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Volume VII
SBA
Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Rio de Janeiro
2017
Educação Continuada em Anestesiologia
Copyright© 2017, Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer sistema, sem prévio consentimento da SBA.
Diretoria
Ricardo Almeida de Azevedo
Sérgio Luiz do Logar Mattos
Tolomeu Artur Assunção Casali
Augusto Key Karazawa Takaschima
Enis Donizetti Silva
Erick Freitas Curi
Rogean Rodrigues Nunes
Comissão de Educação Continuada
Marcos Antonio Costa de Albuquerque - Presidente e Coordenador do livro
Ana Cristina Pinho Mendes Pereira - Secretária
Cátia Sousa Govêia
Fernanda Paula Cavalcante
Patrícia Wajnberg Gamermann
Paulo Adilson Herrera
Capa e diagramação
Marcelo de Azevedo Marinho
Supervisão
Maria de Las Mercedes Gregoria Martin de Azevedo
Revisão Bibliográfica
Teresa Maria Maia Libório
Auxiliar Técnico
Marcelo de Carvalho Sperle
Ficha catalográfica
S678e Educação Continuada em Anestesiologia / Editores: Ricardo Almeida de Azevedo, Marcos
Antonio Costa de Albuquerque e Rogean Rodrigues Nunes.
Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Anestesiologia/SBA, 2017.
240 p.; 25cm.; ilust.
ISBN 978-85-98632-36-0
Vários colaboradores.
AUTORES/COAUTORES
Ana Carolina Ortiz
•• TSA – SBA, Membro do Comitê de Anestesia em Pediatria;
•• Instrutor pelo CET da Disciplina de Anest. Dor e Terapia Intensiva da UNIFESP/EPM.
André L. Jaichenco
•• Anestesiologista chefe do Hospital Dr. Prof. J. P. Garrahan – Buenos Aires, Argentina.
Daniel Bassette
•• TEA – SBA.
Fabiana Ajnhorn
•• Especialista em Pediatria – SBP;
•• Especialista em anestesiologia – SBA;
•• Mestre em pediatria pela UFRGS.
Giorgio Pretto
•• TSA – SBA;
•• Instrutor Corresponsável pelo CET do Serviço de Anestesiologia de Joinville;
•• Doutor em Anestesiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Guilherme H. S. Moura
•• TEA – SBA, MBA.
Marcio Natter
•• TSA – SBA;
•• Instrutor Corresponsável pelo CET do Serviço de Anestesiologia de Joinville.
Prefácio | 11
Capítulo 01
Aspectos anatômicos e
fisiológicos do RN e da criança
Débora de Oliveira Cumino
Luciana Cavalcanti Lima
Aspectos anatômicos e fisiológicos do RN e da criança
Introdução
Os períodos do desenvolvimento das crianças são agrupados conforme a faixa etária,
sendo assim, recém-nascido/neonato corresponde à idade de 0 a 30 dias; lactentes, de 1 mês
a 2 anos; pré-escolar, de 2 a 7 anos e escolar, acima de 7 anos. As diferenças anatômicas são
mais marcantes, nos períodos iniciais, nos recém-nascidos (RN) e lactentes, porém, podem
persistir até a idade escolar. Essas alterações ocorrem em praticamente todos os órgãos e
sistemas e determinam diferenças fisiológicas e afetam a termogênese e a farmacologia, in-
terferindo no manejo anestésico1.
Utilizando peso corporal, estatura ou área de superfície corpórea (ASC) para comparação
entre tamanhos, notam-se diferenças significativas entre as faixas etárias. Um RN normal
que pesa 3 kg tem um terço do tamanho de um adulto em estatura, mas apresenta um nono
do tamanho do adulto em ASC e um vinte e um avos do peso do adulto. Dessas medidas do
corpo, a ASC é provavelmente a mais importante, porque aproxima bastante as variações na
taxa metabólica basal medida em kg.h-1.(m2) -1. Por essa razão, seria um critério melhor em
comparação à idade ou peso para o cálculo da quantidade basal de líquido e das exigências
nutricionais. Porém, para uso clínico, é difícil determinar a ASC (fórmulas complexas), além
disso, atualmente, a maioria das doses sugeridas dos fármacos está relacionada com o peso1.
Tabelas que correlacionam peso, altura e ASC são úteis, mas, para a avaliação do cres-
cimento, habitualmente são utilizadas variações no peso, na altura e no perímetro cefálico.
Gráficos de percentis são valiosos para o monitoramento do crescimento e desenvolvimento
da criança. O anestesiologista deve ter em mãos o peso da criança não apenas para o cálculo
das doses dos fármacos, mas reconhecer RN ou criança cujo peso desvia do normal é valioso
na avaliação pré-anestésica1.
Desvios do crescimento dentro do mesmo percentil para uma criança de qualquer idade
é de maior significância do que qualquer outra medida isolada. O peso é um índice mais
sensível de bem-estar, doença ou má nutrição do que a altura ou o perímetro cefálico, sendo
o mais comumente utilizado para a avaliação do crescimento. Mudanças no peso refletem
alterações na massa muscular, no tecido adiposo, no esqueleto e na água corporal e, por-
tanto, é uma medida não específica de crescimento. Neonatos a termo podem perder 5% a
10% do seu peso corporal durante as primeiras 24 a 72 horas de vida por causa da perda de
água corporal. O peso ao nascimento é geralmente recuperado em 7 a 10 dias. Um aumento
diário de 30 g (210 g.semana-1) é satisfatório para os primeiros três meses. A partir daí, o ga-
nho de peso diminui – com 10 a 12 meses de idade é de 70 g a cada semana. Para as crianças
nascidas a termo, é esperado que o peso ao nascer duplique em seis meses e triplique até 1
ano. Prematuros podem perder até 15% do seu peso corporal durante os primeiros 7 a 10
dias de vida, pois possuem maior porcentagem de água corporal total por unidade de peso
do que RN nascidos a termo. O ganho de peso nos prematuros é mais lento (20 g.dia-1) do
que no RN a termo, mas é comum que eles tenham surtos significativos de crescimento
durante o primeiro ano de vida1.
Sistema Cardiovascular
A transição entre a vida intraútero e extraútero impõe profundas alterações fisiológicas.
As modificações no sistema cardiovascular e respiratório são as mais importantes e aconte-
cem para garantir a perfeita adaptação do neonato à respiração em ar ambiente2 . É de suma
importância conhecer o mecanismo normal de transição das funções fisiológicas do período
fetal para o neonatal, para a adequada avaliação e diagnóstico diferencial de quadros de
cianose ou deterioração hemodinâmica nos neonatos3,2 .
Circulação fetal
A placenta é o órgão respiratório no período fetal. Ela possui PaO2 de 30 mmHg, subs-
titui os pulmões suprindo coronárias, sistema nervoso central e membros superiores. Os
pulmões, no período fetal, estão repletos de líquido, possuindo alta resistência vascular e
recebendo apenas 10% do débito cardíaco. A circulação fetal possui um débito cardíaco
combinado, ou seja, tanto o ventrículo direito (VD) como o ventrículo esquerdo (VE) eje-
tam sangue para a circulação sistêmica através do forame oval (FO) e canal arterial (CA). O
ventrículo direito é responsável por dois terços do débito cardíaco, desse modo, o miocárdio
do VD é tão ou mais espesso que o do VE antes do nascimento. Ao contrário da resistência
vascular pulmonar, a circulação sistêmica possui baixa resistência vascular por conta da pla-
centa, propiciando o shunt direita-esquerda através do FO e CA 3,4.
Sistema Respiratório
A partir da 16ª semana de gestação, os bronquíolos terminais estão completamente for-
mados, porém, a formação alveolar só se inicia a partir da 36ª semana de gestação. Ao nas-
cimento, o neonato a termo possui 20 a 50 milhões de sáculos aéreos terminais a partir dos
quais se desenvolvem os alvéolos. O crescimento e desenvolvimento pulmonar refletem o
aumento no número e tamanho dos alvéolos, assim como a ramificação acinar, que se torna
mais extensa e complexa; aos 6 anos, o número de alvéolos alcança os padrões do adulto, por
volta dos 300 milhões de unidades respiratórias. A ventilação colateral entre as vias aéreas
(canais de Lambert) e entre os alvéolos (poros de Kohn) não está presente ao nascimento,
mas desenvolve-se a partir dos 8 anos12 .
No desenvolvimento pulmonar, a partir da 24ª semana de gestação, existem dois tipos ce-
lulares no epitélio alveolar: pneumócitos do tipo I, que alinham e sustentam as células alveola-
res, e grandes células do tipo II, que produzem e estocam surfactante. A maturação do sistema
surfactante é controlada parcialmente pelo sistema neuroendócrino e ocorre por volta da 36ª
semana de gestação. Mesmo o neonato a termo, com quantidade suficiente de surfactante,
deve realizar uma grande pressão negativa, por volta de 80 cm H2O, para superar a retração
pulmonar e criar a capacidade residual funcional (CRF), que permite menores pressões nas
inspirações seguintes. O surfactante exerce papel fundamental em equilibrar as tensões parie-
tais intra-alveolares, que, associado ao bloqueio laríngeo fisiológico, resulta no fenômeno de
auto-PEEP; mantendo os alvéolos parcialmente abertos ao final da expiração12.
A complacência pulmonar se altera conforme a idade, sendo resultante das alterações
da estrutura alveolar, quantidade de elastina e surfactante. Ao nascimento, a complacência
pulmonar é baixa, por causa da fina parede alveolar e pequena quantidade de elastina, o que
torna o tecido pulmonar mais denso. A deficiência de surfactante, como na doença da mem-
brana hialina, favorece a diminuição da complacência. A parede torácica, em contrapartida,
tem alta complacência em razão das costelas cartilaginosas e da ausência de arcabouço ós-
Controle respiratório
O desenvolvimento do controle respiratório inicia-se durante a gestação, mas continua
a amadurecer durante semanas ou meses após o nascimento a termo. O padrão respiratório
dos neonatos, muitas vezes, é irregular e periódico, ou seja, pode associar-se com períodos
de apneia, refletindo a imaturidade dos centros de controle respiratório. Todos os níveis dos
centros de controle respiratórios são imaturos, incluindo o tronco cerebral, a ritmogênese
respiratória, as respostas quimiorreceptoras periféricas e centrais e também outras partes
Função Renal
No recém-nascido, a função renal é imatura e o fluxo sanguíneo renal, baixo, aumen-
tando após o nascimento pela elevação do débito cardíaco, da pressão arterial média e da
resistência vascular renal. Porém, com um mês de vida, a maturidade renal alcança 90%
da função, atingindo valores semelhantes aos do adulto por volta do primeiro ou segundo
ano de vida. A taxa de filtração glomerular (TFG) ao nascimento representa 25% a 30%
do adulto, o que se deve à maior resistência renovascular e a menores superfícies de filtra-
ção glomerular, permeabilidade vascular e pressão de ultrafiltração. A função tubular do
recém-nascido também é limitada, ocorrendo maior perda urinária de sódio por apresentar
resposta inadequada à aldosterona e imaturidade da bomba de sódio-potássio, predispondo
à hiponatremia16.
O rim do neonato possui também baixa capacidade de concentração da urina pela me-
nor concentração de ureia no interstício medular, pequeno tamanho das alças de Henle,
níveis aumentados de prostaglandinas e resposta inadequada ao ADH, causando maiores
perdas hídricas e não tolerando, portanto, estados de desidratação. Logo, os rins apresen-
tam dificuldade para eliminar volume e eletrólitos durante uma sobrecarga, assim como de
retê-los em um estado de depleção. Entretanto, a capacidade de diluir a urina é maior que a
capacidade de concentrá-la. Sendo assim, o recém-nascido saudável tem maior capacidade
Sistema Digestivo
A deglutição é um procedimento complexo que está sob controle central e periférico. O
reflexo inicia na medula, pelos nervos cranianos para os músculos, que controlam a passa-
gem do alimento através do esfíncter esofagiano superior. No processo, a língua, o palato
mole e a faringe são todos suavemente coordenados. Qualquer condição patológica em uma
dessas estruturas pode interferir na deglutição normal. Descoordenações neuromusculares,
contudo, são mais prováveis de se relacionarem com qualquer disfunção. Isso é particular-
mente importante quando o sistema nervoso central sofre lesão antes ou após o nascimento.
Com a deglutição, a pressão na faringe aumenta, o esfíncter esofagiano superior se abre e as
ondas peristálticas do esôfago levam o alimento adiante. Ondas peristálticas estão ausentes
na porção inferior do esôfago em crianças, embora estejam presentes em adultos. Com a
imaturidade do esfíncter esofagiano superior, regurgitação é frequente e “expectoração” do
conteúdo gástrico é comum, até mesmo em crianças saudáveis16.
Aproximadamente 40% dos RN regurgitam seu alimento nos primeiros dias de vida. As
pressões no esôfago inferior são mais baixas ao nascimento e atingem os níveis do adulto
somente da terceira até a sexta semana de vida. Sintomas de refluxo incluem vômitos persis-
tentes, déficit de crescimento e, em casos graves, hematêmese e anemia. Refluxo gastroeso-
fagiano é uma das condições associadas à apneia e bradicardia em RN pré-termos16.
O fígado é o local de síntese proteica. Esse processo está ativo na vida fetal e neonatal, e a
principal proteína sérica é a alfafetoproteína, que aparece inicialmente por volta da sexta se-
mana de gestação e alcança o pico na 13a semana. A síntese de albumina se inicia do terceiro
ao quarto mês de gestação e se aproxima dos valores do adulto ao nascimento. As proteínas
envolvidas na coagulação também são sintetizadas no fígado e têm níveis abaixo do normal
em RN pré-termos e a termo nos primeiros dias de vida16,17.
A capacidade enzimática de degradação das proteínas está reduzida ao nascimento.
Isso é particularmente importante em RN pré-termos, em que a alta ingesta proteica
pode determinar níveis séricos perigosos de aminoácidos. Na primeira semana de vida,
o metabolismo das drogas é menos eficiente do que mais tardiamente. Adicionalmente,
uma alteração da combinação de drogas e proteínas séricas e uma função renal imatura
contribuem para o problema16,17.
Sistema Nervoso
O tecido cerebral recebe maior porcentagem do DC, que, associado à imaturidade da
barreira hematoencefálica, apresenta rápido equilíbrio dos agentes lipofílicos no sítio efetor.
Avaliação pré-anestésica
em pediatria
Cibelle Magalhães Pedrosa Rocha
Danielle Maia Holanda Dumaresq
Marilman Maciel Benício Zan
Avaliação pré-anestésica em pediatria
Introdução
A avaliação pré-anestésica (APA) em pediatria faz parte do processo de abordagem
pré-operatória e tem como objetivo conhecer a condição clínica da criança, identificar a
presença de situações especiais para considerar ou não a viabilidade da cirurgia proposta e
planejar o perioperatório.
Essa etapa da medicina perioperatória, além de estratificar o risco e definir o estado físico
pré-operatório do paciente pediátrico, é essencial para fornecer informação aos familiares
sobre os cuidados perioperatórios necessários, reduzir a ansiedade, otimizar o preparo e
facilitar a interação entre anestesiologista, cirurgião e pediatra.
Deve-se questionar se a criança já teve experiência anestésica prévia, como sedação para
exames diagnósticos, como biopsias, exames de imagem ou endoscópicos, além de cirur-
gia propriamente dita. É importante investigar o tipo de anestesia administrada, se houve
alguma intercorrência ou complicação, náuseas e vômitos no pós-operatório, despertar
tranquilo ou não e dor no pós-operatório. Pesquisar também se a criança faz uso de algum
medicamento de uso crônico ou se realizou recentemente algum tratamento; questionar se
já fez radioterapia ou quimioterapia.
Da mesma forma é importante se informar sobre alergia a medicamentos. A história de
alergia a alimentos alerta para a possibilidade de sensibilidade ao látex, pois existem relatos
de alergia cruzada entre alimentos como abacaxi e kiwi e alergia ao látex. Crianças com espi-
nha bífida, pacientes com malformações do trato urinário, histórico de atopia ou exposições
repetidas ao látex estão no grupo de maior risco18.
A anamnese também deve pesquisar antecedentes pessoais e familiares de doenças ge-
néticas, doenças neuromusculares, erros inatos do metabolismo ou distúrbios de coagula-
ção. A busca por informações sobre o histórico anestésico dos familiares é essencial para a
triagem de doenças com componente genético como hipertermia maligna, morte súbita,
doenças neuromusculares e distúrbios de coagulação.
Deve-se ter também informações sobre o calendário vacinal da criança. Efeitos cola-
terais da vacinação, como dor local, febre, rash e mialgia, podem durar de um dia a três
semanas. É prudente adiar uma cirurgia eletiva pelo menos por três dias após vacinação
com vacina de vírus mortos ou toxinas inativadas e pelo menos duas semanas após va-
cinação com vírus vivos atenuados, para que o pico de reações sistêmicas da vacinação
coincida com o trauma cirúrgico19.
A presença de comorbidades deve ser confirmada por meio de interrogatório dos di-
versos sistemas: neurológico, psiquiátrico, cardiorrespiratório, otorrinolaringológico,
Via Aérea
A abordagem da via aérea na criança é preocupação constante na prática anestésica
mesmo para anestesiologistas experientes, pois a dificuldade de intubar e/ou ventilar não é
incomum, especialmente, em neonatos e lactentes25. Atenção especial deve ser dada a esse
aspecto da APA, pelo fato de as complicações respiratórias ainda serem uma das principais
causas de morbidade perioperatória pediátrica, incluindo a hipóxia e a parada cardíaca de-
corrente de problemas durante a manipulação da via aérea26,27.
Felizmente, a dificuldade de intubação não prevista em crianças é mais rara que
em adultos, sendo definida até como evento excepcional. Quando ocorre, entretanto,
deve ser despendido o máximo de cautela no intuito de evitar que uma dificuldade de
intubar evolua para um cenário de “não intubo e não ventilo”. A dificuldade de ventila-
ção também é uma condição incomum na população pediátrica que pode ser avaliada
antecipadamente. Pode estar presente em crianças com obstrução nasal, macroglossia,
via aérea ocupada por massas ou tumorações, micrognatia, processos inf lamatórios su-
pralaríngeos e obesidade28,29.
A via aérea de lactentes e crianças apresentam características anatômicas peculiares (Fi-
gura 1) que, associadas ao maior consumo de oxigênio, podem tornar a abordagem da via
aérea mais difícil e levar facilmente a complicações como hipóxia, laringoespasmo e obstru-
ção das vias aéreas30,31.
30 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII
Figura 1 – Características da via aérea da criança.
Exames Complementares
A solicitação de exames complementares em crianças e adolescentes assintomáticos não
deve ser realizada de forma sistemática, mas substituída por uma abordagem racional basea-
da na história do paciente e no exame clínico35.
Figura 2 – Ambiente adjacente ao centro cirúrgico Figura 3 – Uso de ilustrações e gravuras adequadas
preparado especialmente para receber a criança no para fornecer informação ao paciente pediátrico.
pré-operatório.
Figura 4 – Jogo médico, com informação da experiência a ser vivida pela criança usando sistema de anes-
tesia inalatória.
Preparo Farmacológico
Ao se comparar a eficácia entre estratégias farmacológicas e não farmacológicas, a litera-
tura mostra-se um tanto conflitante sobre a superioridade de uma técnica ou outra. Um es-
tudo comparou os níveis de ansiedade em três grupos de crianças: um grupo com a presença
dos pais, um segundo grupo sem a presença dos pais no qual foi administrado midazolam
oral (0,5 mg.kg-1) e um grupo controle, no qual não havia a presença dos pais nem houve a
administração de pré-medicação. O grupo que recebeu pré-medicação apresentou o menor
nível de ansiedade43. Outro estudo comparou situações: a presença de palhaços e dos pais
durante a indução; a presença dos pais associada com a administração de midazolam oral e
somente a presença dos pais. A intervenção mais eficaz na redução da ansiedade pré-opera-
tória foi a presença dos pais associada aos palhaços44. As evidências levam a crer, finalmente,
que as estratégias são adjuvantes, e não excludentes, para promover maior conforto para os
pacientes e pais.
No que diz respeito às intervenções farmacológicas, estas extrapolam a redução da ansie-
dade perioperatória e estão relacionadas com outros valiosos benefícios que estão listados
na Tabela 4.
Tabela 4 – Possíveis benefícios da medicação pré-anestésica
Bloquear reflexos autonômicos (especialmente vagais)
Reduzir secreções das vias aéreas
Amnésia
Proteção contra aspiração pulmonar
Facilitar a indução anestésica
Adjuvante na analgesia
Minimizar resposta ao estresse e tornar a criança cooperativa
Prevenir arritmias cardíacas malignas
Vias de Administração
Via parenteral
A via parenteral, apesar de ser a mais efetiva e de grande previsibilidade, tem a desvanta-
gem da necessidade de punção venosa, que é relatada pela maioria das crianças como uma
experiência ruim.
Via oral
É a via mais fisiológica e é a mais utilizada na prática clínica. Sua grande aceitação pela
população pediátrica deve-se à administração atraumática e ao uso de formulações espe-
cíficas, na forma de xarope, que facilitam a aceitação infantil. A via apresenta a desvanta-
gem da absorção mais lenta. O início de ação do midazolam, por exemplo, pode demorar
45 minutos, e a sedação residual depois da cirurgia pode retardar a alta hospitalar em pa-
cientes ambulatoriais. A absorção erradica por causa de flutuações na biodisponibilidade
e pelo efeito substancial de primeira passagem, que leva à diminuição da previsibilidade
da ação das drogas. Essa via pode ser também desvantajosa em crianças pouco cooperati-
vas, cuja previsibilidade da dose administrada é ainda menor se a criança cospe ou vomita
a pré-medicação 46.
Medicamentos Pré-anestésicos
Midazolam
O benzodiazepínico midazolam tem sido a medicação pré-anestésica mais usada em
crianças. Apresenta grandes benefícios como sedação e baixa incidência de náuseas e vô-
mitos, não aumenta o volume gástrico residual, tem início de ação rápido e duração de
ação curta. Quando administrado por via oral, o midazolam tem a vantagem do sabor
agradável, entretanto, o início de ação é muito lento e errático dado ao grande efeito de
primeira passagem hepática. O midazolam está longe do ideal, pois causa deficiência cog-
nitiva, amnésia, distúrbios comportamentais de longo prazo, depressão respiratória em
doses maiores e não tem nenhuma ação analgésica. É muito utilizado isoladamente ou em
associação com outras drogas49,50.
Cetamina
A cetamina é um antagonista não competitivo dos receptores NMDA que clinica-
mente produz uma anestesia dissociativa com efetivos efeitos sedativos e analgésicos.
Jejum Pré-operatório
As recomendações para o tempo apropriado de jejum pré-operatório são bem descritas
pelos guidelines das sociedades americana55, canadense56 e europeia57.
Fluidos claros são esvaziados do estômago rapidamente em cerca de 30 minutos. Se a
bebida tiver açúcar adicionado, o tempo de esvaziamento aumenta um pouco, a depender
do tipo de açúcar. Frutose, sacarose e galactose esvaziam mais rápido que a glicose. O leite
materno tem um tempo intermediário entre o líquido claro e o leite de fórmula infantil. O
esvaziamento gástrico do leite infantil depende da sua composição, e o leite de soja é elimi-
nado mais rapidamente que o de vaca.
Líquidos claros* 2
Leite materno 4
Fórmula infantil ou leite não humano** 6
Refeição leve** 6
Refeição completa*** 8
*Líquidos claros incluem água, suco de fruta sem resíduo, chá e café sem leite.
**Alimentação contendo proteínas incluindo leite não humano.
***Alimentação contendo frituras ou gordura.
Classificação do Risco
A classificação do estado físico determinado pela Sociedade Americana de Anestesiolo-
gia (ASA-PS), em 1941, é ainda usada de rotina na avaliação pré-anestésica por sua simpli-
cidade e praticidade. Crianças mais jovens, menores de 3 anos, e com índice mais elevados
(ASA III ou IV) são consideradas de maior risco27,68.
Têm sido identificadas várias limitações do sistema de classificação ASA-PS 69,70,
incluindo a dificuldade de definir “limitação funcional” em crianças, a falta de conside-
ração de doenças autolimitantes específicas da população pediátrica ou anormalidades
congênitas. Além disso, fatores relacionados com o procedimento cirúrgico, como o
tipo de cirurgia, podem conhecidamente inf luenciar a ocorrência de eventos indesejá-
veis no pós-operatório.
O NARCO-SS (Tabela 8) é um sistema de risco de pontuação baseado no estado neuro-
lógico pré-operatório (N), na via aérea (A), na função respiratória (R), na função cardíaca
(C) e em outras anormalidades (O). A pontuação total é complementada pela severidade
cirúrgica (SS), com a identificação de categorias (A-D), de acordo com a complexidade. Ob-
tém-se, assim, um escore de risco geral (baixo, moderado, alto, maior). Esse sistema mostra
uma taxa de previsão mais precisa de eventos adversos e intensificação de cuidados, morbi-
dade e mortalidade em comparação com o ASA-OS71,72 .
A B C D
Procedimentos não Procedimentos Procedimentos intra- Doador de
invasivos diagnósticos, diagnósticos ou abdominais, torácicos, órgãos
procedimentos terapêuticos invasivos, intracranianos, cardíacos,
SS superficiais e antecipação de sobre a via aérea ou com
periféricos, antecipação moderada perda de antecipação de grande perda
de perda sanguínea sangue, cirurgias de sanguínea
mínima emergência
Doenças respiratórias
Criança com infecção da via aérea superior
Infecção da via aérea superior (IVAS) é uma condição frequente no pré-operatório de
crianças, sendo um importante fator no aumento da morbimortalidade em pacientes pediá-
tricos submetidos à anestesia geral27,74.
Como as crianças com AOS têm episódios frequentes de hipoxemia durante o sono, a
oximetria durante a noite em regime domiciliar pode facilmente ser utilizada como método
complementar diagnóstico.
Doenças cardíacas
A avaliação do sistema cardiovascular da criança deve abordar cardiopatias congênitas
ou adquiridas, bem como estabelecer a capacidade funcional. O diagnóstico de insufi-
ciência cardíaca, especialmente em crianças pequenas, pode ser difícil de ser realizado,
devendo o anestesiologista procurar identificar sinais e sintomas relacionados e adequa-
dos para a idade (Tabela 13).
Paralisia cerebral
A paralisia cerebral (PC) é um termo geral que cobre uma variedade de condições não
progressivas causadas por lesões ou anomalias do cérebro que ocorre no início do desenvol-
vimento. A incidência em crianças nascidas no prazo é de 1-2,5 por 1.000 nascidos vivos no
mundo desenvolvido. A etiologia parece ser multifatorial (hipóxia, infecções congênitas) e
a apresentação clínica da doença é extremamente variada, indo desde uma monoplegia com
capacidade intelectual preservada até uma quadriplegia espástica com comprometimento
mental severo.
Alguns problemas específicos relacionados com a criança com PC devem ser identifica-
dos, bem como a implicação dessas condições para a anestesia (Tabela 16).
Tabela 16 – Condições clínicas na criança com paralisia cerebral e suas implicações
para a anestesia
Problema específico Implicações para a anestesia
Comprometimento do desenvolvimento Déficit cognitivo, comportamento agressivo e
mental não cooperativo
Refluxo gastroesofágico Risco de aspiração
Hipotonia dos músculos faríngeos Obstrução da via aérea superior
Espasticidade Risco de compressão com posicionamento e
dificuldade de acesso venoso
Escoliose Doença pulmonar restritiva
Hipotrofia muscular, imobilidade e up- Resistência aos BNMA e sensibilidade aos
regulation de receptores nicotínicos BNMD
Epilepsia Risco de convulsões
BNMA = bloqueador neuromuscular adespolarizante; BNMD = bloqueador neuromuscular despolarizante.
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Ventilação Pulmonar
Débora de Oliveira Cumino
Luciana Cavalcanti Lima
Fabiana Ajnhorn
Ventilação Pulmonar
Introdução
Nos últimos anos, uma das práticas que mais evoluiu na rotina do anestesiologista foram
os cuidados referentes à adequada manutenção da ventilação na criança, durante o proce-
dimento cirúrgico. O conhecimento das complicações geradas pela ventilação ineficaz, o
surgimento de novos dispositivos entre o paciente e o ventilador, e principalmente o avanço
tecnológico dos ventiladores mecânicos, bem como a sua monitorização estão modificando
a conduta no atendimento à criança, proporcionando maior segurança e qualidade.
A estratégia ventilatória em anestesia pediátrica varia em função do procedimento
realizado, dos recursos tecnológicos disponíveis e, principalmente, em função das carac-
terísticas de cada paciente nas diferentes faixas etárias. Os ventiladores dos aparelhos de
anestesia modernos, que compensam a complacência do circuito respiratório e o fluxo de
gases frescos, são capazes de atender às necessidades do paciente pediátrico. Disponibilizam
recursos que permitem otimizar a ventilação espontânea prevenir atelectasia e até mesmo
adotar estratégia ventilatória protetora com liberação acurada de baixos volumes correntes
em pacientes de alto risco de lesão pulmonar.
Ventilação Pulmonar | 55
O uso de dispositivos de vias aéreas na anestesia pode aumentar muito a resistência e o
trabalho respiratório. Na criança pequena 2/3 da resistência imposta ao fluxo aéreo encon-
tra-se nas vias aéreas superiores. Tubos com diâmetro interno reduzido embora previnam a
obstrução de VA podem aumentar muito essa resistência, especialmente quando fluxos altos
são administrados. Trabalho respiratório excessivo é mal tolerado em crianças pequenas
por possuírem menor quantidade de fibras musculares do tipo I na musculatura diafragmá-
tica e intercostal. Assim, observa-se desenvolvimento mais rápido de fadiga respiratória em
neonatos e lactentes intubados e sem assistência ventilatória, ou na vigência de obstrução de
vias aéreas, pelo aumento da resistência imposto ao sistema, cuja ocorrência é mais frequen-
te nessa faixa etária.
O planejamento da estratégia ventilatória deve ser individualizado, promovendo uma
integração do paciente com a intervenção cirúrgica e ação dos fármacos, a fim de causar o
menor dano possível.
Sistemas respiratórios
Em 1937, Dr. Philipe Ayre desenvolveu o circuito precursor dos sistemas ventilatórios
pediátricos. Dotado de uma peça “T”, o “T de Ayre” possibilitava a ventilação espontânea
durante os procedimentos cirúrgicos. A partir deste circuito, vários outros foram desenvol-
vidos nos anos subsequentes. O desempenho desses sistemas depende de uma taxa de fluxo
alta para evitar reinalação, aumentando a poluição ambiental.
Atualmente o uso de sistemas respiratórios avalvulares está em declínio na anestesia pe-
diátrica. Questões como poluição e ausência de monitorização dos parâmetros ventilatórios
têm contribuído para mudanças na prática, embora ainda sejam os sistemas mais utilizados
em situações de emergências, como laringoespasmo e falha do aparelho de anestesia. Ques-
tionário recente, publicado em 2014, envolvendo anestesiologistas pediátricos revelou que
o sistema circular é o circuito mais utilizado na indução em todas as faixas etárias, ficando o
uso dos sistemas de Ayre restrito a neonatos (44%)5.
Sistemas circulares
Os sistemas pediátricos devem possuir tubos corrugados, conexões, sensores e fluxôme-
tros de volumes adequados a esta faixa etária. As válvulas em “Y” apresentam menor espaço
morto e as membranas devem ser leves e deslocáveis com pequenos volumes, pois a resistên-
cia é menor quanto maior for o diâmetro do disco e menor seu peso3,4.
Ventilação espontânea
A manutenção da patência das vias aéreas em anestesia é um aspecto crítico na ventila-
ção espontânea e, ao contrário da visão tradicional, queda de língua não é a principal causa
de obstrução. O ponto de maior estreitamento faríngeo ocorre ao nível do palato mole em
lactentes e ao nível da epiglote em crianças maiores6. Extensão da cabeça ao nível da arti-
culação atlanto-occipital com deslocamento anterior da coluna cervical (sniffing position)
melhora a patência da via aérea hipofaríngea, mas não necessariamente modifica a posição
da língua. O aumento da profundidade anestésica determina redução progressiva do diâ-
Ventilação mecânica
A ventilação mecânica é a melhor opção em procedimentos com duração superior a 40
minutos, intracavitários, em crianças abaixo de 2 anos e em portadores de doenças neuro-
musculares, pulmonares ou alterações do “drive” respiratório.
No paciente pediátrico, a ventilação mecânica é desafiadora porque pequenas alterações
no volume fornecido representam uma fração significativa do volume corrente planejado.
Modernos ventiladores de anestesia são projetados para entregar pequenos volumes com
precisão para as vias respiratórias do paciente, compensando a complacência do sistema res-
piratório e entregando o volume corrente independentemente do fluxo de gás fresco. Esses
avanços tecnológicos proporcionam a oportunidade de implementar uma estratégia de ven-
tilação pulmonar de proteção na sala de cirurgia com base no controle do volume corrente.
Ventilação Pulmonar | 57
tilatório. Na ventilação mecânica, o ciclo respiratório é composto de quatro fases distintas:
transição da expiração para a inspiração (disparo), inspiração, transição da inspiração para
a expiração (ciclagem) e expiração. Disparo é a forma como o ventilador inicia uma inspi-
ração, sendo a tempo nos modos controlados e, a pressão ou fluxo, nos modos assistidos.
Ciclagem é a forma como o ventilador termina a inspiração e passa para a fase expiratória do
ciclo, sendo a tempo, volume ou pressão8.
O modo ventilatório corresponde ao método de suporte inspiratório dado ao paciente
em ventilação mecânica invasiva. Os modos podem ser divididos em duas ordens: controle
a volume e controle a pressão9. Os ciclos respiratórios na ventilação mecânica são definidos
como controlados, quando o suporte ventilatório artificial substitui totalmente o esforço
muscular e o controle neural do paciente e, assistidos, quando o ventilador apenas auxilia ou
assiste a musculatura inspiratória que ainda se encontra ativa. Nos ciclos controlados, a ven-
tilação é sempre disparada a tempo, em intervalos regulares e sem correlação com os esfor-
ços do paciente, sendo a ventilação-minuto do paciente realizada unicamente pelo aparelho.
Na ventilação assistida os ciclos respiratórios são iniciados apenas pelo esforço inspiratório
do paciente, sendo o disparo do ventilador realizado a pressão ou a fluxo, ou seja, o aparelho
detecta o esforço do paciente pela redução da pressão ou pelo aumento do fluxo no circuito.
Existe ainda a possibilidade da combinação dos ciclos na modalidade assistido-controlada,
que associa ciclos disparados pelo esforço do paciente com ciclos disparados pelo ventila-
dor, quando esse esforço inspiratório não ocorre em determinado intervalo preestabelecido
de tempo.
Modos Ventilatórios
Poucos estudos em pediatria comparam os modos ventilatórios e seus desfechos, não ha-
vendo estudos que demonstrem clara superioridade entre modos ventilatórios controlados
a pressão versus volume10. Cada modo apresenta vantagens e promove suporte apropriado
desde que exista compreensão dos princípios básicos de funcionamento e que o ventilador
tenha os recursos necessários. Frequentemente, os modos controlados a volume são utiliza-
dos para ventilar pacientes adultos ou crianças acima de 20 kg de peso e os modos controla-
dos a pressão são utilizados em neonatos e lactentes. Entretanto, essa regra não é absoluta.
Os aparelhos modernos, microprocessados, são capazes de oferecer diferentes modos venti-
latórios em todas as faixas etárias, produzindo grande variedade de formas de onda de fluxo
e de pressão.
Ventilação Controlada a Volume (VCV)
Nesse modo, o ventilador oferece o volume corrente prescrito. Na prática, a VCV é bas-
tante fácil de ser ajustada, tendo como variáveis de programação o V T, a frequência respira-
tória (FR) e a relação I:E. A onda de fluxo inspiratório habitualmente tem padrão constante
(onda quadrada) e quando o volume inspirado atinge o valor programado ocorre abertura
da válvula expiratória. O ajuste da FR repercute sobre o controle do fluxo inspiratório (Fi-
gura 2). Quando se aumenta a FR e mantém-se constante o V T e a relação I:E, o ventilador
automaticamente busca aumentar o fluxo inspiratório na tentativa de garantir o volume
prefixado (volume controlado). A redução do tempo inspiratório e consequente elevação
Ventilação Pulmonar | 59
tos no “delta” de pressão aplicada acima da PEEP ou no tempo inspiratório determinam
aumentos do V T final (Figura 3). Ao selecionar a Ppi, deve-se considerar as variáveis
fisiológicas da criança, como o peso, idade, complacência e resistência pulmonar que
interferem no V T resultante.
Ventilação Pulmonar | 61
O emprego da PSV tem grande potencial de modificar a prática anestésica, como am-
pliar a indicação da ventilação espontânea em pacientes com dispositivos de vias aéreas e
submetidos a procedimentos mais prolongados. Alguns estudos demonstram vantagens da
PSV como redução na incidência de atelectasia, melhora da oxigenação e das trocas gasosas
e diminuição do trabalho respiratório14-18. A manutenção do drive respiratório facilita a titu-
lação e o despertar da anestesia, além de aumentar a segurança por garantir que o paciente
continue respirando após extubação ou em casos de desconexão19. As vantagens desse modo
são particularmente evidentes com o emprego da máscara laríngea, por necessitar de me-
nores pressões para atingir o V T adequado, determina pressões médias de vias aéreas bem
mais baixas que os modos controlados. Além de diminuir os riscos de escapes e distensão
gástrica, as menores pressões intratorácicas também diminuem o impacto hemodinâmi-
co da ventilação, especialmente em neonatos. Embora a performance dos ventiladores de
anestesia não tenha sido testada em várias situações de complacência e resistência alteradas,
a aplicação da PSV provavelmente será maior e mais vantajosa em pacientes sem grande
comprometimento da função pulmonar.
A PSV deve ser empregada quando existe um impulso respiratório neuromuscular con-
servado, prevendo-se que o mesmo mantenha-se em seu pleno funcionamento. Flutuações
na geração do impulso respiratório espontâneo podem levar a uma variação no volume-mi-
nuto fornecido, com risco de acarretar uma grave hipoventilação ou um suporte ventilatório
ineficiente. Patamares pouco elevados de pressão de suporte podem propiciar o desenvol-
vimento de atelectasias, pois o volume corrente permanece inferior ao desejado. Portanto,
uma monitorização cuidadosa é recomendada em pacientes instáveis. A solução para asse-
gurar o volume-minuto adequado tem sido a incorporação de uma ventilação de segurança
(backup) no aparelho que fornece ventilações mandatórias sempre que o volume-minuto
cai abaixo de um valor ou, em outros aparelhos, após um tempo predeterminado, se o apa-
relho não reconhece a tentativa de respirar. A falta de um mecanismo, que limite o tempo
inspiratório, é um risco para o paciente, uma vez que pode levar à insuflação constante ao
nível da PSV, criando altos níveis de CPAP (Pressão Positiva Contínua nas Vias Aéreas). O
uso de alarme de apneia, neste modo ventilatório, é medida de segurança. O modo PSV-Pro
consiste em uma ventilação suportada por pressão com modo de apneia auxiliar.
Outros ajustes
Relação I:E - deve ser ajustada para 1:2 ou menor, certificando-se de que o TI correspon-
da a pelo menos 3 constantes tempo.
Fração inspirada de oxigênio - fração alta de oxigênio inspiratório pode trazer
danos, incluindo atelectasias de absorção, lesões de via aérea e do parênquima pulmo-
nar, como toxicidade extrapulmonar. Atualmente, sabe-se que a oferta excessiva de oxi-
Ventilação Pulmonar | 63
gênio pode ocasionar diversas lesões em órgãos-alvo, principalmente na população de
neonatos prematuros e lactentes21,22 . Em neonatos, recomenda-se que a fração inspirada
de oxigênio (FiO2) seja menor que 40%, com um alvo de oximetria entre 90%-94%,
PaO2 entre 50 a 70 mmHg. Em lactentes e crianças maiores, apesar da maturidade dos
sistemas antioxidantes, ainda existe o risco da lesão pulmonar ocasionada por altas
FiO2 , portanto, assim como na população de adultos, preconiza-se FiO2 abaixo de 50%
durante a manutenção anestésica 22,23 .
Variação de pressão - se o modo selecionado for SIMV + PSV ou somente PSV, deve-se
regular o valor inicial para 10 cmH2O ou o mesmo valor da ΔP, e posteriormente ajustar de
acordo com o V T obtido. Quanto mais jovem o paciente maior a PSV necessária. De acordo
com alguns estudos com o uso de máscara laríngea, uma maneira fácil de programar o nível
de pressão de suporte na sala de cirurgia seria iniciar com uma pressão de 15 cmH2O em
crianças abaixo de 10 kg (<1 ano) e iniciar com 10 cmH2O em crianças com mais de 10 kg
(>1 ano), ajustando esses níveis de acordo com o volume corrente obtido.
Sensibilidade ou trigger - Deve-se iniciar com o menor fluxo permitido como gatilho
(0,2 L/min) e avaliar a ativação do ventilador, até que desapareça o autodisparo. Nos casos
em que o aparelho dispara na ausência de esforço do paciente, deve-se reduzir a sensibili-
dade, ou seja, aumentar o fluxo em litros por minuto para a ativação do ventilador. Para se
evitar autodisparo deve-se evitar vazamento do paciente e no circuito respiratório. Pode-se
verificar se cada ativação de fluxo é precedida pelo esforço inspiratório do paciente que é
visível na região entre o umbigo e o apêndice xifoide. É prudente lembrar que vários fatores
alteram a medida do fluxo, incluindo manipulação abdominal cirúrgica, tosse ou suspiro do
paciente, bem como torções no tubo endotraqueal.
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Fluidoterapia transoperatória
Marcella Marino Malavazzi
Cinthia Martins Leite Vidigal
Roberta Cristina Risso
Fluidoterapia transoperatória
Introdução
A administração de fluidos no perioperatório deve ser considerada uma prescrição mé-
dica. Tanto o volume como a composição das soluções devem ser adaptados ao estado do
paciente, ao tipo de cirurgia e aos eventos previstos no período pós-operatório.
A primeira administração de fluidos para crianças doentes foi descrita no início do sé-
culo 20, mais precisamente em 1918, quando Blackfan e Maxcy instalaram solução salina
isotônica intraperitoneal para tratamento de desidratação por diarreia1.
Em 1931, há a primeira descrição por via venosa de solução com glicose a 5%, associada
à salina isotônica ou solução de ringer lactato para tratar crianças desidratadas. Essa terapia
endovenosa reduziu a mortalidade de 63% para 23%2 .
Durante 30 anos que seguiram, Gamble, Darrow, Crawford, Wallace, entre outros,
definiram os fluidos corporais e conseguiram uma análise racional a respeito da terapia
de fluidos.
Fluidoterapia transoperatória | 69
Importante: esses guidelines devem ser adaptados à situação clínica das crianças, pois
quando foram escritos, a recomendação de jejum era a clássica “nada pela boca após a meia-
-noite!”. A quantidade de fluidos a ser administrada na primeira hora deve ser reduzida se
a criança estiver de jejum por um curto intervalo de tempo ou já vier recebendo fluidos
venosos no pré-operatório. Se o jejum for prolongado, multiplica-se o número de horas de
jejum pela necessidade basal de líquidos.
Deve-se focar em manter ou reestabelecer o estado fisiológico normal da criança: nor-
movolemia; perfusão tecidual normal; função metabólica normal; estado eletrolítico e
ácido-básico normal. Nos procedimentos cirúrgicos de pequeno porte, a administração de
grandes volumes de cristaloides (super-hidratação) está associada com menor incidência de
náuseas e vômitos no pós-operatório de crianças e adultos7-9.
Náuseas e vômitos são partes das complicações mais estressantes do pós-operatório. A
terapia fluida liberal no intraoperatório tem se demonstrado efetiva na redução dessas com-
plicações, portanto, as recomendações de Berry passam a ser adequadas nas cirurgias menos
complexas e de curta duração. Na prática, utilizam-se as recomendações de Berry para a
reposição volêmica nas cirurgias ambulatoriais pediátricas mais frequentes do dia a dia (p.
ex.: herniorrafia inguinal; postectomia; amigdalectomia etc.).
Diferente do adulto, a restrição hídrica no intraoperatório não demonstra benefícios
em crianças10.
Avaliação da hidratação
A estimativa do grau de desidratação da criança é baseada nos sinais clássicos de desi-
dratação (aparência e turgor da pele; umidade das mucosas; depressão da fontanela; pulso;
perfusão capilar; pressão arterial; frequência respiratória). Nas situações clínicas agudas, a
perda de peso na criança é um ótimo indicativo do total de perda hídrica. A taxa de adminis-
tração dependerá da gravidade e rapidez da progressão do quadro clínico.
Na necessidade de expansão volêmica rápida, o volume administrado deve ser 10ml.kg-1
de fluido isotônico.
O sinal mais importante da hidratação adequada é uma função renal normal. Portanto,
a monitorização do débito urinário é essencial para avaliar a evolução e tratar déficits de
fluidos. No intraoperatório, o débito urinário poderá estar diminuído por diferentes razões:
aumento dos níveis do hormônio antidiurético induzido pelo estresse e/ou diminuição da
perfusão renal (p. ex.: nos casos de pneumoperitôneo – aumento da pressão intra-abdomi-
nal) e, portanto, passa a não ser um parâmetro válido (isoladamente) para guiar a reposição
volêmica no intraoperatório11.
A escolha do fluido
A terapia perioperatória de fluidos deve garantir a reposição de déficits para manu-
tenção adequada do volume extracelular ao longo do tempo de jejum, até o retorno da
ingestão de líquidos.
A reposição de líquidos deve ser planejada com base na transferência de líquidos entre o
compartimento extracelular e o espaço intersticial, que resulta no volume chamado terceiro
Fluidoterapia transoperatória | 71
O Plasma-Lyte® é uma solução salina balanceada, com a composição de eletrólitos e a
osmolaridade semelhantes às do plasma, que tem apresentado menor potencial para causar
acidose quando comparado com solução salina 0,9%14. Outra vantagem do Plasma-Lyte® é sua
segurança para administração em associação com derivados de sangue (isto é, não possui cál-
cio em sua composição e, portanto, não interage com o citrato dos concentrados de hemácias).
Administração de glicose durante a cirurgia
Nos últimos 30 anos, este é um tema que tem sido constantemente reavaliado. O que se
sabe da fisiologia: a oferta transplacentária de glicose ao feto é abruptamente interrompida
ao nascimento, o que leva o recém-nascido a converter sua reserva de glicogênio hepático
em glicose. Portanto, no primeiro dia de vida, a maioria dos recém-nascidos a termo é capaz
de manter níveis séricos de glicose por 10 horas a 12 horas de jejum. Porém, os neonatos pre-
maturos frequentemente desenvolvem hipoglicemia nas primeiras 24 horas a 48 horas de
vida, pois o armazenamento de glicogênio e sua capacidade de degradação se desenvolvem
no último trimestre da gravidez15.
Nos recém-nascidos de alto risco: grandes ou pequenos para a idade gestacional, prema-
turos ou aqueles que sofreram asfixia neonatal, o nível sérico de glicose deve ser monitorado
e infusões venosas precisam ser ajustadas para a manutenção da normoglicemia. A mesma
conduta é válida para crianças que receberam soro de manutenção rico em glicose até o mo-
mento da cirurgia, crianças hepatopatas ou aquelas em nutrição parenteral até o momento
de transferência ao centro cirúrgico. Nas demais, no caso de cirurgia de grande porte ou
procedimentos com duração maior que duas horas, vale monitorar a glicemia a cada uma ou
duas horas de procedimento e avaliar sua necessidade de correção.
Na prática, a glicose pode ser administrada em bomba de infusão contínua, separada da
solução escolhida para a reposição de perdas relacionadas com o porte cirúrgico ou ressus-
citação volêmica. O ideal é administrar fluidos em crianças pequenas sempre em bomba
de infusão contínua. No caso de ausência das bombas, buretas podem ser utilizadas para
manter o controle rigoroso das soluções que a criança receberá no perioperatório.
A concentração sérica de glicose deve ser mantida entre 60 e 90 mg. dl -1.
Para tanto, calcula-se a taxa de infusão contínua de 5 a 6 mg.kg -1.min em recém-nascidos
de jejum. Nas crianças já estáveis, que chegam ao centro cirúrgico recebendo glicose, a taxa
de infusão deve ser mantida semelhante àquela que estavam recebendo na unidade de tera-
pia intensiva. Alterar apenas no caso de hiper ou hipoglicemia.
Uma alteração pequena no nível de glicose sérica provavelmente não causará danos à
criança, porém, elevação pronunciada da glicemia poderá levar a problemas sérios, como
diurese osmótica, aumento da taxa de infecção da ferida operatória ou até desfechos desfa-
voráveis em situações nas quais a criança está exposta a maior risco de isquemia cerebral,
como nas cirurgias cardíacas com circulação extracorpórea e em alguns procedimentos
neurocirúrgicos.
A hipoglicemia pode levar a danos cerebrais irreversíveis, especialmente no recém-nascido16-21.
Preparações de soro glicosado disponíveis comercialmente nas concentrações de 5% a
10% podem ser utilizadas para a oferta de glicose no intraoperatório. Outra alternativa é a
Fluidoterapia transoperatória | 73
pressão oncótica equivale ao mesmo volume de plasma infundido27, portanto, o volume
de albumina infundida é mais importante do que sua concentração para atingir a esta-
bilidade cardiovascular28 .
O estudo Saline versus Albumin Evaluation (SAFE) avaliou a segurança da albumina em
pacientes adultos graves. Esse estudo randomizado, duplo cego, com 7 mil pacientes, não
mostrou, após o uso da albumina, aumento na mortalidade após 28 dias (726 mortes no
grupo albumina e 729 mortes no grupo salina) de permanência na UTI, ventilação mecâ-
nica ou duração da diálise29. Entretanto, não houve superioridade da albumina em relação
aos cristaloides como solução para expansão volêmica nos pacientes graves. Os pacientes
pediátricos foram excluídos do estudo, portanto, extrapolar os resultados para as crianças
pode não ser adequado30.
Uma revisão da Cochrane, de 199831, anterior ao estudo SAFE (2004), concluiu que a
infusão de albumina estaria associada a um desfecho desfavorável quando comparada com
infusões de outras soluções coloidais.
Söderlind et al. mostraram que os anestesiologistas europeus ainda consideram a albu-
mina um coloide de primeira escolha para crianças32, apesar de seu custo elevado.
Sua posologia está relacionada com a quantidade plasmática da criança (a qual varia com
a idade), a perda sanguínea tolerável e o trauma cirúrgico provocado. Ela geralmente é uti-
lizada na dose de 20ml/kg na concentração a 5% (diluída em ringer lactato, salina 0,9% ou
Plasma Lyte®)33.
A albumina tem um fraco efeito na coagulação sanguínea. Um estudo feito por Haas et
al., prospectivo e randomizado, analisou os efeitos das soluções coloidais (albumina 5%,
HES 6% 130/0,4, gelatina 4%) na formação do coágulo. Todos os resultados da tromboe-
lastrografia (ROTEM) se alteraram em relação à linha de base. A albumina foi a que menos
alterou o coágulo e o HES foi o que mais se mostrou deletério (houve diminuição do TTPa
e da dureza do coágulo). Após dosagem do fator XIII (fator estabilizador da fibrina), houve
diminuição dos níveis de fator XIII, que era de 75% a 85% de atividade, para apenas 50%.
Os coloides influenciam na polimerização da fibrina e do fibrinogênio, e essa diminuição no
fator XIII causa instabilidade do coágulo e uma possível coagulopatia34.
Hestarches
Os hidroxetilamidos (HES) são coloides sintéticos obtidos da amilopectina, extraída do
milho. Para que não ocorra a hidrólise extremamente rápida pela amilase na corrente san-
guínea, faz-se necessária a hidroxiacetilação da molécula nos carbonos 2, 3 e 6, tornando a
molécula disponível por mais tempo no intravascular. O HES mais utilizado é o de peso mo-
lecular 130.000 daltons e grau de substituição molar de 0,4 (130/0,4), ou seja, a cada grupo
de 10 glicoses da molécula de amido, 4 glicoses sofrem hidroxiacetilação especificamente no
carbono 227. Quanto maior for essa substituição, mais tempo ficará no intravascular, entre-
tanto, os efeitos colaterais também serão mais acentuados.
Após 30 minutos da infusão, o nível plasmático é de 75% da concentração máxima in-
fundida. Após seis horas, o nível decresce para 14% e, em 24 horas, já não é mais detectado
no intravascular.
Gelatinas
São coloides derivados do colágeno bovino. As gelatinas encontradas no Brasil são solu-
ções diluídas em salina. Podem ter em sua estrutura pontes de ureia a 3,5% (Isocel®/ Hema-
cel®) ou gelatina succinada a 4% (Gelafundin®).
Fluidoterapia transoperatória | 75
Devem-se infundir os primeiros 10 a 20ml lentamente, pois as gelatinas são os coloides
que mais causam reações anafiláticas (associados com a liberação de histamina). A adminis-
tração de gelatina succinada corresponde a 80% de volume de sangue. O volume infundido
não deve ultrapassar 20ml/kg/dia. Restringir o volume infundido de gelatinas em até 20%
da perda sanguínea permitida. As gelatinas permanecem no intravascular por até duas horas
e são eliminadas pelos rins.
As gelatinas com ureia têm cálcio em sua composição e potássio e podem precipitar no
caso de contato com o citrato encontrado nas bolsas de sangue. Sua ação na coagulação
está associada à hemodiluição. Ocorre diluição dos fatores de coagulação, do fator de von
Willebrand e do fator VIII.
No estudo de Witt et al., as gelatinas aumentaram as concentrações plasmáticas de cloro,
assim como os HES, mas o anion gap manteve-se estável. Entretanto, não houve diferenças
entre os grupos nas medidas de bicarbonato, base excess, pH e pCO2 e níveis de lactato40.
A gelatina, por seu baixo custo, quando comparada com outros coloides, é utilizada em
alguns centros na Europa e nos Estados Unidos como alternativa ao uso da albumina25.
Dextrans
São polissacarídeos derivados da beterraba, através da metabolização do açúcar por uma
bactéria específica.
As formulações encontradas são dextran 40 e dextran 70. O dextran 70 tem maior peso
molecular e permanece por mais tempo no intravascular (cinco a seis horas), já o dextran
40 fica de três a quatro horas. O limite da infusão também é limitado a 20ml/kg/dia ou
1.500ml/dia.
Os dextrans têm alto poder oncótico, mas, por causa de seus efeitos colaterais, como
anafilaxia e alteração da coagulação (aumento da fibrinólise e síndrome de von Willebrand),
acabam sendo muito pouco utilizados.
Conclusão
Como sabemos, “a medicina é a ciência das verdades transitórias”. Vive-se na era dos en-
saios clínicos e da medicina baseada em evidências. As práticas na administração de fluidos,
manutenção de volume perioperatório, uso de cristaloides, coloides e soluções glicosadas
são constantemente revisadas e é dever de todo médico anestesiologista buscar as evidên-
cias mais recentes e consistentes para aplicá-las ao cuidado de nossas crianças.
Referências
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Introdução
Na primeira anestesia, realizada em 16 de outubro de 1846, foi utilizado como anesté-
sico único o éter pela via inalatória. Nos 160 anos seguintes, surgiram dezenas de outros
anestésicos, mas a via inalatória continua a ser empregada até hoje, especialmente no pa-
ciente pediátrico.
São sete os gases anestésicos disponíveis: óxido nitroso; xenônio; sevoflurano; halotano;
enflurano; isoflurano e desflurano. A pressão atmosférica e temperatura ambiente, apenas
óxido nitroso e o xenônio estão na fase gasosa, os demais são líquidos e precisam ser conver-
tidos em vapor para serem administrados. O halotano e o enflurano ainda estão disponíveis
na maioria dos países, porém, são cada vez menos utilizados na anestesia clínica, e o xenô-
nio, o mais recente deles, ainda não está disponível na maioria das instituições.
Do ponto de vista da anestesia, gases e vapores comportam-se de modo semelhante. A
presente discussão será precedida pela revisão de alguns conceitos básicos sobre o compor-
tamento dos gases no organismo.
Figura 1 - Relação entre concentração e pressão parcial entre os meios S e A de dois gases com solubilidade
diferente. Explicação no texto.
Débito cardíaco (DC) - quanto maior o DC, mais volume de sangue passa pelos pulmões
e maior é a captação alveolar do anestésico. Portanto, menor a velocidade de elevação da FA.
Por outro lado, a redução do DC diminui a captação do anestésico dos alvéolos e acelera o
aumento da FA. Quando o DC cai, para manter a mesma FA, é necessário reduzir a FI, não
porque o paciente necessite de menos anestésico nessa condição, mas pela menor captação
alveolar pelo sangue, o que determinará aumento da FA. Na parada cardíaca a captação
alveolar é zero e a FA se iguala à FI.
Diferença PA – PV - no início da anestesia a pressão parcial venosa do anestésico é zero e
a captação alveolar pelo sangue é máxima. À medida que os tecidos se saturam com o anesté-
sico, a pressão parcial no sangue venoso eleva-se e há redução no gradiente de pressão parcial
entre o alvéolo e o sangue com menor captação alveolar do anestésico. A FA aproxima-se de FI.
Quando todos os tecidos estiverem saturados com o anestésico o sangue FA = FI5,6 .
Sistema nervoso
O halotano bloqueia a autorregulação cerebral, importante mecanismo que mantém o
fluxo sanguíneo cerebral inalterado durante as modificações na pressão arterial. Sem esse
mecanismo, o fluxo cerebral flutua com a pressão arterial. Os efeitos sobre a circulação cere-
bral são sob concentração dependente.
Em concentração de até 1CAM, os efeitos sobre o fluxo sanguíneo cerebral, resposta da
circulação cerebral ao CO2 e aumento da pressão intracraniana, são pequenos.
Todos os voláteis causam aumento do fluxo sanguíneo cerebral, porém esse aumento é
mais intenso com o halotano e desflurano e menos intenso com o sevoflurano e isoflurano.
Dentre os voláteis, o sevoflurano causa a maior redução do consumo cerebral do oxigênio6.
O sistema nervoso, assim como os demais órgãos, é sensível à ação de fármacos utilizados pela
anestesia, incluindo os gases anestésicos. Neuroapoptose tem sido demonstrada em animais de
laboratório16, porém, transportar esses resultados para o ser humano pode ser prematuro.
Halotano
O halotano foi o anestésico volátil mais utilizado em anestesia pediátrica desde seu lan-
çamento, na década de 1950. Pela sua alta solubilidade no sangue (CPs/a 2,4), sua indução
deveria ser demorada, o que não ocorre na prática por sua alta potência (CAM 0,75). Os
riscos de superdosagem inadvertida são maiores com halotano, cujo vaporizador fornece a
concentração máxima de 5%, o equivalente a 7,14 CAM, enquanto com o vaporizador do
sevoflurano só é possível administrar 8% ou 2,6 CAM. O halotano sempre esteve associado
à parada cardíaca no peroperatório, o que se deve o seu efeito depressor sobre a fibra miocár-
dica e a sobredosagem.
Isoflurano
O isoflurano e o enflurano são isômeros e foram introduzidos para substituir o halotano
em cirurgias que requerem infiltração com adrenalina exógena por sensibilizarem menos a
fibra miocárdica. O isoflurano causa taquicardia transitória na indução da anestesia e reduz
significativamente a resistência vascular sistêmica21, altera pouco a frequência cardíaca na
manutenção e apresenta menor depressão miocárdica que o halotano, mas pode deprimir o
miocárdio em neonatos e lactentes e em pacientes de todas as idades e prolongar o intervalo
QT, levando a arritmias graves25.
A extubação é considerada um momento crítico da anestesia pelos potenciais riscos de
complicações respiratórias. O isoflurano está associado a maior taxa de complicações res-
piratórias comparado com o halotano quando a extubação é realizada com o paciente acor-
dado. Quando a extubação é realizada em plano profundo de anestesia não há diferenças26.
Quando o isoflurano foi comparado com o sevoflurano, não apresentou diferenças sobre as
complicações pós-extubação traqueal27.
O isoflurano reduz o consumo de oxigênio pelo cérebro porque diminui sua taxa meta-
bólica. Em concentrações acima de 1 CAM, pode alterar a autorregulação cerebral, porém,
esse efeito pode ser evitado se mantida leve hipocarbia28.
Desflurano
É o anestésico volátil menos solúvel no sangue (CPs/a 0,42) e também o menos potente
(Tabela 1). Pela sua baixa solubilidade, seria o anestésico ideal para a indução da anestesia
na criança não fosse a alta incidência de fenômenos decorrentes da irritabilidade das vias
aéreas com altas taxas de laringoespoasmo, breath-holding , tosse etc. Embora inadequado
para a indução, o desflurano pode ser introduzido após a indução da anestesia com agente
venoso ou o sevoflurano. Sua CAM, como com os demais voláteis, varia com a idade. O
despertar é mais rápido com o desflurano, o que pode ser útil nos procedimentos em que
se planeja a extubação traqueal no fim da cirurgia. O desflurano está associado, com mais
frequência que os demais voláteis, à agitação na emergência da anestesia. Praticamento não
tem metabolização hepática2 .
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Introdução
Historicamente, em anestesia pediátrica, a anestesia inalatória sempre foi predominante.
Porém, desde a introdução de agentes farmacológicos de curta ação, a anestesia venosa total
(TIVA = total intravenous anesthesia) em crianças tem se tornado uma técnica cada vez
mais popular1.
No Brasil, essa técnica ainda sofre certa resistência, muitas vezes por falta de dispositivos
de injeção adequados, menor praticidade, necessidade de acesso venoso prévio, dor a injeção
do propofol, falta de consenso quanto ao melhor modelo farmacológico pediátrico, dentre
outros fatores. A farmacologia dos agentes venosos na população pediátrica ainda é pouco
compreendida. Além disso, muitos agentes venosos são utilizados de maneira off-label em
pediatria1,2 . Porém, em alguns casos, a anestesia venosa pode ser indicada por causa de uma
série de vantagens em relação à técnica inalatória, enquanto algumas desvantagens podem
contraindicar seu uso.
As drogas mais utilizadas são propofol, remifentanil, sufentanil, cetamina, midazolam e,
mais recentemente, dexmedetomidina. O uso dessas medicações pode ser realizado através
do cálculo manual da dose (baseada no peso e no tempo, como μg/kg/min ou μg/kg/h) ou
por meio de métodos de infusão alvo-controlada (TCI = Target Controlled Infusion). O
TCI se utiliza de um modelo farmacocinético para calcular o bolus para indução e taxas de
infusão para manutenção, as quais são definidas pelo alvo plasmático ou pela concentração
no sítio efetor. Nesse caso, bombas injetoras com modelos farmacocinéticos pediátricos
programados são necessárias3.
Em pediatria, o modelo Kataria foi desenvolvido para crianças de 3 a 11 anos e peso de
15 a 61 kg4 e o Paedfusor, para pacientes de 1 a 15 anos e peso de 5 a 53 kg5. Alguns autores
extrapolaram o uso desses modelos para crianças menores, porém não há estudos suficien-
tes que comprovem sua segurança6.
Vantagens x Desvantagens
Uma série de vantagens está sumarizada na Tabela 1. Algumas delas já comprovadas,
como a redução do risco de náuseas e vômitos no pós-operatório7-9. Alguns autores defen-
dem maior estabilidade cardiovascular com uso de anestesia venosa, porém, os níveis de evi-
dência ainda são fracos10. A anestesia venosa pode ajudar a reduzir o delirium de emergência,
que é um problema comum em anestesia pediátrica especialmente relacionado com o uso de
sevoflurano nas crianças de 2 a 6 anos11.
Dentre outros benefícios, a anestesia venosa está relacionada com redução da reatividade
das vias aéreas; broncodilatação; redução de laringoespasmo e broncoespasmo; melhora da
função ciliar e da fração de shunt, além de preservar a vasoconstrição pulmonar hipóxica e
reduzir tosse no despertar1. Os agentes venosos reduzem a pressão intracraniana, intraocu-
lar e de ouvido médio. A neuroproteção ocorre por redução do fluxo sanguíneo cerebral, da
taxa metabólica, preservação da autorregulação e prevenção de isquemia3. Alguns autores
Indicações x Contraindicações
Pelas propriedades antieméticas, a anestesia venosa está indicada para pacientes com
risco de náuseas e vômitos pós-operatório9. A anestesia venosa também está indicada nos
casos de miopatias relacionadas com o core, suscetibilidade à hipertermia maligna e algu-
mas outras doenças neuromusculares que apresentam risco de hiperpirexia e rabdomiólise
relacionado com os agentes inalatórios1.
A Farmacocinética e a TIVA
Os conceitos farmacocinéticos são fundamentais no entendimento da TIVA, especial-
mente a infusão alvo-controle (TCI), na qual são utilizadas bombas de infusão controladas
por softwares com os modelos farmacocinéticos dos diferentes anestésicos21.
Esses sistemas foram desenvolvidos com base em estudos do modelo tricompartimental
(Figura 1), que descreve a distribuição do fármaco entre os compartimentos e sua elimi-
nação. Segundo esse modelo, são considerados três compartimentos. O compartimento
no qual se injeta o fármaco é chamado de central (V1) e é considerado o volume inicial de
distribuição, compreendendo o plasma, cérebro e demais órgãos ricamente vascularizados.
O segundo compartimento (V2) é moderadamente perfundido, faz parte da redistribuição
rápida e é representado pelos músculos. O terceiro compartimento (V3) é pouco perfun-
dido, faz parte da redistribuição lenta e é composto pelo tecido gorduroso. O volume de
distribuição no estado de equilíbrio (Vdss) é a soma de V1, V2 e V3.
Também são descritas as constantes intercompartimentais que determinam a transferên-
cia do fármaco a partir do V1 para os outros dois compartimentos e sua volta para o central (k12,
k13, k 21 e k31) e posterior eliminação (k10). Além disso, utiliza-se na TCI moderna a constante
que determina a passagem do fármaco para o sítio efetor ou biofase, chamada de ke0. Quanto
maior a ke0, menor será o tempo para que 50% da concentração plasmática entre em equilíbrio
com o sítio efetor22. Esse parâmetro é denominado t1/2ke0 e calculado pela fórmula:
t1/2ke0 = 0,693/ke0
Dessa forma, define-se histerese como o tempo necessário para ocorrer o equilíbrio com-
pleto entre essas concentrações, sendo calculada pela fórmula:
Histerese = t1/2ke0 x 4,32
Após o conceito de ke0, foi possível desenvolver os sistemas conhecidos por TCI efeito, no
qual a infusão do fármaco objetiva determinada concentração no sítio efetor, diminuindo o
tempo para o efeito farmacodinâmico desejado.
Considerando-se que as transferências entre os compartimentos, a partir da admi-
nistração venosa, ocorrem de forma simultânea e em velocidades diferentes, o resultado
final é o declínio exponencial em três fases distintas: redistribuição rápida (α), lenta (β)
e eliminação (γ)23. A Figura 2 demonstra as três curvas de decaimento e suas respectivas
equações logarítmicas.
Figura 2 – Curva triexponencial da concentração plasmática pelo tempo após injeção em bolus (Ct: concen-
tração plasmática pelo tempo; t: tempo; A, B e C: concentrações iniciais de cada fase ou interceptos; α, β e γ:
constantes de redistribuição e eliminação; e: logaritmo natural).
Remifentanil
O remifentanil é um opioide sintético de alta potência que tem ação ultracurta. Suas
características farmacocinéticas – rápido início de ação e rápida metabolização por esterases
plasmáticas e teciduais, além de uma meia-vida contexto-sensitiva pequena (3-5 min) – o
tornaram o opioide mais utilizado em técnicas de anestesia venosa total (Tabela 5). A sua
meia-vida independe da função hepática e renal, porém, a dependência das esterases para
sua metabolização torna inapropriada a extrapolação de modelos farmacocinéticos de adul-
to para a população pediátrica35-37.
Tabela 5 - Meia-vida contexto-sensitiva dos opioides (minutos)
Duração da infusão em minutos
Opioides 10 100 200 300 600
Remifentanil 3a6 3a6 3a6 3a6 3a6
Alfentanil 10 45 55 58 60
Sufentanil 20 25 35 60
Fentanil 12 30 100 200
Cetamina
A cetamina é um composto hidrossolúvel que promove hipnose e analgesia por ação an-
tagônica nos receptores N-metil-D-aspartato (NMDA), levando a um estado comumente
chamado de anestesia dissociativa. É formulada em uma mistura racêmica na qual o isômero
S(+) produz analgesia mais intensa e metabolização mais rápida pelas enzimas hepáticas37.
A sua principal indicação é em pacientes asmáticos pelo seu poder broncodilatador,
principalmente para procedimentos de até duas horas de duração em razão de sua curta
meia-vida contexto-sensitiva em períodos mais curtos. A cetamina pode ser utilizada nas
doses de 1-2 mg/kg endovenosas para indução anestésica, seguida de manutenção a 0,1-2,5
mg/kg/h, a depender do nível de analgesia ou hipnose desejados. Reações psicomiméticas
no despertar da anestesia são comuns em doses maiores36.
Seu uso tem ganhado destaque nos últimos anos como adjuvante na anestesia pelos seus
efeitos como sedativo leve, analgésico e poupador de opioide em doses subanestésicas de
0,1-0,5 mg/kg endovenosas, principalmente após a disponibilidade de formulações com o
predomínio do estereoisômero S(+).
Dexmedetomidina
A dexmedetomidina é um alfa-2 agonista altamente seletivo que tem propriedades anal-
gésicas, amnésicas, sedativas e ansiolíticas. Nas doses clinicamente recomendadas, pode
causar bradicardia dose-dependente, além de alterações na pressão sanguínea, inicialmente
hipertensão arterial seguida de hipotensão mais prolongada1.
Os dados sobre a farmacocinética da dexmedetomidina em pediatria ainda são escassos,
mas parece seguir um modelo de dois compartimentos. A dexmedetomidina tem meia-vida
contexto-sensitiva prolongada que varia com a idade, sendo ainda mais longa em neonatos
por causa da imaturidade do sistema enzimático hepático nesses pacientes. Isso promove
analgesia e sedação residual no pós-operatório, sendo bastante útil como prevenção da agi-
tação do despertar. Outra grande vantagem da dexmedetomidina na prática anestésica se dá
pela sua característica de manutenção da patência das vias aéreas e dos estímulos do centro
respiratório, sem sinergismos com outros anestésicos utilizados1.
Embora atualmente exista ampla utilização da dexmedetomidina na população pediá-
trica, tanto na prática anestésica quanto na terapia intensiva, seu uso em crianças continua
sendo off label em razão da ausência de melhores estudos clínicos randomizados nessa faixa
etária. Apesar disso, parece ser segura uma dose entre 0,2 e 0,7 μg/kg/h. A dose de bolus
inicial, quando utilizada, é de 0,5-1,0 μg/kg e deve ser infundida em 10 minutos39.
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Bloqueios periféricos
Luciana Cavalcanti Lima
Débora de Oliveira Cumino
André L. Jaichenco
Bloqueios periféricos
Introdução
A anestesia regional em crianças é um dos tópicos importantes da anestesia. Houve um
aumento significativo no conhecimento desse campo, particularmente nos últimos anos.
No entanto, ainda existe uma lacuna entre o conhecimento teórico e a implementação na
prática clínica diária.
Atualmente, é possível utilizar técnicas de anestesia regional em mais de 80% dos proce-
dimentos cirúrgicos em crianças.
Experiência, habilidade, ambiente e material adequados são os principais pré-requisitos
para o desempenho seguro e efetivo da anestesia regional na população pediátrica1.
Segurança
Recentemente, realizaram-se várias revisões e pesquisas sobre a anestesia regional em
crianças. Em 2006, a sociedade de anestesiologistas pediátricos de língua francesa (ADAR-
PEF) publicou uma atualização de sua pesquisa inicial sobre epidemiologia e morbidade da
anestesia regional em crianças2. Os dados foram coletados em 47 instituições com base em
104.612 anestesias gerais, 29.870 anestesias inalatórias associadas a bloqueios regionais e 1.262
bloqueios regionais isolados. Bloqueios periféricos são predominantes e representam 66% de
todas as anestesias regionais, incluindo técnicas com cateter. Dos bloqueios periféricos, 29%
são bloqueios de membros superiores e inferiores, enquanto 71% correspondem a bloqueios de
face e tronco. Bloqueios faciais são hoje amplamente utilizados para a cirurgia facial e recons-
trutiva, particularmente na correção do lábio leporino. A taxa global de complicações é muito
baixa, igual a 0,12%, seis vezes maior em bloqueios do neuroeixo quando comparados com os
periféricos. Nenhuma complicação resultou em sequela, lesão grave ou morte após um ano.
Como resultado do baixo índice de complicações, os autores concluem que as técnicas de anes-
tesia regional têm um bom perfil de segurança, podendo ser utilizadas para oferecer analgesia
pós-operatória em crianças, e que as técnicas de bloqueios periféricos devem ser estimuladas.
Outros resultados relevantes desse estudo são que há um incremento da frequência de uso de
bloqueios com o aumento da idade e uma incidência de complicações significativamente mais
elevada no grupo de menor faixa etária, sugerindo que crianças menores sejam assistidas por
profissionais com experiência em anestesia pediátrica. Aproximadamente 96% das técnicas
anestésicas regionais são realizadas sob anestesia geral2.
Resultados de outro estudo sobre epidemiologia e segurança em anestesia regional
pediátrica foram publicados mais recentemente. O Pediatric Regional Anesthesia Network
(PRAN) apresenta dados de um total de 14.917 bloqueios regionais, realizados em 13.725
pacientes, no período de três anos. Bloqueios de nervos periféricos foram usados em 35%
dos casos. Não houve óbitos ou complicações com sequelas duradouras (> 3 meses). A maio-
ria dos bloqueios (95%) foi realizada sob anestesia geral3.
Em crianças mais velhas, o diálogo entre o anestesiologista e a criança pode levar a um
desempenho seguro do bloqueio sem necessidade de sedação. Isso requer, obviamente, uma
Periféricos x Regionais
Estudos recentes mostram clara transição dos bloqueios centrais para os periféricos por
causa da menor morbidade destes últimos e, em particular, da incorporação de técnicas guia-
das por ultrassom (USG). No entanto, os bloqueios peridural, caudal ou lombar continuam
a ser muito populares e são percebidos como o padrão ouro para analgesia pós-operatória
em crianças. Embora os bloqueios neuroaxiais sejam o método preferido para o alívio da dor
há muitos anos, eles podem ser contraindicados por diversas patologias ou substituídos por
diferentes bloqueios nervosos periféricos5.
Possíveis vantagens do bloqueio do nervo periférico são referências claras: menor quanti-
dade de anestésico local, efeitos fisiológicos e colaterais mínimos e área alvo-controlada es-
pecífica e adequada para o procedimento cirúrgico ou para o tratamento da dor. O bloqueio
do nervo periférico pode ser realizado praticamente em qualquer região do corpo. Os mais
frequentes são os dos membros superiores, inferiores e de tronco.
A ultrassonografia revolucionou a prática de anestesia regional, em particular em
crianças pequenas, em que a anatomia pode ser facilmente identificada. Em crianças com
até 3 meses de vida, todas as estruturas anatômicas relevantes podem ser visualizadas,
mas a visibilidade diminui gradualmente de uma maneira dependente da idade. A taxa
de sucesso, a eficácia e as complicações com bloqueios de nervos periféricos guiados por
ultrassom em comparação com estimulação nervosa ou técnicas baseadas em referências
anatômicas mostram como vantagens menor tempo para execução do bloqueio, maior
taxa de sucesso, menor tempo de início, maior duração do bloqueio e menor volume de
anestésico local6.
Bloqueios da Face
Diversos procedimentos cirúrgicos em crianças podem ser realizados com o uso de blo-
queios de face, como cirurgia plástica, otorrinolaringológica e dermatológica e neurocirur-
gia. A maioria desses bloqueios é de natureza sensorial. Eles são de fácil execução, requerem
poucos equipamentos e apresentam poucos eventos adversos. Bloqueios supraorbitário,
supratroclear e infraorbitário, bloqueio do nervo palatino maior, da divisão mandibular do
trigêmeo e do nervo occipital maior são os mais frequentemente realizados7.
A distribuição sensorial da cabeça e do pescoço é feita principalmente por três ramos
principais dos nervos trigêmeo, oftalmológico, maxilar e mandibular juntamente com
as raízes cervicais C2-C4, que inervam o pescoço e a porção occipital do couro cabe-
ludo. Os nervos sensoriais terminais do nervo trigêmeo V1 (supraorbital), V2 (infraor-
bital) e V3 (mentoniano e auriculotemporal) tornam-se superficiais quando saem dos
Bloqueios periféricos | 107
ossos faciais, por meio dos orifícios correspondentes que habitualmente se encontram
na linha mediana (geralmente reconhecidos como o ponto médio da pupila com a ca-
beça na posição neutra)7.
O bloqueio infraorbitário é indicado para cirurgias de lábios, rinoplastias e cirurgias en-
doscópicas dos seios da face. Revisão recente desse bloqueio para correção de lábio leporino
não mostra forte evidência na redução da dor pós-operatória, mas sugere que o bloqueio é
superior ao placebo e o retorno da alimentação é mais precoce8. O bloqueio diminui signifi-
cativamente a frequência e a duração da agitação do despertar associada com o sevoflurano
com analgesia satisfatória e sem atrasos na extubação9.
O bloqueio bilateral do nervo maxilar suprazigomático é uma técnica alternativa em
crianças submetidas à cirurgia de palato. O bloqueio pode ser realizado guiado por ultras-
som e mostra baixas taxas de falhas e um bom sucesso, com a visualização da injeção do
anestésico local na fossa pterigopalatina, na maioria dos casos10.
O bloqueio peribulbar em crianças é uma técnica avançada utilizada na cirurgia ocular
em centros especializados. Em cirurgia vitreorretiniana, o bloqueio diminui significativa-
mente a variabilidade hemodinâmica, a dor pós-operatória, o reflexo oculocardíaco e vômi-
tos pós-operatórios, bem como reduz a concentração do inalatório, mantém a imobilidade
dos olhos e resulta em retorno precoce à alimentação11.
Introdução
A história da anestesia espinal em pediatria começa com as cirurgias de circuncisões no
Egito Antigo em 2.500 a.C.1-2, seguida por Köller em 1884, após a descoberta das proprieda-
des da cocaína como anestésico local. Em 1885, Corning tentou injetar no espaço peridural.
Em agosto de 1998, Bier tentou usar cocaína (anestésico local) na anestesia espinal3.
Atualmente, o uso da anestesia espinal como técnica principal em crianças permanece
restrito e limitado a centros especializados em pediatria4. Muitos estudos experimentais em
animais têm levantado preocupações com a suscetibilidade de alguns agentes anestésicos
no desenvolvimento cerebral levando a déficit funcional e neurológico5,6. Este fato, ainda
permanece em estudo, mas cada publicação leva os anestesiologistas pediátricos a esco-
lherem a técnica regional sempre que possível, principalmente no grupo das crianças em
desenvolvimento neurológico.
Avanços técnicos, estudos e treinamentos em unidade de terapia intensiva (UTI) neona-
tal, têm aumentado a sobrevida dos recém-nascidos prematuros7.
Deve-se ressaltar que em todo ato anestésico a avaliação dos fatores de risco é benéfico
para o paciente, e deve ser o guia principal para o atendimento.
As crianças podem sentir dor sem lesão tecidual aparente e seu tratamento pode ser malcon-
duzido. Diante de uma dor intensa, necessitam de analgésicos tão potentes como os adultos.
Os receptores da dor e sua interação com as vias excitatórias são conhecidos, mas pouco
se sabe ainda sobre o sistema funcional do recém-nascido (RN). O RN tem o eixo hipo-
tálamo-hipófise-adrenal bem desenvolvido e comprovado pela liberação de catecolaminas,
cortisol e de opioides endógenos, na vigência da dor. Por exemplo, os RN de mães viciadas
em opioides são mais suscetíveis a tolerância (aumento da dose para obter o mesmo efeito)
e a síndrome de abstinência. Isto é explicado por uma adaptação celular neuronal às drogas
e não por uma alteração metabólica8,9.
Anestesiologistas defrontam-se com estes dilemas de tolerância e abstinência em crian-
ças, quando necessitam usar opioides e doses crescentes para combater a dor.
Para prevenir a ocorrência dos efeitos colaterais e aumentar a segurança do paciente,
devem ser utilizados materiais apropriados, como agulhas com mandril10, de tamanho
apropriado para a idade, e respeitar a dose máxima considerada segura de cada anesté-
sico local.
É importante respeitar as normas de segurança como aspirações repetidas durante
a realização do bloqueio, velocidade de injeção lenta, interrupção do procedimento se
houver qualquer dificuldade durante a sua execução, sendo fundamental limitar o nú-
mero de tentativas.
Durante a realização dos bloqueios, como em qualquer anestesia, o paciente deve estar
monitorado conforme resolução do Conselho Federal de Medicina, com acesso venoso
periférico adequado, assim como a medicação de emergência e o material de reanimação
devem estar disponíveis e prontos para serem utilizados.
Efeitos da anestesia no
desenvolvimento da criança
Daniel Dongiu Kim
Efeitos da anestesia no desenvolvimento da criança
Introdução
Apesar da transição da estrutura populacional do país, com importante redução da taxa
de natalidade ao longo do século XX, observou-se aumento exponencial dos procedimentos
cirúrgicos e anestésicos na faixa etária pediátrica e neonatal1. Esse fenômeno contribuiu para
uma redução de mais de 60% dos índices de mortalidade infantil desde o início deste século,
segundo estimativas do Ministério da Saúde2. De acordo com um estudo baseado na preva-
lência das patologias comuns da infância e nos dados demográficos nacionais, estima-se uma
demanda teórica aproximada de 400 mil cirurgias pediátricas e neonatais por ano no país3.
Em razão do longo processo de organogênese do sistema nervoso central, que se inicia
na vida intrauterina e se prolonga até o fim da infância, acredita-se que a neurotoxicidade de
qualquer fármaco seja mais evidente na faixa etária pediátrica.
A fim de promover analgesia, inconsciência e imobilidade, a maior parte das medicações
anestésicas atua diretamente no sistema nervoso central através da modulação de neuro-
transmissores como o ácido gama aminobutírico (GABA) e o glutamato. Nesse contexto há
crescente preocupação não somente com a segurança, mas também com as consequências
para o desenvolvimento neurológico e cognitivo dos procedimentos anestésicos4.
Já em 1953 houve a primeira publicação que relacionou a anestesia geral em crianças
submetidas a cirurgias otorrinolaringológicas com alterações comportamentais5 e, dois
anos depois, uma nova publicação associou o processo cirúrgico-anestésico com prejuízo
de funções cognitivas em idosos6. Apesar da importância do tema, somente em 1999, houve
a publicação de um trabalho experimental com grande impacto na comunidade médica no
qual se observou intensa neuroapoptose após o uso de doses repetidas de cetamina4. Desde
então, diversos estudos procuram entender esse fenômeno, porém, até o momento não há
uma clara relação de causalidade estabelecida por causa do longo período de observação
necessário para o desfecho, da presença de diversos fatores de confusão e da escassez de
instrumentos de avaliação neurocognitiva para diferentes modelos experimentais.
A falta de evidências científicas de boa qualidade sobre o tema levou a maior autoridade
sanitária dos Estados Unidos a publicar um alerta sobre a possibilidade de consequências
neurológicas em crianças submetidas à anestesia geral abaixo de 3 anos ou gestantes no ter-
ceiro trimestre de gestação. Em razão da complexidade relacionada com o assunto, houve
a formação de grupos, como o Strategies for Mitigating Anesthesia-Related neuroToxicity in
Tots (SmartTots), que concentram os estudos realizados sobre o tema e publica consensos
regularmente7. Para a melhor compreensão do impacto dos anestésicos sobre a organogêne-
se do sistema nervoso central será exposta uma breve revisão da embriologia e os principais
mecanismos de lesão neuronal.
Gráfico 1 – Cronologia do desenvolvimento do sistema nervoso central e das principais vias neurotransmis-
soras ao longo da vida uterina até o primeiro ano de vida.
Conclusões
As recentes investigações científicas detalham diversos mecanismos de lesão celular me-
diada pelos anestésicos que levam à apoptose neuronal, alteração no desenvolvimento dos
dendritos e sinaptogênese. Também existem momentos do desenvolvimento em que o sistema
nervoso central é mais suscetível a agressões que podem se transformar em sequelas neuroló-
gicas na idade adulta, porém a não administração de agentes anestésicos pode levar a altera-
ções do processamento da dor e consequências orgânicas e psíquicas deletérias a longo prazo.
Até o momento, as evidências científicas apontam para a ausência de prejuízo no desen-
volvimento cognitivo após anestesia geral na faixa etária pediátrica, principalmente quando
são eventos únicos e de curta duração. Entretanto, como os principais estudos multicêntri-
cos sobre o assunto ainda não terminaram, são necessárias cautela e avaliação individuali-
zada do risco versus benefício da anestesia geral para crianças e lactentes.
Referências
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Analgesia pós-operatória
Camila Lucena Carneiro de Albuquerque
Luciana Cavalcanti Lima
Maria Célia Ferreira da Costa
Analgesia pós-operatória
Introdução
Apesar do desenvolvimento de novos fármacos e técnicas analgésicas, o manejo da dor
perioperatória na criança continua sendo um desafio para os anestesiologistas. Os fatores
que contribuem para o controle inadequado da dor nos pacientes pediátricos incluem a falta
de experiência do anestesiologista, dificuldade em quantificar a dor, medo da adição e dos
efeitos colaterais dos opioides e uma baixa expectativa da consequência do estímulo álgico
sobre a criança1.
Na década de 1980 ainda existiam questionamentos se os neonatos e as crianças seriam
capazes de sentir dor, porém na atualidade esse tipo de questionamento não é mais aceitável.
A literatura deixa claro que não só os neonatos são capazes de sentir dor como também
sofrem consequências a longo prazo quando ela não é tratada adequadamente2 . As situações
de dor e estresse na infância repercutem de forma física e psíquica para toda a vida. Poden-
do surgir hiperalgesia, cronificação da dor, modificações no desenvolvimento e alterações
comportamentais, tais como: ansiedade, estresse pós-traumático, distúrbios do sono e dos
hábitos alimentares3. Além disso, o manejo inadequado da dor no período perioperatório
dificulta a resolução da doença de base, prolonga o tempo de internamento e aumenta o
custo hospitalar. Portanto, a prevenção e tratamento da dor é imprescindível.
Para um manejo adequado da dor é necessário prever e avaliá-la corretamente. Escalas
comportamentais e de compreensão são utilizadas para mensuração da dor na faixa etária
pediátrica de acordo com a idade e, principalmente, o desenvolvimento cognitivo da criança
e alteração do entendimento e da percepção da dor4. Algumas escalas preconizadas e mais
frequentemente utilizadas são a Objective Pain Scale – OPS (RNs e lactentes); Face-Legs-Ac-
tivity-Cry-Consolability – FLACC (1 a 18 anos, hospitalizados), Faces Wong e Backer (3 a 18
anos); Faces revisadas (4 a 14 anos); Analógica e numérica (acima de 8 anos); Pieces of hurt
tool (3 a 8 anos) e Parents Postoperative Pain Mesurement – PPPM (1 a 12 anos domiciliados)5.
As crianças exigem considerações especiais para garantir o sucesso da analgesia pós-
-operatória, pois a percepção da dor é influenciada pela idade, desenvolvimento cognitivo e
emocional e pelas experiências prévias da criança, via múltiplas sinapses no sistema límbico,
córtex frontal e tálamo. Devido ao forte componente emocional na percepção da dor na in-
fância, técnicas comportamentais e não farmacológicas também devem ser aplicadas sempre
que possível. A explicação clara para a criança explicitando que todo esforço será feito para
minimizar a dor após a cirurgia, apesar da possibilidade de algum desconforto, minimiza a
ansiedade e pode reduzir a necessidade de opioides e outros analgésicos no pós-operatório6.
O regime analgésico deve ser selecionado considerando o porte cirúrgico, as condições clí-
nicas que interfiram na resposta ao tratamento, as preferências do paciente e da família, além
da idade, da função cognitiva e das experiências prévias do paciente. A meta deve ser a criança
ter um despertar confortável e mantê-la nesse estado, o que é mais fácil e apropriado do que
alcançar a analgesia após a instalação da dor7. Analgésicos com efeitos sinérgicos ou aditivos,
devem ser utilizados, a fim de obter a melhor analgesia com o mínimo de efeitos colaterais.
Cetorolaco
O cetorolaco oferece analgesia pós-operatória semelhante aos opioides em crianças de
todas as idades. Como não apresenta os efeitos colaterais relacionados com os opioides
(depressão respiratória, sedação, náusea e prurido), torna-se uma escolha atraente para o
tratamento da dor pós-operatória. Porém, assim como todos os AINEs, apresenta riscos em
relação à disfunção plaquetária, sangramento gastrointestinal e disfunção renal.
O fármaco pode ser utilizado por vias intravenosa (IV), intramuscular (IM) ou oral (VO).
A via IV é preferida no pós-operatório imediato, até que o paciente possa tolerar medicações
VO. A via IM não é recomendada em crianças ao menos que a via IV esteja indisponível. A
dose preconizada para maiores de 2 anos por IV ou por VO varia de acordo com o intervalo
entre as doses. Sendo preconizado 0,25 mg · kg-1 de 6/6h; 0,5 mg · kg-1 de 12/12h; 1 mg · kg-1
se utilizado somente uma vez ao dia. O tempo máximo de uso do cetorolaco não deve exceder
3 dias. A dose de 1 mg · kg-1 por IV é equivalente a 0,1 mg · kg-1 de morfina.
O fármaco é amplamente estudado na faixa etária pediátrica, seja administrado isola-
do ou em combinação com opioides ou anestésicos locais, mostrando excelente potência
analgésica e poucos efeitos colaterais. Quando combinado com o uso de opioides, apresenta
ação sinérgica no alívio da dor e reduz a incidência dos efeitos colaterais relacionados com o
uso destes. Além disso, ocorre retorno do peristaltismo de forma mais precoce com uso do
cetorolaco quando comparado à analgesia baseada exclusivamente em opioides19.
Devido à ação das prostaglandinas no metabolismo, reabsorção e principalmente na for-
mação óssea, existe uma preocupação em relação ao uso de AINEs em crianças submetidas
à cirurgia de escoliose. Em 2009 foi realizado um inquérito envolvendo 61 anestesiologistas
abordando esse tema, 41% responderam não utilizar o fármaco devido, principalmente, ao
risco de não união óssea ou sangramento20. Estudo recente sugere que o uso de cetorolaco li-
mitado a 48 horas no pós-operatório não apresenta efeito significativo sobre a fusão espinhal21,
porém a literatura ainda é conflitante em relação ao tema22, sendo necessário mais estudos.
Outra controvérsia na literatura é em relação ao uso do cetorolaco em cirurgias com
potencial de sangramento, como a tonsilectomia, pois acredita-se que esse fármaco inibe a
agregação plaquetária. No passado seu uso foi banido neste tipo de procedimento18,19, porém
estudos recentes, incluindo uma metanálise, sugerem que o cetorolaco feito em qualquer
momento perioperatório não aumenta o risco de sangramento em crianças submetidas a ton-
silectomia23,24. Caso seja comprovado, isto pode ser considerado um grande benefício do me-
dicamento, pois parte dessas crianças estão sendo submetidas a cirurgia para tratar a apneia
obstrutiva do sono, a qual algumas vezes não se resolve imediatamente após o procedimento,
sendo benéfico poupar opioides para diminuir a depressão respiratória nesses pacientes.
Analgésicos Opioides
Os opioides são indicados para dor moderada a grave após cirurgia ou trauma, para crise
aguda de doença falciforme, bem como para doenças dolorosas crônicas, como câncer. Imitam
os efeitos de substâncias endógenas conhecidas como endorfinas, exercendo seus efeitos ligan-
do-se a receptores opioides pré- e pós-sinápticos específicos localizados no cérebro, medula es-
pinhal e células nervosas periféricas. Receptores de opioides no sistema nervoso central (SNC)
são classificados como μ, κ, δ, e (teta) σ. A ativação desses receptores causam inibição neuronal,
diminuindo a liberação de neurotransmissores excitatórios de terminais pré-sinápticos.
Conclusão
A analgesia pós-operatória deve ser parte essencial de qualquer plano anestésico pe-
diátrico. O conhecimento da fisiologia, farmacocinética e farmacodinâmica na infância
permite ao anestesiologista aplicar técnicas anestésicas e analgésicas com excelente efi-
cácia e segurança para a criança, a fim de evitar complicações a curto e longo prazos no
paciente pediátrico.
Referências
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Anesthesiology, 2000; 93:858-75.
Abordagem para
cirurgia ambulatorial
Pedro Paulo Vanzillotta
Lívia Berti Ramos
Abordagem para cirurgia ambulatorial
Introdução
Os pacientes pediátricos são candidatos ideais para anestesia ambulatorial. Constituem
uma população que em geral possui raras comorbidades e, na maioria das vezes, são subme-
tidos a procedimentos rápidos e com baixo índice de complicações1. A redução do custo de
internação associado à mínima separação entre a criança e sua família constituem vantagens
perante esta abordagem2 .
A fim de proporcionar um ato anestésico seguro e qualificado, o serviço de anestesia
necessita principalmente de uma boa organização. É mandatório o enfoque na profilaxia
para náuseas e vômitos, dor e agitação pós-operatória, aliado à escolha adequada do pa-
ciente3. Um dos riscos inerentes a uma unidade ambulatorial é não ter a mesma disponi-
bilidade de recursos diagnósticos e terapêuticos, além de pareceres técnicos que possam
auxiliar em possíveis eventos adversos. Portanto, a qualidade técnica da equipe associa-
da à correta avaliação do paciente é imprescindível para tornar a anestesia ambulatorial
potencialmente segura4. O advento de novas técnicas cirúrgicas e de novas tecnologias
aplicadas ao ato anestésico também auxiliam para o número de cirurgias ambulatoriais
aumentar cada vez mais.
Seleção dos pacientes
A seleção adequada dos pacientes que serão submetidos à anestesia ambulatorial é cru-
cial para reduzir a incidência de complicações. Os critérios de seleção variam de acordo com
cada instituição, porém há consenso que pacientes com infecção de vias aéreas superiores,
prematuros (idade pós-conceptual entre 55-60 semanas), portadores de apneia do sono mo-
derada a severa e com determinadas doenças preexistentes (como miopatias, por exemplo)
possuem maior risco de complicações, principalmente respiratórias e cardíacas5,6.
A presença de comorbidades, caso a doença esteja estável e controlada e com equipe mé-
dica ciente e capacitada, não é contraindicação absoluta2 .
Infecções de vias aéreas superiores (IVAS) têm alta prevalência na população pediátrica.
Deve-se considerar: o tempo de duração dos sintomas, estado geral da criança e doença
pulmonar subjacente7.
A presença de tosse produtiva, queda do estado geral, falta de apetite e febre (T. axilar
> 38,5)8 são fatores que aumentam a incidência de eventos respiratórios, como laringoes-
pasmo e hipoxemia. O aparecimento dos sintomas por duas semanas antecedentes ao ato
anestésico e a presença de asma ou doença pulmonar da prematuridade também estão
associados ao aumento do risco de complicações respiratórias. Porém, há consenso que os
casos com sintomatologia moderada, adequado estado geral e ausência de tosse produtiva
podem ser bem tolerados e aceitos nas anestesias ambulatoriais.
Cirurgias de vias aéreas superiores, como adenoamigdalectomias, e a manipulação das
vias aéreas pelo anestesiologista aumentam a chance de complicações, sendo o ideal a utili-
zação preferencial de máscara facial ou máscara laríngea.
Manejo pré-anestésico
A avaliação pré-anestésica é parte essencial do procedimento anestésico, quer seja am-
bulatorial ou não. Esta conduta aumenta a segurança do procedimento, diminui a ansiedade
dos pais e da criança, além de reduzir os casos de cancelamentos no dia da cirurgia13. Deve-
-se avaliar se há comorbidades e se estas estão controladas adequadamente. Neste momento,
Técnica anestésica
A melhor técnica anestésica para crianças no ambiente ambulatorial é a que propor-
ciona uma indução leve e tranquila, manutenção bem tolerada e uma rápida recupera-
Analgesia pós-operatória
As cirurgias ambulatoriais, apesar de rápidas e de baixa complexidade, podem ser ex-
tremamente dolorosas. A dor pós-operatória no paciente pediátrico eleva o risco de agi-
tação e aumenta o tempo de permanência na unidade. Pelos estudos randomizados, po-
demos concluir que crianças têm a dor subdiagnosticada e malconduzida, principalmente
em crianças menores. Aproximadamente 40% dos pacientes ambulatoriais experimentam
dor intensa pós-operatória19.
A implementação de bloqueios periféricos e de neuroeixo, associados a uma abordagem
multimodal da dor, tem sido a melhor solução para analgesia eficaz. Dessa forma, pode-se
diminuir o uso de opioides, reduzindo os riscos de demora na recuperação pós-anestésica, a
incidência de náuseas e vômitos, apneia e retenção urinária.
Legislação
O Conselho Federal de Medicina (CFM) fixou normas para a prática de cirurgias e
exames diagnósticos em regime ambulatorial, além das condições para realização de atos
anestésicos. O profissional deve conhecer as resoluções e verificar suas aplicações no local
de seu exercício profissional.
• Resolução CFM nº 1.886, de 13 de novembro de 2008, dispõe sobre as normas míni-
mas para o funcionamento de consultórios médicos e dos complexos cirúrgicos para
procedimentos com internação de curta permanência. Esta resolução classifica os
estabelecimentos em unidades tipos I, II, III e IV. Para procedimentos em pediatria,
quando a utilização de anestesia geral é necessária, as unidades tipos III e IV são mais
bem indicadas.
• Resolução CFM nº 1.670, de 11 de julho de 2003, orienta que a sedação profunda só pode
ser realizada por médicos qualificados em ambientes que ofereçam condições seguras
para tal; devendo o profissional responsável pela sedação garantir essas condições.
• Resolução CFM nº 1.802, 4 de outubro de 2006, dispõe sobre a prática do ato anes-
tésico, sobre a obrigatoriedade da avaliação pré-anestésica (salvo em situações de ur-
gência), vigilância sobre o paciente e atenção quanto à monitorização obrigatória e a
adequada documentação em prontuário.
Referências
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Introdução
As inovações tecnológicas inseridas na medicina têm permitido a execução de múltiplos
procedimentos, sejam invasivos ou não, fora do centro cirúrgico, proporcionando aos pa-
cientes um tratamento mais eficaz, econômico e confortável. Esses procedimentos são cada
vez mais frequentes e os anestesiologistas estão sendo mais requisitados, por causa da ne-
cessidade de imobilidade, analgesia e conforto dos pacientes. Diferentemente da população
adulta, que é cooperativa, a população pediátrica necessita de sedação ou anestesia geral.
Existe uma diferença entre os países, em relação aos profissionais autorizados a realizar a se-
dação e anestesia fora do centro cirúrgico. No Brasil, apenas médicos são autorizados a realizar
sedação, sendo os anestesiologistas responsáveis pela anestesia na maioria dos procedimentos
e intervenções, o que muito contribui para a qualidade e segurança nessas áreas. Lembramos
a Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) 1802/20061. É ato atentatório à ética
médica a realização simultânea de anestesias em pacientes distintos pelo mesmo profissional.
Da mesma forma, médicos de outras especialidades que obtiveram autorização do CFM para
a realização da sedação para procedimentos não devem realizar, de forma simultânea, o proce-
dimento e a sedação, devendo estar presentes dois profissionais distintos.
Para a prática da anestesia pediátrica fora do centro cirúrgico é fundamental a compreen-
são da fisiologia dessa população, da farmacologia das medicações, do procedimento que
será realizado e seguimento preciso de guidelines para a prevenção e tratamento de compli-
cações, além da consulta a listas de verificação e melhoria da comunicação durante o proce-
dimento. Além disso, para garantir qualidade aos procedimentos realizados em ambientes
fora do centro cirúrgico, faz-se necessário seguir regulamentações específicas para atingir
um padrão organizacional e estrutural adequados para assistência a saúde.
Sedação leve (mínima ou ansiólise) – estado induzido por drogas durante o qual os pa-
cientes respondem a comandos verbais. Embora a função cognitiva e a coordenação possam
estar prejudicadas, as funções respiratória e cardiovascular não são afetadas.
Sedação moderada (anteriormente sedação consciente ou sedação/analgesia) – é uma
depressão da consciência induzida por drogas na qual os pacientes respondem a comandos
verbais ou leve estimulação tátil. Não são necessárias intervenções para manter a via aérea
patente e a ventilação espontânea é adequada.
Sedação profunda – depressão da consciência induzida por drogas durante a qual os
pacientes não podem ser facilmente despertados, mas respondem depois de repetidos estí-
mulos verbais ou estimulação dolorosa. O estado e os riscos da sedação profunda podem ser
indistinguíveis daqueles de anestesia geral.
Anestesia geral – depressão da consciência induzida por drogas na qual os pacientes
não são despertados nem mesmo com estímulos dolorosos, com necessárias intervenções
para a manutenção da via aérea e ventilação espontânea, podendo a função cardiovascular
estar prejudicada.
A escala de sedação de Ramsay, descrita em 1974 e recentemente modificada (Tabela 2)
para se adaptar aos guidelines da Joint Commission, continua sendo a mais usada para avaliar
e monitorizar a sedação na prática diária. O escore de 2-3 corresponde à ansiólise, 4-5 é
sedação moderada, 6 corresponde à sedação profunda, 7-8 é anestesia geral.
Seleção do paciente
Os pacientes classificados como ASA I e II são considerados os mais adequados para a
realização da sedação fora do centro cirúrgico. Crianças classificadas como ASA III e IV,
portadoras de necessidades especiais, com anormalidades anatômicas e com hipertrofia im-
portante da amígdala palatina requerem atenção especial e individualizada, principalmente
para sedações moderadas ou profundas.
A Resolução CFM 1.8867 dispõe sobre as “normas mínimas para o funcionamento de
consultórios médicos e dos complexos cirúrgicos para procedimentos com internação de
curta permanência”. Segundo essa resolução, as cirurgias com internação de curta perma-
nência são todos os procedimentos clínico-cirúrgicos (com exceção daqueles que acompa-
nham os partos) que, pelo seu porte, dispensam o pernoite do paciente e, caso este ocorra, o
tempo de permanência do paciente no estabelecimento não deverá ser superior a 24 horas.
Essa resolução, em seu artigo 3º, § 2, define as contraindicações para a realização de ci-
rurgias e procedimentos de curta permanência hospitalar:
• os pacientes são portadores de distúrbios orgânicos de certa gravidade, avaliados a
critério do médico assistente;
• os procedimentos a serem realizados são extensos;
• há grande risco de sangramento ou outras perdas de volume que necessitem de repo-
sição importante;
• há necessidade de imobilização prolongada no pós-operatório;
• os procedimentos estão associados a dores que exijam a aplicação de narcóticos, com
efeito por tempo superior à permanência do paciente no estabelecimento.
Em seu artigo 3º, § 3, encontra-se que a cirurgia ou procedimento deverá ser suspenso se
o paciente se apresentar ao serviço sem a companhia de uma pessoa que se responsabilize
por acompanhá-lo durante todo o tempo da intervenção cirúrgica e no retorno ao lar. Ape-
sar de essa norma já ser uma prática rotineira no atendimento pediátrico, deve ser reforçada.
Para crianças que ainda são transportadas em cadeiras de segurança no banco traseiro do
carro, o ideal é que sejam acompanhadas por dois adultos, um dos quais permaneceria pró-
ximo à criança durante o transporte, pelo risco de ressedação e obstrução respiratória.
Cateterismo cardíaco
Com a evolução de outros procedimentos menos invasivos, como ecocardiograma, vem
ocorrendo diminuição relativa dos cateterismos cardíacos puramente diagnósticos, sendo
reservados aos casos em que as imagens não invasivas foram inconclusivas ou um detalha-
mento vascular mais preciso se faz necessário.
Cateterismo diagnóstico permite documentação das pressões em todas as câmaras car-
díacas. A interpretação desses dados hemodinâmicos auxilia na quantificação dos graus de
Radiologia diagnóstica
Tomografia computadorizada – TC
A tomografia computadorizada (TC) é um método de diagnóstico por imagem que en-
volve a utilização de radiação ionizante para diferenciar estruturas de alta densidade (como
cálcio, ferro, osso) e as de baixa densidade (como oxigênio, nitrogênio, gordura, músculo).
Pelo fato de a TC formar imagens de corte em alguns segundos (5 a 50 segundos por sequên-
cia), é possível realizar o exame em crianças cooperativas ou utilizando técnicas de distração.
Crianças menores de 6 meses geralmente necessitam de sedação ou anestesia geral. A indução
anestésica deve ser feita na presença dos pais, diminuindo, assim, a ansiedade. A técnica inala-
tória ou venosa pode ser utilizada, com a diferença de a primeira resultar em maior agitação ao
despertar. O sevoflurano constitui boa indicação como agente inalatório por sua rapidez de in-
dução e recuperação. Na maioria dos exames, a ventilação espontânea poderá ser mantida sob
máscara facial. Em alguns casos, será necessário o uso de máscara laríngea ou até a intubação
orotraqueal. Quando utilizado propofol, a dose para evitar movimento involuntários situa-se
em trono de 100 µg/kg/min ou um alvo de 2 µg/ml, com índice de depressão respiratória
perto de 20%, mas raramente sendo necessário intubação traqueal14. Uma técnica adotada em
lactentes é a “feed and swaddle”, que consiste em amamentar a criança e, ao adormecer, colo-
cá-la no tubo do scanner, prendendo-a com uma cinta. Em um estudo observacional com 24
lactentes, conseguiu-se realizar o exame com êxito em 96% destes15.
O campo magnético não fica restrito apenas ao túnel, estende-se por muitos metros e
possivelmente pode interferir no funcionamento de aparelhos eletroeletrônicos localizados
próximos. Em outubro de 2014, a ASA publicou Task Force on Anesthetic Care for Magnetic
Resonance Imaging25, em que divide o ambiente da RM em zonas de segurança (Figura 2):
• Zona I: essa região inclui todas as áreas que são livremente acessíveis ao público em
geral.
• Zona II: essa área é a interface entre o local do público, Zona I (não controlada), e as
zonas estritamente controladas III e IV.
• Zona III: essa área é a região em que o livre acesso do público, objetos ferromag-
néticos ou equipamentos que podem resultar em ferimentos graves ou morte como
resultado da interação com o campo magnético. Na Zona III, devem ser marcadas
como sendo potencialmente perigosas as áreas dentro das quais a força do campo
magnético estático é superior a 0,5 Gauss. Todo indivíduo que pretenda entrar na
Zona III deve passar primeiro por um processo de rastreio de segurança.
• Zona IV: local onde se encontra o equipamento de RM.
Contrastes radiológicos
Os meios de contrate são substâncias radiodensas, capazes de melhorar a especificidade
das imagens obtidas em exames radiológicos, pois permitem a diferenciação de estruturas
e patologias vascularizadas das demais. A estrutura básica dos meios de contraste iodados
é formada por um anel benzênico ao qual foram agregados átomos de iodo e grupamentos
complementares, em que estão ácidos e substitutos orgânicos, que influenciam diretamente
sua toxicidade e excreção.
Na molécula, o grupo ácido (H+) é substituído por um cátion (Na+ ou meglumina),
dando origem aos meios de contrastes ditos “iônicos” ou por aminas portadoras de grupos
Nefrotoxidade
A utilização de contrastes iodados tem aumentado rapidamente, quer para fins de diag-
nóstico (TC, angiografias), quer para apoio de intervenções (angioplastia). A população
submetida a eles é em regra mais idosa e portadora de múltiplos fatores de risco. A frequên-
cia de nefropatia em virtude de contrastes iodados, em relação ao total de casos de insufi-
Radioterapia
A anestesia para radioterapia é usada para tratar linfomas, leucemias agudas, tumor Willms,
retinoblastoma e tumores de sistema nervoso central. A radioterapia é indolor, mas o
posicionamento do paciente, especialmente em uma máscara termoplástica facial, pode
causar desconforto37.
O radioterapeuta calcula a dose total de radiação para cada paciente, que é administrada
em sessões diárias (ou duas ao dia), que duram de 15 a 30 min cada uma, por várias semanas
(em torno de 20-30 sessões). Para crianças com metástase na medula espinhal, podem ser
irradiados até quatro campos em cada sessão. Dividir a radioterapia em sessões diárias per-
mite o reparo tissular normal entre as sessões, enquanto o tumor é destruído38.
O principal objetivo da radioterapia é que a dose máxima possa atingir a área do câncer,
enquanto o tecido normal circundante não seja afetado. A energia ionizante destrói todo o
tecido em seu caminho e o paciente deve permanecer imóvel para evitar danos excessivos
no tecido saudável e limitar os efeitos colaterais. Quando o paciente se move, a dose perdida
para o tecido saudável não pode ser repetida. Logo, a imobilidade é fundamental durante o
tratamento e o plano profundo de anestesia deve ser atingido em cada sessão.
Podem ser usados os fótons de raios X, raio gama ou de prótons. A energia absorvida
pelos tecidos é medida em Grays (Gy), que tem substituído o termo rad. Um Gray equivale
a 100 rad. Apesar da maioria das crianças receberem terapia com fótons de raios X, algumas
Medicina nuclear
A medicina nuclear produz imagens por meio da detecção da radiação emitida pelo
marcador radioativo injetado na corrente sanguínea. Esses materiais, dependendo da
composição, pode avaliar a função de diferentes sistemas de órgãos e diagnóstico de pro-
cessos de doenças.
A imagem nuclear é utilizada no diagnóstico e acompanhamento do câncer ósseo, na
detecção de focos de convulsão, na avaliação de doença cerebrovascular e de desordens
comportamentais e cognitivas, além da avaliação e do acompanhamento de doença de re-
fluxo urinário.
Referências
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Introdução
As cardiopatias congênitas são a apresentação mais comum das patologias congênitas,
com incidência estimada entre 0,3% e 1,2% dos nascidos vivos1 (cerca de 1.300.000 crianças
nascem por ano no mundo), somando aproximadamente 30% dessas doenças2 . Apesar de
muitos estudos relatarem uma incidência constante ao redor do mundo, poucos trabalhos
sobre prevalência têm sido realizados nos países em desenvolvimento. De qualquer forma,
nestes, os números absolutos são maiores devido ao maior número de nascimentos3.
Cardiopatias que envolvem defeitos estruturais do coração e alterações nos grandes
vasos estão entre as anomalias perinatais mais comuns.
Os avanços nas técnicas de diagnóstico fetal e no atendimento neonatal, a realização
de cirurgias e intervenções hemodinâmicas precoces, os avanços nas técnicas anestésicas,
cirúrgicas e na perfusão e o tratamento intensivo com cardiologia pediátrica especializada
são fatores que trouxeram melhores resultados, sendo responsáveis pelo prognóstico e pela
maior sobrevida desta população. Oitenta e cinco por cento das crianças que nascem com
algum defeito cardíaco podem atingir a idade adulta. Aproximadamente, metade dessas
crianças necessita de intervenção cirúrgica e 50% das crianças que necessitam da inter-
venção realizam a mesma ainda no período neonatal, seja para uma cirurgia definitiva seja
para uma cirurgia paliativa. Apesar desses avanços, muitas crianças continuam a apresentar
algum grau de limitação na qualidade de vida após a cirurgia e sequelas cardiovasculares e
neurológicas podem estar presentes.
Na anestesiologia pediátrica, a necessidade de conduzir casos de crianças cardiopatas,
tanto para realização de cirurgias cardíacas quanto para procedimentos não cardíacos, é
uma realidade diária. Crianças cardiopatas que serão submetidas a procedimentos não
cardíacos apresentam um maior risco de morbidade e mortalidade perioperatória quando
comparadas a crianças hígidas 4. Portanto, entender a fisiologia peculiar dessas crianças,
conhecer os princípios da anestesia neonatal e pediátrica, a anatomia e a fisiologia das
cardiopatias congênitas, os conceitos da circulação extracorpórea (CEC) e possíveis com-
plicações e promover constante atualização das condutas e treinamento teórico/prático
são de extrema importância no cuidado e levam a resultados de sucesso com menor mor-
bidade e mortalidade5.
O tratamento dessas crianças depende do trabalho em equipe. O atendimento em con-
junto das especialidades envolvidas traz melhores evoluções e a anestesiologia tem papel
importante nesse processo5.
Crianças hígidas apresentam particularidades no que diz respeito a fisiologia. Quando a
isso se acrescenta uma cardiopatia congênita, o tratamento é mais delicado e o conhecimen-
to acerca das repercussões clínicas se torna imperativo. No período neonatal e em lactentes,
quando a maioria das cardiopatias congênitas tem indicação de correção, essas diferenças
são ainda mais acentuadas e condutas adequadas evitam descompensações clínicas desne-
cessárias e melhoram a estabilidade hemodinâmica.
Fisiologia Cardiovascular
Circulação fetal: A circulação fetal pode ser descrita como um circuito paralelo, onde os
dois ventrículos promovem fluxo sanguíneo sistêmico.
O sangue oxigenado proveniente da placenta, por meio da veia umbilical (PO2 30
mmHg), é encaminhado ao sistema porta; 30% a 50% desse fluxo sanguíneo passa pelo
ductus venosus e atinge a veia cava inferior. O fluxo restante atravessa a microcirculação
hepática e atinge a veia cava inferior supra-hepática6. O sangue que vem da veia cava
inferior para o átrio direito atinge o átrio esquerdo pelo forame oval, passando, ainda,
pelo ventrículo direito e vasos pulmonares. No átrio esquerdo, o sangue se mistura com
o pequeno fluxo venoso que retorna da circulação pulmonar, o qual é direcionado ao ven-
trículo esquerdo e à aorta ascendente, onde a saturação, nesse momento, atinge 65% a
70%6. A maioria do retorno venoso da veia cava superior e 20% do fluxo sanguíneo da veia
cava inferior passam pelo ventrículo direito para a artéria pulmonar, onde encontra uma
alta resistência vascular pulmonar, pois os pulmões estão repletos de líquido, recebendo
apenas 10% a 15% do débito cardíaco. O fluxo sanguíneo é, portanto, redirecionado para
a aorta descendente pelo ductus arteriosus6. A circulação fetal funciona em um ambiente
cianótico e a circulação em paralelo aumenta o trabalho do ventrículo direito6.
Circulação pós-natal: A circulação pós-natal pode ser descrita como um circuito
em série, pois os ventrículos direito e esquerdo promovem fluxo sanguíneo para as duas
circulações, com diferentes resistências, a pulmonar e a sistêmica, respectivamente, uma
após a outra6.
Ao nascimento, ocorre o que chamamos de circulação transicional, na qual, logo após a
expansão dos pulmões (com a entrada de ar), a placenta é eliminada da circulação, a PCO2
alveolar diminui e a PO2 alveolar aumenta; a microvasculatura pulmonar se reorganiza cau-
Avaliação Pré-Anestésica
Pacientes cardíacos pediátricos necessitam de cuidados multidisciplinares. A visita
pré-anestésica tem papel fundamental em todos os pacientes que serão submetidos a pro-
cedimentos sob anestesia. Objetiva identificar os fatores que possam interferir no manejo
perioperatório e o comprometimento de outros órgãos e sistemas.
Um histórico detalhado da criança deve ser pesquisado, inclusive com todos os exames
complementares disponíveis. Da mesma maneira, uma anamnese completa com os respon-
sáveis e exame físico diagnosticam as condições clínicas7. Uma avaliação bem conduzida
chama a atenção para sinais de gravidade como cianose, hipertensão pulmonar e, até mesmo,
insuficiência cardíaca.
Como a cardiopatia congênita pode ser uma manifestação de uma alteração genética ou
de um dismorfismo genético, todos os pacientes devem ser avaliados de forma a diagnosticar
Considerações Anestésicas
Medicação pré-anestésica
A indicação de medicação pré-anestésica também é considerada durante a avaliação. É
interessante usar esse tipo de medicação para reduzir a ansiedade, promover sedação e mi-
nimizar o consumo de oxigênio. É extremamente útil nas crianças com shunt D-E, já que a
agitação pode agravar a cianose ou desencadear crises de hipóxia. Sua administração pode
favorecer a redução da quantidade dos anestésicos na indução, minimizando as alterações
na resistência vascular sistêmica5,7. É ideal que sua administração seja ofertada na entrada
do centro cirúrgico, sob o olhar da equipe médica, já que quadros de hipoventilação podem
desviar ainda mais a curva de dissociação da oxiemoglobina para a direita e agravar a clínica
dos pacientes cianóticos.
Medicamentos em uso
Na tentativa de manter a estabilidade cardiovascular, a criança cardiopata acaba receben-
do mais de um medicamento. Os medicamentos devem ser mantidos até o dia da cirurgia,
exceto os digitálicos que apresentam um baixo índice terapêutico e podem causar arritmias
na vigência de hipopotassemia, hipomagnesemia e hipercalemia. Quando o digital for es-
sencial para controlar a taquicardia supraventricular, ele deve ser mantido, tomando-se o
cuidado de evitar episódios de hipopotassemia.
Os b-bloqueadores, utilizados para controlar as crises de cianose por espasmo do infun-
díbulo pulmonar na criança com Tetralogia de Fallot ou por espasmo subaórtico na este-
Manejo da Anestesia
A indução anestésica deve ser cautelosa, devendo-se levar em consideração os efeitos na
RVS, na pressão arterial média e na RVP2,5.
Existe um grande arsenal de drogas anestésicas apropriadas e suportadas na literatura
para a criança cardiopata. As preferências variam entre os serviços5. A conduta do aneste-
siologista deve ser individualizada e a técnica anestésica de escolha deve ser aquela capaz de
manter o equilíbrio hemodinâmico do paciente, causar uma mínima depressão da contrati-
lidade miocárdica, que não seja arritmogênica e que mantenha um adequado balanço entre
a circulação pulmonar e a sistêmica.
Alguns dados devem ser levados em consideração:
• cardiopatias simples podem ser menos instáveis hemodinamicamente do que as com-
plexas, mas ainda exigem planejamento anestésico adequado para evitar complicações.
• crianças com insuficiência cardíaca, em tratamento com diuréticos, inibidores de enzi-
ma conversora de angiotensina e b-bloqueadores podem estar predispostas à hipoten-
são severa após administração de anestésicos12 .
• o tratamento da cardiopatia pode manter a criança em um estado basal de hipovolemia,
que pode exacerbar com o jejum pré-operatório, causando hipotensão com a vasodila-
tação na indução12 .
• o uso de altas doses de opioides é associado à diminuição da resposta ao estresse da
cirurgia cardíaca. Contudo, doses reduzidas de opioides ou a utilização de opioides de
curta duração de ação pode ser realizada para facilitar a extubação precoce5.
• a sala de cirurgia deve oferecer material para o manejo das vias aéreas, aparelho de aneste-
sia e ventilação mecânica, monitorização adequada, cardioversor e desfibrilador2.
Drogas Vasoativas
Os objetivos do uso de drogas vasoativas em cirurgias para tratamento de cardiopatias
congênitas devem levar em conta a oferta de oxigênio aos tecidos para melhorar a oxigena-
ção. Portanto, é necessário melhorar o débito cardíaco otimizando a frequência cardíaca, a
pré-carga, a contratilidade e a pós-carga e, ainda, a concentração de hemoglobina e a satura-
ção de oxigênio adequadas para cada situação6.
Drogas inotrópicas e vasoconstritoras são frequentemente necessárias para promover
estabilidade hemodinâmica6. No período neonatal e em lactentes, as drogas mais utilizadas
são agonistas adrenérgicos, como a adrenalina e inibidores da fosfodiesterase, como a milri-
nona. Outras drogas devem estar disponíveis como b-bloqueadores, vasodilatadores como
o nitroprussiato de sódio, vasopressina, por possuírem indicação para situações específicas
e serem extremamente necessárias para um desfecho satisfatório2,6,16.
Transporte à UTI
O transporte deve seguir protocolos de segurança para o cuidado integral da criança,
sendo imprescindível a monitorização de ECG, oximetria de pulso e pressão arterial7,13 .
A checagem de todas as baterias de monitores, bombas infusoras, ventilador mecânico
de transporte (caso disponível) e níveis de oxigênio nos torpedos com material para
ventilação manual é obrigatória 2,4. Drogas para reanimação e material para intubação
orotraqueal de emergência devem estar disponíveis7,13 . A conferência dos sinais vitais,
monitorização, passagem da história clínica e rechecagem na UTI são realizados se-
quencialmente e com atenção7,13 .
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Introdução
O tratamento de doenças congênitas intraútero evoluiu de algo meramente conceitual
para uma área especializada da medicina. Se fosse possível corrigir uma anormalidade
congênita antes do nascimento, seria possível curar essa anormalidade ou ao menos reduzir
drasticamente suas sequelas?1
Histórico
As primeiras observações relatadas sobre o feto são descritas por Vesalius, em sua obra De
Humani Corporis Fabrica (1543), porém apenas a partir do século XIX surgiram os primei-
ros estudos experimentais em animais.
Experimentos em primatas tornaram-se viáveis após a evolução de medicamentos ute-
rolíticos, técnicas anestésicas e cirúrgicas2 . O marco da intervenção fetal em humanos foi
quando em 1961, William Liley demostrou que a transfusão fetal intraútero diminuía a
hidropsia fetal grave3.
Apesar de muitas malformações poderem ser detectadas por ultrassonografia, poucos
casos selecionados são passíveis de correção intrauterina. Na maioria desses casos, uma
simples lesão anatômica interfere o desenvolvimento adequado do órgão. Se o defeito é cor-
rigido, o desenvolvimento do feto teoricamente ocorre de forma normal4.
Aspectos Éticos
A realização de cirurgia fetal nos obrigou a reconsiderar quem é e o que é o feto, e como
a cirurgia fetal pode afetar não somente ao feto mas, também, a gestante5.
A cirurgia materno-fetal em si não traz benefícios físicos à mãe. Pelo contrário, aumenta
os riscos de morbidade durante a gestação, trabalho de parto prematuro ou eventualmente
comprometer gestações futuras. O Comitê de Ética do American College of Obstetricians and
Gynecologists e o Comitê de Bioética da Academia Americana de Pediatria conjuntamente
declararam que “mesmo a maior evidência de benefício para o feto não é eticamente sufi-
ciente para sobrepor a decisão da mãe de ser submetida a uma cirurgia fetal”6. E apesar de
a grande maioria dos médicos concordar com esta afirmação, é importante detectar quais
pressões internas ou externas (família, comunidade, crença religiosa) a gestante possa estar
sendo submetida a tomar tal decisão.
Fisiologia materno-fetal
As alterações fisiológicas durante a gravidez implicam risco aumentado para a anestesia.
Essas alterações vão de encontro ao aumento da demanda metabólica e dos efeitos mecâni-
cos do crescimento uterino e compressão de estruturas adjacentes.
As principais alterações que influenciam a circulação placentária e o feto serão descritas
a seguir.
Alterações hormonais, ingurgitamento vascular e aumento do líquido extracelular levam
a edema de vias aéreas superiores que tornam a manipulação da via aérea da gestante mais
Teratogênese e Apoptose
Um teratógeno é uma substância que aumenta a incidência de uma malformação especí-
fica e que não pode ser atribuída ao acaso. A dose e o momento da exposição do feto a essa
substância são cruciais para que o efeito teratogênico ocorra.
Cada órgão e sistema tem um período de vulnerabilidade, e entre a 3ª e a 8ª semana in-
trauterina, o feto exposto a um teratógeno apresenta grande chance de importantes anoma-
lias morfológicas no sistema nervoso central, coração, membros, olhos e palato. Enquanto
a exposição for entre a 8ª e a 38ª semana, existe maior probabilidade de pequenos defeitos
fisiológicos e morfológicos no cérebro, olhos e genitais.
Os estudos realizados em animais utilizam doses exageradas de fármacos e devido
a enorme variação genética entre as espécies, existe grande dificuldade em transpor con-
clusões baseadas nesses estudos para a população humana23. Não há nenhuma evidência
de efeitos teratogênicos em fetos submetidos a cirurgia fetal. Além disso, a maioria dessas
cirurgias ocorre durante o segundo e o terceiro trimestre de gestação, períodos com menor
vulnerabilidade para esse efeito.
Monitorização fetal
O objetivo durante qualquer intervenção fetal é evitar hipoxemia, hipotermia e bradi-
cardia no feto. No entanto, o acesso ao feto é limitado e equipamentos para monitorização
contínua ainda estão em desenvolvimento e são limitados.
A monitorização fetal pode ser realizada por meio da medida direta de gases sanguíneos,
eletrocardiograma, oximetria de pulso, ecocardiograma fetal e medida de fluxo sanguíneo
cerebral fetal por ultrassonografia com Doppler55,56. A frequência cardíaca (FC) fetal pode
ser acessada também com a palpação do cordão umbilical.
Em casos onde a coleta de sangue faz-se necessária, a amostra fetal pode ser obtida de
qualquer veia disponível, porém deve-se lembrar de que a punção de vasos umbilicais pode
levar a espasmo do cordão, hematoma e até morte fetal.
O feto vive em baixas concentrações de oxigênio com satO2 de 30-70% e com 60-90%
de hemoglobina fetal, prejudicando medidas fidedignas da monitorização com oximetria
de pulso57.
Figura 1 - Traqueostomia realizada durante Exit em paciente com teratoma na região oral acometendo toda
a face (arquivo pessoal da autora).
Para os procedimentos Exit não relacionados com a via aérea, o feto também precisa que
sua via aérea seja assegurada anteriormente à intervenção para o caso de ocorrer parto de
emergência sem ter completado o procedimento no feto.71 Após a intubação traqueal, os
pulmões não são ventilados até o início do nascimento do feto para não iniciar o processo de
circulação transicional e separação da placenta do feto19.
Diferentemente da cesárea habitual, profundo relaxamento uterino é necessário com
altas concentrações de halogenados e tocolíticos antes da histerotomia. No entanto, agentes
de ação prolongada como o sulfato de magnésio devem ser evitados pela necessidade de
contração uterina ao final do procedimento. O uso de bolus de nitroglicerina (75-150 μ)
seria o método mais adequado.
A anestesia geral na gestante é a mais empregada e é realizada da mesma maneira
que para os procedimentos a céu aberto59. O feto é parcialmente retirado da cavidade
uterina e solução cristaloide aquecida é infundida a fim de se manter o volume uterino
e a integridade placentária. O emprego de anestésicos diretamente no feto é muito im-
portante, pois, se o mesmo fizer esforço respiratório, pode haver mudança da circulação
fetal para circulação neonatal, transformando uma situação controlada em catastrófi-
ca 59. A temperatura da sala ideal é acima de 22 °C, lembrando que o parto ocorrerá ao
final da intervenção. Neonatologistas devem estar presentes na sala cirúrgica para re-
cepcionar o recém-nascido (RN). Vagas de UTI para mãe e RN devem estar disponíveis
assim como reserva de hemocomponentes.
Após o término da intervenção fetal e antes de clampear o cordão umbilical, o agente ina-
latório é descontinuado para permitir o retorno do tônus uterino e minimizar sangramento
uterino. Após o clampeamento e a expulsão do feto, drogas uterotônicas são empregadas e a
massagem uterina é iniciada.
A gestante deve ser extubada acordada com adequado controle da dor no pós-operatório
por meio de cateter peridural.
Introdução
O período neonatal compreende as quatro primeiras semanas de vida. É um período
muito peculiar de adaptação, amadurecimento e crescimento com diversas mudanças em
vários órgãos e sistemas em pouco espaço de tempo. Além do estudo das principais pato-
logias cirúrgicas que acometem os neonatos é fundamental o conhecimento das caracte-
rísticas específicas dessa faixa etária para o adequado manejo anestésico, pois é o grupo da
população com a maior incidência de eventos adversos durante a anestesia1,2 .
Via aérea
A cabeça do bebê é relativamente grande em relação ao restante do corpo, a região occipital
proeminente faz com que a cabeça movimente lateralmente e também tenha tendência a flexão
quando em posição supina. O posicionamento da cabeça pode ser feito com um coxim redondo
(rodilha) na região occipital para estabilização, e/ou um coxim entre os ombros, o ideal é que a
cabeça fique em posição neutra. A hiperextensão deve ser evitada porque cria um ângulo agudo
entre a laringe e a traqueia que atrapalha a visualização da glote durante a laringoscopia2,3.
A língua é relativamente grande em comparação à cavidade oral e tem mobilidade lateral
limitada. A glote é mais cefálica (nível C2/C3) e anterior. A epiglote tem formato de ômega
e é mais alongada, podendo atrapalhar a visualização da glote. A utilização da lâmina de
laringoscopia reta é recomendada pois auxilia se houver necessidade de pinçamento da epi-
glote e também desloca a língua em direção à região submandibular, aumentando o espaço
de visualização2,3,4.
O conhecimento da anatomia da laringe do neonato mudou na última década a partir
de estudos com métodos de imagem. Os estudos demonstram que a área mais estreita é a
região das pregas vocais ou logo abaixo delas, e que a laringe tem circunferência elipsoide
com o menor diâmetro transversal. Porém, o anel cricoide é o ponto mais vulnerável da via
aérea por ser a única estrutura não distensível. Isquemia ou lesão nessa área pode levar a
estenose subglótica pós-operatória3,5.
Sistema respiratório
O pulmão do neonato ainda não está completamente desenvolvido, tem alvéolos maiores
e em menor quantidade que as crianças maiores, assim apresenta também menor capaci-
dade elástica e menor complacência. O pulmão com tendência ao colapso tem aumento da
capacidade de fechamento (CF). A CF é maior que a capacidade residual funcional (CRF),
levando ao fechamento das pequenas vias aéreas durante uma ventilação normal2,6.
A caixa torácica, por outro lado, é mais complacente. A estrutura cartilaginosa deforma
facilmente e, por esse motivo, em situações com esforço respiratório ocorre a chamada res-
piração paradoxal, com afundamento do tórax durante a inspiração e elevação na expiração6.
Onfalocele e Gastrosquise
A onfalocele e a gastrosquise são defeitos congênitos do fechamento da parede abdomi-
nal com etiologia embriológica distinta, mas com o mesmo princípio de tratamento cirúrgi-
co e manejo anestésico11.
Hérnia Diafragmática
A hérnia diafragmática congênita apresenta uma incidência de 1 caso a cada 2.500-5.000
nascidos vivos. A mortalidade varia de 10 a 23%, sendo maior em centros de menor volume.
A maioria dos óbitos ocorre nas primeiras 24 horas20.
O defeito posterolateral (Bochdaleck) é o mais frequente, seguido de defeitos na região
anterior e central do diafragma. Como o defeito se forma durante a fase de desenvolvimento
pulmonar, há marcante hipoplasia. Além disso, há espessamento da camada média arterial
contribuindo para hipertensão pulmonar21.
O diagnóstico antes do nascimento é possível por meio da ultrassonografia, sendo a rela-
ção do tamanho da cabeça com o pulmão de utilidade prognóstica. Com o diagnóstico ainda
em útero há a possibilidade de planejamento do nascimento em um centro especializado.
Além disso, pode-se realizar a oclusão traqueal intrauterina. A oclusão traqueal promove
desenvolvimento pulmonar evitando a saída de fluido do pulmão e aumento da pressão nas
vias aéreas21.
Após o nascimento, em casos sem diagnóstico prévio, os recém-nascidos são investigados
por apresentarem sintomas de insuficiência respiratória e/ou gastrointestinais. Os pacientes
devem ser submetidos à ecografia cardíaca para avaliação de malformações associadas, bem
como investigação de hipertensão pulmonar e insuficiência ventricular direita. Outras mal-
formações associadas incluem as renais, do sistema nervoso e gastrointestinais21.
Após o nascimento os pacientes recebem uma sonda gástrica para descompressão. A in-
tubação deve ser realizada evitando a ventilação sob máscara facial, pois pode distender as
alças intestinais21.
Atresia de Esôfago
As atresias de esôfago (AE) e as fístulas traqueosofágicas (FTE) constituem apresentações
diferentes da mesma patologia e que necessitam de abordagens diferentes (Figura 1). Esses
defeitos embriológicos são originados da divisão imperfeita do estômago, esôfago, faringe e
traqueia. Como na maioria das malformações, as AE/FTE podem estar associadas a outros
defeitos embriológicos em 25-50% dos casos (sendo as cardíacas as mais graves e frequentes,
constituindo 15-25% das malformações associadas). Atualmente 90% dos pacientes sobrevi-
vem quando operado em centros especializados24.
A apresentação mais comum, em 85% dos casos, é a porção proximal do esôfago em
fundo cego e a porção distal com fístula com a traqueia, ligando a árvore brônquica com o
estômago. A segunda apresentação mais comum, em 10% dos casos, é a porção proximal e
terminal do esôfago em fundo cego sem FTE25,26.
A AE/FTE, na maioria dos casos, impedem a deglutição do líquido amniótico e, conse-
quentemente, levam a um feto polidrâmnio. Em casos de ultrassom mostrando polidrâmnio
e ausência da bolha gástrica, uma sonda nasogástrica deve ser passada ainda na sala de parto
para verificar a possibilidade de AE/FTE27.
O diagnóstico pode ocorrer somente quando o neonato inicia a alimentação, poden-
do apresentar cianose e/ou engasgamento após alimentação, ou até com a deglutição
da saliva. Os raios X normalmente confirmam o diagnóstico. Uma ecocardiografia
pré-operatória é recomendada para pesquisar malformações associadas e comprome-
timento cardíaco27.
Enterocolite Necrotizante
A enterocolite necrotizante é uma doença de alta morbimortalidade caracterizada pela
necrose intestinal e que ocorre primordialmente em neonatos prematuros abaixo de 32 se-
manas. A incidência é maior nas crianças com peso abaixo de 1.500 g (85% dos casos)9.
A etiologia ainda não foi completamente elucidada, porém parece ser uma confluência
da imaturidade intestinal, tanto na motilidade como na função de barreira e regulação do
fluxo sanguíneo mesentérico, associados a uma microbiota intestinal anormal e imaturida-
de imunológica. O resultado é uma resposta inflamatória intensa, que leva a um aumento da
permeabilidade intestinal e translocação bacteriana. O quadro pode evoluir com necrose,
perfuração intestinal, peritonite e sepse. A disfunção de outros órgãos, distúrbios de coagu-
lação e a instabilidade hemodinâmica grave levam a óbito cerca de 30 a 50% dos pacientes
submetidos a cirurgia. Nem todos os pacientes necessitam de tratamento cirúrgico, as indi-
cações mais comuns são perfuração e necrose intestinal28.
O preparo pré-operatório deve incluir reposição volêmica, correção de distúrbios he-
matológicos e uso de inotrópicos no choque séptico. O maior desafio no intraoperatório
é manter um volume circulante adequado, algumas vezes torna-se necessária reposição de
Oclusões Intestinais
As oclusões intestinais normalmente são separadas pela localização anatômica, sendo o
piloro o ponto de separação entre superiores e inferiores. As obstruções superiores cursam
com vômitos principalmente após a alimentação. As obstruções inferiores causam distensão
abdominal, dor, ausência de fezes na ampola retal, hematoquezia e em alguns casos, vômitos.
A obstrução superior mais comum é a estenose de piloro. As obstruções baixas têm cau-
sas variadas, entre elas a má rotação intestinal, doença de Hirschsprung, intussuscepção
intestinal, atresias, ânus imperfurado ou atresia anal, cisto de colédoco ou íleo meconial29.
Sabemos que quando existe a presença de uma malformação, aumenta o risco de existir
outras. Em especial a atresia duodenal é associada à Síndrome de Down, imperfuração anal,
fibrose cística e alterações renais.
Essas patologias causam sintomas usualmente entre o primeiro e o sétimo dia de vida,
mas quando diagnosticado, deve ser tratada como emergência, pois os neonatos deterio-
ram rapidamente.
As alterações mais comuns são os distúrbios hidroeletrolíticos e a hipovolemia. Hipona-
tremia é muito comum e deve ser pesquisada e tratada antes da cirurgia. Grandes quantida-
des de líquido podem ser sequestradas no trato gastrointestinal obstruído, levando à grave
hipovolemia. Podem ocorrer vômitos secundários à obstrução, que pioram as alterações
citadas. Antes de iniciar a anestesia o sódio deve estar acima de 130 mEq/L -1 e o débito
urinário acima de 1 ml·kg-1 h-1.
Com a evolução da obstrução ocorre distensão abdominal, que causa disfunção respira-
tória, aumenta o risco de sepse e de aspiração de conteúdo gástrico. Pacientes com distensão
abdominal importante devem ser entubados acordados ou em sequência rápida modificada.
O manejo anestésico para todas as obstruções intestinais inferiores é semelhante. As prio-
ridades são a normalização da volemia e dos distúrbios hidroeletrolíticos, suporte ventilatório
e hemodinâmico, e relaxamento muscular para facilitar a realização do procedimento27.
A necessidade de pressão invasiva ou de acesso central deve ser avaliada caso a caso, con-
siderando o estado clínico do paciente, necessidade de drogas vasoativas e a emergência do
procedimento.
A extubação na sala de cirurgia pode ser realizada em alguns casos e deve ser discutida com
a equipe anestésico-cirúrgica. Quando a equipe estiver na dúvida, a conduta mais conservado-
ra deve ser seguida e o paciente deve ser enviado entubado para a UTI para o pós-operatório.
Introdução
O cuidado anestésico em crianças, por si só, exige maior ênfase nas mudanças fisiológicas
e psicológicas que ocorrem durante o desenvolvimento e uma abordagem perioperatória
diferente em relação aos adultos. Na população oncológica pediátrica, o cuidado pode ser
especialmente desafiador por causa dos múltiplos efeitos do tumor, de toxicidades da tera-
pia, doenças significativas e vulnerabilidades psicossociais que ocorrem durante o percurso
de uma doença crítica.
O anestesiologista desempenha um papel importante no curso clínico dos pacientes ao
estar presente durante dias ou anos de procedimentos potencialmente assustadores e com-
plexos, incluindo o primeiro procedimento de diagnóstico, a excisão do tumor cirúrgico,
tratamentos de radiação, punções lombares e biópsias da medula óssea e, finalmente, a reti-
rada do acesso central permanente quando o tumor está em remissão1.
O câncer é a segunda e a quarta causa mais comum de morte em menores de 15 e
20 anos, respectivamente. Mais de 23 mil crianças foram diagnosticadas com câncer nos
Estados Unidos em 2009, e o número de americanos que vivem com ou que tinham so-
brevivido ao câncer em 2006 era perto de 260 mil. A incidência mundial de câncer em
crianças varia de 100 a 180 por milhão menores de 15 anos, e de 210 por milhão no grupo
de adolescentes entre 15 e 19 anos, sendo a segunda e a quarta causa mais comum de
morte, respectivamente2 .
Existem distinções na ocorrência de diferentes tipos de câncer, de acordo com os países
de menor e maior renda em todo o mundo. Em países em desenvolvimento, os dados de inci-
dência para câncer pediátrico não são confiáveis, muito por conta da falta de infraestrutura
em que as bases de dados são construídas1.
Como o maior país da América do Sul, o Brasil é composto por cinco macrorregiões
geográficas, com densidade populacional, clima e estruturas socioeconômicas distintas,
de forma que o registro de casos de câncer torna-se um desafio. Há hoje 20 centros de
registro de casos de câncer no Brasil, distribuídos entre as principais cidades e regiões do
país. Em um levantamento de 2010, em 14 dos 20 centros, estimou-se uma incidência de
92 a 220 por milhão. Os grupos de cânceres mais prevalentes foram leucemia, linfoma e
tumores nervosos centrais. A taxa média foi de 154,3 por milhão; crianças de 1 a 4 anos
apresentaram as maiores taxas de incidência 3,4, entretanto, a cura do câncer infantil cres-
ceu exponencialmente nas últimas décadas, com uma sobrevida em cinco anos, exceden-
do 80% em países desenvolvidos. O Gráfico 1, a seguir, demonstra a sobrevida ao longo
do tempo, comparando países desenvolvidos com países em desenvolvimento, e mostra
uma desigualdade muito importante5.
O aumento da sobrevivência implica sequelas do câncer a longo prazo, de sua terapia em
crianças com câncer em curso ou remissivo. Sessenta e dois por cento dos sobreviventes de
câncer na infância relataram, pelo menos, uma morbidade crônica relacionada com o câncer
e 28% dos pacientes relataram uma condição grave ou muito grave1.
Os cânceres mais comuns em crianças são diferentes dos adultos, e a incidência de câncer
específico em crianças varia não apenas dos que ocorrem em adultos, mas também entre
distintas faixas etárias da infância (Tabela 1). As doenças malignas mais comuns em crian-
ças incluem: leucemia; linfoma; tumores cerebrais e tumores sólidos de tecido mole e osso.
Outros tumores são específicos da infância, incluindo neuroblastoma, retinoblastoma, me-
duloblastoma e tumor de Wilms1.
Tabela 1 - Incidência de câncer pediátrico por idade
Incidência por faixa etária (%)
Tipos de Câncer 0-4 anos 5-9 anos 10-14 anos 15-19 anos 0-19 anos
Leucemias 36.1 33.4 21.8 12.4 25.2
Tumor de sistema nervoso central 16.6 27.7 19.6 9.5 16.7
Linfomas 3.9 12.9 20.6 25.1 15.5
Carcinomas e outros tumores epiteliais malignos 0.9 2.5 8.9 20.9 9.2
Sarcomas 5.6 7.5 9.1 8.0 7.4
Tumores de células germinativas, trofoblasticas 3.3 2.0 5.3 13.9 7.0
ou gonodais
Tumores ósseos malignos 0.6 4.6 11.3 7.7 5.6
Tumores de sistemas nervoso autônomo 14.3 2.7 1.2 0.5 5.4
Tumores renais 9.7 5.4 1.1 0.6 4.4
Retinoblastoma 6.3 0.5 0.1 0.0 2.1
Tumores hepáticos 2.2 0.4 0.6 0.6 1.1
Outros tumores malignos inespecíficos 0.5 0.3 0.6 0.8 0.6
Avaliação geral
O paciente com câncer é frequentemente submetido a vários procedimentos cirúrgicos
que requerem anestesia. Esses procedimentos podem ocorrer no início do tratamento, du-
rante o tratamento, anos após sua remissão ou mesmo durante o estágio final da doença.
A avaliação pré-operatória da criança com câncer segue a avaliação preconizada para os
pacientes de uma maneira geral, enfatizando-se os problemas que possam existir decorren-
tes do próprio tumor ou de seu tratamento, pois não existe na literatura uma recomendação
específica para esses pacientes6. A avaliação pré-operatória é de fundamental importância
para a elaboração da estratégia anestésica a ser tomada e para a diminuição da morbimorta-
lidade perioperatória.
Devemos levar em consideração o tipo e a gravidade do tumor, assim como eventuais
metástases, e lembrar os efeitos da quimioterapia e radioterapia nos diversos órgãos e teci-
dos do organismo da criança7.
Precisamos salientar que, como na criança saudável, não existem dados na literatura que
recomendem uma rotina de exames pré-operatórios na criança com câncer. A solicitação
dos exames laboratoriais e de imagem deve ser guiada pela história clínica, exame físico do
paciente e tipo de cirurgia a ser realizada8,9,10.
Considerações Anestésicas
Técnica anestésica
A escolha da técnica anestésica deve levar em consideração o estado clínico do paciente,
assim como exames laboratoriais. Apesar de estudos em adultos sugerirem que a anestesia
regional esteja associada com maior tempo de sobrevida em alguns tipos de tumores, em
criança isso não é documentado.
Analgesia no perioperatório
A dor na criança com câncer está frequentemente presente desde o momento do diag-
nóstico. Estudos relatam uma incidência de até 78% nesse momento. A dor é causada pelo
envolvimento de órgãos, nervos, ossos e pelo efeito do tratamento da doença26.
A criança se beneficia com uma abordagem multimodal, incluindo a anestesia regional.
A dor no pós-operatório está relacionada com o maior número de complicações respira-
tórias, como atelectasia. A analgesia eficaz no pós-operatório, seja por via peridural, seja por
via endovenosa, diminui o risco dessas complicações27.
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Introdução
As doenças neuromusculares são um grupo heterogêneo de doenças que podem ser clas-
sificadas de forma ampla, de acordo com seus respectivos locais de acometimento.
Pacientes com doença neuromuscular representam muitos desafios anestésicos em razão
dos elevados riscos no perioperatório.
Apesar de um diagnóstico preciso da doença ser ideal para o planejamento anestésico,
crianças com doença neuromuscular comumente se apresentam para anestesia como parte
do processo de diagnóstico (por exemplo, RNM, biópsia muscular), para cirurgia relaciona-
da com o seu transtorno subjacente (por exemplo, gastrostomia, cirurgia ortopédica corre-
tiva, cirurgia de estrabismo) ou para cirurgia incidental1.
Em muitos casos, o diagnóstico pode ser claro com base em uma história familiar ou de
características clínicas ou patológicas; em outros casos, a etiologia subjacente pode não
ser definida.
As doenças neuromusculares podem ser classificadas como condições hereditárias ou
síndromes adquiridas, bem como em relação ao local afetado pelo processo da doença (pré-
-juncional, juncional ou sináptica e pós-juncional)2 .
Anormalidades podem ocorrer na liberação ou ação da acetilcolina (síndromes miastê-
nicas), na membrana pós-sináptica (canalopatias) ou no retículo sarcoplasmático (hiper-
termia maligna), nas miofibrilas (distrofias e miotonias) ou nas mitocôndrias (miopatias
mitocondriais)1 (Tabela 1).
Tabela 1 - (Modificado de: Marsh S et al. Neuromuscular disorders and anaesthesia.
Part 1: generic anaesthetic management.)
Condições hereditárias Condições adquiridas
• Pré-juncionais: • Pré-juncional:
– Neuropatias periféricas – Doença do neurônio motor
Charcot-Marie-Tooth – Esclerose múltipla
Ataxia de Friedreich – Síndrome de Guillain-Barré
• Pós-juncionais: – Neuropatias periféricas – diabetes
– Distróficas mellitus
Duchenne • Juncional:
Becker – Miastenia gravis
– Miotonias – Síndrome de Eaton-Lambert
Distrofia miotônica • Pós-juncional:
Miotonia congênita – Miopatias inflamatórias
Paralisia periódica hiper e – Miopatia e polineuropatia do paciente
hipocalêmica crítico
– Desordens metabólicas/mitocondriais
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PEDIATRIA
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