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EDITORES

Ricardo Almeida de Azevedo


Marcos Antonio Costa de Albuquerque
Rogean Rodrigues Nunes

Volume VII

SBA
Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Rio de Janeiro
2017
Educação Continuada em Anestesiologia
Copyright© 2017, Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer sistema, sem prévio consentimento da SBA.

Diretoria
Ricardo Almeida de Azevedo
Sérgio Luiz do Logar Mattos
Tolomeu Artur Assunção Casali
Augusto Key Karazawa Takaschima
Enis Donizetti Silva
Erick Freitas Curi
Rogean Rodrigues Nunes
Comissão de Educação Continuada
Marcos Antonio Costa de Albuquerque - Presidente e Coordenador do livro
Ana Cristina Pinho Mendes Pereira - Secretária
Cátia Sousa Govêia
Fernanda Paula Cavalcante
Patrícia Wajnberg Gamermann
Paulo Adilson Herrera
Capa e diagramação
Marcelo de Azevedo Marinho
Supervisão
Maria de Las Mercedes Gregoria Martin de Azevedo
Revisão Bibliográfica
Teresa Maria Maia Libório
Auxiliar Técnico
Marcelo de Carvalho Sperle
Ficha catalográfica
S678e Educação Continuada em Anestesiologia / Editores: Ricardo Almeida de Azevedo, Marcos
Antonio Costa de Albuquerque e Rogean Rodrigues Nunes.
Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Anestesiologia/SBA, 2017.
240 p.; 25cm.; ilust.

ISBN 978-85-98632-36-0
Vários colaboradores.

1. Anestesiologia – Estudo e ensino. I. Sociedade Brasileira de Anestesiologia. II. Azevedo,


Ricardo Almeida de. III. Nunes, Rogean Rodrigues. IV. Albuquerque, Marcos Antonio Costa de.
CDD - 617-96

O conteúdo desta obra é de inteira responsabilidade de seu(s) autor(es).


Produzido pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia.
Material de distribuição exclusiva aos médicos anestesiologistas.
Produzido em outubro/2017

Sociedade Brasileira de Anestesiologia


Rua Professor Alfredo Gomes, 36 - Botafogo - Rio de Janeiro - RJ
CEP 22251-080 - Tel.: (21) 3528-1050 - E-Mail: sba@sba.com.br - Portal: https://www.sbahq.org/
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EDITORES
Ricardo Almeida de Azevedo
•• TSA – SBA, Presidente da Sociedade Brasileira de Anestesiologia;
•• Responsável pelo CET/SBA do Hospital Geral Roberto Santos.

Marcos Antonio Costa de Albuquerque


•• TSA – SBA, Presidente da Comissão de Educação Continuada da SBA;
•• Responsável pelo CET Menino Jesus de Praga do HU da Univ. Fed. de Sergipe;
•• Mestre e doutor em ciências da saúde.

Ana Cristina Pinho Mendes Pereira


•• TSA – SBA, Secretária da Comissão de Educação Continuada da SBA;
•• Responsável pelo CET/SBA Serviço de Anestesia do Instituto Nacional de Câncer.

Cátia Sousa Govêia


•• TSA – SBA, Membro da Comissão de Educação Continuada da SBA;
•• Responsável pelo CET Centro de Anestesiologia da Univ. de Brasília.

Fernanda Paula Cavalcante


•• TSA – SBA, Membro da Comissão de Educação Continuada da SBA;
•• Responsável pelo CET Hospital Universitário Walter Cantídio - UFCE.

Patrícia Wajnberg Gamermann


•• TSA – SBA, Membro da Comissão de Educação Continuada da SBA;
•• Responsável pelo CET Serv. Anest. e Medicina Perioperatória do HCPA - SAMPE.

Paulo Adilson Herrera


•• TSA – SBA, Membro da Comissão de Educação Continuada da SBA;
•• Instrutor Corresponsável pelo CET Serv. Anest. do Hospital Evangélico de Londrina.

Rogean Rodrigues Nunes


•• TSA – SBA, Diretor do Departamento Científico da SBA;
•• Instrutor Corresponsável pelo CET Hospital Geral do Inamps de Fortaleza;
•• Mestre e doutor em anestesia; pós-graduado em cardiologia; pós-graduado em engenharia clínica;
•• Professor de medicina da UNICHRISTUS.

AUTORES/COAUTORES
Ana Carolina Ortiz
•• TSA – SBA, Membro do Comitê de Anestesia em Pediatria;
•• Instrutor pelo CET da Disciplina de Anest. Dor e Terapia Intensiva da UNIFESP/EPM.

André L. Jaichenco
•• Anestesiologista chefe do Hospital Dr. Prof. J. P. Garrahan – Buenos Aires, Argentina.

Bruno José Aliano Costa


•• TSA – SBA;
•• Instrutor do Centro de Ensino e Treinamento do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira – IMIP.

Camila Lucena Carneiro de Albuquerque


•• Médica anestesiologista do Instituto de Medicina Integral Prof Fernando Figueira;
•• Instrutora do curso SAVA.
Carolina Rizzoni Silveira
•• Anestesiologista do Hospital Pequeno Príncipe – Curitiba/PR.

Cibelle Magalhães Pedrosa Rocha


•• TSA – SBA;
•• Instrutor Corresponsável pelo CET Serv. Anest. do Instituto Dr.José Frota.

Cinthia Martins Leite Vidigal


•• TSA – SBA.

Daniel Bassette
•• TEA – SBA.

Daniel Dongiu Kim


•• TSA – SBA;
•• Instrutor Corresponsável pelo CET da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

Daniela Bianchi Garcia


•• TSA – SBA;
•• Anestesiologista e coordenadora do Centro Cirúrgico do Hospital Pequeno Príncipe – Curitiba/PR.

Danielle Maia Holanda Dumaresq


•• TSA – SBA;
•• Responsável pelo CET Serv. Anest.do Instituto Dr.José Frota;
•• Membro do Comitê de Anestesia em Pediatria.

Débora de Oliveira Cumino


•• TSA – SBA, Presidente da Comissão de Ensino e Treinamento CET/SBA;
•• Doutora em pesquisa em cirurgia pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo;
•• Coordenadora do Serviço de Anestesiologia Pediátrica – SAPE/Hospital Infantil Sabará.

Eneida Maria Vieira


•• TEA – SBA.

Fabiana Ajnhorn
•• Especialista em Pediatria – SBP;
•• Especialista em anestesiologia – SBA;
•• Mestre em pediatria pela UFRGS.

Giorgio Pretto
•• TSA – SBA;
•• Instrutor Corresponsável pelo CET do Serviço de Anestesiologia de Joinville;
•• Doutor em Anestesiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Guilherme H. S. Moura
•• TEA – SBA, MBA.

Gustavo Rodrigues Costa Lages


•• TSA – SBA, Área de Atuação em Dor SBA/AMB;
•• Medicina intensiva TEMI/AMIB;
•• Comissão de Terapêutica e Tratamento da Dor SBA, 2014-2016;
•• FFI em anestesia pediátrica, Hôpital Necker-Enfants Malades, Université Paris 6;
•• Coordenador da Clínica de Dor do Hospital das Clínicas da UFMG.
Hugo Ítalo Melo Barros
•• Fellowship em anestesiologia pediátrica no Hospital Pequeno Príncipe;
•• Instrutor Corresponsável pelo Núcleo de Qualidade do Serviço de Anestesiologia Pediátrica SAPE;
•• Anestesiologista do Hospital Infantil Sabará.
Isadora Costa Chacon
•• TEA – SBA;
•• Especialização em medicina da dor pela Clínica de Dor do HC/UFMG.

Joana Angélica Vaz de Melo


•• TEA – SBA;
•• Anestesiologista do Hospital das Clínicas da UFMG;
•• Especialização em medicina da dor pela Clínica de Dor do HC/UFMG.

Juliana Midori Kishi


•• TEA – SBA.

Lívia Berti Ramos


•• Médica do Serviço de Anestesiologia do Hospital Municipal Jesus;
•• Médica do Serviço de Anestesiologia do Hospital Federal do Andaraí.

Luciana Cavalcanti Lima


•• Doutora em anestesiologia UNESP;
•• Professora da Faculdade Pernambucana de Saúde;
•• Médica anestesiologista do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira.

Luciane Gabardo Pimentel


•• TSA – SBA;
•• Instrutora do CET do Serviço de Anestesiologia de Joinville.

Luis Otávio Esteves


•• TSA – SBA;
•• Instrutor Corresponsável pelo CET do Centro Médico de Campinas.

Marcella Marino Malavazzi


•• TEA – SBA.

Marcio Natter
•• TSA – SBA;
•• Instrutor Corresponsável pelo CET do Serviço de Anestesiologia de Joinville.

Maria Célia Ferreira da Costa


•• Coordenadora do Serviço de Anestesia do Instituto Prof Fernando Figueira;
•• Vice-tesoureira da Sociedade de Anestesiologia do Estado de Pernambuco (SAEPE).

Marilman Maciel Benício Zan


•• TSA – SBA;
•• Instrutor Corresponsável pelo CET Serv. Anest. do Instituto Dr.José Frota.

Milton Halyson Benevides de Freitas


•• TSA – SBA;
•• Mestre em Cuidados Intensivos pelo Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira – IMIP;
•• Médico Anestesiologia do IMIP.

Pedro Paulo Vanzillotta


•• TSA – SBA;
•• Instrutor Corresponsável pelo Centro de Ensino e Treinamento do Hospital Federal do Andaraí;
•• Chefe do Serviço de Anestesiologia do Hospital Municipal Jesus – RJ;
•• Pós-graduação lato sensu em Dor no Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein.

Roberta Cristina Risso


•• TEA – SBA.
Sérgio Bernardo Tenório
•• TSA – SBA;
•• Responsável pelo CET Serv. Anest. do Hospital de Clínicas da UFPR.

Suzana Barbosa de Miranda Teruya


•• TSA – SBA;
•• Coordenadora do Serviço de Anestesiologia do Instituto de Oncologia Pediátrica IOP, GRAACC;
•• Médica anestesiologista do Instituto da Criança HC – FMUSP.

Vivian Cirineu Coutinho


•• Instrutor Corresponsável pelo Núcleo de Qualidade do Serviço de Anestesiologia Pediátrica SAPE;
•• Anestesiologista do Hospital Infantil Sabará;
•• Membro do Grupo SMA – Serviços Médicos de Anestesiologia.
INTRODUÇÃO

Vivemos em um mundo cheio de simbolismos, e ao produzir este livro de educação


continuada na forma mais honesta possível, a SBA entende que está oferecendo ao aneste-
siologista brasileiro não só um produto que fornece conhecimento para sua reciclagem e
aprimoramento, mas também um símbolo de vigor, continuidade e comprometimento da
SBA com a anestesia brasileira.
Esta obra gera uma expectativa ao sócio e, como tal, é esperada por todos aqueles que
a utilizarão em benefício de seus pacientes, tornando o ato anestésico ainda mais seguro
e confiável.
Nesta edição, será abordado o tema Anestesia em Pediatria, nada mais justo e coerente
com o dinamismo e a evolução que a especialidade vem apresentando nos últimos tempos.
O objetivo é que todos os que venham a usufruir do conteúdo técnico e científico deste
livro possam também perceber que ele se trata de mais do que um simples livro - ele está
cheio do espírito que rege essa associação há quase 70 anos, ou seja, realização científica,
tradição e excelência a serviço da anestesiologia brasileira.
Por fim, um agradecimento especial a todos os que, de alguma forma, contribuíram
para a realização desta obra.
Aproveitem a oportunidade e boa leitura!

Rogean Rodrigues Nunes


Diretor do Departamento Científico da SBA

Ricardo Almeida de Azevedo


Presidente da SBA
SUMÁRIO
Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Capítulo 01
Aspectos anatômicos e fisiológicos do RN e da criança. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Débora de Oliveira Cumino, Luciana Cavalcanti Lima
Capítulo 02
Avaliação pré-anestésica em pediatria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
Cibelle Magalhães Pedrosa Rocha, Danielle Maia Holanda Dumaresq, Marilman Maciel Benício Zan
Capítulo 03
Ventilação Pulmonar. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
Débora de Oliveira Cumino, Luciana Cavalcanti Lima, Fabiana Ajnhorn
Capítulo 04
Fluidoterapia transoperatória. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
Marcella Marino Malavazzi, Cinthia Martins Leite Vidigal, Roberta Cristina Risso
Capítulo 05
Agentes inalatórios na criança. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
Sérgio Bernardo Tenório
Capítulo 06
Anestesia intravenosa total. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
Hugo Ítalo Melo Barros, Luis Otávio Esteves, Vivian Cirineu Coutinho
Capítulo 07
Bloqueios periféricos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105
Luciana Cavalcanti Lima, Débora de Oliveira Cumino, André L. Jaichenco
Capítulo 08
Peculiaridades da anestesia espinal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117
Daniel Bassette, Eneida Maria Vieira
Capítulo 09
Efeitos da anestesia no desenvolvimento da criança. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133
Daniel Dongiu Kim
Capítulo 10
Analgesia pós-operatória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141
Camila Lucena Carneiro de Albuquerque, Luciana Cavalcanti Lima, Maria Célia Ferreira da Costa
Capítulo 11
Abordagem para cirurgia ambulatorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153
Pedro Paulo Vanzillotta, Lívia Berti Ramos
Capítulo 12
Anestesia fora do centro cirúrgico para pacientes pediátricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161
Maria Célia Ferreira da Costa, Milton Halyson Benevides de Freitas, Bruno José Aliano Costa
Capítulo 13
Anestesia para tratamento de cardiopatias congênitas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 185
Daniela Bianchi Garcia, Carolina Rizzoni Silveira
Capítulo 14
Anestesia para cirurgia fetal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197
Ana Carolina Ortiz, Juliana Midori Kishi
Capítulo 15
Anestesia para tratamento de urgências neonatais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 211
Luciane Gabardo Pimentel, Giorgio Pretto, Marcio Natter
Capítulo 16
Anestesia para oncologia pediátrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 223
Suzana Barbosa de Miranda Teruya, Guilherme H. S. Moura
Capítulo 17
Anestesia em crianças com doença neuromuscular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 231
Gustavo Rodrigues Costa Lages, Joana Angélica Vaz de Melo, Isadora Costa Chacon
PREFÁCIO

O livro da Comissão de Educação Continuada 2017 mantém sua estrutura na abordagem


de conteúdo temático. Esta edição proporciona uma breve revisão de pontos básicos para a
prática da anestesia em pediatria. Foi idealizado para oferecer aos colegas uma revisita aos
aspectos fundamentais para a realização de anestesia em crianças. O sumário foi planejado
com uma abordagem básica de anatomia, fisiologia, ventilação pulmonar, avaliação pré-a-
nestésica e fluidoterapia. De forma amena e de fácil leitura, o conteúdo apresenta os aspectos
relevantes para a realização de anestesia inalatória, anestesia venosa total, bloqueios peri-
féricos, bloqueios espinhais e analgesia pós-operatória. Em sua parte final, o livro discute
assuntos polêmicos e de grande importância, como os efeitos da anestesia no desenvolvi-
mento da criança, a abordagem para o ato da cirurgia ambulatorial e fora do centro cirúrgico
e anestesia para tratamento de cardiopatias congênitas, cirurgia fetal, urgências neonatais e
doenças neuromusculares.
Esta obra é resultado do trabalho de várias mãos e mentes que não mediram esforços para
sua concretização, portanto, nossos agradecimentos aos colegas que dedicaram seu precioso
tempo para escrever cada capítulo com zelo, aos colegas da CEC Ana Cristina Pinho Men-
des Pereira, Fernanda Paula Cavalcante, Cátia Sousa Govêia, Paulo Adilson Herrera e Pa-
trícia Wajnberg Gamermann, que revisaram cada capítulo. À Diretoria da SBA, em especial
ao diretor científico, Dr. Rogean Rodrigues Nunes, e aos nossos incansáveis funcionários da
SBA Maria de Las Mercedes G. Martin de Azevedo, Marcelo de Azevedo Marinho, Marcelo
de Carvalho Sperle e Teresa Maria Maia Libório, nossa profunda gratidão e reconhecimen-
to por todo o trabalho dedicado nos bastidores para a concretização desta edição, pois sei o
quanto assumem esse papel com primor e empenho.
Que o conteúdo apresentado nesta obra proporcione valor à sua prática diária, pois a
finalidade é oferecer aos colegas anestesiologistas um tema científico atualizado. Quem
mantém a vontade de aprender renova-se a cada dia.

Comissão de Educação Continuada (CEC)


Marcos Antonio Costa de Albuquerque
Ana Cristina Pinho Mendes Pereira
Fernanda Paula Cavalcante
Cátia Sousa Govêia
Paulo Adilson Herrera
Patrícia Wajnberg Gamermann

Prefácio | 11
Capítulo 01

Aspectos anatômicos e
fisiológicos do RN e da criança
Débora de Oliveira Cumino
Luciana Cavalcanti Lima
Aspectos anatômicos e fisiológicos do RN e da criança

Introdução
Os períodos do desenvolvimento das crianças são agrupados conforme a faixa etária,
sendo assim, recém-nascido/neonato corresponde à idade de 0 a 30 dias; lactentes, de 1 mês
a 2 anos; pré-escolar, de 2 a 7 anos e escolar, acima de 7 anos. As diferenças anatômicas são
mais marcantes, nos períodos iniciais, nos recém-nascidos (RN) e lactentes, porém, podem
persistir até a idade escolar. Essas alterações ocorrem em praticamente todos os órgãos e
sistemas e determinam diferenças fisiológicas e afetam a termogênese e a farmacologia, in-
terferindo no manejo anestésico1.
Utilizando peso corporal, estatura ou área de superfície corpórea (ASC) para comparação
entre tamanhos, notam-se diferenças significativas entre as faixas etárias. Um RN normal
que pesa 3 kg tem um terço do tamanho de um adulto em estatura, mas apresenta um nono
do tamanho do adulto em ASC e um vinte e um avos do peso do adulto. Dessas medidas do
corpo, a ASC é provavelmente a mais importante, porque aproxima bastante as variações na
taxa metabólica basal medida em kg.h-1.(m2) -1. Por essa razão, seria um critério melhor em
comparação à idade ou peso para o cálculo da quantidade basal de líquido e das exigências
nutricionais. Porém, para uso clínico, é difícil determinar a ASC (fórmulas complexas), além
disso, atualmente, a maioria das doses sugeridas dos fármacos está relacionada com o peso1.
Tabelas que correlacionam peso, altura e ASC são úteis, mas, para a avaliação do cres-
cimento, habitualmente são utilizadas variações no peso, na altura e no perímetro cefálico.
Gráficos de percentis são valiosos para o monitoramento do crescimento e desenvolvimento
da criança. O anestesiologista deve ter em mãos o peso da criança não apenas para o cálculo
das doses dos fármacos, mas reconhecer RN ou criança cujo peso desvia do normal é valioso
na avaliação pré-anestésica1.
Desvios do crescimento dentro do mesmo percentil para uma criança de qualquer idade
é de maior significância do que qualquer outra medida isolada. O peso é um índice mais
sensível de bem-estar, doença ou má nutrição do que a altura ou o perímetro cefálico, sendo
o mais comumente utilizado para a avaliação do crescimento. Mudanças no peso refletem
alterações na massa muscular, no tecido adiposo, no esqueleto e na água corporal e, por-
tanto, é uma medida não específica de crescimento. Neonatos a termo podem perder 5% a
10% do seu peso corporal durante as primeiras 24 a 72 horas de vida por causa da perda de
água corporal. O peso ao nascimento é geralmente recuperado em 7 a 10 dias. Um aumento
diário de 30 g (210 g.semana-1) é satisfatório para os primeiros três meses. A partir daí, o ga-
nho de peso diminui – com 10 a 12 meses de idade é de 70 g a cada semana. Para as crianças
nascidas a termo, é esperado que o peso ao nascer duplique em seis meses e triplique até 1
ano. Prematuros podem perder até 15% do seu peso corporal durante os primeiros 7 a 10
dias de vida, pois possuem maior porcentagem de água corporal total por unidade de peso
do que RN nascidos a termo. O ganho de peso nos prematuros é mais lento (20 g.dia-1) do
que no RN a termo, mas é comum que eles tenham surtos significativos de crescimento
durante o primeiro ano de vida1.

14 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


O conhecimento do peso médio em várias idades é útil ao julgar se uma criança tem uma
doença que possivelmente limita seu crescimento. Causas de déficit de crescimento podem
ser genéticas (alterações cromossômicas); nutricionais (ingestão inadequada ou inapropria-
da, má absorção, vômito, diarreia, fibrose cística, doença celíaca, intolerância a carboidratos,
alergia à proteína do leite); malformações (trato urinário, cardíaca); infecções (pulmonar,
hepática, renal, enteral, congênita); distúrbios endócrino/metabólico (hipotireoidismo,
acidose tubular renal); crianças pré-termo e pequenos para a idade gestacional (PIG); ma-
lignidade e broncodisplasia, entre outras1.
A medida comum de sobrepeso e obesidade para adultos é o índice de massa corpórea
(IMC). Há limitações do IMC como medida de obesidade pois não considera, por exemplo,
a variação individual na distribuição de gordura e músculo. Também não leva em considera-
ção a densidade óssea, composição corporal ou diferenças raciais. Esse cálculo também é útil
em crianças, mas como o IMC em crianças varia com idade e gênero, um valor absoluto não
pode significar que determinado paciente está com sobrepeso ou é obeso. É necessário utilizar
uma ferramenta adicional – um cartão com o IMC para cada idade do gráfico de crescimento,
específico para o gênero, como o publicado pelo Center for Disease Control (CDC)3, para fazer
a determinação do grau de obesidade. Logo, em contraste com os adultos, o número do IMC
não é o determinante, mas, sim, o percentil em que a criança se encontra para seu gênero e
idade. Crianças com o mesmo IMC podem não ter obesidade se as idades são diferentes. Para
crianças e adolescentes (com idades entre 2-19 anos), o excesso de peso é definido como um
IMC igual ou acima do percentil 85 e inferior ao percentil 95. A obesidade é determinada
como um IMC igual ou acima do percentil 95 para crianças de mesma idade e sexo.

Sistema Cardiovascular
A transição entre a vida intraútero e extraútero impõe profundas alterações fisiológicas.
As modificações no sistema cardiovascular e respiratório são as mais importantes e aconte-
cem para garantir a perfeita adaptação do neonato à respiração em ar ambiente2 . É de suma
importância conhecer o mecanismo normal de transição das funções fisiológicas do período
fetal para o neonatal, para a adequada avaliação e diagnóstico diferencial de quadros de
cianose ou deterioração hemodinâmica nos neonatos3,2 .

Circulação fetal
A placenta é o órgão respiratório no período fetal. Ela possui PaO2 de 30 mmHg, subs-
titui os pulmões suprindo coronárias, sistema nervoso central e membros superiores. Os
pulmões, no período fetal, estão repletos de líquido, possuindo alta resistência vascular e
recebendo apenas 10% do débito cardíaco. A circulação fetal possui um débito cardíaco
combinado, ou seja, tanto o ventrículo direito (VD) como o ventrículo esquerdo (VE) eje-
tam sangue para a circulação sistêmica através do forame oval (FO) e canal arterial (CA). O
ventrículo direito é responsável por dois terços do débito cardíaco, desse modo, o miocárdio
do VD é tão ou mais espesso que o do VE antes do nascimento. Ao contrário da resistência
vascular pulmonar, a circulação sistêmica possui baixa resistência vascular por conta da pla-
centa, propiciando o shunt direita-esquerda através do FO e CA 3,4.

Aspectos anatômicos e fisiológicos do RN e da criança | 15


Circulação pós-natal
Ao nascimento, a interrupção da circulação placentária e a expansão pulmonar desen-
cadeiam importantes alterações circulatórias. A insuflação pulmonar desloca o líquido
intra-alveolar para a circulação, gerando um incremento na volemia do neonato. Além dis-
so, a expansão do parênquima pulmonar aumenta a tensão alveolar de oxigênio, diminui a
resistência vascular pulmonar (RVP), aumenta o fluxo sanguíneo pulmonar e, consequen-
temente, diminui a pressão nas câmaras direitas do coração. Porém, se após o nascimento
a RVP não se normaliza, é possível a persistência dos shunts D-E intra ou extracardíacos
com consequente cianose. A ligadura do cordão umbilical leva ao aumento da resistência
vascular sistêmica (RVS), da pressão aórtica e da pressão nas câmaras cardíacas esquerdas.
Tanto o aumento do retorno venoso pulmonar como o aumento da pressão no átrio esquer-
do contribuem para o fechamento fisiológico do forame oval. O sangue ejetado na aorta,
rico em oxigênio (PaO2 > 50 mmHg) e com baixa pressão parcial de CO2 leva à contração
da musculatura vascular do CA, fechando também de forma fisiológica esse shunt. Durante
a gestação, a manutenção do canal arterial pérvio é controlada pelo baixo nível de oxigênio
no sangue e pela produção de prostaglandinas; após o nascimento, o oxigênio constitui o
fator mais importante no controle do fechamento do CA 3,4.
Esse padrão de circulação no neonato é conhecido como circulação transicional. Algu-
mas mudanças ocorrem ao primeiro movimento respiratório, enquanto outras levam horas
ou dias. Até o terceiro mês de vida, qualquer fator que leve ao aumento da RVP pode de-
sencadear a abertura dessas comunicações, com reaparecimento do shunt D-E através do
forame oval com retorno ao padrão fetal de circulação. Os fatores que predispõem à reversão
da circulação transicional para o padrão fetal são comuns em neonatos críticos, como pre-
maturidade, hipóxia e hipercarbia, aumento da pressão intratorácica, acidose metabólica,
hipotermia, hipervolemia, sepse e estresse5.
O coração da criança tem pouco tecido muscular (apenas 30% de tecido contrátil) e muito
tecido conectivo. Os miócitos e as miofribrilas são desorganizadas, as proteínas são contráteis
(actina e miosina) e imaturas e as organelas possuem baixas reservas de cálcio, determinan-
do um coração menos complacente com contração menos eficiente. No período neonatal, o
coração trabalha no limite superior da lei de Frank-Starling, ou seja, o aumento da pressão
intracardíaca não determina aumento na contratilidade ou no volume de ejeção5,6.
Uma das principais razões para que os anestesiologistas pediátricos se preocupem com a
bradicardia decorre da crença errônea de que o débito cardíaco em recém-nascidos e lacten-
tes é inteiramente dependente da frequência cardíaca porque, ao contrário dos indivíduos
mais velhos, não podem aumentar seu volume sistólico em razão da estrutura imatura do
miocárdio. Entretanto, isso é um equívoco; Winberg et al., já na década de 1990, demons-
traram que mesmo os recém-nascidos são capazes de aumentar o seu volume sistólico, se
necessário, e que o débito cardíaco de fato não é tão dependente da frequência cardíaca
como se acreditava anteriormente, fato que está sendo incorporado aos livros de anestesia
pediátrica mais recentes. Assim, recém-nascidos saudáveis são capazes de acomodar uma
redução moderada na frequência cardíaca sem problemas aparentes. Uma relação direta en-
tre o volume sistólico e o débito cardíaco neonatal existe imediatamente após o nascimento,

16 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


ao passo que as mudanças na frequência cardíaca não parecem ter grande influência sobre
o fluxo cardíaco. O aumento no volume sistólico em resposta ao aumento da volemia (pré-
-carga) existe imediatamente após o nascimento, mas é mais pronunciado no fim do período
neonatal7. Entretanto, aumentos significativos da pré-carga decorrentes de sobrecarga hídri-
ca não são bem tolerados, podendo ocasionar falência biventricular, insuficiência cardíaca
congestiva e parada cardíaca5,6.

Particularidades das vias aéreas na população pediátrica


Durante o desenvolvimento do neonato até por volta dos 10 anos, as vias aéreas sofrem
diversas modificações com relação a tamanho, forma, posição e consistência. O conheci-
mento dessas particularidades é essencial para correta avaliação, maior segurança e adequa-
do manuseio da via aérea pediátrica pelo anestesiologista.
O posicionamento da cabeça é extremamente importante durante o manejo das vias
aéreas. O ideal é obtido com o pescoço em posição neutra ou em leve extensão. Em razão
do grande tamanho da cabeça e da proeminência occipital, principalmente em prematuros,
neonatos e lactentes, a utilização de um pequeno coxim sob os ombros ou rodilha para aco-
modar o crânio evita a flexão do pescoço, melhorando a ventilação sob máscara facial e a
visualização da via aérea durante a laringoscopia8.
Na criança, o nariz possui relativamente maior quantidade de mucosa e tecido linfoide
do que no adulto. As narinas apresentam diâmetros menores, e, durante o desenvolvimento,
a remodelação do palato e as alterações na base do crânio aumentam a profundidade da
nasofaringe, produzindo um alargamento da via aérea nasal na idade adulta. Dessa forma,
a população pediátrica apresenta maior resistência ao fluxo de ar e maior predisposição à
obstrução das vias aéreas superiores (VAS) na presença de secreções, edema ou sangue. Até
os 4 meses de vida, a distância entre a úvula e a epiglote é pequena, tornando a criança um
respirador nasal obrigatório. Isso ocorre, em parte também, pela menor resistência ao fluxo
de ar quando comparada com a via oral. A habilidade para respirar através da boca é depen-
dente da idade e ocorre do terceiro ao quinto mês de vida. A adenoide, localizada no teto e
na parede posterior da nasofaringe, é uma estrutura hipertrofiada na primeira infância que,
muitas vezes, causa obstrução à passagem do ar pela via nasal, além de sangramento, edema
e fragmentação quando manipulada durante a intubação nasal8.
Crianças abaixo dos 2 anos apresentam o sistema nervoso simpático pouco desenvolvido,
com predominância do tônus parassimpático, sendo mais propensas à bradicardia reflexa
durante estimulação na parede da faringe durante a laringoscopia direta (LD) ou intubação
traqueal (IT) através das cordas vocais8.
Nas crianças, tanto a mucosa como a submucosa da laringe são estruturas ricamente
vascularizadas com abundante tecido linfático, tornando a fossa laríngea, a epiglote e a
glote mais suscetíveis a edema e sangramento durante a manipulação das vias aéreas. Nos
neonatos, a epiglote é estreita, mais longa, menos tônica, apresenta uma forma de ômega
(Ω) e localiza-se mais angulada ao eixo da traqueia. Todas essas características dificultam a
elevação da epiglote durante a LD quando se utilizam lâminas curvas. A utilização de lâmi-
nas retas facilita a elevação da epiglote e a visualização da abertura glótica. É somente por

Aspectos anatômicos e fisiológicos do RN e da criança | 17


volta dos 4 ou 5 anos que a epiglote torna-se firme o suficiente para permitir uma adequada
visualização das cordas vocais com a utilização de lâminas curvas8.
As cordas vocais verdadeiras inserem-se mais anteriormente na criança quando compa-
radas com os adultos e apresentam um fechamento mais inferior que no adulto, portanto, a
ponta do tubo traqueal (TT) deve prosseguir no alto da comissura anterior das pregas vocais9.
A mandíbula é relativamente hipoplásica e a língua é grande em relação à cavidade oral
e ao espaço mandibular anterior, local onde a língua se acomoda durante a LD, favorecendo
a obstrução da via aérea e dificultando a visualização das estruturas glóticas em neonatos
e lactentes. Essas características também justificam a utilização de lâminas retas para LD
nessa faixa etária, permitindo adequada acomodação da língua no espaço submandibular.
Além disso, a tonicidade do músculo genioglosso é menor e sua inserção mais posterior, o
que também contribui para a obstrução passiva das VAS, principalmente quando a criança
encontra-se em decúbito dorsal8.
Nos neonatos e nos lactentes, até os 2 anos, a laringe localiza-se em posição mais cefálica
(C3-C4), o que torna a distância entre a língua, o osso hioide, a epiglote e a rima bucal me-
nor. A posição mais cefálica da laringe também empurra mais a língua para a cavidade oral,
causando maior grau de obstrução comparado com o adulto. Além disso, forma um ângulo
mais agudo entre a base da língua e a fenda glótica, o que dificulta a visualização direta das
estruturas. A relação entre a laringe da criança e a cartilagem cricoide tem sido descrita
como de aspecto afunilado com a porção mais estreita na região da cricoide. Esse dado se
baseia em estudos post-mortem. No entanto, novos estudos são necessários para determinar
o quanto essas medidas estáticas nas crianças anestesiadas refletem as características dinâ-
micas da glote e da cricoide8.
Até os 10-12 anos, a cartilagem cricoide é o ponto de maior estreitamento da laringe,
dando um aspecto cônico à laringe da criança. Muitas vezes, o TT passa facilmente pela
fenda das cordas vocais, mas não necessariamente pela região subglótica10.
A traqueia tem aproximadamente 5 cm de profundidade até perto dos 18 meses de vida
e se divide em ângulos iguais, o que favorece IT seletiva não preferencial. Além disso, ela é
menor em diâmetro comparada com o adulto. Isso significa que, em contraste com os 12
mm de diâmetro interno do adulto, o diâmetro de 3-6 mm da traqueia na criança resulta
em maior resistência à passagem de ar e maior risco de obstrução quando na vigência de
edema, corpo estranho ou secreções. Esse conhecimento é importante para guiar o médico
anestesista na seleção dos tubos traqueais apropriados para a situação clínica, idade e peso
do paciente.
A noção, sem evidências, de que tubos sem balonetes devem ser utilizados em crianças
até a idade de 8 anos, momento em que há a transformação da laringe de uma forma cônica
para a cilíndrica, é propagada até os dias de hoje. Desde a década de 1960, autores defendem
o uso de tubos endotraqueais sem balonete porque a ausência do cuff possibilita o uso de
tubos de diâmetro interno relativamente maior, permitindo uma sucção de secreções mais
fácil e menor resistência à ventilação espontânea.
No entanto, todos os tipos de tubo endotraqueal com balonete demonstram ser seguros
em pacientes pediátricos. Relatos de que tubos com balonetes predispõem à lesão glótica

18 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


ou ao aumento das chances de intubação brônquica, com base em análises matemáticas dos
comprimentos traqueais, não foram fundamentados clinicamente.
O exame cuidadoso da literatura leva-nos a acreditar que a causa mais importante de
lesão das vias aéreas é relacionada com o tubo endotraqueal; na verdade, com a falta do ba-
lonete. Estudos de laringes neonatais após extubação demonstram danos em todas as áreas
das regiões glótica e subglótica. O anel cricoide rígido e as pregas vocais são particularmente
suscetíveis ao dano, causado pela lesão na mucosa em razão da falta de camada submucosa
substancial nessas áreas. É provavelmente o que acontece quando se usa um tubo endo-
traqueal sem balonete, com diâmetro externo suficientemente grande para proporcionar
ventilação adequada sem vazamento excessivo, especialmente com o movimento da cabeça
e do pescoço dos bebês.
Exceto por indicações clínicas específicas (por exemplo, intubação brônquica para cirur-
gia torácica neonatal e isolamento pulmonar), não há mais uma forte evidência para o uso
do tubo sem balonete em anestesia pediátrica ou em crianças cronicamente ventiladas no
período neonatal11.

Sistema Respiratório
A partir da 16ª semana de gestação, os bronquíolos terminais estão completamente for-
mados, porém, a formação alveolar só se inicia a partir da 36ª semana de gestação. Ao nas-
cimento, o neonato a termo possui 20 a 50 milhões de sáculos aéreos terminais a partir dos
quais se desenvolvem os alvéolos. O crescimento e desenvolvimento pulmonar refletem o
aumento no número e tamanho dos alvéolos, assim como a ramificação acinar, que se torna
mais extensa e complexa; aos 6 anos, o número de alvéolos alcança os padrões do adulto, por
volta dos 300 milhões de unidades respiratórias. A ventilação colateral entre as vias aéreas
(canais de Lambert) e entre os alvéolos (poros de Kohn) não está presente ao nascimento,
mas desenvolve-se a partir dos 8 anos12 .
No desenvolvimento pulmonar, a partir da 24ª semana de gestação, existem dois tipos ce-
lulares no epitélio alveolar: pneumócitos do tipo I, que alinham e sustentam as células alveola-
res, e grandes células do tipo II, que produzem e estocam surfactante. A maturação do sistema
surfactante é controlada parcialmente pelo sistema neuroendócrino e ocorre por volta da 36ª
semana de gestação. Mesmo o neonato a termo, com quantidade suficiente de surfactante,
deve realizar uma grande pressão negativa, por volta de 80 cm H2O, para superar a retração
pulmonar e criar a capacidade residual funcional (CRF), que permite menores pressões nas
inspirações seguintes. O surfactante exerce papel fundamental em equilibrar as tensões parie-
tais intra-alveolares, que, associado ao bloqueio laríngeo fisiológico, resulta no fenômeno de
auto-PEEP; mantendo os alvéolos parcialmente abertos ao final da expiração12.
A complacência pulmonar se altera conforme a idade, sendo resultante das alterações
da estrutura alveolar, quantidade de elastina e surfactante. Ao nascimento, a complacência
pulmonar é baixa, por causa da fina parede alveolar e pequena quantidade de elastina, o que
torna o tecido pulmonar mais denso. A deficiência de surfactante, como na doença da mem-
brana hialina, favorece a diminuição da complacência. A parede torácica, em contrapartida,
tem alta complacência em razão das costelas cartilaginosas e da ausência de arcabouço ós-

Aspectos anatômicos e fisiológicos do RN e da criança | 19


seo, em adição, os arcos costais são horizontalizados, ocasionando menor expansibilidade
torácica e menor variação de volume durante os ciclos inspiratórios e expiratórios12 .
O RN possui pouca massa muscular, e seu diafragma e musculatura intercostal têm
baixa quantidade de fibras musculares do tipo I (contração lenta e alto metabolismo oxida-
tivo), que são as responsáveis pela atividade muscular mantida, gerando, então, propensão
à fadiga. O RN prematuro possui em torno de 10% de fibras do tipo I diafragmáticas e 20%
intercostais, e o neonato a termo, 25% e 46%, respectivamente. A quantidade dessas fibras
aumenta após o nascimento, chegando a 50% e 65% aos 8 meses de vida12 .
A variação de volume durante a inspiração é dependente do movimento diafragmático e a
musculatura intercostal tem como principal função a estabilização das costelas, impedindo
a retração da caixa torácica durante a inspiração. Dessa forma, fica evidente que, na vigência
de obstrução respiratória alta, por causa da pressão exercida pelo diafragma, rapidamente
ocorrem fadiga respiratória e instabilidade da caixa torácica com movimentos paradoxais
de retração da parede torácica12 .
A necessidade ventilatória do neonato é significativamente maior, desencadeando altas
frequências respiratórias por causa das altas taxas metabólicas. Tanto o consumo de oxigê-
nio quanto a produção de CO2 por unidade de peso são o dobro do adulto.
No período pós-natal precoce, o volume pulmonar é desproporcionalmente pequeno
em relação ao tamanho e peso do neonato. O diafragma encontra-se deslocado cefali-
camente em virtude do maior volume das vísceras abdominais, diminuindo a CRF e
aumentando o volume de fechamento (VO), que se encontra dentro do volume corrente
(V T) nas crianças. A CRF no adulto é determinada pelo equilíbrio entre as forças elás-
ticas pulmonares contra a tensão da parede torácica. Na criança, esse mecanismo ainda
não existe pela imaturidade muscular, sendo, então, determinado pelo bloqueio laríngeo,
que é o fechamento da glote no fim da expiração. Durante a anestesia, esse mecanismo é
perdido, determinando maior redução na CRF. O volume de espaço morto (V D), apesar
de ser igual ao do adulto em relação ao peso, representa um terço do V T, dessa forma,
incrementos no V D através da utilização de extensões e circuitos inadequados do respi-
rador levam a graves repercussões no neonato, com diminuição da ventilação alveolar
(VA). A relação da VA /CRF é três vezes maior na criança, resultando em rápido aumento
nas frações alveolares dos gases inspirados. Todos esses fatores associados predispõem o
neonato à maior depressão respiratória e tendência à hipoxemia. Além disso, os pacientes
pediátricos pertencem a uma ampla faixa etária, determinando grandes variações nos vo-
lumes e nas capacidades pulmonares ao longo do desenvolvimento12,13.

Controle respiratório
O desenvolvimento do controle respiratório inicia-se durante a gestação, mas continua
a amadurecer durante semanas ou meses após o nascimento a termo. O padrão respiratório
dos neonatos, muitas vezes, é irregular e periódico, ou seja, pode associar-se com períodos
de apneia, refletindo a imaturidade dos centros de controle respiratório. Todos os níveis dos
centros de controle respiratórios são imaturos, incluindo o tronco cerebral, a ritmogênese
respiratória, as respostas quimiorreceptoras periféricas e centrais e também outras partes

20 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


da rede. A resposta ventilatória à hipercapnia e hipóxia é prejudicada nos neonatos. A hiper-
capnia aumenta o volume corrente e a frequência respiratória em neonatos a termo, crianças
e adultos, porém, em RN prematuros, essa resposta é atenuada. Os prematuros apresentam
resposta bifásica em condições de hipóxia. Após um aumento inicial da ventilação, duran-
te aproximadamente 1 minuto, subsequentemente, a ventilação diminui de forma drástica
com o potencial de apneias14.
As medicações anestésicas alteram ainda mais o controle respiratório ante a hipóxia e
hipercapnia. Outro mecanismo importante, que contribui para o surgimento de apneias em
neonatos é a resposta exagerada à estimulação aferente da laringe ou a inibição ventilatória
diante do estiramento do parênquima pulmonar, esse último conhecido como reflexo de
Hering-Breuer, que é mais pronunciado em neonatos do que em crianças mais velhas. Entre-
tanto, esses reflexos são favoráveis em algumas situações: quando se ventila um neonato, por
causa do reflexo de estiramento, é possível instituir a ventilação controlada sem a necessi-
dade do uso de bloqueadores neuromusculares, fato muito frequente na prática pediátrica14.
Define-se apneia como a ausência do fluxo de ar por mais de 20 segundos, podendo
classificar como apneia central na ausência de esforços respiratórios ou apneia obstrutiva,
que ocorre na presença de esforços respiratórios. Clinicamente, a maioria dos episódios de
apneia ocorre de forma mista, isto é, uma combinação de diminuição do drive respiratório
(apneia central) e incapacidade de manter a patência das vias aéreas (apneia obstrutiva).
Apneias centrais resultam da imaturidade dos centros de controle respiratório com dimi-
nuição da frequência, enquanto a apneia obstrutiva, muitas vezes, ocorre durante o sono
REM (movimento rápido dos olhos), sendo a faringe o local predominante de obstrução da
VAS em razão da diminuição do tônus muscular nesse período15.

Função Renal
No recém-nascido, a função renal é imatura e o fluxo sanguíneo renal, baixo, aumen-
tando após o nascimento pela elevação do débito cardíaco, da pressão arterial média e da
resistência vascular renal. Porém, com um mês de vida, a maturidade renal alcança 90%
da função, atingindo valores semelhantes aos do adulto por volta do primeiro ou segundo
ano de vida. A taxa de filtração glomerular (TFG) ao nascimento representa 25% a 30%
do adulto, o que se deve à maior resistência renovascular e a menores superfícies de filtra-
ção glomerular, permeabilidade vascular e pressão de ultrafiltração. A função tubular do
recém-nascido também é limitada, ocorrendo maior perda urinária de sódio por apresentar
resposta inadequada à aldosterona e imaturidade da bomba de sódio-potássio, predispondo
à hiponatremia16.
O rim do neonato possui também baixa capacidade de concentração da urina pela me-
nor concentração de ureia no interstício medular, pequeno tamanho das alças de Henle,
níveis aumentados de prostaglandinas e resposta inadequada ao ADH, causando maiores
perdas hídricas e não tolerando, portanto, estados de desidratação. Logo, os rins apresen-
tam dificuldade para eliminar volume e eletrólitos durante uma sobrecarga, assim como de
retê-los em um estado de depleção. Entretanto, a capacidade de diluir a urina é maior que a
capacidade de concentrá-la. Sendo assim, o recém-nascido saudável tem maior capacidade

Aspectos anatômicos e fisiológicos do RN e da criança | 21


de excretar água livre e aumentar o volume urinário, tolerando melhor sobrecarga hídrica
moderada à desidratação16.
Portanto, devemos ter em mente que os RN têm dificuldade de manipular cargas exces-
sivas de Na+, o que gera hipernatremia, podendo ocasionar hemorragia intracraniana, com
dano cerebral e retenção de líquido. É sabido que hiper-hidratação pode levar a abertura do
canal arterial, broncodisplasia pulmonar e enterocolite necrotizante. E a hiponatremia pode
gerar convulsões com Na+ abaixo de 120 mEq.L -1 16.

Sistema Digestivo
A deglutição é um procedimento complexo que está sob controle central e periférico. O
reflexo inicia na medula, pelos nervos cranianos para os músculos, que controlam a passa-
gem do alimento através do esfíncter esofagiano superior. No processo, a língua, o palato
mole e a faringe são todos suavemente coordenados. Qualquer condição patológica em uma
dessas estruturas pode interferir na deglutição normal. Descoordenações neuromusculares,
contudo, são mais prováveis de se relacionarem com qualquer disfunção. Isso é particular-
mente importante quando o sistema nervoso central sofre lesão antes ou após o nascimento.
Com a deglutição, a pressão na faringe aumenta, o esfíncter esofagiano superior se abre e as
ondas peristálticas do esôfago levam o alimento adiante. Ondas peristálticas estão ausentes
na porção inferior do esôfago em crianças, embora estejam presentes em adultos. Com a
imaturidade do esfíncter esofagiano superior, regurgitação é frequente e “expectoração” do
conteúdo gástrico é comum, até mesmo em crianças saudáveis16.
Aproximadamente 40% dos RN regurgitam seu alimento nos primeiros dias de vida. As
pressões no esôfago inferior são mais baixas ao nascimento e atingem os níveis do adulto
somente da terceira até a sexta semana de vida. Sintomas de refluxo incluem vômitos persis-
tentes, déficit de crescimento e, em casos graves, hematêmese e anemia. Refluxo gastroeso-
fagiano é uma das condições associadas à apneia e bradicardia em RN pré-termos16.
O fígado é o local de síntese proteica. Esse processo está ativo na vida fetal e neonatal, e a
principal proteína sérica é a alfafetoproteína, que aparece inicialmente por volta da sexta se-
mana de gestação e alcança o pico na 13a semana. A síntese de albumina se inicia do terceiro
ao quarto mês de gestação e se aproxima dos valores do adulto ao nascimento. As proteínas
envolvidas na coagulação também são sintetizadas no fígado e têm níveis abaixo do normal
em RN pré-termos e a termo nos primeiros dias de vida16,17.
A capacidade enzimática de degradação das proteínas está reduzida ao nascimento.
Isso é particularmente importante em RN pré-termos, em que a alta ingesta proteica
pode determinar níveis séricos perigosos de aminoácidos. Na primeira semana de vida,
o metabolismo das drogas é menos eficiente do que mais tardiamente. Adicionalmente,
uma alteração da combinação de drogas e proteínas séricas e uma função renal imatura
contribuem para o problema16,17.

Sistema Nervoso
O tecido cerebral recebe maior porcentagem do DC, que, associado à imaturidade da
barreira hematoencefálica, apresenta rápido equilíbrio dos agentes lipofílicos no sítio efetor.

22 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


O cone medular em neonatos e lactentes está localizado ao nível de L2-L3, sendo mais
caudal que nos adultos (L1), assim como as meninges estão localizadas em S3-S4. Entretan-
to, a partir de um 1 de idade, essas estruturas localizam-se em L1 e S1, respectivamente. O
sacro é mais delgado e estreito e o hiato sacral é facilmente identificado, permitindo acesso
direto ao espaço peridural e subaracnóideo18.
A anestesia espinhal, em adultos, é realizada frequentemente no interespaço L3-L4, loca-
lizado entre a linha imaginária que se estende de uma crista ilíaca à outra, a linha de Truffier.
Os RN e lactentes têm um pélvis proporcionalmente menor que os adultos, e o sacro está
localizado mais cefálico. Logo, a linha de Truffier cruza a linha média da coluna vertebral no
interespaço L4-L5 ou L5-S1, abaixo da medula espinhal, tornando-a referência apropriada
para os bloqueios espinhais nos pacientes pediátricos. Em crianças pequenas, o final do saco
dural pode estar a apenas poucos milímetros do local de punção. A terminação mais caudal
do saco dural propicia a punção inadvertida do espaço subaracnóideo durante a realização
do bloqueio caudal. Portanto, deve-se progredir e direcionar a agulha cuidadosamente18.
Dentre as particularidades fisiológicas no sistema nervoso central (SNC), a menor es-
pessura dos nervos e o processo de mielinização incompleto, até em torno dos 18 meses
de vida, promovem inespecificidade de resposta aos estímulos nervosos. A menor distância
entre os nodos de Ranvier e a frouxa bainha perineurovascular permite uma comunicação
livre entre os espaços perineurais, com maior difusão dos anestésicos locais e, consequen-
temente, maior área de analgesia após injeção única do anestésico. O volume do líquido
cefalorraquidiano (LCR) relativo ao peso é maior em RN e lactentes (4 mL.kg-1) quando
comparados com os adultos (2 mL.kg-1), o que explica parcialmente as maiores doses de
anestésico local e a menor duração da raquianestesia nessa população. Outros fatores que
determinam menor duração de ação e maiores doses do anestésico local são o alto índice
cardíaco, maior fluxo sanguíneo regional espinhal/epidural e maior área de exposição dos
tecidos neurais, todos promovendo maior captação do anestésico local18.
A configuração anatômica da coluna vertebral é plana em crianças pequenas e, conse-
quentemente, o anestésico injetado no espaço subaracnoide é distribuído uniformemente,
resultando em bloqueio médio-torácico. Todos esses fatores contribuem para a grande efi-
cácia dos bloqueios nervosos na população pediátrica, promovendo anestesia de boa quali-
dade com menores concentrações do anestésico local18.
As alterações hemodinâmicas decorrentes dos bloqueios de neuroeixo são raras na crian-
ça em razão da imaturidade do sistema nervoso simpático (SNS) da menor capacitância
do sistema venoso em crianças abaixo dos 8 anos. No entanto, pacientes individuais, espe-
cialmente recém-nascidos e lactentes pequenos com anestesia caudal e geral combinadas,
podem experimentar profunda hipotensão após um bloqueio caudal18.
A diferença mais importante na farmacodinâmica da criança consiste no risco aumenta-
do de toxicidade pelos anestésicos locais, ocasionada pelo elevado débito cardíaco e imatu-
ridade do metabolismo hepático. As menores concentrações de albumina e de alfa 1-glico-
proteína plasmáticas resultam em aumento da fração livre do anestésico local. Todos estes
fatores associados fazem com que a latência e duração dos bloqueios regionais, nos neonatos
e lactentes, sejam menores quando comparados aos adultos18.

Aspectos anatômicos e fisiológicos do RN e da criança | 23


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24 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Capítulo 02

Avaliação pré-anestésica
em pediatria
Cibelle Magalhães Pedrosa Rocha
Danielle Maia Holanda Dumaresq
Marilman Maciel Benício Zan
Avaliação pré-anestésica em pediatria

Introdução
A avaliação pré-anestésica (APA) em pediatria faz parte do processo de abordagem
pré-operatória e tem como objetivo conhecer a condição clínica da criança, identificar a
presença de situações especiais para considerar ou não a viabilidade da cirurgia proposta e
planejar o perioperatório.
Essa etapa da medicina perioperatória, além de estratificar o risco e definir o estado físico
pré-operatório do paciente pediátrico, é essencial para fornecer informação aos familiares
sobre os cuidados perioperatórios necessários, reduzir a ansiedade, otimizar o preparo e
facilitar a interação entre anestesiologista, cirurgião e pediatra.

Peculiaridades da Avaliação Pré-anestésica Pediátrica


Aspectos psicológicos e emocionais
Um procedimento cirúrgico envolvendo crianças implica em considerável estresse, tanto
para o paciente como para seus familiares. A origem dos temores que envolvem o período
perioperatório inclui: o medo de separação dos pais, a incerteza relacionada à anestesia, à
cirurgia e aos resultados do procedimento1. O medo de sentir dor, de não sobreviver ou de
ouvir sons estranhos também é fonte de ansiedade em crianças.
Deve-se salientar que as manifestações de ansiedade podem variar de acordo com a idade
da criança2 .
Tabela 1 – Ansiedades específicas dos pacientes pediátricos
Idade Características
0 a 6 meses Máximo estresse para os pais, mínimo para a criança porque
ela não tem idade suficiente para ter medo de estranhos ou se
lembrar de eventos desagradáveis.
6 meses a 4 anos Máxima ansiedade da separação, capaz de recordar, mas não
de entender experiências hospitalares prévias.
4 a 6 anos Quase capaz de compreender explicações. Aceita a separação
mais facilmente, preocupado com a integridade do corpo e
mutilação cirúrgica.
6 anos até a adolescência Toleram bem a separação; são mais capazes de compreender
as explicações; podem comunicar medo de acordar durante a
cirurgia ou de não acordar.
Adolescentes Necessidade de informação; desenvolvimento da sexualida-
de; necessidade de conformidade e dignidade; medo de per-
der o controle.
A Tabela 1 resume as características da ansiedade que antecede o período cirúrgico em
pacientes pediátricos3. Até os 6 meses de idade, os pacientes aceitam o conforto de pessoas
estranhas e é pouco provável que ocorra ansiedade pela separação dos pais. A partir dessa

26 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


idade e até os 4 anos é comum ocorrer ansiedade pela separação dos pais e as crianças são
capazes de recordar, mas não compreender experiências prévias no hospital. Nessa faixa
etária, aceitam medidas de conforto ou distrações. Dos 4 aos 6 anos, são quase capazes
de compreender explicações, aceitam mais facilmente a separação e se preocupam com a
integridade do corpo. Dos 6 anos até a adolescência, toleram bem a separação dos pais e de-
monstram capacidade de compreender explicações. Querem estar envolvidos nas decisões e
são capazes de comunicar seu medo, como “acordar durante a cirurgia” ou de “não acordar”.
Os adolescentes são mais independentes, necessitam de privacidade e informação e temem
perder o controle da situação4. Kain e col. 5 demonstraram que crianças com maior grau de
ansiedade no pré-operatório apresentavam risco de exibir comportamento negativo no pe-
ríodo pós-operatório imediato 3,5 vezes maior quando comparadas com crianças menos
ansiosas. A indução anestésica pode ser uma das experiências de maior estresse para a crian-
ça no período perioperatório6. Estudos antigos já mostravam que induções anestésicas tem-
pestuosas estão associadas com distúrbios no comportamento pós-operatório. Alterações
de comportamento comuns após a cirurgia incluem irritabilidade, ansiedade de separação,
pesadelos, problemas na alimentação, choros noturnos e desobediência.
Existe uma ligação entre a ansiedade dos pais e a das crianças no pré-operatório. Bevan e
col.7 mostraram que filhos de pais ansiosos eram mais ansiosos, enquanto as crianças cujos
pais eram tranquilos, não eram afetadas pela sua presença. Segundo Kain e col.8, uma crian-
ça cujos pais eram ansiosos tinha 3,2 vezes mais probabilidade de apresentar problemas
persistentes de comportamento até 6 meses após a cirurgia quando comparada com aquela
cujos pais eram calmos. A ansiedade pré-operatória dos pais parece ser muito comum9-10.
As causas da ansiedade dos pais são separar-se da criança, observar seu estresse, vê-la ser
anestesiada, assim como as preocupações relacionadas com a anestesia, a cirurgia e a dor.
Outros fatores incluem idade menor que 1 ano, primeira cirurgia, filho único ou se os pais
trabalham na área de saúde. As mães são mais ansiosas que os pais2 .
Interação com familiares durante a APA
A preparação psicológica da criança e dos pais antes da cirurgia é fundamental, pois lhes
possibilita certo grau de controle sobre o desconhecido que a situação cirúrgica representa,
que, em geral, é sentida e percebida como um momento de vulnerabilidade e risco. Estudo
conduzido por Kain e col. mostrou que 95% dos pais gostariam de ter informações relacio-
nadas com a anestesia da criança, incluindo possíveis complicações11. É interessante realizar
a consulta utilizando termos que sejam de fácil compreensão e alertar o paciente e seu acom-
panhante de que o anestesiologista que realiza a consulta pode não ser o mesmo que fará o
procedimento anestésico, mas que este terá acesso aos dados obtidos na consulta.
A consulta pré-anestésica, principalmente se realizada em âmbito ambulatorial, é instru-
mento valioso na diminuição da ansiedade das partes envolvidas. A investigação clínica rea-
lizada com tempo adequado permite que se inicie uma relação médico anestesiologista-pa-
ciente-responsável (familiar, cuidador) de maneira menos turbulenta e de melhor qualidade
quando comparada com a que é estabelecida momentos antes do procedimento cirúrgico.
Intervenções com o objetivo de reduzir a ansiedade e, consequentemente, as altera-
ções comportamentais por ela induzidas no pós-operatório podem ser de cunho psico-

Avaliação pré-anestésica em pediatria | 27


lógico, como a presença dos pais no momento da indução e a realização de programas
informativos, ou de cunho farmacológico. As informações podem ser narradas, escritas,
por meio de visita hospitalar, vídeos informativos, encenação com bonecos, técnicas de
relaxamento ou teatralização com a participação das crianças simulando o médico ou
o paciente12 .
Crianças com mais de 6 anos devem submeter-se aos programas de preparação aproxi-
madamente uma semana antes da cirurgia, enquanto crianças menores se beneficiam de
períodos menores entre o preparo e a cirurgia.
Presença de parentes na indução da anestesia
A indução anestésica pode ser uma das experiências de maior estresse para a criança no
período perioperatório. A presença dos pais no momento da indução pode apresentar poten-
ciais benefícios, como a redução da necessidade de sedativos pré-operatórios e a diminuição
do medo e da ansiedade que acompanham a separação dos pais no momento da entrada
no centro cirúrgico. Por outro lado, essa atitude pode alterar a rotina do centro cirúrgico,
aumentar o número de pessoas na sala e causar reações adversas nos pais. Além disso, a
ansiedade dos pais pode piorar a ansiedade da criança, prolongar o tempo de indução e pro-
mover estresse adicional no anestesiologista13. Essa possibilidade deve ser discutida com
familiares durante a APA e considerada, levando em conta o benefício individualizado para
cada paciente.
Vários estudos são realizados no intuito de confirmar se a indução se torna mais
suave na presença dos pais, mas os resultados são muito controversos. Kain e col.
concluíram, em estudo randomizado, que a colaboração da criança durante indução
inalatória não melhora com a presença dos pais14. Em outro estudo, eles avaliaram se
a presença dos pais associada com o midazolam era mais eficaz na prevenção da ansie-
dade do que a medicação pré-anestésica isolada. Os autores observaram que não houve
efeito ansiolítico aditivo da presença dos pais nas crianças que receberam midazolam
por via oral15 . Em recente revisão sistemática, observou-se que não havia redução da
ansiedade das crianças durante indução anestésica com a presença dos pais16 . Outra
revisão sistemática concluiu que a presença dos pais por si só, no momento da indução
anestésica, não apresentava diferença estatisticamente significativa quando comparada
com a ausência dos pais17.
Etapas da avaliação pré-anestésica em pediatria
A APA é obtida de acordo com as informações contidas na anamnese e pelo exame físico
do paciente. Durante a anamnese, tópicos diversos devem ser abordados (Tabela 2).
Inicialmente, devem-se pesquisar o histórico da gestação e as condições do parto; de-
ve-se saber se a criança nasceu a termo ou prematuramente. Crianças com idade pós-con-
ceptual (idade gestacional + idade cronológica pós-nascimento) menor que 50 semanas
devem permanecer no hospital por pelo menos 12 horas, com monitorização cardíaca e
oxímetro de pulso, por causa do risco aumentado de apneia no pós-operatório. Esses pa-
cientes devem, se possível, ser submetidos à anestesia do neuroeixo, preferencialmente
sem sedação associada.

28 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Tabela 2 – Tópicos abordados na APA
Histórico da gestação
Histórico de cirurgias/anestesias anteriores
Histórico de problemas em familiares durante anestesia
Histórico de doenças genéticas na família
Problemas sociais (abandono, violência, drogas)
Desenvolvimento motor e cognitivo da criança
Tabagismo passivo
Uso de medicações ou fitoterápicos
Alergias
Presença de comorbidades
Vacinas

Deve-se questionar se a criança já teve experiência anestésica prévia, como sedação para
exames diagnósticos, como biopsias, exames de imagem ou endoscópicos, além de cirur-
gia propriamente dita. É importante investigar o tipo de anestesia administrada, se houve
alguma intercorrência ou complicação, náuseas e vômitos no pós-operatório, despertar
tranquilo ou não e dor no pós-operatório. Pesquisar também se a criança faz uso de algum
medicamento de uso crônico ou se realizou recentemente algum tratamento; questionar se
já fez radioterapia ou quimioterapia.
Da mesma forma é importante se informar sobre alergia a medicamentos. A história de
alergia a alimentos alerta para a possibilidade de sensibilidade ao látex, pois existem relatos
de alergia cruzada entre alimentos como abacaxi e kiwi e alergia ao látex. Crianças com espi-
nha bífida, pacientes com malformações do trato urinário, histórico de atopia ou exposições
repetidas ao látex estão no grupo de maior risco18.
A anamnese também deve pesquisar antecedentes pessoais e familiares de doenças ge-
néticas, doenças neuromusculares, erros inatos do metabolismo ou distúrbios de coagula-
ção. A busca por informações sobre o histórico anestésico dos familiares é essencial para a
triagem de doenças com componente genético como hipertermia maligna, morte súbita,
doenças neuromusculares e distúrbios de coagulação.
Deve-se ter também informações sobre o calendário vacinal da criança. Efeitos cola-
terais da vacinação, como dor local, febre, rash e mialgia, podem durar de um dia a três
semanas. É prudente adiar uma cirurgia eletiva pelo menos por três dias após vacinação
com vacina de vírus mortos ou toxinas inativadas e pelo menos duas semanas após va-
cinação com vírus vivos atenuados, para que o pico de reações sistêmicas da vacinação
coincida com o trauma cirúrgico19.
A presença de comorbidades deve ser confirmada por meio de interrogatório dos di-
versos sistemas: neurológico, psiquiátrico, cardiorrespiratório, otorrinolaringológico,

Avaliação pré-anestésica em pediatria | 29


endocrinológico, renal, digestivo, osteomuscular e imunológico. Crianças com doenças
do espectro do autismo e seus familiares apresentam maior grau de ansiedade. Esses
pacientes devem ter um planejamento anestésico individualizado, devendo ser agenda-
do como o primeiro paciente do dia da escala cirúrgica para minimizar a ansiedade e
o jejum 20 .
Importante questionar se o paciente é exposto a tabagismo passivo/ativo. Crianças que
têm exposição à fumaça de cigarro (fumantes passivos) têm 10 vezes mais chance de desen-
volver complicações respiratórias, incluindo laringoespasmo21. É recomendado que os pais
não fumem na presença da criança por, pelo menos, 48 horas antes do ato operatório. Essa
medida diminui o nível de carboxi-hemoglobina, bem como elimina o efeito estimulante da
nicotina no sistema cardiovascular e melhora a função respiratória ciliar22 .

Exame físico da criança


O exame físico da criança pode abordar uma variedade de sistemas e órgãos, mas no
mínimo deve incluir sinais vitais, avaliação da via aérea e exames neurológico, pulmonar
e cardíaco. Um exame mais detalhado pode ser necessário, baseado na história clínica do
paciente23. O estado de hidratação deve ser observado antes de qualquer procedimento.
A avaliação acurada da via aérea, assim como a história de eventos respiratórios prévios
como asma e infecção das vias aéreas superiores no momento da anestesia, deve ser rigo-
rosamente pesquisada por meio de anamnese e ausculta respiratória cuidadosa, pois os
efeitos adversos respiratórios se mantêm como a maior causa de morbidade e mortalidade
da anestesia pediátrica 24.

Via Aérea
A abordagem da via aérea na criança é preocupação constante na prática anestésica
mesmo para anestesiologistas experientes, pois a dificuldade de intubar e/ou ventilar não é
incomum, especialmente, em neonatos e lactentes25. Atenção especial deve ser dada a esse
aspecto da APA, pelo fato de as complicações respiratórias ainda serem uma das principais
causas de morbidade perioperatória pediátrica, incluindo a hipóxia e a parada cardíaca de-
corrente de problemas durante a manipulação da via aérea26,27.
Felizmente, a dificuldade de intubação não prevista em crianças é mais rara que
em adultos, sendo definida até como evento excepcional. Quando ocorre, entretanto,
deve ser despendido o máximo de cautela no intuito de evitar que uma dificuldade de
intubar evolua para um cenário de “não intubo e não ventilo”. A dificuldade de ventila-
ção também é uma condição incomum na população pediátrica que pode ser avaliada
antecipadamente. Pode estar presente em crianças com obstrução nasal, macroglossia,
via aérea ocupada por massas ou tumorações, micrognatia, processos inf lamatórios su-
pralaríngeos e obesidade28,29.
A via aérea de lactentes e crianças apresentam características anatômicas peculiares (Fi-
gura 1) que, associadas ao maior consumo de oxigênio, podem tornar a abordagem da via
aérea mais difícil e levar facilmente a complicações como hipóxia, laringoespasmo e obstru-
ção das vias aéreas30,31.
30 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII
Figura 1 – Características da via aérea da criança.

Exame da via aérea


A avaliação da via aérea em crianças deve ser iniciada com uma anamnese abrangente,
procurando identificar a presença de história de apneia do sono, respiração ruidosa, estridor,
laringite recorrente, dificuldades de sucção e deglutição, além de história prévia de dificul-
dade de intubação32 .
Um relevante fator preditor que deve ser levado em consideração é a classificação de es-
tado físico (ASA). Em um estudo de coorte em 11.219 anestesias pediátricas, foi encontrada
uma incidência maior de laringoscopia difícil em pacientes classificados como ASA III e
ASA IV comparado com pacientes ASA I ou II (3,8% versus 0,8%, P < 0,001). Nesse mesmo
estudo, os autores identificaram que pacientes com menos de 1 ano apresentaram maior
incidência de laringoscopia difícil em comparação com pacientes mais velhos (4,7% versus
0,7%, P < 0,001). Lactentes seguidos dos neonatos foram a população mais acometida33.
O exame físico inclui exploração da região orofaríngea: abertura da boca, protrusão da
língua e mobilidade da articulação temporomandibular. O teste de Mallampatti pode ser
impraticável pela dificuldade de cooperação nos pacientes menores. Porém, quando reali-
zado, possui boa correlação com laringoscopia difícil. Heinrich S. e col. concluíram que
pacientes nos quais havia prejuízo da visualização do palato mole (Mallampatti III e IV)
a incidência de dificuldade de laringoscopia era significativamente maior do que nos pa-
cientes Mallampatti I e II (3,8% versus 0,8%, P < 0,001)33. De qualquer maneira, mesmo
quando não realizado o teste de Mallampatti, uma boca estreita com uma pequena abertura
é facilmente reconhecida. Macroglossia isolada e processos expansivos na cavidade oral e
no espaço mandibular constituem causas de dificuldade de intubação. Durante a laringos-
copia, no espaço submentoniano, ocorre deslocamento dos tecidos moles em um espaço
anatômico definido entre o osso hioide e o osso mandibular. Se esse espaço é reduzido ou
distorcido, como nos pacientes que apresentam micrognatia, retrognatia, hipoplasia/displa-
sia mandibular, o movimento desses tecidos é limitado na linha de visão do observador. A
micrognatia constitui absolutamente a mais frequente causa de complicação de intubação,

Avaliação pré-anestésica em pediatria | 31


à medida que modifica o ponto de inserção da língua, dificultando o posicionamento do la-
ringoscópio. Essa alteração anatômica está tipicamente presente em patologias como Pierre
Robin e Treacher Collins.
Outro importante parâmetro a ser avaliado é a limitação da mobilidade da junção tempo-
romandibular, que é uma alteração rara, porém, pode estar presente em crianças queimadas
e vítimas de irradiação e traumas faciais e em consequência de artrite séptica.
A mobilidade do pescoço, conferida pelas vértebras cervicais e junção atlanto-occipi-
tal, raramente é reduzida na população pediátrica (extensão da cabeça < 35°). Patologias
como artrite reumatoide juvenil, síndrome de Goldenhar, artrogripose congênita múltipla,
síndrome de Klippel-Feil e de Hurler, entretanto, podem afetar essa motilidade. Pacientes
com síndrome de Down devem ser considerados como portadores de extensão de cabeça
reduzida em todos os casos, dada a presença de instabilidade espinhal cervical. A criança
obesa apresenta frequentemente mobilidade da cabeça reduzida associada com a presença
de giba retronucal e macroglossia.
A distância mento-hioide utilizada comumente para avaliar o espaço submandibular
está proporcionalmente reduzida no paciente pediátrico (1,5 cm no neonato e lactente e
3 cm no escolar). Se na população adulta a distância tireomento tem forte valor preditivo
para dificuldade de intubação, na criança não foram identificados valores proporcionais
dessa distância 34.
A Tabela 3 descreve os principais parâmetros preditores clínicos de intubação di-
fícil pediátrica.
Tabela 3 – Fatores associados a intubação difícil em crianças
Parâmetro Preditor de dificuldade
Idade < 1 ano
ASA III e IV
Avaliação da mandíbula Micrognatia
Retrognatia
Hipoplasia/displasia
Abertura da boca Pequena < 3 cm
Avaliação da língua Macroglossia e língua protusa
Espaço submandibular Pouco complacente, com massas ou processo expansivo
Distância mento-hioide RN e lactentes < 1,5 cm
Escolares < 3 cm
Mobilidade temporomandibular Reduzida
Extensão da cabeça < 35°
Conformação palato Estreito ou arqueado

Exames Complementares
A solicitação de exames complementares em crianças e adolescentes assintomáticos não
deve ser realizada de forma sistemática, mas substituída por uma abordagem racional basea-
da na história do paciente e no exame clínico35.

32 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Não há obrigatoriedade de dosagem de hemoglobina/hematócrito de rotina em cirurgias
de pequeno porte. Esses exames devem ser restritos a casos com potencial de sangramento
transoperatório, para se ter um valor de base36.
A obtenção de eletrólitos está indicada na presença de vômitos, diarreia, uso de diuréti-
cos ou outras condições que interfiram no equilíbrio acidobásico37. Avaliação da coagulação
está indicada em pacientes com histórico familiar ou pessoal de coagulopatia e/ou para pro-
cedimentos com risco potencial de sangramento transoperatório38.
Existe uma recomendação da Academia Americana de Pediatria para a realização de
radiografia de tórax quando houver indicação clara que terá um impacto significativo no pe-
ríodo perioperatório39. Sua realização é importante nas crianças que apresentam linfonodos
cervicais sob suspeita de linfoma, pois podem apresentar massa de crescimento rápido na re-
gião mediastinal, que pode apresentar implicações maiores no manejo anestésico. Também
é indicado para crianças com doenças pulmonares crônicas, broncodisplasias, escoliose
severa, asma severa e doenças neuromusculares.
Não há indicação de solicitação do eletrocardiograma (ECG) rotineiramente em crian-
ças saudáveis40. Existe recomendação para a realização de ECG nos casos de sopro cardíacos
patológicos, suspeita de doença cardíaca congênita, apneia obstrutiva do sono, escoliose se-
vera, broncodisplasia pulmonar, doença neuromuscular e nos neonatos/lactentes abaixo de
6 meses de vida41.
Preparo Não Farmacológico
É de grande importância reduzir o estresse na sala de cirurgia e promover uma indução
suave e tranquila. Para tanto, o anestesiologista dispõe de estratégias farmacológicas e não
farmacológicas.
Existem diversos programas (Figura 2) destinados à preparação do paciente pediátrico
para cirurgia, visando reduzir a ansiedade de crianças e pais. Ao usar jogos, assistir a filmes,
ver ilustrações próprias para a idade (Figura 3), pode-se reduzir o medo e ensinar ferramen-
tas para auxiliar a lidar com experiências extremamente estressantes.

Figura 2 – Ambiente adjacente ao centro cirúrgico Figura 3 – Uso de ilustrações e gravuras adequadas
preparado especialmente para receber a criança no para fornecer informação ao paciente pediátrico.
pré-operatório.

Avaliação pré-anestésica em pediatria | 33


Algumas técnicas usadas com esse fim:
• Técnicas de enfrentamento (coping) – são consideradas padrão ouro de preparação
psicológica e estão associadas com menor ansiedade pré-operatória no dia da cirur-
gia e no momento da separação dos pais, antes de entrar no centro cirúrgico. É forne-
cido um grau variável de informação sobre os detalhes da experiência a ser vivida (a
depender da idade e capacidade de assimilação da criança) e o ensino de estratégias
efetivas de enfrentamento, como: intervenções comportamentais cognitivas breves
(exercícios de respiração e de imaginação, modelação, reforço, ensaio comportamen-
tal e técnicas de distração).
• Modelação – filhos e pais assistem a um vídeo que mostra como se deve agir diante
de todas as etapas da hospitalização.
• Jogo médico ou dessensibilização sistemática (Figura 4) – nessa técnica, utiliza-se
material do próprio hospital, como máscaras, seringas e bonecos anatômicos. Durante
o jogo, a criança manuseia o material ou o boneco a ser operado, sendo orientada sobre
os procedimentos que nela serão realizados, desfazendo ideias errôneas e medos.
• Terapia de brincar ou encenação – uso de bonecos para demonstrar etapas
do perioperatório.
• Visita da sala de operação – a criança tem a possibilidade de conhecer os di-
versos setores do hospital, conhecendo a sua rotina e se familiarizando com o
cotidiano hospitalar.
• Distribuição de material informativo.

Figura 4 – Jogo médico, com informação da experiência a ser vivida pela criança usando sistema de anes-
tesia inalatória.

A escolha do tipo de preparação deve basear-se na idade, maturidade e capacidade cog-


nitiva da criança. Em crianças com idade superior a 6 anos, há diminuição da ansiedade
quando se aplica o programa cerca de cinco dias antes do procedimento cirúrgico, a fim de
garantir que ela tenha tempo para processar as informações recebidas e completar o proces-
so de enfrentamento. Crianças entre 3 e 6 anos têm uma progressão gradual dificultada na
distinção entre realidade e fantasia que pode interferir na abordagem antecipada. Abaixo

34 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


de 3 anos, parece haver maior benefício em técnicas que utilizam a distração (Figura 5),
podendo, inclusive, ocorrer aumento do estresse e da ansiedade com a tentativa de utilizar
métodos mais realistas42 .

Figura 5 – Criança usando técnica de distração com jogos e brinquedos no pré-operatório.

Preparo Farmacológico
Ao se comparar a eficácia entre estratégias farmacológicas e não farmacológicas, a litera-
tura mostra-se um tanto conflitante sobre a superioridade de uma técnica ou outra. Um es-
tudo comparou os níveis de ansiedade em três grupos de crianças: um grupo com a presença
dos pais, um segundo grupo sem a presença dos pais no qual foi administrado midazolam
oral (0,5 mg.kg-1) e um grupo controle, no qual não havia a presença dos pais nem houve a
administração de pré-medicação. O grupo que recebeu pré-medicação apresentou o menor
nível de ansiedade43. Outro estudo comparou situações: a presença de palhaços e dos pais
durante a indução; a presença dos pais associada com a administração de midazolam oral e
somente a presença dos pais. A intervenção mais eficaz na redução da ansiedade pré-opera-
tória foi a presença dos pais associada aos palhaços44. As evidências levam a crer, finalmente,
que as estratégias são adjuvantes, e não excludentes, para promover maior conforto para os
pacientes e pais.
No que diz respeito às intervenções farmacológicas, estas extrapolam a redução da ansie-
dade perioperatória e estão relacionadas com outros valiosos benefícios que estão listados
na Tabela 4.
Tabela 4 – Possíveis benefícios da medicação pré-anestésica
Bloquear reflexos autonômicos (especialmente vagais)
Reduzir secreções das vias aéreas
Amnésia
Proteção contra aspiração pulmonar
Facilitar a indução anestésica
Adjuvante na analgesia
Minimizar resposta ao estresse e tornar a criança cooperativa
Prevenir arritmias cardíacas malignas

Avaliação pré-anestésica em pediatria | 35


Faz-se ainda necessário identificar os grupos de crianças e adolescentes que são mais
suscetíveis a desfechos negativos relacionados com o período perioperatório e para os quais
se torna imperativa a utilização de estratégias para reduzir o estresse na sala de cirurgia45
(Tabela 5).
Tabela 5 – Indicações do uso de medicações pré-anestésicas
Crianças com elevado grau de ansiedade
Crianças que não se separam facilmente dos pais
Crianças para as quais a presença dos familiares na indução não seja benéfica
Crianças com experiências traumáticas ou negativas de procedimento anterior
Crianças com transtornos neurológicos ou comportamentais
Crianças com comorbidades que necessitam de indução suave, sem choro ou agitação,
que poderiam complicar a doença de base
A escolha da pré-medicação ideal deveria ser aquela droga prontamente aceitável pela
criança, com início de ação rápido e confiável, além de apresentar efeitos adversos mínimos
ou ausentes, como: depressão respiratória; resposta paradoxal à droga; perda dos reflexos
das via aérea e reações alérgicas. Não se pode esquecer de que vigilância e monitorização
rigorosa devem ser direcionadas aos pacientes mais suscetíveis a complicações e que neces-
sitam ser pré-medicados como: portadores de obstrução das vias aéreas superiores; doença
neurológica; disfagia ou doença do refluxo gastroesofágico; bebês e crianças cardiopatas,
sobretudo as cianóticas45.
Várias drogas e vias de administração têm sido utilizadas como medicação pré-anestésica.

Vias de Administração

Via parenteral
A via parenteral, apesar de ser a mais efetiva e de grande previsibilidade, tem a desvanta-
gem da necessidade de punção venosa, que é relatada pela maioria das crianças como uma
experiência ruim.
Via oral
É a via mais fisiológica e é a mais utilizada na prática clínica. Sua grande aceitação pela
população pediátrica deve-se à administração atraumática e ao uso de formulações espe-
cíficas, na forma de xarope, que facilitam a aceitação infantil. A via apresenta a desvanta-
gem da absorção mais lenta. O início de ação do midazolam, por exemplo, pode demorar
45 minutos, e a sedação residual depois da cirurgia pode retardar a alta hospitalar em pa-
cientes ambulatoriais. A absorção erradica por causa de flutuações na biodisponibilidade
e pelo efeito substancial de primeira passagem, que leva à diminuição da previsibilidade
da ação das drogas. Essa via pode ser também desvantajosa em crianças pouco cooperati-
vas, cuja previsibilidade da dose administrada é ainda menor se a criança cospe ou vomita
a pré-medicação 46.

36 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Via nasal
Via de absorção mais rápida que a via oral. A via nasal alcança a corrente sanguínea di-
retamente a partir dos capilares no nariz, de modo que não há efeito de primeira passagem
e a sedação se instala rapidamente dentro de 5 a 10 minutos. Logo os efeitos e paraefeitos
também ocorrem mais rapidamente, demandando vigilância e monitorização mais cuida-
dosa. A administração é realizada por meio de gotejamento ou spray. Pode ser um tanto des-
confortável para os pacientes, pois a maioria das medicações causa ardor na mucosa nasal.
Esse desconforto pode ser amenizado com a instilação de lidocaína na mucosa antes ou em
associação com a pré-medicação47.
Via retal
Via de rápida absorção, pois a drenagem venosa do reto inferior alcança as veias he-
morroidárias inferiores, que não entram na circulação porta, evitando, assim, o efeito de
primeira passagem. Midazolam, cetamina e atropina podem ser utilizados para induzir
sedação em 9-11 minutos. Muito comum para administração em crianças menores. Os
pais podem ajudar na administração levando a criança a aceitar melhor a medicação. A
desvantagem é que a criança pode expulsar o medicamento, diminuindo a previsibilidade
do efeito.
Via intramuscular
É muito dolorosa e, por isso, muito impopular entre crianças e pais. Seu uso vem dimi-
nuindo nas últimas décadas, pois seu início de ação é tão lento quanto a via oral.
Via inalatória
Alternativa às vias endovenosa e intramuscular. Bem tolerada pela maioria das crianças.
Muito popular em consultórios odontológicos48.

Medicamentos Pré-anestésicos

Midazolam
O benzodiazepínico midazolam tem sido a medicação pré-anestésica mais usada em
crianças. Apresenta grandes benefícios como sedação e baixa incidência de náuseas e vô-
mitos, não aumenta o volume gástrico residual, tem início de ação rápido e duração de
ação curta. Quando administrado por via oral, o midazolam tem a vantagem do sabor
agradável, entretanto, o início de ação é muito lento e errático dado ao grande efeito de
primeira passagem hepática. O midazolam está longe do ideal, pois causa deficiência cog-
nitiva, amnésia, distúrbios comportamentais de longo prazo, depressão respiratória em
doses maiores e não tem nenhuma ação analgésica. É muito utilizado isoladamente ou em
associação com outras drogas49,50.
Cetamina
A cetamina é um antagonista não competitivo dos receptores NMDA que clinica-
mente produz uma anestesia dissociativa com efetivos efeitos sedativos e analgésicos.

Avaliação pré-anestésica em pediatria | 37


Proporciona uma separação calma dos pais e uma indução suave. Uma grande quanti-
dade de estudos demonstrou a eficácia da cetamina administrada isoladamente ou em
combinação com outras drogas como pré-medicação em crianças, nas mais diversas vias
de administração. Nas doses preconizadas não parece estar relacionada com a depressão
respiratória ou agitação ao despertar. No entanto, seus efeitos colaterais como náuseas,
vômitos, salivação excessiva, alucinações pós-operatória e laringoespasmo limitaram seu
uso como agente único.
Clonidina
Medicação α 2 agonista de grande valor na prática da anestesia pediátrica por ser uma
medicação versátil utilizada como pré-anestésico ou como droga adjuvante à anestesia.
Por ser insípida e inodora, pode ser administrada por uma variedade de vias (oral, nasal,
retal e intravenosa). A clonidina possui efeitos sedativos mediados por receptores α 2 ago-
nista no sistema nervoso central (SNC) e está associada com uma série de outros efeitos
desejáveis. Sua utilização no pré-operatório leva à redução da dose necessária dos agentes
de indução, diminuição da concentração alveolar mínima (CAM) dos anestésicos voláteis
e da necessidade peri e pós-operatória de opioides. A clonidina leva ainda à diminuição na
incidência de náuseas e vômitos pós-operatórios (PONV), tremores e agitação ao desper-
tar. Ao contrário de outros sedativos utilizados para a pré-medicação farmacológica em
crianças, a clonidina produz sedação semelhante ao cansaço normal e não está associada
à confusão mental ou amnésia 51.
A redução na frequência cardíaca (FC) é um efeito adverso temido da clonidina, consti-
tuindo um argumento contrário a sua adoção como um agente de pré-medicação de rotina
em crianças. Larson P. G. e cols. estudaram a incidência de bradicardia em crianças que
receberam clonidina oral ou endovenosa como pré-anestésico e concluíram que a incidência
de bradicardia com doses clinicamente relevantes era baixa e não justificava sua não utiliza-
ção como pré-medicação em crianças52 .
Dexmedetomidina
Assim como a clonidina, a dexmedetomidina (DEX) é uma grande alternativa como
pré-anestésico em anestesia pediátrica por suas propriedades sedativas, ansiolíticas e anal-
gésicas. É um α2 agonista que tem uma especificidade diferencial para os receptores α1: α2 de
1: 1620, em comparação com 1: 220 da clonidina, sendo considerado um agonista completo
e altamente seletivo de receptores α2-adrenérgicos. Trata-se de um fármaco adrenérgico
seletivo com efeitos sedativos e analgésicos mediados por ações no sistema nervoso central
que não causam depressão respiratória com doses de até 2 µg. kg-1. Por ser insípido, incolor
e inodoro, é muito bem tolerado para uso via nasal ou inalatória53. Pode ser usado isolada-
mente, mas resulta em dificuldade de punção venosa, parecendo ser menos eficaz quando
se realizam procedimentos invasivos e potencialmente dolorosos54. É um fármaco útil em
combinação com a cetamina, pois equilibra seus efeitos cardiovasculares e reduz as náuseas
e vômitos induzidos por ela.
As doses das principais medicações pré-anestésicas utilizadas estão descritas na
Tabela 6.

38 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Tabela 6 – Medicação pré-anestésica em pediatria
Fármaco Via de administração Dose (mg/kg)
Midazolam Oral 0,3–0,7 (até 20 mg)
Nasal 0,2
Retal 0,5–1
Intramuscular 0,1–0,15
Cetamina Oral 3–8
Nasal 3–6
Retal 5–10
Intramuscular 2–5
Inalatória 2
Clonidina Oral 0,002–0,004
Nasal 0,002–0,004
Retal 0,002–0,005
Dexmedetomidina Oral 0,001–0,004
Nasal 0,001–0,004
Inalatória 0,002

Jejum Pré-operatório
As recomendações para o tempo apropriado de jejum pré-operatório são bem descritas
pelos guidelines das sociedades americana55, canadense56 e europeia57.
Fluidos claros são esvaziados do estômago rapidamente em cerca de 30 minutos. Se a
bebida tiver açúcar adicionado, o tempo de esvaziamento aumenta um pouco, a depender
do tipo de açúcar. Frutose, sacarose e galactose esvaziam mais rápido que a glicose. O leite
materno tem um tempo intermediário entre o líquido claro e o leite de fórmula infantil. O
esvaziamento gástrico do leite infantil depende da sua composição, e o leite de soja é elimi-
nado mais rapidamente que o de vaca.

Tabela 7 – Tempo recomendado de jejum em crianças

Tipo de alimento ingerido Tempo de jejum (horas)

Líquidos claros* 2
Leite materno 4
Fórmula infantil ou leite não humano** 6
Refeição leve** 6
Refeição completa*** 8
*Líquidos claros incluem água, suco de fruta sem resíduo, chá e café sem leite.
**Alimentação contendo proteínas incluindo leite não humano.
***Alimentação contendo frituras ou gordura.

Avaliação pré-anestésica em pediatria | 39


Apesar da recomendação para a ingestão de líquidos claros até duas horas antes da ci-
rurgia (Tabela 7), alguns anestesiologistas se sentem inseguros em aderir a essa prática,
especialmente pelo receio de os familiares não compreenderem completamente os riscos
associados com jejum inadequado, como a possibilidade de aspiração pulmonar58. Feliz-
mente, a síndrome de aspiração em crianças é uma complicação rara, ocorrendo usualmente
em situações de emergência59-61. Além disso, estudos têm demonstrado não haver maior in-
cidência de aspiração quando líquidos claros são permitidos comparados com o regime tra-
dicional de jejum completo após meia-noite62 . Da mesma forma, crianças com menor tempo
de jejum se mostraram com menos sede, fome e consequentemente menor irritabilidade63.
Foi observado também melhor grau de hidratação e menos instabilidade hemodinâmica no
paciente pediátrico com tempo de jejum pré-operatório menor64.
Contudo, a administração de f luido claro não calórico duas horas antes da cirurgia
não fornece os substratos para mudar significativamente a resposta metabólica induzi-
da pelo jejum. Durante o jejum, a fonte de glicose passa a ser a gliconenólise hepática,
seguida de lipólise com formação de ácidos graxos e corpos cetônicos, levando a um
estado de catabolismo com risco de desenvolver hipoglicemia mais rapidamente do que
no paciente adulto. Com o objetivo de reduzir essa resposta catabólica e estimular a
resposta à insulina, soluções de carboidrato oral têm sido indicadas 65,66 . Um estudo que
avaliou o volume gástrico através de ultrassonografia observou menor volume após a
ingestão de carboidrato oral 67.

Classificação do Risco
A classificação do estado físico determinado pela Sociedade Americana de Anestesiolo-
gia (ASA-PS), em 1941, é ainda usada de rotina na avaliação pré-anestésica por sua simpli-
cidade e praticidade. Crianças mais jovens, menores de 3 anos, e com índice mais elevados
(ASA III ou IV) são consideradas de maior risco27,68.
Têm sido identificadas várias limitações do sistema de classificação ASA-PS 69,70,
incluindo a dificuldade de definir “limitação funcional” em crianças, a falta de conside-
ração de doenças autolimitantes específicas da população pediátrica ou anormalidades
congênitas. Além disso, fatores relacionados com o procedimento cirúrgico, como o
tipo de cirurgia, podem conhecidamente inf luenciar a ocorrência de eventos indesejá-
veis no pós-operatório.
O NARCO-SS (Tabela 8) é um sistema de risco de pontuação baseado no estado neuro-
lógico pré-operatório (N), na via aérea (A), na função respiratória (R), na função cardíaca
(C) e em outras anormalidades (O). A pontuação total é complementada pela severidade
cirúrgica (SS), com a identificação de categorias (A-D), de acordo com a complexidade. Ob-
tém-se, assim, um escore de risco geral (baixo, moderado, alto, maior). Esse sistema mostra
uma taxa de previsão mais precisa de eventos adversos e intensificação de cuidados, morbi-
dade e mortalidade em comparação com o ASA-OS71,72 .

40 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Tabela 8 – Classificação de avaliação pré-anestésica pelo NARCO-SS
0 1 2
•• Sem problemas neurológicos •• Convulsões leves •• Estado epilético
•• Desenvolvimento e •• Comprometimento •• Comprometimento cognitivo
comportamento normais para cognitivo moderado severo
N a idade •• Espasticidade ou •• Espasticidade ou hipotonia
•• Alerta e orientado hipotonia moderados severa
•• Sensório deprimido •• Não responsivo
•• Anatomia normal da via aérea •• Dificuldade de •• Dificuldade de intubação
•• Boa mobilidade do pescoço intubação possível, conhecida ou provável
A porém com ventilação
adequada
•• Sem sintomas ou doenças •• Doença respiratória leve •• Doença pulmonar
respiratórias •• IVAS recente importante: displasia
•• Asma bem controlada e broncopulmonar, DPOC,
fora de atividade doença restritiva, infecção
R respiratória, via aérea
inferior, asma dependente de
esteroide, ausculta ou raios
X alterados, apneia do sono,
suporte ventilatório
•• Sem doenças cardíacas •• Cardiopatia congênita •• Cardiopatia congênita
não complexa corrigida complexa parcialmente ou
ou compensada não corrigida
•• Hipertensão bem •• Função ventricular ruim
C controlada •• Ventrículo único
•• Ritmo não sinusal bem •• Arritmia significativa
controlado •• Hipertensão de difícil controle
•• Necessidade de drogas
vasoativas
•• Sem anormalidades •• Anormalidades •• Anormalidades hepáticas,
hepatorrenais, hepáticas, renais, renais, musculoesqueléticas ou
musculoesqueléticas ou musculoesqueléticas ou endócrino-metabólicas severas
prematuridade endócrino-metabólicas •• Prematuridade com IPC < 50
•• Refluxo bem controlado ou leves semanas
O ausente •• Prematuridade com •• Anemia e distúrbios de
IPC > 50 semanas coagulação severos
•• Refluxo moderado •• Refluxo grave com risco de
•• IMC > 30 aspiração
•• IMC > 35

A B C D
Procedimentos não Procedimentos Procedimentos intra- Doador de
invasivos diagnósticos, diagnósticos ou abdominais, torácicos, órgãos
procedimentos terapêuticos invasivos, intracranianos, cardíacos,
SS superficiais e antecipação de sobre a via aérea ou com
periféricos, antecipação moderada perda de antecipação de grande perda
de perda sanguínea sangue, cirurgias de sanguínea
mínima emergência

Avaliação pré-anestésica em pediatria | 41


O objetivo da avaliação pré-anestésica é identificar achados clínicos e cirúrgicos que
colocam em risco a segurança do paciente. A avaliação também deve se preocupar em esta-
belecer a melhor opção quanto ao tempo esperado de hospitalização (internamento hospi-
talar ou hospital dia), à necessidade maior ou menor de suporte pós-operatório e ao regime
cirúrgico (hospitalar ou ambulatorial).
Crianças saudáveis e que vão realizar procedimentos cirúrgicos minimamente invasivos
podem ser avaliadas no mesmo dia da cirurgia, segundo a Sociedade Americana de Aneste-
siologia73. Já pacientes de maior risco e/ou que vão se submeter a cirurgias mais complexas,
recomenda-se que a avaliação seja feita com antecedência.
Algumas situações são relacionadas com complicações no pós-operatório e merecem
uma abordagem mais detalhada na avaliação pré-anestésica (Tabela 9).
Tabela 9 – Pacientes pediátricos recomendados para avaliação pré-anestésica pelo
maior risco de complicações
Condições cirúrgicas
Cirurgias complexas de escoliose
Cirurgia cardíaca
Cirurgia torácica
Neurocirurgia
Cirurgia intra-abdominal de grande porte
Reconstrução da via aérea
Condições clínicas
Doença cardíaca complexa, presença de insuficiência cardíaca, dependência de marca-passo
Doença respiratória severa com necessidade de suporte ventilatório ou oxigênio suplementar
Doença neuromuscular progressiva
Apneia obstrutiva do sono
Síndrome de Hunter e síndrome de Hurler
Instabilidade da coluna cervical
Obesidade mórbida
Crianças transplantadas
Conflitos religiosos (recusa de transfusão)
Conflito ético (ordem para não reanimação)
Via aérea complexa com provável dificuldade ou história de via aérea difícil

Principais Doenças Coexistentes em Pediatria

Doenças respiratórias
Criança com infecção da via aérea superior
Infecção da via aérea superior (IVAS) é uma condição frequente no pré-operatório de
crianças, sendo um importante fator no aumento da morbimortalidade em pacientes pediá-
tricos submetidos à anestesia geral27,74.

42 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


O paciente pediátrico com IVAS apresenta maior ocorrência de eventos respiratórios
como laringoespasmo, broncoespasmo, atelectasia e obstrução de via aérea pós-extuba-
ção75,76. Muitos estudos mostram que o risco está aumentado não apenas durante o episódio
de IVAS, mas também por um período (2 a 4 semanas) após a sua resolução clínica77-79.
Tabela 10 – Fatores de risco em crianças com IVAS
Fatores
Ausculta alterada por sibilos e/ou roncos
História de mais de 3 episódios de broncoespasmo (chiado) nos últimos 12 meses
Secreção copiosa e/ou purulenta
Exposição ao tabagismo
História de eczema
História de asma da criança ou na família
Rinite
Tosse seca noturna
Prematuridade
Intubação em crianças menores de 5 anos
Cirurgia envolvendo a via aérea
Diante disso, existe um grande dilema entre manter ou suspender o procedimento cirúr-
gico, sendo necessário estabelecer a gravidade da IVAS e identificar a presença de fatores de
risco associados (Tabela 10) mesmo diante de uma IVAS não complicada24,80.
Uma criança com resfriado comum apresenta congestão nasal, tosse seca e ausência de
febre importante. Um quadro de IVAS leve é caracterizado por uma rinofaringite, usual-
mente de origem viral, com a criança apresentando congestão nasal, dor de garganta, tosse e
febre. Pacientes com sintomas severos incluem febre, secreção purulenta, letargia e envolvi-
mento do trato respiratório inferior, com ausculta alterada por sibilos ou roncos. Cirurgias
eletivas em crianças com sintomas leves podem ser realizadas, levando em consideração o
risco/benefício. Contudo, na presença de IVAS com sintomas importantes e/ou a presença
de fatores de risco (Tabela 10) se recomenda que a cirurgia seja adiada80.
O intervalo recomendado entre a resolução do quadro e a cirurgia ainda não é claro na
literatura, já que o estado de hiperreatividade pode permanecer por 4 a 6 semanas. Contudo,
postergar o procedimento por esse tempo pode expor o paciente a uma nova IVAS precoce-
mente em razão da ocorrência frequente desses episódios na infância. Esse atraso de quatro
semanas pode então não ser apropriado em alguns casos, existindo uma recomendação mais
moderada preconizada por alguns autores que contempla um adiamento por duas semanas
em crianças sintomáticas, sem fatores de risco24.
Durante uma cirurgia de emergência em criança com IVAS, deve ser feita nebulização
com beta-agonista (albuterol, salbutamol) e administrados anestésicos que maximizem a
broncodilatação, como o sevoflurano e o propofol81,82 .
Asma
A asma é uma das doenças mais comuns da infância, colocando a criança asmática em
maior risco de complicações perioperatórias, como broncoespasmo e laringoespasmo.

Avaliação pré-anestésica em pediatria | 43


É essencial conhecer a gravidade da asma e o tratamento que o paciente está recebendo,
pois, os dois fatores estão interligados. A severidade da doença (Tabela 11) é estabelecida
pela frequência dos sintomas, uso de drogas sintomáticas e de profilaxia (corticoides inala-
tórios), além de testes respiratórios realizados em casos selecionados83.
Pacientes que apresentaram um episódio de exacerbação da asma com terapia de emer-
gência ou hospitalização nas últimas seis semanas antes de uma cirurgia eletiva devem ter o
procedimento adiado84; já pacientes com sintomas e terapêutica mínima podem realizar o
procedimento cirúrgico sem maiores intervenções. Pacientes com asma de controle inter-
mediário se beneficiam de uma avaliação pré-anestésica rigorosa para a busca de fatores de
risco e otimização do tratamento.
Tabela 11 – Classificação da gravidade da asma
Tipo Quadro clínico
Bem controlada Sem limitação da atividade, poucos sintomas
Uso mínimo de BDCD (< 2 dias/semana)
VEF1 ou peak flow > 80%
VEF1/CVF > 80%
Sem controle adequado Sintomas semanais e noturnos
Alguma limitação da atividade
Uso moderado de BDCD (> 2 dias/semana)
Terapia multimodal
VEF1 ou peak flow 60-80%
VEF1/CVF 75-80%
De difícil controle Sintomas diários com limitação de atividades
Uso diário e frequente de BDCD
Sintomas noturnos semanais
Uso de corticoide oral > 2 vezes por ano
VEF1 ou peak flow<60%
VEF1/CVF < 75%
BDCD = broncodilatadores de curta duração; VEF1 = volume expiratório forçado no primeiro segundo;
CVF = capacidade vital forçada.

Apneia obstrutiva do sono


A apneia obstrutiva do sono (AOS), juntamente com a obesidade infantil, vem se tor-
nando um problema de proporções epidêmicas em pediatria. A AOS faz parte de um grupo
de desordens respiratórias do sono caracterizada por obstrução parcial ou completa da via
aérea que leva à interrupção da ventilação durante o sono.
Em crianças, a apresentação da AOS é diferente do adulto. O pico ocorre entre 2 e 7
anos, e a obesidade nem sempre está presente, sendo frequente a hipertrofia adenoamig-
daliana. Diversas síndromes associadas com malformações craniofaciais (Apert, Pfeiffer,
Treacher Collins, Goldenhar e Crouzon) ou macroglossia (trissomia 21, mucopolissacari-
dose, Beckwith-Wiedemann Syndrome) predispõem à AOS. Crianças com AOS apresen-

44 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


tam manifestações clínicas diferentes dos adultos – apresentam sintomas noturnos como
roncos, respiração bucal, sono agitado e sonambulismo, entre outros. Durante o dia, podem
apresentar alterações do comportamento, como agressividade, dificuldade de aprendizagem
e de concentração85.
Essa população tende a apresentar sensibilidade maior aos opioides86 e maior risco de hi-
poxemia pós-operatória, obstrução da via aérea, insuficiência respiratória, eventos cardíacos
(edema pulmonar) e maior transferência para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI)87-88.
A Academia Americana de Pediatria relaciona alguns sinais e sintomas sugestivos de AOS
em crianças (Tabela 12). Alguns questionários, como o OSA-1889 e o Pediatric Sleep Ques-
tionnaire (PSQ )90,podem ser utilizados, porém, têm menor sensibilidade e especificidade
quando comparados com o padrão ouro de avaliação da AOS, que é a polissonografia91.

Tabela 12 – Sinais e sintomas associados à AOS em crianças


História
Ronco frequente (> 3 noites/semana)
Respiração difícil durante o sono
Engasgo/ronco barulhento/episódios de apneia
Enurese durante o sono
Dormir em posição sentada ou com a cabeça hiperestendida
Cianose
Cefaleia ao acordar
Sonolência durante o dia
Déficit de atenção ou hiperatividade
Dificuldade de aprendizado
Exame físico
Peso abaixo do normal ou sobrepeso
Hipertrofia amigdaliana
Fácies adenoidal
Micrognatia ou retrognatia
Palato arqueado
Hipertensão

Como as crianças com AOS têm episódios frequentes de hipoxemia durante o sono, a
oximetria durante a noite em regime domiciliar pode facilmente ser utilizada como método
complementar diagnóstico.

Doenças cardíacas
A avaliação do sistema cardiovascular da criança deve abordar cardiopatias congênitas
ou adquiridas, bem como estabelecer a capacidade funcional. O diagnóstico de insufi-
ciência cardíaca, especialmente em crianças pequenas, pode ser difícil de ser realizado,
devendo o anestesiologista procurar identificar sinais e sintomas relacionados e adequa-
dos para a idade (Tabela 13).

Avaliação pré-anestésica em pediatria | 45


Tabela 13 – Sinais relacionados com a disfunção cardíaca em crianças
Neonatos e lactentes
Maior demora em alimentar-se
Interrupção e choro durante a alimentação
Incapacidade de sugar
Dispneia, cianose ou sudorese durante a alimentação
Crianças maiores
Inabilidade de realizar atividades físicas
Dor torácica, síncope
Desenvolvimento físico inadequado
Criança mais quieta e incapaz de acompanhar outros da idade
É de grande importância reconhecer as condições cardíacas que implicam risco de endo-
cardite infecciosa (Tabela 14) e realizar a antibioticoprofilaxia indicada antes do procedi-
mento cirúrgico (Tabela 15).
Tabela 14 – Condições cardíacas que requerem profilaxia para endocardite
• Válvulas cardíacas protéticas
• Qualquer tipo de enxerto ou material protético para correção da válvula
• História de endocardite infecciosa prévia
• Cardiopatias congênitas não corrigidas
• Shunt sistêmico-pulmonar (Blalock-Taussig)
• Cardiopatias congênitas corrigidas com defeitos residuais
• Cardiopatias congênitas corrigidas por cateterismo e uso de dispositivos
• Transplantados com valvulopatia adquirida
Sopros cardíacos chamados funcionais ou inocentes são um achado extremamente
comum em crianças saudáveis92, tendo maior incidência em torno dos 3-4 anos. O sopro
funcional é geralmente sistólico, curto, suave e se torna mais audível na posição supina. O
exame físico completo, incluindo avaliação dos pulsos periféricos e verificação da pressão
arterial, deve ser feito. A avaliação adicional pelo cardiologista pediátrico é geralmente ne-
cessária e complementada por um eletrocardiograma e ecocardiograma em casos seleciona-
dos. Após essas etapas, a família deve ser tranquilizada de que nenhum tratamento adicional
é necessário nesses casos.
Tabela 15 – Antibioticoprofilaxia para endocardite infecciosa
Uso oral Amoxicilina 50 mg/kg
Uso oral para alérgicos à amoxicilina Cefalexina 50 mg/kg
clindamicina 20 mg/kg
azitromicina ou 20 mg/kg
claritromicina 15 mg/kg
Impossibilitados de tomar medicação oral Ampicilina, cefazolina ou 50 mg/kg
ceftriaxona
Impossibilitados de tomar medicação oral Cefazolina, ceftriaxona ou 50 mg/kg
e alérgicos à ampicilina clindamicina 20 mg/kg

46 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Distúrbios neurológicos
Autismo
Algumas desordens neurológicas comuns em crianças, como o autismo e o transtorno de
hiperatividade ou déficit de atenção, podem representar um desafio para o anestesiologista
e merecem atenção especial na avaliação pré-anestésica93.
Autistas podem apresentar uma grande variedade comportamental e intelectual. Algu-
mas crianças podem ter dificuldade de entender a mudança na rotina e as razões do procedi-
mento cirúrgico. É comum que apresentem dificuldade de comunicação e se tornem pouco
ou não cooperativos durante a consulta ou mesmo apresentem comportamento agressivo94.
Pode ser complicado para a criança permitir aproximação para a realização do exame fí-
sico e muitas podem ser relutantes. Expressar sensações como dor e desconforto é por vezes
difícil para esses pacientes.
Para esses pacientes é aconselhável minimizar o jejum e o tempo de espera da cirurgia,
priorizando como a primeira cirurgia do dia, e permitir a ingestão de fluidos claros sem re-
síduos até duas horas antes. Medicação pré-anestésica pode ser útil, como também métodos
não farmacológicos, lúdicos ou mesmo envolvendo animais são bem aceitos95.

Paralisia cerebral
A paralisia cerebral (PC) é um termo geral que cobre uma variedade de condições não
progressivas causadas por lesões ou anomalias do cérebro que ocorre no início do desenvol-
vimento. A incidência em crianças nascidas no prazo é de 1-2,5 por 1.000 nascidos vivos no
mundo desenvolvido. A etiologia parece ser multifatorial (hipóxia, infecções congênitas) e
a apresentação clínica da doença é extremamente variada, indo desde uma monoplegia com
capacidade intelectual preservada até uma quadriplegia espástica com comprometimento
mental severo.
Alguns problemas específicos relacionados com a criança com PC devem ser identifica-
dos, bem como a implicação dessas condições para a anestesia (Tabela 16).
Tabela 16 – Condições clínicas na criança com paralisia cerebral e suas implicações
para a anestesia
Problema específico Implicações para a anestesia
Comprometimento do desenvolvimento Déficit cognitivo, comportamento agressivo e
mental não cooperativo
Refluxo gastroesofágico Risco de aspiração
Hipotonia dos músculos faríngeos Obstrução da via aérea superior
Espasticidade Risco de compressão com posicionamento e
dificuldade de acesso venoso
Escoliose Doença pulmonar restritiva
Hipotrofia muscular, imobilidade e up- Resistência aos BNMA e sensibilidade aos
regulation de receptores nicotínicos BNMD
Epilepsia Risco de convulsões
BNMA = bloqueador neuromuscular adespolarizante; BNMD = bloqueador neuromuscular despolarizante.

Avaliação pré-anestésica em pediatria | 47


Doenças neuromusculares
As crianças portadoras de doenças neuromusculares (DNM) têm fisiopatologia diver-
sa dependendo do acometimento primário da unidade motora, podendo comprometer os
neurônios do corno anterior da medula, as raízes nervosas e os nervos periféricos, a jun-
ção neuromuscular ou o músculo. Podem ser de origem genética ou adquirida. Na infância
predominam as doenças neuromusculares de origem genética (Tabela 17). Essas crianças
devem receber atenção especial na avaliação pré-anestésica, por se tratar de um grupo de
pacientes com alto risco de complicações pós-operatórias, como insuficiência respiratória,
falência cardíaca e hipertermia maligna.
Tabela 17 – Doenças neuromusculares em crianças
Grupo Tipo
Doenças do motoneurônio Atrofia muscular espinhal
Atrofia muscular espinobulbar
Poliomielite
Neuropatia periférica Síndrome de Guillain-Barré
Doença de Charcot-Marie-Tooth
Polineuropatia dismielinizante
Neuropatia autonômica hereditária
Doença da junção neuromuscular Miastenia gravis autoimune congênita
Miastenia gravis congênita
Botulismo
Doenças musculares Distrofias progressivas:
•• Duchenne;
•• Becker;
•• miotônica.
Distrofias congênitas:
•• Emery-Dreifuss;
•• Bethlem;
•• Fukuyama.
Miopatias congênitas:
•• miopatia central Core (Central Core Disease);
•• outras miopatias.
Miopatias metabólicas:
•• encefalopatias mitocondriais;
•• doenças de armazenamento do glicogênio;
•• doenças de armazenamento lipídico.

O comprometimento do sistema respiratório pode variar consideravelmente nas doenças


neuromusculares, sendo extremamente recomendada uma avaliação da função pulmonar
desses pacientes. Pacientes que apresentam uma capacidade vital forçada (CVF) menor
que 50% do previsto são considerados de risco. É crucial tentar otimizar a condição pré-
-operatória com técnicas de treinamento para melhorar a tosse e a capacidade de insuflação
pulmonar máxima para prevenir atelectasias.

48 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Inicialmente é comum encontrar redução da atividade da musculatura inspiratória e pa-
drão restritivo. Com a progressão da doença, a fraqueza da musculatura expiratória leva a
dificuldade de eliminar secreções, hipoventilação, tosse ineficaz e tendência a atelectasias.
Em casos mais graves, a musculatura bulbar pode estar envolvida, o que agrava o quadro
respiratório e predispõe à aspiração pulmonar.
Os pacientes com DNM devem ter a função cardíaca avaliada previamente a um pro-
cedimento cirúrgico, pois é frequente a ocorrência de disfunção miocárdica (cardiomio-
patia) e de anormalidades do sistema de condução, com desenvolvimento de arritmias e
bloqueios cardíacos.

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52 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Capítulo 03

Ventilação Pulmonar
Débora de Oliveira Cumino
Luciana Cavalcanti Lima
Fabiana Ajnhorn
Ventilação Pulmonar

Introdução
Nos últimos anos, uma das práticas que mais evoluiu na rotina do anestesiologista foram
os cuidados referentes à adequada manutenção da ventilação na criança, durante o proce-
dimento cirúrgico. O conhecimento das complicações geradas pela ventilação ineficaz, o
surgimento de novos dispositivos entre o paciente e o ventilador, e principalmente o avanço
tecnológico dos ventiladores mecânicos, bem como a sua monitorização estão modificando
a conduta no atendimento à criança, proporcionando maior segurança e qualidade.
A estratégia ventilatória em anestesia pediátrica varia em função do procedimento
realizado, dos recursos tecnológicos disponíveis e, principalmente, em função das carac-
terísticas de cada paciente nas diferentes faixas etárias. Os ventiladores dos aparelhos de
anestesia modernos, que compensam a complacência do circuito respiratório e o fluxo de
gases frescos, são capazes de atender às necessidades do paciente pediátrico. Disponibilizam
recursos que permitem otimizar a ventilação espontânea prevenir atelectasia e até mesmo
adotar estratégia ventilatória protetora com liberação acurada de baixos volumes correntes
em pacientes de alto risco de lesão pulmonar.

Anatomia e fisiologia da criança


A anatomia das crianças diferencia-se da dos adultos, não apenas pelo tamanho das es-
truturas, mas também por sua distribuição anatômica e maturidade fisiológica. Essas dife-
renças fazem com que as crianças estejam expostas a desenvolver insuficiência respiratória,
por obstrução ao fluxo aéreo, fadiga muscular ou alterações na complacência pulmonar1,2 .
Para suprir o alto consumo de oxigênio (dobro do adulto), o neonato possui elevada ven-
tilação alveolar mantida às custas de maior frequência respiratória. Esta diferença fisiológica
decorre de sua limitada capacidade de aumentar o volume corrente, resultante de uma mecâ-
nica ventilatória imatura. Diferente do adulto, no qual a caixa torácica se contrapõe à deflação
pulmonar, o neonato possui arcabouço cartilaginoso e instável. Os arcos costais são horizon-
talizados, ocasionando menor expansibilidade torácica e menor variação de volume durante
os ciclos inspiratórios e expiratórios. Em neonatos, maiores variações de pressão resultam em
menores variações de volume devido à baixa complacência pulmonar1,2 (Figura 1).

Figura 1 – Curva de complacência pulmonar do adulto x neonato

54 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


No período pós-natal precoce, o volume pulmonar é desproporcionalmente pequeno
em relação ao tamanho e ao peso do neonato. A reserva de superfície pulmonar é mínima,
sendo ainda mais comprometida durante a anestesia. O diafragma encontra-se deslocado
cefalicamente em virtude do maior volume das vísceras abdominais, contribuindo para a
diminuição da capacidade residual funcional (CRF) e para o elevado volume de fechamento
pulmonar (VO). O VO é o volume pulmonar a partir do qual ocorre colapso das unidades
alveolares. Em adultos, a CRF é maior do que o VO. Nas crianças o VO é maior que a CRF
e encontra-se dentro do volume corrente (V T), explicando sua maior propensão ao colapso
pulmonar e à formação de atelectasia3,4.
Em crianças menores, a CRF é mantida por mecanismos dinâmicos que previnem o co-
lapso pulmonar ao término da expiração como: atividade tônica sustentada da musculatura
inspiratória durante todo o ciclo respiratório, manutenção de frequência respiratória elevada
em relação à constante de tempo expiratória (auto-PEEP) e estreitamento glótico durante a
expiração (bloqueio laríngeo). Esses mecanismos dinâmicos são perdidos na anestesia geral
com intubação. A queda da CRF promovida pela anestesia é mais acentuada em menores de
seis meses, podendo resultar em fechamento de pequenas vias aéreas, atelectasia, distúrbio
de ventilação/perfusão e hipoxemia se os pulmões não forem reexpandidos e mantidos com
pressão positiva final expiratória (PEEP)3,4.
O volume do espaço morto (V D) apesar de ser igual ao do adulto em relação ao peso,
representa um terço do V T. Desta forma, incrementos no V D por meio da utilização de exten-
sores, conectores e circuitos inadequados do respirador podem levar a maiores repercussões
no neonato, como diminuição da ventilação alveolar (VA). A relação da VA com a CRF é três
vezes maior na criança, resultando em rápida indução anestésica com aumento das frações
alveolares dos gases inspirados, mas também, pode causar rápida dessaturação na vigência
de diminuição da VA .
Os volumes e capacidades pulmonares variam bastante ao longo do desenvolvimento e
podem apresentar diferenças significativas, inclusive dentro da mesma faixa etária3,4 (Tabela 1).
Tabela 1 – Volumes e capacidades pulmonares
Neonato Adulto
V T (mL · kg )
-1
6 6
VD (mL · kg )
-1
2 2
VA (mL · kg-1 · min-1) 100–150 60
VO (mL · kg )
-1
12 7
CPT (mL · kg-1) 62 80
CRF (mL · kg ) -1
30 30
VA:CRF 5:1 1,5:1
DO2 (mL · kg ) -1
6–8 3
V T = volume corrente; V D = volume de espaço morto; VA = ventilação alveolar; VO = volume de oclusão; CPT
= capacidade pulmonar total; CRF = capacidade residual funcional; VA : CRF = relação ventilação alveolar/
capacidade residual funcional; DO2 = consumo de oxigênio.

Ventilação Pulmonar | 55
O uso de dispositivos de vias aéreas na anestesia pode aumentar muito a resistência e o
trabalho respiratório. Na criança pequena 2/3 da resistência imposta ao fluxo aéreo encon-
tra-se nas vias aéreas superiores. Tubos com diâmetro interno reduzido embora previnam a
obstrução de VA podem aumentar muito essa resistência, especialmente quando fluxos altos
são administrados. Trabalho respiratório excessivo é mal tolerado em crianças pequenas
por possuírem menor quantidade de fibras musculares do tipo I na musculatura diafragmá-
tica e intercostal. Assim, observa-se desenvolvimento mais rápido de fadiga respiratória em
neonatos e lactentes intubados e sem assistência ventilatória, ou na vigência de obstrução de
vias aéreas, pelo aumento da resistência imposto ao sistema, cuja ocorrência é mais frequen-
te nessa faixa etária.
O planejamento da estratégia ventilatória deve ser individualizado, promovendo uma
integração do paciente com a intervenção cirúrgica e ação dos fármacos, a fim de causar o
menor dano possível.

Sistemas respiratórios
Em 1937, Dr. Philipe Ayre desenvolveu o circuito precursor dos sistemas ventilatórios
pediátricos. Dotado de uma peça “T”, o “T de Ayre” possibilitava a ventilação espontânea
durante os procedimentos cirúrgicos. A partir deste circuito, vários outros foram desenvol-
vidos nos anos subsequentes. O desempenho desses sistemas depende de uma taxa de fluxo
alta para evitar reinalação, aumentando a poluição ambiental.
Atualmente o uso de sistemas respiratórios avalvulares está em declínio na anestesia pe-
diátrica. Questões como poluição e ausência de monitorização dos parâmetros ventilatórios
têm contribuído para mudanças na prática, embora ainda sejam os sistemas mais utilizados
em situações de emergências, como laringoespasmo e falha do aparelho de anestesia. Ques-
tionário recente, publicado em 2014, envolvendo anestesiologistas pediátricos revelou que
o sistema circular é o circuito mais utilizado na indução em todas as faixas etárias, ficando o
uso dos sistemas de Ayre restrito a neonatos (44%)5.

Sistemas circulares
Os sistemas pediátricos devem possuir tubos corrugados, conexões, sensores e fluxôme-
tros de volumes adequados a esta faixa etária. As válvulas em “Y” apresentam menor espaço
morto e as membranas devem ser leves e deslocáveis com pequenos volumes, pois a resistên-
cia é menor quanto maior for o diâmetro do disco e menor seu peso3,4.

Ventilação espontânea
A manutenção da patência das vias aéreas em anestesia é um aspecto crítico na ventila-
ção espontânea e, ao contrário da visão tradicional, queda de língua não é a principal causa
de obstrução. O ponto de maior estreitamento faríngeo ocorre ao nível do palato mole em
lactentes e ao nível da epiglote em crianças maiores6. Extensão da cabeça ao nível da arti-
culação atlanto-occipital com deslocamento anterior da coluna cervical (sniffing position)
melhora a patência da via aérea hipofaríngea, mas não necessariamente modifica a posição
da língua. O aumento da profundidade anestésica determina redução progressiva do diâ-

56 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


metro anteroposterior da faringe por perda do tônus e efeito gravitacional. Essa alteração da
configuração da via aérea é mais acentuada em lactentes, sendo quase o dobro da observada
em crianças mais velhas.
Clinicamente, medidas devem ser tomadas para antecipar e prevenir a obstrução. O po-
sicionamento adequado da cabeça, o uso de manobras de vias aéreas e a aplicação de pressão
positiva contínua (CPAP) podem auxiliar na manutenção da ventilação espontânea em
crianças anestesiadas sob máscara facial. A manutenção da patência das vias aéreas é efetiva
com uma simples extensão leve da cabeça (110 graus entre o plano horizontal da mesa e a
linha que conecta o olho ao trágus da orelha). Adicionalmente, elevação do queixo promove
aumento do diâmetro transverso de toda a via aérea faríngea e do diâmetro anteroposterior,
principalmente, ao nível da epiglote7. A elevação do queixo e a abertura da boca, com protu-
são mandibular (jaw thrust), são manobras de via aérea também muito úteis. A posição late-
ral aumenta o benefício dessas manobras. A adição de CPAP melhora o efeito das manobras
por funcionar como um suporte pneumático, além de contribuir para a manutenção da CRF
por prevenir o colapso alveolar expiratório7.
A ventilação espontânea durante a anestesia pode ocorrer com ou sem o uso de dispo-
sitivos glóticos. O uso de máscara laríngea inicialmente encontrou grande uso em crianças
que mantinham um esforço respiratório com adequado volume corrente, mas apresentavam
potencial risco para obstrução da via aérea. É um dispositivo que, respeitadas suas contrain-
dicações, agrega segurança na prática diária, é tecnicamente mais fácil que a intubação tra-
queal e requer menos anestésicos por gerar menos estímulo nervoso.
Atualmente sabe-se que é possível ventilar uma criança com pressão positiva com uma
máscara laríngea adequadamente posicionada sem insuflar o estômago. A ventilação com
pressão positiva com a ML não deve exceder 20 cmH2O. A ventilação controlada a pressão
parece oferecer menores picos inspiratórios de pressão, mantendo uma ventilação igual-
mente adequada se comparada à ventilação controlada a volume.

Ventilação mecânica
A ventilação mecânica é a melhor opção em procedimentos com duração superior a 40
minutos, intracavitários, em crianças abaixo de 2 anos e em portadores de doenças neuro-
musculares, pulmonares ou alterações do “drive” respiratório.
No paciente pediátrico, a ventilação mecânica é desafiadora porque pequenas alterações
no volume fornecido representam uma fração significativa do volume corrente planejado.
Modernos ventiladores de anestesia são projetados para entregar pequenos volumes com
precisão para as vias respiratórias do paciente, compensando a complacência do sistema res-
piratório e entregando o volume corrente independentemente do fluxo de gás fresco. Esses
avanços tecnológicos proporcionam a oportunidade de implementar uma estratégia de ven-
tilação pulmonar de proteção na sala de cirurgia com base no controle do volume corrente.

Bases da ventilação mecânica


Para otimizar a ventilação mecânica é necessário ter conhecimento e compreensão do
funcionamento dos aparelhos, das limitações, e os efeitos das modalidades de suporte ven-

Ventilação Pulmonar | 57
tilatório. Na ventilação mecânica, o ciclo respiratório é composto de quatro fases distintas:
transição da expiração para a inspiração (disparo), inspiração, transição da inspiração para
a expiração (ciclagem) e expiração. Disparo é a forma como o ventilador inicia uma inspi-
ração, sendo a tempo nos modos controlados e, a pressão ou fluxo, nos modos assistidos.
Ciclagem é a forma como o ventilador termina a inspiração e passa para a fase expiratória do
ciclo, sendo a tempo, volume ou pressão8.
O modo ventilatório corresponde ao método de suporte inspiratório dado ao paciente
em ventilação mecânica invasiva. Os modos podem ser divididos em duas ordens: controle
a volume e controle a pressão9. Os ciclos respiratórios na ventilação mecânica são definidos
como controlados, quando o suporte ventilatório artificial substitui totalmente o esforço
muscular e o controle neural do paciente e, assistidos, quando o ventilador apenas auxilia ou
assiste a musculatura inspiratória que ainda se encontra ativa. Nos ciclos controlados, a ven-
tilação é sempre disparada a tempo, em intervalos regulares e sem correlação com os esfor-
ços do paciente, sendo a ventilação-minuto do paciente realizada unicamente pelo aparelho.
Na ventilação assistida os ciclos respiratórios são iniciados apenas pelo esforço inspiratório
do paciente, sendo o disparo do ventilador realizado a pressão ou a fluxo, ou seja, o aparelho
detecta o esforço do paciente pela redução da pressão ou pelo aumento do fluxo no circuito.
Existe ainda a possibilidade da combinação dos ciclos na modalidade assistido-controlada,
que associa ciclos disparados pelo esforço do paciente com ciclos disparados pelo ventila-
dor, quando esse esforço inspiratório não ocorre em determinado intervalo preestabelecido
de tempo.
Modos Ventilatórios
Poucos estudos em pediatria comparam os modos ventilatórios e seus desfechos, não ha-
vendo estudos que demonstrem clara superioridade entre modos ventilatórios controlados
a pressão versus volume10. Cada modo apresenta vantagens e promove suporte apropriado
desde que exista compreensão dos princípios básicos de funcionamento e que o ventilador
tenha os recursos necessários. Frequentemente, os modos controlados a volume são utiliza-
dos para ventilar pacientes adultos ou crianças acima de 20 kg de peso e os modos controla-
dos a pressão são utilizados em neonatos e lactentes. Entretanto, essa regra não é absoluta.
Os aparelhos modernos, microprocessados, são capazes de oferecer diferentes modos venti-
latórios em todas as faixas etárias, produzindo grande variedade de formas de onda de fluxo
e de pressão.
Ventilação Controlada a Volume (VCV)
Nesse modo, o ventilador oferece o volume corrente prescrito. Na prática, a VCV é bas-
tante fácil de ser ajustada, tendo como variáveis de programação o V T, a frequência respira-
tória (FR) e a relação I:E. A onda de fluxo inspiratório habitualmente tem padrão constante
(onda quadrada) e quando o volume inspirado atinge o valor programado ocorre abertura
da válvula expiratória. O ajuste da FR repercute sobre o controle do fluxo inspiratório (Fi-
gura 2). Quando se aumenta a FR e mantém-se constante o V T e a relação I:E, o ventilador
automaticamente busca aumentar o fluxo inspiratório na tentativa de garantir o volume
prefixado (volume controlado). A redução do tempo inspiratório e consequente elevação

58 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


do fluxo inspiratório provoca aumento das pressões sobre as vias aéreas, principalmente
em situações de alta resistência e baixa complacência, aumentando os riscos de uma dis-
tribuição inadequada do fluxo aéreo. Variações de complacência entre as diferentes regiões
pulmonares resultam em hiper ou hipoinsuflação. Nas crianças que apresentam alterações
pulmonares como presença de secreções, broncoespasmo, aumento do volume abdominal
ou afastadores sob o diafragma, a VCV aumenta o risco de barotrauma, pela distribuição
não uniforme do fluxo.
A pausa inspiratória é um recurso que pode ser incorporado ao tempo inspiratório, permi-
tindo melhor distribuição do gás alveolar e equalizando as pressões em regiões pulmonares
com diferentes complacências. Consiste em uma fração de 10% a 25% do tempo inspiratório
em que cessa o fluxo aéreo, estando o V T alvo atingido. A pressão de vias aéreas medida ao
final de uma pausa inspiratória é denominada pressão de platô (PPLAT) e tem maior corre-
lação com a pressão alveolar (Figura 2). Em crianças pequenas com altas FR, muitas vezes
não é possível realizar uma pausa inspiratória e manter o volume entregue de ar.

(A) O V T final só é atingido ao término do tempo inspiratório.


(B) A adição da pausa inspiratória permite estabelecer a pressão de pico,
que reflete o componente resistivo do sistema, e a pressão platô, mais
correlacionada à pressão alveolar.

Figura 2 – Ventilação controlada a volume (VCV)


Esse modo tem como principais vantagens a garantia do V T e a identificação precoce
de alterações da mecânica ventilatória. A pressão desenvolvida nas vias aéreas e alvéolos é
consequência direta da relação entre o V T e a complacência estática do sistema respiratório,
sendo de extrema importância limitar e monitorizar a pressão de via aérea. O emprego de
uma estratégia ventilatória protetora com a utilização de baixos V T é feita com maior facili-
dade e segurança nesse modo, pois o volume alveolar permanecerá sob maior controle.
Ventilação Controlada a Pressão (PCV)
A ventilação controlada, ciclada a tempo e com pressão constante nas vias aéreas é
o modo mais utilizado em anestesia pediátrica. Na PCV a pressão de pico inspiratório
(Ppi) é o parâmetro prefixado e principal determinante do V T. Outros parâmetros a
serem ajustados são a FR e o tempo inspiratório ou a relação I:E. Nesse modo o V T é
variável e sofre inf luências da Ppi alvo programada (relação linear), do tempo inspirató-
rio, do nível de PEEP e das variações da complacência e resistência do paciente. Aumen-

Ventilação Pulmonar | 59
tos no “delta” de pressão aplicada acima da PEEP ou no tempo inspiratório determinam
aumentos do V T final (Figura 3). Ao selecionar a Ppi, deve-se considerar as variáveis
fisiológicas da criança, como o peso, idade, complacência e resistência pulmonar que
interferem no V T resultante.

Figura 3 – Ventilação controlada a pressão (PCV)


Aumentos do volume corrente e da pressão alveolar ocorrem em função de aumentos do
“delta” e de pressão acima da PEEP (A) ou do tempo inspiratório (B).
A principal vantagem da PCV é atribuída ao seu fluxo inspiratório, denominado desa-
celerado. Alguns estudos afirmam que esse padrão descendente garante uma distribuição
mais homogênea do gás alveolar em relação a outros tipos de onda de fluxo. No início da
fase inspiratória, o elevado gradiente entre a via aérea e o interior dos pulmões promove
um fluxo máximo, fazendo com que a pressão programada seja rapidamente atingida. À
medida que o volume intrapulmonar aumenta e o gradiente de pressão diminui, o fluxo
sofre uma desaceleração, suficiente para manter a Ppi constante durante toda a fase inspi-
ratória. As vias aéreas abertas e mais complacentes recebem quantidades iniciais maiores
de fluxo aéreo e alcançam o equilíbrio mais rapidamente do que as vias aéreas menos
complacentes e com maior constante de tempo. O fluxo dentro dos pulmões continua até
que ocorra equilíbrio da Ppi com todas as unidades alveolares (a onda de fluxo desacele-
rado chega a zero) ou até que o tempo inspiratório ajustado termine a fase inspiratória. É
importante que o tempo inspiratório seja suficiente para que ocorra equalização da Ppi
entre as diferentes unidades alveolares, o que geralmente é obtido após 4 a 6 constantes
de tempo do sistema. O tempo expiratório é ajustado para permitir que o fluxo expiratório
alcance o valor zero antes do início de um novo ciclo respiratório. Tempo expiratório
curto causa aprisionamento de ar, PEEP intrínseca ou auto-PEEP com repercussões he-
modinâmicas indesejáveis.
Embora a PCV compense limitações dos aparelhos e circuitos de anestesia, como com-
placência excessiva e pequenos vazamentos, sua principal desvantagem é não garantir V T
consistentes. Movimentos diafragmáticos, abertura do tórax, medicações e afastadores, mo-
dificam a complacência toracopulmonar, sendo fundamental a monitoração do volume ad-
ministrado a cada inspiração. O potencial da PCV para grandes variações de V T secundárias
às alterações de mecânica ventilatória torna esse modo inconveniente em procedimentos
laparoscópicos, muito sujeitos a estas alterações.

60 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Ventilação Mandatória Intermitente Sincronizada (SIMV)
É o modo que permite intercalar ventilação espontânea com ciclos controlados, libe-
rados em sincronia com o esforço inspiratório do paciente, por meio da incorporação de
uma válvula de demanda que é disparada pelo paciente. Caso a criança não respire, ciclos
mandatórios predeterminados serão liberados pelo aparelho. Estes ciclos mandatórios são
volumétricos ou pressóricos e, para que isso ocorra, deve-se programar uma frequência
respiratória. Tem como vantagem maior interação paciente-ventilador, proporcionando
melhor condicionamento dos músculos respiratórios e maior conforto. Entretanto, não é
destituído de problemas, sendo as principais complicações a autociclagem do aparelho e o
aumento do trabalho da musculatura respiratória.
O uso dessa modalidade ao final de uma anestesia geral com ventilação controlada
permite desmame gradual e retorno à ventilação espontânea sem hipoxemia e com hiper-
capnia progressiva.

Ventilação com Pressão de Suporte (PSV)


A ventilação com pressão de suporte pertence à categoria dos modos de ventilação com
suporte parcial, em que parte da respiração é controlada pelo paciente. A PSV é um modo
limitado a pressão no qual cada respiração é iniciada e terminada pelo paciente. Ela assiste
a respiração espontânea por meio de pressão positiva inspiratória predeterminada, sincro-
nizada com o esforço respiratório do paciente. A pressão de suporte é mantida durante toda
a inspiração até que o aparelho detecte o final do esforço inspiratório ou uma demanda do
paciente para a expiração. Isto é efetuado por meio de um gatilho (disparo) expiratório,
tendo como base a queda do fluxo inspiratório. Quando o fluxo cai abaixo do valor limite,
o qual sugere que os músculos inspiratórios estão relaxando, o ventilador passa para a fase
expiatória, interrompendo a pressão de suporte e abrindo a sua porta expiatória. O V T final
será consequência da complacência respiratória do paciente, do esforço ventilatório e do
nível de suporte de pressão selecionado. A programação desse modo exige o ajuste de duas
variáveis, o nível de suporte de pressão e a sensibilidade, também conhecida como trigger ou
gatilho. O nível de suporte de pressão utilizado pode ser baixo (5-10 cmH 2O), apenas para
contrabalançar o trabalho imposto pelo tubo e pelo circuito de anestesia ou mais elevado
(10-20 cmH2O), com o objetivo de aumentar a ventilação alveolar11.
A sensibilidade é a intensidade do esforço do paciente que será interpretada pelo ven-
tilador como inspiração. Pode ser programada por variações na pressão de vias aéreas ou
no fluxo do circuito. No paciente pediátrico, o trigger de fluxo tende a ser mais indicado
que o de pressão, por ser mais sensível. Desta forma, diminui o risco do paciente respirar
contra um circuito fechado com consequente aumento do trabalho respiratório, mas tem o
inconveniente de facilitar o autodisparo. A sensibilidade é um parâmetro mais simples, não
influenciado por idade, peso ou alterações da mecânica ventilatória. O gatilho de fluxo mais
frequentemente adotado é de 0,4 L · min-1 12 . Nos neonatos, não é necessário diminuir a
pressão de suporte abaixo de 10 cmH2O, durante o desmame da ventilação mecânica, devi-
do à alta resistência do tubo endotraqueal, pois o trabalho muscular aumenta de 34% a 154%
para cada 1 mm de redução no diâmetro interno da cânula13.

Ventilação Pulmonar | 61
O emprego da PSV tem grande potencial de modificar a prática anestésica, como am-
pliar a indicação da ventilação espontânea em pacientes com dispositivos de vias aéreas e
submetidos a procedimentos mais prolongados. Alguns estudos demonstram vantagens da
PSV como redução na incidência de atelectasia, melhora da oxigenação e das trocas gasosas
e diminuição do trabalho respiratório14-18. A manutenção do drive respiratório facilita a titu-
lação e o despertar da anestesia, além de aumentar a segurança por garantir que o paciente
continue respirando após extubação ou em casos de desconexão19. As vantagens desse modo
são particularmente evidentes com o emprego da máscara laríngea, por necessitar de me-
nores pressões para atingir o V T adequado, determina pressões médias de vias aéreas bem
mais baixas que os modos controlados. Além de diminuir os riscos de escapes e distensão
gástrica, as menores pressões intratorácicas também diminuem o impacto hemodinâmi-
co da ventilação, especialmente em neonatos. Embora a performance dos ventiladores de
anestesia não tenha sido testada em várias situações de complacência e resistência alteradas,
a aplicação da PSV provavelmente será maior e mais vantajosa em pacientes sem grande
comprometimento da função pulmonar.
A PSV deve ser empregada quando existe um impulso respiratório neuromuscular con-
servado, prevendo-se que o mesmo mantenha-se em seu pleno funcionamento. Flutuações
na geração do impulso respiratório espontâneo podem levar a uma variação no volume-mi-
nuto fornecido, com risco de acarretar uma grave hipoventilação ou um suporte ventilatório
ineficiente. Patamares pouco elevados de pressão de suporte podem propiciar o desenvol-
vimento de atelectasias, pois o volume corrente permanece inferior ao desejado. Portanto,
uma monitorização cuidadosa é recomendada em pacientes instáveis. A solução para asse-
gurar o volume-minuto adequado tem sido a incorporação de uma ventilação de segurança
(backup) no aparelho que fornece ventilações mandatórias sempre que o volume-minuto
cai abaixo de um valor ou, em outros aparelhos, após um tempo predeterminado, se o apa-
relho não reconhece a tentativa de respirar. A falta de um mecanismo, que limite o tempo
inspiratório, é um risco para o paciente, uma vez que pode levar à insuflação constante ao
nível da PSV, criando altos níveis de CPAP (Pressão Positiva Contínua nas Vias Aéreas). O
uso de alarme de apneia, neste modo ventilatório, é medida de segurança. O modo PSV-Pro
consiste em uma ventilação suportada por pressão com modo de apneia auxiliar.

Pressão Positiva Contínua nas Vias Aéreas (CPAP)


Este modo fornece pressão contínua de distensão nas vias aéreas, aplicada durante todo o
ciclo respiratório do paciente em ventilação espontânea. O padrão respiratório, pico de fluxo
e volume corrente de cada respiração são determinados exclusivamente pelo paciente. Na
inspiração, essa pressão funciona como um molde pneumático que enrijece a faringe e dimi-
nui o risco de obstrução alta. Na expiração, previne a atelectasia, aumenta a CRF e melhora a
complacência pulmonar. Ambas as ações diminuem colapsividade, melhoram a troca gasosa,
diminuem o trabalho respiratório e o risco de fadiga. Há mais oxigenação devido à melhora da
relação ventilação/perfusão. Áreas antes somente perfundidas são, após utilização de CPAP,
melhor ventiladas. Na indução anestésica pode ser um recurso empregado para diminuir a
formação de atelectasia mesmo com a utilização de altas frações inspiradas de oxigênio.

62 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Em crianças anestesiadas, a aplicação de CPAP em níveis de 5 a 10 cmH2O são sufi-
cientes para contornar o estridor e diminuir a assincronia toracoabdominal. Entretanto, em
crianças com hipertrofia adenoamigdaliana, níveis acima de 10 cmH2O podem ser neces-
sários. Deve-se reconhecer que níveis altos de CPAP podem diminuir o V T e a ventilação
minuto e desencadear apneia em neonatos, devido ao reflexo de Hering-Breuer. Níveis supe-
riores a 20 cmH2O devem ser evitados pois causam distensão gástrica. O limite de pressão
tolerado é muito baixo no lactente, inferior a 10 cmH2O devido à imaturidade do tônus do
esfíncter esofágico inferior19. A CPAP diminui a resistência supraglótica total e a resistência
pulmonar. Este efeito da CPAP pode ser o mecanismo primário na redução das apneias com
componente obstrutivo.
Ajustes iniciais do ventilador
Em 2008, a American Society of Anesthesiologists (ASA) publicou uma série de recomen-
dações para o checklist do aparelho de anestesia com testes que devem ser executados diaria-
mente e antes de cada procedimento anestésico20. O teste deve ser realizado com a mesma
configuração e componentes do circuito que irão ser utilizados durante a anestesia. A veri-
ficação das válvulas inspiratória e expiratória deve ser realizada com balão extra acoplado à
peça de Y para averiguar eventual obstrução. Na anestesia pediátrica, é fundamental saber
se o ventilador tem sistema que compensa a complacência do circuito respiratório ou não.
Os ajustes iniciais sugeridos são apenas um ponto de partida antes da indução anes-
tésica, devendo ser reajustado após conectar-se ao paciente e se necessário, ao longo do
intraoperatório, de acordo com modificações na mecânica ventilatória detectadas pela
monitorização (Tabela 2).
Tabela 2 – Ajustes iniciais para ventilação mecânica, de acordo com a faixa etária
Faixa etária Ppi VT PEEP FR TI
(cmH2O) (mL/kg) (cmH2O) (ipm) (s)
Neonato (até1 mês) 15-20 6-8 5 30-40 0,4-0,6
Lactentes (até 2 anos) 15-20 6-8 5 20-30 0,5-0,7
Pré-escolares (até 6 anos) 15-20 6-8 5 15-25 0,7-0,9
Escolares (até 10 anos) 15-20 6-8 5 12-20 0,8-1,0
Adolescentes (até 21 anos) 15-25 6-8 5 10-15 1,0-1,3
Ppi = pressão de pico inspiratória; V T = volume corrente; PEEP = pressão positiva expiratória final, FR =
frequência respiratória; TI = tempo inspiratório.

Outros ajustes
Relação I:E - deve ser ajustada para 1:2 ou menor, certificando-se de que o TI correspon-
da a pelo menos 3 constantes tempo.
Fração inspirada de oxigênio - fração alta de oxigênio inspiratório pode trazer
danos, incluindo atelectasias de absorção, lesões de via aérea e do parênquima pulmo-
nar, como toxicidade extrapulmonar. Atualmente, sabe-se que a oferta excessiva de oxi-

Ventilação Pulmonar | 63
gênio pode ocasionar diversas lesões em órgãos-alvo, principalmente na população de
neonatos prematuros e lactentes21,22 . Em neonatos, recomenda-se que a fração inspirada
de oxigênio (FiO2) seja menor que 40%, com um alvo de oximetria entre 90%-94%,
PaO2 entre 50 a 70 mmHg. Em lactentes e crianças maiores, apesar da maturidade dos
sistemas antioxidantes, ainda existe o risco da lesão pulmonar ocasionada por altas
FiO2 , portanto, assim como na população de adultos, preconiza-se FiO2 abaixo de 50%
durante a manutenção anestésica 22,23 .
Variação de pressão - se o modo selecionado for SIMV + PSV ou somente PSV, deve-se
regular o valor inicial para 10 cmH2O ou o mesmo valor da ΔP, e posteriormente ajustar de
acordo com o V T obtido. Quanto mais jovem o paciente maior a PSV necessária. De acordo
com alguns estudos com o uso de máscara laríngea, uma maneira fácil de programar o nível
de pressão de suporte na sala de cirurgia seria iniciar com uma pressão de 15 cmH2O em
crianças abaixo de 10 kg (<1 ano) e iniciar com 10 cmH2O em crianças com mais de 10 kg
(>1 ano), ajustando esses níveis de acordo com o volume corrente obtido.
Sensibilidade ou trigger - Deve-se iniciar com o menor fluxo permitido como gatilho
(0,2 L/min) e avaliar a ativação do ventilador, até que desapareça o autodisparo. Nos casos
em que o aparelho dispara na ausência de esforço do paciente, deve-se reduzir a sensibili-
dade, ou seja, aumentar o fluxo em litros por minuto para a ativação do ventilador. Para se
evitar autodisparo deve-se evitar vazamento do paciente e no circuito respiratório. Pode-se
verificar se cada ativação de fluxo é precedida pelo esforço inspiratório do paciente que é
visível na região entre o umbigo e o apêndice xifoide. É prudente lembrar que vários fatores
alteram a medida do fluxo, incluindo manipulação abdominal cirúrgica, tosse ou suspiro do
paciente, bem como torções no tubo endotraqueal.

Monitorização da mecânica pulmonar


A maioria dos aparelhos exibem três curvas (loops) de espirometria: Pressão-Volume (P-
V), Fluxo-Volume (F-V) e Pressão-Fluxo (P-F). Esses gráficos são úteis para otimizar os
ajustes ventilatórios, para monitorar mudanças na complacência.
Curva Pressão-Volume - essa é a curva mais utilizada para avaliação da complacência.
Os distúrbios de complacência se manifestam de forma diferente na PCV e VCV. A com-
placência pode mudar durante o transoperatório por mudanças no posicionamento, mani-
pulação cirúrgica, sangramento intra-abdominal, insuflação de CO2 durante laparoscopia,
alterando o formato da curva P-V.
Curva Fluxo-Volume - nos aparelhos de anestesia, essa curva geralmente é apresentada
de forma contrária a uma espirometria convencional. O vazamento de ar no sistema pode
ser observado nessa curva, em que o volume expiratório é menor que o volume inspiratório.
Neste caso a curva não fecha o loop, caracterizando uma fuga aérea, como em uma fístula
broncocutânea ou mais frequentemente em vazamento pela cânula traqueal. Ao inflar o ba-
lonete pode-se acompanhar a resposta pela curva.
Curva Fluxo-Tempo - permite um ajuste mais apropriado do tempo inspiratório e ex-
piratório para permitir o esvaziamento adequado dos pulmões, especialmente no caso de
obstrução periférica das vias aéreas. Tanto a curva pressão × tempo quanto a curva de fluxo

64 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


× tempo podem fornecer informações sobre a sincronização entre o paciente e o ventilador
se não forem utilizados bloqueadores neuromusculares.

Ventilação protetora durante a anestesia


A pergunta se a lesão pulmonar induzida pelo ventilador é ou não relevante para a popu-
lação pediátrica ainda não foi respondida. Os dados clínicos são escassos. Respostas infla-
matórias pulmonares em 12 lactentes sem lesão pulmonar preexistente que receberam 2h de
ventilação com Vt de 10 mL/kg foram observadas24.
Até o momento, nenhum estudo relacionou a abordagem da VM durante a anestesia
pediátrica e o desfecho do paciente. Da mesma forma, não há nenhum estudo de SARA em
crianças gravemente enfermas e ventiladas mecanicamente que tenham mostrado benefício
com ventilação protetora. Isto implica que as práticas adultas são mais ou menos adotadas
para orientar a prática pediátrica.
Revisão sistemática recente de todos os estudos observacionais sobre Vt e mortalidade
em crianças ventiladas em terapia intensiva, incluindo sete estudos com um total de 1.756
pacientes não mostra associação entre Vt e mortalidade quando Vt foi agrupado a 7, 8, 10 ou
12 mL/kg, contrastando com achados em pacientes adultos. Assim, pode haver uma corre-
lação entre a lesão pulmonar e a idade.
Em pediatria a relação entre PEEP e mortalidade de pacientes com ou sem lesão pul-
monar não está estabelecida. Uma recomendação é configurar rotineiramente o nível de
PEEP a 5 cmH2O. No entanto, níveis mais elevados de PEEP podem ser necessários de-
pendendo da patologia pulmonar. Um certo nível de pressão final expiratória é importante
para prevenir a atelectasia, embora o nível ótimo ainda seja desconhecido. Como já citado, a
aplicação de PEEP isolada não é capaz de desfazer atelectasias mas pode atenuar a formação
e progressão delas25.
Apesar da ausência de evidências científicas, do ponto de vista fisiológico, o uso de ven-
tilação mecânica com medidas protetoras durante a cirurgia parece lógico. É importante
lembrar que Vt baixos representam a ventilação normal na maioria dos mamíferos. Prova-
velmente, os parâmetros utilizados anteriormente eram decorrentes de ausência ou baixa
acurácia dos aparelhos que geravam interpretações equivocadas.

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66 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Capítulo 04

Fluidoterapia transoperatória
Marcella Marino Malavazzi
Cinthia Martins Leite Vidigal
Roberta Cristina Risso
Fluidoterapia transoperatória

Introdução
A administração de fluidos no perioperatório deve ser considerada uma prescrição mé-
dica. Tanto o volume como a composição das soluções devem ser adaptados ao estado do
paciente, ao tipo de cirurgia e aos eventos previstos no período pós-operatório.
A primeira administração de fluidos para crianças doentes foi descrita no início do sé-
culo 20, mais precisamente em 1918, quando Blackfan e Maxcy instalaram solução salina
isotônica intraperitoneal para tratamento de desidratação por diarreia1.
Em 1931, há a primeira descrição por via venosa de solução com glicose a 5%, associada
à salina isotônica ou solução de ringer lactato para tratar crianças desidratadas. Essa terapia
endovenosa reduziu a mortalidade de 63% para 23%2 .
Durante 30 anos que seguiram, Gamble, Darrow, Crawford, Wallace, entre outros,
definiram os fluidos corporais e conseguiram uma análise racional a respeito da terapia
de fluidos.

Fluidos corporais na criança


Os fluidos corporais são divididos em fluido intracelular e fluido extracelular, dependen-
do de sua localização em relação à membrana celular.
O fluido intracelular corresponde ao contido dentro das células corporais. O fluido ex-
tracelular é composto pelo fluido intersticial e o plasma (fluido intravascular).
O volume sanguíneo varia consideravelmente durante o período pós-natal imediato (a
variável primária é a quantidade de sangue drenado a partir da placenta antes do clampea-
mento do cordão) e ao longo do primeiro ano de vida (Tabela 1).
O volume do fluido extracelular representa 45% do peso dos neonatos a termo, 30% em
torno de 1 ano e será “apenas” 20% do peso do adulto.
Tabela 1 – Volume sanguíneo normal em crianças
Idade Volume sanguíneo (ml/kg)
Neonato pré-termo 90 a 100
Neonato a termo 80 - 90
3 meses a 1 ano 75 - 80
3 a 6 anos 70 a 75
Acima de 6 anos 65 a 70

Manejo de fluidos no intraoperatório


São objetivos da administração de fluidos no intraoperatório: manter as necessidades
metabólicas basais (fluidos de manutenção); compensar déficits gerados pelo jejum pré-
-operatório e pela reposição de perdas relacionadas com o trauma cirúrgico, oferecendo o
volume de fluidos necessário para a manutenção da perfusão tecidual3.

68 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Não há dúvidas de que o período de jejum para crianças deve ser o mínimo possível,
para reduzir complicações perioperatórias, como desidratação; hipoglicemia; cetoacidose;
ansiedade; irritabilidade e insatisfação. Crianças saudáveis devem ser estimuladas a ingerir
líquidos sem resíduos até duas horas antes de procedimentos eletivos4.
Em 1957, Holliday e Segar publicaram um método fácil de prescrição de fluidos, com a
regra 4-2-1 (Tabela 2).
Tabela 2 – Prescrição de manutenção de fluidos
Peso (kg) Fluido/hora Fluido/24 horas
< 10 4ml/kg 100ml/kg
10 - 20 40ml + 2ml/kg (> 10kg) 1.000ml + 50ml/kg (> 10kg)
Ø 20 60ml + 1ml/kg (> 20kg) 1.500ml + 20ml/kg (> 20kg)

A literatura atual tem questionado os conceitos clássicos das necessidades de manuten-


ção descritos por Holliday e Sega. E os próprios autores, em publicações subsequentes, en-
corajam investigação continuada e crítica da evolução constante das práticas clínicas5.
A habilidade para o manejo de fluidos envolve a compreensão profunda de um amplo
espectro de tópicos relacionados com a fisiologia dos sistemas renal, hepático, cardiorrespi-
ratório e endócrino e sistema nervoso central.
Alterações eletrolíticas podem ser causa ou consequência da disfunção de múltiplos
órgãos. Existem diferenças na função orgânica relacionadas com a idade e a resposta farma-
cológica em neonatos, lactentes e crianças maiores. Tais diferenças podem estar relaciona-
das com más-formações congênitas e anormalidades genéticas, tornando mais complexo o
manejo de fluidos e eletrólitos nesses pacientes.
O objetivo das autoras deste capítulo é oferecer informações simples, mas consistentes e
efetivas para aplicação segura na prática clínica.
Em 1986, Berry6 propôs guidelines simplificados para a administração de fluidos no in-
traoperatório, de acordo com a idade da criança e a severidade do trauma cirúrgico. (Tabela 3).
Tabela 3 – Recomendações de Berry
Primeira hora Idade ≤ 3 anos: 25 ml.kg-1
Idade > 4 anos: 15 ml.kg-1

Horas seguintes Basal: 4 ml.kg-1 h-1 +


Trauma leve: 6 ml.kg-1 h-1
Trauma moderado: 8 ml.kg-1 h-1
Trauma severo: 10 ml.kg-1 h-1
O volume de solução necessário para hidratação na primeira hora de anestesia é maior
nas crianças abaixo de 3 anos, pois Berry levou em consideração maiores déficits relacio-
nados com maiores perdas de volume extracelular. Quanto mais nova a criança, maior a
proporção de perdas relativas ao volume de fluidos extracelular quando comparada com
crianças maiores e adultos.

Fluidoterapia transoperatória | 69
Importante: esses guidelines devem ser adaptados à situação clínica das crianças, pois
quando foram escritos, a recomendação de jejum era a clássica “nada pela boca após a meia-
-noite!”. A quantidade de fluidos a ser administrada na primeira hora deve ser reduzida se
a criança estiver de jejum por um curto intervalo de tempo ou já vier recebendo fluidos
venosos no pré-operatório. Se o jejum for prolongado, multiplica-se o número de horas de
jejum pela necessidade basal de líquidos.
Deve-se focar em manter ou reestabelecer o estado fisiológico normal da criança: nor-
movolemia; perfusão tecidual normal; função metabólica normal; estado eletrolítico e
ácido-básico normal. Nos procedimentos cirúrgicos de pequeno porte, a administração de
grandes volumes de cristaloides (super-hidratação) está associada com menor incidência de
náuseas e vômitos no pós-operatório de crianças e adultos7-9.
Náuseas e vômitos são partes das complicações mais estressantes do pós-operatório. A
terapia fluida liberal no intraoperatório tem se demonstrado efetiva na redução dessas com-
plicações, portanto, as recomendações de Berry passam a ser adequadas nas cirurgias menos
complexas e de curta duração. Na prática, utilizam-se as recomendações de Berry para a
reposição volêmica nas cirurgias ambulatoriais pediátricas mais frequentes do dia a dia (p.
ex.: herniorrafia inguinal; postectomia; amigdalectomia etc.).
Diferente do adulto, a restrição hídrica no intraoperatório não demonstra benefícios
em crianças10.

Avaliação da hidratação
A estimativa do grau de desidratação da criança é baseada nos sinais clássicos de desi-
dratação (aparência e turgor da pele; umidade das mucosas; depressão da fontanela; pulso;
perfusão capilar; pressão arterial; frequência respiratória). Nas situações clínicas agudas, a
perda de peso na criança é um ótimo indicativo do total de perda hídrica. A taxa de adminis-
tração dependerá da gravidade e rapidez da progressão do quadro clínico.
Na necessidade de expansão volêmica rápida, o volume administrado deve ser 10ml.kg-1
de fluido isotônico.
O sinal mais importante da hidratação adequada é uma função renal normal. Portanto,
a monitorização do débito urinário é essencial para avaliar a evolução e tratar déficits de
fluidos. No intraoperatório, o débito urinário poderá estar diminuído por diferentes razões:
aumento dos níveis do hormônio antidiurético induzido pelo estresse e/ou diminuição da
perfusão renal (p. ex.: nos casos de pneumoperitôneo – aumento da pressão intra-abdomi-
nal) e, portanto, passa a não ser um parâmetro válido (isoladamente) para guiar a reposição
volêmica no intraoperatório11.

A escolha do fluido
A terapia perioperatória de fluidos deve garantir a reposição de déficits para manu-
tenção adequada do volume extracelular ao longo do tempo de jejum, até o retorno da
ingestão de líquidos.
A reposição de líquidos deve ser planejada com base na transferência de líquidos entre o
compartimento extracelular e o espaço intersticial, que resulta no volume chamado terceiro

70 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


espaço. Essa transferência de líquidos pode ser diminuída se a reposição do volume intravas-
cular for feita com soluções de tonicidade e osmolaridade normais12 .
Cristaloides
A solução ideal deve conter osmolaridade e concentração de sódio semelhantes às do
plasma, bem como glicose até 2,5% e acetato ou lactato13 (Tabela 4).
Tabela 4 – Soluções para reposição de fluidos
Fluido Soro Ringer Ringer Soro Plasma
extracelular fisiológico simples lactato glicosado 5% Lyte
Na 142 154 147 130 140
K 4,5 4 5 5
Ca 2,5 2,3 1
Mg 1,25 1 3
CL 103 154 156 112 98
HCO3 24
Acetato 27
Lactato 1,5 27
Glicose 2-5 50
Osmolaridade 291 308 309 276 252 294
As mesmas soluções balanceadas isotônicas utilizadas no adulto podem ser utilizadas
nas crianças. Tais soluções têm composição semelhante ao fluido extracelular.
O uso de soluções hipotônicas tem sido muito questionado, pois está associado a maior
risco de hiponatremia e consequente encefalopatia. De fato, como dito antes, a resposta
endócrino-metabólica ao estresse cirúrgico leva ao aumento da secreção do hormônio anti-
diurético e consequente retenção de água por reabsorção nos túbulos contorcidos distais e
ductos coletores. Somados esses fatores, as soluções hipotônicas não são adequadas para a
reposição volêmica perioperatória.
Ainda sobre a resposta do hormônio antidiurético no trauma cirúrgico: é prudente
restringir a administração de f luidos no pós-operatório de 33% a 50%, quando em rela-
ção às necessidades normais. Caso contrário, o risco de hiper-hidratação e hiponatre-
mia estará aumentado.
O que não podemos perder de vista é que as soluções cristaloides comercialmente dis-
poníveis são substâncias exógenas ao organismo do paciente, podendo causar potenciais
efeitos indesejados.
Na prática clínica, a solução cristaloide mais utilizada é o ringer lactato. Quando comparado
com o fluido extracelular, é ligeiramente hipotônico (276 comparado com 291 mOsm.L-1). O
soro fisiológico, ainda amplamente utilizado em todo o Brasil e no mundo, tem osmolaridade
praticamente igual à do fluido extracelular, porém, sua alta concentração de cloreto pode levar
à acidose hiperclorêmica se utilizado em grandes volumes. Quando tais soluções são adminis-
tradas em menores volumes, as crianças saudáveis são capazes de compensar essas alterações.
Uma boa indicação de solução salina isotônica é a reposição volêmica em crianças com
quadro clínico de vômitos e severa alcalose hipoclorêmica (p. ex.: estenose hipertrófica de
piloro, gastroenterites).

Fluidoterapia transoperatória | 71
O Plasma-Lyte® é uma solução salina balanceada, com a composição de eletrólitos e a
osmolaridade semelhantes às do plasma, que tem apresentado menor potencial para causar
acidose quando comparado com solução salina 0,9%14. Outra vantagem do Plasma-Lyte® é sua
segurança para administração em associação com derivados de sangue (isto é, não possui cál-
cio em sua composição e, portanto, não interage com o citrato dos concentrados de hemácias).
Administração de glicose durante a cirurgia
Nos últimos 30 anos, este é um tema que tem sido constantemente reavaliado. O que se
sabe da fisiologia: a oferta transplacentária de glicose ao feto é abruptamente interrompida
ao nascimento, o que leva o recém-nascido a converter sua reserva de glicogênio hepático
em glicose. Portanto, no primeiro dia de vida, a maioria dos recém-nascidos a termo é capaz
de manter níveis séricos de glicose por 10 horas a 12 horas de jejum. Porém, os neonatos pre-
maturos frequentemente desenvolvem hipoglicemia nas primeiras 24 horas a 48 horas de
vida, pois o armazenamento de glicogênio e sua capacidade de degradação se desenvolvem
no último trimestre da gravidez15.
Nos recém-nascidos de alto risco: grandes ou pequenos para a idade gestacional, prema-
turos ou aqueles que sofreram asfixia neonatal, o nível sérico de glicose deve ser monitorado
e infusões venosas precisam ser ajustadas para a manutenção da normoglicemia. A mesma
conduta é válida para crianças que receberam soro de manutenção rico em glicose até o mo-
mento da cirurgia, crianças hepatopatas ou aquelas em nutrição parenteral até o momento
de transferência ao centro cirúrgico. Nas demais, no caso de cirurgia de grande porte ou
procedimentos com duração maior que duas horas, vale monitorar a glicemia a cada uma ou
duas horas de procedimento e avaliar sua necessidade de correção.
Na prática, a glicose pode ser administrada em bomba de infusão contínua, separada da
solução escolhida para a reposição de perdas relacionadas com o porte cirúrgico ou ressus-
citação volêmica. O ideal é administrar fluidos em crianças pequenas sempre em bomba
de infusão contínua. No caso de ausência das bombas, buretas podem ser utilizadas para
manter o controle rigoroso das soluções que a criança receberá no perioperatório.
A concentração sérica de glicose deve ser mantida entre 60 e 90 mg. dl -1.
Para tanto, calcula-se a taxa de infusão contínua de 5 a 6 mg.kg -1.min em recém-nascidos
de jejum. Nas crianças já estáveis, que chegam ao centro cirúrgico recebendo glicose, a taxa
de infusão deve ser mantida semelhante àquela que estavam recebendo na unidade de tera-
pia intensiva. Alterar apenas no caso de hiper ou hipoglicemia.
Uma alteração pequena no nível de glicose sérica provavelmente não causará danos à
criança, porém, elevação pronunciada da glicemia poderá levar a problemas sérios, como
diurese osmótica, aumento da taxa de infecção da ferida operatória ou até desfechos desfa-
voráveis em situações nas quais a criança está exposta a maior risco de isquemia cerebral,
como nas cirurgias cardíacas com circulação extracorpórea e em alguns procedimentos
neurocirúrgicos.
A hipoglicemia pode levar a danos cerebrais irreversíveis, especialmente no recém-nascido16-21.
Preparações de soro glicosado disponíveis comercialmente nas concentrações de 5% a
10% podem ser utilizadas para a oferta de glicose no intraoperatório. Outra alternativa é a

72 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


diluição de soro glicosado 50% em soro cristaloide e oferta em bomba de infusão contínua.
Lembrar que a diluição da glicose não deve ultrapassar a concentração de 12,5% para infu-
são em veia periférica. Concentrações maiores podem causar flebite22 .
Fora do Brasil, estão disponíveis soluções balanceadas ricas em glicose 1%- 2,5%23.
Coloides
A filtração dos fluidos nos capilares é determinada pelas pressões hidrostática e coloidos-
mótica (oncótica) e pela permeabilidade das membranas. Isso faz com que haja um equi-
líbrio entre os fluidos intra e extravascular no organismo. Esse movimento dos fluidos é
regido pela equação de Starling24:
Movimento da água = coeficiente de filtração da membrana x (diferença de pressão hi-
drostática capilar e do interstício) – permeabilidade da membrana às proteínas x (diferença
das pressões oncótica capilar e do interstício)
Conforme o sangue passa através dos capilares, a diferença entre a osmolaridade dos íons
desviará mais ou menos água para o interstício. E as proteínas, que são pouco permeáveis,
mantêm a pressão coloidosmótica no meio intravascular, fazendo com que a água retorne
ao meio.
Como os cristaloides têm o coeficiente de reflexão baixo, ou seja, eles são muito permeá-
veis nas membranas celulares, após infusão, pouco sobra dentro do espaço intravascular.
Portanto, uma das opções são soluções coloidais como albumina, hestarches (HES), gelati-
nas e dextrans, que aumentam a pressão coloidosmótica, deixando o volume intravascular
cheio por mais tempo (meia-vida no intravascular prolongada), e diminuem, dessa forma, a
necessidade de infusão de grandes quantidades de cristaloides.
Na prática, é indicada a associação de solução coloide no intraoperatório quando se atin-
gem 50-60ml/kg de solução cristaloide durante a reposição volêmica.
Atualmente, essa equação de Starling vem sendo atualizada. Existe uma camada rica em
proteinoglicanos e glicoproteínas, chamada glicocálix, que reveste o endotélio vascular. Na
camada superficial do endotélio fica o frágil glicocálix, ligado aos constituintes do plasma
(principalmente à albumina). Em pacientes com lesão do glicocálix (trauma, sobrecarga
volêmica, queimaduras, sepse, inflamação), há maior translocação de líquidos para o inters-
tício, pois há aumento da permeabilidade vascular. Ocorre, então, piora do edema intersti-
cial. Esse aumento de peso do paciente, pela reposição volêmica e edema intersticial, está
associado ao aumento da morbimortalidade25.
Vale lembrar que o uso de soluções coloides pode levar a muitos efeitos colaterais, in-
cluindo reações anafiláticas, coagulopatias, insuficiência renal e hepática26.
Albumina
A albumina compõe mais de 50% das proteínas corporais e é considerada o coloi-
de gold standard para a reposição volêmica na criança. Derivada de um pool de plasma
humano, no Brasil, encontramos a albumina na concentração de 20% (nessa concen-
tração, um mililitro seria o equivalente a 3- 5 vezes o mesmo volume de plasma). Já na
concentração a 5%, mais recomendada para recém-nascidos e crianças, o aumento da

Fluidoterapia transoperatória | 73
pressão oncótica equivale ao mesmo volume de plasma infundido27, portanto, o volume
de albumina infundida é mais importante do que sua concentração para atingir a esta-
bilidade cardiovascular28 .
O estudo Saline versus Albumin Evaluation (SAFE) avaliou a segurança da albumina em
pacientes adultos graves. Esse estudo randomizado, duplo cego, com 7 mil pacientes, não
mostrou, após o uso da albumina, aumento na mortalidade após 28 dias (726 mortes no
grupo albumina e 729 mortes no grupo salina) de permanência na UTI, ventilação mecâ-
nica ou duração da diálise29. Entretanto, não houve superioridade da albumina em relação
aos cristaloides como solução para expansão volêmica nos pacientes graves. Os pacientes
pediátricos foram excluídos do estudo, portanto, extrapolar os resultados para as crianças
pode não ser adequado30.
Uma revisão da Cochrane, de 199831, anterior ao estudo SAFE (2004), concluiu que a
infusão de albumina estaria associada a um desfecho desfavorável quando comparada com
infusões de outras soluções coloidais.
Söderlind et al. mostraram que os anestesiologistas europeus ainda consideram a albu-
mina um coloide de primeira escolha para crianças32, apesar de seu custo elevado.
Sua posologia está relacionada com a quantidade plasmática da criança (a qual varia com
a idade), a perda sanguínea tolerável e o trauma cirúrgico provocado. Ela geralmente é uti-
lizada na dose de 20ml/kg na concentração a 5% (diluída em ringer lactato, salina 0,9% ou
Plasma Lyte®)33.
A albumina tem um fraco efeito na coagulação sanguínea. Um estudo feito por Haas et
al., prospectivo e randomizado, analisou os efeitos das soluções coloidais (albumina 5%,
HES 6% 130/0,4, gelatina 4%) na formação do coágulo. Todos os resultados da tromboe-
lastrografia (ROTEM) se alteraram em relação à linha de base. A albumina foi a que menos
alterou o coágulo e o HES foi o que mais se mostrou deletério (houve diminuição do TTPa
e da dureza do coágulo). Após dosagem do fator XIII (fator estabilizador da fibrina), houve
diminuição dos níveis de fator XIII, que era de 75% a 85% de atividade, para apenas 50%.
Os coloides influenciam na polimerização da fibrina e do fibrinogênio, e essa diminuição no
fator XIII causa instabilidade do coágulo e uma possível coagulopatia34.

Hestarches
Os hidroxetilamidos (HES) são coloides sintéticos obtidos da amilopectina, extraída do
milho. Para que não ocorra a hidrólise extremamente rápida pela amilase na corrente san-
guínea, faz-se necessária a hidroxiacetilação da molécula nos carbonos 2, 3 e 6, tornando a
molécula disponível por mais tempo no intravascular. O HES mais utilizado é o de peso mo-
lecular 130.000 daltons e grau de substituição molar de 0,4 (130/0,4), ou seja, a cada grupo
de 10 glicoses da molécula de amido, 4 glicoses sofrem hidroxiacetilação especificamente no
carbono 227. Quanto maior for essa substituição, mais tempo ficará no intravascular, entre-
tanto, os efeitos colaterais também serão mais acentuados.
Após 30 minutos da infusão, o nível plasmático é de 75% da concentração máxima in-
fundida. Após seis horas, o nível decresce para 14% e, em 24 horas, já não é mais detectado
no intravascular.

74 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


A dose máxima diária é de 50ml/kg/dia, mas recomendam-se apenas 20ml/kg/dia ou
1.500ml/dia. Seu efeito na expansão volêmica dura por duas a três horas. A excreção é renal,
sendo contraindicada em pacientes com insuficiência renal. Ocorre redistribuição para pele,
fígado e rins.
A deposição de moléculas de HES na pele pode causar prurido dose-dependente (de
origem não histaminérgica) e pode manifestar-se meses após a infusão, sendo refratárias às
medidas terapêuticas usuais25.
Os HES podem piorar a função renal por vários motivos. O hidroxetilamido pode ser
diluído em soluções salinas ou em soluções balanceadas. A concentração de cloro nas
soluções salinas é alta, o que traz consequências para o equilíbrio ácido-básico e fluxo
sanguíneo renal.
Uma recente metanálise comparou fluidos com baixas e altas concentrações de cloro no
perioperatório de 6.200 pacientes. Mostrou-se que as soluções com altas concentrações de
sódio não aumentaram a mortalidade (RR1,13 IC 95% 0,92-1,39), mas estão associadas a
um aumento de lesão renal aguda (RR 1,64 IC 95% 1,29-2,13) e acidose hiperclorêmica (RR
2,87 IC 95% 1,95-4,21)35.
Em uma publicação da Cochrane, sobre o uso de HES, incluindo 42 estudos (11.399
pacientes), confirmou-se o aumento de lesão renal aguda em todos os tipos de paciente após
o uso de HES – o aumento do risco de falência renal foi de 59% e de necessidade de diálise,
32%. Sendo assim, é necessário repensar o volume seguro de infusão desse coloide36.
Outro estudo, feito por Quresh et al., mostrou que não houve aumento da mortalidade
após o uso de HES, mas houve a elevação da chance de lesão renal aguda37. Além disso, pode
ocorrer edema das células tubulares renais (nefrose osmótica), que leva à diurese hipervis-
cosa, que pode obstruir os túbulos e causar isquemia medular25.
Outro efeito causado pelos HES é a diminuição do anion gap por causa do aumento do
cloreto. Isso pode mascarar uma acidose por falência renal aguda ou por aumento de lactato.
Em um estudo feito por Sümpelmman et al., em que se compararam os efeitos no equilíbrio
ácido-básico de duas soluções de HES (diluídas em salina e em solução balanceada), mos-
trou-se que o HES-salina teve diminuição do anion gap, aumento significativo do cloro e
diminuição do bicarbonato e do base excess. Podem-se atenuar esses efeitos quando se dilui
o HES em soluções balanceadas38.
O estudo Post-authorization Safety Study (PASS), resultado de uma pesquisa europeia
multicêntrica observacional com 1.130 crianças, mostrou que os HES parecem ser segu-
ros para crianças sem disfunção renal ou coagulopatia. Dessas 1.130 crianças, nenhuma
apresentou reações adversas graves, como reações anafiláticas, distúrbios da coagulação
ou falência renal39. Entretanto, ainda faltam estudos para avaliar a segurança dos HES na
população pediátrica.

Gelatinas
São coloides derivados do colágeno bovino. As gelatinas encontradas no Brasil são solu-
ções diluídas em salina. Podem ter em sua estrutura pontes de ureia a 3,5% (Isocel®/ Hema-
cel®) ou gelatina succinada a 4% (Gelafundin®).

Fluidoterapia transoperatória | 75
Devem-se infundir os primeiros 10 a 20ml lentamente, pois as gelatinas são os coloides
que mais causam reações anafiláticas (associados com a liberação de histamina). A adminis-
tração de gelatina succinada corresponde a 80% de volume de sangue. O volume infundido
não deve ultrapassar 20ml/kg/dia. Restringir o volume infundido de gelatinas em até 20%
da perda sanguínea permitida. As gelatinas permanecem no intravascular por até duas horas
e são eliminadas pelos rins.
As gelatinas com ureia têm cálcio em sua composição e potássio e podem precipitar no
caso de contato com o citrato encontrado nas bolsas de sangue. Sua ação na coagulação
está associada à hemodiluição. Ocorre diluição dos fatores de coagulação, do fator de von
Willebrand e do fator VIII.
No estudo de Witt et al., as gelatinas aumentaram as concentrações plasmáticas de cloro,
assim como os HES, mas o anion gap manteve-se estável. Entretanto, não houve diferenças
entre os grupos nas medidas de bicarbonato, base excess, pH e pCO2 e níveis de lactato40.
A gelatina, por seu baixo custo, quando comparada com outros coloides, é utilizada em
alguns centros na Europa e nos Estados Unidos como alternativa ao uso da albumina25.
Dextrans
São polissacarídeos derivados da beterraba, através da metabolização do açúcar por uma
bactéria específica.
As formulações encontradas são dextran 40 e dextran 70. O dextran 70 tem maior peso
molecular e permanece por mais tempo no intravascular (cinco a seis horas), já o dextran
40 fica de três a quatro horas. O limite da infusão também é limitado a 20ml/kg/dia ou
1.500ml/dia.
Os dextrans têm alto poder oncótico, mas, por causa de seus efeitos colaterais, como
anafilaxia e alteração da coagulação (aumento da fibrinólise e síndrome de von Willebrand),
acabam sendo muito pouco utilizados.

Conclusão
Como sabemos, “a medicina é a ciência das verdades transitórias”. Vive-se na era dos en-
saios clínicos e da medicina baseada em evidências. As práticas na administração de fluidos,
manutenção de volume perioperatório, uso de cristaloides, coloides e soluções glicosadas
são constantemente revisadas e é dever de todo médico anestesiologista buscar as evidên-
cias mais recentes e consistentes para aplicá-las ao cuidado de nossas crianças.

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37. Qureshi SH, Rizvi SI, Patel NN et al. Meta-analysis of colloids versus crystalloids in critically ill, trauma and surgi-
cal patients. Br J Surg. 2016; 103:14-26.
38. Sümpelmann R, Witt L, Brütt M et al. Changes in acid-base, electrolyte and hemoglobin concentrations during
infusion of hydroxyethyl starch 130 ⁄ 0.42 ⁄ 6 : 1 in normal saline or in balanced electrolyte solution in children.
Pediatr Anesth, 2010;20:100-4.
39. Sümpelmann R, Kretz FJ, Luntzer R et al. Hydroxyethyl starch 130/0.42/6:1 for perioperative plasma volume re-
placement in 1130 children: results of an European prospective multicenter observational postauthorization safety
study (PASS). Pediatr Anesth, 2012;22:371-8.
40. Witt L, Osthaus WA, Juttner B et al. Alteration of anion gap and strong ion difference caused by hydroxyethyl starch
6% (130 ⁄ 0.42) and gelatin 4% in children. Pediatr Anesth, 2008;18:934-9.

78 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Capítulo 05

Agentes inalatórios na criança


Sérgio Bernardo Tenório
Agentes inalatórios na criança

Introdução
Na primeira anestesia, realizada em 16 de outubro de 1846, foi utilizado como anesté-
sico único o éter pela via inalatória. Nos 160 anos seguintes, surgiram dezenas de outros
anestésicos, mas a via inalatória continua a ser empregada até hoje, especialmente no pa-
ciente pediátrico.
São sete os gases anestésicos disponíveis: óxido nitroso; xenônio; sevoflurano; halotano;
enflurano; isoflurano e desflurano. A pressão atmosférica e temperatura ambiente, apenas
óxido nitroso e o xenônio estão na fase gasosa, os demais são líquidos e precisam ser conver-
tidos em vapor para serem administrados. O halotano e o enflurano ainda estão disponíveis
na maioria dos países, porém, são cada vez menos utilizados na anestesia clínica, e o xenô-
nio, o mais recente deles, ainda não está disponível na maioria das instituições.
Do ponto de vista da anestesia, gases e vapores comportam-se de modo semelhante. A
presente discussão será precedida pela revisão de alguns conceitos básicos sobre o compor-
tamento dos gases no organismo.

Propriedades dos Gases


Pressão - é a força gerada pelo movimento das moléculas de um gás ao se chocarem entre
si e contra o recipiente que as contém. É uma medida da atividade cinética das moléculas.
Pressão de vapor - é a pressão exercida pelas moléculas que se desprendem de um
líquido. A pressão de vapor é uma propriedade do líquido volátil e depende da sua tempe-
ratura (Tabela 1).
Tabela 1: Pressão de vapor, solubilidade e potência dos anestésicos voláteis
Agente PV (mmHg) CPs/a CPc/s CPc/s CAM%
Halotano 240 2,4 1,9 1,88 0,75
Isoflurano 238 1,4 1,6 1,57 1,14
Sevoflurano 169 0,69 1,7 1,69 2,5
Desflurano 664 0,42 1,3 1,22 7
PV: pressão de vapor a 20oC; CPs/a-coeficiente partição sangue/alvéolo
CPc/s- coeficiente de partição cérebro/sangue; CAM adulto
Adaptado de citação em: Eger EI, Einsenkraft JB, Weiskopf RB. Pharmacokinectic. The Pharmacology of
Inhaled Anesthetic, Library of Congress Number TXV1 4th edition; 2002: pg 45,

Difusão - é o movimento das moléculas de um gás em direção ao meio de menor pressão


parcial. A difusão cessa quando as pressões se igualam. A força que desloca o gás entre os
diferentes compartimentos do organismo é o gradiente de pressão, e não o gradiente de
concentração, como ocorre como os fármacos venosos1.
Solubilidade - é uma propriedade que rege a interação entre um gás e um líquido. A
difusão do gás para um meio líquido também se faz segundo o gradiente de pressão. No

80 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


equilíbrio, no entanto, as concentrações do gás nos dois meios poderão ser diferentes em
função da sua solubilidade nesse líquido2 .
Coeficiente de partição (CP) - é a unidade de medida da solubilidade de um gás em
um líquido. Representa a relação das concentrações de um gás entre dois meios quando
suas pressões parciais estiverem em equilíbrio. A abreviatura CPs/a indica o coeficiente de
partição entre meios “s e a” (Tabela 1).

Relação entre Concentração e Pressão Parcial


A farmacocinética é o ramo da farmacologia que estuda o movimento dos fármacos. No
organismo, os gases se movem sempre seguindo um gradiente de pressão, e não de concen-
tração, por isso, é essencial a compreensão da relação entre pressão e concentração dos gases
nos líquidos. A Figura 1 é uma representação dos meios alvéolo e sangue de dois hipotéticos
pacientes, em que cada um recebe o mesmo número de moléculas de gases com diferentes
solubilidades no sangue. Os gases H e S têm, respectivamente, CPs/a (sangue/alvéolo) de 2
e 0,5. O gás H pode ser classificado como muito solúvel no sangue e o anestésico que mais
se aproxima desse valor é o halotano (CPs/a 2). O gás S é pouco solúvel e os anestésicos que
têm solubilidade próxima desse valor são o desflurano (CPs/a 0,42) e o sevoflurano (CPs/a
0,69). Nos dois exemplos, os gases H e S, ao atingirem os alvéolos, difundem-se para o
sangue por haver gradiente de pressão entre esses meios até o equilíbrio, quando cessa a
difusão. Nesse momento, o paciente que recebeu o gás H terá duas vezes mais moléculas
no sangue que no alvéolo, e o que recebeu o gás S terá duas vezes mais moléculas no alvéolo
que no sangue. Como a pressão nos dois meios é determinada pela concentração do gás nos
alvéolos e os gases difundem-se entre os meios até suas pressões parciais se igualarem, a
pressão parcial do gás H em alvéolo e sangue será, no equilíbrio, a metade da pressão nesses
dois meios do S.

Figura 1 - Relação entre concentração e pressão parcial entre os meios S e A de dois gases com solubilidade
diferente. Explicação no texto.

Constante tempo (Ct) - mede o tempo necessário para um sistema de capacidade C se


saturar com um fluxo F. Ct = C/F (em minutos). Por exemplo, um balão com 1 litro cheio de
nitrogênio que recebe um fluxo de 1L/min de O2 a 100% tem constante tempo de 1 minuto
(Ct = C/F). Recursos matemáticos demonstram que a concentração do oxigênio no balão

Agentes inalatórios na criança | 81


após 1, 2 e 3 constantes tempo será, respectivamente, de 63,2%, 86,4% e 95% da concen-
tração total. A constante tempo permite, por exemplo, o cálculo do tempo para saturar um
tecido, sabendo-se o fluxo e seu tamanho3 . Por exemplo, o grupo ricamente vascularizado
(GRV) é composto pelos tecidos que, juntos, recebem 75% do débito cardíaco (4,5L.min-1
em um indivíduo com 75kg) e sua massa equivale a apenas 9% da massa total (6 litros).
Fazem parte desse grupo, entre outros tecidos, o coração e o cérebro. Como o halotano
tem solubilidade maior no GRV que no sangue (CPGRV/s 2,5), o volume desse grupo para o
halotano será o produto do volume real (6 litros) pelo coeficiente de solubilidade GRV/san-
gue. Portanto, o volume real para o halotano será de 15 litros (6L x 2,5). Com esses dados,
calcula-se a constante tempo para o GRV para o halotano (Ct = 15/4,5 = 3,3min). Portanto,
após 11 minutos, o GRV estará saturado com o halotano (Tabela 2).
Tabela 2: Constante tempo para o GRV. Paciente 75kg recebendo halotano
GRV
Perfusão (% do DC) 75%
Fluxo (litros.min-1) 4,5
Massa (% do peso) 9%
Volume (L) 6
CP tecido/sangue 2,5
Capacidade (L) 15
Constante tempo (min) 3,3
Tempo para saturar 95% (min) 11
GRV - grupo ricamente vascularizado; DC - débito cardíaco. Detalhes no texto.

A Farmacocinética dos Anestésicos Inalatórios


Como para qualquer anestésico geral, o objetivo na anestesia inalatória é que os gases
anestésicos atinjam os sítios cerebrais em pressões parciais que promovam o estado de in-
sensibilidade à dor e hipnose. O gradiente de pressão parcial entre alvéolo e sangue e sangue
e tecidos é a força que move os gases no organismo.
Fração inspirada (FI) - é a fração do anestésico que chega aos alvéolos e é determinada
por dois fatores: a concentração inspirada e a ventilação pulmonar.
Fração alveolar (FA) - a fração alveolar é o resultado da diferença entre a FI e a fração
do anestésico, que é captada dos pulmões pelo sangue. Enquanto a pressão parcial do
anestésico no sangue for menor que a pressão parcial em alvéolo, haverá difusão para o
sangue e a FA será menor que FI4. Quando todos os tecidos estiverem saturados com o
anestésico a FI = FA e não haverá mais difusão.
A captação do anestésico dos pulmões é determinada por três fatores:
Captação alveolar = solubilidade x débito cardíaco x (Palveolar – Pvenosa)

Solubilidade - quanto mais solúvel um anestésico no sangue, mais lenta a velocidade


com que a FA se aproxima de FI, porque sua captação pelo sangue é maior. Por exemplo,
na Figura 2 pode ser observado que, após idêntico tempo de anestesia, utilizando-se uma
mesma concentração, a FA será maior para os anestésicos menos solúveis.

82 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Figura 2 - papel da solubilidade na velocidade de elevação de FA/FI.
Adaptado de Pharmacokinetics. The Pharmacology of Inhaled Anesthetics, Eger, Eisenkfraft, Weiskopf RB. 2002. pag 464.

Débito cardíaco (DC) - quanto maior o DC, mais volume de sangue passa pelos pulmões
e maior é a captação alveolar do anestésico. Portanto, menor a velocidade de elevação da FA.
Por outro lado, a redução do DC diminui a captação do anestésico dos alvéolos e acelera o
aumento da FA. Quando o DC cai, para manter a mesma FA, é necessário reduzir a FI, não
porque o paciente necessite de menos anestésico nessa condição, mas pela menor captação
alveolar pelo sangue, o que determinará aumento da FA. Na parada cardíaca a captação
alveolar é zero e a FA se iguala à FI.
Diferença PA – PV - no início da anestesia a pressão parcial venosa do anestésico é zero e
a captação alveolar pelo sangue é máxima. À medida que os tecidos se saturam com o anesté-
sico, a pressão parcial no sangue venoso eleva-se e há redução no gradiente de pressão parcial
entre o alvéolo e o sangue com menor captação alveolar do anestésico. A FA aproxima-se de FI.
Quando todos os tecidos estiverem saturados com o anestésico o sangue FA = FI5,6 .

A Farmacocinética dos Gases Anestésicos na Criança


No neonato, a velocidade de elevação da FA é maior que no adulto por diversas razões7
(Tabela 3):
Tabela 3: Diferenças farmacocinéticas dos fármacos inalatórios adulto x neonato
• Menor relação CRF/VA
• Menor CPs/a
• Menor CPGRV/sangue
• GRV satura-se em menos tempo
• GM e GG menor
• Maior DC
CRF: capacidade residual funcional; VA- ventilação alveolar
GRV: grupo ricamente vascularizado.
GM/GG: grupo muscular e grupo das gorduras
CP: coeficiente de partição; DC: débito cardíaco
Detalhes no texto

Agentes inalatórios na criança | 83


• Menor capacidade residual funcional (CRF) - no neonato, a CRF equivale a 20% de
sua ventilação alveolar e 66% no adulto, isso significa que se um adulto e um neonato
receberem a mesma concentração de idênticos anestésicos inalatórios por tempo igual,
e com fluxos proporcionais, a FA no neonato será maior7 (menor constante tempo).
• Menor solubilidade dos anestésicos no sangue - a solubilidade no sangue dos agentes
mais solúveis (halotano, isoflurano) é 18% menor no neonato que no adulto. Menor
solubilidade no sangue equivale a menor captação do anestésico pelo sangue e maior
FA. Essa diferença é menor para os anestésicos menos solúveis no sangue (desflurano,
sevoflurano, óxido nitroso).
• Menor solubilidade no GRV - a solubilidade de halotano e isof lurano no GRV é
50% menor no neonato que nos adultos. Menor solubilidade significa que o GRV
satura-se mais rápido, elevando a pressão parcial do sangue venoso e reduzindo,
portanto, a captação alveolar. Esse efeito é menos intenso com os anestésicos
menos solúveis.
• Maior débito cardíaco - ao contrário do adulto, em que o aumento do débito car-
díaco acelera a captação alveolar, reduzindo a velocidade com que a FA aproxima-se
de FI, no neonato, o alto débito cardíaco reduz a captação alveolar do anestésico e
contribui para elevar mais rapidamente a FA. Isso se deve ao elevado fluxo que per-
funde o GRV, saturando-o em menor tempo e contribuindo para aumentar a pressão
parcial do anestésico do sangue venoso que retorna aos pulmões. Como resultado
da menor diferença PA-PV haverá menor captação alveolar e maior velocidade de
elevação de FA.
• Fração do GRV - o GRV representa, no adulto, 9% do peso e recebe 75% do DC. No
neonato, o GRV representa 18% do peso e recebe fluxo sanguíneo ainda maior.
• Menos massa muscular e gordura - o neonato tem menos massa muscular que o adul-
to (30% x 50% do peso) e também menos gordura. Esses tecidos recebem, portanto,
menor fluxo sanguíneo, que é dirigido preferencialmente ao GRV8.

A Farmacodinâmica dos Anestésicos Inalatórios na Criança


A concentração alveolar mínima (CAM) é aceita como uma medida de potência de
um anestésico inalatório e avalia a concentração alveolar na qual 50% de uma amostra
de indivíduos respondem a um estímulo doloroso 6 . A anestesia inalatória oferece a con-
dição única de monitorização da concentração cerebral do anestésico de modo contínuo
pela análise de sua fração expirada, recurso disponível nos modernos equipamentos
de anestesia.
A CAM do sevoflurano, como dos demais anestésicos voláteis, decresce ao longo da vida
(Tabela 4). No isoflurano, a CAM é reduzida no prematuro, elevando-se a partir do neonato
a termo. A CAM também é utilizada para determinar a concentração mínima na qual 50%
dos pacientes “acordam” da anestesia, denominada CAMawake. A CAMawake do sevoflurano
foi objeto de estudo em 60 crianças estratificadas em idades de 2-5, 5-8 e 5-12anos. As
crianças com idades entre 2 e 5 anos acordaram com concentrações alveolares maiores que
nos demais grupos (0,66%) contra 0,45% nos demais9.

84 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Tabela 4- Concentração alveolar mínima
Halotano Isoflurano Sevoflurano Desflurano
Adulto 0,75% 1,20% 2,05% 7%
Neonato 0,87% 1,60% 3,20% 9,20%
Dados de: Lerman J, Schmitt-Bantel BI, Gregory GA et al Anesthesiology 1986; 65: 307-31133.

Ação no aparelho cardiovascular


Todos os voláteis podem causar hipotensão arterial na dependência da concentração
utilizada. O halotano deprime a fibra miocárdica mais intensamente que os demais, porém,
tem pouca ação na resistência vascular sistêmica. O sevoflurano deprime pouco a fibra mio-
cárdica e reduz moderadamente a resistência vascular sistêmica. Bradicardia e hipotensão
ocorrem com mais frequência no neonato e lactente por terem menos tecido contrátil, menor
reserva de cálcio, retículo sarcoplasmático imaturo, sistema nervoso simpático imaturo e
barorreceptores menos capazes de modular a resposta às variações na pressão arterial10. A
concentração de adrenalina plasmática necessária para sensibilizar o miocárdio é maior
com o isoflurano e o sevoflurano11 que com o halotano.
Um estudo comparou a função cardíaca por ecocardiografia em crianças submetidas
à cirurgia cardíaca com anestésicos voláteis. O grupo que recebeu halotano apresentou a
maior redução na pressão arterial média, na fração de ejeção e no índice cardíaco, mantendo
a frequência cardíaca. O grupo que recebeu o sevoflurano e o isoflurano manteve o índice
cardíaco com pouca alteração na contração miocárdica, enquanto maior taquicardia e redu-
ção na resistência vascular sistêmica foram observadas com o isoflurano12 .

Ação no aparelho respiratório


Todos os anestésicos voláteis causam redução do volume corrente e hipercarbia em
ventilação espontânea com concentração dependente. Além disso, os anestésicos voláteis
deprimem a resposta do centro respiratório ao CO2 , inibindo um importante mecanismo
de defesa na depressão respiratória. Os modernos equipamentos de anestesia possuem
sensores de fluxo sensíveis aos pequenos volumes ventilatórios e podem monitorar o volu-
me corrente no neonato. Por outro lado, o valor do CO2 expirado final (EtCO2) pode não
retratar o CO2 arterial se o volume corrente for muito baixo e insuficiente para eliminar
o ar alveolar (Figura 3).
A falta do platô no capnograma indica que o volume expiratório foi insuficiente para
eliminar o ar alveolar. Assincronia toracoabdominal pode ser observada durante a ven-
tilação espontânea na criança pequena e se deve à perda do tônus intercostal13 . A indu-
ção da anestesia com o sevof lurano hoje é a regra em anestesia pediátrica. O sevof lura-
no é um agente seguro, porém, pode causar apneia na indução da anestesia, requerendo
ventilação assistida14-15 .
Lembrar que a conversão da ventilação espontânea para a controlada aumenta a fração
alveolar mesmo sem alterar a fração inspirada, e esse efeito é mais rápido no neonato pelas
razões já discutidas neste capítulo. Com exceção do desflurano, os demais voláteis são bron-
codilatadores, o que é um efeito desejável nas crianças asmáticas.

Agentes inalatórios na criança | 85


Figura 3: Capnograma - volume corrente pequeno

Sistema nervoso
O halotano bloqueia a autorregulação cerebral, importante mecanismo que mantém o
fluxo sanguíneo cerebral inalterado durante as modificações na pressão arterial. Sem esse
mecanismo, o fluxo cerebral flutua com a pressão arterial. Os efeitos sobre a circulação cere-
bral são sob concentração dependente.
Em concentração de até 1CAM, os efeitos sobre o fluxo sanguíneo cerebral, resposta da
circulação cerebral ao CO2 e aumento da pressão intracraniana, são pequenos.
Todos os voláteis causam aumento do fluxo sanguíneo cerebral, porém esse aumento é
mais intenso com o halotano e desflurano e menos intenso com o sevoflurano e isoflurano.
Dentre os voláteis, o sevoflurano causa a maior redução do consumo cerebral do oxigênio6.
O sistema nervoso, assim como os demais órgãos, é sensível à ação de fármacos utilizados pela
anestesia, incluindo os gases anestésicos. Neuroapoptose tem sido demonstrada em animais de
laboratório16, porém, transportar esses resultados para o ser humano pode ser prematuro.

Anestésicos Inalatórios na Anestesia Pediátrica


Sevoflurano
O sevoflurano substituiu o halotano na indução da anestesia por ser menos pungente,
menos solúvel no sangue e causar menos depressão cardiocirculatória. A adição do óxido
nitroso ao sevoflurano acelera a indução da anestesia por reduzir sua CAM e aumentar tran-
sitoriamente sua concentração nos alvéolos por causa do efeito do segundo gás17.
A indução da anestesia com o sevoflurano pode causar, em algumas crianças, intensa agi-
tação acompanhada de movimentos involuntários dos membros e da cabeça. Esses eventos
podem estar associados à forma de indução da anestesia.

86 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


A indução da anestesia com sevoflurano pode ser feita por técnicas diferentes: a) ini-
ciando-se com baixas concentrações, que são aumentadas em incrementos de 1% a 2%, até
a perda da consciência; b) iniciando-se com sevoflurano a 8% em oxigênio a 100%, desde o
início da indução até a perda da consciência; c) iniciando-se com sevoflurano a 8% em óxido
nitroso em concentração entre 50% e 70%, até a perda da consciência. Dentre as três alter-
nativas, a indução com sevoflurano a 8% em óxido nitroso é mais rápida e menos associada
a agitação na indução18,19.
Nas crianças mais velhas, a indução da anestesia pode ser feita com uma única ina-
lação. Nessa técnica, que é definida na língua inglesa como single-breath, a criança deve
exalar todo o ar dos pulmões para, em seguida, fazer uma única inspiração profunda de
um sistema previamente saturado com 8% de sevoflurano em óxido nitroso, mantendo-a
pelo máximo de tempo que conseguir. Se utilizada de forma correta, a indução é rápida e
bem aceita pela criança 20.
Na indução da anestesia com o sistema semifechado, o vapor anestésico que sai do va-
porizador é diluído no aparelho de anestesia (fole, caníster de cal sodada e traqueias). A
saturação do sistema com o anestésico poderá levar alguns minutos na dependência do fluxo
de gás utilizado e do volume em que o anestésico será diluído. Por exemplo, a constante
tempo de um sistema que tenha 4litros de volume e que receba um fluxo de 4L.min-1 é de
1 minuto, o que significa que, após 1 minuto, a concentração no sistema será de 63,2% da
concentração inspirada, ou seja, 5%. Dobrando-se o fluxo de gases para 8L.min-1, esse tempo
será reduzido à metade. Essa diluição é desprezível nos sistemas derivados do T de Ayre
(sistema de Baraka, Jackson Rees, Bain), o que significa que a concentração do anestésico
atinge imediatamente o sistema respiratório da criança na concentração escolhida. Embora
o sevoflurano seja considerado um anestésico seguro, autores alertam para o risco de efeitos
catastróficos no sistema cardiovascular em neonatos21.
O sevoflurano tem sido utilizado com sucesso em cirurgias para o tratamento de cardio-
patias congênitas e compara-se favoravelmente com o halotano nesse grupo de pacientes.
Um estudo analisou 180 crianças cardiopatas submetidas a diversos tipos de correção que
foram randomizadas para receber sevoflurano ou halotano. O grupo que recebeu sevoflura-
no apresentou menos hipotensão arterial, menos bradicardia e requereu menos inotrópicos
durante a cirurgia que o outro grupo22 .
A hidrólise do sevoflurano em presença da cal sodada pode produzir substância com
potencial de nefrotoxicidade denominada composto A. No entanto, a exposição ao sevo-
flurano nas concentrações clínicas produziu concentração do composto A bem abaixo da
concentração capaz de causar lesão renal22 .
Agitação pós-emergência é um fenômeno que afeta principalmente as crianças no pós-
-operatório e está associada aos anestésicos inalatórios. Caracteriza-se por intensa agita-
ção, choro inconsolável e movimentos de tronco e membros, não relacionados com a dor.
Normalmente é um processo autolimitado, mas pode durar horas e trazer angústia para os
cuidadores na recuperação pós-anestésica, para a família, a equipe médica e o paciente. Uma
metanálise concluiu que o delírio é mais comum com o sevoflurano que com o halotano e a
causa sugerida seria sua rápida eliminação do cérebro por causa de sua baixa solubilidade23.

Agentes inalatórios na criança | 87


Essa teoria é contestada pela baixa incidência de agitação com o propofol que, como o sevo-
flurano, tem rápida eliminação24.

Halotano
O halotano foi o anestésico volátil mais utilizado em anestesia pediátrica desde seu lan-
çamento, na década de 1950. Pela sua alta solubilidade no sangue (CPs/a 2,4), sua indução
deveria ser demorada, o que não ocorre na prática por sua alta potência (CAM 0,75). Os
riscos de superdosagem inadvertida são maiores com halotano, cujo vaporizador fornece a
concentração máxima de 5%, o equivalente a 7,14 CAM, enquanto com o vaporizador do
sevoflurano só é possível administrar 8% ou 2,6 CAM. O halotano sempre esteve associado
à parada cardíaca no peroperatório, o que se deve o seu efeito depressor sobre a fibra miocár-
dica e a sobredosagem.

Isoflurano
O isoflurano e o enflurano são isômeros e foram introduzidos para substituir o halotano
em cirurgias que requerem infiltração com adrenalina exógena por sensibilizarem menos a
fibra miocárdica. O isoflurano causa taquicardia transitória na indução da anestesia e reduz
significativamente a resistência vascular sistêmica21, altera pouco a frequência cardíaca na
manutenção e apresenta menor depressão miocárdica que o halotano, mas pode deprimir o
miocárdio em neonatos e lactentes e em pacientes de todas as idades e prolongar o intervalo
QT, levando a arritmias graves25.
A extubação é considerada um momento crítico da anestesia pelos potenciais riscos de
complicações respiratórias. O isoflurano está associado a maior taxa de complicações res-
piratórias comparado com o halotano quando a extubação é realizada com o paciente acor-
dado. Quando a extubação é realizada em plano profundo de anestesia não há diferenças26.
Quando o isoflurano foi comparado com o sevoflurano, não apresentou diferenças sobre as
complicações pós-extubação traqueal27.
O isoflurano reduz o consumo de oxigênio pelo cérebro porque diminui sua taxa meta-
bólica. Em concentrações acima de 1 CAM, pode alterar a autorregulação cerebral, porém,
esse efeito pode ser evitado se mantida leve hipocarbia28.

Desflurano
É o anestésico volátil menos solúvel no sangue (CPs/a 0,42) e também o menos potente
(Tabela 1). Pela sua baixa solubilidade, seria o anestésico ideal para a indução da anestesia
na criança não fosse a alta incidência de fenômenos decorrentes da irritabilidade das vias
aéreas com altas taxas de laringoespoasmo, breath-holding , tosse etc. Embora inadequado
para a indução, o desflurano pode ser introduzido após a indução da anestesia com agente
venoso ou o sevoflurano. Sua CAM, como com os demais voláteis, varia com a idade. O
despertar é mais rápido com o desflurano, o que pode ser útil nos procedimentos em que
se planeja a extubação traqueal no fim da cirurgia. O desflurano está associado, com mais
frequência que os demais voláteis, à agitação na emergência da anestesia. Praticamento não
tem metabolização hepática2 .

88 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Óxido nitroso
Praticamente todo aparelho de anestesia vendido no mundo tem um fluxômetro de
óxido nitroso. Esse dado sugere que esse gás, que foi sintetizado ainda no século XVIII,
continua com seu lugar garantido na anestesia moderna. Como todo fármaco, seu uso
oferece vantagens e desvantagens. Uma desvantagem marcante é sua pouca potência, que
pode ser superada pela associação com outros fármacos venosos ou inalatórios. Outra
desvantagem é sua difusão para os espaços fechados que distende o intestino e bolhas
que eventualmente possam ter entrado na corrente sanguínea. Pacientes referem que náu-
seas e vômitos são um dos piores desconfortos do pós-operatório e estudos em adultos
apontam o óxido nitroso como um fator causal 29. Crianças parecem responder ao óxido
nitroso de modo diferente do adulto. Um estudo distribuiu aleatoriamente 114 crianças
com idades entre 1 e 10 anos submetidas à cirurgias sobre a região inguinal e os testículos,
para receberem 70% de óxido nitroso e sevoflurano ou apenas o sevoflurano. A incidência
de vômitos nos dois grupos foi, respectivamente, de 14,3% e 15,5%, diferença não signifi-
cativa 30. Estudos em animais associam o óxido nitroso à inibição da metionina sintetase
e apoptose de células do sistema nervoso central em desenvolvimento31-32 . No entanto, os
milhares de pacientes que receberam o óxido nitroso no passado e continuam a recebê-lo
hoje, sem apresentar efeitos colaterais relevantes, sugerem que os seres vivos apresentam
respostas diferentes dos animais.
Por outro lado, há evidências de que a inclusão do óxido nitroso traz vantagens para
a anestesia. Uma característica farmacocinética importante do óxido nitroso é sua baixa
solubilidade no sangue (CPs/a 0,46). Essa baixa solubilidade sanguínea causa rápida
elevação da fração alveolar e da pressão parcial no sangue e nos tecidos (Figura 2)33. Se
administrado com um segundo gás (em geral o sevoflurano, mas pode ser qualquer outro
anestésico gasoso), pela sua rápida captação sanguínea, o óxido nitroso concentra esse
segundo gás nos alvéolos nos primeiros minutos da anestesia, aumentando sua pressão
parcial e acelerando sua difusão para o sangue. Também é fator facilitador da indução da
anestesia o fato de o óxido nitroso ser inodoro e não irritante para as vias aéreas, sendo
bem aceito pela criança. Uma vantagem adicional é a redução na CAM dos outros anes-
tésicos pelo efeito aditivo. No entanto, na criança, essa redução não ocorre por somação
simples das CAMs, isto é, 0,5 CAM de um agente a 0,5 CAM não resulta no efeito de 1
CAM, como ocorre no adulto. A adição de 66% de óxido nitroso ao sevoflurano reduz sua
CAM em apenas 20%8.
Emergência da Anestesia
A velocidade de saída do anestésico no fim da anestesia segue a mesma ordem da ve-
locidade da entrada: desflurano > sevoflurano > isoflurano > halotano. Com exceção do
halotano, praticamente todo anestésico inalado é eliminado porque sua metabolização
é pequena. A diferença na recuperação é maior nas cirurgias mais longas entre os anes-
tésicos menos solúveis, que promovem a recuperação em menor tempo. A incidência de
complicações no fim da anestesia, como vômitos e tosse, é semelhante para a maioria dos
agentes voláteis8.

Agentes inalatórios na criança | 89


Conclusão
A via inalatória oferece muitas vantagens para a anestesia pediátrica, principalmente
na indução. É a única técnica de anestesia em que o anestesiologista tem controle sobre a
administração e a eliminação dos fármacos. Também é a única técnica em que é possível
monitorizar a profundidade da anestesia em tempo real pela fração expirada do anestésico.
Pesquisas sugerem um possível papel deletério dos fármacos inalatórios no sistema nervoso
em crescimento. Como milhares de neonatos e lactentes são operados sob anestesia ina-
latória todos os anos no mundo todo, novas informações serão necessárias para que seja
esclarecido o real papel desses fármacos no sistema nervoso imaturo.

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Agentes inalatórios na criança | 91


Capítulo 06

Anestesia intravenosa total


Hugo Ítalo Melo Barros
Luis Otávio Esteves
Vívian Cirineu Coutinho
Anestesia intravenosa total

Introdução
Historicamente, em anestesia pediátrica, a anestesia inalatória sempre foi predominante.
Porém, desde a introdução de agentes farmacológicos de curta ação, a anestesia venosa total
(TIVA = total intravenous anesthesia) em crianças tem se tornado uma técnica cada vez
mais popular1.
No Brasil, essa técnica ainda sofre certa resistência, muitas vezes por falta de dispositivos
de injeção adequados, menor praticidade, necessidade de acesso venoso prévio, dor a injeção
do propofol, falta de consenso quanto ao melhor modelo farmacológico pediátrico, dentre
outros fatores. A farmacologia dos agentes venosos na população pediátrica ainda é pouco
compreendida. Além disso, muitos agentes venosos são utilizados de maneira off-label em
pediatria1,2 . Porém, em alguns casos, a anestesia venosa pode ser indicada por causa de uma
série de vantagens em relação à técnica inalatória, enquanto algumas desvantagens podem
contraindicar seu uso.
As drogas mais utilizadas são propofol, remifentanil, sufentanil, cetamina, midazolam e,
mais recentemente, dexmedetomidina. O uso dessas medicações pode ser realizado através
do cálculo manual da dose (baseada no peso e no tempo, como μg/kg/min ou μg/kg/h) ou
por meio de métodos de infusão alvo-controlada (TCI = Target Controlled Infusion). O
TCI se utiliza de um modelo farmacocinético para calcular o bolus para indução e taxas de
infusão para manutenção, as quais são definidas pelo alvo plasmático ou pela concentração
no sítio efetor. Nesse caso, bombas injetoras com modelos farmacocinéticos pediátricos
programados são necessárias3.
Em pediatria, o modelo Kataria foi desenvolvido para crianças de 3 a 11 anos e peso de
15 a 61 kg4 e o Paedfusor, para pacientes de 1 a 15 anos e peso de 5 a 53 kg5. Alguns autores
extrapolaram o uso desses modelos para crianças menores, porém não há estudos suficien-
tes que comprovem sua segurança6.

Vantagens x Desvantagens
Uma série de vantagens está sumarizada na Tabela 1. Algumas delas já comprovadas,
como a redução do risco de náuseas e vômitos no pós-operatório7-9. Alguns autores defen-
dem maior estabilidade cardiovascular com uso de anestesia venosa, porém, os níveis de evi-
dência ainda são fracos10. A anestesia venosa pode ajudar a reduzir o delirium de emergência,
que é um problema comum em anestesia pediátrica especialmente relacionado com o uso de
sevoflurano nas crianças de 2 a 6 anos11.
Dentre outros benefícios, a anestesia venosa está relacionada com redução da reatividade
das vias aéreas; broncodilatação; redução de laringoespasmo e broncoespasmo; melhora da
função ciliar e da fração de shunt, além de preservar a vasoconstrição pulmonar hipóxica e
reduzir tosse no despertar1. Os agentes venosos reduzem a pressão intracraniana, intraocu-
lar e de ouvido médio. A neuroproteção ocorre por redução do fluxo sanguíneo cerebral, da
taxa metabólica, preservação da autorregulação e prevenção de isquemia3. Alguns autores

94 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


defendem que o uso do propofol em anestesia venosa total apresenta menor incidência de
despertar em anestesia pediátrica, comparado com anestesia inalatória12 .
Tabela 1 – Vantagens da anestesia venosa x anestesia inalatória
Rápido início de ação na indução anestésica
Menor risco de náuseas e vômitos no pós-operatório (NVPO)
Maior estabilidade cardiovascular
Menor reatividade de via aérea – redução de complicações respiratórias
Broncodilatação
Melhora da função ciliar e da fração de shunt
Preservação da vasoconstrição pulmonar hipóxica
Redução de tosse no despertar
Redução da pressão intracraniana
Redução da pressão intraocular
Redução da pressão de ouvido médio
Redução no risco de delirium de emergência
Neuroproteção
Menor incidência de dor pós-operatória
Ausência de toxicidade renal ou hepática
Ausência de poluição atmosférica

A necessidade de acesso venoso antes da indução anestésica pode ser um problema em


anestesia pediátrica. O medo da punção ou a dificuldade em obter o acesso podem levar à
necessidade do agente inalatório para a indução e depois alterar a manutenção anestésica
para a via venosa1. Outras desvantagens são: dor provocada pela injeção, maior risco de con-
taminação bacteriana que os anestésicos inalatórios e grande variabilidade farmacocinética
e farmacodinâmica interindividual, especialmente nos pacientes pediátricos13.
Algumas alterações metabólicas foram relatadas como efeitos colaterais, porém, feliz-
mente, eles são raros, como síndrome da infusão do propofol, acidose lática, hipertrigliceri-
demia e pancreatite aguda14-16.
Em alguns países, os agentes venosos podem custar mais do que os agentes inalatórios,
além da necessidade de dispositivos eletrônicos adequados para infusão, como bombas in-
jetoras com software instalado para os modelos farmacológicos pediátricos (para uso em
TCI). Embora não haja poluição atmosférica provocada pelos agentes venosos, o fenol deri-
vado do propofol não é biodegradável. A necessidade de seringas, extensões e embalagens
também causam poluição ambiental17.

Indicações x Contraindicações
Pelas propriedades antieméticas, a anestesia venosa está indicada para pacientes com
risco de náuseas e vômitos pós-operatório9. A anestesia venosa também está indicada nos
casos de miopatias relacionadas com o core, suscetibilidade à hipertermia maligna e algu-
mas outras doenças neuromusculares que apresentam risco de hiperpirexia e rabdomiólise
relacionado com os agentes inalatórios1.

Anestesia intravenosa total | 95


Em procedimentos neurocirúrgicos com necessidade de maior controle da pressão intra-
craniana ou de proteção cerebral para isquemia, o uso da anestesia venosa está bem estabe-
lecido como sendo benéfico3. Outra indicação bem estabelecida ocorre para procedimentos
com monitorização de potencial evocado sensorial e motor. Nesses casos, a anestesia inala-
tória poderia alterar o potencial, prejudicando o resultado da cirurgia18.
As propriedades benéficas do propofol nas vias aéreas torna a anestesia venosa uma boa
escolha para procedimentos de laringotraqueobroncoscopia19. Além disso, a manutenção
do plano anestésico de maneira independente da ventilação pulmonar também se mostra
uma grande vantagem em procedimentos de via aérea. Já em cirurgias de maior porte, a
anestesia venosa ajuda a controlar a resposta metabólica ao estresse. Crianças anestesiadas
com frequência, como na radioterapia ou em outros procedimentos diagnósticos, a rápida
recuperação é necessária, podendo ser bem indicado o uso de agentes venosos20.
Existem poucos casos em que não se devem utilizar agentes venosos, especialmente o
propofol, como nas miopatias mitocondriais e em casos de cardiomiopatia com comprome-
timento do status cardiovascular20. A infusão em modo TCI ainda não é bem estabelecida
para crianças menores de 3 anos por causa da escassez de estudos que comprovem sua se-
gurança e eficácia6.

A Farmacocinética e a TIVA
Os conceitos farmacocinéticos são fundamentais no entendimento da TIVA, especial-
mente a infusão alvo-controle (TCI), na qual são utilizadas bombas de infusão controladas
por softwares com os modelos farmacocinéticos dos diferentes anestésicos21.
Esses sistemas foram desenvolvidos com base em estudos do modelo tricompartimental
(Figura 1), que descreve a distribuição do fármaco entre os compartimentos e sua elimi-
nação. Segundo esse modelo, são considerados três compartimentos. O compartimento
no qual se injeta o fármaco é chamado de central (V1) e é considerado o volume inicial de
distribuição, compreendendo o plasma, cérebro e demais órgãos ricamente vascularizados.
O segundo compartimento (V2) é moderadamente perfundido, faz parte da redistribuição
rápida e é representado pelos músculos. O terceiro compartimento (V3) é pouco perfun-
dido, faz parte da redistribuição lenta e é composto pelo tecido gorduroso. O volume de
distribuição no estado de equilíbrio (Vdss) é a soma de V1, V2 e V3.
Também são descritas as constantes intercompartimentais que determinam a transferên-
cia do fármaco a partir do V1 para os outros dois compartimentos e sua volta para o central (k12,
k13, k 21 e k31) e posterior eliminação (k10). Além disso, utiliza-se na TCI moderna a constante
que determina a passagem do fármaco para o sítio efetor ou biofase, chamada de ke0. Quanto
maior a ke0, menor será o tempo para que 50% da concentração plasmática entre em equilíbrio
com o sítio efetor22. Esse parâmetro é denominado t1/2ke0 e calculado pela fórmula:
t1/2ke0 = 0,693/ke0
Dessa forma, define-se histerese como o tempo necessário para ocorrer o equilíbrio com-
pleto entre essas concentrações, sendo calculada pela fórmula:
Histerese = t1/2ke0 x 4,32

96 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Figura 1 – Modelo tricompartimental.

Após o conceito de ke0, foi possível desenvolver os sistemas conhecidos por TCI efeito, no
qual a infusão do fármaco objetiva determinada concentração no sítio efetor, diminuindo o
tempo para o efeito farmacodinâmico desejado.
Considerando-se que as transferências entre os compartimentos, a partir da admi-
nistração venosa, ocorrem de forma simultânea e em velocidades diferentes, o resultado
final é o declínio exponencial em três fases distintas: redistribuição rápida (α), lenta (β)
e eliminação (γ)23. A Figura 2 demonstra as três curvas de decaimento e suas respectivas
equações logarítmicas.

Figura 2 – Curva triexponencial da concentração plasmática pelo tempo após injeção em bolus (Ct: concen-
tração plasmática pelo tempo; t: tempo; A, B e C: concentrações iniciais de cada fase ou interceptos; α, β e γ:
constantes de redistribuição e eliminação; e: logaritmo natural).

Anestesia intravenosa total | 97


Portanto, para a realização da TCI são necessárias três formas de infusão do fármaco
desejado:
• Bolus inicial para o “preenchimento” do volume central (V1):
Bolus = V1 x Concentração
• Infusão contínua para manter a concentração plasmática constante durante as redis-
tribuições rápida e lenta (Cter = concentração-alvo; V1 = volume central; k = constan-
tes entre compartimentos; e = logaritmo natural; t = unidade de tempo)24:
Taxa de manutenção = Cter . V1 . (k10 + [k12 . e-k21.t] + [k13 . e-k31.t])
• Infusão contínua para repor a eliminação ou clearance do fármaco, que equivale ao
produto do V1 pelo k10. Quando for atingido o estado de equilíbrio esta será a única
infusão necessária (Cter = concentração-alvo; Cl = clearance; V1 = volume central; k =
constante de eliminação):
Taxa de eliminação = Cter x Cl = Cter x V1 x k10
Outro conceito importante em TIVA é a meia-vida contexto-dependente ou, no inglês,
context-sensitive half-life. Durante uma infusão contínua, é o tempo em minutos para a con-
centração do fármaco diminuir em 50% após a sua interrupção. Ela é influenciada pelas
características farmacológicas do medicamento e do paciente e pelo tempo de infusão.
Na prática, a matemática complexa dos modelos farmacocinéticos permite ajustes rá-
pidos de concentração, alta previsibilidade e menor consumo de anestésicos, tornando a
infusão alvo-controle o padrão ouro em anestesia venosa total.

TIVA na População Pediátrica – a Farmacocinética na Criança


Para a compreensão da influência das alterações farmacocinéticas, em pediatria, sob a
TIVA é importante salientar o papel do propofol. Como principal hipnótico, ele é o alvo das
pesquisas para o desenvolvimento de modelos de infusão mais precisos e o responsável pelo
maior tempo de despertar em comparação com a anestesia inalatória. Portanto, as altera-
ções fisiológicas da infância serão determinantes na utilização do hipnótico.
Um aspecto comum a todas as crianças, do nascimento à puberdade, é o volume atribuí-
do ao compartimento central (V1). Os valores diferem entre os modelos farmacocinéticos,
mas são sempre maiores do que os da população adulta (Tabela 2). Consequentemente, a
necessidade do bolus inicial durante a TCI será muito maior.
Tabela 2 – Volume do compartimento central em diferentes modelos farmacocinéticos
Modelo Marsh (5) Kataria (6) Paedfusor (7) Diprifusor® (8)
Idade (anos) 1 a 9 3 a 11 1 a 12 > 16
V1 L.kg-1 0,34 0,38 0,46 0,22

Ao considerar as alterações farmacocinéticas e metabólicas do crescimento, pode-se


dividi-las em três períodos27:
1. neonatos e lactentes até 6 meses;
2. 6 meses até crianças de 2 anos;
3. crianças de 3 a 15 anos.

98 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Até os 6 meses de idade, a criança apresenta maior quantidade de água extracelular e
menor quantidade de músculo e gordura. Os sistemas hepáticos e renais estão em desen-
volvimento, diminuindo a capacidade de metabolização. Apesar da maior dose inicial de
propofol, a necessidade durante a manutenção é menor.
Após os 6 meses, as funções metabólicas se aproximam dos valores dos adultos e a quan-
tidade de água intracelular se torna maior, assim como os compartimentos V2 e V3. O re-
sultado dessa maturidade são maiores doses de propofol durante a indução e manutenção
anestésicas. O alto débito cardíaco contribui para a grande metabolização do fármaco.
Após os 3 anos, autores sugerem que, comparado aos adultos, o V1 é 50% a 100% maior
e os clearances entre os compartimentos, 25% a 50% maiores25-27. Novamente, a necessidade
de propofol continua aumentada. Na puberdade, essas características farmacocinéticas se
aproximam dos adultos.
Existem outros parâmetros farmacocinéticos que se alteram durante o desenvolvimento,
como a ligação proteica e a função da barreira hematoencefálica. Entretanto, os fatores de-
terminantes da necessidade anestésica, especialmente do propofol, em TIVA são o volume
dos compartimentos e as taxas de redistribuição e eliminação.
Por esses motivos, a meia-vida contexto-dependente para o propofol nas crianças é maior
em relação aos adultos (Figura 3), sendo o tempo de despertar aproximadamente o dobro28.
Para o remifentanil, a necessidade de infusão será maior por causa do compartimento
central, mas sem alterar a sua meia-vida contexto-dependente23.

Figura 3 – Meia-vida contexto-dependente do propofol na criança e no adulto (adaptado de Mcfarlan CS,


Anderson BJ, Short TG. The use of propofol infusions in paediatric anaesthesia: a practical guide. Paed Anaesth
1999;9: 209-16).

Matematicamente, é muito difícil desenvolver um modelo farmacocinético que repre-


sente, de forma precisa, as alterações farmacocinéticas da idade, além disso, a pesquisa na
população pediátrica é dificultada por questões éticas e práticas. A maioria dos modelos foi
“construído” utilizando-se uma abordagem linear do peso e da altura para prever tais mu-
danças, mas há questionamentos sobre esse método. Recentemente, autores têm publicado
propostas de modelos desenvolvidos por funções não lineares, como a alométrica, mas que
ainda precisam de comprovação científica29,30.

Anestesia intravenosa total | 99


Propofol
O propofol é, sem dúvida, o agente hipnótico mais utilizado em anestesia venosa total.
Sua molécula altamente lipofílica é preparada em uma emulsão lipídica de óleo de soja com
lecitina de ovo e suas propriedades farmacocinéticas agregam maior importância para o seu
uso em anestesia venosa. Com seu rápido início de ação (em torno de 30 a 60 segundos após
um bolus de 3-5 mg/kg) e sua rápida degradação, o propofol tornou-se o anestésico com
o melhor perfil para manter a hipnose em modelos de TIVA tanto em adultos quanto em
populações pediátricas31.
Após uma dose de bolus de propofol, o tempo de equilíbrio entre a concentração plas-
mática (Cp) e a concentração no sítio efetor (Ce) gira em torno de 4 minutos, e não parece
variar de acordo com a velocidade de infusão desse bolus. Por isso, uma injeção mais lenta
proporcionará menos efeitos depressores no centro da respiração sem atraso no equilíbrio
Cp/Ce, com maiores chances de manutenção da respiração espontânea, o que em pediatria
muitas vezes é especialmente importante1.
As diferenças fisiológicas das crianças em relação aos adultos podem mudar o compor-
tamento farmacocinético e farmacodinâmico do propofol e de outras drogas endovenosas.
O compartimento central é maior em crianças, enquanto os compartimentos muscular e
adiposo são menores que em adultos. Esse aumento no volume de distribuição exige maio-
res doses de indução. Além disso, a metabolização hepática e a excreção renal também estão
aumentadas em pacientes pediátricos1.
Por outro lado, em crianças menores, existe uma relação modificada entre a quantidade
de líquido extra e intracelular (E:I), havendo maior proporção de líquido extracelular até os 3
meses de vida (E:I = 60:40), uma relação equilibrada entre os 3 e 6 meses de vida (E:I = 50:50)
e uma menor proporção de líquido extracelular acima de 6 meses de vida (E:I = 40:60). Outro
fator importante é a reduzida função hepática em razão da imaturidade do sistema enzimático
em crianças de até 1 ano e mais evidente em neonatos. Esses fatores apontam para a necessi-
dade de maiores doses de indução, porém, em doses menores de manutenção nesse grupo de
pacientes, principalmente em infusões mais prolongadas32.
O propofol pode ser utilizado em procedimentos cirúrgicos ou diagnósticos de curta du-
ração com a vantagem de apresentar rápido despertar e possibilidade de ventilação espontâ-
nea. Pode ainda ser utilizado em procedimentos de longa duração com menor incidência de
náusea e vômito e de agitação do despertar, em neurocirurgias e em cirurgias otorrinolarin-
gológicas, entre outras indicações, com diversas vantagens já citadas7,11.
Existem alguns modelos farmacocinéticos desenvolvidos especificamente para crianças.
Dentre eles, o modelo de Marsh (Paedfusor®) e o modelo de Kataria são os mais populares.
Ambos são validados na população pediátrica, com índices de viés e de precisão adequados33.
O Paedfusor® foi desenvolvido na década de 1990 por Brian Marsh e colaboradores. Eles
pegaram um modelo farmacocinético de adulto e utilizaram em pacientes pediátricos. De
acordo com a coleta de amostras de sangue e com o cálculo da concentração de propofol no
plasma, eles concluíram que a dose de bolus e a dose de manutenção eram, respectivamente,
50% e 25% maiores em crianças. Com base nesses cálculos, eles desenharam um novo modelo
farmacocinético, que foi validado para crianças de 1 a 12 anos e peso mínimo de 5 kg25.

100 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Kataria e col. desenvolveram um estudo no qual foram coletadas 658 amostras sanguí-
neas para dosagem de concentração plasmática de propofol. Eles consideraram variáveis de
idade, peso, altura, área de superfície corporal e sexo e utilizaram técnicas de regressão para
elaborar o modelo farmacocinético. Esse modelo é validado para pacientes entre 3 e 11 anos
com um peso mínimo de 15 kg4.
Recentemente, alguns modelos farmacocinéticos têm sido utilizados em estudos que
visam calcular a concentração do propofol no sítio efetor (sistemas TCI efeito) em pacien-
tes pediátricos34.
Sabe-se, porém, que o acesso a dispositivos de infusão com esses modelos farmacocinéti-
cos ainda continua limitado a poucas instituições. Diante dessa dificuldade, McFarlan e col.
desenvolveram um esquema manual de infusão que foi calculado com base nos parâmetros
farmacocinéticos do propofol para manter uma concentração plasmática de 3 μg/ml, con-
forme pode-se observar na Tabela 328.
Tabela 3 – Esquema manual de infusão de propofol para crianças
Tempo de Os primeiros
Bolus 15-30 minutos 30-60 minutos 1-2 horas 2-4 horas
anestesia 15 minutos
Dose 2,5 mg/kg 15 mg/kg/h 13 mg/kg/h 11 mg/kg/h 10 mg/kg/h 9 mg/kg/h

Crianças abaixo de 3 anos têm necessidades diferentes de propofol para se manterem


num mesmo nível plasmático desse fármaco. Steur e cols. desenvolveram um esquema de
infusão (ver Tabela 4) adaptado para essa faixa etária que foi testado e validado em um
amplo estudo que envolveu mais de 2.200 pacientes32 .
Tabela 4 – Esquema manual de infusão de propofol para crianças menores de 3 anos
Tempo Os primeiros 10 minutos 10-20 minutos Tempo subsequente
Dose (mg/kg/h) 12 9 6

Remifentanil
O remifentanil é um opioide sintético de alta potência que tem ação ultracurta. Suas
características farmacocinéticas – rápido início de ação e rápida metabolização por esterases
plasmáticas e teciduais, além de uma meia-vida contexto-sensitiva pequena (3-5 min) – o
tornaram o opioide mais utilizado em técnicas de anestesia venosa total (Tabela 5). A sua
meia-vida independe da função hepática e renal, porém, a dependência das esterases para
sua metabolização torna inapropriada a extrapolação de modelos farmacocinéticos de adul-
to para a população pediátrica35-37.
Tabela 5 - Meia-vida contexto-sensitiva dos opioides (minutos)
Duração da infusão em minutos
Opioides 10 100 200 300 600
Remifentanil 3a6 3a6 3a6 3a6 3a6
Alfentanil 10 45 55 58 60
Sufentanil 20 25 35 60
Fentanil 12 30 100 200

Anestesia intravenosa total | 101


Observam-se alterações no perfil farmacocinético do remifentanil relacionadas com a
idade, porém, são alterações diferentes daquelas apresentadas pelos outros opioides. Em
neonatos e crianças de até 2 meses de vida, o remifentanil apresentou volumes de distri-
buição maiores e clearances também maiores, sugerindo a necessidade de taxas de infusão
mais rápidas para se alcançarem os mesmos níveis plasmáticos. Porém, a meia-vida de
eliminação da droga não parece apresentar mudanças clinicamente significativas com a
idade. Apesar de sabermos que o remifentanil, entre todos os opioides, parece ter pouca
variabilidade com a idade e o melhor perfil farmacocinético para uso em infusão contí-
nua, precisamos de mais estudos para determinar seu comportamento farmacocinético
em pacientes pediátricos35. Recentemente, Eleveld DJ e col. desenvolveram um modelo
farmacocinético/farmacodinâmico para o remifentanil que se mostrou com boa acurácia
em pacientes com ampla faixa de idade que inclui a população pediátrica, mas ainda ne-
cessita de avaliações prospectivas29.
Alguns estudos têm investigado o uso de remifentanil durante a ventilação espontânea
em crianças. Crianças menores de 3 anos parecem tolerar doses maiores de remifentanil (de
até 0,35 μg/kg/min), mantendo uma ventilação espontânea aceitável quando comparadas
com crianças maiores e adultos. Esse aspecto também parece estar relacionado com maior
clearance de eliminação em crianças menores38.
Outro aspecto que gera preocupação em relação ao uso de remifentanil refere-se à pos-
sibilidade de hiperalgesia no pós-operatório. Apesar de termos evidências controversas na
literatura sobre esse tema, devemos dar maior atenção à analgesia pós-cirúrgica, além de
titular a menor dose possível de remifentanil para atingir o efeito desejado1.
A dose recomendada de remifentanil em infusões manuais é entre 0,1 e 0,5 μg/kg/min.
Em infusões alvo-controladas, a concentração plasmática alvo varia de 2 a 10 μg/l, a depen-
der do estímulo cirúrgico. Vale lembrar que o remifentanil associado ao propofol em TIVA
tem efeito sinérgico, diminuindo a necessidade de propofol para manter a hipnose38.

Cetamina
A cetamina é um composto hidrossolúvel que promove hipnose e analgesia por ação an-
tagônica nos receptores N-metil-D-aspartato (NMDA), levando a um estado comumente
chamado de anestesia dissociativa. É formulada em uma mistura racêmica na qual o isômero
S(+) produz analgesia mais intensa e metabolização mais rápida pelas enzimas hepáticas37.
A sua principal indicação é em pacientes asmáticos pelo seu poder broncodilatador,
principalmente para procedimentos de até duas horas de duração em razão de sua curta
meia-vida contexto-sensitiva em períodos mais curtos. A cetamina pode ser utilizada nas
doses de 1-2 mg/kg endovenosas para indução anestésica, seguida de manutenção a 0,1-2,5
mg/kg/h, a depender do nível de analgesia ou hipnose desejados. Reações psicomiméticas
no despertar da anestesia são comuns em doses maiores36.
Seu uso tem ganhado destaque nos últimos anos como adjuvante na anestesia pelos seus
efeitos como sedativo leve, analgésico e poupador de opioide em doses subanestésicas de
0,1-0,5 mg/kg endovenosas, principalmente após a disponibilidade de formulações com o
predomínio do estereoisômero S(+).

102 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Midazolam
O midazolam tem suas propriedades ansiolíticas, hipnóticas e amnésicas por causa da
inibição do receptor ácido gama-amino-butírico (GABA). Sua dose endovenosa de indução
varia entre 0,1 e 0,5 mg/kg, enquanto sua dose de manutenção é de 0,1-0,3 mg/kg/h. Por
ter latência longa (1 a 2 minutos) e meia-vida de eliminação também mais prolongada (1,45h
± 0,5 em crianças), perdeu espaço como agente de indução e manutenção anestésica com o
surgimento do propofol. Seu uso atualmente se destaca na formulação oral na dose de 0,5-
0,8 mg/kg como medicação pré-anestésica36,37.

Dexmedetomidina
A dexmedetomidina é um alfa-2 agonista altamente seletivo que tem propriedades anal-
gésicas, amnésicas, sedativas e ansiolíticas. Nas doses clinicamente recomendadas, pode
causar bradicardia dose-dependente, além de alterações na pressão sanguínea, inicialmente
hipertensão arterial seguida de hipotensão mais prolongada1.
Os dados sobre a farmacocinética da dexmedetomidina em pediatria ainda são escassos,
mas parece seguir um modelo de dois compartimentos. A dexmedetomidina tem meia-vida
contexto-sensitiva prolongada que varia com a idade, sendo ainda mais longa em neonatos
por causa da imaturidade do sistema enzimático hepático nesses pacientes. Isso promove
analgesia e sedação residual no pós-operatório, sendo bastante útil como prevenção da agi-
tação do despertar. Outra grande vantagem da dexmedetomidina na prática anestésica se dá
pela sua característica de manutenção da patência das vias aéreas e dos estímulos do centro
respiratório, sem sinergismos com outros anestésicos utilizados1.
Embora atualmente exista ampla utilização da dexmedetomidina na população pediá-
trica, tanto na prática anestésica quanto na terapia intensiva, seu uso em crianças continua
sendo off label em razão da ausência de melhores estudos clínicos randomizados nessa faixa
etária. Apesar disso, parece ser segura uma dose entre 0,2 e 0,7 μg/kg/h. A dose de bolus
inicial, quando utilizada, é de 0,5-1,0 μg/kg e deve ser infundida em 10 minutos39.

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Anestesia intravenosa total | 103


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104 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Capítulo 07

Bloqueios periféricos
Luciana Cavalcanti Lima
Débora de Oliveira Cumino
André L. Jaichenco
Bloqueios periféricos

Introdução
A anestesia regional em crianças é um dos tópicos importantes da anestesia. Houve um
aumento significativo no conhecimento desse campo, particularmente nos últimos anos.
No entanto, ainda existe uma lacuna entre o conhecimento teórico e a implementação na
prática clínica diária.
Atualmente, é possível utilizar técnicas de anestesia regional em mais de 80% dos proce-
dimentos cirúrgicos em crianças.
Experiência, habilidade, ambiente e material adequados são os principais pré-requisitos
para o desempenho seguro e efetivo da anestesia regional na população pediátrica1.

Segurança
Recentemente, realizaram-se várias revisões e pesquisas sobre a anestesia regional em
crianças. Em 2006, a sociedade de anestesiologistas pediátricos de língua francesa (ADAR-
PEF) publicou uma atualização de sua pesquisa inicial sobre epidemiologia e morbidade da
anestesia regional em crianças2. Os dados foram coletados em 47 instituições com base em
104.612 anestesias gerais, 29.870 anestesias inalatórias associadas a bloqueios regionais e 1.262
bloqueios regionais isolados. Bloqueios periféricos são predominantes e representam 66% de
todas as anestesias regionais, incluindo técnicas com cateter. Dos bloqueios periféricos, 29%
são bloqueios de membros superiores e inferiores, enquanto 71% correspondem a bloqueios de
face e tronco. Bloqueios faciais são hoje amplamente utilizados para a cirurgia facial e recons-
trutiva, particularmente na correção do lábio leporino. A taxa global de complicações é muito
baixa, igual a 0,12%, seis vezes maior em bloqueios do neuroeixo quando comparados com os
periféricos. Nenhuma complicação resultou em sequela, lesão grave ou morte após um ano.
Como resultado do baixo índice de complicações, os autores concluem que as técnicas de anes-
tesia regional têm um bom perfil de segurança, podendo ser utilizadas para oferecer analgesia
pós-operatória em crianças, e que as técnicas de bloqueios periféricos devem ser estimuladas.
Outros resultados relevantes desse estudo são que há um incremento da frequência de uso de
bloqueios com o aumento da idade e uma incidência de complicações significativamente mais
elevada no grupo de menor faixa etária, sugerindo que crianças menores sejam assistidas por
profissionais com experiência em anestesia pediátrica. Aproximadamente 96% das técnicas
anestésicas regionais são realizadas sob anestesia geral2.
Resultados de outro estudo sobre epidemiologia e segurança em anestesia regional
pediátrica foram publicados mais recentemente. O Pediatric Regional Anesthesia Network
(PRAN) apresenta dados de um total de 14.917 bloqueios regionais, realizados em 13.725
pacientes, no período de três anos. Bloqueios de nervos periféricos foram usados em 35%
dos casos. Não houve óbitos ou complicações com sequelas duradouras (> 3 meses). A maio-
ria dos bloqueios (95%) foi realizada sob anestesia geral3.
Em crianças mais velhas, o diálogo entre o anestesiologista e a criança pode levar a um
desempenho seguro do bloqueio sem necessidade de sedação. Isso requer, obviamente, uma

106 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


equipe bem treinada e a colaboração entre anestesiologistas, cirurgiões e enfermeiras para
criar a “atmosfera” adequada para a criança, o que não é fácil de reproduzir em nossas salas
de operação ocupadas, muitas vezes sobrecarregadas.
Crianças sob anestesia também têm taxas de complicações neurológicas transitórias
mais baixas quando não recebem agentes bloqueadores neuromusculares no momento da
realização de um bloqueio4.

Periféricos x Regionais
Estudos recentes mostram clara transição dos bloqueios centrais para os periféricos por
causa da menor morbidade destes últimos e, em particular, da incorporação de técnicas guia-
das por ultrassom (USG). No entanto, os bloqueios peridural, caudal ou lombar continuam
a ser muito populares e são percebidos como o padrão ouro para analgesia pós-operatória
em crianças. Embora os bloqueios neuroaxiais sejam o método preferido para o alívio da dor
há muitos anos, eles podem ser contraindicados por diversas patologias ou substituídos por
diferentes bloqueios nervosos periféricos5.
Possíveis vantagens do bloqueio do nervo periférico são referências claras: menor quanti-
dade de anestésico local, efeitos fisiológicos e colaterais mínimos e área alvo-controlada es-
pecífica e adequada para o procedimento cirúrgico ou para o tratamento da dor. O bloqueio
do nervo periférico pode ser realizado praticamente em qualquer região do corpo. Os mais
frequentes são os dos membros superiores, inferiores e de tronco.
A ultrassonografia revolucionou a prática de anestesia regional, em particular em
crianças pequenas, em que a anatomia pode ser facilmente identificada. Em crianças com
até 3 meses de vida, todas as estruturas anatômicas relevantes podem ser visualizadas,
mas a visibilidade diminui gradualmente de uma maneira dependente da idade. A taxa
de sucesso, a eficácia e as complicações com bloqueios de nervos periféricos guiados por
ultrassom em comparação com estimulação nervosa ou técnicas baseadas em referências
anatômicas mostram como vantagens menor tempo para execução do bloqueio, maior
taxa de sucesso, menor tempo de início, maior duração do bloqueio e menor volume de
anestésico local6.

Bloqueios da Face
Diversos procedimentos cirúrgicos em crianças podem ser realizados com o uso de blo-
queios de face, como cirurgia plástica, otorrinolaringológica e dermatológica e neurocirur-
gia. A maioria desses bloqueios é de natureza sensorial. Eles são de fácil execução, requerem
poucos equipamentos e apresentam poucos eventos adversos. Bloqueios supraorbitário,
supratroclear e infraorbitário, bloqueio do nervo palatino maior, da divisão mandibular do
trigêmeo e do nervo occipital maior são os mais frequentemente realizados7.
A distribuição sensorial da cabeça e do pescoço é feita principalmente por três ramos
principais dos nervos trigêmeo, oftalmológico, maxilar e mandibular juntamente com
as raízes cervicais C2-C4, que inervam o pescoço e a porção occipital do couro cabe-
ludo. Os nervos sensoriais terminais do nervo trigêmeo V1 (supraorbital), V2 (infraor-
bital) e V3 (mentoniano e auriculotemporal) tornam-se superficiais quando saem dos
Bloqueios periféricos | 107
ossos faciais, por meio dos orifícios correspondentes que habitualmente se encontram
na linha mediana (geralmente reconhecidos como o ponto médio da pupila com a ca-
beça na posição neutra)7.
O bloqueio infraorbitário é indicado para cirurgias de lábios, rinoplastias e cirurgias en-
doscópicas dos seios da face. Revisão recente desse bloqueio para correção de lábio leporino
não mostra forte evidência na redução da dor pós-operatória, mas sugere que o bloqueio é
superior ao placebo e o retorno da alimentação é mais precoce8. O bloqueio diminui signifi-
cativamente a frequência e a duração da agitação do despertar associada com o sevoflurano
com analgesia satisfatória e sem atrasos na extubação9.
O bloqueio bilateral do nervo maxilar suprazigomático é uma técnica alternativa em
crianças submetidas à cirurgia de palato. O bloqueio pode ser realizado guiado por ultras-
som e mostra baixas taxas de falhas e um bom sucesso, com a visualização da injeção do
anestésico local na fossa pterigopalatina, na maioria dos casos10.
O bloqueio peribulbar em crianças é uma técnica avançada utilizada na cirurgia ocular
em centros especializados. Em cirurgia vitreorretiniana, o bloqueio diminui significativa-
mente a variabilidade hemodinâmica, a dor pós-operatória, o reflexo oculocardíaco e vômi-
tos pós-operatórios, bem como reduz a concentração do inalatório, mantém a imobilidade
dos olhos e resulta em retorno precoce à alimentação11.

Bloqueios dos Membros Superiores


Embora muitas abordagens do plexo braquial tenham sido descritas, o bloqueio axilar
usando métodos convencionais ainda é o bloqueio do plexo braquial mais comumente reali-
zado e relatado em crianças. Isso pode se dar porque outros locais de punção estão situados
próximo às estruturas críticas, como a pleura (supraclavicular e infraclavicular) e a medula
espinhal (interescaleno). O uso do ultrassom provavelmente aumentará consideravelmente
o desempenho de bloqueios de plexo braquial em lactentes e crianças com outras técnicas
além da abordagem axilar comumente descrita. Ainda, diminui a latência, aumenta a dura-
ção do bloqueio e diminui as doses de anestésico local. A qualidade do bloqueio mostra-se
igual ou superior à do bloqueio com o auxílio da neuroestimulação. Os transdutores devem
ser lineares e de alta frequência, pois o plexo braquial é muito superficial em crianças. O
transdutor em taco de hóquei deve ser considerado em lactentes e crianças menores por
permitir um contato pleno com a pele em locais em que os transdutores lineares maiores não
se adaptam completamente, como na realização de bloqueios supraclaviculares e axilares.
O bloqueio de plexo braquial via axilar é utilizado em crianças para a correção de fraturas
do terço distal do antebraço e supracondilianas, nas correções de malformações congênitas,
como as sindactilias, e nas confecções de fístulas arteriovenosas2 . É indicado para procedi-
mentos cirúrgicos ou dolorosos na face mediana do antebraço, no braço e na mão. Apresenta
falha na região do ombro, referente ao nervo axilar, e efetividade nos territórios dos nervos
ulnar, mediano e radial. É de fácil execução e baixa morbidade, pela ausência de relações
anatômicas com estruturas vitais.
O plexo braquial é derivado dos ramos ventrais das raízes nervosas de C5 a T1, receben-
do também ramos de C4 e T2. As raízes emergem da coluna envoltas por uma fáscia que se

108 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


estende dos processos transversos até a axila. Em nível cervical, o feixe atravessa o espaço
interescalênico, formado pelos músculos escalenos anterior e médio. As raízes convergem
formando os troncos superior, médio e inferior. Atrás da clavícula os troncos dividem-se em
fascículos e, posteriormente, em nervos que, no cavo axilar, agrupam-se ao redor da artéria
axilar. É importante ressaltar que o nervo musculocutâneo deixa o envoltório ao nível do
processo coracoide, ocasionando falhas no seu território de inervação (face lateral do ante-
braço). Esta é uma das limitações do bloqueio via axilar que pode ser minimizada posicio-
nando-se a agulha em sentido cefálico durante a administração do anestésico, promovendo
dispersão cefálica e favorecendo o bloqueio desse território.
Incapacidade de abduzir o braço a 90 graus, lesões cutâneas no território axilar, infecção
local, linfadenopatia axilar, fraturas que cursam com lesão neurológica e distúrbios de vas-
cularização são contraindicações ao bloqueio axilar.
A técnica clássica é realizada no cavo axilar, com o braço abduzido a 90 graus e exter-
namente rodado. A punção perivascular é a preferida nas crianças, pois a transarterial tem
maior risco de formação de hematoma. Após a injeção, o envoltório axilar torna-se ingur-
gitado, podendo-se realizar leve compressão distal com o objetivo de aumentar a dispersão
cefálica e promover bloqueio do nervo musculocutâneo. O uso de estimulador de nervo
aumenta o sucesso, com baixa incidência de complicações neurológicas, porém, no paciente
anestesiado, pode ocorrer lesão sensitiva do nervo mesmo sem resposta motora com o uso
do neuroestimulador12 .
De forma prática pode-se utilizar 0,5 mL.kg-1 de volume total. Concentrações de lidocaí-
na 0,5% a 2%, bupivacaína 0,25% a 0,5%, ropivacaína 0,2% a 1% ou levobupivacaína 0,25% a
0,5% são mais frequentemente utilizadas, respeitando-se as doses máximas.
Hematoma, insuficiência arterial por vasoconstrição transitória, injeção intravascular
com intoxicação sistêmica pelo anestésico local e lesões neurais que podem ser graves e
ocasionar sequelas são as complicações descritas, mas que apresentam baixa incidência. Na
criança sob anestesia geral é difícil identificar as falhas de bloqueio, que geralmente cursam
com alterações dos sinais vitais. Ocorrem em torno de 6% dos bloqueios via axilar, podendo
ser completas ou parciais e minimizadas pela complementação com bloqueios periféricos
do nervo ulnar, mediano e radial ao nível do cotovelo ou punho, respeitando-se as limi-
tações da faixa etária pediátrica e evitando o uso de neuroestimulador em nervos muito
superficiais, por causa do risco de lesão neural.

Bloqueios da parede abdominal


Dentre os bloqueios realizados na parede abdominal, o bloqueio dos nervos ilioinguinal
e ílio-hipogástrico é um dos mais comumente realizados para cirurgia na região inguinal e
provavelmente é um dos bloqueios periféricos mais comuns em crianças. Outros bloqueios
também estão se tornando populares para analgesia em procedimentos nas regiões umbilical
ou epigástrica e para a cirurgia peniana. A ultrassonografia pode ser particularmente benéfica
nesses bloqueios em crianças em razão das estreitas relações anatômicas entre os nervos e vá-
rias estruturas abdominais críticas. As técnicas convencionais geralmente incluem detecção
subjetiva de “pops” ou “cliques” na penetração nos respectivos compartimentos fasciais em

Bloqueios periféricos | 109


que os nervos são tipicamente localizados. A visibilidade ultrassonográfica da musculatura, da
fáscia relacionada e das aponeuroses e a propagação do anestésico local melhoram as taxas de
sucesso e permitem a administração de volumes mínimos de anestesia local13.
O bloqueio do plano transverso abdominal (TAP) permite o bloqueio sensorial da pa-
rede abdominal inferior pela introdução do anestésico local acima do músculo transver-
so abdominal. Uma técnica que envolve múltiplas injeções de anestésico local na parede
abdominal foi utilizada nos anos 1980. Essa técnica foi aperfeiçoada com uma técnica de
referência anatômica, cega, através do triângulo lombar de Petit. A eficácia clínica da técnica
baseada em referências anatômicas e, mais recentemente, técnicas guiadas por ultrassom
têm sido investigadas em vários centros ao redor do mundo.
Ao longo dos últimos anos, o TAP tornou-se cada vez mais popular para o alívio da dor
na cirurgia abdominal. Rafi introduziu esse bloqueio como uma técnica baseada em referên-
cias anatômicas para analgesia pós-operatória da parede abdominal. O objetivo é bloquear
os nervos segmentares de T9, T10, T11, T12 e L1 no plano entre os músculos oblíquo interno
e transverso do abdome com uma única injeção. O triângulo lombar de Petit (um espaço de-
limitado pela crista ilíaca, músculo grande dorsal e músculo oblíquo externo) é usado como
referência, e uma sensação de dois cliques indica a posição correta da agulha. O primeiro
clique ocorre após a penetração da fáscia do músculo oblíquo externo e o segundo clique
se dá após a penetração do músculo oblíquo interno. Em geral, a técnica às cegas é descrita
como de fácil execução e com poucas complicações. No entanto, semelhante a todos os blo-
queios da parede abdominal, a cavidade abdominal e as suas estruturas vulneráveis ​​estão em
estreita proximidade com a camada fascial visada. Após a publicação dos primeiros relatos
de peritonite e trauma hepático após bloqueio TAP, a visualização em tempo real da ponta
da agulha passou a ser recomendada14.
O estudo do triângulo de Petit em uma série de cadáveres mostra que o local do bordo
medial varia amplamente, mas é sempre posterior à linha axilar média. Nessa área, a camada
muscular mais superficial é geralmente o oblíquo interno, no entanto, a ultrassonografia
confirmou a variabilidade do triângulo de Petit. Alguns pacientes têm três camadas muscu-
lares distintas (oblíquo externo, oblíquo interno e transverso abdominal), enquanto outros
têm quatro camadas musculares distintas, presumivelmente causadas por uma sobreposi-
ção dos músculos oblíquo externo e grande dorsal, o que traz dificuldades para a realização
desse bloqueio, gerando controvérsia sobre a busca de um ou dois “cliques” para a realização
do TAP baseado em referências anatômicas15. Estudos com USG demonstram que os anes-
tésicos são depositados no local correto em apenas 14% dos bloqueios.
A inervação da parede abdominal anterolateral surge a partir dos ramos anteriores dos
nervos espinais T7 a L1. Divisões do ramo anterior do plexo lombar incluem os nervos
intercostais (T7-T11), o nervo subcostal (T12) e os nervos ilioinguinal/ílio-hipogástrico
(L1). Estes dão origem ao cutâneo lateral e a ramos cutâneos anteriores à medida que se
tornam mais superficiais. Os nervos intercostais T7 a T11 saem dos espaços intercostais e
correm em plano neurovascular entre os músculos oblíquo interno e transverso do abdome.
O nervo subcostal (T12) e os nervos ilioinguinal/ílio-hipogástrico (L1) também percorrem
o plano entre o transverso abdominal e oblíquo interno, inervando esses músculos. T7-T12

110 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


continuam anterior no plano transverso para perfurar o músculo reto abdominal e termi-
nam como nervos cutâneos anteriores. Os nervos torácicos, T7 a T12, fornecem inervação
motora para o piramidalis e o músculo reto. Esses nervos têm ramos cutâneos lateralmente
no abdome. Os nervos T7-T11 fornecem inervação sensitiva para a pele, partes costais do
diafragma, a pleura parietal relacionada e o peritônio, enquanto o T7 inerva a região epigás-
trica, o T10, o umbigo e o L1, a prega inguinal.
O TAP pode ser usado para cirurgias que envolvem a parede abdominal (cirurgia do
intestino, apendicectomia, correção de hérnia, cirurgia umbilical, orquidopexias, laparoto-
mias e laparoscopias). Uma única injeção determina o bloqueio sensorial sobre uma ampla
área da parede abdominal. O TAP é particularmente útil nos casos em que a epidural está
contraindicada ou há recusa do paciente. Pode ser realizado de maneira unilateral ou bilate-
ral quando a incisão cirúrgica cruza a linha média.
Após a observação de que a sensação de “cliques” na abordagem clássica era imprecisa
por causa da variabilidade anatômica, uma abordagem ultrassonográfica, utilizando um
transdutor orientado transversalmente no sentido anterolateral na parede abdominal, em
que as três camadas musculares são mais distintas, foi descrita. Após a identificação do TAP,
entre os músculos abdominais oblíquo interno e transverso, o transdutor é deslocado pos-
teriormente na linha axilar média, imediatamente superior à crista ilíaca, ou seja, sobre o
triângulo de Petit. A agulha é então introduzida. O ponto de inserção da agulha está mais
próximo do transdutor em crianças do que em adultos. Essa técnica é conhecida como abor-
dagem posterior e é a mais comumente relatada e publicada. Uma variação da abordagem
posterior para crianças, em que o transdutor é posicionado mais lateralmente, ao longo da
parede abdominal para visualizar o grande dorsal e a origem do músculo abdominal trans-
verso, é descrita. A deposição do anestésico local mais perto da origem das raízes toracolom-
bares permite melhor distribuição do fármaco em toda a parede abdominal. A abordagem
subcostal é descrita especificamente para cirurgia de abdome superior. Nessa variação, a
agulha penetra na pele numa área perto do apêndice xifoide16.
A dose do anestésico local é determinada de acordo com a idade, o estado físico, a área
a ser anestesiada e o peso. Volumes de 0,2 mL.kg-1 de bupivacaína com um volume máximo
de 20 mL injetado em cada lado para as crianças, respeitando-se as doses tóxicas para cada
idade, são sugeridos.
A analgesia promovida pelo TAP é muitas vezes considerada inadequada. O músculo
quadrado lombar se insere na borda inferior da última costela e por quatro pequenos ten-
dões nos vértices dos processos transversos das quatro vértebras lombares superiores. Os
nervos torácicos (T12), ilioinguinal/ílio-hipogástrico correm entre o músculo e sua fáscia.
O anestésico local colocado sob o quadrado lombar pode ser transportado para o espaço
paravertebral ao longo do plano do tecido, mas também ao longo de feixes vasculares, linfá-
ticos e nervosos. A disseminação posterior do anestésico local, em direção ao espaço para-
vertebral anterior sugerido, pode oferecer analgesia visceral adequada17.
O bloqueio da bainha do músculo reto abdominal é outro bloqueio da parede abdominal
cuja frequência de uso vem aumentando ao longo dos últimos anos. Uma revisão sistemática
incluindo 10 ensaios clínicos mostra que o bloqueio da bainha do músculo reto abdominal

Bloqueios periféricos | 111


em crianças reduz a necessidade de morfina 6-8h após cirurgia, diminui os escores de dor
imediatamente após a cirurgia e retarda o tempo para o primeiro resgate analgésico18.
O bloqueio dos nervos ilioinguinal/ílio-hipogástrico está indicado em herniorrafias
inguinais, orquidopexias, correções cirúrgicas de hidrocele e cistos de cordão, além de
apendicectomias, quase que exclusivamente para controle da dor pós-operatória, promo-
vendo analgesia completa da região inguinal. A imprecisão dos pontos de injeção explica
por que, algumas vezes, os resultados são variados, com falha em aproximadamente 10% dos
bloqueios, podendo chegar a 30%15. Não existem contraindicações específicas ao bloqueio,
somente as inerentes a qualquer bloqueio regional.
Os nervos ilioinguinal/ílio-hipogástrico são ramos terminais do plexo lombar que apre-
sentam trajetos paralelos, dirigindo-se ventral e caudalmente à parede abdominal. O nervo
ílio-hipogástrico cruza o músculo transverso do abdome e dirige-se, posteriormente, ao
músculo oblíquo interno, até a região da crista ilíaca, onde se divide em dois ramos res-
ponsáveis pela inervação da parede abdominal acima da pube. O nervo ilioinguinal cruza o
músculo transverso do abdome e o músculo oblíquo interno passa ao nível da crista ilíaca,
atingindo, no canal inguinal, o cordão espermático, nos homens, e o ligamento redondo do
útero, nas mulheres. Ele supre a inervação sensitiva da porção superior do saco escrotal, a
porção medial da coxa e da raiz do pênis, nos homens, e dos grandes lábios, nas mulheres.
A técnica consiste em realizar uma infiltração abaixo da aponeurose do músculo oblíquo
interno, atingindo os dois nervos e suas ramificações. Há pelo menos três técnicas descritas:
infiltração direta do anestésico local na proximidade dos nervos, depois da incisão; instila-
ção de anestésico local ao final da dissecção cirúrgica e antes do fechamento; e infiltração
percutânea de anestésico local dentro dos planos da fáscia, circundando os nervos antes da
incisão cirúrgica.
Uma das técnicas consiste em se traçar uma linha entre a espinha ilíaca anterossuperior
e o umbigo, mais ou menos 1 cm medial e inferior à espinha ilíaca, introduzindo-se uma
agulha de bisel curto, num ângulo de 45 a 60 graus com a pele, em direção caudal e medial.
Ao atravessar a aponeurose do músculo oblíquo externo, sente-se uma perda de resistência
e injeta-se metade da solução anestésica. Então, aprofunda-se a agulha, atingindo o espaço
entre o músculo oblíquo interno e o transverso do abdome, injetando-se o anestésico restan-
te. Com o auxílio do ultrassom, o transdutor linear é posicionado medialmente à crista ilía-
ca, longitudinalmente à linha que une a espinha ilíaca anterossuperior à cicatriz umbilical.
Nessa incidência, é possível observar ambos os nervos, que aparecem como estruturas ovais
e hipoecogênicas circundadas por bainha hiperecogênica, localizadas entre os músculos
oblíquo interno e transverso. Recomenda-se o uso de 0,1 a 0,2mL/kg de anestésico local,
dependendo da concentração do anestésico e da duração desejada do bloqueio.
Estudo com ultrassom que observou o posicionamento da agulha quando o bloqueio
é realizado com referências anatômicas em crianças mostra que em 86% dos casos a agu-
lha está localizada em estruturas anatômicas adjacentes (18% no músculo ilíaco, 26% no
transverso do abdome, 26% no oblíquo interno, 29% no oblíquo externo, 9% no tecido
subcutâneo, 2% no peritônio), sugerindo que esse bloqueio deve ser realizado com o au-
xílio do USG.

112 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Há poucas complicações descritas. Perfuração de cólon, formação de hematoma pélvico,
injeção intraneural e intravascular são algumas citadas. Toxicidade neural pelo anestésico
local e paralisia transitória do nervo femoral pode acometer até 5% das crianças19.
O bloqueio do nervo peniano é de fácil execução, com taxa de sucesso de 93,5%20, seguro
e tão efetivo quanto o bloqueio caudal. O bloqueio dos nervos dorsais do pênis é conside-
rado a melhor técnica para analgesia intra e pós-operatória para cirurgias do prepúcio (cir-
cuncisão, fimose e parafimose) e para cirurgias de hipospádias que não envolvam a raiz do
pênis. Não há contraindicações, mas como o nervo passa próximo à artéria dorsal do pênis,
que é um ramo terminal, não se deve utilizar anestésico local com adrenalina, por causa do
risco de isquemia e necrose.
O pênis é inervado principalmente pelo nervo dorsal à direita e esquerda, ramos termi-
nais do nervo pudendo. O nervo dorsal do pênis emerge abaixo da sínfise púbica, atravessa o
espaço subpúbico, penetra no ligamento suspensor do pênis e corre lateralmente às artérias
e veias dorsais do pênis, internamente à fáscia de Buck. Supre a glande e quase todo o corpo
do pênis, exceto a região proximal e escrotal, que são supridas por alguns ramos do nervo
genitofemoral e ilioinguinal.
Várias são as técnicas descritas para a realização do bloqueio peniano. A técnica de Bacon
é a mais utilizada e consiste na administração de anestésico local no espaço subpúbico, que é
rico em tecido frouxo e gorduroso e pobre em elementos vasculares. Os pontos de referência
são a sínfise púbica, o bordo inferior dos ramos iliopúbicos e a linha média. Para a execução
do bloqueio, deve-se tracionar o pênis caudalmente, mantendo a fáscia de Scarpa sob ten-
são para introduzir uma agulha de bisel curto perpendicularmente à pele, abaixo da sínfise
púbica. Nota-se uma resistência elástica correspondente à fáscia de Scarpa e, ao atravessá-la,
ocorre perda de resistência. Injeta-se o anestésico local bilateralmente, e os nervos dorsais
do pênis são atingidos por difusão. A dose recomendada de bupivacaína 0,25% a 0,5% sem
adrenalina é de 0,5 a 1 mg.kg-1 ou em volume de 0,1mL.kg-1 em cada lado. A sua duração
pode chegar até 24 horas de analgesia no pós-operatório. Apesar de terem sido descritas
técnicas de bloqueio peniano guiadas por ultrassom, seu papel ainda não está estabelecido
na literatura21.
Injeção intravascular acidental do anestésico local, punção inadvertida do corpo
cavernoso e compressão dos nervos dorsais por administração de grandes volumes de
anestésico, que ocasionam desde hematomas simples até isquemia e necrose peniana, são
complicações descritas.

Bloqueios dos Membros Inferiores


Os bloqueios de nervos em membros inferiores são indicados em cirurgias ortopédicas,
manipulações e fisioterapia. São de grande valia nos procedimentos unilaterais, promovem
analgesia duradoura e evitam o bloqueio motor decorrente dos bloqueios do neuroeixo.
O plexo lombar, localizado no compartimento do músculo psoas, é formado por uma
pequena porção das raízes de T12 e raízes de lombares L1-L4. Ele emerge do espaço para-
vertebral e se divide em três nervos: femoral, cutâneo lateral e obturador. O nervo femoral é
um nervo misto, que provê inervação motora ao músculo quadríceps e inervação sensorial

Bloqueios periféricos | 113


da parte anterior e medial da coxa. O nervo safeno, ramo do femoral, propicia inervação
abaixo do joelho para a direção medial da perna e do pé. O nervo cutâneo lateral é um ramo
sensorial com inervação para a coxa lateral; o nervo obturador é primariamente motor para
os músculos adutores da perna com algumas raízes sensoriais para a coxa e o joelho. O plexo
sacral é derivado dos ramos anteriores de L4-L5 e S1-S3, de onde se originam o nervo is-
quiático e o cutâneo posterior da coxa. O isquiático é um nervo misto, que proporciona iner-
vação sensorial e motora para a parte posterior da coxa e das pernas e divide-se em nervo
fibular e nervo tibial posterior.
O bloqueio do nervo femoral, localizado ao nível da prega inguinal, lateralmente à ar-
téria femoral, é realizado para procedimentos nas extremidades inferiores. A agulha deve
ser inserida lateralmente ao pulso da artéria femoral, provocando contração do músculo
quadríceps. Após aspiração cuidadosa, a solução de anestésico local (0,2-0,3 mL.kg-1) é
injetada. O bloqueio do nervo femoral guiado por ultrassom é de simples execução, visto
que ele é superficial e localiza-se muito próximo à artéria femoral, referência anatômica
para a adequada imagem ultrassonográfica. Deve-se utilizar transdutor linear pediátri-
co paralelo e inferior à crista ilíaca até que a artéria femoral comum seja observada. O
nervo encontra-se imediatamente lateral à artéria e abaixo da fáscia ilíaca e tem formato
triangular. É fundamental que o anestésico local seja injetado abaixo da fáscia ilíaca para
sua adequada dispersão. Doses de 0,1 a 0,2 mL.kg-1 são geralmente suficientes para a um
bloqueio eficaz. Apesar de não existirem evidências diretas, alguns autores relatam menor
número de punções vasculares inadvertidas quando o bloqueio é realizado com o auxílio
do ultrassom13.
Várias técnicas são descritas para o bloqueio do nervo isquiático em crianças, porém,
as abordagens mais utilizadas são a infraglútea e na fossa poplítea. O plexo sacral abrange
o nervo isquiático, que proporciona a inervação da parte posterior da coxa, da perna e de
grande parte do pé, com exceção da porção média, inervada pelo femoral. A abordagem
infraglútea é de fácil execução na criança sob anestesia geral, tanto na posição lateral como
em posição supina com elevação da perna. Delimita-se a linha infraglútea, que se estende do
trocanter maior do fêmur à tuberosidade isquiática. Deve-se identificar o tendão femoral do
bíceps, pois o local de punção é no meio da linha sob o tendão. Introduz-se a agulha, progre-
dindo em direção anterior e cefálica, num ângulo de 60 a 70 graus. A inversão do pé indica
estímulo do nervo tibial. A flexão plantar também é indicador de posicionamento adequado.
Se, ao contrário, nota-se eversão, a agulha é retraída até a pele e inserida medialmente. O
bloqueio é praticamente desprovido de complicações. Há o risco de injeção intravascular,
que pode ser minimizado por aspiração cuidadosa antes da administração do anestésico
(0,5 mL.kg-1 da solução de anestésico local)13.
As mesmas referências anatômicas descritas anteriormente são utilizadas para a realiza-
ção do bloqueio do nervo ciático infraglúteo guiado por ultrassonografia. Devemos utilizar
transdutores lineares na maioria das crianças, mas transdutores curvos de baixa frequência
devem ser considerados em crianças maiores, pois o nervo isquiático pode encontrar-se
mais profundo. O nervo geralmente aparece em formato elíptico e hiperecoico, logo abaixo
do músculo glúteo máximo.

114 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


O nervo isquiático pode ser abordado ao nível da fossa poplítea, que é uma área losangular
com um triângulo formado na parte superior pelo tendão do semitendinoso, medialmente
pelo semimembranoso e lateralmente pelo tendão femoral do bíceps. Há duas possibilidades
de abordagem para o nervo isquiático na fossa poplítea – a lateral e a posterior. O nervo is-
quiático divide-se em nervo fibular comum e nervo tibial, que se localizam na porção lateral
e medial da fossa poplítea, respectivamente. A ramificação do nervo isquiático geralmente é
observada 5 a 8 cm acima da prega poplítea. A bainha epineural envolve os dois nervos, tibial
e fibular comum, favorecendo o bloqueio completo de ambos22 .
Na abordagem lateral, após a indução da anestesia, o joelho é fletido no local do bloqueio,
identificando-se o tendão do bíceps femoral. Coloca-se a agulha entre os tendões do vasto
femoral e do bíceps, num ângulo de 30 graus, 5 a 6 cm acima da prega poplítea. Dorsiflexão
plantar, eversão ou inversão confirmam a posição da agulha nas proximidades da divisão
do nervo isquiático, administrando-se o anestésico local nesse ponto. No bloqueio poplí-
teo, administra-se volume de 0,5 mL.kg-1, com volume máximo de 20 mL, respeitando-se
os limites das doses tóxicas dos anestésicos locais. Embora a abordagem posterior da fossa
poplítea seja a clássica, implica a colocação do paciente em decúbito ventral. Na população
pediátrica, em razão do baixo peso e da facilidade de movimentação, pode-se alternativa-
mente elevar a perna. Após a identificação de cada nervo, executam-se individualmente os
bloqueios com auxílio do estimulador de nervo. O nervo tibial é localizado pela resposta de
inversão e flexão plantar e fibular comum, na presença de eversão e dorsiflexão. O volume
total para nervos bloqueados individualmente pode ser reduzido para 0,2 mL.kg-1. Isso é
particularmente vantajoso em crianças, pois diminui os riscos de toxicidade pela solução de
anestésico local. O bloqueio na fossa poplítea também é praticamente desprovido de com-
plicações. São raras as ocorrências de injeção intravascular e lesão neural.
O ultrassom é particularmente útil nos bloqueios de nervo isquiático na fossa poplítea,
pois o nível da divisão do nervo isquiático em seus ramos fibular comum e tibial apresenta
certa variabilidade entre os pacientes. Por se tratar de nervos superficiais, os transdutores
lineares são os mais adequados. Devem-se pesquisar artéria e veia tibial (poplítea) a partir
da crista poplítea. O nervo tibial encontra-se próximo aos vasos tibiais e o nervo fibular
comum, um pouco mais anterior e lateral. Ao movimentar-se o transdutor cranialmente, ob-
serva-se a confluência dos nervos acima em uma mesma bainha, formando o nervo isquiá-
tico, cuja imagem tem aspecto ovalado, hiperecoico e de certo destaque entre os músculos
que o circundam22 .
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Bloqueios periféricos | 115


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116 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Capítulo 08

Peculiaridades da anestesia espinal


Daniel Bassette
Eneida Maria Vieira
Peculiaridades da anestesia espinal

Introdução
A história da anestesia espinal em pediatria começa com as cirurgias de circuncisões no
Egito Antigo em 2.500 a.C.1-2, seguida por Köller em 1884, após a descoberta das proprieda-
des da cocaína como anestésico local. Em 1885, Corning tentou injetar no espaço peridural.
Em agosto de 1998, Bier tentou usar cocaína (anestésico local) na anestesia espinal3.
Atualmente, o uso da anestesia espinal como técnica principal em crianças permanece
restrito e limitado a centros especializados em pediatria4. Muitos estudos experimentais em
animais têm levantado preocupações com a suscetibilidade de alguns agentes anestésicos
no desenvolvimento cerebral levando a déficit funcional e neurológico5,6. Este fato, ainda
permanece em estudo, mas cada publicação leva os anestesiologistas pediátricos a esco-
lherem a técnica regional sempre que possível, principalmente no grupo das crianças em
desenvolvimento neurológico.
Avanços técnicos, estudos e treinamentos em unidade de terapia intensiva (UTI) neona-
tal, têm aumentado a sobrevida dos recém-nascidos prematuros7.
Deve-se ressaltar que em todo ato anestésico a avaliação dos fatores de risco é benéfico
para o paciente, e deve ser o guia principal para o atendimento.
As crianças podem sentir dor sem lesão tecidual aparente e seu tratamento pode ser malcon-
duzido. Diante de uma dor intensa, necessitam de analgésicos tão potentes como os adultos.
Os receptores da dor e sua interação com as vias excitatórias são conhecidos, mas pouco
se sabe ainda sobre o sistema funcional do recém-nascido (RN). O RN tem o eixo hipo-
tálamo-hipófise-adrenal bem desenvolvido e comprovado pela liberação de catecolaminas,
cortisol e de opioides endógenos, na vigência da dor. Por exemplo, os RN de mães viciadas
em opioides são mais suscetíveis a tolerância (aumento da dose para obter o mesmo efeito)
e a síndrome de abstinência. Isto é explicado por uma adaptação celular neuronal às drogas
e não por uma alteração metabólica8,9.
Anestesiologistas defrontam-se com estes dilemas de tolerância e abstinência em crian-
ças, quando necessitam usar opioides e doses crescentes para combater a dor.
Para prevenir a ocorrência dos efeitos colaterais e aumentar a segurança do paciente,
devem ser utilizados materiais apropriados, como agulhas com mandril10, de tamanho
apropriado para a idade, e respeitar a dose máxima considerada segura de cada anesté-
sico local.
É importante respeitar as normas de segurança como aspirações repetidas durante
a realização do bloqueio, velocidade de injeção lenta, interrupção do procedimento se
houver qualquer dificuldade durante a sua execução, sendo fundamental limitar o nú-
mero de tentativas.
Durante a realização dos bloqueios, como em qualquer anestesia, o paciente deve estar
monitorado conforme resolução do Conselho Federal de Medicina, com acesso venoso
periférico adequado, assim como a medicação de emergência e o material de reanimação
devem estar disponíveis e prontos para serem utilizados.

118 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Diferenças anatômicas e fisiológicas entre adultos e crianças
Quando se realiza anestesia espinal em pediatria, deve-se conhecer as diferenças existentes
entre os adultos e as crianças com relação a anatomia, fisiologia e farmacologia das drogas10.
O sacro é mais delgado e estreito, o hiato sacral é facilmente identificado, permitindo
acesso direto ao espaço peridural e subaracnóideo.
O cone medular em neonatos e lactentes está localizado no nível L2-L3, sendo mais cau-
dal que nos adultos (L1), da mesma forma que as meninges estão localizadas em S3-S4.
Contudo, a partir de 1 ano de idade, essas estruturas localizam-se em L1 e em S1, respecti-
vamente (Figura 1).

Figura 1 - Desenho esquemático do cone medular

Os RN têm o espaço subaracnóideo estreito (6-8 mm) e baixa pressão liquórica4.


A anestesia espinal em adultos é frequentemente realizada nos espaços localizados entre
as cristas ilíacas, sendo uma linha imaginária chamada de Linha de Tuffier que corresponde
ao interespaço L3-L4.
No RN e lactente a linha de Tuffier cruza a linha média da coluna vertebral no interespa-
ço L4-L5 ou L5-S1, abaixo da terminação da medula espinal. A terminação mais caudal do
saco dural propicia a punção inadvertida do espaço subaracnóideo durante a realização do
bloqueio caudal, portanto deve-se progredir e direcionar a agulha cuidadosamente11.
Fisiologicamente o sistema nervoso central (SNC), os nervos de menor espessura e em
processo de mielinização incompleta, possuem inespecificidade nas respostas aos estímulos
nervosos. Entre os nódulos de Ranvier a distância é menor e a bainha frouxa perineuro e
vascular, permite comunicação livre com os espaços perineurais, com maior área de analge-
sia após injeção única do anestésico.
A imaturidade do sistema nervoso simpático (SNS) e a menor capacitância do sistema
venoso nos membros inferiores em relação ao volume sanguíneo total, tornam rara a ocor-
rência e alterações hemodinâmicas decorrentes da vasodilatação periférica em crianças
abaixo de 8 anos de idade.
A diferença mais importante entre a farmacologia do adulto e da criança é o risco aumen-
tado à toxicidade dos anestésicos locais12 .

Peculiaridades da anestesia espinal | 119


Bloqueio subaracnóideo em pediatria
É uma das modalidades mais antigas para proporcionar alívio da dor em pacientes sub-
metidos a cirurgia, promove relaxamento muscular e é uma técnica menos dispendiosa
quando comparada a anestesia geral.
August Bier, em 1899, realizou a primeira anestesia subaracnóidea com anestésico local
(cocaína) em uma criança de 11 anos, para drenagem de abcesso de ísquio3. No ano se-
guinte, Bainbridge notificou mais de 40 procedimentos com anestesia subaracnóidea em
crianças menores de três meses13. Ampliando o espaço para a realização do procedimento
com sucesso em crianças.
Vários outros relatos sobre o uso de anestesia espinal foram feitos por Junkin (1933)14,
Robson (1936)15, Berkowithz e col. (1951)16 entre outros colaboradores.
O grupo pediátrico possui diversas diferenças anatômicas importantes, que estão rela-
cionadas com o estágio do desenvolvimento da criança e que deverão ser consideradas no
momento da realização do bloqueio subaracnóideo para segurança do paciente.
A realização do bloqueio subaracnóideo, nesta faixa etária, deve ser realizada entre os
espaços de L4-L5 ou L5-S1, abaixo da quarta ou quinta vértebras lombares para maior segu-
rança, devido ao risco de atingir a medula espinal com a agulha17-19.
A extensão da medula espinal do RN é proporcionalmente 5 vezes maior em relação ao
seu peso que do adulto20-22 .
A quantidade de liquor deve ser considerada importante, pois na criança, a quantidade total
é entre 40 e 60 ml e a metade deste total encontra-se no espaço subaracnóideo, e no adulto é
140 ml, e 75 ml estão no espaço subaracnóideo. Logo, apesar do volume absoluto ser reduzido
na criança, o volume relativo é maior (2 ml · kg-1no adulto e 4 ml · kg-1 na criança)17,18,23.
Isto pode, em parte, explicar os maiores requisitos de dose anestésica local e menor dura-
ção a ação da anestesia espinal nessa população. A medula espinal da criança é muito vascu-
larizada, promovendo depuração do anestésico local, sendo o tempo de bloqueio inferior ao
adulto e com maior absorção do anestésico local22,24.
Depois de conhecer a anatomia e as peculiaridades da criança será necessário um pro-
fissional que realizará a punção e outro que posicionará a criança e manterá livre a via aérea
(Figura 2). Na maioria das vezes haverá necessidade de sedação ou mesmo de anestesia
para que se consiga realizar a punção. O bloqueio subaracnóideo poderá ser efetuado com
a criança em decúbito lateral ou sentada, dependendo da idade da mesma para execução da
técnica (Figura 3). A extensão da cabeça, principalmente na criança anestesiada ou sedada,
é obrigatória devido ao risco de hipoxemia19,24-26.

Figura 2 - Posicionamento para realização do bloqueio subaracnóideo

120 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Figura 3 - Posicionamento em decúbito lateral
Os pontos de referência são facilmente identificados com a familiarização da técnica. Na
posição sentada devido à pressão hidrostática maior, o liquor fluirá mais facilmente, assim,
facilitando a técnica25,27.
O espaço a ser puncionado está entre L4 e L5 ou L5 e S1. A identificação das estruturas
a serem percorridas, são menos observadas que adultos devido a grande quantidade de lí-
quido e estruturas delicadas e não totalmente formadas7,10. A agulha mais utilizada é a de
Quincke, calibres 24, 25 e 26G. O uso do mandril evita que se levem células da epiderme
para dentro do neuroeixo, que propiciam o aparecimento de tumor epidermoide19,20,22 .
Após a confirmação do sucesso da punção, com o fluxo do liquor por meio da agulha,
injeta-se o anestésico local. O anestésico local deverá estar preparado em seringa de insulina
com a dose exata a ser injetada22,23.
O espaço entre a pele e a dura-máter deve ser observado para evitar a introdução desne-
cessária da agulha, assim diminuindo a chance de complicações. No neonato, o espaço fica
em torno de 0,5 a 1 cm da pele e aumenta com o desenvolvimento da criança17,22,30.
A aspiração do liquor antes e após a injeção do fármaco, para se certificar da posição cor-
reta da agulha, é recomendada por alguns autores15 e desaconselhada por outros16. Quando
se opta pela aspiração do liquor, deve-se ter em mente que a quantidade de anestésico local
a ser injetada é pequena e este dilui o agente no liquor.
Outros autores alegam que a administração de 0,04 ml a mais de anestésico local, para com-
pensar o espaço morto da agulha, é preconizada e defendida para maior precisão de doses22,24.
O paciente é posicionado para o procedimento e o bloqueio motor será instalado den-
tro de 1 a 2 minutos. Após 15 minutos o nível sensitivo para analgesia é definido para
iniciar a cirurgia 28.
Deve-se evitar a manipulação da criança imediatamente após esta ser colocada em posi-
ção supina, pois alguns autores observaram níveis muito alto de bloqueio devido à elevação
das pernas para colocação da placa do eletrocautério18,22,29.
O tempo de duração da anestesia subaracnóidea em crianças depende do anestésico local
utilizado e da associação do mesmo com vasoconstritor. Entretanto, a literatura e a prática
clínica têm demonstrado que este tempo, geralmente, é em torno de 90 minutos, o que limi-
ta o seu uso em cirurgias de maior duração20,25.

Peculiaridades da anestesia espinal | 121


Tobias21 fez um alerta a respeito dos diferentes critérios empregados em trabalhos que
avaliam o tempo de duração da anestesia espinhal. Alguns consideram como término da
anestesia a duração da anestesia cirúrgica (duração do bloqueio sensorial do dermátomo
do procedimento cirúrgico), enquanto outros consideram este término no retorno da fun-
ção motora. A adição de adrenalina na solução espinhal no que diz respeito ao aumento
do tempo de duração do bloqueio anestésico ainda é controverso e alguns explicam que o
aumento da absorção devido a vascularização da medula espinal ser maior no grupo pediá-
trico, sendo assim não tendo maior duração à associação de adrenalina22 .

Peculiaridades cardiovasculares e respiratórias após o bloqueio


A maior vantagem da anestesia subaracnóidea em crianças é a relativa estabilidade car-
diovascular após o bloqueio. Diferentemente do adulto, a criança apresenta pequena ou ne-
nhuma variação da frequência cardíaca e da pressão arterial26,29-32 . Alguns autores predizem
esta estabilidade até os 5 anos de idade e outros, até 8 anos22,30,33.
Dohi e cols. 34 demonstraram estabilidade hemodinâmica em crianças até 5 anos subme-
tidas à raquianestesia com bloqueio sensitivo alto (T2, T3), sem a realização de hidratação
prévia ou uso de drogas vasoativas. Acima de 6 anos houve pequena diminuição da pressão
arterial e entre 8 e 15 anos a alteração da pressão arterial foi mais acentuada.
Os fatores envolvidos para esta estabilidade hemodinâmica ainda não estão totalmen-
te definidos. Postula-se que a relativa imaturidade do sistema nervoso simpático torna o
tônus vasomotor na criança menos dependente deste sistema e que as veias de capacitân-
cia na extremidade inferior do corpo são pequenas e comportam pouco volume de sangue
nesta região17,19,25,34,35.
Oberlander e cols. 32 observaram, de maneira prospectiva, as mudanças autonômicas em
um grupo de neonatos submetidos à anestesia subaracnóidea com alto nível torácico de blo-
queio sensitivo. Houve estabilidade hemodinâmica e os autores concluíram que a anestesia
subaracnóidea diminuía o tônus vagal cardíaco e, desta forma, compensava qualquer efeito
induzido pelo bloqueio simpático, mantendo a estabilidade cardiovascular.
É referida por vários autores a relativa estabilidade cardiovascular, mesmo com bloqueios
situados na altura de T4. Em crianças maiores de 8 anos, há diminuição de pressão arterial e
bradicardia, como no adulto.
Pascuci e cols. 35 investigaram o efeito da anestesia espinal, com bloqueio sensitivo to-
rácico alto, na movimentação da parede torácica de neonatos prematuros submetidos. O
movimento inspiratório estava diminuído, sendo observado movimento paradoxal das cos-
telas. Entretanto, não houve alteração da frequência respiratória ou da saturação periférica
de hemoglobina pelo oxigênio.
Por outro lado, outros autores relatam falência respiratória ou apneia quando os níveis
sensitivo e motor situam-se acima do primeiro dermátomo torácico (T1), com necessidade
de assistência ventilatória até a regressão do bloqueio28,30,36.
Rice e cols. 37 investigaram o CO2 transcutâneo e a saturação periférica da hemoglobina
pelo oxigênio e não constataram alterações nestes parâmetros e em neonatos de alto risco,
submetidos à anestesia subaracnóidea com bloqueio sensitivo em T4. Foram descritos alguns

122 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


casos de falência respiratória e necessidade de se instituir assistência ventilatória, principal-
mente em bloqueios subaracnóideos cujo nível situou-se em torno de T128,38.
A cefaleia pós-punção da dura-máter pode aparecer na criança. Kokki e cols. 39 demons-
traram que este efeito adverso seria detectado em crianças mais jovens, embora se considere
que esta complicação seja rara em crianças com menos de 10 anos. Esses autores relataram
o aparecimento de cefaleia pós- punção e sintomas, como náusea, vertigem, fotofobia, mais
prevalente em crianças com idade maior que 10 anos. Em nenhuma criança houve neces-
sidade de tampão sanguíneo peridural. A incidência de cefaleia pós-punção da dura-máter
não se modificou com o uso de agulhas tipo Quincke e Whitacre40.
Alguns autores, entretanto, demonstraram que o risco de desenvolver essa complicação
não dependeu da idade. Outras queixas, como dor lombar e irritação radicular transitória
também foram encontradas39,41.
As contraindicações absolutas são as mesmas observadas para os adultos e incluem a re-
cusa do paciente ou dos familiares, hipovolemia importante, anormalidades na coagulação
sanguínea, infecção no sítio de inserção da agulha, sepse e aumento da pressão intracraniana17.

Peculiaridades dos anestésicos locais para crianças


Devido às diferenças farmacocinéticas e farmacodinâmicas as drogas administradas em
adultos, nem sempre podem ser dadas na mesma dosagem para as crianças.
Anestésicos locais do grupo éster (procaína, tetracaína) são metabolizados pela pseu-
docolinesterase. Neonatos e crianças até 6 meses têm metade da quantidade dessa enzima
encontrada nos adultos. A depuração pode estar reduzida e os efeitos do anestésico local
prolongados, embora clinicamente isto seja irrelevante30,26.
Nas crianças abaixo de 6 meses, há maior fração livre de anestésicos locais, que não se
ligam a proteínas, devido à imaturidade das enzimas hepáticas e o elevado débito cardíaco,
isto tudo contribui para aumentar o nível plasmático tóxico.
A adição de adrenalina retarda a absorção sanguínea, baixando a concentração plasmáti-
ca e a possível toxicidade dos anestésicos locais.
Os anestésicos locais do grupo amida (prilocaína, lidocaína, bupivacaína, levobupivacaí-
na e ropivacaína) são metabolizados no fígado e têm alta ligação proteica. O fluxo sanguíneo
hepático é menor no neonato e na criança abaixo de 3 meses e os mecanismos metabólicos,
imaturos. Associado a essas características está o fato de que nessas crianças as concentrações
da albumina e alfa-1-glicoproteína são baixas, contribuindo para o aumento da concentração
do anestésico local em sua forma livre e aumentando a possibilidade de efeitos tóxicos27,30,41,42.
O grande volume de distribuição no estado de equilíbrio pode conferir proteção clínica
por diminuir a concentração plasmática dos anestésicos locais e de outras drogas21,27,28.
O uso da prilocaína em neonatos deve ser criterioso ou evitado, pois seu metabolismo
produz oxidantes que podem levar ao aparecimento de metaemoglobinemia. O prematuro e
o recém-nascido são mais suscetíveis ao desenvolvimento dessa complicação por possuírem,
em graus variáveis, a hemoglobina fetal (HbF), que só aos 6 meses de idade é totalmente
substituída pela hemoglobina do adulto (HbA), mais facilmente oxidada, e baixos níveis de
metaemoglobina redutase27,33.

Peculiaridades da anestesia espinal | 123


A dose proporcional calculada do anestésico local em crianças, principalmente quando
utilizada no neonato, deve ser maior do que a correspondente no adulto21,24.
Vários aspectos da anatomia já foram comentados e explicariam as doses mais altas pre-
conizadas. O fato de a quantidade de liquor da criança ser maior, podendo alterar o volume
de distribuição do anestésico local e o fato de a medula ser mais longa, alterando assim o
peso corporal.
Além dos anestésicos locais, podemos usar opioides, alfa-agonistas, anticolinesterásicos,
cetamina e midazolam.
As principais complicações dos bloqueios em pediatria são: retenção urinária, sensação
de perda de membros, mascaramento das complicações cirúrgicas ou clínicas, assim como,
síndrome compartimental, hematoma, perfuração da dura-máter, injeções intravasculares ou
intraósseas, absorção maciça, convulsões, arritmias cardíacas e parada cardiorrespiratória.

Bloqueio peridural em pediatria


O bloqueio peridural continua tendo um papel fundamental em cirurgia pediátrica longa,
particularmente para o manejo da dor perioperatória e pós-operatória. Atualmente sabemos
os benefícios significativos e a redução da morbidade com o uso do bloqueio peridural e as
taxas de complicação permanecem baixas.
Poucas situações são indicadas como técnica única do bloqueio peridural em pediatria,
sendo a maioria associados à anestesia geral ou sedação. Alguns pacientes são preferíveis
a não escolha de anestesia geral, por exemplo, lactente hipotônico, criança com história
de apneia, displasia broncopulmonar ou outras condições que possam requerer ventilação
prolongada. Pacientes com fibrose cística e história de hipertermia maligna também se en-
caixam nesse grupo43.
Peridurais torácica ou lombar são eficazes em promover analgesia para procedimentos
ortopédicos, abdominais e torácicos. Há benefício comprovado da analgesia peridural
para cirurgia geral, grandes procedimentos urológicos, ortopedia, cirurgia plástica e
da coluna vertebral44. Comparada com técnicas intravenosas a analgesia peridural, seja
contínua ou controlada, está associada a menores escores de dor e menor incidência de
náuseas e vômitos pós-operatórios43,45.
Peridurais oferecem uma ótima analgesia enquanto evitam efeitos colaterais relaciona-
dos com opioides, com estudos demonstrando menos episódios de hipoxemia ou depressão
respiratória e menor necessidade de ventilação pós-operatória e cuidados intensivos46.
A decisão a respeito do uso da peridural deve ser individualizada e considerar o poten-
cial de benefícios adicionais em crianças com comorbidades. Por exemplo, crianças com
paralisia cerebral, submetidas a procedimentos dolorosos em membros inferiores, se bene-
ficiariam da peridural, uma vez que a avaliação da dor pode ser difícil em pacientes com
deficiência intelectual ou má comunicação47.
Em pacientes com asma ou doença respiratória, a peridural bloqueará as vias aferentes da dor
e, desse modo, auxiliará a manutenção da função muscular respiratória e ventilação adequada48.
Há também maior estabilidade hemodinâmica, melhora da função gastrointestinal,
menos náuseas e vômitos e uma resposta neuro-humoral ao estresse reduzida44. Impor-

124 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


tante ressaltar, porém, que os opioides epidurais também podem resultar em complica-
ções sistêmicas.
Além das já conhecidas contraindicações para bloqueio peridural como infecção no sítio
da punção, coagulopatias, alergias verdadeiras ao anestésico local, hipovolemia grave, sepse,
anticoagulação terapêutica e aumento sugestivo de pressão intracraniana, há uma em espe-
cial, que depende do consentimento dos pais ou do paciente (em crianças > 12 anos), que
deve impedir o bloqueio48. Contraindicações relativas podem incluir anormalidades anatô-
micas, doença neurológica, imunodeficiência, cirurgia da coluna prévia ou a necessidade de
teste pós-operatório da função motora ou sensitiva49.
É importante compreender as variações da anatomia e da farmacologia na população pe-
diátrica e neonatal, ajustar a técnica e a dose conforme essas variações. Com o aumento da dis-
ponibilidade do uso do ultrassom, a segurança da punção sob anestesia deve ser aumentada.
A anatomia do espaço epidural e as respostas fisiológicas variam com a idade, conforme
as descritas em raquianestesia. Isto tem implicações importantes ao se considerar a aneste-
sia peridural em pacientes pediátricos. A resposta do corpo às drogas também varia, princi-
palmente em recém-nascidos a termo e pré-termo.
A medula espinal termina em L3, em recém-nascidos a termo, comparado a L1 em adul-
tos, uma diferença que permanece aparente até cerca de 12 meses de idade47.
Da mesma forma, o saco dural em neonatos termina em S3, e em crianças de até 1 ano e
adultos em S1-S2. Uma linha imaginária traçada entre as duas cristas ilíacas superiores deve
estar abaixo do nível da medula espinhal em qualquer idade47. Essa linha geralmente está no
interespaço L3-L4 ou na quarta vértebra lombar em adultos, mas tende a passar mais perto
da quinta vértebra lombar em crianças e neonato entre L5-S147,50.
Outras diferenças anatômicas em pacientes pediátricos incluem ossificação incompleta
dos ossos vertebrais, um ligamento amarelo fino, e um espaço epidural maior, mais com-
placente e com menos gordura e tecido fibroso. Isto permite maior facilidade de inserção
de um cateter peridural para níveis mais elevados a partir de abordagens mais baixas47,51. A
gordura peridural solta aumenta a propagação mais uniforme dos anestésicos locais até a
região torácica.
A anestesia caudal é uma técnica de anestesia regional importante em crianças. Compa-
rado com as técnicas neuroaxiais em adultos, pode ser facilmente aprendida52 .
O bloqueio epidural em crianças produz significativamente menos alteração hemodinâ-
mica do que ocorre em adultos47. Hipotensão é raramente vista em crianças com menos de
8 anos de idade, devido a um volume circulante menor nos membros inferiores e sistema
esplâncnico, e a uma relativa falta de tônus vascular periférico de repouso47,50,53. Em pacien-
tes mais velhos, o bloqueio do tônus simpático resulta em uma pequena, mas consistente
redução da pressão sanguínea, em até 20-25%50,53,54.
Outra característica que difere do adulto é a farmacologia dos anestésicos locais em
recém-nascidos e crianças. O débito cardíaco relativamente grande, o elevado fluxo
sanguíneo tecidual e a menor concentração de proteínas plasmáticas para ligação (prin-
cipalmente em neonatos) resultam em maiores concentrações plasmáticas iniciais e no
potencial para toxicidade55. Os anestésicos locais têm um maior volume de distribuição,

Peculiaridades da anestesia espinal | 125


uma depuração mais baixa e uma fração livre (sem proteína) mais elevada. A dose máxima
recomendada deve ser calculada para cada indivíduo. Eles também têm função renal e
hepática imatura até 3 meses de idade e, potencialmente, um aumento da permeabilida-
de da barreira hematoencefálica, embora controverso para alguns autores. Sendo mais
acentuado em recém-nascidos prematuros e com maior risco de acúmulo e toxicidade por
anestésico local em infusões epidurais47.
A realização da punção peridural pediátrica segura se aplica assim como para anestesia neu-
raxial em todos os pacientes, já descrito anteriormente em raquianestesia. Durante a inserção
da agulha, a criança normalmente é colocada na posição de decúbito lateral com os quadris e
joelhos fletidos, e a coluna arqueada para abrir o espaço interlaminar50 (Figuras 4 e 5).

Figuras 4 e 5 - Posicionamento para realização do bloqueio em decúbito lateral


A punção para bloqueio caudal em geral é realizada com a criança em uma posição se-
melhante ao bloqueio peridural, com a criança lateral, o quadril superior flexionado em 90
graus, o menor em 45 graus. O hiato sacro é identificado por palpação56.
O saco dural muda significativamente quando o quadril e a coluna estão em posi-
ção f lexionada 57.
O espaço epidural é mais superficial em crianças do que em adultos, com uma série de
diretrizes disponíveis para estimar a profundidade epidural. Um cálculo amplamente aceito
para a profundidade da punção lombar em crianças entre 6 meses e 10 anos de idade é a
profundidade epidural = 1 mm · kg-1 peso.
A abordagem mediana é normalmente utilizada em crianças maiores, e a técnica de perda
de resistência é aplicada como em adultos. Os processos espinhosos das vértebras torácicas
permanecem quase horizontais até a adolescência, portanto pode se usar a abordagem me-
diana para o espaço epidural torácico47.
Alguns autores defendem que é mais seguro usar a perda de resistência com soro fisioló-
gico do que ao ar em neonatos e lactentes43. A profundidade média do espaço epidural em
recém-nascidos é de aproximadamente 1 cm, com uma variação de 0,4-1,5 cm50.
Agulhas caudais especialmente concebidas com um chanfro curto e um estilete estão
disponíveis e talvez reduzam o risco de punção vascular57.
As agulhas peridurais adequadas para uso pediátrico estão disponíveis como 18G ou
19G, com comprimento mais curto e marcas de 0,5 cm para facilitar o manuseio47.
A escolha do tamanho da agulha depende da preferência e experiência do anestesiolo-
gista. Agulhas maiores, como 23G, dão uma sensação mais clara dos tecidos, mas quanto

126 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


mais fina a agulha, menos trauma para os tecidos. Na opinião de alguns autores, a agulha
utilizada não deve ser maior do que 25G.
Com as preocupações de segurança a respeito da punção peridural sob anestesia, o advento
da ultrassonografia tem proporcionado uma maneira de reduzir potencialmente este risco.
O ultrassom não é essencial para a realização dos bloqueios, mas pode ser útil em casos de
anomalias suspeitas a palpação, visualizar diretamente as estruturas do neuroeixo, reduzir o
tempo da punção e permitir a visualização da propagação do anestésico local no interior do
espaço peridural em crianças de 0-6 anos58.
O uso do ultrassom pré-procedimento pode ser benéfico especialmente em crianças me-
nores, a fim de localizar o nível de bloqueio, avaliar a profundidade do ligamento amarelo
e estimar a distância até o espaço peridural59. A penetração do ultrassom e uma coluna ver-
tebral posterior amplamente cartilaginosa significa que a realização da peridural pode ser
realizada em tempo real em recém-nascidos e lactentes59.
Peridurais pediátricas foram realizadas com segurança por muitos anos em pacientes
anestesiados, com opinião de especialistas e evidências suficientes para sustentar isso45. Os
fatores a serem considerados incluem cooperação limitada, movimento e desconforto do
paciente, possível redução na confiabilidade da dose teste sob anestesia e feedback limita-
do de danos neurológicos potenciais em termos de parestesia ou dor50. Contudo, por conta
das considerações práticas e éticas, é amplamente aceito realizar peridurais pediátricas sob
anestesia. Não parece haver maior risco para a realização de anestesia regional pediátrica em
pacientes sob anestesia geral em comparação com pacientes acordados49,59.
Recomenda-se que uma dose teste junto com aspiração cuidadosa sejam utilizadas para
evitar injeção subaracnóidea ou intravascular acidental43. Para avaliar injeção intravascular,
uma dose teste de 0,1 mL · kg-1 (até 3 ml) de solução de anestésico local, como bupivacaína
a 0,25%, com 5 mcg · mL -1 de adrenalina, deve ser administrada, esperando-se tempo sufi-
ciente para uma resposta.
Uma dose teste positiva é definida como: aumento na frequência cardíaca (> 10 batimen-
tos por minuto), aumento da pressão sanguínea sistólica (> 15 mmHg) e alteração de 25%
na amplitude da onda T no eletrocardiograma53,60.
A determinação do volume total para injeção depende do local da cirurgia e do nível do
cateter peridural. Em crianças mais jovens, a dose recomendada é de 0,04 ml · kg-1/segmento
como bólus inicial. Em crianças com mais de 10 anos, um cálculo útil é: Volume (em ml) por
segmento da coluna vertebral a ser bloqueado = 1/10 × idade em anos50.
Talvez uma maneira mais fácil de calcular isto seria a de considerar a cirurgia em si e
começar com 0,25-0,5 ml · kg-1 de bupivacaína 0,25% para peridurais lombares e aproxima-
damente a metade disso para torácicas. Respeitando as recomendações de doses máximas,
esta dose de 0,25% pode ser repetida com a metade do seu volume inicial depois de 1-2 horas
ou pode ser iniciada uma infusão contínua em dose baixa, por exemplo, 0,2-0,4 ml · kg-1 ·
hora de bupivacaína 0,1%43,50. O acúmulo da droga pode ocorrer em crianças com menos de
12 meses de idade, portanto as taxas de infusão devem ser reduzidas50.
Bupivacaína, ropivacaína e levobupivacaína mostraram ser eficazes em uma variedade
de concentrações e doses, mas as concentrações mais baixas são geralmente preferidas46.

Peculiaridades da anestesia espinal | 127


Ropivacaína 0,2% ou levobupivacaína 0,125 a 0,175% em cerca de 1 ml · kg-1 é adequada para
a maioria das indicações. O volume geralmente é restrito a 25 ml. Alguns autores defendem
que existe uma relação inversa entre idade, peso e altura e o número de segmentos cobertos
por uma injeção caudal de 1,5 ml · kg-1 de ropivacaína 0,2%61.
O volume injetado tem um impacto surpreendentemente pequeno na disseminação anatô-
mica62 e a disseminação anatômica é muito menor em comparação com a disseminação clínica63.
O volume necessário para um bloqueio clinicamente funcional depende também do
local cirúrgico, e muitos praticantes ainda seguem as recomendações dadas por Armitage60:
Dosagem de anestésicos locais (ropivacaína 0,2% ou bupivacaína/levobupivacaína 0,125 a
0,175%) para anestesia caudal, peniana ou anal (0,5-0,75 mg · kg-1), extremidade inferior (1
mg · kg-1), incisão abdominal (1-1,25 mg · kg-1).
Agentes aditivos podem ser utilizados a fim de prolongar a duração da analgesia, me-
lhorar a qualidade do bloqueio e reduzir os efeitos colaterais indesejados47. A adição de
opioides epidurais ou de clonidina tem mostrado melhorar a analgesia, mas também podem
aumentar a incidência de efeitos colaterais, incluindo náuseas e vômitos, retenção urinária
e depressão respiratória46,64. No entanto, é importante ressaltar que a clonidina não é reco-
mendada para crianças menores de 6 meses de idade47. A clonidina prolonga a duração da
analgesia em torno de 4 horas65, mas deve ser evitada em crianças pequenas, uma vez que a
apneia pós-operatória pode ocorrer66,67.
Outras drogas consideradas incluem a cetamina e o tramadol, mas há evidências limita-
das quanto à segurança dessas drogas, particularmente em crianças68.
Os opioides tem sido recentemente questionado69. Os opioides mais lipofílicos, como
fentanil70, sufentanil71, petidina72, morfina73, ou tramadol74 causam efeitos colaterais, mas não
prolongam a duração da analgesia de forma clinicamente relevante. Cetamina prolonga a anal-
gesia65, mas seu uso deve ser desencorajado, devido à potencial neurotoxicidade75; magnésio,76
dexametasona77 e dexmedetomidina78 ainda não estão liberados para uso clínico.
A punção peridural pediátrica não é isenta de riscos, embora a incidência é muito baixa
de complicações graves. A taxa de complicação para todas as técnicas de anestesia re-
gional é menor que 0,5%, onde o bloqueio do neuroeixo é 6 vezes maior comparado ao
bloqueio peridural79.
A incidência de dano permanente é provavelmente próxima de 1:10.000, a das complica-
ções graves 1:1.000 e as feridas de pressão ocorrem em 1:300.
Relatórios de complicações inexplicadas graves suscitam preocupação80 e consequen-
temente, o valor dos cateteres peridurais é discutido com ênfase, em especial para neona-
tos e bebês81.
Complicações menos graves incluem falha do bloqueio, unilateral ou incompleto, cefaleia
pós-perfuração da dura-máter e efeitos secundários relacionados com os opioides, incluindo
náuseas, prurido, retenção urinária e depressão respiratória80.
Enquanto complicações graves após a punção peridural pediátrica são raras, deve-se
reconhecer que a incidência é maior em recém-nascidos e lactentes, com uma taxa de
complicações no grupo etário abaixo dos 6 meses 4 vezes maior do que em crianças
mais velhas 45 .

128 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


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Peculiaridades da anestesia espinal | 131


Capítulo 09

Efeitos da anestesia no
desenvolvimento da criança
Daniel Dongiu Kim
Efeitos da anestesia no desenvolvimento da criança

Introdução
Apesar da transição da estrutura populacional do país, com importante redução da taxa
de natalidade ao longo do século XX, observou-se aumento exponencial dos procedimentos
cirúrgicos e anestésicos na faixa etária pediátrica e neonatal1. Esse fenômeno contribuiu para
uma redução de mais de 60% dos índices de mortalidade infantil desde o início deste século,
segundo estimativas do Ministério da Saúde2. De acordo com um estudo baseado na preva-
lência das patologias comuns da infância e nos dados demográficos nacionais, estima-se uma
demanda teórica aproximada de 400 mil cirurgias pediátricas e neonatais por ano no país3.
Em razão do longo processo de organogênese do sistema nervoso central, que se inicia
na vida intrauterina e se prolonga até o fim da infância, acredita-se que a neurotoxicidade de
qualquer fármaco seja mais evidente na faixa etária pediátrica.
A fim de promover analgesia, inconsciência e imobilidade, a maior parte das medicações
anestésicas atua diretamente no sistema nervoso central através da modulação de neuro-
transmissores como o ácido gama aminobutírico (GABA) e o glutamato. Nesse contexto há
crescente preocupação não somente com a segurança, mas também com as consequências
para o desenvolvimento neurológico e cognitivo dos procedimentos anestésicos4.
Já em 1953 houve a primeira publicação que relacionou a anestesia geral em crianças
submetidas a cirurgias otorrinolaringológicas com alterações comportamentais5 e, dois
anos depois, uma nova publicação associou o processo cirúrgico-anestésico com prejuízo
de funções cognitivas em idosos6. Apesar da importância do tema, somente em 1999, houve
a publicação de um trabalho experimental com grande impacto na comunidade médica no
qual se observou intensa neuroapoptose após o uso de doses repetidas de cetamina4. Desde
então, diversos estudos procuram entender esse fenômeno, porém, até o momento não há
uma clara relação de causalidade estabelecida por causa do longo período de observação
necessário para o desfecho, da presença de diversos fatores de confusão e da escassez de
instrumentos de avaliação neurocognitiva para diferentes modelos experimentais.
A falta de evidências científicas de boa qualidade sobre o tema levou a maior autoridade
sanitária dos Estados Unidos a publicar um alerta sobre a possibilidade de consequências
neurológicas em crianças submetidas à anestesia geral abaixo de 3 anos ou gestantes no ter-
ceiro trimestre de gestação. Em razão da complexidade relacionada com o assunto, houve
a formação de grupos, como o Strategies for Mitigating Anesthesia-Related neuroToxicity in
Tots (SmartTots), que concentram os estudos realizados sobre o tema e publica consensos
regularmente7. Para a melhor compreensão do impacto dos anestésicos sobre a organogêne-
se do sistema nervoso central será exposta uma breve revisão da embriologia e os principais
mecanismos de lesão neuronal.

Embriologia do sistema nervoso central


O avanço no estudo da embriologia do sistema nervoso central levou à compreensão
de que há períodos específicos de desenvolvimento e organização neuronal, conforme o

134 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Gráfico 1. Dessa forma, existem diferentes expressões clínicas para um mesmo agente
estressor quando administrado em distintos momentos no desenvolvimento do sistema
nervoso central. Exemplos desse fenômeno são os estudos realizados na população sobre-
vivente da explosão atômica de Hiroshima e Nagasaki. Houve maior risco de disfunção
cognitiva grave nos filhos das gestantes expostas à radiação entre a 10a e a 17a semana
gestacional, momento de intensa proliferação neuronal. Nas gestantes expostas após a 17a
semana gestacional, houve aumento do risco de disfunção cognitiva leve nos conceptos;
nas gestações com menos de 10 semanas, não se observou disfunção cognitiva atribuível
à exposição radioativa8.

Gráfico 1 – Cronologia do desenvolvimento do sistema nervoso central e das principais vias neurotransmis-
soras ao longo da vida uterina até o primeiro ano de vida.

Ao redor da quinta semana de vida intrauterina, se inicia o desenvolvimento do tubo


neural que é derivado da placa neural e esta, por sua vez, é composta pelo ectoderma. A
diferenciação desse grupo celular dá origem ao neuroectoderma, que migra radialmente
formando a primeira camada cortical que, posteriormente, se diferencia nos precursores dos
neurônios denominados neuroblastos. Uma vez originados, os neurônios migram para seus
sítios definitivos por dois mecanismos: passivo e ativo9.
O mecanismo passivo ocorre pela proliferação celular, que leva à migração das camadas
celulares a jusante para a região superficial. O mecanismo ativo ocorre pela proliferação
radial dos neurônios por meio de canais derivados de células da glia denominados células
de Cajal-Retzius e corresponde a 90% do movimento migratório dos neurônios no sistema
nervoso central. A distribuição radial ocorre até a 30a semana gestacional e é mediada por
glicoproteínas, ácido gama-aminobutírico (GABA) e glutamato, levando à formação de ca-
madas distintas dos grupos neuronais no córtex cerebral10.

Efeitos da anestesia no desenvolvimento da criança | 135


Um exemplo da influência da migração neuronal no padrão de lesão ocorre na síndrome
hipóxico-isquêmica. Quando o insulto hipóxico ocorre em conceptos pré-termo, as lesões
ocorrem na região periventricular, enquanto nos bebês nascidos a termo, as lesões se distri-
buem nas regiões corticais, no tálamo, nos gânglios da base e no tronco cerebral.
As sinapses começam a ser detectadas no córtex cerebral ao redor da 10a semana ges-
tacional e aumentam numa taxa de aproximadamente 4% por semana até a 25a semana. A
modulação da atividade sináptica se dá por meio da apoptose neuronal, que ocorre em dois
períodos distintos no sistema nervoso central e leva à eliminação de até 70% da população
celular em crianças neurologicamente normais. Um dos períodos ocorre no primeiro tri-
mestre gestacional e não se relaciona com a formação neuronal. O segundo período está
relacionado com a diferenciação celular e sinaptogênese, que se inicia no terceiro trimestre
gestacional e continua até a puberdade. Esse fenômeno de reorganização sináptica é a base
da neuroplasticidade cerebral11.
Uma das formas disponíveis para otimizar a intensa reorganização neuronal em pacientes
prematuros e com isso melhorar o desenvolvimento motor e cognitivo a longo prazo é o pro-
grama NIDCAP (Newborn Individualized Development Care and Assessment Program)12 .
Nesse programa, os estímulos sensoriais externos são observados, treinados e repetidos
pelos cuidadores de forma a ajustá-los continuamente no período neonatal para mimetizar
o ambiente intrauterino. Apesar da grande controvérsia sobre o programa, os resultados de
estudos populacionais recentes demonstram benefício desse tipo de intervenção13.

Mecanismos de lesão neuronal dos anestésicos


Diversos estímulos nocivos como calor, radiação ionizante, desnutrição, infecção, hi-
póxia e agentes anestésicos podem influenciar o desenvolvimento neuronal e a formação
de sinapses. O mecanismo de resposta ante a lesão celular causada por agentes estressores
é a apoptose celular patológica, porém, ocorre também desenvolvimento anormal das
células da glia.
1. Apoptose celular patológica – ativada por duas vias distintas denominadas extrínseca
e intrínseca que na sua via comum ativam as caspases (protease baseada em cisteína)
levando à apoptose neuronal14.
• Via extrínseca – ocorre pela ativação dos receptores FAS e formação do DISC (Death In-
ducing Signaling Complex) que ativam a caspase 3. Outro mecanismo é a inibição direta
dos fatores neurotróficos locais, como o BDNF (Brain Derived Neurotrophic Factor),
pelos anestésicos, que leva à apoptose neuronal mediada pela caspase15.
• Via intrínseca – mediada por diferentes organelas neuronais. No retículo endotelial, o
estímulo provocado por anestésicos inalatórios e, em menor proporção, o propofol leva
à ativação do receptor de inositol trifosfato gerando a liberação de cálcio do retículo en-
dotelial no meio intracelular, que coíbe a proteína inibidora de apoptose Bcl-xL (B-cell
lymphoma extra large) da mitocôndria, promovendo, assim, ativação da apoptose neu-
ronal mediada pela via das caspases. Na mitocôndria, o alto metabolismo neuronal asso-
ciado aos poucos mecanismos de depuração mitocondrial levam à produção de espécies
reativas de oxigênio que, quando liberadas no citoplasma, levam à peroxidação lipídica

136 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


dos ácidos graxos poli-insaturados abundantes nesse meio e ativação da apoptose. Já nos
lisossomos, os anestésicos ativam os receptores de duplo poro, levando ao aumento da
concentração de cálcio intracelular e da atividade proteolítica intrínseca, que formam
vacúolos fagocíticos e posterior destruição celular16.
2. Desenvolvimento anormal das células da glia – estudos experimentais concluíram
que agentes anestésicos inalatórios reduzem a ramificação e densidade dos dendritos,
além da maturação e do crescimento de astrócitos17. Um dos mecanismos de lesão
postulados é a inibição de fatores neurotróficos locais, como o BDNF, pelos fármacos
anestésicos, determinando a inibição do desenvolvimento dos astrócitos18. De forma
congruente com os conhecimentos atuais da neuroembriologia, a magnitude da lesão
foi inversamente proporcional à idade do animal.

Mecanismos de proteção dos anestésicos


Apesar dos múltiplos mecanismos de lesão neuronal postulados para os diferentes agen-
tes anestésicos e da vulnerabilidade do sistema nervoso central durante as fases mais preco-
ces do seu desenvolvimento, o não tratamento de estímulos nociceptivos, aliado ao estresse
relacionado com as rotinas de cuidado, também traz prejuízo ao desenvolvimento.
Estudos experimentais demonstraram aumento persistente da inervação local e dimi-
nuição da tolerância a estímulo doloroso mecânico em ratos em idade neonatal submetidos
à punção na pata. Essa alteração não ocorreu quando o mesmo estímulo foi realizado em
outro momento da vida do animal19 e o estímulo de estresse não nociceptivo, como sepa-
ração materna, alimentação por gavagem e exposição a períodos breves de hipóxia, eram
contrabalanceados com morfina, promovendo aprendizado normal nas cobaias adultas20.
Em um estudo conduzido em meninos submetidos à circuncisão sem nenhum agente
anestésico, observou-se maior resposta à dor durante vacinações posteriores em relação a
meninos não circuncisados ou aqueles que fizeram o procedimento com anestesia local,
demonstrando que estímulos dolorosos podem levar à alteração da modulação da dor21. O
uso de anestésicos inalatórios também mostrou benefício na redução da lesão de isquemia e
reperfusão, redução da apoptose neuronal e melhor função neurológica em cobaias subme-
tidas a isquemia hipóxica neonatal22 .
Em outros estudos, a administração prévia de cetamina antes do estímulo doloroso redu-
ziu a concentração de citocinas inflamatórias com potencial de desencadear neuroapoptose,
além de manter níveis normais de BDNF, que é essencial para o processo de construção da
memória no hipocampo23.

Limitações dos estudos experimentais


Em consideração à diferença na expectativa de vida e no tempo para o desenvolvimento
do sistema nervoso central nos seres humanos, há clara limitação na comparação entre os
estudos experimentais, principalmente quando envolvem outras espécies de mamíferos.
Seguindo tal princípio, considerando que a expectativa de vida média é de três anos em
ratos, submetê-los a algumas horas de anestesia geral seria equivalente a várias semanas
em humanos, fato que é uma simplificação grosseira das peculiares do desenvolvimento de

Efeitos da anestesia no desenvolvimento da criança | 137


cada espécie24. A fim de diminuir esse viés, existem modelos computacionais que estimam
a correspondência do estágio de desenvolvimento do sistema nervoso central entre diferen-
tes mamíferos, porém os modelos animais mais estudados apresentam peculiaridades que
dificultam sua comparação25.
Outro problema são as doses de fármacos que, por causa de particularidades fisiológicas,
mudam consideravelmente entre espécies para alcançar o mesmo efeito clínico. Em prima-
tas são necessárias doses de cetamina cinco a dez vezes maiores que em seres humanos para
manutenção anestésica, porém, só se observam alterações da citoarquitetura neuronal nos
momentos de vulnerabilidade no desenvolvimento do sistema nervoso central26.
Também existe a dificuldade de avaliação neurológica por causa de peculiaridades da
cognição em humanos, como o pensamento abstrato e o raciocínio matemático. Dessa
forma, os modelos animais existentes apresentam diversas limitações para avaliação da
influência de diferentes anestésicos no desenvolvimento neurológico em seres humanos27.

Estudos clínicos e evidência de neurotoxicidade


Conforme o que foi exposto anteriormente podemos concluir que o desenvolvimento da
toxicidade induzida por anestésicos ocorre em razão da suscetibilidade do sistema nervoso
central em determinados momentos do desenvolvimento, da duração da exposição ao fár-
maco e, finalmente, do tipo e da dose do anestésico.
Por causa do longo período entre exposição e desfecho clínico, a maior parte dos estu-
dos publicados é retrospectiva e, portanto, são necessários diversos ajustes matemáticos de
regressão logística para o controle dos fatores de confusão que limitam suas conclusões.
Outro fato a ser considerado são as múltiplas comorbidades em pacientes pediátricos, que
necessitam de procedimentos anestésicos tanto para cirurgia quanto para procedimentos
diagnósticos. Muitas vezes já existe expectativa de comprometimento neurológico, porém,
não há como criar um grupo de pacientes controle visto que muitas indicações cirúrgicas na
infância são imprescindíveis, como a correção de cardiopatias congênitas28.
Um dos estudos que trouxeram resultados contundentes sobre associação entre anes-
tesia e déficit de aprendizado foi uma coorte retrospectiva de uma cidade dos Estados Uni-
dos com 593 pacientes, na qual se definiram como déficit de aprendizado os resultados dos
testes paramétricos menores que dois desvios padrões para a média esperada para a faixa
etária. Nesse estudo, houve aumento do risco de prejuízo cognitivo em pacientes menores
de 4 anos que realizaram dois ou mais procedimentos anestésicos ou quando o tempo total
de anestesia foi maior que duas horas. A conclusão assustadora desse estudo é que proce-
dimentos anestésicos repetidos ou prolongados podem impedir as crianças de alcançar seu
potencial de desenvolvimento cognitivo29.
A fim de diminuir o viés da família e do meio como fatores influenciadores no desenvolvi-
mento cognitivo, estudos com gêmeos monozigóticos submetidos a anestesia na faixa etária
pediátrica foram realizados. Em um estudo conduzido na Holanda, observou-se menor de-
sempenho acadêmico e maior incidência de problemas cognitivos nas crianças submetidas
a anestesia antes dos 3 anos quando comparado com outros gêmeos do grupo, porém, esses
resultados eram concordantes com o gêmeo não submetido a anestesia30.

138 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


No momento, existem dois trabalhos prospectivos que tentam avaliar a exposição a anes-
tésicos com prejuízo cognitivo em crianças. O primeiro estudo se chama GAS (General
Anaesthesia Compared to Spinal Anaesthesia Trial), que comparou a anestesia regional
isoladamente com a anestesia regional associada a anestesia geral com sevoflurano para a
correção de hérnia inguinal em diferentes centros do mundo com lactentes menores que 60
semanas de idade pós-conceptual corrigida e não houve diferença na avaliação neurocogni-
tiva realizada aos 2 anos. O estudo se encerará após nova avaliação cognitiva, aos 5 anos de
vida dos participantes31.
O outro estudo multicêntrico se chama PANDA (Pediatric Anesthesia & Neurodevelop-
ment Assessment) e tem como objetivo avaliar as funções cognitivas em pacientes submeti-
dos a um episódio de anestesia geral até os 3 anos de vida para a correção de hérnia inguinal
e a compará-los com seus irmãos não submetidos a anestesia. O grupo realiza reuniões
anuais para discussão dos resultados obtidos, e em 2016 houve o fim da inclusão de novos
pacientes, totalizando 105 casos que serão avaliados entre os 8 e 15 anos32 . Em resultados
preliminares não se observaram diferenças nos testes cognitivos padronizados entre irmãos,
no qual um foi submetido a uma anestesia antes dos 3 anos de vida33.

Conclusões
As recentes investigações científicas detalham diversos mecanismos de lesão celular me-
diada pelos anestésicos que levam à apoptose neuronal, alteração no desenvolvimento dos
dendritos e sinaptogênese. Também existem momentos do desenvolvimento em que o sistema
nervoso central é mais suscetível a agressões que podem se transformar em sequelas neuroló-
gicas na idade adulta, porém a não administração de agentes anestésicos pode levar a altera-
ções do processamento da dor e consequências orgânicas e psíquicas deletérias a longo prazo.
Até o momento, as evidências científicas apontam para a ausência de prejuízo no desen-
volvimento cognitivo após anestesia geral na faixa etária pediátrica, principalmente quando
são eventos únicos e de curta duração. Entretanto, como os principais estudos multicêntri-
cos sobre o assunto ainda não terminaram, são necessárias cautela e avaliação individuali-
zada do risco versus benefício da anestesia geral para crianças e lactentes.

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Efeitos da anestesia no desenvolvimento da criança | 139


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140 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Capítulo 10

Analgesia pós-operatória
Camila Lucena Carneiro de Albuquerque
Luciana Cavalcanti Lima
Maria Célia Ferreira da Costa
Analgesia pós-operatória

Introdução
Apesar do desenvolvimento de novos fármacos e técnicas analgésicas, o manejo da dor
perioperatória na criança continua sendo um desafio para os anestesiologistas. Os fatores
que contribuem para o controle inadequado da dor nos pacientes pediátricos incluem a falta
de experiência do anestesiologista, dificuldade em quantificar a dor, medo da adição e dos
efeitos colaterais dos opioides e uma baixa expectativa da consequência do estímulo álgico
sobre a criança1.
Na década de 1980 ainda existiam questionamentos se os neonatos e as crianças seriam
capazes de sentir dor, porém na atualidade esse tipo de questionamento não é mais aceitável.
A literatura deixa claro que não só os neonatos são capazes de sentir dor como também
sofrem consequências a longo prazo quando ela não é tratada adequadamente2 . As situações
de dor e estresse na infância repercutem de forma física e psíquica para toda a vida. Poden-
do surgir hiperalgesia, cronificação da dor, modificações no desenvolvimento e alterações
comportamentais, tais como: ansiedade, estresse pós-traumático, distúrbios do sono e dos
hábitos alimentares3. Além disso, o manejo inadequado da dor no período perioperatório
dificulta a resolução da doença de base, prolonga o tempo de internamento e aumenta o
custo hospitalar. Portanto, a prevenção e tratamento da dor é imprescindível.
Para um manejo adequado da dor é necessário prever e avaliá-la corretamente. Escalas
comportamentais e de compreensão são utilizadas para mensuração da dor na faixa etária
pediátrica de acordo com a idade e, principalmente, o desenvolvimento cognitivo da criança
e alteração do entendimento e da percepção da dor4. Algumas escalas preconizadas e mais
frequentemente utilizadas são a Objective Pain Scale – OPS (RNs e lactentes); Face-Legs-Ac-
tivity-Cry-Consolability – FLACC (1 a 18 anos, hospitalizados), Faces Wong e Backer (3 a 18
anos); Faces revisadas (4 a 14 anos); Analógica e numérica (acima de 8 anos); Pieces of hurt
tool (3 a 8 anos) e Parents Postoperative Pain Mesurement – PPPM (1 a 12 anos domiciliados)5.
As crianças exigem considerações especiais para garantir o sucesso da analgesia pós-
-operatória, pois a percepção da dor é influenciada pela idade, desenvolvimento cognitivo e
emocional e pelas experiências prévias da criança, via múltiplas sinapses no sistema límbico,
córtex frontal e tálamo. Devido ao forte componente emocional na percepção da dor na in-
fância, técnicas comportamentais e não farmacológicas também devem ser aplicadas sempre
que possível. A explicação clara para a criança explicitando que todo esforço será feito para
minimizar a dor após a cirurgia, apesar da possibilidade de algum desconforto, minimiza a
ansiedade e pode reduzir a necessidade de opioides e outros analgésicos no pós-operatório6.
O regime analgésico deve ser selecionado considerando o porte cirúrgico, as condições clí-
nicas que interfiram na resposta ao tratamento, as preferências do paciente e da família, além
da idade, da função cognitiva e das experiências prévias do paciente. A meta deve ser a criança
ter um despertar confortável e mantê-la nesse estado, o que é mais fácil e apropriado do que
alcançar a analgesia após a instalação da dor7. Analgésicos com efeitos sinérgicos ou aditivos,
devem ser utilizados, a fim de obter a melhor analgesia com o mínimo de efeitos colaterais.

142 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Como a dor é um fenômeno complexo, onde ocorre a transmissão do estímulo noci-
ceptivo desde o sistema nervoso periférico até o córtex cerebral por meio da medula espi-
nhal, seu tratamento efetivo requer o uso de terapias multimodais, com alvo em diferentes
pontos desse longo caminho percorrido. Assim, a dor pode ser tratada a nível periférico
com infiltração de anestésicos locais, bloqueios periféricos e de plexo, anti-inflamatórios
não hormonais (AINEs) ou opioides. Ao nível da medula, anestésicos locais (AL), opioi-
des e alfa-2-agonistas podem ser utilizados, enquanto a nível cortical os opioides são uma
boa opção.
Para prolongar o tempo de analgesia, pode ser realizada infiltração de anestésicos locais
na incisão cirúrgica, o que também é benéfico por causa da propriedade antimicrobiana dos
anestésicos locais, com inibição local do crescimento bacteriano8.
Os anestésicos locais são ainda amplamente utilizados em bloqueios de neuroeixo. A
anestesia regional combinada à anestesia geral proporciona analgesia profunda com efeitos
hemodinâmicos mínimos. A concentração dos agentes venosos e inalatórios é reduzida e
limita os riscos de depressão respiratória e cardiovascular. O bloqueio neuroaxial em geral
não está associado a hipotensão em neonatos, a estabilidade hemodinâmica é notável e a de-
pressão respiratória não costuma ser uma preocupação com o uso somente desses fármacos.
Como resultado, a necessidade de suporte ventilatório pós-operatório é reduzida e quando
necessária, é de menor duração9,10.
Essa abordagem também se mostra favorável por reduzir a exposição a agentes potencial-
mente neurotóxicos em neonatos, por inibir a resposta metabólica ao trauma, por apresentar
menores índices de imunossupressão e pelo retorno precoce da função intestinal8,11.
O uso de medicamentos adjuvantes, em combinação com os anestésicos locais de longa
ação, pode não só prolongar a duração do bloqueio de forma desejável, mas também me-
lhorar sua qualidade e evitar potenciais efeitos secundários dos AL, como bloqueio motor
indesejado. Um adjuvante comumente utilizado com o intuito de prolongar a ação do AL é a
epinefrina (10 mcg · kg-1). A epinefrina limita a absorção da droga para o espaço intravascu-
lar, mantendo uma maior concentração peridural. A dose teste feita com solução contendo
epinefrina, preconizada em adultos com o intuito de diagnosticar a infusão de anestésico
local intravascular, não tem a mesma utilidade nas crianças pequenas, pois elas podem apre-
sentar imaturidade das fibras cardiovasculares responsivas à epinefrina. Por isso, a ausência
de alterações hemodinâmicas não exclui a possibilidade de injeção intravascular12 .
A punção do neuroeixo é contraindicada na presença de distúrbios de coagulação e não
deve ser realizada em pacientes sépticos, pelo risco de contaminar o espaço peridural no
período de bacteremia. A incidência de problemas permanentes, incluindo injúria ao cordão
espinhal, após punção peridural é baixa. O risco de punção dural ou de convulsões é de
aproximadamente 1:2.500. Porém a toxicidade pelo anestésico local é temida principalmen-
te em neonatos, pois eles são considerados como um grupo de maior risco13.
Os riscos e benefícios de qualquer tratamento devem ser considerados antes de aplicado
em qualquer paciente. Porém, a anestesia regional e bloqueios periféricos não são o foco
deste capítulo, pois estes assuntos serão abordados em outra ocasião. Neste momento ire-
mos discutir os analgésicos mais comumente utilizados de maneira sistêmica, dentre eles, os

Analgesia pós-operatória | 143


opioides e analgésicos não opioides, incluindo paracetamol, anti-inflamatórios não hormo-
nais (AINEs), tramadol e alfa-2-agonistas.

Analgésicos Não Opioides


Os analgésicos não opioides podem ser utilizados como agente único no tratamento da
dor leve e como um importante adjuvante na analgesia multimodal para alívio da dor mode-
rada a grave. Considerando que a maioria dos analgésicos não opioides produzem respostas
dose-dependentes, eles são limitados por um efeito teto, ou seja, uma concentração acima da
qual nenhuma analgesia adicional é alcançada. Por isso eles são frequentemente prescritos em
combinação com opioides, com a intenção de reduzir a dose destes e seus efeitos colaterais14.
Acetaminofeno
O acetaminofeno é o analgésico e antipirético mais comumente utilizado em crianças. Ao
contrário da aspirina e outros AINEs, o paracetamol age principalmente a nível central e tem
atividade mínima anti-inflamatória. Ele penetra rapidamente na barreira hematoencefálica
das crianças e exerce seus efeitos analgésicos bloqueando a síntese central e periférica de
prostaglandinas, reduzindo a produção de substância P e modulando a produção de óxido
nítrico na medula espinhal. Acredita-se ainda que ele apresente propriedades analgésicas ao
antagonizar o receptor de N-metil-D-aspartato (NMDA) na medula espinhal.
Quando administrado na dose de 10 a 15 mg · kg-1 por via oral (VO) é extremamente se-
guro e eficaz, apresenta poucos efeitos colaterais e pode ser repetido a cada 4 a 8 horas. Uma
dose de ataque de 30 mg · kg-1 pode ser indicada para um início de ação mais rápido, seguido
de dose de manutenção de 10 a 15 mg · kg-1. No entanto, hepatotoxicidade foi relatada com
doses acima da recomendada de 10 a 15 mg · kg·dose-1 por via oral. A dose diária total de
acetaminofeno por qualquer via de administração não deve exceder 100 mg · kg-1 para crian-
ças, 75 mg · kg-1 para lactentes, 60 mg · kg-1 para neonatos a termo e pré-termo com idade
pós-conceptual superior a 32 semanas e 40 mg · kg-1 para neonatos prematuros e menores
que 32 semanas pós-conceptual. Após a administração intravenosa (IV) de paracetamol, o
início da analgesia ocorre em 15 minutos e o efeito antipirético em 30 minutos. Apresenta
eficácia semelhante a dos AINEs na redução da dor15.
Os efeitos colaterais descritos após seu uso incluem erupções cutâneas (eritematosas,
urticárias), neutropenia, trombocitopenia, necrose hepática e necrose tubular renal. Seu uso
é contraindicado em crianças com deficiência da glicose 6-fosfato desidrogenase (G6PD).
Um estudo de 2013 realizado com neonatos e lactentes menores de um ano evidenciou
uma diminuição significativa da necessidade de morfina nas primeiras 48h após a cirurgia
quando acetaminofeno foi administrado de forma intermitente IV16.
Anti-inflamatórios não esteroides (AINEs)
Os AINEs oferecem excelente analgesia para a dor leve a moderada. Essas drogas inibem
a enzima ciclo-oxigenase (COX), reduzem a produção de prostaglandinas no local da lesão
tecidual e diminuem a cascata inflamatória. O uso de AINEs no período perioperatório
reduz o consumo de opioides na sala de recuperação e no pós-operatório imediato, além de
reduzir os escores de dor e de vômitos no pós-operatório (VPO)17.

144 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Efeitos adversos severos em crianças são raros, mas é importante reconhecê-los a fim
de tratá-los adequadamente. Os AINEs devem ser usados com cautela em pacientes com
disfunção hepática, renal, hipovolemia, hipotensão, coagulopatias, trombocitopenias ou
sangramentos ativos de qualquer origem. Eles são contraindicados em pacientes que apre-
sentam hipersensibilidade à aspirina (ácido acetilsalicílico) e atualmente são liberados para
uso em asmáticos18.

Cetorolaco
O cetorolaco oferece analgesia pós-operatória semelhante aos opioides em crianças de
todas as idades. Como não apresenta os efeitos colaterais relacionados com os opioides
(depressão respiratória, sedação, náusea e prurido), torna-se uma escolha atraente para o
tratamento da dor pós-operatória. Porém, assim como todos os AINEs, apresenta riscos em
relação à disfunção plaquetária, sangramento gastrointestinal e disfunção renal.
O fármaco pode ser utilizado por vias intravenosa (IV), intramuscular (IM) ou oral (VO).
A via IV é preferida no pós-operatório imediato, até que o paciente possa tolerar medicações
VO. A via IM não é recomendada em crianças ao menos que a via IV esteja indisponível. A
dose preconizada para maiores de 2 anos por IV ou por VO varia de acordo com o intervalo
entre as doses. Sendo preconizado 0,25 mg · kg-1 de 6/6h; 0,5 mg · kg-1 de 12/12h; 1 mg · kg-1
se utilizado somente uma vez ao dia. O tempo máximo de uso do cetorolaco não deve exceder
3 dias. A dose de 1 mg · kg-1 por IV é equivalente a 0,1 mg · kg-1 de morfina.
O fármaco é amplamente estudado na faixa etária pediátrica, seja administrado isola-
do ou em combinação com opioides ou anestésicos locais, mostrando excelente potência
analgésica e poucos efeitos colaterais. Quando combinado com o uso de opioides, apresenta
ação sinérgica no alívio da dor e reduz a incidência dos efeitos colaterais relacionados com o
uso destes. Além disso, ocorre retorno do peristaltismo de forma mais precoce com uso do
cetorolaco quando comparado à analgesia baseada exclusivamente em opioides19.
Devido à ação das prostaglandinas no metabolismo, reabsorção e principalmente na for-
mação óssea, existe uma preocupação em relação ao uso de AINEs em crianças submetidas
à cirurgia de escoliose. Em 2009 foi realizado um inquérito envolvendo 61 anestesiologistas
abordando esse tema, 41% responderam não utilizar o fármaco devido, principalmente, ao
risco de não união óssea ou sangramento20. Estudo recente sugere que o uso de cetorolaco li-
mitado a 48 horas no pós-operatório não apresenta efeito significativo sobre a fusão espinhal21,
porém a literatura ainda é conflitante em relação ao tema22, sendo necessário mais estudos.
Outra controvérsia na literatura é em relação ao uso do cetorolaco em cirurgias com
potencial de sangramento, como a tonsilectomia, pois acredita-se que esse fármaco inibe a
agregação plaquetária. No passado seu uso foi banido neste tipo de procedimento18,19, porém
estudos recentes, incluindo uma metanálise, sugerem que o cetorolaco feito em qualquer
momento perioperatório não aumenta o risco de sangramento em crianças submetidas a ton-
silectomia23,24. Caso seja comprovado, isto pode ser considerado um grande benefício do me-
dicamento, pois parte dessas crianças estão sendo submetidas a cirurgia para tratar a apneia
obstrutiva do sono, a qual algumas vezes não se resolve imediatamente após o procedimento,
sendo benéfico poupar opioides para diminuir a depressão respiratória nesses pacientes.

Analgesia pós-operatória | 145


Em relação ao uso do fármaco em neonatos, um estudo demonstrou a segurança e efi-
cácia do cetorolaco em 18 prematuros e neonatos a termo submetidos a procedimentos
cirúrgicos ou internados na unidade de terapia intensiva (UTI) neonatal. Os escores de dor
na escala infantil foram reduzidos significativamente após a administração de 1 mg · kg-1 de
cetorolaco, sem incidentes sistêmicos ou sangramento local e sem complicações hematoló-
gicas, hepáticas ou renais25.
Ibuprofeno e Cetoprofeno
Ambos possuem ação analgésica, anti-inflamatória e antipirética com propriedades far-
macológicas semelhantes e potência variável. O ibuprofeno, um dos mais antigos AINEs
administrados por via oral, tem sido amplamente utilizado para o tratamento da dor rela-
cionada com cirurgias, trauma, artrite, cólicas menstruais e doença falciforme. Em crianças
maiores de 6 meses a dose recomendada é de 4 a 10 mg · kg-1 a cada 6 ou 8 horas. O cetopro-
feno está liberado para uso IV em maiores de 15 anos na dose de 3 a 5 mg · kg-1. Esses fár-
macos diminuem a necessidade de opioide no pós-operatório, mas podem provocar náusea,
vômitos e diarreia. A ação de inibição plaquetária do ibuprofeno atualmente é controversa17.
Diclofenaco
É um derivado do ácido fenilacético com potente ação inibidora da ciclo-oxigenase.
Apresenta uma excelente atividade anti-inflamatória, analgésica e antipirética, fornecendo
analgesia efetiva após cirurgias de pequeno porte. A dose pediátrica é de 1 mg · kg-1 a cada 8
horas por via oral, retal ou intravenosa.
Estudos relatam que crianças submetidas a hernioplastia inguinal e que receberam o di-
clofenaco para alívio da dor pós-operatória experimentaram analgesia comparável àquelas
que receberam bupivacaína caudal. Porém, a combinação da anestesia regional com o diclo-
fenaco parece promover analgesia ainda melhor18,26.
Dipirona
A dipirona é um AINE com propriedade analgésica, antiespasmódica e antipirética que
pode ser usada por via oral ou parenteral. O efeito analgésico do metamizol deve-se a um me-
canismo duplo que inclui a inibição de atividade da enzima ciclo-oxigenase e estimulação de
receptores canabinoides, além do efeito antinociceptivo periférico devido à ativação de canais
de potássio ATP dependentes. Seu uso clínico foi iniciado em 1922 e atualmente é um anal-
gésico popularmente utilizado em muitos países, porém proibido nos Estados Unidos, Japão e
Suécia devido a uma possível associação do seu uso com o desenvolvimento de agranulocito-
se, hipotensão e alergia27. Há ainda relatos de púrpura, anemia hemolítica, trombocitopenia,
hemorragia gastrointestinal e anúria, daí a recomendação de evitar o uso do metamizol em
discrasias sanguíneas de qualquer etiologia, insuficiência renal e hepática28.
Na Alemanha e na Áustria, o metamizol é um dos fármacos recomendados para anal-
gesia pós-cirúrgica em crianças. Apesar dos debates acerca desse fármaco, seus defensores
justificam o uso devido ao potente efeito analgésico e baixa incidência de efeitos colaterais
quando comparada com outros AINEs. A dose IV recomendada é de 20 a 30 mg · kg-1 a cada
6 horas29.

146 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Um grande estudo prospectivo, multicêntrico, observacional realizado em 6 centros
pediátricos avaliou 1.000 crianças e concluiu que doses intravenosas únicas de dipirona
utilizadas para prevenção ou tratamento da dor foram bem toleradas e a probabilidade de
reações anafiláticas, hemodinâmicas e respiratórias graves foram menores que 0,3%, sem
nenhum caso de agranulocitose evidenciado30.
Tramadol
Tramadol é um análogo sintético da codeína que exerce seu efeito analgésico por dois
mecanismos complementares. Um dos seus metabólitos tem uma afinidade fraca com o
receptor mi (μ) opioide e nenhuma afinidade com os receptores delta (δ) ou capa (κ). Além
do seu leve efeito opioide, também inibe a recaptação de serotonina e norepinefrina. É um
analgésico de potência média com baixa incidência de efeitos colaterais que pode ser uti-
lizado de forma isolada para tratar a dor leve a moderada ou como poupador de opioides
em crianças com dor forte. A dose preconizada é de 1 a 2 mg · kg-1 e embora seja liberado
seu uso em crianças no Brasil, este fármaco foi recentemente proibido pelo Food and Drugs
administration (FDA) na faixa etária pediátrica.
Sua principal vantagem em relação aos opioides é a incidência reduzida de depressão
respiratória, sedação, náuseas e vômitos. Além disso, por não inibir a síntese de prostaglan-
dinas, não causa efeitos secundários comumente relatados com o uso de AINEs, incluindo
úlcera péptica, disfunção renal e plaquetária. Os principais efeitos colaterais associados ao
seu uso são náuseas, vômitos, tontura, cefaleia, prurido e erupção cutânea31.
Crianças com diagnóstico de apneia obstrutiva do sono submetidas a adenotonsilecto-
mia apresentaram um número menor de episódios de queda da saturação de oxigênio, efeito
analgésico similar e menor incidência de vômitos quando utilizaram o tramadol na dose de
2 mg/kg em comparação a morfina 0,1 mg · kg-1 IV32 .
É importante lembrar que o uso de ondansetrona no tratamento de náusea e vômito pós-
-operatório resulta em uma inibição da analgesia realizada pelo tramadol, possivelmente
devido à inibição da ligação ao receptor serotoninérgico 5-HT3 ao nível medular33.
Clonidina
Embora seu mecanismo de ação não seja completamente conhecido, os α 2-agonistas
adrenérgicos, administrados por via peridural caudal, prolongam em torno de 50% o blo-
queio motor e sensitivo dos anestésicos locais. Vários mecanismos farmacocinéticos e far-
macodinâmicos tentam explicar esse efeito da clonidina, mas nenhum mecanismo preciso
foi ainda esclarecido. Sugere-se que a clonidina peridural exerça uma ação antinociceptiva
pelo bloqueio direto dos neurônios nociceptivos na medula espinhal34,35.
Há estudos sugerindo que a clonidina é mais potente após administração neuroaxial do
que sistêmica, sugerindo um sítio de ação espinhal. A clonidina peridural reduz a necessi-
dade de anestésicos intraoperatórios e de analgésicos no pós-operatório de maneira mais
intensa que a mesma dose administrada por via intravenosa, com mínimo efeito depressor
no sistema respiratório36,37.
A sedação após administração de clonidina peridural provavelmente reflete absorção sis-
têmica da droga, apesar de ser aceitável que a migração cefálica da droga pelo líquido cefa-

Analgesia pós-operatória | 147


lorraquidiano prolongue o despertar do paciente. Após uma dose peridural de 1 a 2 μ · kg-1, o
efeito da droga pode perdurar por cerca de 4 horas, o que muitas vezes é uma meta desejada e
diminui a necessidade de outros sedativos e ansiolíticos36.
A clonidina pode ainda ser utilizada como pré-medicação (4 μ g · kg-1 VO) com eficácia
comprovada na melhora da analgesia no pós-operatório38.
Cetamina
É um derivado da fenilciclidina e antagonista do receptor NDMA que bloqueia a no-
cicepção periférica e previne a sensibilização central. É um potente analgésico e regular-
mente usado em procedimentos dolorosos em crianças. Possui efeitos analgésicos com
doses menores que a dose sedativa. Diferente dos demais sedativos, produz uma ativação
do sistema simpático com liberação de noradrenalina e aumento da frequência cardíaca,
da resistência vascular sistêmica e da pressão arterial, o que na verdade mascara seu efei-
to depressor direto sobre o miocárdio. Porém, ainda que apresente um efeito inotrópico
negativo, a estimulação simpática contrapõe-se a esse efeito, exceto nos casos de choque
cardiogênico refratário a catecolaminas.
A cetamina não produz depressão respiratória significativa e age no sistema respiratório
provocando broncodilatação, o que pode ser benéfico nos pacientes asmáticos. Provoca va-
sodilatação cerebral e por isso deve ser evitada em pacientes com hipertensão intracraniana.
É um fármaco com possibilidade de diferentes vias de administração e posologias. O
efeito analgésico é alcançado com doses subanestésicas de 0,1 a 0,5 mg · kg-1 IV. Apresenta
alguns regimes de administração conforme a intensidade do estímulo cirúrgico. Para proce-
dimentos considerados muito dolorosos pode ser feito um bólus de 0,5 mg · kg-1 na indução
seguido de bólus de 0,25 mg · kg-1 a cada 30 minutos ou infusão contínua de 500 μg · kg · h-1.
Para procedimentos menos dolorosos a dose pode ser dividida pela metade, ou seja, bólus de
0,25 mg · kg-1 seguido de bólus de 0,125 mg · kg-1 ou infusão contínua de 250 μg · kg · h-1. Se
a cirurgia tiver duração maior que duas horas, deve ser feita a interrupção da administração
de cetamina 60 minutos antes do término do procedimento. Para procedimentos mais cur-
tos, basta parar a infusão 20 minutos antes do final9. Se utilizada a dextrocetamina a dose
dos esquemas deve ser reduzida em 30% quando comparada à mistura racêmica39.
Entre as vantagens do uso da cetamina em doses analgésicas, temos: menor consumo de
opioides e anestésicos inalatórios, atenuação da tolerância a opioides e redução da hiperal-
gesia secundária a estes.

Analgésicos Opioides
Os opioides são indicados para dor moderada a grave após cirurgia ou trauma, para crise
aguda de doença falciforme, bem como para doenças dolorosas crônicas, como câncer. Imitam
os efeitos de substâncias endógenas conhecidas como endorfinas, exercendo seus efeitos ligan-
do-se a receptores opioides pré- e pós-sinápticos específicos localizados no cérebro, medula es-
pinhal e células nervosas periféricas. Receptores de opioides no sistema nervoso central (SNC)
são classificados como μ, κ, δ, e (teta) σ. A ativação desses receptores causam inibição neuronal,
diminuindo a liberação de neurotransmissores excitatórios de terminais pré-sinápticos.

148 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Morfina
A morfina é o opioide mais comumente utilizado para analgesia pós-operatória e seu
uso tem sido amplamente estudado na faixa etária pediátrica. A dose IV recomendada
para analgesia em maiores de 6 meses é 0,1 mg · kg-1 quando utilizada em bólus e 0,02 a
0,03 mg · kg · h-1 se instalada em infusão contínua 8 . Após grandes cirurgias abdominais,
torácicas e ortopédicas, crianças que receberam infusões contínuas de morfina reduzi-
ram os escores de dor com maior eficácia em comparação com aqueles que receberam
injeções intermitentes via IM ou IV. Para administração epidural a dose preconizada é
de 30 a 100 μg · kg-1.
Sabe-se que a depuração da morfina está prejudicada em recém-nascidos prematuros e
que ela aumenta com a progressão da idade pós-conceptual, porém permanece imatura em
lactentes até 2 meses de idade. De fato, esse grupo demonstrou ter uma demanda reduzida
de morfina no pós-operatório, exigindo menos doses de resgate ao receber infusões con-
tínuas ou bolus intermitentes. As doses nessa faixa etária devem ser reduzidas em 25% e
aumentadas conforme a necessidade dos recém-nascidos8. Por isso, os opioides devem ser
cuidadosamente titulados nesses bebês, que devem permanecer monitorizados. Baseado
em modelos farmacocinéticos de depuração da morfina, uma concentração-alvo de morfina
de 10 ng · mL -1 pode ser alcançada com infusões de morfina variando de 5 μg · kg · h-1 em
neonatos a termo e 16 μg · kg · h-1 em crianças de 1 a 3 anos40.
A depressão respiratória permanece o efeito colateral mais temido dos opioides adminis-
trados por qualquer via. Os recém-nascidos e lactentes com menos de 6 meses de idade são
de maior risco de depressão respiratória induzida por opioides porque a resposta ventilatória
à obstrução das vias aéreas, hipoxemia e hipercapnia é imatura ao nascimento e somente
amadurece ao longo dos primeiros meses de vida.
Um estudo relatou uma incidência de 4,5% de falha de desmame do ventilador e 13,5%
de incidência de apneia (≥30 segundos que requerem intervenção), além da ocorrência de
depressão respiratória severa em neonatos sob ventilação espontânea recebendo opioides
para dor pós-operatória40.
Outros efeitos não desejados da terapia com opioides são náuseas, vômitos e prurido.
Recentemente foi comprovado que microdoses (0,25 μg · kg · h-1) de naloxona podem ser
eficazes em reverter a incidência de náusea e prurido sem afetar a analgesia ou o consumo
de opioide30.
Fentanil
O fentanil pode ser um substituto útil da morfina em crianças com instabilidade hemo-
dinâmica, naquelas que não toleram nenhuma diminuição no tônus vascular periférico, bem
como nas que não toleram a liberação de histamina causada pela morfina. O seu rápido início
de ação torna-o ideal para crianças com dor intensa que requerem um alívio imediato da dor.
A dose recomendada é de 0,5 a 1 μg · kg-1 em bólus e 0,5 a 2 μg · kg · h-1 em infusão contínua.
É metabolizado pelo fígado em um metabólito inativo, norfentanil, que é excretado atra-
vés dos rins. É de 80 a 100 vezes mais potente que a morfina. Embora sua meia-vida de eli-
minação seja significativamente menor que a da morfina, sua meia-vida no contexto sensível

Analgesia pós-operatória | 149


aumenta exponencialmente após infusão contínua como resultado do seu armazenamento
crescente nos tecidos.
O uso de infusões contínuas de fentanil em lactentes e crianças está associado a um rápi-
do desenvolvimento da tolerância, indicado por um aumento constante da taxa de infusão
para manter o efeito desejado e uma grande incidência de síndrome de abstinência após
sua retirada. A incidência da síndrome de abstinência está diretamente relacionada com a
dose total de fentanil administrado e com a duração da infusão. Assim como a morfina, a
meia-vida de eliminação do fentanil em neonatos é quase duas vezes maior que em adultos,
predispondo-os a um maior risco de acúmulo.
O fentanil é conhecido por causar todos os efeitos indesejados relacionados com o uso de
opioides, incluindo prurido, náuseas, vômitos, constipação e sedação. Depressão respirató-
ria e rigidez da parede torácica, no entanto, são os efeitos colaterais mais temidos41.
Meperidina
É um opioide que foi usado clinicamente por muitos anos. Sua potência é aproximada-
mente um décimo da morfina. O acúmulo do seu metabólito ativo, normeperidina, tem pro-
priedades estimulantes no SNC e proporciona risco de convulsões nas crianças. Portanto,
seu uso foi restrito ao tratamento de tremores pós-operatórios ou rigidez após anfotericina.

Conclusão
A analgesia pós-operatória deve ser parte essencial de qualquer plano anestésico pe-
diátrico. O conhecimento da fisiologia, farmacocinética e farmacodinâmica na infância
permite ao anestesiologista aplicar técnicas anestésicas e analgésicas com excelente efi-
cácia e segurança para a criança, a fim de evitar complicações a curto e longo prazos no
paciente pediátrico.
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152 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Capítulo 11

Abordagem para
cirurgia ambulatorial
Pedro Paulo Vanzillotta
Lívia Berti Ramos
Abordagem para cirurgia ambulatorial

Introdução
Os pacientes pediátricos são candidatos ideais para anestesia ambulatorial. Constituem
uma população que em geral possui raras comorbidades e, na maioria das vezes, são subme-
tidos a procedimentos rápidos e com baixo índice de complicações1. A redução do custo de
internação associado à mínima separação entre a criança e sua família constituem vantagens
perante esta abordagem2 .
A fim de proporcionar um ato anestésico seguro e qualificado, o serviço de anestesia
necessita principalmente de uma boa organização. É mandatório o enfoque na profilaxia
para náuseas e vômitos, dor e agitação pós-operatória, aliado à escolha adequada do pa-
ciente3. Um dos riscos inerentes a uma unidade ambulatorial é não ter a mesma disponi-
bilidade de recursos diagnósticos e terapêuticos, além de pareceres técnicos que possam
auxiliar em possíveis eventos adversos. Portanto, a qualidade técnica da equipe associa-
da à correta avaliação do paciente é imprescindível para tornar a anestesia ambulatorial
potencialmente segura4. O advento de novas técnicas cirúrgicas e de novas tecnologias
aplicadas ao ato anestésico também auxiliam para o número de cirurgias ambulatoriais
aumentar cada vez mais.
Seleção dos pacientes
A seleção adequada dos pacientes que serão submetidos à anestesia ambulatorial é cru-
cial para reduzir a incidência de complicações. Os critérios de seleção variam de acordo com
cada instituição, porém há consenso que pacientes com infecção de vias aéreas superiores,
prematuros (idade pós-conceptual entre 55-60 semanas), portadores de apneia do sono mo-
derada a severa e com determinadas doenças preexistentes (como miopatias, por exemplo)
possuem maior risco de complicações, principalmente respiratórias e cardíacas5,6.
A presença de comorbidades, caso a doença esteja estável e controlada e com equipe mé-
dica ciente e capacitada, não é contraindicação absoluta2 .
Infecções de vias aéreas superiores (IVAS) têm alta prevalência na população pediátrica.
Deve-se considerar: o tempo de duração dos sintomas, estado geral da criança e doença
pulmonar subjacente7.
A presença de tosse produtiva, queda do estado geral, falta de apetite e febre (T. axilar
> 38,5)8 são fatores que aumentam a incidência de eventos respiratórios, como laringoes-
pasmo e hipoxemia. O aparecimento dos sintomas por duas semanas antecedentes ao ato
anestésico e a presença de asma ou doença pulmonar da prematuridade também estão
associados ao aumento do risco de complicações respiratórias. Porém, há consenso que os
casos com sintomatologia moderada, adequado estado geral e ausência de tosse produtiva
podem ser bem tolerados e aceitos nas anestesias ambulatoriais.
Cirurgias de vias aéreas superiores, como adenoamigdalectomias, e a manipulação das
vias aéreas pelo anestesiologista aumentam a chance de complicações, sendo o ideal a utili-
zação preferencial de máscara facial ou máscara laríngea.

154 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Não há consenso quanto à idade mínima permitida para cirurgias em unidades ambula-
toriais, porém algumas considerações devem ser mencionadas.
Prematuros com idade pós-conceptual entre 55-60 semanas e ex-prematuros apresentam
maior chance de desenvolver apneia pós-operatória. Outros fatores como episódio prévio
de apneia e anemia também são considerados de risco. Anestesia regional pura está menos
associada a episódios de apneia, sendo estes também menos severos. Portanto, este grupo
deve permanecer pelo menos 12 horas em observação na unidade (principalmente nos casos
de uso de clonidina ou opioides em bebês com menos de 44 semanas pós-conceptual, ou a
presença de qualquer anormalidade durante o ato anestésico)9.
Importante ressaltar que quanto menor a criança, maior a chance de apresentar doenças
não diagnosticadas como erros inatos do metabolismo e coagulopatias.
A prevalência de apneia obstrutiva do sono (AOS) reportada na maioria dos estudos
é em torno de 1 a 4%10. Os fatores de risco relacionados com a AOS são hipertrofia de
adenoamígdalas, obesidade, anomalias craniofaciais, síndrome de Down e doenças neu-
romusculares congênitas.
O diagnóstico de AOS é com base em múltiplos critérios clínicos. A polissonografia é o
exame considerado padrão ouro para diagnóstico e classificação da doença e está indicada
nos casos de alto risco ou quando a história clínica não é esclarecedora. É recomendado pela
Academia Americana de Otolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, que portadores
de AOS moderada a severa (queda da saturação de oxigênio maior que 80% e presença de 10
ou mais apneias/hipopneias por hora), com 3 anos ou menos de idade, submetidos a cirurgia
de adeamigdalectomias devem pernoitar na unidade para monitorização. Deve-se ressaltar
ainda a maior sensibilidade aos opioides desse grupo de pacientes11.
A parada cardiorrespiratória é uma condição rara em crianças. A transição para o uso do
sevoflurano como anestésico inalatório reduziu este risco. A parada cardíaca relacionada
com eventos respiratórios pode ocorrer em crianças saudáveis, e tem como principal causa o
laringoespasmo com hipoxemia severa.
Crianças cardiopatas com lesões assintomáticas (por exemplo, pequena comunicação
interventricular) ou correções cirúrgicas prévias totais, apresentando boa função residual,
podem ser candidatas a cirurgia ambulatorial12 .
A escolha do tipo de cirurgia inclui basicamente o tempo cirúrgico (máximo de 2h), o
potencial de complicações e a intensidade da dor pós-operatória. As cirurgias ambulatoriais
mais comuns são correção de hérnias, postectomia, procedimentos ortopédicos, adenoa-
migdalectomias e meringotomias com tubo de ventilação. Procedimentos dentários e de
diagnóstico por imagem, apesar de prolongados, podem ser feitos perfeitamente em ambien-
te ambulatorial7.

Manejo pré-anestésico
A avaliação pré-anestésica é parte essencial do procedimento anestésico, quer seja am-
bulatorial ou não. Esta conduta aumenta a segurança do procedimento, diminui a ansiedade
dos pais e da criança, além de reduzir os casos de cancelamentos no dia da cirurgia13. Deve-
-se avaliar se há comorbidades e se estas estão controladas adequadamente. Neste momento,

Abordagem para cirurgia ambulatorial | 155


o anestesiologista tem a oportunidade de solicitar exames complementares (quando indica-
dos especificamente), esclarecer sobre o tipo de técnica anestésica a ser utilizada, orientar
sobre o jejum pré-operatório e possíveis complicações. Deve-se informar sobre ocorrências
mais comuns como agitação pós-operatória, náuseas, vômitos e dor, assim como tranquili-
zar os pais quanto a eventos raros e de maior gravidade14.
A necessidade de exames complementares no paciente pediátrico deve seguir os mesmos
critérios dos pacientes recebidos em unidade hospitalar.1 Solicita-se apenas hematócrito
e hemoglobina para pacientes menores de seis meses de idade, sem patologias associadas.
Maiores de seis meses, sem patologias associadas, não necessitam de exames pré-operató-
rios14. Os procedimentos de maior porte não são indicados para o regime ambulatorial e não
serão considerados aqui.
A história clínica e o exame físico são fundamentais para a detecção de possíveis doenças
de base. Exames laboratoriais e de imagem devem ser solicitados apenas em casos especí-
ficos ou para avaliação de comorbidades. Doenças que alteram a coagulação, por exemplo,
dificilmente são detectadas com testes laboratoriais simples, sendo a história clínica de
maior importância15. O teste de gravidez para adolescentes deve ser considerado, caso exista
suspeita clínica ou atraso menstrual.
O jejum pré-operatório recomendado em pacientes pediátricos consiste em 2 horas para
líquidos sem resíduos, 4 horas para leite materno, 6 horas para fórmulas (leite não humano)
e refeições leves e 8 horas para refeições pesadas, com alto índice de gorduras. Estas orienta-
ções são para crianças com baixo risco de regurgitação na anestesia, devendo-se considerar
uma possível variação no volume gástrico residual, como já foi descrito10.
A administração da medicação pré-anestésica (MPA) em pacientes pediátricos deve ser
avaliada individualmente. O medo e a ansiedade gerados pela separação dos pais podem ser
mais bem controlados com este recurso. Explicar para crianças, com capacidade de com-
preensão, o que será feito e a preocupação com o tratamento da dor podem auxiliar durante
a indução. Crianças abaixo de 6 meses em geral não necessitam de MPA, porém acima dessa
idade ela é benéfica. Midazolam via oral é a medicação mais comumente utilizada, pois é
segura, reduz a ansiedade e proporciona boa tolerância à indução. Estudos recentes mencio-
nam a dexmedetomidina nasal ou bucal, na dose de 3 mcg/kg, como opção16.
A desvantagem no uso da MPA nos pacientes ambulatoriais é a possibilidade de retardo
no despertar (por serem procedimentos cirúrgicos rápidos), impactando negativamente no
fluxo de pacientes na unidade. 3 Alternativas que podem ser empregadas com grau de efetivi-
dade comparável à MPA são permitir a presença dos pais durante a indução ou a utilização
de recursos audiovisuais, como vídeos em tablets e celulares17.
Crianças portadoras de apneia obstrutiva do sono ou com sintomas de obstrução de vias
aéreas devem ser monitoradas ao receber a medicação, devido ao risco de depressão e/ou
depressão respiratória10.

Técnica anestésica
A melhor técnica anestésica para crianças no ambiente ambulatorial é a que propor-
ciona uma indução leve e tranquila, manutenção bem tolerada e uma rápida recupera-

156 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


ção1. A associação com bloqueio regional ou anestesia local é fundamental para controle
da dor pós-operatória.
A indução inalatória sob máscara, antes da venóclise, é uma escolha confortável e segura
para bebês e crianças menores. A indução venosa pode ser uma opção para crianças maiores
e adolescentes, procurando-se sempre que possível o esclarecimento sobre a conduta a ser
empregada. Alguns procedimentos como exames oftalmológicos e de imagem, podem ser
realizados sob máscara, sem venóclise, variando de acordo com a experiência do profissional
e do estado do paciente. A punção venosa em alguns casos pode demandar mais tempo do
que o próprio procedimento cirúrgico ou diagnóstico1.
O anestésico inalatório de escolha é o sevoflurano, pois reúne as características men-
cionadas acima e é bem tolerado na indução. O desflurano, apesar de apresentar melhor
farmacocinética, é associado a um maior número de eventos respiratórios (mais “irritante”
das vias aéreas). O agente venoso de escolha, na maioria das vezes, é o propofol, também
pelo rápido início de ação e recuperação.
A manutenção da anestesia é feita comumente sob máscara facial ou com dispositivos
supraglóticos, como a máscara laríngea. Quando necessária a intubação orotraqueal, não há
contraindicação em relação ao uso de bloqueador neuromuscular (BNM), proporcionando
melhor acesso às vias aéreas e diminuição do risco de complicações respiratórias. Após o
advento do sugamadex, o rocurônio passou a representar a melhor escolha dentre os BNM.
A associação de monitorização e reversão específicas tornam o emprego de BNM seguro em
ambiente ambulatorial, sem aumento dos riscos de recurarização ou demora na recuperação
da atividade muscular.
O uso da dexmedetomidina é associado a retardo na recuperação, porém possui como
vantagem a baixa probabilidade de depressão respiratória. Associado a bloqueios periféricos
e/ou no neuroeixo, apresenta-se como excelente escolha em pacientes com via aérea de risco
(asma ou infecção de vias aéreas superiores)18.
A presença dos pais no momento da indução anestésica já está bem estabelecida em mui-
tos serviços, porém ainda não há estudos suficientes evidenciando a redução da ansiedade
no momento da indução inalatória. Entretanto, o estresse da separação e a expectativa dos
pais perante o procedimento podem ser menores7.

Analgesia pós-operatória
As cirurgias ambulatoriais, apesar de rápidas e de baixa complexidade, podem ser ex-
tremamente dolorosas. A dor pós-operatória no paciente pediátrico eleva o risco de agi-
tação e aumenta o tempo de permanência na unidade. Pelos estudos randomizados, po-
demos concluir que crianças têm a dor subdiagnosticada e malconduzida, principalmente
em crianças menores. Aproximadamente 40% dos pacientes ambulatoriais experimentam
dor intensa pós-operatória19.
A implementação de bloqueios periféricos e de neuroeixo, associados a uma abordagem
multimodal da dor, tem sido a melhor solução para analgesia eficaz. Dessa forma, pode-se
diminuir o uso de opioides, reduzindo os riscos de demora na recuperação pós-anestésica, a
incidência de náuseas e vômitos, apneia e retenção urinária.

Abordagem para cirurgia ambulatorial | 157


O uso da ultrassonografia para realização de bloqueios regionais contribuiu para torná-
-los mais seguros e eficazes: menor índice de toxicidade sistêmica e de lesão neurológica,
além de melhor qualidade da analgesia. A visualização direta da agulha e da dispersão da
solução de anestésico local, permite ao anestesiologista reduzir a dose e o volume utilizados,
mantendo a mesma qualidade anestésica.
A técnica peridural caudal ainda é uma boa opção para analgesia pós-operatória em
crianças, notadamente para procedimentos abdominais e de membros inferiores bilaterais.
Estudos de imagens conseguem correlacionar o volume de anestésico local com a dispersão
cranial e tempo de anestesia7. A possibilidade de bloqueio motor residual e o menor tempo
de analgesia são critérios a serem considerados quando em comparação com os bloqueios
periféricos. De maneira geral, a utilização de bloqueios periféricos guiados por ultrassom
são a melhor escolha para analgesia na anestesia ambulatorial.
A colocação de cateteres em nervos periféricos para a analgesia prolongada no período
após a alta hospitalar, já possui espaço na anestesia ambulatorial pediátrica, com bons resul-
tados no controle da dor e mínimos relatos de complicações.

Critérios de alta e acompanhamento pós-anestésico


Não há descrição de um tempo específico que seja seguro para o paciente receber alta da
unidade ambulatorial. A adequada recuperação individual é que determinará o momento
ideal. O paciente necessita estar acordado, deambulando (quando indicado), com sinais
vitais estáveis, sem sangramentos no sítio cirúrgico e com efetivo controle da dor. Além da
analgesia adequada, o controle da agitação e das náuseas e vômitos é essencial.
A agitação é comum em crianças, principalmente, após a utilização do sevoflurano. O
uso de cetamina, alfa-2 agonistas e propofol podem ser efetivos na sua prevenção. A dexme-
detomidina, como MPA ou até mesmo em bolus no intraoperatório, tem se mostrado efetiva
na prevenção da agitação e também na redução do consumo de analgésicos de resgate. Em
pacientes portadores de AOS, seu emprego em bólus de 2 mcg/kg em 10 min, seguidos de
uma infusão contínua de 0,7 mcg/kg/h, se mostrou mais eficaz em comparação ao uso de
fentanil16. O bolus de propofol antes do despertar da anestesia inalatória também é utilizado,
com bons resultados1. A Tabela 1 orienta quanto ao uso de medicações para prevenção e
tratamento da agitação.
Tabela 1 – Condutas para profilaxia e tratamento da agitação pós-anestésica. O controle
efetivo da dor é mandatório e o uso liberal da anestesia regional é recomendado
Indicação Intervenção Comentários
Profilaxia Opioides Efetivos mesmo na ausência de dor
Cetamina MPA ou IV
Alfa-2 agonistas Clonidina: MPA, na solução anestésica local ou IV
Dexmedetomidina: MPA nasal ou IV
Tratamento Opioides Na possibilidade de dor ou desconforto
Cetamina Nos casos de agitação severa de origem indeterminada
Propofol Nos casos de analgesia eficiente

158 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Para prevenção de náuseas e vômitos é preconizado o uso de dexametasona e inibido-
res do receptor de serotonina (ondansetrona) para todos os pacientes acima de 2 anos. Por
questões práticas, esta conduta elimina a avaliação individual e reduz a incidência desta
complicação21. A presença de vômitos de difícil controle – que não respondem ao tratamen-
to inicial - é um critério para permanência na unidade.
Em crianças pequenas, que não deambulam, é feita avaliação do tônus muscular.
A boa aceitação da dieta é outro critério de recuperação9. Muitas vezes a liberação da
dieta diminui a agitação e a sensação de dor. No paciente pediátrico, pode-se incluir como
critério de alta a ausência de dispneia ou rouquidão, visto que as complicações respiratórias
são mais frequentes nesta população22 .
Após a alta, é ideal que os pais tenham acesso direto à equipe e a um centro de referência
caso ocorra qualquer emergência. Torna-se necessário explicar verbalmente e por escrito
todos os cuidados necessários para o pós-operatório. Para garantir uma adequada qualidade
do serviço prestado, uma ligação para os pais no dia seguinte ao procedimento pode ser
uma maneira de detectar dúvidas com relação ao pós-operatório e possíveis intercorrências
relacionadas com a cirurgia e/ou anestesia2 .

Legislação
O Conselho Federal de Medicina (CFM) fixou normas para a prática de cirurgias e
exames diagnósticos em regime ambulatorial, além das condições para realização de atos
anestésicos. O profissional deve conhecer as resoluções e verificar suas aplicações no local
de seu exercício profissional.
• Resolução CFM nº 1.886, de 13 de novembro de 2008, dispõe sobre as normas míni-
mas para o funcionamento de consultórios médicos e dos complexos cirúrgicos para
procedimentos com internação de curta permanência. Esta resolução classifica os
estabelecimentos em unidades tipos I, II, III e IV. Para procedimentos em pediatria,
quando a utilização de anestesia geral é necessária, as unidades tipos III e IV são mais
bem indicadas.
• Resolução CFM nº 1.670, de 11 de julho de 2003, orienta que a sedação profunda só pode
ser realizada por médicos qualificados em ambientes que ofereçam condições seguras
para tal; devendo o profissional responsável pela sedação garantir essas condições.
• Resolução CFM nº 1.802, 4 de outubro de 2006, dispõe sobre a prática do ato anes-
tésico, sobre a obrigatoriedade da avaliação pré-anestésica (salvo em situações de ur-
gência), vigilância sobre o paciente e atenção quanto à monitorização obrigatória e a
adequada documentação em prontuário.

Referências
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Abordagem para cirurgia ambulatorial | 159


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160 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Capítulo 12

Anestesia fora do centro cirúrgico


para pacientes pediátricos
Maria Célia Ferreira da Costa
Milton Halyson Benevides de Freitas
Bruno José Aliano Costa
Anestesia fora do centro cirúrgico para pacientes pediátricos

Introdução
As inovações tecnológicas inseridas na medicina têm permitido a execução de múltiplos
procedimentos, sejam invasivos ou não, fora do centro cirúrgico, proporcionando aos pa-
cientes um tratamento mais eficaz, econômico e confortável. Esses procedimentos são cada
vez mais frequentes e os anestesiologistas estão sendo mais requisitados, por causa da ne-
cessidade de imobilidade, analgesia e conforto dos pacientes. Diferentemente da população
adulta, que é cooperativa, a população pediátrica necessita de sedação ou anestesia geral.
Existe uma diferença entre os países, em relação aos profissionais autorizados a realizar a se-
dação e anestesia fora do centro cirúrgico. No Brasil, apenas médicos são autorizados a realizar
sedação, sendo os anestesiologistas responsáveis pela anestesia na maioria dos procedimentos
e intervenções, o que muito contribui para a qualidade e segurança nessas áreas. Lembramos
a Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) 1802/20061. É ato atentatório à ética
médica a realização simultânea de anestesias em pacientes distintos pelo mesmo profissional.
Da mesma forma, médicos de outras especialidades que obtiveram autorização do CFM para
a realização da sedação para procedimentos não devem realizar, de forma simultânea, o proce-
dimento e a sedação, devendo estar presentes dois profissionais distintos.
Para a prática da anestesia pediátrica fora do centro cirúrgico é fundamental a compreen-
são da fisiologia dessa população, da farmacologia das medicações, do procedimento que
será realizado e seguimento preciso de guidelines para a prevenção e tratamento de compli-
cações, além da consulta a listas de verificação e melhoria da comunicação durante o proce-
dimento. Além disso, para garantir qualidade aos procedimentos realizados em ambientes
fora do centro cirúrgico, faz-se necessário seguir regulamentações específicas para atingir
um padrão organizacional e estrutural adequados para assistência a saúde.

Qualidade e segurança nas áreas fora do centro cirúrgico


A qualidade na assistência à saúde significa fazer o certo, para todos os pacientes, du-
rante todo o tempo. As áreas fora do centro cirúrgico representam o maior desafio na
prestação de um cuidado seguro de saúde, incluindo a realização da anestesia. O ideal é
assegurar, nas áreas fora do centro cirúrgico, os mesmos padrões de qualidade existentes
nas salas de cirurgia1.
De acordo com o Institute of Medicine (IOM), existem seis objetivos para a melhoria
dos cuidados da saúde: que seja seguro, efetivo, centrado no paciente, oportuno, eficiente
e equitativo2 . Os casos efetivados fora do centro cirúrgico estão prontos para atingir esses
objetivos, já que são mais curtos, menos invasivos e permitem uma alta hospitalar precoce
pelo retorno da função ao nível pré-operatório de forma mais rápida2 .
Os vários procedimentos ou exames diagnósticos realizados fora do centro cirúrgico
requerem vários níveis de sedação ou analgesia. Alguns exames de imagem só necessitam
imobilidade, pois são indolores. Outros, de intervenção, necessitam de analgésicos intraope-
ratórios e pós-operatórios.

162 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


A primeira prioridade deve ser a segurança do paciente, sempre2 . Para isso, é indispensá-
vel conhecer seu histórico médico, assim como otimizar as condições clínicas pré-operató-
rias. O anestesiologista deve ser um participante ativo em prover garantias de qualidade a
esses pacientes, tanto no pré-operatório quanto no intraoperatório e no pós-procedimento3.
Estrutura para anestesia fora do centro cirúrgico
A localização onde os procedimentos fora do centro cirúrgico são realizados é projetada
para determinada subespecialidade4. A estrutura para a realização da anestesia é pensada
e realizada posteriormente, embora esta seja uma tendência em modificação. O ideal é que
o anestesiologista participe do planejamento, com o objetivo de maximizar a segurança e
eficiência da área de trabalho.
As salas fora do centro cirúrgico trazem grandes mudanças para o anestesiologista por
vários motivos. A falta de fácil acesso ao paciente por conta do equipamento de imagem é o
principal problema. Muitas vezes, acrescenta-se dificuldade por trabalhar com pessoas não
familiarizadas com o ambiente e sem conhecimento da correta localização dos equipamen-
tos e das rotinas da anestesia5.
No planejamento e na montagem das salas, devem ser observadas as instalações como
um todo. Por exemplo, de preferência, a ressonância magnética deve estar localizada no tér-
reo. Outros equipamentos de imagem podem estar localizados em níveis em que possam ser
acessados por cima e por baixo, para verificação de cabos elétricos, dos aparelhos e para a
realização de serviços. Além disso, as constantes atualizações e expansões dos equipamen-
tos médicos devem estar previstas6.
Durante o planejamento, os seguintes itens devem ser considerados6:
1. Fonte de oxigênio, preferencialmente canalizada da fonte central.
2. Uma fonte de sucção, preferencialmente também central e com os mesmos padrões do
centro cirúrgico.
3. Sistema de eliminação de gases inalatórios.
4. Uma bolsa de ressuscitação autoinflável, drogas anestésicas e equipamentos, monito-
res multiparamétricos e aparelho de anestesia.
5. Um número adequado de tomadas elétricas aterradas para que os equipamentos sejam
ligados sem interferências cruzadas.
6. Iluminação adequada do paciente e do equipamento de anestesia.
7. Que haja espaço suficiente para acesso ao paciente por toda a equipe, além da adequa-
da disposição dos equipamentos de imagem e anestesia.
8. Um carro de emergência, com desfibrilador, medicamentos de urgência e equipamen-
tos de resgate.
9. Pessoal treinado para ajudar o anestesiologista e demais profissionais, todos atentos à
necessidade de adequada comunicação entre a equipe.
10. Verificação de normas de segurança aplicáveis à construção e às instalações.
11. Possuir área de cuidados pós-anestésicos apropriados, incluindo pessoal e equipamento.
As salas de procedimentos devem ter montagem equivalente às localizadas no centro
cirúrgico, incluindo os gases medicinais, que devem ser canalizados de fonte central, com
dois conjuntos de suprimentos, um para o anestesiologista e outro para o intervencionista6.

Anestesia fora do centro cirúrgico para pacientes pediátricos | 163


O sistema de ventilação pode ser por recirculação ou não ou por uma combinação dos
dois. No sistema por recirculação, o ar da sala fica sempre retornando, sem muita renova-
ção. Caso todo o ar introduzido na sala de cirurgia seja novo, de fora, esse sistema é por
não recirculação. No sistema por recirculação, a colocação de um filtro de alta eficiência
(HEPA – high-efficiency particulate air) no ducto de retorno pode remover 99,97% de todas
as partículas maiores que 0,3µm do ar. Para limitar a exposição do pessoal de sala aos gases
desperdiçados, o ideal é que o sistema de ventilação troque o ar pelo menos 15 vezes, com
um mínimo de três trocas de ar fresco por hora6.
As áreas fora do centro cirúrgico são frequentemente escuras, às vezes com necessidade
de luzes apagadas para interpretação mais fácil e correta das imagens diagnósticas. Luzes de
brilho adequado são necessárias para o anestesiologista e as enfermeiras, para evitar erros
de administração de drogas, de material e preenchimento de relatórios. O ideal é que seja
incluída no planejamento da sala a colocação de luzes em separado para os profissionais
presentes. Por conta do aumento do uso da tecnologia nas salas de cirurgia, deve haver uma
quantidade suficiente de tomadas. Embora o recomendado sejam apenas oito tomadas, o
ideal é que existam mais6.
A temperatura da sala deve ser a ideal para proteger os equipamentos. A ressonância
magnética e a tomografia computadorizada devem ser mantidas em ambiente de 18°C a
22°C, que pode provocar hipotermia aos pacientes, mesmo em exame relativamente rápido.
O ideal seria que a sala fosse mantida numa temperatura entre 20°C e 22,8°C durante cirur-
gias e procedimentos. Resfriamento e aquecimento devem estar previstos durante o plane-
jamento da sala. Para os pacientes, os aquecedores de ar forçado devem ser considerados,
assim como o aquecedor de líquidos intravenosos, em caso de possível hemotransfusão6.
É necessário que exista uma sala de recuperação da anestesia anexa a cada setor, onde
sejam realizados procedimentos fora do centro cirúrgico. O objetivo é evitar riscos nos lon-
gos transportes em direção à sala de recuperação do centro cirúrgico. Essa sala de recupe-
ração em local remoto deve estar equipada e seguir os mesmos padrões das salas dos blocos
convencionais.
Embora os pacientes submetidos a procedimentos fora do centro cirúrgico desenvolvam
ocasionalmente alguma complicação, deve haver planejamento para admissão hospitalar,
quando necessário. Essas admissões hospitalares não planejadas devem estar previstas nos
protocolos, incluindo a necessidade de transporte e monitoramento.

Normas para anestesia fora do centro cirúrgico


A realização de anestesia fora ou no centro cirúrgico é regulamentada no país de acordo
com as Resoluções 1.802/20061 e 1.886/20087. Nelas estão contidas as condições mínimas
para a prática do ato anestésico, de infraestrutura e equipamentos que devem estar disponí-
veis, atentando-se para os três seguintes itens:
1) Formulário Pré-Anestésico – além da idade e do peso, devem-se avaliar o tempo de
jejum; as medicações em uso; a história de alergias ou reações alérgicas prévias; o pas-
sado anestésico-cirúrgico; comorbidades ou anormalidades físicas; o desenvolvimento
neurológico normal ou com retardo, que possa aumentar o risco de obstrução de via

164 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


aérea, como história de roncos ou apneia obstrutiva do sono8. O motivo da realização do
procedimento deve estar claro. No exame físico, uma revisão dos sistemas com foco em
possíveis anormalidades cardíaca, pulmonar, renal e hepática que possam alterar a res-
posta esperada às medicações analgésicas e sedativas. A determinação de sinais vitais,
frequência cardíaca, pressão arterial, temperatura deve ser realizada e registrada. Quan-
do a criança não é cooperativa e os sinais vitais não puderem ser registrados, anotar no
documento da criança essa ocorrência. Um exame físico da via aérea (anatomia normal,
presença de hipertrofia das amígdalas palatinas) deve ser realizado, para verificar um
possível risco de obstrução. Finalmente, o estado físico da criança deve ser determinado
segundo a ASA (American Society of Anesthesiologists).
2) Ficha Anestésica – devem-se registrar as medicações administradas, os parâme-
tros monitorizados, a descrição da técnica anestésica utilizada e a presença ou
não de intercorrências.
3) Recuperação Pós-anestésica – registrar os parâmetros monitorizados e as condições
de alta.
O lugar em que for realizada anestesia fora do centro cirúrgico deve ter disponibilidade
de equipamentos para monitorização e resgate do paciente9. Um kit de emergência deve estar
imediatamente acessível, com medicamentos e equipamentos disponíveis para todos os ta-
manhos e idades, com o objetivo de ressuscitar um paciente inconsciente e apneico. Também
deve permitir a provisão de suporte à vida durante a transferência de um setor do hospital para
outro. Esse kit deve ser verificado de forma programada e periódica, incluindo desfibrilador,
monitores e todos os equipamentos necessários e usados durante uma emergência.
Objetivos e graus de sedação
O plano de sedação ideal deve atingir os seguintes objetivos: reduzir o medo e a ansie-
dade (na criança e nos pais); realizar a imobilização necessária para o procedimento, bem
como a inconsciência e redução de traumas psicológicos; reduzir dor e desconforto físico e
garantir a segurança e o bem-estar do paciente.
Existem quatro níveis de sedação que representam um espectro contínuo9, podendo os
estágios serem inesperadamente intercambiáveis: sedação leve, sedação moderada, sedação
profunda e anestesia geral (Tabela 1). As crianças podem facilmente passar de um nível de
sedação para outro, daí a necessidade da presença de profissional capacitado e especializado
no atendimento, em especial, dessa faixa etária.
A habilidade da criança em cooperar depende da idade cronológica e do desenvolvimento
cognitivo. Frequentemente, crianças com idade abaixo de 6 anos ou com retardo no desenvol-
vimento requerem planos profundos de sedação para controle comportamental. Para crianças
maiores e cooperativas, podem ser tentadas outras técnicas de distração e redução de sedação
farmacológica, como presença paterna, conversa, brincadeiras e imaginação guiada10.
Em alguns procedimentos, como biopsias guiadas, o uso de anestésicos locais associados
à sedação é benéfico ao paciente, com redução da profundidade da anestesia necessária e
provimento de analgesia. Porém, uma atenção particular deve ser dada à dosagem em crian-
ças muito pequenas, pelo risco de depressão cardíaca e excitação ou depressão do sistema

Anestesia fora do centro cirúrgico para pacientes pediátricos | 165


nervoso central. O médico anestesiologista deve calcular a dose máxima e orientar as dilui-
ções necessárias.
A profundidade anestésica necessária varia de acordo com: o estímulo do procedimento,
o grau de ansiedade do paciente e comorbidades. O ideal, em crianças, é que o nível de seda-
ção permaneça entre moderado e profundo, o que acontece apenas em 50% a 70% dos casos.
Lembrar que procedimentos dolorosos ou que necessitem de completa imobilidade (p. ex.:
radioterapia) devem ser realizados sob sedação profunda. A realização de procedimentos
sob sedação leve ou moderada em crianças é quase um mito, embora possa ser tentada em
algumas ocasiões.
Tabela 1: Graus de sedação
Sedação Sedação
Fatores Sedação leve Anestesia geral
moderada profunda
Responsividade Resposta normal Apresenta Apresenta Não despertável,
aos comandos resposta à resposta à mesmo com
verbais estimulação estimulação estímulos
verbal ou tátil repetida ou à dor dolorosos
Via aérea Não afetada Afetada, porém Pode ser Intervenção
não necessita de necessária a frequentemente
intervenção intervenção necessária
Ventilação Não afetada Adequada Pode ser Frequentemente
espontânea inadequada inadequada
Função Não afetada Usualmente Usualmente Pode estar
cardiovascular mantida mantida prejudicada

Sedação leve (mínima ou ansiólise) – estado induzido por drogas durante o qual os pa-
cientes respondem a comandos verbais. Embora a função cognitiva e a coordenação possam
estar prejudicadas, as funções respiratória e cardiovascular não são afetadas.
Sedação moderada (anteriormente sedação consciente ou sedação/analgesia) – é uma
depressão da consciência induzida por drogas na qual os pacientes respondem a comandos
verbais ou leve estimulação tátil. Não são necessárias intervenções para manter a via aérea
patente e a ventilação espontânea é adequada.
Sedação profunda – depressão da consciência induzida por drogas durante a qual os
pacientes não podem ser facilmente despertados, mas respondem depois de repetidos estí-
mulos verbais ou estimulação dolorosa. O estado e os riscos da sedação profunda podem ser
indistinguíveis daqueles de anestesia geral.
Anestesia geral – depressão da consciência induzida por drogas na qual os pacientes
não são despertados nem mesmo com estímulos dolorosos, com necessárias intervenções
para a manutenção da via aérea e ventilação espontânea, podendo a função cardiovascular
estar prejudicada.
A escala de sedação de Ramsay, descrita em 1974 e recentemente modificada (Tabela 2)
para se adaptar aos guidelines da Joint Commission, continua sendo a mais usada para avaliar
e monitorizar a sedação na prática diária. O escore de 2-3 corresponde à ansiólise, 4-5 é
sedação moderada, 6 corresponde à sedação profunda, 7-8 é anestesia geral.

166 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Tabela 2 – Escala de Ramsay modificada
Escore Características
1 Acordado e alerta, com ou sem prejuízo cognitivo mínimo.
2 Acordado e tranquilo; dá respostas intencionais ao comando verbal em conversa normal.
3 Parece sonolento; dá respostas intencionais ao comando verbal em conversa normal.
4 Parece sonolento; dá respostas intencionais ao comando verbal em tom de voz mais
alto que uma conversa normal ou requer leve toque na glabela.
5 Sonolento; dá respostas intencionais lerdas; responde apenas a comandos verbais altos
ou fortes toques na glabela.
6 Sonolento; dá respostas intencionais lerdas; responde apenas a estímulos dolorosos.
7 Sonolento; apresenta ref lexo de retirada apenas aos estímulos dolorosos (sem
respostas intencionais).
8 Irresponsivo aos estímulos externos, incluindo dor.

Seleção do paciente
Os pacientes classificados como ASA I e II são considerados os mais adequados para a
realização da sedação fora do centro cirúrgico. Crianças classificadas como ASA III e IV,
portadoras de necessidades especiais, com anormalidades anatômicas e com hipertrofia im-
portante da amígdala palatina requerem atenção especial e individualizada, principalmente
para sedações moderadas ou profundas.
A Resolução CFM 1.8867 dispõe sobre as “normas mínimas para o funcionamento de
consultórios médicos e dos complexos cirúrgicos para procedimentos com internação de
curta permanência”. Segundo essa resolução, as cirurgias com internação de curta perma-
nência são todos os procedimentos clínico-cirúrgicos (com exceção daqueles que acompa-
nham os partos) que, pelo seu porte, dispensam o pernoite do paciente e, caso este ocorra, o
tempo de permanência do paciente no estabelecimento não deverá ser superior a 24 horas.
Essa resolução, em seu artigo 3º, § 2, define as contraindicações para a realização de ci-
rurgias e procedimentos de curta permanência hospitalar:
• os pacientes são portadores de distúrbios orgânicos de certa gravidade, avaliados a
critério do médico assistente;
• os procedimentos a serem realizados são extensos;
• há grande risco de sangramento ou outras perdas de volume que necessitem de repo-
sição importante;
• há necessidade de imobilização prolongada no pós-operatório;
• os procedimentos estão associados a dores que exijam a aplicação de narcóticos, com
efeito por tempo superior à permanência do paciente no estabelecimento.
Em seu artigo 3º, § 3, encontra-se que a cirurgia ou procedimento deverá ser suspenso se
o paciente se apresentar ao serviço sem a companhia de uma pessoa que se responsabilize
por acompanhá-lo durante todo o tempo da intervenção cirúrgica e no retorno ao lar. Ape-
sar de essa norma já ser uma prática rotineira no atendimento pediátrico, deve ser reforçada.
Para crianças que ainda são transportadas em cadeiras de segurança no banco traseiro do
carro, o ideal é que sejam acompanhadas por dois adultos, um dos quais permaneceria pró-
ximo à criança durante o transporte, pelo risco de ressedação e obstrução respiratória.

Anestesia fora do centro cirúrgico para pacientes pediátricos | 167


Durante o processo de preparação do ato anestésico, a idade e o peso da criança vão
determinar o tamanho dos equipamentos: lâmina do laringoscópio; tubo traqueal; máscara
facial; cateter IV e dosagem das medicações. A seleção do tubo traqueal inclui separar o
tubo um número maior e um menor do que o calculado11.
O anestesiologista que pratica a sedação fora do centro cirúrgico deve ter equipamentos e
pessoal disponíveis para gerenciar situações de emergência e resgate. A maioria das complica-
ções envolve comprometimento das vias respiratórias ou depressão da respiração, resultando
em obstrução respiratória, hipoventilação, hipoxemia e apneia12. Quando não diagnosticados,
podem resultar em hipotensão e parada cardiorrespiratória. Outras complicações mais raras
envolvem convulsões e reações alérgicas, devendo o anestesiologista estar preparado para
tratar tais eventos. Um protocolo de emergência que demonstre o esboço de procedimentos
necessários para uso imediato, assim como acesso ao serviço de ambulância e pronto aten-
dimento pela equipe de resgate do hospital, deve estar disponível. Deve ser lembrado que o
atendimento pela equipe de resgate do hospital não substitui a responsabilidade do anestesio-
logista em prestar o atendimento inicial, especialmente nas complicações com risco de vida.
Os protocolos de jejum para procedimentos radiológicos ou endoscópicos seguem os mes-
mos princípios dos procedimentos cirúrgicos (Tabela 3)9. Estudos mais recentes visando reduzir
o catabolismo estimulam a ingesta de soluções de carboidratos até duas horas antes do procedi-
mento14. Cuidado especial deve-se ter para exames que precisam da ingesta de contraste oral, já
que o período ideal para aquisição de imagens varia de 60-90 min após a ingesta do contraste.
Em procedimentos de urgência, com recente ingesta de líquidos e alimentos por parte do
paciente, devem-se avaliar os riscos da sedação e broncoaspiração contra os benefícios da rea-
lização imediata do procedimento. Pacientes que se alimentaram recentemente ou com outros
fatores de risco conhecidos para aspiração broncopulmonar, como trauma, inconsciência,
gravidez, obesidade ou disfunção da motilidade intestinal, requerem avaliação rigorosa do
risco benefício do procedimento, devendo ser usada sedação efetiva a mais leve possível, com
agentes que tenham menor risco de depressão dos reflexos protetores de vias aéreas.
Tabela 3: Tempo de jejum perioperatório
Alimento Tempo (h)
Líquido sem resíduos – qualquer idade 2
Leite materno 4
Fórmulas de alimentos infantis 6
Leite não humano em crianças de 6 meses a 3 anos 6
Leite não humano em crianças com mais de 3 anos 8
Refeição leve (chá com torradas) 6
Refeição pesada (frituras, gorduras) 8
A monitorização do paciente deve ser feita com: oximetria de pulso; capnografia; car-
dioscopia e PNI. Para procedimentos mais simples, existe a possibilidade de se utilizarem
apenas oximetria e capnografia.
Quando se induz anestesia em crianças, geralmente inicia-se com anestésico inalatório
para poupá-los do desconforto da punção venosa acordados. Como exceção, crianças que

168 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


apresentem algum fator de risco para broncoaspiração ou patologias que se devam evitar o
uso dos anestésicos inalatórios.
Seleção de medicações
Como grande parte dos procedimentos fora do centro cirúrgico são realizados em cará-
ter ambulatorial, é importante o cuidado na escolha das medicações dando-se preferência a:
• medicações com meia-vida de eliminação mais curta;
• medicações que não deixem sedação residual importante;
• medicações que provoquem mínimas náuseas e vômitos;
• medicações que propiciem rápida recuperação anestésica, não retardando a alta hospitalar.
Na Tabela 4, encontram-se doses, duração de ação e propriedades das medicações.
Tabela 4 – Doses, duração de ação e propriedades das medicações
Droga Dose Início e duração de ação Comentários
Hidrato de cloral 50-100 mg/kg VO Início: 10-20 min Medicação de uso
Efeito máximo: 30-60 min exclusivamente oral
Duração: 4-8 horas Sedação prolongada
Midazolam 0,5-0,75 mg/kg VO VO: início 10-20 min; duração Várias vias de administração
0,025-0,5 mg/kg IV 1-2 h Cuidado na associação com
0,2-0,3 mg/kg Intranasal IV: início 1-3 min; duração 20-30 outras drogas
0,1-0,15 mg/kg IM min A via intranasal causa ardor
Intranasal: início 5 min; duração Pode haver reação paradoxal
30-60 min
IM: início 5 min; duração 2-6 h
Fentanil 1-3 mcg/kg IV Início: 1-3 min Usado como adjuvante em
Duração: 30-60 min sedações para procedimentos
dolorosos
Risco de apneia quando
associado a outras drogas
Cetamina 6-10 mg/kg VO VO: início 30 min Mantém drive respiratório a
3-7 mg/kg IM IM: início 3-4 min; duração não ser que combinado com
1-2 mg/kg IV 15-30 min outras drogas
IV: início 30 seg; duração 5-10 Propriedades analgésicas
min Pode causar alucinações e
delírios
Aumento de secreções orais
Dexmedetomidina Ataque: 0,5-1 mcg/kg em Início lento de ação, necessitando Mantém drive respiratório
infusão por 10 min IV geralmente do ataque Propriedades analgésicas
Manutenção: 0,2-1 mcg/ Risco de bradicardia
kg/hora IV
Propofol 1-3 mg/kg bolus IV Início: 30 segundos Deve ser usado por
Infusão: 100-200 mcg/kg/ Duração: 3-10 min a depender profissionais com prática
min IV da dose no manejo de vias aéreas/
intubação
Dor à injeção
Pode facilmente levar à perda
da patência da via aérea e
induzir anestesia geral
Sevoflurano 2-3% em mistura com Rápido início Perda dos reflexos de via aérea
oxigênio Necessita fluxo contínuo Aumento do risco de
laringoespasmo em níveis
superficiais de anestesia
Uso exclusivo por
anestesiologistas

Anestesia fora do centro cirúrgico para pacientes pediátricos | 169


Procedimentos endoscópicos
Procedimentos endoscópicos podem ser realizados tanto para exames diagnósticos como
terapêuticos e como ferramenta prognóstica. Como exemplo, podemos citar esofagogastro-
duodenoscopia, ultrassom endoscópico, colangiopancreatografia endoscópica retrógrada,
gastrostomia endoscópica e colonoscopia.
A endoscopia do trato gastrointestinal tem se tornado um procedimento comumente
solicitado pelos gastroenterologistas pediátricos. Nos últimos 15 anos, o volume de exames
aumentou em duas a quatro vezes na população adulta e a utilização de serviços de anestesia
para a realização desses procedimentos subiu em torno de 35% na última década. A sedação
provida por anestesiologistas tem um papel crucial na eficácia e segurança do procedimento
e do paciente, em sua satisfação e alta mais precoce. Tanto procedimentos do trato gastroin-
testinal superior quanto inferior são associados com estimulação significativa, necessitando
sedação profunda ou anestesia geral em lactentes e crianças. A maior parte das complica-
ções nesses procedimentos é devida a problemas respiratórios como apneia, laringoespas-
mo, obstrução de via aérea, broncoaspiração, broncoespasmo e hipoxemia. Complicações
inerentes ao procedimento também podem acontecer: perfuração (1-5 por 10.000 exames
diagnósticos), sangramento, lesão dentária, embolia aérea.
A escolha do tipo de anestesia e as drogas utilizadas dependerão de fatores como condi-
ção clínica do paciente, o tipo específico de procedimento e sua duração prevista.
Esofagogastroduodenoscopia (EGD)
Lactentes menores de 1 ano ou 10 kg geralmente se beneficiam de anestesia geral com
intubação traqueal, visto que, nessa idade, o diâmetro do gastroscópio pediátrico compri-
me a musculatura da traqueia, levando à obstrução de vias aéreas e hipoxemia. Entretanto,
poucos estudos incluem a população pediátrica dessa faixa etária, razão pela qual há poucos
dados sobre o assunto. Alguns autores sugerem que a intubação traqueal poderia ser dispen-
sada em lactentes maiores que 6 meses ou 6-7 kg se o endoscopista usar o menor diâmetro
de sonda de endoscopia disponível.
A passagem do endoscópio pela cavidade oral limita o acesso à via aérea durante o pro-
cedimento e, caso a opção recaia sobre sedação ou anestesia geral sem intubação traqueal,
deve-se manter a ventilação espontânea durante o procedimento, visto que qualquer in-
tervenção vai requerer a remoção do endoscópio da sua localização. Os dois momentos de
maior estimulação durante a EGD são a passagem transoral e transpilórica da sonda endos-
cópica. Após o posicionamento adequado, a profundidade anestésica pode ser diminuída
sem prejuízo para a realização do exame.
Em crianças mais velhas, a anestesia tópica da cavidade orofaríngea juntamente com
sedação costuma ser eficaz para a realização do procedimento. Procedimentos mais longos
e complexos, como colangiopancreatografia endoscópica retrógada, gastrostomia endoscó-
pica percutânea para tratamento de varizes esofágicas e ultrassom endoscópico, costumam
ser realizados sob anestesia geral com intubação traqueal.
O exame costuma ser feito em decúbito lateral esquerdo e é importante ter cuidado no
posicionamento para evitar lesões e compressões nervosas. Ao término do procedimento

170 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


deve-se ter em mente que podem ocorrer distensão abdominal como resultado do ar insufla-
do no estômago e incursões diafragmáticas, o que leva a hipoventilação e episódios de des-
saturação. O endoscopista deverá, ao término do procedimento, aspirar todo o ar residual
contido no estômago para limitar tal efeito.
Um relato que observou mais de 10 mil procedimentos endoscópicos pediátricos em qua-
tro anos encontrou uma taxa de complicação geral de 2,3%, com 79,9% dessas complicações de
natureza cardiopulmonar e 18,8%, gastrointestinais; o restante abrangia outras complicações,
como sedação prolongada e reações adversas a droga. As crianças que mais apresentaram com-
plicações foram as mais jovens e com maior estado físico pela classificação ASA. A anestesia
geral teve uma taxa de complicação menor (1,2%) que sedação intravenosa (3,7%)13.
Colonoscopia
Durante a colonoscopia, as vias aéreas superiores permanecem livres ao acesso do anes-
tesiologista, facilitando a escolha por sedação profunda ou anestesia geral, costumeiramen-
te sem necessidade de intubação traqueal. Os momentos de maior estimulação costumam
ser durante a passagem da sonda pela flexura esplênica, hepática e transição para ceco, sendo
necessário ajuste de dose previamente a tais estímulos. Importante distensão abdominal
pode acontecer por insuflação de ar para guiar o colonoscópio, sendo encorajada a aspiração
de todo o ar residual ao término do procedimento.

Radiologia intervencionista e neurorradiologia


A radiologia intervencionista tem evoluído muito na última década, tornando várias
patologias cujos tratamentos eram apenas cirúrgicos a céu aberto em procedimentos mi-
nimamente invasivos. Os procedimentos mais comuns incluem angiografia diagnóstica,
embolização de má-formação vascular, fístulas e clipagem de aneurismas.
Apesar de ser relativamente indolor, a anestesia geral é a anestesia de escolha na grande
maioria dos casos, pois o controle da movimentação é imprescindível e, mesmo procedi-
mentos mais simples, como angiografias, necessitam de imobilidade dificilmente adquirida
com planos mais superficiais de sedação. Alterações no fluxo sanguíneo cerebral podem pre-
judicar a qualidade do procedimento, cabendo ao anestesiologista manejar essas alterações.
Hipercapnia controlada promove vasodilatação cerebral, podendo reverter vasoespasmos e
facilitar o acesso e visualização da vasculatura para o radiologista. Além disso, alguns exa-
mes necessitam de apneia para melhor aquisição de imagens, sendo a anestesia geral com
controle dos parâmetros ventilatórios a melhor opção para tais procedimentos.

Cateterismo cardíaco
Com a evolução de outros procedimentos menos invasivos, como ecocardiograma, vem
ocorrendo diminuição relativa dos cateterismos cardíacos puramente diagnósticos, sendo
reservados aos casos em que as imagens não invasivas foram inconclusivas ou um detalha-
mento vascular mais preciso se faz necessário.
Cateterismo diagnóstico permite documentação das pressões em todas as câmaras car-
díacas. A interpretação desses dados hemodinâmicos auxilia na quantificação dos graus de

Anestesia fora do centro cirúrgico para pacientes pediátricos | 171


shunts intracardíacos e nas resistências dos leitos vasculares. Essa informação é necessária
para avaliar a possibilidade de realização de cirurgias curativas ou paliativas para crianças
com cardiopatias congênitas
Durante um cateterismo cardíaco diagnóstico, os parâmetros hemodinâmicos devem
permanecer o mais próximo possível dos observados com a criança não anestesiada para
melhor avaliação da fisiopatologia da doença cardíaca. Manter condições fisiológicas ideais,
como normotermia, normoglicemia e hidratação. A concentração inspirada de oxigênio
deve ser a menor possível, de preferência ar ambiente, para evitar mudanças no padrão basal
das resistências vasculares. Manter a ventilação espontânea é desejável, pois a ventilação
controlada pode causar modificações das pressões intratorácicas, da vasculatura pulmonar,
intracardíacas e alterar shunts.
Num cateterismo intervencionista, diversos procedimentos vêm ganhando cada vez
mais espaço no escopo terapêutico das cardiopatias congênitas, como fechamento de defei-
to de septos, oclusão do canal arterial, stent no canal arterial, atriosseptostomia, dilatação de
estenoses de valva pulmonar e aórtica.
Lembrar que uma cirurgia aberta emergencial pode vir a ser necessária em caso de com-
plicações. Perfuração cardíaca, tamponamento cardíaco, rompimento de vasos, desloca-
mento de stents são possibilidades a serem aventadas.
Por serem procedimentos mais complexos e se beneficiarem de imobilidade absoluta
durante certas etapas, a anestesia geral com intubação traqueal e ventilação controlada cos-
tumam ser preferidas.

Radiologia diagnóstica

Tomografia computadorizada – TC
A tomografia computadorizada (TC) é um método de diagnóstico por imagem que en-
volve a utilização de radiação ionizante para diferenciar estruturas de alta densidade (como
cálcio, ferro, osso) e as de baixa densidade (como oxigênio, nitrogênio, gordura, músculo).
Pelo fato de a TC formar imagens de corte em alguns segundos (5 a 50 segundos por sequên-
cia), é possível realizar o exame em crianças cooperativas ou utilizando técnicas de distração.
Crianças menores de 6 meses geralmente necessitam de sedação ou anestesia geral. A indução
anestésica deve ser feita na presença dos pais, diminuindo, assim, a ansiedade. A técnica inala-
tória ou venosa pode ser utilizada, com a diferença de a primeira resultar em maior agitação ao
despertar. O sevoflurano constitui boa indicação como agente inalatório por sua rapidez de in-
dução e recuperação. Na maioria dos exames, a ventilação espontânea poderá ser mantida sob
máscara facial. Em alguns casos, será necessário o uso de máscara laríngea ou até a intubação
orotraqueal. Quando utilizado propofol, a dose para evitar movimento involuntários situa-se
em trono de 100 µg/kg/min ou um alvo de 2 µg/ml, com índice de depressão respiratória
perto de 20%, mas raramente sendo necessário intubação traqueal14. Uma técnica adotada em
lactentes é a “feed and swaddle”, que consiste em amamentar a criança e, ao adormecer, colo-
cá-la no tubo do scanner, prendendo-a com uma cinta. Em um estudo observacional com 24
lactentes, conseguiu-se realizar o exame com êxito em 96% destes15.

172 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Em virtude do deslizamento da mesa para o interior do aparelho, equipos de soro, tubos
de ventilação e cabos de monitores poderão ser acotovelados, prensados ou desconectados;
portanto, esses materiais devem estar dispostos corretamente para permitir livre movimen-
tação da mesa ao longo do exame. Uma vez começado o exame, o anestesiologista permane-
cerá fora da sala, devendo ter acesso visual ao paciente e a todos os monitores.
Em algumas situações, o paciente pediátrico necessita ingerir contraste oral antes da
realização da TC, para opacificar o estômago ou o intestino. O contraste, que é hipertônico
e hiperosmolar (Gastrofin 3%), deve ser diluído para uma concentração menor (1,5-2,5%),
reduzindo o risco de edema pulmonar e pneumonite química em caso de broncoaspiração.
O volume ingerido é grande: neonatos chegam a receber 60 a 90 mL e crianças de 1-5 anos
recebem entre 250-350 mL. O tempo necessário para a realização do exame após ingestão
do contraste é de 60 a 90 min, o que significa dizer que as crianças estão de estômago cheio
e o exame deve ser realizado com o contraste ainda no trato gastrintestinal. Apesar do gran-
de volume de contraste ingerido e quebra do jejum, uma revisão da literatura dos últimos
35 anos encontrou poucos episódios de broncoaspiração em adultos e um em criança, en-
tretanto, sem sequelas16-18. Não há relatos de qual técnica anestésica é mais adequada para
reduzir o risco de aspiração, utilizando tanto sedação quanto anestesia geral com intubação
em sequência rápida19.
Outra peculiaridade são os exames de vias aéreas e cardíacos, que necessitam de apneia.
Os exames cardíacos principalmente são desafiadores, já que, em alguns casos, é requisitada
uma pausa da função cardíaca para a aquisição das imagens através do uso de adenosina20.

Ressonância nuclear magnética – RNM


A ressonância magnética (RNM) consiste num exame de diagnóstico clínico por ima-
gem com a finalidade de avaliar diferentes partes do corpo humano, por meio da utilização
de campo magnético. A imagem da ressonância é obtida pelo processo de alinhamento dos
prótons de hidrogênio, presente nos átomos do corpo humano21.
A RNM não utiliza radiação, mas o aparelho tem um potente campo magnético capaz
de atrair objetos ferromagnéticos, e os pacientes devem ser examinados cuidadosamente.
Pequenos objetos como chaves, canetas e moedas podem se comportar como projéteis, co-
locando em risco o paciente, a equipe da sala e o próprio equipamento. Uma nomenclatura
a respeito da segurança de diversos objetos foi padronizada pela American Society for Testin-
gand Materials (ASTM)22: MR Safe é o item que não apresenta risco; MR Condicional é o
item não apresenta risco se orientações específicas forem seguidas e MR Unsafe é o item que
apresta um risco conhecido (Figura 1).
A maior parte dos implantes e material ortopédico, otológico e ocular não é ferromag-
nético e é considerada MR Safe. Stents, clipes e próteses cardíacas são MR Conditional e
se tornam firmemente incorporados no tecido seis semanas depois de colocados, portanto,
é improvável que esses objetos sejam movidos. Marca-passos e cardiodesfibriladores im-
plantáveis modernos são constituídos por materiais não ferromagnéticos, considerados MR
Conditional. Por meio do site www.mrisafety.com pode-se buscar a classificação do material
e as recomendações que devem ser seguidas23.

Anestesia fora do centro cirúrgico para pacientes pediátricos | 173


Figura 1 – Etiquetas de segurança dos objetos levados para a Zona IV da RM criada pela ASTM 24

O campo magnético não fica restrito apenas ao túnel, estende-se por muitos metros e
possivelmente pode interferir no funcionamento de aparelhos eletroeletrônicos localizados
próximos. Em outubro de 2014, a ASA publicou Task Force on Anesthetic Care for Magnetic
Resonance Imaging25, em que divide o ambiente da RM em zonas de segurança (Figura 2):
• Zona I: essa região inclui todas as áreas que são livremente acessíveis ao público em
geral.
• Zona II: essa área é a interface entre o local do público, Zona I (não controlada), e as
zonas estritamente controladas III e IV.
• Zona III: essa área é a região em que o livre acesso do público, objetos ferromag-
néticos ou equipamentos que podem resultar em ferimentos graves ou morte como
resultado da interação com o campo magnético. Na Zona III, devem ser marcadas
como sendo potencialmente perigosas as áreas dentro das quais a força do campo
magnético estático é superior a 0,5 Gauss. Todo indivíduo que pretenda entrar na
Zona III deve passar primeiro por um processo de rastreio de segurança.
• Zona IV: local onde se encontra o equipamento de RM.

Figura 2 – Zonas de segurança designadas pelo American College of Radiology 26

174 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Os monitores e aparelhos de anestesia, para serem adequados ao uso em RNM e estarem
próximos ao campo, devem ser construídos em alumínio ou aço não magnético. Os eletro-
cardioscópios desenvolvem diversos tipos de artefato e interferência no exame. O ideal ao
monitorizar o paciente é dispor os cabos sem entrar em contato direto com o paciente e
da forma mais reta possível, evitando-se curvas e dobras, uma vez que essa disposição gera
o efeito antena, podendo produzir queimaduras. Longos tubos corrugados para o sistema
ventilatório ou cabos de monitores e equipos de soro devem estar disponíveis (aumenta-se
o risco de desconexões e acotovelamentos). Os alarmes de desconexão devem estar ligados
e os pacientes devem ser acompanhados pessoalmente ou por vídeo27.
Os exames duram em média 20 a 60 min, tempo durante o qual o paciente deve perma-
necer absolutamente imóvel. As crianças, na sua maioria, necessitam de anestesia geral. O
sevoflurano e o propofol venoso (1-3 mg/kg bolus com 100-200 mcg/kg/min) são os anes-
tésicos mais comumente utilizados. O exame pode ser realizado sob ventilação espontânea
na máscara facial ou laríngea. Em alguns casos, como no exame de abdome, é necessário
realizar períodos de apneia, tornando-se indispensáveis a realização da intubação orotra-
queal ou introdução de máscara laríngea com ventilação controlada, a fim de obter uma boa
qualidade da imagem.
O nível de ruído gerado pela RM varia de 65-95 dB no campo magnético de 1,5 Tesla
(T), ultrapassando 99 dB nos de 3T28. Casos de perda temporária da audição foram relata-
dos após a realização do exame29. Tampão ou fone de ouvidos devem ser utilizados rotinei-
ramente nas crianças que se submetem ao exame.
O contraste usado na RNM (gadolínio) é diferente dos usados em tomografias, com inci-
dência muito menor de efeitos colaterais e reações anafilactoides. Seu tempo de meia-vida é
de 1,3-1,6 horas, com 95% de eliminação em 72 horas, principalmente pelo rim30,31. Os tipos
disponíveis de gadolíneo mais comum são: Magnevist (gadopentetato de dimeglumina);
Ominiscan (gadodiamida); OptiMARK (gadoversetamida); MultiHance (gadobenato de
dimeglumina); e o ProHance (gadoteridol). A utilização desse contraste não é isenta de riscos,
as seguintes complicações são relatadas: náuseas; vômitos; cefaleia; dor à injeção; dermopatia
fibrosante nefrogênica (uma esclerodermia sistêmica que afeta, sobretudo, pessoas que sofrem
de insuficiência renal terminal). Não há relatos dessa complicação em pacientes com insufi-
ciência renal leve ou moderada. Pacientes dialíticos devem ser submetidos a uma sessão de
diálise logo após o exame, e depósitos cerebrais (principalmente com a utilização repetida).

Contrastes radiológicos
Os meios de contrate são substâncias radiodensas, capazes de melhorar a especificidade
das imagens obtidas em exames radiológicos, pois permitem a diferenciação de estruturas
e patologias vascularizadas das demais. A estrutura básica dos meios de contraste iodados
é formada por um anel benzênico ao qual foram agregados átomos de iodo e grupamentos
complementares, em que estão ácidos e substitutos orgânicos, que influenciam diretamente
sua toxicidade e excreção.
Na molécula, o grupo ácido (H+) é substituído por um cátion (Na+ ou meglumina),
dando origem aos meios de contrastes ditos “iônicos” ou por aminas portadoras de grupos

Anestesia fora do centro cirúrgico para pacientes pediátricos | 175


hidroxilas, denominando-se, nesse caso, “não iônico”. Todos os meios de contraste iodados
utilizados regularmente são muito hidrofílicos, têm baixa lipossolubilidade, peso molecular
inferior a 2.000 e pouca afinidade de ligação com proteínas e receptores de membranas.
Distribuem-se no espaço extracelular, sem ação farmacológica significativa. Os contrastes
iônicos de alta osmolaridade têm efeitos antitrombóticos importantes e contêm aditivos que
quelam o cálcio iônico. Os contrastes iodados não iônicos (baixa osmolaridade) apresentam
vantagem em relação à segurança sobre os agentes iônicos e são de custo mais elevado32 .
Os contrastes disponíveis (Tabela 5) são hipertônicos em relação ao plasma, podendo
ser de alta osmolaridade, quando maiores que 1.500 mOsm, ou de baixa osmolaridade,
quando entre 600 e 1.000 mOsm, ou iso-osmolares, quando em torno de 280 mOsm. Re-
centemente, surgiram os contrastes não iônicos iso-osmolares, com diminuição acentuada
na incidência e gravidade das reações adversas, mas, em razão do alto custo, encontram-se
restrições ao seu uso.
A incidência das reações aos contrastes é de 5% a 15% e sua ocorrência é influenciada
pelo tipo de contraste, pela via de administração, velocidade de injeção e dose total infun-
dida 2 . As reações fatais ocorrem em 1:100.000 procedimentos. As reações adversas dos
contrastes iodados injetáveis são variáveis, podendo-se citar: sensação de calor cefálica
ou generalizada; dor; náuseas e vômito; que são bem conhecidas e não acarretam risco:
essas reações adversas são inexistentes ou menos frequentes com a utilização de compos-
tos de baixa osmolaridade. Os efeitos hemodinâmicos são constituídos por vasodilatação
arterial sistêmica e depressão miocárdica relacionadas com as propriedades quelantes do
cálcio iônico. Essas reações são seguidas por hipertensão rebote, que pode exacerbar uma
isquemia miocárdica 33,34.
Tabela 5: Contrastes radiológicos
Nome Osmolaridade Efeito Efeito
Classe
genérico (mOsm/kg H2O) quelante antitrombótico
Diatrizoato 2.076 + +++
Iônicos – alta osmolaridade Metrizoato 1.797 + +++
Iotalmato 1.797 + +++
Iônico – baixa
Ioxaglate 600 - +++
osmolaridade
Iopamidol 796 - +
Não iônicos – baixa Iohexol 844 - +
osmolaridade Ioversol 792 - +
Ioxilan 695 - +
Não iônico – iso-osmolar Iodixanol 290 - ?

Nefrotoxidade
A utilização de contrastes iodados tem aumentado rapidamente, quer para fins de diag-
nóstico (TC, angiografias), quer para apoio de intervenções (angioplastia). A população
submetida a eles é em regra mais idosa e portadora de múltiplos fatores de risco. A frequên-
cia de nefropatia em virtude de contrastes iodados, em relação ao total de casos de insufi-

176 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


ciência renal aguda, aumentou nos últimos anos de quatro a seis vezes. Nem todas as formas
dessa nefropatia são graves e, às vezes, apenas há aumento do nível da creatinina plasmática
durante dois a três dias.
É indispensável ter sempre presente quais os fatores de risco para a instalação da nefro-
patia dos contrastes: dose do contraste (utilizar a quantidade mínima possível; não repetir
exames com intervalos curtos); insuficiência renal anterior (o risco de agravamento e/ou de
insuficiência renal aguda aumenta se a creatinina sérica for maior que 2 mg/dL; nessas situa-
ções, devem-se utilizar sempre os compostos de baixa osmolaridade); depleção de volume
(a desidratação é um dos mais evidentes fatores de risco, sendo a hidratação prévia a melhor
medida profilática); presença de diabetes melito e insuficiência cardíaca congestiva35.
A nefropatia dos meios de contraste é, em regra, não oligúrica, contudo, pode haver
casos raros com anúria, nos quais a hemodiálise remove 50% a 90% da dose do contraste em
circulação. As medidas profiláticas mais importantes consistem na detecção de fatores de
risco (determinar previamente os valores de creatinina sérica em diabéticos e idosos) e, na
prática, uma boa hidratação. A utilização de acetilcisteína é controversa35.

Reações alérgicas anafilactoides ou anafiláticas


Geralmente, os contrastes iodados estão relacionados com anafilaxia não mediada pela
IgE (reações anafilactoides), porém, o quadro clínico entre essas reações é indistinguível,
podendo variar desde o aparecimento de algumas pápulas até a morte. Embora a patogenia
desses acidentes não esteja completamente esclarecida, constituem grupo de risco os indi-
víduos com história de reações em exames anteriores, asma ou doença pulmonar grave e
atopias, sendo recomendável o preparo prévio à administração dos contrastes. Podem surgir
pequenas quantidades de iodo livre por desalogenização, o que vai inibir a síntese hormonal
na glândula tireoide por algumas semanas, com perda do valor de qualquer prova funcional
da tireoide36.
Os médicos que utilizam meios de contraste iodados devem conhecer os sintomas carac-
terísticos (taquipneia; edema da glote; opressão; pavor; choque; convulsões) e estar equipa-
dos para corrigi-los com capacidade de monitorização e meios de suporte. O tratamento das
reações dependerá da gravidade, bem como das condições clínicas do paciente.
As reações alérgicas leves são acompanhadas de sensação de calor, náuseas e vômitos; ur-
ticária leve; rubor facial; febre e calafrios. Nesses casos, somente a observação é necessária,
pois é autolimitada, podendo ser tratada apenas com sintomáticos. As reações moderadas
são compostas por urticária importante; edema tecidual; broncoespasmo; hipotensão e ar-
ritmias. Nesse tipo de reação, é necessária a observação cuidadosa, sintomáticos e, frequen-
temente, tratamento medicamentoso para a reação alérgica. Nas reações graves, são vistos
sinais e sintomas de anafilaxia leve e moderada associados à cianose (SpO2 abaixo de 92%);
síncope; perda da consciência; convulsão; choque e liberação de esfíncteres36.
Nas reações graves, além do tratamento medicamentoso, estão indicadas medidas de
suporte e hospitalização. O tratamento da anafilaxia deve ser prontamente estabelecido, e
o uso da adrenalina em insuficiência respiratória e colapso cardiocirculatório é obrigatório,
sendo a administração precoce fator determinante do prognóstico. A adrenalina milesimal

Anestesia fora do centro cirúrgico para pacientes pediátricos | 177


(1:1.000) deve ser usada na dose de 0,3 a 0,5 mL em adultos ou 0,01 mL/kg (até 0,3 mL em
crianças), intramuscular em deltoide ou vastomedial, sendo repetida a cada 5 ou 10 min,
enquanto necessária. A adrenalina intravenosa só deve ser administrada por profissionais
treinados em casos de choque e/ou insuficiência respiratória grave. Nesses casos, a solução
de adrenalina a ser usada é de 1:100.000 (0,1 da solução milesimal diluída em 10 mL de
solução salina)36.
Deve ser estabelecida uma via intravenosa confiável e calibrosa para a realização de ex-
pansão volêmica vigorosa em caso de hipotensão e/ou choque. As soluções usadas podem ser
cristaloides e coloides. A via aérea deve ser mantida pérvia, com administração suplementar
de oxigênio. Deve-se suspender a administração de qualquer medicamento potencialmente
implicado com a reação. A difenidramina pode ser usada por via intravenosa, lentamente, na
dose de 0,5-1 mg/kg. Os corticosteroides, como a hidrocortisona (5 a 10 mg/kg em crian-
ças ou 0,5-1 g, IV, em adultos) ou metilprednisolona (1 a 2 mg/kg/dia), devem ser usados
para prevenção de recaídas e processos inflamatórios tardios relacionados com a anafilaxia,
porém, não têm efeito significativo nas fases iniciais do tratamento. A ranitidina (50 mg em
adultos ou 1 mg/kg em crianças) deve ser administrada lentamente em infusão de glicose.
No tratamento do broncoespasmo, devemos acrescentar ao tratamento um β2-adrenérgico
inalatório de curta duração. Em casos de choque persistente, usar dopamina em infusão
contínua. O glucagon na dose de 1 a 5 mg (25 µg/kg até 1 mg em crianças), seguido de
infusão contínua de 5 a 15 µg/min, pode ser usado no tratamento de pacientes β-bloqueados
previamente à anafilaxia. A atropina também pode ser usada em pacientes com sinais de
reação vasovagal, como bradicardia, náuseas, palidez e sudorese.

Radioterapia
A anestesia para radioterapia é usada para tratar linfomas, leucemias agudas, tumor Willms,
retinoblastoma e tumores de sistema nervoso central. A radioterapia é indolor, mas o
posicionamento do paciente, especialmente em uma máscara termoplástica facial, pode
causar desconforto37.
O radioterapeuta calcula a dose total de radiação para cada paciente, que é administrada
em sessões diárias (ou duas ao dia), que duram de 15 a 30 min cada uma, por várias semanas
(em torno de 20-30 sessões). Para crianças com metástase na medula espinhal, podem ser
irradiados até quatro campos em cada sessão. Dividir a radioterapia em sessões diárias per-
mite o reparo tissular normal entre as sessões, enquanto o tumor é destruído38.
O principal objetivo da radioterapia é que a dose máxima possa atingir a área do câncer,
enquanto o tecido normal circundante não seja afetado. A energia ionizante destrói todo o
tecido em seu caminho e o paciente deve permanecer imóvel para evitar danos excessivos
no tecido saudável e limitar os efeitos colaterais. Quando o paciente se move, a dose perdida
para o tecido saudável não pode ser repetida. Logo, a imobilidade é fundamental durante o
tratamento e o plano profundo de anestesia deve ser atingido em cada sessão.
Podem ser usados os fótons de raios X, raio gama ou de prótons. A energia absorvida
pelos tecidos é medida em Grays (Gy), que tem substituído o termo rad. Um Gray equivale
a 100 rad. Apesar da maioria das crianças receberem terapia com fótons de raios X, algumas

178 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


respondem melhor à terapia com feixe de prótons, elétrons ou nêutrons. Porém, as consi-
derações anestésicas são semelhantes, independentemente da terapia usada, com um único
adendo – que a terapia com prótons pode levar mais tempo em comparação com as demais
técnicas, podendo exigir uma mudança no plano da anestesia38.
Por causa das grandes quantidades de radiação utilizadas durante uma sessão de trata-
mento, o paciente é a única pessoa que pode permanecer na sala, que é selada com uma
porta com chumbo. Como o acesso ao paciente é limitado, a monitorização é feita por vídeo,
devendo uma câmera estar concentrada no paciente, com outra adicional focada no monitor
multiparamétrico. A monitorização ideal consiste em eletrocardiograma; pressão arterial
não invasiva; oxímetro de pulso e capnógrafo, chamando atenção para a presença desses
dois últimos.
A relação temporal entre sessões de radioterapia e quimioterapia pode ser simultânea ou
sequencial ou até mesmo não existir, dependendo da patologia e do estado clínico do pa-
ciente. A radioterapia pode ser aplicada em pacientes internados ou em sistema ambulato-
rial, sendo esse último o mais frequente. Porém, durante o curso da radioterapia, as sessões
podem ser suspensas temporariamente, por deterioração das condições clínicas do paciente.
As crianças de 4-8 anos podem ser tratadas sem sedação, se forem capazes de entender a
explicação fornecida pelos pais e pelo médico assistente. A sedação ou anestesia raramente
é necessária em crianças acima dos 8 anos. Porém, as crianças abaixo de 4 anos ou aquelas
com retardo cognitivo precisam de sedação ou anestesia.
Para a imobilidade da criança, deve ser considerada anestesia geral, seja venosa ou ina-
latória, com ou sem dispositivo de via aérea. Crianças submetidas à radioterapia podem ser
portadoras de acesso venoso central permanente, o que facilita a administração de anestesia
intravenosa com propofol ao longo do tratamento, sem o trauma associado de punções intra-
venosas repetidas. Caso necessário, pode ser administrada pré-medicação com midazolam.
A anestesia inalatória também pode ser administrada durante a sequência de tratamento,
com uso de sevoflurano.
A sedação com dexmedetomidina é descrita para radioterapia, porém seu uso não se di-
fundiu, talvez pela necessidade de infusão da dose de ataque em 10 min. Uma dose única de
cetamina, de 0,5 a 0,8 mg, IV, pode ser usada para sedação, exceto em casos de retinoblas-
toma, quando é contraindicada. A cetamina tem uma meia-vida maior e com mais efeitos
colaterais (p. ex.: vômitos) que o propofol, devendo ser usada com cautela38.

Medicina nuclear
A medicina nuclear produz imagens por meio da detecção da radiação emitida pelo
marcador radioativo injetado na corrente sanguínea. Esses materiais, dependendo da
composição, pode avaliar a função de diferentes sistemas de órgãos e diagnóstico de pro-
cessos de doenças.
A imagem nuclear é utilizada no diagnóstico e acompanhamento do câncer ósseo, na
detecção de focos de convulsão, na avaliação de doença cerebrovascular e de desordens
comportamentais e cognitivas, além da avaliação e do acompanhamento de doença de re-
fluxo urinário.

Anestesia fora do centro cirúrgico para pacientes pediátricos | 179


Os dois estudos de medicina nuclear mais comuns que exigem a administração de anes-
tesia em crianças são as varreduras de tomografia computadorizada de emissão de fóton
único (SPECT) e as varreduras de tomografia por emissão de pósitrons (PET).
As varreduras SPECT usam radioisótopos emissores de radiação de um único fóton e
câmeras rotativas gama para produzir imagens tridimensionais do cérebro. As varreduras
SPECT envolvem o uso de tecnécio-99 radiomarcado (meia-vida de seis horas), que tem uma
alta taxa de extração de primeira passagem, bem como a captura intracelular pelo cérebro em
proporção ao fluxo sanguíneo regional. As varreduras de SPECT são ideais na busca de focos
de convulsão. Idealmente, a criança deve ser varrida dentro de uma a seis horas depois38.
As varreduras de PET (PET scam) usam tomografia de emissão de pósitron e traços de
radionuclídeo, que são rastreadores de atividade metabólica, como o metabolismo de oxi-
gênio ou glicose. Ao contrário das varreduras SPECT, o exame de PET deve ser realizado
durante o próprio ataque, por conta da curta meia-vida do rastreador de glicose (110 min); a
varredura é mais bem concluída durante a convulsão ou até uma hora depois39.
A imagem nuclear é uma das modalidades de imagem mais antigas e é indolor, exceto
pela colocação de um cateter intravascular. Os radionuclídeos são fisiologicamente ino-
fensivos e não alergênicos, mas todos os fluidos corporais devem ser manuseados com
precauções de segurança para radiação: por exemplo, usar luvas para minimizar o contato
com secreções radioativas.
Os pacientes devem permanecer imóveis durante a varredura, por pelo menos uma
hora, o que é difícil em crianças mais jovens, que requerem sedação ou anestesia geral.
É necessário estar ciente do tempo necessário para realizar a imagem ao planejar a anes-
tesia. O rastreador radioativo é injetado na criança e, depois, são tomadas imagens em
intervalos exatos e predeterminados (uma a seis horas após), para aperfeiçoar o valor diag-
nóstico da varredura.

Radiocirurgia estereotáxica (Gammaknife)


A radiocirurgia estereotáxica usa uma grande fração de raios gama, de fraca intensidade,
de forma focada, produzida por 201 fontes de cobalto-60 que se cruzam em um único ponto,
em que os feixes convergem para destruir as lesões no cérebro. O tecido cerebral que envolve
fica relativamente protegido dos efeitos de radiação38.
Em pediatria, bem como em adultos, a maioria das radiocirurgias são concentradas no
tratamento de pequenas lesões, histologicamente benignas, como más-formações vascula-
res, neuromas acústicos e adenomas pituitários. Isso foi expandido recentemente para in-
cluir tumores malignos, como metástases solitárias, ependimomas, glioblastomas e vários
outros tipos de tecido. Para melhores resultados, o volume do tumor deve ser pequeno (até
14 cm3). A maioria dos adultos e muitos adolescentes podem tolerar esse procedimento com
anestesia local e sedação, apesar de ele durar de 9 a 15 horas38.
A radiocirurgia estereotáxica requer coordenação entre os departamentos de radiologia,
radioterapia, neurocirurgia e anestesiologia. O procedimento estereotáxico começa com
uma tomografia computadorizada (TC) ou ressonância nuclear magnética (RNM). Em
todos os pacientes é colocado um cabeçote estereotáxico firmemente adaptado ao crânio.

180 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Antes de aplicar o cabeçote, o neurocirurgião infiltra a pele com um anestésico local.
Porém, em crianças pequenas e alguns adolescentes ou naqueles com distúrbio cognitivo, é
necessária a anestesia geral com intubação traqueal, realizada antes da colocação da arma-
ção da cabeça. Em crianças muito pequenas, é sugerida a intubação nasotraqueal, pela maior
estabilidade do tubo durante remoções. Depois de ser posicionado o cabeçote, a chave para
desbloqueá-lo é removida, porém, o código deve estar gravado no próprio equipamento,
para sua retirada em situações de emergência.
Depois de colocado o cabeçote, algumas imagens são feitas por TC ou RNM. Enquanto
os neurocirurgiões e radiologistas estudam as imagens obtidas e planejam a radiocirurgia, o
paciente é transportado para a sala de recuperação, sedado, intubado e com monitorização
completa, onde fica aguardando, o que pode durar de três a cinco horas. No fim da avalia-
ção, o paciente é transportado para o acelerador linear de radiocirurgia estereotáxica, a fim
de realizar o tratamento. Para reduzir a exposição à radiação pelos profissionais de saúde,
apenas o paciente permanece no scanner, sendo monitorizado por videocâmeras, focadas na
criança e nos monitores, por aproximadamente uma hora38.
As complicações possíveis nesses pacientes adultos e crianças que aceitam apenas a seda-
ção é a possibilidade de apresentar cefaleia e vômitos, como resultado da ansiedade ou pela
localização do tumor em si. Como a armação da cabeça é pesada, é difícil para o paciente
virar a cabeça para vomitar e proteger a via aérea. Nas crianças intubadas, pode haver com-
plicações, como extubação acidental, obstrução de via aérea e atelectasia pulmonar. No pós-
-operatório, após a extubação, novamente náuseas e vômitos são frequentes, provavelmente
por causa da sensibilidade à radiação da zona de gatilho do quimiorreceptor.

Balneoterapia para pacientes queimados


O cuidado da ferida do paciente grande queimado constitui, na maioria das vezes, um
desafio no que se refere à analgesia e à sedação. Trata-se de uma lesão responsável por uma
importante estimulação dolorosa. A limpeza regular da ferida é essencial para a boa evo-
lução do paciente queimado, entretanto, a dor provocada em tal procedimento ultrapassa
quase sempre o limite do que é suportável com analgesia superficial.
As sessões são diárias e, por conseguinte, a supressão de uma alimentação poderia in-
fluenciar desfavoravelmente o suporte nutricional desses pacientes. Assim, há a preocupa-
ção de que o paciente possa se alimentar minutos após.
A balneoterapia consiste em procedimentos realizados em sala própria do centro de quei-
mados, onde se dispõe dos equipamentos de monitorização básicos e material de assistência
ventilatória. A dificuldade de monitorizar esses pacientes foi, e continua sendo, um motivo de
preocupação para os anestesiologistas envolvidos. Dependendo da extensão da lesão, não há
como cumprir rigorosamente questões definidas em normas que regem a prática em nosso meio.
Muitos autores relatam apenas a utilização de oximetria de pulso para acompanhamento de sa-
turação de oxigênio e pela onda do pulso inferir frequência e ritmo cardíaco, interrompendo o
procedimento para emprego efetivo da cardioscopia quando identificada alguma alteração40.
É importante que a administração das drogas acompanhe o grau de estímulo doloroso.
Isso implica administrar as drogas apenas quando estiver tudo pronto para iniciar a limpeza

Anestesia fora do centro cirúrgico para pacientes pediátricos | 181


das lesões. A administração de uma dose no paciente, na ausência do estímulo doloroso, po-
derá provocar depressão respiratória, fato que não ocorreria se a limpeza já estivesse sendo
realizada nas feridas.
Alfentanil41,42 , midazolam43, propofol44,45, sevoflurano 46 e, com maior destaque, a ce-
tamina47-50 são fármacos empregados quase sempre em associação. A cetamina apresenta
quatro características que a torna um agente de alto valor na balneoterapia: (1) potente
analgésico; (2) depressão respiratória mínima ou ausente; (3) dispensa dispositivos com-
plexos para sua administração, necessitando apenas de seringa e agulha; (4) rápido início
de ação e elevada eficácia também por via muscular. A associação da cetamina a outras
drogas que deprimem a ventilação compromete esse perfil de segurança respiratória. O
isômero S(+) da cetamina apresenta vantagens em relação à forma racêmica, dentre as
quais a menor propriedade psicodélica 51,52 .
O propofol vem conquistando lugar também na balneoterapia. O seu uso permite menor
dose de outros agentes, como o midazolam, com a vantagem potencial de o paciente apre-
sentar melhor nível de consciência no fim do procedimento. O fentanil, quando associado
ao midazolam e à S(+)-cetamina por via venosa, aumenta o risco de depressão respiratória.

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184 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Capítulo 13

Anestesia para tratamento de


cardiopatias congênitas
Daniela Bianchi Garcia
Carolina Rizzoni Silveira
Anestesia para tratamento de cardiopatias congênitas

Introdução
As cardiopatias congênitas são a apresentação mais comum das patologias congênitas,
com incidência estimada entre 0,3% e 1,2% dos nascidos vivos1 (cerca de 1.300.000 crianças
nascem por ano no mundo), somando aproximadamente 30% dessas doenças2 . Apesar de
muitos estudos relatarem uma incidência constante ao redor do mundo, poucos trabalhos
sobre prevalência têm sido realizados nos países em desenvolvimento. De qualquer forma,
nestes, os números absolutos são maiores devido ao maior número de nascimentos3.
Cardiopatias que envolvem defeitos estruturais do coração e alterações nos grandes
vasos estão entre as anomalias perinatais mais comuns.
Os avanços nas técnicas de diagnóstico fetal e no atendimento neonatal, a realização
de cirurgias e intervenções hemodinâmicas precoces, os avanços nas técnicas anestésicas,
cirúrgicas e na perfusão e o tratamento intensivo com cardiologia pediátrica especializada
são fatores que trouxeram melhores resultados, sendo responsáveis pelo prognóstico e pela
maior sobrevida desta população. Oitenta e cinco por cento das crianças que nascem com
algum defeito cardíaco podem atingir a idade adulta. Aproximadamente, metade dessas
crianças necessita de intervenção cirúrgica e 50% das crianças que necessitam da inter-
venção realizam a mesma ainda no período neonatal, seja para uma cirurgia definitiva seja
para uma cirurgia paliativa. Apesar desses avanços, muitas crianças continuam a apresentar
algum grau de limitação na qualidade de vida após a cirurgia e sequelas cardiovasculares e
neurológicas podem estar presentes.
Na anestesiologia pediátrica, a necessidade de conduzir casos de crianças cardiopatas,
tanto para realização de cirurgias cardíacas quanto para procedimentos não cardíacos, é
uma realidade diária. Crianças cardiopatas que serão submetidas a procedimentos não
cardíacos apresentam um maior risco de morbidade e mortalidade perioperatória quando
comparadas a crianças hígidas 4. Portanto, entender a fisiologia peculiar dessas crianças,
conhecer os princípios da anestesia neonatal e pediátrica, a anatomia e a fisiologia das
cardiopatias congênitas, os conceitos da circulação extracorpórea (CEC) e possíveis com-
plicações e promover constante atualização das condutas e treinamento teórico/prático
são de extrema importância no cuidado e levam a resultados de sucesso com menor mor-
bidade e mortalidade5.
O tratamento dessas crianças depende do trabalho em equipe. O atendimento em con-
junto das especialidades envolvidas traz melhores evoluções e a anestesiologia tem papel
importante nesse processo5.
Crianças hígidas apresentam particularidades no que diz respeito a fisiologia. Quando a
isso se acrescenta uma cardiopatia congênita, o tratamento é mais delicado e o conhecimen-
to acerca das repercussões clínicas se torna imperativo. No período neonatal e em lactentes,
quando a maioria das cardiopatias congênitas tem indicação de correção, essas diferenças
são ainda mais acentuadas e condutas adequadas evitam descompensações clínicas desne-
cessárias e melhoram a estabilidade hemodinâmica.

186 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Incidência
A incidência varia de acordo com a cardiopatia, conforme a tabela a seguir:
Incidência
Shunt esquerdo-direito
Persistência do canal arterial 10-15%
Comunicação interatrial 7-10%
Comunicação interventricular 25%
Comunicação atrioventricular total 2%
Shunt direito-esquerdo
Tetralogia de Fallot 10%
Atresia pulmonar/tricúspide 3%
Transposição dos grandes vasos da base 7%
Truncus arteriosus 2%
Drenagem anômala das veias pulmonares 3%
Lesões obstrutivas
Coarctação da aorta 7%
Estenose aórtica congênita 3%

Fisiologia Cardiovascular
Circulação fetal: A circulação fetal pode ser descrita como um circuito paralelo, onde os
dois ventrículos promovem fluxo sanguíneo sistêmico.
O sangue oxigenado proveniente da placenta, por meio da veia umbilical (PO2 30
mmHg), é encaminhado ao sistema porta; 30% a 50% desse fluxo sanguíneo passa pelo
ductus venosus e atinge a veia cava inferior. O fluxo restante atravessa a microcirculação
hepática e atinge a veia cava inferior supra-hepática6. O sangue que vem da veia cava
inferior para o átrio direito atinge o átrio esquerdo pelo forame oval, passando, ainda,
pelo ventrículo direito e vasos pulmonares. No átrio esquerdo, o sangue se mistura com
o pequeno fluxo venoso que retorna da circulação pulmonar, o qual é direcionado ao ven-
trículo esquerdo e à aorta ascendente, onde a saturação, nesse momento, atinge 65% a
70%6. A maioria do retorno venoso da veia cava superior e 20% do fluxo sanguíneo da veia
cava inferior passam pelo ventrículo direito para a artéria pulmonar, onde encontra uma
alta resistência vascular pulmonar, pois os pulmões estão repletos de líquido, recebendo
apenas 10% a 15% do débito cardíaco. O fluxo sanguíneo é, portanto, redirecionado para
a aorta descendente pelo ductus arteriosus6. A circulação fetal funciona em um ambiente
cianótico e a circulação em paralelo aumenta o trabalho do ventrículo direito6.
Circulação pós-natal: A circulação pós-natal pode ser descrita como um circuito
em série, pois os ventrículos direito e esquerdo promovem fluxo sanguíneo para as duas
circulações, com diferentes resistências, a pulmonar e a sistêmica, respectivamente, uma
após a outra6.
Ao nascimento, ocorre o que chamamos de circulação transicional, na qual, logo após a
expansão dos pulmões (com a entrada de ar), a placenta é eliminada da circulação, a PCO2
alveolar diminui e a PO2 alveolar aumenta; a microvasculatura pulmonar se reorganiza cau-

Anestesia para tratamento de cardiopatias congênitas | 187


sando diminuição da resistência vascular pulmonar, aumento no fluxo sanguíneo pulmonar
e aumento do retorno venoso pulmonar para o lado esquerdo do coração. O ventrículo es-
querdo sofre aumento no volume e na pós-carga. O aumento na pressão diastólica final do
VE e da pressão no átrio esquerdo promove o fechamento funcional do forame oval6. O
ductus arteriosus fecha por volta do 4º dia de vida e o fechamento do ductus venosus leva não
mais do que 1 a 2 semanas. O forame oval permanece anatomicamente patente em 50% das
crianças menores de 5 anos e em 25% a 30% dos adultos6.
No período neonatal, o sistema cardiovascular apresenta imaturidade do miocárdio, menor
quantidade de células musculares e mais tecido conjuntivo. Elementos contráteis somam
por volta de 30% da massa cardíaca6. As células musculares apresentam menor quantidade
de miofibrilas as quais são menos organizadas6. O retículo sarcoplasmático, que participa da
regulação de cálcio, encontra-se com seu desenvolvimento incompleto, havendo dependência
de cálcio extracelular para uma contração muscular efetiva6. As mitocôndrias são pouco de-
senvolvidas e estão em número reduzido6. A taxa metabólica de 6 a 8 mL · kg-1 · min-1 faz com
que o coração funcione perto da máxima frequência cardíaca e volume de ejeção para suprir
a demanda de oxigênio6. O débito cardíaco é dependente da frequência cardíaca e, apesar de
anteriormente acreditar-se que o volume sistólico seria fixo, alguns estudos com base em eco-
cardiograma mostram que a capacidade de aumentar o volume de ejeção existe6.

Cardiopatias Congênitas e Anestesia


A anestesia para crianças cardiopatas representa um grande desafio, pois as cardiopatias
congênitas podem se apresentar com um amplo espectro de alterações estruturais e fisioló-
gicas. Essas crianças podem sofrer várias intervenções durante a vida e existem inúmeras
técnicas cirúrgicas utilizadas, cada qual com implicações hemodinâmicas particulares.
Outro fator decisivo é o entendimento e a colaboração dos pais a respeito da cardiopatia1.
O momento da indução anestésica é delicado, mas a manutenção da estabilidade he-
modinâmica durante todo o procedimento pode ser um desafio ainda maior. Portanto, o
esforço de investir em horas de treinamento adequado e estudo aprofundado é mais do
que necessário.

Avaliação Pré-Anestésica
Pacientes cardíacos pediátricos necessitam de cuidados multidisciplinares. A visita
pré-anestésica tem papel fundamental em todos os pacientes que serão submetidos a pro-
cedimentos sob anestesia. Objetiva identificar os fatores que possam interferir no manejo
perioperatório e o comprometimento de outros órgãos e sistemas.
Um histórico detalhado da criança deve ser pesquisado, inclusive com todos os exames
complementares disponíveis. Da mesma maneira, uma anamnese completa com os respon-
sáveis e exame físico diagnosticam as condições clínicas7. Uma avaliação bem conduzida
chama a atenção para sinais de gravidade como cianose, hipertensão pulmonar e, até mesmo,
insuficiência cardíaca.
Como a cardiopatia congênita pode ser uma manifestação de uma alteração genética ou
de um dismorfismo genético, todos os pacientes devem ser avaliados de forma a diagnosticar

188 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


comorbidades ou alterações anatômicas associadas, como síndromes que cursam com dis-
função de outros órgãos e sistemas, bem como malformações que possam levar à suspeita
de dificuldade de manejo da via aérea como as anomalias craniofaciais5. Isso possibilita ao
anestesiologista estabelecer um planejamento anestésico adequado.
Entender a mudança na fisiologia causada pelas alterações anatômicas é uma maneira
interessante de estabelecer a conduta adequada para as diferentes cardiopatias congênitas5.
Um resumo da classificação fisiológica é apresentado a seguir.

Classificação Fisiológica das Cardiopatias Congênitas1:


As cardiopatias congênitas podem ser classificadas em:
• Lesões com sobrecarga de volume:
• Defeitos de septo interatrial, interventricular ou atrioventricular total; Persistência
do canal arterial; truncus arteriosus.
• Obstrução ao fluxo sanguíneo sistêmico:
• Estenose aórtica; coarctação da aorta; interrupção do arco aórtico; hipoplasia do
ventrículo esquerdo.
• Obstrução ao fluxo sanguíneo pulmonar:
• Estenose pulmonar; tetralogia de Fallot; atresia pulmonar.
• Circulação paralela:
• Transposição das grandes artérias ou transposição dos grandes vasos da base.
• Lesões de ventrículo único:
• Atresia tricúspide; dupla via de saída do ventrículo esquerdo; defeito do septo atrio-
ventricular desbalanceado.
• Disfunções intrínsecas do miocárdio:
• Cardiomiopatia; miocardite.
Um aspecto importante a ser considerado é informar aos pais ou responsáveis sobre o
tempo de jejum pré-operatório, o procedimento a ser realizado, seus riscos, a possibilidade
de transfusão de hemocomponentes e hemoderivados, o pós-operatório em unidade de tera-
pia intensiva e responder a todas as dúvidas, de modo a estabelecer uma relação de confiança
e diminuir a ansiedade5,7.
É importante lembrar que a criança submetida a jejum prolongado sofre depleção do
espaço extracelular, dentre outras alterações. Quadros de desidratação aumentam a viscosi-
dade sanguínea, condição indesejada na criança cianótica.

Fisiologia de situações específicas


Shunts Esquerdos-Direitos (E-D)
Como as pressões das cavidades esquerdas fisiologicamente são maiores que as das cavi-
dades direitas do coração, o desvio de sangue, nestas cardiopatias, ocorre da esquerda para
a direita. O montante de sangue que sofrerá este desvio vai depender não só da diferença de
pressão, mas também, do tamanho do orifício. Essas crianças podem, portanto, não apre-
sentar sintomatologia alguma ou apresentar um aumento do fluxo sanguíneo pulmonar que
é maior quanto maior for o shunt, sobrecarga de volume nas câmaras cardíacas direitas e es-

Anestesia para tratamento de cardiopatias congênitas | 189


querdas, aumento da pressão da artéria pulmonar, infecção pulmonar de repetição, redução
do desenvolvimento pôndero-estatural, aumento da área cardíaca e insuficiência cardíaca2,7.
O hiperfluxo pulmonar leva a alterações na vasculatura pulmonar, tornando as arteríolas
muscularizadas, o que ocasiona aumento da resistência vascular pulmonar (RVP) e hiper-
tensão pulmonar que pode se tornar irreversível nas crianças sem tratamento adequado7.
Quando a pressão da artéria pulmonar se torna suprassistêmica, o shunt E-D se inverte, a
cianose aparece e a criança passa a ser considerada inoperável. Momento este conhecido
como síndrome de Eisenmenger7.
Os dados do cateterismo são bastante elucidativos:
• fase inicial: resistência vascular pulmonar (RVP) < resistência vascular sistêmica
(RVS), com Q (shunt) pulmonar > Q sistêmico;
• fase irreversível: RVP > ou = RVS, com Q pulmonar < Q sistêmico.
A bandagem da artéria pulmonar pode ser indicada precocemente para reduzir o fluxo
sanguíneo pulmonar, caso a correção definitiva ainda não seja possível7.
Shunts Direitos-Esquerdos (D-E)
A fisiopatologia do shunt D-E é mais heterogênea do que no grupo anterior.
O fator comum a todo esse grupo de cardiopatia é a diminuição do fluxo sanguíneo pul-
monar (FSP) e a mistura de parte do sangue venoso com o sangue arterial, com consequente
redução da saturação do sangue arterial e cianose7.
Inicialmente, a hipoxemia gera mecanismos compensatórios para manter a oxigenação
dos órgãos vitais, aumentando a FC (frequência cardíaca) e o DC (débito cardíaco) para
melhorar a oferta de oxigênio, e aumento da RVS, gerando diminuição da perfusão perifé-
rica, com o objetivo de centralizar o fluxo sanguíneo para os órgãos nobres. A liberação de
óxido nítrico, pelo endotélio das coronárias, aumenta e promove vasodilatação e a curva de
dissociação de oxigênio sofre desvio para a direita8.
Com a evolução da doença, a resposta dos quimiorreceptores diminui, favorecendo a
ocorrência de acidose metabólica. A poliglobulia passa a ser o mecanismo compensatório
mais efetivo.
Crianças que convivem com cianose crônica sofrem mudanças no organismo para com-
pensar tal situação e aumentar a oferta de oxigênio aos tecidos, como: aumento da eritro-
poiese, aumento do volume sanguíneo circulante, vasodilatação e alterações metabólicas da
2,3 DPG.
É comum o diagnóstico de coagulopatias nessas crianças7. A hipoxemia pode levar a al-
terações na coagulação ao alterar a produção e a função plaquetária, ao promover hipofibri-
nogenemia e defeitos na função do fibrinogênio, além de deficiências múltiplas de fatores de
coagulação e aumento da fibrinólise7. A criança pode cursar com oclusões microvasculares,
diminuição da perfusão coronariana, alteração da capacitância e contratilidade miocárdica,
aumento do trabalho cardíaco e da RVP.
A policitemia provoca aumento da RVS e aumento do risco de trombose vascular (renal,
pulmonar e cerebral). As principais doenças deste grupo podem ser divididas em:
• comunicação entre as câmaras direita e esquerda, com algum grau de obstrução, de tal
forma que parte do sangue venoso atinja a circulação sistêmica. O grau de hipóxia de-

190 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


pende da relação entre a obstrução na via de saída do ventrículo direito e a resistência
vascular sistêmica2,7: tetralogia de Fallot, atresia de tricúspide e atresia pulmonar.
• características próprias e individualizadas, consideradas shunts complexos: transpo-
sição dos grandes vasos da base, truncus arteriosus, drenagem anômala das veias pul-
monares, dupla via de saída de ventrículo direito, hipoplasia de ventrículo esquerdo7.
Nestes, ocorre a mistura dos fluxos sanguíneos pulmonar e sistêmico com cianose7.
Essas crianças apresentam uma menor área cardíaca e uma menor circulação pulmonar
dando aspecto de hiperinsuflação pulmonar, quando expostas aos raios X.
As crises de hipóxia podem surgir em qualquer momento da anestesia, porém são mais
comuns na indução anestésica. Medidas que visem aumentar a RVS, como: o uso de droga a
adrenérgica (fenilefrina), hidratação ou a compressão da aorta abdominal e, reduzir a RVP,
como: a oferta de FiO2 a 100%, hiperventilação, diminuição dos níveis de CO2, correção
da acidose metabólica, utilização de b-bloqueadores, além de profundar a anestesia e/ou
analgesia podem ajudar no relaxamento do espasmo infundibular7.
Lesões Obstrutivas
Neste grupo de cardiopatias existe alguma forma de obstrução à passagem do sangue nas
válvulas intracardíacas ou na aorta. A principal característica deste grupo é o maior trabalho
a que o músculo cardíaco é submetido.
Na presença de lesões associadas com obstrução ao fluxo sanguíneo, tanto sistêmico
quanto pulmonar, pode haver necessidade de manter o canal arterial patente para assegurar
a circulação sanguínea. Portanto, o uso de infusão contínua de prostaglandinas é conduta
frequente até o tratamento da obstrução1.
Cardiopatias de Ventrículo Único
Defeitos cardíacos complexos podem apresentar o que chamamos de fisiologia do ventrí-
culo único, onde ocorre uma mistura do retorno venoso pulmonar e sistêmico no átrio ou
ventrículo e esse sangue é distribuído para ambas as circulações2,6. Anatomicamente, pode
haver um único ventrículo com hipoplasia do outro ou os dois ventrículos podem existir na
presença de obstrução severa ou de uma atresia da via de saída de um deles2,6.
A vida da criança é mantida pelo fluxo sanguíneo por meio do canal arterial (ductus
arteriosus), cuja patência após o nascimento deve ser mantida com a infusão contínua de
prostaglandina e ventilação com frações inspiradas de oxigênio próximas ou iguais às do ar
ambiente (FiO2 de 21%), pois concentrações elevadas de oxigênio provocam fechamento do
canal, e, em outros casos, comunicações intracardíacas podem manter o fluxo sanguíneo de
ambas circulações.
A saturação de oxigênio do paciente e a conduta clínica inicial dependem de três fatores:
da relação entre os fluxos sanguíneos pulmonar e sistêmico, da saturação venosa sistêmica e
da saturação venosa pulmonar6.

Cardiologia Intervencionista (Hemodinâmica/Eletrofisiologia)


À medida que a tecnologia avança, com novas possibilidades de materiais para diagnós-
tico e procedimentos, imagens melhores e intervenções terapêuticas inovadoras, surge a

Anestesia para tratamento de cardiopatias congênitas | 191


possibilidade de adiar correções cirúrgicas de maior porte ou, até mesmo, de substituí-las9.
Procedimentos realizados na hemodinâmica podem ser tão desafiadores quanto cirurgias
cardíacas complexas.
Estudos hemodinâmicos diagnósticos de rotina ou procedimentos intervencionistas
eletivos (p. ex.: valvoplastia percutânea com balão) ou de emergência (septostomia atrial ou
Rashkind para tratar uma CIA restritiva em uma transposição de grandes artérias) são um
desafio até para anestesiologistas experientes.
Medicamentos que provocam vasodilatação acentuada e hipotensão severa podem não
ser bem tolerados.
As complicações incluem: tamponamento cardíaco e perfuração, complicações vascula-
res (trombose, ruptura, perfuração, dissecção), sangramento, arritmias, embolização, toxici-
dade pelo contraste, dano neurológico (central e periférico), radiação, hipo ou hipertermia,
entre outras9,10.
Da mesma maneira, estudos eletrofisiológicos com ablação de arritmias são procedimen-
tos delicados que merecem total atenção para manutenção da estabilidade hemodinâmica e
para evitar descompensações clínicas.
Uma equipe especializada e bem treinada é essencial, equipamentos com cateteres que
medem sinais de condução e promovem estimulação para diagnosticar vias de condução
aberrantes são usados para ablação10. Os riscos principais são: bloqueios atrioventriculares,
perfuração cardíaca, lesão de vasos e acidentes vasculares cerebrais10.

Considerações Anestésicas
Medicação pré-anestésica
A indicação de medicação pré-anestésica também é considerada durante a avaliação. É
interessante usar esse tipo de medicação para reduzir a ansiedade, promover sedação e mi-
nimizar o consumo de oxigênio. É extremamente útil nas crianças com shunt D-E, já que a
agitação pode agravar a cianose ou desencadear crises de hipóxia. Sua administração pode
favorecer a redução da quantidade dos anestésicos na indução, minimizando as alterações
na resistência vascular sistêmica5,7. É ideal que sua administração seja ofertada na entrada
do centro cirúrgico, sob o olhar da equipe médica, já que quadros de hipoventilação podem
desviar ainda mais a curva de dissociação da oxiemoglobina para a direita e agravar a clínica
dos pacientes cianóticos.
Medicamentos em uso
Na tentativa de manter a estabilidade cardiovascular, a criança cardiopata acaba receben-
do mais de um medicamento. Os medicamentos devem ser mantidos até o dia da cirurgia,
exceto os digitálicos que apresentam um baixo índice terapêutico e podem causar arritmias
na vigência de hipopotassemia, hipomagnesemia e hipercalemia. Quando o digital for es-
sencial para controlar a taquicardia supraventricular, ele deve ser mantido, tomando-se o
cuidado de evitar episódios de hipopotassemia.
Os b-bloqueadores, utilizados para controlar as crises de cianose por espasmo do infun-
díbulo pulmonar na criança com Tetralogia de Fallot ou por espasmo subaórtico na este-

192 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


nose subaórtica, reduzem o inotropismo e o cronotropismo cardíaco, efeitos geralmente
indesejáveis durante a cirurgia cardíaca. Sua suspensão, no entanto, pode provocar crises de
hipóxia de difícil controle antes da instalação da CEC.
A manutenção das resistências vasculares durante a anestesia é importante para manter a es-
tabilidade hemodinâmica e a clínica da criança. Descompensações agudas de shunts E-D podem
levar à hipotensão sistêmica por aumento do fluxo pulmonar, acidose ou diminuição da perfusão
coronariana, ao passo que, shunts D-E podem descompensar levando à dessaturação6,7,11.
Shunts D-E aumentam quando a RVS diminui ou a RVP aumenta, por outro lado, shunts
E-D aumentam quando a RVS aumenta ou a RVP diminui7.

Manejo da Anestesia
A indução anestésica deve ser cautelosa, devendo-se levar em consideração os efeitos na
RVS, na pressão arterial média e na RVP2,5.
Existe um grande arsenal de drogas anestésicas apropriadas e suportadas na literatura
para a criança cardiopata. As preferências variam entre os serviços5. A conduta do aneste-
siologista deve ser individualizada e a técnica anestésica de escolha deve ser aquela capaz de
manter o equilíbrio hemodinâmico do paciente, causar uma mínima depressão da contrati-
lidade miocárdica, que não seja arritmogênica e que mantenha um adequado balanço entre
a circulação pulmonar e a sistêmica.
Alguns dados devem ser levados em consideração:
• cardiopatias simples podem ser menos instáveis hemodinamicamente do que as com-
plexas, mas ainda exigem planejamento anestésico adequado para evitar complicações.
• crianças com insuficiência cardíaca, em tratamento com diuréticos, inibidores de enzi-
ma conversora de angiotensina e b-bloqueadores podem estar predispostas à hipoten-
são severa após administração de anestésicos12 .
• o tratamento da cardiopatia pode manter a criança em um estado basal de hipovolemia,
que pode exacerbar com o jejum pré-operatório, causando hipotensão com a vasodila-
tação na indução12 .
• o uso de altas doses de opioides é associado à diminuição da resposta ao estresse da
cirurgia cardíaca. Contudo, doses reduzidas de opioides ou a utilização de opioides de
curta duração de ação pode ser realizada para facilitar a extubação precoce5.
• a sala de cirurgia deve oferecer material para o manejo das vias aéreas, aparelho de aneste-
sia e ventilação mecânica, monitorização adequada, cardioversor e desfibrilador2.

Considerações sobre a Circulação Extracorpórea (CEC)


Neonatos e lactentes apresentam imaturidade na síntese de fatores de coagulação, os
níveis de fatores de coagulação dependentes de vitamina K são menores que os dos adultos.
Após a CEC, outros fatores devem ser somados, como: hemodiluição, consumo e dilui-
ção dos fatores de coagulação e plaquetas7,13. As plaquetas ainda sofrem alterações na função,
tanto pela CEC quanto pela heparina7,13. A ativação da cascata de coagulação é menor7,13.
A estratégia para diminuir sangramento após a CEC pode incluir: transfusão de plaque-
tas e crioprecipitado, uso de antifibrinolíticos (descrito na literatura, apesar das doses para

Anestesia para tratamento de cardiopatias congênitas | 193


a população pediátrica não estarem bem estabelecidas), ultrafiltração7,13. A utilização de
mecanismos como cell-saver ajudam a diminuir a exposição a concentrados de hemácias.
Corticoides são usados para reduzir a resposta ao estresse (resposta inflamatória) associa-
dos a cirurgia cardíaca e CEC, são administrados na indução da anestesia, estudos mostram
benefício com essa prática7,13.
A preparação para sair da CEC envolve alguns fatores: drogas inotrópicas em infusão
contínua, hemocomponentes e hemoderivados em sala, marca-passo se necessário, tempe-
ratura e ventilação mecânica adequadas, gasometrias normais, reposição de cálcio, medi-
camentos antiarrítmicos como a lidocaína podem ser necessários7,13. O objetivo é manter a
homeostase, apesar da ativação da cascata de coagulação e do profundo estado inflamatório
gerado pela CEC14. Um estudo recente tentou demonstrar a relação entre a hipotermia na
CEC e a perda da autorregulação cerebrovascular em neonatos. Mas, como houve asso-
ciação a hipotensão (que por si só é associada a perda da autorregulação cerebral), não foi
possível tal relação causal15.

Drogas Vasoativas
Os objetivos do uso de drogas vasoativas em cirurgias para tratamento de cardiopatias
congênitas devem levar em conta a oferta de oxigênio aos tecidos para melhorar a oxigena-
ção. Portanto, é necessário melhorar o débito cardíaco otimizando a frequência cardíaca, a
pré-carga, a contratilidade e a pós-carga e, ainda, a concentração de hemoglobina e a satura-
ção de oxigênio adequadas para cada situação6.
Drogas inotrópicas e vasoconstritoras são frequentemente necessárias para promover
estabilidade hemodinâmica6. No período neonatal e em lactentes, as drogas mais utilizadas
são agonistas adrenérgicos, como a adrenalina e inibidores da fosfodiesterase, como a milri-
nona. Outras drogas devem estar disponíveis como b-bloqueadores, vasodilatadores como
o nitroprussiato de sódio, vasopressina, por possuírem indicação para situações específicas
e serem extremamente necessárias para um desfecho satisfatório2,6,16.

Transporte à UTI
O transporte deve seguir protocolos de segurança para o cuidado integral da criança,
sendo imprescindível a monitorização de ECG, oximetria de pulso e pressão arterial7,13 .
A checagem de todas as baterias de monitores, bombas infusoras, ventilador mecânico
de transporte (caso disponível) e níveis de oxigênio nos torpedos com material para
ventilação manual é obrigatória 2,4. Drogas para reanimação e material para intubação
orotraqueal de emergência devem estar disponíveis7,13 . A conferência dos sinais vitais,
monitorização, passagem da história clínica e rechecagem na UTI são realizados se-
quencialmente e com atenção7,13 .

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Anestesia para tratamento de cardiopatias congênitas | 195


Capítulo 14

Anestesia para cirurgia fetal


Ana Carolina Ortiz
Juliana Midori Kishi
Anestesia para cirurgia fetal

Introdução
O tratamento de doenças congênitas intraútero evoluiu de algo meramente conceitual
para uma área especializada da medicina. Se fosse possível corrigir uma anormalidade
congênita antes do nascimento, seria possível curar essa anormalidade ou ao menos reduzir
drasticamente suas sequelas?1
Histórico
As primeiras observações relatadas sobre o feto são descritas por Vesalius, em sua obra De
Humani Corporis Fabrica (1543), porém apenas a partir do século XIX surgiram os primei-
ros estudos experimentais em animais.
Experimentos em primatas tornaram-se viáveis após a evolução de medicamentos ute-
rolíticos, técnicas anestésicas e cirúrgicas2 . O marco da intervenção fetal em humanos foi
quando em 1961, William Liley demostrou que a transfusão fetal intraútero diminuía a
hidropsia fetal grave3.
Apesar de muitas malformações poderem ser detectadas por ultrassonografia, poucos
casos selecionados são passíveis de correção intrauterina. Na maioria desses casos, uma
simples lesão anatômica interfere o desenvolvimento adequado do órgão. Se o defeito é cor-
rigido, o desenvolvimento do feto teoricamente ocorre de forma normal4.
Aspectos Éticos
A realização de cirurgia fetal nos obrigou a reconsiderar quem é e o que é o feto, e como
a cirurgia fetal pode afetar não somente ao feto mas, também, a gestante5.
A cirurgia materno-fetal em si não traz benefícios físicos à mãe. Pelo contrário, aumenta
os riscos de morbidade durante a gestação, trabalho de parto prematuro ou eventualmente
comprometer gestações futuras. O Comitê de Ética do American College of Obstetricians and
Gynecologists e o Comitê de Bioética da Academia Americana de Pediatria conjuntamente
declararam que “mesmo a maior evidência de benefício para o feto não é eticamente sufi-
ciente para sobrepor a decisão da mãe de ser submetida a uma cirurgia fetal”6. E apesar de
a grande maioria dos médicos concordar com esta afirmação, é importante detectar quais
pressões internas ou externas (família, comunidade, crença religiosa) a gestante possa estar
sendo submetida a tomar tal decisão.

Fisiologia materno-fetal
As alterações fisiológicas durante a gravidez implicam risco aumentado para a anestesia.
Essas alterações vão de encontro ao aumento da demanda metabólica e dos efeitos mecâni-
cos do crescimento uterino e compressão de estruturas adjacentes.
As principais alterações que influenciam a circulação placentária e o feto serão descritas
a seguir.
Alterações hormonais, ingurgitamento vascular e aumento do líquido extracelular levam
a edema de vias aéreas superiores que tornam a manipulação da via aérea da gestante mais

198 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


difícil7. Adicionalmente, ocorre diminuição da capacidade residual funcional (CRF) por
conta da elevação do diafragma e aumento do consumo de oxigênio causado pelo aumento
do metabolismo materno tornando essas pacientes suscetíveis à hipóxia durante a indução
da anestesia e expondo o feto a má perfusão placentária8.
Além disso, durante a gestação ocorre diminuição do tônus esofágico e da motilidade gás-
trica por alterações hormonais, retardando o esvaziamento gástrico e tornando a gestante um
paciente de “estômago cheio” com risco de broncoaspiração durante a indução da anestesia9.
A partir do segundo trimestre, 15% das parturientes desenvolvem hipotensão em posi-
ção supina decorrente da compressão uterina sobre a veia cava e a aorta, diminuindo o fluxo
sanguíneo uteroplacentário, podendo levar o feto a asfixia10.
Transferência Placentária de fármacos
A lei de Fick é responsável pela difusão transplacentária de uma boa parte das
drogas anestésicas.
Q/t = KA(Cm – Cf)/D, em que Q/t é a taxa de difusão e K é a constante de difusão, A
é a área da superfície disponível para troca, Cm é a concentração livre da droga no sangue
materno, Cf é a concentração da droga livre no sangue do feto e D é a espessura da placenta.
A difusão placentária depende, também, do peso molecular, lipossolubilidade e grau de
ionização da droga. A maioria das drogas anestésicas apresentam peso molecular que per-
mite fácil transferência.
Medicações altamente lipossolúveis atravessam facilmente a membrana biológica e
quanto maior o grau de ionização da droga menos lipofílica ela é. Bloqueadores neuromus-
culares apresentam alto grau de ionização e baixa lipossolubilidade o que leva à transfe-
rência placentária limitada. Enquanto os anestésicos locais são bases fracas com baixo grau
de ionização e atravessam facilmente a barreira transplacentária, assim como os opioides.
Todos os anestésicos inalatórios atravessam a barreira placentária.
A equação de Henderson–Hasselbach (pH = pKa + log (base)/(cátion)), determina a con-
centração da droga existente na forma ionizada e não ionizada. O pKa é o pH no qual as con-
centrações de bases livres e cátions são iguais. Na acidose fetal pode ocorrer o fenômeno de
“íon trapping” no qual os anestésicos locais ficam mais ionizáveis no sangue fetal, diminuindo a
transferência placentária para o sangue materno, o que leva ao acúmulo desses agentes no feto11.
Dessa forma lipossolubilidade, pH sanguíneo materno e fetal, grau de ionização, ligação
proteica, perfusão, área, espessura placentária e concentração das drogas são fatores que
influenciam diretamente a administração das medicações para o feto.
A administração de medicações anestésicas em altas concentrações pode implicar um
maior ou menor grau de instabilidade hemodinâmica materna. Essa instabilidade pode
levar a uma inadequada perfusão placentária uma vez que a mesma se relaciona diretamente
com o débito cardíaco12 .
Dor e anestesia fetal
Durante as intervenções fetais, apesar de o feto dependendo da idade gestacional não
apresentar consciência da dor, o estímulo doloroso desencadeia resposta neuroendócrino-
-metabólica ao estresse.

Anestesia para cirurgia fetal | 199


Entre a 8ª e a 18ª semana, inicia-se o desenvolvimento neuronal, primeiramente, em es-
truturas periféricas e depois mais centralmente em torno de 20 semanas gestacionais13,14.
A falta de atividade elétrica cortical abaixo de 20 semanas reduz a possibilidade do estado
de consciência da dor. No entanto, a resposta neuroendócrina e metabólica caracterizada
por aumento de concentrações plasmáticas de catecolaminas, cortisol e β-endorfinas, causa
aumento da frequência cardíaca, redistribuição de fluxo sanguíneo para o cérebro e redução
do fluxo placentário15-17. Adicionalmente, a presença de dor fetal não tratada pode causar
consequências metabólicas e fisiológicas a longo prazo18.
A maioria das técnicas anestésicas empregadas na gestante não gera adequada anestesia
e analgesia para o feto. Os possíveis meios de promover anestesia fetal são via transplacentá-
ria, via intramuscular fetal, intravascular fetal e por administração intra-amniótica.
Como descrito anteriormente, a maioria dos anestésicos empregados sistemicamente na
mãe atravessam a placenta e promovem anestesia no feto19.
A administração direta de anestésicos no feto permite a utilização de doses mais preci-
sas e elimina a exposição da gestante. A injeção IM de anestésicos no feto é normalmente
empregada nas nádegas ou nos ombros parcialmente expostos. O volume de anestésico inje-
tado via intramuscular deve ser limitado a 0,2-0,5 ml20.
Os locais de acesso intravascular no feto incluem veia umbilical, veia hepática, veias
periféricas de maior calibre e via intracardíaca. Bloqueadores neuromusculares, opioides,
agentes vagolíticos e fármacos de ressuscitação podem ser administrados de forma direta na
circulação fetal.
A injeção de anestésicos nos vasos do cordão umbilical pode produzir espasmo vascular e
comprometer a perfusão fetal e a administração intracardíaca é reservada para procedimen-
tos fetais cardíacos pelo risco de arritmias e tamponamento cardíaco21.
A infusão intra-amniótica de fármacos como fentanil, sufentanil e outros tem sido estu-
dada em vários modelos animais, com mínima concentração materna desses agentes22 .

Teratogênese e Apoptose
Um teratógeno é uma substância que aumenta a incidência de uma malformação especí-
fica e que não pode ser atribuída ao acaso. A dose e o momento da exposição do feto a essa
substância são cruciais para que o efeito teratogênico ocorra.
Cada órgão e sistema tem um período de vulnerabilidade, e entre a 3ª e a 8ª semana in-
trauterina, o feto exposto a um teratógeno apresenta grande chance de importantes anoma-
lias morfológicas no sistema nervoso central, coração, membros, olhos e palato. Enquanto
a exposição for entre a 8ª e a 38ª semana, existe maior probabilidade de pequenos defeitos
fisiológicos e morfológicos no cérebro, olhos e genitais.
Os estudos realizados em animais utilizam doses exageradas de fármacos e devido
a enorme variação genética entre as espécies, existe grande dificuldade em transpor con-
clusões baseadas nesses estudos para a população humana23. Não há nenhuma evidência
de efeitos teratogênicos em fetos submetidos a cirurgia fetal. Além disso, a maioria dessas
cirurgias ocorre durante o segundo e o terceiro trimestre de gestação, períodos com menor
vulnerabilidade para esse efeito.

200 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


A neuroapoptose ou morte celular programada de neurônios é um processo fisiológico
que ocorre no circuito neuronal normal, mais proeminentemente da 24ª semana intrauteri-
na até 4 semanas de vida. Durante a vida intrauterina, aproximadamente 70% dos neurônios
sofrerão apoptose fisiológica durante o processo de formação cerebral normal24.
Durante os últimos 15 anos, há grande preocupação quanto ao efeito dos agentes anestésicos
no cérebro em desenvolvimento e suas repercussões a curto e, principalmente, a longo prazo25-29.
Estudos em modelos animais mostram que a exposição à hipóxia, hipoglicemia e
certos fármacos causa alterações no processo de apoptose, ocasionando a morte de
neurônios durante o período de sinaptogênese cerebral. Esses estudos demonstraram
que os agentes anestésicos agonista gabaérgico ou antagonista de receptores NMDA
(N-methyl-D-aspartate) podem causar uma variedade de alterações morfológicas no
cérebro de animais em desenvolvimento30.
Os estudos em humanos correlacionam alterações neurocognitivas e comportamentais a
curto e a longo prazo com a exposição a esses anestésicos em crianças menores de 3 anos de
idade por ser o período de maior vulnerabilidade cerebral em humanos.
Os estudos em humanos apresentam resultados controversos26,31. Alguns demonstram
que a exposição aos anestésicos causa alterações neurocomportamentais nas crianças32-34,
enquanto outros, não encontraram essa associação35-41. Destes estudos, apenas dois são
prospectivos com melhor qualidade metodológica, o estudo GAS (General Anesthesia
vs. Spinal Anesthesia) e o estudo PANDA (Pediatric Anesthesia Neurodevelopment As-
sessment) e ambos, mostraram que exposição única e de curta duração (até 60 minutos) a
anestesia geral não está associada a problemas no neurodesenvolvimento de crianças a curto
prazo35,39. No entanto, ainda o desfecho primário [teste de quociente de inteligência (QI)
com 5 anos] do estudo GAS não foi avaliado. Essa associação parece ser mais evidente em
mais de uma exposição ou em exposições de longa duração (maior que 3 horas)42-45.
Estudos em fetos de modelos animais expostos a agentes anestésicos têm mostrado alte-
rações morfológicas neurodegenerativas com o uso de cetamina, propofol, agentes inalató-
rios, barbitúricos e benzodiazepínicos46-48. Entretanto, não existe até o momento, nenhum
estudo publicado sobre a associação da exposição intraútero de fetos humanos a agentes
anestésicos e neurodesenvolvimento no período pós-natal49.
Em dezembro de 2016, o FDA (Food and Drug Administration) publicou um alerta su-
gerindo a discussão entre pais, familiares, paciente e médicos sobre a possibilidade de adiar
procedimentos anestésicos em crianças menores de 3 anos de idade50. No entanto, com base
na falta de evidência científica consistente, a sociedade europeia recomenda avaliar os possí-
veis riscos ao paciente caso seja decidido adiar qualquer procedimento indicado51.
Novos estudos estão em andamento, o estudo coorte MASK (Mayo Anesthesia Safety in
Kids) que visa avaliar o efeito da anestesia no neurodesenvolvimento a longo prazo e tem
resultados previstos para o ano de 201752, outro estudo, The Recognition Memory Study, irá
avaliar exposição a anestesias prolongadas em crianças com resultados previstos para os
próximos anos53.
Portanto, até o momento, não há evidência científica que suporte a mudança na prática
clínica da anestesia para cirurgia fetal.

Anestesia para cirurgia fetal | 201


Considerações anestésicas
O anestesiologista nas intervenções fetais é responsável por prover cuidados a dois ou
mais pacientes que apresentam necessidades anestésicas com características anatomofisio-
lógicas diferentes e interligadas.
A manutenção de adequado fluxo sanguíneo uteroplacentário e de relaxamento do
tônus uterino são fatores primordiais para a condução anestésica desses procedimentos20.
O relaxamento uterino deve ser continuado no pós-operatório para prevenir trabalho de
parto prematuro.
Alterações agudas no fluxo sanguíneo placentário podem causar hipóxia fetal e bradicar-
dia. As causas mais comuns são diminuição do aporte de oxigênio da circulação uteropla-
centária (hipóxia, hipotensão, hipovolemia maternas ou compressão aortocava na gestante),
diminuição da perfusão do cordão umbilical (contrações uterinas, aumento da resistência
vascular placentária ou compressão do cordão umbilical) e diminuição do aporte de oxigê-
nio para os tecidos fetais (anemia ou disfunção cardíaca no feto20).
Os agentes tocolíticos causam tanto efeitos adversos maternos com prolongamento
do bloqueio neuromuscular e edema pulmonar com o uso de sulfato de magnésio, hi-
potensão com bloqueador de canal de cálcio e taquicardia com beta-agonistas; quanto
efeitos no feto com taquicardia (beta-agonistas simpáticos), constrição do ducto arterioso
e oligúria (anti-inflamatórios), e depressão cardíaca (bloqueadores de canal de cálcio e
sulfato de magnésio)53,54.
Uma vez que há perda de líquido amniótico durante o intraoperatório, o volume uterino
precisa ser reposto porque a redução do mesmo é forte estímulo para contração uterina e
risco de sofrimento fetal.
A tipagem sanguínea e reserva de concentrado de hemácias para a gestante e re-
serva de concentrado O - para o feto são necessários devido ao risco de hemorragias
no perioperatório.

Monitorização fetal
O objetivo durante qualquer intervenção fetal é evitar hipoxemia, hipotermia e bradi-
cardia no feto. No entanto, o acesso ao feto é limitado e equipamentos para monitorização
contínua ainda estão em desenvolvimento e são limitados.
A monitorização fetal pode ser realizada por meio da medida direta de gases sanguíneos,
eletrocardiograma, oximetria de pulso, ecocardiograma fetal e medida de fluxo sanguíneo
cerebral fetal por ultrassonografia com Doppler55,56. A frequência cardíaca (FC) fetal pode
ser acessada também com a palpação do cordão umbilical.
Em casos onde a coleta de sangue faz-se necessária, a amostra fetal pode ser obtida de
qualquer veia disponível, porém deve-se lembrar de que a punção de vasos umbilicais pode
levar a espasmo do cordão, hematoma e até morte fetal.
O feto vive em baixas concentrações de oxigênio com satO2 de 30-70% e com 60-90%
de hemoglobina fetal, prejudicando medidas fidedignas da monitorização com oximetria
de pulso57.

202 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Ressuscitação fetal
A ressuscitação fetal é indicada para bradicardia fetal (FC < 100 bpm), hipoxemia (sat O2
fetal < 30-40%) e disfunção ventricular21.
Inicia-se com a otimização do fluxo sanguíneo placentário. O anestesiologista deve au-
mentar a concentração de oxigênio na gestante, administrar líquidos e vasopressores para
aumentar a pressão sanguínea materna, tocolíticos para reduzir o tônus uterino e posicionar
a gestante adequadamente para aliviar compressão aortocava21. Os cirurgiões devem repo-
sicionar o feto e aumentar o volume uterino para aliviar qualquer compressão do cordão
umbilical. Se todas essas medidas forem insuficientes, deve-se administrar adrenalina e
cristaloides diretamente no feto assim como a realização de compressões torácicas.
Se a instabilidade hemodinâmica persistir e o feto for viável, o próximo passo é realizar o
parto e iniciar manobras para ressuscitação neonatal.
Riscos da intervenção fetal
A intervenção cirúrgica fetal apresenta risco tanto para a gestante quanto para o feto.
Como esses procedimentos não adicionam nenhum benefício direto para a gestante, o risco
materno deve ser minimizado e discutido no pré-operatório. As comorbidades maternas
que aumentam o risco anestésico são contraindicações para a cirurgia fetal.
As complicações mais comuns após a intervenção é o trabalho de parto prematuro e o
descolamento prematuro de membranas58.
Em procedimentos em que o parto necessita ser realizado logo após a intervenção fetal,
as pacientes apresentam alto risco de hemorragia uterina devido a necessidade de uso de
tocolíticos no intraoperatório. Além disso, casos em que a gestante foi submetida a histe-
rotomia durante a cirurgia fetal, a mesma apresenta risco atual e futuro de rotura uterina e
descolamento de placenta20.

Tipos de intervenção fetal


A cirurgia fetal é uma área da medicina excitante e em crescimento. Avanços nos meios
diagnósticos empregados no pré-natal possibilitam o diagnóstico mais acurado de malfor-
mações e juntamente com a inovação contínua nas técnicas cirúrgicas e anestésicas têm
resultados em uma grande variedade de intervenções fetais.
Equipe multidisciplinar com cirurgiões, obstetras, anestesiologistas, neonatologistas,
radiologistas e enfermagem é imprescindível para o sucesso do procedimento59.
Existem três categorias de intervenções fetais: os procedimentos percutâneos ou mini-
mamente invasivos, as cirurgias a céu aberto e o tratamento intraparto extrauterino (ex-ute-
ro intrapartum treatmet - EXIT).
Anestesia para procedimentos minimamente invasivos
As intervenções minimamente invasivas são os procedimentos fetais mais realizados e
incluem abordagem percutânea da parede abdominal materna com o uso da ultrassonogra-
fia. Os procedimentos variam desde coleta ou biópsia de amostras de tecidos ou líquidos até
procedimentos com pequenas incisões cirúrgicas (Tabela 1).

Anestesia para cirurgia fetal | 203


Tabela 1 - Indicações cirúrgicas intraútero para procedimentos minimamente invasivos
ou a céu aberto
Cirurgias intraútero Objetivos da intervenção intraútero
Hérnia Diafragmática Congênita (HDC) Permitir melhor desenvolvimento pulmonar,
oclusão traqueal por fetoscopia prevenir hipoplasia pulmonar e hipertensão
pulmonar
Malformações pulmonares congênitas císticas Prevenir hipoplasia pulmonar, desvio
•• lobectomia fetal aberta mediastinal e polidrâmnio
Teratoma Sacrococcígeo Cessar o fenômeno de roubo de fluxo e
•• ressecção cirúrgica aberta, ablação por reverter a insuficiência cardíaca (IC) de alto
radiofrequência ou laser por fetoscopia débito
Mielomeningocele (MMC) Cobrir a medula espinhal exposta, melhorar
•• correção aberta o prognóstico neuropsicomotor, prevenir
•• fetoscopia hidrocefalia pela malformação de Chiari II e
herniação cerebelar
Estenose Aórtica em Síndrome do ventrículo Impedir progressiva disfunção ventricular
esquerdo hipoplásico esquerda
•• valvuloplastia aórtica por balão por fetoscopia
Septo atrial intacto ou restritivo na Síndrome de Impedir progressão da hipertensão atrial
ventrículo esquerdo hipoplásico esquerda
•• septostomia atrial com balão ou stent por
fetoscopia
Bandas amnióticas Prevenir deformidades nos membros e
•• liberação com laser por fetoscopia craniofaciais
Obstrução do Trato Urinário Inferior Prevenir uropatia obstrutiva e disfunção
(Válvula de uretra posterior/VUP) renal e prevenir hipoplasia pulmonar por
•• derivação urinária vesicoamniótica, ablação restabelecer o volume do líquido amniótico
por fetoscopia VUP, vesicostomia aberta
Transfusão feto-fetal em gemelares Interromper a transfusão feto-fetal, reverter
monocoriônicos IC do feto receptor e melhorar o suprimento
•• fotocoagulação seletiva a laser por fetoscopia sanguíneo para o doador
•• ablação seletiva do cordão fetal por
radiofrequência por fetoscopia
•• amniorredução
Anomalias discordantes em gemelares Fetocídeo para melhorar as chances de
•• ablação seletiva fetal por radiofrequência por sobrevivência do outro feto
fetoscopia
Adaptada de Hoagland MA et al.20
Na fetoscopia, os fetoscópios e endoscópios são inseridos na cavidade uterina guiados
pela ultrassonografia para visibilizar e planejar os procedimentos. Estes são realizados com
amniodistensão por gás e visibilização indireta da cavidade uterina através de ótica.
A fetoscopia é um procedimento menos invasivo que a cirurgia fetal aberta, com menos
morbidade intra e pós-operatória, principalmente por apresentar menor incidência de trabalho
de parto prematuro e, portanto, menor necessidade de tocólise prolongada no pós-operatório.

204 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Na maioria das vezes esses procedimentos minimamente invasivos são realizados com
anestesia local ou bloqueio locorregional na gestante com ou sem sedação leve. Essa técni-
ca não providencia relaxamento uterino e a sedação vai prover limitada analgesia fetal via
transferência transplacentária60-62 .
Em algumas situações, o feto apresenta movimentos que colocam em risco a sua inte-
gridade durante o procedimento. Assim, faz-se necessário administrar bloqueador neuro-
muscular (BNM) diretamente no feto com injeções guiadas por USG via IM ou pela veia
umbilical. Utiliza-se vecurônio (0,1 mg/kg), ou pancurônio (0,15 mg/kg), ou atracúrio (0,5
a 1 mg/kg) ou rocurônio (0,6 a 1 mg/kg)63,64. Alguns grupos realizam analgesia direta no
feto com a administração IM de 10-20 μ · kg-1 de fentanil65.
Para cirurgia fetal em tecidos não inervados como placenta e cordão umbilical, ne-
nhuma analgesia fetal é necessária como na fotocoagulação para tratamento de trans-
fusão feto-fetal 21.

Cirurgia a céu aberto


A cirurgia aberta é realizada com histerotomia para o acesso ao feto e o volume uterino
é mantido pela infusão contínua de solução salina aquecida dentro da cavidade uterina.
Assim, o feto é parcialmente exteriorizado para permitir o acesso cirúrgico e sua exposição
deve ser sempre mínima impedir hipotermia e ajudar a manter o volume intrauterino.
Atualmente, a indicação mais comum é a reparação pré-natal de mielomeningocele
(MMC). Outros procedimentos comuns englobam ressecção de grande massa pulmonar fetal,
teratoma sacrococcígeo e vesicostomia para obstrução do trato urinário inferior (Tabela 1).
Esses procedimentos são realizados sob anestesia geral associada à peridural para contro-
le da dor no pós-operatório. Após a passagem do cateter de peridural, a paciente é colocada
em decúbito dorsal horizontal, com deslocamento lateral esquerdo do útero, e procede-se a
indução da anestesia geral com intubação orotraqueal em sequência rápida.
A monitorização materna engloba além da oximetria de pulso e cardioscopia, diurese, tem-
peratura, monitorização do bloqueio neuromuscular e da pressão arterial invasiva. Quanto à
necessidade de acessos venosos, punção de acesso venoso periférico calibroso é necessária pela
possibilidade de transfusão de hemoderivados. Medidas para prevenção de trombose venosa
profunda com compressão pneumática intermitente devem ser implementadas.
Durante a ventilação mecânica controlada, cuidado deve-se dar para manter a normo-
carbia (etCO2 de 30-35 mmHg) porque a hipocarbia causa vasoconstrição uterina com
diminuição da perfusão fetal66.
Antes da histerotomia, profundo relaxamento uterino é realizado com o uso de altas
concentrações de anestésicos inalatórios (2-3 CAM) com ou sem o uso de outros agentes
tocolíticos. Os halogenados (desflurano ou sevoflurano) com baixo coeficiente de partição
sangue/gás são os mais indicados pela maior facilidade de titulação do plano anestésico
devido ao risco de comprometimento da hemodinâmica materna e fetal55. Uma técnica al-
ternativa é o uso de infusões contínuas de propofol e remifentanil antes e depois da manipu-
lação uterina, com desflurano 1-1,5 CAM adicionado durante a histerotomia para promover
o relaxamento uterino adequado67.

Anestesia para cirurgia fetal | 205


A tocólise é muitas vezes realizada com o uso de sulfato de magnésio com dose de ataque
-1
de 4 g seguido de infusão de 2 g · h . A infusão de bólus de nitroglicerina 50-150 μg pode
ser necessária por promover relaxamento uterino instantâneo. O uso de vasopressores na
gestante deve ser feito para evitar hipotensão e a hidratação deve ser restritiva (limitada em
2 litros) pelo risco de edema pulmonar com o uso de tocolíticos.
A anestesia fetal é complementada com injeção IM de fentanil 10-20 mcg/kg, vecurônio
0,2 mg/kg ou rocurônio 2 mg/kg e atropina 20 mcg/kg e o bem-estar fetal deve ser verifica-
do com o uso do USG para avaliar a FC fetal.
Após o término do procedimento cirúrgico fetal, a tocólise é mantida no pós-operatório
para prevenir trabalho de parto prematuro. Alguns utilizam indometacina e sulfato de mag-
nésio na gestante por 48h e bloqueadores de canal de cálcio durante toda a gravidez68.
A gestante deve ser extubada acordada e após a descurarização adequada e a dor no pós-
-operatório deve ser controlada adequadamente devido ao risco de parto prematuro21,66.
Exit (Ex-utero intrapartum treatment) ou tratamento intraparto extrauterino
O Exit é um procedimento que visa abordar o feto durante o parto para garantir sua
sobrevivência após o nascimento. Consiste em manter a circulação fetoplacentária íntegra
ao nascimento para abordar situações de risco de vida como tumor em via aérea, comprome-
timento da oxigenação e/ou ventilação, colapso cardiovascular e outras69.
Este tipo de procedimento foi originalmente desenvolvido para assegurar a via aérea de
fetos com hérnia diafragmática congênita grave que tinham previamente sidos submetidos
a oclusão traqueal intraútero70.
A indicação frequente de Exit é garantir a via aérea do feto segura seja com intubação
traqueal por laringoscopia direta, broncoscópio rígido ou mesmo traqueostomia antes da
realização do parto. Esse procedimento é realizado em situações em que a abordagem da via
aérea é necessária e difícil podendo causar risco de vida para o neonato como na presença de
grande massa cervical ou orofaríngea, nos portadores de CHAOS (Congenital High Air Way
Obstruction) e naqueles com malformações craniofaciais graves com micrognatia importan-
te. Desta forma, a potencial via aérea emergencial neonatal é transformada em um cenário
clínico controlável permitindo o sucesso da transição para a vida extrauterina (Figura 1).

Figura 1 - Traqueostomia realizada durante Exit em paciente com teratoma na região oral acometendo toda
a face (arquivo pessoal da autora).

206 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Outras indicações para o Exit e suas razões podem ser vistas na Tabela 2.
Tabela 2 - Indicações para Exit
Tipos de intervenções Razões Malformações Fetais
Exit para assegurar via Compressão extrínseca, Teratoma cervical Malformações
aérea Obstrução intrínseca linfáticas Hemangioma, CHAOS, atresia/
estenose laríngea, cistos laríngeos
Iatrogênica Reversão de oclusão traqueal (HDC)
Exit para ressecções Compressão Malformação pulmonar congênita, cisto
cirúrgicas intratorácica broncogênico, tumor torácico
Exit para ECMO Comprometimento HDC com prognóstico ruim Síndrome
cardiopulmonar do ventrículo esquerdo hipoplásico com
septo atrial restritivo ou intacto
Exit para separação Ponte para separação Gêmeos siameses
Adaptada de Hoagland MA et al. 20

Para os procedimentos Exit não relacionados com a via aérea, o feto também precisa que
sua via aérea seja assegurada anteriormente à intervenção para o caso de ocorrer parto de
emergência sem ter completado o procedimento no feto.71 Após a intubação traqueal, os
pulmões não são ventilados até o início do nascimento do feto para não iniciar o processo de
circulação transicional e separação da placenta do feto19.
Diferentemente da cesárea habitual, profundo relaxamento uterino é necessário com
altas concentrações de halogenados e tocolíticos antes da histerotomia. No entanto, agentes
de ação prolongada como o sulfato de magnésio devem ser evitados pela necessidade de
contração uterina ao final do procedimento. O uso de bolus de nitroglicerina (75-150 μ)
seria o método mais adequado.
A anestesia geral na gestante é a mais empregada e é realizada da mesma maneira
que para os procedimentos a céu aberto59. O feto é parcialmente retirado da cavidade
uterina e solução cristaloide aquecida é infundida a fim de se manter o volume uterino
e a integridade placentária. O emprego de anestésicos diretamente no feto é muito im-
portante, pois, se o mesmo fizer esforço respiratório, pode haver mudança da circulação
fetal para circulação neonatal, transformando uma situação controlada em catastrófi-
ca 59. A temperatura da sala ideal é acima de 22 °C, lembrando que o parto ocorrerá ao
final da intervenção. Neonatologistas devem estar presentes na sala cirúrgica para re-
cepcionar o recém-nascido (RN). Vagas de UTI para mãe e RN devem estar disponíveis
assim como reserva de hemocomponentes.
Após o término da intervenção fetal e antes de clampear o cordão umbilical, o agente ina-
latório é descontinuado para permitir o retorno do tônus uterino e minimizar sangramento
uterino. Após o clampeamento e a expulsão do feto, drogas uterotônicas são empregadas e a
massagem uterina é iniciada.
A gestante deve ser extubada acordada com adequado controle da dor no pós-operatório
por meio de cateter peridural.

Anestesia para cirurgia fetal | 207


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210 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Capítulo 15

Anestesia para tratamento de


urgências neonatais
Luciane Gabardo Pimentel
Giorgio Pretto
Marcio Natter
Anestesia para tratamento de urgências neonatais

Introdução
O período neonatal compreende as quatro primeiras semanas de vida. É um período
muito peculiar de adaptação, amadurecimento e crescimento com diversas mudanças em
vários órgãos e sistemas em pouco espaço de tempo. Além do estudo das principais pato-
logias cirúrgicas que acometem os neonatos é fundamental o conhecimento das caracte-
rísticas específicas dessa faixa etária para o adequado manejo anestésico, pois é o grupo da
população com a maior incidência de eventos adversos durante a anestesia1,2 .

Peculiaridades Anatômicas e Fisiológicas do RN

Via aérea
A cabeça do bebê é relativamente grande em relação ao restante do corpo, a região occipital
proeminente faz com que a cabeça movimente lateralmente e também tenha tendência a flexão
quando em posição supina. O posicionamento da cabeça pode ser feito com um coxim redondo
(rodilha) na região occipital para estabilização, e/ou um coxim entre os ombros, o ideal é que a
cabeça fique em posição neutra. A hiperextensão deve ser evitada porque cria um ângulo agudo
entre a laringe e a traqueia que atrapalha a visualização da glote durante a laringoscopia2,3.
A língua é relativamente grande em comparação à cavidade oral e tem mobilidade lateral
limitada. A glote é mais cefálica (nível C2/C3) e anterior. A epiglote tem formato de ômega
e é mais alongada, podendo atrapalhar a visualização da glote. A utilização da lâmina de
laringoscopia reta é recomendada pois auxilia se houver necessidade de pinçamento da epi-
glote e também desloca a língua em direção à região submandibular, aumentando o espaço
de visualização2,3,4.
O conhecimento da anatomia da laringe do neonato mudou na última década a partir
de estudos com métodos de imagem. Os estudos demonstram que a área mais estreita é a
região das pregas vocais ou logo abaixo delas, e que a laringe tem circunferência elipsoide
com o menor diâmetro transversal. Porém, o anel cricoide é o ponto mais vulnerável da via
aérea por ser a única estrutura não distensível. Isquemia ou lesão nessa área pode levar a
estenose subglótica pós-operatória3,5.
Sistema respiratório
O pulmão do neonato ainda não está completamente desenvolvido, tem alvéolos maiores
e em menor quantidade que as crianças maiores, assim apresenta também menor capaci-
dade elástica e menor complacência. O pulmão com tendência ao colapso tem aumento da
capacidade de fechamento (CF). A CF é maior que a capacidade residual funcional (CRF),
levando ao fechamento das pequenas vias aéreas durante uma ventilação normal2,6.
A caixa torácica, por outro lado, é mais complacente. A estrutura cartilaginosa deforma
facilmente e, por esse motivo, em situações com esforço respiratório ocorre a chamada res-
piração paradoxal, com afundamento do tórax durante a inspiração e elevação na expiração6.

212 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


O diafragma é o principal músculo responsável pela inspiração, porém no neonato a
eficiência dos músculos intercostais é menor porque as costelas já estão alinhadas mais
horizontalmente. Os neonatos, principalmente prematuros, também são mais suscetí-
veis a fadiga pela menor quantidade de fibras musculares diafragmáticas e intercostais
do tipo I 2,6 .
A produção de surfactante, que inicia com cerca de 23-24 semanas de idade gestacional
só alcança níveis adequados por volta da 35.a semana. A deficiência de surfactante deixa o
pulmão ainda menos complacente com tendência a atelectasia e distúrbios entre ventilação
e perfusão do tipo shunt2,4.
Alguns aspectos da fisiologia respiratória do neonato o tornam mais suscetível à hipo-
xemia, quando exposto a períodos de apneia. A demanda metabólica do recém-nascido é
aproximadamente duas vezes maior que a do adulto. O suprimento de oxigênio necessário
se dá pelo aumento da ventilação alveolar (Va). Durante a apneia o consumo de oxigênio é
mais rápido e a saturação cai mais precocemente porque a relação entre a Va/CRF é cerca de
três vezes maior na criança3.
O desenvolvimento do controle da respiração (ritmogênese do centro respiratório e a
resposta central e periférica de quimiorreceptores) se inicia na gestação e continua a ama-
durecer por semanas ou meses após o nascimento. Por esse motivo a resposta à hipóxia está
alterada (o RN faz taquipneia inicialmente seguida por bradipneia) e a resposta a hipercar-
bia está atenuada em relação a crianças maiores e adultos. A apneia, que é definida como
ausência de movimentos respiratórios por 20 segundos ou menos, se associados cianose e
bradicardia, é muito frequente em prematuros. A exposição aos anestésicos aumenta ainda
mais o risco de apneia. A incidência de apneia pós-operatória do prematuro é proporcional à
idade gestacional e ao peso ao nascimento2,6.
Além de todos esses fatores, os neonatos tem o sistema antioxidativo imaturo e estão
sob risco de toxicidade pelo oxigênio. Altas frações desse gás podem causar retinopatia e
broncodisplasia pulmonar nos prematuros6.
Consequentemente, estratégias de ventilação protetoras devem ser utilizadas. Recomen-
da-se evitar volumes e pressões excessivas (volutrauma e barotrauma), fazer uso de pressão
expiratória positiva final (PEEP) para evitar a abertura e fechamento repetitivo dos alvéolos
(atelectotrauma) e evitar altas frações inspiradas de oxigênio (FiO2)2,6.
Sistema cardiovascular
O coração do neonato é morfologicamente imaturo e adaptado à fisiologia da circulação
intrauterina, caracterizada por baixa resistência periférica, fluxo pulmonar mínimo e hipó-
xia. Após o nascimento ele precisa se adaptar rapidamente ao aumento brusco na resistência
sistêmica e ao aumento na demanda metabólica7.
A circulação neonatal é um estado dinâmico que pode reverter à circulação de transição
quando exposta a alguns eventos bioquímicos ou fisiológicos. Durante as primeiras semanas
de vida a circulação pulmonar permanece muito sensível, principalmente, ao PaO2, PaCO2
e acidose o que pode levar ao aumento da resistência vascular pulmonar e reabertura dos
shunts da circulação transicional com queda da saturação. O diagnóstico da abertura do

Anestesia para tratamento de urgências neonatais | 213


ducto arterioso pode ser feito pela presença de diferenças de saturação pré- ou pós-ductal, a
primeira com valor mais alto que a segunda2,7.
Histologicamente, no miocárdio do neonato há menor quantidade de tecido muscular,
muito tecido conectivo às células e miofibrilas estão dispostas de maneira menos organiza-
da. As organelas intracelulares também são imaturas, possuem baixas reservas de cálcio, o
que faz com que haja dependência do cálcio extracelular3.
O miocárdio é pouco complacente, com um volume sistólico fixo que faz com que o dé-
bito cardíaco seja dependente da frequência cardíaca. Além disso, o coração do neonato não
é capaz de se adaptar bem a mudanças no volume intravascular. Se por um lado o sistema
barorreceptor imaturo faz com que a resposta de taquicardia por hipovolemia seja limitada,
por outro, a baixa complacência ventricular faz com que o miocárdio não tolere bem sobre-
cargas de volume3,7.
Controle da temperatura
O neonato, principalmente o prematuro, tem maior risco de desenvolver hipotermia que
as crianças maiores e os adultos. Tanto os mecanismos de conservação de calor quanto de
produção são menos eficazes. Ocorre maior perda de calor pela maior relação entre a super-
fície corporal e a massa total e pela ineficácia do isolamento térmico (pequena quantidade
de gordura subcutânea e menor camada de queratina na pele). A termogênese é feita pelo
metabolismo da gordura marrom, porém os mecanismos termorreguladores estão ausentes
durante a anestesia2,8.
É indispensável a monitorização da temperatura durante a anestesia e uso de medidas
para evitar a perda de calor, tais como proteção da cabeça, fontes de calor radiante, aqueci-
mento da sala cirúrgica e sistema de ar quente forçado (manta térmica)2 .
Função renal
O rim do neonato não está completamente desenvolvido no nascimento. A taxa de filtra-
ção glomerular é apenas 30% da do adulto e os túbulos renais ainda são pequenos e tem limi-
tada capacidade de concentração da urina com perda de sódio predispondo a hiponatremia9.
Metabolismo da glicose
A associação de alta taxa metabólica com os estoques limitados de energia tornam o neona-
to suscetível à hipoglicemia. Porém, durante os procedimentos cirúrgicos eles também respon-
dem ao trauma com o aumento do cortisol, do hormônio de crescimento e das catecolaminas,
todos capazes de mobilizar as reservas de glicogênio. A glicemia deve ser monitorada. Alguns
pacientes de risco tais como prematuros, filhos de mães diabéticas, pequenos ou grandes para
idade gestacional, pacientes muito críticos, em jejum prolongado e aqueles com Síndrome de
Beckwith-Wiedemann devem receber suplementação no intraoperatório8,10.

Onfalocele e Gastrosquise
A onfalocele e a gastrosquise são defeitos congênitos do fechamento da parede abdomi-
nal com etiologia embriológica distinta, mas com o mesmo princípio de tratamento cirúrgi-
co e manejo anestésico11.

214 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


A gastrosquise ocorre em 4-5:10.000 nascidos. Existem várias teorias da origem embrio-
lógica, porém a etiologia ainda não foi bem definida. O defeito da parede na gastrosquise é
paraumbilical geralmente à direita. Não há membrana envolvendo as alças intestinais, elas
ficam expostas ao líquido amniótico. Após o nascimento a exposição ao ar ambiente provo-
ca não só perda de fluidos e temperatura, como também inflamação e edema das alças intes-
tinais com risco de lesões, isquemia e infarto. As alças devem ser protegidas com curativo
plástico estéril o mais rápido possível9,11.
A incidência da onfalocele é de 1:6.000 nascimentos, ocorre pela falha na migração das
vísceras e órgãos para a cavidade abdominal entre a 8a e a 12a semana de idade gestacional.
O defeito é central, na inserção do cordão umbilical, com herniação de alças intestinais e
órgãos abdominais que ficam recobertos por uma membrana avascular. Outros defeitos
congênitos estão frequentemente associados. Os mais comuns são as trissomias (13, 18, 21),
malformações cardíacas, renais, a Síndrome de Beckwith-Wiedemann (macroglossia, visce-
romegalia, hipoglicemia) e a Pentalogia de Cantrell11.
O período pré-operatório deve incluir a avaliação dos possíveis defeitos congênitos asso-
ciados a ecocardiografia e a ultrassom renal nos neonatos com onfalocele, e a reposição das
perdas de fluidos. Uma sonda gástrica deve ser introduzida para evitar a distensão das alças
intestinais. Não é necessário o fechamento cirúrgico imediato ao nascimento possibilitando
uma transição cardiorrespiratória mais suave. Em geral o procedimento cirúrgico pode ser
realizado dentro do período de oito horas após o nascimento, exceto quando as alças intes-
tinais apresentarem sinais de isquemia9,11.
O objetivo do tratamento cirúrgico em ambos os casos consiste na acomodação das vís-
ceras e órgãos na cavidade abdominal com fechamento da parede. Os principais objetivos
do manejo anestésico são corrigir as perdas de fluidos e evitar a hipotermia decorrentes da
exposição das alças intestinais. O risco de regurgitação e broncoaspiração na indução anes-
tésica pode ser minimizado aspirando o conteúdo gástrico pela sonda gástrica e utilizando
técnicas de indução em sequência rápida (ISR) modificada11.
A ISR modificada consiste em titulação do agente hipnótico, ventilação sob máscara
com pressão limitada (< 12 cmH2O), não realização da pressão cricoide e utilização de blo-
queador adespolarizante aguardando seu efeito máximo12,13. A intubação acordada ou em
sequência rápida tradicional com a manobra de Sellick apresenta alguns problemas nessa
faixa etária. Pela fisiologia do neonato, o tempo de apneia necessário causa hipóxia grave, e a
compressão cricoidea, além de difícil aplicação, pode distorcer a anatomia dificultando a in-
tubação e provocando traumatismos. A intubação com paciente acordado também não está
indicada como rotina pois pode levar a aumento da pressão intracraniana com sangramento,
apneia, aumento da pressão arterial, dessaturação e trauma na via aérea2,13.
O uso de bloqueadores neuromusculares está indicado durante a correção cirúrgica
para facilitar a colocação dos órgãos na cavidade abdominal, porém como o abdome não se
desenvolveu adequadamente durante a gestação muitas vezes o fechamento em primeiro
tempo não é possível e é colocado um silo. O fechamento da parede abdominal sob muita
tensão pode levar ao comprometimento da ventilação e a síndrome compartimental abdo-
minal com diminuição global da perfusão dos órgãos abdominais, diminuição da função

Anestesia para tratamento de urgências neonatais | 215


renal e hepática, isquemia das alças intestinais e dos membros inferiores. A medida da pres-
são intragástrica ou intravesical é um recurso diagnóstico utilizado. Medidas acima de 15
cmH2O estão alteradas e acima de 20 cmH2O estão associadas a altos índices de incidência
de síndrome compartimental abdominal9,11. O uso de bloqueios do neuroeixo como técnica
anestésica associada a anestesia geral ou técnica única está descrita com bons resultados14,15.
A conduta anestésica ao final do procedimento deve ser individualizada levando em
conta as condições da criança. Nascidos a termo, sem comorbidades e defeitos pequenos
podem ser extubados no final do procedimento em vigência de analgesia adequada. No caso
de pacientes prematuros, neonatos com outras doenças graves associadas ou com aumento
de pressão intra-abdominal e restrição da ventilação pode haver necessidade de relaxamen-
to muscular e suporte ventilatório por dias até a estabilização9,11.

Estenose Hipertrófica de Piloro


A estenose hipertrófica do piloro (EHP) apresenta uma incidência de 1 a 5 casos a
cada 1.000 nascidos vivos. É mais frequente no sexo masculino e os sintomas aparecem
nas primeiras semanas de vida. O sintoma primário é o vômito em jato com piora pro-
gressiva. A causa é a hipertrofia muscular no nível do piloro que leva à obstrução da via
de saída do estômago11.
O diagnóstico atualmente é realizado via ultrassonografia. Sua acurácia se aproxima de
100% e pode ser a responsável pelo diagnóstico em estágios mais precoces da doença repor-
tado recentemente. O sinal da oliva (massa redonda palpável no andar superior do abdome)
pode ser palpado em menos de 50% dos casos11,16.
O tratamento consiste na piloromiotomia que pode ser realizada tanto via aberta quanto
laparoscópica. O procedimento cirúrgico não é uma emergência. A morbimortalidade do
procedimento é baixa e se deve a um bom preparo pré-operatório e ao entendimento da
fisiopatologia da doença11,16.
Por causa dos vômitos sem secreções intestinais, há perda progressiva de íons cloro, o
que leva a uma alcalose metabólica hipoclorêmica17. Pode haver também hipocalemia de-
corrente da excreção renal, uma vez que o sódio é maximamente reabsorvido por causa da
desidratação. Valor de cloro abaixo de 85 mEq/L é um indicador de gravidade11,16.
A solução fisiológica a 0,9% é a solução padrão para ressuscitação pré-operatória nesses
casos, uma vez que apresenta 15,4 mEq de cloro a cada 100 ml e corrige a alcalose mais
eficazmente que o ringer lactato que apresenta 10,9 mEq/L de cloro a cada 100 ml16. Os
objetivos pré-operatórios a serem atingidos estão demonstrados na Tabela 1.
Tabela 111 – Objetivos pré-operatórios antes da piloromiotomia
• Ressuscitação volêmica adequada
Urinando adequadamente
Sem sinais clínicos de desidratação
• Cloro sérico acima 100 mEq/L
• Bicarbonato sérico acima de 30 mEq/L

216 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Em relação ao manejo anestésico, é aconselhável a passagem de uma sonda gástrica
calibrosa antes da indução da anestesia. Mesmo assim, há chance de volume gástrico resi-
dual11,16. Dessa forma, uma ISR modificada é aconselhável. A intubação deve ser realiza-
da preferencialmente com tubo com cuff, pois há menor necessidade de troca de cânula,
menor chance de aspiração e menos vazamentos. Também há como modificar a pressão
de selo traqueal de acordo com mudanças da complacência respiratória, como ocorre com
a cirurgia laparoscópica18.
A manutenção da anestesia pode ser realizada com um agente inalatório. A utilização de
bloqueador neuromuscular é desejável principalmente quando a cirurgia for laparoscópica.
A utilização de opioides nem sempre se faz necessária e o remifentanil é uma boa opção
nesta população sob risco de apneia no pós-operatório. A analgesia pós-operatória pode ser
alcançada com infiltração de anestésico local e analgésico não opioide16.
Em razão da alcalose metabólica, pode haver retardo no retorno à ventilação espontânea.
Isso porque, levam algumas horas até o equilíbrio do pH plasmático com o do líquor, res-
ponsável pelo estímulo à ventilação16.
Comparada com a cirurgia aberta, a abordagem laparoscópica está associada a um menor
tempo de internação hospitalar e menos dor pós-operatória11. Apesar de estudos mais anti-
gos associarem a via laparoscópica com piloromiotomia incompleta e perfuração da mucosa,
estudos mais recentes não encontram diferença entre as técnicas16,19.

Hérnia Diafragmática
A hérnia diafragmática congênita apresenta uma incidência de 1 caso a cada 2.500-5.000
nascidos vivos. A mortalidade varia de 10 a 23%, sendo maior em centros de menor volume.
A maioria dos óbitos ocorre nas primeiras 24 horas20.
O defeito posterolateral (Bochdaleck) é o mais frequente, seguido de defeitos na região
anterior e central do diafragma. Como o defeito se forma durante a fase de desenvolvimento
pulmonar, há marcante hipoplasia. Além disso, há espessamento da camada média arterial
contribuindo para hipertensão pulmonar21.
O diagnóstico antes do nascimento é possível por meio da ultrassonografia, sendo a rela-
ção do tamanho da cabeça com o pulmão de utilidade prognóstica. Com o diagnóstico ainda
em útero há a possibilidade de planejamento do nascimento em um centro especializado.
Além disso, pode-se realizar a oclusão traqueal intrauterina. A oclusão traqueal promove
desenvolvimento pulmonar evitando a saída de fluido do pulmão e aumento da pressão nas
vias aéreas21.
Após o nascimento, em casos sem diagnóstico prévio, os recém-nascidos são investigados
por apresentarem sintomas de insuficiência respiratória e/ou gastrointestinais. Os pacientes
devem ser submetidos à ecografia cardíaca para avaliação de malformações associadas, bem
como investigação de hipertensão pulmonar e insuficiência ventricular direita. Outras mal-
formações associadas incluem as renais, do sistema nervoso e gastrointestinais21.
Após o nascimento os pacientes recebem uma sonda gástrica para descompressão. A in-
tubação deve ser realizada evitando a ventilação sob máscara facial, pois pode distender as
alças intestinais21.

Anestesia para tratamento de urgências neonatais | 217


Os melhores resultados estão associados a uma estabilização prévia à cirurgia. Ela inclui
ventilação protetora e tratamento agressivo da hipertensão pulmonar. A ventilação proteto-
ra é entendida como pressão de pico abaixo de 25 cmH2O e tolerância a uma PCO2 mais alta
(60-65 mmHg). Alternativas incluem ECMO e ventilação de alta frequência. A utilização
de óxido nítrico e inibidores da fosfodiesterase são estratégias para o tratamento da hiper-
tensão pulmonar21,22 .
A cirurgia consiste em uma incisão subcostal e reparo do defeito, seja com sutura pri-
mária ou colocação de patch em defeitos maiores. O fechamento abdominal pode não ser
possível devido a uma cavidade pequena e um silo é indicado. Recentemente, a cirurgia
tem sido realizada via toracoscopia. Nesses casos o CO2 é insuflado na cavidade torácica,
reduzindo a hérnia e o reparo é realizado21,22 . A insuflação de CO2 pode gerar uma acidose
respiratória e piorar a hipertensão pulmonar. A seletivação pulmonar é desejável e no perío-
do neonatal pode ser conseguida com um cateter de Fogarty locado via fibrobroncoscopia.
O efeito do pneumotórax é minimizado com fluxos baixos de insuflação de CO2 e pressão
de 4 a 6 mmHg23.
A anestesia em geral é feita com doses altas de opioide, que ajudam a evitar a descarga
adrenérgica, o que leva a piora da hipertensão pulmonar. Oxido nitroso é evitado, pois pode
distender as alças intestinais. A analgesia pós-operatória pode ser realizada com bloqueio
regional11. Importante ressaltar que nem o volume de fluido administrado, nem o tempo de
anestesia estão associados à mortalidade pós-operatória20.

Atresia de Esôfago
As atresias de esôfago (AE) e as fístulas traqueosofágicas (FTE) constituem apresentações
diferentes da mesma patologia e que necessitam de abordagens diferentes (Figura 1). Esses
defeitos embriológicos são originados da divisão imperfeita do estômago, esôfago, faringe e
traqueia. Como na maioria das malformações, as AE/FTE podem estar associadas a outros
defeitos embriológicos em 25-50% dos casos (sendo as cardíacas as mais graves e frequentes,
constituindo 15-25% das malformações associadas). Atualmente 90% dos pacientes sobrevi-
vem quando operado em centros especializados24.
A apresentação mais comum, em 85% dos casos, é a porção proximal do esôfago em
fundo cego e a porção distal com fístula com a traqueia, ligando a árvore brônquica com o
estômago. A segunda apresentação mais comum, em 10% dos casos, é a porção proximal e
terminal do esôfago em fundo cego sem FTE25,26.
A AE/FTE, na maioria dos casos, impedem a deglutição do líquido amniótico e, conse-
quentemente, levam a um feto polidrâmnio. Em casos de ultrassom mostrando polidrâmnio
e ausência da bolha gástrica, uma sonda nasogástrica deve ser passada ainda na sala de parto
para verificar a possibilidade de AE/FTE27.
O diagnóstico pode ocorrer somente quando o neonato inicia a alimentação, poden-
do apresentar cianose e/ou engasgamento após alimentação, ou até com a deglutição
da saliva. Os raios X normalmente confirmam o diagnóstico. Uma ecocardiografia
pré-operatória é recomendada para pesquisar malformações associadas e comprome-
timento cardíaco27.

218 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Figura 1 – Tipo de apresentações das fístulas traqueoesofágicas e atresias de esôfago.

As maiores complicações são as pneumonias aspirativas e a desidratação. A FTE distal


coloca o conteúdo gástrico em contato com o sistema pulmonar, podendo causar inflama-
ções e/ou infecções graves. Especial atenção deve ser dada ao pulmão no preparo pré-ope-
ratório. A impossibilidade de deglutição causa desidratação e distúrbios hidroeletrolíticos.
O estado volêmico do neonato deve ser avaliado e a hipovolemia deve ser corrigida antes da
indução da anestesia.
Em alguns casos as complicações citadas são tão graves que é necessária uma gastrosto-
mia prévia para proteger o pulmão e adiar a cirurgia por alguns dias até a estabilização do
paciente. Se a gastrostomia estiver presente no momento da anestesia, ela deve permanecer
aberta e sob a visualização direta do anestesiologista para garantir que ela ficará aberta du-
rante todo o procedimento, evitando dobra ou oclusão.
Neonatos em boas condições devem ser preparados para a cirurgia em no máximo
48 horas.
A intubação é um dos períodos mais críticos da anestesia para AE/FTE e várias aborda-
gens são possíveis, cada uma com vantagens e desvantagens. Uma das mais usadas é a indu-
ção inalatória com anestesia tópica da via aérea, realizando a intubação orotraqueal (IOT)
com o paciente em ventilação espontânea. As vantagens desta abordagem são a diminuição
do risco de distensão gástrica. A IOT com indução associada a relaxantes musculares é uma
alternativa, mas em caso de dificuldade no manejo da via aérea, a necessidade de ventilação
com pressão positiva pode distender o estômago e levar ao aumento da pressão abdominal,
que dificultará ainda mais a ventilação. Se uma gastrostomia estiver presente a ventilação
com pressão positiva não será um problema, pois ocorrerá a drenagem pela sonda27.
Quando o tubo orotraqueal é posicionado, devemos tentar colocá-lo distal à FTE, para
evitar a ventilação/distensão gástrica. Quando a FTE é localizada na carina, a seletivação
do tubo pode ser necessária e a ventilação monopulmonar será mantida até a correção da
FTE. Se a ventilação monopulmonar não for suficiente para a manutenção da oxigenação,
uma gastrostomia deve ser realizada para possibilitar a ventilação de ambos os pulmões.

Anestesia para tratamento de urgências neonatais | 219


Vigilância durante toda a cirurgia é essencial para detectar migração do tubo para dentro
da FTE, causando dificuldade de ventilação e queda do CO2 e da saturação do oxigênio27.
As FTE em “H” podem necessitar de identificação por fluoroscopia e através de guias po-
sicionados por fibrobroncoscopia. O uso de procedimentos endoscópicos para fechamento
da FTE tem sido realizado com sucesso em casos selecionados.
Durante o transoperatório as principais alterações são as respiratórias, seja por migra-
ção do tubo, distensão gástrica, intensificação do refluxo para a árvore pulmonar ou pela
compressão pelo cirurgião durante as manobras para a correção da AE/FTE. A volemia
deve ser monitorizada e o paciente precisa ser mantido euvolêmico durante a maior parte do
procedimento. Os distúrbios hidroeletrolíticos devem ser avaliados com exames periódicos,
principalmente em cirurgias prolongadas ou complicadas.
O pós-operatório pode ser muito complicado quando existe a necessidade de ventilação
pós-operatória prolongada e/ou quando existe cardiopatia congênita associada.
A prematuridade e o baixo peso são frequentemente associados às malformações congê-
nitas e são fatores complicadores no perioperatório.
Neonatos em bom estado e sem complicações podem ser extubados na sala de cirurgia, e
a anestesia deve ser pensada para esse momento desde o início do procedimento. Quando a
anastomose do esôfago ficar com tensão, pode ser necessário que o paciente fique intubado
e com relaxamento muscular por alguns dias, para não comprometer a anastomose.
A analgesia intensa e multimodal deve ser sempre empregada, sendo de grande valia os
bloqueios caudais para anestesia e analgesia. O bloqueio paravertebral unilateral guiado por
ultrassom é uma boa alternativa.
Crianças operadas de AE/FTE podem apresentar problemas residuais esofágicos e/ou
traqueobrônquicos, entre eles a traqueomalácia, fístulas recorrentes, refluxo gastroesofági-
co e a estenose de esôfago.

Enterocolite Necrotizante
A enterocolite necrotizante é uma doença de alta morbimortalidade caracterizada pela
necrose intestinal e que ocorre primordialmente em neonatos prematuros abaixo de 32 se-
manas. A incidência é maior nas crianças com peso abaixo de 1.500 g (85% dos casos)9.
A etiologia ainda não foi completamente elucidada, porém parece ser uma confluência
da imaturidade intestinal, tanto na motilidade como na função de barreira e regulação do
fluxo sanguíneo mesentérico, associados a uma microbiota intestinal anormal e imaturida-
de imunológica. O resultado é uma resposta inflamatória intensa, que leva a um aumento da
permeabilidade intestinal e translocação bacteriana. O quadro pode evoluir com necrose,
perfuração intestinal, peritonite e sepse. A disfunção de outros órgãos, distúrbios de coagu-
lação e a instabilidade hemodinâmica grave levam a óbito cerca de 30 a 50% dos pacientes
submetidos a cirurgia. Nem todos os pacientes necessitam de tratamento cirúrgico, as indi-
cações mais comuns são perfuração e necrose intestinal28.
O preparo pré-operatório deve incluir reposição volêmica, correção de distúrbios he-
matológicos e uso de inotrópicos no choque séptico. O maior desafio no intraoperatório
é manter um volume circulante adequado, algumas vezes torna-se necessária reposição de

220 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


até 100 ml/kg para compensar as perdas para o terceiro espaço8. A cateterização arterial
para medida da pressão arterial e coleta de exames auxilia o manejo anestésico. Os neonatos
sépticos tem pouca tolerância ao uso de anestésicos inalatórios, o uso de opioides em doses
altas em associação a um bloqueador neuromuscular está mais indicado. Hipotermia é um
problema comum e desenvolve-se rapidamente pela exposição das alças intestinais e pelo
alto volume de reposição de cristaloides e hemocomponentes, portanto, a monitorização da
temperatura e o uso de um sistema de aquecimento ativo (manta térmica) é fundamental11.
No pós-operatório os neonatos devem continuar recebendo suporte ventilatório e hemo-
dinâmico em unidade de terapia intensiva.

Oclusões Intestinais
As oclusões intestinais normalmente são separadas pela localização anatômica, sendo o
piloro o ponto de separação entre superiores e inferiores. As obstruções superiores cursam
com vômitos principalmente após a alimentação. As obstruções inferiores causam distensão
abdominal, dor, ausência de fezes na ampola retal, hematoquezia e em alguns casos, vômitos.
A obstrução superior mais comum é a estenose de piloro. As obstruções baixas têm cau-
sas variadas, entre elas a má rotação intestinal, doença de Hirschsprung, intussuscepção
intestinal, atresias, ânus imperfurado ou atresia anal, cisto de colédoco ou íleo meconial29.
Sabemos que quando existe a presença de uma malformação, aumenta o risco de existir
outras. Em especial a atresia duodenal é associada à Síndrome de Down, imperfuração anal,
fibrose cística e alterações renais.
Essas patologias causam sintomas usualmente entre o primeiro e o sétimo dia de vida,
mas quando diagnosticado, deve ser tratada como emergência, pois os neonatos deterio-
ram rapidamente.
As alterações mais comuns são os distúrbios hidroeletrolíticos e a hipovolemia. Hipona-
tremia é muito comum e deve ser pesquisada e tratada antes da cirurgia. Grandes quantida-
des de líquido podem ser sequestradas no trato gastrointestinal obstruído, levando à grave
hipovolemia. Podem ocorrer vômitos secundários à obstrução, que pioram as alterações
citadas. Antes de iniciar a anestesia o sódio deve estar acima de 130 mEq/L -1 e o débito
urinário acima de 1 ml·kg-1 h-1.
Com a evolução da obstrução ocorre distensão abdominal, que causa disfunção respira-
tória, aumenta o risco de sepse e de aspiração de conteúdo gástrico. Pacientes com distensão
abdominal importante devem ser entubados acordados ou em sequência rápida modificada.
O manejo anestésico para todas as obstruções intestinais inferiores é semelhante. As prio-
ridades são a normalização da volemia e dos distúrbios hidroeletrolíticos, suporte ventilatório
e hemodinâmico, e relaxamento muscular para facilitar a realização do procedimento27.
A necessidade de pressão invasiva ou de acesso central deve ser avaliada caso a caso, con-
siderando o estado clínico do paciente, necessidade de drogas vasoativas e a emergência do
procedimento.
A extubação na sala de cirurgia pode ser realizada em alguns casos e deve ser discutida com
a equipe anestésico-cirúrgica. Quando a equipe estiver na dúvida, a conduta mais conservado-
ra deve ser seguida e o paciente deve ser enviado entubado para a UTI para o pós-operatório.

Anestesia para tratamento de urgências neonatais | 221


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222 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Capítulo 16

Anestesia para oncologia pediátrica


Suzana Barbosa de Miranda Teruya
Guilherme H. S. Moura
Anestesia para oncologia pediátrica

Introdução
O cuidado anestésico em crianças, por si só, exige maior ênfase nas mudanças fisiológicas
e psicológicas que ocorrem durante o desenvolvimento e uma abordagem perioperatória
diferente em relação aos adultos. Na população oncológica pediátrica, o cuidado pode ser
especialmente desafiador por causa dos múltiplos efeitos do tumor, de toxicidades da tera-
pia, doenças significativas e vulnerabilidades psicossociais que ocorrem durante o percurso
de uma doença crítica.
O anestesiologista desempenha um papel importante no curso clínico dos pacientes ao
estar presente durante dias ou anos de procedimentos potencialmente assustadores e com-
plexos, incluindo o primeiro procedimento de diagnóstico, a excisão do tumor cirúrgico,
tratamentos de radiação, punções lombares e biópsias da medula óssea e, finalmente, a reti-
rada do acesso central permanente quando o tumor está em remissão1.
O câncer é a segunda e a quarta causa mais comum de morte em menores de 15 e
20 anos, respectivamente. Mais de 23 mil crianças foram diagnosticadas com câncer nos
Estados Unidos em 2009, e o número de americanos que vivem com ou que tinham so-
brevivido ao câncer em 2006 era perto de 260 mil. A incidência mundial de câncer em
crianças varia de 100 a 180 por milhão menores de 15 anos, e de 210 por milhão no grupo
de adolescentes entre 15 e 19 anos, sendo a segunda e a quarta causa mais comum de
morte, respectivamente2 .
Existem distinções na ocorrência de diferentes tipos de câncer, de acordo com os países
de menor e maior renda em todo o mundo. Em países em desenvolvimento, os dados de inci-
dência para câncer pediátrico não são confiáveis, muito por conta da falta de infraestrutura
em que as bases de dados são construídas1.
Como o maior país da América do Sul, o Brasil é composto por cinco macrorregiões
geográficas, com densidade populacional, clima e estruturas socioeconômicas distintas,
de forma que o registro de casos de câncer torna-se um desafio. Há hoje 20 centros de
registro de casos de câncer no Brasil, distribuídos entre as principais cidades e regiões do
país. Em um levantamento de 2010, em 14 dos 20 centros, estimou-se uma incidência de
92 a 220 por milhão. Os grupos de cânceres mais prevalentes foram leucemia, linfoma e
tumores nervosos centrais. A taxa média foi de 154,3 por milhão; crianças de 1 a 4 anos
apresentaram as maiores taxas de incidência 3,4, entretanto, a cura do câncer infantil cres-
ceu exponencialmente nas últimas décadas, com uma sobrevida em cinco anos, exceden-
do 80% em países desenvolvidos. O Gráfico 1, a seguir, demonstra a sobrevida ao longo
do tempo, comparando países desenvolvidos com países em desenvolvimento, e mostra
uma desigualdade muito importante5.
O aumento da sobrevivência implica sequelas do câncer a longo prazo, de sua terapia em
crianças com câncer em curso ou remissivo. Sessenta e dois por cento dos sobreviventes de
câncer na infância relataram, pelo menos, uma morbidade crônica relacionada com o câncer
e 28% dos pacientes relataram uma condição grave ou muito grave1.

224 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Gráfico 1 - Sobrevida ao Câncer Infantil

Os cânceres mais comuns em crianças são diferentes dos adultos, e a incidência de câncer
específico em crianças varia não apenas dos que ocorrem em adultos, mas também entre
distintas faixas etárias da infância (Tabela 1). As doenças malignas mais comuns em crian-
ças incluem: leucemia; linfoma; tumores cerebrais e tumores sólidos de tecido mole e osso.
Outros tumores são específicos da infância, incluindo neuroblastoma, retinoblastoma, me-
duloblastoma e tumor de Wilms1.
Tabela 1 - Incidência de câncer pediátrico por idade
Incidência por faixa etária (%)
Tipos de Câncer 0-4 anos 5-9 anos 10-14 anos 15-19 anos 0-19 anos
Leucemias 36.1 33.4 21.8 12.4 25.2
Tumor de sistema nervoso central 16.6 27.7 19.6 9.5 16.7
Linfomas 3.9 12.9 20.6 25.1 15.5
Carcinomas e outros tumores epiteliais malignos 0.9 2.5 8.9 20.9 9.2
Sarcomas 5.6 7.5 9.1 8.0 7.4
Tumores de células germinativas, trofoblasticas 3.3 2.0 5.3 13.9 7.0
ou gonodais
Tumores ósseos malignos 0.6 4.6 11.3 7.7 5.6
Tumores de sistemas nervoso autônomo 14.3 2.7 1.2 0.5 5.4
Tumores renais 9.7 5.4 1.1 0.6 4.4
Retinoblastoma 6.3 0.5 0.1 0.0 2.1
Tumores hepáticos 2.2 0.4 0.6 0.6 1.1
Outros tumores malignos inespecíficos 0.5 0.3 0.6 0.8 0.6

Complicações Potenciais da Anestesia no Paciente Pediátrico com Câncer


As crianças com câncer sofrem muitas cirurgias e procedimentos que exigem anestesia
durante as fases agudas da doença, anos após a remissão ou nos estágios finais da doença.
Devemos personalizar a conduta ao fazer um planejamento anestésico individual: consi-
derações sobre o efeito direto do tumor; o impacto do trauma cirúrgico; efeitos da químio
ou radioterapia; interações medicamentosas; síndromes dolorosas e possíveis fragilidades
psicológicas da criança.

Anestesia para oncologia pediátrica | 225


O planejamento anestésico seguro é tão importante quanto as considerações dos efeitos
diretos do tumor, os efeitos tóxicos da quimioterapia e da radioterapia, as especificidades do
procedimento cirúrgico, as interações medicamentosas com agentes da quimioterapia, as
síndromes dolorosas e o status psicológico da criança. No entanto, uma revisão retrospec-
tiva de 177 pacientes submetidos a 3.833 sessões de radioterapia sob anestesia relatou uma
taxa de complicação de 1,3%, semelhante à população de crianças não oncológicas. Outros
levantamentos demonstraram que o manejo anestésico ambulatorial para punção lombar
e aspiração da medula óssea também tem taxas de complicação comparáveis à de crianças
sem câncer.
Crianças com câncer podem ter uma performance muito ruim. Algumas possíveis
complicações potenciais que surgem durante o gerenciamento anestésico incluem sepse;
disfunção de múltiplos órgãos; insuficiência respiratória; tromboembolismo; coagulopatia;
síndrome de lise tumoral e colapso cardiopulmonar. Portanto, é imprescindível ao aneste-
siologista ter uma compreensão dos efeitos do tumor, das toxicidades da terapia, de doenças
coexistentes significativas e vulnerabilidades psicossociais para melhor formular um plano
anestésico apropriado para o paciente e o tipo de procedimento1,2 .

Avaliação do Risco Perioperatório na Criança Oncológica

Avaliação geral
O paciente com câncer é frequentemente submetido a vários procedimentos cirúrgicos
que requerem anestesia. Esses procedimentos podem ocorrer no início do tratamento, du-
rante o tratamento, anos após sua remissão ou mesmo durante o estágio final da doença.
A avaliação pré-operatória da criança com câncer segue a avaliação preconizada para os
pacientes de uma maneira geral, enfatizando-se os problemas que possam existir decorren-
tes do próprio tumor ou de seu tratamento, pois não existe na literatura uma recomendação
específica para esses pacientes6. A avaliação pré-operatória é de fundamental importância
para a elaboração da estratégia anestésica a ser tomada e para a diminuição da morbimorta-
lidade perioperatória.
Devemos levar em consideração o tipo e a gravidade do tumor, assim como eventuais
metástases, e lembrar os efeitos da quimioterapia e radioterapia nos diversos órgãos e teci-
dos do organismo da criança7.
Precisamos salientar que, como na criança saudável, não existem dados na literatura que
recomendem uma rotina de exames pré-operatórios na criança com câncer. A solicitação
dos exames laboratoriais e de imagem deve ser guiada pela história clínica, exame físico do
paciente e tipo de cirurgia a ser realizada8,9,10.

Avaliação cardiovascular do paciente oncológico


Durante a anamnese, devemos ir em busca de fatores que levem ao aumento do risco
anestésico-cirúrgico como: tipo e localização do tumor, principalmente quando se trata de
tumores localizados na caixa torácica; sinais e sintomas de insuficiência cardíaca; uso de
quimioterápicos e radioterapia.

226 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Os tumores de mediastino podem levar à síndrome da veia cava superior (SVCS) ou
síndrome do mediastino superior, com compressão da traqueia. Os sinais e sintomas mais
frequentes na criança são: dispneia; tosse; rouquidão; chiado e estridor. Tomografia de tórax
e avaliação das curvas e dos volumes pulmonares ajudam na quantificação do grau de com-
pressão da traqueia, da carina e dos brônquios. A presença de algum dos sinais e sintomas da
Tabela 2 sugere uma avaliação cuidadosa antes do procedimento anestésico9,11,12 .
Tabela 2 - Fatores de risco perioperatório em pacientes com tumor de mediastino anterior
Ortopneia
Edema de membros superiores
Sinais e sintomas
Estridor
Chiado
Compressão de traqueia, brônquio e carina
Diagnóstico por imagem / Exames Compressão de grandes vasos
complementares Derrame pericárdico
Disfunção ventricular
As crianças que recebem tratamento quimioterápico potencialmente cardiotóxico devem
fazer acompanhamento da função cardíaca com ecocardiograma antes, durante e no fim do
tratamento. A classe dos antracíclicos são os mais cardiotóxicos. O paciente pode apresentar
hipotensão, insuficiência cardíaca congestiva e arritmias.
A radioterapia na região cardíaca por tumores de mediastino, por exemplo, afeta todas
as estruturas do coração, podendo levar a pericardite, derrame pleural, fibrose valvular e
distúrbios de condução.
Avaliação respiratória do paciente oncológico
Na avaliação pré-operatória, devemos procurar sinais e sintomas de comprometimento
pulmonar em razão do próprio tumor ou do uso de quimioterápicos e radioterapia. Durante
o tratamento do câncer, especialmente nos estados de imunossupressão e de transplante
de medula óssea, a criança pode apresentar insuficiência respiratória. Os testes de função
pulmonar são utilizados para quantificar o grau de comprometimento pulmonar13.
A bleomicina é o quimioterápico que mais comumente induz a toxicidade pulmonar,
causando pneumonia intersticial, fibrose pulmonar e edema pulmonar não cardiogênico.
A pneumonite por radiação é reportada nos pacientes que receberam radioterapia para
tumores de pulmão, linfomas Hodgkin e não Hodgkin, entre outros, numa incidência entre
5% e 15%14.
A avaliação da via aérea no pré-operatório é mandatória em qualquer paciente. A clas-
sificação de Mallampati e a avaliação das distâncias esterno-mento e tireomentoniana são
parâmetros que podem ser utilizados em crianças maiores. Devemos avaliar também a aber-
tura oral, assim como a mobilidade cervical, que podem estar prejudicadas nos tumores
de orofaringe e pescoço. Em um levantamento com crianças submetidas a transplante de
medula e que necessitaram de ventilação mecânica, 30% apresentaram dificuldade de intu-
bação. Mucosites que levam a sangramento e edema são causas frequentes de dificuldade de
manuseio de via aérea15.

Anestesia para oncologia pediátrica | 227


Avaliação da função renal do paciente oncológico
Os rins podem ser acometidos por tumores primários do próprio rim ou por tumores de
origem não renal, sendo o mais comum o neuroblastoma. Linfomas e leucemias também
podem infiltrar e obstruir o trato urinário16.
A insuficiência renal aguda (IRA) é, em sua maioria, resultado da toxicidade de seu
tratamento. Quase todas as drogas quimioterápicas podem levar à nefrotoxicidade nas
crianças. Cisplatina, carboplatina e ifosfamida são os agentes que mais comumente cau-
sam comprometimento renal. Porém, a ciclofosfamida em altas doses e o metrotrexate
podem levar à IRA16,17.
Os pacientes submetidos ao transplante de medula óssea apresentam, com frequência,
IRA – vários trabalhos na literatura reportam uma incidência entre 20% e 45%18,19.
É fundamental, no período perioperatório, evitar drogas que tenham potencial nefro-
tóxico, como os anti-inflamatórios, evitar hipovolemia, ajustar as drogas de acordo com a
função renal, monitorizar a diurese e o equilíbrio hidroeletrolítico.
Avaliação do sistema hematológico no paciente oncológico
A mielossupressão e sua manifestação, com diversos graus de anemia, neutropenia e
trombocitopenia, são muito comuns nos diversos tipos de câncer infantil. A anemia é o
distúrbio hematológico mais comum no momento do diagnóstico, chegando de 50% a 74%
no diagnóstico de neuroblastomas, rabdomiossarcomas, doença de Hodgkin, sarcoma de
Ewing e osteossarcoma, e 80% na leucemia linfoide aguda (LLA)20,21.
A incidência de complicações hemorrágicas durante o tratamento da criança com câncer
é desconhecida. A causa de morte por hemorragia nas crianças em tratamento de LLA e
leucemia mieloide aguda é multifatorial22 .
A fibrinólise e a alteração dos fatores de coagulação podem ocorrer por causa de disfun-
ção hepática, deficiência de vitamina K, infecção e ação de medicamentos. O tromboembo-
lismo é um evento raro na população infantil, mas a trombofilia e a trombose aguda podem
acontecer, especialmente nos sarcomas e nas doenças hematológicas23,24.
A administração de plaquetas, plasma fresco ou outros fatores de coagulação depende
do exame laboratorial pré-operatório, assim como do tipo de cirurgia a ser realizado. Cada
hospital deve ter um protocolo para transfusão nesses pacientes. A tática requer um balanço
delicado entre os fatores de coagulação e anticoagulação. Alguns pacientes ainda considera-
dos de risco para fenômenos tromboembólicos são tratados com heparina e warfarin, o que
deve ser discutido na avaliação pré-operatória com o hematologista, levando-se em conside-
ração o risco de hemorragia e trombose.

Considerações Anestésicas
Técnica anestésica
A escolha da técnica anestésica deve levar em consideração o estado clínico do paciente,
assim como exames laboratoriais. Apesar de estudos em adultos sugerirem que a anestesia
regional esteja associada com maior tempo de sobrevida em alguns tipos de tumores, em
criança isso não é documentado.

228 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


A avaliação da coagulação desses pacientes é de suma importância caso se opte pela asso-
ciação de uma anestesia regional com anestesia geral.
Agente anestésico
Atualmente, dispomos, dentre o arsenal de medicações anestésicas, fármacos que cau-
sam menor depressão miocárdica e hipotensão. Principalmente naqueles pacientes com
função cardíaca comprometida e instabilidade do estado hemodinâmico, a cetamina e o
etomidato devem ser os agentes de escolha na indução da anestesia.
O efeito das drogas anestésicas na progressão da doença ainda é motivo de estudo em
modelos animais.

Manutenção do estado hemodinâmico e monitorização


A prevenção e o tratamento da hipotensão e da hipovolemia estão associados com menor
ocorrência de complicações nos pacientes em estado crítico25.
A monitorização do débito cardíaco e da perfusão tecidual como medida de saturação
venosa central ajuda na avaliação do estado volêmico e na terapêutica com reposição de
fluidos, hemocomponentes e drogas vasoativas. Infelizmente, a maioria dos cateteres e mo-
nitores que permitem essa avaliação está disponível apenas para crianças maiores.

Analgesia no perioperatório
A dor na criança com câncer está frequentemente presente desde o momento do diag-
nóstico. Estudos relatam uma incidência de até 78% nesse momento. A dor é causada pelo
envolvimento de órgãos, nervos, ossos e pelo efeito do tratamento da doença26.
A criança se beneficia com uma abordagem multimodal, incluindo a anestesia regional.
A dor no pós-operatório está relacionada com o maior número de complicações respira-
tórias, como atelectasia. A analgesia eficaz no pós-operatório, seja por via peridural, seja por
via endovenosa, diminui o risco dessas complicações27.

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Anestesia para oncologia pediátrica | 229


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230 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Capítulo 17

Anestesia em crianças com


doença neuromuscular
Gustavo Rodrigues Costa Lages
Joana Angélica Vaz de Melo
Isadora Costa Chacon
Anestesia em crianças com doença neuromuscular

Introdução
As doenças neuromusculares são um grupo heterogêneo de doenças que podem ser clas-
sificadas de forma ampla, de acordo com seus respectivos locais de acometimento.
Pacientes com doença neuromuscular representam muitos desafios anestésicos em razão
dos elevados riscos no perioperatório.
Apesar de um diagnóstico preciso da doença ser ideal para o planejamento anestésico,
crianças com doença neuromuscular comumente se apresentam para anestesia como parte
do processo de diagnóstico (por exemplo, RNM, biópsia muscular), para cirurgia relaciona-
da com o seu transtorno subjacente (por exemplo, gastrostomia, cirurgia ortopédica corre-
tiva, cirurgia de estrabismo) ou para cirurgia incidental1.
Em muitos casos, o diagnóstico pode ser claro com base em uma história familiar ou de
características clínicas ou patológicas; em outros casos, a etiologia subjacente pode não
ser definida.
As doenças neuromusculares podem ser classificadas como condições hereditárias ou
síndromes adquiridas, bem como em relação ao local afetado pelo processo da doença (pré-
-juncional, juncional ou sináptica e pós-juncional)2 .
Anormalidades podem ocorrer na liberação ou ação da acetilcolina (síndromes miastê-
nicas), na membrana pós-sináptica (canalopatias) ou no retículo sarcoplasmático (hiper-
termia maligna), nas miofibrilas (distrofias e miotonias) ou nas mitocôndrias (miopatias
mitocondriais)1 (Tabela 1).
Tabela 1 - (Modificado de: Marsh S et al. Neuromuscular disorders and anaesthesia.
Part 1: generic anaesthetic management.)
Condições hereditárias Condições adquiridas
• Pré-juncionais: • Pré-juncional:
– Neuropatias periféricas – Doença do neurônio motor
 Charcot-Marie-Tooth – Esclerose múltipla
 Ataxia de Friedreich – Síndrome de Guillain-Barré
• Pós-juncionais: – Neuropatias periféricas – diabetes
– Distróficas mellitus
 Duchenne • Juncional:
 Becker – Miastenia gravis
– Miotonias – Síndrome de Eaton-Lambert
 Distrofia miotônica • Pós-juncional:
 Miotonia congênita – Miopatias inflamatórias
 Paralisia periódica hiper e – Miopatia e polineuropatia do paciente
hipocalêmica crítico
– Desordens metabólicas/mitocondriais

232 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Considerações Anestésicas
Avaliação pré-operatória
Na avaliação pré-operatória de pacientes com doença neuromuscular, deve-se, se possí-
vel, definir o diagnóstico preciso da doença. Além disso, colher toda a história do paciente e
realizar exame completo das condições e funções do paciente. Planejar a melhor estratégia
anestésica e os cuidados no pós-operatório é de fundamental importância, assim como es-
clarecer tanto ao paciente quanto aos familiares sobre os potenciais riscos e complicações
inerentes ao procedimento e à doença2 .
A miastenia e as canalopatias geralmente não têm história familiar positiva. As mioto-
nias podem ter uma história familiar, mas nas distrofias musculares isso pode ser positivo
em até 90% das pessoas com distrofia muscular de Duchenne (DMD)1.
Testes genéticos existem para quase todas as doenças hereditárias; as melhores inves-
tigações têm um valor preditivo positivo > 95%. No entanto, falsos negativos ocorrem em
até 60% dos casos. Além disso, não indicam a gravidade da condição, portanto, a biópsia
muscular ainda pode ser necessária1.
Durante a consulta, questões importantes devem ser investigadas, como o tempo de evo-
lução da fraqueza, se esta é estável ou progressiva; se a fraqueza é associada à fatigabilidade;
se é limitante de atividades da criança; se a criança, apesar de mais velha, ainda engatinha
ou se precisa de ajuda para se levantar quando sentada1. Bom discriminador para doenças
mais graves é a rapidez com que a criança se recupera de uma infecção do trato respiratório
e pode dormir confortavelmente de cabeceira baixa1.
A avaliação pré-anestésica deve incluir a avaliação da doença neuromuscular e problemas
neurológicos associados (por exemplo, atraso do desenvolvimento e disfunção cognitiva),
bem como terapias atuais3.
Sabe-se que certas drogas, como corticosteroides, aminoglicosídeos, vancomicina, qui-
nidinas, anestésicos locais do tipo éster, furosemida, bloqueadores dos canais de cálcio e
betabloqueadores, podem amplificar o bloqueio neuromuscular. A plasmaferese pré-opera-
tória pode prolongar os efeitos da succinilcolina, do mivacúrio, remifentanil e esmolol, pois
são metabolizados pela colinesterase plasmática4.
Além da disfunção neuromuscular, esses pacientes podem apresentar também disfunção
cardíaca, que pode ser desconhecida, já que, muitas vezes, eles não são capazes de executar
atividades extenuantes com maior esforço cardiovascular por causa da limitação associada
à desordem muscular subjacente2,4; alterações respiratórias decorrentes do envolvimento da
musculatura faríngea e de deformidades da coluna2; e disfunções gastrointestinais, disfagia
e motilidade gástrica reduzida.
A gravidade da disfunção cardiorrespiratória subjacente do paciente não se correlaciona
com a progressão do transtorno neuromuscular, e as investigações sobre a extensão de sua
reserva fisiológica devem ser buscadas2 .
O envolvimento respiratório pode variar significativamente entre diferentes doenças
neuromusculares e dentro de cada transtorno5. A fraqueza da musculatura inspiratória pode
gerar inicialmente insuficiência pulmonar de caráter restritivo com diminuição progressi-

Anestesia em crianças com doença neuromuscular | 233


va da capacidade vital forçada. Posteriormente, pode ocorrer ventilação alveolar ineficaz,
levando à hipercapnia noturna e, eventualmente, à hipercapnia diurna5. Além disso, a fra-
queza dos músculos expiratórios leva ao acúmulo de secreções das vias aéreas. Esses fatores
associados predispõem os pacientes a atelectasias e insuficiência respiratória. Dessa forma,
pacientes com comprometimento da função respiratória podem piorar ainda mais o quadro
quando agentes anestésicos são utilizados.
Várias doenças neuromusculares são associadas a disfunções cardíacas (cardiomiopa-
tias, anormalidades no sistema de condução). Todos os pacientes com disfunções cardíacas
importantes têm capacidade limitada de aumentar o débito cardíaco em resposta ao estres-
se4. Consequentemente, eles apresentam maior risco de efeitos colaterais por causa do efeito
inotrópico negativo dos agentes voláteis e anestésicos venoso, da ventilação com pressão
positiva, hipoxemia e anemia aguda6.
Pacientes com envolvimento respiratório que acarreta hipoxemia noturna podem de-
senvolver quadro de cor pulmonale, quadro clínico de insuficiência de VD secundário à
hipertensão pulmonar, sendo afetados por mudanças no ventrículo direito em razão da
hipertensão pulmonar6.
Dessa forma, devem ser solicitados eletrocardiograma, ecocardiograma, radiografia
de tórax, testes de função pulmonar, gasometria arterial basal, hemograma, ureia, ele-
trólitos e creatinina quinase. A SpO2 menor que 95% em ar ambiente é vista como uma
anormalidade clinicamente significativa que exige a mensuração do nível de dióxido de
carbono (PCO2)7,8 .
Em relação a procedimentos anestésico-cirúrgicos já realizados, um histórico de aneste-
sia geral prévia pode revelar problemas com controle de temperatura perioperatória, função
renal e recuperação, incluindo a necessidade de suporte respiratório pós-operatório1.
A avaliação pré-operatória também deve incluir a avaliação de intubação difícil por causa
da anquilose mandibular, atrofia do músculo masseter e/ou de outros músculos mastigató-
rios, macroglossia ou mobilidade limitada da coluna cervical9,10.
Deve-se ter em mente que o uso anterior sem intercorrências de succinilcolina ou agentes
voláteis não garante que eles possam ser usados com segurança para anestesia subsequente1.
Medicação pré-anestésica deve ter sua indicação bem definida, pois para alguns pa-
cientes pode ser benéfica, enquanto para outros, prejudicial. Benzodiazepínicos de curta
duração podem ser administrados para aqueles em que o choro ou o medo podem precipi-
tar espasmos musculares em razão da liberação da catecolamina. No entanto, os agentes
que causam depressão respiratória central ou tônus muscular respiratório reduzido devem
ser administrados em doses reduzidas com monitoramento contínuo próximo2 .
A admissão pós-operatória em uma unidade de terapia intensiva deve ser considera-
da em qualquer paciente com risco de complicações respiratórias, tosse fraca, disfunção
bulbar grave, disfunção cardíaca grave ou tratamento de bloqueadores musculares ou
infusões de morfina11.
Talvez a questão pré-operatória mais importante seja estabelecer se o benefício da cirur-
gia supera o risco anestésico e discutir os riscos e benefícios do procedimento cirúrgico com
o paciente e sua família.

234 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Manejo Intraoperatório
Preferencialmente, essas crianças deveriam ser manejadas por equipes que compreen-
dem as doenças neuromusculares e suas particularidades, principalmente em cirurgias
grandes e complexas.
Em termos gerais, uma técnica anestésica que minimiza a depressão cardíaca e respira-
tória deve ser utilizada, privilegiando drogas de ação curta e rapidamente metabolizadas.
A maioria das crianças com doença neuromuscular terá sua sensibilidade aos agentes blo-
queadores neuromusculares não despolarizantes aumentada. Se possível, deve-se evitar o
bloqueio neuromuscular. Caso necessário, preferir bloqueadores de curta duração e moni-
torizar a profundidade do bloqueio neuromuscular1.
A succinilcolina deve ser sempre evitada. A miotonia pode ser induzida por inibidores da
succinilcolina ou da colinesterase. Nas canalopatias, pode haver aumento dramático e fatal
do potássio sérico em resposta à succinilcolina. A hiperpirexia maligna e a rabdomiólise
induzida por anestesia também podem ser precipitadas1.
As únicas condições que apresentam ligação definitiva com a hipertermia maligna
(HM) são a síndrome de King-Denborough, doença do núcleo central e miopatia de
Evans12 . Os pacientes com outros transtornos neuromusculares apresentam sintomas do
tipo HM sob anestesia geral, mas a ligação entre esses sintomas e a HM verdadeira ainda
não está clara.
As distrofias musculares com ausência de distrofina na célula muscular apresen-
tam um sarcolema instável e mais permeável. Os agentes inalatórios e a succinilcolina
podem aumentar a instabilidade subjacente e a permeabilidade do sarcolema, resul-
tando em níveis aumentados de cálcio intracelular e vazamento sérico de potássio e
creatinaquinase (CK)1.
A succinilcolina está contraindicada na DMD em função de paradas cardíacas intraope-
ratórias secundárias a rabdomiólise e hipercalemia. Embora isso possa ocorrer em qualquer
idade, o grupo mais suscetível são crianças de 8 anos, em que há menos fibrose muscular e
ainda alguma regeneração muscular.
Recomenda-se não usar anestésicos inalatórios em pacientes com DMD, optando pela
anestesia venosa total13. Embora a ligação entre DMD e hipertermia maligna seja, atual-
mente, considerada tênue, anestesia venosa total e um aparelho de anestesia limpo são re-
comendados para evitar rabdomiólise1. Além disso, a descompensação cardiovascular pode
ser causada pelo uso de agentes voláteis por causa de suas propriedades cardiodepressivas
e arritmogênicas13,14.
A rabdomiólise e a hipercalemia que se desenvolvem na DMD não estão relacionadas
com as que se desenvolvem na HM, com uma diferença distinta na fisiopatologia.
Isso deu origem ao termo rabdomiólise induzida por anestesia (AIR)13. Na AIR, é a ins-
tabilidade do sarcolema que resulta em “vazamento” de potássio e CK de células musculares
necróticas e regeneradoras1.
Os bloqueadores neuromusculares despolarizantes têm potencial para causar rabdomió-
lise na maioria dos pacientes com distúrbios neuromusculares. Após a administração, pode
haver mudanças maciças na distribuição iônica com contração muscular, inchaço e danos

Anestesia em crianças com doença neuromuscular | 235


que levam à rabdomiólise. As miotonias também podem induzir espontaneamente rabdo-
miólise por causa de contração muscular sustentada1.
A extubação deve ser alcançada o mais cedo possível para evitar um enfraquecimento
adicional dos músculos respiratórios, mas ponderada contra o risco de atelectasia, aspiração,
infecção e insuficiência respiratória. A maioria dos pacientes com distúrbios neuromuscula-
res terá alguma disfunção respiratória subjacente, que deve ser investigada adequadamente
no pré-operatório2 .
A anestesia regional oferece vantagens para aqueles com envolvimento cardíaco ou res-
piratório significativo. O uso de anestesia regional ou local é uma vantagem significativa em
termos de prevenção do uso de drogas anestésicas e redução de complicações respiratórias
pós-operatórias para todos os pacientes com DNMs e, principalmente, naqueles com função
pulmonar reduzida1,6.
Uma avaliação neurológica pré-operatória minuciosa deve ser realizada, e a técnica deve
ser evitada naqueles com deterioração neurológica em rápida evolução para poder distin-
guir o bloqueio regional da progressão da doença1.
A disfunção autonômica pode ser exacerbada pelo bloqueio simpático, que exige o uso de
monitoramento invasivo e titulação cuidadosa dos agentes para controlar a pressão arterial.
Deve-se atentar para os riscos potenciais com anestesia regional em pacientes com
doenças preexistentes do sistema nervoso periférico. Se esses pacientes estiverem ex-
postos a danos secundários, como lesões de agulhas ou cateteres, lesões isquêmicas
de vasopressores ou toxicidade de um anestésico local, aumenta-se a probabilidade de
danos neurológicos5 .
No pós-operatório, o controle adequado da dor é essencial para prevenir a hipoventila-
ção secundária após cirurgia torácica, abdominal e da coluna vertebral15,16.
Os opioides intravenosos devem ser titulados para fornecer analgesia adequada e pro-
mover a depuração das vias aéreas, minimizando a supressão respiratória15,16. O objetivo é
mais bem alcançado com analgesia preventiva e uso de múltiplos agentes farmacológicos. A
clonidina oral administrada no pré-operatório demonstrou reduzir a demanda por analgé-
sicos no pós-operatório17.
A infusão contínua de opioides por meio de cateter epidural pode ser usada quando apro-
priado para alcançar o controle da dor, minimizando os efeitos respiratórios17.
Finalmente, a infiltração da ferida operatória com soluções de anestésicos locais e infu-
são contínua através de cateteres de bloqueio de nervo periférico deve ser realizada quando
bem indicada, como alternativa mais segura para analgesia pós-operatória.
Os bloqueios de nervo periférico têm demonstrado fornecer analgesia pós-operatória
comparável com a obtida com uma técnica peridural, mas com menos efeitos colaterais18.
Essas estruturas neurais devem ser localizadas usando técnicas de ultrassom ou estimu-
lação nervosa.
A dor profunda neuropática e a dor disestética que ocorrem com frequência na síndrome
de Guillain-Barré podem ser tratadas com gabapentina. Em pacientes internados na UTI
que não respondem ao tratamento com gabapentina, a infusão de remifentanil pode forne-
cer uma analgesia satisfatória19.

236 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Conclusão
O diagnóstico específico, importante tanto na avaliação do risco como no manejo anesté-
sico, sempre que possível, deve ser determinado antes da cirurgia. Qualquer cirurgia eletiva
proposta, além de parte do processo de diagnóstico, deve ser adiada até após o diagnóstico.
Isso se aplica particularmente a cirurgia menor, na qual um possível resultado fatal é ainda
mais desastroso.
A succinilcolina e a anestesia volátil devem ser evitadas
Os pacientes com DNMs apresentam alto risco para complicações intraoperatórias e
pós-operatórias. Deve ser instituída uma abordagem intensiva e multidisciplinar antes, du-
rante e após qualquer procedimento cirúrgico que exija anestesia geral ou sedação. Assim, a
cirurgia nessa população de pacientes deve ser realizada em um hospital totalmente equipa-
do e com experiência no gerenciamento de DNMs.

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Anestesia em crianças com doença neuromuscular | 237


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238 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VII


Volume VII

PEDIATRIA

Educação Continuada em Anestesiologia
Copyright© 2017, Sociedade Brasileira de Anestesiologia

Impressão - Gráfica Walprint


Formato fechado 18 x 25 cm
Papel de miolo - Offset - LD 70g/m²
Papel da capa - Triplex LD 300g/m²
Tipografia utilizada - Arno pro, corpo 12, entrelinhas 14,4

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