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Daniel Cesar
Rinaldo Gonçalves
Eduardo Linhares
Rodrigo Otavio Araujo
Flávio Sabino
TRATADO DE
CIRURGIA
ONCOLÓGICA
GASTROINTESTINAL
Apoio:
Marcus Valadão
Daniel Cesar
Rinaldo Gonçalves
Eduardo Linhares
Rodrigo Otavio Araujo
Flávio Sabino
TRATADO DE
CIRURGIA
ONCOLÓGICA
GASTROINTESTINAL
Apoio:
RJ Estrada do Bananal, 56 - Jacarepaguá - Rio de Janeiro - RJ - (21) 2425-8878
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CEO
Renato Gregório
Gerente geral
Sâmya Nascimento
Gerentes editoriais
Marcello Manes e Thamires Cardoso
Gerente de novos negócios
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Projetos Especiais
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Marketing
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Guilherme Sargentelli (CRM: 541480-RJ)
Coordenadora de Pró-DOC
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Fabiana Costa, Karina Maganhini e Thiago Garcia
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Produção gráfica
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Assistente Administrativo
Sabrina Silva
Valadão, Marcus; Cesar, Daniel; Gonçalves, Rinaldo; Linhares, Eduardo; Araujo, Rodrigo Otavio; Sabino, Flávio (eds.).
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal/Valadão, Marcus; Cesar, Daniel; Gonçalves, Rinaldo; Linhares, Eduardo;
Araujo, Rodrigo Otavio; Sabino, Flávio - Rio de Janeiro: DOC, 2021.
1. Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal. I. Valadão, Marcus (ed.); II. Cesar, Daniel (ed.); Gonçalves, Rinaldo (ed.);
Linhares, Eduardo (ed.); Araujo, Rodrigo Otavio (ed.); Sabino, Flávio (ed.).
CDD-616-006
Reservados todos os direitos. É proibida a reprodução ou duplicação deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico,
mecânico, gravação, fotocópia ou outros), sem permissão expressa do autor. Direitos reservados ao autor.
AGRADECIMENTOS
Os editores.
COORDENADORES
Marcus Valadão
Coordenador do Grupo de Câncer Colorretal do Instituto Nacional de Cân-
cer (INCA); cirurgião oncológico da Seção de Cirurgia Abdomino-Pélvica do
INCA; mestre em Cirurgia Gastrointestinal pela Universidade Federal de São
Paulo (Unifesp); doutor em Oncologia pelo INCA; membro da Sociedade Bra-
sileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) e da Sociedade Brasileira de Cirurgia
Laparoscópica (SOBRACIL)
Daniel Cesar
Cirurgião oncológico do Instituto Nacional de Câncer (INCA); mestre em Cirur-
gia Minimamente Invasiva pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janei-
ro (Unirio); membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO), da
Sociedade Brasileira de Cirurgia Minimamente Invasiva e Robótica (Sobracil) e
da European Society of Surgical Oncology (ESSO)
Rinaldo Gonçalves
Chefe da Seção de Cirurgia Abdomino-Pélvica do Instituto Nacional de Câncer
(INCA); coordenador da Cirurgia Hepatobiliar do INCA; mestre em Cirurgia
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Eduardo Linhares
PhD em Cirurgia Geral pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ);
ex-chefe da Seção de Cirurgia Abdomino-Pélvica do Instituto Nacional de
Câncer (INCA); pós-graduação em Cirurgia Colorretal no St Marks Hospital,
Londres; fellowship em Oncologia Gastrointestinal no Istituto Nazionale dei Tu-
mori (INT), Milão; presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica
(SBOC), biênios 2006-2007/2008-2009
Flávio Sabino
Cirurgião oncológico da Seção de Cirurgia Abdomino-pélvica do Instituto Nacio-
nal de Câncer (INCA); cirurgião do Hospital Federal dos Servidores do Estado
do Rio de Janeiro; coordenador do Grupo de Câncer de Esôfago e Estômago do
INCA; doutorando em Oncologia pelo INCA; mestre em Ciências Cirúrgicas pela
Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ); membro da Sociedade Brasi-
leira de Cirurgia Oncológica (SBCO), Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC) e
da Sociedade Brasileira de Cirurgia Minimamente Invasiva e Robótica (SOBRA-
CIL); vice-presidente da SBCO - Capítulo do Rio de Janeiro
COLABORADORES
Alexandre Palladino
Chefe da Oncologia Clínica do Hospital do Câncer I – Instituto Nacional de Câncer (INCA); onco-
logista do Grupo Oncoclínicas; membro da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) e do
Grupo Brasileiro de Tumores Gastrointestinais (GTG)
Alexandre Pelosi
Endoscopista do Instituto Nacional do Câncer (INCA)
Barbara Kalil
Residência em Cirurgia Oncológica pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA) e em Cirurgia Geral
pelo Hospital Municipal Lourenço Jorge, Rio de Janeiro; graduação em Medicina pela Universidade
Estácio de Sá, Rio de Janeiro
Bárbara Sodré
Oncologista do Grupo Oncoclínicas
Brian Silvestre
Residência em Cirurgia Oncológica pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA) e em Cirurgia Geral
pelo Hospital Santa Isabel, Blumenau/SC
Christine Rutherford
Psicóloga, gestalt-terapeuta e terapeuta familiar sistêmica; especialista em Práticas Contemplati-
vas e Mindfulness pela Escola de Medicina da Pontifica Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PUC-RJ); coordenadora do Serviço de Psicologia da Casa de Saúde São José; psicóloga do La-
boratório de Performance Humana
Cristiano Guedes
Oncologista clínico do Instituto Nacional de Câncer (INCA); oncologista clínico do Grupo Oncoclínicas
Daniel Bulzico
Doutor em Endocrinologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); médico da área
de Endocrinologia Oncológica e do Serviço de Medicina Nuclear do Instituto Nacional de Câncer
(INCA); docente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Oncologia do INCA
Daniel Cesar
Cirurgião oncológico do Instituto Nacional de Câncer (INCA); mestre em Cirurgia Minimamente
Invasiva pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio); membro da Sociedade
Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO), da Sociedade Brasileira de Cirurgia Minimamente In-
vasiva e Robótica (Sobracil) e da European Society of Surgical Oncology (ESSO)
Edmar Lopes
Cirurgião Oncológico do Instituto Nacional de Câncer (INCA); diretor do Centro Oncológico Hos-
pital Regional Darcy Vargas; diretor do Centro Oncológico Hospital Moacyr do Carmo; presidente
do Instituto ONCORIO
Eduardo Linhares
PhD em Cirurgia Geral pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); ex-chefe da Seção de
Cirurgia Abdomino-Pélvica do Instituto Nacional de Câncer (INCA); pós-graduação em Cirurgia
Colorretal no St Marks Hospital, Londres; fellowship em Oncologia Gastrointestinal no Istituto
Nazionale dei Tumori (INT), Milão; presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica
(SBOC), biênios 2006-2007/2008-2009
Fabrício Braga
Diretor médico do Laboratório de Performance Humana; coordenador de Cardiologia da Casa de
Saúde São José; chefe médico da Confederação Brasileira de Triathlon (CBTri)
Fernanda Alonso Rodriguez Fleming
Residência em Cirurgia Oncológica pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA); cirurgião geral da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); membro do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC)
Flávio Sabino
Cirurgião oncológico da Seção de Cirurgia Abdomino-pélvica do Instituto Nacional de Câncer
(INCA); cirurgião do Hospital Federal dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro; coordenador do
Grupo de Câncer de Esôfago e Estômago do INCA; doutorando em Oncologia pelo INCA; mestre
em Ciências Cirúrgicas pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ); membro da So-
ciedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO), Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC) e da
Sociedade Brasileira de Cirurgia Minimamente Invasiva e Robótica (SOBRACIL); vice-presidente
da SBCO - Capítulo do Rio de Janeiro
Flora Lino
Residência em Oncologia Clínica pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA); médica pesquisadora
da Divisão de Pesquisa Clínica do INCA; membro do Grupo Brasileiro de Tumores Gastrointestinais
(GTG) e da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC)
Gustavo Stoduto
Cirurgião oncológico do Instituto Nacional de Câncer (INCA)
Henry Najman
Coordenador do Centro Avançado de Oncologia do Hospital Quinta D'Or
Henrique Sallas
Radiologista intervencionista do Instituto Nacional de Câncer (INCA) e da Rede D´Or, Rio de Janeiro;
membro da Sociedade Brasileira de Radiologia Intervencionista e Cirurgia Endovascular (SOBRICE)
Hugo Gouveia
Radiologista intervencionista do Instituto Nacional de Câncer (INCA); membro da Sociedade Brasileira
de Radiologia Intervencionista e Cirurgia Endovascular (SOBRICE); mestre em Oncologia pelo INCA
Isaac Tortelote
Residência em Cirurgia Oncológica no Instituto Nacional de Câncer (INCA); cirurgião geral no
Hospital Municipal Souza Aguiar, Rio de Janeiro
Jéssica Albuquerque
Fellow em Radiologia Geral pela Rede D’Or; fellow em Cuidados Oncológicos Cirúrgicos do
Trato Gastrointestinal; médica radiologista pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA)
João Fogacci
Oncologista clínico do Grupo Oncoclínicas
Juliana Ominelli
Médica oncologista da Pesquisa Clínica do Instituto Nacional de Câncer (INCA); médica oncolo-
gista do Grupo Oncoclínicas; membro da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), Ame-
rican Society of Clinical Oncology (ASCO), da European Society for Medical Oncology (ESMO) e
do Grupo Brasileiro de Tumores Gastrointestinais (GTG)
Luciana Ribeiro
Cirurgiã Oncológica do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle da Universidade Federal do Estado
do Rio de Janeiro (HUGG – UNIRIO); mestre em Oncologia pelo Instituto Nacional de Câncer
(INCA); membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) e do Colégio Brasileiro
de Cirurgiões (CBC)
Luiza Labrunie
Radiologista do Instituto Nacional do Câncer (INCA)
Manoela Conde
Fellow em Radiologia Geral pelo Grupo Fleury e em Cuidados Oncológicos Cirúrgicos do Trato
Gastrointestinal; radiologista pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA); médica pela Faculdade
de Medicina de Petrópolis
Marcus Valadão
Coordenador do Grupo de Câncer Colorretal do Instituto Nacional de Câncer (INCA); cirurgião
oncológico da Seção de Cirurgia Abdomino-Pélvica do INCA; mestre em Cirurgia Gastrointestinal
pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp); doutor em Oncologia pelo INCA; membro da
Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) e da Sociedade Brasileira de Cirurgia Lapa-
roscópica (SOBRACIL)
Mariana Bruno
Oncologista clínico da Rede D’Or; pesquisador do Instituto D'Or de Ensino e Pesquisa (IDOR)
Mariana Gil
Oncologista clínico do Grupo Oncoclínicas
Mauro Monteiro
Cirurgião oncológico da Seção de Abdome do Instituto Nacional de Câncer (INCA)
Mizael Mascarenhas Junior
Residência em Cirurgia Oncológica pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA) e em Cirurgia Geral
pelo Hospital Universitário João de Barros Barreto, Belém; graduação em Medicina pela Universi-
dade Federal do Pará (UFPA)
Mohamed Rela
Professor de Cirurgia e Transplante Hepático do Instituto de Doenças Hepáticas King's College
Hospital; presidente eleito da Sociedade Internacional de Transplante Hepático; presidente e diretor
administrativo do Dr. Rela Institute & Medical Centre e do Bharath Institute of Higher Education
and Research Chennai, Índia
Mônica Gadelha
Professora do Departamento de Clínica Médica e Endocrinologia da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); presidente da Comissão Internacional da Socieda-
de Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM)
Muthukumarassamy Rajakannu
Institute of Medical Centre; Bharath Institute of Higher Education and Research Chennai, Índia
Paula Pratti
Nutricionista especialista em Oncologia pela Residência Multiprofissional em Saúde do Hospital
Universitário Antônio Pedro; mestre em Ciências Aplicadas a Produtos para Saúde pela Universi-
dade Federal Fluminense (UFF)
Pedro Portari
Professor de Cirurgia da Escola de Medicina e Cirurgia da Universidade Federal do Estado do Rio
de Janeiro (UNIRIO); chefe do Serviço de Cirurgia Geral e supervisor do Programa de Residência
Médica em Cirurgia Geral do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, UNIRIO
Peter França
Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); residência em Cirurgia
Geral no Hospital Universitário Gaffrée e Guinle da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
(HUGG – UNIRIO); residência em Cirurgia Oncológica no Instituto Nacional de Câncer (INCA)
Rafael Cobo
Radiologista do Instituto Nacional de Câncer (INCA)
Rafael Morrielo
Residência em Cirurgia Oncológica no Instituto Nacional de Câncer (INCA); residência em Cirur-
gia Geral no Hospital Central da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (HCPM); graduação
em Medicina pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)
Rafaelli Yamamoto
Residência em Cirurgia Oncológica no Instituto Nacional de Câncer (INCA); residência em Cirur-
gia Geral na Universidade Estadual de Londrina (UEL); graduação em Medicina pela UEL
Rinaldo Gonçalves
Chefe da Seção de Cirurgia Abdomino-Pélvica do Instituto Nacional de Câncer (INCA); coorde-
nador da Cirurgia Hepatobiliar do INCA; mestre em Cirurgia pela Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ)
Roberto Gil
Oncologista Clínico do Grupo Oncoclínicas
Sarah Pinheiro
Residente em Cirurgia Oncológica pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA); residência em Ci-
rurgia Geral pelo Hospital Universitário Onofre Lopes da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (HUOL/UFRN); graduação em Medicina pela Universidade Potiguar (UNP)
Sérgio Bertolace
Cirurgião oncológico da Seção de Cirurgia Abdomino-Pélvica do Instituto Nacional de Câncer (INCA)
Vinícius Galvão
Residência em Cirurgia Oncológica pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA); residência em Ci-
rurgia Geral pelo Hospital Universitário Gaffrée e Guinle da Universidade Federal do Estado do
Rio de Janeiro (HUGG – UNIRIO)
Viviane Amorim
Radiologista do Instituto Nacional de Câncer (INCA); título de Radiologista pelo Colégio Brasileiro
de Radiologia (CBR); mestrado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); doutorado
pelo Instituto D'Or de Ensino e Pesquisa (IDOR)
SUMÁRIO
• CAPÍTULO 1
RESIDÊNCIA EM CIRURGIA ONCOLÓGICA 36
1. Introdução 37
2. Residência em cirurgia geral 37
3. Residência em cirurgia oncológica 38
4. Os desafios da cirurgia oncológica 47
• CAPÍTULO 2
ANATOMIA PATOLÓGICA EM ONCOLOGIA
DO TRATO GASTROINTESTINAL 50
1. Introdução 51
2. Tumores do esôfago 51
2.1. Classificação dos tumores de esôfago 51
2.2. Patologia do carcinoma de esôfago 52
2.2.1. Tipos macroscópicos do câncer inicial de esôfago 52
2.2.2. Tipos macroscópicos do câncer avançado de esôfago 53
2.3. Fatores prognósticos do câncer de esôfago 54
3. Tumores do estômago 55
3.1. Classificação dos tumores epiteliais do estômago 55
3.2. Patologia do carcinoma gástrico 56
3.2.1. Tipos macroscópicos do carcinoma superficial 56
de estômago
3.2.2. Tipos macroscópicos do carcinoma avançado 57
de estômago
3.3. Fatores prognósticos do adenocarcinoma gástrico 58
4. Tumores do intestino delgado 59
4.1. Classificação dos tumores epiteliais do intestino delgado 59
4.2. Patologia do carcinoma do intestino delgado 60
4.3. Fatores prognósticos do adenocarcinoma de intestino 60
delgado
5. Tumores do cólon e reto 60
5.1. Classificação dos tumores epiteliais do cólon e reto 60
5.2. Patologia do carcinoma do cólon e do reto 62
5.2.1. Classificação macroscópica do carcinoma colorretal superficial 62
5.3. Fatores prognósticos do carcinoma colorretal 64
9. Tumores do pâncreas 70
9.1. Classificação dos tumores epiteliais do pâncreas exócrino 70
9.2. Patologia dos carcinomas do pâncreas 72
72
9.3. Fatores prognósticos dos carcinomas pancreáticos
10. Tumores da ampola de vater 74
10.1. Classificação dos tumores epiteliais da ampola de vater: tumores 74
epiteliais do intestino delgado e ampola
10.2. Patologia dos carcinomas da ampola de vater 74
• CAPÍTULO 3
NUTRIÇÃO PERIOPERATÓRIA 98
1. Introdução 99
2. Protocolos multimodais 100
3. Nutrição perioperatória 100
3.1. Terapia nutricional perioperatória 101
3.2. Imunonutrição 102
3.3. Jejum pré-operatório 102
3.4. Realimentação no período pós-operatório 104
3.5. Simbióticos 106
• CAPÍTULO 4
AVALIAÇÃO CLÍNICA PERIOPERATÓRIA EM
CIRURGIA ONCOLÓGICA 110
1. Introdução 111
2. Avaliação pré-operatória 111
3. Manejo das principais comorbidades no perioperatório 112
4. Avaliação de risco cardiovascular 113
5. Solicitação de testes diagnósticos 118
6. Medicações para redução do risco cardiovascular 120
7. Considerações finais 121
• CAPÍTULO 5
PRÉ-HABILITAÇÃO OPERATÓRIA EM CIRURGIA
ONCOLÓGICA 124
1. Introdução 125
2. Evidência em diferentes tipos de câncer 125
3. Elementos da pré-habilitação oncológica 127
3.1. Avaliação contemporânea de risco operatório 127
3.2. Prescrição de exercício 131
3.2.1. Treinamento aeróbico 131
3.2.2. Treinamento de força 134
3.2.3. Treinos neuromotores 134
3.2.4. Treinos de flexibilidade 135
3.2.5. Exercícios direcionados 135
3.2.6. Treinamento da musculatura respiratória 135
3.3. Monitoramento das sessões de exercício 135
3.4. Cuidados especiais com os pacientes oncológicos durante o exercício 136
3.5. Acompanhamento nutricional 137
3.6. Acompanhamento psicológico 138
3.7. Tempo de intervenção e reavaliação 139
• CAPÍTULO 6
ANALGESIA PER-OPERATÓRIA 144
1. Introdução 145
• CAPÍTULO 7
NEOPLASIAS DO ESÔFAGO E DA JUNÇÃO 148
1. Epidemiologia 149
2. Etiologia e fatores de risco 149
3. Classificação molecular 151
4. Apresentação clínica e métodos diagnósticos 151
5. Classificação topográfica e estadiamento 154
6. Tratamento endoscópico 164
7. Tratamento neoadjuvante 166
8. Quimioterapia neoadjuvante 167
9. Quimioterapia perioperatória 167
10. Quimiorradioterapia neoadjuvante 168
11. Quimioterapia ou quimiorradioterapia? 170
12. Tratamento cirúrgico 171
12.1. Vias de abordagem para esofagectomia 172
12.1.1. Esofagectomia trans-hiatal 172
12.1.2. Esofagectomia transtorácica 172
12.2. Cirurgia minimamente invasiva 173
12.3. Formas de reconstrução 175
12.4. Linfadenectomia 177
13. Quimiorradioterapia definitiva e esofagectomia de resgate 179
14. Vigilância ativa e tratamento não operatório 180
15. Quimioterapia adjuvante 182
16. Tratamento paliativo 183
17. Seguimento 184
• CAPÍTULO 8
NEOPLASIA DO ESTÔMAGO 190
1. Epidemiologia e fatores de risco 191
1.1. Patologia 191
1.2. Classificação macroscópica 192
1.3. Classificação microscópica 192
1.4. Classificação molecular 192
2. Apresentação clínica e diagnóstico 193
2.1. Sinais e sintomas 193
2.2. Diagnóstico 193
3. Avaliação de pré-tratamento 193
4. Estadiamento e classificação 194
4.1. Classificação japonesa 197
5. Tratamento cirúrgico do câncer de estômago 199
5.1. Princípios 199
5.2. Tipo de ressecção 201
5.3. Linfadenectomia 203
5.4. Abordagem laparoscópica do câncer gástrico 206
6. Resseções multiorgânicas no câncer gástrico 207
7. Avaliação pré e perioperatória do câncer gástrico com invasão de 207
órgãos/estruturas adjacentes
8. Correlação entre estadiamento clínico/cirúrgico e estadiamento 208
patológico
9. Resseção com intuito curativo versus cirurgia paliativa 208
10. Prognóstico de acordo com o órgão ressecado 209
11. Fatores prognósticos na ressecção multiorgânica por câncer 210
gástrico localmente avançado
12. Perspectivas para o tratamento dos pacientes com câncer 210
gástrico t4b
13. Terapia da doença peritoneal no câncer gástrico 211
14. Citologia positiva no lavado peritoneal e lavagem extensa da 211
cavidade peritoneal
14.1. Citologia positiva no câncer gástrico e terapia sistêmica 212
14.2. Quimioterapia intraperitoneal 213
14.3. Quimioterapia hipertérmica intraperitoneal (Hipec) 213
14.4. Tratamento paliativo com pipac na vigência das metástases 214
peritoneais do câncer gástrico
15. Tratamento sistêmico do câncer gástrico – doença localizada 215
16. Tratamento neoadjuvante 216
17. Tratamento adjuvante 217
18. Tratamento dos cânceres de esôfago e estômago Metastáticos 220
18.1. Terapia de primeira linha 220
18.2. Terapia de segunda e terceira linhas 224
• CAPÍTULO 9
NEOPLASIAS DO INTESTINO DELGADO 234
1. Introdução 235
2. Epidemiologia 235
3. Fisiopatologia 236
4. Fatores de risco 239
5. Tipos histológicos 241
5.1. Neoplasias benignas 241
5.2. Adenocarcinoma 242
5.3. Tumores neuroendócrinos 242
5.4. Sarcoma 243
5.5. Linfoma 244
5.6. Metástases 246
6. Apresentação clínica 246
7. Diagnóstico 247
8. Estadiamento 248
9. Tratamento 251
9.1. Adenocarcinoma 251
9.1.1. Tratamento local 252
9.1.2. Tratamento sistêmico: 252
9.1.3. Cirurgia citorredutora e quimioterapia intraperitoneal 253
9.2. Tumores neuroendócrinos 253
• CAPÍTULO 10
CÂNCER COLORRETAL 260
1. Introdução 261
2. Fatores de risco 262
3. Diagnóstico 263
4. Rastreamento 268
5. Estadiamento 271
6. Síndromes hereditárias 274
6.1. Polipose adenomatosa familiar (PAF) 275
6.1.1. Característica clínica 275
6.1.2. Manifestações benignas extracolônicas 276
6.1.3. Tumores extracolônicos 276
6.1.4. Bases genéticas 278
6.1.5. Diagnóstico 278
6.1.6. Tratamento 279
6.2. Síndrome de lynch 280
6.2.1. Bases genéticas 282
6.2.2. Rastreamento 282
6.2.3. Tratamento 282
6.3. Poliposes hamartomatosas familiares (PHF) 283
6.3.1. Polipose juvenil familiar 283
6.3.2. Síndrome de peutz-jeghers 283
6.3.3. Cronkhite-canadá 284
6.3.4. Doença de cowden (DC) 284
7. Tratamento do câncer de cólon 284
7.1. Tratamento cirúrgico 284
7.1.1. Colectomia, videolaparoscopia e robótica 287
7.1.2. Extensão da linfadenectomia 288
7.1.3. Colectomia direita videolaparoscópica 289
7.1.4. Colectomia esquerda videolaparoscópica 290
7.1.5. Anastomose mecânica versus manual 293
7.2. Conduta em tumor de cólon obstruído 293
7.3. Ressecção do tumor primário na doença metastática 295
7.4. Tratamento adjuvante 296
7.4.1. Doença estágio II 296
7.4.2. Doença estágio III 297
8. Tratamento do câncer de reto 297
8.1. Tratamento cirúrgico 297
8.1.1. Excisão total do mesorreto 297
8.1.2. Linfadenectomia 299
8.1.3. Preservação nervosa 302
8.1.4. Colostomia de proteção 302
8.1.5. Margem distal e preservação esfincteriana 303
8.1.6. Amputação do reto 304
8.1.7. Excisão local 304
8.1.8. Laparoscopia 305
8.1.9. Robótica 306
8.2. Tratamento neoadjuvante e adjuvante 308
9. Seguimento 314
• CAPÍTULO 11
CÂNCER CANAL ANAL 324
1. Introducão e epidemiologia 325
2. Anatomia e patologia 326
3. Apresentação clínica 328
4. Displasia anal 329
4.1. História natural das lesões intraepiteliais 330
4.1.1. Vacinas 332
5. Diagnóstico 332
6. Estadiamento 333
7. Tratamento 336
7.1. Doença localmente avançada 337
7.2. Radioterapia 337
7.3. Tratamento dos pacientes hiv-positivos 338
7.4. Papel da cirurgia 339
7.5. Seguimento e avaliação de resposta ao tratamento 339
7.6. Resgate cirúrgico 340
7.7. Tumores da margem anal 341
7.8. Tratamento da doença metastática 341
7.9. Quimioterapia sistêmica 342
7.10. Imunoterapia 345
8. Resultados, sequelas e sobrevida 345
9. Seguimento 346
10. Melanoma 346
11. Adenocarcinoma do canal anal 347
12. Doença de bowen
• CAPÍTULO 12
350
HEPATOCARCINOMA
351
1. Epidemiologia 352
2. Fatores de risco 352
2.1. Vírus da hepatite B (VHB) 352
2.2. Vírus da hepatite C (VHC) 352
2.3. Álcool 352
2.4. Síndrome metabólica e doença hepática gordurosa não alcoólica 353
2.5. Hepatocarcinoma em ausência de cirrose 353
2.6. Miscelânia 353
3. Rastreamento 357
4. Estadiamento e alocação para tratamento 360
5. Tratamento 360
6. Tratamento cirúrgico 364
7. Transplante hepático 368
8. Terapias ablativas
9. Injeção percutânea de álcool, ablação por radiofrequência e 368
ablação por micro-ondas 370
10. Tratamento do chc de acordo com os guidelines do BCLC 370
10.1. CHC muito precoce 371
10.2. CHC precoce 371
10.3. Avaliação de resposta ao tratamento ablativo 373
10.4. Quimioembolização hepática transarterial 374
10.5. Critérios de seleção 375
10.6. Técnicas 375
10.7. Tace convencional (C-Tace) 375
10.8. Tace com microesferas carreadoras (DEB-Tace) 377
10.9. Resultados 377
10.10. Complicações e efeitos adversos 378
11. Combinação de tace e outras modalidade de tratamento 378
11.1. Tace e outras modalidades de tratamento curativo 378
11.2. Tace e antiangiogênicos 378
11.3. Tace e imunoterapia 379
11.4. Embolização arterial – TAE 379
11.5. Quimioterapia intra-arterial 379
11.6. Radioembolização ou radioterapia interna seletiva 380
11.7. Downstaging 380
11.8. Terapias ponte 381
11.9. Transplante de fígado de doador vivo 381
11.10. Recidiva tumoral 381
12. Terapia sistêmica 381
12.1. Primeira linha de terapia sistêmica 383
12.2. Segunda linha de terapia sistêmica
• CAPÍTULO 13 392
COLANGIOCARCINOMA
393
1. Introdução 396
2. Apresentação clínica 396
2.1. A apresentação clínica do cc depende da localização tumoral 396
2.2. Colangiocarcinogênese 396
2.2.1. Células-tronco cancerígenas 397
2.2. Tumores pré-malignos 397
2.3. Sistemas de classificação dos colangiocarcinomas 397
2.4. Classificação anatômica 397
2.5. Colangiocarcinoma extra-hepático peri-hilar 399
2.6. Colangiocarcinoma extra-hepático distal 399
2.7. Colangiocarcinoma intra-hepático 399
2.8. Classificação morfológica 400
2.9. Colangiocarcinoma formador de massa 402
2.10. Colangiocarcinoma de infiltração periductal 403
2.11. Colangiocarcinoma intraductal 405
3. Diagnóstico 405
3.1. Marcadores tumorais 405
3.2. Ultrassonografia 405
3.3. Estudos endoscópicos 406
3.4. Tomografia computadorizada 407
3.5. Ressonância magnética 408
3.6. Tomografia por emissão de pósitrons 408
4. Estadiamento 410
5. Diagnóstico diferencial 419
6. Terapia locorregional 420
7. Aspecto de imagem pós-tratamento 420
7.1. Tratamento 420
7.2. Colangiocarcinomas intra-hepáticos 421
7.3. Tratamentos locorregionais 422
7.4. Colangiocarcinoma extra-hepático distal 424
8. Colangiocarcinoma extra-hepático hilar 425
8.1. Tratamento cirúrgico 425
8.2. Videolaparoscopia exploradora 428
8.3. Ressecção vascular 428
8.4. Drenagem pré-operatória e embolização portal 429
8.5. Transplante hepático 430
9. Terapia sistêmica na doença avançada 431
10. Terapia sistêmica na doença localizada 437
• CAPÍTULO 14
NEOPLASIAS DA VESÍCULA BILIAR 444
1. Epidemiologia e fatores de risco 445
2. Diagnóstico e estadiamento 447
3. Tratamento 452
4. Tratamento para os tumores pt1a 452
5. Tratamento para tumores pt1b 453
6. Laparoscopia de estadiamento 454
7. Ressecção de ports 454
8. Cirurgia videolaparoscópica versus cirurgia aberta 455
9. Extensão da linfadenectomia 456
10. Ressecção de via biliar 457
11. Extensão da ressecção hepática 457
• CAPÍTULO 15
METÁSTASES HEPÁTICAS DE CÂNCER
COLORRETAL 462
1. Introdução 463
2. Seleção de pacientes para resseção 463
2.1. Idade 465
2.2. Número de lesões 465
2.3. Margem cirúrgica 465
2.4. Doença extra-hepática 466
2.5. Doença linfonodal 468
2.6. Volume hepático residual 468
2.7. Estratégias para otimização das taxas de resseção 468
2.8. Embolização portal e de veias hepáticas 469
2.9. Hepatectomia em dois estádios 472
2.10. Associating liver partition and portal ligation for staged hepatectomy 475
– ALPPS
2.11. Metástases hepáticas sincrônicas 479
2.12. Potenciais estratégias de tratamento 482
2.13. Tratamento sistêmico 483
2.14. Quimioterapia perioperatória 483
2.15. Hepatotoxicidade e complicações cirúrgicas relacionadas aos 487
tratamentos pré-operatórios
2.16. Quimioterapia adjuvante após resseção de lesões hepáticas 490
(pós-operatória)
• CAPÍTULO 16
LESÕES CÍSTICAS DO PÂNCREAS 494
1. Introdução 495
2. Apresentação das principais lesões císticas pancreáticas 496
3. Pseudocisto 505
4. Cistoadenoma seroso 510
5. Neoplasia mucinosa cística (cistoadenoma e 511
cistoadenocarcinoma mucinoso)
6. Neoplasia intraductal mucinosa papilar 512
7. Tumor sólido pseudopapilar 515
8. Vigilância e conduta 516
9. O papel da ultrassonografia endoscópica 519
10. Cirurgia 520
• CAPÍTULO 17
ADENOCARCINOMA DE PÂNCREAS 522
1. Introdução 523
2. Fatores de risco 523
3. Fatores não modificáveis 524
3.1. Idade e gênero 524
3.2. Raça 524
3.3. Síndromes genéticas 524
3.4. História familiar 525
3.5. Grupo ABO 525
3.6. Diabetes mellitus 525
4. Fatores modificáveis 526
4.1. Álcool 526
4.2. Tabagismo 526
4.3. IMC e alimentação 527
5. Apresentação clínica 527
6. Diagnóstico 528
6.1. Abordagem diagnóstica 528
6.2. Marcadores tumorais 529
6.3. Ultrassonografia 529
6.4. Ecoendoscopia 530
6.5. Colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) 532
6.6. Tomografia computadorizada 532
6.7. Ressonância magnética 533
6.8. Tomografia por emissão de pósitrons 535
7. Estadiamento 536
7.1. Estadiamento T (tumor) 536
7.2. Estadiamento N (linfonodos regionais) 536
7.3. Estadiamento M (metástases à distância) 536
8. Critérios de ressecabilidade 539
9. Reestadiamento após o tratamento 592
10. Diagnóstico diferencial 593
11. Tratamento 546
11.1. Drenagem pré-operatória 548
11.2. Tratamento cirúrgico 549
11.3. Linfadenectomia 550
11.4. Preservação pilórica 552
12. Tratamento adjuvante e neoadjuvante 554
12.1. Quimioterapia adjuvante 554
12.2. Radioterapia adjuvante associada à quimioterapia 559
12.3. Tratamento neoadjuvante 560
12.4. Biópsia pré-operatória 560
12.5. Terapia neoadjuvante total 561
13. Tratamento paliativo 564
13.1. Quimioterapia de primeira linha 564
13.2. Terapia alvo molecular e imunoterapia 566
13.3. Quimioterapia de segunda linha 568
13.4. Cirurgia paliativa 568
13.4.1. Drenagem biliar 568
13.4.2. Tratamento da obstrução duodenal 560
13.5. Tratamento da dor 560
14. Segmento 571
• CAPÍTULO 18
TUMORES NEUROENDÓCRINOS DO PÂNCREAS 576
1. Tumores neuroendócrinos funcionantes do pâncreas 577
1.1. Introdução 577
1.2. Insulinoma 579
1.2.1. Diagnóstico 579
1.2.2. Localização do tumor 579
1.2.3. Estadiamento/classificação 582
1.2.4. Tratamento 584
1.3. Gastrinoma 586
1.3.1. Diagnóstico 587
1.3.2. Localização do tumor 587
1.3.3. Tratamento 588
1.4. Vipoma 589
1.4.1. Diagnóstico 590
1.4.2. Localização do tumor 590
1.4.3. Tratamento 590
1.5. Glucagonoma 591
1.5.1. Diagnóstico 594
1.5.2. Localização do tumor 594
1.5.3. Tratamento 594
1.6. Somatostatinoma 595
1.6.1. Diagnóstico 596
1.6.2. Localização do tumor 596
1.6.3. Tratamento 596
2. Tumores neuroendócrinos não funcionantes do pâncreas 597
2.1. Abordagem cirúrgica 598
2.2. Tratamento sistêmico do tNE não funcionante avançado 598
• CAPÍTULO 19
NEOPLASIAS DA ADRENAL 608
1. Introdução 609
2. Tumores do córtex adrenal 611
2.1. Adenoma produtor de cortisol 611
2.1.1. Conceito e apresentação clínica 611
2.1.2. Diagnóstico 612
2.1.3. Tratamento 613
2.2. Hiperaldosteronismo primário 614
2.2.1. Conceito e apresentação clínica 614
2.2.2. Etiologia 615
2.2.3. Diagnóstico 616
2.2.4. Tratamento 618
2.3. Carcinoma adrenal 619
2.3.1. Introdução 619
2.3.2. Apresentação clínica 619
2.3.3. Diagnóstico 619
2.3.4. Estadiamento 622
2.3.5. Cirurgia 623
2.3.6. Tratamento adjuvante 624
2.3.7. Manejo de casos avançados e recidivas 624
2.3.8. Seguimento 624
3. Tumores da medula adrenal 625
3.1. Feocromocitoma 625
3.1.1. Conceito e apresentação clínica 625
3.1.2. Diagnóstico 626
3.1.3. Tratamento 628
3.1.4. Seguimento 629
4. Abordagem do incidentaloma adrenal 629
4.1. Definição 629
4.2. Apresentação clínica 630
4.3. Avaliação do risco de malignidade 631
4.4. Avaliação da hipersecreção hormonal 631
4.5. Manejo 632
5. Adrenalectomia, aspectos cirúrgicos 632
• CAPÍTULO 20
TUMORES NEUROENDÓCRINOS 644
1. Introdução 645
2. Etiologia e epidemiologia 645
3. Patologia, classificação e nomenclatura 646
3.1. Classificação e nomenclatura 646
4. Apresentação clínica 648
5. Diagnóstico 649
6. Tratamento 652
7. TNE gastroduodenais 653
8. Tumores neuroendócrinos do pâncreas 662
8.1. Insulinoma 662
8.1.1. Apresentação clínica 662
8.1.2. Diagnóstico 663
8.1.3. Tratamento 664
8.2. Glucagonoma 664
8.3. Vipomas 665
8.3.1. Tratamento 666
8.4. Gastrinoma 667
8.4.1. Tratamento 668
8.5. Somatostatinomas 669
8.5.1. Tratamento 670
8.6. Sumário 671
8.6.1. P-nets não funcionantes 672
8.6.2. Gastrinoma 672
8.6.3. Insulinoma 673
8.6.4. Glucagonoma 673
8.6.5. Vipoma 673
8.6.6. Doença metastática 673
9. TNE de intestino delgado 676
9.1. Tratamento 677
10. TNE de colón e reto 680
11. TNE de apêndice 686
• CAPÍTULO 21
SARCOMAS PRIMÁRIOS DO RETROPERITÔNIO 694
1. Introdução e epidemiologia 695
2. Patologia 695
3. Diagnóstico 696
4. Estadiamento 697
5. Tratamento 700
5.1. Cirurgia 700
5.2. Quimioterapia 703
5.3. Radioterapia 703
6. Seguimento 704
7. Prognóstico 704
• CAPÍTULO 22
TUMORES ESTROMAIS GASTROINTESTINAIS 712
(GIST)
1. Introdução 713
2. Epidemiologia 714
3. Patologia e fatores prognósticos 714
4. Manisfestação clínica 716
5. Tratamento 717
• CAPÍTULO 23
NEOPLASIAS MALIGNAS DO PERITÔNIO 724
1. Introdução 725
2. Apresentação clínica e métodos diagnósticos 726
3. Estadiamento 727
4. Adenocarcinoma mucinoso de apêndice 729
5. Carcinomatose peritoneal de tumor colorretal 730
6. Mesotelioma peritoneal maligno (MPM) 730
7. Pseudomixoma peritoneal 731
8. Cirurgia citorredutora 732
9. Hipec 733
10. Tratamento paliativo 734
11. Seguimento 734
• CAPÍTULO 24
CORDOMAS SACROCCÍGEOS 738
1. Introdução e epidemiologia 739
2. Apresentação clínica 740
3. Diagnóstico 740
4. Tratamento 744
4.1. Cirurgia 744
4.2. Radioterapia 747
4.3. Terapias sistêmicas 747
4.4. Tratamento de recidivas 747
5. Seguimento 748
PREFÁCIO
Prezados Colegas,
33
APRESENTAÇÃO
Caros leitores,
Eduardo Linhares
Daniel Cesar
1
36
1. INTRODUÇÃO
O treinamento do médico em formato de residência é especificamente um es-
tágio de educação médica de pós-graduação. Refere-se a um médico qualificado
formado que pratica Medicina, geralmente em um hospital ou clínica, sob a super-
visão direta ou indireta de um especialista sênior registrado nessa especialidade,
como um médico assistente ou consultor. Em muitos países, a conclusão bem-su-
cedida desse treinamento é um requisito para obter uma licença irrestrita para a
prática da Medicina e, em particular, uma licença para a prática de uma especia-
lidade médica. O indivíduo envolvido em tal treinamento pode ser referido como
residente, pós-graduando ou estagiário, dependendo do programa.
Enquanto a faculdade de Medicina ensina aos médicos uma ampla gama de co-
nhecimentos, habilidades clínicas básicas e experiência supervisionada na prática
da Medicina em geral, a residência médica oferece treinamento aprofundado em
um ramo específico.
O primeiro programa de residência médica surgiu no Brasil em 1945, na área
de Ortopedia no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP)1. De-
pois, foram criados os programas em Cirurgia Geral, Clínica Médica, Pediatria e
Obstetrícia/Ginecologia no Instituto de Previdência e Assistência do Servidor do
Estado do Rio de Janeiro (Ipase). Desde então, a residência médica é reconhecida
amplamente como uma modalidade de pós-graduação praticamente obrigatória
para quem se gradua no curso de Medicina. O programa é gerenciado pelo Minis-
tério da Educação (MEC), mas o seu regimento é determinado pela Comissão Na-
cional de Residência Médica (CNRM), que foi instituída pelo Decreto nº 80.281,
de 5 de setembro de 1977.
37
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
era moderna é William Stewart Halsted2. Considerado até hoje um dos maiores
cirurgiões dos Estados Unidos da América, Halsted nasceu em Nova Iorque em
1852, e até morrer, em 7 de setembro de 1922, dedicou-se à prática e ao ensino da
cirurgia. Em 1889, ele implementou o primeiro programa de treinamento profis-
sional em serviço hospitalar, no Johns Hopkins Hospital, onde se tornou o chefe do
serviço no ano seguinte. Ele constatou que o ensino da cirurgia na época, realizado
por meio da exposição direta à prática médica (prática clássica: aprendiz-mes-
tre), era falho e ineficiente. A partir de então, criou métodos para um treinamento
especializado, supervisionado e mais eficaz, denominado “residência” porque os
médicos realmente moravam no hospital. Halsted atuou ativamente no campo da
cirurgia oncológica, principalmente no câncer de mama, ficando seu nome consa-
grado como epônimo de mastectomias radicais3.
A cirurgia geral é a base de todas as especialidades cirúrgicas e é pré-requisi-
to para o médico se candidatar à cirurgia oncológica4. A formação do cirurgião
geral deve habilitá-lo à execução de procedimentos cirúrgicos elementares en-
tre todas as especialidades, e sua atuação tem que ser considerada com base na
disponibilidade de recursos, aptidões vocacionais e necessidades da população5.
É certo que o desenvolvimento da formação médica na área cirúrgica vem se
modificando. Nota-se que, além da necessidade de atualização quanto à evolução
do conhecimento médico, o cirurgião geral contemporâneo precisa ser treinado
em habilidades clínicas, humanísticas, de comunicação e interpessoais associadas
às habilidades técnicas6.
A formação de médicos cirurgiões por meio da residência médica, no formato
de ensino de pós-graduação lato sensu, é considerada, pelo Ministério da Educação,
padrão ouro da formação médica especializada7. Logo, a residência tem papel essen-
cial na formação desse especialista, e advém dessa constatação a necessidade de sua
estruturação segundo padrões de qualidade aceitos nacional e internacionalmente.
Na atualidade, percebe-se uma diminuição da procura pela especialidade de
Cirurgia Geral no país e no mundo. No Brasil, desde 2010, há uma iniciativa dos
ministérios da Saúde e da Educação de fomentar a busca pela formação especia-
lizada, pois houve aumento de quase 50% no número de bolsas, justificado pela
necessidade de formação de médicos especialistas em áreas de maior carência para
o atendimento à população8.
38
sintomas e evitar a disseminação ou a recorrência do câncer. É uma especialida-
de complexa, e por esse motivo, a formação de um cirurgião oncológico é longa.
No Brasil, a residência em Cirurgia Oncológica é de três anos. Em 2018, a Co-
missão de Residência Médica do Instituto Nacional de Câncer (Inca) participou
ativamente do Fórum Nacional de Formação em Cirurgia Oncológica, onde foi
instituído um programa baseado em uma matriz de competências9. Segundo a
matriz de competências do Ministério da Educação (MEC) e da Comissão Na-
cional de Residência Médica (CNRM) desenvolvido pelo Inca e pela Sociedade
Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO), o programa de residência médica em
Cirurgia Oncológica deve:
39
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
40
Figura 3. O imóvel em construção foi ampliado para abrigar a sede
definitiva do Serviço Nacional de Câncer e do Instituto de Câncer.
41
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
42
11. Avaliar e praticar os conceitos fundamentais da ética médica;
12. Analisar os aspectos médico-legais envolvidos no exercício da prática médica;
13. Obter o consentimento livre e esclarecido do paciente ou familiar em caso
de impossibilidade do paciente, após explicação simples, em linguagem apro-
priada para o entendimento sobre os procedimentos a serem realizados, suas
indicações e complicações;
14. Estabelecer relação respeitosa com demais médicos e equipe multiprofis-
sional, além dos demais funcionários da Instituição;
15. Elaborar prontuário médico legível para cada paciente, contendo os dados
clínicos para a condução do caso, preenchido em cada avaliação em ordem
cronológica, com data, hora, assinatura e número de registro no Conselho Re-
gional de Medicina, e mantê-lo atualizado;
16. Realizar a prescrição do plano terapêutico, informado e aceito pelo pacien-
te e/ou seu responsável legal;
17. Acompanhar o paciente da internação até a alta hospitalar;
18. Produzir relatório específico para continuidade terapêutica e seguimento
clínico;
19. Dominar o diagnóstico, plano terapêutico e as técnicas cirúrgicas nos cân-
ceres das seguintes regiões:
I. Mama: tumorectomia (exérese) de nódulos, biópsia incisional, biópsias
de lesões cutâneas da mama e drenagens e/ou aspiração de seromas.
II. Cabeça e Pescoço: nasofibrolaringoscopia, biópsias, traqueostomias eletivas,
tireoidectomias sem esvaziamento e ressecção de glândula submandibular.
III. Parede Torácica: drenagens torácicas, pleurodese e biópsias de pleura.
IV. Trato digestivo alto e baixo: cirurgias paliativas (gastrostomia, gastroen-
teroamasto-mose, jejunostomia), fechamento de ileostomia ou colostomia,
ressecção de lesões do canal anal.
V. Aparelho reprodutor feminino: colposcopia e curetagem uterina diag-
nóstica, salpingooforectomia via abdominal, laparoscopia diagnóstica e his-
terectomia extrafascial via abdominal.
VI. Aparelho geniturinário masculino: orquiectomia subcapsular e ressec-
ção de lesões para diagnóstico ou terapêutica do pênis.
VII. Pele e tecido ósseo e conjuntivo: Melanomas – Biópsias e Ampliações
de margem e não melanoma – Ressecções locais e Biópsias.
43
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
44
VI. Aparelho geniturinário masculino: orquiectomia total bilateral, cistos-
copia diagnóstica, cistectomia parcial e amputações parciais/totais de pênis.
VII. Pele e tecido ósseo e conjuntivo: melanomas – ampliação de margem
com pesquisa do linfonodo sentinela e reconstruções com retalhos mio-
cutâneos simples e não melanoma: ressecções profundas e reconstruções
com rotação de retalho e enxerto de pele.
VIII. Acessos vasculares no paciente oncológico – acesso para quimiote-
rapia venosa – passagem e retirada de cateter port-a-cath® para quimio-
terapia venosa.
IX. Cirurgias de urgência em Oncologia: urgências oncológicas – traque-
ostomia de urgência, diagnóstico e condução de neutropenia febril, tra-
tamento de pneumotórax, toracocentese de alívio, paracentese de alívio e
diagnóstico, condução de compressão medular neoplásica.
X. Dominar a realização de laparotomias e laparoscopias diagnósticas e
para estadiamento de afecções neoplásicas benignas e malignas.
45
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
46
8. Manter a constância de seus processos de aprendizagem (aprender a apren-
der), buscando melhorar sua expertise, procurando sempre prestar um atendi-
mento de qualidade máxima;
9. Aplicar seus conhecimentos e habilidades na prevenção da doença e na
promoção da saúde;
10. Demonstrar, sob supervisão, as habilidades técnicas adquiridas em todos os
procedimentos urológicos, de pequenos e de grande porte.
47
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
t
p er “Vou fazer melhor
ex da próxima vez”
Barreira da paixão
Habilidade
zona da
mediocridade
amador
48
um propósito e significado. Devemos reconhecer a importância que o bem-estar
pessoal tem e que ele dá aos cirurgiões a oportunidade de identificar prioridades,
tomar decisões que equilibram objetivos pessoais e profissionais e de desenvolver
a prática de hábitos que podem ser sustentáveis ao longo de sua carreira12.
A prática da Oncologia Cirúrgica oferece um grande potencial pessoal e pro-
fissional de satisfação. Poucas carreiras têm um impacto tão profundo na vida de
outras pessoas e extraem tanto significado do trabalho13. Identificando as priorida-
des da vida pessoal e profissional, o oncologista cirúrgico pode encontrar valores,
escolher o tipo de prática ideal, gerenciar os agentes estressores e traçar um pla-
no de carreira que consiga equilibrar trabalho e vida pessoal, além de nutrir seu
bem-estar pessoal. Essas estratégias podem diminuir a probabilidade de burnout
e ajudar os oncologistas cirúrgicos a alcançar a satisfação pessoal e profissional.
REFERÊNCIAS
1. Colégio Brasileiro de Cirurgiões. Boletim Informativo do Colégio Brasileiro de Cirurgiões. 1974;68.
2. Geraldes N. O nascimento da moderna cirurgia: William Halsted [Internet]. Acessado em: 4 mai 2021. Disponível em:
<https://xaropedeletrinhas.com.br/o-nascimento-da-moderna-cirurgia-william-halsted/>.
3. Halsted WS. I. The Results of Operations for the Cure of Cancer of the Breast Performed at the Johns Hopkins Hospital
from June, 1889, to January, 1894. Ann Surg. 1894;20(5):497-555.
4. de Jesus LE. Ensinar cirurgia: como e para quem? Rev Col Bras Cir. 2008;35(2):136-40.
5. de Jesus LE. Treinar cirurgiões: hoje como sempre? Rev Col Bras Cir. 2009;36(6):529-32.
6. Soares Jr C, Gomes CA, Soares FPTP. O ensino da cirurgia: a necessidade de uma visão humanística. ver Col Bras Cir.
2010;37(3):240-4.
7. Ferreira EAB, Rasslan S. Surgical education in Brazil. World J Surg. 2010;34(5):880-3.
8. Petta HL. Formação de médicos especialistas no SUS: descrição e análise da implementação do programa nacional de
apoio à formação de médicos especialistas em áreas estratégicas (Pró-Residência). Rev Bras Educ Med. 2013;37(1):72-9.
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49
ANATOMIA PATOLÓGICA
EM ONCOLOGIA DO TRATO
GASTROINTESTINAL
2. TUMORES DO ESÔFAGO
2.1. Classificação dos tumores de esôfago
Segundo dados de 2019 da Organização Mundial da Saúde (OMS), os tumores
epiteliais do esôfago são classificados3 em tumores epiteliais benignos e precurso-
res, e tumores epiteliais malignos (tabela 1).
As duas lesões precursoras do câncer de esôfago são a displasia no esôfago
de Barrett (tipo intestinal e tipo foveolar = tipo gástrico) e a displasia do epitélio
escamoso esofágico (precursoras do adenocarcinoma e do carcinoma escamoso,
respectivamente). Ambos os tipos de displasias podem ser classificados em baixo
grau ou alto grau. Atualmente já se tem maior conhecimento sobre as vias mole-
culares e características patológicas de carcinogênese do esôfago de Barrett, mas
a displasia escamosa do esôfago permanece uma forma de neoplasia ainda mal
compreendida cientificamente3.
O câncer de esôfago ocorre com maior frequência no sexo masculino, entre
a quinta e a oitava década de vida (mediana na sétima década de vida)4. As duas
neoplasias epiteliais malignas mais comuns do esôfago são o carcinoma esca-
moso e o adenocarcinoma, que apresentam incidências variáveis nas diferen-
tes partes do mundo5, além de fatores de risco diferentes. Embora o carcinoma
51
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Carcinoma adenoescamoso
Carcinoma escamoso
(epidermoide)
Carcinoma indiferenciado
Neoplasias neuroendócrinas
52
macroscópicos: 0-Tipo I, polipoide; 0-Tipo II, superficial, que é subdividido em
três subtipos: 0-Tipo IIa, superficial elevado; 0-Tipo IIb, superficial plano; e 0-Tipo
IIc, superficial deprimido, além do 0-Tipo III, escavado ou ulcerado (figura 1).
0-Tipo I = polipoide
Tipo 1 = vegetante
Tipo 4 = infiltrativo
53
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Grau de Regressão
Resposta histológica
Tumoral (GRT)
54
3. TUMORES DO ESTÔMAGO
3.1. Classificação dos tumores epiteliais do estômago
Atualmente, a Organização Mundial da Saúde classifica as lesões pré-malignas
do trato gastrointestinal (TGI) como neoplasia intraepitelial3. As displasias de alto
grau em espécimes cirúrgicos gástricos são relatadas como carcinoma in situ. O
termo “carcinoma in situ” não é comumente usado em lesões glandulares neoplá-
sicas do TGI (tabela 3).
Gastroblastoma
Neoplasias neuroendócrinas
55
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
56
esses componentes descritos na ordem do componente que ocupa a maior área
na superfície da mucosa. Por exemplo: tipo 0-IIa + IIc, interpretando-se que,
nesse exemplo, o componente IIa é o de maior tamanho na superfície mucosa,
pois está relatado como primeiro componente27.
TIPO 0-I
TIPO 0- I
TIPO 0-II
Subtipo IIa
Subtipo IIc
TIPO 0- III
57
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Borrmann IV – Infiltrativo
58
g. Invasão neoplásica linfática;
h. Invasão neoplásica vascular sanguínea;
i. Invasão neoplásica perineural;
j. Margens de ressecção proximal, distal e circunferencial (radial);
k. Metástase à distância;
l. Resposta histológica pós-quimiorradioterapia neoadjuvante (classificação
de Mandard)13;
m. Classificação patológica (estadiamento patológico; pTNM ou ypTNM,
AJCC 8ª edição)17.
59
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
60
durante sua progressão e são provavelmente precursores dos adenocarcinomas do
cólon direito associados à instabilidade de microssatélite de nível alto (MSI-H). Os
carcinomas com células em anel de sinete61 e os carcinomas neuroendócrinos pouco
diferenciados (subtipos de grandes células e de pequena células) são os tipos histo-
lógicos de carcinomas colorretais que têm prognóstico adverso significante indepen-
dentemente do estadiamento62. O carcinoma medular é um tipo histológico distinto,
caracterizado por infiltração de linfócitos intratumorais, que tem prognóstico melhor
e está fortemente associado à instabilidade de microssatélite (MSI), podendo ocorrer
de forma esporádica ou na síndrome de Lynch63. O adenocarcinoma micropapilar
apresenta maior propensão à invasão linfática e à metástase linfonodal64. O adeno-
carcinoma variante serrilhado está relacionado ao adenoma serrilhado tradicional e
pode ter um prognóstico pior que os adenocarcinomas convencionais65.
61
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
62
Figura 5. Tipos macroscópicos do carcinoma colorretal superficial (tipo 0)1.
Polipoide pediculado
Polipoide sessil
lla
lla + dep
Superficial
LST (non - granular)
LST (granular)
llc
llc + lta
ls + llc
Tipo 0-I = polipoide (tipo 0-Ip, tipo 0-Isp e tipo 0-Is); tipo 0-II = superficial (tipo 0-IIa = superficial elevado
e tipo 0-IIc = superficial deprimido); associações e lesão tipo LST-NG e LST-G
63
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
64
o. Metástase à distância;
p. Resposta histológica pós-quimiorradioterapia neoadjuvante (classificação
de Mandard)13;
q. Classificação patológica (estadiamento patológico; pTNM ou ypTNM, AJCC
8ª edição)17.
65
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Adenocarcinoma
66
8. TUMORES DO FÍGADO E VIAS BILIARES INTRA-HEPÁTICAS
8.1. Classificação dos tumores epiteliais do fígado
67
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
68
Tabela 10. Classificação dos tumores epiteliais das vias biliares intra-hepáticas
(OMS, 2019)1.
Carcinomas neuroendócrinos de
grandes células e de pequenas células
Carcinoma misto neuroendócrino e não
neuroendócrino (MiNEN)
69
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
9. TUMORES DO PÂNCREAS
9.1. Classificação dos tumores epiteliais do pâncreas exócrino
Alguns carcinomas invasivos do pâncreas têm origem em lesões neoplásicas
precursoras, como a neoplasia papilífera mucinosa intraductal (NPMID), a ne-
oplasia cística mucinosa intraductal (NCMID), a neoplasia tubulopapilífera in-
traductal (NTPID) e a neoplasia papilífera oncocítica intraductal (NPOID)128. A
maioria dos pacientes com adenocarcinoma ductal do pâncreas (ADP) é diag-
nosticada entre os 55 e 65 anos3. O fator de risco mais conhecido para o câncer
pancreático é o tabagismo. A patogênese referente ao tabagismo é explicada pela
presença de carcinógenos (metilnitrosamino-butano e benzopireno), que causam
danos (mutações) ao DNA e levam à formação do câncer129. O câncer pancreático
é, essencialmente, uma doença genética causada por mutações herdadas (germina-
tivas) e somáticas (tabela 11)120.
70
Tabela 11. Classificação dos tumores epiteliais do pâncreas exócrino (OMS, 2019)1.
Cistoadenoma seroso
a. Cistoadenoma seroso macroscístico Adenocarcinoma ductal
(oligocístico)
b. Adenoma seroso sólido Carcinoma coloide
c. Neoplasia cística serosa associada
à síndrome de von Hippel-Lindau Carcinoma pouco coesivo
(VHL)
Carcinoma com células em anel de sinete
d. Neoplasia serosa e neuroendócrina
mista Carcinoma medular
Cistoadenocarcinoma seroso Carcinoma adenoescamoso
Neoplasia intraepitelial glandular de Carcinoma hepatoide
baixo e de alto grau
Carcinoma de grandes células com
Neoplasia mucinosa papilífera fenótipo rabdoide
intraductal com displasia de baixo e de
alto grau (NMPID) Carcinoma indiferenciado
71
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
72
i. Margens de ressecção cirúrgica (proximal, distal, coto pancreático, coto
do ducto biliar comum, circunferencial-anterior, posterior, de vasos mesen-
téricos superiores);
j. Linfonodos regionais (mínimo de 12 linfonodos)17;
k. Metástase à distância;
l. Resposta à terapia neoadjuvante
m. Classificação patológica (estadiamento patológico; pTNM ou ypTNM,
AJCC 8ª edição)17;
n. Achados patológicos adicionais (neoplasia intraepitelial pancreática, pan-
creatite crônica, pancreatite aguda, outros);
73
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
74
revisto na nova classificação é referente à distinção entre os tumores neuroen-
dócrinos bem diferenciados (TNEs), anteriormente designados como tumores
carcinoides no trato gastrointestinal (TGI), e os carcinomas neuroendócrinos
pouco diferenciados (CNEs). Ambos compartilham expressão dos mesmos
marcadores imuno-histoquímicos (cromogranina A e sinaptofisina). Contudo
possuem características genéticas, clínicas, epidemiológicas, histológicas e prog-
nósticos diferentes. Atualmente, a OMS adota uma classificação uniforme para
todas as neoplasias neuroendócrinas originadas no TGI e nos órgãos hepato-
pancreatobiliares (tabela 13).
Número
Índice de
Nomenclatura Diferenciação Grau de mitoses
KI-67
(mitoses/mm2)
Bem
TNE Grau 1 Baixo <2 < 3%
diferenciado
Bem
TNE Grau 2 Intermediário 2-20 3%-20%
diferenciado
Bem
TNE Grau 3 Alto > 20 > 20%
diferenciado
CNE de
Pouco
pequenas Alto > 20 > 20%
diferenciado
células
CNE de
Pouco
grandes Alto > 20 > 20%
diferenciado
células
Bem ou pouco
MiNEN Variável Variável Variável
diferenciado
TNE = tumor ou neoplasia neuroendócrina; CNE = carcinoma neuroendócrino; MiNEN = neoplasia mista
neuroendócrina e não neuroendócrina
*Adaptado de WHO classification of tumours of the oesophagus
75
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
76
Tabela 14. Subtipos de neoplasias neuroendócrinas do estômago1.
77
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Características TNE TEC tipo 1 TNE TEC tipo 2 TNE TEC tipo 3
Masculino/
0,4:1 1:1 2,8:1
Feminino
Hiperplasia de
Sim Não Não
células G antral
Hiperplasia/
Mucosa gástrica Sem alteração
Gastrite atrófica hipertrofia de
não tumoral específica
células parietais
Proliferação de
Sim Sim Não
células TEC
Grau 3
Grau 3 - Grau 3 (raro)
(excepcional)
Sobrevida em 5
Cerca de 100% 60%-90% < 50%
anos (%)
78
Alguns TNEs de células G (produtor de gastrina) podem causar a síndrome de
Zollinger-Ellison e o termo gastrinoma só é usado para esses casos funcionantes.
O TNE produtor de serotonina é um subtipo raro e comumente não é funcionante.
Pode estar associado à síndrome carcinoide clássica (diarreia, rubor, regurgitação
tricúspide e asma). Os CNEs e MiNENs não manifestam sintomas específicos. Tu-
mores ulcerados podem produzir hemorragia gástrica, anemia e dor. CNEs gástri-
cos compõem cerca de 21% de todas as NENs gástricas e são mais frequentes nos
homens. Os TNEs tipo 1 estão associados à gastrite crônica atrófica autoimune, são
múltiplos em cerca de 60% dos casos e formam pólipos ou nódulos pequenos (<
1,0cm) na mucosa do corpo e fundo. Os TNEs tipo 2 estão associados à neoplasia
endócrina múltipla tipo 1, consequente à hipergastrinemia resultante do gastri-
noma; originam-se na mucosa oxíntica e apresentam múltiplas lesões medindo
menos de 2,0cm. Os TNEs tipo 3 não têm fator etiológico conhecido104, formam
tumores grandes e únicos. Os TNEs de células G são pequenos e acometem mu-
cosa e submucosa localizados no antro próximos ao piloro. Os CNEs gástricos
formam massas tumorais grandes e infiltrantes. Os MANECs têm aspectos seme-
lhantes aos adenocarcinomas gástricos convencionais105. O prognóstico das NENs
gástricas depende do subtipo, grau e estágio. O prognóstico do TNE tipo 1 é exce-
lente. O tipo 2 tem prognóstico intermediário e o tipo 3 tem pior prognóstico. Os
CNEs e os MANECs gástricos têm prognósticos desfavoráveis106.
79
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
80
que os TNEs no canal anal, seguido pelo subtipo carcinoma neuroendócrino de
pequenas células (CNEPC)118. Os TNEs do canal anal bem delimitados têm bom
prognóstico (95% de sobrevida em 10 anos)119.
81
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
82
Tabela 17. Potencial biológico dos tumores mesenquimais do TGI1.
Intermediário
Intermediário
(metástases raras
Benigno (localmente Maligno
– em menos de 2%
agressivo)
dos casos)
Tumor
Ganglioneuroma/ Fibromatose
miofibroblástico Angiossarcoma
Ganglioneuromatose desmoide
inflamatório
Tumor glômico Sarcoma
(todos os Sarcoma de Kaposi embrionário do
subtipos)* fígado
Tumor estromal
Hemangioma gastrointestinal
-GIST**
Pólipo fibroide
Leiomiossarcoma
inflamatório
Rabdomiossarco-
Leiomioma ma (todos os
subtipos)
Lipoma Sinoviossarcoma
Linfangioma/
linfangiomatose
Hamartoma
mesenquimal do
fígado
PEComa*
Perineurioma
Fibromixoma
plexiforme
Schwannoma
*Tumores glômicos e PEComas apresentam formas benigna (mais comum) e maligna (raramente). **O
comportamento biológico dos GISTs varia com os fatores de risco
83
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
84
Tabela 18. Recomendações para avaliação do risco de progressão do tumor
estromal gastrointestinal (GIST) primário1.
Número de Tamanho
Estômago Duodeno Jejuno/íleo Reto
mitoses/5mm²** tumoral
Até 5 mitoses ≤ 2,0cm Não (0%) Não (0%) Não (0%) Não (0%)
Muito
> 2,0 - ≤ Baixo Baixo
Até 5 mitoses baixo Baixo (4,3%)
5,0cm (8,3%) (8,5%)
(1,9%)
Número de
Tamanho Estômago Duodeno Jejuno/íleo Reto
mitoses
*Risco definido por ocorrência de metástase ou morte associada ao GIST **5mm² equivale a 50 campos de
grande aumento (CGA) nos microscópios antigos ou 20 a 25 CGA nos microscópios modernos.*** Repre-
senta pequeno número de casos
85
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
86
Tumores da medula da adrenal e
Tumores do córtex da adrenal
paraganglioma extra-adrenal
Tumores hematolinfoides
87
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
6 - Necrose
9 - Invasão capsular
88
estômago, pâncreas e cólon. Metástases de melanoma maligno, bem como de
câncer de mama e de pulmão, também são comuns. Vários carcinomas primários
foram descritos como originados no peritônio, muitos dos quais descritos como
carcinomas de origem primária desconhecida. Acredita-se que o carcinoma de
ovário que surge em mulheres vários anos após a ooforectomia bilateral seja um
desses carcinomas peritoneais primários. As vias de disseminação da doença neo-
plásica no peritônio incluem invasão direta, vias linfáticas, disseminação intraperi-
toneal e disseminação hematogênica. A carcinomatose peritoneal pode se originar
da disseminação transparietal de tumores malignos não infiltrantes122. Os cânceres
e outros tumores peritoneais primários descritos incluem: mesotelioma maligno,
mesotelioma cístico (papilar), carcinoma peritoneal primário, tumor desmoplási-
co de pequenas células redondas, angiossarcoma peritoneal, leiomiomatose peri-
toneal disseminada (LPD) e hemangiomatose peritoneal.
89
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
14.5. Angiossarcoma
O angiossarcoma ocorre raramente no peritônio e pode apresentar seme-
lhança histológica com lesões benignas ou outras neoplasias malignas, como o
90
mesotelioma. O diagnóstico histopatológico é feito utilizando-se imuno-histoquímica
para demonstrar marcadores de diferenciação vascular (CD31 e fator VIII). O an-
giossarcoma peritonial geralmente evolui de forma agressiva e pode surgir após
radioterapia prévia para outras neoplasias. O tratamento deve ser semelhante ao
de outros sarcomas.
91
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
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NUTRIÇÃO PERIOPERATÓRIA
Pedro Portari
3
98
1. INTRODUÇÃO
A cirurgia é uma das principais modalidades de tratamento para pacientes
oncológicos. O procedimento cirúrgico por si só promove estresse metabólico e
processo inflamatório, diretamente proporcionais ao porte da cirurgia.
O aumento de citocinas pró-inflamatórias ocorre devido à doença, lesão e/ou
infecção, ocasionando depleção das reservas de glicogênio, tecido adiposo e massa
muscular, por meio da glicogenólise, lipólise e proteólise, respectivamente, com
consequente liberação de substratos para a produção de proteínas de fase aguda,
efetiva cicatrização e resposta imune1,2.
A resistência à insulina e o aumento da taxa metabólica também ocorrem, po-
tencializando o catabolismo. Constata-se aumento das concentrações séricas de
glicose e redução da razão insulina/glucagon3-5. Além disso, o aumento da captação
de glicose em células não sensíveis à insulina vem sendo relacionado ao desenvol-
vimento de algumas das complicações mais comuns no período pós-operatório,
como infecções e problemas cardiovasculares6.
A normalização da sensibilidade à insulina ocorre entre duas a quatro se-
manas após cirurgias abdominais não complicadas, semelhante ao tempo ne-
cessário para a recuperação do paciente. A resistência à insulina desenvolvida
após a cirurgia está relacionada com o tempo de permanência hospitalar e com
a magnitude do processo inflamatório, reforçando sua importância na resposta
ao estresse cirúrgico7.
Portanto, é de fundamental importância o suporte metabólico perioperatório
instituído por equipe interdisciplinar, visando à adequada recuperação e modula-
ção da resposta orgânica ao trauma.
99
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
2. PROTOCOLOS MULTIMODAIS
Nas últimas décadas, vem sendo demonstrada a necessidade de se instituir me-
didas para reduzir o estresse cirúrgico e o catabolismo, permitindo uma recupera-
ção mais rápida e eficiente8.
O grupo Enhanced Recovery After Surgery (ERAS), formado em 2001 por mé-
dicos europeus, publicou em 2005 um consenso sobre cuidados perioperatórios,
no qual foram apresentadas várias modificações de cuidados tradicionais sem res-
paldo científico consagrados pelo empirismo, confrontando-os com evidências
científicas, por meio de estudos controlados, randomizados e metanálises9.
As principais modificações apresentadas pelo grupo ERAS foram adaptadas à
realidade nacional pelo Projeto ACERTO Pós-Operatório (Aceleração da Recu-
peração Total pós-operatória), com a implantação do primeiro protocolo multi-
modal em um hospital universitário do Mato Grosso. A incorporação de condutas
consensuadas pelo Projeto ACERTO no referido hospital trouxe resultados rele-
vantes, como redução estatisticamente significativa de dois dias no tempo de inter-
nação e de 60% na morbidade pós-operatória, ao se reduzir o tempo de jejum pré
e pós-operatório e a hidratação venosa10.
O uso de protocolos multimodais visando à aceleração da recuperação pós-ope-
ratória, também chamado de protocolos fast-track, tem como premissa a adequação
de uma combinação de condutas, como abreviação do tempo de jejum pré e pós-
-operatório, terapia nutricional perioperatória, otimização do preparo mecânico de
cólon, redução do uso de drenos e sonda vesical, uso de antibióticos de maneira
racional, redução de hidratação venosa com cristaloides, analgesia perioperatória
sem opioides, prevenção de náuseas e vômitos e mobilização do paciente1,11,12.
Os resultados de estudos utilizando o protocolo ERAS demonstraram melhora
significativa na função pulmonar, redução do tempo para reinício de dieta por via
oral, retorno da função intestinal e da mobilização, além da redução da morbidade
e do período de internação hospitalar13.
Portanto, além de pesquisas visando ao desenvolvimento de novas tecnologias
para o tratamento cirúrgico, a redução das complicações e dos efeitos colaterais
tem se tornado um importante tópico na terapêutica14. Nesse contexto, a nutrição
perioperatória ganha especial destaque, em função da já bem documentada asso-
ciação entre desnutrição e desfechos desfavoráveis no período pós-operatório15.
3. NUTRIÇÃO PERIOPERATÓRIA
De uma perspectiva nutricional e metabólica, o cuidado nutricional deve:
• Ser integrado ao manejo global do paciente;
• Evitar longos períodos de jejum no período pré-operatório;
• Promover retorno precoce da dieta no período pós-operatório;
100
• Iniciar terapia nutricional precocemente em pacientes com risco nutricional;
• Promover controle glicêmico;
• Reduzir fatores que exacerbem o catabolismo ou dificultem o retorno da fun-
ção gastrointestinal;
• Garantir aporte nutricional adequado para proporcionar a mobilização pre-
coce, facilitar a síntese proteica e a manutenção da funcionalidade muscular16.
Pacientes cirúrgicos que apresentem pelo menos um dos seguintes critérios são
considerados em risco nutricional grave:
• Perda de peso > 10-15% em seis meses;
• IMC < 18,5 kg/m2;
• Avaliação Global Subjetiva (SGA) = C ou NRS > 5;
• Albumina sérica pré-operatória < 30g/L (sem evidência de insuficiência he-
pática e disfunção renal)16.
101
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
3.2. Imunonutrição
A imunossupressão é resultante da gravidade da Resposta Orgânica ao Trau-
ma e está relacionada a complicações potencialmente graves no pós-operatório. A
terapia nutricional é ferramenta muito importante na atenuação desse fenômeno
e pode prevenir essas complicações. Recentemente, a utilização de nutrientes com
capacidade de modular o sistema imune tem sido indicada na tentativa de aumen-
tar a capacidade responsiva desse sistema23,24.
Esse é o conceito de imunonutrição em cirurgia, em que a suplementação de
nutrientes como arginina, glutamina, ácido graxo ω-3, nucleotídeos, além de mi-
cronutrientes antioxidantes como zinco e vitaminas A, C e E tem o objetivo de
estimular a resposta imune, garantir substrato para a síntese proteica e amenizar a
gravidade da resposta inflamatória24.
Constata-se com a suplementação aumento na produção e maturação de lin-
fócitos e aumento de precursores para a síntese de colágeno, o que esperamos que
contribua para um processo de cicatrização mais eficaz. O ácido graxo ômega 3
desempenha papel importante na modulação da resposta inflamatória por reduzir
a produção de prostaglandinas e leucotrienos inflamatórios24.
Na prática, essas soluções devem ser utilizadas no período perioperatório, por
cinco a sete dias antes da cirurgia, podendo dar continuidade no pós-operatório. A
indicação mais frequente para a utilização da imunonutrição é no perioperatório
de cirurgias oncológicas de grande porte abdominais e de cabeça e pescoço. Pode
ser utilizado tanto como suplemento oral quanto por cateter25-30.
A maioria dos trabalhos nos últimos 20 anos demonstrou diminuição das
complicações infecciosas pós-operatórias, com consequente redução do tempo de
internação hospitalar em pacientes com câncer do aparelho digestório com ou
sem comprometimento do estado nutricional, mas principalmente em pacientes
desnutridos com câncer25,29,30.
102
o processo de anestesia geral de uma cesariana de emergência. Esse conjunto de
ocorrências clínicas foi nomeado como síndrome de Mendelson. Sendo assim, a
prática do jejum pré-operatório foi instituída com o objetivo de prevenir compli-
cações pulmonares associadas a vômitos e aspiração do conteúdo gástrico, como a
pneumonite química, caracterizada por lesão pulmonar aguda decorrente da aspi-
ração de substâncias tóxicas às vias aéreas inferiores31.
Em paralelo, as condutas de jejum prolongado no período pré-operatório pas-
saram a ser veementemente questionadas em função da falta de evidências de que
a redução do jejum para líquidos em comparação ao regime convencional deter-
mine risco de aspiração pulmonar ou de morbidade relacionada a esse evento32.
Já é bem documentada a segurança da abreviação do jejum para duas horas
antes da indução anestésica33. Há evidências de que o volume de resíduo gás-
trico com doze, oito ou seis horas de jejum é similar ao encontrado em jejum
de seis horas para sólidos e duas horas para líquidos sem resíduos, com ou sem
carboidratos34. O resultado de uma metanálise de 27 estudos e 1.976 participan-
tes constatou nenhum caso de aspiração ou pneumonia com a abreviação do
jejum pré-operatório35.
Um estudo multicêntrico que mapeou o tempo de jejum pré-operatório em
hospitais no Brasil encontrou uma mediana de 12 (2–216) horas36. Esse resulta-
do está muito acima do recomendado pela Sociedade Americana de Anestesio-
logia e pelo guideline ACERTO, que recomendam o jejum de duas horas para
líquidos sem resíduos e seis horas para sólidos como sendo seguro e benéfico
para o paciente37.
Com alto nível de evidência e forte grau de recomendação, o guideline ACERTO-
-CBC-BRASPEN estabelece que pacientes sem alterações no esvaziamento gástrico
submetidos a cirurgias eletivas devem ingerir líquidos enriquecidos com carboidra-
tos (maltodextrina) duas horas antes da indução anestésica20.
Como fundamentação básica para a mudança desse paradigma, tem-se a cons-
tatação de que o jejum pré-operatório prolongado, além de desconfortável e des-
necessário, incrementa a resposta endócrina e metabólica ao trauma cirúrgico38.
Os benefícios da abreviação do jejum documentados por vários autores estão
relacionados à redução da resistência à insulina, redução da resposta inflamató-
ria39, aumento da capacidade funcional40, redução no tempo de hospitalização, re-
dução da ansiedade, sede, fome e redução na incidência de náuseas e vômitos no
período pós-operatório41.
Um estudo avaliando a ingestão de uma bebida rica em carboidrato consta-
tou aumento de 50% na ação da insulina após aproximadamente três horas de
ingestão da bebida42. Em pacientes submetidos a cirurgias abdominais eletivas, um
estudo de coorte prospectivo obteve resultados favoráveis com a abreviação do
tempo de jejum pré-operatório no que diz respeito à redução das concentrações
séricas de cortisol, interleucina-6 e resistência à insulina, mensurada por meio do
103
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
104
Além da segurança, vários autores demonstraram redução das complicações infeccio-
sas e do tempo de hospitalização em cirurgias do trato gastrointestinal superior,
como esofagectomias, gastrectomias e duodenopancreatectomias51,52.
A via oral deve ser a primeira opção, com progressão de consistência confor-
me tolerância e aceitação do paciente. A clássica e lenta transição da dieta oral de
líquida para pastosa e, finalmente, sólida no período pós-operatório, vem sendo
substituída por dieta precoce ad libitum53.
Embora a tolerância não seja universal, geralmente é alta (acima de 70%) e
pode ser ainda maior se associada com demais condutas recomendadas em pro-
tocolos fast-track, como uso de goma de mascar no pós-operatório imediato, mo-
bilização precoce, uso de procinéticos, não utilização de medicamentos opioides e
uso racional de fluidos intravenosos54,55.
Com relação à via alternativa de alimentação, sua indicação deve ser realizada
precocemente, quando a nutrição oral não é recomendada ou possível devido a
questões disabsortivas, íleo metabólico, anorexia e em cirurgias de grande porte,
como laringectomia, esofagectomia, gastrectomia total e ressecção pancreática, ou,
ainda, para os pacientes que não poderão atingir 60% das necessidades nutricio-
nais após cinco a sete dias de pós-operatório apenas com a via oral20.
Caso a nutrição por via oral seja contraindicada ou não seja suficiente, a nutri-
ção enteral por meio de cateter nasoentérico, gastrostomia ou jejunostomia deve
ser a primeira opção, e se possível mantendo-se a dieta oral para conforto do pa-
ciente, por ser associada a uma menor morbidade e tempo de internação hospita-
lar quando comparada com a nutrição parenteral56.
Com relação ao uso de cateteres ou ostomias, ainda não existe consenso so-
bre qual é a melhor via alimentar. Embora complicações mais graves sejam ob-
servadas com a jejunostomia, essa via permite o uso da terapia nutricional por
mais tempo. Um estudo randomizado constatou que a nutrição por cateter na-
soentérico ou por jejunostomia apresentam a mesma incidência de morbidade e
tempo de permanência hospitalar57.
É importante ressaltar que a utilização de suplementos nutricionais orais ou a
nutrição enteral deve ser mantida após alta caso os pacientes não consigam manter
as necessidades proteico-calóricas por via oral20, já que a desnutrição e o compro-
metimento da funcionalidade são os principais fatores associados com a rehospi-
talização nos pacientes cirúrgicos58.
Com relação à nutrição parenteral, esta deve ser prescrita de forma isolada
ou combinada com a dieta enteral quando não é possível a utilização do trato
gastrointestinal ou quando o aporte calórico não atinge 60% das necessidades por
cinco dias consecutivos20. Formulações contendo ácidos graxos ômega-3 atenuam
o processo inflamatório no período pós-operatório e podem ser utilizadas. O uso
da glutamina intravenosa se mostrou seguro em um estudo multicêntrico, porém
não modificou o desfecho clínico59.
105
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
3.5. Simbióticos
A indicação de pré e probióticos tem sido cada vez mais estudada em pacientes
com diversas enfermidades e, mais recentemente, em pacientes cirúrgicos. Cons-
tatou-se uma redução significativa na taxa de pneumonia pós-operatória (2,4 vs.
11,3%, p < 0,029), de infecções do sítio cirúrgico (7,1 vs. 20,0%, p < 0,020) e de
deiscência de anastomose (1,2 vs. 8,8%, p < 0,031) em pacientes após cirurgia co-
lorretal e na incidência de infecções em ressecções pancreáticas, hepatobiliares e
no transplante hepático60.
Além da redução na incidência de complicações infecciosas, Kanazawa et al.
encontraram vantagens relacionadas ao tempo de antibioticoterapia e tempo de
internação hospitalar em pacientes submetidos à ressecção hepatobiliar para tra-
tamento oncológico16.
Uma metanálise de 13 ensaios clínicos randomizados com 962 pacientes cons-
tatou que o uso de probióticos e simbióticos em pacientes submetidos a cirurgias
eletivas proporcionou redução na incidência de sepse61.
Porém, as melhores cepas de probióticos ainda não foram definidas em função
da heterogeneidade metodológica das pesquisas. São necessários maiores estudos
com diferentes abordagens para avaliar a melhor estratégia terapêutica conside-
rando combinações de probióticos com componentes dietéticos16.
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AVALIAÇÃO CLÍNICA
PERIOPERATÓRIA EM
CIRURGIA ONCOLÓGICA
2. AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA
A avaliação pré-operatória permite discutir o risco da cirurgia e gerar infor-
mações que podem auxiliar nas decisões intraoperatórias. Embora não existam
evidências conclusivas sobre o real impacto dessa avaliação no desfecho pós-ope-
ratório8-10, seu papel não pode ser menosprezado, especialmente nas cirurgias de
risco intermediário a elevado11, 12.
111
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
112
zero, a glicemia capilar deve ser verificada a cada quatro a seis horas, com adminis-
tração de insulina de ação rápida se necessário16.
Pacientes com hipotireoidismo clínico devem iniciar reposição de hormônio
tireoidiano antes da cirurgia, tendo como alvo a normalização do T4 livre, uma vez
que o TSH leva semanas até atingir a normalidade7. Pacientes com hipertiroidismo
devem ser avaliados previamente por endocrinologista7.
Na suspeita clínica de insuficiência adrenal ou na presença de fatores de risco
(como uso crônico de corticoides, radioterapia ou cirurgia da região hipofisária ou
adrenalectomia prévia), deve ser programada administração de hidrocortisona na
indução anestésica, além de manutenção posterior da dose habitual de corticoide7.
Para procedimentos de maior porte, a dose de hidrocortisona é de 100mg na in-
dução anestésica, com manutenção de 50mg a cada oito horas nas primeiras 24h
de pós-operatório7.
Pacientes com asma ou doença pulmonar obstrutiva crônica devem ter a do-
ença clinicamente compensada, sendo indicada também a cessação do tabagis-
mo, quando presente7,18. As cirurgias abdominopélvicas são fator de risco para
complicações pulmonares, sendo indicado acompanhamento fisioterápico no
período perioperatório7.
Algumas condições clínicas cardíacas são consideradas contraindicações ao
procedimento cirúrgico, exigindo intervenção: a) síndrome coronariana aguda; b)
insuficiência cardíaca com descompensação aguda; c) taquiarritmias ou bradiar-
ritmias associadas à hipotensão ou com necessidade de avaliação médica urgente
(bloqueios atrioventriculares de alto grau ou taquicardia ventricular, por exem-
plo); d) estenose aórtica grave sintomática11. Os pacientes sem condições cardíacas
agudas deverão ser avaliados quanto ao risco cardiovascular.
113
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Atividade METS
114
Tabela 2. Escala ECOG de avaliação funcional22.
Grau Descrição
115
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
116
Tabela 4. Fatores clínicos com impacto prognóstico no risco cardíaco no
perioperatório (Índice Cardíaco Revisado)28.
Critérios clínicos
117
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
1. Hemoglobina/hematócrito
A solicitação de hemoglobina/hematócrito deve ser feita quando há: a) sus-
peita clínica de anemia ou presença de doenças crônicas associadas à anemia;
b) história de doença hematológica ou hepática e c) proposta de procedi-
mento cirúrgico de médio a grande porte, com previsão de perda sanguínea
significativa33. Anemia é frequente em pacientes com câncer e sua prevalência
aumenta em estágios mais avançados da doença e após a realização de trata-
mentos quimioterápicos34.
118
diuréticos, inibidores de enzima conversora de angiotensina, bloqueadores de
receptores de angiotensina, anti-inflamatórios e digoxina33. Na suspeita de toxi-
cidade por quimioterapia prévia14, também devem ser considerados.
4. Coagulação
Os exames de coagulação (tempo de protrombina, tempo parcial de trombo-
plastina e plaquetas) não devem ser solicitados rotineiramente, uma vez que a
história clínica tem maior sensibilidade em identificar risco aumentado de san-
gramento35. O consenso é de que tais exames fiquem restritos a pacientes em
uso de anticoagulantes, com história prévia de sangramento anormal (equimo-
se espontânea, sangramento excessivo em cirurgia prévia ou história familiar
de coagulopatia) ou com condições clínicas que possam favorecer sangramen-
to (doença hepática ou renal)7,33,35.
7. Eletrocardiograma
Há consenso de que o eletrocardiograma é indicado a pacientes com história,
sintomas e/ou sinais de doença cardiovascular e naqueles com alto risco de
eventos cardiovasculares pelos algoritmos de risco pré-operatório (ver seção
a seguir). Em pacientes assintomáticos que serão submetidos a procedimentos
de baixo risco, o exame não é necessário. Para cirurgias de risco intermediário
e elevado, o eletrocardiograma deve ser considerado na presença de fatores de
risco (diabetes mellitus, hipertensão, tabagismo e obesidade, por exemplo). A
idade do paciente, isoladamente, não seria uma indicação do exame, mas esta-
ria relacionada a fatores de risco que podem torná-lo indicado5,7,33.
8. Radiografia de tórax
A radiografia de tórax em pacientes assintomáticos é pouco efetiva e raramente
modifica o manejo perioperatório, não sendo indicada nesses casos. O exame
deve ser considerado na presença de sintomas e/ou sinais cardiopulmonares
recentes ou instáveis que necessitam de avaliação adicional e que possivelmen-
te adiarão a cirurgia33,35.
119
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
9. Exame de urina
A análise da urina (elementos anormais e sedimentoscopia e cultura), embora
frequentemente solicitada, tem pouco impacto no manejo perioperatório ou
relação com risco de complicações. As recomendações de sua solicitação ficam
restritas a procedimentos urológicos invasivos e cirurgias com colocação de
próteses (próteses articulares e valvares, por exemplo)33,35.
120
2. Estatinas
Além do tratamento de dislipidemia, as estatinas teriam efeito na estabilização
da placa de ateroma, o que poderia contribuir para redução do risco cardiovas-
cular perioperatório. Seu uso é recomendado no pré-operatório de cirurgias
vasculares, bem como nas cirurgias não vasculares quando o paciente tem in-
dicações para o uso da droga (como diabetes e doença coronariana)5,7,11.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente capítulo apresenta uma visão geral da avaliação clínica perioperató-
ria com ênfase no paciente oncológico. Sem a pretensão de esgotar o tema, o texto
coloca como uma de suas principais mensagens a necessidade de avaliação cuida-
dosa do risco cardiovascular, evitando-se exames complementares desnecessários
e o atraso na realização do procedimento.
121
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
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123
PRÉ-HABILITAÇÃO
OPERATÓRIA EM CIRURGIA
ONCOLÓGICA
Fabrício Braga
Leandro Toledo
5
Christiane Prado
Christine Rutherford
Paula Pratti
124
“Talentos ganham jogos, mas trabalho em equipe e inteligência ganham campeonatos”
Michael Jordan
1. INTRODUÇÃO
Apesar da percepção milenar de benefício clínico do exercício físico, a introdução
do exercício como parte do tratamento oncológico é historicamente bem recente. Foi
apenas em 1989 que Winningham et al. avaliaram o efeito do exercício aeróbico na
composição corporal de 24 pacientes com câncer de mama estágio II1. Desde então, a
ciência do exercício, aliada a pesquisadores na área de Oncologia, cirurgia, terapia in-
tensiva e anestesia têm dedicado grande atenção aos potenciais benefícios da utilização
de formas variadas de exercício em todos os estágios de doença oncológica.
Mais recente ainda é a utilização de treinamento físico estruturado (com cargas
definidas, metas de volume semanal e estratégias de progressão) como ferramenta
de otimização da capacidade funcional e consequente redução do risco operató-
rio2-4. A esse processo deu-se o nome de pré-habilitação, tomando como referência
um conceito do treinamento desportivo, onde atletas recebem treinamento espe-
cífico para prevenção de lesões do esporte5.
Utilizada inicialmente em cirurgias ortopédicas, a pré-habilitação avançou em
um sem-número de cirurgias de grande porte, notadamente nas oncológicas. Hoje
a pré-habilitação é uma abordagem multimodal (exercício, suporte nutricional,
psicológico e estabilização de doenças crônicas) transdisciplinar (clínico, cirur-
gião, oncologista, médico do exercício, educador físico, psicólogo, nutricionista,
fisioterapeuta) e centrada no paciente (individualizada por suas limitações e fra-
gilidades) com evidências de redução de morbidade operatória e custo hospitalar
avaliados em ensaios clínicos e metanálises6-8.
A inclusão desse tema neste livro, assim como o crescente interesse científico (se-
gundo o Instituto Nacional de Saúde Americano, são 155 ensaios clínicos em anda-
mento9), vislumbra um futuro ainda mais promissor para a pré-habilitação operatória.
125
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Morbimortalidade
Neoplasia Funcionais Oncológicas
operatória
Redução de 48%
Melhora do VEF1 da da ocorrência Nenhuma evidência
CVF, VO2 de pico de complicações de redução ou
Pulmonar (pVO2) e eficiência operatórias e de aumento na
ventilatória (VE/ 2,9 dias no tempo sobrevida livre de
VCO2 slope)10,11 médio de internação doença.
hospitalar12
Melhora do VO2 ao
Na vigência
nível do primeiro
de melhora
limiar ventilatório
da capacidade Nenhuma evidência
(VO2@LV1)13
funcional, 71% de redução da
e da distância
de redução de sobrevida livre de
percorrida no teste
complicações doença19-21. Melhora
Colorretal de caminhada de seis
graves17 e 50% na sobrevida livre
minutos no período
em qualquer de doença em cinco
pós-operatório
complicação14. anos para pacientes
(4 e 8 semanas
Redução do custo estágio III22
após cirurgia)14,15.
de tratamento
Melhora do tempo de
cirúrgico16,18
endurance em 135%16
Aumento da
Melhora na
vascularização
capacidade aeróbica
em tumores
(pVO2, VO2@
pancreáticos (ainda
LV1, potência no Redução do tempo
Hepatobiliar sem evidências
pico do exercício) de internação
e pancreático sobre esse achado
após 4 semanas de hospitalar25
aumentar a
exercício23. Melhora
susceptibilidade
de critérios de
tumoral aos
qualidade de vida24
quimioterápicos26
126
Morbimortalidade
Neoplasia Funcionais Oncológicas
operatória
Melhora da
capacidade
Estudos em Redução de efeitos de
aeróbica e da força
andamento 32
. Sem cardiotoxicidade33,34.
muscular27,28. Melhora
Ginecológico comprovação desse Melhora da tolerância
da mobilidade de à quimioterapia
tipo de benefício até
membro superior adjuvante36
o momento.
ipsilateral à
mastectomia29-31
Melhora da distância
percorrida em 6 Melhora da
minutos. Melhora incontinência
Urológico ______
da força muscular35. urinária
Melhoria de (biofeedback)37
qualidade de vida36
127
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
22 23
16
13
12
11
4 2,9
1 0,9 1 1
Grandes cirurgias
< 11 < 15 > 34
abdominais42,46
128
Em nosso serviço, utilizamos os algoritmos ilustrados nas figuras 2 e 3 para
estratificação do risco de pacientes em pré-operatório de câncer de pulmão ou de
tubo digestivo, respectivamente.
Pré-Habilitação
129
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
VO2 @LVI
(capacidade oxidativa)
>11ml/Kg/min >11ml/Kg/min
MODERADO
Pré-Habilitação
Nos pacientes com câncer do tubo digestivo, notadamente cólon e reto, o benefí-
cio da pré-habilitação está nos pacientes de moderado e alto risco. Pacientes de baixo
risco podem ir diretamente para a cirurgia, sem necessidade de pré-habilitação.
O registro eletrocardiográfico realizado durante o teste é analisado em con-
junto com o comportamento hemodinâmico e metabólico, gerando dados mais
sensíveis para a avaliação de eventos isquêmicos ou arrítmicos43.
A presença de sarcopenia é um fator associado a complicações pós-operatórias48.
Sua avaliação é realizada de forma indireta por teste de força de preensão palmar e
de força e resistência dos membros inferiores pelo teste de sentar-e-levantar-se da
130
cadeira. A avaliação da composição corporal, que permite avaliar a massa magra, é
uma importante ferramenta nesse diagnóstico, principalmente no paciente obeso
sarcopênico49,50. Após essa avaliação, define-se como sarcopênico o paciente que
apresentar as seguintes alterações51:
131
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
pacientes com diferentes doenças53-55. Por isso, sempre que possível, utilizamos esse
modelo de treinamento aeróbico.
O VOLUME semanal (outro componente da prescrição do exercício) preco-
nizado é composto por treinos de cerca de 60 minutos (em geral, 40 minutos de
treinamento aeróbico e 20 minutos de treinamento de força), três vezes por sema-
na. É preciso considerar que essa frequência é determinada pela disponibilidade
do paciente de vir até o centro de treinamento. Modelos híbridos envolvendo parte
baseada no centro e parte domiciliar auxiliam o paciente a atingir a meta semanal.
150 30
200
133
126
117
WR
100 pVO2 20
LV2
VO2/kg
100 LV1 13:90
12:89 89
78
50 10:59 10
52
HR
Vermelho, VO2(ml/kg/min)
Verde: potência (watts)
Roxo: frequência cardíaca (bpm)
Verde-claro, verde-escuro e azul: LV1, LV2 e pVO2, respectivamente
132
Figura 5. Figura ilustrativa mostrando as intensidades de treinamento
retiradas do TCPE da figura 4.
133
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
30”
80
W
Aq u e c i m e n t o Volta
30
(55W) W calma
Duração ou Volume (minutos)
60”
134
3.2.4. Treinos de flexibilidade
Contribuem para ganhos de amplitude de movimento, alívio de sintomas lom-
bares e no relaxamento ao final de cada sessão. Selecionar conforme necessidades
identificadas na avaliação. Para o propósito geral do programa, recomendamos uma
série de 20 a 30 segundos de alongamento estático até o ponto de leve desconforto.
Período Frequência
Frequência diária Intensidade (Power breath®)
mínimo semanal
135
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
do gasto calórico das sessões é importante para o trabalho conjunto com a nutri-
ção, principalmente nos pacientes obesos e naqueles com síndrome consumptiva.
Exercícios aeróbios e de
Nos dias subsequentes força devem ser realizados
Efeitos adversos à infusão ou durante as regularmente de forma
da quimio e sessões de quimioterapia, moderada a intensa. Principal
radioterapia13,62,63 realizar exercícios de baixa ganho é a redução de fadiga e
intensidade ou repouso redução da suspensão precoce
do tratamento
O uso de plataforma
Precaução com calçados
Neuropatia vibratória apresenta melhora
apertados, trauma por
periférica64,65 do sintoma e redução do
repetição, entorses e quedas
número de quedas
Manutenção da capacidade
Metástases líticas Evitar exercícios de
aeróbica e força muscular
ou com fraturas sobrecarga no sítio da lesão.
(observadas as limitações da
previas66-68 Evitar limite por dor
zona de metástase)
Manutenção da capacidade
Evitar exercícios que causem
Ostomia69,70 aeróbica e massa muscular e
ou piorem a dor
melhora da socialização
136
Condição Cuidados Observações
Limitar os exercícios de
acordo com o local da dor.
Melhora dos sintomas de
Não realizar exercícios nos
depressão, cognitivos e de
dias de agudização da dor.
Dor crônica73 qualidade de vida. Maior
Sempre comparecer
mobilidade para atividades da
ao treinamento com as
vida diária
medicações diárias tomadas
137
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
138
Tal definição demonstra a complexidade envolvida no tratamento de pacientes
oncológicos desde o momento do diagnóstico e ao longo de todo o tratamento, fi-
cando claro que cuidar efetivamente de tais aspectos se torna parte fundamental para
que o tratamento possa ser efetivo. Mas além disso, nos defrontamos com a impor-
tância de corretamente avaliar o distress e poder oferecer uma forma de cuidado que
atenda tais necessidades, entendendo que cada indivíduo tem suas singularidades.
A avaliação psicológica inserida precocemente no acompanhamento dos
pacientes permite que o profissional tenha uma visão ampla em relação à
estrutura emocional, recursos de enfrentamento (pontos fortes e vulnera-
bilidades para enfrentar situações desafiadoras), rede de suporte (familiar e
social) e valores e preferências em relação ao tratamento, que podem auxiliar
os demais profissionais envolvidos a desenvolver um plano terapêutico com
o qual o paciente possa efetivamente engajar-se. Além disso, a interpretação
dos escores relacionados com o distress permitem identificar precocemente
possíveis fragilidades e/ou problemas já estabelecidos e que necessitem de
cuidados específicos ou maior atenção para que não interfiram negativamen-
te no tratamento.
Tal conteúdo deve ser adquirido por meio de uma entrevista psicológica inicial
para a avaliação clínica dos conteúdos emocionais relacionados ao contexto indi-
vidual e ao paciente, assim como suas percepções subjetivas e objetivas diante do
diagnóstico e do tratamento proposto. Ao final, devem ser utilizadas ferramentas
de avaliação objetiva ligadas ao distress (ex. Hamilton, Termômetro de Distress)
que precisam ser associados aos dados clínicos subjetivos para que um plano tera-
pêutico individualizado possa ser traçado.
139
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Qual o risco?
Alto ou
Moderado
Terapias Cirurgias
alternativas propostas
Pré-habilitação
4-8 semanas (20 sessões)
Reavaliação a cada 2 semanas com testes físi-
cos e de composição corporal. Ajustes de cargas
de exercícios aeróbios, de força e respirtórios.
Orientações nutricionais e suporte psicológico.
140
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Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
ANALGESIA PER-OPERATÓRIA
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Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
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Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
NEOPLASIAS DO ESÔFAGO E DA
JUNÇÃO ESÔFAGO-GÁSTRICA
Flávio Sabino
Flora Lino
7
Alexandre Palladino
Luciana Ribeiro
João Pedro de Araújo Simões Corrêa
Peter França
Isaac Tortelote
Daniel Cesar
148
1. EPIDEMIOLOGIA
O câncer de esôfago (CE) é uma neoplasia altamente incidente, principalmen-
te entre os homens. Segundo informações publicadas pelo Globocan, projeto que
estima os dados epidemiológicos dos principais tipos de câncer no mundo, o CE
respondeu pela sétima posição em incidência entre todos os tipos de tumor no ano
de 2018, tendo sido responsável por 572.034 novos casos1. Ao contrário da estima-
tiva de redução do número de casos para diversos tipos de câncer nos próximos
anos, a expectativa é de que a incidência mundial do CE aumente nas próximas
décadas. Dessa forma, em 2030, são esperados 776.814 novos casos da doença e,
em 2040, mais de 953 mil, o que corresponde a uma elevação de 35,8% e 66,7%,
respectivamente, em relação ao número de casos observados em 20182,3.
O CE apresenta acentuada variação geográfica no mundo, com áreas de alta
incidência margeando aquelas nas quais a incidência é até 20 vezes menor. Essa
ampla variação regional reflete a forte influência de fatores socioambientais em
sua etiopatogenia. Assim, a maior parte dos casos se concentra nos países menos
desenvolvidos economicamente, notadamente no chamado “cinturão asiático do
câncer de esôfago”, área que abrange do nordeste da China até o litoral do mar Cáspio,
do Irã, e o leste e o sul da África. Alguns países da América do Sul, tais como Brasil
e Uruguai, também apresentam taxas elevadas de incidência da doença1-3.
149
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
150
70 carcinógenos, dentre os quais se destacam as nitrosaminas, os hidrocarbonetos
policíclicos aromáticos e as aminas aromáticas. Já foi demonstrado que o etanol é
capaz de inibir o efeito de primeira passagem das nitrosaminas pelo fígado, o que
aumenta a exposição do esôfago a esses agentes. As nitrosaminas também podem
ser encontradas em alimentos conservados no sal ou enlatados, e são apontadas
como principal fator etiológico do CE no norte da China13. A desnutrição e o con-
sumo de bebidas em altas temperaturas também estão envolvidos na etiologia do
CEC, principalmente na China e na Índia11,13. A acalásia e a ingestão de substâncias
cáusticas também são apontadas como fatores de risco para a doença, pois promo-
vem dano epitelial na mucosa esofagiana.
3. CLASSIFICAÇÃO MOLECULAR
Em 2017, foi publicada, pelo The Cancer Genome Atlas Research Network
(TCGA), uma abrangente análise molecular de tumores esofágicos14. A partir da
avaliação desses dados, foram definidos subgrupos com características molecu-
lares comuns e estabelecida uma classificação molecular da doença. Foram ana-
lisados 164 carcinomas de esôfago por meio de quatro plataformas moleculares
distintas e observada clara diferença nos padrões das alterações moleculares pre-
sentes nos subtipos CEC e AC. Com relação à expressão gênica, observou-se que
os ACs apresentaram aumento da sinalização de E-caderina (CDH1), enquanto os
CECs apresentaram superregulação das vias de Wnt, syndecan e p63.
De forma sucinta, podemos dizer que o CEC de esôfago se assemelha molecu-
larmente aos carcinomas espinocelulares de outras topografias anatômicas, como
os tumores de cabeça e pescoço. Já o AC esofágico apresenta características mole-
culares muito próximas às do câncer gástrico do subtipo de instabilidade cromos-
sômica. Tratam-se, portanto, de tumores diametralmente distintos do ponto de
vista molecular, embora estejam localizados na mesma região anatômica.
151
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
152
A traqueobroncoscopia tem um importante papel no estadiamento dos tumo-
res localizados no esôfago cervical e/ou torácico superior, pois é capaz de demons-
trar invasão direta da árvore traqueobrônquica pelo tumor, a presença de fístula
esôfago-traqueal, paralisia de cordas vocais e diagnosticar tumores sincrônicos das
vias aéreas superiores. A diminuição da função das cordas vocais é indicativa de
infiltração do nervo laríngeo recorrente e caracteriza um tumor T4.
O papel da RNM para o diagnóstico e o estadiamento do CE e a sua vantagem
em relação à TC ainda serão estabelecidos. Trata-se de um exame de menor disponi-
bilidade e maior custo que a TC, sendo pouco utilizado na prática clínica. Da mesma
forma que a TC, a RNM pode ser utilizada para avaliação do espessamento da pa-
rede esofagiana e do envolvimento de estruturas adjacentes e linfadenopatias, e me-
tástases a distância. Por apresentar maior resolução de contraste tecidual que a TC, a
RNM pode ser especialmente útil na avaliação do CE cervical e em casos duvidosos,
como a diferenciação de tumores T4a e T4b. Entretanto, de maneira geral, a RNM
não é considerada superior à TC para o estadiamento do CE. A sensibilidade e a
especificidade dos métodos para determinação de invasão tumoral são equivalentes,
assim como a acurácia para predição de ressecabilidade do tumor20. Mais recente-
mente, avanços tecnológicos possibilitaram melhora na performance em termos de
resolução temporal e espacial da RNM, o que abriu novas possibilidades para adoção
do método para estadiamento local como alternativa à TC e à EUS.
A UE é considerado o melhor método para estimar o grau de invasão tumoral
(T) na parede do esôfago. Sob condições ideais, as sondas de alta resolução são ca-
pazes de diferenciar até nove camadas na parede esofagiana. Em geral, os tumores
são vistos como espessamentos da parede ou massas hipoecoicas. A acurácia diag-
nóstica global é maior para tumores T4 e menor para as lesões mais superficiais
(T1-2)21. Um dos maiores limitadores do método são os tumores estenosantes,
que podem restringir a avaliação ao lado proximal da estenose, reduzindo muito
a acurácia diagnóstica. A UE também é muito útil para a avaliação dos linfonodos
periesofagianos e mediastinais. Os principais achados sugestivos de doença metas-
tática linfonodal são: tamanho > 10mm, formato arredondado, padrão hipoecoico
e contornos suaves22. O método também permite a realização de punção aspirativa
por agulha fina (PAAF) dos linfonodos suspeitos para confirmação diagnóstica e
pode auxiliar no diagnóstico de doença metastática, notadamente a presença de
ascite neoplásica e metástases hepáticas no lobo esquerdo do fígado.
O PET/CT tem adquirido um papel cada vez mais relevante no estadiamento e na
avaliação de resposta ao tratamento neoadjuvante do CE. O exame fundamenta-se
na captação da glicose marcada pelo FDG pelas células tumorais por meio do trans-
portador de glicose GLUT-1 e fornece informações sobre a localização e a atividade
metabólica do tumor. As imagens do PET são fundidas com as imagens da TC, o que
aumenta a acurácia na localização das áreas de hipercaptação da glicose marcada.
Os CECs de esôfago apresentam maior avidez pelo PET que os AC, especialmente
os do subtipo difuso de Lauren, tumores pouco diferenciados e/ou com células em
153
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
154
Figura 1. Representação do estadiamento do câncer de esôfago26.
Os tumores são classificados de acordo com o grau de invasão da parede esofagiana, ou seja, localizado na mu-
cosa, invasão da lâmina própria ou submucosa (T1a e T1b respectivamente), invade a camada muscular (T2),
invasão da adventícia (T3) e invade órgãos adjacentes (T4a e T4b). A presença de metástase para linfonodos
regionais representa N+, e a presença de metástase para órgãos e linfonodos a distância representa M1 e EIV.
O esôfago possui uma rede de drenagem linfática rica, complexa e extensa que
se concentra na camada submucosa, mas já está presente na lâmina própria do
órgão. Por esse motivo, mesmo as lesões ditas superficiais, restritas às camadas
mucosa e submucosa, já podem apresentar disseminação linfonodal metastática. A
drenagem linfática é errática, imprevisível e pode ser feita em sentido ascendente
ou descendente. Além disso, os canais linfáticos podem drenar para linfonodos
adjacentes ao tumor (canais transversais), para linfonodos regionais distantes do
tumor, as chamadas skip metástases linfonodais (canais longitudinais), ou direta-
mente para o ducto torácico, o que dá acesso direto ao sistema venoso e facilita a
disseminação sistêmica metastática. Dessa forma, para fins de estadiamento, todos
os linfonodos periesofagianos, desde a região cervical até o tronco celíaco, são con-
siderados regionais pela oitava edição do manual do Comitê Conjunto Americano
para Estadiamento do Câncer (AJCC) – TNM27.
155
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
+ 5cm
Tipo I
+ 1cm
Tipo II
- 2cm
Tipo III
- 5cm
156
dois subtipos histológicos principais, o CEC e o AC, são estadiados separadamente
e possuem cada um sua própria seção, pois apresentam prognósticos distintos.
De maneira geral, o CEC apresenta pior prognóstico do que o AC quando os dois
subtipos são comparados estádio a estádio (tabela 1). Além dos clássicos parâme-
tros TNM, outros fatores também influenciam o prognóstico, tais como o grau de
diferenciação tumoral e a localização anatômica do tumor. Pela última edição do
manual da AJCC/TNM27, o estadiamento dos tumores situados na JEG passam a
obedecer aos seguintes critérios: as lesões que envolvem a JEG e possuem seu epi-
centro não mais que 2cm no estômago proximal são estadiadas como tumores de
esôfago; os tumores com epicentro situado a mais de 2cm no estômago proximal
são estadiados como tumores de estômago, mesmo que envolvam a JEG. Em ter-
mos práticos, de maneira geral, os tumores Siewert I e II são estadiados como cân-
ceres de esôfago, e os tumores Siewert III passaram a ser estadiados como cânceres
de estômago. Outra modificação da oitava edição em relação à sétima edição foi a
separação por estágios de acordo com três classificações distintas: o estadiamento
clássico por grupos conforme o resultado histopatológico (pTNM), o novo esta-
diamento por grupos de acordo com o resultado histopatológico após tratamento
neoadjuvante (ypTNM) e o estadiamento clínico por grupos (cTNM).
157
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
M0 Ausência de metástases
M1 Metástases a distância
Estádio T N M
0 Tis N0 M0
I T1 N0-1 M0
II T2 N0-1 M0
II T3 N0 M0
III T3 N1 M0
III T1-3 N2 M0
IVA T4 N0-2 M0
IVA Qualquer T N3 M0
158
GRUPAMENTO PATOLÓGICO POR ESTÁDIOS (PTNM) –
CARCINOMA DE CÉLULAS ESCAMOSAS
IA T1a N0 M0 1 Qualquer
T2 N0 M0 1 Qualquer
T2 N0 M0 2-3 Qualquer
Médio/
T3 N0 M0 1
superior
T3 N0 M0 2-3 Qualquer
T1 N1 M0 Qualquer Qualquer
T1 N2 M0 Qualquer Qualquer
IIIA
T2 N1 M0 Qualquer Qualquer
T2 N2 M0 Qualquer Qualquer
159
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Estádio T N M
I T0-2 N0 M0
II T3 N0 M0
IIIA T0-2 N1 M0
IIIB T3 N1 M0
IIIB T0-3 N2 M0
IIIB T4a N0 M0
IVA Qualquer T N3 M0
160
GRUPAMENTO PATOLÓGICO POR ESTÁDIOS (PTNM) –
CARCINOMA DE CÉLULAS ESCAMOSAS
IA T1a N0 M0 1 Qualquer
T2 N0 M0 1 Qualquer
T2 N0 M0 2-3 Qualquer
Médio/
T3 N0 M0 1
superior
T3 N0 M0 2-3 Qualquer
T1 N1 M0 Qualquer Qualquer
T1 N2 M0 Qualquer Qualquer
IIIA
T2 N1 M0 Qualquer Qualquer
T2 N2 M0 Qualquer Qualquer
161
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Estádio T N M
0 Tis N0 M0
I T1 N0 M0
IIA T1 N1 M0
IIB T1 N0 M0
III T2 N1 M0
III T3 N0-1 M0
III T4a N2 M0
IVA Qualquer T N3 M0
162
GRUPAMENTO PATOLÓGICO POR ESTÁDIOS (PTNM) –
ADENOCARCINOMA
0 Tis N0 M0 1
IA T1a N0 M0 1
T1a N0 M0 2
IB
T1b N0 M0 1-2
T1 N0 M0 3
1C
T2 N0 M0 1-2
IIA T2 N0 M0 3
Não se
aplica
T1 N1 M0 Qualquer
IIB
T3 N0 M0 Qualquer
T1 N1 M0 Qualquer
IIIA
T2 N2 M0 Qualquer
T2 N2 M0 Qualquer
T4a N3 M0 Qualquer
T4a N2 M0 Qualquer
163
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Grau histológico
• G1: Bem diferenciado
• G2: Moderadamente diferenciado
• G3: Pouco diferenciado
• G4: Indiferenciado
Localização do tumor
• Superior: 20cm-25cm dos incisivos
• Médio: 25cm-30cm dos incisivos
• Inferior: 30cm-40cm dos incisivos
6. TRATAMENTO ENDOSCÓPICO
O tratamento endoscópico do CE está reservado para os pacientes com ne-
oplasia superficial, habitualmente assintomática e desafiadora para o endosco-
pista. Infelizmente, no Brasil, a maioria dos casos é diagnosticada em estágios
avançados, quando o tumor é no mínimo T2 ou T3, com alto risco de metástase
linfonodal e, portanto, fora de critérios para terapia endoscópica com intenção
curativa. Os CECs se apresentam em sua fase inicial como lesões planas com
discreta alteração da coloração e da superfície mucosa. Para o diagnóstico nesse
estádio, é necessário equipamento adequado, treinamento, experiência profis-
sional e alto grau de suspeição, com atenção especial à população de alto risco,
composta por tabagistas, etilistas e pacientes com história de tumor primário do
trato aerodigestivo superior.
O endoscopista dispõe de recursos valiosos, como a cromoscopia com solução
de Lugol, que consiste na injeção de iodo a 1,5% na luz do esôfago. Assim como
no colo do útero, o epitélio escamoso do esôfago é rico em glicogênio, que, por sua
vez, é ávido e capta o iodo, produzindo mudança na cor do epitélio normal para
marrom. As áreas de displasia ou de câncer precoce são iodo negativas, ou seja, não
captam Lugol e apresentam-se em tons de rosa ou branco. As lesões diagnosticadas
por esse método são, na maioria das vezes, passíveis de ressecção endoscópica. O
iodo, no entanto, apresenta alguns efeitos adversos indesejáveis, como epigastral-
gia e dor retroesternal, sendo, por isso, indicado apenas para os pacientes de alto
risco30. Mais recentemente, a cromoscopia digital por narrow band imaging (NBI),
164
uma tecnologia que utiliza diferentes comprimentos de onda de luz para realçar
o padrão microvascular superficial da mucosa, também tem sido utilizada para o
diagnóstico de lesões precoces e apresenta sensibilidade semelhante ou superior
ao exame com Lugol. Há autores que defendem o uso rotineiro do NBI em todos
os pacientes durante a avaliação do esôfago31,32. Entretanto, infelizmente, essa tec-
nologia ainda não está disponível na maioria dos serviços em nosso meio.
Uma vez identificada a lesão suspeita, recomenda-se apenas uma biópsia su-
perficial. Múltiplas biópsias induzem fibrose, o que pode dificultar ou até mesmo
inviabilizar a posterior ressecção endoscópica. Após o diagnóstico histológico, o
próximo passo é a caracterização da profundidade de acometimento da lesão na
parede esofágica. Não há consenso sobre o melhor método de estadiamento des-
sas lesões. A maioria dos autores utiliza a classificação macroscópica associada à
magnificação de imagem e NBI e a avaliação do padrão microvascular, conheci-
do como IPCL, desenvolvido por Inoue33,34. Quando lesão é caracterizada como
superficial, está indicada a ressecção endoscópica diagnóstica em monobloco. A
análise histopatológica da peça determinará se há critérios de cura ou se será ne-
cessário tratamento complementar. Outros autores utilizam também a UE para o
estadiamento das lesões potencialmente ressecáveis35. A subclassificação do CEC
superficial de esôfago visa a estratificar o risco de metástase linfonodal. A camada
mucosa é dividida em terço superior (m1), terço médio (m2) e terço inferior (m3).
Da mesma forma, a camada submucosa também é subdividida em sm1, sm2 e
sm3. No esôfago, a rede capilar e linfática está presente a partir da camada mucosa
profunda. Portanto, lesões que invadam até a camada m2 apresentam risco des-
prezível de metástase linfonodal e podem ser tratadas por ressecção endoscópica.
Além desse ponto, a ressecção cirúrgica é indicada.
Quanto ao método de ressecção, para lesões menores que 2cm e com baixa
probabilidade de invasão submucosa, a mucosectomia simples com alça está bem
indicada. Para lesões maiores que 2cm, a técnica de dissecção endoscópica da sub-
mucosa (ESD), do inglês endoscopic submucosal disection, é o padrão-ouro, pois
possibilita a ressecção da lesão em monobloco com maior radicalidade, inclusive
da margem profunda. As complicações precoces da ESD são sangramento e perfu-
ração; e a tardia é, principalmente, estenose. Com relação ao AC, subtipo histoló-
gico predominante no esôfago distal e que está associado à progressão displásica
do EB, a propedêutica endoscópica utiliza-se do ácido acético para a cromoscopia
convencional, ou do NBI para cromoscopia digital. Ambas as técnicas apresentam
bons resultados nas mãos de endoscopistas experientes36. Regiões que apresentem
vasos dilatados e tortuosos ou áreas nodulares em meio ao epitélio colunar são
consideradas altamente suspeitas para AC e devem ser tratadas por ressecção, pre-
ferencialmente em fragmento único.
Assim como ocorre em CEC, diferentes técnicas, tais como mucosectomia, res-
secção com alça após ligadura elástica ou ESD, podem ser utilizadas. É considerada
165
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
curativa a ressecção que obtiver todos os seguintes critérios na peça: margem pro-
funda e laterais livres, invasão da submucosa menor que 500µm, ausência de in-
vasão angiolinfática e grau de diferenciação II ou II37. Após a ressecção das áreas
suspeitas, o outro pilar do tratamento endoscópico do AC e de suas lesões precur-
ssoras é a erradicação do EB. Há diversas técnicas disponíveis para essa finalidade,
tais como terapia fotodinâmica, crioablação e ablação por radiofrequência (RF).
Essa última é considerada padrão-ouro, pois apresenta taxas de sucesso na erra-
dicação do epitélio displásico de até 90%38. A RF é aplicada por meio de um balão
contendo eletrodos, que é inserido por via oral sob controle endoscópico. O efeito
ablativo pode atingir até a camada muscular da mucosa ou cerca de 500-1000µm
de profundidade, sem lesar a submucosa, o que garante um bom perfil de segu-
rança, com baixo risco de sangramento (1%) e de perfuração (0,6%). Contudo, a
complicação mais frequente é a estenose, ocorrendo em até 5,6% dos casos39. Após
a ablação, o epitélio colunar descama e a área tratada é reepitelizada por epitélio
escamoso. O caráter superficial da ablação, no entanto, justifica cautela e vigilância
na indicação e no acompanhamento dos pacientes submetidos a esse procedimen-
to. Há relatos na literatura de AC localizados abaixo de epitélio escamoso após o
procedimento ablativo, provavelmente relacionado ao tratamento inadequado de
áreas neoplásicas40.
7. TRATAMENTO NEOADJUVANTE
Nas últimas décadas, diversas estratégias de tratamentos quimioterápicos pe-
rioperatórios foram incorporadas na terapêutica do CE localmente avançado com
intuito de melhorar os limitados resultados de sobrevida e de controle locorre-
gional da doença obtidos com o tratamento cirúrgico exclusivo. O racional do
tratamento neoadjuvante baseia-se na possibilidade de downstaging do tumor pri-
mário, o que aumenta as chances de ressecção R0, e de tratamento precoce de do-
ença micrometastática oculta, com potencial impacto na redução da recorrência
local e sistêmica e consequente aumento na sobrevida. Além disso, as taxas de ade-
rência são maiores na neodjuvância quando comparadas à adjuvância, e é possível
avaliar a resposta terapêutica ao longo do curso do tratamento, o que pode auxiliar
a equipe assistente na tomada de decisão para tratamentos futuros. Os estudos de
tratamento multimodal em CEC de esôfago são oriundos principalmente dos paí-
ses orientais, enquanto os de adenocarcinoma (AC) derivam quase exclusivamente
de estudos ocidentais europeus e norte-americanos. Atualmente, não existe con-
senso em relação ao melhor regime de tratamento neoadjuvante para o CE local-
mente avançado, tanto para CEC quanto para AC, e as recomendações variam em
função do país em questão e da experiência institucional. As três estratégias mais
difundidas globalmente serão discutidas a seguir: uma envolvendo a combinação
de QT com radioterapia em caráter neoadjuvante, outra com QT neoadjuvante e
outra com QT perioperatória (pré e pós-operatória).
166
8. QUIMIOTERAPIA NEOADJUVANTE
As altas taxas de recidiva de doença no câncer de esôfago tratado exclusiva-
mente com cirurgia forneceram fundamento para a realização de estudos que
avaliassem o tratamento sistêmico precoce dessa patologia. Além da tentativa de
melhora de desfechos como sobrevida livre de recidiva e global, a possibilidade
de downstaging, sobretudo da doença localmente avançada, vem reforçando essa
abordagem em diversas patologias ao longo dos últimos anos.
Inúmeros estudos clínicos randomizados comparando quimioterapia neoad-
juvante com cirurgia isolada mostraram resultados conflitantes, entretanto, pelo
menos três meta-análises mostraram benefício em sobrevida para a abordagem
neoadjuvante, sendo que, em uma delas, apenas o subgrupo compreendido por
tumores de histologia escamosa obtiveram tal benefício. Meta-análise publicada
em 2015 avaliando tal contexto em estudos que incluíram exclusivamente pacien-
tes com tumor de esôfago ou JEG mostrou benefício em sobrevida global a favor
da abordagem neoadjuvante (HR 0,88; 95% CI 0.80-0.96), entretanto não houve
diferença estatisticamente significativa em taxas de ressecção R0 ou recidiva de
doença com metástase a distância41.
9. QUIMIOTERAPIA PERIOPERATÓRIA
O emprego da quimioterapia perioperatória se consolidou ao longo dos últi-
mos anos, sobretudo para adenocarcinoma de esôfago distal e junção esofagogás-
trica localmente avançado. Foi também recentemente que se passou a entender a
heterogeneidade dessa doença, que envolve diferentes histologias – escamosa e
adenocarcinoma –, gerando assim resultados muitas vezes conflitantes em estudos
clínicos que tentaram abordar da mesma maneira ambas as histologias. À luz dos
conhecimentos atuais, a maioria dos autores considera o adenocarcinoma de esô-
fago distal e JEG entidade de comportamento semelhante ao câncer de estômago e
que, portanto, poderia receber manejo semelhante ao dessa patologia.
Com base em tal raciocínio, estudo de fase III MAGIC incluiu pacientes com
adenocarcinoma de esôfago distal (representados por 25% da amostra), JEG e es-
tômago operáveis para receber três ciclos pré e pós-operatórios de epirrubicina,
cisplatina e 5-FU (ECF) versus cirurgia apenas. Apesar do baixo compliance no
braço experimental (apenas 42% dos pacientes completaram o tratamento), houve
ganho em sobrevida livre de progressão (SLP) (HR 0,66, IC = 95% 0,53-0,81, p <
0.001) e SG (HR 0,75, IC = 95% 0,60-0,93, p = 0.009) a favor da quimioterapia42.
Estudo multicêntrico francês realizado em igual contexto avaliou o tratamento
perioperatório com cisplatina e 5-FU versus cirurgia apenas em pacientes com
tumores de esôfago distal, JEG ou estômago com estádio igual ou superior a II.
Apesar da baixa aderência ao tratamento pós-operatório no braço experimental,
ganho de sobrevida livre de progressão (34% versus 19%, p = 0.003, HR 0,65) e
167
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
sobrevida global em cinco anos (38% versus 24%, p = 0.02, HR 0,69) favoreceram
a abordagem perioperatória43.
Mais recentemente, o estudo alemão de fase II/III FLOT4, incluindo 706 pa-
cientes com adenocarcinoma gástrico ou JEG com tumores ≥ cT2 e/ou N+, avaliou
superioridade de esquema triplet composto por fluoracil, oxaliplatina e docetaxel
– Flot (quatro ciclos pré-operatórios e quatro ciclos pós-operatórios) em com-
paração ao ECF/ECX (três ciclos pré e pós-operatórios). O estudo demonstrou
superioridade do esquema Flot com benefício em sobrevida global (mediana de
35 versus 50 meses, HR = 0,77; IC de 95%:0,63-0,94; p = 0.012) e sobrevida livre
de doença (mediana de 18 versus 30 meses, HR = 0.75; IC de 95%:0,62-0,91; p =
0.004). Apesar de morbidade cirúrgica semelhantes em ambos os braços, maior
toxicidade sistêmica foi encontrada no braço do esquema Flot, com maior inci-
dência de diarreia e neutropenia graus III e IV44,45.
Diante de tais achados, a quimioterapia perioperatória se tornou uma opção
sólida de tratamento para pacientes com adenocarcinoma de esôfago distal e JEG
≥ T2 e/ou N+. Resultados contraditórios e pouca representatividade de tumores
escamosos em estudos de quimioterapia perioperatória desfavorecem a utilização
dessa abordagem para tais tumores.
168
pacientes, o estudo teve repercussão favorável na América do Norte, onde esse
protocolo passou a ser amplamente utilizado.
Contudo, o estudo que representou o grande marco para o tratamento multi-
modal no CE localmente avançado foi o ChemoRadiotherapy for esophageal cancer
followed by surgery study (CROSS) – trial, publicado em 201249. Tratou-se de um
ensaio clínico fase III multicêntrico holandês que randomizou 366 pacientes entre
QR neoadjuvante com carboplatina e paclitaxel semanal por cinco semanas, em
associação com radioterapia com 41,4Gys, dividida em 23 frações e seguida por
cirurgia versus cirurgia isolada. Pacientes com AC compreenderam 75% da popu-
lação do estudo, e em 20%-25% dos casos o tumor estava localizado na JEG. De
maneira geral, o esquema neoadjuvante foi muito bem tolerado, e a leucopenia foi
o principal evento adverso observado. Além disso, o esquema multimodal não teve
impacto negativo na qualidade de vida relacionada à saúde quando comparado ao
tratamento cirúrgico exclusivo. Noventa e cinco por cento dos pacientes do grupo
multimodal completaram todo o tratamento, e as taxas de ressecção R0 foram sig-
nificativamente maiores no grupo experimental (92% versus 69%). A taxa de RPC
global foi de 29%, sendo de 23% para o AC e 49% para o CEC. A SG média também
foi significativamente maior no grupo da QR neoadjuvante (49 meses versus 24
meses, p = 0.003), assim como a SG em cinco anos (47% versus 34%). Os resulta-
dos de SG em longo prazo confirmaram o benefício da QR neoadjuvante na SG.
As diferenças nas taxas de SG foram mais pronunciadas nos pacientes com
CEC (81 versus 21 meses) do que nos pacientes com AC (43 versus 27 meses), refle-
tindo as maiores taxas de RPC nesse subtipo histológico. Além disso, o seguimen-
to de longo prazo demonstrou que os pacientes do grupo experimental também
tiveram menores taxas de recorrência locorregional e a distância50. Dessa forma,
esse estudo estabeleceu um novo padrão de tratamento para os pacientes com AC
ou CEC de esôfago localmente avançado em grande parte do mundo ocidental, in-
clusive em nosso meio. O estudo multicêntrico francês FFCD 990151 randomizou
195 pacientes com CE estádios I e II para tratamento combinado com QR (5-FU
e cisplatina concomitante a 45Gys de radioterapia) ou cirurgia isolada. A maior
parte dos pacientes incluídos tinha CEC (70%). Diferentemente dos achados no
estudo CROSS, os autores não encontraram diferença significativa entre os grupos
em relação às taxas de ressecção R0 ou na SG em três anos. Além disso, houve au-
mento das taxas de mortalidade no grupo do tratamento combinado (11,1% versus
3,4%, p = 0.04), e o estudo foi interrompido precocemente.
Recentemente, foram reportados os resultados do estudo asiático fase III
NEOCRTEC501052, que incluiu 451 pacientes com CEC de esôfago e comparou a
cirurgia exclusiva com um tratamento combinado de QR (vinorelbina e cisplatina
semanais associadas a 40Gys de radioterapia) seguido de cirurgia. A taxa de RPC foi
de 43,2% no grupo do tratamento combinado. A QR aumentou significativamente a
sobrevida global em três anos de 60% para 69% e a sobrevida global em cinco anos
169
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
170
em 2014, está randomizando pacientes com AC de esôfago ou de JEG entre QT
perioperatória (esquema Flot ou Magic) ou QR neoadjuvante segundo o proto-
colo CROSS. O estudo pretende recrutar 594 pacientes em centros na Irlanda,
Reino Unido e Dinamarca, e seu endpoint primário é SG em três anos. O estudo
ESOPEC58, iniciado em 2016, pretende recrutar 438 pacientes com AC de esôfago
inferior ou de JEG em 16 centros alemães, e seu objetivo primário também é SG
em três anos. O estudo vai comparar diretamente os esquemas Flot e CROSS. No
Japão, desde 2012 está ocorrendo o estudo NeXT trial (JCOG 1109)59, que preten-
de responder a duas questões importantes. A primeira delas é se a QR neoadjuvan-
te é superior à QT neoadjuvante, essa última atualmente considerada o esquema
padrão de tratamento no Japão para pacientes com CEC de esôfago estádios II e
III. A segunda pergunta é se um esquema mais intenso de QT neoadjuvante, com
adição de um taxano, poderia trazer ganho adicional de sobrevida. Para tanto, o
protocolo está incluindo pacientes com CEC de esôfago estádio Ib a III e rando-
mizando em três grupos de tratamento: QT neoadjuvante com 5-FU e Cisplatina,
QT neoadjuvante com 5-FU, cisplatina e docetaxel ou QR neoadjuvante com 5-FU
e cisplatina concomitante a 41,4Gys de radioterapia. O endpoint primário é SG,
o recrutamento já foi encerrado com 501 pacientes incluídos em 41 instituições
japonesas, e os resultados ainda são aguardados. O estudo RACE60 teve início em
2019 na Alemanha e está comparando, em pacientes com AC localmente avança-
do, o esquema Flot clássico com um esquema de QT de indução (Flot dois ciclos)
seguido por QR com 5-FU e oxaliplatina, 45Gys de radioterapia e, então, por cirur-
gia e quatro ciclos adicionais de Flot.
171
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
172
esôfago até o nível do arco aórtico, podendo haver maior dificuldade para realizar a
dissecção do terço superior do órgão e das cadeias linfonodais mediastinais superio-
res, especialmente as paratraqueais e as recorrenciais. A linfadenectomia do tronco
celíaco também pode ser comprometida pelo acesso limitado a essa região.
O acesso pelo lado direito deve ser feito por duas (Ivor Lewis) ou três (McKe-
own) incisões. A cirurgia de Ivor Lewis combina um acesso abdominal com uma
toracotomia póstero-lateral direita, e a anastomose é realizada na cavidade torá-
cica. Já a técnica de McKeown utiliza três incisões (abdominal, torácica direita
e cervical esquerda), e a anastomose se dá no pescoço. A abordagem pelo lado
direito permite um amplo acesso ao esôfago torácico em toda sua extensão e a to-
das as cadeias linfonodais mediastinais, incluindo as cadeias recorrenciais. Dessa
forma, essa abordagem possibilita ao cirurgião a realização da ressecção do tumor
primário e da linfadenectomia mediastinal com segurança e sob visão direta. No
entanto, o efeito combinado das incisões abdominal e torácica pode comprometer
significativamente a função cardiorrespiratória no período pós-operatório, espe-
cialmente em pacientes com doença pulmonar ou cardíaca pré-existentes. A outra
desvantagem potencial da técnica de Ivor Lewis é o fato da anastomose se localizar
na cavidade torácica. Por causa disso, uma eventual fístula anastomótica pode ser
de difícil controle clínico, e o paciente pode evoluir de forma mais grave em con-
sequência de mediastinite e sepse.
Até o momento, dois estudos prospectivos fase III, um ocidental e outro orien-
tal, foram realizados comparando-se diretamente os acessos trans-hiatal e trans-
torácico para o tratamento de tumores do esôfago e da JEG. O estudo holandês
HIVEC5961 randomizou 205 pacientes com AC de esôfago distal e JEG (Siewert
I e II) para esofagectomia trans-hiatal ou transtorácica direita. Os autores rela-
taram aumento das taxas de complicação pós-operatória e do tempo de interna-
ção hospitalar no grupo da ressecção transtorácica. Apesar do maior número de
linfonodos retirados por essa via, não houve diferença nas taxas de SG em cinco
anos entre os grupos. Posteriormente, foi realizada uma análise de subgrupos que
demonstrou ganho de sobrevida favorável à via transtorácica para pacientes com
um a oito linfonodos positivos62. Um estudo japonês63 comparou a via trans-hiatal
com a via transtorácica esquerda para pacientes com tumores da JEG (Siewert
II e III). O estudo foi encerrado precocemente por futilidade após uma análise
interina. Após dez anos de seguimento, os autores não encontraram diferença nas
taxas de sobrevida entre os grupos, mas houve aumento das taxas de complicação
pós-operatórias e de mortalidade no grupo com acesso torácico.
173
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
174
de dissecção, mesmo em campos restritos, como o mediastino, onde as estruturas
estão em movimento provocado pela respiração e pela pulsação da aorta e do cora-
ção. Dessa forma, é possível a dissecção extensa e minuciosa de linfonodos em áreas
críticas e pouco acessíveis pelas vias toracoscópica ou aberta. Os dados de literatura
sugerem que a esofagectomia minimamente invasiva auxiliada por robô (Emiar) é
segura, factível e está associada a resultados perioperatórios e oncológicos similares
aos observados nas técnicas aberta e minimamente invasiva. A primeira Emiar foi
publicada em 2003, na qual o esôfago foi ressecado pela via trans-hiatal, e o primeiro
relato de esofagectomia totalmente robótica foi de Kernstine et al.70. O estudo holan-
dês fase III de centro único ROBOT trial71 comparou a esofagectomia aberta com a
Emiar. Os autores relataram menor perda sanguínea, menores taxas de complicação
cardiopulmonar, menor dor pós-operatória e melhores escores de qualidade de vida
no braço da Emiar. Contudo, ainda não se sabe se ela é superior à esofagectomia MI
por toracoscopia/laparoscopia. No momento, existem dois estudos chineses de fase
III em curso, REVATE72 e RAMIE73, que estão comparando diretamente a Emiar
com a esofagectomia MI e prometem lançar luz sobre essa questão.
175
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
176
O jejuno tem sido utilizado para reconstrução após esofagectomia desde os
tempos de Roux, mas foi Longmire que pioneiramente propôs, em 1946, a técni-
ca de supercharging para incrementar o suprimento vascular e reduzir os riscos
de isquemia e necrose do enxerto77. Os proponentes desse órgão recomendam
o jejuno por ele apresentar algumas vantagens, tais como vascularização confiá-
vel, ser abundante, não apresentar doenças primárias, não necessitar de preparo
pré-operatório, possuir uma peristalse intrínseca e ter um calibre semelhante ao
do esôfago. Suas principais desvantagens são a necessidade de anastomose mi-
crovascular, no caso da técnica supercharger, o que aumenta o tempo cirúrgico
e a complexidade do procedimento. Tecnicamente, a vascularização mesentérica
pode ser dissecada de forma simples e fácil, e o jejuno pode ser utilizado de forma
pediculada, aumentada ou supercharged, ou como um enxerto livre (necessitando
de anastomose microvascular da artéria e da veia) para substituir uma parte ou
mesmo toda a extensão do esôfago. Diversas série de casos de experiências unins-
titucionais com o enxerto jejunal tipo supercharged foram relatadas na literatura.
As taxas de fístula variaram entre 0% e 36%; as de pneumonia, entre 7% e 30%; e a
mortalidade hospitalar, entre 0% e 5%77.
12.4. Linfadenectomia
O esôfago atravessa três regiões anatômicas, quais sejam, o pescoço, o medias-
tino e o abdômen superior, e apresenta uma rede linfática rica e complexa que se
inicia já na camada mucosa profunda. A disseminação metastática linfonodal no
câncer de esôfago é precoce e imprevisível, e ocorrer de forma bidirecional por três
vias principais e para os três compartimentos anatômicos (pescoço, tórax e abdô-
men): disseminação longitudinal pela submucosa para linfonodos regionais e não
regionais, disseminação transversal por meio da camada muscular própria para os
linfonodos regionais, e uma terceira via diretamente para o ducto torácico e o siste-
ma venoso. O status N é um dos principais fatores preditores de sobrevida no cân-
cer de esôfago. A presença e a distribuição das metástases linfonodais dependem
da localização do tumor, da profundidade de invasão na parede do esôfago (T),
do subtipo histológico (se AC ou CEC) e da realização ou não de terapia neoadju-
vante. O padrão de distribuição das metástases linfonodais foi mais bem estudado
para o CEC em grandes séries retrospectivas e em estudos coorte prospectivos
orientais. Houve uma grande variação na distribuição das metástases linfonodais
nas três diferentes regiões anatômicas (pescoço, mediastino e abdômen), sendo o
campo de disseminação muito amplo. Por esse motivo, a linfadenectomia em três
campos é realizada por muitos centros orientais como tratamento padrão para
esse subtipo histológico. Para o subtipo AC, o padrão de distribuição das metásta-
ses linfonodais é menos conhecido, mas também foram descritas metástases para
as regiões cervical, mediastinal e abdominal, independentemente da localização
177
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
178
mínimo de 23 linfonodos deve ser retirado para que o benefício do ganho de so-
brevida seja maximizado79.
Em resumo, de maneira geral, os CECs do esôfago torácico, independentemen-
te de sua localização, devem ser abordados por via transtorácica para realização da
esofagectomia com linfadenectomia mediastinal total, incluindo as cadeias recor-
renciais. A anastomose deverá ser feita no pescoço, e a linfadenectomia cervical
(três campos) poderá ser realizada em casos selecionados. O AC do esôfago distal
e da JEG (Tipo I de Siewert) também deverá ser tratado por esofagectomia trans-
torácica, com anastomose torácica ou cervical. A extensão da linfadenectomia me-
diastinal nesses casos pode ser mais limitada (linfadenectomia standard) ou se
estender para a região supracarinal (estendida), a depender da via de acesso, da
preferência do cirurgião e da presença de linfonodos suspeitos na área do medias-
tino superior. Os ACs tipo III de Siewert, em geral, são tratados por gastrectomia
total e esofagectomia distal com linfadenectomia abdominal à D2 e reconstrução
por anastomose esôfago-jejunal em Y de Roux. Já o tratamento cirúrgico do AC
da JEG tipo II de Siewert é objeto de grande discussão na literatura, não havendo
consenso a respeito da melhor via de abordagem e da extensão ideal da linfade-
nectomia mediastinal. O guideline japonês recomenda que, caso haja invasão do
esôfago distal maior que 3cm, a abordagem preferencial deverá ser por via trans-
torácica para realização da esofagectomia e da linfadenectomia do mediastino in-
ferior (standard). Os casos com invasão do esôfago distal menor que 3cm poderão
ser tratados da mesma forma que os tumores tipo III, ou seja, por gastrectomia
total e esofagectomia distal e linfadenectomia abdominal à D2.
179
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
não as taxas de SG em três anos. Esses resultados podem ser explicados pela alta
taxa de mortalidade pós-operatória observada no grupo do tratamento trimodal
quando comparada à mortalidade do grupo bimodal (12,8 versus 3,5%; p = 0.03),
considerada excessivamente alta para os padrões atuais. Um segundo estudo fase
III francês com 259 pacientes, sendo a maioria CEC, comparou QR neoadjuvante
seguida por cirurgia com a QR definitiva81. Os autores não encontraram diferenças
nas taxas de SG em cinco anos entre os dois grupos, apesar de as taxas de recor-
rência local após dois anos terem sido maiores no grupo da QR definitiva (HR:
1,63, p = 0.03). Da mesma forma que o estudo anterior, as taxas de mortalidade
nos primeiros três meses foram maiores no grupo cirúrgico (HR: 1,63; p = 0.002),
o que pode ter influenciado os resultados da SG. Um terceiro ensaio clínico fase III
chinês também não mostrou ganho de sobrevida do tratamento trimodal quando
comparado à QR definitiva82.
Apesar de a QR definitiva ser indicada principalmente para pacientes não ele-
gíveis à cirurgia, os casos de doença locorregional residual ou recorrente provada
ou altamente suspeita após QR definitiva podem ser tratados por esofagectomia,
nesse cenário denominada cirurgia de resgate, se o paciente tiver condições clíni-
cas para tal. Uma série de estudos retrospectivos mostrou que a esofagectomia de
resgate apresenta taxas de morbimortalidade cirúrgica superiores às taxas obser-
vadas nas cirurgias per prima ou após QR neoadjuvante. Isso pode ser explicado
pelas maiores doses e pelo maior campo de irradiação utilizado na QR definitiva, o
que resulta em intensa fibrose mediastinal, além de potencializar a toxicidade car-
díaca e pulmonar. Apesar disso, as taxas de SG em cinco anos dos pacientes subme-
tidos à cirurgia de resgate podem chegar a 25%, o que justifica sua realização em
um grupo selecionado de casos. Ademais, um estudo multicêntrico retrospectivo
europeu que comparou pacientes submetidos à esofagectomia de resgate àqueles
submetidos à esofagectomia planejada após QR neoadjuvante não encontrou dife-
rença nas taxas de sobrevida global e livre de doença entre os dois grupos83.
180
(RCC) – podem ser mantidos em acompanhamento clínico rigoroso e somente ser
submetidos à cirurgia em caso de doença residual provada ou altamente suspeita.
Em tese, pacientes com RCC podem ser curados sem necessitar de esofagectomia
ou mesmo ser poupados de cirurgias fúteis caso apresentem doença metastática
no período imediatamente subsequente à QR. Essa estratégia já está sendo imple-
mentada com sucesso em pacientes com tumores de reto, próstata, bexiga e cabeça
e pescoço, mas ainda não se sabe se pode ser feita com segurança para pacientes
com câncer de esôfago84.
A principal evidência para a possibilidade de omissão da esofagectomia após
QR vem do estudo francês FFCD 910251, que randomizou pacientes responde-
dores (90% CEC) para QR seguida por cirurgia ou por QR definitiva. Não houve
diferença nas taxas de sobrevida em dois anos entre os grupos, mas o grupo ci-
rurgia teve melhor controle local e menor necessidade de uso de prótese endos-
cópica. O grupo cirurgia também apresentou mortalidade em três meses muito
superior à do grupo QR definitiva (9,3% versus 0,8%), o que pode ter impactado
os resultados da sobrevida. Outro estudo multicêntrico comparou os resultados da
cirurgia de resgate após QR definitiva com QR neoadjuvante e cirurgia planejada.
Após uma análise pareada, os grupos apresentaram taxas de SG e livre de doença
semelhantes85. Da mesma forma, Taketa et al.86 compararam, de forma pareada,
os pacientes que apresentaram resposta clínica completa após QR neoadjuvante e
recusaram cirurgia com os pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico padrão.
Os autores também não reportaram diferenças nas taxas de SG em três anos entre
os dois grupos.
Um dos maiores limitadores para a implementação segura da estratégia não
cirúrgica de vigilância ativa é a acurácia diagnóstica dos exames utilizados du-
rante o seguimento clínico após a QR neoadjuvante. O tumor residual após a QR
pode não ser diagnosticado durante o seguimento ativo (falso negativo), o que
pode provocar atrasos ou mesmo impossibilitar o tratamento cirúrgico. O único
estudo que avaliou de forma prospectiva a acurácia dos testes diagnósticos após
a QR neoadjuvante foi o preSANO trial (Surgery as needed for oesophageal can-
cer)87. Trata-se de um estudo holandês multicêntrico, de braço único, que dividiu
a avaliação clínica da resposta ao tratamento em duas etapas e utilizou endosco-
pia com biópsia sobre biópsia, ecoendoscopia com punção aspirativa com agulha
fina e PET-CT como métodos diagnósticos. Todos os pacientes foram operados,
independentemente da resposta, e o endpoint primário do estudo foi avaliar a as-
sociação entre a RCC e a RPC. Os resultados mostraram que 31% dos pacientes
com taxa de regressão tumoral (TRT) três ou quatro, ou seja, com mais de 10% de
carcinoma residual na peça, foram perdidos pela endoscopia com biópsia padrão.
Entretanto, essa taxa caiu para 10% com a utilização da técnica de biópsia sobre bi-
ópsia, o que aumentou as chances de detecção de tumor residual nas camadas mais
profundas do esôfago. Além disso, 10% dos pacientes apresentaram metástases de
181
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
182
16. TRATAMENTO PALIATIVO
O aumento de incidência do adenocarcinoma de esôfago distal e a maior frequên-
cia dos adenocarcinomas de estômago proximal dificultam a separação dessas duas
doenças, e frequentemente utilizamos o termo tumor de junção esôfago-gástrica (JEG).
A maioria dos estudos clínicos atuais acabam incluindo pacientes com tumores
de esôfago/JEG/estômago e ambas as histologias, adenocarcinoma e carcinoma de
células escamosas. Por esse motivo, abordaremos os tumores de esôfago e estôma-
go metastáticos em conjunto. As informações podem ser encontradas no capítulo
de tumores de estômago.
Tis T1aN0 T1b – T2, N0 T2N0; T1b – T2, N+; T3-T4a, N0-N+ T4b M1
Não candidato
Ressecável Irresecável ou metástase
QT: quimioterapia; RX: radioterapia; PET-TC: tomografia computadorizada por emissão de pósitrons; TC:
tomografia computadorizada; EDA: endoscopia digestiva alta.
183
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Adenocarcinoma
Tis T1a T1b T1b – T2, N0 T2, N0; T1b – T2, N+; T3-T4a, N0-N+ T4b M1
superficial
Ressecável Irresecável
ou metástase Cuidados
paliativos
Cirurgia*
QT paliativa
ou cuidados
paliativos
QT: quimioterapia; RX: radioterapia; PET-TC: tomografia computadorizada por emissão de pósitrons; TC:
tomografia computadorizada; EDA: endoscopia digestiva alta.
*Cirurgia empregada pode ser esofagectomia ou gastrectomia total com esofagectomia distal, a depender da
classificação de Siewert para os tumores da junção esôfago-gástrica.
17. SEGUIMENTO
O seguimento regular após a esofagectomia por câncer tem como objetivos
principais a detecção precoce da doença recorrente/metastática e de novas neopla-
sias, o diagnóstico e o manejo das complicações relacionadas ao tratamento onco-
lógico, e o fornecimento de suporte psicológico e nutricional aos pacientes. Apesar
de todas essas vantagens, não existem estudos que avaliaram a melhor estratégia
para o seguimento desses pacientes, sendo a literatura muito escassa nesse tema.
Dessa forma, não há consenso ou padronização dos protocolos de seguimento
após esofagectomia curativa nos principais guidelines internacionais, apesar de to-
dos concordarem que a realização de follow-up regular não impacta a sobrevida
dos pacientes93.
As taxas de recorrência neoplásica após ressecções esôfago-gástricas são ele-
vadas, variando de 34% a 79%, e acontecem primordialmente nos dois primeiros
anos subsequentes à realização da cirurgia. Baseados nesse padrão, muitos centros
184
recomendam que as consultas médicas sejam realizadas a cada três ou quatro me-
ses no primeiro ano, a cada seis meses no segundo ano e, a partir daí, anualmente
até o quinto ano. Além do exame físico e da anamnese, as principais modalidades
diagnósticas utilizadas para o seguimento na prática clínica são a EDA com bi-
ópsia e a TC de pescoço, tórax, abdômen e pelve. Alguns centros recomendam a
realização desses exames a cada seis meses, enquanto outros o fazem anualmente.
Alternativamente, existem grupos que somente indicam a realização de exames
na presença de suspeita clínica de recorrência da doença. Mais recentemente, o
PET-CT tem sido usado em situações específicas, nas quais há dúvida diagnóstica,
por apresentar elevada sensibilidade e especificidade na detecção da doença me-
tastática e/ou recorrente.
Diferentemente do que ocorre para outros tipos de tumores, não existem
estudos que avaliaram a relação de custo-efetividade do seguimento intensivo
após esofagectomia para câncer81. Assim, não há base científica para indicar um
programa de investigação sistemático nos pacientes assintomáticos, pois não se
sabe se a detecção precoce da doença recorrente ou metastática tem impacto na
sobrevida, e essa investigação gera custos ao sistema de saúde. Por esse motivo,
muitos centros só recomendam a realização de exames diagnósticos nos pacien-
tes sintomáticos, nos quais haveria proposta de tratamento paliativo em caso de
recorrência comprovada.
Diante disso, adotamos uma abordagem pragmática na qual os pacientes são
acompanhados clinicamente com anamnese, e o exame físico é feito a cada três meses
no primeiro ano, a cada seis meses no segundo ano e anualmente a partir de então,
até completar cinco anos. O seguimento é focado no suporte psicológico e nutricio-
nal, e na identificação de sintomas, os quais são investigados prontamente com TC
e/ou EDA. A partir de seus resultados, o tratamento paliativo pode ser estabelecido.
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Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
NEOPLASIA DO ESTÔMAGO
Alexandre Palladino
André Maciel da Silva
8
Antônio Carlos Acetta
Flávio Sabino
Flora Lino
Luciana Ribeiro
Sérgio Bertolace
Daniel Cesar
190
1. EPIDEMIOLOGIA E FATORES DE RISCO
O câncer gástrico (CG) é a terceira principal causa de morte por câncer em
ambos os sexos e a quinta neoplasia maligna mais comum em todo o mundo1.
Possui distribuição global heterogênea, sendo mais incidente no leste asiático, no
leste europeu e na América do Sul1. No Brasil, com exceção do câncer de pele não
melanoma, estima-se, para o triênio 2020-2022, que o câncer gástrico ocupará o
quarto lugar em incidência no sexo masculino e o sétimo lugar no sexo feminino,
sendo a terceira causa de morte por câncer em nosso país2.
Os principais fatores socioambientais associados à doença são a infecção pela bac-
téria Helicobacter pylori – considerado o principal fator de risco –, o excesso de peso,
o consumo de alimentos preservados no sal, a baixa ingestão de frutas e vegetais, o ta-
bagismo e o etilismo3. Além deles, estima-se que 10% dos cânceres gástricos em todo
o mundo estejam associados à infecção pelo vírus do Epstein-Barr (EBV), os quais
apresentam características clínico-patológicas distintas, tais como predominância no
sexo masculino, localização preferencial na cárdia, infiltração linfocítica, baixa frequ-
ência de metástase linfonodal e bom prognóstico oncológico4.
Embora a maioria dos cânceres gástricos seja esporádica e associada aos fatores
de risco citados, cerca de 1% a 3% são de caráter hereditário. Eles são divididos em
três síndromes: câncer gástrico difuso hereditário, adenocarcinoma gástrico e po-
lipose proximal do estômago e câncer gástrico familial intestinal. Até o momento,
apenas o câncer gástrico difuso hereditário pode ser geneticamente identificado
pela presença de mutações da linhagem germinativa no gene CDH1, que codifica
a proteína E-caderina5.
1.1. Patologia
Aproximadamente 95% de todas as neoplasias gástricas malignas são adeno-
carcinomas. Juntos, linfoma, GIST, TNE (carcinoide) e carcinoma adenoescamoso
respondem pelos 5% restantes. Vale ressaltar que o estômago é o sítio mais comum
dos linfomas do trato gastrointestinal, e a diferenciação entre adenocarcinoma e
linfoma é essencial, pois estadiamento, tratamento e prognóstico são distintos.
191
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
192
preferencialmente no fundo e no corpo gástricos; o de alta instabilidade de micros-
satélite (MSI), caracterizado pela instabilidade genômica devido à falha no sistema
de reparo de pareamento do DNA (mismatch repair system), preferencialmente re-
lacionado ao subtipo histológico intestinal; o chamado genomicamente estável (GS),
mais frequente no tipo histológico difuso de Lauren; e o de instabilidade cromossô-
mica (CIN), subtipo mais prevalente, caracterizado pela mutação de TP53 e também
mais frequente no tipo histológico intestinal de Lauren.
2.2. Diagnóstico
Na suspeita diagnóstica de CG pela anamnese e exame físico, a investigação
deve ser realizada por endoscopia digestiva alta (EDA) com biópsia para confir-
mação histopatológica. Quando sete ou mais fragmentos são retirados, a acurácia
diagnóstica é superior a 98%. Adicionalmente, a EDA poderá informar sobre ta-
manho, tipo macroscópico, localização e distância proximal do tumor em relação
à JEG. No caso de estômago pouco distensível na EDA, mas com biópsia negativa,
deve-se pensar em linite plástica, e o exame deverá ser repetido para que sejam
realizadas novas e mais profundas biópsias, incluindo a camada submucosa.
3. AVALIAÇÃO DE PRÉ-TRATAMENTO
O correto estadiamento do câncer gástrico é mister para a programação te-
rapêutica e é realizado por meio da avaliação clínica e da realização de exames
193
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
4. ESTADIAMENTO E CLASSIFICAÇÃO
As diferenças entre os sistemas de estadiamento adotados em países orientais
e ocidentais representavam importante obstáculo à uniformização de condutas e
à comparação de resultados entre os diversos centros mundiais. Em 2010, a clas-
sificação japonesa da Japanese Gastric Cancer Association (JGCA) adotou o re-
gramento TNM e o grupamento por estádios preconizado pela sétima edição da
AJCC/UICC, e as duas classificações foram uniformizadas.
Atualmente, o estadiamento do CG é baseado em duas grandes classificações:
uma é a oitava edição do sistema TNM9, desenvolvido em conjunto pelo Comitê
Conjunto Americano para Estadiamento do Câncer (AJCC) e a União Internacio-
nal Contra o Câncer (UICC), sendo o sistema de estadiamento mais utilizado no
mundo; a outra é a 15ª edição (ou quinta edição inglesa) da Classificação Japonesa14.
194
Tabela 1. Estadiamento AJCC oitava edição
T Tumor primário
N Linfonodos regionais
195
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
M Metástase a distância
Estadiamento T N M
Estádio 0 Tis N0 M0
Estádio IA T1 N0 M0
Estádio IB T1 N1 M0
T2 N0 M0
Estádio IIA T1 N2 M0
T2 N1 M0
T3 N0 M0
Estádio IIB T1 N2 M0
T2 N1 M0
T3 N0 M0
Estádio IIIA T2 N3 M0
T3 N2 M0
T4a N1 M0
Estádio IIIB T3 N3 M0
T4a N2 M0
T4b N0-1 M0
T4b N2-3 M0
196
Figura 1. Estadiamento tumor (T) do adenocarcinoma gástrico.
Tumor
Estômago
T4
T3
T2
T1
Tis
Mucosa
Submucosa
Muscular
própria
Serosa
Tumor
197
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
E
S
D M
198
Figura 3. Tipos macroscópicos do adenocarcinoma gástrico.
199
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
200
Figura 6. Gastrectomia proximal14.
201
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
1) Tipo I
• O epicentro da lesão está localizado entre 1cm e 5cm acima da JEG, sendo
este o adenocarcinoma do esôfago distal;
• Ressecção padrão: esofagectomia em três campos (pescoço, tórax e abdômen)
com gastrectomia proximal e reconstrução com tubo gástrico com anastomose
cervical (cirurgia de McKeown).
2) Tipo II
• O epicentro da lesão está localizado entre 1cm acima e 2cm abaixo da JEG,
sendo este considerado o câncer da cárdia propriamente dito;
• Ressecção padrão: GT com esofagectomia distal (ED)14 (no caso de invasão
do esôfago terminal de até 3cm);
• Alternativa cirúrgica: casos que apresentem dificuldade técnica para margem
proximal segura ou onde houver invasão do esôfago distal >3 cm, optamos pela
GT com esofagectomia subtotal, reconstrução por tubo colônico e anastomose
cervical. Se não houver invasão tumoral maciça do estômago, a esofagectomia
subtotal + gastrectomia proximal com anastomose esôfago-gástrica torácica
(cirurgia de Ivor-Lewis) pode ser uma opção.
3) Tipo III
• O epicentro da lesão está localizado entre 2cm e 5cm abaixo da JEG, ou seja,
na região subcárdica;
• Ressecção padrão: GT com ED.
Obs.: os tumores Siewert III precoces podem ser tratados com gastrectomia
polar, desde que a reconstrução do trânsito alimentar minimize o refluxo gas-
troesofagiano (ex.: esofagogastrostomia com válvula antirrefluxo, interposição
ileal ou reconstrução em duplo trato).
202
5.3. Linfadenectomia
a) D2
Consiste na retirada dos linfonodos das estações dos níveis I e II. Deve ser
realizada rotineiramente nos pacientes que apresentem condições clínicas satisfa-
tórias, ou seja, PS 0 ou 1 e comorbidades controladas. Recomenda-se a remoção de,
no mínimo, 15 linfonodos. Ela permite uma melhor avaliação das estações nodais
e diminui a chance de migração de estádio (fenômeno de Will Rogers). Porém, tem
curva de aprendizado relativamente longa, a partir de 25 operações, devendo esse
treinamento ser realizado em centro especializado e com adequada supervisão.
A linfadenectomia D2 determina aumento significativo da morbimortalidade em
mãos de cirurgiões com pouca experiência com a técnica ou quando realizada em
pacientes não selecionados.
• Estações linfonodais usualmente removidas na GST D2: 1, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9,
11p, 12a e 14v;
• Estações linfonodais usualmente removidas na GT D2: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9,
11, 12a e 14v.
Apesar dos resultados publicados por séries japonesas, havia, principalmente
por parte dos países ocidentais, descrença no benefício oncológico propiciado pela
linfadenectomia D2. À luz da Medicina baseada em evidências, os críticos dessa
técnica cirúrgica afirmavam que não havia subsídios científicos suficientes para
sua incorporação na prática clínica. Entretanto, ao longo do tempo, três estudos
de grande impacto ratificaram a experiência japonesa e os benefícios propiciados
pela linfadenectomia D2 no tratamento do CG localmente avançado.
No estudo prospectivo randomizado de Taiwan18, Wu et al. compararam a
linfadenectomia a D1 com a D3 (alguns linfonodos além da estação dois foram
incluídos). Os grupos continham 110 e 111 pacientes, respectivamente. Houve be-
nefício na sobrevida global dos pacientes submetidos à cirurgia radical (p = 0.041).
O estudo holandês fase III que comparou as linfadenectomias D1 e D2 mostrou,
incialmente, resultados desencorajadores, fruto da alta morbimortalidade apre-
sentada pelos pacientes submetidos à linfadenectomia D2. Na época, a pancrea-
tectomia distal com esplenectomia era preconizada como parte da cirurgia radical
e foi o principal fator associado aos desfechos desfavoráveis. Mais tarde, a pan-
creatomia com esplenectomia mostrou-se um procedimento desnecessário para
garantir uma linfadenectomia radical adequada. Ainda assim, a publicação dos
resultados do seguimento de 15 anos do estudo19 comprovou o benefício da linfa-
denectomia a D2 em termos de ganho de sobrevida (p = 0.01). Da mesma forma,
mais recentemente, o grupo italiano20 publicou os resultados do seguimento de 15
anos de seu estudo. Os autores também encontraram benefício da linfadenectomia
203
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
b) D1
Consiste na retirada apenas dos linfonodos das estações do nível I, ou seja, os
perigástricos. É geralmente empregada nos pacientes com tumores precoces sem
evidência de doença nodal e naqueles que apresentam condições clínicas inade-
quadas, ou seja, PS2 ou comorbidades não controladas.
c) D0
Consiste na falha da retirada dos linfonodos das estações do nível I, ou seja, é
uma D1 incompleta, sendo considerada eminentemente paliativa.
204
4d Linfonodos gastroepiploicos direitos
5 Linfonodos suprapilóricos
6 Linfonodos infrapilóricos
16 Linfondos para-aórticos
Observações1:
• Os linfonodos da cadeia 110 devem ser ressecados nos tumores precoces que
invadem o esôfago distal. Nos tumores avançados, além da cadeia 110, devem
ser retiradas as cadeias 19, 20 e 111;
205
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
206
6. RESSEÇÕES MULTIORGÂNICAS NO CÂNCER GÁSTRICO
O manejo e o diagnóstico dos tumores gástricos pT4b é um tema desafiador
para o cirurgião. A correlação clínico-patológica é muito falha, pois, muitas vezes, o
que é interpretado na TC como invasão de órgão adjacente (cT4b) é caracterizado
como apenas reação desmoplásica no estudo da peça cirúrgica. Esse fenômeno é
muito observado em tumores gástricos T3/T4a e pode ser explicado pela secreção
de fatores hormonais pelas células tumorais, que promove a proliferação de fibro-
blastos e a produção de colágeno. Durante a cirurgia, o cirurgião frequentemente
tem dificuldade de diferenciar invasão local verdadeira de reação desmoplásica, o
que pode levá-lo a realizar ressecções multiorgânicas fúteis.
O tratamento curativo dos pacientes com CG pT4b exige uma equipe mul-
tidisciplinar experiente, constituída de cirurgiões, anestesiologistas, intensivistas,
oncologistas clínicos e radioterapeutas. Preferencialmente, esses pacientes devem
ser encaminhados a centros de referência no tratamento da doença. Na prática,
todavia, a maioria dos casos será submetida ao tratamento paliativo, seja ele cirúr-
gico, seja clínico.
207
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
208
Kim et al. avaliaram 132 pacientes submetidos à cirurgia por câncer gástrico
T444. Nesse estudo, houve uma comparação entre três grupos: cirurgia multior-
gânica (grupo 1), gastrectomia isolada (grupo 2) e cirurgia sem ressecção, como
gastrojejunostomia e quimioterapia intraperitoneal (grupo 3). O grupo 3 incluía
um número consideravelmente maior de pacientes com tumor Borrmann IV, dis-
seminação peritoneal e metástase a distância. Na análise multivariada, a radica-
lidade cirúrgica (R0 versus R1 versus R2) teve impacto na sobrevida, a despeito
da importante disparidade entre os grupos. Em outro estudo com maior número
de pacientes45, Cheng et al. avaliaram 179 pacientes divididos em quatro grupos:
pacientes cT4 (porém pT3) submetidos à ressecção multivisceral; pacientes pT4
com ressecção multiorgânica R0; pacientes pT4 com ressecção multiorgânica R1/
R2 e pacientes cT4 sem ressecção multiorgânica. Nos 91 pacientes pT4 com res-
secção multiorgânica, a mortalidade e a morbidade foram de 4,4% e 28,6% respec-
tivamente. Quando comparados especificamente os grupos dos pacientes pT4, foi
observado um importante ganho em sobrevida na cirurgia R0.
209
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
210
nos tumores pT4b seguida de quimioterapia adjuvante. Os trabalhos mais recentes
procuraram estratificar esses pacientes de modo a maximizar o benefício propor-
cionado por esse procedimento. Min et al.47 não indicam resseção multivisceral para
pacientes com metástase linfonodal na cadeia paraórtica e nos que necessitam de DP
associada. Alternativamente, há autores53 que indicam quimioterapia neoadjuvante,
associada ou não à radioterapia, com intuito de promover downstaging tumoral e
de avaliar a resposta biológica do tumor ao logo do curso do tratamento. Caso haja
progressão de doença durante a neoadjuvância, os pacientes poderiam ser poupa-
dos de uma cirurgia extensa sem benefício terapêutico. As terapias neoadjuvantes
(quimioterapia/radioterapia) e/ou adjuvantes (quimioterapia/radioterapia), quando
associadas à ressecção multiorgânica no CG localmente avançado, também pode-
riam contribuir para melhores resultados oncológicos, notadamente com o aumento
da sobrevida. Entretanto, não existem estudos prospectivos e randomizados sobre o
tema, e ainda é incerto o papel dessas terapias nesse cenário. A hipertermoquimiote-
rapia associada à cirurgia multivisceral pode representar uma alternativa, mas ainda
apresenta caráter experimental nos dias atuais.
211
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
212
14.2. Quimioterapia intraperitoneal
Considerando a história natural do CG, em que a CP representa a principal
forma de recidiva, diversos estudos avaliaram a aplicação da quimioterapia in-
traperitoneal (QI) com o intuito de prevenir e/ou tratar os implantes peritoneais.
Emoto et al.64 analisaram 73 pacientes com citologia positiva do lavado peritoneal
que foram submetidos a um tratamento neoadjuvante com S1 oral + paclitaxel in-
travenoso e paclitaxel intraperitoneal (terapia bidirecional). 68 pacientes (93,2%)
apresentaram negativação da citologia peritoneal, e sua sobrevida mediana foi
superior aos pacientes que permaneceram com citologia positiva (20 versus 13
meses, p = 0,0017). Os autores concluíram que a resposta ao tratamento bidire-
cional neoadjuvante representou um importante fator prognóstico de sobrevida.
Em uma meta-análise65, Coccolini et al. avaliaram o benefício da QI com ou sem
LECP nos pacientes com CG e citologia positiva. Três estudos foram analisados
com um total de 164 pacientes. Destes, 76 foram submetidos somente à cirurgia, 51
receberam cirurgia + QI e 37 receberam cirurgia + QI + LECP. Os autores encon-
traram aumento na sobrevida em dois e cinco anos nos pacientes que receberam
a QI, e esse benefício foi ampliado com a associação desta com a LECP. Um traba-
lho de revisão66 avaliou alguns estudos de fase II que utilizaram especificamente a
aplicação de taxanos na cavidade peritoneal. Os taxanos são drogas hidrofóbicas
e de alto peso molecular e, por isso, apresentam absorção lenta e altas concentra-
ções quando administrados na cavidade peritoneal. A sobrevida mediana variou
entre 16,2 e 24,6 meses. Apesar desses resultados encorajadores, o único estudo
de fase III publicado até o momento, o PHOENIX-GC trial67, que avaliou o uso
do paclitaxel intraperitoneal no tratamento do CG com metástase peritoneal, não
mostrou ganho de sobrevida, mas apenas melhor controle da ascite nos pacientes
que receberam a QI.
213
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
214
peritoneal foi desenvolvida com intuito paliativo nesse contexto. Trata-se da qui-
mioterapia intraperitoneal pressurizada em forma de aerossol (do inglês pressuri-
zed intraperitoneal aerosol chemotherapy – Pipac). Em uma revisão da literatura73,
Garg et al. abordaram o uso da Pipac no CG avançado. Um total de dez estudos
e 129 pacientes foram incluídos. Destes, um avaliou a Pipac no cenário da neo-
adjuvância e os demais no contexto da paliação. Todos, com exceção de um que
fez uso da oxaliplatina, utilizaram a cisplatina e a doxorrubicina como drogas de
escolha. Somente dois trabalhos incluíram casuística exclusiva de pacientes com
CG. Nadiradze et al.74 demonstraram sua experiência numa coorte de 24 pacientes
(ICP mediano de 16), em que 60 sessões de Pipac foram aplicadas no total. Cin-
quenta por cento dos pacientes obtiveram resposta objetiva e atingiram sobrevida
mediana de 15,4 meses. Khomyakov et al.75 avaliaram 31 pacientes, dos quais 60%
apresentaram resposta patológica, e a sobrevida mediana foi de 13 meses. Alyami
et al.76 submeteram 42 pacientes com CG e implantes peritoneais a 163 sessões
de Pipac, com mediana de três ciclos por paciente. O ICP variou entre 1 e 39,
com mediana de 17. A sobrevida mediana foi de 17,5 meses, e quatro pacientes
se tornaram ressecáveis e foram submetidos à cirurgia citorredutora + Hipec. De
maneira geral, podemos concluir que a Pipac pode oferecer benefício na paliação
dos pacientes com CG e metástases peritoneais. Contudo, mais estudos com casu-
ística exclusiva de pacientes com CG são necessários para que se possa definir o
real papel da Pipac nesse cenário.
215
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
216
sobrevida global ou sobrevida livre de progressão entre os grupos81. Já o estudo
também de fase II RAMSES, avaliou a adição de ramucirumab ao esquema triplet.
Os dados apresentados evidenciaram maiores taxas de ressecções R0 nos pacientes
do braço experimental (97% versus 83%; p = 0.0049), porém os dados de sobrevida
global e sobrevida livre de progressão ainda não foram divulgados. Diante disso,
até o momento, não há indicação para uso dessa droga nesse cenário82.
a.Quimioterapia adjuvante
O papel da quimioterapia adjuvante (QA) foi avaliado em diversos estudos com
diferentes esquemas de tratamento e resultados bastante heterogêneos. Algumas
meta-análises avaliando tais estudos em conjunto permitiram o melhor entendi-
mento sobre o benefício da quimioterapia pós-operatória. Uma das mais recentes
avaliou 34 estudos randomizados comparando QA e cirurgia com cirurgia apenas
e evidenciou redução do risco de morte em 15% nos pacientes submetidos ao tra-
tamento bimodal (HR 0,85, 95% IC 0.80-0.90). Outra meta-análise realizada com
o mesmo objetivo incluindo 17 estudos clínicos randomizados e mais de 3 mil
pacientes evidenciou benefício em sobrevida global favorável ao grupo da QA (HR
de 0,82; IC 95% 0,76-0,90; p < 0.001) e sobrevida livre de progressão (HR de 0,82;
IC 95% 0,75-0,90; p < 0.001). Não foi encontrada diferença estatisticamente sig-
nificativa entre os diferentes regimes de quimioterapia83. O estudo CLASSIC, que
embasa o uso do esquema mais amplamente utilizado, capecitabina + oxaliplatina
(Capox), randomizou 1.035 pacientes com adenocarcinoma gástrico estádios II-
-IIIb para receber quimioterapia adjuvante com tal esquema por oito ciclos após
ressecção D2 ou cirurgia exclusiva. Apesar de apenas 67% dos pacientes no braço
da quimioterapia terem concluído o tratamento previsto no protocolo, a QA asso-
ciou-se a um significativo benefício em sobrevida livre de progressão em três anos
(74% versus 59%) com benefício estatisticamente borderline na sobrevida global
(83% versus 78%, HR 0.72, 95% IC 0.52-1.00). Após cinco anos de follow-up, be-
nefício estatisticamente significativo foi alcançado (SG em cinco anos 78% versus
69%, HR 0,66, 95% IC 0.51-0.8)84,85.
b.Quimiorradioterapia adjuvante
A quimiorradioterapia adjuvante (QRA) ainda é tema controverso no trata-
mento do CG. O estudo randomizado realizado por Macdonald et al. (INT 0116)
217
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
avaliou QRA versus cirurgia apenas. O braço experimental foi submetido a tra-
tamento composto por um ciclo de 5-fluororacil/leucovorin isolados, seguido de
quimiorradioterapia concomitante e finalizado por mais dois ciclos de quimiote-
rapia apenas. Com três anos de follow-up, melhores desfechos foram evidenciados
no grupo de pacientes submetidos à QRA, como sobrevida livre de progressão
(48% versus 31%) e sobrevida global (50% versus 41%), porém às custas de maior
toxicidade. Apesar de o benefício ter se mantido após seguimento de dez anos,
crítica se faz ao fato de apenas 10% dos pacientes incluídos no estudo terem re-
cebido tratamento cirúrgico adequado, o que pode ter contribuído significativa-
mente para os piores desfechos encontrados no grupo de cirurgia isolada86,87. O
ARTIST trial, estudo que comparou QRA com QA em pacientes com CG subme-
tidos à gastrectomia com linfadenectomia D2, não encontrou diferença significa-
tiva na sobrevida livre de progressão entre os dois braços. Entretanto, na análise
de subgrupo, os pacientes com linfonodos positivos tratados com QRA obtive-
ram melhores desfechos. Nesse estudo, as estratégias comparadas foram seis ciclos
de QA com capecitabina e cisplatina versus dois ciclos de quimioterapia com as
mesmas drogas, seguida de radioterapia em concomitância com capecitabina e
mais dois ciclos de quimioterapia com capecitabina e cisplatina88. Realizado pelo
mesmo grupo, o estudo ARTIST II, avaliou a adição da radioterapia adjuvante à
quimioterapia em indivíduos com ressecção tipo D2 e comprometimento nodal
metastático, além de comparar os esquemas de QA com S-1 versus S-1 associado
à oxaliplatina. Os autores não encontraram benefício com a utilização da QRA em
relação ao grupo de quimioterapia com S-1 e oxaliplatina, mas apenas quando
comparada ao grupo de S-1 isolado89.
218
Algoritmo 1. Tratamento no câncer gástrico.
Adenocarcinoma gástrico
Reestadiamento
TC + EDA,
avaliar PET-TC
Ressecável Irresecável ou
metástase
R0 R1 R2
QT + RXT
Seguimento QT adjuvante
219
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
220
Dá-se preferência por iniciar primeira linha de tratamento que combine uma
fluoropirimidina e uma platina. A platina pode ser a cisplatina ou a oxaliplatina,
e a fluoropirimidina pode ser o 5-fluorouracil, a capecitabina e, quando disponí-
vel, sobretudo em países orientais, o S1. Todos os pacientes com adenocarcinoma
devem ser testados para avaliar a superexpressão de HER-2, e aqueles positivos
devem receber a associação de trastuzumab ao doublet de quimioterapia. Pacien-
tes selecionados podem receber uma terceira droga, habitualmente epirrubicina
ou docetaxel no protocolo de quimioterapia. Entretanto, essa conduta não está
associada a ganho significativo de sobrevida, e sim a uma maior taxa de resposta,
porém às custas de maior toxicidade92.
Pacientes idosos ou frágeis podem ser tratados com monoterapia com paclita-
xel semanal, irinotecano, 5-fluorouracil modulado por leucovorin e capecitabina.
Alternativamente, pode-se reduzir a dose dos protocolos de poliquimioterapia.
A imunoterapia com drogas anti-PD1, os chamados inibidores de check-point,
também foi estudada em câncer esofagogástrico. Com resultados recentemente
apresentados, os estudos Keynote-62, Checkmate-649 e ATTRACTION-04 de-
monstraram o benefício da associação de imunoterapia ao tratamento padrão no
cenário metastático e serão comentados a seguir.
a.Monoterapia
A monoterapia com taxano, tanto paclitaxel quanto docetaxel, foi avaliada em
vários pequenos estudos fase II, que incluíram câncer de esôfago e de estômago,
CEC e adenocarcinoma. Obteve-se sobrevida mediana de até nove meses e taxas
de resposta que variaram entre 15% e 24%93-96. O irinotecano isolado também foi
avaliado nesse cenário com respostas entre 14% e 20%, e sobrevida de até 7,1 me-
ses em estudos fase II97-98. O fluorouracil modulado por leucovorin tem uma pe-
quena atividade e pode ser uma opção pela baixa toxicidade. As fluoropirimidinas
orais, como capecitabina e S1 (disponível no oriente), estão associadas a taxas de
resposta de até 41%, mas com sobrevida global de até nove meses. Um estudo fase
III demonstrou equivalência entre 5-fluorouracil infusional, capecitabina e S199,100.
b.Poliquimioterapia
Uma das primeiras combinações estudadas foi cisplatina com 5-fluorouracil
infusional, que, em um estudo fase II randomizado com pacientes portadores de
CEC de esôfago, demonstrou superioridade em relação a 5-fluorouracil isolado.
Houve maior taxa de resposta (35% versus 19%), mas pequena e não significante
superioridade em sobrevida, às custas de maior toxicidade101. Um segundo estudo
com cisplatina em dose fracionada e 5-fluorouracil em bolus modulado por leuco-
vorin obteve taxa de resposta semelhante (27%) com menor toxicidade102.
O estudo REAL-2 comparou combinações de capecitabina (X) versus 5-flu-
orouracil (F) e de oxaliplatina (O) versus cisplatina (C) em pacientes com câncer
221
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
222
tratamento neoadjuvante, em que demonstrou ganho de sobrevida. Entretanto,
essa combinação, apesar de associada a uma maior taxa de resposta e sobrevida
livre de progressão, não levou ao aumento da sobrevida global em pacientes com
adenocarcinoma gástrico110.
c.Paciente frágil
Um estudo avaliou pacientes frágeis e/ou idosos com câncer esofagogástrico
metastático em tratamento de primeira linha com capecitabina + oxaliplatina (Ca-
pox). Os pacientes receberam três níveis diferentes de dose: 100%, 80% ou 60%
do convencional. O controle da doença nos grupos com dose reduzida não foi
inferior, e a percepção do paciente quanto à qualidade de vida foi melhor nos gru-
pos tratados com dose menor. Pacientes desse perfil podem ser alternativamente
tratados com monoterapia com drogas como paclitaxel semanal, irinotecano ou
5-fluorouracil modulado por leucovorin111.
d.Imunoterapia
A utilização de droga anti-PD1, como pembrolizumabe e nivolumabe, pode ser
uma opção no tratamento de primeira linha de pacientes selecionados com câncer
esofagogástrico metastático. A resposta a essa forma de terapia está relacionada à
presença de alta instabilidade de microssatélites (MSI-H) e de níveis elevados de
expressão tecidual de PD-L1 medida em combined positive score (CPS – positividade
em células tumorais, linfócitos e macrófagos/total de células tumorais viáveis x 100).
O estudo Keynote-062 avaliou a sobrevida global no tratamento de primeira li-
nha do CG e de JEG metastático, com expressão tumoral de PD-L1 e escore CPS ≥ a
1%, e demonstrou a não inferioridade do pembrolizumabe em relação à quimiotera-
pia (10,6 versus 11.1 meses, HR 0,91, 95 % CI 0,69-1,18). A imunoterapia associou-se
a uma menor toxicidade. Uma análise do subgrupo com CPS ≥ a 10% mostrou be-
nefício em sobrevida favorecendo o grupo da imunoterapia (17,4 versus 10,8 meses,
HR 0,69, 95% CI 0,49-0,97). Entretanto, a taxa de resposta com pembrolizumabe
isolado foi baixa, e a droga possui alto custo, o que a torna uma opção de exceção. No
mesmo estudo, não foi observado ganho de sobrevida com a associação de pembro-
lizumabe e quimioterapia versus quimioterapia isolada, mesmo no subgrupo com
CPS ≥10112. Em contraponto aos dados demonstrados pelo estudo Keynote-062, os
resultados de dois estudos mostrando benefício com a associação de imunoterapia
com quimioterapia em primeira linha de tratamento do câncer esôfago-gástrico fo-
ram recentemente apresentados. O Checkmate-649, que comparou uso de quimiote-
rapia isolada (Capox/Folfox) ou em associação ao nivolumabe evidenciou ganho de
sobrevida global (14,4 versus 11,1 meses), sobrevida livre de progressão (7,7 versus
6,0 meses), taxa de resposta (60% versus 45%) e duração de reposta (9,5 versus 7,0
meses) a favor da associação113. Já o ATTRACTION-04 não mostrou ganho de so-
brevida global, possivelmente pelo alto índice de crossover. Entretanto, os resultados
223
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
e.Terapia Anti-HER2
Entre 7% e 38% dos pacientes com adenocarcinoma esofagogástrico tem am-
plificação ou superexpressão do HER-2. Essa frequência pode chegar a 32% para
tumores situados na JEG e 21% para os localizados no estômago. No subtipo in-
testinal, ela varia de 3% a 23% e, no difuso, 0% a 6%. A ocorrência de resultados
falso-negativos é elevada, e pelo menos seis biópsias do tumor primário devem ser
realizadas115. O benefício da associação de trastuzumabe à quimioterapia no tra-
tamento de primeira linha de pacientes com adenocarcinoma de JEG e estômago
com superexpressão ou amplificação do HER-2 foi demonstrado no estudo fase III
ToGA. Nele, os pacientes foram randomizados para receber cisplatina associada a
5-fluorouracil ou capecitabina com ou sem trastuzumabe. Os pacientes deveriam
ter superexpressão documentada por imuno-histoquímica (IHQ) 3+ ou ampli-
ficação do gene detectado por FISH. A taxa de resposta foi maior com trastuzu-
mabe (47% versus 35%), e a sobrevida mediana também foi superior (13,8 versus
11,1 mês, HR 0,74, 95 % CI 0,61-0,91). Em uma análise de subgrupo, o ganho de
sobrevida foi superior no grupo com IHQ 3+, chegando a 16,8 meses (HR 0,66,
95 % CI 0,50-0,87). O benefício foi menor no grupo com IHQ 2+ (HR 0,78, 95
% CI 0,55-1,10), e não houve ganho para pacientes com FISH positivo e IHQ 0
ou 1+. Portanto, a associação de trastuzumabe à quimioterapia está indicada no
tratamento de primeira linha de pacientes com adenocarcinoma de JEG e estô-
mago com HER2+ ou FISH positivo. Há um risco baixo de cardiotoxicidade, que
deve ser considerada na escolha do tratamento e no seguimento dos pacientes.
Não temos estudos fase III avaliando outras combinações de quimioterapia em
associação ao trastuzumabe diferente de cisplatina e fluoropirimidina. Entretanto,
outras combinações utilizando oxaliplatina, como Capox e Folfox, são aceitas e até
mesmo mais utilizadas. Outras drogas anti-HER-2 não mostraram benefício no
tratamento de primeira linha de pacientes com adenocarcinoma esofagogástrico
metastático HER-2 positivo116,117.
18.2. Terapia de segunda e terceira linhas
Não há terapia padrão após falha à primeira linha de tratamento do câncer
esofagogástrico. Houve comprovação de ganho de sobrevida em pelo menos cinco
224
estudos randomizados com as drogas ramucirumabe, paclitaxel, docetaxel e irino-
tecano. Características clínicas, preferência do paciente, tipo histológico e análise
molecular podem ser utilizadas na escolha do protocolo a ser seguido. O objetivo
é oferecer ganho de sobrevida com a menor toxicidade possível, preservando a
qualidade de vida.
a.Quimioterapia
O estudo japonês fase III WJOG 4007 e o sul-coreano fase III KCSG ST10-01
compararam terapia de segunda linha com irinotecano a cada 15 dias versus pacli-
taxel semanal. Ambos os esquemas foram equivalentes em resultado e tolerância.
Ambas as drogas são opções como tratamento de segunda linha. Alguns conside-
ram utilizá-las em terceira linha baseando-se no crossover ocorrido no estudo ja-
ponês, em que um número expressivo de pacientes que falharam a uma das drogas
migrou para o braço concorrente118-121. Outra opção de quimioterapia na segunda
linha é a utilização de outro taxano como o docetaxel ou nabpaclitaxel. Essa última
droga foi comparada ao paclitaxel, e os resultados foram equivalentes, com menor
reação infusional relacionada ao nabpaclitaxel122,123. Combinações como Folfiri e
cisplatina com irinotecano são apropriadas para pacientes selecionados – CEC ou
adenocarcinoma.
b.Imunoterapia
Conforme comentado anteriormente, quando falamos do tratamento de pri-
meira linha, a utilização de inibidores anti-PD1 é uma opção para pacientes se-
lecionados com CEC e adenocarcinoma esofagogástrico que apresentam alta
instabilidade de microssatélites e/ou expressão tecidual de PD-L1. Tais drogas se
apresentam também como opção após falha ao tratamento inicial se não tiverem
sido utilizadas em primeira linha. No Brasil, temos a aprovação do pembrolizu-
mabe em terceira linha para pacientes com tumores gástricos que expressam PD-
L1 com escore CPS ≥ 1. A utilização em outras indicações no câncer gástrico é
off-label. O estudo Keynote-181 comparou pembrolizumabe versus quimioterapia
(paclitaxel, docetaxel ou irinotecano) após falha na segunda ou na terceira linha
de tratamento em pacientes com adenocarcinoma e CEC do esôfago e JEG com
expressão de PD-L1 CPS ≥10. O pembrolizumabe foi superior à quimioterapia
com taxas de sobrevida global de 9,3 versus 6,7 meses e sobrevida em 12 meses de
43% versus 20%. No Brasil, essa droga está aprovada para o tratamento de segunda
e terceira linhas em pacientes com CEC de esôfago com PD-L1 CPS ≥1124. Análises
de eficácia desse e de outros estudos Keynote em tumores MSI-H ou dMMR leva-
ram à aprovação do uso da droga a partir de segunda linha para pacientes com tal
característica125,126.
O nivolumabe também foi aprovado para o tratamento do CEC de esôfago
em segunda linha nos Estados Unidos, independentemente do nível de PD-L1
225
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
c.Trifluridine/tipiracil (TAS-102)
O estudo TAGs comparou TAS-102 versus placebo em pacientes com adeno-
carcinoma de estômago e JEG previamente tratados (60% haviam recebido duas
ou mais linhas de tratamento). Os autores relataram aumento de sobrevida (5,7
versus 3,6 meses) e boa tolerância no grupo TAS-102. Baseando-se nesses resulta-
dos, a FDA aprovou a droga para o tratamento de pacientes com tumor de JEG ou
estômago em terceira linha129.
d.Tratamento anti-VEGF
O ramucirumabe é um anticorpo que tem ação antiangiogênica por meio do
bloqueio do VEGFR-2. O estudo de fase III REGARD comparou ramucirumabe
versus placebo como tratamento de segunda linha em pacientes com adenocarci-
noma avançado ou metastático da JEG ou estômago. Houve maior controle global
da doença (49% versus 23%) no grupo tratado com ramucirumabe. A sobrevida
global foi de 5,2 versus 3,8 meses, e a sobrevida livre de progressão foi de 2,1 versus
1,3 meses nos pacientes que receberam ramucirumabe ou placebo, respectivamen-
te. A resposta objetiva foi de 8% versus 3%, com bom perfil de tolerância no braço
experimental130.
O estudo de fase III RAINBOW avaliou o paclitaxel com ou sem ramucirumabe
como tratamento de segunda linha em pacientes com adenocarcinoma avançado
ou metastático da JEG ou estômago. A sobrevida global foi superior com o ramu-
cirumabe, sendo 9,6 versus 7,4 meses (HR 0,807, 95% CI 0,678-0,962), bem como
a sobrevida livre de progressão, que foi de 4,4 versus 2,9 meses, e a taxa de resposta,
que foi de 26 versus 16% a favor da combinação131. O estudo de fase II RAMIRIS,
que teve seus dados apresentados em 2020, comparou o uso de ramucirumabe
associado ao Folfiri ou paclitaxel semanal nos pacientes previamentes expostos à
docetaxel. A combinação Folfiri + ramucirumabe demostrou ser a melhor opção
nesse contexto, com sobrevida livre de progressão de 4,3 meses em comparação
com 2,0 meses (HR = 0,49; p = 0.008). Atualmente, um estudo de fase III para
comprovar tal hipótese encontra-se em andamento132.
Baseada nesses estudos, temos a aprovação de ramucirumabe como monote-
rapia ou associado ao paclitaxel para o tratamento de segunda linha em pacientes
com adenocarcinoma avançado ou metastático da JEG ou estômago.
226
e.Terapia anti-HER-2
A terapia anti-HER-2 não é indicada em segunda linha de forma rotineira para
pacientes HER-2 positivos após falha terapêutica em primeira linha. A maioria dos
estudos que avaliou o HER-2 como alvo terapêutico em segunda linha foi negativo,
o que pode ser atribuído à perda de expressão do HER-2 ao longo do tratamen-
to130-132. Exceção se faz ao trastuzumabe deruxtecan avaliado no estudo de fase II
Gastric – Destiny 01, cuja apresentação dos resultados culminou na aprovação
acelerada de seu uso em diferentes países. Essa droga apresentou superioridade
em relação à QT na segunda linha em taxa de resposta objetiva (51 versus 14%; p
< 0.0001) e sobrevida global (HR = 0,59; 12,5 versus 8,4 meses; p = 0.009)133.
PRIMEIRA LINHA
FOLFOX
CCAPECITABINA + CISPLATINA
5-FU+ CISPLATINA
DCF MODIFICADO – MAIS TÓXICO, SELECIONAR PACIENTE
FOLFIRI
SEGUNDA LINHA
DROGA ÚNICA – DOCETAXEL, PACLITAXEL, IRINOTECANO – CEC E
ADENOCARCINOMA
COMBINAÇÕES – IRINOTECANO + CISPLATINA, FOLFIRI – CEC E
ADENOCARCINOMA
RAMUCIRUMABE ISOLADO – ADENOCARCINOMA DE JEG E ESTÔMAGO
RAMUCIRUMABE + PACLITAXEL – ADENOCARCINOMA DE JEG E
ESTÔMAGO
TERCEIRA LINHA
PEMBROLIZUMABE – ADENOCARCINOMA DE ESTÔMAGO COM PD-L1
CPS = OU > 1
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233
NEOPLASIAS DO INTESTINO
DELGADO
Daniel Cesar
Rafael Morrielo
9
Rafaelli Yamamoto
234
1. INTRODUÇÃO
Apesar de compor cerca de 75% da extensão e 90% de toda superfície mucosa
do tubo digestivo, as neoplasias malignas do intestino delgado são raras, represen-
tando apenas 3% de todas as neoplasias malignas do trato gastrointestinal1-6. Além
disso, também pode ser sítio de metástase de outros tumores primários, especial-
mente melanoma, pulmão, cólon e ovário4. Entre as lesões benignas, podemos des-
tacar os adenomas, hamartomas, leiomiomas, fibromas e lipomas4,6. Neste capítulo,
focaremos os adenocarcinomas, os tumores neuroendócrinos (TNEs), os linfomas
e os sarcomas (incluindo GIST). Porém, mais atenção será dada aos adenocarci-
nomas, uma vez que os outros tipos histológicos serão mais bem abordados em
capítulos próprios.
2. EPIDEMIOLOGIA
Apesar de representarem apenas 0,5% de todas as neoplasias malignas, a in-
cidência dos tumores de intestino delgado vem subindo significativamente nas
últimas décadas, sendo esse aumento, em parte, atribuído à melhoria dos métodos
diagnósticos e a um aumento significativo na incidência dos tumores neuroendó-
crinos na população em geral1,2,6.
Segundo estimativas da American Cancer Society para o ano de 2019, nos EUA,
foram previstos 10.590 novos casos de tumores malignos primários do intestino
delgado, com 1.590 mortes relacionadas à doença. Do total de novos casos, 5.610
(52,9%) serão em homens e 4.980 (47,1%) nas mulheres, com uma mortalidade es-
timada de 890 (55,9%) e 700 (44,1%), respectivamente, o que corrobora o discreto
predomínio em homens relatado na literatura8.
Historicamente, os adenocarcinomas sempre foram o tipo mais frequente de
neoplasia maligna do intestino delgado, com uma incidência de cerca de 45%, se-
guidos dos tumores neuroendócrinos, com 29%, linfoma 16% e de sarcoma 10%.
Porém, em séries amplas recentes houve um aumento significativo dos tumores
neuroendócrinos, tornando essa neoplasia maligna primária mais frequente no
intestino delgado6. Em uma das maiores séries recentes, avaliando 56.223 pacien-
tes diagnosticados com neoplasia maligna de intestino delgado nos EUA de 1995 a
235
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
3. FISIOPATOLOGIA
Ainda não está totalmente claro por que o intestino delgado possui uma inci-
dência tão baixa de neoplasias malignas em comparação a outros órgãos do trato
gastrointestinal. Algumas teorias atribuem isso a características únicas do intestino
delgado. Entre elas, podemos destacar o conteúdo entérico mais líquido e diluído,
o que causaria menor irritação da mucosa e trânsito mais rápido, o que, em teo-
ria, diminuiria o tempo de exposição a carcinógenos e uma menor quantidade de
bactérias, especialmente as anaeróbias, que poderiam converter os ácidos biliares
em potenciais carcinógenos, a alta concentração de benzopireno hidroxilase, que
converte o carcinógeno benzopireno presente no alimento em metabólitos menos
tóxicos, grande quantidade de tecidos linfoides que podem ter um efeito protetor
local pela imunovigilância6,9. Apesar de todos esses fatores de proteção, o intestino
delgado ainda é capaz de desenvolver diversos tipos de neoplasias malignas, cada
uma com perfil molecular e características clínicas distintas.
Entre os principais mecanismos de fisiopatologia do adenocarcinoma do intes-
tino delgado, podemos destacar a sequência adenoma-adenocarcinoma. Esse é um
processo que pode ser influenciado por síndromes genéticas hereditárias ou pode
surgir de forma esporádica a partir de um adenoma. Esse acúmulo de mutações
ocorre de maneira semelhante aos dos tumores colorretais, mas o processo exato
ainda não está completamente compreendido3,18. As características histológicas
236
dos adenomas que podem favorecer a transformação maligna incluem: os adeno-
mas vilosos ou tubulovilosos, o número de adenomas, tamanho (> 1cm), presença
de displasia de alto grau e envolvimento da ampola de Vater9,12,18.
Quanto ao perfil molecular, diferentemente dos adenocarcinomas colorretais e
dos adenocarcinomas gástricos, existem alterações distintas de KRAS, APC, BRAF,
fator de crescimento epidérmico humano (ERBB2/HER2), p53, entre outros genes
que tornam a carcinogênese desse órgão singular. Assim como alterações epigené-
ticas específicas que tornam o intestino delgado um órgão peculiar no desenvolvi-
mento de tumores malignos primários19.
Mutações de APC
Presente na polipose
Sua mutação leva presentes em
adenomatosa familiar,
ao acúmulo de 0% a 26,8% dos
tendo uma relevância
beta-catenina adenocarcinomas
maior na carcinogênese
no núcleo, de intestino
APC dos tumores colorretais
estimulando a via delgado e
(80%), tendo um
de sinalização Wnt expressão de
protagonismo menor
de proliferação de beta-catenina em
nos adenocarcinomas
células epiteliais. 7,4% a 48% dos
de intestino delgado.
adenocarcinomas.
237
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Grupo de genes
envolvidos no
mecanismo de A mutação de qualquer
reparo de DNA, 5% a 35% dos um dos 4 genes pode
especialmente: adenocarcinomas ocorrer na síndrome de
MSH2, MLH1, de intestino Lynch (HNPCC).
MMR MSH6 e PMS2. delgado. Em tumores
A inativação Presente em 15% esporádicos, está
desses genes dos tumores relacionado à
desencadeia a colorretais. hipermetilação de
instabilidade MLH1.
microssatélite
tumoral.
12% dos
adenocarcinomas
de intestino Cerca de 10% dos
delgado, sendo pacientes com
Receptores
alteração de adenocarcinoma de
de fator de
ERBB2 mais intestino delgado
ERBB2/HER2 crescimento
frequente em pode se beneficiar
epidérmico
tumores de de tratamento com
humano.
duodeno. drogas-alvo anti-
Presente em 15% ERBB2.
dos cânceres
gástricos.
Associados a um
estadiamento pT
Codifica proteínas
elevado geralmente
envolvidas no
quando há invasão
crescimento
1% a 14% dos pancreática. Terapias-
e proliferação
adenocarcinomas alvo anti-EGFR podem
BRAF celular. Mutações
de intestino ser utilizadas em
nesse gene
delgado. pacientes com KRAS
estão presentes
e BRAF selvagem de
em diversas
maneira similar à
neoplasias.
usada em paciente com
tumores colorretais.
238
Nos TNEs do intestino delgado, temos como a mais frequente alteração genô-
mica a perda da heterozigosidade do cromossomo 18, que ocorre em até 70% dos
tumores de intestino delgado. Perdas cromossômicas também são observadas nos
cromossomos 11 (23%), 16 (20%) e 9 (20%). Mutações recorrentes no regulador
celular cyclin-dependent kinase inhibitor 1B (CDKN1B) estão presentes em 8% dos
tumores neuroendócrinos de intestino delgado, porém essa mutação não aparenta
ter correlação com características clínicas ou sobrevida12,20.
Com relação aos sarcomas de intestino delgado, análises recentes mostram que
a maioria dos casos é composta, na verdade, por tumores estromais gastrointesti-
nais (GISTs, do inglês gastrointestinal stromal tumors), correspondendo a 80% a
90% dos casos. Cerca de 80% dos GISTs possui uma mutação do gene que codifica
o receptor KIT da tirosina quinase (CD117) e outros 5% a 10% possuem uma
mutação no gene que codifica o receptor PDGRFRA da tirosina quinase. Apesar
dessas variações genéticas, os dois tipos de mutação não aparentam ter uma cor-
relação direta com prognóstico21-25. Cerca de 10% a 15% dos GISTs não possui ne-
nhuma dessas duas mutações, tendo em sua grande maioria inativação funcional
do complexo da succinato desidrogenase (SDH), resultado de um silenciamento
epigenético do SDH. Apenas uma minoria desses GISTs apresenta mutações do
NF1 ou ativação do BRAF25-27.
A definição do perfil genético desses tumores é importante porque mutações
no c-KIT e no PDGFRA resultam na produção de proteínas mutadas com ativida-
de de tirosina quinase, alvo terapêutico dos inibidores da tirosina quinase (imati-
nibe e sunitinibe). GISTs decorrentes da inativação do SDH pouco se beneficiam
desse tipo de terapia-alvo. Doenças metastáticas que não geram resposta aos ini-
bidores de tirosina quinase podem também estar relacionados ao surgimento de
mutações de resistência no KIT e no PDGFRA24-28.
Os linfomas primários do intestino delgado são um numeroso grupo de
neoplasias de grande variedade morfogenética com perfil genético e, em geral, são
semelhantes ao de outros sítios, podendo variar muito entre si. Os principais tipos
primários do intestino delgado são: o linfoma imunoproliferativo, o linfoma de
células T, o linfoma difuso de células B, o linfoma de células do manto, o linfoma
de Burkitt e o linfoma folicular29-39.
4. FATORES DE RISCO
Entre os principais fatores de risco, citamos as síndromes familiares hereditá-
rias. O conhecimento dessas síndromes é de fundamental importância no rastreio,
diagnóstico, tratamento, seguimento e aconselhamento genético nos pacientes
portadores de tumores malignos do intestino delgado6.
A síndrome de Lynch ou HNPCC é causada pela inativação dos genes MMR
de reparo do DNA, gerando altos níveis de instabilidade microssatélite e resultan-
do em um risco aumentado para câncer colorretal, intestino delgado, endométrio,
239
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
ovário, pulmão, rim e cérebro. Relaciona-se com cerca de 5% a 10% dos casos de
adenocarcinomas de intestino delgado. Portadores da síndrome possuem um risco
relativo cerca de 100 vezes maior e costumam desenvolver esses tumores em uma
idade cerca de 20 anos inferior à média da população geral40.
A PAF é causada por uma mutação do gene APC que promove formação de
tumores especialmente no cólon, mas esses pacientes também possuem uma chan-
ce de 50% a 90% de formarem múltiplos adenomas duodenais com uma certa
predileção pela região periampular, o que pode favorecer o surgimento de ade-
nocarcinoma. O adenocarcinoma do duodeno é a segunda causa mais comum de
morte relacionada a câncer nos pacientes com PAF, perdendo apenas para o câncer
colorretal41,42. Estudos enteroscópicos com cápsula evidenciaram que até 90% des-
ses pacientes podem desenvolver pólipos no jejuno e no íleo. Porém, o impacto na
sobrevida do seguimento desses pacientes com técnicas enteroscópicas avançadas
ainda não está determinado6. Além disso, pacientes com PAF têm predisposição a
tumores desmoides, que podem se originar tanto no intestino delgado quanto no
mesentério e outros tumores extraintestinais como osteomas, câncer de tireoide,
carcinomas e adenomas de adrenal e meduloblastomas6,42.
A síndrome de Peutz-Jeghers é uma síndrome autossômica dominante forma-
dora de pólipos causada pela mutação do gene supressor tumoral STK11 que re-
sulta na formação de hamartomas por todo trato intestinal, com risco aumentado
de adenocarcinoma no intestino delgado e no cólon. Esses pacientes possuem um
risco relativo 520 vezes maior de desenvolverem adenocarcinoma de intestino del-
gado que a população em geral. Como manifestações extraintestinais podemos
destacar neoplasias de pâncreas, mama, ovário e testículo e lesões pigmentadas na
boca, nas mãos e nos pés42,43.
A síndrome de polipose juvenil é caracterizada pela formação de pólipos
hamartomatosos. Está associada com risco aumentado para adenocarcinoma de
intestino delgado. Possui como manifestações extraintestinais tumores de sistema
nervoso central e malformações cardíacas6.
A doença de Cowden é uma doença autossômica dominante caracterizada pela
formação de hamartomas no estômago, intestino delgado e cólon. Ela também
está associada a um risco aumentado de adenocarcinoma no intestino delgado.
Além das síndromes hereditárias, patologias que levam à inflamação crônica do
intestino delgado podem favorecer o surgimento de neoplasias malignas, entre
elas a doença celíaca. Pacientes com doença celíaca têm risco 80 vezes maior de
desenvolver adenocarcinoma do que a população em geral. O mecanismo da
inflamação na carcinogênese compartilha várias vias morfogenéticas análogas
às da sequência adenoma-adenocarcinoma. Recentes publicações sugerem que a
prevalência do adenocarcinoma no intestino delgado em pacientes com doença
celíaca pode chegar até 8%44,45.
240
A doença de Crohn também está relacionada com um aumento do risco de
adenocarcinoma de intestino delgado, com uma incidência de 20 a 86 vezes maior
do que na população em geral. O processo atribuído a essa elevada incidência se-
ria a inflamação crônica, que predisporia à sequência displasia-adenocarcinoma.
Além disso, os adenocarcinomas associados à doença de Crohn possuem muta-
ções nos genes KRAS, BRAF, P53 e MSI similares às observadas em outras colites
crônicas relacionadas ao risco de câncer colorretal46. O risco de surgimento de
adenocarcinoma em pacientes portadores de doença de Crohn é diretamente rela-
cionado com o tempo de doença e sua extensão no intestino delgado.
A fibrose cística é uma doença relacionada à mutação do gene CFTR do cro-
mossomo 7, responsável pela produção de muco e secreções nas vias aéreas e no
trato gastrointestinal. Portadores dessa condição também apresentam risco au-
mentado de câncer no intestino delgado. Esses pacientes possuem maior formação
de pólipos adenomatosos, o que em tese explica a maior incidência nesse grupo47.
O consumo aumentado de álcool, açúcar refinado, carne vermelha, alimen-
tos defumados, tabagismo e obesidade é considerado fator de risco. No entanto,
evidências científicas são escassas e conflitantes, impedindo forte afirmação do
exposto48,49. Condições que causam imunodeficiência crônica, como o vírus HIV
ou imunossupressão pós-transplante, também podem favorecer o surgimento de
neoplasias malignas no intestino delgado, especialmente linfomas.
5. TIPOS HISTOLÓGICOS
5.1. Neoplasias benignas
As neoplasias benignas mais comuns do intestino delgado são: adenoma, leio-
mioma, lipoma e outros mais raros. Todos eles podem acometer qualquer seguimen-
to do intestino delgado, porém existe predileção maior pelos seguimentos distais do
íleo50-53. Os adenomas surgem mais comumente no duodeno e podem ser de três
tipos: tubular, viloso e de glândula de Brunner. O adenoma viloso é o tipo com maior
potencial de transformação maligna: cerca de 42% dos adenomas vilosos no duode-
no apresenta carcinoma invasor. Não existem, até o momento, protocolos estabeleci-
dos de vigilância endoscópica para adenomas de duodeno. Embora a prática clínica
atual recomende a ressecção endoscópica de todos os grandes adenomas duodenais
em pacientes com PAF, o tratamento endoscópico geralmente é insuficiente para
garantir um duodeno livre de pólipos52,53. A cirurgia está indicada para pacientes
com PAF com polipose grave ou pólipos esporádicos com displasia de alto grau
não passíveis de ressecção endoscópica54. Existe também uma correlação clara entre
adenomas de duodeno e pólipos colorretais, tendo a colonoscopia um papel funda-
mental no rastreio de câncer colorretal nesses pacientes55. Colangiopancreatografia
241
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
5.2. Adenocarcinoma
O adenocarcinoma do intestino delgado é raro, porém possui incidência
crescente nos últimos anos. Antes, a neoplasia maligna era considerada mais fre-
quente, mas isso foi superado nas últimas décadas pelo aumento significativo
na incidência dos TNEs. Estima-se que os adenocarcinomas sejam responsáveis
por 30% a 40% das neoplasias malignas do intestino delgado1,2. A maioria está
localizada no duodeno (52% a 57%), seguido pelo jejuno (18% a 29%), íleo (10%
a 13%) e localização indeterminada em 4% a 14% dos casos, podendo também
ocorrer nos divertículos de Meckel. Normalmente são diagnosticados em pa-
cientes mais jovens e em um estágio mais avançado quando comparados com
adenocarcinomas colorretais57-59.
Em geral, o adenocarcinoma de intestino delgado possui pior prognóstico em
comparação aos adenocarcinomas de cólon e reto – aproximadamente um terço dos
pacientes apresenta recidiva precoce. Apesar do grande avanço das modalidades de
tratamento sistêmico dos últimos anos e do conhecimento maior do perfil mole-
cular e da fisiopatogenia, o único tratamento curativo no momento é cirúrgico60-63.
242
A classificação dos TNEs se baseia no grau de diferenciação tumoral em três ti-
pos histológicos: tumores neuroendócrinos bem diferenciados de baixo grau (G1),
tumores bem diferenciados de grau intermediário (G2) e tumores pouco diferen-
ciados de alto grau (G3). Essa divisão considera o número de mitoses por campos
de grande aumento e o índice Ki-6766. A descrição mais completa dos TNEs está
presente no capítulo 14.
Número de mitoses
Diferenciação Grau tumoral
e Ki67
Bem diferenciado
5.4. Sarcoma
Os sarcomas são tumores mesenquimais malignos que representam aproxima-
damente 8% a 15% dos tumores de intestino delgado e ocorrem mais comumente
no jejuno, íleo e divertículo de Meckel, sendo o GIST o tipo mais comum de sar-
coma de intestino delgado, representando cerca de 83% a 86% dos casos67-70. Com
o advento da imuno-histoquímica, descobriu-se que muito dos leiomiossarcomas
que historicamente eram categorizados como o tipo histológico mais comum de
sarcoma de intestino delgado eram, na verdade, GISTs, já que esses tumores pos-
suem uma aparência morfológica similar. Em geral são diferenciados pela identi-
ficação do antígeno de superfície do receptor da tirosina-quinase CD 117 (C-KIT)
expresso pelos GISTS68. Geralmente provocam sintomas inespecíficos, como
dor abdominal, perda ponderal, hemorragia, perfuração, massa palpável e, mais
243
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
5.5. Linfoma
Os linfomas primários do intestino delgado correspondem a 15% a 20% de
todos os tumores primários do intestino delgado e de 20% a 30% de todos os
linfomas primários gastrointestinais1,2,30. Geralmente surgem dos agregados lin-
foides da submucosa, sendo o íleo o sítio mais acometido por sua ampla rede lin-
fática (60% a 65%), seguido do jejuno (20% a 25%) e do duodeno (6% a 8%)30,31,70.
Geralmente são multifocais, com skip metastasis em outras porções do intesti-
no delgado (15% dos casos). De forma semelhante aos sarcomas, apresentam-se
com formação de bulking tumorais com 70% dos tumores com mais de 5cm no
momento do diagnóstico71.
Histologicamente, os linfomas primários do intestino delgado são não Ho-
dgkin e podem surgir do tecido linfoide MALT ou ser originário de células
B ou T com tropismo pelo tecido linfático, podendo ser tumores de baixo ou
de alto grau.
244
Tabela 4. Estadiamento do adenocarcinoma de intestino delgado
– AJCC, 8ª edição.
Localização
Tipo
Linfoma Fisiopatologia Fator de risco mais
celular
comum
Genético com
deleção no
Linfoma receptor que
Acúmulo de Duodeno
imunoproliferativo codifica CH1.
MALT cadeias alfa e jejuno
do intestino Associação com
pesadas superior
delgado infecção por
Campylobacter
jejuni
Linhagens
Doença celíaca
Linfoma intestinal Células mutadas com
e halótipo HLA Jejuno e íleo
de células T T e NK tropismo pela
mutado
mucosa enteral
Células Formação de
Linfoma difuso de HIV e Epstein-
B imunoblastos e Íleo
células B Barr
maduras centroblastos
Clones mutados
Genético com
Linfoma de células Células com tropismo Íleo e
expressão de
do manto B naive por células jejuno
SOX11
linfoides enterais
Clones mutados HIV, Epstein-
Linfoma de Células com tropismo Barr, malária,
Íleo
Burkitt B por células crianças e
linfoides enterais adolescentes
Clones mutados
Genético por
Células com tropismo
Linfoma folicular translocação de Duodeno
B maior por
BCL2
duodeno
245
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
5.6. Metástases
As lesões metastáticas do intestino delgado são mais frequentes que os tumo-
res primários, podendo ocorrer tanto por contiguidade quanto por disseminação
hematogênica. Os principais são: melanoma, cólon, ovário e pulmão. Essas lesões
geralmente aparecem na parede do intestino delgado e podem cursar com obs-
trução e perfuração, especialmente na carcinomatose peritoneal (ovário, cólon e
estômago). A disseminação hematogênica para o intestino delgado acontece nor-
malmente nos melanomas, pulmão, mama, colo de útero, cólon e sarcomas. No
tratamento das lesões metastáticas, a linfadenectomia não está indicada de rotina,
sendo realizada apenas a ressecção da área acometida por enterectomia segmentar.
Porém, a metástase de melanoma pode cursar com linfoadenopatia mesentérica.
Havendo esse achado durante a cirurgia, a linfadenectomia do segmento acometi-
do se faz necessária quando possível72-75.
6. APRESENTAÇÃO CLÍNICA
As manifestações clínicas das neoplasias do intestino delgado mais comuns
são: dor abdominal (75%), perda de peso (28%), obstrução (25%), sangramento
(24%), perfuração (10%) e icterícia nos tumores periampulares. Tumores malignos
246
são mais propensos a ser sintomáticos em comparação com lesões benignas. A na-
tureza variável dos sintomas apresentados, combinada com a escassez de achados
no exame físico, pode contribuir para um atraso no diagnóstico em muitos casos76.
Normalmente o diagnóstico acontece por complicação de tumor já em estágio
avançado (hemorragia, obstrução ou perfuração)77.
Os TNEs bem diferenciados do intestino delgado (graus 1 e 2) podem se
manifestar junto com síndrome carcinoide, provocada pela secreção de sero-
tonina, histamina e taquicininas na circulação sistêmica, causando sintomas
como flushing, diarreia aquosa, telangiectasias, sibilos, dor abdominal e pela-
gra (deficiência de niacina)78,79. Porém, em estágios iniciais, a síndrome carci-
noide não está presente porque a drenagem venosa do intestino delgado para o
fígado pela circulação entero-hepática resulta na inativação da maioria dessas
substâncias metabolicamente ativas pelos hepatócitos, sendo mais comum em
paciente em estágio mais avançado que já possuem doença sistêmica, especial-
mente metástase hepática. Se não diagnosticada e tratada a tempo, a síndrome
carcinoide pode levar à insuficiência cardíaca direita (doença carcinoide car-
díaca)64. Já os tumores pouco diferenciados (grau 3) geralmente não são fun-
cionais, secretando eventualmente substâncias ativas em doses muito baixas
para gerar sintomas clínicos78,79.
7. DIAGNÓSTICO
Pacientes com suspeita de tumor de intestino delgado devem ser submetidos a
uma anamnese e exame físico completos, pesquisa de sangue oculto nas fezes, exa-
me laboratorial incluindo hemograma, eletrólitos, função hepática e renal, além de
dosagem de 5-ácido hidroxi-indolacético (5-HIAA) urinário e cromogranina A
sérica (CGA) para auxílio diagnóstico de TNE. O papel dos marcadores tumorais
ainda não está claro na avaliação de tumor do intestino delgado, porém a maioria
dos adenocarcinomas do intestino delgado tem CEA aumentado.
Não existe um único exame de imagem que seja melhor para o auxílio diagnós-
tico. As opções são a TC (sensibilidade de 70% a 80%), raio X contrastado do in-
testino delgado (sensibilidade de 50% a 60%) e enteróclise (sensibilidade de 90%).
Além de identificar o tumor primário, a TC é de fundamental importância no
estadiamento. Ela é capaz de estadiar metástase linfonodal, hepática e pulmonar.
Além disso, características radiográficas específicas podem auxiliar o diagnóstico
do subtipo histológico80-83. A enterografia por RM está emergindo como uma téc-
nica precisa para o diagnóstico e exclusão de neoplasia do intestino delgado84-86.
Em pacientes com sangramento ativo, a angiografia e a varredura de
radionuclídeos com coloide de enxofre com tecnécio (99mTc) ou glóbulos
vermelhos autólogos marcados com pertecato de 99mTc podem ajudar na
localização do segmento intestinal da hemorragia.
247
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
8. ESTADIAMENTO
O câncer de intestino delgado deve ser estadiado utilizando o sistema TNM, da
American Joint Committee on Cancer (AJCC), 8ª edição. TNM é abreviatura de
tumor (T), linfonodo (N) e metástase (M).
248
Tabela 4. Estadiamento do adenocarcinoma de intestino delgado
– AJCC, 8ª edição.
T Tumor primário
249
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
N Linfonodos regionais
M Metástase à distância
M0 Ausência de metástase
Estadiamento T N M
Estágio 0 Tis N0 M0
Estágio I T1-T2 N0 M0
Estágio IIA T3 N0 M0
Estágio IIB T4 N0 M0
250
9. TRATAMENTO
A ressecção cirúrgica é o tratamento padrão para adenocarcinoma, TNEs,
sarcomas e GISTs. Nos tumores localizados no jejuno ou íleo, a enterectomia
segmentar com linfadenectomia regional é recomendada. Porém, em tumores
localizados no duodeno, pode ser necessária a realização de gastroduodeno-
pancreatectomia (cirurgia de Whipple) e, nos tumores localizados no íleo distal,
ileocolectomia direita6,9,42. A linfadenectomia deve envolver os linfonodos me-
sentéricos próximos ao tumor90-92. Na doença metastática, o tratamento cirúrgi-
co deixa de ser recomendado como primeira escolha, sendo o tratamento com
quimioterapia sistêmica a melhor abordagem. Porém, controle cirúrgico, radio-
terapia ou stents endoscópicos são opções paliativas nesse cenário6,9,42.
Nos TNEs pequenos e localizados no duodeno, a ressecção endoscópica pode
ser indicada em tumores de até 10mm confinados na submucosa e sem evidência
de metástases à distância (estágio I: T1N0M0). Estudos recentes têm mostrado a
eficácia e segurança desse tipo de abordagem, mas ainda existem certas ressalvas
pelo risco de metástase linfonodal precoce nesses tumores, com alguns auto-
res advogando a favor do tratamento cirúrgico64,78. Caso a lesão não possa ser
ressecada por via endoscópica pela dimensão ou invasão mural, a excisão local
transduodenal com linfadenectomia pode ser uma opção à duodenopancreatec-
tomia64,78,79. A colecistectomia profilática deve ser considerada, uma vez que esses
pacientes podem necessitar de uso crônico de análogos da somatostatina como o
octreotide, que são litogênicos64,78,79.
Na doença neuroendócrina metastática existe o benefício da citorredução
com ressecção das metástases e do tumor primário a fim de se evitar compli-
cações gastrointestinais e como medida paliativa no alívio dos sintomas da
síndrome carcinoide79.
9.1. Adenocarcinoma
Pacientes com doença irressecável têm sobrevida média em cinco anos de 0% e
de 54% em doença ressecável. Dados do National Cancer Database (NCDB) entre
1985 e 1995 comparam sobrevida em cinco anos por estágio11:
251
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Estágio I 65%
Estágio II 48%
Estágio IV 4%
*Fatores de risco: margens < 5mm em tumor duodenal e < 5-10cm se jejuno/íleo,
< 5 linfonodos na peça duodenal ou < 8 linfonodos na peça jejuno/íleo, tumor
perfurado, invasão angiolinfática ou perineural, histologia pouco diferenciada.
252
Uma análise de dados do Database sugere que não há benefício na adição
de radioterapia em pacientes operados e, geralmente, isso não é indicado nos
adenocarcinomas de delgado. Quimiorradioterapia neoadjuvante pode ser con-
siderada em tumores irressecáveis no momento do diagnóstico com objetivo
de conversão. Há uma escassez de dados abordando os benefícios da terapia
adjuvante nos adenocarcinomas do intestino delgado e seu papel permanece
indefinido. Atualmente, o tratamento é baseado em extrapolação de dados que
demonstram um benefício significativo de sobrevida em pacientes com câncer
de cólon com doença linfonodal.
Cada vez mais, a expressão de biomarcadores está impulsionando a tomada
de decisões terapêuticas em pacientes com neoplasias avançadas e refratárias
à quimioterapia citotóxica. Os adenocarcinomas do intestino delgado têm um
perfil genômico diferente em comparação aos adenocarcinomas colorretais e
gástricos, incluindo variações na frequência e nos tipos de alterações de KRAS,
APC, BRAF, ERBB2/HER2, ERBB3 e outros genes110,111. Essas variações podem
contribuir para as disparidades nos resultados entre esses tipos de tumores e
fornecer alguma oportunidade para terapêuticas direcionadas nessa doença. A
imunoterapia com inibidor do ponto de verificação imune que visa ao receptor
de morte programado 1 (PD-1, pembrolizumabe) é uma opção para doenças
refratárias à quimioterapia com importância ainda maior, considerando a limi-
tação de evidências sobre ressecção hepática nas metástases de adenocarcinoma
do intestino delgado112,113.
253
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Avaliar
Conversão
• História e exame físico a cada 3-6 meses por 2 anos e a cada 6 meses
por um total de 5 anos.
• CEA e/ou CA 19-9 a cada 3-6 por 2 anos e a cada 6 meses por um
total de 5 anos.
• Tc tórax, abdome e pelve a cada 6-12 meses por 2 anos e anual por um
total de 3-5 anos.
• Pet-CT não é indicado.
• Cápsula endoscópica não é indicado.
254
Algoritmo 3. Tratamento do tratamento sistêmico do adenocarcinoma de
intestino delgado localmente avançado ou metastático.
Ensaio clínico
Ensaio clínico Ensaio clínico Ensaio clínico ou
Taxano ou
ou FÓLFIRI ou ou Cuidados Irinotecano ou
Cuidados
Taxano Paliativos Taxano
Paliativos
255
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
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259
CÂNCER COLORRETAL
Marcus Valadão
Rodrigo Otavio Araujo
10
Mizael Mascarenhas Junior
José Dias de Castro
Renato Fernandes da Silva
Rafael Jânio Alves da Costa
Gabriel Pires Gastin
Luca Jaeger Martins
Juliana Ominelli
260
1. INTRODUÇÃO
O câncer colorretal (CCR) representa a terceira maior causa de câncer e a se-
gunda maior causa de morte por câncer na América do Norte e na Europa Oci-
dental, com risco de 5% a 6% de desenvolvimento dessa doença ao longo da vida
nos centros ocidentais. Sua incidência na população acima dos 50 anos de idade
vem caindo nos Estados Unidos e em países europeus que adotaram a política do
rastreamento populacional, apresentando redução de incidência em torno de 3% a
4% por ano nos últimos 15 anos nos Estados Unidos1.
Aproximadamente 90% de todos os casos de câncer colorretal são diagnosti-
cados em pacientes acima de 50 anos de idade. Nos últimos anos foi observado
aumento da incidência da doença na população abaixo dos 50 anos nos Estados
Unidos. No momento do diagnóstico, 40% dos pacientes terão doença localizada,
37% terão doença regional e 20% terão metástase à distância e a sobrevida depen-
derá fundamentalmente do estadiamento ao diagnóstico1.
As estimativas mundiais mais recentes sinalizam cerca de 1 milhão de casos
novos de câncer do cólon e reto em homens, com um risco estimado de 26,6/100
mil neste gênero. Já em mulheres, os dados registrados apontam 800 mil casos
novos, sendo o segundo tumor mais frequente, com taxa de incidência de 21,8/100
mil. Os países com maiores registros de número de casos por habitante são locali-
zados na Europa: Hungria, Eslovênia, Holanda e Noruega, além de Austrália/Nova
Zelândia, América do Norte e Leste da Ásia2.
No Brasil, para cada ano do triênio de 2020-2022, são estimados aproximada-
mente 20.520 casos de câncer de cólon e reto em homens e 20.470 em mulheres.
Esses valores correspondem a um risco estimado de 19,63 casos novos a cada 100
mil homens e 19,03 para cada 100 mil mulheres. Excluindo-se os tumores de pele
não melanoma, o câncer de cólon e reto em homens é o segundo mais incidente
nas regiões Sudeste (28,62/100 mil) e Centro-Oeste (15,40/100 mil). Na Região
Sul (25,11/100 mil), é o terceiro tumor mais frequente. Já nas regiões Nordeste
(8,91/100 mil) e Norte (5,27/100 mil), ocupa a quarta posição. Para as mulheres,
é o segundo mais frequente nas regiões Sudeste (26,18/100 mil) e Sul (23,65/100
mil). Nas regiões Centro-Oeste (15,24/100 mil), Nordeste (10,79/100 mil) e Norte
(6,48/100 mil) é o terceiro mais incidente2.
261
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
2. FATORES DE RISCO
Os fatores de risco e a gênese do câncer colorretal vêm sendo exaustivamente
estudados nos últimos anos. Segundo a Sociedade Europeia de Oncologia Clínica
(ESMO), há evidências de que inúmeros mecanismos etiológicos e fatores de risco
estariam relacionados à gênese do câncer colorretal. A maioria dos casos dessa
neoplasia ocorre de forma esporádica, na qual não há história familiar, perfazen-
do cerca de 70% dos casos de CCR. Já está muito bem estabelecido, entretanto, a
relação estrita entre o aparecimento do CCR e hábitos e costumes das populações,
como o consumo de grande quantidade de alimentos ricos em gordura e calorias,
de bebida alcoólica e tabagismo3.
De acordo com as evidências, ter mais de 50 anos é um dos fatores de risco mais
importantes para o desenvolvimento do CCR. No entanto, algumas pessoas podem
apresentar a doença em idades mais precoces, em alguns casos associados a síndro-
mes hereditárias (esse assunto será abordado posteriormente neste capítulo).
Um entendimento importante é a compreensão da gênese do CCR como re-
sultante da interação entre fatores genéticos e ambientais. Entre as alterações de
expressão gênica associadas ao CCR, podemos citar ativação de oncogenes, como
os pertencentes às famílias RAS (K-RAS, H-RAS e N-RAS) e RAF (B-RAF) e a
inativação de genes supressores tumorais como os genes APC e p533.
São inúmeras as evidências atuais que ratificam as ideias de que dieta rica em
carne, gordura e pobre em fibras aumenta o risco de CCR. Os carboidratos com-
plexos diminuem o risco de CCR, porém seu efeito protetor pode ser reduzido se
a maior parte do amido da dieta for refinado. Alimentos com grande quantidade
de carboidratos refinados tendem a ser pobres em fibras. Hortaliças e frutas, ao
contrário, parecem ter efeito protetor contra o CCR, confirmando a ideia de que
a qualidade glicídica será o fator-chave na relação com câncer. Vários estudos
demonstram o efeito protetor de hortaliças como brócolis, repolho, couve-flor
e couve-de-bruxelas no CCR. Esses alimentos possuem as substâncias químicas
indóis e isotiocianatos, que estimulam enzimas de desintoxicação ou redutoras
da atividade de enzimas hepáticas que convertem compostos ambientais em car-
cinógenos potentes. Isso facilita o entendimento de que o CCR representa uma
doença dos países ocidentais e industrializados nos quais o consumo de carnes,
gorduras e carboidratos é significativo. Dessa forma, há maior incidência nos Es-
tados Unidos, Canadá, Grã-Bretanha, países escandinavos, Dinamarca, Austrália
e Nova Zelândia3.
Ao que parece, o sedentarismo representa um fator de risco para o desenvol-
vimento e agravamento de uma série de doenças, incluindo as neoplasias ma-
lignas. Partindo desse pressuposto, a atividade física regular funcionaria como
fator protetor para o CCR. Os motivos pelos quais isso aconteceria seriam o
fato de provocar estímulo do sistema imunológico, o combate ao sobrepeso/
262
obesidade e a diminuição dos níveis plasmáticos de insulina. Por outro lado, o
excesso de peso está associado ao risco aumentado de CCR. Os estudos apon-
tam a obesidade como fator de risco justamente porque seriam aquelas pessoas
com hábitos de alta ingestão de calorias, açúcar, gorduras e sedentárias. Acre-
dita-se que o provável mecanismo esteja relacionado à hiperinsulinemia e ao
alto nível de fator de crescimento dependente de insulina (IGF-1) e de proteí-
nas que se ligam ao IGF-1 (IGFBP). Além de estar relacionada ao maior risco
de CCR, a obesidade parece estar também relacionada à maior mortalidade
nesse grupo de pacientes3.
Pesquisas apontam também o risco aumentado de CCR em indivíduos fuman-
tes e que fazem ingestão de bebida alcoólica em excesso. O tabagismo aumenta o
risco de desenvolvimento de várias doenças crônicas em relação aos indivíduos
não fumantes, além de possuir relação com o aparecimento de câncer no sistema
gastrointestinal. A ação do tabaco em CCR se dá em longo prazo. Estima-se que o
ato de fumar ao longo de 20 anos esteja significativamente ligado ao aparecimento
de pequenos pólipos, e quanto maior o tempo de exposição, maiores os pólipos;
além disso, idade > 35 anos favorece o aparecimento de carcinoma. A fumaça do
cigarro possui mais de 7 mil substâncias químicas, entre elas o níquel, um metal
considerado agente carcinogênico e cocarcinogênico, por atuar de maneira indire-
ta sobre o DNA, provocando a alteração na regulação da expressão de vários genes.
Estudos demonstram a influência das substâncias presentes no tabaco sobre o in-
testino grosso, podendo causar alterações nesse órgão, principalmente inflamação
e carcinogênese colorretal3.
As pesquisas mostram que há evidências suficientes de efeito carcinógeno do
álcool em regiões anatômicas do cólon e do reto. Porém, esse risco é de magnitu-
de moderada e de difícil explicação. Investigações epidemiológicas identificaram
elevação de risco da ordem de 40% para câncer colorretal entre indivíduos consu-
midores regulares de cerca de 50g de álcool por dia.
A relação entre câncer colorretal e doença inflamatória intestinal foi descrita
há décadas, e hoje as evidências são fortes de que esse grupo de pacientes tem risco
maior de desenvolver neoplasias colorretais. Esse risco parece maior para pacien-
tes com retocolite ulcerativa do que para aqueles com doença de Crohn.
3. DIAGNÓSTICO
O diagnóstico histológico do câncer CCR é obtido geralmente por meio de
biópsias colhidas durante a endoscopia. A colonoscopia é o teste de diagnóstico
mais preciso e versátil para CCR, podendo localizar e biopsiar lesões no intestino
grosso, detectar lesões síncronas neoplásicas e remover pólipos. CCRs sincrônicos,
definidos como dois ou mais distintos tumores primários diagnosticados dentro
de seis meses de um CCR inicial, não motivado por extensão direta ou metástase,
263
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
264
O exame de retossigmoidoscopia flexível geralmente não é considerado um
estudo diagnóstico adequado para um paciente com suspeita de CCR, a menos
que seja identificada uma massa palpável no reto. Nesses casos, uma colonosco-
pia completa ainda é necessária para avaliar o restante do cólon para pólipos e
cânceres sincrônicos. A colonoscopia completa é obrigatória para detectar cân-
ceres sincrônicos que estão presentes em cerca de 2% a 4% dos pacientes7,8. Se
isso não for possível no pré-operatório, a visualização completa do cólon deve
ser feita dentro dos primeiros meses após a ressecção curativa, ou deve ser reali-
zada colonografia por TC no pré-operatório.
A colonografia por TC fornece uma perspectiva endoluminal do cólon disten-
dido cheio de ar. A técnica utiliza tomografia convencional helicoidal ou, no caso
da colonografia por ressonância magnética, imagens de ressonância magnética ad-
quiridas com volume ininterrupto de dados, que emprega sofisticado software de
pós-processamento capaz de gerar imagens que permitam ao operador estudar as
paredes e o lúmen intestinal. A colonografia por TC requer uma preparação mecâ-
nica do intestino semelhante ao necessário para o enema baritado, uma vez que as
fezes podem simular pólipos. Resultados anormais na colonografia por TC devem
ser seguidos por colonoscopia para excisão e diagnóstico tecidual, e para lesões
menores, vigilância adicional com colonografia por TC. Revisões sistemáticas dos
estudos de triagem realizados em pacientes assintomáticos sugerem que tanto a
colonografia por TC quanto a colonoscopia têm rendimento diagnóstico similar
para detectar CCR e pólipos grandes. Portanto, é necessário comparar os bene-
fícios e custos dos dois procedimentos de acordo com outros fatores, sendo um
dos mais importantes a exposição à radiação, o que é particularmente importan-
te quando o exame necessita ser repetido periodicamente para acompanhamento
de lesões pequenas. Há controvérsia quanto ao tamanho do limiar de um pólipo
que indicaria a necessidade de colonoscopia (intervencionista) e polipectomia. A
colonografia por TC também tem a capacidade de detectar lesões extracolônicas,
o que pode explicar os sintomas e fornecer informações sobre estágio do tumor,
mas também pode gerar ansiedade e custo com investigação desnecessária. O de-
sempenho diagnóstico da colonografia por tomografia computadorizada foi di-
retamente comparado à colonoscopia no estudo SIGGAR9 (Grupo de Interesse
Especial em Radiologia Gastrointestinal e Abdominal), em que 1.610 pacientes
com sintomas sugestivos de CCR foram aleatoriamente designados para colonos-
copia (n = 1.072) ou colonografia por tomografia computadorizada (n = 538). O
endpoint primário foi a taxa de investigação colônica adicional após o procedi-
mento primário para detecção de CCR ou pólipos grandes (> 10mm). As taxas de
detecção de CCR e pólipos grandes foram de 11% para ambos os procedimentos.
A colonografia por TC não diagnosticou 1 dos 29 CCRs e a colonoscopia não
deixou de diagnosticar nenhum dos 55 casos. Todavia, pacientes submetidos à
265
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
266
Com relação à prevalência de metástases pulmonares, uma TC de tórax em
pacientes com câncer retal localmente avançado parece justificada. Embora as
metástases distantes possam ser identificadas em outros órgãos, incluindo osso e
cérebro, nenhuma evidência justifica a investigação de rotina desses locais. Além
disso, os dados não suportam o uso rotineiro de PET-CT em pacientes sem suspei-
ta de doença metastática. Um estudo comparando PET-CT versus CT em pacien-
tes com metástases hepáticas elegíveis para ressecção hepática relatou redução da
taxa de laparoscopias fúteis, mas nenhum benefício na sobrevivência.
Vários marcadores séricos foram associados ao CCR, particularmente o an-
tígeno carcinoembrionário (CEA). Porém, todos esses marcadores, incluindo
CEA, apresentam baixa capacidade de detecção do CCR primário com baixa
sensibilidade para doença em estágio inicial. Uma metanálise13 concluiu que a
sensibilidade combinada do CEA para o diagnóstico de CCR foi de apenas 46%
(IC95% 0,45–0,47). Nenhum outro marcador tumoral convencional apresentou
maior sensibilidade diagnóstica, incluindo o antígeno CA 19-9. Além disso, a
especificidade do CEA também é limitada. A especificidade do CEA para o diag-
nóstico de CCR foi de 89% (IC95% 0,88–0,92). As causas não relacionadas ao
câncer com CEA elevado incluem gastrite, úlcera péptica, diverticulite, doen-
ça hepática, doença pulmonar obstrutiva crônica, diabetes e qualquer doença
aguda ou estado inflamatório crônico. Além disso, os níveis de CEA são signi-
ficativamente mais altos nos fumantes do que em não fumantes. Devido a esses
problemas, nem o CEA sérico nem qualquer outro marcador, incluindo CA 19-9,
deve ser usado como uma triagem ou teste de diagnóstico para CCR. No entan-
to, os níveis de CEA têm valor no acompanhamento de pacientes com CCR já
diagnosticado:
267
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
4. RASTREAMENTO
Baseado na alta incidência e mortalidade e norteado pela fisiopatologia do
CCR, consideramos o rastreamento como medida efetiva de prevenção secundária
em saúde pública para detectar o CCR em pacientes assintomáticos e em estagios
iniciais, bem como suas formas precursoras. Vários estudos randomizados con-
trolados demonstraram menor mortalidade entre pacientes submetidos ao rastre-
amento do que entre aqueles que não o fazem14. O rastreamento do CCR não se
baseia apenas no uso de uma única estratégia de avaliação no tempo, mas em testes
repetidos ao longo da vida do paciente (rastreamento programático).
Várias estratégias estão disponíveis para rastrear pacientes com risco modera-
do de desenvolvimento CCR, incluindo exames de sangue oculto nas fezes isola-
damente ou em combinação com DNA nas fezes, endoscopia (sigmoidoscopia ou
colonoscopia flexível), exames radiológicos (colonografia por tomografia compu-
tadorizada [TC]) e teste de marcadores moleculares no sangue15.
268
a periodicidade recomendada por essas entidades para redução da mortalidade
por CCR em pacientes com risco moderado (pacientes acima de 50 anos de idade
e que não se enquadram no alto risco).
1 - Colonoscopia: a cada dez anos;
2 - Sigmoidoscopia flexível: a cada cinco anos;
3 - Sigmoidoscopia flexível + teste imunoquímico fecal (TIF): a cada dez anos
com TIF, ou Teste de Sangue Oculto nas Fezes (TSOF) anualmente (somente
recomendado pela U.S. Preventive Services Task Force);
4 - Colonografia por TC (colonoscopia virtual): a cada cinco anos (não reco-
mendada pelo NCCN);
5 - Teste de DNA nas fezes: anualmente ou a cada três anos (não recomenda-
do pelo NCCN);
6 - Teste Imunoquímico Fecal (TIF): anualmente;
7 - Teste de Sangue Oculto nas Fezes (TSOF): anualmente;
8 - Teste Septina 9 circulante (SEPT-9): não especificado ou sem validação
por guideline.
269
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
U.S. National
American
Preventive Comprehensive Multi-Society
College of
Services Task Cancer Task Force
Gastroenterology
Force Network
Sigmoidoscopia
A cada 5 anos
flexível
A cada 10
Sigmoidoscopia
anos com tif Não recomendado
flexível + tif
ou tsof anual
Anualmente
Não
Dna fecal ou a cada Recomendado Recomendado
recomendado
3 Anos
Tif Anualmente
Tsof Anualmente
270
5. ESTADIAMENTO
O estadiamento do CCR, assim como de todos os tipos de câncer, deve ser
realizado para definição de tratamento e avaliação prognóstica. O sistema de es-
tadiamento mais utilizado atualmente é o TNM da American Joint Committee on
Cancer (AJCC), no momento em sua 8ª edição23, que abordaremos nesta seção.
Outras classificações foram bastante utilizadas no passado, como a classificação de
Duke ou o estadiamento de Astler-Coller.
T Tumor primário
* A invasão direta em T4 inclui a invasão de outros órgãos ou outros segmentos do colo como resultado da
extensão direta através da serosa, como confirmado no exame microscópico (por exemplo, invasão do cólon
sigmoide por um carcinoma de ceco) ou por câncer em localização retroperitoneal ou subperitoneal, invasão
direta de outros órgãos ou estruturas em virtude de extensão além da muscularis própria (isto é, respectiva-
mente, um tumor de parede posterior do cólon descendente que invade o rim esquerdo ou a parede abdominal
lateral ou o meio ou o câncer retal distal com invasão da próstata, vesículas seminais, colo do útero ou vagina).
** Tumor que adere a outros órgãos ou estruturas, grosso modo, é classificado em cT4b. Entretanto, se ne-
nhum tumor estiver presente na adesão, microscopicamente, a classificação deve ser pT1-4a, dependendo
da profundidade anatômica da invasão da parede. A classificação V e L deve ser usada para identificar a
presença ou ausência de invasão vascular ou linfática, enquanto o fator prognóstico da NP deve ser usado
para invasão perineural.
271
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
N Linfonodos regionais
M Metástase à distância
272
Estadiamento T N M
Estágio 0 Tis N0 M0
Estágio I T1,T2 N0 M0
Estágio IIA T3 N0 M0
T1 N2a M0
T2-T3 N2a M0
T1-T2 N2b M0
T3-T4a N2b M0
T4b N1-N2 M0
273
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
A última edição do TNM foi publicada em 2018 (8° edição do American Joint
Committee on Cancer) e houve poucas alterações em relação à anterior. Foram acres-
cidos: o estágio M1c em caso de carcinomatose peritoneal; micrometástases linfo-
nodais (> 0,2mm de diâmetro), ambas demonstrando mau prognóstico. Além disso,
a 8a edição reconhece alguns fatores que devem ser levados em consideração no mo-
mento de tomada de decisão, apesar de ainda não serem critérios formais. São eles:
• CEA sérico pré-operatório;
• Escore de regressão tumoral – analisa a resposta da doença após realização de
tratamento neoadjuvante;
• Invasão linfovascular e perineural;
• Instabilidade de microssatélites (é um bom fator prognóstico e preditivo da
falha de resposta à terapia com fluoropirimidina);
• Status de mutação do KRAS, NRAS e BRAF, já que mutações nesses genes
podem ser as responsáveis pela falta de resposta a agentes direcionados ao re-
ceptor do fator de crescimento epidérmico (EGFR).
6. SÍNDROMES HEREDITÁRIAS
Como já foi dito, a maioria dos casos de CCR é representada por sua forma
esporádica, constituindo aproximadamente 80% dos pacientes, e em 20% há uma
274
susceptibilidade hereditária à neoplasia. A epidemiologia da doença sugere que
fatores ambientais, provavelmente dietéticos, sejam as influências mais importan-
tes para a alta prevalência dessa doença em certos países, mas, em uma proporção
substancial de casos, os fatores genéticos também desempenham um papel signi-
ficativo. Aproximadamente 10% a 15% dos pacientes com câncer colorretal pos-
suem histórico familiar de câncer colorretal, sendo que 5% destes pacientes tem
início precoce da doença, antes dos 45 anos. A síndrome de CCR hereditário mais
característica é a polipose adenomatosa familiar (PAF), uma doença autossômica
dominante, caracterizada por um grande número de pólipos adenomatosos no
cólon (> 100), sendo responsável por 1% de todos os casos de câncer colorretal24.
Das formas hereditárias, a síndrome de Lynch é a mais frequente, sendo res-
ponsável por 20% a 30% dos casos associados à forma hereditária, equivalente a
3% a 5% de todas as neoplasias colorretais. Classicamente, a síndrome de Lynch
é uma doença autossômica dominante, sendo cinco vezes mais frequente que a
polipose adenomatosa familiar (PAF) e é decorrente da mutação de genes respon-
sáveis pelo sistema de reparo do DNA. O envolvimento colônico isolado ocorre na
síndrome de Lynch I, enquanto no subtipo II ocorre câncer colorretal associado a
outras neoplasias, como de endométrio, ovário, mama, estômago, intestino delga-
do, hepatobiliar, pâncreas, ureter e de pelve renal. A penetrância está em torno de
80%, ou seja, indivíduos que herdam essa mutação têm uma chance de desenvol-
vimento de CCR de aproximadamente 80%24.
Outras síndromes hereditárias raras com um aumento da susceptibilidade ao
câncer colorretal são poliposes hamartomatosas, incluindo a síndrome de Peutz-
-Jeghers e a polipose juvenil.
275
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
por volta dos 35 anos aproximadamente, cerca de 30 anos mais cedo que os
cânceres colorretais esporádicos. Os pólipos usualmente são menores que 1cm.
Eles podem ser pediculados ou sésseis, com histologia tubular, túbulo-vilosa ou
vilosa. O risco de câncer colorretal é proporcional ao tamanho e ao número de
pólipos. A distribuição do câncer colorretal nos portadores de PAF é semelhante
ao da população geral, predominando à esquerda. A PAF também está associa-
da a um número de lesões extracolônicas, benignas e malignas que surgem das
três camadas embrionárias. Geralmente as manifestações extracolônicas surgem
após as manifestações colônicas, porém é possível que tais lesões sejam a mani-
festação inicial da síndrome25;
276
encontram-se no mesentério do intestino delgado. Os 30% restantes acometem
a parede abdominal e outros sítios. Frequentemente surgem após o apareci-
mento dos pólipos intestinais. Alguns fatores de risco têm sido relacionados
com o desenvolvimento dos tumores desmoides. O trauma cirúrgico é o prin-
cipal deles. Oitenta e cinco por cento dos tumores intra-abdominais surgem
cerca de cinco anos após procedimentos abdominais, sejam abertos ou por
laparoscopia. Os tumores podem ser assintomáticos ou apresentarem-se como
volumosas massas, provocando dor abdominal, obstrução intestinal, fístulas,
trombose venosa profunda, obstrução urinária ou hemorragia26.
C - Neoplasias hepatobiliares
São lesões menos comuns e acometem um pequeno número de pacientes com PAF.
Incluem hepatocarcinoma, adenocarcinoma pancreático e colangiocarcinoma;
D - Carcinomas da tireoide
Há um elevado risco de carcinomas bem diferenciados da tireoide, particular-
mente em mulheres jovens. Como nas formas esporádicas, estes tumores têm
bom prognóstico;
E - Síndrome de Gardner
É o termo usado para descrever os pacientes portadores de PAF com um fenó-
tipo distinto, cuja característica é a associação com osteomas, cistos epidérmi-
cos e fibromas dérmicos;
277
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
F - Síndrome de Turcot
Refere-se à associação de pólipos colorretais e a presença de tumores do sis-
tema nervoso central, apresentando-se em dois tipos. O tipo 1 corresponde
a pacientes com tumores do sistema nervoso central (usualmente gliomas) e
adenomas colorretais sem polipose. Manchas de pele tipo “café com leite” po-
dem ser encontradas. O tipo 2 é menos comum e inclui pacientes com medu-
loblastoma em associação com polipose colônica, mais característico de PAF.
6.1.5. Diagnóstico
O diagnóstico de PAF clássica pode ser feito endoscopicamente pela identifica-
ção de centenas a milhares de pólipos distribuídos pelos cólons e reto. Alterações
benignas como cistos epidérmicos e hipertrofia congênita do pigmento retiniano
presentes ao exame físico servem para reforçar o diagnóstico de PAF. Os pacientes
com essa condição devem ser investigados com endoscopia digestiva alta para o
diagnóstico de pólipos no estômago e duodeno. A incidência de pólipos duodenais
nos pacientes com PAF varia de 80% a 100%, sendo a maioria nas primeiras e se-
gundas porções do duodeno, especialmente na região periampular.
O diagnóstico genético pré-sintomático nos indivíduos de risco é possível pela
detecção direta da mutação do APC. Os testes requerem amostra sanguínea, na qual
o DNA de linfócitos periféricos é testado. A identificação de indivíduos sem mu-
tações no APC remove a necessidade de rastreamento anual, uma vez que a chan-
ce de desenvolvimento de câncer nesse indivíduo é a mesma da população geral.
278
Tradicionalmente, a avaliação clínica do indivíduo de risco é feita por completa his-
tória pessoal e familiar, exame físico detalhado, retossigmoidoscopia (RSC) flexível
anual e colonoscopia quando houver o diagnóstico de pólipos. Nos indivíduos po-
sitivos para mutações no APC, a RSC flexível anual deve ser iniciada aos 10 anos.
Somente 15% dos portadores de mutações no APC desenvolverão pólipos intestinais
aos 10 anos. Aos 20 anos, aproximadamente 75% dos portadores já apresentam po-
lipose. Aos 30 anos, 90% dos portadores apresentam PAF e, sem intervenção, 100%
dos pacientes desenvolverão câncer colorretal na quarta década de vida.
Não há consenso na literatura sobre rastreamento das outras condições pa-
tológicas associadas à PAF. Sugere-se que devam ser investigadas com o apare-
cimento de sintomas.
O diagnóstico diferencial de PAF deve ser feito com câncer colorretal hereditário não
polipose (síndrome de Lynch), síndrome de Peutz-Jeghers e polipose familiar juvenil.
6.1.6. Tratamento
Todo portador de PAF precisa de tratamento cirúrgico. Sabendo-se que 5%
dos portadores de PAF desenvolvem câncer colorretal em torno dos 20 anos e
que quase todos os pacientes desenvolverão câncer na quinta década, a colectomia
profilática deve ser praticada em um período curto após o diagnóstico clínico de
PAF. Dois objetivos devem ser perseguidos no tratamento cirúrgico de PAF: 1)
Toda mucosa colorretal de risco deve ser removida; 2) Sempre que possível, a ma-
nutenção da continência fecal deve ser tentada24.
A preservação da função esfincteriana pode ser alcançada por duas técnicas:
colectomia total com ileorretoanastomose e a proctocolectomia total restaurativa
(PTR). A colectomia total com ileorretoanastomose (conduta de exceção) é reser-
vada para pacientes que apresentam poucos pólipos retais (PAF atenuado) e que
estão dispostos a submeter-se a longos períodos de observação, com exames en-
doscópicos a cada seis meses. Os defensores dessa técnica argumentam que poucos
portadores de PAF morrem por câncer retal após a operação, sendo o desenvolvi-
mento de tumores no trato digestivo superior à principal causa de óbito, e que os
pólipos retais são de fácil tratamento. Por outro lado, cerca de 16% dos pacientes
submetidos à colectomia total necessitarão de protectomia devido ao surgimento
de um número elevado de pólipos, impedindo um acompanhamento adequado e
seguro. A proctocolectomia total restaurativa (reconstrução com bolsa ileal em J
associada à anastomose íleo-anal) é o tratamento padrão. Esse procedimento eli-
mina a possibilidade de câncer retal e preserva a função esfincteriana, propiciando
qualidade de vida satisfatória. Nyam et al. reportaram uma série de 187 pacientes
portadores de PAF submetidos à proctocolectomia total restaurativa na Mayo Cli-
nic, evidenciando mediana de quatro evacuações diárias, sendo que apenas 2% dos
pacientes tiveram qualidade de vida prejudicada relacionada à função intestinal24.
279
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
280
Apesar do crescente conhecimento das bases genéticas da síndrome de Lynch,
ainda não está completamente estabelecido um algoritmo para teste genético em
pacientes de risco. Muitos autores advogam que o teste inicial para identificação
dessa síndrome seria a pesquisa de instabilidade de microssatélite (MSI). Diante
disso, o Instituto Nacional de Câncer Americano (National Cancer Institute – NCI)
desenvolveu os critérios de Bethesda durante a conferência de consenso realizada
em 1997 (tabela 4). Esse consenso sugere que pacientes que apresentem tais cri-
térios devam ser submetidos à pesquisa de instabilidade de microssatélite para o
diagnóstico de Lynch.
281
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
6.2.2. Rastreamento
O GCI29 recomenda a seguinte vigilância para indivíduos sob risco: colonoscopia
inicial aos 25 anos ou cinco anos antes do diagnóstico de câncer mais jovem na famí-
lia, que deve ser repetida a cada 1–3 anos. O rastreamento sugerido pela Sociedade
Americana de Cirurgiões de Cólon e Reto (American Society of Colon and Rectal
Surgeon)30 é: em pacientes com história familiar para síndrome de Lynch, a colonos-
copia deve ocorrer a cada dois anos entre os 21 e 40 anos, e após os 40, anualmente.
Para cânceres extracolônicos, como no caso do câncer de endométrio, não há um
consenso. O Consórcio de Estudos Genéticos para Câncer (Cancer Genetics Studies
Consortium)31 recomenda ultrassonografia transvaginal e biópsia aspirativa endo-
metrial a partir dos 25-35 anos, repetidas anualmente. O uso combinado dessas me-
didas demonstrou uma sensibilidade de 82% a 97% e boa especificidade na detecção
do câncer endometrial. A ultrassonografia transvaginal também pode ser usada no
rastreamento do câncer de ovário. Endoscopia digestiva alta pode ser usada naqueles
com história familiar de câncer gástrico ou que vivem em área de grande incidência.
Para famílias com história de câncer de pelve renal ou ureteral, a análise urinária, a
citologia oncótica urinária e a ultrassonografia podem ser usadas na avaliação do
trato urinário superior.
6.2.3. Tratamento
A indicação de tratamento na síndrome de Lynch é mais complexa que na PAF
pelo envolvimento de mais genes na síndrome, pela menor penetrância e pela va-
riada expressão clínica. O planejamento do tratamento é baseado na divisão dos
pacientes em três grupos: 1) Pacientes com diagnóstico de síndrome de Lynch
confirmado que apresentam câncer colorretal; 2) Pacientes com Lynch confirmada
mas sem câncer e 3) Pacientes de risco para Lynch, mas que não têm condições
de realizar o teste genético de predisposição24,32. O primeiro grupo (pacientes com
CCR com diagnóstico confirmado de Lynch) deve ser tratado por colectomia total
com anastomose íleo-retal devido à alta incidência de CCR metacrônico (mais de
40% em dez anos). Esses pacientes devem ser acompanhados por meio de exame
endoscópico do coto retal remanescente por conta do risco aumentado de câncer.
282
Nos casos em que há tumor retal sem tumor colônico (raridade), pode ser reali-
zada a proctocolectomia total com anastomose íleo-anal com bolsa ileal em J. No
segundo grupo, que é composto por pacientes sabidamente portadores do defeito
genético herdado e sem câncer, existe controvérsia na realização ou não de uma
colectomia total profilática (com anastomose ileorretal), pois, como a penetrância
do gene que causa a doença está entre 80% e 90%, um grupo de pacientes seria
operado desnecessariamente. Há uma tendência mundial em não realizar cirurgia
profilática, sendo a conduta mais aceita o seguimento rigoroso com colonoscopia
anual ou bianual, iniciando-se na idade de 25 anos, além de endoscopia digestiva
alta e exames de imagem abdominal e pélvica. Para pacientes pós-menopausa ou
que já cumpriram sua atividade reprodutora, a profilaxia cirúrgica por meio da
histerectomia total abdominal com salpingooforectomia bilateral pode ser ofere-
cida, mas não há evidências científicas estabelecidas de sua eficácia.
O terceiro grupo (os que não têm condições de realizar o teste genético por
algum motivo) deve ser subdividido em pacientes com e sem câncer. Nos pacientes
sem câncer que não sabem se são ou não portadores do defeito genético herdado,
cirurgias profiláticas não devem ser indicadas, e sim seguimento rigoroso com
exames periódicos, como se todos fossem portadores da síndrome de Lynch. Esse
seguimento é feito apesar de sabermos que metade dos indivíduos de uma mesma
família não terá o defeito genético, de acordo com a herança mendeliana clássica
para doença genética autossômica dominante, com um dos pais heterozigoto. Já
os que têm câncer devem ser tratados de modo individualizado, de acordo com o
sítio da lesão, respeitando os princípios de cirurgia oncológica33.
283
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
síndrome diferem dos pólipos juvenis por possuírem tecido muscular liso em con-
tinuidade com a muscular da mucosa, envolvendo o tecido glandular – são os póli-
pos de Peutz-Jeghers (esses tipos de pólipos raramente podem ser encontrados de
forma isolada e sem os demais componentes da síndrome). Os pólipos costumam
predominar no intestino delgado, podendo levar a uma intussuscepção. Há tam-
bém um aumento no risco de cânceres extraintestinais – essas neoplasias (como
os carcinomas de pâncreas, mama, ovário e útero) chegam a acometer até 50% dos
indivíduos portadores dessa síndrome. Um aumento no risco de adenocarcinoma
de intestino delgado e de câncer colorretal também é evidenciado nesses pacientes
(podem surgir focos adenomatosos nos hamartomas da síndrome).
6.3.3. Cronkhite-Canadá
Polipose hamartomatosa gastrointestinal difusa, associada à hiperpigmentação
cutânea, alopecia e distrofia do leito ungueal. É uma síndrome não hereditária.
284
Tumores com invasão de órgãos adjacentes (T4b) requerem ressecção em blo-
co da estrutura acometida por contiguidade a fim de garantir margens livres de
ressecção. Essas cirurgias alargadas devem ser realizadas por equipes treinadas e
em centros de referência, e por vezes requerem reconstruções complexas de vias
urinárias ou de estruturas vasculares. Recentemente vem sendo estudada a terapia
neoadjuvante com quimioterapia para tumores de cólon localmente avançados.
Embora essa abordagem ainda não tenha sido estabelecida como padrão de tra-
tamento, resultados promissores em relação ao aumento de ressecabilidade foram
apresentados em 2019 no estudo FOxTROT34. Nesse estudo, que randomizou
1.052 pacientes, a taxa de cirurgia incompleta (R1 ou R2) foi reduzida de 10% para
5% no grupo que recebeu quimioterapia pré-operatória (p= 0.0001). Apesar de
bem tolerado, o tratamento neoadjuvante não reduziu significativamente a taxa de
recidiva local em dois anos (14% versus 18%).
285
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
286
7.1.1. Colectomia, videolaparoscopia e robótica
Em relação ao CCR, três grandes estudos de fase III asseguraram o papel da
técnica videolaparoscópica no tratamento do câncer colorretal:
• No estudo COST35 americano, foram randomizados 872 pacientes entre res-
secção aberta e videolaparoscópica, e encontrou-se resultado semelhante para
todos os estágios em termos de sobrevida global (SG), sobrevida livre de do-
ença (SLD), taxa de recidiva local e à distância, mortalidade operatória e com-
plicações cirúrgicas. O grupo da videolaparoscopia apresentou menor tempo
médio de internação (cinco versus seis dias, valor de p < 0,001), e maior tempo
cirúrgico (150 minutos vs. 95 minutos, valor de p < 0,001);
• No estudo britânico CLASSIC36, foram randomizados 794 pacientes com cân-
cer de cólon e reto entre ressecção videolaparoscópica e aberta, em uma pro-
porção de 2:1. Houve 29% de taxa de conversão para operação aberta. Assim
como no estudo anterior, as taxas de complicações cirúrgicas e de mortalidade
nos dois grupos foram semelhantes, com tempo de internação menor e tempo
operatório mais longo no grupo de videolaparoscopia;
• Em um terceiro estudo, intitulado COLOR37, foram randomizados 1.248
pacientes com câncer de cólon direito ou esquerdo, entre ressecção aberta
e videolaparoscópica, tendo como objetivo primário avaliação da SLD em
três anos. Embora os resultados de sobrevida ainda não estejam consolida-
dos, os dois grupos foram equivalentes no número de linfonodos resseca-
dos e em margens negativas. O grupo de ressecção videolaparoscópica teve
menor perda sanguínea, reinício de alimentação oral mais precoce e menor
tempo de internação, às custas de maior tempo operatório (202 minutos vs.
170 minutos).
287
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
288
Hohemberger et al., da Universidade de Erlangen, em 2009, publicaram a padroni-
zação da excisão completa do mesocólon associado à ligadura vascular central, com
redução da recidiva em cinco anos de 6,5% para 3,6%45.
Posteriormente, a técnica foi também adaptada à cirurgia minimamente in-
vasiva, com resultados oncológicos equivalentes46, mas não existem estudos pros-
pectivos randomizados comparando a linfadenectomia estendida à convencional.
Na ausência desses estudos, nossa conduta é a linfadenectomia D2 com ligadura
próximo à origem da artéria nutridora (isto é, aproximadamente 1cm da origem
do tronco vascular) de modo a garantir radicalidade sem comprometer o plexo au-
tonômico durante as colectomias esquerdas ou o tronco vascular da mesentérica
superior nas colectomias direitas.
289
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
290
conforme a necessidade, para inserção dos seguintes materiais laparoscópicos,
sendo um necessariamente de 12mm e os demais de 5mm: ótica de 30 graus;
pinças de apreensão atraumáticas (duas); pinças de dissecção laparoscópica
tipo Maryland; pinça de energia (tipo Ligasure® ou ultrassônica); tesoura lapa-
roscópica; cânula de aspiração/irrigação laparoscópica; endogrampeadores li-
neares e endoclipadores (trocater de 12mm);
6) Identificação visual ou tátil para comprovação da localização tumoral;
7) Secção do ligamento redondo e falciforme do fígado e posicionamento
do grande epíplon no andar superior do abdome ajudado pela manobra
de Trendelenburg;
8) Posicionamento das alças de intestino delgado para o quadrante inferior
direito com exposição do ângulo de Treitz;
9) Secção do ligamento do ângulo de Treitz e identificação da veia me-
sentérica-inferior;
10) Secção do ligamento redondo e falciforme do fígado e posicionamento
do grande epíplon no andar superior do abdome ajudado pela manobra de
Trendelenburg;
11) Posicionamento das alças de intestino delgado para o quadrante inferior
direito com exposição do ângulo de Treitz;
12) Secção do ligamento do ângulo de Treitz e identificação da veia me-
sentérica inferior;
13) Isolamento da veia mesentérica inferior, ligadura com endoclipes de titânio
ou Hem-o-lok® e secção desta na altura do ângulo de Treitz;
14) Dissecção do plano retroperitoneal com dissecção romba em direção ao
flanco esquerdo, anterior à fáscia de Gerota, aos vasos gonadais e o ureter até a
identificação da parede abdominal e o musculo psoas;
15) Identificação da artéria mesentérica inferior e ligadura junto a sua origem
na artéria aorta com clipes LT400 ou Hem-o-lok®. Secção da artéria mesenté-
rica inferior a aproximadamente 1cm da origem da aorta, preservando o plexo
autonômico; ou dos ramos sigmoides em caso de preservação da artéria da
cólica esquerda ou da artéria retal superior;
16) Prosseguir a dissecção do plano retroperitoneal em direção à pelve, man-
tendo o cuidado com o ureter e os vasos gonadais, até a identificação da fáscia
própria do reto;
17) Realizar a secção dos ligamentos de fixação do cólon esquerdo e sigmoide
ao peritônio parietal por via anterior, encontrando o plano de dissecção poste-
rior retroperitoneal;
291
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
292
diminuindo a taxa de infecção de sítio cirúrgico, seja com dreno de sucção48 ou
com uso de sistema de pressão negativa para pacientes de maior risco49.
293
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Taxa de estoma
33,9 51,4 < 0,001
(%)
Sucesso da
70,0 54,1 0,043
anastomose (%)
294
Existe o risco de perfuração tumoral associado a colocação de endopróteses
com potencial disseminação de células neoplásicas na cavidade. Entretanto, es-
tudos recentes, incluindo uma metanálise de 2019 com 2508 pacientes, reportam
resultados de longo prazo equivalentes comparados a ressecção primária de ur-
gência (SG e SLD em 5 anos)60.
Conclusão: Em pacientes com tumor de cólon obstrutivo, a ressecção primária
de urgência está associada a maior taxa de complicações, tempo de internação e
probabilidade de estoma. A confecção de colostomia descompressiva ou colocação
de stents são alternativas seguras que permitem a ressecção de forma eletiva em
melhores condições clínicas, principalmente em tumores obstrutivos do cólon es-
querdo (grau de evidência: forte).
295
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Figura 2
Estágio II
• pT4 Fluorouracil
MSS
• < 13 linfonodos isolado
avaliados
• Tumores pouco
diferenciados ou
grau 3
• Perfuração ou Controle
obstrução intestinal MSI-H
• Margens Fluorouracil +
comprometidas oxaliplatina*
• Invasão perineural *se múltiplos fatores
e/ou linfovascular de risco
296
7.4.2. Doença estágio III
Em pacientes com linfonodos positivos, a quimioterapia adjuvante está bem
consolidada, devendo ser iniciada em até oito semanas após a ressecção cirúrgi-
ca82,83. A adição de oxaliplatina ao 5-fluorouracil aumentou a SLP e a SG em pa-
cientes com menos de 70 anos77,78, sendo o tratamento de escolha. Para pacientes
com tumores estágio III de baixo risco (T1-3, N1) o tratamento adjuvante com
capecitabina e oxaliplatina (CAPOX) por três meses foi superior ao tratamento
por três meses, sendo o recomendado. O tratamento com FOLFOX por três meses
foi inferior ao tratamento por seis meses, podendo ser discutido com o paciente o
risco de recidiva e de toxicidade. Já para pacientes com tumores de alto risco (T4 e/
ou N2), o tratamento por seis meses é o mais indicado, pois o esquema mais curto
com FOLFOX foi inferior ao tratamento longo e com CAPOX não foi provado ser
semelhante84,85. Pacientes com idade maior que 70 anos não parecem ter benefício
com a oxaliplatina, devendo ser privados dessa associação77.
O tratamento neoadjuvante com a combinação de 5-fluorouracil com oxaliplatina
pode ser considerado em pacientes com tumores T4b ou com doença nodal volumosa71.
Figura 3
Estágio III CAPOX
3 meses
Baixo risco
(T1-3, N1)
FOLFOX
3* - 6 meses
*discutir com paciente o
risco-benefício
297
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
da reflexão peritoneal e com limite inferior no topo do canal anal. Essa divisão
tem implicações práticas, pois tumores do reto intraperitoneal têm comportamen-
to biológico semelhante aos tumores do cólon, tendo maior chance de recidiva à
distância do que local, enquanto os tumores do reto extraperitoneal têm compor-
tamento biológico no qual a recidiva local é problema tão importante quanto a
recidiva à distância. Por isso, os tumores do reto intraperitoneal são tratados de
forma semelhante aos tumores do cólon, enquanto os tumores do reto extrape-
ritoneal são tratados de forma distinta, com estratégias que visam à redução da
recidiva local. De forma prática, os tumores do reto intraperitoneal estão locali-
zados no reto superior (geralmente acima dos 12cm da margem anal conforme
avaliação da retossigmoidoscopia rígida, acima da reflexão peritoneal vistos pela
ressonância de pelve e não acessível ao toque retal por meio do exame físico). Já
os tumores do reto extraperitoneal estão localizados no reto médio (entre 5cm e
12cm da margem anal) e inferior (até 5cm da margem anal), sendo definidos de
forma prática por lesões abaixo da reflexão peritoneal por meio da ressonância de
pelve, até 12cm da margem anal através de retossigmoidoscopia rígida e tocável ao
exame físico digital convencional.
O reto extraperitoneal é envolto por um tecido composto com gordura e lin-
fáticos chamado mesorreto. Esse tecido que envolve o reto é recoberto pela fáscia
mesorretal, formando um verdadeiro estojo. As paredes da pelve são recobertas
pela fáscia endopélvica, sendo designadas de Waldeyer na porção pré-sacral e de
fáscia de Denonvilliers na porção anterior (separa o estojo mesorretal dos órgãos
urogenitais). O entendimento dessa anatomia é fundamental para se entender os
princípios cirúrgicos empregados no câncer do reto. A técnica cirúrgica preconi-
zada no câncer de reto é conhecida como excisão total do mesorreto (ETM) e tem
como fundamento a dissecção fina, seguindo o plano embriológico avascular entre
a fáscia mesorretal e a fáscia endopélvica, ressecando todo o estojo mesorretal de
forma íntegra e sem violação do compartimento mesorretal. Heald foi o cirurgião
responsável pela padronização e disseminação dessa técnica na década de 1980 e,
até hoje, a ETM constitui-se como base fundamental do tratamento cirúrgico do
câncer de reto extraperitoneal. A utilização da ETM preconizada por Heald redu-
ziu drasticamente a incidência de recidiva local após cirurgia do câncer de reto,
alcançando taxa de recidiva local de 2,7% em cinco anos com essa técnica86. Para
os tumores do reto intraperitoneal, advoga-se que a excisão mesorretal seja parcial,
ou seja, ressecção do mesorreto englobando 5cm distal ao tumor, pois não há ne-
cessidade de ressecção de todo estojo mesorretal até o nível do diafragma pélvico,
como é feito na ETM. A partir da disseminação da ETM como técnica padrão-ou-
ro no tratamento do câncer de reto extraperitoneal, estudos das peças cirúrgicas
confirmaram a importância da ressecção adequada do estojo mesorretal sem vio-
lação da fáscia mesorretal. Quirke foi responsável por padronizar o estudo da peça
cirúrgica de modo a avaliar com detalhes a qualidade da ETM, identificando que
298
a qualidade da ETM produzida pelo cirurgião e o comprometimento da margem
radial eram fatores prognósticos decisivos relacionados à recidiva local. Quirke
evidenciou que pacientes que apresentavam violação do estojo mesorretal duran-
te a cirurgia cursavam com chance significativamente maior de recidiva local87.
Diante desses achados, Quirke88 propôs uma classificação baseada na avaliação da
qualidade da ressecção do espécime cirúrgico, que serve como auditoria da qua-
lidade da técnica cirúrgica empregada e que tem correlação direta com recidiva
local. A seguir, a classificação de Quirke (tabela 6):
Grau de Excisão
Características macroscópicas
do Mesorreto
local de 1,6%, enquanto pacientes com ETM grau I apresentavam taxa de recidiva
local de 41%, reforçando a importância da realização da técnica cirúrgica adequa-
da para otimizar os resultados oncológicos no câncer de reto.
8.1.2. Linfadenectomia
As metástases linfonodais obedecem ao fluxo linfático natural do reto e dão-se
nas seguintes direções: drenagem mesorretal (linfonodos contidos dentro do esto-
jo mesorretal), drenagem cranial (ao longo dos vasos retais superiores e da artéria
mesentérica inferior), drenagem lateral (em direção à parede pélvica lateral, no
território dos vasos ilíacos e fossa obturadora) e drenagem inferior (por meio do
canal de Alcock, alcançando os linfonodos inguinais). O padrão de disseminação
linfática vai depender das características anatomopatológicas do tumor (grau de
penetração na parede, invasão venosa extramural etc.) além da localização (tumo-
res mais distais apresentam maior incidência de disseminação lateral e inguinal).
299
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Linfonodos principais
(Grupo 3)
300
Plexo pélvico
Nervos obturadores
301
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Plexo pélvico
Nervos obturadores
(Classificação das estações nodais de acordo com o guideline da Sociedade Japonesa de Câncer colorretal)90.
302
relacionadas ao aumento dos índices de deiscência. Matthiessen et al.91 realizaram
um estudo randomizado prospectivo que comparou um grupo com colostomia de
proteção com outro grupo sem colostomia de proteção em cirurgias do câncer de
reto. Foram alocados 234 casos, sendo que o grupo submetido à colostomia de pro-
teção apresentou fístula clinicamente sintomática em 10,3%, enquanto o grupo não
submetido à colostomia de proteção cursou com 28% de fístula clinicamente sinto-
mática. Além disso, houve necessidade de reoperação em 8,6% dos pacientes com
estoma protetivo versus 25,4% nos casos sem estoma. A mais recente metanálise so-
bre esse tema incluiu quatro estudos prospectivos com oito mil casos, demonstrando
que a ausência de estoma de proteção esteve associada ao aumento significante da
incidência de fístula da anastomose e reoperação92. No Inca, indicamos colostomia
de proteção nos casos submetidos à radioterapia neoadjuvante e nos casos submeti-
dos a anastomoses baixas (abaixo da reflexão peritoneal).
Envolvimento do complexo
Tipo de cirurgia indicada
esfincteriano
303
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
304
adequada nos casos de lesões T1 com fatores de pior prognóstico (invasão profun-
da da submucosa maior que 1.000μm a partir da muscular da mucosa; tumores
pouco diferenciados; presença de tumor budding; invasão angiolifática ou peri-
neural) e todos os T2, devendo ser considerado tratamento adjuvante com radio-
terapia e quimioterapia com o objetivo de reduzir as chances de recidiva local ou
complementação cirúrgica com ETM. A excisão local pode ser feita de diversas
formas (excisão local transanal convencional ou por meio da utilização de plata-
formas transanais) e deve incluir toda espessura na ressecção, incluindo a gordura
perirretal e sem fragmentação da peça cirúrgica.
8.1.8. Laparoscopia
A cirurgia minimamente invasiva apresenta vantagens em comparação
com a cirurgia convencional, podendo-se destacar a recuperação mais rápida,
menor tempo de internação, menos íleo paralítico, menos dor e menor taxa de
complicação da parede abdominal. Em relação ao emprego da cirurgia minima-
mente invasiva no câncer de reto, podemos dizer que os resultados são conflitan-
tes na literatura. Isso se deve a vários fatores. Primeiro, a utilização da abordagem
laparoscópica no câncer de reto é uma técnica que exige muito esforço para seu
aprendizado, ou seja, há necessidade de uma longa curva de aprendizagem, ne-
cessidade de que o cirurgião esteja dedicado ao tratamento do câncer de reto
devido aos seus princípios oncológicos fundamentais para obtenção de bons
resultados (padronização da ETM), necessidade de alto volume cirúrgico para
conseguir alcançar proficiência na cirurgia minimamente invasiva e, por conse-
guinte, necessidade de estar inserido em um centro dedicado ao tratamento do
câncer de reto (possuir infraestrutura e equipe multidisciplinar). Segundo, os re-
sultados dos trabalhos com maiores casuísticas são trabalhos multicêntricos que
incluíram não só centros de referência como também centros de baixo volume
e sem controle de qualidade da expertise do cirurgião, o que provavelmente teve
impacto negativo nos resultados publicados.
Alguns estudos randomizados evidenciaram benefício com o uso da lapa-
roscopia no câncer de reto em comparação com a cirurgia convencional. Entre
eles, podemos citar o estudo coreano publicado em 201497 e o estudo COLOR
II98 publicado em 2015, ambos evidenciando a superioridade da laparoscopia
em relação à cirurgia convencional. O estudo coreano97 randomizou 340 pa-
cientes portadores de câncer de reto médio e inferior, demonstrando sobrevida
livre de doença em três anos de 72,5% para cirurgia convencional e 79,2% para
laparoscopia, além de recidiva local de 4,9% (cirurgia convencional) e de 2,6%
(laparoscopia). O estudo COLOR II98 randomizou 1.044 pacientes entre cirurgia
convencional (345 casos) e cirurgia laparoscópica (699), evidenciando taxa de
recidiva de 5% em ambos os braços, sobrevida livre em três anos de 74,8% (lapa-
roscopia) e de 70,8% (convencional) e sobrevida global de 86,7% (laparoscopia)
305
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
e de 83,6% (convencional). Por outro lado, dois outros estudos prospectivos ran-
domizados apontaram resultados piores com a laparoscopia quando comparada
à cirurgia convencional. O estudo Alacart99 randomizou 470 pacientes e eviden-
ciou piores resultados patológicos (qualidade da ETM, margem radial e mar-
gem distal) no grupo de laparoscopia. O critério de cirurgia de alta qualidade
foi atingido em 82% do grupo da laparoscopia e em 89% no grupo da cirurgia
convencional. Além disso, houve recidiva local em 5,4% (laparoscopia) e 3,1%
(cirurgia convencional) e a sobrevida livre de doença foi de 80% (laparoscopia)
e 82% (convencional). Outro estudo randomizado também apontou pior resul-
tado da laparoscopia. O estudo ACOSOG Z6051100 randomizou 488 pacientes e
avaliou os resultados dos espécimes cirúrgicos dos dois grupos, evidenciando
que a ETM completa foi alcançada em 81,7% no grupo da laparoscopia e em
86,9% no grupo da cirurgia convencional.
Apesar dos resultados conflitantes publicados nos grandes estudos pros-
pectivos randomizados, observamos que em centros de referência de tratamento
de câncer colorretal, a cirurgia minimamente invasiva tem sido considerada o pa-
drão-ouro, com resultados semelhantes ao da cirurgia convencional.
8.1.9. Robótica
Conforme comentado acima, a laparoscopia no câncer de reto é uma técnica
desafiadora, seja por conta da longa e difícil curva de aprendizagem, seja por
conta das limitações da própria técnica em trabalhar em um espaço tão restri-
to como a pelve. O advento da cirurgia robótica foi pensado como ferramenta
capaz de superar as dificuldades encontradas na laparoscopia. A robótica oferta
alguns elementos que a tornam extremamente útil para o trabalho confinado na
pelve: câmera em 3D estável controlada pelo cirurgião, tecnologia de articula-
ção das pinças, que reproduz exatamente todos os movimentos da mão e faz a
filtragem do tremor das mãos do cirurgião, o que promove enorme precisão dos
movimentos e uma dissecção mais delicada e precisa. Esses elementos tornam
a dissecção mesorretal mais fácil101. Infelizmente, existem poucos estudos pros-
pectivos randomizados comparando cirurgia robótica com cirurgia laparoscó-
pica no câncer de reto. Foram publicadas seis metanálises sobre esse tema até o
momento, sendo que houve concordância de achados na maioria delas. A mais
recente, publicada em 2019102, incluiu 73 estudos (seis randomizados e 67 estu-
dos observacionais) com 169 mil casos. As conclusões dessas metanálises apon-
tam para o benefício da robótica em relação a: menor taxa de conversão para
cirurgia aberta do que a laparoscopia e melhores resultados funcionais (menos
sequelas urinária e sexual)103. Além disso, elas evidenciam que a robótica apre-
sentou resultados oncológicos semelhantes aos da laparoscopia e taxa de com-
plicações também semelhantes. Em contrapartida, a robótica apresenta maior
tempo operatório e maior custo103.
306
Segue um quadro com o resumo comparativo entre as duas técnicas103 (tabela 8):
Recuperação pós-
= = Sem diferença
operatória
Menor taxa de
Conversão conversão na
robótica
Linfonodos
= = Sem diferença
ressecados
Sobrevida livre de
= = Sem diferença
doença
Melhor resultado
Função sexual funcional na
robótica
Melhor resultado
Função urinária funcional na
robótica
Maior custo na
Custo
robótica
307
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
308
Os estudos que avaliaram o benefício da quimioterapia adjuvante no câncer de
reto avançado encontraram desfechos variados119,120, possivelmente pela baixa to-
lerância ao tratamento, já que cerca de 50% dos pacientes não recebe a dose plane-
jada120. Portanto, para a decisão sobre fazer ou não a quimioterapia pós-operatória
e a escolha do esquema (5-fluorouracil isolado ou sua associação com oxaliplati-
na), deve ser levado em consideração o risco de recidiva e o risco de toxicidade. O
estudo ADORE comparou tratamento adjuvante com 5-fluorouracil isolado versus
sua associação com oxaliplatina em pacientes com estágio II e III patológico após
o tratamento neoadjuvante121. Foi encontrado aumento de sobrevida livre de do-
ença com a combinação de drogas, sendo o tratamento recomendado em pacientes
pouco ou não respondedores.
ALGORITMO 1. CÓLON.
Seguimento Colectomia
309
Adenocarcinoma Colon
Não-Metastático Adenocarcinoma Colon Metastático
ALGORITMO 2. CÓLON.
ou T4b
310
Re-estadiamento Re-estadiamento
QT Paliativa
e/ou
Cuidados Paliativos
ALGORITMO 3. TRATAMENTO DO CÂNCER DE RETO LOCALMENTE
AVANÇADO.
• T3c/d
• T4
• IVE
• N+
• Depósito tumoral
(N1c)
• MRC +
• Acometimento do
esfíncter externo
RT curso longo
QT de consolidação + QT
QT adjuvante yp
Estágio II ou III:
311
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
T1N0
TME
T2N0
Considerar Excisão
Local em casos TME
selecionados*
T2N0
Invasão do
esfincter
T1/T2N1/N2;
T3a/T3bN0/N1/N2 Considerar Rxt +
Margem Radial livre QT e Watch and
Sem EMV1 Wait se resposta
clinica completa
TME
312
T3c/T3dN0/N1/N2 T3c/T4 N0/N1/N2 Qualquer T/Qualquer
Margem Radial livre Margem Radial + N SUBMETIDO
EMVI + EMVI + A TRATAMENTO
Linfonodo Lateral + NEOADJUVANTE
RxT Short-course
ou RxT Long-course
+ QT + TME ou Considerar WATCH
NEOADJUVÂNCIA and WAIT se Resposta
TOTAL + TME Clínica Completa e se
cirurgia proposta for
Amputação de Reto
NEOADJUVÂNCIA TOTAL
FOLFOX/XELOX-> Rxt long-course +
Capecitabina-> TME
ou
FOLFOX/XELOX-> Rxt short-
course-> TME
ou
Rxt short-course-> FOLFOX/
XELOX-> TME
ou
Rxt long-course + capecitabina->
FOLFOX/XELOX-> TME
313
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
9. SEGUIMENTO
O seguimento do paciente no pós-operatório tem como objetivo a detecção
precoce de recorrência local e sistêmica, a fim de instituir tratamento em tem-
po hábil71. Utilizamos rotineiramente o CEA, tomografias e exames endoscópicos
periodicamente conforme o protocolo nas tabelas 9 e 10, pois a identificação de
progressão de doença local e/ou à distância aumenta a taxa de ressecção de tais
lesões com intenção curativa. Esse acompanhamento é recomendado durante os
cinco anos após a cirurgia71.
Uma metanálise com 11 ensaios clínicos randomizados com 4.055 casos relata
melhora na sobrevida global, empregando uma rotina de acompanhamento mais
intensiva (RR= 0,75; intervalo de confiança de 95% [IC] 0,66–0,86), assim como
maior identificação de recorrências assintomáticas (RR= 2,59; IC 95% 1,66–4,06),
cirurgia curativa realizada em recorrências (RR=1,98; IC 95% 1,51–2,60), sobre-
vida após recorrências (RR=2,13; IC 95% 1,24–3,69), bem como menor tempo
para detectar recorrências (diferença média = -5,23 meses; IC 95% 9,58–0,88). En-
tretanto, não foi identificada na metanálise diferença na mortalidade relacionada
diretamente ao câncer122.
O ensaio clínico randomizado Follow-up After Colorectal Surgery (FACS) de-
monstrou que os exames de imagem (TC de tórax, abdome e pelve) associados ao
marcador tumoral, especificamente o CEA, estão relacionados a maiores taxas de
ressecção cirúrgica de recidivas com intenção curativa, mas sem impacto na sobre-
vida em comparação com medidas mínimas de seguimento123.
A orientação do guideline versão 2020 da NCCN71 para seguimento de doença
em estágio I é de rastreio menos intensivo devido ao baixo risco de recorrência e
aos efeitos danosos associados à vigilância. Por isso, no estágio I, a colonoscopia é
recomendada após um ano de pós-operatório, seguido de realização da colonos-
copia aos três anos e em sequência a cada cinco anos, sem necessidade de exames
radiológicos. Como exceção à regra, se for identificado adenoma avançado (pólipo
viloso, pólipo > 1cm ou displasia de alto grau), a nova colonoscopia deve ser rea-
lizada em um ano.
O estudo COLOFOL randomizou 2.509 pacientes com câncer colorretal (CCR)
nos estágios II e III comparando a realização de TC de tórax e abdome e CEA com
alta frequência no seguimento (TC e CEA em 6, 12, 18, 24 e 36 meses) versus baixa
frequência (TC e CEA em 12 e 36 meses). Em cinco anos de seguimento, não foi
demonstrada alteração na mortalidade geral ou específica por CCR entre as duas
estratégias de triagem124.
Após a incorporação da terapia neoadjuvante (QRT de longa duração ou ra-
dioterapia de curta duração) e da cirurgia de excisão total do mesorreto (ETM),
a presença de recorrência do câncer retal reduziu-se extraordinariamente107. Um
fato interessante é que a QRT neoadjuvante tradicional e a cirurgia radical não
modificaram o risco de desenvolver metástases à distância, pois elas ocorrem em
314
aproximadamente 35% dos pacientes e tornaram-se cinco vezes mais frequentes
do que as recorrências pélvicas113-115.
A investigação da elevação do CEA sem foco evidente após a cirurgia deve
incluir exame físico, exames endoscópicos, tomografias de tórax, abdome e pelve,
assim como avaliar o PET-CT. O seguimento, segundo o guideline versão 2020 da
NCCN71, deve ser a cada três meses, para que o CEA estabilize ou reduza, ou mes-
mo para que a doença seja identificada. Não há recomendação formal para utiliza-
ção de PET-CT na vigilância, mas pode ser útil em casos bem selecionados, como
elevação progressiva do CEA sem identificação do foco de recidiva pelos exames
convencionais de imagem, assim como em lesões duvidosas71.
No seguimento do câncer colorretal há uma consideração para o uso de aspi-
rina (325mg/dia) como quimioprevenção secundária para redução da recorrência
e morte. Existem ainda dados limitados sobre a utilização de estatinas para o au-
mento da sobrevida no câncer colorretal71.
315
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
ESTÁGIO I a III
Meses 3 6 9 12 3 6 9 12 3 6 9 12 3 6 9 12 3 6 9 12
CÂNCER DE CÓLON
Anamnese e
• • • • • • • • • •
exame físico
CEA • • • • • • • • • •
TC tórax • • • • • • •
TC abdome e
• • • • • • •
pelve
Colonoscopia • •
CÂNCER DE RETO
Anamnese e
• • • • • • • • • •
exame físico
CEA • • • • • • • • • •
Toque retal
TC tórax
TC abdome e
pelve
Colonoscopia
Retoscopia
flexível
Protocolo do Instituto Nacional do Câncer (Inca-RJ).
316
Tabela 10. Seguimento do paciente com câncer colorretal via
ambulatorial no estádio IV.
ESTÁGIO IV
Meses 3 6 9 12 3 6 9 12 3 6 9 12 3 6 9 12 3 6 9 12
CÂNCER DE CÓLON
Anamnese e
• • • • • • • • • • • • • • • •
exame físico
CEA • • • • • • • • • • • • • • • •
TC tórax • • • • • • • • • •
TC abdome e
• • • • • • • • • •
pelve
Colonoscopia • •
CÂNCER DE RETO
Anamnese e
• • • • • • • • • • • • • • • •
exame físico
CEA • • • • • • • • • • • • • • • •
Toque retal • • • • • • • • • • • • • • • •
TC tórax • • • • • • • • • •
TC abdome e
pelve
Colonoscopia
Retoscopia
flexível
Protocolo do Instituto Nacional do Câncer (Inca-RJ).
317
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
1° ANO 2° ANO
Meses 2 3 4 6 8 9 10 12 2 3 4 6 8 9 10 12
CEA • • • • • •
Ressonância
• • • •
de pelve
Tc torax,
• • • •
abome e pelve
Colono •
3° ANO 4° e 5° ANO
Anamnese e
• • • • •
exame físico
Toque retal • • • • •
Retoscopia
• • • • •
flexível
CEA • • • •
Ressonância
• • • •
de pelve
Tc torax,
• • • •
abome e pelve
Colono •
318
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323
CÂNCER CANAL ANAL
Daniel Cesar
324
1. INTRODUCÃO E EPIDEMIOLOGIA
O câncer do canal anal (CCA) representa cerca de 2,5% dos tumores do trato
gastrointestinal. Embora relativamente incomum, a incidência de câncer de células
escamosas (CEC) do canal anal está aumentando nos Estados Unidos (EUA) e
em outras partes do mundo. Em 2019, foram estimados 8.300 novos casos, sendo
2.770 em homens e 5.530 em mulheres. De acordo com o conjunto de dados esta-
tísticos sobre câncer dos EUA, as taxas de incidência de CEC anal aumentaram de
2001 a 2015 em 2,7% ao ano. Os aumentos mais consideráveis foram em homens
negros jovens e mulheres entre 60 e 69 anos1.
O aumento da incidência tem relação com sexo feminino, infecção por papilo-
mavírus humano (HPV), número de parceiros sexuais, verrugas genitais, tabagis-
mo, relações sexuais anais receptivas e infecção pelo HIV. Estudos mostram que
pacientes HIV-positivos têm 15 a 35 vezes mais chance de desenvolverem CCA. A
incidência é maior em mulheres, com relação 2:1, e ocorre com maior frequência a
partir da sexta década de vida, sendo que entre homossexuais masculinos a média
de idade é de 39 anos. Houve, também, aumento da mortalidade nesse mesmo
período, de 3,1% ao ano2,3.
Do ponto de vista etiológico, o CCA é mais semelhante às neoplasias genitais
do que aos cânceres do trato gastrointestinal, sendo a infecção pelo HPV o agente
mais importante. Assim como acontece no câncer de colo uterino, o HPV está re-
lacionado ao surgimento de displasia e lesões intraepiteliais, que podem evoluir até
um câncer invasivo. Estudos epidemiológicos mostraram que até 93% dos CECs
de canal anal estão associados à infecção pelo HPV, sendo as mulheres mais pro-
pensas ao desenvolvimento de CCA associado ao HPV do que os homens4. Outras
infecções sexualmente transmissíveis também estão relacionadas ao CCA, como
gonorreia, herpes simples tipo 1 e Chlamydia trachomatis. Também associa-se a
doenças anorretais crônicas, como fístulas, fissuras e abscessos anais. No entanto,
estudos recentes demonstraram pouco impacto dessas doenças com o desenvolvi-
mento do câncer anal5,6.
325
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
2. ANATOMIA E PATOLOGIA
O canal anal tem 3 a 4cm de comprimento e é a porção terminal do tubo digestivo.
Estende-se do anel anorretal até a junção da pele perineal com a margem anal. O anel
anorretal, claramente identificável pelo exame retal, é definido como o feixe muscular
formado pela interseção das fibras musculares da porção superior do esfíncter interno,
do músculo puborretal e do esfíncter anal externo. A linha dentada ou pectínea é a área
em que as glândulas anais se abrem e representa a zona de transição entre o epitélio
colunar do canal proximal e o epitélio escamoso estratificado do canal distal. O epitélio
que cobre essa parte do canal anal é chamado epitélio de transição e contém epitélio co-
lunar, cuboide, escamoso e de transição. A mucosa do canal anal proximal se origina de
endoderma e apresenta drenagem linfática e venosa por meio dos vasos hipogástricos.
Ela tem origem ectodérmica e apresenta drenagem linfática e venosa por meio dos va-
sos hemorroidários inferiores. Este último tem áreas de inervação sensorial do sistema
nervoso somático por meio de ramos do nervo pudendo. O canal anal é dividido pela
linha dentada, que indica a transição entre mucosa glandular e epitélio escamoso. Essa
junção mucocutânea é considerada ponto de referência para distinguir o canal anal da
margem anal (pele perianal)17,18.
A margem anal é a área cutânea que se desenvolve concentricamente dentro
de um raio de 5cm da borda anal e é coberta por epitélio escamoso queratinizado
contendo folículos capilares.
Os tumores localizados na margem anal são semelhantes aos da pele perianal e
apresentam altas taxas de cura com excisão local, particularmente quando peque-
nos (< 3cm) e bem diferenciados. Isso também se deve provavelmente ao fato de
que esses tumores são mais facilmente detectados em estágios iniciais.
326
Margem anal – entre a fenda anal e os 5cm de pele perianal em qualquer direção.
Essa divisão é importante, pois tumores iniciais da margem anal podem ser tratados
como lesões de pele por excisão local.
Mais de 80% das lesões malignas do ânus são CECs. Os 20% restantes são tu-
mores raros, como melanoma, carcinoma de células claras, adenocarcinomas e tu-
mores neuroendócrinos. O termo carcinoma basaloide, embora pouco utilizado
atualmente, é uma variante do CEC que surge na zona transicional. Por isso, o
termo “câncer anal” geralmente se refere ao CEC. Os adenocarcinomas anais são
menos comuns e devem ser tratados de maneira semelhante ao adenocarcinoma
retal. Já os CECs primários de reto são raros e tendem a apresentar difícil distin-
ção dos CECs de canal anal, sendo geralmente tratados com quimiorradioterapia
(CRT)20-22. Não existe um marco facilmente identificável entre o final do reto e o
início do canal anal. Além disso, a zona de transição tem uma aparência histológica
amplamente variável. Como resultado, a classificação patológica dos tumores que
surgem nessa área pode ser difícil. A distinção clínica entre tumores do canal anal
e aqueles que envolvem a margem anal ou a pele perianal também é duvidosa. Os
CECs que surgem em qualquer superfície mucosa do ânus são tratados como cân-
cer do canal anal, mesmo se estiverem disseminados pela pele do períneo.
327
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
3. APRESENTAÇÃO CLÍNICA
O sintoma mais frequente é sangramento anal, que pode acontecer em até 45%
dos casos. Dor anal e sensação de tumoração perianal também são sintomas co-
muns25,26. Esses sintomas são semelhantes àqueles causados por doenças benignas,
manifestando-se simultaneamente em cerca de 50% dos casos. História de condilo-
ma anorretal está presente em aproximadamente 50% dos homens homossexuais e
em 30% de homens e mulheres heterossexuais27. Mamilos hemorroidários eventu-
almente ressecados devem ser encaminhados para estudo anatomopatológico para
afastar carcinoma oculto. 70% a 80% dos CCAs são diagnosticados inicialmente
como condições benignas. Pacientes com doença de Bowen frequentemente têm
prurido perianal de longa data. Pacientes com doença de Paget podem ser assin-
tomáticos ou apresentar prurido perianal com placa eritematosa e sangramento. A
associação frequente de CCA e doença de Paget, leucoplasia, hemorroidas, fissuras
e fístulas dificulta o diagnóstico. Por todas essas razões, a maioria dos pacientes
(60% a 70%) apresenta doença avançada no momento do diagnóstico.
Sintomas como dor durante a defecação, corrimento anal ou mudança de há-
bitos intestinais sugerem lesões maiores; incontinência e fístula retovaginal são
geralmente encontradas em lesões avançadas. O CCA geralmente se desenvol-
ve como uma úlcera infiltrante, com margens enduradas e levemente elevadas;
raramente tem aspecto polipoide na parte superior do canal, mas mantém um
328
componente de infiltração relevante. Tumores da parte inferior do canal podem
crescer com padrões expansivos – um nódulo pode ser sentido no ânus ou na par-
te posterior da vagina. Envolvimento do orifício anal, bem como do reto distal, é
comum; extensão para órgãos adjacentes (vagina, próstata ou espaço isquiorretal)
ocorre em 15% a 20% dos pacientes. Nesse caso, o tumor pode se apresentar como
um abscesso perianal ou fístula. Linfonodo inguinal aumentado pode ser o pri-
meiro sinal de CCA. O diagnóstico equivocado de linfadenomegalia inflamatória
ou hérnia inguinal pode levar a sério atraso no tratamento.
4. DISPLASIA ANAL
Os canais anal e cervical compartilham características embriológicas, histo-
lógicas e patológicas. Ambas as áreas podem apresentar alterações metaplásicas
normais e alterações displásicas anormais relacionadas à infecção pelo HPV. Re-
comenda-se nomenclatura para proliferações escamosas associadas ao HPV do
trato anogenital inferior: lesão intraepitelial escamosa de baixo grau (LSIL) e lesão
intraepitelial escamosa de alto grau (HSIL).
A HSIL do canal anal é considerada lesão pré-maligna e pode evoluir para
CCA, semelhante à progressão da HSIL cervical para câncer cervical28. Manifesta-
ções histopatológicas da infecção pelo HPV são mais frequentemente identifica-
das na zona de transição anal, onde o epitélio colunar retal e o epitélio escamoso
anal se encontram. As lesões intraepiteliais escamosas (SIL) anais e cervicais com-
partilham características citopatológicas, e a citologia anal e cervical são descritas
usando o sistema de classificação Bethesda29. Alterações citológicas são descritas,
em gravidade crescente, como células escamosas atípicas de significado indeter-
minado (ASC-US), SIL de baixo grau (LSIL), células escamosas atípicas sugestivas
de SIL de alto grau (ASC-H) e SIL de alto grau (HSIL). Um diagnóstico citológico
normal, ASC-US, LSIL ou ASC-H não exclui a presença de HSIL, pois a citologia
possui sensibilidade limitada à HSIL anal e pode subestimar a gravidade da lesão.
HSIL devem ser identificadas por anuscopia de alta resolução (HRA), um mé-
todo de examinar o canal anal que utiliza a aplicação de ácido acético, iodo Lugol
e ampliação de alta resolução30. Essas lesões geralmente são planas e podem ser
difíceis de detectar, ou seja, podem ser “subclínicas”, sendo a maioria assintomática.
Fatores de risco foram identificados no desenvolvimento da SIL anal. As mais
importantes incluem infecção pelo HPV, comportamento sexual de alto risco e
infecção por HIV, especialmente com níveis mais baixos de células CD431-33. Em
mulheres com HIV, a infecção anal por HPV são menos comuns que a infecção
cervical por HPV. No entanto, a prevalência de infecção anal por HPV nesse gru-
po de mulheres é mais alta, em torno de 90%34. Além disso, mulheres com HIV
e portadoras de SIL cervical têm um risco aumentado de SIL anal simultâneo35.
Entre as mulheres HIV-negativas e HIV-positivas há uma forte correlação entre a
329
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
infecção pelo HPV cervical e a infecção pelo HPV anal, bem como entre SIL cer-
vical e anal36. Em homens, a prevalência de qualquer tipo de HPV do canal anal é
significativamente maior em HSH infectados pelo HIV em comparação com não
infectados (93% versus 64%). A infecção pelo HIV está associada a um aumento
estatisticamente significativo da prevalência de SIL anal (57% versus 19%). Estima-
-se que a incidência de CCA entre HSH HIV-positivos é de, pelo menos, o dobro
do número de HSH HIV-negativos.
O aumento da prevalência de infecção por HPV, SIL anal e câncer anal em
HSH com HIV parece estar relacionado a diversos fatores, incluindo uma maior
probabilidade de comportamento sexual de alto risco, maior probabilidade de in-
fecção por vários tipos de HPV e comprometimento da mucosa anal. A terapia
antirretroviral (TARV) não parece alterar a prevalência de SIL anal, e pode estar
associada a um aumento na incidência de progressão do HSIL para câncer anal
devido ao aumento da expectativa de vida de indivíduos infectados pelo HIV37,38.
Outros fatores de risco que foram associados ao desenvolvimento de SIL do canal
anal em homens incluem histórico de corrimento retal, histórico de verrugas ge-
nitais, uso de drogas injetáveis e tabagismo. Fatores de risco adicionais em mulhe-
res incluem histórico de câncer cervical, câncer de vulva, neoplasia intraepitelial
cervical de alto grau ou neoplasia intraepitelial vulvar, infecção cervical por HPV
16 em mulheres HIV-negativas com idade superior a 45 anos e imunossupressão
induzida, como em pacientes após transplante de órgão sólido39-45.
330
Estudos prospectivos randomizados são necessários para definir o risco de
progressão da HSIL anal para CCA. Ainda não foram realizados tais estudos para
determinar se o tratamento da HSIL anal tem impacto na redução da incidência
de CCA. Portanto, ainda faltam dados significativos sobre a eficácia do rastreio e
tratamento da HSIL anal na prevenção do CCA.
Até o momento, não há dados que favoreçam a triagem para SIL anal em popu-
lações de risco e diretrizes formais que guiem a triagem de grupos com risco au-
mentado de câncer anal são necessárias60. A justificativa para a triagem baseia-se
nas semelhanças entre o ânus e o colo do útero e no sucesso estabelecido da triagem
de citologia cervical na redução da incidência de câncer cervical. Um estudo pros-
pectivo randomizado (ANCHOR), apoiado pelo Instituto Nacional do Câncer dos
Estados Unidos e pelo Escritório de Pesquisa em Aids, está em fase de recrutamento
e pode nortear futuros programas de rastreio e tratamento dessas lesões.
De forma geral, os programas sugeridos de triagem de HSIL e CCA baseiam-se na
citologia como teste inicial em populações de alto risco. Não há consenso sobre o mo-
mento ideal para iniciar a triagem, nem em relação à frequência do rastreio. O objetivo
da triagem seria identificar indivíduos com ASC-US, ASC-H, LSIL e HSIL que devem
idealmente ser submetidos à HRA e mapear áreas com marcadores visuais compatí-
veis com HSIL e comprovação histopatológica. Dados sugerem que qualquer achado
citológico anal anormal indica potencial de HSIL no exame histológico61. Quando a
HSIL é encontrada na citologia anal, há uma alta probabilidade de HSIL na biópsia
guiada por HRA62. A sensibilidade da citologia anal para detectar SIL anal é semelhan-
te à sensibilidade da citologia cervical para a detecção de doença cervical51-52.
331
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
4.1.1. Vacinas
Foram desenvolvidas vacinas contra vários tipos de HPV associados à neo-
plasia cervical, e sua utilidade na prevenção de neoplasia anal está começando
a ser analisada. Um estudo randomizado com 4.065 homens envolvendo a va-
cina quadrivalente de HPV foi eficaz na prevenção da infecção pelo HPV tipos
6, 11, 16 e 18 e reduziu o desenvolvimento de lesões genitais externas63. Houve
diminuição de 78% na incidência de SIL associada aos tipos 6, 11, 16 e 18 de
HPV entre homens que receberam todas as três doses da vacina em compara-
ção com o placebo. A incidência de infecção persistente por tipos relevantes de
HPV diminuiu 95% e a detecção de DNA do HPV diminuiu 84%64-66. A vacina
contra o HPV nonavalente foi aprovada para uso na prevenção de cânceres
associados ao HPV em homens e mulheres e substituiu a vacina quadrivalen-
te. A nonavalente possui atuação contra os tipos HPV 6, 11, 16, 18, 31, 33, 45,
52 e 58. O Comitê Consultivo para Práticas de Imunização (AICP) aprovou a
vacina nonavalente contra o HPV para uso rotineiro em meninos e meninas.
A vacina também foi aprovada pela Food and Drug Administration (FDA), dos
EUA, para homens e mulheres até 45 anos, com uma recomendação do AICP
para vacinação seletiva na faixa etária.
5. DIAGNÓSTICO
Anamnese detalhada deve considerar comportamento sexual, tabagismo, esta-
do de imunossupressão, história prévia de condiloma genital e neoplasia de colo
uterino. O exame físico é fundamental e peça-chave no estadiamento. A área pe-
rineal deve ser inspecionada cuidadosamente para identificar alterações cutâneas
(ex: doença de Bowen, condilomas).
O exame físico deve estabelecer tamanho, localização (canal anal, margem anal)
da lesão, extensão para o reto, períneo e fossa isquiorretal, além de grau de fixação
às estruturas adjacentes. Linfonodos perirretais podem ser identificados ao toque
retal em alguns casos. O exame ginecológico deve ser realizado rotineiramente
devido à associação de lesões do canal anal e do canal cervical. É mandatória a
realização de toque vaginal, exame especular para avaliar vagina e colo do útero,
além da coleta de material para colpocitologia oncótica. Além disso, a região crural
deve ser examinada minuciosamente para detecção de metástase linfonodal in-
guinal e femoral. Caso haja linfonodomegalias ou linfonodos suspeitos, a punção
aspirativa por agulha fina (PAAF) deve ser realizada. Caso a PAAF de linfonodo
suspeito seja negativa, a biópsia excisional deve ser indicada. A lesão primária deve
ser biopsiada (incisional) para confirmação histopatológica, utilizando anoscópio,
para permitir, além da biópsia, a avaliação da extensão do tumor. Pacientes que não
toleram o exame do canal anal e biópsia no consultório devem ser submetidos a
esses procedimentos sob anestesia.
332
Após definição histopatológica da lesão e estadiamento por exame físico, os
pacientes devem seguir o estadiamento por exames de imagem. A avaliação deve
ser feita, preferencialmente, com ressonância nuclear magnética (RM) da pelve e
tomografia computadorizada (TC) de pelve, abdome e tórax para avaliar linfono-
dos suspeitos nas cadeias inguinais e ilíacas, além de metástase à distância.
A sensibilidade do exame físico e da TC/RM é subótima para detectar me-
tástases linfonodais inguinais, pois a maioria dos linfonodos acometidos são ≤
5mm67,68. A complementação da investigação com FDG-PET/CT tem um impacto
significativo no planejamento da terapia, particularmente na identificação de pa-
cientes que precisam de doses mais altas de radioterapia (RT) na região inguinal
e naqueles com doença metastática não identificadas por RM ou TC. As diretrizes
da Sociedade Europeia de Oncologia Médica (ESMO) consideram o PET/CT va-
lioso no estadiamento do CCA67.
Nenhum marcador tumoral deve ser recomendado rotineiramente, incluindo
antígeno carcinoembrionário (CEA)42,67. No entanto, sorologias para hepatites vi-
rais (B e C), sífilis (VDRL) e HIV são de suma importância devido à fisiopatologia
do CCA. A avaliação de pré-tratamento para pacientes com HIV deve incluir his-
tória completa, incluindo doenças infecciosas e uso de TARV, revisão da sorologia
para HIV, contagem de linfócitos CD4 e carga viral.
6. ESTADIAMENTO
Na 8ª edição do American Joint Committee on Cancer (AJCC), as categorias
N2 e N3 foram excluídas e novas categorias definidas: N1a, N1b, N1c. As me-
tástases para linfonodos inguinais, mesorretais, ilíacos interno ou externo são
consideradas N1. O estagio T, diferentemente da maioria das neoplasias gas-
trointestinais, não depende do grau de invasão do tecido tumoral, mas do tama-
nho local do tumor primário, havendo clara distinção em relação ao prognóstico
entre lesões T2 e T3.
O tamanho do tumor, principalmente > 5cm, e o status nodal (estádio N) são
os fatores prognósticos mais significativos para pacientes com câncer de células
escamosas anal (CEC)68,69,70. Em estágios iniciais (T1 ou T2), a sobrevida global em
cinco anos é > 80%. No entanto, 29% dos pacientes com tumores iniciais possuem
linfonodos positivos, mudando a sobrevida global em cinco anos para 60%. Ainda,
12% dos pacientes com tumores ≤ 5cm têm metástase à distância no momento do
diagnóstico, fazendo a sobrevida global em cinco anos cair para 30%71,72,73.
Linfonodos clinicamente positivos e sexo masculino são considerados fatores
prognósticos para a recorrência local e a sobrevida global, apesar do tratamen-
to74,75,76. A probabilidade de disseminação linfonodal está diretamente relacionada
ao tamanho e localização do tumor, sendo mais comum em tumores do canal anal
do que na pele perianal. O envolvimento dos linfonodos inguinais pode reduzir a
taxa de cura em até 50%77,78.
333
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
T Tumor primário
N Linfonodos regionais
334
M Metástase à distância
M0 Ausência de metástase à distância
M1 Metástase à distância
Estadiamento T N M
Estágio 0 Tis N0 M0
Estágio I T1 N0 M0
Estágio IIA T2 N0 M0
Estágio IIB T3 N0 M0
Estágio IIIB T4 N0 M0
T1N0 86% 8%
335
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
7. TRATAMENTO
O tratamento do CEC de canal anal passou por grandes mudanças nas últimas
décadas, principalmente em relação ao papel da cirurgia como tratamento pri-
mário de intenção curativa. A abordagem mais usada atualmente e considerada
padrão no tratamento é a quimiorradioterapia (CRT) combinada, mesmo em tu-
mores iniciais (T1 ou T2, N0, M0). Essa modalidade terapêutica é capaz de curar,
preservando o esfíncter anal em aproximadamente 70-85% dos casos. Ela é feita
geralmente com uso concomitante de 5-fluorouracil (5-FU) mais mitomicina C
durante RT contínua de 45Gy em frações de 1,8Gy, usando campos de tratamento
anterior e posterior opostos, com aumento de 5,4Gy no tumor primário acrescidos
de mais dois ciclos de infusão contínua simultânea de 5-FU e mitomicina C.
Excisão local pode ser uma opção para pacientes cuidadosamente selecionados
com tumores superficialmente invasivos muito pequenos (< 1cm) e favoráveis, que
são completamente excisados, e têm ≤ 3mm de invasão da membrana basal e uma
extensão horizontal máxima de ≤ 7mm.
Até a década de 70, o tratamento padrão consistia na ressecção abdominoperine-
al (RAP), que gerava sequelas funcionais, estéticas e psicológicas consideráveis. Em
1974, Nigro et al. revolucionaram o tratamento com a publicação de resultado de três
pacientes com carcinoma epidermoide de canal anal tratados com CRT pré-ope-
ratória. Dois desses pacientes obtiveram resposta patológica completa após análise
histopatológica na peça cirúrgica. Estudos subsequentes, com número maior de pa-
cientes confirmaram os resultados, consolidando, assim, o tratamento conservador
como terapia de escolha81. O tratamento proposto era baseado na terapia combinada,
com RT (30-35 Gy em 15-17 frações) e quimioterapia com mitomicina C e 5-FU,
alcançando sobrevida média em cinco anos de 80%. Por outro lado, resultados com
cirurgia isolada chegavam a 50% a 70% de sobrevida em cinco anos.
Posteriormente, dois ensaios clínicos randomizados confirmaram a superiorida-
de do tratamento combinado com radioquimioterapia comparados à RT isolada. No
trabalho da European Organization for Research and Treatment of Cancer (EORTC)
foram randomizados 110 pacientes em dois grupos. Um grupo foi submetido à RT iso-
lada (45Gy em 25 frações, seguido de reforço de 15 a 25Gy após seis semanas) e, outro
grupo, à RT (mesmo esquema) combinada com quimioterapia (mitomicina C 15mg/
m2 no dia 1; 5-FU 750mg/m2 nos dias 1-5 e 29-33). O grupo do tratamento combina-
do teve melhor controle local (68% versus 55% em três anos) e melhor intervalo livre
de colostomia (72% versus 47% em três anos), com p= 0,00282. No estudo inglês do UK
Coordinating Committee on Cancer Research (UKCCCR) foram randomizados 585 pa-
cientes entre RT isolada (45Gy entre 20-25 frações seguido de reforço de 15Gy após
seis semanas) e tratamento combinado (mesmo esquema de RT associado à mitomi-
cina C 12mg/m2 no dia 1; 5-FU 1g/m2 nos dias 1-4 e 29-32). Houve melhor controle
local em três anos no grupo de pacientes submetidos ao tratamento combinado (61%
versus 39%, p= 0,0001), com sobrevida global semelhante entre os grupos83.
336
A maioria dos estudos considerando cisplatina em substituição à mitomicina
C com o objetivo de menor toxicidade indicou sobrevida semelhante. Esses dados
sugerem que 5-FU e mitomicina C continuam sendo o padrão de drogas, mas que
a 5-FU associada à cisplatina também pode ser utilizada quando a redução da
toxicidade deve ser considerada84-86. A substituição da 5-FU infusional pela cape-
citabina oral diária em conjunto com mitomicina intravenosa durante a RT é um
substituto com eficácia comprovada, sendo bem tolerada pela baixa toxicidade87-89.
Séries retrospectivas relatam bons resultados para pacientes com doença T1-2,
N0, M0 tratados com RT exclusiva. Porém, outras séries mostram resultados não
favoráveis, com taxa de recorrência locorregional duas vezes maior nos pacientes
com RT exclusiva, quando comparados à CRT (controle locorregional em cinco
anos de 76% versus 87%)90,91,92.
As diretrizes do NCCN recomendam CRT definitiva para todos os pacientes
com CCA, mesmo aqueles com tumores iniciais (T1-2, N0, M0). Em pacientes
idosos, com tumores T1N0 ou com comorbidades significativas, pode-se descon-
siderar mitomicina e administrar 5-FU de forma isolada durante a RT42.
7.2. Radioterapia
A RT padrão consiste em feixe externo usando campos que inicialmente abrangem
a pelve do nível S1-S2, os linfonodos inguinais, mesmo que negativos ao exame físico,
e o ânus. Após atingir uma dose de 30 a 36Gy, os campos de tratamento são reduzidos
à pelve baixa, que abrange o canal anal, sendo a dose total no tumor primário de 45 a
50Gy. Se houver evidência clínica ou radiológica de metástases em linfonodos ingui-
nais, um aumento de RT é normalmente adicionado à região inguinal afetada.
337
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
338
7.4. Papel da cirurgia
A excisão local é uma opção para pacientes com tumores T1 < 1cm no in-
tuito de evitar toxicidade da CRT, embora ainda não tenha sido comparada em
ensaios clínicos randomizados. Estudos retrospectivos sugerem que essa aborda-
gem deva ser limitada aos tumores superficiais definidos como uma lesão com-
pletamente excisada com ≤ 3mm de invasão da membrana basal e propagação
horizontal máxima de ≤ 7mm sem invasão linfovascular110,111. O acompanha-
mento ativo é obrigatório após excisão local, com início imediato da CRT em
caso de recidiva.
Devido à potencial morbidade cirúrgica, não é recomendado linfadenectomia
inguinal profilática após CRT para pacientes N+. A linfadenectomia inguinal é
reservada a pacientes com doença persistente ou recorrente nos linfonodos ingui-
nais após tratamento. Séries retrospectivas demonstram sobrevida global longa
após linfadenectomia inguinal nesse cenário, embora as taxas de metástases à dis-
tância sejam altas. Recomenda-se que os pacientes recebam RT adicional na região
inguinal envolvida antes ou após a linfadenectomia112,113, mas o manejo desses pa-
cientes deve ser individualizado.
339
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Em hipótese alguma deve ser indicado resgate cirúrgico sem confirmação histo-
patológica de doença. Muitas vezes uma área fortemente suspeita é apenas tecido
cicatricial com sequelas actínicas.
A avaliação precoce da resposta por RM não é útil e pode gerar dúvidas; por
isso, só é recomendada oito a 12 semanas após o término da CRT.
Para pacientes com resposta clínica completa, recomenda-se reavaliação em
intervalos de três a seis meses com toque retal, anuscopia e exame da região in-
guinal por cinco anos. Deve-se solicitar também TC de tórax, abdome superior e
ressonância magnética de pelve (RM) anualmente por três anos.
340
preconizada a ressecção ampla da pele e da gordura do períneo, e, em alguns
casos, da musculatura elevadora do ânus e do músculo glúteo maior, quando
houver suspeita de invasão. Nos defeitos perineais extensos, faz-se necessária
a confecção de retalhos miocutâneos ou utilização de próteses com tela bio-
lógica para obliteração pélvica para evitar evisceração ou hérnias. A ressecção
óssea concomitante (sacralectomia) algumas vezes faz-se necessária devido à
extensão posterior da lesão. Os pacientes candidatos a resgate cirúrgico devem
ser bem selecionados considerando performance status, metástase à distância,
sobrevida e qualidade de vida.
341
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
7.10. Imunoterapia
Apesar da experiência limitada com essa classe de agentes no CCA metas-
tático ou localmente avançado, a extrapolação dos resultados da terapia anti-
-PD-1 nos CECs da cabeça e pescoço (também relacionado ao HPV) levaram
à utilização nos tumores de canal anal. Resultados promissores com uso do
nivolumabe e no estudo KEYNOTE-028 com o pembrolizumabe foram re-
latados no CEC anal avançado139,140. Embora os dados ainda sejam limitados,
a superexpressão de PD-1 e PD-L1 parece correlacionar-se com as respostas
favoráveis nos CCAs.
342
Figura 1. Algoritmo do tratamento de câncer de canal anal.
343
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Progressão Resposta
ou Completa
Persistência
RAP: Ressecção Abdomino-perineal; LFN: Linfadenectomia; RXT: Radioterapia; MTx: Metastáse; 5-FU:
5-Fluoracil; FOLFOX: Fluoracil + Leucovorin + Oxaliplatina; FOLCIS: Fluoracil + Leucovorin + Cisplatina
344
8. RESULTADOS, SEQUELAS E SOBREVIDA
O aumento da sobrevida global e da sobrevida livre de colostomia é a meta
do tratamento com CRT. Resultados de estudos de 1985 a 2014 revelam au-
mento das taxas de sobrevida global e sobrevida livre de colostomia em cinco
anos de 65% para 86% com as novas técnicas de CRT141,142,143. Um estudo dina-
marquês incluindo 235 pacientes com câncer anal mostrou incidências cumu-
lativas de cinco anos de colostomia relacionada ao tumor e à terapia foram
26% e 8%, respectivamente. O tamanho do tumor maior que 6cm versus menor
de 4cm foi um fator de risco para colostomia relacionada ao tumor e a excisão
local antes da radioterapia foi um fator de risco para colostomia relacionada
à terapia144. Dados do estudo RTOG 98-11 mostram taxas de colostomia em
cinco anos de 9% para aqueles com linfonodos positivos e 19% para tumores
maiores que 5cm em diâmetro, independentemente do estadiamento linfono-
dal. Nesse estudo, 78% das colostomias foram realizadas no cenário de doença
persistente ou recidivadas145.
A RT pélvica pode causar toxicidade tardia, incluindo alterações intestinais,
urinárias, sexuais, fadiga, dispneia, insônia e diarreia, afetando potencialmente a
qualidade de vida146,147.
Após CRT, disfunção sexual pode ocorrer em homens e mulheres. A maioria
dos sobreviventes do sexo masculino relata incapacidade de atingir ou susten-
tar ereção, dificuldade em chegar ao clímax e à perda da libido148. Uma grande
proporção de mulheres relata dispareunia, que pode estar relacionada à estenose
vaginal, fadiga, perda da libido e alterações emocionais que afetam o funciona-
mento sexual149. O tempo crítico para a prevenção da estenose vaginal é de três
a seis meses após a término do tratamento. Para impedir estenose e sinequias,
dilatadores vaginais devem ser utilizados três vezes por semana. Cremes e su-
positórios hormonais vaginais também podem ajudar no tratamento da secura
vaginal e dispareunia.
9. SEGUIMENTO
Após término do tratamento com CRT, os pacientes deverão ser acom-
panhados a cada três meses nos primeiros dois anos, e a cada seis meses nos
anos seguintes. A cada consulta, o paciente deve ser submetido a exame físico
minucioso, com inspeção local, toque retal, anuscopia e biópsia de qualquer
área suspeita. A detecção precoce de recidiva possibilita o resgate cirúrgi-
co menos extenso ou o início de tratamento sistêmico paliativo, atingindo
maior sobrevida.
A falha à distância tem resposta à quimioterapia de segunda linha em mais de
30%. Por isso, esses pacientes devem realizar tomografias de tórax, abdome e pelve
a cada seis a 12 meses nos três primeiros anos após tratamento.
345
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
10. MELANOMA
O melanoma primário do canal anal é raro, correspondendo a menos de 1%
dos tumores do canal anal. O prognóstico é reservado, apresentando sobrevida
global em cinco anos de 6% a 17%. O sintoma mais comum é o sangramento anal.
O exame físico deve incluir a avaliação inguinal, devido à frequente presença de
metástases para linfonodos inguinais. Embora a maioria dos pacientes vá fale-
cer devido à doença independentemente do tipo de tratamento utilizado, há um
grupo de pacientes com doença inicial restrita ao canal que se beneficiam de um
tratamento cirúrgico mais agressivo. Nesse grupo de pacientes, RAP com excisão
total do mesorreto deve ser indicado com intenção curativa. Diferentemente do
CEC de canal anal, o melanoma tem disseminação preferencialmente para linfo-
nodos mesentéricos, o que favorece a RAP em relação à excisão local nos pacientes
potencialmente candidatos à cirurgia. Porém, a justificativa crescente para a rea-
lização da excisão local, apesar da alta taxa de recidiva, é que a sobrevida global é
semelhante aos pacientes submetidos a tratamento radical. Sendo assim, a reco-
mendação é que lesões pequenas deverão ser tratadas por excisão local e as gran-
des massas tumorais ou lesões recidivadas, tratadas por RAP. A excisão total do
mesorreto visa à linfadenectomia e deve ser complementada com linfadenectomia
pélvica e/ou inguinal apenas em casos muito selecionados. Devido à alta taxa de
recidiva local e linfonodal, o RT adjuvante no sítio tumoral e nas cadeias linfáticas
dissecadas deve estar nos campos de irradiação42.
346
pacientes com adenocarcinomas do canal anal entre 2004 a 2015 tratados com
CRT ou com CRT + cirurgia. Destes, 1.005 pacientes foram submetidos à cirurgia
como parte do tratamento e o restante recebeu apenas CRT. Após seguimento mé-
dio de 3,5 anos, a sobrevida global em cinco anos para os pacientes tratados com
cirurgia como componente da terapia inicial foi de 61%, em comparação com 40%
dos que receberam CRT isolada157. Diante desses dados, o manejo dos adenocar-
cinomas que surgem no canal anal deve seguir os mesmos princípios aplicados ao
tratamento do câncer de reto42,158.
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349
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
HEPATOCARCINOMA
Rinaldo Gonçalves
Muthukumarassamy Rajakannu Viviane Amorim
12
Henrique Sallas
350
1. EPIDEMIOLOGIA
O carcinoma hepatocelular (CHC) é o tumor primário mais frequente do
fígado, com uma incidência de 10,1 casos por 100 mil pessoas, representando o
sexto câncer mais comum e o quarto em causa de mortes por câncer. O desenvol-
vimento do hepatocarcinoma relaciona-se diretamente com a ocorrência de do-
ença hepática crônica, fazendo com que sua incidência ao redor do mundo varie
de acordo com a maior ou menor exposição da população a fatores de risco para
o desenvolvimento de cirrose. O leste da Ásia e a África subsaariana representam
as áreas com maior incidência (15 casos por 100 mil habitantes), devido à maior
exposição ao vírus da hepatite B (VHB) e a aflotoxinas1. No Brasil, é possível
que a incidência esteja subestimada, não figurando entre os dez cânceres mais
incidentes, de acordo com o registro nacional de tumores (Instituto Nacional de
Câncer – Inca – e Ministério da Saúde – MS)2.
Países ocidentais com baixa a moderada incidência de CHC, como os Es-
tados Unidos, vêm apresentando aumento de novos casos associados à doença
hepática gordurosa não alcoólica. Nesse país, foi observado um aumento de in-
cidência em, aproximadamente, 4,5% entre 2000 e 2009, com destaque para a
população de origem hispânica. Por outro lado, a incidência em países orientais,
como Japão e China, tem apresentado declínio devido à vacinação universal para
hepatite B e à menor prevalência da hepatite C crônica3.
O CHC é mais frequente em homens que mulheres, com relação variando
entre 5,5:1 (França), 2,3:1 (Brasil) 1,3:1 (Colombia e Equador). Sugere-se que
diferenças comportamentais, como maior exposição a álcool e vírus, como tam-
bém diferentes respostas imunes, hormonais e epigenéticas possam explicar essa
maior incidência em indivíduos do sexo masculino1.
351
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
2. FATORES DE RISCO
2.1. Vírus da hepatite B (VHB)
O VHB é responsável por 50% dos casos de CHC ao redor do mundo, alcan-
çando cerca de 70% dos casos em áreas endêmicas da Ásia e África. Em países
ocidentais, como os Estados Unidos, 10%-15% dos casos se associam ao VHB.
Entre os pacientes que desenvolvem cirrose, 1% a 6% vão progredir para CHC
a cada ano, com um risco ao longo da vida de 10% a 25%. Entre os pacientes
com infecção crônica pelo VHB, aqueles com história familiar de CHC, mais de
40 anos, masculinos, com coinfecção pelo HIV ou VHC, etilistas e com cirrose
configuram o subgrupo de maior risco para o CHC4-6.
2.3. Álcool
Cerca de 13% a 23% dos casos de CHC podem ser atribuídos ao consumo
de álcool. O risco de desenvolvimento de cirrose se correlaciona à quantidade
de consumo etílico e a fatores genéticos. A quantidade relacionada ao desen-
volvimento de CHC não é precisa, com estudos assumindo valores entre 240 e
560g/semana por períodos variando entre um e mais de cinco anos. O risco de
desenvolvimento de CHC se apresenta diretamente relacionado à quantidade de
álcool ingerida, 46% de aumento no risco com uma ingesta de 50g de etanol dial
e 66% quando essa ingesta chega a 100g12-16.
352
Pacientes com síndrome metabólica podem apresentar aumento do risco re-
lativo de CHC em 1,81 quando comparados à população geral. Alguns estudos
sugerem que o diabetes mellitus tipo 2 (DM 2), isoladamente, pode aumentar em
duas a três vezes o risco de desenvolvimento de CHC. Com relação à obesidade, o
risco de desenvolvimento de CHC aumenta em 17% e 89% em pacientes com IMC
acima de 25kg/m2 e 30kg/m2, respectivamente.
A prevalência de DHGNA no mundo ocidental é de 25% a 35% da população.
Trata-se, atualmente, da principal causa de doença hepática crônica e de etiologia
crescente de CHC. Os pacientes com cirrose são ainda o principal grupo de risco
para o desenvolvimento de CHC no contexto da DHGNA. Contudo, nos últimos
anos, muitos estudos têm sido publicados relatando o desenvolvimento de CHC
em pacientes com DHGNA ainda sem cirrose16-24.
2.6. Miscelânia
As doenças hepáticas autoimunes, como a hepatite autoimune, configuram causa
rara de cirrose e hepatocarcinoma. A colangite esclerosante associa-se ainda ao risco
aumentado de colangiocarcinoma e tumor de vesícula biliar. Doenças raras, como Bu-
dd-Chiari e hemocromatose, estão também associadas a um maior risco de CHC28-33.
3. RASTREAMENTO
O rastreamento do CHC em pacientes de risco, a destacar aqueles com cirrose
hepática, é um procedimento com comprovado impacto na sobrevida. Entre as
muitas publicações sobre esse tema, em uma meta-análise, os pacientes subme-
tidos ao rastreamento foram diagnosticados com CHC em estádios iniciais (OR
2,11; IC 95%: 1,88-2,23) e tiveram maior chance de serem submetidos a tratamen-
tos curativos (OR 2,24; IC 95%: 1,99-2,52). Nesse estudo, a sobrevida em três anos
foi de 50,8% versus 27,9% naqueles com e sem rastreamento, respectivamente34.
O rastreamento é recomendado para pacientes com fibrose avançada (F3 ME-
TAVIR) ou cirrose (F4 METAVIR) por qualquer etiologia. Também se recomenda
rastreamento em pacientes com hepatite B crônica sem cirrose, porém com risco
intermediário ou alto pelo escore PAGE-B. As indicações de rastreamento de CHC
estão detalhadas na tabela 135-37.
353
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Pacientes com hepatite B crônica não cirróticos com risco intermediário ou alto, de
acordo com escore PAGE-B (10 pontos)*.
*
Escore PAGE-B para caucasianos:
• Idade:
- 16-29 anos: zero ponto;
- 30-39 anos: dois pontos;
- 40 a 49 anos: quatro pontos;
- 50 a 59 anos: seis pontos;
- 60 a 69 anos: oito pontos.
• Gênero masculino:
- Masculino: seis pontos;
- Feminino: zero ponto.
• Plaquetas:
- 200.00/μl: zero pontos;
- 100.000 a 199.999/μl: um ponto;
- < 100.000/l: dois pontos.
• Interpretação:
- 9 pontos: baixo risco;
- 10-17 pontos: risco intermediário;
- 18 pontos: alto risco.
Pacientes com comorbidades avançadas e PS inadequado para qualquer
tratamento do CHC não apresentam benefício de participar de um progra-
ma de vigilância.
Atualmente, é comum termos pacientes com fibrose avançada ou cirrose pelo
VHC que permanecem com marcadores laboratoriais de função hepática normais
após tratamento com antivirais de ação direta. Esses pacientes devem permane-
cer sob rastreamento de CHC, apesar de assintomáticos da cirrose e com exames
354
laboratoriais normais. É importante destacar que ainda não há validação na litera-
tura para quantificar fibrose de forma não invasiva em pacientes após o tratamento
do VHC com resposta virológica sustentada. Dessa forma, se os exames prévios ao
tratamento sugerem fibrose avançada ou cirrose, o paciente deverá permanecer
em rastreamento mesmo que as elastografias após o tratamento apresentem baixos
valores de rigidez hepática.
É sabido que, quando maior o tempo após o tratamento do VHC, menor
o risco de CHC, porém ainda não há definição se o rastreamento poderá ser
interrompido em algum momento após o tratamento do VHC com resposta vi-
rológica sustentada39-41.
Ainda que a ocorrência de CHC em pacientes com DHGNA esteja crescen-
do em todo o mundo, o rastreamento ainda não é indicado naqueles sem fibrose
avançada ou cirrose. O exame de escolha para o rastreamento de CHC é a ultras-
sonografia, que deve ser repetida semestralmente.
Embora seja sugestão de muitos autores, ainda não há consenso que recomen-
de a dosagem de alfa-fetoproteína semestral com a ultrassonografia.
Qualquer lesão focal encontrada na ultrassonografia > 1cm deve ser investigada
com tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM), ambos com
estudo trifásico. A ultrassonografia com contraste tem ganhado crescente importância
na literatura como ferramenta útil para investigação de lesões focais hepáticas.
As lesões menores do que 1cm devem ser acompanhadas com nova ultrasso-
nografia em quatro meses e, se houver sinais de crescimento, deve ser realizada a
tomografia ou ressonância. Se a lesão permanecer estável, pode-se manter o rastre-
amento com ultrassonografia a cada quatro meses até completar dois anos.
Com os avanços nas técnicas de ressonância magnética, o estudo de lesões
com menos de 1cm por essa técnica pode agregar informações importantes à
prática clínica35,36,42,43.
Diferentemente dos demais tumores sólidos, o diagnóstico de CHC em pacien-
tes com cirrose é feito por tomografia ou ressonância e, na maioria dos casos, não
requer biópsia. Achados típicos de captação intensa de contraste na fase arterial
(hipervascular), seguido por lavagem (washout) nas fases tardias e formação de
pseudocápsula, em lesões maiores que 1 cm, apresentam valor preditivo positivo
para CHC próximo de 100%.
O Colégio Americano de Radiologia propôs um sistema de padronização da
realização e interpretação dos achados obtidos por meio de TC ou RM. Esse siste-
ma, chamado Liver Imaging Reporting and Data System (LI-RADS), categoriza as
lesões de acordo com a probabilidade de serem CHC, lesões malignas não CHC ou
benignas. Nesse sistema, lesões categorizadas como LI-RADS 1 (LR 1) e 2 (LR 2)
são consideradas lesões benignas ou provavelmente benignas, com probabilidade
de 0% e 11%, respectivamente, de se tratar de CHC. Lesões LI-RADS 3 (LR 3) têm
pouca probabilidade de serem CHC (33%), enquanto lesões LI-RADS 4 (LR 4) e
LIRADS 5 (LR 5) indicariam lesões, respectivamente, com alta probabilidade de
serem CHC (64% a 87%) e definitivamente CHC (95% a 99%)34,36,44,45.
355
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Gráfico 1.
LR-5
100
95% CHC
98% Malignidade
90
LR-4
80
74% CHC
81% Malignidade
70
Porcentagem de CHC
60
50 LR-m
LR-3
40 37% CHC
39% Malignidade
30 LR-2
37% CHC
20 94% Malignidade
16% CHC
18% Malignidade
10
LR-1 As estimativas podem ser infladas
0% CHC por viés de seleção para lesões com
0 0% Malignidade amostras histológicas
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Porcentagem de malignidade
Outra categoria de lesões, de acordo com esse sistema, seriam as que apre-
sentam características de lesões altamente sugestivas de serem malignas, mas não
apresentando especificidade para CHC. Esse grupo é chamado LI-RADS M: 42%
correspondem a CHC, e 57%, a outras lesões malignas além do CHC46-48.
As informações obtidas por meio de RM ou TC e categorizadas por meio do
Sistema LI-RADS devem ser discutidas por equipes multidisciplinares e sempre
relacionadas ao contexto clínico.
Após a investigação de uma lesão focal com sua classificação conforme LI-
RADS, pode-se adotar as seguintes condutas36,37,40,46,49,52:
• Lesões LR 1: retornar a vigilância semestral com USG +/- AFP;
• Lesões LR 2: acompanhar com mais um exame de TC ou RM semestral e, se
não houver alteração, retornar à vigilância semestral habitual;
356
• Lesões LR 3: acompanhar com TC ou RM por período pelo menos 18 meses
ou proceder à biópsia da lesão de acordo com o contexto clínico;
• Lesões LR 4: proceder à biópsia hepática ou reavaliar em três meses ou tratar
como CHC após discussão multidisciplinar em centro especializado*;
• Lesões LR 5: diagnóstico definitivo de CHC; proceder ao tratamento;
• Lesões LI-RADS M: biópsia na ausência de sítio primário evidente de neopla-
sia ou conduta específica determinada por equipe multidisciplinar.
*Atualmente, a legislação brasileira permite que pacientes cirróticos com lesão
focal classificada como LR 4 possam ser encaminhados para transplante hepático.
É importante destacar que o sistema LI-RADS se aplica somente a pacientes
com cirrose ou hepatite B crônica. A biópsia é usada em casos de dúvida diagnós-
tica e pode se relacionar com falsos negativos em até 30%.
357
CHC NO FÍGADO CIRRÓTICO
única ≤ 3CM
Algoritmo 1. BCLC modificado38.
Candidato
cirúrgico ideal
358
Sim Não Candidato ao
transplante
Sim Não
5. TRATAMENTO
As decisões sobre o tratamento de pacientes com CHC devem ser feitas prefe-
rencialmente em times multidisciplinares com hepatologistas, cirurgiões, radiolo-
gistas, radiologistas intervencionistas, patologistas, radioterapeutas, paliativistas,
entre outros profissionais53-57.
Ressecção cirúrgica, transplante e ablação são considerados tratamentos poten-
cialmente curativos, enquanto embolização arterial e terapias sistêmicas, apesar de
implicarem ganho de sobrevida, são considerados tratamentos não curativos58-61.
A alocação de pacientes para cada um desses tratamentos é baseada em carac-
terísticas tumorais (número, tamanho e localização das lesões, presença de invasão
macrovascular e presença de lesões extra-hepáticas), avaliação da função hepática
(habitualmente, por meio da avaliação do MELD e CHILD) e de hipertensão por-
tal clinicamente significante, tempo de espera estimado para transplante hepático,
presença de comorbidades e performance status54,58-60,62-64.
6. TRATAMENTO CIRÚRGICO
A cirurgia de ressecção hepática vem conquistando cada vez mais indicações
no tratamento do CHC nas últimas décadas.
Pacientes idealmente candidatos à ressecção cirúrgica são aqueles sem cirrose
ou com cirrose Child A, categorizados como BCLC 0 ou A.
No passado, a presença de hipertensão portal era contraindicação absoluta à
ressecção cirúrgica. Atualmente, a Associação Europeia para Estudos do Fígado
propõe um algoritmo para escolha do paciente candidato à resseção cirúrgica
(algoritmo 2), em que pacientes com hipertensão portal podem ser considerados
para tratamento cirúrgico com risco aceitável1,3,38,65,66.
359
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Hipertensão
porta
NÃO SIM
Extensão da Extensão da
hepatectomia hepatectomia
ESCORE meld
≤9 >9
EXTENSÃO DA HEPATECTOMIA
Maior Menor
Hipertensão porta
Sim
Escore
meld > 9
Não
Escore
meld ≤ 9
360
Hipertensão portal clinicamente significativa é definida como a presença de um
gradiente de pressão venosa hepática maior que 10mmHg e, embora não determi-
ne uma contraindicação absoluta para a realização de cirurgia em pacientes com
cirrose compensada, determina aumento do risco de descompensação hepática
pós-operatória (OR 3,04; 95% CI: 2,02-4,59)67. A medida do gradiente de pressão
venosa hepática é exame invasivo, implicando a colocação de cateter transjugular,
o que dificulta sua realização na prática clínica, sendo reservado a casos específi-
cos ou em pesquisas. Alguns estudos sugerem que a elastografia hepática pode no
futuro ajudar a selecionar os melhores candidatos à ressecção hepática. A presença
de varizes esofágicas ou ascite indicam a presença inequívoca de HPCS, enquanto
contagem de plaquetas < 100.000c/l ou presença de esplenomegalia, embora sugi-
ram HPCS, não são suficientes para sua caracterização inequívoca68-73.
Os escores de Child-Pugh-Turcotte (Child) e Model of End Stage Liver Disea-
se (MELD), embora não originariamente desenvolvidos para cirurgias hepáticas,
apresentam boa correlação com o risco de mortalidade cirúrgica pós-operatória.
Farmsworth et al.1 encontrou mortalidade de 15% e 60% para pacientes Child
A e C, respectivamente, e 8% para MELD < 8 e 57% para MELD > 17 em pacientes
cirróticos submetidos a procedimentos cirúrgicos, incluindo laparotomia, colecis-
tectomia e cirurgias hepáticas.
Teh et al.74 avaliaram 82 pacientes cirróticos com CHC submetidos à ressecção
cirúrgica. Mortalidade perioperatória foi de 29% versus 0% nos pacientes, respec-
tivamente, com MELD superior ou inferior a nove.
Taxas de mortalidade pós-operatória de até 9% são descritas para pacientes
CHILD A submetidos à cirurgia hepática. Há poucos dados na literatura para ava-
liação de mortalidade pós-operatória em cirurgias hepáticas nos pacientes com
CHILD B e C65,67,74,75.
De forma geral, consideram-se candidatos à cirurgia os pacientes com escore
de Child A e alguns pacientes selecionados com escore CHILD B. Com relação ao
MELD, estudos têm mostrado um incremento linear de mortalidade para valores de
MELD maiores que nove com um aumento de 14% na mortalidade para cada ponto
adicional. Valores de MELD entre 12 e 15 implicariam mortalidade pós-operatória
de 25,4 %, marcando um possível cut-off para contraindicação à cirurgia.
Ascite e encefalopatia são sinais clínicos de disfunção hepática mais avançada
e frequentemente contraindicação à ressecção hepática.
Pacientes com lesões únicas, menores que 2cm, e com função hepática preser-
vada são categorizados como BCLC 0, podendo ser tratados por meio de cirurgia,
caso PS, HPCS ou alterações nos níveis de bilirrubina que não impliquem risco
exacerbado. Destruição por meio de ablação percutânea tem mostrado resultados
similares aos da cirurgia, com taxas de complicações e custos menores.
Lesões únicas, maiores que 2cm, em pacientes com função hepática e PS pre-
servados, são categorizados com BCLC A. Essas lesões são candidatas à ressecção
361
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
362
de transfusão, sangramento e tempo de internação hospitalar favoreceram a abor-
dagem laparoscópica, com resultados em longo prazo similares, exceto sobrevida
livre de doença em um ano, que favoreceu a ressecção videolaparoscópica. Poucos
dados foram disponíveis para ressecções maiores, com ausência de dados sobre
sobrevida, mas igualmente com dados de curto prazo favorecendo a abordagem
laparoscópica82.
De acordo com o estadiamento BCLC, pacientes com lesões múltiplas não se-
riam candidatos ideais para ressecção cirúrgica. Pacientes com até três lesões, a
maior delas de até 3cm, seriam candidatos a ablação ou a transplantes (BCLC A),
enquanto pacientes considerados multinodulares seriam candidatos para a qui-
mioembolização (BCLC B).
Estudos vêm analisando o papel da ressecção cirúrgica nesse cenário clínico.
Em pacientes bem selecionados, dados retrospectivos demonstraram melhor so-
brevida com tratamento cirúrgico quando comparada a sobrevida com quimio-
embolização hepática (transarterial chemoembolization – Tace).
Prospectivamente, um estudo randomizado comparou os resultados de ressec-
ção cirúrgica versus Tace em pacientes com CHC multinodulares fora dos critérios
de Milão (lesão única até 5cm, ou até três lesões menores que 3cm). Nesse estudo
88 pacientes foram submetidos à ressecção cirúrgica com média de tamanho do
maior tumor de 7,3cm, com 77 pacientes com dois ou três tumores e 11 com qua-
tro ou mais tumores. No grupo tratado com Tace (85 pacientes), o tamanho médio
da maior lesão foi de 7,4cm, com 67 pacientes apresentando até três lesões e oito
pacientes com quatro ou mais lesões. Sobrevida em três anos de 51,5% e mediana
de sobrevida de 41 meses foram observadas no grupo tratado com cirurgia, e so-
brevida em três anos de 18,1% e mediana de sobrevida de 14 meses nos pacientes
tratados com TACE, demonstrando que, em pacientes altamente selecionados, a
opção cirúrgica pode trazer ganho de sobrevida em comparação à Tace63,69,83-85.
Pacientes com invasão/trombo portal são considerados de estádio avançado
de acordo como o sistema de estadiamento BCLC, sendo proscritos de tratamento
cirúrgico e candidatos a tratamento sistêmico isolado. Em geral sobrevida media-
na nesses pacientes, quando não submetidos a tratamento, gira ao redor de 2,7 a
4 meses, com sobrevida chegando a 10.7 meses tratados com sorafenibe. Apesar
da não indicação de tratamento cirúrgico de acordo com o sistema proposto por
Barcelona, dados oriundos de estudos retrospectivos ocidentais e orientais têm
mostrado benefício com ressecção cirúrgica nesses pacientes41,57-61,86.
Estudo realizado no Ocidente avaliou o papel da ressecção cirúrgica em 102
pacientes com CHC e invasão de porta direita ou esquerda ou veias hepáticas prin-
cipais. Nesse estudo, foram observadas taxas de sobrevida em um, três e cinco
anos de 45%, 17% e 10%, respectivamente, excedendo as que historicamente são
observadas nesses pacientes, inclusive com um paciente ainda vivo ao término do
estudo, com 14,8 anos de sobrevida após a cirurgia72.
363
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Estudo conduzido pelo Liver Cancer Study Group of Japan, baseado no regis-
tro nacional japonês de pacientes com tumores primários do fígado, avaliou os
resultados de pacientes com CHC e invasão portal submetidos a tratamento cirúr-
gico. Trombose/invasão portal foi definida como Vp4 para invasão do tronco por-
tal ou envolvimento contralateral, Vp3 para invasão de ramo de primeira ordem,
Vp3 invasão de ramos de segunda ordem e Vp3 ramo de terceira ordem. Um total
de 6.474 pacientes foram incluídos na análise, sendo 2.093 tratados com cirurgia
e 4.381 submetidos a tratamento não cirúrgico. Pacientes CHILD A apresentaram
sobrevida mediana de 2,87 anos quando submetidos a tratamento cirúrgico e 1,10
anos para tratamento não cirúrgico. Resultados foram observados independente-
mente de idade, etiologia do CHC, valos de AFP e números de tumores. Pacientes
CHILD B apresentaram sobrevida mediana de 1,44 anos para os operados e 0,48
anos para os casos sem tratamento cirúrgico. Quando os pacientes cirúrgicos fo-
ram pareados por meio de um escore de propensão, o benefício se manteve, com
2,45 anos de sobrevida mediana versus 1,57 anos para os pacientes tratados por
meio de cirurgia e tratamentos não cirúrgicos, respectivamente72,87-89.
7. TRANSPLANTE HEPÁTICO
Nas últimas cinco décadas, o transplante hepático (TH) se estabeleceu como
um procedimento com excelentes desfechos para pacientes com cirrose avançada
e hepatocarcinoma.
O estudo de referência de Mazzaferro et al., publicado em 1996, estabele-
ceu os critérios de Milão, ainda amplamente utilizados para selecionar pacientes
com CHC para TH. Eles demonstraram sobrevida global de 75% em cinco anos
para os pacientes dentro dos critérios (uma lesão ≤ 5cm ou 2-3 lesões ≤ 3cm sem
invasão macrovascular, metástases a distância ou envolvimento de linfonodos) e
baixo risco de recorrência do tumor (10%). Seus resultados foram rapidamente
replicados por outros centros em todo o mundo, levando à aceitação uniforme
dos critérios de inclusão de Milão como referência para a seleção de pacientes
para o transplante hepático90-92.
Embora os critérios de Milão sejam amplamente adotados em muitos países
do mundo, incluindo o Brasil, atualmente ele é considerado muito restritivo por
muitos autores. A calculadora do Metroticket Project, criada pelo European Liver
and Intestine Transplant Association (Elita) e pela International Liver Transplant
Society (Ilts), evidencia que se pode obter boa sobrevida em pacientes submetidos
ao transplante além dos critérios de Milão93-95.
364
Gráfico 296.
1000
900 25%
30%
50% 45% 40% 35%
800 60% 55%
700 65%
70%
600 75%
AFP (ng/mL)
500 80%
400
300
85%
200
100 90%
50
10 95%
5
0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 3,5 4 4,5 5 5,5 6 6,5 7 7,5 8 8,5 9 9,5 10
Número + diâmetro
Adaptado de: <http://www.hcc-olt-metroticket.org/#project>
365
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Hangzhou: diâmetro
total do nódulo ≤ 8cm;
ou diâmetro total do
Sugaware et al., 2007 nódulo > 8cm, e grau 75,2% at 5a
histopatológico I ou
II e nível de AFP pré-
operatório ≤ 400ng/ml
Grau 3:
Zheng et al., 2008 comprometimento do 72,5% at 5a
esfíncter externo
Kyoto: ≤ 10 tumores;
todos ≤ 5cm; e
Ito et al., 2007 86,7% at 5a
protrombina des-gama-
carboxi ≤ 400mAU/ml
366
Up-to-seven: soma
do tamanho (em cm)
do maior tumor mais
Mazzaferro et al., 2009 71,2% at 5a
o número de tumores
≤ 7 sem invasão
microvascular
Extended Toronto:
qualquer tamanho ou
número de tumores, sem
sintomas relacionados ao
câncer sistêmico, doença
Sapisochin et al., 2016 68% at 5a
extra-hepática, invasão
vascular ou uma grande
lesão mal diferenciada
na biópsia percutânea do
tumor
Metroticket 2.0: se AFP
< 200ng/ml e a soma do
número e tamanho dos
tumores (em cm) ≤ 7; se
AFP for 200-400ng/ml,
Mazzaferro et al., 2018 ≥70% at 5a
a soma do número e o
tamanho dos tumores ≤
5; se AFP é 400-1000ng/
ml, a soma do número e
tamanho dos tumores ≤ 4
367
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
8. TERAPIAS ABLATIVAS
As terapias ablativas são consideradas tratamento de primeira linha nos pa-
cientes com hepatocarcinoma (CHC) com estadiamento muito precoce (BCLC 0)
e inicial (BCLC A)38,99.
Nos Estados Unidos, entre 2002 e 2005, houve um aumento no uso da abla-
ção por radiofrequência (RF), com uma diminuição concomitante na ressecção
cirúrgica hepática, nos pacientes com lesões solitárias. Em particular, a ablação
por RF aumentou 26% em pacientes com CHC muito precoce e aumentou 73% em
pacientes com tumores solitários medindo de 2cm a 5cm (CHC precoce). Nesse
estudo, o uso da ablação por RF aumentou 15,5 vezes e foi responsável por 43%
do aumento geral de qualquer intervenção oferecida aos pacientes100. Esses dados
foram confirmados em outro estudo, mais recente, que mostrou que o uso de te-
rapias cirúrgicas para tumores iniciais (dentro dos Critérios de Milão) atingiu um
platô a partir de 2000 a 2010, sendo que o uso da ablação continuou a aumentar,
a ponto de se tornar a segunda modalidade terapêutica mais comum na segunda
metade da década101. A taxa crescente de pacientes com CHC submetidos à abla-
ção percutânea foi confirmada em outros estudos de coortes observacionais102. Vá-
rios motivos podem ser responsáveis pelo aumento da utilização e popularidade
da ablação percutânea: escassez crônica de órgãos para o transplante hepático; en-
velhecimento progressivo da população cirrótica com concomitância frequente de
comorbidades graves, tornando a cirurgia menos atrativa, principalmente nesses
pacientes naturalmente mais frágeis103; internação curta; baixa morbidade e alta
viabilidade de se repetir o procedimento, caso recidivas locais aconteçam.
368
e hoje é recomendada como o principal tratamento ablativo para tumores < 5cm,
sendo superior à injeção percutânea de álcool em termos de melhor controle local
da doença e maior benefício de sobrevida36. Além disso, a ablação por RFA pro-
vou ser um procedimento seguro com praticamente zero de mortalidade e uma
taxa de complicações graves de 4,1%104. No entanto, para ter sido aceita como um
verdadeiro competidor da cirurgia, a ablação por RFA teve que obter resultados
robustos em longo prazo, como taxas de sobrevivência de cerca de 65% a 70% em
cinco anos para então ser recomendada como primeira linha no tratamento do
CHC pelo principal algoritmo de tratamento do ocidente, o BCLC36. A maioria
das incertezas sobre a eficácia da ablação está associada ao fato de que a resposta é
fortemente influenciada pelo tamanho e localização do tumor.
Pacientes alocados para ablação em todas as séries publicadas, inicialmente,
tinham um perfil tumoral menos favorável e função hepática também mais dete-
riorada em comparação àqueles submetidos à cirurgia, enviesando essa compara-
ção105. Outra questão também muito colocada é se a ablação seria ou deveria ser
recomendada em lesão subcapsulares. Essa localização, por ser mais desafiante do
ponto de vista técnico, poderia estar associada a uma menor eficácia e a uma maior
recidiva local. Além disso, as lesões subcapsulares poderiam também estar sujeitas
a um maior risco de complicações, nomeadamente a hemorragia local, uma vez
que a agulha deixa de atravessar o parênquima hepático normal (que age como um
“tampão”, e perde-se a oportunidade de realizar a ablação do trajeto trans-hepáti-
co) antes de atingir o CHC105. Entretanto, vários autores demonstraram não existir
diferenças significativas na sobrevida global, na sobrevida livre de progressão e
na taxa de complicações maiores entre pacientes com CHC subcapsulares e não
subcapsulares tratados com ablação106. Além disso, técnicas específicas podem ser
utilizadas para evitar complicações no tratamento de lesões subcapsulares como o
uso de ascite artificial/hidrodissecção107.
Outra tecnologia ablativa disponível e amplamente utilizada é a ablação por
micro-ondas (MW). Ambos RF e MW são técnicas de ablação térmica que fazem
uso de energia eletromagnética, causando a rotação das moléculas de água. Entre-
tanto, diferentes energias são utilizadas a fim de fornecer o calor necessário para
induzir a necrose de coagulação. A RF produz uma corrente alternada, que é trans-
mitida para o tecido circundante, determinando agitação das moléculas de água
e gerando calor, que é então dissipado em torno da ponta da agulha/antena108,109.
As células tumorais em torno da ponta da agulha são destruídas por um processo
de desnaturação de proteínas intracelulares e membranas celulares. O MW é um
tipo de onda eletromagnética de alta frequência, causando movimento intenso das
moléculas de água, que, dependendo da intensidade e da deposição de energia,
pode produzir zonas de ablação maiores de 5cm109.
Existem diferenças pontuais entre a tecnologia envolvida na ablação por RF
e por MW. Na ablação por MW, a energia eletromagnética não requer fluxo de
369
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
370
CHC muito precoce, a ablação por RFA forneceu sobrevida global semelhante à
da resseção cirúrgica a um custo menor 25. Finalmente, vários estudos de coorte
relataram sobrevida de cinco anos além de 70% após ablação por RF em pacientes
bem selecionados com CHC muito precoce116. A vantagem da ressecção cirúrgica
é a oportunidade de realizar avaliação histopatológica e, assim, estimar o risco de
recorrência precoce por meio da presença de invasão microvascular, má diferen-
ciação ou presença de tumores satélites. Se um alto risco de recorrência for iden-
tificado na amostra, o transplante de fígado pode ser indicado75. Se o paciente não
for candidato a transplante hepático desde o início, então essa disponibilidade das
características patológicas não altera a estratégia de tratamento e, portanto, ratifica
o papel cade vez mais definido da ablação como opção de primeira linha. Infeliz-
mente, até o momento nenhum ensaio clínico randomizado abordou essa questão,
e os estudos de coorte disponíveis sofrem sempre de viés de seleção que favorece a
cirurgia de resseção. Atualmente, pelos guidelines do BCLC, a pacientes com CHC
muito precoce deve ser oferecida a ablação percutânea.
371
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Figura 1A. Paciente de 60 anos, com cirrose hepática por álcool e nódulo
de 1,5cm compatível com CHC muito precoce pelo estadiamento do BCLC
(seta vermelha).
Figura 1B. Submetido à ablação percutânea com RF, que, na ressonância
magnética, dois anos depois, mostra resposta completa e sem sinais de
recidiva local (círculo vermelho).
372
Figura 2A. Paciente de 72 anos com cirrose por vírus C e álcool e nódulo de
3cm compatível com CHC precoce. B. Tomografia de controle um mês após
tratamento com ablação percutânea por MW mostra resposta completa do
referido CHC. Nesse caso, foi utilizado o recurso da hidrodissecção para
afastar a parede lateral do estômago e evitar uma lesão térmica iatrogênica
da parede gástrica (não mostrado).
373
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
374
A opção de tratamento em pacientes com condições clínicas limítrofes deve
ser discutida de forma multidisciplinar e criteriosa, uma vez que a perda de função
hepática tornará o paciente inelegível a outras modalidades, como a quimioterapia
sistêmica, além de causar perda da qualidade de vida e contribuir para o óbito.
10.6. Técnicas
A quimioembolização hepática deve preferencialmente ser realizada pela téc-
nica superseletiva dos ramos nutridores tumorais, poupando-se o parênquima he-
pático adjacente do insulto isquêmico e aumentado a taxa de necrose tumoral após
o procedimento131. A seleção dos ramos arteriais envolvidos pode ser facilitada
com o uso de aparelhos híbridos de tomografia computadorizada e angiografia ou
com a aquisição de imagens tridimensionais provenientes do cone-beam CT pelo
aparelho de angiografia132,133.
O acesso vascular mais comumente utilizado é pela via arterial femoral. O aces-
so radial também é muito usado atualmente e possui o benefício de permitir a
deambulação precoce e apresentar menores taxas de complicações hemorrágicas
do sítio de punção134. O procedimento pode ser realizado somente com anestesia
local ou sedação leve e, dependendo da condição clínica do paciente, de forma
ambulatorial.
375
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
376
Novas sessões de Tace não devem ser oferecidas em caso de deterioração signifi-
cativa da função hepática ou de performance status do paciente. Outras situações
em que a Tace não é recomendada seria a ausência de resposta após duas sessões
de tratamento, progressão extra-hepática, recidiva com acometimento hepático
extenso e envolvimento vascular do tronco da veia porta38,129.
10.9. Resultados
Os resultados obtidos com Tace são variados ao redor do mundo, refletindo a
heterogeneidade dos pacientes que são classificados como estágio intermediário
no BCLC e a ampla oferta dessa modalidade de tratamento também em outros
cenários, como pacientes em estágios precoce e avançado84,85,122,124,140.
Os resultados de sobrevida global obtidos em mais de 10 mil pacientes anali-
sados em estudo de revisão sistemática foram: 70,3% em um ano, 51,8% em dois
anos, 40,4% em três anos e 32,4% em cinco anos. A sobrevida mediana observada
foi de 19,4 meses (95% IC 16,2-22,6)136.
Contudo, em pacientes bem selecionados, estudos modernos demonstram so-
brevida global mediana de 40-50 meses, números que seriam comparáveis a mo-
dalidades de tratamento consideradas curativas84,85,140.
377
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
378
receptor de VEGF bezacizumabe se mostrou superior ao sorafenibe em pacien-
tes com CHC avançado154.
A Tace induz a morte celular e a liberação de antígenos tumorais, que são fa-
gocitados pelas células dendríticas e apresentados ao linfócitos T citotóxicos, de-
sencadeando a resposta imunológica, a qual é amplificada com o uso de inibidores
de checkpoint45, 46. Portanto, o uso concomitante da Tace com os inibidores de che-
ckpoint imunológicos combinaria as altas taxas de resposta tumoral obtidas com
a Tace com o controle de recidivas e progressões a distância com o tratamento
sistêmico. Existem estudos de fase III em andamento investigando essa combi-
nação em pacientes com CHC intermediário (ClinicalTrials.gov: NCT03778957
{Durvalumab}, NCT04712643 {Atezolizumab}, NCT04268888 {Nivolumab},
NCT04340193 { Nivolumab e Ipilimumab}).
379
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
11.7. Downstaging
O ato de downstaging nos pacientes com CHC diz respeito à instituição de
tratamentos locorregionais em pacientes com CHC fora dos critérios de Milão,
para que possa ser reduzido o tamanho tumoral e, com isso, entrar nos critérios de
Milão para TH. O downstaging bem-sucedido do CHC para os critérios de Milão
reduz a recorrência do tumor após a TH com uma taxa de sobrevida comparável
àquela encontrada em pacientes incialmente dentro dos critérios de Milão53,77,91,163.
Não existe um consenso na literatura sobre o método ideal para o downstaging.
A maioria dos dados na literatura é publicada com a quimioembolização transar-
terial ou radioembolização3,36,49,69.
Uma revisão sistemática sobre o downstaging para CHC, incluindo dados de
950 pacientes, mostrou uma taxa de sucesso geral de 48%. A diferença entre qui-
mioembolização transarterial e radioembolização não foi significativa. Taxas mais
altas de sucesso (60%) têm sido descritas com a combinação de diferentes estra-
tégias, como Tace mais ablação por radiofrequência ou radioembolização55,81,94,164.
A resposta ao downstaging é considerada um marcador indireto da agressivi-
dade biológica do tumor.
380
11.9. Transplante de fígado de doador vivo
O transplante de doador vivo é uma alternativa para cenários em que há pouca
disponibilidade de doadores cadavéricos ou em casos especiais. Em países asiáti-
cos com alta incidência de CHC, o transplante de doador vivo é mais utilizado do
que no Ocidente.
Uma vez que os enxertos de doador vivo não são recursos públicos, o risco
de recorrência do CHC, a chance de sobrevivência do receptor e o desejo do do-
ador devem ser considerados para a seleção do candidato ao transplante por do-
ador vivo. No entanto, como essa modalidade, inevitavelmente, traz um risco não
desprezível de morbidade e mortalidade do doador, a aplicação de critérios ex-
pandidos em candidatos a transplante de CHC deve ser realizada de forma abso-
lutamente criteriosa90,92,94,98.
381
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
382
12.2. Segunda linha de terapia sistêmica
O uso de segunda linha de tratamento sistêmico é indicado para pacientes com
progressão tumoral ou intolerância à primeira linha e que ainda apresentam boa
função hepática e performance status. Os estudos de segunda linha foram feitos
com pacientes submetidos ao sorafenibe como primeira linha de tratamento. Para
pacientes submetidos à primeira linha com atezolizumabe + bevacizumabe, o uso
de drogas de segunda linha, embora aceito internacionalmente, necessita de vali-
dação em estudos clínicos.
Regorafenibe e cabozatinibe são drogas orais, inibidores da tirosina quínase,
que, em estudos randomizados fase III, levaram a um aumento da sobrevida global
em relação ao placebo como segunda linha de tratamento170,171. Os pacientes com
intolerância ao tratamento com sorafenibe foram considerados inelegíveis para
entrar no ensaio clínico com regorafenibe (RESOURCE trial). Com isso, a intole-
rância ao sorafenibe é considerada contraindicação ao regorafenibe.
O ramucirumabe foi aprovado para uso em segunda linha após o estudo RE-
ACH-2, em que o subgrupo de pacientes com níveis séricos de alfafetoproteína
400ng/ml obtiveram benefício do uso da medicação. Essa droga é um anticorpo
monoclonal recombinante humanizado específico para o VEGFR-2, que mostrou
boa tolerância nesse estudo.
O tratamento com imunoterapia também foi aprovado no Brasil para pacientes
previamente tratados com sorafenibe. No estudo radomizado fase I/II CheckMate
040, os participantes tratados com nivolumabe 1mg/kg mais ipilimumabe 3mg/kg,
seguido de manutenção com nivolumabe, tiveram uma sobrevida global mediana
de 23 meses, com uma taxa de resposta de 32%. A duração mediana de resposta no
estudo foi de 17 meses.
O pembrolizumabe (anticorpo monoclonal anti-PD-1) é também uma imuno-
terapia que pode ser usada em segunda linha após o uso de sorafenibe. O estudo
de fase II Keynote-224 foi seguido pelo estudo fase III Keynote-240, em que houve
aumento da taxa de resposta objetiva, mais respondedores completos e maior du-
ração da resposta.
Embora não existam estudos comparando o desempenho do pembrolizumabe
com nivolumabe e suas combinações, o uso do pembrolizumabe foi estudado ape-
nas em pacientes Child-Pugh A, ao passo que os pacientes Child-Pugh B foram
contemplados em estudos do nivolumabe.
Não existe uma recomendação formal sobre qual terapia sistêmica deve ser es-
colhida em pacientes candidatos à segunda linha. O perfil de tolerância à primeira
linha pode auxiliar na escolha do tratamento.
Houve considerável avanço no tratamento sistêmico de pacientes com carci-
noma hepatocelular nos últimos anos. Porém, ainda não está totalmente definida
a sequência ideal do uso desses medicamentos. O alto custo dessas terapias, asso-
ciado ao fato de praticamente não existirem biomarcadores preditivos de resposta,
383
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
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391
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
COLANGIOCARCINOMA
Rinaldo Gonçalves
Jéssica Albuquerque
13
Jairo Fernandes Frutuoso
Roberto Gil
Luiza Labrunie Mariana Gil
João Fogaci Mauro Monteiro
392
1. INTRODUÇÃO
O colangiocarcinoma (CC) é uma doença maligna rara, compreendendo um
grupo de tumores com características patológicas de diferenciação biliar, podendo
ter localização intra ou extra-hepática. A apresentação intra-hepática (CCih) corres-
ponde a 10-20% de todos os tumores hepáticos primários, sendo o segundo tumor
primário mais frequente do fígado depois do hepatocarcinoma. Sua frequência vária
de acordo com a região geográfica estudada. No Brasil, não existem dados exatos
sobre sua incidência, não figurando entre os dez tumores mais frequentes, de acordo
com as Estimativas de Incidência de Câncer no Brasil feitas pelo Instituto Nacional
do Câncer (Inca) em 20201. Nos EUA, a incidência anual é de 5.000 novos casos por
ano, com 1,67 casos por 100.000 habitantes2. A Ásia representa a área do globo com
maior incidência, com algumas regiões alcançando 113 casos por 100.000 habitan-
tes/ano3. A incidência do CCih aumentou nos anos recentes, enquanto o colangio-
carcinoma extra-hepático (CCe) fez diminuir o número de casos4. Também a taxa de
mortalidade por esse tipo de tumor segue essa tendência de crescimento e diminui-
ção de acordo com sua localização anatômica. Colangiocarcinomas intra-hepáticos
têm uma tendência de mortalidade aumentada creditada ao aumento da incidência
dos fatores de risco relacionados, como álcool, tabaco, hepatites virais, obesidade e
síndrome metabólica5. O CCe, por sua vez, diminui a taxa de mortalidade, possivel-
mente devido à maior frequência na realização de colecistectomias videolaparoscó-
picas. No Brasil, a taxa de mortalidade por CCih era de 0,19 por 100.000 habitantes
no ano de 2002 e de 0,35 por 100.000 em 2012, representando um crescimento de
84,2%. Para o CCe, houve uma diminuição da taxa de mortalidade em -15%, com
0,40 e 0,34 mortos por 100.000/ano em 2002 e 2012, respectivamente6. Colangiocar-
cinomas são mais frequentes em homens com uma proporção de 1,2-1,5:1, tipica-
mente manifestando-se na sétima década de vida, sendo raro sua ocorrência antes
dos 40 anos de idade4.
393
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Embora a maior parte dos CC seja esporádica, sem qualquer associação clara
com agentes causais, alguns fatores de risco, que estão relacionados na tabela 1,
estão ligados a um maior risco de desenvolvimento5. Apresentação clínica
Coledocolitíase 10 18,5
Doença de Caroli 38 97
Colangite esclerosante
22 41
primária
Hemocromatose 2,1 -
Doença inflamatória
2,6 2,3
intestinal
394
Pancreatite crônica 2,7 6,6
1,2 Dicloropropano 15
395
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
2. APRESENTAÇÃO CLÍNICA
2.1. A apresentação clínica do CC depende da localização tumoral
a. Colangiocarcinoma extra-hepático
A sintomatologia tipicamente está relacionada à obstrução biliar, incluindo ic-
terícia, prurido, acolia fecal e urina escura. Outros sintomas comuns são a dor no
hipocôndrio direito, perda de peso e febre. A colangite é incomum nesse tipo de
apresentação. Os testes bioquímicos evidenciam elevações na bilirrubina total e
direta, além de fosfatase alcalina aumentada. Os níveis de transaminase podem
inicialmente ser normais, mas a tendência é a disfunção hepática devido à obstru-
ção biliar crônica7. Pacientes com CEP têm risco elevado de colangiocarcinoma
extra-hepático (CCe), especialmente doença peri-hilar, e podem apresentar ape-
nas um nível sérico anormalmente elevado do antígeno de carboidrato marcador
tumoral 19-9 (CA 19-9)7.
b. Colangiocarcinoma intra-hepático
Dor abdominal no hipocôndrio direito, perda de peso e fosfatase alcalina ele-
vada são os principais achados. Nesses casos, há menor incidência de icterícia
e alguns pacientes são assintomáticos. Os testes bioquímicos evidenciam níveis
anormais de fosfatase alcalina, com pouca ou nenhuma alteração dos níveis de
bilirrubina sérica. Níveis elevados de 5'-nucleotidase e gama-glutamil transpepti-
dase confirmam a origem hepatobiliar do excesso de fosfatase alcalina7.
Raramente há associação do CC com síndromes paraneoplásicas, resultado de
lesões em tecidos distantes do local da malignidade por interações entre o sistema
imunológico e o CC. Algumas das manifestações paraneoplásicas incluem alope-
cia, neuropatias sensoriais, hipercalcemia, policitemia, leucocitose e aumento da
proteína relacionada ao hormônio da paratireoide (PTHrP)8.
2.2. Colangiocarcinogênese
396
b. Células-tronco/progenitoras da árvore biliar: diferenciam-se em hepa-
tócitos, colangiócitos e ilhotas pancreáticas. Essas células se distribuem entre as
glândulas peribiliares e estão envolvidas em doenças que afetam os grandes ductos
biliares intra e extra-hepáticos, como CC e CEP9.
2.2. Tumores pré-malignos
Existem duas categorias principais de tumores do ducto biliar pré-maligno:
a. Neoplasias intraepiteliais biliares: visíveis somente por meio do estudo
microscópico, estando geralmente localizadas nos ductos biliares maiores ou em
localização extra-hepática9.
397
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
A: Dilatação dos ductos biliares intra-hepáticos devido à lesão acometendo o ducto hepático co-
mum abaixo da primeira confluência (Bismuth I) • B: Dilatação dos ductos biliares intra-he-
páticos devido à lesão envolvendo a primeira confluência (Bismuth II) • C: Acometimento do
ducto hepático direito, envolvendo a bifurcação dos segmentos anteriores e posteriores e poupando
a segunda confluência do ducto hepático esquerdo (Bismuth IIIA) • D: Dilatação ductal intra-he-
pática a partir das segundas confluências direita e esquerda (Bismuth IV)
398
• Tipo I: tumores envolvendo apenas o ducto hepático comum abaixo da divi-
são entre os ductos biliares de primeira ordem.
• Tipo II: envolvimento dos ductos biliares de primeira ordem (confluência
direita e esquerda), sem envolvimento dos ductos biliares de segunda ordem.
• Tipo III: tumores envolvendo ductos biliares de segunda ordem, seja à direita
(tipo IIIa) ou à esquerda (tipo IIIb).
• Tipo IV: tumores envolvendo ductos biliares de segunda ordem à direita e à
esquerda.
Embora universalmente reconhecido e utilizado na avaliação cirúrgica de pa-
cientes com CC peri-hilares, esse sistema se restringe ao envolvimento tumoral do
ducto biliar, sem incluir informações relacionadas à invasão vascular, metástases
linfonodais ou a distância, frequentes nos colangiocarcinomas9.
399
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Formador
de massa
Periductal
infiltrante
Intraductal
400
A tomografia computadorizada (TC) demonstra lesões com densidade predo-
minantemente baixa, apresentando realce periférico e irregular. O grau de realce é
maior na fase tardia e está intimamente relacionado à quantidade de espaço inters-
ticial no estroma fibroso. Achados adicionais incluem retração capsular, presença
de nódulos satélites e revestimento vascular, sem a formação de um trombo de
tumor grosseiramente visível14.
As características da ressonância magnética (RM) são semelhantes aos acha-
dos encontrados na TC. A lesão se comporta como uma formação expansiva de
margem irregular, com alto sinal em imagens ponderadas em T2 e baixo sinal em
imagens ponderadas em T1. Essas características de sinal variam de acordo com
a quantidade de material mucinoso, tecido fibroso, hemorragia e necrose dentro
do tumor. O comportamento do realce pós-contraste é semelhante ao visto na TC
(figura 4). No entanto, o padrão de imagem pode variar, a exemplo de lesões com
realce hipervascular, que é um achado incomum e que pode ser observado em um
tumor bem diferenciado (figura 5). Outras apresentações pouco comuns incluem
lesão com necrose central, além da variante mucinosa7,15.
A B
C D
401
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
A B C D
A: Imagem de RM em T2: lesão expansiva e heterogênea, com alto sinal em T2 e que acomete o
lobo direito, determinando a dilatação da via biliar intra-hepática.
B e C: Imagens de RM na difusão e no mapa de ADC: a lesão apresenta alto sinal na sequência
ponderada em difusão e baixo sinal no mapa de ADC, o que representa restrição à difusibilidade
da água, indicando alta celularidade. (D) RM na fase arterial: lesão com realce heterogêneo.
D: RM na fase arterial: lesão com realce heterogêneo.
Adaptado de:
Lowe RC et al. Clinical manifestations and diagnosis of cholangiocarcinoma [Internet]. Acessado
em: 14 set 2021. Disponível em: <https://www.uptodate.com/contents/clinical-manifestation-
-and-diagnosis-of-cholangiocarcinoma?search=cholangiocarcinoma&source=search_resut&-
selectedTitle=1~148&usage_type=default&display_rank=1#H62996685>Sainani NI et al.
RadioGraphics. 2008;28(5):1263-87.
402
localização segmentar ou lobar, podendo haver dilatação ductal associada. Adicio-
nalmente, a combinação dos tipos periductal e formador de massa pode ocorrer10.
Na US, observa-se pequena lesão pseudotumoral ou espessamento difuso do
ducto biliar, podendo determinar obliteração luminal na dependência da extensão
tumoral. Na TC e RM, os principais achados incluem espessamento periductal
difuso e realce tumoral. A infiltração tumoral geralmente determina algum grau
de dilatação ductal a montante (figura 6). Essa apresentação é rara em CC intra-
-hepático, sendo mais comum nos CCs hilares10,11.
A B C
Adaptado de:
Engelbrecht MR et al. AJR Am J Roentgenol. 2015;204(4):782-91
Garikipati SC et al. Biliary tract cholangiocarcinoma [Internet]. Acessado em: 13 set 2021. Dispo-
nível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK560708/>
403
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
muito semelhante aos IPNMs. Além disso, é comum a apresentação com múl-
tiplos tumores ao longo dos segmentos ductais biliares. A lesão tem comporta-
mento indolente, com prognóstico relativamente favorável10,13.
Vários nomes têm sido utilizados para caracterizar o CC intraductal, como
‘papiloma’ ou ‘papilomatose’. Contudo, a Organização Mundial de Saúde intitulou
o termo ‘neoplasia papilar intraductal dos ductos biliares’ como uma forma de
abranger todas as variantes desse tipo de CC10.
É uma apresentação rara, que exibe um padrão de disseminação da mucosa su-
perficial. As principais características de imagem incluem ductos biliares segmen-
tares ou difusamente dilatados, com ou sem lesões polipoides/papilares (figura
7). Na TC sem contraste, aparece como uma lesão de densidade baixa ou seme-
lhante ao parênquima hepático, com realce após o meio de contraste. Em alguns
casos, apenas a dilatação do ducto biliar intra-hepático proeminente é visualizada,
sem evidência de massa intraductal ou estenose16.
O diagnóstico diferencial dessa apresentação deve ser feito com cálculos impac-
tados no ducto biliar intra-hepático, além de estenose benigna e displasia intrae-
pitelial. Na ectasia ductal difusa com lesão papilar evidente, deve-se considerar a
possibilidade de cistoadenocarcinoma ou CHC invadindo o ducto biliar. Neste últi-
mo, a identificação da massa fora do sistema ductal, a hipervascularização da lesão,
a presença de cápsula fibrosa ou pseudocápsula favorecem o diagnóstico de CHC10.
404
3. DIAGNÓSTICO
Após a avaliação clínica, é realizada a abordagem diagnóstica por meio de exa-
mes laboratoriais e radiológicos. As modalidades de imagem para diagnosticar e
estadiar o CC incluem a US, TC, RM/CPRM e PET-TC.
3.2. Ultrassonografia
Geralmente a US é o exame de imagem inicial para avaliação da icterícia ou
dor abdominal. Os achados incluem a confirmação da dilatação ductal biliar e a
localização da obstrução ou de cálculos biliares, além da identificação de lesões
intra-hepáticas15.
CCes podem não ser visualizados na US, principalmente quando a lesão é pe-
quena. Lesões extra-hepáticas proximais causam dilatação dos ductos intra-hepá-
ticos isoladamente, enquanto lesões mais distais determinam dilatação dos ductos
intra e extra-hepáticos. A dilatação segmentar e a não união dos ductos direito e
esquerdo sugerem a presença de tumor envolvendo a bifurcação do ducto hepáti-
co. Tumores papilares se comportam como lesões intraductais polipoides7.
A US com Doppler colorido avalia o envolvimento vascular e tem alta precisão
na detecção do envolvimento portal (compressão, encapsulamento ou trombose
da veia porta). Também avalia o acometimento arterial, porém com menor sensi-
bilidade. A principal limitação da US é que, muitas vezes, a visualização do ducto
biliar distal é prejudicada devido ao artefato gasoso presente no duodeno. Além
disso, os ductos biliares podem não estar visivelmente dilatados em CCs com CEP
subjacente ou cirrose7,15.
405
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
406
quanto à ressecabilidade do tumor, avaliando a relação tumoral com os vasos e
órgãos adjacentes (figura 8)19.
A TC apresenta algumas limitações, a exemplo da dificuldade em estabelecer
a extensão da disseminação tumoral, particularmente nos tumores infiltrativos7.
407
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Adaptado de:
Lowe RC et al. Clinical manifestations and diagnosis of cholangiocarcinoma [Internet]. Acessado
em: 14 set 2021. Disponível em: <https://www.uptodate.com/contents/clinical-manifestations-an-
d-diagnosis-of-cholangiocarcinoma?search=cholangiocarcinoma&source=search_result&selected-
Title=1~148&usage_type=default&display_rank=1#H62996685>.
Fábrega-Foster K et al. Hepatobiliary Surg Nutr. 2017;6(2):67-78.
408
O PET com fluorodeoxiglicose (FDG) permite a visualização de CC devido à
alta captação de glicose do epitélio do ducto biliar. O PET-TC é capaz de detec-
tar pequenos CCs nodulares, mas são menos úteis para tumores infiltrativos, que
podem não acumular FDG. O PET também tem papel na triagem de pacientes
com CEP para avaliar presença de CC. Contudo, resultados falso-positivos podem
ocorrer em pacientes com CEP e colangite aguda (ou outra lesão benigna). As le-
sões inflamatórias acumulam FDG, mas geralmente apresentam captação menor
do que nas lesões malignas, porém, o ponto de corte ideal para distinguir lesões
benignas das malignas não foi estabelecido7.
A tabela 2 resume as modalidades de imagem para diagnosticar e estadiar o CC
e incluem a US, TC, RM/CPRM e PET-TC.
Principal
Técnica Vantagens Limitações
indicação
• Avaliação do tumor
primário; envolvimento
vascular e detecção de • Radiação • Método de
metástases ionizante escolha para
• Alta resolução espacial • Pode subestimar diagnóstico,
TCMD
(melhor acesso ao a extensão estadiamento
envolvimento tumoral tumoral ao longo e avaliação de
na confluência biliar do ducto biliar ressecabilidade
e em estruturas
adjacentes)
• Avaliação do
tumor primário, do
envolvimento vascular
e biliar • Tempo de
aquisição de
• Ausência de radiação
imagem longo • Diagnóstico
RM ionizante
(em comparação diferencial do CC
• Alto contraste tecidual à TC)
• Detecção de • Alto custo
metástases intra-
hepáticas na fase HPB
ou na DWI nos CCih
409
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
4. ESTADIAMENTO
O estadiamento pré-operatório preciso é decisivo, já que a ressecção cirúrgica
tumoral é a única possibilidade de cura para o CC. Em geral, o estadiamento é rea-
lizado com TC de tórax, de abdome e da pelve, de preferência combinada à CPRM.
O estadiamento do CC depende da localização do tumor. A classificação pro-
posta por Bismuth-Corlette para tumores peri-hilares, embora amplamente uti-
lizada para avaliar a extensão do tumor na via biliar, não traz informações sobre
envolvimento vascular e presença de doença linfonodal ou sistêmica, sendo in-
completa para a definição de ressecabilidade e estadiamento.
410
O sistema de estadiamento pré-operatório proposto pelo Memorial Sloan-Ket-
tering Cancer Center leva em consideração a extensão local do tumor na árvore
biliar similarmente ao proposto por Bismuth-Corlette, mas também a ocorrência
de invasão vascular e atrofia lobar21,22, sendo mais preciso na avaliação da resseca-
bilidade (tabela 3).
T1 Unilateral - -
Adaptado de:
Matsuo K et al. Am Coll Surg. 2012;215(3):343-55.
Mahajan MS et al. Indian J Radiol Imaging. 2015;25(2):184-92.
411
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
T1
T2
T3
T1 corresponde ao tumor envolvendo confluência biliar com extensão unilateral para árvore
biliar de segunda ordem;
T2 corresponde ao tumor envolvendo confluência biliar com extensão unilateral para árvore
biliar de segunda ordem, envolvimento de veia porta ipsilateral ou atrofia hepática ipsilateral;
T3 corresponde ao tumor envolvendo confluência biliar com extensão bilateral para árvore bi-
liar de segunda ordem; ou
• extensão unilateral para árvore biliar de segunda ordem com envolvimento da veia porta
contralateral; ou
• extensão unilateral para árvore biliar de segunda ordem com atrofia lobar hepática con-
tralateral; ou
• envolvimento venoso portal principal ou bilateral.
Adaptado de:
Matsuo K et al. Am Coll Surg. 2012;215(3):343-55.
Mahajan MS et al. Indian J Radiol Imaging. 2015;25(2): 184-92.
412
Tabela 4. Critérios para o estadiamento TNM dos colangiocarcinomas
peri-hilares segundo o AJCC11,20.
TUMOR PRIMÁRIO
Categoria T
T2 Tumor invade além da parede ductal biliar até o tecido adiposo adjacente
LINFONODOS REGIONAIS
Categoria N
413
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
METÁSTASES A DISTÂNCIA
Categoria M
M2 Metástases à distância
Estádio T N M
0 Tis N0 M0
I T1 N0 M0
II T2a-b N0 M0
IIIA T3 N0 M0
IIIB T4 N0 M0
IIIC Qualquer T N1 M0
IVA Qualquer T N2 M0
VP: veia porta; AH: artéria hepática; AHC: artéria hepática comum.
414
Tabela 5. Critérios para o estadiamento TNM dos colangiocarcinomas extra-
hepáticos distais segundo o (AJCC)11,20.
TUMOR PRIMÁRIO
Categoria T
Tumor invade a parede ductal biliar com uma profundidade menor que
T1
5mm
T3 Tumor invade a parede ductal biliar com profundidade maior que 12mm
LINFONODOS REGIONAIS
Categoria N
METÁSTASES A DISTÂNCIA
Categoria M
M2 Metástases à distância
415
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Estádio T N M
0 Tis N0 M0
I T1 N0 M0
IIA T1 N1 M0
IIIA T1 N2 M0
IIA T2 N0 M0
IIB T2 N1 M0
IIIA T2 N2 M0
IIB T3 N0 M0
IIB T3 N1 M0
IIIA T3 N2 M0
IIIB T4 N0 M0
IIIB T4 N1 M0
IIIB T4 N2 M0
IV Qualquer T Qualquer N M1
TC: tronco celíaco; AMS: artéria mesentérica superior; AHC: artéria hepática comum.
416
Tabela 6. Critérios para o estadiamento TNM dos colangiocarcinomas intra-
hepáticos segundo o AJCC11,20.
TUMOR PRIMÁRIO
Categoria T
T2b Tumor invade a parede ductal biliar com profundidade maior que 12mm
LINFONODOS REGIONAIS
Categoria N
417
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
METÁSTASES A DISTÂNCIA
Categoria M
M1 Ausência de metástases à distância
M2 Metástases à distância
GRUPOS DE ESTADIAMENTO PROGNÓSTICO
Estádio T N M
0 Tis N0 M0
IA T1a N0 M0
IB T1b N0 M0
II T2 N0 M0
IIIA T3 N0 M0
IIIB T4 N0 M0
IIIB Qualquer T N1 M0
IV Qualquer T Qualquer N M1
Adaptado de: Garikipati SC et al. Biliary tract cholangiocarcinoma [Internet]. Acessado em: 14 set
2021. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK560708/>
Mar WA et al. Imaging spectrum of cholangiocarcinoma: role in diagnosis, staging, and posttreat-
ment evaluation. Abdom Radiol (NY). 2016;41(3):553-67.
5. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
As biópsias são negativas para tumor em até 26% das ressecções de lesões com
o diagnóstico presumido de CC. Um amplo espectro de condições pode se simular
o colangiocarcinoma, aumentando a complexidade do diagnóstico. O diagnóstico
diferencial constitui um grupo heterogêneo de entidades, a exemplo de colangite
esclerosante primária, colangite piogênica recorrente, colangiopatia da síndrome da
imunodeficiência adquirida, pancreatite autoimune, pseudotumor inflamatório, sín-
drome de Mirizzi, colangite xantogranulomatosa, sarcoidose, esclerose induzida por
quimioterapia, metástases, entre outros (Figura 12). Essas entidades demonstram
morfologia característica e comportamentos clinicobiológicos variáveis. Os achados
de imagem dessas entidades díspares são proteanos e podem ser indistinguíveis dos
do colangiocarcinoma. Na maioria dos casos, um diagnóstico definitivo só pode ser
estabelecido com o exame histopatológico de uma amostra de biópsia20.
As estenoses malignas são geralmente mais longas, mais irregulares e assimétricas. As
metástases intrabiliárias são raras e, quando ocorrem, o sítio primário mais comum é o
cólon. Pequenos CCihs formadores de massa podem ser vistos incidentalmente e podem
ter aspecto de imagem similar aos hemangiomas, CHC ou anomalias perfusionais7,20.
418
Uma das complicações mais temidas da CEP é o desenvolvimento de CC, que ocorre
em 10% a 15% dos pacientes. O risco é mais elevado em pacientes com doenças inflama-
tórias intestinais associadas, principalmente retocolite ulcerativa. O diagnóstico de CC
inicial nesses pacientes é difícil, uma vez que as duas patologias apresentam característi-
cas de imagem que se interpõem, como estreitamento luminal e espessamento parietal.
A malignidade deve ser considerada de acordo com a extensão da estenose, assim como
hiperrealce, espessura e assimetria parietal, bem como o nível sérico de Ca 19-924.
419
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
6. TERAPIA LOCORREGIONAL
A quimioembolização transarterial (TACE), radioembolização ou ablação por
radiofrequência são opções de tratamento locorregional para o CCih. Uma meta-
nálise descobriu que a sobrevida foi estendida por 2-7 meses em comparação com
a quimioterapia isolada em pacientes submetidos à TACE. Adicionalmente, o con-
trole local demonstrado em CCihs medindo até 5cm foi observado em pacientes
submetidos à ablação por radiofrequência, mostrando sobrevida global média de
38,5 meses20.
7.1. Tratamento
A cirurgia consiste na única possibilidade de tratamento curativo para os pa-
cientes portadores de colangiocarcinomas. Uma sobrevida em cinco anos de 30%
tem sido relatada após cirurgia para colangiocarcinomas tanto intra quanto ex-
tra-hepáticos25. Desta forma, embora somente um quinto dos pacientes seja efe-
tivamente candidato a tratamento cirúrgico no momento da apresentação26, todo
paciente portador de colangiocarcinoma deve ser avaliado quanto à possibilidade
de ressecção. Essa avaliação deve incluir não somente questões anatômicas e téc-
nicas relacionadas à exequibilidade do procedimento cirúrgico em si. Aspectos
420
clínicos do paciente, como performance status, estado nutricional e presença de
comorbidades que possam ser impeditivas para a realização de anestesia e cirur-
gia segura ou que devam ser adequadamente controladas antes do procedimento
devem ser igualmente levados em consideração. Nesses pacientes, a icterícia en-
contra-se habitualmente presente, devendo sempre ser avaliadas as repercussões
desta no estado geral e funcional do paciente e a necessidade de drenagem pré-
-operatória. Sobretudo o impacto determinado por esta na função hepática e na
capacidade de hipertrofia hepática pós-embolização portal, comumente necessá-
ria no pré-operatório de pacientes com tumores peri-hilares, deve ser considera-
do. Doenças hepáticas crônicas secundárias à hepatite, etilismo e doença hepática
gordurosa não alcoólica devem ser igualmente identificadas, sendo determinantes
no planejamento terapêutico.
Uma vez que os colangiocarcinomas diferem de acordo com sua localização,
desafios e estratégias para tratamento cirúrgico são igualmente distintos, sejam os
tumores intra-hepáticos, distais ou peri-hilares.
421
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
422
Figura 12. Quimioembolização transarterial (TACE).
423
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
424
8. COLANGIOCARCINOMA EXTRA-HEPÁTICO HILAR
8.1. Tratamento cirúrgico
O colangiocarcinoma hilar corresponde ao tipo anatômico mais frequente e
mais desafiador cirurgicamente. Nesses tumores, a avaliação da extensão tumoral
na via biliar, a avaliação de envolvimento portal e/ou arterial, a presença de atrofia
hepática e as variações anatômicas são de vital importância para o planejamento
cirúrgico e para a própria avaliação da extensão da ressecção e do fígado residual
após ressecção. Essa avaliação deve ocorrer preferencialmente antes da realização
de drenagem biliar, pois a reação inflamatória e a fibrose resultantes podem di-
ficultar a avaliação pós-drenagem25. Pacientes ressecáveis com forte suspeita de
diagnóstico oncológico podem dispensar biópsia pré-operatória, porém, cerca de
15% dos pacientes com diagnóstico presumível de colangiocarcinoma hilar leva-
dos à cirurgia tem diagnóstico histológico final compatível com doença benigna39.
Devido a sua localização na confluência hilar, a maioria dos tumores neces-
sitará de uma hepatectomia maior, englobando segmentos IV e I (caudado) para
ressecção R0. Por conta de a anatomia típica da artéria hepática direita cruzar pos-
teriormente o colédoco, os tumores da confluência não raramente determinam
o envolvimento tumoral desta. Associado a isso, em comparação com a via biliar
direita, a via biliar esquerda tem maior extensão (2-3cm versus 1cm), determinan-
do maior possibilidade de margem negativa. Devido a esses aspectos anatômicos
descritos, tumores hilares Bismuth I, II e IIIA são habitualmente tratados por meio
de hepatectomia direita estendida aos segmentos IV e I (trissegmentectomia di-
reita) (figura 13).
425
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
426
E: Imagem intraoperatória com aspecto final pós hepatectomia:
E via biliar (seta branca), veia porta (seta tracejada) e artéria he-
pática (cabeça de seta);
Tumores Bismuth IIIB, por sua vez, são habitualmente tratados com hepatecto-
mia esquerda estendida aos segmentos I, V e VIII (trissegmentectomia esquerda),
podendo, em casos selecionados, ser tratados por hepatectomia esquerda estendi-
da ao segmento I.
Tumores Bismuth tipo I e tipo II podem ser tratados por meio de ressecção
apenas da via biliar em casos altamente selecionados, como os de tumores ini-
ciais, intraductais papilares, sem envolvimento vascular e/ou em pacientes com
morbidades que limitem a realização de cirurgias maiores. No entanto, resultados
melhores em controle local e sobrevida são observados com ressecção hepática
associada40-42.
427
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
428
8.4. Drenagem pré-operatória e embolização portal
Conforme discutido previamente no capítulo sobre adenocarcinoma do pâncre-
as, a icterícia obstrutiva representa um dos principais sinais presentes nos pacientes
com obstrução das vias biliares, sendo associada à disfunção renal e à desregulação
imunológica, coagulopatia e desenvolvimento de colangite49. Por conta disso, espe-
culou-se que a bilirrubinemia elevada poderia aumentar as complicações pós-ope-
ratórias, levando muitos autores a propor drenagem biliar pré-operatória de rotina
em pacientes com icterícia obstrutiva50. Apesar do benefício teórico da realização
de drenagem biliar pré-operatória de rotina, estudos prospectivos e metanálises não
confirmaram esse ganho, resultando, ao contrário, em maiores taxas de morbida-
de pós-operatória51-55. A drenagem de rotina, portanto, deve ser evitada, reservando
esse procedimento para pacientes com necessidade imperiosa de drenagem, como
aqueles com colangite, níveis excessivos de bilirrubinemia, comprometimento
de função renal ou de coagulação, pacientes que necessitarão de quimioterapia
neoadjuvante e/ou reabilitação clínica até a programação cirúrgica. A drenagem
também estaria indicada aos pacientes candidatos a ressecções hepáticas extensas,
com fígado residual limítrofe e necessidade de embolização portal pré-operatória,
uma vez que a obstrução biliar limita o crescimento hepático pós-cirurgia ou PVE,
aumentando significativamente o risco de insuficiência hepática pós-operatória.
Laurent et al. avaliaram o resultado de 62 pacientes com colangiocarcinoma sub-
metidos a tratamento cirúrgico. Destes, 33 apresentavam valores de bilirrubina
entre 3,5 e 27,5mg/dl, tendo sido operados sem drenagem biliar pré-operatória.
Cinco pacientes tiveram morte hospitalar, todos eles submetidos à hepatectomia
direita estendida, incluindo três pacientes com valores de bilirrubina acima de
17,5 e dois pacientes com níveis normais de bilirrubina. Nesse estudo não hou-
ve nenhuma morte em pacientes submetidos à hepatectomia esquerda. O autor
conclui que a drenagem biliar poderia ser omitida em pacientes com icterícia de
desenvolvimento entre 2 e 3 semanas e níveis de bilirrubina menores que 11,7mg/
dL naqueles sem manipulação prévia endoscópica ou percutânea, sem infecção e,
ainda, naqueles com fígado residual futuro maior que 40%56.
Tumores hilares Bismuth I, II e III necessitam habitualmente de trissegmen-
tectomia hepática direita para ressecção R0, restando como fígado residual os seg-
mentos II e III. Contudo, tumores hilares localizados à esquerda, Bismuth tipo
IIIb, necessitam frequentemente de trissegmentectomia hepática esquerda, restan-
do como fígado residual os segmentos VI e VII. Um estudo que acompanhou 81
doadores para transplante hepático intervivos avaliou o volume de cada segmento
hepático em relação ao volume hepático total. O segmento II hepático correspon-
deu, em média, a 8,2% do fígado total, enquanto o segmento III correspondeu a
9,4%. Portanto, a maioria dos pacientes submetidos à trissegmentectomia direita
necessitará de embolização hepática e drenagem de via biliar do fígado residual
como medidas pré-operatórias para otimização do volume e da função hepática
429
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
430
9. TERAPIA SISTÊMICA NA DOENÇA AVANÇADA
A terapia sistêmica no câncer de vias biliares teve seu início em 1996, quando
um pequeno estudo de fase 3, realizado por Glimelius B et al., contando com ape-
nas 90 pacientes com diagnóstico de tumores pancreatobiliares em estágio avan-
çado (n = 37 de vias biliares), demonstrou o benefício em sobrevida global (SG)
do protocolo quimioterápico citotóxico de 5-fluorouracil associado a etoposídeo
versus cuidados paliativos exclusivos com 6,0 meses versus 2,5 meses, p < 0,01,
respectivamente65.
Apenas em 2010 houve um novo avanço concreto, com a publicação do estudo
fase 3 UK ABC 02, por Valle et al. Ele contou com 410 pacientes com neoplasias
de todas as topografias das vias biliares (vesícula biliar, colangiocarcinoma intra e
extra-hepático e tumores periampulares) em estágio avançado, virgens de trata-
mento, em bom estado geral (escala de performance status 0 a 2 – ECOG PS), com
bilirrubina total de até 1,5 vezes o limite superior da normalidade e taxa de filtra-
ção glomerular de 45ml/min. Estes foram submetidos à gemcitabina combinada
com cisplatina (protocolo GEMCIS) versus gemcitabina em monoterapia66.
Comprovou-se pela primeira vez em um estudo robusto o benefício clínico
da quimioterapia citotóxica com SG de 11,7 meses para a combinação versus 8,1
meses para monoterapia, com redução de risco de 36%, p < 0,001. Objetivos secun-
dários, como a taxa de resposta (TR) e a sobrevida livre de progressão de doença
(SLPD), também foram favoráveis à poliquimioterapia: 26,1 versus 15,5% e oito
meses versus cinco meses, com redução de risco de 37%, p < 0,001, respectiva-
mente. Efeitos adversos de grau 3 ou superior foram semelhantes entre os braços.
Curiosamente, a anormalidade da função hepática foi menor no braço mais inten-
so de tratamento (16,7% versus 27,1%), atribuído ao melhor efeito descompressivo
das vias biliares da combinação de quimioterapia66.
Dados semelhantes foram observados por Okusaka et al. por meio do estudo
fase 2 BT22, de origem asiática, no qual 83 pacientes com diagnóstico de câncer
avançado de vias biliares foram randomizados para GEMCIS ou gemcitabina em
monoterapia. Tanto SG quanto SLPD foram favoráveis à combinação: -11,2 versus
7,7 meses e 5,8 versus 3,7 meses, respectivamente67.
Desde então, a poliquimioterapia à base de gemcitabina e cisplatina é tida
como esquema de escolha em primeira linha paliativa no câncer de vias biliares.
O fato desse esquema utilizar um alto volume de hidratação pré-quimioterapia
na intenção de atenuar a nefrotoxicidade do componente da cisplatina levou à
criação do estudo fase 3 de não inferioridade FUGA BT/JCOG1113, por Morizane
et al., que comparou o esquema padrão GEMCIS versus gemcitabina associado à
quimioterapia oral antimetabólica S-1 (protocolo GS) em primeira linha de câncer
de vias biliares avançado68.
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Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
432
e 14,3 versus 11,7 meses, respectivamente para GEMCIS e FOLFIRINOX. As TR
foram semelhantes, com 25% para o triplet e 19,4% para o doublet72. Após a falha
do esquema de primeira linha paliativa GEMCIS, encontram-se poucas evidências
prospectivas na literatura médica para uma segunda linha de tratamento. O maior
estudo nesse cenário é o ainda não publicado fase 3 UK ABC 06, que randomizou
162 pacientes com neoplasia biliar avançada após falha da primeira linha GEMCIS
para a combinação de 5-fluorouracil e oxaliplatina (protocolo FOLFOX6 modi-
ficado) ou controle ativo de sintomas paliativo. Seu objetivo primário de SG foi
atingido com 6,2 versus 5,3 meses favoráveis ao mFOLFOX6, com RR de 0,69 e p
= 0,031, mostrando uma taxa de sobrevida em um ano de 25,9% para a quimiote-
rapia e 11,4% para o controle ativo de sintomas. A análise de subgrupo pré-plane-
jada demonstrou benefício clínico em SG tanto nos pacientes platina refratário ou
resistentes (que falharam com GEMCIS durante ou até três meses do término do
tratamento) quanto nos pacientes sensíveis (mantiveram uma resposta superior a
três meses após o término do protocolo GEMCIS)73.
O uso de irinotecano como segunda linha paliativa também já foi abordado em
dois pequenos estudos de fase 2. O primeiro, conduzido por Zheng et al., contou
com 64 pacientes com câncer de vias biliares avançado (de todas as topografias
anatômicas) refratários a GEMCIS submetidos a irinotecano ou à combinação
deste com capecitabina (protocolo CAIPIRI) com bilirrubina total ≤ 2.0 o limite
superior da normalidade. A combinação terapêutica se mostrou mais eficaz, atin-
gindo o objetivo primário do estudo com SLPD de 3,7 versus 2,5 meses favorável
ao braço experimental, com RR de 0,54, p = 0.036. A SG teve tendência favorável
ao protocolo XELIRI com 10,1 versus 7,3 meses para a monoterapia, RR de 0,63, p
= 0,107. A toxicidade foi semelhante entre os protocolos com maior síndrome mão
e pé e mucosite para o grupo da poliquimioterapia74.
O segundo estudo fase 2, GB SELECT, indiano, ainda não publicado, também
randomizou 90 pacientes com diagnóstico de câncer de vesícula biliar avançado
após falha da terapia de primeira linha baseada em gemcitabina para irinotecano
isolado ou protocolo CAIPIRI. Tendo como objetivo primário a SG em seis meses,
a poliquimioterapia não se mostrou superior à monoterapia com irinotecano, com
taxa de sobrevida de 38,4% versus 54,2%, p = 0,93, para a combinação e para irino-
tecano isolado, respectivamente. A SG foi de 5,16 meses para o protocolo CAIPIRI
e de 6,28 meses para a monoterapia. CAIPIRI e irinotecano tiveram toxicidades
semelhantes, com mais diarreia e fadiga para a poliquimioterapia75.
O uso de irinotecano, associado ou não à fluoropirimidina em segunda linha
paliativa no câncer de vias biliares, é uma questão em aberto, visto que até a pre-
sente data não há estudos de fase 3 comparando irinotecano versus cuidado pa-
liativo exclusivo que demonstrem benefício em SG dessa quimioterapia. Quanto
às diferentes formas de usá-lo – associado ou isolado –, também é uma incógnita,
visto que os dois estudos supracitados possuem sinais opostos, talvez pela seleção
433
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
434
Outro estudo de fase 2 com uso de infigratinibe (BGJ 398), inibidor competi-
tivo do de FGFR 1, 2 e 3, foi estudado em uma coorte de pacientes diagnosticados
com colangiocarcinoma avançado previamente tratados com fusão ou rearranjo
de FGFR2. Dos 108 pacientes disponíveis para análise de eficácia, notou-se uma
TR de 23,1% – uma resposta completa –, SLPD de 7,3 meses e SG de 12,2 meses.
A análise do subgrupo de pacientes que haviam realizado apenas uma linha prévia
versus duas ou mais linhas apontou um TR favorável ao uso mais precoce da droga,
com TR de 34% versus 13,8%. A hiperfosfatemia foi vista em 73,2% dos casos, mas
com inibidores em grau baixo e manejável. Os resultados promissores desse estudo
levaram também ao estudo fase 3 PROOF trial, que irá comparar GEMCIS ver-
sus infigratinibe em primeira linha paliativa de pacientes com colangiocarcinoma
avançado com fusão ou rearranjo de FGFR283-85.
Alterações na enzima isocitrato desidrogenase 1 (IDH1), que participa do
metabolismo energético mitocondrial, têm sido relatadas em uma frequência
que vai de 15% a 22% dos casos de colangiocarcinoma intra-hepáticos. Mutações
de IDH1 levam à produção do oncometabólito 2-cetoglutaraldeído (2 HG), que,
por sua vez, promove a carcinogênese. O agente ivosidenib (AG120) é tido como
um potente inibidor irreversível de IDH1 mutado, promovendo um mecanismo
de ação citostático. Em 2020, foi publicado um estudo fase 3, o CLARIDHY trial.
Trata-se do primeiro estudo fase 3 envolvendo terapia alvo-molecular positivo
na história da Oncologia de Tumores Biliares. No total, 185 pacientes com co-
langiocarcinomas avançados previamente tratados (uma ou duas linhas prévias
à base de gemcitabina ou 5-fluorouracil) com IDH1 mutado foram submetidos
a ivosidenib ou a placebo. O objetivo primário SLPD foi atingido com 2,7 versus
1,4 meses a favor da terapia-alvo, com uma redução de risco de 63%, p < 0,001.
A taxa de SLPD foi de 22% em um ano versus 0% para o placebo. O controle de
doença foi de 53% versus 28% a favor do ivosidenib. Houve um grande crossover
de 70,5% do grupo placebo para a terapia-alvo, o que permitiu uma diluição do
efeito na SG (10,3 versus 7,5 meses, RR 0,79, p = 0,093 a favor do braço experi-
mental). Ao utilizar uma ferramenta de ajuste da SG para retirar o efeito do cros-
sover rank-preserving structural failure time (RPSFT), a diferença em sobrevida
aumentou ainda mais, com 10,3 versus 5,1 meses a favor do AG120, RR de 0,49
e p < 0,000186,87.
O estudo fase 2 do tipo basket ROAR trial explorou outro alvo – as muta-
ções de BRAF V600E, que são encontradas entre 5-7% nos colangiocarcinomas
intra-hepáticos – em uma coorte de 43 pacientes previamente tratados que foram
submetidos a dabrafenibe (inibidor oral de BRAF) e trametinibe (inibidor oral de
MEK). Os resultados de eficácia mostraram uma TR alta, de 42% com SLPD e SG
de 9 e 14 meses, respectivamente88.
Outro alvo conhecido e importado de outros tumores, como mama e es-
tômago, é o fator de crescimento epidérmico tipo 2 (HER2). O HER2 pode ser
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Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
hiperexpressado entre 9-20% dos casos, sendo de especial relevância para tumores
de vesícula biliar. Em 2017, Javle et al. demonstraram, em uma pequena coorte de
oito pacientes com tumores biliares avançados previamente tratados com HER2
amplificado/hiperexpressado e três pacientes com mutações em HER2 submeti-
dos a pertuzumabe e trastuzumabe (anticorpos monoclonais anti-HER2), quatro
respostas parciais e três estabilizações de doença. Dados semelhantes foram repli-
cados em um estudo fase 1 recém-apresentado, com 21 pacientes com tumores de
vias biliares avançados previamente tratados com HER2 hiperexpressado que fo-
ram submetidos à droga zanidatamab (Zw25) – um anticorpo biespecífico contra
HER2 –, demonstrando TR de 40% e controle de 65%89,90.
Outros alvos moleculares interessantes e considerados agnósticos também po-
dem ser encontrados em tumores de vias biliares: são as fusões de NTRK e de RET.
As fusões de NTRK são achados raros, girando em torno de 3,5% dos tumores,
havendo descrição de respostas duradouras a seus inibidores, como larotrectinibe.
Já fusões de RET, também raras, podem ser inibidas com drogas recém-aprovadas
pela FDA, como o pralsetinibe (BLU667), demonstrando atividade clínica em tu-
mores de vias biliares avançados como no estudo ARROW fases 1 e 2, e obtendo
resposta duradoura de até 20 meses91-93.
Assim, adentra-se uma nova era molecular da Oncologia, sendo os tumores de
vias biliares um ambiente enriquecido com tais alterações. Com a aprovação da
primeira droga-alvo (pemigatinibe), a publicação do primeiro estudo fase 3 positi-
vo (Estudo CLARIDHY) e outras diversas alterações supracitadas com tratamen-
tos específicos promissores que apresentaram resultados superiores ao controle
histórico visto com o tratamento quimioterápico citotóxico, é estabelecida, então,
uma nova era para câncer de vias biliares.
A imunoterapia, tão eficaz em vários tumores sólidos, encontra dificuldade
para achar seu papel no tratamento do câncer de vias biliares, uma vez que trata-
-se de um tumor tido como “frio”, com baixa carga mutacional e rara presença de
instabilidade microssatélite94.
O maior estudo na área abordou 104 pacientes com tumores avançados previa-
mente tratados, não selecionados, e obteve uma TR com uso de pembrolizumabe
(anti-PD1) de apenas 5,8% (6,6% para tumores que expressavam PDL-1 e 2,9%
para os negativos de expressão). No entanto, houve respostas duradouras com
mais de 15,7 meses. O estudo fase 2 asiático, conduzido por Kim et al., reuniu 54
pacientes com doença avançada previamente tratados submetidos a nivolumabe
(anti-PD1) e demonstrou uma TR pelo investigador de 22%, SLPD e SG 3,68 e
14,24 meses, respectivamente. Curioso notar que a avaliação pré-planejada pelo
status de PDL-1 demonstrou um benefício em SLPD a favor do grupo PDL1 posi-
tivo versus negativo (10,4 versus 2,3 meses, RR de 0,23, p < 0,001)95,96.
O estudo KEYNOTE 158, que investigou diversos tumores sólidos previa-
mente tratados com instabilidade microssatélite, apontou o valor agnóstico dessa
436
alteração também em tumores de vias biliares. Na coorte com 24 pacientes com
colangiocarcinoma instável, o uso de pembrolizumabe levou a uma TR de 40,9%,
incluindo duas respostas completas e SG de 24,3 meses97.
Assim como nos casos de outros tumores está sendo realizado um grande es-
forço no refinamento dos pacientes que possam responder à imunoterapia, há um
enorme empenho para transformar tumores “frios” em tumores “quentes" reativos
ao tratamento. Como exemplo temos o estudo fase 2 LEAP 005, que incluiu 30 pa-
cientes com tumores de vias biliares avançados previamente tratados submetidos
à combinação de imunoterapia pembrolizumabe com o inibidor tirosina quinase
multialvo lenvatinibe. Obteve-se uma TR de 10%, além de SLPD e SG de 6,1 e 8,6
meses, respectivamente, o que levou o estudo atualmente a expandir sua coorte de
vias biliares para 100 pacientes98.
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Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
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Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Rinaldo Gonçalves
Vinícius Galvão
Brian Silvestre
Manuela Conde
444
1. EPIDEMIOLOGIA E FATORES DE RISCO
O câncer de vesícula (CV) é um tumor raro, não figurando entre os dez tumo-
res mais incidentes no Brasil, de acordo com o registro de tumores do Instituto
Nacional do Câncer (Inca). Sua distribuição varia ao redor do mundo, estimando-
-se que seja responsável por 1,7% das mortes por câncer no mundo, com 220.000
novos casos diagnosticados anualmente. As maiores incidências de câncer de
vesícula são observadas no Chile (27 por 100.000 habitantes) e no norte da Ín-
dia (21,5/100.000). América Latina e Ásia são consideradas regiões com incidên-
cia geral aumentada, enquanto Europa, EUA, Canadá, Reino Unido, Austrália e
Nova Zelândia representam áreas de incidência diminuída. Os EUA apresentam
incidência de aproximadamente dois casos por 100.000 habitantes por ano, com
3,3/100.000 para nativos e 0,4/100.000 para não nativos. De acordo com o site da
International Agency for Research on Cancer (WHO), a incidência no Brasil seria
de 0,7 casos por 100.000. Afeta três a seis vezes mais as mulheres que os homens.
Sua incidência aumenta com a idade, com mais de dois terços dos casos ocorrendo
em pessoas com mais de 65 anos1-7.
Uma série de fatores relacionados a exposições ambientais e comportamentais
tem sido associada a um risco aumentado de câncer de vesícula.
A litíase vesicular é um dos fatores de risco mais associados, com 70% a 90% dos
casos de câncer de vesícula incidindo em pacientes com história de colelitíase7-10. A
maioria dos pacientes com litíase, no entanto, nunca desenvolverá câncer (somen-
te 0,5% a 3% deles). O mecanismo exato para essa associação ainda não é claro,
estando a irritação crônica do epitélio vesicular provavelmente envolvida. Cálculos
maiores que 3,0cm são associados a um risco aumentado em 9,2 a 10 vezes em
comparação a cálculos menores que 1,0cm11-17.
A inflamação crônica da vesícula pode levar à deposição de cálcio em sua pa-
rede, desenvolvendo a chamada “vesícula em porcelana”. Esse achado tem sido
frequentemente associado ao desenvolvimento de câncer. Uma revisão de 340
pacientes com calcificações na vesícula identificou câncer em 21% dos casos,
445
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
446
Risco aumentado tem sido relatado em caso de doença de Crohn (1,83) e ane-
mia perniciosa (1,28); já na síndrome de Sjögren há diminuição do risco (0,39). O
mecanismo relacionado permanece desconhecido6,39.
Uma metanálise observou que tabaco estava implicado no aumento de risco de
câncer de vias biliares, mas não de CV. Não foi observado maior risco relacionado
ao consumo de álcool nesse estudo6.
O consumo de bebidas adocicadas – mais de duas vezes por dia, mais de 200ml
por vez – foi relacionado a um risco cerca de 2,24 vezes maior de desenvolvimento
desse tipo de câncer quando comparado à ausência de consumo.
Infecções crônicas por Salmonella typhi e paratyphi e por Helicobacter spp estão
ligadas a um risco aumentado de até 12 vezes para o desenvolvimento de câncer
de vesícula18,19,21,23,41.
Aflatoxinas produzidas por Aspergillus flavus e parasiticus encontradas em
cereais, oleaginosas, especiarias, leite e carnes inadequadamente estocados têm
sido relacionadas principalmente ao desenvolvimento de carcinoma hepatocelular
(CHC). Porém, também há mais risco do desenvolvimento de câncer de vesícula,
presumivelmente causado pela exposição do epitélio vesicular aos metabólitos
carcinogênicos excretados pelo fígado por meio da bile42.
Ocratoxinas produzidas por espécies de Penicillium e Aspergillus são micoto-
xinas encontradas em especiarias, café, cacau e pimentas secas da Bolívia, Chile e
Peru, sendo igualmente relacionadas ao aumento do risco.
A exposição a metais pesados como níquel, cádmio, arsênico, metildopa e iso-
niazida tem sido implicada no desenvolvimento de CV.
2. DIAGNÓSTICO E ESTADIAMENTO
A maioria dos pacientes com câncer de vesícula não apresenta sintomas, ou
somente sintomas leves em suas fases iniciais. De fato, mais de 50% dos casos de
câncer de vesícula são descobertos graças ao resultado histopatológico em peça de
colecistectomia realizada por litíase biliar. Sintomas como anorexia, perda pon-
deral, massa abdominal e icterícia habitualmente denotam doença avançada43-45.
A ultrassonografia é o método inicial de escolha para avaliação dos tumores
de vesícula por sua ampla disponibilidade e baixo custo. Apesar de apresentar alta
sensibilidade para tumores localmente avançados, sua avaliação de diagnóstico
de lesões iniciais e estadiamento é limitada. Por isso, cada vez mais, a tomografia
computadorizada (TC) e a ressonância magnética (RM) são utilizadas para ca-
racterização adicional das lesões potencialmente malignas, infiltração da gordura
perivesical, implantes peritoneais e pesquisa de metástase25,26,46.
Os achados de imagem variam de massa que ocupa ou substitui o lúmen do
órgão a espessamento parietal focal ou difuso ou lesão polipoide intraluminal. Em
40% a 65% dos estudos iniciais, os carcinomas aparecem como massa que ocupa
447
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
A B
C D
A: Coronal T1 GD; B: Axial T1 GD; C: Axial T2; D: Axial pós-contraste, fase venosa.
448
Figura 2. Ressonância magnética mostrando lesão parietal sólida, polipoide,
com realce pelo meio de contraste acometendo corpo/fundo da vesícula
biliar. Histopatológico: adenocarcinoma papilar bem diferenciado.
A B C
O papel da tomografia com emissão de pósitrons (PET CT – FDG 18) tem sido
avaliado no estadiamento de pacientes com CV. Um estudo realizado no Memorial
Sloan Kettering Cancer Center (MSKCC) entre os anos de 2001 e 2003 mostrou que
o PET CT – FDG 18 foi capaz de mudar o estadiamento e o tratamento em sete
de 31 pacientes com CV (23%). Outro estudo, mais recente, realizado pelo mesmo
grupo, entretanto, mostrou impacto mais modesto na adição de PET CT – FDG
18 ao estadiamento, possivelmente devido à melhora tecnológica nos exames mor-
fológicos. Entre os 100 pacientes com CV avaliados, somente cinco apresentaram
mudança de conduta devido a informações trazidas pelo PET CT – FDG 18. Três
pacientes tiveram metástases não detectadas pela TC e outros dois tiveram acha-
dos duvidosos observados na TC e negativos no PET CT – FDG 18, prosseguindo
com a ressecção49-51.
O estadiamento dos tumores de vesícula é proposto pela American Joint Com-
mittee on Cancer (AJCC), no momento em sua oitava edição. Profundidade de
penetração do tumor na parede vesicular, presença/número de linfonodos com-
prometidos e doença a distância são levados em consideração (tabela 1)52.
449
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
450
METÁSTASE A DISTÂNCIA (M)
Categoria M Critérios M
M0 Sem metástase distante
M1 Metástase distante
GRUPOS DE ESTÁGIO DIAGNÓSTICO
Então, o grupo de
Quando T é... Quando T é... Quando T é...
fase é...
Tis N0 M0 0
T1 N0 M0 Eu
T2a N0 M0 IIA
T2b N0 M0 IIB
T3 N0 M0 IIIA
T1-3 N1 M0 IIIB
T4 N0-1 M0 IVA
Qualquer T N2 M0 IVB
Qualquer T Qualquer N M1 IVB
TNM: tumor, nódulo, metástase; AJCC: American Joint Committee on Cancer;
UICC: Union for International Cancer Control
Adaptado de: Amin MB et al. AJCC Cancer Staging Manual – eighth edition. New York: Spinger; 2017.
Tumores iniciais, com invasão até lâmina própria, têm sobrevida em cinco anos
de 95%. Essa sobrevida manifesta diminuição diretamente relacionada ao grau de
penetração do tumor na parede vesicular, com sobrevida em cinco anos de 70%
para os tumores T2 e 0% para os tumores T4. A presença de metástases a distância
e o envolvimento linfonodal aumentam de acordo com o envolvimento mais pro-
fundo das camadas da parede vesicular. Dessa forma, tumores T2-T4 apresentam
metástases a distância em 16% a 79% e linfonodos comprometidos em 33% a 69%,
respectivamente.
Na edição presente do estadiamento dos tumores da vesícula biliar pela AJCC,
os tumores T2 foram subdivididos em T2a e T2b, de acordo com o envolvimento
451
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
3. TRATAMENTO
A cirurgia permanece sendo o único tratamento potencialmente curativo para
tumores de vesícula. A maioria dos tumores é descoberta por meio de diagnóstico
histológico em peça de colecistectomia por doença litiásica. Excetuando-se tumo-
res T1a, de acordo com a literatura ocidental, todos os outros devem ser submeti-
dos à ampliação de margem hepática e linfadenectomia locorregional após exames
de estadiamento terem afastado a existência de doença à distância2,56,57.
Pawlik et al. avaliaram a presença de doença residual em pacientes com CV
incidentalmente descobertos após colecistectomia por doença benigna. Doença
residual em leito cirúrgico hepático foi observada em 0%, 10,4% e 36,4% em pa-
cientes com tumores T1, T2 e T3, respectivamente, enquanto doença linfonodal
estava presente em 12,5%, 31,2% e 45,5% também quando considerados os tumo-
res T1, T2 e T3, com poucos pacientes, mas apresentando tumores classificados
como T1. Em um estudo baseado em dados do National Cancer Institute (NCI)
Surveillance, Epidemiology and End Results (SEER), 1.115 pacientes com tumores
T1 apresentaram sobrevida em cinco anos de 50%, 70% e 75% quando submetidos
à colecistectomia simples, colecistectomia mais linfadenectomia ou cirurgia radi-
cal (ressecção do leito hepático mais linfadenectomia), respectivamente58,59.
Desta forma, o objetivo da cirurgia consiste na ressecção de potencial lesão
residual em leito hepático nos casos identificados após colecistectomia simples ou
ressecção da vesícula e seu leito hepático em monobloco nos casos descobertos
em exames de imagem ou no intraoperatório. A ressecção de linfonodos locorre-
gionais deve ser realizada, sendo esta associada essencialmente ao estadiamento/
prognóstico e, possivelmente, ao ganho de sobrevida8,46,60.
A seguir, discutiremos aspectos relevantes do tratamento cirúrgico do câncer
de vesícula biliar.
452
resultados de sobrevida semelhantes, tanto por meio de colecistectomia simples
quanto por cirurgia radical. O mesmo estudo, utilizando dados do SEER, mostra
sobrevida igual nos 236 pacientes com tumores pT1a, independentemente da ex-
tensão da cirurgia (colecistectomia simples ou estendida). Um estudo sul-coreano
envolvendo 115 pacientes com CV pT1a observou sobrevida em cinco anos de
98,2%, sendo 96,7% de sobrevida em cinco anos para colecistectomia simples e
98,3% para colecistectomia estendida (p = 0,446)61-66.
453
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
6. LAPAROSCOPIA DE ESTADIAMENTO
A videolaparoscopia de estadiamento (VE) tem mostrado resultados favoráveis
no câncer de vesícula, eliminando laparotomias desnecessárias em pacientes can-
didatos à ressecção.
Um estudo conduzido pelo MSKCC examinou 100 pacientes com tumores
de vesícula biliar e colangiocarcinoma hilar. Entre os 44 pacientes com CV, a
videolaparoscopia de estadiamento foi capaz de identificar doença peritone-
al em 15 pacientes e doença metastática hepática em seis pacientes, doenças
essas que não foram identificadas por exames de imagem pré-operatórios. O
MSKCC também avaliou o uso da VE em câncer de vesícula incidental. Nesse
grupo de pacientes, a videolaparoscopia de estadiamento foi positiva em 21,8
% dos casos. Ela tem mais chance de detectar a doença nos pacientes com
tumores pT2 ou pT3, tumores pouco diferenciados e margens positivas na co-
lecistectomia inicial68.
Agarwal et al. analisaram prospectivamente 409 pacientes com tumores de ve-
sícula não incidentais. A VE apontou 95 pacientes (23,2%) com doença peritoneal
e/ou hepática que não tinham sido identificadas nos exames pré-operatórios, in-
dependentemente do estágio tumoral T1/T2 ou T3/T469,70.
Mais recentemente, uma metanálise envolvendo oito estudos e um total de
1.062 pacientes com colangiocarcinoma hilar e câncer de vesícula constatou
que 27,6% dos pacientes com CV evitaram uma laparotomia desnecessária por
conta da videolaparoscopia de estadiamento. Logo, a videolaparoscopia de esta-
diamento deve ser realizada sempre que possível, sobretudo nos pacientes com
doença mais avançada71-75.
7. RESSECÇÃO DE PORTS
Um dos aspectos característicos do câncer de vesícula é sua propensão à disse-
minação peritoneal. Em pacientes submetidos à colecistectomia videolaparoscópi-
ca por doença supostamente benigna com achado de tumor incidental em estudo
histopatológico, têm sido descritas taxas de implante em ports cirúrgicos variando
entre 0% e 40%, sobretudo em pacientes com perfuração intraoperatória da vesí-
cula. Alguns autores têm proposto ressecção sistemática dos sítios dos ports. No
entanto, não há embasamento claro na literatura para essa conduta63,68,76.
Maker et al. avaliaram a experiência do MSKCC sobre essa questão. Na série re-
latada, 69 pacientes tiveram ressecção de port, e 44 tiveram não ressecção durante
a reabordagem cirúrgica após CV incidental. Nesse estudo, quando somente pa-
cientes submetidos à cirurgia R0 foram analisados, não houve diferença de sobre-
vida global ou livre de recorrência entre os com e sem ressecção de ports quando
ajustados por estadiamento T e N. Entre os 13 pacientes com ports positivos, seis
454
tiveram diagnóstico de doença peritoneal no momento da cirurgia e quatro no
acompanhamento cirúrgico. Os autores decidiram pela não realização de ressec-
ção sistemática dos ports devido à ausência de benefício em sobrevida77.
Similarmente, um estudo multicêntrico francês não encontrou diferença em
sobrevida nos pacientes submetidos à ressecção de port em comparação com a
não ressecção em pacientes com CV. Somente um paciente (2%) teve port positivo
entre os 54 submetidos à excisão, com hérnia incisional em sítio de ressecção do
port ocorrendo em 8% dos pacientes76.
455
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
9. EXTENSÃO DA LINFADENECTOMIA
Pacientes com CV devem ser submetidos à linfadenectomia como parte do tra-
tamento oncológico cirúrgico padrão, excetuando-se os tumores pT1a, pois nesses
casos a colecistectomia simples consiste no tratamento adequado. A frequência
de linfonodos envolvidos no CVC varia de acordo com o grau de penetração do
tumor na parede da vesícula. Mesmo em caso de tumores pT1 os linfonodos com-
prometidos são descritos em 12,5% das vezes80,81.
Vega et al. acompanharam 187 pacientes com CV incidentais submetidos à
complementação cirúrgica por meio de ressecção hepática e linfadenectomia
locorregional. Nesse estudo, 127 pacientes tiveram linfonodos negativos (N0),
17 tiveram somente linfonodos císticos positivos (N1), 27 tiveram linfonodos
positivos N1 outros, além do linfonodo cístico, e 16 pacientes tiveram doença
em linfonodos do nível 2 (N2). A sobrevida encontrada em três anos foi de 70%,
60%, 31% e 14% em pacientes N0, N1 (somente em ducto cístico), N1 outros e
N2, respectivamente. Com uma média de 6,4 linfonodos ressecados por pacien-
te, foi observado skip de metástases linfonodais em 24 pacientes (13%) e que
pacientes com até dois linfonodos envolvidos tiveram sobrevida em três anos
de 63%. Já nos casos de três ou mais linfonodos comprometidos, a sobrevida em
três anos foi de 0%82.
Sakata et al. estudaram 148 pacientes com CV. A metástase para linfonodos pe-
ripancreáticos póstero-superiores (N2) foi de 12,8%, com sobrevida em cinco anos
de 31,6%, estatisticamente comparável à presença de linfonodos positivos N181.
A extensão da linfadenectomia não é consenso na literatura. O guideline do
NCCN versão 5.2020, por exemplo, preconiza ressecção de linfonodos da porta he-
patis. Esta compreenderia os linfonodos periductais (ducto cístico), estação nodal
12c, pericoledocianos 12b, hilares 12h, da artéria hepática própria 12a e do liga-
mento hepatoduodenal 12, sendo estes compreendidos na linfadenectomia nível 1
(N1), com um mínimo de seis linfonodos devendo ser ressecados.
Um estudo oriental avaliou a drenagem linfática da vesícula biliar por meio de
injeção de corante na parede vesicular, observando que a drenagem se dá inicial-
mente para linfáticos e linfonodos pericístico e pericoledocianos, em seguida para
linfonodos localizados póstero-superiormente à cabeça pancreática e ao redor da
porta e da artéria hepática, finalmente alcançando a região inter-aorto-caval e da
veia renal esquerda. Nesse sentido, grupos orientais, mas não exclusivamente es-
tes, preconizam linfadenectomias mais extensas envolvendo os linfonodos peri-
pancreáticos 13, periportais 12p e periarteriais 9 (artéria hepática comum), sendo
estes considerados linfadenectomia nível 2 (N2). Linfonodos do tronco celíaco 9,
artéria mesentérica 14 e aorto-cavais 16 são habitualmente considerados metásta-
ses a distância e contraindicação ao prosseguimento da cirurgia80.
456
10. RESSECÇÃO DE VIA BILIAR
A ressecção do ducto biliar tem sido, a princípio, considerada em alguns cen-
tros como forma de se obter maior taxa de cirurgias RO, ressecção de maior núme-
ro de linfonodos, menor taxa de recidiva local e consequente ganho em sobrevida
em pacientes com CV.
Embora Sakamoto et al. tenham demonstrado ganho em sobrevida em pacien-
tes com invasão perineural quando estes são submetidos à ressecção associada de
via biliar (46% de sobrevida em cinco anos versus 0% para o grupo sem ressecção
de via biliar), esse ganho em sobrevida não foi consistentemente observado em
outras séries.
Um estudo multicêntrico avaliou uma coorte de 449 pacientes com CV. Entre
os 109 pacientes (43,2%) com ressecção concomitante de ducto biliar, a média de
linfonodos ressecados foi de quatro linfonodos, não diferente estatisticamente dos
pacientes sem ressecção de via biliar associada, não sendo observada diferença em
sobrevida de acordo com a ressecção ou não de via biliar83.
Similarmente, um estudo do MSKCC avaliou o resultado de ressecção de ducto
biliar em 68 de 109 pacientes com CV. Trinta e seis pacientes tiveram ressecção
biliar para obtenção de margens livres e 32 por princípio. Não foi observado qual-
quer ganho em sobrevida ou aumento do número de linfonodos ressecados no
grupo com ressecção de ducto biliar em comparação a pacientes sem ressecção
biliar associada. Cinco pacientes com ressecções hepáticas maiores e ressecção de
ducto biliar foram a óbito (5%). Complicações de grau III e IV ocorreram em 33%
dos pacientes, em sua maioria associadas a complicações relacionadas à anastomo-
se bilioentérica, com 29% dos pacientes com reconstrução biliar necessitando de
drenagem percutânea56.
Desta forma, a ressecção de ducto biliar não deve ser realizada a princípio no
câncer de vesícula, sendo reservada a casos em que haja invasão tumoral direta
da via biliar, margem comprometida em ducto cístico ou linfonodos aderentes ao
hepato-colédoco, no intuito de obter margens livres.
457
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
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461
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
METÁSTASES HEPÁTICAS DE
CÂNCER COLORRETAL
Rinaldo Gonçalves
Alexandre Palladino
15
Bárbara Sodré
Flora Lino
Fernanda Alonso Rodrigues Fleming
Mauro Monteiro
462
1. INTRODUÇÃO
O câncer colorretal (CCR) é a terceira neoplasia maligna mais comumente diag-
nosticada e a quarta maior causa de morte por câncer no mundo, com cerca de 1,4
milhão de casos novos e quase 700 mil mortes anuais, segundo dados levantados em
2012. Para esse tumor, são estimados 1,1 milhão de mortes anuais até 20301. Para o
Brasil, são estimados 20.520 casos de câncer de cólon e reto em homens e 20.470 em
mulheres para cada ano do triênio 2020-2022, com um risco estimado de 19,63 casos
novos para cada 100 mil homens e 19,03 para cada 100 mil mulheres2.
O sítio metastático mais comum é o fígado, com cerca de 50% dos pacientes
apresentando metástases ao longo do curso de sua doença, 15% a 25% destes apre-
sentando metástases hepáticas colorretais (MHC) no momento do diagnóstico3,4.
A presença de MHC é o principal fator prognóstico, conferindo uma sobre-
vida mediana de 6 a 12 meses em pacientes não tratados5. Apesar dos ganhos em
sobrevida com o tratamento sistêmico observado nas últimas décadas, a resseção
cirúrgica, habitualmente associada à quimioterapia, é a melhor opção de trata-
mento, atingindo em cinco anos uma sobrevida de até 40%-58% para pacientes
submetidos à resseção completa de suas metástases6-8.
Pacientes com diagnóstico de metástases hepáticas de tumores colorretais devem
ser avaliados por equipe multidisciplinar. A avaliação de ressecabilidade ou não de
suas lesões, a necessidade de terapia quimioterápica associada e a estratégia e sequên-
cia de tratamento multimodal devem ser individualizadas, no intuito de otimização
da possibilidade de resseção cirúrgica e melhor resultado em sobrevida.
463
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Seta indicando paciente com lesão metastática metacrônica única em segmento VI.
464
extra-hepática per si atualmente não constituem contraindicação absoluta para
resseção, muito embora possam apresentar impacto nos resultados de sobrevida
pós-resseção.
2.1. Idade
O registro internacional de pacientes submetidos a cirurgias hepáticas por me-
tástases colorretais, LiverMetSurvey, avaliou resultados de hepatectomia em pa-
cientes idosos, considerados nesse estudo como idade acima de 70 anos. O estudo
demonstrou exequibilidade e resultados satisfatórios de sobrevida nesses pacien-
tes, embora menos favoráveis aos encontrados em pacientes mais jovens. Entre
7.764 pacientes estudados, 999 apresentavam idade entre 70 e 75 anos, 468 tinham
idade entre 75 e 80 anos e 157 deles tinham 80 anos de idade ou mais. As taxas de
morbidade e mortalidade em 60 dias de 32,3 % e 3,8%, respectivamente, foram
encontradas nos pacientes com 70 anos ou mais comparadas a 28,7 % e 1,6% em
pacientes mais jovens (p < 0.001). Sobrevida em três anos estatisticamente simila-
res para pacientes com 70-75 anos, 75-80 e mais de 80 anos (57,8%; 55,3% e 54,1%,
respectivamente, p = 0.160), versus 60,2% para pacientes mais jovens (p < 0.001),
indicando que idade, em si, quando não associada a comorbidades que impeçam a
realização de cirurgia, não dever ser vista como contraindicação para a realização
de hepatectomias, apesar de sobrevida, mortalidade e morbidade pós-operatória
estatisticamente maiores em comparação a pacientes jovens9.
465
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
466
as ressecções hepáticas e pulmonar. Pacientes com mais de três desses fatores
apresentaram sobrevida em cinco anos de 26,5%, enquanto 77,3% para presença
de dois ou menos desses fatores16.
Mesmo paciente com metástases hepáticas e pulmonares em que somente as
metástases hepáticas sejam ressecáveis podem, em casos selecionados, apresentar
melhores resultados de sobrevida do que aqueles tratados só com quimioterapia.
Mise et al. comparam resultados de sobrevida nesse cenário. Pacientes submeti-
dos à resseção somente das lesões hepáticas, mas não pulmonares, apresentaram
sobrevida em três e cinco anos de 42,9% e 13,1%, respectivamente, enquanto pa-
cientes tratados somente com quimioterapia apresentaram sobrevida de 14,1% e
1,6% em três e cinco anos17. O comportamento biológico menos agressivo e mais
indolente das metástases pulmonares, quando comparado ao das metástases hepá-
ticas, pode justificar tais resultados.
Dados sobre resseção de MHC em pacientes com doença peritoneal são mais
escassos e menos favoráveis quando comparados aos de doença pulmonar. Allard
et al. encontraram presença de doença peritoneal em 42 (3%) entre 1.340 pacientes
operados para resseção de MHC. Sobrevida em cinco anos de 18% foi observada
nos 30 pacientes em que o índice de carcinomatose peritoneal (PCI) foi < 6, le-
vando os autores à conclusão de que doença peritoneal limitada não deveria ser
uma contraindicação ao prosseguimento da resseção hepática quando cirurgia R0
possa ser realizada18.
Elias et al. observaram sobrevida em cinco anos de 38,5 %, 36,5% e 26,4% (p
= 0.38) em um estudo envolvendo 287 pacientes com metástases hepáticas, 119
pacientes com doença peritoneal e 37 pacientes com doença hepática e peritoneal,
respectivamente, tratados com resseção hepática, citorredução mais hipertermo-
quimioterapia (CR – Hipec) e resseção hepática mais CR-Hipec para esse último
grupo. Esse estudo identificou número de metástases hepáticas e o valor do PCI
como variáveis estatisticamente associados à sobrevida, não estabelecendo, no en-
tanto, um cut off para o número de metástases ou PCI para os quais o tratamento
cirúrgico deixaria de trazer benefício19.
Em um estudo caso-controle, 37 pacientes com doença peritoneal e hepática
foram pareados com 61 pacientes com apenas doença peritoneal. Resultados de
sobrevida global e sobrevida livre de doença em cinco anos foram piores para o
grupo de pacientes com doença hepática associada à doença peritoneal, quando
comparados aos de pacientes com doença exclusivamente peritoneal (40% e 6%
versus 66% e 27%). Pacientes com PCI < 12 e ausência de doença hepática apresen-
taram mediana de sobrevida de 76 meses, em comparação à mediana de sobrevida
de 40 meses para pacientes com PCI < 12 e até duas metástases hepáticas e 27
meses para PCI ≥ 12 e três ou mais metástases hepáticas20.
467
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
468
2.8. Embolização portal e de veias hepáticas
Embolização venosa portal (PVE), com intuito de promover crescimento he-
pático, foi inicialmente descrito pelo cirurgião japonês Masatochi Makuuchi29. O
procedimento consiste no bloqueio sanguíneo portal para o lobo hepático a ser
ressecado, determinando redirecionamento do fluxo sanguíneo para o fígado não
embolizado e consequente hipertrofia compensatória, proporcionando menores
taxas de insuficiência hepática pós-operatória (figura 2). Desde a sua descrição ini-
cial em 1990, PVE vem sendo cada vez mais utilizada, permitindo a realização de
hepatectomias extensas, onde o fígado residual apresentaria volume marginal ou
insuficiente. Uma meta-análise avaliou os resultados de PVE em 1.088 pacientes.
Após quatro semanas da embolização portal, 930 pacientes (85%) apresentaram
suficiente crescimento hepático pós-procedimento e prosseguiram com a resseção.
Entre os pacientes submetidos à resseção hepática após PVE, mortalidade geral foi
de 2,2%, com 23 pacientes (2,5%) tendo apresentado insuficiência hepática tran-
sitória, e sete (0,8%), insuficiência hepática aguda e óbito30. Resultados oncológi-
cos similares são descritos em pacientes submetidos à PVE e à resseção de MHC
quando comparados a pacientes não submetidos à PVE, com sobrevida em cinco
anos não apresentando diferença estatisticamente significativa.
A B C
469
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Volumetria hepática mostrando volume total do fígado de 1471cc e fígado residual futuro mostran-
do 21% do volume hepático total, incompatível com procedimento cirúrgico proposto.
470
Figuras 2 F e G. Embolização portal e controle tomográfico pós operatório.
Seta indicando embolização portal direita. Paciente apresentou crescimento adequado do volume
do fígado residual futuro, permitindo a realização de cirurgia proposta (trissegmentectomia hepá-
tica direita).
471
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Pacientes sem crescimento suficiente do fígado residual após PVE podem ser
submetidos à embolização de veia hepática ipsilateral no intuito de obter cresci-
mento hepático adicional. Hwang descreveu os resultados de PVE e embolização
sequencial de veia hepática em pacientes com tumores hepatobiliares candidatos
à resseção cirúrgica. Antes da embolização portal, os pacientes nesse estudo apre-
sentaram volume hepático residual estimado de 33,9%, alcançando volume de
38,4% após PVE e 43,7% após embolização de veia hepática. Grau de hipertrofia
obtido foi de 13,3% após PVE e 28,9% após embolização hepática sequencial31.
Além da utilização da embolização de veia hepática como estratégia de ob-
tenção adicional de hipertrofia em casos de insucesso pós-embolização portal,
algumas séries têm relatado embolização portal e de veia hepática realizadas si-
multaneamente com grau de hipertrofia no volume hepático residual variando
entre 33% e 63%, podendo ser mais efetiva que a embolização portal isolada ou
embolização portal e de veia hepática sequencial32-35.
Alguns pacientes com doença hepática metastática multifocal não apresentam
possibilidade de resseção de suas lesões em um único procedimento cirúrgico,
necessitando de cirurgia hepática em dois estágios. Nessa estratégia, o procedi-
mento cirúrgico inicial visa à resseção do máximo possível de lesões, deixando as
lesões residuais para abordagem em um segundo procedimento, após regeneração
hepática. Frequentemente, esses pacientes são submetidos a ressecções das lesões
do lobo hepático menos acometido (clareamento hepático), seguido por emboli-
zação portal contralateral e posterior resseção do lobo atrófico embolizado, após
hipertrofia do lobo “clareado”, em geral três a quatro semanas após a embolização.
472
margens R0 obtidas em 75% dos casos. Mortalidade após o segundo estádio foi de
3%, com sobrevida mediana de 37 meses para os pacientes que completaram os
dois estágios. Ainda nessa revisão, é relatado que 107 pacientes (23%) não conse-
guiram completar os dois tempos cirúrgicos, em sua maioria, 88%, devido à pro-
gressão tumoral durante o intervalo entre a primeira e a segunda cirurgia37.
A B C
A B C
473
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Cabeça de seta indicando porta esquerda ocluída; setas ramos portais apresentando “moldes de
cola” após embolização portal esquerda.
A B C
474
2.10. Associating liver partition and portal ligation for staged hepatectomy
– ALPPS
Recentemente, foi descrita uma variação da estratégia cirúrgica de hepatecto-
mia em dois estágios. Nessa abordagem, nomeada Associating Liver Partition and
Portal ligation for Staged hepatectomy – ALPPS, realiza-se a transecção hepática
in situ entre o futuro fígado remanescente e o fígado a ser ressecado, associada à
oclusão portal realizada previamente por meio de embolização portal ou por meio
de ligadura portal intraoperatória. A realização de ALPPS determina um cresci-
mento rápido e vigoroso do volume do futuro fígado remanescente, superior ao
observado com PVE isolada, permitindo um encurtamento no tempo necessário
para a segunda cirurgia, com a realização do segundo tempo cirúrgico entre uma
e duas semanas após o procedimento inicial e não quatro semanas, como na estra-
tégia de hepatectomia convencional em dois tempos38,39. Uma série franco-belga,
envolvendo 62 pacientes submetidos à ALPPS, observou crescimento de 48% do
fígado reminiscente futuro em 7,8 +/- 4,5 dias após a realização do primeiro tem-
po cirúrgico. A complementação do segundo tempo da estratégia foi realizada em
95,2% dos pacientes, porém com taxa de complicações maiores e óbitos de 40,3%
e 12,9%, respectivamente40.
Várias séries vêm mostrando resultados consistentemente elevados nas taxas de
crescimento volumétrico hepático e maior efetividade na realização da estratégia de
hepatectomia em dois estádios como um todo, mas igualmente mostrando taxas de
morbimortalidade superiores quando comparada à PVE isolada. Revisão sistemáti-
ca comparou os resultados de ALPPS versus PVE. Aumento no fígado remanescente
futuro foi de 76% para ALPPS e de 37% para PVE. Taxa de conclusão do segundo es-
tádio foi de 100% para ALPPS versus 77% para PVE, com morbidade e mortalidade
de 73% e 14% respectivamente, para ALPPS versus 59% e 7% para PVE41.
Mais recentemente, um estudo randomizado envolvendo 97 pacientes com
MHC e fígado remanescente futuro < 30% comparou as duas estratégias de forma
prospectiva. No braço dos casos submetidos à ALPPS, 92% dos pacientes comple-
taram o segundo estádio (44/48) versus 57% dos pacientes no braço PVE (28/48),
com taxas de morbidade e mortalidade similares. Importante salientar que, entre
os pacientes do grupo PVE, 13 (27%) não completaram o segundo estádio devido
a crescimento insuficiente do fígado remanescente futuro, sendo 12 (92%) deles
submetidos à ALPPS de resgate, resultando em hipertrofia adicional e comple-
mentação do segundo tempo cirúrgico42.
Apesar de os dados desse estudo mostrarem maior efetividade de ALPPS quan-
do comparada à embolização portal em relação a conclusão da estratégia em dois
estágios, com taxas similares de morbimortalidade, não há ainda uma definição es-
tabelecida acerca de quais pacientes devam se inicialmente abordados por ALPPS
e não PVE ou PVE e embolização de veias hepáticas. Guiu et al. avaliaram os resul-
tados em segurança e efetividade de pacientes submetidos à deprivação hepática
475
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
A B C
A - Seta indicando lesão em segmento I em contato com veia cava e veias hepáticas média e
esquerda; B - Seta indicando lesão segmento I em contato com a veia porta e veia cava, e cabeça
de seta mostrando lesão próxima ao pedículo portal anterior; C - Lesão segmento VI.
476
Figuras 7 D, E e F. Aspecto das lesões após quimioterapia.
D E F
G H I
477
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
478
A incidência de complicações foi relacionada ao número de ciclos de quimiote-
rapia. Pacientes não submetidos à quimioterapia apresentaram complicações em
13,6% dos casos. Pacientes submetidos a menos de 5 ciclos apresentaram compli-
cações em 19% dos casos. Pacientes expostos a seis a nove ciclos apresentaram taxa
de complicação de 45,4%, enquanto aqueles que receberam mais de dez ciclos de
quimioterapia apresentaram complicações em 61,5%49.
Kishi et al. avaliaram 214 pacientes com MHC submetidos à quimioterapia à
base de oxaliplatina +/- bevacizumabe pré-resseção hepática. Resposta patológi-
ca, injuria sinusoidal e incidência de insuficiência hepática pós-operatória foram
avaliadas de acordo com o número de ciclos de quimioterapia. Pacientes com ≤ 8
ciclos de quimioterapia apresentaram injúria sinusoidal em 40 de 157 pacientes
avaliados (26%), enquanto, nos pacientes com ≥ 9 ciclos de quimioterapia, essa
incidência foi de 42% (26 de 62 pacientes). Insuficiência hepática pós-operatória
foi igualmente mais incidente no grupo com quimioterapia mais longa, presente
em 11% dos casos versus 4% (p = 0.031) nos pacientes com ≤ 8 ciclos de quimiote-
rapia. Um curso mais longo de quimioterapia pré-operatória, por outro lado, não
se relacionou com resposta patológica maior (resposta completa ou > 50%), 57%
versus 55% para pacientes com curso mais curto de quimioterapia (p = 0.738)50.
479
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
480
lesões hepáticas e subsequente remoção do primário colorretal, com sobrevida em
um, dois, três e quatro anos de 100%, 93%, 81% e 61%, respectivamente.
Alguns grupos propuseram a resseção simultânea da doença hepática primá-
ria e metastática. Essa estratégia eliminaria a necessidade de dois procedimentos
cirúrgicos, resultando em menor trauma cirúrgico/anestésico, com consequente
menor período de imunossupressão pós-operatória e redução do tempo total de
internação e custos. Apesar dos possíveis benefícios dessa estratégia, a maior com-
plexidade envolvida na realização de dois procedimentos cirúrgicos simultanea-
mente implicaria maior complexidade e possivelmente maior morbimortalidade,
necessitando de seleção adequada de pacientes, bem como equipes cirúrgicas trei-
nadas para abordar ambos os tumores primários e as lesões hepáticas.
Apesar dos benefícios teóricos inerentes a cada uma das abordagens, não há
estudo prospectivo randomizado que compare a abordagem simultânea ou em
tempos separados. Estudos retrospectivos comparando essas estratégias geralmen-
te envolvem vieses de referência, institucional e de seleção de pacientes (diferentes
perfis clínicos, diferentes graus de envolvimento hepático e localização não ho-
mogênea de tumores primários – cólon versus reto), tornando os resultados não
homogêneos e difícil de interpretação em seu conjunto.
Um estudo multi-institucional envolvendo 1.004 pacientes tratados para MHC
sincrônicas comparou a abordagem em estádios e simultânea. Abordagem simul-
tânea foi realizada em 329 (33%) pacientes. Os pacientes nesse grupo realizaram
mais frequentemente ressecções hepáticas menores (n = 251; 76,2%) em compa-
ração aos pacientes abordados em tempos distintos, seja o tempo inicial colorretal
(n = 397; 61,4%), seja o hepático (n = 18; 64,2%) (p < 0.001). Pacientes com doença
hepática bilateral, apresentando maior número de metástases e submetidos a he-
patectomias maiores, foram tratados predominantemente por abordagem em dois
estádios, com 647 (64,4%) inicialmente tratando o tumor primário e 28 (2,8%)
abordando as lesões hepáticas no primeiro tempo cirúrgico. Pacientes submetidos
à abordagem liver first, por sua vez, apresentavam mais frequentemente tumores
primários retais (n = 15; 53,6%) e eram mais propensos a terem doença bilateral
(p < 0.05). Os autores não encontraram diferença na morbidade e na mortalidade
em 90 dias entre hepatectomias estagiadas e simultâneas, mesmo considerando
pacientes submetidos à resseção hepática maior (p > 0.05). A taxa de recorrência
e sobrevida em cinco anos foram semelhantes quando comparadas às abordagens
tradicionais, liver first ou simultânea (p = 0,526)60.
Kelly et al. publicaram uma revisão em que 18 estudos e 3.605 pacientes foram
incluídos. Entre estes, 2.439 (67,7%) tiveram o tumor colorretal ressecado no pri-
meiro tempo, 133 (3,7%) tiveram as lesões hepáticas ressecadas no tempo inicial e
1.033 (28,6%) tiveram ressecções simultâneas. Não houve, nessa revisão, diferença
significativa entre os três grupos em relação à sobrevida global, mortalidade em
30 dias ou quanto ao número médio de complicações nas três modalidades de
481
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
abordagens cirúrgicas. Para grupo colorretal, como cirurgia inicial, a taxa de com-
plicações globais (incluindo o tempo de resseção do tumor primário e resseção
hepática posterior) foi de 29,3% (n = 489), sendo sepse respiratória e derrame
pleural em 12,2%, fístula biliar em 7,9% e coleção/abscesso abdominal em 5,9%.
A taxa de complicações do grupo cirurgia simultânea foi de 30,7% (n = 294), com
os tipos de complicações mais comuns sendo coleção/abscesso intra-abdominal
em 9,8%, infecção da ferida operatória em 7,8% e sepse de origem respiratória/
derrame pleural em 6,8%61.
Uma meta-análise mais recente igualmente não encontrou diferenças estatis-
ticamente significativas relacionadas à segurança e à eficácia entre os grupos de
tratamento simultânea ou em dois tempos, com sobrevida em longo prazo seme-
lhante nas duas estratégias. Houve uma tendência, no entanto, para mais doença
bilobar ou hepatectomia maiores no grupo de cirurgia em dois tempos, com tem-
po médio de internação hospitalar seis dias a menos na abordagem simultânea62.
Embora não haja dados disponíveis baseados em estudos prospectivos, as in-
formações de estudos retrospectivos indicam que não há uma estratégia claramen-
te superior às demais, não sendo possível uma abordagem única ou preferencial
para pacientes com tumores colorretais e metástases sincrônicas. Pacientes com
metástases hepáticas sincrônicas e tumores primários colorretais devem ter seus
casos discutidos em reunião multidisciplinar, e o tratamento planejado de acordo
com suas características clínicas, como idade, performance status e comorbidades,
além de características tumorais, como localização (cólon versus reto), característi-
cas das metástases hepáticas, potencial de ressecabilidade e necessidade de terapia
neoadjuvante.
482
2.13. Tratamento sistêmico
A quimioterapia sistêmica pode ser indicada em pacientes com CRC e metás-
tases hepáticas como um tratamento exclusivamente paliativo ou como parte inte-
grante de um tratamento multimodal naqueles candidatos ao tratamento local das
metástases. A importância do tratamento multidisciplinar fica evidente quando se
observa a melhora significativa no resultado do tratamento do câncer colorretal
metastático (CRCm) nos últimos 15 anos, atribuída em grande parte à evolução
das técnicas cirúrgicas, à maior indicação de ressecções e a protocolos de quimio-
terapia mais eficazes, com potencial inclusive de conversão de lesões previamente
não ressecáveis em ressecáveis. A quimioterapia não deve ser utilizada como trata-
mento exclusivo em pacientes com doença ressecável, uma vez que a sobrevida em
cinco anos com tratamento sistêmico exclusivo é de aproximadamente 10%, bem
inferior ao obtido em séries cirúrgicas (aproximadamente 40%).
Alguns fatores clínicos e anatômicos influenciam na indicação e na estratégia
de tratamento (quimioterapia pré versus pós-operatória e escolha do protocolo).
Performance status do paciente e tempo de surgimento da metástase (sincrônicas
ou metacrônicas) são características clínicas que devem ser observadas. Fatores
anatômicos, como volume de doença e relação desta com as estruturas vasculares,
influenciam na ressecabilidade e, portanto, também no tratamento. A discussão da
estratégia de tratamento, sempre que possível, deve ser feita dentro de um grupo
multidisciplinar experiente.
483
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
484
A adição de biológicos aos esquemas de quimioterapia visando à conversão
permanece incerta, entretanto parece aumentar as taxas de ressecabilidade nesses
pacientes. O favorecimento da adição de anti-EGFR (cetuximabe ou panitumu-
mabe) em pacientes sem mutação RAS/RAF e doença do cólon esquerdo baseia-
-se nos achados de estudos randomizados, como CRYSTAL e OPUS trial. Apesar
de limitações, ambos os estudos mostraram aumento nas taxas de ressecabilidade
cirúrgica das metástases hepáticas quando comparados à quimioterapia isolada
(de 3,7 para 7% e de 2,4 para 4,7%, respectivamente)70,71. O estudo fase II, CELIM,
por sua vez, randomizou pacientes com câncer colorretal com metástase hepática
irressecável para cetuximabe adicionado a Folfox seis ou Folfiri. Resposta objetiva
foi observada em 66 pacientes (62%) e resseção R0 foi possível em 36 pacientes
(34%) do total de 106 pacientes tratados72. No estudo prospectivo fase II POCHER,
43 pacientes com câncer colorretal com metástase hepática irressecável foram tra-
tados com 5 FU, leucovorin, oxaliplatina, irinotecano e cetuximabe. Resposta par-
cial foi observada em 79% dos pacientes, e resseção macroscópica completa em 26
pacientes (60%) dos 43 pacientes inicialmente não candidatos à cirurgia73.
Igualmente aos anti-EGFR, também a utilização de bevacizumabe nesse cená-
rio é controversa. Sua utilização tem maior importância em pacientes com doença
primária do cólon direito e RAS mutado, pacientes estes de pior prognóstico. No
estudo randomizado BECOME trial, pacientes com metástases hepáticas irresse-
cáveis em tumores com mutações no gene RAS foram randomizados para receber
Folfox + bevacizumabe versus quimioterapia apenas. Apesar de limitações, o estu-
do demonstrou maiores taxas de resposta objetiva (55% versus 37%) e ressecções
R0 (22% versus 5,8%) que acabaram por traduzir em ganhos de sobrevida livre
de progressão (9,5 versus 5,6 meses) e sobrevida global (27,5 versus 20,5 meses)74.
A expectativa de resposta patológica completa à quimioterapia é de 4% a 9%.
Mesmo pacientes com resposta radiológica completa devem ser ressecados, uma
vez que 83% destes têm tumor viável em suas peças cirúrgicas.
Ainda são necessários mais dados para avaliar o papel dos inibidores de che-
ckpoint (imunoterapia) em pacientes que serão submetidos à resseção de metásta-
ses hepáticas. O estudo Keynote 177 mostrou uma maior taxa de resposta e ganho
de sobrevida com imunoterapia (pembrolizumabe) em comparação à quimiotera-
pia em pacientes com CCRm com alta instabilidade de microssatélites (presente
em 5% dos pacientes com CCR estádio IV). Entretanto, um terço dos pacientes
apresentaram progressão de doença precoce no braço do pembrolizumabe, o que
traz uma preocupação no cenário de tratamento neoadjuvante e resseção de me-
tástases hepáticas75.
485
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Taxa de resseção
Esquema de Taxa de conversão
Autor, ano N completa
tratamento
N % N %
Wein A, FU/leucovorin
53 9 17 6 11
2001 (LV)
FU/LV +
oxoliplatina
Adam R,
1114 (70%), 138 12,5 128 11,6
2004
irinotecano ou
ambos
Irinotecano/
NR NR 24 3,3
FU/LV
Delanoite T, Oxaliplatina/
795 NR NR 24 3,3
2005 FU/LV
Oxoliplatina/
NR NR 24 3,3
irinotecano
Albert S, Oxaliplatina/
42 17 40 14 33
2005 FU/LV
Irinotecano/
122 15 12 15 12
FU/LV
Falcone A,
2007 Oxaliplatina/
122 irinotecano/ 44 36 44 36
FU/LV
Barone C, Irinotecano/
40 13 33 13 33
2007 FU/LV
Oxaliplatina/
Ychou M,
34 irinotecano + 28 82 9 27
2007
FU/LV
Oxaliplatina/
Masi G,
196 irinotecano + 47 24 37 19
2009
FU/LV
486
2.15. Hepatotoxicidade e complicações cirúrgicas relacionadas aos
tratamentos pré-operatórios
A possibilidade de ocorrência de hepatotoxicidade relacionada aos quimiote-
rápicos e de complicações cirúrgicas relacionadas sobretudo aos antiangiogêni-
cos deve ser ponderada na definição da conduta, escolha dos regimes e tempo de
duração dos tratamentos nos pacientes com perspectiva de serem submetidos à
abordagem cirúrgica do fígado.
A quimioterapia pré-operatória possui relação já bem estabelecida com alte-
rações patológicas do parênquima hepático, sendo as principais: alterações vas-
culares e esteato-hepatite associada à quimioterapia. As alterações vasculares
sinusoidais ocorrem predominantemente após uso de regimes contendo oxalipla-
tina e simulam uma síndrome veno-oclusiva sinusoidal com presença de dilatação
sinusoidal associada à congestão e, eventualmente, fibrose perissinusoidal e oclu-
são venosa fibrótica. Em estádios mais avançados, podem evoluir com hipertensão
portal, ascite, hiperbilirrubinemia e até mesmo insuficiência hepática. Devido ao
aspecto azulado que essas alterações podem conferir ao fígado, essa condição é
também descrita como blue liver. Estudo que avaliou ocorrência de hepatotoxici-
dade em pacientes expostos a tratamento pré-operatório identificou tais alterações
vasculares nos sinusoides hepáticos em 51% dos pacientes expostos à quimotera-
pia. Destes, 77% haviam recebido oxaliplatina76.
Esteatose e esteato-hepatite (também conhecida como yellow liver) são mais
comumente associadas ao uso de regimes contendo irinotecano. Esteatose severa,
inflamação lobular e edema dos hepatócitos podem evoluir para fibrose hepática,
sobretudo em indivíduos obesos77.
Tais alterações aumentam significativamente o risco de sangramento periope-
ratório e insuficiência hepática no pós-operatório. Uma recente revisão sistemática
incluindo 788 pacientes submetidos à hepatectomia demonstrou maior morbida-
de e complicações cirúrgicas em pacientes com dilatação sinusoidal severa e este-
ato-hepatite. Nesse estudo, insuficiência hepática pós-operatória foi mais comum
nos pacientes com alterações sinusoidais severas78. Dados de diferentes estudos
sugerem que o risco de tais toxicidades está diretamente relacionada à duração
do tratamento e tempo de intervalo entre término da quimioterapia e cirurgia.
Duração do tratamento por mais de 12 semanas e intervalo até cirurgia inferior a
quatro semanas aumentam o risco de complicações pós-operatórias, necessidade
de reintervenções e internações prolongadas79.
De maneira geral, recomenda-se que o tratamento quimioterápico dure o sufi-
ciente para que se documente resposta, sem que se tenha prejuízo sobre o parên-
quima hepático – preferencialmente dois a três meses, não excedendo seis meses
(sobretudo nos pacientes em programação em dois tempos, em que a regeneração
hepática tem ainda mais importância).
487
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
488
CCRm - Doença hepática exclusiva
489
Cirurgia
Cirurgia
REFERÊNCIAS
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493
LESÕES CÍSTICAS DO PÂNCREAS
Viviane Amorim
Rinaldo Gonçalves
16
Brian Silvestre
Vinícius Galvão
494
1. INTRODUÇÃO
A detecção de lesões císticas pancreáticas (LCP) tem se tornado cada vez mais
frequente em função da sofisticação e aperfeiçoamento dos exames de diagnósti-
co por imagem, em especial por tomografia computadorizada (TC) e ressonân-
cia magnética (RM). A taxa de incidência relatada de LCPs é 24,3% na autópsia1.
Estima-se, ainda, que até 19% das RMs e 2% das TCs de pacientes submetidos a
exames de imagem de rotina evidenciam cistos pancreáticos2,3. Sua prevalência
aumenta com a idade. Uma revisão de RMs realizadas para indicações não pan-
creáticas em pacientes com mais de 70 anos mostrou uma incidência de 40% de
cistos pancreáticos incidentais4. Embora muitas LCPs detectadas incidentalmente
sejam consideradas benignas, especialmente as de pequenas dimensões, elas têm o
potencial de se tornarem malignas1.
A avaliação acurada de uma LCP requer a análise morfológica da lesão, da sua
localização e das características do próprio paciente, como história clínica, idade e
o sexo. TCs com protocolo pancreático dedicado e RMs, incluindo as sequências
de colangiopancreatografia (CPRM), são indicados nesses pacientes1,5,6. Em geral,
a RM/CPRM é o método de escolha para a avaliação dos pacientes com LCP, uma
vez que é mais sensível na identificação da comunicação entre uma LCP e o sis-
tema ductal pancreático e da presença de nódulo mural ou de septações1,5. Além
disso, a RM/CPRM é muito sensível para identificar se há uma única ou múltiplas
LCPs, sendo que esta última favorece o diagnóstico de neoplasia mucinosa papilar
intraductal (IPMN) multifocal de ductos secundários1,5,6. Deve-se levar em con-
sideração, ainda, que pacientes com LCP podem requerer acompanhamento de
imagem por toda a vida. Isso é importante, pois a exposição repetida à radiação
ionizante após a TC aumenta o risco de malignidade5. Por outro lado, os focos de
calcificação, muitas vezes presentes nesse tipo de lesão, são mais bem identificados
pela TC5. Porém, embora a TC e a RM possam caracterizar com sucesso os cistos
em grande número de pacientes, em alguns casos pode haver sobreposição das
características morfológicas das lesões, impedindo o diagnóstico. Nesses casos, a
ultrassonografia endoscópica (USE) com aspiração por agulha fina pode auxiliar
no diagnóstico, uma vez que, além da avaliação da imagem ultrassonográfica, tor-
na-se possível a análise do conteúdo aspirado do cisto, aumentando a diferencia-
ção entre cistos benignos ou malignos5.
495
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
496
Neoplasia epitelial metastática cística
497
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
498
Figuras 3 A a F. Cistoadenoma seroso em dois pacientes distintos (Paciente 1: A,
b e C - Paciente 2: D, E e F). Em ambos os casos observa-se lesão de contornos
lobulados, com múltiplos finos septos formando microcistos e cicatriz central
(imagens de RM ponderadas em T2: A, B, D e E). Além dos septos, a cicatriz
central apresenta realce pelo meio de contraste (T1FS pós-contraste: C e F).
499
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
500
Figura 7. Múltiplos IPMNs de ductos secundários evidenciados nas
sequências de RM T2 (setas em A e B), sobretudo na cabeça e no processo
uncinado do pâncreas. Na sequência colangiográfica (C), os múltiplos cistos
são mais bem evidenciados.
501
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Figura 10. IPMN misto com sinais de malignidade. RM evidenciando lesão cística
heterogênea nas imagens de RM ponderada em T2 (A, B e C). Na seta em B, é
possível identificar o ducto pancreático principal dilatado se comunicando-
se com a lesão cística. Na seta em C, é possível observar focos sólidos que
posteriormente se realçam pelo contraste (seta em D – T1FS pós-contraste).
502
Outros itens relacionados às LCPs a ser avaliados: o diâmetro da lesão; locali-
zação (cabeça, pescoço, corpo ou cauda); número (único ou múltiplo); quantida-
de de cistos; conteúdo dos cistos; contorno ou forma do cisto (redondo, oval ou
lobulado); presença de nódulos murais; septações (presentes ou ausentes, uni ou
multiloculares); cicatriz central (presente ou ausente); espessura da parede (fina:
< 2mm, espessa: > 2mm); margens (lisas ou irregulares); presença e localização de
calcificações (central, septal, periférica); e comunicação visível com o ducto pan-
creático principal (presente ou ausente)6.
A seguir, faremos uma revisão dos tipos mais comuns de LCPs, resumidos
na tabela 2.
Cabeça/
Localização - Cabeça Cauda Cauda
uncinado
Comunicação
Sim Não Não Sim Não
com DPP
Normal ou
Normal ou
irregularmente
Normal ou Normal ou dilatado Normal ou
DPP dilatado,
desviado desviado dependendo desviado
podendo
do tipo
conter cálculos
Cisto com
Microcístico Cacho de
Aparência Unilocular Macrocístico componente
(70%) uva
sólido
503
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Pseudocisto Cistoadenoma
NMC (C) IPMN (D) TSP (E)
(A) seroso (B)
Rara,
30% a 40% Rara,
Calcificação Não curvilínea Não
central periférica
parietal
Sim,
Componente Sim, pensar
Não Não pensar em Sim
sólido em malignidade
malignidade
Mucina, Aumento
Não Baixo CEA, aumento do do CEA,
mucinoso, gene VHL CEA, GNAS GNAS
USE -
aumento da mutado, RNF43 selvagem, frequentemente
amilase selvagem RNF43 mutado, RNF43
mutado mutado
(NMC: neoplasia mucinosa cística; IPMN: neoplasia intraductal mucinosa papilar; TSP: tumor sólido pseu-
dopapilar; DPP: ducto pancreático principal; USE: ultrassom endoscópico).
504
3. PSEUDOCISTO
Os pseudocistos representam cerca de 20% das lesões císticas do pâncreas10.
Eles ocorrem no contexto de pancreatite aguda e crônica, consumo de álcool ou
trauma abdominal4,10. O cisto é resultado de necrose hemorrágica de gordura e
encapsulamento de secreções pancreáticas em uma cápsula fibrosa. Ele se de-
senvolve em quatro a seis semanas após o episódio de pancreatite ou trauma.
Inicialmente é uma coleção mal definida, evoluindo para um cisto bem circuns-
crito. Geralmente diminui de tamanho com o tempo. Porém, pode aumentar de
dimensão ou infectar10.
Na TC, os pseudocistos aparecem como lesões hipodensas redondas ou ovais.
Após a injeção de contraste, apenas a parede da lesão se realça. Não se evidencia
calcificação parietal. Na RM, hemoderivados e detritos proteicos necróticos são
comumente encontrados e podem demonstrar sinal hiperintenso em T1. A pa-
rede espessa e contrastada do cisto observada corresponde a uma borda espessa
de tecido de granulação e fibrose (figura 1). Em 70% dos casos, os pseudocistos se
comunicam com o sistema ductal pancreático. Não há tecido mole vascularizado
nos pseudocistos e, se os elementos vascularizados forem vistos dentro de uma
lesão cística em exames de imagem, a lesão não é um pseudocisto. Também não se
evidencia cicatriz central10.
Eles não têm potencial maligno e não requerem vigilância ou tratamento
quando assintomáticos4. O diagnóstico diferencial de um pseudocisto é uma NMC
ou IPMN; nos casos duvidosos, a ultrassonografia endoscópica pode auxiliar no
diagnóstico diferencial4,10. O pseudocisto demonstra nível elevado de amilase em
contraste com NMC e IPMN. Se a amilase do cisto for inferior a 250U/ml, um
pseudocisto será excluído10.
505
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Unilocular Microcística
- Pancreatite - Ausência de
- ↑amilase pancreatite
- Amilase normal
506
Lesão Cística Pancreática
- Cistoadenoma Mucinoso
- IPMN
507
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Sim
Não
Sim inconclusiva
<1 cm 1-2 cm
TC/MR em 6 meses x 1
ano, anualmente x 2 anos,
TC/RM em 6 meses, depois em seguida, aumente o
a cada 2 anos se nenhuma intervalo até 2 anos se
mudança nenhuma mudança
508
Existe algum dos seguintes “estigmas do alto risco” de malignidade?
i) icterícia obstrutiva em paciente com lesão císitca da cabeça do pâncreas,
ii) nódulo mural com realce >5 mm,
iii) ducto pancreático principal >10 mm
Qual o
tamanho do Não
maior cisto?
2-3 cm <1 cm
>3
USE em 3-6 meses, então
o intervalo até 1 ano,
alternando RM com USE Vigilância rigorosa
conforme apropriado. alternando RM com
Considere a cirurgia USE a cada 3-6 meses.
em pacientes jovens e Considere fortemente
saudáveis com necessidade a cirurgia em pacientes
de vigilância prolongada jovens e em boa forma
509
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
4. CISTOADENOMA SEROSO
Os cistoadenomas serosos são neoplasias císticas benignas do pâncreas que
ocorrem mais comumente em pessoas do sexo feminino, que tipicamente estão
na 6ª e 7ª década de vida6,11. Embora mais comumente localizados na cabeça do
pâncreas, eles podem ocorrer no corpo e na cauda do pâncreas em até 30% dos
casos6. Os cistoadenomas serosos não invadem as estruturas adjacentes, no en-
tanto, podem deslocar órgãos circundantes e apresentar crescimento com o acom-
panhamento seriado. Especialmente as lesões maiores que 4cm na apresentação
inicial exibem uma taxa de crescimento mais rápida, de quase 0,6cm ao ano, em
comparação com lesões menores que 4cm, que crescem em média 0,12 m ao ano6.
Os cistoadenomas serosos podem ter uma aparência variada, alguns com ca-
racterísticas de imagem atípicas. Em geral, a aparência de imagem de um cisto-
adenoma seroso depende do número de septos fibrosos e do grau de realce (fig.
2 e 3)6,7. Lesões com alguns septos fibrosos mostram densidade/intensidade de
líquido na TC e na RM, respectivamente. As finas septações são altamente vas-
culares (às vezes causando hemorragia interna) e, portanto, são realçadas com o
meio de contraste. A presença de numerosos cistos e septos pode produzir uma
aparência de lesão sólida com aumento do contraste na TC, enquanto a RM é
mais capaz de retratar esses pequenos cistos cistoadenoma6. Na RM, a intensi-
dade do sinal do cistoadenoma seroso pode variar ligeiramente, dependendo do
grau de conteúdo proteico. As características atípicas e raramente observadas
do cistoadenoma seroso incluem comunicação com o ducto pancreático prin-
cipal, parede espessa, hemorragia intralesional e hipertensão portal secundária
à compressão da veia esplênica6. Quando qualquer uma dessas características
atípicas está presente, isso pode dificultar a diferenciação de outras LCPs. Tra-
dicionalmente, o cistoadenoma seroso se apresenta como um dos três padrões
morfológicos a seguir: padrão microcístico em 70%, padrão em favo de mel em
20% e padrão oligocístico em 10% dos casos6.
O padrão microcístico (também conhecido como padrão policístico múltiplo)
tem duas características morfológicas salientes: lobulação externa e uma cicatriz
fibrosa central com ou sem calcificações. Esse padrão é composto por um conglo-
merado de pequenos cistos que variam de alguns milímetros até 2cm. A margem
externa é regular, com um contorno lobulado típico e uma parede fina quase im-
perceptível. Os cistos cheios de líquido seroso são revestidos por células epiteliais
ricas em glicogênio e separados por finos septos fibrosos. À medida que a lesão
cresce, a retração do tecido fibroso produz uma cicatriz central com calcificações
grosseiras em padrão estrelado em cerca de 20% a 30% dos casos, o que é con-
siderado um traço característico. Geralmente, calcificações são vistas em lesões
maiores que 5cm. O realce fibroso ocorre logo após a administração do contraste.
Essa é outra característica distintiva, pois o cistoadenoma seroso é a única lesão hi-
pervascular entre as LCPs. A cicatriz central é mais bem representada como áreas
510
de realce persistente dentro da lesão cística na imagem tardia. Os diagnósticos
diferenciais são o IPMN de ducto secundário e o cistoadenoma mucinoso, pois
também podem ter uma aparência policística. As características de imagem que
favorecem o IPMN do ducto secundário são a comunicação com o ducto pancreá-
tico, a dilatação do ducto pancreático e uma forma cística pleomórfica. As caracte-
rísticas de imagem sugestivas de um cistoadenoma mucinoso são uma superfície
lisa com pouca lobulação, uma parede de realce relativamente espessa e calcifica-
ções periféricas6,7.
O padrão em favo de mel é caracterizado por numerosos cistos minúsculos
(semelhantes a esponjas) que, às vezes, são pequenos demais para ser identifica-
dos como cistos individuais. Na TC, isso pode, então, ser exibido como uma lesão
de massa sólida. A ressonância magnética é superior e diagnóstica a esse respeito
para mostrar a verdadeira natureza cística. Cistos são descritos como alto sinal em
imagens ponderadas em T2, enquanto septos mostram baixo sinal. Normalmente,
a lesão é bem marginal e apresenta contorno levemente lobulado6,7.
O padrão oligocístico é o menos típico, pois a lesão cística pode consistir em
um ou alguns cistos com diâmetros variados (geralmente maiores que 2cm) e uma
parede fina (quase imperceptível). O cisto pode ser de redondo a oval ou ligeira-
mente lobulado. Esse padrão é quase indistinguível de outras LCPs, como cistoa-
denoma mucinoso unilocular ou oligocístico, IPMN de ducto secundário e lesões
císticas inflamatórias6,7.
511
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
512
ou múltiplos e surgem mais comumente no processo uncinado (cerca de 70%),
mas podem ocorrer em qualquer parte do pâncreas3,8. A presença de múltiplos
cistos pancreáticos apoia o diagnóstico de IPMN, pois isso raramente é obser-
vado em outros LCPs2. É importante ressaltar que, na imagem, o próprio tumor
dificilmente é visível, mas o diagnóstico de IPMN pode ser verificado pelas
sequelas da produção excessiva de mucina.
Os sintomas de IPMN são vagos e frequentemente inespecíficos, e 27% a
40% dos pacientes são assintomáticos, especialmente aqueles com lesões pe-
quenas (menores que 3cm)9. Quando sintomáticos, os pacientes geralmente
apresentam dor abdominal. Os sintomas clínicos adicionais que podem estar
associados ao IPMN incluem náusea, vômito, febre, diarreia e dor abdominal.
É importante reconhecer que a ausência de sintomas não exclui a presença de
IPMN. Pacientes com IPMN maligno têm maior probabilidade de apresen-
tar características semelhantes às da pancreatite crônica ou adenocarcinoma,
como perda de peso, diabetes, esteatorreia e icterícia de início recente9.
O diagnóstico por imagem dos IPMNs é altamente variável (tipo cacho de uva,
multicístico, unilocular ou digital) e depende da caracterização da comunicação
de uma LCP com o ducto pancreático, especialmente no caso de IPMN de ducto
secundário3. O estabelecimento dessa comunicação é uma característica impor-
tante no diagnóstico de IPMN porque é raro em outras lesões císticas neoplásicas
(NMC e cistoadenoma seroso), sendo a RM, particularmente em sequências pesa-
das em T2 ou CPMR, superior à TC nessa caracterização3.
O grau de dilatação cística (no IPMN de ducto secundário) e dilatação do duc-
to pancreático principal (no IPMN de ducto principal e no IPMN misto) varia
com a quantidade de produção de mucina2,9.
O IPMN do ducto principal é caracterizado pela dilatação do ducto pancre-
ático principal (maior que 5mm) em um padrão difuso ou uma porção segmen-
tar sem uma lesão obstrutiva discernível ou estenose. A forma difusa de IPMN
pode causar protuberância da papila duodenal no lúmen do duodeno. Um ducto
principal focalmente dilatado pode se assemelhar a um cisto e pode ser difícil
de distinguir de outras LCPs (fig. 5). Novamente, delinear a relação com o duc-
to pancreático principal fornecerá o diagnóstico. A atrofia parenquimatosa pode
estar presente dependendo da gravidade dos IPMNs do ducto principal. Os IPM-
Ns do ducto principal podem, portanto, assemelhar-se ou até mesmo coincidir
com a pancreatite crônica6. Em casos avançados de pancreatite crônica, um ducto
pancreático principal focal ou difusamente dilatado está quase sempre associado
a alterações do parênquima pancreático, como atrofia parenquimatosa, perda do
contorno parenquimatoso lobulado e, na ressonância magnética, pela perda de
hiperintensidade em T1 com saturação de gordura e realce tardio pelo contraste;
estes últimos achados são sugestivos de fibrose. Além disso, cálculos ductais obs-
trutivos e irregularidade do ducto principal com estenoses favorecem o diagnósti-
co de pancreatite crônica6.
513
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Os IPMNs de ducto secundário são caracterizados por cisto maior que 5mm em
contato com o ducto pancreático principal2,5,6. A morfologia do IPMN de ducto secun-
dário varia com o número de ramos laterais afetados que se dilatam pela produção de
grandes quantidades de mucina. Um único cisto próximo ao ducto principal é descrito
como lesão redonda ou oval, e seu diagnóstico depende da comunicação com o ducto
pancreático principal não dilatado (fig. 6 e 7). São múltiplos em até 40% dos casos2,4.
Um dos principais diagnósticos diferenciais é o pseudocisto, que também pode se co-
municar com o ducto pancreático2. Um pseudocisto verdadeiro tende a ser redondo
ou oval também, mas frequentemente há uma história clínica de pancreatite6.
IPMNs mistos mostram características de IPMNs de ducto secundário e do
ducto principal e podem se assemelhar muito à pancreatite crônica6. Os mesmos
aspectos característicos em favor de IPMN e pancreatite crônica já mencionados an-
teriormente aplicam-se aqui. É importante ressaltar que um diagnóstico por imagem
de IPMNs misto pode ser difícil nos casos em que o envolvimento microscópico do
ducto pancreático principal é observado ou nos casos em que a produção excessiva
de mucina pelo IPMN de ducto secundário se projeta para o ducto principal, cau-
sando dilatação do ducto pancreático na ausência de um componente tumoral6.
Exames com contraste são usados a fim de evidenciar componentes nodulares
e o grau de espessamento parietal ou septal2,3,5,6,8.
Os IPMNs podem ser classificados, ainda, com base no grau de atipia celu-
lar: benigno (displasia de baixo grau), limítrofe (displasia moderada) e maligno
(variando de displasia de alto grau a carcinoma invasivo)7. Eles podem exibir o
espectro de transformação neoplásica não apenas dentro de cada categoria, mas
também muitas vezes coexistem no mesmo caso, variando de lesões inócuas, como
displasia de baixo grau, a carcinomas invasivos2,7,9. À medida que a transforma-
ção neoplásica progride, podem surgir quatro tipos de células distintas8:
514
4) Tipo oncocítico, que, apesar de sua natureza altamente proliferativa e da
citologia atípica, é, em sua maioria, desprovido de carcinoma invasivo – e, se
presente, a invasão é geralmente limitada em quantidade.
As taxas de malignidade em IPMN são relatadas como 12% a 47% para IPMN de
ducto secundário, enquanto as formas mista e de ducto principal têm taxas de malig-
nidade essencialmente idênticas de 38% a 65% e 38% a 68%, respectivamente. O Con-
senso Internacional de Fukuoka 2012 da Associação Internacional de Pancreatologia
(atualizado em 2017) definiu critérios de suspeição para os IPMNs, entre eles imagi-
nológicos (como a presença de nódulos murais, cistos maiores que 3cm e dilatação do
ducto pancreático principal), clínicos (icterícia) e laboratoriais (aumento do CA 19-9)2.
Esses critérios serão mais bem estudados no tópico “Vigilância e Conduta”.
515
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
7. VIGILÂNCIA E CONDUTA
A análise em conjunto de dados clínicos e de imagem facilita a caracterização
precisa das LCPs, classificando-as como lesões benignas, com potencial maligno e
malignas (tabela 3).
PONTECIALMENTE
BENIGNAS MALIGNAS
MALIGNAS
516
Muitas vezes, a avaliação acurada evita procedimentos invasivos desnecessá-
rios em LCPs não mucinosas ou acelera a ressecção cirúrgica imediata em LCPs
mucinosos (fig. 9). Uma porcentagem substancial de LCPs, no entanto, mostra
achados de imagem não específicos e sobrepostos, de modo que testes auxiliares
(avaliação citológica, marcadores tumorais e análise molecular) são necessários
para se chegar a um diagnóstico definitivo. Idealmente, todas as LCPs benignas
devem ser tratadas de forma conservadora e as LCPs (pré) malignas devem ser
detectadas em tempo hábil antes do estágio de carcinoma invasivo. Para tanto, o
paciente com LCP é mais bem atendido por uma equipe de especialistas que inclui
radiologista abdominal, patologista, gastroenterologista e cirurgião gastrointesti-
nal especializado em cirurgia hepatopancreatobiliar, preferencialmente em reu-
nião de equipe multidisciplinar.
Para as NMCs, o Grupo Europeu de Estudo de Lesões Císticas do Pâncreas5 re-
comenda ressecção cirúrgica em caso de lesões maiores que 40mm para aqueles pa-
cientes que são sintomáticos ou para as lesões com fatores de risco (ou seja, nódulo
mural) independentemente de seu tamanho. Recomendam,, ainda vigilância com
RM, USE ou uma combinação de ambos para as lesões menores que 40mm sem nó-
dulo mural e sintomas. A vigilância é recomendada a cada seis meses durante o pri-
meiro ano, depois anualmente se nenhuma mudança for observada. Pacientes com
um NMC menor que 40mm e sem características ou sintomas preocupantes devem
ter vigilância ao longo da vida, desde que estejam aptos para a cirurgia5.
O Grupo Europeu de Estudo de Lesões Císticas do Pâncreas5 também fez refe-
rência quanto ao acompanhamento dos cistoadenomas serosos. Como são lesões
benignas, pacientes assintomáticos devem ser acompanhados por um ano. Após
isso, o acompanhamento é baseado em sintomas. Somente quando o diagnóstico
é incerto o acompanhamento faz-se necessário. Nesses casos, o paciente deve ser
submetido ao mesmo acompanhamento de um IPMN. Quando o diagnóstico de
cistoadenoma seroso é claro, a cirurgia é recomendada apenas em pacientes com
sintomas relacionados à compressão de órgãos adjacentes (ou seja, ducto biliar,
estômago, duodeno, veia porta)5.
As diretrizes do Consenso Internacional de Fukuoka 2012 da Associação Interna-
cional de Pancreatologia (atualizado em 2017) definiu critérios acerca do manejo de
IPMNs (fig. 10). Um cisto com carcinoma invasivo é incomum em pacientes assinto-
máticos, particularmente se o cisto for menor que 5mm e, portanto, nenhuma investi-
gação adicional será necessária, embora o acompanhamento ainda seja recomendado.
Para cistos maiores que 5mm, exames de imagem (como TC com protocolo pancreáti-
co ou, em especial, CPRM) são recomendados para melhor caracterização2.
As diretrizes discriminam, ainda, os critérios correlacionados com uma
maior probabilidade de malignidade, classificando-se em estigmas de alto ris-
co (indicação para ressecção cirúrgica) e características preocupantes (avaliadas
por vigilância, incluindo USE)2,6.
517
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
• Maior cisto menor que 1cm: TC ou RM/CPRM em seis meses, depois a cada
dois anos se não houver alteração;
• Maior cisto entre 1 e 2cm: TC ou RM/CPRM em seis meses por um ano, após
anualmente por dois anos e, em seguida, aumentando o intervalo para dois
anos se não houver alteração;
• Maior cisto entre 2 e 3cm: USE em três a seis meses; após, em até um ano,
alternando RM com USE como apropriado;
• Cisto maior que 3cm: vigilância rigorosa alternando RM com USE a cada
três a seis meses e considerar fortemente a cirurgia em pacientes jovens e
com boas condições clínicas.
518
paciente tiver condições cirúrgicas. Uma análise de 130 pacientes submetidos à ressec-
ção de IPMNs não invasivos revelou que os riscos de desenvolver um novo IPMN em
um, cinco e dez anos são de 4%, 25% e 62%, respectivamente, com chances de requerer
nova cirurgia de 1,6%, 14% e 18%, respectivamente. O risco de desenvolver um IPMN
invasivo em um, cinco e dez anos é de 0%, 7% e 38%, respectivamente2.
519
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
10. CIRURGIA
A ressecção cirúrgica é o tratamento de escolha para pacientes sintomáticos
com LCP e para aqueles com lesões descobertas incidentalmente com alta proba-
bilidade de malignidade por critérios de imagem ou pelo USE. O tipo de ressecção
depende da localização da lesão. Em uma série recente composta por 851 tumores
císticos ressecados, 44% necessitaram de pancreatectomia distal, 43% necessita-
ram de pancreatoduodenectomia (procedimento de Whipple) e 7% necessitaram
de pancreatectomia média (a extremidade do pâncreas em direção ao duodeno é
fechada e o final, vindo da cauda, é anastomosado ao estômago ou ao jejuno). Os
tumores restantes foram tratados por enucleação (geralmente reservada a peque-
nas lesões com baixo risco de malignidade), outras ressecções pancreáticas atípicas
ou pancreatectomias totais11.
As ressecções laparoscópicas, particularmente as pancreatectomias dis-
tais, estão sendo cada vez mais usadas para LCPs. Além da morbidade da
operação, as sequelas de longo prazo da perda do parênquima pancreático
(como diabetes, insuficiência exócrina e seus efeitos na qualidade de vida)
precisam ser consideradas com cuidado. Pesquisas são necessárias para de-
terminar os riscos e benefícios da ressecção pancreática para neoplasias cís-
ticas, juntamente com análises de custo das estratégias de vigilância de longo
prazo recomendadas 11.
520
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521
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
ADENOCARCINOMA DE
PÂNCREAS
Rinaldo Gonçalves
Vinícius Galvão
17
Brian Silvestre
Jessica Albuquerque
Rafael Cobo
Mariana Bruno
Henry Najman
Alexandre Pelosi
522
1. INTRODUÇÃO
Com base nas estatísticas globais de câncer (Globocan), em 2020, o câncer de
pâncreas foi responsável por um número de mortes (466.000) semelhante ao de
novos casos da doença (496.000), devido ao seu mau prognóstico, sendo a sétima
causa principal de morte por câncer em ambos sexos1.
Ele apresenta um dos piores prognósticos entre as neoplasias malignas sólidas,
com uma taxa de sobrevida global em cinco anos de aproximadamente 10%. Apro-
ximadamente 95% das neoplasias pancreáticas são tumores de células exócrinas,
mais comumente os adenocarcinomas ductais pancreáticos2.
Existem quatro situações que fundamentam a alta de mortalidade de adeno-
carcinomas ductais pancreáticos. Em primeiro lugar, o pâncreas tem uma locali-
zação atrás do estômago entre a aorta e os seus principais vasos (artérias e veias),
no retroperitôneo. Isso favorece um crescimento do tumor sem detecção precoce,
crescendo ao redor e envolvendo esses vasos, fazendo com que apenas 15% a 20%
possam ser submetidos à resseção cirúrgica, que é a base do tratamento curativo
dessa neoplasia3. Em segundo lugar, o adenocarcinoma ductal pancreático exibe
uma biologia com comportamento agressivo caracterizado por risco maior de me-
tástase precoce. Mais de 50% dos pacientes têm doença metastática a distância na
sua apresentação inicial, e a maioria dos pacientes submetidos à resseção desenvol-
verá metástases dentro dos quatro primeiros anos após a cirurgia, sugerindo a pre-
sença de micrometástases nos pacientes com tumores aparentemente localizados3.
Em terceiro lugar os efeitos relacionados diretamente ao adenocarcinoma ductal
pancreático pioram as condições clínicas do paciente, limitando a sua capacidade
de resistir aos tratamentos mais agressivo. A caquexia está presente em até 80% dos
pacientes no momento do diagnóstico, sendo um dos responsáveis por esta bai-
xa tolerância e sobrevida após a pancreatectomia ou quimioterapia4. Finalmente,
esses são tumores que exibem resistência a muitas terapias antineoplásicas, com
progressão rápida e baixas taxas de resposta patológica completa, mesmo com os
agentes sistêmicos mais eficazes5.
2. FATORES DE RISCO
Existem múltiplos fatores de riscos identificados para o desenvolvimento do
adenocarcinoma pancreático. Eles são divididos entre não modificáveis ou genéti-
cos/hereditários e fatores modificáveis ou ambientais.
523
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
3.2. Raça
A incidência do adenocarcinoma pancreático apresenta variação significativa
entre as raças. Apresenta maior incidência na raça negra, seguida dos caucasianos
e, por último, dos asiáticos. Assim como se refere ao gênero, tal fato pode ser atri-
buído a fatores modificáveis, porém não explica totalmente essa questão7. Alguns
estudos mostraram expressões diferentes de KRAS e p53 entre a população asiá-
tica e ocidental com câncer de pâncreas, sugerindo que cada raça tem uma diver-
sidade de características genéticas e moleculares, podendo afetar a incidência do
adenocarcinoma pancreático7.
524
e câncer de pâncreas é apontada como incerta, podendo ser confundida com diag-
nóstico de tumores periampulares. A síndrome melanoma familial é causada por
uma mutação autossômica dominante no CDKN2A, e foi visto um risco 32 vezes
maior para câncer pancreático. Outras síndromes que também aumentam o risco
para adenocarcinoma pancreático são ataxia-telangiectasia, síndrome de Li-Frau-
meni, anemia de Fanconi7,8.
A pancreatite hereditária é relacionada a uma mutação do gene PRSS1, iden-
tificada em 80% dos diagnosticados, sendo caracterizada por pancreatite aguda
recorrente, podendo evoluir para pancreatite crônica/insuficiência pancreática. O
mecanismo patogênico para a degeneração maligna é devido à pancreatite aguda
recorrente e à inflamação crônica do pâncreas. O risco relativo é de 69 vezes para
câncer de pâncreas em pacientes portadores da doença em comparação com a
população7,8.
Outra doença na qual o câncer de pâncreas foi bem estabelecido é a fibrose
cística, que é causada pela mutação do gene CFTR. O mecanismo também se dá
devido à inflamação crônica do pâncreas9.
525
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
4. FATORES MODIFICÁVEIS
4.1. Álcool
A associação entre álcool e desenvolvimento de câncer é bem estabelecida, com
propriedades carcinogênicas do álcool e de seus metabólitos amplamente estuda-
das. No que diz respeito à relação entre o álcool e o câncer de pâncreas, um estudo
identificou que o uso de álcool em grande quantidade (60g/dia) representa risco
independente para o adenocarcinoma pancreático, enquanto quantidades meno-
res não teriam relação. A associação com tabaco, no entanto, aumentaria signifi-
cativamente o risco do adenocarcinoma pancreático em pessoas com consumo
excessivo e de forma menos significativa nos consumidores moderados e leves.
Devido à associação frequente entre o tabagismo e o consumo de álcool, a relação
independente do álcool com o adenocarcinoma pancreático é de difícil esclareci-
mento7,8. O álcool é o segundo maior responsável por casos de pancreatite aguda e
o maior responsável por casos de pancreatite crônica, sendo a pancreatite crônica,
por sua vez, fator de risco estabelecido para o adenocarcinoma pancreático. Uma
meta-análise identificou risco oito vezes maior nos primeiros cinco anos após o
diagnóstico de pancreatite crônica, sendo indicado um acompanhamento mais
próximo durante esse período13.
4.2. Tabagismo
O tabagismo é o fator de risco mais importante e talvez o mais estudado com
relação ao adenocarcinoma pancreático. Estima-se que 25% das mortes causadas
526
por adenocarcinoma pancreático estejam relacionadas ao tabagismo7,8. O risco au-
menta com a duração e a quantidade do uso, com fumantes tendo quase duas vezes
mais risco de desenvolver adenocarcinoma do pâncreas do que não fumante7,8.
Uma meta-análise incluindo 82 trabalhos sobre o tema mostrou risco relativo de
1,74 para fumantes e 1,2 para ex-fumantes, com risco aumentado até dez anos
após a cessação14. Os fumantes passivos também possuem um risco aumentado de
desenvolver a doença. Pacientes diagnosticados com adenocarcinoma pancreático
apresentam duas vezes mais chances de terem sido expostos ao tabagismo passivo
diário quando crianças7,8.
Um estudo de caso-controle com mais de 1.600 pacientes evidenciou que taba-
gismo e diabetes atuam sinergicamente, elevando o risco dos pacientes com his-
tória familiar de câncer pancreático7. Apesar de bem estabelecida a associação do
tabagismo com o câncer de pâncreas, os mecanismos da fisiopatologia ainda não
foram elucidados.
5. APRESENTAÇÃO CLÍNICA
O adenocarcinoma pancreático é um tumor insidioso, com sintomas pouco
específicos em sua fase inicial. A persistência ou piora desses sintomas estimula
a investigação diagnóstica, muitas vezes somente detectando a doença em está-
dios avançados. Porta et al. realizaram um estudo no leste da Espanha, em cinco
diferentes hospitais, com um n = 185 pacientes, evidenciando, que o estádio da
doença está relacionado à sua localização, visto que, no momento do diagnóstico,
um terço dos pacientes com tumor localizado na cabeça encontrava-se no estádio
527
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
I, e outro um terço no estádio IV. Quanto aos tumores de corpo e cauda, nenhum
foi diagnosticado precocemente, e 80% no estádio IV17. Os sintomas da síndro-
me consumptiva foram os mais comuns: astenia (86%), anorexia (83%) e perda
de peso (85%), seguidos de dor abdominal (79%) e síndrome colestática: colúria
(59%), pele amarela autopercebida (56%), icterícia (55%), hipocolia (54%) e pru-
rido (32%).
Quando questionados sobre o primeiro sintoma a aparecer, a dor abdominal
esteve presente em 42% dos participantes (dor epigástrica, 14%; dor abdominal
inferior direita, 7%; dor abdominal sem localização específica, 21%), seguida da
síndrome consumptiva em 20% e síndrome colestática em 17%, diarreia (3%), dor
lombar (3%) e vômitos/náuseas (2%)17.
Os sinais e sintomas de colestase foram associados a tumores localizados, ape-
sar da icterícia também ser vista no tumor metastático para fígado. O aumento da
duração dos sintomas e dos tipos de dor foi mais presente nos tumores avançados.
Os tumores de cabeça foram mais associados a: síndrome colestática (79,8%),
esteatorreia (28,3%) e sinal de Courvoisier (16,8%). Os tumores de corpo e cau-
da se apresentaram com massa abdominal (36,8% e 40%) e dor (100% e 70%),
respectivamente.
6. DIAGNÓSTICO
Os exames de imagem atualmente disponíveis apresentam papel fundamental
na caracterização de lesões focais pancreáticas, estadiamento inicial, planejamen-
to cirúrgico e terapêutico e avaliação da resposta ao tratamento. Os métodos de
imagem utilizados incluem a ultrassonografia (US), ultrassonografia endoscópica
(EUS), colangiopancreatografia retrógrada endoscópica, tomografia computado-
rizada (TC), ressonância magnética (RM) e tomografia por emissão de pósitrons
(PET-CT).
A TC e a RM são métodos importantes no estadiamento e na avaliação da
ressecabilidade tumoral, determinada principalmente pelo grau de contato do tu-
mor com estruturas vasculares. Entre os critérios de irressecabilidade baseados em
imagem, aqueles propostos pela National Comprehensive Cancer Network, pelo
MD Anderson Cancer Center e pela Japan Pancreas Society são os mais ampla-
mente utilizados e classificam o CP como ressecável, ressecável limítrofe (border-
line) ou irressecável18.
528
Desse modo, a avaliação diagnóstica de um paciente com suspeita de câncer de
pâncreas inclui marcadores tumorais e exames de imagem. Testes adicionais são
então direcionados com base na apresentação clínica do paciente e nos fatores
de risco.
6.3. Ultrassonografia
Geralmente, a ultrassonografia (US) é o exame de imagem inicial para avalia-
ção de icterícia ou dor abdominal, por ser uma ferramenta não invasiva e custo
efetiva20. Esse método sem meio de contraste não diferencia o câncer de pâncreas
de outras lesões focais, como tumores neuroendócrino ou pancreatite crônica. O
câncer de pâncreas ocorre principalmente na cabeça do pâncreas (65%) e geral-
mente se apresenta na US como uma massa sólida hipoecoica com margens mal
definidas. Essas lesões podem causar obstrução ductal, com dilatação secundária
do ducto pancreático e do ducto biliar comum (sinal do duplo ducto). A detecção
de tumores de corpo e cauda pancreáticos é difícil devido à ausência de dilatação
biliar. Além disso, tumores nessa topografia estão próximos ao estômago e cólon
transverso, que podem produzir sombra acústica posterior na região. Nessa situ-
ação, a administração oral de água ou outros agentes de contraste pode ajudar na
caracterização de todo o órgão20. O câncer de pâncreas tem pouca vascularização
ao estudo com doppler colorido, além de realce deficiente em todas as fases da US
com contraste. Possíveis explicações são a desmoplasia acentuada, a baixa densi-
dade vascular média ou a presença de necrose e mucina20.
529
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
6.4. Ecoendoscopia
Tem ótimo rendimento tanto nas biópsias das lesões de cabeça pancreática quanto
nas de corpo e cauda. A sensibilidade e a acurácia da ecoendoscopia com punção por
agulha fina (fine needle aspiration – FNA) é de 94%21. A presença do citopatologista
em sala e avaliação do material puncionado, rapid on-site evaluation (Rose), pode me-
lhorar a acurácia, reduzir o tempo de exame e o número de punções. Agulhas mais
modernas (fine needle biopsy – FNB) são capazes de fornecer mais de material em
comparação à punção por agulha fina, talvez tornando a avaliação do material em sala
menos necessária, não havendo, no entanto, consenso na literatura22.
Seta mostrando falha de enchimento em colédoco distal causada por tumor em cabeça do pâncreas.
530
Figura 3A. Ecoendoscopia demonstrando lesão hipoecogênica de limites
imprecisos em cabeça do pâncreas.
Legenda: A - Setas mostrando aspecto ecográfico de agulha de punção durante realização de pun-
ção ecoguiada de lesão suspeita em cabeça pancreática; B - Coloração papanicolau rápido. Células
neoplásicas com tamanhos variados com hemáceas ao fundo.
531
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
532
ou o sinal do ducto duplo causado pela obstrução do ducto pancreático principal e
do ducto biliar comum. Adicionalmente, o pâncreas distal ao tumor pode apresentar
atrofia. O comportamento agressivo também implica a infiltração das estruturas pe-
ripancreáticas e o acometimento da vasculatura adjacente20.
(A) Imagem na fase arterial, no plano axial: lesão expansiva e infiltrativa na cabeça do pâncreas, que
envolve a artéria mesentérica superior (cabeça de seta). (B) Imagem na fase portal, no plano axial: a
lesão faz contato com a veia porta (seta tracejada). (C) Imagem na fase portal, no plano axial: envol-
vimento da veia mesentérica superior em mais de 180 graus (asterisco) pela lesão.
533
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
(A, B) Imagens em T2 no plano coronal e colangiorressonância com reconstrução 3D: lesão infiltrati-
va na cabeça pancreática (setas brancas), determinando obstrução dos ductos colédoco e pancreático
principal, com dilatação a montante (sinal do duplo ducto, cabeças de setas).
(A) Imagem em T2 no plano coronal: lesão infiltrativa na cabeça do pâncreas, com hipossinal e que
amputa o colédoco (seta branca). (B) Imagem em T1 na fase portal: realce heterogêneo da lesão pelo
meio de contraste (setas tracejadas). (C, D): Imagens em difusão e no mapa de ADC: lesão apresentando
restrição à difusibilidade da água, indicando alta celularidade (cabeças de setas brancas).
534
Figura 7. Avaliação do adenocarcinoma de pâncreas por RM.
(A, B) Imagens em T2 e na fase arterial: lesão infiltrativa e hipovascular, acometendo o corpo pancre-
ático (setas brancas). (C, D) Imagens de RM na difusão e no mapa de ADC: pequenas metástases he-
páticas apresentando restrição à difusibilidade da água, indicando alta celularidade (cabeças de seta).
535
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
possíveis metástases em todo o corpo. Por outro lado, o PET-CT tem resolução
espacial inerentemente baixa e resultados falsos positivos causados pela captação
fisiológica normal de FDG são limitações relatadas20.
7. ESTADIAMENTO
A TC com multidetectores é a modalidade de escolha para detecção e estadia-
mento do CP, apresentando sensibilidade de até 90% para detecção e acurácia de
80%-90% para estadiamento. O sistema de estadiamento TNM mais utilizado para
todos os cânceres pancreáticos é o sistema do Comitê Conjunto Americano de
Estadiamento de Câncer (AJCC), atualmente em sua oitava edição24 (tabela 1). O
estadiamento tem como objetivo categorizar o grau de extensão/disseminação tu-
moral de forma a otimizar o tratamento ideal para cada paciente, sobretudo identi-
ficando os pacientes candidatos à resseção potencialmente curativa, minimizando
o risco de morbimorbidade relacionada à cirurgia de grande porte em pacientes
com doença avançada24.
536
Tabela 1. Critérios para o estadiamento TNM do adenocarcinoma de
pâncreas segundo o American Joint Committee on Cancer (AJCC).
TUMOR PRIMÁRIO
Categoria T
Carcinoma in situ*
Inclui neoplasia intraepitelial pancreática de alto grau, neoplasia
Tis intraductal minuciosa papilar com displasia de alto grau,
neoplasia intraductal túbulo-papilar com displasia de alto grau e
neoplasia cística mucinosa com displasia de alto grau
LINFONODOS REGIONAIS
Categoria N
537
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
METÁSTASES À DISTÂNCIA
Categoria M
Então, o
Quando o Quando o Quando o
estadiamento
“T” é… “N” é… “M” é…
prognóstico é…
Tis N0 M0 0
T1 N0 M0 IA
T1 N1 M0 IIB
T1 N2 M0 III
T2 N0 M0 IB
T2 N1 M0 IIB
T2 N2 M0 III
T3 N0 M0 IIA
T3 N1 M0 IIB
T3 N2 M0 III
T4 Qualquer N M0 III
Qualquer T Qualquer N M1 IV
538
8. CRITÉRIOS DE RESSECABILIDADE
O único tratamento potencialmente curativo para o câncer de pâncreas (CP)
é a resseção cirúrgica completa, sendo possível em apenas 20% dos pacientes. Os
critérios atuais para ressecabilidade incluem a ausência de metástases a distância
e o não acometimento das artérias principais (artéria mesentérica superior, artéria
hepática comum e tronco celíaco). O envolvimento da veia porta e mesentérica su-
perior também podem impedir a resseção completa do tumor. Ressecções vascula-
res vêm sendo utilizadas cada vez mais frequentemente em centros especializados,
podendo ser indicadas em casos selecionados25.
Com relação à avaliação de ressecabilidade, as classificações mais amplamente
utilizadas são as da National Comprehensive Cancer Network (NCCN), a do MD
Anderson Cancer Center e a da Japan Pancreas Society (JPS) (tabelas 2, 3 e 4):
539
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
540
1) Tumores ressecáveis: tumores com alta probabilidade de resseção com
margens negativas (R0). A definição de CP ressecável varia entre as classifica-
ções, com a principal diferença envolvendo a extensão do acometimento ve-
noso. Como exemplo, de acordo com a classificação do MD Anderson Cancer
Center, tumores que envolvem menos de 180 graus da circunferência da veia
associados à deformidade desta são considerados ressecáveis. Por outro lado,
tumores com essas características são considerados borderline de acordo com
a classificação NCCN, que requer ausência de deformidade da veia no caso de
tumores envolvendo-a em menos de 180 graus para serem considerados resse-
cáveis. Adicionalmente, as diretrizes mais recentes da American Society of Cli-
nical Oncology (Asco) são ainda mais restritivas: qualquer grau de contato da
lesão com a veia implica em terapia neoadjuvante em vez de resseção primária,
devido ao alto risco de margens positivas26.
541
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
(A) Imagem na fase portal, no plano axial, evidenciando tumor ressecável: lesão na cabeça do
pâncreas, que faz contato menor que 180 graus com a veia mesentérica superior (seta branca), sem
irregularidade do contorno da mesma. (B) Imagem na fase arterial, no plano axial, evidenciando
tumor irressecável: lesão infiltrativa na topografia da cabeça pancreática, com acometimento cir-
cunferencial da artéria mesentérica superior (asterisco), além de envolvimento da veia mesentérica
superior (setas brancas). (C, D) Imagens nas fases arterial e portal, no plano axial, evidenciando
tumor borderline: lesão na cabeça pancreática (cabeças de setas brancas) se acometimento arterial
importante. A lesão faz contato menor que 180 graus com a veia mesentérica superior (cabeça de
seta preta), que determina deformidade da mesma, mas permite a reconstrução vascular. A lesão
também faz contato com a veia cava inferior (setas tracejadas).
542
Por esses motivos, o volume do tumor e os Critérios de Avaliação de Resposta
em Tumores Sólidos (Recist) ou da Organização Mundial da Saúde apresentaram
um desempenho ruim para o reestadiamento do CP. Por outro lado, a redução
da lesão, mesmo que parcial, foi associada a uma alta probabilidade de resseção
R028. A mesma situação foi observada nos casos em que ocorre redução do con-
tato entre o tumor e as principais artérias ou veias peripancreáticas28. Portanto, a
identificação no estudo tomográfico da diminuição das dimensões da lesão ou dos
contatos vasculares pós-neoadjuvância, mesmo que de forma parcial ou modera-
da, deve levar à exploração cirúrgica mesmo no caso de doença que inicialmente é
localmente avançada. De modo adicional, se a doença é estável após o tratamento
neoadjuvante e os critérios radiológicos usuais não podem ajudar a determinar
a resposta histológica, a exploração cirúrgica também deve ser recomendada27,28.
O prognóstico tumoral está associado à agressividade biológica da doença, não
somente ao volume residual do tumor após a terapia neoadjuvante. Nesse con-
texto, o FDG-PET apresenta algumas vantagens sobre a TC convencional para o
reestadiamento do CP, sobretudo devido à capacidade do FDG em refletir a via-
bilidade das células tumorais. Esse método é capaz de identificar a heterogeneida-
de do tumor, permitindo uma diferenciação mais precisa entre a fibrose/necrose
induzida por tratamento. Grandes massas residuais podem conter apenas tecido
fibrótico com conteúdo inflamatório, enquanto lesões residuais menores podem
apresentar células resistentes e altamente agressivas, capazes de determinar a reci-
diva tumoral.
As mensurações da resposta metabólica tumoral foram consideradas superio-
res à mensuração com base anatômica no CP localmente avançados após a tera-
pia neoadjuvante. Essa avaliação é realizada por meio dos Critérios de Resposta
de Tomografia de Emissão de Pósitrons em Tumores Sólidos (Percist1.0), que são
considerados os únicos fatores prognósticos independentes associados à sobrevida
global no CP avançado. O FDG-PET também tem aplicabilidade na detecção da
progressão tumoral do CP localmente avançado após a terapia de radiação corpo-
ral estereotáxica29.
543
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
(A, B) Imagens de TC, nas fases arterial e portal, no plano axial: lesão renal (setas brancas), compa-
tível com sítio primário (A) e pequenos implantes nodulares hipervasculares na cauda pancreática
(cabeças de setas brancas), com pequena quantidade de líquido associada à densificação dos planos
adiposos adjacentes (B).
544
Figura 10. Diagnóstico diferencial: pancreatite crônica.
(A, B) Imagens de TC na fase portal, nos planos axial e coronal: aumento de volume da cabeça
do pâncreas, com inúmeras calcificações de tamanhos variados esparsas. (C) Imagem de RM co-
langiorressonância com reconstrução 3D: ducto pancreático principal de contorno irregular, com
maior dilatação na cauda, onde se observam múltiplos ductos secundários (setas brancas). Redu-
ção gradual do calibre do colédoco ao nível da cabeça pancreática (sina do "ducto mergulhante“,
cabeça de seta). (D) Imagem RM em T2 no plano axial: sinal heterogêneo do parênquima pancre-
ático, com hipotrofia do corpo e cauda pancreáticos.
(A, B): lesão na cabeça pancreática (cabeças de setas) que determina estreitamento dos ductos colé-
doco e principal, com dilatação à montante dos mesmos (setas brancas). (C, D) Resolução completa
das alterações, após tratamento com corticoide.
545
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
11. TRATAMENTO
A resseção cirúrgica é a única forma de tratamento curativo nos pacientes com
diagnóstico de adenocarcinoma ductal pancreático. Embora as taxas de mortali-
dade da pancreatectomia tenham caído significativamente e estejam abaixo de 2%
em vários centros de alto volume de cirurgia do pâncreas, a morbidade permanece
elevada e afeta a utilização de terapia adjuvante em até 40% dos pacientes30,31.
Embora apenas 15% a 20% dos pacientes apresentem doença ressecável, a uti-
lização de tratamentos neoadjuvantes e avanços nas técnicas cirúrgicas ampliaram
o grupo de pacientes que são elegíveis para resseção cirúrgica32. Pacientes subme-
tidos à resseção cirúrgica em tumores não metastático localizado do pâncreas têm
uma taxa de sobrevida em cinco anos de aproximadamente 39% e uma sobrevida
mediana de 12-20 meses. Pacientes operados e com comprometimento linfonodal
regional e sem metástases distantes têm sobrevida em cinco anos de aproximada-
mente 13% e sobrevida mediana de seis a dez meses. No caso da doença metastáti-
ca, a sobrevida em cinco anos é de 3% com sobrevida mediana de três a seis meses,
cuja duração pode ser maior na dependência de extensão da doença, performance
status (PS) e resposta à terapia sistêmica utilizada33.
Estratificando a sobrevida mediana pelo estadiamento, podemos observar que,
no estádio IA (T1 tumor limitado ao pâncreas e ≤ 2cm), a sobrevida é de 38 meses;
no estádio IB (T2 tumor > 2cm e ≤ 4cm) é de 24 meses; no estádio IIA (T3 tumor
> 4cm) é de 18 meses; no estádio IIB (T1-3 N1 com metástases para um a três lin-
fonodos) é de 17 meses; e no estádio III (T1-T3 N2 metástases em ≥ 4 linfonodos
regionais) é de 14 meses34.
Um sistema de padronização da avaliação de pacientes com tumores de pân-
creas denominado “Sistema ABC” foi proposto pelo grupo de cirurgia oncológica
do MD Anderson Cancer Center, Texas35. Nesse sistema todos os pacientes com
adenocarcinoma de pâncreas realizam anamnese e exame físico, exames laborato-
riais e exames de imagem, sendo a partir daí categorizados em ressecáveis, margi-
nalmente ressecáveis (borderline) e irressecáveis. Aspectos anatômicos do tumor e
sua relação com estruturas vasculares circunvizinhas corresponderiam ao A, en-
quanto o B diria respeito à biologia tumoral e ao estadiamento do tumor, e o C, às
condições físicas, ao PS e às comorbidades do paciente.
Na avaliação inicial, pacientes com condições clínicas adversas que limita-
riam a realização de tratamento cirúrgico, como PS inadequado ou comorbida-
des impeditivas, seriam poupados de uma avaliação extensiva e de tratamento
neoadjuvante, sendo diretamente encaminhados para terapia paliativa, controle
de sintomas e suporte clínico. Pacientes apresentando condições clínicas adversas,
mas com potencial de reversão, seriam classificados como borderline C, devendo
ser encaminhados para controle clínico/reabilitação e a tratamento neoadjuvante
quando adequado, sendo continuamente avaliados em relação a possíveis melho-
ras clínicas que permitiriam a realização de cirurgia. Pacientes clinicamente aptos
546
para tratamento cirúrgico seriam submetidos a estadiamento e avaliação da bio-
logia tumoral. A presença de metástase confirmada radiologicamente excluiria o
paciente de tratamento ressectivo, enquanto pacientes com suspeita radiológica
de metástases a distância, linfonodos regionais comprovadamente positivos ou
CA19-9 maior ou igual a 1000U/ml, seriam considerados como borderline B, de-
vendo ser encaminhados para neoadjuvância e posterior reavaliação. Finalmente,
pacientes clinicamente aptos para tratamento cirúrgico e sem evidência de doença
a distância seriam avaliados quanto às relações anatômicas do tumor, possíveis va-
riações anatômicas vasculares e ressecabilidade, sendo classificados em ressecáveis
ou portadores de doença localmente avançada e, portanto, irressecáveis. Pacientes
marginalmente ressecáveis, borderline A, seriam encaminhados para neoadjuvân-
cia e reavaliação subsequente. A definição de tumores borderline anatômicos, A,
varia de acordo com os diversos sistemas de classificação, tendo ainda mudado
com o passar dos anos conforme descrito previamente neste capítulo. Também,
entre os sistemas, são empregadas definições por vezes subjetivas, como na defini-
ção do MDACC, em que tumores borderline poderiam apresentar segmento curto
de oclusão na confluência mesentérico portal, passível de resseção e reconstrução.
Pacientes com tumores borderline A, independentemente da classificação uti-
lizada, apresentam alto risco para resseções com margens positivas, devendo ser
encaminhados inicialmente para tratamento neoadjuvante e posterior reavaliação.
Essa estratégia tem como objetivo obtenção de melhores taxas de cirurgias R0, se-
leção de pacientes com biologia tumoral mais favorável para tratamento cirúrgico,
eliminando cirurgias fúteis naqueles com progressão de doença durante a neoad-
juvância, tratamento mais precoce de possíveis micrometástases e maior propor-
ção de pacientes recebendo tratamento multimodal.
Após tratamento neoadjuvante, pacientes são habitualmente submetidos a re-
estadiamento com o objetivo principal de excluir progressão de doença. Avalia-
ção radiológica de ressecabilidade após neoadjuvância apresenta sensibilidade e
especificidade subótimas para invasão vascular, sendo um preditor inadequado
para ressecabilidade36. Ferrone et al.37 avaliaram os resultados de 40 pacientes com
tumores pancreáticos submetidos a Folfirinox +/- radioterapia. Entre os 40 pa-
cientes, 26 apresentavam doença localmente e 14 tinham doença borderline para
resseção. Avaliação por imagem pós-tratamento determinou que 19 pacientes per-
sistiam como doença avançada, nove persistiam com tumores considerados ain-
da borderline A e 12 se tornaram ressecáveis. Ainda assim, uma resseção R0 foi
possível em 92% desses pacientes. Apesar de diminuição tumoral e dos valores de
CA19.9, os exames radiológicos foram incapazes de demonstrar um plano claro
entre o tumor e as estruturas vasculares, ainda que o estudo histopatológico tenha
demonstrado somente fibrose resultante da terapia neoadjuvante. Sinais de persis-
tência de envolvimento vascular em pacientes com tumores borderline submetidos
a tratamento neoadjuvante não devem ser considerados, portanto, como critérios
547
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
548
melhor tipo de prótese, se metálica ou plástica41. Em caso de insucesso na tentativa
de drenagem via CPRE, a drenagem percutânea trans-hepática está indicada.
549
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
11.3. Linfadenectomia
Metástases linfonodais têm sido descritas em até 90% dos casos47 de adenocar-
cinoma da cabeça do pâncreas, apresentando correlação bem estabelecida com re-
sultados de sobrevida48. Pacientes com linfonodos positivos e maior relação entre
550
linfonodos positivos e número de linfonodos ressecados apresentam em geral pior
grau de diferenciação tumoral, maior taxa de cirurgias R1 e invasão linfovascular
e menor sobrevida global48.
As estações nodais peripancreáticas para o adenocarcinoma de pâncreas são
determinadas de acordo com a classificação da Japan Pancreas Society. De acordo
com consenso do International Study Group on Pancreatic Surgery (ISGPS), a lin-
fadenectomia standard a ser realizada no adenocarcinoma localizado na cabeça do
pâncreas deve incluir as seguinte estações nodais (EN):
• Linfonodos suprapilóricos – EN 5;
• Linfonodos infrapilóricos – EN 6;
• Linfonodos ântero-superiores da artéria hepática comum – EN 8a +/- 8b;
• Linfonodos ao longo do ducto biliar – EN 12b;
• Linfonodos do ducto cístico – EN 12c;
• Linfonodos retropancreáticos – EN 13a e EN 13b;
• Linfonodos da face anterior da cabeça do pâncreas – EN 17a e EN 17b;
• Linfonodos da artéria mesentérica superior (AMS) – EN 14a e EN 14b.
A estação da AMS corresponde à área em que a recidiva é mais comum e em
que linfonodos são mais frequentemente positivos. A resseção dos linfonodos des-
sa região deve ser restrita à porção à direita da AMS49,50. A resseção do lado esquer-
do da AMS não mostrou melhora em sobrevida, sendo frequentemente associada
à diarreia crônica no pós-operatório51-53.
Benefício em sobrevida proporcionada pela linfadenectomia standard foi ob-
servado em estudos retrospectivos54,55. A resseção de linfonodos além dessas esta-
ções nodais corresponderiam à linfadenectomia dita estendida, não apresentando
ganho de sobrevida em relação à linfadenectomia standard, conforme observa-
do em estudos randomizados e meta-análises, sendo, por outro lado, associada a
maiores taxas de diarreia crônica e perda ponderal51,54.
Pacientes com linfonodos suspeitos além das estações nodais standard, detec-
tados durante o procedimento cirúrgico, devem ter esses linfonodos ressecados
e enviados para exame de congelação. Não há um consenso na literatura quanto
ao abandono da cirurgia uma vez que a positividade é confirmada, devendo essa
decisão ser relacionada a outras variáveis, como nível de CA 19,9, idade e comor-
bidades do paciente, presença de invasão vascular e consequente necessidade de
reconstrução arterial/venosa56.
A linfadenctomia standard para tumores localizados em corpo e cauda pancre-
áticos inclui os linfonodos das estações nodais do hilo esplênico EN 10, ao longo
da artéria esplênica EN 11 e ao longo da borda inferior do corpo e cauda do pân-
creas EN18. Não há um consenso sobre a necessidade de resseção de linfonodos do
tronco celíaco EN 9, sendo recomendada, entretanto, em pacientes com tumores
de corpo localizados mais próximos do eixo mesentérico.
551
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
12a 9 10
11p 11d
12b 8a
8p
16
17a 14p
13a 18
14d
17b
13b
15
552
Sangramento
Reduzido no grupo WPP P = 0,03
intraoperatório
Transfusão Reduzido no grupo WPP P = 0,02
Sangramento
WPP 5,2% WC 6,6% P = 0,50
pós-operatório
Complicações
Iguais para WPP e WC P = 0,36
pulmonares
553
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
554
Importante registrar as críticas relativas ao desenho complicado desse estudo,
além de que não houve garantia de qualidade na radioterapia nem revisão cen-
tralizada dos campos de radiação. Outra crítica é que os pacientes no braço da
quimiorradioterapia receberam apenas dois ciclos de 5-FU durante a radioterapia,
enquanto os indivíduos randomizados para quimioterapia receberam seis meses
de 5-FU. Além disso, foi permitido crossover. A utilização de planejamento para
tratamento baseado em tomografia nos permite visualizar e contornar os alvos
e estruturas normais críticas, como o fígado, medula espinhal e rim, permitin-
do maior flexibilidade no campo e com melhor planejamento do tratamento. Isso
permite tratamentos com campos mais restritos ao tumor, proporcionando doses
mais elevadas sem aumento na toxicidade63-65.
O CONKO-001 (Charité Onkologie) é um estudo multicêntrico, randomizado,
de fase III, que envolveu 368 pacientes portadores de adenocarcinoma ductal de
pâncreas submetidos à resseção completa do tumor sem que nenhum tratamento
(radioterapia ou quimioterapia) fosse realizado antes da cirurgia. Foram randomi-
zados 186 pacientes para tratamento com gencitabina versus 182 pacientes para
observação. Com um seguimento de 53 meses, o desfecho primário do estudo foi
atingido, sendo observado ganho de sobrevida livre de doença no grupo de pa-
cientes tratados com gencitabina em comparação com o grupo observação (13,4
meses versus 6,9 meses, p < 0,001). O efeito benéfico da gencitabina adjuvante na
sobrevida livre de doença foi evidente tanto nos pacientes com resseção R0 (13,1
meses versus 7,3 meses; p < 0,001, log-rank) quanto nos pacientes com resseção
R1 (15,8 versus 5,5 meses; p < 0,001, log-rank). Observamos ganho de sobrevida
mediana no grupo observação quando comparamos cirurgia R0 (20,8 meses) com
cirurgia R1 (14,1 meses). A sobrevida mediana no grupo resseção R0 (21,7 meses)
e R1 (22,1 meses) foi muito semelhante quando avaliamos os pacientes que rece-
beram gencitabina18. Esse é um estudo positivo, que, com um seguimento mais
longo, de 136 meses, observou ganho de sobrevida no grupo da gencitabina em
comparação ao grupo observação (razão de risco de morte de 0,76; p = 0,01)66,67.
O ESPAC-3 (version 2) é um estudo multicêntrico, randomizado de fase III que
envolveu 1.088 pacientes com adenocarcinoma ductal de pâncreas submetidos à
resseção completa do tumor. Foram randomizados 551 pacientes para tratamento
adjuvante com fluorouracil e ácido folínico versus 537 pacientes com gencitabina.
Foi observada uma sobrevida mediana de 23,0 meses para pacientes tratados com
5-fluorouracil e ácido folínico e 23,6 meses para aqueles tratados com gencitabina,
e uma sobrevida livre de progressão de 14,1 meses e 14,3 meses, respectivamente.
O grau do tumor, status nodal, tamanho do tumor, níveis séricos de CA19-9 pós-
-operatórios, PS e tabagismo foram todos fatores prognósticos independentes de
sobrevida global. Embora o status da margem de resseção fosse significativo na
análise univariada, não foi observado na análise multivariada. Como conclusão,
a gencitabina não resultou em melhora da sobrevida global em comparação com
555
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
556
O JASPAC-01 é um estudo clínico de fase III randomizado, multicêntrico e de
não inferioridade que envolveu 385 pacientes, comparando quimioterapia adju-
vante com S-1 (192 pacientes) versus gencitabina (193 pacientes), nos portadores
de adenocarcinoma ductal de pâncreas submetidos à resseção curativa23. O S-1 é
uma droga oral contendo tegafur (uma pró-droga de fluorouracil), gimeracil e ote-
racil potássio. O S-1 é caracterizado pela inibição de atividade di-hidropirimidina
desidrogenase (DPD) pelo gimeracil, mantendo alta concentração de fluorouracil
no sangue e tecido tumoral, e por supressão de fosforilação de fluorouracil no tra-
to gastrointestinal pelo oteracil potássio, reduzindo a toxicidade gastrointestinal.
Numa análise interina per-protocol em 2012, com seguimento de 40,6 meses para
gencitabina e 39,2 meses no grupo S-1, foi observada uma razão risco de morte
de 0,56 a favor do S-1 em comparação com a gencitabina. Essa análise interina
demonstrou a não inferioridade a favor do S-1 quando comparado com a gencita-
bina (p < 0,0001). Em 2016, com um seguimento de 82,3 meses para gencitabina
e 79,3 meses para S-1, foi observada uma sobrevida global mediana de 25,5 meses
com gencitabina e 46,5 meses com S-1, com uma razão de risco de morte de 0,57.
A sobrevida global estimada no grupo da gencitabina foi de 38,8% em três anos e
de 24, 4% em cinco anos, e, para o S-1, de 59,7% em três anos e de 44,1% em cinco
anos. Na análise da população por intenção de tratamento, o resultado foi seme-
lhante. Esse resultado de razão de risco para mortalidade de 0,57 demonstrou não
só não inferioridade, mas também superioridade de S-1 em relação à gencitabina.
Esse é um estudo positivo com ganho de sobrevida a favor do S-1. Uma limitação
do JASPAC 01 é que todos os pacientes eram asiáticos, e a farmacocinética e a
farmacodinâmica do S-1 são diferentes entre europeus e norte-americanos quan-
do comparados aos asiáticos. Isso pode ser observado nas toxicidades gastroin-
testinais graus III ou IV, especialmente no caso da diarreia, sendo mais comum
nos europeus e norte-americanos do que nos asiáticos. Outra limitação é que esse
medicamento ainda não está aprovado para uso no Brasil71-73.
O CONKO-005 é um estudo multicêntrico, randomizado de fase III, que en-
volveu 436 pacientes com adenocarcinoma ductal de pâncreas ressecado28. Foram
randomizados 219 pacientes para tratamento gencitabina e erlotinibe versus 217
pacientes para gencitabina28. Após um seguimento de 54 meses, não houve dife-
rença em sobrevida livre de doença (gencitabina e erlotinibe 11,4 meses versus
gencitabina 11,4 meses) ou sobrevida global (gencitabina e erlotinibe 24,5 meses
versus gencitabina 26,5 meses)28. A ocorrência de erupção cutânea não foi asso-
ciada a uma melhor sobrevivência no grupo de gencitabina e erlotinibe, conforme
observado no estudo NCIC CTG PA.3, que avaliou esse protocolo nos pacientes
com câncer de pâncreas avançado29. O CONKO-005 é um estudo negativo que
não demonstrou benefício em sobrevida livre de doença ou sobrevida global na
combinação gencitabina e erlotinibe nos pacientes com adenocarcinoma ductal
de pâncreas ressecado74,75.
557
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
558
12.2. Radioterapia adjuvante associada à quimioterapia
Estudos como o EORTC (1987-1995), ESPAC-1 (1994-2000) e RTOG 9704
(1998-2002) não conseguiram mostrar melhora na sobrevivência usando radiote-
rapia adjuvante e radioterapia associada à quimioterapia com ou sem quimiotera-
pia adicional. O único estudo de resultado positivo com ganho de sobrevida foi o
GITSG 9173. A seguir, apresentamos a análise desses estudos.
O EORTC é um estudo prospectivo randomizado que avaliou 218 pacientes
com diagnóstico de adenocarcinoma ductal de pâncreas submetidos à resseção. Os
pacientes foram randomizados: 110 para radioterapia associada à quimioterapia
versus 108 pacientes observação. A análise de sobrevida demonstrou 19,0 meses
para a observação e 24,5 meses no grupo de tratamento (p = 0,208). As estimativas
de sobrevida em dois anos foram de 41% e 51%, respectivamente. Não foi obser-
vada redução na taxa de recorrência. Para a indicação de radioterapia adjuvante
associada à quimioterapia, esse é um estudo negativo78.
O ESPAC-1 é um estudo clínico multicêntrico controlado em pacientes
com adenocarcinoma ductal pancreático, utilizando um desenho fatorial 2 x
2. Um total de 285 pacientes foram randomizados, sendo 70 com quimiorra-
dioterapia, 74 com quimioterapia, 72 com ambos, 69 para observação; outros
68 pacientes foram randomizados aleatoriamente para quimiorradioterapia ou
observação, e 188, para quimioterapia ou observação. A publicação antecipada
foi recomendada devido à falta de evidências para apoiar o uso de quimiorra-
dioterapia adjuvante após um seguimento mediano de dez meses. A sobrevida
mediana observada foi de 15,5 meses nos pacientes com quimiorradioterapia
versus 16,1 meses nos pacientes em observação com razão de risco de 1,18 (p
= 0,24). Para a indicação de radioterapia adjuvante associada à quimioterapia,
esse é um estudo negativo63,64.
O RTOG 97-04 é um estudo multicêntrico, randomizado de fase III, que en-
volveu 451 pacientes com diagnóstico de adenocarcinoma ductal de pâncreas
submetidos à resseção, os quais foram randomizados para quimioterapia com
fluorouracil versus gencitabina antes e depois da quimiorradioterapia baseada
em fluorouracil. Foram randomizados 230 pacientes para quimiorradioterapia
e fluorouracil versus 221 pacientes para quimiorradioterapia e gencibabina.
Não houve diferença estatisticamente significativa em sobrevida global entre
os dois braços. Gencitabina com sobrevida mediana de 20,5 meses e sobrevida
em cinco anos de 22% versus Fluorouracil 17,1 meses e sobrevida em cinco
anos 18% (razão de risco de 0,84 e p = 0,12). Esse é um estudo negativo sem
benefício de sobrevida79.
O GITSG 9173 é um estudo que envolveu 43 pacientes com diagnóstico de
câncer de pâncreas submetidos à resseção e que foram randomizados, e 21 pa-
cientes para tratamento adjuvante com quimioterapia (fluorouracil) combinada
559
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
560
12.5. Terapia neoadjuvante total
Com o objetivo de avaliar o benefício da abordagem neoadjuvante em pacien-
tes com adenocarcinoma ductal de pâncreas ressecável ou borderline, cinco estu-
dos clínicos testaram essa hipótese: PREOPAN-1 trial, Southwest Oncology Group
trial S1505 SWOG, ESPAC-5F, Prep-02/JSAP-05 e NCTN – Alliance A021501.
Um estudo de fase III avaliou a abordagem neoadjuvante em tumores localmente
avançados LAP07.
O PREOPANC – 1 é um estudo clínico randomizado multicêntrico contro-
lado de fase III que envolveu 246 pacientes com diagnóstico de adenocarcinoma
ductal de pâncreas ressecável ou borderline após serem submetidos à radiotera-
pia combinada à quimioterapia (três ciclos de gencitabina pré-operatória, sendo
o segundo ciclo combinado com radioterapia na dose de 36Gy em 15 frações,
seguido de cirurgia e de quatro ciclos de gencitabina adjuvante). Foram rando-
mizados 119 pacientes para radioterapia combinado à quimioterapia pré-opera-
tória versus 127 pacientes submetidos à cirurgia imediata. A sobrevida mediana
(intenção de tratamento) foi de 16 meses para radioterapia combinado à qui-
mioterapia pré-operatória versus 14,3 meses para cirurgia imediata (razão de
risco 0,78 e 0 = 0,096). Com relação à sobrevida livre de doença, foi observado
benefício nos pacientes submetidos à quimiorradiação quando comparados aos
pacientes submetidos à cirurgia imediata (razão de risco de 0,73; p = 0,032). A
taxa de resseção foi de 61% para radioterapia combinada à quimioterapia pré-
-operatória e 72% para cirurgia imediata (p = 0,058). A taxa de resseção (R0) foi
de 71% para radioterapia combinada à quimioterapia pré-operatória e 40% para
cirurgia imediata (p < 0,001). A quimiorradioterapia pré-operatória foi associa-
da a uma sobrevida livre de doença e intervalo livre de falha locorregional sig-
nificativamente melhor, bem como a menos linfonodos comprometidos, invasão
perineural e invasão venosa. A análise de sobrevivência de pacientes que foram
submetidos à resseção do tumor após quimiorradioterapia pré-operatória e que
iniciaram a quimioterapia adjuvante mostrou melhora da sobrevida (35,2 meses
versus 19,8 meses; p = 0,029). A proporção de pacientes que sofreram eventos
adversos graves foi de 52% versus 41% (p = 0,096).
Como conclusão, a quimiorradioterapia pré-operatória para câncer pancre-
ático ressecável ou borderline não mostrou um benefício de sobrevida global
estatística. Em uma avaliação muito individual, cada vez mais se acredita na im-
portância da terapia multimodal no ambiente pré-operatório para pacientes que
têm envolvimento venoso sem envolvimento no tronco celíaco ou abutment na
artéria mesentérica superior, porque isso pode significar potencialmente uma
grande complexidade na técnica cirúrgica, aumentando a chance de resseção com
561
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
562
recrutamento foi de 21 pacientes por ano47. A taxa de resseção foi de 62% para
cirurgia imediata e 55% para terapia neoadjuvante (p = 0,668). A taxa de resseção
R0 em pacientes ressecados foi de 15% e 23%, respectivamente (p = 0,721). A taxa
de sobrevivência de um ano foi de 40% [95% CI, 26%-62%] para cirurgia imediata
e 77% [95% CI, 66%-89%] para terapia neoadjuvante com razão de risco de 0,27
e p <0,001. Como conclusão, não houve diferença na taxa de resseção entre os
braços, o que era o objetivo principal. No entanto, a terapia neoadjuvante teve um
benefício de sobrevida significativo quando comparada à cirurgia imediata. Estu-
do positivo para sobrevida90.
O Prep-02/JSAP-05 é um estudo clínico de fase II/III randomizado que avaliou
pacientes com diagnóstico de adenocarcinoma ductal de pâncreas ressecável com-
parando quimioterapia neoadjuvante com dois ciclos de gencitabina e S1 (NAC-
-GS) versus cirurgia imediata (Up-S), seguidas de seis meses de S-1 adjuvante em
ambos os braços91,92. Todos os pacientes realizaram biópsia com confirmação diag-
nóstica. De janeiro de 2013 a janeiro de 2016, 364 pacientes foram avaliados; 182
pacientes para NAC-GS e 180 pacientes para Up-S. A sobrevida mediana foi de
36,7 meses no NAC-GS e 26,6 meses no Up-S (razão de risco 0,72 e p = 0,015). No
entanto, a taxa de resseção, a taxa de resseção R0 e a morbidade da operação foram
equivalentes nos dois grupos. Não houve mortalidade perioperatória em nenhum
dos grupos. Esse é um estudo positivo que demonstrou benefícios significativos de
sobrevida no tratamento com gencitabina e S1 em pacientes ressecáveis91,92.
O LAP07 é um estudo clínico randomizado multicêntrico de fase III que envol-
veu 442 pacientes com diagnóstico de adenocarcinoma ductal de pâncreas local-
mente avançado, sendo randomizados na primeira etapa com 223 pacientes para
quimioterapia de indução por quatro ciclos com gencitabina versus 219 pacientes
para gencitabina e erlotinibe. Na segunda etapa, 269 pacientes sem progressão de do-
ença foram randomizados para o mesmo esquema de quimioterapia por dois meses
(136 pacientes) versus radioterapia na dose de 54Gy e capecitabina (133 pacientes).
O objetivo principal desse estudo foi avaliar se a administração da quimiorradiote-
rapia em pacientes cujo tumor foi controlado após quatro meses de quimioterapia
aumenta a sobrevida em comparação à continuação da mesma quimioterapia.
Com um acompanhamento médio de 36,7 meses, a sobrevida mediana desde a
data da primeira randomização não foi significativamente diferente entre a quimio-
terapia em 16,5 meses versus quimiorradioterapia em 15,2 meses, com razão de risco
de 1,03 (p = 0,83). A sobrevida mediana desde a data da primeira randomização
foi: 13,6 meses em 223 pacientes tratados com gencitabina versus 11,9 meses em
219 pacientes tratados com gencitabina e erlotinibe com razão de risco de 1,19 (p
= 0,09). A quimiorradioterapia foi associada à diminuição da progressão local (32%
versus 46%, p = 0,03) e nenhum aumento na toxicidade de graus III a IV, exceto para
náuseas. Como conclusão, esse é um estudo negativo sem diferença significativa na
sobrevida global com quimioradioterapia em comparação à quimioterapia isolada, e
563
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
564
O PRODIGE 4 é um estudo multicêntrico francês que incluiu 342 pacientes
portadores de adenocarcinoma de pâncreas metastático virgens de tratamento,
randomizados para receber em primeira linha o esquema de quimioterapia Folfi-
rinox (oxaliplatina 85mg/m2, irinotecano 180mg/m2, leucovorin 400mg/m2, 5FU
400mg/m2 em bólus e 2400mg/m2 em infusão de 46h a cada duas semanas) versus
gencitabina isolada (1000mg/m2 semanal por sete semanas, seguida de uma sema-
na de descanso e, então, de 1000mg/m2 por três semanas a cada quatro semanas),
por até seis meses. O objetivo primário era a avaliação de sobrevida global e, entre
os objetivos secundários, estavam a avaliação de sobrevida livre de progressão e
taxa de resposta objetiva. Os pacientes do braço do esquema Folfirinox obtiveram
uma mediana de sobrevida global de 11,1 meses versus 6,8 meses no braço da
gencitabina (razão de risco para óbito 0,57, intervalo de confiança 95% 0,45 a 0,73,
p < 0.001). A sobrevida livre de progressão foi de 6,4 meses no grupo do Folfiri-
nox versus 3,3 meses no grupo da gencitabina, e a taxa de resposta foi de 31,6%
para o Folfirinox versus 9,4% para gencitabina. Os eventos adversos foram mais
comuns no braço do Folfirinox, principalmente neutropenia, diarreia e neuropatia
periférica. A partir desse estudo, o esquema Folfirinox passou a ser o tratamento
de primeira linha padrão para os pacientes com adenocarcinoma de pâncreas me-
tastático com bom PS. Posteriormente, foi publicado outro estudo positivo com
combinação de quimioterapia (gencitabina e nab-paclitaxel) comparada com gen-
citabina isolada48.
Em 2013, Von Hoff DD et al. publicou um estudo multicêntrico com 861 pa-
cientes portadores de adenocarcinoma de pâncreas metastático que comparou a
associação de gencitabina 1000mg/m2 nab-paclitaxel 125mg/m2 D1, D8, D15 a
cada quatro semanas e gencitabina isolada (1000mg/m2 semanal por sete semanas,
seguida de uma semana de descanso e, então, de 1000mg/m2 por três semanas a
cada quatro semanas), em primeira linha de tratamento. O tratamento seguia até
progressão de doença. O objetivo primário era a avaliação de sobrevida global, e os
objetivos secundários eram a avaliação de sobrevida livre de progressão e a taxa de
resposta objetiva. A sobrevida global mediana foi de 8,5 meses com a combinação
versus 6,7 meses com gencitabina isolada (razão de risco para óbito 0,72, intervalo
de confiança 95% 0,62 a 0,83, p < 0,001). A sobrevida livre de progressão foi de 5,5
meses no braço da combinação versus 3,7 meses no braço da gencitabina, e taxa
de resposta foi de 23% no grupo da gencitabina e nab-paclitaxel versus 7% no gru-
po da gencitabina. Os eventos adversos mais comuns foram neutropenia, fadiga
e neuropatia periférica. Diferentemente do estudo PRODIGE 4, que não incluiu
pacientes > 75 anos ou com PS 2, nesse trabalho 8% dos pacientes apresentavam
PS 2, e pacientes com até 88 anos foram incluídos98.
Os dois esquemas não foram testados em um mesmo estudo clínico, portanto
a escolha entre os dois fica a critério do oncologista, devendo ser individualizada
pelo perfil de toxicidade e características clínicas do paciente. Mais recentemente,
565
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
566
Folfirinox para teste germinativo dos genes BRCA 1 e 2. 7,5% dos pacientes apre-
sentavam mutação desses genes, 154 pacientes foram randomizados para receber
placebo versus olaparibe 300mg/dia VO de manutenção. O objetivo primário era
sobrevida livre de progressão. A sobrevida livre de progressão foi de 7,4 meses no
braço do olaparibe versus 3,8 meses no placebo (razão de risco para progressão de
doença ou óbito 0,53, intervalo de confiança 95% 0,35 a 0,82, p = 0,004). Não hou-
ve diferença em sobrevida global. Os eventos adversos mais comuns foram fadiga,
náusea e anemia. O dado que mais impressionou os especialistas foi a duração de
resposta de 24,9 meses no braço do olaparibe versus 3,7 meses no placebo102.
A imunoterapia com inibidores de checkpoint imunológico, que revolucionou o
tratamento de diversos tumores sólidos metastáticos, oferece resultados modestos
em adenocarcinoma de pâncreas avançado, mesmo na presença de instabilida-
de microssatélite (MSI-H), principal fator preditivo de resposta a esse tratamento
em outros tumores do trato gastrointestinal. A droga pembrolizumabe recebeu
aprovação pela Food and Drug Administration (FDA) nos Estados Unidos para
tumores MSI-H, independentemente do sítio primário, considerada a primeira
indicação agnóstica de um tratamento. O racional para a melhor resposta com
imunoterapia nesses tumores consiste no conhecimento que a perda do reparo do
DNA pelas enzimas MMR (mismatch repair) confere uma assinatura genética úni-
ca desses tumores, com dez a 100 vezes mais mutações somáticas, o que permite
a formação de neoantígenos na superfície celular, podendo ser reconhecidos pelo
sistema imune como não self, atraindo linfócitos T para o infiltrado inflamatório
tumoral e criando um microambiente favorável à resposta imune antitumoral. O
estudo pivotal que levou à aprovação do pembrolizumabe nesse contexto foi o
KEYNOTE-158, fase II, que incluiu 22 pacientes com adenocarcinoma de pân-
creas avançado. No entanto, os piores resultados encontrados entre os tumores
MSI-H foi no subgrupo do pâncreas, com sobrevida livre de progressão de 2,1
meses, sobrevida global de quatro meses e taxa de resposta objetiva de 18,2%103. As
principais hipóteses para esse resultado desanimador com imunoterapia em ade-
nocarcinoma de pâncreas são que o microambiente tumoral do adenocarcinoma
de pâncreas avançado é constituído por células imunossupressoras, e a qualidade
dos neoantígenos presentes nas células tumorais é mais importante para a imu-
nogenicidade do que a quantidade de neoantígenos, conforme demonstrado por
Balachandran et al. em amostras tumorais de pacientes ressecados com sobrevida
superior a dez anos104.
Outra terapia com indicação agnóstica que foi testada em pacientes portado-
res de adenocarcinoma de pâncreas metastático foi o inibidor da fusão do NTRK
larotrectinibe. Essa alteração molecular é mais comumente encontrada em tumo-
res infantis, podendo estar presente em até 1% dos tumores sólidos. Em pacientes
portadores da fusão, o tratamento com larotrectinibe oferece uma taxa de resposta
de 75%, sendo 13% de resposta completa105.
567
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
568
descrito, ou em caráter paliativo. As obstruções biliares causadas por lesões pan-
creáticas usualmente são distais, e a taxa de sucesso de drenagem por CPRE é alta.
A drenagem pode ser realizada com próteses biliares plásticas ou metálicas au-
toexpansivas. Essas últimas têm diâmetros maiores, são tecnicamente mais fáceis
de posicionar e têm tempo de patência muito maior que as primeiras. Stents cur-
tos, com extremidade proximal o mais longe possível do hilo hepático, são seguros,
como demonstrado em séries com grande número de pacientes108.
Em pacientes com falha no cateterismo de via biliar, envolvimento neoplásico
da papila maior e estenoses duodenais que bloqueiem o acesso à segunda porção,
a drenagem direta por ecoendoscopia tem sido descrita.
A drenagem pode ser feita por via transbulbar ou transantral, com uma punção
do colédoco seguida de dilatação e colocação de prótese transparietal ou por via
transcárdia, com punção de via biliar intra-hepática, dilatação e implante de pró-
tese transparietal entre a via intra-hepática esquerda e o estômago.
Em recente meta-análise, a taxa de sucesso técnico da drenagem ecoguiada foi
de 91,5%, e a taxa de sucesso clínico, 87%. A taxa de eventos adversos é de 17,9%,
sendo os leaks e as infecções os mais frequentes, pouco maior que a taxa da dre-
nagem convecional por CPRE (9,8%). A drenagem transbulbar do colédoco com-
plica menos que a drenagem dos segmentos intra-hepáticos e deve ser a preferida
sempre que possível109.
A B
C D
A) estenose de colédoco distal por tumor de pâncreas; B) punção transbulbar do colédoco dis-
tal acima da estenose; C) Prótese metálica transbulbar – aspecto radiológico; D) Prótese metálica
transbulbar – aspecto endoscópico.
569
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
570
14. SEGMENTO
Os pacientes que obtiverem sucesso no tratamento da doença devem ser acom-
panhados no ambulatório. O follow-up é feito a cada três meses nos dois primeiros
anos, com Ca19-9 trimestral e TC de abdômen a cada seis meses. Nos anos três,
quatro e cinco, as visitas são semestrais, com Ca 19-9 nas duas consultas e uma TC
de abdômen anual.
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Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
TUMORES NEUROENDÓCRINOS
DO PÂNCREAS
Daniel Bulzico
18
Mariana Bruno
Henry Najman
Rinaldo Gonçalves
576
1. TUMORES NEUROENDÓCRINOS FUNCIONANTES DO
PÂNCREAS
1.1. Introdução
Tumores pancreáticos compostos predominantemente por células de linhagem
neuroendócrina são chamados de tumores neuroendócrinos do pâncreas (pNET).
A maioria apresenta marcadores positivos de diferenciação neuroendócrina, re-
presentando cerca de 3% de todos os tumores pancreáticos1.
Em torno de 10% dos pNET são classificados como funcionantes1 e produ-
zem sintomas relacionados à hipersecreção de hormônios como insulina, gastrina,
glucagon, somatostatina, polipeptídeo intestinal vasoativo (VIP), proteína rela-
cionada ao hormônio da paratireoide (PTHrp), hormônio adrenocorticotrófico
(ACTH), hormônio liberador do hormônio de crescimento (GRH) e, muito rara-
mente, renina, hormônio luteinizante (LH), eritropoietina, colecistocinina (CCK),
fator de crescimento semelhante à insulina (IGF-II) ou peptídeo semelhante ao
glucagon (GLP-1). Portanto, todo paciente portador de pNET deve ser avaliado
com anamnese, exame físico e laboratório específico visando ao diagnóstico de
tumores funcionantes.
As cinco principais síndromes associadas à hipersecreção hormonal serão des-
critas neste capítulo. Um resumo é apresentado na tabela 1.
M** NEM-1
Síndrome Incidência* Peptídeo Localização Clínica
(%) (%)
Hipoglicemia
sintomática,
glicemia <
Pâncreas >
Insulinoma 1-3 Insulina < 10 45mg/dL, 5
99%
melhora dos
sintomas com
glicose
577
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Duodeno
Zollinger-
(70%)
Ellison (úlceras
Gastrinoma 0,5-2 Gastrina Pâncreas 60-90 20-25
pépticas,
(25%)
DRGE), diarreia
Outros (5%)
Pâncreas
Diarreia,
(90%)
VIPoma 0,05-0,2 VIP 40-70 hipocalemia, 6
Outros
desidratação
(10%)
Eritema,
Pâncreas
Glucagonoma 0,01-0,1 Glucagon 50-80 diabetes, perda 1-20
(100%)
de peso, anemia
Pâncreas Diarreia,
(55%) diabetes,
Somatostatinoma Raro Somatostatina > 70 45
Delgado colelitíase,
(44%) perda de peso
Pâncreas
(30%)
Pulmão
GRHoma Raro GHR (54%) > 60 Acromegalia 16
Jejuno (7%)
Outros
(13%
Pâncreas
(4-16%
Síndrome de
ACTHoma Raro ACTH dos casos > 95 Raro
Cushing
de Cushing
ectópico)
Hipercalcemia,
Pâncreas dor abdominal
PTHrpoma Raro PTHrp 84 Raro
(raro) por metástases
hepáticas
*Incidência: número de casos a cada 106 habitantes por ano / **M: malignidade
Adaptado de: Jensen RT et al. Neuroendocrinology. 2012;95(2):98-119.
578
1.2. Insulinoma
Apesar de raros (1 a 4 casos por milhão por ano), os insulinomas são a princi-
pal causa de RH na população adulta e o tipo mais comum de pNET3. Geralmente
são tumores únicos (86,6%), com baixa taxa de malignidade (6%) e cuja mediana
de idade ao diagnóstico é de 47 anos, com predominância feminina (59%)3.
A maior parte é esporádica, porém, aproximadamente 5% a 7,6% dos insuli-
nomas estão associados à neoplasia endócrina múltipla tipo 1 (NEM-1) e podem
estar relacionados à síndrome de Von Hippel-Lindau (VHL), neurofibromatose
tipo 1 (NF1) e esclerose tuberosa3.
Quando associados à NEM-1, têm como característica múltiplos tumores em
59% dos casos, idade de diagnóstico mais precoce (25 anos) e maior risco de
recorrência (21% em dez anos em comparação com 5% em insulinomas não
associados à NEM-1)3.
Sintomas neuroglicopênicos (confusão mental, alterações visuais, cefaleia, crise
convulsiva e alterações de comportamento) e simpatoadrenérgicos/colinérgicos
(taquicardia, diaforese, tremores, parestesia, fome) são indicativos da hipoglicemia
e geralmente melhoram após ingesta alimentar4. A hipoglicemia geralmente ocor-
re após período de jejum prolongado e é secundária à supressão da produção de
glicose e não ao aumento do consumo5.
1.2.1. Diagnóstico
A tríade de Whipple é definida pela presença de sintomas de hipoglicemia as-
sociados à glicemia sérica baixa e melhora clínica após ingestão de glicose. Foi
inicialmente descrita em 1935 por Whipple e Frantz após avaliação de oito tumo-
res pancreáticos removidos de pacientes com sintomas hipoglicêmicos que fica-
ram assintomáticos após a cirurgia6. Para o diagnóstico definitivo de hipoglicemia
hiperinsulinêmica endógena, é necessário que o paciente manifeste sintomas na
presença de glicemia sérica < 40mg/dL, insulina > 3mcU/mL (ICMA), proinsulina
> 5pmol/L e peptídeo C > 200pmol/L7. O diagnóstico pode ser estabelecido com
hipoglicemia espontânea ou induzida por teste de jejum prolongado.
No teste de jejum de 72 horas, cerca de 43% dos pacientes apresentarão hipo-
glicemia sintomática em 12 horas, 67% em 24 horas, 94,5% em 48 horas e 100%
em 72 horas8.
579
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Na TC, eles geralmente aparecem como lesões bem delimitadas, com baixa
intensidade em T1, elevada intensidade em T2 e bem visualizados em T1 com
supressão de gordura. Apresentam aumento da vascularização e captação elevada
na fase arterial9.
Ressonância com difusão pode ajudar na detecção de insulinomas pequenos,
principalmente os que não apresentam hipervascularização10.
Apesar da baixa sensibilidade geral para detectar insulinomas, o PET com aná-
logos da somatostatina (SSA-PET/TC) tem papel relevante em predizer resposta
à terapia radionuclídica relacionada ao receptor de peptídeo (PRRT) em casos de
tumores malignos que expressem receptores de somatostatina, sobretudo o subti-
po 2 (SSTR-2)11.
O PET com agonista do receptor de GLP1 exendin-4 radiomarcado com Gá-
lio-68 é importante na localização de insulinomas benignos, pois o receptor de
GLP1 é primariamente expresso em células pancreáticas benignas (sendo cinco
vezes mais expresso em insulinomas benignos do que em células beta normais),
enquanto insulinomas malignos geralmente carecem de receptores de GLP112,13.
O 18F-FDG PET/TC geralmente tem baixa sensibilidade para tumores peque-
nos e bem diferenciados (graus 1 e 2). Já em tumores de alto grau, tem sensibili-
dade elevada e fornece importante informação prognóstica, pois sua positividade
está relacionada à agressividade tumoral11.
Essa tendência de correlação de malignidade com a imagem foi recentemen-
te descrita como fenômeno do “flip-flop”, no qual a avidez por GLP-1 representa
tumores com tendência à benignidade, a avidez por análogos da somatostatina
representa tumores malignos bem diferenciados e a avidez por FDG representa
tumores malignos pouco diferenciados14.
Considerando que insulinomas podem ser pequenos, devemos lembrar que, diante
de clínica sugestiva, exames de imagem negativos não descartam o diagnóstico15.
O cateterismo com estímulo intra-arterial seletivo de cálcio tem sido bastante
usado em centros de referência para localização de insulinoma16. O teste consiste
na injeção de gluconato de cálcio nas artérias gastroduodenal, esplênica e mesen-
térica superior, que irrigam cada parte do pâncreas com posterior dosagem de
insulina na veia hepática. O racional do teste é que o cálcio estimula células beta
hiperfuncionantes a liberar insulina, o que não ocorre com células pancreáticas
normais16.
Os principais exames usados e sua sensibilidade são descritos na tabela 2.
580
Tabela 2. Exames utilizados para localização tumoral de insulinomas e sua
sensibilidade13,15.
Exame Sensibilidade
Adaptado de:
Christ E et al. Endocr Relat Cancer. 2020;27(4):R79-R92;
Pattison DA et al. Endocr Relat Cancer. 2017;24(6):R203-R221;
de Herder W et al. Insulinoma [Internet]. Acessado em: 8 set 2021. Disponível em: <https://www.
ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK278981/>.
581
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
1.2.3. Estadiamento/Classificação
O estadiamento pós-operatório dos pNET segue a recomendação da oitava
edição da American Joint Committee on Cancer (AJCC).
Adaptado de: Bergsland EK et al. Neuroendocrine Tumors of the Pancreas. In: Amin MB et al.
AJCC Cancer Staging Manual – eighth edition. California: Spinger; 2017.
582
A classificação histológica da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 2019
divide os TNEs gastroenteropancreáticos nas categorias descritas na tabela 4.
Bem
TNE G1 Baixo <2 <3
diferenciado
Bem
TNE G2 Intermediário 2-20 3-20
diferenciado
Bem
TNE G3 Alto > 20 > 20
diferenciado
NEC,
pequenas Pouco
Alto : 20 > 20
células diferenciado
(SCNEC)
NEC, grandes
Pouco
células Alto : 20 > 20
diferenciado
(LCNEC)
Bem ou pouco
MiNEN* Variável Variável Variável
diferenciado
583
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
1.2.4. Tratamento
A abordagem cirúrgica é o tratamento de escolha desde que o paciente seja
candidato à cirurgia19. Para tumores pequenos e únicos, a abordagem de escolha
é a enucleação; já para tumores maiores e com potencial de malignidade, opta-se
pela pancreatectomia parcial ou total conforme o caso. O esvaziamento linfono-
dal deve ser realizado em casos de tumores malignos e diante da necessidade de
pancreatectomias extensas20,21. A pancreatectomia central é uma alternativa para
a preservação de parênquima em tumores pequenos localizados no colo pan-
creático ou corpo22,23. Recentemente, a laparoscopia nos insulinomas de corpo e
cauda do pâncreas com pancreatectomia distal ou enucleação tem apresentado
bons resultados, apesar de estudos mostrarem taxa de conversão para cirurgia
aberta em até 41,3% dos casos, a maioria por conta da dificuldade de localizar o
tumor. Entretanto, o uso de ultrassonografia intra-operatória laparoscópica ten-
de a reduzir as taxas de conversão cirúrgica21. A principal complicação cirúrgica
descrita é a fístula pancreática, seguida de infecção/abscesso abdominal, infec-
ção pulmonar, infecção de ferida operatória, retardo do esvaziamento gástrico,
sangramento, pancreatite aguda e embolia pulmonar21. Em pacientes com doen-
ça metastática irressecável, a ressecção tumoral paliativa pode ajudar no controle
das hipoglicemias e aumentar a sobrevida21,24.
Pacientes com tumores inoperáveis podem se beneficiar de tratamento paliati-
vo com diazóxido (3-8mg/kg/dia) na tentativa de redução de hipoglicemias, pois
o medicamento abre os canais de potássio ATP-dependentes nas células beta pan-
creáticas e inibe a secreção de insulina. Por conta da concomitante retenção de
sódio, seu principal efeito colateral é o edema15.
O controle sintomático também pode ser obtido com análogos de somatostati-
na, que se ligam ao SSTR2 e ao SSTR5 das células beta pancreáticas e bloqueiam o
influxo de cálcio por meio dos canais de cálcio voltagem-dependentes, impedindo
a liberação de insulina. Entretanto, isso pode perder eficácia em longo prazo pela
internalização dos receptores de somatostatina25.
A via mTOR tem papel no crescimento das células beta e na secreção de insuli-
na pelos insulinomas. Inibidores da mTOR como o everolimus podem ser usados
no tratamento desses tumores26. Em um estudo de fase 3, o everolimus foi avaliado
em 410 pacientes com pNET avançados de grau baixo ou intermediário, incluindo
24% de tumores funcionantes com melhora da sobrevida livre de progressão (11
meses em comparação com 4,6 meses no grupo placebo), podendo ser uma alter-
nativa para tumores avançados27.
Um estudo duplo-cego, randomizado, placebo-controlado de fase 3 com suni-
tinibe incluiu 171 pacientes portadores de pNET avançados28, sendo quatro por-
tadores de insulinomas (dois no grupo do sunitinibe e dois no placebo). A análise
global mostrou melhora na mediana de sobrevida livre de progressão (11,4 meses
vs. 5,5 meses), da taxa de resposta objetiva (9,3% vs. 0%) e menor mortalidade
584
(10% vs. 25%, RR: 0,41, 95% IC 0,19-0,89, p = 0,02) com o sunitinibe. Quimiote-
rapia baseada em estreptozotocina também é uma opção para tumores malignos.
Entretanto, a droga não está disponível no Brasil29.
Outra opção para pacientes não candidatos à cirurgia ou com ressecção cirúr-
gica incompleta é a ablação com etanol30 e, mais recentemente, a Terapia Radio-
nuclídica relacionada ao Receptor de Peptídeo (PRRT). A PRRT com Lutécio-177
já é amplamente indicada para tumores não funcionantes: em 2019 foi publicado
estudo com 34 pacientes com pNET funcionantes metastáticos, incluindo 14 insu-
linomas, no qual a terapia resultou em resposta parcial ou completa em 59% dos
pacientes e controle da doença em 78% dos pacientes31.
Para todos os pNET com plano de tratamento com PRRT e Lutécio-177, reco-
mendam-se os critérios de inclusão e exclusão descritos na tabela 5.
Comprometimento hepático
(Bilirrubinas totais > 3x o limite
Escala de Performance de Karnofsky >
superior da normalidade, ou albumina <
50%
25g/L e tempo de protrombina > 1,5x o
limite superior da normalidade)
Valvulopatia de coração direito
Expectativa de vida > 3 meses
moderada ou severa
Incapacidade de compreender e
Consentimento informado assinado
consentir a PRRT
585
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
1.3. Gastrinoma
Gastrinomas são pNET ou, mais frequentemente, duodenais que secretam
gastrina. Quando duodenais, 90% deles acometem o duodeno proximal e apenas
10% o duodeno distal34. Gastrinomas duodenais geralmente são menores que 1cm,
têm metástases linfonodais em 47% dos casos e menor chance de metástases he-
páticas ao diagnóstico quando comparados aos gastrinomas pancreáticos (5% e
52%, respectivamente)35,36. Em 5% a 15% dos pacientes, os gastrinomas podem ter
origem fora do pâncreas/duodeno (estômago, baço, rins, linfonodos peripancreá-
ticos, fígado, ovário, coração)2. A incidência anual é de 0,5 para cada 2 milhões de
habitantes, é geralmente diagnosticado entre os 20 e 50 anos e acomete mais ho-
mens que mulheres37. De 60% a 90% dos gastrinomas são malignos, o que implica
na importância do tratamento do tumor e não apenas da síndrome relacionada à
hipersecreção hormonal38. A definição de malignidade é baseada na presença de
metástases ou invasão grosseira de tecido normal39. A maioria dos casos é esporá-
dica, porém 20-30% podem estar associados à NEM-1. Gastrinomas associados à
NEM-1 geralmente são duodenais e mais frequentemente multicêntricos40.
O estadiamento pelo TNM e a classificação histológica da OMS de pNET já
foram descritos nas tabelas 3 e 4 deste capítulo.
A maioria dos gastrinomas é bem diferenciada e o diagnóstico se dá por sinto-
mas clínicos de hipergastrinemia e não apenas pela presença de gastrina no estudo
imuno-histoquímico de tumores ressecados e/ou biopsiados, uma vez que muitos
tumores, incluindo tumores não neuroendócrinos, sintetizam gastrina, que não é
processada em sua forma ativa38.
A hipersecreção ácida leva à dor abdominal por doença ulcerosa péptica e do-
ença do refluxo gastroesofágico (DRGE) refratárias, caracterizando a Síndrome
de Zollinger-Ellison (SZE)41. Perda de peso e complicações da hipersecreção ácida
como sangramentos, constrição esofágica e perfuração também podem ocorrer42.
Diarreia é outra característica da síndrome e está associada: ao alto volume de se-
creção gástrica ácida que não é absorvido no intestino proximal e no cólon; ao pH
baixo, que inativa enzimas digestivas, levando à esteatorreia e à hipergastrinemia,
que inibe a absorção de sódio e água no intestino delgado37.
Uma vez que sintomas de DRGE são comuns na população geral, o diagnóstico
da SZE costuma sofrer atraso de quatro a oito anos após início dos sintomas42. O
diagnóstico deve ser cogitado em pacientes com múltiplas úlceras pépticas, úlceras
refratárias, úlceras distais ao duodeno, doença ulcerosa péptica associada à diarreia,
história pessoal de NEM-1 ou familiar positiva para doença ulcerosa péptica43.
586
1.3.1. Diagnóstico
Diante da suspeita diagnóstica, devemos realizar a dosagem de gastrina sérica
em jejum e avaliar o pH gástrico. A gastrina está elevada em mais de 99% dos pa-
cientes portadores de SZE, mas resultados falso-negativos podem ocorrer em ca-
sos de pacientes portadores de NEM-1 pós-paratireoidectomia ou após ressecção
não curativa dos gastrinomas44. Resultados falso-positivos podem ser encontrados
em portadores de gastrite crônica atrófica, anemia perniciosa, falência renal, infec-
ções por H. pylori ou pacientes em uso de inibidores de bomba de prótons (IBPs)45.
O diagnóstico é confirmado com níveis de gastrina dez vezes maiores do que
o limite da normalidade e o pH gástrico igual ou inferior a 2. Contudo, a elevação
geralmente não é tão significativa e os pacientes devem ser submetidos ao teste de
estímulo com secretina. No teste da secretina, a gastrina é medida 2 a 15 minutos
após injeção endovenosa de secretina, e valores superiores a 200pg/mL indicam
SZE com 87% de sensibilidade46. Devido à baixa disponibilidade da secretina, ou-
tros testes têm sido estudados, inclusive o teste provocativo com glucagon, mas
ainda sem validação para uso na prática clínica47.
Todos os pacientes com diagnóstico firmado de gastrinoma devem ter avalia-
ção quanto à possibilidade de NEM-143.
587
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
1.3.3. Tratamento
Inibidores da bomba de prótons são o principal tratamento para controle dos
sintomas e prevenção das complicações. Estudos comprovam segurança para uso
crônico (> 10 anos), desde que a hipovitaminose de B12 seja monitorizada53.
Por conta da alta taxa de malignidade, o tratamento sempre deve ser direcio-
nado ao tumor. A cura da doença só pode ser obtida pela abordagem cirúrgica
– contudo, menos de 50% dos gastrinomas apresentam ressecção curativa54. A
associação de duodenectomia em casos de gastrinoma pancreático aumenta as
taxas de cura em curto e longo prazo por meio da maior ressecção de tumores
duodenais, já que múltiplos tumores são frequentes55. A abordagem cirúrgica deve
sempre ser avaliada na ausência de doença metastática/avançada fora do contexto
de síndrome familiar.
Apesar da preconização do tratamento cirúrgico, um estudo com 50 pacientes
portadores de SZE demonstrou que, mesmo após a cura cirúrgica, 62% dos pa-
cientes mantiveram hipersecreção de gastrina por até oito anos, com a hipótese de
que a hipergastrinemia prolongada pode levar a alterações irreversíveis nas células
enterocromafins gástricas, resultando em hipersecreção56.
Apesar de não haver evidência de aumento de sobrevida, a embolização tran-
sarterial (TAE), a quimioembolização transarterial (TACE) ou a radioembolização
podem ser uma opção para o tratamento de metástases hepáticas sintomáticas ou
progressivas na ausência de metástases a distância, com preferência para emboli-
zação seletiva de artérias periféricas57.
Quimioterapia com estreptozotocina associada a 5-fluorouracil ou doxorru-
bicina deve ser considerada em pacientes com metástases hepáticas rapidamen-
te progressivas com falha na embolização ou com outras metástases a distância.
Taxas de resposta variam de 5% a 50%, com duração de 5-20 meses e raramente
atingem resposta completa58,59.
Assim como para insulinomas, não há estudo específico de inibidores de
mTOR em gastrinomas. Conforme descrito previamente, em estudo de fase 3, o
everolimus foi avaliado em 410 pacientes com pNET avançados de grau baixo ou
intermediário, incluindo 24% de tumores funcionantes com melhora da sobrevida
livre de progressão (11 meses vs. 4,6 meses no grupo placebo), podendo ser uma
alternativa para tumores avançados27.
Um estudo randomizado, duplo-cego, placebo-controlado de fase 3 com suniti-
nibe envolveu 171 pacientes portadores de pNET bem diferenciados, incluindo 19
portadores de gastrinomas, dos quais nove estavam no grupo do sunitinibe e dez no
588
placebo. Não houve análise em separado, porém a população geral do estudo que
usou sunitinibe teve sobrevida livre de progressão de 11,4 meses comparada com
5,5 meses no placebo, fazendo com que o estudo fosse interrompido precocemente28.
Considerando que a maioria dos gastrinomas manifesta positividade de recep-
tores de somatostatina, a PRRT tem se tornado opção terapêutica desde estudo
de 2010, com 11 pacientes portadores de gastrinoma metastático submetidos à
PRRT com Ítrio-90 ou Lutécio-177, que mostrou queda significativa dos níveis de
gastrina. Um paciente apresentou resposta completa, cinco apresentaram resposta
parcial e cinco apresentaram estabilização tumoral, com persistência de resposta
por 14 meses60.
Características de pior prognóstico incluem localização pancreática, tamanho
do tumor primário e taxa de crescimento, metástases linfonodais ou hepáticas. Pa-
cientes com metástases pancreáticas e síndrome de Cushing têm prognóstico ain-
da mais reservado44. O seguimento dos pacientes submetidos à cirurgia é realizado
regularmente com anamnese, exame físico, dosagem de gastrina, cromogranina e
exames de imagem.
Por fim, portadores de gastrinomas associados à NEM-1 têm sobrevida em 20
anos de 95-100% vs. 68% quando não associados à NEM-1, o que deve ser levado
em consideração na escolha da terapia nesses pacientes36.
1.4. Vipoma
O peptídeo intestinal vasoativo (VIP) pertence à família de polipeptídeos e tem
estrutura semelhante à de outros membros da família secretina-glucagon. VIP é um
polipeptídeo de 28 aminoácidos sintetizado a partir do precursor pre-proVIP, junta-
mente com histidina e metionina. No duodeno, atua na secreção de bicarbonato, au-
menta a secreção de bicarbonato e cloreto no íleo e no cólon e inibe a secreção ácida
gástrica no estômago. Também aumenta a secreção de insulina e glucagon, promove
broncodilatação, regula ritmo circadiano e atua na imunidade61.
Verner e Morrison descreveram a síndrome de hipersecreção de VIP em
195862. Também conhecida pelo acrônimo WDHA (do inglês: watery diarrhea,
hypokalemia, achlorhydria), apresenta quadro clínico exuberante com diarreia
aquosa em cem por centro dos casos, muitas vezes com volumes evacuatórios de
seis a oito litros em 24 horas63. A diarreia é caracteristicamente secretória e se man-
tém após jejum de 48 horas. A hipocalemia ocorre devido à excreção de aproxima-
damente 300mEq de potássio a cada 24 horas; já a acloridria e a acidose devido à
perda de bicarbonato pelas fezes.
Outros achados incluem deficiência de ferro e de vitamina B12 (secundária
à acloridria), flushing, hipercalcemia, intolerância à glicose, tetania (secundária à
hipomagnesemia), aumento da vesícula biliar e colelitíase63.
VIPomas são encontrados principalmente no pâncreas – mais especificamen-
te na cauda do pâncreas –, mas podem ter origem extrapancreática. Um estudo
589
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
1.4.1. Diagnóstico
Níveis elevados de VIP podem ocorrer no jejum prolongado, em pacientes
portadores de doença renal crônica, doença inflamatória intestinal, outros tumo-
res neurogênicos e ressecção intestinal, porém usualmente com níveis inferiores a
100pg/ml. Valores em pacientes saudáveis variam entre 14 e 76pg/ml66. Os níveis
de VIP podem variar, portanto, uma única dosagem não exclui o diagnóstico dian-
te de quadro clínico sugestivo.
O diagnóstico clássico é dado em pacientes com diarreia secretória de
grande volume com dosagem sérica de VIP > 75pg/ml, repetida e confirmada.
1.4.3. Tratamento
O manejo inicial inclui reposição hidroeletrolítica intensa para todos os pa-
cientes. O tratamento pode ser dividido em sintomático, curativo e paliativo. A
exuberância da síndrome clínica associada à hipersecreção de VIP mostra o quão
importante é o tratamento sintomático, pois pode levar a óbito mesmo em tumo-
res benignos. O tratamento clínico é baseado em análogos da somatostatina, que
também reduz a progressão tumoral nos pacientes não candidatos à abordagem
cirúrgica ou à quimioterapia73-75.
590
A melhora dos sintomas é esperada em 24 horas do início do tratamento com
análogos de curta duração como o octreotide (50-100mcg 8/8h) e até dez dias com
os análogos de longa duração como octreotide LAR e lanreotide. A queda dos ní-
veis de VIP acontece em cerca de 88% dos pacientes75.
Sunitinibe (37,5mg/dia) também é opção para tratamento sintomático. Atua
como inibidor multiquinase com ação em vias secretórias, com relatos de bom
controle sintomático em pacientes com doença metastática refratária a partir do
terceiro dia de uso76, apesar do principal estudo ter incluído apenas dois pacientes
portadores de VIPoma e que foram randomizados para o braço placebo28.
Assim como para insulinomas e gastrinomas, não há estudo específico de ini-
bidor da mTOR em VIPomas27.
O tratamento curativo deve ser sempre o objetivo primário e a ressecção com-
pleta da doença local com ressecção linfonodal sempre deve ser preconizada.
Diante da presença de metástases hepáticas, preconiza-se a ressecção das metásta-
ses sempre que não houver comprometimento da função hepática ou metástases
extra-hepáticas associadas. Recomenda-se tratamento com análogos da somatos-
tatina e IBP no pré e no pós-operatório devido ao risco de hipersecreção gástrica
de rebote e excesso de volume intravascular68.
Tratamentos paliativos incluem TACE, embolização com isótopos radioativos,
ablação por radiofrequência, crioablação, radioterapia, debulking cirúrgico e até
transplante hepático. Tais abordagens devem ser consideradas como tratamento
alternativo na presença de sintomas refratários77-80.
Quimioterapia à base de estreptozocina ou temozolamida e radioterapia local
devem ser consideradas em tumores G3 irressecáveis. Controles da dor em metás-
tases ósseas e de metástases no sistema nervoso central podem ser obtidos com
radioterapia69.
O papel da PRRT com Lutécio-177 nos VIPomas já foi descrito em estudo que
incluiu 34 pacientes com pNET metastáticos, dos quais cinco eram VIPomas, to-
dos previamente tratados com cirurgia, quimioterapia, análogos da somatostatina,
everolimus, embolização ou radioterapia. Eles foram submetidos à dose cumulati-
va entre 22,2 e 29,6GBq e tiveram melhor resposta tumoral, com resposta parcial
em 80% dos VIPomas, enquanto um deles (20%) teve progressão de doença31.
O seguimento deve ser realizado com história clínica, dosagem sérica de VIP e
exames de imagem a cada 3, 6 ou 12 meses, a depender das características tumorais.
A sobrevida média de pacientes portadores de VIPomas é de 3,6 a 7,9 anos e
dependente de características tumorais como grau, estadiamento e ressecabilidade
cirúrgica81,82.
1.5. Glucagonoma
Glucagonomas foram inicialmente descritos em 194283. Surgem a partir da
transformação patológica de células alfa pancreáticas que sintetizam e secretam
591
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
592
Tabela 6. Sinais e sintomas presentes na síndrome clínica do glucagonoma90,93.
Sinais/Sintomas %
Hipoaminoacidemia 28
Diarreia 15-29
Dor abdominal 14
Doença venosa 13
Náuseas/vômitos 8,3
Anorexia 6,0
Constipação 3,6
593
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
1.5.1. Diagnóstico
O diagnóstico leva em média 31,4 meses a partir do início dos sintomas. Cerca
de 50% dos pacientes apresentam metástases ao diagnóstico – destas, 80,5% são
metástases hepáticas, 33,1% metástases linfonodais, 3,4% metástases mesentéri-
cas/peritoneais/omento, 2% metástases pulmonares e 2% metástases esplênicas92.
Para o diagnóstico, além de síndrome clínica compatível, a dosagem sérica
de glucagon deve ser realizada. Ela geralmente apresenta níveis > 500pg/ml, com
valores > 1000pg/ml sendo considerados diagnósticos de glucagonoma. Valores
de normalidade variam entre 50-150pg/ml90,94. Todavia, alguns glucagonomas
atingem níveis séricos de glucagon nos limites geralmente associados à eleva-
ção fisiológica, mesmo na presença de eritema necrolítico migratório. Portanto,
diante de síndrome clássica, a concentração de glucagon < 500pg/ml não exclui
o diagnóstico95. Elevação laboratorial de glucagon pode acontecer de forma leve
em doenças como cirrose, doença renal crônica, sepse, pancreatite aguda ou crô-
nica, hepatopatia, síndrome de Cushing, diabetes, hiperglucagonemia familiar e
outras neoplasias neuroendócrinas94.
Cerca de 52% dos pacientes apresentam elevação de outros hormônios ou seus
metabólitos além do glucagon como VIP, gastrina, ácido 5-hidroxiindolacético, in-
sulina, calcitonina e ACTH90.
1.5.3. Tratamento
A única possibilidade de cura do glucagonoma é a ressecção cirúrgica com-
pleta. Porém, devido à alta taxa de metástases, uma minoria é candidata à terapia
curativa. O tipo de pancreatectomia é definido de acordo com a localização e a
extensão tumoral no momento da laparotomia.
Cirurgias de debulking são reservadas para fins paliativos e a abordagem cirúr-
gica de metástases hepáticas, juntamente com o tumor primário, é geralmente be-
néfica quando tecnicamente possível99,100. O manejo pré-operatório deve considerar
nutrição parenteral para correção da hipoaminoacidemia, tratamento da anemia,
controle glicêmico e baixas doses de heparina para prevenção de trombose90.
594
Análogos da somatostatina (octreotide, lanreotide) podem levar ao alívio sin-
tomático e devem ser considerados enquanto o paciente aguarda cirurgia. Pode
ser usado isoladamente ou em combinação com outros tratamentos, geralmente
reduzindo os níveis de glucagon, apesar da melhora laboratorial não predizer res-
posta radiológica de doença90.
Quimioterapia com estreptozocina, doxorrubicina e 5-fluouracil associada à
cirurgia de debulking ou TAE também pode ser utilizada para controle da doença,
com potencial de duração de resposta de 3 a 27 meses90. O transplante hepático
ainda tem dados insuficientes na literatura para ser recomendado rotineiramente;
já a TAE apresenta taxas de resposta superiores a 50% e é uma opção que deve ser
considerada para glucagonomas metastáticos101.
O papel da PRRT com Lutécio-177 nos glucagonomas já foi descrito em estudo
que incluiu 34 pacientes com pNET metastáticos, dos quais oito eram glucagono-
mas com doença progressiva, metade deles previamente tratados com análogos da
somatostatina e submetidos à dose cumulativa entre 18,5 e 29,6GBq, mostrando
controle de doença em cem por cento dos glucagonomas e média na redução de
glucagon de 87%31.
Os pacientes devem ser seguidos regularmente com anamnese, exame físico,
dosagem de glucagon e exames de imagem, inicialmente a cada 3-6 meses e, após
um ano da cirurgia, a cada 6-12 meses102.
Fatores preditores de sobrevida são idade, grau do tumor e presença de metás-
tases a distância. Após análise de 233 pacientes portadores de glucagonomas com
expressão clínica, a sobrevida em dez anos foi de 51,6% nos pacientes metastáticos
e 64,3% nos não metastáticos86.
1.6. Somatostatinoma
Somatostatinomas são tumores neuroendócrinos raros, com origem nas cé-
lulas delta que contêm e frequentemente secretam quantidades elevadas de so-
matostatina103. Têm incidência de 1 a cada 40 milhões de habitantes, acometem
igualmente homens e mulheres e são diagnosticados ao longo da quinta década de
vida104. Aproximadamente 55% estão localizados no pâncreas (a maioria na cabeça
do pâncreas) e os demais na ampola e região periampular do duodeno e no jeju-
no105. Raramente são encontrados nos pulmões, rins e tireoide – nesses casos, têm
maior tendência à metastização106. Somatostatinomas pancreáticos costumam ser
maiores ao diagnóstico, enquanto somatostatinomas duodenais geralmente são
menores e podem ter sintomas locais como sangramento gastrointestinal, obstru-
ção ampular ou icterícia88. Cerca de 78% dos somatostatinomas são malignos e
70-90% apresentam-se ao diagnóstico com doença metastática88.
Aproximadamente 65-93% dos casos são esporádicos e 7-35% associados à
NEM-1, neurofibromatose tipo 1 ou síndrome de von Hippel-Lindau86,106,107.
595
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
1.6.1. Diagnóstico
Em pacientes com suspeita clínica, o diagnóstico é confirmado pela dosagem
de somatostatina acima de três vezes o limite superior da normalidade, mas a
maior parte dos pacientes é diagnosticado durante avaliação de massa pancreáti-
ca/duodenal e o diagnóstico é histopatológico com imuno-histoquímica positiva
para somatostatina15.
1.6.3. Tratamento
A cirurgia permanece sendo a única modalidade curativa e objetiva à ressecção
tumoral completa. A ressecção das metástases hepáticas também é recomendada
sempre que factível111. As metástases hepáticas também podem ser tratadas com
TAE, ablação por radiofrequência, crioablação, laser, braquiterapia e outras moda-
lidades locais disponíveis.
596
Análogos da somatostatina são a terapia de primeira linha para tratamento palia-
tivo com objetivo de controle dos sintomas, especialmente diarreia e perda de peso
e do crescimento tumoral112. No estudo de fase 3 RADIANT-3, o everolimus foi ava-
liado em 410 pacientes com pNET pancreáticos avançados de grau baixo ou inter-
mediário, incluindo 24% de tumores funcionantes com melhora da sobrevida livre
de progressão (11 meses comparada com 4,6 meses no grupo placebo), podendo ser
uma alternativa para tumores avançados27. No entanto, pelo potencial de piorar a
glicemia por meio de indução de resistência insulínica, seu papel deve ser avaliado
com cautela em somatostatinomas, assim como no caso de glucagonomas.
O maior estudo de sunitinibe incluiu apenas um paciente portador de soma-
tostatinoma; por isso, poucos dados podem ser inferidos28. Quimioterapia pode
ser prescrita conforme esquema para outros pNET, porém não estão disponíveis
dados específicos para somatostatinomas15.
Baum et al.113 estudaram 1.048 pacientes portadores de neoplasias neuroendó-
crinas submetidos à PRRT, mas não incluíram pacientes com somatostatinomas.
Somatostatinomas também não foram incluídos no estudo de Zandee et al.31 de
pNET funcionantes.
O seguimento deve ser realizado com anamnese, exame físico, dosagem de so-
matostatina e exames de imagem a cada 3-12 meses inicialmente e, depois, a cada
6-12 meses por dez anos. Nesses casos, exames de imagem devem ser realizados
conforme a clínica do paciente102.
O prognóstico de somatostatinomas metastáticos é reservado. A taxa de so-
brevida em cinco anos para tumores pancreáticos ou periampulares localizados
é, respectivamente, de 60-100% e de 15-60% na presença de metástases114,115.
Concluindo, o prognóstico depende de características como tamanho tumoral,
localização, grau de diferenciação, resíduo tumoral pós-cirurgia e extensão das
metástases.
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própria cirurgia, ablação por radiofrequência, crioablação, embolização arterial
hepática com ou sem quimioterapia associada, radioembolização, radioterapia ex-
terna, terapia por radionuclídeo guiado por peptídeo e quimioterapia sistêmica.
Contamos com diversos agentes antiproliferativos, como: análogos de somatos-
tatina (octreotide e lanreotide), inibidores de mTOR (everolimus), inibidores de
angiogênese (sunitinibe, lenvatinibe) e citocinas (interferon-alfa).
Embora na última década tenhamos assistido a um formidável avanço na pes-
quisa clínica e na formulação de evidências sólidas da atividade e do benefício das
novas terapias, questões como a superioridade de umas sobre as outras e qual seria
a sequência de emprego ideal destas ainda é objeto de debate. Por isso, e por envol-
ver diversos profissionais, a estratégia terapêutica deverá, sempre que possível, ser
discutida em grupo multidisciplinar119.
A quimioterapia sistêmica pode ser empregada com grande benefício em
TNEs primários do pâncreas. Esquemas de combinação envolvendo fluorouracil,
epirrubicina, dacarbazina e estreptozotocina apresentam atividade biológica com
moderada taxa de resposta e controle de doença prolongado. Atualmente, esque-
mas com drogas orais como capecitabina e temozolomida, além de capecitabina
e oxaliplatina, são preferencialmente utilizados. Capecitabina e temozolamida fo-
ram comparadas à temozolamida isolada em estudo fase 2 randomizado (ECOG
E2211) com pacientes portadores de TNE pancreático avançado, que mostrou
uma taxa de resposta (TR) de 33,3% versus 27,8%, sobrevida livre de progressão
(SLP) de 22,7 meses versus 14,4 e sobrevida global (SG) não atingida versus 38
meses, com significância estatística. A crítica a esse estudo deve-se a um desba-
lanço entre os braços, sendo que o braço da temozolamida isolada tinha maior
percentual de tumores G2, o que pode ter contribuído para o resultado inferior;
todavia, a combinação de temozolomida e capecitabina é o esquema mais indicado
nos TNEs avançados, podendo a temozolomida ser utilizada isolada em pacientes
idosos e com performance status comprometido119,127.
O interferon-alfa foi uma das primeiras terapias empregadas com proposta an-
tiproliferativa e de controle de síndrome hormonal em pacientes refratários a aná-
logos de somatostatina. Postula-se que atuaria inibindo a síntese proteica da célula
tumoral por meio de exposição à imunidade celular por aumentar a expressão de
proteínas do complexo maior de histocompatibilidade (MHC classe I). A toxicida-
de elevada e a disponibilidade de agentes seguros, mais toleráveis e com resultados
mais embasados em literatura, limitaram seu uso128.
Os análogos de somatostatina (inicialmente com maior estabilidade e poste-
riormente com formulações mais convenientes de liberação prolongada) surgiram
como uma forma de regular a secreção hormonal em pacientes com síndromes
hormonais, havendo impacto na sobrevida nessa população avaliado retrospecti-
vamente. Postulou-se que os mesmos mecanismos moleculares que inibem a sín-
tese proteica também estão relacionados à proliferação celular. Esse princípio foi
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600
raros, episódios infecciosos potencialmente graves podem ocorrer por conta de imu-
nossupressão. O acompanhamento diligente, a detecção precoce de efeitos colaterais
e sua rápida abordagem associam-se ao melhor manejo de complicações decorren-
tes do tratamento e, consequentemente, ao seu sucesso.
O estudo NETTER-1 comparou pela primeira vez a terapia de radionuclídeos
guiada (PRRT) por análogo de somatostatina com análogo de somatostatina em
dose alta em pacientes com TNE bem diferenciado de intestino médio que progre-
diram com a dose convencional de octreotide do estudo PROMID136,137. Os resul-
tados foram bastante promissores, com TR de 18%, aumento de 82% na SLP (HR
= 0,18) e benefício estendendo-se a todos os subgrupos avaliados. Porém, devido
ao crossover de 36%, não houve diferença estatística na SG (48 versus 36,3 meses),
apesar dessa diferença de 11,7 meses ser clinicamente relevante. Náusea, vômitos,
diarreia, fadiga, anemia, linfopenia e trombocitopenia foram mais frequentemente
observados no braço do 177Lu-DOTATATE. A complicação mais temida da tera-
pia com PRRT, a síndrome mielodisplásica, ocorreu em 1,8% dos pacientes. Recen-
temente, no congresso da ASCO de 2021, foram apresentados os dados de PRRT
em TNE de pâncreas avançado do NETTER-R, estudo retrospectivo de registro
internacional. A SLP foi de 24,8 meses, SG de 41,4 meses e TR de 40,3%, dados
de eventos adversos semelhantes ao NETTER-1, sendo PRRT com 177Lu-DOTA-
TATE uma opção segura e com bastante eficácia também em TNE pancreático138.
Os carcinomas neuroendócrinos (NEC) apresentam comportamento agressivo
e prognóstico reservado. Frequentemente são diagnosticados tardiamente já com
doença metastática, com pouca ou nenhuma captação em imagens geradas por
análogos de somatostatina, e intensa captação em FDG-PET. Geralmente há alta
taxa de resposta à quimioterapia sistêmica baseada em platina associada a agentes
como etoposide ou irinotecano. O benefício de linhas de tratamento subsequentes
é controverso, embora seja verificada atividade biológica de diversos agentes isola-
dos, como camptotecinas e taxanos. A terapia dos tumores localizados é multimo-
dal, incluindo, sempre que possível, a cirurgia associada à quimioterapia prévia ou
adjuvante com intuito de controle sistêmico, complementada ou não por radiote-
rapia, a fim de proporcionar controle locorregional139.
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606
607
NEOPLASIAS DA ADRENAL
Daniel Bulzico
19
Mônica Gadelha
Rinaldo Gonçalves
608
1. INTRODUÇÃO
As glândulas suprarrenais foram descritas pela primeira vez por Eustachius
em 1.563, sob a denominação de Glandulae renibus incumbentes (publicado por
Lancisi em 1714)1 e encontram-se no retroperitôneo, superiormente aos rins. Em
1.855, Thomas Addison descreveu a insuficiência adrenal primária após estudo
de 12 casos, enquanto a ação fisiológica foi descrita apenas em 1.894 por Oliver
e Sharpey-Schafer após injeção intravenosa de “extrato de suprarrenal” em ani-
mais2,3. O termo adrenal começou a ser empregado a partir de 1.8753,4.
A adrenal no adulto tem estrutura piramidal, pesa cerca de 4g e divide-se em
duas regiões distintas: o córtex e a medula. O córtex adrenal é subdividido anatô-
mica e funcionalmente em três zonas. A zona glomerulosa, mais externa, secreta
hormônios mineralocorticoides, cujo principal representante é a aldosterona. A
seguir, a zona fasciculada produz os glicocorticoides representados pelo cortisol e,
mais internamente, a zona reticular que produz os hormônios sexuais. A medula
adrenal corresponde a apenas 10% do volume total da glândula, localizando-se
abaixo da zona reticular, porém sem separação anatômica clara do córtex adrenal.
As células adreno-medulares são chamadas de cromafins e secretam principal-
mente catecolaminas5,6.
Tumores adrenais podem estar presentes em até 10% da população7. A maioria
é benigna e representada por adenomas adrenais. Clinicamente, podem ser assin-
tomáticos e diagnosticados incidentalmente por exames de imagem, ter manifes-
tações típicas de hipersecreção hormonal (tumores funcionantes) ou apresentar
sintomas relacionados ao crescimento tumoral (tumores pouco/não funcionan-
tes). Também podem ser diagnosticados durante exames laboratoriais de rotina
preconizados em algumas síndromes genéticas. Portanto, as neoplasias adrenocor-
ticais são classificadas como benignas ou malignas, funcionantes ou não funcio-
nantes, esporádicas ou hereditárias8.
Tumores adrenais malignos são raros e representados por carcinoma adreno-
cortical, feocromocitoma maligno, linfomas e metástases tumorais de outro sítio
primário. Além dos adenomas que podem ser secretores ou não, lesões benignas
incluem hiperplasia adrenal, feocromocitoma benigno, doenças infecciosas, mie-
lolipomas, hemangiomas e linfangiomas9.
Síndromes genéticas que podem estar associadas a um risco maior de de-
senvolvimento de tumores ou hiperplasias adrenais devem ser consideradas ao
diagnóstico (tabela 1).
609
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
*NEM 1: Neoplasia Endócrina Múltipla tipo 1; **NEM 2A: Neoplasia Endócrina Múltipla tipo 2A; ***NEM
2B: Neoplasia Endócrina Múltipla tipo 2B.
610
2. TUMORES DO CÓRTEX ADRENAL
2.1. Adenoma produtor de cortisol
2.1.1. Conceito e apresentação clínica
Exposição prolongada a quantidades excessivas de glicocorticoide leva à con-
dição conhecida como síndrome de Cushing, associada a elevadas taxas de morbi-
mortalidade que podem ser reduzidas com tratamento adequado13. Hipersecreção
de cortisol é a secreção hormonal mais comum entre incidentalomas adrenais,
sendo que 5% a 20% dos adenomas adrenais podem apresentar secreção autôno-
ma de corticoide. É mais prevalente em mulheres e após os 50 anos de idade14,15.
Entre as lesões adrenais com secreção autônoma de cortisol, mais de 85% dos ca-
sos são adenomas14. Outras causas adrenais de síndrome de Cushing são hiper-
plasia adrenal macronodular bilateral primária (BMAH), doença adrenocortical
nodular pigmentar primária (PPNAD) e carcinoma adrenal. Causas não adrenais
de síndrome de Cushing incluem doença de Cushing, síndrome do ACTH ectó-
pico, síndrome do CRH ectópico, carcinoma corticotrófico e Cushing iatrogênico.
Os adenomas produtores de cortisol, assim como a BMAH, vêm sendo associa-
dos à expressão aberrante de receptores acoplados à proteína G, como a superex-
pressão de GIPR e LHCGR16.
A BMAH está também relacionada à expressão aberrante ou anômala nas
glândulas adrenais de receptores hormonais que não estão normalmente presen-
tes, como AVP, 5HT4 e GIP, ou pela expressão amplificada de receptores que se
encontram normalmente presentes. A doença pode também estar relacionada à
mutação de ARMC5 que se supõe que seja um gene de supressão tumoral e regula-
dor de apoptose celular, esteroidogênese e desenvolvimento do sistema imune17,18.
A PPNAD pode ocorrer isoladamente, porém em mais de 90% dos casos está as-
sociada ao complexo de Carney. O carcinoma adrenal será descrito separadamente19.
O quadro de hipercortisolismo é pensado na presença de sinais e sintomas
mais específicos, como: equimoses, fácies pletórica, miopatia proximal, estrias ru-
bras > 1cm de largura e jovens com hipertensão, diabetes e/ou osteoporose ou na
presença de sinais/sintomas menos específicos como obesidade central, giba de
búfalo, fácies em lua-cheia, acne, hirsutismo, adelgaçamento de pele, dificuldade de
cicatrização, ganho de peso, fraqueza, alterações de humor, cefaleia, oligomenor-
reia, anormalidades lipídicas, entre outros19.
Adenomas secretores de cortisol tendem a cursar com hipercortisolismo de
início mais gradual, menor intensidade e a produzir apenas uma classe de esteroi-
de, diferenciando-se do carcinoma adrenal20.
O hipercortisolismo crônico quando associado a fatores de risco cardiovascu-
lar (obesidade, hipertensão, diabetes e dislipidemia) predispõe a infarto do mio-
cárdio, disfunção ventricular esquerda e doença cerebrovascular. Estima-se que
40% a 60% dos fatores de risco cardiovasculares tornam-se persistentes mesmo
611
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
2.1.2. Diagnóstico
Recomenda-se rastreio da secreção autônoma de cortisol em pacientes com
incidentaloma adrenal e em pacientes com suspeita clínica de hipercortisolismo
nos quais já tenha sido excluído o hipercortisolismo iatrogênico. Grupos com
alta suspeita clínica e que merecem investigação são pacientes com sinais/sinto-
mas incomuns para a idade (hipertensão, diabetes mellitus, osteoporose/fraturas
patológicas etc.), pacientes com características clínicas múltiplas e progressivas,
particularmente aquelas com maior valor preditivo para síndrome de Cushing
(equimoses, fácies pletórica, miopatia proximal, estrias violáceas > 1cm) e crianças
com redução do crescimento linear e aumento do ganho de peso19.
São necessários dois testes com resultados concordantes para confirmação
do hipercortisolismo na suspeita de síndrome de Cushing, pondendo ser19:
612
são estresse, desnutrição, anorexia, atividade física extenuante, aumento de secreção
de hormônio liberador de corticotrofina (CRH) hipotalâmico e excesso de globulina
ligadora de cortisol (CBG) – aumenta cortisol sérico, porém não interfere no cortisol
livre urinário19. Na gestação, recomenda-se o rastreio com cortisol livre urinário. Na
epilepsia, recomenda-se o rastreio com cortisol livre urinário ou salivar noturno. Na
insuficiência renal, recomenda-se o cortisol pós 1mg de dexametasona, e no Cushing
cíclico, o cortisol livre urinário ou cortisol salivar noturno19.
Após confirmação do hipercortisolismo, devemos investigar a etiologia da síndrome
de Cushing. Recomenda-se a dosagem do ACTH e a interpretação dos resultados:
2.1.3. Tratamento
A indicação cirúrgica deve ser discutida por equipe multidisciplinar após ca-
racterização clínica, laboratorial e imagenológica do adenoma produtor de corti-
sol. Deve-se avaliar a repercussão clínica do excesso de cortisol em cada indivíduo,
que causa a síndrome de Cushing ou o Cushing subclínico (também chamado de
secreção autônoma de cortisol).
613
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
614
A justificativa para ampliar as indicações de rastreio está no fato de que o hipe-
raldosteronismo primário é subdiagnosticado, sendo responsável por 5% a 10% dos
casos de hipertensão30,31 cujos sintomas são inespecíficos. Apenas 9,6% a 37% dos
pacientes têm hipocalemia30-32. Também é relevante devido a uma maior morbimor-
talidade cardiovascular em relação a pacientes hipertensos com níveis pressóricos
equivalentes33. Outros potenciais sinais e sintomas incluem síndrome metabólica,
hipernatremia discreta, hipomagnesemia, cãibras, fraqueza muscular, entre outros.
2.2.2. Etiologia
As principais causas de hiperaldosteronismo primário estão listadas na tabela 2.
615
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
2.2.3. Diagnóstico
O hiperaldosteronismo eleva a reabsorção de sódio no túbulo renal distal por
meio da troca pelo potássio e hidrogênio, levando à hipocalemia e hipertensão. A
hipocalemia é responsável pela maioria dos sintomas, como fraqueza muscular,
cãibras musculares, poliúria, polidipsia, noctúria, cefaleia e fadiga geral. Em casos
graves, a alcalose metabólica pode levar à paralisia muscular ou à tetania, condição
mais frequente em pacientes asiáticos38-39.
Exames que comprovem os níveis aumentados de aldosterona plasmática com
supressão da renina plasmática definem o diagnóstico bioquímico do aldostero-
nismo primário40. Dessa forma, o rastreio inicial é realizado com mensuração no
plasma de potássio, concentração de aldosterona e atividade de renina, fornecen-
do o valor da relação aldosterona/renina (RAR). Para tais testes, pode ser neces-
sária a suspensão de medicamentos anti-hipertensivos interferentes, sobretudo
a espironolactona. Entretanto, devido ao risco de piora do quadro hipertensivo,
essa medida deve ser feita com cautela, após avaliação de cada caso individual-
mente. Pacientes com hipertensão grave ou de alto risco cardiovascular podem
se beneficiar do uso de anti-hipertensivos com menor interferência no sistema
renina-angiotensina-aldosterona, como bloqueadores do canal de cálcio não dihi-
dropiridínicos (verapamil, diltiazem), hidralazina e alfa-1 adrenérgicos (doxazo-
sina, prazosina)27,37. Na maioria das circunstâncias, a interpretação da RAR pode
ser realizada de forma confiável sem suspender ou modificar o tratamento anti-hi-
pertensivo do paciente, desde que seja realizada análise individual da interferência
dos anti-hipertensivos no resultado. Por exemplo: se a RAR está inferior ao ponto
de corte (20 a 40ng/dl) mesmo quando a medicação utilizada reduz a renina (ex:
betabloqueador) e, portanto, geraria um falso aumento da RAR, o diagnóstico de
hiperaldosteronismo primário é improvável41,42.
Após avaliação bioquímica inicial, testes confirmatórios serão necessários para
confirmar o diagnóstico de hiperaldosteronismo primário naqueles cujo rastreio
demonstrou atividade de renina plasmática < 1ng/ml/h e aldosterona > 12-15nd/dl.
Quando exames de rastreio se apresentam com hipocalemia espontânea, atividade de
renina plasmática inferior ao limite de detecção e aldosterona > 20ng/dl, o hiperaldos-
teronismo primário é diagnosticado e exames confirmatórios não são necessários29.
Os testes que podem ser usados como exames confirmatórios incluem o teste
com sobrecarga oral de sódio, teste de infusão de solução salina, teste de supressão
com captopril ou teste da fludrocortisona29.
Assim que o diagnóstico de hiperaldosteronismo primário é confirmado por
meio de exames bioquímicos, prosseguimos para a etapa de estudos de imagem
para definir possíveis etiologias e, assim, determinar a conduta terapêutica mais
adequada8,29. Atualmente, a tomografia computadorizada (TC) destaca-se como
o exame de imagem mais utilizado devido à facilidade de acesso, menor custo e
maior resolução espacial quando comparada com a ressonância magnética (RM)29.
616
No entanto, devido ao aumento de prevalência de nódulos adrenocorticais não
funcionantes com a idade, os exames de imagem não são capazes de afirmar com
exatidão a localização dos adenomas produtores7. Desta forma, há um risco au-
mentado da TC evidenciar nódulos adrenais bilaterais e o paciente ser portador
de um APA e um incidentaloma adrenal contralateral. Por outro lado, a tomografia
também pode revelar adrenais normais e o paciente ser portador de um pequeno
APA não detectável aos cortes da TC. Os adenomas produtores de aldosterona ge-
ralmente são nódulos adrenais hipodensos (< 10UH), homogêneos e com menos
de 2cm de diâmetro na tomografia. O diagnóstico também deve ser cuidadoso
diante da suspeita de hiperplasia adrenal primária, que pode apresentar imagem
tomográfica normal, difusa ou nodular.
Testes posturais podem ajudar na diferenciação entre adenoma produtor de
aldosterona e hiperplasia adrenal bilateral idiopática. O racional é que apenas na
hiperplasia adrenal bilateral idiopática existe uma sensibilidade exagerada às os-
cilações dos níveis circulantes de angiotensina II. O adenoma geralmente não ex-
pressa receptores para angiotensina e perde a capacidade de responder ao estímulo
da ortostase. Assim, na hiperplasia adrenal bilateral a aldosterona plasmática se
eleva significativamente após ortostase42.
O cateterismo das veias adrenais (AVS) é sugerido para quase todos os pacien-
tes que serão submetidos à adrenalectomia, pois confirma se a hipersecreção de
aldosterona é unilateral, uma vez que em até 37,8% dos casos a AVS mostra resul-
tados discordantes do exame de imagem43. Essa recomendação deve ser seguida
sempre que possível, apesar de não ser amplamente disponível, além de consistir
em um exame invasivo com necessidade de cateterização da veia cava inferior e
das veias adrenais para determinação dos níveis de aldosterona e cortisol40,45. A
cateterização da veia adrenal direita pode ser difícil e a taxa de sucesso depende
da experiência profissional, com média de apenas 74%46. O cateterismo das veias
adrenais deve ser realizado com a renina suprimida pelo risco de níveis elevados
de renina secundários a diuréticos ou antagonistas mineralocorticoides poderem
levar ao estímulo da adrenal contralateral ao APA e um APA unilateral pode ser
confundido com doença bilateral47. A acurácia do teste é aumentada com a infusão
de ACTH sintético (cosintropina), uma vez que a aldosterona pode ser regulada
pelo ACTH em adenomas produtores de aldosterona. A relação aldosterona-cor-
tisol também é utilizada para avaliar a correta cateterização das veias adrenais48.
A AVS é considerada dispensável apenas em jovens (< 35 anos) com hipocalemia
espontânea, aldosterona > 30ng/dl e lesões adrenais unilaterais com características
radiológicas consistentes de APA na TC. Nesses casos, o paciente pode ser direta-
mente encaminhado para adrenalectomia unilateral4,29.
A idade média no diagnóstico da APA é de cerca de 50 anos39,40,49. Importante
ressaltar que o diagnóstico de hipertensão antecede em cinco a dez anos o de hi-
peraldosteronismo40. O atraso significativo no diagnóstico leva a um importante
617
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
2.2.4. Tratamento
O objetivo do tratamento é evitar a morbimortalidade associada com hiperten-
são, hipocalemia e risco cardiovascular. O tratamento de escolha depende da causa
do hiperaldosteronismo primário.
Nos casos de adenoma unilateral e hiperplasia unilateral, a adrenalectomia
laparoscópica é a primeira opção terapêutica. Foi publicado em 2017 um estudo
envolvendo nove países e 705 pacientes portadores de hiperaldosteronismo pri-
mário unilateral submetidos à adrenalectomia, que demonstrou resposta clínica
completa (normalização pressórica sem anti-hipertensivos) em 37% dos pacientes
e resposta clínica parcial (pressão estável com menos anti-hipertensivos ou redu-
ção de anti-hipertensivos com mesma pressão pré-operatória) em 47% destes51.
Recomenda-se a ressecção completa à enucleação adrenal, mesmo na doença
benigna, pela dificuldade de descartar malignidade nos cortes de congelação, risco
de desvascularização da glândula durante a ressecção parcial, além da possibilida-
de de adenomas múltiplos não detectados nos estudos de imagem40. A correção
da hipocalemia e o controle pressórico adequado são imprescindíveis no cuidado
pré-operatório e o uso de espironolactona duas semanas antes do procedimento é
recomendado para esse fim39,49,52.
A adrenalectomia laparoscópica substituiu a cirurgia aberta para o tratamento
de tumores adrenais benignos a partir de 1922, quando foi descrita por Garner40.
Pode-se usar a via retroperitoneal ou transperitoneal, frequentemente mais desa-
fiadora no espaço retroperitoneal devido ao campo cirúrgico menor e invertido52.
Possíveis vantagens da abordagem retroperitoneal incluem a não mobilização do
omento, a ausência de prejuízo por cirurgias abdominais prévias e a possibilida-
de de adrenalectomia bilateral sem reposicionamento do paciente53. A abordagem
laparoscópica transperitoneal do aldosteronoma mostrou vantagens, como dimi-
nuição da dor pós-operatória, menor tempo de hospitalização e convalescença,
redução do custo geral e morbidade39-49. Em média, o tempo cirúrgico e o tempo
de internação são de 90 minutos e quatro dias, respectivamente. A taxa média de
complicações é de aproximadamente 8%, com conversão de laparoscopia em ci-
rurgia aberta, hematoma devido à lesão vascular intraoperatória, tromboembo-
lismo, pneumotórax ou hemotórax40. No pós-operatório, é importante realizar a
vigilância dos eletrólitos pelo risco de hipoaldosteronismo e hipercalemia, que
podem acometer até 9,9% dos pacientes54. Dados recentes também descrevem a
laparoscopia robótica como estratégia segura e eficaz54.
Para aqueles com doença bilateral, a terapia medicamentosa reduz a pressão ar-
terial, bem como os outros efeitos deletérios da hipersecreção de aldosterona e é
618
geralmente preferida por conta da alta morbimortalidade relacionada à insuficiência
adrenal primária e da necessidade de reposição de glicocorticoide e mineralocorti-
coide para o resto da vida. A primeira linha são os antagonistas do receptor minera-
locorticoide como a espironolactona, que, quando não tolerada, pode ser substituída
por diuréticos poupadores de potássio como a amilorida e o triantereno29.
2.3.3. Diagnóstico
Recomenda-se que todos os casos de pacientes com suspeita de ACC sejam dis-
cutidos por equipe multidisciplinar (cirurgião oncológico, endocrinologista, on-
cologista, patologista, radiologista, geneticista, entre outros)64. Todos os pacientes
619
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
com massa adrenal suspeita devem ser avaliados com história clínica, exame físico,
avaliação hormonal detalhada e exames de imagem. O rastreio bioquímico ini-
cial inclui principalmente:
620
Diante de massa adrenal suspeita, a biópsia é geralmente contraindicada pela
baixa sensibilidade diagnóstica e pelo risco de hemorragias, hematomas, lesão de
outros órgãos, infecções e outras complicações. Portanto, a biópsia deve ser reser-
vada para casos suspeitos de linfoma adrenal ou de doença metastática em adrenal
com sítio primário oculto67.
Os critérios diagnósticos e prognósticos dos ACCs são baseados em diversas caracte-
rísticas microscópicas; nenhuma das quais é um critério absoluto de malignidade. Dife-
rentes sistemas de classificação foram desenvolvidos e o escore de Weiss é considerado o
padrão-ouro para o diagnóstico histológico quando três ou mais critérios estão presentes
(tabela 4)68,69. A imuno-histoquímica para SF-1 (marcador de diferenciação adrenocor-
tical) pode ser útil em casos cuja origem adrenocortical é questionada, enquanto Ki-67
(marcador de proliferação celular) ou a contagem do número de mitoses deve ser re-
alizada em todos os tumores. Caso não haja disponibilidade do Ki-67, deve-se avaliar
o índice mitótico, sendo considerados tumores de alto grau aqueles com Ki-67 acima
de 10, ou com a presença de mais de 20 mitoses por 50 campos de grande aumento70-71.
Apesar dos escores mostrarem boa acurácia em pacientes adultos, existem limitações
como a dependência de patologista experiente, limitações dos escores intermediários e
a não aplicabilidade em tumores pediátricos. Na população infantil, pontuação elevada
do escore de Weiss é fator prognóstico e está associada com maior risco de recorrência e
mortalidade, da mesma forma que o tamanho tumoral. Porém, a única forma consensual
de diagnóstico na infância é a presença de metástases à distância72.
Tendo em vista a baixa suspeição clínica por se tratar de tumor raro e a demora
do paciente em ficar sintomático, a maioria dos cânceres adrenais terá mais de
6cm ao diagnóstico65. Em estágios avançados, o diagnóstico propicia a recorrência
e aumenta a mortalidade da doença, tornando ainda mais importante a cirurgia
inicial com ressecção tumoral completa73.
Critérios Achados
621
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Critérios Achados
6 Necrose
8 Invasão sinusoidal
2.3.4. Estadiamento
O estadiamento é baseado nos critérios da 8ª edição do Comitê Conjunto Ame-
ricano de Estadiamento de Câncer (AJCC), conforme tabela 5. Dados de sobrevida
e recorrência encontram-se na tabela 6.
622
Tabela 6. Porcentagem de recorrência e sobrevida em 5 anos de
carcinoma adrenal76-79.
I 40% 65-82%
II 60% 58-64%
2.3.5. Cirurgia
A ressecção cirúrgica completa consiste na única possibilidade de cura em pa-
ciente sem doença metastática. Infelizmente, devido à apresentação oligossinto-
mática ou com sintomas inespecíficos e diagnóstico tardio, frequentemente não
é possível realizar ressecção completa8,39,68. O tratamento cirúrgico recomendado
é a adrenalectomia aberta, incluindo gordura retroperitoneal peritumoral, linfa-
denectomia regional e ressecção em bloco de órgãos contíguos acometidos (rins,
pâncreas, fígado e/ou diafragma) com objetivo de ressecção R039,68-69. A nefrecto-
mia ipsilateral não é necessária em todos casos e deve ser reservada para casos
em que há suspeita de invasão. A via de acesso recomendada é a aberta devido ao
menor risco de recorrências local e peritoneal quando comparada à via laparoscó-
pica8,39,69. Durante o peri e pós-operatório, é recomendada a administração de hi-
drocortisona em todos os pacientes com sinais de hipercortisolismo e a profilaxia
para trombose39. Sempre que possível, a cirurgia deve ser realizada por cirurgião
experiente, respeitando os princípios de cirurgia oncológica.
Em pacientes com metástase à distância, a abordagem cirúrgica do tumor
adrenal e de metástases hepáticas ou pulmonares deve ser discutida em reunião
multidisciplinar e não deve ser realizada de rotina64. Geralmente a doença com
disseminação para vários órgãos ou mesmo vários pontos de disseminação no
mesmo órgão não devem ser abordadas cirurgicamente e tratamentos paliativos
devem ser considerados para controle da progressão tumoral e melhora dos sinto-
mas locais e de hipersecreção hormonal83.
623
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
2.3.8. Seguimento
As recorrências tumorais podem ocorrer no próprio leito adrenal ou à dis-
tância acometendo principalmente fígado e pulmões. Portanto, sugere-se que o
seguimento seja realizado com exames de imagem a cada três meses nos dois
624
primeiros anos, a cada 3-6 meses por mais três anos e individualizado após cinco
anos de seguimento considerando que mais de 90% dos pacientes que recorrem
o fazem nesse período inicial. Os exames de imagem na rotina de seguimento in-
cluem principalmente TC de tórax e TC ou RM de abdômen e pelve, podendo ser
considerado FDG-PET-TC, cintilografia óssea e outros exames em cada caso64. O
rastreio bioquímico regular também é recomendado e deve ser realizado de acor-
do com a hipersecreção hormonal presente inicialmente.
Após a cirurgia inicial, cerca de 65% dos pacientes terão recorrência locorre-
gional ou metastática da doença, principalmente nos dois primeiros anos88. Fato-
res que aumentam o risco de recorrência são: doença em adrenal esquerda, Ki-67
elevado, secreção autônoma de cortisol, tamanho tumoral e qualidade do mane-
jo cirúrgico inicial (principalmente a ausência de violação da cápsula tumoral)89.
Quando a recorrência é locorregional e passível de ressecção cirúrgica com objeti-
vo de cirurgia R0, a reabordagem deve ser discutida por equipe multidisciplinar89.
625
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
dos pacientes94. Os termos maligno ou benigno devem ser evitados, dando-se pre-
ferência para metastático ou não metastático, uma vez que qualquer tumor possui
esse potencial independentemente das suas características histológicas. Paragan-
gliomas têm maior potencial de doença metastática quando comparados ao feo-
cromocitoma, chegando a 35-40% de incidência, principalmente os relacionados
às mutações em SDHA/B.
A tríade clássica de sintomas do feocromocitoma é: cefaleia, sudorese e taqui-
cardia. Secreção de catecolaminas leva também à hipertensão, ansiedade, tremor,
náusea, fraqueza, palidez, perda de peso ou até hipotensão postural.
3.1.2. Diagnóstico
O rastreio bioquímico de feocromocitoma deve ser realizado com a dosagem
de metanefrinas livres plasmáticas ou metanefrinas fracionadas em urina de 24
horas. Ambos são validados para o rastreio, porém, após análise de 2.056 pacientes
com suspeita de feocromocitoma/paraganglioma, encontrou-se discreta superiori-
dade diagnóstica das metanefrinas livres plasmáticas (sensibilidade de 97,9%) so-
bre as metanefrinas fracionadas urinárias (sensibilidade de 92,9%)95. O problema
desse rastreio é a alta prevalência de falso-positivos (19-21%) que compreendem
variações fisiológicas (33%), erros laboratoriais (29%), interferência medicamen-
tosa (21%), entre outras (17%)96. Os principais medicamentos/drogas que geram
resultado falso-positivo são: acetaminofeno, sulfassalazina, cocaína, levodopa, an-
tidepressivos tricíclicos, inibidores seletivos da recaptação de serotonina, entre ou-
tros. A coleta também deve ser realizada em repouso e, após jejum, principalmente
para avaliação da dopamina. Dieta com restrição de cafeína, chá preto, nicotina,
álcool, bananas, queijos, castanhas, chocolate, ovos ou baunilha deve ser realizada
três dias antes da coleta do exame.
Alguns tumores com as mutações SDHX podem produzir pequenas quanti-
dades de metanefrinas e, nesses casos, a avaliação da metoxitiramina plasmática
(metabólito da dopamina) pode estar presente em até 70% dos casos (72% dos
SDHB e 67% dos SDHD) e deve, portanto, ser considerada nesses pacientes97. A
avaliação da cromogranina A em pacientes com rastreio negativo de metanefrinas
também deve ser realizada, inclusive para facilitar o seguimento pós-operatório.
Tumores bioquimicamente negativos geralmente são raros e geralmente repre-
sentados por paragangliomas de base de crânio e pescoço e paragangliomas em
pacientes portadores da mutação SDHB98. Esses tumores podem ter apresentação
atípica de efeito de massa e só são diagnosticados por meio de exames de imagem.
Após diagnóstico bioquímico ou na suspeita de feocromocitoma silente, a to-
mografia computadorizada com contraste é o exame de imagem de escolha. Na TC,
os paragangliomas podem ser homogêneos ou heterogêneos, com ou sem necrose e
calcificações, com áreas sólido-císticas e com densidade superior a 10UH. Para tu-
mores de base de crânio e pescoço, doença metastática, artefatos de clipes cirúrgicos,
626
alérgicos ao contraste e naqueles em que devemos limitar a exposição à radiação
(crianças, gestantes, mutações germinativas, exposição radioativa recente), o exame
de escolha é a ressonância magnética99. Devido aos avanços recentes na teranóstica
com possibilidade de terapia radionuclídica receptor-específica (PRRT), outros exa-
mes funcionais podem ser utilizados para diagnóstico, estadiamento, orientação de
tratamento e seguimento68. O Ga-DOTA-SSA PET/TC (PET/TC com receptores de
análogos de somatostatina radiomarcados com gálio68) é o exame com maior sensi-
bilidade (92-100%) quando comparado com 18F-FDOPA PET/TC (80%), 18F-FDG
PET/TC (74%) e 123/131I-MIBG (38%). O método perde sua sensibilidade apenas em
casos da síndrome policitemia/paraganglioma100.
Feocromocitomas
esporádicos (exceto
Paraganglioma
Método de SDHx): VHL,
esporádico, doença
imagem EPAS1(HIF2a), FH,
multifocal/metastática,
radionuclídica PHD1/2, associadas à
SDHx
sinalização kinase (NF1,
RET, MAX)
Primeira escolha 68
Ga-DOTA-SSA PET/TC 18
F-FDOPA PET/TC
18
F-FDG PET/TC
para paragangliomas
Ga-DOTA-SSA
68
relacionados à SDHx
PET/TC (exceto para
(exceto paragangliomas
EPAS1(HIF2a), PHD1/2)
Segunda escolha de cabeça e pescoço
SDHD)
18
F-FDOPA PET/TC para F-FDG PET/TC
18
627
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
3.1.3. Tratamento
Conforme as Diretrizes Clínicas da Endocrine Society em 2.014, a adrena-
lectomia minimamente invasiva é o tratamento de escolha para a maioria dos feo-
cromocitomas adrenais. Indica-se ressecção aberta para feocromocitomas grandes
(> 6cm) ou invasivos, visando garantir a ressecção completa do tumor, evitar a
ruptura tumoral e diminuir as taxas de recorrência local, que são descritas em até
30% dos casos. De modo geral, a ressecção de paragangliomas é indicada por via
convencional, mas a ressecção laparoscópica pode ser realizada para lesões peque-
nas não invasivas102-104.
Diversos trabalhos retrospectivos elencam as vantagens da abordagem lapa-
roscópica, que podem incluir: alterações hemodinâmicas menos significativas,
liberação reduzida de catecolaminas, melhor estabilidade hemodinâmica intra-
operatória, além de recuperação mais rápida. Deve-se ficar atento após início
do pneumoperitônio devido à possibilidade de liberação maciça de catecolami-
nas103,104. A cirurgia robótica vem ganhando espaço nos últimos anos, porém são
necessários estudos que demonstrem superioridade101.
Todo paciente com hipersecreção catecolaminérgica deve ser submetido ao blo-
queio pré-operatório para reduzir complicações cardiovasculares. As drogas de pri-
meira escolha são os bloqueadores α-adrenérgicos (prazosina ou doxazosina) com
associação de bloqueadores do canal de cálcio (nifedipino ou anlodipino) quando
controle adequado não foi obtido. Em casos com taquicardia, após 7-14 dias de ade-
quado bloqueio α-adrenérgico, inicia-se o bloqueador β-adrenérgico (propranolol
ou atenolol). Nunca fazer bloqueio β-adrenérgico antes de concluído o bloqueio
α-adrenérgico pelo risco de crise hipertensiva. Também recomenda-se dieta com
elevado teor de sódio e alta ingesta hídrica visando reverter a hipovolemia induzida
pelas catecolaminas e prevenir hipotensão grave após a retirada tumoral102.
Pacientes portadores de doença metastática rapidamente progressiva (< seis
meses) devem ser abordados com esquema de quimioterapia CVD, constituída
de ciclofosfamida (750mg/m2), vincristina (1,4mg/m2) e dacarbazina (600mg/m2)
no D1, seguida de dacarbazina (600mg/m2) no D2 e a cada 21 dias. Diante de
resposta parcial ou doença estável após 6-9 ciclos de CVD, usa-se esquema de
manutenção com dacarbazina (600mg/m2 em D1 a cada 21 dias) ou temozolami-
da (150mg/m2 em D1-5 e a cada 28 dias) e, em pacientes com mutação SDHB, o
esquema metronômico com temozolamida (75mg/m2/d) por três semanas, com
uma semana de intervalo105.
Pacientes portadores de doença metastática com progressão lenta-moderada
devem ser abordados com vigilância ativa ou PRRT com 131I-MIBG, 177Lu-DO-
TATATE. Metástases ósseas podem ser tratadas com bisfosfonatos, denosumab,
cyberknife ou radioterapia externa105.
628
3.1.4. Seguimento
A mortalidade global e a taxa de mortalidade em cinco anos em pacientes com
feocromocitoma metastático é de aproximadamente 53% e 42%, respectivamente,
enquanto para o paraganglioma as taxas são de 46% e 22%, respectivamente, am-
bos com maior mortalidade associada ao sexo masculino (RR1,50, IC95% 1,11-
2,02) e às metástases sincrônicas (RR 2,43, IC95% 1,01-5,85)106.
Após o tratamento cirúrgico, observa-se maior risco de recorrência local nos
tumores maiores e aqueles com doenças familiares. Porém, não há marcadores
clínicos, bioquímicos, genéticos ou patológicos para indicar quais os pacientes
com maior risco de metástase/recorrência. O acompanhamento para avaliação da
completa remoção tumoral deve ser feito com avaliação bioquímica nas primei-
ras duas a quatro semanas pós-operatórias102. Se ocorrer elevação dos níveis de
metanefrinas em qualquer período pós-operatório, recomenda-se que a imagem
seja realizada três meses após a cirurgia. Esse rastreio também é recomendado em
pacientes com níveis normais de metanefrinas no pré-operatório ou quando os
valores pré-operatórios não estão disponíveis107.
Em relação ao tempo de seguimento, recomenda-se follow-up de 10 anos para
todos os pacientes, com possibilidade de seguimento anual por toda a vida em
casos considerados de alto risco (pacientes jovens, doença genética, tumor com di-
âmetro aumentado, doença extra-adrenal e/ou metastática)102-104. Nesse follow-up,
recomenda-se rastreio bioquímico anual (metanefrina total e frações) de acordo
com perfil bioquímico inicial do tumor e até em tumores silentes, inicialmente
(pois podem tornar-se tumores bioquimicamente ativos no futuro, principalmente
em doença hereditária). Pacientes portadores de tumores silentes também devem
ser submetidos a exames de imagem a cada 1-2 anos com a RM de tórax, abdômen
e pelve, sendo uma opção para esse seguimento em longo prazo para evitar expo-
sição à radiação107.
629
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Adenomas 52%
Não funcionantes 69%
Secretores de cortisol 25%
Secretores de aldosterona 6%
Feocromocitoma 11%
Mielolipoma 8%
Cisto 5%
Ganglioneuroma 4%
Metástases 2%
Outros 6%
630
4.3. Avaliação do risco de malignidade
A principal preocupação diagnóstica é definir o status de malignidade do
tumor com ajuda da tomografia sem contraste. Diante de imagem homogê-
nea com densidade em TC não contrastada menor do que 10UH e tamanho
inferior a 4cm, a probabilidade de se tratar de nódulo benigno é muito gran-
de, não sendo necessária investigação adicional quanto ao risco de maligni-
dade da lesão 91. Diante de imagem inicial indeterminada, pode-se proceder
à TC com contraste e avaliação de washout (washout relativo > 40% e wa-
shout absoluto > 60% sugerem adenoma), ou ressonância magnética (RM)
com sequência com gradiente-eco com água e gordura em fase e fora de fase
(adenomas geralmente perdem sinal fora de fase) na avaliação de risco de
malignidade110-111. Alguns autores sugerem imagem de controle em 6-12 me-
ses em todos os incidentalomas adrenais pelo risco de diagnóstico incidental
inicial de tumores malignos112. A biópsia não é uma opção diagnóstica inicial
de rotina e deve ser reservada para casos suspeitos de metástase em adrenal
de outro sítio primário.
631
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
4.5. Manejo
Pacientes com cortisol pós 1mg de dexametasona superior a 1,8µg/dl devem
ser avaliados quanto à hipertensão arterial e diabetes mellitus tipo 2. Enquanto a
avaliação de fraturas vertebrais assintomáticas deve ser realizada naqueles com
resultados superiores a > 5,0µg/dl91.
Feocromocitomas, aldosteronomas e tumores secretores de cortisol unila-
terais que se apresentem com sinais/sintomas de síndrome de Cushing ma-
nifesta geralmente são abordados cirurgicamente com adrenalectomia. Já
pacientes com secreção autônoma de cortisol devem ser avaliados quanto à
idade, doenças secundárias à hipersecreção (hipertensão, diabetes, obesida-
de, osteoporose), resistência ao tratamento medicamentoso ou progressão das
comorbidades para decidir entre o manejo cirúrgico ou seguimento clínico91.
Tumores maiores do que 4cm, independentemente do status de secreção hor-
monal podem ser avaliados quanto à abordagem cirúrgica e devem ser consi-
derados riscos × benefícios individualmente109.
Hidrocortisona no peri e pós-operatório de tumores com possível secreção au-
tônoma de cortisol deve ser feita de rotina.
Massas adrenais bilaterais representam cerca de 10% dos incidentalomas113
e devem ser avaliadas de forma similar às unilaterais, com adição da dosagem
de 17-hidroxiprogesterona para exclusão de hiperplasia adrenal congênita e
dosagem de cortisol basal para investigação de insuficiência adrenal se houver
suspeita clínica ou imagenológica (doença invasiva ou sangramento)114. Adrena-
lectomia bilateral geralmente não é indicada para secreção autônoma de cortisol
oligo/assintomática. Nesses casos, pode ser considerada adrenalectomia unilate-
ral da lesão dominante.
632
Tabela 9. Vantagens e desvantagens das vias retroperitoneal e
transabdominal laparoscópicas118.
Vantagens Desvantagens
• Sem mobilização de
outros órgãos
• Não é afetada por cirurgias • Não recomendável para
abdominais prévias pacientes obesos ou se
• Sem distensão houver alta suspeita de
Retroperitoneal tumor maligno invasivo
intraperitoneal (para
pacientes com risco • Curta distância entre
cardiovascular/respiratório) última costela e crista ilíaca
• Mesma posição para
adrenalectomia bilateral
• Necessidade de mudar
• Pode ser combinada com
o posicionamento para
outros procedimentos
adrenalectomia bilateral
transabdominais
• Mobiliza estruturas
Transabdominal • Facilidade em conversão
abdominais
para cirurgia aberta
• Não recomendada para
• Melhor para pacientes
alta suspeita de tumores
obesos
malignos invasivos
633
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Câncer Atual
ou Anterior Sem histórico câncer atual ou anterior
Ou Suspeita
Metástase
TC ou RM Bioquímica:
Metástase Tumor Avaliar tamanho, • Hiperaldosteronismo
Primário margens • Síndrome de Cushing
da heterogeneidade, • Feocromocitoma
Adrena conteúdo lipídico e • Carcinoma
“wash out” Adrenocortica
Seguir
conduta
do tumor
primário
634
Algoritmo 2. Tratamento dos Tumores da Adrenal no Hiperaldosteronismo.
Hiperaldosteronismo
Secreção Secreção
Unilateral Bilateral
Adrenalectomia Manejo
Minimamente Clínico
Invasiva
635
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Carcinoma Adrenocortical
Doença Doença
localizada e metastática e/
ressecável ou irressecável
Se tumor indolente,
Adrenalectomia observar com TC Tórax,
Aberta TC ou RM Abdome ±
Bioquímica (secretor)
12/12 semanas
Se tumor secretor,
considerar ressecção do
primário e metástases se
doença residual < 10%
Tratamento Sistêmico*
636
Algoritmo 4. Tratamento do Carcinoma Adrenocortical.
Feocromocitoma
TC: Tomografia Computadorizada; RM: Ressonância Magnética; PET-CT: Tomografia por Emis-
são de Pósitrons;
*Esquema 1: Cisplatina + Etoposídeo ± Doxorrubicina ± Mitotano87,121
Esquema 2: Carboplatina + Etoposídeo ± Doxorrubicina ± Mitotano
Esquema 3: Pembrolizumabe ± Mitotano122,123
Esquema 4: Mitotano em monoterapia (maior efeito no controle dos sintomas hormonais)
Esquema 5: Estreptozotocina ± Mitotano87
637
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Incidentaloma
Não Sim
Suspeita Radiológica
Secretor? Invasão local?
de Malignidade?*
Não
Sim
Não
638
Algoritmo 6. Manejo dos Incidentalomas da Adrenal.
Síndrome de Cushing
Doença Doença
localizada e metastática e/ou
ressecável irressecável
Adrenalectomia Seguir
Aberta Algoritmo 4
*Se o tumor for indeterminado nos exames de imagem e os resultados da investigação hormonal
não indicam secreção significativa, três opções devem ser consideradas: imagem adicional com
outra modalidade de imediato, repetir imagem em 6-12 meses ou cirurgia.
639
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
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TUMORES NEUROENDÓCRINOS
Daniel Cesar
20
Juliana Gonçalves Coelho
Barbara Kalil
644
1. INTRODUÇÃO
Os tumores neuroendócrinos (TNEs) são derivados das células de Kul-
chitsky, ou cromafins, que revestem o epitélio do trato respiratório e digesti-
vo. São neoplasias raras e compreendem apenas 0,49% de todos os tumores
malignos1. Por possuírem diferentes sítios primários e apresentarem carac-
terísticas variáveis (incluindo distintas etiologias, quadro clínico, morfolo-
gia, genética e prognóstico), não eram classificados uniformemente, e sim de
acordo com o sítio primário.
Para o melhor entendimento desses tumores, foi publicado em 2018, pela OMS,
uma classificação padronizada, dividindo-os de acordo com seu grau de diferencia-
ção (bem diferenciados × pouco diferenciados). Os bem diferenciados, previamente
nominados tumores carcinoides, passaram a ser divididos em baixo grau (G1), grau
intermediário (G2) e alto grau (G3) com base no grau de mitose e proliferação de
Ki-67, e os pouco diferenciados, G3, em pequenas e grandes células2.
2. ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA
Em estudo epidemiológico feito em 2014 nos EUA, a incidência da doença foi
de 5,25 por 100.000 habitantes, sendo 52% mulheres e 48% homens. A idade média
era de 60 anos. A maioria dos acometidos (81%) era composta por caucasianos.
Em 41% dos casos, a doença foi identificada no trato gastrointestinal alto, 26%
no intestino delgado e 19% no intestino grosso. Foi evidenciado que o sítio pri-
mário varia de acordo com sexo e raça, sendo mulheres mais propícias a tumores
com origem em pulmão, estômago, apêndice ou ceco, e homens em timo, duodeno,
pâncreas, jejuno/íleo ou reto, e caucasianos em pulmão. A sobrevida foi de 223, 111
e 33 meses para tumores G1/G2 e 34, 14 e 5 meses para tumores G3 com doença
local, regional e metastática, respectivamente3.
Os fatores de risco não são bem estabelecidos, mas existem relatos de asso-
ciação com tabagismo, assim como acalasia, doença do refluxo gastresofágico,
645
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
646
Os tumores bem diferenciados são, portanto, subdivididos em baixo grau (G1),
grau intermediário (G2) e alto grau (G3), de acordo com sua taxa proliferativa
(taxa de mitose e Ki-67, sendo o maior desses dois itens utilizados para definição
do grau), enquanto os pouco diferenciados, de alto grau por definição, possuem
dois tipos morfológicos conhecidos e podem ser definidos como pequenas ou
grandes células, conforme tabela 1.
G Grau histológico
647
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Nessa situação, esses tumores são tratados, atualmente, de forma semelhante aos
tumores pouco diferenciados puros6,7.
Os carcinomas pouco diferenciados possuem curso clínico rápido e se asso-
ciam a um pior prognóstico, seguidos por tumores bem diferenciados G3, G2 e G1
em ordem crescente. A taxa proliferativa é de importância prognóstica, indepen-
dentemente do estágio do tumor8.
Os TNEs podem, ainda, dependendo de seu sítio anatômico, ser categorizados
como funcionais quando são capazes de produzir hormônios e ocasionar sintomas
clínicos em decorrência disso. Independentemente de sua funcionalidade, conti-
nuam sendo definidos por grau e estágio. Grande parte dos tumores funcionais é
bem diferenciada. Quando o tumor funcional se origina no pâncreas, passa a ser
categorizado de acordo com a síndrome clínica ocasionada (por exemplo, insuli-
noma, gastrinoma, glucagonoma, VIPoma, somatostatinoma), diferente dos TNEs
gastrointestinais funcionais (responsáveis pela síndrome carcinoide), que não são
classificadas de maneira específica.
4. APRESENTAÇÃO CLÍNICA
Devido ao seu crescimento indolente, aproximadamente dois terços dos
tumores neuroendócrinos são diagnosticados em estágios avançados, apresen-
tando-se clinicamente com sintomas relacionados à localização tumoral e alte-
rações características de quadros neoplásicos avançados, como anorexia, perda
de peso e fadiga.
A grande maioria desses tumores do trato gastrointestinal não está associada
à secreção de hormônios específicos (como insulina, glucagon, somatostatina ou
gastrina), que ocorre em menos de 5% dos casos, contribuindo para ausência de
sintomas específicos nesses pacientes9.
Aproximadamente 20% dos pacientes terá síndrome carcinoide, ocasio-
nando sintomas como rubor, dor abdominal e diarreia. Em alguns casos mais
severos, pode ocorrer ainda broncoconstrição e cardiopatia carcinoide. Essa
síndrome acontece por conta da liberação de 5-hidroxitriptofano, neuro-hor-
mônios e prostaglandinas na circulação sistêmica. Como normalmente essas
substâncias são metabolizadas ao passarem pelo fígado, essa síndrome é mais
frequente na presença de metástases hepáticas, sendo rara na sua ausência,
restringindo-se aos casos em que a drenagem tumoral não passa pelo sistema
porta, como tumores primários do pulmão ou ovário, ou, ainda, metástases
extensas pélvicas ou retroperitoneais10.
O sinal de maior gravidade da síndrome carcinoide é o acometimento cardíaco,
que ocorre por espessamento e fibrose valvar (principalmente das válvulas tricús-
pide e pulmonar), levando a sintomas de insuficiência mitral e aórtica, regurgita-
ção tricúspide e pulmonar e arritmias cardíacas. Na literatura, a incidência dessa
síndrome varia entre 35-77% dos pacientes com síndrome carcinoide, diminuindo
648
a sobrevida em cinco anos para 30% destes, em comparação com 75% para pacien-
te sem a síndrome 11-13.
Não infrequentemente estão associados a outros tumores sincrônicos ou me-
tacrônicos. Em um estudo realizado com base nos dados do Surveillance, Epide-
miology, and End Results (SEER), programa do National Cancer Institute (NCI),
os resultados demonstraram que aproximadamente 29% dos tumores neuroen-
dócrinos são diagnosticados nesse contexto. Em parte, essa alta incidência se
deve ao crescimento lento e indolente desses tumores, fazendo com que seu
diagnóstico muitas vezes seja realizado incidentalmente durante a investigação
de outras doenças14.
Os principais fatores prognósticos são: o sítio de origem, o tamanho tumoral e
a extensão da doença15.
Alguns fatores moleculares também estão associados, como a elevada expres-
são do antígeno de proliferação Ki-67 e a proteína de supressão tumoral (p53),
assim como a presença de síndrome carcinoide, cardiopatia carcinoide ou elevadas
taxas de 5-HIAA urinário e cromogranina A plasmática16.
5. DIAGNÓSTICO
O diagnóstico e estadiamento dos TNEs variam de acordo com sua localiza-
ção anatômica, e não raramente seu diagnóstico é feito incidentalmente durante
exames de rotina, exames pré-operatórios ou durante cirurgias por outras patolo-
gias17. Além da importância do diagnóstico histopatológico, exames complemen-
tares são fundamentais no diagnóstico e estadiamento desses tumores, entre eles
marcadores bioquímicos e exames de imagem com marcadores específicos.
Entre os marcadores bioquímicos estão a dosagem do ácido 5-hidroxi-indola-
cético (5-HIAA) na urina de 24 horas e a dosagem de cromogranina A sérica. O
5-HIAA, um metabólito da serotonina ligado principalmente à síndrome carci-
noide, apresenta boa sensibilidade (em torno de 88%), porém baixa especificidade
(35%), com a dificuldade de ter sua acurácia alterada pela ingestão de alimentos
ricos em serotonina, como banana, berinjela e tomate18. Mantendo padrão seme-
lhante, a dosagem sérica de cromogranina A, apesar de ter boa sensibilidade, pos-
sui uma especificidade baixa para carcinoides do trato gastrointestinal, uma vez
que também se eleva nos tumores neuroendócrinos pulmonares e pancreáticos, e
a utilização de inibidores da bomba de prótons, hipergastrinemia, atrofia gástrica
e insuficiência renal pode alterar seus resultados19. A correlação entre a dosagem
desses marcadores e o prognóstico de cada paciente ainda não é bem estabelecida,
apesar de alguns autores tentarem correlacionar principalmente os níveis de cro-
mogranina A com o prognóstico da doença17.
A cromogranina A plasmática pode estar elevada em mais de dois terços dos
pacientes com TNEs pouco diferenciados avançados, apesar dos níveis serem rela-
tivamente inferiores aos encontrados nos TNEs bem diferenciados9,20.
649
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
650
radiotraçadores o 18F-fluorodeoxiglucose (FDG), 11C-5-hidroxitriptofano
e 11C-L-dihidroxifenilalanina (11C-L-DOPA). A cintilografia óssea com
99mTc-MDP pode ser utilizada para diagnóstico de metástases ósseas com
sensibilidade maior que 90%17.
As imagens funcionais baseadas nos receptores de somatostatina configuram
o recurso ideal para a avaliação dos TNEs. Enquanto a cintilografia com octre-
otídeo marcado com 99mtecnécio vem sendo, tradicionalmente, o método mais
utilizado em nosso meio, o exame de PET/CT-68Ga-dotatate traz as vantagens
de, com menor dose de radiação e tempo reduzido de duração, associar ao es-
tudo funcional uma melhor resolução espacial e anatômica, além de apresentar
uma capacidade superior de detectar lesões, sobretudo as diminutas, devido a
uma maior afinidade do dotatate com o receptor de somatostatina em relação
ao octreotídeo. Tais aspectos adicionam informações diagnósticas ao método
e fazem dele o teste de escolha para a identificação do tumor primário, assim
como para o estadiamento e a pesquisa de metástases. Ademais, esse estudo tem
grande utilidade na avaliação da resposta ao tratamento, com um impacto rele-
vante no manejo de tais pacientes.
O objetivo básico do exame PET/CT DOTA68Ga é caracterizar a presença de
lesões que tenham expressão dos receptores de somatostatina. Os análogos marca-
dos da somatostatina disponíveis para imagem PET (DOTA-TOC, DOTA-NOC,
DOTATATE) têm alta afinidade com os receptores de somatostatina, com maior
resolução e melhor farmacocinética, e devem ser preferidos em relação aos análo-
gos marcados com índio-111 (Octreoscan®) e Tecnécio-99m. Na indisponibilidade
do PET/CT DOTA68Ga, estes últimos ainda continuam ótimas opções de imagem
no manejo dos pacientes com tumores neuroendócrinos. A sensibilidade do exa-
me está relacionada ao tamanho e ao grau de expressão dos receptores da soma-
tostatina nas lesões. Algumas causas relevantes de falso-positivo que podem afetar
a especificidade do exame incluem: captação fisiológica no processo uncinado do
pâncreas, captação fisiológica em baço acessório ou esplenose, captação inespe-
cífica em processos inflamatórios e em alterações osteodegenerativas, fraturas,
meningioma, outras neoplasias e contaminação urinária. A análise conjunta de-
talhada com a tomografia computadorizada, preferencialmente contrastada, ajuda
a eliminar grande parte dos falso-positivos. Em metanálise recente com inclusão
de 22 artigos e 2.105 pacientes, a sensibilidade e especificidade do exame foram de
93% e 96, respectivamente.
6. TRATAMENTO
O principal tratamento com potencial curativo para os tumores neuroendó-
crinos permanece sendo a cirurgia com ressecção R0, sendo sua extensão defini-
da segundo o sítio primário, tamanho e classificação do tumor. Mesmo em casos
de doença metastática a indicação cirúrgica permanece, como nos casos com
651
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
sintomas relacionados ao sítio primário, nos casos elegíveis para transplante hepá-
tico ou ressecções de lesões, mesmo que assintomáticas de intestino delgado, pelo
risco aumentado de obstrução intestinal e fibrose mesentérica 25,26.
Outros tratamentos atualmente aceitos para os tumores neuroendócrinos se
dividem em: análogos da somatostatina; interferons; tratamento das metástases
hepáticas; radionuclídeos; manejo da fibrose carcinoide e tratamento sintomático.
Há estudos em andamento sobre terapias moleculares, terapia para alívio sintomá-
tico e terapias antifibróticas. O tratamento das metástases hepáticas será detalhado
em capítulo específico.
Os análogos da somatostatina disponíveis atualmente estão divididos em duas
categorias: de ação curta, octreotide; ou ação longa, lanreotide. O octreotide foi o
primeiro agente terapêutico utilizado nos tumores neuroendócrinos, principalmen-
te para o controle dos sintomas relacionados à síndrome carcinoide, apresentando
resolução do rubor e diarreia em aproximadamente 70% dos pacientes. O lanreotide
possui eficácia semelhante, com o benefício de ser administrado a cada 10-14 dias
e com resolução dos sintomas em aproximadamente 75-80% dos pacientes, resul-
tando em um importante aumento da qualidade de vida com relativamente poucos
efeitos colaterais 27,28. O tratamento com análogos da somatostatina costuma durar
aproximadamente 12 meses, sendo normalmente suspenso devido ao desenvolvi-
mento de taquifilaxias (mais frequente no uso das formulações de ação longa) ou
progressão de doença29. Alguns efeitos colaterais desses medicamentos são: náuseas,
cólicas abdominais, esteatorreia, arritmias cardíacas e distúrbios endócrinos (como
hipoglicemia, hipotireoidismo ou hiperglicemia). São atualmente os agentes de pri-
meira linha para tumores neuroendócrinos, principalmente aqueles bem diferencia-
dos, com Ki-67 <10%, inoperáveis ou em progressão26.
Uma opção atualmente aceita para tumores bem diferenciados, principalmente
G1, não funcionantes, de baixo volume e oligossintomáticos é o “watchful waiting”,
baseando-se nas evidências de que esses tumores originalmente são indolentes e
podem se manter estáveis por meses ou anos sem tratamento específico 30,31.
Uma opção comparável aos análogos da somatostatina são os interferons, prin-
cipalmente o interferon-α, com efeitos relacionados ao controle sintomático em
até 75% dos casos e inibição da progressão da doença. No entanto, apresentam um
perfil de toxicidade desfavorável, com sintomas como alopecia, anorexia, fadiga,
perda de peso, febre e mielossupressão. Atualmente, são mais utilizados principal-
mente em países com poucos recursos 32,33.
Apesar de mais estudado para TNEs pancreáticos e com papel limitado,
alguns pacientes podem se beneficiar com esquemas quimioterápicos com te-
mozolomida e capecitabina, capecitabina e oxaliplatina, FOLFOX, dacarbazina
ou estreptozotocina isoladamente ou associadas ao 5FU. A decisão sobre o me-
lhor regime e o número de ciclos cabe ao oncologista clínico, de acordo com
cada paciente34,35.
652
Para tumores pouco diferenciados, ou bem diferenciados G3, estudos retros-
pectivos sugerem benefício na sobrevida global com uso de terapias adjuvantes
baseadas em platina, assim como para pacientes com doença metastática, poden-
do ser utilizado tanto cisplatina quanto carboplatina, associados a etoposideo ou
irinotecano36,37. Alguns estudos sugerem uma separação com base no índice de
proliferação tumoral, utilizando como ponto de corte o Ki-67 > 55% em tumores
pouco diferenciados para prever quais pacientes responderiam melhor a esquemas
baseados em platina5.
Entre os agentes de terapia-alvo mais estudados estão o everolimo e suni-
tinibe. Atualmente utilizados principalmente como segunda linha após falha
com o uso de análogos da somatostatina, podem ser usados em monoterapia
ou associados aos análogos da somatostatina. Estudos com everolimo combi-
nado com octreotide demonstraram um aumento da sobrevida livre de doença
de 11,3 meses para 16,4 meses 38,39. O sunitinibe é um inibidor oral dos recep-
tores da tirosina quinase, incluindo PDGFR, VEGFR e c-KIT, que parece ter
eficácia menor, com taxa média de sobrevida livre de doença de sete meses em
estudos fase II40.
Os radioisótopos, também denominados terapia com receptores de radio-
nuclídeos peptídicos (PRRT), são uma opção no tratamento de pacientes com
metástase, principalmente aqueles com tumores bem diferenciados e com expres-
são positiva do receptor de somatostatina. Os quatro conjugados de radionuclí-
deos mais comumente usados no tratamento de doenças carcinoides são iodo I
131-metaiodobenzilguanidina (131I-MIBG), índio 111 (111In), ítrio Y 90 e lutécio
Lu 177 (177Lu), com os três últimos ligados a uma variedade de análogos da so-
matostatina. As toxicidades relacionadas a esses tratamentos podem ser agudas
(náusea, vômito e dor abdominal) ou tardias (mielodisplasia, insuficiência renal e
toxicidade hepática)41.
7. TNE GASTRODUODENAIS
Os tumores neuroendócrinos gastroduodenais possuem particularidades. Os
TNEs gástricos se configuram como o tipo de tumor neuroendócrino mais co-
mum do trato digestivo. Em geral, manifestam-se de forma silenciosa e com com-
portamento benigno, podendo, em alguns casos, entretanto mimetizar o curso de
adenocarcinoma gástrico com padrão agressivo.
Esses tumores são divididos em três tipos: Tipo 1, Tipo 2 e Tipo 3. A classifica-
ção depende de características e condições locais associadas (conforme tabela 2).
Os tumores tipo 1 e 2 estão associados à hipergastrinemia, atrofia gástrica crônica,
aumento de células enterocromafin-like (ECL) e síndrome de Zollinger-Ellison, en-
quanto o tipo 3 se apresenta como lesões únicas com grande potencial metastático
e de alto grau (G3), não sendo consequência de anormalidades da mucosa42,43.
653
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
< 1-2cm,
Tamanho < 1cm, múltiplos 2-5cm, único
múltiplos
Idade 63 50 55
Gastrite crônica
Patologias Zollinger-
atrófica, anemia Esporádico
associadas Ellison, NEM1
perniciosa
654
tumoral, enquanto a TC e a RM contribuem com a investigação de tumores avan-
çados e tipo 3, definindo o estadiamento. O uso do Octreoscan® ou PET 68Ga-PE-
T-DOTANOC não é bem estabelecido, contudo, pode ajudar no estadiamento e
escolha da terapia dos TNEs tipo 2 e 3, mas com pouco valor nos tumores tipo 1,
que em geral são pequenos e indolentes44,45.
O manejo conservador, é o tratamento de escolha nos TNEs gástricos tipo 1, já
que são tumores com excelente prognóstico e baixo risco de metástases. O tama-
nho tumoral é diretamente proporcional ao risco de metástase e o ponto de corte
é 10mm. Tumores desse tipo podem ser acompanhados endoscopicamente e a res-
secção endoscópica das lesões de tamanho maior ou igual a 10mm é recomendada,
tendo em vista o maior risco de surgimento de metástases por meio da técnica de
ressecção endoscópica da mucosa (REM) ou dissecção endoscópica da mucosa
(DEM). Dessas técnicas, a DEM permite a ressecção em bloco do tumor, sendo
mais eficaz na avaliação histopatológica completa. Além da ressecção do tumor, é
importante avaliar a mucosa gástrica em busca de áreas com displasia ou atrofia e é
recomendada a realização de biópsias seriadas. Tais procedimentos não são isentos
de risco, podendo haver complicações com perfuração ou sangramento. Nos tu-
mores T2 ou com margens positivas pós-ressecção, a excisão local ou gastrectomia
parcial atípica pode ser considerada. A antrectomia cirúrgica visando diminuir a
hipergastrinemia e limitar o crescimento de células enterocromafins é discutível.
Além desses métodos, o uso de análogos de somatostatina pode levar à regressão
tumoral, podendo ser útil em pacientes com múltiplas pequenas lesões de difícil
controle endoscópico46.
Nos tumores tipo 2, o tratamento deve levar em consideração a presença de le-
sões duodenais ou pancreáticas (relação com a síndrome NEM 1) e a excisão local
ou limitada pode ser recomendada. Já nos tumores tipo 3, o tratamento cirúrgico
é preconizado e segue o empregado para adenocarcinoma gástrico (gastrectomia
total ou parcial com linfadenectomia). A terapia sistêmica deve ser empregada nos
TNEs gástricos tipo 3 inoperáveis (estágio 4).
Os TNEs duodenais podem ser esporádicos ou associados à NEM 1, apre-
sentando-se com uma síndrome funcional. Nesses casos, o manejo endoscó-
pico é seguro para lesões menores ou iguais a 10mm, restritas à submucosa e
sem acometimento linfonodal ou metástases. A técnica de ressecção endos-
cópica DEM é capaz de excisão radical, apresentando melhores resultados do
que a REM47. A cirurgia deve ser realizada em tumores T2 ou com margens
comprometidas após ressecção endoscópica por meio da excisão local e de
antrectomia ou gastrectomia total, dependendo das características histológicas
e invasão tumoral.
O acompanhamento endoscópico deve ser realizado após ressecções dos TNEs
gastroduodenais a cada dois anos. Além disso, pacientes com atrofia gástrica tam-
bém merecem seguimento para identificação de metaplasia ou displasia48,49.
655
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
T Tumor primário
*Nota: Adicione (m) para múltiplos tumores; para múltiplos tumores com diferentes Ts, usar o maior estadiamento.
N Linfonodos regionais
*Nota: Adicione (sn) quando acometimento linfonodal foi identificado por biópsia de linfonodo sentinela e (f)
quando identificado por biópsia por agulha fina ou core biopsy.
656
M Metástase à distância
Estadiamento T N M
Estágio I T1 N0 M0
Estágio II T2-T3 N0 M0
Estágio III T4 N0 M0
657
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
T Tumor primário
*Nota: Tumores múltiplos devem ser designados como tal (classificação T do maior tumor):
Se o número de tumores é conhecido, utilize T (número de tumores);
Se o número de tumores é desconhecido ou muito numeroso, utilize (m).
N Linfonodos regionais
*Nota: Adicione (sn) quando o acometimento linfonodal foi identificado por biópsia de linfonodo sentinela e (f)
quando identificado por biópsia via agulha fina ou core biopsy.
658
M Metástase à distância
M Metástase à distância
Estadiamento T N M
Estágio I T1 N0 M0
Estágio II T2-T3 N0 M0
Estágio III T4 N0 M0
659
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Gastrinoma Tratamento
Não Ressecado Sitêmico
(algoritmo 6)
660
Algoritmo 2. Manejo dos TNEs de delgado, duodeno e cólon.
661
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
8.1. Insulinoma
Os insulinomas são a causa mais comum de hipoglicemia resultante de hipe-
rinsulinismo endógeno. Aproximadamente 90-95% dos insulinomas são benignos,
e a cura em longo prazo com resolução total dos sintomas é possível após a ressec-
ção completa da lesão.
662
• Amnésia;
• Sintomas adrenérgicos (liberação de adrenalina relacionada à hipoglicemia):
fraqueza, sudorese, taquicardia, palpitações e fome;
• Convulsões.
8.1.2. Diagnóstico
A falha da secreção endógena de insulina suprimida pela hipoglicemia é o mar-
co mais característico de um insulinoma. Assim, o achado de níveis inadequada-
mente elevados de insulina em face da hipoglicemia é a chave para o diagnóstico.
663
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
8.1.3. Tratamento
O tratamento farmacológico é planejado com objetivo de prevenir hipoglice-
mia e, em pacientes com tumores malignos, para reduzir a carga tumoral.
8.2. Glucagonoma
O glucagonoma é um TNE raro que se origina quase exclusivamente no pân-
creas e provavelmente representa 1% de todos os tumores neuroendócrinos. A
grande maioria dos glucagonomas são esporádicos (80%) e o restante associado à
NEM 1. Originam-se das células alfa-2 do pâncreas. A produção desregulada (su-
perprodução) de hormônios peptídicos e fatores de crescimento é característica
dessas lesões. A produção anormal desses peptídeos bioativos pode levar a sin-
tomas sistêmicos significativos e à promoção de crescimento adicional do tumor.
Em 75% a 80% dos casos, o glucagonoma começa na forma maligna e, em 50%,
664
existe metástase no momento do diagnóstico. A presunção clínica é caracterizada
por superprodução de glucagon, perda de peso, hiperglicemia, diabetes mellitus,
hipoaminoacidemia, anemia normocrômica e normocítica e eritema migratório
necrolítico, que é o sinal clínico mais característico dessa patologia.
Outra característica importante é uma alta taxa de complicações tromboembó-
licas. Como o eritema migratório necrolítico pode ser a única manifestação malig-
na durante o desenvolvimento dos glucagonomas, seu reconhecimento precoce e
diagnóstico correto são fundamentais para um melhor prognóstico.
Os glucagonomas que não estão associados à síndrome do glucagonoma são
diagnosticados de várias maneiras. O tumor pode aparecer como um tumor pan-
creático maligno descoberto devido ao crescimento local, com ou sem metástases,
ou o tumor pode estar associado à insulinoma ou gastrinoma. O glucagonoma
também pode ocorrer como um único microadenoma encontrado incidentalmen-
te na autópsia em pacientes idosos. Semelhante a outros tumores de células das
ilhotas, as lesões primárias e metastáticas têm crescimento lento.
O tratamento pode variar de acordo com o estágio da doença. Quando possível,
a ressecção cirúrgica e a citorredução devem ser realizadas, pois a ressecção é a única
terapia curativa. Análogos da somatostatina (octreotida, octreotida de ação prolonga-
da) devem ser usados em pacientes com glucagonomas irressecáveis com o intuito
de controlar sintomas, retardar progressão da doença e melhorar a qualidade de vida.
8.3. VIPomas
VIPomas são tumores neuroendócrinos que secretam peptídeo intestinal vaso-
ativo (VIP) de forma autônoma. Eles se originam nas células de captação e descar-
boxilação do precursor de amina do sistema endócrino gastroenteropancreático e
em locais neurogênicos adrenais ou extra-adrenais. Os VIPomas surgem no pân-
creas em 90% dos casos, mas também podem ser encontrados em tecido perigan-
glionar ou em outros locais (por exemplo, cólon, brônquio, glândulas adrenais e
fígado), especialmente em crianças. Quase sempre são solitários, com menos de
5% sendo multicêntricos. São o terceiro tumor neuroendócrino mais comum do
pâncreas (15%), depois dos insulinomas (50%) e dos gastrinomas (30%). Geral-
mente têm mais de 3cm de diâmetro no momento do diagnóstico e são encontra-
dos principalmente no corpo e na cauda do pâncreas.
Os sintomas de VIPoma foram descritos inicialmente em 1958, quando Verner
e Morrison descreveram uma síndrome de diarreia aquosa, hipocalemia e aclori-
dria. Em 1970, Said e Nutt extraíram o hormônio responsável do intestino animal
e em 1973, Bloom ligou causalmente esse hormônio à síndrome. Em 1975, Swift
et al. foram os primeiros a relatar uma criança que apresentava diarreia aquosa e
ganglioneuroma com secreção de VIP.
Anualmente, foram relatados 0,05-0,5 novos casos por milhão de adultos. O
pico de incidência ocorre na quinta década de vida, mas VIPomas podem ocorrer
665
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
em qualquer faixa etária, incluindo crianças pequenas e idosos. Não existem dados
confirmados para exata incidência dessa condição na população pediátrica. Nesse
grupo de pacientes, é extremamente raro que um VIPoma se origine no pâncreas;
em vez disso, a síndrome está geralmente associada a tumores neurogênicos secre-
tores de VIP envolvendo o retroperitônio e o mediastino. A hiperplasia de células
não beta pancreáticas é rara, mas foi relatada em crianças.
Aproximadamente 60-80% dos VIPomas são malignos e apresentam metástase
no momento do diagnóstico. A metástase ocorre com maior frequência no fígado,
mas também podem ocorrer nos linfonodos, pulmões ou rins. Cerca de 5% dos
VIPomas estão associados à NEM 1. Por outro lado, 17% dos pacientes com NEM
1 desenvolvem VIPomas em algum estágio da doença. Aproximadamente 10% dos
TNEs do trato gastrointestinal (exceto carcinoides) são VIPomas.
8.3.1. Tratamento
O tratamento inicial dos VIPomas é direcionado à correção de anormalida-
des hidroeletrolíticas. Em muitos casos, essas anormalidades são pronunciadas
o suficiente para exigir internação hospitalar. O acetato de octreotida controla
a diarreia em até 90% dos pacientes e glicocorticoides podem reduzir sinto-
mas em 50% dos casos. Em mais de 90% dos pacientes, a somatostatina reduz
efetivamente os níveis de peptídeo intestinal vasoativo (VIP) sérico e controla
prontamente a diarreia. Para contornar a meia-vida sérica curta da somatos-
tatina, o octreotida pode ser utilizado. Porém, a diarreia reaparece quando o
tratamento é interrompido. A menos que a cura cirúrgica tenha sido alcançada,
o uso de octreotida deve ser continuado na maioria dos pacientes. O tratamen-
to em longo prazo frequentemente resulta em aumento gradual da resistên-
cia a esta terapia. Quando as dosagens toleráveis mais altas de octreotida são
incapazes de controlar os sintomas, interferon alfa pode ser adicionado para
controlar a diarreia.
Quimioterapia sistêmica pode ser necessária em casos de doença irressecável
ou em progressão. Estreptozocina, doxorrubicina e fluorouracil ou uma combina-
ção destas podem geram benefícios, porém, a evidência científica é limitada pela
raridade da doença.
Radioterapia externa pode ser indicada em tumores irressecáveis para contro-
le dos sintomas e controle da progressão da doença, mas a experiência com essa
modalidade terapêutica ainda é limitada. O uso de octreotídeo radiomarcado para
direcionar o tratamento por radiação para um VIPoma é baseado na afinidade da
octreotida com os receptores de somatostatina nas células VIPoma. Essa aborda-
gem terapêutica pode ser aplicada a TNEs avançados de forma geral.
A ressecção cirúrgica é a única chance de cura. Após a reposição adequada
de líquidos e eletrólitos, todos os pacientes com doença aparentemente ressecável
devem receber exploração cirúrgica com estadiamento intraoperatório minucioso.
666
A ultrassonografia intraoperatória do pâncreas pode ajudar a localizar um tumor
não identificado pelos exames de imagem. Quando a doença é localizada, a res-
secção do tumor leva à cura em 50% dos pacientes. A pancreatoduodenectomia é
indicada quando o tumor está localizado na cabeça do pâncreas ou em processo
uncinado. Se nenhum tumor for encontrado na cirurgia, uma ressecção às cegas
da cauda do pâncreas pode ser realizada. A pancreatectomia total não é mais re-
comendada. Os níveis séricos de VIP podem normalizar dentro de uma hora após
a ressecção curativa do tumor. O tratamento pré-operatório com um inibidor da
bomba de prótons em bomba infusora é aconselhável para prevenir a hipersecre-
ção de ácido gástrico de rebote após a ressecção do tumor. Hipotensão e/ou hi-
pertensão grave pode se desenvolver temporariamente durante e após a remoção
do tumor como consequência do efeito vasodilatador do VIP liberado durante a
manipulação cirúrgica.
Todavia, no momento do diagnóstico, a doença metastática já está presente na
maioria dos casos. Para esses pacientes, citorredução do tumor pode diminuir os
sintomas clínicos, mas para que um benefício clínico substancial seja alcançado, o
planejamento cirúrgico deve incluir a ressecção de mais de 90% do volume tumo-
ral, porém não sendo eficaz em todos os casos.
As metástases hepáticas irressecáveis podem ser tratadas com radioemboliza-
ção da artéria hepática ou quimioembolização transcateter com doxorrubicina ou
cisplatina. Quando a embolização não é bem-sucedida ou não é viável para metás-
tases hepáticas, a ablação do tumor por radiofrequência percutânea ou intraopera-
tória pode ser tentada, embora não seja ideal para lesões maiores.
8.4. Gastrinoma
O gastrinoma é um tumor secretor de gastrina que pode ocorrer no pâncreas,
embora seja mais comumente encontrado no duodeno. Esses tumores esporádicos
tendem a ser solitários e têm maior potencial maligno em comparação com os
gastrinomas duodenais. Mais de 80% dos gastrinomas surgem dentro do triângulo
definido entre a confluência do ducto cístico superiormente, a segunda e a terceira
porções do duodeno inferiormente e o pescoço e o corpo do pâncreas medialmen-
te. Raramente surgem em locais ectópicos, incluindo o corpo do estômago, jejuno,
linfonodos peripancreáticos, hilo esplênico, omento, fígado, via biliar e ovário. São
mais comuns em homens do que em mulheres, com proporções de 1,5:1 a 2:1.
Embora os gastrinomas possam ocorrer em qualquer idade, a manifestação clínica
inicial geralmente aparece entre 30 e 50 anos de idade.
Mais de 50% dos gastrinomas são malignos e podem causar metástase para lin-
fonodos regionais e fígado. Um quarto dos gastrinomas está associado à NEM 1. A
tríade de tumores de células não beta do pâncreas (gastrinomas), hipergastrinemia
e úlcera grave foi descrita por Zollinger e Ellison em 1955, daí o epônimo síndro-
me de Zollinger-Ellison. A verdadeira incidência da síndrome de Zollinger-Ellison
667
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
não é conhecida, mas sabe-se que está relacionada a 0,1% ou mais dos casos de
úlcera péptica.
A secreção anormal de gastrina pelas células tumorais leva à hiperplasia das cé-
lulas parietais fúndicas do estômago e ao aumento da secreção de ácido basal. Isso
resulta em doença péptica grave. A doença ulcerosa péptica pode até se estender
até o intestino delgado. O conteúdo ácido do intestino delgado causa a liberação de
secretina, que é responsável pela diarreia, em parte causada pela secreção de água
e bicarbonato do pâncreas e do intestino delgado.
Os sintomas em 90-95% dos pacientes com gastrinomas são semelhantes aos
sintomas da úlcera péptica comum. Porém, a dor abdominal é menos responsiva
ao tratamento médico padrão para síndrome dispéptica. Às vezes, os sintomas po-
dem estar relacionados a uma complicação da úlcera péptica, como sangramento,
estenose pilórica e perfuração. Outros sintomas incluem refluxo gastroesofágico,
diarreia, esteatorreia e perda de peso, todos secundários à hipersecreção ácida. Má
absorção de vitamina B12, que não é corrigível pelo fator intrínseco oral, também
pode ser observada. O refluxo ácido crônico pode causar complicações esofágicas
(por exemplo, esofagite, formação de estenose, esôfago de Barrett) em até dois ter-
ços dos pacientes com síndrome de Zollinger-Ellison.
8.4.1. Tratamento
A escolha do tratamento deve ser individualizada tomando como base o manejo
dos fatores relacionados à úlcera, diarreia e as características oncológicas do tumor.
Os medicamentos antissecretores são úteis para controlar as manifestações ligadas
ao ácido péptico e à diarreia secretora (secundária à hiperacidez). Nesse cenário, os
inibidores da bomba de prótons (omeprazol, lansoprazol) são medicamentos alta-
mente eficazes e são os medicamentos de escolha para suprimir a secreção de ácido.
Sua ação de longa duração, menos efeitos adversos e alta potência os tornam supe-
riores aos bloqueadores H2. Em 60% dos pacientes, a cicatrização da úlcera ocorre
em duas semanas. Em 90-100% dos pacientes, a cura ocorre em quatro semanas. A
dose inicial recomendada de omeprazol é 60mg/dia. A dosagem dividida, duas vezes
por dia, é sugerida para doses maiores que 80mg/dia. Uma vez alcançada uma dose
de manutenção eficaz, sugere-se a redução gradual da medicação, ao mesmo tempo
em que monitora os sintomas e a produção de ácido.
O tratamento cirúrgico é indicado para doenças localizadas. A ressecção cirúrgi-
ca da doença localizada leva à cura completa sem qualquer recorrência em 20-25%
dos pacientes com gastrinomas. A taxa de sobrevida livre de recorrência é menor em
pacientes cujos sintomas não melhoram após a ressecção. Pacientes com lesão isola-
da ou pacientes nos quais a investigação pré-operatória falha em localizar o tumor
devem ser submetidos à laparotomia associada a métodos de detecção intraoperató-
rios. O uso de câmera gama portátil de grande campo de visão e sonda de detecção
gama portátil pode aumentar as taxas de localização e de ressecção das lesões.
668
A laparoscopia parece não comprometer a ressecção oncológica nos tumores
previamente localizados e estadiados pelos exames pré-operatórios, oferecendo as
vantagens de redução da dor pós-operatória, melhores resultados cosméticos, menor
tempo de internação hospitalar e menor período de recuperação pós-operatória.
A pancreatoduodenectomia oferece a maior probabilidade de cura, particu-
larmente para gastrinomas associados à NEM 1, embora também para tumores
esporádicos, porque resulta na remoção de todo o triângulo do gastrinoma. No en-
tanto, a excelente sobrevida em longo prazo em pacientes com cirurgias menores
(enucleação ou pancreatectomia parcial) e o aumento da morbidade e mortalidade
associadas ao procedimento de Whipple tornam sua utilidade geral ainda obscura
e é recomendado principalmente para tumores grandes e avançados.
A quimioterapia é indicada em pacientes com doença metastática e em pacien-
tes que não são candidatos à cirurgia, mas é contraindicada para doença metastáti-
ca confinada aos linfonodos. O tratamento sistêmico é capaz de reduzir o tamanho
do tumor e melhorar os sintomas secundários resultantes da hipersecreção de gas-
trina pelas lesões metastáticas. Uma combinação de estreptozocina, 5-fluorouracil
e doxorrubicina tem sido usada com esse objetivo, com a taxa de resposta relatada
em até 65%. Há relatos de resposta quase completa ao tratamento com Sandostatin
LAR®, um análogo da somatostatina de ação prolongada.
Também pode-se considerar interferon ou radioterapia direcionada em pacien-
tes que não são candidatos à quimioterapia. Tratamento do gastrinoma metastá-
tico com radioterapia associada à somatostatina direcionada com ciclos repetidos
de tetraazaciclododecano tetra-acético marcado com ácido tetraacético-Tyr-oc-
treotida ([90Y-DOTA] -TOC) ou com ciclos alternados entre [90Y-DOTA] -TOC
e 177lutécio marcado DOTA-TOC ([177Lu-DOTA] -TOC) mostram melhora nas
taxas de sobrevida global.
8.5. Somatostatinomas
Em 1977, Larsson et al. e Ganda et al. relataram, independentemente, os dois
primeiros casos de somatostatinoma. Uma descrição completa da síndrome que
ocorreu em 1979, quando Krejs et al. descreveram as propriedades morfológicas
e bioquímicas de um tumor da ampola de Vater em um homem de 52 anos com
sintomas clínicos distintos e níveis excessivos de somatostatina.
Somatostatinomas são tumores neuroendócrinos raros que surgem no pân-
creas ou no trato gastrointestinal. São caracterizadas pela secreção excessiva do
hormônio somatostatina por células tumorais de origem em células D. Frequente-
mente estão associadas a um perfil clínico clássico de diabetes mellitus, colelitíase,
perda de peso, esteatorreia e diarreia e hipocloridria e acloridria.
A somatostatina é um peptídeo cíclico presente nas formas de 14 e 28 ami-
noácidos. Atua de maneira endócrina e parácrina para inibir a secreção de mui-
tos hormônios, incluindo insulina, glucagon, hormônio do crescimento, gastrina,
669
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
colecistocinina, secretina e VIP. Acredita-se que essa ação inibitória seja respon-
sável pelas manifestações clínicas que marcam a doença. A inibição generalizada
dos hormônios gastrointestinais resulta na restrição da contratilidade da vesícula
biliar, função exócrina pancreática e motilidade intestinal.
A redução da secreção de insulina da somatostatina resulta na diminuição do
uso de glicose e na superprodução hepática de glicose. Assim, a síndrome inibitó-
ria associada leva ao desenvolvimento de diabetes mellitus em 95% dos pacientes.
A gravidade clínica do diabetes pode variar de intolerância leve à glicose até ce-
toacidose franca. Colelitíase e doença do trato biliar ocorrem em 25% a 68% dos
pacientes. Diarreia e esteatorreia são sintomas comuns e contribuem para a perda
de peso. Na maioria dos pacientes, hipocloridria ou acloridria manifestam-se de-
vido à inibição da secreção de ácido gástrico.
Os somatostatinomas constantemente produzem outros produtos hormonais
simultaneamente, incluindo insulina, gastrina, VIP, glucagon, ACTH, calcitonina,
polipeptídeo pancreático e outros. Se esses produtos forem secretados na corrente
sanguínea em quantidades significativas, eles afetarão a apresentação clínica e o
diagnóstico.
Os somatostatinomas muito raramente surgem em outros locais (por exem-
plo, pulmões, fígado, rins etc.). Os tumores maiores são geralmente encontrados
no pâncreas (5cm vs. 2,5cm no duodeno), embora a malignidade seja de igual
incidência para os tumores primários do pâncreas e duodeno (65%). Doença me-
tastática está presente na maioria dos pacientes no momento do diagnóstico. A
incidência anual é de um caso por 40 milhões de habitantes. Ocorrem esporadica-
mente em 93% dos casos e em 7% deles são observados em conjunto com NEM1.
A neurofibromatose e o feocromocitoma estão associados à forma duodenal do
somatostatinoma. Nenhuma predileção racial foi identificada, e homens e mulhe-
res são igualmente afetados. A maioria dos pacientes diagnosticados encontra-se
na quarta, quinta ou sexta década de vida.
8.5.1. Tratamento
A ressecção cirúrgica é a única opção que pode oferecer cura. Os objetivos da ci-
rurgia são os mesmos de qualquer neoplasia endócrina pancreática, como segue:
670
gastrocólico expõe o corpo e a cauda do pâncreas. Essa porção pode ser parcial-
mente elevada para fora do retroperitônio, dividindo-se os anexos retroperitoneais
inferiores à glândula. Depois que a segunda porção do duodeno foi mobilizada
usando a manobra de Kocher, a cabeça do pâncreas e o processo uncinado são
palpados bimanualmente. O fígado é cuidadosamente avaliado para presença de
metástases. Embora os somatostatinomas sejam menos propensos a se originar
de locais extrapancreáticos do que os gastrinomas, os potenciais locais de tumor
extrapancreático devem ser avaliados. Isso inclui inspeção, palpação e exame ul-
trassonográfico do duodeno, hilo esplênico, intestino delgado (e seu mesentério),
linfonodos peripancreáticos e, em mulheres, o aparelho reprodutivo.
Lesões benignas pequenas (< 2cm) do ducto pancreático principal podem ser
enucleadas. A pancreatectomia regional geralmente é necessária para tumores que
estão profundos na glândula pancreática (e, portanto, próximos ao ducto princi-
pal), têm cápsulas mal definidas ou são grandes (> 2cm). Os tumores no corpo ou
na cauda do pâncreas podem ser tratados com pancreatectomia distal, enquanto
as lesões na cabeça ou no processo uncinado da glândula podem ser ressecadas
por meio de pancreatoduodenectomia. Os tumores no colo do pâncreas podem
ser tratados com pancreatectomia do segmento médio (sutura do coto pancreático
proximal e drenagem do ducto pancreático distal por meio de pancreaticogastros-
tomia ou pancreaticojejunostomia).
Cirurgia citorredutora associada à ressecção de metástases hepáticas pode ser
indicada em pacientes com doença metastática limitada ao fígado.
A terapia sistêmica do somatostatinoma metastático geralmente consiste no trata-
mento combinado com 5-FU e estreptozotocina. Somatostatinomas são muito raros;
portanto, avaliar a eficácia da quimioterapia é difícil, embora até 50% dos pacientes
tenham manifestado uma resposta bioquímica e clínica objetiva com essa modalidade.
Doxorrubicina e o 5-FU também têm sido usados e podem ser uma combinação mais
eficaz. Embolização hepática paliativa ou quimioembolização é outra opção de trata-
mento para pacientes com doença metastática hepática irressecável.
Medidas gerais para aliviar os sintomas são de suma importância em pacien-
tes com doença metastática que têm sintomas persistentes apesar do tratamento
cirúrgico e/ou quimioterápico, bem como naqueles com somatostatinomas irres-
secáveis. A implementação de medicamentos de suporte, como agentes antidia-
béticos e extrato de enzimas pancreáticas, pode trazer benefícios no controle dos
sintomas. O diabetes geralmente é controlado com agentes hipoglicemiantes orais
e raramente requer o uso de insulina. A suplementação de enzimas pancreáticas é
útil para reduzir diarreia e esteatorreia.
8.6. Sumário
As diretrizes do National Comprehensive Cancer Network (NCCN) reco-
mendam a ressecção como o tratamento primário para a maioria dos P-NETs
671
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
8.6.2. Gastrinoma
• Controle da hipersecreção gástrica com inibidores da bomba de prótons: con-
siderar octreotida ou lanreotida;
• Tumores ocultos: observação ou cirurgia exploratória, incluindo duodenoto-
mia e ultrassom intraoperatório com enucleação; ressecção local se os tumores
forem identificados e linfadenectomia;
• Tumores duodenais: duodenotomia e ultrassonografia intraoperatória com
ressecção local ou enucleação e linfadenectomia;
• Tumores na cabeça do pâncreas: os tumores exofíticos ou periféricos re-
querem enucleação e linfadenectomia; tumores mais profundos, invasivos ou
aqueles próximos ao ducto pancreático principal requerem duodenopancrea-
tectomia;
• Tumores distais: pancreatectomia distal com ou sem esplenectomia.
672
8.6.3. Insulinoma
• Estabilizar os níveis de glicose com dieta e/ou diazóxido; everolimo pode ser
considerado;
• O tratamento primário é a enucleação. Considerar ressecção laparoscópica
para tumores solitários;
• Tumores mais profundos ou invasivos ou aqueles próximos ao ducto pancre-
ático principal requerem pancreatoduodenectomia se localizados na cabeça e
pancreatectomia distal laparoscópica se localização distal, com preservação do
baço para tumores menores.
8.6.4. Glucagonoma
• Tratar hiperglicemia e diabetes;
• Tumores localizados na cabeça do pâncreas: pancreatectomia com e linfade-
nectomia;
• Tumores distais: pancreatectomia distal e linfadenectomia;
• Considerar anticoagulação perioperatória devido ao aumento do risco de
embolia pulmonar.
8.6.5. VIPoma
• Reposição hidroeletrolítica;
• Tumores localizados na cabeça do pâncreas: enucleação ou duodenopancre-
atectomia e linfadenectomia;
• Tumores distais: pancreatectomia distal e linfadenectomia.
673
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
T Tumor primário
* Limitado ao pâncreas significa sem invasão de órgãos adjacentes. Extensão do tumor ao tecido adiposo peripan-
creático não é base para estadiamento
*Nota: Tumores múltiplos devem ser designados como tal (classificação T do maior tumor):
Se o número de tumores é conhecido, utilize T (número de tumores)
Se o número de tumores é desconhecido ou muito numeroso, utilize (m)
674
N Linfonodos regionais
Nx Linfonodos regionais não podem ser acessados
N0 Sem metástase linfonodal regional
N1 Metástase linfonodal regional
N Linfonodos regionais
Nx Linfonodos regionais não podem ser acessados
*Nota: Adicione (sn) quando o acometimento linfonodal foi identificado por biópsia de linfonodo sentine-
la e (f) quando identificado por biópsia por agulha fina ou core biopsy.
M Metástase à distância
cM0 Ausência de metástases à distância
cM1 Evidência de metástases à distância
cM1a Metástase confinada ao fígado
cM1b Metástase em pelo menos um sítio extra-hepático
cM1c Metástase hepática e extra-hepática
pM1 Metástase à distância confirmada microscopicamente
pM1a Metástase confinada ao fígado, confirmada microscopicamente
Metástase em pelo menos um sítio extra-hepático, confirmada
pM1b
microscopicamente
pM1c Metástase hepática e extra-hepática, confirmada microscopicamente
Estadiamento T N M
Estágio I T1 N0 M0
Estágio II T2-T3 N0 M0
Estágio III T4 N0 M0
Estágio III Qualquer T N1 M0
Estágio IV Qualquer T Qualquer N M1
675
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Doença Doença
Locorregional Metastática
676
A maioria dos tumores é clinicamente silenciosa, mas podem causar dor
ou obstrução intestinal, perda de peso, massa palpável ou, raramente, per-
furação intestinal. A síndrome carcinoide ocorre quando a carga humoral
excede a capacidade da monoamina oxidase (MAO) presente no fígado e
no pulmão para metabolizar a serotonina. A maioria dos pacientes com sín-
drome carcinoide tem metástases hepáticas, embora, em casos raros, a carga
humoral de um tumor primário possa sobrecarregar o fígado e a capacidade
dos pulmões de metabolizar a serotonina. Mais rara ainda é a síndrome car-
cinoide que se desenvolve em pacientes com tumores malignos não carcinoi-
des e dermatomiosite.
9.1. Tratamento
Se possível, o tratamento de escolha para TNEs do intestino delgado é a ente-
rectomia segmentar com linfadenectomia. A técnica cirúrgica pode variar de acor-
do com o tipo ou localização do tumor. Quando a ressecção total não é possível, a
citorredução pode fornecer alívio sintomático.
677
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
T Tumor primário
*Nota: Adicione (m) para múltiplos tumores; para múltiplos tumores com diferentes Ts, usar o maior estadiamento
N Linfonodos regionais
*Nota: Adicione (sn) quando o acometimento linfonodal foi identificado por biópsia de linfonodo sentine-
la e (f) quando foi identificado por biópsia por agulha fina ou core biopsy.
678
M Metástase à distância
M Metástase à distância
Estadiamento T N M
Estágio I T1 N0 M0
Estágio II T2-T3 N0 M0
Estágio III T4 N0 M0
679
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
680
decisão entre excisão local ou amputação abdominoperineal, respeitando os crité-
rios previamente descritos para ressecção local1,55,58.
A sobrevida em cinco anos nos TNEs de reto do Surveillance, Epidemiology,
and End Results (SEER) é de 97% para pacientes em estágio I, 84% para estágio II
e 20% para estágio III62.
T Tumor primário
*Nota: Adicione (m) para múltiplos tumores; para múltiplos tumores com diferentes Ts, usar o maior estadiamento.
681
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
N Linfonodos regionais
*Nota: Adicione (sn) quando o acometimento linfonodal foi identificado por biópsia de linfonodo sentine-
la e (f) quando foi identificado por biópsia por agulha fina ou core biopsy.
M Metástase à distância
682
cM1b Metástase em pelo menos um sítio extra-hepático
Estadiamento T N M
Estágio I T1 N0 M0
Estágio IIA T2 N0 M0
Estágio IIB T3 N0 M0
Estágio IIIA T4 N0 M0
683
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Nova EDA
6 - 12 meses
Negativa Positiva
Segmento
EDA: endoscopia digestiva alta; RAR: ressecção anterior do reto; RAP: ressecção abdominoperineal;
684
Todos outros TNEs do Reto
RM ou USG Transretal
T1 T2 - T4
685
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
686
apresenta comportamento mais agressivo, com pior prognóstico e apresenta-
ção já com disseminação peritoneal e ovariana. A sobrevida em cinco anos é
de 55% em doença localizada, 21% em doença com disseminação regional e
7% com doença à distância60,63,67. Devido ao comportamento agressivo e pior
prognóstico, devem ser tratados com colectomia direita associada à linfa-
denectomia e salpingooforectomia bilateral em pacientes do sexo feminino,
independentemente da idade 65.
T Tumor primário
687
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
N Linfonodos regionais
*Nota: Adicione (sn) quando o acometimento linfonodal foi identificado por biópsia de linfonodo sentinela e (f)
quando foi identificado por biópsia por agulha fina ou core biopsy.
688
M Metástase à distância
Estadiamento T N M
Estágio I T1 N0 M0
Estágio II T2-T3 N0 M0
Estágio III T4 N0 M0
689
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
TNE do apêndice
Re-operação Considerar
Colectomia Direita
Everolimus ou Sunitnib ou
1777Lu-DOTA ou QT Sistêmica ou
Progressão Terapia Hepática
(TACE/Radioablação/
Quimioembolização)
690
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693
SARCOMAS PRIMÁRIOS DO
RETROPERITÔNIO
21
Carlos Eduardo Rodrigues Santos
Daniel Cesar
694
1. INTRODUÇÃO E EPIDEMIOLOGIA
Sarcomas de partes moles são tumores raros que representam 1% a 2% de todos
os tumores malignos sólidos. Somente 10% a 20% desses tumores estão localizados
no retroperitônio e a incidência é de 0,3-0,4 casos por 100.000 pessoas nos EUA.
Os sarcomas de retroperitônio têm pico de incidência entre a quinta e a sexta
década de vida, apesar de ocorrer em qualquer idade.
Não há dados específicos sobre os sarcomas primários do retroperitônio no
registro de tumores brasileiro e americano; mil casos novos de sarcoma de re-
troperitônio são diagnosticados anualmente. Entre 1998 e 2008, 66.587 pacientes
com câncer foram tratados no Instituto Nacional do Câncer (Inca), e destes, 1.530
(2,3%) apresentavam sarcomas1.
2. PATOLOGIA
Em grandes séries de pacientes com neoplasia de retroperitônio, mais de 50% mos-
traram ser de origem mesenquimal. A biologia desses tumores é semelhante à de outros
sarcomas e com grande diferença para os cânceres do trato gastrointestinal. Metástases
para linfonodos são muito raras e somente Zornig descreveu esse achado em 20% dos
casos2. Metástases à distância (pulmão e fígado) são também infrequentes e ocorrem
mais em tumores de alto grau após um longo tempo de crescimento do tumor primário3.
Devido à biologia desses tumores e sua localização anatômica, manifestam-se tar-
diamente e, frequentemente, com invasão de estruturas retroperitoneais contíguas. Es-
ses fatores podem tornar a ressecção cirúrgica difícil ou até mesmo impossível.
Em adultos, as variedades histológicas mais constantes são: lipossarcoma e leio-
miossarcoma4-8, em proporções equivalentes, seguidas de fibrossarcoma, schwanno-
ma e histiocitoma fibroso maligno, entre outros. Estes dois últimos tipos estão sendo
diagnosticados com maior frequência atualmente2. As maiores séries de sarcomas de
retroperitônio têm mostrado uma maior incidência de lipossarcomas5,6. Os sarcomas
695
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
3. DIAGNÓSTICO
Aproximadamente 55% dos tumores retroperitoneais são sarcomas, 40% são
linfomas e o restante, tumores urogenitais, benignos e metástases4. Em virtude da
localização e pobreza dos sintomas, os tumores do retroperitônio normalmente se
apresentam como grandes massas. Os sintomas mais presentes são dor abdominal,
desconforto ou massa palpável indolor10,11. Sinais neurológicos, ascite ou sintomas
gastrointestinais são pouco comuns. Em alguns pacientes, febre moderada e dis-
creta leucocitose ocorrem devido à necrose central de grandes tumores7.
Em nosso estudo, as queixas mais comuns foram dor abdominal (62,6% dos
pacientes) e massa abdominal (51,7% dos pacientes)2.
Sinal/sintoma Frequência
Tumor abdominal 40-70%
Aumento do volume abdominal 40%
Desconforto abdominal 40%
Alteração neurológica 30%
Ascite 15%
Alterações gastrointestinais 10%
Febre/leucocitose Raro
Hemorragia digestiva Raro
Hipoglicemia Raro
696
Majoritariamente, os sarcomas de retroperitônio são descobertos no exame
físico. Com o aumento da disponibilidade e da difusão dos exames de imagem,
os sarcomas de retroperitônio estão sendo descobertos como achados inciden-
tais em TC, RM ou USG. A maioria dos pacientes com massa retroperitoneal
tem diagnóstico diferencial relativamente limitado. Neoplasias de outros ór-
gãos retroperitoneais (incluindo duodeno, adrenal e rim) são normalmente
fáceis de distinguir das massas de partes moles extraviscerais em exames de
imagem. Ocasionalmente, o grande tamanho das lesões retroperitoneais deslo-
ca os órgãos de suas localizações anatômicas, fazendo com que fique difícil sua
localização de origem. A maioria das massas primárias únicas, extraviscerais
do retroperitônio é composta por sarcoma. Raramente um tumor primário
de célula germinativa, linfoma ou câncer testicular metastático pode ter uma
apresentação de massa primária do retroperitônio. A TC de abdome e pelve
normalmente fornece uma imagem satisfatória do tumor (RM ocasionalmente
é usada). Estudos radiográficos adicionais, como arteriografia ou cavografia,
são raramente indicados, sendo utilizados em alguns casos para melhor plane-
jamento do tratamento cirúrgico.
Observa-se atualmente interesse no uso do PET-CT (positron emission to-
mography) para acompanhamento de pacientes com sarcomas de retroperi-
tônio, particularmente para recorrência local e doença metastática. Embora
estudos preliminares tenham encorajado seu uso, o custo elevado e a dispo-
nibilidade limitada dos PET scanners têm restringido seu uso. Sendo assim,
atualmente o PET-CT pode ser usado quando disponível, podendo ser muito
útil, mas com diferenciações malignas nos pacientes com múltiplos nódulos
como na neurofibromatose11,12.
O papel do diagnóstico histológico antes do tratamento é controverso. Em ins-
tituições em que a abordagem cirúrgica é diagnóstica e terapêutica, a avaliação
tumoral e da ressecabilidade são feitas por meio dos exames de imagem. Entre-
tanto, para pacientes com doença localmente avançada e lesões irressecáveis, o
diagnóstico histológico pré-operatório pode ser considerado.
4. ESTADIAMENTO
O estadiamento dos sarcomas de partes moles de retroperitônio foi atualizado
na 8ª edição do American Joint Committee on Cancer (AJCC) em 2017. O sistema
de estadiamento segue a classificação Tumor, Linfonodo e Metástase (TNM) e es-
tratifica os grupos por prognósticos relacionados ao status da doença no momento
do diagnóstico. Diferentemente da maioria dos tumores sólidos, especialmente os
adenocarcinomas, os sarcomas são estadiados considerando fatores histológicos
do tumor, como grau de diferenciação histológica, necrose tumoral, índice mitóti-
co e diferenciação tumoral.
697
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
T Tumor primário
T1 Tumor ≤ 5cm
N Linfonodos regionais
M Metástase à distância
698
G Grau histológico
0 Ausência de necrose
699
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Van Dalen et al. propõem no seu estudo uma nova classificação pós-opera-
tória para pacientes com sarcoma primário de retroperitônio (I: baixo-grau/
ressecção completa/ausência de metástases; II: alto grau/ressecção completa/
ausência de metástases; III: qualquer grau/ressecção incompleta/ausência de
metástases; IV, qualquer grau/qualquer ressecção/metástases à distância). O
valor prognóstico desse sistema de classificação foi analisado em um grupo
de pacientes multicêntrico (GPM) com sarcoma de partes moles primário do
retroperitônio (n = 124) e em uma coorte de pacientes tratados em um único
centro de referência terciária (GCU; n = 107). Foram obtidos nesse estudo
os seguintes resultados: no GCU, as taxas de sobrevida específica em cinco
anos foram de 89%, 40%, 26% e 17% para as classes I, II, III e IV, respectiva-
mente (p < 0,001), em comparação com 68%, 46%, 24% e 0% no GPM (p <
0,001). Van Dalen et al. concluíram em seu estudo que a classificação baseada
em grau, ressecção completa e metástases à distância oferece uma avaliação
prognóstica reproduzível e que pode ser utilizada para avaliar as estratégias
de tratamento em pacientes com sarcoma de partes moles primário do retro-
peritônio 13.
5. TRATAMENTO
5.1. Cirurgia
Todos os pacientes com sarcoma de retroperitônio com possibilidade de res-
secção devem ser submetidos à laparotomia. Uma ampla incisão mediana ou
transversal com o paciente em posição supina é a abordagem mais utilizada
para ressecção tumoral. Para sarcomas em quadrantes superiores, uma incisão
toracoabdominal oferece uma excelente abordagem e exposição do tumor, em-
bora apresente maior morbidade pós-operatória. Outras abordagens menores
no flanco (lombar ou retroperitoneal posterior) podem ser usadas em sarcomas
pequenos e localizados1.
O planejamento cirúrgico deve envolver a completa ressecção do tumor, órgãos
e estruturas adjacentes infiltradas, devendo os órgãos adjacentes ser poupados no
caso de possibilidade anatômica ou ausência de invasão tumoral aparente – fato
comprovado em nossa casuística comparando as sobrevidas e recidiva das cirur-
gias compartimentais de princípio e as não compartimentais1.
Em sarcomas do retroperitônio muito grandes com componente cístico
importante, uma descompressão intraoperatória usando aspiração pode redu-
zir o tamanho do tumor e facilitar a dissecção, devendo-se estar atento para a
não contaminação tumoral da cavidade nesse procedimento. Se o aparelho de
700
ultrassonografia intraoperatória (UIO) estiver disponível na sala de cirurgia,
será de grande ajuda não somente para avaliar a relação entre o tumor e es-
truturas adjacentes, mas para diagnosticar a presença de metástases hepáticas.
A aplicação da UIO é particularmente importante nas relações anatômicas
(especialmente na localização dos vasos) que sofrem uma mudança consi-
derável em sua anatomia habitual devido ao volume tumoral14. A abordagem
cirúrgica apropriada é a ressecção em bloco dos órgãos invadidos pelo tumor
(estômago, intestino, pâncreas, fígado, baço etc.). Quando houver infiltração
da veia cava, esta poderá ser ressecada sem necessidade de reconstrução caso
tenha ocorrido abaixo das veias renais e a invasão vascular pelo tumor te-
nha resultado no desenvolvimento de uma rede externa de veias colaterais.
O conceito básico chamado de ressecção local alargada com uma margem
de tecido normal (cirurgia compartimental) é difícil de ser atingido no es-
paço retroperitoneal, especialmente em grandes tumores infiltrantes, e não
se mostrou superior na taxa de recidiva ou sobrevida em nossa casuística.
Re- ressecções para recorrência tumoral podem e devem ser realizadas várias
vezes, e sempre que possível, por anos, com bons resultados em longo prazo e
aumento na sobrevida. Em ressecções incompletas ou parciais são fortemente
recomendadas15,16. Alguns autores sugerem que as ressecções para sarcomas
de crescimento rápido g3 (especialmente na recorrência) possuem alto risco
intraoperatório de disseminação tumoral e maior probabilidade de produzir
metástases a distância2.
A ressecabilidade não mudou significativamente nos últimos 20 anos5-7,17, e os
melhores resultados de ressecabilidade da última década estão entre 50% e 90%
em comparação com as taxas de 1980, 38% a 73%. Nas últimas três décadas, as
taxas de radicalidade variaram de 32% a 80% (tabela 3).
Em nossa casuística, a taxa de ressecabilidade foi de 83,5%, e a radica-
lidade entre os ressecados de 55,3%, com 60,4% dos pacientes ressecados
com ressecções de órgãos associados, totalizando 124 órgãos ressecados em
associação, mas somente 33,9% destes órgãos estavam realmente invadidos
na análise histopatológica, o que não impactou, em nossa série, na sobrevida,
sugerindo que devemos deixar a ressecção dos órgãos adjacentes em grandes
massas para os casos em que há grande suspeita de invasão tumoral direta ou
incapacidade técnica de realizar essas ressecções sem incluir esses órgãos, o
que muitas vezes ocorre na inclusão tumoral do rim e segmentar dos meso-
cólons. Nosso tempo médio de cirurgia foi de 5h30. Em 38,5% das ressecções
houve hemotransfusão (média de 900ml), mortalidade de 6,6% e morbidade
de 30,8%3,9.
701
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Número Sobrevida
Ressecção
Autor Ano de em cinco Localidade
completa
pacientes anos
Localidade: MH, Memorial Hospital, New York; MSKCC, Memorial Sloan Kettering Cancer Center, New
York; MCV, Medical College of Virginia; RPC, Roswell Park Center, Buffalo; NCI, National Cancer Institu-
te; UF, University of Florida College of Medicine, Gainsville.
702
5.2. Quimioterapia
Os resultados com o tratamento sistêmico são desanimadores. Na década de
1980, alguns autores publicaram suas experiências com quimioterapia neoadju-
vante7 e adjuvante18. Nenhum benefício na sobrevida foi relatado. Dados mais re-
centes não permitiram mudanças nesse ponto de vista. Tucci et al.19 descreveram
dois casos de remissão completa com o uso de adriamicina e ciclofosfamida com
um acompanhamento prolongado. Sugarbaker et al.20 relatou que adriamicina in-
traperitoneal pode aumentar a sobrevida e diminuir a recidiva dos sarcomas retro-
peritoneais. Outros autores têm sugerido uma influência negativa na sobrevida em
regimes quimioterápicos21, aumentando o risco de morte nos pacientes.
5.3. Radioterapia
Pisters e O’Sullivan relatam que a radioterapia pré-operatória possui algu-
mas vantagens quando comparada à pós-operatória por algumas razões:
• A margem tumoral é mais bem definida, sendo possível um melhor planeja-
mento terapêutico;
• O tumor desloca as alças intestinais para fora do campo terapêutico, minimi-
zando a exposição visceral a doses tóxicas;
• Baseado nos princípios tradicionais em radioterapia para sarcomas, a dose de
radiação necessária para ser biologicamente efetiva é menor quando usada no
pré-operatório. Além disso, o tumor é tratado in situ antes da possível contami-
nação neoplásica da cavidade abdominal, que pode ocorrer durante a cirurgia23.
703
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
6. SEGUIMENTO
O objetivo da detecção precoce da recidiva tumoral incide no fato de que seu
reconhecimento e tratamento (local ou à distância) podem prolongar a sobrevida.
Pacientes com sarcomas de retroperitônio possuem uma tendência à recorrência
local tão frequente quanto de metástases à distância.
A maioria das recidivas dos sarcomas de retroperitônio ocorre durante os dois
primeiros anos após o término da terapêutica. Sendo assim, os pacientes podem
ser acompanhados com uma história clínica e um exame físico completo a cada
três meses, além de uma TC de tórax, abdome e pelve de seis em seis meses durante
esse período de risco. O intervalo de acompanhamento pode ser prolongado para
cada seis meses, com a solicitação de exames de imagem (TC de tórax, abdome e
pelve) anualmente, do 3° ao 10o ano de seguimento.
7. PROGNÓSTICO
A sobrevida global em cinco anos varia segundo a série descrita (tabela 4), mas
gira em torno de 40-50%. Taxas de recorrência local chegam a até 68%28 naqueles
acompanhados por mais de dez anos, dependendo de ser tumores primários ou re-
correntes na apresentação inicial. A diferença mostrada provavelmente relaciona-
-se com o período em que os pacientes foram operados, já que, em séries recentes,
704
as taxas de sobrevida têm aumentado, assim como as de ressecabilidade. Em um
estudo com 500 pacientes do MSKCC, a média de sobrevida foi de 72 meses para
pacientes com apresentação primária da doença, 28 meses para pacientes com re-
corrência local e 10 meses para pacientes com doença metastática29.
Sobrevida em 5 Sobrevida em 10
Autor N° de pacientes
anos anos
Karakousis
68 34% -
(1985)
Bevilaqcua
80 53% -
(1990)
Karakousis
90 63% 46%
(1995)
705
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
706
Tabela 5. Grau de diferenciação tumoral e sobrevida em cinco anos nos
estudos de sarcomas do retroperitônio5.
Karacousis
87 88% 48%
(1996)
707
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Outros fatores têm sido estudados como fatores prognósticos nos últimos anos,
mas não especificamente para sarcomas de retroperitônio. Wurl et al.33 correla-
cionaram, em 198 pacientes (incluindo pacientes com sarcomas de retroperitô-
nio), cinco anticorpos para pesquisa imuno-histoquímica de p53 e concluíram que
em três deles havia relação com sobrevida. Além do p53, existem estudos mostran-
do que a fração da fase-S do ciclo celular, determinada por meio de citometria de
fluxo de DNA, também se correlaciona com a sobrevida, sendo menor quando esta
se encontra acima de 4%. A atividade de proliferação celular determinada através
de Ki-67 e Ki-S1 provavelmente será um fator adicional para determinação do
prognóstico, considerando-se de pior prognóstico aqueles tumores com altos ín-
dices proliferativos.
Apesar da identificação dos fatores prognósticos, a sobrevida livre de doença
e global só será melhorada após o desenvolvimento de novas abordagens tera-
pêuticas que complementem o tratamento cirúrgico12. Sendo assim, esses fatores
prognósticos poderão servir para selecionar quais pacientes se beneficiarão com
essas novas abordagens.
No nosso estudo, em análise univariada3,9, nenhuma significância estatística foi
encontrada em termos de sobrevida global para a presença de história familiar po-
sitiva de câncer, sintomas como dor ou massa, idade acima ou abaixo da mediana
(52 anos), sexo, raça, tratamento adjuvante (radioterapia e/ou quimioterapia), tipo
de histologia e ressecção associada de outros órgãos. O diâmetro do tumor ([12cm
ou B12cm) foi quase significativo (p = 0,06).
A significância estatística foi encontrada para a diferenciação de células tu-
morais ([G1 + G2] vs. [G3 + GX]), p = 0,001, ressecção curativa (R0) ou cirurgia
paliativa (R1 + R2), p = < 0,001, transfusão de sangue intraoperatória, p = 0,001, e
re-ressecção (n = 73), p = < 0,001.
Na análise multivariada de Cox, apenas a ressecção radical [p = < 0,001 (CI
95% = 0,198–0,595)] e grau histopatológico [p = 0,017 (IC 95% = 0,288–0,887)]
provou ser significativo para variáveis independentes. Tamanho do tumor [p =
0,053 (IC 95% = 0,993–3,551)], idade [p = 0,061 (IC 95% = 0,357–1,024)] e trans-
fusão de sangue [p = 0,063 (IC 95% = 0,974–2,762)] tiveram significância estatís-
tica marginal na análise multivariada.
Quando analisamos a razão de risco, observamos que a ressecção radical (HR
= 0,343) tem um fator de risco próximo a 3:1 e grau histopatológico (HR = 0,505)
tem um risco fator próximo a 2:11.
708
Algoritmo 1. Tratamento dos sarcomas de retroperitônio.
Sarcoma Retroperitôneo
Biópsia
Re-estadiamento
Ressecável Irressecável
RXT-IO: radioterapia intraoperatória; QT: quimioterapia; RXT: radioterapia; R0: margens cirúrgicas
livres, ausência de doença residual.
709
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Resultado/Margens Cirúrgicas
R0 R1 R2
Considerar Re-operação
RXT Pós-operatória não para tumores de
indicada. Apenas para RXT baixo grau ou bem
pacientes selecionados diferenciados
Seguimento:
TC ou RM
3/3 ou 6/6 meses até 5o ano
RXT: radioterapia; R0: margens cirúrgicas livres, ausência de doença residual; R1: margens cirúrgicas
comprometidas, doença residual microscópica; R2: doença residual macroscópica.
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711
TUMORES ESTROMAIS
GASTROINTESTINAIS (GIST)
Marcus Valadão
713
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
2. EPIDEMIOLOGIA
Nos Estados Unidos, a incidência dos casos de GIST alcança aproximadamente
5.000 novos casos por ano. Na Europa, estimou-se a incidência anual em 11-14 ca-
sos novos por milhão de habitantes. No Brasil, os dados referentes à incidência de
GIST não são individualizados no anuário do Instituto Nacional do Câncer (Inca),
dificultando com isso a mensuração e adequada compressão do comportamento
dessa patologia na população brasileira. Alguns dos fatores responsáveis pela pro-
vável subestratificação podem estar associados ao baixo índice de notificação aliado
ao acesso limitado de recursos diagnósticos em grande parte do território nacional,
bem como a falta de sistematização dos mesmos8,9,10,11.
Os tumores estromais, especificamente os casos de GIST, são responsáveis por
80% de todos os tumores mesenquimais gastrointestinais, ocorrem em toda a ex-
tensão do trato digestivo e estatisticamente são mais frequentes no estômago (60%
a 70%), intestino delgado (20% a 30%), cólon e reto (5%). A faixa etária mais aco-
metida se encontra na sexta década de vida, sendo fenômeno raro o acometimento
dos extremos de idade, e atinge igualmente ambos os sexos12,13.
714
Tabela 1. Estimativa do potencial de malignidade5.
5-10 <5
715
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Contagem
Tamanho Estômago Duodeno Jejuno/Íleo Reto
Mitótica
≤ 2 cm * * * Alto
*Casos raros
**Campos de grande aumento
Miettinen M, Lasota J. Semim Diagn Pathol. 2006 May;23(2):70-83.
4. MANISFESTAÇÃO CLÍNICA
As manifestações clínicas relacionadas ao desenvolvimento dos casos de GIST
são muitas vezes inespecíficas e estão diretamente relacionadas com o tamanho e
localização tumoral. Ou seja, variam desde casos assintomáticos diagnosticados
de forma ocasional até hemorragias digestivas e volumosas massas palpáveis19. O
arsenal propedêutico para realização do diagnóstico de GIST envolve: tomografia
de abdome e pelve para avaliar extensão da doença, bem como identificar a pre-
sença de metástases hepáticas ou peritoneais, além de endoscopia digestiva alta
para diagnosticar lesões subepiteliais ou lesões com expressão intraluminal20. A
avaliação histológica é fundamental nos casos de doença metastática ou nos casos
em que é aventada a possibilidade de imatinibe neoadjuvante.
716
5. TRATAMENTO
O planejamento terapêutico do GIST é fundamentado na determinação da
extensão da doença primária e na presença ou não de metástases à distância. Ob-
jetivamente, a única modalidade francamente capaz de proporcionar a cura é a
ressecção cirúrgica criteriosa, evitando-se roturas capsulares e alcançando com
isso margens cirúrgicas livres analisadas em exame histopatológico de congelação
intraoperatória. A premissa básica que norteia o tratamento cirúrgico do GIST é
a obtenção de margens livres de doença, mas não existe consenso relativo à di-
mensão da margem ideal, podendo variar desde ressecções segmentares, princi-
palmente nos casos de acometimento gástrico, até ressecções multiorgânicas nos
casos de extensão aos órgãos circunjacentes15. Acredita-se que 1cm seja margem
de segurança suficiente. A ruptura capsular espontânea ou durante ato cirúrgico é
fator de mal prognóstico independente. Dessa forma, a manipulação cirúrgica do
tumor deve ser cuidadosa para se evitar a rotura tumoral. O envolvimento nodal
é evento incomum (4% a 10%) e, consequentemente, a linfadenectomia deve ser
realizada apenas na suspeita de doença linfonodal macroscópica15,21,22.
No que diz respeito ao tipo de abordagem cirúrgica, a abordagem laparoscópi-
ca pode ser utilizada no tratamento cirúrgico de GISTs menores que 5cm, tendo o
cuidado para se evitar a rotura tumoral iatrogênica durante o procedimento23,24,25.
Em caso de GISTs gástricos maiores que 2cm, estes devem ser ressecados devido à
dificuldade de se predizer o prognóstico pela biópsia endoscópica pré-operatória.
Em relação aos GISTs gástricos menores que 2cm, não há consenso na literatura
quanto à indicação de ressecção cirúrgica, havendo alguns defensores do acompa-
nhamento26. Porém, o comportamento biológico do GIST é variável e, apesar do
estabelecimento de critérios de pior prognóstico, os casos de GIST devem sempre
ser considerados como lesões potencialmente malignas, haja vista que até mesmo
nos casos de tumores menores que 2cm e menos de cinco mitoses por cinquenta
campos de grande aumento (baixo risco) estes podem recorrer após tratamento ou
mesmo evoluir com disseminação à distância27-29.
Em relação aos GISTs de outros sítios anatômicos, o tratamento deve ser sem-
pre a ressecção cirúrgica.
A análise histológica no pré-operatório vem ganhando espaço ao longo das
últimas duas décadas graças ao desenvolvimento de técnicas endoscópicas e maior
acessibilidade a elas. Porém, essa avaliação se mantém prejudicada em lesões me-
nores que três centímetros, visto que, por conta do baixo potencial de replicação
celular, há a necessidade invariável da ressecção completa do tumor para o real
estabelecimento dos fatores prognósticos30.
Até vinte anos atrás, o tratamento cirúrgico era a única abordagem terapêutica
para casos de GIST, uma vez que as terapias sistêmicas e a radioterapia eram inefi-
cazes. Entretanto, o conhecimento relativo à cascata de imunorreatividade ineren-
te ao surgimento da célula cancerígena foi responsável pelo desenvolvimento de
717
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
718
O tratamento sistêmico pode preceder a abordagem cirúrgica em casos
selecionados, como doenças localmente avançadas, metastáticas ou mesmo
irressecáveis, no intuito de reduzir o volume tumoral – consequentemente, a
morbidade inerente a amplas ressecções. Apesar da terapia neoadjuvante ser
bastante atraente, uma vez que 85% dos casos serão quimiossensíveis. Até o mo-
mento, não se conseguiu provar com clareza se os pacientes tiveram o resgate
cirúrgico influenciado pela neoadjuvância. Diante disso, pontua-se que a terapia
neoadjuvante nos casos de GIST pode ser utilizada em casos nos quais a redução
tumoral favoreça uma cirurgia menos extensa e que requeira acompanhamento
de taxas de resposta criteriosas a fim de não postergar o tratamento cirúrgico
quando factível42-48.
Conforme discutido, casos de tumores subepiteliais que se assemelham ao
GIST e com imagens sugestivas de metástase à distância devem ter seu diagnóstico
histológico confirmado. Diante desse quadro, a terapia inicial com imatinibe deve
ser indicada, pois, a depender da resposta ao inibidor de tirosina quinase – imati-
nibe 1ª linha –, pode haver benefício no tratamento cirúrgico de resgate49.
O padrão de recidiva dos casos de GIST envolve peritônio e fígado. Segundo
dados do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, 40% dos pacientes conside-
rados R0 após ressecção primária desenvolveram recidiva, sendo 50% deles para
peritônio e 75% para fígado, obtendo sobrevida média de aproximadamente 15
meses após o resgate cirúrgico26,50. Alguns estudos, apesar de possuírem casuís-
ticas de GIST metastático relativamente pequenas, associaram como real bene-
fício terapêutico do resgate cirúrgico direcionado para pacientes em vigência
de terapia sistêmica casos de doença estabilizada ou com progressão limitada.
Raut et al.46 avaliaram os benefícios da terapia cirúrgica de resgate e analisaram
69 casos de GIST em vigência de terapia sistêmica, seja em uso de imatinibe ou
sunitinibe. Os pacientes eram categorizados mediante resposta radiológica em
doença estabilizada (resposta parcial ou ausência de progressão), progressão li-
mitada e progressão generalizada. O seguimento de aproximadamente 15 meses
constatou a relação direta entre resposta radiológica e sobrevida, ou seja, apenas
os pacientes dos grupos de doença estabilizada e progressão limitada se bene-
ficiaram do resgate cirúrgico. DeMatteo et al.47 e Gronchi et al.48 apresentaram
resultados semelhantes. O melhor momento para submeter o paciente ao resgate
cirúrgico, embora não esteja claramente consolidado, acredita-se que seja tão
logo se obtenha resposta à terapia sistêmica com o inibidor de tirosina quinase.
Nesse momento, acredita-se que as taxas de ressecção R0 sejam maiores quando
comparadas aos casos em que se postergou a abordagem cirúrgica aguardando a
melhor resposta terapêutica50.
O seguimento dos pacientes operados, tendo ou não realizado neoadjuvância,
será definido pelos critérios que configuram alto risco para doença metastática ou
recorrente. São eles: tamanho, localização e taxa mitótica39.
719
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Imatinib
Cirurgia neoadjuvante Imatinib
Cirurgia
Considerar
Imatinib cirurgia
Controle adjuvante Sunitinib
em casos
selecionados
720
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722
723
NEOPLASIAS MALIGNAS DO
PERITÔNIO
724
1. INTRODUÇÃO
A incidência exata de neoplasia peritoneal primária e secundária não é conhe-
cida, uma vez que a maioria dos estudos realizados nesse âmbito reúne diferentes
patologias, utilizando-se métodos diagnósticos clínicos ou de imagem, o que não
permite a detecção de estágios iniciais da doença. Considerando todos os sítios pri-
mários de neoplasias, a literatura mostra que inicialmente 15% dos pacientes apre-
sentam carcinomatose peritoneal e 35% morrem de recorrência intraperitoneal1.
A carcinomatose peritoneal refere-se ao efluxo, implantação e disseminação
de um tumor, seja de forma localizada ou difusa, na camada serosa peritoneal,
bem como nas estruturas adjacentes da cavidade abdominal. Sua presença pode se
tratar de tumor de origem peritoneal em casos raros, ou indica um estágio clínico
avançado de neoplasia originada em outro sítio. Está mais comumente associada
a tumores ginecológicos e tumores do trato digestivo, que representam aproxima-
damente 90% dos casos2-4.
Os números variam de acordo com a patologia primária, sendo o câncer de có-
lon o mais representativo. As estimativas sugerem que, nessa neoplasia, a recorrên-
cia inicial no peritônio após uma cirurgia com intenção curativa é de 10% a 20%.
A disseminação peritoneal ocorre em 40% a 70% das recidivas totais e apenas 5%
a 8% apresentam uma doença estritamente localizada no peritônio1.
Há alguns anos, a carcinomatose peritoneal tinha um prognóstico adverso e era con-
siderada uma doença terminal. No entanto, houve mudanças na evolução da doença
após aprimoramento da citorredução e o surgimento de quimioterapia intraperitoneal.
A expectativa de vida é dependente da patologia de base: entre três e seis meses para
pacientes com carcinomatose peritoneal de origem gástrica, 11 a 21 meses para origem
colorretal e 14 a 24 meses para origem ovariana, em média1,5. O pseudomixoma peri-
toneal mostrou melhores taxas de sobrevida devido à biologia tumoral e sua resposta
ao tratamento multimodal com citorredução associada à quimioterapia intraperitoneal.
O acometimento peritoneal pode ser considerado, em alguns casos, uma disse-
minação locorregional, possibilitando a realização de ressecções peritoneais com
o objetivo de deixar o paciente livre de doença. O objetivo principal da abordagem
radical é eliminar completamente a doença por meio de citorredução somada à
quimioterapia intraperitoneal e/ou sistêmica. A citorredução deve ser minuciosa
e incluir liberação de aderências para possibilitar a adequada identificação de to-
dos os implantes tumorais e para que a quimioterapia, uma vez administrada, seja
distribuída homogeneamente entre as superfícies dos órgãos intra-abdominais6,7.
725
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
726
3. ESTADIAMENTO
Existem diferentes sistemas para quantificar a carcinomatose peritoneal. O
mais utilizado é o índice de carcinomatose peritoneal (PCI), que se baseia no ta-
manho e na distribuição quantitativa dos nódulos peritoneais. A cavidade abdo-
minal é dividida em 13 regiões e o volume da doença é determinado em todas as
regiões (figura 1). Após uma inspeção cirúrgica completa, a extensão da doença
é medida em relação a cada região, atribuindo-lhes um número (pontuação de
0 a 39). O PCI possui um valor prognóstico, além de estimar a possibilidade de
citorredução completa na abordagem cirúrgica. Um estudo publicou uma taxa de
sobrevivência em cinco anos de 50% para PCI < 10, 20% para 10–20 e 0% para
PCI > 205,7,10. Sugarbaker recomenda um manejo paliativo para PCI maior que 209.
PCI
12 10
Adaptado de: Castro-Mesta JF et al. Medicina Universitária. 2016;18(71):98-104.
727
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
Característica
Pontuação
laparoscópica
0 2
Carcinomatose envolvendo
uma área limitada (ao longo
Comprometimento peritoneal
Carcinomatose da goteira parieto-cólica
massivo irressecável com
peritoneal ou do peritônio pélvico) e
padrão miliar de distribuição
removível cirurgicamente por
peritonectomia
728
Característica
Pontuação
laparoscópica
0 2
Nenhum envolvimento
Infiltração Comprometimento neoplásico
neoplásico óbvio da parede
estomacal óbvio da parede gástrica
gástrica
Metástases
Nenhuma lesão superficial Qualquer lesão superficial
hepáticas
729
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
730
O diagnóstico consiste em anamnese e exame de imagem como tomografia,
porém não há marcadores tumorais específicos. O CA-125 e CA 15-3 podem estar
elevados, mas apresentam melhores resultados apenas como marcador para recor-
rência ou progressão da doença16,28,29.
Em virtude da baixa incidência, não existem ensaios clínicos randomizados que
avaliem as melhores estratégias de tratamento. Potenciais estratégias de tratamento
incluem quimioterapia sistêmica, imunoterapia e ressecção cirúrgica. Para seleção
dos casos candidatos, é usado o sistema PCI. A taxa de recorrência pós-citorredução
é de 40-50%. Nos casos inelegíveis à ressecção cirúrgica, porém com ascite refratária,
o HIPEC pode, em pacientes selecionados, fornecer uma forma eficaz de tratamento
paliativo. O uso de quimioterapia bidirecional ou quimioterapia aerossol pressuriza-
da intraperitoneal (PIPAC) para converter MPM irressecável em doença ressecável
também foi recentemente sugerido. O tratamento pode ser feito com uma combina-
ção de CRS e HIPEC. Os casos não elegíveis para o tratamento combinado são en-
caminhados à quimioterapia sistêmica, com prognóstico muito mais reservado16,26,28.
Entre os agentes quimioterápicos mais utilizados está o pemetrexedo isolado
ou associado à cisplatina. Janne et al. demonstraram sobrevida mediana de 13,1
meses para os pacientes tratados com esquema combinado de pemetrexedo e
cisplatina contra 8,7 meses quando utilizado apenas pemetrexedo. O tremelimu-
mabe apresenta-se como um promissor agente de segunda linha em pacientes com
MPM que progrediram com um regime à base de platina28,29.
Ainda não existe um esquema padronizado para neoadjuvância para MPM. Alguns
trabalhos demonstraram resultados promissores para diminuição da doença intraperi-
toneal irressecável. Em contrapartida, vários artigos não observaram nenhuma diferença
de sobrevida entre aqueles que receberam quimioterapia pré ou pós-operatória em com-
paração com nenhuma quimioterapia. A neoadjuvância poderá ter maior papel, objeti-
vando uma estratégia para elucidar o comportamento biológico do tumor26,28,29.
7. PSEUDOMIXOMA PERITONEAL
Pseudomixoma peritoneal (PMP) é caracterizado por ascite mucinosa secun-
dária a metástases peritoneais, geralmente originadas por tumor epitelial perfura-
do de apêndice. É uma doença rara (2-3 casos por milhão por ano), ainda pouco
compreendida, que em geral é dividida em baixo e alto grau30-31.
O tratamento ideal para PMP envolve cirurgia citorredutora associada a HI-
PEC, com bons desfechos em longo prazo. A seleção de pacientes candidatos a tal
tratamento é guiada predominantemente por exames de imagem, sendo escolhida
em geral a tomografia computadorizada com contraste. Mais recentemente, há evi-
dências sugestivas de que a elevação de marcadores tumorais (CEA, CA 19.9, CA
125) podem funcionar como preditores de pior prognóstico, sendo tais pacientes
potenciais candidatos à quimioterapia sistêmica após citorredução com HIPEC,
cirurgia “second look” ou maior vigilância clínica32-39.
731
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
8. CIRURGIA CITORREDUTORA
A cirurgia citorredutora, associada à quimioterapia intraperitoneal hipertér-
mica, desempenha papel importante no tratamento de neoplasias confinadas à
cavidade peritoneal. Essa abordagem combinada representa, hoje, um tratamento
com intenção curativa em pacientes selecionados, sendo padrão para as neoplasias
epiteliais de apêndice com pseudomixoma peritoneal e para mesotelioma perito-
neal maligno difuso17.
A seleção criteriosa de pacientes é a base da indicação de CCR e HIPEC. A roti-
na pré-operatória mínima sugerida inclui: exame físico, ecocardiograma, avaliação
de função respiratória, renal e hepática, avaliação do estado nutricional, definição
de extensão da doença com tomografia computadorizada multislice com contraste
e, se necessário, FDG-PET, ressonância magnética ou exploração laparoscópica.
Marcadores tumorais também são úteis e devem ser considerados (CEA, CA 19-9
e CA 125). Há também um consenso de que pacientes aptos para uma abordagem
cirúrgica de grande porte devem ser ASA ≤ II, performance status 0 a 2, sem co-
morbidades limitantes e com idade inferior a 65-70 anos18-22.
O diagnóstico histológico das lesões peritoneais é de extrema importância para
definição de proposta terapêutica. Há particularidades de cada doença primária, que
devem ser levadas em consideração no momento da tomada de decisão. Não devem
ser considerados para essa abordagem tumores com Ki-67 > 10% e PCI > 17-2017.
A extensão de doença é o fator prognóstico mais importante e pode ser estima-
da pelo PCI, que não deve ser usado como valor de corte absoluto, mas um critério
de predição da possibilidade de CRS. São fatores limitantes para indicação de CRS/
HIPEC metástases extra-abdominais, envolvimento maciço do intestino delgado
e/ou seu mesentério, pedículo hepático, ligamento gastro-hepático, comprometi-
mento linfonodal retroperitoneal grosseiro e obstrução ureteral ou biliar17.
A hemicolectomia direita não deve ser adotada de rotina para PMP resultante
de neoplasia mucinosa de apêndice de baixo grau, com baixo risco de recidiva e
sem envolvimento linfonodal. Peritonectomia apenas das áreas com evidência ma-
croscópica de doença é uma abordagem adequada, porém, nos casos de MPMD, é
recomendada peritonectomia parietal completa17.
As anastomoses devem ser realizadas antes de HIPEC para diminuir o tempo
de exposição da equipe ao quimioterápico. Ileostomias protetoras não são rotinei-
ramente recomendadas17.
Os cuidados perioperatórios devem incluir reposição volêmica guiada por
metas usando monitorização não invasiva, o uso de protocolos fast-track, princi-
palmente em pacientes sem anastomoses; pós-operatório imediato em UTI, uso
de ampicilina/sulbactam ou cefoxitina por 24 a 72h como antibioticoprofilaxia
devido ao alto risco de complicação infecciosa, com preferência por regime curto
de 24h, quando necessário antibiótico para tratamento, este deve ser guiado por
cultura; uso de antifúngico apenas se uma infecção por esse agente for presumida
732
e vacinação pré-operatória ou em até 14 dias da cirurgia anti-pneumocócica, in-
fluenza, meningocócica grupo C conjugada e Haemophilus influenzae tipo B17.
O fator prognóstico mais importante para CP de todas as origens é a qualidade
da citorredução. A doença residual após CRS é classificada pelo escore CCR. CCR-
0 indica sem doença macroscópica residual, CCR-1 apresenta nódulos residuais
≤ 2,5mm, CCR-2 nódulos entre 2,5mm e 2,5cm e CCR-3 tumor residual > 2,5cm.
Será indicada HIPEC para CCR 0 e 118,26.
9. HIPEC
O tratamento combinado de CRS e HIPEC já é validado para várias doen-
ças: MPMD, PMP e carcinomatose proveniente de câncer de apêndice e colorretal.
Ainda é discutível seu papel no câncer gástrico e de ovário18.
Um grande estudo multicêntrico francês incluindo 277 pacientes com PMP tra-
tados com CRS e HIPEC teve a sobrevida média não atingida, sendo maior que 100
meses. A sobrevida em cinco e dez anos foi de respectivamente 73% e 55%. Demons-
trou também aumento de sobrevida em pacientes com CP por adenocarcinoma de
apêndice submetidos a esse tratamento para mais de 80% em cinco anos. Em vários
estudos, pacientes selecionados com CP de origem colorretal com doença ressecável
já demonstraram benefício em sobrevida com esse tratamento combinado23.
CP por câncer de ovário pode se beneficiar de HIPEC, mas ainda há discus-
são quanto a essa indicação. Para CP de câncer gástrico, ainda está em estudo
nos países ocidentais. Os resultados oncológicos ainda são limitados, mas foi re-
portado prolongamento de sobrevida em várias séries de casos. Devido ao prog-
nóstico reservado, o tratamento não é indicado para CP por câncer de mama,
pâncreas, via biliar e fígado23,24.
A instilação de quimioterápico diretamente na cavidade peritoneal após uma
cirurgia citorredutora permite que este atue de forma mais eficaz na superfície
peritoneal doente, que não é bem vascularizada, dificultando a atuação de drogas
sistêmicas, antes mesmo que se formem aderências que não permitiriam a distri-
buição da droga por toda superfície. A barreira hemato-peritoneal não favorece
absorção sistêmica das drogas, portanto, altas concentrações podem ser usadas,
sem os efeitos deletérios de sua circulação no organismo22.
O racional para uso de hipertermia na administração de quimioterapia intra-
peritoneal é o efeito sinérgico entre as drogas citotóxicas usadas e o calor. O calor
causa diretamente lesão celular, atua aumentando o efeito de agentes antimitóticos
(ex: mitomicina, cisplatina, oxaliplatina), assim como aumenta sua penetração no
tecido tumoral, o que pode reduzir os mecanismos celulares de resistência à cispla-
tina e induzir a resposta imune anti-câncer17.
Há muitas variáveis nas formas de realizar a HIPEC: quimioterápico usado,
temperatura-alvo, técnica aberta ou fechada, melhor momento para anastomoses
(antes ou depois da infusão da QT) e tempo de infusão de drogas.
733
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
11. SEGUIMENTO
No Inca, desenvolvemos um checklist para programação cirúrgica dos pacien-
tes que passarão por HIPEC. Disponibilizamos a fim de divulgá-lo como ferra-
menta de padronização dessa modalidade terapêutica ainda pouco difundida.
734
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736
737
CORDOMAS SACROCCÍGEOS
Edmar Lopes
24
Maria Carolina Lopes Perdigão
Sarah Pinheiro
Viviane Amorim
Eduardo Linhares
Daniel Cesar
738
1. INTRODUÇÃO E EPIDEMIOLOGIA
Os cordomas são neoplasias que se originam nos remanescentes ectópicos do
tecido notocordal. É um tumor raro, com incidência anual de um caso por milhão
de pessoas, e representa 1-4% dos tumores primários ósseos. Acometem, na maio-
ria dos casos, adultos entre 40 e 70 anos, embora possam ser vistos em qualquer
idade. Cerca de 5% dos cordomas são diagnosticados em crianças. Por razões que
não são claras, os homens são afetados cerca de duas vezes mais que as mulheres.
Caucasianos e hispânicos apresentam maiores incidências. O tempo médio de so-
brevida global é de aproximadamente seis anos, com uma taxa de sobrevivência de
70% em cinco anos, caindo para 40% em dez anos1.
Essas neoplasias tendem a aparecer como uma massa lobulada com uma tex-
tura gelatinosa. Microscopicamente, essas massas compreendem cordas distintas
de células contidas em uma matriz mixoide. As características celulares patog-
nomônicas são células fisalíferas (“células-bolha”) que contêm vacúolos intraci-
toplasmáticos. Na imuno-histoquímica, esses tumores expressam uma proteína
chamada braquiuria, positividade para citoqueratinas, EMA, vimentina e, em
grau variável, para proteína S1002.
Os cordomas têm um crescimento lento, mas com comportamento local agres-
sivo por causar infiltração de tecidos adjacentes. Apresentam dupla diferenciação:
epitelial e mesenquimal. Localizam-se preferencialmente na coluna vertebral, des-
de a sincondrose esfeno-occipital até o cóccix, sendo mais frequentemente encon-
trado na região sacrococcígea (50%), na base do crânio – clivus (35%) e na coluna
vertebral (15%). São classificados histologicamente em três variantes: convencio-
nal (clássico), condroide e desdiferenciado. O cordoma convencional é o subtipo
histológico mais comum e é caracterizado por ausência de componente mesenqui-
mal ou cartilaginoso. Cordomas condroide apresentam componentes cartilagino-
sos e contabilizam 5% a 15% dos casos. Os subtipos desdiferenciados são os mais
agressivos com características de sarcomas pleomórficos de alto grau1.
O crescimento extracompartimental é frequentemente encontrado no mo-
mento do diagnóstico. A ocorrência de metástase é rara e geralmente para pul-
mões, fígado e ossos e é um evento tardio da doença, sendo, contudo, frequente
a recidiva local.
O tratamento curativo do cordoma é a remoção cirúrgica dos tumores, o que
pode resultar em morbidade perioperatória significativa e sequelas em longo pra-
zo. A radioterapia é constantemente usada no pós-operatório, mas a proximidade
739
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
2. APRESENTAÇÃO CLÍNICA
Devido ao padrão de crescimento lento, seus sinais e sintomas podem demorar
anos até se pronunciarem. O achado mais frequente nos pacientes com cordoma
é a dor secundária à compressão/destruição de estruturas nervosas e/ou órgãos
adjacentes devido ao crescimento tumoral e a agressividade pela infiltração de te-
cidos circunjacentes2.
Cordoma intracranial;
• Cefaleia;
• Dor no pescoço;
• Déficits neurológicos.
3. DIAGNÓSTICO
O diagnóstico do cordoma baseia-se na história clínica, exame físico e radio-
lógicos. Nos exames de imagem aparecem como lesões erosivas com calcificações
nos componentes de partes moles circunjacentes, além de exibirem extensa osteó-
lise. A presença de destruição óssea e a extensão extraóssea ajudam a diferenciar o
cordoma de outras entidades como osteossarcoma e osteocondroma4.
A ressonância magnética é o exame de eleição para avaliação desses tumores.
Apresentam intensidade de sinal baixo a intermediário em T1 com alta intensida-
de em T2. Aparecem muito brilhantes em T2 (hiperintensidade), provavelmente
740
por causa dos conteúdos fluidos dos componentes celulares vacuolados. A capta-
ção de contraste de forma heterogênea é descrita como aparência de favo de mel,
apesar de, em alguns casos, não haver captação. A obtenção de uma amostra para
análise patológica é fundamental para um diagnóstico final e deve ser feito antes
do início do planejamento do tratamento, geralmente por meio de uma biópsia
guiada por imagem. Técnicas de biópsia adequadas devem ser respeitadas, e deve
ser realizado em centros com experiência na execução e deve ser marcado o local
do procedimento da biópsia para posterior ressecção em bloco5.
A C
741
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
E F
A B
C D
742
Figura 3. RM nas sequências ponderadas em T2 (A) e T2 com saturação de
gordura evidenciando lesão com epicentro na 4ª e 5ª vértebras sacrais,
heterogênea e predominantemente hiperintensa. A lesão se estende
anteriormente ao espaço pré-sacral, rechaçando o reto e posteriormente
o canal vertebral, obliterando-o. Na imagem pesada em T1 com saturação
de gordura (C), a lesão apresenta foco hiperintenso (seta) que pode
corresponder a um conteúdo hemático ou de alto teor proteico. Na imagem
em T1 pós-contraste, a lesão apresenta discreto realce.
A B
D
C
743
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
4. TRATAMENTO
O tratamento do cordoma depende do tamanho e da localização, bem como
do fato de ter invadido nervos ou outro tecido. As opções podem incluir cirurgia,
radioterapia (RXT) – incluindo terapia de prótons –, radiocirurgia estereotáxica,
quimioterapia e terapias direcionadas. A base de sua terapia continua sendo a
ressecção cirúrgica, com o objetivo de ressecção total da doença. A excisão do
tumor em bloco demanda atenção especial sempre que possível, com objetivo
de reduzir as taxas de recorrência local. Ressecções radicais com margens livres
estão associadas a melhor sobrevida livre de recidiva e melhor sobrevida global.
Se o tumor não puder ser removido completamente, devido à localização ou à
proximidade de estruturas nobres, a adição de radioterapia adjuvante diminui a
chance de recidiva tumoral. O acompanhamento restrito é necessário devido à
alta taxa de recidiva desses tumores7.
4.1. Cirurgia
A excisão ampla com margem adequada é o tratamento padrão dessa patologia
e consiste na ressecção radical. A cirurgia nada mais é que a ressecção em bloco
do sacro (total ou parcial). Os cordomas abaixo da articulação sacroilíaca (S3)
são abordados pelo acesso posterior (sacra/transperineal) e acima da articulação
pelo acesso anteroposterior (abdômino-sacral). Pode ser necessária a realização
de sacrectomia acima de S3, incluindo parte da articulação sacroilíaca, o que re-
quer envolvimento multidisciplinar (neurocirurgia, cirurgia oncológica e cirurgia
plástica). A cirurgia radical com ressecção completa da lesão com margens livres
é um objetivo a ser sempre seguido, pois é a única forma de tratamento que pode
oferecer a cura8.
744
Os resultados de uma série retrospectiva com 138 pacientes consecutivos em
duas instituições italianas ao longo de um período de 28 anos mostraram que os
cordomas ocorreram no sacro (78%), na coluna lombar (15%) ou na coluna cer-
vical/dorsal (7%), nenhum na base do crânio. A ressecção cirúrgica foi a terapia
inicial em 130 casos (94%). Após seguimento médio de 12 anos, a sobrevida livre
de recidiva local em dez anos, a sobrevida livre de recidiva à distância e as taxas de
sobrevida global foram de 33%, 72% e 54%, respectivamente. Embora a cirurgia te-
nha sido complementada com RXT em 31% dos casos, as doses foram geralmente
mais baixas do que as usadas nas séries contemporâneas2.
745
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
746
4.2. Radioterapia
A radioterapia pode ser utilizada no contexto pré-operatório, intraoperatório,
pós-operatório ou paliativo. Cordomas são considerados tumores radiorresisten-
tes que requerem altas doses cumulativas de radiação (> 60 Gy) a fim de reduzir
as taxas de recorrências. No entanto, tais doses são um desafio a ser entregue por
técnicas convencionais pelo risco de exceder a tolerância de estruturas críticas
vasculares e neurológicas adjacentes ao tumor e causar sequelas irreversíveis. O
uso de RXT tem aumentado ao longo do tempo, particularmente com o avanço
das técnicas de radiocirurgia e uma maior disponibilidade do uso de terapia de
particulas. No Brasil, não temos disponíveis aparelhos que façam tratamento com
radioterapia com feixes de partículas carregadas de prótons/íon carbono9.
A radiocirurgia ou RXT estereotáxica fracionada é uma técnica na qual é possí-
vel entregar doses altas ablativas de radiação com uma precisão enorme, limitando,
assim, a toxicidades nas estruturas vizinhas ao alvo de tratamento. Essa técnica
requer alta tecnologia para ser realizada. Trabalhos têm mostrado benefício de
resultado oncológico com essa técnica10.
747
Tratado de Cirurgia Oncológica Gastrointestinal
5. SEGUIMENTO
O seguimento se dá por meio do exame físico, exames de imagem (radiografia,
ressonância magnética com ou sem TC) do sítio cirúrgico conforme indicação
clínica, imagem radiológica do tórax a cada seis meses por cinco anos, passando a
ser anualmente, com imagem abdominal13.
Cordoma Sacrococcígeo
Estadiamento + Biópsia
748
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