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Angelo P. Ferrari Jr.

2a EDIÇÃO

ATLAS DE ENDOSCOPIA DIGESTIVA


É uma grande satisfação apresentar a todos esta segunda edição do Atlas de Endoscopia Digestiva, revista
e ampliada. Certamente não foram abordados todos os aspectos da endoscopia, o que inviabilizaria qualquer
produção, até mesmo pelo caráter dinâmico de nossa especialidade.
Ainda assim, a idéia é apresentar, com ênfase em imagens, os aspectos mais freqüentes do diagnóstico e do
tratamento endoscópico utilizados em nossos serviços, suas possibilidades, seus resultados e suas complicações, e
os aspectos normais da endoscopia digestiva alta, colonoscopia, colangiopancreatografia retrógrada endoscópica e
enteroscopia. Estes aspectos são retratados em inúmeras imagens de estruturas normais e de suas variações.
Esta é uma obra voltada ao médico endoscopista de todos os níveis de experiência, e espero que possa servir Angelo P. Ferrari Jr.
como referência de conhecimento teórico e também para auxiliar na interpretação dos diferentes aspectos de nossa
especialidade. Qualquer médico, gastrenterologista ou não, que queira complementar seu conhecimento teórico da
fisiologia e patologia do aparelho digestório com imagens normais e das diferentes doenças, certamente vai poder

ATLAS DE
fazer bom uso das imagens disponíveis neste livro.
Esta obra é resultado do esforço de vários autores, que tenho a satisfação de chamar de amigos, e que não
pouparam esforços e tempo para transformar mais este sonho em realidade.

ENDOSCOPIA
Espero que todos gostem e aproveitem.

Angelo P. Ferrari Jr.

DIGESTIVA
Livre-Docente da Disciplina de Gastrenterologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
Gerente Médico do Setor de Endoscopia do Hospital Albert Einstein (SP).

a
2a EDIÇÃO
2 EDIÇÃO
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A editora e os autores deste livro não mediram esforços para assegurar dados corretos e informações precisas.
Entretanto, por ser a medicina uma ciência em permanente evolução, recomendamos aos nossos leitores recorrer
à bula dos medicamentos e a outras fontes fidedignas, bem como avaliar cuidadosamente as recomendações con-
tidas no livro em relação às condições clínicas de cada paciente.

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Professor Livre-docente da Disciplina de Gastrenterologia da Universidade Federal de
São Paulo (UNIFESP).
Chefe do Setor de Endoscopia da UNIFESP.
Gerente Médico do Departamento de Endoscopia do Hospital Israelita Albert Einstein.

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Atlas de Endoscopia Digestiva

Copyright © 2009 Editora Rubio Ltda.

ISBN 978-85-7771-034-8

Todos os direitos reservados.


É expressamente proibida a reprodução
desta obra, no todo ou em partes, sem
a autorização por escrito da Editora.

Produção
Equipe Rubio

Capa
Interface

Editoração Eletrônica
Futura

Ferrari Junior, Angelo Paulo (ed.)


Atlas de endoscopia digestiva – 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Rubio, 2009.

Bibliografia
ISBN 978-85-7771-034-8

1. Endoscopia digestiva. I. Título.


CDD 616.075

Editora Rubio Ltda.


Av. Churchill, 97 sala 203 – Castelo
20020-050 – Rio de Janeiro – RJ
Telefax: (21) 2262-3779 • 2262-1783
E-mail: rubio@rubio.com.br
www.rubio.com.br

Impresso no Brasil
Printed in Brazil

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Dedicatória

Muita gente foi importante para a concretização desta obra, e merece ser cita-
da aqui, mas gostaria de dedicar este livro a algumas pessoas em especial:

 aos nossos pacientes, sem os quais este livro não existiria;


 a todos que trabalham nas unidades de endoscopia (alunos, residen-
tes, enfermeiros e técnicos, pós-graduandos), e que de alguma manei-
ra colaboraram anonimamente;
 de forma muito especial à minha família e às minhas duas princesas,
Paula e Fernanda; e
 para alguém que ainda vai existir...

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Colaboradores

Adriana Vaz Safatle-Ribeiro


Médica Assistente do Serviço de Endoscopia do Departamento de Gastrenterologia do Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Mestre e Doutora em Cirurgia do Aparelho Digestivo pela FMUSP.

Carlos Kiyoshi Furuya Junior


Médico Colaborador do Serviço de Endoscopia do Departamento de Gastrenterologia do Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

Cynthia Maria Ribeiro Moraes Magalhães


Mestre em Gastrenterologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Especialista em Endoscopia Digestiva pela Associação Médica Brasileira – Sociedade Brasileira em Endoscopia
Digestiva (AMB-SOBED).

Erika Pereira de Macedo


Mestre em Gastrenterologia pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
Endoscopista do Hospital Israelita Albert Einstein.

Ermelindo Della Libera Junior


Professor Associado da Disciplina de Gastrenterologia na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

Fernanda Prata Martins


Doutora em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
Médica do Departamento de Endoscopia do Hospital Israelita Albert Einstein.

Frank Shigueo Nakao


Endoscopista da Disciplina de Gastrenterologia na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
Mestre em Gastrenterologia pela Disciplina de Gastrenterologia da UNIFESP.

Geraldo Vinícius Ferreira Hemerly Elias


Especialista em Endoscopia pela Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva (SOBED).

Gustavo Andrade de Paulo


Mestre em Gastrenterologia pela Universidade de Londres, Inglaterra.
Doutor em Gastrenterologia pela Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina
(UNIFESP – EPM).
Ex-estagiário do Serviço de Endoscopia da Clinique d'Alma, Paris, França.
Médico do Serviço de Endoscopia do Hospital Israelita Albert Einstein.

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Jean Rodrigo Tafarel
Pós-graduando da Disciplina de Gastrenterologia pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

José Celso Ardengh


Mestre e Doutor em Cirurgia pela Santa Casa da Misericórdia de São Paulo.
Ex-estagiário do Serviço de Endoscopia da Clinique d'Alma, Paris, França.
Médico Assistente do Serviço de Endoscopia e Ecoendoscopia do Hospital 9 de Julho, São Paulo.
Médico Assistente da Seção de Endoscopia Digestiva da Disciplina de Anatomia e Cirurgia do Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), da Universidade de São Paulo (USP).

Kendi Yamazaki
Médico Colaborador do Setor de Endoscopia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo (FMUSP).

Lix Alfredo Reis de Oliveira


Especialista em Endoscopia Digestiva pela Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva (SOBED).

Luciano Lenz
Pós-graduando da Disciplina de Gastrenterologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

Luiz Felipe Pereira de Lima


Médico Assistente do Serviço de Endoscopia e Ecoendoscopia do Hospital 9 de Julho, São Paulo.
Fellow em Ecoendoscopia do Instituto Paoli-Calmetes, Marselha, França.
Membro da Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva (SOBED).
Membro da Federação Brasileira de Gastrenterologia (FBG).

Manoel Ernesto Peçanha Gonçalves


Chefe do Serviço de Endoscopia do Instituto da Criança da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(FMUSP).
Médico Endoscopista do Hospital Israelita Albert Einstein.

Maria Rachel da Silveira Rohr


Doutora em Gastrenterologia pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
Médica Endoscopista da Disciplina de Gastrenterologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
Médica Endoscopista do Laboratório Fleury.

Marcelo Averbach
Doutor em Cirurgia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Cirurgião e Colonoscopista do Hospital Sírio-Libanês.

Marcelo de Souza Cury


Especialista em Endoscopia pela Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva (SOBED).
Doutor em Gastrenterologia pela Disciplina de Gastrenterologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

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Marcus Melo Martins dos Santos
Pós-graduando da Disciplina de Gastrenterologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

Mariceli Santos Costa


Especialista em Endoscopia Digestiva pela Associação Médica Brasileira – Sociedade Brasileira de Endoscopia
Digestiva (AMB-SOBED).

Paulo A. F. Pires Correa


Médico Cirurgião Responsável pelo Setor de Endoscopia do Hospital Sírio-Libanês.

Paulo Corrêa
Cirurgião e Colonoscopista do Hospital Sírio-Libanês.

Paulo Roberto Alves de Pinho


Doutor em Gastrenterologia pela Universidade de São Paulo (USP).
Especialista em Endoscopia Digestiva pela Associação Médica Brasileira – Sociedade Brasileira de Endoscopia
Digestiva (AMB-SOBED).

Paulo Sakai
Médico Supervisor do Serviço de Endoscopia do Departamento de Gastrenterologia do Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Professor Livre-docente do Departamento de Gastrenterologia pela FMUSP.

Rodrigo Azevedo Rodrigues


Pós-graduando da Disciplina de Gastrenterologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

Rogério Kuga
Médico Assistente do Serviço de Endoscopia do Departamento de Gastrenterologia do Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

Silvia Regina Cardoso


Médica Assistente do Serviço de Endoscopia do Instituto da Criança da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo (FMUSP).
Médica do Serviço de Gastrenterologia Pediátrica da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

Toshiro Tomishige
Médico Assistente do Setor de Endoscopia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo (FMUSP).
Diretor do Setor de Endoscopia do RDO Diagnósticos Médicos Ltda.

Wagner Colaiacovo
Chefe do Departamento de Endoscopia do Hospital de Câncer de Barretos – Fundação Pio XII.
Ex-assistente Estrangeiro do Centre Hospitalier Universitaire de Bicêtre, da Assistência Pública dos Hospitais
de Paris, Universidade de Paris, França.

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Introdução

A repercussão da publicação, há oito anos, do Atlas de Endoscopia Digestiva e o incentivo da Editora


Rubio levaram à idéia de uma segunda edição, que agora se torna realidade.
Planejar e editar um livro é tarefa árdua, que exige empenho de todos – autores, colaboradores e
editores – na organização dos diversos capítulos, na procura de imagens, na elaboração de texto atuali-
zado, tudo simultaneamente aos afazeres e responsabilidades diárias de cada um, já que “...o mundo não
pára...”, como alguém já cantou...
Mas a finalidade desta introdução não é lembrar as dificuldades encontradas por todos, mas sim
celebrar o sucesso da execução de nossa obra.
A atual edição conta com maior número de capítulos e de imagens, com os tópicos do nosso traba-
lho no dia-a-dia, porém não aborda toda a endoscopia, em razão de sua abrangência. Tem por objetivo
auxiliar os endoscopistas, independentemente do grau de experiência, na tomada de decisões em suas
atividades diárias. Gostaríamos que as imagens e textos que compõem esta obra pudessem realmente
participar da vida de cada um de nós.
Ao contrário da primeira edição, esta conta apenas com autores nacionais, que certamente juntaram
o que existe na literatura internacional com aspectos característicos da nossa cultura. Não poderia aqui
me furtar de agradecer a todos, e a cada um deles, pelo trabalho e tempo que dedicaram a este livro, e
sem o qual ele jamais se tornaria realidade. Meu muito obrigado sincero a todos.

Angelo P. Ferrari Jr.

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Sumário
1 ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO NORMAIS 1
Frank Shigueo Nakao • Marcelo de Souza Cury •
Angelo Paulo Ferrari

2 DOENÇA DO REFLUXO GASTROESOFAGIANO 17


Paulo Roberto Alves de Pinho •
Cynthia Maria Ribeiro Moraes Magalhães • Mariceli Santos Costa

3 NEOPLASIA AVANÇADA DE ESÔFAGO E ESTÔMAGO 59


Fernanda Prata Martins • Jean Rodrigo Tafarel •
Angelo Paulo Ferrari

4 LESÕES PÉPTICAS DE ESTÔMAGO E DUODENO 75


Frank Shigueo Nakao • Rodrigo Azevedo Rodrigues •
Geraldo Vinícius Ferreira Hemerly Elias •
Marcelo de Souza Cury • Angelo Paulo Ferrari

5 CÂNCER GÁSTRICO PRECOCE 93


Kendi Yamazaki • Toshiro Tomishige

6 HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA VARICOSA E NÃO-VARICOSA 101


Marcus Melo Martins dos Santos • Rodrigo Azevedo Rodrigues •
Ermelindo Della Libera Junior

7 GASTROSTOMIA ENDOSCÓPICA PERCUTÂNEA 127


Marcelo de Souza Cury • Frank Shigueo Nakao •
Angelo Paulo Ferrari

8 RETIRADA ENDOSCÓPICA DE CORPO ESTRANHO 135


Manoel Ernesto Peçanha Gonçalves • Silvia Regina Cardoso •
Gustavo Andrade de Paulo

9 VIAS BILIAR E PANCREÁTICA NORMAIS 145


Rodrigo Azevedo Rodrigues • Angelo Paulo Ferrari

10 CÁLCULOS BILIARES E PANCREÁTICOS – DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO 151


Fernanda Prata Martins • Angelo Paulo Ferrari

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11 DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DE ESTENOSES BENIGNAS DA
VIA BILIAR 175
Fernanda Prata Martins • Angelo Paulo Ferrari

12 PANCREATITES E SUAS COMPLICAÇÕES: DIAGNÓSTICO E


TRATAMENTO 197
Luciano Lenz • Maria Rachel da Silveira Rohr

13 NEOPLASIA BILIOPANCREÁTICA: DIAGNÓSTICO E


TRATAMENTO ENDOSCÓPICO 217
Wagner Colaiacovo • Maria Rachel da Silveira Rohr • Angelo Paulo Ferrari

14 COLONOSCOPIA NORMAL 247


Fernanda Prata Martins • Angelo Paulo Ferrari

15 DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS 259


Marcelo Averbach • Paulo Corrêa

16 HEMORRAGIA DIGESTIVA BAIXA 275


Marcelo Averbach • Paulo A. F. Pires Correa

17 RASTREAMENTO E DIAGNÓSTICO DO CÂNCER COLORRETAL:


PÓLIPOS E LESÕES PRECOCES 285
Lix Alfredo Reis de Oliveira • Fernanda Prata Martins •
Angelo Paulo Ferrari

18 PRÓTESES ENTERAIS 303


Erika Pereira de Macedo • Angelo Paulo Ferrari

19 ENDOSCOPIA DIGESTIVA PEDIÁTRICA 321


Manoel Ernesto Peçanha Gonçalves • Silvia Regina Cardoso •
Gustavo Andrade de Paulo

20 ECOENDOSCOPIA 335
Gustavo Andrade de Paulo • José Celso Ardengh •
Luiz Felipe Pereira de Lima

21 ENTEROSCOPIA 353
Adriana Vaz Safatle-Ribeiro • Rogério Kuga •
Carlos Kiyoshi Furuya Junior • Paulo Sakai

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Capítulo 1 Esôfago, Estômago e Duodeno Normais 1

Capítulo 1
ESÔFAGO, ESTÔMAGO E
DUODENO NORMAIS
Frank Shigueo Nakao • Marcelo de Souza Cury •
Angelo Paulo Ferrari

INTRODUÇÃO A orientação espacial do endoscópio durante um


exame pode variar bastante. Para fins didáticos e de do-
O exame endoscópico do esôfago, estômago e duodeno, cumentação, o campo visual do endoscopista pode ser
normalmente denominado endoscopia digestiva alta dividido em quadrantes ou conforme o mostrador de
(EDA) ou esofagogastroduodenoscopia, é um compo- um relógio: 12 horas representa um ponto superior, 6
nente indispensável do arsenal diagnóstico na prática horas um inferior, 3 horas à direita, e assim em dian-
médica. Trata-se de inspecção dinâmica e em tempo te. A orientação da imagem, em um aparelho de visão
real da superfície mucosa que reveste o esôfago, estô- frontal, segue a dos controles de deflexão da ponta do
mago, bulbo e segunda porção duodenais (no trato di- endoscópio. Freqüentemente, são utilizadas as marca-
gestório não operado). ções de distância no tubo de inserção para fins de loca-
Durante exame de rotina, a imagem gerada por lização: o endoscopista mede em centímetros a distân-
um videogastroscópio de visão frontal corresponde a um cia de determinado ponto no tubo digestório aos dentes
aumento do objeto observado de até 40 vezes. Ainda incisivos.
assim, as conclusões do endoscopista são baseadas na
presença ou ausência de alterações macroscópicas vi-
síveis no trajeto examinado. Técnicas como a magni- BOCA, FARINGE E LARINGE
ficação de imagem e a cromoscopia podem aumentar
a sensibilidade e a especificidade da EDA. O endosco- O endoscópio deve ser gentilmente introduzido através
pista ainda pode complementar o exame com coleta de do bocal de proteção na cavidade oral do paciente, onde
material para estudo citológico, anatomopatológico ou o endoscopista pode reconhecer, por visão direta, es-
microbiológico. truturas como a língua, palato e úvula. Logo adiante,
Ao longo do trajeto examinado, o endoscopista pode podem ser vistas estruturas da faringe e laringe (Figuras
observar movimentos peristálticos do tubo digestório. 1.1 e 1.2).
Eventualmente a EDA pode detectar sinais indiretos de A introdução do endoscópio às cegas deve ser evita-
alterações motoras do trato digestório. da, pois um segmento relativamente longo não é exami-
A EDA não se resume a um ato puramente mecâni- nado e há o risco de traumatismo, especialmente se há
co, nem à observação passiva dos achados. Há muitas lesões no trajeto.
doenças que podem, ao longo da sua evolução, apresen- Entre 15 e 18cm dos dentes incisivos (medidos no
tar alterações detectáveis à EDA, com ou sem repercus- tubo de inserção), encontra-se o músculo cricofarín-
são clínica. Os achados à EDA (tanto positivos como geo, onde o endoscopista pode encontrar alguma re-
negativos) podem influenciar drasticamente a conduta sistência à passagem do aparelho. Ele deve posicionar a
do médico assistente, além de demandar procedimen- ponta do aparelho na altura de um dos seios piriformes
tos diagnósticos e terapêuticos imediatos por parte do e, empurrando gentilmente o mesmo contra o múscu-
endoscopista. Ele também deve levar em consideração lo pode solicitar ao paciente realizar movimentos de
os dados de história do paciente para elaborar um laudo deglutição (dependendo do grau de sedação/aneste-
preciso, claro e coerente. sia). Durante a passagem do aparelho pelo cricofarín-

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2 Atlas de Endoscopia Digestiva

A C

B D

FIGURA 1.1 Seqüência de imagens captadas durante a passagem do endoscópio pela boca a hipofaringe. (A) Boca: observa-se a língua no
campo visual superior e o palato no inferior. (B) Visão da parede posterior da hipofaringe, com a base da língua às 12 horas. (C) Visão da
parede posterior da hipofaringe, com a extremidade cranial da epiglote no campo superior. (D) Laringe

geo pode haver perda momentânea de visão da luz do minar na cárdia, na altura da décima primeira vértebra
órgão (Figura 1.3). torácica, a cerca de 40cm dos incisivos.
A traquéia pode ser intubada inadvertidamente. O O esôfago não é um tubo reto nem regular. Duran-
endoscopista deve saber reconhecer o aspecto endos- te a passagem do endoscópico podem ser reconhecidos
cópico dessa estrutura e corrigir o posicionamento do abaulamentos causados pela aorta, brônquio fonte es-
aparelho (Figura 1.4). querdo e átrio esquerdo, ao redor de 30cm dos incisivos.
Abaulamentos pela aorta, câmaras cardíacas ou outras
artérias podem ser pulsáteis.
A mucosa esofagiana normal apresenta-se como
um revestimento de coloração rósea-pálida, variando
ESÔFAGO de esbranquiçado a acinzentado, liso e brilhante. Fre-
qüentemente são vistas numerosas elevações de poucos
O esôfago normal é um órgão tubular, medindo cer- milímetros, esbranquiçadas, de superfície irregular,
ca de 25cm, estendendo-se da faringe até o estômago. distribuídas ao longo do órgão, que correspondem a
Inicia-se cranialmente na altura da cartilagem cricóide acantose glicogênica. Vasos são vistos como delicadas
e da sexta vértebra cervical e, anteriormente à coluna linhas irregulares de coloração avermelhada com orien-
vertebral, atravessa o mediastino e o diafragma até ter- tação longitudinal (Figuras 1.5 e 1.6).

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Capítulo 2 Doença do Refluxo Gastroesofagiano 17

Capítulo 2
DOENÇA DO REFLUXO
GASTROESOFAGIANO
Paulo Roberto Alves de Pinho •
Cynthia Maria Ribeiro Moraes Magalhães • Mariceli Santos Costa

A doença do refluxo gastroesofagiano (DRGE) é defi- localizada na margem distal de uma região de maior
nida como afecção crônica decorrente da passagem re- pressão luminal, circular, situada na porção caudal do
trógrada, não forçada, de parte do conteúdo gastroduo- esôfago, com cerca de 20mm de extensão, chamada es-
denal para o esôfago e/ou órgãos adjacentes ao mesmo, fíncter esofagiano inferior, situada desde o plano do
acarretando variável expressão de sintomas e/ou sinais, diafragma até 20 a 30mm abaixo do mesmo. A mucosa
esofagianos e/ou extra-esofagianos, associados ou não esofagiana que reveste essa região do esfíncter esofagia-
a lesões teciduais macroscópicas. no inferior permite identificar vasos subepiteliais colo-
Cerca de metade dos indivíduos acometidos pela cados em paralelo e em disposição longitudinal na ex-
DRGE irá expressar lesões macroscópicas na mucosa tensão de 20 a 30mm, correspondendo à chamada zona
do esôfago. Número expressivo de portadores da DRGE de paliçada (Figura 2.2).
possui alterações anatômicas na junção esofagogástrica A união entre os epitélios escamoso do esôfago e
que facilitam a ocorrência desse refluxo. cilíndrico glandular do estômago é chamada linha Z,
O objetivo deste capítulo é sistematizar as informa- e habitualmente é bastante nítida. Essa junção epite-
ções geradas pela endoscopia digestiva alta diagnóstica lial pode ser ainda mais ressaltada pela aplicação tó-
no atendimento dos indivíduos com DRGE. pica da solução de Lugol na mucosa esofagiana, que
resulta no aumento do contraste entre os dois epitélios
(Figura 2.3).
O esôfago é um órgão com força de retração, e man-
ANATOMIA tém-se atravessando o hiato diafragmático com um
segmento intra-abdominal, por estar fi xado ao diafrag-
O esôfago é um órgão cilíndrico iniciado a 16cm da ma pelo ligamento ou membrana frenoesofagiana. Este
arcada dentária, com cerca de 25cm de extensão, com ligamento é uma reflexão de tecido conjuntivo, com fi-
compressões extrínsecas fisiológicas produzidas se- bras elásticas, localizado na fáscia subperitoneal que re-
qüencialmente pelo arco aórtico, pelo brônquio fonte veste a superfície abdominal do diafragma e forma uma
esquerdo e pelo átrio esquerdo. Inicia-se caudalmente bainha ao redor do corpo esofagiano distal, semelhante
ao músculo cricofaríngeo e atravessa o hiato diafrag- a um cone, atravessado longitudinalmente pelo corpo
mático para unir-se ao estômago cerca de 20mm abaixo do esôfago. Distalmente, o ligamento frenoesofagiano
do diafragma. O esôfago distal tem seu eixo longitudi- está fixado na face abdominal do diafragma e cranial-
nal desviado para a esquerda e anteriormente. mente no esôfago torácico inferior (Figura 2.4).
É revestido por epitélio escamoso estratificado, não Durante a deglutição há encurtamento do corpo
queratinizado, que apresenta, à endoscopia digestiva, esofagiano, e a junção esofagogástrica pode se deslocar
coloração clara, perolada, opaca, e fica bem distinto do cranialmente por até 20mm, retornando à posição de
epitélio gástrico que se apresenta na coloração verme- repouso após o final da deglutição. Também durante o
lho-alaranjada, citada freqüentemente como salmão esforço do vômito ou do soluço pode haver igual des-
(Figura 2.1). locamento cranial da junção esofagogástrica, e desde
A união dos dois tipos de epitélio identifica a jun- já fica dito que tais deslocamentos não são hérnia de
ção epitelial escamocolunar, e no indivíduo normal está hiato.

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18 Atlas de Endoscopia Digestiva

A A

B B

C C

FIGURA 2.1 (A a C) Anatomia endoscópica normal do esôfago FIGURA 2.2 (A a C) Anatomia endoscópica normal do esôfago,
e da junção esofagogástrica, salientando a junção do epitélio esca- salientando a vasculatura subepitelial, caracterizando a zona de
moso do esôfago com o epitélio colunar gástrico paliçada

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Capítulo 2 Doença do Refluxo Gastroesofagiano 19

Esfíncter Esôfago
esofagiano
inferior Diafragma
costal
Interno

Externo

Diafragma
crural

Ligamento Estômago
ou membrana
frenoesofagiana Junção
A escamocolunar

FIGURA 2.4 Representação esquemática da distribuição da


membrana frenoesofagiana ao redor do esôfago e da sua contribui-
ção para fi xação de parte do esôfago na cavidade abdominal

identificação da união entre o esôfago e o estômago, nos


indivíduos normais, se confunde com a união entre os
epitélios escamoso estratificado do esôfago e cilíndrico
glandular do estômago. Porém, em algumas situações
há deslocamento cranial ou caudal da união dos dois
tipos de epitélio e aí passa a ser importante saber onde
está a união muscular dos dois órgãos. A localização da
união entre o esôfago e o estômago é feita, então, pela
B identificação da terminação cranial das pregas gástri-
cas, empregando-se graus variáveis de distensão do es-
tômago durante a endoscopia digestiva (Figuras 2.5 a
2.7).
O esfíncter esofagiano inferior deve ser entendi-
do como estrutura complexa, havendo um primeiro
componente chamado intrínseco e correspondendo a
uma diferenciação funcional da musculatura circular
do corpo esofagiano distal, e um segundo componente
correspondendo à compressão dinâmica realizada pelo
pilar direito do diafragma, que forma o hiato diafrag-
mático (Figura 2.8).
A margem superior do componente interno do es-
fíncter esofagiano inferior é o responsável pela forma-
ção do anel A, descrito na radiologia – vide esquema a
seguir (Figura 2.9).1 O anel B está localizado na mar-
gem distal do esfíncter esofagiano inferior e deve cor-
C A responder à junção epitelial escamocolunar. O anel B
também corresponde ao anel de Schatzki (Figura 2.10),
FIGURA 2.3 (A a C) Anatomia endoscópica normal do esôfago, e pode estar associado a disfagia. A disfagia está pre-
acentuando a diferença de coloração entre o epitélio escamoso do sente em praticamente todos que apresentam o diâme-
esôfago e o epitélio colunar gástrico produzida pela aplicação da
tro do anel de Schatzki inferior a 13mm, e em 50% das
solução de Lugol
pessoas com diâmetro do anel de Schatzki entre 13 e
20mm. A distância entre o anel A e o anel B é chamada

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Capítulo 3 Neoplasia Avançada de Esôfago e Estômago 59

Capítulo 3
NEOPLASIA AVANÇADA DE
ESÔFAGO E ESTÔMAGO
Fernanda Prata Martins • Jean Rodrigo Tafarel •
Angelo Paulo Ferrari

CÂNCER DE ESÔFAGO Outros tumores mais raros são coriocarcinoma, me-


lanoma e sarcoma, os quais tendem a ocorre em áreas
O câncer de esôfago está entre os 9 cânceres mais co- mais distais do esôfago5 (Figura 3.2). Metástases de
muns no mundo, tendo sobrevida em 5 anos de 10% a outras neoplasias para o esôfago são raras, sendo mais
15%.1,2,3,4 Histologicamente, os 2 tipos mais comuns são comuns daqueles tumores localizados na faringe, pul-
adenocarcinoma e carcinoma espinocelular (CEC)1,5. mões e estômago.
O adenocarcinoma possui incidência crescente no oci-
dente, predominando em homens brancos e pessoas
com mais de 65 anos.5 Quando ocorre nos 5cm distais Clínica
do órgão é dito tumor da junção esofagogástrica.5 Esô-
fago de Barrett é o fator de risco mais relacionado ao A disfagia é o sintoma predominante em 90% dos ca-
seu desenvolvimento, aumentando em 30 a 100 vezes o sos e odinofagia em 50%.5 A disfagia começa para ali-
risco desta neoplasia em relação ao restante da popula- mentos sólidos e progride para os líquidos.5 Como os
ção.5 Outros fatores de risco para o adenocarcinoma são5,6 sintomas geralmente ocorrem quando a doença está
alterações dietéticas (especialmente a menor ingestão de avançada, é comum o encontro de metástases já ao
frutas e verduras), obesidade e refluxo gastroesofágico. diagnóstico.1 Pacientes com os seguintes sintomas, di-
O CEC é a neoplasia esofagiana mais freqüente, ape- tos sintomas de alarme, devem prontamente realizar
sar de alguns artigos já citarem que o adenocarcinoma endoscopia digestiva alta: 5 disfagia, emagrecimento
(Figura 3.1) ocupa esta posição.3,5,6 A incidência do CEC não intencional, vômitos persistentes, anemia ferropri-
é de 6:100.000 homens e 1,6:100.000 mulheres.5 Áreas va, anorexia, sangramento gastrintestinal alto, massa
de elevada incidência (>35:100.000) são encontradas na epigástrica, dispepsia persistente e de início recente em
China, Irã, Casaquistão e África do Sul.5 Sua localiza- pacientes com mais de 55 anos.
ção preferencial é o esôfago médio, seguido pelo esôfa-
go inferior e superior.1
Relaciona-se ao consumo abusivo de tabaco, álcool Diagnóstico e estadiamento
e também a síndrome de Plummer-Vinson (anemia
ferropriva, anel esofagiano e glossite), acalasia, tilose A endoscopia digestiva alta é o melhor método para o
palmar ou plantar, radiação ionizante, ingestão de erva- diagnóstico, sendo indicada a realização de biópsias,
mate, tumores da cabeça e pescoço, megaesôfago, este- preferencialmente de área não ulcerada, para confir-
nose cáustica do esôfago, papilomavírus (HPV), doença mação histológica.5,9 Se a aparência endoscópica sugere
celíaca e deficiência de selênio, vitaminas A e C. 5,6,7,8 neoplasia, mas o exame histopatológico não a confir-
A relação homem:mulher do CEC varia de 3 até 7:1 mou, deve-se considerar erro amostral ou lesão submu-
e ocorre mais freqüentemente após os 60 anos.5,6 Pode cosa e novas biópsias devem ser realizadas.5
apresentar invasão por contigüidade, continuidade, via A aparência endoscópica pode ser de lesão exofítica
hematogênica e linfática. Os órgãos mais atingidos pela (Figura 3.3) polipóide (Figura 3.4), ulcerada (Figura 3.5)
disseminação hematogênica são fígado, pulmões e ossos. ou infiltrativa (Figura 3.6).9 É importante documentar

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60 Atlas de Endoscopia Digestiva

FIGURA 3.1 Adenocarcinoma em esôfago distal

no laudo o tamanho da neoplasia, a localização de suas


margens (superior e inferior) e a distância da transição
esofagogástrica.9
A endoscopia digestiva alta (EDA) também permite
classificar os adenocarcinomas da junção esofagogás-
trica em 3 tipos de acordo com sua localização.5 Tipo
I localizado entre 1 e 5cm da cárdia, Tipo II entre 1cm
acima e 2cm abaixo da cárdia e Tipo III, localizado 2 a
5cm abaixo da cárdia (adenocarcinoma gástrico).
No esôfago de Barrett, a realização de cromoen-
doscopia com azul-de-metileno, NBI (narrow band
imaging; técnica que utiliza filtros ópticos em vez de
corantes) ou a utilização de autofluorescência (uso
de luz com baixo comprimento de onda, como o ultra- B
violeta, para ativar fluoróforos endógenos) destacam o
relevo mucoso e assim aumentam a chance de detecção
FIGURA 3.2 (A) Linfoma de esôfago. (B) Tumor carcinóide de
de neoplasias.2,9
esôfago
Broncoscopia pode ser útil para avaliar invasão de
via aérea em tumores localizados no terço superior.5
Esofagograma contrastado (Figura 3.7 e 3.8) foi
muito utilizado no passado para investigação da disfa- zação de punções com agulha fina de linfonodos suspei-
gia mas vem perdendo espaço para a endoscopia. Hoje, tos e de lesões localizadas na submucosa.1,5
sua utilização limita-se basicamente à delimitação da A tomografia computadorizada (TC) de tórax e ab-
extensão de lesões estenosantes para programação te- dome superior é um ótimo exame para o estadiamento
rapêutica. TNM, sendo melhor para a determinação do compro-
O ultra-som endoscópico é um ótimo exame para es- metimento nodal (N) e presença de metástases a dis-
tadiamento locorregional, permitindo detectar o nível de tância (M).5 Os sítios mais comuns de metástases são
comprometimento nas diferentes camadas no órgão.9,10 fígado, pulmões, adrenais e peritônio.5 A ressonância
A muscular própria esofágica aparece como uma linha nuclear magnética não acrescenta benefício adicional
hipoecóica (branca). Esta é uma região importante, pois ao estadiamento em relação a TC.5
tumores que a alcançam são classificados como T2 e as- A tomografia com emissão de positrons é um teste
sociam-se a alta chance de metástase nodal comparados funcional, que não mostra alterações anatômicas, mas
aos tumores T1. Sua acurácia é de 80% na detecção de que serve para procurar doença metastática (especial-
linfonodos comprometidos.6,9 Também permite a reali- mente após tratamento quimio ou radioterápico).1,5

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Capítulo 3 Neoplasia Avançada de Esôfago e Estômago 73

FIGURA 3.19 Radiografia contrastada delimitando extensão da linite plástica

A C

FIGURA 3.20 (A) Recidiva de lesão neoplásica após gastrecto-


mia, evidenciada por radiografia contrastada – nota-se dilatação
proximal. (B) Mesmo paciente após colocação de prótese metálica
auto-expansível – nota-se importante diminuição da dilatação. (C)
Aspecto radiográfico de prótese metálica auto-expansível colocada
B para re-estabelecer a luz do estômago, em paciente com grande neo-
plasia gástrica sem condições cirúrgicas

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Capítulo 4 Lesões Pépticas de Estômago e Duodeno 75

Capítulo 4
LESÕES PÉPTICAS DE
ESTÔMAGO E DUODENO
Frank Shigueo Nakao • Rodrigo Azevedo Rodrigues
• Geraldo Vinícius Ferreira Hemerly Elias
• Marcelo de Souza Cury • Angelo Paulo Ferrari

GASTRITES denotam inflamação da mesma. Pode ocorrer conco-


mitância de diferentes alterações da mucosa, sendo as
Dispepsia é a terceira queixa mais comum para o clíni- gastrites endoscópicas classificadas segundo os achados
co geral. Na sua investigação a endoscopia digestiva alta predominantes descritos pelo endoscopista. As altera-
é um dos exames complementares mais empregados. ções podem ser restritas ao antro, ao corpo ou difusos
Entretanto, é baixa a correlação entre quadro clínico, (pangastrite).
achados endoscópicos e estudo histopatológico quando O edema da mucosa gástrica é descrito quando o
se trata de “gastrite”. Pacientes e mesmo médicos usam o endoscopista observa discreta irregularidade e/ou opa-
termo para rotular sintomas dispépticos. Mucosa gástri- cificação da mucosa numa área mal delimitada de ex-
ca aparentemente normal à endoscopia pode alojar pro- tensão variável.
cesso inflamatório do ponto de vista histológico. Hipe- A hiperemia é o aspecto avermelhado da mucosa à
remia endoscópica de mucosa gástrica pode ser expres- endoscopia. Pode ser graduada subjetivamente de leve,
são de congestão vascular sem infiltrado inflamatório. moderada e intensa. Pode ser difusa ou localizada (áreas
A discussão sobre a propriedade do uso de jargão de hiperemia, pontilhado ou estrias). A hemorragia su-
histopatológico em endoscopia não é nova. O estudo bepitelial pode ser observada como pontos de coloração
histológico ainda é considerado o padrão-ouro no diag- vermelho-vivo na mucosa (Figura 4.1).
nóstico de inflamação da mucosa gástrica, e existem au- Erosões são soluções de continuidade da superfície
tores que defendem biópsias endoscópicas sistemáticas mucosa que atingem até a muscular da mucosa (as úlce-
de rotina do estômago como único método confiável ras ultrapassam esse limite). O diagnóstico diferencial
de diagnóstico. Por outro lado, é preciso lembrar que a entre erosões e úlceras está associado a alguma subjeti-
distribuição das doenças que podem afetar o estômago vidade: as erosões são mais superfíciais e em geral são
geralmente não é uniforme, tanto na camada mucosa múltiplas. As erosões podem ser arredondadas, elípti-
(onde normalmente as biópsias endoscópicas atingem) cas ou lineares. Podem ser planas ou elevadas. Podem
como através das diferentes camadas da parede gástri- ter seu fundo esbranquiçado (quando está recoberto
ca, propiciando erro amostral.
por fibrina), ou mesmo escurecido (quando houve san-
Ainda não há consenso sobre a melhor classificação
gramento recente – hematina). Muitas vezes pode ser
de gastrites. O sistema Sydney é o mais utilizado atual-
observado um halo de hiperemia ao redor de cada ero-
mente e preconiza biópsias de corpo (grande e pequena
são. Elas podem enfileirar-se ao longo de pregas muco-
curvatura), antro e incisura (grande e pequena curva-
sas. A intensidade desta alteração varia conforme seu
tura). Apesar disto, seu uso, sem as biópsias de rotina, é
disseminado entre os endoscopistas. número: leve (poucas), moderada (múltiplas) e grave
(inúmeras) (Figura 4.2).
A nodularidade caracteriza-se pela presença de inú-
meras elevações regulares, pequenas, ocupando gran-
Terminologia des áreas de mucosa gástrica e está associada à infecção
pelo H. pylori (Figura 4.3).
Pelo sistema Sydney, existem aspectos observados du- A mucosa gástrica inflamada pode apresentar-se
rante o exame endoscópico da mucosa gástrica que frágil, sangrando ao mínimo toque do endoscópio ou

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76 Atlas de Endoscopia Digestiva

A C

B D

E G

F H

FIGURA 4.1 (A a D): Antro com áreas esparsas de enantema. (E a H). Antro com várias áreas de enantema. (Continua)

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Capítulo 5 Câncer Gástrico Precoce 93

Capítulo 5
CÂNCER GÁSTRICO
PRECOCE
Kendi Yamazaki • Toshiro Tomishige

INTRODUÇÃO TABELA 5.1 – Classificação Macroscópica de Câncer


Gástrico Precoce
Dos tumores malignos do estômago, mais de 90% são
adenocarcinomas. Apesar de conhecida e descrita há • Tipo I, lesão elevada
muito tempo, o câncer gástrico continua ocasionando • Tipo II, lesão plana
alta mortalidade na maioria dos países, com exceção do • Tipo IIa, lesão plana levemente elevada
Japão, onde a sobrevida é maior que 60%, graças à alta • Tipo IIb, lesão plana
incidência de detecção precoce desta afecção. O cân- • Tipo IIc, lesão plana levemente deprimida, sem
ulceração
cer gástrico precoce foi definido pela Sociedade Japo-
• Tipo III, lesão escavada ou ulcerada
nesa para Pesquisa de Câncer Gástrico em 1962, como
câncer restrito à mucosa ou submucosa, independente Existem ainda lesões associadas (p. ex., IIa + IIc)
da presença ou não de metástase linfonodal.1 A difusão (Figura 5.5)
do conhecimento do câncer gástrico, principalmente
nas técnicas de detecção precoce pela escola japonesa,
tem aumentado gradativamente o diagnóstico precoce,
também nos países ocidentais. Algumas técnicas como
a cromoendoscopia e, entre outras novas tecnologias
como a endoscopia com magnificação, narrow banding
imaging(NBI)2 e autofluorescence imaging (AFI) vieram imagens digitais de alta definição, tem ajudado cada
a contribuir ainda mais na detecção e tratamento en- vez mais a detecção de lesões precoces. Mesmo com
doscópico das lesões gástricas precoces. estas tecnologias avançadas, alguns fundamentos de-
A classificação do câncer gástrico precoce, pelo aspec- terminados pela escola japonesa há várias décadas,
to morfológico, foi também estabelecida em 1962, sendo continuam válidos para a detecção do câncer gástri-
classificado em 3 tipos. Tipo I elevado de aspecto polipói- co na fase precoce.
de, tipo II plano e tipo III ulcerado. O tipo II foi subdi- O primeiro passo para o diagnóstico dessas le-
vidido em 3 subtipos: IIa lesão plana levemente elevada, sões precoces é identificar, durante a endoscopia, as
IIb lesão plana e IIc lesão plana levemente deprimida. Essa mínimas alterações que ocorrem na mucosa como:
classificação é baseada no aspecto endoscópico da lesão e alterações na cor (palidez ou hiperemia), alterações
não no resultado anatomopatológico (Tabela 5.1 e Figuras vasculares, e presença de discretas elevações ou de-
5.1 a 5.13). pressões.
Após identificar uma área suspeita, a utilização da
cromoscopia (corantes) ajuda a definir as pequenas al-
DETECÇÃO ENDOSCÓPICA E terações que a neoplasia ocasiona no relevo mucoso. O
CROMOENDOSCOPIA corante mais utilizado para a detecção do câncer gástri-
co precoce é o índigo-carmim (0,5% a 1%), um corante
O aprimoramento tecnológico dos recentes mode- de contraste que facilita a identificação, delimitação e a
los de videoendoscopia, os quais possibilitam obter classificação morfológica.

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94 Atlas de Endoscopia Digestiva

Mucosa

Submucosa

Muscular própria

A B Serosa

FIGURA 5.1 (A e B) Lesão tipo I (elevada)

Mucosa

Submucosa

Muscular própria

A B Serosa

FIGURA 5.2 (A e B) Lesão tipo IIa (plana elevada)

Mucosa

Submucosa

Muscular própria

A B Serosa

FIGURA 5.3 (A e B) Lesão tipo IIb (plana)

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Capítulo 5 Câncer Gástrico Precoce 95

Mucosa

Submucosa

Muscular própria

A B Serosa

FIGURA 5.4 Lesão tipo-IIc (plana deprimida)

Mucosa

Submucosa

Muscular própria

A B Serosa

FIGURA 5.5 (A) Tipo IIa + IIc (lesão plana, levemente elevada, com depressão e sem úlcera), (B) tipo IIc + III (lesão plana deprimida
com ulceração)

A B

FIGURA 5.6 (A) Adenocarcinoma bem diferenciado, tipo IIa. (B) Cromoendoscopia (índigo-carmim)

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Capítulo 6 Hemorragia Digestiva Alta Varicosa e Não-Varicosa 101

Capítulo 6
HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA
VARICOSA E NÃO-VARICOSA
Marcus Melo Martins dos Santos •
Rodrigo Azevedo Rodrigues •
Ermelindo Della Libera Junior

INTRODUÇÃO dinalmente na submucosa da parede esofágica, sendo


em geral mais proeminentes no terço distal, podendo
Considera-se hemorragia digestiva alta (HDA) qualquer estender-se abaixo da linha Z, em direção à cárdia. O
sangramento que tem origem proximal ao ângulo de esôfago distal deve estar bem insuflado com ar no mo-
Treitz (transição duodenojejunal). O papel do endosco- mento da avaliação3 (Figuras 6.1 a 6.9).
pista é fundamental no diagnóstico da causa da HDA, no A Sociedade Japonesa de Estudo da Hipertensão
estabelecimento do risco de ressangramento, na orienta- Portal definiu parâmetros para classificar endoscopica-
ção para o tratamento e principalmente na terapêutica mente as VE de acordo com os seguintes critérios.4
endoscópica definitiva. Na HDA raramente é necessário  Presença de sinais da cor vermelha (referentes a pe-
outro método diagnóstico que não a endoscopia. quenos vasos dilatados na superfície das varizes),
divididos em vergões (estrias avermelhadas), pontos
cereja (pequenos pontos menores que dois milíme-
HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA tros), hematocistos (grandes manchas vermelhas) e
VARICOSA vermelhidão difusa.
 Cor das varizes, podendo ser azuis ou brancas.
Introdução  Quanto ao calibre em F0 sem varizes; F1 vasos finos,
não tortuosos; F2 tortuosos, porém menores que 1/3
A hemorragia digestiva alta varicosa é complicação co- da luz do esôfago e F3 grossos e tortuosos, ocupando
mum e grave da hipertensão portal. Em pacientes com mais de 1/3 da luz do órgão.
diagnóstico de varizes de esôfago (VE), o risco de san-  Quanto à localização das VE – terço inferior do esô-
gramento em dois anos de acompanhamento é de 24% fago, terço médio e terço superior (acima da bifurca-
a 33%, com uma mortalidade de 30% a 50% nas pri-
ção traqueal).
meiras 6 semanas.1
 Todo paciente com diagnóstico de cirrose deve rea-
São fatores de risco independentes para sangramen-
lizar endoscopia digestiva alta para a investigação de
to varicoso o escore pela classificação de Child, o cali-
bre das VE e a presença de sinais da cor vermelha.2 VE. Em pacientes sem VE no exame inicial, nova en-
O risco de ressangramento também é alto, ocorren- doscopia deve ser realizada em 2 a 3 anos. Se forem
do em cerca de 70% dos pacientes não tratados em dois diagnosticadas VE de fino calibre, novo exame deve
anos de seguimento, com uma mortalidade em torno ser feito em 1 a 2 anos.5
de 30%.1

Tratamento endoscópico
Diagnóstico
O tratamento endoscópico pode ser utilizado na profi-
As VE aparecem como estruturas irregulares, serpi- laxia primária do sangramento varicoso, no controle do
ginosas, freqüentemente azuladas, correndo longitu- sangramento varicoso ativo e na profilaxia do ressan-

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102 Atlas de Endoscopia Digestiva

gramento, através de escleroterapia endoscópica (EtE) VE sejam erradicadas, o que normalmente ocorre após
ou ligadura elástica (LE). 2 a 4 sessões6 (Figuras 6.17 a 6.23).
A EtE consiste na injeção de um agente esclerosante Para pacientes com cirrose e VE sem antecedente de
(que induz trombose do vaso e inflamação dos tecidos sangramento, a profilaxia primária com a LE mostrou
adjacentes) no interior (técnica intravasal) ou adjacente ser mais efetiva na prevenção do sangramento que os be-
à variz (técnica paravasal). As injeções repetidas levam a tabloqueadores, porém sem melhora da sobrevida. Em-
inflamação da parede do vaso, da mucosa e submucosa bora exista uma tendência para o uso da LE na profilaxia
do esôfago, com fibrose do vaso e da parede esofágica, re- primária do sangramento, atualmente a LE é reservada
sultando em obliteração das varizes. Vários agentes escle- para pacientes que possuem alguma contra-indicação
rosantes podem ser utilizados (tetradecilsulfato de sódio, ou que não toleram o uso de betabloqueadores.5
morruato de sódio, oleato de etanolamina, polidocanol A LE é o tratamento de escolha na hemorragia vari-
ou etanol), com eficácia semelhante e bons resultados. cosa aguda e para o tratamento de erradicação das va-
As injeções devem ser iniciadas na junção esofagogástri- rizes de esôfago após o sangramento. Em relação a EtE,
ca ou imediatamente acima da mesma, na variz de maior a LE necessita de um número menor de sessões para a
calibre, prosseguindo de forma circunferencial. Novas erradicação, com menos complicações e menor taxa de
injeções podem ser feitas 2 a 5cm mais cranialmente, em ressangramento.7
alíquotas de 1 a 5mL6 (Figuras 6.10 a 6.12). Em comparação com a EtE, as úlceras associadas à
A EtE não deve ser utilizada na profi laxia primária LE são mais superficiais (Figuras 6.24 a 6.29). Porém,
devido a um aumento da mortalidade em alguns estu- existem relatos de sangramento maciço de úlcera após
dos. No entanto, trata-se de um tratamento eficaz na LE devido a desprendimento precoce do anel elástico,
hemorragia varicosa aguda, com controle imediato do geralmente em pacientes com graves alterações da coa-
sangramento em 85% a 90% dos casos. Injeções repe- gulação e grau avançado de disfunção hepática.8 Outras
tidas devem ser iniciadas com intervalos de 1 a 3 sema- complicações da LE são a bacteriemia, ruptura varicosa
nas até a erradicação das varizes, geralmente em 4 a 6 com sangramento, obstrução esofágica pelas VE liga-
sessões.6 das e impactação de alimentos, lacerações e perfurações
Complicações consideradas menores (dor torácica, esofágicas relacionadas ao uso do over-tube, que prati-
febre, disfagia, odinofagia e úlceras superficiais) são camente desapareceram com os instrumentos de liga-
muito comuns, ocorrendo em até 75% dos pacientes, dura múltipla.7
geralmente de 24 a 48 horas após a EtE e com resolu-
ção espontânea. Complicações maiores ocorrem em até
20% dos pacientes e incluem necrose esofágica, este- Varizes gástricas
nose, sangramento por úlcera, hematoma submucoso,
complicações extra-esofágicas como mediastinite, der- As varizes gástricas (VG) ocorrem em até 25% dos
rame pleural, bacteriemia e sepse, síndrome da angús- pacientes com HP, na maioria das vezes (90%) acom-
tia respiratória aguda, trombose de veias porta e mesen- panhadas de VE.3 Quando isoladas, podem estar asso-
térica7 (Figuras 6.13 a 6.16). ciadas a HP segmentar secundária a trombose da veia
A LE leva a hemostasia pela constrição do vaso no esplênica9 (Figuras 6.30 até 6.32).
ponto de ruptura ou próximo ao mesmo, levando a ne- O diagnóstico endoscópico de VG pode ser mais
crose isquêmica da mucosa e submucosa, seguida de difícil, principalmente nos casos de varizes pequenas e
formação de tecido de granulação e desprendimento isoladas, que podem ser confundidas com pregas gás-
do anel elástico junto com o tecido necrosado após 3 tricas. Geralmente as VG apresentam formato de cacho
a 5 dias, deixando no local uma úlcera rasa. A epiteli- de uva e coloração azulada. A classificação endoscópica
zação total ocorre em 14 a 21 dias, com troca completa mais utilizada é a proposta por Sarin, na qual as VG
das estruturas vasculares por tecido cicatricial. O dis- são divididas de acordo com a sua localização anatômi-
positivo de LE consiste de dois cilindros, adaptados na ca. As varizes gastroesofágicas (GOV) são aquelas lo-
ponta do endoscópio. A variz é aspirada para o interior calizadas no esôfago que se estendem para o estômago
do dispositivo e o anel elástico é liberado sobre a mes- pela pequena curvatura (GOV1) ou grande curvatura
ma. A ligadura deve ser iniciada logo acima da transição (GOV2). As varizes gástricas isoladas (IGV) podem ser
esofagogástrica ou na variz sangrando. Os anéis subse- localizadas no fundo gástrico (IGV1) ou em outros sí-
qüentes devem ser colocados em uma direção proximal tios do estômago e duodeno proximal (IGV2).3
de forma helicoidal, pelo menos um em cada variz. Ge- O sangramento por VG é responsável por até 30%
ralmente é feita com intervalos de 7 a 21 dias até que as das hemorragias varicosas, sendo geralmente de grande

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Capítulo 6 Hemorragia Digestiva Alta Varicosa e Não-Varicosa 103

volume. Apesar de 70% das VG serem do tipo GOV1, a LE ou com grau avançado de disfunção hepática, o risco de
maioria das hemorragias ocorre em pacientes com VG sangramento é maior. O ressangramento pode ocorrer em
dos tipos GOV2 e IGV1, ou seja, varizes de fundo gástri- até 75% dos pacientes.3 O tratamento baseia-se na redução
co. São considerados fatores de risco para o sangramen- da pressão portal através do uso de betabloqueadores.5
to de VG o calibre maior que 10mm, o grau de disfunção
hepática pelo escore de Child-Pugh e a presença de sinais
da cor vermelha nas varizes3 (Figuras 6.33 a 6.34).
HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA
Atualmente o tratamento das VG está indicado so-
mente em pacientes com sangramento ativo ou na pro- NÃO-VARICOSA
filaxia do ressangramento. Não há estudos avaliando
qualquer tipo de tratamento na profi laxia primária do A hemorragia digestiva alta não-varicosa (HDA não-
sangramento por VG.5 varicosa), ainda hoje ocupa um lugar de importância
O tratamento endoscópico no sangramento agudo é na prática clínica do gastroenterologista. Tem uma
a injeção de cianoacrilato.5 A taxa de parada do sangra- incidência anual entre 50 e 150 casos por 100.000 ha-
mento é de 93% a 100% dos casos, com ressangramento bitantes com mortalidade de cerca de 10%, podendo
de até 30%, sendo superior a outros métodos endoscó- chegar a 35% em pacientes hospitalizados com doen-
picos10 (Figuras 6.35 a 6.36). ças crônicas associadas. Pacientes com idade acima de
A prevenção do ressangramento por VG dos tipos 80 anos atualmente respondem por 25% dos casos de
GOV2 ou IGV1 deve ser realizada com injeções repe- HDA não-varicosa e 33% dos casos registrados em pa-
tidas de cianoacrilato até a obliteração dos vasos,5 o cientes internados. Este grupo de pacientes freqüente-
que ocorre em média após duas ou três sessões.10 Pa- mente apresenta doenças crônicas graves associadas que
cientes com varizes do tipo GOV1 podem ser tratados são consideradas como um fator de risco independen-
da mesma forma, havendo ainda as opções de LE ou te para mortalidade. Um estudo populacional recente
betabloqueadores.5 Os pacientes que apresentam falha aponta para redução na incidência de HDA não-varico-
terapêutica devem ser tratados com TIPS ou derivação sa, entretanto sem redução nas taxas de mortalidade e
portossistêmica cirúrgica.9 ressangramento, o que provavelmente está associado ao
envelhecimento das populações estudadas.13-14
A endoscopia digestiva alta (EDA) é o procedimento
de escolha para identificação e tratamento das causas
Gastropatia hipertensiva portal de HDA não-varicosa, com acurácia superior a 90%.15
Estima-se que em menos de 2% dos casos a endoscopia
A gastropatia hipertensiva portal (GHP) é o termo uti- não seja capaz de identificar a origem do sangramento.
lizado para descrever o aspecto endoscópico encontra- Estes pacientes têm maiores taxas de ressangramento,
do na mucosa gástrica de pacientes com hipertensão complicações, necessidade de cirurgia e mortalidade.16
portal. A fisiopatologia está relacionada com a diminui- As principais causas de HDA17 encontram-se lista-
ção do fluxo de sangue na mucosa gástrica, abertura de das na Tabela 6.1.
shunts arteriovenosos, isquemia da mucosa e aumento
do fluxo sanguíneo submucoso.11
O aspecto endoscópico pode ser dividido de acordo
TABELA 6.1 – Principais Causas de Hemorragia Digestiva Alta
com os critérios de McCormack12 em leve (padrão em
mosaico, fino pontilhado róseo ou hiperemia superfi- Diagnóstico Freqüência (%)
cial) ou intenso (manchas avermelhadas ou lesões he-
morrágicas difusas). O padrão em mosaico correspon- Úlcera duodenal 24,3
de a áreas de mucosa rósea ou avermelhada, separada Erosões gástricas 23,4
por uma fina rede esbranquiçada, lembrando pele de Úlcera gástrica 21,3
cobra. A GHP é mais comumente encontrada no fundo Varizes 10,3
e corpo gástrico, ocorrendo em 51% a 98% dos pacien- Mallory-Weiss 7,2
tes com hipertensão portal11 (Figuras 6.37 a 6.39). Esofagite 6,3
O sangramento agudo por GHP é de menor gravidade Duodenite erosiva 5,8
Neoplasias 2,9
que a hemorragia varicosa, sendo responsável por menos
Úlceras de boca anastomótica 1,8
de 10% das hemorragias agudas em pacientes com hiper- Úlcera esofágica 1,7
tensão portal.9 Acredita-se que em pacientes com GHP in- Miscelânea 6,8
tensa e difusa, que tenham realizado EE (Figura 6.40) ou

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Capítulo 7 Gastrostomia Endoscópica Percutânea 127

Capítulo 7
GASTROSTOMIA
ENDOSCÓPICA PERCUTÂNEA
Marcelo de Souza Cury • Frank Shigueo Nakao
Angelo Paulo Ferrari

INTRODUÇÃO Também não deve ser indicada para nutrição quando


há obstrução do trato gastrointestinal.
A gastrostomia endoscópica percutânea (GEP) tornou- As contra-indicações habituais para a realização de
se um método amplamente disponível, pois é uma téc- endoscopia digestiva alta também se aplicam para a
nica fácil, segura e rápida, podendo ser realizada ambu- GEP: quando o risco à vida do paciente supera o bene-
latorialmente, alcançando índices de sucesso superiores fício do procedimento, na recusa do paciente e na sus-
a 95%. peita de perfuração de víscera. Eventuais distúrbios de
Esta técnica foi desenvolvida em 1980, como alter-
coagulação devem ser diagnosticados e tratados previa-
nativa à gastrostomia cirúrgica em pacientes com risco
mente ao procedimento.
cirúrgico alto. Atualmente é considerada a primeira op-
ção para suporte nutricional enteral, enquanto a técnica Pacientes que apresentam refluxo gastroesofágico
cirúrgica tem sido aplicada na impossibilidade de exe- grave, risco de aspiração alimentar, gastroparesia, pan-
cução da técnica endoscópica. creatite, intolerância à alimentação gástrica ou mesmo
A GEP é recomendada em pacientes com dificul- obstrução gástrica poderão se beneficiar com a utiliza-
dades de atender suas demandas nutricionais por via ção da jejunostomia. Além da técnica cirúrgica, existem
oral, com trato digestório íntegro e funcional. A sua duas possibilidades endoscópicas percutâneas.
principal indicação relaciona-se a situações em que há A mais antiga, conhecida como jejunostomia por
necessidade de nutrição enteral por períodos longos gastrostomia endoscópica percutânea, consiste na colo-
(habitualmente maiores que quatro semanas) como cação de uma sonda mais longa através da GEP, sendo
distúrbios da deglutição de origem neurológica (escle-
posicionada por endoscopia o mais distal possível no
rose lateral amiotrófica, demência, acidente vascular
cerebral) ou mecânica (trauma facial extenso) e por duodeno. Apresenta duas limitações básicas, o calibre
neoplasias da orofaringe, laringe e esôfago. Outras in- da sonda que é menor em relação à GEP e o freqüente
dicações incluem condições catabólicas que necessitem deslocamento desta.
de suplementação nutricional e para descompressão Mais recentemente foi descrita a técnica jejunosto-
gástrica crônica. mia endoscópica percutânea direta (JEPD). Como o
Por outro lado pacientes com doenças incuráveis e próprio nome sugere, consiste na realização da jejunos-
rapidamente progressivas ou aqueles que recuperam tomia sem o intermédio da GEP. A JEPD tem menor
a capacidade de ingestão oral em pouco tempo (me- taxa de sucesso (entre 72% e 86%) e risco de complica-
nos que quatro semanas) representam uma contra- ções pouco maior.
indicação relativa à GEP. Nestes casos a alimentação
Para a realização de JEPD utiliza-se endoscópio
com tubos nasoenterais pode alcançar resultados se-
melhantes. mais longo (colonoscópio ou enteroscópio), progredin-
A GEP está formalmente contra-indicada quan- do no jejuno até que se encontre alça adequada, com
do não há possibilidade de justapor a parede gástrica transiluminação da parede abdominal e a visualização
anterior e a parede abdominal. Isso pode ocorrer em da digitopressão. A partir deste ponto a seqüência de
ressecções gástricas, ascite, hepatomegalia e obesidade. procedimentos é a mesma.

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128 Atlas de Endoscopia Digestiva

TÉCNICA nal, onde será implantado o tubo de alimentação (Fi-


gura 7.2).
Neste capítulo abordaremos a técnica mais usada, co- Após a assepsia local e isolamento da área escolhida
nhecida como método ou técnica de tração, desenvolvi- com campo fenestrado estéril, procede-se a anestesia
do por Gauderer e Ponsky em 1980. local com lidocaína (Figura 7.3). Realiza-se uma inci-
O paciente deve estar em jejum de pelo menos 8 ho- são de cerca de 1cm na pele sobre o ponto escolhido,
ras. Antibioticoterapia profi lática está indicada e nor- através da qual introduz-se um cateter venoso de grosso
malmente emprega-se cefalosporina de primeira gera- calibre com trocanter, até que este atinja a luz do estô-
ção intravenosa uma hora antes, exceto na vigência de mago. Com uma alça de polipectomia, o endoscopista
tratamento com antibiótico adequado. apreende o cateter venoso (Figura 7.4).
Conforme mencionado, a GEP pode ser realizada Em seguida, o trocanter é retirado e um fio-guia é
ambulatorialmente sob sedação consciente. As substân- introduzido através do cateter venoso, dentro da câma-
cias utilizadas para sedação devem ser administradas ra gástrica. A extremidade intragástrica do fio-guia é
em doses individualizadas com monitorização através
de oximetria de pulso, no mínimo.
Inicia-se o procedimento com endoscopia digestiva
alta diagnóstica. Isto pode ser realizado em decúbito
lateral esquerdo com posterior reposicionamento do
paciente em decúbito dorsal. Preferimos realizar a GEP
com o paciente em decúbito dorsal durante todo o pro-
cedimento.
Inicialmente, deve ser confirmada a justaposição das
paredes gástrica e abdominal. Devem ser observadas,
durante o procedimento, a transiluminação da parede
abdominal com a luz do endoscópio e a indentação na
parede gástrica à digitopressão do abdome (Figura 7.1).
O endoscopista deve insuflar o estômago, enquanto A C
um outro médico procura o ponto de transiluminação
na parede abdominal. Este realiza pressão com uma
polpa digital até que o endoscopista observe uma in-
dentação na parede da víscera em questão. Idealmente
esses dois pontos devem coincidir na parede abdomi-

FIGURA 7.2 (A) Manobra de digitopressão: com uma polpa di-


gital exerce-se pressão sobre a parede abdominal até o achado do
FIGURA 7.1 A transiluminação na parede abdominal é uma in- ponto no qual ocorre indentação da parede gástrica observada à
dicação importante de que as paredes abdominal e gástrica estão endoscopia. (B) Desenho esquemático mostrando a manobra de
justapostas digitopressão

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Capítulo 8 Retirada Endoscópica de Corpo Estranho 135

Capítulo 8
RETIRADA ENDOSCÓPICA
DE CORPO ESTRANHO
Manoel Ernesto Peçanha Gonçalves • Silvia Regina Cardoso
• Gustavo Andrade de Paulo

INTRODUÇÃO bisturi, fragmentos de vidro, cabelo etc. (Figuras 8.4


e 8.5)1.
A remoção de corpos estranhos (CE) do trato digestó- A impacção de CE é também bastante freqüente em
rio deu substrato para o desenvolvimento de uma espe- pacientes portadores de patologias que reduzem o cali-
cialidade médica que é a endoscopia que conhecemos bre ou alteram a motilidade esofágica, como por exem-
atualmente, com videoendoscópios e grande número plo em doentes com antecedente de ingestão de corrosi-
de acessórios para diagnóstico e tratamento de inúme- vos, estenose péptica (Figura 8.6) e neoplasia esofágica,
ras patologias. assim como em pacientes neurológicos com seqüelas
Do grande número de corpos estranhos que podem motoras ou distúrbios de deglutição.4
ser ingeridos, a grande maioria é eliminada espontanea- Outro grupo acometido são os usuários de próteses
mente (90%), sem necessidade de nenhum procedi- dentárias que perdem a sensibilidade do palato e não
mento para a sua remoção.1-3 Neste capítulo vamos nos percebem o CE na cavidade oral, deglutindo-o inadver-
ater aos corpos estranhos sintomáticos que precisam tidamente (Figuras 8.7 e 8.8).1
ser removidos endoscopicamente. Cirurgias esofágicas e gástricas, onde há anastomo-
ses com redução de calibre ou alteração da motilidade
do órgão também ocasionam a impacção de CE. Vale
TIPOS DE CORPOS ESTRANHOS ressaltar, neste grupo, o aumento da incidência de CE
em pacientes com obesidade mórbida operados com as
São dos mais variados tipos e formas podendo ser clas- mais variadas técnicas de gastroplastia redutora.
sificados em inorgânicos (moeda, bateria, pregos) (Figu- Embora na maioria das vezes a ingestão de CE seja
ras 8.1 e 8.2) e orgânicos (fragmentos de carne, ossos, acidental, pode ocorrer ingestão premeditada de table-
espinhas de peixe) por exemplo (Figura 8.3).1,2 tes de cocaína ou outras drogas por traficantes.5
Na verdade, o tipo de corpo estranho não tem gran-
de significado, sendo importante as conseqüências de
sua permanência no trato digestório.2 LOCAIS DE IMPACÇÃO

Em pacientes que não apresentam antecedentes de pa-


EPIDEMIOLOGIA tologias ou cirurgias do trato digestório, os corpos es-
tranhos mais freqüentemente impactam-se nos estrei-
O grupo etário infantil, principalmente crianças me- tamentos fisiológicos.
nores que 5 anos que levam tudo à boca (fase oral), é o Os estreitamentos fisiológicos mais importantes
grupo mais acometido, sendo a moeda o CE mais fre- são:1,6
qüente.2  Esôfago: o músculo cricofaríngeo (Figura 8.9), es-
Pacientes psiquiátricos ingerem CE dos mais va- treitamentos aórtico, brônquico e cárdia
riados tipos para chamar atenção, como agulha, faca,  Estômago: piloro

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136 Atlas de Endoscopia Digestiva

FIGURA 8.3 Retirada endoscópica de bolo alimentar (carne)


com pinça pelicano

FIGURA 8.1 Retirada endoscópica de moeda com pinça de corpo


estranho

FIGURA 8.4 Radiografia de laringe em perfi l evidenciando corpo


estranho radiopaco (tesoura) em faringe e esôfago cervical

FIGURA 8.2 Radiografia de moeda em esôfago

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Capítulo 8 Retirada Endoscópica de Corpo Estranho 137

B C

FIGURA 8.5 Tricobezoar gástrico. (A) Radiografia contrastada


de abdome. (B) Imagem endoscópica
A

 Duodeno: flexura inferior (Figuras 8.10 e 8.11) e ân- CE em esôfago causam sensação de CE (localizado
gulo de Treitz em terço superior), sialorréia, disfagia, odinofagia, náu-
 Íleo terminal: válvula ileocecal seas, vômitos e desconforto respiratório.
 Ânus CE localizados em estômago, duodeno, intestino
Geralmente há uma incidência decrescente de im- delgado e cólons são geralmente assintomáticos, sendo a
pacção na medida em que nos afastamos da cavidade presença de sintomatologia indicativa de complicações.
oral; por ser o músculo cricofaríngeo o local de maior
pressão intraluminal é o local de maior freqüência de
CE (Figura 8.12). Casos de exceção existem e são pas-
síveis de publicação como a impacção de CE em local
DIAGNÓSTICO
inusitado como divertículo de Meckel.
O diagnóstico é essencialmente clínico, com a história
de ingestão de CE, antecedentes de patologias que au-
SINTOMATOLOGIA mentem a probabilidade de impacção de CE, associados
aos sintomas então descritos.7
Os sintomas de CE impactado variam de acordo com Os CE radiopacos são facilmente diagnosticados com
o seu tamanho, local em que está situado e tempo de radiografia simples de tórax e abdome (Figura 8.13).
permanência após a ingestão, assim como com a idade Os CE não radiopacos localizados em terço superior
e nível de consciência e orientação do paciente. do esôfago apresentam sinais indiretos de CE como re-
Indivíduos com CE em oro- e hipofaringe sentem a tificação da coluna cervical e alargamento do espaço
presença do CE e dor à deglutição; portanto pacientes retrofaríngeo que, normalmente, é menor que 5mm.
adultos e orientados podem referir com precisão a sua O exame endoscópico é o método de escolha para
localização. diagnóstico e tratamento.

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Capítulo 9 Vias Biliar e Pancreática Normais 145

Capítulo 9
VIAS BILIAR E
PANCREÁTICA NORMAIS
Rodrigo Azevedo Rodrigues • B

Angelo Paulo Ferrari


C A

O estudo endoscópico da anatomia e das doenças das raras, estas variações têm grande importância nas ci-
vias biliar e pancreática é feito através da realização rurgias da via biliar. As principais variações anatômicas
de colangiopancreatografia endoscópica retrógrada da via biliar estão representadas na Figura 9.6.
(CPER). Através da injeção de contraste radiopaco pela Para aquisição de um colangiograma completo é
papila duodenal (maior ou menor) é possível delinear os necessário o enchimento dos ramos intra-hepáticos pe-
contornos ductais, suas formas, calibres e distribuição. riféricos. A colangiografia, habitualmente, é realizada
com o paciente em decúbito lateral esquerdo com leve
pronação. Nesta posição, a contrastação da via biliar
VIA BILIAR NORMAL esquerda é mais precoce (Figura 9.7). A visualização
da via biliar direita pode requerer a rotação do pacien-
A via biliar é comumente chamada árvore biliar devido te, maior injeção de contraste com auxílio de balão de
à disposição de seus ductos que se distribuem em ramos oclusão ou ainda, a cateterização seletiva do ducto he-
de calibre progressivamente menor, a partir de sua por- pático direito. O enchimento da vesícula biliar habitual-
ção distal, podendo ser dividida em segmentos intra e mente é tardio.1
extra-hepáticos (Figura 9.1).
A via biliar extra-hepática é constituída pelo duc-
to biliar comum (DBC) e pelo ducto hepático comum VIA PANCREÁTICA NORMAL
(DHC). A inserção do ducto cístico (DC), que habi-
tualmente ocorre à meia distância entre o hilo hepático
Em projeção ântero-posterior o pancreatograma se es-
e a papila, divide anatomicamente estes dois segmentos
tende obliquamente desde a papila maior, à direita da
(Figura 9-2). A via biliar intra-hepática é formada pelos
coluna vertebral (L2), à cauda, localizada à esquerda
ductos hepáticos direito (DHD) e esquerdo (DHE), que
da coluna (T12).
se unem formando o DHC (Figura 9.3), além dos ramos
intra-hepáticos correspondentes que apresentam distri- A partir da papila duodenal, a contrastação da via
buição variável (Figura 9.4). pancreática revela o desenho de dois ductos de maior
Embora haja controvérsias, o diâmetro da via biliar interesse no estudo do pâncreas. O ducto pancreáti-
não parece estar aumentado em pacientes colecistecto- co principal (DPP), também conhecido com ducto de
mizados. O diâmetro do DHC e do DBC é habitualmen- Wirsung, é a principal via de drenagem do suco pan-
te 2 a 3mm maior à colangiografia, quando comparado creático desde a cauda até a porção ventral da cabeça
ao encontrado na TC ou US abdominais. Isto provavel- do pâncreas (Figura 9.8). O ducto acessório (DA) de
mente é resultado do enchimento e aumento da pressão Santorini, normalmente conectado ao DPP, se estende
intraductal pelo meio de contraste.1 O diâmetro normal do genupancreático, através da porção dorsal da cabeça
do DBC varia entre 3 e 10mm, podendo chegar a 13mm do pâncreas, até a papila menor (Figura 9.9). Ocasio-
em sua porção extrapancreática (Figura 9.5).2 nalmente é possível observar a presença de um ramo
Algumas variações anatômicas podem ser observa- uncinado, presente na porção ventral da cabeça (Figura
das na via biliar extra-hepática. Embora relativamente 9.10). Finalmente, os ramos secundários que drenam

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146 Atlas de Endoscopia Digestiva

D A
B
C
E
F
C
B

FIGURA 9.1 Segmentos intra e extra-hepáticos da via biliar. A. FIGURA 9.3 A. Ducto hepático direito. B. Ducto hepático es-
Ducto biliar comum ou ducto colédoco. B. Ducto cístico. C. Ducto querdo. C. Ducto hepático comum
hepático comum. D. Ducto hepático esquerdo. E. Ducto hepático
direito. F e G. Ductos secundários. H. Vesícula biliar

C A

FIGURA 9.2 A. Ducto biliar comum. B. Ducto hepático comum. FIGURA 9.4 A. Ramos biliares intra-hepáticos (setas)
C. Ducto cístico

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Capítulo 10 Cálculos Biliares e Pancreáticos – Diagnóstico e Tratamento 151

Capítulo 10
CÁLCULOS BILIARES E
PANCREÁTICOS – DIAGNÓSTICO
E TRATAMENTO
Fernanda Prata Martins • Angelo Paulo Ferrari

CÁLCULOS BILIARES O diagnóstico deve ser confirmado através de exa-


mes de imagem. A ultra-sonografia (US) abdominal é
Os cálculos biliares são encontrados em 10% das pes- o exame menos invasivo e mais barato para identificar
soas com idade entre 20 e 40 anos e em 20% daqueles a presença do cálculo no ducto biliar. Apesar de boa
entre 40 e 60 anos. São raros em adolescentes e, na ju- especificidade (95%), sua sensibilidade é limitada, va-
ventude, são sete vezes mais comuns em mulheres do riando de 20% a 80%.2 A presença de cálculos peque-
que em homens. Esta diferença cai para apenas duas nos, ducto biliar não dilatado e a localização na porção
vezes em pessoas acima dos 60 anos.1 distal do colédoco dificultam o diagnóstico pela US. A
Eles podem ser divididos em cálculos de colesterol e tomografia de abdome também apresenta limitações
pigmentados. Os de colesterol correspondem a até 85% no diagnóstico dos cálculos biliares, principalmente
de todos os cálculos diagnosticados, e são secundários a quando seu diâmetro é inferior a espessura dos cortes
alterações da secreção do colesterol e sais biliares.1 da tomografia. A acurácia do método é de 71%, com
Os cálculos podem estar presentes na via biliar ex- sensibilidade de 23% a 85% e especificidade superior
tra (Figura 10.1) e intra-hepática (Figura 10.2), sendo a 95%.2
classificados como primários, secundários e residuais. A ressonância nuclear magnética (RM) é método
Os cálculos primários do colédoco representam cerca pouco invasivo, com a vantagem de não utilizar con-
de 10% dos pacientes com coledocolitíase (Figura 10.3). traste e fornecer imagens muito semelhantes às da
Os cálculos secundários ocorrem em 15% a 20% dos colangiografia endoscópica. Sua sensibilidade varia de
portadores de colecistolitíase e resultam da migração 71% a 100%, entretanto pode ser prejudicada em pa-
dos cálculos formados na vesícula, que através do ducto cientes com via biliar fina e cálculos pequenos.2
cístico chegam à via biliar principal. Os cálculos resi- A ecoendoscopia (EE) parece ser o melhor exame
duais são aqueles que aparecem até dois anos após cole- para o diagnóstico de cálculos menores do que 5mm,
cistectomia; ocorrem em aproximadamente 5% dos pa- de difícil identificação por outros métodos. Além dis-
cientes e, provavelmente, já estavam presentes, porém to, o colédoco pode ser visibilizado por completo em
de forma assintomática (Figura 10.4).1 96% a 100% dos casos. Embora seja muito dependente
Cálculos do ducto biliar podem ser assintomáticos, do operador, a sensibilidade e especificidade da EE para
porém geralmente manifestam-se como crises de dor diagnóstico da coledocolitíase é de 88% a 96% e 96% a
no quadrante superior direito, tipo cólica biliar, poden- 100%, respectivamente, com acurácia de 94%.2
do ser acompanhada de icterícia e colúria transitórias. A introdução da colangiopancreatografia retrógrada
Existem duas formas graves de apresentação da coledo- endoscópica (CPRE) substituiu o tratamento cirúrgi-
colitíase: pancreatite aguda e colangite bacteriana. co desta condição. As técnicas endoscópicas mais uti-
Embora o exame físico possa ajudar no diagnóstico, lizadas para tratamento dos cálculos da via biliar são
no paciente não colecistectomizado pode ser impossível a esfincterotomia ou dilatação da papila, seguidas pela
distinguir a colangite da colecistite aguda. Os exames remoção dos cálculos com auxílio de basket (Figura
laboratoriais estarão alterados na dependência da gra- 10.5) ou balão extrator (Figura 10.6), além da litotripsia
vidade da infecção e da oclusão da drenagem biliar. mecânica (Figura 10.7).

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152 Atlas de Endoscopia Digestiva

FIGURA 10.1 (A, B e C) Colangiografia endoscópica mostra vá-


rias falhas de enchimento, em várias formas e apresentações, com-
patíveis com cálculos, no ducto colédoco dilatado

A esfincterotomia e remoção dos cálculos estão in- que impede a passagem do cálculo, facilitando sua extra-
dicadas em cálculos do colédoco sem complicações, ção. Vários acessórios estão disponíveis para realização
cálculos associados a colangiite, pancreatite biliar gra- do procedimento. Em mãos experientes o procedimen-
ve nas primeiras 24 a 48 horas, cálculos residuais após to é realizado com sucesso em 95% a 100% dos casos.3
colecistectomia ou após litotripsia. Cálculos nos ductos O índice de sucesso é inferior em pacientes com cirurgia
intra-hepáticos (Figura 10.8) também podem ser reti- prévia, que dificultam o acesso à papila duodenal, como a
rados com ajuda de balão ou basket, porém, em virtude gastrectomia com reconstrução à Billroth II.
do difícil acesso, estes procedimentos devem ser reser- A esfincterotomia geralmente é realizada após cate-
vados para profissionais experientes. terização profunda da via biliar (Figura 10.10). Em al-
A esfincterotomia endoscópica, introduzida na década gumas situações isto pode não ser possível, como, por
de 1970, revolucionou o tratamento da litíase biliar, sendo exemplo, na presença de cálculo impactado na papila
hoje a terapia mais utilizada para tratamento da coledo- (Figura 10.11). Nestes casos é possível realizar a esfinc-
colitíase.3 O objetivo é a secção do esfíncter biliar (Figura terotomia de acesso com a utilização de uma agulha
10.9), eliminando assim a principal barreira anatômica diatérmica.3

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Capítulo 11 Diagnóstico e Tratamento de Estenoses Benignas da Via Biliar 175

Capítulo 11
DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO
DE ESTENOSES BENIGNAS DA
VIA BILIAR
Fernanda Prata Martins • Angelo Paulo Ferrari Junior

LESÕES IATROGÊNICAS DA VIA obstrução geralmente apresentam icterícia, colestase


BILIAR bioquímica e dilatação das vias biliares ao exame de
imagem.9-12
A incidência da lesão iatrogênica da via biliar aumentou Os sintomas podem ainda aparecer precocemente
após o advento da colecistectomia videolaparoscópica quando há interrupção completa (por clipe ou sutura)
no início da década de 1990, atingindo um percentual da via biliar (Figura 11.1) e mais tardiamente nos casos
de 2,2% dos casos. Houve um declínio deste índice, que de lesões térmicas ou isquêmicas (Figura 11.2).9,11,12
hoje é estimado em torno de 0,6%.1,2 As lesões iatrogê- O diagnóstico da estenose biliar pode ser comple-
nicas (estenose e fístulas) também podem ocorrer após mentado pela ultra-sonografia de abdome, capaz de
a colecistectomia convencional, ressecções hepáticas e detectar coleções e dilatação da via biliar. A tomogra-
outras cirurgias de derivação biliar (0% a 2%, 0,5% e fia computadorizada de abdome também pode ser útil
17% respectivamente).3-7 para identificar e determinar o local da obstrução bi-
As lesões da via biliar principal são caracterizadas liar. A colangiografia por ressonância magnética per-
e podem ser divididas segundo a classificação de Bis- mite determinar com exatidão a estenose, mapear a
muth, considerando a distância da lesão até a confluên- anatomia biliar, permitindo assim programar de forma
cia dos ductos hepáticos direito e esquerdo.8 antecipada o procedimento endoscópico terapêutico. A
A distribuição das lesões secundárias a colecis- colangiografia endoscópica percutânea deve ser reser-
tectomia laparoscópica é a seguinte: colédoco médio vada para o tratamento, e raramente é necessária para
(42% a 50%), confluência dos ductos hepáticos (22% o diagnóstico.
a 41%), ducto hepático comum (28%) e colédoco distal A estenose pós-cirúrgica pode ser decorrente de
(15%).7 lesão direta térmica, clipagem inadequada, ou ainda
As lesões mais comuns da via biliar principal são: secundária a isquemia, inflamação ou fibrose.11-13 As
fístula biliar com ou sem estenose associada, estenose estenoses podem ser curtas e simples ou podem ser
biliar isolada e secção completa da via biliar com ou classificadas como complexas. Além das anastomoses,
sem excisão de parte da mesma.9 Neste capítulo discu- tração excessiva aplicada aos diversos tipos de dreno
tiremos com maior atenção a estenose da via biliar. biliar podem determinar o aparecimento de estenoses
As lesões são identificadas no intra-operatório em (Figura 11.3).11-13
até um quarto dos pacientes, mais freqüentemente du- O tratamento endoscópico é hoje a primeira opção
rante a cirurgia convencional. Nos demais pacientes, para o tratamento das estenoses biliares pós-cirúrgicas,
nos quais a lesão passa despercebida, o tempo de apre- associadas ou não à fístula biliar. A terapia endoscópica
sentação dos sintomas e evolução é variável e depende baseia-se na dilatação da estenose e colocação de próte-
do tipo de lesão.10 A coexistência de fístula geralmente ses plásticas. A esfincterotomia é geralmente realizada
determina o aparecimento mais precoce de sintomas.10 para facilitar a colocação de próteses múltiplas.14
Bergman e cols. demonstraram que o tempo médio de A dilatação endoscópica pode ser feita com auxílio
manifestação clínica dos sintomas em pacientes com de balão hidrostático (Figura 11.4), velas (Figura 11.5)
estenose associada à fistula foi de 3 dias, contra 57 dias ou extrator de Sohendra. A dilatação endoscópica não
para aqueles com estenose isolada.10 Os pacientes com deve ser utilizada como tratamento isolado, pois apre-

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176 Atlas de Endoscopia Digestiva

FIGURA 11.1 (A) Imagem de estenose próxima ao hilo hepático, na qual se identifica o clipe metálico ao lado da mesma. (B) Após maior
contrastação, nota-se dilatação da árvore biliar intra-hepática – manobra arriscada que aumenta o risco de colangite caso não se obtenha
sucesso na drenagem da árvore biliar. (C) Tentativa sem sucesso de passagem de fio-guia, o que inviabiliza tratamento endoscópico – o
paciente deve ser avaliado para possível drenagem percutânea ou cirúrgica. (D) Estenose grave da via biliar principal, apos colecistectomia
convencional

FIGURA 11.2 Imagem radiológica de estenose no ducto colédoco


após colecistectomia

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Capítulo 12 Pancreatites e suas Complicações: Diagnóstico e Tratamento 197

Capítulo 12
PANCREATITES E SUAS
COMPLICAÇÕES: DIAGNÓSTICO
E TRATAMENTO
Luciano Lenz •
Maria Rachel da Silveira Rohr

PANCREATITE AGUDA completa em até 84% dos casos, porém ainda é uma
técnica recente e não existem estudos comparativos.
Pancreatite aguda (PA) é um processo inflamatório Esta técnica consiste em drenagem transmural (trans-
agudo do pâncreas que pode afetar tecidos peripancreá- gástrica ou transduodenal) com colocação de próteses
ticos e órgãos a distância (Levy e Geenen, 2001). A PA plásticas associada a um dreno nasopancreático (Baron,
manifesta-se geralmente como dor em faixa em andar 2005). É realizada pancreatografia prévia e drenagem
superior do abdome acompanhada de vômitos, febre, transpapilar, quando há comunicação entre o ducto
taquicardia, leucocitose e elevação dos níveis séricos de pancreático e a cavidade cística (Seewald, Groth e cols.,
enzimas pancreáticas (amilase e lipase) (Baron, 2005). 2005). É feita punção transmural e dilatação com balão
As principais causas de PA são: cálculos biliares e álcool hidrostático para criar um acesso à cavidade abdomi-
(Levy e Geenen, 2001; Baron, 2005). A conduta na PA de-
nal. Necrossectomia endoscópica e lavagem são realiza-
pende principalmente da gravidade da doença. Por isso,
das diariamente até que todo o material purulento seja
foram criadas classificações para estratificar pacientes
com maior risco de complicações. As mais usadas são: retirado (Figura 12.2).
Ranson, Glasgow e Apache que utilizam dados clínicos
e laboratoriais; e a de Baltazar que é baseada em acha-
dos tomográficos. As principais indicações para trata- Pancreatite aguda recorrente
mento endoscópico da PA são: pancreatite aguda biliar idiopática
hipertensiva e pancreatite aguda necrotizante (Baron,
2005). A colangiopancreatografia retrógrada endoscópi-
Pancreatite aguda recorrente (PAR) é definida quando o
ca (CPRE) e a esfincterotomia biliar de urgência nas pri-
paciente tem mais de um episódio clínico de pancreati-
meiras 72 horas diminuem a morbimortalidade em pa-
cientes com PA biliar grave (Baron, 2005) (Figura 12.1). te aguda (Levy e Geenen, 2001; Levy, 2002). A etiologia
da PAR é encontrada em 70% a 90% dos pacientes após
a avaliação inicial que inclui anamnese, exame físico,
exames laboratoriais de rotina, ultra-som e tomografia
Necrose pancreática
de abdome. Porém, em 10% a 30% dos pacientes, a ava-
liação inicial falha em revelar a etiologia; esses casos são
Necrose e abscesso são complicações graves da pancrea-
chamados PAR idiopática (Levy e Geenen, 2001; Levy,
tite aguda. As definições dessas lesões, de acordo com a
2002). As causas de PAR de maior importância para o
classificação de Atlanta, estão descritas na Tabela 12.1.
O tratamento cirúrgico está associado à alta morbida- endoscopista são mostradas na Tabela 12.1.
de e mortalidade. A abordagem endoscópica agressiva A CPRE sozinha pode identificar a causa da PAR
parece ser uma modalidade alternativa que mostrou re- idiopática em até 35% dos casos. Entretanto, quando
sultados promissores (Seewald, Groth e cols., 2005). associada à manometria do esfíncter de Oddi e análise
A drenagem endoscópica da necrose pancreática de bile para microcristais, este número pode ser signifi-
estéril ou infectada tem sido descrita, com resolução cativamente maior (Kaw e Brodmerkel, 2002).
198 Atlas de Endoscopia Digestiva

TABELA 12.1 – Causas de Pancreatite Aguda Recorrente

· Pâncreas divisum
· Disfunção de esfíncter de Oddi
· Microlitíase
· Coledococele
· Junção pancreaticobiliar anômala
· Pâncreas anular
· Neoplasia biliopancreática

Pâncreas divisum

Pâncreas divisum (PD) é a anormalidade congênita A


mais comum do pâncreas, sendo encontrada em 7% a
14% das necropsias e em 2,7% a 7,5% das CPRE. O PD
ocorre quando os ductos dorsal e ventral do pâncreas
embriológico não se fundem durante a organogênese
(Slivka, 2005).
PD completo ocorre quando os sistemas ductais en-
contram-se completamente separados, sendo o ducto
dorsal responsável pela drenagem da maior parte do
pâncreas através da papila menor (Figuras 12.3 e 12.4).
Entretanto, em alguns pacientes, pequenos ductos co-
municam os ductos ventral e dorsal, condição conheci-
da como PD incompleto (Figuras 12.3 e 12.5).
Devido a maior parte do suco pancreático ser dre-
nada pela papila menor, ocorre resistência ao fluxo e
hipertensão ductal que leva a quadros de PAR (Slivka,
2005). Embora a CPRE permaneça como padrão-ouro B
para o diagnóstico de PD (Slivka, 2005), a colangior-
ressonância tem acurácia semelhante à CPRE (Klein e
Affronti, 2004a). A confirmação diagnóstica pela CPRE
é feita com a localização da papila menor (2cm proxi-
mais e 2cm mediais à papila maior) e injeção de con-
traste dentro do ducto dorsal. O tratamento endoscópi-
co está indicado nos pacientes com dor pancreática ou
com PAR; e consiste na esfincterotomia da papila me-
nor e/ou drenagem com prótese plástica (Slivka, 2005).
Em pacientes tratados endoscopicamente, a melhora
ocorreu em 90% dos casos em comparação ao grupo-
controle (11%) (Klein e Affronti, 2004b).

Disfunção do esfíncter de Oddi C

A disfunção do esfíncter de Oddi (DEO) é uma anor- FIGURA 12.1 (A) Cálculo impactado na papila levando a pan-
malidade da contratilidade do esfíncter e manifesta-se creatite aguda. A papila maior encontra-se abaulada decorrente de
cálculo impactado no colédoco distal. (B) Realização de pré-corte
por dor biliopancreática, pancreatite recorrente e/ou no segmento distal do colédoco, notando-se o aparecimento par-
alterações de exames laboratoriais hepáticos. Mano- cial do cálculo impactado. (C) Retirada do cálculo após término
metria é considerada padrão-ouro e o diagnóstico é de- do pré-corte
Capítulo 13 Neoplasia Biliopancreática: Diagnóstico e Tratamento Endoscópico 217

Capítulo 13
NEOPLASIA BILIOPANCREÁTICA:
DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO
ENDOSCÓPICO
Wagner Colaiacovo • Maria Rachel da Silveira Rohr • Angelo Paulo Ferrari

INTRODUÇÃO vezes quadro de colestase, caracterizado por elevação


de fosfatase alcalina, gamaglutamil transferase e bilir-
As neoplasias biliopancreáticas são doenças de difícil rubina sérica, associados ou não a elevação (geralmente
abordagem, tanto diagnóstica quanto terapêutica. Cer- discreta) de transaminases. A obstrução biliar prolon-
ca de 30.000 novos casos de câncer de pâncreas e 7.000 gada, pode levar a queda de vitaminas lipossolúveis (A,
novos casos de câncer de vias biliares são diagnostica- D, E, K), com aumento do tempo de protrombina.5,6
dos anualmente nos EUA.1 Apenas 10% a 20% deles são Alguns marcadores tumorais, apesar de apresenta-
ressecáveis e 25.000 (83%) pacientes morrem nos pri- rem sensibilidade e especificidade baixas, podem ser
meiros 12 meses do diagnóstico, sendo a quinta causa úteis quando usados em conjunto com outras moda-
de morte por câncer.2.3 lidades diagnósticas. Não existem marcadores específi-
A colangiopancreatografia retrógrada endoscópica cos para as neoplasias biliopancreáticas. Os mais usados
(CPRE) está próxima de completar 40 anos. Seu pa- são o CA 19-9, o antígeno carcinoembrionário (CEA) e
pel diagnóstico tem sido amplamente substituído por o CA 125.6,7,8
outros métodos, como ultra-sonografia abdominal, O CA 19-9 encontra-se elevado em 85% dos pacien-
tomografia computadorizada (CT) e ressonância mag- tes com colangiocarcinoma. Em portadores de colangi-
nética (RM). Nos últimos anos a ecoendoscopia (EE) te esclerosante primária, valor acima de 100U/mL o CA
e a colangiopancreatografia por ressonância magnética tem sensibilidade, de 75% e especificidade de 80%.5,8
(CPRM) praticamente eliminaram as indicações diag- No câncer de pâncreas, valor acima de 70U/mL tem
nósticas da CPRE. No entanto, a CPRE terapêutica con- sensibilidade e especificidade de 70% e 87% respecti-
tinua tendo papel de destaque na manipulação das le-
vamente.8,9 Cerca de 30% dos pacientes com colangio-
sões biliopancreáticas, confirmando o diagnóstico feito
carcinoma apresentam aumento de CEA, e 40% a 50%
previamente por outros métodos, coletando material
podem apresentar elevação de CA 125.6
para confirmação histológica e, principalmente, tratan-
A ultra-sonografia abdominal geralmente é o primei-
do de forma paliativa, definitiva ou não, os pacientes
portadores destas lesões. ro exame de imagem realizado na suspeita de obstrução
As neoplasias biliopancreáticas geralmente são as- biliar. É método operador dependente, não-invasivo,
sintomáticas no início, tornando-se clinicamente evi- que possui boa sensibilidade para a detecção de dilata-
dentes apenas nos estádios mais avançados. O quadro ção de vias biliares e presença de cálculos de vesícula.
clínico dominante é de obstrução das vias biliares, com Tumores podem ser difíceis de visualizar, sendo a dila-
icterícia, colúria, acolia fecal e prurido. Podem estar tação de vias biliares na ausência de cálculos um sinal
associados a dor abdominal e sintomas inespecíficos indireto da sua presença. O Doppler é um bom método
como perda de peso, adinamia e anorexia. Icterícia, he- para detectar invasão vascular.10,11
patomegalia e vesícula biliar palpável (sinal de Cour- A tomografia computadorizada helicoidal permite es-
voisier), podem ser encontrados no exame físico.4 tabelecer o nível da obstrução biliar, a presença de atro-
Os exames laboratoriais são de pouca utilidade no fia hepática, o acometimento vascular, de linfonodos e
diagnóstico diferencial, evidenciando na maioria das de estruturas extra-hepáticas. É capaz de diagnosticar

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218 Atlas de Endoscopia Digestiva

tumores maiores que 1cm, apesar de geralmente não fina guiada por EUS pode contribuir para o diagnóstico
definir bem sua extensão. 6,11 histológico em pacientes com tumores hilares.13 Os tu-
A ressonância magnética, além de fornecer informa- mores da ampola de Vater podem ser identificados di-
ções sobre o parênquima hepático, com o uso da colan- retamente pela CPRE, com fácil obtenção de material
giopancreatorressonância (CPRM) e da angiorresso- através de biópsias habituais.
nância, permite visualização das vias biliopancreáticas O principal objetivo durante o estadiamento de
(Figura 13.1) e vasos,6 sem necessidade de sedação ou pacientes com diagnóstico de neoplasias biliopancreá-
uso de contraste. Permite ainda a avaliação colangio- ticas é a determinação de ressecabilidade e, portanto,
pancreatográfica em pacientes com anatomia alterada se a proposta terapêutica é curativa ou paliativa. São
cirurgicamente (gastrectomia a B-II, ‘Y’ de Roux). critérios de irressecabilidade a presença de metástase a
A ultra-sonografia endoscópica (EUS) possibilita boa distância (principalmente para fígado, peritônio e pul-
visualização da porção distal do colédoco, da vesícula mão), o envolvimento vascular ou o acometimento lin-
biliar, de linfonodos regionais e vasos.5 Além disso, é fonodal ostensivo.
possível realizar aspiração de massas ou linfonodos sus- Portanto, em pacientes com suspeita clínica de neo-
peitos, por agulha fina guiada. plasia biliopancreática, a TC helicoidal deve ser o pri-
A confirmação histológica das neoplasias biliopan- meiro exame a ser realizado. Lesões que apresentem
creáticas deve ser sempre almejada nos casos de lesões critérios de irressecabilidade devem ser tratadas de for-
irressecáveis. Pode ser feita com coleta de bile ou de es- ma paliativa. Caso haja suspeita de lesão ressecável, o
covado biliar durante CPRE.5,6 A aspiração por agulha paciente deve ser submetido a EUS para confirmação,

FIGURA 13.1 Imagens de colangiopancreatografia por ressonân-


cia magnética (CPRM). (A) Dilatação da árvore biliar em neoplasia
de papila duodenal. (B) Paciente com cisto de colédoco. (C) Exem-
B plo de doença de Caroli

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Capítulo 14 Colonoscopia Normal 247

Capítulo 14
COLONOSCOPIA
NORMAL
Fernanda Prata Martins • Angelo Paulo Ferrari

O objetivo da colonoscopia é a avaliação completa e de- A presença de divertículos neste segmento do cólon
talhada de todo o cólon com mínimo desconforto para é bastante freqüente, acometendo um terço da popula-
o paciente. Vários fatores contribuem para o sucesso do ção acima dos 50 anos e dois terços acima dos 80 anos
exame: evitar a insuflação excessiva durante a inser- (Figura 14.4).4
ção, manter o aparelho retificado e uso apropriado de
manobras que facilitem a inserção sem a formação de
alças.2,6,7
A indicação da colonoscopia recentemente apre- CÓLON DESCENDENTE
sentou aumento significativo, principalmente pela in-
trodução de programas de procura e vigilância para o O cólon descendente é uma estrutura tubular, com cer-
câncer colorretal. ca de 20cm de extensão (Figura 14.5). O ângulo esplê-
nico é geralmente agudo, relativamente longo, situado
abaixo do rebordo costal (Figura 14.6).
RETO E CANAL ANAL

O canal anal tem aproximadamente 3cm de extensão, CÓLON TRANSVERSO


é recoberto por epitélio escamoso até a linha denteada
(Figura 14.1) e a continência fecal é mantida pelo tônus O cólon transverso tem extensão variável sendo mais
dos esfíncteres interno e externo do ânus. longo nas mulheres.5 Uma configuração triangular das
O reto estende-se por cerca 15cm acima da linha haustrações é característica (Figura 14.7) e a indentação
denteada e geralmente apresenta três pregas proemi- da Taenia coli longitudinal é freqüentemente visível,
nentes, conhecidas como válvulas de Houston (Figura porém o cólon transverso pode ter aspecto tubular e,
14.2).5 ocasionalmente, o cólon descendente pode ter aspecto
triangular (Figura 14.8). O ângulo hepático pode, por
vezes, ser identificado por uma sombra de coloração
CÓLON SIGMÓIDE azulada do lobo hepático adjacente ao cólon (Figura
14.9). O ângulo hepático é geralmente muito agudo, e
pode ser confundido com o ceco, exceto pela ausência
O cólon sigmóide tem cerca de 40 a 70cm de extensão
da válvula ileocecal.
quando alongado, contudo durante a inserção tecnica-
mente bem-feita do colonoscópio ele é sanfonado sobre
o aparelho, atingindo cerca de 30 a 35cm de extensão. As
haustrações e a forma sinusóide desta porção do cólon CÓLON ASCENDENTE E CECO
podem dificultar sua avaliação (Figura 14.3). Até 20% dos
pacientes ocidentais podem apresentar aderências rígidas O cólon ascendente apresenta-se logo após a passagem
e fixas decorrentes de processos inflamatórios ou pós-ci- pelo ângulo hepático, como um segmento curto que
rúrgicos, o que pode dificultar a inserção do aparelho.5 leva ao ceco (Figura 14.10).

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248 Atlas de Endoscopia Digestiva

A B

FIGURA 14.1 (A e B) Linha denteada vista em retrovisão da ampola retal

A B

FIGURA 14.2 (A e B) Reto e válvulas de Houston

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Capítulo 14 Colonoscopia Normal 249

A B

FIGURA 14.3 (A e B) Cólon sigmóide

A identificação da válvula ileocecal garante a certeza laxantes contendo antraquinona. O pigmento é mais
de que o ceco foi alcançado (Figura 14.11). A intubação intenso no cólon proximal, entretanto pode acometer
do ceco deve ser alcançada com sucesso em 90% a 95% todo o cólon (Figura 14.18). A alteração é decorrente
dos exames.1 do acúmulo de lipofuscina, pigmento depositado nos
O orifício apendicular é geralmente uma depres- macrófagos da lâmina própria. O pigmento não apa-
são curva, no pólo do ceco, onde observa-se o ponto rece no tecido displásico e portanto a melanose fun-
de convergência das 3 Taenias (Figura 14.12), contudo ciona como uma cromoscopia natural, facilitando a
nem sempre pode ser visibilizado.5 identificação de pequenas lesões, que se tornam mais
A válvula ileocecal, na maioria das vezes, apresen- aparentes, com coloração clara, pálida, circundada por
ta-se como uma estrutura bilabiada, localizada na pri- uma mucosa acastanhada (Figura 14.19). A melanose
meira prega a partir do pólo do ceco (Figura 14.13). A geralmente regride após 3 a 6 meses da suspensão do
aparência da válvula varia bastante de indivíduo para laxante.4
indivíduo. Algumas vezes apresenta-se francamente
proeminente (Figura 14.14). Outras vezes apresenta-se
bastante proximal, dificultando a entrada no íleo ter-
minal (Figura 14.15).5
COMPLICAÇÕES

ÍLEO TERMINAL As complicações mais freqüentes durante a colonos-


copia diagnóstica são as cardiorrespiratórias.3 A per-
A mucosa do íleo terminal pode ser facilmente diferen- furação pode ocorrer devido à força excessiva exercida
ciada da mucosa colônica pela presença de uma super- durante o procedimento de inserção do colonoscópio,
fície granular, nodular linfóide (Figura 14.16) e, ainda, porém estão presentes em 0,03% a 0,2% dos casos, com
pela observação das vilosidades intestinais flutuando índice de mortalidade de 0,001%.
no meio líquido (Figura 14.17).5 A dor abdominal após o exame também pode ocor-
rer devido à insuflação de ar durante o mesmo.
As complicações mais graves estão relacionadas aos
MISCELÂNEA procedimentos terapêuticos, tais como polipectomia,
A Melanose coli é a pigmentação acastanhada do cólon, mucossectomia, dilatação e incluem sangramento (1%
que se desenvolve em pacientes usuários crônicos de a 2%) e perfuração (0,5% a 1%).3

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Capítulo 15 Doenças Inflamatórias Intestinais 259

Capítulo 15
DOENÇAS INFLAMATÓRIAS
INTESTINAIS
Marcelo Averbach • Paulo Corrêa

INTRODUÇÃO Além das contra-indicações genéricas para a realiza-


ção de colonoscopias, as especificamente relacionadas
Estabelecer o diagnóstico preciso de uma doença infla- às DII incluem o megacólon tóxico, que consiste em
matória intestinal (DII) representa um grande desafio. quadro de distensão acentuada aguda do cólon e cons-
Existe uma grande semelhança clínica e endoscópica titui-se em contra-indicação absoluta, pois o risco de
entre as afecções ditas inespecíficas, isto é, a retocoli- perfuração é muito grande e, também, está contra-indi-
te ulcerativa inespecífica (RCUI) e a doença de Crohn cado o exame em pacientes com suspeita de perfuração
(DC) e além disso o diagnóstico diferencial com afec- espontânea.
ções específicas, que tem causas definidas, como as pa-
rasitárias e infecciosas nem sempre é fácil. Em até 10% a
20% dos pacientes, mesmo após a análise de espécimes Aspectos técnicos
cirúrgicos por patologistas experientes, o diagnóstico
de certeza não é possível de ser firmado. Portanto os as- Preparo do paciente
pectos endoscópicos em portadores de DII nem sempre
trazem evidências seguras da doença em questão. O preparo intestinal não difere daquele utilizado em
No entanto, a colonoscopia contribui de maneira re- pacientes com outra indicação para o exame que não
levante para o diagnóstico das DII através dos achados as DII. O preparo anterógrado é o recomendado com
morfológicos e da possibilidade da coleta de material solução de manitol, polietilenoglicol ou fosfossoda.
para exame histopatológico e culturas que serão con- Após monitorização cardíaca e da saturação de oxi-
frontados com outros dados clínicos para o estabeleci- gênio, a sedação pode ser obtida com o uso da associa-
mento do diagnóstico final. ção de benzodiazepínicos e derivados da morfina.
A participação de anestesistas é importante em
crianças e pacientes idosos.
Indicações e contra-indicações

As principais indicações da colonoscopia em pacientes O exame


portadores de DII são:
A introdução do aparelho deve ser realizada com ex-
 Avaliação da extensão da doença. tremo cuidado, evitando-se traumatizar a parede do
 Diagnóstico diferencial: – entre a RCUI e a DC – cólon, sobretudo em pacientes com a doença em ativi-
com outras afecções inflamatórias específicas. dade, dado o risco de perfuração. O cólon, sempre que
 Acompanhamento evolutivo. possível, deve ser examinado em toda a sua extensão. A
 Avaliação de estenose ou massa tumoral. transposição da válvula ileocecal deve sempre ser tenta-
 Intra-operatória. da pois o exame do íleo terminal é essencial. Caso haja
 Avaliação de reservatório ileal ou ileostomia conti- um segmento estenótico ou com acentuada angulação,
nente. a utilização de um gastroscópio pode ser uma alterna-

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260 Atlas de Endoscopia Digestiva

tiva interessante para a realização completa do exame. esplênica é observado em cerca de 15% dos casos, e o
O reto deve ser examinado de forma minuciosa, pois o comprometimento proximal a flexura esplênica (deno-
comprometimento isolado do reto distal é freqüente na minado “pancolite”) nos restantes 35% (Figura 15.10).
RCUI. Na RCUI existe uma tendência de haver um gradien-
Toda a área alterada deve ser biopsiada e mesmo se te, sendo a doença mais intensa nos segmentos distais se
não houver alterações endoscópicas do cólon, e a indi- tornando mais branda nos segmentos proximais.
cação do exame for investigação de diarréia de causa in- Outro achado que é característico da RCUI é a dis-
definida, devemos realizar biópsias aleatórias de todos torção do padrão vascular da submucosa com formação
os segmentos do cólon, com a finalidade de se pesquisar de vasos aberrantes conseqüente ao processo cicatricial
um agente etiológico infectoparasitário ou, então, diag- da mucosa, perdendo assim a divisão dicotômica vas-
nosticar as colites microscópicas que promovem pouca cular habitual. Esta alteração endoscópica é observada
ou nenhuma alteração endoscópica. em pacientes submetidos a colonoscopia fora de surto
As lesões de aspecto aftóide devem ser biopsiadas agudo (Figuras 15.11 e 15.12).
tendo-se o cuidado de se promover uma retirada do Nos quadros agudos mais intensos da RCUI, pode
tecido interessando também a submucosa em sua pro- haver infecção secundária associada e, neste caso, há
fundidade. O achado de granulomas é mais freqüente exacerbação da agressão à mucosa.
nestas lesões.
No caso de úlceras maiores, as bordas é que devem
ser o local de coleta, na tentativa de se achar algum
DOENÇA DE CROHN
agente etiológico, uma vez que seu fundo é normal-
mente constituído por material necrótico ou fibrino-
leucocitário. A característica mais peculiar da DC é de apresentar
É importante que haja uma integração direta entre áreas de mucosa de aspecto normal ao lado de áreas de
o endoscopista e o patologista, pois a endoscopia forne- mucosa comprometida dando um aspecto de desconti-
ce o exame macroscópico do espécime a ser examinado nuidade e de acometimento segmentar. Na DC existem
pelo patologista. É importante também que o endos- dois tipos básicos de lesões observadas, as úlceras aftói-
copista colha uma quantidade satisfatória de material, des (Figuras 15.13 e 15.14) que são pequenas úlceras la-
através de biópsias, interagindo com o patologista na deadas por mucosa de aspecto normal e as úlceras maio-
sua interpretação. res que tendem a assumir aspecto linear com orientação
longitudinal. Estas úlceras podem ser confluentes e pro-
fundas (Figura 15.15 a 15.19). Outro aspecto também
observado nesta afecção é o calcetado (cobblestoning)
RETOCOLITE ULCERATIVA (Figura 15.20) que decorre de ulcerações em meio a
mucosa preservada. Esta manifestação endoscópica, no
A RCUI, quando em atividade, se manifesta de forma entanto, pode também estar presente em outras colites
contínua e difusa, através de edema, congestão, friabili- granulomatosas.
dade e granularidade da mucosa, com microulcerações, Não é freqüente o comprometimento do reto na DC,
às vezes recobertas por fibrina, e que às vezes coalescem sendo observado apenas em cerca de 10% dos casos.
formando úlceras maiores (Figura 15.1 a 15.6). Em relação ao envolvimento colorretal, em 40% das
O reto encontra-se comprometido em 95% das ve- vezes o comprometimento é ileocólico (Figura 15.21 a
zes, e o íleo terminal raramente apresenta alterações 15.23) e, em 25% das vezes, apenas o cólon está acome-
(em apenas cerca de 5% dos casos). As lesões ileais são tido, e na maioria das formas cólicas o acometimento
devidas ao refluxo de secreção cólica pela válvula ileo- é total. Desta forma, a DC tem envolvimento do cólon
cecal, que leva a um processo inflamatório irritativo da em 65% dos casos.
mucosa ileal (backwash) (Figura 15.7). Existem algumas outras alterações endoscópicas que
O uso de medicamentos tópicos, através de suposi- podem aparecer em ambas doenças e, às vezes, também
tórios ou enemas, pode contribuir para um aspecto en- em outras afecções, que são os pseudopólipos ou póli-
doscópico praticamente normal do reto, em pacientes pos inflamatórios, e as pontes mucosas. Os primeiros
com a doença em atividade. correspondem a ilhas de mucosa residual em meio a
As formas distais da doença com acometimento ex- processos ulcerativos difusos. Estas lesões são habitual-
clusivo do reto e do sigmóide são as mais freqüentes, mente uniformes, apresentando a mesma coloração e o
ocorrendo em até 50% dos casos (Figuras 15.8 e 15.9). mesmo tamanho, que não ultrapassa 1cm de diâmetro
O comprometimento do cólon esquerdo até a flexura (Figuras 15.24 e 15.25).

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Capítulo 16 Hemorragia Digestiva Baixa 275

Capítulo 16
HEMORRAGIA
DIGESTIVA BAIXA
Marcelo Averbach •
Paulo A.F. Pires Correa

DEFINIÇÃO TABELA 16.1 – Diagnóstico Colonoscópico de HDB

Diagnóstico Freqüência (%) % média


Hemorragia digestiva baixa (HDB) é definida como
sangramento com origem no trato digestivo, distal-  MDC 15 a 55 30
mente ao ângulo de Treitz, de início recente, arbitra-  Colite 6 a 22 15
riamente definido como três dias. Tal sangramento leva  Câncer/pólipos 3,5 a 30 13
a manifestações sistêmicas como instabilidade hemo-  Ectasia vascular 3 a 37 10
dinâmica, anemia e necessidade de hemotransfusão.  Afecções anorretais 0 a 16 11
A perda crônica de sangue, sangue oculto nas fezes ou  HDA 0 a 20 10
sangramento não acompanhado de manifestações ge-  Outras 3 a 14 6
rais não serão aqui abordados.  Sem diagnóstico 0 a 11 8

PRINCIPAIS CAUSAS DE HDB

Historicamente as duas principais causas de HDB são a


dos indivíduos quando octogenários. Raramente aco-
doença diverticular do cólon (MDC) e as ectasias vas-
culares. No entanto, estudos mais recentes, que utiliza- mete indivíduos com idade inferior a 30 anos. Os di-
ram a colonoscopia para o diagnóstico, revelaram que a vertículos apresentam óstio amplo, distribuindo-se ao
ectasia é menos freqüente do que se imaginava. A MDC longo de todo o cólon e as paredes intestinais mantêm
permanece como a causa mais freqüente, sendo diag- sua espessura original.
nosticada também de forma incidental em até 66% dos Os episódios hemorrágicos relacionados com essa
pacientes que têm outras causas para o sangramento. afecção são habitualmente intensos mas autolimitados,
As colites aparecem como a segunda causa de he- cessando espontaneamente. Desta forma, em muitos
morragia, observada em 6% a 22% dos casos. A colite casos a colonoscopia mostra vários óstios diverticulares
isquêmica tem se mostrado em recentes séries como
repletos por material hemático (Figura 16.1) não sendo
importante causa de HDB. Entre as doenças inflamató-
rias, a doença de Crohn, mais freqüentemente do que a possível a identificação do ponto sangrante. O reconhe-
colite ulcerativa, leva a quadros hemorrágicos. cimento do divertículo sangrante (Figura 16.2) permite
A Tabela 16.1 mostra dados compilados de 10 séries a realização de procedimentos hemostáticos que serão
quanto às principais causas de HDB. discutidos a seguir.

Moléstia diverticular hipotônica do


cólon Alterações vasculares

Esta afecção ocorre freqüentemente após a quinta déca- Dentre as alterações vasculares observadas no cólon,
da de vida, chegando a comprometer até cerca de 70% as ectasias vasculares (Figuras 16.3 e 16.4) são as mais

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276 Atlas de Endoscopia Digestiva

FIGURA 16.1 Moléstia diverticular. Resíduos hemáticos nos di- FIGURA 16.3 Ectasia vascular
vertículos

FIGURA 16.2 Divertículo com sangramento ativo FIGURA 16.4 Ectasia vascular

importantes como causa de hemorragia digestiva baixa te, porém 25% a 85% destes podem voltar a apresentar
(HDB). São lesões degenerativas do sistema capilar arte- um novo episódio hemorrágico no futuro.
riovenoso da submucosa do cólon e, portanto, freqüen- Também podem estar localizadas no intestino del-
tes na população de faixa etária mais elevada. Estima-se gado, sendo responsáveis pelo sangramento origina-
que a sua incidência na população acima de 50 anos seja do neste segmento do tubo digestivo, em até 80% das
em torno de 2% a 30%. São habitualmente múltiplas, vezes.
ocorrendo mais freqüentemente no ceco e cólon as- Outras lesões vasculares menos freqüentemente re-
cendente. O sangramento causado por estas alterações lacionadas a episódios de HDB são as flebectasias (Fi-
vasculares pode ser crônico e intermitente, porém mais gura 16.5), os hemangiomas (Figura 16.6) e as varizes
freqüentemente é agudo e intenso. Felizmente, 85% a do cólon esquerdo e reto (Figura 16.7). Estas alterações
90% dos pacientes com sangramento agudo causado vasculares ocasionam sangramentos insidiosos e tam-
por angiodisplasias, param de sangrar espontaneamen- bém autolimitados.

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Capítulo 17 Rastreamento e Diagnóstico do Câncer Colorretal: Pólipos e Lesões Precoces 285

Capítulo 17
RASTREAMENTO E DIAGNÓSTICO
DO CÂNCER COLORRETAL:
PÓLIPOS E LESÕES PRECOCES
Lix Alfredo Reis de Oliveira • Fernanda Prata Martins •
Angelo Paulo Ferrari

A incidência do câncer colorretal (CCR) tem aumen- anos. Outros exames que também podem ser utilizados
tado principalmente nos países ocidentais, inclusi- para rastreamento conforme recomendação das socie-
ve no Brasil, onde é a quinta causa de morte entre as dades americanas incluem a pesquisa de sangue oculto
neoplasias. Segundo estimativas do Instituto Nacional anual, retossigmoidoscopia a cada 5 anos, associada ou
do Câncer (INCA), excluído o câncer de pele, o CCR não a pesquisa de sangue oculto anual, e enema opaco
é o quarto mais freqüente entre os homens e o tercei- a cada 5 anos.12
ro entre as mulheres, nos estados do sul e sudeste (17 a Existem alguns grupos de risco para o aparecimento
22/100.000).1,2 do CCR, dentre eles, pacientes com história familiar de
A maioria dos tumores desenvolve-se a partir de le- CCR, polipose adenomatosa familiar, câncer colorretal
sões pré-cancerosas, especialmente os adenomas (Figu- familiar não-polipóide (HNPCC) e portadores de doen-
ra 17.1). O tempo médio de evolução entre um adenoma ças inflamatórias intestinais.12
menor que 10mm até o câncer é de 10 anos, tempo este Em indivíduos com forte história familiar de câncer
que favorece a possibilidade de rastreamento e preven- de cólon (2 familiares de primeiro grau ou 1 familiar
ção do CCR.2 O potencial de malignização dos adeno- de primeiro grau com diagnóstico antes dos 60 anos) o
mas é diretamente proporcional ao tamanho, caracte- risco de CCR é 3 a 4 vezes maior do que o da população
rísticas histológicas, macroscópicas e multiplicidade.3,4 geral e recomenda-se colonoscopia a cada 3 a 5 anos a
Estudos de necropsia detectaram 22% a 50% de adeno- partir dos 40 anos, ou 10 anos antes da idade do diag-
mas em indivíduos com mais de 55 anos, aproximada- nóstico do caso-índice.12 Indivíduos com apenas 1 fa-
mente 10% deles maiores do que 10mm.5,6 miliar de primeiro grau com diagnóstico de CCR após
Uma parte dos tumores colorretais tem origem da os 60 anos têm um risco de cerca 2 vezes o da popula-
mucosa normal, sem a necessidade de adenomas pree- ção geral de desenvolver CCR, e recomenda-se iniciar o
xistentes, e são chamados carcinomas “de novo”.7,8 rastreamento com colonoscopia aos 40 anos e repetir o
Dentre os métodos disponíveis hoje para detecção exame em intervalos de 10 anos.12
das lesões pré-malignas e do câncer precoce, a colonos- Pacientes com antecedente de CCR ou adenomas
copia é considerada o método padrão-ouro.9,10 É atual- (Figura 17.3) também têm risco aumentado de lesões
mente recomendada pelas sociedades americanas de metacrônicas e por isso devem ser acompanhados. No
gastroenterologia, cirurgia e endoscopia. A sobrevida caso de neoplasia obstrutiva a primeira colonoscopia
em 5 anos do CCR avançado é de 62%. Se existirem deve ser realizada em até 6 meses após a cirurgia. Nos
metástases a distância, a sobrevida diminui para 10%. demais a colonoscopia deve ser realizada anualmente
Ao contrário, quando a doença é diagnosticada e trata- nos primeiros 5 anos e depois realizar o mesmo segui-
da em fase precoce (Figura 17.2), a sobrevida em 5 anos mento dos portadores de adenomas. Nos pacientes por-
é maior que 90%.11 tadores de adenomas, a colonoscopia de controle deve
Em pacientes sem fatores de risco, recomenda-se ser realizada a cada 3 anos até o clareamento do cólon e
início do rastreamento para CCR aos 50 anos. Nestes após seguimento a cada 5 anos.12
casos a colonoscopia está indicada a cada 10 anos, o que Pacientes com doença inflamatória intestinal tam-
promove redução de 76% a 90% da mortalidade em 5 bém apresentam risco aumentado de CCR. Nos casos

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286 Atlas de Endoscopia Digestiva

A C

B D

FIGURA 17.1 (A a D) Adenomas

de pancolite, a colonoscopia deve ser realizada anual e cols. observaram que com bom preparo intestinal e
após 8 anos de doença e naqueles com colite esquerda, o examinador experiente a eficácia da colonoscopia para
rastreamento pode ser iniciado após 10 a 12 anos.12 pólipos maiores que 10mm chega a 95% e o índice de
Outras situações com risco aumentado de CCR são pólipos menores do que 10mm não diagnosticados é
a polipose adenomatosa familiar (PAF) e o câncer co- cerca de 15%.13 Rex e cols. encontraram índice de não-
lorretal familiar não-polipóide (HNPCC). Na PAF, detecção de adenomas durante colonoscopia conven-
o rastreamento deve ser iniciado aos 10 a 12 anos de cional de 27% para lesões menores do que 5mm, 13%
idade com sigmoidoscopia anual e após os 40 anos esta para lesões entre 6 e 9mm e 6% para lesões maiores ou
pode ser espaçada para cada 3 a 5 anos. O pico do apa- iguais a 10 mm.14
recimento do adenoma é aos 16 anos e da neoplasia aos Novos recursos técnicos aplicados durante a colo-
39 anos. Caracteriza-se HNPCC quando a neoplasia noscopia, tais como cromoscopia com corantes (Figura
colorretal é diagnosticada em 3 familiares, pelo menos 17.4), cromoscopia digital (Figura 17.5) e magnificação
um deles de primeiro grau, acometendo duas gerações, de imagem (Figura 17.6), possibilitam o aumento da
em indivíduos abaixo dos 50 anos. Nestes pacientes, a detecção e melhor caracterização das lesões, com diag-
colonoscopia deve ser realizada a cada 1 a 2 anos, a par- nóstico histológico presuntivo em tempo real.15-19
tir dos 20 aos 25 anos ou 10 anos mais jovem do que o A cromoscopia é uma das técnicas auxiliares que tem
caso índice.12 como objetivo realçar e delinear a mucosa gastrintesti-
Mesmo em mãos experientes, algumas lesões podem nal.20 Os corantes mais utilizados no cólon são: o índi-
passar despercebidas durante a colonoscopia. Hixson go-carmim em concentrações de 0,1% a 0,5% (Figura

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Capítulo 18 Próteses Enterais 303

Capítulo 18
PRÓTESES ENTERAIS
Erika Pereira de Macedo • Angelo Paulo Ferrari Jr.

INTRODUÇÃO 4 meses.3,4,6-8 Opções não-cirúrgicas de paliação tais


como quimioterapia e radioterapia,9 injeção de etanol,10
Apesar de inúmeros esforços, o câncer avançado do tra- e ablação tumoral com laser11 apresentam resultados
to gastrintestinal (TGI) ainda é encontrado freqüente- pouco animadores, e têm sido reservadas, de maneira
mente na prática clínica. As lesões malignas geralmente geral, para a neoplasia de esôfago. A passagem de son-
levam a sintomas obstrutivos do TGI, seja por obstru- das para alimentação é uma opção que visa garantir o
ção do lúmen do órgão ou por compressão extrínseca. aporte nutricional, porém não permite o restabeleci-
Nos últimos anos, o armamento endoscópico cresceu mento do trânsito.
consideravelmente e surgiu uma grande variedade de As próteses metálicas auto-expansíveis (PMAE)
métodos não-cirúrgicos para o tratamento paliativo trouxeram novas perspectivas para o tratamento palia-
definitivo ou não dos tumores do TGI. tivo (Figura 18.1) da neoplasia obstrutiva do TGI.2-8,12-16
Por definição, próteses enterais são aquelas utiliza- Estudos mostram que a PMAE, em comparação à
das no estômago, intestino delgado e cólon. Embora cirurgia, promove alívio da disfagia com a mesma efi-
sejam indicadas primariamente como método paliativo cácia, porém com menor índice de complicação, tempo
nas obstruções malignas, também podem ser utilizadas de hospitalização e custo.3,4
no cólon como uma modalidade pré-operatória. Mais de 30 publicações, a maioria de natureza retros-
Neste capítulo revisamos as técnicas, indicações e pectiva, descreveram o uso das PMAE em mais de 600
resultados das próteses enterais nas doenças malignas pacientes.4,6,7,13,14,17-19 Sucesso técnico ocorreu em 97%
obstrutivas do TGI. deles e melhora clínica (melhora da ingesta oral) em
89% dos pacientes. Complicações decorrentes das pró-
teses incluem, crescimento do tumor (17%), migração
(5%), sangramento (1%) e perfuração (<1%).20,21 Alguns
TUMORES GASTRODUODENAIS destes estudos estão representados na Tabela 18.1.
Embora não existam estudos prospectivos compa-
Os pacientes com estenose maligna do TGI alto apresen- rando as próteses enterais (Figuras 18.2 e 18.3) com
tam dor, náuseas, vômitos, perda de peso e desnutrição. gastrojejunostomia, a comparação retrospectiva dessas
No momento do diagnóstico a maioria dos pacientes já duas modalidades mostrou resultados superiores com
apresenta doença localmente avançada ou metastática, as próteses enterais, com realimentação e melhora clí-
não havendo possibilidade de ressecção cirúrgica em nica mais rápidas.21 Yim e cols. conduziram estudo re-
40% das neoplasias gástricas e 80% a 95% dos tumores trospectivo com 44 pacientes, dos quais 29 foram sub-
pancreáticos.1 A sobrevida média varia de 4 a 6 meses, metidos à colocação de PMAE (Enteral Wallstent) e 15
independente da terapêutica aplicada.2 a gastrojejunostomias cirúrgicas. A sobrevida média
Até o início da década de 1990 a cirurgia derivati- foi semelhante entre os grupos, porém houve diferen-
va era a única opção capaz de restabelecer o trânsito. ça estatisticamente significante no tempo de interna-
Entretanto, o tratamento cirúrgico paliativo é acom- ção hospitalar e custo do procedimento, favorecendo a
panhado de altos índices de morbidade, com mor- PMAE.3 Em outro estudo retrospectivo, Wong e cols.
talidade ao redor de 20%,3-5 e sobrevida média de 3 a também compararam a gastrojejunostomia cirúrgica

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304 Atlas de Endoscopia Digestiva

com a PMAE (Wallstent), e observaram que 59% dos ajuda no melhor posicionamento durante o procedi-
pacientes do grupo cirúrgico persistiram com queixa mento e diminui as chances de complicações.
de retardo ao esvaziamento gástrico, enquanto todos Muitas das lesões que levam a obstrução gástrica
submetidos à colocação da prótese receberam dieta leve podem ser alcançadas por um endoscópio. Nas lesões
no dia seguinte ao procedimento. A sobrevida média foi distais à segunda porção duodenal, geralmente é neces-
superior no grupo PMAE, com tempo de hospitaliza- sário o uso do colonoscópio. A marcação das bordas da
ção reduzido, entretanto sem significância estatística. A lesão com solução radiopaca pode ser de grande ajuda
mortalidade em 30 dias no grupo cirúrgico foi de 18%, na colocação das próteses.
não havendo óbito no grupo prótese. Os autores con- Após sedação convencional, o endoscópio é passado
cluíram que a prótese enteral reduz a estadia hospitalar, até o local da lesão. Se o aparelho passar facilmente pela
com possível melhora na sobrevida (Figura 18.4).4 lesão, um fio-guia colocado através do canal do endos-
cópio é passado através da obstrução e deve ser posicio-
nado distalmente, pelo menos 20cm além do ponto final
da obstrução. Se o aparelho não passar facilmente pela
Técnica
lesão, um fio-guia biliar hidrofílico pré-montado em
um cateter biliar pode ser utilizado para ultrapassar a
Nos EUA, somente um tipo de prótese metálica auto- estenose, assim como realizado durante uma colangio-
expansível está aprovada pela FDA (Food and Drug grafia retrógrada endoscópica. Uma vez que o fio-guia
Administration) para o uso nas obstruções gastroduo- é passado pela lesão, sempre sobre visualização fluoros-
denais, a Enteral Wallstent (Boston Scientific). Esta cópica, o cateter é avançado sobre o fio-guia através da
prótese não é recoberta e pode ser passada através do lesão. Solução radiopaca e hidrossolúvel é injetada para
canal de instrumentação do endoscópio, colonoscó- confirmar posição e a patência do lúmen. A prótese é
pio ou duodenoscópio. Fora dos EUA, uma variedade passada através da estenose e realizada sua liberação,
de PMAE cobertas ou não, especialmente desenhadas com o auxilio da radioscopia. A liberação pode ou não
para o duodeno, está disponível. Estas incluem a Choo ser precedida por dilatação hidrostática endoscópica.
stent (Solco Intermed Co. Ltd., Seoul, Korea, and M.I.
Tech Co. Ltd., Pyungtaik-City, Korea), a Song stent
(Stentech, Seoul, Korea), e a Niti-S stent (TaeWoong
Medical, Seoul, Korea).2 Indicações
O uso da radioscopia é altamente recomendado, po-
rém não é estritamente necessário. A radioscopia per- Todas as lesões que levam à obstrução do estômago,
mite melhor identificação da anatomia e extensão da duodeno ou intestino delgado são potenciais indicações
estenose, o que auxilia na escolha do tipo e tamanho de para utilização de PMAE. Carcinoma avançado da ca-
prótese a ser utilizado. O uso da radioscopia também beça do pâncreas é a causa mais comum de obstrução

TABELA 18.1 – Trabalhos da literatura avaliando a eficácia da colocação de diferentes próteses metálicas auto-expansíveis
na obstrução maligna do estômago e duodeno

Referência Ano No Prótese Sucesso Complicações (%)


Técnico/Clínico (%)
7 1997 10 Wallstent 100/100 10
13 1998 8 Wallstent
Endocoil
Z-stent
Ultraflex 100/87,5 25
16 1998 12 Wallstent 100/75 –
17 2001 29 Nitinol 90 10
3 2001 31 Wallstent 93/86 6
18 2002 23 Ultraflex 100/ 9
Endocoil 13
4 2002 25 Wallstent 100/100 –
14 2002 36 Wallstent 100/86 25

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Capítulo 19 Endoscopia Digestiva Pediátrica 321

Capítulo 19
ENDOSCOPIA DIGESTIVA
PEDIÁTRICA
Manoel Ernesto Peçanha Gonçalves •
Silvia Regina Cardoso •
Gustavo Andrade de Paulo

Até o início dos anos de 1960 a endoscopia pediátrica  Investigação de recusa alimentar.
restringia-se à remoção de corpos estranhos e às di-  Diagnóstico e acompanhamento evolutivo de esôfa-
latações de estenoses esofágicas. Com o progressivo go de “Barrett”.
aperfeiçoamento dos endoscópios e com o advento dos  Diagnóstico e acompanhamento evolutivo da doen-
videoendoscópios na década de 1990, as endoscopias ça celíaca (vide capítulo de Biópsia Endoscópica).
pediátricas têm sido cada vez mais utilizadas. Hoje,
grande número de procedimentos diagnósticos e te-
rapêuticos são realizados de maneira segura e eficaz,
diminuindo o tempo de internação e a morbidade do PRINCIPAIS INDICAÇÕES DE
tratamento cirúrgico.
ENDOSCOPIA DIGESTIVA ALTA
Os exames são geralmente realizados em centro
cirúrgico ou em centros endoscópicos especializados, TERAPÊUTICA
onde exista possibilidade de utilização de anestesia ge-
ral com monitorização rigorosa, respeitando-se um pe-  Remoção de corpos estranhos (vide capítulo especí-
ríodo de jejum adequado para cada idade. fico).
Os equipamentos endoscópicos utilizados são os  Dilatações de estenoses congênitas esofágicas (alguns
mesmos que os utilizados para pacientes adultos, não casos de membranas e coristomas) (Figuras 19.3 a
sendo necessários, de um modo geral, equipamentos 19.13).
com calibres especiais, mesmo para recém-nascidos e  Dilatações de estenoses adquiridas de esôfago (cáus-
lactentes. ticas, pépticas, anastomoses cirúrgicas) (Figuras
19.14 a 19.18).
 Dilatação de estenoses relacionadas a doenças sis-
têmicas como, por exemplo, epidermólise bolhosa
PRINCIPAIS INDICAÇÕES DE (Figuras 19.19 a 19.21).
ENDOSCOPIA DIGESTIVA ALTA  Tratamento da hemorragia digestiva alta varicosa
DIAGNÓSTICA (escleroterapia, ligadura elástica, injeção de adesivos
tissulares) (Figuras 19.22 a 19.24).
 Vômitos, regurgitações (Figuras 19.1 e 19.2).  Tratamento da hemorragia digestiva alta não-vari-
 Disfagia. cosa (ulcerosa, relacionada a malformações vascula-
 Odinofagia. res) (Figuras 19.25 e 19.27).
 Dor abdominal recorrente.  Tratamento de algumas afecções congênitas (dupli-
 Baixo ganho pôndero-estatural. cação incompleta de esôfago, membrana antral) (Fi-
 Investigação de anemia refratária a tratamentos ha- guras 19.28 a 19.31).
bituais.  Drenagem de pseudocisto de pâncreas.
 Investigação de irritabilidade.  Gastrostomia endoscópica percutânea (Figuras 19.32).
 Cianose relacionada à alimentação.  Jejunostomia endoscópica percutânea.

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322 Atlas de Endoscopia Digestiva

PRINCIPAIS INDICAÇÕES DE  Colangite esclerosante primária (Figuras 19.47 e 19.48).


COLONOSCOPIA DIAGNÓSTICA  Fístula biliar persistente pós-cirúrgica (Figura 19.49).
 Estenoses biliares (Figura 19.50).
 Hemorragia digestiva baixa.  Pancreatite aguda persistente ou recorrente.
 Diarréia crônica.  Pancreatite crônica (Figuras 19.51 e 19.52).
 Investigação de dor abdominal.  Suspeita de anomalias congênitas pancreáticas (Fi-
 Diagnóstico e controle evolutivo das doenças intes- gura 19.53).
tinais inflamatórias (Figuras 19.33 a 19.36).  Trauma pancreático (Figura 19.54).
 Diagnóstico e controle evolutivo das poliposes (Fi-  Massa pancreática.
gura 19.37).  Suspeita de hemobilia (Figura 19.55).
 Suspeita de malformações vasculares (Figura 19.38).
 Suspeita de doenças infecciosas em imunodeprimi-
dos (Figuras 19.39 a 19.41). PRINCIPAIS INDICAÇÕES DE CPRE
 Suspeita de lesões cólon-retais relacionadas com qui- TERAPÊUTICA
mioterapia e/ou radioterapia (Figuras 19.42 e 19.43).
 Remoção de cálculos (Figura 19.56).
 Remoção de parasitas (Figuras 19.57 e 19.58).
PRINCIPAIS INDICAÇÕES DE  Resseção de coledococele (Figuras 19.59 e 19.60).
COLONOSCOPIA TERAPÊUTICA  Dilatação de estenoses.
 Colocação de próteses.
 Polipectomias (Figura 19.44).  Esfincterotomias.
 Tratamento de angiodisplasias e outras malforma-  Esfincteroplastias.
ções vasculares (Figura 19.45).  Drenagem de cisto de duplicação duodenal.
 Tratamento de lesões ulcerososas hemorrágicas.  Drenagem nasobiliar.
 Remoção de corpos estranhos.  Drenagem de pseudocisto pancreático.
 Redução de volvo de sigmóide.

PRINCIPAIS INDICAÇÕES DE CPRE


DIAGNÓSTICA

 Investigação de icterícia obstrutiva.


 Investigação de dilatações císticas de vias biliares in-
tra e/ou extra-hepáticas (Figura 19.46).

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Capítulo 20 Ecoendoscopia 335

Capítulo 20
ECOENDOSCOPIA
Gustavo Andrade de Paulo • José Celso Ardengh •
Luiz Felipe Pereira de Lima

INTRODUÇÃO tiva com agulha fina (PAAF) guiada por EE permitiu


um incremento considerável dessa acurácia, tornando
A ecoendoscopia (EE), também conhecida como ul- o método mais interessante que doravante.
tra-som endoscópico ou endossonografia, apresenta-se
como um importante método complementar em gas-
troenterologia. O emprego de um transdutor ecográfi- INDICAÇÕES DA ECOENDOSCOPIA
co acoplado na extremidade distal de um endoscópio
possibilita o exame pormenorizado de órgãos e regiões Parede do tubo digestivo
pouco acessíveis a outros métodos de imagem como
pâncreas, porção distal do colédoco e papila. Além dis- De modo geral, a parede do trato digestório contém
so, permite o estudo detalhado das diversas camadas cinco camadas ecográficas. Atualmente, admite-se que
da parede (mucosa, muscular da mucosa, submucosa, exista a seguinte relação entre essas camadas com aque-
muscular própria e serosa) do esôfago, estômago, duo- las descritas pela anatomia (Figuras 20.1 e 20.2).
deno e reto, o que não é possível com outros métodos
complementares, inclusive a endoscopia digestiva alta  1a camada (hiperecóica): interface do balão e epité-
(EDA). lio superficial mucoso.
A EE está indicada no diagnóstico diferencial de le-  2a camada (hipoecóica): mucosa profunda.
sões subepiteliais, estudo de compressões extrínsecas,  3a camada (hiperecóica): submucosa com interface
avaliação de pancreatites (aguda e crônica), litíase biliar, da muscular própria.
estudo de vasos abdominais etc. Entretanto, sua melhor  4a camada (hipoecóica): muscular própria.
aplicação é no estadiamento dos tumores esofágicos,  5a camada (hiperecóica): pode corresponder à sero-
gástricos, pancreáticos, biliares e retais, permitindo a sa, adventícia ou à gordura adjacente, dependendo
análise da extensão locorregional, além de nos dar in- da estrutura de cada órgão.
formações sobre metástases linfonodais, próximas às
lesões estudadas. Indicações emergentes da EE incluem:
estadiamento pós-quimio/radioterapia, detecção de pe-
quenos carcinomas invasivos em pacientes com esôfago Nódulos linfáticos
de Barrett (empregando-se transdutores de alta freqü-
ência), avaliação de lesões tumorais antes da realização A avaliação de NL adjacentes ao tubo digestivo deve
de mucossectomia, biópsia de nódulos hepáticos, abla- incluir os seguintes parâmetros: forma (arredondada
ção de tumores pancreáticos (radiofreqüência, braqui- ou alongada), ecogenicidade (hipoecóica, isoecóica ou
terapia, imunoterapia ou terapia genética), desenvolvi- hiperecóica), ecotextura (homogênea ou heterogênea),
mento de anastomoses bilioentéricas, avaliação e trata- borda (nítida ou não) e tamanho.1 Nódulos linfáticos
mento de pacientes com hipertensão portal. arredondados, hipoecóicos, com bordas nítidas e maio-
Apesar da EE apresentar elevada acurácia no diag- res que 10mm são quase sempre malignos (Figura 20.3).
nóstico diferencial entre lesões biliopancreáticas benig- Quando apenas os três primeiros parâmetros estão pre-
nas e malignas, o desenvolvimento da punção aspira- sentes, estes costumam ser metastáticos em até 85% dos

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336 Atlas de Endoscopia Digestiva

câncer de esôfago com uma sensibilidade de aproxi-


madamente 90%, com especificidade variando entre
56% e 77%. Resultados semelhantes foram relatados no
câncer gástrico e de pâncreas, onde NL regionais são
diagnosticados com uma sensibilidade ao redor de 85%
e com especificidade variando de 45% a 85%.3
A sensibilidade, especificidade, valor preditivo posi-
tivo (VPP) e negativo (VPN) da PAAF guiada por EE dos
NL é de 93%, 100%, 100% e 86%, respectivamente.4

FIGURA 20.1 Parede normal do esôfago


Órgãos vizinhos

A EE pode ser empregada no estudo de certos órgãos


ou regiões peridigestórias, como: mediastino, pulmões,
câmaras cardíacas, próstata, vesículas seminais e órgãos
genitais femininos.

Mediastino

A EE (associada à PAAF) permite o diagnóstico e es-


FIGURA 20.2 Parede normal do reto tadiamento de lesões do mediastino posterior, tais
como: 5
 Câncer primário de pulmão (de pequenas células ou
não).
 Lesões metastáticas de neoplasias extratorácicas.
 Linfomas.
 Nódulos linfáticos reacionais.
 Doenças granulomatosas (sarcoidose, histoplasmo-
se, tuberculose).
 Tumores neurogênicos.
 Cistos de duplicação (Figura 20.4).
 Abscessos mediastinais e mediastinites (Figura
20.5).
De forma geral, a acurácia da EE com PAAF no diag-
nóstico de lesões do mediastino posterior é de cerca de
93%.6 As complicações possíveis, embora raras, são me-
FIGURA 20.3 Linfonodo hipoecóico, arredondado, medindo diastinite, sangramento, estridor e perfuração.5
10,1 × 7,5mm. A punção ecoguiada confi rmou a malignidade Cistos mediastinais de duplicação [broncogênicos
e neuroentéricos (cisto de duplicação esofágica e cis-
casos. Por outro lado, NL que preenchem apenas dois to neuroentérico)] não devem ser puncionados se não
dos critérios de malignidade serão considerados duvi- houver dúvidas quanto à natureza do mesmo. Como
dosos, visto que 20% deles correspondem a NL infla- esses cistos são, em sua grande maioria, benignos e as-
matórios. Nos casos em que os NL preencham apenas sintomáticos, o risco de mediastinite pós-punção não
um dos caracteres, devem ser considerados benignos.2 justifica a manipulação dos mesmos.5 Se a necessidade
A utilização dos critérios ora descritos permite o de punção for imperativa, antibioticoterapia profi lática
diagnóstico de metástases linfonodais regionais no está indicada.7

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Capítulo 21 Enteroscopia 353

Capítulo 21
ENTEROSCOPIA
Adriana Vaz Safatle-Ribeiro • Rogério Kuga
Carlos Kiyoshi Furuya Junior • Paulo Sakai

INTRODUÇÃO pio e o overtube, são equipados com balão de látex, os


quais podem ser inflados ou desinflados através de uma
A enteroscopia representa o exame endoscópico do in- bomba de ar (Figura 21.2).2
testino delgado, ou seja, do duodeno, jejuno e íleo. Com relação à técnica de inserção, tanto o endos-
O enteroscópio de duplo-balão (EDB) permite a cópio como o overtube são introduzidos com os balões
visualização de todo o intestino delgado, podendo ser vazios. A introdução progressiva do endoscópio é feita
introduzido tanto por via anterógrada como retrógra- o mais distal possível, mantendo-se o overtube sobre
da. Este método possibilita a realização de biópsias e o endoscópio apoiado pelas mãos de um auxiliar. In-
procedimentos terapêuticos.1 flando o balão do overtube o suficiente para se aderir
As principais indicações da enteroscopia corres- à parede intestinal, o endoscópio pode ser introduzido
pondem a sangramento digestivo obscuro ou oculto, sem formar alças no intestino delgado. Posteriormen-
doenças inflamatórias, diarréia crônica, controle de te, o overtube desinflado pode, por sua vez, ser inseri-
anormalidades radiológicas diagnosticadas no intesti- do enquanto o balão do endoscópio está inflado. Sobre
no delgado e poliposes. controle endoscópico e/ou radiológico, com ambos os
Novas indicações da EDB são para realização de balões inflados, o endoscópio e o overtube são retirados
exame endoscópico do estômago excluso após cirurgia conjuntamente para se retificar todo o conjunto. Esta
bariátrica, colangiopancreatografia endoscópica retró- técnica de introdução, insuflação dos balões e retifica-
grada em pacientes com reconstruções gástricas (Y-de- ção do aparelho repetidamente, permite a progressão
Roux e Billroth II), jejunostomia endoscópica percu- do endoscópio (Figura 21.3).
tânea e ileocolonoscopia naqueles pacientes com cólon Desta maneira, este enteroscópio, utilizando-se do
difícil. método de empurrar e puxar (push and pull), permite
que toda a mucosa do intestino delgado seja examina-
da. O aparelho ainda dispõe de magnificação de ima-
gem (1,5 vez), podendo ser útil no diagnóstico dife-
TÉCNICA DA ENTEROSCOPIA DE rencial das lesões. A cromoendoscopia e a biópsia para
DUPLO-BALÃO comprovação diagnóstica são possíveis, bem como os
procedimentos terapêuticos. Para a realização do exa-
Em 2003, Yamamoto juntamente com a Fuji Photo Op- me, todavia, é necessária a participação de dois pro-
tical Incorporated Company desenvolveram um protó- fissionais, pois um controla o endoscópio e o outro o
tipo de um enteroscópio com duplo-balão, cuja porção overtube.
de inserção de trabalho mede 200cm e cujo diâmetro A via preferencial para início da EDB não parece ter
tem 8,5mm ou 9,4mm, com canais de biópsia de 2,2mm um consenso, sendo oral em nosso meio semelhante-
e 2,8mm, respectivamente. O EDB com canal de 2,8mm, mente a alguns autores,3,4,5 porém, Yamamoto e cols.
permite o uso de acessórios terapêuticos convencionais. preferem a via anal.1 Contudo, o procedimento é finali-
Este sistema também inclui um overtube flexível com zado após o diagnóstico da lesão em muitos casos.
140cm de comprimento e diâmetro máximo externo de Tanto a instalação, como a preparação do material
12,2mm ou 13,2mm (Figura 21.1). Ambos, o endoscó- e a técnica do procedimento são relativamente simples.

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354 Atlas de Endoscopia Digestiva

5% dos casos de hemorragia.6,7 O sangramento gastrin-


testinal obscuro pode ser oculto, quando há anemia por
deficiência de ferro e/ou a pesquisa de sangue oculto
nas fezes é positiva sem evidência de sangue visível nas
fezes pelo paciente ou pelo médico; ou obscuro eviden-
te quando se observa sangramento visível que pode ser
persistente ou recorrente (com ou sem anemia por de-
ficiência de ferro).
Uma nova terminologia para o local do sangramen-
to do trato gastrintestinal surgiu em 2006, a partir dos
métodos de enteroscopia, ou seja: 8
 Sangramento alto no qual está indicada EDA com
método inicial para diagnóstico.
 Sangramento médio que ocorre distalmente à pa-
pila de Vater até o íleo terminal, onde os métodos
FIGURA 21.1 EDB evidenciando o endoscópio, o overtube e os diagnósticos primários são CE ou EDB e os métodos
balões secundários são push-enteroscopia, cintilografia,
angiografia e push intra-operatória.
 Sangramento baixo: onde a colonoscopia representa
o método diagnóstico principal.
Além do sangramento, outras indicações da ente-
roscopia correspondem a doenças inflamatórias como
doença de Crohn e Behçet, diarréia crônica, controle de
anormalidades radiológicas diagnosticadas no intesti-
no delgado e poliposes.
Outra importante indicação da EDB representa o
exame da alça duodenojejunal exclusa naqueles pacien-
tes com reconstrução a Y-de-Roux. Da mesma manei-
ra, nos pacientes submetidos à cirurgia de Fobi-Capella
para obesidade mórbida, a EDB representa um grande
avanço na endoscopia para visualização do estômago
FIGURA 21.2 Bomba de ar responsável pela insuflação dos ba- excluso, já que o acesso endoscópico tem sido a maior
lões do EDB preocupação após este tipo de reconstrução cirúrgica
(Figura 21.4).9,10,11 A colangiopancreatografia endoscó-
pica retrógrada pode ser também realizada através de
O mesmo tipo de sedação consciente e analgesia usado EDB nestes pacientes com cirurgia.
na endoscopia convencional (p. ex.: com fentanyl e mi- Jejunostomia endoscópica percutânea e ileocolonos-
dazolam) pode ser realizado durante esta técnica. Po- copia naqueles pacientes com cólon difícil são também
rém, o procedimento é às vezes longo, atingindo duas indicação para EDB.
horas de exame, o que obriga sedação mais profunda
com propofol ou o auxílio de anestesista. Escopolami-
na faz-se necessária em alguns casos, para diminuir a
peristalse.
REVISÃO DA LITERATURA

Estudos com casuística adequada demonstram que EDB


INDICAÇÕES DA ENTEROSCOPIA apresenta elevada taxa diagnóstica, ou seja, entre 72%
e 79%.1,3,4 Em estudo multicêntrico prospectivo, com
Sangramento gastrintestinal obscuro representa em to- 100 pacientes, a média de profundidade de inserção no
das as casuísticas a indicação mais freqüente de EDB. intestino delgado foi de 200 ± 70cm por sessão (220 ±
O sangramento gastrintestinal é denominado obs- 90cm através da via oral e 130 ± 80cm com a via anal).4
curo quando não se identifica a fonte de sangramento Enteroscopia completa realizada por Yamamoto e
após EDA e colonoscopia, fato este que ocorre em até cols., em 2004,1 foi bem-sucedida em 24/28 pacientes

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Capítulo 21 Enteroscopia 355

Endoscópio Balão

Overtube

Balão

FIGURA 21.3 Representação esquemática da técnica de introdução do EDB

(86%), sendo somente através da via anterógrada em me de EDB deve ser realizado com cautela, principal-
dois casos, e pela via combinada, com ambas as rotas, mente se locais de subestenose e úlceras ativas forem
em 22 casos. O emprego da tinta-a-índia para marcar visualizadas. Alguns casos de pancreatite aguda foram
a posição exata alcançada pela via inicial parece ser de relatados nas 24h após EDB, e talvez, a possível causa
grande utilidade.1 para tal complicação seja decorrente da insuflação dos
Com relação à terapêutica, a EDB possibilitou o tra- balões no duodeno, mantendo um segmento de intes-
tamento endoscópico em 42% dos pacientes (42/100), tino delgado entre o bulbo e ao ângulo de Treitz com
incluindo: coagulação com plasma de argônio, poli- compressão da parede e aumento da pressão intralu-
pectomia, dilatação e retirada de corpo estranho. As minal.12
dilatações de estenoses benignas foram realizadas atra- Como o método de EDB é invasivo e trabalhoso,
vés da inserção de fio-guia, remoção do endoscópio, e sendo necessário dois examinadores para realizá-lo, o
introdução de balões sob controle radiológico com o consenso atual é de se fazer, quando possível, a seleção
overtube posicionado.4 Os autores não tiveram com- para tal exame com base nos achados provenientes da
plicações graves, contudo complicações leves ocorre- CE, ou seja, a EDB seria realizada posteriormente à CE
ram em 12% dos casos, como dor abdominal, dor de para realização de biópsias e para terapêutica caso fos-
garganta, febre e vômitos.4 Em outro estudo com 123 se necessária. Quanto à rota inicial para EDB, esta seria
pacientes (178 procedimentos), a terapêutica endoscó- orientada também pela CE, com a exceção de afecções
pica foi realizada em 22 casos, incluindo hemostasia localizadas em íleo distal, na qual a EDB seria a pri-
através de eletrocoagulação, dilatação com balão, co- meira escolha como método diagnóstico. Tais métodos
locação de prótese, polipectomia e mucossectomia.1 seriam, portanto, complementares. Contudo, nos ca-
Tais autores tiveram duas complicações incluindo uma sos de sangramento gastrintestinal obscuro evidente, a
perfuração em paciente com linfoma intestinal e febre, tendência atual para exame inicial é em favor da EDB
e dor abdominal em paciente com doença de Crohn.1 e não da CE, pela possibilidade terapêutica do foco he-
Nos pacientes com suspeita de doença de Crohn o exa- morrágico.13,14

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356 Atlas de Endoscopia Digestiva

FIGURA 21.5 Foto endoscópica do duodeno de aspecto normal

FIGURA 21.4 Representação esquemática da derivação gástrica


em Y-de-Roux (cirurgia de Fobi-Capella) e do trajeto a ser percor-
rido pelo EDB até o estômago excluso

EXPERIÊNCIA NO HOSPITAL DAS


CLÍNICAS

As Figuras 21.5 a 21.7 representam aspecto endoscópico


normal do duodeno, jejuno e íleo, de fotos tiradas com
EDB.
Nos pacientes com indicação de EDB por sangra-
mento obscuro ou oculto, o índice diagnóstico foi de
77,8%. A principal causa de sangramento foi decorren-
te de lesões vasculares após o ângulo de Treitz e 41,2% FIGURA 21.6 Foto endoscópica do jejuno com pregueado mu-
destes pacientes se beneficiaram do tratamento endos- coso preservado
cópico através do método da injeção de adrenalina as-
sociada à etanolamina ou com o emprego do argônio,
evitando-se assim a intervenção cirúrgica. Adenocarci- são de submucosa, plasmocitoma de jejuno, síndrome
noma da quarta porção do duodeno, tuberculose, ulce- de Gardner com carcinoma in situ de duodeno, linfan-
rações e erosões, GIST, entre outros, fizeram parte do giectasia por blastomicose, leishmaniose visceral, duo-
arsenal diagnóstico. denite e jejunite.
Com relação aos pacientes com outras indicações, ou Alguns exemplos de imagens obtidas através da EDB
seja, diarréia, alteração à tomografia, polipose, emagre- estão dispostos a seguir (Figuras 21.8 a 21.30).
cimento, doença inflamatória intestinal, além de outras Em nossa experiência inicial, EDB representa um
como reconstrução em Y-de-Roux, dor abdominal e su- método de acurácia elevada, seguro e com baixo índi-
boclusão intestinal, o diagnóstico definitivo foi feito em ce de complicações, sendo eficaz tanto no diagnóstico
71% dos casos. O diagnóstico correspondeu a: doença como na terapêutica das lesões do intestino delgado.
celíaca, Crohn, linfoma, síndrome de Peutz-Jeghers, Este método pode ainda evitar a laparotomia ou a ente-
polipose familiar adenomatosa, doença de Behçet, le- roscopia intra-operatória.

ferrari21.indd 356 10/1/2008 10:04:17 AM


362 Atlas de Endoscopia Digestiva

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