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Airton Bagatini
Pedro Thadeu Galvão Vianna
Marcos Antonio Costa de Albuquerque
Cláudia Regina Fernandes
Oscar César Pires
Volume III
SBA
Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Rio de Janeiro
2013
EDITORES
Airton Bagatini
Pedro Thadeu Galvão Vianna
Marcos Antonio Costa de Albuquerque
Cláudia Regina Fernandes
Oscar César Pires
Volume III
SBA
Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Rio de Janeiro
2013
Educação Continuada em Anestesiologia
Copyright© 2013, Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer sistema, sem prévio consentimento da SBA.
Diretoria
Airton Bagatini
Sylvio Valença de Lemos Neto
Ricardo Almeida de Azevedo
Sérgio Luiz do Logar Mattos
Oscar César Pires
Antônio Fernando Carneiro
Fábio Maurício Topolski
Comissão de Educação Continuada
Pedro Thadeu Galvão Vianna - Presidente e Coordenador do livro
Marcos Antonio Costa de Albuquerque
Cláudia Regina Fernandes
Capa e diagramação
Marcelo de Azevedo Marinho
Supervisão
Maria de Las Mercedes Gregoria Martin de Azevedo
Revisão Bibliográfica
Teresa Maria Maia Libório
Colaboradores
Marcelo de Azevedo Marinho
Maria de Las Mercedes Gregoria Martin de Azevedo
Simone Soares Nascimento da Gama
Teresa Maria Maia Libório
Ficha catalográfica
S678e Educação Continuada em Anestesiologia / Editores: Airton Bagatini, Pedro Thadeu Galvão
Vianna, Marcos Antonio Costa de Albuquerque, Cláudia Regina Fernandes e Oscar César Pires
Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Anestesiologia/SBA, 2013.
260 p.; 25cm.; ilust.
ISBN 978-85-98632-18-6
Vários colaboradores.
CDD - 617-96
AUTORES
Ana Cristina Pinho Mendes Pereira
•• TSA/SBA - Responsável pelo CET/SBA
•• Presidente da SAERJ
•• Responsável pelo Serviço de Anestesia do Instituto Nacional do Câncer (INCA)
Beatriz Mandim
•• TSA/SBA
•• Medica anestesiologista do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia.
Bruno Mendes Carmona
•• TSA/ SBA - Presidente do Comitê de Via Aérea Difícil da SBA
•• Instrutor do Núcleo SBA Vida
•• Presidente da Sociedade de Anestesiologia do Estado do Pará (SAEPA)
Bruno Salomé de Morais
•• TSA/SBA - Presidente do Comitê de Anestesia em Transplantes de Órgãos da SBA
•• Anestesiologista do Hospital Lifecenter e do Programa de Transplante Hepático e Transplante Rim-Pâncreas do
Hospital das Clínicas da UFMG
Celso Schmalfuss Nogueira
•• TSA/SBA - Responsável pelo CET em Anest.da Santa Casa de Santos
•• Professor titular de anestesiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES)
•• Pós-graduação lato sensu em farmacologia pela Universidade Católica de Santos
Cibelle Magalhães Pedrosa Rocha
•• TSA/SBA - Membro do Comitê de Anestesia Loco-Regional da SBA
•• Instrutora Corresponsável no CET Serv.Anest.Instituto Dr. José Frota
•• Diretora Científica da Sociedade de Anestesiologia do Estado do Ceará (SAEC)
Danielle Maia Holanda Dumaresq
•• TSA/SBA - Responsável pelo CET/SBA S.A.do Instituto Dr. José Frota
•• Professora do curso de medicina Unichristus
Débora de Oliveira Cumino
•• TSA/SBA - Presidente do Comitê de Anestesia em Pediatria da SBA
•• Responsável pelo CET/SBA da Santa Casa de Miser.de São Paulo
Eduardo Manso de Carvalho Andrade
•• TSA/SBA
•• Membro do Comitê de Medicina Perioperatória da SBA
•• Responsável pelo CET/SBA do Hospital São Francisco e Instituto Sta.Lydia
Eduardo R. Nakashima
•• TSA/SBA
•• Responsável pelo CET/SBA S.Anest.Inst.Penido Burnier
Emanuela Lombardi
•• Médica anestesiologista, SBA
Enis Donizetti Silva
•• TSA/SBA
•• Membro do Comitê de Via Aérea Difícil da SBA
•• Diretor Científico da Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo (SAESP)
Fabiane Cardia Salman
•• Membro da Comissão de Qualidade e Segurança em Anestesiologia da SBA
•• Post-graduate Diploma in Administration Health Policy & Management - Fundação Getulio Vargas, SP
•• Gerente médica e coordenadora do Comitê de Qualidade e Segurança - Serviços Médicos de Anestesia (SMA) -
Hospital Sírio-Libanês, Hospital Alemão Oswaldo Cruz e Hospital Samaritano, SP
Fernando A. Martins
•• TSA/SBA
•• Presidente do Comitê de Anestesia Cardiovascular e Torácica da SBA, gestão 2012
Florentino Fernandes Mendes
•• TSA/SBA - Responsável pelo CET/SBA da Univ.Fed.Ciências da Saúde P.Alegre
•• Professor adjunto de anestesiologia do Departamento de Clínica Cirúrgica da Universidade Federal de Ciências da
Saúde de Porto Alegre (UFCSPA)
Francisco Ricardo Marques Lobo
•• TSA/SBA
•• Membro do Comitê de Anestesia em Transplantes de Órgãos
•• Professor doutor responsável pelo CET/SBA HB Funfarme do Hospital de Base de São José do Rio Preto, SP
Giovanni Menezes Santos
•• TSA/SBA - Presidente do Comitê de Distúrbios do Sono da SBA
•• Anestesiologista do Hospital Mater Dei, Belo Horizonte, MG
•• ASA Member
Isabela Galvão Vianna
•• Estudante do 11º Termo da Faculdade de Medicina de Teresópolis, RJ (Fundação Serra dos Órgãos, FESO)
Ivani Rodrigues Glass
•• TSA/SBA
•• Membro do Comitê de Anestesia Ambulatorial da SBA
•• Instrutora Corresponsável pelo CET/SBA Menino Jesus de Praga do HU da UFS
Janaína Fernandes Vieira
•• Residente do CET da Universidade Federal de Uberlândia
João Henrique Silva
•• TSA/SBA - Presidente da Comissão de Qualidade e Segurança em Anestesiologia da SBA
•• Instrutor Corresponsável pelo CET/SBA do SANE/MEC
•• Coordenador de anestesia do Hospital Moinhos de Vento
João Valverde Filho
•• TSA/SBA - Membro da Comissão de Treinamento e Terapêutica da Dor da SBA
•• Doutor em ciências médicas pela FMUSP
•• Anestesiologista dos Serviços Médicos de Anestesia (SMA) do Hospital Sírio-Libanês, São Paulo
José Samuel de Paula
•• Anestesiologista da Universidade Federal de Uberlândia e da Clinest Araguari
Juliana Surjan
•• Psiquiatra do Ambulatório de Dependentes Químicas Pré-natal do Amparo Maternal
•• Médica pela UNIFESP
Júlio Cezar Mendes Brandão
•• TSA/SBA
•• Preceptor da residência médica de anestesiologia da Universidade Federal de Sergipe
Kléber Machareth de Souza
•• TSA/SBA
•• Presidente do Comitê de Anestesia Cardiovascular e Torácica da SBA
Leandro Mamede Braun
•• TSA/SBA - Membro da Comissão de Treinamento e Terapêutica da Dor da SBA
•• Especialista em dor pela AMB - SBA
•• Fellow Interventional Pain Practice - FIPP
Luís Antônio dos Santos Diego
•• TSA/SBA - Membro da Comissão de Qualidade e Segurança em Anestesiologia da SBA
•• Professor da Universidade Federal Fluminense
•• Doutor em anestesiologia pela UNESP, Botucatu, SP
Luiz Fernando dos Reis Falcão
•• TSA/SBA - PhD
•• Professor adjunto da disciplina de anestesiologia, dor e medicina intensiva da Universidade Federal de São Paulo,
Escola Paulista de Medicina
Magda Lourenço Fernandes
•• TSA/SBA
•• Responsável pelo CET/SBA da Santa Casa de Belo Horizonte
Marcos Antônio Costa de Albuquerque
•• TSA/SBA
•• Membro da Comissão de Educação Continuada da SBA
•• Responsável pelo CET/SBA Menino Jesus de Praga
Marisa Pizzichini
•• TSA/SBA
•• Membro do Comitê de Anestesia Cardiovascular e Torácica da SBA
Mary Neide Romero
•• TSA/SBA
Melina Cristino de Menezes Frota
•• Médica anestesiologista do Instituto Dr. José Frota, Fortaleza - CE
•• Aprofundamento em anestesiologia no CHU de Caen - França
•• Formação em técnicas ultrassonográficas de anestesia e reanimação pela faculdade René Descartes - Paris V - França
Míriam Seligman Menezes
•• TSA/SBA - Presidente da Comissão de Treinamento e Terapêutica da Dor - SBA
•• Instrutora Corresponsável pelo CET/SBA Prof. Manoel Alvarez - UFSM
•• Doutora em medicina pela UNIFESP
Neuber Martins Fonseca
•• TSA/SBA
•• Presidente da Comissão de Normas Técnicas da SBA
•• Professor e Responsável pelo CET/SBA da Universidade Federal de Uberlândia
Paulo Ricardo Rabello de Macedo Costa
•• TSA/SBA
•• Instrutor Corresponsável pelo CET da UFU (Universidade Federal de Uberlândia, MG)
Pedro Thadeu Galvão Vianna
•• TSA/SBA - Presidente da Comissão de Educação Continuada da SBA
•• Professor Titular do Departamento de Anestesiologia da Faculdade de Medicina de Botucatu, UNESP
•• Responsável pelo CET do Departamento de Anestesiologia da Faculdade de Medicina de Botucatu, UNESP
Ricardo Caio Gracco de Bernardis
•• TSA/SBA
•• Presidente do Comitê de Anestesia Ambulatorial da SBA
•• Mestrado e doutorado pela Santa Casa de Misericórdia de São Paulo
Roberto Araújo Ruzi
•• TSA/SBA - Presidente do Comitê de Anestesia Loco-Regional da SBA
•• Instrutor Corresponsável pelo CET/SBA da Disc.Anest.FMUF Uberlândia
•• Membro da Comissão Científica da LASRA
Rodrigo Perreira Diaz André
•• TSA/SBA - Membro do Comitê de Anestesia em Transplantes de Órgãos da SBA
•• Anestesiologista do Programa de Transplante Hepático e Transplante Rim-Pâncreas do Hospital Universitário
Clementino Fraga Filho, da UFRJ
Rosa Marina Ávilla
•• TSA/SBA
•• Coordenadora do Serviço de Anestesia do Amparo Maternal
•• Médica pela UNIFESP
Rosalice Miecznikowski
•• TSA/SBA - Membro do Comitê de Via Aérea Difícil da SBA
•• Instrutora Corresponsável pelo CET/SBA da Universidade de Brasília
•• Instrutora do Núcleo SBA Vida
Waston Vieira Silva
•• TSA/SBA
•• Membro da Comissão Examinadora do Título Superior em Anestesiologia
•• Instrutor Corresponsável pelo CET/SBA S.A.Inst.Matern.Infant.PE - IMIP
APRESENTAÇÃO
Vivemos um momento especialíssimo em nosso País, onde a população brasileira cansa-
da de enfrentar crises sem solução vai às ruas, enfrenta os governantes e em coro uníssono
clama por mudanças em prol da recuperação de uma dignidade há tempos perdida, especial-
mente nos campos da saúde e da educação.
Neste clamor nacional, ecoa o imenso coro da classe médica na luta por melhores condi-
ções de trabalho, culminando no rompimento das negociações e apoio às ações do governo
federal. Embora os governantes aparentam não entender; o problema do Brasil não é quan-
tidade e sim qualidade da medicina. Mais uma vez se tenta utilizar paliativos para adiar
a solução definitiva dos problemas que assolam o País. Enquanto isso, precisamos fazer a
nossa parte, principalmente investindo na educação médica e no aperfeiçoamento de nossos
profissionais, para que o dia em que for chegada a hora de termos reconhecimento e con-
dições de exercermos uma medicina de primeiro mundo, estejamos bem preparados para
mostrar que competência nós temos, e se nos oferecem condições de trabalho e dignidade
para os nossos pacientes, podemos nos tornar um referencial.
No ano em que a Sociedade Brasileira de Anestesiologia, em excelente estado de maturi-
dade, completa 65 anos de fundação, desejamos deixar aqui registrada nossa solidariedade
e participação nas lutas pela melhoria da saúde, amor à nossa profissão e patriotismo, en-
tregando aos associados, mais uma ferramenta de estudo e aperfeiçoamento, assim como o
desejo de que os fatos atuais fiquem registrados na história deste País como momentos do
passado e de grandes conquistas.
Capítulo 2
Iniciativas em anestesia para a qualidade e segurança do paciente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
Fabiane Salman, João Henrique Silva e Luís Antônio dos Santos Diego
Capítulo 3
Riscos anestésicos em crianças portadoras de apneia do sono. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
Mary Neide Romero, Celso Schmalfuss Nogueira e Giovanni Menezes Santos
Capítulo 4
Analgesia regional pós-operatória I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
João Valverde Filho, Míriam Seligman Menezes e Leandro Mamede Braun
Capítulo 5
Analgesia regional pós-operatória II. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
João Valverde Filho, Míriam Seligman Menezes e Leandro Mamede Braun
Capítulo 6
Anestesia regional periférica guiada por ultrassom (US). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
Danielle Maia Holanda Dumaresq, Melina Cristino de Menezes Frotae Cibelle Magalhães Pedrosa Rocha
Capítulo 7
Reposição volêmica em pediatria. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
Danielle Maia Holanda Dumaresq, Débora de Oliveira Cumino e Magda Lourenço Fernandes
Capítulo 8
Bloqueio do nervo femoral: do básico ao avançado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121
Roberto Araújo Ruzi, Paulo Ricardo Rabello de Macedo Costa, Eduardo R. Nakashima, Cibelle Magalhães
Pedrosa Rocha e José Samuel de Paula
Capítulo 9
Transporte aeromédico do paciente crítico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135
Júlio Cezar Mendes Brandão, Luiz Fernando dos Reis Falcão, Waston Vieira Silva e Marcos Antônio Costa de
Albuquerque
Capítulo 10
Manejo da coagulação sanguínea no transplante hepático . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153
Bruno Salomé de Morais, Rodrigo Perreira Diaz André e Francisco Ricardo Marques Lobo
Capítulo 11
Profilaxia e tratamento de náuseas e vômitos em anestesia ambulatorial. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175
Ricardo Caio Gracco de Bernardis, Ivani Rodrigues Glass e Emanuela Lombardi
Capítulo 12
Resposta inflamatória sistêmica da circulação extracorpórea (CEC) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 189
Fernando A. Martins, Kléber Machareth de Souza e Marisa Pizzichini
Capítulo 13
Técnicas de separação pulmonar – atualização. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207
Bruno Mendes Carmona, Rosalice Miecznikowski e Enis Donizetti Silva
Capítulo 14
Medicina perioperatória: imunonutrição e anestesia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 227
Eduardo Manso de Carvalho Andrade, Florentino Fernandes Mendes e Ana Cristina Pinho Mendes Pereira
Capítulo 15
Como realizar pesquisa no PubMed® . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 235
Pedro Thadeu Galvão Vianna e Isabela Galvão Vianna
Capítulo 16
Anestesia e gestante dependente de crack. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 245
Rosa Marina Ávilla e Juliana Surjan
PREFÁCIO
Em 2001 a Presidente da CET/SBA e o Diretor Científico da SBA decidiram criar o Livro
denominado “Curso de Educação à Distancia em Anestesiologia”. A Comissão de Educação
Continuada (CEC/SBA) a partir de 2005 ficou incumbida da edição deste livro. Em 2011 o
mesmo passou a ser denominado simplesmente “Educação Continuada em Anestesiologia”
e atualmente concluímos o volume III.
Esta obra tem o integral apoio dos Comitês e Comissões que compõem o Departamento
Científico. Os autores tem total liberdade na escolha do tema. Esta sistemática tem o obje-
tivo de dar oportunidade aos que escrevem os capítulos de abordar assuntos relevantes e
atuais nas suas respectivas áreas. Assim, nesta edição, há 2 capítulos sobre o uso da ultras-
sonografia, como método para realização de bloqueios periféricos. Deste modo, o leitor terá
a oportunidade de conhecer os avanços desta tecnologia descrita por diferentes autores. Os
demais capítulos mostram a evolução e a grande diversidade da nossa especialidade, dentre
estes o capítulo sobre anestesia e gestante dependente de crack, atualmente um problema de
saúde pública no Brasil que atinge todas as classes sociais.
Gostaríamos de agradecer à Diretoria da SBA que nos deu todo o apoio e suporte para a
realização desta obra. Com isso houve o envolvimento de funcionários da SBA, dos setores
TI, Biblioteca e Gerência, citados na página da ficha catalográfica.
Sem sombra de dúvida a criação de um livro é um ato mágico do ser humano cuja rele-
vância pode ser fielmente retratada com o poema de Castro Alves:
Prefácio | 13
Capítulo 01
Variações anatômicas
em bloqueios de nervos
periféricos. A importância
da ultrassonografia.
Roberto Ruzi
Janaína Fernandes Vieira
Neuber Martins Fonseca
Beatriz Mandim
Variações anatômicas em bloqueios de nervos periféricos.
A importância da ultrassonografia.
A anestesia regional é um exercício de anatomia aplicada1. Este capítulo irá descrever as
estruturas normais e suas variações anatômicas que podem ser armadilhas durante a reali-
zação de um bloqueio periférico.
Entende-se por variação anatômica uma diferença morfológica que não traz prejuízo
para a função. Quando essa diferença compromete a função estamos diante de uma anoma-
lia e não de uma variação2 .
No passado as variações anatômicas eram observadas nas dissecções de cadáveres, nos
achados cirúrgicos e estudos detalhados de imagem em casos de complicações de anestesia
regional (lesões de nervo periférico). Atualmente a imagem tem possibilitado a identifica-
ção de estruturas variantes com maior facilidade e em tempo real.
Por muito tempo os bloqueios periféricos foram realizados por meio de técnicas “às
cegas”, sejam por parestesia ou por uso do estimulador de nervo3.
Nos últimos dez anos o uso da ultrassonografia na anestesia regional vem ganhando
espaço4. Os avanços tecnológicos permitiram melhora na resolução da imagem, o que pos-
sibilitou a visualização da agulha, das estruturas anatômicas e a dispersão do anestésico em
tempo real3.
A utilização desse recurso traz grandes vantagens em relação às técnicas tradicionais,
como, por exemplo, a visualização direta dos nervos e das estruturas vasculares proximais,
constatação da deposição do anestésico local ao redor dos nervos, diminuição das compli-
cações como injeção intraneural e intravascular de anestésicos locais5. Além de auxiliar em
situações difíceis, como por exemplo, a presença de variações anatômicas.
Além disso, a melhor identificação dos nervos reduz o desconforto do paciente e melhora
a eficácia do bloqueio pelo menor número de falhas6.
Plexo Braquial
O plexo braquial é formado pela união das divisões primárias anteriores do quinto ao
oitavo nervo cervical e o primeiro nervo torácico (Figura 1). As contribuições de C4 e T2
geralmente são pequenas ou estão ausentes. Conforme as raízes nervosas deixam o forame
intervertebral, elas convergem, formando troncos, divisões, fascículos e nervos7.
Três troncos distintos são formados entre os músculos escaleno anterior e médio, deno-
minados como superior (C5-C6), médio (C7) e inferior (C8-T1). Posteriormente cada um
desses troncos dá origem a duas divisões, anterior e posterior. Conforme o plexo braquial
emerge por baixo da clavícula, as fibras se combinam para formar três fascículos7:
1. Fascículo lateral: contribuirá na formação do nervo mediano antes de prosseguir
como nervo musculocutâneo.
2. Fascículo medial: envia uma ramificação para formar o nervo mediano antes de
prosseguir como nervo ulnar.
3. Fascículo posterior: precocemente dá origem ao nervo axilar e prossegue como
nervo radial.
Fonte: http://estudefisio.blogspot.com.br/p/briefing-mobilizacao-neural.html
Figura 2.2:
TPS: Tronco primário superior; ECM: Músculo esterno cleidomastoideo; EM: Músculo escaleno médio;
EA: Músculo escaleno anterior; JUG: Veia jugular interna; C: Artéria carótida.
Figura 3:
TPS: Tronco primário superior; ECM: Músculo esterno cleidomastoideo; EM: Músculo escaleno médio;
EA: Músculo escaleno anterior; JUG: Veia jugular interna; C: Artéria carótida.
SCM: Músculo esternocleidomastoideo; IJV: Veia jugular interna; CA: Artéria carótida; ASM: Músculo
escaleno anterior.
Figura 4.2:
TPS: Tronco primário superior; ECM: Músculo esterno cleidomastoideo; EM: Músculo escaleno médio;
EA: Músculo escaleno anterior; JUG: Veia jugular interna; C: Artéria carótida.
Figura 5.2:
ECM: Músculo esterno cleidomastoideo; EM: Músculo escaleno médio; EA: Músculo escaleno anterior;
JUG: Veia jugular interna; C: Artéria carótida.
ECM: Músculo esterno cleidomastoideo; EM: Músculo escaleno médio; EA: Músculo escaleno anterior;
JUG: Veia jugular interna; C: Artéria carótida.
Fonte: http://www.auladeanatomia.com/neurologia/lombar.htm
Outras variantes do nervo femoral incluem o nervo femoral dividido, com uma porção
intramuscular e a outra acima do músculo psoas (Figura 11); ou uma porção abaixo do mús-
culo psoas e a outra acima do psoas (Figura 12)32 . O nervo femoral também já foi identifica-
do passando abaixo do músculo psoas (Figura 13)33.
Figura 11:
Uma estrutura importante que deve ser observada durante o bloqueio do nervo femoral
é a artéria ilíaca circunflexa, longitudinal ou transversal, que apesar de não ser uma variação
anatômica, pode tornar-se uma armadilha quando não identificada nas técnicas “às cegas”
(Figuras 14.1 e 14.2).
Figura 14.1:
N: Nervo femoral; A: Artéria femoral; V: Veia femoral; CI: Artéria circunflexa ilíaca.
Figura 14.2:
N: Nervo femoral; A: Artéria femoral; V: Veia femoral; CI: Artéria circunflexa ilíaca.
Conclusão
É cada vez maior a utilização da ultrassonografia como recurso de imagem em várias áreas
da medicina. Por ser um método que permite a visualização das estruturas de forma inócua
para o paciente e para o médico, de fácil acesso, indolor e muitas vezes portátil, está se tornan-
do uma ferramenta muito útil na anestesiologia e principalmente na anestesia regional.
È necessário um bom entendimento do equipamento, porém o conhecimento da ana-
tomia é de extrema importância para a realização dos bloqueios regionais, diminuindo o
número de complicações das técnicas empregadas e possibilitando cada vez mais o acesso
às estruturas nervosas periféricas.
Referências bibliográficas:
1. Winnie AP - Anestesia de Plexus: Técnicas Perivasculares de Bloqueo del Plexo Braquial. Barcelona,
Salvat, 1986; 11.
2. Moore KL, Dalley AE - Anatomia Orientada para a Clínica, 4ª Ed, São Paulo, Guanabara Koogan,
2007;120-158.
3. Kimachi PP, Segurado AVR, Menezes CC et al. - Ultrassom e Bloqueios Anestésicos, em: Cangiani
LM, Slullitel A, Potério GMB et al. - Tratado de Anestesiologia SAESP, 7ª Ed, São Paulo, Atheneu,
2011;1559-1595.
4. Marhofer P, Greher M, Kapral S - Ultrasound guidance in regional anesthesia. Br J Anesth, 2005;94:7-17.
5. Rangel VO, Carvalho RA, Mandim BLS et al. - Bloqueio dos nervos tibial e fibular comum em fossa
poplítea com punção única utilizando o estimulador percutâneo de nervos: considerações anatômicas e
descrição ultrassonográfica. Rev Bras Anestesiol, 2011;61:533-543.
6. Prasad A, Perlas A, Ramlogan R et al. - Ultrasound - guided popliteal block distal to sciatic nerve bi-
furcation shortens onset time: a prospective randomized double-blinded study. Reg Anesth Pain Med,
2010;35:267-271.
7. Morgan GE, Mikhail MS, Murray MJ - Bloqueio de Nervos Periféricos. em: Morgan GE, Mikhail MS,
Murray MJ - Anestesiologia Clínica, 4ª Ed, Rio de Janeiro, Revinter, 2010;291-321.
8. Kerr AT - The brachial plexus of nerves in man, the variations in its formation and branches. Am J Anat,
1918;23:285-395.
9. Bergman RA, Thompson SA, Afif, AK - Compendium of Human Anatomic Variation, 1ª ed, Baltimore,
Urban and Schwarzenberg,1988.
10. Bonnel F - Microscopic anatomy of the adult human brachial plexus: an anatomical and histological basis
for microsurgery. Microsurgery, 1984;5:107-118.
11. Uysal II, Seker M, Karabulut, AK et al. - Brachial plexus variations in human fetuses. Neurosurgery,
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12. Orebaugh SL, Williams BA - Brachial plexus anatomy: normal and variant. ScientificWorldJournal,
2009;9:300-312.
13. Harry WG, Bennett JDC, Guha SC - Scalene muscles and the brachial plexus. Clin Anat,
1997;10:250-252.
Iniciativas em anestesia
para a qualidade e
segurança do paciente
Fabiane Salman
João Henrique Silva
Luís Antônio dos Santos Diego
Iniciativas em anestesia para a qualidade e
segurança do paciente
A questão da qualidade e segurança do paciente, muito embora seja um tema inerente a
qualquer área de atuação no setor de saúde, encontra-se intimamente relacionada à aneste-
siologia. Acredita-se que a necessidade imperiosa da garantia de segurança do paciente no
ato operatório tenha surgido em meados do século XIX. A questão não era tão somente a
administração da “anestesia”, mas, sim, prover eficácia e segurança, isto é, que, ao permitir
a cirurgia sem o infortúnio da dor, também seus riscos fossem, de algum modo, “controla-
dos”. Afinal, as propriedades anestésicas do éter dietílico já eram conhecidas desde o século
XVI, com as observações de Paracelsus, mas até então não haviam sido utilizadas na prática
clínica, pois não se aceitava que os pacientes viessem a “morrer da cura”.
A experiência clínica moderna, da qual a anestesiologia é protagonista diuturna, caracte-
riza-se por uma complexa intersecção de valores que vão além do estado clínico do paciente
e das evidências científicas da eficácia das intervenções. De igual modo, as preferências dos
próprios pacientes e os diversos cenários nos quais se encontram inseridos em determinada
ocasião hoje compõem a tomada de decisão.
Coube a Donabedian1, a partir dos anos 1960, consolidar os princípios e fundamentos da
qualidade do cuidado em saúde, na perspectiva do serviço às reais necessidades de pacientes
e comunidade. Destarte, apresentou a didática tríade: estrutura, processo e resultado, que
se mostrou muito útil na avaliação da qualidade dos serviços prestados pelos sistemas de
saúde2 . Posteriormente, o instituto de medicina também destacou os fatores mais relevantes
na qualidade do cuidado em seu relatório intitulado Crossing the Quality Chasm3, em que
elenca a segurança, eficiência e efetividade, mas também a oportunidade e equidade na pres-
tação do cuidado, sempre centrados no paciente.
Conjuminando-se os breves relatos históricos apresentados nos parágrafos anteriores,
compreende-se por que a anestesiologia moderna é considerada a especialidade médica
líder na questão da segurança do paciente4,5 e, por conseguinte, a razão de o ensino-apren-
dizagem desses aspectos nos cursos das escolas médicas (graduação6 ou pós-graduação7,8) e
especialização lato sensu9 ser relacionado à anestesia.
Entretanto, em levantamento recente sobre o quantitativo mundial de cirurgias10, foram
estimados cerca de 234 milhões de procedimentos anestésicos realizados a cada ano, e em
torno de 7 milhões dessas intervenções ocorreu algum tipo de complicação no pré-operató-
rio e cerca de 1 milhão de pacientes foram a óbito. Essas estimativas denotam a necessidade
de políticas de saúde pública que concentrem esforços na monitoração e na segurança cirúr-
gica, especialmente em função do elevado risco e dispêndio financeiro. O impacto clínico
desse fato implica elevação da permanência hospitalar em 10 a 15 dias, aumento do risco de
reinternação (cinco vezes), aumento da necessidade de internação em Unidade de Terapia
Intensiva (1,6%), duplicação da mortalidade e um custo estimado, nos Estados Unidos, de
10 bilhões de dólares por ano.
As complicações da anestesia em si continuam a desafiar a mortalidade. Com a melhora
do conhecimento, da padronização e das monitorizações, a morbimortalidade tem, efeti-
2. Considerações finais
Em saúde, há necessidade de, proativamente, se criar uma cultura de melhora do desem-
penho como meio de obter bons resultados. As organizações de saúde, como as de acre-
ditação e governamentais, e os planos de saúde começam a estimular boas práticas com
incentivos, nomeando-as como acreditadas, estabelecendo pagamento por desempenho
(payment for performance - P4P) e incentivos fiscais para quem se organiza e utiliza in-
dicadores permanentes, para analisar e corrigir desvios que constituem os fatores de risco
latente. A máxima: “o custo da qualidade é a falta de qualidade” é, cada vez mais, verdadeira
e deve sempre ser considerada em qualquer planejamento, desde a gestão macro da saúde até
o planejamento do ato anestésico.
Referências bibliográficas:
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5. Institute of Medicine. Committee on Quality of Health Care in America - To Err Is Human: Building a
Safer Health System. Washington, National Academy, 1999.
Riscos anestésicos em
crianças portadoras de
apneia do sono
Mary Neide Romero
Celso Schmalfuss Nogueira
Giovanni Menezes Santos
Riscos anestésicos em crianças portadoras
de apneia do sono
Em 1976, Guilleminault relatou apneia do sono em seis crianças1. Descreveu-a como
uma síndrome caracterizada por roncos de alta intensidade, episódios de dessaturação da
hemoglobina e hipercapnia durante o sono. As consequências da desordem na respiração re-
sultariam numa variedade de sintomas, incluindo problemas neurocognitivos, distúrbios de
comportamento, baixo rendimento escolar, disfunção cardiovascular e doença respiratória.
A hipertrofia amigdaliana é o fator mais importante da obstrução respiratória durante o
sono e a adenoamigdalectomia é essencial para seu tratamento.
Quanto à prevalência, o ronco primário sem complicações ocorre em 5% a 27% em crian-
ças. E a síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) ocorre em 1% a 4%, sendo mais
prevalente em crianças com asma2 . Quanto à idade, há uma incidência bimodal com picos
entre 5 e 8 anos e entre 17 e 21 anos3.
Os distúrbios respiratórios relacionados ao sono (DRS) em crianças vêm ganhando
importância crescente nas últimas décadas, em virtude de acarretarem consequências
neurocomportamentais, cardiovasculares, endócrinas e metabólicas3. Os DRS em crianças
compreendem um espectro de apresentação clínica que abrange desde o ronco primário
até a síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS)4. A prevalência dos DRS é estimada
entre 0,7% a 13%, na dependência dos critérios utilizados para avaliação diagnóstica, como
saturação de oxigênio pela hemoglobina, fluxo aéreo, esforço respiratório e polissonografia 5.
O ronco primário é definido como ronco sem associação com apneia, hipoxemia, hipercapnia
ou fragmentação do sono4. Apesar de inicialmente ser considerado benigno, evidências recentes
sugerem que o ronco per se pode estar associado a alterações neurocomportamentais5.
A SAOS em crianças é definida como um distúrbio respiratório durante o sono, caracte-
rizado por obstrução parcial ou completa das vias aéreas superiores que altera a ventilação
normal e os padrões de sono. Está associada a sintomas que incluem ronco noturno, difi-
culdade para dormir e problemas comportamentais6. Sua prevalência é estimada entre 1% e
4%, de acordo com critérios que são variáveis7. Os três componentes mais importantes são:
hipóxia episódica, hipercapnia intermitente e fragmentação do sono.
A história e o exame clínico têm grande valor, mas não são suficientes para o diagnós-
tico, que está centrado na polissonografia. É esta que registra os eventos respiratórios por
hora, e sua média determina o índice de apneia/hipopneia (IAH), fundamental para o
diagnóstico. Em crianças, caso o AHI esteja entre 1 e 5, os DRS são considerados leves e,
acima de 5, moderados10.
1. Quadro clínico
O quadro clínico se apresenta com sintomas diurnos, noturnos e aspectos relacionados
ao exame físico. Alterações comportamentais, depressão, diminuição na performace escolar,
agressividade, deficit de atenção, hiperatividade, diminuição na qualidade de vida, sonolência
excessiva, cefaleias matinais, respiração bucal, congestão nasal, fala anasalada, otites e sinu-
sites de repetição são aspectos relacionados aos sintomas diurnos. Os sintomas noturnos ca-
2. Etiologia
Qualquer anomalia na via aérea superior pode, teoricamente, produzir sintomas obs-
trutivos intermitentes durante o sono. As síndromes congênitas, com alterações orofaciais
e faríngeas, o hipotireoidismo e a síndrome de Down, com aumento desproporcional da
língua/cavidade oral, podem gerar obstrução ao fluxo aéreo. Doenças neuromusculares cau-
sam SAOS por causa do tônus anormal dos músculos constritores da faringe, responsáveis
por manter as vias aéreas pérvias8.
A obesidade e a hipertrofia das amígdalas e adenoides são responsáveis pela maioria dos
casos de SAOS em crianças9.
As principais doenças associadas à SAOS em crianças incluem, entre outras:
• hipertrofia de amígdalas e adenoides;
• obstrução nasal crônica, como estenose de coanas, desvio de septo, rinite alérgica,
pólipos nasais e tumores nasais;
• obesidade mórbida;
• síndromes de Down, Crouzon, Treacher Collins, Klippel-Feil, Beckwith-Wiede-
mann, Apert e Prader Willi e anomalia de Pierre Robin;
• síndrome de Marfan, acondroplasia, laringomalácia;
• mucopolissacaridoses;
• doenças neuromusculares - distrofia muscular de Duchenne, doença de Werdnig-
-Hoffman, síndrome de Guillán Barré, distrofias musculares e miopatias;
• malformação de Chiari;
• hipotireoidismo;
• anemia falciforme.
3. Fisiopatologia
A característica essencial da SAOS em crianças é o aumento da resistência das vias aéreas
superiores durante o sono11. Na maioria dos casos, isso se deve a uma combinação de fatores
como hipertrofia dos tecidos moles, dismorfologias craniofaciais, fraqueza neuromuscular
e obesidade12 .
A via aérea superior contém algumas estruturas flexíveis, como músculos e tecidos moles.
Durante a vigília, o tônus muscular se encontra preservado, mantendo as vias aéreas pérvias.
Com o sono e o relaxamento muscular que o acompanha, ocorre aumento da resistência ao
fluxo de ar. Embora a maioria das pessoas possa compensar essas alterações, indivíduos com
certos problemas anatômicos têm episódios repetidos de obstrução parcial ou completa das
vias aéreas superiores durante o sono8.
4. Avaliação pré-anestésica
A anamnese é um passo fundamental no diagnóstico dos distúrbios obstrutivos do sono
em crianças. No entanto, estudos têm mostrado fraca correlação entre sintomas clínicos e
achados polissonográficos. Em 1995, Carroll e col.24 compararam respostas de questioná-
rios referentes a sintomas clínicos de SAOS e achados polissonográficos de crianças com
hipertrofia adenotonsilar. Encontraram pobre correlação entre sintomas e polissonogra-
fia23. A utilização de questionários com dados da história clínica e exame físico não tem
um bom valor preditivo para o diagnóstico de SAOS em crianças24, pois a sensibilidade e
especificidade são de apenas 35% e 39%, respectivamente12 . Isso se deve, principalmente,
ao fato de esses questionários dependerem do relato de acompanhantes, que, muitas vezes,
podem não conhecer com exatidão os sintomas apresentados durante o sono24.
Gregório e col. observaram que o ronco foi o sintoma mais frequente em crianças e adoles-
centes com SAOS13. Esse resultado está de acordo com a literatura que aponta o ronco como
o preditor clínico mais importante para o diagnóstico de SAOS em crianças, com uma boa
sensibilidade (91%) e razoável especificidade (75%)16,18. Obstrução nasal e agitação das pernas
durante o sono são sintomas que apresentaram elevada prevalência na casuística de Gregório13,
porém, em outros estudos, não se relacionaram significativamente com a SAOS16. A presença
de sonolência diurna, que é um sintoma muito frequente em adultos com SAOS, não é um
dos principais sintomas em crianças. Foi encontrado em 0 a 19% dos casos em crianças não
roncadoras e de 0 a 30% em roncadoras habituais15. Outros sintomas que também são atual-
mente considerados importantes para o diagnóstico de SAOS em crianças foram sono agitado,
sudorese, enurese noturna, sintomas de rinite, hábito de dormir em posição de hiperextensão
cervical, alterações do comportamento e déficit de aprendizado17,29.
Um grande número de crianças, especialmente as que se submetem a procedimentos
otorrinolaringológicos, apresenta apneia obstrutiva do sono. Habitualmente, essas crianças
6. Cuidados perioperatórios
6.1. Vias aéreas
A manutenção da patência das vias aéreas durante a sedação com ventilação espontânea ou
anestesia é um dos grandes desafios para o anestesiologista nos portadores de SAOS. É bem es-
tabelecido que o colapso da via aérea seja intensificado durante o sono fisiológico, tão bem como
naqueles pacientes submetidos à anestesia geral, contribuindo para que os pacientes portadores de
SAOS apresentem incapacidade de tolerar a sedação, o que pode culminar com hipoventilação.
O conhecimento das alterações anatômicas das vias aéreas é vital para o planejamento da
entubação orotraqueal. A comunicação entre o anestesiologista, o cirurgião pediátrico e o radio-
logista é importante para avaliar doença de base, severidade, doenças coexistentes ou síndromes
que possam se associar e contribuir para a dificuldade em estabelecer uma via aérea segura.
Os agentes anestésicos pioram a condição obstrutiva na síndrome, o que predispõe ao
aumento da resistência das vias aéreas superiores, levando a eventos obstrutivos, principal-
mente no retropalato35.
Material para via aérea difícil deve ser programado naqueles pacientes com comprometi-
mento anatômico orofacial ou de vias aéreas.
7. Cuidados pós-anestésicos
Existem evidências de que crianças com SAOS têm alta incidência de complicações res-
piratórias pós-operatórias, incluindo edema pulmonar obstrutivo, pneumonia, obstrução
8. Dor pós-operatória
8.1 Opioides
O uso de opioides em crianças com SAOS causa depressão da resposta ventilatória ao
aumento de CO2 . Deprime o drive e relaxa o músculo dilatador da faringe, sendo essas ações
mais intensas no pós-operatório. Se a dor for de grande intensidade, o uso de opioide pode
ser útil, acompanhado de entubação e ventilação mecânica prolongada, com monitoração
constante do sistema cardiovascular e oximetria de pulso.
O uso de anti-inflamatórios não hormonais pode induzir sangramento, com exceção do
acetoaminofen. Em algumas cirurgias, como na adenoamigdalectomia, a infiltração com
anestésico local pode ser útil.
A medicação antirrefluxo e antisialogoga deve ser administrada para a prevenção de as-
piração e laringoespasmo.
Referências bibliográficas:
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Analgesia regional
pós-operatória I
João Valverde Filho
Míriam Seligman Menezes
Leandro Mamede Braun
Analgesia regional pós-operatória I
Está muito bem documentada, nos dias de hoje, a eficácia da abordagem multimodal no
tratamento da dor pós-operatória. Administrações sistêmicas de analgésicos não opioides,
analgésicos opioides e fármacos adjuvantes e diferentes técnicas de bloqueio regional com
anestésicos locais e/ou adjuvantes constituem a base desse tipo de analgesia1.
A utilização de anestésicos locais em bloqueios regionais, tanto no neuroeixo como em
nervos periféricos, em dose única ou em bloqueio contínuo, tem tido cada vez mais destaque
na analgesia pós-operatória. Isso é verdade, especialmente, quando se trata de bloqueios pe-
riféricos em procedimentos ambulatoriais, para uma recuperação mais rápida e com meno-
res efeitos adversos e, ainda, a possibilidade de estender a analgesia após a alta hospitalar2,3.
Serão abordados, neste capítulo, bloqueios periféricos para a analgesia pós-operatória
de adultos.
1. Bloqueios periféricos
Os bloqueios periféricos são procedimentos realizados há várias décadas, porém, nos úl-
timos anos, têm recebido atenção especial, principalmente, no tratamento da dor e na recu-
peração musculoesquelética dos doentes submetidos a diversos procedimentos cirúrgicos.
Os anestésicos locais, associados a adjuvantes ou não, são administrados por infusões
simples ou por cateteres implantados próximo de nervos, plexos e articulações ou direta-
mente no sítio cirúrgico.
A tecnologia avançou para produzir agulhas especiais, estimuladores de nervos, catete-
res, dispositivos eletrônicos ou elastoméricos de infusão e, recentemente, ultrassonografia,
para guiar o local de depósito do agente analgésico ou anestésico.
Os anestesiologistas têm papel de destaque na avaliação e no controle da dor no período
pós-operatório, para proporcionar conforto e reabilitação funcional dos doentes.
A morbidade decorrente dos diferentes procedimentos cirúrgicos está associada ao
melhor controle da dor e à satisfação com o tratamento, quando as técnicas de analgesia
regional com anestésicos locais são comparadas com as administradas por via sistêmica4.
Diversos estudos contribuem para demonstrar a redução de complicações respiratórias, car-
diovasculares e gastrointestinais5,6.
Para minimizar os efeitos indesejáveis da dor, os bloqueios anestésicos interrompem
funcionalmente as vias eferentes e aferentes de um segmento nervoso, reduzindo os reflexos
provenientes de incisões e manipulações cirúrgicas. As dores inflamatórias e neuropáticas,
decorrentes dos procedimentos cirúrgicos, são tratadas com diversas modalidades de anal-
gésicos; a redução do consumo de opioides e de fármacos adjuvantes é especialmente van-
tajosa para os doentes críticos e idosos7. Os nervos tornam-se mais sensíveis aos anestésicos
locais com o avanço da idade, em função de um declínio na população neural e do alente-
cimento da condução nervosa. Pode ocorrer toxicidade cumulativa nos idosos por causa da
redução global do clearance dos fármacos7.
A anestesia regional, quando realizada por injeção simples, é suficiente para promover
analgesia por tempo limitado à ação do anestésico local específico utilizado; porém, não há
Fig. 9 - Curativo
Referências bibliográficas:
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Analgesia regional
pós-operatória II
João Valverde Filho
Míriam Seligman Menezes
Leandro Mamede Braun
Analgesia regional pós-operatória II
Serão abordados, neste capítulo, bloqueios no neuroeixo para a analgesia pós-operatória
de adultos e bloqueios regionais para a analgesia pós-operatória em crianças.
1. Analgesia no neuroeixo
O impacto da anestesia regional no resultado das cirurgias tem sido extensivamente
estudado durante os últimos 20 anos. Dados conflitantes foram observados a respeito do
uso da anestesia regional no controle da dor aguda pós-operatória e na diminuição da mor-
bimortalidade cirúrgica.
Um marco histórico da anestesia regional foi o trabalho realizado por Yeager1, acompa-
nhado de editorial sobre o tema2, em que uma aparente redução da mortalidade foi obtida
quando comparado com os opioides sistêmicos. Em 2000, Rodgers3 realizou uma metaná-
lise na qual foram revisados 145 estudos com mais de 10 mil pacientes, em que concluiu
significantes benefícios na morbidade e mortalidade com o uso dos bloqueios neuroaxiais
centrais. Nessa metanálise, foram observadas significantes reduções nas complicações
respiratórias (39%); redução da incidência de pneumonia e depressão respiratória (59%);
eventos tromboembólicos (44%); e redução na incidência de trombose venosa profunda e
embolia pulmonar (55%). O uso de bloqueios regionais neuroaxiais reduziu a mortalidade
em 33%. Infelizmente, o estudo avaliou uma população heterogênea, submetida a diferentes
procedimentos cirúrgicos, com técnicas anestésicas e analgésicas não padronizadas. A anal-
gesia sistêmica multimodal foi raramente utilizada nos diferentes grupos.
A utilização tanto da anestesia peridural, especialmente a torácica (APT), quanto de
opioides intratecais apresenta grandes benefícios: analgesia de qualidade superior (com
anestésicos locais); atenuação da resposta ao estresse e ao trauma cirúrgico; simpatectomia
cardíaca torácica; redução de tempo de intubação; melhor função respiratória pós-operató-
ria; e melhor controle da pressão arterial. Infelizmente, a maioria dos estudos realizados até
o momento ainda apresenta limitações metodológicas.
1.1. Efeitos cardiovasculares
O miocárdio e a circulação coronária são inervados por fibras simpáticas provenientes
dos segmentos da medula espinhal entre T1 e T5, que influenciam a distribuição do fluxo
coronariano. No paciente com doença isquêmica coronariana, a ativação simpática altera o
balanço entre o fluxo sanguíneo coronariano normal e a demanda de oxigênio miocárdico.
Esses pacientes apresentam benefícios da simpatectomia induzida pelo bloqueio das fibras
cardíacas4. A anestesia peridural com anestésicos locais aumenta o diâmetro das artérias
epicárdicas estenosadas sem vasodilatação das arteríolas coronárias5, diminui o oxigênio do
miocárdico6, melhora o desempenho do ventrículo esquerdo7 e reduz a liberação de tropo-
nina T e catelominas8. Além disso, ocorrem o aumento da relação de fluxo sanguíneo endo-
cárdio/epicárdio9, a melhora o fluxo sanguíneo através de colaterais durante a isquemia9,10, a
diminuição da vasoconstrição pós-estenótica e a redução da incidência de isquemia provo-
cada por reflexo cardíaco11.
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Anestesia regional
periférica guiada por
ultrassom (US)
Danielle Maia Holanda Dumaresq
Melina Cristino de Menezes Frota
Cibelle Magalhães Pedrosa Rocha
Anestesia regional periférica guiada por ultrassom (US)
A capacidade de realização e o sucesso dos bloqueios de nervos periféricos, até pouco
tempo atrás, variavam exclusivamente com o grau de conhecimento de anatomia profunda
e de superfície do médico anestesiologista.
A qualidade da anestesia regional depende de um conjunto de fatores relacionados com o
posicionamento ótimo da agulha e da injeção do anestésico local. Os fatores principais são o
conhecimento da anatomia, as sensações táteis do anestesiologista, o interrogatório do paciente
durante a realização da punção e a neuroestimulação. No entanto, a prática nos lembra, todos os
dias, de que essas informações podem ser falseadas, apesar da experiência e do rigor dos aneste-
siologistas, o que pode ocasionar incidentes ou falhas dos bloqueios de nervos periféricos1.
A introdução da ultrassonografia nas técnicas de anestesia regional permitiu que a liga-
ção, até então estática, entre anatomia, anestesia loco regional e imagem se tornasse uma
interação dinâmica, realizada em tempo real.
A ultrassonografia faz com que os objetivos da anestesia regional sejam obtidos de forma
rápida, eficaz e consideravelmente segura.
A associação do ultrassom com o estimulador de nervo periférico pode representar, na
prática, a frase citada pelo Dr. M. Morgan2: “Regional anaesthesia always works – provided
you put the right dose of the right drug in the right place” ou seja, anestesia regional sempre
funciona – desde que você coloque a dose certa da droga certa no local certo.
Fig. 2 - Probes produzem ondas de alta ou baixa frequência, dependendo da espessura do cristal piezoelétrico
Quando a onda ultrassonora atinge uma interface acústica, dependendo do grau de dife-
rença de impedância dos meios, ela pode sofrer processos de atenuação através de disper-
são, reflexão ou refração (Figura 3). A energia mecânica pode ser perdida à medida que as
ondas passam através dos diferentes tecidos. Quanto maior o coeficiente de atenuação do
tecido, maior a perda de energia.
Fig. 4 - Desenho esquemático que mostra a construção de imagens ultrassonográficas por meio da emissão
e reflexão de ondas pelo probe
Estruturas hiperecogênicas: são estruturas que refletem a maioria das ondas de ul-
trassom e que, praticamente, não permitem a transmissão de energia mais profundamente,
gerando uma sombra acústica (artefato). Elas aparecem em branco (Figura 8), são secun-
dárias a interfaces de elevado fator de reflexão (alta diferença de impedância acústica) e
correspondem, por exemplo, a ossos, ar, fáscias e nervos distais.
Artéria
Estrutura arredondada anecoica ou hipoecoica com bordas
grossas; não compressível; observa-se pulsação.
Veia
Estrutura mais irregular anecoica ou hipoecoica; bordas
delgadas; a pressão do transdutor leva ao colapso.
Osso
2.5.1.1 Posicionamento
Paciente em posição supina com a cabeça ligeiramente desviada para o lado contralateral
(Figura 12). Alguns autores recomendam que o probe seja segurado com a mão esquerda
2.5.2.1 Posicionamento
O paciente deve ficar em posição supina, com a cabeça elevada em 30 o a 45o e virada para
o lado contralateral (Figura 14 ).
2.5.3.1 Posicionamento
Com a cabeça voltada para o lado contralateral e o braço ao longo do corpo, o probe do
ultrassom é posicionado em um plano sagital no sulco deltopeitoral (Figura 16). A aborda-
gem utilizada é normalmente em plano.
2.5.4.1 Posicionamento
Com o paciente em decúbito dorsal com braço abduzido, antebraço flexionado e mão
supinada19. Utiliza-se o transdutor linear de alta frequência na dobra formada pelo músculo
peitoral maior na região da axila, na qual se pode bloquear os nervos terminais (Figura 18).
Músculo bíceps
Músculo tríceps
Músculo coracobraquial
Úmero
2.6.1.1 Posicionamento
O paciente é colocado em posição lateral, com o lado a ser bloqueado para cima. O qua-
dril e o joelho do lado não dependente devem estar levemente flexionados para aumentar a
superfície anatômica (Figura 21).
Tabela XIV - Aspectos técnicos do bloqueio ciático ao nível infraglúteo guiado por ultrassom
Bloqueio Estrutura de Estruturas que devem ser Tipo de transdutor/ Volume de
referência encontradas Profundidade anestésico local
Isquiático Tuberosidade Músculo glúteo maior Convexo 20-30 ml
infraglúteo isquiática Músculo glúteo menor Baixa frequência
Músculo quadrado femoral
Grande trocanter Nervo ciático Linear (pacientes
Artéria do nervo ciático muito magros e
Ramo femoral da artéria glútea pediátricos)
inferior
4-8 cm
2.6.2.1 Posicionamento
O paciente pode ser posicionado de três formas, dependendo da abordagem selecionada
(Figura 25).
Tabela XVI - Aspectos técnicos do bloqueio do nervo isquiático ao nível poplíteo guiado
por ultrassom
Bloqueio Estrutura de Estruturas que devem ser Tipo de transdutor/ Volume de anesté-
referência encontradas Profundidade sico local
Nervo ciático ao Artéria poplítea Vasos poplíteos Linear 20-30 ml
nível poplíteo Alta frequência
Nervo tibial Aproximação do nervo fibular
ao nervo tibial
Nervo fibular 3-5 cm
Nervo isquiático
(+/-)
2.6.3.1 Posicionamento
Paciente em posição supina e posicionamento do transdutor paralelo ao ligamento ingui-
nal, um pouco abaixo da prega inguinal.
2.6.4.1 Posicionamento
Com o paciente em posição supina, com leve rotação externa da coxa e posicionamen-
to do transdutor 2 cm a 3 cm abaixo e paralelamente ao ligamento inguinal, em região
medial da coxa.
Lesão nervosa
Referências bibliográficas:
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Reposição volêmica
em pediatria
Danielle Maia Holanda Dumaresq
Débora de Oliveira Cumino
Magda Lourenço Fernandes
Reposição volêmica em pediatria
2. Avaliação da volemia
Quando a criança é anestesiada, muitos parâmetros clínicos do estado volêmico são per-
didos ou sofrem interferência de fatores que causam confusões. Por exemplo, o aumento da
frequência cardíaca, apesar de ser um indicador bastante confiável do estado volêmico, na
criança, sofre alterações no perioperatório como resultado da influência de inúmeros outros
fatores; a taquicardia pode ser decorrente do aumento de temperatura, falta de plano anes-
tésico, falhas de bloqueios e outros6,9.
Portanto, a avaliação da volemia durante a anestesia é um desafio para o anestesiologista,
que deve considerar todas as possibilidades e conhecer os limites fisiológicos da frequência
cardíaca e da pressão nas diversas faixas etárias, correlacionar esses dados formando uma
hipótese e, então, tomar as devidas condutas.
Em procedimentos de pequeno porte, a avaliação do estado de hidratação e a reposi-
ção volêmica intraoperatória são mensuradas através de parâmetros clínicos. Na criança
anestesiada, podemos avaliar o estado das mucosas, o pulso, a pressão arterial média e a
diurese6 (Tabela 4).
Nos neonatos e lactentes, a avaliação do turgor das fontanelas pela palpação é uma técnica
elucidativa, capaz de fornecer dados sobre o estado da hidratação. Na vigência de hipovolemia
ou em estados de desidratação, a fontanela encontra-se deprimida e, em estados de hiper-
-hidratação ou hipertensão intracraniana, túrgida (Tabela 4). Um bom parâmetro para avaliar
o balanço hídrico em crianças pequenas é a medida do peso no pré e no pós-operatório.
O grau de hipovolemia pode ser avaliado por meio de uma combinação de sinais clínicos
e fisiológicos. Neonatos e lactentes apresentam, como resposta compensatória à hipovole-
mia, aumento da frequência cardíaca e vasoconstrição periférica. Entretanto, a habilidade
para aumentar o débito cardíaco só ocorre com o desenvolvimento e avanço da idade, sendo
Esses autores avaliaram também a quantidade de sódio e potássio do leite humano e de-
terminaram que, do ponto de vista eletrolítico, a solução ideal para manutenção em crianças
seria hipotônica. Com base nesses dados, as soluções salinas hipotônicas (1:2 a 1:4) foram
amplamente utilizadas por longos anos23.
Na década de 1980, Berry propôs outro esquema para reposição hídrica em crianças,
considerando a perda relacionada ao trauma cirúrgico (Tabela 6).
Tabela VI - Fórmula de Berry
Na primeira hora Nas horas seguintes
Idade < 4 anos: 25 mL.kg-1 Basal: 2 mL.kg-1.h-1
Idade ≥ 4 anos: 15 mL.kg-1 Trauma leve: 6 mL.kg-1.h-1
Trauma moderado: 8 mL.kg-1.h-1
Trauma severo: 10 mL.kg-1.h-1
5.1 Albumina42
A albumina é derivada do plasma humano e seu processamento proporciona esterilização
por pasteurização, o que elimina o risco de transmissão de doença infecciosas. Tem peso mo-
lecular de 69 kDa, sendo produzida em concentrações de 5% e 25%. A albumina a 5% osmo-
Atualmente, estão disponíveis para uso clínico as gelatinas com pontes de ureia, como
Haemaccel e Isocel, e as gelatinas succiniladas, como Gelafundin.
As apresentações de gelatinas com pontes de ureia e as succiniladas diferem entre si
quanto à concentração de eletrólitos. As gelatinas ligadas à ureia contêm maior quantidade
de cálcio e de potássio do que as soluções de gelatina succinilada. O cálcio presente nas
soluções de gelatina ligada à ureia pode reagir com o citrato usado como anticoagulante nas
bolsas de hemocomponentes. Dessa forma, recomenda-se que não se utilize, simultanea-
mente, a mesma via de administração para as duas soluções.
As gelatinas apresentam capacidade de expansão limitada, correspondendo a apenas
80% do volume infundido, ou seja, 1 mL corresponde à expansão de 0,8 mL. Isso se deve à
rápida passagem para o interstício, requerendo várias doses para manter a expansão.
Não há relatos de prováveis efeitos antitrombóticos ou sobre a coagulação, mas o empre-
go de doses elevadas, que ainda não estão bem estabelecidas, pode provocar diluição de fato-
res da coagulação com diminuição do fator de von Willebrand e do Fator VIII. As gelatinas
interferem na função da fibronectina (FVIII), o que pode representar fator restritivo quanto
ao volume a ser administrado; recomenda-se até 50 mL.kg-1 por dia. Podem desencadear
Referências bibliográficas:
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Bloqueio do nervo
femoral: do básico
ao avançado
Roberto Araújo Ruzi
Paulo Ricardo Rabello de Macedo Costa
Eduardo R. Nakashima
Cibelle Magalhães Pedrosa Rocha
José Samuel de Paula
Bloqueio do nervo femoral: do básico ao avançado
Embora haja muitas semelhanças anatômicas entre a inervação dos membros superiores e
inferiores, o entusiasmo para a realização dos bloqueios de nervos periféricos nas extremida-
des inferiores não é tão grande. A maioria dos anestesiologistas prefere a técnica neuroaxial
(subaracnóidea e epidural) aos bloqueios de nervos periféricos para cirurgias dos membros
inferiores, apesar das potenciais desvantagens neuroaxiais: risco de sintomas neurológicos
transitórios; cefaleia pós-punção dural; lombalgia; repercussão hemodinâmica; meningite/
meningismo e hematoma epidural.
Nesse contexto, os bloqueios periféricos apresentam muitas vantagens e representam
uma técnica regional alternativa, tanto para a anestesia intraoperatória quanto para a analge-
sia pós-operatória1. As vantagens incluem: redução em admissões hospitalares pós-cirurgias
ambulatoriais (custo efetivo)2; menor alteração hemodinâmica; menos náuseas/vômitos e
retenção urinária e melhor analgesia pós-operatória3.
O pequeno uso de bloqueios em membros inferiores pode ser explicado pela menor divul-
gação dessas técnicas durante a residência médica de anestesiologia4, curva de aprendizado
mais lenta e maior custo para a aquisição de material e insumos necessários (neuroestimu-
lador, agulhas especiais, ultrassom). Entretanto, nessa última década, tem havido crescente
interesse pelos bloqueios periféricos, refletido pelo grande número de artigos publicados
nessa área. O conhecimento envolvido na realização de bloqueios periféricos é muito maior
do que aquele necessário à execução da raquianestesia, porém, a versatilidade e a satisfação
profissional conferidas pelo domínio dessas técnicas, principalmente com o uso da ultrasso-
nografia, justificam o emprego desses bloqueios.
Por muitas décadas, o bloqueio de nervos foi guiado por pesquisa de parestesia ou uso de
neuroestimulador de nervos. Ambas as técnicas se utilizam de reparos anatômicos e uso de
agulha em prospecção para encontrar o nervo desejado5.
Veja o vídeo com a técnica da perda de resistência com agulha de Tuohy e seringa de
vidro no seguinte link http://youtu.be/KyBo6pGJNm8
4. Objetivo
Injetar lateralmente ao nervo e, quando no plano tecidual adequado, o anestésico se
dispersa por cima do nervo e por baixo dos vasos, empurrando o nervo posteriormente e
separando a fáscia ilíaca do músculo iliopsoas. Nessa técnica, como a ponta da agulha fica
longe do nervo, o estimulador de nervos não funcionará.
A seguir, figuras com desenhos esquemáticos com o passo a passo da técnica “fora do plano”.
Fig. 6 - Injetar pequenos volumes (1 ml AL) para se ter certeza de onde está a
ponta da agulha
Seguem links de quatro vídeos que mostram bloqueios realizados no Hospital de Clíni-
cas da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), MG:
Vídeo 1: http://youtu.be/Y-JpZaqn_nY
Vídeo 2: http://www.youtube.com/watch?v=VVbVktXidR8
Vídeo 3: http://youtu.be/YWD2-gSxwIo
Vídeo 4: http://youtu.be/L_T_jNDXaEA
O anestésico local alcança o nervo mesmo com a ponta da agulha longe dele, com menor
risco de lesão nervosa e maior facilidade para a passagem de cateteres. Com agulha nesse
local, o estimulador de nervos provavelmente não funcionaria.
5. Exceção
Em cerca de 10% dos casos, o anestésico local não se dispersa nesse padrão descrito, e sim
por baixo do nervo e dos vasos (entre a fáscia ilíaca e o músculo iliopsoas).
Como o bloqueio é realizado em plano tecidual e a ponta da agulha não está próxima do nervo,
a introdução de cateteres comuns (até cerca de 15 cm - marca III) ocorre sem dificuldades.
6. Material
• Agulhas utilizadas para essa técnica:
–– agulha hipodérmica (25 x 8);
–– agulha extracath 20 ou 18 G;
–– agulha de epidural (se for usar cateter).
• Anestésicos locais utilizados (doses e concentrações):
–– bupivacaína: 0,125% a 0,5%;
–– ropivacaína: 0,2% a 0,75%;
–– lidocaína: 1,0% a 1,5%.
A escolha do anestésico local, da concentração utilizada e do uso ou não de adjuvantes
depende da indicação do bloqueio - anestesia ou analgesia - e da preferência e experiência
do anestesiologista.
4. Linfonodos
Estrutura superficial às fáscias, ovalada, com maior eixo no sentido horizontal, centro
hiperecoico e córtex hipoecoico. A principal característica dos linfonodos é não ter trajeto,
ou seja, desaparece ao “caminhar com o transdutor proximal ou distalmente”.
9. Conclusão
A manutenção de uma distância em que apenas o anestésico local entrará em contato
direto com o nervo transforma o trauma pela agulha e a injeção intraneural em lesões evitá-
veis, revela uma conduta menos agressiva, previne sensações desconfortáveis ao paciente e
agrega mais segurança ao procedimento anestésico.
O uso de ultrassom para guiar o bloqueio do nervo femoral está se tornando imprescin-
dível ao proporcionar segurança na realização do ato anestésico. Acredita-se que, em futuro
próximo, as técnicas “às cegas” não serão utilizadas e estarão apenas na história da anestesia.
Finalmente, a ultrassonografia, por ser uma técnica de localização mais segura, mais efi-
ciente e que propicia maior conforto ao paciente, se transformará na técnica de excelência
para a realização de bloqueios de nervos periféricos e para a cateterização venosa central,
sendo altamente recomendado que ela seja incorporada pelos profissionais e instituições
hospitalares brasileiras.
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Transporte aeromédico
do paciente crítico
Júlio Cezar Mendes Brandão
Luiz Fernando dos Reis Falcão
Waston Vieira Silva
Marcos Antônio Costa de Albuquerque
Transporte aeromédico do
paciente crítico
O transporte aeromédico, principalmente dos pacientes críticos, é uma atividade com-
plexa e que vem se expandindo. Atualmente, o Brasil possui carência de unidades de terapia
intensiva (UTI), com número atual totalizando 25.367 leitos1. Destes, 70,6% são destinados
aos pacientes adultos, com importante desigualdade na distribuição geográfica. Quando le-
vada em consideração a Portaria nº 1.101/GM, de junho de 2002, elaborada pelo Ministério
da Saúde2, 51,9% do território nacional apresenta cobertura insatisfatória de leitos de UTI1.
Dessa forma, a demanda por deslocamento de pacientes para longas distâncias faz ressaltar
a importância do transporte aeromédico.
O anestesiologista tem inato em sua profissão o manuseio de pacientes críticos, o
que reúne as características essenciais para exercer o transporte do paciente grave. O
aprendizado e o aperfeiçoamento do transporte aéreo se fazem necessários para atu-
ação com qualidade e segurança. Contudo, existe grande carência de estudos acerca
do tema 3 .
Há uma série de passos a serem seguidos para o planejamento, o preparo e a ade-
quada execução do transporte aeromédico, sendo importante antever as necessidades
e possíveis intercorrências, a relação custo-benefício, novas alocações e os riscos en-
volvidos 3,4 . É importante ter ciência de que as variações durante o transporte poderão
trazer repercussões graves com maiores dificuldades de resolução por não se tratar
de unidade hospitalar fixa, apesar do grande arsenal e sofisticados aparelhos incor-
porados às aeronaves 5 . As alterações fisiológicas que ocorrem nas altitudes e a vulne-
rabilidade dos equipamentos médicos também devem ser lembradas para o sucesso
do transporte 4,5 .
Em um país com dimensões continentais como o Brasil, o transporte aeromédico tem
importância fundamental, pois permite o deslocamento de pacientes de regiões com poucos
recursos, ou de áreas remotas e distantes, para centros de referência.
Recentemente, presenciamos o desastre em Santa Maria/RS, que contou com importan-
te participação do transporte aéreo para a remoção de pacientes graves para centros espe-
cializados6,7. Visto a importância do assunto, propomos elaborar esta revisão, para permitir
a atualização do tema.
1. Histórico
Um dos primeiro relatos de transporte aeromédico de pacientes se deu próximo a
1870, durante a guerra franco-prussiana, com o uso de um balão para a remoção de fe-
ridos. Grande evolução ocorreu no período das guerras, em que se percebeu que havia
modificação do prognóstico ao oferecer um transporte mais rápido e eficiente aos pacien-
tes enfermos. Na Primeira Guerra Mundial, houve o aprimoramento das aeronaves e o
aumento da necessidade de fornecer socorro de forma imediata aos pilotos feridos em
combates. Já na Segunda Guerra Mundial, ocorreu a modificação da perspectiva que até
8. Equipe
Para efeito da atividade médica e de enfermagem envolvida no atendimento e no
transporte aéreo de pacientes, consideram-se os profissionais implicados como “tripu-
lantes aeromédicos”, portanto, submetidos à legislação avulsa e ao Código Aeronáutico
Brasileiro, devendo ter aptidão física específica para essa operação, que terá que ser ates-
tada periodicamente pelo Centro de Medicina Aeroespacial (CEMAL) do Comando da
Aeronáutica. São obrigatórios habilitação mínima em emergência pré-hospitalar, noções
básicas de fisiologia de voo e noções de aeronáutica e segurança de voo, incluindo ainda
aeronavegabilidade, escape de aeronaves e sobrevivência, sendo recomendável habilitação
9. Aeronaves
A aeronave de transporte aeromédico e seus equipamentos de suporte de vida devem ser
homologados para tal. Aquelas utilizadas no transporte aeromédico no Brasil são do tipo E,
ou seja, aeronave de asa fixa ou rotativa usada para transporte inter-hospitalar de pacientes e
aeronave de asa rotativa para ações de resgate, dotada de equipamento médico homologado
pela ANAC. É sempre considerada viatura de suporte avançado. A tripulação dessas aero-
naves são compostas por piloto, um médico e um enfermeiro (a presença de um médico é
obrigatória para caracterizar o transporte aeromédico, considerando a equipe de saúde); um
socorrista pode ser associado, se necessário.
As aeronaves de asa fixa (aviões, Figura 1) são utilizadas para o transporte inter-hospi-
talar de longa distância (a partir de 400 quilômetros). O transporte necessita planejamento
prévio e agendamento. Como vantagens, observa-se menor custo, maior espaço interno,
pressurização da cabine, conforto, possibilidade de haver acompanhantes e equipe multi-
disciplinar, além de o treinamento do tripulante operacional ser simples.
10. Equipamento
As condições e regras mínimas são previstas na legislação brasileira pela Portaria
do Ministério da Saúde nº 2.048/GM, de novembro de 2002. Assim como nessa por-
taria, existem diversos relatos na literatura internacional que instituem condições e
enumeram equipamento e medicamento para se realizar um transporte inter-hospitalar
com segurança. Os requisitos mínimos do equipamento estão listados na Tabela 4, e o
equipamento mínimo recomendado para a realização do transporte aeromédico está
contido na Tabela 5 4,43 .
Tabela IV - Requisitos do equipamento médico para alocação no transporte aeromédico
Requisitos dos Equipamentos Médicos para realização do transporte aeromédico:
•• Isolamento elétrico
•• Tamanho compacto
12. Apêndice 1
O Conselho Federal de Medicina, por meio da Resolução CFM nº 1.672/03, de 9 de
julho de 2003, dispõe sobre o transporte inter-hospitalar de pacientes e dá outras providên-
cias, normatizando as condutas de transporte com segurança.
“Art. 1º – Que o sistema de transporte inter-hospitalar de pacientes deverá ser efetuado
conforme o abaixo estabelecido:
I – O hospital previamente estabelecido como referência não pode negar atendimento
aos casos que se enquadrem em sua capacidade de resolução.
II – Pacientes com risco de vida não podem ser removidos sem a prévia realização de
diagnóstico médico, com obrigatória avaliação e atendimento básico respiratório e hemodi-
nâmico, além da realização de outras medidas urgentes e específicas para cada caso.
III – Pacientes graves ou de risco devem ser removidos acompanhados de equipe com-
posta por tripulação mínima de um médico, um profissional de enfermagem e motorista,
em ambulância de suporte avançado. Nas situações em que seja tecnicamente impossível o
cumprimento dessa norma, deve ser avaliado o risco potencial do transporte em relação à
permanência do paciente no local de origem.
IV – Antes de decidir a remoção do paciente, faz-se necessário realizar contato com o mé-
dico receptor ou diretor técnico no hospital de destino, e ter a concordância do(s) mesmo(s).
V – Todas as ocorrências inerentes à transferência devem ser registradas no prontuário
de origem.
VI – Todo paciente removido deve ser acompanhado por relatório completo, legível e
assinado (com o número do CRM), que passará a integrar o prontuário no destino. Quando
do recebimento, o relatório deve ser também assinado pelo médico receptor.
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Manejo da coagulação
sanguínea no
transplante hepático
Bruno Salomé de Morais
Rodrigo Perreira Diaz André
Francisco Ricardo Marques Lobo
Manejo da coagulação sanguínea no transplante hepático
O transplante hepático (TH) é uma cirurgia complexa, em paciente com alterações
orgânicas multissistêmicas e pequena reserva funcional. O manejo da coagulação é com-
plexo nesses pacientes. Para tal, é necessário o adequado conhecimento da fisiologia da
coagulação e as alterações na hepatopatia, a compreensão da monitorização da coagulação
sanguínea, bem como indicações da utilização de hemocomponentes, hemoderivados e
outros fármacos.
1. Fisiologia da coagulação
A hemostasia é um processo bioquímico e celular que interrompe a perda de sangue
a partir de uma lesão vascular, mantém a fluidez sanguínea intravascular e restabelece o
fluxo dos vasos trombosados após a lesão. A hemostasia consiste em ativação plaquetária e
formação de rede de fibrina sobre uma superfície fosfolipídica e modulada por anticoagu-
lantes naturais e um sistema fibrinolítico. Esse mecanismo ocorre com a participação dos
fatores da coagulação, do endotélio e, principalmente, das plaquetas. Qualquer alteração
da coagulação estimula resposta inflamatória e qualquer resposta inflamatória estimula a
coagulação. Esse extenso intercâmbio entre coagulação e inflamação envolve sinalização
mediada por receptores celulares e produção de citocinas, por meio de endotélio, leucócitos
e plaquetas. Embora o processo seja dinâmico, didaticamente, a hemostasia consiste em três
fases: hemostasia primária, hemostasia secundária (coagulação) e fibrinólise1.
1.1 Hemostasia primária
Sob condições fisiológicas, as plaquetas circulam preferencialmente próximas da parede
vascular. Entretanto, elas não interagem com as células endoteliais, as quais oferecem resis-
tência natural à trombose. Quando há lesão endotelial, a matriz subendotelial fica exposta,
expondo assim algumas moléculas específicas denominadas fator tecidual (FT). Nesse mo-
mento, se desencadeia uma série de reações coordenadas para interromper o processo de
agressão. As plaquetas desempenham o papel principal nesse processo e vários substratos
podem mediar sua adesão à parede vascular lesada (hemostasia primária)2 .
A hemostasia primária leva à formação de um tampão plaquetário friável que, temporaria-
mente, interrompe o sangramento no local da lesão vascular. A coagulação reforça esse tampão,
transformando-o em uma fina rede de fibrina. Após a reparação tecidual, há a lise do coágulo
por um processo chamado fibrinólise, restaurando-se, assim, o fluxo sanguíneo no vaso.
Quando ocorre lesão endotelial vascular, mecânica ou bioquímica, verifica-se exposição
do colágeno e de outras proteínas do subendotélio às plaquetas circulantes. Esse contato ini-
cia o processo de ativação plaquetária, que inclui: a) adesão das plaquetas ao subendotélio;
b) mudança na forma da plaqueta; c) liberação de conteúdo dos grânulos citoplasmáticos da
plaqueta; d) aparecimento de uma nova superfície fosfolipídica, necessária para as reações
da coagulação dependentes de superfície; e) agregação plaqueta com plaqueta 3.
As plaquetas aderem ao colágeno por meio da ligação do fator de von Willebrand
(FvW) ao receptor glicoproteico (GP) GPIb. O conteúdo expulso dos grânulos plaque-
1.3 Fibrinólise
O sistema fibrinolítico remove o excesso de fibrina intravascular, restaurando o fluxo
sanguíneo. A fibrinólise é iniciada pelos ativadores do plasminogênio, que convertem o
plasminogênio em plasmina. A plasmina degrada fibrina em produtos da degradação da
fibrina (PDF). Se a produção dos PDFs exceder a taxa de eliminação produzida pelo fígado,
pelos rins ou pelo sistema reticuloendotelial, os PDFs se acumulam no sangue e, com isso,
3. Monitorização da coagulação
A monitorização perioperatória da coagulação é importante para diagnosticar causas
potenciais de hemorragia, guiar terapias hemostáticas e predizer o risco de sangramento
durante o curso de procedimentos cirúrgicos.
Grande variedade de testes laboratoriais convencionais (TAP/INR, TTPa, dosagem de
fibrinogênio e contagem de plaquetas) tem sido utilizada ao longo dos anos para identificar
o tipo e a gravidade do distúrbio de coagulação. Por causa da complexidade das alterações
hemostáticas presentes na insuficiência hepática, os testes convencionais da coagulação
não são capazes de exibir o equilíbrio hemostático com precisão25,26. E a capacidade desses
exames em prever sangramento intraoperatório no TH tem sido questionada 27,28. Diversos
autores demonstraram discrepância entre os testes de coagulação convencionais e sangra-
mento em cirróticos submetidos ao TH 27,29-31.
Defeitos nas funções pró-coagulantes são identificados nos testes laboratoriais usuais,
como TAP (INR), TTPa e contagem plaquetária, porém os efeitos sobre a via inibitória são
menos visíveis nesses exames. Deve-se considerar que na análise da hemostasia primária a
avaliação da contagem plaquetária não leva em consideração níveis possivelmente elevados
de fator de Von Willebrand, que é a principal proteína do sistema de adesão e pode com-
pensar a redução no número e função plaquetária 32 . A hipocoagulabilidade sugerida pelo
prolongamento do TAP e TTPa não leva em consideração possíveis reduções dos inibidores
da coagulação, como a proteína C, a proteína S e a antitrombina. De maneira similar, a sig-
4. Hemoterapia
A hemoterapia moderna desenvolveu-se com base no preceito racional de transfundir-
-se somente o componente de que o paciente necessita, a partir de avaliação clínica e/ou
laboratorial, não havendo indicações de sangue total. As indicações básicas para transfusões
são: restaurar ou manter a capacidade de transporte do oxigênio, o volume sanguíneo e a
hemostasia. A transfusão de hemocomponentes deve ser realizada somente quando existir
indicação precisa e nenhuma outra opção terapêutica.
Apesar da recente diminuição na transfusão de hemocomponentes no TH45, é de suma
importância o adequado manejo da coagulação, uma vez que o ato cirúrgico, associado às
complexas alterações na coagulação do hepatopata, pode promover importante sangramento.
Medidas não farmacológicas devem ser tomadas para minimizar a perda sanguínea du-
rante a cirurgia. Além do controle da hipocalcemia e acidose46,47, é de fundamental impor-
tância a manutenção da normotermia.
A hipotermia agrava os distúrbios de coagulação, por inibir a atividade dos fatores da co-
agulação e promover a redução da contagem e função plaquetária48,49. Além disso, contribui
para a instabilidade hemodinâmica durante o TH e é uma das causas da síndrome de reperfu-
são50. A hipotermia é resultado da redistribuição do calor para a periferia51,52 e desequilíbrio
entre produção e perda de temperatura53. Fatores que contribuem para a hipotermia no TH
incluem: tempo de cirurgia prolongado, exposição da cavidade abdominal, transfusão impor-
tante, retirada do fígado metabolicamente ativo e utilização do by-pass veno-venoso54.
Estudos prospectivos randomizados revelam que mesmo a hipotermia discreta está asso-
ciada a aumento de complicações cardiovasculares, infecção no sítio cirúrgico e aumento de
hospitalização55-60. Revisão sistemática recente concluiu que a hipotermia discreta (<1°C)
aumenta o risco relativo de hemotransfusão em 22%61.
Outras condutas, como manutenção de normovolemia, discreto céfalo aclive, ajuste
adequado da ventilação mecânica e técnica cirúrgica de piggback, também estão asso-
ciadas a menos sangramento durante a cirurgia para TH46,62 . Quando tais medidas não
forem suficientes, pode ser necessária a utilização de hemocomponentes, hemoderivados
ou outras medicações.
5. Hemocomponentes
5.1 Concentrado de hemácias
A transfusão de concentrado de hemácias (CH) tem sido demonstrada como preditor
independente de pior função do enxerto, doenças infecciosas, disfunção renal e outras co-
morbidades48,63-66. A transfusão sanguínea pode promover alterações metabólicas por causa
de coagulopatia dilucional, trombocitopenia, CID, toxicidade do citrato, alcalose metabóli-
ca, hipercalemia, hipocalcemia, hipomagnesemia, distúrbios ácido/base e hipotermia46,66,67.
Além dessas complicações, está associada com transmissão viral, reações alérgicas, aloimu-
nização, infecção bacteriana, disfunção renal, hipervolemia, TRALI e TRIM68.
7. Opções Terapêuticas
7.1 Desmopressina
A desmopressina é um análogo V2 da vasopressina, que estimula o fator de von Wille-
brand que, por sua vez, medeia a aderência plaquetária às células subendoteliais47.
Recente metanálise mostrou pequeno efeito na perda sanguínea (redução média de 80
mL, p = 0,005) e necessidade de hemotransfusão (redução média de 0,3 unidade de CH, p =
0,01), sobretudo em cirurgias não cardíacas, sem aumento do risco de trombose (p = 0,4)110.
Uma vez que a disfunção plaquetária é comum na hepatopatia, trata-se de fármaco inte-
ressante no TH, sobretudo naqueles pacientes sem plaquetopenia importante, porém, com
MCF reduzido ao ROTEM, sem alterações no fibrinogênio. A dose recomendada é de 0,3
μg/kg intravenoso. Apesar desse potencial benefício111,112, ainda faltam estudos controlados
randomizados em TH.
8. Protocolo transfusional no TH
Diante da complexidade no manejo da coagulação nesses pacientes e grande variabilida-
de de opções terapêuticas, é importante o desenvolvimento de protocolos transfusionais de
acordo com a realidade de cada instituição.
Segue sugestão de protocolo transfusional para o TH, baseado na monitorização da coa-
gulação mediante tromboelastometria (Figura 6).
9. Conclusão
O manejo da coagulação nos pacientes hepatopatas é desafiador. É de suma importância
o conhecimento da fisiopatologia das alterações na coagulação desses pacientes. A tromboe-
lastografia e a tromboelastometria são ferramentas importantes para o diagnóstico da coagu-
lação, tendo-se em vista que os exames tradicionais trazem poucas informações a respeito do
equilíbrio pró e anticoagulante. A coagulopatia associada ao TH deve ser guiada por protoco-
los bem estabelecidos, com utilização racional de hemocomponentes e hemoderivados.
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Profilaxia e tratamento
de náuseas e vômitos em
anestesia ambulatorial
Ricardo Caio Gracco de Bernardis
Ivani Rodrigues Glass
Emanuela Lombardi
Profilaxia e tratamento de náuseas e vômitos
em anestesia ambulatorial
Náusea e vômito pós-operatórios (NVPO) são os efeitos adversos mais comuns após
procedimento anestésico-cirúrgico. Sua incidência atinge de 20% a 30% dos pacientes, va-
riando de 50% a 56% em procedimentos laparoscópicos1,2 .
A frequência de NVPO pode estar associada às condições clínicas pré-operatórias, à
extensão e ao tipo de intervenção cirúrgica, às intercorrências cirúrgicas ou anestésicas e à
eficácia das medidas terapêuticas adotadas2 .
Pacientes com NVPO podem apresentar outras complicações: hipocalemia; alcalose
hipoclorêmica; desidratação; síndrome de Mallory-Weiss; broncoaspiração; deiscência de
suturas; sangramento intraocular e cutâneo; admissão hospitalar após cirurgias ambula-
toriais; desconforto psicológico e prolongamento da internação, com aumento de custos,
tanto para o hospital como para o paciente1.
A etiologia da náusea e do vômito pós-operatório não está completamente definida, mas
sabe-se que tem caráter multifatorial, razão pela qual necessita de abordagem multimodal 2 .
As medicações de uso venoso são largamente utilizadas em regime intra-hospitalar, mas têm
sua ação limitada na náusea e no vômito pós-alta hospitalar (NVPA). Metade dos 35% dos pacien-
tes que apresenta NVPA após cirurgia ambulatorial demonstra NVPO antes da alta hospitalar3.
Na revisão sistemática realizada por Wu et al, a incidência de náusea foi de 17% (variando
de 0 a 55%) e de vômito de 8% (variando de 0 a 16%)3.
O número de pacientes submetidos a cirurgias em regime ambulatorial nos Estados Uni-
dos, de 1996 a 2006, aumentou de 20,8 milhões para 34,7 milhões, o que representa metade de
todos os pacientes operados em 1996 e dois terços do total dos pacientes operados em 20063-5.
O aumento do número de pacientes operados em regime ambulatorial reforça a necessi-
dade das discussões sobre NVPA, com estratégias estabelecidas, incluindo a estratificação
dos riscos de NVPO, medicações profiláticas e terapias pós-alta hospitalar direcionadas
para NVPO4.
Esta revisão discutirá os fatores de risco específico para NVPO e NVPA, as terapias de
prevenção e manutenção e as principais medicações indicadas para os pacientes submetidos
à anestesia ambulatorial.
2. Tratamento de NVPO
Na presença de náuseas e vômitos persistentes, devem-se analisar possíveis fatores causa-
dores, como analgesia controlada pelo paciente com morfina, presença de sangue na faringe
ou obstrução abdominal.
Excluídos os fatores medicamentosos e mecânicos, o tratamento antiemético de resgate é
aconselhável. Se o paciente não recebeu nenhuma profilaxia, a terapia com antagonistas do
receptor 5-HT3 deve ser iniciada, com doses de ondansetrona 1 mg, dolasetrona 12,5 mg
3. Conclusões
Mais estudos são necessários, incluindo no modelo do estudo a análise de náuseas e vô-
mitos na pós-alta, direcionando as intervenções terapêuticas.
Os antieméticos de longa ação e de uso oral após a alta são eficazes no controle de
NVPA. Os antieméticos do tipo NK 1-RAs são ideais no tratamento do vômito, mas pouco
no da náusea.
A associação das intervenções não farmacológicas, tal como acupressura, pode re-
duzir NVPA. A analgesia multimodal, incluindo analgésicos não opioides e bloqueios
periféricos contínuos ambulatoriais, é uma opção na prevenção de NVPA e no controle
da analgesia pós-operatória com redução do uso de opioides.
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Resposta inflamatória
sistêmica da circulação
extracorpórea (CEC)
Fernando A. Martins
Kléber Machareth de Souza
Marisa Pizzichini
Resposta inflamatória sistêmica da circulação
extracorpórea (CEC)
A necessidade da circulação extracorpórea (CEC) em cirurgia cardíaca resulta em res-
posta inflamatória sistêmica caracterizada pela ativação do sistema de coagulação, das ci-
tocinas e da fibrinólise, pelo contato do sangue com os elementos que compõem o circuito
da circulação. Caso a resposta inflamatória seja suficientemente intensa, poderá ocorrer a
síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SRIS) ou a síndrome de disfunção de múlti-
plos órgãos, o que aumenta a mortalidade em unidades pós-operatórias1.
O objetivo do presente capítulo é descrever a fisiopatologia da resposta inflamatória sis-
têmica à circulação extracorpórea e as estratégias terapêuticas usadas para evitar que ela
promova a evolução desfavorável para o paciente submetido à cirurgia com CEC.
2. Componentes proteicos
2.3 Complemento
Os quatro sistemas de proteína formados no plasma durante a circulação extracorpó-
rea é o que denominamos sistema de complemento. Um sistema natural de nossas defesas
imunológicas composto por 35 substâncias proteicas altamente citotóxicas. O ser humano
naturalmente possui fatores plasmáticos que inibem e controlam a formação desses quatro
sistemas16,17. A ativação do complemento pode ocorrer através de três vias: uma via clássica,
que envolve um sistema immune complex (anticorpo-antígeno); uma via alternativa (a ati-
vação do complemento ocorre isoladamente mediante a presença de um agente patógeno
e diante da presença de uma superfície estranha, reconhecida como non self). [Falta uma
via? Só há duas] Todas as três vias estão ligadas à mesma protease, porém, com variações
mediante a via, denominada C3 protease, que, por sua vez, vai clivar a C3 protease em C3a
e C3b. A partir desse ponto, teremos diversas clivagens, ativações e desencadeamentos de
eventos imunológicos.
A via non self é a principal via ativada durante a circulação extracorpórea que leva à hi-
drólise do C3 formando C3a e C3b. O C3b promoverá a ativação plasmática da proteína
fator B, que será clivado em fator Ba e Bb. O fator Bb promoverá a liberação de mais quan-
tidades de fator C3b e a ativação do fator C3bBb. Ao passo que Ba é produzido em menores
quantidades. Quando C3b catalisa - através da C3 convertase, C3b, em especial alguns de
seus fragmentos, por meio de uma via alternativa - promoverá a formação de C3bBbC3b. A
C3bBbC3b é também denominada C5, que, por sua vez, desencadeará outra via alternativa,
através da ativação de C5a e C5b. A C5a ativa diretamente os neutrófilos e a C5b inicia a for-
mação de membranas de ataque complexas denominadas C5b, C6, C7, C8 e um polímero de
C9. As membranas de ataque complexas comportam-se também como canais de membrana
capazes de produzir a lise celular osmótica e a morte celular.
A circulação extracorpórea também ativa a via clássica do complemento. Há provavelmente
três gatilhos para esse mecanismo: a formação do complexo heparina-protamina, a liberação
de endotoxinas da flora intestinal e a ativação de C1 pelo fator XIIa produzido nessa situação
pelo contato sangue-circuito. Essa via envolverá, por fim, três proteínas ou complementos: C1,
C2 e C4. Assim, C2 e C4 se dividirão em C2a e C4b. Essas duas substâncias são as descritas
C3 convertase. Sabe-se que a via non self possui uma alça que atua como feedback positivo em
nível de C3bBbC3b, que amplificará ainda mais a ativação do complemento3.
A formação de C3a, C4a e C5a representará um importante mecanismo inflamatório que
vai atuar como anafilotoxinas (C5a é, entre todas, a mais potente), que vão alterar a perme-
abilidade capilar e o tônus vasomotor, podendo resultar em contração da musculatura lisa
brônquica e hipotensão18. A C5a rapidamente se ligará aos neutrófilos19 e se combinará com
membranas de ataque complexas com estimulação de neutrófilos e ativação plaquetária.
Esse mecanismo levará a lise celular cardíaca e possível dano plaquetário20. A resposta está
em como poderemos frear esses processos imunológicos. Até o momento, nenhum fármaco
ou técnica tem se mostrado muito eficaz.
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Técnicas de separação
pulmonar – atualização
Bruno Mendes Carmona
Rosalice Miecznikowski
Enis Donizetti Silva
Técnicas de separação pulmonar – atualização
A evolução de procedimentos e técnicas anestésicas ao longo dos anos pode ser con-
siderada um dos principais fatores responsáveis pelo avanço da cirurgia torácica. O atual
conhecimento da mecânica e fisiologia pulmonar permite ao anestesiologista garantir boas
condições à equipe cirúrgica para que esta realize as intervenções necessárias com adequa-
da segurança ao paciente1.
A maioria dos procedimentos torácicos é realizada com o paciente em decúbito lateral
oposto ao sítio cirúrgico, isto é, utiliza-se o decúbito lateral esquerdo para abordagem do
pulmão direito e vice-versa. O pulmão inferior, em contato com a mesa cirúrgica, é dito
dependente, enquanto o superior, a ser operado, é dito não dependente.
O anestesista deve zelar pelo posicionamento adequado do paciente, inclusive utilizando
coxins para estabilizar o corpo do paciente anestesiado e evitar lesões compressivas e estira-
mento de nervos periférico (Figura 1).
Fig. 1 - A) decúbito lateral inadequado, sem coxins protetores; B) decúbito lateral adequado, com
coxins protetores
O decúbito lateral, com paciente respirando espontaneamente com o tórax fechado,
induz alterações fisiológicas importantes, cujo conhecimento é fundamental para a compre-
ensão das demais mudanças causadas por abertura do tórax, apneia (paciente anestesiado) e
ventilação controlada com pressão positiva1-3.
Durante o decúbito lateral, o fluxo sanguíneo pulmonar, por influência da gravidade, é
maior no pulmão dependente, que sofre compressões externas do mediastino e do abdome.
Além disso, trabalha na porção mediana da faixa de complacência pulmonar. O pulmão não
dependente não sofre compressões externas e trabalha na porção superior da faixa de com-
placência pulmonar, cuja perfusão é inadequada (Figura 2)1,4.
Fig. 3 - Zonas de West em decúbito lateral; o pulmão inferior é o dependente e o superior, o não dependen-
te; observar correspondência entre as zonas de West na posição ereta e durante o decúbito lateral
2. Técnicas
As técnicas de isolamento pulmonar incluem o uso de bloqueadores brônquicos (BB),
tubos brônquicos de lúmen único e tubos de duplo lúmen (TDL). Os BB são inseridos no
pulmão, que deve ser colapsado, e os TDL devem ser introduzidos no pulmão dependente.
No entanto, os TDL podem ser inseridos para os dois lados, havendo tendência para ser
inserido à esquerda, por causa do comprimento do brônquio fonte esquerdo, cuja primeira
ramificação encontra-se a mais de 5 cm da carina, permitindo, assim, a ventilação adequada
para ambos os lados11,13.
2.1 Tubos de duplo lúmen
Atualmente, os TDL são os dispositivos mais utilizados para separação pulmonar e ven-
tilação monopulmonar. Basicamente, são duas sondas traqueais unidas, sendo um lúmen
mais curto (traqueal) e outro mais longo, para alcançar o brônquio fonte. Possuem também
dois balonetes, um proximal, para vedar a traqueia, e outro distal, para vedar o brônquio
fonte e isolar os pulmões um do outro1,12,14.
Todos os TDL possuem uma curvatura proximal para facilitar sua inserção na traqueia
e outra curvatura distal para facilitar sua inserção no brônquio fonte. Essa curvatura distal
pode ser direita ou esquerda, de acordo com o lado a ser entubado12 .
Existem TDL direitos e esquerdos que devem ser introduzidos no brônquio fonte direito
e esquerdo, respectivamente. O brônquio fonte a ser entubado é o do pulmão sadio, isto
é, aquele que será ventilado durante a anestesia monopulmonar. Então, os tubos direitos
são utilizados para toracotomia esquerda e os tubos esquerdos, para toracotomia direita. As
Fig. 4 - A) pneumonectomia direita com tubo de duplo lúmen esquerdo; B) pneumonectomia esquerda com
tubo de duplo lúmen direito; C) pneumonectomia esquerda com tubo de duplo lúmen esquerdo recuado
Fig. 6 - Mau posicionamento do TDL; A) TDL posicionado muito fora, pouco inserido; B) TDL esquerdo
posicionando muito dentro do brônquio fonte esquerdo; C) TDL direito posicionado muito dentro do
brônquio fonte direito
Os BB utilizados hoje em dia são projetados como um cateter com um ou dois balões in-
corporados próximos à extremidade, que, quando inflados, interrompem o fluxo de ar além
do ponto de oclusão.
2.3.1 Indicações
a) Via aérea difícil
Paciente com previsão de dificuldade no manuseio da via aérea pode ser um desafio para a
inserção do TDL19. Para paciente com fácil acesso às vias aéreas, a escolha de separação pul-
monar com o TDL ou por tubo de lúmen único é uma opção pessoal. No entanto, no paciente
com via aérea difícil antecipada, a última opção é a melhor escolha. Nessas situações, o uso
de um tubo de lúmen único associado ao bloqueador brônquico (BB) é o mais recomendado,
uma vez que são de mais fácil inserção. Da mesma forma, se observou que a utilização de TDL
b) Bloqueador Arndt
O BB Arndt é conectado a um cateter 5, 7 ou 9Fr, disponíveis nos comprimentos 65 cm
e 78 cm, com um diâmetro interno de 1,4 mm. Próximo à extremidade distal do cateter, há
orifícios laterais (olhos de Murphy) incorporados para facilitar a desinsuflação, presentes
apenas no tamanho 9Fr. Possui balonete de forma esférica ou elíptica, de alto volume e baixa
pressão (Figura 13). Uma característica única desse BB é um fio metálico que se estende
através da extremidade distal do BB e serve como guia introdutor para o fibroscópio para
sua introdução no brônquio (Figura 14).
c) BB Cohen
Disponível apenas no tamanho 9Fr, com 65 cm de comprimento e 1,6 mm de diâmetro
interno. O balão tem formato esférico. Próximo ao término do cateter há orifícios laterais
para facilitar a desinsuflação pulmonar (olhos de Murphy). Também tem balonete de alto
volume e baixa pressão. Tem um controle circular que permite uma deflexão maior que 90°,
o que facilita o correto posicionamento do BB (Figura 15).
d) Bloqueador Fuji
BB unilateral disponível nos tamanhos 4,5 e 9 Fr, com comprimento de 65 cm. Tem o
mesmo desenho do Univent, sendo independente, utilizado por meio de um tubo simples. O
balonete é de alto volume, feito de silicone e tem uma propriedade de barreira à passagem de
gás, que faz com que haja redução de difusão através do balonete. Possui controle a torque
que permite guiar sua introdução ao local desejado (Figura 16).
e) Bloqueador EZ
O bloqueador EZ é um tipo novo de BB com uma terminação simétrica em Y. A bifur-
cação assemelha-se à da traqueia. Ambas as terminações têm um balonete em sua posição
distal e possuem uma luz central. Assim, cada ramo pode ser posicionado no brônquio fonte
esquerdo ou direito. O formato do balão é esférico e há apenas um tamanho disponível, o
7Fr, com 75 cm de comprimento (Figura 17).
Fig. 17 - Bloqueador EZ
A principal desvantagem desses BB comerciais é que seu diâmetro externo é maior que
um cateter de Fogarty, o que faz com que sua passagem pelo interior de um tubo de 6 mm ou
menor seja difícil ou mesmo impossível. Por isso, alguns ainda utilizam esse último cateter
nessas situações.
2.3.4 Via aérea difícil
Para pacientes com fácil acesso à via aérea, a escolha entre o TDL e o BB costuma ser uma pre-
ferência pessoal. No entanto, na via aérea difícil, uma técnica pode ter um peso maior que a outra.
Todo anestesiologista deve ter familiaridade com as técnicas e os tubos disponíveis para
a separação pulmonar, assim como as técnicas e os dispositivos para o controle da via aérea
difícil (VAD).
Em um paciente com antecipada VAD, a entubação inicial com um tubo traqueal simples
costuma ser a conduta mais uniforme e segura. Havendo indicação de ventilação monopul-
Fig. 18 - Algoritmo para manuseio da via aérea difícil, quando há demanda por ventilação monopulmonar
3. Conclusões
Talvez o principal questionamento seja se é seguro utilizar os BB para a separação pul-
monar. A resposta é sim. Alguns autores, inclusive, acreditam que, com a evolução da curva
de aprendizado, o uso desse dispositivo será uma opção à utilização do TDL, preferido hoje
em dia. Portanto, se um paciente necessita de separação pulmonar, a primeira opção ainda
reside na utilização dos TDL, porém, com crescente interesse pelos BB. Contudo, há situa-
ções em que os BB parecem ser mais indicados. Pacientes com via aérea difícil identificada
antecipadamente, com traqueostomia ou previsão de ventilação mecânica pós-operatória
necessitam de uma abordagem cirúrgica mais seletiva.
As desvantagens dos BB em relação aos TDL estão relacionadas à desinsuflação pulmo-
nar lenta, dificuldade em aspirar o pulmão isolado e incapacidade de ventilação indepen-
dente do pulmão isolado.
Quanto às complicações entre os TDL e os BB, alguns trabalhos mostraram taxas de
odinofagia e lesão de corda vocal maiores com os TDL22, dados que não foram confirmados
por meio de outras pesquisas23. De qualquer forma, as complicações mais graves têm sido
mais benignas que as descritas com os TDL.
Finalmente, todo anestesiologista deve estar familiarizado com as vantagens e desvanta-
gens das diferentes técnicas e tubos disponíveis para a separação pulmonar.
Referências bibliográficas:
1. Ferez D, Martins FANC - Anestesia para Cirurgia Torácica, em: Cangiani LM, Slullitel A, Potério GMB
et al. - Tratado de Anestesiologia SAESP, 7a Ed. São Paulo, Atheneu, 2011; 1.913-30.
2. Eisenkraft JB, Cohen E, Neustein SM - Anestesia para Cirurgia Torácica, em: Barash PG, Cullen BF,
Stoelting RK - Anestesia Clínica, 4ª Ed. São Paulo, Manole, 2004; 813-852.
3. Weiss-Bloom LJ - Positioning and Complications of the Supine and Lateral Position, em: Cohen E - Anes-
thesia for Thoracic Sugery, 1st Ed. Philadelphia, Lippincott, 1995.
Medicina perioperatória:
imunonutrição e anestesia
Eduardo Manso de Carvalho Andrade
Florentino Fernandes Mendes
Ana Cristina Pinho Mendes Pereira
Medicina perioperatória: imunonutrição e anestesia
Tradicionalmente, o objetivo do suporte nutricional perioperatório é prover o aporte
adequado de calorias para reduzir a perda de massa magra associada a cirurgias de grande
porte. Hoje sabemos que o suporte nutricional perioperatório vai além da simples repo-
sição calórica e, se adequado, pode melhorar o resultado cirúrgico e reduzir a incidência
de complicações 1.
Pacientes com desnutrição perioperatória possuem risco significativamente elevado de de-
senvolver complicações pós-operatórias, além de maior taxa de mortalidade. Nesses pacientes,
foram observados maior tempo de internação hospitalar e aumento dos custos durante a in-
ternação. Apesar dessas evidências, observou-se que os pacientes cirúrgicos graves são os mais
negligenciados com relação à nutrição, e os pacientes submetidos à cirurgia gastrointestinal ou
cardiovascular são os que apresentam maiores riscos de desnutrição iatrogênica2.
O objetivo deste texto é revisar aspectos relacionados à imunonutrição, que são de inte-
resse para o anestesiologista.
5. Imunonutrição
A redução da função imunológica é um problema que sabemos acometer pacientes crí-
ticos e está intimamente relacionada à resposta metabólica, ao estresse e ao trauma. Em
consequência, foi proposto suporte nutricional com o intuito de melhorar os mecanismos
de defesa e reduzir a morbidade9. Porém, a menos que o paciente se apresente com uma
desnutrição proteico-calórica grave, o suporte nutricional tradicional tem um efeito muito
pequeno sobre a função imune10.
Pacientes em nutrição parenteral total realmente são mais propensos a infecções. A nutri-
ção enteral parece ser benéfica para a manutenção da função imune quando comparada com
a nutrição parenteral. Recentemente, percebeu-se que o uso de nutrientes específicos pode
trazer benefícios imunológicos que não se conseguem com o suporte tradicional, mesmo
que enteral1.
5.1 Glutamina
A glutamina é um aminoácido amplamente utilizado por linfócitos, enterócitos e ma-
crófagos9 como combustível oxidativo e para prover intermediários da síntese das purinas e
pirimidinas, essenciais para a síntese de DNA e RNA. Além disso, a glutamina parece estar
envolvida na diferenciação de células T e B e, em culturas de células, a síntese de interleucinas
1 e 2 é dependente da concentração de glutamina. Esse aminoácido, portanto, está envolvido
na sinalização intracelular, na prevenção de apoptose e na atenuação da resposta inflamatória7.
Em estados hipercatabólicos pode ocorrer rápida depleção dos estoques de glutamina. A
deficiência desse aminoácido pode levar à redução da função imunológica e alterar a função
da borda epitelial do intestino, com consequente aumento do risco de desenvolver infecção2 .
Em pacientes submetidos a cirurgias eletivas, a suplementação com glutamina parece
reduzir a incidência de complicações infecciosas e o tempo de internação hospitalar e possi-
velmente diminui a morbimortalidade de pacientes críticos1.
6. Conclusão
A desnutrição perioperatória associa-se com piora de resultados. Assim, avaliar o estado
nutricional do paciente submetido à cirurgia de grande porte é etapa importante na medicina
perioperatória. Os estudos que utilizam imunonutrição, com o objetivo de melhorar a resposta
inflamatória do hospedeiro, demonstram que esta pode associar-se à melhora de resultados.
Referências bibliográficas:
1. Banz VM, Jakob SM, Inderbitzin D - Review article: improving outcome after major surgery: pathophy-
siological considerations. Anesth Analg, 2011;112:1147-1155.
2. Drover JW, Cahill NE, Kutsogiannis J et al. - Nutrition therapy for the critically ill surgical patient: we
need to do better! JPEN J Parenter Enteral Nutr, 2010;34:644-652.
3. Dudrick, SJ - Nutrition management of geriatric surgical patients. Surg Clin North Am, 2011;91:877-896.
4. Maung AA, Davis KA - Perioperative nutritional support: immunonutrition, probiotics, and anabolic
steroids. Surg Clin North Am, 2012;92:273-283.
5. American Society for Parenteral and Enteral Nutrition (ASPEN). Board of Directors. Clinical guideli-
nes for the use of parenteral and enteral nutrition in adult and pediatric patients. 2009. JPEN J Parenter
Enteral Nutr, 2009;33:255-259.
6. Braga, M, Ljungvist O, Soeters P et al. - ESPEN guidelines on parenteral nutrition: surgery. Clin Nutr,
2009;28:378-386
7. Huhmann MB, August DA - Perioperative nutrition support in cancer patients. Nutr Clin Pract,
2012;27:586-592.
8. Bozzetti F, Braga M, Gianotti L et al. - Postoperative enteral versus parenteral nutrition in malnourished
patients with gastrointestinal cancer: a randomised multicentre trial. Lancet, 2001; 358:1487-1492.
9. O´Leary MJ, Coakley JH - Nutrition and immunonutrition. Br J Anaesth, 1996;77:118-127.
10. Awad S, Lobo DN - What´s new in perioperative nutritional support? Curr Opin Anaesthesiol, 2011;24:
339-348.
11. Buijs N, van Bokhorst-de van der Schueren MA, Langius JA et al. - Perioperative arginine-supplemented
nutrition in malnourished patients with head and neck cancer improves long-term survival. Am J Clin
Nutr, 2010;92: 1151-1156.
12. Shintani Y, Ikeda N, Matsumoto T et al. - Nutritional status of patients undergoing chemoradiotherapy
for lung cancer. Asian Cardiovasc Thorac Ann, 2012;20:172-176.
13. Yoshikawa T, Hiki N, Taguri M et al. - A Phase III trial to evaluate the effect of perioperative nutrition en-
riched with eicosapentaenoic acid on body weight loss after total gastrectomy for T2–T4a gastric cancer.
Jpn J Clin Oncol, 2012;42: 459-462.
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Anestesia e gestante
dependente de crack
Rosa Marina Ávilla
Juliana Surjan
Anestesia e gestante dependente de crack
A dependência química e suas consequências vêm ganhando notoriedade, não só no
Brasil, mas no mundo. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), existem
no mundo 230 milhões de usuários de drogas, o que corresponde a cerca de 1:20 adultos
entre 15 e 64 anos, 27 milhões dos quais são dependentes químicos. Porém, há menos de 2
leitos para cada 100 mil habitantes destinados ao tratamento desse paciente. A OMS deve
determinar protocolos para abordagem do indivíduo usuário e dependente apenas em 2014,
embora haja disponível, via internet, noções do diagnóstico e relevância do tema, sobretudo
no que diz respeito ao álcool1.
No Brasil, não dispomos de dados recentes sobre o uso de substâncias ilícitas em gestan-
tes2 . Dados americanos de 2010 reportam que 30% dos dependentes químicos são usuários
de drogas, dos quais 90% são do sexo feminino em idade reprodutiva (15 a 44 anos)3 . Desses
números um terço faz uso de droga na iminência do parto3 . Aparentemente, esses dados
ainda estão subestimados, já que muitas vezes ocorre à omissão do relato de uso, seja por
medo, vergonha, temor da estigmatização, temor pela retirada da guarda do concepto.
Estudo conjunto entre Universidade Federal do Estado de São Paulo (UNIFESP), Insti-
tuto Nacional de Pesquisa sobre Álcool e Drogas (INPAD) e Conselho Nacional de Pesquisa
(CNPq) lançado em abril de 2013, o II LENAD (Levantamento Nacional sobre Álcool e Dro-
gas), expõe o problema na população geral no Brasil. Foram entrevistados 4607 indivíduos a
partir de 14 anos de idade, nas várias regiões do país, totalizando 149 municípios, utilizando
amostragem probabilística, contando com mais de 100 entrevistadores e 15 instrumentos va-
lidados de sondagem para maconha e cocaína em suas diferentes formas de utilização, num
total de 800 perguntas4 . Os resultados deste estudo estão nas figuras 1 à 5.
1. Crack
O crack nada mais é que a cocaína comercializada ilegalmente na forma de pedras e
utilizada pela via pulmonar. Trata-se de uma mercadoria barata e acessível, produtora de
efeitos dez vezes mais intensos do a coca. À pasta base da coca adiciona-se NaHCO3 que,
com o calor moderado, precipita formando cristais puros, sublimando a 980 C, podendo ser
fumada em cachimbos de metal7.
O pulmão oferece uma extensa área de absorção da droga que apresenta início de ação
em 6 a 8 segundos, durando apenas de 3 a 5 minutos, seguindo-se a um desejo incoercível da
repetição do uso. É a forma mais efetiva de tornar a coca disponível ao organismo. Trata-se
de um potente estimulante do sistema nervoso central (SNC).
1.4 Farmacodinâmica
O crack determina uma miríade de sintomas físicos e psíquicos. Aumenta a frequência
cardíaca em 15% e a pressão arterial em 34%, com intensa vasoconstricção; provoca sudo-
rese, midríase, hipertermia, aumento da frequência respiratória, tremor das extremidades
e espasmos musculares. No âmbito psíquico, aumenta o estado de vigília, bem-estar e con-
fiança, libido sexual, estado de alerta, atenção e aceleração do pensamento. Disforia, irrita-
bilidade, hostilidade, impulsividade e fadiga são sintomas adversos decorrentes da queda do
nível sérico da droga8.
1.5 Complicações
Os sinais e sintomas do uso, seja crônico, seja meramente recreacional, são bem descritos.
Vias aéreas - podem ocorrer lesões das vias aéreas por queimadura ou necrose de nariz,
epiglote e base da língua, pela intensa vasoconstrição; por seu efeito anestésico local, torna a
2. Crack e a gestação
As vias mesolímbica e mesocortical, cujo neurotransmissor é a dopamina, relacionam-se
com a galactorreia e amenorreia, bem como com as alterações do ciclo menstrual. Muitas
vezes, o próprio diagnóstico de gestação é negligenciado pelas pacientes 11,12 .
A gestação aumenta a toxicidade pela coca, de maneira não dose-dependente, expondo a
mãe a aumentos de consumo miocárdico de oxigênio em cerca de três vezes10 .
O perfil das usuárias de crack é semelhante ao da população geral: usuárias de várias
drogas, cuja porta de entrada foi o tabaco e a maconha, seguidos de coca e crack e jovens
(quanto mais jovem, maior a chance da adicção) que apresentam um perfil psicológico ca-
racterístico de alterações de autoestima e ausência concreta de formação imediata de víncu-
lo, modificações psiquiátricas em alguns casos, violência doméstica, raça e estado civil6,13 .
5. Conclusões
Longe de ser apenas um problema médico, o atendimento à gestante dependente quí-
mica passa por esferas variadas, como a social, judicial, econômica e de infraestrutura
da rede pública. A gestante a que nos referimos está em uma situação de vulnerabilidade
social, é poliusuária e dependente química, o que torna o binômio mãe-feto um desafio
à Medicina e à Anestesiologia. A Organização Mundial de Saúde e vários outros orga-
nismos internacionais estruturados têm concentrado esforços para elaborar protocolos
de atendimento e abordagem ao dependente químico. A experiência brasileira, ímpar,
deveria servir de alerta.
Referências bibliográficas:
1. Organização Mundial de Saúde - Global strategy to reduce harmful use of alcohol. Disponível em: http://
www.who.int/substance_abuse/en/
2. São Paulo (Estado). Secretária da Saúde. Secretaria de Desenvolvimento Social. Secretaria da Justiça
e da Defesa da Cidadania - Programa Recomeço. Disponível em: http://www.programarecomeco.
sp.gov.br.
3. U.S. Substance Abuse and Mental Health Services Administration, Results from the 2010 National
Survey on Drug Use and Health: Summary of National Findings, NSDUH Series H-41, HHS Publica-
tion No. (SMA) 11-4658. Rockville, MD: Substance Abuse and Mental Health Services Administra-
tion, 2011. Disponível em: http://www.samhsa.gov/data/NSDUH/2k10NSDUH/2k 10Results.htm#.
Acesso em mar. 2013
4. Laranjeiras R - II LENAD: Levantamento Nacional do Consumo Álcool e Drogas. São Paulo, INPAD/
UNIAD/UNIFESP, 2012. Disponível em: http://inpad.org.br/lenad/sobre-o-lenad-ii/
5. ACOG Committee on Health Care for Underserved Women; American Society of Addiction Medicine.
ACOG Committee Opinion No. 524: Opioid abuse, dependence, and addiction in pregnancy. Obstet
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6. van der Meer Sanchez Z, Nappo SA - From the first drug to crack: the sequence of drugs taken in a group
of users in the city of São Paulo. Subst Use Misuse, 2007;42:177-188.
7. Ribeiro M, Laranjeira R - Bases do Tratamento da Dependência de Crack, em: Ribeiro M, Laranjeira
R - O Tratamento do Usuário de Crack, 2a Ed, Artmed, 2012.
8. Diehl A, Cordeiro DC, Laranjeira R - Dependência Química. Prevenção, Tratamento e Políticas Públicas,
em: Diehl A, Cordeiro DC, Laranjeira R - Tratamentos Farmacológicos para Dependência Química - da
Evidência Científica à Prática Clínica. Porto Alegre, Artmed, 2010.
Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer sistema, sem prévio consentimento da SBA.
Diretoria
Airton Bagatini
Sylvio Valença de Lemos Neto
Ricardo Almeida de Azevedo
Sérgio Luiz do Logar Mattos
Oscar César Pires
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Fábio Maurício Topolski
Comissão de Educação Continuada
Pedro Thadeu Galvão Vianna - Presidente e Coordenador do livro
Marcos Antonio Costa de Albuquerque
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Capa e diagramação
Marcelo de Azevedo Marinho
Supervisão
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Revisão Bibliográfica
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Colaboradores
Marcelo de Azevedo Marinho
Maria de Las Mercedes Gregoria Martin de Azevedo
Simone Soares Nascimento da Gama
Teresa Maria Maia Libório
Ficha catalográfica
S678e Educação Continuada em Anestesiologia / Editores: Airton Bagatini, Pedro Thadeu Galvão
Vianna, Marcos Antonio Costa de Albuquerque, Cláudia Regina Fernandes e Oscar César Pires
Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Anestesiologia/SBA, 2013.
260 p.; 25cm.; ilust.
ISBN 978-85-98632-18-6
Vários colaboradores.
CDD - 617-96
AUTORES
Ana Cristina Pinho Mendes Pereira
• TSA/SBA - Responsável pelo CET/SBA
• Presidente da SAERJ
• Responsável pelo Serviço de Anestesia do Instituto Nacional do Câncer (INCA)
Beatriz Mandim
• TSA/SBA
• Medica anestesiologista do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia.
Bruno Mendes Carmona
• TSA/ SBA - Presidente do Comitê de Via Aérea Difícil da SBA
• Instrutor do Núcleo SBA Vida
• Presidente da Sociedade de Anestesiologia do Estado do Pará (SAEPA)
Bruno Salomé de Morais
• TSA/SBA - Presidente do Comitê de Anestesia em Transplantes de Órgãos da SBA
• Anestesiologista do Hospital Lifecenter e do Programa de Transplante Hepático e Transplante Rim-Pâncreas do
Hospital das Clínicas da UFMG
Celso Schmalfuss Nogueira
• TSA/SBA - Responsável pelo CET em Anest.da Santa Casa de Santos
• Professor titular de anestesiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES)
• Pós-graduação lato sensu em farmacologia pela Universidade Católica de Santos
Cibelle Magalhães Pedrosa Rocha
• TSA/SBA - Membro do Comitê de Anestesia Loco-Regional da SBA
• Instrutora Corresponsável no CET Serv.Anest.Instituto Dr. José Frota
• Diretora Científica da Sociedade de Anestesiologia do Estado do Ceará (SAEC)
Danielle Maia Holanda Dumaresq
• TSA/SBA - Responsável pelo CET/SBA S.A.do Instituto Dr. José Frota
• Professora do curso de medicina Unichristus
Débora de Oliveira Cumino
• TSA/SBA - Presidente do Comitê de Anestesia em Pediatria da SBA
• Responsável pelo CET/SBA da Santa Casa de Miser.de São Paulo
Eduardo Manso de Carvalho Andrade
• TSA/SBA
• Membro do Comitê de Medicina Perioperatória da SBA
• Responsável pelo CET/SBA do Hospital São Francisco e Instituto Sta.Lydia
Eduardo R. Nakashima
• TSA/SBA
• Responsável pelo CET/SBA S.Anest.Inst.Penido Burnier
Emanuela Lombardi
• Médica anestesiologista, SBA
Enis Donizetti Silva
• TSA/SBA
• Membro do Comitê de Via Aérea Difícil da SBA
• Diretor Científico da Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo (SAESP)
Fabiane Cardia Salman
• Membro da Comissão de Qualidade e Segurança em Anestesiologia da SBA
• Post-graduate Diploma in Administration Health Policy & Management - Fundação Getulio Vargas, SP
• Gerente médica e coordenadora do Comitê de Qualidade e Segurança - Serviços Médicos de Anestesia (SMA) -
Hospital Sírio-Libanês, Hospital Alemão Oswaldo Cruz e Hospital Samaritano, SP
Fernando A. Martins
• TSA/SBA
• Presidente do Comitê de Anestesia Cardiovascular e Torácica da SBA, gestão 2012
Florentino Fernandes Mendes
• TSA/SBA - Responsável pelo CET/SBA da Univ.Fed.Ciências da Saúde P.Alegre
• Professor adjunto de anestesiologia do Departamento de Clínica Cirúrgica da Universidade Federal de Ciências da
Saúde de Porto Alegre (UFCSPA)
Francisco Ricardo Marques Lobo
• TSA/SBA
• Membro do Comitê de Anestesia em Transplantes de Órgãos
• Professor doutor responsável pelo CET/SBA HB Funfarme do Hospital de Base de São José do Rio Preto, SP
Giovanni Menezes Santos
• TSA/SBA - Presidente do Comitê de Distúrbios do Sono da SBA
• Anestesiologista do Hospital Mater Dei, Belo Horizonte, MG
• ASA Member
Isabela Galvão Vianna
• Estudante do 11º Termo da Faculdade de Medicina de Teresópolis, RJ (Fundação Serra dos Órgãos, FESO)
Ivani Rodrigues Glass
• TSA/SBA
• Membro do Comitê de Anestesia Ambulatorial da SBA
• Instrutora Corresponsável pelo CET/SBA Menino Jesus de Praga do HU da UFS
Janaína Fernandes Vieira
• Residente do CET da Universidade Federal de Uberlândia
João Henrique Silva
• TSA/SBA - Presidente da Comissão de Qualidade e Segurança em Anestesiologia da SBA
• Instrutor Corresponsável pelo CET/SBA do SANE/MEC
• Coordenador de anestesia do Hospital Moinhos de Vento
João Valverde Filho
• TSA/SBA - Membro da Comissão de Treinamento e Terapêutica da Dor da SBA
• Doutor em ciências médicas pela FMUSP
• Anestesiologista dos Serviços Médicos de Anestesia (SMA) do Hospital Sírio-Libanês, São Paulo
José Samuel de Paula
• Anestesiologista da Universidade Federal de Uberlândia e da Clinest Araguari
Juliana Surjan
• Psiquiatra do Ambulatório de Dependentes Químicas Pré-natal do Amparo Maternal
• Médica pela UNIFESP
Júlio Cezar Mendes Brandão
• TSA/SBA
• Preceptor da residência médica de anestesiologia da Universidade Federal de Sergipe
Kléber Machareth de Souza
• TSA/SBA
• Presidente do Comitê de Anestesia Cardiovascular e Torácica da SBA
Leandro Mamede Braun
• TSA/SBA - Membro da Comissão de Treinamento e Terapêutica da Dor da SBA
• Especialista em dor pela AMB - SBA
• Fellow Interventional Pain Practice - FIPP
Luís Antônio dos Santos Diego
• TSA/SBA - Membro da Comissão de Qualidade e Segurança em Anestesiologia da SBA
• Professor da Universidade Federal Fluminense
• Doutor em anestesiologia pela UNESP, Botucatu, SP
Luiz Fernando dos Reis Falcão
• TSA/SBA - PhD
• Professor adjunto da disciplina de anestesiologia, dor e medicina intensiva da Universidade Federal de São Paulo,
Escola Paulista de Medicina
Magda Lourenço Fernandes
• TSA/SBA
• Responsável pelo CET/SBA da Santa Casa de Belo Horizonte
Marcos Antônio Costa de Albuquerque
• TSA/SBA
• Membro da Comissão de Educação Continuada da SBA
• Responsável pelo CET/SBA Menino Jesus de Praga
Marisa Pizzichini
• TSA/SBA
• Membro do Comitê de Anestesia Cardiovascular e Torácica da SBA
Mary Neide Romero
• TSA/SBA
Melina Cristino de Menezes Frota
• Médica anestesiologista do Instituto Dr. José Frota, Fortaleza - CE
• Aprofundamento em anestesiologia no CHU de Caen - França
• Formação em técnicas ultrassonográficas de anestesia e reanimação pela faculdade René Descartes - Paris V - França
Míriam Seligman Menezes
• TSA/SBA - Presidente da Comissão de Treinamento e Terapêutica da Dor - SBA
• Instrutora Corresponsável pelo CET/SBA Prof. Manoel Alvarez - UFSM
• Doutora em medicina pela UNIFESP
Neuber Martins Fonseca
• TSA/SBA
• Presidente da Comissão de Normas Técnicas da SBA
• Professor e Responsável pelo CET/SBA da Universidade Federal de Uberlândia
Paulo Ricardo Rabello de Macedo Costa
• TSA/SBA
• Instrutor Corresponsável pelo CET da UFU (Universidade Federal de Uberlândia, MG)
Pedro Thadeu Galvão Vianna
• TSA/SBA - Presidente da Comissão de Educação Continuada da SBA
• Professor Titular do Departamento de Anestesiologia da Faculdade de Medicina de Botucatu, UNESP
• Responsável pelo CET do Departamento de Anestesiologia da Faculdade de Medicina de Botucatu, UNESP
Ricardo Caio Gracco de Bernardis
• TSA/SBA
• Presidente do Comitê de Anestesia Ambulatorial da SBA
• Mestrado e doutorado pela Santa Casa de Misericórdia de São Paulo
Roberto Araújo Ruzi
• TSA/SBA - Presidente do Comitê de Anestesia Loco-Regional da SBA
• Instrutor Corresponsável pelo CET/SBA da Disc.Anest.FMUF Uberlândia
• Membro da Comissão Científica da LASRA
Rodrigo Perreira Diaz André
• TSA/SBA - Membro do Comitê de Anestesia em Transplantes de Órgãos da SBA
• Anestesiologista do Programa de Transplante Hepático e Transplante Rim-Pâncreas do Hospital Universitário
Clementino Fraga Filho, da UFRJ
Rosa Marina Ávilla
• TSA/SBA
• Coordenadora do Serviço de Anestesia do Amparo Maternal
• Médica pela UNIFESP
Rosalice Miecznikowski
• TSA/SBA - Membro do Comitê de Via Aérea Difícil da SBA
• Instrutora Corresponsável pelo CET/SBA da Universidade de Brasília
• Instrutora do Núcleo SBA Vida
Waston Vieira Silva
• TSA/SBA
• Membro da Comissão Examinadora do Título Superior em Anestesiologia
• Instrutor Corresponsável pelo CET/SBA S.A.Inst.Matern.Infant.PE - IMIP
APRESENTAÇÃO
Vivemos um momento especialíssimo em nosso País, onde a população brasileira cansa-
da de enfrentar crises sem solução vai às ruas, enfrenta os governantes e em coro uníssono
clama por mudanças em prol da recuperação de uma dignidade há tempos perdida, especial-
mente nos campos da saúde e da educação.
Neste clamor nacional, ecoa o imenso coro da classe médica na luta por melhores condi-
ções de trabalho, culminando no rompimento das negociações e apoio às ações do governo
federal. Embora os governantes aparentam não entender; o problema do Brasil não é quan-
tidade e sim qualidade da medicina. Mais uma vez se tenta utilizar paliativos para adiar
a solução definitiva dos problemas que assolam o País. Enquanto isso, precisamos fazer a
nossa parte, principalmente investindo na educação médica e no aperfeiçoamento de nossos
profissionais, para que o dia em que for chegada a hora de termos reconhecimento e con-
dições de exercermos uma medicina de primeiro mundo, estejamos bem preparados para
mostrar que competência nós temos, e se nos oferecem condições de trabalho e dignidade
para os nossos pacientes, podemos nos tornar um referencial.
No ano em que a Sociedade Brasileira de Anestesiologia, em excelente estado de maturi-
dade, completa 65 anos de fundação, desejamos deixar aqui registrada nossa solidariedade
e participação nas lutas pela melhoria da saúde, amor à nossa profissão e patriotismo, en-
tregando aos associados, mais uma ferramenta de estudo e aperfeiçoamento, assim como o
desejo de que os fatos atuais fiquem registrados na história deste País como momentos do
passado e de grandes conquistas.
Capítulo 2
Iniciativas em anestesia para a qualidade e segurança do paciente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
Fabiane Salman, João Henrique Silva e Luís Antônio dos Santos Diego
Capítulo 3
Riscos anestésicos em crianças portadoras de apneia do sono . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
Mary Neide Romero, Celso Schmalfuss Nogueira e Giovanni Menezes Santos
Capítulo 4
Analgesia regional pós-operatória I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
João Valverde Filho, Míriam Seligman Menezes e Leandro Mamede Braun
Capítulo 5
Analgesia regional pós-operatória II. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
João Valverde Filho, Míriam Seligman Menezes e Leandro Mamede Braun
Capítulo 6
Anestesia regional periférica guiada por ultrassom (US) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
Danielle Maia Holanda Dumaresq, Melina Cristino de Menezes Frotae Cibelle Magalhães Pedrosa Rocha
Capítulo 7
Reposição volêmica em pediatria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
Danielle Maia Holanda Dumaresq, Débora de Oliveira Cumino e Magda Lourenço Fernandes
Capítulo 8
Bloqueio do nervo femoral: do básico ao avançado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121
Roberto Araújo Ruzi, Paulo Ricardo Rabello de Macedo Costa, Eduardo R. Nakashima, Cibelle Magalhães
Pedrosa Rocha e José Samuel de Paula
Capítulo 9
Transporte aeromédico do paciente crítico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135
Júlio Cezar Mendes Brandão, Luiz Fernando dos Reis Falcão, Waston Vieira Silva e Marcos Antônio Costa de
Albuquerque
Capítulo 10
Manejo da coagulação sanguínea no transplante hepático . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153
Bruno Salomé de Morais, Rodrigo Perreira Diaz André e Francisco Ricardo Marques Lobo
Capítulo 11
Profilaxia e tratamento de náuseas e vômitos em anestesia ambulatorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175
Ricardo Caio Gracco de Bernardis, Ivani Rodrigues Glass e Emanuela Lombardi
Capítulo 12
Resposta inflamatória sistêmica da circulação extracorpórea (CEC) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 189
Fernando A. Martins, Kléber Machareth de Souza e Marisa Pizzichini
Capítulo 13
Técnicas de separação pulmonar – atualização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .207
Bruno Mendes Carmona, Rosalice Miecznikowski e Enis Donizetti Silva
Capítulo 14
Medicina perioperatória: imunonutrição e anestesia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 227
Eduardo Manso de Carvalho Andrade, Florentino Fernandes Mendes e Ana Cristina Pinho Mendes Pereira
Capítulo 15
Como realizar pesquisa no PubMed® . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 235
Pedro Thadeu Galvão Vianna e Isabela Galvão Vianna
Capítulo 16
Anestesia e gestante dependente de crack . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .245
Rosa Marina Ávilla e Juliana Surjan
PREFÁCIO
Em 2001 a Presidente da CET/SBA e o Diretor Científico da SBA decidiram criar o Livro
denominado “Curso de Educação à Distancia em Anestesiologia”. A Comissão de Educação
Continuada (CEC/SBA) a partir de 2005 ficou incumbida da edição deste livro. Em 2011 o
mesmo passou a ser denominado simplesmente “Educação Continuada em Anestesiologia”
e atualmente concluímos o volume III.
Esta obra tem o integral apoio dos Comitês e Comissões que compõem o Departamento
Científico. Os autores tem total liberdade na escolha do tema. Esta sistemática tem o obje-
tivo de dar oportunidade aos que escrevem os capítulos de abordar assuntos relevantes e
atuais nas suas respectivas áreas. Assim, nesta edição, há 2 capítulos sobre o uso da ultras-
sonografia, como método para realização de bloqueios periféricos. Deste modo, o leitor terá
a oportunidade de conhecer os avanços desta tecnologia descrita por diferentes autores. Os
demais capítulos mostram a evolução e a grande diversidade da nossa especialidade, dentre
estes o capítulo sobre anestesia e gestante dependente de crack, atualmente um problema de
saúde pública no Brasil que atinge todas as classes sociais.
Gostaríamos de agradecer à Diretoria da SBA que nos deu todo o apoio e suporte para a
realização desta obra. Com isso houve o envolvimento de funcionários da SBA, dos setores
TI, Biblioteca e Gerência, citados na página da ficha catalográfica.
Sem sombra de dúvida a criação de um livro é um ato mágico do ser humano cuja rele-
vância pode ser fielmente retratada com o poema de Castro Alves:
Prefácio | 13
Capítulo 01
Variações anatômicas
em bloqueios de nervos
periféricos. A importância
da ultrassonografia.
Roberto Ruzi
Janaína Fernandes Vieira
Neuber Martins Fonseca
Beatriz Mandim
Variações anatômicas em bloqueios de nervos periféricos.
A importância da ultrassonografia.
A anestesia regional é um exercício de anatomia aplicada1. Este capítulo irá descrever as
estruturas normais e suas variações anatômicas que podem ser armadilhas durante a reali-
zação de um bloqueio periférico.
Entende-se por variação anatômica uma diferença morfológica que não traz prejuízo
para a função. Quando essa diferença compromete a função estamos diante de uma anoma-
lia e não de uma variação2 .
No passado as variações anatômicas eram observadas nas dissecções de cadáveres, nos
achados cirúrgicos e estudos detalhados de imagem em casos de complicações de anestesia
regional (lesões de nervo periférico). Atualmente a imagem tem possibilitado a identifica-
ção de estruturas variantes com maior facilidade e em tempo real.
Por muito tempo os bloqueios periféricos foram realizados por meio de técnicas “às
cegas”, sejam por parestesia ou por uso do estimulador de nervo3.
Nos últimos dez anos o uso da ultrassonografia na anestesia regional vem ganhando
espaço4. Os avanços tecnológicos permitiram melhora na resolução da imagem, o que pos-
sibilitou a visualização da agulha, das estruturas anatômicas e a dispersão do anestésico em
tempo real3.
A utilização desse recurso traz grandes vantagens em relação às técnicas tradicionais,
como, por exemplo, a visualização direta dos nervos e das estruturas vasculares proximais,
constatação da deposição do anestésico local ao redor dos nervos, diminuição das compli-
cações como injeção intraneural e intravascular de anestésicos locais5. Além de auxiliar em
situações difíceis, como por exemplo, a presença de variações anatômicas.
Além disso, a melhor identificação dos nervos reduz o desconforto do paciente e melhora
a eficácia do bloqueio pelo menor número de falhas6.
Plexo Braquial
O plexo braquial é formado pela união das divisões primárias anteriores do quinto ao
oitavo nervo cervical e o primeiro nervo torácico (Figura 1). As contribuições de C4 e T2
geralmente são pequenas ou estão ausentes. Conforme as raízes nervosas deixam o forame
intervertebral, elas convergem, formando troncos, divisões, fascículos e nervos7.
Três troncos distintos são formados entre os músculos escaleno anterior e médio, deno-
minados como superior (C5-C6), médio (C7) e inferior (C8-T1). Posteriormente cada um
desses troncos dá origem a duas divisões, anterior e posterior. Conforme o plexo braquial
emerge por baixo da clavícula, as fibras se combinam para formar três fascículos7:
1. Fascículo lateral: contribuirá na formação do nervo mediano antes de prosseguir
como nervo musculocutâneo.
2. Fascículo medial: envia uma ramificação para formar o nervo mediano antes de
prosseguir como nervo ulnar.
3. Fascículo posterior: precocemente dá origem ao nervo axilar e prossegue como
nervo radial.
Fonte: http://estudefisio.blogspot.com.br/p/briefing-mobilizacao-neural.html
Figura 2.2:
TPS: Tronco primário superior; ECM: Músculo esterno cleidomastoideo; EM: Músculo escaleno médio;
EA: Músculo escaleno anterior; JUG: Veia jugular interna; C: Artéria carótida.
Figura 3:
TPS: Tronco primário superior; ECM: Músculo esterno cleidomastoideo; EM: Músculo escaleno médio;
EA: Músculo escaleno anterior; JUG: Veia jugular interna; C: Artéria carótida.
SCM: Músculo esternocleidomastoideo; IJV: Veia jugular interna; CA: Artéria carótida; ASM: Músculo
escaleno anterior.
Figura 4.2:
TPS: Tronco primário superior; ECM: Músculo esterno cleidomastoideo; EM: Músculo escaleno médio;
EA: Músculo escaleno anterior; JUG: Veia jugular interna; C: Artéria carótida.
Figura 5.2:
ECM: Músculo esterno cleidomastoideo; EM: Músculo escaleno médio; EA: Músculo escaleno anterior;
JUG: Veia jugular interna; C: Artéria carótida.
ECM: Músculo esterno cleidomastoideo; EM: Músculo escaleno médio; EA: Músculo escaleno anterior;
JUG: Veia jugular interna; C: Artéria carótida.
Fonte: http://www.auladeanatomia.com/neurologia/lombar.htm
Outras variantes do nervo femoral incluem o nervo femoral dividido, com uma porção
intramuscular e a outra acima do músculo psoas (Figura 11); ou uma porção abaixo do mús-
culo psoas e a outra acima do psoas (Figura 12)32 . O nervo femoral também já foi identifica-
do passando abaixo do músculo psoas (Figura 13)33.
Figura 11:
Uma estrutura importante que deve ser observada durante o bloqueio do nervo femoral
é a artéria ilíaca circunflexa, longitudinal ou transversal, que apesar de não ser uma variação
anatômica, pode tornar-se uma armadilha quando não identificada nas técnicas “às cegas”
(Figuras 14.1 e 14.2).
Figura 14.1:
N: Nervo femoral; A: Artéria femoral; V: Veia femoral; CI: Artéria circunflexa ilíaca.
Figura 14.2:
N: Nervo femoral; A: Artéria femoral; V: Veia femoral; CI: Artéria circunflexa ilíaca.
Conclusão
É cada vez maior a utilização da ultrassonografia como recurso de imagem em várias áreas
da medicina. Por ser um método que permite a visualização das estruturas de forma inócua
para o paciente e para o médico, de fácil acesso, indolor e muitas vezes portátil, está se tornan-
do uma ferramenta muito útil na anestesiologia e principalmente na anestesia regional.
È necessário um bom entendimento do equipamento, porém o conhecimento da ana-
tomia é de extrema importância para a realização dos bloqueios regionais, diminuindo o
número de complicações das técnicas empregadas e possibilitando cada vez mais o acesso
às estruturas nervosas periféricas.
Referências bibliográficas:
1. Winnie AP - Anestesia de Plexus: Técnicas Perivasculares de Bloqueo del Plexo Braquial. Barcelona,
Salvat, 1986; 11.
2. Moore KL, Dalley AE - Anatomia Orientada para a Clínica, 4ª Ed, São Paulo, Guanabara Koogan,
2007;120-158.
3. Kimachi PP, Segurado AVR, Menezes CC et al. - Ultrassom e Bloqueios Anestésicos, em: Cangiani
LM, Slullitel A, Potério GMB et al. - Tratado de Anestesiologia SAESP, 7ª Ed, São Paulo, Atheneu,
2011;1559-1595.
4. Marhofer P, Greher M, Kapral S - Ultrasound guidance in regional anesthesia. Br J Anesth, 2005;94:7-17.
5. Rangel VO, Carvalho RA, Mandim BLS et al. - Bloqueio dos nervos tibial e fibular comum em fossa
poplítea com punção única utilizando o estimulador percutâneo de nervos: considerações anatômicas e
descrição ultrassonográfica. Rev Bras Anestesiol, 2011;61:533-543.
6. Prasad A, Perlas A, Ramlogan R et al. - Ultrasound - guided popliteal block distal to sciatic nerve bi-
furcation shortens onset time: a prospective randomized double-blinded study. Reg Anesth Pain Med,
2010;35:267-271.
7. Morgan GE, Mikhail MS, Murray MJ - Bloqueio de Nervos Periféricos. em: Morgan GE, Mikhail MS,
Murray MJ - Anestesiologia Clínica, 4ª Ed, Rio de Janeiro, Revinter, 2010;291-321.
8. Kerr AT - The brachial plexus of nerves in man, the variations in its formation and branches. Am J Anat,
1918;23:285-395.
9. Bergman RA, Thompson SA, Afif, AK - Compendium of Human Anatomic Variation, 1ª ed, Baltimore,
Urban and Schwarzenberg,1988.
10. Bonnel F - Microscopic anatomy of the adult human brachial plexus: an anatomical and histological basis
for microsurgery. Microsurgery, 1984;5:107-118.
11. Uysal II, Seker M, Karabulut, AK et al. - Brachial plexus variations in human fetuses. Neurosurgery,
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12. Orebaugh SL, Williams BA - Brachial plexus anatomy: normal and variant. ScientificWorldJournal,
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13. Harry WG, Bennett JDC, Guha SC - Scalene muscles and the brachial plexus. Clin Anat,
1997;10:250-252.
Iniciativas em anestesia
para a qualidade e
segurança do paciente
Fabiane Salman
João Henrique Silva
Luís Antônio dos Santos Diego
Iniciativas em anestesia para a qualidade e
segurança do paciente
A questão da qualidade e segurança do paciente, muito embora seja um tema inerente a
qualquer área de atuação no setor de saúde, encontra-se intimamente relacionada à aneste-
siologia. Acredita-se que a necessidade imperiosa da garantia de segurança do paciente no
ato operatório tenha surgido em meados do século XIX. A questão não era tão somente a
administração da “anestesia”, mas, sim, prover eficácia e segurança, isto é, que, ao permitir
a cirurgia sem o infortúnio da dor, também seus riscos fossem, de algum modo, “controla-
dos”. Afinal, as propriedades anestésicas do éter dietílico já eram conhecidas desde o século
XVI, com as observações de Paracelsus, mas até então não haviam sido utilizadas na prática
clínica, pois não se aceitava que os pacientes viessem a “morrer da cura”.
A experiência clínica moderna, da qual a anestesiologia é protagonista diuturna, caracte-
riza-se por uma complexa intersecção de valores que vão além do estado clínico do paciente
e das evidências científicas da eficácia das intervenções. De igual modo, as preferências dos
próprios pacientes e os diversos cenários nos quais se encontram inseridos em determinada
ocasião hoje compõem a tomada de decisão.
Coube a Donabedian1, a partir dos anos 1960, consolidar os princípios e fundamentos da
qualidade do cuidado em saúde, na perspectiva do serviço às reais necessidades de pacientes
e comunidade. Destarte, apresentou a didática tríade: estrutura, processo e resultado, que
se mostrou muito útil na avaliação da qualidade dos serviços prestados pelos sistemas de
saúde2 . Posteriormente, o instituto de medicina também destacou os fatores mais relevantes
na qualidade do cuidado em seu relatório intitulado Crossing the Quality Chasm3, em que
elenca a segurança, eficiência e efetividade, mas também a oportunidade e equidade na pres-
tação do cuidado, sempre centrados no paciente.
Conjuminando-se os breves relatos históricos apresentados nos parágrafos anteriores,
compreende-se por que a anestesiologia moderna é considerada a especialidade médica
líder na questão da segurança do paciente4,5 e, por conseguinte, a razão de o ensino-apren-
dizagem desses aspectos nos cursos das escolas médicas (graduação6 ou pós-graduação7,8) e
especialização lato sensu9 ser relacionado à anestesia.
Entretanto, em levantamento recente sobre o quantitativo mundial de cirurgias10, foram
estimados cerca de 234 milhões de procedimentos anestésicos realizados a cada ano, e em
torno de 7 milhões dessas intervenções ocorreu algum tipo de complicação no pré-operató-
rio e cerca de 1 milhão de pacientes foram a óbito. Essas estimativas denotam a necessidade
de políticas de saúde pública que concentrem esforços na monitoração e na segurança cirúr-
gica, especialmente em função do elevado risco e dispêndio financeiro. O impacto clínico
desse fato implica elevação da permanência hospitalar em 10 a 15 dias, aumento do risco de
reinternação (cinco vezes), aumento da necessidade de internação em Unidade de Terapia
Intensiva (1,6%), duplicação da mortalidade e um custo estimado, nos Estados Unidos, de
10 bilhões de dólares por ano.
As complicações da anestesia em si continuam a desafiar a mortalidade. Com a melhora
do conhecimento, da padronização e das monitorizações, a morbimortalidade tem, efeti-
2. Considerações finais
Em saúde, há necessidade de, proativamente, se criar uma cultura de melhora do desem-
penho como meio de obter bons resultados. As organizações de saúde, como as de acre-
ditação e governamentais, e os planos de saúde começam a estimular boas práticas com
incentivos, nomeando-as como acreditadas, estabelecendo pagamento por desempenho
(payment for performance - P4P) e incentivos fiscais para quem se organiza e utiliza in-
dicadores permanentes, para analisar e corrigir desvios que constituem os fatores de risco
latente. A máxima: “o custo da qualidade é a falta de qualidade” é, cada vez mais, verdadeira
e deve sempre ser considerada em qualquer planejamento, desde a gestão macro da saúde até
o planejamento do ato anestésico.
Referências bibliográficas:
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2. Shojania KG, Showsstack J, Wachter RM - Assessing hospital quality: a review for clinicians. Eff Clin
Pract, 2001; 4:82-90.
3. Institute of Medicine. Committee on Quality of Health Care in America - Crossing the Quality Chasm:
a New Health System for the 21st Century. Washington, National Academy, 2001.
4. Van Aken H, Staender S, Mellin-Olsen J et al. - Patient safety in anaesthesiology. Best Pract Res Clin
Anaesthesiol, 2011; 25:ix-x.
5. Institute of Medicine. Committee on Quality of Health Care in America - To Err Is Human: Building a
Safer Health System. Washington, National Academy, 1999.
Riscos anestésicos em
crianças portadoras de
apneia do sono
Mary Neide Romero
Celso Schmalfuss Nogueira
Giovanni Menezes Santos
Riscos anestésicos em crianças portadoras
de apneia do sono
Em 1976, Guilleminault relatou apneia do sono em seis crianças1. Descreveu-a como
uma síndrome caracterizada por roncos de alta intensidade, episódios de dessaturação da
hemoglobina e hipercapnia durante o sono. As consequências da desordem na respiração re-
sultariam numa variedade de sintomas, incluindo problemas neurocognitivos, distúrbios de
comportamento, baixo rendimento escolar, disfunção cardiovascular e doença respiratória.
A hipertrofia amigdaliana é o fator mais importante da obstrução respiratória durante o
sono e a adenoamigdalectomia é essencial para seu tratamento.
Quanto à prevalência, o ronco primário sem complicações ocorre em 5% a 27% em crian-
ças. E a síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) ocorre em 1% a 4%, sendo mais
prevalente em crianças com asma2 . Quanto à idade, há uma incidência bimodal com picos
entre 5 e 8 anos e entre 17 e 21 anos3.
Os distúrbios respiratórios relacionados ao sono (DRS) em crianças vêm ganhando
importância crescente nas últimas décadas, em virtude de acarretarem consequências
neurocomportamentais, cardiovasculares, endócrinas e metabólicas3. Os DRS em crianças
compreendem um espectro de apresentação clínica que abrange desde o ronco primário
até a síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS)4. A prevalência dos DRS é estimada
entre 0,7% a 13%, na dependência dos critérios utilizados para avaliação diagnóstica, como
saturação de oxigênio pela hemoglobina, fluxo aéreo, esforço respiratório e polissonografia 5.
O ronco primário é definido como ronco sem associação com apneia, hipoxemia, hipercapnia
ou fragmentação do sono4. Apesar de inicialmente ser considerado benigno, evidências recentes
sugerem que o ronco per se pode estar associado a alterações neurocomportamentais5.
A SAOS em crianças é definida como um distúrbio respiratório durante o sono, caracte-
rizado por obstrução parcial ou completa das vias aéreas superiores que altera a ventilação
normal e os padrões de sono. Está associada a sintomas que incluem ronco noturno, difi-
culdade para dormir e problemas comportamentais6. Sua prevalência é estimada entre 1% e
4%, de acordo com critérios que são variáveis7. Os três componentes mais importantes são:
hipóxia episódica, hipercapnia intermitente e fragmentação do sono.
A história e o exame clínico têm grande valor, mas não são suficientes para o diagnós-
tico, que está centrado na polissonografia. É esta que registra os eventos respiratórios por
hora, e sua média determina o índice de apneia/hipopneia (IAH), fundamental para o
diagnóstico. Em crianças, caso o AHI esteja entre 1 e 5, os DRS são considerados leves e,
acima de 5, moderados10.
1. Quadro clínico
O quadro clínico se apresenta com sintomas diurnos, noturnos e aspectos relacionados
ao exame físico. Alterações comportamentais, depressão, diminuição na performace escolar,
agressividade, deficit de atenção, hiperatividade, diminuição na qualidade de vida, sonolência
excessiva, cefaleias matinais, respiração bucal, congestão nasal, fala anasalada, otites e sinu-
sites de repetição são aspectos relacionados aos sintomas diurnos. Os sintomas noturnos ca-
2. Etiologia
Qualquer anomalia na via aérea superior pode, teoricamente, produzir sintomas obs-
trutivos intermitentes durante o sono. As síndromes congênitas, com alterações orofaciais
e faríngeas, o hipotireoidismo e a síndrome de Down, com aumento desproporcional da
língua/cavidade oral, podem gerar obstrução ao fluxo aéreo. Doenças neuromusculares cau-
sam SAOS por causa do tônus anormal dos músculos constritores da faringe, responsáveis
por manter as vias aéreas pérvias8.
A obesidade e a hipertrofia das amígdalas e adenoides são responsáveis pela maioria dos
casos de SAOS em crianças9.
As principais doenças associadas à SAOS em crianças incluem, entre outras:
• hipertrofia de amígdalas e adenoides;
• obstrução nasal crônica, como estenose de coanas, desvio de septo, rinite alérgica,
pólipos nasais e tumores nasais;
• obesidade mórbida;
• síndromes de Down, Crouzon, Treacher Collins, Klippel-Feil, Beckwith-Wiede-
mann, Apert e Prader Willi e anomalia de Pierre Robin;
• síndrome de Marfan, acondroplasia, laringomalácia;
• mucopolissacaridoses;
• doenças neuromusculares - distrofia muscular de Duchenne, doença de Werdnig-
-Hoffman, síndrome de Guillán Barré, distrofias musculares e miopatias;
• malformação de Chiari;
• hipotireoidismo;
• anemia falciforme.
3. Fisiopatologia
A característica essencial da SAOS em crianças é o aumento da resistência das vias aéreas
superiores durante o sono11. Na maioria dos casos, isso se deve a uma combinação de fatores
como hipertrofia dos tecidos moles, dismorfologias craniofaciais, fraqueza neuromuscular
e obesidade12 .
A via aérea superior contém algumas estruturas flexíveis, como músculos e tecidos moles.
Durante a vigília, o tônus muscular se encontra preservado, mantendo as vias aéreas pérvias.
Com o sono e o relaxamento muscular que o acompanha, ocorre aumento da resistência ao
fluxo de ar. Embora a maioria das pessoas possa compensar essas alterações, indivíduos com
certos problemas anatômicos têm episódios repetidos de obstrução parcial ou completa das
vias aéreas superiores durante o sono8.
4. Avaliação pré-anestésica
A anamnese é um passo fundamental no diagnóstico dos distúrbios obstrutivos do sono
em crianças. No entanto, estudos têm mostrado fraca correlação entre sintomas clínicos e
achados polissonográficos. Em 1995, Carroll e col.24 compararam respostas de questioná-
rios referentes a sintomas clínicos de SAOS e achados polissonográficos de crianças com
hipertrofia adenotonsilar. Encontraram pobre correlação entre sintomas e polissonogra-
fia23. A utilização de questionários com dados da história clínica e exame físico não tem
um bom valor preditivo para o diagnóstico de SAOS em crianças24, pois a sensibilidade e
especificidade são de apenas 35% e 39%, respectivamente12 . Isso se deve, principalmente,
ao fato de esses questionários dependerem do relato de acompanhantes, que, muitas vezes,
podem não conhecer com exatidão os sintomas apresentados durante o sono24.
Gregório e col. observaram que o ronco foi o sintoma mais frequente em crianças e adoles-
centes com SAOS13. Esse resultado está de acordo com a literatura que aponta o ronco como
o preditor clínico mais importante para o diagnóstico de SAOS em crianças, com uma boa
sensibilidade (91%) e razoável especificidade (75%)16,18. Obstrução nasal e agitação das pernas
durante o sono são sintomas que apresentaram elevada prevalência na casuística de Gregório13,
porém, em outros estudos, não se relacionaram significativamente com a SAOS16. A presença
de sonolência diurna, que é um sintoma muito frequente em adultos com SAOS, não é um
dos principais sintomas em crianças. Foi encontrado em 0 a 19% dos casos em crianças não
roncadoras e de 0 a 30% em roncadoras habituais15. Outros sintomas que também são atual-
mente considerados importantes para o diagnóstico de SAOS em crianças foram sono agitado,
sudorese, enurese noturna, sintomas de rinite, hábito de dormir em posição de hiperextensão
cervical, alterações do comportamento e déficit de aprendizado17,29.
Um grande número de crianças, especialmente as que se submetem a procedimentos
otorrinolaringológicos, apresenta apneia obstrutiva do sono. Habitualmente, essas crianças
6. Cuidados perioperatórios
6.1. Vias aéreas
A manutenção da patência das vias aéreas durante a sedação com ventilação espontânea ou
anestesia é um dos grandes desafios para o anestesiologista nos portadores de SAOS. É bem es-
tabelecido que o colapso da via aérea seja intensificado durante o sono fisiológico, tão bem como
naqueles pacientes submetidos à anestesia geral, contribuindo para que os pacientes portadores de
SAOS apresentem incapacidade de tolerar a sedação, o que pode culminar com hipoventilação.
O conhecimento das alterações anatômicas das vias aéreas é vital para o planejamento da
entubação orotraqueal. A comunicação entre o anestesiologista, o cirurgião pediátrico e o radio-
logista é importante para avaliar doença de base, severidade, doenças coexistentes ou síndromes
que possam se associar e contribuir para a dificuldade em estabelecer uma via aérea segura.
Os agentes anestésicos pioram a condição obstrutiva na síndrome, o que predispõe ao
aumento da resistência das vias aéreas superiores, levando a eventos obstrutivos, principal-
mente no retropalato35.
Material para via aérea difícil deve ser programado naqueles pacientes com comprometi-
mento anatômico orofacial ou de vias aéreas.
7. Cuidados pós-anestésicos
Existem evidências de que crianças com SAOS têm alta incidência de complicações res-
piratórias pós-operatórias, incluindo edema pulmonar obstrutivo, pneumonia, obstrução
8. Dor pós-operatória
8.1 Opioides
O uso de opioides em crianças com SAOS causa depressão da resposta ventilatória ao
aumento de CO2 . Deprime o drive e relaxa o músculo dilatador da faringe, sendo essas ações
mais intensas no pós-operatório. Se a dor for de grande intensidade, o uso de opioide pode
ser útil, acompanhado de entubação e ventilação mecânica prolongada, com monitoração
constante do sistema cardiovascular e oximetria de pulso.
O uso de anti-inflamatórios não hormonais pode induzir sangramento, com exceção do
acetoaminofen. Em algumas cirurgias, como na adenoamigdalectomia, a infiltração com
anestésico local pode ser útil.
A medicação antirrefluxo e antisialogoga deve ser administrada para a prevenção de as-
piração e laringoespasmo.
Referências bibliográficas:
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Analgesia regional
pós-operatória I
João Valverde Filho
Míriam Seligman Menezes
Leandro Mamede Braun
Analgesia regional pós-operatória I
Está muito bem documentada, nos dias de hoje, a eficácia da abordagem multimodal no
tratamento da dor pós-operatória. Administrações sistêmicas de analgésicos não opioides,
analgésicos opioides e fármacos adjuvantes e diferentes técnicas de bloqueio regional com
anestésicos locais e/ou adjuvantes constituem a base desse tipo de analgesia1.
A utilização de anestésicos locais em bloqueios regionais, tanto no neuroeixo como em
nervos periféricos, em dose única ou em bloqueio contínuo, tem tido cada vez mais destaque
na analgesia pós-operatória. Isso é verdade, especialmente, quando se trata de bloqueios pe-
riféricos em procedimentos ambulatoriais, para uma recuperação mais rápida e com meno-
res efeitos adversos e, ainda, a possibilidade de estender a analgesia após a alta hospitalar2,3.
Serão abordados, neste capítulo, bloqueios periféricos para a analgesia pós-operatória
de adultos.
1. Bloqueios periféricos
Os bloqueios periféricos são procedimentos realizados há várias décadas, porém, nos úl-
timos anos, têm recebido atenção especial, principalmente, no tratamento da dor e na recu-
peração musculoesquelética dos doentes submetidos a diversos procedimentos cirúrgicos.
Os anestésicos locais, associados a adjuvantes ou não, são administrados por infusões
simples ou por cateteres implantados próximo de nervos, plexos e articulações ou direta-
mente no sítio cirúrgico.
A tecnologia avançou para produzir agulhas especiais, estimuladores de nervos, catete-
res, dispositivos eletrônicos ou elastoméricos de infusão e, recentemente, ultrassonografia,
para guiar o local de depósito do agente analgésico ou anestésico.
Os anestesiologistas têm papel de destaque na avaliação e no controle da dor no período
pós-operatório, para proporcionar conforto e reabilitação funcional dos doentes.
A morbidade decorrente dos diferentes procedimentos cirúrgicos está associada ao
melhor controle da dor e à satisfação com o tratamento, quando as técnicas de analgesia
regional com anestésicos locais são comparadas com as administradas por via sistêmica4.
Diversos estudos contribuem para demonstrar a redução de complicações respiratórias, car-
diovasculares e gastrointestinais5,6.
Para minimizar os efeitos indesejáveis da dor, os bloqueios anestésicos interrompem
funcionalmente as vias eferentes e aferentes de um segmento nervoso, reduzindo os reflexos
provenientes de incisões e manipulações cirúrgicas. As dores inflamatórias e neuropáticas,
decorrentes dos procedimentos cirúrgicos, são tratadas com diversas modalidades de anal-
gésicos; a redução do consumo de opioides e de fármacos adjuvantes é especialmente van-
tajosa para os doentes críticos e idosos7. Os nervos tornam-se mais sensíveis aos anestésicos
locais com o avanço da idade, em função de um declínio na população neural e do alente-
cimento da condução nervosa. Pode ocorrer toxicidade cumulativa nos idosos por causa da
redução global do clearance dos fármacos7.
A anestesia regional, quando realizada por injeção simples, é suficiente para promover
analgesia por tempo limitado à ação do anestésico local específico utilizado; porém, não há
Fig. 9 - Curativo
Referências bibliográficas:
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Analgesia regional
pós-operatória II
João Valverde Filho
Míriam Seligman Menezes
Leandro Mamede Braun
Analgesia regional pós-operatória II
Serão abordados, neste capítulo, bloqueios no neuroeixo para a analgesia pós-operatória
de adultos e bloqueios regionais para a analgesia pós-operatória em crianças.
1. Analgesia no neuroeixo
O impacto da anestesia regional no resultado das cirurgias tem sido extensivamente
estudado durante os últimos 20 anos. Dados conflitantes foram observados a respeito do
uso da anestesia regional no controle da dor aguda pós-operatória e na diminuição da mor-
bimortalidade cirúrgica.
Um marco histórico da anestesia regional foi o trabalho realizado por Yeager1, acompa-
nhado de editorial sobre o tema2, em que uma aparente redução da mortalidade foi obtida
quando comparado com os opioides sistêmicos. Em 2000, Rodgers3 realizou uma metaná-
lise na qual foram revisados 145 estudos com mais de 10 mil pacientes, em que concluiu
significantes benefícios na morbidade e mortalidade com o uso dos bloqueios neuroaxiais
centrais. Nessa metanálise, foram observadas significantes reduções nas complicações
respiratórias (39%); redução da incidência de pneumonia e depressão respiratória (59%);
eventos tromboembólicos (44%); e redução na incidência de trombose venosa profunda e
embolia pulmonar (55%). O uso de bloqueios regionais neuroaxiais reduziu a mortalidade
em 33%. Infelizmente, o estudo avaliou uma população heterogênea, submetida a diferentes
procedimentos cirúrgicos, com técnicas anestésicas e analgésicas não padronizadas. A anal-
gesia sistêmica multimodal foi raramente utilizada nos diferentes grupos.
A utilização tanto da anestesia peridural, especialmente a torácica (APT), quanto de
opioides intratecais apresenta grandes benefícios: analgesia de qualidade superior (com
anestésicos locais); atenuação da resposta ao estresse e ao trauma cirúrgico; simpatectomia
cardíaca torácica; redução de tempo de intubação; melhor função respiratória pós-operató-
ria; e melhor controle da pressão arterial. Infelizmente, a maioria dos estudos realizados até
o momento ainda apresenta limitações metodológicas.
1.1. Efeitos cardiovasculares
O miocárdio e a circulação coronária são inervados por fibras simpáticas provenientes
dos segmentos da medula espinhal entre T1 e T5, que influenciam a distribuição do fluxo
coronariano. No paciente com doença isquêmica coronariana, a ativação simpática altera o
balanço entre o fluxo sanguíneo coronariano normal e a demanda de oxigênio miocárdico.
Esses pacientes apresentam benefícios da simpatectomia induzida pelo bloqueio das fibras
cardíacas4. A anestesia peridural com anestésicos locais aumenta o diâmetro das artérias
epicárdicas estenosadas sem vasodilatação das arteríolas coronárias5, diminui o oxigênio do
miocárdico6, melhora o desempenho do ventrículo esquerdo7 e reduz a liberação de tropo-
nina T e catelominas8. Além disso, ocorrem o aumento da relação de fluxo sanguíneo endo-
cárdio/epicárdio9, a melhora o fluxo sanguíneo através de colaterais durante a isquemia9,10, a
diminuição da vasoconstrição pós-estenótica e a redução da incidência de isquemia provo-
cada por reflexo cardíaco11.
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Anestesia regional
periférica guiada por
ultrassom (US)
Danielle Maia Holanda Dumaresq
Melina Cristino de Menezes Frota
Cibelle Magalhães Pedrosa Rocha
Anestesia regional periférica guiada por ultrassom (US)
A capacidade de realização e o sucesso dos bloqueios de nervos periféricos, até pouco
tempo atrás, variavam exclusivamente com o grau de conhecimento de anatomia profunda
e de superfície do médico anestesiologista.
A qualidade da anestesia regional depende de um conjunto de fatores relacionados com o
posicionamento ótimo da agulha e da injeção do anestésico local. Os fatores principais são o
conhecimento da anatomia, as sensações táteis do anestesiologista, o interrogatório do paciente
durante a realização da punção e a neuroestimulação. No entanto, a prática nos lembra, todos os
dias, de que essas informações podem ser falseadas, apesar da experiência e do rigor dos aneste-
siologistas, o que pode ocasionar incidentes ou falhas dos bloqueios de nervos periféricos1.
A introdução da ultrassonografia nas técnicas de anestesia regional permitiu que a liga-
ção, até então estática, entre anatomia, anestesia loco regional e imagem se tornasse uma
interação dinâmica, realizada em tempo real.
A ultrassonografia faz com que os objetivos da anestesia regional sejam obtidos de forma
rápida, eficaz e consideravelmente segura.
A associação do ultrassom com o estimulador de nervo periférico pode representar, na
prática, a frase citada pelo Dr. M. Morgan2: “Regional anaesthesia always works – provided
you put the right dose of the right drug in the right place” ou seja, anestesia regional sempre
funciona – desde que você coloque a dose certa da droga certa no local certo.
Fig. 2 - Probes produzem ondas de alta ou baixa frequência, dependendo da espessura do cristal piezoelétrico
Quando a onda ultrassonora atinge uma interface acústica, dependendo do grau de dife-
rença de impedância dos meios, ela pode sofrer processos de atenuação através de disper-
são, reflexão ou refração (Figura 3). A energia mecânica pode ser perdida à medida que as
ondas passam através dos diferentes tecidos. Quanto maior o coeficiente de atenuação do
tecido, maior a perda de energia.
Fig. 4 - Desenho esquemático que mostra a construção de imagens ultrassonográficas por meio da emissão
e reflexão de ondas pelo probe
Estruturas hiperecogênicas: são estruturas que refletem a maioria das ondas de ul-
trassom e que, praticamente, não permitem a transmissão de energia mais profundamente,
gerando uma sombra acústica (artefato). Elas aparecem em branco (Figura 8), são secun-
dárias a interfaces de elevado fator de reflexão (alta diferença de impedância acústica) e
correspondem, por exemplo, a ossos, ar, fáscias e nervos distais.
Artéria
Estrutura arredondada anecoica ou hipoecoica com bordas
grossas; não compressível; observa-se pulsação.
Veia
Estrutura mais irregular anecoica ou hipoecoica; bordas
delgadas; a pressão do transdutor leva ao colapso.
Osso
2.5.1.1 Posicionamento
Paciente em posição supina com a cabeça ligeiramente desviada para o lado contralateral
(Figura 12). Alguns autores recomendam que o probe seja segurado com a mão esquerda
2.5.2.1 Posicionamento
O paciente deve ficar em posição supina, com a cabeça elevada em 30 o a 45o e virada para
o lado contralateral (Figura 14 ).
2.5.3.1 Posicionamento
Com a cabeça voltada para o lado contralateral e o braço ao longo do corpo, o probe do
ultrassom é posicionado em um plano sagital no sulco deltopeitoral (Figura 16). A aborda-
gem utilizada é normalmente em plano.
2.5.4.1 Posicionamento
Com o paciente em decúbito dorsal com braço abduzido, antebraço flexionado e mão
supinada19. Utiliza-se o transdutor linear de alta frequência na dobra formada pelo músculo
peitoral maior na região da axila, na qual se pode bloquear os nervos terminais (Figura 18).
Músculo bíceps
Músculo tríceps
Músculo coracobraquial
Úmero
2.6.1.1 Posicionamento
O paciente é colocado em posição lateral, com o lado a ser bloqueado para cima. O qua-
dril e o joelho do lado não dependente devem estar levemente flexionados para aumentar a
superfície anatômica (Figura 21).
Tabela XIV - Aspectos técnicos do bloqueio ciático ao nível infraglúteo guiado por ultrassom
Bloqueio Estrutura de Estruturas que devem ser Tipo de transdutor/ Volume de
referência encontradas Profundidade anestésico local
Isquiático Tuberosidade Músculo glúteo maior Convexo 20-30 ml
infraglúteo isquiática Músculo glúteo menor Baixa frequência
Músculo quadrado femoral
Grande trocanter Nervo ciático Linear (pacientes
Artéria do nervo ciático muito magros e
Ramo femoral da artéria glútea pediátricos)
inferior
4-8 cm
2.6.2.1 Posicionamento
O paciente pode ser posicionado de três formas, dependendo da abordagem selecionada
(Figura 25).
Tabela XVI - Aspectos técnicos do bloqueio do nervo isquiático ao nível poplíteo guiado
por ultrassom
Bloqueio Estrutura de Estruturas que devem ser Tipo de transdutor/ Volume de anesté-
referência encontradas Profundidade sico local
Nervo ciático ao Artéria poplítea Vasos poplíteos Linear 20-30 ml
nível poplíteo Alta frequência
Nervo tibial Aproximação do nervo fibular
ao nervo tibial
Nervo fibular 3-5 cm
Nervo isquiático
(+/-)
2.6.3.1 Posicionamento
Paciente em posição supina e posicionamento do transdutor paralelo ao ligamento ingui-
nal, um pouco abaixo da prega inguinal.
2.6.4.1 Posicionamento
Com o paciente em posição supina, com leve rotação externa da coxa e posicionamen-
to do transdutor 2 cm a 3 cm abaixo e paralelamente ao ligamento inguinal, em região
medial da coxa.
Lesão nervosa
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Reposição volêmica
em pediatria
Danielle Maia Holanda Dumaresq
Débora de Oliveira Cumino
Magda Lourenço Fernandes
Reposição volêmica em pediatria
2. Avaliação da volemia
Quando a criança é anestesiada, muitos parâmetros clínicos do estado volêmico são per-
didos ou sofrem interferência de fatores que causam confusões. Por exemplo, o aumento da
frequência cardíaca, apesar de ser um indicador bastante confiável do estado volêmico, na
criança, sofre alterações no perioperatório como resultado da influência de inúmeros outros
fatores; a taquicardia pode ser decorrente do aumento de temperatura, falta de plano anes-
tésico, falhas de bloqueios e outros6,9.
Portanto, a avaliação da volemia durante a anestesia é um desafio para o anestesiologista,
que deve considerar todas as possibilidades e conhecer os limites fisiológicos da frequência
cardíaca e da pressão nas diversas faixas etárias, correlacionar esses dados formando uma
hipótese e, então, tomar as devidas condutas.
Em procedimentos de pequeno porte, a avaliação do estado de hidratação e a reposi-
ção volêmica intraoperatória são mensuradas através de parâmetros clínicos. Na criança
anestesiada, podemos avaliar o estado das mucosas, o pulso, a pressão arterial média e a
diurese6 (Tabela 4).
Nos neonatos e lactentes, a avaliação do turgor das fontanelas pela palpação é uma técnica
elucidativa, capaz de fornecer dados sobre o estado da hidratação. Na vigência de hipovolemia
ou em estados de desidratação, a fontanela encontra-se deprimida e, em estados de hiper-
-hidratação ou hipertensão intracraniana, túrgida (Tabela 4). Um bom parâmetro para avaliar
o balanço hídrico em crianças pequenas é a medida do peso no pré e no pós-operatório.
O grau de hipovolemia pode ser avaliado por meio de uma combinação de sinais clínicos
e fisiológicos. Neonatos e lactentes apresentam, como resposta compensatória à hipovole-
mia, aumento da frequência cardíaca e vasoconstrição periférica. Entretanto, a habilidade
para aumentar o débito cardíaco só ocorre com o desenvolvimento e avanço da idade, sendo
Esses autores avaliaram também a quantidade de sódio e potássio do leite humano e de-
terminaram que, do ponto de vista eletrolítico, a solução ideal para manutenção em crianças
seria hipotônica. Com base nesses dados, as soluções salinas hipotônicas (1:2 a 1:4) foram
amplamente utilizadas por longos anos23.
Na década de 1980, Berry propôs outro esquema para reposição hídrica em crianças,
considerando a perda relacionada ao trauma cirúrgico (Tabela 6).
Tabela VI - Fórmula de Berry
Na primeira hora Nas horas seguintes
Idade < 4 anos: 25 mL.kg-1 Basal: 2 mL.kg-1.h-1
Idade ≥ 4 anos: 15 mL.kg-1 Trauma leve: 6 mL.kg-1.h-1
Trauma moderado: 8 mL.kg-1.h-1
Trauma severo: 10 mL.kg-1.h-1
5.1 Albumina42
A albumina é derivada do plasma humano e seu processamento proporciona esterilização
por pasteurização, o que elimina o risco de transmissão de doença infecciosas. Tem peso mo-
lecular de 69 kDa, sendo produzida em concentrações de 5% e 25%. A albumina a 5% osmo-
Atualmente, estão disponíveis para uso clínico as gelatinas com pontes de ureia, como
Haemaccel e Isocel, e as gelatinas succiniladas, como Gelafundin.
As apresentações de gelatinas com pontes de ureia e as succiniladas diferem entre si
quanto à concentração de eletrólitos. As gelatinas ligadas à ureia contêm maior quantidade
de cálcio e de potássio do que as soluções de gelatina succinilada. O cálcio presente nas
soluções de gelatina ligada à ureia pode reagir com o citrato usado como anticoagulante nas
bolsas de hemocomponentes. Dessa forma, recomenda-se que não se utilize, simultanea-
mente, a mesma via de administração para as duas soluções.
As gelatinas apresentam capacidade de expansão limitada, correspondendo a apenas
80% do volume infundido, ou seja, 1 mL corresponde à expansão de 0,8 mL. Isso se deve à
rápida passagem para o interstício, requerendo várias doses para manter a expansão.
Não há relatos de prováveis efeitos antitrombóticos ou sobre a coagulação, mas o empre-
go de doses elevadas, que ainda não estão bem estabelecidas, pode provocar diluição de fato-
res da coagulação com diminuição do fator de von Willebrand e do Fator VIII. As gelatinas
interferem na função da fibronectina (FVIII), o que pode representar fator restritivo quanto
ao volume a ser administrado; recomenda-se até 50 mL.kg-1 por dia. Podem desencadear
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Bloqueio do nervo
femoral: do básico
ao avançado
Roberto Araújo Ruzi
Paulo Ricardo Rabello de Macedo Costa
Eduardo R. Nakashima
Cibelle Magalhães Pedrosa Rocha
José Samuel de Paula
Bloqueio do nervo femoral: do básico ao avançado
Embora haja muitas semelhanças anatômicas entre a inervação dos membros superiores e
inferiores, o entusiasmo para a realização dos bloqueios de nervos periféricos nas extremida-
des inferiores não é tão grande. A maioria dos anestesiologistas prefere a técnica neuroaxial
(subaracnóidea e epidural) aos bloqueios de nervos periféricos para cirurgias dos membros
inferiores, apesar das potenciais desvantagens neuroaxiais: risco de sintomas neurológicos
transitórios; cefaleia pós-punção dural; lombalgia; repercussão hemodinâmica; meningite/
meningismo e hematoma epidural.
Nesse contexto, os bloqueios periféricos apresentam muitas vantagens e representam
uma técnica regional alternativa, tanto para a anestesia intraoperatória quanto para a analge-
sia pós-operatória1. As vantagens incluem: redução em admissões hospitalares pós-cirurgias
ambulatoriais (custo efetivo)2; menor alteração hemodinâmica; menos náuseas/vômitos e
retenção urinária e melhor analgesia pós-operatória3.
O pequeno uso de bloqueios em membros inferiores pode ser explicado pela menor divul-
gação dessas técnicas durante a residência médica de anestesiologia4, curva de aprendizado
mais lenta e maior custo para a aquisição de material e insumos necessários (neuroestimu-
lador, agulhas especiais, ultrassom). Entretanto, nessa última década, tem havido crescente
interesse pelos bloqueios periféricos, refletido pelo grande número de artigos publicados
nessa área. O conhecimento envolvido na realização de bloqueios periféricos é muito maior
do que aquele necessário à execução da raquianestesia, porém, a versatilidade e a satisfação
profissional conferidas pelo domínio dessas técnicas, principalmente com o uso da ultrasso-
nografia, justificam o emprego desses bloqueios.
Por muitas décadas, o bloqueio de nervos foi guiado por pesquisa de parestesia ou uso de
neuroestimulador de nervos. Ambas as técnicas se utilizam de reparos anatômicos e uso de
agulha em prospecção para encontrar o nervo desejado5.
Veja o vídeo com a técnica da perda de resistência com agulha de Tuohy e seringa de
vidro no seguinte link http://youtu.be/KyBo6pGJNm8
4. Objetivo
Injetar lateralmente ao nervo e, quando no plano tecidual adequado, o anestésico se
dispersa por cima do nervo e por baixo dos vasos, empurrando o nervo posteriormente e
separando a fáscia ilíaca do músculo iliopsoas. Nessa técnica, como a ponta da agulha fica
longe do nervo, o estimulador de nervos não funcionará.
A seguir, figuras com desenhos esquemáticos com o passo a passo da técnica “fora do plano”.
Fig. 6 - Injetar pequenos volumes (1 ml AL) para se ter certeza de onde está a
ponta da agulha
Seguem links de quatro vídeos que mostram bloqueios realizados no Hospital de Clíni-
cas da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), MG:
Vídeo 1: http://youtu.be/Y-JpZaqn_nY
Vídeo 2: http://www.youtube.com/watch?v=VVbVktXidR8
Vídeo 3: http://youtu.be/YWD2-gSxwIo
Vídeo 4: http://youtu.be/L_T_jNDXaEA
O anestésico local alcança o nervo mesmo com a ponta da agulha longe dele, com menor
risco de lesão nervosa e maior facilidade para a passagem de cateteres. Com agulha nesse
local, o estimulador de nervos provavelmente não funcionaria.
5. Exceção
Em cerca de 10% dos casos, o anestésico local não se dispersa nesse padrão descrito, e sim
por baixo do nervo e dos vasos (entre a fáscia ilíaca e o músculo iliopsoas).
Como o bloqueio é realizado em plano tecidual e a ponta da agulha não está próxima do nervo,
a introdução de cateteres comuns (até cerca de 15 cm - marca III) ocorre sem dificuldades.
6. Material
• Agulhas utilizadas para essa técnica:
– agulha hipodérmica (25 x 8);
– agulha extracath 20 ou 18 G;
– agulha de epidural (se for usar cateter).
• Anestésicos locais utilizados (doses e concentrações):
– bupivacaína: 0,125% a 0,5%;
– ropivacaína: 0,2% a 0,75%;
– lidocaína: 1,0% a 1,5%.
A escolha do anestésico local, da concentração utilizada e do uso ou não de adjuvantes
depende da indicação do bloqueio - anestesia ou analgesia - e da preferência e experiência
do anestesiologista.
4. Linfonodos
Estrutura superficial às fáscias, ovalada, com maior eixo no sentido horizontal, centro
hiperecoico e córtex hipoecoico. A principal característica dos linfonodos é não ter trajeto,
ou seja, desaparece ao “caminhar com o transdutor proximal ou distalmente”.
9. Conclusão
A manutenção de uma distância em que apenas o anestésico local entrará em contato
direto com o nervo transforma o trauma pela agulha e a injeção intraneural em lesões evitá-
veis, revela uma conduta menos agressiva, previne sensações desconfortáveis ao paciente e
agrega mais segurança ao procedimento anestésico.
O uso de ultrassom para guiar o bloqueio do nervo femoral está se tornando imprescin-
dível ao proporcionar segurança na realização do ato anestésico. Acredita-se que, em futuro
próximo, as técnicas “às cegas” não serão utilizadas e estarão apenas na história da anestesia.
Finalmente, a ultrassonografia, por ser uma técnica de localização mais segura, mais efi-
ciente e que propicia maior conforto ao paciente, se transformará na técnica de excelência
para a realização de bloqueios de nervos periféricos e para a cateterização venosa central,
sendo altamente recomendado que ela seja incorporada pelos profissionais e instituições
hospitalares brasileiras.
Referências bibliográficas:
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current understanding. Reg Anesth Pain Med, 2005;30:4-35.
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Anestesiol, 2007;57:106-123.
Transporte aeromédico
do paciente crítico
Júlio Cezar Mendes Brandão
Luiz Fernando dos Reis Falcão
Waston Vieira Silva
Marcos Antônio Costa de Albuquerque
Transporte aeromédico do
paciente crítico
O transporte aeromédico, principalmente dos pacientes críticos, é uma atividade com-
plexa e que vem se expandindo. Atualmente, o Brasil possui carência de unidades de terapia
intensiva (UTI), com número atual totalizando 25.367 leitos1. Destes, 70,6% são destinados
aos pacientes adultos, com importante desigualdade na distribuição geográfica. Quando le-
vada em consideração a Portaria nº 1.101/GM, de junho de 2002, elaborada pelo Ministério
da Saúde2, 51,9% do território nacional apresenta cobertura insatisfatória de leitos de UTI1.
Dessa forma, a demanda por deslocamento de pacientes para longas distâncias faz ressaltar
a importância do transporte aeromédico.
O anestesiologista tem inato em sua profissão o manuseio de pacientes críticos, o
que reúne as características essenciais para exercer o transporte do paciente grave. O
aprendizado e o aperfeiçoamento do transporte aéreo se fazem necessários para atu-
ação com qualidade e segurança. Contudo, existe grande carência de estudos acerca
do tema 3 .
Há uma série de passos a serem seguidos para o planejamento, o preparo e a ade-
quada execução do transporte aeromédico, sendo importante antever as necessidades
e possíveis intercorrências, a relação custo-benefício, novas alocações e os riscos en-
volvidos 3,4 . É importante ter ciência de que as variações durante o transporte poderão
trazer repercussões graves com maiores dificuldades de resolução por não se tratar
de unidade hospitalar fixa, apesar do grande arsenal e sofisticados aparelhos incor-
porados às aeronaves 5 . As alterações fisiológicas que ocorrem nas altitudes e a vulne-
rabilidade dos equipamentos médicos também devem ser lembradas para o sucesso
do transporte 4,5 .
Em um país com dimensões continentais como o Brasil, o transporte aeromédico tem
importância fundamental, pois permite o deslocamento de pacientes de regiões com poucos
recursos, ou de áreas remotas e distantes, para centros de referência.
Recentemente, presenciamos o desastre em Santa Maria/RS, que contou com importan-
te participação do transporte aéreo para a remoção de pacientes graves para centros espe-
cializados6,7. Visto a importância do assunto, propomos elaborar esta revisão, para permitir
a atualização do tema.
1. Histórico
Um dos primeiro relatos de transporte aeromédico de pacientes se deu próximo a
1870, durante a guerra franco-prussiana, com o uso de um balão para a remoção de fe-
ridos. Grande evolução ocorreu no período das guerras, em que se percebeu que havia
modificação do prognóstico ao oferecer um transporte mais rápido e eficiente aos pacien-
tes enfermos. Na Primeira Guerra Mundial, houve o aprimoramento das aeronaves e o
aumento da necessidade de fornecer socorro de forma imediata aos pilotos feridos em
combates. Já na Segunda Guerra Mundial, ocorreu a modificação da perspectiva que até
8. Equipe
Para efeito da atividade médica e de enfermagem envolvida no atendimento e no
transporte aéreo de pacientes, consideram-se os profissionais implicados como “tripu-
lantes aeromédicos”, portanto, submetidos à legislação avulsa e ao Código Aeronáutico
Brasileiro, devendo ter aptidão física específica para essa operação, que terá que ser ates-
tada periodicamente pelo Centro de Medicina Aeroespacial (CEMAL) do Comando da
Aeronáutica. São obrigatórios habilitação mínima em emergência pré-hospitalar, noções
básicas de fisiologia de voo e noções de aeronáutica e segurança de voo, incluindo ainda
aeronavegabilidade, escape de aeronaves e sobrevivência, sendo recomendável habilitação
9. Aeronaves
A aeronave de transporte aeromédico e seus equipamentos de suporte de vida devem ser
homologados para tal. Aquelas utilizadas no transporte aeromédico no Brasil são do tipo E,
ou seja, aeronave de asa fixa ou rotativa usada para transporte inter-hospitalar de pacientes e
aeronave de asa rotativa para ações de resgate, dotada de equipamento médico homologado
pela ANAC. É sempre considerada viatura de suporte avançado. A tripulação dessas aero-
naves são compostas por piloto, um médico e um enfermeiro (a presença de um médico é
obrigatória para caracterizar o transporte aeromédico, considerando a equipe de saúde); um
socorrista pode ser associado, se necessário.
As aeronaves de asa fixa (aviões, Figura 1) são utilizadas para o transporte inter-hospi-
talar de longa distância (a partir de 400 quilômetros). O transporte necessita planejamento
prévio e agendamento. Como vantagens, observa-se menor custo, maior espaço interno,
pressurização da cabine, conforto, possibilidade de haver acompanhantes e equipe multi-
disciplinar, além de o treinamento do tripulante operacional ser simples.
10. Equipamento
As condições e regras mínimas são previstas na legislação brasileira pela Portaria
do Ministério da Saúde nº 2.048/GM, de novembro de 2002. Assim como nessa por-
taria, existem diversos relatos na literatura internacional que instituem condições e
enumeram equipamento e medicamento para se realizar um transporte inter-hospitalar
com segurança. Os requisitos mínimos do equipamento estão listados na Tabela 4, e o
equipamento mínimo recomendado para a realização do transporte aeromédico está
contido na Tabela 5 4,43 .
Tabela IV - Requisitos do equipamento médico para alocação no transporte aeromédico
Requisitos dos Equipamentos Médicos para realização do transporte aeromédico:
• Isolamento elétrico
• Tamanho compacto
12. Apêndice 1
O Conselho Federal de Medicina, por meio da Resolução CFM nº 1.672/03, de 9 de
julho de 2003, dispõe sobre o transporte inter-hospitalar de pacientes e dá outras providên-
cias, normatizando as condutas de transporte com segurança.
“Art. 1º – Que o sistema de transporte inter-hospitalar de pacientes deverá ser efetuado
conforme o abaixo estabelecido:
I – O hospital previamente estabelecido como referência não pode negar atendimento
aos casos que se enquadrem em sua capacidade de resolução.
II – Pacientes com risco de vida não podem ser removidos sem a prévia realização de
diagnóstico médico, com obrigatória avaliação e atendimento básico respiratório e hemodi-
nâmico, além da realização de outras medidas urgentes e específicas para cada caso.
III – Pacientes graves ou de risco devem ser removidos acompanhados de equipe com-
posta por tripulação mínima de um médico, um profissional de enfermagem e motorista,
em ambulância de suporte avançado. Nas situações em que seja tecnicamente impossível o
cumprimento dessa norma, deve ser avaliado o risco potencial do transporte em relação à
permanência do paciente no local de origem.
IV – Antes de decidir a remoção do paciente, faz-se necessário realizar contato com o mé-
dico receptor ou diretor técnico no hospital de destino, e ter a concordância do(s) mesmo(s).
V – Todas as ocorrências inerentes à transferência devem ser registradas no prontuário
de origem.
VI – Todo paciente removido deve ser acompanhado por relatório completo, legível e
assinado (com o número do CRM), que passará a integrar o prontuário no destino. Quando
do recebimento, o relatório deve ser também assinado pelo médico receptor.
Referências bibliográficas:
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7. Santa Maria - Esquadrão de transporte da Força Aérea auxilia no transporte de pacientes. Rev Aero
Latina, 29 jan 2013. Disponível em: <http://revistaaerolatina.blogspot.com.br/2013/01/santa-maria-
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desafio enfrentado na 2ª Guerra Mundial. Rev Bras Enferm, 2007; 60:68-72.
Manejo da coagulação
sanguínea no
transplante hepático
Bruno Salomé de Morais
Rodrigo Perreira Diaz André
Francisco Ricardo Marques Lobo
Manejo da coagulação sanguínea no transplante hepático
O transplante hepático (TH) é uma cirurgia complexa, em paciente com alterações
orgânicas multissistêmicas e pequena reserva funcional. O manejo da coagulação é com-
plexo nesses pacientes. Para tal, é necessário o adequado conhecimento da fisiologia da
coagulação e as alterações na hepatopatia, a compreensão da monitorização da coagulação
sanguínea, bem como indicações da utilização de hemocomponentes, hemoderivados e
outros fármacos.
1. Fisiologia da coagulação
A hemostasia é um processo bioquímico e celular que interrompe a perda de sangue
a partir de uma lesão vascular, mantém a fluidez sanguínea intravascular e restabelece o
fluxo dos vasos trombosados após a lesão. A hemostasia consiste em ativação plaquetária e
formação de rede de fibrina sobre uma superfície fosfolipídica e modulada por anticoagu-
lantes naturais e um sistema fibrinolítico. Esse mecanismo ocorre com a participação dos
fatores da coagulação, do endotélio e, principalmente, das plaquetas. Qualquer alteração
da coagulação estimula resposta inflamatória e qualquer resposta inflamatória estimula a
coagulação. Esse extenso intercâmbio entre coagulação e inflamação envolve sinalização
mediada por receptores celulares e produção de citocinas, por meio de endotélio, leucócitos
e plaquetas. Embora o processo seja dinâmico, didaticamente, a hemostasia consiste em três
fases: hemostasia primária, hemostasia secundária (coagulação) e fibrinólise1.
1.1 Hemostasia primária
Sob condições fisiológicas, as plaquetas circulam preferencialmente próximas da parede
vascular. Entretanto, elas não interagem com as células endoteliais, as quais oferecem resis-
tência natural à trombose. Quando há lesão endotelial, a matriz subendotelial fica exposta,
expondo assim algumas moléculas específicas denominadas fator tecidual (FT). Nesse mo-
mento, se desencadeia uma série de reações coordenadas para interromper o processo de
agressão. As plaquetas desempenham o papel principal nesse processo e vários substratos
podem mediar sua adesão à parede vascular lesada (hemostasia primária)2 .
A hemostasia primária leva à formação de um tampão plaquetário friável que, temporaria-
mente, interrompe o sangramento no local da lesão vascular. A coagulação reforça esse tampão,
transformando-o em uma fina rede de fibrina. Após a reparação tecidual, há a lise do coágulo
por um processo chamado fibrinólise, restaurando-se, assim, o fluxo sanguíneo no vaso.
Quando ocorre lesão endotelial vascular, mecânica ou bioquímica, verifica-se exposição
do colágeno e de outras proteínas do subendotélio às plaquetas circulantes. Esse contato ini-
cia o processo de ativação plaquetária, que inclui: a) adesão das plaquetas ao subendotélio;
b) mudança na forma da plaqueta; c) liberação de conteúdo dos grânulos citoplasmáticos da
plaqueta; d) aparecimento de uma nova superfície fosfolipídica, necessária para as reações
da coagulação dependentes de superfície; e) agregação plaqueta com plaqueta 3.
As plaquetas aderem ao colágeno por meio da ligação do fator de von Willebrand
(FvW) ao receptor glicoproteico (GP) GPIb. O conteúdo expulso dos grânulos plaque-
1.3 Fibrinólise
O sistema fibrinolítico remove o excesso de fibrina intravascular, restaurando o fluxo
sanguíneo. A fibrinólise é iniciada pelos ativadores do plasminogênio, que convertem o
plasminogênio em plasmina. A plasmina degrada fibrina em produtos da degradação da
fibrina (PDF). Se a produção dos PDFs exceder a taxa de eliminação produzida pelo fígado,
pelos rins ou pelo sistema reticuloendotelial, os PDFs se acumulam no sangue e, com isso,
3. Monitorização da coagulação
A monitorização perioperatória da coagulação é importante para diagnosticar causas
potenciais de hemorragia, guiar terapias hemostáticas e predizer o risco de sangramento
durante o curso de procedimentos cirúrgicos.
Grande variedade de testes laboratoriais convencionais (TAP/INR, TTPa, dosagem de
fibrinogênio e contagem de plaquetas) tem sido utilizada ao longo dos anos para identificar
o tipo e a gravidade do distúrbio de coagulação. Por causa da complexidade das alterações
hemostáticas presentes na insuficiência hepática, os testes convencionais da coagulação
não são capazes de exibir o equilíbrio hemostático com precisão25,26. E a capacidade desses
exames em prever sangramento intraoperatório no TH tem sido questionada 27,28. Diversos
autores demonstraram discrepância entre os testes de coagulação convencionais e sangra-
mento em cirróticos submetidos ao TH 27,29-31.
Defeitos nas funções pró-coagulantes são identificados nos testes laboratoriais usuais,
como TAP (INR), TTPa e contagem plaquetária, porém os efeitos sobre a via inibitória são
menos visíveis nesses exames. Deve-se considerar que na análise da hemostasia primária a
avaliação da contagem plaquetária não leva em consideração níveis possivelmente elevados
de fator de Von Willebrand, que é a principal proteína do sistema de adesão e pode com-
pensar a redução no número e função plaquetária 32 . A hipocoagulabilidade sugerida pelo
prolongamento do TAP e TTPa não leva em consideração possíveis reduções dos inibidores
da coagulação, como a proteína C, a proteína S e a antitrombina. De maneira similar, a sig-
4. Hemoterapia
A hemoterapia moderna desenvolveu-se com base no preceito racional de transfundir-
-se somente o componente de que o paciente necessita, a partir de avaliação clínica e/ou
laboratorial, não havendo indicações de sangue total. As indicações básicas para transfusões
são: restaurar ou manter a capacidade de transporte do oxigênio, o volume sanguíneo e a
hemostasia. A transfusão de hemocomponentes deve ser realizada somente quando existir
indicação precisa e nenhuma outra opção terapêutica.
Apesar da recente diminuição na transfusão de hemocomponentes no TH45, é de suma
importância o adequado manejo da coagulação, uma vez que o ato cirúrgico, associado às
complexas alterações na coagulação do hepatopata, pode promover importante sangramento.
Medidas não farmacológicas devem ser tomadas para minimizar a perda sanguínea du-
rante a cirurgia. Além do controle da hipocalcemia e acidose46,47, é de fundamental impor-
tância a manutenção da normotermia.
A hipotermia agrava os distúrbios de coagulação, por inibir a atividade dos fatores da co-
agulação e promover a redução da contagem e função plaquetária48,49. Além disso, contribui
para a instabilidade hemodinâmica durante o TH e é uma das causas da síndrome de reperfu-
são50. A hipotermia é resultado da redistribuição do calor para a periferia51,52 e desequilíbrio
entre produção e perda de temperatura53. Fatores que contribuem para a hipotermia no TH
incluem: tempo de cirurgia prolongado, exposição da cavidade abdominal, transfusão impor-
tante, retirada do fígado metabolicamente ativo e utilização do by-pass veno-venoso54.
Estudos prospectivos randomizados revelam que mesmo a hipotermia discreta está asso-
ciada a aumento de complicações cardiovasculares, infecção no sítio cirúrgico e aumento de
hospitalização55-60. Revisão sistemática recente concluiu que a hipotermia discreta (<1°C)
aumenta o risco relativo de hemotransfusão em 22%61.
Outras condutas, como manutenção de normovolemia, discreto céfalo aclive, ajuste
adequado da ventilação mecânica e técnica cirúrgica de piggback, também estão asso-
ciadas a menos sangramento durante a cirurgia para TH46,62 . Quando tais medidas não
forem suficientes, pode ser necessária a utilização de hemocomponentes, hemoderivados
ou outras medicações.
5. Hemocomponentes
5.1 Concentrado de hemácias
A transfusão de concentrado de hemácias (CH) tem sido demonstrada como preditor
independente de pior função do enxerto, doenças infecciosas, disfunção renal e outras co-
morbidades48,63-66. A transfusão sanguínea pode promover alterações metabólicas por causa
de coagulopatia dilucional, trombocitopenia, CID, toxicidade do citrato, alcalose metabóli-
ca, hipercalemia, hipocalcemia, hipomagnesemia, distúrbios ácido/base e hipotermia46,66,67.
Além dessas complicações, está associada com transmissão viral, reações alérgicas, aloimu-
nização, infecção bacteriana, disfunção renal, hipervolemia, TRALI e TRIM68.
7. Opções Terapêuticas
7.1 Desmopressina
A desmopressina é um análogo V2 da vasopressina, que estimula o fator de von Wille-
brand que, por sua vez, medeia a aderência plaquetária às células subendoteliais47.
Recente metanálise mostrou pequeno efeito na perda sanguínea (redução média de 80
mL, p = 0,005) e necessidade de hemotransfusão (redução média de 0,3 unidade de CH, p =
0,01), sobretudo em cirurgias não cardíacas, sem aumento do risco de trombose (p = 0,4)110.
Uma vez que a disfunção plaquetária é comum na hepatopatia, trata-se de fármaco inte-
ressante no TH, sobretudo naqueles pacientes sem plaquetopenia importante, porém, com
MCF reduzido ao ROTEM, sem alterações no fibrinogênio. A dose recomendada é de 0,3
μg/kg intravenoso. Apesar desse potencial benefício111,112, ainda faltam estudos controlados
randomizados em TH.
8. Protocolo transfusional no TH
Diante da complexidade no manejo da coagulação nesses pacientes e grande variabilida-
de de opções terapêuticas, é importante o desenvolvimento de protocolos transfusionais de
acordo com a realidade de cada instituição.
Segue sugestão de protocolo transfusional para o TH, baseado na monitorização da coa-
gulação mediante tromboelastometria (Figura 6).
9. Conclusão
O manejo da coagulação nos pacientes hepatopatas é desafiador. É de suma importância
o conhecimento da fisiopatologia das alterações na coagulação desses pacientes. A tromboe-
lastografia e a tromboelastometria são ferramentas importantes para o diagnóstico da coagu-
lação, tendo-se em vista que os exames tradicionais trazem poucas informações a respeito do
equilíbrio pró e anticoagulante. A coagulopatia associada ao TH deve ser guiada por protoco-
los bem estabelecidos, com utilização racional de hemocomponentes e hemoderivados.
Referências bibliográficas:
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Profilaxia e tratamento
de náuseas e vômitos em
anestesia ambulatorial
Ricardo Caio Gracco de Bernardis
Ivani Rodrigues Glass
Emanuela Lombardi
Profilaxia e tratamento de náuseas e vômitos
em anestesia ambulatorial
Náusea e vômito pós-operatórios (NVPO) são os efeitos adversos mais comuns após
procedimento anestésico-cirúrgico. Sua incidência atinge de 20% a 30% dos pacientes, va-
riando de 50% a 56% em procedimentos laparoscópicos1,2 .
A frequência de NVPO pode estar associada às condições clínicas pré-operatórias, à
extensão e ao tipo de intervenção cirúrgica, às intercorrências cirúrgicas ou anestésicas e à
eficácia das medidas terapêuticas adotadas2 .
Pacientes com NVPO podem apresentar outras complicações: hipocalemia; alcalose
hipoclorêmica; desidratação; síndrome de Mallory-Weiss; broncoaspiração; deiscência de
suturas; sangramento intraocular e cutâneo; admissão hospitalar após cirurgias ambula-
toriais; desconforto psicológico e prolongamento da internação, com aumento de custos,
tanto para o hospital como para o paciente1.
A etiologia da náusea e do vômito pós-operatório não está completamente definida, mas
sabe-se que tem caráter multifatorial, razão pela qual necessita de abordagem multimodal 2 .
As medicações de uso venoso são largamente utilizadas em regime intra-hospitalar, mas têm
sua ação limitada na náusea e no vômito pós-alta hospitalar (NVPA). Metade dos 35% dos pacien-
tes que apresenta NVPA após cirurgia ambulatorial demonstra NVPO antes da alta hospitalar3.
Na revisão sistemática realizada por Wu et al, a incidência de náusea foi de 17% (variando
de 0 a 55%) e de vômito de 8% (variando de 0 a 16%)3.
O número de pacientes submetidos a cirurgias em regime ambulatorial nos Estados Uni-
dos, de 1996 a 2006, aumentou de 20,8 milhões para 34,7 milhões, o que representa metade de
todos os pacientes operados em 1996 e dois terços do total dos pacientes operados em 20063-5.
O aumento do número de pacientes operados em regime ambulatorial reforça a necessi-
dade das discussões sobre NVPA, com estratégias estabelecidas, incluindo a estratificação
dos riscos de NVPO, medicações profiláticas e terapias pós-alta hospitalar direcionadas
para NVPO4.
Esta revisão discutirá os fatores de risco específico para NVPO e NVPA, as terapias de
prevenção e manutenção e as principais medicações indicadas para os pacientes submetidos
à anestesia ambulatorial.
2. Tratamento de NVPO
Na presença de náuseas e vômitos persistentes, devem-se analisar possíveis fatores causa-
dores, como analgesia controlada pelo paciente com morfina, presença de sangue na faringe
ou obstrução abdominal.
Excluídos os fatores medicamentosos e mecânicos, o tratamento antiemético de resgate é
aconselhável. Se o paciente não recebeu nenhuma profilaxia, a terapia com antagonistas do
receptor 5-HT3 deve ser iniciada, com doses de ondansetrona 1 mg, dolasetrona 12,5 mg
3. Conclusões
Mais estudos são necessários, incluindo no modelo do estudo a análise de náuseas e vô-
mitos na pós-alta, direcionando as intervenções terapêuticas.
Os antieméticos de longa ação e de uso oral após a alta são eficazes no controle de
NVPA. Os antieméticos do tipo NK 1-RAs são ideais no tratamento do vômito, mas pouco
no da náusea.
A associação das intervenções não farmacológicas, tal como acupressura, pode re-
duzir NVPA. A analgesia multimodal, incluindo analgésicos não opioides e bloqueios
periféricos contínuos ambulatoriais, é uma opção na prevenção de NVPA e no controle
da analgesia pós-operatória com redução do uso de opioides.
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Resposta inflamatória
sistêmica da circulação
extracorpórea (CEC)
Fernando A. Martins
Kléber Machareth de Souza
Marisa Pizzichini
Resposta inflamatória sistêmica da circulação
extracorpórea (CEC)
A necessidade da circulação extracorpórea (CEC) em cirurgia cardíaca resulta em res-
posta inflamatória sistêmica caracterizada pela ativação do sistema de coagulação, das ci-
tocinas e da fibrinólise, pelo contato do sangue com os elementos que compõem o circuito
da circulação. Caso a resposta inflamatória seja suficientemente intensa, poderá ocorrer a
síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SRIS) ou a síndrome de disfunção de múlti-
plos órgãos, o que aumenta a mortalidade em unidades pós-operatórias1.
O objetivo do presente capítulo é descrever a fisiopatologia da resposta inflamatória sis-
têmica à circulação extracorpórea e as estratégias terapêuticas usadas para evitar que ela
promova a evolução desfavorável para o paciente submetido à cirurgia com CEC.
2. Componentes proteicos
2.3 Complemento
Os quatro sistemas de proteína formados no plasma durante a circulação extracorpó-
rea é o que denominamos sistema de complemento. Um sistema natural de nossas defesas
imunológicas composto por 35 substâncias proteicas altamente citotóxicas. O ser humano
naturalmente possui fatores plasmáticos que inibem e controlam a formação desses quatro
sistemas16,17. A ativação do complemento pode ocorrer através de três vias: uma via clássica,
que envolve um sistema immune complex (anticorpo-antígeno); uma via alternativa (a ati-
vação do complemento ocorre isoladamente mediante a presença de um agente patógeno
e diante da presença de uma superfície estranha, reconhecida como non self). [Falta uma
via? Só há duas] Todas as três vias estão ligadas à mesma protease, porém, com variações
mediante a via, denominada C3 protease, que, por sua vez, vai clivar a C3 protease em C3a
e C3b. A partir desse ponto, teremos diversas clivagens, ativações e desencadeamentos de
eventos imunológicos.
A via non self é a principal via ativada durante a circulação extracorpórea que leva à hi-
drólise do C3 formando C3a e C3b. O C3b promoverá a ativação plasmática da proteína
fator B, que será clivado em fator Ba e Bb. O fator Bb promoverá a liberação de mais quan-
tidades de fator C3b e a ativação do fator C3bBb. Ao passo que Ba é produzido em menores
quantidades. Quando C3b catalisa - através da C3 convertase, C3b, em especial alguns de
seus fragmentos, por meio de uma via alternativa - promoverá a formação de C3bBbC3b. A
C3bBbC3b é também denominada C5, que, por sua vez, desencadeará outra via alternativa,
através da ativação de C5a e C5b. A C5a ativa diretamente os neutrófilos e a C5b inicia a for-
mação de membranas de ataque complexas denominadas C5b, C6, C7, C8 e um polímero de
C9. As membranas de ataque complexas comportam-se também como canais de membrana
capazes de produzir a lise celular osmótica e a morte celular.
A circulação extracorpórea também ativa a via clássica do complemento. Há provavelmente
três gatilhos para esse mecanismo: a formação do complexo heparina-protamina, a liberação
de endotoxinas da flora intestinal e a ativação de C1 pelo fator XIIa produzido nessa situação
pelo contato sangue-circuito. Essa via envolverá, por fim, três proteínas ou complementos: C1,
C2 e C4. Assim, C2 e C4 se dividirão em C2a e C4b. Essas duas substâncias são as descritas
C3 convertase. Sabe-se que a via non self possui uma alça que atua como feedback positivo em
nível de C3bBbC3b, que amplificará ainda mais a ativação do complemento3.
A formação de C3a, C4a e C5a representará um importante mecanismo inflamatório que
vai atuar como anafilotoxinas (C5a é, entre todas, a mais potente), que vão alterar a perme-
abilidade capilar e o tônus vasomotor, podendo resultar em contração da musculatura lisa
brônquica e hipotensão18. A C5a rapidamente se ligará aos neutrófilos19 e se combinará com
membranas de ataque complexas com estimulação de neutrófilos e ativação plaquetária.
Esse mecanismo levará a lise celular cardíaca e possível dano plaquetário20. A resposta está
em como poderemos frear esses processos imunológicos. Até o momento, nenhum fármaco
ou técnica tem se mostrado muito eficaz.
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Técnicas de separação
pulmonar – atualização
Bruno Mendes Carmona
Rosalice Miecznikowski
Enis Donizetti Silva
Técnicas de separação pulmonar – atualização
A evolução de procedimentos e técnicas anestésicas ao longo dos anos pode ser con-
siderada um dos principais fatores responsáveis pelo avanço da cirurgia torácica. O atual
conhecimento da mecânica e fisiologia pulmonar permite ao anestesiologista garantir boas
condições à equipe cirúrgica para que esta realize as intervenções necessárias com adequa-
da segurança ao paciente1.
A maioria dos procedimentos torácicos é realizada com o paciente em decúbito lateral
oposto ao sítio cirúrgico, isto é, utiliza-se o decúbito lateral esquerdo para abordagem do
pulmão direito e vice-versa. O pulmão inferior, em contato com a mesa cirúrgica, é dito
dependente, enquanto o superior, a ser operado, é dito não dependente.
O anestesista deve zelar pelo posicionamento adequado do paciente, inclusive utilizando
coxins para estabilizar o corpo do paciente anestesiado e evitar lesões compressivas e estira-
mento de nervos periférico (Figura 1).
Fig. 1 - A) decúbito lateral inadequado, sem coxins protetores; B) decúbito lateral adequado, com
coxins protetores
O decúbito lateral, com paciente respirando espontaneamente com o tórax fechado,
induz alterações fisiológicas importantes, cujo conhecimento é fundamental para a compre-
ensão das demais mudanças causadas por abertura do tórax, apneia (paciente anestesiado) e
ventilação controlada com pressão positiva1-3.
Durante o decúbito lateral, o fluxo sanguíneo pulmonar, por influência da gravidade, é
maior no pulmão dependente, que sofre compressões externas do mediastino e do abdome.
Além disso, trabalha na porção mediana da faixa de complacência pulmonar. O pulmão não
dependente não sofre compressões externas e trabalha na porção superior da faixa de com-
placência pulmonar, cuja perfusão é inadequada (Figura 2)1,4.
Fig. 3 - Zonas de West em decúbito lateral; o pulmão inferior é o dependente e o superior, o não dependen-
te; observar correspondência entre as zonas de West na posição ereta e durante o decúbito lateral
2. Técnicas
As técnicas de isolamento pulmonar incluem o uso de bloqueadores brônquicos (BB),
tubos brônquicos de lúmen único e tubos de duplo lúmen (TDL). Os BB são inseridos no
pulmão, que deve ser colapsado, e os TDL devem ser introduzidos no pulmão dependente.
No entanto, os TDL podem ser inseridos para os dois lados, havendo tendência para ser
inserido à esquerda, por causa do comprimento do brônquio fonte esquerdo, cuja primeira
ramificação encontra-se a mais de 5 cm da carina, permitindo, assim, a ventilação adequada
para ambos os lados11,13.
2.1 Tubos de duplo lúmen
Atualmente, os TDL são os dispositivos mais utilizados para separação pulmonar e ven-
tilação monopulmonar. Basicamente, são duas sondas traqueais unidas, sendo um lúmen
mais curto (traqueal) e outro mais longo, para alcançar o brônquio fonte. Possuem também
dois balonetes, um proximal, para vedar a traqueia, e outro distal, para vedar o brônquio
fonte e isolar os pulmões um do outro1,12,14.
Todos os TDL possuem uma curvatura proximal para facilitar sua inserção na traqueia
e outra curvatura distal para facilitar sua inserção no brônquio fonte. Essa curvatura distal
pode ser direita ou esquerda, de acordo com o lado a ser entubado12 .
Existem TDL direitos e esquerdos que devem ser introduzidos no brônquio fonte direito
e esquerdo, respectivamente. O brônquio fonte a ser entubado é o do pulmão sadio, isto
é, aquele que será ventilado durante a anestesia monopulmonar. Então, os tubos direitos
são utilizados para toracotomia esquerda e os tubos esquerdos, para toracotomia direita. As
Fig. 4 - A) pneumonectomia direita com tubo de duplo lúmen esquerdo; B) pneumonectomia esquerda com
tubo de duplo lúmen direito; C) pneumonectomia esquerda com tubo de duplo lúmen esquerdo recuado
Fig. 6 - Mau posicionamento do TDL; A) TDL posicionado muito fora, pouco inserido; B) TDL esquerdo
posicionando muito dentro do brônquio fonte esquerdo; C) TDL direito posicionado muito dentro do
brônquio fonte direito
Os BB utilizados hoje em dia são projetados como um cateter com um ou dois balões in-
corporados próximos à extremidade, que, quando inflados, interrompem o fluxo de ar além
do ponto de oclusão.
2.3.1 Indicações
a) Via aérea difícil
Paciente com previsão de dificuldade no manuseio da via aérea pode ser um desafio para a
inserção do TDL19. Para paciente com fácil acesso às vias aéreas, a escolha de separação pul-
monar com o TDL ou por tubo de lúmen único é uma opção pessoal. No entanto, no paciente
com via aérea difícil antecipada, a última opção é a melhor escolha. Nessas situações, o uso
de um tubo de lúmen único associado ao bloqueador brônquico (BB) é o mais recomendado,
uma vez que são de mais fácil inserção. Da mesma forma, se observou que a utilização de TDL
b) Bloqueador Arndt
O BB Arndt é conectado a um cateter 5, 7 ou 9Fr, disponíveis nos comprimentos 65 cm
e 78 cm, com um diâmetro interno de 1,4 mm. Próximo à extremidade distal do cateter, há
orifícios laterais (olhos de Murphy) incorporados para facilitar a desinsuflação, presentes
apenas no tamanho 9Fr. Possui balonete de forma esférica ou elíptica, de alto volume e baixa
pressão (Figura 13). Uma característica única desse BB é um fio metálico que se estende
através da extremidade distal do BB e serve como guia introdutor para o fibroscópio para
sua introdução no brônquio (Figura 14).
c) BB Cohen
Disponível apenas no tamanho 9Fr, com 65 cm de comprimento e 1,6 mm de diâmetro
interno. O balão tem formato esférico. Próximo ao término do cateter há orifícios laterais
para facilitar a desinsuflação pulmonar (olhos de Murphy). Também tem balonete de alto
volume e baixa pressão. Tem um controle circular que permite uma deflexão maior que 90°,
o que facilita o correto posicionamento do BB (Figura 15).
d) Bloqueador Fuji
BB unilateral disponível nos tamanhos 4,5 e 9 Fr, com comprimento de 65 cm. Tem o
mesmo desenho do Univent, sendo independente, utilizado por meio de um tubo simples. O
balonete é de alto volume, feito de silicone e tem uma propriedade de barreira à passagem de
gás, que faz com que haja redução de difusão através do balonete. Possui controle a torque
que permite guiar sua introdução ao local desejado (Figura 16).
e) Bloqueador EZ
O bloqueador EZ é um tipo novo de BB com uma terminação simétrica em Y. A bifur-
cação assemelha-se à da traqueia. Ambas as terminações têm um balonete em sua posição
distal e possuem uma luz central. Assim, cada ramo pode ser posicionado no brônquio fonte
esquerdo ou direito. O formato do balão é esférico e há apenas um tamanho disponível, o
7Fr, com 75 cm de comprimento (Figura 17).
Fig. 17 - Bloqueador EZ
A principal desvantagem desses BB comerciais é que seu diâmetro externo é maior que
um cateter de Fogarty, o que faz com que sua passagem pelo interior de um tubo de 6 mm ou
menor seja difícil ou mesmo impossível. Por isso, alguns ainda utilizam esse último cateter
nessas situações.
2.3.4 Via aérea difícil
Para pacientes com fácil acesso à via aérea, a escolha entre o TDL e o BB costuma ser uma pre-
ferência pessoal. No entanto, na via aérea difícil, uma técnica pode ter um peso maior que a outra.
Todo anestesiologista deve ter familiaridade com as técnicas e os tubos disponíveis para
a separação pulmonar, assim como as técnicas e os dispositivos para o controle da via aérea
difícil (VAD).
Em um paciente com antecipada VAD, a entubação inicial com um tubo traqueal simples
costuma ser a conduta mais uniforme e segura. Havendo indicação de ventilação monopul-
Fig. 18 - Algoritmo para manuseio da via aérea difícil, quando há demanda por ventilação monopulmonar
3. Conclusões
Talvez o principal questionamento seja se é seguro utilizar os BB para a separação pul-
monar. A resposta é sim. Alguns autores, inclusive, acreditam que, com a evolução da curva
de aprendizado, o uso desse dispositivo será uma opção à utilização do TDL, preferido hoje
em dia. Portanto, se um paciente necessita de separação pulmonar, a primeira opção ainda
reside na utilização dos TDL, porém, com crescente interesse pelos BB. Contudo, há situa-
ções em que os BB parecem ser mais indicados. Pacientes com via aérea difícil identificada
antecipadamente, com traqueostomia ou previsão de ventilação mecânica pós-operatória
necessitam de uma abordagem cirúrgica mais seletiva.
As desvantagens dos BB em relação aos TDL estão relacionadas à desinsuflação pulmo-
nar lenta, dificuldade em aspirar o pulmão isolado e incapacidade de ventilação indepen-
dente do pulmão isolado.
Quanto às complicações entre os TDL e os BB, alguns trabalhos mostraram taxas de
odinofagia e lesão de corda vocal maiores com os TDL22, dados que não foram confirmados
por meio de outras pesquisas23. De qualquer forma, as complicações mais graves têm sido
mais benignas que as descritas com os TDL.
Finalmente, todo anestesiologista deve estar familiarizado com as vantagens e desvanta-
gens das diferentes técnicas e tubos disponíveis para a separação pulmonar.
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Medicina perioperatória:
imunonutrição e anestesia
Eduardo Manso de Carvalho Andrade
Florentino Fernandes Mendes
Ana Cristina Pinho Mendes Pereira
Medicina perioperatória: imunonutrição e anestesia
Tradicionalmente, o objetivo do suporte nutricional perioperatório é prover o aporte
adequado de calorias para reduzir a perda de massa magra associada a cirurgias de grande
porte. Hoje sabemos que o suporte nutricional perioperatório vai além da simples repo-
sição calórica e, se adequado, pode melhorar o resultado cirúrgico e reduzir a incidência
de complicações 1.
Pacientes com desnutrição perioperatória possuem risco significativamente elevado de de-
senvolver complicações pós-operatórias, além de maior taxa de mortalidade. Nesses pacientes,
foram observados maior tempo de internação hospitalar e aumento dos custos durante a in-
ternação. Apesar dessas evidências, observou-se que os pacientes cirúrgicos graves são os mais
negligenciados com relação à nutrição, e os pacientes submetidos à cirurgia gastrointestinal ou
cardiovascular são os que apresentam maiores riscos de desnutrição iatrogênica2.
O objetivo deste texto é revisar aspectos relacionados à imunonutrição, que são de inte-
resse para o anestesiologista.
5. Imunonutrição
A redução da função imunológica é um problema que sabemos acometer pacientes crí-
ticos e está intimamente relacionada à resposta metabólica, ao estresse e ao trauma. Em
consequência, foi proposto suporte nutricional com o intuito de melhorar os mecanismos
de defesa e reduzir a morbidade9. Porém, a menos que o paciente se apresente com uma
desnutrição proteico-calórica grave, o suporte nutricional tradicional tem um efeito muito
pequeno sobre a função imune10.
Pacientes em nutrição parenteral total realmente são mais propensos a infecções. A nutri-
ção enteral parece ser benéfica para a manutenção da função imune quando comparada com
a nutrição parenteral. Recentemente, percebeu-se que o uso de nutrientes específicos pode
trazer benefícios imunológicos que não se conseguem com o suporte tradicional, mesmo
que enteral1.
5.1 Glutamina
A glutamina é um aminoácido amplamente utilizado por linfócitos, enterócitos e ma-
crófagos9 como combustível oxidativo e para prover intermediários da síntese das purinas e
pirimidinas, essenciais para a síntese de DNA e RNA. Além disso, a glutamina parece estar
envolvida na diferenciação de células T e B e, em culturas de células, a síntese de interleucinas
1 e 2 é dependente da concentração de glutamina. Esse aminoácido, portanto, está envolvido
na sinalização intracelular, na prevenção de apoptose e na atenuação da resposta inflamatória7.
Em estados hipercatabólicos pode ocorrer rápida depleção dos estoques de glutamina. A
deficiência desse aminoácido pode levar à redução da função imunológica e alterar a função
da borda epitelial do intestino, com consequente aumento do risco de desenvolver infecção2 .
Em pacientes submetidos a cirurgias eletivas, a suplementação com glutamina parece
reduzir a incidência de complicações infecciosas e o tempo de internação hospitalar e possi-
velmente diminui a morbimortalidade de pacientes críticos1.
6. Conclusão
A desnutrição perioperatória associa-se com piora de resultados. Assim, avaliar o estado
nutricional do paciente submetido à cirurgia de grande porte é etapa importante na medicina
perioperatória. Os estudos que utilizam imunonutrição, com o objetivo de melhorar a resposta
inflamatória do hospedeiro, demonstram que esta pode associar-se à melhora de resultados.
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Anestesia e gestante
dependente de crack
Rosa Marina Ávilla
Juliana Surjan
Anestesia e gestante dependente de crack
A dependência química e suas consequências vêm ganhando notoriedade, não só no
Brasil, mas no mundo. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), existem
no mundo 230 milhões de usuários de drogas, o que corresponde a cerca de 1:20 adultos
entre 15 e 64 anos, 27 milhões dos quais são dependentes químicos. Porém, há menos de 2
leitos para cada 100 mil habitantes destinados ao tratamento desse paciente. A OMS deve
determinar protocolos para abordagem do indivíduo usuário e dependente apenas em 2014,
embora haja disponível, via internet, noções do diagnóstico e relevância do tema, sobretudo
no que diz respeito ao álcool1.
No Brasil, não dispomos de dados recentes sobre o uso de substâncias ilícitas em gestan-
tes2 . Dados americanos de 2010 reportam que 30% dos dependentes químicos são usuários
de drogas, dos quais 90% são do sexo feminino em idade reprodutiva (15 a 44 anos)3 . Desses
números um terço faz uso de droga na iminência do parto3 . Aparentemente, esses dados
ainda estão subestimados, já que muitas vezes ocorre à omissão do relato de uso, seja por
medo, vergonha, temor da estigmatização, temor pela retirada da guarda do concepto.
Estudo conjunto entre Universidade Federal do Estado de São Paulo (UNIFESP), Insti-
tuto Nacional de Pesquisa sobre Álcool e Drogas (INPAD) e Conselho Nacional de Pesquisa
(CNPq) lançado em abril de 2013, o II LENAD (Levantamento Nacional sobre Álcool e Dro-
gas), expõe o problema na população geral no Brasil. Foram entrevistados 4607 indivíduos a
partir de 14 anos de idade, nas várias regiões do país, totalizando 149 municípios, utilizando
amostragem probabilística, contando com mais de 100 entrevistadores e 15 instrumentos va-
lidados de sondagem para maconha e cocaína em suas diferentes formas de utilização, num
total de 800 perguntas4 . Os resultados deste estudo estão nas figuras 1 à 5.
1. Crack
O crack nada mais é que a cocaína comercializada ilegalmente na forma de pedras e
utilizada pela via pulmonar. Trata-se de uma mercadoria barata e acessível, produtora de
efeitos dez vezes mais intensos do a coca. À pasta base da coca adiciona-se NaHCO3 que,
com o calor moderado, precipita formando cristais puros, sublimando a 980 C, podendo ser
fumada em cachimbos de metal7.
O pulmão oferece uma extensa área de absorção da droga que apresenta início de ação
em 6 a 8 segundos, durando apenas de 3 a 5 minutos, seguindo-se a um desejo incoercível da
repetição do uso. É a forma mais efetiva de tornar a coca disponível ao organismo. Trata-se
de um potente estimulante do sistema nervoso central (SNC).
1.4 Farmacodinâmica
O crack determina uma miríade de sintomas físicos e psíquicos. Aumenta a frequência
cardíaca em 15% e a pressão arterial em 34%, com intensa vasoconstricção; provoca sudo-
rese, midríase, hipertermia, aumento da frequência respiratória, tremor das extremidades
e espasmos musculares. No âmbito psíquico, aumenta o estado de vigília, bem-estar e con-
fiança, libido sexual, estado de alerta, atenção e aceleração do pensamento. Disforia, irrita-
bilidade, hostilidade, impulsividade e fadiga são sintomas adversos decorrentes da queda do
nível sérico da droga8.
1.5 Complicações
Os sinais e sintomas do uso, seja crônico, seja meramente recreacional, são bem descritos.
Vias aéreas - podem ocorrer lesões das vias aéreas por queimadura ou necrose de nariz,
epiglote e base da língua, pela intensa vasoconstrição; por seu efeito anestésico local, torna a
2. Crack e a gestação
As vias mesolímbica e mesocortical, cujo neurotransmissor é a dopamina, relacionam-se
com a galactorreia e amenorreia, bem como com as alterações do ciclo menstrual. Muitas
vezes, o próprio diagnóstico de gestação é negligenciado pelas pacientes 11,12 .
A gestação aumenta a toxicidade pela coca, de maneira não dose-dependente, expondo a
mãe a aumentos de consumo miocárdico de oxigênio em cerca de três vezes10 .
O perfil das usuárias de crack é semelhante ao da população geral: usuárias de várias
drogas, cuja porta de entrada foi o tabaco e a maconha, seguidos de coca e crack e jovens
(quanto mais jovem, maior a chance da adicção) que apresentam um perfil psicológico ca-
racterístico de alterações de autoestima e ausência concreta de formação imediata de víncu-
lo, modificações psiquiátricas em alguns casos, violência doméstica, raça e estado civil6,13 .
5. Conclusões
Longe de ser apenas um problema médico, o atendimento à gestante dependente quí-
mica passa por esferas variadas, como a social, judicial, econômica e de infraestrutura
da rede pública. A gestante a que nos referimos está em uma situação de vulnerabilidade
social, é poliusuária e dependente química, o que torna o binômio mãe-feto um desafio
à Medicina e à Anestesiologia. A Organização Mundial de Saúde e vários outros orga-
nismos internacionais estruturados têm concentrado esforços para elaborar protocolos
de atendimento e abordagem ao dependente químico. A experiência brasileira, ímpar,
deveria servir de alerta.
Referências bibliográficas:
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www.who.int/substance_abuse/en/
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3. U.S. Substance Abuse and Mental Health Services Administration, Results from the 2010 National
Survey on Drug Use and Health: Summary of National Findings, NSDUH Series H-41, HHS Publica-
tion No. (SMA) 11-4658. Rockville, MD: Substance Abuse and Mental Health Services Administra-
tion, 2011. Disponível em: http://www.samhsa.gov/data/NSDUH/2k10NSDUH/2k 10Results.htm#.
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UNIAD/UNIFESP, 2012. Disponível em: http://inpad.org.br/lenad/sobre-o-lenad-ii/
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6. van der Meer Sanchez Z, Nappo SA - From the first drug to crack: the sequence of drugs taken in a group
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