegar a uma altitude de cabine de, no máximo, 8 mil pés, equivalentes a
2.400 metros16. Essa altitude é bem tolerada por indivíduos fisiologicamente normais em
repouso. Porém, pode representar problemas para um cardiopata, pneumopata ou alguém
com reserva fisiológica/funcional limitada, que, em realidade, já pode estar utilizando me-
canismos compensatórios ao nível do mar. Mesmo a discreta elevação pode ser suficiente
para a descompensação clínica ou exacerbação da doença16.
Deve-se também prever o impacto da perda súbita de pressurização de uma aeronave,
seja por problemas mecânicos, seja pela perda de integridade da fuselagem. Assim, a tendên-
cia à equalização das pressões interna e externa da aeronave determinaria uma rápida queda
na pressão atmosférica com consequente hipóxia. Nesse contexto, aplica-se o conceito do
“tempo de consciência útil”. São oferecidas máscaras de liberação automática, que proveem
oxigênio gerado (e não armazenado) por cerca de 10 minutos, tempo suficiente para que o
piloto desça para uma altitude segura, em torno dos 10. pés.

Transporte aeromédico do paciente crítico | 141


Outra característica importante a assinalar é a umidade do ar de cabine. O ar seco das grandes
altitudes é absorvido pelas turbinas e redistribuído dentro da aeronave, após passar por um re-
lativo resfriamento. Embora passível de causar desconforto por ressecamento de mucosas, com
sintomas de sede, irritação ocular e nasal, não parece haver desidratação central, não ocorrendo
aumento significativo das perdas insensíveis. Entretanto, a utilização em voo de medicamentos
capazes de aumentar a diurese e a perda hídrica pode potencializar esse efeito. Assim, os pacien-
tes transportados portadores de bronquite podem ter seu quadro agravado pelo ressecamento
de secreções respiratórias, com consequente dificuldade de expectoração.
Estudos demonstram que a pressão na cabine da aeronave influencia diretamente a venti-
lação mecânica nos pacientes entubados. Assim, percebe-se que o volume corrente ofertado
habitualmente é maior do que o selecionado nos aparelhos, por conta do relativo hipobaris-
mo dentro da cabine. Isso se evidencia principalmente na fase de subida do voo32 . Contudo,
a variação do volume apresentada dentro da cabine não tem relação direta com a Lei de
Boyle-Mariotte. Essa modificação do volume corrente efetivo pode ser fator de piora clínica
do doente crítico transportado32, 33.
Devemos ter em mente que o aparelho de ventilação mecânica ideal para transporte ae-
romédico é diferente do usado em emergências ou UTI, pois o primeiro deverá ajustar o
volume corrente, levando em consideração a diferença de pressão do ambiente e evitando
fornecer volumes correntes aumentados. Isso é um fator atenuante na incidência de lesão
pulmonar associada à ventilação mecânica32,33.
A insuflação do balonete do tubo traqueal também é mérito de atenção. Pela Lei de Boyle
(P1. V1 = P2 . V2), o volume de um gás é inversamente proporcional a sua pressão quando man-
tida a temperatura constante. Isso poderá ser deletério por causa do aumento inadvertido do
volume do balonete, gerando isquemia de mucosa traqueal no período que o paciente estiver
em grandes altitudes. Assim, preconiza-se o uso de líquidos na insuflação do balonete34.
A altitude e, por conseguinte, a menor pressão de cabine ainda terão impacto sobre o
fluxo de oxigênio oferecido pelos cilindros dentro da aeronave em transporte. Dessa forma,
torna-se necessário o cálculo da reserva de oxigênio que se levará em cada viagem, pois o
fluxo real liberado pelos cilindros é maior proporcionalmente à altitude apresentada, o que
poderá surpreender a tripulação com maior gasto de oxigênio. Na Tabela 2 podemos perce-
ber essa relação do fluxo de oxigênio liberado pelos cilindros em cada altitude31.
Tabela II - Relação do fluxo de oxigênio liberado pelos cilindros em cada altitude
Efeito da altitude sobre o fluxo de liberação de oxigênio dos cilindros
Fluxo de Oxigênio por altitude
Fluxo de oxigênio no 2.000 pés 5.000 pés 8.000 pés
medidor (litros/Minuto) (610 metros) (1.500 metros) (2.440 metros)
2 2,1 2,4 2,6
4 4,2 4,7 5,3
6 6,3 7,1 7,9
8 8,4 9,4 10,6
10 10,5 11,8 13,2
12 12,6 14,1 15,8

142 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


3. Áreas de pouso e comunicação
Os aeroportos podem apresentar problemas como excesso de aeronaves no pátio, inci-
dentes locais e alterações meteorológicas, que podem interferir diretamente no pouso ou
na decolagem da aeronave aeromédica35. Assim, torna-se imperiosa a comunicação com os
serviços de controle, por equipe treinada, da caracterização do voo como aeromédico. Ter
equipes de logística que possam manter a sincronia entre os transportes terrestres e o aéreo
otimiza o transporte e diminui a chance de atrasos e intercorrências ao paciente crítico35.
O serviço de transporte aeromédico deve estar integrado ao sistema de atendimento pré-
-hospitalar e à Central de Regulação Médica de Urgências da região e deve ser considerado
sempre como modalidade de suporte avançado de vida.

4. Ruídos, vibrações e náuseas


As aeronaves habitualmente são grandes produtoras de ruídos, o que dificulta a avaliação
clínica, incluindo auscultas cardíaca, respiratória e abdominal. Assim, a avaliação clínica
antes e depois do voo torna-se necessária para a comparação e detecção de alterações não
observadas durante o voo em função de ruídos e interferências.
A comunicação entre a cabine de comando e a tripulação habitualmente é feita por fones,
em aeronaves de asas rotativas, e já existem monitores que acoplam o áudio dos monitores
(incluindo alarmes) aos fones da equipe médica. Dependendo do estado clínico, o paciente
poderá receber um tampão auricular ou até mesmo o fone para se comunicar com a equipe
e evitar lesões auditivas durante o transporte.
A atividade cinética dos motores geralmente promove algum grau de vibração nas estrutu-
ras da aeronave, pequeno ou sutil, que pode interferir na monitorização dos pacientes e gerar
erros em aferições de pressão arterial, oximetria etc. Deve-se levar em conta, ainda, que o mo-
vimento da aeronave poderá levar ao aumento da incidência de náuseas e vômitos, e a equipe
deve atentar para isso na hora do diagnóstico diferencial e da abordagem terapêutica35.

5. Pneumotórax, pneumoencéfalo e ar intraocular


Pacientes com algum tipo de gás aprisionado de forma patológica em cavidades do corpo
podem ter consequências deletérias durante o transporte aeromédico. Pneumotórax de
pequena extensão pode se tornar um problema com a diminuição da pressão de cabine. Pa-
cientes com deterioração do estado clínico, com pneumotórax médio ou de grande extensão
deverão ter o respectivo hemitórax drenado, preferencialmente utilizando-se drenos com
válvulas unidirecionais, e deve-se evitar o dreno do tipo selo d’água por questões logísticas,
tamanho, adequação ao local de transporte e complicações com o uso durante voos36.
Pacientes com evidência de pneumoencéfalo ou ar intraocular (habitualmente pós-
-operatório de neurocirurgias ou alguns tipos de cirurgia oftalmológica) devem ter seu
quadro neurológico revisado frequentemente, além de receber avaliação oftalmológica
pelo risco de aumento das bolhas, que podem levar a lesões cerebrais e oculares. Assim,
deve-se prezar por voos em baixas altitudes e com menor tempo possível. Há relatos na
literatura de agravos, porém são infrequentes. Devemos levar em conta os risco teórico e
o risco em potencial 34,36,37.

Transporte aeromédico do paciente crítico | 143


6. Segurança e contraindicações
Para a segurança adequada no transporte de pacientes, devemos considerar se a equipe
multidisciplinar responsável sabe quando e como realizá-lo. Deve haver indicação para o
deslocamento e, principalmente, planejamento para sua realização. Para assegurar a integri-
dade do paciente, evitando o agravamento de seu quadro clínico, treinamento adequado e
rotina operacional da equipe envolvida são imperativos.
O Conselho Federal de Medicina, por meio da Resolução nº 1.672, de 9 de julho de 2003,
dispõe sobre o transporte inter-hospitalar de pacientes e dá outras providências, normati-
zando as condutas de transporte com segurança (Apêndice 1)38.
São consideradas contraindicações gerais para o transporte de pacientes ou sua perma-
nência no setor de destino pelo tempo necessário: incapacidade de manter oxigenação e
ventilação adequadas; de manter desempenho hemodinâmico; de monitorar o estado car-
diorrespiratório; de controlar a via aérea e número insuficiente de profissionais treinados
para manter as condições descritas anteriormente (médico, enfermeira etc.).
Os tripulantes devem preservar os mesmos cuidados de segurança que existem em um
voo convencional. As checagens ou os briefings realizados pelos pilotos devem ser mantidas;
o conhecimento das instruções para uso de material de emergência da aeronave (para inci-
dentes com a aeronave) deve ser dominado pelos tripulantes35.
As reservas de oxigênio devem ser checadas de acordo com a estimativa de uso prevista
para o paciente em voo, além da estimada para toda a tripulação, caso ocorra algum impre-
visto ou intercorrência, como despressurização súbita da aeronave em voo. Assim, a equipe
médica deve ter ciência da reserva de oxigênio e a relação com o tempo previsto de viagem
até o destino, levando em consideração possíveis imprevistos.
Singh e col39 analisaram a casuística de transportes aeromédicos do Canadá durante dois
anos e constataram que a incidência de eventos críticos ocorridos foi de 5,1%, do total de
19.228 voos, sendo um evento para cada 12,6 horas de tempo de transporte. Foram obser-
vados eventos como novo episódio de hipotensão ou manuseio das vias aéreas. Os fatores
de risco independentes identificados foram: pacientes femininas; ventilação assistida antes
do transporte; instabilidade hemodinâmica antes do transporte; transporte em aeronave de
asa fixa; aumento no tempo de transporte e tipo de tripulação.
O transporte de familiares a bordo deverá ocorrer preferencialmente quando forem pa-
cientes pediátricos ou de acordo com a equipe aeromédica. Deve-se levar em consideração
o fato de o acompanhante ajustar-se ao transporte e estar ciente do que poderá ocorrer du-
rante o voo, inclusive procedimentos emergenciais.

7. Indicações do transporte aeromédico


As indicações, o tipo de transporte, a distância entre a origem e o destino e a acessibilida-
de são alguns dos determinantes da escolha do tipo de aeronave para efetuar o transporte.
É indicado o transporte aeromédico em aeronaves de asa rotativa quando a gravidade do
quadro clínico do paciente exigir intervenção rápida e as condições de trânsito tornarem o
transporte terrestre muito demorado. As aeronaves de asa fixa são preferidas para percorrer
grandes distâncias em um intervalo de tempo aceitável, diante das condições clínicas do pa-

144 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


ciente. A utilização desse tipo de transporte deve seguir as normas e legislações específicas
vigentes, oriundas do Comando da Aeronáutica, por meio da Agência Nacional de Aviação
Civil (ANAC).
Os critérios logísticos de escolha do meio de transporte aéreo mais eficaz para o caso
atenderão às particularidades do atendimento, levando em conta 36: alcance; comunicação
durante o transporte; condições meteorológicas; custo; disponibilidade da ambulância;
equipamento e material; espaço da cabine; exigências de treinamento de pessoal; exigências
especiais para o transporte; resposta a desastres; segurança no transporte; tempo de respos-
ta e triagem clínica do caso (observando a doença, a evolução clínica e o custo-benefício do
transporte em cada atendimento). Sand e cols. 3 observaram como as principais indicações
clínicas para o transporte aeromédico fratura de fêmur, acidente vascular cerebral e infarto
agudo do miocárdio. Na Tabela 3, estão expostos os principais critérios para a indicação do
transporte aeromédico5.
Tabela III - Principais critérios para a indicação do transporte aeromédico
CRITÉRIOS PARA EVACUAÇÃO AEROMÉDICA (EVAM)
INDICAÇÕES:
•• Tempo de chegada da ambulância terrestre superior a quinze minutos para casos graves
•• Diferença de tempo terrestre/aéreo para transporte superior a 15 minutos para casos graves
•• Indisponibilidade de transporte terrestre
•• Acesso terrestre difícil ou impossível (montanhas, ilhas etc.)
CRITÉRIOS CLÍNICOS:
•• Pressão arterial sistólica inferior a 90 mmHg
•• Frequência respiratória inferior a dez por minuto ou superior a trinta e cinco incursões por
minuto
•• Sinais de instabilidade hemodinâmica
•• Quadro clínico grave que se beneficie de intervenção médica precoce (infarto agudo do
miocárdio, ataque cerebral e abdome agudo)
•• Alteração aguda de nível de consciência
•• Lesão com risco de perda funcional de extremidade
CRITÉRIOS NO TRAUMA:
•• Escala de trauma inferior a 12
•• Escala de coma de Glasgow inferior a 10
•• trauma penetrante (crânio, tórax, abdome)
•• Fratura de pelve ou fêmur bilateral
•• Queimadura por inalação
•• Trauma facial e/ou ocular grave

8. Equipe
Para efeito da atividade médica e de enfermagem envolvida no atendimento e no
transporte aéreo de pacientes, consideram-se os profissionais implicados como “tripu-
lantes aeromédicos”, portanto, submetidos à legislação avulsa e ao Código Aeronáutico
Brasileiro, devendo ter aptidão física específica para essa operação, que terá que ser ates-
tada periodicamente pelo Centro de Medicina Aeroespacial (CEMAL) do Comando da
Aeronáutica. São obrigatórios habilitação mínima em emergência pré-hospitalar, noções
básicas de fisiologia de voo e noções de aeronáutica e segurança de voo, incluindo ainda
aeronavegabilidade, escape de aeronaves e sobrevivência, sendo recomendável habilitação

Transporte aeromédico do paciente crítico | 145


em medicina aeroespacial. Além da equipe de saúde, ainda fazem parte da equipe os pilo-
tos e copilotos presentes nas aeronaves.
Van Hoving e col40 compararam o tempo de transporte entre as remoções realizadas
por terra e pelo ar. Foi observado que havia grande diferença no tempo gasto quando as
equipes possuíam treinamento e habilitação e realizavam trabalho conjunto, tanto em
terra quanto pelo ar. Isso reforça a necessidade de habilitação e experiência na execução
do transporte 41,42 .

9. Aeronaves
A aeronave de transporte aeromédico e seus equipamentos de suporte de vida devem ser
homologados para tal. Aquelas utilizadas no transporte aeromédico no Brasil são do tipo E,
ou seja, aeronave de asa fixa ou rotativa usada para transporte inter-hospitalar de pacientes e
aeronave de asa rotativa para ações de resgate, dotada de equipamento médico homologado
pela ANAC. É sempre considerada viatura de suporte avançado. A tripulação dessas aero-
naves são compostas por piloto, um médico e um enfermeiro (a presença de um médico é
obrigatória para caracterizar o transporte aeromédico, considerando a equipe de saúde); um
socorrista pode ser associado, se necessário.
As aeronaves de asa fixa (aviões, Figura 1) são utilizadas para o transporte inter-hospi-
talar de longa distância (a partir de 400 quilômetros). O transporte necessita planejamento
prévio e agendamento. Como vantagens, observa-se menor custo, maior espaço interno,
pressurização da cabine, conforto, possibilidade de haver acompanhantes e equipe multi-
disciplinar, além de o treinamento do tripulante operacional ser simples.

Fig. 1 - Interior de aeronave aeromédica asa


fixa (avião)
As aeronaves de asa rotativa (helicópteros, Figura 2) são utilizadas para distâncias de
até 400 quilômetros. Têm como vantagens principais a mobilidade, o pronto emprego e a
possibilidade de pouso em lugares restritos (dificuldades topográficas no local). Suas des-
vantagens: espaço reduzido e capacidade limitada, ruído e vibração, menor autonomia de
voo, ausência de pressurização, treinamento complexo dos tripulantes (multitarefa). Devem
ser utilizadas para transporte inter-hospitalar próximo (oxigênio limitado) e o equipamento
e material devem ser específicos para cada missão.

146 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Fig. 2 - Interior de aeronave asa
móvel (helicóptero)

10. Equipamento
As condições e regras mínimas são previstas na legislação brasileira pela Portaria
do Ministério da Saúde nº 2.048/GM, de novembro de 2002. Assim como nessa por-
taria, existem diversos relatos na literatura internacional que instituem condições e
enumeram equipamento e medicamento para se realizar um transporte inter-hospitalar
com segurança. Os requisitos mínimos do equipamento estão listados na Tabela 4, e o
equipamento mínimo recomendado para a realização do transporte aeromédico está
contido na Tabela 5 4,43 .
Tabela IV - Requisitos do equipamento médico para alocação no transporte aeromédico
Requisitos dos Equipamentos Médicos para realização do transporte aeromédico:

•• Isolamento elétrico

•• Tamanho compacto

•• Peso compatível com a função

•• Manuseio aeronáutico simplificado

•• Material atóxico e inodoro

•• Display de alto contraste

•• Suporte de fixação na aeronave

•• Mínima ou nula interferência por artefatos

•• Não produzir calor em funcionamento

•• Não sofrer (ou sofrer mínima) influência barométrica

Transporte aeromédico do paciente crítico | 147


Tabela V - Equipamento mínimo recomendado para a realização do transporte aeromé-
dico sugerido por portaria do Ministério da Saúde
Equipamentos mínimos recomendados para o transporte aeromédico:
•• Equipamentos para acesso à via aérea adulto e pediátrico
•• Sistema balão-válvula-máscara com reservatório de O2 adulto e pediátrico
•• Jogo completo de laringoscópio com lâminas de todos os tamanhos
•• Guia para intubação adulto e pediátrico
•• Pinça de Magill adulto e pediátrico
•• Cânulas endotraqueais de todos os tamanhos
•• Baterias extras para laringoscópio
•• Cânulas oro e nasofaríngeas de tamanhos diversos
•• Kit para cricotireoidostomia
•• Aspirador
•• Cateteres para aspiração
•• Cilindro de oxigênio
•• Válvula de PEEP
•• Fita adesiva
•• Nebulizador para medicações
•• Algodão embebido em álcool
•• Suportes para braços (adulto e pediátrico)
•• Comunicadores
•• Glicosímetro
•• Monitor / desfibrilador (preferencialmente com transdutor de pressão)
•• Oxímetro de pulso
•• Capnógrafo
•• Eletrodos para ECG
•• Gel ou pás eletrolíticas para desfibrilador
•• Manguitos de pressão de diversos tamanhos
•• Lâmpada de emergência
•• Válvula para drenagem torácica (Heimlich)
•• Bombas de infusão
•• Equipos de soro macro e microgotas
•• Torneiras de três vias, extensões para equipos
•• Cateteres intravenosos 14G a 24G
•• Soluções intravenosas: salina SF 0,9%, Ringer lactato e glicose 5%
•• Seringa de irrigação (60 ml)
•• Linha arterial
•• Agulha para punção intraóssea
•• Pinça Kelly
•• Hemostáticos
•• Agulhas e seringas hipodérmicas de tamanhos diversos
•• Bolsas pressurizadas para administração de fluidos
•• Sondas nasogástricas de tamanhos variados
•• Talas de imobilização para membros superiores e inferiores
•• Estetoscópio
•• Compressas cirúrgicas e bandagens
•• Lubrificante hidrossolúvel
•• Garrotes para venopunção
•• Tesoura cirúrgica
•• Marcapasso transcutâneo
•• Incubadora pediátrica / neonatal
•• Colares cervicais de diversos tamanhos
•• Ventilador de transporte

148 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


11. Conclusão
O transporte aeromédico de pacientes deve ocorrer de forma organizada, segundo nor-
mas e regulamentos, associado à integração da rede de saúde. Considerando que a rede
de atendimento de alta complexidade não é estruturada e distribuída em todo o território
brasileiro, a necessidade de serviços de transporte aeromédico torna-se imperiosa, tanto
no que se refere ao atendimento pré-hospitalar quanto no transporte inter-hospitalar.
A demanda pelo transporte aeromédico está em franco crescimento. O uso de medidas
custo-efetivas apropriadas para a escolha e determinação do tipo de transporte estará na
dependência de indicadores epidemiológicos, portanto, a realização de estudos com dados
nacionais norteará a evolução desse serviço.
O investimento em treinamento das equipes que fazem esse tipo de transporte é impor-
tante para se obter a resposta adequada ao objetivo traçado. A observância dos critérios para
criação e funcionamento desse serviço pode facilitar o atendimento de pacientes enfermos em
áreas isoladas ou sem estrutura adequada para a complexidade exigida pelo quadro clínico
de cada enfermo. Isso permite menor tempo para o atendimento e a liberação da equipe de
socorristas/equipe de transporte aeromédico e melhor manuseio da distribuição de pacientes,
o que evitará a sobrecarga na rede de emergência por causa da adequada distribuição e do
encaminhamento dos pacientes aos serviços preparados para o atendimento especializado.

12. Apêndice 1
O Conselho Federal de Medicina, por meio da Resolução CFM nº 1.672/03, de 9 de
julho de 2003, dispõe sobre o transporte inter-hospitalar de pacientes e dá outras providên-
cias, normatizando as condutas de transporte com segurança.
“Art. 1º – Que o sistema de transporte inter-hospitalar de pacientes deverá ser efetuado
conforme o abaixo estabelecido:
I – O hospital previamente estabelecido como referência não pode negar atendimento
aos casos que se enquadrem em sua capacidade de resolução.
II – Pacientes com risco de vida não podem ser removidos sem a prévia realização de
diagnóstico médico, com obrigatória avaliação e atendimento básico respiratório e hemodi-
nâmico, além da realização de outras medidas urgentes e específicas para cada caso.
III – Pacientes graves ou de risco devem ser removidos acompanhados de equipe com-
posta por tripulação mínima de um médico, um profissional de enfermagem e motorista,
em ambulância de suporte avançado. Nas situações em que seja tecnicamente impossível o
cumprimento dessa norma, deve ser avaliado o risco potencial do transporte em relação à
permanência do paciente no local de origem.
IV – Antes de decidir a remoção do paciente, faz-se necessário realizar contato com o mé-
dico receptor ou diretor técnico no hospital de destino, e ter a concordância do(s) mesmo(s).
V – Todas as ocorrências inerentes à transferência devem ser registradas no prontuário
de origem.
VI – Todo paciente removido deve ser acompanhado por relatório completo, legível e
assinado (com o número do CRM), que passará a integrar o prontuário no destino. Quando
do recebimento, o relatório deve ser também assinado pelo médico receptor.

Transporte aeromédico do paciente crítico | 149


VII – Para o transporte, faz-se necessária a obtenção de consentimento após esclareci-
mento, por escrito, assinado pelo paciente ou seu responsável legal. Isso pode ser dispensado
quando houver risco de morte e impossibilidade de localização do(s) responsável(is). Nessa
circunstância, o médico solicitante pode autorizar o transporte, documentando devidamen-
te tal fato no prontuário.
VIII – A responsabilidade inicial da remoção é do médico transferente, assistente ou
substituto, até que o paciente seja efetivamente recebido pelo médico receptor.
a) a responsabilidade para o transporte, quando realizado por ambulância do tipo D, E
ou F, é do médico da ambulância, até sua chegada ao local de destino e efetiva recepção por
outro médico.
b) as providências administrativas e operacionais para o transporte não são de responsa-
bilidade médica.
IX – O transporte de paciente neonatal deverá ser realizado em ambulância do tipo D,
aeronave ou nave contendo:
a) incubadora de transporte de recém-nascido com bateria e ligação à tomada do veículo
(12 volts), suporte em seu próprio pedestal para cilindro de oxigênio e ar comprimido, con-
trole de temperatura com alarme. A incubadora deve estar apoiada sobre carros com rodas
devidamente fixadas quando dentro da ambulância;
b) respirador de transporte neonatal;
c) nos demais itens, deve conter a mesma aparelhagem e medicamentos de suporte avan-
çado, com os tamanhos e especificações adequadas ao uso neonatal.”

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enfermos.pdf?MOD=AJPERES.

152 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Capítulo 10

Manejo da coagulação
sanguínea no
transplante hepático
Bruno Salomé de Morais
Rodrigo Perreira Diaz André
Francisco Ricardo Marques Lobo
Manejo da coagulação sanguínea no transplante hepático
O transplante hepático (TH) é uma cirurgia complexa, em paciente com alterações
orgânicas multissistêmicas e pequena reserva funcional. O manejo da coagulação é com-
plexo nesses pacientes. Para tal, é necessário o adequado conhecimento da fisiologia da
coagulação e as alterações na hepatopatia, a compreensão da monitorização da coagulação
sanguínea, bem como indicações da utilização de hemocomponentes, hemoderivados e
outros fármacos.

1. Fisiologia da coagulação
A hemostasia é um processo bioquímico e celular que interrompe a perda de sangue
a partir de uma lesão vascular, mantém a fluidez sanguínea intravascular e restabelece o
fluxo dos vasos trombosados após a lesão. A hemostasia consiste em ativação plaquetária e
formação de rede de fibrina sobre uma superfície fosfolipídica e modulada por anticoagu-
lantes naturais e um sistema fibrinolítico. Esse mecanismo ocorre com a participação dos
fatores da coagulação, do endotélio e, principalmente, das plaquetas. Qualquer alteração
da coagulação estimula resposta inflamatória e qualquer resposta inflamatória estimula a
coagulação. Esse extenso intercâmbio entre coagulação e inflamação envolve sinalização
mediada por receptores celulares e produção de citocinas, por meio de endotélio, leucócitos
e plaquetas. Embora o processo seja dinâmico, didaticamente, a hemostasia consiste em três
fases: hemostasia primária, hemostasia secundária (coagulação) e fibrinólise1.
1.1 Hemostasia primária
Sob condições fisiológicas, as plaquetas circulam preferencialmente próximas da parede
vascular. Entretanto, elas não interagem com as células endoteliais, as quais oferecem resis-
tência natural à trombose. Quando há lesão endotelial, a matriz subendotelial fica exposta,
expondo assim algumas moléculas específicas denominadas fator tecidual (FT). Nesse mo-
mento, se desencadeia uma série de reações coordenadas para interromper o processo de
agressão. As plaquetas desempenham o papel principal nesse processo e vários substratos
podem mediar sua adesão à parede vascular lesada (hemostasia primária)2 .
A hemostasia primária leva à formação de um tampão plaquetário friável que, temporaria-
mente, interrompe o sangramento no local da lesão vascular. A coagulação reforça esse tampão,
transformando-o em uma fina rede de fibrina. Após a reparação tecidual, há a lise do coágulo
por um processo chamado fibrinólise, restaurando-se, assim, o fluxo sanguíneo no vaso.
Quando ocorre lesão endotelial vascular, mecânica ou bioquímica, verifica-se exposição
do colágeno e de outras proteínas do subendotélio às plaquetas circulantes. Esse contato ini-
cia o processo de ativação plaquetária, que inclui: a) adesão das plaquetas ao subendotélio;
b) mudança na forma da plaqueta; c) liberação de conteúdo dos grânulos citoplasmáticos da
plaqueta; d) aparecimento de uma nova superfície fosfolipídica, necessária para as reações
da coagulação dependentes de superfície; e) agregação plaqueta com plaqueta 3.
As plaquetas aderem ao colágeno por meio da ligação do fator de von Willebrand
(FvW) ao receptor glicoproteico (GP) GPIb. O conteúdo expulso dos grânulos plaque-

154 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


tários, incluindo o trifosfato de adenosina (ADP), atua como mensageiro para a atração
de mais plaquetas, permitindo, assim, a expansão do tampão. A superfície fosfolipídica
plaquetária continua a ativação, sintetizando o tromboxano A2 (TxA2), que causa a libe-
ração adicional de ADP e produz vasoconstrição local, gerando, dessa forma, desvios de
fluxo sanguíneo para longe do vaso lesado. Finalmente, a massa plaquetária é estabilizada
por “pontes” de fibrinogênio, ou FvW, que ligam as plaquetas entre si, por meio dos recep-
tores GPIIb/IIIa (Figura 1).

Fig. 1 - Adesão e agregação plaquetária


FvW = fator de von Willebrand; GP 1b = receptor glicoproteico 1b; GPIIb/IIIa = receptor glicoproteico
IIb/IIIa.

1.2 Hemostasia secundária (coagulação)


Durante essa fase, há ativação plaquetária e formação da rede de fibrina, a partir da ati-
vação dos fatores da coagulação. Esses dois sistemas (plaquetas e fatores da coagulação) são
complementares e interligados4. A teoria clássica de vias intrínseca e extrínseca, embora
úteis para o entendimento dos testes de coagulação, tem sido sobrepujada pelo modelo celu-
lar, que descreve melhor o processo de coagulação e sua interação in vivo com as plaquetas.
O modelo celular1, também didático, é mais complexo e envolve as seguintes etapas: ini-
ciação, amplificação, propagação e estabilização (Figura 2).

Fig. 2 - Modelo atual da


coagulação

Manejo da coagulação sanguínea no transplante hepático | 155


O processo da coagulação in vivo é iniciado por: a) fase de iniciação - ligação do fator
VIIa circulante com o FT expresso pela célula endotelial, formando o complexo VIIa+FT,
que ativa os fatores IX e X; b) fase de amplificação - quando a pequena quantidade de
trombina formada origina alças de feedback, ativando fatores V, VIII e IX; c) fase de pro-
pagação - contínua produção de trombina; d) fase de estabilização - formação da fibrina,
cross-linking dos monômeros de fibrina pelo fator XIIIa e máxima produção de trombina.
a) Iniciação: a coagulação sanguínea é iniciada quando o FT é expresso principalmen-
te pelas células endoteliais e pelos monócitos. A expressão do FT é iniciada ou por lesão
vascular ou por ativação endotelial, a partir de substâncias químicas, citocinas ou mesmo
processo inflamatório. O FT expressado liga-se ao fator VIIa (circulando em quantidades
diminutas), formando um complexo FT-VIIa, o qual ativa o fator IX em IXa e o fator X em
Xa. O FXa liga-se rapidamente ao fator II, produzindo pequena quantidade de trombina
(FIIa). Em uma reação muito mais lenta, o FIXa ativa o FX em FXa. Considera-se que, na
maioria das vezes, o processo de coagulação inicia-se dessa forma, embora ainda restem
dúvidas sobre a verdadeira função do sistema de contato (ativação do fator XII)5.
b) Amplificação: a pequena quantidade de trombina formada até esse estágio é insufi-
ciente para transformar o fibrinogênio em fibrina; para essa finalidade, há a necessidade de
feedback de amplificação na produção de trombina. Primeiro, a produção do FVIIa é aumen-
tada pelo próprio complexo FT-VIIa-IXa-Xa produzido na iniciação. Com o aumento na
produção de trombina, esta ativa os cofatores não enzimáticos FV e FVIII. O FVIII acelera
a ativação do FX pelo FIXa e o cofator FV acelera a ativação do FII pelo FXa. Trombina
também ativa FXI em FXIa, aumentando a produção de FIXa.
c) Propagação: para manter a contínua produção de trombina, garantindo, assim, a
formação de coágulo, são produzidos grandes quantidades de FXa pelo complexo tenase
(FIXa/FVIIIa) e de FIIa pelo complexo protrombinase (FXa/FVa).
d) Estabilização: a máxima produção de trombina ocorre após a formação dos monôme-
ros de fibrina. Somente no máximo de produção é que a trombina ativa o FXIII. O FXIIIa
liga os monômeros de fibrina solúveis, transformando-os numa rede de fibrina insolúvel. Ao
final desse processo, a trombina ativa o TAFI (inibidor da fibrinólise ativado pela trombina),
impedindo a destruição prematura do trombo originado.
Para evitar que a produção de trombina escape do controle, a fase de iniciação é controla-
da pelo TFPI (via inibitória do fator tecidual), cujos alvos principais são o FXa e o complexo
FT/FVIIa/FXa, enquanto as fases de amplificação e propagação são controladas principal-
mente pela ação da AT (antitrombina)6. Assim, a combinação de TFPI com AT e TFPI com
proteína C atua sinergicamente para limitar a produção de trombina1.

1.3 Fibrinólise
O sistema fibrinolítico remove o excesso de fibrina intravascular, restaurando o fluxo
sanguíneo. A fibrinólise é iniciada pelos ativadores do plasminogênio, que convertem o
plasminogênio em plasmina. A plasmina degrada fibrina em produtos da degradação da
fibrina (PDF). Se a produção dos PDFs exceder a taxa de eliminação produzida pelo fígado,
pelos rins ou pelo sistema reticuloendotelial, os PDFs se acumulam no sangue e, com isso,

156 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


inativam os fatores Va e VIIIa, amplificam sua própria formação, interrompem a função
plaquetária e impedem o cross-linking dos filamentos de fibrina necessários para converter
coágulo de fibrina solúvel em coágulo de fibrina insolúvel. O plasminogênio mantém em sua
estrutura um sítio específico de lisina (lysine-binding), que modula a ligação do plasminogê-
nio à fibrina e, com isso, desempenha importante papel na regulação da fibrinólise 7.
A regulação e o controle do sistema fibrinolítico são mediados por interações molecula-
res específicas entre seus principais componentes e pela liberação dos ativadores/inibidores
do plasminogênio pelas células endoteliais (Figura 3).

Fig. 3 - O sistema fibrinolítico


t-PA = ativador do plasminogênio
tecidual; u-PA = ativador
do plasminogênio do tipo
uroquinase; PA-1 = inibidor do
ativador do plasminogênio do
tipo-1; HMWK = cininogênio de
alto peso molecular.

Há dois ativadores do plasminogênio no sangue: ativador do plasminogênio tipo-te-


cidual (t-PA) e ativador do plasminogênio tipo-uroquinase (u-PA). O t-PA é produzido e
secretado pelo endotélio e está envolvido primariamente na dissolução da rede de fibrina
na circulação. O u-PA, encontrado em maiores quantidades na próstata, liga-se a receptores
específicos das células, aumentando a ativação do fibrinogênio nesses locais; assim, sua fun-
ção primária parece ser a reparação e a remodelação tecidual8.
O sistema fibrinolítico pode ser inibido por duas moléculas. Uma é o inibidor do ativador
do plasminogênio do tipo-1 (PAI-1), que bloqueia t-PA e u-PA; a outra é a a2-antiplasmina,
inibidora da plasmina. A a2-antiplasmina inativa a plasmina circulante, chamada de “livre”,
mas tem pouca ação sobre a plasmina ligada à rede de fibrina; assim, a fibrinólise ocorre
apesar dos níveis plasmáticos fisiológicos desse inibidor.

2. Alterações da coagulação na hepatopatia


Entre as inúmeras outras funções, o fígado está implicado na coagulação sanguínea,
envolvendo hemostasia primária, secundária e fibrinólise. Excetuando-se o fator VIII, o ati-
vador de plasminogênio tecidual (tPA) e o inibidor de plasminogênio, o fígado é o principal
sítio de síntese de fatores pró-coagulantes e anticoagulantes9.
O equilíbrio hemostático na doença hepática é muito complexo e pode variar de sangra-
mento importante a complicações trombóticas10 (Tabela 1).

Manejo da coagulação sanguínea no transplante hepático | 157


Tabela I - Anormalidades hemostáticas associadas à doença hepática
Tendência à hemorragia Tendência à trombose
Plaquetopenia Elevação de FVIII e FvW
Piora da função plaquetária Diminuição de antitrombina, Pc, Ps
Inibição de plaquetas por óxido nítrico e PGI2 Macroglobulina
Diminuição de fatores II, V, VII, IX, X e XI Elevação de heparina cofator II
Anormalidades no fibrinogênio Diminuição de plasminogênio
Aumento de t-PA
FvW = fator Von Willebrand; Pc = proteína C; Os = proteína S; TAFI = inibidor fibrinólise ativada por
trombina; t-PA = ativador do plasminogênio do tipo tecidual.

Entre inúmeras alterações na coagulação presentes na hepatopatia, destacam-se: trom-


bocitopenia; disfunção plaquetária; redução na produção de fatores da coagulação; hiperfi-
brinólise; estado pró-coagulante; coagulação intravascular disseminada (CIVD).
A doença hepática afeta todas as fases da coagulação, em apresentações variáveis11. A fase
vascular é afetada pela vasodilatação, desenvolvimento de circulação colateral, redução na va-
soconstrição vascular responsiva ao sangramento e alterações na elasticidade, além da redução
da interação entre as paredes dos vasos e as plaquetas12. A fase plaquetária também é signi-
ficativamente afetada nos cirróticos. Trombocitopenia é observada em até 70%13 dos casos,
sendo causada por esplenomegalia, redução na sobrevida das plaquetas, consumo aumentado,
sequestro pelo fígado em regeneração, deficiência de ácido fólico no etilismo e efeitos tóxicos
do álcool sobre os megacariócitos. Disfunção plaquetária também pode ser revelada por pro-
longamento do tempo de sangramento, na vigência de contagem plaquetária normal.
O sistema de coagulação está afetado em todos os níveis, uma vez que a maioria das
proteínas envolvidas na coagulação está acometida.
O fator VII é o primeiro a ter seus níveis diminuídos, por ter meia-vida curta (4-6 horas).
Entretanto, embora o FVII esteja sensivelmente diminuído, ainda há nível suficiente para
hemostasia efetiva, já que sua função é indução da hemostasia secundária. Depois, dimi-
nuem-se os fatores V, II, IX e X, subsequentemente14. Os fatores VIII e FvW estão elevados.
Os efeitos contrastantes dos fatores da coagulação durante lesão aguda do fígado devem-se
à liberação intensa de citocinas. Estas estimulam a expressão do fator tecidual (FT), o qual
se acopla ao F VIIa circulante e desencadeia a coagulação sanguínea. Entretanto, a trombina
gerada é inibida gradualmente pela antitrombina plasmática, ficando impossibilitada de ati-
var e consumir fatores VIII, IX, V e X. Assim, preserva-se o nível plasmático desses fatores.
Em doença crônica do fígado, os níveis plasmáticos dos anticoagulantes antitrombina,
proteína C, proteína S e alfa-2 macroglobulina estão reduzidos e os níveis plasmáticos de
plasminogênio e heparina cofator II estão elevados15.
Os níveis de fibrinogênio podem estar reduzidos, normais ou mesmo aumentados nos cir-
róticos. Os níveis de ácido siálico em excesso no interior da molécula de fibrinogênio resultam
em desfibrinogenemia e prolongam o tempo de trombina, interferindo na polimerização da
fibrina16. A polimerização da fibrina está afetada pelos níveis reduzidos de fator XIII e pela des-
fibrinogenemia. O sistema fibrinolítico também está afetado tanto pela redução das proteases
envolvidas na fibrinólise (plasminogênio, proteína C, proteína S e alfa2 antiplasmina) como

158 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


pelos níveis elevados de ativador tissular de plasminogênio (tPA) liberados pelo leito vascular
aumentado. A produção dos inibidores da fibrinólise (alfa2 antiplasmina e histidina) também
está reduzida, bem como o clearance hepático do tPA está reduzido. A ativação excessiva da
coagulação ou o acometimento do clearance hepático dos fatores de coagulação ativados pode
levar a trombose ou coagulação intravascular disseminada.
Evidências têm atentado também para o risco de trombose, sobretudo no sistema ve-
noso portal17 em pacientes portadores de mutações congênitas pró-trombóticas18. Existe
risco de oclusão vascular na região das anastomoses (veia porta e artéria hepática), além
do risco de microtromboses da circulação pulmonar por agregados de plaquetas ativados
no enxerto hepático durante a reperfusão19,20. Essas complicações frequentemente acom-
etem pacientes com riscos preexistentes de trombose, como aqueles com síndrome de
Budd-Chiari; trombose de veia porta; trombose de veias pélvicas ou de membros inferi-
ores; fator V de Leiden e deficiência de proteína C, bem como naqueles com inflamação
crônica do sistema biliar (cirrose biliar primária, colangite esclerosante) e nos portadores
de tumores malignos21,22 .
O estado pró-coagulante do cirrótico crônico explica por que esses pacientes não estão
protegidos, por exemplo, de trombose periférica, trombose venosa profunda, trombose de
veia porta e embolia pulmonar23,24.
O padrão hemostático no paciente hepatopata não deve ser considerado um quadro com
predomínio coagulante ou anticoagulante, mas um estado com capacidade reduzida de
manter o frágil equilíbrio hemostático.

3. Monitorização da coagulação
A monitorização perioperatória da coagulação é importante para diagnosticar causas
potenciais de hemorragia, guiar terapias hemostáticas e predizer o risco de sangramento
durante o curso de procedimentos cirúrgicos.
Grande variedade de testes laboratoriais convencionais (TAP/INR, TTPa, dosagem de
fibrinogênio e contagem de plaquetas) tem sido utilizada ao longo dos anos para identificar
o tipo e a gravidade do distúrbio de coagulação. Por causa da complexidade das alterações
hemostáticas presentes na insuficiência hepática, os testes convencionais da coagulação
não são capazes de exibir o equilíbrio hemostático com precisão25,26. E a capacidade desses
exames em prever sangramento intraoperatório no TH tem sido questionada 27,28. Diversos
autores demonstraram discrepância entre os testes de coagulação convencionais e sangra-
mento em cirróticos submetidos ao TH 27,29-31.
Defeitos nas funções pró-coagulantes são identificados nos testes laboratoriais usuais,
como TAP (INR), TTPa e contagem plaquetária, porém os efeitos sobre a via inibitória são
menos visíveis nesses exames. Deve-se considerar que na análise da hemostasia primária a
avaliação da contagem plaquetária não leva em consideração níveis possivelmente elevados
de fator de Von Willebrand, que é a principal proteína do sistema de adesão e pode com-
pensar a redução no número e função plaquetária 32 . A hipocoagulabilidade sugerida pelo
prolongamento do TAP e TTPa não leva em consideração possíveis reduções dos inibidores
da coagulação, como a proteína C, a proteína S e a antitrombina. De maneira similar, a sig-

Manejo da coagulação sanguínea no transplante hepático | 159


nificância do sistema fibrinolítico tem sido questionada, pois, tanto fatores pró-fibrinolíticos
quanto antifibrinolíticos podem estar alterados na cirrose33.
As principais limitações dos testes clássicos de coagulação são:
a) não detectam de maneira adequada a hiperfibrinólise;
b) podem apresentar medidas falsamente elevadas de fibrinogênio em caso de infusão
de coloides;
c) TAP e TTPa podem estar alargados no caso de hipofibrinogenemia e afibrinogenemia;
d) a contagem plaquetária isolada tem pouco significado;
e) TAP e TTPa apenas determinam a velocidade da geração da trombina, não a estabili-
dade mecânica do coágulo;
f) os resultados dos testes de coagulação realizados em um laboratório central geral-
mente não estão disponíveis em menos de 30-60 minutos.
Novos dispositivos de monitorização, denominados em conjunto de point-of-care (POC)
da coagulação, avaliam as propriedades viscoelásticas do sangue como um todo. A trombo-
elastografia (TEG ), a tromboelastometria rotacional (ROTEM) e o Sonoclot (Figura
4) podem transpor inúmeras limitações dos testes de coagulação rotineiros. O sangue é
analisado à beira do leito, reduzindo o tempo de espera. O status da coagulação é avaliado
no sangue total, permitindo interações do sistema de coagulação com hemácias e plaquetas.
O desenvolvimento do coágulo é demonstrado em tempo real e a análise da coagulação é
realizada na temperatura do paciente. Porém, diferenças precisam ser consideradas entre a
coagulação in vitro e in vivo, pois esses testes medem a coagulação em condições estáticas
(sem fluxo), em uma cubeta, e não em um vaso sanguíneo com endotélio. Dessa maneira,
os resultados obtidos com esses testes devem ser interpretados com cautela, após considera-
ções clínicas e análise do campo cirúrgico.

Fig. 4 - Testes viscoelásticos; A)


TEG (Hemoscope Corp., Niles, IL);
B) ROTEM (Pentapharm GmbH,
Munich, Germany); C) Sonoclot
(Sienco Inc., Arvada, CO)

O TEG  e ROTEM acessam as propriedades viscoelásticas do sangue em situações de


baixo cisalhamento. Diferentemente da maioria dos testes de coagulação convencionais que
termina sua análise quando começa a formação do coágulo, os testes viscoelásticos aces-
sam mudanças dinâmicas do processo, desde o início da coagulação até que haja formação
completa do coágulo, além de avaliar a fibrinólise. Entre suas vantagens, podem-se destacar:
detecção precisa de hiperfibrinólise; identificação de deficiência de fibrinogênio e diferen-
ciação entre desordens plaquetárias ou de fatores da coagulação, além de detecção de efeitos
de heparinoides endógenos ou exógenos34-38.

160 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


No TEG, as propriedades físicas do coágulo são avaliadas a partir de um copo cilíndrico
que contém o sangue e oscila num ângulo de 4°45’. Cada rotação dura 10 segundos. Um pino
fica suspenso no interior do copo por um fio de torção que detecta movimentação. O torque da
rotação do cubo é então transmitido a esse fio, à medida que são formadas ligações entre redes
de fibrina e plaquetas, unindo o copo ao pino, que se encontra imerso no sangue. A força des-
sas ligações de fibrina-plaqueta afeta a magnitude da mobilização do pino e essa mobilização
reflete a força do coágulo. À medida que ocorre retração ou lise do coágulo, essas ligações são
quebradas e a transmissão do movimento é novamente diminuída. O movimento de rotação
do pino é convertido por um transdutor elétrico-mecânico, em sinal elétrico e finalmente de-
monstrado graficamente no TEG como um traçado característico. No ROTEM é utilizada
tecnologia modificada, sendo o sinal transmitido através de um sistema óptico de detecção,
não um fio de torção, e o movimento é iniciado pelo pino, e não pela cuba ou copo. Outra
modificação reside no fato de possuir quatro canais com análises, em paralelo, das diferentes
etapas da coagulação, o que permite o diagnóstico diferencial da coagulopatia, pela compara-
ção dos resultados obtidos nos diversos canais.
A esquematização do traçado do TEG/ROTEM encontra-se na Figura 5.

Fig. 5 - Traçado tromboelastográfico e parâmetros TEG/ROTEM

Manejo da coagulação sanguínea no transplante hepático | 161


O ROTEM apresenta como vantagem a utilização de quatro canais que podem ser ana-
lisados em paralelo simultaneamente e a possibilidade de uso de aditivos diagnósticos ou
terapêuticos nos testes in vitro, avaliando seus efeitos antes de se iniciar a terapêutica. Os
principais reagentes existentes são:
a) ex-TEM (ativador utilizado: fator tecidual) - avalia a via extrínseca e permite o acesso
rápido à formação do coágulo e à fibrinólise;
b) in-TEM (ativador utilizado: ativador de contato) - avalia a via intrínseca e acessa a
formação do coágulo e a polimerização da fibrina;
c) fib-TEM (ativador/inibidor utilizados: fator tecidual + antagonista plaquetário: cito-
calasina D) - provê uma avaliação qualitativa dos níveis de fibrinogênio;
d) ap-TEM (ativador utilizado: fator tecidual + aprotinina) - avalia a via fibrinolítica,
permitindo a detecção rápida da fibrinólise e a deficiência de fator XIII;
e) hep-TEM (ativador/inibidor utilizados: ativador de contato + heparinase) - detecção
específica de heparina. Atua como um in-TEM modificado pela adição de heparinase
para inativar a heparina eventualmente presente no paciente.
O Sonoclot baseia suas medidas na detecção das propriedades viscoelásticas do sangue
total ou do plasma. Para dar início à mensuração, um probe plástico descartável é acopla-
do à cabeça de um transdutor. A amostra a ser analisada é então adicionada a uma cuveta
contendo diferentes ativadores/ inibidores da coagulação. Após um processo automático de
mistura, o probe é imerso na amostra e oscila verticalmente. As alterações na impedância do
movimento impostas pelo coágulo em desenvolvimento são mensuradas. Diferentes cuve-
tas, com diferentes ativadores ou inibidores estão disponíveis comercialmente. O Sonoclot
também provém informações sobre o processo de coagulação como um todo. Provê in-
formações tanto de forma gráfica, qualitativa, denominada assinatura Sonoclot, como re-
sultados quantitativos: tempo de coagulação ativado (ACT), taxa ou ritmo de coagulação
(CR) e a função plaquetária (PF). Quando se compara o Sonoclot ao ROTEM, o ACT do
primeiro reflete o início da formação da fibrina, enquanto o CT do último reflete um estágio
mais tardio e elaborado da formação do coágulo. Esse benefício teórico foi corroborado em
estudo publicado por Tanaka e col. 39
O Sonoclot vem sendo criticado por ter seus resultados influenciados por idade, sexo
e contagem plaquetária40. Poucos estudos avaliaram o uso do Sonoclot em cirurgias he-
páticas e no TH, porém o monitor se mostrou útil no manejo perioperatório da coagulação
desses pacientes41,42 .
Apesar de inúmeras qualidades, os testes viscoelásticos possuem como limitações:
a) não detectam a atividade dos inibidores da coagulação (antitrombina, proteína C e
proteína S);
b) não detectam o efeito de substâncias antiplaquetárias (ácido acetilsalicílico, ticlopidi-
na, clopidogrel, ginko-biloba, ginseng);
c) não avaliam de forma adequada a hemostasia primária.
Os testes viscoelásticos são considerados padrão ouro na monitorização da coagulação
durante o TH, inclusive na avaliação dos doadores do transplante intervivos43. A utilização

162 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


de protocolos transfusionais guiados pelo POC da coagulação durante o TH está associada
a menos utilização de hemocomponentes, redução de custos e de complicações44.

4. Hemoterapia
A hemoterapia moderna desenvolveu-se com base no preceito racional de transfundir-
-se somente o componente de que o paciente necessita, a partir de avaliação clínica e/ou
laboratorial, não havendo indicações de sangue total. As indicações básicas para transfusões
são: restaurar ou manter a capacidade de transporte do oxigênio, o volume sanguíneo e a
hemostasia. A transfusão de hemocomponentes deve ser realizada somente quando existir
indicação precisa e nenhuma outra opção terapêutica.
Apesar da recente diminuição na transfusão de hemocomponentes no TH45, é de suma
importância o adequado manejo da coagulação, uma vez que o ato cirúrgico, associado às
complexas alterações na coagulação do hepatopata, pode promover importante sangramento.
Medidas não farmacológicas devem ser tomadas para minimizar a perda sanguínea du-
rante a cirurgia. Além do controle da hipocalcemia e acidose46,47, é de fundamental impor-
tância a manutenção da normotermia.
A hipotermia agrava os distúrbios de coagulação, por inibir a atividade dos fatores da co-
agulação e promover a redução da contagem e função plaquetária48,49. Além disso, contribui
para a instabilidade hemodinâmica durante o TH e é uma das causas da síndrome de reperfu-
são50. A hipotermia é resultado da redistribuição do calor para a periferia51,52 e desequilíbrio
entre produção e perda de temperatura53. Fatores que contribuem para a hipotermia no TH
incluem: tempo de cirurgia prolongado, exposição da cavidade abdominal, transfusão impor-
tante, retirada do fígado metabolicamente ativo e utilização do by-pass veno-venoso54.
Estudos prospectivos randomizados revelam que mesmo a hipotermia discreta está asso-
ciada a aumento de complicações cardiovasculares, infecção no sítio cirúrgico e aumento de
hospitalização55-60. Revisão sistemática recente concluiu que a hipotermia discreta (<1°C)
aumenta o risco relativo de hemotransfusão em 22%61.
Outras condutas, como manutenção de normovolemia, discreto céfalo aclive, ajuste
adequado da ventilação mecânica e técnica cirúrgica de piggback, também estão asso-
ciadas a menos sangramento durante a cirurgia para TH46,62 . Quando tais medidas não
forem suficientes, pode ser necessária a utilização de hemocomponentes, hemoderivados
ou outras medicações.

5. Hemocomponentes
5.1 Concentrado de hemácias
A transfusão de concentrado de hemácias (CH) tem sido demonstrada como preditor
independente de pior função do enxerto, doenças infecciosas, disfunção renal e outras co-
morbidades48,63-66. A transfusão sanguínea pode promover alterações metabólicas por causa
de coagulopatia dilucional, trombocitopenia, CID, toxicidade do citrato, alcalose metabóli-
ca, hipercalemia, hipocalcemia, hipomagnesemia, distúrbios ácido/base e hipotermia46,66,67.
Além dessas complicações, está associada com transmissão viral, reações alérgicas, aloimu-
nização, infecção bacteriana, disfunção renal, hipervolemia, TRALI e TRIM68.

Manejo da coagulação sanguínea no transplante hepático | 163


Uma revisão sistemática com 272.596 pacientes69 concluiu que a transfusão de CH é
fator de risco independente para mortalidade, infecção nosocomial, disfunção múltipla de
órgãos e lesão pulmonar aguda na população criticamente enferma. Diversos estudos têm
demonstrado que a transfusão de CH tem impacto negativo no TH64,70-72 .
Existe grande variabilidade nos protocolos transfusionais adotados nos diferentes
centros de TH. De modo geral, anemias em que o nível de hemoglobina (Hb) é superior
a 10 g/dL são bem toleradas e só excepcionalmente requerem transfusão. Inversamente,
quando a Hb é inferior a 7 g/dL, existe elevado risco de hipóxia tecidual e comprome-
timento das funções vitais. Nesse caso, o paciente se beneficia com a transfusão de CH.
Entre 7 e 10 g/dL de Hb, a indicação de transfusão deve levar em consideração o estado
clínico do paciente, a intensidade do sangramento cirúrgico e o resultado dos testes
da coagulação73,74.
Da mesma maneira, está bem descrita a associação entre transfusão de plaquetas, plasma fres-
co congelado (PFC) e crioprecipitado, com pior prognóstico após o TH71,72,75-77. Dessa forma, a
infusão de hemocomponentes deve ser baseada em protocolos transfusionais bem estabelecidos.
Sempre que disponível, os fatores de coagulação específicos devem ser utilizados.
5.2 Concentrado de plaquetas
Existe grande variedade de dados associados a indicações de transfusão de concentrado
de plaquetas (CP) em pacientes plaquetopênicos submetidos a procedimentos cirúrgicos
ou invasivos e a dificuldade de comparação entre os trabalhos limita a definição de crité-
rios conclusivos. Existe consenso de que se deve administrar CP no TH quando houver
sangramento ativo associado a níveis de plaqueta inferiores a 50.000/μL, já que a formação
de trombina está limitada na trombocitopenia importante. A dose recomendada é de uma
unidade de CP para cada 7 a 10 kg de peso do paciente.
5.3 Plasma fresco congelado
O PFC contém todas as proteínas presentes no plasma, incluindo albumina, imuno-
globulinas, fatores de coagulação e fibrinolíticos. No passado, foi comumente utilizado
para reverter efeitos dos anticoagulantes orais e suplementação de fatores de coagulação
no sangramento agudo78,79. Em razão da falta de evidências de seus benefícios79-81 de relatos
de aumento de sangramento e mortalidade no TH, a transfusão profilática de PFC para
corrigir os defeitos da coagulação deve ser proscrita. Atualmente, o PFC deve ser transfun-
dido no TH quando houver deficiência de múltiplos fatores ou de algum fator específico,
quando não estiverem disponíveis concentrados de fatores de coagulação. A dose deve ser
otimizada a fim de se corrigir a deficiência do fator em questão sem provocar hipervolemia.
Habitualmente, utiliza-se dose de PFC de 15 a 20 mL/kg para suprir deficiências de fatores
de coagulação.
5.4 Crioprecipitado
O crioprecipitado é fonte de fibrinogênio, fator VIII, fator XIII, fator de von Willebrand
e fibronectina. Deve ser utilizado durante o TH na deficiência desses fatores, quando os
fatores isolados não estiverem disponíveis.

164 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Cada unidade aumenta o fibrinogênio em 5-10 mg/dL em um adulto médio, na ausência
de grandes sangramentos ou de consumo excessivo de fibrinogênio. A dose recomendada é
de 1 U/ 5 a 7 kg de peso.

6. Concentrado de fatores de coagulação


Comparados com os hemocomponentes, os concentrados de fatores de coagulação
derivados do plasma humano, porém, manufaturado e liofilizado pela indústria farmacêu-
tica, são imediatamente disponíveis, contêm concentração definida de determinado fator,
podem ser administrados sem promoverem sobrecarga volêmica e são seguros em relação à
transmissão de infecções viróticas ou indução de TRALI79,82 .
No Brasil, temos, atualmente disponíveis no mercado, o Beriplex e o Prothromblex,
hemoderivados que contêm fatores derivados da vitamina K, ou seja, o complexo protrom-
bínico (fatores II, VII, IX e X); o concentrado de fator VIII Behring; o concentrado de
fibrinogênio sintético (Haemocomplettan); o concentrado de fator XIII (Fibrogammin)
e o fator VII recombinante (NovoSeven).
6.1 Concentrado de fibrinogênio
O fibrinogênio exerce importante papel na coagulação, promovendo adesão e agregação
plaquetária, polimerização da fibrina, substrato para o fator XIII e fibrina, além de funcionar
como antitrombina e anticoagulante quando os níveis de fibrinogênio excedem a produção
de trombina82 .
A concentração plasmática do fibrinogênio varia de 1,5 a 4 g/L, porém, pode aumentar
em situações como gravidez83. A hipofibrinogenemia ou disfibrinogenemia é comum no TH e
pode ser agravada pela fibrinólise, acidose e hipotermia82,84. A reposição de fibrinogênio pode
ser realizada com PFC, crioprecipitado ou concentrado de fibrinogênio (CF). Entre estes, o
CF é considerado atualmente a melhor opção79,82. Apesar dos benefícios teóricos, de alguns
estudos demonstrarem menos sangramento com sua utilização85-87 e de sua superioridade em
relação ao PFC88, ainda faltam grandes estudos randomizados controlados no TH.
O fibrinogênio deve ser reposto quando a concentração plasmática for inferior a 1,5-2
g/L 44. De acordo com a tromboelastografia, está indicada a reposição quando o MCF no
FibTEM for inferior a 10 mm ou A10 no FibTEM inferior a 7 mm, na vigência de sangra-
mento89-92 . A dose para correção deve ser calculada levando em consideração o MCF ou A10
no FibTEM e o peso corporal93-95.
Dose CF (g) = Δ MCF no FibTEM (mm) X peso (kg)/140
Infusão de 2 a 4 g de CP é necessária para elevar 1 g/L do fibrinogênio plasmático em um
paciente adulto83,96. A falta de resposta à reposição do fibrinogênio no TH pode ser indício
de fibrinólise, que deve ter o diagnóstico confirmado e corrigido.
6.2 Concentrado de fator XIII
O fator XIII age na fase final da coagulação estabilizando o coágulo inicial. Diversos es-
tudos demonstram a associação entre redução do fator XIII e aumento de sangramento em
cirurgias cardíacas97-99. Durante o TH, o concentrado de fator XIII está indicado nos casos

Manejo da coagulação sanguínea no transplante hepático | 165


de fibrinólise persistente, mesmo após a administração de antifibrinolíticos ou fibrinólise
diagnosticada pelo ROTEM, sem modificação do traçado após a realização do ApTEM.
A dose inicial recomendada é de 10 a 30 U/kg. Na ausência do fator XIII isolado, pode ser
administrado crioprecipitado.
6.3 Fator VIIa recombinante
O fator VIIa recombinante (FVIIa r) é um agente pró-coagulante inicialmente desenvol-
vido para controle de sangramento em pacientes com hemofilia A e B, porém, sua utilização
off label tem aumentado, sobretudo, nos casos de sangramento descontrolado100. O FVIIa
r se liga ao fator tissular, estimulando a formação de fibrina e desenvolvendo, dessa forma,
importante papel na ativação da coagulação101,102 . Dois grandes estudos multicêntricos
placebo-controlados falharam em demonstrar a diminuição da transfusão de concentrado
de hemácias no TH quando utilizado de forma profilática103,104. As evidências atuais não
suportam o uso profilático do FVIIa r no TH. Por causa de sua ineficiência, alto custo e
riscos potenciais, deve ser evitado em pacientes não hemofílicos105,106.
6.4 Concentrado de complexo protrombínico
O concentrado de complexo protrombínico (CCP) foi inicialmente aprovado na União
Europeia para tratamento e profilaxia de sangramento e deficiência congênita ou adquirida
dos fatores II, VII, IX e X84. A deficiência desses fatores pode ocorrer em situações como uso de
anticoagulantes orais, deficiência de vitamina K, cirrose hepática, perda sanguínea importante
ou hemodiluição. Os CCPs disponíveis diferem entre si na concentração de fatores II, VII, IX e
X, além da presença ou não de proteínas C, S e Z, antitrombina e heparina107. A administração
de 1 UI de CCP/kg promove aumento de 0,6 a 1% do fator de coagulação correspondente108.
Durante o TH deve ser utilizado na dose de 25 a 40 UI/kg de peso na vigência de sangramento
importante, associado a TP inferior a 30% ou quando a tromboelastometria evidenciar CT ao
ex-TEM superior a 80s com A10 e MCF normais44,91. O uso liberal de CCP pode estar associa-
do a complicações tromboembólicas109 e, até o momento, sua eficácia no sangramento maciço
não foi comprovada por estudos prospectivos controlados.

7. Opções Terapêuticas

7.1 Desmopressina
A desmopressina é um análogo V2 da vasopressina, que estimula o fator de von Wille-
brand que, por sua vez, medeia a aderência plaquetária às células subendoteliais47.
Recente metanálise mostrou pequeno efeito na perda sanguínea (redução média de 80
mL, p = 0,005) e necessidade de hemotransfusão (redução média de 0,3 unidade de CH, p =
0,01), sobretudo em cirurgias não cardíacas, sem aumento do risco de trombose (p = 0,4)110.
Uma vez que a disfunção plaquetária é comum na hepatopatia, trata-se de fármaco inte-
ressante no TH, sobretudo naqueles pacientes sem plaquetopenia importante, porém, com
MCF reduzido ao ROTEM, sem alterações no fibrinogênio. A dose recomendada é de 0,3
μg/kg intravenoso. Apesar desse potencial benefício111,112, ainda faltam estudos controlados
randomizados em TH.

166 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


7.2 Antifibrinolíticos
A hiperfibrinólise desempenha importante papel no sangramento não cirúrgico no TH,
sobretudo durante a fase anepática e neo-hepática. Existem alguns ensaios clínicos rando-
mizados que demonstram a eficácia dos análogos da lisina113,114 e aprotinina115,116 na redução
da necessidade de utilização de hemocomponentes no TH. Por outro lado, há relatos de
complicações tromboembólicas em pacientes tratados com antifibrinolíticos117-120. A utiliza-
ção profilática está associada a eventos trombóticos, sobretudo em pacientes com colangite
esclerosante primária, cirrose biliar primária, hepatite fulminante, síndrome de Budd-Chia-
ri, transplante por doença maligna e trombose de veia porta121. A decisão de sua utilização
deve ser baseada no diagnóstico de fibrinólise pela tromboelastometria (ML>15%) e/ou
queda acentuada nos níveis de fibrinogênio.

8. Protocolo transfusional no TH
Diante da complexidade no manejo da coagulação nesses pacientes e grande variabilida-
de de opções terapêuticas, é importante o desenvolvimento de protocolos transfusionais de
acordo com a realidade de cada instituição.
Segue sugestão de protocolo transfusional para o TH, baseado na monitorização da coa-
gulação mediante tromboelastometria (Figura 6).

Manejo da coagulação sanguínea no transplante hepático | 167


Fig. 6 - Protocolo transfusional do Hospital Lifecenter

9. Conclusão
O manejo da coagulação nos pacientes hepatopatas é desafiador. É de suma importância
o conhecimento da fisiopatologia das alterações na coagulação desses pacientes. A tromboe-
lastografia e a tromboelastometria são ferramentas importantes para o diagnóstico da coagu-
lação, tendo-se em vista que os exames tradicionais trazem poucas informações a respeito do
equilíbrio pró e anticoagulante. A coagulopatia associada ao TH deve ser guiada por protoco-
los bem estabelecidos, com utilização racional de hemocomponentes e hemoderivados.

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174 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Capítulo 11

Profilaxia e tratamento
de náuseas e vômitos em
anestesia ambulatorial
Ricardo Caio Gracco de Bernardis
Ivani Rodrigues Glass
Emanuela Lombardi
Profilaxia e tratamento de náuseas e vômitos
em anestesia ambulatorial
Náusea e vômito pós-operatórios (NVPO) são os efeitos adversos mais comuns após
procedimento anestésico-cirúrgico. Sua incidência atinge de 20% a 30% dos pacientes, va-
riando de 50% a 56% em procedimentos laparoscópicos1,2 .
A frequência de NVPO pode estar associada às condições clínicas pré-operatórias, à
extensão e ao tipo de intervenção cirúrgica, às intercorrências cirúrgicas ou anestésicas e à
eficácia das medidas terapêuticas adotadas2 .
Pacientes com NVPO podem apresentar outras complicações: hipocalemia; alcalose
hipoclorêmica; desidratação; síndrome de Mallory-Weiss; broncoaspiração; deiscência de
suturas; sangramento intraocular e cutâneo; admissão hospitalar após cirurgias ambula-
toriais; desconforto psicológico e prolongamento da internação, com aumento de custos,
tanto para o hospital como para o paciente1.
A etiologia da náusea e do vômito pós-operatório não está completamente definida, mas
sabe-se que tem caráter multifatorial, razão pela qual necessita de abordagem multimodal 2 .
As medicações de uso venoso são largamente utilizadas em regime intra-hospitalar, mas têm
sua ação limitada na náusea e no vômito pós-alta hospitalar (NVPA). Metade dos 35% dos pacien-
tes que apresenta NVPA após cirurgia ambulatorial demonstra NVPO antes da alta hospitalar3.
Na revisão sistemática realizada por Wu et al, a incidência de náusea foi de 17% (variando
de 0 a 55%) e de vômito de 8% (variando de 0 a 16%)3.
O número de pacientes submetidos a cirurgias em regime ambulatorial nos Estados Uni-
dos, de 1996 a 2006, aumentou de 20,8 milhões para 34,7 milhões, o que representa metade de
todos os pacientes operados em 1996 e dois terços do total dos pacientes operados em 20063-5.
O aumento do número de pacientes operados em regime ambulatorial reforça a necessi-
dade das discussões sobre NVPA, com estratégias estabelecidas, incluindo a estratificação
dos riscos de NVPO, medicações profiláticas e terapias pós-alta hospitalar direcionadas
para NVPO4.
Esta revisão discutirá os fatores de risco específico para NVPO e NVPA, as terapias de
prevenção e manutenção e as principais medicações indicadas para os pacientes submetidos
à anestesia ambulatorial.

1. Identificação de fatores de risco para NVPO


NVPO é multifatorial, sendo a identificação dos fatores de risco fundamental para seu
entendimento. Pode-se categorizar em fatores relacionados ao paciente, ao procedimento
operatório e ao procedimento anestésico (Tabela 1).
Entre os fatores de risco para NVPO relacionados ao paciente constam:
1- Gênero feminino - alguns autores relatam que a mulher é mais suscetível a NVPO
perto do quinto dia do ciclo menstrual, quando há aumento do estrogênio e dimi-
nuição do hormônio folículo-estimulante (FSH), que atuariam diretamente da zona
quimiorreceptora de gatilho. Em recente metanálise, vários pesquisadores referem
que essa associação com as fases do ciclo não teria relevância1,2,6.

176 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


2- Não tabagismo - verifica-se literatura discordante sobre a ação direta da nicotina, que
gera mudança funcional nos neurorreceptores por exposição crônica ou nas enzimas
microssomais hepáticas por hidrocarboneto aromático policíclico³.
3- Idade - adultos apresentam incidência aumentada de NVPO em relação às crianças,
decrescendo com a idade1,2,6.
4- Obesidade - por dificuldade de ventilação e acúmulo de anestésicos lipossolúveis
com maior tempo de exposição a estes¹,6.
5- Ansiedade pré-operatória - por diminuição da motilidade gástrica e aumento do
suco gástrico¹.
6- Doenças associadas, como neuropatias, endocrinopatias, uremias, peritonites
e colagenoses1.
7- História prévia de NVPO1,2,6.
Fatores relacionados à cirurgia:
1- Sítio cirúrgico - na literatura, há divergência quanto às porcentagens entre as cirurgias
mais emetogênicas: 58% para as cirurgias ginecológicas; 70% para as laparoscópicas;
47% para as de ouvido e 70% para as intestinais e de vesícula biliar. Na metanálise re-
alizada por Apfel et al, em 2012, as cirurgias mais emetogênicas são as ginecológicas
e as colecistectomias videolaparoscópicas1,².
2- Tempo cirúrgico - a cada 30 minutos de cirurgia, há 60% de aumento do risco de NVPO6.
Fatores relacionados à anestesia:
1- Tipo de ventilação - o uso de máscara com pressão positiva causa distensão gástrica e
estimulação vagal que determina NVPO.
2- Uso de opioides.
3- Altas doses de neostigmina.
4- Tipo de anestesia inalatória ou venosa ou uso de óxido nitroso.
5- Hipotensão arterial associada à hipoxemia por estímulo direto do centro do vômito7.
Tabela I - Fatores de risco para NVPO em adultos e níveis de evidências (adaptado de Gan)9
Fatores de risco específicos do doente
•• Gênero feminino (IA)
•• Não tabagista (IVA)
•• História prévia de NVPO/Cinetose (IVA)

Fatores de risco anestésico


•• Utilização de anestésicos voláteis superior a 2 horas (IA)
•• Óxido nitroso (IIA)
•• Uso intraoperatório (IIA) e pós-operatório (IVA) de opioides

Fatores de risco operatório


•• Duração da operação (cada aumento de 30 minutos de duração eleva o risco de NVPO em 60%) (IVA)

Tipo de operação (laparoscopia, otorrinolaringologia, neurocirurgia, cirurgia de mama,


estrabismo, laparotomia e cirurgia plástica) (IVB)

Profilaxia e tratamento de náuseas e vômitos em anestesia ambulatorial | 177


1.1 Profilaxia no período perioperatório
A profilaxia inclui prevenção e correção de fatores que possam estimular o centro do
vômito. Pode ser medicamentosa ou atuar na otimização da técnica anestésica.

1.1.1 Melhorias da técnica anestésica


A anestesia geral está associada ao aumento de risco de NVPO em 11 vezes em relação
à anestesia regional. Entretanto, quando há necessidade de anestesia geral, a utilização de
propofol como agente de indução é eficaz na redução da incidência de NVPO precoce, com-
parado ao uso de outros agentes de indução venosos e inalatórios. Sua ação parece estar di-
retamente relacionada com a redução dos níveis de 5-HT3 na área postrema. Vários autores
verificaram que doses de propofol sub-hipnóticas foram eficazes na redução da incidência de
NVPO, com alto nível de satisfação para o paciente1,7,9,10,11.
Vários autores propõem que o uso suplementar de oxigênio perioperatório reduza NVPO em
50%, possivelmente por diminuir a hipóxia gastrointestinal7,11-13. No entanto, um estudo realiza-
do por Turan14 não demonstrou benefício associado com o uso suplementar de oxigênio.
Há maior risco de NVPO relacionado à quantidade de opioide usado no perioperatório,
mas não quanto ao tipo usado. A atividade opioide em receptores periféricos do intestino
inibe a liberação de acetilcolina e estimula os receptores µ (mu), que diminuem o tônus mus-
cular intestinal e a peristalse, desencadeando atraso no esvaziamento gástrico e distensão,
o que ativa os quimiorreceptores e os mecanorreceptores diretamente relacionados com o
centro do vômito, por meio de vias serotoninérgicas. O remifentanil, opioide de curta ação,
tem incidência de NVPO semelhante ao fentanil nas primeiras 24 horas do período pós-
-operatório. Moiniche15 mostrou que o tratamento com anti-inflamatórios não esteroidais
(AINES), em comparação com os opioides, diminui o risco de NVPO e NVPA. Estudo de
Schug16 comprovou a eficácia no controle da dor pós-operatória com a associação sinérgica
de paracetamol e tramadol. A utilização dessa combinação medicamentosa, juntamente
com a infiltração da ferida cirúrgica por anestésico local e o uso de diclofenaco de sódio,
foi considerada técnica eficaz para trazer alívio adequado da dor no período perioperatório
e pós-operatório, podendo ser estratégia opcional ao uso de opioides no pós-operatório e
NVPA 2,6,7,15-20.
A hidratação generosa perioperatória, com 20 mL.kg-1 de solução de Hartmann (Ringer
lactato), também mostrou reduzir a incidência de vômitos em pacientes submetidos à anes-
tesia geral em regime ambulatorial18.
Não houve diferença na incidência de NVPO entre os anestésicos voláteis individuais
(ao comparar halotano, isoflurano, sevoflurano e desflurano) em concentração alveolar mí-
nima (1 CAM) ou abaixo desta. No entanto, indução e manutenção da anestesia com agente
volátil estão associadas a maiores índices de NVPO quando comparada com anestesia ba-
lanceada com uso de opioides. Apfel e Chohedri demonstraram que os anestésicos voláteis
são a principal causa de NVPO nas duas primeiras horas de pós-operatório2,18.
O efeito emético do óxido nitroso (N2O) tem recebido atenção considerável na litera-
tura, com numerosos estudos na década de 1980 e metanálises na década de 1990, enfa-
tizando o aumento da incidência de NVPO com esse agente. O efeito emetogênico dos

178 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


anestésicos voláteis e do óxido nitroso é independente, podendo ser aditivos e sinérgicos,
mas não sobrepostos. Uma metanálise demonstrou redução do risco de NVPO de 20%,
evitando N2O isolado12 .
Alghanem realizou estudo prospectivo randomizado com 160 pacientes submetidos à
colecistectomia por via laparoscópica, no qual foi comparado o uso de profilaxia medica-
mentosa com ondansetrona ou dexametasona com o uso de técnica anestésica com medica-
ções voltadas à prevenção de NVPO e foi concluído que o uso de antiemético profilático no
intraoperatório não diminuiu a incidência de NVPO quando comparado ao uso de técnica
anestésica otimizada17 (Tabela 2).
Tabela II - Estratégias para a redução do risco básico
–– Uso de anestesia regional (IIIA)
–– Utilização de propofol para indução e manutenção de anestesia (IA)
–– Utilização de oxigênio suplementar intraoperatório (IIIB)
–– Otimização da hidratação (IIIA)
–– Evitação do uso de óxido nitroso (AII)
–– Minimização do uso de anestésicos inalatórios (IA)
–– Redução do uso intraoperatório (IIA) e pós-operatório (IVA) de opioides
–– Diminuição o uso de neostigmina (AII)

1.2 Profilaxia medicamentosa


1.2.1 Antagonistas dopaminérgicos
A metoclopramida é um antagonista de receptores D2 da dopamina habitualmente
utilizada para a prevenção de NVPO. Atua diretamente na zona quimiorreceptora de
gatilho (ZQG), no sistema nervoso central, produzindo antagonismo de emese induzi-
da por apomorfinas e pela ergotamina. No trato gastrointestinal, age como pró-cinético
produzindo aumento da peristalse e do tônus do esfíncter esofágico inferior. Dez miligra-
mas de metoclopramida tem sido a dose mais comumente utilizada. Revisão sistemática
demonstrou que a dose de 10 mg carece de efeito antiemético clinicamente relevante se
não fornecida no final do procedimento anestésico, pois a meia-vida da medicação é de 4
horas a 6 horas. Vários estudos não recomendam a metoclopramida como antiemético no
período perioperatório1,6,8,20.
O droperidol apresenta elevado potencial antiemético, comparável ao da ondanse-
trona. Atua competitivamente nos receptores dopaminérgicos centrais e está associado
com efeitos de sedação, letargia, agitação e sintomas extrapiramidais. Em 2001, a Food
and Drug Administration restringiu o uso do droperidol para náusea e vômitos de di-
fícil tratamento, por causa do desenvolvimento de arritmia cardíaca, como Torsade de
Pointes, em pacientes com prolongamento do segmento QT. Esse aviso foi feito com
base em 10 casos clínicos que ocorreram durante os 30 anos de uso clínico em que
foram administradas doses inferiores ou iguais a 1,25 mg desse fármaco, e é ainda re-
comendada monitoração eletrocardiográfica antes do tratamento e por mais de 3 horas
após seu início1,6-8,22,23 .

Profilaxia e tratamento de náuseas e vômitos em anestesia ambulatorial | 179


1.2.2 Antagonistas histamínicos
Os anti-histamínicos, como difenidramina, dimenidrato, ciclina e prometazina, têm
propriedades antieméticas resultantes do bloqueio de receptores H1 da histamina na
zona quimiorreceptora de gatilho (ZQG), no núcleo do trato solitário, no centro do
vômito e no sistema vestibular. Esses agentes são mais eficazes no tratamento de NVPO
induzido por opioides, mas sua utilização é limitada pelo efeito sedativo, que pode con-
tribuir para um despertar demorado quando administrados imediatamente antes do
final da anestesia1,6,8,22,24 .
1.2.3 Antagonistas colinérgicos
O principal representante anticolinérgico é a escopolamina. Atua no córtex cerebral e
na ponte, inibindo os receptores muscarínicos. Verificou-se ser muito eficaz em pacientes
tratados com opioides para o controle da dor pós-operatória, principalmente em cirurgias
do ouvido médio, mas seu uso é limitado por provocar alta incidência de sedação e boca
seca. Foi desenvolvida uma formulação transdérmica de escopolamina (TDS) que apresen-
ta meia-vida maior e tem perfil farmacocinético favorável com duração até 72 horas. Revisão
sistemática e metanálise de 25 estudos randomizados e controlados sobre escopolamina
transdérmica (TDS) concluíram que houve redução significativa tanto de risco de NVPO
na unidade de cuidados pós-anestésica quanto nas primeiras 24 horas de pós-operatório
com o uso de TDS. Dois estudos recentes sugerem que a escopolamina transdérmica pode
ser particularmente eficaz quando usada como adjuvante da ondansetrona intraoperatória,
resultando em satisfação por parte dos pacientes1,6,8,25-27.
1.2.4 Glicocorticoides
Dexametasona: embora seu mecanismo de ação permaneça incerto, é considerada an-
tiemético eficaz. Os mecanismos mais prováveis são a inibição da prostaglandina na peri-
feria, com facilitação de antagonismo serotoninérgico, e a liberação de endorfina. A longa
meia-vida e o custo baixo tornaram essa medicação uma escolha atraente no tratamento e
na profilaxia de NVPO. A Sociedade de Anestesia Ambulatorial recomenda, nas diretrizes
para a prevenção de NVPO, dose profilática de 4-5 mg de dexametasona na indução. Uma
metanálise observou que quando administrada como medicação isolada ou combinada, a
dexametasona na dose de 4-5 mg teve efeitos comparáveis à dose de 8-10 mg na prevenção
de náusea e vômito. Assim sendo, essa metanálise apoia o uso de dexametasona na dosagem
de 4-5 mg, como recomendado nas diretrizes da Sociedade de Anestesia Ambulatorial para
a prevenção de NVPO6,8,28-30.
1.2.5 Antagonistas serotoninérgicos
Os antagonistas da serotonina (5-HT3) exercem seus efeitos na zona quimiorreceptora
do gatilho e em fibras aferentes vagais no trato gastrintestinal. É a classe medicamentosa
mais usada para a prevenção de NVPO nos Estados Unidos. A ondansetrona foi usada
pela primeira vez para a prevenção de náuseas e vômitos induzidos por quimioterapia. Pelo
seu uso seguro em comparação com outros antieméticos - pois não está associada a efeitos
secundários extrapiramidais ou sedação - e sua eficácia, a ondansetrona tornou-se rapida-

180 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


mente popular para NVPO. Posteriormente, foram desenvolvidas mais duas medicações
similares, a granisetrona e a dolasetrona, com eficácia e efeitos colaterais semelhantes aos
da ondansetrona, mas têm sido associadas ao risco de arritmias, como Torsade de Pointes,
em pacientes com alongamento do segmento QT no eletrocardiograma, comparável ao dro-
peridol. O mais recente bloqueador de 5-HT3, a palonosetrona, não parece compartilhar
o mesmo risco de arritmia. Foi aprovada nos Estados Unidos em 2008 e se comprovou sua
eficácia na redução de náusea e vômito induzido por quimioterapia com a dose de 0,25 mg e
na dose de 0,075 mg para NVPO por 72 horas. Foi demonstrado que a palonosetrona é um
antagonista serotoninérgico alostérico que se liga ao receptor, promovendo sua internaliza-
ção. Também apresenta cooperatividade positiva e meia-vida mais longa (40 a 72 horas) ao
se ligar com o receptor8,31-39.
1.2.6 Antagonistas do receptor de neuroquininas-1
A substância P é um neuropeptídeo que se liga à neuroquinina-1 (NK1) perifericamen-
te em vias aferentes vagais no trato gastrintestinal e centralmente, na área postrema. Os
inibidores dos receptores de neuroquininas-1 (NK1-RAs) são competitivos da substância
P e atuam por meio da diminuição da neurotransmissão do núcleo do trato solitário para o
centro do vômito. Estudos com animais demonstraram que os inibidores dos receptores de
neuroquininas-1 são eficazes em retrair a náusea e o vômito provenientes de vários estímu-
los eméticos40-42 .
Diemunsch demonstrou que a dose de 40 mg de aprepitant pode ser superior à ondanse-
trona na redução de NVPO 24 horas do pós-operatório. Atualmente, estão sendo estudados
dois novos tipos de NK1-RAs: rolapitant e casopitant. Na redução de NVPO dose-depen-
dente, um estudo prospectivo randomizado e duplo-cego sobre o rolapitant revelou sua efi-
cácia quando comparado com placebo e outro mostrou que o casopitant, em associação com
a ondansetrona, superou esta isolada na prevenção de NVPO em pacientes de alto risco nas
primeiras 24 horas pós-operatórias. Os NK1-RAs não possuem efeitos colaterais de sedação
como os anti-histamínicos e antagonistas da dopamina e não foram associados a arritmias
como os antagonistas 5-HT3 e o droperidol43-45.

Fig. 1 - Doses de antieméticos e tempo para a administração em adultos (adaptado de Gan)21

Profilaxia e tratamento de náuseas e vômitos em anestesia ambulatorial | 181


1.3 Terapias não medicamentosas
A acupuntura é considerada, na literatura, eficaz como terapia adjuvante para o controle de
NVPO. Segundo Coloma e col., a acuestimulação pode ser alternativa satisfatória à ondanse-
trona para NVPO em pacientes submetidos à cirurgia videolaparoscópica, e a ondansetrona
parece aumentar a eficácia do tratamento por acuestimulação para controle de NVPO46.
Já se demonstrou que a estimulação do ponto de acupuntura chinesa P6 é tão eficaz quan-
to a profilaxia antiemética. Em metanálise, foi relatado o efeito antiemético da acupuntura
ou acupressão do ponto P6, podendo ser comparável ao uso de antieméticos como metoclo-
pramida, ciclizina, droperidol ou proclorperazina. Boehler também comprovou a eficácia
do efeito antiemético do ponto de acupuntura chinesa P6 para a prevenção de NVPO em
pacientes submetidos a cirurgias ginecológicas por via laparoscópica. Para produzir o efeito
antiemético, por meio da acupuntura ou acupressão, o ponto deve ser estimulado antes da in-
dução anestésica. No entanto, agulhas de acupuntura no ponto P6 são desconfortáveis com
o paciente acordado, de modo que, muitas vezes, a acupuntura é realizada após a indução da
anestesia geral. Por essa razão, a acupressão é frequentemente o método de escolha para a
prevenção de NVPO, pois é de fácil execução, indolor e bem tolerado pelos pacientes21,47-54.
Na literatura, foram publicados estudos que avaliam o efeito antiemético da acupressura
coreana. Os autores demonstraram o efeito antiemético de acupressão do ponto de acupun-
tura coreana da mão K-K9 em crianças submetidas à cirurgia de estrabismo55-57.
al-Sadi também avaliou a eficácia da acupuntura como profilaxia para a emese. Ao com-
parar essa técnica com placebo, foi verificada propensão de quatro vezes mais NVPO no
grupo que recebia placebo do que o grupo da acupuntura48.
Ainda de acordo com as terapias alternativas para controle de NVPO, o gengibre, Zin-
giber officinale, destaca-se na fitoterapia como antiemético por sua ação no sistema gastrin-
testinal e sistema simpático, como antagonista de serotonina nos receptores 5-HT3. Em
uma metanálise realizada pela Universidade de Bangkok, os autores concluíram que, por
ser de baixo custo, ampla disponibilidade, boa tolerância, baixos índices de efeitos colaterais
e boa eficácia como substância antiemética, o gengibre se torna atraente como terapêutica
profilática adjuvante no controle de NVPO58.

1.4 Profilaxia baseada na avaliação de risco individual


O risco de NVPO deve ser estimado para cada paciente. Tendo entendido a origem mul-
tifatorial da emese, é necessária abordagem multimodal para minimizar NVPO, que consis-
te na combinação de profilaxia farmacológica e não farmacológica, bem como intervenções
que reduzem o risco de base. Em geral, a terapia de combinação de antieméticos é superior
à monoterapia para NVPO. Medicações com mecanismo de ação diferente devem ser usa-
das para otimizar a eficácia. Como descrito anteriormente, sabe-se que as três medicações
mais utilizadas são a ondansetrona, o droperidol e a dexametasona, que têm igual eficácia.
Embora essas três medicações tenham diferentes mecanismos de ação e atuem de forma
independente, quando utilizadas em combinação, têm efeitos aditivos6,8,22,49.
Não é recomendada profilaxia para pacientes de baixo risco para NVPO, exceto se forem
submetidos a procedimentos cirúrgicos em que o esforço de NVPO possa provocar danos à

182 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


cirurgia, como em procedimentos de neurocirurgia, cirurgia de fundoplicaturas e oftalmo-
lógicas, entre outras6-8,22 .
Para os pacientes de risco moderado para NVPO, a anestesia regional deve ser consi-
derada, mas se não for possível ou contraindicada, devem ser adotadas estratégias para
minimizar o risco de NVPO e ainda recorrer à combinação de dois antieméticos de clas-
ses diferentes 6,8,22 .
Para pacientes de alto risco, uma terceira medicação pode ser aconselhável, além da tera-
pia multimodal.

Fig. 2 - Algoritmo para o manejo de NVPO (adaptado de Gan)27

2. Tratamento de NVPO
Na presença de náuseas e vômitos persistentes, devem-se analisar possíveis fatores causa-
dores, como analgesia controlada pelo paciente com morfina, presença de sangue na faringe
ou obstrução abdominal.
Excluídos os fatores medicamentosos e mecânicos, o tratamento antiemético de resgate é
aconselhável. Se o paciente não recebeu nenhuma profilaxia, a terapia com antagonistas do
receptor 5-HT3 deve ser iniciada, com doses de ondansetrona 1 mg, dolasetrona 12,5 mg

Profilaxia e tratamento de náuseas e vômitos em anestesia ambulatorial | 183


ou granisetrona 0,1 mg. No caso de a classe de medicação já ter sido usada na profilaxia, não
se deve repeti-la no tratamento. Kovac e col., em 1999, verificaram que a readministração de
ondansetrona para tratamento de NVPO não foi mais eficaz do que o placebo6,8,22,50.
A medicação de resgate precisa ter o mecanismo de ação diferente e agir em classe de recep-
tor distinto. Com base nessa evidência, tem sido recomendado que os pacientes que recebem
uma dose profilática de 5-HT3 RA tratem NVPO com outra classe farmacológica28,51,52.
Quando a profilaxia com dexametasona não evitar NVPO, o tratamento deverá ser efetuado
com uma pequena dose de antagonista do receptor 5-HT3, conforme citado anteriormente52.
Quando NVPO ocorre mais de seis horas após a cirurgia, pode ser considerado o uso de
antagonistas 5-HT3 e droperidol. A dose otimizada e o intervalo de readministração desses
dois antieméticos permanecem desconhecidos6.
As combinações mais estudadas incluem antagonista do receptor 5-HT3 e droperidol
ou dexametasona. Ambas as técnicas adotadas parecem ser igualmente eficazes. A terapia
combinada é mais conveniente para os pacientes em alto risco para o desenvolvimento de
NVPO; para os pacientes de médio risco, um único agente é suficiente21,53.
Pesquisas têm demonstrado benefício no controle de NVPA superior a 72 horas com o
uso de palonosetrona. Os dois tipos de NK1-RAs (rolapitant e casopitant) têm mostrado
características antieméticas superiores, mas isso não pode ser confirmado na prevenção da
náusea quando comparado com os anteriores e mais acessíveis dessa classe. A dexametaxo-
na tem provado melhora na qualidade da recuperação de NVPA 54-56.
Controle no pós-operatório e no pós-alta da náusea e do vômito:
–– identificar os fatores de risco NVPO;
–– utilizar profilaxia medicamentosa combinada (p. ex.: ondansetrona e dexametasona);
–– utilizar medicação de ação prolongada (p. ex.: escopolamina transdérmica ou palonosetrona);
–– prescrever para a pós-alta medicações profiláticas via oral ou de resgate;
–– considerar intervenção não farmacológica (hidratação, acupuntura);
–– otimizar a analgesia pós-operatória, incluindo a minimização do uso de opioide (blo-
queio de nervo periférico contínuo, analgesia multimodal);
–– desenvolver estratégia de esclarecimento às dúvidas do paciente;
–– realizar um seguimento adequado do paciente na pós-alta57-58.

3. Conclusões
Mais estudos são necessários, incluindo no modelo do estudo a análise de náuseas e vô-
mitos na pós-alta, direcionando as intervenções terapêuticas.
Os antieméticos de longa ação e de uso oral após a alta são eficazes no controle de
NVPA. Os antieméticos do tipo NK 1-RAs são ideais no tratamento do vômito, mas pouco
no da náusea.
A associação das intervenções não farmacológicas, tal como acupressura, pode re-
duzir NVPA. A analgesia multimodal, incluindo analgésicos não opioides e bloqueios
periféricos contínuos ambulatoriais, é uma opção na prevenção de NVPA e no controle
da analgesia pós-operatória com redução do uso de opioides.

184 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Nível de evidência baseada em estudos (adaptado de Gan e col. 2003)
I- O grande estudo randomizado, controlado, n 100 por grupo
II- Revisão sistemática
III- Estudo pequeno randomizado controlado, n 100 por grupo
IV- Estudo controlado não randomizado ou relatos de casos
V- Opinião de especialistas
Recomendação com base na opinião de especialistas
A- Boa evidência para apoiar a recomendação
B- Evidência fraca para apoiar a recomendação
C- Evidências insuficientes para recomendar a favor ou contra

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188 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Capítulo 12

Resposta inflamatória
sistêmica da circulação
extracorpórea (CEC)
Fernando A. Martins
Kléber Machareth de Souza
Marisa Pizzichini
Resposta inflamatória sistêmica da circulação
extracorpórea (CEC)
A necessidade da circulação extracorpórea (CEC) em cirurgia cardíaca resulta em res-
posta inflamatória sistêmica caracterizada pela ativação do sistema de coagulação, das ci-
tocinas e da fibrinólise, pelo contato do sangue com os elementos que compõem o circuito
da circulação. Caso a resposta inflamatória seja suficientemente intensa, poderá ocorrer a
síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SRIS) ou a síndrome de disfunção de múlti-
plos órgãos, o que aumenta a mortalidade em unidades pós-operatórias1.
O objetivo do presente capítulo é descrever a fisiopatologia da resposta inflamatória sis-
têmica à circulação extracorpórea e as estratégias terapêuticas usadas para evitar que ela
promova a evolução desfavorável para o paciente submetido à cirurgia com CEC.

1. Resposta de fase aguda


A resposta de fase aguda, ou fase de contato, tem início quando o sangue (elementos
figurados e porção humoral) entra em contato com o circuito de circulação extracor-
pórea. O endotélio vascular, quando íntegro, é responsável pela homeostasia do san-
gue; o processo de coagulação se mantém estável, assim como a resposta inf lamatória.
Quando o sangue entra em contato com o circuito de CEC, tende a se coagular, sendo,
para isso, necessária a administração de heparina. No início da circulação extracor-
pórea, ocorre a formação de uma camada que se mantém aderida à superfície do cir-
cuito, sendo formada por proteínas presentes no sangue 2 . Algumas dessas proteínas
presentes nessa camada formada junto ao circuito de circulação extracorpórea sofrem
alterações conformacionais, que levam a expressão de receptores a outras proteínas e
células sanguíneas circulantes. Esse processo levará à ativação do chamado sistema
proteico plasmático 5 (ativação da via intrínseca e extrínseca da coagulação, fibrinó-
lise e ativação do complemento) e ativação do grupo de células 5 (células endoteliais,
linfócitos, monócitos, neutrófilos e plaquetas)3 . O papel pormenorizado da ativação de
ambos os sistemas ainda é desconhecido, trata-se de um sistema complexo e sinérgi-
co. O resultado final é a ativação de inúmeros mediadores vasoativos e de complexos
enzimáticos e a produção de microêmbolos 4 . O resultado final desse processo é uma
agressiva reação inf lamatória caracterizada por coagulopatia, edema celular e disfun-
ção orgânica temporária 5 .

2. Componentes proteicos

2.1 Sistema de contato


É composto por quatro proteínas plasmáticas: fator XII e XI, pré-calicreína e cininogênio
de elevado peso molecular. Quando o sangue entra em contato com a camada proteica que
reveste o circuito de circulação extracorpóreo carregada de cargas negativas, o fator XII, na
presença da pré-calicreína e do cininogênio de elevado peso molecular, sofre autoativação,
clivando o fator XII em duas proteases séricas: fator XIIa e fator XIIf.

190 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


O fator XIIa ativará o fator XIa, desencadeando a via intrínseca da coagulação. O fator
XIIa também ativará o cininogênio de elevado peso molecular, levando à formação de bra-
dicinina6, um potente peptídeo vasoativo.
Finalmente, o fator XII vai clivar a pré-calicreína, formando a calicreína, que se constitui
no mais potente mediador que visa à ativação neutrofílica e à indução da fibrinólise e, por
fim, leva à criação de um círculo vicioso, que acabará amplificando a reação inflamatória7.
2.2 Via intrínseca e extrínseca da coagulação
No caso da circulação extracorpórea, a ativação da via intrínseca tem início logo que o san-
gue entra em contato com a superfície do circuito. Na presença dos fatores cininogênios de
elevado peso molecular, XIIa que ativará o fator XI em fator Xia, teremos o passo inicial para
a ativação da via intrínseca. A via intrínseca terá seguimento com o encontro do fator IX, em
presença de fosfolipídios específicos e do Ca2+, além do fator VIII para ativar o fator X.
O fator Xa é o ponto-chave para o encontro da via intrínseca com a via extrínseca. O fator
Xa, na presença do fator V, de Ca2+ e de fosfolipídios específicos, agirá como uma protease,
que converterá a molécula da protrombina (inativa) em trombina.
A trombina apresenta uma diversidade de mecanismos hemostáticos, incluindo a ativa-
ção dos fatores V, VIII e XI e o mecanismo de ativação do fator VII. Promove ação cons-
tritora subendotelial da célula da musculatura lisa durante lesão vascular8. No entanto, a
principal ação da trombina durante a circulação extracorpórea é a clivagem do fibrinogênio
em fibrina, que ativará o fator XIII, cuja função é estabilizar e formar um tampão de fibri-
na. A ativação plaquetária via receptor específico da trombina e a estimulação adicional da
célula endotelial produzirão o fator de von Willebrand (promovendo uma agregação mais
intensa das plaquetas). Todo esse processo formará, a partir da superfície criada no circuito,
a ativação e adesão dos fatores de coagulação, que terminarão com uma explosão da trom-
bina necessária à hemostasia.
Essa é a via da coagulação que predominará durante o processo de coagulação induzida
pela circulação extracorpórea. A trombina também apresentará outras funções, como ser a
chave da formação e estimulação dos mediadores do processo inflamatório e da produção
de diversos fatores de crescimento, além de substância vasoativa que promoverá adesão neu-
trofílica, atração de macrófagos e aumento da permeabilidade vascular8.
O fator tissular - uma membrana glicoproteica da célula endotelial - vai se ligar ao fator
VII circulante, formando o complexo fator “tissular - fator VII” que, na presença de Ca 2+ e
fosfolípides catalizadores, vão converter o fator X em fator Xa. Citocinas pró-inflamatórias
liberadas durante a circulação extracorpórea podem estimular neutrófilos e monócitos que
promoverão a ativação de fatores tissulares endoteliais9-12 que, na presença de monócitos,
vão ativar o fator VII, em especial em contextos em que se observa a existência de plaquetas
ativadas, como é o caso da presença de sangue no circuito de circulação extracorpórea10,12 .
Logo, torna-se necessário a utilização de heparina para a não formação de coágulos no inte-
rior do circuito de circulação extracorpórea.
A heparina promove a alteração conformacional da antitrombina III, impedindo esta de
atuar em seu receptor e, portanto, inibindo indiretamente a formação de trombina13. A he-

Resposta inflamatória sistêmica da circulação extracorpórea (CEC) | 191


parinização não é isenta de riscos - promove trombocitopenia14, hipercalemia secundária15
(raramente) e inibição da aldosterona.

2.3 Complemento
Os quatro sistemas de proteína formados no plasma durante a circulação extracorpó-
rea é o que denominamos sistema de complemento. Um sistema natural de nossas defesas
imunológicas composto por 35 substâncias proteicas altamente citotóxicas. O ser humano
naturalmente possui fatores plasmáticos que inibem e controlam a formação desses quatro
sistemas16,17. A ativação do complemento pode ocorrer através de três vias: uma via clássica,
que envolve um sistema immune complex (anticorpo-antígeno); uma via alternativa (a ati-
vação do complemento ocorre isoladamente mediante a presença de um agente patógeno
e diante da presença de uma superfície estranha, reconhecida como non self). [Falta uma
via? Só há duas] Todas as três vias estão ligadas à mesma protease, porém, com variações
mediante a via, denominada C3 protease, que, por sua vez, vai clivar a C3 protease em C3a
e C3b. A partir desse ponto, teremos diversas clivagens, ativações e desencadeamentos de
eventos imunológicos.
A via non self é a principal via ativada durante a circulação extracorpórea que leva à hi-
drólise do C3 formando C3a e C3b. O C3b promoverá a ativação plasmática da proteína
fator B, que será clivado em fator Ba e Bb. O fator Bb promoverá a liberação de mais quan-
tidades de fator C3b e a ativação do fator C3bBb. Ao passo que Ba é produzido em menores
quantidades. Quando C3b catalisa - através da C3 convertase, C3b, em especial alguns de
seus fragmentos, por meio de uma via alternativa - promoverá a formação de C3bBbC3b. A
C3bBbC3b é também denominada C5, que, por sua vez, desencadeará outra via alternativa,
através da ativação de C5a e C5b. A C5a ativa diretamente os neutrófilos e a C5b inicia a for-
mação de membranas de ataque complexas denominadas C5b, C6, C7, C8 e um polímero de
C9. As membranas de ataque complexas comportam-se também como canais de membrana
capazes de produzir a lise celular osmótica e a morte celular.
A circulação extracorpórea também ativa a via clássica do complemento. Há provavelmente
três gatilhos para esse mecanismo: a formação do complexo heparina-protamina, a liberação
de endotoxinas da flora intestinal e a ativação de C1 pelo fator XIIa produzido nessa situação
pelo contato sangue-circuito. Essa via envolverá, por fim, três proteínas ou complementos: C1,
C2 e C4. Assim, C2 e C4 se dividirão em C2a e C4b. Essas duas substâncias são as descritas
C3 convertase. Sabe-se que a via non self possui uma alça que atua como feedback positivo em
nível de C3bBbC3b, que amplificará ainda mais a ativação do complemento3.
A formação de C3a, C4a e C5a representará um importante mecanismo inflamatório que
vai atuar como anafilotoxinas (C5a é, entre todas, a mais potente), que vão alterar a perme-
abilidade capilar e o tônus vasomotor, podendo resultar em contração da musculatura lisa
brônquica e hipotensão18. A C5a rapidamente se ligará aos neutrófilos19 e se combinará com
membranas de ataque complexas com estimulação de neutrófilos e ativação plaquetária.
Esse mecanismo levará a lise celular cardíaca e possível dano plaquetário20. A resposta está
em como poderemos frear esses processos imunológicos. Até o momento, nenhum fármaco
ou técnica tem se mostrado muito eficaz.

192 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


2.4 Fibrinólise
Quinze sistemas plasmáticos ativados durante a circulação extracorpórea correspondem
ao sistema fibrinolítico, que busca contrabalancear o sistema de coagulação21.
O plasminogênio é uma proteína inativa sintetizada no fígado e nas células endoteliais.
Apesar de ele não ser capaz de clivar a fibrina, possui grande afinidade por ela e é incorpora-
do ao coágulo quando este é formado. O plasminogênio assume a forma ativa, a plasmina,
por causa de um ativador celular (t-PA). A plasmina é uma protease sérica que promove a
degradação do coágulo após diversos dias em circunstâncias normais. A ativação da plasmi-
na, bem como sua inibição, é regulada por proteínas que incluem a α2-antiplasmina, a α-2
macroglobulina e o inibidor da fibrinólise pelo ativador da trombina. Ela ocorre continua-
mente durante a circulação extracorpórea promovida, em especial pelo pericárdio. Com o
contínuo aumento da trombina, há um progressivo incremento dos níveis da t-PA e do polí-
mero D, bem como de sua duração - células endoteliais produzem significativas quantidades
de t-PA50, fator XIIa e calicreína com amplificação do processo de fibrinólise. Há aumento
significativo de sangramento no peri e pós-operatório. Finalmente, a ativação desse ciclo
promoverá a redução da adesão e agregação plaquetária, em razão da redistribuição dos re-
ceptores da glicoproteína Ib e IIb/IIIa22-25.
2.5 Resposta celular
A resposta celular à CEC resulta, principalmente, na ativação dos leucócitos, do endoté-
lio e das plaquetas.
2.5.1 Ativação dos leucócitos
A ativação dos leucócitos, decorrente da CEC, promove quimiotaxia, adesão endotelial e
transmigração dessas células. Tal ativação é mediada pelo contato do sangue com o circuito
e pela liberação de mediadores inflamatórios, como complemento C3a e C5a, interleucinas
IL-6 e IL-8, fator ativador de plaquetas (PAF), leucotrieno B4 e endotoxina 26.
Os leucócitos ativados podem causar danos teciduais e disfunção de órgãos por vários
mecanismos. O aglomerado de leucócitos resultante da adesão endotelial pode resultar em
oclusão microvascular e isquemia do tecido ou órgão26.
A adesão dos leucócitos ao endotélio resulta da expressão da P-selectina na superfície en-
dotelial, que interage com uma glicoproteína da superfície do leucócito e, como a afinidade
é pequena, o resultado é uma ligação intermitente do leucócito ao endotélio, caracterizada
como “rolamento” dos leucócitos. Posteriormente, os leucócitos se ligam a outro tipo de pro-
teína da superfície endotelial, as β-integrinas, às quais permanecem firmemente aderidos e
cessam o deslocamento lateral27.
Os leucócitos ativados podem também promover a liberação de metabólitos tóxicos
e enzimas que podem lesionar os tecidos. Por exemplo, a transmigração de leucócitos no
compartimento intersticial é facilitada pela molécula de adesão celular endotelial plaque-
tária (PECAM-1), a qual se expressa em junções de células endoteliais. Após alcançarem o
compartimento extravascular, os leucócitos ativados liberam radicais livres reagentes com
oxigênio, proteases e elastases que aumentam a permeabilidade vascular, promovem edema,
trombose e morte das células do parênquima do órgão28.

Resposta inflamatória sistêmica da circulação extracorpórea (CEC) | 193


Além disso, as interleucinas IL-6 e IL-8 liberadas durante a CEC modulam a apoptose
celular. A apoptose é um processo de morte celular programada, mediada por um grupo
de enzimas intracelulares denominadas caspases. As interleucinas reduzem a atividade das
caspases leucocitárias e retardam o processo de apoptose dos neutrófilos, o que prolonga a
sobrevivência dos leucócitos ativados e contribui para o processo inflamatório29.
2.5.2 Ativação endotelial
A CEC promove ativação endotelial vascular indireta, por meio das citocinas, do com-
plemento ativado, das endotoxinas e pela lesão de isquemia e reperfusão1.
Alguns mediadores, como o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), a interleucina IL-1 e
as endotoxinas, ativam o endotélio a produzir moléculas de adesão de leucócitos. Especifi-
camente, a CEC resulta em expressão endotelial aumentada do fator ativador de plaquetas,
óxido nítrico, endotelina, metabólitos do ácido araquidônico, selectinas, integrinas e outras
moléculas de adesão26.
2.5.3 Ativação plaquetária
A CEC promove ativação das plaquetas e redução da contagem absoluta dessas células.
Os mediadores da ativação plaquetária são a heparina, a hipotermia e o contato direto com
o circuito da CEC26.
Durante a CEC, ocorre aumento da expressão da P-selectina plaquetária e do receptor
glicoproteína Ib (Gp Ib), o que aumenta a propensão de as plaquetas ativadas aderirem aos
leucócitos e ao endotélio vascular, respectivamente30.

3. Mediadores inflamatórios plasmáticos


3.1 Citocinas e quimiquinas
O papel das citocinas na resposta inflamatória do sistema imune tem sido recentemente
revisado31,32 . A ativação do sistema imune é observada em qualquer operação, porém, em
cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea (CEC), ocorre uma potente resposta ao es-
tresse que ativa a resposta inflamatória sistêmica (SIRS) por inúmeros mecanismos, entre
eles, o contato do sangue com a superfície estranha do circuito de CEC, a injúria por isque-
mia e reperfusão durante o clampleio e desclampleio da aorta e, por fim, a endotoxemia, que
resulta na translocação de endotoxinas através da barreira da mucosa do intestino durante
o período de hipotensão e hipoperfusão associada à circulação extracorpórea (CEC)31-34. A
resposta inflamatória depende do recrutamento e da ativação de muitas famílias de proteí-
nas, incluindo citocinas pró-inflamatórias, moléculas de adesão e quimioquinas.
As qumiocinas pertencem à subfamília das citocinas e participam do reconhecimento, da
remoção e da reparação da inflamação. As citocinas são proteínas de baixo peso molecular,
hidrossolúveis, produzidas por monócitos, macrófagos ativados, células endoteliais e outras
diversas células que agem localmente em células-alvo e por células do sistema imunológico,
através da ativação das proteinoquinases ativadas por mitógenos34. São agrupadas em in-
terleucinas (IL, enumeradas sequencialmente de IL-1 a IL-35), fatores de necrose tumoral
(TNF-α), quimiocinas (citocinas quimiotáticas), interferon (IFN) e fatores de crescimento

194 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


mesenquial35. As citocinas são divididas em pró-inflamatórias (Th1), que aumentam a ativida-
de inflamatória, e anti-inflamatórias (Th2), que atenuam a atividade inflamatória (Tabela 1).
Tabela I - Principais citocinas
Pró-inflamatórias Anti-inflamatórias
TNFα IL-1
IL-1 IL-10
IL-2 IL-13
IL-4
IL-6
IL-8
Interferon-γ
TNF-α = fator de necrose tumoral-α; IL = interleucina.
Após a lesão tecidual, ocorre uma resposta inflamatória inicial mediada por neutrófilos e ma-
crófagos. Os macrófagos respondem com a liberação de mediadores solúveis, citocinas, que, por
sua vez, modulam outras partes da resposta imune, atuando diretamente na liberação de linfóci-
tos-T, induzindo a produção a distância de enzimas (óxido nítrico) e alterando os complexos de
adesão endotelial31. Depois de se ligar a receptores específicos de membrana celular, as citocinas
iniciam uma cascata de efeitos, inclusive a liberação de citocinas a distância. Os neutrófilos res-
pondem aos mediadores inflamatórios solúveis através da aderência ao endotélio vascular em
duas etapas. Inicialmente, os leucócitos aproximam-se e rolam sobre a superfície do endotélio.
A mediação desse processo é realizada pelas três classes de seletinas: 1) L-seletina: leucócitos; 2)
E-seletinas: células endoteliais ativadas; 3) P-seletinas: células endoteliais e plaquetas.
A aderência dos neutrófilos à microvasculatura é mediada pelas integrinas, receptores de
superfície celular, e através das moléculas de adesão (ICAM) 1 e 2. Uma diferente família de
glicoproteínas de adesão intercelular, CD-11/CD-18, é responsável pelo fortalecimento da
adesão dos neutrófilos com a ICAMs e seu subsequente extravasamento para o interstício.
Juntos, ICAMS, E-seletina, CD11/CD/18 e L-seletina aumentam o processo inflamatório
mediado pelas citocinas31-34 (Figura 1).

Fig. 1 - Ilustração da resposta inflamatória à injúria.


A resposta inflamatória das citocinas pró-inflama-
tórias causa a adesão dos neutrófilos na superfície
do endotélio. Células musculares e outras são es-
timuladas a aumentar a produção de óxido nítrico.
Na presença de O2, forma-se o peróxido (ONOO−),
que causa dano celular (Myers31)

Resposta inflamatória sistêmica da circulação extracorpórea (CEC) | 195


Esquematicamente, as citocinas são classificadas em: 1) fatores de crescimento (p. ex.,
TGFβ, fator transformador de crescimento β); 2) moduladores da quimiotaxia leucocitária,
também conhecida como qumiocinas (IL-5 e IL-8); 3) moduladores da função linfocitária
(IL-2 e IL-4); 4) moduladores da resposta inflamatória (IFN-γ, IL-1, IL-6 e TNFα)31,32 .
3.2 Fator de necrose tumoral alfa (TNF-α)
A TNF-α é uma citocina pró-inflamatória apontada recentemente como o fator crítico
para o início da cascata das citocinas, responsável pela indução da ICAM-1 e subsequente
lesão induzida pelos neutrófilos aderidos ao endotélio através dessa molécula 36. Níveis plas-
máticos dessas citocinas se elevam mais rapidamente que os outros mediadores nos pacien-
tes em circulação extracorpórea, causando hipotensão, coagulopatia e disfunção renal, o
que prolonga a permanência hospitalar e aumenta a ocorrência de SIRS e disfunção múltipla
de órgãos e sistemas (MODS)31.
3.3 Interleucina-6 (IL-6)
A IL-6 é produzida por células T, células endoteliais e monócitos, sendo mediadora da
resposta à fase aguda da lesão. Além disso, contribui para a diferenciação final e secreção
de imunoglobulinas pelas células B, assim como a ativação de células T. Já foi descrita de
várias formas; interferon-β; fator 26k; fator estimulador de células B; fator de crescimento
de plasmocitoma; fator de crescimento de hibridoma; fator estimulador de hepatócitos ou
fator diferenciador de células T citotóxicas e, posteriormente, renomeada de IL-634.
Está bem documentado que o aumento da IL-6 é um fator preditivo de infecção após ci-
rurgia cardíaca em pacientes com função ventricular esquerda deteriorada. O pico de valor da
IL-6 ocorre quatro horas após o início da circulação extracorpórea e serve como guia no trata-
mento precoce de infecção pós-cirúrgica, diferentemente de exames laboratoriais convencio-
nais, por exemplo, da medida da proteína C reativa e da contagem de leucócitos no sangue, que
não diferenciam infecção precoce de síndrome da resposta inflamatória sistêmica37.
Episódios de isquemia no eletrocardiograma e movimentos anormais da parede miocár-
dica têm sido correlacionados com o aumento inicial da IL-6, além do papel depressor do
miocárdio e pirógeno38. A IL-6 é a melhor citocina preditora dos efeitos adversos da libe-
ração das citocinas, e a diminuição de seus níveis durante a CEC é importante. A duração
do clampleio aórtico não influencia a magnitude da resposta inflamatória, e sim o tempo de
CEC, lembrando que esses estudos foram feitos em pacientes que não receberam nenhum
tipo de hemoderivado39. Há evidências de que o uso de corticoides na indução anestésica
possa reduzir os níveis da IL-6.
3.4 Interleucina 8 (IL-8)
A IL-8 é um potente fator quimiotático para neutrófilos e estimulador de neutrófilos
polimorfonucleares no endotélio pulmonar e celular. Sabe-se que há maior aumento da
IL-8 no macrófago pulmonar em relação ao plasma. O tecido pulmonar também contribui
para o aumento da IL-8, e sua concentração foi encontrada aumentada no lavado brônquico
pulmonar10. O aparecimento da IL-8 é associado com o aumento da elastase, uma protease
presente nos grânulos lisossomais dos leucócitos ligada à disfunção orgânica e influenciada

196 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


por variações de temperatura comuns durante a CEC (resfriamento e aquecimento), resul-
tando em edema por aumento da permeabilidade capilar34. O uso de metilprednisolona no
intraoperatório diminui a produção plasmática e pulmonar da IL-8 40.
3.5 Interleucina 10 (IL-10)
A IL-10 é uma citocina anti-inflamatória capaz de diminuir as taxas das IL pró-infla-
matórias (IL-6, IL-8 e FNT-α) e exercer uma função cardioprotetora, inibindo a interação
neutrófilo-endotélio. Ela inibe a proliferação de células musculares da vasculatura lisa,
representando uma fonte de proteção endógena, principalmente nos pacientes revascula-
rizados. A utilização de glicocorticoides e aprotinina no início da CEC pode aumentar a
produção de IL-10, que se origina primariamente no fígado34.
3.6 Endotelina (ET)
As substâncias vasoconstritoras secretadas pelas células endoteliais, designadas fatores
de contração derivados do endotélio (EDCFs), incluem as endotelinas (ET) e os fatores
produzidos pela via da ciclicoxigenase, como prostaglandinas H2, tromboxano H2 e ânions
superóxidos. As endotelinas são potentes peptídeos vasoconstritores e apresentam-se em
três isoformas: ET-1, ET-2 e ET-3. O endotélio vascular só produz ET-1, que é diretamente
liberada nas células musculares lisas e um pouco na luz do vaso. Existem três tipos de recep-
tor das endotelinas: ETA, ETB e ETC, e o ETB é encontrado preferencialmente nas células
endoteliais. A ativação desses receptores induz à liberação de óxido nítrico e prostaciclinas e
explica a vasodilatação inicial transitória pela aplicação intralumial da ET34. A ET-1 tem um
papel importante no desenvolvimento da hipertensão pulmonar pós-CEC, e a utilização de
antagonistas do receptor da endotelina pode reduzir a resistência vascular pulmonar e, de
forma menor, a resistência vascular sistêmica (RVS).
Kuklin e col.41 demonstraram que o antagonista dos receptores das endotelinas, Tezo-
sentan, reduz o edema pulmonar em carneiros com lesão pulmonar, porém, os benefícios
dessa droga ainda são desconhecidos. O mecanismo para o Tezosentan induzir à diminui-
ção da lesão pulmonar em resposta à liberação das endotelinas parece ser o de atenuação da
isoforma da proteinoquinase C (PKC), que é responsável pela ruptura da barreira endote-
lial. Bloqueadores das endotelinas não influenciam o fluxo sanguíneo miocárdico imediato
após cirurgia de revascularização miocárdica, pois as ET não têm influência no tônus basal
dos vasos coronarianos.
3.7 Óxido nítrico (NO)
O aumento da concentração do óxido nítrico durante a cirurgia com CEC já está bem
documentado42 . O estresse oxidativo resultante do desequilíbrio entre as defesas locais
antioxidantes e a formação de radicais livres derivados da reação do oxigênio é conhecido
na reperfusão miocárdica durante uma cirurgia cardíaca. O aumento dos radicais livres
representa um risco potencial para o miocárdio e para a elevação de complicações pulmo-
nares após a CEC31. O uso de CEC com altas concentrações de oxigênio induz à formação
de radicais livres, e esse aumento resulta em dano pulmonar e subsequente diminuição da
capacidade pulmonar e do volume expiratório forçado no primeiro segundo (FEV1).

Resposta inflamatória sistêmica da circulação extracorpórea (CEC) | 197


A ativação de células polimorfonucleares (PMNs) pode liberar enzimas proteolíticas e
quimicamente oxidativas para a circulação sistêmica e para o tecido pulmonar. Essas subs-
tâncias incluem produtos da degradação da matriz das metaloproteinases e dos radicais
livres derivados do oxigênio (mieloperoxidase, peróxido de oxigênio e superóxidos). Essas
enzimas são capazes de desenvolver lesões pulmonares pós-CEC, por meio do aumento da
permeabilidade pulmonar do endotélio alveolar, prejudicando a troca gasosa e a mecânica
ventilatória. A contribuição da mieloperoxidase ainda é controversa no dano pulmonar,
porém, seus níveis aumentados pós-CEC sugerem sua relação com lesão tecidual 32 .
Citocinas como TNF-α promovem a rápida indução da sintase do óxido nítrico (iNOS)
e têm como consequência o aumento da produção de óxido nítrico. A concentração do
óxido nítrico nas vias aéreas pode ser analisada por uma técnica de quimioluminescência
(analisador de óxido nítrico modelo 270 B Noa; Sievers Instruments, INC, Boulder, CO,
USA), e estudos concluíram que a aprotinina reduz a produção in vivo de NO e das citocinas
indutoras de nitritos pelas células epiteliais bronquiais in vitro.
Os glicocorticoides, como as aprotininas, diminuem a reação inflamatória plasmática42 .
Em transplante cardíaco, a produção do NO implica rejeição e morte dos miócitos (apopto-
se), então, mecanismos para reduzir os mediadores são benéficos41.
3.8 Metabolismo do ácido araquidônico
Metabólitos do ácido araquidônico, como prostaglandinas, prostaciclina, leucotrienos
e tromboxano (TXB2), são mediadores da reação inflamatória no pulmão e têm potentes
propriedades vasoativas.
As prostaglandinas e prostaciclinas E2 causam vasodilatação pulmonar, assim como os
leucotrienos -C4 e o tromboxane B2 (TBX2). O papel dos mediadores na função pulmo-
nar após a CEC não é inteiramente esclarecido. Sabemos que o pulmão é a maior fonte de
liberação de TXB2 após isquemia e reperfusão e a correlação entre TXB2 e deterioração
pulmonar tem sido bem demonstrada. Maior injúria pulmonar após a CEC está associada
às altas concentrações de TXB2 e baixas de prostaglandinas E2. Esse desequilíbrio favorece
o aparecimento de edema pulmonar pós-CEC, além do aumento da cicloxigenase -2, que
contribui para agravar esse quadro32 .
3.9 Endotoxemia
A endotoxina, ou lipopolissacarídeo (LPS), é um componente-chave da membrana ce-
lular de uma bactéria Gram-negativa. A endotoxina é um dos mais potentes ativadores da
SIRS. Foi identificada no soro dos pacientes por translocação do fragmento do LPS, por
meio da barreira mucosa intestinal, durante o período de hipotensão e hipoperfusão asso-
ciada à CEC. A correlação do grau da endotoxemia com os efeitos clínicos é de difícil deter-
minação, mas estima-se que 100% dos pacientes apresentam endotoxemia, embora alguns
trabalhos mostrem variabilidade nessas porcentagens. Essa variabilidade na mensuração da
endotoxemia parece se dar por causa do método laboratorial empregado: a análise da endo-
toxina in vivo é realizada tradicionalmente pelo método Lysate Amoebocyte Limulus (LAL),
porém, existe outro método diagnóstico, por meio da análise da atividade da endotoxina
(EAA). Essa análise, por meio do método LAL, sofre interferência de proteínas plasmáticas,

198 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


eletrólitos, antibióticos, metais, hormônios, diluição do plasma por soluções cristaloides ou
hemodiluição utilizadas em CEC. Klein e col.43 realizaram pesquisa da endotoxemia através
do método alternativo EAA e evidenciaram: 1) altos níveis de endotoxemia nos paciente
em CEC; 2) correlação do tempo de CEC com o aumento da endotoxemia e 3) aumento
do risco de o paciente desenvolver infecções no pós-operatório após CEC. Estratégias para
diminuir o grau de endotoxemia incluem: antagonistas dos receptores toll-like (TLR4);
sistema extracorpóreo removedor de endotoxinas e cirurgia cardíaca sem CEC. Terapia
com anticorpos monoclonais antiendotoxinas tem sido utilizada, porém, essa terapêutica
tem sido um tanto quanto desapontadora, em parte por causa da dificuldade de medir as
endotoxinas antes ou durante a CEC43-45.

4. Estratégias terapêuticas anti-inflamatórias mecânicas


4.1 Hemofiltração
A mistura do sangue do paciente com a solução de priming no início da CEC resulta em
abrupta hemodiluição. Essa hemodiluição convencional é benéfica por facilitar a perfusão dos
tecidos. Entretanto, se o hematócrito cair abaixo dos 23%, ocorre o aumento do edema inters-
ticial em órgãos vitais e consequente elevação da mortalidade46,47. A ultrafiltração modificada
(UFM) é realizada imediatamente após o término da CEC; o sangue é retirado da linha ve-
nosa (cânula venosa do átrio direito) e bombeado através do ultrafiltro. Depois de atravessar o
ultrafiltro, o sangue ingressa na circulação do paciente, por meio da cânula aórtica.
A UFM é utilizada em cirurgia cardíaca com CEC para remover o volume de priming e
reduzir o edema pós-operatório, a água corporal total, resultando em melhora da oxigena-
ção pulmonar. Além dessas funções, a ultrafiltração remove citocinas pró-inflamatórias33.
Estudos demonstram a redução das IL-6, IL-8 e tromboxane B2, porém, parece não afetar
os níveis das endotelinas. Observaram-se também redução significativa na complacência
pulmonar, diminuição da resistência das vias aéreas, aumento das trocas gasosas após a
CEC e diminuição do gradiente de oxigênio alvéolo-capilar (P(A-a) O2). Todos esses efeitos
são observados somente nas primeiras seis horas após a CEC, e não existem resultados que
confirmem melhora nas respostas clínicas em relação a tempo de entubação, permanência
na unidade de terapia intensiva ou alta hospitalar46.
A ultrafiltração zero balance é outro método de hemofiltração, em que se adicionam altos
volumes de solução no priming da CEC com posterior hemofiltração de todo o fluido, finali-
zando com balanço zero. É eficiente na redução da quantidade de mediadores inflamatórios
associados à CEC e na proteção à injúria pulmonar, mas não está associada à redução da
incidência de déficits cognitivos48.
4.2 Filtros leucocitários
Desde que estudos comprovaram o importante papel dos leucócitos na lesão pulmonar, ini-
ciou-se o uso de filtros leucocitários com o intuito de reduzir a concentração deles, porém, com
resultados ambíguos. Alguns estudos atestam redução dos níveis de IL-8, preservação da função
pulmonar e redução dos radicais livres enquanto outros não demonstram essa diferença 3,32,46-49.
Outros estudos demonstram - embora exista remoção dos leucócitos da circulação - que a conta-

Resposta inflamatória sistêmica da circulação extracorpórea (CEC) | 199


gem dos neutrófilos sistêmicos pode ou não ser reduzida, lembrando que os filtros não oferecem
nenhuma preservação da função pulmonar na CEC menor que 90 minutos de duração. Warren e
col.50, em uma revisão extensa, concluíram que os filtros removem os leucócitos ativados, embora
não necessariamente diminuam o número deles. Segundo: uma melhora relativa dos parâmetros
da função pulmonar não diminui a mortalidade ou os resultados clínicos, apesar da atenuação
da resposta inflamatória, e, finalmente, não existem evidências de dados suficientes para tornar
rotineiro o uso dos filtros leucocitários em cirurgia cardíaca. O papel da SIRS na incidência da
fibrilação atrial - uma arritmia que ocorre comumente em 20% a 50% dos pacientes nos primei-
ros dois ou quatro dias do pós-operatório de cirurgia cardíaca - ainda não é claro, mas parece ser
multifatorial, e a hemofiltratação não diminui a incidência dela.
4.3 Temperatura
Em pacientes com temperatura de 28 oC a 30 oC, observou-se uma redução da expressão
de moléculas de adesão de leucócitos, elastases neutrofílicas, TNF-α, IL-1 e IL-652 . Entre-
tanto, ainda não é decisivo o benefício clínico da hipotermia, uma vez que os estudos apre-
sentam conclusões conflitantes53,54.
4.4 Fluxo da CEC
Em razão do fato de o fluxo sanguíneo normal ocorrer de maneira pulsátil em condições
fisiológicas, surgiu a hipótese de que a imitação desse tipo de fluxo durante a CEC reduziria
a resposta inflamatória sistêmica. Embora alguns estudos demonstrem a redução da libera-
ção de endotoxinas e mediadores pró-inflamatórios, os resultados de outros estudam não
apontam nessa direção26,55.
4.5 Circuitos revestidos com heparina
Os circuitos da CEC revestidos com heparina parecem promissores. Comparados com
os circuitos convencionais, reduziram a ativação do complemento, os níveis de citocina e a
expressão de moléculas de adesão endotelial 26.
Clinicamente, observou-se também a redução da incidência de alterações cognitivas em
pacientes que foram submetidos a esses circuitos55.

5. Estratégias terapêuticas anti-inflamatórias farmacológicas


Podemos classificar as estratégias de combate à reação inflamatória sistêmica secundária
à circulação extracorpórea como sendo: estratégias farmacológicas; estratégias técnicas (de
perfusão e do próprio circuito de circulação extracorpórea) e, por fim, desde que possível, a
não utilização da circulação extracorpórea.
Não há uma única estratégia farmacológica que tenha como objetivo inibir a reação in-
flamatória aguda como um todo, embora diversos protocolos vêm sendo estudados, alguns
com resultados melhores e outros com resultados poucos satisfatórios56.
5.1 Antifibrinolíticos
O uso dos antifibrinolíticos após a “era” da aprotinina, em busca não somente do efeito
antifibrinolítico, mas também de uma ação anti-inflamatória agregada, não se mostrou efi-

200 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


caz. O efeito anti-inflamatório da aprotinina mostrava-se mais evidente que os fármacos e
protocolos atualmente utilizados, em especial quando associado a outros fármacos57.
Cappabianca demonstrou, em uma metanálise, que o uso de corticoide, metilpredni-
solona (51,4%), dexametasona (34,3%), hidrocortisona (5,7%), prednisolona (2,9%) ou a
combinação de metilprednisolona e dexametasona (5,7%) mostrou-se capaz de atenuar a
resposta, reduzindo a incidência de fibrilação atrial, sangramento e tempo de permanên-
cia em unidade de terapia intensiva, sem aumento na incidência de infecção no período
pós-operatório. Defendia, assim, a utilização de corticoide durante a cirurgia cardíaca
associada à circulação extracorpórea. Observação esta sustentada por Eagle e col. em gui-
deline elaborado por uma força conjunta designada pelo American College of Cardiology/
American Heart Association, elaborado em 2004, como revisão de guideline previamente
elaborado em 199958,59.
Pode-se observar que tanto o uso do corticoide como da aprotinina é capaz de inibir
a ativação do complemento, a produção de plasmina e a adesão leucocitária e reduzir
a produção de citocinas. No entanto, a utilização do corticoide não é capaz de inibir,
assim como a aprotinina é capaz de realizar, a supressão de interleucina 10. Por outro
lado, o corticoide mostrou-se capaz de impedir a produção de óxido nítrico por ação
direta com o óxido nítrico sintetase, que se mostra, até o momento, substância respon-
sável pela vasoplegia 60.
A aprotinina, adicionalmente, se apresenta protetora junto com a degradação das plaque-
tas, ação não promovida pelo corticoide60. Numa metanálise, foi comparada a perda sanguí-
nea quando da associação do ácido tranexâmico com o corticóide e do ácido tranexâmico
isoladamente, bem como do ácido tranexâmico e a aprotinina. Não foi demonstrada perda
sanguínea significativa entre os protocolos descritos61.
5.2 Sangue e hemoderivados - uso do hemoconcentrador
A hemoconcentração também parece ser capaz reduzir alguns mediadores inflama-
tórios, como as citocinas e demais componentes da reação inflamatória induzida pela
circulação extracorpórea62-64.
5.3 N-acetilcisteína
A N-acetilcisteína tem estado associada à redução de substâncias mediadoras do pro-
cesso inflamatório induzido pela circulação extracorpórea, com redução da produção de
citocinas e de radicais livres. Recente metanálise com a N-acetilcisteína não foi capaz de
demonstrar tal efeito sem que houvesse aumento na taxa de morbidade e mortalidade65,66.
5.4 Eritropoietina
Outra substância também associada ao combate à reação inflamatória da circulação
extracorpórea é a eritropoetina administrada no período perioperatório. No entanto, es-
tudos prospectivos, aleatórios, duplamente encobertos, placebo controlados utilizando a
eritropoetina em doses baixas e elevadas têm demonstrado que ela não é capaz de reduzir
a liberação de citocinas inflamatórias, além de poder aumentar a produção do fator de
necrose tumoral-α 67,68.

Resposta inflamatória sistêmica da circulação extracorpórea (CEC) | 201


5.5 Varredores de radicais livres e antioxidantes
Substâncias possivelmente dotadas de ação antioxidante vêm sendo estudadas em ani-
mais com alguns resultados “encorajadores”, entre elas podemos citar: manitol, alopurinol,
superóxido dismutase, catalase, vitamina C e vitamina E. Podemos aqui também citar a
N-acetilcisteína descrita anteriormente. No entanto, os resultados observados em estudos
com seres humanos não encorajam, nem preconizam, a utilização dessas substâncias em
seres humanos, visando ao combate da ação antioxidante ligada à circulação extracorpórea.
Alguns estudos em seres humanos demonstraram que a cardioplegia cristaloide é capaz de
promover resultados melhores que a cardioplegia sanguínea. No entanto, paira a questão
no ar: os melhores resultados dependeriam ou não da presença dos elementos figurados e
seus hemoderivados? Existem novas substâncias sendo estudas experimentalmente, porém,
trata-se apenas de mais uma possível opção69.
5.6 Inibidores do complemento
Substâncias capazes de inibir a ativação do complemento estão sendo estudadas. Trata-
-se de substâncias de fase precoce associadas à reação inflamatória da circulação extracor-
pórea. Estudos aleatórios e retrospectivos foram analisados. A substância até o momento
mais estudada é o pexelizumab, no entanto, os resultados são pouco encorajadores70-73.
5.7 Inibidores da fosfodiesterase
Os inibidores da fosfodiesterase aumentam os níveis intracelulares de adenosina monofosfato
cíclica e seu mecanismo celular de ação clínica, e acredita-se também que combatam a reação
inflamatória associada à circulação extracorpórea. A milrinona, inibidora específica da fosfo-
diesterase III, reduz a produção de interleucina-6 e interleucina 1β e pode aumentar a perfusão
gastrointestinal, reduzindo, assim, a endotoxemia por translocação bacteriana isquêmica. No
entanto, sua utilização para esse fim ainda é incerta e necessita de confirmação clínica69,74.
5.8 Outros
Outros fármacos que podem ser citados é o nitroprussiato de sódio, um doador de óxido
nítrico. Seu mecanismo de ação ainda é incerto - parece reduzir a ativação do complemento
e a expressão de certas substâncias inflamatórias69,75. A heparina já foi investigada, porém,
se há uma ação anti-inflamatória, é de difícil comprovação. O mesmo pode-se dizer sobre a
dopexamina, os antagonistas H2 e os inibidores da enzima conversora da angiotensina69,76.
Encontraram-se boas evidências em animais com o uso da morfina quando comparado a ou-
tros opioides, porém, seu mecanismo de ação é incerto26,69. Por fim, temos um agente sendo
estudado experimentalmente em animais que tem se mostrado capaz de inibir a ativação do
complemento e a adesão leucocitária endotelial, denominado sCR1sLe(X)69.
6. Conclusões
Embora o entendimento atual sobre a fisiopatogenia da resposta inflamatória à CEC
tenha avançado nas últimas décadas, as ideias experimentais necessitam ser integradas à
prática clínica. Algumas vezes, o tratamento da inflamação é confundido com a supressão
de uma resposta fisiológica protetora que pode resultar em imunossupressão. Embora seja

202 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


improvável que uma única estratégia terapêutica seja suficiente para evitar a morbidade
associada à CEC, a combinação de múltiplas medidas farmacológicas e mecânicas, cada
uma delas direcionada a um componente da resposta inflamatória, pode promover melhora
clínica significativa nos resultados da cirurgia com CEC.

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206 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Capítulo 13

Técnicas de separação
pulmonar – atualização
Bruno Mendes Carmona
Rosalice Miecznikowski
Enis Donizetti Silva
Técnicas de separação pulmonar – atualização
A evolução de procedimentos e técnicas anestésicas ao longo dos anos pode ser con-
siderada um dos principais fatores responsáveis pelo avanço da cirurgia torácica. O atual
conhecimento da mecânica e fisiologia pulmonar permite ao anestesiologista garantir boas
condições à equipe cirúrgica para que esta realize as intervenções necessárias com adequa-
da segurança ao paciente1.
A maioria dos procedimentos torácicos é realizada com o paciente em decúbito lateral
oposto ao sítio cirúrgico, isto é, utiliza-se o decúbito lateral esquerdo para abordagem do
pulmão direito e vice-versa. O pulmão inferior, em contato com a mesa cirúrgica, é dito
dependente, enquanto o superior, a ser operado, é dito não dependente.
O anestesista deve zelar pelo posicionamento adequado do paciente, inclusive utilizando
coxins para estabilizar o corpo do paciente anestesiado e evitar lesões compressivas e estira-
mento de nervos periférico (Figura 1).

Fig. 1 - A) decúbito lateral inadequado, sem coxins protetores; B) decúbito lateral adequado, com
coxins protetores
O decúbito lateral, com paciente respirando espontaneamente com o tórax fechado,
induz alterações fisiológicas importantes, cujo conhecimento é fundamental para a compre-
ensão das demais mudanças causadas por abertura do tórax, apneia (paciente anestesiado) e
ventilação controlada com pressão positiva1-3.
Durante o decúbito lateral, o fluxo sanguíneo pulmonar, por influência da gravidade, é
maior no pulmão dependente, que sofre compressões externas do mediastino e do abdome.
Além disso, trabalha na porção mediana da faixa de complacência pulmonar. O pulmão não
dependente não sofre compressões externas e trabalha na porção superior da faixa de com-
placência pulmonar, cuja perfusão é inadequada (Figura 2)1,4.

208 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Fig. 2 - Com o paciente acordado, em decúbito lateral, o pulmão inferior situa-se na faixa em que a relação
ventilação-perfusão é melhor (lado esquerdo da figura); com o paciente anestesiado, em decúbito lateral, o
pulmão superior situa-se na faixa de melhor relação ventilação-perfusão; no entanto, esse pulmão não será
ventilado (lado direito da figura); com o paciente anestesiado em decúbito lateral, o pulmão inferior situa-
-se na porção não complacente da curva volume-pressão

As zonas de West distribuem-se entre os pulmões dependente e não dependente, estando


a zona 1 na porção mais superior do pulmão não dependente e a zona 3 na porção mais infe-
rior do pulmão dependente (Figura 3). A zona 2 abrange as regiões próximas ao mediastino.
Assim, há predomínio do efeito shunt no pulmão inferior e efeito espaço morto no pulmão
superior, semelhante ao que ocorre com a posição supina, em que o efeito shunt predomina
nas bases pulmonares e efeito espaço morto nos ápices1,2 .

Fig. 3 - Zonas de West em decúbito lateral; o pulmão inferior é o dependente e o superior, o não dependen-
te; observar correspondência entre as zonas de West na posição ereta e durante o decúbito lateral

Em situações normais, o pulmão direito é responsável por 55% da capacidade resi-


dual funcional (CRF) e o esquerdo, 45%. Uma pesquisa que visa à diminuição do risco
de trauma causada por volume recomenda a utilização da mesma pressão de platô (30
cm H 2 O) durante a ventilação pulmonar mono ou bilateral com aumentos modestos
na frequência respiratória 5 . No passado, era comum o uso de volumes correntes ele-
vados (10 ml/kg) para melhorar a oxigenação durante a ventilação monopulmonar,

Técnicas de separação pulmonar – atualização | 209


no entanto, essa prática está associada a maior incidência de lesões pulmonares 6-8 .
Manobras de recrutamento alveolar têm sido estudadas para melhorar o manejo da
ventilação monopulmonar 9.
O óxido nítrico inalado pode melhorar a oxigenação durante a ventilação monopul-
monar, porém, os melhores resultados são obtidos quando há o uso concomitante de
pressão expiratória final positiva (PEEP). Baixas doses de almitrina associadas a óxido
nítrico inalado também podem beneficiar o paciente e melhorar a oxigenação em anes-
tesia monopulmonar10 .

1. Indicações para a separação monopulmonar


O domínio da mecânica e fisiologia pulmonar permite a realização de anestesia com
ventilação monopulmonar, garantida pelo isolamento pulmonar, por meio de bloqueadores
brônquicos, tubos endobrônquicos de lúmen único ou duplo.
As indicações para a realização de anestesia monopulmonar são divididas em absolutas
e relativas.

Indicações absolutas (Tabela 1)


–– Controle de secreções - este é o objetivo mais importante das técnicas de isolamento
pulmonar: garantir que o pulmão não operado (inferior ou dependente) não seja
contaminado por secreções purulentas (abscessos pulmonares) ou sangue (hemor-
ragia maciça), sendo fundamental para a manutenção das trocas gasosas adequadas
do paciente1,11.
–– Controle da ventilação - existem patologias pulmonares em que a ventilação ex-
clusiva do pulmão sadio beneficia sobremaneira o paciente anestesiado: na pre-
sença de fístulas broncopleurais ou broncopleurocutâneas de alto débito, cistos
ou bolhas pulmonares unilaterais e ruptura ou trauma do brônquio fonte2 . A ven-
tilação monopulmonar permite que as trocas gasosas sejam mais eficientes que na
ventilação bilateral.
–– Lavagem brônquica unilateral - o isolamento pulmonar é obrigatório para evitar a con-
taminação do pulmão sadio2.
–– Cirurgia torácica videoassistida - a separação pulmonar garante melhores condições
e campo cirúrgico para visão em duas dimensões e vem aumentando a realização
desses procedimentos2 .

Indicações relativas - exposição do campo cirúrgico2,12 (Tabela 1)


–– Alta prioridade - a anestesia monopulmonar para pneumonectomia, lobectomia supe-
rior e correção de aneurisma de aorta torácica melhora significativamente a exposição
do campo cirúrgico.
–– Baixa prioridade - cirurgias do esôfago, lobectomia média e inferior e toracoscopia
podem ser realizadas com ventilação bilateral convencional. No entanto, o isolamento
pulmonar, com colapso do lado abordado, pode melhorar o campo cirúrgico.

210 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Tabela I – Indicações de ventilação monopulmonar
Absolutas
1. Isolamento pulmonar para prevenir a contaminação do pulmão sadio
a. Infecção (abscesso, cisto infectado)
b. Hemorragia maciça
2. Controle da distribuição para apenas um pulmão
a. Fístula broncopleural
b. Fístula broncopleurocutânea
c. Cisto ou bolhas unilaterais
d. Ruptura ou trauma de brônquio fonte
3. Lavagem brônquica unilateral
4. Cirurgia toracoscópica videoassistida
Relativas
1. Exposição cirúrgica - alta prioridade
a. Aneurisma de aorta torácica
b. Pneumonectomia
c. Lobectomia superior
2. Exposição cirúrgica - baixa prioridade
a. Cirurgia de esôfago
b. Lobectomia média ou inferior
c. Toracoscopia sob anestesia geral
d. Cirurgias na coluna torácica

2. Técnicas
As técnicas de isolamento pulmonar incluem o uso de bloqueadores brônquicos (BB),
tubos brônquicos de lúmen único e tubos de duplo lúmen (TDL). Os BB são inseridos no
pulmão, que deve ser colapsado, e os TDL devem ser introduzidos no pulmão dependente.
No entanto, os TDL podem ser inseridos para os dois lados, havendo tendência para ser
inserido à esquerda, por causa do comprimento do brônquio fonte esquerdo, cuja primeira
ramificação encontra-se a mais de 5 cm da carina, permitindo, assim, a ventilação adequada
para ambos os lados11,13.
2.1 Tubos de duplo lúmen
Atualmente, os TDL são os dispositivos mais utilizados para separação pulmonar e ven-
tilação monopulmonar. Basicamente, são duas sondas traqueais unidas, sendo um lúmen
mais curto (traqueal) e outro mais longo, para alcançar o brônquio fonte. Possuem também
dois balonetes, um proximal, para vedar a traqueia, e outro distal, para vedar o brônquio
fonte e isolar os pulmões um do outro1,12,14.
Todos os TDL possuem uma curvatura proximal para facilitar sua inserção na traqueia
e outra curvatura distal para facilitar sua inserção no brônquio fonte. Essa curvatura distal
pode ser direita ou esquerda, de acordo com o lado a ser entubado12 .
Existem TDL direitos e esquerdos que devem ser introduzidos no brônquio fonte direito
e esquerdo, respectivamente. O brônquio fonte a ser entubado é o do pulmão sadio, isto
é, aquele que será ventilado durante a anestesia monopulmonar. Então, os tubos direitos
são utilizados para toracotomia esquerda e os tubos esquerdos, para toracotomia direita. As

Técnicas de separação pulmonar – atualização | 211


entubações seletivas à direita podem excluir o lobo superior direito por deslocamento ou
posicionamento inadequado da fenda de ventilação, que deve coincidir com o orifício do
brônquio do lobo superior direito. A entubação seletiva à esquerda pode ser utilizada para
toracotomia esquerda, sendo o pulmão direito ventilado pelo orifício traqueal do TDL com
os dois balonetes insuflados. Quando há necessidade de manipulação do brônquio fonte
esquerdo, o tubo deve ser recuado e o balonete distal, insuflado na traqueia, garantindo,
assim, a ventilação do pulmão direito (Figura 4). Essa situação não é possível quando há
compressão externa das vias aéreas ou lesão proximal do brônquio fonte esquerdo1,12 .

Fig. 4 - A) pneumonectomia direita com tubo de duplo lúmen esquerdo; B) pneumonectomia esquerda com
tubo de duplo lúmen direito; C) pneumonectomia esquerda com tubo de duplo lúmen esquerdo recuado

Anatomicamente, é importante ressaltar que o brônquio fonte direito é mais calibroso


e verticalizado, sendo praticamente uma continuação da traqueia, o que facilita sua entu-
bação com simples progredir do tubo. Já o brônquio fonte esquerdo é menos calibroso e
mais horizontalizado, formando um ângulo de 45o com a traqueia, sendo mais difícil sua
entubação às cegas12 .
O tamanho do TDL a ser utilizado deve ser o maior possível para o paciente em questão.
Os tubos de maior diâmetro são mais facilmente posicionados, possuem menor deslocamen-
to e menor resistência ao fluxo de gases. A passagem do fibroscópio e da sonda de aspiração
também é mais fácil. A desvantagem desse maior diâmetro está relacionada a maior risco de
lesão traqueobrônquica, enquanto tubos de tamanhos inadequados ainda podem necessitar
de maior volume para encher o balonete distal, o que aumenta o risco de isquemia da muco-
sa brônquica e herniação do balonete além da carina, causando obstrução da ventilação do
outro pulmão1,12 .
Após a inserção do TDL, deve ser realizada a verificação clínica do posicionamento
deste, obedecendo à seguinte sequência2:
1. Insuflar o balonete traqueal e checar a ventilação bilateral;
2. Insuflar o balonete brônquico e checar a ventilação bilateral;
3. Alternar o bloqueio da ventilação dos conectores do tubo de duplo lúmen e checar a
ventilação. O murmúrio vesicular deve desaparecer do lado bloqueado e continuar audível
do lado contralateral (ventilado).
A fibroscopia flexível permite a visualização direta da traqueia e do brônquio fonte, sendo
considerado o padrão para o correto posicionamento dos tubos de duplo lúmen14. Depois de in-
troduzir o TDL na traqueia, o fibroscópio deve ser inserido pelo lúmen brônquico, avançado até

212 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


o brônquio e, após a identificação das estruturas brônquicas, o tubo deve ser deslizado até o po-
sicionamento desejado e insuflado o balonete. Por fim, o fibroscópio deve ser retirado (Figura 5).
Quando se entuba o brônquio fonte direito, a fenda do balonete distal deve coincidir com
o orifício do brônquio do lobo superior direito. Após a mudança para o decúbito lateral, a
fibroscopia deve ser repetida para confirmar o posicionamento correto do tubo, assim como
deve ser realizada sempre que houver dúvidas sobre esse posicionamento. Em casos de en-
tubação traqueal difícil, o paciente deve ser entubado acordado1,2,12,15.

Fig. 5 - A) inserção do broncoscópio pelo lúmen


brônquico até a identificação das estruturas brô-
nquicas; B) posicionamento do TDL sob visão
direta das estruturas brônquicas

Os TDL estão relacionados com complicações decorrentes do mau posicionamento des-


tes, lesão das vias aéreas e hipóxia. O mau posicionamento pode ocasionar falha no colapso
do pulmão não dependente, isolamento pulmonar inadequado com contaminação por san-
gue ou pus do pulmão sadio e atelectasia do lobo superior direito. O mau posicionamento
pode ser decorrente da mobilização do paciente, por inserção exagerada do tubo, ficando
ambos os lúmens situados em um dos brônquios fonte, ou por inserção insuficiente do tubo,
com ambos os lúmens situados na traqueia (Figura 6).
A lesão das vias aéreas é a mais temida e inclui lesão de partes moles, deslocamento de
cartilagens (aritenoide) e ruptura traqueobrônquica, com enfisema subcutâneo, pneumo-
mediastino, pneumotórax, instabilidade hemodinâmica e hemorragia pulmonar. Essas
lesões podem ser causadas por escolha inadequada do tamanho do tubo, gancho carineal
ou mudança de decúbito. A hipóxia, entre as várias causas, pode ser originada pelo shunt ins-
talado por distribuição desproporcional do fluxo sanguíneo entre os pulmões dependente e
não dependente, alterando a relação ventilação-perfusão1,2,12 .

Fig. 6 - Mau posicionamento do TDL; A) TDL posicionado muito fora, pouco inserido; B) TDL esquerdo
posicionando muito dentro do brônquio fonte esquerdo; C) TDL direito posicionado muito dentro do
brônquio fonte direito

Técnicas de separação pulmonar – atualização | 213


As contraindicações para o uso de TDL incluem pacientes com estômago cheio, estenose
das vias aéreas no trajeto do tubo, tumores, lesões e outras anomalias no trajeto do tubo12 .
2.1.1 Tubo de Carlens
Originalmente, o tubo de Carlens foi desenvolvido para ser utilizado em broncoespiro-
metria, no entanto, ganhou espaço em anestesia monopulmonar. Esse tubo é constituído de
borracha vermelha, reutilizável, com extremidade angulada para o brônquio fonte esquer-
do, e está disponível em quatro tamanhos (Tabela 2). Além disso, há duas características
marcantes nesse dispositivo, que são os lúmens em formato oval e o gancho carineal, que
deve ser alocado na carina, para auxiliar e manter o posicionamento adequado do tubo (Fi-
gura 7). O formato oval dos lúmens dificulta a aspiração de secreções por dentro destes e o
gancho carineal dificulta o processo de entubação traqueal, podendo causar lesão de cordas
vocais, laringe e traqueia1,2,12 .
Tabela II – Tubos de Carlens disponíveis
Tamanho Diâmetro
Utilização
(French) Interno (mm)
35 5,5 Mulheres/adolescentes
37 6 Mulheres/adolescentes
39 6,5 Homens
41 7 Homens

Fig. 7 - Tubo de Carlens; observar


gancho carineal
Para inserir o tubo de Carlens, o gancho carineal deve estar voltado para baixo. Após a
passagem da extremidade distal pelas cordas vocais, o tubo deve ser girado 180o no sentido
anti-horário, até que o gancho carineal esteja voltado para cima e atravesse as cordas vocais
anteriormente. Em seguida, o tubo deve ser girado 90o no sentido horário e progredido até
que o anestesista sinta uma resistência, quando sua extremidade distal deverá adentrar o
brônquio fonte esquerdo e o gancho deverá estar firmemente posicionado na carina (Figura
7). A laringoscopia deve ser mantida até o posicionamento final da sonda1,12 .
2.1.2 Tubo de Robertshaw
Esse tubo é da década de 1960, na tentativa de diminuir as adversidades encontradas
com o uso do tubo de Carlens. Os lúmens desse tubo possuem formato em D para diminuir
a resistência das vias aéreas, facilitar a aspiração e a realização de fibroscopia. Ele não possui

214 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


gancho carineal, eliminando, assim, os problemas ocasionados por ele. Inicialmente, esse
tubo foi fabricado em borracha vermelha nos tamanhos pequeno, médio e grande e possuía
apresentações esquerda e direita, ambas com balonete distal de baixo volume e alta pressão.
O balonete do tubo de Robertshaw direito possui uma fenda para facilitar a ventilação do
lobo superior direito (Figura 8)12,16.

Fig. 8 - Tubo de Robertshaw esquerdo e direito

O tubo de Robertshaw descartável é composto de PVC transparente e atóxico, apresen-


tado em seis tamanhos (41, 39, 37, 35, 28 e 26 F) e é mais calibroso que o tubo reutilizável.
Os balonetes brônquicos possuem marcadores radiopacos e são de alto volume e baixa pres-
são, mantendo a boa perfusão da mucosa traqueal (Figura 8)12 .
A técnica de inserção desse tubo é menos complicada, devendo a curvatura distal estar
anteriorizada e, no momento em que a extremidade distal atravessar as cordas vocais, o
tubo deve ser girado 90o em sentido anti-horário (tubo esquerdo) ou horário (tubo direito) e
avançado até que haja resistência a sua progressão. Então, o tubo deve ser recuado 2 cm para
evitar a obstrução do lúmen traqueal junto da carina.
Para facilitar a inserção do tubo esquerdo, recomenda-se virar a cabeça do paciente para
a direita na tentativa de retificar o brônquio fonte esquerdo, diminuindo sua angulação de
45o com o eixo traqueal. O tubo direito teoricamente é inserido e posicionado com maior
facilidade, devendo ser observada a ventilação do lobo superior do pulmão direito. A larin-
goscopia deve ser mantida até o posicionamento final o tubo de Robertshaw1,2,12,16.
O tubo de Robertshaw do tipo Bronco-Cath vem sendo um dos mais utilizados nos Es-
tados Unidos. Suas principais diferenças para o modelo de PVC estão relacionadas com seu
balonete distal oblíquo, para diminuir a possibilidade de exclusão do lobo superior direito, e
sua composição de cloreto de polivinil, e não de PVC1,15.

2.1.3 Tubo de White


Trata-se de uma modificação do tubo de Carlens para entubação seletiva do brônquio
fonte direito, com as mesmas características dos lúmens e gancho carineal (Figura 9).
Ademais, possui uma fenda no balonete brônquico para melhorar a ventilação do lobo
superior do pulmão direito, entretanto, o risco de obstrução e atelectasia desse lobo pul-
monar ainda persiste12,17.

Técnicas de separação pulmonar – atualização | 215


Fig. 9 - Tubo de White; observar o
gancho carineal

2.1.4 Tubo de Bryce-Smith


Esse tubo assemelha-se ao tubo de Robertshaw, porém, é uma modificação do tubo de
Carlens. Não possui gancho carineal, o que diminui os traumas relacionados a este; pode
ser direito ou esquerdo, havendo uma fenda no balonete do tubo direito para permitir a
ventilação do lobo superior do pulmão direito. Apresenta-se com os diâmetros internos de
6, 6,5 e 7 mm12 .
2.2 Tubos de lúmen único
Em algumas situações é necessária a ventilação monopulmonar (VMP), mas o uso dos
TDL não é prático. Assim, lança-se mão de um tubo de lúmen único modificado, com blo-
queador integrado (Univent), ou mesmo um tubo de lúmen único convencional, com um
bloqueador em conjunto. Em raras ocasiões, a VMP pode ser efetuada através da colocação
endobrônquica de um tubo traqueal simples.
2.2.1 Indicações
O tubo convencional como dispositivo para VMP só deve ser utilizado em situações de
exceção, por exemplo, hemorragia aguda. Ao se inserir um tubo simples, às cegas, em uma
posição endobrônquica, pela técnica de inserção habitual, ele vai entrar, na quase totalidade
dos casos, no brônquio fonte direito (isto é, com a concavidade mantida voltada anterior-
mente). No entanto, em cerca de 92% das vezes, vai assumir a posição do brônquio fonte
esquerdo quando a concavidade do tubo for voltada posteriormente e a cabeça for virada
para a direita18.
Como se observa na Figura 10, a margem de segurança quando se usa um tubo simples,
convencional, para a separação pulmonar é limítrofe. A extensão da traqueia sobre a qual o
tubo pode ser posicionado sem causar obstrução da via aérea é muito pequena. O que causa
mais problemas à direita. Caso avance até que o balonete esteja no interior do brônquio,
haverá a obstrução do lobo superior; caso se recue para liberar, haverá a liberação de fluxo
para ventilar o lado contralateral14.

216 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Fig. 10 - Posicionamento do tubo con-
vencional seletivado endobrônquico; A)
avançar o tubo até o balonete estar no
brônquio causa obstrução pelo próprio
balonete ou pela extremidade do tubo da
saída do lobo superior; B) retirar o tubo
para aliviar a obstrução coloca o balone-
te na traqueia e acaba por não garantir
mais a separação14

Em situações de emergência, um tubo convencional pode ser avançado no brônquio para


fazer a separação pulmonar. A colocação endobrônquica do tubo convencional apenas deve
ser considerada em situações extremas, como manobras para salvar a vida, em hemorragia,
pneumotórax hipertensivo agudo contralateral, situações em que o pulmão deve ser isolado
imediatamente. Sabendo que para todas as situações, as melhores opções para o isolamento
pulmonar são TDL e os BB14.
2.3 Bloqueadores brônquicos
O método mais empregado de separação pulmonar ainda é a utilização do TDL, que
tanto pode bloquear o pulmão direito quanto o esquerdo. A separação com os bloqueadores
brônquicos (BB) envolve o bloqueio do brônquio principal ou um bloqueio mais seletivo,
para permitir um colapso mais distal à oclusão.
Mais recentemente, foram introduzidos quatro BB na prática clínica da cirurgia torácica,
o Arndt, o Cohen com ponta flexível, o Fiji Uniblocker e o bloqueador EZ (Figura 11).

Fig. 11 - Bloqueadores brônquicos; A) Arndt; B)


Cohen; C) Fuji; D) EZ

Os BB utilizados hoje em dia são projetados como um cateter com um ou dois balões in-
corporados próximos à extremidade, que, quando inflados, interrompem o fluxo de ar além
do ponto de oclusão.
2.3.1 Indicações
a) Via aérea difícil
Paciente com previsão de dificuldade no manuseio da via aérea pode ser um desafio para a
inserção do TDL19. Para paciente com fácil acesso às vias aéreas, a escolha de separação pul-
monar com o TDL ou por tubo de lúmen único é uma opção pessoal. No entanto, no paciente
com via aérea difícil antecipada, a última opção é a melhor escolha. Nessas situações, o uso
de um tubo de lúmen único associado ao bloqueador brônquico (BB) é o mais recomendado,
uma vez que são de mais fácil inserção. Da mesma forma, se observou que a utilização de TDL

Técnicas de separação pulmonar – atualização | 217


nas situações de trauma está associada a maior possibilidade de mau posicionamento. Anes-
tesistas com pouca experiência em cirurgia torácica falharam em posicionar adequadamente
o TDL em mais de um terço dos casos. Também nesse contexto a entubação com tubo de luz
única, associado a um sistema de bloqueio brônquico, é mais indicada20.
b) Isolamento segmentar lobar
Com os BB é possível avançar até o segmento desejado e fazer o bloqueio segmentar.
Em algumas ocasiões, pode ser útil, uma vez que evita o colapso pulmonar total e a queda
da oxigenação21.
c) Como opção para isolamento pulmonar
Configura um método de separação para realizar a ventilação monopulmonar.
d) Pacientes com traqueostomia
Inserir o BB através do traqueostoma. Também é possível inserir um TDL.
e) Pacientes com necessidade de ventilação mecânica pós-operatória
Receberiam um tubo convencional e um BB. Ao término da cirurgia, apenas se retiraria
esse último.
2.3.2 Desvantagens
a) Esvaziamento pulmonar
Quando se utiliza BB para isolamento pulmonar, o esvaziamento é mais lento, quando
comparado com o uso do TDL. O cateter vascular de Fogarty, utilizado no passado como
BB, e os mais antigos não tinham luz, e o esvaziamento pulmonar era um ponto de entrave
a seu uso. O Univent tem uma luz que facilita o esvaziamento e ainda permite acoplamento
de sistema de vácuo, que acelera ainda mais esse evento. Os mais modernos têm luz, que
permite o esvaziamento, a aspiração e até mesmo a oferta de oxigênio.
Uma opção para contornar esse inconveniente, caso haja reserva funcional para tanto, é
desconectar a ventilação pulmonar. Assim, haverá esvaziamento de ambos os pulmões e, a
partir daí, se infla o BB e se retoma a ventilação.
b) Aspiração de secreções
A luz para aspiração, quando presente nos BB, possui calibre bem inferior ao dos TDL.
Além dessa limitação evidente, a aspiração durante o período de ventilação monopulmonar
pode deslocar o BB.
c) Dano à mucosa brônquica
Os BB têm balonetes de baixo volume e alta pressão, diferentes dos balonetes dos TDL,
com alto volume e baixa pressão. Assim, o uso prolongado dos BB pode causar danos irrever-
síveis à mucosa brônquica. Recomenda-se utilizar a menor pressão para garantir interrupção
do fluxo de ar. Os mais modernos têm balonete de alto volume e baixa pressão.

2.3.3 Tipos de bloqueador brônquico


a) Tubo Univent
É um sistema em que o bloqueador está incorporado a um tubo simples. O BB integrado
tem uma luz que permite a desinsuflação pulmonar e aspiração limitada. Disponível nos

218 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


tamanhos, 7,5, 8, 8,5 e 9 mm. Em função do BB integrado ao tubo simples, o tamanho final
desse dispositivo ultrapassa o correspondente. Por exemplo, um Univent 7,5 tem 11,2 mm
de diâmetro, contra 10,2 mm do convencional (Figura 12).

Fig. 12 - Bloqueador Univent

b) Bloqueador Arndt
O BB Arndt é conectado a um cateter 5, 7 ou 9Fr, disponíveis nos comprimentos 65 cm
e 78 cm, com um diâmetro interno de 1,4 mm. Próximo à extremidade distal do cateter, há
orifícios laterais (olhos de Murphy) incorporados para facilitar a desinsuflação, presentes
apenas no tamanho 9Fr. Possui balonete de forma esférica ou elíptica, de alto volume e baixa
pressão (Figura 13). Uma característica única desse BB é um fio metálico que se estende
através da extremidade distal do BB e serve como guia introdutor para o fibroscópio para
sua introdução no brônquio (Figura 14).

Fig. 13 - Bloqueador brônquico Arndt


posicionado; A) forma esférica; B)
forma elíptica

Fig. 14 - BB Arndt montado para


inserção endobrônquica

c) BB Cohen
Disponível apenas no tamanho 9Fr, com 65 cm de comprimento e 1,6 mm de diâmetro
interno. O balão tem formato esférico. Próximo ao término do cateter há orifícios laterais
para facilitar a desinsuflação pulmonar (olhos de Murphy). Também tem balonete de alto
volume e baixa pressão. Tem um controle circular que permite uma deflexão maior que 90°,
o que facilita o correto posicionamento do BB (Figura 15).

Técnicas de separação pulmonar – atualização | 219


Fig. 15 - BB Cohen de ponta flexível

d) Bloqueador Fuji
BB unilateral disponível nos tamanhos 4,5 e 9 Fr, com comprimento de 65 cm. Tem o
mesmo desenho do Univent, sendo independente, utilizado por meio de um tubo simples. O
balonete é de alto volume, feito de silicone e tem uma propriedade de barreira à passagem de
gás, que faz com que haja redução de difusão através do balonete. Possui controle a torque
que permite guiar sua introdução ao local desejado (Figura 16).

Fig. 16 - Bloqueador Fuji

e) Bloqueador EZ
O bloqueador EZ é um tipo novo de BB com uma terminação simétrica em Y. A bifur-
cação assemelha-se à da traqueia. Ambas as terminações têm um balonete em sua posição
distal e possuem uma luz central. Assim, cada ramo pode ser posicionado no brônquio fonte
esquerdo ou direito. O formato do balão é esférico e há apenas um tamanho disponível, o
7Fr, com 75 cm de comprimento (Figura 17).

Fig. 17 - Bloqueador EZ

220 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Tabela III – Comparação dos BB
Bloqueador
Arndt Cohen Fuji EZ
brônquico
Tamanho (Fr) 5/7/9 9 4/5/9 7
Menor tubo
4,5 / 7 / 8 8 8 7,5
recomendado
Formato do balão Esférico/elíptico Esférico Esférico Esférico/duplo
Mecanismo Fio guia envolto no Circular que mobiliza Nenhum/ponta
Nenhum
orientador fibroscópio o BB pré-formatada
Olho de Murphy Presente no 9Fr Presente Ausente Ausente
Diâmetro interno
1,4 1,6 2 1,4
(mm)

A seguir, na Tabela 4, estão listadas as vantagens dos TDL e os BB.

Tabela IV – Comparação entre TDL e BB14


Tubo de duplo lúmen
Fácil de posicionar
Pode ser posicionado sem broncoscopia; mandatória com BB
Demanda menos tempo para posicionamento do que o BB
Colapsa mais rápido o pulmão não ventilado do que o BB
Menos propenso ao desposicionamento do que o BB
Permite ventilar, colapsar e reexpandir o pulmão
Cada pulmão pode ser aspirado
Cada pulmão pode ser inspecionado por fibroscopia
CPAP facilmente aplicável ao pulmão não ventilado
Permite ventilação independente na UTI
Bloqueador brônquico
Pode ser usado quando um tubo traqueal já está em uso (oral, nasal, traqueostomia)
Considerado primeira opção em pacientes com VAD
Não é necessário trocar para um tubo simples ao término da cirurgia, caso seja necessária ventilação mecânica
Permite bloqueio seletivo lobar
Mais fácil de usar em pequenas vias aéreas; técnica de escolha em pacientes pediátricos

A principal desvantagem desses BB comerciais é que seu diâmetro externo é maior que
um cateter de Fogarty, o que faz com que sua passagem pelo interior de um tubo de 6 mm ou
menor seja difícil ou mesmo impossível. Por isso, alguns ainda utilizam esse último cateter
nessas situações.
2.3.4 Via aérea difícil
Para pacientes com fácil acesso à via aérea, a escolha entre o TDL e o BB costuma ser uma pre-
ferência pessoal. No entanto, na via aérea difícil, uma técnica pode ter um peso maior que a outra.
Todo anestesiologista deve ter familiaridade com as técnicas e os tubos disponíveis para
a separação pulmonar, assim como as técnicas e os dispositivos para o controle da via aérea
difícil (VAD).
Em um paciente com antecipada VAD, a entubação inicial com um tubo traqueal simples
costuma ser a conduta mais uniforme e segura. Havendo indicação de ventilação monopul-

Técnicas de separação pulmonar – atualização | 221


monar, a solução é a instalação de um bloqueador brônquico ou a troca por um TDL com
o auxílio de um tubo trocador. Para realizar essas manobras, o anestesiologista deve ter um
fibroscópio à disposição e ser apto a manuseá-lo. Na Figura 18, visualiza-se um algoritmo de
via aérea difícil para casos de ventilação monopulmonar14.

Fig. 18 - Algoritmo para manuseio da via aérea difícil, quando há demanda por ventilação monopulmonar

O tubo trocador também é um dispositivo útil ao término da cirurgia, quando se tem um


TDL e o paciente vai necessitar de ventilação mecânica. Com o auxílio desse dispositivo, se
procede à troca do TDL por um tubo traqueal simples.

222 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


2.3.5 Uso para-axial
A grande vantagem de utilizar o BB para-axial, ou seja, por fora do tubo traqueal, é poder
usá-lo em tubo de menor diâmetro sem concorrer com sua luz.
2.3.6 Como realizar a introdução do bloqueador brônquico
Recomenda-se uma avaliação inicial com fibroscopia óptica da traqueia antes da inserção
do BB, para verificar se a ponta do tubo está a 2-3 cm da carina e identificar o brônquio fonte
esquerdo e direito. A distância da carina à bifurcação dos lobos superior e inferior esquerdos
é de aproximadamente 5 cm no homem e 4,5 cm na mulher (Figura 19)21.

Fig. 19 - Distâncias anatômicas das vias aéreas (adulto com


70 quilos de peso corpóreo)

Para a passagem desse dispositivo de separação pulmonar, é necessária a utilização do


fibroscópio desde sua introdução. Recomenda-se que tanto o BB quanto o fibroscópio es-
tejam testados e lubrificados antes de sua inserção na via aérea. Como já mencionado, um
exame prévio com o fibroscópio também é indicado. Quando se utiliza o BB de Cohen, EZ
ou Fuji é possível visibilizar a passagem do BB pelo tubo traqueal. Em seguida, observa-se
a ponta do BB, que deve ser direcionada para o brônquio desejado. Em contraste, com o
bloqueador de Arndt, como o guia está acoplado distalmente ao fibroscópio, não é possível
visualizar a ponta do BB.
De uma forma geral, os BB estão bem posicionados quando, à direita, se verifica sua por-
ção mais externa a pelo menos a 1 cm abaixo da carina, no brônquio direito, e uma vedação
satisfatória é conseguida com a insuflação do balonete de aproximadamente 6 ml de ar. No
lado esquerdo, visibiliza-se sua superfície mais externa a 1 cm abaixo da carina e uma veda-
ção satisfatória ocorre quando o paciente assume o decúbito lateral (Figura 20).

Técnicas de separação pulmonar – atualização | 223


Fig. 20 - Ilustra o correto posicionamento final do BB com o balonete insuflado; A) brônquio direito; B)
brônquio esquerdo

3. Conclusões
Talvez o principal questionamento seja se é seguro utilizar os BB para a separação pul-
monar. A resposta é sim. Alguns autores, inclusive, acreditam que, com a evolução da curva
de aprendizado, o uso desse dispositivo será uma opção à utilização do TDL, preferido hoje
em dia. Portanto, se um paciente necessita de separação pulmonar, a primeira opção ainda
reside na utilização dos TDL, porém, com crescente interesse pelos BB. Contudo, há situa-
ções em que os BB parecem ser mais indicados. Pacientes com via aérea difícil identificada
antecipadamente, com traqueostomia ou previsão de ventilação mecânica pós-operatória
necessitam de uma abordagem cirúrgica mais seletiva.
As desvantagens dos BB em relação aos TDL estão relacionadas à desinsuflação pulmo-
nar lenta, dificuldade em aspirar o pulmão isolado e incapacidade de ventilação indepen-
dente do pulmão isolado.
Quanto às complicações entre os TDL e os BB, alguns trabalhos mostraram taxas de
odinofagia e lesão de corda vocal maiores com os TDL22, dados que não foram confirmados
por meio de outras pesquisas23. De qualquer forma, as complicações mais graves têm sido
mais benignas que as descritas com os TDL.
Finalmente, todo anestesiologista deve estar familiarizado com as vantagens e desvanta-
gens das diferentes técnicas e tubos disponíveis para a separação pulmonar.

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224 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


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Técnicas de separação pulmonar – atualização | 225


Capítulo 14

Medicina perioperatória:
imunonutrição e anestesia
Eduardo Manso de Carvalho Andrade
Florentino Fernandes Mendes
Ana Cristina Pinho Mendes Pereira
Medicina perioperatória: imunonutrição e anestesia
Tradicionalmente, o objetivo do suporte nutricional perioperatório é prover o aporte
adequado de calorias para reduzir a perda de massa magra associada a cirurgias de grande
porte. Hoje sabemos que o suporte nutricional perioperatório vai além da simples repo-
sição calórica e, se adequado, pode melhorar o resultado cirúrgico e reduzir a incidência
de complicações 1.
Pacientes com desnutrição perioperatória possuem risco significativamente elevado de de-
senvolver complicações pós-operatórias, além de maior taxa de mortalidade. Nesses pacientes,
foram observados maior tempo de internação hospitalar e aumento dos custos durante a in-
ternação. Apesar dessas evidências, observou-se que os pacientes cirúrgicos graves são os mais
negligenciados com relação à nutrição, e os pacientes submetidos à cirurgia gastrointestinal ou
cardiovascular são os que apresentam maiores riscos de desnutrição iatrogênica2.
O objetivo deste texto é revisar aspectos relacionados à imunonutrição, que são de inte-
resse para o anestesiologista.

1. Nutrição durante o perioperatório


Em pacientes críticos submetidos à cirurgia, a ocorrência de infecções pós-ope-
ratórias é relativamente comum e, com frequência, leva à falência múltipla de órgãos
e à morte. Não é raro que esses pacientes cheguem ao centro cirúrgico em estado de
desnutrição, que, provavelmente, se agravará em decorrência da resposta endócrino-
-metabólica ao trauma, responsável também por alterações no sistema imunológico
desses indivíduos.
Sabe-se que pacientes bem nutridos submetidos a cirurgias menores e com estresse
fisiológico pequeno não precisam de suporte nutricional. Entretanto, com o aumento da
expectativa de vida e das doenças degenerativas associadas, existe aumento do número de
pacientes com risco de desenvolver desnutrição, seja em decorrência de suas condições clíni-
cas pré-operatórias (idade, câncer) ou pelo porte da cirurgia a que são submetidos (gastrec-
tomias, colectomias). Assim, durante o perioperatório, a preocupação com a monitorização
do estado nutricional dos pacientes é importante para melhorar a resposta inflamatória do
hospedeiro, combater infecções e contribuir para melhorar o resultado.

2. Considerações sobre o estado nutricional de pacientes idosos


Considerando que quase dois terços dos pacientes submetidos a cirurgias têm idade
superior a 65 anos e que pessoas idosas têm maior propensão à desnutrição por causa de
fatores como doenças crônicas, limitação física, incapacidade de mastigar, uso de múltiplos
medicamentos, isolamento social e pobreza, é muito importante suspeitar sobre a possibli-
dade de desnutrição nessa faixa etária. De fato, a ingestão de nutrientes, incluindo proteínas
e calorias totais, cálcio, vitamina B12, vitamina D e folato, diminuem progressivamente com
o aumento da idade3. A desnutrição proteico-calórica atinge 30% a 50% da população idosa
que reside em instituições como asilos. Isso demonstra que a pior condição socioeconômica
associa-se com a piora do status nutricional. Condição que deveria ser evitada, pois aumenta

228 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


a taxa de mortalidade. Em outras palavras, é necessário agir de forma proativa com relação
ao estado nutricional dos pacientes idosos, uma vez que a desnutrição é muito prevalente
nessa faixa etária e suas causas são, em geral, passíveis de prevenção e, quando presente a
desnutrição, tratável16.

3. Como medir o grau de desnutrição


Um dos grandes problemas a ser resolvido é como verificar o grau de desnutrição. Ainda
não existe um teste de excelência para identificar pacientes desnutridos, nem ao menos uma
definição aceita universalmente. Os parâmetros usados com maior frequência são: perda de
peso corporal não intencional maior do que 10% a 15% nos últimos seis meses ou índice de
massa corporal menor do que 18,5 kg.m2-1 3.
A albumina e a pré-albumina são marcadores laboratoriais usados no screening nutricio-
nal. O achado de albumina abaixo de 3,5 g.dL -1 constitui-se forte indício da presença de des-
nutrição. No entanto, é preciso lembrar que a meia-vida da albumina é de aproximadamente
20 dias, portanto, os níveis de albumina refletem o estado nutricional de três semanas antes
da coleta da amostra. Além disso, devemos estar atentos para fatores que afetam os níveis
de albumina, como inflamação aguda e doenças agudas e crônicas como sepse, nefropatias
e hepatopatias. A meia-vida da pré-albumina varia de 1 a 3 dias. Dessa forma seus níveis
variam mais rapidamente com intervenções nutricionais, sendo utilizada como marcador da
eficácia dessas intervenções. Níveis inferiores a 15 mg.dL -1 são sugestivos de desnutrição4.
Para os pacientes geriátricos, foi desenvolvida uma ferramenta útil para a avaliação do
estado nutricional. O Mini Nutritional Assesment (MNA) (Quadro 1 – Triagem; Quadro
2 – Avaliação Global) constitui-se em um teste barato e de execução fácil que tem como
objetivo identificar indivíduos com maior chance de complicações decorrentes da desnutri-
ção. O MNA considera medidas antropométricas, avaliação global, questionário de dieta e
avaliação subjetiva. O score máximo é 30 pontos1.
Quadro 1 – Mini Nutritional Assessment (MNA™)*
TRIAGEM Pontos
A. Nos últimos três meses, houve diminuição da ingesta alimentar devido a perda de apetite, problemas
digestivos ou dificuldade para mastigar ou deglutir?
0 = diminuição grave da ingesta; 1 = diminuição moderada da ingesta; 2 = sem diminuição da ingesta

B. Perda de peso nos últimos três meses


0 = superior a três quilos; 1 = não sabe informar; 2 = entre um e três quilo.
C. Mobilidade
0 = restrito ao leito ou à cadeira de rodas; 1 = deambula, mas não é capaz de sair de casa; 2 = normal.
D. Passou por algum estresse psicológico ou doença aguda nos últimos três meses?
0 = sim; 2 = não.
E. Problemas neuropsicológicos
0 = demência ou depressão graves; 1 = demência ligeira; 2 = sem problemas psicológicos.
F. Índice de Massa Corporal (IMC = peso[kg] / estatura [m 2])
0 = IMC < 19; 1 = 19 ≤ IMC < 21; 2 = 21 ≤ IMC < 23; 3 = IMC ≥ 23.
Pontuação da Triagem (subtotal máximo de 14 pontos)

Medicina perioperatória: imunonutrição e anestesia | 229


Estado nutricional: entre 12-14 pontos: estado nutricional normal; entre 8-11 pontos:
sob risco de desnutrição; e entre 0-7 pontos: desnutrido. Responda à seção Triagem, pre-
enchendo as caixas com os números adequados. Some os números da seção Triagem. Se a
pontuação obtida for igual ou menor do que 11, continue o preenchimento do questionário
para obter a pontuação indicadora de desnutrição.
Para uma avaliação mais detalhada, continuar com as perguntas G a R do Quadro 2.
Quadro 2 – Mini Nutritional Assessment (MNA™)*
AVALIAÇÃO GLOBAL Pontos
G. O doente vive na sua própria casa (não em instituição geriátrica ou hospital)?
1 = sim; 0 = não.
H. Utiliza mais de três medicamentos diferentes por dia?
0 = sim; 1 = não.
I. Lesões de pele ou escaras?
0 = sim; 1 = não.
J. Quantas refeições faz por dia?
0 = uma refeição; 1 = duas refeições; 2 = três refeições.
K. O doente consome:
• pelo menos uma porção diária de leite ou derivados (leite, queijo, iogurte)? ( ) Sim ( ) Não
• duas ou mais porções semanais de leguminosas ou ovos? ( ) Sim ( ) Não
• carne, peixe ou aves todos os dias? ( ) Sim ( ) Não
0.0 = nenhuma ou uma resposta «sim»; 0.5 = duas respostas «sim»; 1.0 = três respostas «sim».
L. O doente consome duas ou mais porções diárias de fruta
ou produtos hortícolas?
0 = não; 1 = sim.
M. Quantos copos de líquidos (água, sumo, café, chá, leite) o doente consome por dia?
0.0 = menos de três copos; 0.5 = três a cinco copos; 1.0 = mais de cinco copos.
N. Modo de se alimentar
0 = não é capaz de se alimentar sozinho; 1 = alimenta-se sozinho, porém com dificuldade;
2. = alimenta-se sozinho sem dificuldade.
O. O doente acredita ter algum problema nutricional?
0 = acredita estar desnutrido; 1 = não sabe dizer; 2 = acredita não ter um problema nutricional.
P. Em comparação com outras pessoas da mesma idade, como considera o doente a sua própria saúde?
0.0 = pior; 0.5 = não sabe; 1.0 = igual; 2.0 = melhor.
Q . Perímetro braquial (PB) em cm
0.0 = PB < 21; 0.5 = 21 ≤ PB ≤ 22; 1.0 = PB > 22.
R. Perímetro da perna (PP) em cm
0 = PP < 31; 1 = PP ≥ 31.
Avaliação global (máximo 16 pontos)
Pontuação da triagem (máximo 14 pontos)
Pontuação total (máximo 30 pontos)

Avaliação do estado nutricional: de 24 a 30 pontos, estado nutricional normal; de 17 a


23,5 pontos, sob risco de desnutrição; menos de 17 pontos, desnutrido.
Adaptado de http://www.mna-elderly.com/forms/MNA_portuguese.pdf
*Société des Produits Nestlé, S.A., Vevey, Switzerland, Trademark Owners. Nestlé, 1994,
Revision 2009. N67200 12/99 10M.

230 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


4. Nutrição enteral versus nutrição parenteral
A administração de nutrição enteral é geralmente a primeira escolha em pacientes cirúr-
gicos por ser considerada mais fisiológica e ter custos mais baixos. Além disso, metanálises
confirmaram menor incidência de complicações infecciosas quando do uso desse tipo de
nutrição5,6. Outras vantagens seriam a menor permeabilidade vascular e o menor risco de
desenvolver hiperglicemia quando comparado com a nutrição parenteral5.
Em pacientes oncológicos, a nutrição enteral mostrou-se eficaz na melhora do balanço de
nitrogênio e pode estar associada ao ganho de peso deles. Apesar de a nutrição parenteral
também promover ganho de peso em pacientes com câncer, isso se dá principalmente pelo
aumento da quantidade de gordura corporal, o que acaba por ter pouco impacto sobre os
efeitos fisiológicos da desnutrição7.
Embora a nutrição parenteral apresente vantagens sobre a terapia com fluidos isotônicos
em pacientes com desnutrição moderada a grave, nos pacientes oncológicos - sobretudo com
câncer gastrointestinal - sem evidências de desnutrição, a nutrição parenteral apresentou
altos índices de infecção e alta taxa de mortalidade, não sendo indicada nesses casos8.

5. Imunonutrição
A redução da função imunológica é um problema que sabemos acometer pacientes crí-
ticos e está intimamente relacionada à resposta metabólica, ao estresse e ao trauma. Em
consequência, foi proposto suporte nutricional com o intuito de melhorar os mecanismos
de defesa e reduzir a morbidade9. Porém, a menos que o paciente se apresente com uma
desnutrição proteico-calórica grave, o suporte nutricional tradicional tem um efeito muito
pequeno sobre a função imune10.
Pacientes em nutrição parenteral total realmente são mais propensos a infecções. A nutri-
ção enteral parece ser benéfica para a manutenção da função imune quando comparada com
a nutrição parenteral. Recentemente, percebeu-se que o uso de nutrientes específicos pode
trazer benefícios imunológicos que não se conseguem com o suporte tradicional, mesmo
que enteral1.
5.1 Glutamina
A glutamina é um aminoácido amplamente utilizado por linfócitos, enterócitos e ma-
crófagos9 como combustível oxidativo e para prover intermediários da síntese das purinas e
pirimidinas, essenciais para a síntese de DNA e RNA. Além disso, a glutamina parece estar
envolvida na diferenciação de células T e B e, em culturas de células, a síntese de interleucinas
1 e 2 é dependente da concentração de glutamina. Esse aminoácido, portanto, está envolvido
na sinalização intracelular, na prevenção de apoptose e na atenuação da resposta inflamatória7.
Em estados hipercatabólicos pode ocorrer rápida depleção dos estoques de glutamina. A
deficiência desse aminoácido pode levar à redução da função imunológica e alterar a função
da borda epitelial do intestino, com consequente aumento do risco de desenvolver infecção2 .
Em pacientes submetidos a cirurgias eletivas, a suplementação com glutamina parece
reduzir a incidência de complicações infecciosas e o tempo de internação hospitalar e possi-
velmente diminui a morbimortalidade de pacientes críticos1.

Medicina perioperatória: imunonutrição e anestesia | 231


5.2 Arginina
A arginina é um aminoácido essencial durante o crescimento e pode voltar a ser impor-
tante em estados catabólicos. Esse aminoácido auxilia na função imune e é um precursor do
óxido nítrico. Em doses terapêuticas, aumenta a secreção de hormônios anabólicos, como
o hormônio do crescimento e a prolactina11. Após grandes cirurgias, pode desenvolver-se a
síndrome de deficiência de arginina, caracterizada por bloqueio da resposta imune adapta-
tiva secundário a anormalidades no receptor de células T. No paciente séptico, os níveis de
arginina são mais variáveis, sendo menores na fase inicial e aumentam progressivamente
com a piora do quadro10.
Ainda não existe consenso sobre o uso de arginina no período perioperatório. Em pa-
cientes sépticos, a ocorrência de eventos adversos faz com que a relação custo-benefício seja
desfavorável. Entretanto, em pacientes cirúrgicos, parece haver vantagens dessa suplemen-
tação no que diz respeito a taxa de infecção, dias de ventilação mecânica, tempo de interna-
ção em unidade de terapia intensiva e tempo total de internação.
A maioria dos guidelines internacionais faz menção ao risco associado ao paciente séptico
da suplementação com arginina. São necessários mais trabalhos para estabelecer a vanta-
gem do uso em pacientes cirúrgicos e vítimas de trauma6.

5.3 Ácidos graxos poli-insaturados de cadeia longa Ω-3


Os ácidos graxos poli-insaturados de cadeia longa (PUFA) Ω-3 e Ω-6 são constituintes
essenciais da dieta, uma vez que são os únicos precursores dos metabólitos eicosanoides,
incluindo prostaglandinas, lipoxinas, tromboxanos e leucotrienos.
Humanos possuem uma capacidade limitada de sintetizar PUFAs- Ω-3, como os ácidos
eicosapentaenoico, docosaexaenoico e alfa-linoleico. Durante as fases agudas da inflamação,
essa capacidade reduz-se ainda mais. Esses PUFAs possuem várias propriedades anti-infla-
matórias que podem ser úteis no paciente crítico, como a redução na síntese de eicosanoides
inflamatórios. De particular importância temos a substituição de PGE2 por PGE3, TXA 2
por TXA 3 e PGI2 por PGI3. Outras propriedades incluem a redução da interação endotelial
de plaquetas e leucócitos, inibição da expressão de genes inflamatórios e estimulação da
produção de glutationa, que pode reduzir as lesões oxidativas12 .
Estudos clínicos aleatorizados demonstraram redução importante no tempo de ventila-
ção mecânica, permanência na UTI e internação hospitalar em pacientes com lesão pulmo-
nar aguda ou síndrome da angústia respiratória aguda (SARA). Um ensaio clínico fase III
desenhado para avaliar o uso do ácido eicosapentaenoico vem sendo conduzido em pacien-
tes submetidos à gastrectomia total por causa do câncer gástrico, entretanto, os resultados
ainda são preliminares13. Ainda há poucas evidências para que se possam fazer recomenda-
ções definitivas quanto ao uso rotineiro de PUFAs Ω-3 em pacientes críticos.

5.4 Cistina, teanina


Os aminoácidos cistina e teanina estão envolvidos na síntese de glutationa e há vários
relatos de que seu uso aumenta a resposta imunológica. Além de ser um forte antioxidante, a
glutationa possui papel importante na proliferação e diferenciação de linfócitos macrófagos

232 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


e células dendríticas. Pacientes submetidos à cirurgia abdominal tiveram redução dos níveis
de glutationa em 24 horas. Essa redução foi de 10% no sangue e 42% nos músculos esquelé-
ticos. Evitar essa queda dos níveis de glutationa pode reduzir a supressão imunológica no
período perioperatório14.
Alguns estudos mostram que esses aminoácidos podem ser usados em imunonutrição
perioperatória. Um estudo mostrou vantagens com relação a marcadores imunológicos em
pacientes cirúrgicos, porém, não foi avaliada a incidência de eventos adversos ou o tempo de
internação hospitalar. Ainda não há metanálises ou revisões sistemáticas para estabelecer
uma indicação precisa de seu uso no paciente cirúrgico15.

6. Conclusão
A desnutrição perioperatória associa-se com piora de resultados. Assim, avaliar o estado
nutricional do paciente submetido à cirurgia de grande porte é etapa importante na medicina
perioperatória. Os estudos que utilizam imunonutrição, com o objetivo de melhorar a resposta
inflamatória do hospedeiro, demonstram que esta pode associar-se à melhora de resultados.

Referências bibliográficas:
1. Banz VM, Jakob SM, Inderbitzin D - Review article: improving outcome after major surgery: pathophy-
siological considerations. Anesth Analg, 2011;112:1147-1155.
2. Drover JW, Cahill NE, Kutsogiannis J et al. - Nutrition therapy for the critically ill surgical patient: we
need to do better! JPEN J Parenter Enteral Nutr, 2010;34:644-652.
3. Dudrick, SJ - Nutrition management of geriatric surgical patients. Surg Clin North Am, 2011;91:877-896.
4. Maung AA, Davis KA - Perioperative nutritional support: immunonutrition, probiotics, and anabolic
steroids. Surg Clin North Am, 2012;92:273-283.
5. American Society for Parenteral and Enteral Nutrition (ASPEN). Board of Directors. Clinical guideli-
nes for the use of parenteral and enteral nutrition in adult and pediatric patients. 2009. JPEN J Parenter
Enteral Nutr, 2009;33:255-259.
6. Braga, M, Ljungvist O, Soeters P et al. - ESPEN guidelines on parenteral nutrition: surgery. Clin Nutr,
2009;28:378-386
7. Huhmann MB, August DA - Perioperative nutrition support in cancer patients. Nutr Clin Pract,
2012;27:586-592.
8. Bozzetti F, Braga M, Gianotti L et al. - Postoperative enteral versus parenteral nutrition in malnourished
patients with gastrointestinal cancer: a randomised multicentre trial. Lancet, 2001; 358:1487-1492.
9. O´Leary MJ, Coakley JH - Nutrition and immunonutrition. Br J Anaesth, 1996;77:118-127.
10. Awad S, Lobo DN - What´s new in perioperative nutritional support? Curr Opin Anaesthesiol, 2011;24:
339-348.
11. Buijs N, van Bokhorst-de van der Schueren MA, Langius JA et al. - Perioperative arginine-supplemented
nutrition in malnourished patients with head and neck cancer improves long-term survival. Am J Clin
Nutr, 2010;92: 1151-1156.
12. Shintani Y, Ikeda N, Matsumoto T et al. - Nutritional status of patients undergoing chemoradiotherapy
for lung cancer. Asian Cardiovasc Thorac Ann, 2012;20:172-176.
13. Yoshikawa T, Hiki N, Taguri M et al. - A Phase III trial to evaluate the effect of perioperative nutrition en-
riched with eicosapentaenoic acid on body weight loss after total gastrectomy for T2–T4a gastric cancer.
Jpn J Clin Oncol, 2012;42: 459-462.

Medicina perioperatória: imunonutrição e anestesia | 233


14. Luo JL, Hammarqvist F, Andersson K et al. - Skeletal muscle glutathione after surgical trauma. Ann Surg,
1996; 223:420-427.
15. Miyachi T, Tsuchiya T, Oyama A et al. - Perioperative oral administration of cystine and theanine enhan-
ces recovery after distal gastrectomy: a prospective randomized trial. JPEN J Parenter Enteral Nutr,
2013;37:384-91
16. Volkert D, Saeglitz C, Gueldenzoph H et al. - Undiagnosed malnutrition and nutrition-related problems
in geriatric patients. J Nutr Health Aging, 2010; 14: 387-392.

234 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Capítulo 15

Como realizar pesquisa



no PubMed
Pedro Thadeu Galvão Vianna
Isabela Galvão Vianna
Como realizar pesquisa no PubMed
O objetivo deste capítulo é mostrar o passo a passo para a melhor utilização do imenso
banco de dados denominado PubMed®. Este pode ser muito útil na atualização profissional
e na pesquisa da anestesiologia.
Para entrar no portal do PubMed®, ou site, usar o endereço1 www.pubmed.com

No canto direito dessa página (marcado com o quadrado) há a frase “Sign in to NCBI”.
Esse local deve ser clicado para abrir uma nova página:

Para os que desejam registrar uma conta no PubMed, é necessário clicar em “Register
for an NCBI account”.

236 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Ao ser criada uma conta (é possível criar várias), o username vai aparecer no canto direito
da página inicial do PubMed®:

Como realizar pesquisa no PubMed | 237


Na página inteira, clicar na opção “MeSH Database” (dentro do quadrado):

Ao clicar em “MeSH Database”, a janela abaixo vai abrir:

A proposta da pesquisa é: O uso da clonidina associado ao anestésico local.


O MeSH é usado para digitar a palavra-chave, ou keyword, na janela anterior, começando
por local anesthetics. Depois de digitar local anesthetics, a página a seguir será aberta. Se
não abrir, clicar em “Search” (pesquisar).

238 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Veja que apareceram várias palavras-chaves. Foram selecionadas: 1, 2 e 5. O próximo
passo é clicar em “Add to search builder” (acrescentar para construir uma pesquisa). Veja
que em cima da janela está escrito PubMed search builder. Então todas as palavras-chaves
foram para aquela janela.

A pesquisa usa também a palavra-chave clonidine (para obter o cruzamento de anesté-


sico local com a clonidina). É selecionada a palavra-chave clonidine.

Como realizar pesquisa no PubMed | 239


Como no procedimento anterior, clicar em “Add to search builder” e a palavra-chave
clonidine vai para a mesma janela onde estão: Anesthesics, Local”[Mesh] or Anesthetics,
Local [Pharmacological Action].

O próximo passo é clicar em “Search PubMed” (que está abaixo de Add to search buil-
der) para obter a pesquisa.

Houve 642 artigos sobre o assunto, sendo 264 ensaios clínicos e 48 revisões. Essa página
pode ser salva on-line de tal modo que possa ser resgatada em qualquer computador que

240 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


esteja conectado à internet. Além disso, ela pode ser atualizada indefinidamente e as publi-
cações recentes podem ser enviadas nas opções diariamente, semanalmente e mensalmente.
Basta seguir o passo a passo: o primeiro é salvar a pesquisa clicando na frase “Save search”
(no quadrado):

Em seguida, vai aparecer a página:

Depois da página aberta, clicar em “Save” e será aberta outra página que dará a opção
para a atualização: Não (No, thanks) ou Sim (Yes, please).

Caso a opção seja Sim (Yes, please), surgirá a página:

Como realizar pesquisa no PubMed | 241


É salva a opção mensalmente (Monthly) e primeiro sábado (the first Saturday).
Para a obtenção das palavras-chaves, recomenda-se o uso do portal da Bireme 2
(www.bireme.br), que pode ser usado como fonte de pesquisa e informação médica. No
caso da pesquisa das palavras-chaves, deve-se procurar, neste portal, o DeCS-Terminologia
em Saúde (dentro do quadrado).

242 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Ao clicar neste local, vai aparecer DeCS - Descritores em Ciências da Saúde
(nota: é possível entrar diretamente no DECS usando: http://decs.bvs.br)3.

Ao clicar em “Consulta ao DeCS”,

a palavra-chave clonidina será apresentada em inglês, espanhol e português.

Como realizar pesquisa no PubMed | 243


Referências bibliográficas:
1. US National Library of Medicine – PubMed. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed.
Acesso em: 27 maio 2013
2. BIREME. Biblioteca Virtual em Saúde. Disponível em: http://www.bireme.br/php/index.php. Acesso
em: 27 maio 2013
3. BIREME. Biblioteca Virtual em Saúde – Descritores em Ciências da Saúde. Disponível em: http://decs.
bvs.br/. Acesso em: 27 maio 2013

244 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Capítulo 16

Anestesia e gestante
dependente de crack
Rosa Marina Ávilla
Juliana Surjan
Anestesia e gestante dependente de crack
A dependência química e suas consequências vêm ganhando notoriedade, não só no
Brasil, mas no mundo. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), existem
no mundo 230 milhões de usuários de drogas, o que corresponde a cerca de 1:20 adultos
entre 15 e 64 anos, 27 milhões dos quais são dependentes químicos. Porém, há menos de 2
leitos para cada 100 mil habitantes destinados ao tratamento desse paciente. A OMS deve
determinar protocolos para abordagem do indivíduo usuário e dependente apenas em 2014,
embora haja disponível, via internet, noções do diagnóstico e relevância do tema, sobretudo
no que diz respeito ao álcool1.
No Brasil, não dispomos de dados recentes sobre o uso de substâncias ilícitas em gestan-
tes2 . Dados americanos de 2010 reportam que 30% dos dependentes químicos são usuários
de drogas, dos quais 90% são do sexo feminino em idade reprodutiva (15 a 44 anos)3 . Desses
números um terço faz uso de droga na iminência do parto3 . Aparentemente, esses dados
ainda estão subestimados, já que muitas vezes ocorre à omissão do relato de uso, seja por
medo, vergonha, temor da estigmatização, temor pela retirada da guarda do concepto.
Estudo conjunto entre Universidade Federal do Estado de São Paulo (UNIFESP), Insti-
tuto Nacional de Pesquisa sobre Álcool e Drogas (INPAD) e Conselho Nacional de Pesquisa
(CNPq) lançado em abril de 2013, o II LENAD (Levantamento Nacional sobre Álcool e Dro-
gas), expõe o problema na população geral no Brasil. Foram entrevistados 4607 indivíduos a
partir de 14 anos de idade, nas várias regiões do país, totalizando 149 municípios, utilizando
amostragem probabilística, contando com mais de 100 entrevistadores e 15 instrumentos va-
lidados de sondagem para maconha e cocaína em suas diferentes formas de utilização, num
total de 800 perguntas4 . Os resultados deste estudo estão nas figuras 1 à 5.

Fig. 1 - Distribuição nacio-


nal da população entrevis-
tada no II Levantamento
Nacional sobre Álcool e
Drogas (LENAD)

246 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Fig. 2 - Consumo de maconha no Brasil,
II LENAD

Fig. 3 - Consumo de cocaína , crack e oxi


no Brasil

Fig. 4 - Consumo de cocaína intranasal


no Brasil

Fig. 5 - Consumo de cocaína fumada


no Brasil
Segundo esse mesmo estudo, 70% dos usuários de cocaína, fizeram uso também de maco-
nha, e 41% dos usuários de maconha também utilizaram cocaína no último ano4. Esses números

Anestesia e gestante dependente de crack | 247


correspondem a 1,3% da população, ou seja 2,3 milhões de pessoas. Observa-se que dificilmente
o usuário de cocaína, em quaisquer uma de suas formas, é consumidor de uma única droga5,6.
O Brasil é um dos maiores mercados mundiais de crack, ficando apenas atrás dos Estados
Unidos da América. Nosso consumo corresponde a 20% do consumo mundial3,4.
Segundo a décima revisão da classificação internacional de doenças e problemas de saúde
(CID-10), a síndrome da dependência química é definida como um conjunto de sintomas
comportamentais, fisiológicos e cognitivos em que o uso de uma ou mais substâncias atinge
uma importância maior do que outros comportamentos já apresentados na vida do indiví-
duo. A característica central da síndrome é o impulso incontrolável de consumir determina-
da substância psicoativa (prescrita ou não por um médico), álcool ou tabaco. Há evidências
de que outras características peculiares à síndrome podem aparecer quando o consumo e
abuso é retomado, após um período de abstinência, o que torna a dependência química uma
doença crônica e recidivante6,7.

1. Crack
O crack nada mais é que a cocaína comercializada ilegalmente na forma de pedras e
utilizada pela via pulmonar. Trata-se de uma mercadoria barata e acessível, produtora de
efeitos dez vezes mais intensos do a coca. À pasta base da coca adiciona-se NaHCO3 que,
com o calor moderado, precipita formando cristais puros, sublimando a 980 C, podendo ser
fumada em cachimbos de metal7.
O pulmão oferece uma extensa área de absorção da droga que apresenta início de ação
em 6 a 8 segundos, durando apenas de 3 a 5 minutos, seguindo-se a um desejo incoercível da
repetição do uso. É a forma mais efetiva de tornar a coca disponível ao organismo. Trata-se
de um potente estimulante do sistema nervoso central (SNC).

1.1 Mecanismo de ação:


O crack provoca inibição da receptação pré-sináptica de dopamina, serotonina e nora-
drenalina, sobretudo na área cerebral que corresponde à recompensa, o sistema mesolímbi-
co e mesocortical e suas projeções pré frontais (Figura 6).

Fig. 6 - Sistema central da recompensa e suas


vias dopaminérgicas

248 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


A presença da dopamina, principal neurotransmissor do sistema de recompensa, na
fenda sináptica, relaciona-se aos sintomas esquizofreniformes da droga, como delírios
e alucinações.
A noradrenalina produz euforia, sensação de alerta, hostilidade, impulsividade e, a nível
periférico, promove sintomas e sinais adrenérgicos em graus variados, não necessariamente
relacionados ao uso contínuo.
A serotonina relaciona-se ao prazer e é o reforçador do uso.
O glutamato, outro neurotransmissor envolvido no abuso de drogas ilícitas, também se
relaciona ao prazer e a alterações bioquímicas que concorrem para a recorrência do uso 7,8.
A utilização de substâncias ilícitas altera a plasticidade neuronal, o número de receptores
pré e pós sinápticos, bem como promove alterações bioquímicas nos sistemas monoaminér-
gicos cerebrais e deve ser tratada como uma doença crônica e recidivante7,8.
1.2 Biodisponibilidade
Como anteriormente citado, o crack é a forma mais disponível da cocaína, distribuindo-
-se de forma rápida e ampla pelo organismo, com difusão imediata pelos alvéolos pulmona-
res, chegando a 70% 7.
1.3 Metabolismo
Ao atingir o plasma, a substância sofre hidrólise imediata a benzoilecgonina, seu prin-
cipal metabólito urinário, detectável na urina e em outras secreções, bem como no cabelo.
As esterases plasmáticas estão indisponíveis no feto, fazendo com que ele permaneça em-
bebido por longos períodos, mesmo após a cessação do uso pela gestante. O álcool inibe a
hidrólise plasmática da coca, lentificando a depuração da substância e potencializando a
ação no organismo. Além disso, o álcool diminui a inquietação psicomotora e os sintomas
paranoides agudos que acompanham boa parte do consumo e da abstinência da droga. Na
presença do etanol, a coca é esterificada no fígado e convertida em cocaetileno, composto
muito mais tóxico que a coca e o álcool utilizados isoladamente. O risco de overdose, bem
como os riscos cardíaco e hepático, é maior com o crack7,8.

1.4 Farmacodinâmica
O crack determina uma miríade de sintomas físicos e psíquicos. Aumenta a frequência
cardíaca em 15% e a pressão arterial em 34%, com intensa vasoconstricção; provoca sudo-
rese, midríase, hipertermia, aumento da frequência respiratória, tremor das extremidades
e espasmos musculares. No âmbito psíquico, aumenta o estado de vigília, bem-estar e con-
fiança, libido sexual, estado de alerta, atenção e aceleração do pensamento. Disforia, irrita-
bilidade, hostilidade, impulsividade e fadiga são sintomas adversos decorrentes da queda do
nível sérico da droga8.

1.5 Complicações
Os sinais e sintomas do uso, seja crônico, seja meramente recreacional, são bem descritos.
Vias aéreas - podem ocorrer lesões das vias aéreas por queimadura ou necrose de nariz,
epiglote e base da língua, pela intensa vasoconstrição; por seu efeito anestésico local, torna a

Anestesia e gestante dependente de crack | 249


lesão pouco percebida pelo usuário; há escarro preto pelas impurezas carbonáceas contidas
no produto fumado8 .
Pulmão - pode haver infarto por vasoconstrição; hemoptise; aumento da camada média
das artérias e arteríolas pulmonares, levando ao cor pulmonale. De 70% a 80% dos pacientes
vão a óbito por edema agudo de pulmão, relacionado ou não com alterações cardíacas. Ocor-
re ainda o pulmão de crack: uma síndrome pulmonar relacionada ao uso agudo, em que se
observam tosse, hemoptise, dor, febre, infiltrado pulmonar difuso semelhante à síndrome
de angústia respiratória do adulto e que culmina com a falência respiratória. Observam-se
também aumento na incidência de derrame pleural; pneumotórax espontâneo por mano-
bras de Valsalva repetidas e tuberculose pulmonar8,9.
Trato digestório - perfuração gástrica por vasoconstricção intensa nos “mulas” (indiví-
duos contratados para carregar drogas ilícitas no corpo, na tentativa de despistar policiais
federais); obstrução intestinal pela ingestão de vários pacotes da droga de uma vez e necrose
hepatocelular aguda 8 .
Sistema neurológico – cefaleia; hemorragias subaracnóideas; acidentes vasculares cere-
brais (relacionados à cerca de mil mortes por ano em jovens no Reino Unido); transtornos
do movimento (crack dancers: movimentos repetitivos, semelhantes a uma dança, relaciona-
dos ao uso agudo, que cessam após cinco a seis dias); tiques; atetose e coreias8 .
Rins - a isquemia intensa e a hipertermia, juntamente com a rabdomiólise, podem deter-
minar disfunção aguda ou crônica renal, com proteinúria e hematúria 8 .
Coração - as complicações decorrentes do uso da coca no coração são variadas e comple-
xas e podem se associar. O risco de infarto agudo do miocárdio se relaciona com o aumento
da atividade adrenérgica, determinando vasoespasmo coronariano, ainda que em coroná-
rias normais. Esse risco é maior nos primeiros 60 minutos após o uso. Ocorrem alterações
endoteliais, aterosclerose prematura e trombose coronariana. Há efeito direto tóxico sobre
o miocárdio, inotrópico negativo direto, que diminui a fração de ejeção. Há relatos de infil-
trado mononuclear no miócito com alteração da capacidade contrátil. A cocaína é um an-
tiarrítmico da Classe II (bloqueador de Na) que prolonga o intervalo QT, reduz a atividade
vagal e determina arritmias ventriculares. Podem ocorrer, ainda, endocardite bacteriana e
dissecção aórtica10 .

2. Crack e a gestação
As vias mesolímbica e mesocortical, cujo neurotransmissor é a dopamina, relacionam-se
com a galactorreia e amenorreia, bem como com as alterações do ciclo menstrual. Muitas
vezes, o próprio diagnóstico de gestação é negligenciado pelas pacientes 11,12 .
A gestação aumenta a toxicidade pela coca, de maneira não dose-dependente, expondo a
mãe a aumentos de consumo miocárdico de oxigênio em cerca de três vezes10 .
O perfil das usuárias de crack é semelhante ao da população geral: usuárias de várias
drogas, cuja porta de entrada foi o tabaco e a maconha, seguidos de coca e crack e jovens
(quanto mais jovem, maior a chance da adicção) que apresentam um perfil psicológico ca-
racterístico de alterações de autoestima e ausência concreta de formação imediata de víncu-
lo, modificações psiquiátricas em alguns casos, violência doméstica, raça e estado civil6,13 .

250 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


A utilização do crack na gestação precoce pode determinar abortamento e malformações
cardíacas, do trato urogenital e do SNC12,14-16 e, posteriormente, com a progressão do uso,
trabalho de parto prematuro, descolamento da placenta e uma síndrome muito semelhante
à doença hipertensiva específica da gravidez (DHEG), quando do uso agudo17,18 .
A placenta não protege o feto da droga. Ao contrário, suas características bioquímicas
permitem a embebição do concepto por longo tempo, mesmo após cessado o uso, sendo
possível encontrar abstinência fetal em mães “limpas”19.
Além disso, as alterações adrenérgicas de ocorrência materna também encontram pos-
sibilidade no feto, como hipertensão, vasoconstrição cerebral e isquemia. São frequentes
baixo peso aos nascer e déficit pôndero-estatural tardio12 .
Anestesia
Na ausência de protocolos uniformes relativos à condução anestésica de pacientes ges-
tantes dependentes químicas, a abordagem deve ser individualizada 20-23 .
Na história é fundamental detectar dados e perfil de uso, podendo ser discriminados três
tipos básicos de pacientes:
- a paciente “limpa”, que geralmente passou por internação para desintoxicação e que faz
questão de relatar seu feito ao médico;
- a paciente que faz uso esporádico, que pode ou não relatar o uso. Geralmente, ela o
omite. Porém, com a divulgação das mídias sobre o problema grave e crônico das drogas,
as pacientes têm sentido mais conforto em relatar o consumo. Para a abordagem, quando
ocorre desconfiança por parte do médico assistente acerca do uso, podemos utilizar algu-
mas dicas: abordagem não judiciosa, tendo o bebê como fonte de preocupação e precaução;
verificação do uso de tabaco durante a gestação; avaliação da presença de lesões na pele,
tatuagens, doenças sexualmente transmissíveis evidenciadas no cartão de pré-natal; confec-
ção do pré-natal tardiamente e com poucas consultas; observação do parceiro, caso esteja
presente; e entrevista com a mãe da gestante 20-23 .
Menos de 20% dos médicos perguntam às gestantes sobre o uso de drogas ilícitas.
Segundo recomendação da Sociedade de Obstetrícia e Ginecologia Canadense, todas as
gestantes, assim como as mulheres em idade fértil, deveriam realizar exames periódicos
para uso de álcool, tabaco, drogas controladas e substâncias ilícitas (nível IIIA de evidên-
cia)24 . Alguns dados nos fornecem indícios do uso: tabagismo e consumo de maconha na
gestação; presença de tatuagens e presença de doenças infecciosas, como hepatite, AIDS,
tuberculose e sífilis;
- o último tipo é a paciente facilmente encontrada em hospitais gerais e pronto atendi-
mento, dada a escassez de vagas para internação de gestantes com mais de 28 semanas; é a
que faz uso agudo poucas horas antes do parto, podendo apresentar overdose ou não, letal
ou não, e que, às vezes, se apresenta hipertensa, com cefaleia, alterações ao exame clínico e
laboratorial semelhantes à DHEG16,17.
Deve-se sempre ter em mente o perfil já descrito do usuário de drogas: poliuso, sobretu-
do maconha e álcool, e com dificuldade em predizer as implicações anestésicas com a utili-
zação de drogas ilícitas, já que o padrão de uso é variável e os efeitos podem ser catastróficos
com o uso recreacional.

Anestesia e gestante dependente de crack | 251


2.2 Que anestesia usar na cesárea: geral ou bloqueio de condução?
A maioria dos autores prefere o bloqueio de condução20-23. Porém, deve-se contar com agita-
ção psicomotora no momento de confecção da raquianestesia. É possível que haja a necessidade
de contenção química, assunto que abordaremos posteriormente neste capítulo. A coca pode
determinar trombocitopenia, porém, não parece oferecer riscos à confecção do bloqueio.
A hipotensão pode ser incurável pelas alterações cardiovasculares anteriormente discu-
tidas. O tratamento da hipotensão decorrente do bloqueio deve ser realizado com meta-
raminol. A efedrina poderá determinar taquiarritmias. A coca pode levar a alterações de
sensibilidade por modificações em receptores opioides e a paciente referir dor, apesar de um
bloqueio adequado25 .
A opção pela anestesia geral deve levar em consideração os efeitos determinados
pelo pico hipertensivo associado à intubação e à decorrência disso sobre o SNC, bem
como evitar alguns medicamentos, como etomidado, pelas mioclonias a ele associadas;
halotano, pelas bradiarritmias; cetamina, pelos delírios e alucinações a ela associados;
e a avaliação pulmonar prévia pela possibilidade de ocorrência de pulmão de crack com
o uso agudo 20-23 .
A literatura carece ainda de dados mais concretos no que diz respeito à melhor
opção anestésica.

3. Efeitos psíquicos e condutas psiquiátricas


O uso de álcool e drogas é uma das principais causas de agitação psicomotora, por into-
xicação aguda ou síndrome de abstinência 26 .
Segundo as diretrizes para tratamento dos transtornos relacionados ao uso de substân-
cias da Associação Psiquiátrica Americana 27, os objetivos do manejo da intoxicação são:
–– averiguar as substâncias usadas, a via de administração, a dose, o tempo desde a últi-
ma dose e se o nível de intoxicação está aumentando ou diminuindo;
–– remover as substâncias do corpo (por lavagem gástrica, se a substância tiver sido in-
gerida recentemente, ou por aumento da taxa de excreção) ou reverter os efeitos da
substância pela administração de antagonistas (p. ex., naloxone para superdosagem
de opioides);
–– usar abordagens que estabilizem os efeitos físicos da substância objeto da superdo-
sagem (p. ex., entubar para diminuir o risco de aspiração e usar medicamentos para
manter a pressão arterial em níveis satisfatórios);
–– No paciente gravemente intoxicado, diminuir a exposição a estímulos externos, ga-
rantir confiança, reorientação e teste de realidade em ambiente seguro e monitorado.
Nas grávidas em trabalho de parto, impõe-se a necessidade de tranqüilizar a paciente
possibilitando a realização da analgesia do parto. Drogas afetam a indução e o trabalho de
parto, com efeitos residuais na conduta da criança após o nascimento28 .

3.1 Orientação verbal


O tratamento mais efetivo é a intervenção verbal. O médico deve ter atitude calma e
direta e tratar a paciente com dignidade. Deve-se também esclarecer que atos agressivos

252 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


não serão tolerados e que a equipe está preparada para contê-los. Existem algumas diretrizes
para o tratamento da paciente agitada 28:
–– evitar movimentos bruscos;
–– olhar diretamente para a paciente;
–– manter alguma distância física;
–– evitar fazer anotações;
–– apresentar-se e apresentar os outros membros da equipe;
–– falar pausada e firmemente;
–– fazer perguntas claras e diretas;
–– oferecer alguma flexibilidade na condução da entrevista, mas sem barganhar;
–– colocar limites de maneira objetiva, mas acolhedora;
–– não ameaçar ou humilhar;
–– não confrontar;
–– estimular a paciente a expressar seus sentimentos em palavras;
–– assegurar à paciente que você pretende ajudá-la a controlar seus impulsos.
Se a intervenção verbal não for suficiente, adotam-se outras condutas.

3.2 Condutas gerais


Diante de uma situação com potencial risco de agitação psicomotora, as condutas gerais, são29:
–– o profissional que identifica o quadro avisa à equipe sobre a situação;
–– a equipe se prepara para possível necessidade de intervenção;
–– a equipe de segurança deve permanecer no local;
–– a equipe passa a executar uma postura de redução de risco;
–– a equipe avalia a possibilidade de usar intervenção medicamentosa preventiva.

3.3 Postura de redução de riscos29


• Apenas um membro da equipe lidera a ação.
• Encaminhar o paciente a lugar apropriado.
• Nenhum membro da equipe fica sozinho.
• Retirar outras pessoas da área.
• Explicar cada procedimento aos acompanhantes e à paciente.
• Negociar situações realistas.
• Cuidado com gestos e atitudes não verbais.
• Manter-se não suscetível a provocações.
• Realizar escuta atenta:
–– identificar e priorizar situações que acalmem a paciente;
–– identificar e evitar situações que aumentem a agitação.

3.4 Intervenção medicamentosa preventiva28


• Classe de medicamentos adequada para os sintomas-alvo;
• Priorizar a medicação VO (via oral);
• Priorizar a medicação já usada anteriormente pela paciente.

Anestesia e gestante dependente de crack | 253


Podem ser usados: haloperidol 2,5 mg a 5 mg VO, olanzapina 5 mg a 10 mg VO ou rispe-
ridona 2 mg VO. Em relação ao risco teratogênico dessas medicações, todas são classificadas
como classe C pela Food and Drug Administration 30,31.
Quando o episódio de agitação não puder ser evitado, procede-se à administração de
psicofármacos via intramuscular (tranquilização rápida) e/ou à restrição física. De acordo
com diretrizes propostas pelo National Institute for Mental Health and Clinical Excellence
(NICE), a intervenção via parenteral deve ser a última opção terapêutica, mantendo-se sem-
pre o objetivo de induzir tranquilização, e não sedação ou sono profundo32 .
3.5 Tranquilização rápida
O objetivo principal do manejo farmacológico é a tranquilização rápida, em que se busca
a redução dos sintomas de agitação e agressividade, sem indução de sedação profunda ou
prolongada, mantendo-se a paciente tranquila, mas responsiva 33 . A polifarmácia deve ser
evitada e as doses das medicações devem ser as menores possíveis, de acordo com a neces-
sidade clínica.
Os antipsicóticos de alta potência são a medicação de escolha. Haloperidol 2,5 mg a 5 mg
IM (intramuscular) em intervalos mínimos de 30 minutos, não ultrapassando 45 mg a 100
mg em 24 horas. A via EV (endovenosa) tem efeito mais rápido, mas maior risco de ocorrên-
cia de efeitos colaterais graves, como hipotensão34 . Outra opção para a sedação de grávidas
agitadas é a olanzapina 5 mg a 10 mg IM, com dose máxima diária de 30 mg 35 . Tanto o ha-
loperidol quanto a olanzapina são classe C na classificação de risco de teratogenicidade 30,31.
Os neurolépticos de baixa potência (como clorpromazina 25 mg a 100 mg IM) não devem
ser usados como primeira opção em casos de intoxicação por álcool ou drogas, por aumentar
o risco de crises convulsivas e piorar arritmias cardíacas preexistentes. Não devem ser usados
EV e a monitoração da pressão arterial (PA) é importante após a administração pelo risco de
hipotensão arterial 28 . A clorpromazina é considerada classe C em teratogenicidade30,31. Os
efeitos colaterais agudos com o uso de neurolépticos são principalmente convulsão, acatisia,
distonia e síndrome neuroléptica maligna.
Os benzodiazepínicos têm sido citados como principais alternativas aos antipsicóticos e
também em associação com os estes. No Brasil, o único disponível para uso IM é o midazo-
lam. Os inconvenientes dos benzodiazepínicos são efeito sedativo, depressão respiratória (so-
bretudo em pacientes intoxicados por álcool ou drogas e com doenças pulmonares) e eventual
efeito paradoxal apresentado por algumas pessoas28 . Com exceção do clonazepam (indisponí-
vel para aplicação intramuscular), os benzodiazepínicos são classe B de teratogenicidade30,31.
3.6 Restrição física
A restrição física pode ser aplicada quando a postura de redução de risco não for efetiva
e se há perigo iminente para a paciente e as demais pessoas envolvidas. Deve ser considera-
do último recurso terapêutico e ser interrompida assim que possível. Pode ainda constituir
opção provisória, em casos em que existe contraindicação ao uso imediato de medicações
sedativas ou por necessidade de manter a consciência. A restrição física deve ser considerada
independente da opção por conduta medicamentosa. Cabe à equipe de enfermagem a reali-
zação do procedimento29.

254 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Orientações para a restrição física adequada 29:
• cinco profissionais de enfermagem;
–– contenção de cada membro do paciente e do tórax;
–– amarras resistentes, com contenção firme;
• aplicação de força suficiente para garantir a realização do procedimento;
• verificação sistemática da coloração e do pulso nas extremidades contidas;
• retirada gradual das amarras sob orientação médica;
• prescrição clara no prontuário.

4. Dados do Amparo Maternal


O Amparo Maternal é uma maternidade de 73 anos, localizada na Zona Sul da cidade
de São Paulo. Lá foram formados muitos obstetras e anestesiologistas, dado o volume de
partos mensais, a proximidade com a UNIFESP e o tipo de paciente atendida. Atende exclu-
sivamente leitos do SUS, sendo boa parte encaminhada pelo órgão da Secretaria Municipal
de Saúde gerenciador de vagas de maternidade na cidade, a Mãe Paulistana. Porém, recebe
pacientes de várias localidades, por causa da característica de atendimento a partos normais
reconhecida internacionalmente.
Anexo à casa há o alojamento social, que abriga gestantes e puérperas até 6 meses após
o parto. O perfil das conviventes hoje é de mais de 90% de usuárias de drogas. Lá recebem
atendimento de enfermagem, assistência social e psicológica e atendimento pré-natal dotado
de obstetra e psiquiatra, além de realizar atividades variadas, visando à inserção no mercado.
Aberto desde agosto de 2012, o pré-natal exclusivo para gestantes dependentes químicas
é uma demanda crescente da cidade, pelo volume de pacientes existente hoje.
Foram atendidas 55 pacientes entre agosto de 2012 e março de 2013 (hoje temos 66 aten-
dimentos). São pacientes encaminhadas pelo Centro de Atenção Psicossocial de Jabaquara
(CAPS) ou por busca espontânea. Quando alojadas, tendem a ficar longe do consumo, o
que possibilita o acompanhamento pré-natal mais adequado, com realização de exames, en-
caminhamentos convenientes e atendimento médico, psicológico e psiquiátrico. Boa parte
delas, porém, evade em busca do consumo. A regra da casa determina que não possa retor-
nar caso haja evasão, que ocorre por causa do perfil da usuária – dependente química e sem
de vínculo, seja consigo própria, com o bebê e com a Casa – e constitui um desafio enorme
no combate à doença per si.
São dados do atendimento efetuado:
• N = 55 gestantes;
• média de idade = 25 anos;
• escolaridade = 60% das internas completaram o primeiro grau; 37%, o segundo grau
e 2% têm curso superior;
• 98% são desempregadas; 100% são da classe C, D ou E, no momento;
• 80% são solteiras;
• 25% de seus filhos são fruto de relação com o mesmo parceiro;
• 13% das gestantes têm todos os filhos das gestações anteriores morando com elas;
• 100% dos parceiros atuais são dependentes químicos.

Anestesia e gestante dependente de crack | 255


Os dados anteriores são coerentes com o perfil de mulheres da literatura e mostram outros
fatos alarmantes, como a troca frequente de parceiros e o fato de não deterem a guarda de seus
filhos, o que cria uma situação social e judicial delicada, já que muitas não contam ao médico
sobre a gravidez por receio de ter seu filho tomado pelo Conselho Tutelar ou Ministério Públi-
co. Além disso, o fato de o parceiro ser dependente químico em graus variados, podendo ser,
inclusive, traficante, torna a gestante vulnerável à violência de qualquer natureza.
Oitenta por cento das gestantes atendidas por nosso ambulatório são multíparas. Noven-
ta por cento delas são usuárias de múltiplas drogas. Das 55 mulheres atendidas, apenas 25
deram à luz no Amparo Maternal. Trinta delas evadiram para retornar às drogas e dar à luz
a seus bebês em hospitais gerais, normalmente sob o efeito de drogas.

5. Conclusões
Longe de ser apenas um problema médico, o atendimento à gestante dependente quí-
mica passa por esferas variadas, como a social, judicial, econômica e de infraestrutura
da rede pública. A gestante a que nos referimos está em uma situação de vulnerabilidade
social, é poliusuária e dependente química, o que torna o binômio mãe-feto um desafio
à Medicina e à Anestesiologia. A Organização Mundial de Saúde e vários outros orga-
nismos internacionais estruturados têm concentrado esforços para elaborar protocolos
de atendimento e abordagem ao dependente químico. A experiência brasileira, ímpar,
deveria servir de alerta.

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258 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III



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S678e Educação Continuada em Anestesiologia / Editores: Airton Bagatini, Pedro Thadeu Galvão
Vianna, Marcos Antonio Costa de Albuquerque, Cláudia Regina Fernandes e Oscar César Pires
Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Anestesiologia/SBA, 2013.
260 p.; 25cm.; ilust.

ISBN 978-85-98632-18-6
Vários colaboradores.

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Airton. III. Pires, Oscar César. IV. Vianna, Pedro Thadeu Galvão. V. Albuquerque, Marcos
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• TSA/SBA - Diretor do Departamento Científico da Sociedade Brasileira de Anestesiologia
• Responsável pelo CET do Hospital Municipal de São José dos Campos
• Doutor em anestesiologia/mestre em Farmacologia. Professor-doutor da Universidade de Taubaté

AUTORES
Ana Cristina Pinho Mendes Pereira
• TSA/SBA - Responsável pelo CET/SBA
• Presidente da SAERJ
• Responsável pelo Serviço de Anestesia do Instituto Nacional do Câncer (INCA)
Beatriz Mandim
• TSA/SBA
• Medica anestesiologista do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia.
Bruno Mendes Carmona
• TSA/ SBA - Presidente do Comitê de Via Aérea Difícil da SBA
• Instrutor do Núcleo SBA Vida
• Presidente da Sociedade de Anestesiologia do Estado do Pará (SAEPA)
Bruno Salomé de Morais
• TSA/SBA - Presidente do Comitê de Anestesia em Transplantes de Órgãos da SBA
• Anestesiologista do Hospital Lifecenter e do Programa de Transplante Hepático e Transplante Rim-Pâncreas do
Hospital das Clínicas da UFMG
Celso Schmalfuss Nogueira
• TSA/SBA - Responsável pelo CET em Anest.da Santa Casa de Santos
• Professor titular de anestesiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES)
• Pós-graduação lato sensu em farmacologia pela Universidade Católica de Santos
Cibelle Magalhães Pedrosa Rocha
• TSA/SBA - Membro do Comitê de Anestesia Loco-Regional da SBA
• Instrutora Corresponsável no CET Serv.Anest.Instituto Dr. José Frota
• Diretora Científica da Sociedade de Anestesiologia do Estado do Ceará (SAEC)
Danielle Maia Holanda Dumaresq
• TSA/SBA - Responsável pelo CET/SBA S.A.do Instituto Dr. José Frota
• Professora do curso de medicina Unichristus
Débora de Oliveira Cumino
• TSA/SBA - Presidente do Comitê de Anestesia em Pediatria da SBA
• Responsável pelo CET/SBA da Santa Casa de Miser.de São Paulo
Eduardo Manso de Carvalho Andrade
• TSA/SBA
• Membro do Comitê de Medicina Perioperatória da SBA
• Responsável pelo CET/SBA do Hospital São Francisco e Instituto Sta.Lydia
Eduardo R. Nakashima
• TSA/SBA
• Responsável pelo CET/SBA S.Anest.Inst.Penido Burnier
Emanuela Lombardi
• Médica anestesiologista, SBA
Enis Donizetti Silva
• TSA/SBA
• Membro do Comitê de Via Aérea Difícil da SBA
• Diretor Científico da Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo (SAESP)
Fabiane Cardia Salman
• Membro da Comissão de Qualidade e Segurança em Anestesiologia da SBA
• Post-graduate Diploma in Administration Health Policy & Management - Fundação Getulio Vargas, SP
• Gerente médica e coordenadora do Comitê de Qualidade e Segurança - Serviços Médicos de Anestesia (SMA) -
Hospital Sírio-Libanês, Hospital Alemão Oswaldo Cruz e Hospital Samaritano, SP
Fernando A. Martins
• TSA/SBA
• Presidente do Comitê de Anestesia Cardiovascular e Torácica da SBA, gestão 2012
Florentino Fernandes Mendes
• TSA/SBA - Responsável pelo CET/SBA da Univ.Fed.Ciências da Saúde P.Alegre
• Professor adjunto de anestesiologia do Departamento de Clínica Cirúrgica da Universidade Federal de Ciências da
Saúde de Porto Alegre (UFCSPA)
Francisco Ricardo Marques Lobo
• TSA/SBA
• Membro do Comitê de Anestesia em Transplantes de Órgãos
• Professor doutor responsável pelo CET/SBA HB Funfarme do Hospital de Base de São José do Rio Preto, SP
Giovanni Menezes Santos
• TSA/SBA - Presidente do Comitê de Distúrbios do Sono da SBA
• Anestesiologista do Hospital Mater Dei, Belo Horizonte, MG
• ASA Member
Isabela Galvão Vianna
• Estudante do 11º Termo da Faculdade de Medicina de Teresópolis, RJ (Fundação Serra dos Órgãos, FESO)
Ivani Rodrigues Glass
• TSA/SBA
• Membro do Comitê de Anestesia Ambulatorial da SBA
• Instrutora Corresponsável pelo CET/SBA Menino Jesus de Praga do HU da UFS
Janaína Fernandes Vieira
• Residente do CET da Universidade Federal de Uberlândia
João Henrique Silva
• TSA/SBA - Presidente da Comissão de Qualidade e Segurança em Anestesiologia da SBA
• Instrutor Corresponsável pelo CET/SBA do SANE/MEC
• Coordenador de anestesia do Hospital Moinhos de Vento
João Valverde Filho
• TSA/SBA - Membro da Comissão de Treinamento e Terapêutica da Dor da SBA
• Doutor em ciências médicas pela FMUSP
• Anestesiologista dos Serviços Médicos de Anestesia (SMA) do Hospital Sírio-Libanês, São Paulo
José Samuel de Paula
• Anestesiologista da Universidade Federal de Uberlândia e da Clinest Araguari
Juliana Surjan
• Psiquiatra do Ambulatório de Dependentes Químicas Pré-natal do Amparo Maternal
• Médica pela UNIFESP
Júlio Cezar Mendes Brandão
• TSA/SBA
• Preceptor da residência médica de anestesiologia da Universidade Federal de Sergipe
Kléber Machareth de Souza
• TSA/SBA
• Presidente do Comitê de Anestesia Cardiovascular e Torácica da SBA
Leandro Mamede Braun
• TSA/SBA - Membro da Comissão de Treinamento e Terapêutica da Dor da SBA
• Especialista em dor pela AMB - SBA
• Fellow Interventional Pain Practice - FIPP
Luís Antônio dos Santos Diego
• TSA/SBA - Membro da Comissão de Qualidade e Segurança em Anestesiologia da SBA
• Professor da Universidade Federal Fluminense
• Doutor em anestesiologia pela UNESP, Botucatu, SP
Luiz Fernando dos Reis Falcão
• TSA/SBA - PhD
• Professor adjunto da disciplina de anestesiologia, dor e medicina intensiva da Universidade Federal de São Paulo,
Escola Paulista de Medicina
Magda Lourenço Fernandes
• TSA/SBA
• Responsável pelo CET/SBA da Santa Casa de Belo Horizonte
Marcos Antônio Costa de Albuquerque
• TSA/SBA
• Membro da Comissão de Educação Continuada da SBA
• Responsável pelo CET/SBA Menino Jesus de Praga
Marisa Pizzichini
• TSA/SBA
• Membro do Comitê de Anestesia Cardiovascular e Torácica da SBA
Mary Neide Romero
• TSA/SBA
Melina Cristino de Menezes Frota
• Médica anestesiologista do Instituto Dr. José Frota, Fortaleza - CE
• Aprofundamento em anestesiologia no CHU de Caen - França
• Formação em técnicas ultrassonográficas de anestesia e reanimação pela faculdade René Descartes - Paris V - França
Míriam Seligman Menezes
• TSA/SBA - Presidente da Comissão de Treinamento e Terapêutica da Dor - SBA
• Instrutora Corresponsável pelo CET/SBA Prof. Manoel Alvarez - UFSM
• Doutora em medicina pela UNIFESP
Neuber Martins Fonseca
• TSA/SBA
• Presidente da Comissão de Normas Técnicas da SBA
• Professor e Responsável pelo CET/SBA da Universidade Federal de Uberlândia
Paulo Ricardo Rabello de Macedo Costa
• TSA/SBA
• Instrutor Corresponsável pelo CET da UFU (Universidade Federal de Uberlândia, MG)
Pedro Thadeu Galvão Vianna
• TSA/SBA - Presidente da Comissão de Educação Continuada da SBA
• Professor Titular do Departamento de Anestesiologia da Faculdade de Medicina de Botucatu, UNESP
• Responsável pelo CET do Departamento de Anestesiologia da Faculdade de Medicina de Botucatu, UNESP
Ricardo Caio Gracco de Bernardis
• TSA/SBA
• Presidente do Comitê de Anestesia Ambulatorial da SBA
• Mestrado e doutorado pela Santa Casa de Misericórdia de São Paulo
Roberto Araújo Ruzi
• TSA/SBA - Presidente do Comitê de Anestesia Loco-Regional da SBA
• Instrutor Corresponsável pelo CET/SBA da Disc.Anest.FMUF Uberlândia
• Membro da Comissão Científica da LASRA
Rodrigo Perreira Diaz André
• TSA/SBA - Membro do Comitê de Anestesia em Transplantes de Órgãos da SBA
• Anestesiologista do Programa de Transplante Hepático e Transplante Rim-Pâncreas do Hospital Universitário
Clementino Fraga Filho, da UFRJ
Rosa Marina Ávilla
• TSA/SBA
• Coordenadora do Serviço de Anestesia do Amparo Maternal
• Médica pela UNIFESP
Rosalice Miecznikowski
• TSA/SBA - Membro do Comitê de Via Aérea Difícil da SBA
• Instrutora Corresponsável pelo CET/SBA da Universidade de Brasília
• Instrutora do Núcleo SBA Vida
Waston Vieira Silva
• TSA/SBA
• Membro da Comissão Examinadora do Título Superior em Anestesiologia
• Instrutor Corresponsável pelo CET/SBA S.A.Inst.Matern.Infant.PE - IMIP
APRESENTAÇÃO
Vivemos um momento especialíssimo em nosso País, onde a população brasileira cansa-
da de enfrentar crises sem solução vai às ruas, enfrenta os governantes e em coro uníssono
clama por mudanças em prol da recuperação de uma dignidade há tempos perdida, especial-
mente nos campos da saúde e da educação.
Neste clamor nacional, ecoa o imenso coro da classe médica na luta por melhores condi-
ções de trabalho, culminando no rompimento das negociações e apoio às ações do governo
federal. Embora os governantes aparentam não entender; o problema do Brasil não é quan-
tidade e sim qualidade da medicina. Mais uma vez se tenta utilizar paliativos para adiar
a solução definitiva dos problemas que assolam o País. Enquanto isso, precisamos fazer a
nossa parte, principalmente investindo na educação médica e no aperfeiçoamento de nossos
profissionais, para que o dia em que for chegada a hora de termos reconhecimento e con-
dições de exercermos uma medicina de primeiro mundo, estejamos bem preparados para
mostrar que competência nós temos, e se nos oferecem condições de trabalho e dignidade
para os nossos pacientes, podemos nos tornar um referencial.
No ano em que a Sociedade Brasileira de Anestesiologia, em excelente estado de maturi-
dade, completa 65 anos de fundação, desejamos deixar aqui registrada nossa solidariedade
e participação nas lutas pela melhoria da saúde, amor à nossa profissão e patriotismo, en-
tregando aos associados, mais uma ferramenta de estudo e aperfeiçoamento, assim como o
desejo de que os fatos atuais fiquem registrados na história deste País como momentos do
passado e de grandes conquistas.

Dr. Oscar César Pires


Diretor do Departamento Científico da SBA

Dr. Airton Bagatini


Presidente da SBA
SUMÁ RIO
Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Capítulo 1
Variações anatômicas em bloqueios de nervos periféricos. A importância da ultrassonografia. . . . 15
Roberto Ruzi, Janaína Fernandes Vieira, Neuber Martins Fonseca e Beatriz Mandim

Capítulo 2
Iniciativas em anestesia para a qualidade e segurança do paciente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
Fabiane Salman, João Henrique Silva e Luís Antônio dos Santos Diego

Capítulo 3
Riscos anestésicos em crianças portadoras de apneia do sono . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
Mary Neide Romero, Celso Schmalfuss Nogueira e Giovanni Menezes Santos

Capítulo 4
Analgesia regional pós-operatória I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
João Valverde Filho, Míriam Seligman Menezes e Leandro Mamede Braun

Capítulo 5
Analgesia regional pós-operatória II. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
João Valverde Filho, Míriam Seligman Menezes e Leandro Mamede Braun

Capítulo 6
Anestesia regional periférica guiada por ultrassom (US) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
Danielle Maia Holanda Dumaresq, Melina Cristino de Menezes Frotae Cibelle Magalhães Pedrosa Rocha

Capítulo 7
Reposição volêmica em pediatria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
Danielle Maia Holanda Dumaresq, Débora de Oliveira Cumino e Magda Lourenço Fernandes

Capítulo 8
Bloqueio do nervo femoral: do básico ao avançado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121
Roberto Araújo Ruzi, Paulo Ricardo Rabello de Macedo Costa, Eduardo R. Nakashima, Cibelle Magalhães
Pedrosa Rocha e José Samuel de Paula

Capítulo 9
Transporte aeromédico do paciente crítico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135
Júlio Cezar Mendes Brandão, Luiz Fernando dos Reis Falcão, Waston Vieira Silva e Marcos Antônio Costa de
Albuquerque

Capítulo 10
Manejo da coagulação sanguínea no transplante hepático . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153
Bruno Salomé de Morais, Rodrigo Perreira Diaz André e Francisco Ricardo Marques Lobo

Capítulo 11
Profilaxia e tratamento de náuseas e vômitos em anestesia ambulatorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175
Ricardo Caio Gracco de Bernardis, Ivani Rodrigues Glass e Emanuela Lombardi

Capítulo 12
Resposta inflamatória sistêmica da circulação extracorpórea (CEC) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 189
Fernando A. Martins, Kléber Machareth de Souza e Marisa Pizzichini

Capítulo 13
Técnicas de separação pulmonar – atualização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .207
Bruno Mendes Carmona, Rosalice Miecznikowski e Enis Donizetti Silva
Capítulo 14
Medicina perioperatória: imunonutrição e anestesia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 227
Eduardo Manso de Carvalho Andrade, Florentino Fernandes Mendes e Ana Cristina Pinho Mendes Pereira

Capítulo 15
Como realizar pesquisa no PubMed® . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 235
Pedro Thadeu Galvão Vianna e Isabela Galvão Vianna

Capítulo 16
Anestesia e gestante dependente de crack . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .245
Rosa Marina Ávilla e Juliana Surjan
PREFÁCIO
Em 2001 a Presidente da CET/SBA e o Diretor Científico da SBA decidiram criar o Livro
denominado “Curso de Educação à Distancia em Anestesiologia”. A Comissão de Educação
Continuada (CEC/SBA) a partir de 2005 ficou incumbida da edição deste livro. Em 2011 o
mesmo passou a ser denominado simplesmente “Educação Continuada em Anestesiologia”
e atualmente concluímos o volume III.
Esta obra tem o integral apoio dos Comitês e Comissões que compõem o Departamento
Científico. Os autores tem total liberdade na escolha do tema. Esta sistemática tem o obje-
tivo de dar oportunidade aos que escrevem os capítulos de abordar assuntos relevantes e
atuais nas suas respectivas áreas. Assim, nesta edição, há 2 capítulos sobre o uso da ultras-
sonografia, como método para realização de bloqueios periféricos. Deste modo, o leitor terá
a oportunidade de conhecer os avanços desta tecnologia descrita por diferentes autores. Os
demais capítulos mostram a evolução e a grande diversidade da nossa especialidade, dentre
estes o capítulo sobre anestesia e gestante dependente de crack, atualmente um problema de
saúde pública no Brasil que atinge todas as classes sociais.
Gostaríamos de agradecer à Diretoria da SBA que nos deu todo o apoio e suporte para a
realização desta obra. Com isso houve o envolvimento de funcionários da SBA, dos setores
TI, Biblioteca e Gerência, citados na página da ficha catalográfica.
Sem sombra de dúvida a criação de um livro é um ato mágico do ser humano cuja rele-
vância pode ser fielmente retratada com o poema de Castro Alves:

Livros...livros à mão cheia...


E manda o povo pensar!
O livro caindo n’ alma
É germe – que faz a palma
É chuva – que faz o mar

Pedro Thadeu Galvão Vianna


Marcos Antonio Costa de Albuquerque
Cláudia Regina Fernandes

Prefácio | 13
Capítulo 01

Variações anatômicas
em bloqueios de nervos
periféricos. A importância
da ultrassonografia.
Roberto Ruzi
Janaína Fernandes Vieira
Neuber Martins Fonseca
Beatriz Mandim
Variações anatômicas em bloqueios de nervos periféricos.
A importância da ultrassonografia.
A anestesia regional é um exercício de anatomia aplicada1. Este capítulo irá descrever as
estruturas normais e suas variações anatômicas que podem ser armadilhas durante a reali-
zação de um bloqueio periférico.
Entende-se por variação anatômica uma diferença morfológica que não traz prejuízo
para a função. Quando essa diferença compromete a função estamos diante de uma anoma-
lia e não de uma variação2 .
No passado as variações anatômicas eram observadas nas dissecções de cadáveres, nos
achados cirúrgicos e estudos detalhados de imagem em casos de complicações de anestesia
regional (lesões de nervo periférico). Atualmente a imagem tem possibilitado a identifica-
ção de estruturas variantes com maior facilidade e em tempo real.
Por muito tempo os bloqueios periféricos foram realizados por meio de técnicas “às
cegas”, sejam por parestesia ou por uso do estimulador de nervo3.
Nos últimos dez anos o uso da ultrassonografia na anestesia regional vem ganhando
espaço4. Os avanços tecnológicos permitiram melhora na resolução da imagem, o que pos-
sibilitou a visualização da agulha, das estruturas anatômicas e a dispersão do anestésico em
tempo real3.
A utilização desse recurso traz grandes vantagens em relação às técnicas tradicionais,
como, por exemplo, a visualização direta dos nervos e das estruturas vasculares proximais,
constatação da deposição do anestésico local ao redor dos nervos, diminuição das compli-
cações como injeção intraneural e intravascular de anestésicos locais5. Além de auxiliar em
situações difíceis, como por exemplo, a presença de variações anatômicas.
Além disso, a melhor identificação dos nervos reduz o desconforto do paciente e melhora
a eficácia do bloqueio pelo menor número de falhas6.

Plexo Braquial
O plexo braquial é formado pela união das divisões primárias anteriores do quinto ao
oitavo nervo cervical e o primeiro nervo torácico (Figura 1). As contribuições de C4 e T2
geralmente são pequenas ou estão ausentes. Conforme as raízes nervosas deixam o forame
intervertebral, elas convergem, formando troncos, divisões, fascículos e nervos7.
Três troncos distintos são formados entre os músculos escaleno anterior e médio, deno-
minados como superior (C5-C6), médio (C7) e inferior (C8-T1). Posteriormente cada um
desses troncos dá origem a duas divisões, anterior e posterior. Conforme o plexo braquial
emerge por baixo da clavícula, as fibras se combinam para formar três fascículos7:
1. Fascículo lateral: contribuirá na formação do nervo mediano antes de prosseguir
como nervo musculocutâneo.
2. Fascículo medial: envia uma ramificação para formar o nervo mediano antes de
prosseguir como nervo ulnar.
3. Fascículo posterior: precocemente dá origem ao nervo axilar e prossegue como
nervo radial.

16 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Figura 1: Plexo Braquial

Fonte: http://estudefisio.blogspot.com.br/p/briefing-mobilizacao-neural.html

Variações Anatômicas do Plexo Braquial


Existem muitas variantes do plexo braquial sem nenhuma implicação clínica para a
maioria dos pacientes. Kerr catalogou 29 formas variantes do plexo braquial, em estudo de
175 espécimes de cadáver, dissecados entre 1895 e 19108.
No início do século passado outro autor descreveu um total de 38 variações do mesmo
plexo9. Até 53,5% dos plexos em estudos realizados em cadáveres possuem variação anatô-
mica significativa a partir da descrição “clássica” do plexo braquial10,11.
A ultrassonografia permitiu a apreciação de detalhes anatômicos do plexo braquial, tais
como os troncos, divisões e feixes, bem como apreciação da variabilidade anatômica, que
será descrita abaixo12 .
Os músculos escalenos e o sulco virtual entre eles são os marcos principais para localiza-
ção bem sucedida do plexo braquial na fenda interescalênica. No entanto, a relação entre as
raízes, troncos, e músculos é variável. Num estudo de 51 espécimes de cadáver, Harry et al.
constatou que apenas 32% tinham o clássico arranjo anatômico dos músculos escalenos e
do plexo braquial bilateral no pescoço13.
Na região interescalênica a variação anatômica mais frequente envolve as raízes C5 e/ou
C6, com passagem através (Figuras 2.1 e 2.2) ou anterior (Figura 3) ao músculo escaleno
anterior, ao invés de passar através da fenda interescalênica. Quando isto ocorre, é possível
que as raízes nervosas aberrantes possam confundir a localização do plexo com o estimula-
dor de nervos14.

Variações anatômicas em bloqueios de nervos periféricos. A importância da ultrassonografia | 17


Figura 2.1:

Figura 2.2:

TPS: Tronco primário superior; ECM: Músculo esterno cleidomastoideo; EM: Músculo escaleno médio;
EA: Músculo escaleno anterior; JUG: Veia jugular interna; C: Artéria carótida.

Figura 3:

TPS: Tronco primário superior; ECM: Músculo esterno cleidomastoideo; EM: Músculo escaleno médio;
EA: Músculo escaleno anterior; JUG: Veia jugular interna; C: Artéria carótida.

18 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Natsis e col. descreveu anomalias do plexo braquial em 93 dissecações de cadáveres e
descobriu que 25% tiveram um tronco superior anormal, sendo o tronco perfurante ou
passando anteriormente ao músculo escaleno anterior14. Kessler e Gray foram capazes de
visualizar esta anomalia em voluntários em que o plexo e sua anatomia circundante foram
fotografados na região interescalênica com ultrassonografia15.
Um estudo francês também identificou o tronco primário superior passando anterior-
mente ao músculo escaleno anterior em 8% dos plexos avaliados, outras variantes encon-
tradas foram: troncos ou raízes intramusculares (33%) e artéria cruzando as raízes ou
troncos (23%)16.
Outras variações que identificamos foram o tronco primário superior medial ao músculo
escaleno anterior e os troncos primário médio e inferior, intramusculares (Figuras 4.1 e 4.2).
Figura 4.1: C5 e C6 medial ao músculo escaleno anterior

SCM: Músculo esternocleidomastoideo; IJV: Veia jugular interna; CA: Artéria carótida; ASM: Músculo
escaleno anterior.
Figura 4.2:

TPS: Tronco primário superior; ECM: Músculo esterno cleidomastoideo; EM: Músculo escaleno médio;
EA: Músculo escaleno anterior; JUG: Veia jugular interna; C: Artéria carótida.

Variações anatômicas em bloqueios de nervos periféricos. A importância da ultrassonografia | 19


Na fenda interescalênica o plexo braquial pode estar mais cefálico ou caudal que o nor-
mal em diferentes indivíduos, afetando o desempenho do bloqueio interescalênico. Em um
estudo de 200 amostras de plexo braquial em fetos abortados espontaneamente, Uysal e col.
constatou que 46,5% das amostras possuíam organização clássica, enquanto 53,5% possuí-
am algum grau de variação. Um quarto dos plexos era do tipo pré-fixado, com a participação
da raiz de C4, enquanto que 2,5% eram do tipo pós-fixado, com uma contribuição de raiz
de T211.
Ocasionalmente, tronco superior não se forma (ou seja, as raízes de C5 e C6 permane-
cem distintas)10. Outra variação é a presença de ponte muscular separando as raízes do plexo
braquial (Figuras 5.1 e 5.2).
Figura 5.1: Ponte muscular separando os troncos do plexo braquial.

Figura 5.2:

ECM: Músculo esterno cleidomastoideo; EM: Músculo escaleno médio; EA: Músculo escaleno anterior;
JUG: Veia jugular interna; C: Artéria carótida.

20 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Nessas condições, o bloqueio do plexo braquial por via interescalênica sem o recurso da
imagem provavelmente não será efetivo, podendo ocorrer falha parcial. Isto não acontece
com tanta frequência porque o volume de anestésico utilizado é grande ou é feita dupla abor-
dagem, interescalênica e axilar.
A ultrassonografia também possibilita identificar estruturas como a artéria cervical
transversa, que apesar de não ser uma variação anatômica, pode trazer complicações no
momento do bloqueio de plexo caso não seja identificada (Figura 6).
Figura 6:

ECM: Músculo esterno cleidomastoideo; EM: Músculo escaleno médio; EA: Músculo escaleno anterior;
JUG: Veia jugular interna; C: Artéria carótida.

Na fossa supraclavicular o plexo braquial é composto por um grupo compacto de seis


divisões, o que é, talvez, a porção do plexo mais anatomicamente favorável para o bloqueio
completo do plexo com uma única injeção12 . Porém, neste nível o plexo é extremamente
próximo da cúpula do pulmão, isto aumenta o risco de contato da agulha com a pleura,
podendo resultar em pneumotórax17. A apreciação desta relação anatômica em tempo real
pela ultrassonografia pode reduzir este risco e melhorar a segurança dos bloqueios realiza-
dos na região supraclavicular18. Apan et al. avaliaram 30 plexos através de ultrassonografia
e ressonância magnética e descobriram que a profundidade média do plexo braquial na
fossa supraclavicular, com o transdutor na posição coronal oblíquo, é 1,65 centímetros em
homens e 1,45 centímetros, em mulheres19.
Na região axilar também podem ocorrer diversas variações anatômicas. Segundo o es-
tudo realizado por Orebaugh, o nervo musculocutâneo estava ausente em 8% dos pacien-
tes, sendo os músculos bíceps, coracobraquial e braquial inervados por algum outro nervo.
Neste mesmo estudo em 20% dos casos o nervo musculocutâneo estava junto com o nervo
mediano20,21. Orebaugh também descreveu que o nervo musculocutâneo foi encontrado su-
perficial ao músculo bíceps ao invés de estar entre o bíceps e coracobraquial 20.
Na axila os principais nervos terminais para a mão permanecem bastante próximos à
artéria axilar. O nervo mediano geralmente localiza-se lateral ao vaso, o nervo ulnar ântero-

Variações anatômicas em bloqueios de nervos periféricos. A importância da ultrassonografia | 21


-medial e o nervo radial posterior à artéria, mas com considerável variabilidade anatômica.
Os livros didáticos comumente descrevem este padrão como mais comum quando o braço
é abduzido 90 graus no ombro22, 23.
Os estudos in vivo utilizando a ultrassonografia sustentam este padrão, mas também
revelam variações significativas na posição dos nervos. Retzl e col. relataram que, em uma
série de 69 voluntários, que o nervo ulnar estava ântero-medial à artéria axilar em 59% dos
casos. O nervo radial assumia posição póstero-medial ao vaso em cerca de dois terços dos
casos, enquanto o nervo mediano estava ântero-lateral ou ântero-medial ao vaso em 56%24.
Estes autores descobriram que estes nervos mudam de posição facilmente, mesmo com
leve a pressão sobre a pele. Da mesma forma, Chan e col., em um estudo comparando a
ultrassonografia para o bloqueio axilar ao estimulador de nervo, mostraram que o nervo
mediano era geralmente ântero-lateral à artéria braquial, o nervo ulnar ântero-medial, e o
nervo radial posterior ou póstero-medial 25.
Na axila comumente são encontradas variações na formação vascular. Kutiyanawala e
col. mostrou que 21 dos 100 pacientes submetidos a esvaziamento axilar tiveram forma-
ção venosa anormal na região, incluindo 10 pacientes com veias axilares duplas26. Varia-
ções na formação arterial também são frequentes nesta região. Uglietta e Kadir avaliaram
100 arteriografias do membro superior, 9% dos casos apresentavam variações arteriais
marcantes, o exemplo mais comum foi a ramificação alta da artéria radial na axila, que é
ramo da artéria braquial 27.
Variações com dupla artéria braquial, artéria braquial bífida, ou artéria braquial super-
ficial e profunda são relatadas28, 29. Tais variações arteriais ocorrem em até 10% das amos-
tras28. Variações e anomalias do sistema arterial ulnar e radial são mais frequentes, mas nor-
malmente ocorrem mais distalmente no braço, por isso, estas não são geralmente relevantes
para a realização de um bloqueio axilar12 .

Os Plexos Lombar e Lombo-sacral


O membro inferior é inervado pelos plexos lombar e lombo-sacral (Figura 7). O plexo
lombar, primariamente de L2 a L4, forma três grandes nervos que suprem a extremidade
inferior: o nervo cutâneo femoral lateral, o nervo femoral e o nervo obturador3.
Figura 7:

Plexo Lombar e Lombossacral

22 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


O plexo lombo-sacral é derivado das raízes de L4 a S3 e forma o nervo ciático que dará
inervação sensitiva e motora para a porção posterior do membro inferior até o pé, seus ramos
terminais são os nervos tibial e fibular comum7.

Variações Anatômicas dos Plexos Lombar e Lombo-sacral


Variações anatômicas do plexo lombar são comuns. No estudo realizado por Anloague
e Huijbregts em 2009, a prevalência média de variação anatômica foi de 20,1%, onde 41 dos
204 nervos estudados apresentaram variações30, sendo mais frequentemente encontradas
nos nervos femoral, iliohipogástrico, cutâneo femoral lateral e genitofemoral. Dos plexos
investigados 20,6% demonstraram a ausência de nervo iliohipogástrico, 26,5% apresenta-
vam divisão do nervo genitofemoral dentro da massa muscular do psoas, e 17,6% dos plexos
tiveram o nervo cutâneo femoral lateral proveniente das raízes nervosas L1 e L2. Em 35,3%
dos plexos investigados, o nervo femoral bifurcou e às vezes em trifurcou dentro do músculo
psoas maior30.
Outra variação encontrada na literatura referente ao nervo cutâneo lateral da coxa ocorre
quando este nervo surge diretamente do nervo femoral, Rajesh e Urvi encontraram esta
variante em 10% dos plexos estudados31.
As variações anatômicas do nervo femoral também estão relatadas na literatura30,31,33. Em
nosso serviço identificamos algumas formas variantes do nervo, como por exemplo: nervo fe-
moral em fita (fino e largo), estendendo-se por 2,7cm (Figuras 8.1 e 8.2); nervo femoral abaixo
da artéria femoral (Figura 9) e nervo femoral distante da artéria femoral (Figuras 10.1 e 10.2).
Classicamente o nervo femoral está a uma distância de 0,5-1,0cm da artéria femoral.
Figura 8.1: Nervo femoral em fita

Fonte: http://www.auladeanatomia.com/neurologia/lombar.htm

Variações anatômicas em bloqueios de nervos periféricos. A importância da ultrassonografia | 23


Figura 8.2:

N: Nervo femoral; A: Artéria femoral; V: Veia femoral.

Figura 9: Nervo femoral abaixo da artéria femoral.

N: Nervo femoral; A: Artéria femoral; V: Veia femoral.

Figura 10.1: Nervo femoral longe da artéria femoral.

24 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Figura 10.2:

N: Nervo femoral; A: Artéria femoral; V: Veia femoral.

Outras variantes do nervo femoral incluem o nervo femoral dividido, com uma porção
intramuscular e a outra acima do músculo psoas (Figura 11); ou uma porção abaixo do mús-
culo psoas e a outra acima do psoas (Figura 12)32 . O nervo femoral também já foi identifica-
do passando abaixo do músculo psoas (Figura 13)33.
Figura 11:

N: Nervo femoral; A: Artéria femoral; V: Veia femoral.


Figura 12:

N: Nervo femoral; A: Artéria femoral; V: Veia femoral.

Variações anatômicas em bloqueios de nervos periféricos. A importância da ultrassonografia | 25


Figura 13:

N: Nervo femoral; A: Artéria femoral; V: Veia femoral.

Uma estrutura importante que deve ser observada durante o bloqueio do nervo femoral
é a artéria ilíaca circunflexa, longitudinal ou transversal, que apesar de não ser uma variação
anatômica, pode tornar-se uma armadilha quando não identificada nas técnicas “às cegas”
(Figuras 14.1 e 14.2).
Figura 14.1:

N: Nervo femoral; A: Artéria femoral; V: Veia femoral; CI: Artéria circunflexa ilíaca.
Figura 14.2:

N: Nervo femoral; A: Artéria femoral; V: Veia femoral; CI: Artéria circunflexa ilíaca.

26 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


O nervo ciático geralmente se bifurca no ápice da fossa poplítea, formando os nervos ti-
bial e fibular comum, isso ocorre em 85-89% dos casos. Porém essa bifurcação pode ocorrer
em níveis variados, inclusive na pelve. Não se conhecem variações da largura e do compri-
mento do nervo ciático34.

Conclusão
É cada vez maior a utilização da ultrassonografia como recurso de imagem em várias áreas
da medicina. Por ser um método que permite a visualização das estruturas de forma inócua
para o paciente e para o médico, de fácil acesso, indolor e muitas vezes portátil, está se tornan-
do uma ferramenta muito útil na anestesiologia e principalmente na anestesia regional.
È necessário um bom entendimento do equipamento, porém o conhecimento da ana-
tomia é de extrema importância para a realização dos bloqueios regionais, diminuindo o
número de complicações das técnicas empregadas e possibilitando cada vez mais o acesso
às estruturas nervosas periféricas.

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28 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Capítulo 02

Iniciativas em anestesia
para a qualidade e
segurança do paciente
Fabiane Salman
João Henrique Silva
Luís Antônio dos Santos Diego
Iniciativas em anestesia para a qualidade e
segurança do paciente
A questão da qualidade e segurança do paciente, muito embora seja um tema inerente a
qualquer área de atuação no setor de saúde, encontra-se intimamente relacionada à aneste-
siologia. Acredita-se que a necessidade imperiosa da garantia de segurança do paciente no
ato operatório tenha surgido em meados do século XIX. A questão não era tão somente a
administração da “anestesia”, mas, sim, prover eficácia e segurança, isto é, que, ao permitir
a cirurgia sem o infortúnio da dor, também seus riscos fossem, de algum modo, “controla-
dos”. Afinal, as propriedades anestésicas do éter dietílico já eram conhecidas desde o século
XVI, com as observações de Paracelsus, mas até então não haviam sido utilizadas na prática
clínica, pois não se aceitava que os pacientes viessem a “morrer da cura”.
A experiência clínica moderna, da qual a anestesiologia é protagonista diuturna, caracte-
riza-se por uma complexa intersecção de valores que vão além do estado clínico do paciente
e das evidências científicas da eficácia das intervenções. De igual modo, as preferências dos
próprios pacientes e os diversos cenários nos quais se encontram inseridos em determinada
ocasião hoje compõem a tomada de decisão.
Coube a Donabedian1, a partir dos anos 1960, consolidar os princípios e fundamentos da
qualidade do cuidado em saúde, na perspectiva do serviço às reais necessidades de pacientes
e comunidade. Destarte, apresentou a didática tríade: estrutura, processo e resultado, que
se mostrou muito útil na avaliação da qualidade dos serviços prestados pelos sistemas de
saúde2 . Posteriormente, o instituto de medicina também destacou os fatores mais relevantes
na qualidade do cuidado em seu relatório intitulado Crossing the Quality Chasm3, em que
elenca a segurança, eficiência e efetividade, mas também a oportunidade e equidade na pres-
tação do cuidado, sempre centrados no paciente.
Conjuminando-se os breves relatos históricos apresentados nos parágrafos anteriores,
compreende-se por que a anestesiologia moderna é considerada a especialidade médica
líder na questão da segurança do paciente4,5 e, por conseguinte, a razão de o ensino-apren-
dizagem desses aspectos nos cursos das escolas médicas (graduação6 ou pós-graduação7,8) e
especialização lato sensu9 ser relacionado à anestesia.
Entretanto, em levantamento recente sobre o quantitativo mundial de cirurgias10, foram
estimados cerca de 234 milhões de procedimentos anestésicos realizados a cada ano, e em
torno de 7 milhões dessas intervenções ocorreu algum tipo de complicação no pré-operató-
rio e cerca de 1 milhão de pacientes foram a óbito. Essas estimativas denotam a necessidade
de políticas de saúde pública que concentrem esforços na monitoração e na segurança cirúr-
gica, especialmente em função do elevado risco e dispêndio financeiro. O impacto clínico
desse fato implica elevação da permanência hospitalar em 10 a 15 dias, aumento do risco de
reinternação (cinco vezes), aumento da necessidade de internação em Unidade de Terapia
Intensiva (1,6%), duplicação da mortalidade e um custo estimado, nos Estados Unidos, de
10 bilhões de dólares por ano.
As complicações da anestesia em si continuam a desafiar a mortalidade. Com a melhora
do conhecimento, da padronização e das monitorizações, a morbimortalidade tem, efeti-

30 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


vamente, sido reduzida em 40 vezes em 30 anos, e o número de 1 para 5 mil passou de 1
para 200 mil em países desenvolvidos, embora países pobres tenham índices 100 a 1.000
menores que esses.

1. Padrões mínimos de monitoração perioperatória


A Anesthesia Patient Safety Foundation (APSF) foi fundada em meados dos anos 1980,
nos Estados Unidos da América, com a missão “nenhum paciente deverá sofrer dano por
efeitos da anestesia”11 e atuou para a adoção de padrões de monitoração básica durante o
intraoperatório (American Society of Anesthesiologists - ASA, Standards for Basic Intra-
operative Monitoring). Esses padrões, estabelecidos pela ASA, originaram-se de estudos
publicados no JAMA12 e foram um paradigma em relação à segurança do paciente por seu
pioneirismo e desafio às implicações médico-legais inerentes à própria especialidade. Eram
quatro os objetivos desses padrões mínimos de monitoração perioperatória: melhorar o
cuidado ao paciente; elevar a detecção de eventos adversos de baixa frequência; obter refe-
rências (benchmark) de eventos e estabelecer um precedente, de modo que outros aspectos
da prática anestésica pudessem vir a ser estabelecidos no futuro.
No Brasil, a Resolução nº 851, do Conselho Federal de Medicina (CFM), de 197813
(revogada pela Resolução n º 1.36314, de 1993), não especificava padrões mínimos de mo-
nitoração, muito embora já determinasse que o anestesista avaliasse o paciente antes do
procedimento, permanecesse durante toda a cirurgia e repudiasse a realização simultânea
de atos anestésicos. A Resolução nº 1.363, do CFM (revogada pela Resolução nº 1.80215,
do CFM, de 2006), determinou, pela primeira vez, a observação de padrões mínimos e o
registro em ficha apropriada de monitoração de sinais vitais durante o ato anestésico. A
Resolução nº 1.802, do CFM, em vigor na presente data, além de determinar mais detalha-
damente a monitoração necessária (artigo 3º), apresenta relações anexas de equipamento,
instrumental e fármacos (anexos 2, 3 e 4, respectivamente), também obrigatórios durante
os atos anestésicos. A Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA) colaborou na elabora-
ção dessas resoluções e atua politicamente para que essas determinações também integrem
uma possível Resolução da Diretoria Colegiada (RDC), da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (ANVISA).

1.1 O registro da anestesia


Atribui-se a Codman e Cushing16, ainda no fim do século XIX, a iniciativa de registra-
rem-se, de modo consistente e sistemático, os eventos ocorridos durante o ato anestésico,
inclusive os dados obtidos com a monitoração dos sinais biológicos. Esses registros estão
contemplados na Resolução nº 1.802 (anexo 1), ainda que muitos dos sinais obtidos durante
a anestesia estejam também sendo registrados eletronicamente nos modernos monitores
multiparâmetros e softwares apropriados17.
A evolução da forma como serão rotineiramente realizados em um futuro próximo
é objeto de discussão em função de um objetivo bem concreto - a segurança do paciente.
Argumenta-se que a obrigatoriedade de anotação a cada cinco minutos “garante” a atenção
do profissional ao paciente; de outro modo, entretanto, liberado da anotação, o anestesis-

Iniciativas em anestesia para a qualidade e segurança do paciente | 31


ta “poderia estar” mais atento a outras tarefas também relevantes ao cuidado do paciente.
Outros aspectos a serem considerados são a fidedignidade das anotações e a validade em
auditagem futura como em comprovações judiciais. Posner18, participante do Closed Clai-
ms Project - iniciativa da ASA em 1985 -, relatou observar uma correlação significante entre
inadequação das anotações e falha efetiva no cuidado perioperatório (59%). O Comitê de
Responsabilidade Profissional da ASA19 elencou vantagens no uso de registros eletrônicos
(Registro Eletrônico em Saúde - RES) e cotejou-as com possíveis malefícios, principalmen-
te em relação à responsabilidade profissional. A conclusão final foi que o RES é uma ponde-
rosa ferramenta para a otimização da qualidade do cuidado ao paciente e que médicos e
pacientes beneficiam-se da disponibilidade da informação.
No Brasil, o CFM, em parceria com a Sociedade Brasileira de Informática em Saúde
(SBIS), determinou, com a Resolução nº 1.821, do CFM, de 2007, que os sistemas de RES
“devem adotar mecanismos de segurança capazes de garantir autenticidade, confidenciali-
dade e integridade das informações de saúde”20.
1.2 Listas de verificação cirúrgica (checklists)
Em outubro de 2004, a Organização Mundial de Saúde (OMS) lançou a Aliança Mun-
dial para a Segurança do Paciente, com o objetivo de “despertar a consciência profissional
e o comprometimento político para melhor segurança na assistência à saúde.” O elemento
central do trabalho da Aliança é a formulação dos Desafios Globais para a Segurança do Pa-
ciente. A cada dois anos, um desafio é formulado para pactuar um comprometimento global
e reiterar temas relativos à segurança do paciente que estejam direcionados a uma área de
risco significativa em todos os estados-membros da OMS.
O primeiro desafio teve como foco as infecções relacionadas à assistência à saúde, e a ci-
rurgia segura foi escolhida como tópico para o segundo Desafio Global para a Segurança do
Paciente. Assim, o programa Cirurgia Segura Salva Vidas tem como objetivo aumentar os pa-
drões de qualidade almejados em serviços de saúde de qualquer lugar do mundo, contemplan-
do a prevenção de infecções de sítio cirúrgico, a anestesia segura, as equipes cirúrgicas seguras
e os indicadores da assistência cirúrgica. Para tal meta, foi definido um conjunto central de
padrões de segurança, o qual pode ser aplicado globalmente e em diversos cenários. Nesse
conjunto, ficou óbvio o caráter multiprofissional, pois nele são compreendidos todos aqueles
que, em conjunto, trabalham e contribuem para a excelência do cuidado ao paciente.
Os checklists21,22,23 são listas de verificação utilizadas como ferramentas rápidas e simples
que devem ser utilizadas por todos os profissionais, desde os iniciantes até os mais qualifica-
dos. Não se equiparam a “manuais básicos” ou até mesmo aos procedimentos operacionais
padrão (POP). As listas de verificação, como a proposta no projeto Cirurgia Segura Salva
Vidas, da OMS24, para aplicação antes da indução anestésica, antes da incisão cirúrgica e
antes da saída da sala de operações, devem ser breves, mas sem comprometimento da eficá-
cia em relação aos objetivos aos quais se propõem. Os itens que as compõem devem, portan-
to, conter-se ao essencial, muito embora, às vezes, o que pode ser considerado crítico em um
determinado cenário não o seja em outro.
Entre os 19 itens que compõem a lista de verificação de segurança cirúrgica, aqueles re-
lacionados diretamente à anestesia são: usar métodos conhecidos para impedir danos na

32 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


administração de anestésicos enquanto protege o paciente da dor; reconhecer e estar efe-
tivamente preparado para perda de via aérea ou de função respiratória que ameace a vida;
reconhecer e estar efetivamente preparado para o risco de grandes perdas sanguíneas; evitar
a indução de reação adversa a drogas, ou alergia, sabidamente de risco ao paciente, e se co-
municar efetivamente e trocar informações críticas para a condução segura da operação.
1.3 Prevenção de erros de medicação no perioperatório
Em estudo retrospectivo de 27.454 anestesias, Yamamoto e col.25 identificaram 233 in-
cidentes relacionados a medicamentos em um período de oito anos. Os erros de medicação
mais frequentes foram: sobredose (25%) e substituição (23%) e omissão (21%)26. Os medi-
camentos mais envolvidos nesses erros eram antibióticos e relaxantes musculares. Webster e
col.27 relataram uma incidência de 0,75% (58 casos) de erros de administração em um estudo
com amostra de 7.794 pacientes; já a Sociedade Americana de Anestesiologistas (ASA), no
Projeto Closed Claims, relata a proporção de 4% de erros com drogas anestésicas. Impor-
tante salientar que, de acordo com a amostra analisada e o tipo de hospitais estudados, os
erros relatados pela literatura internacional podem variar de 0,75 a 19%28. A subnotificação
desses eventos é uma realidade por causa da cultura da punição ainda presente nas institui-
ções de saúde e da baixa notificação de quase falhas29 (ocorrências que não atingiram o pa-
ciente, mas que poderiam ter causado um problema real). Apesar da pequena percentagem
dos eventos medicamentosos anestésicos notificados, esses erros ainda apresentam grande
potencial para morbidades graves.
Os incidentes com medicamentos durante anestesia têm sido frequentemente relaciona-
dos à parada cardíaca e mortalidade no período intraoperatório. Estudo realizado por Braz e
col. 30, em 2004, apresentou, entre as principais causas de mortalidade associada à anestesia,
os eventos relacionados à medicação empregada (27,3%). Hove e col. 31 observaram que, dos
24 óbitos avaliados relacionados à anestesia, oito (33,3%) eram atribuídos a falhas na admi-
nistração de medicamentos.
Com o intuito de estudar as causas e os incidentes mais comuns, reconhece-se que a
implantação de um sistema eficaz de notificação de eventos relacionado a medicamentos
deve ser prioridade, de tal modo que se possam analisar os incidentes mais comuns e, assim,
realizar ações preventivas e corretivas de falhas latentes no sistema que podem facilitar o
erro humano. Somam-se também como barreiras de segurança que priorizam a prevenção
dos erros medicamentosos as etiquetas de identificação de seringas e soros, as quais devem
ser lidas cuidadosamente e conferidas antes do preparo e da administração, e a organização
padronizada de gavetas, caixas de drogas e local de preparo dos medicamentos32 .
Fármacos com denominação e fonética semelhantes (sound alike) têm sido fonte frequen-
te de erros de medicação, que ocorrem por semelhanças tanto entre as marcas registradas
(comercial, como Nimbium e Nexium) quanto entre as denominações genéricas (por
exemplo, dopamina e dobutamina), ou, ainda, entre ambos (comercial e genérico), como
com o Epinefrin e a fenilefrina33. Medicamentos com aparência e rótulo semelhantes
também são considerados “armadilhas cognitivas”, pois, diante de distração, fadiga, burnout
e estresse, os anestesiologistas os administram erroneamente, ocasionando situações catas-
tróficas. A vigilância constante, portanto, é fundamental e recomendada.

Iniciativas em anestesia para a qualidade e segurança do paciente | 33


Reconhece-se, entretanto, que a participação e o envolvimento dos fabricantes de medi-
camentos são decisivos no enfrentamento do desafio de cuidados de saúde mais seguros, por
meio da emissão de rotulagens legíveis e de cores padronizadas segundo normas e padrões
previamente estabelecidos e da definição de nomes que realmente diferenciem os medica-
mentos por classe terapêutica.
O aumento da segurança durante o preparo e a administração de medicamentos em
anestesia é uma das prioridades internacionais de segurança, estando presente na Decla-
ração de Helsinki, assinada pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA), em 2010,
durante o Congresso Europeu de Anestesia. Em consenso com essa preocupação mundial,
a SBA, por meio da Comissão de Qualidade e Segurança em Anestesia (CQSA/SBA), tem
realizado ações com diversos players para aumentar a segurança no período perioperatório.
1.4 Sistemas de relatos de eventos adversos
O passo inicial de todo movimento para melhorar a segurança é o reconhecimento por
todos que a máxima “errar é humano” é verdadeira, e errar é sempre possível em nosso dia a
dia. Diminuir a possibilidade de sua ocorrência compreende diversos desafios. A nova cul-
tura do erro qualifica-o como um processo sistêmico, e não de um indivíduo, na maioria das
vezes. Sua patogenia está no sistema: trabalho sob pressão, equipamento inadequado, fadi-
ga, violação dos procedimentos de segurança, deficiências de construção e design. O maior
desafio é agir sobre esses fatos.
No passado, o indivíduo envolvido diretamente no erro era sempre o responsável: havia a
cultura da vergonha e da culpa, de esconder os erros, do medo da revelação, da baixa moral.
A consequência imediata é a dificuldade em se obter qualquer benefício na prevenção de
erros semelhantes. Atualmente, já existe o conceito de erro sistêmico, o qual permite que
se fale abertamente sobre os erros, avaliem-se as circunstâncias nas quais ocorreram e, por
conseguinte, elaborem-se ações preventivas, de modo que os integrantes do sistema passam
implementar barreiras efetivas.
A OMS publicou, em 2005, o World Alliance for Patient Safety – Who Draft Guidelines
for Adverse Event Reporting and Learning Systems. From Information to Action34, que
instrui que a função de um sistema de reportar eventos é usar os resultados da análise para
formular e disseminar mudanças dos sistemas.
A confidencialidade, entre outras, é peça-chave na construção da qualidade e, assim
como no caso da aviação, em que existe leis que protegem a denúncia, nos Estados Unidos,
em 2004, foi promulgada uma lei que protege quem denuncia eventos na área da saúde.
A ASA, em 2009, fundou o Anesthesia Quality Institute para promover qualidade por
meio da coleta e disseminação de dados práticos. Em 2010, foi criado o National Anesthesia
Clinical Outcomes Registry (NACOR)35, banco de dados gerado que envolve operação,
eficiência, segurança e outros itens. Além dos anestesistas que se incorporam para ajudar a
compor a ferramenta que servirá de ajuda em sua atividade, as entidades que contribuem são
diversas: Anesthesia Patient Safety Foundation, Closed Claims Project, ASA Committees e
Joint Commission, entre outras agências reguladoras.
A ASA, com o comitê de manejo da informação Anesthesia Management Systems
(AIMS)36, incentiva a adoção de métodos que facilitem a transmissão da informação, cre-

34 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


denciando iniciativas comerciais de desenvolvimento para coleta, processamento e integra-
ção de informação que se alinhem com a sociedade.
Na Inglaterra existe o National Confidential Enquire into Patient Outcome and Death
(NCEPOD), criado em 2011 para identificar pacientes que são de alto risco de mortalidade
e morbidade cirúrgica, além de revisar desde práticas de avaliação e cuidados perioperatório
até possível identificação de falhas do sistema, propondo mudanças. Ele revelou, por exem-
plo, que em 1 entre 5 pacientes críticos de cirurgia eletiva que não foram avaliados antes da
internação a mortalidade em 30 dias foi de 4,8%, comparado com 0,7% dos que foram vistos.
Em 2011, institui-se o Anesthesia Incident Report System (AIRS), Report Adverse
Events e Near Misses37, que se propõe a dinamizar as coletas e os retornos das análises.
A European Society of Anaesthesiology (ESA) aprovou, em 2011, a Declaração de Hel-
sinque38, com as seguintes recomendações: standards de monitorização mínima; avaliação
pré-operatória e preparo; checagem de equipamento e drogas; etiquetagem de seringas;
manejo de entubação difícil; hipertermia maligna; toxicidade de anestésico local; anafila-
xia; hemorragia maciça; controle de infecção; cuidado pós-operatório e tratamento da dor;
incorporação à campanha da OMS Cirurgia Segura Salva Vidas; produção de relatórios
anuais de mortalidade e morbidade e de resultado de medidas de segurança adotados e con-
tribuição para um sistema de incidentes críticos.
A SBA dispõe de banco de dados originado dos centros de ensino, log book, que poderá
ser a base para criar um sistema brasileiro de relato de eventos adversos em anestesia.

2. Considerações finais
Em saúde, há necessidade de, proativamente, se criar uma cultura de melhora do desem-
penho como meio de obter bons resultados. As organizações de saúde, como as de acre-
ditação e governamentais, e os planos de saúde começam a estimular boas práticas com
incentivos, nomeando-as como acreditadas, estabelecendo pagamento por desempenho
(payment for performance - P4P) e incentivos fiscais para quem se organiza e utiliza in-
dicadores permanentes, para analisar e corrigir desvios que constituem os fatores de risco
latente. A máxima: “o custo da qualidade é a falta de qualidade” é, cada vez mais, verdadeira
e deve sempre ser considerada em qualquer planejamento, desde a gestão macro da saúde até
o planejamento do ato anestésico.

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36 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


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Iniciativas em anestesia para a qualidade e segurança do paciente | 37


Capítulo 03

Riscos anestésicos em
crianças portadoras de
apneia do sono
Mary Neide Romero
Celso Schmalfuss Nogueira
Giovanni Menezes Santos
Riscos anestésicos em crianças portadoras
de apneia do sono
Em 1976, Guilleminault relatou apneia do sono em seis crianças1. Descreveu-a como
uma síndrome caracterizada por roncos de alta intensidade, episódios de dessaturação da
hemoglobina e hipercapnia durante o sono. As consequências da desordem na respiração re-
sultariam numa variedade de sintomas, incluindo problemas neurocognitivos, distúrbios de
comportamento, baixo rendimento escolar, disfunção cardiovascular e doença respiratória.
A hipertrofia amigdaliana é o fator mais importante da obstrução respiratória durante o
sono e a adenoamigdalectomia é essencial para seu tratamento.
Quanto à prevalência, o ronco primário sem complicações ocorre em 5% a 27% em crian-
ças. E a síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) ocorre em 1% a 4%, sendo mais
prevalente em crianças com asma2 . Quanto à idade, há uma incidência bimodal com picos
entre 5 e 8 anos e entre 17 e 21 anos3.
Os distúrbios respiratórios relacionados ao sono (DRS) em crianças vêm ganhando
importância crescente nas últimas décadas, em virtude de acarretarem consequências
neurocomportamentais, cardiovasculares, endócrinas e metabólicas3. Os DRS em crianças
compreendem um espectro de apresentação clínica que abrange desde o ronco primário
até a síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS)4. A prevalência dos DRS é estimada
entre 0,7% a 13%, na dependência dos critérios utilizados para avaliação diagnóstica, como
saturação de oxigênio pela hemoglobina, fluxo aéreo, esforço respiratório e polissonografia 5.
O ronco primário é definido como ronco sem associação com apneia, hipoxemia, hipercapnia
ou fragmentação do sono4. Apesar de inicialmente ser considerado benigno, evidências recentes
sugerem que o ronco per se pode estar associado a alterações neurocomportamentais5.
A SAOS em crianças é definida como um distúrbio respiratório durante o sono, caracte-
rizado por obstrução parcial ou completa das vias aéreas superiores que altera a ventilação
normal e os padrões de sono. Está associada a sintomas que incluem ronco noturno, difi-
culdade para dormir e problemas comportamentais6. Sua prevalência é estimada entre 1% e
4%, de acordo com critérios que são variáveis7. Os três componentes mais importantes são:
hipóxia episódica, hipercapnia intermitente e fragmentação do sono.
A história e o exame clínico têm grande valor, mas não são suficientes para o diagnós-
tico, que está centrado na polissonografia. É esta que registra os eventos respiratórios por
hora, e sua média determina o índice de apneia/hipopneia (IAH), fundamental para o
diagnóstico. Em crianças, caso o AHI esteja entre 1 e 5, os DRS são considerados leves e,
acima de 5, moderados10.

1. Quadro clínico
O quadro clínico se apresenta com sintomas diurnos, noturnos e aspectos relacionados
ao exame físico. Alterações comportamentais, depressão, diminuição na performace escolar,
agressividade, deficit de atenção, hiperatividade, diminuição na qualidade de vida, sonolência
excessiva, cefaleias matinais, respiração bucal, congestão nasal, fala anasalada, otites e sinu-
sites de repetição são aspectos relacionados aos sintomas diurnos. Os sintomas noturnos ca-

40 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


racterizam-se por: ronco, apneia, sensação de sufocamento, aumento do trabalho respiratório,
diaforese, despertar frequente, respiração bucal, boca seca, enurese e sono inquieto.
Com relação ao exame físico, presença de obesidade, aumento da circunferência do pes-
coço, sonolência, edema das mucosas nasais, desvio de septo, hipertrofia adenoamigdaliana,
palato arqueado, macroglossia, retro/micrognatia, hipoplasia facial, respiração bucal, hiper-
tensão arterial sistêmica e edema de extremidades compõem o panorama da apresentação.

2. Etiologia
Qualquer anomalia na via aérea superior pode, teoricamente, produzir sintomas obs-
trutivos intermitentes durante o sono. As síndromes congênitas, com alterações orofaciais
e faríngeas, o hipotireoidismo e a síndrome de Down, com aumento desproporcional da
língua/cavidade oral, podem gerar obstrução ao fluxo aéreo. Doenças neuromusculares cau-
sam SAOS por causa do tônus anormal dos músculos constritores da faringe, responsáveis
por manter as vias aéreas pérvias8.
A obesidade e a hipertrofia das amígdalas e adenoides são responsáveis pela maioria dos
casos de SAOS em crianças9.
As principais doenças associadas à SAOS em crianças incluem, entre outras:
• hipertrofia de amígdalas e adenoides;
• obstrução nasal crônica, como estenose de coanas, desvio de septo, rinite alérgica,
pólipos nasais e tumores nasais;
• obesidade mórbida;
• síndromes de Down, Crouzon, Treacher Collins, Klippel-Feil, Beckwith-Wiede-
mann, Apert e Prader Willi e anomalia de Pierre Robin;
• síndrome de Marfan, acondroplasia, laringomalácia;
• mucopolissacaridoses;
• doenças neuromusculares - distrofia muscular de Duchenne, doença de Werdnig-
-Hoffman, síndrome de Guillán Barré, distrofias musculares e miopatias;
• malformação de Chiari;
• hipotireoidismo;
• anemia falciforme.

3. Fisiopatologia
A característica essencial da SAOS em crianças é o aumento da resistência das vias aéreas
superiores durante o sono11. Na maioria dos casos, isso se deve a uma combinação de fatores
como hipertrofia dos tecidos moles, dismorfologias craniofaciais, fraqueza neuromuscular
e obesidade12 .
A via aérea superior contém algumas estruturas flexíveis, como músculos e tecidos moles.
Durante a vigília, o tônus muscular se encontra preservado, mantendo as vias aéreas pérvias.
Com o sono e o relaxamento muscular que o acompanha, ocorre aumento da resistência ao
fluxo de ar. Embora a maioria das pessoas possa compensar essas alterações, indivíduos com
certos problemas anatômicos têm episódios repetidos de obstrução parcial ou completa das
vias aéreas superiores durante o sono8.

Riscos anestésicos em crianças portadoras de apneia do sono | 41


O aumento da resistência das vias aéreas pode levar à interrupção total ao fluxo aéreo,
caracterizando a apneia. Hipopneias são episódios de respiração superficial durante a qual o
fluxo de ar é reduzido em, pelo menos, 50%.
Em adultos, uma pausa respiratória de 10 segundos é considerada apneia ou hipopneia.
As crianças, entretanto, têm frequências respiratórias mais altas, menor capacidade residu-
al funcional e parede torácica mais complacente, resultando numa queda mais rápida da
saturação de oxigênio, quando o fluxo aéreo é interrompido. Dessa forma, considerar os
mesmos 10 segundos para definir apneia/hipopneia parece não ser adequado. Alguns cen-
tros de sono pediátricos consideram que, se ocorrer obstrução em duas ou mais respirações
consecutivas, o evento pode ser chamado de apneia/hipopneia, mesmo que dure menos de
10 segundos8.
A maioria das crianças com SAOS consegue obter longos períodos de respiração estável
durante o sono, indicando um papel para outros determinantes da permeabilidade das vias
aéreas, como ativação neuromuscular, controle ventilatório e limiar de excitação12 .
Do ponto de vista do racíocinio clínico, podemos dividir didaticamente o mecanismo
fisiopatológico através de:
• alterações na anatomia - as crianças com SAOS têm vias aéreas faríngeas mais es-
treitas e aumento de resistência nasal em comparação com os grupos controle13,14.
Hipertrofia adenoamigdaliana, constricção maxilar e retro/micrognatia são as alte-
rações anatômicas mais comuns na SAOS. No entanto, a correlação entre a gravidade
da apneia e o tamanho adenoamigdaliano é surpreendentemente variável15,16.
• alterações na mecânica das vias aéreas - a via aérea superior é um conduto altamente
complacente, no qual pequenas alterações de pressão produzem grandes variações em
sua área de secção transversal. A pressão luminal em que ocorre colapso das vias aéreas
é denominada pressão de fechamento crítica (Pcrit). O Pcrit é um índice relacionado
às propriedades neuromusculares e viscoelásticas da faringe. Crianças com SAOS têm
Pcrit maior que os grupos controle e crianças com ronco habitual12. O Pcrit correlacio-
na-se com a gravidade da SAOS e diminui após a adenoamigdalectomia17.
• alterações no controle ventilatório, despertar e compensação neuromuscular
- durante a inspiração, os músculos das vias aéreas são ativados, entre eles o genio-
glosso, o que aumenta o lúmen e a rigidez da via aérea. Na vigília, crianças com SAOS
têm a atividade do genioglosso aumentada em comparação com os grupos controle18.
No início do sono, a atividade dilatadora da faringe está reduzida, a variabilidade
ventilatória aumenta e um limiar de apneia ligeiramente abaixo dos níveis eupneicos
são observados. Em caso de colapso das vias aéreas, ocorrem aumento da ativida-
de dilatadora da faringe em resposta à hipercapnia e pressão luminal negativa. Nos
casos de apneia, o despertar do sono imediatamente normaliza as trocas gasosas12 .
• Obesidade - as crianças obesas são mais propensas a roncar quando comparadas às
magras21. A incidência de SAOS em crianças obesas é elevada, da ordem de 36%19,
e pode ultrapassar 60% se o ronco estiver presente20. No entanto, a relação entre a
gravidade da SAOS e o índice de massa corporal (IMC) é muitas vezes deficiente,
sugerindo que está relacionado com a distribuição de gordura corporal 21. As crianças

42 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


com obesidade central parecem apresentar maior risco para a SAOS12 . Infiltração de
gordura dos tecidos moles da faringe estreita o calibre da via aérea superior e contri-
bui para o aumento da resistência das vias aéreas.
A SAOS contribui para alterações sistêmicas, pois é causa de graves mudanças metabóli-
cas, cardiovasculares e neurocognitivas em crianças. Existem graus variáveis de inflamação,
estresse oxidativo, ativação autonômica e comprometimento da homeostasia durante o sono
em crianças portadoras dessa síndrome12 .
Quanto às alterações metabólicas, elevação da proteína C-reativa, resistência à insulina,
hipercolesterolemia, elevação de transaminases e diminuição da secreção do hormônio do
crescimento fazem parte da fisiopatologia.
As alterações comportamentais do tipo depressão, diminuição na performace escolar,
agressividade, deficit de atenção, hiperatividade e diminuição na qualidade de vida fazem
parte das alterações cognitivas.
As mudanças cardiovasculares que acompanham essa síndrome constam de: disfunção
autonômica, hipertensão arterial sistêmica, disfunção ventricular esquerda, hipertensão
pulmonar e arritmias cardíacas.

4. Avaliação pré-anestésica
A anamnese é um passo fundamental no diagnóstico dos distúrbios obstrutivos do sono
em crianças. No entanto, estudos têm mostrado fraca correlação entre sintomas clínicos e
achados polissonográficos. Em 1995, Carroll e col.24 compararam respostas de questioná-
rios referentes a sintomas clínicos de SAOS e achados polissonográficos de crianças com
hipertrofia adenotonsilar. Encontraram pobre correlação entre sintomas e polissonogra-
fia23. A utilização de questionários com dados da história clínica e exame físico não tem
um bom valor preditivo para o diagnóstico de SAOS em crianças24, pois a sensibilidade e
especificidade são de apenas 35% e 39%, respectivamente12 . Isso se deve, principalmente,
ao fato de esses questionários dependerem do relato de acompanhantes, que, muitas vezes,
podem não conhecer com exatidão os sintomas apresentados durante o sono24.
Gregório e col. observaram que o ronco foi o sintoma mais frequente em crianças e adoles-
centes com SAOS13. Esse resultado está de acordo com a literatura que aponta o ronco como
o preditor clínico mais importante para o diagnóstico de SAOS em crianças, com uma boa
sensibilidade (91%) e razoável especificidade (75%)16,18. Obstrução nasal e agitação das pernas
durante o sono são sintomas que apresentaram elevada prevalência na casuística de Gregório13,
porém, em outros estudos, não se relacionaram significativamente com a SAOS16. A presença
de sonolência diurna, que é um sintoma muito frequente em adultos com SAOS, não é um
dos principais sintomas em crianças. Foi encontrado em 0 a 19% dos casos em crianças não
roncadoras e de 0 a 30% em roncadoras habituais15. Outros sintomas que também são atual-
mente considerados importantes para o diagnóstico de SAOS em crianças foram sono agitado,
sudorese, enurese noturna, sintomas de rinite, hábito de dormir em posição de hiperextensão
cervical, alterações do comportamento e déficit de aprendizado17,29.
Um grande número de crianças, especialmente as que se submetem a procedimentos
otorrinolaringológicos, apresenta apneia obstrutiva do sono. Habitualmente, essas crianças

Riscos anestésicos em crianças portadoras de apneia do sono | 43


exibem pequena cavidade na via aérea superior, hipertrofia adenoamigdaliana, palato mole
redundante e/ou obesidade, gerando restrição das vias respiratórias. Crianças não diag-
nosticadas e não tratadas, a longo prazo, podem evoluir com hipertensão pulmonar e cor
pulmonale. Esse grupo de pacientes apresenta alto risco de complicações perioperatórias
decorrentes da hipoxemia e da insuficiência cardíaca direita, necessitando de monitoração
e, muitas vezes, terapia intensiva no pós-operatório18.
A polissonografia (PSG) realizada em laboratório do sono durante a noite inteira é o
exame padrão ouro tanto para o estabelecimento do diagnóstico como para o controle do
tratamento, quando indicado. O exame constitui-se de uma monitorização não invasiva de
diversos parâmetros e deve ser realizado durante o sono espontâneo e noturno. O diagnóstico
polissonográfico de SAOS é feito quando o índice de apneia obstrutiva for > 1 evento/hora de
sono, associado à dessaturação da oxi-hemoglobina (< 92%). Outro parâmetro utilizado para
o diagnóstico em polissonografia pediátrica é a capnografia, com valores de pico de CO2 exa-
lado > 53 mmHg, que são considerados alterados10. Recentemente, a Academia Americana de
Medicina do Sono, em sua publicação sobre escore do sono e eventos associados, recomendou
a utilização do percentual de tempo com CO2 > 50 mmHg (aferido por capnografia ou PaCO2
transcutâneo) superior a 25% do tempo total de sono como critério para hipoventilação29.
A polissonografia tem excelente reprodutibilidade, documenta a obstrução das vias aére-
as superiores (VAS), distingue apneia obstrutiva da apneia central e registra crises epilépti-
cas em crianças com doenças neurológicas29.
As indicações da American Thoracic Society para a realização da PSG em crianças são:
• estabelecer o diagnóstico diferencial entre ronco primário e síndrome da apneia obs-
trutiva do sono;
• avaliar a criança com padrão de sono patológico (sonolência excessiva diurna,
por exemplo);
• confirmar o diagnóstico de obstrução respiratória durante o sono para indicação de
tratamento cirúrgico;
• realizar avaliação pré-operatória do risco de complicações respiratórias da adenoton-
silectomia ou outras cirurgias nas vias aéreas superiores;
• avaliar pacientes com laringomalácia cujos sintomas são mais intensos no período
noturno ou aqueles que apresentam cor pulmonale;
• avaliar crianças obesas com sonolência excessiva diurna, roncos, policitemia ou
cor pulmonale;
• avaliar crianças com anemia falciforme (pelo risco de oclusão vascular durante o sono);
• se houver persistência do ronco no pós-operatório de adenotonsilectomia;
• controlar periodicamente o tratamento com pressão positiva contínua das vias aére-
as (CPAP).

5. Outros exames diagnósticos


Estudos domiciliares com equipamentos portáteis têm sido utilizados ocasionalmente em
crianças. Entretanto, apresentam baixa especificidade e não excluem a necessidade da polissono-
grafia28. Estudos de polissonografia diurna (sonecas) em crianças maiores de 1 ano mostraram

44 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


valor preditivo positivo de 77-100% e valor preditivo negativo de 17-49%, ou seja, as polissono-
grafias diurnas subestimam a presença e a gravidade da SAOS. Atualmente, recomenda-se a
polissonografia diurna com aproximadamente duas horas de duração apenas para lactentes.
Li e col.25 ressaltam que, ao exame de orofaringoscopia, apenas a parte superior das ton-
silas palatinas é visível, podendo causar falsa impressão do real tamanho e formato. Os auto-
res sugerem a realização da radiografia em perfil das VAS, para avaliar com maior precisão a
obstrução da coluna aérea pelas tonsilas palatinas.
A nasofibroscopia tem grande utilidade no exame das cavidades nasais e da rinofaringe,
permitindo ao otorrinolaringologista diagnosticar desvios do septo nasal, hipertrofia das
conchas nasais e da adenoide, bem como alterações da dinâmica respiratória e da deglutição
em consequência da hipertrofia das tonsilas palatinas.
A gravação dos ruídos respiratórios da criança durante o sono também é usada para tria-
gem de casos suspeitos de SAOS. Pode ser feita pelos pais no próprio quarto de dormir dos
filhos. Na análise da gravação, a equipe médica pode avaliar a intensidade dos roncos e as
pausas respiratórias27. A sensibilidade desse método para detecção de apneia é superior a
90%, porém, seu valor preditivo positivo não ultrapassa 50%29.
O registro das imagens do sono da criança é mais dispendioso e tecnicamente complicado,
podendo obrigar ao uso de câmaras infravermelhas para gravação em ambientes com pouca
luminosidade. A análise do padrão respiratório da criança na fita de vídeo tem uma sensi-
bilidade de cerca de 94% para diagnóstico da SAOS, com valor preditivo positivo de 83%29.
A cefalometria nos raios X em perfil das VAS analisa as estruturas craniofaciais e mede
a coluna aérea em diferentes pontos, o que é particularmente importante nas crianças
com malformações31.
O diagnóstico precoce da SAOS em crianças tornou mais raro o achado de sinais clínicos
de cor pulmonale29.

6. Cuidados perioperatórios
6.1. Vias aéreas
A manutenção da patência das vias aéreas durante a sedação com ventilação espontânea ou
anestesia é um dos grandes desafios para o anestesiologista nos portadores de SAOS. É bem es-
tabelecido que o colapso da via aérea seja intensificado durante o sono fisiológico, tão bem como
naqueles pacientes submetidos à anestesia geral, contribuindo para que os pacientes portadores de
SAOS apresentem incapacidade de tolerar a sedação, o que pode culminar com hipoventilação.
O conhecimento das alterações anatômicas das vias aéreas é vital para o planejamento da
entubação orotraqueal. A comunicação entre o anestesiologista, o cirurgião pediátrico e o radio-
logista é importante para avaliar doença de base, severidade, doenças coexistentes ou síndromes
que possam se associar e contribuir para a dificuldade em estabelecer uma via aérea segura.
Os agentes anestésicos pioram a condição obstrutiva na síndrome, o que predispõe ao
aumento da resistência das vias aéreas superiores, levando a eventos obstrutivos, principal-
mente no retropalato35.
Material para via aérea difícil deve ser programado naqueles pacientes com comprometi-
mento anatômico orofacial ou de vias aéreas.

Riscos anestésicos em crianças portadoras de apneia do sono | 45


Estabelecer o valor da oximetria de base do paciente antes do início da anestesia é um
fator importante como guia da oximetria no transoperatório.
6.2 Anestésicos
Há estreita correlação entre o grau de SAOS e a anestesia geral, assim, crianças porta-
doras da síndrome exacerbam a obstrução respiratória e a apneia após a administração de
anestésicos. Por esse motivo, a seleção dos anestésicos é importante.
Crianças com grau significante de SAOS são mais sensíveis a todos os fármacos sedativos
e anestésicos. Obstrução de vias aéreas e depressão respiratória podem ocorrer com doses
mínimas. Essas ocorrências são mais intensas quando são usados fármacos com grande
poder de depressão respiratória e bloqueadores neuromusculares.
O anestésico ideal deve ter um tempo e ação previsível, exercer mínima ação cardiovascu-
lar ou outros efeitos colaterais. Infelizmente, fármacos com essas características não existem35.
A seguir, seguem algumas medicações anestésicas e suas implicações nas crianças
com SAOS:
• PROPOFOL E BARBITÚRICOS
Exacerbam a obstrução das vias aéreas altas e aumentam o risco de depressão
respiratória e apneia.
• BENZODIAZEPÍNICOS
Relaxam a musculatura faríngea causando a redução do espaço da faringe.
• CETAMINA
Preserva o calibre da faringe
• OPIOIDES
Baixas doses de fentanil após anestesia inalatória resultam em agravamento dos sintomas
da SAOS. Waters et al relataram que crianças em respiração espontânea em uso de N2O
+ Halotano + O2 apresentaram apneia após a administração de 0,5ug/kg de fentanil36.
• CETAMINA + DEXMEDETOMIDINA
Promove anestesia sem exacerbação dos problemas respiratórios em crianças com
SAOS e síndrome de Down.
• ANESTESIA INALATÓRIA
Em dose dependente, resulta em relaxamento do músculo genioglosso, o que pode
resultar em oclusão das vias aéreas.
• BLOQUERADORES NEUROMUSCULARES
Deve ser feita titulação adequada e cuidadosa para evitar efeito residual.
• DEXMEDETOMIDINA
A dexmedetomidina produz sono com propriedades sedativas semelhantes ao sono natu-
ral. Tem propriedades ansiolíticas, sedativas e analgésicas. Na sedação de pacientes com
SAOS, quando comparado ao propofol, a necessidade de ventilação artificial é diminuí-
da e promove menor relaxamento do tônus da musculatura das vias aéreas superiores33.

7. Cuidados pós-anestésicos
Existem evidências de que crianças com SAOS têm alta incidência de complicações res-
piratórias pós-operatórias, incluindo edema pulmonar obstrutivo, pneumonia, obstrução

46 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


respiratória e insuficiência respiratória30. É importante compreender que quanto maior a
gravidade da SAOS, maior a incidência de complicações.
Outro fator fundamental relacionado à severidade de complicações pós-operatórias é o
índice de dessaturação noturna. Pacientes com MOS4 (três ou mais dessaturações menores
que 75%) apresentam maior sensibilidade aos opioides. Estudos em animais demonstram
aumento da densidade de receptor μ decorrente da hipóxia intermitente e especula-se que o
processo molecular envolve a regulação de gens sensíveis ao oxigênio.
O Escore de Oximetria de McGill pode ter relação com a severidade da SAOS. Esse esco-
re correlaciona o grau de dessaturação noturna e a gravidade da SAOS.
MOS 1  3 ou mais dessaturações
MOS 2  3 ou mais dessaturações menores que 90%
MOS 3  3 ou mais dessaturações menores que 85%
MOS 4  3 ou mais dessaturações menores que 75%

8. Dor pós-operatória
8.1 Opioides
O uso de opioides em crianças com SAOS causa depressão da resposta ventilatória ao
aumento de CO2 . Deprime o drive e relaxa o músculo dilatador da faringe, sendo essas ações
mais intensas no pós-operatório. Se a dor for de grande intensidade, o uso de opioide pode
ser útil, acompanhado de entubação e ventilação mecânica prolongada, com monitoração
constante do sistema cardiovascular e oximetria de pulso.
O uso de anti-inflamatórios não hormonais pode induzir sangramento, com exceção do
acetoaminofen. Em algumas cirurgias, como na adenoamigdalectomia, a infiltração com
anestésico local pode ser útil.
A medicação antirrefluxo e antisialogoga deve ser administrada para a prevenção de as-
piração e laringoespasmo.

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48 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Capítulo 04

Analgesia regional
pós-operatória I
João Valverde Filho
Míriam Seligman Menezes
Leandro Mamede Braun
Analgesia regional pós-operatória I
Está muito bem documentada, nos dias de hoje, a eficácia da abordagem multimodal no
tratamento da dor pós-operatória. Administrações sistêmicas de analgésicos não opioides,
analgésicos opioides e fármacos adjuvantes e diferentes técnicas de bloqueio regional com
anestésicos locais e/ou adjuvantes constituem a base desse tipo de analgesia1.
A utilização de anestésicos locais em bloqueios regionais, tanto no neuroeixo como em
nervos periféricos, em dose única ou em bloqueio contínuo, tem tido cada vez mais destaque
na analgesia pós-operatória. Isso é verdade, especialmente, quando se trata de bloqueios pe-
riféricos em procedimentos ambulatoriais, para uma recuperação mais rápida e com meno-
res efeitos adversos e, ainda, a possibilidade de estender a analgesia após a alta hospitalar2,3.
Serão abordados, neste capítulo, bloqueios periféricos para a analgesia pós-operatória
de adultos.

1. Bloqueios periféricos
Os bloqueios periféricos são procedimentos realizados há várias décadas, porém, nos úl-
timos anos, têm recebido atenção especial, principalmente, no tratamento da dor e na recu-
peração musculoesquelética dos doentes submetidos a diversos procedimentos cirúrgicos.
Os anestésicos locais, associados a adjuvantes ou não, são administrados por infusões
simples ou por cateteres implantados próximo de nervos, plexos e articulações ou direta-
mente no sítio cirúrgico.
A tecnologia avançou para produzir agulhas especiais, estimuladores de nervos, catete-
res, dispositivos eletrônicos ou elastoméricos de infusão e, recentemente, ultrassonografia,
para guiar o local de depósito do agente analgésico ou anestésico.
Os anestesiologistas têm papel de destaque na avaliação e no controle da dor no período
pós-operatório, para proporcionar conforto e reabilitação funcional dos doentes.
A morbidade decorrente dos diferentes procedimentos cirúrgicos está associada ao
melhor controle da dor e à satisfação com o tratamento, quando as técnicas de analgesia
regional com anestésicos locais são comparadas com as administradas por via sistêmica4.
Diversos estudos contribuem para demonstrar a redução de complicações respiratórias, car-
diovasculares e gastrointestinais5,6.
Para minimizar os efeitos indesejáveis da dor, os bloqueios anestésicos interrompem
funcionalmente as vias eferentes e aferentes de um segmento nervoso, reduzindo os reflexos
provenientes de incisões e manipulações cirúrgicas. As dores inflamatórias e neuropáticas,
decorrentes dos procedimentos cirúrgicos, são tratadas com diversas modalidades de anal-
gésicos; a redução do consumo de opioides e de fármacos adjuvantes é especialmente van-
tajosa para os doentes críticos e idosos7. Os nervos tornam-se mais sensíveis aos anestésicos
locais com o avanço da idade, em função de um declínio na população neural e do alente-
cimento da condução nervosa. Pode ocorrer toxicidade cumulativa nos idosos por causa da
redução global do clearance dos fármacos7.
A anestesia regional, quando realizada por injeção simples, é suficiente para promover
analgesia por tempo limitado à ação do anestésico local específico utilizado; porém, não há

50 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


consenso quanto à associação de cateter com relação ao tempo de infusão e à concentração
ideal do anestésico local. Há evidências de resultados que favorecem a recuperação motora
e analgésica dos pacientes8.

1.1 Indicações e métodos de infusão regional


Os procedimentos ambulatoriais recebem atenção especial porque a recuperação geral-
mente ocorre no domicílio. Esse momento é de grande preocupação por parte dos doentes,
especialmente no período noturno. Dessa forma, lembrar que a analgesia multimodal, com
associação de anti-inflamatório não hormonal e opioide fraco, é frequentemente prescrita e,
quando é associada ao bloqueio regional, as dores nas primeiras horas do período pós-ope-
ratório são mais bem controladas. Entretanto, procedimentos que produzem dor moderada
a intensa são elegíveis para infusões de anestésicos locais com cateter para obter o melhor
controle da dor, prolongar a analgesia e reduzir o uso de opioides e seus efeitos indesejáveis9.
As abordagens e os locais de infusão dos anestésicos locais são comumente realizados:
por via cervical, interescalênica, axilar, supraclavicular e infraclavicular para cirurgias dos
membros superiores e do ombro; o bloqueio paravertebral é indicado para tórax ou mas-
tectomias com reconstrução; o uso do compartimento do psoas ou femoral é indicado para
cirurgias do quadril; a fáscia ilíaca, femoral e plexo lombar, para joelho e coxa; o ciático-po-
plíteo, para cirurgias de perna, tornozelo e pé. Diversos bloqueios realizados isoladamente
podem contribuir com a anestesia e analgesia, como o bloqueio dos nervos obturador, safe-
no, tibial posterior e sural.

1.2 Anestésicos locais


Os anestésicos locais mais utilizados para anestesia e analgesia regional com ou sem cateter,
em nosso meio, são bupivacaína, ropivacaína e levobupivacaína em concentrações variáveis.
As concentrações equipotentes entre os diversos anestésicos locais ainda não estão bem
determinadas. É necessário considerar o risco de toxicidade quando são usadas concentra-
ções mais elevadas.
1.3 Adjuvantes dos anestésicos locais
1.3.1 Clonidina
A clonidina é um fármaco com propriedades analgésicas, ansiolíticas e sedativas e com
potencial de provocar modificações hemodinâmicas. É um derivado imidazólico com ati-
vidade agonista alfa parcial, com seletividade alfa2:alfa1 (200:1). Os receptores alfa estão
alocados no sistema nervoso periférico e na lâmina superficial da medula espinal, além de
nos núcleos centrais com sítio de ligação para a norepinefrina10. O efeito analgésico da ad-
ministração periférica da clonidina se deve possivelmente à redução na liberação de norepi-
nefrina nos terminais nervosos.
Quando a clonidina é adicionada aos anestésicos locais, há a possibilidade do prolonga-
mento da analgesia pós-operatória, especialmente quando é acrescentada aos anestésicos
locais com concentrações baixas. A dose recomendada pode variar entre 1-2 mg.ml-1 e 0,5
mg.kg-1 11,12 .

Analgesia regional pós-operatória I | 51


1.3.2 Epinefrina e opioides
A epinefrina é amplamente utilizada como adjuvante dos anestésicos locais para prolon-
gar o tempo de duração da analgesia regional.
A ação alfa-agonista produz vasoconstricção local, reduzindo a absorção sistêmica dos
anestésicos locais e outros adjuvantes associados à solução anestésica. A administração de
opioides tem sido uma recomendação recente.

1.3.3 Implante parcial de cateteres


As técnicas de inserção de cateteres próximo aos plexos nervosos ou à emergência
dos nervos periféricos vêm sendo continuamente desenvolvidas e aprimoradas com o
auxílio de novas tecnologias, como neuroestimuladores percutâneos e bloqueios guia-
dos por ultrassonografia13 .
O implante parcial dos cateteres objetiva prolongar a anestesia e a analgesia, para que
diferentes procedimentos cirúrgicos alcancem resultados adequados quanto à recuperação
dos doentes, evitando a imobilidade do paciente14.
Doses e regime de infusão podem variar de acordo com o local da cirurgia, da inten-
sidade da dor e da idade do doente; anestésicos locais de longa duração são infundidos
com ritmo de infusão de 5 -10 ml.h-1, bolus de 2-5 ml e intervalo entre as doses de bolus
de 20-60 minutos15.

1.3.4 Infiltração da ferida operatória


A infusão de anestésico local na ferida operatória tem sido utilizada há mais de uma déca-
da. A eficácia analgésica é limitada à duração do anestésico local, entretanto, recentemente,
tem sido empregada infusão contínua de anestésicos locais por cateteres implantados no
sítio cirúrgico. A técnica é realizada pelo cirurgião no campo cirúrgico e, após o fechamento
da ferida operatória, o cateter é conectado à bomba de infusão elastomérica ou eletrônica
para infusão. O objetivo é a redução do uso de opioides por via sistêmica, especialmente nas
cirurgias abdominais14.

1.3.5 Analgesia regional controlada pelo paciente


A analgesia regional controlada pelo paciente é representada pelos dispositivos eletrô-
nicos e pelos sistemas descartáveis elastoméricos aplicados geralmente nos procedimen-
tos ortopédicos15.
O dispositivo elastomérico é descartável e possibilita a administração de anestésico local
em regime ambulatorial ou domiciliar; entretanto, os cuidados com infecção, contamina-
ção ou uso indevido de anestésicos locais requerem monitoração frequente.
Indicações de diferentes métodos de analgesia pós-operatório em relação aos procedi-
mentos cirúrgicos:
Figuras 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15 e Tabelas I e II (cedidos para a
publicação pelo Dr. João Valverde Filho, Hospital Sírio-Libanês).

52 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Fig. 1 – Cirurgias no tórax

Fig. 2 - Cirurgias no abdome superior

Analgesia regional pós-operatória I | 53


Fig. 3 - Cirurgias no abdome inferior

Fig. 4 - Cirurgias no quadril

54 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Fig. 5 - Cirurgias no tornozelo e/ou pé

Fig. 6 - Cirurgias nos membros inferiores

Analgesia regional pós-operatória I | 55


Fig. 7 - Síndrome impacto/lesão manquito rotator e capsulite adesiva

Fig. 8 - Cirurgias nos membros superiores

56 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Tabela I - Guia de programação de PCA peridural e regional (pacientes anticoagulados)

Fig. 9 - Curativo

Analgesia regional pós-operatória I | 57


Tabela II – Guia de programação de PCA peridural e regional (bolus e taxa de infusão)

Fig. 10 - Infiltração na ferida operatória

58 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Fig. 11 - Infiltração na ferida operatória

Fig. 12 - Ultrassom para guiar o bloqueio regional

Analgesia regional pós-operatória I | 59


Fig. 13 - Ultrassom para guiar o bloqueio regional

Fig. 14 - Compartimento do psoas

60 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Fig. 15 - Bloqueio do compartimento do psoas; fixação e curativo

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62 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Capítulo 05

Analgesia regional
pós-operatória II
João Valverde Filho
Míriam Seligman Menezes
Leandro Mamede Braun
Analgesia regional pós-operatória II
Serão abordados, neste capítulo, bloqueios no neuroeixo para a analgesia pós-operatória
de adultos e bloqueios regionais para a analgesia pós-operatória em crianças.

1. Analgesia no neuroeixo
O impacto da anestesia regional no resultado das cirurgias tem sido extensivamente
estudado durante os últimos 20 anos. Dados conflitantes foram observados a respeito do
uso da anestesia regional no controle da dor aguda pós-operatória e na diminuição da mor-
bimortalidade cirúrgica.
Um marco histórico da anestesia regional foi o trabalho realizado por Yeager1, acompa-
nhado de editorial sobre o tema2, em que uma aparente redução da mortalidade foi obtida
quando comparado com os opioides sistêmicos. Em 2000, Rodgers3 realizou uma metaná-
lise na qual foram revisados 145 estudos com mais de 10 mil pacientes, em que concluiu
significantes benefícios na morbidade e mortalidade com o uso dos bloqueios neuroaxiais
centrais. Nessa metanálise, foram observadas significantes reduções nas complicações
respiratórias (39%); redução da incidência de pneumonia e depressão respiratória (59%);
eventos tromboembólicos (44%); e redução na incidência de trombose venosa profunda e
embolia pulmonar (55%). O uso de bloqueios regionais neuroaxiais reduziu a mortalidade
em 33%. Infelizmente, o estudo avaliou uma população heterogênea, submetida a diferentes
procedimentos cirúrgicos, com técnicas anestésicas e analgésicas não padronizadas. A anal-
gesia sistêmica multimodal foi raramente utilizada nos diferentes grupos.
A utilização tanto da anestesia peridural, especialmente a torácica (APT), quanto de
opioides intratecais apresenta grandes benefícios: analgesia de qualidade superior (com
anestésicos locais); atenuação da resposta ao estresse e ao trauma cirúrgico; simpatectomia
cardíaca torácica; redução de tempo de intubação; melhor função respiratória pós-operató-
ria; e melhor controle da pressão arterial. Infelizmente, a maioria dos estudos realizados até
o momento ainda apresenta limitações metodológicas.
1.1. Efeitos cardiovasculares
O miocárdio e a circulação coronária são inervados por fibras simpáticas provenientes
dos segmentos da medula espinhal entre T1 e T5, que influenciam a distribuição do fluxo
coronariano. No paciente com doença isquêmica coronariana, a ativação simpática altera o
balanço entre o fluxo sanguíneo coronariano normal e a demanda de oxigênio miocárdico.
Esses pacientes apresentam benefícios da simpatectomia induzida pelo bloqueio das fibras
cardíacas4. A anestesia peridural com anestésicos locais aumenta o diâmetro das artérias
epicárdicas estenosadas sem vasodilatação das arteríolas coronárias5, diminui o oxigênio do
miocárdico6, melhora o desempenho do ventrículo esquerdo7 e reduz a liberação de tropo-
nina T e catelominas8. Além disso, ocorrem o aumento da relação de fluxo sanguíneo endo-
cárdio/epicárdio9, a melhora o fluxo sanguíneo através de colaterais durante a isquemia9,10, a
diminuição da vasoconstrição pós-estenótica e a redução da incidência de isquemia provo-
cada por reflexo cardíaco11.

64 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Na realidade, os efeitos cardiovasculares da anestesia regional epidural ou raquidiana
dependem do nível de bloqueio. As fibras simpáticas pré-ganglionares estão presentes nas
raízes de todos os nervos torácicos. Níveis de bloqueio abaixo de T10 produzem mínimos
efeitos cardiovasculares. A intensidade da hipotensão secundária ao bloqueio depende da
volemia do paciente e de sua posição. Os efeitos cardiovasculares podem ser minimizados
pela vasoconstrição compensatória das extremidades superiores. No entanto, se o bloqueio
com anestésicos locais se estender acima de T6, os efeitos cardiovasculares serão conse-
quência da vasodilatação periférica e do represamento venoso e, finalmente, da redução
do retorno venoso (pré-carga), o que acarreta hipotensão arterial. A hipotensão responde
habitualmente ao tratamento com efedrina, mas, a utilização de fármacos como dopamina
e adrenalina pode ser necessária.
O bloqueio das vísceras abdominais, incluindo a medula adrenal, reduz a resposta ao
estresse em procedimentos do abdome inferior e da cavidade pélvica.
Através dos efeitos do bloqueio peridural no tônus vascular e na cascata de coagulação,
foi observada a redução dos eventos tromboembólicos em cirurgias não cardíacas1-3.
1.2. Efeitos respiratórios
Várias revisões sistemáticas têm evidenciado melhora na função respiratória após anes-
tesia epidural1,3,12,13.
Liem14 demonstrou que a PaO2 foi significativamente superior no grupo de pacientes
submetidos à revascularização do miocárdio sob anestesia epidural. No entanto, Ten-
ling15 apenas observou a redução dos tempos de ventilação mecânica pós-operatória
com tendênca discreta à redução da PaCO2 no pós-operatório, sem diferenças significa-
tivas sobre a quantidade de atelectasias, da oxigenação, do shunt e da relação ventilação-
-perfusão. O aumento do volume expiratório foi observado por Fawcett16 . Resultados
similares foram relatados pelo grupo de Stenseth17, associados ao aumento da oferta de
oxigênio tecidual e à elevação da saturação venosa mista de oxigênio. A hipertensão
pulmonar primária se reduz com a aplicação da APT em pacientes submetidos às cirur-
gias torácica e cardíaca18,19 .
O uso de afastadores esternais para a retirada de enxertos arteriais, como a artéria ma-
mária interna, aumenta a possibilidade de fraturas esternais se comparado à utilização de
enxertos de veia safena. Alguns pacientes podem apresentar dor de intensidade elevada,
para a qual a APT está indicada no alívio dos sintomas e na melhora do padrão respira-
tório20,21. Gruber22 demonstrou a segurança da aplicação da analgesia epidural torácica
em 12 pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica grave submetidos à cirurgia de
redução pulmonar.
1.3. Efeitos sobre a resposta endócrino-metabólica e resposta inflamatória sistêmica
A capacidade que bloqueios regionais têm de atenuar a resposta neuroendócrina à cirur-
gia é baseada nas medidas de catecolaminas, cortisol e imunomoduladores.
A analgesia epidural não bloqueia completamente a resposta ao estresse durante a ci-
rurgia. Isso se deve ao fato da persistência de aferências vagais e do bloqueio incompleto
das aferências somáticas. A ativação do eixo hipotálamo-hipofisário pode ocorrer através do

Analgesia regional pós-operatória II | 65


estímulo primário por alterações no padrão de perfusão do sistema nervoso central ou se-
cundariamente à atividade inflamatória sistêmica, com a liberação de mediadores humorais
e citocinas, produzidas pela modificação do padrão da perfusão esplâncnica.
A redução da produção de catecolominas parece resultar do bloqueio epidural torácico,
cujo efeito pode persistir no período pós-operatório8,14,23. A liberação de cortisol não se en-
contra diminuída em alguns trabalhos8,23, porém, outros autores relatam redução dos valo-
res plasmáticos do cortisol14,24.
Alguns autores13 correlacionaram melhor a perfusão esplâncnica à anestesia peridural
torácica. No entanto, Bach25 evidenciou a redução da liberação de substâncias inflamatórias
como a procalcitonina e o fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa) e a diminuição do nú-
mero de leucócitos em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca sob APT. Nesses pacientes
não foi observado aumento da perfusão esplâncnica, comparativamente aos pacientes do
grupo de controle que não receberam anestesia epidural.
A relevância clínica desses achados ainda é incerta, entretanto, há estudos que indicam
que o uso da anestesia regional pode afetar a recorrência de câncer após cirurgia para ressec-
ção tumoral através de imunomodulação26.
1.4. Função gastrointestinal
Por causa do bloqueio simpático induzido pelos bloqueios regionais com anestésicos lo-
cais, da liberação parassimpática e da associação ao consumo menor de opioides promovido
pela analgesia regional, tem sido relatada melhora da função e da motilidade gastrointesti-
nal nos pacientes que recebem analgesia no neuroeixo27.
1.5. Capacidade funcional
Os bloqueios regionais estão associados ao melhor controle da dor dinâmica, o que é
particularmente importante em cirurgias cuja reabilitação precoce é importante, como a
artroplastia total de joelho28. Quando comparados com analgesia sistêmica, os pacientes
submetidos à analgesia regional obtiveram melhora da flexibilidade e da capacidade de de-
ambulação em seis semanas pós-artroplastia de joelho29.
Pacientes submetidos a hemicolectomias sob analgesia epidural deambularam mais pre-
cocemente e obtiveram melhores respostas funcionais quando o cateter foi mantido até seis
semanas, em comparação à analgesia sistêmica controlada pelo paciente30.
1.6. Conclusões
Os bloqueios regionais espinhais têm sido utilizados em todo o mundo há mais de 40
anos como adjuvantes em cirurgias para o controle da dor perioperatória. Os benefícios da
analgesia regional espinhal têm sido evidenciados em vários estudos randomizados, con-
trolados, demonstrando maior eficácia no controle da dor aguda, redução das complicações
sistêmicas e melhora funcional. Apesar dos importantes resultados estatísticos desses estu-
dos, a relevância clínica desses resultados é difícil de quantificar.
Quando essas técnicas são utilizadas em pacientes de alto risco, com muitas comorbida-
des e submetidos a cirurgias de grande porte, a morbidade e, possivelmente, a mortalidade
são reduzidas.

66 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


2. Analgesia regional em crianças
Desde que foram reconhecidas as vantagens da associação da anestesia geral com a regio-
nal realizadas em crianças, tem-se observado um aumento dramático dessas associações, no
que se refere à analgesia pós-operatória. Entre essas vantagens, o alívio da dor pós-operatória,
a modificação da resposta neuroendócrina ao estresse, a rápida recuperação da anestesia, o
menor tempo de permanência hospitalar e a menor incidência de efeitos adversos31 parecem
ser as mais significativas e que realmente justificam essa indicação.
Em se tratando do uso de anestésicos locais em crianças, é fundamental o conhecimento
de suas características farmacocinéticas e farmacodinâmicas nas diferentes faixas etárias,
para evitar o risco de toxicidade.
Anestésicos locais do tipo amida, de longa duração (bupivacaína, ropivacaína e levobu-
pivacaína), são os mais utilizados nos bloqueios analgésicos. As amidas são metabolizadas
no fígado e se ligam às proteínas plasmáticas. Neonatos e crianças com menos de três meses,
quando comparados aos adultos, apresentam redução do fluxo sanguíneo hepático e das
vias de degradação metabólica e, em consequência, grandes frações de anestésicos locais
não são metabolizadas e permanecem ativas no plasma. Aliados a isso, os reduzidos níveis
de albumina e a1-ácido glicoproteínas elevam as concentrações de frações livres do anesté-
sico local, com potencial toxicidade, especialmente quando a bupivacaína é utilizada 32 .
São raros os efeitos tóxicos cardiovasculares e no sistema nervoso central decorrentes da
administração de anestésicos locais33,34 em crianças. Fatores que reduzem a probabilidade
de toxicidade pelos anestésicos locais são: dose e fracionamento; via de administração; e
rapidez de absorção pela circulação sistêmica35.
Atualmente, a escolha do anestésico local tem recaído sobre a ropivacaína e a levobupi-
vacaína, pelo maior índice terapêutico e maior margem de segurança quando comparado à
forma racêmica da bupivacaína36,37.
A dose máxima permitida de ropivacaína e levobupivacaína em crianças menores de
seis meses é de 2 mg.kg-1, em dose única, e 0,2 mg.kg-1.h-1, em infusão contínua; mais de
6 meses, a dose única máxima é 2,5 mg.kg-1 e 0,5 mg.kg-1.h-1 em infusão contínua. Para a
bupivacaína, em crianças com menos de 6 meses, a dose única máxima é de 1,5 mg.kg-1 e
em infusão contínua de 0,2 mg.kg-1.h-1; acima de 6 meses, a dose única máxima permitida
é de 2,5 mg.kg-1 e 0,4 mg.kg-1.h-1 em infusão contínua. Se a opção for lidocaína, em crianças
com idade inferior a seis meses, a dose única máxima é de 3 mg.kg e 0,8 mg.kg-1.h-1 quando
em infusão contínua; acima de 6 meses, a dose única máxima permitida é de 5 mg.kg-1 e 2
mg.kg-1.h-1 em infusão contínua31.
Muito se discutiu sobre a execução de anestesia regional em crianças sob sedação profun-
da ou anestesia geral, o que poderia dificultar o reconhecimento de injeções intravasculares
e/ou de parestesias e potenciais sequelas neurológicas. Entretanto, a Sociedade Americana
de Anestesia Regional e Medicina da Dor, através de evidências e opiniões de especialistas,
entendeu que os benefícios de realizar bloqueios em crianças imóveis e cooperativas é supe-
rior aos riscos de realizar esses bloqueios em crianças sob anestesia geral38.
A identificação da estrutura nervosa em crianças apresenta também particularidades,
sendo ainda difícil preconizar um método para tal. O uso de ultrassom e estimulador de

Analgesia regional pós-operatória II | 67


nervo periférico muitas vezes se complementa e reduz o tempo necessário para o bloqueio
efetivo de nervo periférico39.

2.1 Bloqueios analgésicos mais frequentes em crianças


2.1.1 Infiltração da ferida cirúrgica
Técnica simples e relativamente isenta de complicações, bastante utilizada na anestesia
pediátrica, desde que observadas as doses e a velocidade de absorção do anestésico local. Va-
soconstritores podem ser adicionados à solução quando se tratar de áreas muito vasculari-
zadas, mas está contraindicado em extremidades. A diluição dos anestésicos locais permite
maior dispersão sem o risco de exceder a dose máxima31.
2.1.2 Bloqueio de nervo peniano
É indicado para analgesia pós-operatória de postectomias e correção de hipospádias. As
abordagens mais utilizadas são o bloqueio do nervo dorsal, em duas punções, na base do
pênis (10 e 2 horas), ou o bloqueio suprapúbico em punção única, no nível da sínfise púbica.
O bloqueio subcutâneo da raiz do pênis complementa qualquer uma das técnicas citadas.
Bupivacaína 0,25%, levobupivacaína 0,25% ou ropivacaína 0,2%, sem vasoconstritor, pro-
movem analgesia de até 6 horas de duração40.
2.1.3 Bloqueio dos nervos ílio-inguinal/ílio-hipogástrico
Técnica que promove a analgesia perioperatória em procedimentos de herniorrafia in-
guinal, orquidopexia e hidrocelectomia. Considerada uma das técnicas regionais mais co-
muns na analgesia pediátrica, é comparável ao bloqueio caudal no que se refere à analgesia
pós-operatória. O bloqueio é de execução simples e requer somente a identificação de um
ponto de referência superficial (espinha ilíaca anterossuperior). Bupivacaína 0,25%, levo-
bupivacaína 0,25% ou ropivacaína 0,2%, 4 a 6 ml, promovem analgesia em torno de 180
minutos41. Embora raras, existem complicações descritas, como perfuração das alças intes-
tinais e bloqueio dos nervos femural e quadríceps. O bloqueio dos nervos ílio-inguinais/
ílio-hipogástricos guiado por ultrassom aumenta a eficácia em 20% a 30%, permite o uso de
volumes reduzidos de anestésicos locais e reduz a incidência de complicações42 .
2.1.4 Bloqueio de nervo intercostal
Promove analgesia pós-operatória para toracotomias, procedimentos de abdome supe-
rior e fraturas de costela. A dose é de 0,1 a 0,15 ml.kg-1 (máximo de 3 ml em cada interespaço)
de anestésico local injetado após aspiração negativa. Bupivacaína 0,25%, levobupivacaína
0,25% ou ropivacaína 0,2%. Devem ser injetados dois segmentos acima e dois segmentos
abaixo do segmento correspondente à incisão, o que promove analgesia de 8 horas a 12
horas. Pneumotórax, punção vascular, dispersão peridural ou subaracnóidea e risco aumen-
tado para toxicidade por absorção sistêmica são as complicações mais temidas40.
2.1.5 Bloqueio de nervo paravertebral
Promove analgesia em dermátomos específicos e é indicado para crianças submetidas a
procedimentos cirúrgicos unilaterais, como toracotomias, cirurgias renais e colecistecto-

68 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


mias. Tem a mesma indicação do bloqueio intercostal, com a vantagem de usar menor dose
de anestésicos locais e permitir a inserção de cateter para analgesia prolongada. Bupivaca-
ína 0,25%, levobupivacaína 0,25% ou ropivacaína 0,2% na dose de 0,5 ml.kg-1 promovem
analgesia em quatro dermátomos43. Complicações do bloqueio incluem hipotensão, punção
vascular, punção pleural e pneumotórax. O uso de ultrassom para esse tipo de bloqueio tem
sido descrito para a visualização da agulha e a possibilidade de guiá-la para fora da pleura e
de estruturas vasculares44.
2.1.6 Bloqueio de plexo braquial
Indicado para promover a anestesia e a analgesia pós-operatória de ombro, braço e mão.
Bloqueios de plexo braquial abaixo da clavícula (infraclavicular e axilar) estão indicados
para cirurgias de mão; bloqueios acima da clavícula (interescalênico, paraescalênico e su-
praclavicular), para cirurgia de ombro e braço. As técnicas supraclavicular, infraclavicular e
axilar guiadas por ultrassom promovem menor incidência de falhas com menores volumes
de anestésicos locais e permitem a colocação mais acurada do cateter para analgesia prolon-
gada. A via axilar é a abordagem mais comum em crianças, pela simplicidade da técnica e
baixo risco de complicações45. Bupivacaína e levobupivacaína 0,25% a 0,5% com vasocons-
tritor e ropivacaína 0,2 a 0,5% em volume de 0,5 ml.kg-1 para plexo braquial em crianças
promove analgesia de 4 horas a 12 horas. Clonidina 1 mg.kg-1 acrescida ao anestésico local
aumenta a duração da analgesia45.
2.1.7 Bloqueio de nervo ciático
Indicado para procedimentos cirúrgicos que envolvam extremidade abaixo do joelho.
A abordagem posterior oferece menor dificuldade e maior taxa de sucesso, com reduzida
incidência de complicações (punção de vasos glúteos)46. Ropivacaína 0,2%, 0,75 ml.kg-1 pro-
moveu de 8 horas a 12 horas de analgesia em cirurgia de tornozelo47.
2.1.8 Bloqueio peridural caudal
O bloqueio caudal em crianças com dose única de anestésico local ou infusão contínua
ainda é uma das técnicas de analgesia mais utilizadas, por combinar as vantagens da facilidade
técnica com a alta taxa de sucesso. É indicado para qualquer procedimento de abdome inferior
e membros inferiores, embora, em cirurgias pediátricas de baixa complexidade, vem perdendo
espaço para certos bloqueios regionais que conferem analgesia semelhante com menores ris-
cos. Atualmente, tem se dado ênfase ao uso de bloqueio caudal guiado por ultrassom, com o
objetivo de aumentar a eficácia e reduzir a incidência de efeitos adversos48.
A dose varia de acordo com o número de metâmeros a serem bloqueados, ou seja, 0,5 a
1,25 ml.kg-1 de bupivacaína, levobupivacaína ou ropivacaína em concentrações reduzidas
que não promovam bloqueio motor, respeitando sempre a dose máxima permitida. As doses
recomendadas para infusões contínuas são de 0,3 a 0,4 ml.kg-1.h-1 em concentrações de 0,1%
a 0,25% do anestésico local. Opioides (hidrofílicos e lipofílicos) e clonidina são frequente-
mente utilizados, associados ao anestésico local para prolongar e melhorar a qualidade da
analgesia pós-operatória.
Complicações do procedimento incluem riscos durante a execução da técnica, na injeção
do anestésico local e pelos efeitos adversos dos agentes utilizados49.

Analgesia regional pós-operatória II | 69


2.1.9 Bloqueio peridural lombar e torácico
Indicado para procedimentos de abdome superior e tórax, pois reduz complicações,
tempo de internação hospitalar e resposta ao estresse quando comparado à analgesia sis-
têmica50. O bloqueio peridural torácico tem lugar na analgesia de crianças submetidas a
cirurgias torácicas e de abdome superior associado à significante dor pós-operatória, porém,
deve ser realizado por profissionais que tenham prática e habilidade na técnica. O bloqueio
peridural guiado por ultrassom facilita e torna mais segura sua execução51.
A dose inicial para o bloqueio peridural é inferior à do bloqueio caudal, ou seja, 0,3-0,5
ml.kg-1, e a taxa de infusão, em torno de 0,08 ml.kg-1.h-1.
Do mesmo modo que a anestesia caudal, fármacos adjuvantes são utilizados para melho-
rar a qualidade da analgesia e prolongar o tempo. Clonidina e opioides nas doses recomen-
dadas são seguros para esse fim.
As complicações decorrentes da técnica são semelhantes às do bloqueio caudal, porém,
os riscos de infecção são muito baixos.

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72 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Capítulo 06

Anestesia regional
periférica guiada por
ultrassom (US)
Danielle Maia Holanda Dumaresq
Melina Cristino de Menezes Frota
Cibelle Magalhães Pedrosa Rocha
Anestesia regional periférica guiada por ultrassom (US)
A capacidade de realização e o sucesso dos bloqueios de nervos periféricos, até pouco
tempo atrás, variavam exclusivamente com o grau de conhecimento de anatomia profunda
e de superfície do médico anestesiologista.
A qualidade da anestesia regional depende de um conjunto de fatores relacionados com o
posicionamento ótimo da agulha e da injeção do anestésico local. Os fatores principais são o
conhecimento da anatomia, as sensações táteis do anestesiologista, o interrogatório do paciente
durante a realização da punção e a neuroestimulação. No entanto, a prática nos lembra, todos os
dias, de que essas informações podem ser falseadas, apesar da experiência e do rigor dos aneste-
siologistas, o que pode ocasionar incidentes ou falhas dos bloqueios de nervos periféricos1.
A introdução da ultrassonografia nas técnicas de anestesia regional permitiu que a liga-
ção, até então estática, entre anatomia, anestesia loco regional e imagem se tornasse uma
interação dinâmica, realizada em tempo real.
A ultrassonografia faz com que os objetivos da anestesia regional sejam obtidos de forma
rápida, eficaz e consideravelmente segura.
A associação do ultrassom com o estimulador de nervo periférico pode representar, na
prática, a frase citada pelo Dr. M. Morgan2: “Regional anaesthesia always works – provided
you put the right dose of the right drug in the right place” ou seja, anestesia regional sempre
funciona – desde que você coloque a dose certa da droga certa no local certo.

1. Vantagens da anestesia regional guiada por ultrassonografia


A anestesia regional guiada por ultrassom, apesar de ter um custo mais elevado relacio-
nado ao equipamento e requerer adequado treinamento para sua execução, oferece várias
vantagens (Tabela 1), especialmente na visualização das estruturas em tempo real associada
à possibilidade de verificar alterações anatômicas interindividuais3.
Apesar de todas essas vantagens, deve-se ressaltar que a ultrassonografia não dispensa a
neuroestimulação, e as duas devem ser consideradas técnicas suplementares, devendo haver
associação da ultrassonografia com a neuroestimulação para se chegar ao melhor resultado
na realização da anestesia regional4.
Tabela I - Vantagens da anestesia guiada por ultrassom
• Visualização direta em tempo real da anatomia
• Excelente identificação dos nervos e das estruturas que devem ser evitadas
• Adaptação à realidade anatômica do paciente
• Controle da agulha durante todo o seu trajeto em tempo real
• Conforto do paciente
• Limitação das contrações musculares desagradáveis ou bastante dolorosas em casos de fratura
• Visualização da difusão do anestésico local
• Possível reposicionamento da agulha em caso de distribuição ectópica
• Diminuição de riscos e acidentes (lesão nervosa, injeção intraneural, injeção intravascular)
• Redução da dose de anestésico local
• Redução do tempo de instalação do bloqueio
• Aumento da duração do bloqueio
• Melhora da qualidade do bloqueio
• Segurança durante bloqueios realizados com pacientes sob anestesia geral (pediatria)

74 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


2. Bases físicas da ultrassonografia

2.1 Ondas ultrassonoras


Ondas sonoras são vibrações mecânicas com propagação periódica (compressão e ex-
pansão) em sólidos e líquidos. Elas são classificadas de acordo com a frequência, de forma
que a faixa sonora audível corresponde a ondas sonoras com frequência entre 20 a 20.000
HZ. Os ultrassons são ondas cuja frequência está entre 20 kHz e 200 MHz.
As ondas de ultrassom são geradas por cristais piezoelétricos presentes na extremidade
do transdutor. A piezoeletricidade é uma característica inerente a determinados cristais,
como o quartzo, que, quando submetidos a deformidades mecânicas (compressão), trans-
formam a energia mecânica em elétrica. Cristais de diferentes espessuras e tamanhos emi-
tem ondas de diferentes frequências5.
Ao examinar um ciclo, ou seja, um fragmento de onda entre dois pontos (Figura 1), pode-
mos verificar a existência de um pico de pressão (amplitude) que se expressa em decibéis (dB).
O número de ondas por unidade de tempo corresponde à frequência, determinada pela fonte
emissora de ondas e estabelecida pela altura do cristal piezoelétrico (Figura 2). A frequência se
mede em ciclos por segundo ou Hz e seus múltiplos: kHz, MHz (1 milhão de Hz).

Fig. 1 - Ciclo de onda ultrassom

Na prática médica, os ultrassons utilizados possuem, habitualmente, frequências entre


2,5 a 15 MHz5, sendo os ultrassons de baixa frequência dedicados a estudos de estruturas
profundas e os de mais alta frequência, de estruturas bastante superficiais6.

Fig. 2 - Probes produzem ondas de alta ou baixa frequência, dependendo da espessura do cristal piezoelétrico

Anestesia regional periférica guiada por ultrassom (US) | 75


A velocidade de propagação da onda ultrassonora não depende de sua frequência e,
sim, das características (densidade) dos meios que ela deve ultrapassar (Tabela 2 ). Assim, a
velocidade com que o som se propaga no ar é consideravelmente lenta (330 m/s), intermedi-
ária nos líquidos e tecidos moles (cerca de 1.500 m/s) e bastante rápida nos ossos (de 3.000
a 4.000 m/s).
A geração de imagens de ultrassom depende da energia dos ecos que retornam ao probe,
e a quantidade de ondas refletidas, por sua vez, depende da diferença da impedância acústica
e da interface entre diferentes tecidos passados. Impedância acústica de um meio é a resis-
tência do material à passagem da onda ultrassonora (Tabela 2). A fronteira entre dois meios
de impedâncias acústicas diferentes é chamada de interface acústica.
Tabela 2 - Características físicas das ondas de US nos diversos meios
Velocidade de propagação Impedância acústica Coeficiente de atenuação
Estrutura
(m/seg) (10 6 Rayls) (dB/cm a 1 MHz)
Ar 300 0,0004
Gordura 1.450 1,35 0,65
Sangue 1.560 1,70 0,18
Músculo 1.580 1,75 1,35-3,5
Osso 4.000 7,8 5

Quando a onda ultrassonora atinge uma interface acústica, dependendo do grau de dife-
rença de impedância dos meios, ela pode sofrer processos de atenuação através de disper-
são, reflexão ou refração (Figura 3). A energia mecânica pode ser perdida à medida que as
ondas passam através dos diferentes tecidos. Quanto maior o coeficiente de atenuação do
tecido, maior a perda de energia.

Fig. 3 - Mecanismos de atenuação das ondas ultrassonoras

A intensidade dessas alterações é proporcional à diferença de impedância acústica


dos dois tecidos, de tal forma que, quanto maior essa diferença entre os dois meios,
maior será a ref lexão que ocorrerá. Por exemplo, o ar e os ossos possuem valores de im-
pedância acústica muito diferentes, consequentemente, nessa interface, as ondas serão
completamente ref letidas.

76 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Existe uma interdependência entre frequência, penetração e resolução (qualidade) da
imagem ultrassonográfica. A penetração da onda nos tecidos é maior quanto menor for sua
frequência. Assim, quanto maior for a frequência da onda, menor será sua capacidade de
penetração e melhor será a resolução da imagem.
A escolha da frequência ultrasonora de exploração é determinada pela profundidade de
penetração necessária.
A imagem ultrassonográfica é construída pelas ondas refletidas. Ela é formada com a
ajuda dos transdutores, ou probes, que são dispositivos que possuem cristais piezoelétri-
cos em seu interior. O probe age como transmissor e receptor de ondas sonoras (Figura 3),
convertendo-as em energia elétrica, que, por sua vez, são processadas, transformando em
imagens bidimensionais pelo software do aparelho (Figura 4).

Fig. 4 - Desenho esquemático que mostra a construção de imagens ultrassonográficas por meio da emissão
e reflexão de ondas pelo probe

As ondas sonoras de alta frequência (transdutores lineares) dissipam muita energia,


sendo facilmente absorvidas e difundidas à medida que penetram nos tecidos. Por isso, per-
mitem apenas estudos de estruturas superficiais (0,5 cm-6 cm). Elas possuem menor com-
primento de onda, o que permite maior discriminação entre dois pontos, gerando melhor
qualidade de imagem.

Fig. 5 - Tipos de transdutor de ultrassom

Anestesia regional periférica guiada por ultrassom (US) | 77


As ondas sonoras de baixa frequência (transdutores convexos) não sofrem muito os
efeitos de atenuação, por isso, permitem estudos de estruturas profundas (>6 cm). Elas
possuem maior comprimento de onda com consequente menor discriminação entre dois
pontos, gerando, assim, uma qualidade de imagem comprometida6.
2.2 Características das imagens ultrassonográficas
Estruturas anecogênicas: são estruturas que não reagem às ondas de US, não forman-
do, assim, nenhuma imagem na tela do ultrassom. Elas aparecem em preto (Figura 6) e,
geralmente, correspondem aos líquidos (sangue, bile, urina, coleções, conteúdos císticos).

Fig. 6 - Vaso sanguíneo (artéria subclávia) que


mostra característica anecoica

Estruturas hipoecogênicas: são estruturas que reagem moderadamente às ondas ultras-


sonoras e sofrem graus diferentes de reflexão e refração7. Elas aparecem em escala de cinza (Fi-
gura 7) e correspondem, por exemplo, a músculos, gordura, tecidos moles e nervos proximais7.

Fig. 7 - Imagem hipoecogênica dos músculos


escalenos anterior e médio

Estruturas hiperecogênicas: são estruturas que refletem a maioria das ondas de ul-
trassom e que, praticamente, não permitem a transmissão de energia mais profundamente,
gerando uma sombra acústica (artefato). Elas aparecem em branco (Figura 8), são secun-
dárias a interfaces de elevado fator de reflexão (alta diferença de impedância acústica) e
correspondem, por exemplo, a ossos, ar, fáscias e nervos distais.

78 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Fig. 8 - Estrutura óssea que mostra imagem
hiperecogênica

Anisotropia: é uma característica que algumas estruturas possuem, como os tendões, de


forma que sua ecogenicidade depende da orientação de penetração dos feixes de ultrassom.
A ecogenicidade é máxima quando os ultrassons são dirigidos perpendicularmente à super-
fície de reflexão e diminui quando a reflexão é oblíqua. Quanto mais o ângulo de obliquidade
aumenta, menos a estrutura parece ecogênica (Figura 9), podendo até mesmo desaparecer.

Fig. 9 - Anisotropia - mudança da ecogeni-


cidade da estrutura nervosa com a alteração
do ângulo

2.3 Principais artefatos


Os artefatos são, por definição, imagens ultrassonográficas que não correspondem
a uma estrutura real. Eles são formados com base na interação das ondas sonoras com
os tecidos.
O conhecimento dessas imagens é fundamental para a prática da ultrassonografia, tendo
em vista que elas podem interferir na interpretação das imagens, ora auxiliando, ora atrapa-
lhando a identificação de algumas estruturas8. Os principais artefatos são cone de sombra,
reforço posterior e reverberação (Tabela 3).

Anestesia regional periférica guiada por ultrassom (US) | 79


Tabela III - Artefatos encontrados nas imagens ecográficas
Artefato Características Imagem
Quando o feixe de US encontra uma estrutura com
grande diferença de impedância acústica com o tecido adja-
cente (ar, osso ou metal).
As características ultrassonográficas da sombra acústica
Sombra acústica
são a presença de uma estrutura bastante hiperecogênica e a
(cone de sombra)
ausência de imagem atrás (cone de sombra).
Estruturas localizadas abaixo não são visualizadas, pois
todas as ondas ultrassonoras foram refletidas e nenhuma foi
transmitida profundamente.
Quando o feixe de US encontra uma estrutura de baixa
impedância acústica (líquidos).
Essa estrutura não reage às ondas de US, fazendo com que
Reforço acústico
sofra pouco processo de atenuação.
(posterior)
As estruturas localizadas mais profundamente são atin-
gidas por ondas e produzem maior reflexão (imagens mais
hiperecogênicas que as adjacentes).

Quando o feixe de US encontra uma estrutura de altís-


sima impedância acústica, como as agulhas. Esse feixe é
Reverberação refletido e retorna para o transdutor, onde ele é detectado e
refletido novamente para o corpo do paciente, encontrando
as mesmas estruturas já gravadas.

2.4 Aspectos importantes da técnica de anestesia guiada por ultrassom:


como realizar?
Alguns aspectos técnicos são importantes para o sucesso da realização de bloqueios pe-
riféricos guiados por ultrassom e devem ser considerados inicialmente.
2.4.1 Ergonomia
O primeiro ponto a observar é o posicionamento adequado e a relação entre os olhos
do operador, o aparelho de US, o probe e a altura da mesa cirúrgica. O operador e o apare-
lho devem se posicionar de acordo com a lateralidade e a abordagem escolhida, de forma
que o operador fique de frente para a máquina, com visão clara da tela e da região a ser blo-
queada7,8. É recomendado que o transdutor seja manipulado com a mão não dominante e
a agulha, com a mão dominante. Importante segurar o probe o mais distal possível, para
que o dorso da mão possa ter apoio na superfície do paciente e, assim, proporcionar mais
estabilidade. Isso reduzirá a necessidade de movimentos, evitando que a imagem ideal se
perca e que o cansaço do operador interfira no processo.
2.4.2 Preparação do probe
Ao realizar anestesia regional guiada por US, a superfície do transdutor deve ser pre-
enchida com gel condutor, que deve estar envolvido com uma cobertura estéril. Se a colo-
cação de cateter é planejada, a cobertura deve ser mais abrangente e incluir boa parte do
cabo. Qualquer quantidade de ar entre o transdutor e o paciente vai levar a imagem de baixa
qualidade e artefatos. Uma quantidade pequena de gel é suficiente, já que seu excesso pode
dificultar a manipulação do probe7,8.

80 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


2.4.3 Reconhecimento inicial das estruturas
Inicialmente, é importante realizar um reconhecimento de todas as estruturas do sítio, exa-
minado as características ecográficas de cada tecido (Tabela 4 ). Os nervos por si sós são hipoe-
coicos, mas os tecidos conectivos existentes ao seu redor adicionam a eles hiperecogenicidade.
Dessa forma, os nervos possuem diferentes características ecográficas, misturando imagens
hipo e hiperecoicas, a depender da região examinada. Nervos acima da clavícula têm aparên-
cia mais hipoecoica e, abaixo, têm ecotextura mista, lembrando uma colmeia. Nervos largos,
como o isquiático, podem ter estrutura fascicular interna e aparentar ser hipo ou hiperecoicos,
a depender do ângulo entre o feixe do US e o nervo; um fenômeno chamado anisotropia.
Tabela IV - Características ecográficas das diversas estruturas
Estrutura Características Imagem
Nervos

Hipoecoico acima da clavícula e ecotextura mista abaixo


da clavícula.

Artéria
Estrutura arredondada anecoica ou hipoecoica com bordas
grossas; não compressível; observa-se pulsação.

Veia
Estrutura mais irregular anecoica ou hipoecoica; bordas
delgadas; a pressão do transdutor leva ao colapso.

Gordura Região mais superficial hipoecóica, com linhas


hiperecoicas irregulares
Músculo Textura heterogênea com linhas hiperecoicas curtas e
delimitação por uma fáscia hiperecoica.
Tendões Hiperecogênicos com grande anisotropia. Localizados na
região terminal dos músculos, não possuem curso homogê-
neo como os nervos.
Fáscia Linhas hiperecogênicas de grande reflexão acústica.
Pleura

Linha hiperecoica. Profundamente se observam tecido


pulmonar isoecogênico e movimentação com a respiração.

Osso

Linha hiperecogênica com sombra acústica determinada pela


impossibilidade de penetração das ondas de US.

Anestesia regional periférica guiada por ultrassom (US) | 81


2.4.4 Manuseio inicial e movimentação do probe
Os probes de ultrassom têm uma marca que corresponde à marcação presente na tela
do aparelho. Por convenção, essa marca de orientação é posicionada à direita do paciente,
quando o transdutor está em um corte transverso, e, cefalicamente, quando o probe está em
um plano longitudinal7.
Após a realização de um inventário para encontrar o nervo a ser bloqueado, deve-se,
inicialmente, procurar uma estrutura de referência que pode ser facilmente identificada e
que tem forte correlação anatômica com os nervos procurados, normalmente um vaso san-
guíneo. Uma vez que a estrutura alvo é encontrada, assim como os nervos que se localizam
próximo a ela, o manuseio mais fino com pequenas mudanças da angulação é necessário
para melhorar a qualidade da imagem, lembrando que os nervos têm a propriedade da ani-
sotropia. No momento em que a melhor imagem é obtida, deve-se manter o probe estático.
2.4.5 Inserção da agulha
O feixe do ultrassom é extremamente delgado, aproximadamente da espessura de um
cartão de crédito. Esse fato significa que, durante a inserção da agulha, pequenos desvios ou
movimentos vão levar à perda da visualização.
Na inserção da agulha em plano (Figura 10), a agulha é inserida no mesmo plano que
o feixe de ultrassom. O objetivo é visualizar a agulha em toda a sua extensão. Quanto mais
paralela a agulha é em relação ao probe, melhor a imagem obtida. Essa abordagem é reco-
mendada na fase de treinamento inicial. Quando a inserção está em plano parcial, somente
uma parte da agulha atravessa o feixe de ultrassom. Isso pode levar a situações perigosas, já
que não se sabe onde está a ponta da agulha9.
Na inserção fora de plano, a agulha está perpendicular ao feixe. A agulha é vista como
um pequeno ponto hiperecoico. Nessa abordagem, a agulha precisa passar apenas uma pe-
quena distância até o alvo. Nesse caso, quanto maior o ângulo de inserção, maior a facilida-
de. Encontrar a ponta da agulha pode ser complicado para iniciantes9.

Fig. 10 - Abordagem em plano e fora de plano para a inserção


da agulha

82 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


2.5 Bloqueios de membros superiores guiados por ultrassom
A anestesia regional guiada por ultrassom requer conhecimento da anatomia para sua
aplicação prática adequada.
O plexo braquial em sua formação, do sentido proximal para distal, passa por várias
transições. Desde a saída, nas raízes nervosas de C5 a T1, encontramos três troncos, seis
divisões, três fascículos e os cinco nervos terminais9,10. Esse entendimento possibilita ao
operador procurar as estruturas esperadas em cada abordagem (Figura 11).

Fig. 11 - Anatomia e formação do plexo braquial com relação


às técnicas utilizadas

2.5.1 Bloqueio interescalênico


O bloqueio interescalênico é recomendado para procedimentos que incluem o ombro, a
clavícula e o úmero proximal (Tabela 5). As raízes do plexo cervical de C2 a C4 emergem da
borda lateral do músculo esternocleidomastóideo, formando, entre outros, o nervo supraes-
capular, que provê sensibilidade para a região do ombro e da clavícula. O anestésico local
do bloqueio interescalênico vai dispersar para o plexo cervical em boa parte dos casos, no
entanto, em alguns pacientes, pode ser necessário bloqueá-lo separadamente10.
Tabela V - Indicações de bloqueio interescalênico, necessidade de suplementação, efei-
tos adversos e complicações
Bloqueio suplementar Efeitos adversos e
Bloqueio Indicações
necessário complicações
Artroscopia de ombro
Cirurgia aberta de ombro Plexo cervical superficial
Cirurgia de clavícula Síndrome de Horner
Bloqueio frênico
Interescalênico Úmero proximal Bloqueio laríngeo recorrente
Reparo muscular no bíceps Dispersão para o neuroeixo
Cirurgias de cotovelo Intercostobraquial Pneumotórax
Acesso para hemodiálise acima
do cotovelo

2.5.1.1 Posicionamento
Paciente em posição supina com a cabeça ligeiramente desviada para o lado contralateral
(Figura 12). Alguns autores recomendam que o probe seja segurado com a mão esquerda

Anestesia regional periférica guiada por ultrassom (US) | 83


para procedimentos no lado esquerdo e com a mão direita para procedimentos do lado di-
reito, ficando a máquina na região cefálica7,10. Em outros, a preferência é sempre segurar o
probe com a mão não dominante, deixando a dominante para o manuseio da agulha.

Fig. 12 - Posicionamento do probe na região interescalênica

2.5.1.2 Sonoanatomia e técnica


Podem-se realizar duas abordagens de reconhecimento das estruturas ao nível interes-
calênico. A primeira utiliza a artéria carótida como estrutura de referência. Após a visuali-
zação de uma estrutura anecoica pulsátil ao lado de outra estrutura anecoica não pulsátil e
compressível correspondente à veia jugular interna. Deslizando o transdutor lateralmente,
o plexo vai aparecer como estrutura arredondada ou oval hipoecoica, situada na fenda inte-
rescalênica entre os músculos escalenos anterior e médio (Figura 13). A fenda corresponde
a uma pequena depressão na fáscia cervical profunda. A artéria subclávia é vista como uma
grande estrutura pulsátil anecoica. Lateralmente e mais superficial à artéria pode-se obser-
var o plexo braquial na forma de suas divisões, apresentando uma ecotextura mista que lem-
bra uma colmeia ou um cacho de uvas. Uma linha hiperecoica abaixo da artéria subclávia
é a primeira costela11. As estruturas que devem ser identificadas estão listadas na Tabela 6.

Fig. 13 - Sonoanatomia do bloqueio interescalêni-


co; ECM = músculo esternocleidomastóideo; EM
= escaleno médio; EA = escaleno anterior

84 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Tabela VI - Aspectos técnicos do bloqueio interescalênico guiado por ultrassom
Estrutura de Estruturas que devem ser Tipo de transdutor Volume de
Bloqueio
referência encontradas /Profundidade anestésico local
Interescalênico Artéria carótida Artéria carótida Linear 15-20 ml
Veia jugular interna Alta
Artéria subclávia Músculo esternocleidomastóideo frequência
Escaleno anterior
Escaleno médio
Troncos/Divisões do plexo
Fáscia cervical profunda
Artéria subclávia 3-4 cm
Primeira costela/Pleura

Em alguns pacientes, a identificação do plexo braquial na região interescalênica


pode ser difícil, já que estruturas anecoicas vasculares facilmente visualizadas não
estão em grande proximidade aos nervos11. Uma alternativa nesses caos é iniciar o re-
conhecimento na fossa supraclavicular, em que existe maior consistência anatômica da
artéria subclávia e do plexo, e manusear o probe no sentido cefálico até que as divisões
encontrem os três troncos nervosos. Um volume de 15 a 20 ml de anestésico local é
normalmente utilizado12 .
2.5.2 Bloqueio supraclavicular
O bloqueio de plexo braquial supraclavicular proporciona anestesia de todo o membro
superior. Nessa localização, encontram-se as divisões, e o plexo está na sua conformação
mais densa, determinando um bloqueio rápido e completo13. Esse bloqueio é indicado para
as cirurgias que incluam o território do cotovelo ou abaixo dele (Tabela 7 ).
O nervo intercostobraquial deriva primariamente do nervo intercostal T2, ocasional-
mente com contribuição de T1 ou T3, e não é um componente do plexo braquial, devendo
ser bloqueado separadamente, quando o procedimento inclui a região medial e posterior do
braço e a axila13.
Tabela VII - Indicações de bloqueio supraclavicular, necessidade de suplementação, efei-
tos adversos e complicações
Bloqueio suplementar Efeitos adversos/
Bloqueio Indicações
necessário Complicações
Supraclavicular Cirurgias de mão -- Síndrome de Horner
Cirurgias de antebraço Intercostobraquial Bloqueio frênico
Cirurgias do cotovelo Intercostobraquial Pneumotórax
Acesso para hemodiálise Intercostobraquial Quilotórax

2.5.2.1 Posicionamento
O paciente deve ficar em posição supina, com a cabeça elevada em 30 o a 45o e virada para
o lado contralateral (Figura 14 ).

Anestesia regional periférica guiada por ultrassom (US) | 85


Fig. 14 - Posicionamento no bloqueio supraclavicular

2.5.2.2 Sonoanatomia e técnica


Com o transdutor na fossa clavicular, a artéria subclávia é facilmente visível e deve ser
usada como estrutura de orientação. As divisões do plexo braquial localizam-se superficial
e lateralmente à artéria e têm aparência de pequenas imagens arredondadas (Figura 15 ). A
primeira costela e a pleura se apresentam como linhas brilhantes e hiperecoicas logo abaixo
da artéria subclávia14. A angulação mais posterior do transdutor vai mostrar que a artéria e o
plexo se deitam sobre a pleura, diferenciando-a da primeira costela.

Fig. 15 - Sonoanatomia do bloqueio supraclavi-


cular; AS = artéria subclávia

Tabela VIII - Aspectos técnicos do bloqueio supraclavicular guiado por ultrassom


Bloqueio Estrutura de Estruturas que devem ser Tipo de transdutor/ Volume de anestésico
referência encontradas Profundidade local

Supraclavicular Artéria subclávia Artéria subclávia Linear Alta 20-30 ml


Divisões do plexo braquial frequência
Primeira costela
Pleura 2-3 cm

2.5.3 Bloqueio infraclavicular


O bloqueio infraclavicular guiado por US é realizado ao nível dos fascículos e propor-
ciona excelente anestesia e analgesia pós-operatória para procedimentos distais do membro
superior15 (Tabela 9).

86 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Tabela IX - Indicações de bloqueio infraclavicular, necessidade de suplementação, efei-
tos adversos e complicações
Bloqueio suplementar Efeitos adversos/
Bloqueio Indicações
necessário Complicações
Infraclavicular Cirurgias de mão __ Pneumotórax
Cirurgias de antebraço __
Acesso para hemodiálise abaixo __
do cotovelo __

2.5.3.1 Posicionamento
Com a cabeça voltada para o lado contralateral e o braço ao longo do corpo, o probe do
ultrassom é posicionado em um plano sagital no sulco deltopeitoral (Figura 16). A aborda-
gem utilizada é normalmente em plano.

Fig. 16 - Posicionamento no bloqueio infraclavicular guiado


por ultrassom

2.5.3.2 Sonoanatomia e técnica


A estrutura de orientação é a artéria axilar. A imagem transversal mostra o fascículo late-
ral posicionado cefalicamente, o fascículo medial entre a artéria e a veia axilar e o fascículo
posterior abaixo da artéria15,16 (Figura 17).
Por causa da angulação necessária, alguma dificuldade pode ser encontrada para visuali-
zar a agulha15. A pleura pode ser frequentemente visualizada. Uma injeção única ou múltipla
basta para individualizar cada fascículo com anestésico local16,17. Essa técnica de bloqueio
do plexo braquial facilita a inserção de cateteres.
Tabela X - Aspectos técnicos do bloqueio infraclavicular guiado por ultrassom
Bloqueio Estrutura de Estruturas que devem ser Tipo de transdutor/ Volume de anestési-
referência encontradas Profundidade co local
Infraclavicular Artéria axilar Artéria axilar Linear 20-30 ml
Fascículos do plexo braquial Alta frequência
Primeira costela
Pleura 4-6 cm

Anestesia regional periférica guiada por ultrassom (US) | 87


Fig. 17 - Sonoanatomia do bloqueio infraclavicular;
A = artéria axilar; V = veia axilar

2.5.4 Bloqueio axilar


A abordagem axilar guiada por ultrassom é comumente usada para procedimentos no
antebraço, no punho e na mão. É um bloqueio de abordagem mais superficial e segura do
plexo braquial18 (Tabela 11).
Tabela XI - Indicações de bloqueio axilar, necessidade de suplementação, efeitos adver-
sos e complicações
Bloqueio Indicações Bloqueio suplementar Efeitos adversos
necessário Complicações/
Axilar Cirurgias de mão __ Mínimos
Cirurgias de antebraço __
Acesso para hemodiálise abaixo __
do cotovelo __

2.5.4.1 Posicionamento
Com o paciente em decúbito dorsal com braço abduzido, antebraço flexionado e mão
supinada19. Utiliza-se o transdutor linear de alta frequência na dobra formada pelo músculo
peitoral maior na região da axila, na qual se pode bloquear os nervos terminais (Figura 18).

Fig. 18 - Posicionamento no bloqueio axilar guiado por ultrassom

88 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


2.5.4.2 Sonoanatomia e técnica
A estrutura de orientação para esse bloqueio é a artéria axilar. Uma imagem transversa
do feixe neurovascular axilar é gerada (Figura 19). A artéria axilar e as veias podem ser
extremamente superficiais, tipicamente com não mais que 1 a 2 cm de profundidade18,19.
Os vasos axilares e os nervos a seu redor podem apresentar grandes alterações anatô-
micas, e esse fato deve ser sempre lembrado21. No entanto, normalmente, o nervo mediano
é encontrado superiormente, o nervo ulnar, inferiormente, e o radial, mais posterior em
relação à artéria. O nervo radial pode ser o mais difícil de identificar, porque, provavelmen-
te, está mascarado pelo reforçamento acústico da artéria. O nervo musculocutâneo sai do
fascículo lateral precocemente e abaixo da prega axilar; localiza-se entre o músculo bíceps e
o coracobraquial ou dentro deste20.

Fig. 19 - Sonoanatomia do bloqueio axilar; AA


= artéria axilar

Tabela XII - Aspectos técnicos do bloqueio axilar guiado por ultrassom


Bloqueio Estrutura de Estruturas que devem ser Tipo de transdutor/ Volume de
referência encontradas Profundidade anestésico local
Axilar Artéria axilar Artéria axilar Linear 5-10 ml em cada
Veia axilar Alta frequência nervo
Nervos terminais do plexo
braquial: mediano, ulnar, radial
e musculocutâneo 3-5 cm

Músculo bíceps
Músculo tríceps
Músculo coracobraquial
Úmero

O bloqueio usualmente necessita de injeção de 5-10 ml de solução de anestésico local em


cada uma das estruturas nervosas identificadas, que têm ecogenicidade mista (Figura 20),
prestando atenção à dispersão do anestésico.

Anestesia regional periférica guiada por ultrassom (US) | 89


Fig. 20 - Injeção de
anestésico local nos
quatro nervos termi-
nais na região axilar

2.6 Bloqueios de membros inferiores guiados por ultrassom


A anestesia regional guiada por ultrassom compreende o conhecimento da anatomia dos
plexos lombar e sacral, os quais dão origem, respectivamente, aos nervos principais, isquiá-
tico e femoral21.

2.6.1 Bloqueio de nervo isquiático ao nível infraglúteo


O nervo isquiático pode ser anestesiado utilizando-se diversas abordagens, desde a clás-
sica transglútea descrita por Labat, a abordagem sub glútea, a por via anterior e os bloqueios
mais distais, como o poplíteo21,22 .
O bloqueio do nervo isquiático ao nível infraglúteo pode ser realizado com relativa faci-
lidade, comparado com outras abordagens. Esse bloqueio é recomendado para cirurgias do
membro inferior a partir do terço médio do fêmur23 (Tabela 13).
Tabela XIII - Indicações de bloqueio ciático ao nível infraglúteo, necessidade de suple-
mentação, efeitos adversos e complicações
Bloqueio Indicações Bloqueio suplementar Efeitos adversos/
necessário Complicações

Isquiático Cirurgia do terço distal do fêmur Nervo femoral Mínimos


infraglúteo
Cirurgia da perna Nervo safeno
Cirurgia do pé e tornozelo

2.6.1.1 Posicionamento
O paciente é colocado em posição lateral, com o lado a ser bloqueado para cima. O qua-
dril e o joelho do lado não dependente devem estar levemente flexionados para aumentar a
superfície anatômica (Figura 21).

90 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Fig. 21 - Posicionamento do paciente
no bloqueio infraglúteo

2.6.1.2 Sonoanatomia e técnica


Dependendo do tipo físico do paciente, um transdutor linear ou convexo pode ser usado.
A imagem ultrassonográfica dessa região é representada, superficialmente, pela pele e pelo
tecido adiposo subcutâneo, cuja importância é variável e o aspecto ultrassonográfico, he-
terogêneo. Profundamente, o nervo ciático apresenta-se, em corte transversal, como uma
estrutura de formato oval, hiperecogênica, numa profundidade de cerca de 4 a 8 cm e está
localizado entre as estruturas ósseas e musculares23,24. Os componentes ósseos de referência
são representados medialmente pela tuberosidade isquiática e, lateralmente, pelo grande
trocanter. Os componentes musculares são representados pelo músculo glúteo maior (mais
superficialmente) e pelo músculo quadrado femoral (mais profundamente) (Figura 22). Al-
gumas vezes, pode-se identificar a artéria do nervo ciático e/ou o ramo femoral da artéria
glútea inferior acionando-se o Doppler.

Fig. 22 - Sonoanatomia do bloqueio isquiático ao


nível infraglúteo

Tabela XIV - Aspectos técnicos do bloqueio ciático ao nível infraglúteo guiado por ultrassom
Bloqueio Estrutura de Estruturas que devem ser Tipo de transdutor/ Volume de
referência encontradas Profundidade anestésico local
Isquiático Tuberosidade Músculo glúteo maior Convexo 20-30 ml
infraglúteo isquiática Músculo glúteo menor Baixa frequência
Músculo quadrado femoral
Grande trocanter Nervo ciático Linear (pacientes
Artéria do nervo ciático muito magros e
Ramo femoral da artéria glútea pediátricos)
inferior
4-8 cm

2.6.1.3 Vias de abordagem


A sonda deve ser posicionada transversalmente, na borda inferior do glúteo maior e no
meio de uma linha imaginária que une o grande trocanter e a tuberosidade isquiática.

Anestesia regional periférica guiada por ultrassom (US) | 91


Nessa posição, o nervo ciático é visualizado em corte transversal e, por causa da profundidade
em que se encontra, devem ser utilizadas sondas convexas de baixa frequência (2 a 5 MHz) e agu-
lhas de 100 mm23,24. Em casos de pacientes pediátricos ou adultos extremamente magros, deve-se
dispor de sondas lineares de alta frequência (de 5 a 10 ou de 6 a 13 MHz) e agulhas de 50 mm.
2.6.1.4 Punção dentro do plano
Após anestesia local subcutânea, punciona-se na extremidade lateral da sonda. A pro-
gressão da agulha em direção ao nervo ciático através do músculo glúteo maior é de fácil
visualização ultrassonográfica, por causa do aspecto homogêneo da musculatura e da alta
hiperecogenicidade da agulha. Tal progressão deve ser realizada sem neuroestimulação,
a fim de não ocasionar contrações musculares inúteis e dolorosas. Ela deve ser acionada
apenas quando a agulha estiver próxima ao nervo, no sentido de se certificar quanto ao po-
sicionamento exato do bisel.

Fig. 23 - Abordagem em plano do bloqueio isquiático

2.6.1.5 Punção fora do plano


Inicialmente, deve-se posicionar o nervo ciático no meio da imagem do ultrassom, de forma
que, após a anestesia local subcutânea, a punção seja realizada exatamente na metade da sonda,
sendo a orientação da agulha caudal ou cefálica e com angulação de 45° com a pele. Nesse caso,
a progressão da agulha em direção ao nervo ciático possui visualização mais difícil e deve ser
realizada de forma mais cautelosa. É importante o cuidado na identificação da posição exata
da extremidade da agulha, que pode ser realizada através das técnicas de hidrolocalização com
soro glicosado 5%, pelo movimento dos tecidos ultrapassados pela agulha e/ou pelo seguimen-
to da agulha através do plano ultrassonoro (ponto hiperecogênico).

Fig. 24 - Abordagem fora do plano do bloqueio isquiático

2.6.2 Bloqueio de nervo isquiático ao nível poplíteo


O bloqueio de nervo isquiático ao nível poplíteo está recomendado para a realização de
cirurgia do pé e do tornozelo. Esse bloqueio deve ser associado ao bloqueio do nervo safeno
para obter a anestesia da face medial da perna e do pé23 (Tabela 15).

92 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Tabela XV - Indicações de bloqueio do nervo isquiático ao nível poplíteo, necessidade de
suplementação, efeitos adversos e complicações
Bloqueio Indicações Bloqueio suplementar Efeitos adversos
necessário Complicações/
Nervo isquiático Cirurgia da perna Femoral Injeção intravascular
poplíteo Falha na porção fibular
Cirurgia distal do pé e do Safeno
tornozelo

2.6.2.1 Posicionamento
O paciente pode ser posicionado de três formas, dependendo da abordagem selecionada
(Figura 25).

Fig. 25 - Possíveis posicionamentos do paciente para o bloqueio


poplíteo

2.6.2.2 Sonoanatomia e técnica


Superficialmente, encontram-se pele e tecido adiposo subcutâneo de importância va-
riável. Profundamente, a região poplítea é constituída por vários músculos, e seu aspecto
ultrassonográfico é bastante heterogêneo. A identificação do nervo isquiático para a realiza-
ção desse bloqueio deve começar através da procura do nervo tibial (em eixo transversal) ao
nível da fossa poplítea. Nessa região, o nervo tibial encontra-se numa profundidade de 3 a 5
cm e bastante próximo dos vasos poplíteos, os quais são usados como estruturas de referên-
cia25. Os últimos serão mais bem visualizado com o acionamento do Doppler (Figura 26).

Fig. 26 - Sonoanatomia do bloqueio do nervo ciático ao nível


poplíteo com efeito Doppler dos vasos poplíteos

Anestesia regional periférica guiada por ultrassom (US) | 93


À medida que deslizamos cefalicamente a sonda e visualizamos a aproximação do nervo
fibular, pode-se identificar o local exato da bifurcação do nervo ciático (Figura 27). Nessa posi-
ção, o nervo ciático encontra-se delimitado, superficialmente, pela pele e pelo tecido subcutâ-
neo; lateralmente pelo músculo bíceps femoral; medialmente pelo músculo semimembranoso
e pelo tendão do músculo semitendinoso; e profundamente pelos vasos poplíteos.

Fig. 27 - Sonoanatomia do bloqueio do nervo ciático ao


nível poplíteo; AP = artéria poplítea

Tabela XVI - Aspectos técnicos do bloqueio do nervo isquiático ao nível poplíteo guiado
por ultrassom
Bloqueio Estrutura de Estruturas que devem ser Tipo de transdutor/ Volume de anesté-
referência encontradas Profundidade sico local
Nervo ciático ao Artéria poplítea Vasos poplíteos Linear 20-30 ml
nível poplíteo Alta frequência
Nervo tibial Aproximação do nervo fibular
ao nervo tibial
Nervo fibular 3-5 cm

2.6.2.3 Vias de abordagem


A realização do bloqueio do nervo isquiático ao nível poplíteo pode ser feita por via pos-
terior ou lateral, com paciente em decúbito dorsal ou ventral (Figuras 28 e 29). A indica-
ção de uma via ou outra depende principalmente da possibilidade de mobilizar o paciente
traumatizado para o decúbito ventral ou lateral. Estudos demonstraram que as duas vias
(posterior e lateral) possuem a mesma eficácia.
A observação do modo de difusão do anestésico local pode ser um elemento preditivo po-
tencial da rapidez de instalação e eficácia do bloqueio. O objetivo primordial para o sucesso do
bloqueio é a obtenção de uma distribuição circunferencial ao nível do isquiático ou de cada
componente (tibial e fibular), individualmente. Se a injeção for realizada ao nível da bifurcação
do isquiático, normalmente, uma única injeção é capaz de abranger os dois contingentes.
Com relação ao tipo de visualização da agulha durante o bloqueio, a punção dentro
do plano dos ultrassons é considerada mais precisa para a realização desse bloqueio, cujo
tempo de instalação, em caso de distribuição inadequada do anestésico, pode ser conside-
ravelmente prolongado.

94 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


O bloqueio de nervo isquiático ao nível poplíteo é o que melhor permite a inserção de
cateter para analgesia pós-operatória em razão de sua localização.
O risco principal é a punção da artéria ou da veia poplítea, principalmente quando o
bloqueio é realizado em locais muito próximos da dobra de flexão do joelho, em que essas
estruturas vasculares estão mais próximas do nervo tibial.
Por causa da profundidade em que o nervo ciático se encontra nesse nível (3 a 5 cm),
deve-se utilizar uma sonda linear de alta frequência (de 5 a 10 ou de 6 a 13 MHz) e agulhas
de 50 ou 100 mm, de acordo com a espessura do tecido adiposo do paciente.
2.6.2.4 Paciente em decúbito dorsal
É a posição de escolha em casos em que a mobilização do paciente para o decúbito ven-
tral está comprometida por fraturas dolorosas.
A fim de se obter espaço suficiente para deslizar a sonda ao nível da fossa poplítea, deve-se
solicitar que alguém levante a perna ou pode-se fazer uso de um coxim ao nível do tornozelo.

Fig. 28 - Abordagem do nervo isquiático poplíteo em


decúbito dorsal

2.6.2.5 Paciente em decúbito ventral


Geralmente realizado em pacientes submetidos a cirurgias eletivas em que a mobilização
dos membros não é dolorosa. Essa é a posição mais favorável ao anestesiologista para a reali-
zação desse bloqueio, pois permite melhor visualização e identificação das estruturas, além
de ser mais confortável.

Fig. 29 - Abordagem do nervo isquiático poplíteo em


decúbito ventral

2.6.3 Bloqueio do nervo femoral


O bloqueio femoral é um bloqueio superficial e de fácil execução, podendo ser útil
como anestesia e, principalmente, como analgesia em diversas situações (Tabela 17), com
complicações mínimas.

Anestesia regional periférica guiada por ultrassom (US) | 95


A técnica ultrassonográfica difere da técnica de eletroestimulação ao prover bloqueio
sensorial e início de ação rápido, utilizando volume efetivo mínimo, pela possibilidade de
visualizar a deposição do anestésico local. É importante também por garantir a visualização
das estruturas vasculares, como a artéria e a veia femoral 27.
Tabela XVII - Indicações de bloqueio femoral, necessidade de suplementação, efeitos
adversos e complicações
Bloqueio Indicações Bloqueio suplementar Efeitos adversos/
necessário Complicações
Nervo femoral Cirurgia da coxa Nervo cutâneo femoral lateral Bloqueio motor do
quadríceps
Cirurgia superficial da face
medial da perna Perfuração da artéria
Fratura do colo ou da diáfise do Nervo isquiático femoral
fêmur
Artroplastia Artroscopia de __ Hematoma
joelho
Artroplastia Artroscopia de Infecção local
quadril
Nervo isquiático Lesão nervosa
(+/-)

Cirurgia de ligamento do joelho Nervo cutâneo femoral lateral


Nervo obturador

Nervo isquiático
(+/-)

2.6.3.1 Posicionamento
Paciente em posição supina e posicionamento do transdutor paralelo ao ligamento ingui-
nal, um pouco abaixo da prega inguinal.

Fig. 30 - Posicionamento para o bloqueio femoral

2.6.3.2 Sonoanatomia e técnica


Ao posicionarmos o transdutor, obtemos a visualização de uma estrutura hipoecoica pulsá-
til: a artéria femoral. Lateralmente a esta e entre a fáscia ilíaca e o músculo íleo-psoas, encontra-
-se a estrutura triangular hiperecoica, que é o nervo femoral. Procede-se, então, à inserção da
agulha em plano de lateral para medial entre o nervo femoral e a fáscia ilíaca, com conseguinte
injeção de 2 ml de anestésico local e visualização da dispersão subfascial do anestésico, de
modo a comprimir o nervo em direção posterior, contra o músculo íleo-psoas. Após confirmar
a deposição do anestésico em posição correta, procede-se à injeção do restante do anestésico
local. Para esse bloqueio, não é necessária a deposição circunferencial do anestésico.

96 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Tabela XVIII - Aspectos técnicos do bloqueio femoral guiado por ultrassom
Bloqueio Estrutura de Estruturas que devem ser Tipo de transdutor/ Volume de
referência encontradas Profundidade anestésico local
Nervo Artéria femoral Artéria femoral Linear de alta 20-30 ml
femoral Fáscia ilíaca frequência
Músculo íleo-psoas
Nervo femoral
3-5 cm

Fig. 31 - Sonoanatomia do bloqueio femoral

2.6.4 Bloqueio do nervo obturador


O nervo obturador é formado pelos ramos anteriores das raízes lombares L2-L4. O blo-
queio do nervo obturador é importante para técnicas de analgesia do joelho associada ao blo-
queio do femoral, bem como em anestesias com necessidade de utilização de garroteamento
da coxa (Tabela 19). Na maioria dos indivíduos, o nervo se divide em dois ramos. O ramo
anterior, que desce da pelve e é visualizado entre a fáscia do adutor longo e do adutor curto, e o
ramo posterior, que se localiza no plano fascial entre o adutor curto e o adutor magno.
Tabela XIX - Indicações de bloqueio do obturador, necessidade de suplementação, efei-
tos adversos e complicações
Bloqueio Indicações Bloqueio suplementar Efeitos adversos/
necessário Complicações
Nervo obturador Complementar às cirur- Nervo cutâneo femoral lateral Punção vascular
gias de joelho
Hematoma
Cirurgias com necessidade Nervo femoral
de garrote na coxa Lesão nervosa

Diagnóstico de espasmo Infecção


dos adutores
Punção de víscera pélvica
Síndromes dolorosas
crônicas do quadril

2.6.4.1 Posicionamento
Com o paciente em posição supina, com leve rotação externa da coxa e posicionamen-
to do transdutor 2 cm a 3 cm abaixo e paralelamente ao ligamento inguinal, em região
medial da coxa.

Anestesia regional periférica guiada por ultrassom (US) | 97


2.6.4.2 Sonoanatomia e técnica
Com o transdutor posicionado paralelamente ao ligamento inguinal e medialmente à
coxa, observa-se a veia femoral (estrutura hipoecoica). Ao deslizar-se o transdutor mais
medialmente, será possível visualizar a estrutura hiperecoica entre a fáscia do adutor longo
e do adutor curto, que é o ramo anterior do nervo obturador. Outra estrutura hiperecoica
aprisionada entre as fáscias dos músculos adutor curto e adutor magno é o ramo posterior do
nervo obturador. Insere-se a agulha em sentido lateral para medial e anterior para posterior.
Realiza-se, então, a injeção de 5 ml a 10 ml de anestésico local em cada ramo, com visuali-
zação da divulsão das fáscias pela dispersão do anestésico local, com certificação de que o
anestésico não foi depositado em localização intramuscular.
Tabela XX - Aspectos técnicos do bloqueio do obturador guiado por ultrassom
Bloqueio Estrutura de Estruturas que devem ser Tipo de transdutor/ Volume de
referência encontradas Profundidade anestésico local
Nervo Veia femoral Veia femoral Linear de alta 5-10 ml para cada
obturador Músculo adutor longo frequência ramo
Músculo adutor curto
Músculo adutor magno
Músculo pectíneo 3-5 cm
Nervo obturador, porções
anterior e posterior

Fig. 32 - Sonoanatomia de bloqueio do nervo obturador

2.6.5 Bloqueio do nervo safeno


O nervo safeno é o ramo terminal da divisão posterior do nervo femoral. O bloqueio
do nervo femoral provê adequado bloqueio do nervo safeno, porém, acompanhado de im-
portante bloqueio motor do quadríceps, o que é indesejável e desconfortável para alguns
pacientes27. O bloqueio do nervo safeno na região distal da coxa leva à analgesia da região
medial da perna e tem indicação como bloqueio suplementar (Tabela 21). A técnica ultras-
sonográfica apresenta uma taxa de sucesso superior às técnicas tradicionais de infiltração
subcutânea em leque abaixo do joelho.
2.6.5.1 Posicionamento
Com o paciente em posição supina e leve abdução e rotação externa da coxa, posiciona-se
o transdutor perpendicularmente ao eixo axial em região medial da coxa e cerca de 5 cm a 7
cm acima da borda da patela.

98 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


2.6.5.2 Sonoanatomia e técnica
Posiciona-se inicialmente o transdutor perpendicularmente ao eixo axial da região
medial da coxa ao nível da fossa poplítea, na qual será possível visualizar duas estruturas
hipoecoicas pulsantes: uma maior, que é a artéria poplítea, e uma de menor diâmetro, que é
a artéria genicular. Nessa posição, ascende-se o transdutor até 2 cm a 3 cm acima da patela.
Na confluência dos músculos sartório, vasto medial, grácil e adutor magno, encontra-se o
nervo safeno como uma estrutura hiperecoica, comprimida entre as fáscias dos músculos
e logo anterior à artéria genicular. Insere-se a agulha em plano em direção anterior para
posterior, com injeção de 2 ml de anestésico local ou salina e visualização da hidrodissec-
ção interfascial, certificando-se de que o anestésico local não foi depositado em localização
intramuscular. Após confirmar a deposição do anestésico em posição correta, proceder à
injeção do restante do anestésico local.
Tabela XXI - Indicações de bloqueio safeno, necessidade de suplementação, efeitos ad-
versos e complicações
Bloqueio Indicações Bloqueio suplementar Efeitos adversos/
necessário Complicações
Nervo safeno Complementar às cirur- __ Punção vascular
gias da perna
Hematoma
Complementar às cirur-
gias do pé Infecção

Lesão nervosa

Tabela XXII - Aspectos técnicos do bloqueio safeno guiado por ultrassom


Bloqueio Estrutura de Estruturas que devem ser Tipo de transdutor/ Volume de
referência encontradas Profundidade anestésico local
Nervo Artéria genicular Artéria genicular Linear de alta frequência 10 ml
safeno Artéria poplítea Artéria poplítea
Músculo sartório
Músculo vasto medial 3-5 cm
Nervo safeno

2.6.6 Bloqueio do nervo cutâneo lateral femoral (NCLF)


O NCLF se divide em dois a cinco ramos que inervam toda a região lateral e superior da
coxa. Por causa de sua grande variabilidade anatômica, as técnicas ultrassonográficas fazem
diferença na efetividade quando comparadas às técnicas baseadas em marcos anatômicos28.
Tabela XXIII - Indicações de bloqueio NCFL, necessidade de suplementação, efeitos
adversos e complicações
Bloqueio Indicações Bloqueio suplementar Efeitos adversos/
necessário Complicações
Nervo cutâneo Biópsias e cirurgias de Não é necessário Hematoma
femoral lateral superfície na região lateral
da coxa
Infecção local
Enxertos de pele

Anestesia regional periférica guiada por ultrassom (US) | 99


2.6.6.1 Posicionamento
Com o paciente em posição supina ou lateral, posiciona-se o probe transversalmente 2
cm medial e abaixo da espinha ilíaca anterossuperior (EIAS) .
2.6.6.2 Sonoanatomia e técnica
Está localizado tipicamente entre o tensor da fáscia-lata (TFL) e o músculo sartório, 1
cm a 2cm ínfero-medial à EIAS, imediatamente abaixo da fáscia ilíaca, na qual se encontra
uma estrutura ovalada pequena e hipoecoica. A inserção da agulha deve ocorrer em plano
de lateral para medial até o posicionamento abaixo da fáscia ilíaca. Procede-se, então, à in-
jeção de 2 ml de anestésico local ou salina, com visualização da dispersão intrafascial do
líquido; após confirmar a hidrodissecção em posição correta, realiza-se a injeção completa
da solução.
Tabela XXIV - Aspectos técnicos do bloqueio NCFL guiado por ultrassom
Bloqueio Estrutura de Estruturas que devem ser Tipo de transdutor/ Volume de
referência encontradas Profundidade anestésico local
Nervo cutâneo EIAS Fáscia ilíaca Linear de alta 5-10 ml
femoral lateral Músculo sartório frequência
Músculo tensor da fáscia lata
Nervo cutâneo femoral lateral 1-2 cm

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100 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


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Anestesia regional periférica guiada por ultrassom (US) | 101


Capítulo 07

Reposição volêmica
em pediatria
Danielle Maia Holanda Dumaresq
Débora de Oliveira Cumino
Magda Lourenço Fernandes
Reposição volêmica em pediatria

1. Alterações fisiológicas da criança


1.1 Compartimentos corporais e distribuição de água e eletrólitos
A água corporal total (ACT) é composta pelo líquido intracelular (LIC) e extracelular
(LEC), separados pela membrana celular. O LEC está distribuído em diversos comparti-
mentos (Tabela 1): volume plasmático (intravascular ou sanguíneo) e líquido intersticial
(extravascular) separados anatomicamente pelo endotélio capilar1-4.
O volume intravascular efetivo é o volume sanguíneo que perfunde os tecidos e se encon-
tra em contato direto com receptores de pressão e volume. Em condições normais, o volume
plasmático circulante varia de acordo com as alterações do LEC1,2 .
O volume extravascular é constituído de linfa, líquido do interstício celular da pele e
dos tecidos conectivos e líquidos transcelulares, compostos pelos líquidos cerebroespinhal,
pleural, peritoneal, sinovial, das glândulas salivares, do pâncreas, do fígado, da árvore biliar
e também do líquido intraluminal do trato gastrointestinal1- 5.
Tabela I - Distribuição do líquido extracelular (LEC)
Sistema Lactentes Adulto
Plasma e linfa (mL.kg )
-1
60 55
Músculo e órgãos (mL.kg ) -1
80 85
Pele e tecido conectivo (mL.kg-1) 160 130
Líquido extracelular total (mL.kg-1) 300 270
Adaptado de Holliday5.

A água é o componente mais importante do corpo - constitui 70% do peso corpóreo do


recém-nascido de termo e 80% do peso do pré-termo, variando inversamente com o conte-
údo de gordura corporal1-4.
A composição da água, assim como sua proporção nos compartimentos (Tabela 2), varia
de acordo com o desenvolvimento da criança. Mas a osmolaridade (concentração de soluto
por unidade de solvente) de cada compartimento, independentemente da idade, é constan-
te, em torno de 280-300 mOsm/l3,4.
Tabela II - Composição corporal nas diversas faixas etárias
Prematuro Neonato 1 ano 3 anos Adultos
Peso (kg) 1,5 3 10 15 70
ASC (m )2
0,15 0,2 0,5 0,6 1,7
ASC/Peso 0,1 0,07 0,05 0,04 0,02
ACT (% peso) 80 78 65 60 60
LEC (% peso) 50 45 25 20 20
LIC (% peso) 30 35 40 40 40
ASC = área de superfície corporal; ASC/Peso = relação da área de superfície corporal e peso;
ACT = água corporal total; LEC = líquido extracelular; LIC = líquido intracelular.
(Adaptado de Cunlife M - Fluid and electrolyte management in children 4.)

104 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


As membranas celulares são altamente permeáveis, e a água se desloca de um compar-
timento para outro, de acordo com a concentração dos solutos contidos nesses comparti-
mentos, sendo assim, a tonicidade ou osmolaridade é semelhante no LIC e LEC (280 – 320
mOsm/L) na fase de equilíbrio3,4.
O conteúdo químico difere muito entre o LIC e LEC (Tabela 3), mas o equilíbrio elétri-
co é mantido constante pela bomba de sódio e potássio que limita o movimento de cátions
e ânions, sendo o deslocamento da água o principal responsável pelo equilíbrio osmótico3.
O LEC contém altas concentrações de sódio, bicarbonato e cloro, baixas concentrações
de potássio e magnésio. Em contraste, o LIC possui altas concentrações de potássio e mag-
nésio, com baixas concentrações de sódio e bicarbonato, além de possuir fosfatos e proteí-
nas. Como existem variações fisiológicas e funcionais das células, o LIC não é um líquido
homogêneo em todo o organismo3,4,6.
Tabela III - Composição dos líquidos corporais
Líquido extracelular (LEC) Líquido intracelular (LIC)
Osmolalidade (mOsm) 290 - 310 290 - 310
Cátions (mEq/L) 155 155
Na+ 138 - 142 10
K +
4,0 - 4,5 110
Ca+2 4,5 - 5,0 -
Mg +2
3 40
Ânions (mEq/L) 155 155
Cl- 103 -
HCO3 -
27 -
HPO4 -2 - 10
SO4 - 2 - 110
PO4 - 2 3 -
Ácidos orgânicos 6 -
Proteínas 16 40
Adaptado de McClain6.

O movimento molecular entre os vários compartimentos ocorre por difusão simples,


através da membrana lipídica (oxigênio e dióxido de carbono), por canais proteicos (sódio,
cálcio e potássio) e por difusão facilitada, por meio de carreadores proteicos transmembrana
(glicose e aminoácidos).
A água está em equilíbrio termodinâmico através das membranas celulares e se move
somente em reposta ao movimento de solutos contido nos diversos compartimentos. Esse
movimento da água através das membranas segue a equação de Starling3,6: Qf = K f [(Pc–Pi)
– σ (πc – π i)], em que Qf é o fluxo de líquido, K f é o coeficiente de filtração de fluido de deter-
minada membrana, Pc, Pi, πc e π i são as pressões hidrostáticas e osmóticas em cada lado da
membrana e σ é o coeficiente de reflexão do soluto da membrana estudada.
O coeficiente de reflexão (σ) mensura a permeabilidade de determinado soluto através de
uma membrana específica, portanto, contribui para a força osmótica depois de estabelecido
o equilíbrio6.

Reposição volêmica em pediatria | 105


O transporte de água entre o LIC e LEC ocorre por osmose, segundo a pressão osmótica
em cada lado da membrana permeável determinada principalmente pela concentração de
sódio, resultando em rápido fluxo de líquido através dessa membrana até que o equilíbrio
osmótico seja atingido. O valor de σ para o sódio quando a membrana é a barreira hemato-
-encefálica se aproxima de 1, enquanto no músculo e em outras membranas celulares é em
torno de 0,15 a 0,3. Assim, quando administramos soluções isotônicas intravenosas com
sódio, apenas 15% a 30% do sal e da água administrada permanece no espaço intravascular,
enquanto o restante se acumula como edema intersticial3,6.
Da mesma forma, o movimento de água entre o intravascular e o interstício ocorre se-
gundo a pressão hidrostática e a pressão coloidosmótica que, por sua vez, é determinada
principalmente pela albumina. O σ da albumina é o maior contribuinte na pressão coloidos-
mótica, em torno de 0,8, fazendo com que seja a responsável por aproximadamente 80% da
pressão coloidosmótica intravascular determinando o movimento d’água 3.
Em condições de redução do volume circulante, o líquido intersticial é desviado para o
intravascular, como uma tentativa de reestabelecer o equilíbrio, porém, apesar da quantida-
de de água existente no LEC, esse compartimento é incapaz de suprir as perdas líquidas que
acontecem no período perioperatório
O volume do LEC é controlado pela concentração de seu principal cátion, o sódio, atra-
vés dos barorreceptores carotídeos, receptores do estiramento atrial e do aparelho justa glo-
merular. A redução do volume do LEC causa liberação do hormônio antidiurético (ADH),
estimulação do sistema nervoso simpático causando vasoconstrição, e liberação do peptídeo
natriurético atrial com ativação do sistema renina - angiotensina - aldosterona.
A regulação da osmolaridade sérica ocorre através de osmorreceptores localizados no
hipotálamo que, ao detectarem aumento da osmolaridade do LEC, determinam a sensação
de sede e liberação de ADH com consequente reabsorção de água nos túbulos coletores
renais e concentração da urina.

1.2 Função renal


No recém-nascido, a função renal é imatura e o fluxo sanguíneo renal, baixo, aumentando
após o nascimento pela elevação do débito cardíaco, da pressão arterial média e da resistência
vascular renal. Porém, com um mês de vida, a maturidade renal alcança 90% da função, atin-
gindo valores semelhantes aos do adulto por volta do primeiro ou segundo ano de vida1,7.
A taxa de filtração glomerular (TFG) ao nascimento representa 25% a 30% do adulto,
que se deve à maior resistência renovascular e menor superfície de filtração glomerular, per-
meabilidade vascular e pressão de ultrafiltração1,7.
A função tubular do recém-nascido também é limitada, ocorrendo maior perda uriná-
ria de sódio por apresentar resposta inadequada à aldosterona e imaturidade da bomba de
sódio-potássio.
O rim do neonato possui também baixa capacidade de concentração da urina pela menor
concentração de ureia no interstício medular, pequeno tamanho das alças de Henle, níveis
aumentados de prostaglandinas e resposta inadequada ao HAD, o que causa maior perda
hídrica e, portanto, não tolera a desidratação7.

106 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Portanto, os rins apresentam dificuldade de eliminar o volume e eletrólitos durante a so-
brecarga, assim como de retê-los no estado de depleção. Entretanto, a capacidade de diluir a
urina é maior que a capacidade de concentrá-la. Sendo assim, o recém-nascido saudável tem
maior capacidade de excretar água livre e aumentar o volume urinário, tolerando melhor
sobrecarga hídrica moderada à desidratação1.
1.3 Sistema cardiovascular
O coração da criança tem pouco tecido muscular (apenas 30% de tecido contrátil) e muito
tecido conectivo. Os miócitos e as miofribrilas são desorganizados, as proteínas contráteis
(actina e miosina), imaturas e as organelas possuem baixas reservas de cálcio, determinando
coração menos complacente com contração menos eficiente8.
No período neonatal, o coração trabalha no limite superior da Lei de Frank-Starling, ou
seja, o aumento da pressão intracardíaca não determina aumento na contratilidade ou no
volume de ejeção. O débito cardíaco depende mais da frequência cardíaca do que do volume
sistólico, pois o volume de ejeção é limitado pela baixa complacência do miocárdio7,8.
Dessa forma, o aumento da pré-carga decorrente de sobrecarga hídrica não é bem tolerado,
podendo ocasionar falência biventricular, insuficiência cardíaca congestiva e parada cardíaca7.

2. Avaliação da volemia
Quando a criança é anestesiada, muitos parâmetros clínicos do estado volêmico são per-
didos ou sofrem interferência de fatores que causam confusões. Por exemplo, o aumento da
frequência cardíaca, apesar de ser um indicador bastante confiável do estado volêmico, na
criança, sofre alterações no perioperatório como resultado da influência de inúmeros outros
fatores; a taquicardia pode ser decorrente do aumento de temperatura, falta de plano anes-
tésico, falhas de bloqueios e outros6,9.
Portanto, a avaliação da volemia durante a anestesia é um desafio para o anestesiologista,
que deve considerar todas as possibilidades e conhecer os limites fisiológicos da frequência
cardíaca e da pressão nas diversas faixas etárias, correlacionar esses dados formando uma
hipótese e, então, tomar as devidas condutas.
Em procedimentos de pequeno porte, a avaliação do estado de hidratação e a reposi-
ção volêmica intraoperatória são mensuradas através de parâmetros clínicos. Na criança
anestesiada, podemos avaliar o estado das mucosas, o pulso, a pressão arterial média e a
diurese6 (Tabela 4).
Nos neonatos e lactentes, a avaliação do turgor das fontanelas pela palpação é uma técnica
elucidativa, capaz de fornecer dados sobre o estado da hidratação. Na vigência de hipovolemia
ou em estados de desidratação, a fontanela encontra-se deprimida e, em estados de hiper-
-hidratação ou hipertensão intracraniana, túrgida (Tabela 4). Um bom parâmetro para avaliar
o balanço hídrico em crianças pequenas é a medida do peso no pré e no pós-operatório.
O grau de hipovolemia pode ser avaliado por meio de uma combinação de sinais clínicos
e fisiológicos. Neonatos e lactentes apresentam, como resposta compensatória à hipovole-
mia, aumento da frequência cardíaca e vasoconstrição periférica. Entretanto, a habilidade
para aumentar o débito cardíaco só ocorre com o desenvolvimento e avanço da idade, sendo

Reposição volêmica em pediatria | 107


a hipotensão arterial um sinal tardio, que sugere deterioração iminente que exige de inter-
venção imediata.
Tabela IV - Avaliação clínica da desidratação
Sinais e sintomas Leve Moderada Grave
Perda/peso (%) 5 10 15
Déficit (ml.kg )
-1
50 100 150
Aparência - Palidez Hipotermia e sudorese
Turgor da pele Normal Diminuído Muito diminuído
Mucosa Úmida Seca Muito seca
Fontanela Normal Deprimida Muito deprimida
Pulso Normal Rápido Rápido e filiforme
Pressão arterial Normal Normal ou diminuída Diminuída
Respiração Normal Profunda Profunda e rápida
Diurese (ml.kg-1.h-1) <2 <1 < 0,5

A monitorização hemodinâmica não invasiva, principalmente a pressão arterial, a oxime-


tria de pulso e a capnografia, mensura, de forma indireta, o débito cardíaco (DC) e, conse-
quentemente, o estado volêmico.
O dióxido de carbono é um dos produtos finais do metabolismo aeróbio. No estado de
equilíbrio, a PaCO2 exprime o balanço entre a produção de CO2 (VCO2) e sua eliminação
através da ventilação alveolar (VA):PaCO2 = VCO2/VA . Portanto, alterações no EtCO2
podem exprimir alterações na perfusão, no metabolismo, no fluxo sanguíneo pulmonar e
no débito cardíaco10.
Em procedimentos de maior porte, a monitorização invasiva tem como vantagem for-
necer dados mais objetivos e em tempo real. A utilização de pressão arterial média invasiva
(PAMI), pressão venosa central (PVC), pressão de átrio esquerdo (PAE) e pressão de artéria
pulmonar (PAP) é muito útil na avaliação do DC, propiciando melhor adequação na repo-
sição volêmica.
A utilização da PAMI provê mensuração direta da variação pressórica e ainda possibilita
a coleta de gasometrias arteriais, que trazem informações sobre o equilíbrio hidroeletro-
lítico e ácido-base que, indiretamente, avaliam a perfusão tecidual. Atualmente existem
transdutores de tamanho adequado à população neonatal. Esses dispositivos infundem
constantemente pequenos volumes na linha arterial e minimizam o efeito damping, que é o
amortecimento da onda de pulso por conta das alteração de impedância e complacência das
extensões utilizadas no sistema11,12 .
De forma grosseira, a PAMI permite a mensuração da variação da pressão de pulso arte-
rial (ΔPP), que ocorre durante a ventilação com pressão positiva.
A utilização desse parâmetro (ΔPP) como um monitor da volemia é fundamentado nas
alterações fisiológicas da ventilação com pressão positiva: 1) a pressão de pulso arterial (sis-
tólica - diastólica) é diretamente proporcional ao volume de ejeção e inversamente relacio-
nada à complacência do sistema arterial; 2) a respiração com pressão positiva comprime o
sistema venoso pulmonar, provocando um aumento na pré-carga do ventrículo esquerdo

108 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


(VE) e, consequentemente, aumento no volume de ejeção e na pressão de pulso arterial
durante alguns batimentos; 3) respiração com pressão positiva também diminui o retorno
venoso para o ventrículo direito, pela compressão da cava e átrio direito, diminuindo, assim,
o enchimento do VE. Portanto, após os batimentos que apresentaram aumento da pressão
de pulso ocorre a diminuição da pressão de pulso no batimento seguinte, conforme a varia-
ção do volume circulante, determinando, dessa forma, a ΔPP (Figura 1)12 .
O aumento na variação da pressão de pulso não significa necessariamente que há redu-
ção do DC ou hipovolemia, mas a presença de variação acima de 10%, provavelmente é o
melhor indicador de que a pressão arterial responderá a administração de volume11,12 .
Atualmente, existem monitores que fazem essa análise e calculam a variação conforme a
respiração, fornecendo dados sobre a volemia e a variação volêmica (ΔPP)11.

Fig. 1 - Variação da pressão de pulso (ΔPP)

A monitorização da pressão venosa central (PVC) vem sendo utilizada há mais de 50


anos. Mensurada na veia cava superior, reflete o estado de enchimento atrial. A análise de
suas curvas, associada a outros parâmetros, pode demonstrar o estado de contratilidade
cardíaca11,13. Embora a PVC seja utilizada como um índice circulatório de avaliação da pré-
-carga, muitos fatores podem afetar a forma de suas curvas e a própria medida da pressão. A
diminuição na PVC, como sinal de depleção do volume intravascular, é relativamente tardio
em pacientes com reflexo vasoconstritor intacto, aumentando o risco de hipovolemia não
detectada através da monitorização13.
Devemos ter em mente que a PVC sofre influências de diversos fatores. Um dos proble-
mas mais evidentes com o uso da PVC é que, para otimizar o DC, se faz necessário melhorar
a função ventricular esquerda e a PVC se relaciona com as pressões das câmaras direitas11.
As curvas da PVC podem, naturalmente, ser afetadas por diversos fatores, como o estado
inotrópico do ventrículo direito e as alterações da pressão intratorácica, levando a impli-
cações práticas importantes, como o uso de fármacos inotrópicos, a escolha da estratégia
ventilatória e o uso de PEEP13.
Alterações cardíacas, como doença da valva tricúspide, infarto do miocárdio, doença pe-
ricárdica e anomalias do ritmo cardíaco, também afetam as ondas da PVC, gerando falhas
de interpretação.
A pressão venosa central, sem dúvida, sofre repercussões do volume intravascular. Apro-
ximadamente dois terços da volemia estão contidos no sistema venoso, porém, a distribuição
desse volume varia conforme o tônus vascular, que é também um determinante da PVC. A

Reposição volêmica em pediatria | 109


venoconstrição periférica aumenta o volume de sangue nas veias centrais, elevando a PVC.
Na vasodilatação periférica, a redistribuição do volume do compartimento central para o
periférico diminui a PVC, da mesma forma que as alterações posturais e as modificações de
posicionamento do paciente durante o ato anestésico-cirúrgico; as posições de céfalo-aclive
ou declive ocasionam alterações do retorno venoso e, consequentemente, da PVC13.
Portanto, do ponto de vista fisiológico, o estado volêmico não pode ser inferido a partir
de uma medida estática, logo, devemos considerar a PVC como uma medida de tendência
ao longo do tempo13.
O cateter de Swan-Ganz, sem dúvida, é o método que fornece o maior número de infor-
mações acerca da volemia, função cardíaca e perfusão tecidual, por muito tempo conside-
rado o padrão ouro para mensurar DC, porém, por causa de falha técnica, dificuldades de
interpretação, risco de complicações e baixo impacto no prognóstico e evolução dos pacien-
tes foi praticamente abolido da pediatria14,15. Especialmente em crianças pequenas, essas
evidências têm direcionado para uma tendência de utilização de métodos menos invasivos
para monitorização hemodinâmica15.
O Doppler transesofágico demonstra excelentes resultados na avaliação da volemia,
sendo considerado de excelência, porém, tem o inconveniente de ser operador dependente,
exigindo treinamento com o equipamento para que este tenha acurácia em determinar os
parâmetros hemodinâmicos. Alguns autores demonstram segurança e efetividade na utili-
zação rotineira do Doppler em correções de cardiopatias congênitas e transplante hepático
em crianças9.
Recentemente surgiram diversos monitores chamados minimamente invasivos baseados
na ΔPP, como o PiCCO® e o LiDCO®, que são dispositivos que necessitam da PAMI e de
acesso central para a administração de substâncias. O NiCO®, que utiliza a reinalação parcial
de CO2, é clinicamente aceitável em crianças com superfície corpórea > 0,6 m 2 e volume cor-
rente > 300 mL16, porém, sofre interferência de condições pulmonares e shunts intracardíacos.
O FLOTRAC® não possui algoritmo adaptado para a população pediátrica, mas é se-
melhante ao PulseCO® e ao PRAM®, que combinam a monitorização contínua do ΔPP, por
meio da análise da onda de pulso acoplada à linha arterial, todos com características que per-
mitem informação contínua do DC e da volemia, bem como outras variáveis derivadas17-19.
Entretanto, publicações sob a forma de editoriais e de estudos clínicos questionam
se existem sólidas indicações para uso desses métodos na pediatria. Será que esses
novos métodos mudaram a conduta da UTI? O que está faltando na avaliação do DC e
da volemia em crianças? Fizemos progressos, mas a resposta definitiva ainda está para
ser determinada17-19.
Esses métodos ainda devem ser submetidos a uma validação adicional em diferentes situa-
ções clínicas. O uso de algoritmos deve ser aplicado na medição do DC em crianças instáveis,
em choque, o que pode ser útil no processo de tomada de decisões e no resultado final17-19.
Nesse sentido, as experiências em adultos têm proporcionado metas mensuráveis para
a ressuscitação hemodinâmica, demonstrando melhoria nos resultados. No entanto, não
existem estudos que evidenciem sua validade na mensuração do DC e da volemia na po-
pulação pediátrica17-19.

110 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


3. Reposição volêmica em pediatria
A terapia de reposição volêmica tem como finalidade manter adequado balanço de lí-
quidos e eletrólitos no intravascular. Durante a cirurgia, ela é essencial para fornecer as ne-
cessidades metabólicas basais de líquidos, compensando o jejum pré-operatório e repondo
as perdas. Desidratação e algumas condições associadas ao sequestro de líquidos para o
terceiro espaço podem afetar o volume do líquido intravascular. A restauração desse volu-
me é fundamental para garantir estabilidade cardiovascular, perfusão orgânica e adequada
oxigenação tecidual20.
Na última década, muitas controvérsias surgiram acerca da hidratação transoperatória
em crianças, não só no que se refere ao cálculo do volume ideal, mas também quanto ao tipo
de solução a ser utilizada21.
3.1 Determinação do volume e do tipo de solução para reposição
Em 1957, Holiday e Seagar estabeleceram uma regra para calcular o volume de líquidos
a ser reposto em crianças submetidas a procedimentos cirúrgicos. A partir das necessidades
metabólicas do paciente em repouso no leito, eles determinaram a quantidade de líquidos a
ser reposta22 (Tabela 5).
Tabela V – Fórmula de Holiday e Seagar
Peso Gasto calórico Volume de líquidos para reposição
0 a 10 kg 100 kcal.kg -1
4 mL.kg.h-1
10 a 20 kg 1.000 kcal + 50 kcal.kg para cada kg
-1
40 mL + 2 mL.kg-1.h-1para cada kg acima de 10 e abaixo
acima de 10 de 20
10 a 20 kg 1.000 kcal + 50 kcal.kg-1 para cada kg 40 mL + 2 mL.kg-1.h-1para cada kg acima de 10 e abaixo
acima de 10 de 20
20 a 70 kg 1.500 kcal + 20 kcal.kg-1 para cada kg cima 60 mL + 1 mL.kg-1.h-1para cada kg acima de 20
de 20

Esses autores avaliaram também a quantidade de sódio e potássio do leite humano e de-
terminaram que, do ponto de vista eletrolítico, a solução ideal para manutenção em crianças
seria hipotônica. Com base nesses dados, as soluções salinas hipotônicas (1:2 a 1:4) foram
amplamente utilizadas por longos anos23.
Na década de 1980, Berry propôs outro esquema para reposição hídrica em crianças,
considerando a perda relacionada ao trauma cirúrgico (Tabela 6).
Tabela VI - Fórmula de Berry
Na primeira hora Nas horas seguintes
Idade < 4 anos: 25 mL.kg-1 Basal: 2 mL.kg-1.h-1
Idade ≥ 4 anos: 15 mL.kg-1 Trauma leve: 6 mL.kg-1.h-1
Trauma moderado: 8 mL.kg-1.h-1
Trauma severo: 10 mL.kg-1.h-1

O esquema proposto por Berry preconiza o uso de solução isotônica e considera um


jejum de seis a oito horas, com o clássico jejum após a meia-noite. O período de jejum
pré-operatório é um importante fator a ser considerando no planejamento da reposição

Reposição volêmica em pediatria | 111


volêmica, bem como a presença de condições que levam à desidratação (vômitos, diar-
reia e febre). Como recentemente o período de jejum pré-operatório foi reduzido (Ta-
bela 7), a perda hídrica relacionada ao jejum é mínima. Assim sendo, quando utilizamos
o esquema de Berry, a quantidade de líquido necessária para repor o jejum deve ser
diminuída caso o paciente tenha um período de jejum menor ou se estiver recebendo
soroterapia no pré-operatório. Entretanto, se o jejum for prolongado, o déficit do jejum
deve ser calculado multiplicando-se a necessidade de líquidos por hora pelo número de
horas de jejum 3 .
Além da duração do jejum, é importante pesquisar a presença de desidratação. Esta pode
ser avaliada por seus sinais clínicos, pela redução do peso (em casos de grandes perdas agu-
das) e pelo débito urinário. A correção da desidratação requer cerca de 10 mL.kg-1.h-1 de
líquidos. A taxa de infusão depende da gravidade e da rapidez da evolução da desidratação.
É importante destacar que a reposição deve ser individualizada, com base em uma adequada
avaliação pré-operatória, visando principalmente avaliar o estado de hidratação e estimar o
déficit hídrico, para distinguir os pacientes sem déficit daqueles gravemente comprometidos
por déficit de volume sanguíneo e/ou intersticial 20.
Tabela VII - Tempo de jejum pré-operatório em crianças
Tipo de alimento Tempo de jejum (horas)
Líquidos sem resíduos 2
Leite materno 4
Fórmulas de alimentos infantis 6
Leite não humano 6
Sólidos (refeição leve) 6
Sólidos (refeição completa) 8

3.2 Controvérsias sobre o tipo de solução para reposição


A transferência de líquidos entre o compartimento extracelular e o espaço intersticial
resulta no chamado volume do terceiro espaço. Para prevenir essa transferência, a repo-
sição do volume intravascular deve ser realizada utilizando-se soluções com tonicidade
e osmolaridade normais23. Assim sendo, o uso de soluções hipotônicas para reposição
volêmica no intra e pós-operatório em crianças vem sendo muito questionado nas últimas
décadas. Vários autores destacaram o risco de hiponatremia e consequente encefalo-
patia resultante dessa prática. Encefalopatia hiponatrêmica é um problema grave, mas
subestimado como complicação da cirurgia, embora haja vários relatos de esta causar
a morte ou lesão neurológica permanente em crianças e adultos saudáveis, após proce-
dimentos cirúrgicos comuns. As principais razões para a ocorrência dessa complicação
são a administração rotineira de fluidos hipotônicos no período pós-operatório e a falha
no diagnóstico e tratamento da encefalopatia hiponatrêmica quando se desenvolve20,21.
Apesar disso, o uso inadequado de soluções hipotônicas continua fazendo parte da rotina
de muitos profissionais, mesmo em países evoluídos, como o Reino Unido, onde isso foi
recentemente constatado23.

112 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


A hiponatremia adquirida em hospital (Na+ < 135 mEq.L -1) resulta basicamente
de dois fatores: 1) prejuízo da habilidade de excretar água livre, que ocorre em razão
do excesso de hormônio antidiurético (HAD) e 2) administração de líquidos hipotô-
nicos. Pacientes em pós-operatório são considerados de alto risco de desenvolver hi-
ponatremia porque têm a produção de HAD estimulada por vários fatores, como dor,
estresse, náusea e vomitos, ventilação com pressão positiva, administração de opioides
e depleção do volume intravascular. Toda solução líquida que possui uma tonicidade
de sódio e potássio menor do que a da fase aquosa da água plasmática (154 mEq.L -1) é
hipotônica e, portanto, capaz de produzir hiponatremia. Apesar de o sódio do plasma
normal ser 140 mEq.L -1, o plasma está 7% na forma anidra, o que faz com que a
concentração de sódio na fase aquosa do plasma seja cerca de 150 mEq.L -1. Portanto,
cloreto de sódio (NaCl) 0,45% (Na=77 mEq.L -1) e até mesmo a solução de Ringer com
lactato (Na = 130 mEq.L -1) são ambos hipotônicos em relação ao sódio plasmático e
podem produzir hiponatremia. Em teoria, mesmo o NaCl 0,9% pode resultar em hipo-
natremia, se houver excesso de HAD, quando a osmolalidade urinária atinge valores
acima de 500 mOsm. Kg-1 20 .
Recentes estudos prospectivos em crianças confirmam que soluções hipontônicas resul-
tam em hiponatremia24,25 e geraram grande preocupação em se abolir o uso rotineiro de
soluções hipotônicas no transoperatório. À luz dos conhecimentos atuais, acredita-se que a
encefalopatia secundária à hiponatremia no pós-operatório pode ser virtualmente elimina-
da através da administração sistemática de NaCl a 0,9%, quando estiver indicada reposição
hídrica. Com base em todos os dados disponíveis, não há justificativa para se administra-
rem líquidos hipotônicos no perioperatório. Estes podem produzir diminuição do sódio,
com consequente encefalopatia hiponatrêmica fatal. Portanto, soluções hipotônicas, como
glicose a 5% em água e NaCl 0,2 e 0,45 %, devem ser evitadas nas primeiras 24 a 48 horas
após a cirurgia. Mesmo soluções quase isotônicas, como a solução de Ringer lactato, devem
ser evitadas e, quando forem usadas, o sódio sérico deve ser monitorizado. A padronização
da reposição hídrica no transoperatório com NaCl 0,9% pode eliminar com segurança a
complicação de encefalopatia hiponatremia.

4. Manuseio da glicose nos fluidos intraoperatórios


O propósito da administração de glicose é prover energia necessária de forma a pre-
venir a hipoglicemia, que pode ser de difícil diagnóstico durante o período de jejum do
perioperatório. Além disso, a adição de glicose às soluções auxilia na oferta energética
ao cérebro, reduzindo o catabolismo proteico (gliconeogênese), prevenindo a cetose e a
perda de sódio e potássio26.
No entanto, o uso de soluções com glicose pode levar à hiperglicemia no intraopera-
tório. Esse risco foi, por muito tempo, subestimado e, nos últimos 20 anos, foi motivo
de reavaliação e mudança na prática diária sobre a utilização de soluções de glicose
em pediatria 27.
É importante pesar os riscos da ocorrência de hipo ou hiperglicemia, bem como suas
complicações (Tabela 8).

Reposição volêmica em pediatria | 113


Tabela VIII - Complicações associadas à hipo e hiperglicemia
Hiperglicemia Hipoglicemia
Diurese osmótica
Desidratação
Distúrbios eletrolíticos Lesão neuronal
(especialmente em neonatos)
Aumento do risco de lesões hipóxico-isquêmicas do SNC
Aumento de hormônios do estresse
Déficit neurológico pós-operatório Perda de autorregulação vascular cerebral
Cirurgia cardíaca com parada circulatória hipotérmica Alteração do metabolismo cerebral
Cirurgia neurológica
Pós-reanimação cardiopulmonar

A hipoglicemia é sabidamente prejudicial e pode levar a dano cerebral, especialmente em


neonatos. Dependendo da gravidade, a hipoglicemia pode provocar o aumento dos hormô-
nios do estresse, como cortisol, epinefrina, glucagon e hormônio do crescimento, e perda da
autorregulação e do metabolismo cerebral, levando à lesão neuronal permanente.
Entretanto, apesar de encontrarmos incidência variável a depender da definição do limi-
te considerado da glicose sérica, o risco em lactentes e crianças saudáveis tem se mostrado
baixo (menor que 1-2%) mesmo em períodos prolongados de jejum, levando a se pensar que
a hipoglicemia não seja de ocorrência tão comum assim, mesmo em pacientes pediátricos
menores de 1 ano28. A maioria dos casos de hipoglicemia durante anestesia foi observada
após períodos de jejum prolongados, em média de 10 horas, e não foi observada em crianças
que receberam líquidos claros por via oral cerca de 2 a 3 horas antes da cirurgia 29. Episódios
mais frequentes de hipoglicemia ocorrem quando o tempo de jejum se dá no período diurno
em relação ao noturno, por consequência da variação do nível de cortisol. Os fatores relacio-
nados com maior ocorrência de hipoglicemia estão relacionados na Tabela 9.
Tabela IX - Fatores associados com maior incidência de hipoglicemia
Fatores associados com maior incidência de hipoglicemia
Tempo de jejum prolongado
Jejum no período diurno
Neonatos
Estado nutricional ruim (< 25% percentil)
Crianças que recebem hiperalimentação
Anestesia regional: abolição de resposta ao estresse
Uso de fármacos: propranolol
RN de mãe diabética
RN com retardo de crescimento intrauterino
Adenoma ou carcinoma pancreático
Hepatoma
Hipopituitarismo
Insuficiência adrenal

Já o risco da hiperglicemia no perioperatório deve ser uma preocupação, e sua reper-


cussão tem sido vastamente citada na literatura, observando o aumento da incidência de
eventos transoperatórios, como a diurese osmótica.
Em estudos experimentais, foi observada a ocorrência de lesões estruturais na glia e nos
neurônios30, associada à agressão hipóxico-isquêmica quando a glicose foi administrada

114 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


previamente ao insulto, incuindo déficits neurológicos31,32 . A presença de isquemia-hipóxia
seria um impecílio à utilização e ao metabolismo da glicose, causando acúmulo de lactato
e diminuição do pH intracelular, com subsequente comprometimento da função celular33.
4.1 Administração de glicose no período perioperatório
Apesar de a administração de glicose ainda fazer parte da prática anestésica para a popu-
lação pediátrica, a quantidade de glicose utilizada vem diminuindo dramaticamente desde
os anos 1990.
A utilização de glicose a 5% ou 10% leva invariavelmente ao desenvolvimento de hiper-
glicemia34. As soluções de glicose a 2% e 2,5% aumentam a glicose sérica em menor exten-
são, mantendo-a dentro dos limites normais. A infusão não deve exceder 300 mg.kg -1.h1.
Seguindo essa linha de raciocínio e por causa do fato que alguns estudos mostraram eleva-
ções da glicose sérica, outros investigadores35 utilizaram soluções com baixa concentração
de glicose (1% a 0,9%) em Ringer lactato, sendo associado à manutenção de valores normais
e mostrando eficácia na prevenção de hipoglicemia.
Crianças em uso de nutrição parenteral têm indicação de um controle mais rigoroso da
glicemia. A maioria desses pacientes recebe infusões de glicose de 2,5% a 5%36.
Baseado nesses e em outros estudos, existe uma tendência crescente de se administrar
glicose no intraoperatório seletivamente em pacientes que estão sob maior risco de hipogli-
cemia e, nessas situações, deve-se considerar o uso de soluções com baixas concentrações
de glicose (1% 2,5%)37,38.

5. Uso de outras soluções não cristaloides


A reposição inicial da volemia do paciente pediátrico durante o período operatório se faz com
soluções cristaloides. Normalmente, uma expansão com 15-20 ml.kg-1 de Ringer lactato é utili-
zada para reestabelecer a estabilidade hemodinâmica. Após administração de volume superior a
30-50 mL.kg -1, é indicado o uso de soluções coloides para manter a pressão osmótica.
Nos últimos anos, estudos e metanálises têm falhado em demonstrar uma vantagem
clara sobre a mortalidade quando se comparam coloides e cristalóides37-42 . Estudos voltados
especificamente para a população pediátrica são menores em número e amostragem, no en-
tanto, alguns mostraram benefício em crianças gravemente doentes41.
Ao se pensar em utilizar uma solução coloidal, deve-se levar em consideração o tipo de
déficit de líquido existente (perda de líquido ou plasma), como também o efeito que o líqui-
do de reposição vai exercer no volume intravascular, cascata da coagulação e microcircula-
ção. Além disso, a possibilidade de reações alérgicas deve ser lembrada.
Os coloides podem ser classificados em derivados de proteína natural (albumina) e sin-
téticos (hidroetilamidos, dextrans e gelatinas).

5.1 Albumina42
A albumina é derivada do plasma humano e seu processamento proporciona esterilização
por pasteurização, o que elimina o risco de transmissão de doença infecciosas. Tem peso mo-
lecular de 69 kDa, sendo produzida em concentrações de 5% e 25%. A albumina a 5% osmo-

Reposição volêmica em pediatria | 115


ticamente é equivalente a um volume de expansão igual ao do plasma, enquanto a albumina
a 25% equivale a cinco vezes esse volume. Essa expansão do volume intravascular ocorre por
translocação do compartimento interticial para o intravascular. Contudo, em pacientes com
aumento da permeabilidade vascular (sepse, trauma, queimaduras), essa translocação de líqui-
do pode estar reduzida e os coloides podem migrar para o interstício, piorando o edema.
Acredita-se que a expansão do volume plasmático depende principalmente da quanti-
dade de albumina ofertada, e não da concentração da solução, sendo, portanto, geralmente
usada na dose de 20 mL.kg-1 em concentrações de 4 % ou 5% em Ringer lactato ou solução
salina 0,9%, o que permite aumento em até cinco vezes a capacidade de manter o líquido
administrado no intravascular.
Efeitos colaterais da albumina são raros, porém têm sido reportados. A albumina pode
ter uma fraca ação anticoagulante, através da inibição plaquetária ou semelhante à heparina
sobre a antitrombina III43. Esse efeito é insignificante se a reposição do volume do paciente
é menor de 25%. Reação alérgica é outra possível complicação. No entanto, a albumina está
associada a uma incidência menor que outros coloides.
A albumina tem sido considerada como o coloide padrão ouro para a manutenção da
pressão coloidosmótica em lactentes e neonatos, porém, o custo e a menor disponibilidade
têm levado alguns países como Grã Bretanha e França a preferirem outras soluções coloides,
permanecendo nos Estados Unidos como primeira escolha.
5.2 Hidroxietilamido (HEA)
Hidroxietilamidos são uma classe de coloides sintéticos modificados a partir de polissa-
carídeos naturais. Diferentemente de outros coloides, o HEA é caracterizado não somente
por sua concentração e peso molecular, mas por seu grau de substituição molar (SM) nos
carbonos na posição C2, C3 e C6, o que torna a solução mais estável, resistente à hidrólise
pela amilase e, portanto, com efeito mais prolongado. O grau de substituição é determinado
pela razão entre o número de moléculas de glicose com substituição do radical hidroxietil e
o número total de moléculas presentes. A razão da substituição molar é dada pela divisão do
número total de grupos hidroxietil pelo número de moléculas de glicose. Quanto maior o
grau de substituição e/ou a razão de substituição molar, menor é a degradação. Finalmente,
a relação C2:C6 define o número de glicoses que sofrem tal substituição molar por radicais
hidroxietílicos, definindo o grau de substituição de uma molécula de hidroxietilamido. A
razão C2/C6 expressa o tipo de substituição, traduzindo-se no dividendo do número de
moléculas de glicose com hidroxietilação no C2 pelo número destas com hidroxietilação no
C6. Quanto maior a razão, mais lenta é a depuração (Tabela 10).
Tabela X - Características das soluções coloides sintéticas de HEA
HEA 450/0,7 HEA 670/0,7 HEA 130/0,4
Concentração (%) 6 6 6
Duração efeito (h) 5-6 5-6 3-3
Peso molecular (kDa) 450 670 130
Substituição molar (SM) 0,7 0,7 0,4
C2:C6 4:1 4:1 9:1

116 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


A dose máxima varia com as características de cada amido. No caso do HES 450/0,7 a
6%, recomenda-se o máximo de 20 ml/kg/dia ou 1.500 ml/dia. Doses de 50 ml/kg/dia de
HES130/0,4 a 6% foram aprovadas para uso clínico.
Efeitos indesejáveis que podem ser observados com uso do HEA são: interferência na
coagulação (Fator vW, Fator VIII e plaquetas)44, disfunção renal45,46 (principalmente com
HEA com alto peso molecular e alto grau de substituição), reações alérgicas 47 (0,006%),
prurido (dose-dependente) e hiperamilasemia (sem disfunção pancreática).
O HEA pode ser considerado uma alternativa de menor custo quando comparado à albu-
mina. No entanto, ainda existem poucos estudos com relação a sua eficácia e segurança nas
crianças, seu uso sendo recomendado somente após cuidadosa avaliação do risco e do be-
nefício, respeitando sempre o volume máximo permitido diário (50 mL.kg-1 por dia) pelos
riscos associados.
5.3 Gelatinas
Gelatinas são coloides produzidos por degradação do colágeno bovino. Para a obtenção
das gelatinas, o colágeno bovino é submetido a um processo químico realizado em duas
etapas. Na primeira, sob a ação de um álcali, formam-se cadeias de peptídeos de peso mole-
cular entre 12.000 e 50.000 Daltons (Da). Na segunda etapa, de acordo com o tratamento a
que são submetidas, originam os diferentes tipos de gelatina. Existem três tipos de gelatina
(Tabela 11).
Tabela XI - Características das gelatinas
Gelatina com pontes de
Gelatinas Gelatina succinilada a 4% Oxiplogelatina a 5,5%
ureia a 3,5%
Peso molecular
30.000 35.000 30.000
(Da)
Osmolaridade (mOsm/L) 274 301 296

Atualmente, estão disponíveis para uso clínico as gelatinas com pontes de ureia, como
Haemaccel e Isocel, e as gelatinas succiniladas, como Gelafundin.
As apresentações de gelatinas com pontes de ureia e as succiniladas diferem entre si
quanto à concentração de eletrólitos. As gelatinas ligadas à ureia contêm maior quantidade
de cálcio e de potássio do que as soluções de gelatina succinilada. O cálcio presente nas
soluções de gelatina ligada à ureia pode reagir com o citrato usado como anticoagulante nas
bolsas de hemocomponentes. Dessa forma, recomenda-se que não se utilize, simultanea-
mente, a mesma via de administração para as duas soluções.
As gelatinas apresentam capacidade de expansão limitada, correspondendo a apenas
80% do volume infundido, ou seja, 1 mL corresponde à expansão de 0,8 mL. Isso se deve à
rápida passagem para o interstício, requerendo várias doses para manter a expansão.
Não há relatos de prováveis efeitos antitrombóticos ou sobre a coagulação, mas o empre-
go de doses elevadas, que ainda não estão bem estabelecidas, pode provocar diluição de fato-
res da coagulação com diminuição do fator de von Willebrand e do Fator VIII. As gelatinas
interferem na função da fibronectina (FVIII), o que pode representar fator restritivo quanto
ao volume a ser administrado; recomenda-se até 50 mL.kg-1 por dia. Podem desencadear

Reposição volêmica em pediatria | 117


reações anafiláticas ou anafilactoides e têm pequeno risco de transmissão de doenças priô-
nicas (doença de Creutzfeldt-Jakob). Podem induzir falência renal em grandes doses.
5.4 Dextrans
As dextranas são carboidratos originários do açúcar de beterraba cujo nome foi atribuído
em função da dextro-rotatividade óptica de suas moléculas. São polissacarídeos de origem
bacteriana resultantes da polimerização microbiana da glicose, produzida pelo Leuconostoc
mesenteroides, mediada por uma enzima dextran-sacarose. Os dextrans nativos têm peso
molecular muito alto e não podem ser utilizados em infusão venosa. Para o uso clínico são
submetidos à hidrólise ácida parcial, resultando em moléculas de peso molecular mais baixo
e distribuição bem definida. As apresentações disponíveis para uso clínico são o Dextran 70,
em solução salina a 6%, e o Dextran 40% a 5%, em solução glicosada ou a 10% em solução
salina. O Dextran 70 contém moléculas de peso médio 70.000 Da e cerca de 90% delas
situam-se na faixa entre 25.000 e 125.000 Da. No Dextran 40, as moléculas situam-se entre
10.000 e 80.000 com peso molecular médio de 40.000 Daltons.
Apesar de o Dextran apresentar excelente poder oncótico, seu efeito negativo sobre a
coagulação, aumentando o sangramento e a possibilidade de anafilaxia, limita seu uso.

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120 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Capítulo 08

Bloqueio do nervo
femoral: do básico
ao avançado
Roberto Araújo Ruzi
Paulo Ricardo Rabello de Macedo Costa
Eduardo R. Nakashima
Cibelle Magalhães Pedrosa Rocha
José Samuel de Paula
Bloqueio do nervo femoral: do básico ao avançado
Embora haja muitas semelhanças anatômicas entre a inervação dos membros superiores e
inferiores, o entusiasmo para a realização dos bloqueios de nervos periféricos nas extremida-
des inferiores não é tão grande. A maioria dos anestesiologistas prefere a técnica neuroaxial
(subaracnóidea e epidural) aos bloqueios de nervos periféricos para cirurgias dos membros
inferiores, apesar das potenciais desvantagens neuroaxiais: risco de sintomas neurológicos
transitórios; cefaleia pós-punção dural; lombalgia; repercussão hemodinâmica; meningite/
meningismo e hematoma epidural.
Nesse contexto, os bloqueios periféricos apresentam muitas vantagens e representam
uma técnica regional alternativa, tanto para a anestesia intraoperatória quanto para a analge-
sia pós-operatória1. As vantagens incluem: redução em admissões hospitalares pós-cirurgias
ambulatoriais (custo efetivo)2; menor alteração hemodinâmica; menos náuseas/vômitos e
retenção urinária e melhor analgesia pós-operatória3.
O pequeno uso de bloqueios em membros inferiores pode ser explicado pela menor divul-
gação dessas técnicas durante a residência médica de anestesiologia4, curva de aprendizado
mais lenta e maior custo para a aquisição de material e insumos necessários (neuroestimu-
lador, agulhas especiais, ultrassom). Entretanto, nessa última década, tem havido crescente
interesse pelos bloqueios periféricos, refletido pelo grande número de artigos publicados
nessa área. O conhecimento envolvido na realização de bloqueios periféricos é muito maior
do que aquele necessário à execução da raquianestesia, porém, a versatilidade e a satisfação
profissional conferidas pelo domínio dessas técnicas, principalmente com o uso da ultrasso-
nografia, justificam o emprego desses bloqueios.
Por muitas décadas, o bloqueio de nervos foi guiado por pesquisa de parestesia ou uso de
neuroestimulador de nervos. Ambas as técnicas se utilizam de reparos anatômicos e uso de
agulha em prospecção para encontrar o nervo desejado5.

1. Anatomia dos nervos periféricos na extremidade inferior


A realização de bloqueios de nervos periféricos nos membros inferiores exige perfeito
conhecimento da neuroanatomia do plexo lombossacral, condição sintetizada por Winnie:
“A anestesia regional é simplesmente um exercício de anatomia aplicada6.”
A anatomia do plexo lombossacral é constituída de duas entidades distintas: o plexo
lombar e o plexo sacral, que possuem uma comunicação entre eles através do tronco lom-
bossacral. Com exceção de pequena porção cutânea das nádegas, a inervação do membro
inferior é feita inteiramente pelos ramos do plexo lombar e sacral. Os nervos dos músculos
da coxa anterior e medial são derivados do plexo lombar. Já os músculos da nádega e da coxa
posterior e todos os músculos abaixo do joelho são supridos pelo plexo sacral.
1.1 Plexo lombar
O plexo lombar é formado na intimidade do músculo (m) psoas pelos ramos anteriores
das raízes de L1-4. Como no plexo braquial, pode ser pré-fixado (com contribuição de T12)
ou pós-fixado (com contribuição de L5). Os seis maiores ramos desse plexo são o nervo ílio-

122 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


-hipogástrico (T12-L1), ilioinguinal (L1), genitofemoral (L1-2), cutâneo lateral da coxa (L2-3),
nervo femoral (L2-3-4) e nervo obturatório (L2-3-4) e emergem nas bordas lateral, medial e
anterior do músculo psoas. Como parte dos ramos do plexo lombar, o femoral, o cutâneo
lateral da coxa e o obturatório são os mais importantes para a cirurgia do membro inferior.
1.2 Nervo femoral
O nervo femoral é formado pela divisão dorsal dos ramos anteriores do segundo, terceiro
e quarto nervos lombares (L2-L 4). O nervo femoral emerge do músculo psoas no compar-
timento fascial, entre o psoas e o músculo ilíaco, de onde fornece ramos para a articulação
do quadril, penetra na coxa posteriormente ao ligamento inguinal, situando-se lateral e pos-
teriormente à artéria femoral comum. No nível do ligamento inguinal, há um denso plano
fascial formado pela fáscia lata e fáscia ilíaca. A artéria femoral, a veia femoral e os linfáticos
residem num compartimento fascial medial ao nervo e independente desse (aspecto rele-
vante). Logo que o nervo penetra na coxa, ele se bifurca em divisão anterior e posterior,
ramificando-se rapidamente.
A divisão anterior do nervo femoral fornece os nervos cutâneo medial e intermédio, que
suprem a pele da superfície medial e anterior da coxa. Os ramos musculares da divisão ante-
rior suprem os músculos sartório e pectíneo e os ramos articulares para o quadril.
A divisão posterior fornece o nervo safeno (maior ramo cutâneo do nervo femoral),
ramos musculares para o músculo quadríceps e ramos articulares para o joelho. Os nervos
terminais da divisão posterior (o nervo safeno e o nervo vasto medial) continuam distal-
mente dentro do canal dos adutores. Após deixar o canal dos adutores (cerca de 10-12 cm
acima da prega poplítea), o nervo safeno emerge posteriormente ao músculo sartório, que
fornece o ramo infrapatelar e, então, continua distalmente para suprir a inervação cutânea
da face anteromedial da perna e medial do pé.

2. Indicações do bloqueio do nervo femoral


• Analgesia pós-operatória7-9:
– cirurgia do quadril (artroplastia, fratura do colo do fêmur);
– cirurgia da coxa (fratura transtrocanteriana, diáfise do fêmur, côndilo femoral);
– cirurgia do joelho (artroplastia, reconstrução ligamentar LCA e LCP, fratura do platô
tibial, fratura de patela).
• Facilitação do posicionamento e do transporte do paciente com fratura de fêmur.
• Reabilitação fisioterápica precoce.
• Mobilização precoce (diminui eventos tromboembólicos).
2.1 Classificação dos bloqueios do nervo femoral
• Quanto à forma de administração do anestésico local:
– injeção única (single shot);
– contínuo (com a passagem de cateter).
• Quanto à via de abordagem
– bloqueio do compartimento do psoas;

Bloqueio do nervo femoral: do básico ao avançado | 123


– bloqueio do nervo femoral 3 em 1;
– bloqueio no compartimento da fáscia ilíaca (Dalens).
• Quanto ao recurso utilizado:
– - referência anatômica - 3 em 1;
– - perda de resistência - compartimento da fáscia ilíaca;
– - neuroestimulador - compartimento do psoas e 3 em 1;
– - ultrassom - compartimento do psoas e Dalens.
2.2 Bloqueio do nervo femoral (3 em 1) com estimulador de nervos
periféricos (ENP)
• Posição do paciente - paciente em decúbito horizontal com discreta rotação externa do
membro a ser bloqueado.
• Pontos de referência - ligamento inguinal, artéria femoral e borda interna do músculo sartório.
• Técnica - punção 1-2 cm abaixo do ligamento inguinal e 1 cm lateral à artéria femoral;
inserção da agulha discretamente cranial.
• Resposta motora - contração do quadríceps femoral, pectínio, adutor longo da coxa e sar-
tório. A elevação da patela pelo músculo reto femoral é considerada a melhor resposta mo-
tora (a contração somente do sartório indica a estimulação do nervo femoral superficial,
que não deve ser aceita, uma vez que os ramos articulares e musculares derivam da parte
posterior do nervo femoral).
• Volume de anestésico local (AL) - 20-30 ml (a extensão do bloqueio é volume-dependente).
• Nesse bloqueio quase sempre o femoral é bloqueado, o nervo cutâneo lateral da coxa tam-
bém é bloqueado em 40-50% dos casos e em apenas 20-30% o obturatório é envolvido
(por causa da difusão lateral do AL e da dificuldade em vencer barreiras fasciais ao nível
do ligamento inguinal).

Fig. 1 - Técnica com estimulador de nervos

2.3 Bloqueio do compartimento da fáscia ilíaca (técnica de Dalens)


• Posição - decúbito dorsal horizontal com membro inferior na posição neutra.
• Pontos de referência - ligamento inguinal.
• Técnica - divide-se o ligamento inguinal em três partes. Na intersecção do terço lateral
com o terço mediano, introduz-se a agulha Tuohy cefalicamente, em 45º (em direção à
cicatriz umbilical). Após sentir o duplo clique (perfuração da fáscia lata e fáscia ilíaca),

124 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


obtém-se a perda da resistência na pressão exercida na seringa (com ar ou salina) e admi-
nistra-se a solução anestésica.
• Volume do AL - 30-40 ml (unilateral), 20 ml (bilateral); a extensão do bloqueio é volume-
-dependente.
• A solução anestésica se dispersa cranialmente para o plexo lombar. Tem como vantagem o
baixo custo, pois não há a necessidade de material específico (apenas agulha de peridural,
seringa para teste de perda de resistência e cateter em caso de bloqueio contínuo). Tem
melhor eficácia e extensão em comparação ao 3 em 1.

Fig. 2 - Demarcação da anatomia de superfície - bloqueio do


compartimento ilíaco (Dalens)

Fig. 3 - Agulha de epidural penetrando entre 1/3 lateral e 2/3


medial (técnica de Dalens)

Veja o vídeo com a técnica da perda de resistência com agulha de Tuohy e seringa de
vidro no seguinte link http://youtu.be/KyBo6pGJNm8

2.4 Bloqueio do compartimento do psoas


• Posição - decúbito lateral, com o membro a ser operado para cima, com flexão da coxa e
da perna.
• Pontos de referência - espinha ilíaca posterossuperior (EIPS), linha dos processos espi-
nhosos, linha bicrista e linha paralela à mediana que passa pela EIPS.
• Técnica - dependendo do local puncionado, podemos definir a técnica como: Hanna -
L3, Winnie - L 4 e Chayen - L5. Em todas as técnicas, a agulha deve ser introduzida per-
pendicularmente à pele, na intersecção entre a reta paralela que passa pela EIPS e a reta
perpendicular a esta, que passa pelo processo espinhoso respectivo, cerca de 7-10 cm de
profundidade, até obtermos a resposta motora (contração do quadríceps femoral). Se
ocorrer contato com o processo transverso, devemos redirecionar a agulha caudalmente e
progredir 0,5-2 cm além do processo transverso até obtermos resposta motora.

Bloqueio do nervo femoral: do básico ao avançado | 125


• Volume de AL - 30-40ml.
• Complicações - na técnica de Hanna (L3), há a possibilidade de punção da loja renal, prin-
cipalmente se à direita; na técnica de Chayen (L5), há grande probabilidade de dispersão
para o espaço epidural (principalmente em crianças).

3.Técnica guiada por ultrassonografia (USG)


As técnicas anestésicas para bloqueios periféricos de nervos evoluíram da pesquisa de pa-
restesia e da perda de resistência para a estimulação nervosa - há pouco considerada padrão
ouro10-12 e para a ultrassonografia10,13-16. Atualmente, a pesquisa de parestesia é questionada
pela maioria dos anestesiologistas, pois o estímulo mecânico da agulha no nervo pode ser
lesivo e muito desconfortável para o paciente17.
Na estimulação elétrica do nervo é considerada aceitável a corrente de 0,5 mA, que provoca
resposta motora apropriada, sugerindo, assim, que a agulha está próxima do nervo. Estudos
mostram que a resposta motora ao estímulo elétrico tem baixa sensibilidade para a localização
neural, sugerindo que a agulha do neuroestimulador possa entrar em contato direto com o
nervo a ser bloqueado sem resultar em estímulo motor, diminuindo a segurança do procedi-
mento anestésico18,19. Nesse caso, a imagem ultrassonográfica permite a visualização exata da
agulha à medida que esta se aproxima do nervo, evitando-se o contato indesejável.
O uso de ultrassom como método para guiar o posicionamento da agulha nos bloqueios
de nervos periféricos trouxe avanços importantes e adicionou precisão à arte da anestesia
regional. O emprego de ultrassom em anestesia regional tornou-se revolucionário, já que,
por meio dele, é possível visualizar a um só tempo: nervos, artérias, veias, pleura, penetração
da agulha e dispersão do anestésico local12-16,20,21.
Há quem defenda o uso combinado do ultrassom com o neuroestimulador nos bloqueios
nervosos, pois, nas situações de dúvida ao identificar o nervo visualizado, a estimulação elétri-
ca dele promoveria uma resposta motora específica, que confirmaria ou não sua identidade27.
É opinião dos autores que, se tivermos equipamento adequado (ultrassonografia), não se
justifica a utilização do estimulador de nervos pelos seguintes motivos:
– a literatura tem mostrado que o estimulador de nervos periféricos (ENP) tem pequena
sensibilidade para afastar uma posição intraneural da ponta da agulha. Diversos artigos
contrariam o conceito clássico de que as contrações obtidas com estímulo entre 0,3 e 0,5
mA forneceria o diagnóstico correto da distância da agulha em relação ao nervo22;
– com o ultrassom, pode-se ter alvos planos teciduais bem definidos, em que se alcança-
rá o nervo com AL, apesar de a agulha estar a uma distância segura;
– o depósito do AL em planos teciduais permite a utilização de agulhas comuns (dispen-
sando-se as agulhas especiais e dispendiosas usadas na técnica da ENP);
– a injeção de AL em planos teciduais permite introduzir, de maneira segura e eficiente,
cateteres comuns (como os de peridural), dispensando o uso de cateteres específicos,
de maior custo. (p. ex., Contiplex R) ou de cateteres estimuláveis.
Para a introdução da agulha, pode-se, também, utilizar a técnica no plano das ondas so-
noras (in plane) ou fora do plano (out of plane).

126 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Fig. 4 - Agulha no plano ou
fora do plano

Nos cortes transversais, é possível visualizar a agulha posicionado-a paralelamente ao


maior eixo do transdutor (“no plano”), o que permite acompanhar a progressão da ponta e
do corpo da agulha nos tecidos10,11,23, vista como uma linha hiperecoica19. Quando a agulha
é posicionada perpendicularmente ao maior eixo do transdutor (“fora do plano”), é possível
visualizar apenas um corte transversal da agulha (ponta ou corpo)24, visto como um ponto
hiperecoico e sua sombra acústica10,11,23.
Com a técnica “no plano”, há a vantagem de se ver inteiramente a agulha; por outro lado,
na técnica “fora do plano”, somente vemos a ponta da agulha, mas é possível introduzir ca-
teteres com facilidade.
A visualização da agulha na abordagem “fora do plano” pode ser difícil10,11,23,24 , mas
dispõe-se de algumas manobras para facilitá-la, como a movimentação dos tecidos,
hidrolocalização e injeção de microbolhas 24,25 . Pode-se usar a manobra de movi-
mentar delicadamente a agulha no sentido vertical, criando movimentos nos tecidos
adjacentes, o que é recomendado ao avançar a agulha. A hidrolocalização envolve a
injeção 0,5-1 ml de solução (AL, dextrose 5% ou água), que resulta na movimentação
dos tecidos e na formação de um ponto hipoecoico. Agitando-se uma solução líquida,
formam-se pequenas bolhas que, quando injetadas no tecido, apresentam-se altamente
ecogênicas, porém, deterioram a imagem por cerca de dois minutos. O bloqueio do
nervo femoral é talvez o mais fácil de aprender e realizar em plano tecidual (técnica
segura, longe do nervo).
Swenson recomenda: “O que anestesia o nervo não é a ponta da agulha, e sim o anestési-
co local. Portanto, mantenha a ponta da agulha longe do nervo, mas alcance o mesmo com
o anestésico local.”

3.1 Descrição da técnica segura do bloqueio de nervo femoral guiado


unicamente por ultrasson e agulhas comuns
1. Posicionamento
– Decúbito dorsal, com membros inferiores em posição neutra.
2. Escolha do transdutor e da frequência
– Como se trata de estruturas superficiais, utilizar transdutor linear com frequência
entre 6 e 18 Mhz (dependendo da profundidade das estruturas). Ex.: em paciente
magro, utilizar 13 a 18 Mhz; em paciente obeso, pode ser necessário diminuir a frequ-
ência, variando de 6 a 10 MHz.

Bloqueio do nervo femoral: do básico ao avançado | 127


3. Técnica
– Após o preparo da pele e do transdutor, este é posicionado paralelamente ao ligamento
inguinal, em seu terço médio, em que é possível visualizar a pulsação da artéria femoral,
a veia femoral medial à artéria, o músculo iliopsoas posterolateral aos vasos femorais, a
fáscia lata (representada por uma linha hiperecoica superficial ao nervo e a vasos femo-
rais), a fáscia ilíaca (superficial ao músculo iliopsoas e ao nervo femoral e profunda aos
vasos femorais) e, finalmente, o nervo femoral (visualizado como uma estrutura triangu-
lar e hiperecoica, lateral à artéria femoral, acima do músculo iliopsoas).
Veja o vídeo que mostra a anatomia ultrassonográfica normal no seguinte link http://
www.youtube.com/watch?v=kk_ftJXKz_I
Ao se caminhar distalmente com o transdutor, observa-se que a artéria femoral se divide
em femoral superficial e profunda. Este não é um bom local para se realizar o bloqueio, pois
o nervo já se dividiu bastante. Portanto, o bloqueio deverá ser feito em nível ultrassonográ-
fico com a artéria femoral não dividida26.
O nervo se apresenta como uma estrutura hiperecoica triangular lateral à artéria na qual
existem duas fáscias: a fáscia lata, que passa por cima do nervo e por cima dos vasos; e a
fáscia ilíaca, que passa por cima do nervo, mas por baixo dos vasos femorais. Essa é uma im-
portante relação anatômica, utilizada para bloquear o nervo de maneira segura, mantendo a
ponta da agulha longe deste. Na maioria das vezes, essas fáscias não são vistas nitidamente,
mas se enxerga facilmente o padrão de dispersão do anestésico local.
O bloqueio pode ser realizado “no plano” ou ”fora do plano” (preferimos a técnica “fora
do plano” pela facilidade na introdução de cateteres).

4. Objetivo
Injetar lateralmente ao nervo e, quando no plano tecidual adequado, o anestésico se
dispersa por cima do nervo e por baixo dos vasos, empurrando o nervo posteriormente e
separando a fáscia ilíaca do músculo iliopsoas. Nessa técnica, como a ponta da agulha fica
longe do nervo, o estimulador de nervos não funcionará.
A seguir, figuras com desenhos esquemáticos com o passo a passo da técnica “fora do plano”.

Fig. 5 - Desenho esquemático da anatomia ultrassonográfica

Fig. 6 - Injetar pequenos volumes (1 ml AL) para se ter certeza de onde está a
ponta da agulha

128 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Fig. 7 - Padrão incorreto de dispersão do
anestésico local

Fig. 8 - Padrão correto de dispersão do anestésico


local no plano tecidual

Seguem links de quatro vídeos que mostram bloqueios realizados no Hospital de Clíni-
cas da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), MG:
Vídeo 1: http://youtu.be/Y-JpZaqn_nY
Vídeo 2: http://www.youtube.com/watch?v=VVbVktXidR8
Vídeo 3: http://youtu.be/YWD2-gSxwIo
Vídeo 4: http://youtu.be/L_T_jNDXaEA

Fig. 9 - Desenho esquemático da técnica mais invasiva


(tradicional)

Quando utilizar o estimulador de nervos, a agulha deve se encostar ao nervo ou ficar


muito próxima deste para desencadear contrações musculares. Nessa técnica, há mais difi-
culdade de progressão de cateteres.

Bloqueio do nervo femoral: do básico ao avançado | 129


Fig. 10 - Desenho esquemático da técnica menos
invasiva (segura)

O anestésico local alcança o nervo mesmo com a ponta da agulha longe dele, com menor
risco de lesão nervosa e maior facilidade para a passagem de cateteres. Com agulha nesse
local, o estimulador de nervos provavelmente não funcionaria.

5. Exceção
Em cerca de 10% dos casos, o anestésico local não se dispersa nesse padrão descrito, e sim
por baixo do nervo e dos vasos (entre a fáscia ilíaca e o músculo iliopsoas).

Fig. 11 – O padrão mais raro, mas também aceito, de


dispersão do anestésico local

Como o bloqueio é realizado em plano tecidual e a ponta da agulha não está próxima do nervo,
a introdução de cateteres comuns (até cerca de 15 cm - marca III) ocorre sem dificuldades.

6. Material
• Agulhas utilizadas para essa técnica:
– agulha hipodérmica (25 x 8);
– agulha extracath 20 ou 18 G;
– agulha de epidural (se for usar cateter).
• Anestésicos locais utilizados (doses e concentrações):
– bupivacaína: 0,125% a 0,5%;
– ropivacaína: 0,2% a 0,75%;
– lidocaína: 1,0% a 1,5%.
A escolha do anestésico local, da concentração utilizada e do uso ou não de adjuvantes
depende da indicação do bloqueio - anestesia ou analgesia - e da preferência e experiência
do anestesiologista.

130 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Volume de anestésico local: 30 a 40 ml (20 ml em cada lado se bilateral).
O ultrassom permite enxergar variações anatômicas, patologias e até mesmo estruturas
normais que poderiam ser potenciais complicações.

4. Linfonodos
Estrutura superficial às fáscias, ovalada, com maior eixo no sentido horizontal, centro
hiperecoico e córtex hipoecoico. A principal característica dos linfonodos é não ter trajeto,
ou seja, desaparece ao “caminhar com o transdutor proximal ou distalmente”.

Fig. 12 - Linfonodo (imagem característica)

Veja o vídeo no seguinte link http://youtube/Fp9CqH05T3U

5. Artéria circunflexa ilíaca


Estrutura normalmente encontrada em todos os pacientes, mas que, por vezes, está ca-
prichosamente no trajeto da agulha, e, se não a enxergarmos, poderíamos lesá-la, acarretan-
do injeção intravascular de AL e/ou hematomas.
Essa artéria pode ser visualizada no trajeto do bloqueio, tanto transversalmente como
longitudinalmente. Com frequência, é possível ver sua origem na artéria femoral. O uso do
Doppler confirma a natureza vascular da estrutura.
Seguem desenhos esquemáticos e links de vídeos.

Fig. 13 - Hematoma inguinal em paciente no qual


foi utilizado estimulador de nervos

Bloqueio do nervo femoral: do básico ao avançado | 131


Figs. 14 e 15 - Artéria circunflexa ilíaca

Veja os vídeos nos seguintes links http://www.youtube.com/watch?v=jthCUdC76ZI e http://


youtu.be/SK3_mj6H9Ms

6. Nervo femoral distante da artéria femoral


O nervo pode estar anormalmente longe da artéria, variando de 1,5 a 4 cm. Essa interes-
sante variação anatômica poderia dificultar a obtenção de contrações do quadríceps com
estimulador de nervos ou lesar o nervo femoral em técnica do compartimento da fáscia Ilía-
ca (Dalens) com perda de resistência.

Fig. 16 - Nervo femoral longe da artéria (2,6 cm)

Veja o vídeo no link http://www.youtube.com/watch?v=jGn9z4-D5-s

7. Nervo femoral fino e largo


Rara variação anatômica que mostra o nervo fino e largo que se estendia até 2,7 cm longe
da artéria. Na técnica do compartimento da fáscia Ilíaca (técnica de Dalens), com perda de
resistência, a lesão do nervo seria muito provável.

Fig. 17 - Femoral fino e largo

132 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Veja o vídeo no link http://www.youtube.com/watch?v=Fit_-m-5WHI

8. Nervo femoral abaixo da artéria femoral


Chin descreveu casos de variação anatômica em que, com ENP, se teria muita dificulda-
de em encontrar o nervo27. Este é um dos casos em que mesmo anestesiologistas experientes
em anestesia regional demorariam ou não conseguiriam realizar o bloqueio com ENP.

9. Conclusão
A manutenção de uma distância em que apenas o anestésico local entrará em contato
direto com o nervo transforma o trauma pela agulha e a injeção intraneural em lesões evitá-
veis, revela uma conduta menos agressiva, previne sensações desconfortáveis ao paciente e
agrega mais segurança ao procedimento anestésico.
O uso de ultrassom para guiar o bloqueio do nervo femoral está se tornando imprescin-
dível ao proporcionar segurança na realização do ato anestésico. Acredita-se que, em futuro
próximo, as técnicas “às cegas” não serão utilizadas e estarão apenas na história da anestesia.
Finalmente, a ultrassonografia, por ser uma técnica de localização mais segura, mais efi-
ciente e que propicia maior conforto ao paciente, se transformará na técnica de excelência
para a realização de bloqueios de nervos periféricos e para a cateterização venosa central,
sendo altamente recomendado que ela seja incorporada pelos profissionais e instituições
hospitalares brasileiras.

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134 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Capítulo 09

Transporte aeromédico
do paciente crítico
Júlio Cezar Mendes Brandão
Luiz Fernando dos Reis Falcão
Waston Vieira Silva
Marcos Antônio Costa de Albuquerque
Transporte aeromédico do
paciente crítico
O transporte aeromédico, principalmente dos pacientes críticos, é uma atividade com-
plexa e que vem se expandindo. Atualmente, o Brasil possui carência de unidades de terapia
intensiva (UTI), com número atual totalizando 25.367 leitos1. Destes, 70,6% são destinados
aos pacientes adultos, com importante desigualdade na distribuição geográfica. Quando le-
vada em consideração a Portaria nº 1.101/GM, de junho de 2002, elaborada pelo Ministério
da Saúde2, 51,9% do território nacional apresenta cobertura insatisfatória de leitos de UTI1.
Dessa forma, a demanda por deslocamento de pacientes para longas distâncias faz ressaltar
a importância do transporte aeromédico.
O anestesiologista tem inato em sua profissão o manuseio de pacientes críticos, o
que reúne as características essenciais para exercer o transporte do paciente grave. O
aprendizado e o aperfeiçoamento do transporte aéreo se fazem necessários para atu-
ação com qualidade e segurança. Contudo, existe grande carência de estudos acerca
do tema 3 .
Há uma série de passos a serem seguidos para o planejamento, o preparo e a ade-
quada execução do transporte aeromédico, sendo importante antever as necessidades
e possíveis intercorrências, a relação custo-benefício, novas alocações e os riscos en-
volvidos 3,4 . É importante ter ciência de que as variações durante o transporte poderão
trazer repercussões graves com maiores dificuldades de resolução por não se tratar
de unidade hospitalar fixa, apesar do grande arsenal e sofisticados aparelhos incor-
porados às aeronaves 5 . As alterações fisiológicas que ocorrem nas altitudes e a vulne-
rabilidade dos equipamentos médicos também devem ser lembradas para o sucesso
do transporte 4,5 .
Em um país com dimensões continentais como o Brasil, o transporte aeromédico tem
importância fundamental, pois permite o deslocamento de pacientes de regiões com poucos
recursos, ou de áreas remotas e distantes, para centros de referência.
Recentemente, presenciamos o desastre em Santa Maria/RS, que contou com importan-
te participação do transporte aéreo para a remoção de pacientes graves para centros espe-
cializados6,7. Visto a importância do assunto, propomos elaborar esta revisão, para permitir
a atualização do tema.

1. Histórico
Um dos primeiro relatos de transporte aeromédico de pacientes se deu próximo a
1870, durante a guerra franco-prussiana, com o uso de um balão para a remoção de fe-
ridos. Grande evolução ocorreu no período das guerras, em que se percebeu que havia
modificação do prognóstico ao oferecer um transporte mais rápido e eficiente aos pacien-
tes enfermos. Na Primeira Guerra Mundial, houve o aprimoramento das aeronaves e o
aumento da necessidade de fornecer socorro de forma imediata aos pilotos feridos em
combates. Já na Segunda Guerra Mundial, ocorreu a modificação da perspectiva que até

136 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


aquele momento existia acerca do transporte aeromédico8,9 – os pacientes eram transpor-
tados em aeronaves militares com algum preparo especial para o deslocamento de feridos,
o que demonstra alguma especialização de trabalho e evolução desse tipo de transporte
de pacientes. A partir desse momento, iniciou a introdução de equipamento e material
médico nas aeronaves8,10.
Na década de 1970, foi introduzido, no Brasil, um sistema de resgate pela Força Aérea
Brasileira (FAB) para regiões com menor infraestrutura, como a Região Amazônica e o
Centro-Oeste do Brasil8,10. Entre as décadas de 1980 e 1990, surgiram os serviços privados
de transporte aeromédico, que permanecem até os dias atuais e se consolidaram como
referência no transporte aeromédico nacional, já que percorrem grandes distâncias com
os pacientes, proporcionando acesso a atendimento médico especializado e transferência
entre unidades hospitalares em regiões diferentes9,10.

2. Alterações fisiológicas da altitude


A fisiologia da altitude tem como objeto descrever e interpretar as respostas fisiológicas,
agudas e crônicas, do organismo à exposição de moderada (1.400 a 3.000 metros) ou eleva-
da altitude (3.000 a 8.850 metros)11. Seu conhecimento é parte fundamental no cuidado do
paciente crítico nas alturas.
O contato agudo ou crônico com ambientes elevados induz aumento do estresse
fisiológico por causa das condições de hipóxia hipobárica, hipotermia e hipoglicemia.
Além dessas, acrescentam-se o disbarismo, que ocorre pela rápida redução da pressão
atmosférica, e a desidratação, ocasionada pela menor umidade relativa do ar nas aero-
naves. No caso do transporte aeromédico, a ênfase principal na abordagem se dá pelas
alterações em razão da exposição aguda e, entre essas, as principais são as relacionadas
à hipóxia hipobárica1,8,9. A seguir, discutiremos com mais detalhes as principais altera-
ções fisiológicas.

2.1 Hipóxia hipobárica


Com o aumento da altitude, associado ao decréscimo exponencial da pressão at-
mosférica e, concomitantemente, à diminuição da pressão parcial de oxigénio no ar at-
mosférico (PO2), há alterações no conteúdo arterial de oxigênio e, por conseguinte, na
quantidade de oxigênio fornecido aos tecidos11-13 . Tendo como referência a pressão at-
mosférica ao nível do mar (760 mmHg), à medida que aumentamos a altitude, a pressão
atmosférica vai reduzindo. A uma altitude de aproximadamente 5.800 metros, a pres-
são atmosférica reduz para cerca da metade (379 mmHg). No cume do Everest (8.850
metros), assume valores de cerca de um terço (253 mmHg) da registrada ao nível do
mar. Assim, uma vez que a concentração de oxigênio no ar atmosférico (20,93%) não
se altera em função da altitude, a PO2 diminui proporcionalmente com a redução da
pressão atmosférica. Dessa forma, registra-se a quase 9 mil metros de altitude uma PO2
de aproximadamente 26-50 mmHg, valor muito abaixo da assinalada ao nível do mar
(159 mmHg) (Tabela 1)11,14-17.

Transporte aeromédico do paciente crítico | 137


Tabela I - Pela Lei de Dalton, à medida que se aumenta a altitude, há redução na pressão
atmosférica, determinando menor pressão parcial de oxigênio (PO2) e causando a chamada
hipóxia hipóxica11,12,16
Altitude (metros) PaO2 (mmHg) SaO2 (%) PaCO2 (mmHg)
Nível do mar 90 - 95 96 40
1.524 75 - 81 95 32 - 33
2.286 69 - 74 92 - 93 31-33
4.572 48 - 53 86 25
6.096 37 - 45 76 20
7.620 32 - 39 68 13
8.848 26 - 33 58 9,5 - 13,8
PaO2 = pressão arterial de oxigênio; SaO2 = saturação arterial de oxigênio; PaCO2 = pressão arterial de
dióxido de carbono.

A exposição a ambientes de hipóxia hipobárica é indutora de adaptações fisiológicas


agudas e crônicas, que tendem a diminuir o efeito deletério da redução de oxigênio
disponível para os tecidos. Adaptações no sistema respiratório e circulatório, na regu-
lação hormonal e hídrica, nos componentes hematológicos e na morfologia e no meta-
bolismo muscular, entre outras, parecem contrariar os efeitos fisiológicos da rarefação
de moléculas de oxigênio para os tecidos. A exposição aguda a altitudes superiores a
2.500 e 3.000 metros, particularmente se associada a ascensões rápidas, poderá induzir
a ocorrência de um conjunto de alterações e sintomas clínicos, como cefaleias, anore-
xia, tonturas, náuseas, fraqueza, vômitos e distúrbios no sono, habitualmente designado
por Acute Mountain Sickness18 . As características e particularidades dessa síndrome
parecem estar relacionadas com o ritmo de subida, altitude atingida e intensidade e/ou
duração da atividade realizada, iniciando-se sua manifestação 6 horas após o início da
ascensão, agravando-se até 24 horas de permanência em altitude e regredindo gradual-
mente nos dois a quatro dias seguintes. Os sintomas que caracterizam essa síndrome são
consequência da resposta fisiológica inadequada à baixa pressão parcial de oxigênio. A
continuidade da exposição à altitude associada ao incremento da severidade dos sinto-
mas poderá induzir complicações graves, incluindo edema pulmonar e cerebral19. Esse
último geralmente não se aplica ao transporte aeromédico, pois o tempo de exposição
do paciente à altitude é curto20-23 . Assim sendo, em ambientes de hipóxia hipobárica,
particularmente em altitudes superiores a 5.500 metros, o desempenho funcional pode
estar bastante afetado, sobrepondo-se ao efeito da deterioração tecidual e orgânica e à
eficácia dos mecanismos de adaptação11,20.
As aeronaves modernas que fazem o serviço de transporte aeromédico e que voam
em tais alturas, habitualmente, dispõem de mecanismos de pressurização do ar, o que
aumenta a oferta de oxigênio em seu ambiente interno. Essa pressurização pode mini-
mizar, parcialmente, em graus variados, os sintomas da Acute Mountain Sickness. Dessa
forma, o impacto da hipóxia ainda será percebido nos diferentes sistemas, ocorrendo suas
respectivas adaptações.

138 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


2.1.1 Adaptações respiratórias
A difusão do oxigênio dos alvéolos para os tecidos ocorre por gradiente de pressão17,24. A
redução da PO2 afeta negativamente a taxa de difusão do oxigênio dos alvéolos para os capi-
lares pulmonares, diminuindo a saturação da hemoglobina e, por conseguinte, o conteúdo
arterial e o transporte de oxigênio para os tecidos. Assim, à medida que se eleva a altitude,
há diminuição da disponibilidade de oxigênio para o metabolismo celular, comprometendo,
de várias formas, a homeostasia dos diferentes sistemas fisiológicos12,17,24.
Nas condições de hipóxia hipobárica, a redução da oferta de oxigênio para os tecidos im-
plica decréscimo do consumo máximo de oxigênio. Considerando a mesma intensidade de
exercício, há aumento da intensidade relativa ou na diminuição da capacidade de trabalho
desenvolvido, resultando no aparecimento precoce da fadiga12,14,17,24.
Um dos mecanismos característicos de adaptação fisiológica intrínsecos à exposição
aguda a elevadas altitudes é o aumento acentuado da frequência respiratória e do volume
corrente. Essa resposta ventilatória à hipóxia induzida primordialmente pela estimulação
de quimiorreceptores periféricos sensíveis às variações do conteúdo arterial de oxigênio
(CaO2) possibilita o incremento da ventilação de duas a cinco vezes em relação aos valores
obtidos ao nível do mar e, com isso, o aumento da pressão parcial de oxigênio alveolar. Dessa
forma, o gradiente de pressão de oxigênio aumenta, melhorando a saturação de oxigênio no
sangue e, consequentemente, sua difusão para os tecidos. Nessa fase inicial de exposição à
altitude, os indivíduos que apresentam um incremento mais acentuado da ventilação esta-
rão mais bem adaptados para tolerar as condições de hipóxia.
A intensidade desse processo adaptativo apresenta grande variabilidade entre os indivíduos,
parecendo estar associada a diversos fatores de origem fenotípica e relacionada ao genótipo12,17,24.
Assim, influenciado por fatores ontogenéticos e filogenéticos, parece refletir um padrão de adap-
tação ventilatório característico, regulado pela importância da manutenção do equilíbrio ácido-
-base sanguíneo e por adaptações anatômicas específicas do sistema respiratório.
Em função do aumento agudo da ventilação, há redução da pressão parcial CO2 no
sangue arterial. Essa diminuição promove alcalose respiratória com desvio da curva da
oxi-hemoglobina para a esquerda. Com o decorrer dos dias de permanência em altitude, o
incremento da excreção renal de bicarbonato e da concentração de 2,3 difosfoglicerato nos
glóbulos vermelhos tende, ainda que não completamente, a restabelecer o pH para valores
mais próximos dos observados em indivíduos ao nível do mar e a deslocar, ainda que não
completamente, a curva de dissociação da oxi-hemoglobina novamente para a direita.
Assim, esses processos de adaptação pretendem estabelecer um compromisso entre os me-
canismos ventilatórios que visam à melhoria da eficácia do sistema de transporte de oxigênio
e aos reajustes metabólicos, com vista à manutenção de níveis ótimos de pH sanguíneo14,25.

2.1.2 Adaptações cardiovasculares


A exposição aguda à hipóxia hipobárica acarreta o aumento do tônus simpático, pro-
movendo elevação da frequência cardíaca e do débito cardíaco em repouso e em exercícios
submáximos, além de alterações do fluxo sanguíneo por vasoconstrição seletiva11,13,15. O
crescimento da atividade do sistema nervoso simpático não parece refletir no incremento

Transporte aeromédico do paciente crítico | 139


das concentrações de catecolaminas circulantes, mas sim no acréscimo da estimulação
direta de seus terminais nervosos.
A exposição prolongada a elevadas altitudes parece causar diminuição significativa do
volume plasmático por causa do elevado índice de perda de água por sudorese e pela venti-
lação e do aumento da diurese e da permeabilidade capilar, além de inadequada ingestão de
fluidos. Associada à redução da frequência cardíaca máxima, pode, ainda, resultar na dimi-
nuição do débito cardíaco máximo. Estudos experimentais26 e clínicos27 mostraram que o
decréscimo da frequência cardíaca máxima e do volume sistólico parece ser fator associado
à diminuição do consumo máximo de oxigênio (VO2 máx) típica da altitude.
2.1.3 Adaptações hematológicas
A diminuição do CaO2 , característica da exposição a ambientes hipóxicos, estimula
a liberação de eritropoietina (EPO) em nível renal e hepático, com consequências no
incremento da produção de eritrócitos pela medula óssea e na concentração de hemoglo-
bina13,15. O nível máximo das concentrações de EPO e o tempo necessário para atingi-
-lo parecem depender do grau de hipóxia a que os indivíduos são sujeitados. Porém, se a
secreção acrescida de EPO se inicia imediatamente após a exposição aguda à altitude, a
produção aumentada de glóbulos vermelhos é retardada, assumindo incrementos signifi-
cativos apenas após algumas semanas de exposição crônica a altitudes superiores a 3 mil
metros e valores máximos somente após alguns meses15,27,28. O aumento da viscosidade
sanguínea, induzido pela elevação do hematócrito, associado à diminuição do volume
plasmático, poderá incrementar o consumo energético cardíaco e dificultar o fluxo san-
guíneo nos capilares, reduzindo a eficácia cardiovascular no transporte de oxigênio para
os tecidos13,17,29.
2.1.4 Variabilidade na exposição ao ambiente hipóxico
Além das alterações fisiológicas citadas, é importante ressaltar os numerosos fatores
que inf luenciam a suscetibilidade individual à hipóxia, como16: tabagismo, que produz
monóxido de carbono e reduz a capacidade do sangue de se combinar com o oxigênio;
ingestão de álcool, que cria a hipóxia histotóxica; condicionamento físico, indivíduo
com boa reserva funcional fisiológica tem maior tolerância a problemas relacionados
à altitude; aumento da atividade física, por causar maior demanda de oxigênio e ins-
talação mais rápida da hipóxia; taxa metabólica basal, que aumenta pela exposição a
temperaturas extremas e, por isso, eleva as necessidades de oxigênio e reduz o limiar
de hipóxia; dieta e nutrição; emoções e ansiedade; fadiga e doença clínica predisponen-
te, como pneumonia, doença pulmonar obstrutiva crônica, asma aguda, pneumotórax
(este necessita de drenagem ou abordagem antes do transporte aéreo), doença cardíaca,
choque e perda sanguínea.
2.2 Hipotermia
Para cada 305 metros de altitude há a redução em 2 ºC até valores próximos a 55 ºC
negativos. A temperatura externa baixa diminui a temperatura interna da cabine, sendo esse
efeito reduzido parcialmente pelas novas tecnologias30.

140 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


O paciente habitualmente encontra-se num espaço restrito do leito e com cintos de se-
gurança afivelados, o que limita sua locomoção e capacidade de produzir calor. No caso de
pacientes sedados e inconscientes, estes podem não ter habilidade para responder às altera-
ções externas, podendo tornar-se hipotérmicos mais rapidamente.
A queda da temperatura pode ser determinante da diminuição da consciência, que pode
ser causada por diversos outros fatores, incluindo hipoxemia, diminuição do volume san-
guíneo circulante etc. O ambiente do transporte possui limitações e, por vezes, pode-se
tornar difícil o diagnóstico diferencial da causa da redução da consciência. A hipotermia
ainda pode causar tremores, e estes poderão dificultar a monitorização do paciente30. Assim,
minimizar a área de exposição do paciente e mantê-lo coberto e aquecido, além de utilizar
soluções intravenosas aquecidas para a hidratação, podem ser medidas eficazes contra a hi-
potermia e suas consequências30.
2.3 Desidratação
A queda da umidade do ambiente também ocorre com o ganho de altitude. Essa perda
de umidade é aumentada em aeronaves pressurizadas. Pacientes desidratados ou em risco
de desidratação acabam com redução mais acentuada do volume sanguíneo circulante. O
ar seco ainda se torna danoso ao epitélio respiratório, o que diminui a função das células
ciliadas e as secreções mucosas do trato respiratório e aumenta a incidência de infecções.
Promover a adequada hidratação do paciente antes do voo torna-se uma medida pertinente
para minimizar os efeitos da desidratação. A adição de umidificadores aos sistemas de for-
necimento de oxigênio também poderá ser uma medida de prevenção31.
2.4 O ambiente de cabine e a influência sobre o paciente transportado
Nas aeronaves comerciais e na maioria das aeronaves utilizadas no transporte aeromé-
dico (aeronaves do tipo asa fixa - aviões), a solução contra os efeitos da altitude foi o desen-
volvimento das cabines pressurizadas, que visa manter o ambiente interno da cabine com
características pressóricas mais próximas da pressão barométrica ao nível do mar.
Pode-se dizer “altitude de cabine” aquela equivalente à pressão barométrica obtida com
a pressurização. Essa pressão, entretanto, pode não ser igual à do nível do mar. De um modo
geral, tenta-se chegar a uma altitude de cabine de, no máximo, 8 mil pés, equivalentes a
2.400 metros16. Essa altitude é bem tolerada por indivíduos fisiologicamente normais em
repouso. Porém, pode representar problemas para um cardiopata, pneumopata ou alguém
com reserva fisiológica/funcional limitada, que, em realidade, já pode estar utilizando me-
canismos compensatórios ao nível do mar. Mesmo a discreta elevação pode ser suficiente
para a descompensação clínica ou exacerbação da doença16.
Deve-se também prever o impacto da perda súbita de pressurização de uma aeronave,
seja por problemas mecânicos, seja pela perda de integridade da fuselagem. Assim, a tendên-
cia à equalização das pressões interna e externa da aeronave determinaria uma rápida queda
na pressão atmosférica com consequente hipóxia. Nesse contexto, aplica-se o conceito do
“tempo de consciência útil”. São oferecidas máscaras de liberação automática, que proveem
oxigênio gerado (e não armazenado) por cerca de 10 minutos, tempo suficiente para que o
piloto desça para uma altitude segura, em torno dos 10. pés.

Transporte aeromédico do paciente crítico | 141


Outra característica importante a assinalar é a umidade do ar de cabine. O ar seco das grandes
altitudes é absorvido pelas turbinas e redistribuído dentro da aeronave, após passar por um re-
lativo resfriamento. Embora passível de causar desconforto por ressecamento de mucosas, com
sintomas de sede, irritação ocular e nasal, não parece haver desidratação central, não ocorrendo
aumento significativo das perdas insensíveis. Entretanto, a utilização em voo de medicamentos
capazes de aumentar a diurese e a perda hídrica pode potencializar esse efeito. Assim, os pacien-
tes transportados portadores de bronquite podem ter seu quadro agravado pelo ressecamento
de secreções respiratórias, com consequente dificuldade de expectoração.
Estudos demonstram que a pressão na cabine da aeronave influencia diretamente a venti-
lação mecânica nos pacientes entubados. Assim, percebe-se que o volume corrente ofertado
habitualmente é maior do que o selecionado nos aparelhos, por conta do relativo hipobaris-
mo dentro da cabine. Isso se evidencia principalmente na fase de subida do voo32 . Contudo,
a variação do volume apresentada dentro da cabine não tem relação direta com a Lei de
Boyle-Mariotte. Essa modificação do volume corrente efetivo pode ser fator de piora clínica
do doente crítico transportado32, 33.
Devemos ter em mente que o aparelho de ventilação mecânica ideal para transporte ae-
romédico é diferente do usado em emergências ou UTI, pois o primeiro deverá ajustar o
volume corrente, levando em consideração a diferença de pressão do ambiente e evitando
fornecer volumes correntes aumentados. Isso é um fator atenuante na incidência de lesão
pulmonar associada à ventilação mecânica32,33.
A insuflação do balonete do tubo traqueal também é mérito de atenção. Pela Lei de Boyle
(P1. V1 = P2 . V2), o volume de um gás é inversamente proporcional a sua pressão quando man-
tida a temperatura constante. Isso poderá ser deletério por causa do aumento inadvertido do
volume do balonete, gerando isquemia de mucosa traqueal no período que o paciente estiver
em grandes altitudes. Assim, preconiza-se o uso de líquidos na insuflação do balonete34.
A altitude e, por conseguinte, a menor pressão de cabine ainda terão impacto sobre o
fluxo de oxigênio oferecido pelos cilindros dentro da aeronave em transporte. Dessa forma,
torna-se necessário o cálculo da reserva de oxigênio que se levará em cada viagem, pois o
fluxo real liberado pelos cilindros é maior proporcionalmente à altitude apresentada, o que
poderá surpreender a tripulação com maior gasto de oxigênio. Na Tabela 2 podemos perce-
ber essa relação do fluxo de oxigênio liberado pelos cilindros em cada altitude31.
Tabela II - Relação do fluxo de oxigênio liberado pelos cilindros em cada altitude
Efeito da altitude sobre o fluxo de liberação de oxigênio dos cilindros
Fluxo de Oxigênio por altitude
Fluxo de oxigênio no 2.000 pés 5.000 pés 8.000 pés
medidor (litros/Minuto) (610 metros) (1.500 metros) (2.440 metros)
2 2,1 2,4 2,6
4 4,2 4,7 5,3
6 6,3 7,1 7,9
8 8,4 9,4 10,6
10 10,5 11,8 13,2
12 12,6 14,1 15,8

142 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


3. Áreas de pouso e comunicação
Os aeroportos podem apresentar problemas como excesso de aeronaves no pátio, inci-
dentes locais e alterações meteorológicas, que podem interferir diretamente no pouso ou
na decolagem da aeronave aeromédica35. Assim, torna-se imperiosa a comunicação com os
serviços de controle, por equipe treinada, da caracterização do voo como aeromédico. Ter
equipes de logística que possam manter a sincronia entre os transportes terrestres e o aéreo
otimiza o transporte e diminui a chance de atrasos e intercorrências ao paciente crítico35.
O serviço de transporte aeromédico deve estar integrado ao sistema de atendimento pré-
-hospitalar e à Central de Regulação Médica de Urgências da região e deve ser considerado
sempre como modalidade de suporte avançado de vida.

4. Ruídos, vibrações e náuseas


As aeronaves habitualmente são grandes produtoras de ruídos, o que dificulta a avaliação
clínica, incluindo auscultas cardíaca, respiratória e abdominal. Assim, a avaliação clínica
antes e depois do voo torna-se necessária para a comparação e detecção de alterações não
observadas durante o voo em função de ruídos e interferências.
A comunicação entre a cabine de comando e a tripulação habitualmente é feita por fones,
em aeronaves de asas rotativas, e já existem monitores que acoplam o áudio dos monitores
(incluindo alarmes) aos fones da equipe médica. Dependendo do estado clínico, o paciente
poderá receber um tampão auricular ou até mesmo o fone para se comunicar com a equipe
e evitar lesões auditivas durante o transporte.
A atividade cinética dos motores geralmente promove algum grau de vibração nas estrutu-
ras da aeronave, pequeno ou sutil, que pode interferir na monitorização dos pacientes e gerar
erros em aferições de pressão arterial, oximetria etc. Deve-se levar em conta, ainda, que o mo-
vimento da aeronave poderá levar ao aumento da incidência de náuseas e vômitos, e a equipe
deve atentar para isso na hora do diagnóstico diferencial e da abordagem terapêutica35.

5. Pneumotórax, pneumoencéfalo e ar intraocular


Pacientes com algum tipo de gás aprisionado de forma patológica em cavidades do corpo
podem ter consequências deletérias durante o transporte aeromédico. Pneumotórax de
pequena extensão pode se tornar um problema com a diminuição da pressão de cabine. Pa-
cientes com deterioração do estado clínico, com pneumotórax médio ou de grande extensão
deverão ter o respectivo hemitórax drenado, preferencialmente utilizando-se drenos com
válvulas unidirecionais, e deve-se evitar o dreno do tipo selo d’água por questões logísticas,
tamanho, adequação ao local de transporte e complicações com o uso durante voos36.
Pacientes com evidência de pneumoencéfalo ou ar intraocular (habitualmente pós-
-operatório de neurocirurgias ou alguns tipos de cirurgia oftalmológica) devem ter seu
quadro neurológico revisado frequentemente, além de receber avaliação oftalmológica
pelo risco de aumento das bolhas, que podem levar a lesões cerebrais e oculares. Assim,
deve-se prezar por voos em baixas altitudes e com menor tempo possível. Há relatos na
literatura de agravos, porém são infrequentes. Devemos levar em conta os risco teórico e
o risco em potencial 34,36,37.

Transporte aeromédico do paciente crítico | 143


6. Segurança e contraindicações
Para a segurança adequada no transporte de pacientes, devemos considerar se a equipe
multidisciplinar responsável sabe quando e como realizá-lo. Deve haver indicação para o
deslocamento e, principalmente, planejamento para sua realização. Para assegurar a integri-
dade do paciente, evitando o agravamento de seu quadro clínico, treinamento adequado e
rotina operacional da equipe envolvida são imperativos.
O Conselho Federal de Medicina, por meio da Resolução nº 1.672, de 9 de julho de 2003,
dispõe sobre o transporte inter-hospitalar de pacientes e dá outras providências, normati-
zando as condutas de transporte com segurança (Apêndice 1)38.
São consideradas contraindicações gerais para o transporte de pacientes ou sua perma-
nência no setor de destino pelo tempo necessário: incapacidade de manter oxigenação e
ventilação adequadas; de manter desempenho hemodinâmico; de monitorar o estado car-
diorrespiratório; de controlar a via aérea e número insuficiente de profissionais treinados
para manter as condições descritas anteriormente (médico, enfermeira etc.).
Os tripulantes devem preservar os mesmos cuidados de segurança que existem em um
voo convencional. As checagens ou os briefings realizados pelos pilotos devem ser mantidas;
o conhecimento das instruções para uso de material de emergência da aeronave (para inci-
dentes com a aeronave) deve ser dominado pelos tripulantes35.
As reservas de oxigênio devem ser checadas de acordo com a estimativa de uso prevista
para o paciente em voo, além da estimada para toda a tripulação, caso ocorra algum impre-
visto ou intercorrência, como despressurização súbita da aeronave em voo. Assim, a equipe
médica deve ter ciência da reserva de oxigênio e a relação com o tempo previsto de viagem
até o destino, levando em consideração possíveis imprevistos.
Singh e col39 analisaram a casuística de transportes aeromédicos do Canadá durante dois
anos e constataram que a incidência de eventos críticos ocorridos foi de 5,1%, do total de
19.228 voos, sendo um evento para cada 12,6 horas de tempo de transporte. Foram obser-
vados eventos como novo episódio de hipotensão ou manuseio das vias aéreas. Os fatores
de risco independentes identificados foram: pacientes femininas; ventilação assistida antes
do transporte; instabilidade hemodinâmica antes do transporte; transporte em aeronave de
asa fixa; aumento no tempo de transporte e tipo de tripulação.
O transporte de familiares a bordo deverá ocorrer preferencialmente quando forem pa-
cientes pediátricos ou de acordo com a equipe aeromédica. Deve-se levar em consideração
o fato de o acompanhante ajustar-se ao transporte e estar ciente do que poderá ocorrer du-
rante o voo, inclusive procedimentos emergenciais.

7. Indicações do transporte aeromédico


As indicações, o tipo de transporte, a distância entre a origem e o destino e a acessibilida-
de são alguns dos determinantes da escolha do tipo de aeronave para efetuar o transporte.
É indicado o transporte aeromédico em aeronaves de asa rotativa quando a gravidade do
quadro clínico do paciente exigir intervenção rápida e as condições de trânsito tornarem o
transporte terrestre muito demorado. As aeronaves de asa fixa são preferidas para percorrer
grandes distâncias em um intervalo de tempo aceitável, diante das condições clínicas do pa-

144 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


ciente. A utilização desse tipo de transporte deve seguir as normas e legislações específicas
vigentes, oriundas do Comando da Aeronáutica, por meio da Agência Nacional de Aviação
Civil (ANAC).
Os critérios logísticos de escolha do meio de transporte aéreo mais eficaz para o caso
atenderão às particularidades do atendimento, levando em conta 36: alcance; comunicação
durante o transporte; condições meteorológicas; custo; disponibilidade da ambulância;
equipamento e material; espaço da cabine; exigências de treinamento de pessoal; exigências
especiais para o transporte; resposta a desastres; segurança no transporte; tempo de respos-
ta e triagem clínica do caso (observando a doença, a evolução clínica e o custo-benefício do
transporte em cada atendimento). Sand e cols. 3 observaram como as principais indicações
clínicas para o transporte aeromédico fratura de fêmur, acidente vascular cerebral e infarto
agudo do miocárdio. Na Tabela 3, estão expostos os principais critérios para a indicação do
transporte aeromédico5.
Tabela III - Principais critérios para a indicação do transporte aeromédico
CRITÉRIOS PARA EVACUAÇÃO AEROMÉDICA (EVAM)
INDICAÇÕES:
• Tempo de chegada da ambulância terrestre superior a quinze minutos para casos graves
• Diferença de tempo terrestre/aéreo para transporte superior a 15 minutos para casos graves
• Indisponibilidade de transporte terrestre
• Acesso terrestre difícil ou impossível (montanhas, ilhas etc.)
CRITÉRIOS CLÍNICOS:
• Pressão arterial sistólica inferior a 90 mmHg
• Frequência respiratória inferior a dez por minuto ou superior a trinta e cinco incursões por
minuto
• Sinais de instabilidade hemodinâmica
• Quadro clínico grave que se beneficie de intervenção médica precoce (infarto agudo do
miocárdio, ataque cerebral e abdome agudo)
• Alteração aguda de nível de consciência
• Lesão com risco de perda funcional de extremidade
CRITÉRIOS NO TRAUMA:
• Escala de trauma inferior a 12
• Escala de coma de Glasgow inferior a 10
• trauma penetrante (crânio, tórax, abdome)
• Fratura de pelve ou fêmur bilateral
• Queimadura por inalação
• Trauma facial e/ou ocular grave

8. Equipe
Para efeito da atividade médica e de enfermagem envolvida no atendimento e no
transporte aéreo de pacientes, consideram-se os profissionais implicados como “tripu-
lantes aeromédicos”, portanto, submetidos à legislação avulsa e ao Código Aeronáutico
Brasileiro, devendo ter aptidão física específica para essa operação, que terá que ser ates-
tada periodicamente pelo Centro de Medicina Aeroespacial (CEMAL) do Comando da
Aeronáutica. São obrigatórios habilitação mínima em emergência pré-hospitalar, noções
básicas de fisiologia de voo e noções de aeronáutica e segurança de voo, incluindo ainda
aeronavegabilidade, escape de aeronaves e sobrevivência, sendo recomendável habilitação

Transporte aeromédico do paciente crítico | 145


em medicina aeroespacial. Além da equipe de saúde, ainda fazem parte da equipe os pilo-
tos e copilotos presentes nas aeronaves.
Van Hoving e col40 compararam o tempo de transporte entre as remoções realizadas
por terra e pelo ar. Foi observado que havia grande diferença no tempo gasto quando as
equipes possuíam treinamento e habilitação e realizavam trabalho conjunto, tanto em
terra quanto pelo ar. Isso reforça a necessidade de habilitação e experiência na execução
do transporte 41,42 .

9. Aeronaves
A aeronave de transporte aeromédico e seus equipamentos de suporte de vida devem ser
homologados para tal. Aquelas utilizadas no transporte aeromédico no Brasil são do tipo E,
ou seja, aeronave de asa fixa ou rotativa usada para transporte inter-hospitalar de pacientes e
aeronave de asa rotativa para ações de resgate, dotada de equipamento médico homologado
pela ANAC. É sempre considerada viatura de suporte avançado. A tripulação dessas aero-
naves são compostas por piloto, um médico e um enfermeiro (a presença de um médico é
obrigatória para caracterizar o transporte aeromédico, considerando a equipe de saúde); um
socorrista pode ser associado, se necessário.
As aeronaves de asa fixa (aviões, Figura 1) são utilizadas para o transporte inter-hospi-
talar de longa distância (a partir de 400 quilômetros). O transporte necessita planejamento
prévio e agendamento. Como vantagens, observa-se menor custo, maior espaço interno,
pressurização da cabine, conforto, possibilidade de haver acompanhantes e equipe multi-
disciplinar, além de o treinamento do tripulante operacional ser simples.

Fig. 1 - Interior de aeronave aeromédica asa


fixa (avião)
As aeronaves de asa rotativa (helicópteros, Figura 2) são utilizadas para distâncias de
até 400 quilômetros. Têm como vantagens principais a mobilidade, o pronto emprego e a
possibilidade de pouso em lugares restritos (dificuldades topográficas no local). Suas des-
vantagens: espaço reduzido e capacidade limitada, ruído e vibração, menor autonomia de
voo, ausência de pressurização, treinamento complexo dos tripulantes (multitarefa). Devem
ser utilizadas para transporte inter-hospitalar próximo (oxigênio limitado) e o equipamento
e material devem ser específicos para cada missão.

146 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Fig. 2 - Interior de aeronave asa
móvel (helicóptero)

10. Equipamento
As condições e regras mínimas são previstas na legislação brasileira pela Portaria
do Ministério da Saúde nº 2.048/GM, de novembro de 2002. Assim como nessa por-
taria, existem diversos relatos na literatura internacional que instituem condições e
enumeram equipamento e medicamento para se realizar um transporte inter-hospitalar
com segurança. Os requisitos mínimos do equipamento estão listados na Tabela 4, e o
equipamento mínimo recomendado para a realização do transporte aeromédico está
contido na Tabela 5 4,43 .
Tabela IV - Requisitos do equipamento médico para alocação no transporte aeromédico
Requisitos dos Equipamentos Médicos para realização do transporte aeromédico:

• Isolamento elétrico

• Tamanho compacto

• Peso compatível com a função

• Manuseio aeronáutico simplificado

• Material atóxico e inodoro

• Display de alto contraste

• Suporte de fixação na aeronave

• Mínima ou nula interferência por artefatos

• Não produzir calor em funcionamento

• Não sofrer (ou sofrer mínima) influência barométrica

Transporte aeromédico do paciente crítico | 147


Tabela V - Equipamento mínimo recomendado para a realização do transporte aeromé-
dico sugerido por portaria do Ministério da Saúde
Equipamentos mínimos recomendados para o transporte aeromédico:
• Equipamentos para acesso à via aérea adulto e pediátrico
• Sistema balão-válvula-máscara com reservatório de O2 adulto e pediátrico
• Jogo completo de laringoscópio com lâminas de todos os tamanhos
• Guia para intubação adulto e pediátrico
• Pinça de Magill adulto e pediátrico
• Cânulas endotraqueais de todos os tamanhos
• Baterias extras para laringoscópio
• Cânulas oro e nasofaríngeas de tamanhos diversos
• Kit para cricotireoidostomia
• Aspirador
• Cateteres para aspiração
• Cilindro de oxigênio
• Válvula de PEEP
• Fita adesiva
• Nebulizador para medicações
• Algodão embebido em álcool
• Suportes para braços (adulto e pediátrico)
• Comunicadores
• Glicosímetro
• Monitor / desfibrilador (preferencialmente com transdutor de pressão)
• Oxímetro de pulso
• Capnógrafo
• Eletrodos para ECG
• Gel ou pás eletrolíticas para desfibrilador
• Manguitos de pressão de diversos tamanhos
• Lâmpada de emergência
• Válvula para drenagem torácica (Heimlich)
• Bombas de infusão
• Equipos de soro macro e microgotas
• Torneiras de três vias, extensões para equipos
• Cateteres intravenosos 14G a 24G
• Soluções intravenosas: salina SF 0,9%, Ringer lactato e glicose 5%
• Seringa de irrigação (60 ml)
• Linha arterial
• Agulha para punção intraóssea
• Pinça Kelly
• Hemostáticos
• Agulhas e seringas hipodérmicas de tamanhos diversos
• Bolsas pressurizadas para administração de fluidos
• Sondas nasogástricas de tamanhos variados
• Talas de imobilização para membros superiores e inferiores
• Estetoscópio
• Compressas cirúrgicas e bandagens
• Lubrificante hidrossolúvel
• Garrotes para venopunção
• Tesoura cirúrgica
• Marcapasso transcutâneo
• Incubadora pediátrica / neonatal
• Colares cervicais de diversos tamanhos
• Ventilador de transporte

148 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


11. Conclusão
O transporte aeromédico de pacientes deve ocorrer de forma organizada, segundo nor-
mas e regulamentos, associado à integração da rede de saúde. Considerando que a rede
de atendimento de alta complexidade não é estruturada e distribuída em todo o território
brasileiro, a necessidade de serviços de transporte aeromédico torna-se imperiosa, tanto
no que se refere ao atendimento pré-hospitalar quanto no transporte inter-hospitalar.
A demanda pelo transporte aeromédico está em franco crescimento. O uso de medidas
custo-efetivas apropriadas para a escolha e determinação do tipo de transporte estará na
dependência de indicadores epidemiológicos, portanto, a realização de estudos com dados
nacionais norteará a evolução desse serviço.
O investimento em treinamento das equipes que fazem esse tipo de transporte é impor-
tante para se obter a resposta adequada ao objetivo traçado. A observância dos critérios para
criação e funcionamento desse serviço pode facilitar o atendimento de pacientes enfermos em
áreas isoladas ou sem estrutura adequada para a complexidade exigida pelo quadro clínico
de cada enfermo. Isso permite menor tempo para o atendimento e a liberação da equipe de
socorristas/equipe de transporte aeromédico e melhor manuseio da distribuição de pacientes,
o que evitará a sobrecarga na rede de emergência por causa da adequada distribuição e do
encaminhamento dos pacientes aos serviços preparados para o atendimento especializado.

12. Apêndice 1
O Conselho Federal de Medicina, por meio da Resolução CFM nº 1.672/03, de 9 de
julho de 2003, dispõe sobre o transporte inter-hospitalar de pacientes e dá outras providên-
cias, normatizando as condutas de transporte com segurança.
“Art. 1º – Que o sistema de transporte inter-hospitalar de pacientes deverá ser efetuado
conforme o abaixo estabelecido:
I – O hospital previamente estabelecido como referência não pode negar atendimento
aos casos que se enquadrem em sua capacidade de resolução.
II – Pacientes com risco de vida não podem ser removidos sem a prévia realização de
diagnóstico médico, com obrigatória avaliação e atendimento básico respiratório e hemodi-
nâmico, além da realização de outras medidas urgentes e específicas para cada caso.
III – Pacientes graves ou de risco devem ser removidos acompanhados de equipe com-
posta por tripulação mínima de um médico, um profissional de enfermagem e motorista,
em ambulância de suporte avançado. Nas situações em que seja tecnicamente impossível o
cumprimento dessa norma, deve ser avaliado o risco potencial do transporte em relação à
permanência do paciente no local de origem.
IV – Antes de decidir a remoção do paciente, faz-se necessário realizar contato com o mé-
dico receptor ou diretor técnico no hospital de destino, e ter a concordância do(s) mesmo(s).
V – Todas as ocorrências inerentes à transferência devem ser registradas no prontuário
de origem.
VI – Todo paciente removido deve ser acompanhado por relatório completo, legível e
assinado (com o número do CRM), que passará a integrar o prontuário no destino. Quando
do recebimento, o relatório deve ser também assinado pelo médico receptor.

Transporte aeromédico do paciente crítico | 149


VII – Para o transporte, faz-se necessária a obtenção de consentimento após esclareci-
mento, por escrito, assinado pelo paciente ou seu responsável legal. Isso pode ser dispensado
quando houver risco de morte e impossibilidade de localização do(s) responsável(is). Nessa
circunstância, o médico solicitante pode autorizar o transporte, documentando devidamen-
te tal fato no prontuário.
VIII – A responsabilidade inicial da remoção é do médico transferente, assistente ou
substituto, até que o paciente seja efetivamente recebido pelo médico receptor.
a) a responsabilidade para o transporte, quando realizado por ambulância do tipo D, E
ou F, é do médico da ambulância, até sua chegada ao local de destino e efetiva recepção por
outro médico.
b) as providências administrativas e operacionais para o transporte não são de responsa-
bilidade médica.
IX – O transporte de paciente neonatal deverá ser realizado em ambulância do tipo D,
aeronave ou nave contendo:
a) incubadora de transporte de recém-nascido com bateria e ligação à tomada do veículo
(12 volts), suporte em seu próprio pedestal para cilindro de oxigênio e ar comprimido, con-
trole de temperatura com alarme. A incubadora deve estar apoiada sobre carros com rodas
devidamente fixadas quando dentro da ambulância;
b) respirador de transporte neonatal;
c) nos demais itens, deve conter a mesma aparelhagem e medicamentos de suporte avan-
çado, com os tamanhos e especificações adequadas ao uso neonatal.”

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152 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Capítulo 10

Manejo da coagulação
sanguínea no
transplante hepático
Bruno Salomé de Morais
Rodrigo Perreira Diaz André
Francisco Ricardo Marques Lobo
Manejo da coagulação sanguínea no transplante hepático
O transplante hepático (TH) é uma cirurgia complexa, em paciente com alterações
orgânicas multissistêmicas e pequena reserva funcional. O manejo da coagulação é com-
plexo nesses pacientes. Para tal, é necessário o adequado conhecimento da fisiologia da
coagulação e as alterações na hepatopatia, a compreensão da monitorização da coagulação
sanguínea, bem como indicações da utilização de hemocomponentes, hemoderivados e
outros fármacos.

1. Fisiologia da coagulação
A hemostasia é um processo bioquímico e celular que interrompe a perda de sangue
a partir de uma lesão vascular, mantém a fluidez sanguínea intravascular e restabelece o
fluxo dos vasos trombosados após a lesão. A hemostasia consiste em ativação plaquetária e
formação de rede de fibrina sobre uma superfície fosfolipídica e modulada por anticoagu-
lantes naturais e um sistema fibrinolítico. Esse mecanismo ocorre com a participação dos
fatores da coagulação, do endotélio e, principalmente, das plaquetas. Qualquer alteração
da coagulação estimula resposta inflamatória e qualquer resposta inflamatória estimula a
coagulação. Esse extenso intercâmbio entre coagulação e inflamação envolve sinalização
mediada por receptores celulares e produção de citocinas, por meio de endotélio, leucócitos
e plaquetas. Embora o processo seja dinâmico, didaticamente, a hemostasia consiste em três
fases: hemostasia primária, hemostasia secundária (coagulação) e fibrinólise1.
1.1 Hemostasia primária
Sob condições fisiológicas, as plaquetas circulam preferencialmente próximas da parede
vascular. Entretanto, elas não interagem com as células endoteliais, as quais oferecem resis-
tência natural à trombose. Quando há lesão endotelial, a matriz subendotelial fica exposta,
expondo assim algumas moléculas específicas denominadas fator tecidual (FT). Nesse mo-
mento, se desencadeia uma série de reações coordenadas para interromper o processo de
agressão. As plaquetas desempenham o papel principal nesse processo e vários substratos
podem mediar sua adesão à parede vascular lesada (hemostasia primária)2 .
A hemostasia primária leva à formação de um tampão plaquetário friável que, temporaria-
mente, interrompe o sangramento no local da lesão vascular. A coagulação reforça esse tampão,
transformando-o em uma fina rede de fibrina. Após a reparação tecidual, há a lise do coágulo
por um processo chamado fibrinólise, restaurando-se, assim, o fluxo sanguíneo no vaso.
Quando ocorre lesão endotelial vascular, mecânica ou bioquímica, verifica-se exposição
do colágeno e de outras proteínas do subendotélio às plaquetas circulantes. Esse contato ini-
cia o processo de ativação plaquetária, que inclui: a) adesão das plaquetas ao subendotélio;
b) mudança na forma da plaqueta; c) liberação de conteúdo dos grânulos citoplasmáticos da
plaqueta; d) aparecimento de uma nova superfície fosfolipídica, necessária para as reações
da coagulação dependentes de superfície; e) agregação plaqueta com plaqueta 3.
As plaquetas aderem ao colágeno por meio da ligação do fator de von Willebrand
(FvW) ao receptor glicoproteico (GP) GPIb. O conteúdo expulso dos grânulos plaque-

154 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


tários, incluindo o trifosfato de adenosina (ADP), atua como mensageiro para a atração
de mais plaquetas, permitindo, assim, a expansão do tampão. A superfície fosfolipídica
plaquetária continua a ativação, sintetizando o tromboxano A2 (TxA2), que causa a libe-
ração adicional de ADP e produz vasoconstrição local, gerando, dessa forma, desvios de
fluxo sanguíneo para longe do vaso lesado. Finalmente, a massa plaquetária é estabilizada
por “pontes” de fibrinogênio, ou FvW, que ligam as plaquetas entre si, por meio dos recep-
tores GPIIb/IIIa (Figura 1).

Fig. 1 - Adesão e agregação plaquetária


FvW = fator de von Willebrand; GP 1b = receptor glicoproteico 1b; GPIIb/IIIa = receptor glicoproteico
IIb/IIIa.

1.2 Hemostasia secundária (coagulação)


Durante essa fase, há ativação plaquetária e formação da rede de fibrina, a partir da ati-
vação dos fatores da coagulação. Esses dois sistemas (plaquetas e fatores da coagulação) são
complementares e interligados4. A teoria clássica de vias intrínseca e extrínseca, embora
úteis para o entendimento dos testes de coagulação, tem sido sobrepujada pelo modelo celu-
lar, que descreve melhor o processo de coagulação e sua interação in vivo com as plaquetas.
O modelo celular1, também didático, é mais complexo e envolve as seguintes etapas: ini-
ciação, amplificação, propagação e estabilização (Figura 2).

Fig. 2 - Modelo atual da


coagulação

Manejo da coagulação sanguínea no transplante hepático | 155


O processo da coagulação in vivo é iniciado por: a) fase de iniciação - ligação do fator
VIIa circulante com o FT expresso pela célula endotelial, formando o complexo VIIa+FT,
que ativa os fatores IX e X; b) fase de amplificação - quando a pequena quantidade de
trombina formada origina alças de feedback, ativando fatores V, VIII e IX; c) fase de pro-
pagação - contínua produção de trombina; d) fase de estabilização - formação da fibrina,
cross-linking dos monômeros de fibrina pelo fator XIIIa e máxima produção de trombina.
a) Iniciação: a coagulação sanguínea é iniciada quando o FT é expresso principalmen-
te pelas células endoteliais e pelos monócitos. A expressão do FT é iniciada ou por lesão
vascular ou por ativação endotelial, a partir de substâncias químicas, citocinas ou mesmo
processo inflamatório. O FT expressado liga-se ao fator VIIa (circulando em quantidades
diminutas), formando um complexo FT-VIIa, o qual ativa o fator IX em IXa e o fator X em
Xa. O FXa liga-se rapidamente ao fator II, produzindo pequena quantidade de trombina
(FIIa). Em uma reação muito mais lenta, o FIXa ativa o FX em FXa. Considera-se que, na
maioria das vezes, o processo de coagulação inicia-se dessa forma, embora ainda restem
dúvidas sobre a verdadeira função do sistema de contato (ativação do fator XII)5.
b) Amplificação: a pequena quantidade de trombina formada até esse estágio é insufi-
ciente para transformar o fibrinogênio em fibrina; para essa finalidade, há a necessidade de
feedback de amplificação na produção de trombina. Primeiro, a produção do FVIIa é aumen-
tada pelo próprio complexo FT-VIIa-IXa-Xa produzido na iniciação. Com o aumento na
produção de trombina, esta ativa os cofatores não enzimáticos FV e FVIII. O FVIII acelera
a ativação do FX pelo FIXa e o cofator FV acelera a ativação do FII pelo FXa. Trombina
também ativa FXI em FXIa, aumentando a produção de FIXa.
c) Propagação: para manter a contínua produção de trombina, garantindo, assim, a
formação de coágulo, são produzidos grandes quantidades de FXa pelo complexo tenase
(FIXa/FVIIIa) e de FIIa pelo complexo protrombinase (FXa/FVa).
d) Estabilização: a máxima produção de trombina ocorre após a formação dos monôme-
ros de fibrina. Somente no máximo de produção é que a trombina ativa o FXIII. O FXIIIa
liga os monômeros de fibrina solúveis, transformando-os numa rede de fibrina insolúvel. Ao
final desse processo, a trombina ativa o TAFI (inibidor da fibrinólise ativado pela trombina),
impedindo a destruição prematura do trombo originado.
Para evitar que a produção de trombina escape do controle, a fase de iniciação é controla-
da pelo TFPI (via inibitória do fator tecidual), cujos alvos principais são o FXa e o complexo
FT/FVIIa/FXa, enquanto as fases de amplificação e propagação são controladas principal-
mente pela ação da AT (antitrombina)6. Assim, a combinação de TFPI com AT e TFPI com
proteína C atua sinergicamente para limitar a produção de trombina1.

1.3 Fibrinólise
O sistema fibrinolítico remove o excesso de fibrina intravascular, restaurando o fluxo
sanguíneo. A fibrinólise é iniciada pelos ativadores do plasminogênio, que convertem o
plasminogênio em plasmina. A plasmina degrada fibrina em produtos da degradação da
fibrina (PDF). Se a produção dos PDFs exceder a taxa de eliminação produzida pelo fígado,
pelos rins ou pelo sistema reticuloendotelial, os PDFs se acumulam no sangue e, com isso,

156 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


inativam os fatores Va e VIIIa, amplificam sua própria formação, interrompem a função
plaquetária e impedem o cross-linking dos filamentos de fibrina necessários para converter
coágulo de fibrina solúvel em coágulo de fibrina insolúvel. O plasminogênio mantém em sua
estrutura um sítio específico de lisina (lysine-binding), que modula a ligação do plasminogê-
nio à fibrina e, com isso, desempenha importante papel na regulação da fibrinólise 7.
A regulação e o controle do sistema fibrinolítico são mediados por interações molecula-
res específicas entre seus principais componentes e pela liberação dos ativadores/inibidores
do plasminogênio pelas células endoteliais (Figura 3).

Fig. 3 - O sistema fibrinolítico


t-PA = ativador do plasminogênio
tecidual; u-PA = ativador
do plasminogênio do tipo
uroquinase; PA-1 = inibidor do
ativador do plasminogênio do
tipo-1; HMWK = cininogênio de
alto peso molecular.

Há dois ativadores do plasminogênio no sangue: ativador do plasminogênio tipo-te-


cidual (t-PA) e ativador do plasminogênio tipo-uroquinase (u-PA). O t-PA é produzido e
secretado pelo endotélio e está envolvido primariamente na dissolução da rede de fibrina
na circulação. O u-PA, encontrado em maiores quantidades na próstata, liga-se a receptores
específicos das células, aumentando a ativação do fibrinogênio nesses locais; assim, sua fun-
ção primária parece ser a reparação e a remodelação tecidual8.
O sistema fibrinolítico pode ser inibido por duas moléculas. Uma é o inibidor do ativador
do plasminogênio do tipo-1 (PAI-1), que bloqueia t-PA e u-PA; a outra é a a2-antiplasmina,
inibidora da plasmina. A a2-antiplasmina inativa a plasmina circulante, chamada de “livre”,
mas tem pouca ação sobre a plasmina ligada à rede de fibrina; assim, a fibrinólise ocorre
apesar dos níveis plasmáticos fisiológicos desse inibidor.

2. Alterações da coagulação na hepatopatia


Entre as inúmeras outras funções, o fígado está implicado na coagulação sanguínea,
envolvendo hemostasia primária, secundária e fibrinólise. Excetuando-se o fator VIII, o ati-
vador de plasminogênio tecidual (tPA) e o inibidor de plasminogênio, o fígado é o principal
sítio de síntese de fatores pró-coagulantes e anticoagulantes9.
O equilíbrio hemostático na doença hepática é muito complexo e pode variar de sangra-
mento importante a complicações trombóticas10 (Tabela 1).

Manejo da coagulação sanguínea no transplante hepático | 157


Tabela I - Anormalidades hemostáticas associadas à doença hepática
Tendência à hemorragia Tendência à trombose
Plaquetopenia Elevação de FVIII e FvW
Piora da função plaquetária Diminuição de antitrombina, Pc, Ps
Inibição de plaquetas por óxido nítrico e PGI2 Macroglobulina
Diminuição de fatores II, V, VII, IX, X e XI Elevação de heparina cofator II
Anormalidades no fibrinogênio Diminuição de plasminogênio
Aumento de t-PA
FvW = fator Von Willebrand; Pc = proteína C; Os = proteína S; TAFI = inibidor fibrinólise ativada por
trombina; t-PA = ativador do plasminogênio do tipo tecidual.

Entre inúmeras alterações na coagulação presentes na hepatopatia, destacam-se: trom-


bocitopenia; disfunção plaquetária; redução na produção de fatores da coagulação; hiperfi-
brinólise; estado pró-coagulante; coagulação intravascular disseminada (CIVD).
A doença hepática afeta todas as fases da coagulação, em apresentações variáveis11. A fase
vascular é afetada pela vasodilatação, desenvolvimento de circulação colateral, redução na va-
soconstrição vascular responsiva ao sangramento e alterações na elasticidade, além da redução
da interação entre as paredes dos vasos e as plaquetas12. A fase plaquetária também é signi-
ficativamente afetada nos cirróticos. Trombocitopenia é observada em até 70%13 dos casos,
sendo causada por esplenomegalia, redução na sobrevida das plaquetas, consumo aumentado,
sequestro pelo fígado em regeneração, deficiência de ácido fólico no etilismo e efeitos tóxicos
do álcool sobre os megacariócitos. Disfunção plaquetária também pode ser revelada por pro-
longamento do tempo de sangramento, na vigência de contagem plaquetária normal.
O sistema de coagulação está afetado em todos os níveis, uma vez que a maioria das
proteínas envolvidas na coagulação está acometida.
O fator VII é o primeiro a ter seus níveis diminuídos, por ter meia-vida curta (4-6 horas).
Entretanto, embora o FVII esteja sensivelmente diminuído, ainda há nível suficiente para
hemostasia efetiva, já que sua função é indução da hemostasia secundária. Depois, dimi-
nuem-se os fatores V, II, IX e X, subsequentemente14. Os fatores VIII e FvW estão elevados.
Os efeitos contrastantes dos fatores da coagulação durante lesão aguda do fígado devem-se
à liberação intensa de citocinas. Estas estimulam a expressão do fator tecidual (FT), o qual
se acopla ao F VIIa circulante e desencadeia a coagulação sanguínea. Entretanto, a trombina
gerada é inibida gradualmente pela antitrombina plasmática, ficando impossibilitada de ati-
var e consumir fatores VIII, IX, V e X. Assim, preserva-se o nível plasmático desses fatores.
Em doença crônica do fígado, os níveis plasmáticos dos anticoagulantes antitrombina,
proteína C, proteína S e alfa-2 macroglobulina estão reduzidos e os níveis plasmáticos de
plasminogênio e heparina cofator II estão elevados15.
Os níveis de fibrinogênio podem estar reduzidos, normais ou mesmo aumentados nos cir-
róticos. Os níveis de ácido siálico em excesso no interior da molécula de fibrinogênio resultam
em desfibrinogenemia e prolongam o tempo de trombina, interferindo na polimerização da
fibrina16. A polimerização da fibrina está afetada pelos níveis reduzidos de fator XIII e pela des-
fibrinogenemia. O sistema fibrinolítico também está afetado tanto pela redução das proteases
envolvidas na fibrinólise (plasminogênio, proteína C, proteína S e alfa2 antiplasmina) como

158 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


pelos níveis elevados de ativador tissular de plasminogênio (tPA) liberados pelo leito vascular
aumentado. A produção dos inibidores da fibrinólise (alfa2 antiplasmina e histidina) também
está reduzida, bem como o clearance hepático do tPA está reduzido. A ativação excessiva da
coagulação ou o acometimento do clearance hepático dos fatores de coagulação ativados pode
levar a trombose ou coagulação intravascular disseminada.
Evidências têm atentado também para o risco de trombose, sobretudo no sistema ve-
noso portal17 em pacientes portadores de mutações congênitas pró-trombóticas18. Existe
risco de oclusão vascular na região das anastomoses (veia porta e artéria hepática), além
do risco de microtromboses da circulação pulmonar por agregados de plaquetas ativados
no enxerto hepático durante a reperfusão19,20. Essas complicações frequentemente acom-
etem pacientes com riscos preexistentes de trombose, como aqueles com síndrome de
Budd-Chiari; trombose de veia porta; trombose de veias pélvicas ou de membros inferi-
ores; fator V de Leiden e deficiência de proteína C, bem como naqueles com inflamação
crônica do sistema biliar (cirrose biliar primária, colangite esclerosante) e nos portadores
de tumores malignos21,22 .
O estado pró-coagulante do cirrótico crônico explica por que esses pacientes não estão
protegidos, por exemplo, de trombose periférica, trombose venosa profunda, trombose de
veia porta e embolia pulmonar23,24.
O padrão hemostático no paciente hepatopata não deve ser considerado um quadro com
predomínio coagulante ou anticoagulante, mas um estado com capacidade reduzida de
manter o frágil equilíbrio hemostático.

3. Monitorização da coagulação
A monitorização perioperatória da coagulação é importante para diagnosticar causas
potenciais de hemorragia, guiar terapias hemostáticas e predizer o risco de sangramento
durante o curso de procedimentos cirúrgicos.
Grande variedade de testes laboratoriais convencionais (TAP/INR, TTPa, dosagem de
fibrinogênio e contagem de plaquetas) tem sido utilizada ao longo dos anos para identificar
o tipo e a gravidade do distúrbio de coagulação. Por causa da complexidade das alterações
hemostáticas presentes na insuficiência hepática, os testes convencionais da coagulação
não são capazes de exibir o equilíbrio hemostático com precisão25,26. E a capacidade desses
exames em prever sangramento intraoperatório no TH tem sido questionada 27,28. Diversos
autores demonstraram discrepância entre os testes de coagulação convencionais e sangra-
mento em cirróticos submetidos ao TH 27,29-31.
Defeitos nas funções pró-coagulantes são identificados nos testes laboratoriais usuais,
como TAP (INR), TTPa e contagem plaquetária, porém os efeitos sobre a via inibitória são
menos visíveis nesses exames. Deve-se considerar que na análise da hemostasia primária a
avaliação da contagem plaquetária não leva em consideração níveis possivelmente elevados
de fator de Von Willebrand, que é a principal proteína do sistema de adesão e pode com-
pensar a redução no número e função plaquetária 32 . A hipocoagulabilidade sugerida pelo
prolongamento do TAP e TTPa não leva em consideração possíveis reduções dos inibidores
da coagulação, como a proteína C, a proteína S e a antitrombina. De maneira similar, a sig-

Manejo da coagulação sanguínea no transplante hepático | 159


nificância do sistema fibrinolítico tem sido questionada, pois, tanto fatores pró-fibrinolíticos
quanto antifibrinolíticos podem estar alterados na cirrose33.
As principais limitações dos testes clássicos de coagulação são:
a) não detectam de maneira adequada a hiperfibrinólise;
b) podem apresentar medidas falsamente elevadas de fibrinogênio em caso de infusão
de coloides;
c) TAP e TTPa podem estar alargados no caso de hipofibrinogenemia e afibrinogenemia;
d) a contagem plaquetária isolada tem pouco significado;
e) TAP e TTPa apenas determinam a velocidade da geração da trombina, não a estabili-
dade mecânica do coágulo;
f) os resultados dos testes de coagulação realizados em um laboratório central geral-
mente não estão disponíveis em menos de 30-60 minutos.
Novos dispositivos de monitorização, denominados em conjunto de point-of-care (POC)
da coagulação, avaliam as propriedades viscoelásticas do sangue como um todo. A trombo-
elastografia (TEG ), a tromboelastometria rotacional (ROTEM) e o Sonoclot (Figura
4) podem transpor inúmeras limitações dos testes de coagulação rotineiros. O sangue é
analisado à beira do leito, reduzindo o tempo de espera. O status da coagulação é avaliado
no sangue total, permitindo interações do sistema de coagulação com hemácias e plaquetas.
O desenvolvimento do coágulo é demonstrado em tempo real e a análise da coagulação é
realizada na temperatura do paciente. Porém, diferenças precisam ser consideradas entre a
coagulação in vitro e in vivo, pois esses testes medem a coagulação em condições estáticas
(sem fluxo), em uma cubeta, e não em um vaso sanguíneo com endotélio. Dessa maneira,
os resultados obtidos com esses testes devem ser interpretados com cautela, após considera-
ções clínicas e análise do campo cirúrgico.

Fig. 4 - Testes viscoelásticos; A)


TEG (Hemoscope Corp., Niles, IL);
B) ROTEM (Pentapharm GmbH,
Munich, Germany); C) Sonoclot
(Sienco Inc., Arvada, CO)

O TEG  e ROTEM acessam as propriedades viscoelásticas do sangue em situações de


baixo cisalhamento. Diferentemente da maioria dos testes de coagulação convencionais que
termina sua análise quando começa a formação do coágulo, os testes viscoelásticos aces-
sam mudanças dinâmicas do processo, desde o início da coagulação até que haja formação
completa do coágulo, além de avaliar a fibrinólise. Entre suas vantagens, podem-se destacar:
detecção precisa de hiperfibrinólise; identificação de deficiência de fibrinogênio e diferen-
ciação entre desordens plaquetárias ou de fatores da coagulação, além de detecção de efeitos
de heparinoides endógenos ou exógenos34-38.

160 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


No TEG, as propriedades físicas do coágulo são avaliadas a partir de um copo cilíndrico
que contém o sangue e oscila num ângulo de 4°45’. Cada rotação dura 10 segundos. Um pino
fica suspenso no interior do copo por um fio de torção que detecta movimentação. O torque da
rotação do cubo é então transmitido a esse fio, à medida que são formadas ligações entre redes
de fibrina e plaquetas, unindo o copo ao pino, que se encontra imerso no sangue. A força des-
sas ligações de fibrina-plaqueta afeta a magnitude da mobilização do pino e essa mobilização
reflete a força do coágulo. À medida que ocorre retração ou lise do coágulo, essas ligações são
quebradas e a transmissão do movimento é novamente diminuída. O movimento de rotação
do pino é convertido por um transdutor elétrico-mecânico, em sinal elétrico e finalmente de-
monstrado graficamente no TEG como um traçado característico. No ROTEM é utilizada
tecnologia modificada, sendo o sinal transmitido através de um sistema óptico de detecção,
não um fio de torção, e o movimento é iniciado pelo pino, e não pela cuba ou copo. Outra
modificação reside no fato de possuir quatro canais com análises, em paralelo, das diferentes
etapas da coagulação, o que permite o diagnóstico diferencial da coagulopatia, pela compara-
ção dos resultados obtidos nos diversos canais.
A esquematização do traçado do TEG/ROTEM encontra-se na Figura 5.

Fig. 5 - Traçado tromboelastográfico e parâmetros TEG/ROTEM

Manejo da coagulação sanguínea no transplante hepático | 161


O ROTEM apresenta como vantagem a utilização de quatro canais que podem ser ana-
lisados em paralelo simultaneamente e a possibilidade de uso de aditivos diagnósticos ou
terapêuticos nos testes in vitro, avaliando seus efeitos antes de se iniciar a terapêutica. Os
principais reagentes existentes são:
a) ex-TEM (ativador utilizado: fator tecidual) - avalia a via extrínseca e permite o acesso
rápido à formação do coágulo e à fibrinólise;
b) in-TEM (ativador utilizado: ativador de contato) - avalia a via intrínseca e acessa a
formação do coágulo e a polimerização da fibrina;
c) fib-TEM (ativador/inibidor utilizados: fator tecidual + antagonista plaquetário: cito-
calasina D) - provê uma avaliação qualitativa dos níveis de fibrinogênio;
d) ap-TEM (ativador utilizado: fator tecidual + aprotinina) - avalia a via fibrinolítica,
permitindo a detecção rápida da fibrinólise e a deficiência de fator XIII;
e) hep-TEM (ativador/inibidor utilizados: ativador de contato + heparinase) - detecção
específica de heparina. Atua como um in-TEM modificado pela adição de heparinase
para inativar a heparina eventualmente presente no paciente.
O Sonoclot baseia suas medidas na detecção das propriedades viscoelásticas do sangue
total ou do plasma. Para dar início à mensuração, um probe plástico descartável é acopla-
do à cabeça de um transdutor. A amostra a ser analisada é então adicionada a uma cuveta
contendo diferentes ativadores/ inibidores da coagulação. Após um processo automático de
mistura, o probe é imerso na amostra e oscila verticalmente. As alterações na impedância do
movimento impostas pelo coágulo em desenvolvimento são mensuradas. Diferentes cuve-
tas, com diferentes ativadores ou inibidores estão disponíveis comercialmente. O Sonoclot
também provém informações sobre o processo de coagulação como um todo. Provê in-
formações tanto de forma gráfica, qualitativa, denominada assinatura Sonoclot, como re-
sultados quantitativos: tempo de coagulação ativado (ACT), taxa ou ritmo de coagulação
(CR) e a função plaquetária (PF). Quando se compara o Sonoclot ao ROTEM, o ACT do
primeiro reflete o início da formação da fibrina, enquanto o CT do último reflete um estágio
mais tardio e elaborado da formação do coágulo. Esse benefício teórico foi corroborado em
estudo publicado por Tanaka e col. 39
O Sonoclot vem sendo criticado por ter seus resultados influenciados por idade, sexo
e contagem plaquetária40. Poucos estudos avaliaram o uso do Sonoclot em cirurgias he-
páticas e no TH, porém o monitor se mostrou útil no manejo perioperatório da coagulação
desses pacientes41,42 .
Apesar de inúmeras qualidades, os testes viscoelásticos possuem como limitações:
a) não detectam a atividade dos inibidores da coagulação (antitrombina, proteína C e
proteína S);
b) não detectam o efeito de substâncias antiplaquetárias (ácido acetilsalicílico, ticlopidi-
na, clopidogrel, ginko-biloba, ginseng);
c) não avaliam de forma adequada a hemostasia primária.
Os testes viscoelásticos são considerados padrão ouro na monitorização da coagulação
durante o TH, inclusive na avaliação dos doadores do transplante intervivos43. A utilização

162 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


de protocolos transfusionais guiados pelo POC da coagulação durante o TH está associada
a menos utilização de hemocomponentes, redução de custos e de complicações44.

4. Hemoterapia
A hemoterapia moderna desenvolveu-se com base no preceito racional de transfundir-
-se somente o componente de que o paciente necessita, a partir de avaliação clínica e/ou
laboratorial, não havendo indicações de sangue total. As indicações básicas para transfusões
são: restaurar ou manter a capacidade de transporte do oxigênio, o volume sanguíneo e a
hemostasia. A transfusão de hemocomponentes deve ser realizada somente quando existir
indicação precisa e nenhuma outra opção terapêutica.
Apesar da recente diminuição na transfusão de hemocomponentes no TH45, é de suma
importância o adequado manejo da coagulação, uma vez que o ato cirúrgico, associado às
complexas alterações na coagulação do hepatopata, pode promover importante sangramento.
Medidas não farmacológicas devem ser tomadas para minimizar a perda sanguínea du-
rante a cirurgia. Além do controle da hipocalcemia e acidose46,47, é de fundamental impor-
tância a manutenção da normotermia.
A hipotermia agrava os distúrbios de coagulação, por inibir a atividade dos fatores da co-
agulação e promover a redução da contagem e função plaquetária48,49. Além disso, contribui
para a instabilidade hemodinâmica durante o TH e é uma das causas da síndrome de reperfu-
são50. A hipotermia é resultado da redistribuição do calor para a periferia51,52 e desequilíbrio
entre produção e perda de temperatura53. Fatores que contribuem para a hipotermia no TH
incluem: tempo de cirurgia prolongado, exposição da cavidade abdominal, transfusão impor-
tante, retirada do fígado metabolicamente ativo e utilização do by-pass veno-venoso54.
Estudos prospectivos randomizados revelam que mesmo a hipotermia discreta está asso-
ciada a aumento de complicações cardiovasculares, infecção no sítio cirúrgico e aumento de
hospitalização55-60. Revisão sistemática recente concluiu que a hipotermia discreta (<1°C)
aumenta o risco relativo de hemotransfusão em 22%61.
Outras condutas, como manutenção de normovolemia, discreto céfalo aclive, ajuste
adequado da ventilação mecânica e técnica cirúrgica de piggback, também estão asso-
ciadas a menos sangramento durante a cirurgia para TH46,62 . Quando tais medidas não
forem suficientes, pode ser necessária a utilização de hemocomponentes, hemoderivados
ou outras medicações.

5. Hemocomponentes
5.1 Concentrado de hemácias
A transfusão de concentrado de hemácias (CH) tem sido demonstrada como preditor
independente de pior função do enxerto, doenças infecciosas, disfunção renal e outras co-
morbidades48,63-66. A transfusão sanguínea pode promover alterações metabólicas por causa
de coagulopatia dilucional, trombocitopenia, CID, toxicidade do citrato, alcalose metabóli-
ca, hipercalemia, hipocalcemia, hipomagnesemia, distúrbios ácido/base e hipotermia46,66,67.
Além dessas complicações, está associada com transmissão viral, reações alérgicas, aloimu-
nização, infecção bacteriana, disfunção renal, hipervolemia, TRALI e TRIM68.

Manejo da coagulação sanguínea no transplante hepático | 163


Uma revisão sistemática com 272.596 pacientes69 concluiu que a transfusão de CH é
fator de risco independente para mortalidade, infecção nosocomial, disfunção múltipla de
órgãos e lesão pulmonar aguda na população criticamente enferma. Diversos estudos têm
demonstrado que a transfusão de CH tem impacto negativo no TH64,70-72 .
Existe grande variabilidade nos protocolos transfusionais adotados nos diferentes
centros de TH. De modo geral, anemias em que o nível de hemoglobina (Hb) é superior
a 10 g/dL são bem toleradas e só excepcionalmente requerem transfusão. Inversamente,
quando a Hb é inferior a 7 g/dL, existe elevado risco de hipóxia tecidual e comprome-
timento das funções vitais. Nesse caso, o paciente se beneficia com a transfusão de CH.
Entre 7 e 10 g/dL de Hb, a indicação de transfusão deve levar em consideração o estado
clínico do paciente, a intensidade do sangramento cirúrgico e o resultado dos testes
da coagulação73,74.
Da mesma maneira, está bem descrita a associação entre transfusão de plaquetas, plasma fres-
co congelado (PFC) e crioprecipitado, com pior prognóstico após o TH71,72,75-77. Dessa forma, a
infusão de hemocomponentes deve ser baseada em protocolos transfusionais bem estabelecidos.
Sempre que disponível, os fatores de coagulação específicos devem ser utilizados.
5.2 Concentrado de plaquetas
Existe grande variedade de dados associados a indicações de transfusão de concentrado
de plaquetas (CP) em pacientes plaquetopênicos submetidos a procedimentos cirúrgicos
ou invasivos e a dificuldade de comparação entre os trabalhos limita a definição de crité-
rios conclusivos. Existe consenso de que se deve administrar CP no TH quando houver
sangramento ativo associado a níveis de plaqueta inferiores a 50.000/μL, já que a formação
de trombina está limitada na trombocitopenia importante. A dose recomendada é de uma
unidade de CP para cada 7 a 10 kg de peso do paciente.
5.3 Plasma fresco congelado
O PFC contém todas as proteínas presentes no plasma, incluindo albumina, imuno-
globulinas, fatores de coagulação e fibrinolíticos. No passado, foi comumente utilizado
para reverter efeitos dos anticoagulantes orais e suplementação de fatores de coagulação
no sangramento agudo78,79. Em razão da falta de evidências de seus benefícios79-81 de relatos
de aumento de sangramento e mortalidade no TH, a transfusão profilática de PFC para
corrigir os defeitos da coagulação deve ser proscrita. Atualmente, o PFC deve ser transfun-
dido no TH quando houver deficiência de múltiplos fatores ou de algum fator específico,
quando não estiverem disponíveis concentrados de fatores de coagulação. A dose deve ser
otimizada a fim de se corrigir a deficiência do fator em questão sem provocar hipervolemia.
Habitualmente, utiliza-se dose de PFC de 15 a 20 mL/kg para suprir deficiências de fatores
de coagulação.
5.4 Crioprecipitado
O crioprecipitado é fonte de fibrinogênio, fator VIII, fator XIII, fator de von Willebrand
e fibronectina. Deve ser utilizado durante o TH na deficiência desses fatores, quando os
fatores isolados não estiverem disponíveis.

164 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Cada unidade aumenta o fibrinogênio em 5-10 mg/dL em um adulto médio, na ausência
de grandes sangramentos ou de consumo excessivo de fibrinogênio. A dose recomendada é
de 1 U/ 5 a 7 kg de peso.

6. Concentrado de fatores de coagulação


Comparados com os hemocomponentes, os concentrados de fatores de coagulação
derivados do plasma humano, porém, manufaturado e liofilizado pela indústria farmacêu-
tica, são imediatamente disponíveis, contêm concentração definida de determinado fator,
podem ser administrados sem promoverem sobrecarga volêmica e são seguros em relação à
transmissão de infecções viróticas ou indução de TRALI79,82 .
No Brasil, temos, atualmente disponíveis no mercado, o Beriplex e o Prothromblex,
hemoderivados que contêm fatores derivados da vitamina K, ou seja, o complexo protrom-
bínico (fatores II, VII, IX e X); o concentrado de fator VIII Behring; o concentrado de
fibrinogênio sintético (Haemocomplettan); o concentrado de fator XIII (Fibrogammin)
e o fator VII recombinante (NovoSeven).
6.1 Concentrado de fibrinogênio
O fibrinogênio exerce importante papel na coagulação, promovendo adesão e agregação
plaquetária, polimerização da fibrina, substrato para o fator XIII e fibrina, além de funcionar
como antitrombina e anticoagulante quando os níveis de fibrinogênio excedem a produção
de trombina82 .
A concentração plasmática do fibrinogênio varia de 1,5 a 4 g/L, porém, pode aumentar
em situações como gravidez83. A hipofibrinogenemia ou disfibrinogenemia é comum no TH e
pode ser agravada pela fibrinólise, acidose e hipotermia82,84. A reposição de fibrinogênio pode
ser realizada com PFC, crioprecipitado ou concentrado de fibrinogênio (CF). Entre estes, o
CF é considerado atualmente a melhor opção79,82. Apesar dos benefícios teóricos, de alguns
estudos demonstrarem menos sangramento com sua utilização85-87 e de sua superioridade em
relação ao PFC88, ainda faltam grandes estudos randomizados controlados no TH.
O fibrinogênio deve ser reposto quando a concentração plasmática for inferior a 1,5-2
g/L 44. De acordo com a tromboelastografia, está indicada a reposição quando o MCF no
FibTEM for inferior a 10 mm ou A10 no FibTEM inferior a 7 mm, na vigência de sangra-
mento89-92 . A dose para correção deve ser calculada levando em consideração o MCF ou A10
no FibTEM e o peso corporal93-95.
Dose CF (g) = Δ MCF no FibTEM (mm) X peso (kg)/140
Infusão de 2 a 4 g de CP é necessária para elevar 1 g/L do fibrinogênio plasmático em um
paciente adulto83,96. A falta de resposta à reposição do fibrinogênio no TH pode ser indício
de fibrinólise, que deve ter o diagnóstico confirmado e corrigido.
6.2 Concentrado de fator XIII
O fator XIII age na fase final da coagulação estabilizando o coágulo inicial. Diversos es-
tudos demonstram a associação entre redução do fator XIII e aumento de sangramento em
cirurgias cardíacas97-99. Durante o TH, o concentrado de fator XIII está indicado nos casos

Manejo da coagulação sanguínea no transplante hepático | 165


de fibrinólise persistente, mesmo após a administração de antifibrinolíticos ou fibrinólise
diagnosticada pelo ROTEM, sem modificação do traçado após a realização do ApTEM.
A dose inicial recomendada é de 10 a 30 U/kg. Na ausência do fator XIII isolado, pode ser
administrado crioprecipitado.
6.3 Fator VIIa recombinante
O fator VIIa recombinante (FVIIa r) é um agente pró-coagulante inicialmente desenvol-
vido para controle de sangramento em pacientes com hemofilia A e B, porém, sua utilização
off label tem aumentado, sobretudo, nos casos de sangramento descontrolado100. O FVIIa
r se liga ao fator tissular, estimulando a formação de fibrina e desenvolvendo, dessa forma,
importante papel na ativação da coagulação101,102 . Dois grandes estudos multicêntricos
placebo-controlados falharam em demonstrar a diminuição da transfusão de concentrado
de hemácias no TH quando utilizado de forma profilática103,104. As evidências atuais não
suportam o uso profilático do FVIIa r no TH. Por causa de sua ineficiência, alto custo e
riscos potenciais, deve ser evitado em pacientes não hemofílicos105,106.
6.4 Concentrado de complexo protrombínico
O concentrado de complexo protrombínico (CCP) foi inicialmente aprovado na União
Europeia para tratamento e profilaxia de sangramento e deficiência congênita ou adquirida
dos fatores II, VII, IX e X84. A deficiência desses fatores pode ocorrer em situações como uso de
anticoagulantes orais, deficiência de vitamina K, cirrose hepática, perda sanguínea importante
ou hemodiluição. Os CCPs disponíveis diferem entre si na concentração de fatores II, VII, IX e
X, além da presença ou não de proteínas C, S e Z, antitrombina e heparina107. A administração
de 1 UI de CCP/kg promove aumento de 0,6 a 1% do fator de coagulação correspondente108.
Durante o TH deve ser utilizado na dose de 25 a 40 UI/kg de peso na vigência de sangramento
importante, associado a TP inferior a 30% ou quando a tromboelastometria evidenciar CT ao
ex-TEM superior a 80s com A10 e MCF normais44,91. O uso liberal de CCP pode estar associa-
do a complicações tromboembólicas109 e, até o momento, sua eficácia no sangramento maciço
não foi comprovada por estudos prospectivos controlados.

7. Opções Terapêuticas

7.1 Desmopressina
A desmopressina é um análogo V2 da vasopressina, que estimula o fator de von Wille-
brand que, por sua vez, medeia a aderência plaquetária às células subendoteliais47.
Recente metanálise mostrou pequeno efeito na perda sanguínea (redução média de 80
mL, p = 0,005) e necessidade de hemotransfusão (redução média de 0,3 unidade de CH, p =
0,01), sobretudo em cirurgias não cardíacas, sem aumento do risco de trombose (p = 0,4)110.
Uma vez que a disfunção plaquetária é comum na hepatopatia, trata-se de fármaco inte-
ressante no TH, sobretudo naqueles pacientes sem plaquetopenia importante, porém, com
MCF reduzido ao ROTEM, sem alterações no fibrinogênio. A dose recomendada é de 0,3
μg/kg intravenoso. Apesar desse potencial benefício111,112, ainda faltam estudos controlados
randomizados em TH.

166 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


7.2 Antifibrinolíticos
A hiperfibrinólise desempenha importante papel no sangramento não cirúrgico no TH,
sobretudo durante a fase anepática e neo-hepática. Existem alguns ensaios clínicos rando-
mizados que demonstram a eficácia dos análogos da lisina113,114 e aprotinina115,116 na redução
da necessidade de utilização de hemocomponentes no TH. Por outro lado, há relatos de
complicações tromboembólicas em pacientes tratados com antifibrinolíticos117-120. A utiliza-
ção profilática está associada a eventos trombóticos, sobretudo em pacientes com colangite
esclerosante primária, cirrose biliar primária, hepatite fulminante, síndrome de Budd-Chia-
ri, transplante por doença maligna e trombose de veia porta121. A decisão de sua utilização
deve ser baseada no diagnóstico de fibrinólise pela tromboelastometria (ML>15%) e/ou
queda acentuada nos níveis de fibrinogênio.

8. Protocolo transfusional no TH
Diante da complexidade no manejo da coagulação nesses pacientes e grande variabilida-
de de opções terapêuticas, é importante o desenvolvimento de protocolos transfusionais de
acordo com a realidade de cada instituição.
Segue sugestão de protocolo transfusional para o TH, baseado na monitorização da coa-
gulação mediante tromboelastometria (Figura 6).

Manejo da coagulação sanguínea no transplante hepático | 167


Fig. 6 - Protocolo transfusional do Hospital Lifecenter

9. Conclusão
O manejo da coagulação nos pacientes hepatopatas é desafiador. É de suma importância
o conhecimento da fisiopatologia das alterações na coagulação desses pacientes. A tromboe-
lastografia e a tromboelastometria são ferramentas importantes para o diagnóstico da coagu-
lação, tendo-se em vista que os exames tradicionais trazem poucas informações a respeito do
equilíbrio pró e anticoagulante. A coagulopatia associada ao TH deve ser guiada por protoco-
los bem estabelecidos, com utilização racional de hemocomponentes e hemoderivados.

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174 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Capítulo 11

Profilaxia e tratamento
de náuseas e vômitos em
anestesia ambulatorial
Ricardo Caio Gracco de Bernardis
Ivani Rodrigues Glass
Emanuela Lombardi
Profilaxia e tratamento de náuseas e vômitos
em anestesia ambulatorial
Náusea e vômito pós-operatórios (NVPO) são os efeitos adversos mais comuns após
procedimento anestésico-cirúrgico. Sua incidência atinge de 20% a 30% dos pacientes, va-
riando de 50% a 56% em procedimentos laparoscópicos1,2 .
A frequência de NVPO pode estar associada às condições clínicas pré-operatórias, à
extensão e ao tipo de intervenção cirúrgica, às intercorrências cirúrgicas ou anestésicas e à
eficácia das medidas terapêuticas adotadas2 .
Pacientes com NVPO podem apresentar outras complicações: hipocalemia; alcalose
hipoclorêmica; desidratação; síndrome de Mallory-Weiss; broncoaspiração; deiscência de
suturas; sangramento intraocular e cutâneo; admissão hospitalar após cirurgias ambula-
toriais; desconforto psicológico e prolongamento da internação, com aumento de custos,
tanto para o hospital como para o paciente1.
A etiologia da náusea e do vômito pós-operatório não está completamente definida, mas
sabe-se que tem caráter multifatorial, razão pela qual necessita de abordagem multimodal 2 .
As medicações de uso venoso são largamente utilizadas em regime intra-hospitalar, mas têm
sua ação limitada na náusea e no vômito pós-alta hospitalar (NVPA). Metade dos 35% dos pacien-
tes que apresenta NVPA após cirurgia ambulatorial demonstra NVPO antes da alta hospitalar3.
Na revisão sistemática realizada por Wu et al, a incidência de náusea foi de 17% (variando
de 0 a 55%) e de vômito de 8% (variando de 0 a 16%)3.
O número de pacientes submetidos a cirurgias em regime ambulatorial nos Estados Uni-
dos, de 1996 a 2006, aumentou de 20,8 milhões para 34,7 milhões, o que representa metade de
todos os pacientes operados em 1996 e dois terços do total dos pacientes operados em 20063-5.
O aumento do número de pacientes operados em regime ambulatorial reforça a necessi-
dade das discussões sobre NVPA, com estratégias estabelecidas, incluindo a estratificação
dos riscos de NVPO, medicações profiláticas e terapias pós-alta hospitalar direcionadas
para NVPO4.
Esta revisão discutirá os fatores de risco específico para NVPO e NVPA, as terapias de
prevenção e manutenção e as principais medicações indicadas para os pacientes submetidos
à anestesia ambulatorial.

1. Identificação de fatores de risco para NVPO


NVPO é multifatorial, sendo a identificação dos fatores de risco fundamental para seu
entendimento. Pode-se categorizar em fatores relacionados ao paciente, ao procedimento
operatório e ao procedimento anestésico (Tabela 1).
Entre os fatores de risco para NVPO relacionados ao paciente constam:
1- Gênero feminino - alguns autores relatam que a mulher é mais suscetível a NVPO
perto do quinto dia do ciclo menstrual, quando há aumento do estrogênio e dimi-
nuição do hormônio folículo-estimulante (FSH), que atuariam diretamente da zona
quimiorreceptora de gatilho. Em recente metanálise, vários pesquisadores referem
que essa associação com as fases do ciclo não teria relevância1,2,6.

176 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


2- Não tabagismo - verifica-se literatura discordante sobre a ação direta da nicotina, que
gera mudança funcional nos neurorreceptores por exposição crônica ou nas enzimas
microssomais hepáticas por hidrocarboneto aromático policíclico3.
3- Idade - adultos apresentam incidência aumentada de NVPO em relação às crianças,
decrescendo com a idade1,2,6.
4- Obesidade - por dificuldade de ventilação e acúmulo de anestésicos lipossolúveis
com maior tempo de exposição a estes1,6.
5- Ansiedade pré-operatória - por diminuição da motilidade gástrica e aumento do
suco gástrico1.
6- Doenças associadas, como neuropatias, endocrinopatias, uremias, peritonites
e colagenoses1.
7- História prévia de NVPO1,2,6.
Fatores relacionados à cirurgia:
1- Sítio cirúrgico - na literatura, há divergência quanto às porcentagens entre as cirurgias
mais emetogênicas: 58% para as cirurgias ginecológicas; 70% para as laparoscópicas;
47% para as de ouvido e 70% para as intestinais e de vesícula biliar. Na metanálise re-
alizada por Apfel et al, em 2012, as cirurgias mais emetogênicas são as ginecológicas
e as colecistectomias videolaparoscópicas1,2.
2- Tempo cirúrgico - a cada 30 minutos de cirurgia, há 60% de aumento do risco de NVPO6.
Fatores relacionados à anestesia:
1- Tipo de ventilação - o uso de máscara com pressão positiva causa distensão gástrica e
estimulação vagal que determina NVPO.
2- Uso de opioides.
3- Altas doses de neostigmina.
4- Tipo de anestesia inalatória ou venosa ou uso de óxido nitroso.
5- Hipotensão arterial associada à hipoxemia por estímulo direto do centro do vômito7.
Tabela I - Fatores de risco para NVPO em adultos e níveis de evidências (adaptado de Gan)9
Fatores de risco específicos do doente
• Gênero feminino (IA)
• Não tabagista (IVA)
• História prévia de NVPO/Cinetose (IVA)

Fatores de risco anestésico


• Utilização de anestésicos voláteis superior a 2 horas (IA)
• Óxido nitroso (IIA)
• Uso intraoperatório (IIA) e pós-operatório (IVA) de opioides

Fatores de risco operatório


• Duração da operação (cada aumento de 30 minutos de duração eleva o risco de NVPO em 60%) (IVA)

Tipo de operação (laparoscopia, otorrinolaringologia, neurocirurgia, cirurgia de mama,


estrabismo, laparotomia e cirurgia plástica) (IVB)

Profilaxia e tratamento de náuseas e vômitos em anestesia ambulatorial | 177


1.1 Profilaxia no período perioperatório
A profilaxia inclui prevenção e correção de fatores que possam estimular o centro do
vômito. Pode ser medicamentosa ou atuar na otimização da técnica anestésica.

1.1.1 Melhorias da técnica anestésica


A anestesia geral está associada ao aumento de risco de NVPO em 11 vezes em relação
à anestesia regional. Entretanto, quando há necessidade de anestesia geral, a utilização de
propofol como agente de indução é eficaz na redução da incidência de NVPO precoce, com-
parado ao uso de outros agentes de indução venosos e inalatórios. Sua ação parece estar di-
retamente relacionada com a redução dos níveis de 5-HT3 na área postrema. Vários autores
verificaram que doses de propofol sub-hipnóticas foram eficazes na redução da incidência de
NVPO, com alto nível de satisfação para o paciente1,7,9,10,11.
Vários autores propõem que o uso suplementar de oxigênio perioperatório reduza NVPO em
50%, possivelmente por diminuir a hipóxia gastrointestinal7,11-13. No entanto, um estudo realiza-
do por Turan14 não demonstrou benefício associado com o uso suplementar de oxigênio.
Há maior risco de NVPO relacionado à quantidade de opioide usado no perioperatório,
mas não quanto ao tipo usado. A atividade opioide em receptores periféricos do intestino
inibe a liberação de acetilcolina e estimula os receptores µ (mu), que diminuem o tônus mus-
cular intestinal e a peristalse, desencadeando atraso no esvaziamento gástrico e distensão,
o que ativa os quimiorreceptores e os mecanorreceptores diretamente relacionados com o
centro do vômito, por meio de vias serotoninérgicas. O remifentanil, opioide de curta ação,
tem incidência de NVPO semelhante ao fentanil nas primeiras 24 horas do período pós-
-operatório. Moiniche15 mostrou que o tratamento com anti-inflamatórios não esteroidais
(AINES), em comparação com os opioides, diminui o risco de NVPO e NVPA. Estudo de
Schug16 comprovou a eficácia no controle da dor pós-operatória com a associação sinérgica
de paracetamol e tramadol. A utilização dessa combinação medicamentosa, juntamente
com a infiltração da ferida cirúrgica por anestésico local e o uso de diclofenaco de sódio,
foi considerada técnica eficaz para trazer alívio adequado da dor no período perioperatório
e pós-operatório, podendo ser estratégia opcional ao uso de opioides no pós-operatório e
NVPA 2,6,7,15-20.
A hidratação generosa perioperatória, com 20 mL.kg-1 de solução de Hartmann (Ringer
lactato), também mostrou reduzir a incidência de vômitos em pacientes submetidos à anes-
tesia geral em regime ambulatorial18.
Não houve diferença na incidência de NVPO entre os anestésicos voláteis individuais
(ao comparar halotano, isoflurano, sevoflurano e desflurano) em concentração alveolar mí-
nima (1 CAM) ou abaixo desta. No entanto, indução e manutenção da anestesia com agente
volátil estão associadas a maiores índices de NVPO quando comparada com anestesia ba-
lanceada com uso de opioides. Apfel e Chohedri demonstraram que os anestésicos voláteis
são a principal causa de NVPO nas duas primeiras horas de pós-operatório2,18.
O efeito emético do óxido nitroso (N2O) tem recebido atenção considerável na litera-
tura, com numerosos estudos na década de 1980 e metanálises na década de 1990, enfa-
tizando o aumento da incidência de NVPO com esse agente. O efeito emetogênico dos

178 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


anestésicos voláteis e do óxido nitroso é independente, podendo ser aditivos e sinérgicos,
mas não sobrepostos. Uma metanálise demonstrou redução do risco de NVPO de 20%,
evitando N2O isolado12 .
Alghanem realizou estudo prospectivo randomizado com 160 pacientes submetidos à
colecistectomia por via laparoscópica, no qual foi comparado o uso de profilaxia medica-
mentosa com ondansetrona ou dexametasona com o uso de técnica anestésica com medica-
ções voltadas à prevenção de NVPO e foi concluído que o uso de antiemético profilático no
intraoperatório não diminuiu a incidência de NVPO quando comparado ao uso de técnica
anestésica otimizada17 (Tabela 2).
Tabela II - Estratégias para a redução do risco básico
– Uso de anestesia regional (IIIA)
– Utilização de propofol para indução e manutenção de anestesia (IA)
– Utilização de oxigênio suplementar intraoperatório (IIIB)
– Otimização da hidratação (IIIA)
– Evitação do uso de óxido nitroso (AII)
– Minimização do uso de anestésicos inalatórios (IA)
– Redução do uso intraoperatório (IIA) e pós-operatório (IVA) de opioides
– Diminuição o uso de neostigmina (AII)

1.2 Profilaxia medicamentosa


1.2.1 Antagonistas dopaminérgicos
A metoclopramida é um antagonista de receptores D2 da dopamina habitualmente
utilizada para a prevenção de NVPO. Atua diretamente na zona quimiorreceptora de
gatilho (ZQG), no sistema nervoso central, produzindo antagonismo de emese induzi-
da por apomorfinas e pela ergotamina. No trato gastrointestinal, age como pró-cinético
produzindo aumento da peristalse e do tônus do esfíncter esofágico inferior. Dez miligra-
mas de metoclopramida tem sido a dose mais comumente utilizada. Revisão sistemática
demonstrou que a dose de 10 mg carece de efeito antiemético clinicamente relevante se
não fornecida no final do procedimento anestésico, pois a meia-vida da medicação é de 4
horas a 6 horas. Vários estudos não recomendam a metoclopramida como antiemético no
período perioperatório1,6,8,20.
O droperidol apresenta elevado potencial antiemético, comparável ao da ondanse-
trona. Atua competitivamente nos receptores dopaminérgicos centrais e está associado
com efeitos de sedação, letargia, agitação e sintomas extrapiramidais. Em 2001, a Food
and Drug Administration restringiu o uso do droperidol para náusea e vômitos de di-
fícil tratamento, por causa do desenvolvimento de arritmia cardíaca, como Torsade de
Pointes, em pacientes com prolongamento do segmento QT. Esse aviso foi feito com
base em 10 casos clínicos que ocorreram durante os 30 anos de uso clínico em que
foram administradas doses inferiores ou iguais a 1,25 mg desse fármaco, e é ainda re-
comendada monitoração eletrocardiográfica antes do tratamento e por mais de 3 horas
após seu início1,6-8,22,23 .

Profilaxia e tratamento de náuseas e vômitos em anestesia ambulatorial | 179


1.2.2 Antagonistas histamínicos
Os anti-histamínicos, como difenidramina, dimenidrato, ciclina e prometazina, têm
propriedades antieméticas resultantes do bloqueio de receptores H1 da histamina na
zona quimiorreceptora de gatilho (ZQG), no núcleo do trato solitário, no centro do
vômito e no sistema vestibular. Esses agentes são mais eficazes no tratamento de NVPO
induzido por opioides, mas sua utilização é limitada pelo efeito sedativo, que pode con-
tribuir para um despertar demorado quando administrados imediatamente antes do
final da anestesia1,6,8,22,24 .
1.2.3 Antagonistas colinérgicos
O principal representante anticolinérgico é a escopolamina. Atua no córtex cerebral e
na ponte, inibindo os receptores muscarínicos. Verificou-se ser muito eficaz em pacientes
tratados com opioides para o controle da dor pós-operatória, principalmente em cirurgias
do ouvido médio, mas seu uso é limitado por provocar alta incidência de sedação e boca
seca. Foi desenvolvida uma formulação transdérmica de escopolamina (TDS) que apresen-
ta meia-vida maior e tem perfil farmacocinético favorável com duração até 72 horas. Revisão
sistemática e metanálise de 25 estudos randomizados e controlados sobre escopolamina
transdérmica (TDS) concluíram que houve redução significativa tanto de risco de NVPO
na unidade de cuidados pós-anestésica quanto nas primeiras 24 horas de pós-operatório
com o uso de TDS. Dois estudos recentes sugerem que a escopolamina transdérmica pode
ser particularmente eficaz quando usada como adjuvante da ondansetrona intraoperatória,
resultando em satisfação por parte dos pacientes1,6,8,25-27.
1.2.4 Glicocorticoides
Dexametasona: embora seu mecanismo de ação permaneça incerto, é considerada an-
tiemético eficaz. Os mecanismos mais prováveis são a inibição da prostaglandina na peri-
feria, com facilitação de antagonismo serotoninérgico, e a liberação de endorfina. A longa
meia-vida e o custo baixo tornaram essa medicação uma escolha atraente no tratamento e
na profilaxia de NVPO. A Sociedade de Anestesia Ambulatorial recomenda, nas diretrizes
para a prevenção de NVPO, dose profilática de 4-5 mg de dexametasona na indução. Uma
metanálise observou que quando administrada como medicação isolada ou combinada, a
dexametasona na dose de 4-5 mg teve efeitos comparáveis à dose de 8-10 mg na prevenção
de náusea e vômito. Assim sendo, essa metanálise apoia o uso de dexametasona na dosagem
de 4-5 mg, como recomendado nas diretrizes da Sociedade de Anestesia Ambulatorial para
a prevenção de NVPO6,8,28-30.
1.2.5 Antagonistas serotoninérgicos
Os antagonistas da serotonina (5-HT3) exercem seus efeitos na zona quimiorreceptora
do gatilho e em fibras aferentes vagais no trato gastrintestinal. É a classe medicamentosa
mais usada para a prevenção de NVPO nos Estados Unidos. A ondansetrona foi usada
pela primeira vez para a prevenção de náuseas e vômitos induzidos por quimioterapia. Pelo
seu uso seguro em comparação com outros antieméticos - pois não está associada a efeitos
secundários extrapiramidais ou sedação - e sua eficácia, a ondansetrona tornou-se rapida-

180 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


mente popular para NVPO. Posteriormente, foram desenvolvidas mais duas medicações
similares, a granisetrona e a dolasetrona, com eficácia e efeitos colaterais semelhantes aos
da ondansetrona, mas têm sido associadas ao risco de arritmias, como Torsade de Pointes,
em pacientes com alongamento do segmento QT no eletrocardiograma, comparável ao dro-
peridol. O mais recente bloqueador de 5-HT3, a palonosetrona, não parece compartilhar
o mesmo risco de arritmia. Foi aprovada nos Estados Unidos em 2008 e se comprovou sua
eficácia na redução de náusea e vômito induzido por quimioterapia com a dose de 0,25 mg e
na dose de 0,075 mg para NVPO por 72 horas. Foi demonstrado que a palonosetrona é um
antagonista serotoninérgico alostérico que se liga ao receptor, promovendo sua internaliza-
ção. Também apresenta cooperatividade positiva e meia-vida mais longa (40 a 72 horas) ao
se ligar com o receptor8,31-39.
1.2.6 Antagonistas do receptor de neuroquininas-1
A substância P é um neuropeptídeo que se liga à neuroquinina-1 (NK1) perifericamen-
te em vias aferentes vagais no trato gastrintestinal e centralmente, na área postrema. Os
inibidores dos receptores de neuroquininas-1 (NK1-RAs) são competitivos da substância
P e atuam por meio da diminuição da neurotransmissão do núcleo do trato solitário para o
centro do vômito. Estudos com animais demonstraram que os inibidores dos receptores de
neuroquininas-1 são eficazes em retrair a náusea e o vômito provenientes de vários estímu-
los eméticos40-42 .
Diemunsch demonstrou que a dose de 40 mg de aprepitant pode ser superior à ondanse-
trona na redução de NVPO 24 horas do pós-operatório. Atualmente, estão sendo estudados
dois novos tipos de NK1-RAs: rolapitant e casopitant. Na redução de NVPO dose-depen-
dente, um estudo prospectivo randomizado e duplo-cego sobre o rolapitant revelou sua efi-
cácia quando comparado com placebo e outro mostrou que o casopitant, em associação com
a ondansetrona, superou esta isolada na prevenção de NVPO em pacientes de alto risco nas
primeiras 24 horas pós-operatórias. Os NK1-RAs não possuem efeitos colaterais de sedação
como os anti-histamínicos e antagonistas da dopamina e não foram associados a arritmias
como os antagonistas 5-HT3 e o droperidol43-45.

Fig. 1 - Doses de antieméticos e tempo para a administração em adultos (adaptado de Gan)21

Profilaxia e tratamento de náuseas e vômitos em anestesia ambulatorial | 181


1.3 Terapias não medicamentosas
A acupuntura é considerada, na literatura, eficaz como terapia adjuvante para o controle de
NVPO. Segundo Coloma e col., a acuestimulação pode ser alternativa satisfatória à ondanse-
trona para NVPO em pacientes submetidos à cirurgia videolaparoscópica, e a ondansetrona
parece aumentar a eficácia do tratamento por acuestimulação para controle de NVPO46.
Já se demonstrou que a estimulação do ponto de acupuntura chinesa P6 é tão eficaz quan-
to a profilaxia antiemética. Em metanálise, foi relatado o efeito antiemético da acupuntura
ou acupressão do ponto P6, podendo ser comparável ao uso de antieméticos como metoclo-
pramida, ciclizina, droperidol ou proclorperazina. Boehler também comprovou a eficácia
do efeito antiemético do ponto de acupuntura chinesa P6 para a prevenção de NVPO em
pacientes submetidos a cirurgias ginecológicas por via laparoscópica. Para produzir o efeito
antiemético, por meio da acupuntura ou acupressão, o ponto deve ser estimulado antes da in-
dução anestésica. No entanto, agulhas de acupuntura no ponto P6 são desconfortáveis com
o paciente acordado, de modo que, muitas vezes, a acupuntura é realizada após a indução da
anestesia geral. Por essa razão, a acupressão é frequentemente o método de escolha para a
prevenção de NVPO, pois é de fácil execução, indolor e bem tolerado pelos pacientes21,47-54.
Na literatura, foram publicados estudos que avaliam o efeito antiemético da acupressura
coreana. Os autores demonstraram o efeito antiemético de acupressão do ponto de acupun-
tura coreana da mão K-K9 em crianças submetidas à cirurgia de estrabismo55-57.
al-Sadi também avaliou a eficácia da acupuntura como profilaxia para a emese. Ao com-
parar essa técnica com placebo, foi verificada propensão de quatro vezes mais NVPO no
grupo que recebia placebo do que o grupo da acupuntura48.
Ainda de acordo com as terapias alternativas para controle de NVPO, o gengibre, Zin-
giber officinale, destaca-se na fitoterapia como antiemético por sua ação no sistema gastrin-
testinal e sistema simpático, como antagonista de serotonina nos receptores 5-HT3. Em
uma metanálise realizada pela Universidade de Bangkok, os autores concluíram que, por
ser de baixo custo, ampla disponibilidade, boa tolerância, baixos índices de efeitos colaterais
e boa eficácia como substância antiemética, o gengibre se torna atraente como terapêutica
profilática adjuvante no controle de NVPO58.

1.4 Profilaxia baseada na avaliação de risco individual


O risco de NVPO deve ser estimado para cada paciente. Tendo entendido a origem mul-
tifatorial da emese, é necessária abordagem multimodal para minimizar NVPO, que consis-
te na combinação de profilaxia farmacológica e não farmacológica, bem como intervenções
que reduzem o risco de base. Em geral, a terapia de combinação de antieméticos é superior
à monoterapia para NVPO. Medicações com mecanismo de ação diferente devem ser usa-
das para otimizar a eficácia. Como descrito anteriormente, sabe-se que as três medicações
mais utilizadas são a ondansetrona, o droperidol e a dexametasona, que têm igual eficácia.
Embora essas três medicações tenham diferentes mecanismos de ação e atuem de forma
independente, quando utilizadas em combinação, têm efeitos aditivos6,8,22,49.
Não é recomendada profilaxia para pacientes de baixo risco para NVPO, exceto se forem
submetidos a procedimentos cirúrgicos em que o esforço de NVPO possa provocar danos à

182 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


cirurgia, como em procedimentos de neurocirurgia, cirurgia de fundoplicaturas e oftalmo-
lógicas, entre outras6-8,22 .
Para os pacientes de risco moderado para NVPO, a anestesia regional deve ser consi-
derada, mas se não for possível ou contraindicada, devem ser adotadas estratégias para
minimizar o risco de NVPO e ainda recorrer à combinação de dois antieméticos de clas-
ses diferentes 6,8,22 .
Para pacientes de alto risco, uma terceira medicação pode ser aconselhável, além da tera-
pia multimodal.

Fig. 2 - Algoritmo para o manejo de NVPO (adaptado de Gan)27

2. Tratamento de NVPO
Na presença de náuseas e vômitos persistentes, devem-se analisar possíveis fatores causa-
dores, como analgesia controlada pelo paciente com morfina, presença de sangue na faringe
ou obstrução abdominal.
Excluídos os fatores medicamentosos e mecânicos, o tratamento antiemético de resgate é
aconselhável. Se o paciente não recebeu nenhuma profilaxia, a terapia com antagonistas do
receptor 5-HT3 deve ser iniciada, com doses de ondansetrona 1 mg, dolasetrona 12,5 mg

Profilaxia e tratamento de náuseas e vômitos em anestesia ambulatorial | 183


ou granisetrona 0,1 mg. No caso de a classe de medicação já ter sido usada na profilaxia, não
se deve repeti-la no tratamento. Kovac e col., em 1999, verificaram que a readministração de
ondansetrona para tratamento de NVPO não foi mais eficaz do que o placebo6,8,22,50.
A medicação de resgate precisa ter o mecanismo de ação diferente e agir em classe de recep-
tor distinto. Com base nessa evidência, tem sido recomendado que os pacientes que recebem
uma dose profilática de 5-HT3 RA tratem NVPO com outra classe farmacológica28,51,52.
Quando a profilaxia com dexametasona não evitar NVPO, o tratamento deverá ser efetuado
com uma pequena dose de antagonista do receptor 5-HT3, conforme citado anteriormente52.
Quando NVPO ocorre mais de seis horas após a cirurgia, pode ser considerado o uso de
antagonistas 5-HT3 e droperidol. A dose otimizada e o intervalo de readministração desses
dois antieméticos permanecem desconhecidos6.
As combinações mais estudadas incluem antagonista do receptor 5-HT3 e droperidol
ou dexametasona. Ambas as técnicas adotadas parecem ser igualmente eficazes. A terapia
combinada é mais conveniente para os pacientes em alto risco para o desenvolvimento de
NVPO; para os pacientes de médio risco, um único agente é suficiente21,53.
Pesquisas têm demonstrado benefício no controle de NVPA superior a 72 horas com o
uso de palonosetrona. Os dois tipos de NK1-RAs (rolapitant e casopitant) têm mostrado
características antieméticas superiores, mas isso não pode ser confirmado na prevenção da
náusea quando comparado com os anteriores e mais acessíveis dessa classe. A dexametaxo-
na tem provado melhora na qualidade da recuperação de NVPA 54-56.
Controle no pós-operatório e no pós-alta da náusea e do vômito:
– identificar os fatores de risco NVPO;
– utilizar profilaxia medicamentosa combinada (p. ex.: ondansetrona e dexametasona);
– utilizar medicação de ação prolongada (p. ex.: escopolamina transdérmica ou palonosetrona);
– prescrever para a pós-alta medicações profiláticas via oral ou de resgate;
– considerar intervenção não farmacológica (hidratação, acupuntura);
– otimizar a analgesia pós-operatória, incluindo a minimização do uso de opioide (blo-
queio de nervo periférico contínuo, analgesia multimodal);
– desenvolver estratégia de esclarecimento às dúvidas do paciente;
– realizar um seguimento adequado do paciente na pós-alta57-58.

3. Conclusões
Mais estudos são necessários, incluindo no modelo do estudo a análise de náuseas e vô-
mitos na pós-alta, direcionando as intervenções terapêuticas.
Os antieméticos de longa ação e de uso oral após a alta são eficazes no controle de
NVPA. Os antieméticos do tipo NK 1-RAs são ideais no tratamento do vômito, mas pouco
no da náusea.
A associação das intervenções não farmacológicas, tal como acupressura, pode re-
duzir NVPA. A analgesia multimodal, incluindo analgésicos não opioides e bloqueios
periféricos contínuos ambulatoriais, é uma opção na prevenção de NVPA e no controle
da analgesia pós-operatória com redução do uso de opioides.

184 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Nível de evidência baseada em estudos (adaptado de Gan e col. 2003)
I- O grande estudo randomizado, controlado, n 100 por grupo
II- Revisão sistemática
III- Estudo pequeno randomizado controlado, n 100 por grupo
IV- Estudo controlado não randomizado ou relatos de casos
V- Opinião de especialistas
Recomendação com base na opinião de especialistas
A- Boa evidência para apoiar a recomendação
B- Evidência fraca para apoiar a recomendação
C- Evidências insuficientes para recomendar a favor ou contra

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188 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Capítulo 12

Resposta inflamatória
sistêmica da circulação
extracorpórea (CEC)
Fernando A. Martins
Kléber Machareth de Souza
Marisa Pizzichini
Resposta inflamatória sistêmica da circulação
extracorpórea (CEC)
A necessidade da circulação extracorpórea (CEC) em cirurgia cardíaca resulta em res-
posta inflamatória sistêmica caracterizada pela ativação do sistema de coagulação, das ci-
tocinas e da fibrinólise, pelo contato do sangue com os elementos que compõem o circuito
da circulação. Caso a resposta inflamatória seja suficientemente intensa, poderá ocorrer a
síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SRIS) ou a síndrome de disfunção de múlti-
plos órgãos, o que aumenta a mortalidade em unidades pós-operatórias1.
O objetivo do presente capítulo é descrever a fisiopatologia da resposta inflamatória sis-
têmica à circulação extracorpórea e as estratégias terapêuticas usadas para evitar que ela
promova a evolução desfavorável para o paciente submetido à cirurgia com CEC.

1. Resposta de fase aguda


A resposta de fase aguda, ou fase de contato, tem início quando o sangue (elementos
figurados e porção humoral) entra em contato com o circuito de circulação extracor-
pórea. O endotélio vascular, quando íntegro, é responsável pela homeostasia do san-
gue; o processo de coagulação se mantém estável, assim como a resposta inf lamatória.
Quando o sangue entra em contato com o circuito de CEC, tende a se coagular, sendo,
para isso, necessária a administração de heparina. No início da circulação extracor-
pórea, ocorre a formação de uma camada que se mantém aderida à superfície do cir-
cuito, sendo formada por proteínas presentes no sangue 2 . Algumas dessas proteínas
presentes nessa camada formada junto ao circuito de circulação extracorpórea sofrem
alterações conformacionais, que levam a expressão de receptores a outras proteínas e
células sanguíneas circulantes. Esse processo levará à ativação do chamado sistema
proteico plasmático 5 (ativação da via intrínseca e extrínseca da coagulação, fibrinó-
lise e ativação do complemento) e ativação do grupo de células 5 (células endoteliais,
linfócitos, monócitos, neutrófilos e plaquetas)3 . O papel pormenorizado da ativação de
ambos os sistemas ainda é desconhecido, trata-se de um sistema complexo e sinérgi-
co. O resultado final é a ativação de inúmeros mediadores vasoativos e de complexos
enzimáticos e a produção de microêmbolos 4 . O resultado final desse processo é uma
agressiva reação inf lamatória caracterizada por coagulopatia, edema celular e disfun-
ção orgânica temporária 5 .

2. Componentes proteicos

2.1 Sistema de contato


É composto por quatro proteínas plasmáticas: fator XII e XI, pré-calicreína e cininogênio
de elevado peso molecular. Quando o sangue entra em contato com a camada proteica que
reveste o circuito de circulação extracorpóreo carregada de cargas negativas, o fator XII, na
presença da pré-calicreína e do cininogênio de elevado peso molecular, sofre autoativação,
clivando o fator XII em duas proteases séricas: fator XIIa e fator XIIf.

190 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


O fator XIIa ativará o fator XIa, desencadeando a via intrínseca da coagulação. O fator
XIIa também ativará o cininogênio de elevado peso molecular, levando à formação de bra-
dicinina6, um potente peptídeo vasoativo.
Finalmente, o fator XII vai clivar a pré-calicreína, formando a calicreína, que se constitui
no mais potente mediador que visa à ativação neutrofílica e à indução da fibrinólise e, por
fim, leva à criação de um círculo vicioso, que acabará amplificando a reação inflamatória7.
2.2 Via intrínseca e extrínseca da coagulação
No caso da circulação extracorpórea, a ativação da via intrínseca tem início logo que o san-
gue entra em contato com a superfície do circuito. Na presença dos fatores cininogênios de
elevado peso molecular, XIIa que ativará o fator XI em fator Xia, teremos o passo inicial para
a ativação da via intrínseca. A via intrínseca terá seguimento com o encontro do fator IX, em
presença de fosfolipídios específicos e do Ca2+, além do fator VIII para ativar o fator X.
O fator Xa é o ponto-chave para o encontro da via intrínseca com a via extrínseca. O fator
Xa, na presença do fator V, de Ca2+ e de fosfolipídios específicos, agirá como uma protease,
que converterá a molécula da protrombina (inativa) em trombina.
A trombina apresenta uma diversidade de mecanismos hemostáticos, incluindo a ativa-
ção dos fatores V, VIII e XI e o mecanismo de ativação do fator VII. Promove ação cons-
tritora subendotelial da célula da musculatura lisa durante lesão vascular8. No entanto, a
principal ação da trombina durante a circulação extracorpórea é a clivagem do fibrinogênio
em fibrina, que ativará o fator XIII, cuja função é estabilizar e formar um tampão de fibri-
na. A ativação plaquetária via receptor específico da trombina e a estimulação adicional da
célula endotelial produzirão o fator de von Willebrand (promovendo uma agregação mais
intensa das plaquetas). Todo esse processo formará, a partir da superfície criada no circuito,
a ativação e adesão dos fatores de coagulação, que terminarão com uma explosão da trom-
bina necessária à hemostasia.
Essa é a via da coagulação que predominará durante o processo de coagulação induzida
pela circulação extracorpórea. A trombina também apresentará outras funções, como ser a
chave da formação e estimulação dos mediadores do processo inflamatório e da produção
de diversos fatores de crescimento, além de substância vasoativa que promoverá adesão neu-
trofílica, atração de macrófagos e aumento da permeabilidade vascular8.
O fator tissular - uma membrana glicoproteica da célula endotelial - vai se ligar ao fator
VII circulante, formando o complexo fator “tissular - fator VII” que, na presença de Ca 2+ e
fosfolípides catalizadores, vão converter o fator X em fator Xa. Citocinas pró-inflamatórias
liberadas durante a circulação extracorpórea podem estimular neutrófilos e monócitos que
promoverão a ativação de fatores tissulares endoteliais9-12 que, na presença de monócitos,
vão ativar o fator VII, em especial em contextos em que se observa a existência de plaquetas
ativadas, como é o caso da presença de sangue no circuito de circulação extracorpórea10,12 .
Logo, torna-se necessário a utilização de heparina para a não formação de coágulos no inte-
rior do circuito de circulação extracorpórea.
A heparina promove a alteração conformacional da antitrombina III, impedindo esta de
atuar em seu receptor e, portanto, inibindo indiretamente a formação de trombina13. A he-

Resposta inflamatória sistêmica da circulação extracorpórea (CEC) | 191


parinização não é isenta de riscos - promove trombocitopenia14, hipercalemia secundária15
(raramente) e inibição da aldosterona.

2.3 Complemento
Os quatro sistemas de proteína formados no plasma durante a circulação extracorpó-
rea é o que denominamos sistema de complemento. Um sistema natural de nossas defesas
imunológicas composto por 35 substâncias proteicas altamente citotóxicas. O ser humano
naturalmente possui fatores plasmáticos que inibem e controlam a formação desses quatro
sistemas16,17. A ativação do complemento pode ocorrer através de três vias: uma via clássica,
que envolve um sistema immune complex (anticorpo-antígeno); uma via alternativa (a ati-
vação do complemento ocorre isoladamente mediante a presença de um agente patógeno
e diante da presença de uma superfície estranha, reconhecida como non self). [Falta uma
via? Só há duas] Todas as três vias estão ligadas à mesma protease, porém, com variações
mediante a via, denominada C3 protease, que, por sua vez, vai clivar a C3 protease em C3a
e C3b. A partir desse ponto, teremos diversas clivagens, ativações e desencadeamentos de
eventos imunológicos.
A via non self é a principal via ativada durante a circulação extracorpórea que leva à hi-
drólise do C3 formando C3a e C3b. O C3b promoverá a ativação plasmática da proteína
fator B, que será clivado em fator Ba e Bb. O fator Bb promoverá a liberação de mais quan-
tidades de fator C3b e a ativação do fator C3bBb. Ao passo que Ba é produzido em menores
quantidades. Quando C3b catalisa - através da C3 convertase, C3b, em especial alguns de
seus fragmentos, por meio de uma via alternativa - promoverá a formação de C3bBbC3b. A
C3bBbC3b é também denominada C5, que, por sua vez, desencadeará outra via alternativa,
através da ativação de C5a e C5b. A C5a ativa diretamente os neutrófilos e a C5b inicia a for-
mação de membranas de ataque complexas denominadas C5b, C6, C7, C8 e um polímero de
C9. As membranas de ataque complexas comportam-se também como canais de membrana
capazes de produzir a lise celular osmótica e a morte celular.
A circulação extracorpórea também ativa a via clássica do complemento. Há provavelmente
três gatilhos para esse mecanismo: a formação do complexo heparina-protamina, a liberação
de endotoxinas da flora intestinal e a ativação de C1 pelo fator XIIa produzido nessa situação
pelo contato sangue-circuito. Essa via envolverá, por fim, três proteínas ou complementos: C1,
C2 e C4. Assim, C2 e C4 se dividirão em C2a e C4b. Essas duas substâncias são as descritas
C3 convertase. Sabe-se que a via non self possui uma alça que atua como feedback positivo em
nível de C3bBbC3b, que amplificará ainda mais a ativação do complemento3.
A formação de C3a, C4a e C5a representará um importante mecanismo inflamatório que
vai atuar como anafilotoxinas (C5a é, entre todas, a mais potente), que vão alterar a perme-
abilidade capilar e o tônus vasomotor, podendo resultar em contração da musculatura lisa
brônquica e hipotensão18. A C5a rapidamente se ligará aos neutrófilos19 e se combinará com
membranas de ataque complexas com estimulação de neutrófilos e ativação plaquetária.
Esse mecanismo levará a lise celular cardíaca e possível dano plaquetário20. A resposta está
em como poderemos frear esses processos imunológicos. Até o momento, nenhum fármaco
ou técnica tem se mostrado muito eficaz.

192 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


2.4 Fibrinólise
Quinze sistemas plasmáticos ativados durante a circulação extracorpórea correspondem
ao sistema fibrinolítico, que busca contrabalancear o sistema de coagulação21.
O plasminogênio é uma proteína inativa sintetizada no fígado e nas células endoteliais.
Apesar de ele não ser capaz de clivar a fibrina, possui grande afinidade por ela e é incorpora-
do ao coágulo quando este é formado. O plasminogênio assume a forma ativa, a plasmina,
por causa de um ativador celular (t-PA). A plasmina é uma protease sérica que promove a
degradação do coágulo após diversos dias em circunstâncias normais. A ativação da plasmi-
na, bem como sua inibição, é regulada por proteínas que incluem a α2-antiplasmina, a α-2
macroglobulina e o inibidor da fibrinólise pelo ativador da trombina. Ela ocorre continua-
mente durante a circulação extracorpórea promovida, em especial pelo pericárdio. Com o
contínuo aumento da trombina, há um progressivo incremento dos níveis da t-PA e do polí-
mero D, bem como de sua duração - células endoteliais produzem significativas quantidades
de t-PA50, fator XIIa e calicreína com amplificação do processo de fibrinólise. Há aumento
significativo de sangramento no peri e pós-operatório. Finalmente, a ativação desse ciclo
promoverá a redução da adesão e agregação plaquetária, em razão da redistribuição dos re-
ceptores da glicoproteína Ib e IIb/IIIa22-25.
2.5 Resposta celular
A resposta celular à CEC resulta, principalmente, na ativação dos leucócitos, do endoté-
lio e das plaquetas.
2.5.1 Ativação dos leucócitos
A ativação dos leucócitos, decorrente da CEC, promove quimiotaxia, adesão endotelial e
transmigração dessas células. Tal ativação é mediada pelo contato do sangue com o circuito
e pela liberação de mediadores inflamatórios, como complemento C3a e C5a, interleucinas
IL-6 e IL-8, fator ativador de plaquetas (PAF), leucotrieno B4 e endotoxina 26.
Os leucócitos ativados podem causar danos teciduais e disfunção de órgãos por vários
mecanismos. O aglomerado de leucócitos resultante da adesão endotelial pode resultar em
oclusão microvascular e isquemia do tecido ou órgão26.
A adesão dos leucócitos ao endotélio resulta da expressão da P-selectina na superfície en-
dotelial, que interage com uma glicoproteína da superfície do leucócito e, como a afinidade
é pequena, o resultado é uma ligação intermitente do leucócito ao endotélio, caracterizada
como “rolamento” dos leucócitos. Posteriormente, os leucócitos se ligam a outro tipo de pro-
teína da superfície endotelial, as β-integrinas, às quais permanecem firmemente aderidos e
cessam o deslocamento lateral27.
Os leucócitos ativados podem também promover a liberação de metabólitos tóxicos
e enzimas que podem lesionar os tecidos. Por exemplo, a transmigração de leucócitos no
compartimento intersticial é facilitada pela molécula de adesão celular endotelial plaque-
tária (PECAM-1), a qual se expressa em junções de células endoteliais. Após alcançarem o
compartimento extravascular, os leucócitos ativados liberam radicais livres reagentes com
oxigênio, proteases e elastases que aumentam a permeabilidade vascular, promovem edema,
trombose e morte das células do parênquima do órgão28.

Resposta inflamatória sistêmica da circulação extracorpórea (CEC) | 193


Além disso, as interleucinas IL-6 e IL-8 liberadas durante a CEC modulam a apoptose
celular. A apoptose é um processo de morte celular programada, mediada por um grupo
de enzimas intracelulares denominadas caspases. As interleucinas reduzem a atividade das
caspases leucocitárias e retardam o processo de apoptose dos neutrófilos, o que prolonga a
sobrevivência dos leucócitos ativados e contribui para o processo inflamatório29.
2.5.2 Ativação endotelial
A CEC promove ativação endotelial vascular indireta, por meio das citocinas, do com-
plemento ativado, das endotoxinas e pela lesão de isquemia e reperfusão1.
Alguns mediadores, como o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), a interleucina IL-1 e
as endotoxinas, ativam o endotélio a produzir moléculas de adesão de leucócitos. Especifi-
camente, a CEC resulta em expressão endotelial aumentada do fator ativador de plaquetas,
óxido nítrico, endotelina, metabólitos do ácido araquidônico, selectinas, integrinas e outras
moléculas de adesão26.
2.5.3 Ativação plaquetária
A CEC promove ativação das plaquetas e redução da contagem absoluta dessas células.
Os mediadores da ativação plaquetária são a heparina, a hipotermia e o contato direto com
o circuito da CEC26.
Durante a CEC, ocorre aumento da expressão da P-selectina plaquetária e do receptor
glicoproteína Ib (Gp Ib), o que aumenta a propensão de as plaquetas ativadas aderirem aos
leucócitos e ao endotélio vascular, respectivamente30.

3. Mediadores inflamatórios plasmáticos


3.1 Citocinas e quimiquinas
O papel das citocinas na resposta inflamatória do sistema imune tem sido recentemente
revisado31,32 . A ativação do sistema imune é observada em qualquer operação, porém, em
cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea (CEC), ocorre uma potente resposta ao es-
tresse que ativa a resposta inflamatória sistêmica (SIRS) por inúmeros mecanismos, entre
eles, o contato do sangue com a superfície estranha do circuito de CEC, a injúria por isque-
mia e reperfusão durante o clampleio e desclampleio da aorta e, por fim, a endotoxemia, que
resulta na translocação de endotoxinas através da barreira da mucosa do intestino durante
o período de hipotensão e hipoperfusão associada à circulação extracorpórea (CEC)31-34. A
resposta inflamatória depende do recrutamento e da ativação de muitas famílias de proteí-
nas, incluindo citocinas pró-inflamatórias, moléculas de adesão e quimioquinas.
As qumiocinas pertencem à subfamília das citocinas e participam do reconhecimento, da
remoção e da reparação da inflamação. As citocinas são proteínas de baixo peso molecular,
hidrossolúveis, produzidas por monócitos, macrófagos ativados, células endoteliais e outras
diversas células que agem localmente em células-alvo e por células do sistema imunológico,
através da ativação das proteinoquinases ativadas por mitógenos34. São agrupadas em in-
terleucinas (IL, enumeradas sequencialmente de IL-1 a IL-35), fatores de necrose tumoral
(TNF-α), quimiocinas (citocinas quimiotáticas), interferon (IFN) e fatores de crescimento

194 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


mesenquial35. As citocinas são divididas em pró-inflamatórias (Th1), que aumentam a ativida-
de inflamatória, e anti-inflamatórias (Th2), que atenuam a atividade inflamatória (Tabela 1).
Tabela I - Principais citocinas
Pró-inflamatórias Anti-inflamatórias
TNFα IL-1
IL-1 IL-10
IL-2 IL-13
IL-4
IL-6
IL-8
Interferon-γ
TNF-α = fator de necrose tumoral-α; IL = interleucina.
Após a lesão tecidual, ocorre uma resposta inflamatória inicial mediada por neutrófilos e ma-
crófagos. Os macrófagos respondem com a liberação de mediadores solúveis, citocinas, que, por
sua vez, modulam outras partes da resposta imune, atuando diretamente na liberação de linfóci-
tos-T, induzindo a produção a distância de enzimas (óxido nítrico) e alterando os complexos de
adesão endotelial31. Depois de se ligar a receptores específicos de membrana celular, as citocinas
iniciam uma cascata de efeitos, inclusive a liberação de citocinas a distância. Os neutrófilos res-
pondem aos mediadores inflamatórios solúveis através da aderência ao endotélio vascular em
duas etapas. Inicialmente, os leucócitos aproximam-se e rolam sobre a superfície do endotélio.
A mediação desse processo é realizada pelas três classes de seletinas: 1) L-seletina: leucócitos; 2)
E-seletinas: células endoteliais ativadas; 3) P-seletinas: células endoteliais e plaquetas.
A aderência dos neutrófilos à microvasculatura é mediada pelas integrinas, receptores de
superfície celular, e através das moléculas de adesão (ICAM) 1 e 2. Uma diferente família de
glicoproteínas de adesão intercelular, CD-11/CD-18, é responsável pelo fortalecimento da
adesão dos neutrófilos com a ICAMs e seu subsequente extravasamento para o interstício.
Juntos, ICAMS, E-seletina, CD11/CD/18 e L-seletina aumentam o processo inflamatório
mediado pelas citocinas31-34 (Figura 1).

Fig. 1 - Ilustração da resposta inflamatória à injúria.


A resposta inflamatória das citocinas pró-inflama-
tórias causa a adesão dos neutrófilos na superfície
do endotélio. Células musculares e outras são es-
timuladas a aumentar a produção de óxido nítrico.
Na presença de O2, forma-se o peróxido (ONOO−),
que causa dano celular (Myers31)

Resposta inflamatória sistêmica da circulação extracorpórea (CEC) | 195


Esquematicamente, as citocinas são classificadas em: 1) fatores de crescimento (p. ex.,
TGFβ, fator transformador de crescimento β); 2) moduladores da quimiotaxia leucocitária,
também conhecida como qumiocinas (IL-5 e IL-8); 3) moduladores da função linfocitária
(IL-2 e IL-4); 4) moduladores da resposta inflamatória (IFN-γ, IL-1, IL-6 e TNFα)31,32 .
3.2 Fator de necrose tumoral alfa (TNF-α)
A TNF-α é uma citocina pró-inflamatória apontada recentemente como o fator crítico
para o início da cascata das citocinas, responsável pela indução da ICAM-1 e subsequente
lesão induzida pelos neutrófilos aderidos ao endotélio através dessa molécula 36. Níveis plas-
máticos dessas citocinas se elevam mais rapidamente que os outros mediadores nos pacien-
tes em circulação extracorpórea, causando hipotensão, coagulopatia e disfunção renal, o
que prolonga a permanência hospitalar e aumenta a ocorrência de SIRS e disfunção múltipla
de órgãos e sistemas (MODS)31.
3.3 Interleucina-6 (IL-6)
A IL-6 é produzida por células T, células endoteliais e monócitos, sendo mediadora da
resposta à fase aguda da lesão. Além disso, contribui para a diferenciação final e secreção
de imunoglobulinas pelas células B, assim como a ativação de células T. Já foi descrita de
várias formas; interferon-β; fator 26k; fator estimulador de células B; fator de crescimento
de plasmocitoma; fator de crescimento de hibridoma; fator estimulador de hepatócitos ou
fator diferenciador de células T citotóxicas e, posteriormente, renomeada de IL-634.
Está bem documentado que o aumento da IL-6 é um fator preditivo de infecção após ci-
rurgia cardíaca em pacientes com função ventricular esquerda deteriorada. O pico de valor da
IL-6 ocorre quatro horas após o início da circulação extracorpórea e serve como guia no trata-
mento precoce de infecção pós-cirúrgica, diferentemente de exames laboratoriais convencio-
nais, por exemplo, da medida da proteína C reativa e da contagem de leucócitos no sangue, que
não diferenciam infecção precoce de síndrome da resposta inflamatória sistêmica37.
Episódios de isquemia no eletrocardiograma e movimentos anormais da parede miocár-
dica têm sido correlacionados com o aumento inicial da IL-6, além do papel depressor do
miocárdio e pirógeno38. A IL-6 é a melhor citocina preditora dos efeitos adversos da libe-
ração das citocinas, e a diminuição de seus níveis durante a CEC é importante. A duração
do clampleio aórtico não influencia a magnitude da resposta inflamatória, e sim o tempo de
CEC, lembrando que esses estudos foram feitos em pacientes que não receberam nenhum
tipo de hemoderivado39. Há evidências de que o uso de corticoides na indução anestésica
possa reduzir os níveis da IL-6.
3.4 Interleucina 8 (IL-8)
A IL-8 é um potente fator quimiotático para neutrófilos e estimulador de neutrófilos
polimorfonucleares no endotélio pulmonar e celular. Sabe-se que há maior aumento da
IL-8 no macrófago pulmonar em relação ao plasma. O tecido pulmonar também contribui
para o aumento da IL-8, e sua concentração foi encontrada aumentada no lavado brônquico
pulmonar10. O aparecimento da IL-8 é associado com o aumento da elastase, uma protease
presente nos grânulos lisossomais dos leucócitos ligada à disfunção orgânica e influenciada

196 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


por variações de temperatura comuns durante a CEC (resfriamento e aquecimento), resul-
tando em edema por aumento da permeabilidade capilar34. O uso de metilprednisolona no
intraoperatório diminui a produção plasmática e pulmonar da IL-8 40.
3.5 Interleucina 10 (IL-10)
A IL-10 é uma citocina anti-inflamatória capaz de diminuir as taxas das IL pró-infla-
matórias (IL-6, IL-8 e FNT-α) e exercer uma função cardioprotetora, inibindo a interação
neutrófilo-endotélio. Ela inibe a proliferação de células musculares da vasculatura lisa,
representando uma fonte de proteção endógena, principalmente nos pacientes revascula-
rizados. A utilização de glicocorticoides e aprotinina no início da CEC pode aumentar a
produção de IL-10, que se origina primariamente no fígado34.
3.6 Endotelina (ET)
As substâncias vasoconstritoras secretadas pelas células endoteliais, designadas fatores
de contração derivados do endotélio (EDCFs), incluem as endotelinas (ET) e os fatores
produzidos pela via da ciclicoxigenase, como prostaglandinas H2, tromboxano H2 e ânions
superóxidos. As endotelinas são potentes peptídeos vasoconstritores e apresentam-se em
três isoformas: ET-1, ET-2 e ET-3. O endotélio vascular só produz ET-1, que é diretamente
liberada nas células musculares lisas e um pouco na luz do vaso. Existem três tipos de recep-
tor das endotelinas: ETA, ETB e ETC, e o ETB é encontrado preferencialmente nas células
endoteliais. A ativação desses receptores induz à liberação de óxido nítrico e prostaciclinas e
explica a vasodilatação inicial transitória pela aplicação intralumial da ET34. A ET-1 tem um
papel importante no desenvolvimento da hipertensão pulmonar pós-CEC, e a utilização de
antagonistas do receptor da endotelina pode reduzir a resistência vascular pulmonar e, de
forma menor, a resistência vascular sistêmica (RVS).
Kuklin e col.41 demonstraram que o antagonista dos receptores das endotelinas, Tezo-
sentan, reduz o edema pulmonar em carneiros com lesão pulmonar, porém, os benefícios
dessa droga ainda são desconhecidos. O mecanismo para o Tezosentan induzir à diminui-
ção da lesão pulmonar em resposta à liberação das endotelinas parece ser o de atenuação da
isoforma da proteinoquinase C (PKC), que é responsável pela ruptura da barreira endote-
lial. Bloqueadores das endotelinas não influenciam o fluxo sanguíneo miocárdico imediato
após cirurgia de revascularização miocárdica, pois as ET não têm influência no tônus basal
dos vasos coronarianos.
3.7 Óxido nítrico (NO)
O aumento da concentração do óxido nítrico durante a cirurgia com CEC já está bem
documentado42 . O estresse oxidativo resultante do desequilíbrio entre as defesas locais
antioxidantes e a formação de radicais livres derivados da reação do oxigênio é conhecido
na reperfusão miocárdica durante uma cirurgia cardíaca. O aumento dos radicais livres
representa um risco potencial para o miocárdio e para a elevação de complicações pulmo-
nares após a CEC31. O uso de CEC com altas concentrações de oxigênio induz à formação
de radicais livres, e esse aumento resulta em dano pulmonar e subsequente diminuição da
capacidade pulmonar e do volume expiratório forçado no primeiro segundo (FEV1).

Resposta inflamatória sistêmica da circulação extracorpórea (CEC) | 197


A ativação de células polimorfonucleares (PMNs) pode liberar enzimas proteolíticas e
quimicamente oxidativas para a circulação sistêmica e para o tecido pulmonar. Essas subs-
tâncias incluem produtos da degradação da matriz das metaloproteinases e dos radicais
livres derivados do oxigênio (mieloperoxidase, peróxido de oxigênio e superóxidos). Essas
enzimas são capazes de desenvolver lesões pulmonares pós-CEC, por meio do aumento da
permeabilidade pulmonar do endotélio alveolar, prejudicando a troca gasosa e a mecânica
ventilatória. A contribuição da mieloperoxidase ainda é controversa no dano pulmonar,
porém, seus níveis aumentados pós-CEC sugerem sua relação com lesão tecidual 32 .
Citocinas como TNF-α promovem a rápida indução da sintase do óxido nítrico (iNOS)
e têm como consequência o aumento da produção de óxido nítrico. A concentração do
óxido nítrico nas vias aéreas pode ser analisada por uma técnica de quimioluminescência
(analisador de óxido nítrico modelo 270 B Noa; Sievers Instruments, INC, Boulder, CO,
USA), e estudos concluíram que a aprotinina reduz a produção in vivo de NO e das citocinas
indutoras de nitritos pelas células epiteliais bronquiais in vitro.
Os glicocorticoides, como as aprotininas, diminuem a reação inflamatória plasmática42 .
Em transplante cardíaco, a produção do NO implica rejeição e morte dos miócitos (apopto-
se), então, mecanismos para reduzir os mediadores são benéficos41.
3.8 Metabolismo do ácido araquidônico
Metabólitos do ácido araquidônico, como prostaglandinas, prostaciclina, leucotrienos
e tromboxano (TXB2), são mediadores da reação inflamatória no pulmão e têm potentes
propriedades vasoativas.
As prostaglandinas e prostaciclinas E2 causam vasodilatação pulmonar, assim como os
leucotrienos -C4 e o tromboxane B2 (TBX2). O papel dos mediadores na função pulmo-
nar após a CEC não é inteiramente esclarecido. Sabemos que o pulmão é a maior fonte de
liberação de TXB2 após isquemia e reperfusão e a correlação entre TXB2 e deterioração
pulmonar tem sido bem demonstrada. Maior injúria pulmonar após a CEC está associada
às altas concentrações de TXB2 e baixas de prostaglandinas E2. Esse desequilíbrio favorece
o aparecimento de edema pulmonar pós-CEC, além do aumento da cicloxigenase -2, que
contribui para agravar esse quadro32 .
3.9 Endotoxemia
A endotoxina, ou lipopolissacarídeo (LPS), é um componente-chave da membrana ce-
lular de uma bactéria Gram-negativa. A endotoxina é um dos mais potentes ativadores da
SIRS. Foi identificada no soro dos pacientes por translocação do fragmento do LPS, por
meio da barreira mucosa intestinal, durante o período de hipotensão e hipoperfusão asso-
ciada à CEC. A correlação do grau da endotoxemia com os efeitos clínicos é de difícil deter-
minação, mas estima-se que 100% dos pacientes apresentam endotoxemia, embora alguns
trabalhos mostrem variabilidade nessas porcentagens. Essa variabilidade na mensuração da
endotoxemia parece se dar por causa do método laboratorial empregado: a análise da endo-
toxina in vivo é realizada tradicionalmente pelo método Lysate Amoebocyte Limulus (LAL),
porém, existe outro método diagnóstico, por meio da análise da atividade da endotoxina
(EAA). Essa análise, por meio do método LAL, sofre interferência de proteínas plasmáticas,

198 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


eletrólitos, antibióticos, metais, hormônios, diluição do plasma por soluções cristaloides ou
hemodiluição utilizadas em CEC. Klein e col.43 realizaram pesquisa da endotoxemia através
do método alternativo EAA e evidenciaram: 1) altos níveis de endotoxemia nos paciente
em CEC; 2) correlação do tempo de CEC com o aumento da endotoxemia e 3) aumento
do risco de o paciente desenvolver infecções no pós-operatório após CEC. Estratégias para
diminuir o grau de endotoxemia incluem: antagonistas dos receptores toll-like (TLR4);
sistema extracorpóreo removedor de endotoxinas e cirurgia cardíaca sem CEC. Terapia
com anticorpos monoclonais antiendotoxinas tem sido utilizada, porém, essa terapêutica
tem sido um tanto quanto desapontadora, em parte por causa da dificuldade de medir as
endotoxinas antes ou durante a CEC43-45.

4. Estratégias terapêuticas anti-inflamatórias mecânicas


4.1 Hemofiltração
A mistura do sangue do paciente com a solução de priming no início da CEC resulta em
abrupta hemodiluição. Essa hemodiluição convencional é benéfica por facilitar a perfusão dos
tecidos. Entretanto, se o hematócrito cair abaixo dos 23%, ocorre o aumento do edema inters-
ticial em órgãos vitais e consequente elevação da mortalidade46,47. A ultrafiltração modificada
(UFM) é realizada imediatamente após o término da CEC; o sangue é retirado da linha ve-
nosa (cânula venosa do átrio direito) e bombeado através do ultrafiltro. Depois de atravessar o
ultrafiltro, o sangue ingressa na circulação do paciente, por meio da cânula aórtica.
A UFM é utilizada em cirurgia cardíaca com CEC para remover o volume de priming e
reduzir o edema pós-operatório, a água corporal total, resultando em melhora da oxigena-
ção pulmonar. Além dessas funções, a ultrafiltração remove citocinas pró-inflamatórias33.
Estudos demonstram a redução das IL-6, IL-8 e tromboxane B2, porém, parece não afetar
os níveis das endotelinas. Observaram-se também redução significativa na complacência
pulmonar, diminuição da resistência das vias aéreas, aumento das trocas gasosas após a
CEC e diminuição do gradiente de oxigênio alvéolo-capilar (P(A-a) O2). Todos esses efeitos
são observados somente nas primeiras seis horas após a CEC, e não existem resultados que
confirmem melhora nas respostas clínicas em relação a tempo de entubação, permanência
na unidade de terapia intensiva ou alta hospitalar46.
A ultrafiltração zero balance é outro método de hemofiltração, em que se adicionam altos
volumes de solução no priming da CEC com posterior hemofiltração de todo o fluido, finali-
zando com balanço zero. É eficiente na redução da quantidade de mediadores inflamatórios
associados à CEC e na proteção à injúria pulmonar, mas não está associada à redução da
incidência de déficits cognitivos48.
4.2 Filtros leucocitários
Desde que estudos comprovaram o importante papel dos leucócitos na lesão pulmonar, ini-
ciou-se o uso de filtros leucocitários com o intuito de reduzir a concentração deles, porém, com
resultados ambíguos. Alguns estudos atestam redução dos níveis de IL-8, preservação da função
pulmonar e redução dos radicais livres enquanto outros não demonstram essa diferença 3,32,46-49.
Outros estudos demonstram - embora exista remoção dos leucócitos da circulação - que a conta-

Resposta inflamatória sistêmica da circulação extracorpórea (CEC) | 199


gem dos neutrófilos sistêmicos pode ou não ser reduzida, lembrando que os filtros não oferecem
nenhuma preservação da função pulmonar na CEC menor que 90 minutos de duração. Warren e
col.50, em uma revisão extensa, concluíram que os filtros removem os leucócitos ativados, embora
não necessariamente diminuam o número deles. Segundo: uma melhora relativa dos parâmetros
da função pulmonar não diminui a mortalidade ou os resultados clínicos, apesar da atenuação
da resposta inflamatória, e, finalmente, não existem evidências de dados suficientes para tornar
rotineiro o uso dos filtros leucocitários em cirurgia cardíaca. O papel da SIRS na incidência da
fibrilação atrial - uma arritmia que ocorre comumente em 20% a 50% dos pacientes nos primei-
ros dois ou quatro dias do pós-operatório de cirurgia cardíaca - ainda não é claro, mas parece ser
multifatorial, e a hemofiltratação não diminui a incidência dela.
4.3 Temperatura
Em pacientes com temperatura de 28 oC a 30 oC, observou-se uma redução da expressão
de moléculas de adesão de leucócitos, elastases neutrofílicas, TNF-α, IL-1 e IL-652 . Entre-
tanto, ainda não é decisivo o benefício clínico da hipotermia, uma vez que os estudos apre-
sentam conclusões conflitantes53,54.
4.4 Fluxo da CEC
Em razão do fato de o fluxo sanguíneo normal ocorrer de maneira pulsátil em condições
fisiológicas, surgiu a hipótese de que a imitação desse tipo de fluxo durante a CEC reduziria
a resposta inflamatória sistêmica. Embora alguns estudos demonstrem a redução da libera-
ção de endotoxinas e mediadores pró-inflamatórios, os resultados de outros estudam não
apontam nessa direção26,55.
4.5 Circuitos revestidos com heparina
Os circuitos da CEC revestidos com heparina parecem promissores. Comparados com
os circuitos convencionais, reduziram a ativação do complemento, os níveis de citocina e a
expressão de moléculas de adesão endotelial 26.
Clinicamente, observou-se também a redução da incidência de alterações cognitivas em
pacientes que foram submetidos a esses circuitos55.

5. Estratégias terapêuticas anti-inflamatórias farmacológicas


Podemos classificar as estratégias de combate à reação inflamatória sistêmica secundária
à circulação extracorpórea como sendo: estratégias farmacológicas; estratégias técnicas (de
perfusão e do próprio circuito de circulação extracorpórea) e, por fim, desde que possível, a
não utilização da circulação extracorpórea.
Não há uma única estratégia farmacológica que tenha como objetivo inibir a reação in-
flamatória aguda como um todo, embora diversos protocolos vêm sendo estudados, alguns
com resultados melhores e outros com resultados poucos satisfatórios56.
5.1 Antifibrinolíticos
O uso dos antifibrinolíticos após a “era” da aprotinina, em busca não somente do efeito
antifibrinolítico, mas também de uma ação anti-inflamatória agregada, não se mostrou efi-

200 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


caz. O efeito anti-inflamatório da aprotinina mostrava-se mais evidente que os fármacos e
protocolos atualmente utilizados, em especial quando associado a outros fármacos57.
Cappabianca demonstrou, em uma metanálise, que o uso de corticoide, metilpredni-
solona (51,4%), dexametasona (34,3%), hidrocortisona (5,7%), prednisolona (2,9%) ou a
combinação de metilprednisolona e dexametasona (5,7%) mostrou-se capaz de atenuar a
resposta, reduzindo a incidência de fibrilação atrial, sangramento e tempo de permanên-
cia em unidade de terapia intensiva, sem aumento na incidência de infecção no período
pós-operatório. Defendia, assim, a utilização de corticoide durante a cirurgia cardíaca
associada à circulação extracorpórea. Observação esta sustentada por Eagle e col. em gui-
deline elaborado por uma força conjunta designada pelo American College of Cardiology/
American Heart Association, elaborado em 2004, como revisão de guideline previamente
elaborado em 199958,59.
Pode-se observar que tanto o uso do corticoide como da aprotinina é capaz de inibir
a ativação do complemento, a produção de plasmina e a adesão leucocitária e reduzir
a produção de citocinas. No entanto, a utilização do corticoide não é capaz de inibir,
assim como a aprotinina é capaz de realizar, a supressão de interleucina 10. Por outro
lado, o corticoide mostrou-se capaz de impedir a produção de óxido nítrico por ação
direta com o óxido nítrico sintetase, que se mostra, até o momento, substância respon-
sável pela vasoplegia 60.
A aprotinina, adicionalmente, se apresenta protetora junto com a degradação das plaque-
tas, ação não promovida pelo corticoide60. Numa metanálise, foi comparada a perda sanguí-
nea quando da associação do ácido tranexâmico com o corticóide e do ácido tranexâmico
isoladamente, bem como do ácido tranexâmico e a aprotinina. Não foi demonstrada perda
sanguínea significativa entre os protocolos descritos61.
5.2 Sangue e hemoderivados - uso do hemoconcentrador
A hemoconcentração também parece ser capaz reduzir alguns mediadores inflama-
tórios, como as citocinas e demais componentes da reação inflamatória induzida pela
circulação extracorpórea62-64.
5.3 N-acetilcisteína
A N-acetilcisteína tem estado associada à redução de substâncias mediadoras do pro-
cesso inflamatório induzido pela circulação extracorpórea, com redução da produção de
citocinas e de radicais livres. Recente metanálise com a N-acetilcisteína não foi capaz de
demonstrar tal efeito sem que houvesse aumento na taxa de morbidade e mortalidade65,66.
5.4 Eritropoietina
Outra substância também associada ao combate à reação inflamatória da circulação
extracorpórea é a eritropoetina administrada no período perioperatório. No entanto, es-
tudos prospectivos, aleatórios, duplamente encobertos, placebo controlados utilizando a
eritropoetina em doses baixas e elevadas têm demonstrado que ela não é capaz de reduzir
a liberação de citocinas inflamatórias, além de poder aumentar a produção do fator de
necrose tumoral-α 67,68.

Resposta inflamatória sistêmica da circulação extracorpórea (CEC) | 201


5.5 Varredores de radicais livres e antioxidantes
Substâncias possivelmente dotadas de ação antioxidante vêm sendo estudadas em ani-
mais com alguns resultados “encorajadores”, entre elas podemos citar: manitol, alopurinol,
superóxido dismutase, catalase, vitamina C e vitamina E. Podemos aqui também citar a
N-acetilcisteína descrita anteriormente. No entanto, os resultados observados em estudos
com seres humanos não encorajam, nem preconizam, a utilização dessas substâncias em
seres humanos, visando ao combate da ação antioxidante ligada à circulação extracorpórea.
Alguns estudos em seres humanos demonstraram que a cardioplegia cristaloide é capaz de
promover resultados melhores que a cardioplegia sanguínea. No entanto, paira a questão
no ar: os melhores resultados dependeriam ou não da presença dos elementos figurados e
seus hemoderivados? Existem novas substâncias sendo estudas experimentalmente, porém,
trata-se apenas de mais uma possível opção69.
5.6 Inibidores do complemento
Substâncias capazes de inibir a ativação do complemento estão sendo estudadas. Trata-
-se de substâncias de fase precoce associadas à reação inflamatória da circulação extracor-
pórea. Estudos aleatórios e retrospectivos foram analisados. A substância até o momento
mais estudada é o pexelizumab, no entanto, os resultados são pouco encorajadores70-73.
5.7 Inibidores da fosfodiesterase
Os inibidores da fosfodiesterase aumentam os níveis intracelulares de adenosina monofosfato
cíclica e seu mecanismo celular de ação clínica, e acredita-se também que combatam a reação
inflamatória associada à circulação extracorpórea. A milrinona, inibidora específica da fosfo-
diesterase III, reduz a produção de interleucina-6 e interleucina 1β e pode aumentar a perfusão
gastrointestinal, reduzindo, assim, a endotoxemia por translocação bacteriana isquêmica. No
entanto, sua utilização para esse fim ainda é incerta e necessita de confirmação clínica69,74.
5.8 Outros
Outros fármacos que podem ser citados é o nitroprussiato de sódio, um doador de óxido
nítrico. Seu mecanismo de ação ainda é incerto - parece reduzir a ativação do complemento
e a expressão de certas substâncias inflamatórias69,75. A heparina já foi investigada, porém,
se há uma ação anti-inflamatória, é de difícil comprovação. O mesmo pode-se dizer sobre a
dopexamina, os antagonistas H2 e os inibidores da enzima conversora da angiotensina69,76.
Encontraram-se boas evidências em animais com o uso da morfina quando comparado a ou-
tros opioides, porém, seu mecanismo de ação é incerto26,69. Por fim, temos um agente sendo
estudado experimentalmente em animais que tem se mostrado capaz de inibir a ativação do
complemento e a adesão leucocitária endotelial, denominado sCR1sLe(X)69.
6. Conclusões
Embora o entendimento atual sobre a fisiopatogenia da resposta inflamatória à CEC
tenha avançado nas últimas décadas, as ideias experimentais necessitam ser integradas à
prática clínica. Algumas vezes, o tratamento da inflamação é confundido com a supressão
de uma resposta fisiológica protetora que pode resultar em imunossupressão. Embora seja

202 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


improvável que uma única estratégia terapêutica seja suficiente para evitar a morbidade
associada à CEC, a combinação de múltiplas medidas farmacológicas e mecânicas, cada
uma delas direcionada a um componente da resposta inflamatória, pode promover melhora
clínica significativa nos resultados da cirurgia com CEC.

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206 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Capítulo 13

Técnicas de separação
pulmonar – atualização
Bruno Mendes Carmona
Rosalice Miecznikowski
Enis Donizetti Silva
Técnicas de separação pulmonar – atualização
A evolução de procedimentos e técnicas anestésicas ao longo dos anos pode ser con-
siderada um dos principais fatores responsáveis pelo avanço da cirurgia torácica. O atual
conhecimento da mecânica e fisiologia pulmonar permite ao anestesiologista garantir boas
condições à equipe cirúrgica para que esta realize as intervenções necessárias com adequa-
da segurança ao paciente1.
A maioria dos procedimentos torácicos é realizada com o paciente em decúbito lateral
oposto ao sítio cirúrgico, isto é, utiliza-se o decúbito lateral esquerdo para abordagem do
pulmão direito e vice-versa. O pulmão inferior, em contato com a mesa cirúrgica, é dito
dependente, enquanto o superior, a ser operado, é dito não dependente.
O anestesista deve zelar pelo posicionamento adequado do paciente, inclusive utilizando
coxins para estabilizar o corpo do paciente anestesiado e evitar lesões compressivas e estira-
mento de nervos periférico (Figura 1).

Fig. 1 - A) decúbito lateral inadequado, sem coxins protetores; B) decúbito lateral adequado, com
coxins protetores
O decúbito lateral, com paciente respirando espontaneamente com o tórax fechado,
induz alterações fisiológicas importantes, cujo conhecimento é fundamental para a compre-
ensão das demais mudanças causadas por abertura do tórax, apneia (paciente anestesiado) e
ventilação controlada com pressão positiva1-3.
Durante o decúbito lateral, o fluxo sanguíneo pulmonar, por influência da gravidade, é
maior no pulmão dependente, que sofre compressões externas do mediastino e do abdome.
Além disso, trabalha na porção mediana da faixa de complacência pulmonar. O pulmão não
dependente não sofre compressões externas e trabalha na porção superior da faixa de com-
placência pulmonar, cuja perfusão é inadequada (Figura 2)1,4.

208 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Fig. 2 - Com o paciente acordado, em decúbito lateral, o pulmão inferior situa-se na faixa em que a relação
ventilação-perfusão é melhor (lado esquerdo da figura); com o paciente anestesiado, em decúbito lateral, o
pulmão superior situa-se na faixa de melhor relação ventilação-perfusão; no entanto, esse pulmão não será
ventilado (lado direito da figura); com o paciente anestesiado em decúbito lateral, o pulmão inferior situa-
-se na porção não complacente da curva volume-pressão

As zonas de West distribuem-se entre os pulmões dependente e não dependente, estando


a zona 1 na porção mais superior do pulmão não dependente e a zona 3 na porção mais infe-
rior do pulmão dependente (Figura 3). A zona 2 abrange as regiões próximas ao mediastino.
Assim, há predomínio do efeito shunt no pulmão inferior e efeito espaço morto no pulmão
superior, semelhante ao que ocorre com a posição supina, em que o efeito shunt predomina
nas bases pulmonares e efeito espaço morto nos ápices1,2 .

Fig. 3 - Zonas de West em decúbito lateral; o pulmão inferior é o dependente e o superior, o não dependen-
te; observar correspondência entre as zonas de West na posição ereta e durante o decúbito lateral

Em situações normais, o pulmão direito é responsável por 55% da capacidade resi-


dual funcional (CRF) e o esquerdo, 45%. Uma pesquisa que visa à diminuição do risco
de trauma causada por volume recomenda a utilização da mesma pressão de platô (30
cm H 2 O) durante a ventilação pulmonar mono ou bilateral com aumentos modestos
na frequência respiratória 5 . No passado, era comum o uso de volumes correntes ele-
vados (10 ml/kg) para melhorar a oxigenação durante a ventilação monopulmonar,

Técnicas de separação pulmonar – atualização | 209


no entanto, essa prática está associada a maior incidência de lesões pulmonares 6-8 .
Manobras de recrutamento alveolar têm sido estudadas para melhorar o manejo da
ventilação monopulmonar 9.
O óxido nítrico inalado pode melhorar a oxigenação durante a ventilação monopul-
monar, porém, os melhores resultados são obtidos quando há o uso concomitante de
pressão expiratória final positiva (PEEP). Baixas doses de almitrina associadas a óxido
nítrico inalado também podem beneficiar o paciente e melhorar a oxigenação em anes-
tesia monopulmonar10 .

1. Indicações para a separação monopulmonar


O domínio da mecânica e fisiologia pulmonar permite a realização de anestesia com
ventilação monopulmonar, garantida pelo isolamento pulmonar, por meio de bloqueadores
brônquicos, tubos endobrônquicos de lúmen único ou duplo.
As indicações para a realização de anestesia monopulmonar são divididas em absolutas
e relativas.

Indicações absolutas (Tabela 1)


– Controle de secreções - este é o objetivo mais importante das técnicas de isolamento
pulmonar: garantir que o pulmão não operado (inferior ou dependente) não seja
contaminado por secreções purulentas (abscessos pulmonares) ou sangue (hemor-
ragia maciça), sendo fundamental para a manutenção das trocas gasosas adequadas
do paciente1,11.
– Controle da ventilação - existem patologias pulmonares em que a ventilação ex-
clusiva do pulmão sadio beneficia sobremaneira o paciente anestesiado: na pre-
sença de fístulas broncopleurais ou broncopleurocutâneas de alto débito, cistos
ou bolhas pulmonares unilaterais e ruptura ou trauma do brônquio fonte2 . A ven-
tilação monopulmonar permite que as trocas gasosas sejam mais eficientes que na
ventilação bilateral.
– Lavagem brônquica unilateral - o isolamento pulmonar é obrigatório para evitar a con-
taminação do pulmão sadio2.
– Cirurgia torácica videoassistida - a separação pulmonar garante melhores condições
e campo cirúrgico para visão em duas dimensões e vem aumentando a realização
desses procedimentos2 .

Indicações relativas - exposição do campo cirúrgico2,12 (Tabela 1)


– Alta prioridade - a anestesia monopulmonar para pneumonectomia, lobectomia supe-
rior e correção de aneurisma de aorta torácica melhora significativamente a exposição
do campo cirúrgico.
– Baixa prioridade - cirurgias do esôfago, lobectomia média e inferior e toracoscopia
podem ser realizadas com ventilação bilateral convencional. No entanto, o isolamento
pulmonar, com colapso do lado abordado, pode melhorar o campo cirúrgico.

210 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Tabela I – Indicações de ventilação monopulmonar
Absolutas
1. Isolamento pulmonar para prevenir a contaminação do pulmão sadio
a. Infecção (abscesso, cisto infectado)
b. Hemorragia maciça
2. Controle da distribuição para apenas um pulmão
a. Fístula broncopleural
b. Fístula broncopleurocutânea
c. Cisto ou bolhas unilaterais
d. Ruptura ou trauma de brônquio fonte
3. Lavagem brônquica unilateral
4. Cirurgia toracoscópica videoassistida
Relativas
1. Exposição cirúrgica - alta prioridade
a. Aneurisma de aorta torácica
b. Pneumonectomia
c. Lobectomia superior
2. Exposição cirúrgica - baixa prioridade
a. Cirurgia de esôfago
b. Lobectomia média ou inferior
c. Toracoscopia sob anestesia geral
d. Cirurgias na coluna torácica

2. Técnicas
As técnicas de isolamento pulmonar incluem o uso de bloqueadores brônquicos (BB),
tubos brônquicos de lúmen único e tubos de duplo lúmen (TDL). Os BB são inseridos no
pulmão, que deve ser colapsado, e os TDL devem ser introduzidos no pulmão dependente.
No entanto, os TDL podem ser inseridos para os dois lados, havendo tendência para ser
inserido à esquerda, por causa do comprimento do brônquio fonte esquerdo, cuja primeira
ramificação encontra-se a mais de 5 cm da carina, permitindo, assim, a ventilação adequada
para ambos os lados11,13.
2.1 Tubos de duplo lúmen
Atualmente, os TDL são os dispositivos mais utilizados para separação pulmonar e ven-
tilação monopulmonar. Basicamente, são duas sondas traqueais unidas, sendo um lúmen
mais curto (traqueal) e outro mais longo, para alcançar o brônquio fonte. Possuem também
dois balonetes, um proximal, para vedar a traqueia, e outro distal, para vedar o brônquio
fonte e isolar os pulmões um do outro1,12,14.
Todos os TDL possuem uma curvatura proximal para facilitar sua inserção na traqueia
e outra curvatura distal para facilitar sua inserção no brônquio fonte. Essa curvatura distal
pode ser direita ou esquerda, de acordo com o lado a ser entubado12 .
Existem TDL direitos e esquerdos que devem ser introduzidos no brônquio fonte direito
e esquerdo, respectivamente. O brônquio fonte a ser entubado é o do pulmão sadio, isto
é, aquele que será ventilado durante a anestesia monopulmonar. Então, os tubos direitos
são utilizados para toracotomia esquerda e os tubos esquerdos, para toracotomia direita. As

Técnicas de separação pulmonar – atualização | 211


entubações seletivas à direita podem excluir o lobo superior direito por deslocamento ou
posicionamento inadequado da fenda de ventilação, que deve coincidir com o orifício do
brônquio do lobo superior direito. A entubação seletiva à esquerda pode ser utilizada para
toracotomia esquerda, sendo o pulmão direito ventilado pelo orifício traqueal do TDL com
os dois balonetes insuflados. Quando há necessidade de manipulação do brônquio fonte
esquerdo, o tubo deve ser recuado e o balonete distal, insuflado na traqueia, garantindo,
assim, a ventilação do pulmão direito (Figura 4). Essa situação não é possível quando há
compressão externa das vias aéreas ou lesão proximal do brônquio fonte esquerdo1,12 .

Fig. 4 - A) pneumonectomia direita com tubo de duplo lúmen esquerdo; B) pneumonectomia esquerda com
tubo de duplo lúmen direito; C) pneumonectomia esquerda com tubo de duplo lúmen esquerdo recuado

Anatomicamente, é importante ressaltar que o brônquio fonte direito é mais calibroso


e verticalizado, sendo praticamente uma continuação da traqueia, o que facilita sua entu-
bação com simples progredir do tubo. Já o brônquio fonte esquerdo é menos calibroso e
mais horizontalizado, formando um ângulo de 45o com a traqueia, sendo mais difícil sua
entubação às cegas12 .
O tamanho do TDL a ser utilizado deve ser o maior possível para o paciente em questão.
Os tubos de maior diâmetro são mais facilmente posicionados, possuem menor deslocamen-
to e menor resistência ao fluxo de gases. A passagem do fibroscópio e da sonda de aspiração
também é mais fácil. A desvantagem desse maior diâmetro está relacionada a maior risco de
lesão traqueobrônquica, enquanto tubos de tamanhos inadequados ainda podem necessitar
de maior volume para encher o balonete distal, o que aumenta o risco de isquemia da muco-
sa brônquica e herniação do balonete além da carina, causando obstrução da ventilação do
outro pulmão1,12 .
Após a inserção do TDL, deve ser realizada a verificação clínica do posicionamento
deste, obedecendo à seguinte sequência2:
1. Insuflar o balonete traqueal e checar a ventilação bilateral;
2. Insuflar o balonete brônquico e checar a ventilação bilateral;
3. Alternar o bloqueio da ventilação dos conectores do tubo de duplo lúmen e checar a
ventilação. O murmúrio vesicular deve desaparecer do lado bloqueado e continuar audível
do lado contralateral (ventilado).
A fibroscopia flexível permite a visualização direta da traqueia e do brônquio fonte, sendo
considerado o padrão para o correto posicionamento dos tubos de duplo lúmen14. Depois de in-
troduzir o TDL na traqueia, o fibroscópio deve ser inserido pelo lúmen brônquico, avançado até

212 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


o brônquio e, após a identificação das estruturas brônquicas, o tubo deve ser deslizado até o po-
sicionamento desejado e insuflado o balonete. Por fim, o fibroscópio deve ser retirado (Figura 5).
Quando se entuba o brônquio fonte direito, a fenda do balonete distal deve coincidir com
o orifício do brônquio do lobo superior direito. Após a mudança para o decúbito lateral, a
fibroscopia deve ser repetida para confirmar o posicionamento correto do tubo, assim como
deve ser realizada sempre que houver dúvidas sobre esse posicionamento. Em casos de en-
tubação traqueal difícil, o paciente deve ser entubado acordado1,2,12,15.

Fig. 5 - A) inserção do broncoscópio pelo lúmen


brônquico até a identificação das estruturas brô-
nquicas; B) posicionamento do TDL sob visão
direta das estruturas brônquicas

Os TDL estão relacionados com complicações decorrentes do mau posicionamento des-


tes, lesão das vias aéreas e hipóxia. O mau posicionamento pode ocasionar falha no colapso
do pulmão não dependente, isolamento pulmonar inadequado com contaminação por san-
gue ou pus do pulmão sadio e atelectasia do lobo superior direito. O mau posicionamento
pode ser decorrente da mobilização do paciente, por inserção exagerada do tubo, ficando
ambos os lúmens situados em um dos brônquios fonte, ou por inserção insuficiente do tubo,
com ambos os lúmens situados na traqueia (Figura 6).
A lesão das vias aéreas é a mais temida e inclui lesão de partes moles, deslocamento de
cartilagens (aritenoide) e ruptura traqueobrônquica, com enfisema subcutâneo, pneumo-
mediastino, pneumotórax, instabilidade hemodinâmica e hemorragia pulmonar. Essas
lesões podem ser causadas por escolha inadequada do tamanho do tubo, gancho carineal
ou mudança de decúbito. A hipóxia, entre as várias causas, pode ser originada pelo shunt ins-
talado por distribuição desproporcional do fluxo sanguíneo entre os pulmões dependente e
não dependente, alterando a relação ventilação-perfusão1,2,12 .

Fig. 6 - Mau posicionamento do TDL; A) TDL posicionado muito fora, pouco inserido; B) TDL esquerdo
posicionando muito dentro do brônquio fonte esquerdo; C) TDL direito posicionado muito dentro do
brônquio fonte direito

Técnicas de separação pulmonar – atualização | 213


As contraindicações para o uso de TDL incluem pacientes com estômago cheio, estenose
das vias aéreas no trajeto do tubo, tumores, lesões e outras anomalias no trajeto do tubo12 .
2.1.1 Tubo de Carlens
Originalmente, o tubo de Carlens foi desenvolvido para ser utilizado em broncoespiro-
metria, no entanto, ganhou espaço em anestesia monopulmonar. Esse tubo é constituído de
borracha vermelha, reutilizável, com extremidade angulada para o brônquio fonte esquer-
do, e está disponível em quatro tamanhos (Tabela 2). Além disso, há duas características
marcantes nesse dispositivo, que são os lúmens em formato oval e o gancho carineal, que
deve ser alocado na carina, para auxiliar e manter o posicionamento adequado do tubo (Fi-
gura 7). O formato oval dos lúmens dificulta a aspiração de secreções por dentro destes e o
gancho carineal dificulta o processo de entubação traqueal, podendo causar lesão de cordas
vocais, laringe e traqueia1,2,12 .
Tabela II – Tubos de Carlens disponíveis
Tamanho Diâmetro
Utilização
(French) Interno (mm)
35 5,5 Mulheres/adolescentes
37 6 Mulheres/adolescentes
39 6,5 Homens
41 7 Homens

Fig. 7 - Tubo de Carlens; observar


gancho carineal
Para inserir o tubo de Carlens, o gancho carineal deve estar voltado para baixo. Após a
passagem da extremidade distal pelas cordas vocais, o tubo deve ser girado 180o no sentido
anti-horário, até que o gancho carineal esteja voltado para cima e atravesse as cordas vocais
anteriormente. Em seguida, o tubo deve ser girado 90o no sentido horário e progredido até
que o anestesista sinta uma resistência, quando sua extremidade distal deverá adentrar o
brônquio fonte esquerdo e o gancho deverá estar firmemente posicionado na carina (Figura
7). A laringoscopia deve ser mantida até o posicionamento final da sonda1,12 .
2.1.2 Tubo de Robertshaw
Esse tubo é da década de 1960, na tentativa de diminuir as adversidades encontradas
com o uso do tubo de Carlens. Os lúmens desse tubo possuem formato em D para diminuir
a resistência das vias aéreas, facilitar a aspiração e a realização de fibroscopia. Ele não possui

214 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


gancho carineal, eliminando, assim, os problemas ocasionados por ele. Inicialmente, esse
tubo foi fabricado em borracha vermelha nos tamanhos pequeno, médio e grande e possuía
apresentações esquerda e direita, ambas com balonete distal de baixo volume e alta pressão.
O balonete do tubo de Robertshaw direito possui uma fenda para facilitar a ventilação do
lobo superior direito (Figura 8)12,16.

Fig. 8 - Tubo de Robertshaw esquerdo e direito

O tubo de Robertshaw descartável é composto de PVC transparente e atóxico, apresen-


tado em seis tamanhos (41, 39, 37, 35, 28 e 26 F) e é mais calibroso que o tubo reutilizável.
Os balonetes brônquicos possuem marcadores radiopacos e são de alto volume e baixa pres-
são, mantendo a boa perfusão da mucosa traqueal (Figura 8)12 .
A técnica de inserção desse tubo é menos complicada, devendo a curvatura distal estar
anteriorizada e, no momento em que a extremidade distal atravessar as cordas vocais, o
tubo deve ser girado 90o em sentido anti-horário (tubo esquerdo) ou horário (tubo direito) e
avançado até que haja resistência a sua progressão. Então, o tubo deve ser recuado 2 cm para
evitar a obstrução do lúmen traqueal junto da carina.
Para facilitar a inserção do tubo esquerdo, recomenda-se virar a cabeça do paciente para
a direita na tentativa de retificar o brônquio fonte esquerdo, diminuindo sua angulação de
45o com o eixo traqueal. O tubo direito teoricamente é inserido e posicionado com maior
facilidade, devendo ser observada a ventilação do lobo superior do pulmão direito. A larin-
goscopia deve ser mantida até o posicionamento final o tubo de Robertshaw1,2,12,16.
O tubo de Robertshaw do tipo Bronco-Cath vem sendo um dos mais utilizados nos Es-
tados Unidos. Suas principais diferenças para o modelo de PVC estão relacionadas com seu
balonete distal oblíquo, para diminuir a possibilidade de exclusão do lobo superior direito, e
sua composição de cloreto de polivinil, e não de PVC1,15.

2.1.3 Tubo de White


Trata-se de uma modificação do tubo de Carlens para entubação seletiva do brônquio
fonte direito, com as mesmas características dos lúmens e gancho carineal (Figura 9).
Ademais, possui uma fenda no balonete brônquico para melhorar a ventilação do lobo
superior do pulmão direito, entretanto, o risco de obstrução e atelectasia desse lobo pul-
monar ainda persiste12,17.

Técnicas de separação pulmonar – atualização | 215


Fig. 9 - Tubo de White; observar o
gancho carineal

2.1.4 Tubo de Bryce-Smith


Esse tubo assemelha-se ao tubo de Robertshaw, porém, é uma modificação do tubo de
Carlens. Não possui gancho carineal, o que diminui os traumas relacionados a este; pode
ser direito ou esquerdo, havendo uma fenda no balonete do tubo direito para permitir a
ventilação do lobo superior do pulmão direito. Apresenta-se com os diâmetros internos de
6, 6,5 e 7 mm12 .
2.2 Tubos de lúmen único
Em algumas situações é necessária a ventilação monopulmonar (VMP), mas o uso dos
TDL não é prático. Assim, lança-se mão de um tubo de lúmen único modificado, com blo-
queador integrado (Univent), ou mesmo um tubo de lúmen único convencional, com um
bloqueador em conjunto. Em raras ocasiões, a VMP pode ser efetuada através da colocação
endobrônquica de um tubo traqueal simples.
2.2.1 Indicações
O tubo convencional como dispositivo para VMP só deve ser utilizado em situações de
exceção, por exemplo, hemorragia aguda. Ao se inserir um tubo simples, às cegas, em uma
posição endobrônquica, pela técnica de inserção habitual, ele vai entrar, na quase totalidade
dos casos, no brônquio fonte direito (isto é, com a concavidade mantida voltada anterior-
mente). No entanto, em cerca de 92% das vezes, vai assumir a posição do brônquio fonte
esquerdo quando a concavidade do tubo for voltada posteriormente e a cabeça for virada
para a direita18.
Como se observa na Figura 10, a margem de segurança quando se usa um tubo simples,
convencional, para a separação pulmonar é limítrofe. A extensão da traqueia sobre a qual o
tubo pode ser posicionado sem causar obstrução da via aérea é muito pequena. O que causa
mais problemas à direita. Caso avance até que o balonete esteja no interior do brônquio,
haverá a obstrução do lobo superior; caso se recue para liberar, haverá a liberação de fluxo
para ventilar o lado contralateral14.

216 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Fig. 10 - Posicionamento do tubo con-
vencional seletivado endobrônquico; A)
avançar o tubo até o balonete estar no
brônquio causa obstrução pelo próprio
balonete ou pela extremidade do tubo da
saída do lobo superior; B) retirar o tubo
para aliviar a obstrução coloca o balone-
te na traqueia e acaba por não garantir
mais a separação14

Em situações de emergência, um tubo convencional pode ser avançado no brônquio para


fazer a separação pulmonar. A colocação endobrônquica do tubo convencional apenas deve
ser considerada em situações extremas, como manobras para salvar a vida, em hemorragia,
pneumotórax hipertensivo agudo contralateral, situações em que o pulmão deve ser isolado
imediatamente. Sabendo que para todas as situações, as melhores opções para o isolamento
pulmonar são TDL e os BB14.
2.3 Bloqueadores brônquicos
O método mais empregado de separação pulmonar ainda é a utilização do TDL, que
tanto pode bloquear o pulmão direito quanto o esquerdo. A separação com os bloqueadores
brônquicos (BB) envolve o bloqueio do brônquio principal ou um bloqueio mais seletivo,
para permitir um colapso mais distal à oclusão.
Mais recentemente, foram introduzidos quatro BB na prática clínica da cirurgia torácica,
o Arndt, o Cohen com ponta flexível, o Fiji Uniblocker e o bloqueador EZ (Figura 11).

Fig. 11 - Bloqueadores brônquicos; A) Arndt; B)


Cohen; C) Fuji; D) EZ

Os BB utilizados hoje em dia são projetados como um cateter com um ou dois balões in-
corporados próximos à extremidade, que, quando inflados, interrompem o fluxo de ar além
do ponto de oclusão.
2.3.1 Indicações
a) Via aérea difícil
Paciente com previsão de dificuldade no manuseio da via aérea pode ser um desafio para a
inserção do TDL19. Para paciente com fácil acesso às vias aéreas, a escolha de separação pul-
monar com o TDL ou por tubo de lúmen único é uma opção pessoal. No entanto, no paciente
com via aérea difícil antecipada, a última opção é a melhor escolha. Nessas situações, o uso
de um tubo de lúmen único associado ao bloqueador brônquico (BB) é o mais recomendado,
uma vez que são de mais fácil inserção. Da mesma forma, se observou que a utilização de TDL

Técnicas de separação pulmonar – atualização | 217


nas situações de trauma está associada a maior possibilidade de mau posicionamento. Anes-
tesistas com pouca experiência em cirurgia torácica falharam em posicionar adequadamente
o TDL em mais de um terço dos casos. Também nesse contexto a entubação com tubo de luz
única, associado a um sistema de bloqueio brônquico, é mais indicada20.
b) Isolamento segmentar lobar
Com os BB é possível avançar até o segmento desejado e fazer o bloqueio segmentar.
Em algumas ocasiões, pode ser útil, uma vez que evita o colapso pulmonar total e a queda
da oxigenação21.
c) Como opção para isolamento pulmonar
Configura um método de separação para realizar a ventilação monopulmonar.
d) Pacientes com traqueostomia
Inserir o BB através do traqueostoma. Também é possível inserir um TDL.
e) Pacientes com necessidade de ventilação mecânica pós-operatória
Receberiam um tubo convencional e um BB. Ao término da cirurgia, apenas se retiraria
esse último.
2.3.2 Desvantagens
a) Esvaziamento pulmonar
Quando se utiliza BB para isolamento pulmonar, o esvaziamento é mais lento, quando
comparado com o uso do TDL. O cateter vascular de Fogarty, utilizado no passado como
BB, e os mais antigos não tinham luz, e o esvaziamento pulmonar era um ponto de entrave
a seu uso. O Univent tem uma luz que facilita o esvaziamento e ainda permite acoplamento
de sistema de vácuo, que acelera ainda mais esse evento. Os mais modernos têm luz, que
permite o esvaziamento, a aspiração e até mesmo a oferta de oxigênio.
Uma opção para contornar esse inconveniente, caso haja reserva funcional para tanto, é
desconectar a ventilação pulmonar. Assim, haverá esvaziamento de ambos os pulmões e, a
partir daí, se infla o BB e se retoma a ventilação.
b) Aspiração de secreções
A luz para aspiração, quando presente nos BB, possui calibre bem inferior ao dos TDL.
Além dessa limitação evidente, a aspiração durante o período de ventilação monopulmonar
pode deslocar o BB.
c) Dano à mucosa brônquica
Os BB têm balonetes de baixo volume e alta pressão, diferentes dos balonetes dos TDL,
com alto volume e baixa pressão. Assim, o uso prolongado dos BB pode causar danos irrever-
síveis à mucosa brônquica. Recomenda-se utilizar a menor pressão para garantir interrupção
do fluxo de ar. Os mais modernos têm balonete de alto volume e baixa pressão.

2.3.3 Tipos de bloqueador brônquico


a) Tubo Univent
É um sistema em que o bloqueador está incorporado a um tubo simples. O BB integrado
tem uma luz que permite a desinsuflação pulmonar e aspiração limitada. Disponível nos

218 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


tamanhos, 7,5, 8, 8,5 e 9 mm. Em função do BB integrado ao tubo simples, o tamanho final
desse dispositivo ultrapassa o correspondente. Por exemplo, um Univent 7,5 tem 11,2 mm
de diâmetro, contra 10,2 mm do convencional (Figura 12).

Fig. 12 - Bloqueador Univent

b) Bloqueador Arndt
O BB Arndt é conectado a um cateter 5, 7 ou 9Fr, disponíveis nos comprimentos 65 cm
e 78 cm, com um diâmetro interno de 1,4 mm. Próximo à extremidade distal do cateter, há
orifícios laterais (olhos de Murphy) incorporados para facilitar a desinsuflação, presentes
apenas no tamanho 9Fr. Possui balonete de forma esférica ou elíptica, de alto volume e baixa
pressão (Figura 13). Uma característica única desse BB é um fio metálico que se estende
através da extremidade distal do BB e serve como guia introdutor para o fibroscópio para
sua introdução no brônquio (Figura 14).

Fig. 13 - Bloqueador brônquico Arndt


posicionado; A) forma esférica; B)
forma elíptica

Fig. 14 - BB Arndt montado para


inserção endobrônquica

c) BB Cohen
Disponível apenas no tamanho 9Fr, com 65 cm de comprimento e 1,6 mm de diâmetro
interno. O balão tem formato esférico. Próximo ao término do cateter há orifícios laterais
para facilitar a desinsuflação pulmonar (olhos de Murphy). Também tem balonete de alto
volume e baixa pressão. Tem um controle circular que permite uma deflexão maior que 90°,
o que facilita o correto posicionamento do BB (Figura 15).

Técnicas de separação pulmonar – atualização | 219


Fig. 15 - BB Cohen de ponta flexível

d) Bloqueador Fuji
BB unilateral disponível nos tamanhos 4,5 e 9 Fr, com comprimento de 65 cm. Tem o
mesmo desenho do Univent, sendo independente, utilizado por meio de um tubo simples. O
balonete é de alto volume, feito de silicone e tem uma propriedade de barreira à passagem de
gás, que faz com que haja redução de difusão através do balonete. Possui controle a torque
que permite guiar sua introdução ao local desejado (Figura 16).

Fig. 16 - Bloqueador Fuji

e) Bloqueador EZ
O bloqueador EZ é um tipo novo de BB com uma terminação simétrica em Y. A bifur-
cação assemelha-se à da traqueia. Ambas as terminações têm um balonete em sua posição
distal e possuem uma luz central. Assim, cada ramo pode ser posicionado no brônquio fonte
esquerdo ou direito. O formato do balão é esférico e há apenas um tamanho disponível, o
7Fr, com 75 cm de comprimento (Figura 17).

Fig. 17 - Bloqueador EZ

220 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Tabela III – Comparação dos BB
Bloqueador
Arndt Cohen Fuji EZ
brônquico
Tamanho (Fr) 5/7/9 9 4/5/9 7
Menor tubo
4,5 / 7 / 8 8 8 7,5
recomendado
Formato do balão Esférico/elíptico Esférico Esférico Esférico/duplo
Mecanismo Fio guia envolto no Circular que mobiliza Nenhum/ponta
Nenhum
orientador fibroscópio o BB pré-formatada
Olho de Murphy Presente no 9Fr Presente Ausente Ausente
Diâmetro interno
1,4 1,6 2 1,4
(mm)

A seguir, na Tabela 4, estão listadas as vantagens dos TDL e os BB.

Tabela IV – Comparação entre TDL e BB14


Tubo de duplo lúmen
Fácil de posicionar
Pode ser posicionado sem broncoscopia; mandatória com BB
Demanda menos tempo para posicionamento do que o BB
Colapsa mais rápido o pulmão não ventilado do que o BB
Menos propenso ao desposicionamento do que o BB
Permite ventilar, colapsar e reexpandir o pulmão
Cada pulmão pode ser aspirado
Cada pulmão pode ser inspecionado por fibroscopia
CPAP facilmente aplicável ao pulmão não ventilado
Permite ventilação independente na UTI
Bloqueador brônquico
Pode ser usado quando um tubo traqueal já está em uso (oral, nasal, traqueostomia)
Considerado primeira opção em pacientes com VAD
Não é necessário trocar para um tubo simples ao término da cirurgia, caso seja necessária ventilação mecânica
Permite bloqueio seletivo lobar
Mais fácil de usar em pequenas vias aéreas; técnica de escolha em pacientes pediátricos

A principal desvantagem desses BB comerciais é que seu diâmetro externo é maior que
um cateter de Fogarty, o que faz com que sua passagem pelo interior de um tubo de 6 mm ou
menor seja difícil ou mesmo impossível. Por isso, alguns ainda utilizam esse último cateter
nessas situações.
2.3.4 Via aérea difícil
Para pacientes com fácil acesso à via aérea, a escolha entre o TDL e o BB costuma ser uma pre-
ferência pessoal. No entanto, na via aérea difícil, uma técnica pode ter um peso maior que a outra.
Todo anestesiologista deve ter familiaridade com as técnicas e os tubos disponíveis para
a separação pulmonar, assim como as técnicas e os dispositivos para o controle da via aérea
difícil (VAD).
Em um paciente com antecipada VAD, a entubação inicial com um tubo traqueal simples
costuma ser a conduta mais uniforme e segura. Havendo indicação de ventilação monopul-

Técnicas de separação pulmonar – atualização | 221


monar, a solução é a instalação de um bloqueador brônquico ou a troca por um TDL com
o auxílio de um tubo trocador. Para realizar essas manobras, o anestesiologista deve ter um
fibroscópio à disposição e ser apto a manuseá-lo. Na Figura 18, visualiza-se um algoritmo de
via aérea difícil para casos de ventilação monopulmonar14.

Fig. 18 - Algoritmo para manuseio da via aérea difícil, quando há demanda por ventilação monopulmonar

O tubo trocador também é um dispositivo útil ao término da cirurgia, quando se tem um


TDL e o paciente vai necessitar de ventilação mecânica. Com o auxílio desse dispositivo, se
procede à troca do TDL por um tubo traqueal simples.

222 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


2.3.5 Uso para-axial
A grande vantagem de utilizar o BB para-axial, ou seja, por fora do tubo traqueal, é poder
usá-lo em tubo de menor diâmetro sem concorrer com sua luz.
2.3.6 Como realizar a introdução do bloqueador brônquico
Recomenda-se uma avaliação inicial com fibroscopia óptica da traqueia antes da inserção
do BB, para verificar se a ponta do tubo está a 2-3 cm da carina e identificar o brônquio fonte
esquerdo e direito. A distância da carina à bifurcação dos lobos superior e inferior esquerdos
é de aproximadamente 5 cm no homem e 4,5 cm na mulher (Figura 19)21.

Fig. 19 - Distâncias anatômicas das vias aéreas (adulto com


70 quilos de peso corpóreo)

Para a passagem desse dispositivo de separação pulmonar, é necessária a utilização do


fibroscópio desde sua introdução. Recomenda-se que tanto o BB quanto o fibroscópio es-
tejam testados e lubrificados antes de sua inserção na via aérea. Como já mencionado, um
exame prévio com o fibroscópio também é indicado. Quando se utiliza o BB de Cohen, EZ
ou Fuji é possível visibilizar a passagem do BB pelo tubo traqueal. Em seguida, observa-se
a ponta do BB, que deve ser direcionada para o brônquio desejado. Em contraste, com o
bloqueador de Arndt, como o guia está acoplado distalmente ao fibroscópio, não é possível
visualizar a ponta do BB.
De uma forma geral, os BB estão bem posicionados quando, à direita, se verifica sua por-
ção mais externa a pelo menos a 1 cm abaixo da carina, no brônquio direito, e uma vedação
satisfatória é conseguida com a insuflação do balonete de aproximadamente 6 ml de ar. No
lado esquerdo, visibiliza-se sua superfície mais externa a 1 cm abaixo da carina e uma veda-
ção satisfatória ocorre quando o paciente assume o decúbito lateral (Figura 20).

Técnicas de separação pulmonar – atualização | 223


Fig. 20 - Ilustra o correto posicionamento final do BB com o balonete insuflado; A) brônquio direito; B)
brônquio esquerdo

3. Conclusões
Talvez o principal questionamento seja se é seguro utilizar os BB para a separação pul-
monar. A resposta é sim. Alguns autores, inclusive, acreditam que, com a evolução da curva
de aprendizado, o uso desse dispositivo será uma opção à utilização do TDL, preferido hoje
em dia. Portanto, se um paciente necessita de separação pulmonar, a primeira opção ainda
reside na utilização dos TDL, porém, com crescente interesse pelos BB. Contudo, há situa-
ções em que os BB parecem ser mais indicados. Pacientes com via aérea difícil identificada
antecipadamente, com traqueostomia ou previsão de ventilação mecânica pós-operatória
necessitam de uma abordagem cirúrgica mais seletiva.
As desvantagens dos BB em relação aos TDL estão relacionadas à desinsuflação pulmo-
nar lenta, dificuldade em aspirar o pulmão isolado e incapacidade de ventilação indepen-
dente do pulmão isolado.
Quanto às complicações entre os TDL e os BB, alguns trabalhos mostraram taxas de
odinofagia e lesão de corda vocal maiores com os TDL22, dados que não foram confirmados
por meio de outras pesquisas23. De qualquer forma, as complicações mais graves têm sido
mais benignas que as descritas com os TDL.
Finalmente, todo anestesiologista deve estar familiarizado com as vantagens e desvanta-
gens das diferentes técnicas e tubos disponíveis para a separação pulmonar.

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224 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


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Técnicas de separação pulmonar – atualização | 225


Capítulo 14

Medicina perioperatória:
imunonutrição e anestesia
Eduardo Manso de Carvalho Andrade
Florentino Fernandes Mendes
Ana Cristina Pinho Mendes Pereira
Medicina perioperatória: imunonutrição e anestesia
Tradicionalmente, o objetivo do suporte nutricional perioperatório é prover o aporte
adequado de calorias para reduzir a perda de massa magra associada a cirurgias de grande
porte. Hoje sabemos que o suporte nutricional perioperatório vai além da simples repo-
sição calórica e, se adequado, pode melhorar o resultado cirúrgico e reduzir a incidência
de complicações 1.
Pacientes com desnutrição perioperatória possuem risco significativamente elevado de de-
senvolver complicações pós-operatórias, além de maior taxa de mortalidade. Nesses pacientes,
foram observados maior tempo de internação hospitalar e aumento dos custos durante a in-
ternação. Apesar dessas evidências, observou-se que os pacientes cirúrgicos graves são os mais
negligenciados com relação à nutrição, e os pacientes submetidos à cirurgia gastrointestinal ou
cardiovascular são os que apresentam maiores riscos de desnutrição iatrogênica2.
O objetivo deste texto é revisar aspectos relacionados à imunonutrição, que são de inte-
resse para o anestesiologista.

1. Nutrição durante o perioperatório


Em pacientes críticos submetidos à cirurgia, a ocorrência de infecções pós-ope-
ratórias é relativamente comum e, com frequência, leva à falência múltipla de órgãos
e à morte. Não é raro que esses pacientes cheguem ao centro cirúrgico em estado de
desnutrição, que, provavelmente, se agravará em decorrência da resposta endócrino-
-metabólica ao trauma, responsável também por alterações no sistema imunológico
desses indivíduos.
Sabe-se que pacientes bem nutridos submetidos a cirurgias menores e com estresse
fisiológico pequeno não precisam de suporte nutricional. Entretanto, com o aumento da
expectativa de vida e das doenças degenerativas associadas, existe aumento do número de
pacientes com risco de desenvolver desnutrição, seja em decorrência de suas condições clíni-
cas pré-operatórias (idade, câncer) ou pelo porte da cirurgia a que são submetidos (gastrec-
tomias, colectomias). Assim, durante o perioperatório, a preocupação com a monitorização
do estado nutricional dos pacientes é importante para melhorar a resposta inflamatória do
hospedeiro, combater infecções e contribuir para melhorar o resultado.

2. Considerações sobre o estado nutricional de pacientes idosos


Considerando que quase dois terços dos pacientes submetidos a cirurgias têm idade
superior a 65 anos e que pessoas idosas têm maior propensão à desnutrição por causa de
fatores como doenças crônicas, limitação física, incapacidade de mastigar, uso de múltiplos
medicamentos, isolamento social e pobreza, é muito importante suspeitar sobre a possibli-
dade de desnutrição nessa faixa etária. De fato, a ingestão de nutrientes, incluindo proteínas
e calorias totais, cálcio, vitamina B12, vitamina D e folato, diminuem progressivamente com
o aumento da idade3. A desnutrição proteico-calórica atinge 30% a 50% da população idosa
que reside em instituições como asilos. Isso demonstra que a pior condição socioeconômica
associa-se com a piora do status nutricional. Condição que deveria ser evitada, pois aumenta

228 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


a taxa de mortalidade. Em outras palavras, é necessário agir de forma proativa com relação
ao estado nutricional dos pacientes idosos, uma vez que a desnutrição é muito prevalente
nessa faixa etária e suas causas são, em geral, passíveis de prevenção e, quando presente a
desnutrição, tratável16.

3. Como medir o grau de desnutrição


Um dos grandes problemas a ser resolvido é como verificar o grau de desnutrição. Ainda
não existe um teste de excelência para identificar pacientes desnutridos, nem ao menos uma
definição aceita universalmente. Os parâmetros usados com maior frequência são: perda de
peso corporal não intencional maior do que 10% a 15% nos últimos seis meses ou índice de
massa corporal menor do que 18,5 kg.m2-1 3.
A albumina e a pré-albumina são marcadores laboratoriais usados no screening nutricio-
nal. O achado de albumina abaixo de 3,5 g.dL -1 constitui-se forte indício da presença de des-
nutrição. No entanto, é preciso lembrar que a meia-vida da albumina é de aproximadamente
20 dias, portanto, os níveis de albumina refletem o estado nutricional de três semanas antes
da coleta da amostra. Além disso, devemos estar atentos para fatores que afetam os níveis
de albumina, como inflamação aguda e doenças agudas e crônicas como sepse, nefropatias
e hepatopatias. A meia-vida da pré-albumina varia de 1 a 3 dias. Dessa forma seus níveis
variam mais rapidamente com intervenções nutricionais, sendo utilizada como marcador da
eficácia dessas intervenções. Níveis inferiores a 15 mg.dL -1 são sugestivos de desnutrição4.
Para os pacientes geriátricos, foi desenvolvida uma ferramenta útil para a avaliação do
estado nutricional. O Mini Nutritional Assesment (MNA) (Quadro 1 – Triagem; Quadro
2 – Avaliação Global) constitui-se em um teste barato e de execução fácil que tem como
objetivo identificar indivíduos com maior chance de complicações decorrentes da desnutri-
ção. O MNA considera medidas antropométricas, avaliação global, questionário de dieta e
avaliação subjetiva. O score máximo é 30 pontos1.
Quadro 1 – Mini Nutritional Assessment (MNA™)*
TRIAGEM Pontos
A. Nos últimos três meses, houve diminuição da ingesta alimentar devido a perda de apetite, problemas
digestivos ou dificuldade para mastigar ou deglutir?
0 = diminuição grave da ingesta; 1 = diminuição moderada da ingesta; 2 = sem diminuição da ingesta

B. Perda de peso nos últimos três meses


0 = superior a três quilos; 1 = não sabe informar; 2 = entre um e três quilo.
C. Mobilidade
0 = restrito ao leito ou à cadeira de rodas; 1 = deambula, mas não é capaz de sair de casa; 2 = normal.
D. Passou por algum estresse psicológico ou doença aguda nos últimos três meses?
0 = sim; 2 = não.
E. Problemas neuropsicológicos
0 = demência ou depressão graves; 1 = demência ligeira; 2 = sem problemas psicológicos.
F. Índice de Massa Corporal (IMC = peso[kg] / estatura [m 2])
0 = IMC < 19; 1 = 19 ≤ IMC < 21; 2 = 21 ≤ IMC < 23; 3 = IMC ≥ 23.
Pontuação da Triagem (subtotal máximo de 14 pontos)

Medicina perioperatória: imunonutrição e anestesia | 229


Estado nutricional: entre 12-14 pontos: estado nutricional normal; entre 8-11 pontos:
sob risco de desnutrição; e entre 0-7 pontos: desnutrido. Responda à seção Triagem, pre-
enchendo as caixas com os números adequados. Some os números da seção Triagem. Se a
pontuação obtida for igual ou menor do que 11, continue o preenchimento do questionário
para obter a pontuação indicadora de desnutrição.
Para uma avaliação mais detalhada, continuar com as perguntas G a R do Quadro 2.
Quadro 2 – Mini Nutritional Assessment (MNA™)*
AVALIAÇÃO GLOBAL Pontos
G. O doente vive na sua própria casa (não em instituição geriátrica ou hospital)?
1 = sim; 0 = não.
H. Utiliza mais de três medicamentos diferentes por dia?
0 = sim; 1 = não.
I. Lesões de pele ou escaras?
0 = sim; 1 = não.
J. Quantas refeições faz por dia?
0 = uma refeição; 1 = duas refeições; 2 = três refeições.
K. O doente consome:
• pelo menos uma porção diária de leite ou derivados (leite, queijo, iogurte)? ( ) Sim ( ) Não
• duas ou mais porções semanais de leguminosas ou ovos? ( ) Sim ( ) Não
• carne, peixe ou aves todos os dias? ( ) Sim ( ) Não
0.0 = nenhuma ou uma resposta «sim»; 0.5 = duas respostas «sim»; 1.0 = três respostas «sim».
L. O doente consome duas ou mais porções diárias de fruta
ou produtos hortícolas?
0 = não; 1 = sim.
M. Quantos copos de líquidos (água, sumo, café, chá, leite) o doente consome por dia?
0.0 = menos de três copos; 0.5 = três a cinco copos; 1.0 = mais de cinco copos.
N. Modo de se alimentar
0 = não é capaz de se alimentar sozinho; 1 = alimenta-se sozinho, porém com dificuldade;
2. = alimenta-se sozinho sem dificuldade.
O. O doente acredita ter algum problema nutricional?
0 = acredita estar desnutrido; 1 = não sabe dizer; 2 = acredita não ter um problema nutricional.
P. Em comparação com outras pessoas da mesma idade, como considera o doente a sua própria saúde?
0.0 = pior; 0.5 = não sabe; 1.0 = igual; 2.0 = melhor.
Q . Perímetro braquial (PB) em cm
0.0 = PB < 21; 0.5 = 21 ≤ PB ≤ 22; 1.0 = PB > 22.
R. Perímetro da perna (PP) em cm
0 = PP < 31; 1 = PP ≥ 31.
Avaliação global (máximo 16 pontos)
Pontuação da triagem (máximo 14 pontos)
Pontuação total (máximo 30 pontos)

Avaliação do estado nutricional: de 24 a 30 pontos, estado nutricional normal; de 17 a


23,5 pontos, sob risco de desnutrição; menos de 17 pontos, desnutrido.
Adaptado de http://www.mna-elderly.com/forms/MNA_portuguese.pdf
*Société des Produits Nestlé, S.A., Vevey, Switzerland, Trademark Owners. Nestlé, 1994,
Revision 2009. N67200 12/99 10M.

230 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


4. Nutrição enteral versus nutrição parenteral
A administração de nutrição enteral é geralmente a primeira escolha em pacientes cirúr-
gicos por ser considerada mais fisiológica e ter custos mais baixos. Além disso, metanálises
confirmaram menor incidência de complicações infecciosas quando do uso desse tipo de
nutrição5,6. Outras vantagens seriam a menor permeabilidade vascular e o menor risco de
desenvolver hiperglicemia quando comparado com a nutrição parenteral5.
Em pacientes oncológicos, a nutrição enteral mostrou-se eficaz na melhora do balanço de
nitrogênio e pode estar associada ao ganho de peso deles. Apesar de a nutrição parenteral
também promover ganho de peso em pacientes com câncer, isso se dá principalmente pelo
aumento da quantidade de gordura corporal, o que acaba por ter pouco impacto sobre os
efeitos fisiológicos da desnutrição7.
Embora a nutrição parenteral apresente vantagens sobre a terapia com fluidos isotônicos
em pacientes com desnutrição moderada a grave, nos pacientes oncológicos - sobretudo com
câncer gastrointestinal - sem evidências de desnutrição, a nutrição parenteral apresentou
altos índices de infecção e alta taxa de mortalidade, não sendo indicada nesses casos8.

5. Imunonutrição
A redução da função imunológica é um problema que sabemos acometer pacientes crí-
ticos e está intimamente relacionada à resposta metabólica, ao estresse e ao trauma. Em
consequência, foi proposto suporte nutricional com o intuito de melhorar os mecanismos
de defesa e reduzir a morbidade9. Porém, a menos que o paciente se apresente com uma
desnutrição proteico-calórica grave, o suporte nutricional tradicional tem um efeito muito
pequeno sobre a função imune10.
Pacientes em nutrição parenteral total realmente são mais propensos a infecções. A nutri-
ção enteral parece ser benéfica para a manutenção da função imune quando comparada com
a nutrição parenteral. Recentemente, percebeu-se que o uso de nutrientes específicos pode
trazer benefícios imunológicos que não se conseguem com o suporte tradicional, mesmo
que enteral1.
5.1 Glutamina
A glutamina é um aminoácido amplamente utilizado por linfócitos, enterócitos e ma-
crófagos9 como combustível oxidativo e para prover intermediários da síntese das purinas e
pirimidinas, essenciais para a síntese de DNA e RNA. Além disso, a glutamina parece estar
envolvida na diferenciação de células T e B e, em culturas de células, a síntese de interleucinas
1 e 2 é dependente da concentração de glutamina. Esse aminoácido, portanto, está envolvido
na sinalização intracelular, na prevenção de apoptose e na atenuação da resposta inflamatória7.
Em estados hipercatabólicos pode ocorrer rápida depleção dos estoques de glutamina. A
deficiência desse aminoácido pode levar à redução da função imunológica e alterar a função
da borda epitelial do intestino, com consequente aumento do risco de desenvolver infecção2 .
Em pacientes submetidos a cirurgias eletivas, a suplementação com glutamina parece
reduzir a incidência de complicações infecciosas e o tempo de internação hospitalar e possi-
velmente diminui a morbimortalidade de pacientes críticos1.

Medicina perioperatória: imunonutrição e anestesia | 231


5.2 Arginina
A arginina é um aminoácido essencial durante o crescimento e pode voltar a ser impor-
tante em estados catabólicos. Esse aminoácido auxilia na função imune e é um precursor do
óxido nítrico. Em doses terapêuticas, aumenta a secreção de hormônios anabólicos, como
o hormônio do crescimento e a prolactina11. Após grandes cirurgias, pode desenvolver-se a
síndrome de deficiência de arginina, caracterizada por bloqueio da resposta imune adapta-
tiva secundário a anormalidades no receptor de células T. No paciente séptico, os níveis de
arginina são mais variáveis, sendo menores na fase inicial e aumentam progressivamente
com a piora do quadro10.
Ainda não existe consenso sobre o uso de arginina no período perioperatório. Em pa-
cientes sépticos, a ocorrência de eventos adversos faz com que a relação custo-benefício seja
desfavorável. Entretanto, em pacientes cirúrgicos, parece haver vantagens dessa suplemen-
tação no que diz respeito a taxa de infecção, dias de ventilação mecânica, tempo de interna-
ção em unidade de terapia intensiva e tempo total de internação.
A maioria dos guidelines internacionais faz menção ao risco associado ao paciente séptico
da suplementação com arginina. São necessários mais trabalhos para estabelecer a vanta-
gem do uso em pacientes cirúrgicos e vítimas de trauma6.

5.3 Ácidos graxos poli-insaturados de cadeia longa Ω-3


Os ácidos graxos poli-insaturados de cadeia longa (PUFA) Ω-3 e Ω-6 são constituintes
essenciais da dieta, uma vez que são os únicos precursores dos metabólitos eicosanoides,
incluindo prostaglandinas, lipoxinas, tromboxanos e leucotrienos.
Humanos possuem uma capacidade limitada de sintetizar PUFAs- Ω-3, como os ácidos
eicosapentaenoico, docosaexaenoico e alfa-linoleico. Durante as fases agudas da inflamação,
essa capacidade reduz-se ainda mais. Esses PUFAs possuem várias propriedades anti-infla-
matórias que podem ser úteis no paciente crítico, como a redução na síntese de eicosanoides
inflamatórios. De particular importância temos a substituição de PGE2 por PGE3, TXA 2
por TXA 3 e PGI2 por PGI3. Outras propriedades incluem a redução da interação endotelial
de plaquetas e leucócitos, inibição da expressão de genes inflamatórios e estimulação da
produção de glutationa, que pode reduzir as lesões oxidativas12 .
Estudos clínicos aleatorizados demonstraram redução importante no tempo de ventila-
ção mecânica, permanência na UTI e internação hospitalar em pacientes com lesão pulmo-
nar aguda ou síndrome da angústia respiratória aguda (SARA). Um ensaio clínico fase III
desenhado para avaliar o uso do ácido eicosapentaenoico vem sendo conduzido em pacien-
tes submetidos à gastrectomia total por causa do câncer gástrico, entretanto, os resultados
ainda são preliminares13. Ainda há poucas evidências para que se possam fazer recomenda-
ções definitivas quanto ao uso rotineiro de PUFAs Ω-3 em pacientes críticos.

5.4 Cistina, teanina


Os aminoácidos cistina e teanina estão envolvidos na síntese de glutationa e há vários
relatos de que seu uso aumenta a resposta imunológica. Além de ser um forte antioxidante, a
glutationa possui papel importante na proliferação e diferenciação de linfócitos macrófagos

232 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


e células dendríticas. Pacientes submetidos à cirurgia abdominal tiveram redução dos níveis
de glutationa em 24 horas. Essa redução foi de 10% no sangue e 42% nos músculos esquelé-
ticos. Evitar essa queda dos níveis de glutationa pode reduzir a supressão imunológica no
período perioperatório14.
Alguns estudos mostram que esses aminoácidos podem ser usados em imunonutrição
perioperatória. Um estudo mostrou vantagens com relação a marcadores imunológicos em
pacientes cirúrgicos, porém, não foi avaliada a incidência de eventos adversos ou o tempo de
internação hospitalar. Ainda não há metanálises ou revisões sistemáticas para estabelecer
uma indicação precisa de seu uso no paciente cirúrgico15.

6. Conclusão
A desnutrição perioperatória associa-se com piora de resultados. Assim, avaliar o estado
nutricional do paciente submetido à cirurgia de grande porte é etapa importante na medicina
perioperatória. Os estudos que utilizam imunonutrição, com o objetivo de melhorar a resposta
inflamatória do hospedeiro, demonstram que esta pode associar-se à melhora de resultados.

Referências bibliográficas:
1. Banz VM, Jakob SM, Inderbitzin D - Review article: improving outcome after major surgery: pathophy-
siological considerations. Anesth Analg, 2011;112:1147-1155.
2. Drover JW, Cahill NE, Kutsogiannis J et al. - Nutrition therapy for the critically ill surgical patient: we
need to do better! JPEN J Parenter Enteral Nutr, 2010;34:644-652.
3. Dudrick, SJ - Nutrition management of geriatric surgical patients. Surg Clin North Am, 2011;91:877-896.
4. Maung AA, Davis KA - Perioperative nutritional support: immunonutrition, probiotics, and anabolic
steroids. Surg Clin North Am, 2012;92:273-283.
5. American Society for Parenteral and Enteral Nutrition (ASPEN). Board of Directors. Clinical guideli-
nes for the use of parenteral and enteral nutrition in adult and pediatric patients. 2009. JPEN J Parenter
Enteral Nutr, 2009;33:255-259.
6. Braga, M, Ljungvist O, Soeters P et al. - ESPEN guidelines on parenteral nutrition: surgery. Clin Nutr,
2009;28:378-386
7. Huhmann MB, August DA - Perioperative nutrition support in cancer patients. Nutr Clin Pract,
2012;27:586-592.
8. Bozzetti F, Braga M, Gianotti L et al. - Postoperative enteral versus parenteral nutrition in malnourished
patients with gastrointestinal cancer: a randomised multicentre trial. Lancet, 2001; 358:1487-1492.
9. O´Leary MJ, Coakley JH - Nutrition and immunonutrition. Br J Anaesth, 1996;77:118-127.
10. Awad S, Lobo DN - What´s new in perioperative nutritional support? Curr Opin Anaesthesiol, 2011;24:
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11. Buijs N, van Bokhorst-de van der Schueren MA, Langius JA et al. - Perioperative arginine-supplemented
nutrition in malnourished patients with head and neck cancer improves long-term survival. Am J Clin
Nutr, 2010;92: 1151-1156.
12. Shintani Y, Ikeda N, Matsumoto T et al. - Nutritional status of patients undergoing chemoradiotherapy
for lung cancer. Asian Cardiovasc Thorac Ann, 2012;20:172-176.
13. Yoshikawa T, Hiki N, Taguri M et al. - A Phase III trial to evaluate the effect of perioperative nutrition en-
riched with eicosapentaenoic acid on body weight loss after total gastrectomy for T2–T4a gastric cancer.
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Medicina perioperatória: imunonutrição e anestesia | 233


14. Luo JL, Hammarqvist F, Andersson K et al. - Skeletal muscle glutathione after surgical trauma. Ann Surg,
1996; 223:420-427.
15. Miyachi T, Tsuchiya T, Oyama A et al. - Perioperative oral administration of cystine and theanine enhan-
ces recovery after distal gastrectomy: a prospective randomized trial. JPEN J Parenter Enteral Nutr,
2013;37:384-91
16. Volkert D, Saeglitz C, Gueldenzoph H et al. - Undiagnosed malnutrition and nutrition-related problems
in geriatric patients. J Nutr Health Aging, 2010; 14: 387-392.

234 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Capítulo 15

Como realizar pesquisa



no PubMed
Pedro Thadeu Galvão Vianna
Isabela Galvão Vianna
Como realizar pesquisa no PubMed
O objetivo deste capítulo é mostrar o passo a passo para a melhor utilização do imenso
banco de dados denominado PubMed®. Este pode ser muito útil na atualização profissional
e na pesquisa da anestesiologia.
Para entrar no portal do PubMed®, ou site, usar o endereço1 www.pubmed.com

No canto direito dessa página (marcado com o quadrado) há a frase “Sign in to NCBI”.
Esse local deve ser clicado para abrir uma nova página:

Para os que desejam registrar uma conta no PubMed, é necessário clicar em “Register
for an NCBI account”.

236 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Ao ser criada uma conta (é possível criar várias), o username vai aparecer no canto direito
da página inicial do PubMed®:

Como realizar pesquisa no PubMed | 237


Na página inteira, clicar na opção “MeSH Database” (dentro do quadrado):

Ao clicar em “MeSH Database”, a janela abaixo vai abrir:

A proposta da pesquisa é: O uso da clonidina associado ao anestésico local.


O MeSH é usado para digitar a palavra-chave, ou keyword, na janela anterior, começando
por local anesthetics. Depois de digitar local anesthetics, a página a seguir será aberta. Se
não abrir, clicar em “Search” (pesquisar).

238 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Veja que apareceram várias palavras-chaves. Foram selecionadas: 1, 2 e 5. O próximo
passo é clicar em “Add to search builder” (acrescentar para construir uma pesquisa). Veja
que em cima da janela está escrito PubMed search builder. Então todas as palavras-chaves
foram para aquela janela.

A pesquisa usa também a palavra-chave clonidine (para obter o cruzamento de anesté-


sico local com a clonidina). É selecionada a palavra-chave clonidine.

Como realizar pesquisa no PubMed | 239


Como no procedimento anterior, clicar em “Add to search builder” e a palavra-chave
clonidine vai para a mesma janela onde estão: Anesthesics, Local”[Mesh] or Anesthetics,
Local [Pharmacological Action].

O próximo passo é clicar em “Search PubMed” (que está abaixo de Add to search buil-
der) para obter a pesquisa.

Houve 642 artigos sobre o assunto, sendo 264 ensaios clínicos e 48 revisões. Essa página
pode ser salva on-line de tal modo que possa ser resgatada em qualquer computador que

240 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


esteja conectado à internet. Além disso, ela pode ser atualizada indefinidamente e as publi-
cações recentes podem ser enviadas nas opções diariamente, semanalmente e mensalmente.
Basta seguir o passo a passo: o primeiro é salvar a pesquisa clicando na frase “Save search”
(no quadrado):

Em seguida, vai aparecer a página:

Depois da página aberta, clicar em “Save” e será aberta outra página que dará a opção
para a atualização: Não (No, thanks) ou Sim (Yes, please).

Caso a opção seja Sim (Yes, please), surgirá a página:

Como realizar pesquisa no PubMed | 241


É salva a opção mensalmente (Monthly) e primeiro sábado (the first Saturday).
Para a obtenção das palavras-chaves, recomenda-se o uso do portal da Bireme 2
(www.bireme.br), que pode ser usado como fonte de pesquisa e informação médica. No
caso da pesquisa das palavras-chaves, deve-se procurar, neste portal, o DeCS-Terminologia
em Saúde (dentro do quadrado).

242 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Ao clicar neste local, vai aparecer DeCS - Descritores em Ciências da Saúde
(nota: é possível entrar diretamente no DECS usando: http://decs.bvs.br)3.

Ao clicar em “Consulta ao DeCS”,

a palavra-chave clonidina será apresentada em inglês, espanhol e português.

Como realizar pesquisa no PubMed | 243


Referências bibliográficas:
1. US National Library of Medicine – PubMed. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed.
Acesso em: 27 maio 2013
2. BIREME. Biblioteca Virtual em Saúde. Disponível em: http://www.bireme.br/php/index.php. Acesso
em: 27 maio 2013
3. BIREME. Biblioteca Virtual em Saúde – Descritores em Ciências da Saúde. Disponível em: http://decs.
bvs.br/. Acesso em: 27 maio 2013

244 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Capítulo 16

Anestesia e gestante
dependente de crack
Rosa Marina Ávilla
Juliana Surjan
Anestesia e gestante dependente de crack
A dependência química e suas consequências vêm ganhando notoriedade, não só no
Brasil, mas no mundo. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), existem
no mundo 230 milhões de usuários de drogas, o que corresponde a cerca de 1:20 adultos
entre 15 e 64 anos, 27 milhões dos quais são dependentes químicos. Porém, há menos de 2
leitos para cada 100 mil habitantes destinados ao tratamento desse paciente. A OMS deve
determinar protocolos para abordagem do indivíduo usuário e dependente apenas em 2014,
embora haja disponível, via internet, noções do diagnóstico e relevância do tema, sobretudo
no que diz respeito ao álcool1.
No Brasil, não dispomos de dados recentes sobre o uso de substâncias ilícitas em gestan-
tes2 . Dados americanos de 2010 reportam que 30% dos dependentes químicos são usuários
de drogas, dos quais 90% são do sexo feminino em idade reprodutiva (15 a 44 anos)3 . Desses
números um terço faz uso de droga na iminência do parto3 . Aparentemente, esses dados
ainda estão subestimados, já que muitas vezes ocorre à omissão do relato de uso, seja por
medo, vergonha, temor da estigmatização, temor pela retirada da guarda do concepto.
Estudo conjunto entre Universidade Federal do Estado de São Paulo (UNIFESP), Insti-
tuto Nacional de Pesquisa sobre Álcool e Drogas (INPAD) e Conselho Nacional de Pesquisa
(CNPq) lançado em abril de 2013, o II LENAD (Levantamento Nacional sobre Álcool e Dro-
gas), expõe o problema na população geral no Brasil. Foram entrevistados 4607 indivíduos a
partir de 14 anos de idade, nas várias regiões do país, totalizando 149 municípios, utilizando
amostragem probabilística, contando com mais de 100 entrevistadores e 15 instrumentos va-
lidados de sondagem para maconha e cocaína em suas diferentes formas de utilização, num
total de 800 perguntas4 . Os resultados deste estudo estão nas figuras 1 à 5.

Fig. 1 - Distribuição nacio-


nal da população entrevis-
tada no II Levantamento
Nacional sobre Álcool e
Drogas (LENAD)

246 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


Fig. 2 - Consumo de maconha no Brasil,
II LENAD

Fig. 3 - Consumo de cocaína , crack e oxi


no Brasil

Fig. 4 - Consumo de cocaína intranasal


no Brasil

Fig. 5 - Consumo de cocaína fumada


no Brasil
Segundo esse mesmo estudo, 70% dos usuários de cocaína, fizeram uso também de maco-
nha, e 41% dos usuários de maconha também utilizaram cocaína no último ano4. Esses números

Anestesia e gestante dependente de crack | 247


correspondem a 1,3% da população, ou seja 2,3 milhões de pessoas. Observa-se que dificilmente
o usuário de cocaína, em quaisquer uma de suas formas, é consumidor de uma única droga5,6.
O Brasil é um dos maiores mercados mundiais de crack, ficando apenas atrás dos Estados
Unidos da América. Nosso consumo corresponde a 20% do consumo mundial3,4.
Segundo a décima revisão da classificação internacional de doenças e problemas de saúde
(CID-10), a síndrome da dependência química é definida como um conjunto de sintomas
comportamentais, fisiológicos e cognitivos em que o uso de uma ou mais substâncias atinge
uma importância maior do que outros comportamentos já apresentados na vida do indiví-
duo. A característica central da síndrome é o impulso incontrolável de consumir determina-
da substância psicoativa (prescrita ou não por um médico), álcool ou tabaco. Há evidências
de que outras características peculiares à síndrome podem aparecer quando o consumo e
abuso é retomado, após um período de abstinência, o que torna a dependência química uma
doença crônica e recidivante6,7.

1. Crack
O crack nada mais é que a cocaína comercializada ilegalmente na forma de pedras e
utilizada pela via pulmonar. Trata-se de uma mercadoria barata e acessível, produtora de
efeitos dez vezes mais intensos do a coca. À pasta base da coca adiciona-se NaHCO3 que,
com o calor moderado, precipita formando cristais puros, sublimando a 980 C, podendo ser
fumada em cachimbos de metal7.
O pulmão oferece uma extensa área de absorção da droga que apresenta início de ação
em 6 a 8 segundos, durando apenas de 3 a 5 minutos, seguindo-se a um desejo incoercível da
repetição do uso. É a forma mais efetiva de tornar a coca disponível ao organismo. Trata-se
de um potente estimulante do sistema nervoso central (SNC).

1.1 Mecanismo de ação:


O crack provoca inibição da receptação pré-sináptica de dopamina, serotonina e nora-
drenalina, sobretudo na área cerebral que corresponde à recompensa, o sistema mesolímbi-
co e mesocortical e suas projeções pré frontais (Figura 6).

Fig. 6 - Sistema central da recompensa e suas


vias dopaminérgicas

248 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


A presença da dopamina, principal neurotransmissor do sistema de recompensa, na
fenda sináptica, relaciona-se aos sintomas esquizofreniformes da droga, como delírios
e alucinações.
A noradrenalina produz euforia, sensação de alerta, hostilidade, impulsividade e, a nível
periférico, promove sintomas e sinais adrenérgicos em graus variados, não necessariamente
relacionados ao uso contínuo.
A serotonina relaciona-se ao prazer e é o reforçador do uso.
O glutamato, outro neurotransmissor envolvido no abuso de drogas ilícitas, também se
relaciona ao prazer e a alterações bioquímicas que concorrem para a recorrência do uso 7,8.
A utilização de substâncias ilícitas altera a plasticidade neuronal, o número de receptores
pré e pós sinápticos, bem como promove alterações bioquímicas nos sistemas monoaminér-
gicos cerebrais e deve ser tratada como uma doença crônica e recidivante7,8.
1.2 Biodisponibilidade
Como anteriormente citado, o crack é a forma mais disponível da cocaína, distribuindo-
-se de forma rápida e ampla pelo organismo, com difusão imediata pelos alvéolos pulmona-
res, chegando a 70% 7.
1.3 Metabolismo
Ao atingir o plasma, a substância sofre hidrólise imediata a benzoilecgonina, seu prin-
cipal metabólito urinário, detectável na urina e em outras secreções, bem como no cabelo.
As esterases plasmáticas estão indisponíveis no feto, fazendo com que ele permaneça em-
bebido por longos períodos, mesmo após a cessação do uso pela gestante. O álcool inibe a
hidrólise plasmática da coca, lentificando a depuração da substância e potencializando a
ação no organismo. Além disso, o álcool diminui a inquietação psicomotora e os sintomas
paranoides agudos que acompanham boa parte do consumo e da abstinência da droga. Na
presença do etanol, a coca é esterificada no fígado e convertida em cocaetileno, composto
muito mais tóxico que a coca e o álcool utilizados isoladamente. O risco de overdose, bem
como os riscos cardíaco e hepático, é maior com o crack7,8.

1.4 Farmacodinâmica
O crack determina uma miríade de sintomas físicos e psíquicos. Aumenta a frequência
cardíaca em 15% e a pressão arterial em 34%, com intensa vasoconstricção; provoca sudo-
rese, midríase, hipertermia, aumento da frequência respiratória, tremor das extremidades
e espasmos musculares. No âmbito psíquico, aumenta o estado de vigília, bem-estar e con-
fiança, libido sexual, estado de alerta, atenção e aceleração do pensamento. Disforia, irrita-
bilidade, hostilidade, impulsividade e fadiga são sintomas adversos decorrentes da queda do
nível sérico da droga8.

1.5 Complicações
Os sinais e sintomas do uso, seja crônico, seja meramente recreacional, são bem descritos.
Vias aéreas - podem ocorrer lesões das vias aéreas por queimadura ou necrose de nariz,
epiglote e base da língua, pela intensa vasoconstrição; por seu efeito anestésico local, torna a

Anestesia e gestante dependente de crack | 249


lesão pouco percebida pelo usuário; há escarro preto pelas impurezas carbonáceas contidas
no produto fumado8 .
Pulmão - pode haver infarto por vasoconstrição; hemoptise; aumento da camada média
das artérias e arteríolas pulmonares, levando ao cor pulmonale. De 70% a 80% dos pacientes
vão a óbito por edema agudo de pulmão, relacionado ou não com alterações cardíacas. Ocor-
re ainda o pulmão de crack: uma síndrome pulmonar relacionada ao uso agudo, em que se
observam tosse, hemoptise, dor, febre, infiltrado pulmonar difuso semelhante à síndrome
de angústia respiratória do adulto e que culmina com a falência respiratória. Observam-se
também aumento na incidência de derrame pleural; pneumotórax espontâneo por mano-
bras de Valsalva repetidas e tuberculose pulmonar8,9.
Trato digestório - perfuração gástrica por vasoconstricção intensa nos “mulas” (indiví-
duos contratados para carregar drogas ilícitas no corpo, na tentativa de despistar policiais
federais); obstrução intestinal pela ingestão de vários pacotes da droga de uma vez e necrose
hepatocelular aguda 8 .
Sistema neurológico – cefaleia; hemorragias subaracnóideas; acidentes vasculares cere-
brais (relacionados à cerca de mil mortes por ano em jovens no Reino Unido); transtornos
do movimento (crack dancers: movimentos repetitivos, semelhantes a uma dança, relaciona-
dos ao uso agudo, que cessam após cinco a seis dias); tiques; atetose e coreias8 .
Rins - a isquemia intensa e a hipertermia, juntamente com a rabdomiólise, podem deter-
minar disfunção aguda ou crônica renal, com proteinúria e hematúria 8 .
Coração - as complicações decorrentes do uso da coca no coração são variadas e comple-
xas e podem se associar. O risco de infarto agudo do miocárdio se relaciona com o aumento
da atividade adrenérgica, determinando vasoespasmo coronariano, ainda que em coroná-
rias normais. Esse risco é maior nos primeiros 60 minutos após o uso. Ocorrem alterações
endoteliais, aterosclerose prematura e trombose coronariana. Há efeito direto tóxico sobre
o miocárdio, inotrópico negativo direto, que diminui a fração de ejeção. Há relatos de infil-
trado mononuclear no miócito com alteração da capacidade contrátil. A cocaína é um an-
tiarrítmico da Classe II (bloqueador de Na) que prolonga o intervalo QT, reduz a atividade
vagal e determina arritmias ventriculares. Podem ocorrer, ainda, endocardite bacteriana e
dissecção aórtica10 .

2. Crack e a gestação
As vias mesolímbica e mesocortical, cujo neurotransmissor é a dopamina, relacionam-se
com a galactorreia e amenorreia, bem como com as alterações do ciclo menstrual. Muitas
vezes, o próprio diagnóstico de gestação é negligenciado pelas pacientes 11,12 .
A gestação aumenta a toxicidade pela coca, de maneira não dose-dependente, expondo a
mãe a aumentos de consumo miocárdico de oxigênio em cerca de três vezes10 .
O perfil das usuárias de crack é semelhante ao da população geral: usuárias de várias
drogas, cuja porta de entrada foi o tabaco e a maconha, seguidos de coca e crack e jovens
(quanto mais jovem, maior a chance da adicção) que apresentam um perfil psicológico ca-
racterístico de alterações de autoestima e ausência concreta de formação imediata de víncu-
lo, modificações psiquiátricas em alguns casos, violência doméstica, raça e estado civil6,13 .

250 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


A utilização do crack na gestação precoce pode determinar abortamento e malformações
cardíacas, do trato urogenital e do SNC12,14-16 e, posteriormente, com a progressão do uso,
trabalho de parto prematuro, descolamento da placenta e uma síndrome muito semelhante
à doença hipertensiva específica da gravidez (DHEG), quando do uso agudo17,18 .
A placenta não protege o feto da droga. Ao contrário, suas características bioquímicas
permitem a embebição do concepto por longo tempo, mesmo após cessado o uso, sendo
possível encontrar abstinência fetal em mães “limpas”19.
Além disso, as alterações adrenérgicas de ocorrência materna também encontram pos-
sibilidade no feto, como hipertensão, vasoconstrição cerebral e isquemia. São frequentes
baixo peso aos nascer e déficit pôndero-estatural tardio12 .
Anestesia
Na ausência de protocolos uniformes relativos à condução anestésica de pacientes ges-
tantes dependentes químicas, a abordagem deve ser individualizada 20-23 .
Na história é fundamental detectar dados e perfil de uso, podendo ser discriminados três
tipos básicos de pacientes:
- a paciente “limpa”, que geralmente passou por internação para desintoxicação e que faz
questão de relatar seu feito ao médico;
- a paciente que faz uso esporádico, que pode ou não relatar o uso. Geralmente, ela o
omite. Porém, com a divulgação das mídias sobre o problema grave e crônico das drogas,
as pacientes têm sentido mais conforto em relatar o consumo. Para a abordagem, quando
ocorre desconfiança por parte do médico assistente acerca do uso, podemos utilizar algu-
mas dicas: abordagem não judiciosa, tendo o bebê como fonte de preocupação e precaução;
verificação do uso de tabaco durante a gestação; avaliação da presença de lesões na pele,
tatuagens, doenças sexualmente transmissíveis evidenciadas no cartão de pré-natal; confec-
ção do pré-natal tardiamente e com poucas consultas; observação do parceiro, caso esteja
presente; e entrevista com a mãe da gestante 20-23 .
Menos de 20% dos médicos perguntam às gestantes sobre o uso de drogas ilícitas.
Segundo recomendação da Sociedade de Obstetrícia e Ginecologia Canadense, todas as
gestantes, assim como as mulheres em idade fértil, deveriam realizar exames periódicos
para uso de álcool, tabaco, drogas controladas e substâncias ilícitas (nível IIIA de evidên-
cia)24 . Alguns dados nos fornecem indícios do uso: tabagismo e consumo de maconha na
gestação; presença de tatuagens e presença de doenças infecciosas, como hepatite, AIDS,
tuberculose e sífilis;
- o último tipo é a paciente facilmente encontrada em hospitais gerais e pronto atendi-
mento, dada a escassez de vagas para internação de gestantes com mais de 28 semanas; é a
que faz uso agudo poucas horas antes do parto, podendo apresentar overdose ou não, letal
ou não, e que, às vezes, se apresenta hipertensa, com cefaleia, alterações ao exame clínico e
laboratorial semelhantes à DHEG16,17.
Deve-se sempre ter em mente o perfil já descrito do usuário de drogas: poliuso, sobretu-
do maconha e álcool, e com dificuldade em predizer as implicações anestésicas com a utili-
zação de drogas ilícitas, já que o padrão de uso é variável e os efeitos podem ser catastróficos
com o uso recreacional.

Anestesia e gestante dependente de crack | 251


2.2 Que anestesia usar na cesárea: geral ou bloqueio de condução?
A maioria dos autores prefere o bloqueio de condução20-23. Porém, deve-se contar com agita-
ção psicomotora no momento de confecção da raquianestesia. É possível que haja a necessidade
de contenção química, assunto que abordaremos posteriormente neste capítulo. A coca pode
determinar trombocitopenia, porém, não parece oferecer riscos à confecção do bloqueio.
A hipotensão pode ser incurável pelas alterações cardiovasculares anteriormente discu-
tidas. O tratamento da hipotensão decorrente do bloqueio deve ser realizado com meta-
raminol. A efedrina poderá determinar taquiarritmias. A coca pode levar a alterações de
sensibilidade por modificações em receptores opioides e a paciente referir dor, apesar de um
bloqueio adequado25 .
A opção pela anestesia geral deve levar em consideração os efeitos determinados
pelo pico hipertensivo associado à intubação e à decorrência disso sobre o SNC, bem
como evitar alguns medicamentos, como etomidado, pelas mioclonias a ele associadas;
halotano, pelas bradiarritmias; cetamina, pelos delírios e alucinações a ela associados;
e a avaliação pulmonar prévia pela possibilidade de ocorrência de pulmão de crack com
o uso agudo 20-23 .
A literatura carece ainda de dados mais concretos no que diz respeito à melhor
opção anestésica.

3. Efeitos psíquicos e condutas psiquiátricas


O uso de álcool e drogas é uma das principais causas de agitação psicomotora, por into-
xicação aguda ou síndrome de abstinência 26 .
Segundo as diretrizes para tratamento dos transtornos relacionados ao uso de substân-
cias da Associação Psiquiátrica Americana 27, os objetivos do manejo da intoxicação são:
– averiguar as substâncias usadas, a via de administração, a dose, o tempo desde a últi-
ma dose e se o nível de intoxicação está aumentando ou diminuindo;
– remover as substâncias do corpo (por lavagem gástrica, se a substância tiver sido in-
gerida recentemente, ou por aumento da taxa de excreção) ou reverter os efeitos da
substância pela administração de antagonistas (p. ex., naloxone para superdosagem
de opioides);
– usar abordagens que estabilizem os efeitos físicos da substância objeto da superdo-
sagem (p. ex., entubar para diminuir o risco de aspiração e usar medicamentos para
manter a pressão arterial em níveis satisfatórios);
– No paciente gravemente intoxicado, diminuir a exposição a estímulos externos, ga-
rantir confiança, reorientação e teste de realidade em ambiente seguro e monitorado.
Nas grávidas em trabalho de parto, impõe-se a necessidade de tranqüilizar a paciente
possibilitando a realização da analgesia do parto. Drogas afetam a indução e o trabalho de
parto, com efeitos residuais na conduta da criança após o nascimento28 .

3.1 Orientação verbal


O tratamento mais efetivo é a intervenção verbal. O médico deve ter atitude calma e
direta e tratar a paciente com dignidade. Deve-se também esclarecer que atos agressivos

252 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume III


não serão tolerados e que a equipe está preparada para contê-los. Existem algumas diretrizes
para o tratamento da paciente agitada 28:
– evitar movimentos bruscos;
– olhar diretamente para a paciente;
– manter alguma distância física;
– evitar fazer anotações;
– apresentar-se e apresentar os outros membros da equipe;
– falar pausada e firmemente;
– fazer perguntas claras e diretas;
– oferecer alguma flexibilidade na condução da entrevista, mas sem barganhar;
– colocar limites de maneira objetiva, mas acolhedora;
– não ameaçar ou humilhar;
– não confrontar;
– estimular a paciente a expressar seus sentimentos em palavras;
– assegurar à paciente que você pretende ajudá-la a controlar seus impulsos.
Se a intervenção verbal não for suficiente, adotam-se outras condutas.

3.2 Condutas gerais


Diante de uma situação com potencial risco de agitação psicomotora, as condutas gerais, são29:
– o profissional que identifica o quadro avisa à equipe sobre a situação;
– a equipe se prepara para possível necessidade de intervenção;
– a equipe de segurança deve permanecer no local;
– a equipe passa a executar uma postura de redução de risco;
– a equipe avalia a possibilidade de usar intervenção medicamentosa preventiva.

3.3 Postura de redução de riscos29


• Apenas um membro da equipe lidera a ação.
• Encaminhar o paciente a lugar apropriado.
• Nenhum membro da equipe fica sozinho.
• Retirar outras pessoas da área.
• Explicar cada procedimento aos acompanhantes e à paciente.
• Negociar situações realistas.
• Cuidado com gestos e atitudes não verbais.
• Manter-se não suscetível a provocações.
• Realizar escuta atenta:
– identificar e priorizar situações que acalmem a paciente;
– identificar e evitar situações que aumentem a agitação.

3.4 Intervenção medicamentosa preventiva28


• Classe de medicamentos adequada para os sintomas-alvo;
• Priorizar a medicação VO (via oral);
• Priorizar a medicação já usada anteriormente pela paciente.

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Podem ser usados: haloperidol 2,5 mg a 5 mg VO, olanzapina 5 mg a 10 mg VO ou rispe-
ridona 2 mg VO. Em relação ao risco teratogênico dessas medicações, todas são classificadas
como classe C pela Food and Drug Administration 30,31.
Quando o episódio de agitação não puder ser evitado, procede-se à administração de
psicofármacos via intramuscular (tranquilização rápida) e/ou à restrição física. De acordo
com diretrizes propostas pelo National Institute for Mental Health and Clinical Excellence
(NICE), a intervenção via parenteral deve ser a última opção terapêutica, mantendo-se sem-
pre o objetivo de induzir tranquilização, e não sedação ou sono profundo32 .
3.5 Tranquilização rápida
O objetivo principal do manejo farmacológico é a tranquilização rápida, em que se busca
a redução dos sintomas de agitação e agressividade, sem indução de sedação profunda ou
prolongada, mantendo-se a paciente tranquila, mas responsiva 33 . A polifarmácia deve ser
evitada e as doses das medicações devem ser as menores possíveis, de acordo com a neces-
sidade clínica.
Os antipsicóticos de alta potência são a medicação de escolha. Haloperidol 2,5 mg a 5 mg
IM (intramuscular) em intervalos mínimos de 30 minutos, não ultrapassando 45 mg a 100
mg em 24 horas. A via EV (endovenosa) tem efeito mais rápido, mas maior risco de ocorrên-
cia de efeitos colaterais graves, como hipotensão34 . Outra opção para a sedação de grávidas
agitadas é a olanzapina 5 mg a 10 mg IM, com dose máxima diária de 30 mg 35 . Tanto o ha-
loperidol quanto a olanzapina são classe C na classificação de risco de teratogenicidade 30,31.
Os neurolépticos de baixa potência (como clorpromazina 25 mg a 100 mg IM) não devem
ser usados como primeira opção em casos de intoxicação por álcool ou drogas, por aumentar
o risco de crises convulsivas e piorar arritmias cardíacas preexistentes. Não devem ser usados
EV e a monitoração da pressão arterial (PA) é importante após a administração pelo risco de
hipotensão arterial 28 . A clorpromazina é considerada classe C em teratogenicidade30,31. Os
efeitos colaterais agudos com o uso de neurolépticos são principalmente convulsão, acatisia,
distonia e síndrome neuroléptica maligna.
Os benzodiazepínicos têm sido citados como principais alternativas aos antipsicóticos e
também em associação com os estes. No Brasil, o único disponível para uso IM é o midazo-
lam. Os inconvenientes dos benzodiazepínicos são efeito sedativo, depressão respiratória (so-
bretudo em pacientes intoxicados por álcool ou drogas e com doenças pulmonares) e eventual
efeito paradoxal apresentado por algumas pessoas28 . Com exceção do clonazepam (indisponí-
vel para aplicação intramuscular), os benzodiazepínicos são classe B de teratogenicidade30,31.
3.6 Restrição física
A restrição física pode ser aplicada quando a postura de redução de risco não for efetiva
e se há perigo iminente para a paciente e as demais pessoas envolvidas. Deve ser considera-
do último recurso terapêutico e ser interrompida assim que possível. Pode ainda constituir
opção provisória, em casos em que existe contraindicação ao uso imediato de medicações
sedativas ou por necessidade de manter a consciência. A restrição física deve ser considerada
independente da opção por conduta medicamentosa. Cabe à equipe de enfermagem a reali-
zação do procedimento29.

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Orientações para a restrição física adequada 29:
• cinco profissionais de enfermagem;
– contenção de cada membro do paciente e do tórax;
– amarras resistentes, com contenção firme;
• aplicação de força suficiente para garantir a realização do procedimento;
• verificação sistemática da coloração e do pulso nas extremidades contidas;
• retirada gradual das amarras sob orientação médica;
• prescrição clara no prontuário.

4. Dados do Amparo Maternal


O Amparo Maternal é uma maternidade de 73 anos, localizada na Zona Sul da cidade
de São Paulo. Lá foram formados muitos obstetras e anestesiologistas, dado o volume de
partos mensais, a proximidade com a UNIFESP e o tipo de paciente atendida. Atende exclu-
sivamente leitos do SUS, sendo boa parte encaminhada pelo órgão da Secretaria Municipal
de Saúde gerenciador de vagas de maternidade na cidade, a Mãe Paulistana. Porém, recebe
pacientes de várias localidades, por causa da característica de atendimento a partos normais
reconhecida internacionalmente.
Anexo à casa há o alojamento social, que abriga gestantes e puérperas até 6 meses após
o parto. O perfil das conviventes hoje é de mais de 90% de usuárias de drogas. Lá recebem
atendimento de enfermagem, assistência social e psicológica e atendimento pré-natal dotado
de obstetra e psiquiatra, além de realizar atividades variadas, visando à inserção no mercado.
Aberto desde agosto de 2012, o pré-natal exclusivo para gestantes dependentes químicas
é uma demanda crescente da cidade, pelo volume de pacientes existente hoje.
Foram atendidas 55 pacientes entre agosto de 2012 e março de 2013 (hoje temos 66 aten-
dimentos). São pacientes encaminhadas pelo Centro de Atenção Psicossocial de Jabaquara
(CAPS) ou por busca espontânea. Quando alojadas, tendem a ficar longe do consumo, o
que possibilita o acompanhamento pré-natal mais adequado, com realização de exames, en-
caminhamentos convenientes e atendimento médico, psicológico e psiquiátrico. Boa parte
delas, porém, evade em busca do consumo. A regra da casa determina que não possa retor-
nar caso haja evasão, que ocorre por causa do perfil da usuária – dependente química e sem
de vínculo, seja consigo própria, com o bebê e com a Casa – e constitui um desafio enorme
no combate à doença per si.
São dados do atendimento efetuado:
• N = 55 gestantes;
• média de idade = 25 anos;
• escolaridade = 60% das internas completaram o primeiro grau; 37%, o segundo grau
e 2% têm curso superior;
• 98% são desempregadas; 100% são da classe C, D ou E, no momento;
• 80% são solteiras;
• 25% de seus filhos são fruto de relação com o mesmo parceiro;
• 13% das gestantes têm todos os filhos das gestações anteriores morando com elas;
• 100% dos parceiros atuais são dependentes químicos.

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Os dados anteriores são coerentes com o perfil de mulheres da literatura e mostram outros
fatos alarmantes, como a troca frequente de parceiros e o fato de não deterem a guarda de seus
filhos, o que cria uma situação social e judicial delicada, já que muitas não contam ao médico
sobre a gravidez por receio de ter seu filho tomado pelo Conselho Tutelar ou Ministério Públi-
co. Além disso, o fato de o parceiro ser dependente químico em graus variados, podendo ser,
inclusive, traficante, torna a gestante vulnerável à violência de qualquer natureza.
Oitenta por cento das gestantes atendidas por nosso ambulatório são multíparas. Noven-
ta por cento delas são usuárias de múltiplas drogas. Das 55 mulheres atendidas, apenas 25
deram à luz no Amparo Maternal. Trinta delas evadiram para retornar às drogas e dar à luz
a seus bebês em hospitais gerais, normalmente sob o efeito de drogas.

5. Conclusões
Longe de ser apenas um problema médico, o atendimento à gestante dependente quí-
mica passa por esferas variadas, como a social, judicial, econômica e de infraestrutura
da rede pública. A gestante a que nos referimos está em uma situação de vulnerabilidade
social, é poliusuária e dependente química, o que torna o binômio mãe-feto um desafio
à Medicina e à Anestesiologia. A Organização Mundial de Saúde e vários outros orga-
nismos internacionais estruturados têm concentrado esforços para elaborar protocolos
de atendimento e abordagem ao dependente químico. A experiência brasileira, ímpar,
deveria servir de alerta.

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Formato fechado 18 x 25 cm
Papel de miolo - Offset - LD 70g/m2
Papel da capa - Triplex LD 300g/m2
Tipografia utilizada - Arno pro, corpo 12, entrelinhas 14,4

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