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2016

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sem permissão expressa da Editora.

Título | Como escolher a sua residência médica: o guia para a


escolha mais importante da carreira do médico.
Editor | Leandro Lima
Editoração Eletrônica | Felipe Cerqueira Xavier
Capa | Carlos Batalha
Revisão Ortográfica | Larissa Nakamura
Conselho Editorial | Caio Vinicius Menezes Nunes
Paulo Costa Lima
Sandra de Quadros Uzêda
Sheila de Quadros Uzêda
Silvio José Albergaria da Silva

Ficha Catalográfica: Fábio Andrade Gomes - CRB-5/1513

Nunes, Caio
N972c Como escolher a sua residência médica: o guia
para a escolha / Caio Nunes, Marco Antonio Santana.
– 2. ed. – Salvador: SANAR, 2016.
490 p. : il. ; 16x23 cm.

ISBN: 978-85-67806-08-2

1. Residentes (Medicina). I. Santana, Marco Antonio.


II. Título.
CDU: 378.24:616

Editora Sanar Ltda.


Av. Prof. Magalhães Neto, 1856 - Pituba,
Cond. Ed. TK Tower, sl. 1403.
CEP: 41810-012 - Salvador - BA
Telefone: 71.3497-7689
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www.editorasanar.com.br
COLABORADORES
Dra. Amanda Lagreca Venys de Azevedo

Médica geriatra pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Uni-


versidade de São Paulo (HC-Fmusp). Geriatra titulada pela Sociedade Brasileira de
Geriatria e Gerontologia (SBGG). Realizou complementação especializada de edu-
cação em geriatria pelo Hospital das Clínicas da Fmusp.

Dra. Ana Paula Lupino Assad

Residência em clínica médica e reumatologia no Hospital das Clínicas da Univer-


sidade de São Paulo (HC-Fmusp).

Dra. Andrea Rebello Moreira

Médica pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP). Fez residência
em ginecologia e obstetrícia na Casa de Saúde Santa Marcelina e especialização em
patologia do trato genital inferior na Universidade Federal de São Paulo (USP).

Dr. Bernardo Fernandes Canedo

Médico pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP). Fez residên-
cia em cirurgia geral no Hospital Universitário Professor Edgard Santos (Hupes), da
Universidade Federal da Bahia (Ufba) e cirurgia do aparelho digestivo no Hospital
das Clinicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-Fmusp).
Realizou ainda especialização em transplante de fígado e órgãos do aparelho diges-
tivo no mesmo hospital. Atualmente, realiza fellowship em transplante de fígado
no Cliniques Universitaires Saint-Luc, associado à Université Catholique de Louvain
(UCL), na Bélgica.

Dr. Bruno Mendonça Protásio

Médico graduado pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), realizou residên-


cia médica em clínica médica pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medici-
na da Universidade Federal de São Paulo (HC-Fmusp), além de residência médica
em oncologia clínica pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp),
pertencente ao HC-Fmusp. Atualmente é oncologista clínico do Núcleo de On-
cologia da Bahia (NOB).

Dr. Caio Magno Matos de Almeida

Médico pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), psiquiatra pela Universida-


de Federal de São Paulo (Unifesp), é especialista em dependência química pela Uni-
dade de Pesquisas em Álcool e Drogas (Uniad/Unifesp), e pós-graduando em saúde
mental pelo departamento de psiquiatria da Unifesp.

Dr. Caio Robledo Quaio

Médico pela Universidade de São Paulo (USP), fez residência em genética médica
no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São
Paulo (HC-Fmusp) e tem título de especialista pela Sociedade Brasileira de Genética
Médica (SBGM).

Dr. Carlos A. Minanni

Formado pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMS-
CSP), com residência em clínica médica e endocrinologia pelo Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (HC-Fmusp), onde
ainda atua, além de trabalhar no Hospital Nove de Julho e Hospital Israelita Albert
Einstein.

Dra. Christiana de Freitas Vinhas

Médica pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP). Residente do


terceiro ano de anatomia patológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Me-
dicina da Universidade de São Paulo (HC-Fmusp).

Profa. Dra. Chong Ae Kim

Professora associada do departamento de pediatria da Faculdade de Medicina


da Universidade de São Paulo (Fmusp), mestre, doutora e livre-docente em genéti-
ca pelo mesmo departamento.
Dr. Cláudio Baisch de Andrade Cintra

Membro titular da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte e do Exercício


(Sbmee), fez residência em medicina do exercício e do esporte pela Universidade
de São Paulo (USP) e é médico da Sociedade Esportiva Palmeiras.

Dr. Diego Oliveira Teixeira

Médico pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Fez residência médica em


infectologia pelo Hospital Heliópolis e residência médica em infectologia hospita-
lar pela Universidade Federal de São Paulo (USP). Atua como médico preceptor da
residência médica do Hospital Heliópolis e infectologista do Centro de Referência e
Treinamento em DST/Aids (CRT).

Dr. Diogo Radomille de Santana

Médico pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), cirurgião geral pelo Hospital
das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-Fmusp).
Atualmente é médico residente de cirurgia plástica na mesma instituição.

Dr. Divaldo Ribeiro Lopes Filho

Médico formado pela Universidade Gama Filho (UGF), fez residência de cirurgia
geral avançada na Universidade São Paulo (USP) (2009-2012), é membro do Colégio
Brasileiro de Cirurgiões (CBC) e possuí título de especialista em cirurgia geral.

Dra. Fabiana Mascarenhas Souza Lima

Médica graduada pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP).


Realizou residência em clínica médica pelo Instituto de Assistência Médica ao Ser-
vidor Público do Estado de São Paulo (Iamspe) e também fez residência em alergia
e imunologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universida-
de de São Paulo (HC-Fmusp). É membro da Clinical Immunology Society (CIS), da
European Society for Immunodeficiencies (Esid), da Sociedad Latinoamericana de
Inmunodeficiencias (Lasid) e também da Associação Brasileira de Alergia e Imuno-
logia (Asbai).
Dra. Fernanda Martins

Médica fisiatra, é coordenadora científica e membro da Sociedade de Medicina


Física e Reabilitação, atua como médica do corpo clínico do Instituto de Medicina
Física e Reabilitação do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universi-
dade Federal de São Paulo (HC-Fmusp) e Hospital Sírio Libanês.

Dr. George Barberio Coura Filho

Membro titular da Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear (SBMN) e do Colé-


gio Brasileiro de Radiologia (CBR). 1º secretário da Sociedade Brasileira de Medicina
Nuclear (SBMN), gestão no período de 2013-2014. Membro da Society of Nuclear
Medicine and Molecular Imaging (SNMMI) e da World Association of Radiopharma-
ceutical and Molecular Therapy (Warmth). Atua como médico assistente do Institu-
to do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) da Faculdade de Medicina da Universi-
dade de São Paulo (Fmusp) e doutorando em Ciências pela USP.

Dr. Guilherme Marques Andrade

Especialista em clínica médica e gastroenterologia pelo Hospital das Clínicas da


Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-Fmusp), gastroentero-
logista clínico do Hospital 9 de Julho e médico Assistente da Unidade de Terapia
Intensiva (UTI) de Transplante Hepático do HC-Fmusp.

Dr. Guilherme Mello Ramos de Almeida

Médico formado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia


(Famed - Ufba) e neurologista pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo (HC-Fmusp).

Dr. Guilheme Philomeno Padovani

Formado em medicina pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).


Residência em cirurgia geral e urologia no Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (HC-Fmusp). Médico Assistente da Divisão
de Urologia da Faculdade de Medicina da USP.
Dr. Guilherme Rebello Soares

Médico pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP). Atua como
cirurgião geral pelo Hospital Ana Nery (HAN) - UFBA e médico residente do 4°
ano de cirurgia vascular do Hospital Geral Roberto Santos (HGRS).

Dr. Gustavo Nunes Bento

Médico pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), fez residência em


cirurgia geral pelo Hospital Governador Celso Ramos em Florianópolis/SC e em ci-
rurgia de cabeça e pescoço no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (HC-Fmusp). É especialista pela Sociedade Brasileira de
Cirurgia de Cabeça e Pescoço (SBCCP). Fez estágio em cirurgia de cabeça e pescoço
no Memorial Sloan Kettering Cancer Center (MSKCC). Chefia o serviço de cirurgia de
cabeça e pescoço do Hospital Maternidade Marieta Konder Bornhausen em Itajaí/SC.

Dr. João Freitas Melro Braghiroli

Médico formado pela Universidade Federal da Bahia (Ufba). Fez residência de


medicina interna na University of Miami Miller School of Medicine (UMMSM) no
período de 2010-2013. Atua como chief resident na mesma instituição. Recebeu
os prêmios: “Intern of the Year” e “Resident of the Year” na University of Miami Mil-
ler School of Medicine, e o prêmio “Outstanding Physician” na American College of
Physicians. É membro do Board of Associates do American College of Physicians
(ACP) e certificado pelo American Board of Internal Medicine (Abim). Fellow de car-
diologia no Jackson Memorial Hospital na UMMSM.

Dra. Juliana Barbosa de Pádua Pinheiro

Médica pela Universidade Federal do Maranhão (Ufma), pediatra pelo Hospital


Municipal Infantil Menino Jesus e está atualmente realizando especialização em
neurologia infantil pela Universidade de São Paulo (USP).

Dr. Júlio Leonardo Barbosa Pereira

Médico formado pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), fez residência de


neurocirurgia na Santa Casa de Belo Horizonte, é membro da Sociedade Brasileira
de Neurocirurgia (SBN) e faz fellow em radiocirurgia e neurocirurgia funcional na
Universidade da Califórnia (Ucla). É ainda editor do Neurosurgery Blog: www.neu-
rocirurgiabr.com.

Lua Sá Dultra

Médica pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) e residente de medicina da fa-


mília e comunidade na Universidade de São Paulo (USP) - Unidade de Ribeirão Preto.

Dr. Lucas Hollanda Oliveira

Doutorando em cardiologia pela Universidade Federal de São Paulo (USP). Mes-


tre em ciências (stricto sensu) pela USP. Fez residência em clinica médica pela Santa
Casa de Misericórdia de São Paulo e em cardiologia pela Instituto Dante Pazzanese
de Cardiologia (IDPC). Especialização em eletrofisiologia clínica e invasiva pela Es-
cola Paulista de Medicina (Unifesp) e em estimulação cardíaca artificial pela Santa
Casa de Misericórdia de São Paulo. Especialista em Cardiologia pela Sociedade Bra-
sileira de Cardiologia (SBC) e em eletrofisiologia clínica e invasiva pela Sociedade
Brasileira de Arritmias Cardíacas (Sobrac). Membro habilitado pelo Departamento
de Estimulação Cardíaca Artificial (Deca).

Dr. Lucas Regis Plácido

Médico formado pela Universidade Federal da Bahia (Ufba). É residente de uro-


logia do 4º ano do Hospital Universitari Vall d´Hebron (HUVH), em Barcelona/Espa-
nha. Doutorando da Universidad Autónoma de Barcelona (UAB).

Dr. Luiz Roberto Delboni Marchese

Médico pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Fmusp),


membro titular da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (Sbot). Re-
alizou programa de especialização em cirurgia de coluna pelo departamento de
ortopedia e traumatologia do Hospital das Clínicas (HC) da Fmusp e atua como pre-
ceptor do mesmo departamento.

Dr. Marcelo Belli

Médico pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), fez residência em


cirurgia geral pelo Hospital Governador Celso Ramos em Florianópolis/SC e em ci-
rurgia de cabeça e pescoço no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (HC-Fmusp). É especialista pela Sociedade Brasileira de
Cirurgia de Cabeça e Pescoço (SBCCP). Realizou estágio em cirurgia de cabeça e pes-
coço no MD Anderson Cancer Center. Atualmente, é aluno de doutorado na Fmusp.

Dr. Marcelo Barreto Lopes

Médico graduado pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), nefrologista pelo


Hospital de Base de São José do Rio Preto, possuí pós-graduação em nefrologia pela
Universidade Federal de São Paulo (USP).

Dr. Manoel Medeiros

Membro da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA), mestre em neu-


roimunologia pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)/BA, possui título superior em
anestesiologia, ex-membro da comissão de normas técnicas e segurança em anes-
tesiologia e da comissão examinadora do título superior em anestesiologia e anes-
tesiologista do Hospital Português - Salvador/BA.

Dr. Mario Diego Teles Correia

Médico pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), realizou residência em clíni-


ca médica pelo Hospital Barão de Lucena (HBL)/Recife-PE, e em medicina intensiva
no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(HC-Fmusp). Especialista em medicina intensiva pela Associação Brasileira de Me-
dicina Intensiva (Amib). Especializando em cuidados paliativos pelo Instituto Paliar.
Atua como intensivista plantonista no A.C Camargo Cancer Center e como médico
intensivista horizontal do Hospital São Camilo na cidade de São Paulo.

Dra. Meyline Andrade Lima

Médica formada pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) tem residência em


coloproctologia no Hospital Heliópolis. Fez fellow clinical no Instituto Angelita e Jo-
aquim Gama. É membro da Sociedade Brasileira de Coloproctologia (SBCP) e possuí
título de especialista em coloproctologia pela mesma instituição.

Dra. Nayara Almeida Alves de Oliveira

Médica pelo Centro Universitário Barão de Mauá. Concluiu residência médica na


Universidade de São Paulo (USP) em medicina de família e comunidade. Realizou o
Curso Nacional de Pós-Graduação Lato Sensu na especialidade médica nutrologia
pela Associação Brasileira de Nutrologia (Abran). Possui título de especialista em
Nutrologia pela Abran.

Dra. Nedy Neves

Médica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e especialidade em


oftalmologia. Mestra em Educação e doutora em Medicina pela Universidade Fe-
deral da Bahia (Ufba). Conselheira do Conselho Regional de Medicina do Estado da
Bahia (Cremeb) no período de 1998/2013, também atua como professora adjunta
da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP) e diretora médica da Clíni-
ca Soft - Serviços de Oftalmologia SC Ltda.

Dr. Nilton Ghiotti de Siqueira

Médico pela Faculdade de Medicina de Campos (FMC), fez sua residência mé-
dica em cirurgia geral pelo Hospital Orêncio de Freitas (Inanps)/RJ com habilitação
em cirurgia oncológica pelo Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC) e mestrado em
Medicina e Saúde pela Universidade Federal da Bahia (Ufba). É doutor em biologia
de agentes infecciosos e parasitários da Universidade Federal do Pará (Ufpa). Atu-
almente é professor adjunto da disciplina de cirurgia geral da Universidade Federal
do Acre (Ufac) e cirurgião geral da Fundação Hospital Estadual do Acre (Fundhacre).
Membro titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC) e da Sociedade Brasileira
de Videocirurgia (Sobracil). Membro fundador da Academia Acreana de Medicina.

Dr. Omar Jaluul

Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Pau-


lo (Fmusp), geriatra titulado pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia
(SBGG) e assistente do serviço de geriatria no Hospital das Clínicas (HC) da Fmusp.

Dra. Paula Tannus

Pediatra pelo Hospital São Rafael (HSR) em Salvador-BA. Fez residência de pneu-
mologia pediátrica no Hospital Universitário Prof. Edgard Santos, da Universidade
Federal da Bahia e faz atualização em broncoscopia diagnóstica e terapêutica sob
supervisão do Dr. Guilherme Montal no Hospital São Rafael (HRS), Salvador/BA.
Dr. Pedro Dantas Oliveira

Membro titular da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), professor volun-


tário da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e doutor em Medicina e Saúde pela
Universidade Federal da Bahia (Ufba).

Dr. Pompilio Sampaio Britto

Médico pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) e residente do terceiro ano em


cirurgia cardiovascular no Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo (BPSP) na
equipe do Prof. Dr. Noedir Stolf.

Dr. Rafael Amin Menezes Hassan

Médico pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP). Realizou


residência médica em cirurgia geral no Hospital Santo Antônio (HSA), na Bahia,
e também em mastologia na Universidade de São Paulo (USP), fellowship em
oncoplástica no Hospital Nossa Senhora das Graças (HNSG), no Paraná.

Dra. Renata Schwed Razaboni

Pós-graduada e residente de medicina legal e perícias médicas pela Faculdade de


Medicina da Universidade de São Paulo (Fmusp). Pós-graduada em Bioética e espe-
cialista em medicina do tráfego pela Fmusp.

Dr. Ricardo Sales dos Santos

Médico pela Universidade Federal da Bahia (Ufba). Fez residência em cirurgia


geral e torácica pela Universidade de Campinas (Unicamp) e aperfeiçoamento em
cirurgia minimamente invasiva, transplante pulmonar e robótica pelas Universida-
des de Pittsburgh e Boston, nos Estados Unidos. Hoje é coordenador do centro de
cirurgia torácica minimamente invasiva, robótica e broncoscopia do Hospital Israe-
lita Albert Einstein.

Dra. Roberta Monteiro

Residência médica em cirurgia geral no Hospital das Clínicas da Universidade de


São Paulo (HC-Fmusp) e residência em cirurgia pediátrica no Instituto da Criança do
mesmo complexo.
Dr. Rodrigo Furtado

Médico graduado e especialista em medicina do trabalho pela Universidade Fe-


deral da Bahia (Ufba), médico perito do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Dra. Sabrina Saemy Tome Uchiyama

Médica residente de medicina física e reabilitação do Hospital das Clínicas da Fa-


culdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-Fmusp), fellowship no Labo-
ratório de Neuromodulação no Spaulding Rehabilitation Hospital/ Harvard Medical
School (2014).

Dra. Tatiana Gonçalves da Silva Pina

Formada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP), possui


especialização clínica pela mesma instituição. Pós-graduada em psicopedagogia
pelo Instituto Sedes Sapientiae. É consultora na Cia de Talentos, onde sua princi-
pal responsabilidade é a realização do Programa de Orientação de Carreira, aten-
dimento presencial, individual e em grupo, além de realizar projetos em diversas
empresas envolvendo carreira. Já ministrou aulas, como professora convidada, no
Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa) e na Escola Politécnica da Universidade de
São Paulo (Epusp).

Dra. Tereza Barczinski

Médica formada pela Universidade de São Paulo (USP) fez residência em admi-
nistração em saúde no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universi-
dade de São Paulo (HC-Fmusp) e no Programa de Estudos Avançados em Adminis-
tração Hospitalar e Sistemas de Saúde (Proahsa) e é especialista em Administração
em Saúde pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Atualmente é médica preceptora do
Proahsa.

Dr. Thomas Augusto Taka

Médico formado pela Universidade de São Paulo (USP) fez residência em admi-
nistração em saúde no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universi-
dade de São Paulo (HC-Fmusp) e no Programa de Estudos Avançados em Adminis-
tração Hospitalar e Sistemas de Saúde (Proahsa) e é especialista em Administração
em Saúde pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Dr. Tiago Freitas

Médico pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG)-PB, hematologis-


ta e hemoterapeuta pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) e atualmente é inte-
grante do Stem Cell Program do San Raffaele Scientific Institute, Milão, Itália.

Dr. Tovar Vicente da Luz

Médico pela Universidade Estadual do Piauí (Uespi), mestrando em otorrinola-


ringologia pelo Hospital das Clínicas da Universidade Federal da Bahia (HC-Ufba) e
especialista em cirurgia endoscópica nasal.

Dra. Vera Simone Costa Campos de Moura

Médica pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), especialista em medicina do


tráfego pelo departamento de Medicina legal, Ética médica e Medicina social e do
da Universidade de São Paulo (USP). Membro do Colégio Brasileiro de Radiologia
(CBR) e membro do Conselho Federal de Medicina (CFM), seccional Sergipe.
DEDICATÓRIA

Dr. Caio Nunes Dr. Marco Antonio Santana

Aos meus pais Artur e Cristina e à mi- Aos meus pais, irmãs e todos os fa-
nha irmã Milla: vocês são a base de tudo. miliares, por seu apoio sempre encora-
Aos meus tios Jane Motta e Luis Va- jador, presença constante e amor incon-
lença, primos João Victor e Patrícia, mi- dicional.
nha “família emprestada” em São Paulo, Aos colegas co autores, por apoia-
pelo apoio durante a residência. rem esta nossa iniciativa e dedicarem-se
A todos os co autores pela dedicação a sua realização; vocês foram essenciais.
e crença no projeto, cada um com seu Aos colegas de residência e médicos
estilo deixando parte da sua experiência assistentes do Instituto do Câncer de São
para as próximas gerações de médicos. Paulo Octavio Frias de Oliveira (Icesp)/In-
Aos colegas de residência e médicos rad-HC-Fmsp pelo aprendizado.
assistentes do Instituto de Radiologia À Pauline, Ciro, Diogo e Henrique,
(Inrad) do Hospital das Clínicas da Uni- amigos que foram essenciais nessa jor-
versidade de São Paulo, pelo aprendiza- nada e me trouxeram alegria nos mo-
do dentro e fora da medicina. mentos de ansiedade.
Aos colaboradores da Editora Sanar E agradecimento especial aos co-
em especial, aos editores Leandro Lima legas de empreitada, Caio, Leandro e
e Maurício Lima, por acreditarem e tra- Maurício, por acreditarem no potencial
balharem junto conosco nesta obra. desta obra e trabalharem incansavel-
Ao colega e amigo Marco Antonio, mente até a sua conclusão.
pelas ideias sempre geniais.
Ao colega e amigo Mario Teles, pela
convivência nesses anos.
À Mariana Coelho, pela paciência e
apoio às minhas ideias.
PREFÁCIOS

A Medicina é uma profissão na qual dedicar-se à pós-graduação lato sensu cons-


titui, virtualmente, uma obrigatoriedade. É comum que se busque uma especiali-
zação para aprofundar o conhecimento em uma área, para agregar valor ao currí-
culo e possibilitar melhores oportunidades no mercado de trabalho, mas para os
médicos este caminho não costuma ser opcional. Como se fosse fácil ingressar em
uma escola médica, as famílias dos calouros passam automaticamente dos para-
béns pela aprovação para as impertinentes perguntas sobre qual especialidade o
jovem universitário vai escolher. Também entre colegas, e até pacientes, observa-se
que um médico que não tenha título de especialista costuma ser menos valorizado.
Para aumentar a pressão, o Ministério da Educação (MEC) prescreve que uma espe-
cialização tenha 360 horas-aula e a apresentação de um trabalho monográfico ao
final, mas a forma mais reconhecida de abraçar uma especialidade em medicina, a
residência médica, define-se por treinamento em serviço com 60 horas semanais de
carga horária durante pelo menos dois anos, sendo que a maioria dedicará três ou
quatro a esta etapa da formação.
No Brasil, existe uma assimetria nefasta entre o número anual de egressos dos
cursos médicos e as vagas de programas de residência médica (PRMs) ofertadas,
condenando metade dos médicos graduados a não se especializarem. Em um país
em que até o exercício mais generalista da arte médica, a mMedicina de família e
comunidade, reproduz o modelo de formação das especialidades e é reconhecida
como tal pelo Conselho Federal de Medicina, Associação Médica Brasileira (AMB) e
Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), o médico recém-graduado não
pode descuidar da seleção do seu futuro, nicho preferencial de atuação. Embora um
terço do curso seja de internato, fase em que o estudante interage de perto com
médicos residentes o tempo todo, o ideal seria fazer uma “escolha baseada em evi-
dências”, já que simplesmente aconselhar-se com os residentes que fortuitamente
cruzarão seu caminho não é um método confiável.
“Como Escolher a sua Residência Médica - Guia das especialidades médicas” é
a obra que faltava para orientar um passo tão importante na vida do médico. A
distribuição dos seus capítulos permite que o leitor conheça o dia a dia de diversas
especialidades e dos PRMs, seus desafios e perspectivas. A estruturação inteligente
faz, às vezes, ora de revisão de literatura, ora de guideline, ou ainda de consenso de
experts. Diante da evidente impossibilidade de desenhar um ensaio randomizado
para elucidar o problema enfrentado pelos organizadores e pelo time diferenciado
de autores, não poderia haver melhor diretriz para a correta tomada de decisão so-
bre qual caminho trilhar na busca pela especialização médica. Ainda que se avalie
que as chances de dormir são escassas no 6º ano das faculdades de medicina, o livro
de cabeceira do sextanista agora está disponível, ao menos para combater um dos
determinantes da perda de sono pré-formatura: a escolha da residência médica.
Boa leitura!

Prof. Dr. Bruno Gil de Carvalho Lima


Especialista em medicina legal e perícia médica e em ginecologia e obstetrícia | Prof.
titular da Universidade Salvador (Unifacs) e Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC)-
-Salvador | Prof. adjunto da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP) | Dr.
em saúde pública (Epidemiologia).

A residência médica é o coroamento do nosso curso de Medicina! Trata-se de um


momento ímpar em nossa vida profissional, pois representa o início de um caminho
contínuo de lapidação dos nossos conhecimentos em determinada área da medici-
na. Por ser um caminho árduo, a identificação com a área a ser escolhida é ingredien-
te fundamental para que, além de árduo, o caminho seja recompensador. Apenas
assim poderemos nos realizar enquanto profissionais e exercer com excelência o
nosso ofício. Por isso, antes de iniciar esta importante etapa, é recomendável que se
conheça de maneira fundamentada as nuances e características de cada especiali-
dade almejada. Este livro reúne todas estas informações de forma prática e didática.
Saúdo os médicos brasileiros e recomendo a leitura da obra para todos aqueles que
desejam se aprimorar, para assim contribuir com o fortalecimento da saúde pública
em nosso país.

Dr. Ronaldo Caiado - Médico e Senador da República


Médico pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) | Mestrado em Medicina
pela UFRJ | Assistente Estrangeiro pela Faculté de Médecine Pitié-Salpêtrière - Servi-
ço de Cirurgia Ortopédica e Traumatológica do Professor Roy-Camille - Paris/França.
Mais tarde, durante a sua carreira como médico, muitos dos momentos mais
importantes terão acontecido durante os anos de residência. Muitos dos melhores
amigos e dos colegas mais confiáveis virão desta época e em muitos aspectos, este
será visto como um período mágico. É a partir dele que tudo que foi aprendido
passa a ser testado e a insegurança intrínseca a todo começo passa a atuar como
elemento constante. Os professores, que eram antes os responsáveis diretos duran-
te o internato, passam a ser consultores e amigos mais experientes.
É exigido, mais do que nunca, dedicação e entrega profissional completa! Por
isso, imperativa é a necessidade de se fazer uma boa escolha, já que a decisão sobre
qual residência médica escolher interferirá em muitos aspectos da vida profissional
e até mesmo pessoal do médico. Que estilo de vida o médico gostaria de ter? Como
balancear o trabalho e a família? Onde residir depois da residência? Que grupo de
médicos será o seu grupo? Como será a sua rotina? Estes questionamentos, cruciais
para nossas vidas enquanto médicos e gerador de muitas angústia nos momentos
próximos ao fim do curso de medicina, ainda hoje são decididos com base em intui-
ção ou mesmo tradição (familiar).
Este livro é dedicado a uma revisão extensa de todos os fatores que pesam na
escolha da residência medica e assume importância singular, pois quanto mais bus-
camos informações confiáveis sobre qual carreira seguir, melhor será nossa ponde-
ração e mais preparados estaremos para dar o próximo passo enquanto médicos.
Concluo com um conselho de um médico argentino originalmente dado na es-
fera política, mas que são a meu ver diretamente aplicáveis aos que embarcam na
residência médica e enfrentam a responsabilidade e a transformação pessoal que
observo a cada geração de médicos que concluem a residência no Hospital Johns
Hopkins, onde trabalho, e no Hospital Professor Edgard Santos, onde me formei em
Medicina:

“Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura, jamás!”


(Ernesto Guevara de la Serra).

João A. C. Lima, M.D


Médico pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) | Especialista em medicina inter-
na e cardiologia no Hospital Universitário Prof. Edgard Santos (Hupes-Ufba) | Prof.
de medicina e radiologia da Universidade Johns Hopkins | Diretor do setor de ima-
gem cardiovascular do The Johns Hopkins Hospital em Baltimore, Maryland.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS DOS
AUTORES
O livro como escolher a sua residência médica traz dados e opiniões sobre o mer-
cado médico, bem como informações da literatura leiga e científica. É importante
ressaltar que esta obra não tem por objetivo o rigor científico ou mesmo ser pau-
tada em verdades absolutas sobre os temas. Trata-se, portanto, de um guia para
auxiliar a coleta de informações e o seu processo decisório. Os capítulos relativos ás
especialidades traduzem opiniões dos autores respectivos e não necessariamente,
a opinião dos organizadores.
A função da obra é fornecer informação sobre os campos de atuação do médico
e a diversidade de áreas novas que têm surgido. Assim, contemplamos algumas áre-
as de atuação ainda não reconhecidas como especialidade médica pelo Conselho
Federal de Medicina (CFM) e Associação Médica Brasileira (AMB). Deixamos ainda
de contemplar algumas poucas especialidades devido à sua baixa procura pelos
recém-egressos das faculdades de medicina.
Caso queira acessar a lista completa de especialidades médicas e áreas de atua-
ção reconhecidas, bem como o respectivo trâmite para reconhecimento e registro
de título de especialista junto aos conselhos de medicina, acesse a resolução - CFM
Nº 1.973/2011 (Publicada no D.O.U. de 1º de agosto de 2011, Seção I, p. 144-147).
Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2011/1973_2011.
html.
Esperamos ainda o seu feedback sobre o livro. Nos envie a sua opinião, dúvida,
crítica ou sugestão, para que possamos aperfeiçoar esta publicação, e, concomitan-
temente, contribuir para o amadurecimento de ideias necessárias para a tomada de
decisão sobre a carreira médica.

Dr. Caio Nunes


caio@editorasanar.com
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 29

PARTE I – A CARREIRA MÉDICA E O ESPECIALISTA 33

CAPÍTULO 1. A CARREIRA MÉDICA 35

CAPÍTULO 2. O ESPECIALISTA 43

CAPÍTULO 3. COMO ESCOLHER UMA ESPECIALIDADE? 61

CAPÍTULO 4. RESIDÊNCIA MÉDICA NOS EUA 67

CAPÍTULO 5. RESIDÊNCIA MÉDICA NA EUROPA 79

PARTE II – AS ESPECIALIDADES 87

ESPECIALIDADES DE ACESSO DIRETO 89

CAPÍTALO 6. ADMINISTRAÇÃO EM SAÚDE 91

CAPÍTULO 7. ANESTESIOLOGIA 101

CAPÍTULO 8. DERMATOLOGIA 111

CAPÍTULO 9. GENÉTICA MÉDICA 121

CAPÍTULO 10. GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA 127

CAPÍTULO 11. INFECTOLOGIA 135

CAPÍTULO 12. MEDICINA DE FAMÍLIA E COMUNIDADE 147


CAPÍTULO 13. MEDICINA DE TRÁFEGO 157

CAPÍTULO 14. MEDICINA DO TRABALHO 163

CAPÍTULO 15. MEDICINA DO EXERCÍCIO E DO ESPORTE 167

CAPÍTULO 16. MEDICINA FÍSICA E REABILITAÇÃO FISIATRIA 173

CAPÍTULO 17. MEDICINA HIPERBÁRICA 181

CAPÍTULO 18. MEDICINA LEGAL E PERÍCIAS MÉDICAS 189

CAPÍTULO 19. MEDICINA NUCLEAR 201

CAPÍTULO 20. NEUROCIRURGIA 211

CAPÍTULO 21. NEUROLOGIA 219

CAPÍTULO 22. OFTALMOLOGIA 233

CAPÍTULO 23. ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA 241

CAPÍTULO 24. OTORRINOLARINGOLOGIA 247

CAPÍTULO 25. PATOLOGIA 253

CAPÍTULO 26. PEDIATRIA 261

CAPÍTULO 27. PSIQUIATRIA 267

CAPÍTULO 28. RADIOLOGIA E DIAGNÓSTICO POR IMAGEM 273

CAPÍTULO 29. RADIOTERAPIA RADIO-ONCOLOGIA 283

ESPECIALIDADES CLÍNICAS 293

CAPÍTULO 30. CLÍNICA MÉDICA 295

CAPÍTULO 31. CARDIOLOGIA 305


CAPÍTULO 32. ENDOCRINOLOGIA 315

CAPÍTULO 33. GASTROENTEROLOGIA 323

CAPÍTULO 34. GERIATRIA 333

CAPÍTULO 35. HEMATOLOGIA E HEMOTERAPIA 341

CAPÍTULO 36. IMUNOLOGIA E ALERGOLOGIA 347

CAPÍTULO 37. MEDICINA INTENSIVA* 361

CAPÍTULO 38. NEFROLOGIA 371

CAPÍTULO 39. NUTROLOGIA** 381

CAPÍTULO 40. ONCOLOGIA CLÍNICA 389

CAPÍTULO 41. PNEUMOLOGIA 395

CAPÍTULO 42. REUMATOLOGIA 401

ESPECIALIDADES CIRÚRGICAS 407

CAPÍTULO 43. CIRURGIA GERAL 409

CAPÍTULO 44. CIRURGIA CARDIOVASCULAR 415

CAPÍTULO 45. CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO 423

CAPÍTULO 46. CIRURGIA DO APARELHO DIGESTIVO 433

CAPÍTULO 47. CIRURGIA PEDIÁTRICA 439

CAPÍTULO 48. CIRURGIA PLÁSTICA 445

CAPÍTULO 49. CIRURGIA TORÁCICA 455

CAPÍTULO 50. CIRURGIA VASCULAR 463


CAPÍTULO 51. COLOPROCTOLOGIA 471

CAPÍTULO 52. MASTOLOGIA*** 477

CAPÍTULO 53. UROLOGIA 481

CONSIDERAÇÕES FINAIS 489

NOTA:
Classificamos dessa forma, pois acreditamos ser a maneira mais prática, já que
no caso das especialidades de acesso direto, a opção já se faz no processo seletivo
(concurso de residência geral), enquanto nas especialidades aqui caracterizadas
como clínicas (pré-requisito de residência em clínica médica) e cirúrgicas (pré-re-
quisito em cirurgia-geral), o médico terá maior tempo para decidir, afinal, passará
por dois anos no programa de residência básico, antes de entrar na especialidade
propriamente dita.

* Medicina intensiva admite como pré-requisito clínica médica, cirurgia geral ou


anestesiologia.
** Nutrologia admite como pré-requisito clínica médica ou cirurgia geral.
*** Mastologia admite como pré-requisito cirurgia geral ou ginecologia e obstetrí-
cia.
INTRODUÇÃO
Dr. Caio Nunes
Dr. Marco Antonio Santana

DO DESAFIO DE SE TORNAR MÉDICO À ESPECIALIDADE

O processo de escolha da faculdade isso procura se aprofundar sobre nes-


e da profissão que se pretende seguir sa temática) é que, ao contrário do que
ocorre, para maioria das pessoas, de pensa o leigo, há uma distância enor-
forma bem precoce, por volta dos de- me entre os médicos no seu cotidiano
zesseis a vinte anos de idade. É consen- profissional. De fato, existem médicos e
so que não temos, nesta tenra idade, a médicos. O processo de especialização
maturidade e vivência necessárias para e a ampliação do campo de atuação da
entender a complexidade desta decisão. medicina tornou a carreira cheia de pos-
Você escolheu ser médico. Carreira sibilidades de atuação (professor, cien-
das mais disputadas em todo o mundo. tista, internista, cirurgião, executivo).
Enfrentou uma prova e processo seleti- Há tantas diferenças na rotina dos espe-
vo concorrido e competitivo, estudou cialistas que, mesmo entre aqueles que
vertiginosamente por alguns anos para prestam assistência direta ao paciente, é
conseguir esta disputada colocação. possível se falar que exista um espectro
Desvendou nas matérias mais básicas de profissões diferentes. Exemplo disso
a complexidade do funcionamento do é você imaginar a diferença da rotina de
corpo humano no seu estado fisiológi- um neurocirurgião e de um patologista.
co e as suas adaptações nos processos Esqueça definitivamente o clichê de
patológicos. Passou pela infinidade de que ser médico significa somente ser o
conhecimentos que vão da biologia senhor de jaleco branco que trata doen-
molecular até a cirurgia do trauma. Teve tes com um receituário e estetoscópio,
contato com o sofrimento dos pacientes ou alguém que, com um roupão cirúr-
e toda a dimensão humana que torna gico, passa horas a fio operando. Hoje,
essa profissão ainda mais interessante e o médico tem um papel ainda mais am-
complexa. plo, participando efetivamente da parte
O que talvez você ainda não tenha técnica e ainda auxiliando na gestão dos
descoberto (ou que já descobriu e por serviços, auditorias, perícias, negocian-
do com planos de saúde, interagindo muito menos, de perceber que há uma
com equipes multidisciplinares, realizan- realidade discrepante no exercício da
do grande parte da burocracia associa- medicina fora do ambiente acadêmico.
da aos procedimentos, desenvolvendo O breve contato com as especialidades
projetos, comprando de equipamentos, torna ainda mais angustiante a escolha
bem como ensinando e supervisionan- de qual delas seguir.
do outros residentes. A formatura chegou e se foram pelo
É importante que o leitor tenha em menos seis longos anos de graduação e
mente que a medicina é, provavelmen- muitas horas sem dormir. Calma! Já foi
te, a única profissão em que há um nicho uma grande vitória. Agora é mais uma
de mercado para cada tipo de personali- etapa de dedicação aos estudos para ser
dade. Há bastante variedade em termos aprovado em uma boa instituição, onde
de prática médica, assim como as ha- começa um novo período de desafio,
bilidades necessárias para a realização de aprendizado, de conquistas e ama-
de cada uma delas. É possível trabalhar durecimento profissional: a residência
em hospital, consultório, laboratório, médica.
além de ser médico de um time espor- Há quem diga que foram os melhores
tivo, de um navio transatlântico, de uma anos da vida e há quem diga o extremo
plataforma de petróleo, de um asilo de oposto. O inegável é que é uma etapa
idosos, de uma construção de represa fundamental na formação médica, prin-
ou de missões militares. É possível fazer cipalmente para aqueles que querem
pesquisa ou atividades administrativas estar entre os melhores em um merca-
em órgãos ou empresas de saúde, assim do cada vez mais competitivo, que não
como há a possibilidade de trabalhar deixa espaço para perda de tempo. É
em ambientes urbanos, rurais, nacionais justamente por isso que não devemos
ou internacionais. ter muitas dúvidas das nossas escolhas
Abra a sua mente para perceber daqui para frente.
quantas são as possibilidades de carrei-
ras dentro da medicina e que isso torna A ESCOLHA
a profissão ainda mais fantástica.
A etapa do internato traz uma vivên- Escolher a residência e a especiali-
cia mais próxima da realidade profis- dade que se quer seguir é praticamente
sional e mostra a imensidão de conhe- equivalente à escolha de qual faculdade
cimentos e habilidades que se precisa se quer cursar, com a diferença de que
para ser um bom médico. É nesta etapa neste momento, temos mais maturida-
que se tem contato mais próximo com de (pelo menos um pouco mais) para
as especialidades médicas. Infelizmente, nos encontramos com nossas diversas
não haverá tempo para “provar” e apren- necessidades de realização profissional,
der o suficiente sobre cada uma delas, e, financeira e de qualidade de vida, den-

30
tre outras. Realizar esta escolha sem ter “Tem que fazer especialidade com pro-
o conhecimento das possibilidades dis- cedimento”
poníveis e sem refletir sobre as variáveis
em jogo, bem como o peso que se quer “Pediatra vai morrer de fome”
atribuir a cada uma delas, é dar chance
ao acaso escolher por você (com sérios “Cirugia para mim não dá porque não
riscos envolvidos nisso). Nossa preten- tenho habilidade manual”
são é dar mais elementos para a toma-
da dessa decisão, esclarecer um pouco “Radiologia nem pensar, pois adoro
mais sobre o dia a dia real de cada uma contato com paciente”
das especialidades e também ajudar na
reflexão sobre quais variáveis se deve “Meu pai é oftalmo, não tem como es-
analisar nesse processo de seleção, tor- capar”
nando menos passional e mais objetivo
o processo de escolha com sua verda- “Adoro e.c.g, adoro cardio!”
deira profissão daqui para frente.
“Professor Fulano é igual ao Dr. House,
O LIVRO quero ser igual a ele, por isso então vou fa-
zer reumato”
A ideia para formulação desta obra
surgiu após intensas discussões duran- “Fazer residência no exterior é muito
te a faculdade, festas, bares, cursinhos melhor”
e plantões, onde amigos, em sua maio-
ria, médicos, discutiam com frequência Não é incomum, entre os médicos
qual seria a melhor especialidade mé- jovens, escutar durante estas conver-
dica a exercer. Critérios como qualida- sas, casos anedóticos daquele primo
de de vida, reconhecimento profissio- que fez tal especialidade e hoje está
nal, salário, satisfação pessoal, número bem de vida, ou daquele amigo que
de horas trabalhadas, sempre surgiam fez outra especialidade, e hoje, não tem
durante essas conversas. Estudante de tempo pra nada, só vive em plantão e
medicina, quando em grupo, tem uma quase não tem vida pessoal. O tempo
conversa que nunca muda: fala de medi- vai passando e vamos percebendo que
cina, caso clínico, situações do ambula- alguns desses bordões são verdadeiros
tório, plantões o tempo todo. A escolha e outros não têm a menor relevância.
da residência médica é tema frequentes Percebemos também quanta gente do
nesses encontros. As frases são sempre nosso convívio escolheu a residência
parecidas:

31
baseada em ideias concebidas de forma ções sobre a experiência e o caminho
totalmente aleatória ou se apegou em para se realizar residência no exterior
uma ideia fixa que não tinha, no final, o (principalmente nos EUA e Europa).
menor fundamento. Observamos, neste A parte II exibe um pequeno pano-
processo, colegas que passaram na tão rama de cada especialidade, com um
sonhada (e difícil) prova de residência, e texto escrito por colaboradores de di-
largar no meio do R2, pois percebeu que ferentes regiões do país, trazendo um
aquele caminho não tinha “nada a ver” pouco da prática diária, perfil, tipo de
com aquela especialidade. Perdemos as atuação e informações de como é a re-
contas dos inúmeros colegas sobrecar- sidência na sua área, fechando assim,
regados e frustrados profissionalmente, nestas duas etapas, um panorama geral
modelos que adornam o nosso painel para que você, leitor, fundamente me-
de convívio diário. lhor a sua escolha.
Desta forma, percebemos que não Tentar passar um pouco das nossas
havia nenhum material na literatura bra- experiências, bem como das experi-
sileira especializada que trouxesse infor- ências dos nossos colaboradores, para
mações sobre as especialidades, seus fomentar as ideias e tentar tornar “a es-
campos de atuação e seu dia a dia numa colha” a mais próxima de uma decisão
perspectiva mais real. Algumas espe- embasada e amadurecida são os princí-
cialidades são praticamente desconhe- pios que nos motivaram a reunir um gru-
cidas na graduação. Desenvolvemos a po para escrever este livro.
proposta de escrever um guia que fosse Trouxemos profissionais bem alo-
como uma conversa com o profissional cados no mercado e provenientes dos
inserido no mercado, método que você maiores programas de residência do
nem sempre teve oportunidade de ter. país, para dar uma ideia ampla e mais
Não tivemos, em nenhum momento, próxima das diversas realidades existen-
a pretensão de ser um texto científico, tes no Brasil.
embora, nos utilizamos de muita coisa Sinceramente, esperamos ajudar no
disponível na literatura específica. Con- debate e no amadurecimento das suas
cebemos o livro em duas partes. A parte concepções.
I, na qual falaremos um pouco da carrei- Contamos ainda com a colaboração
ra médica, da diversidade de possibili- de vocês, leitores, para aprimoramento
dades de trabalho e de como o processo deste livro, nos enviando suas opiniões,
de especialização da medicina se deu, dúvidas, críticas, sugestões, para que
trazendo também algumas metodolo- possamos auxiliá-los ainda mais nesse
gias para ajudar na sua formação de opi- processo decisório, e, quem sabe, torná-
nião para a escolha de como seguir com -lo menos angustiante.
a sua carreira. Trouxemos ainda informa-

32
PARTE I

A CARREIRA MÉDICA E O ESPECIALISTA


A CARREIRA MÉDICA
Dr. Caio Nunes

E Exercer a medicina é de fato uma


dádiva. Ser médico é mais que ter uma
profissão: é fazer parte de um grupo
de pessoas que lida com o sofrimento
humano, com a saúde, com um bem
extremamente competitiva e exigente
como a medicina.
O planejamento da sua carreira
como médico começa no dia que se
entra na faculdade. As optativas, os tra-
maior, que é a vida. Somos treinados a balhos científicos, as monitorias, são
diagnosticar e tratar. A doença é parte apenas exemplos de atividades que vão
do nosso aprendizado, é o fantasma que agregando valor ao seu currículo e que
combatemos, é a dor que aliviamos. A podem fazer diferença no seu futuro.
promoção da saúde e da qualidade de Contudo, a decisão mais importante a
vida é a nossa tônica, portanto, auxiliar ser tomada e que mais fará diferença
os nossos pacientes a viver mais e me- na sua carreira médica é a escolha da
lhor é o nosso dever. Nós, médicos, de- especialidade (e também de onde fazê-
sempenhamos estas funções desde a -la). É esta decisão que vai determinar
era hipocrática, com todo o seu devido coisas fundamentais na sua vida, como,
louvor. O mundo, contudo, mudou. Des- por exemplo, a remuneração, a carga de
de então, a medicina vem se reinventan- trabalho, a realização profissional, entre
do como profissão e enquanto carreira. outras.
Embora a maior recompensa que pode-
mos ter continue a ser a gratidão dos pa- AS DIVERSAS FACES DA MEDICINA
cientes e a melhoria da saúde das pes-
soas, não podemos perder de vista que Embora o foco deste livro seja essen-
estamos sujeitos às mesmas pressões do cialmente voltado para ajudar na esco-
mercado, como qualquer profissional. lha da residência, não podemos deixar
Desta forma, precisamos estar atentos de comentar as outras profissões exis-
às oportunidades, ao nosso constate tentes dentro do escopo da medicina.
desenvolvimento técnico em uma área
CAPITULO 1 Como Escolher a sua Residência Médica

É possível exercê-las de forma conco- soas e ser exemplo dos médicos em for-
mitante ou de forma separada. Sabemos mação é uma oportunidade de desen-
ainda que a ampla maioria dos médicos volvimento e realização pessoal incrível.
não quer simplesmente deixar a parte O mercado de ensino médico está
assistencial. Desta forma, acreditamos em franca expansão, basta observar os
que com planejamento e estratégia, é dados da proliferação de novas escolas
possível fazer com que as suas múlti- médicas no país. Hoje são em torno de
plas carreiras sejam sinérgicas. Por ex.: 2181. A lei Nº 12.871, de 22 de outubro
ser professor para agregar valor ao seu de 2013, que institui o programa “Mais
nome, desenvolver pesquisas para man- Médicos”2 prevê ampliar ainda mais a
ter-se sempre atualizado, realizar um rede de formação de novos médicos no
Master of Business Administration (MBA) país. Neste cenário, haverá uma grande
em gestão se pretende assumir posições demanda por professores das ciências
de chefia, etc. Comentaremos em segui- biomédicas, preceptores de internato,
da algumas destas possibilidades. coordenadores de curso, consultores de
estrutura curricular. A tabela abaixo for-
O PROFESSOR nece uma ideia dos salários iniciais para
professores de uma universidade federal.
Ensinar é algo realmente desafiador,
especialmente na medicina. Formar pes-

Classe / Nivel 1 Regime de Trabalho Total (R$)


AUXILIAR 20 H 1.984,40
AUXILIAR 40 H 2.825,11
AUXILIAR DE 3.867,03
ASSISTENTE “A” 20 H 2.342,65
ASSISTENTE "A" 40 H 3.549,94
ASSISTENTE “A” DE 5.466,55
ADJUNTO “A” 20 H 2.700,51
ADJUNTO “A” 40 H 4.649,65
ADJUNTO “A” DE 8.049,77
1- Classe A, com as denominações de: Professor Adjunto A, se portador do título de doutor; Professor Assisten-
te A, se portador do título de mestre; e Professor Auxiliar, se graduado ou portador de título de especialista. /
DE – Dedicação exclusiva.

Fonte: EDITAL No 01/2013DO CONCURSO PÚBLICO PARA DOCENTE DO MAGISTÉRIO SUPERIOR – Universida-
de Federal da Bahia.

36
A Carreira Médica CAPITULO 1

Some-se a isso o contingente de no- área deve estar atento aos centros de
vas residências médicas que deverão ser pesquisa no país, que sempre oferecem
criadas e as pós-graduações que tam- vagas de estágios, bolsas e participação
bém demandarão especialistas volta- em projetos. É bom ter vivenciado estas
dos para o ensino. Somos críticos com a experiências durante a graduação para
proliferação de cursos e pós-graduações se ter a ideia do universo de trabalho
médicas que não são programas de re- com pesquisa.
sidência oficiais (e definitivamente não Grande parte dos médicos que pro-
são o ideal para a complexa formação duzem conhecimento novo no nosso
dos especialistas), mas não podemos fe- país consegue aliar a prática clínica ao
char os olhos, pois, de fato, esta é uma desenvolvimento de pesquisas, orienta-
forte tendência. ções e trabalhos científicos, dentro do
Se existe um mercado que está longe próprio serviço que está inserido (geral-
de ser saturado é o do ensino médico, mente no ambiente universitário). O fato
principalmente frente à realidade que de “fazer ciência” agrega valor perante a
se projeta para os próximos anos. Desta comunidade médica, bem como a sua
forma, a qualificação e as pós-gradua- prática técnica. Muitos desses profissio-
ções strictu senso (mestrado e doutora- nais acabam por se tornar referências
do) podem ser muito úteis. nas áreas do conhecimento a que se
Há ainda um movimento crescente dedicam e conseguem fechar uma tría-
de conhecimento médico na rede mun- de de médico-professor-cientista, que é
dial de computadores e nos aplicativos bastante sinérgica.
de celular. Proliferam-se, cada vez mais, Viver só de ciência no nosso país aca-
sites de conteúdo, casos clínicos, intera- ba sendo um grande desafio, tendo em
ção entre colegas, congressos virtuais, vista a pouca estrutura e disponibilidade
assessoria de conteúdo médico para re- de recursos. Conheço pessoas muito rea-
vistas e jornais leigos, e até redes sociais lizadas e de destaque no cenário científi-
de conhecimento ligados à medicina3. co mundial que trabalham em laborató-
Tudo isso traduzindo novas fronteiras rios no Brasil e dedicam-se tão somente
profissionais e de mercado de trabalho. a projetos científicos e produção de co-
nhecimento. No entanto, acho que esse
O CIENTISTA caminho é muito específico para algu-
mas pessoas e requer mais que interesse
O médico é um profissional comple- pela ciência, requer paixão.
to para o trabalho na área das ciências As possibilidades de trabalho com
da saúde. Entende das ciências básicas pesquisa não se limitam aos institutos,
e da parte clínica, podendo desta forma laboratórios, mas também a indústria
trabalhar em pesquisa básica e aplicada farmacêutica e empresas de biotecnolo-
(clínica). Quem quiser desbravar por esta

37
CAPITULO 1 Como Escolher a sua Residência Médica

gia, setores que têm crescido e deman- O EXECUTIVO


dado pessoas com formação específica.
Uma questão ainda pouco desenvol- Pouco abordado nos currículos tradi-
vida no nosso país e que é muito interes- cionais de medicina, a formação em ad-
sante, e pode render grandes conquistas, ministração da saúde e o conhecimento
é o desenvolvimento de novos produtos em gestão de clínicas e hospitais têm
e materiais ligados à área médica (me- sido muito procurado pelo mercado.
dicações, próteses, aparelhos, softwares, Algumas instituições têm aberto cursos
dispositivos de monitoração a distân- de MBA de administração para profissio-
cia, testes diagnósticos). Existem editais nais de saúde (veja no capítulo de Admi-
específicos em entidades de fomento, a nistração em Saúde). Quem tem “a veia
saber: Fundação de Amparo à Pesquisa empreendedora” e gosta do desafio da
do Estado de São Paulo (Fapesp), Fun- administração terá grandes oportunida-
dação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Universi- des pela frente. O médico, na sua forma-
dade de São Paulo (USP), Universidade ção, acaba tendo uma visão ampla da
Estadual de Campinas (Unicamp), com parte técnica. Conseguir unir a isso o co-
recursos disponíveis para financiar ideias nhecimento em gestão o tornará certa-
inovadoras. Pode-se optar também por mente um profissional muito cobiçado.
empresas incubadoras de startups4 (em- Oportunidades têm surgido também
presas recém-criadas e com poucos re- como parte da carreira médica, através
cursos que possuam ideias de inovação). de consultorias relacionadas à monta-
Estar ligado a uma instituição de pesqui- gem de serviços, administração, contro-
sa facilita ainda mais para quem quiser le, auditorias, certificações hospitalares
se aventurar por este caminho. (como Joint Comission e a Organização
Há também um aumento das opor- Nacional de Acreditação)6,7 e pesquisas
tunidades de ingressar em mestrado e de mercado (de fármaco-economia por
doutorado, inclusive com bolsas no ex- exemplo).
terior, como o programa “Ciência sem
Fronteiras”5, e uma série de editais de POLÍTICA E COMUNICAÇÃO
inovação e desenvolvimento de pes-
quisa e tecnologia biomédica, cada vez Assessorias de imprensa, jornais e
mais incentivadas pelo governo e por revistas têm procurado médicos com
fundações nacionais e internacionais de perfil de escrever notas, pareceres, in-
fomento. Sem dúvidas, entender melhor fográficos, artigos e dar consultoria em
de ciência pode abrir diversas portas, reportagens e textos ligados à medicina
mesmo que essa não seja definitivamen- e saúde. Blogs sobre saúde e qualidade
te a “sua praia”. de vida também têm crescido de forma
exponencial e com audiência crescente.

38
A Carreira Médica CAPITULO 1

Há também demanda por parece- de quanto vai ganhar em dez anos.


res técnicos, consultoria de legislação Aposentadoria integral e em menor
e demais assuntos relacionados à área tempo que as demais profissões, 13º
médica nas câmaras técnicas e órgãos salário, férias, adicional de férias, sol-
da administração ligados aos governos do extra para o nascimento de cada
executivo e legislativo em suas esferas filho, adicional por mérito (pós-gra-
estadual, municipal e federal (seja atra- duação, cursos), auxílio fardamento,
vés de concursos específicos ou mesmo moradia subsidiada, facilidade para
cargos comissionados e consultorias). escola pública de qualidade (colé-
Tais oportunidades também existem gios militares), plano de saúde (Fu-
nas câmaras técnicas ligadas aos conse- sex) são alguns dos benefícios que
lhos regionais de medicina (CRMs) e na devem ser colocados na ponta do
participação dos conselhos municipais lápis (calcule quanto custa uma pre-
de saúde. vidência privada, por exemplo);
• Ambiente de trabalho e coleguismo:
O MÉDICO MILITAR são características inerentes ao círcu-
lo militar e há muito respeito entre os
A carreira militar é bastante peculiar e colegas e uma grande cordialidade
pode ser incrivelmente realizadora para entre os militares. O trabalho é de-
quem se adequar ao perfil. Costumo di- senvolvido de forma multidisciplinar
zer aos mais próximos que, das institui- e existe o respeito às patentes, mas
ções públicas nas quais ainda se resguar- também à parte técnica;
da e se cultiva a civilidade e o respeito • Hierarquia e disciplina: as bases das
no nosso país, somente as forças arma- forças armadas, embora assustem no
das surgem em mente. Embora admire início, são elementos com os quais
bastante e tenha tido bons momentos nos acostumamos e incorporamos.
durante o serviço militar (o qual tive a No fim, percebi que estes princípios
honra de prestar no Hospital Geral do ajudam muito na construção de um
Exército em Salvador-BA), a carreira tem ambiente de trabalho que funciona;
prós e contras, os quais listarei (os princi- • Desenvolvimento pessoal: as forças
pais) de forma objetiva, na tentativa de armadas incentivam o desenvolvi-
auxiliar quem pretende investir na farda. mento físico, intelectual e humanísti-
Pontos positivos: co do militar, através da participação
• Estabilidade e benefícios: exceto que em pós-graduações e cursos (na área
cometa um crime militar ou coisa do médica ou militar), competições des-
gênero, você não será demitido. O portivas, missões humanitárias. Exis-
soldo (salário) nunca atrasa e você tem realmente oportunidades de se
sabe exatamente quanto ganha ter experiências bem motivadoras e
hoje e projeta uma boa estimativa enriquecedoras.

39
CAPITULO 1 Como Escolher a sua Residência Médica

Pontos negativos: suas aspirações pessoais para a sua


• Baixa remuneração: um guarda-ma- carreira.
rinha e o aspirante a oficial (paten-
tes de entrada do médico) ganham CONCURSOS PÚBLICOS
como soldo base R$ 5.622,00 (a par-
tir de março de 2015 - Anexo LXXXVII Existe uma grande quantidade de
à Lei no 11.784, de 22 de setembro concursos públicos para médicos no
de 2008)9. É realmente um salário nosso país, mas somente poucos des-
muito aquém do mercado. Embora tes realmente valem a pena atualmente.
o médico teoricamente possa chegar Boa parte dos editais de prefeituras e se-
Contra-Almirante, General de Bri- cretarias estaduais de saúde têm salários
gada e Brigadeiro com soldo de R$ totalmente dissociados do mercado e
10.041,00. É triste, mas um oficial Ge- que chegam a ser aviltantes. Além disso,
neral no Brasil ganha o mesmo que muitos desses concursos não dispõem
um estrangeiro do programa Mais de plano de carreira, educação continu-
Médicos. ada e são para trabalhar em hospitais
• Transferências: as transferências pelo sem a menor estrutura, o que leva a um
território são mais comuns no exér- desinteresse geral por parte da comuni-
cito e bem menos na aeronáutica e dade médica.
marinha. O progredir na carreira mi- É fácil, assim, explicar porque “faltam
litar muitas vezes depende dessas médicos” no serviço público, basta, para
movimentações e nem todo mundo isso, verificar editais com salário de R$
está disposto. 2.605,27 para médico anestesiologista
• Outras atividades: na medida que se na prefeitura de São José dos Pinhais -
progride na carreira militar, o oficial PR.10
tende a assumir cargos de comando Existem possibilidades de boas car-
e chefia que o tornam mais próximos reiras no serviço público, tanto do pon-
da administração e menos próximo to de vista da remuneração quanto do
da parte técnica da medicina. En- desenvolvimento profissional, pessoal,
tão tenha isso em mente. O militar em instituições renomadas. Uma des-
de alta patente dificilmente vai ficar sas possibilidades é trabalhar na rede
atendendo pacientes ou participan- SARAH de hospitais de reabilitação por
do de cirurgias, e muito mais prova- exemplo (vaga para cirurgião geral com
velmente estará preocupado em re- salário bruto de R$ 24.213,93 e carga ho-
solver problemas, gerar documentos rária de quarenta e quatro horas sema-
e relatórios, analisar dados e cuidar nais em regime CLT).11
dos seus subordinados. Embora te- A Empresa Brasileira de Serviços Hos-
nha colocado como ponto negativo, pitalares (Ebserh) tem contratado, me-
esta percepção depende muito das diante concurso público e com salários

40
A Carreira Médica CAPITULO 1

razoáveis, médicos para trabalhar nos especialidade) com salário inicial de R$


hospitais universitários federais. Embo- 9.070,9312. Outro concurso que é bem
ra a remuneração não seja um grande interessante é o de médico-legista (veja
atrativo, este concurso contempla quem no capítulo específico).
quer estar ligado aos hospitais-escola e Estude a possibilidade de prestar
quer ter o ensino no seu dia a dia. concurso público, porque estão entre
O concurso de médico do Instituto as raras oportunidades de se ter férias
Nacional do Seguro Social (INSS), tam- remuneradas, 13º salário, aposentadoria
bém é uma opção, com conhecimentos integral e outras vantagens praticamen-
e atividades mais voltados para a me- te inexistentes para o médico na iniciati-
dicina do trabalho (embora não exija va privada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

O cenário do mercado médico assis- médico, que é considerado como um


tencial para os próximos anos tem ex- profissional relativamente “caro”, par-
pectativas muito ruins. O aumento de- ticularmente o especialista (o que se
senfreado de novas escolas, associadas justifica, na nossa opinião, uma vez que
às tabelas defasadas praticadas pelos leva cerca de 10 anos para se formar e
planos de saúde tem tornado as pers- que precisa de constante atualização e
pectivas de ganhos cada vez menores. investimento em educação). Há que se
Os consultórios privados já não conse- perceber, no entanto, que há, mesmo
guem sobreviver com a as remunera- dentro da carreira tradicional de médi-
ções pagas pelos convênios. Os hospi- co, uma gama de possibilidades para
tais precarizam os vínculos trabalhistas que se agregue tanto remuneração
contratando os médicos sob regime de quanto realização pessoal e profissional.
pessoa jurídica. Há pressões de todos Basta manter os olhos abertos às novas
os atores do mercado para baratear o e não tão convencionais possibilidades.

REFERÊNCIAS

1. Escolas Médicas no Brasil. Disponível em: <http://www.escolasmedicas.com.br>. Acesso em:


1 fev. 2014.
1. Lei Nº 12.871, de 22 de outubro de 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/cci-
vil_03/_ato2011-2014/2013/Lei/L12871.htm>. Acesso em: 1 fev. 2014.
2. Moehr JR. Where to in the next ten years of health informatics education? Methods Inf Med
2006; 45 (3): 283–287.
3. O que é uma startup? – Revista Exame. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/pme/noti-
cias/o-que-e-uma-startup/>. Acesso em: 1 fev. 2014.

41
CAPITULO 1 Como Escolher a sua Residência Médica

4. Ciência sem Fronteiras. Disponível em: <http://www.cienciasemfronteiras.gov.br>.Acesso em:


1 fev. 2014.
5. Organização nacional de Acreditação – ONA. Disponível em: <https://www.ona.org.br>.Aces-
so em: 1 fev. 2014.
6. Joint Comission International. Disponível em: <http://pt.jointcommissioninternational.org>.
Acesso em: 1 fev. 2014.
7. Tabelas de soldos militares. Disponível em: <http://sociedademilitar.com.br/index.php/for-
cas-armadas/176--nova-tabela-de-soldos-dos-militares-2013-2014-2015.html>. Acesso em:
1 fev. 2014.
8. Edital de Concurso Público Nº 074/2010. Disponível em: <http://www.pciconcursos.com.br/
concurso/prefeitura-de-sao-jose-dos-pinhais-pr-210-vagas>. Acesso em: 1 fev. 2014.
9. REDE SARAH. Disponível em: <http://www.sarah.br/paginas/rh/SSP/editais/SSP20140101.
pdf>. Acesso em: 1 fev. 2014.
10. Edital para médico perito previdenciário INSS - Disponível em: <http://www.concursosfcc.
com.br/concursos/inssd111/edital_16_12_dou.pdf>. Acesso em: 1 fev. 2014.

42
O ESPECIALISTA
Dr. Caio Nunes

H
MEDICINA - A VENDA DE UM SONHO

De todas as formas de se vender um outros cursos (já que ter medicina é um


serviço ou um produto, a mais sedutora referencial de certo modo), valorização
é a venda do sonho. dos terrenos adjacentes e especulação
Existem no nosso país, milhares de imobiliária local, venda de serviços (res-
jovens que sonham ser médicos. Grande taurantes, hospedagem, empresas de
parte destes movidos por sentimentos formatura) e melhora da oferta de pro-
altruístas de ajudar o próximo e melho- fissionais de saúde. É uma mina de ouro.
rar a saúde das pessoas, e também de Todo prefeito sonha em ter uma faculda-
forma concomitante por sentimentos de de medicina em sua cidade.
de ordem socioeconômica, como certo Com base nos dados de demografia
status profissional, ganhos financeiros que apontaram que o médico tende a se
futuros e empregabilidade. fixar no local onde fez faculdade ou onde
Sabemos que não há vagas nas nos- fez residência médica2, o Ministério da
sas universidades (sejam públicas ou Educação (MEC) tem liberado licenças
particulares) para todos que desejam op- para funcionamento de faculdades de
tar por essa carreira, e desta forma existe medicina em cidades sem a menor es-
um mercado de alunos com potencial trutura para comportá-las. Algumas ci-
gigantesco, o que gera uma especulação dades do interior da Bahia por exemplo,
grande do mercado de ensino. não contam nem com médicos especia-
O fato é que a faculdade de medicina listas no local e já contam com projetos
se tornou "a cereja do bolo" para qual- de escola médica aprovado.
quer empreendedor do ramo de educa- Uma vez que as faculdades de medi-
ção. Mensalidades em torno dos 5.000,00 cina e residências médicas já se concen-
reais1 (tão caras quanto as universidades tram em sua maioria em cidades com
americanas), valorização por tabela dos porte maior onde se é possível desenvol-
CAPITULO 2 Como Escolher a sua Residência Médica

ver uma carreira de forma digna e com tologia etc.). Faltará um bom internato
perspectivas de inserção mercadológica (parte do curso mais prática e mais re-
para o jovem profissional, não deixa de levante para o real aprendizado)? Cer-
ser claro que os governos dos interiores tamente! Faltará hospital universitário
ainda estão despreparados para receber com o mínimo de recursos para o apren-
certo contingente de alunos de medici- dizado decente? Certamente!
na. O que há que se entender é que o É só aguardar mais alguns anos e ve-
médico irá se fixar onde tiver chances de remos greves estudantis, médicos com
desenvolver uma medicina de qualida- formação cada vez pior, aumento do
de, com educação continuada e chances número de processos por erro e degra-
de crescimento profissional. Logo, a es- dação profissional.
tratégia de criar faculdades de medicina Por que ao invés de abrirem novas
no interior do país para resolver o pro- faculdades não fortalecer e estruturar
blema de interiorização de médicos é no as já então existentes? Por que flexibili-
mínimo equivocada, no meu entender. zar a qualidade em função do interesse
A publicação do relatório de Fle- mercadológico puro? Por que vender de
xner3, em 1910, nos EUA, começava a forma tão leviana um sonho tão nobre
lançar as bases para o ensino médico aos nossos jovens? Por que não tentar
sistematizado e baseado em conheci- resolver o problema da interiorização de
mento científico, tirando um pouco da forma digna com uma carreira estrutu-
“arte” na medicina e aproximando-a rada para o profissional médico?
mais de uma técnica científica. Tal rela- Você, que quer ser médico, não dei-
tório ajudou a padronização das escolas xe o temor e a dureza do desafio do
médicas, principalmente no sentido de vestibular flexibilizar sua meta. Queira
criar uma qualidade mínima para o fun- o melhor para você e para seus futuros
cionamento destas. A consequência dis- pacientes, estude a instituição que pre-
to foi o fechamento das menores insti- tende cursar e não se deixe seduzir pelo
tuições que não preenchiam os critérios caminho fácil das universidades faju-
mínimos (parece que em pleno século tas. Não deposite seu sonho e sua cara
XXI, no Brasil, estamos indo na direção mensalidade em qualquer cofre. Saúde
contrária, não é?). não é brincadeira e a licença do Conselh
Faltarão alunos? Não! Faltarão labo- Regional de Medicina (CRM) não pode
ratórios equipados de anatomia ? Talvez. nem deve ser licença para matar.
Faltarão professores? Não para os dois
primeiros anos, onde se é permitido aos AS BASES DA ESPECIALIZAÇÃO DA
profissionais da saúde (enfermeiros, fi- MEDICINA
sioterapeutas, dentistas etc.) ensinarem
aos futuros médicos as matérias básicas Houve uma revolução no conheci-
(anatomia, fisiologia, bioquímica, his- mento incorporado às ciências médicas.

44
O Especialista CAPITULO 2

Descobertas como os raios-x, ressonân- tornou-se uma conjuntura favorável ao


cia magnética, marcapasso, genoma, processo de especialização da medicina.
antibióticos, anestesia e biomateriais fo- Professores catedráticos começavam
ram todas feitas nos últimos cem anos. a se dedicar e se tornar famosos por uma
Avanços incríveis foram feitos em todas técnica cirúrgica específica ou por tratar
as áreas da medicina. Durante as gran- pacientes de um determinado grupo de
des guerras mundiais, houve desen- doenças. Esse processo foi se acentuan-
volvimento da cirurgia do trauma, das do ainda mais com a evolução do conhe-
plásticas reparadoras. Os sonares dos cimento.
submarinos adaptados deram origem
aos aparelhos de ultrassom. A ortopedia A MUDANÇA DE PARADIGMA
beneficiou-se do uso de novos materiais
feitos sob medida, técnicas minimamen- Ouvia, ainda criança, as histórias do
te invasivas e próteses. A oncologia deu meu pai (médico cirurgião geral), que
saltos incríveis de conhecimento, pas- praticava a medicina do generalista na
sou a atacar os tumores com base na sua qual se fazia parto, operava, clinicava
genética. A cardiologia dos transplan- e até anestesiava quando se era o úni-
tes, marcapassos, ressincronizadores e co médico no local. O doutor era o que
do coração artificial também foi outra tratava da gripe ao trauma, da pequena
especialidade com grande crescimento. cirurgia à assistência pré-natal. Veja que
Se, por um lado, ficamos mais inte- estamos falando da década de 1980 no
ligentes coletivamente, com todo co- Brasil. Ouço ainda hoje dos médicos mais
nhecimento acumulado, por outro, se antigos, que a nova geração não “sabe
tornou impossível deter, de forma apro- nada”, que é inadmissível sair da faculda-
fundada, o conhecimento em todos os de sem saber operar uma apendicite.
braços da medicina que foram surgindo. Embora esse tipo de medicina ainda
A publicação do relatório de Flexner, exista em nosso país, o paradigma da es-
em 19104, começava a lançar as bases pecialização já foi instalado e é irreversí-
para o ensino médico sistematizado e vel. Mesmo quem deseja ser generalista
baseado em conhecimento científico, hoje, terá um campo de atuação muito
tirando um pouco da “arte” na medicina mais limitado do que foi antigamente, e,
e aproximando-a mais de uma técnica se quiser se manter competitivo e atu-
científica. Tal relatório ajudou na promo- alizado, fará residência médica em uma
ção da padronização das escolas médi- área mais genérica ou mesmo participa-
cas, principalmente no sentido de criar rá sempre de programas de educação
uma qualidade mínima para o funcio- continuada.
namento destas. O ensino organizado, Não há certos ou errados nesta histó-
desta maneira, somado a uma avalanche ria. O que precisamos é entender melhor
de conhecimento que foi sendo gerado, os processos que nos levaram a fragmen-

45
CAPITULO 2 Como Escolher a sua Residência Médica

tação da atuação médica, de tal maneira “Sou cardiologista e a parte do diabe-


que o paciente dificilmente consegue ser tes o endocrinologista irá ver”.
assistido por somente um profissional. “Sou cirurgião geral e a tireoide quem
Conforme comentado anteriormen- opera é o pessoal da cirurgia de cabeça e
te, o “boom” do conhecimento impossi- pescoço”.
bilita, hoje, o domínio completo de to-
das as áreas da medicina. São inúmeras Tudo converge para uma desvalori-
técnicas, medicações, cirurgias, patolo- zação do médico generalista e isso tam-
gias, cujo entendimento na contempo- bém contribui muito para o processo de
raneidade é infinitamente maior do que especialização da medicina. Consultas
era há 20-30 anos. baratas, alto número de pacientes, for-
Existem ainda dois processos merca- mação de qualidade cada vez menor,
dológicos principais que movem a assis- tornaram o médico generalista pratica-
tência médica, levando a um predomí- mente um “triador” de pacientes para as
nio do especialista versus o generalista. especialidades, quando sabemos que
Primeiramente, a própria busca es- este resolveria mais de 80% dos proble-
pontânea do especialista por parte do mas de saúde da população5. Ninguém
paciente, que com base principalmente mais procura o clínico (o médico). Se dói
nos seus sintomas (e não no seu diag- o joelho, vai no ortopedista, se tem qual-
nóstico), procura diretamente o médico quer lesão de pele, vai ao dermatologis-
que supõe ser o mais adequado para ta, e, uma simples hipertensão arterial,
resolver seu problema. A própria mídia vincula-se à esfera do cardiologista.
e o senso comum incentivam esta práti- Claro que esse processo de especia-
ca, gerando a seguinte conduta: dor de lização promove exageros, como ve-
cabeça é igual a neurologista, sinusite é mos na vida afora, além de aumentar
igual a otorrino, dor no estômago é igual sobremaneira os custos da saúde. Há
a gastroenterologista e assim sucessiva- uma fragmentação do paciente, que
mente. Este modelo gera distorções im- acaba sendo divido entre uma série de
portantes tanto para os médicos quanto especialistas para ter um ou mais pro-
para pacientes e serviços de saúde. blemas resolvidos. Problemas estes, em
Em segundo lugar, a própria classe sua maioria, multifatoriais, e que em boa
médica, por uma série de razões (des- parte, poderiam ser resolvidos por um
valorização dos honorários, tempo en- bom generalista.
curtado de consulta, vontade de realizar As próprias relações de consumo
procedimentos da sua área, formação que afetam a medicina respingam no
generalista deficiente), tende a “rejeitar” processo de especialização. O usuário
os pacientes que não pertencem a sua entende muitas vezes que o hospital é
esfera de atuação. Sendo assim, não são como um serviço qualquer, espaço onde
infrequentes situações do tipo: ele é que tem o poder de demandar por

46
O Especialista CAPITULO 2

esse ou aquele especialista. Recente- cidades do país, a demanda principal do


mente, uma notícia em jornal de grande mercado é por dois tipos de médicos:
circulação falava de uma mãe que ia pro- • O bom generalista: com perfil reso-
cessar o hospital, porque após um trau- lutivo, capaz de tratar das patologias
ma craniano sofrido por sua filha, não mais comuns e não somente encami-
havia neurologista 24 horas na Unida- nhar pacientes. A demanda principal
de de Terapia Intensiva (UTI). A própria é nos pequenos interiores, onde não
referência de médico, em alguns, casos há incentivos para o médico se insta-
é somente o especialista, como se não lar, e, desta forma, resulta em políticas
bastassem ter os intensivistas de plan- - no mínimo controversas - de provi-
tão e os neurologistas de interconsulta. mento de médicos (como o programa
Não obstante o processo de espe- “Mais Médicos”)6;
cialização da medicina, há ainda um • O especialista generalista: que seria
processo mais complexo, que é o de o profissional especializado que atua
subespecialização (ou superespecializa- também em áreas mais genéricas. Po-
ção). Surgem, então, nichos de mercado demos citar o exemplo do cirurgião
específicos, principalmente em grandes plástico que faz plantão de cirurgia
centros e para médicos famosos que fi- geral, ou mesmo os cardiologistas,
zeram carreira estudando e se dedican- que trabalham com plantão de tera-
do a uma patologia específica. É o caso pia intensiva.
do otorrino que só faz implante otológi-
co, do cardiologista que trata somente Embora saibamos que há aberra-
arritmia, do radiologista que somente ções nítidas no processo de especiali-
lauda exames de encéfalo. Esse mercado zação da forma que funciona hoje em
existe principalmente nas grandes me- dia, não podemos esquecer de que esse
trópoles, como São Paulo, onde há base processo foi um avanço incrível para a
populacional suficiente para ter deman- medicina. Os diagnósticos e tratamen-
da desses profissionais subespecialistas. tos mais complexos e desenvolvimento
Nota-se que, na maioria das cidades tecnológico associado são todos frutos
do país, os subespecialistas não conse- da ramificação do conhecimento. A de-
guem dedicar seu tempo integralmente dicação a uma especialidade torna o
a uma sub área do conhecimento, pois profissional um perito naquela área. Pro-
não há demanda suficiente. Assim, es- va do benefício disso é a maior eficácia
tes dedicam-se em parte a sua subes- dos tratamentos e menores índices de
pecialidade, mas atuam também como complicações quando um determinado
especialistas de forma mais genérica. No procedimento é executado por um es-
nosso entendimento, para a maioria das pecialista experiente.7

47
CAPITULO 2 Como Escolher a sua Residência Médica

MOTIVAÇÃO PARA SE TORNAR pacitado o médico se torna para lidar


ESPECIALISTA com aquele grupo de doenças. Muito
mais factível entender bem de pneu-
Se tornar um especialista no Brasil é mologia do que de toda medicina.
possível de duas maneiras: fazendo uma O número de casos vistos e a experi-
residência reconhecida pelo Ministério ência que se acumula com o tempo
da Educação (MEC) ou obtendo o título torna a rotina mais fácil para o profis-
junto ao órgão/sociedade competente, sional. Funciona como “horas de voo”,
pelos critérios estabelecidos por este que você pode pilotar dez aviões dife-
(estágio, tempo de atuação na área, pro- rentes, mas nunca será tão bom quan-
va teórica, prova prática). De maneira to aquele que só pilota Boeing 747.
resumida, cada órgão colegiado pode • Status, credibilidade e reconhe-
outorgar o título de especialista a um cimento: lembro bem de um caso
médico, segundo seus próprios critérios. ilustrativo de um paciente que há
Um exemplo dessa situação é o Colégio um ano passava de pronto-socorro
Brasileiro de Cirurgiões (CBC). Aqui já se em pronto-socorro com epistaxe.
estabelece uma diferença grande em re- Ao examiná-lo, notei alguns estig-
lação aos países mais sérios e criteriosos, mas de insuficiência hepática, e so-
no que se refere à especialização do mé- licitei os exames. Dois anos depois,
dico. Abre-se a possibilidade de afrou- me lembro de ter reencontrado este
xamento desses critérios de titulação e paciente, e ele me disse que estava
a chancela da proliferação de cursos de curado porque Deus abençoou o ci-
especialização (não residência médica). rurgião que tinha feito o transplante
De qualquer forma, se você pretende se hepático dele. Então, como dito ante-
tornar especialista por uma via que não riormente, a própria dimensão social
da residência médica, se informe junto que foi dada ao especialista torna o
ao órgão representativo da especiali- generalista um ser esquecido, que
dade, sobre o trâmite que se exige para mesmo tendo (e como precisa ter)
isso, bem como quais os cursos/servi- perspicácia clínica para, com poucos
ços/pós-graduações credenciadas, para recursos, encaminhar um paciente
que seu esforço não seja em vão. ou mesmo para diferenciar o grave
Os elementos que motivam o médi- do não grave, dificilmente este go-
co a se especializar são vários, embora zará do status do neurocirurgião ou
os mais importantes estejam relaciona- oncologista. Considere também que,
dos a alguns fatores que merecem co- uma vez envolvido em um processo
mentários: ético, a chance de ser condenado por
• Qualidade e segurança na sua imperícia será muito menor, caso te-
prática: quanto mais se restringe seu nha título na especialidade em ques-
campo de atuação, melhor e mais ca- tão.

48
O Especialista CAPITULO 2

• Dinheiro: embora consenso entre enças silenciosas, como, por exem-


os próprios médicos, que o melhor plo, diabetes e hipertensão. O fato é
remunerado deveria ser o generalis- que, ao escolher uma especialidade,
ta, não tem jeito. Em todo o mundo, o profissional opta também por tipos
quem tem o reconhecimento finan- de relação médico-paciente específi-
ceiro é o especialista, seja por conta cas, e isso deve ser levado em conta
do mercado, seja pelo alto volume de acordo com que mais se adequa
de negócios que giram em torno do a sua personalidade e anseios pro-
especialistas (órteses, próteses, ma- fissionais. Esteja atento, ainda que
teriais, medicações de alto custo, in- todos esse fatores citados acima di-
ternações, exames de imagem). Tais ferem sobremaneira em relação ao
condições permite que o especialista local de trabalho. A rotina, perfil dos
ganhe mais e consiga também agre- pacientes, remuneração, etc. é tam-
gar mais valor ao seu nome. bém influenciada pela instituição na
• Rotina: o especialista tem opções qual se trabalha (consultório, serviço
maiores de rotina. Podendo escolher público, hospital-escola).
entre as mais”puxadas” e que envol- • Especialização precoce: sugeri-
vem decisões rápidas e maior nível mos fortemente que você evite se
de estresse, ou, então, estar em es- “especializar” durante a graduação.
pecialidades mais tranquilas, em que Há aqueles que por já se interessa-
não há plantões noturnos ou muitos rem por uma área, direcionam suas
desgaste físico e emocional. energias e atividades já para espe-
• Perfil dos pacientes: o especialis- cialidade em questão. Embora seja
ta acaba por escolher também que interessante ter participado de ligas,
perfil de pacientes atenderá durante iniciações científicas e atividades ex-
sua prática, tanto do ponto de vista tracurriculares na área em que se pre-
subjetivo (pacientes mais agressivos tende seguir, a especialização preco-
ou ansiosos) quanto do ponto de ce pode engessar sua escolha num
vista do tipo de patologia predomi- momento ainda não pleno de matu-
nante (crônicos, agudos, curáveis ou ridade profissional, além de compro-
não). O paciente oncológico tende meter sua formação generalista (que
a ser mais resignado e tem perfil to- dificilmente você terá oportunidade
talmente diferente do paciente que de complementar posteriormente). A
entra em um consultório de cirurgia diferença entre quem participou de
plástica buscando uma correção es- muitas cirurgias durante a graduação
tética. Gestantes tendem a ser an- (porque acompanhava um paren-
siosas e preocupadas com o bebê. te ou amigo cirurgião) e aquele que
Homens tendem a valorizar sintomas participou apenas daquelas do inter-
em detrimento do tratamento de do- nato se desfazem no primeiro mês de

49
CAPITULO 2 Como Escolher a sua Residência Médica

residência. Lembre-se que você terá cos especialistas suficientes (em geral),
o resto da vida para se aprimorar na embora mal distribuídos pelo território
sua especialidade, enquanto algu- nacional (assim como ocorre também
mas oportunidades de aprendizado para os médicos generalistas), com con-
da graduação não irão mais voltar. O centração nos grandes centros urbanos
mais importante mesmo é tentar ver e nas regiões sul e sudeste. As razões
o máximo das especialidades e ten- para isso acontecer são bem conheci-
tar aprimorar seu autoconhecimento das: falta de estrutura e condições de
para perceber aquela que se adequa trabalho nas cidades menores, ausência
mais ao seu perfil. de plano de carreira e salário atrativo,
ausência de educação continuada, falta
PANORAMA DOS ESPECIALISTAS de acesso a equipamentos e medica-
ções, falta de um mercado de trabalho
Os dados do censo médico mais re- estabelecido.
cente apontam que o Brasil tem médi-

NÚMERO DE MÉDICOS ESPECIALISTAS, SEGUNDO ESPECIALIDADES - BRASIL, 2013

Ranking Especialidade Numero % % Acumulada


1 Pediatria 30.112 11,23 11,23
2 Ginecologia e obstetrícia 25.032 9,33 20,56
3 Cirurgia geral 22.276 8,31 28,86
4 Clinica médica 21.890 8,16 37,03
6 Medicina do trabalho 12.756 4,76 48,58
7 Cardiologia 11.568 4,31 52,89
8 Ortopedia e traumatologia 10.504 3,92 56,81
9 Oftalmologia 9.862 3,68 60,49
10 Radiologia e diagnóstico por imagem 7.925 2,95 63,44
11 Psiquiatria 7.558 2,82 66,26
12 Dermatologia 5.930 2,21 68,47
13 Otorrinolaringologia 4.976 1,86 70,33
14 Cirurgia plástica 4.818 1,80 72,12
15 Medicina intensiva 4.275 1,59 73,72
16 Urologia 4.073 1,52 75,23
17 Gastroenterologia 3.481 1,30 76,53
18 Endocrinologia e metabologia 3.253 1,29 77.82

50
O Especialista CAPITULO 2

Ranking Especialidade Numero % % Acumulada


19 Medicina de família e comunidade 3.253 1,21 79,04
20 Neurologia 3.212 1,20 80,23
21 Medicina de tráfego 3.166 1,18 81,41
22 Acupuntura 2.942 1,10 82,51
23 Cirurgia vascular 2.886 1,08 83,59
24 Nefrologia 2,885 1,08 83,66
25 Pneumologia 2.593 0,97 85,63
26 Infectologia 2.591 0,97 86,60
27 Cancerologia 2.577 0,96 87,56
28 Homeopatia 2.458 0,92 88,47
29 Neurocirurgia 2.428 0,91 89,38
30 Endoscopia 2.374 0,89 90,26
31 Patologia 2.006 0,75 91,01
32 Cirurgia cardiovascular 1.995 0,74 91,76
33 Cirurgia do aparelho digestivo 1.985 0,74 92,50
34 Hematologia e hemoterapia 1.902 0,71 93,20
35 Reumatologia 1.631 0,61 93,81
36 Patologia clínica/medicina laboratorial 1.617 0,60 94,42
37 Mastologia 1.450 0,54 94,96
38 Coloproctologia 1.445 0,54 95,49
39 Medicina preventiva e social 1.393 0,52 96,01
40 Cirurgia pediátrica 1.245 0,46 96,48
41 Nutrologia 1.181 0,44 96,92
42 Alergia e imunologia 1.179 0,44 97,36
43 Geriatria 1.149 0,43 97,79
44 Medicina física e reabilitação 804 0,30 98,09
45 Cirurgia torácica 763 0,28 98,37
46 Medicina esportiva 690 0,26 98,63
47 Medicina nuclear 660 0,25 98,87
48 Angiologia 655 0,24 99,12
49 Cirurgia de cabeça e pescoço 631 0,24 99,35
50 Medicina legal e pericia médica 626 0,23 99,59
51 Radioterapia 497 0,19 99,77

51
CAPITULO 2 Como Escolher a sua Residência Médica

Ranking Especialidade Numero % % Acumulada


52 Cirurgia de mão 411 0,15 99,93
53 Genética médica 200 0,07 100,00
# Total 268.218 100 #
Fonte: CFM; Demografia médica no Brasil, 2013.
RESIDÊNCIA MÉDICA OU
O médico tende também a se fixar ESPECIALIZAÇÃO?
no local onde concluiu sua residência,
porque foi ali que se estabeleceu um ne- É cada vez mais sofrido o caminho
tworking e onde mais facilmente se tem para conseguir passar na prova de resi-
acesso a bons serviços hospitalares para dência no Brasil. Se alguém achou um
o exercício pleno da sua especialidade. dia que passar no vestibular de medici-
Há, no entanto, que se interpretar com na é tarefa difícil, imagine ser aprovado
critério esses dados, uma vez que atu- em Dermatologia (na prova de seleção
almente as faculdades e programas de do Sistema Único de Saúde (SUS-SP)
residência já predominam nas grandes com 55 candidatos por vaga em 2015).
cidades onde TODAS as pessoas tendem Prova disso é que se tornou praticamen-
a se concentrar (por uma série de razões te uma necessidade estar matriculado
como acesso a bens, serviços, qualidade em um cursinho preparatório apenas
de vida), não sendo necessariamente o para estar “no páreo” da disputa.
fato de ter feito residência ou faculdade A maioria dos médicos brasileiros
nessa cidade, o determinante isolado. ainda opta por realizar residência mé-
Dos 388.015 médicos em atividade dica9, programa este considerado pelo
no Brasil, 53,57% – ou 207.879 deles –, próprio MEC e por lei como o “padrão-
têm uma ou mais especialidade.8 -ouro” na formação de médicos espe-
cialistas10. Contudo, cerca de metade
Distribuição de médicos especialis- destes ficarão de fora desses programas
tas titulados, segundo Grandes Regi- por falta de vagas. A famigerada lei Nº
ões - Brasil, 2013. 12.871 conhecida como lei dos “Mais
60% 55%
Médicos”, institui, dentre outras inven-
50% cionices, que deverá existir vaga de re-
40% sidência para todo egresso do curso de
30% medicina no país. A ideia de que todos
20% 18%
9%
15%
possam fazer residência médica é exce-
10%
0%
4% lente do ponto de vista de melhoria da
qualidade da formação médica e tam-
te
te

te
rte
es
l
Su
es

es
-O

bém atenderia, pelo menos em tese, a


No
ld

rd
ro
Su

No
nt
Ce

Fonte: http://www.cremesp.org.br/pdfs/DemografiaMedica-
necessidades sociais por atendimento
BrasilVol2.pdf em algumas especialidades.

52
O Especialista CAPITULO 2

O porém aqui, é que diferente de va- • A maior competitividade da carreira


gas em cursos de medicina, que é uma face a proliferação de faculdades de
espécie de Eldorado para o empresaria- medicina;
do da educação11, vagas de residência • A não disposição para “perder” tem-
médica não são criadas por decreto. Há po (um a dois anos) para passar na
que se respeitar uma estruturação com- prova de residência;
plexa do serviço e do capital humano • A falta de interesse em passar um a
formador para que seja possível criar dois anos em residência de saúde da
essas novas vagas, ou estarão incorren- família ou Programa de Valorização
do no risco de formar “pseudo-especia- do Profissional da Atenção Básica
listas”. Há outro equívoco cometido que (Provab) antes de ingressar na resi-
é levar programas de residência médica dência médica;
para rincões do país sob o argumento • Novas residências médicas, de quali-
de que o médico iria se fixar nessas ci- dade questionável, em interiores do
dades. Quando se analisa os dados das país.
pesquisas, vê-se claramente que o mé-
dico tende historicamente a se fixar no Com base nessas premissas, uma sig-
local onde fez residência, porém as ci- nificativa parcela dos médicos tem bus-
dades que tem programas de residência cado alternativas à residência médica e
atualmente já são cidades de maior por- a tendência é que essa busca se acen-
te com estrutura para desenvolvimento tue. A procura por formação tem aberto
da prática médica de qualidade, dispõe um novo nicho: o dos estágios (ou aper-
de bens e serviços e empregabilidade, feiçoamentos), que são programas de
tratando-se nitidamente de um viés na formação médica muito heterogêneos,
interpretação dos dados. Outro artigo variando desde a forma de relação con-
da lei obriga um ano de residência em tratual (alguns são remunerados, outros
saúde da família como pré-requisito não remunerados, e alguns funcionam
para ingresso na maioria dos programas como pós-graduação, eme que o mé-
de residência. dico deve pagar), variam ainda sob a
Coloco aqui algumas premissas para forma de funcionamento (integral, com
análise do novo cenário da carreira mé- Day-off, prático, teórico, intensivo de fi-
dica: nal de semana).
• A busca do médico por melhorar sua A principal pergunta que os jovens
formação e adquirir habilidades téc- médicos têm feito é: estágios e residên-
nicas; cias são equivalentes? Sim e não! Em-
• O longo período de formação da fa- bora ainda haja certo preconceito com
culdade (seis anos) mais eventuais formação de especialistas em progra-
anos de cursinho (um a dois, em mé- mas do tipo que não sejam residência
dia); médica, o fato é que existem estágios

53
CAPITULO 2 Como Escolher a sua Residência Médica

que superam em qualidade muitas das quer custo”, “de qualquer jeito”. Dizemos
residências médicas (a depender da ao governo que não nos preocupamos
especialidade e instituição). Estágios com a qualidade da residência médica
em boas instituições, com carga horá- e que iremos buscar nossa formação de
ria equivalente a da residência médica forma independente e que nos sujei-
e preceptoria comprometida são tão taremos a trabalho escravo ou a pagar
bons ou melhores. Analisando do ponto para trabalhar.
de vista legal, o código de ética médica Ainda hoje há residentes submetidos
não restringe a prática de procedimen- a regimes de trabalho que ultrapassam
tos pelos médicos. Apenas anunciar-se 100 horas semanais (quando a lei fixa
como especialista sem sê-lo é conside- uma jornada máxima de 60 horas), plan-
rado infração12. Então não há impedi- tões de mais de 36 horas ininterruptas,
mento para que o colega realize proce- muitas vezes sem supervisão adequada.
dimentos (desde que não incorra em Mais grave ainda é isso ser encarado por
imperícia, imprudência ou negligência). muitos com naturalidade, ou, pior como
Além disso, há uma flexibilização por algo "necessário para o aprendizado".13
parte das sociedades médicas no reco- Lutar por uma residência médica re-
nhecimento de alguns destes estágios munerada dignamente e de qualidade
como pré-requisito para prova de título. deve ser a tônica dos estudantes de me-
Uma vez prestada prova da sociedade dicina e médicos do país.
ou cumprido os requisitos, a titulação de
especialista pode ser obtida por uma via MUDANÇAS DA FORMAÇÃO COM A
alternativa à da residência médica. LEI DO “MAIS MÉDICOS”
A formação médica é única e extre-
mamente complexa. Difere sobremanei- Uma das maiores insanidades da lei
ra da maioria das outras profissões da- é abertura desenfreada de escolas médi-
das todas essas peculiaridades. Ao optar cas, sobretudo no interior onde não há a
por um estágio, busque a qualidade, o menor condição de se oferecer um ensi-
credenciamento junto às sociedades no qualificado. (Leia mais em “Medicina
médicas e comprometimento da insti- - A venda do sonho” pag. 43) A desculpa
tuição com a formação acadêmica. é que, ao formar médicos no interior, o
É fato é que as alternativas à residên- problema da interiorização da medicina
cia médica não são de todo ruins quan- seria sanado. É mais que óbvio que nin-
do se avalia da perspectiva pessoal, guém se fixa em uma cidade por ter se
porém, ao optar por esses atalhos, nós formado lá. As pessoas estão sempre em
coletivamente abrimos o precedente busca de qualidade de vida, progresso
para o fim da residência médica como pessoal e profissional e acesso a bens e
conhecemos hoje. Sinalizamos que que-
remos nos tornar especialistas “a qual-

54
O Especialista CAPITULO 2

serviços, em qualquer ramo profissional, Veja alguns trechos da lei e os co-


sendo que com os médicos não será di- mentários que fazemos em seguida (em
ferente. negrito ao final do artigo da lei).

DA FORMAÇÃO MÉDICA NO BRASIL

Art. 4º O funcionamento dos cursos de Medicina é sujeito à efetiva implantação


das diretrizes curriculares nacionais definidas pelo Conselho Nacional de Educação
(CNE). O conselho nacional de educação passa a determinar o que o estudante
de medicina deve saber.
§ 1º Ao menos 30% (trinta por cento) da carga horária do internato médico
na graduação serão desenvolvidos na Atenção Básica e em Serviço de Urgência e
Emergência do SUS, respeitando-se o tempo mínimo de 2 (dois) anos de internato,
a ser disciplinado nas diretrizes curriculares nacionais. Sim você irá passar mais de
30% do seu internato na atenção básica.
§ 2º As atividades de internato na Atenção Básica e em Serviço de Urgência
e Emergência do SUS e as atividades de Residência Médica serão realizadas sob
acompanhamento acadêmico e técnico, observado o art. 27 desta Lei.
§ 3º O cumprimento do disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo constitui
ponto de auditoria nos processos avaliativos do Sinaes.
Art. 5º Os Programas de Residência Médica de que trata a Lei nº 6.932, de 7 de
julho de 1981, ofertarão anualmente vagas equivalentes ao número de egressos
dos cursos de graduação em Medicina do ano anterior. Como irão criar tantas
vagas de residência? Residência médica é coisa séria, sendo um dos mecanis-
mos mais eficazes de formação profissional, não sendo possível crer que irá
ser criada essa quantidade de vagas de forma planejada e estruturada em tão
pouco tempo e sem o devido investimento.
Parágrafo único. A regra de que trata o caput é meta a ser implantada progres-
sivamente até 31 de dezembro de 2018.
Art. 6º Para fins de cumprimento da meta de que trata o art. 5º, será considerada a
oferta de vagas de Programas de Residência Médica nas seguintes modalidades:
I. Programas de Residência em Medicina Geral de Família e Comunidade;
II. Programas de Residência Médica de acesso direto, nas seguintes especiali-
dades:
a. Genética Médica;
b. Medicina do Tráfego;
c. Medicina do Trabalho;
d. Medicina Esportiva;

55
CAPITULO 2 Como Escolher a sua Residência Médica

e. Medicina Física e Reabilitação;


f. Medicina Legal;
g. Medicina Nuclear;
h. Patologia;
i. Radioterapia.

Art. 7º O Programa de Residência em Medicina Geral de Família e Comunidade


terá duração mínima de 2 (dois) anos.
§ 1º O primeiro ano do Programa de Residência em Medicina Geral de Família e
Comunidade será obrigatório para o ingresso nos seguintes Programas de Residên-
cia Médica:
I. Medicina Interna (Clínica Médica);
II. Pediatria;
III. Ginecologia e Obstetrícia;
IV. Cirurgia Geral;
V. Psiquiatria;
VI. Medicina Preventiva e Social.

§ 2º Será necessária a realização de 1 (um) a 2 (dois) anos do Programa de Resi-


dência em Medicina Geral de Família e Comunidade para os demais Programas de
Residência Médica, conforme disciplinado pela Comissão Nacional de Residência
Médica (CNRM), excetuando-se os Programas de Residência Médica de acesso di-
reto. Esse talvez seja o artigo que mais altere seu futuro! Para fazer uma es-
pecialidade que não seja de acesso direto você terá que fazer pelo menos 1
ano de saúde da família. O objetivo aqui é bem claro. Substituir os médicos da
atenção básica que custam caro ao governo, por residentes que custam bara-
to. É bem evidente que não se trata de formar médicos capacitados em aten-
ção básica até porquê não haverá preceptores qualificados para tal. Em nome
do seu sonho de se tornar especialista você irá trabalhar obrigatoriamente até
2 anos, mal remunerados e sem direitos trabalhistas, na atenção básica. Uma
outra coisa que certamente irá acontecer é a proliferação de pós-graduação
(não residência) em medicina, pois muitos colegas irão fugir desse caminho de
fazer 2 anos de medicina da família. A proliferação desses programas, obvia-
mente irá acarretar em danos sérios na qualidade da formação dos especialis-
tas, comprometendo a confiabilidade de toda a classe.
§ 3º O pré-requisito de que trata este artigo apenas será exigido quando for
alcançada a meta prevista no parágrafo único do art. 5º, na forma do regulamento.
§ 4º Os Programas de Residência Médica estabelecerão processos de transição
para implementação, integração e consolidação das mudanças curriculares, com o

56
O Especialista CAPITULO 2

objetivo de viabilizar a carga horária e os conteúdos oferecidos no currículo novo e


permitir o fluxo na formação de especialistas, evitando atrasos curriculares, repeti-
ções desnecessárias e dispersão de recursos.
§ 5º O processo de transição previsto no § 4º deverá ser registrado por meio de
avaliação do currículo novo, envolvendo discentes de diversas turmas e docentes.
§ 6º Os Programas de Residência em Medicina Geral de Família e Comunidade
deverão contemplar especificidades do SUS, como as atuações na área de Urgência
e Emergência, Atenção Domiciliar, Saúde Mental, Educação Popular em Saúde, Saú-
de Coletiva e Clínica Geral Integral em todos os ciclos de vida.
§ 7º O Ministério da Saúde coordenará as atividades da Residência em Medicina
Geral de Família e Comunidade no âmbito da rede saúde-escola.
Art. 8º As bolsas de Residência em Medicina Geral de Família e Comunidade
poderão receber complementação financeira a ser estabelecida e custeada pelos
Ministérios da Saúde e da Educação.
Art. 9º É instituída a avaliação específica para curso de graduação em Medicina,
a cada 2 (dois) anos, com instrumentos e métodos que avaliem conhecimentos, ha-
bilidades e atitudes, a ser implementada no prazo de 2 (dois) anos, conforme ato do
Ministro de Estado da Educação.
§ 1º É instituída avaliação específica anual para os Programas de Residência Mé-
dica, a ser implementada no prazo de 2 (dois) anos, pela CNRM.
§ 2º As avaliações de que trata este artigo serão implementadas pelo Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), no âmbito do
sistema federal de ensino.
Art. 10º Os cursos de graduação em Medicina promoverão a adequação da ma-
triz curricular para atendimento ao disposto nesta Lei, nos prazos e na forma defini-
dos em resolução do CNE, aprovada pelo Ministro de Estado da Educação.
Parágrafo único. O CNE terá o prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da
data de publicação desta Lei, para submeter a resolução de que trata o caput ao
Ministro de Estado da Educação.
Art. 11º A regulamentação das mudanças curriculares dos diversos programas
de residência médica será realizada por meio de ato do Ministério da Educação,
ouvidos a CNRM e o Ministério da Saúde.

Seção Única
Do Contrato Organizativo da Ação Pública Ensino-Saúde

Art. 12 As instituições de educação superior responsáveis pela oferta dos cursos


de Medicina e dos Programas de Residência Médica poderão firmar Contrato Orga-
nizativo da Ação Pública Ensino-Saúde com os Secretários Municipais e Estaduais

57
CAPITULO 2 Como Escolher a sua Residência Médica

de Saúde, na qualidade de gestores, com a finalidade de viabilizar a reordenação da


oferta de cursos de Medicina e de vagas de Residência Médica e a estrutura de ser-
viços de saúde em condições de ofertar campo de prática suficiente e de qualidade,
além de permitir a integração ensino-serviço na área da Atenção Básica.
§ 1º O Contrato Organizativo poderá estabelecer:
I. Garantia de acesso a todos os estabelecimentos assistenciais sob a responsa-
bilidade do gestor da área de saúde como cenário de práticas para a forma-
ção no âmbito da graduação e da residência médica;
II. Outras obrigações mútuas entre as partes relacionadas ao funcionamento
da integração ensino-serviço, cujos termos serão levados à deliberação das
Comissões Intergestores Regionais, Comissões Intergestores Bipartite e Co-
missão Intergestores Tripartite, ouvidas as Comissões de Integração Ensino-
-Serviço.

§ 2º No âmbito do Contrato Organizativo, caberão às autoridades mencionadas


no caput, em acordo com a instituição de educação superior e os Programas de
Residência Médica, designar médicos preceptores da rede de serviços de saúde e
regulamentar a sua relação com a instituição responsável pelo curso de Medicina
ou pelo Programa de Residência Médica.
§ 3º Os Ministérios da Educação e da Saúde coordenarão as ações necessárias
para assegurar a pactuação de Contratos Organizativos da Ação Pública Ensino-
-Saúde.

Após ler atentamente o conteúdo dessas alterações, esperamos que reflita


sobre todo o prejuízo que será causado na formação dos médicos brasileiros e
a partir desse entendimento, que lutemos por dias melhores e para manter a
excelência técnica podendo, dessa formar, beneficiar o elo fraco de toda essa
relação que é o paciente.

REFERÊNCIAS

1. Disponível em: <www.escolasmedicas.com.br/mensal.php>. Acesso em: Agosto de 2014.


2. CFM/IBGE; Pesquisa Demografia Médica no Brasil, 2011.
3. Flexner, Abraham (1910), Medical Education in the United States and Canada: A Report to the
Carnegie Foundation for the Advancement of Teaching, Bulletin No. 4.
4. Flexner A. Medical education in the United States and Canada. New York, NY: Carnegie Foun-
dation for the Advancement of Teaching; 1910.

58
O Especialista CAPITULO 2

5. Starfield B. Atenção primária. Equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia.


Brasília: UNESCO; 2002.
6. Lei Nº 12.871, de 22 de outubro de 2013. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
ato2011-2014/2013/Lei/L12871.htm>. Acesso em: 01 de fev. 2014.
7. Hannan EL, O’Donnell JF, Kilburn H, et al. Investigation of the relationship between volume
and mortality for surgical procedures performed in New York State hospitals. JAMA 1989;
262(4):503-5 10.
8. Demografia Médica no Brasil, v. 2/Coordenação de Mário Scheffer; Equipe de pesquisa: Alex
Cassenote, Aureliano Biancarelli. – São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de
São Paulo: Conselho Federal de Medicina, 2013.
9. Demografia Médica no Brasil, v. 2. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo:
Conselho Federal de Medicina, 2013.
10. BRASIL, Decreto nº 80.281, de 5 de setembro de 1977.
11. Medicina a venda de um sonho. NUNES, Caio. Disponível em: <www.academiamedica.com.
br/medicina-a-venda-de-um-sonho>. Acesso em: 04 de dez. 2014.
12. Código de Ética Médica – CEM, aprovado pela Resolução CFM nº 1.931/2009, publicada no
D.O.U. de 24.09.2009, Seção I, p. 90, com retificação publicada no D.O.U. de 13.10.2009, Seção
I, p.173.
13. Rev. Assoc. Med. Bras. vol.53 nº 2 São Paulo Mar./Apr. 2007.

59
COMO ESCOLHER UMA
ESPECIALIDADE?


Dr. Caio Nunes
Dr. Marco Santana Se você conhece o inimigo e conhece a si
Dra. Tatiana Pina mesmo, você não precisa temer o resultado de


cem batalhas. Se você conhece a si mesmo, mas
não ao inimigo, para cada vitória que ganhar,
sofrerá também uma derrota. Se você não
conhece nem o inimigo nem a si mesmo, você
vai sucumbir em todas as batalhas.

Sun Tzu, em A Arte da Guerra

A A dúvida em relação a qual especiali-


dade seguir está em todo estudante de
medicina em formação, e, em alguns ca-
sos, acompanha o profissional por mui-
tos anos.
E no que se basear na hora de esco-
lher sua especialização?
Para responder a esta pergunta, mui-
tos pensariam, primeiramente, em pes-
quisar as ofertas, o que o mercado ofe-
Mesmo antes de se matricular em rece, o que está em “alta”, qual área está
uma faculdade de medicina, seria impor- sendo melhor remunerada, levando em
tante que cada um meditasse um pouco consideração apenas fatores externos. O
para tentar responder a seguinte ques- que não deixa de ser relevante em seu
tão: quem é você? questionamento, mas deveria vir em se-
Uma boa maneira de analisar esta gundo plano.
questão é avaliar como gosta de gastar Antes desta importante decisão, de-
seu tempo e energia, tanto academica- veríamos, a priori, responder algumas
mente, profissionalmente e recreativa- perguntas simples e essenciais, come-
mente, pois a satisfação (ou insatisfação) çando pela famosa questão: “o que eu
sentidas com essas experiências podem gosto de fazer?”.
ter implicações importantes na escolha Este questionamento pode até pare-
da especialidade médica. cer clichê e não passar tanta credibilida-
CAPITULO 3 Como Escolher a sua Residência Médica

de, mas, pense bem, você ficará grande Somente quando sabemos o que
parte da sua vida trabalhando. É impor- gostamos de fazer, alinhado com o tipo
tante realizar algo que goste e que te- de marca que queremos deixar no mun-
nha motivação para tal, caso contrário, do, e, concomitantemente, respeitando
será um sacrifício levantar todos os dias os nossos valores individuais, é possível
rumo ao trabalho. ter uma base sólida para decidir.
Para ajudar na resposta desta pergun- Não existe apenas uma especialida-
ta, reflita sobre as seguintes questões: de perfeita para cada pessoa e é possível
• O que te move verdadeiramente? se satisfazer com mais de uma especia-
• Onde você se imagina atuando? lidade, desde que estas compartilhem
• Quais são seus sonhos? algumas características. Basicamente, as
• Qual a marca que você quer deixar no especialidades podem ser divididas em
mundo? três grandes grupos:
• Como você gostaria de ser lembrado? 1. Especialidades clínicas, com contato
pessoal intenso e relacionamentos
Desta forma, a sua escolha será mais duradouros com os pacientes, com
segura e alinhada ao que você verda- resultados de longo prazo (medicina
deiramente gosta e quer como resulta- da família, clinica médica, cardiologia,
do do seu trabalho. Pense também nos endocrinologia, pneumologia etc.);
seus valores, determine exatamente 2. Especialidades cirúrgicas, com proce-
quais são as suas prioridades. dimentos manuais ou robóticos, com
Lembre-se que os valores influen- resultados de curto prazo (todas as
ciam e modelam suas decisões pessoais cirurgias, gastroenterologia, cardio-
e profissionais. São importantes moti- logia intervencionista, ginecologia e
vadores na hora da elaboração de seu obstetrícia);
plano de carreira, da escolha de uma 3. Especialidades auxiliares com uso de
especialização e de seu plano de vida. tecnologia (radioterapia e medicina
Portanto, ao tomar sua decisão, procure nuclear) ou com pouco ou nenhum
mesclar suas opções com os valores que contato com pacientes (patologia, ra-
são mais importantes para você, e as- diologia diagnóstica, epidemiologia).
sim, atuará certamente em uma carreira
compatível com o que acredita, afastan- Sugerimos que o leitor monte uma
do a desmotivação por desalinhamento tabela com as variáveis principais que
com suas crenças. abaixo listamos e, caso queira, acrescen-
Olhar para dentro e fazer um exer- te ou retire as que você julgue necessá-
cício de autoconhecimento, bem como rias.
parar para refletir, surgem como atitu-
des fundamentais no momento da es-
colha.

62
Como Escolher uma Especialidade? CAPITULO 3

VARIÁVEIS FUNDAMENTAIS a remuneração pelos planos de saúde).


De maneira resumida, há especialidades
PERFIL DOS PACIENTES E DA cuja renda pode subir bastante a médio-
RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE -longo prazo, enquanto outras têm um
piso maior e variabilidade menor.
Pense se o perfil predominante de Pense não somente nos ganhos ime-
pacientes que irá atender se adequa a diatos, mas também nas possibilidades
sua personalidade e modo de ser. Você de se trabalhar de forma autônoma ou
tem o perfil de atender às exigências como empregado. Exemplo disso é o
dos clientes que se preocupam com a fato de que dificilmente um radiologista
estética, você se considera atencioso será autônomo, sendo geralmente em-
a detalhes e é perfeccionista? Ou faz o pregado dos grandes laboratórios de
perfil mais sisudo que conversa pouco e imagem, enquanto mais provavelmente
prefere estar isolado do que em grupo? um clínico (pneumo, gastro etc.) pode
A relação com os pacientes da especia- montar um consultório particular e in-
lidade em questão é de longo ou curto vestir na construção de uma clientela.
prazo? Tratam-se de pacientes crônicos Pense se empreender é uma possibilida-
ou casos de fácil resolução? A relação de e veja se a especialidade em questão
com familiares é potencialmente cheia se adequa a este seu plano, bem como
de conflitos? Há muito sofrimento no se existem oportunidades na área.
lidar com os pacientes ou predominam
momentos felizes? ONDE QUERO MORAR
Há reconhecimento por parte do pa-
ciente do meu trabalho ou sou um pro- Ao escolher uma especialidade li-
fissional de bastidor? gada à média/alta complexidade, você
certamente se afasta da possibilidade
REMUNERAÇÃO de morar em cidades menores e com
E EMPREGABILIDADE menor estrutura (ex: medicina nuclear,
oncologia, radioterapia). Várias especia-
Tente analisar os diversos aspectos lidades demandam centros estrutura-
relativos aos empregos e às formas de re- dos e recursos tecnológicos, enquanto
muneração. Observe que há variação de outras demandam mais conhecimento
renda menor entre alguns especialistas e prática (ex.: pediatria). Caso essa variá-
(anestesistas/radiologistas e patologis- vel seja importante, atribua mais pontos
tas). Já algumas outras especialidades, em direção às especialidades versáteis,
a remuneração é muito mais variável que possibilitem trabalhar em qualquer
(um cirurgião/ortopedista famoso pode local e demandem recursos menores.
cobrar muito por um procedimento, en- Para algumas especialidades, morar em
quanto no início da carreira sofrem com cidades menores facilitará a entrada no

63
CAPITULO 3 Como Escolher a sua Residência Médica

mercado e a construção de um nome e do residente é muito ruim, embora a do


de uma reputação (ex: cirurgia plástica, especialista já estabelecido no mercado
dermatologia, psiquiatria) em detrimen- nem tanto. Cuidado com os falsos clichês
to dos grandes centros já superlotados (ex.: radiologista tem uma vida sossega-
de especialistas. da), sendo melhor você conversar com
quem está chegando no mercado atu-
CONTEÚDO CIENTÍFICO almente, já que a realidade é bem dinâ-
(PRÁTICO E TEÓRICO) mica e as opiniões variam entre quem se
formou agora e há 10-15 anos.
Embora seja uma variável a ser con-
siderada, particularmente acredito que TEMPO DE RESIDÊNCIA
gostamos daquilo que praticamos e
estudamos. Tente, mais uma vez, se des- Existem residências médicas relati-
vencilhar de preconceitos e pense no vamente curtas, como medicina do tra-
conteúdo da sua especialidade de for- balho (dois anos), e outras bem longas,
ma prática. Se gosta mais de processos como a neurocirurgia (cinco anos).
bioquímicos e farmacológicos associa- Algumas pessoas não querem passar
dos ao entendimento da fisiologia (ex.: cinco anos da sua vida fazendo residên-
endocrinologia, cardiologia, gastroente- cia e devem atribuir um valor maior para
rologia, nefrologia), ou se é uma pessoa as residências mais curtas. Ao analisar
prática e deseja ver o resultado de for- esta variável, esteja ciente que algu-
ma mais palpável e objetiva (ortopedia, mas residências têm seu período básico
cirurgias). Se gosta de procedimentos relativamente curto como radiologia
e de uma especialidade dinâmica que (três anos), mas dependendo do servi-
está em constante atualização (ex: te- ço, você precisará complementar com
rapia intensiva). Desta maneira, atribua mais dois anos de fellow (ressonância
pontos a esta variável, pensando de for- geral e subespecialidade), fazendo um
ma mais genérica. total de cinco anos. O mesmo acontece
com quem quer pretende fazer arritimo-
QUALIDADE DE VIDA logia e marca-passo (clínica dois anos,
somados a mais dois anos de cardio e
Ao analisar esta variável, fique atento mais dois anos de fellow), perfazendo
que existem duas realidades: a qualida- seis anos. Então, analise também desta
de de vida do residente da especialidade forma, para evitar surpresas. Mastologia,
e a qualidade de vida do profissional já por exemplo, pode ser acessada via ci-
formado. Neurocirurgia e ortopedia são rurgia geral (dois anos) ou ginecologia/
exemplos de que a qualidade de vida obstetrícia (três anos).

64
Como Escolher uma Especialidade? CAPITULO 3

ROTINA DE TRABALHO CONSIDERAÇÕES ESPECIAIS


PARA MULHERES
Tente perceber se você prefere uma
rotina mais padronizada e com doenças Se você é mulher e pretende engravi-
e pacientes relativamente repetitivos ou dar e ter filhos, coloque na balança com
se prefere uma especialidade mais dinâ- o peso que você gostaria de atribuir a
mica e variável no seu dia a dia. Avalie essa variável, o fato de quanto a resi-
ainda se a especialidade em questão dência pode atrapalhar a maternidade
permite somente um tipo de rotina e vice-versa. Algumas especialidades
(ambulatorial, por exemplo) ou permite envolvem riscos à maternidade, pelo
inserção em diferentes atividades (cen- uso de radiação ionizante (radiologia,
tro cirúrgico, emergência, procedimen- radioterapia, medicina nuclear), outras
tos diagnósticos etc). Algumas pessoas ainda envolvem muito desgaste físico
preferem uma rotina bem estanque, e emocional (ortopedia e cirurgia, por
enquanto outras preferem a caixinha exemplo). Veja ainda se você não se im-
de surpresas de uma emergência, por porta em conviver nos ambientes pre-
exemplo. dominantemente masculinos (urologia
ou ortopedia) ou se isso te faz bem (mui-
STATUS E RECONHECIMENTO tas mulheres preferem trabalhar com
homens). De qualquer forma, se este é o
Alguns especialistas vão gozar de seu sonho, vá em frente e não abra mão.
prestígio social e reconhecimento, en- Apenas reflita o que te fará mais feliz
quanto outros passarão desapercebi- neste presente momento e atribua pon-
dos, não importando quanto foram tos para decidir de acordo com o que te
fundamentais para o diagnóstico e para realizará mais.
o tratamento. O oncologista colherá da
família dos pacientes oncológicos os METODOLOGIA DA ESCOLHA
louros do tratamento e da dedicação,
enquanto o patologista que chegou até Existem já uma série de metodolo-
a linhagem molecular do tumor passa- gias para auxiliar nessa escolha, cada
rá desapercebido no corredor. Se, para uma com qualidades e defeitos especí-
você ser reconhecido, não faz diferença, ficos que comentaremos ao final deste
atribua menos pontos a essa variável, capítulo. Tentamos traçar uma metodo-
mas fique atento que, para muita gente, logia mais estruturada para essa toma-
isso é importante como forma de reali- da de decisão. Não temos objetivo de
zação profissional. ter criado a ferramenta perfeita, mas

65
CAPITULO 3 Como Escolher a sua Residência Médica

sim de criar um caminho para que você porcionais (5, 4 e 3 respectivamente). Ao


consiga chegar mais próximo de uma ler os capítulos que se seguem, atribua
fundamentação para sua escolha. Tenha pontos para as variáveis, de acordo com
em mente que mais importante do que as informações coletadas. Ao final da
a forma como você chegará a essa esco- sua leitura, já elimine algumas especia-
lha, é analisar criteriosamente as variá- lidades que pontuaram muito baixo ou
veis envolvidas nesse processo para o que você tem objeção (por exemplo,
amadurecimento das ideias. quem odeia psiquiatria). Tente fazer isso
A seguir, dê pesos variando de um desprovido de preconceitos e despindo-
a cinco para cada uma dessas variáveis -se dos clichês que ouve no dia a dia. Dê,
em ordem de importância para sua vida. então, pontos para cada uma das variá-
Ex.: se remuneração é mais importante veis de um a cinco, conforme considere
do que o local onde se pretende morar e que aquela premissa se adeque mais ou
se essas são mais importantes que reco- menos à realidade.
nhecimento profissional, dê pesos pro-

FERRAMENTAS VIRTUAIS PARA AUXILIAR A ESCOLHA

Existem diversos testes vocacionais disponíveis online, para ajudar a guiar a es-
colha, mas os resultados de todos eles devem ser utilizados de forma apenas auxi-
liar, levando em conta os fatores já citados, destacando-se:

Wireless Doctor (português):


www.widoctor.com.br/index.php/teste-vocacional

Guia da Carreira (português):


www.simulados.guiadacarreira.com.br/teste-vocacional/medicina

Guia do Estudante (português):


www.guiadoestudante.abril.com.br/testes-vocacional/quero-cursar-medicina-
-qual-especializacao-devo-escolher-749085.shtml

Universidade de Virginia (inglês):


www.med-ed.virginia.edu/specialties

Association of American Medical Colleges Careers in Medicine (inglês):


www.aamc.org/cim

66
RESIDÊNCIA MÉDICA
NOS ESTADOS UNIDOS “

Dr. João Freitas Melro Braghiroli
Não pergunte o que seu país pode fazer por você.
Pergunte o que você pode fazer por seu país.

John F. Kennedy

D Durante o curso de medicina, mui-


tos estudantes expressam o desejo
de fazer a residência médica nos Es-
tados Unidos (EUA), inclusive a ponto
de comprar livros para a preparação.
nos que se formaram em medicina em
faculdades fora do território americano,
sendo que a grande maioria destes, em
países do Caribe e na República Domini-
cana. Estes dois grupos diferem em fun-
Apenas um pequeno número, de fato, ção da necessidade do visto americano
coloca este plano em prática. A procu- por parte dos estrangeiros, porém, em
ra pela pós-graduação médica nos EUA relação a graduação, ambos são referi-
não somente é sonho de estudantes dos como International Medical Gradu-
brasileiros, mas de muitos ao redor do ates (IMG) ou Foreign Medical Graduate
mundo. Segundo o National Resident (FMG). Nesse grupo, no qual me incluo,
Matching Program1, a organização não vivencio a experiência que ora compar-
governamental responsável por coor- tilho, destinando a maior ênfase deste
denar o processo de aplicação para as capítulo.
vagas em todos os cursos de residência
médica neste país, no ano de 2013, mais POR QUE FAZER A RESIDÊNCIA
de 40 mil pessoas concorreram a cerca NOS ESTADOS UNIDOS
das 26 mil posições. Dentre este grande
número de candidatos, um quarto, ou Se, como cidadão, já era grande a mi-
seja, mais de 10 mil, foram estrangeiros nha indignação com a baixa qualidade
graduados em medicina fora dos EUA. da atenção à saúde oferecida à popu-
Além deste número expressivo, outros 6 lação brasileira, que depende da esfera
mil candidatos foram cidadãos america- pública, ao ingressar na faculdade de
CAPITULO 4 Como Escolher a sua Residência Médica

medicina, esse sentimento aumentou do governo federal. O próprio Ministé-


exponencialmente. Presenciar óbitos rio da Saúde resolveu abandonar os cri-
por não poder oferecer medicamentos térios e normas técnico-científicas para
e procedimentos adequados para en- reconhecimento de diploma e avaliação
fermidades plenamente curáveis é, de de competência profissional, expondo a
certo modo, mais revoltante do que en- população aos riscos óbvios do charlata-
frentar doenças para as quais ainda não nismo e do atendimento precário. Este
há tratamento. O contato mais próximo Programa Mais Médicos contraria, inclu-
com a miséria absoluta, e a frustração sive, a Legislação Brasileira, que trata da
ao perceber que os recursos disponíveis formação médica, pois desconsidera as
para salvar vidas esbarram em políticas exigências do Ministério da Educação no
públicas dependentes de interesses cumprimento das diretrizes curriculares
individuais e eleitorais, alimentaram a impostas para todas as Instituições de
minha vontade de experimentar uma Ensino que oferecem cursos de gradu-
realidade diferente. Ao mesmo tempo, ação em medicina do Brasil - ou seja, o
me questionava sobre o qualidade de governo brasileiro resolveu conceder re-
uma pós-graduação onde o incentivo gistro profissional a indivíduos que não
para a buscar excelência na formação, comprovaram devidamente a sua for-
que é oferecer o melhor cuidado ao seu mação. Paralelamente, o governo fede-
paciente, encontra-se prejudicado pelas ral anuncia abertura de vagas e de novos
limitações socioeconômicas e estrutu- programas de residência médica, sem
rais dos hospitais brasileiros. que tenham sido publicados os critérios
Assim, a minha consciência se aliou de qualidade dos serviços que serão ca-
ao enfrentamento dos desafios diante dastrados nestes programas.
das condições de treinamento com a Por outro lado, sabemos muito bem
baixa qualidade dos serviços. A opção da qualidade da medicina de ponta pra-
por fazer a residência médica nos Esta- ticada Brasil, que é apreciada e reconhe-
dos Unidos não foi uma fuga a realidade cida internacionalmente; existem esco-
brasileira, mas sim a tentativa de estudar, las que se destacam pela excelência no
aprender e praticar uma medicina de ensino, tanto de graduação quanto da
melhor qualidade. residência médica, a exemplo da Univer-
No momento, questionamentos ain- sidade de São Paulo, que está no nível
da mais sérios sobre a responsabilidade das melhores universidades do mundo.
do governo na qualidade dos serviços Nos EUA, a organização e regulamen-
oferecidos à população se revelaram tação da prática da medicina são rigoro-
com o programa “Mais Médicos”. Se samente estruturadas. Existe uma gran-
constata agravante ainda maior pelo fato de homogeneidade entre os programas
de que é a população mais carente que de Residência, com uma fiscalização
está sendo atingida por este programa detalhada pelo Accreditation Council for

68
Residência Médica nos Estados Unidos CAPITULO 4

Graduate Medical Education (ACGME). O PROCESSO SELETIVO


Este órgão é responsável pela acredi-
tação dos programas e não é incomum Ser selecionado para fazer residência
programas serem descredenciados por médica em um programa nos Estados
não atenderem as minúcias das exigên- Unidos é algo plenamente factível, po-
cias requeridas pelo ACGME. Os residen- rém exige estudo, tempo e dedicação.
tes e os estudantes de medicina têm Engana-se quem imagina que passar
uma participação ativa nos processos de nos “steps” (testes do United States Me-
avaliação e de acreditação; comissões dical Licensing Examination - USMLE® -
são formadas e se reúnem em caráter processo de revalidação do diploma) é
privado com representantes do ACGME, o que separa um estudante estrangeiro
para averiguar a satisfação com a quali- de um programa de residência nos EUA.
dade do ensino e estrutura oferecidas Estes são apenas uma parte das exigên-
pelo programa. Esse processo é dinâmi- cias de uma longa lista de requisitos.
co e está em constante reavaliação, visto Considerando o alto custo e o tem-
que o máximo de acreditação concedida po a ser investido nesse processo, a pri-
é de cinco anos. meira recomendação é ter certeza que é
Ao tempo que avalia, o ACGME tam- realmente isso que se deseja. A melhor
bém é projetado para apoiar os progra- maneira de se ter essa constatação é
mas na implementação dos currículos passar um período em alguma institui-
mandatórios. O objetivo é orientar as di- ção americana e ter uma exposição fide-
retorias dos programas e fornecer os re- digna da rotina de um residente. Alguns
cursos que estão disponíveis para apoiar programas exigem a comprovação da
e ampliar o sucesso destes programas, proficiência em inglês Test of English as
além de mostrar o que os outros, em sua Foreign Language (TOEFL), cartas de re-
posição, têm feito para resolver e imple- comendação e seguro de saúde.
mentar as principais competências pau- Uma vez tomada a decisão de fazer a
tadas pelo ACGME. São elas: residência, deve-se entender, também,
• Assistência ao paciente; que o reconhecimento do diploma mé-
• Conhecimento médico; dico obtido fora dos EUA, em termos
• Habilidades interpessoais e comuni- práticos, tem um peso menor que o
cação; americano.
• Prática baseada em aprendizagem e Tendo isso em mente, candidatos que
aperfeiçoamento; estejam almejando posições em progra-
• Prática baseada em sistemas; mas concorridos precisam demonstrar
• Profissionalismo. excelência em todos os aspectos da ava-
liação.

69
CAPITULO 4 Como Escolher a sua Residência Médica

Conforme citado anteriormente, a O candidato precisa escrever um


visita a programas americanos é impor- texto chamado de personal statement,
tante para se ter uma melhor ideia do espaço onde descreve os motivos que
sistema e ainda para fazer contatos, de- o levaram a optar pela carreira médica e
monstrar experiência e revelar conheci- seus planos futuros. Geralmente se rela-
mentos sobre o sistema de saúde ame- ta aspectos da sua formação que confe-
ricano. Um dos fatores de maior peso rem sustentação aos argumentos que o
durante a seleção de um candidato são motivam a seguir a carreira.
as recomendações dos seus mentores. Os Steps são as provas que todos os
Estas indicações fazem parte do pro- estudantes de medicina nos EUA são
cesso de seleção e, sem dúvida, uma obrigados a fazer, para começar a Resi-
carta de recomendação de um médico dência. Os médicos graduados fora dos
americano de destaque será de grande EUA e que desejam fazer a residência
valor. Um detalhe relevante é que por nos EUA, obviamente, também preci-
questões éticas, a maioria dos candida- sam fazer essas provas e, uma vez apro-
tos se abstêm do direito de ler a carta, vados, têm um certificado que equivale
ou seja, a carta é enviada aos progra- à validação do seu diploma médico. A
mas diretamente pelo mentor. Por esse entidade responsável por esse proces-
motivo, é imprescindível que o mentor so de validação chama-se Educational
conheça bem o candidato ao ponto de Commission for Foreign Medical Gradu-
escrever palavras que o apoiem, mas ates (ECFMG).
não pareça apenas uma “carta genérica.” As provas são divididas em três par-
Geralmente, cada programa aceita três tes:
cartas por aplicação, sendo uma delas • Step 1: avalia o conhecimento das
obrigatoriamente do diretor da faculda- matérias básicas aplicados a clínica.
de de graduação do candidato. Trata-se de prova com cerca de 300
Mentores que se dispuserem, além questões de múltipla escolha, res-
de escrever uma carta, podem contatar pondida em um computador e que
diretamente o diretor de um programa pode ser feita em locais credenciados
para recomendar o candidato. em um sistema chamado Prometrics.3
Pesquisa e publicações também são Atualmente, no Brasil, pode-se agen-
um grande diferencial e, para alguns dar para realizar a prova em Belo Ho-
programas, constitui requisito pratica- rizonte, Brasília, Curitiba, Recife, Rio
mente obrigatório. Nas residências mais de Janeiro e São Paulo. Geralmente,
concorridas, como dermatologia e ra- é a prova que demanda mais tempo
diologia, dificilmente um candidato sem de preparação, principalmente para
um background científico sólido terá su- os candidatos estrangeiros que cur-
cesso em conseguir ser chamado para saram essas matérias durante o início
as entrevistas. do curso de graduação e terão que

70
Residência Médica nos Estados Unidos CAPITULO 4

relembrar e atualizar estes conteú- ter o diploma da residência. Assim, os


dos. A maior parte das questões tem candidatos que aplicam com o visto
foco em fisiologia e patologia, mas J1 (a maioria) podem fazer a prova du-
todas as matérias básicas são avalia- rante a residência. Os candidatos que
das. Dentre todas as provas, é a que estão aplicando e desejam ter o visto
carrega mais peso no processo de H1, necessitam ser aprovados no step
aplicação. 3, antes do início da residência.
• Step 2: esta parte é subdivida em uma
parte teórica, chamada Clinical Know- Existem muitos livros preparatórios,
ledge (CK), e em uma parte prática, bancos de questões e simulados que
chamada Clinical Skills (CS). As duas auxiliam no estudo para os steps. Os
são agendadas separadamente. O estrangeiros geralmente se preparam
conteúdo da parte teórica é muito muito para se tornarem candidatos mais
semelhante ao das nossas provas de competitivos e, consequentemente, têm
residência médica, com a diferença notas muitos boas nos steps.
de que a duração da prova do step 2 Uma vez preenchido todos os reque-
é muito maior; geralmente são 340 rimentos para aplicação, o candidato
questões de múltipla escolha, tam- vai participar de um processo conheci-
bém respondidas em computador, do como match. Neste, o candidato vai
nos locais credenciados. Na parte selecionar todos os programas que ele
prática se realiza 12 atendimentos do tem interesse em cursar. Os programas
tipo primeira consulta, e não somente que se interessarem pelo candidato vão
o candidato é avaliado no seu conhe- convidá-lo para uma entrevista. O can-
cimento clínico, mas também o seu didato pode aplicar para mais de uma
profissionalismo e ética ao lidar com o especialidade ao mesmo tempo. Uma
paciente. Esta prova obrigatoriamen- vez terminado o período de entrevistas,
te é realizada nos EUA. os candidatos e os programas criarão no
• Step 3: inclui casos que refletem situa- website do match o seu ranking de pre-
ções clínicas rotineiras no dia a dia de ferência, que irão ser cruzados. Em data
um médico generalista. Fornece uma estipulada, conhecida como Match Day,
avaliação final aos médicos que in- o resultado desse cruzamento é divul-
gressam na prestação de cuidados de gado, indicando onde cada candidato
pacientes sem supervisão de um pre- foi selecionado. Aqueles candidatos que
ceptor. Não é necessário ser aprovado não forem selecionados têm a chance
nessa prova para ter o certificado do de aplicar para os programas que não
ECFMG (equivalente à validação do tiveram todas as vagas preenchidas.
diploma médicos), mas é preciso para

71
CAPITULO 4 Como Escolher a sua Residência Médica

A RESIDÊNCIA MÉDICA e rodízios eletivos em especialidades e


NOS ESTADOS UNIDOS pesquisa.
Há um grande foco no ensino e aca-
A residência nos EUA geralmente é demicismo. Ocorrem variações entre os
mais longa que no Brasil. As especia- programas, mas de uma forma geral,
lidades que tem acesso direto, como duas horas diárias são destinadas a ses-
oftalmologia, otorrinolaringologia, der- sões de casos, aulas, palestras, conferên-
matologia, neurologia, radiologia, radio- cias e sessões científicas.
terapia e anestesia, têm como pré-requi- É mandatório o envolvimento do resi-
sito a residência de um ano de clínica dente com a parte científica e produção
médica, conhecido como “transitional literária. Há um grande incentivo para
year”. Todos os residentes no primeiro publicação de casos, posters, pesquisa
ano de residência são conhecidos como clínica e projetos, que implementem
interns. melhoria no próprio serviço, conhecidos
A grande maioria dos candidatos es- como quality improvement projects.
trangeiros aplicam para a residência de Cerca da metade dos Residentes
medicina interna. No ano de 2013, pouco que terminam a residência de medicina
mais de 6 mil médicos estrangeiros tive- interna optam por seguir uma especia-
ram sucesso e conseguiram uma vaga de lidade clínica e, a outra metade, se divi-
Residência, sendo que aproximadamen- de entre a carreira de hospitalista e a da
te 40% dessas vagas foram em medicina prática ambulatorial como “primary care
interna, 17% em medicina da família, 7% physician”.
pediatria, 6% psiquiatria e 5% cirurgia.1 Nos EUA, os programas contam com
A residência de clínica médica nos um componente da equipe médica de-
EUA tem a duração de 3 anos e, assim nominado residente-chefe, escolhido
como no Brasil, a maior parte dos rodí- dentre os Residentes de 3º ano, pelo gru-
zios são realizados nas unidades de in- po diretor de cada programa. Constam
ternação. Existe um foco muito menor das atribuições da chefia de residência: a
no atendimento na sala de emergência, organização dos times, as rotinas de ro-
visto que a residência em emergência é dízios, preceptoria e a moderação de al-
separada da medicina interna. A grade gumas sessões científicas, dentre outras.
curricular tem pouca flexibilidade no Na organização habitual dos progra-
primeiro ano; contudo, pode ser mol- mas, os Residentes de Medicina Interna
dada no segundo e terceiro anos, a de- que estão rodando nas enfermarias são
pender do interesse futuro do Residente. divididos em times; cada time é liderado
Existem rodízios mandatórios, como as por um preceptor e composto por um R2
unidades de internação, terapia inten- ou R3 (residente senior), dois R1 e dois
siva, ambulatórios de medicina interna estudantes de medicina. Cada time é en-

72
Residência Médica nos Estados Unidos CAPITULO 4

carregado de atender um máximo de 20 visitante ou R3), conferências de subes-


pacientes e cada residente trabalha seis pecialidade, revisão de questões para
dias por semana. prova de título de especialista, jogos de
conhecimento médico, discussão de ar-
A ROTINA NA CLÍNICA MÉDICA tigo cientifico, sessões de óbito e mor-
bidade, ou ainda uma reunião adminis-
A rotina na enfermaria de medicina trativa com o diretor do programa para
interna começa às sete horas da manhã, discutir a satisfação dos residentes.
com a passagem dos pacientes que esta- Durante a tarde ocorrem a maioria
vam sob cuidado do residente de plantão das admissões, geralmente 04 por turno.
à noite, assim como dos novos pacientes Por volta das 18 horas, ocorre no-
que foram admitidos. É dada sempre vamente a passagem da enfermaria,
uma grande ênfase na importância des- para o residente de plantão à noite. O
ta transferência de informação, visto que plantão noturno pode ser muito movi-
há um reconhecido potencial de erros mentado em função de cobrir as enfer-
decorrentes da falta de comunicação. marias, onde estão pacientes de muitos
Após essa passagem, os R1 e estudantes times, assim como há a possibilidade
vão conversar, examinar os pacientes ad- de muitas admissões. O número de Re-
mitidos e revisar os prontuários. sidentes de plantão à noite pode variar,
Às oito horas, ocorre uma breve pré- a depender do número de pacientes na
-visita, quando o residente senior, R1s e enfermaria e volume previsto de admis-
estudantes se reúnem para rever os pla- sões à noite.
nos para os pacientes, antecipar possí- É uma grande equívoco pensar que
veis altas e tratar condições que exijam os residentes nos EUA não têm as mes-
ações imediatas. mas possibilidades de realizar procedi-
Entre 8:30 e 9:30, ocorre a sessão de mentos, como no Brasil. Residentes são
casos; a presença de todos residentes é devidamente treinados para realizar
mandatória, com exceção dos que es- procedimentos incluindo intubação
tão rodando na terapia intensiva. Nesta oro-traqueal, acesso venoso central e
sessão, os times alternam diariamente a colocação de dreno de tórax, e são fre-
apresentação de casos admitidos na en- quentemente reavaliados em tais com-
fermaria, e a discussão é moderada pelo petências.
residente-chefe. Anualmente, os residentes são leva-
Os times fazem a visita com o Pre- dos a laboratórios de treinamento com
ceptor por cerca de uma hora e meia, manequins modernos e são filmados
durando até o final manhã. Ao meio dia, realizando esses procedimentos. Desta
sempre ocorre uma atividade acadêmi- maneira, pequenos detalhes podem ser
ca (esta pode ser uma aula ministrada percebidos e os residentes são re-edu-
por um dos preceptores, um professor cados nas suas deficiências.

73
CAPITULO 4 Como Escolher a sua Residência Médica

ESPECIALIDADES CLÍNICAS invalidez, insuficiência renal terminal e


com esclerose lateral amiotrófica. Exis-
A aplicação para especialidades tem complexas extensões de cobertura
(fellowships) que tem medicina interna do Medicare chamadas de partes que se-
como pré-requisito é muito semelhan- guem de A a D e são atribuídas de acor-
te ao processo de aplicação para a Re- do com a contribuição durante a vida do
sidência. Novamente as notas dos steps, paciente. De uma forma extremamente
as cartas de recomendação, produções resumida e simplória, a cobertura parte
cientificas e publicações, experiência A é a mais básica e está voltada para co-
comprovada, e ter sido chefe de residên- bertura hospitalar. A parte B é uma ex-
cia, são os principais quesitos considera- tensão para o atendimento ambulatorial
dos. As subespecialidades mais concor- e a parte C oferece aos pacientes uma
ridas são gastroenterologia, cardiologia, maior liberdade na escolha dos profis-
hemato/oncologia e terapia intensiva. sionais de saúde. A parte D está relacio-
nada a cobertura de medicamentos. Os
A MEDICINA AMERICANA pacientes muitas vezes têm cotas para
utilização e precisam arcar com copaga-
Existe uma grande perspectiva de mentos.
mudança no sistema de saúde com a im- O Medicaid é programa de saúde
plementação do Patient Protection and destinado para as famílias e indivíduos
Affordable Care Act, popularmente co- com baixa renda e recursos, mas a bai-
nhecido como Obama Care. Os objetivos xa renda não é o único requisito para se
deste programa são aumentar a qualida- participar deste programa.
de e acessibilidade do seguro de saúde Existem muitos seguros de saúde
e reduzir o número de pacientes sem se- privados e grande parcela dos cidadãos
guro. Ao expandir a cobertura dos segu- com menos de 65 são assegurados. As-
ros público e privado, se almeja reduzir sim como no Brasil, a cobertura dos se-
os custos dos cuidados de saúde para os guros privados varia muitos de acordo
indivíduos e o governo. com o plano contratado.
O sistema vigente integra a presença A parcela da população que mais so-
de muitos planos privados de saúde com fre com a atual conjuntura do sistema de
planos governamentais (Medicare e Me- saúde americano é a classe media baixa
dicaid). que não tem recursos para pagar um
Medicare é um programa federal de plano privado de saúde e não é elegível
seguro social que garante o acesso ao se- para ser coberto pelo Medicaid.
guro de saúde para a maioria dos ame- Uma ressalva importante é que o
ricanos e residentes legais com 65 anos Congresso Americano aprovou em 1986
ou mais, e as pessoas mais jovens com uma lei chamada de Emergency Medical

74
Residência Médica nos Estados Unidos CAPITULO 4

Treatment and Active Labor Act (EMTA- cessivos na compensação por serviços
LA) exigindo que os hospitais forneçam médicos e procedimentos, os médicos
tratamento de saúde de emergência a de família (primary care physicians) vem
qualquer pessoa que dela necessite, in- recebendo recorrentes incentivos. Exis-
dependentemente da cidadania, estado te um grande estímulo do governo e
jurídico, ou capacidade de pagamento. dos próprios programas de residência
Desta forma, os hospitais são obriga- médica para formar internistas interes-
dos a receber pacientes que precisem sados em seguirem a carreira de pri-
de cuidados por enfermidades agudas, mary care physician. A grande limitação
independente destes terem ou não se- são os altos custos para se manter uma
guro de saúde; também nos preservam clínica privada em função de funcioná-
eticamente, como médicos, o poder de rios e burocracias. Muitas clínicas tem
tratar um paciente que necessite cuida- sido compradas por grande empresas,
dos imediatos. de forma que os médicos passam a ser
A medicina americana continua mui- empregados destas clínicas, e não mais
to defensiva e, muitas vezes, extrapola a autônomos.
extensão de uma investigação para ten- Outra carreira muito procurada para
tar minimizar o erro médico, levando ao o internista é a de hospitalista. A carga
aumento do custo do sistema de saúde. horária em regime de plantão, geral-
Muitos estados americanos limitaram o mente trabalhando por 12 horas por
teto para a compensação por erros mé- sete dias seguidos e folgando sete dias,
dicos, e muitos médicos utilizam de ar- atrai muitos médicos. Como existe um
tifícios jurídicos para proteger seus bens sistema de cobertura, uma vez fora do
e declaram para seus pacientes que não hospital, outro médico assume o cui-
pagam seguro contra processo. Mesmo dado total do paciente, permitindo ao
assim, ainda é comum a propaganda, hospitalista descansar, sem ficar preo-
em outdoors e televisão, de advogados cupado em estar disponível a qualquer
recrutando clientes em potencial para momento para uma intercorrência. A
processar médicos, em função de um remuneração em função das horas tra-
procedimento ou prescrição de uma balhadas é boa, ainda mais consideran-
medicação. do a possibilidade de trabalhar também
nos sete dias de folga. Segundo uma
MERCADO DE TRABALHO pesquisa com mais de 80 mil médicos
americanos, o salário anual inicial é pou-
O mercado de trabalho para o inter- co mais de cento e sessenta mil dólares,
nista está em plena ascensão nos EUA. enquanto para o que está em prática há
Enquanto os seguros de saúde liderados mais de seis anos é de duzentos e dez
pelo Medicare promovem cortes su- mil dólares.2

75
CAPITULO 4 Como Escolher a sua Residência Médica

A prática da concierge medicine, co- • H1: geralmente é solicitado por can-


nhecida também como medicina VIP, didatos à residência que não pre-
têm como preceito o cuidado de um tendem voltar ao país de origem e
menor numero de pacientes do que em querem aplicar diretamente para o
uma prática convencional. Esses pacien- Greencard. São poucos os programas
tes têm acesso ao medico através de que oferecem aos residentes o visto
telefone ou e-mail a qualquer hora do H1, em função dos custos e da bu-
dia ou da noite. As taxas anuais variam rocracia. O visto H2 não confere ao
amplamente (200 - 5.000 dólares) por esposo(a) direito a permissão para
um paciente. trabalhar.

VISTO AMERICANO PRINCIPAIS SITES DE INTERESSE

Para os médicos estrangeiros que Websites para iniciar o processo para


desejam fazer a residência nos EUA, dois a validação do diploma e agendar os
tipos de vistos podem ser considerados. provas (steps).
• J1: é o mais comum dos vistos ofere-
cidos. Esse visto é patrocinado pelo 1. Educational Commission for Fo-
ECFMG; portanto, o programa de re- reign Medical Graduates
sidência não tem que arcar com os www.ecfmg.org
custos e burocracias da emissão do
visto. Não é necessário ter feito o step 2. United States Medical Licensing
3 para obtê-lo. Uma das grandes van- Examination
tagem desse visto é que o esposo(a), www.usmle.org
ao portar visto, J2 tem direito de tra-
balhar com a emissão do Employ- Website para registro de suas infor-
ment Authorization Document (EAD). mações no processo de aplicação para
A maioria das residências concorridas residência e seleção dos programas de
somente aceitam a aplicação com residência que deseja aplicar.
esse visto. A desvantagem do visto J1
é que, ao término da residência, é ne- www.aamc.org/students/medstu-
cessário voltar e permanecer no país dents/eras/ -.UsrVNtJDuuk
de origem por dois anos, ou aplicar
para trabalhar em um área nos EUA Website destinado a criação da lista
onde haja escassez de médicos na com o ranking dos programas entrevis-
especialidade desejada, por três anos tados. National Resident Matching Pro-
(Waiver), antes de poder aplicar para gram.
um greencard. www.nrmp.org/

76
Residência Médica nos Estados Unidos CAPITULO 4

Websites para comprar banco de e discussão sobre a preparação para os


questões preparatórios para os Steps. Steps e aplicação para a residência me-
dica.
3. USMLE World
www.usmleworld.com 5. Student Doctor Network
www.forums.studentdoctor.net
4. Kaplan Medical
www.kaptest.com 6. USMLE Forum
www.usmleforum.com
Principais websites contendo fóruns
para compartilhamento de experiências

SOBRE O AUTOR

Dr. João Freitas Melro Braghiroli é:

Médico formado pela Universidade Federal da Bahia (Ufba). Fez residência de medi-
cina interna na University of Miami Miller School of Medicine (UMMSM) no período
de 2010-2013. Atua como chief resident na mesma instituição. Recebeu os prêmios:
“Intern of the Year” e “Resident of the Year” na University of Miami Miller School of
Medicine, e o prêmio “Outstanding Physician” na American College of Physicians.
É membro do Board of Associates do American College of Physicians (ACP) e certi-
ficado pelo American Board of Internal Medicine (Abim). Fellow de cardiologia no
Jackson Memorial Hospital na UMMSM.

REFERÊNCIAS

1. USMLE. Disponível em: <www.usmle.org>. Acesso em: 21 de nov. 2013.


2. Salários médicos nos EUA. Disponível em: <www.profilesdatabase.com/resources/
2011-2012-physician-salary-survey>. Acesso em: 21 de nov. 2013.
3. Locais para os steps. Disponível em: <www.prometric.com/en-us/clients/usmle/Pages/lan-
ding.aspx>. Acesso em: 21 de nov. 2013.
4. The ultimate guide to choosing a medical specialty, Brian Freeman, MD. Copyright © 2004 by
The McGraw-Hill Companies, Inc.

77
RESIDÊNCIA MÉDICA
NA EUROPA “

Dr. Lucas Regis Plácido
Leva um longo tempo para se tornar jovem.

Pablo Picasso

A A eleição da especialidade médica


constitui uma etapa de decisão em que
interferem diversos fatores tangíveis à
profissão médica, entretanto, selecionar
o próximo destino para estabelecer-se
É importante enfatizar que as diretrizes
e passos a realizar para efetuar a trami-
tação para tal, está sujeita a constantes
mudanças, considerando que depende
de leis e convênios entre países.
necessita uma avaliação de inúmeros
detalhes não relacionados com o mun- A MUDANÇA DE HÁBITO
do hipocrático. Neste contexto, a esco-
lha por realizar a formação especializa- Talvez um dos fatores mais impor-
da em um centro estrangeiro adquire tantes a considerar antes de traçar um
uma conotação ainda mais importante. plano de residência fora do Brasil, seria
Fatores que normalmente não se veem a cultura do país de destino. Parece poé-
incluídos entre os pontos da avaliação tico, às vezes, bucólico, dizer: vou fazer a
de destinos para a residência médica, residência em Paris, Barcelona, Londres,
incorporam valor e reclamam protago- Berlim, contudo essa decisão acompa-
nismo: idioma, hábitos de vida, cultura, nha um peso de mudança de hábito e
relação interpessoal, relação médico pa- adaptação que vai mais longe que o dia
ciente, remuneração, entre outros. a dia médico. É conhecido e universal-
O objetivo deste capítulo é apresen- mente aceito o pouco tempo livre de
tar um auxílio para aqueles que cogitam um residente. Portanto, o escasso tem-
a possibilidade de viver essa etapa em po fora do ambiente de trabalho tem
outro país, a partir da minha experiência que ser leve e não supor um problema.
pessoal da residência médica na Europa.
CAPITULO 5 Como Escolher a sua Residência Médica

Antes de uma mudança dessa mag- PLANEJAMENTO


nitude, o candidato tem que mergulhar
o máximo na cultura do país de destino. O tempo necessário para planejar
Viajar quinze dias, com um grupo e guia uma residência médica em outro país é
turístico não representa definitivamente logicamente maior. Se possível o candi-
a melhor maneira. Mesmo não tendo a dato que pretende formar-se no exterior
possibilidade de conhecer in situ “a pró- necessitará começar a tramitação com
xima parada”, toda informação e método bastante tempo. Meu conselho é que se
de colheita desta será bem vinda. Per- o candidato cogita esta possibilidade,
guntar a conhecidos que já viajaram ao mesmo não sendo sua primeira opção,
local e a trabalhadores que possuem ex- realize todos os trâmites como se assim
periência internacional, são bons méto- fosse. É sempre melhor ter a possibili-
dos de contato com o mundo desconhe- dade de ir no momento de eleição (no
cido. Procurar pessoas através de redes final da faculdade), já possuindo todos
sociais em situações similares ou que já os documentos necessários, que iniciar
tenham passado por essa experiência ou o processo apenas quando esteja con-
que estejam vivendo no destino pode victo da decisão.
ser uma boa tática. Toda essa informação Associar a informação de terceiros
terá que ser processada e garimpada, com dados “oficiais” pode ser um gran-
filtrando anseios e frustrações pessoais, de passo. Sempre quando entro neste
selecionando com objetividade retratos aspecto, prefiro colocar a palavra oficial
do local de destino e da sua popula- entre aspas. A tendência do brasileiro,
ção. Isto ajudará na decisão, porém em em geral, é acreditar que nos outros
nenhum momento deve-se considerar países toda a rede burocrática funciona
uma opinião alheia como determinante de maneira mais séria e efetiva. Mas ao
da escolha. A mudança de hábito, por contrastar informações de terceiros, ex-
mais esperada e planejada que seja, tem periências vividas e dados “oficiais”, con-
a capacidade de moldar, muitas vezes, clui-se que a melhor tática é reconfirmar
um pouco da personalidade do candi- e validar informações. Aconselha-se
dato, tanto como profissional médico buscar informações sobre os trâmites
como cidadão. Acredito que esse desa- e documentação necessárias nas pági-
fio de mudança tem que ser um ponto nas oficiais do Ministério de Educação
de interesse para o candidato. Só assim do país de destino, Ministério de Saú-
o mesmo tomará as novas experiências de e Ministério do Trabalho. Procurar
como momentos estimulantes e não o sistema estabelecido neste país para
como barreiras pela diferença cultural. validação de documentos originários

80
Residência Médica na Europa CAPITULO 5

do Brasil, assim como pesquisar sobre a Ministério de Relações Exteriores em


necessidade de tradução juramentada Brasília para reconhecimento do docu-
e prazos a respeitar, são passos básicos mento e posteriormente apresentá-lo
que todo pretendente a residente na Eu- na embaixada do país de destino para
ropa deve trilhar. Contrastar estas infor- legalização. O Ministério de Relações Ex-
mações com uma visita à embaixada do teriores (MRE) realiza a legalização con-
país de destino na cidade do candidato sular que é uma formalidade que confir-
pode solucionar muitas dúvidas, entre- ma a autenticidade de um documento,
tanto seguramente agregarão outras. ou seja, ratifica a identidade e a função
Segundo minha experiência, depen- da autoridade signatária. O processo re-
dendo do país europeu, a embaixada alizado na embaixada do país de desti-
pode variar bastante na capacidade de no é oficializar a validade do documento
ter propriedade para fornecer informa- para uso fora do Brasil, permitindo que
ções ao candidato: desde não ter a míni- seja reconhecido pelas autoridades per-
ma informação disponível, até fornecer tinentes (Ministério da Educação e Mi-
todo o circuito, passando por desatuali- nistério da Saúde do país de destino).
zações e fornecimento de cadeias e sis- Posteriormente, o candidato terá que
temáticas obsoletas e atualmente não traduzir a documentação com um servi-
utilizadas. Uma atitude que no meu caso ço de tradução juramentada. Essa etapa
funcionou e resolveu muitos problemas pode exigir um investimento maior de
foi visitar a embaixada mais de uma vez dinheiro. Uma alternativa às clássicas
e colher informações de diferentes fun- empresas com infinidade de tradutores
cionários. é procurar na internet, pequenas em-
presas ou tradutores oficiais autônomos.
DOCUMENTAÇÃO A legalização no MRE pode ser solici-
tada pessoalmente ou por via postal:
De acordo com o país europeu de • Pessoalmente: levar a documentação
destino, as exigências de documentação ao Balcão de Atendimento do Setor
mudam. de Legalizações e Rede Consular Es-
Como norma geral, o candidato deve trangeira (SLRC);
conseguir seus documentos oficiais, le- • Via postal: enviar os documentos a
galizá-los, traduzi-los antes de apresen- serem legalizados, observando para
tá-los no país de destino. Portanto, o cada tipo de documento, o respectivo
circuito da documentação poderia ser procedimento exigido, e o formulário
resumido em: reunir o documento ofi- de solicitação de legalização. O prazo
cial da instituição (por exemplo, diplo- para devolução é de quinze a vinte
ma universitário de médico), reconhecer dias, a partir da data de recebimento.
todas as firmas em cartório, enviar ao

81
CAPITULO 5 Como Escolher a sua Residência Médica

Informação detalhada: www.portal- com a ressalva de que podem pedir a


consular.mre.gov.br/legalizacao-de- comprovação em qualquer momento
-documentos. do processo.

Geralmente, os documentos exigi- A RESIDÊNCIA


dos são: título de licenciado em medi-
cina, histórico universitário, passaporte, O processo formativo em países eu-
certidão de nascimento, antecedentes ropeus se caracteriza por dois aspectos:
criminais. Pessoalmente, aconselharia maior disponibilidade de recurso finan-
que o candidato realize esse proces- ceiros que muitos centros brasileiros e
so apenas com todos os programas de menor participação ativa assistencial
matérias cursadas na faculdade. Esse nas especialidades cirúrgicas durante
é um dos aspectos que justifica o iní- o início. É importante enfatizar que em
cio do processo com antecipação. De- nenhum momento pretendo que se
pendendo do nível de organização da acredite que os centros estrangeiros são
universidade que procede o candidato, melhores ou realizam uma medicina me-
essa etapa pode representar um grande lhor que os centros brasileiros. No Brasil,
problema. Não é incomum encontrar no existem centros de produção de conhe-
último ano da faculdade alguma maté- cimento, com profissionais ultracapaci-
ria que já não existe na grade curricular tados e tecnologia perfeitamente atuali-
(seja por mudanças de curriculum, seja zada. Entretanto, como norma geral, no
por mudança de professor titular da ca- caso do sistema espanhol, em compara-
deira). Cabe ressaltar que para muitos ção à média do sistema público brasilei-
destinos, esta documentação não é uma ro, é evidente a maior disponibilidade de
exigência, entretanto, é recomendado, recursos. Esse aspecto é notavelmente
pois durante o processo de convalida- uma vantagem no processo de apren-
ção possa ser necessária a comprovação dizagem. Viver essa realidade permite
de algum conteúdo específico. uma formação mais completa e com um
Muitos países solicitam do candida- suporte estimulante e ao mesmo tem-
to um nível de proficiência do idioma po determinante do tipo de especialista
comprovado. É muito importante con- que o candidato pretende ser.
firmar o nível exigido e o tipo de docu-
mentação fundamental. Muitas vezes, PARA OS CIRURGIÕES:
uma simples avaliação oficial do idioma
requerido (no centro de referência espe- - SE DEIXA OPERAR?
cificado pela convocatória da prova de
residência), é suficiente. Determinados Minha resposta a esta questão é
países não exigem de maneira rotineira sempre a mesma: depende. Para definir
a comprovação do domínio da língua, a aprendizagem das especialidades ci-

82
Residência Médica na Europa CAPITULO 5

rúrgicas na Espanha, eu sempre coloco que a remuneração melhora a cada ano


que “a curva de aprendizagem é maior”. de residência (de maneira gradual) e de-
A uma primeira olhada parece um pro- pende também do centro de trabalho e
blema. O sistema evita deixar trabalho do convênio do hospital. Portanto, em
assistencial cirúrgico direto ao residente uma mesma cidade, existem residentes
nos primeiros anos. Ao comparar com com salários diferentes por estarem em
uma residência no Brasil, a diferença hospitais distintos. Como norma geral,
no primeiro ano é considerável: se ope- acredito que a carga horária e as limita-
ra mais no Brasil. Contudo, no decorrer ções do residente são mais respeitadas
dos anos de formação, percebe-se que o na Espanha. Há uma normativa euro-
aprendizado é progressivo e, em minha peia, na qual cada residente estaria obri-
opinião, não deixa a desejar a nenhuma gado a realizar no máximo 850 horas
formação. anuais de plantão. Apesar da existência
Um ponto positivo é a atualização. desse documento há mais de um ano,
Alguns centros permitem que o residen- atualmente, essa normativa não vem
te se forme com bastante autonomia em sendo cumprida em sua plenitude.
técnicas que não estão difundidas de
maneira rotineira na prática da residen- PROCESSO SELETIVO
cia médica no Brasil, apesar de existirem
profissionais nos centros brasileiros ca- Todos os dados referentes ao pro-
pacitados para tais intervenções. cesso seletivo para ingressar na residên-
cia médica na Espanha estarão no BOE
REMUNERAÇÃO (Boletim Oficial do Estado). O processo
seletivo é de periodicidade anual e de
A bolsa é um ponto diferente entre abrangência nacional. Todos os candi-
os dois países na formação especializa- datos se submetem a uma avaliação
da. O residente em ambos países estão composta por 235 questões de múlti-
“protegidos” por um estatuto que limita pla escolha sobre as diversas áreas do
e determina suas atividades. Sabemos conhecimento médico com cinco horas
que esse é um aspecto não respeitado de duração. A classificação geral ocorre
em muitos centros no Brasil. Na Espa- com base na nota final e permite aos pri-
nha, salvo situações especiais, o salário meiros colocados escolher não somente
base do residente é € 1.000 euros, ao a especialidade, mas também a cidade e
qual se soma o dinheiro de horas de o hospital que desejam.
plantão, dependendo da especialidade. Geralmente, as informações sobre o
Como exemplo, um residente que reali- BOE são divulgadas no mês de setem-
za quatro plantões por mês, sendo um bro (quando o candidato pode inscre-
deles de final de semana teria um salário ver-se no processo seletivo). A data da
médio de € 1.800 euros. Cabe ressaltar prova nos últimos anos apresentaram

83
CAPITULO 5 Como Escolher a sua Residência Médica

pouca variação (última semana de janei- no sistema de especialidade em relação


ro ou primeira de fevereiro). à formação: parece que o objetivo é rea-
É importante ressaltar que para es- lizar uma formação geral inicialmente e
trangeiros, existe uma limitação de va- posteriormente optar entre as diversas
gas que na última convocatória foi de subespecialidades. Contudo, dados ofi-
8%. O que significa que, quando 8% das ciais ainda não estão disponíveis.
vagas totais são preenchidas por estran-
geiros, nenhum candidato oriundo de PREPARAÇÃO
fora da união europeia poderá concor-
rer à vaga. O sistema de estudo orientado por
cursos dirigidos para o processo sele-
AS ESPECIALIDADES tivo existe na Espanha há mais de 25
anos. Basicamente, existem três grandes
O candidato tem que conhecer bem empresas que dominam esse mercado,
o programa da residência que aspira fornecendo um bom preparo e maiores
fazer parte. Em países diferentes, as es- possibilidades de melhor rendimento
pecialidades têm durações distintas. Na nas provas. Algumas empresas ofere-
Espanha, as subespecialidades cirúrgi- cem cursos à distância para estrangeiros
cas funcionam de maneira diferente. e informam sobre o processo seletivo,
Por exemplo, atualmente, o residente sistema de convalidação de diplomas,
de urologia (médico interno residente - trâmites, entre outras informações.
MIR em urologia), tem uma formação de Cabe a cada candidato decidir o melhor
cinco anos, com um período de rotató- método e o que melhor se ajusta a suas
rio em cirurgia geral e, outras especiali- necessidades e realidade.
dades segundo o centro, estão incluídas O caminho parece não usual e as ve-
neste período. O candidato realiza um zes o desconhecimento acerca do que
processo seletivo e entra diretamente se pode encontrar promove uma rejei-
para a subespecialidade, entretanto os ção ao desafio. No meu ponto de vista,
primeiros períodos de sua residência a oportunidade de realizar a formação
serão de formação genérica, de acordo especializada médica em um centro de
com a especialidade escolhida. É impor- referência europeu é um objetivo que
tante verificar o sistema de residência, faz valer a pena toda adaptação exigida.
segundo a especialidades e os rotatórios Finalmente, será mais uma etapa supe-
obrigatórios. Nos últimos anos, tem-se rada, vivida e aproveitada.
cogitado a possibilidade de mudança

84
Residência Médica na Europa CAPITULO 5

SOBRE O AUTOR

Dr. Lucas Regis Plácido é:

Médico formado pela Universidade Federal da Bahia (Ufba). É residente de urologia


do 4º ano do Hospital Universitari Vall d´Hebron (HUVH), em Barcelona/Espanha.
Doutorando da Universidad Autónoma de Barcelona (UAB).

REFERÊNCIAS

1. Disponível em: <www.mecd.gob.es/portada-mecd>. Acesso: 10 de out. 2013.


2. Disponível em: <www.msssi.gob.es>. Acesso: 10 de out. 2013.
3. MRE - BRASÍLIA:
Endereço: Setor de Legalizações e Rede Consular Estrangeira - SLRC. Ministério das Relações
Exteriores - MRE
Esplanada dos Ministérios - Bloco H, Anexo I, Térreo
CEP: 70170-900, Brasília - DF
Telefones: 61.2030-8807/13
Fax: 61.2030-8811
E-mail: slrc@itamaraty.gov.br

85
PARTE II
AS ESPECIALIDADES
ESPECIALIDADES
DE ACESSO DIRETO
ADMINISTRAÇÃO EM
SAÚDE


Dra. Tereza Barczinski
Dr. Thomas Augusto Taka A sublimidade da administração consiste em
conhecer o grau adequado de poder que deve
ser exercido em diferentes ocasiões.

Montesquieu

A Antes do século XX, a assistência à


saúde repousava sobre conhecimen-
tos bastante limitados. As informações
eram obtidas por meio de observação e
usadas para, no máximo, evitar as doen-
serviços cada vez mais complexos. Ao
mesmo tempo, reaparecem no Brasil,
nos últimos anos, enfermidades como a
dengue, a tuberculose e o cólera, deno-
minadas reemergentes. O maior desa-
ças. A cura era um resultado eventual. Ao fio é incorporar novas tecnologias com
longo das décadas, a geração de novos poucos recursos para solucionar tanto
conhecimentos e o progresso técnico problemas de saúde contemporâne-
científico vivido fez com que haja cada os, relacionados ao envelhecimento da
vez mais a ser feito pela saúde das pes- população, quanto problemas antigos,
soas. Contudo, os recursos disponíveis típicos de países pobres.
são sempre escassos frente à demanda. Além disso, trata-se de uma área que
Estes fatos geram um aumento crescen- lida diretamente com vidas humanas e
te da complexidade e da necessidade com pessoas em momentos delicados
de gestão das organizações da área da de suas vidas. Há assimetria de infor-
saúde. mação, pois os clientes são geralmente
Associa-se isso ao envelhecimento leigos e não têm capacidade de julgar
da população e o aumento da morta- seu tratamento. Há, ainda, uma variabi-
lidade ocasionada pelas doenças crô- lidade enorme na assistência prestada e
nico-degenerativas e causas externas, cada paciente se comporta de maneira
obtém-se uma maior utilização de ações diferente, dificultando uma padroniza-
e serviços de saúde, uma demanda por ção do trabalho em saúde.
CAPITULO 6 Como Escolher a sua Residência Médica

Estes desafios e particularidades fa- lhor. Se um líder estabelece condições


zem com que a gestão na área da saúde ótimas de trabalho, é provável que crie
seja uma atividade bastante complexa. uma organização mais eficiente.
Assim sendo, uma pessoa formada ape- Nos EUA, a percepção de que temas
nas em administração terá dificuldade de administração são importantes para
em atuar na área. Apesar do conhe- a formação do médico fez com que se
cimento técnico em administração, é criassem programas conjuntos de me-
possível que um profissional deste tipo dicina e administração, os chamados
perca o foco no que é o mais importan- Medicine Doctor/Master of Business Ad-
te na área da saúde: o bem-estar do pa- ministration (MD/MBA). Em uma época
ciente. Além disso, a comunicação com em que questões como a alta dos custos
a equipe assistencial, que é quem opera- do seguro-saúde e o envelhecimento da
cionaliza o cuidado em saúde, pode ser população dominam a agenda política,
prejudicada, uma vez que são saberes e muitos estudantes estão percebendo
jeitos de enxergar a organização muito que a abordagem tradicional não é mais
diferentes. suficiente. Os programas conjuntos de
Logo, o profissional de saúde, em es- MD/MBA, que combinam treinamen-
pecial o médico, pode administrar com to médico com o estudo de negócios e
vantagem uma organização do setor gerenciamento no setor de saúde, têm
saúde, desde que se capacite, já que de se multiplicado nos Estados Unidos nos
maneira geral, a formação médica não últimos anos. Em 1993, havia cinco pro-
engloba temas de gestão. Assim, ele gramas; em 2012, já eram 65, segundo
aliaria conhecimentos técnicos de saú- números da Association of MD/MBA
de com conhecimentos administrativos, Programs.
tornando-se um profissional completo Esta ainda é uma realidade distante
para atuar na área. no Brasil. Contudo, para os médicos que
Em um estudo realizado com 300 sentem essa necessidade e se interes-
hospitais americanos, levantou-se a sem pela área, é possível se especializar
formação do superintendente e com- cursando a residência em administração
parou-se a performance de hospitais em saúde.
administrados por médicos com a da-
queles administrados por não médicos. HISTÓRICO
Os resultados mostram que os hospitais
administrados por médicos têm melho- Como dito anteriormente, ocorreram
res resultados em escores de qualidade, modificações nos sistemas de saúde ao
considerando estrutura, processos e re- longo do século XX, levando os gover-
sultados. Médicos estão mais propensos nos a dedicar maior atenção ao setor e
a entender em que condições seus co- adotar novas políticas. Diante das novas
legas da área assistencial trabalham me- necessidades, teve início no Brasil a edu-

92
Administração em Saúde CAPITULO 6

cação para a administração em saúde, Saúde era a Faculdade de Saúde Pública


inicialmente em escolas de saúde públi- da USP. Quem tivesse interesse em estu-
ca, que monopolizaram o ensino na área dar algo sobre o tema encontrava pou-
até meados da década de 60. Após esse ca bibliografia disponível, não sabendo
período, começou a ser realizada tam- com clareza onde procurar cursos nem
bém por outras unidades das universi- informações. A grande maioria dos ad-
dades, como departamentos de medi- ministradores dos hospitais era médicos
cina preventiva ou social, faculdades de sem formação específica na área. Os
medicina, em escolas de administração administradores dos serviços de saúde
de empresas ou administração pública. pouco sabiam a respeito do uso de indi-
Contudo, as novas necessidades dos cadores de desempenho nas organiza-
serviços de saúde não foram adequada- ções e a divulgação destes indicadores
mente atendidas pelo tipo de profissio- era limitada. A Administração era consi-
nal que era formado. derada uma área à parte da Saúde, re-
No início da década de 70, o sistema lacionada apenas à prática empresarial.
de saúde brasileiro ainda tratava de ma- Neste contexto, surge no HC-Fmusp
neira muito diferente a todos, classifi- a ideia de iniciar um programa de es-
cando cada categoria em um segmento: tudos na área. Para tanto, buscou-se
havia os indigentes, os previdenciários a parceria da Escola de Administração
urbanos, os previdenciários rurais e os de Empresas de São Paulo da Funda-
particulares (poucos tinham planos de ção Getúlio Vargas (FGV/EAESP) para
saúde). Havia muitos excluídos do sis- contemplar conhecimentos teóricos
tema e pouca gestão. Não existia ne- atualizados, legitimados e aplicados na
nhum tipo de integração entre os dife- área de administração, uma vez que se
rentes serviços de saúde. Havia poucos tratava de um centro de excelência em
hospitais públicos. O grande hospital formação e sua qualificação na área era
público universitário de São Paulo era indiscutível. A FGV/EAESP prontamente
o Hospital das Clínicas da Faculdade de aceitou o desafio de aumentar a com-
Medicina da Universidade de São Paulo petência administrativa em serviços de
(HC-Fmusp). Outros hospitais como a saúde.
Santa Casa de Misericórdia de São Paulo Além da parceria acadêmica, foi ne-
e o Hospital São Paulo eram conhecidos cessário buscar um terceiro parceiro que
pelo seu atendimento aos indigentes. aceitasse o risco de bancar uma ideia de
O número de hospitais começava a au- caráter inovador. A Fundação W. K. Kel-
mentar e a maioria almejava um convê- logg, entidade privada americana, na
nio com a previdência, que permitiria época, estava interessada em melhorar
um aumento em seus atendimentos. a área de saúde na América Latina. As-
Nesta época, em São Paulo, a grande sim, se dispôs a financiar um programa
sede do ensino em administração em com muitas ideias, duas organizações

93
CAPITULO 6 Como Escolher a sua Residência Médica

renomadas, poucas pessoas, porém cia, este é o único programa. O próprio


reconhecidas e com muita vontade. A Ceahs pode ser cursado separadamen-
Organização Panamericana de Saúde te, sem a residência. Em geral, médicos
(Opas) também ofereceu, desde o início, que querem se manter na assistência e
seu apoio institucional, inclusive afian- aprofundar os conhecimentos na área
çando o programa e seus idealizadores. administrativa cursam apenas o Ceahs.
Nasce, então, o Programa de Estudos A residência é para aqueles que querem
Avançados em Administração Hospi- se dedicar integralmente à gestão.
talar e de Sistemas de Saúde (Proahsa). A administração em saúde ainda não
Optou-se por incluir “estudos avança- é entendida como especialidade médica
dos” no nome do programa, porque pela Comissão Mista de Especialidades
além de formar gestores com a mais alta (CME), formada pelo Conselho Federal
qualificação e dotados de espírito críti- de Medicina (CFM), Associação Médica
co, também era objetivo de seus criado- Brasileira (AMB) e Comissão Nacional
res garantir a formação de professores e de Residência Médica (CNRM). Segun-
a produção de bibliografia sobre o tema. do a referida comissão, trata-se de área
Em 1975, ocorreu o primeiro Curso de atuação. É por este motivo que a re-
de Especialização em Administração sidência do HC-Fmusp está inserida no
Hospitalar e de Sistemas de Saúde (Ce- departamento de medicina preventiva
ahs) da FGV, nos moldes de um curso de da Fmusp.
especialização, com docentes tanto da Trata-se de área em expansão, tendo
área da saúde quanto da administração. ganhado destaque nos últimos anos por
Foi a primeira atividade formal do Pro- conta do aumento da complexidade do
ahsa. Logo em seguida, em 1976, teve setor e da busca das instituições de saú-
início o programa de residência médica de por profissionalizar sua gestão.
em administração hospitalar e de siste-
mas de saúde no HC-Fmusp. Os alunos O ESPECIALISTA E A SUA ROTINA
cursavam o Ceahs como parte teórica
e aplicavam os conhecimentos práticos A rotina de trabalho de um gestor
em projetos no próprio hospital. O vín- da saúde costuma ser bem diferente da
culo com a Fmusp deu-se por meio da rotina médica. A carga horária habitu-
inserção da residência no Departamen- al é de 40 horas semanais e em horário
to de Medicina Preventiva. comercial. Não há plantões e os finais
Até o momento, a residência do HC- de semana tendem a ser livres, porém,
-Fmusp é a única na área de administra- com a evolução da carreira, as responsa-
ção em saúde no Brasil. Existem diver- bilidades e as pressões tornam-se cres-
sos cursos de especialização na área e centes, podendo-se exigir um aumento
instituições que oferecem pós-gradu- nas horas de dedicação, incluindo levar
ação senso estrito, mas como residên- trabalho para casa para o cumprimen-

94
Administração em Saúde CAPITULO 6

to de prazos e metas. Em alguns cargos por todas as outras salas, pela UTI, pelos
específicos, de organizações com fun- leitos de enfermaria, pelo pronto socorro
cionamento 24 horas por dia, o gestor etc.
pode ser requisitado para o trabalho fora Essa dinâmica determina uma rotina
do horário comercial em determinadas com múltiplos focos simultâneos e uma
situações. ampla compreensão de toda a situação.
Além das diferenças na carga horária, O gestor realiza um trabalho essencial-
as obrigações do trabalho do gestor são mente estratégico e que pode ser re-
os principais diferenciadores da rotina. sumido pela combinação de análise de
Para um médico com carreira assisten- dados, manutenção da rotina e planeja-
cial, o principal foco de atenção do tra- mento para o futuro.
balho é o paciente. Dentre as suas obri- Independente do nível hierárquico
gações, o cuidado abrange não apenas do cargo do gestor, ele deverá com-
a doença, mas também o paciente como preender a situação da área em que
um todo, seus familiares e amigos, po- trabalha. Conhecer todos os processos,
rém a rotina é focada em pontos espe- agentes e produtos de sua área é uma
cíficos. É possível exemplificar com um obrigação tão básica quanto analisar os
cirurgião, no qual o êxito da cirurgia é a seus resultados e indicadores. A manu-
única preocupação durante toda a ope- tenção da rotina é o cumprimento de to-
ração. Em outras palavras, o universo do das as pequenas tarefas do dia a dia e de
médico assistencial se resume ao pa- lidar com adversidades que surgem dia-
ciente que ele está atendendo naquele riamente e exigem resoluções rápidas. A
determinado momento. resolução de conflitos faz parte da rotina
Em contrapartida, na administração, de qualquer gestor. Também, indepen-
o gestor de saúde é responsável por dente do cargo, o gestor em saúde está
uma determinada área e equipe, que sempre realizando planejamentos para
podem ser o centro cirúrgico de um hos- curto e longo prazo de ações, como a
pital ou até a secretaria de saúde de um fusão com outra instituição, abertura de
município. Esta equipe subordinada será capital, planejamento orçamentário, en-
composta por diversos profissionais re- tre outros.
alizando tarefas múltiplas, simultâneas
e dependentes de outras áreas, sendo MERCADO DE TRABALHO
o gestor responsável por coordenar inú-
meras tarefas. O diretor de um hospital O mercado de trabalho é bastante
é responsável por oferecer condições amplo para o gestor em saúde. A resi-
para que o cirurgião e toda a sua equipe dência em administração permite que
obtenham êxito no seu procedimento o médico trabalhe em qualquer organi-
cirúrgico, mas também será responsável zação de saúde, como hospitais públi-

95
CAPITULO 6 Como Escolher a sua Residência Médica

cos ou privados, clínicas, consultórios, atender ao paciente, de modo que o seu


operadoras de home care, empresas de teto salarial estará relacionado aos valo-
remoção, operadoras de planos de saú- res de mercado e a quantidade de horas
de, indústria farmacêutica, secretarias dedicadas ao trabalho. Por outro lado,
de saúde e outros órgãos públicos. Or- o gestor em saúde é capaz de vincular
ganizações relacionadas aos serviços de a sua remuneração às suas decisões e
saúde também são campos de trabalho, ideias, podendo não limitar a sua remu-
como consultorias, prestadores de servi- neração ao seu tempo disponível para
ço (terceirização de lavanderia, nutrição, trabalhar. No empreendedorismo, carga
manutenção, entre outros), empresas de horária e remuneração podem se tornar
tecnologia da informação etc. O empre- menos dependentes, de acordo com o
endedorismo ainda permite ocupar no- nível de maturidade da empresa criada.
vos nichos no mercado de saúde, com Além disso, em função do vínculo
ideias inovadoras. CLT, o gestor de saúde costuma se be-
Os cargos podem variar, mas o mé- neficiar de férias, 13º salário, plano de
dico gestor em saúde habitualmente saúde, auxílio transporte e alimentação.
ocupa níveis de média e alta gerência, Estes itens não devem ser esquecidos
podendo chegar ao posto de diretor e no momento de considerar as diferen-
Chief Execuitive Officer (CEO). ças salariais com o médico assistencial,
Atualmente, a oferta de profissionais além do benefício da estabilidade em
capacitados para a gestão é menor que a casos de licenças médicas.
demanda. Os principais cargos, em gran- As principais instituições de saúde
des centros, são ocupados por médicos no Brasil possuem médicos gestores
com especialização em administração, em cargos de liderança. É possível citar
porém não é infrequente que médicos exemplos de superintendentes e dire-
sem nenhum treinamento administrati- tores executivos em grandes hospitais
vo acabem ocupando essas vagas pela públicos e privados, diretores em ope-
escassez de mão de obra qualificada. Os radoras de planos de saúde, secretários
médicos recém-formados na residência de saúde municipais adjuntos, sócios de
não costumam enfrentar dificuldades grandes empresas prestadoras de servi-
para se colocar no mercado. ços, entre outros.
Os salários são variados, mas existe
uma diferença básica no critério de va- A RESIDÊNCIA
lores. Um profissional autônomo, como
o médico, possui uma remuneração di- A residência médica em administra-
retamente relacionada e restrita a sua ção hospitalar e de sistemas de saúde
carga horária. Por exemplo, um clínico do Proahsa tem duração de dois anos.
pode cobrar mais caro pela sua consul- Como explicado anteriormente, a entra-
ta, porém não consegue receber sem da se dá pelo departamento de medici-

96
Administração em Saúde CAPITULO 6

na preventiva. Sendo assim, o candidato hospital e bolsa integral para cursar o


presta residência para Medicina Preven- Ceahs.
tiva e, no momento da entrevista, sinali- Trabalham em conjunto com os resi-
za seu interesse em ir para o Proahsa. dentes no desenvolvimento de projetos
Desde a fundação do programa, a no HC-Fmusp. Trata-se de um diferencial
parceria com a FGV se mantém. Atu- desta residência, já que, muitas vezes, a
almente, esta parceria se oficializa por formação médica não é voltada para o
meio de um termo de cooperação assi- trabalho em equipe com outros profis-
nado pelo HC-Fmusp, Fmusp e FGV-EA- sionais, apesar de ser algo essencial.
ESP em 2010. Os residentes do Proahsa No primeiro ano, os estágios costu-
cursam o Ceahs como bolsistas integrais, mam ser mais curtos, com duração de
podendo fazê-lo no período noturno du- aproximadamente seis semanas. Já no
rante a semana ou aos finais de semana. segundo ano, os alunos são inseridos em
O curso tem duração de 18 meses e pro- projetos maiores do HC-Fmusp, ficando
vê conhecimentos teóricos em adminis- em geral dois meses em cada local. De-
tração aos residentes. pendendo do estágio, o residente traba-
Durante o dia, os residentes traba- lha sozinho ou em dupla.
lham em projetos nos diferentes setores No final do segundo ano, após o tér-
do HC-Fmusp. O programa se desenvol- mino do Ceahs, existe na programação
ve no modelo de aprendizado em servi- um estágio eletivo, a ser realizado fora
ço, com a área do hospital apresentan- do HC-Fmusp, de acordo com o interes-
do um problema e os alunos propondo se do residente e a disponibilidade do
soluções, embasadas em informações local em recebê-lo. É possível realizá-lo
coletadas e em ferramentas práticas de em outro hospital público, secretaria
gestão. de saúde, hospital privado, operadora
Além de trabalhar com outros resi- de planos de saúde, consultoria ou até
dentes, o residente da administração sair do Brasil e conhecer outro sistema
em saúde também trabalha frequente- de saúde.
mente com profissionais de outras for- Como qualquer residência, a do Pro-
mações. Desde 1992, o Proahsa oferece, ahsa ocorre em período integral e em
além da residência médica, o Programa regime de dedicação exclusiva. Apesar
de Aprimoramento Profissional, destina- de não ter plantões ou qualquer tipo de
do a profissionais graduados em curso trabalho formal aos finais de semana e
superior reconhecido pelo Ministério da feriados, não se trata de uma residência
Educação (MEC), exceto medicina, com tranquila. O fato de combinar os está-
interesse em administração em saúde. gios no HC-Fmusp com o curso noturno
Os aprimorados são de profissões di- do Ceahs torna o dia a dia puxado. Além
versas e seu programa é semelhante ao disso, por se tratar de outra área de co-
da residência, com estágios práticos no nhecimento, é necessário estudar muito.

97
CAPITULO 6 Como Escolher a sua Residência Médica

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

O primeiro desafio da carreira de refa difícil pelo foco e dedicação exigido


gestão em saúde deve ser enfrentado por ambas.
antes da residência: a decisão de trocar a O desafio seguinte da carreira de
assistência direta pela gestão de toda a gestão em saúde reside nos estudos
estrutura que a promove. A falta de con- de suas áreas. O conhecimento médico
tato com gestão durante a faculdade e a possui uma estrutura linear e fixa base-
expectativa comum de que a medicina ada em fisiopatologia, quadro clínico,
está necessariamente relacionada com diagnóstico, exames complementares,
o paciente dificultam a busca por car- tratamento e complicações. A sequên-
reiras menos convencionais. Para lidar cia de raciocínio é lógica, assim como
com essa questão, antes de considerar em contabilidade, matemática financei-
qualquer influência externa, o médico ra, entre outras. Porém, muitas das ma-
precisa estar consciente da decisão a térias de administração não possuem
ser tomada. É importante não esquecer uma estrutura semelhante ou até com-
que, apesar da ausência de contato di- parável. A falta de um fluxo linear em
reto com pacientes, gerir uma organiza- gestão de recursos humanos, processos
ção é parte fundamental do sistema de e economia são pouco adaptáveis à es-
saúde e as suas ações impactam em um trutura do raciocínio médico. Compre-
número maior de indivíduos. ender essas diferenças e adaptar-se à
O preconceito de leigos, familiares sua lógica é ponto crucial não apenas
e colegas médicos não são raros e é co- para o entendimento, mas também para
mum ouvir a pergunta “por que você lar- evitar a desmotivação.
gou a medicina?” ou a afirmação de que, Durante a carreira, o desafio se con-
o seu objetivo é apenas ganhar muito centra nas atividades do dia a dia do
dinheiro e explorar outros médicos. A gestor em saúde. A estrutura da equi-
falta de apoio de familiares e amigos é pe de trabalho é diferente, enquanto o
outro desafio a ser enfrentado que, mui- médico assistencial trabalha com uma
tas vezes, só mudará ao longo da carrei- equipe multidisciplinar, o gestor conta
ra, após anos e através das conquistas e com funcionários de capacitação varia-
realizações alcançadas. da e em níveis hierárquicos diversos. As
Nenhum gestor é obrigado a aban- funções são intercambiáveis e os objeti-
donar a assistência definitivamente, vos são únicos. A relação com áreas in-
mas o grau a ser atingido na carreira ternas e externas da organização exige
pode dificultar a conciliação da dupla habilidade para negociação e relaciona-
jornada. Atingir um nível de excelência mento político.
profissional nas duas práticas é uma ta-

98
Administração em Saúde CAPITULO 6

O gestor tem a possibilidade de es- justamente esta combinação de forma-


tar nos diferentes níveis hierárquicos de ções que prepara um profissional com
uma instituição, com o dever de saber características únicas e capacitado para
seguir ordens e determinações, além de lidar com os principais desafios da saú-
delegar funções e monitorar resultados de atual.
de subordinados diretos. Na assistência, A medicina avança a passos largos e
o médico também delega funções, mas já consegue tratar, mesmo que de ma-
a enfermagem, por exemplo, responde neira paliativa, praticamente todas as
à direção da enfermagem e não ao mé- doenças, permitindo oferecer, se não a
dico, ao contrário da relação direta do cura, o bem-estar do paciente. Porém,
gestor. o acesso à saúde é dificultado mesmo
A medicina contemporânea ociden- no setor privado e os custos crescentes
tal é baseada em evidências, oferecen- segregam os pacientes e podem levar à
do um suporte teórico para a tomada de falência muitos sistemas de saúde. Cabe
decisões de qualquer médico assisten- ao gestor estruturar o sistema de saúde,
cial e até restringindo a sua habilidade reduzir desperdícios, otimizar os proces-
de criação ou liberdade de ousar com sos e aprimorar os resultados, racionali-
práticas inusitadas. Nesse aspecto, para zar o uso de recursos, oferecer seguran-
o médico gestor, a sua área de atuação ça e satisfação para os profissionais e
permite, e muitas vezes exige, inova- para os pacientes. Como médicos assis-
ções. É o “think outside the box”, expres- tenciais, enfrentamos diversos desafios
são recorrente e defendida por gurus da em nossa rotina diária que poderiam ser
área de negócios. Para muitos, não pos- resolvidos com boas práticas de gestão.
suir uma argumentação científica com- A área de gestão em saúde permite
provada pode ser um desafio, enquanto uma visão mais macro do sistema de
que para outros pode ser um benefício e saúde, permitindo entender as relações
uma quebra nas amarras da imaginação. entre seus principais atores. O gestor
Resolução de conflitos, cumprimen- com formação médica compreende as
to de prazos e múltiplas demandas são deficiências da atenção à saúde na prá-
outros desafios da rotina do gestor, que tica e possui as ferramentas para prover
pode possuir uma carreira tão quanto ou o bem-estar aos pacientes e garantir
até mais estressante que a carreira assis- todas as condições necessárias para tal,
tencial, porém em diferentes aspectos. tornando-se um agente fundamental
A gestão em saúde não pode ser em qualquer sistema ou organização de
vista como uma área médica apenas saúde.
ou como uma carreira administrativa. É

99
CAPITULO 6 Como Escolher a sua Residência Médica

SOBRE OS AUTORES

Dra. Tereza Barczinski é:

Médica formada pela Universidade de São Paulo (USP) fez residência em admi-
nistração em saúde no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universi-
dade de São Paulo (HC-Fmusp) e no Programa de Estudos Avançados em Adminis-
tração Hospitalar e Sistemas de Saúde (Proahsa) e é especialista em Administração
em Saúde pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Atualmente é médica preceptora do
Proahsa.

Dr. Thomas Augusto Taka é:

Médico formado pela Universidade de São Paulo (USP) fez residência em adminis-
tração em saúde no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universida-
de de São Paulo (HC-Fmusp) e no Programa de Estudos Avançados em Administra-
ção Hospitalar e Sistemas de Saúde (Proahsa) e é especialista em Administração em
Saúde pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

REFERÊNCIAS

1. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM Nº 1.973/2011. Dispõe sobre a nova redação
do Anexo II da Resolução CFM nº 1.845/08, que celebra o convênio de reconhecimento de
especialidades médicas firmado entre o Conselho Federal de Medicina, a Associação Médica
Brasileira e a Comissão Nacional de Residência Médica. Diário Oficial da União, 1º de agosto
de 2011, Seção I, p. 144-147.
2. Goodall AH. Physician-Leaders and Hospital Performance: Is There an Association? Social
Science & Medicine v.73, n.4, p.535-9, 2011.
3. Kisil M. Educação em Administração de saúde na América Latina: A busca de um paradigma.
São Paulo: Faculdade de Saúde Pública/USP, 1994. 70 p.
4. Knight R. Estudantes querem unir medicina com administração. Valor Econômico, 16 de maio
de 2012.
5. Vecina Neto G, Malik AM. Gestão em Saúde. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. 383 p.

100
ANESTESIOLOGIA “

Dr. Manoel Medeiros
A dor é a origem do conhecimento.

Simone Weil

A Anestesia se define como um estado


farmacologicamente induzido de: am-
nésia, analgesia, irresponsividade aos
estímulos, supressão ou atenuação de
reflexos naturais de luta/fuga e hipnose;
tratamento da dor pós-operatória e de
alguns efeitos mais comuns, tais como
náuseas e vômitos. Tendo em vista o
grande número de atribuições e respon-
sabilidades assumidas durante o cuida-
isoladamente ou de forma combinada do anestésico, o anestesiologista pode
em qualquer arranjo possível de seus ser considerado como um clínico espe-
componentes básicos. A indução do es- cializado em “medicina perioperatória”.
tado anestésico permite que pacientes A humanidade conhece e usa subs-
encaminhados a procedimentos cirúr- tâncias entorpecentes, hipnóticas, alu-
gicos ou diagnósticos possam passar cinógenas e analgésicas desde a pré-
pela intervenção planejada de forma -história e vem praticando cirurgias
livre de estresse psicológico (ansieda- relativamente complexas desde o Egito
de, medo, imobilidade, confinamento) antigo (trepanações, amputações); a ci-
e/ou físico (dor, reações autonômicas rurgia de catarata foi praticada com rela-
etc.). O anestesiologista é o profissional tivo método durante o domínio mouro
encarregado de utilizar conhecimentos na península ibérica. Tudo tinha que ser
médicos (anatomia, fisiologia, farmaco- muito rápido pois, sem anestesia siste-
logia, clínica médica) e técnicos (equipa- mática, não havia como se manter o pa-
mentos, procedimentos, materiais) para ciente confortável e imóvel para a con-
avaliar previamente o paciente, prover secução cuidadosa do procedimento. A
o estado anestésico para execução do mortalidade era tão alta por complica-
procedimento planejado, manter otimi- ções pós operatórias que os cirurgiões
zada a fisiologia do paciente e minimi- não ousavam invadir as cavidades natu-
zar o impacto orgânico da agressão ci- rais do corpo (compartimentos torácico
rúrgica, inclusive adotando táticas para e abdominais) limitando-se aos proble-
CAPITULO 7 Como Escolher a sua Residência Médica

mas “superficiais” do corpo. Os clínicos de 1948. A SBA é a segunda maior socie-


cuidavam então das patologias que os dade de anestesiologistas do mundo.
cirurgiões não ousavam abordar e por
isto passaram a ser chamados de “inter- O ESPECIALISTA E A SUA ROTINA
nistas” (praticavam a medicina “interna”).
Álcool, morfina, cocaína, alucinógenos, CARACTERÍSTICAS DO
dentre outros, constituíram-se no arse- ANESTESIOLOGISTA
nal farmacológico disponível por sécu-
los. A história da medicina viria a mudar Na escolha da especialidade, é im-
significativamente às 10:30 de uma sex- portante que sejam considerados os
ta-feira, em 16 de outubro de 1846. Este interesses e as habilidades pessoais. A
é dia oficialmente aceito como aquele anestesiologia é uma especialidade clí-
em que se realizou a primeira interven- nica, em que aplica-se intensivamente
ção cirúrgica com anestesia geral. Mor- conceitos e conhecimentos de ciências
ton falou com muita determinação e básicas (anatomia, fisiologia, farmacolo-
confiança e apresentou um instrumen- gia e biofísica) em um contexto prático
to, um globo de vidro com duas cânulas de crescente uniformização procedural
que direcionava os vapores de éter à (protocolos), portanto, a afinidade e a
boca do paciente. O cirurgião presente, proficiência nestes domínios são funda-
o renomado John Collins Warren, extraiu mentais para o bom exercício e a satis-
do paciente submetido ao experimento fação com a atividade profissional.
de Morton, um tumor que lhe tomava Atenção a detalhes; raciocínio sobre
a glândula submandibular e uma parte algoritmos; resistência à fadiga; calma,
da língua. Ao não se ouvir nenhuma ma- liderança; capacidade de decisão; capa-
nifestação de sofrimento por parte do cidade de desencadear empatia e trans-
doente e de outro conseguinte que, por mitir segurança trabalhando em equi-
dores na médula espinhal, foi submeti- pes; destreza manual; boa coordenação
do a ferro em brasa, foi constatado que olho-mão; boa estruturação argumen-
daquela vez, com sucesso, havia desco- tativa (necessária a interações com fa-
berto e provado perante inúmeros mé- mílias, cirurgiões ou equipes de apoio) e
dicos e demais presentes, um meio de apuro formal na confecção de registros
anestesiar um ser humano, a ponto de são atributos adicionais de grande im-
permitir qualquer procedimento cirúrgi- portância para o futuro anestesiologista.
co, por mais doloroso que fosse. Atualmente, podemos encontrar
A representação máxima da anes- o anestesiologista em praticamente
tesiologia como especialidade médica qualquer ponto do hospital: no centro
cabe à Sociedade Brasileira de Anestesio- cirúrgico; no centro obstétrico; no setor
logia (SBA); uma associação civil, sem fins de endoscopia; na hemodinâmica; no
econômicos, fundada em 25 de fevereiro pronto atendimento; no setor de eco-

102
Anestesiologia CAPITULO 7

cardiografia transesofágica, transportando pacientes críticos; avaliando pacientes


internados; prescrevendo esquemas analgésicos em pacientes operados ou sob
cuidados paliativos, no setor de biópsias etc.
O anestesiologista é uma espécie de guardião e otimizador da fisiologia do pa-
ciente sem a qual todo e qualquer processo de cura estará comprometido.

ROTINA DO ANESTESIOLOGISTA

O exercício da anestesiologia no Brasil é multifacetado em função de:

Padrões • Alocado pela cooperativa


Regionais • Autônomo
• Público x Privado
• Geral x Especialidades
Tipo de hospital • Alta x Baixa complexidade
• Pacientes internados x Unidades ambulatoriais x Consultórios
• Grupo de trabalho
Regime • Autônomo
de exercício • Carteira assinada
• Fundações
Tipo de vínculo com • Empregado
o local de trabalho • Prestador de serviço

Cada localidade apresenta uma com- gia, um dia como membro de um servi-
binação das características acima, o que ço multiprofissional/multidisciplinar de
torna a rotina possível de um anestesio- assistência em terapia analgésica (dor
logista muito variada. Um exemplo típi- aguda e crônica).
co de como pode ser múltipla a semana Ao final de sua residência, a depen-
de um profissional seria no esquema der da cidade (ou cidades) que esco-
seguinte: dois dias por semana, como lheu para trabalhar, o profissional vai
membro de um grupo de profissionais escolher como montar sua semana de
que prestam serviço (inclusive plantão) trabalho a partir das opções disponíveis.
em um hospital geral (múltiplas espe- Os grandes centros e capitais oferecem
cialidades), um dia como funcionário mais versatilidade de composição en-
em um hospital universitário trabalhan- quanto que as pequenas cidades têm
do inclusive como preceptor de especia- um perfil mais restritivo.
listas em formação, um dia como anes- O trabalho em grupo em hospitais
tesiologista de especialidade único (fora gerais é o que tem o maior potencial
de grupos) em ma clínica de oftalmolo- de permitir uma rotina diversificada de

103
CAPITULO 7 Como Escolher a sua Residência Médica

atuação. Sob esta condição, o anestesio- vida, o anestesiologista recém-egresso


logista pratica a integralidade do conhe- de um programa de treinamento tem
cimento e intercambia habilidades entre uma grande comodidade na constru-
os diversos setores de atuação diária. No ção da sua agenda semanal. Um bom
extremo oposto, temos o profissional desempenho e convivência durante o
de atuação individualizada trabalhando período de especialização são as me-
com especialidades cirúrgicas. Aqui, a lhores maneiras de se conseguir boas
densidade de expertise é uma consequ- recomendações para postos de trabalho
ência da prática monotemática em que, por todo o país. Os responsáveis técnicos
em contrapartida, perde-se um pouco pelos centros de ensino e treinamento
do estímulo à manutenção e aquisição em anestesiologia (CETs) sempre de-
de conhecimentos menos relacionados monstram grande prazer em alocar seus
à rotina diária. melhores residentes onde lhes interessa,
porque isto se reverte em prestígio asso-
MERCADO DE TRABALHO ciativo pelo referenciamento de um bom
profissional.
Segundo informações do censo de- Defina onde quer trabalhar, quanto
mográfico médico publicado pelo Con- quer trabalhar, quais são suas pretensões
selho Federal de Medicina (CFM), na de remuneração, se aceita ter plantões
edição de 2013, o Brasil tem a densidade noturnos, se quer uma especialidade ou
de um anestesiologista para cada 10.894 ser um generalista, se quer pesquisar, se
habitantes. Entretanto, sua distribuição quer ensinar...
é bastante irregular no país e entre os Definidos estes pontos ou mais al-
estados, assumindo características me- guns, comece os contatos, acione sua
tropolitanas. Atualmente, existem várias rede de amigos e comece a remar para
exigências para se obter o título de espe- seu objetivo; a carência de profissionais
cialista. Em anestesia, é necessário cum- é tanta que talvez haja pouquíssimos lo-
prir programa de residência médica e/ cais que se possa considerar como lota-
ou curso de especialização, em serviços dos ou travados.
credenciados pela Comissão Nacional Anestesiologistas são, em geral, es-
de Residência Médica (CNRM) e/ou pela pecialistas gregários no sentido mais
Sociedade Brasileira de Anestesiologia amplo da palavra e é muito frequente
(SBA), por um período mínimo de três que se associem para trabalhar, dividir
anos, ser aprovado em provas escritas e responsabilidades e remuneração, e as-
práticas e apresentar um trabalho cientí- sim, viabilizarem incrementos significati-
fico ao final do curso/programa. vos em sua qualidade de vida, tais como:
A partir do acima exposto, podemos férias, afastamentos para lazer ou atuali-
ver que, a depender de suas pretensões zação, divisão de cobertura de plantões
financeiras, técnicas e de qualidade de noturnos, substituição temporária para

104
Anestesiologia CAPITULO 7

refeições ou intercorrências de vida pri- progressivamente mais difícil promover


vada etc. Tal associatividade pressupõe mudanças sem rupturas significativas na
também algum grau de hierarquização matriz qualidade de vida/remuneração/
de privilégios e é muito comum que o segurança econômica.
“novato” tenha cargas horárias e agen- Padrões de remuneração regular aci-
das um pouco mais pesadas e inconve- ma dos 100 salários mínimos ou mais são
nientes que os veteranos. possíveis a depender de onde e quando
Uma alternativa a esta perspectiva o profissional optou por trabalhar, bem
de encarar a fila hierárquica é atuar de como da sua qualificação técnica.
forma individualizada ligado aos cirurgi- Conforme dados do site do Conselho
ões como membro de equipe. Quando Federal de Medicina (CFM), o Brasil tem
opta por atuar assim, o anestesiologista atualmente 18.236 anestesiologistas dos
passa a se submeter às rotinas da equipe quais 83% são do sexo masculino, com
da qual faz parte e renuncia às comodi- idade média de 49 anos, compondo cer-
dades da atuação em grupo, suscetibili- ca de 6,8% dos médicos especialistas do
zando-se aos humores deste ambiente país (a 5ª especialidade mais numerosa
de trabalho nem sempre pautado por atrás de pediatria, ginecologia/obstetrí-
diretrizes eminentemente técnicas. Suas cia, cirurgia geral e clínica médica) distri-
férias, seu horário de trabalho e remune- buídos de forma bastante heterogênea
ração passam a depender da equipe na pelo território nacional.
qual atua, o que para alguns, é aceitável
como opção a entrar no fim da fila de um DESAFIOS
grupo de trabalho. No entanto, é sempre
bom lembrar que a fila anda e, ao atingir Graças a uma atuação exemplar de
a idade média do anestesiologista brasi- sua entidade associativa - SBA - a anes-
leiro (49 anos), a chance de ter uma boa tesiologia brasileira desfruta de grande
qualidade de vida e segurança econô- prestígio técnico e científico tanto na-
mica é grande para os profissionais que cional como mundialmente, tendo tri-
trabalham em grupos. lhado de forma brilhante um caminho
Alguns profissionais optam por atu- onde muitas especialidades têm enfren-
arem parcial ou integralmente como tado grandes dificuldades.
funcionários públicos e são assalariados. O grande desafio da anestesiologia
Outros ligam-se a fundações prestado- brasileira é satisfazer às demandas do
ras de serviço ou atuam sob mediação mercado com profissionais bem forma-
de cooperativas suprindo postos na rede dos, eticamente conscientes, satisfato-
pública sem vínculo empregatício. riamente remunerados para postos de
O cardápio de opções é variado, po- trabalho bem equipados e saneados de
rém, com mobilidade reduzida: uma insalubridades de exercício profissional.
vez sedimentada uma rotina, torna-se

105
CAPITULO 7 Como Escolher a sua Residência Médica

Formar bem custa caro e demanda residente em treinamento para acom-


tempo em um país que tem “fome” de panhar o procedimento.
anestesiologistas e o descompasso entre A resolução 1802/2006 do CFM trata
o número de CETs credenciados pelo Mi- das condições técnicas minimamente
nistério da Educação (MEC) (130) e pela desejáveis para a realização de um ato
SBA (98) reflete uma heterogeneidade anestésico dentro de padrões de segu-
de critérios a respeito das condições mi- rança mundialmente aceitos; imple-
nimamente aceitáveis do local de forma- mentar esta resolução, em sua integra-
ção. Centros não credenciados pela SBA lidade, em todos os pontos de trabalho
têm suas vagas preenchidas anualmente de anestesia do país é um desafio múl-
por candidatos que sabem desta condi- tiplo, técnico, político e econômico, que
ção e que se especializarão legalmente vem sendo encarado como da mais alta
com a chancela do MEC; estes profissio- prioridade pela SBA.
nais são alvo de todos os esforços pos- A forte associatividade do aneste-
síveis da SBA, visando a sua integração siologista brasileiro se constitui em um
ao seu quadro de associados e maximi- grande entrave aos que querem um nú-
zação de unidade frente a demandas de mero maior de anestesiologistas mais
remuneração e qualidade de trabalho. “baratos”, o que os leva a tentar caracte-
Uma questão marginal e pouco dis- rizar sub-repticiamente a anestesiologia
cutida ou, digamos, ativamente igno- brasileira como um “cartel” e a atuarem
rada é a dependência que alguns CETs nos meios de comunicação em campa-
têm dos seus residentes para manter o nhas de demonização da unidade asso-
seu fluxo operacional; idealmente, isto ciativa dos anestesiologistas brasileiros.
jamais deveria ocorrer! O residente é Infelizmente, são batalhas de mercado
um profissional médico em especiali- em múltiplos fronts que vem sendo
zação admitido em um programa de administradas estrategicamente com
treinamento livre e voluntariamente sucesso pela anestesiologia brasileira e
constituído por seus responsáveis. Pro- que requerem programação de longo
cure informar-se com residentes recém- prazo, pois não têm perspectiva de en-
-egressos do centro onde você pretende cerrarem-se espontaneamente.
se especializar a respeito disso. Você é Enfim, integrar o corpo de anestesio-
um médico diplomado, porém imperito logistas do país, assisti-los em suas ne-
na especialidade; não pode recair sobre cessidades e ajudá-los a sanearem seu
seus ombros responsabilidades rela- ambiente de exercício diário de riscos
tivas a habilidades para as quais você ético-profissionais, resistindo às aviltan-
ainda não é proficiente. Os bons CETs tes pressões financeiras e técnicas do
têm sempre um responsável por posto mercado é, em suma, a lista de priorida-
de anestesia independentemente da des da anestesiologia brasileira.
presença e/ ou disponibilidade de um

106
Anestesiologia CAPITULO 7

A RESIDÊNCIA Aqui, se pode conferir como foi o de-


sempenho do CET de sua preferência e
A residência em anestesiologia é de usar a informação para refinar a sua es-
acesso direto, ou seja, não há a necessi- colha. O número de vagas disponíveis
dade de ter concluído nenhuma outra em cada CET pode ser conferido através
residência prévia, como clínica médica, do serviço de busca do MEC disponível
por exemplo. Consiste em três anos de em:
treinamento em serviço, sendo que o www.mecsrv04.mec.gov.br/sesu/
primeiro é normalmente voltado à for- SIST_CNRM/APPS/cons_res_inst.asp
mação de base de conhecimento nas
ciências básicas. O pagamento de bolsa compatível
Os programas de residência variam com o sustento do residente; treina-
de acordo com a instituição, mas geral- mento em hospital multidisciplinar (in-
mente seguem a Resolução CNRM Nº 02 clusive com unidade de emergência);
/2006. inexistência de restrições ao uso de in-
A SBA credencia atualmente 98 cen- sumos necessários ao ensino; programa
tros de ensino e treinamento; o MEC, cer- teórico consolidado e com agenda esta-
ca de 130. belecida; rotina de publicações científi-
Alguns são duplamente credencia- cas; preceptores com formação mínima
dos; outros, apenas pelo MEC. em produção científica; disponibilida-
A SBA aplica um exame anual ao de de simuladores; presença de outros
longo do processo de formação (total programas de especialidade, indepen-
de três) e usa as notas para compor um dência do residente como força de tra-
ranking de desempenho que é publica- balho, entre outras, são características
do em sua página na internet em: altamente desejáveis em um CET.
w w w.sba.com.br/sobre_a_sba/ Abaixo, o programa teórico para mé-
ranking.asp dicos em especialização definido pela
SBA:

Primeiro ano Segundo ano Terceiro ano


Ponto 1 - Ética médica e
Bioética. Ponto 20 - Metodologia Ponto 37 - Anestesia e siste-
Responsabilidade profissional científica. ma endócrino.
do anestesiologista.
Ponto 2 - Organização da Ponto 38 - Anestesia em
Ponto 21 - Monitorização.
SBA, cooperativismo e SUS. urgências e no trauma.
Ponto 22 - Sistemas de
Ponto 3 - Risco profissional Ponto 39 - Anestesia para
administração de anestesia
do anestesiologista. cirurgia plástica.
Inalatória.

107
CAPITULO 7 Como Escolher a sua Residência Médica

Primeiro ano Segundo ano Terceiro ano


Ponto 40 - Anestesia para
Ponto 4 - Avaliação e preparo Ponto 23 - Anestesia
buco-maxilo-facial e
pré-anestésico inalatória.
odontologia
Ponto 41 - Anestesia para
Ponto 5 - Vias aéreas Ponto 24 - Anestesia venosa
cirurgia torácica
Ponto 25 - Bloqueios Ponto 42 - Anestesia e
Ponto 6 - Posicionamento
periféricos sistema cardiovascular
Ponto 26 - Equilíbrio hidroele- Ponto 43 - Anestesia para
Ponto 7 - Equipamentos
trolítico e ácido base neurocirurgia
Ponto 8 - Sistema nervoso Ponto 27 - Reposição volêmi- Ponto 44 - Hipotermia e
central e autônomo ca e transfusão hipotensão arterial induzida
Ponto 9 - Fisiologia e
Ponto 28 - Hemostasia e
farmacologia do sistema Ponto 45 - Choque
anticoagulação
cardiocirculatório
Ponto 10 - Fisiologia e Ponto 29 - Fisiologia e
Ponto 46 - Anestesia em
farmacologia do sistema farmacologia do sistema
geriatria
respiratório urinário
Ponto 11 - Farmacologia Ponto 30 - Anestesia em Ponto 47 - Anestesia em
Geral urologia pediatria
Ponto 12 - Farmacologia dos Ponto 31 - Anestesia em Ponto 48 - Anestesia para
anestésicos venosos obstetrícia transplantes
Ponto 49 - Anestesia para
Ponto 13 - Farmacologia dos Ponto 32 - Anestesia em
procedimentos fora do centro
anestésicos inalatórios ortopedia
cirúrgico
Ponto 14 - Farmacologia dos Ponto 33 - Anestesia para Ponto 50 - Dor aguda e
anestésicos locais cirurgia abdominal inflamação
Ponto 15 - Transmissão e Ponto 34 - Anestesia para
Ponto 51 - Dor crônica
bloqueio neuromuscular otorrinolaringologia
Ponto 16 - Parada cardíaca e Ponto 35 - Anestesia para Ponto 52 - Suporte ventila-
reanimação oftalmologia tório
Ponto 17 - Bloqueios Ponto 36 - Anestesia ambu- Ponto 53 - Qualidade e segu-
subaracnoideo e peridural latorial rança em anestesia
Ponto 18 - Complicações da Ponto 54 - Gerenciamento do
Anestesia centro cirúrgico
Ponto 19 - Recuperação
pós-anestésica

108
Anestesiologia CAPITULO 7

CONCORRÊNCIA fundar em temas específicos e divulgar


suas áreas de atividade de preferência,
Os melhores CETs, principalmente a despeito da formação completa que
os ligados a hospitais universitários e recebem nas instituições reconhecidas.
credenciados duplamente pelo MEC e Ademais, com o surgimento de novos
SBA são mais concorridos, tanto pela equipamentos para auxílio procedural,
qualidade do treinamento, como pela muitos anestesiologistas complementa-
possibilidade de estabelecimento de ram a formação com cursos de aperfei-
contatos que viabilizem uma boa colo- çoamento, para tirar melhor proveito das
cação do especialista recém-formado novas tecnologias, como por exemplo:
no mercado de trabalho. • Ecocardiografia transesofágica;
É muito comum que se preste con- • Bloqueios anestésicos guiados por ul-
curso em vários CETs e isto cria uma trassom ou radioscopia;
dança de cadeiras com o vagar dos pos- • Abordagem do paciente com via aé-
tos deixados por quem preferiu um CET rea difícil;
supostamente melhor do que aquele do • Simulação de eventos críticos.
qual declinou. As vagas vão aparecendo
também por conta do recrutamento pe- As subespecialidades (áreas de atu-
las Forças Armadas. ação) do anestesiologista estabeleci-
Talvez, o que eventualmente sobre das pelo CFM (RESOLUÇÃO CFM Nº
não seja o desejado e o candidato prefi- 2.005/2012) são: dor (formação adicio-
ra estudar e aguardar o próximo concur- nal de um ano); medicina paliativa (for-
so para o local de preferência. mação adicional de um ano). Em função
da afinidade temática ou terapêutica,
ÁREAS DE ATUAÇÃO anestesiologistas frequentam postos,
após especialização adicional, em tera-
Devido ao imenso espectro de de- pia intensiva, acupuntura e medicina
manda por assistência anestesiológica, hiperbárica.
muitos profissionais costumam se apro-

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

Temos hoje uma grande demanda que viabilizem a realização da miríade


por anestesiologistas em todo o Brasil; de procedimentos que são dependen-
mesmo nos grandes centros, onde vá- tes de assistência anestésica. Infelizmen-
rias especialidades chegaram ao nível te, o padrão de qualidade demandado é
máximo de saturação, há um grande nú- alto e frequentemente se acha em des-
mero de postos de trabalho disponíveis compasso com as condições de exer-
e serviços que anseiam por profissionais cício oferecidas a este profissional que

109
CAPITULO 7 Como Escolher a sua Residência Médica

está sempre em sintonia com o que há departamentos atuantes e efetivos. Do


de melhor no mais moderno, uma vez consultório de avaliação pré-anestésica
que seu bom desempenho depende so- ao transplante combinado de coração
bremaneira das condições e políticas de e pulmão, a anestesiologia é uma es-
segurança adotadas pelas instituições. pecialidade fascinante em amplitude e
O anestesiologista brasileiro é muito or- profundidade capaz de realizar profis-
ganizado associativamente, tendo cons- sionalmente qualquer um que traga em
truído uma sociedade de especialidade seu coração o amor pelo conhecimento
exemplar sob todos os aspectos. A SBA médico e o encanto por sua aplicação
ampara seu sócio técnica, educacional, prática em contextos de rápida aprecia-
profissional e juridicamente através de ção entre ação e efeito.

SOBRE O AUTOR

Dr. Manoel Medeiros é:

Membro da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA), mestre em neuroimunolo-


gia pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)/BA, possui título superior em anestesio-
logia, ex-membro da comissão de normas técnicas e segurança em anestesiologia
e da comissão examinadora do título superior em anestesiologia e anestesiologista
do Hospital Português - Salvador/BA.

REFERÊNCIAS

1. Miller RD, Tratado de Anestesiologia. Ed Lipincot-Williams 6ª edição.


2. Site da Sociedade Brasileira de Anestesiologia. Disponível em: <www.sba.com.br>. Aceso em:
21 ago. 2013.
3. Site do CFM. Disponível em: <www.cfm.org.br>. Aceso em: 21 ago. 2013.

110
DERMATOLOGIA


Dr. Pedro Dantas Oliveira

Às vezes eu queria descascar toda a minha pele e


me encontrar um diferente por baixo.

Francesca Lia Block

A A dermatologia é a especialidade
responsável pelo cuidado da pele, maior
órgão do corpo humano, com cerca de
nove quilogramas e dois metros qua-
drados de área em um adulto mediano.
do mundo, apenas superada pela Acade-
mia Americana de Dermatologia(AAD).3
Segundo informações do censo der-
matológico 2011, realizado pela SBD, o
Brasil tem a densidade de um derma-
Cabem ao especialista o diagnóstico e o tologista para cada 32.000 habitantes.
tratamento clínico/cirúrgico das doen- Entretanto, sua distribuição é bastante
ças que acometem não somente a pele, irregular no país e entre os estados, as-
mas também a mucosa e os fâneros (ca- sumindo características metropolitanas.
belos e unhas).1 Além disso, a SBD vem crescendo en-
Há menção às moléstias cutâneas e tre 400 e 500 sócios por ano (6% a 8%),
aos cuidados cosméticos ainda na An- taxa mais acelerada do que a da popu-
tiguidade, em papiros egípcios, com lação brasileira (1% a 1,5%), na última
descrições em Roma, Grécia e na Arábia. década.4
Mas foi na Europa, no fim do século XVI, Para ter o registro da especialidade
que clínicos começaram a definir e ca- perante o Conselho Federal de Medicina
tegorizar os problemas cutâneos.2 Hoje, (CFM), são necessários:
pelo menos 2.000 condições dermatoló- • Três anos de residência médica com
gicas já foram descritas, e esse número acesso direto em instituição creden-
continua em crescente aumento.1 ciada pela Comissão Nacional de Re-
No Brasil, foi fundada, em 1912, a sidência Médica (CNRM/MEC)5;
Sociedade Brasileira de Dermatologia • Título de especialista, emitido pela
(SBD), sendo hoje composta mais de SBD, após aprovação em exame teóri-
7.500 associados, representando a se- co-prático elaborado pela instituição.
gunda maior sociedade dermatológica Para se submeter a essa prova, por
CAPITULO 8 Como Escolher a sua Residência Médica

sua vez, é necessário que o médico que buscam tratamentos estéticos e


tenha feito sua formação (residência uma juventude duradoura.
ou estágio) em uma instituição cre- Ter sensibilidade para reconhecer
denciada pela SBD ou tenha 06 anos transtornos psiquiátricos incipientes
de atividade comprovada na derma- (dismorfofobia), contra indicar procedi-
tologia, conforme edital do exame.6, 7 mentos “impostos” pelos pacientes e en-
caminhar para um tratamento específico
O ESPECIALISTA E A SUA ROTINA requerem habilidades que não são facil-
mente apreendidas em salas de aula.
Na escolha da especialidade, é im-
portante que sejam considerados os ROTINA DO DERMATOLOGISTA
interesses e as habilidades pessoais. A
Dermatologia é uma especialidade emi- O atendimento ambulatorial é a ro-
nentemente visual, e assim, esse tipo de tina do dermatologista. Em um estudo
memória pode auxiliar sobremaneira o baseado em 57 mil consultas ambulato-
profissional de tal área. riais dermatológicas, o motivo principal
Curiosidade para fazer uma investi- foi acne, com 14% dos atendimentos, se-
gação minuciosa e atenção a pequenos guida pelas micoses superficiais (8,7%),
detalhes podem determinar um diag- transtornos da pigmentação (8,4%) e ce-
nóstico muitas vezes difícil. Minúcia e ratose actínica (5,1%). A ceratose actíni-
perfeccionismo são de igual necessi- ca foi a causa de consulta mais frequen-
dade na realização de procedimentos te no grupo de 65 anos e mais (17,2%),
cirúrgicos delicados. Estas habilidades seguida pelo carcinoma basocelular
podem ser aperfeiçoadas ou adquiridas (9,8%). A hanseníase foi a vigésima cau-
durante um treinamento adequado. sa em todo o país, mas a quarta na re-
Outra característica importante do gião Centro-Oeste.9
dermatologista é sua atitude perante o O tratamento destas dermatoses
paciente. No caso das doenças derma- mais frequentes faz parte do cotidiano.
tológicas, as lesões expostas têm um No entanto, a abordagem da prevenção
impacto social e na qualidade de vida, é obrigatória nas consultas dermatológi-
levando à alteração de humor e do es- cas. Não somente uma avaliação minu-
tado emocional. Compreendê-los, neste ciosa a fim de flagrar lesões iniciais com
contexto, e colaborar para a sua melhora risco neoplásico, mas também a educa-
biopsicossocial diferenciam considera- ção sobre o uso de fotoprotetores e ris-
velmente um bom profissional. cos da exposição solar excessiva.
Outro perfil frequentemente obser- Procedimentos cirúrgicos ambu-
vado nos consultórios é dos pacientes/ latoriais de pequena complexidade,
clientes, sem doenças dermatológicas, como biópsias cutâneas; cauterizações;

112
Dermatologia CAPITULO 8

crioterapias (congelamento com nitro- atendimento, trazendo uma “qualidade


gênio líquido); exéreses de lesões neo- de vida controlável”.
plásicas pequenas; cirurgias ungueais, Na última década, a dermatologia
quimioesfoliações (peelings químicos), tornou-se a especialidade da moda e,
e procedimentos estéticos como apli- como tal, atrai um número crescente de
cações de toxina botulínica e preenche- médicos. Alguns, genuinamente inte-
dores cutâneos, também fazem parte ressados; outros, seduzidos unicamente
do cotidiano do especialista. pelo glamour e pelas possibilidades fi-
O dermatologista ainda pode ser nanceiras.10
chamado para responder consultas do- Junto com esse aumento, surgiu uma
miciliares ou hospitalares mesmo exer- série de pós-graduações de finais de
cendo somente atividade ambulatorial. semana, para abarcar o excedente dos
Idosos acamados e pacientes com difi- profissionais interessados, não aprova-
culdade de deambulação apresentam dos nas instituições credenciadas. Elas
comumente dermatoses associada aos oferecem uma “oportunidade de investi-
decúbitos, como úlceras de pressão, in- mento” na carreira, mas, no fundo, deter-
fecções fúngicas e bacterianas, nesses minam uma formação frágil e insuficien-
casos, o atendimento multidisciplinar é te, com a qual o profissional não será
fundamental. capaz de se registrar como especialista
Alguns profissionais se vinculam a no CFM ou prestar exame de título da
hospitais e instituições de ensino por sociedade.11
meio de concursos públicos ou indica- Tais cursos estes, em sua maioria, car-
ções, estes convivem com maior frequ- ga horária inferior a 4% da dos serviços
ência com pacientes internados e de credenciados. Sendo, não apenas, falhos
perfil mais grave, por vezes também tra- em conteúdo e prática, como também
balham com sobreaviso em emergên- não levam em consideração a comple-
cias clínicas e pediátricas. Instituições xidade da dermatologia, o que compro-
de ensino, por sua vez, requerem profis- mete não somente a imagem da espe-
sionais tanto para formação nas gradua- cialidade, mas, fundamentalmente, o
ções e especializações quanto para o de- atendimento aos pacientes.12
senvolvimento de pesquisa e assistência A remuneração na carreira é muito
de doenças mais complexas e raras. variável e depende de uma diversidade
de fatores, como região onde atua, local
MERCADO DE TRABALHO de trabalho, credenciamento em convê-
nios, empregos em instituições públicas,
Como dito acima, a rotina básica do entre outros. Concursos públicos não
dermatologista consiste em atendimen- são frequentes, mas geralmente costu-
tos ambulatoriais, o que lhe permite mam pagar entre R$ 2.000 e R$ 4.000 por
estabelecer seus próprios horários de 20 horas semanais.

113
CAPITULO 8 Como Escolher a sua Residência Médica

Em sua maioria, os dermatologistas revelou que o preço médio de uma con-


que estão entrando no mercado de tra- sulta particular dermatológica estava em
balho começam atendendo em clínicas torno de R$ 180,00, sendo maior na re-
de outros colegas mais experientes, não gião Sudeste e Centro-Oeste (R$ 200,00)
só pela possibilidade de aprendizagem, e menor na região Nordeste (R$ 150,00).4
como pela estrutura oferecida e maior Deste modo, temos uma especiali-
facilidade de conseguir novos pacientes. dade com o rendimento baseado em
Em contrapartida, parte do seu rendi- consultas - que em sua maioria duram
mento (normalmente em torno de 50%) cerca de 20 minutos - e pequenos proce-
é repassado ao dono da clínica e/ou é dimentos cirúrgicos/estéticos ambulato-
cobrada uma taxa de aluguel de consul- riais, com a possibilidade de agendar os
tório. Convém lembrar que sobre o saldo pacientes no horário mais conveniente
remanescente ainda incidem impostos para ambos, porém necessitando de vo-
governamentais (cerca de 27%). lume para gerar uma boa renda.
O Ministério da Saúde indica, no Bra-
sil, a necessidade de um dermatologista A RESIDÊNCIA
para cada 80.000 habitantes para cober-
tura dermatológica e de hanseníase pelo A residência em Dermatologia é de
Sistema Único de Saúde (SUS).13 Como acesso direto, ou seja, não há a necessi-
já comentamos, existe uma significativa dade de ter concluído nenhuma outra
concentração de dermatologistas nas residência prévia, como clínica médica,
metrópoles e capitais e uma demanda por exemplo. Consiste em três anos de
importante em cidades do interior, prin- treinamento em serviço, sendo que o
cipalmente no Norte e Nordeste. Isto faz primeiro é normalmente voltado à for-
desses lugares, boas oportunidades de mação básica em clínica médica.
crescimento.4 Os programas de residência variam
Um estudo publicado em 2013, com de acordo com a instituição, mas geral-
dados coletados de uma amostra sorte- mente seguem a Resolução CNRM Nº 02
ada de dermatologistas sócios da SBD, /2006:17

• Clínica médica – 4 meses


• Moléstias infecciosas – 3 meses
Primeiro ano – • Reumatologia – 1 mês
Clínica Médica – R1 • Endocrinologia – 1 mês
• Hematologia – 1 mês
• Pronto socorro de clínica médica – 1 mês

114
Dermatologia CAPITULO 8

• Unidade de internação: mínimo de 10% da carga horária anual;


• Ambulatório: mínimo de 40% da carga horária anual;
Segundo e • Dermatologia sanitária: mínimo de10% da carga horária anual;
Terceiro anos – • Micologia: mínimo de 5% da carga horária anual;
Programa • Dermatopatologia: mínimo de 10% da carga horária anual;
Específico – R2 e R3 • Alergia e Imunologia: mínimo de 5% da carga horária anual;
• Estágios opcionais: Medicina Ocupacional, Cirurgia Plástica,
Infectologia ou outros, a critério da instituição.

CONCORRÊNCIA do Ministério da Educação (MEC), não


são credenciadas pela SBD, nem permi-
Há alguns anos, a Dermatologia vem tem registro de especialista no CFM.19
sendo um dos programas de residência
de acesso mais competitivo. Nunca fo- ÁREAS DE ATUAÇÃO
ram formados tantos dermatologistas
por ano, ocupando, anualmente todas As subespecialidades (áreas de atu-
as vagas disponíveis nos serviços cre- ação) da dermatologia estabelecidas
denciados. anteriormente pela Resolução CFM nº
Em 2013, a relação candidato/vaga 1.634/2002 eram cirurgia dermatológica,
média no Brasil é de, aproximadamente, cosmiatria e hansenologia.5 No entanto,
30:1, variando de 8:1 em instituições no isso foi modificado e, hoje, somente para
norte do país, até mais de 100:1 em al- a hansenologia é necessária formação
gumas instituições no sudeste. Todavia, complementar de um ano adicional.8
a concorrência cai significativamente Além dos dermatologistas, os especialis-
nas instituições que oferecem está- tas em clínica médica, infectologia, neu-
gios/especializações com pagamentos rologia, medicina de família e comunida-
de mensalidade que chegam até R$ de e medicina preventiva e social estão
3.000,00 durante os 36 meses. Hoje, te- aptos a se subespecializar nessa área.8
mos pouco mais de 300 vagas por ano Doenças infecciosas, transtornos in-
para formação em dermatologia nos di- flamatórios, autoimunes, genéticos e
versos serviços credenciados do país. neoplasias fazem parte do cotidiano do
Nas pós-graduações de extensão dermatologista, bem como procedimen-
universitária (cursos de “final de sema- tos cirúrgicos e cosmiátricos.
na”), muitas vezes, não existe processo Devido à complexidade da derma-
seletivo, pois o número de vagas geral- tologia, muitos profissionais costumam
mente supera o de candidatos. Porém, se aprofundar em temas específicos e
como mencionado anteriormente, elas divulgar suas áreas de atividade de pre-
possuem carga horária reduzida, não se ferência, a despeito da formação com-
assemelham aos programas supracita- pleta que recebem nas instituições reco-
dos e, ainda que realizadas com o aval nhecidas.

115
CAPITULO 8 Como Escolher a sua Residência Médica

A cirurgia dermatológica é um exem- ção da lesão e uso de líquido de


plo de atividade que, por vezes, neces- imersão ou luz polarizada, associado
sita de uma formação complementar à documentação fotográfica e acom-
para realizar procedimentos maiores e panhamento digital das lesões.
mais complexos da pele e seus anexos. • Laser e luz intensa pulsada: equipa-
Do mesmo modo, a oncologia cutânea, mentos emissores de luz em deter-
dermatopediatria, dermatogeriatria, ca- minado comprimento de onda que
belos (tricologia), unhas (onicologia), psi- atingem alvos específicos, como
codermatoses, dermatoses ocupacionais pigmento e água, e são utilizados
entre outros. para uma infinidade de tratamen-
Ademais, com o surgimento de no- tos, desde remoção de tatuagens e
vos equipamentos para auxílio diagnós- tratamentos estéticos a remoção e
tico e terapêutico, muitos dermatologis- cauterização de lesões neoplásicas e
tas complementaram a formação com vasos.
cursos de aperfeiçoamento, para tirar • Fototerapia: câmaras com lâmpadas
melhor proveito das novas tecnologias. que emitem radiação ultravioleta
Por exemplo: que age sobre doenças neoplásicas,
• Dermatoscopia e mapeamento cor- inflamatórias, autoimunes e com dis-
poral digital: instrumento utilizado túrbios de ceratinização, como lin-
para observar estruturas de lesões fomas cutâneos, psoríase, dermatite
dermatológicas através da amplia- atópica, vitiligo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

DESAFIOS inúmeros fatores positivos e, paralela-


mente, alguns problemas e desafios.14
A dermatologia teve um grande au- O advento da medicina estética e a
mento, tanto quantitativo como qualita- mídia no seu entorno levaram à popu-
tivo nos últimos anos. O conhecimento lação uma percepção equivocada do
dos mecanismos patogênicos das der- dermatologista, e não é infrequente ou-
matoses e as novas terapêuticas foram virmos, até mesmo de colegas médicos,
ampliados sobremaneira. A expansão expressões que desdenham não somen-
da especialidade, deixando de ser es- te da complexidade da especialidade,
sencialmente clínica e tornando-se mas também dos profissionais que a
médico-cirúrgica, e o crescimento da praticam.
cosmiatria, à luz dos padrões culturais É natural que o conhecimento da
e valorização da juventude, trouxeram fisiologia cutânea faça desse especialis-

116
Dermatologia CAPITULO 8

ta o profissional indicado para atuar na (Ex.: psoríase eritrodérmica); neoplasias


cosmiatria, mas na prática não há uma cutâneas (Ex.: linfomas cutâneos, mela-
regulamentação que restrinja tal ativi- noma, carcinomas extensos), requerem
dade ao dermatologista ou ao cirurgião internamento e acompanhamento der-
plástico, e até mesmo profissionais não- matológico hospitalar.
-médicos, como fisioterapeutas, biomé- Outro aspecto importante a ser res-
dicos, entre outros, que realizam proce- saltado é o uso de propaganda inade-
dimentos eventualmente invasivos, com quada e publicidade na área médica.
ou sem supervisão médica. O Conselho Federal de Medicina (CFM)
A comercialização de procedimen- regulamenta e orienta quanto aos limi-
tos estéticos médicos, por vezes com tes da divulgação médica. O exercício
promoções e parcelamentos até mesmo da Medicina não é uma atividade co-
em cartões de crédito, não é permitida. mercial, e, mesmo quando realizamos
O extremo dessa situação é a venda de procedimentos com finalidade estética,
pacotes de tratamentos estéticos com assumimos o papel de médico.16
descontos em sites de compra coletiva. Ao médico, em qualquer mídia, só
Tais profissionais, em sua maioria, des- são permitidos esclarecimentos e in-
conhecem as possíveis intercorrências formações sobre doenças e procedi-
de técnicas que julgam inofensivas e mentos, porém nunca autopromoção.
são incapazes de lidar com as compli- Em tempos de redes sociais e internet,
cações decorrentes dessa prática. Isto o controle dessas publicações é dificul-
leva não somente a uma concorrência tado e não é infrequente observarmos
desleal com os dermatologistas, mas, “postagens publicitárias” dos próprios
principalmente, a um risco à saúde dos colegas, e o que é pior, muitas vezes,
pacientes.15 atreladas a produtos ou à indústria far-
De fato, a dermatologia é uma espe- macêutica.
cialidade que lida, na maioria das vezes, Os desafios diários residem em uma
com doenças menos graves, mas com busca constante pelo aperfeiçoamento
sérios impactos para a saúde. Ademais, e pela atualização sobre as diferentes
ainda que menos frequentes, casos que dermatoses, tratamentos clínico-cirúr-
ameaçam à vida como reações medi- gicos e cosmiátricos, mantendo ética e
camentosas graves (Ex.: Síndrome de uma boa relação médico-paciente para
Stevens-Johnson, necrólise epidérmica uma prática clínica ideal.15
tóxica, síndrome DRESS); doenças bo- Mesmo com a grande concorrência
lhosas (Ex.: pênfigo vulgar, epidermóli- para ingressar em um serviço creden-
se bolhosa); infecções cutâneas graves ciado e com alguns desafios a serem
(Ex.: Síndrome estafilocócica da pele enfrentados no mercado de trabalho, a
escaldada, celulite/erisipela da face, rea- dermatologia é uma especialidade apai-
ções hansênicas); doenças inflamatórias xonante.

117
CAPITULO 8 Como Escolher a sua Residência Médica

Diagnosticar doenças sistêmicas atra- Um dos grandes mestres da derma-


vés das manifestações cutâneas, tratar tologia brasileira, professor Sebastião
dermatoses por vezes desfigurantes, ob- Sampaio, costumava falar, já em fase ter-
servando a resolução do quadro, e per- minal de um câncer, nas suas conferên-
ceber melhoras significativas com trata- cias ministradas “Ame a dermatologia,
mentos estéticos consagrados, trazem faça dela uma das razões de sua vida, e
uma satisfação tanto ao paciente quanto terá sempre uma razão para viver.” E sim,
ao especialista que o acompanha. ele estava certo.

SOBRE O AUTOR

Dr. Pedro Dantas Oliveira é:

Brasileira de Dermatologia (SBD), professor voluntário da Universidade Federal de


Sergipe (UFS) e doutor em Medicina e Saúde pela Universidade Federal da Bahia
(Ufba).

REFERÊNCIAS

1. Burns DA, Cox, NH. Introduction and Historical Bibliography. In: Burns T, Breathnach S, Cox N,
Griffiths C. Rook's Textbook of Dermatology. Oxford: Blackwell Science; 2010.
2. McCaw IH. A Synopsis of the History of Dermatology. Ulster Med J. 1944 Nov;13(2):109-22
3. Sociedade Brasileira de Dermatologia. Apresentação. Disponível em: <www.sbd.org.br/a-sbd/
institucional>. Acesso em: 8 set. 2015.
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Dermatol. 2013;88(4):572-8.
5. Conselho Federal de Medicina (Brasil). Resolução no 1.634, de 29 de abril de 2002. Convênio
de reconhecimento de especialidades médicas firmado entre o Conselho Federal de Medicina
CFM, a Associação Médica Brasileira – AMB e a Comissão Nacional de Residência Médica -
CNRM. D of União, seção I, p. 81
6. Sociedade Brasileira de Dermatologia. Edital da Prova de Título de Especialista do ano de 2015.
Disponível em: <www.sbd.org.br/titulo-de-especialista/exame-2015>. Acesso em: 8 set. 2015.
7. Sociedade Brasileira de Dermatologia. Serviços Credenciados. Disponível em: <www.sbd.org.
br/a-sbd/servicos-e-hospitais-credenciados>. Acesso em: 8 set. 2015.
8. Conselho Federal de Medicina (Brasil). Resolução no 1.973, de 14 de julho de 2011. Nova re-
dação do Anexo II da Resolução CFM nº 1.845/08, que celebra o convênio de reconhecimento
de especialidades médicas firmado entre o Conselho Federal de Medicina (CFM), a Associação
Médica Brasileira (AMB) e a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM). D Of União, 1º
de agosto de 2011, Seção I, p. 144-147.

118
Dermatologia CAPITULO 8

9. Sociedade Brasileira de Dermatologia. Perfil nosológico das consultas dermatológicas no Bra-


sil. An. Bras. Dermatol. 2006;81(6):549-58.
10. Gontijo B, Vale ECS, Marques SA. Considerações sobre o momento atual da dermatologia bra-
sileira. An Bras Dermatol. 2006;81(6):590-4.
11. Gontijo B, Vale ECS, Marques SA. O ensino da dermatologia nos finais de semana. An Bras
Dermatol. 2008;83(3):185.
12. Boza JC. Residência médica em Dermatologia. An Bras Dermatol. 2008;83(5):482.
13. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1101, de 12 de junho de 2002. Dispõe sobre os parâme-
tros assistenciais do Sistema Único de Saúde – SUS. Brasília: Ministério da Saúde; 2002
14. Rivitti E. Reflexões sobre a dermatologia atual no Brasil. An Bras Dermatol. 2006;81(6):505-7.
15. Aoki V, Salgado L, Miyamoto D. Esepcialidades Médicas – Dermatologia. Ver Med (São Paulo).
2012:91(ed. esp):28-9.
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1.974/11 / Conselho Federal de Medicina; Comissão Nacional de Divulgação de Assuntos
Médicos. – Brasília: CFM; 2011. Disponível em: <www.portal.cfm.org.br/publicidademedica/
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17. Ministério da Educação / Comissão Nacional de Residência Médica (Brasil). Resolução CNRM
nº 02, de 17 de maio de 2006. Requisitos mínimos dos Programas de Residência Médica e dá
outras providências. D Of União. nº 95, de 19/05/06, seção 1, p. 23-36.
18. Sociedade Brasileira de Dermatologia & Associação Médica Brasileira. Residência Médica em
Dermatologia. Disponível em: <www.amb.org.br/teste/downloads/prm_dermato.pdf>.Aces-
so em: 8 set. 2015.
19. Conselho Federal de Medicina (Brasil). Lato sensu não titula especialista. In: Jornal Medicina.
2012. nº. 214. p. 10. Disponível em: <www.portal.cfm.org.br/images/stories/JornalMedici-
na/2012/jornal214.pdf>. Acesso em: 8 set. 2015.

119
GENÉTICA MÉDICA


Dr. Caio Robledo Quaio
Profa. Dra. Chong Ae Kim A ciência não é, como muitos possam imaginar,


algo alheio e exclusivamente dedicado a
telescópios ou tubos de ensaio. É, sim, um
caminho de busca através da observação,
experimentação e classificação. [...] O seu
segredo é a acurácia e seu objetivo é a verdade.

Archibald Edward Garrod

A A genética médica é uma especiali-


dade médica reconhecida pelo Conse-
lho Federal de medicina que se envolve
com o diagnóstico, seguimento, trata-
mento e aconselhamento de indivíduos
da importância das doenças genéticas
(segunda maior causa de mortalidade
infantil no estado de São Paulo), espe-
cialmente aquelas que acarretam mal-
formações. Este fenômeno amplia o ho-
e famílias com doenças genéticas. É a rizonte de atuação da especialidade.
área com menor número de especialis- O conhecimento sobre a genéti-
tas no Brasil. O grande desenvolvimento ca humana aumenta a cada dia, assim
tecnológico das últimas duas décadas como aumentam as possibilidades de
propiciou uma revolução na genética elucidar casos outrora obscuros e dar
médica, tirando sua condição meramen- novos rumos ao seguimento e manejo
te observadora do início do século e clínico de pacientes com doenças raras.
agregando poderosas ferramentas diag- Neste contexto, o médico geneticista
nósticas e terapias efetivas para diversas assume papel crucial na constituição de
doenças genéticas. equipe multiprofissional que prestará
Neste momento em que o perfil de assistência e esclarecimentos no grande
mortalidade infantil no Brasil consoli- universo de doenças raras.
da-se cada vez mais no mesmo padrão
dos países industrializados, vemos uma BREVE HISTÓRICO
diminuição da frequência de eventos
decorrentes de doenças infecciosas e Os primórdios da genética remon-
desnutrição e aumento significativo tam do século XIX, quando o monge
CAPITULO 9 Como Escolher a sua Residência Médica

Gregor Mendel descreveu a segregação O médico geneticista também acom-


de características físicas de ervilhas ao panha os portadores de doenças gené-
longo de gerações. O mais supreenden- ticas em seguimento clínico por toda
te é que diversas conclusões foram elu- a vida. Outra importante atividade é o
cidadas muito antes do conhecimento auxílio diagnóstico de quadros obscu-
do próprio deoxyribonucleic acid (DNA), ros e de difícil entendimento, sempre
sua estrutura e suas complexas funções. fazendo a ponte entre a ciência básica e
Da observação que traços físicos pas- prática clínica. Neste sentido, a genética
sam de geração a geração de uma ma- permeia-se em todas as áreas médicas,
neira ordenada e, até certo ponto, lógi- e não é raro deparar-se com situações
ca, surgiram os primeiros conceitos de que estão aquém da fronteira do atual
genética. Mas foi só no século XX que Sir desenvolvimento científico e que vêm à
Archibald Edward Garrod descreveu al- tona após novas descobertas ao longo
guns traços humanos que segregavam do tempo.
de acordo com as regras observadas por Nem todas as doenças genéticas são
Mendel. As contribuições de Garrod ini- raras. Alguns exemplos incluem a fibrose
ciaram um importante capítulo de estu- cística, hemocromatose, hemoglobino-
do da genética. patias, entre algumas outras. Estas con-
dições genéticas comuns são acompa-
O ESPECIALISTA E A SUA ROTINA nhadas por outros especialistas clínicos,
como pneumologista, hematologista.
A genética médica possui ampla atu- Mesmo nestas doenças genéticas co-
ação. O trabalho do geneticista inicia-se muns, o geneticista auxilia na identifica-
no pré-natal, com aconselhamento ge- ção do mecanismo molecular e no acon-
nético, identificação de casais de risco e selhamento genético.
adoção de medidas para diminuir o ris- A genética exige estudo contínuo e
co de prole com doenças genéticas. Es- aprendizado diário, sendo que o gene-
tende-se ao berçário com avaliação dos ticista deve estar muito familiarizado
recém-nascidos com alterações dismór- com as ferramentas de busca científica.
ficas ou distúrbios metabólicos, já que o A genética médica é especialidade que
diagnóstico preciso nesta época da vida reúne aptidão clínica e científica.
é crucial para definir um bom prognós-
tico futuro. A atuação também passa MERCADO DE TRABALHO
pelo laboratório, onde age ativamente
na interpretação dos testes genéticos/ A rotina do médico geneticista pode
bioquímicos, na explanação destes para envolver participação ativa nas quatro
toda a equipe médica e para a família e grandes áreas da genética. No entanto,
na tomada de decisão futura diante do a maior demanda é ambulatorial, sendo
resultado. que a população pediátrica seguida por

122
Genética Médica CAPITULO 9

casais em risco para aconselhamento ge- ÁREAS DE ATUAÇÃO


nético correspondem ao maior contin-
gente que busca o médico geneticista. A genética apresenta quatro grandes
Outras atividades de grande demanda áreas de atuação: dismorfologia, erros
são o apoio diagnóstico em unidades inatos do metabolismo, neurogenética
neonatais, de terapia intensiva e consul- e oncogenética. Serão estas discutidas
toria em laboratórios que realizam testes a seguir.
genéticos.
DISMORFOLOGIA
A RESIDÊNCIA
A dismorfologia é a área da genética
O programa de residência tem du- médica que estuda os defeitos estrutu-
ração de três anos e é de acesso direto. rais dos humanos, principalmente as
O primeiro ano é centrado em estágios malformações congênitas. Nesta área,
na pediatria, clínica médica, neurologia, o médico geneticista é um verdadeiro
endocrinologia e genética. O segundo detetive em busca de pistas que possam
ano é centrado na genética, com está- desvendar a etiologia de alterações es-
gios na medicina fetal, patologia, labo- truturais. Estas pistas são provenientes
ratórios específicos de genética e erros de minuciosa avaliação clínica, que in-
inatos do metabolismo. O terceiro ano clui heredograma, exame físico comple-
também é centrado na genética, labo- to, observação de desvios fenotípicos,
ratórios, erros inatos do metabolismo e documentação fotográfica e exames
estágios opcionais. complementares. O trabalho com outras
A residência possibilita imersão em especialidades; como pediatria; derma-
diversas áreas necessárias para o enten- tologia; neurologia; ginecologia; obste-
dimento global de genética; no entanto, trícia; cardiologia; patologia; radiologia,
o aprendizado não termina com este entre outras, é bem estreito. A elucida-
ciclo de três anos. Nesta área de franca ção diagnóstica dos defeitos estruturais
ebulição científica e verdades mutáveis traz uma série de benefícios, tais como
e temporais, o aprimoramento contínuo a determinação da chance de recorrên-
é uma demanda inexorável. cia, prognóstico clínico, antecipação de
Os serviços que oferecem residência possíveis intercorrências e tratamento
em genética médica estão disponíveis específico para algumas condições.
no site da Sociedade Brasileira de Gené-
tica Médica (SBGM) - www.sbgm.com.br.

123
CAPITULO 9 Como Escolher a sua Residência Médica

ERROS INATOS DO METABOLISMO o diagnóstico e cuidados específicos


dos indivíduos com risco aumentado
Os erros inatos do metabolismo cor- de desenvolvimento de neoplasias, no
respondem a um grupo muito amplo de contexto de síndromes hereditárias de
condições clínicas decorrentes de de- predisposição ao câncer (ou câncer he-
feitos em vias metabólicas. As manifes- reditário). O trabalho na identificação de
tações clínicas deste grupo de doenças indivíduos em risco envolve minuciosa
são diversas e envolvem desde defeitos história familiar, estudo das caracterís-
de produção energética, alterações das ticas dos tumores já desenvolvidos e
vias de transformação de aminoácidos e testes genéticos. A identificação de tais
outras moléculas, depósito de produtos indivíduos abre a possibilidade de ado-
não metabolizados, entre muitos outros. ção de estratégias de vigilância e segui-
Esta área da genética concentra o mento individualizado com objetivo de
maior número de condições que apre- identificar precocemente o câncer.
sentam tratamento específico. Também
é a área que apresenta íntima relação NEUROGENÉTICA
com a triagem neonatal, haja vista que
muitos distúrbios passíveis de tratamen- A neurogenética é o capítulo da ge-
to podem ser detectados através do tes- nética médica que estuda as doenças
te do pezinho ampliado. O diagnóstico e genéticas com manifestações predomi-
tratamento precoces de algumas destas nantemente neurológicas. Esta área tem
condições é a chave para uma vida próxi- íntima relação com os erros inatos do
ma da normalidade; o contrário pode de- metabolismo, já que diversos erros me-
terminar a ocorrência de graves sequelas. tabólicos podem apresentar com com-
prometimento predominantemente (ou
ONCOGENÉTICA até exclusivamente) neurológico.

É a área de interface entre a genéti-


ca e a oncologia. Esta vertente objetiva

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

As novas técnicas de estudo do DNA sequenciamento de nova geração per-


propiciam uma escala de análise nun- mite o estudo de todas as regiões codi-
ca antes imaginada. Se antes os testes ficantes do DNA concomitantemente e
genéticos eram custosos e específicos em um único exame. A participação do
para determinados trechos do DNA, o médico geneticista na interpretação de

124
Genética Médica CAPITULO 9

análises em massa do DNA é de grande abrindo as portas para o entendimento


importância e inaugura uma nova era aprofundado das doenças raras.
da genômica aplicada à prática clínica,

SOBRE OS AUTORES

Dr. Caio Robledo Quaio é:

Médico pela Universidade de São Paulo (USP), fez residência em genética médica
no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São
Paulo (HC-Fmusp) e tem título de especialista pela Sociedade Brasileira de Genética
Médica (SBGM).

Profa. Dra. Chong Ae Kim é:

Professora associada do departamento de pediatria da Faculdade de Medicina da


Universidade de São Paulo (Fmusp), mestre, doutora e livre-docente em genética
pelo mesmo departamento.

REFERÊNCIAS

1. WATSON JD, CRICK FH. Nature. 1953 Apr 25;171(4356):737-8.


2. Sociedade Brasileira de Genética Médica. Disponível em: <www.sbgm.org.br>. Acesso em: 13
dez. 2013.
3. Online Mendelian Inheritance in Man, OMIM®. McKusick-Nathans Institute of Genetic Medici-
ne, Johns Hopkins University (Baltimore, MD), 2014.

125
GINECOLOGIA E
OBSTETRÍCIA “

Dr. Andrea Rebello Moreira
Há nada mais importante que a mulher,
o resto é bobagem.

Oscar Niemeyer

G Ginecologia, literalmente significa “a


ciência da mulher”, sendo, portanto, a
especialidade da medicina dedicada ao
estudo do aparelho genital feminino.
Obstetrícia é a ciência que estuda a
também com momentos de sofrimen-
to e perda - perda de um útero, de uma
mama, do bebê.
Não acho exagero quando alguns co-
legas afirmam que a GO é uma das espe-
reprodução humana, ocupando-se da cialidades mais completas da Medicina,
gestação, do parto e do puerpério, con- por atuar em todos os níveis de atendi-
templando os seus aspetos fisiológicos mento (ambulatorial, hospitalar, clínico,
e patológicos. O termo “obstetrícia” é de- cirúrgico, laboratorial) e em todas as
rivado do verbo em latim “obstare”, que fases da vida da mulher. Independente-
significa “estar ao lado”. mente de haver patologia ou não, nossa
A ginecologia-obstetrícia (GO) tem a clientela consiste de um pouco mais da
característica ímpar de lidar com duas metade da população, e um mercado
especialidades ao mesmo tempo. Estas em constante crescimento: apesar de a
na medida em que lidam com a saúde fecundidade estar decaindo, as mulhe-
da mulher, porém, ao mesmo tempo, res nunca vão parar de ter filhos, e cada
bastante diferenciadas em termos de pa- vez mais vemos um aumento real na
tologias, acompanhamento e dia a dia. expectativa de vida, principalmente na
Trabalha-se com momentos que fa- parcela feminina da população, que tem
zem parte da rotina de qualquer mulher superado os homens nesse aspecto. Se-
– como nos exames preventivos gineco- gundo o Instituto Brasileiro de Geogra-
lógicos –, com o momento mais mágico fia e Estatística (IBGE), a expectativa de
das suas vidas – a gestação e o parto – e vida dos brasileiros nascidos em 2013 é
CAPITULO 10 Como Escolher a sua Residência Médica

74,8 anos, sendo 71,3 anos para os ho- sobre o qual pode-se interferir, “melho-
mens e 78,5 anos para as mulheres. rando” seu funcionamento.
Certa vez, em uma aula, ouvi de um Houve, assim, um avanço dos ho-
preceptor, por quem, curiosamente, mens nesse campo profissional, pos-
não tinha nenhuma admiração especial, to que a ciência à época ainda não era
uma frase que me marcou: “Aquele parto território eminentemente masculino.
é só mais um para você, naquele plantão Contudo, o medo em torno de gravidez
em que você já atendeu 50 gestantes e e parto manteve-se e pode ter servido
fez mais de 10 partos, mas para aquela como base para a construção da noção
mulher, aquela família, é o momento de gravidez e parto como patologias,
mais especial de suas vidas. Respeite um conceito que foi fundamental para
esse momento”. que os homens obtivessem o controle
sobre o parto nos séculos seguintes.
HISTÓRIA Nos Estados Unidos, em fins do sécu-
lo XIX, as camadas pobres da população
Desde tempos imemoriais, as mulhe- eram atendidas por parteiras, e alguns
res foram atendidas no parto por outras dados de pesquisas mostravam que es-
mulheres. Para o atendimento ao parto, tes partos eram mais seguros do que os
havia várias mulheres e uma parteira, ocorridos nas camadas da população
sendo que a prática desta baseava-se que tinham acesso às intervenções mé-
na concepção do nascimento como um dicas. A saída retórica para este proble-
processo normal e natural. O nascimento ma consistiu em a profissão admitir que
fazia parte da ordem moral do universo o parto era um evento “essencialmente
e o parto era para ser assistido sem gran- normal e natural”, mas que havia sempre
des interferências, visto como uma crise a possibilidade de algo sair errado.
pela qual as mulheres tinham que passar. No Brasil, a atuação de médicos na
A atitude das mulheres no parto revelava obstetrícia ocorreu somente após a fun-
seu caráter moral. Quando ocorria algo dação da primeira escola médica, na
anômalo era necessário chamar o cirur- Bahia, em 1808, por Dom João VI.
gião, homens que usavam instrumentos Em 1930, a profissão deixou de ser
– geralmente, despedaçando o feto. um ramo da cirurgia e adquiriu status de
No século XVI, na França, inaugura-se especialidade.
uma cooperação entre médicos e par- A história da ginecologia remota ao
teiras. Dentro da conceituação do corpo século XIX. Até então, confundia-se com
como máquina, a tarefa do médico no a obstetrícia. Ao longo desse século, es-
parto seria “manter a máquina funcio- ses dois ramos da medicina vieram a
nando bem” e o parto é compreendido constituir disciplinas separadas. Um dos
como um processo mecânico contínuo principais motivos que levaram a evolu-

128
Ginecologia e Obstetrícia CAPITULO 10

ção da ginecologia como especialidade do conhecimento formal, mas da sabe-


da medicina foi o crescimento das cida- doria passada geração após geração, ou
des após a Revolução Industrial. A gine- da própria experiência, ou mesmo da in-
cologia originou-se como especialidade tuição.
graças às pesquisas e descobertas cien- É importante saber se relacionar bem
tíficas, como a assepsia, a antissepsia e com os profissionais de outras áreas. O
a anestesia. Alguns marcos importantes GO depende diretamente do trabalho do
foram a primeira extração de ovários, em anestesista, do ultrassonografista e da
1809, a invenção do exame de Papanico- enfermagem, além da colaboração de di-
lau, na década de 1940, e o nascimento versos outros profissionais que as vezes
do primeiro bebê de proveta, em 1978. nem imaginamos que podem nos ajudar.
Em 1959, a Federação Brasileira das Não se pode ser GO sem saber trabalhar
Associações de Ginecologia e Obstetrícia em equipe. Conquanto o cirurgião costu-
(Febrasgo) foi fundada em Belo Horizon- ma ser o líder da equipe, é inviável reali-
te e tem como finalidades, entre outras, zar um bom trabalho sem a cooperação
promover o aperfeiçoamento técnico- e a coordenação entre todos.
-cientifico e outorgar o Título de Especia- Outro fator que acho relevante ser
lista em Ginecologia e Obstetrícia (Tego). abordado é a diferença entre ser GO ho-
mem e ser GO mulher. Em um mundo em
A ROTINA DE TRABALHO que se busca cada vez mais a igualdade
entre os sexos, seria ingenuidade nossa
Um bom GO deve ter como algumas acreditar que não faz diferença. Muitas
de suas características: gostar de contato pacientes preferem um ginecologista
com pessoas, gostar de conversar (mas homem. Seu argumento é de que o mé-
ao mesmo tempo saber conduzir a con- dico (homem) costuma ser mais delicado
versa), gostar de se envolver com as his- e respeitar o limiar de dor e desconforto
tórias de seus pacientes. Muitas vezes, a de suas pacientes. Acredita-se que, por
paciente procura o médico não com um ser homem, consideraria o corpo da mu-
problema físico, mas emocional. Valendo lher mais “sagrado”, digamos assim. Já há
lembrar que a mulher moderna é um ser quem prefira ginecologista mulher, pois,
incrível, regida por hormônios, exercen- pensa que a médica já passou ou passará
do mil papéis ao mesmo tempo na famí- por isso (exame especular, dor do parto)
lia e na sociedade, e tentando equilibrar e compreende melhor a paciente. Além,
tudo isso da melhor forma possível. Não claro, da vergonha que muitas pacientes
importa a idade, classe social ou religião, têm de se despir e expor sua intimidade
a mulher será sempre complexa, muitas (seja física ou psicológica) diante de um
vezes difícil de entender, e trazendo situ- homem, mesmo sendo ele profissional
ações que nem sempre estão nos livros, e ético. Independente disso, conside-
assim, obrigando o GO a utilizar-se não ro essencial ter sempre uma auxiliar ou

129
CAPITULO 10 Como Escolher a sua Residência Médica

colega no consultório. Em tempos de culta dos batimentos cardíacos fetais


processos médicos em voga, nunca é de- (estetoscópio de Pinard ou Sonar Do-
mais recomendar a prática da medicina ppler fetal), cartões de pré-natal, além
defensiva. Segundo dados do Conselho de dispor de aparelho para ultrassono-
Regional de Medicina do Estado de São grafia. Para o atendimento ginecológico,
Paulo (Cremesp), os GOs estão entre as é essencial ter a disposição espéculos de
cinco especialidades com mais queixas tamanhos variados – inclusive para pa-
ético-profissionais. cientes virgens – material para coleta de
exame preventivo (citologia oncótica ou
CONHECIMENTO NECESSÁRIO o famoso Papanicolau), e para uma as-
sistência complementar é opcional, po-
Em relação ao conhecimento formal rém recomendado, a disponibilidade de
utilizado na GO, por tratar-se de uma ultrassom e colposcópio.
especialidade com atividades clínicas e
cirúrgicas, basicamente tudo o que foi MERCADO DE TRABALHO E
visto na faculdade terá aplicação nesta QUALIDADE DE VIDA
área. É necessário desde o conhecimen-
to de anatomia; embriologia; cito-his- A obstetrícia e a ginecologia são es-
tologia; técnica cirúrgica; radiologia; pecialidades clinico-cirúrgicas que, em
psicologia; ética; farmacologia, além de conjunto, constituem uma das quatro
muito conhecimento relacionado à ex- grandes áreas da medicina. São cerca de
periência, que não se encontra em livro quatro mil médicos registrados na espe-
nenhum. cialidade no estado de São Paulo, porém
Percebemos no dia a dia que muitos este número dobra quando incluímos
dos nossos colegas não GOs têm medo outros profissionais, como os cirurgiões
de lidar com gestantes, por insegurança gerais, que também podem exercer al-
ou desconhecimento sobre o que pode gumas técnicas da área em seu trabalho.
ou não prejudicar o feto, e com frequên- Em levantamento realizado em 2011,
cia cabe ao GO tratar doenças que não havia mais de 22.000 GOs no Brasil, re-
fazem parte de sua especialidade, devi- presentando cerca de 11% de todos os
do a paciente estar gestante. especialistas médicos do pais. Pouco
mais da metade (51,5%) destes profis-
EQUIPAMENTOS E MATERIAIS sionais eram mulheres, e a maioria con-
centrava-se na região Sul. Juntas, a GO
Os equipamentos utilizados em nos- e a pediatria representavam, segundo a
sa prática diária são bastante diversos. pesquisa, quase um quarto de todos os
No atendimento a gestante de rotina, médicos titulados no Brasil.
precisa-se de pouca coisa: uma fita mé- Trata-se de uma especialidade que
trica, uma balança, aparelho para aus- classicamente tem uma reputação de

130
Ginecologia e Obstetrícia CAPITULO 10

péssima qualidade de vida. No entanto, onde se encontra o hospital; com o fato


são tantas as opções de trabalho para do plantão ser diurno, noturno, feriado;
o GO que é possível, sim, ter uma roti- com o formato da contratação do mé-
na organizada e que ofereça condições dico (CLT, autônomo, empresa médica);
adequadas para quem busca boas con- produtividade etc.
dições de trabalho. Obviamente, quem Há também a opção de prestar con-
opta por fazer atendimento pré-natal e curso público, trabalhar nas unidades
disponibiliza-se a realizar os partos das básicas de saúde do SUS, abrir seu pró-
pacientes (principalmente partos nor- prio consultório, ou ser contratado pe-
mais, por vezes preteridos por motivos los laboratórios. É comum no início da
diversos) terá horários de trabalho mais carreira, o GO atender em clínicas de ou-
imprevisíveis e surpresas nas madruga- tros colegas, pagando aluguel pela sala
das, feriados e finais de semana. Quem ou repassando o valor da consulta. Ter o
realiza atendimento ambulatorial gine- próprio consultório significa um investi-
cológico raramente sairá de sua rotina mento alto e com expectativa de retor-
pré-estabelecida, trabalhando em ho- no financeiro a longo prazo, por essa ra-
rários definidos. Aqueles que optarem zão, hoje em dia, muitos GOs adiam este
por exercer a profissão nos laboratórios, projeto ou mesmo desistem da ideia.
realizando exames complementares
(como colposcopia e ultrassonografia), A RESIDÊNCIA
também trabalham em horário comer-
cial, embora no início da carreira exista Muitas frases têm sido ditas a res-
a possibilidade de serem escalados para peito da residência, principalmente do
os finais de semana, principalmente em primeiro ano de residência: “O melhor
grandes centros como São Paulo, onde do R1 é que acaba”, “O R1 está abaixo de
os laboratórios atendem também du- um protozoário na cadeia alimentar” e
rante as noites e finais de semana. outras assustadoras definições.
Muito se fala de forma pejorativa a Mas o fato é que, na minha opinião,
respeito dos plantões. Estes, apesar de os anos (dois, três, quatro...) que passa-
cansativos, devido à duração extensa de mos na residência são os melhores das
12, 24, 36 horas, tem a vantagem de per- nossas vidas.
mitir ao médico organizar-se e limitar Por isso, ao escolher a residência, esta
suas atividades ao período de seu plan- escolha deve ser o mais sensata possível,
tão, pois acabado o horário do plantão, tentando conciliar nossas habilidades,
quem assume os cuidados das pacien- nossa expectativa com o mercado de tra-
tes é o colega que chega para render. balho, nossas influências pessoais e pro-
Em média, um plantão de 12 horas fissionais, para tentar alcançar aquilo que
paga em torno de R$ 900,00. Pode variar almejamos quando, na infância, nos per-
enormemente de acordo com a região

131
CAPITULO 10 Como Escolher a sua Residência Médica

guntaram: “O que você quer ser quando saiba tomar conduta mesmo na indispo-
crescer?” E respondemos: “Médico!” nibilidade de um superior, que domine
Os jovens geralmente têm muita a técnica cirúrgica de procedimentos
pressa de terminar tudo logo, de “che- rotineiros (ex: cesárea e histerectomia)
gar lá”, entretanto, é importante ter em e que, ao mesmo tempo, esteja se pre-
mente que o conhecimento e as opor- parando para uma subespecialização
tunidades de aprendizado com o qual ou nova residência, principalmente nos
nos deparamos durante a residência são grandes centros como São Paulo, em
incomparáveis com qualquer outro pe- que há uma demanda cada vez maior
ríodo de nossas vidas. A chance de per- por “superespecialistas”.
guntar, de confessar não saber, de ter a
quem pedir auxílio em um momento de A ESCOLHA DO HOSPITAL
dúvida são o grande diferencial dessa
fase. A escolha do serviço onde você irá
Então, fica um conselho / apelo para realizar a residência é tão importante
que você aproveite ao máximo tudo o quanto a especialidade em si. No Brasil,
que a residência oferece, mesmo que a temos os hospitais e maternidades que
realidade não seja compatível com as pertencem ou são conveniados ao SUS;
expectativas criadas no momento da os hospitais das grandes universidades
escolha. (como os Hospitais das Clínicas e as San-
O residente que vai ingressar no ser- tas Casas); e outras instituições, como a
viço deve ter em mente que, a princípio, rede privada, instituições de atendimen-
irá realizar trabalho braçal e repetitivo to aos funcionários públicos etc. Cada
e não terá quase nenhuma autonomia tipo de serviço tem suas características,
para tomar decisões sozinho. Em geral, seu público, seu perfil de profissional e
o R1 de GO cuida do pré-parto (acompa- de atividades exercidas pelos residen-
nhando as parturientes e realizando os tes. É importante atentar-se a essas pe-
partos normais), atende no pronto-so- culiaridades, pois há diversos casos de
corro e passa visita na enfermaria da ma- desistência de residentes que não se
ternidade. A partir do segundo ano de adaptam ao ambiente de trabalho.
residência, aumenta a responsabilidade, Para o médico receber o título de es-
pois o R2 tem que ensinar e supervisio- pecialista em Ginecologia e Obstetrícia,
nar o R1, e também começam os está- é necessário concluir residência médica
gios nas subespecialidades, como mas- (equivalente a pós-graduação) com du-
tologia. No terceiro ano, na maioria dos ração de três anos, em instituição reco-
serviços há uma redução da carga horá- nhecida pelo Ministério da Saúde (MEC).
ria de plantões. Em contrapartida, ocor- Alternativamente, pode-se prestar con-
re uma cobrança ainda maior por parte curso promovido pela Febrasgo.
da preceptoria, pois do R3 espera-se que

132
Ginecologia e Obstetrícia CAPITULO 10

ÁREAS DE ATUAÇÃO Medicina Fetal


Sexologia
A grande vantagem da GO é a vasta Ultrassonografia em ginecologia
gama de opções de atuação após a for- e obstetrícia
mação na residência médica, além das Mastologia
atividades já citadas anteriormente. Reproducao humana
Atualmente, estas são as áreas de
atuação da GO reconhecidas pelo Con- Existem ainda outras subespeciali-
selho Federal de Medicina (CFM): dades que, apesar de não reconhecidas
oficialmente, têm bastante espaço no
Endoscopia ginecológica mercado: patologia do trato genital in-
Densitometria óssea ferior, uroginecologia, oncologinecolo-
gia, endocrinologia ginecológica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

O caminho para a formação do GO direitos dos médicos. É importantíssimo


é longo e difícil de ser percorrido, com ressaltar que o médico tem de docu-
intermináveis horas de plantão, cardio- mentar tudo, todas as informações, os
tocografias, partogramas, banhos de lí- exames, as hipóteses diagnósticas. O
quido amniótico, dezenas de pacientes prontuário deve conter toda a lógica do
para atender no ambulatório e algumas raciocínio médico e por que foi tomada
situações indescritivelmente bizarras. aquela conduta. Ele tem de produzir
Hoje em dia, creio que um dos maio- provas enquanto está exercendo a me-
res desafios reside na prática da medici- dicina, tanto para dar perfeita juridicida-
na defensiva, e outro seria a eterna difi- de ao seu trabalho quanto para prote-
culdade de se trabalhar com os escassos ger e auxiliar o paciente.
recursos da saúde pública e mesmo da Só quem trabalha ou trabalhou no
saúde suplementar. SUS conhece os desafios enfrentados
Segundo o Cremesp, “a medicina por todos pacientes e médicos. Quem
defensiva sugere que o médico veja em nunca se deparou com uma gestante
todo paciente um potencial inimigo que que não fez pré-natal, porque não tinha
pode processá-lo a qualquer momento. médico na Unidade Básica de Saúde
Para evitar problemas, o médico deve (UBS) ou com uma paciente que precisa
usar todos os meios ao seu alcance, in- de uma avaliação do especialista, mas
clusive pedir exames desnecessários está aguardando a consulta há mais de
que possam salvaguardá-lo.” Lembre- seis meses?
mos que, dos 145 artigos do nosso Có- Na saúde suplementar, também te-
digo de Ética, somente nove tratam de mos situações desafiadoras, com um

133
CAPITULO 10 Como Escolher a sua Residência Médica

alto nível de burocracia para autorizar ao receber um elogio, ao ser pergunta-


procedimentos simples, ou interminá- da “onde é seu consultório?”, ou mesmo
veis papeladas a serem preenchidas ao segurar a mão de uma paciente em
para justificar certo tratamento. seus momentos finais. Hoje tenho qua-
Seria hipocrisia afirmar que não há se cinco anos de formada e há apenas
diferença no atendimento entre a pa- dois terminei minha residência. Ainda
ciente do posto de saúde e a paciente do me emociono com a dor e a alegria das
consultório particular. Na saúde publica, pacientes, ainda choro emocionada nos
fazemos um esforço tremendo para ga- partos e meu coração ainda murcha ao
rantir o mínimo possível para a paciente ter que dar uma notícia ruim a uma famí-
e, ainda assim, nem sempre alcançamos lia. E espero que isso nunca pare, porque,
o necessário. no momento em que eu parar de sentir
Apesar de todas as dificuldades, noi- tudo isso, significa que minha trajetória
tes em claro e surpresas desagradáveis, como GO chegou ao fim.
com toda a certeza sou, apaixonada pela Eu sei que jamais me permitiria con-
profissão que escolhi. Quem optar por tinuar trabalhando com algo que não
trilhar esse caminho, posso garantir que me despertasse essa paixão. Espero que
terá muitas dúvidas, medos, inseguran- você, colega, saiba também eleger o ca-
ças e até vontade de desistir, mas tudo minho que lhe cause todas essas emo-
é esquecido ao segurar um recém-nas- ções, e espero que eu tenha contribuído
cido em seus braços, ao curar uma pa- para isso, seja a sua escolha na GO ou
ciente, ao ouvir um “obrigado, doutora”, não.

SOBRE A AUTORA

Dra. Andrea Rebello Moreira é:

Médica pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP). Fez residência
em ginecologia e obstetrícia na Casa de Saúde Santa Marcelina e especialização em
patologia do trato genital inferior na Universidade Federal de São Paulo (USP).

REFERÊNCIAS

1. Site da Febrasgo. Disponível em:< http://www.febrasgo.org.br/>.


2. Site da Cremesp. Disponível em: <http://www.cremesp.com/>.
3. Site da Sociedade Brasileira de Mastologia. Disponível em: <http://www.sbmastologia.com.
br/>.

134
INFECTOLOGIA “

Dr. Diego Oliveira Teixeira
O pensamento é uma infecção. No caso de uns
certos pensamentos, torna-se uma epidemia.

Wallace Stevens

A A infectologia é a especialidade mé-


dica que se dedica a estudar as doenças
infecciosas e parasitárias, sejam elas
causadas por vírus, bactérias, fungos,
protozoários ou outros microrganismos
É, hoje em dia, um dos especialistas
que, do ponto de vista clínico, mais se
aproximam do médico generalista tradi-
cional, que tem como objeto de estudo,
trabalho e prazer, tão somente, o pacien-
e suas repercussões em indivíduos, em te. E pode ter uma importante partici-
diferentes populações e em ambientes pação também do ponto de vista insti-
específicos. tucional, uma vez que nesse contexto
Essa é uma especialidade que reúne necessita-se de um vasto conhecimen-
médicos atuantes em diferentes cam- to sobre a epidemiologia das infecções
pos da assistência à saúde, podendo para intervir no cuidado com popula-
contribuir atualmente no atendimento ções inteiras de pacientes, a depender
hospitalar, ambulatorial, na gestão em da frente de atuação.
saúde, vigilância epidemiológica, no
diagnóstico e enfrentamento das epide- O ESPECIALISTA E A SUA ROTINA
mias, no estudo das doenças emergen-
tes e reemergentes, entre outras áreas Versatilidade, tolerância e paixão. Se
de atuação. houvesse somente três características
O infectologista é um profissional para definir o perfil ideal do infectolo-
com uma abrangência de conhecimen- gista, estas seriam as mais relevantes
to muito diversificada, que vai além da para o que é hoje essa especialidade. Os
clínica médica e cobre aspectos da epi- porquês disso vão ficar claros ao longo
demiologia, imunologia, cirurgia, pedia- dessa conversa.
tria, psicologia médica, gestão e saúde Você deve imaginar o quão complexo
pública. deve ser se especializar em algo tão ge-
CAPITULO 11 Como Escolher a sua Residência Médica

nérico quanto “infecção”, afinal, as infec- atendimento, relação médico-paciente e


ções existem antes mesmo de os seres flexibilidade dos horários.
humanos pensarem em existir. São con- Há bastante demanda em consultó-
sequências naturais da interação entre rios de infectologia, principalmente no
seres vivos e destes com o seu ambiente. sistema público, porque abriga de forma
E são bem estes os nossos objetos de es- abrangente o tratamento de muitas do-
tudo: seres vivos e seu ambiente. enças da alçada do infectologista, mas
Diferentemente de outros especialis- isso está longe de dizer que os consultó-
tas médicos, o infectologista não estuda rios particulares não sejam uma boa op-
um órgão, um método diagnóstico, um ção. É grande a quantidade de pessoas
tipo específico de paciente ou tratamen- que procuram um infectologista pelos
to. Em verdade, a sensação é a de que, mais diversos motivos e, à medida que a
para nós, é obrigatório compreender resolutividade do tratamento de muitas
todos os tipos de pacientes, saber indi- doenças infecciosas vem melhorando,
car e interpretar de forma geral todos os a quantidade de pacientes aumenta a
métodos diagnósticos, saber lançar mão cada dia.
de todos os tipos de tratamento quando Pela porta do consultório adentrarão
forem necessários. E, depois disso tudo, as mais variadas situações, desde dúvi-
entender como as diferentes infecções das simples a respeito de exames até ca-
se comportam em indivíduos, popula- sos de doenças com várias implicações
ções e ambientes diversos. Lembro-me sociais, familiares, psicológicas e clínicas.
que, antes de iniciar a residência, ficava Vejamos, de forma geral, o que se aborda
cansado só de imaginar. mais comumente:
Deduz-se então que o infectologista • HIV: as infecções pelo vírus HIV e a
é, antes de tudo, um generalista. Tão ge- evolução para a Síndrome da Imu-
neralista quanto se possa imaginar. E aí nodeficiência Adquirida (SIDA/AIDS)
se cristaliza o conceito da versatilidade. são certamente a maior demanda
Você vai perceber isto claramente por atendimento dos consultórios de
avaliando as áreas de atuação do espe- infectologia. Com o advento dos tra-
cialista. tamentos atuais, muito mais eficazes
no controle da doença, os pacientes
INFECTOLOGIA AMBULATORIAL portadores do HIV, que antes tinham
um prognóstico sombrio e morriam
Aqui vamos discutir um pouco a em pouco tempo depois do diag-
respeito da atuação do infectologista nóstico, hoje controlam sua doença e
no consultório médico. Este nível de têm uma expectativa de vida próxima
atenção é um dos mais frequentemen- do normal. Serão pacientes do infec-
te procurados por várias especialidades tologista talvez por toda a vida. São
médicas, pela menor complexidade do dos pacientes mais complexos que

136
Infectologia CAPITULO 11

se possa imaginar, com suas deman- sexo masculino quanto do sexo fe-
das psicológicas e, por vezes, psiqui- minino. Também carregam doenças
átricas decorrentes do diagnóstico com alta carga de preconceito social
estigmatizante ou mesmo anteriores e não raro, também tem uma deman-
a este. Além disso, são clinicamente da psicológica importante. É sempre
desafiadores, por apresentarem um essencial, assim como no HIV, convo-
espectro muito amplo de manifesta- car parceiros sexuais para testagem e
ções clínicas causadas pela imunos- aconselhamento.
supressão e/ou pelas consequências • Medicina tropical: em consultórios
a longo prazo da terapia antirretrovi- de infectologia de regiões onde há
ral e da infecção pelo HIV. Proporcio- alta concentração de doenças en-
nam uma experiência bastante rica dêmicas, como nas regiões Norte e
do ponto de vista clínico, epidemio- Nordeste do Brasil, faz-se o acompa-
lógico e de relação médico-paciente. nhamento ambulatorial dos casos de
• Hepatites virais: esses são também várias doenças regionalmente rele-
pacientes frequentes no consultó- vantes e que, muitas vezes, são a de-
rio do infectologista. Os pacientes manda mais numerosa de pacientes
portadores das hepatites B e C, prin- nas regiões onde os casos de malária,
cipalmente, costumam procurar o leishmaniose cutânea e/ou visceral,
infectologista com frequência para esquistossomose, doenças fúngicas
tratamento e controle de suas doen- etc.
ças. São pacientes que não possuem • Medicina do viajante: em um mun-
a mesma demanda psicossocial do do cada vez mais integrado, as pesso-
paciente com HIV, mas que, por outro as tendem a viajar mais, assim como
lado, são um desafio do ponto de vis- diversificar os locais que visitam, é
ta clínico, uma vez que o tratamento natural imaginar que cada local pos-
das hepatites virais, principalmente sui suas endemicidades e aspectos
da hepatite C, tende a apresentar particulares de saúde ambiental.
muitos efeitos colaterais e durar mui- Dessa forma, é preciso sempre bus-
to tempo. O surgimento de novas car orientação médica antes de via-
drogas com um perfil de cura muito jar a cidades e países com situações
mais favorável tem aumentado muito epidemiológicas específicas, como
a quantidade de pacientes portado- a Europa com seus casos graves de
res de hepatite nos consultórios. sarampo, a Ásia com a gripe aviária,
• Doenças sexualmente transmissí- a África com seus casos de malária,
veis: pacientes portadores de DSTs ebola. São fornecidas informações a
também são pacientes assíduos no respeito de imunizações necessárias
consultório. Portadores de uretrites, antes da viagem e cuidados ao viajar,
sífilis, condiloma e outras, tanto do bem como de condutas para qua-

137
CAPITULO 11 Como Escolher a sua Residência Médica

dros clínicos iniciados após retorno INFECTOLOGIA HOSPITALAR


de viagens, principalmente interna-
cionais. Recentemente, viveu-se um Esse é outro nível de atenção bastan-
momento histórico nesse aspecto, te familiar ao infectologista. É fácil ob-
com a pandemia pelo vírus influenza servar dentro do âmbito de serviços de
A H1N1. E novas infecções devem vir internação que, boa parte e em alguns
por aí. casos, a maioria dos pacientes, está ali
• Tuberculose: no Brasil, esta é uma por algum quadro infeccioso ou ao me-
infecção bastante prevalente e cer- nos suspeita de infecção. Não é à toa
tamente muito frequente no am- que antibióticos estão entre as medica-
bulatório de infectologia, nas suas ções mais prescritas do mundo.
variadas formas. Tuberculoses pul- Nesse ponto é importante notar que
monares, renais, intestinais, gan- todas as situações enumeradas quando
glionares e com muitas outras ma- falamos de infectologia ambulatorial es-
nifestações clínicas serão comuns tarão presentes no cuidado hospitalar,
e demandarão tratamento longo e principalmente na fase aguda e/ou mais
com carga não desprezível de efeitos grave de suas doenças ou após insuces-
colaterais, bem como situações bas- sos terapêuticos no ambulatório. E, sen-
tante ricas do ponto de vista de diag- do boa parte delas um desafio no aten-
nóstico diferencial, principalmente dimento ambulatorial, serão ainda mais
nas tuberculoses extrapulmonares. desafiadoras no ambiente hospitalar,
• Infecções em geral: nem só de in- com manifestações clínicas das mais di-
fecções específicas vive o infectolo- versas, comumente muito graves e com
gista. É muito comum o infectolo- realidades psicossociais variadas, exigin-
gista ser procurado para casos das do uma visão clínica abrangente, postu-
infecções bacterianas, fúngicas ou ra adequada e uma grande quantidade
virais mais comuns, como pneumo- de atitude para conduzir o diagnóstico
nias, infecções de pele, osso e par- diferencial e a terapêutica. Nessa situa-
tes moles, infecções urinárias. São ção, o conhecimento e a qualidade do
infecções que também são tratadas médico serão testados ao máximo, não
com frequência pelo clínico geral tenham dúvidas.
ou outros especialistas, portanto, os Dito isso, vamos discutir nesse ponto
casos que chegam ao infectologista algumas atribuições do infectologista
são normalmente referenciados por especificamente no ambiente hospita-
outros colegas, frequentemente por lar e que vêm ganhando importância e
insucessos terapêuticos e com nível mercado de forma exponencial ao lon-
de complexidade mais alto do que go dos anos.
na sua apresentação inicial.

138
Infectologia CAPITULO 11

CONTROLE DE INFECÇÃO queio de possíveis surtos, racionalização


HOSPITALAR de antibióticos; estará responsável tam-
bém por fazer o controle ambiental das
Essa é uma atividade da maior im- unidades hospitalares, avaliando sua
portância e que tem ganhado muito estrutura, construção e modo de funcio-
peso ao longo dos anos, com o aumento namento, de modo a prevenir a veicula-
a níveis críticos da resistência bacteria- ção de infecções, bem como coordenar
na. As comissões de controle de infec- e orientar modificações do atendimento
ção hospitalar são um nicho cativo do devido a obras dentro do hospital; re-
infectologista, uma vez que um progra- alizar ações educativas para o staff do
ma de controle de infecção hospitalar é hospital e relatórios normativos acerca
exigido por lei (Portaria nº 2616 de 12 de dos procedimentos necessários para a
Maio de 1998) para toda instituição que prevenção de infecções; realizar plano
mantiver leitos de internação. de descarte de lixo e resíduos hospitala-
O médico controlador de infecção res, prevenção e condução de acidentes
hospitalar está envolvido em virtual- pérfuro-cortantes, dentre muitas outras
mente todos os processos que ocorrem atribuições.
dentro de um hospital, uma vez que to- Esse é um dos grandes nichos es-
dos podem estar relacionados à veicu- pecíficos do infectologista e aqui se faz
lação de infecção e estará intimamente necessária uma grande quantidade de
ligado às comissões que cuidam da se- conhecimento de gestão hospitalar e
gurança do paciente e da qualidade do gestão de pessoas, uma vez que, além
atendimento em vários hospitais, o que de exigir o conhecimento clínico bas-
agrega uma grande importância tanto tante vasto, uma vez que trata-se de
em serviços públicos quanto privados. gerir infecções em quaisquer unidades,
Nesse âmbito, o infectologista estará deve-se estar em íntimo contato com as
responsável por garantir o uso racional questões administrativas da instituição.
de antibióticos, avaliando caso a caso
as indicações de antibioticoterapia es- INTERCONSULTAS EM INFECTOLOGIA
pecífica prescrita por todos os médicos
do hospital, muitas vezes discutindo Essa é uma das atividades mais fre-
casos à beira do leito; analisar periodica- quentes do infectologista dentro do
mente, em conjunto com o laboratório hospital. Como infecções podem estar
de microbiologia, o perfil de microrga- presentes nos mais variados contextos,
nismos isolados nas culturas solicitadas qualquer paciente, de qualquer espe-
em todo o hospital para monitorizar cialidade, pode necessitar do parecer
o surgimento/evolução da resistência de um infectologista durante o seu tra-
bacteriana unidade por unidade, a fim tamento. As solicitações são as mais di-
de programar ações de prevenção, blo- versas, desde interpretação de exames,

139
CAPITULO 11 Como Escolher a sua Residência Médica

como os testes de sensibilidade aos an- acerca de onco-hematologia e imunolo-


timicrobianos, até dúvidas sobre como gia. Além disso, há que haver uma boa
conduzir um diagnóstico infeccioso e preparação para lidar com a terminali-
a melhor escolha terapêutica para um dade e a morte, muitas vezes frequentes
caso específico. Essa característica faz pela natureza e gravidade das doenças
com que o infectologista seja um dos dessa população.
especialistas mais solicitados para dar
pareceres dentro de um hospital e aqui INFECTOLOGIA EM SAÚDE PÚBLICA
se faz necessário um conhecimento mé-
dico bem diversificado para atender um Quem passou por uma faculdade de
público que vai desde neonatos e crian- medicina conhece a quilométrica lista
ças, passando por pacientes cirúrgicos, de doenças de notificação compulsória,
internados em unidades de terapia in- da qual 90% das doenças é de natureza
tensiva adultas e pediátricas, unidades infecciosa. Esse é um importante instru-
de queimados, até pacientes idosos e mento de investigação em saúde pública
mesmo em cuidados paliativos. e o infectologista está claramente inseri-
do nesse contexto, mas o enfoque aqui
IMUNOSSUPRIMIDOS NÃO-SIDA é a saúde de populações inteiras, abor-
dando-se o aspecto epidemiológico, es-
Essa é uma população de pacientes tudando-se a transmissão, distribuição,
bastante específica e compreendem, em subpopulações suscetíveis, planejando
sua grande maioria, os pacientes que se ações em larga escala para controlar do-
submetem a tratamento imunossupres- enças e conter surtos.
sor, seja por doenças onco-hematológi- Normalmente ligadas às secretarias
cas, seja para manutenção de transplan- de gestão de municípios, estados e paí-
tes de órgãos sólidos. Tais pacientes são ses, as atividades em saúde pública são
suscetíveis às doenças infecciosas como bastante abrangentes. Costumam se di-
nenhum outro e até mesmo mais susce- vidir em: ações de vigilância, como as da
tíveis a certas infecções do que os imu- Agência Nacional de Vigilância Sanitária
nossuprimidos pelo HIV. Bons centros de (Anvisa), que fiscaliza os estabelecimen-
hematologia e/ou transplante sempre tos de saúde e outros estabelecimentos
contam com infectologistas na equipe que possam estar implicados na trans-
médica, para coordenar a investigação missão de infecções, bem como monito-
diagnóstica e o tratamento das doenças riza aparições de doenças novas e surtos
infecciosas tão frequentemente diag- de doenças conhecidas; ações executo-
nosticadas nesses pacientes. Aqui cabe ras, como nas campanhas de vacinação
muito conhecimento a respeito de do- em larga escala, fazendo a busca ativa de
enças bacterianas e fúngicas invasivas, casos em surtos e implementando cam-
doenças virais e muito conhecimento panhas de medidas para conter epide-

140
Infectologia CAPITULO 11

mias, como nas campanhas contra den- tente concentrar as atividades em subá-
gue e Aids; ações normativas, criando reas específicas, menos ligadas à aten-
diretrizes de tratamento para doenças ção direta ao paciente, lidar com pessoas
que apresentam um impacto popula- continua sendo uma prerrogativa muito
cional considerável, auxiliando a criação forte, uma vez que neses casos a gestão
da legislação em saúde, normatizando de pessoas e atividades educativas são
como devem se estruturar serviços de extremamente frequentes e requerem
saúde e regulamentando vários produ- habilidades de liderança.
tos químicos, alimentos e medicamentos Para adentrar esse mundo, a residên-
comercializados no mercado brasileiro. cia médica em infectologia é o cami-
Depois de tudo isso, acho que enten- nho mais eficaz. Vamos conversar sobre
de-se porque ser versátil é importante como ela se estrutura.
nesse contexto. Ainda que, durante a
carreira do infectologista, haja a opção MERCADO DE TRABALHO
de se concentrar em uma área específica
de atuação, o conhecimento a respeito O infectologista tem ganhado bas-
de cada nuance dessa complexa espe- tante espaço no dia a dia dos atendi-
cialidade será de suma importância du- mentos médicos. Vários fatores impul-
rante a residência médica e na vida práti- sionam esse crescimento de mercado.
ca, mesmo pela natureza abrangente da Vamos enumerar alguns deles.
infectologia. Os pacientes com HIV, que há alguns
A ideia da tolerância, mencionada anos morriam sem esperança de contro-
anteriormente, vem do fato de que, para le da sua doença, hoje têm a oportuni-
ser um bom infectologista, há que se dade de receber tratamento de forma
despir de preconceitos, ter boa consci- universal e, desta forma, vivem mais e
ência coletiva e saber, acima de qualquer melhor. A demanda, portanto, de pa-
coisa, lidar com pessoas. A infectologia cientes com HIV cresce a cada dia e
lida, historicamente, com uma grande existe uma demanda grande não preen-
quantidade de doenças estigmatizantes, chida por infectologistas que atendam
que carregam um grande preconceito esses pacientes.
social e doenças ligadas a muitas maze- Outro fator é que no campo das he-
las humanas, como a pobreza extrema e patites virais, os novos tratamentos para
a drogadição. Não será difícil se deparar a hepatite C vêm exibindo perfis de cura
com pacientes usuários de drogas, em bastante animadores e isso tem atraído
situação de rua, com problemas liga- muitos pacientes aos consultórios para
dos à sexualidade e com toda sorte de que possam tratar-se, assim como en-
manifestações psicológicas e/ou psiqui- corajando a testagem para os vírus das
átricas durante a residência médica e hepatites virais. A perspectiva é também
mesmo na vida prática. E ainda que se

141
CAPITULO 11 Como Escolher a sua Residência Médica

a de que muitos pacientes sejam agre- que houvesse uma carência de profis-
gados nesse nicho. sionais no mercado, porém, a partir do
Além disso tudo, do ponto de vista momento em que o preconceito dimi-
hospitalar, a resistência bacteriana tem nui, as doenças são controladas, novas
atingido níveis alarmantes e a produção áreas de atuação surgem e há a neces-
de novos antibióticos não tem consegui- sidade crescente de quem entenda os
do acompanhar o poder de adaptação processos infecciosos de forma profun-
das bactérias. Isto faz com que as drogas da no sentido de solucionar problemas,
existentes tenham de ser muito melhor a demanda cresce, há carência de pro-
aproveitadas e utilizadas de forma cada fissionais no mercado, os salários pas-
vez mais criteriosa e a resistência bacte- sam a corresponder à importância que
riana tenha de ser cada vez mais com- o profissional adquire e a especialidade
preendida. O infectologista tem papel se torna bastante promissora.
determinante nesse processo executor/
orientador/educativo. Isso tem feito A RESIDÊNCIA
com que o infectologista seja cada vez
mais requisitado em âmbito hospitalar Os programas de residência médica
e adquira importância central na qua- em Infectologia credenciados na Comis-
lidade do atendimento e segurança do são Nacional de Residência Médica são
paciente. de acesso direto, não sendo exigidos
Também com o advento recente de pré-requisitos, e têm tempo de duração
novas drogas imunossupressoras, mais de três anos. Deverão ser desenvolvidos
eficazes no tratamento de cânceres he- preferencialmente em instituições que
matológicos e na manutenção de trans- possuam, pelo menos, um programa na
plantes de órgão sólidos, houve um área clínica e/ou na área cirúrgica.
importante crescimento nas infecções A estrutura dos programas de resi-
oportunistas em pacientes imunossu- dência médica deve distribuir entre 80
primidos não HIV nos últimos anos, es- a 90% de sua carga horária alocada nas
tabelecendo uma importante área de atividades de treinamento em serviço,
atuação para o infectologista. destinando-se 10 a 20% para ações te-
Durante muito tempo, houve o re- órico-complementares. As atividades
ceio da escolha da infectologia como teórico-complementares, além de con-
especialidade, principalmente devido à templarem os temas clínicos e epide-
alta carga de desgaste psicossocial dos miológicos pertinentes à especialidade,
pacientes e, consequentemente, do mé- devem constar também de temas rela-
dico. Além disso, só nos últimos anos a cionados com bioética, ética médica,
importância do uso racional de antimi- metodologia científica e bioestatística.
crobianos tem sido notada como uma Por se tratar de uma especialidade
prioridade maior. Isso contribuiu para que contempla subdivisão em áreas

142
Infectologia CAPITULO 11

de atuação, oferece-se em vários servi- mos anos de residência e no resto da sua


ços a possibilidade de anos opcionais vida como médico.
e adicionais para aprofundamento dos
conhecimentos e habilidades técnicas O SEGUNDO ANO
específicas naquelas áreas.
Esse é o ano em que os residentes
O PRIMEIRO ANO começam a ficar íntimos da infectolo-
gia e a assumir uma posição de coor-
O primeiro ano da residência de In- denação em relação aos residentes de
fectologia é dedicado à clínica médica. primeiro ano. O residente fará estágio
Neste período, o residente irá estagiar em unidades de internação e ambula-
em diferentes especialidades clínicas tórios de infectologia geral, terá uma
que variam de programa para progra- prévia das diferentes áreas de atuação
ma, em unidade de clínica médica, em específicas da infectologia e continuará
unidade de urgência/emergência e terá contemplando o conteúdo de medici-
uma prévia do conteúdo específico de na de urgência/emergência acrescido,
infectologia. Algumas especialidades algumas vezes, de medicina intensiva.
frequentemente contempladas são Aqui o estudo teórico passa a ter gran-
pneumologia, gastroenterologia, reu- de importância, afinal, é o ano onde se
matologia, dermatologia, entre outras, começa a ter contato direto com a espe-
afora o conteúdo específico de infec- cialidade que foi escolhida e assume-se
tologia, clínica médica e medicina de também uma posição de coordenação/
urgência. Este é o primeiro e provavel- orientação em relação aos residentes de
mente mais trabalhoso ano da residên- primeiro ano. Nesse ano também costu-
cia médica. É, provavelmente, o ano ma-se ter mais tempo livre que no ante-
onde a maior prioridade não vai ser o rior (mas nem sempre!). Aproveite para
estudo (embora o estudo teórico deva estudar bastante.
sempre ser contemplado), uma vez que
as passagens nos diferentes serviços são O TERCEIRO ANO
curtas. Nesse ano, deve-se preocupar
principalmente em adquirir postura e Esse é o ano em que o residente en-
atitude, e isso se adquire lidando com tra em contato com as várias áreas es-
as pessoas. Aproveite que é o ano mais pecíficas de atuação do infectologista.
trabalhoso e veja o máximo de pacien- Estagiará na comissão de controle de
tes que puder, chegue mais cedo e saia infecção hospitalar, passará a responder
mais tarde se for necessário e procure pedidos de pareceres feitos por outros
trabalhar a relação médico-paciente. especialistas e contemplará conteúdos
Fará uma enorme diferença nos próxi- mais específicos, como imunizações e

143
CAPITULO 11 Como Escolher a sua Residência Médica

infecções em imunossuprimidos não É importante notar, na escolha de


HIV, sem deixar, no entanto, as ativida- qualquer programa de residência mé-
des ligadas à infectologia geral. É nesse dica, que trata-se de treinamento em
ano que o residente traça o perfil de serviço e que os anos que forem passa-
profissional que será durante a carreira, dos na residência refletirão por toda a
com que área de atuação se identificará carreira futura. Falando dessa especia-
mais e se consolidará como um verda- lidade, são três anos de residência que
deiro infectologista. vão valer pelos próximos 30 anos de
Além do conteúdo que foi citado infectologia. Portanto, há que se perce-
acima e que pode ser variável, boa par- ber que o treinamento é intenso, que os
te dos programas de residência oferece momentos de insegurança serão vários,
meses de estágio opcionais, para que o são normais e até mesmo esperados e
residente escolha o conteúdo e o serviço que há muito mais a se aprender numa
de sua preferência para estagiar. E caso residência médica do que as nuances da
deseje se aperfeiçoar em alguma área especialidade. O verdadeiro aprendiza-
de atuação após a residência de infecto- do é o aprendizado humano. Serão anos
logia, há programas de infectologia hos- muito marcantes, cheios de lembranças.
pitalar em alguns serviços bem como Faça muitos amigos. Aproveite.
estágios de aperfeiçoamento em áreas
específicas, como pacientes imunossu-
primidos não HIV e hepatites virais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

Dentre as características que citei no nuances. Portanto, há que se exercitar o


início, versatilidade, tolerância e paixão, lado humano de modo muito profundo
os porquês das duas primeiras devem e isso será testado incessantemente du-
ter ficado explicados durante essa dis- rante a residência e durante a carreira.
cussão. Mas e a última? Dessa forma, o que posso dizer so-
Eu poderia parar por aqui e dizer que bre paixão é que infectologistas são
paixão não se explica, mas o fato é que frequentemente apaixonados pelo que
você deve ter percebido que não deve fazem e é essa paixão que faz o comple-
ser fácil ser infectologista. É uma espe- xo parecer simples. E se você é um apai-
cialidade complexa, de natureza pura- xonado pela medicina e pelas pessoas,
mente clínica, onde as pessoas são o é versátil e é tolerante, seja bem-vindo.
objeto fundamental, com todas as suas Você já é um infectologista de espírito.

144
Infectologia CAPITULO 11

SOBRE A AUTOR

Dr. Diego Oliveira Teixeira é:

Médico pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Fez residência médica em in-
fectologia pelo Hospital Heliópolis e residência médica em infectologia hospitalar
pela Universidade Federal de São Paulo (USP). Atua como médico preceptor da re-
sidência médica do Hospital Heliópolis e infectologista do Centro de Referência e
Treinamento em DST/Aids (CRT).

REFERÊNCIAS

1. Veronsesi. Tratado de infectologia. 4ª Ed. Atheneu, 2009.


2. Sociedade Brasileira de Infectologia. Disponível em: <http://www.infectologia.org.br. Acesso
em: 02 fev. 2014.

145
MEDICINA DE
FAMÍLIA E COMUNIDADE


Lua Sá Dultra

Um sistema de saúde com forte referencial na
atenção primária à saúde é mais efetivo, mais
satisfatório para a população, tem menores
custos e é mais equitativo - mesmo em contextos
de grande iniquidade social.

Barbara Starfield

A A medicina de família e comunidade


é uma especialidade médica muito an-
tiga, que vem se reestruturando na me-
dida em que os modelos de atenção à
saúde se modificam. Se caracteriza por
utilizando tecnologias de cuidado com-
plexas e variadas.1,2
A saúde da família é a estratégia bra-
sileira que compõe majoritariamente
na Atenção Primária à Saúde (APS), que
prestar assistência à saúde de forma por sua vez compõe o Sistema Único de
continuada, para todas as faixas etárias Saúde. A APS tem alguns fundamentos,
e ambos os sexos, de forma integral, que embasam a clínica e o processo de
longitudinal e qualificada, independen- trabalho das equipes de saúde da famí-
te do problema de saúde apresentado, lia, que são:
tendo como enfoque não só a cura, mas • Longitudinalidade: a garantia da
também a promoção e a proteção da continuidade do cuidado (um pa-
saúde, a prevenção de doenças, a redu- ciente que está sendo visto hoje tem
ção de danos e a reabilitação. Isso quer grande chance de ser revisto pelo
dizer que o contato das pessoas com o mesmo profissional tempos depois),
médico se dará mesmo na ausência da tendo o vínculo entre médico-pes-
doença, sendo essa prática inclusive cri- soa como ferramenta terapêutica;
teriosamente estimulada. Aborda ques- • Integralidade: a qualidade de cuida-
tões biopsicossociais e tem a família e do feita considerando aspectos biop-
a comunidade como objetos da clínica, sicossociais e abordando promoção
CAPITULO 12 Como Escolher a sua Residência Médica

da saúde, prevenção de agravos, medicina de família e comunidade. En-


cura e reabilitação, além de encami- tre os pólos de uma prática sanitária e
nhamento seguro a outros pontos da individual, existe um espectro ainda em
rede; construção.
• Coordenação do cuidado: a integra-
ção de todas as abordagens realiza- O PROFISSIONAL E A SUA ROTINA
das nos outros serviços com o cuida-
do global do paciente; Atualmente, a maior parte dos médi-
• Acesso: a garantia da utilização do cos de família e comunidade que atuam
serviço de saúde quando necessá- na clínica trabalham na estratégia de
rio.3 saúde da família (ESF), mais conhecida
como programa de saúde da família
A medicina da família e comunidade (PSF). Dada a sua alta capacidade de for-
(MFC) nasceu da saúde coletiva, da me- necer assistência à saúde de qualidade
dicina preventiva e da epidemiologia, a à população (quando da adequação dos
partir do entendimento de que o pro- recursos), o programa se tornou parte
cesso de saúde-doença está intimamen- da Política Nacional de Atenção Básica
te relacionado com o meio em que a (Pnab), sendo hoje denominado Estraté-
pessoa vive, as relações pessoais, sociais gia de Saúde da Família(ESF).1
e econômicas que estão estabelecidas As unidades de saúde da família
no território. Ao mesmo tempo, tem a (USF), conhecidas também como pos-
dimensão do individual intrínseca na tos de saúde, concentram a equipe de
sua prática clínica, ao valorizar a experi- saúde da família, que é formada por
ência de sofrimento/doença da pessoa médico(a), enfermeiro(a), técnicos(as)
e ao individualizar cada história, mesmo de enfermagem, agentes comunitários
levando em consideração as caracterís- de saúde (ACS), podendo ou não con-
ticas epidemiológicas. Nesse ponto, ain- ter odontólogo(a) e técnico(a) de saúde
da há muito o que avançar, pois, apesar bucal. São responsáveis por uma popu-
de a medicina de família e comunidade lação de no máximo 4.000 habitantes,
ter nascido da saúde coletiva, da medici- sendo recomendado 3.000 habitantes,
na preventiva e da epidemiologia, não é e podendo adscrever também apenas
um desmembramento destas. Tampou- 2.000 habitantes, se população de alta
co é uma especialidade clínica como as vulnerabilidade. Esse serviço de saúde
outras, com a epistemologia tradicional se situa no território, ou seja, necessa-
e na qual a anamnese hospitalar tem riamente está na região onde as pessoas
boa aplicabilidade. A Medicina baseada habitam, com o propósito de facilitar o
em evidências tradicional, hospitalar, acesso da população à Unidade e tam-
ou mesmo ambulatorial, porém fora do bém de facilitar o acesso dos profissio-
território, encontra limites na prática da nais de saúde ao domicílio das pessoas

148
Medicina de Familia e Comunidade CAPITULO 12

e a outros equipamentos sociais, já que ma Sanitária que culminou com a cria-


a responsabilidade sanitária e o cuida- ção do SUS em 1988, criou-se um mito
do domiciliar fazem parte da saúde da de que as USF cuidassem apenas de par-
família.1 celas da comunidade com maior vulne-
Usualmente as USF funcionam em rabilidade (mulheres, gestantes e crian-
horário comercial, das 8h às 17h, de ças), principalmente em políticas de
segunda a sexta-feira, porém, recente- rastreamento de câncer de colo de útero
mente, tem havido uma extensão dos e mama, atenção ao pré-natal e preven-
horários de atendimento e a inclusão do ção de desnutrição energético-protéica.
sábado de manhã, ampliando o acesso A perspectiva desse modelo de atenção
à população trabalhadora que tem difi- à saúde vigente é priorizar esses grupos
culdades para utilizar os serviços de saú- e essas ações, mas não excluir os outros.
de. A necessidade de atendimento em Existe então no imaginário acadêmico,
horário estendido veio da avaliação de popular e mesmo entre os profissionais
usuários homens, principalmente, que de saúde a ideia de que a especialidade
referiram o funcionamento somente medicina de família e comunidade cui-
em horário comercial como restritor do da apenas de promover saúde e preve-
acesso ao serviço. nir agravos, quando, na verdade, desde
A contratação dos médicos de famí- a sua criação, faz parte do seu conjunto
lia e comunidade podem ser por 20, 30 de ações também curar e reabilitar.
ou 40 horas. Na última modalidade, está Assume-se que uma equipe de saú-
previsto pela Pnab, com anuência prévia de da família bem formada em uma es-
do gestor, a liberação de oito horas sema- trutura adequada possibilita a resolução
nais para atividades na rede de urgência de 75 a 85% dos problemas trazidos pela
do município, atividades de especializa- comunidade, na maioria dos países.3
ção em saúde da família, residência mul- Em um mundo em que as relações
tiprofissional e/ou medicina de família e de poder definem diretamente o modo
comunidade ou atividades de educação de vida das pessoas, na maioria das ve-
permanente e apoio matricial.1 zes adoecedor, é importante o entendi-
Em uma semana padrão de aten- mento de que a doença vai acontecer,
dimento, são realizados atendimentos a despeito de todas as abordagens no
ambulatoriais, pequenos procedimen- território de promoção e prevenção. Em
tos, visitas domiciliares, atividades de diversas situações, o território apresen-
territorialização, atividades em grupo e ta mais problemas que potencialidades,
articulações comunitárias, além de reu- restringindo as possibilidades de busca
niões de equipe, administrativas ou para de novos estilos de vida. Daí tira-se a im-
discussão de casos.1,2 portância da boa competência técnica
Desde a implantação do PSF em que o(a) médico(a) de família e comu-
1994, nascido do movimento da Refor- nidade deve ter, para tratar as doenças

149
CAPITULO 12 Como Escolher a sua Residência Médica

que certamente surgirão, e também de prestada e insatisfação do trabalhador,


fomentar a organização política e social gerando um círculo vicioso.
das comunidades em que trabalhem. Faz parte, portanto, das competên-
Apenas dessa forma serão possíveis as cias do médico de família e comunidade,
transformações de estilos de vida, resul- a habilidade para trabalhar em equipe,
tado direto das relações pessoais, sociais de forma horizontal e coletiva, amplian-
e econômicas estabelecidas. Atento que do a concepção já bem estabelecida de
essa abordagem faz parte diretamente que um cuidado adequado se faz com
da clínica. Nesse sentido, uma ferramen- pactuação com o paciente, o que cha-
ta importante a ser estimulada pelo(a) mamos de método clínico centrado na
médico(a) de família e comunidade é a pessoa.4
formação do Conselho Local de Saúde Para que todos os trabalhadores da
(CLS), um conselho de caráter consulti- equipe desenvolvam suas funções de
vo, formado por 50% de usuários do ser- forma adequada, precisam estar satis-
viço e 50% de trabalhadores e gestores. feitos com a sua prática e se reconhe-
Tal orgão tem como objetivo formular o cerem no seu processo de trabalho. De
planejamento do trabalho da USF, pro- outra forma, engessados no dia a dia da
por articulações com a comunidade e função, um trabalho fundamentalmen-
com os Conselhos Distritais e Municipais te criativo, como é o de uma USF, fica
de Saúde, além de se configurar como limitado, com reverberação para toda a
espaços de sociabilidade. Os conselhos equipe.5
de saúde fazem parte do princípio do Sendo assim, faz-se necessário que o
SUS chamado Controle Social. médico se dispa completamente da fun-
A dinâmica do trabalho na Saúde da ção de chefe da equipe, sem deixar de
Família requer um afinamento da equi- ser propositivo.
pe para ser bem sucedido. O fato de O contato intenso com o paciente e
uma equipe mínima de profissionais (já sua família é muito gratificante. Quando
descrita acima) ser responsável por aco- realizado um bom vínculo com os usu-
lher, atender e encaminhar uma popu- ários – o que ocorre na grande maioria
lação adscrita que varia entre 2 a 4 mil das vezes – a equipe de Saúde da Fa-
pessoas (frequentemente o dobro ou o mília se transforma em uma referência
triplo dessa quantidade), com todas as para a vida dessas pessoas, muitas ve-
questões administrativas intrínsecas a zes balizadora de decisões importantes
um serviço de saúde (nem sempre existe e confortadora de momentos difíceis.
a figura do gerente na USF), implica ne- Frente a tantos problemas de vida que
cessariamente que o trabalho de todos os profissionais se deparam (violên-
seja partilhado e pactuado. Quando isso cia física e verbal, dentre as quais vale
não acontece, com frequência se obser- destacar a violência contra a mulher e
va redução da qualidade da assistência à criança, abuso sexual, exploração do

150
Medicina de Familia e Comunidade CAPITULO 12

trabalho etc), à medida que o tempo de tórax, de ossos, mamografia, ECG etc.
passa e a experiência soma, certamente e de realizar pequenos procedimentos,
passam a vivenciá-los de maneira mais como exérese de lipomas e cistos, acan-
técnica. Porém, na relação médico-pes- toplastia, drenagem de abscessos etc.
soa que se cria, não só o médico afetará Sua atuação deve ser influenciada pela
o paciente, como necessariamente sairá comunidade e seu território, enfatizan-
afetado. É importante que essa afetação do a promoção da saúde e a prevenção
seja ativadora de processos (discussão de agravos, com boas técnicas de atua-
com equipe, adequação do processo de ção em grupos educativos e terapêuti-
trabalho, proposição de novos grupos cos. Deve ter habilidades para trabalhar
ou articulação comunitária, supervisão em equipe e entender que a relação
clínica por equipe externa à equipe de médico-pessoa é fundamental para o
saúde da família); dessa forma, não ape- desempenho de uma boa assistência.8
nas se evitará a frustração dos profissio-
nais, como a experiência do vivenciado MERCADO DE TRABALHO
ajudará tecnicamente nas experiências
futuras. Os médicos de família e comunidade
Além do contato intenso com o pa- são absorvidos na estratégia de saúde
ciente e sua família, existe também o da família, principalmente, e também
contato com a comunidade, que ali- em serviços de atenção domiciliar não
menta e é alimentada pelo contato com vinculados à ESF, em serviços de saú-
o paciente e sua família. O território no de mental e na gestão. Sendo assim, a
qual a equipe de saúde da família está maior parte dos empregadores são os
inserido não é apenas um emaranhado municípios. Apesar de ser garantida por
de casas, com um número especificado lei, a obrigatoriedade de provimento de
de construções de tijolo, madeira ou direitos trabalhistas, o que inclui carteira
barro, postes de energia elétrica, esco- assinada, recolhimento de Fundo de Ga-
las, bares, esgotamento a céu aberto rantia do Tempo de Serviço (FGTS), férias
etc. O território é um espaço vivo, onde remuneradas, 13º salário, 1/3 adicional
também se pratica a clínica, e de onde de férias, apenas uma parcela minoritá-
as ações da equipe devem sempre se ria dos municípios contratam médicos
basear.6,7 de família e comunidade dessa forma. In-
Em resumo, o médico de família e felizmente, é comum a precarização do
comunidade deve ser um clínico qualifi- vínculo de trabalho desses profissionais.
cado, com boas técnicas de anamnese e Alguns municípios realizam concurso
exame físico, considerando que a prope- público, principalmente os do eixo Sul-
dêutica desarmada ainda é sua principal -Sudeste. Alguns deles exigem que os
forma de investigação. Deve saber ler os profissionais tenham titulação na área
exames mais comuns, como radiografia (residência ou especialização em medici-

151
CAPITULO 12 Como Escolher a sua Residência Médica

na de família e comunidade) ou aumen- verba para remuneração desses profis-


tam a remuneração conforme titulação, sionais, através do abatimento do Piso
com plano de cargos, carreiras e salários de Atenção Básica (PAB) variável – verba
bem estabelecido. repassada do ministério da saúde para
Devido à diversidade brasileira em ser utilizada pelo município para a saú-
geografia, acesso e características popu- de da família – ainda assim desonerando
lacionais, à baixa interiorização das uni- a receita municipal. Por entender que a
versidades e à precarização trabalhista, residência é a forma mais qualificada de
existem muitos municípios no Brasil com formação do médico de família e comu-
vagas ociosas de profissionais médicos, nidade, é importante que sejam direcio-
um grande desafio para a saúde pública. nados também recursos financeiros para
As políticas de provimento de pro- esse projeto, e não apenas para os pro-
fissionais médicos (Programa de Valo- gramas de provimento de médicos.
rização da Atenção Básica – Provab – e
Mais Médicos) requerem, concomitan- A RESIDÊNCIA
temente, outras políticas mais estrutu-
rantes que garantam a permanência de Houve um crescimento importante
profissionais da saúde nas regiões com das Instituições que oferecem programa
maior vulnerabilidade social, como, por de residência de medicina de família e
exemplo, um plano de cargos, carreiras e comunidade nos últimos anos.
salários no SUS. Existem vários modelos de residên-
Atualmente, os trabalhadores da saú- cia em medicina de família e comuni-
de e a Sociedade Brasileira de Medicina dade (MFC). Por se tratar de uma resi-
de Família e Comunidade (SBMFC) pau- dência relativamente nova (inicialmente
tam esse tema com a atual gestão, mas chamada de medicina geral e comuni-
ainda não há perspectiva para implanta- tária), o melhor modelo ainda está em
ção de um plano de carreira. Além disso, construção, sendo debatido tanto pela
é importante que essas políticas de pro- SBMFC, quanto pelo Ministério da Saú-
vimento não sejam o modelo de gestão de. Ademais, talvez não se chegue à
prioritário escolhido pelos municípios, e conclusão de qual é o melhor modelo,
que existam outras formas de contrata- tendo cada um deles pontos positivos e
ção, de preferência por concurso público. negativos, que se adequam aos variados
Outro ponto estruturante é a elabo- perfis.
ração de uma política para programas Atualmente, as maiores diferenças
de residência de MFC, com destinação entre os modelos de residência em me-
de recurso para complementação da dicina de família e comunidade se refe-
bolsa do residente. Os atuais programas rem à:
de provimento de médicos recebem • Inserção do residente na USF: o re-
diretamente do Ministério da Saúde a sidente assume sozinho a equipe

152
Medicina de Familia e Comunidade CAPITULO 12

de saúde da família, recebendo pa- dros). Existe uma parcela de médicos de


gamento integral pelo município; o família e comunidade que defendem a
residente assume a equipe com ou- importância do residente permanecer
tro residente, recebendo pagamento algum período na USF sem preceptoria,
parcial pelo município; o residente pois entendem que a autonomia é uma
faz parte da equipe do preceptor ferramenta importante para o trabalho
e recebe apenas o pagamento da nesse campo e que deve ser trabalhada
bolsa do Ministério da Educação e na residência, com a garantia de que o
Cultura (MEC) referente à residência residente possa acessar virtualmente o
médica; preceptor quando sentir necessidade.
• Preceptoria: o residente pode rece- Questiona-se a essa linha, porém, que
ber preceptoria em tempo parcial ou a preceptoria integral não significa ne-
integral. cessariamente perda de autonomia, a
depender do desenho e do projeto po-
Entre essas variáveis, existe um es- lítico-pedagógico proposto.
pectro de possibilidades, como, por A última resolução da CNRM, datada
exemplo, residente fazendo parte da de 2006, coloca que 50% da carga horá-
equipe do preceptor e ainda assim rece- ria da residência deva ser em serviços de
bendo uma bolsa pelo município, após atenção primária à saúde, não especifi-
garantia via contrato que, terminada a cando se Unidade Básica de Saúde (UBS)
residência, trabalhará neste município ou Unidade de Saúde da Família (UFS) (a
por um período especificado. primeira conta com o modelo de equipe
As possibilidades de desenho de tradicional, em que existe um pediatra,
inserção do residente trazem algumas um ginecologista e um clínico, e não um
considerações pedagógicas importan- médico de família e comunidade).9
tes, pois, na maioria dos casos, o resi- O que se observa na maioria dos
dente que assume ou divide a equipe programas é o movimento de inserção
não tem preceptoria presencial integral cada vez maior do residente na USF. Cer-
(vale à pena ressaltar que o movimento tamente, a medicina de família e comu-
nacional da SBMFC e da Comissão Na- nidade bebe de outras especialidades,
cional de Residências Médicas (CNRM como a Clínica Médica (especificando
) é exigir a preceptoria integral, apesar principalmente a Geriatria, a Cardio-
das divergências sobre a real possibili- logia, a Endocrinologia), a Cirurgia, a
dade e necessidade: de um lado a pe- Pediatria, a Ginecologia e Obstetrícia e
quena quantidade de profissionais com a Medicina Preventiva e Social. Portan-
residência ou especialização em saú- to, o residente de medicina de família
de da família e a não priorização dessa e comunidade na grande maioria dos
qualificação pelo Governo; do outro, a programas irá passar por estágios nes-
necessidade de formação de novos qua- sas especialidades, em ambulatórios,

153
CAPITULO 12 Como Escolher a sua Residência Médica

hospitais ou UBS. Porém, a tendência de que se adeque às demandas de cada


intensificar a inserção do residente na um. Alguns estágios externos à USF são:
USF vem do entendimento de que é pre- pequenas cirurgias; emergência para
ciso construir uma nova clínica em que adultos e pediátrica; plantão em mater-
a saúde da família se encaixe melhor. A nidade para treinamento de assistência
experiência pedagógica de egressos da ao parto natural; ambulatório de Endo-
residência fala que os maiores aprendi- crinologia (geral, tireoidopatias, diabe-
zados são aqueles que, dentro da longi- tes); ambulatório de geriatria, cardio-
tudinalidade do cuidado, se desenrolam logia, ginecologia (ambulatório geral,
e estimulam o conhecimento. inserção de DIU) e obstetrícia (pré-natal
O dia a dia do residente é formatado de alto risco), Infectologia (tuberculose,
no intuito contemplar as competências hanseníase, HIV); pediatria (geral e al-
que o médico de família e comunida- gumas subespecialidades), Oftalmolo-
de deve ter, já citados acima. A agenda gia, Otorrinolaringologia, Medicina do
dentro da USF tenta seguir a rotina do Trabalho, Dermatologia, treinamento
médico de família e comunidade, com de laudo de imagens com a Radiologia,
atendimentos a todas as faixas etárias, treinamento em gestão, Medicina Rural,
agendados ou de demanda espontâ- Saúde Mental (em Centros de Atenção
nea, visitas domiciliares, atividades em Psicossocial (CAPS) ou em emergências
grupo e reuniões administrativas. São psiquiátricas).
agendados para o residente um número É comum haver horários noturnos
menor de pacientes por turno, para que para reuniões, aulas e planejamentos (o
haja discussão com o preceptor, com formato e o foco também variam con-
exceção dos casos em que o residente forme cada programa de residência).
assume uma USF sozinho (o número Dificilmente a carga horária de uma re-
de pacientes a serem atendidos não se sidência de medicina de família e comu-
modifica). Quando é feito atendimento nidade ultrapassa as máximas 60 horas
conjunto, outras habilidades do médico definidas.
de família e comunidade (que são a es- Os elementos centrais para que a
cuta qualificada, a entrevista motivacio- residência seja ideal são a garantia de
nal, o método clínico centrado na pes- preceptoria adequada, seja ela integral
soa) podem ser trabalhados, pois estas ou parcial; o cumprimento de carga ho-
se desenvolvem principalmente com rária prioritariamente nas UFS; elabora-
observação mútua. ção de plano de aulas que contemplem
Os estágios externos à USF também os principais nós identificados na práti-
variam conforme o programa de resi- ca, ministradas preferencialmente por
dência. É importante que esses progra- médicos de família e comunidade ou
mas sejam avaliado previamente à rea- especialistas com inserção na atenção
lização das provas, buscando um perfil primária à saúde; e estágios secundários

154
Medicina de Familia e Comunidade CAPITULO 12

concatenados com a dinâmica de uma USF, que qualifiquem a produção do cuida-


do a grupos ou doenças específicos na atenção primária à saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

A medicina de família e comunidade Às universidades também cabe um


é uma especialidade muito gratificante. papel central, que é a reordenação do
O contato longitudinal com o paciente, currículo da graduação médica, com
sua família e a comunidade são poten- foco nas maiores necessidades do povo
cializadores de um cuidado mais quali- brasileiro, quebrando o paradigma de
ficado. que uma boa assistência à saúde se faz
Como já dito, por ser de extrema im- apenas dentro do hospital.10
portância para a saúde pública, são ne- As unidades de saúde da família
cessários maiores investimentos e pla- propõem um cuidado em saúde que
nejamentos pelos órgãos públicos, que extrapola a realização de pré-natal, pue-
visem garantir direitos trabalhistas aos ricultura e vacina, abrangendo integral-
profissionais, formação em saúde e uma mente as necessidades da pessoa, de
educação continuada de qualidade. sua família e da comunidade.

SOBRE A AUTORA

Lua Sá Dultra é:

Médica pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) e residente de medicina da famí-


lia e comunidade na Universidade de São Paulo (USP) - Unidade de Ribeirão Preto.

REFERÊNCIAS

1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica.


Política Nacional de Atenção Básica, 2012. Brasília, DF.
2. Gusso G, Lopes JMC, organizadores. Tratado de Medicina de Família e Comunidade: princí-
pios, formação e prática. Porto Alegre: Artmed, 2012.
3. Starfield B. Atenção primária. Equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia.
Brasília: UNESCO; 2002.
4. Paim JS. Perspectivas de sistema público de saúde no Brasil. Revista da Associação de Saúde
Pública do Piauí 1:120-132, 1998.
5. Campos GWS, Guerrero AVP, organizadores. Manual de Práticas em Atenção Básica: Saúde
Ampliada e Compartilhada. 2ª Edição. São Paulo: Hucitec; 2010.

155
CAPITULO 12 Como Escolher a sua Residência Médica

6. Santos, M. Metamorfoses do espaço habitado, fundamentos teórico e metodológico da geo-


grafia. Hucitec. São Paulo, 1988.
7. Pereira MPB, Barcellos C. O território no Programa de Saúde da Família. Hygeia, 2(2):47-55, jun
2006.
8. Stewart M, Weston WW, McWhinney IR, McWilliam CL, Freeman TR, Meredith L, Brown JL. Me-
dicina Centrada na Pessoa. 2ª Edição. Artmed 2010.
9. Brasil. Resolução CNRM no. 02/2006, de 17 de maio de 2006. Publicado no DOU no. 95, de
19/05/06, seção 1, páginas 23-36.
10. Tavares-Neto J. Contribuições das especialidades médicas à atenção primária à saúde. Con-
texto: Salvador, 2006.

156
MEDICINA DO TRÁFEGO
Dra. Vera Simone Costa Campos de Moura



O carro tornou-se um artigo de vestuário
sem o qual nos sentimos incertos, despidos, e
incompletos no complexo urbano.

Marshall Mcluhan

N No mundo globalizado em que vi-


vemos, é cada vez maior a necessidade
de intercâmbio entre os povos. Assim
sendo, diversos são os meios de trans-
porte desenvolvidos visando facilitar a
a Associação Internacional de Medicina
do Tráfego (ITMA - International Traffic
Medicine Association), no mesmo ano.

HISTÓRICO
vida das pessoas e os deslocamentos
populacionais. À medida que o homem No Brasil, a medicina do tráfego é
encontra meios para facilitar a sua loco- uma especialidade relativamente jovem
moção, com a utilização de aeronaves, se comparada às demais existentes. Em
trens de última geração, automóveis 1980 fundou-se no Brasil, Associação
possantes, motocicletas, surgem os pro- Brasileira de Medicina do Tráfego (Abra-
blemas trazidos pela superpopulação, met), que tem como missão maior, a
pelo trânsito caótico e o crescimento preservação da vida e a mitigação do
urbano desordenado. sofrimento, realizando ações e estudos
Preocupados com o crescente nú- capazes de contribuir para a promoção
mero de acidentes de trânsito em todo da saúde e a prevenção de acidentes de
o mundo, um grupo de médicos legistas trânsito.
idealizaram, durante um Congresso de A Abramet congrega os especialistas
Medicina Legal em Nova York, no ano de em medicina de tráfego, divulgando o
1960, a criação de uma organização in- conhecimento sobre as questões rela-
ternacional para estudar as causas e mi- cionadas à medicina e segurança de trá-
nimizar os danos dos acidentes de trân- fego, através de campanhas educativas,
sito. Em San Remo, na Itália, foi fundada ações de prevenção, zelando pelo nível
CAPITULO 13 Como Escolher a sua Residência Médica

ético, eficiência técnica, sentido social e ção das estradas, posicionamento de


aperfeiçoamento do exercício profissio- semáforos, políticas públicas e campa-
nal da medicina e da segurança de tráfe- nhas de prevenção de acidentes, por
go no país. exemplo.
O médico do tráfego é figura presen-
O ESPECIALISTA E A SUA ROTINA / te nas mesas-redondas, debates e as-
ÁREAS DE ATUAÇÃO sembléias de discussão sobre a adoção
de utensílios de segurança na direção
As principais vertentes da medici- veicular (cintos, airbags, cadeirinhas),
na do tráfego, segundo nos informa o estudo do uso de drogas e psicotrópicos
professor Flávio Emir Adura (ADURA, por motoristas, influência da alcoolemia
2011, p.1 e p.2) são: medicina do tráfego na causa de diversos acidentes, inclusi-
preventiva, curativa, legal, ocupacional. ve elaborando propostas e estudos que
securitária, do viajante, medicina do trá- culminaram com a aprovação da Lei
fego aeroespacial, aquático, ferroviário e Seca pelo Congresso Nacional.
rodoviário.
MEDICINA DO TRÁFEGO CURATIVA
MEDICINA DO TRÁFEGO PREVENTIVA
Engloba o atendimento à vítima no
A medicina do tráfego preventina é local onde ocorreu o acidente (Aten-
importantíssima na atualidade. É através dimento Pré-Hospitalar, pelas equipes
dela que são realizados os exames de de resgate) e o transporte para a rede
aptidão física e mental dos condutores hospitalar de referência. A rapidez e a
de veículos automotivos e ciclomotores. eficiência durante a prestação do aten-
Através de um exame minucioso conse- dimento aos acidentados levam a uma
gue-se afastar portadores de patologias maior sobrevida e a melhores resulta-
que levam à incapacidade temporária dos clínicos para com aquelas vítimas. O
ou permanente para a condução veicu- Médico poderá atuar na linha de frente
lar e também se adaptam os portadores junto às equipes de resgate ou no aten-
de necessidades especiais para a condu- dimento Hospitalar propriamente dito
ção automotiva com segurança, garan- às vítimas acidentadas.
tindo-lhe a redução das desigualdades e
favorecendo a garantia constituição de MEDICINA DO TRÁFEGO LEGAL
ir e vir.
Os estudos e pesquisas voltadas para Diz respeito às avaliações, fiscaliza-
as causas dos acidentes de trânsito per- ções e perícias e fornece também infor-
mitem uma maior divulgação na mídia, mações científicas detalhadas que irão
possibilitam o melhor planejamento da fornecer subsídios para a atuação das
circulação viária, dos locais de sinaliza- câmaras técnicas junto aos conselhos

158
Medicina de Tráfego CAPITULO 13

federais de classe. O médico do tráfego O médico do tráfego poderá ainda


poderá atuar como perito, como consul- atuar nos aeroportos, na prevenção de
tor, como fiscal ou simplesmente como doenças de mergulhadores, na preven-
pesquisador ou estudioso na legislação ção de doenças causadas pelas mudan-
do trânsito. ças climáticas, pelas condições geográ-
ficas (clima, pressão altitude, enchentes,
MEDICINA DO TRÁFEGO etc.). Possui também importante papel
OCUPACIONAL no controle das endemias, pandemias,
zoonoses, podendo atuar junto aos ór-
Cuida da saúde do motorista en- gãos de vigilância sanitária ou nos cen-
quanto trabalhador, procurando mi- tros de saúde do viajante existente em
nimizar ou sanar os riscos ambientais, algumas cidades, como é o caso de São
prevenir as doenças ocupacionais, de- Paulo.
tectando as condições inseguras para
que sejam corrigidas. Além disso, pro- MEDICINA DO TRÁFEGO
cura adotar a melhoria nas condições de AEROESPACIAL
trabalho que assegurem respeito à inte-
gridade, saúde e segurança do motoris- Capacita médicos para trabalhar na
ta, respeitando as regras de ergonomia. prevenção de doenças causadas pelo
O médico poderá atuar em empresas de ambiente das aeronaves, pelo tempo
transporte rodoviário, em sindicatos de prolongado de vôos, variações de tem-
motoristas, bem como em clínicas de peratura, pressão. Também treina os
medicina do trabalho. médicos para fazer a avaliação clínica
periódica de toda a equipe de aerovi-
MEDICINA DO VIAJANTE ários. Pode atuar junto às companhias
aéreas na elaboração de normas de se-
Vem cada vez mais ganhando es- gurança para a saúde dos passageiros e
paço como área de atuação do médi- tripulantes. O transporte aéreo de doen-
co do tráfego. Ele poderá trabalhar em tes críticos ou passageiros acometidos
consultório elaborando programas de de alguma doença durante o voo pode-
imunização, na prevenção de doenças rá ser feito sob os cuidados do médico
infecto-contagiosas, medidas de prote- de tráfego, uma vez que possui treina-
ção contra acidentes botulínicos, peço- mento específico para tal. Essa área vem
nhentos, prevenindo acidentes nos pra- crescendo muito e hoje em dia a medici-
ticantes do ecoturismo. Poderá também na aeroespacial já se torna uma especia-
atuar esclarecendo sobre seguros de lidade com características próprias, com
viagem e suas coberturas. treinamento direcionado para a área.

159
CAPITULO 13 Como Escolher a sua Residência Médica

MEDICINA DO TRÁFEGO O retorno financeiro será a consequ-


SECURITÁRIA ência da sua dedicação, esmero, estudo
e acima de tudo do amor à sua profissão.
Procura estabelecer um vínculo com Vale à pena atuar nessa área, porque o
as seguradoras, facilitando inclusive a investimento é o conhecimento e o re-
atuação das mesmas. É o médico do trá- torno financeiro é em curto prazo. É di-
fego quem avalia os danos físicos oca- fícil estipular valores da remuneração,
sionados pelos acidentes de trânsito, sobretudo porque os ganhos variam de
para posterior indenização às vítimas ou acordo com a localidade do país em que
seus familiares. se vá exercê-la. Mas, o que se observa
na prática é que ninguém desiste de ser
TRÁFEGO HIDROVIÁRIO, médico do tráfego.
FERROVIÁRIO E AEROVIÁRIO
A RESIDÊNCIA
Também são campos de trabalho
abertos para o estudo e a prevenção das Em 2003, através da Resolução
doenças e dos acidentes causados por nº.4/2003 da Comissão Nacional de Re-
esses meios específicos de transporte. sidência Médica (CNRM) aprovou o Pro-
grama de Residência em Medicina de
MERCADO DE TRABALHO Tráfego elaborado pela ABRAMET, con-
tudo, não existem muitas no país, sendo
A remuneração é bastante diversi- a maioria cursos de especialização.
ficada, a depender da área de atuação A Associação Médica Brasileira
em que o médico do tráfego for traba- (AMB), em conjunto com a Abramet, são
lhar. Mas, devido ao grande número de as instituições responsáveis no Brasil
possibilidades e ofertas de trabalho, pela concessão do Título de Especialista
acreditamos que vale a pena investir na em medicina do tráfego. Para se exercer
área, sobretudo para os que ainda estão a medicina do tráfego no Brasil, é neces-
indecisos quanto à especialidade que sário a realizar um Curso de Pós-gradu-
irão abraçar. Na medicina do tráfego não ação ou Residência Médica na referida
existe uma rotina. Cada dia de trabalho área e ser aprovado em concurso para a
é único, diversificado e motivador. Para obtenção do título de especialista.
os que amam trabalhar como médicos, Dentre as instituições de ensino re-
salvar vidas, reduzir o sofrimento, mini- conhecidas e que promovem Cursos de
mizar riscos, proteger, prevenir aciden- Especialização em Medicina do Tráfego,
tes, essa é uma especialidade diferente, encontramos as seguintes:
diversificada e bastante atuante na so-
ciedade.

160
Medicina de Tráfego CAPITULO 13

• Faculdade de Medicina da Univer- • Faculdade de Ciências Médicas de


sidade de São Paulo - USP, Departa- Minas Gerais - FCMMG;
mento de Medicina Legal; • Universidade Federal do Estado de
• Universidade Federal de São Paulo - Rio de Janeiro - Unirio. Hospital Uni-
Unifesp; versitário Gaffrée & Guinle.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

Após cerca de vinte e cinco anos exer- a cumprir, podendo exercê-lo muito
cendo a Medicina, descobri que sempre bem. Atua na prevenção de acidentes,
e cada vez mais, temos muito a aprender. em prol da redução dos coeficientes
O conhecimento não é estanque, ele é de mortalidade e também elaborando
mutável, crescente, renovando-se a cada propostas concretas para a melhoria da
dia, assim como a vida. As especialidades qualidade de vida das populações que
tendem cada vez mais a se complemen- se deslocam.
tar e as linhas de divisão entre as mes- Vale à pena investir alguns anos a
mas estão cada vez mais tênues. mais no estudo e na especialização em
Não há como separar os conhecimen- medicina do tráfego. O Brasil está caren-
tos médicos e colocá-los em comparti- te de vários especialistas nas diversas
mentos isolados. Eles se comunicam e áreas e essa especialidade, apesar de ain-
se entrelaçam. Precisamos cada vez mais da nova, já demonstra a sua importância
de estudos interdisciplinares para o su- e o seu valor. Cabe-nos, contribuir para
cesso das diversas especialidades. garantir um futuro melhor para o Brasil,
O perfil do médico do tráfego é o reduzindo os seus males. E a redução dos
de alguém que quer conhecer de tudo, acidentes de trânsito é, sem dúvida ne-
possuindo uma visão geral da clínica, nhuma, o nosso maior desafio!
que gosta de cirurgia, estudioso das E tenho certeza que podemos sonhar
novidades científicas, pesquisador, que com um futuro melhor, onde a educa-
tem uma visão humanista, participando ção, o treinamento e a prevenção sejam
das decisões políticas e influenciando a nossa bandeira. E colheremos seus fru-
no mundo que o cerca. É, portanto, co- tos... Até breve! Sejam todos muito bem-
nhecedor de que tem um papel social -vindos!

161
CAPITULO 13 Como Escolher a sua Residência Médica

SOBRE A AUTORA

Dra. Vera Simone Costa Campos de Moura é:

Médica pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), especialista em medicina do


tráfego pelo departamento de Medicina legal, Ética médica e Medicina social e do
da Universidade de São Paulo (USP). Membro do Colégio Brasileiro de Radiologia
(CBR) e membro do Conselho Federal de Medicina (CFM), seccional Sergipe.

REFERÊNCIAS

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e candidatos a condutores de veículos automotores. São Paulo:CLR, Balieiro, 2011.
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deficiência -São Paulo: ABRAMET, 2013.
3. ALVES Júnior, Dirceu Rodrigues. Manual de Saúde do motorista profissional.1, Ed. São Paulo:
Ed. Do Autor, 2009.
4. MOREIRA, Fernando. Medicina do Transporte. Arquimedes Martins Celestino Edições e Servi-
ços gráficos Ltda. Rio de Janeiro, 2010.

162
MEDICINA DO TRABALHO “

Dr. Rodrigo Furtado
O lucro acompanhado pela destruição da saúde,
é um lucro sórdido.

Bernardino Ramazzini

B Bernardino Ramazzini, médico italia-


no nascido em Carpi, em 1633, é consi-
derado o pai da medicina do trabalho
pela contribuição do livro As Doenças
dos Trabalhadores, publicado em 1700.
e seu trabalho, visando não somente a
prevenção das doenças e dos acidentes
do trabalho, mas a promoção da saúde e
da qualidade de vida, além de propiciar
uma saudável inter-relação das pessoas
Nele, o autor relaciona 54 profissões e e destas com seu ambiente social, parti-
descreve os principais problemas de cularmente, no trabalho.
saúde apresentados pelos trabalhado-
res, chamando a atenção para a neces- O ESPECIALISTA E A SUA ROTINA
sidade de os médicos conhecerem a
ocupação atual e pregressa de seus pa- O médico do trabalho é um profissio-
cientes ao fazer o diagnóstico correto e nal que pouco atua na assistência, pres-
adotar os procedimentos adequados. crição de medicamentos e tratamento
A medicina do trabalho é impulsio- de doenças. Este trabalha com o foco
nada a partir da Revolução Industrial, na saúde coletiva, gerindo a saúde de
no século XIX. Naquele momento, o determinada população (trabalhadores)
consumo da força de trabalho, resul- com base em informações provenientes
tante da submissão dos trabalhadores a do ambiente de trabalho e característi-
um processo acelerado e desumano de cas destes indivíduos. A atuação visa a
produção, exigiu uma intervenção, sob prevenção de acidentes, doenças e de
pena de tornar inviável a sobrevivência incapacidades relacionadas ao trabalho
e reprodução do próprio processo.1 através da redução dos riscos oriundos
A medicina do trabalho pode ser das condições de trabalho. Não menos
definida como a especialidade médica importante são as atribuições que en-
que lida com as relações entre a saúde globam o monitoramento biológico
dos homens e mulheres trabalhadores desses trabalhadores, a identificação de
CAPITULO 14 Como Escolher a sua Residência Médica

patologias (entre elas as relacionadas ao • A atividade docente na formação e


trabalho), ações de promoção de saúde capacitação profissional;
e participação no processo de reabilita- • A atividade de investigação no cam-
ção e reinserção no trabalho. po das relações saúde e trabalho, nas
O campo de atuação da Medicina do instituições de pesquisa;
trabalho é amplo, extrapolando o âm- • Consultoria privada no campo da
bito tradicional da prática médica. De saúde e segurança no trabalho.
modo esquemático, pode-se dizer que
o exercício da especialidade tem como Na prática, os médicos que atuam em
campo preferencial: empresas desenvolvem atividades atra-
• Os espaços do trabalho ou da produ- vés de elaboração e execução de progra-
ção - as empresas - (que, na atualida- mas, como PCMSO, sendo este obrigató-
de, tem contornos cada vez mais flui- rio para todas as empresas que admitem
dos), como empregado nos Serviços trabalhadores regidos pela Consolida-
Especializados de Engenharia de Se- ção das Leis do Trabalho (CLT). Neste
gurança e de Medicina do trabalho contexto, incluem-se a realização de
(SESMT); como prestador de serviços consultas ocupacionais (admissionais,
técnicos, elaboração do Programa de periódicos, retorno ao trabalho, demis-
Controle Médico de Saúde Ocupa- sionais e mudança de função), palestras
cional (PCMSO); ou de consultoria; e inspeções nos ambientes de trabalho.
• Na normalização e fiscalização das Para o exercício da medicina do tra-
condições de saúde e segurança no balho, é importante que o profissional
trabalho desenvolvida pelo Ministé- tenha uma boa formação em clínica
rio do Trabalho (MTE); médica e domine os conceitos e as fer-
• A rede pública de serviços de saúde, ramentas da saúde pública. Além disto,
no desenvolvimento das ações de o médico do trabalho deverá estar sin-
saúde do trabalhador; tonizado com os acontecimentos no
• A assessoria sindical em saúde do mundo do trabalho, em seus aspectos
trabalhador, nas organizações de tra- sociológicos, políticos, tecnológicos, de-
balhadores e de empregadores; mográficos, entre outros.
• A perícia médica da previdência so-
cial, enquanto seguradora do Aci- MERCADO DE TRABALHO
dente do Trabalho (SAT). Na pers-
pectiva da privatização do SAT, este O mercado de trabalho acompanha
campo deverá ser ampliado; o crescimento do país, já que pratica-
• A atuação junto ao sistema judiciário, mente toda empresa, seja ela pública
como perito judicial em processos ou privada, necessita dos serviços do
trabalhistas, ações cíveis e ações da médico do trabalho. Em alguns casos, a
promotoria pública; depender do grau de risco e do número

164
Medicina do Trabalho CAPITULO 14

de empregados da empresa, é obrigató- especializados, estágios em empresas,


rio a contratação do médico do trabalho órgãos públicos, ambulatórios de espe-
para o quadro próprio de funcionários, cialidades e em serviço de atendimento
aumentando a oferta para o especialista. pré-hospitalar.
Além de ter atualmente um excelen- No atendimento ao trabalhador em
te mercado de trabalho, com ofertas de centros de referência, o médico residente
empregos principalmente em regiões busca avaliar as condições de saúde e da
que possuem polo industrial, a espe- capacidade laboral, além de estabelecer
cialidade oferece grande oportunidade nexo causal em caso de reconhecimento
para quem almeja ser aprovado em um de patologia relacionada ao trabalho.
concurso público, devido ao grande nú- O residente passa em ambulatórios
mero de vagas ofertadas por diversas de especialidades (dermatologia; orto-
instituições. pedia; clínica da dor; otorrinolaringolo-
A especialidade proporciona uma gia; pneumologia) com a finalidade de
ótima qualidade de vida, tendo uma roti- identificar e conhecer as principais pa-
na com baixo nível de estresse e que nor- tologias relacionadas ao trabalho e seu
malmente não exige regime de plantão. manejo. Ele passa também pelo serviço
Para o médico que deseja ter uma de atendimento pré-hospitalar objeti-
vida profissional com estabilidade, como vando aprimorar as condutas nos casos
a oferecida através de concursos pú- de urgência e emergência, vivenciados
blicos, direitos trabalhistas garantidos, na prática do especialista pela ocorrên-
como férias e décimo terceiro salário, cia dos acidentes de trabalho.
bem como uma ótima qualidade de Nos estágios em empresas e órgãos
vida, a medicina do trabalho é uma ex- públicos, o residente desenvolve as atri-
celente opção. buições exigidas ao médico do trabalho,
A remuneração não foge da média elaborando programas, pareceres, rela-
das outras especialidades clínicas e por tórios, atendimentos, palestras e visitas
não ter procedimentos ou cirurgias, que nos ambientes de trabalho.
podem ser um diferencial nesse sentido, As atividades teóricas da residência
a renda não costuma variar muito entre englobam assuntos como epidemiolo-
os especialistas. gia, ergonomia, patologia do trabalho,
toxicologia e legislação em saúde do tra-
A RESIDÊNCIA balhador.

A residência em medicina do traba- ÁREAS DE ATUAÇÃO


lho tem acesso direto e duração de dois
anos, sendo desenvolvidas atividades de Apesar de não existirem subespecia-
atendimento ao trabalhador e vigilân- lidades que exijam pré-requisito a me-
cia em saúde ocupacional em centros dicina do trabalho, algumas áreas são

165
CAPITULO 14 Como Escolher a sua Residência Médica

relacionadas à especialidade, a exemplo térios definidos pela Organização Inter-


da medicina aeroespacial, hiperbárica, nacional do Trabalho (OIT). Este exame
clínica da dor e perícia médica. é exigido para trabalhadores expostos
Estas áreas estão em crescimento, à poeiras minerais nocivas (em minera-
com mercado de trabalho promissor, doras, por exemplo) e pode ser uma boa
sendo ótimas alternativas para os mé- fonte de renda. Este curso só é oferecido
dicos do trabalho interessados em se- para médicos do trabalho, radiologistas
gui-las. e pneumologistas.
Outra opção é a realização de um
curso de radiografia de tórax com cri-

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

A medicina do trabalho é uma espe- dores aumentem suas responsabilida-


cialidade com tendência ao crescimento. des com a saúde e a segurança de seus
Para o mercado de trabalho, além empregados.
da grande oferta de vagas, diretamente O desenvolvimento científico é outra
relacionada com o crescimento da eco- tendência da especialidade, que vem
nomia, o aumento da fiscalização das progredindo em conhecimentos, meios
empresas por parte de órgãos públicos e técnicas para sua aplicação a favor da
competentes faz com que os emprega- saúde dos trabalhadores.

SOBRE A AUTOR

Dr. Rodrigo Furtado é:

Médico graduado e especialista em medicina do trabalho pela Universidade Fede-


ral da Bahia (Ufba), médico perito do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

REFERÊNCIAS

1. MENDES, R. & DIAS, E.C. Da medicina do trabalho à saúde do trabalhador. Rev Saúde públ.,
S.Paulo, 25: 341-9, 1991.
2. ANAMT. História no mundo. Disponível em: <http://www.anamt.org.br/site/pagina_geral.
aspx?pagid=8>. Acesso em: 20 jan. 2014.
3. ANAMT. Medicina do Trabalho. Disponível em: <http://www.anamt.org.br/site/pagina_geral.
aspx?psmid=5&sumid=6>. Acesso em: 20 jan. 2014.
4. ANAMT. Áreas de atuação. Disponível em: <http://www.anamt.org.br/site/pagina_geral.as-
px?pagid=13>. Acesso em: 20 jan. 2014.

166
MEDICINA DO EXERCÍCIO
E DO ESPORTE


Dr. Cláudio Baisch de Andrade Cintra

Sofrer agora e viver o resto da sua vida


como um campeão.

Muhammad Ali

A A Sociedade Brasileira de Medicina do


Exercício e do Esporte (SBMEE) foi funda-
da em 1962, entretanto, a residência mé-
dica desta especialidade é bastante nova,
com os primeiros alunos iniciando o pro-
Surgiu então a necessidade de formar
médicos capazes de unificar os conheci-
mentos de várias áreas, sendo resolutivo
tanto para prescrever exercícios quanto
para tratar clinicamente qualquer pro-
grama em 2007. Sendo assim, existem blema decorrente da prática dele. Enga-
vários especialistas no Brasil, porém ape- na-se quem acha que o médico do es-
nas uma minoria fez, de fato, a residência. porte só trata atletas – o esporte de alto
Acontece que a medicina esportiva rendimento é apenas uma das áreas de
abrange várias especialidades: da cardio- atuação. Muitos especialistas trabalham
logia à ortopedia, da geriatria a reuma- principalmente com exercício e promo-
tologia. Os especialistas sem residência ção de saúde para idosos ou pacientes
específica na área têm formação apenas com as mais diversas doenças.2
para a prática da sua especialidade de Também é comum estudantes de
origem, por exemplo: o cardiologista es- medicina não saberem a diferença entre
portivo pode prescrever a quantidade e ortopedia e medicina do esporte, embo-
qualidade de exercício para uma pessoa ra sejam especialidades completamente
que já enfartou ou que tenha outra pa- diferentes. A ortopedia é uma área cirúr-
tologia cardíaca1, mas se este paciente gica, dividida em várias subespecialida-
tiver alguma dor musculoesquelética re- des (ombro, pé etc.), em que o profissio-
lacionada à atividade física, será preciso nal passa grande parte da sua formação
encaminhá-lo a outro médico. aprimorando-se em traumas e técnicas
CAPITULO 15 Como Escolher a sua Residência Médica

operatórias daquele segmento. Por ou- aparecimento destes problemas. Diag-


tro lado, como o médico do esporte não nosticar alterações de risco, sejam elas
opera (especialidade não cirúrgica); a musculoesqueléticas ou fisiológicas, é
ênfase de sua formação é o tratamento uma das atribuições do médico do es-
clínico das lesões, tornando-o bastante porte, intervindo antes do aparecimento
capacitado para isso. O grande diferen- da lesão ou doença7. Atuar na prevenção
cial é a visão do corpo como um todo e primária e secundária faz parte da boa
o enfoque não só na cicatrização da in- prática médica.
júria tecidual em si, mas principalmente
em diagnosticar o que levou a aparecer O ESPECIALISTA E A SUA ROTINA
a lesão. Assim, pode-se intervir na causa ÁREAS DE ATUAÇÃO MERCADO
de base e não só na estrutura lesionada3. DE TRABALHO
Muitas vezes, acontece da causa do
problema encontrar-se em um local do MÉDICO DE CLUBE E DELEGAÇÕES
corpo distante da região lesionada em si. ESPORTIVAS
Para exemplificar: é comum encontrar-
mos mulheres com dor anterior no joe- Conhecido em inglês como team
lho, porém, na maioria das vezes, o que physician, é o médico de uma equipe
está levando a essa dor é uma alteração esportiva ou seleção. É responsável por
na mecânica do quadril e pelve, que organizar o dia a dia do departamento
pode ser facilmente corrigida quando médico e as viagens para competições
feito o diagnóstico correto. O mais im- (mala de medicamentos, vacinas neces-
pressionante é que a dor no joelho será sárias etc.)8. Em geral, trabalha com atle-
tratada com enorme eficácia apenas se tas de alto rendimento.
intervindo no quadril, ou seja: trata-se o Sabemos que nestes atletas, melho-
quadril e melhora o joelho4. É o chamado ras discretas na performance, centési-
paradigma da vítima versus culpado. mos de segundo, são o bastante para
Algumas vezes a causa da lesão não diferenciar quem será medalhista. Para
é uma alteração mecânica, mas sim er- se ter ideia, César Cielo ficou dois cen-
ros de treinamento ou alimentação6. Por tésimos de segundo na frente de Bru-
este motivo, o médico do esporte tam- no Fratus nas Olimpíadas de Londres
bém tem ampla formação em fisiologia (2012), garantindo seu lugar no pódio.
do exercício. O médico do esporte tem papel funda-
Ter uma visão holística em relação mental em assuntos relacionados ao de-
à prática de esportes traz inúmeros be- sempenho esportivo. Existem inúmeros
nefícios, não só por tornar o profissional diagnósticos que causam fadiga e per-
mais preparado para tratar clinicamen- da de rendimento, como, por exemplo,
te as lesões ou outras patologias, mas broncoespasmo induzido por exercício,
também por torná-lo apto a prevenir o anemia, deficiência de micronutrientes

168
Medicina do Exercício e do Esporte CAPITULO 15

e síndrome do overtraining6. Outra atri- fazer um eficiente rastreio cardiológico


buição é participar de discussões com e só referenciando casos realmente ne-
treinadores e preparadores físicos sobre cessários11.
o momento ideal para poupar determi-
nado esportista. CONSULTÓRIO OU CLÍNICA
O médico da equipe atua não só na PARTICULAR
prevenção e tratamento de lesões, mas
também como clínico geral do time. Tra- Trabalhar com times e atletas famo-
ta resfriados, queixas ginecológicas, in- sos enche os olhos de todos, porém,
sônia e qualquer outra demanda médica cabe ressaltar: o que traz maior remune-
que venha a aparecer9. Quanto mais re- ração e qualidade de vida, sem dúvida, é
solutivo for, melhor. Porém, como todo o consultório. Muitos médicos do espor-
clínico geral, deve saber o momento de te trabalham com atletas de alto rendi-
encaminhar o atleta ao especialista. É mento em clubes ou seleções, mas tam-
muito importante também saber quan- bém atendem em clínicas particulares.
do o tratamento da lesão é cirúrgico, O perfil dos pacientes atendidos é
para assim encaminhar ao ortopedista. amplo. Praticantes de atividade física e
Tal profissional deve ter habilidade atletas amadores com queixas musculo-
nas relações interpessoais, pois sempre esqueléticas são os que mais procuram
trabalha com uma equipe multidiscipli- a especialidade. É importante salientar
nar: treinadores, preparadores físicos, que o campo de atuação não se limita
fisioterapeutas, psicólogos, nutricionis- a isso. Melhora do rendimento físico,
tas, médicos de outras especialidades, orientação sobre o uso de suplementos
dentre outros10. Como faz atendimentos alimentares, emagrecimento, acompa-
em campo (pré-hospitalar), é preciso ser nhamento de crianças e adolescentes
capacitado a atender urgências e emer- praticantes de esportes que desejam
gências cardiológicas e traumas9. ter um crescimento e desenvolvimento
Além disso, é responsável por fazer saudável também são motivos comuns
avaliação cardiológica periódica nos de consulta.
atletas, rastreando doenças cardiovas- Devido ao envelhecimento da popu-
culares. Alguns deles podem ter avalia- lação brasileira, a prevalência de doenças
ção clínica ou exames complementares crônicas como hipertensão arterial, dia-
alterados e precisar de encaminhamen- betes, dislipidemia, osteoartrose, dentre
to ao cardiologista. Vale ressaltar que o outras, tem aumentado consideravel-
esporte competitivo induz a inúmeras mente. Todas estas patologias se bene-
alterações nos exames cardiológicos e o ficiam enormemente da prática regular
residente em medicina esportiva é trei- de exercícios12, entretanto esbarramos
nado a diferenciar as alterações benig- na má aderência, dificultando o uso da
nas das malignas, tornando-se capaz de

169
CAPITULO 15 Como Escolher a sua Residência Médica

atividade física para o tratamento e con- A RESIDÊNCIA


trole de doenças.
O médico do esporte é peça-cha- A residência em medicina do exer-
ve para atuar nesta área, uma vez que, cício e do esporte habilita o médico a
como dito anteriormente, é o profis- prescrever, de forma responsável, ati-
sional mais indicado para prescrever vidade física e suplementos alimenta-
exercícios às pessoas com as mais di- res para as mais diversas doenças. Não
versas patologias, pois considera não só só patologias cardiovasculares, mas
a doença de base, como também tem também doenças reumatológicas, au-
conhecimentos sobre fisiologia e bio- toimunes, genéticas, deficiência física,
mecânica, sendo capaz de otimizar os caquexia e câncer.14-17
benefícios e prevenir o aparecimento de A residência em medicina do exer-
lesões e dor13. Quando a atividade física cício e do esporte é uma especialidade
é bem praticada, a aderência melhora não cirúrgica de acesso direto, ou seja,
consideravelmente, fato que torna a es- não há a necessidade de ter concluído
pecialidade importantíssima em termos nenhuma outra residência prévia. Con-
de saúde pública e com ampla demanda siste em três anos de treinamento em
na sociedade. serviço, sendo que o primeiro é normal-
mente voltado à formação básica em
PROCEDIMENTOS Clínica Médica e Pediatria, mas já com
carga teórica de assuntos específicos.
Agulhamento seco: introduz-se agu- Existem apenas quatro instituições
lha fina, geralmente de acupuntura, nos que oferecem o curso no Brasil, soman-
mais diversos músculos do corpo, pro- do ao todo 14 vagas21:
movendo relaxamento instantâneo, alí-
vio da dor e ganho de amplitude de mo- Universidades Vagas
vimento18; Universidade de São Paulo (USP) 6
Terapia por ondas de choque: se- Faculdade de Medicina de
1
melhante às ondas de choque extracor- Botucatu (Unesp)
póreas usadas para o tratamento de lití- Universidade Federal de São Paulo
5
ase renal, porém com intensidade mais (Unifesp)
fraca. Usada para o tratamento de tendi- Universidade de Caxias do Sul
2
nopatias, fasceítes e dor crônica19; (UCS)
Cineantropometria: avaliação ob-
jetiva das medidas, formas, tamanho, Os programas de residência variam
proporção e composição do corpo hu- de acordo com a instituição, mas geral-
mano20; mente seguem a Resolução CNRM N° 9
Infiltração de medicações e substân- / 200522.
cias nas diversas articulações do corpo.

170
Medicina do Exercício e do Esporte CAPITULO 15

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

Vivemos em uma sociedade cada vez esportiva. Tratar e prevenir lesões, maxi-
mais adepta dos esportes e atividade mizar o rendimento dos atletas e propi-
física, onde a longevidade e qualidade ciar um suporte médico adequado não
de vida são bens cobiçados por todos. só no dia a dia do clube, mas também
Busca-se não só viver mais e superar as em jogos e eventos são outras atribui-
doenças, mas principalmente chegar à ções importantes dos especialistas nes-
velhice com ótima funcionalidade, po- ta área.
dendo desfrutar da vida mesmo nas ida- Seja trabalhando com a população
des avançadas. Neste contexto surgiu em geral, seja trabalhando com atletas
a residência do exercício e do esporte, profissionais, a satisfação profissional e a
uma especialidade que propõe viabilizar qualidade de vida do médico do esporte
a prática de exercícios a todos, mesmo são marcantes e fazem desta especiali-
àqueles com as mais diversas doenças. dade uma das mais interessantes dentro
O esporte de alto rendimento é ou- da medicina.
tra área relevante dentro da medicina

SOBRE O AUTOR

Dr. Cláudio Baisch de Andrade Cintra é:

Membro titular da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte e do Exercício (Sb-


mee), fez residência em medicina do exercício e do esporte pela Universidade de
São Paulo (USP) e é médico da Sociedade Esportiva Palmeiras.

REFERÊNCIAS

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ET AL. Diretriz em Cardiologia do Esporte e do Exercício da Sociedade Brasileira de Cardiologia
e da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte. Arq Bras Cardiol. 2013;100(1Supl.2):1-41.
2. Instituto Biodelta. Disponível em: <www.biodelta.com.br>. Acesso em: 09 jan. 2014.
3. BRUKNER, P. KHAN, K. Clinical Sports Medicine, Ed. 4. Sports Medicine Series, 2012. 1032 p.
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tivation Between Subjects With and Without Patellofemoral Pain. JOSPT, v. 39, n. 1, p. 12-19,
2009.
5. Prefeitura municipal de são paulo, secretaria de esportes. Disponível em: <http://www.pre-
feitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/esportes/noticias/?p=28211>. Acesso em: 04 nov. 2014.

171
CAPITULO 15 Como Escolher a sua Residência Médica

6. HOLZER, K. The Tired Athlete. In: Brukner, P. Khan, K. Clinical Sports Medicine, Ed. 3. p. 875-887.
7. BAHR, R., Principles of Injury Prevention. In: Brukner, P. Khan, K. Clinical Sports Medicine, Ed.
3. p. 78-107.
8. COOK, J., HARCOURT, P., MILNE, C. Traveling with a team. In: Brukner, P. Khan, K. Clinical Sports
Medicine, Ed. 3. p. 959-968.
9. HERRING, A. S., KIBLER, W. B., PUTUKIAN, M. Team Physician Consensus Statement. American
College of Sports Medicine, 2013.
10. Sports medicine: the team approach. In: Brukner, P. Khan, K. Clinical Sports Medicine, Ed. 3. p.
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11. DREZNER, J. A., et al. Electrocardiographic interpretation in athletes: the Seattle Criteria. Br J
Sports Med 2013;47:122–124.
12. NÓBREGA, A. C. L., FREITAS, E. V., OLIVEIRA, M. A. B., et al. Posicionamento Oficial da Sociedade
Brasileira de Medicina do Esporte e da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia: Ativi-
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13. GARBER, C. E., BLISSMER, B., DESCHENES, M. R., et al. Quantity and Quality of Exercise for Deve-
loping and Maintaining Cardiorespiratory, Musculoskeletal, and Neuromotor Fitness in Appa-
rently Healthy Adults: Guidance for Prescribing Exercise. American College of Sports Medicine,
2011.
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São Paulo: Sarvier, 2011. 220 p.
15. SCHROEDER, E. L., LAVALLEE, M. E. Ehlers-Danlos Syndrome in Athletes. Current Sports Medi-
cine Reports, 2006.
16. RUUD KNOLS, R., ARONSON, N. K., UEBELHART, D., et al. Physical Exercise in Cancer Patients
During and After Medical Treatment: A Systematic Review of Randomized and Controlled Cli-
nical Trials. American Society of Clinical Oncology, 2005.
17. DEANS, S. A., MCFADYEN, A. K., ROWE, P. J. Physical activity and quality of life: A study of a
lower-limb amputee population. Prosthetics and Orthotics International, 2008.
18. TRAVELL, J. G., SIMONS, D. G., Dor e disfunção miofascial.Trad. Sob a direção de Magda França
Lopes. Porto Alegre, Artmed, 2006.
19. OLIVEIRA, L. G., Terapia por ondas de choque: revisão de literatura. RBM Especial Ortopedia,
2011.
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isakonline.com>. Acesso em: 10 jan. 2014.
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dicinadoesporte.org.br/residenciaepos.htm>. Acesso em: 10 jan. 2014.
22. Ministério da Educação / Comissão Nacional de Residência Médica (Brasil). Resolução CNRM
n. 9, de 13 de julho de 2005.

172
MEDICINA FÍSICA E
REABILITAÇÃO / FISIATRIA


Dr. Sabrina Saemy Tome Uchiyama
Dr. Fernanda Martins

A verdadeira deficiência é aquela que prende o
ser humano por dentro e não por fora, pois até
os incapacitados de andar podem
ser livres para voar.

Thais Moraes

A A fisiatria ou medicina física e reabili-


tação é uma especialidade médica clíni-
ca em grande desenvolvimento na atu-
alidade. É a especialidade que estuda a
reabilitação e a melhora de funções em
grego, da união de physikos, fisio ou fúsis
que significa físicas/ função e iatreia ou
íotrós, que quer dizer médico, portanto,
fisiatria é o médico da função. Fisiatria,
segundo a Associação Brasileira de Me-
pessoas com deficiências ou doenças dicina Física e Reabilitação (ABMFR), é
incapacitantes. Existem mais de 1 bilhão a especialidade médica dedicada à pre-
de pessoas com deficiência no mundo venção, ao diagnóstico e ao tratamento
(OMS 2011) e no Brasil esse número é de não cirúrgico de distúrbios associados à
24% da população, ou seja, 45 milhões deficiência física. Os fisiatras tratam tam-
de pessoas têm algum tipo de defici- bém pacientes com distúrbios musculo-
ência (IBGE 2014). Um dos objetivos da esqueléticos, dor crônica, dor aguda e
Organização Mundial da Saúde (OMS) doenças que geram alguma incapacida-
é atuar nessa grande população em to- de e que necessitam de tratamento de
dos os países, estimulando o desenvol- reabilitação em todas as faixas etárias. É
vimento de recursos de acessibilidade, a especialidade da qualidade de vida por
melhorando o acesso à reabilitação e, excelência, com objetivo de restaurar a
consequentemente, incluindo a pessoa funcionalidade do paciente em todas as
com deficiência na sociedade. esferas da vida, inclusive nas dimensões
Mas afinal, o que é fisiatria? De acor- médica, social, emocional e do trabalho,
do com os dicionários o termo deriva do ao seu máximo potencial. O fisiatria é
CAPITULO 16 Como Escolher a sua Residência Médica

um médico que trabalha com conceitos, rapia e diatermia. Fisioterapia e terapia


ao invés de patologias de órgãos ou sis- ocupacional foram usadas para organi-
temas, tornando a definição de fisiatria zar exercícios, treinos de coordenação e
um pouco complexa, mas na prática garantia de recuperação de desempe-
trabalha-se com o indivíduo como um nho nos hospitais militares americanos
todo, transpassando a esfera biológica e e europeus.
mecânica do corpo, incluindo a mente e A primeira organização médica da
a sociedade. São tratadas todas as fun- especialidade teve início, aproximada-
ções possíveis a um ser humano. mente, em 1920. A educação formal em
E o que é reabilitação? Reabilitação fisiatria começou em 1926 quando o Dr.
é definida como o desenvolvimento de John Stanley Coulter se tornou o primei-
uma pessoa ao máximo potencial físico, ro interno em medicina física da North
psicológico, social, profissional, vocacio- Western University Medical School.
nal e educacional compatível com suas A especialidade foi estabelecida
limitações por deficiência anatômicas a partir da Segunda Guerra Mundial,
ou fisiológicas e questões ambientais. quando a sociedade notou a necessida-
Portanto, os resultados previstos dos de de tratamentos avançados e reabili-
pacientes após programa de reabilita- tação para as pessoas com deficiências
ção devem incluir maior independência como os soldados de guerra e as vítimas
e melhor qualidade de vida. da epidemia de poliomielite. Esta últi-
ma se tornou pública com seu pacien-
HISTÓRICO te mais ilustre, o presidente americano
Franklin D. Roosevelt.
Os homens usam meios físicos como Em 1954, a fisiatria foi reconhecida
água quente, gelo, eletricidade, luz, como especialidade médica no Brasil
exercícios e massagens para tratamento e desde então está se aprimorando os
de ferimentos e doenças desde o início cuidados com os pacientes e desenvol-
dos tempos. Há indícios do uso da água vendo a especialidade. Nas próximas
como tratamento terapêutico desde os décadas, a especialidade será desafiada
manuscritos de Hipócrates (400 a. C.) e a manter a ética e os altos padrões de
as medicinas oriental e indígena tam- cuidados médicos com recursos dispo-
bém utilizam esses elementos físicos níveis e tecnológicos, visando a fornecer
como práticas de cura. qualidade de vida a população que está
Os meios físicos foram usados du- envelhecendo e aos pacientes sobre-
rante a Primeira Guerra Mundial para viventes com os recursos da medicina
recuperar soldados. Esses métodos tera- moderna e também proporcionar aos
pêuticos foram desenvolvidos para me- anos qualidade de vida. Os avanços tec-
lhorar a aplicação de calor, massagens, nológicose assistenciais salvarão mais
exercícios, estimulação elétrica, heliote-

174
Medicina Física e Reabilitação Fisiatria CAPITULO 16

vidas e multiplicarão o número de pes- de reabilitação geralmente o fisiatra atua


soas que necessitarão de reabilitação. em horário comercial, porém, alguns
centros de reabilitação funcionam aos
O ESPECIALISTA E A SUA ROTINA sábados. O mesmo ocorre no consultó-
rio, entretanto na clínica privada o mé-
O médico fisiatra necessita de uma dico tem a facilidade de controlar a sua
sólida formação médica generalista pois agenda de pacientes, e portanto, marcar
as pessoas com deficiência comumen- o dia e horário que desejar. No hospital,
te apresentam múltiplas comorbidades como interconsultor, atende a demanda
e consequentemente risco de novos de avaliações do serviço, acompanha os
eventos que piorem seu status funcio- pacientes em reabilitação e realiza os
nal e de complicações graves durante procedimentos necessários. Em geral, a
terapias de reabilitação. Além disso, a maior parte dessas funções acontece no
apresentação das doenças clínicas nas período diurno.
pessoas com deficiência tem caracterís- A qualidade de vida do fisiatra é
tica atípicas e as dificuldades de sensibi- muito boa, pois ele consegue organizar
lidade, de comunicação e de percepção suas atividades no período diurno e de-
dos pacientes torna muitas vezes uma pendendo da atuação não trabalha aos
pneumonia em um paciente tetraplégi- finais de semana. Dependendo da atua-
co em um desafio clínico diagnóstico. ção do fisiatra, a necessidade de contato
O fisiatra chefia a equipe interdisci- telefônico com os pacientes e necessi-
plinar de reabilitação, portanto, são ne- dade de visitas inesperadas tem baixa
cessárias características como liderança, frequência.
capacidade de mediação e gerencia-
mento de conflitos. MERCADO DE TRABALHO
Os fisiatras precisam ser médicos
que valorizem a vida em aspecto mais O mercado de trabalho para fisiatras
amplo do que a dimensão biológica em é promissor no Brasil, tanto em centros
si. E para ver o indivíduo como ser social de reabilitação públicos quanto em con-
é necessário ter empatia, sensibilidade sultório privado, atividades ligadas a
e humanidade. Assim o médico é capaz convênios médicos (escolas de postura,
de promover melhorias na qualidade de clínicas de dor, parecer de especialis-
vida em pessoas com incapacidades. ta para casos complexos, interconsulta
em hospitais gerais), clínicas multipro-
ROTINA DE TRABALHO/QUALIDADE fissionais e atividades acadêmicas para
DE VIDA formação de especialistas e graduação
médica.
A rotina de trabalho do fisiatra varia
conforme o local de atuação. No centro

175
CAPITULO 16 Como Escolher a sua Residência Médica

O salário varia conforme a atuação III. 30% da carga horária anual em Uni-
como em outras especialidades médi- dade Ambulatorial;
cas. Em centros de reabilitação públicos IV. 5% da carga horária anual em Labo-
em geral o vínculo é CLT com salário ratório de Eletrofisiologia;
em torno de R$6.000,00/20h semanais. V. 5% da carga horária anual em Oficina
Os vínculos por concurso atualmente Ortopédica.
remuneram inferior a isso. Como inter-
consultor em hospital geral, os salários Atualmente, os residentes cumprem
variam se o profissional é contratado seu primeiro ano em atividades ambula-
do hospital ou médico independente toriais e de enfermaria no departamento
– o que coloca a remuneração desde de clínica médica, porém, cada serviço
R$120,00/hora trabalhada a ganhos va- detém autonomia para determinar onde
riados, de acordo com o número de con- seus residentes irão estagiar, portanto é
sultas e procedimentosrealizados. importante verificar em cada instituição
Em consultório os ganhos são imen- como é formatado esse período.
samente variáveis, mas, na grande São O conteúdo abordado durante o pro-
Paulo, a consulta médica particular grama:
em um fisiatra tem custo variando de
R$300,00 a 700,00. Medicamentos frequentes em
1
reabilitação
Os fisiatras também são requeridos
para avaliações médicas específicas de Modalidades terapêuticas -
2
Agentes físicos
funcionalidade, como especialistas em
avaliação funcional. Exercícios: princípios, metodologia e
3
prescrição, exercício e repouso

A RESIDÊNCIA MÉDICA Eletrodiagnóstico, eletromiografia


4
potencial evocado

A residência médica em fisiatria é de 5 Fibromialgia e dor miofascial


acesso direto, tendo com pré-requisito 6 Dor crônica
somente a graduação em medicina. Ela 7
Órteses, próteses e meios auxiliares
tem duração de três anos com carga ho- para locomoção
rária de 60 horas semanais e, segundo o 8 Lesão medular
Conselho Nacional de Residência Médi- 9 AVC e TCE com plegias
ca (CNRM) (resolução número 02-2006, 10 Paralisia cerebral
de 17 de maio de 2006) deve conter em Poliomielite e síndrome pós
seu programa, no mínimo: 11
poliomielite
I. 20% da carga horária anual em Cen- 12 Síndrome do imobilismo
tro de Reabilitação;
13 Reabilitação profissional
II. 20% da carga horária anual em Uni-
14 Terapia da comunicação
dade de Internação ou Hospital-dia;

176
Medicina Física e Reabilitação Fisiatria CAPITULO 16

15 Atividades de vida diária e ergonomia ÁREA DE ATUAÇÃO/


16 Análise da marcha, podobarometria SUBESPECIALIZAÇÃO
Reabilitação em patologias
17
ortopédicas, pré e pós operatórios, A fisiatria é uma especialidade clínica
reumatológicas, neurológicas e ambulatorial e de enfermaria com pro-
oncológicas, hemofilias cedimentos e sem plantões noturnos.
18 Amputações São poucos os especialistas, mas a espe-
cialidade está em expansão e, a cada dia,
Existem mais duas possibilidades de conquista mais espaço no nosso meio.
conseguir a titulação de fisiatra. Uma é o É fundamental o trabalho ser inter-
interessado cursar estágio de três anos disciplinar, ou seja, trabalharem equipe
em uma instituição reconhecida pela composta por médicos; enfermeiros;
ABMFR e obter a titulação com a aprova- técnicos e auxiliares de enfermagem;
ção na prova da associação. Os estágios, psicólogos; fisioterapeutas; terapeutas
normalmente, não oferecem o primeiro ocupacionais; nutricionistas; fonoaudi-
ano em clinica médica, ficando o aluno ólogos; dentistas; educadores físicos;
restrito exclusivamente à especialidade, assistentes sociais; técnicos de órteses
isso para alguns, pode ser um incentivo, e próteses; engenheiros e, às vezes, te-
mas é bom lembrar que essa é uma es- rapeutas recreativos, buscando atender
pecialidade clinica que compreende o os pacientes de forma global. O fisiatra
paciente de forma integral, não somen- tem o papel de organizar e gerenciar a
te a doença ou deficiência, sendo funda- equipe, visando a melhor capacidade
mental saber o status geral do paciente, funcional do paciente de forma indivi-
reconhecer e diagnosticar possíveis ins- dualizada.
tabilidades clínicas e possíveis efeitos Como os fisiatras não tratam as do-
colaterais ou sobrepostos dos tratamen- enças em si, as áreas de trabalho são
tos realizados ou das patologias de base. mais divididas pelo campo de atuação
Outra forma é comprovar três anos de do profissional: consultório, centro de
experiência na especialidade em uma reabilitação, hospital geral, hospital de
instituição reconhecida pela associação especialidade, centro esportivo etc. As-
e conseguir a aprovação pela prova de sim, as áreas de trabalho são dadas pelo
titulação da associação. As provas são perfil dos pacientes assistidos em cada
anuais com um custo aproximado de local. Por exemplo:
R$1.500,00. • No consultório privado ou atenden-
do a saúde suplementar a maioria

177
CAPITULO 16 Como Escolher a sua Residência Médica

dos pacientes apresentam incapaci- e reuniões de equipe. Cada centro tem


dade musculoesquelética e dor crô- sua especificidade. Muitas vezes, o fisia-
nica; tra atende a todo tipo de paciente com
• No centro de reabilitação são pacien- incapacidade ou existe segmentação
tes com necessidades de reabilitação em clínicas por grupo de patologias/in-
mais complexas (lesão medular, do- capacidades – ambulatório geral (inclui
enças neurológicas degenerativas, doenças neurológicas degenerativas,
lesões encefálicas adquiridas – AVE, reumatológicas, lesão de plexo, adultos
TCE, amputações, crianças com alte- com paralisia cerebral ou más forma-
ração do desenvolvimento neuropsi- ções), ambulatório de amputados; lesão
comotor, hemofilia); medular; reabilitação infantil; hemofilia,
• No hospital geral, o fisiatra atua prin- lesão encefálica adquirida, fibromialgia,
cipalmente como interconsultor, dor crônica incapacitante; adequação
auxiliando o médico assistente do de cadeira de rodas.
paciente quando as necessidades As enfermarias se localizam em cen-
funcionais e de reabilitação são com- tros de reabilitação que possuem uni-
plexas e necessitam de avaliação mé- dade de internação para reabilitação.
dica específica do fisiatra e atuação Geralmente são pacientes clinicamente
junto à equipe de reabilitação; estáveis com lesões de instalação recen-
• Nos hospitais oncológicos, o serviço te, não necessariamente agudas, com
de reabilitação atua melhorando a grande benefício de tratamento reabi-
funcionalidade dos pacientes antes, litacional intensivo. As internações são
durante e depois dos tratamentos de aproximadamente seis semanas, mas
específicos do câncer, que debilitam isso se modifica de acordo com cada ser-
e pioram a qualidade de vida; viço. Existe um clínico geral para suporte
• Nos centros esportivos ou paraes- e o fisiatra como especialista para reabi-
portivos, atuam com atletas para a litação. Alguns serviços têm neurologis-
prevenção e recuperação de lesões. tas, ortopedistas, cardiologistas e urolo-
gistas como parte integrante da equipe.
A atuação do fisiatra nos centros de Os procedimentos realizados pelo
reabilitação inclui o gerenciamento es- fisiatra incluem bloqueios neuromuscu-
tratégico e assistencial do serviço, ava- lares com toxina botulínica e fenol para
liação e seguimento médico do paciente tratamento de espasticidade; distonias
para a prescrição do programa de reabi- e sialorreia; bloqueios anestésicos em
litação, prescrição de órteses; próteses; nervos periféricos; infiltração de ponto
meios auxiliares de locomoção; exames gatilho miofascial; liberação manual de
complementares (avaliação de marcha, pontos gatilhos; infiltrações articula-
podobarometria, dinamômetria iso- res cegas ou guiadas por aparelhos de
cinética); procedimentos ambulatoriais imagem como ultrassom; uso de meios

178
Medicina Física e Reabilitação Fisiatria CAPITULO 16

físicos como termoterapia; laserterapia; podometria, estudo de imagem do siste-


eletroterapia (TENS e FES); ondas de ma neuromusculoesquelético, avaliação
choque e biofeedback. A robótica tem isocinética, ergoespirometria e termo-
um espaço importante na reabilitação. grafia.
Trabalha se com realidade virtual, apa- As áreas de subespecializações pos-
relhos robóticos para treino de marcha síveis da fisiatria são neurofisiologia clí-
e de membro superior como LokomatR, nica e dor. Elas são complementares a
GeoSystemR, inMotionR dentre outras residência médica e com duração de um
inovação que surgem a cada dia. ano. Para continuar a formação é neces-
Os exames em pacientes realizados sário realizar outro processo seletivo em
são biofeedback, eletroneuromiografia, instituições reconhecidas pelo CNRM e a
potenciais evocados somato-sensitivos, Associação Médica Brasileira (AMB).
urodinâmica, análise de marcha, baro-

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

A qualidade de vida do fisiatra Deficiência em 1981, realizou a Conven-


é muito boa. Por ser uma especialida- ção sobre os Direitos das Pessoas com
de clínica, ambulatorial, de enfermaria Deficiência em 2006, a OMS publicou
e sem plantões noturnos, ele consegue o Relatório Mundial sobre a Deficiência
organizar suas atividades em horários em 2011 e o Brasil instituiu o decreto de
diurnos. O trabalho interdisciplinar e a lei da Rede de Cuidados à Pessoa com
abordagem do paciente de forma global Deficiência no SUS em 2012.
proporciona resultados além da esfera O número de pessoas que necessitarão
física; ela também promove benefícios de reabilitação é cada vez maior devido
psicológicos e sociais. à evolução tecnológica e do conheci-
A medicina física e reabilitação é uma mento técnico médico biológico. A so-
das especialidades médicas em grande brevida da população aumenta a cada
expansão mundial principalmente após dia e o desafio da especialidade será
a década de 1980 quando a Organiza- fornecer independência e qualidade de
ção das Nações Unidas (ONU) procla- vida para esses sobreviventes.
mou o Ano Internacional da Pessoa com

SOBRE AS AUTORAS

Dra. Fernanda Martins é:

Médica fisiatra, é coordenadora científica e membro da Sociedade de Medicina Físi-


ca e Reabilitação, atua como médica do corpo clínico do Instituto de Medicina Física

179
CAPITULO 16 Como Escolher a sua Residência Médica

e Reabilitação do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade


Federal de São Paulo (HC-Fmusp) e Hospital Sírio Libanês.

Dra. Sabrina Saemy Tome Uchiyama é:

Médica residente de medicina física e reabilitação do Hospital das Clínicas da Facul-


dade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-Fmusp), fellowship no Labo-
ratório de Neuromodulação no Spaulding Rehabilitation Hospital/ Harvard Medical
School (2014).

REFERÊNCIAS

1. Ministério da Saúde. Institui a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência no âmbito do Siste-
ma Único de Saúde. PORTARIA Nº 793, DE 24 DE ABRIL DE 2012.
2. Organização Mundial de Saúde – Programa Incapacidades e Reabilitação. Disponível em:
<http://www.who.int/disabilities/en/>.
3. Associação Brasileira de Medicina Física e Reabilitação. Disponível em: <http://www.abmfr.
com.br>.
4. Sociedade Paulista de Medicina Física e Reabilitação. Disponível em: <http://www.spmfr.org.
br>.
5. Conselho Federal de Medicina. Disponível em: <http://www.cfm.org.br>.
6. Legislação. Decreto nº 80.281, de 5 de setembro de 1977. Decreto que criou a Comissão Na-
cional de Residência Médica (CNRM).
7. Linamara Rizzo Battistella – Competência em medicina física e reabilitação. Acta Fisiátrica. Vol
1. Nov 1994.
8. Joel DeLisa, MD, et al: Chapter 1 Rehabilitation Medicine: Past, Present and Future in eds. De-
Lisa J, Gans B: Rehabilitation Medicine-Principle sand Practice. J.B. Lippincott Company, Phi-
ladelphia 1988;3.
9. Fraga Filho, C. et al: Ensino de Clínica Médica. Rev. Ass. Med. Brasil 39(4) 198-200,1993.
10. Kottke F.J.: Future Focus of Rehabilitation Medicine: ArchPhyMedRehab 61:1-6,1980.
11. Marcelo Saad - O fisiatra trata do quê?. Acta Fisiátrica. Vol8. N2. Ago. 2001.
12. Associação de Fisiatras Acadêmicos. Disponível em: <http://www.physiatry.org/?page=his-
tory>.
13. Academia Americana de Medicina Física e Reabilitação. Disponível em: <http://www.aapmr.
org/about/who-we-are/Pages/History-of-the-Specialty-of-PMR >.
14. Rede de Reabilitação Lucy Montoro. Disponível em: <http://www.redelucymontoro.org.br/>.
15. Centro de Reabilitação do Hospital Sírio Libanês – Medicina Avançada – Especialidades. Dis-
ppnível em: <http://www.hospitalsiriolibanes.org.br/hospital/especialidades/reabilitacao/Pa-
ginas/default.aspx>.

180
MEDICINA HIPERBÁRICA
Dr. Marco Antonio Costa Campos de Santana

“ Saudade é como o oxigênio: só nos damos
conta dele quando faz falta.

Daltri Barros

A A medicina hiperbárica é a especiali-


dade médica responsável pela adminis-
tração de tratamento com oxigenotera-
pia hiperbárica (OHB), que é uma forma
de tratamento em que o paciente entra
outros. O primeiro contato deste autor
com a medicina hiperbárica foi lendo
artigos que relatavam o uso dessa tera-
pia associada à radioterapia para trata-
mento de neoplasias, e posteriormente
em um ambiente com pressão mais alta acompanhando alguns pacientes com
do que a atmosfera e respira oxigênio feridas infectadas, politraumatizados,
puro. diabéticos que evoluíram muito bem,
Hiperbárica é uma palavra de origem fato que despertou bastante interesse.
grega que significa pressão elevada. Em
medicina, esse termo é empregado para HISTÓRIA
indicar uma especialidade – a medicina
hiperbárica – que se ocupa das altera- Os primórdios da OHB iniciaram-se
ções do organismo, quando submetido em 1662, antes mesmo de o oxigênio
a pressões mais elevadas, isto é, a pres- ser descoberto, quando um médico in-
sões duas ou três vezes maiores do que glês, chamado Henshaw descobriu que,
a pressão atmosférica normal, no nível colocando pessoas feridas dentro de um
do mar, e respiram oxigênio puro. sistema fechado com ar bombeado com
O oxigênio em grande quantidade um sistema de válvulas, era observada
nos tecidos corporais, através de diver- aceleração do processo de cura.
sas vias metabólicas, auxilia enorme- Esse processo foi aprimorado com
mente na resolução de processos infec- o passar dos anos, e no início do sécu-
ciosos, inflamatórios e cicatriciais entre lo XIX, já era melhor compreendido. Na
CAPITULO 17 Como Escolher a sua Residência Médica

década de 1830, surgiram as primeiras logia (SBD) descreveu a melhora clinica


câmaras de aplicação de pressão de ar, de seus pacientes com hanseníase sub-
criadas por Junod e Pravaz, o que os le- metida a oxigênoterapia hiperbárica. No
vou a se espalhar pela Europa aplicando Brasil a origem da especialidade de me-
o que chamavam de “banhos de ar com- dicina hiperbárica se deu na Marinha em
primido”. 1967 com a instalação da primeira câme-
Já na primeira metade do século ra na Base Naval Marcílio Dias, onde se
XX, houve foco da medicina hiperbári- localiza a nossa Força de Submarinos.
ca para tratamento de descompressão A prática nacional da medicina hi-
com aviadores e mergulhadores e tam- perbárica foi regulamentada em 15 de
bém o uso nas tropas da Segunda Guer- setembro de 1995, quando o Conselho
ra Mundial no tratamento de feridas e Federal de Medicina (CFM), acolhendo
das complicações de armas químicas. uma bem documentada solicitação ge-
A Undersea and Hyperbaric Medical rada por especialistas de São Paulo e
Society (UHMS), dos Estados Unidos, do Rio de Janeiro, publicou a resolução
devido à sua forte atuação como insti- 1457/95, regulamentando a modalidade
tuição associativa, fomentadora e divul- terapêutica, porém, atualmente, a medi-
gadora das normatizações, atividades, cina hiperbárica ainda não conta com
tratamentos e pesquisas em medicina status de especialidade, apenas como
hiperbárica e congregando os médicos área de atuação.
que exercem a especialidade, tornou-se Com o objetivo de padronizar e re-
de fato a grande aglutinadora mundial gulamentar a formação de profissionais,
da comunidade médica e técnica da além diretrizes de utilização da técnica
área. É principalmente a UHMS que di- em nosso país, a Sociedade Brasileira de
vulga as informações, normas, diretrizes Medicina Hiperbárica (SBMH) foi funda-
e protocolos, seguidos pela maioria dos da em 1983.
especialistas, tanto norte americanos
quanto das sociedades de medicina hi- OS EFEITOS DO OXIGÊNIO
perbárica de muitos outros países. PRESSURIZADO
No Brasil, um dos pioneiros foi o
Professor Dr. Álvaro de Ozório Almeida, Ao se injetar em uma câmara hiper-
que dedicou seu trabalho ao estudo da bárica grandes quantidades de oxigê-
fisiologia e da oxigênoterapia hiperbá- nio, a solubilidade deste nos tecidos
rica. Em 1934, fez a primeira divulgação tende a aumentar, atingindo concentra-
de seus trabalhos sobre os efeitos tóxi- ções ótimas em 2 a 3 ATM. O resultado
cos do oxigênio hiperbárico sobre suas disso, no corpo é bastante interessante.
pesquisas no tratamento de câncer com Em uma pessoa saudável, com níveis
OHB e também sobre a radioterapia. Em de hemoglobina dentro da normalida-
1937, a Sociedade Brasileira de Dermato- de, em uma pressão de 1 ATM, a con-

182
Medicina Hiperbárica CAPITULO 17

centração de O2 no sangue é de cerca de e ajuda a combater o edema de forma


20ml/100ml. Nas condições de um tra- significativa.
tamento de oxigênio hiperbárico, essas
concentrações podem se elevar de 15 INDICAÇÕES DA OXIGENOTERAPIA
a 25 vezes! Estes resultados são tão in- HIPERBÁRICA
críveis que, em experimentos realizados
nos anos 1960, um pesquisador conse- De acordo com a Resolução 1457/95
guiu manter porcos, dos quais ele havia do Conselho Federal de Medicina (CFM),
substituído todo o sangue, vivos em câ- as indicações para tratamento com OHB
maras hiperbáricas devido ao enorme são as seguintes:
aumento da solubilidade do oxigênio. • Embolias gasosas;
O aumento da concentração do oxi- • Doença descompressiva;
gênio no corpo tem repercussões muito • Embolias traumáticas pelo ar;
importantes, pois muitas doenças crôni- • Envenenamento por monóxido de
cas podem causar alterações vasculares carbono ou inalação de fumaça;
que impedem a distribuição adequada • Envenenamento por cianeto ou deri-
do oxigênio nas células do corpo, e a vados cianídricos;
OHB pode ajudar bastante, permitindo • Gangrena gasosa;
que o oxigênio alcance os locais em ci- • Síndrome de Fournier;
catrização e acelerando o processo. • Outras infecções necrotizantes de
O oxigênio em altas concentrações tecidos moles: celulites, fasciites e
ainda pode reduzir a gravidade e até miosites;
ajudar a combater muitas infecções, por • Isquemias agudas traumáticas: lesão
seu efeito tóxico a diversas bactérias, in- por esmagamento, síndrome com-
clusive bactérias multiresistentes como partimental, reimplantação de extre-
a Klebsiella pneumoniae Carbapenema- midades amputadas e outras;
se (KPC). Para embolias causadas pela • Vasculites agudas de etiologia alér-
injeção de gases nos vasos sanguíneos gica, medicamentosa ou por toxinas
ou como decorrência de síndromes des- biológicas (aracnídeos, ofídios e in-
compressivas o tratamento com OHB é setos);
o melhor tratamento disponível. • Queimaduras térmicas e elétricas;
O oxigênio ainda tem mais um efei- • Lesões refratárias: úlceras de pele, le-
to muito curioso: Ao se elevar a sua taxa sões pé-diabético, escaras de decú-
nos vasos sanguíneos o corpo tende a bito, úlcera por vasculites auto-imu-
realizar uma vasoconstricção, que, em nes, deiscências de suturas;
pacientes com quadro de edema cere- • Lesões por radiação: radiodermite,
bral ou em grandes queimados, reduz osteorradionecrose e lesões actíni-
a perda de água para o terceiro espaço cas de mucosas;

183
CAPITULO 17 Como Escolher a sua Residência Médica

• Retalhos ou enxertos comprometi- ciente (que permite apenas a acomoda-


dos ou de risco; ção do próprio paciente, pressurizada,
• Osteomielites; em geral, diretamente com 02);
• Anemia aguda, nos casos de impos- As câmaras hiperbáricas atuam utili-
sibilidade de transfusão sanguínea. zando-se de dois princípios científicos,
ensinados comumente no ensino mé-
Visando ampliar e especificar melhor dio: a lei de Boyle, que mostra a relação
as indicações de OHB, e baseando-se entre volume e pressão para os gases, de
em evidências científicas atuais, a SBMH forma que, ao se injetar grandes quanti-
elaborou uma lista expandida de indi- dades de gás em uma câmara fechada
cações e recomendações para o uso de e inelástica, a tendência é que a pressão
OHB contendo 71 indicações. dentro desse sistema aumente; e a lei de
Dentre as indicações mais impor- Henry, que mostra que em um sistema
tantes são para tratamento de úlceras de temperatura constante, o aumento
varicosas, complicações de feridas cirúr- da pressão parcial de um gás torna-o
gicas, lesões secundárias causadas por mais solúvel na água.
tratamentos de radioterapia e pé diabé- A câmara hiperbárica funciona au-
tico. O pé diabético é uma complicação mentando a quantidade de oxigênio
da diabetes que ocorre em cerca de 20% nos tecidos com a finalidade de desen-
dos pacientes em algum ponto das suas cadear efeitos biológicos e mecânicos
vidas, na qual complicações microvas- que beneficiarão na recuperação do pa-
culares diminuem a oxigenação das ex- ciente. Especificamente para tratamen-
tremidades, de forma que microtraumas to de doenças do mergulho e de outras
podem complicar e tornar-se feridas patologias relacionadas com alteração
que nunca fecham. O tratamento destes de pressão, a redução do tamanho das
pacientes é muito difícil e cerca de 25% bolhas de ar, que geralmente se formam
podem evoluir para amputações, porém nos tecidos destes pacientes, é de vital
diversos estudos já demonstraram que importância.
o uso de OHB pode reduzir as chances • Câmara multipaciente: de grande
de amputação em até 50%. porte, acomodam de 3 a mais de 14
pacientes simultaneamente, que re-
A CÂMARA HIPERBÁRICA cebem o oxigênio por meio de más-
caras e capacetes de plástico apro-
As câmaras hiperbáricas são equipa- priados. Eles podem ficar sentados
mentos resistentes à pressão e podem ou deitados. A pressão dentro da
ser de dois tipos - multipaciente (de câmara aumenta com a utilização de
maior porte, pressurizada com ar com- ar. A sessão dura média 120 minutos.
primido e com capacidade para várias Os tratamentos são padronizados. A
pessoas simultaneamente) e o monopa- realização das sessões depende da

184
Medicina Hiperbárica CAPITULO 17

presença de um operador de câmara monitorar o progresso do paciente para


interna durante cada sessão. indicar novas sessões ou indicar a sus-
• Câmara monopaciente: de tama- pensão do tratamento. O médico irá de-
nho menor, acomodam apenas um terminar um plano de tratamento, que
paciente, deitado, que respira o oxi- inclui o número de sessões na câmara e
gênio diretamente da atmosfera da a dose (pressão e tempo) certos de oxi-
câmara, sem máscara. A pressão den- gênio.
tro da câmara aumenta utilizando-se Usualmente os contratos de trabalho
oxigênio puro. A sessão dura média são em serviços privados consistem da
de 90 minutos. Permite individuali- contratação do profissional por tipo Pes-
zação de protocolos de tratamento soa Jurídica, com salários negociados
para cada paciente. baseados em um valor fixo adicionado
a um valor variável relacionado à produ-
ROTINA DO MÉDICO ção do serviço.
HIPERBARICISTA
QUALIDADE DE VIDA
Terapia hiperbárica é frequente-
mente usado em conjunto com outros A qualidade de vida costuma ser um
tratamentos em centro de tratamento fator importante na escolha pela espe-
de feridas. Ele também pode ser usado cialidade. Contam como vantagens o
quando outros tratamentos tenham fa- fato de ser uma área que, pelas suas pró-
lhado. Os doentes que recebem trata- prias características, está atrelada a cen-
mento hiperbárico em respirar oxigênio tros de alta complexidade, com horários
puro numa câmara de pressão, a fim de bem estabelecidos e com baixo risco de
aumentar a quantidade de oxigênio no intercorrências, exceto em emergências
sangue, tecidos e órgãos. Uma ampla como a doença descompressiva ou into-
variedade de condições pode ser trata- xicação por CO.
da incluindo feridas, queimaduras, in- Os profissionais da área costumam
fecções necrosante e danos nos tecidos apresentar alto índice de satisfação pes-
da terapia de radiação. Os médicos que soal. O maior problema da especialidade
se especializam em medicina hiperbári- pode ser considerado como mais uma
ca devem realizar exames físicos, extrair vantagem: a falta de serviços de medi-
histórias médicas e rever exames diag- cina hiperbárica no Brasil tornam limites
nósticos para determinar se um pacien- na colocação profissional, mas geram
te é um candidato adequado para trata- excelentes oportunidades para médicos
mento hiperbárico. empreendedores.
Os médicos também realizam re-
visões periódicas do tratamento para

185
CAPITULO 17 Como Escolher a sua Residência Médica

A MEDICINA HIPERBÁRICA NO encaminham seus pacientes para serem


BRASIL: FORMAÇÃO E MERCADO DE avaliados por um médico hiperbaricis-
TRABALHO ta, seja por preconceito ou por falta de
conhecimento, pois a maioria dos cen-
No site da SBMH estão cadastrados tros de formação do país não contam
88 serviços funcionantes no Brasil, sen- com um centro de medicina hiperbárica
do que muitos estados não possuem dedicado, de forma que a maior parte
nenhum serviço, além de 144 médicos dos médicos desconhece a técnica. Até
registrados como especialistas. mesmo no Hospital das Clínicas da Uni-
A medicina hiperbárica, embora seja versidade de São Paulo (USP), um dos
considerada área de atuação de pneu- maiores centros de formação de espe-
mologistas, médicos do trabalho, cirur- cialistas do Brasil, o serviço de OHB está
giões e médicos intensivistas, é exerci- desativado há anos.
da por médicos de formações diversas,
provavelmente pela falta de programas RELAÇÃO MULTIDISCIPLINAR
de residência que incorporem esta es-
pecialidade. A formação oficial dos es- O médico hiperbaricista deve ter co-
pecialistas se dá através do programa de nhecimentos de cirurgia, infectologia,
pós-graduação organizado pela SBMH, pneumologia e medicina intensiva. A
além dos cursos anuais de extensão relação com cirurgiões vasculares, plás-
universitária em medicina hiperbári- ticos, ortopedistas, endocrinologistas,
ca. Além disso, existem cursos em ins- médicos do trabalho e múltiplas espe-
tituições militares, como os Cursos da cialidades é constante e reflete na qua-
Marinha do Brasil (Cespmedsek para os lidade do atendimento.
médicos do corpo de saúde da marinha
e o Curso Expedito de Emergências em CARACTERÍSTICAS IDEAIS DO
Medicina Submarina, para médicos ci- ESPECIALISTA
vis e militares), ministrados no Centro
de Instrução Almirante Áttila Monteiro O trabalho é uma amálgama de co-
Aché (Ciama) em Niterói/RJ. nhecimentos de medicina, envolvendo
Há varias limitações para quem quer conhecimentos de fisiologia vascular,
trabalhar nesse ramo: A baixa oferta física dos gases, fisiologia da cicatriza-
de serviços de medicina hiperbárica, a ção. Cada paciente representa um novo
necessidade de educação dos colegas, desafio, mesmo aos profissionais mais
para que encaminhem os pacientes e experientes, e o maior objetivo é ajudar
a falta de inclusão da técnica no rol de a melhorar sua qualidade de vida e lutar
procedimentos do SUS. Apesar de have- constantemente pela sua saúde.
rem dezenas de indicações para OHB já A multidisciplinaridade é chave no
bem estabelecidas, muitos médicos não tratamento e o médico deve ter uma

186
Medicina Hiperbárica CAPITULO 17

relação próxima e boa capacidade de manecendo atualizado nas evidências


diálogo com os outros especialistas, e científicas da sua área.
enfermeiros e técnicos da equipe, per-

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

A OHB já está inclusa no rol de proce- dentes de trânsito) e úlceras diabéticas


dimentos de Agência Nacional de Saúde e estudos canadenses e americanos es-
Suplementar (ANS) desde 2010, porém timam uma incidência de 24 lesões pas-
a oferta de serviços ao SUS depende de síveis de OHB para cada 10 mil habitan-
realização de convênios e contratos de tes, e esta estatística tende a aumentar
prestação de serviço de forma individu- com o envelhecimento da população
al com secretarias de saúde. A maioria nos próximos anos. No Brasil isso inclui
dos tratamentos realizados no SUS ain- mais de 600 mil pessoas todos os anos
da se originam por via judicial. Acredita- que teriam alguma indicação de reali-
-se que num futuro próximo a medicina zação de OHB. As consequências atuais
hiperbárica virá a fazer parte do rol de do déficit da modalidade são filas inter-
procedimentos do SUS, mas a crise polí- mináveis de pacientes para amputação
tico-econômica provavelmente fará este e óbitos decorrentes das complicações
sonho aguardar mais um pouco. Porém, destas feridas. Estudos de impacto eco-
mesmo sem os pacientes do SUS, não nômico mostram que o uso de OHB re-
faltam pacientes. duz custos de internação e reduz uso de
Epidemiologicamente, a maior parte antibióticos e intervenções de alto cus-
das indicações de OHB são por osteo- to, sendo simultaneamente mais barato
mielites (decorrentes de fraturas e aci- e mais eficaz.

SOBRE O AUTOR

Dr. Marco Antonio Costa Campos de Santana é:

Médico, nascido em Aracaju-SE, com graduação em medicina na Universidade Fe-


deral da Bahia (Ufba), residência médica em radioterapia pelo Instituto do Câncer
do Estado de São Paulo (Icesp) / Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo (HCFMUSP). Realizou curso de extensão médica em
medicina hiperbárica pela USP/Hospital 9 de Julho em 2009.

REFERÊNCIAS

1. Sociedade Brasileira de Medicina Hiperbárica – SBHM – http://www.sbmh.com.br


2. Undersea and Hyperbaric Medical Society - http://www.uhms.org

187
CAPITULO 17 Como Escolher a sua Residência Médica

3. Physiology and Medicine of Hyperbaric Oxygen Therapy - Tom S. Newman - 2008.


4. Adjunctive Hyperbaric Oxygen Therapy for Diabetic Foot Ulcer: An Economic Analysis - 2007.

188
MEDICINA LEGAL E
PERÍCIAS MÉDICAS


Dra. Renata Schwed Razaboni

Sobre os esqueletos em meu laboratório; eles
tem histórias para contar, embora
estejam mortos.

William R. Maples

A A Medicina Legal é a aplicação de co-


nhecimentos médicos e biológicos para
a elaboração e a execução das leis que
deles carecem1. Por meio dessa especia-
lidade há colaboração da medicina para
como Raimundo Nina Rodrigues, Afrâ-
nio Peixoto e Oscar Freire. Em 2011, o
Conselho Federal de Medicina (CFM)
instituiu o nome atual da especialida-
de: medicina legal e perícias médicas.4
que haja justiça social. A frase célebre da especialidade é dita
A Medicina Legal é uma das especia- em latim “Visum et repertum” que em
lidades médicas mais antigas, sendo o português descreve o que o especialista
código penal de Hamurabi do séc. XVIII na área deve ser capaz ao realizar uma
a.C., o primeiro a apresentar dispositi- perícia: “ver e reportar”.
vos da relação jurídica entre médico e Para se adquirir o título de especialis-
paciente2. Ela nasceu, oficial e legalmen- ta em Medicina Legal e Perícias Médicas,
te, em 1507 na Alemanha, com a pro- o candidato médico deve se submeter
mulgação do Código de Bamberg, que a uma prova de títulos e habilidades da
determinava a Medicina Legal como ci- Associação Médica Brasileira de Medici-
ência capaz de fornecer provas técnicas na Legal e Perícias Médicas (ABML) ou
de natureza médica a fim de auxiliar o ter realizado o Programa de Residência
Direito3. Médica em Medicina Legal e Perícias
No Brasil, a Medicina Legal foi repre- Médicas reconhecida pela Comissão Na-
sentada por célebres personalidades cional de Residência Médica (CNRM).5-7
CAPITULO 18 Como Escolher a sua Residência Médica

ÁREA DE ATUAÇÃO/ mente da vontade da vítima, o Estado


SUBESPECIALIZAÇÃO assume a titularidade da ação e realiza
as providências necessárias para que o
Perícia médica é atividade própria sistema judiciário criminal seja aciona-
da medicina legal, sendo caracteriza- do para julgar o fato delituoso. Situa-
da como uma sindicância de natureza ções que requerem perícias criminais:
médica que visa esclarecer fatos que homicídios, suicídios, lesões corporais,
interessam em um processo judicial ou estupro e embriaguez. Os ramos de
administrativo. É um elemento de prova atuação da medicina legal criminal são:
fundamental quando as normas (penais, traumatologia; tanatologia; toxicologia;
civis, administrativas) exigem conheci- infortunística; antropologia; sexologia;
mentos médicos para serem executa- psiquiatria; asfixiologia; psicologia; cri-
das8. minalística; criminologia; genética e vi-
A perícia se faz por meio de inves- timologia10.
tigações técnicas como exame clínico, Na perícia cível estão todos os deli-
laboratorial, radiológico, vistorias de tos praticados contra o patrimônio, bens
local a fim de identificar fatos médicos ou qualquer valor de outrem, cabendo à
que esclareçam questões judiciárias ou parte prejudicada acionar a justiça para
administrativas para que determinada ter seu direito reparado. Situações que
situação seja enquadrada nas normas requerem perícias cíveis: indenização
(leis, regulamentos)3. por dano físico (erro médico), anulação
A perícia utiliza técnicas e métodos de ato jurídico (casamento), interdição,
que incorporou de campos afins ou que prejuízo a terceiros e imputabilidade8.
desenvolveu por si mesma para os casos A perícia administrativa analisa o
que requerem procedimentos especiais trabalhador, determina se há capacida-
que não são necessários em outros ra- de ou incapacidade para o trabalho de
mos da Medicina. Neste particular, seus uma forma geral ou para uma tarefa es-
métodos de estudo extrapolam o cam- pecífica, além de avaliar todas as situa-
po da medicina, abrangendo o das ciên- ções pertinentes que se apresentam no
cias biológicas em geral e também o das ambiente de trabalho. Geralmente, tal
ciências sociais9. Ela pode ser dividida perícia associa-se com a concessão de
em: perícia judicial (criminal e cível), pe- benefícios sociais, beneficiários e tra-
rícia administrativa, perícia securitária e balhistas. Estão incluídos nessa área os
auditoria. procedimentos: exames ocupacionais;
A perícia judiciária é uma atividade licenças (saúde, maternidade); readap-
técnico-científica indispensável para tação; acidentes de trabalho; aposenta-
elucidação de crimes quando houver doria por invalidez; isenção previdenci-
vestígios. Na área criminal, quando ária e de imposto de renda11.
ocorre o delito criminal, independente-

190
Medicina Legal e Perícias Médicas CAPITULO 18

A perícia securitária deve avaliar as legislação específica à atuação pericial,


condições dos seguros de vida, ao cor- ter conhecimento do código de ética
relacionar as informações médicas apre- médica, dos pareceres do CFM e do Con-
sentadas com as cláusulas contratuais, selho Regional de Medicina, ser impar-
recomendando a concessão do que cial, isento, justo, técnico, atento e não
deve ser concedido ou a recusa às pre- aceitar pressões externas12. Certas habi-
tensões ilegítimas. lidades já são inerentes ao caráter, po-
A auditoria se caracteriza em ativi- rém os conhecimentos da área médica e
dades de verificação analítica e opera- jurídica podem ser adquiridos ou ainda
cional de toda documentação, ato ou aperfeiçoados durante o programa de
cobrança na área da saúde suplementar residência médica em medicina legal e
(Privado) ou no âmbito do Sistema Úni- perícias médicas.
co de Saúde (SUS). Ela assegura que o Como o perito lida com situações de-
atendimento solicitado pelo profissio- lituosas, é importante estabelecer a di-
nal de saúde é mesmo necessário, além ferença entre a relação médico-paciente
de ser prestado com eficiência e no local e a relação perito-periciado. O perito
apropriado. apresenta o sigilo pericial distinto do si-
O especialista em medina legal pode gilo médico, pois ele pode revelar as in-
ainda seguir carreira acadêmica, ao reali- formações técnicas médicas pertinentes
zar mestrado, doutorado, além de poder em seu laudo para esclarecer questões
atuar como professor de medicina legal da justiça. Porém, o médico perito não
em faculdades de Medicina e de Direito. deve tecer comentários sobre tratamen-
tos, atestados, perícias, afastamentos
CARACTERÍSTICAS DO laborais prévios quando na presença do
ESPECIALISTA EM MEDICINA LEGAL periciado, deixando qualquer observa-
E PERÍCIAS MÉDICAS ção ou crítica para seu laudo13,14.
O médico perito pode ser caracteri-
O especialista em medicina legal e zado como:
perícias médicas, quando realiza uma • Oficial: são os médicos legistas, os
perícia, é denominado médico perito peritos criminais e os médicos peri-
e por meio de seu laudo técnico, docu- tos do Instituto Nacional do Seguro
mento médico legal escrito, faz-se a pro- Social (INSS). É necessária a aprova-
moção da justiça social1. ção em concurso público;
O perito assume responsabilidades • Louvado: são aqueles escolhidos
éticas e legais distintas daquelas impos- como médicos peritos pelo juiz;
tas ao médico assistencialista comum e, • Assistente técnico: são aqueles con-
para que ele exerça sua função adequa- tratados pelas partes envolvidas no
damente, ele deve apresentar as seguin- processo (requerente, requerido, au-
tes características: ter conhecimento da tor, réu etc.)15.

191
CAPITULO 18 Como Escolher a sua Residência Médica

ROTINA DO ESPECIALISTA EM que por exemplo foram vítimas de aci-


MEDICINA LEGAL E PERÍCIAS dentes de trânsito, agressões, acidentes
MÉDICAS de trabalho16 e o restante (30%) decorre
da realização das necrópsias.
O especialista em medicina legal e O IC pode ser dividido conforme a
perícias médicas tem como principal atuação em:
rotina a elaboração de laudos médicos • Centro de perícias, nos quais se es-
técnicos, podendo atuar na área crimi- tudam: acidentes de trânsito, crimes
nal, cível, administrativa, securitária e contábeis, crimes contra o patrimô-
auditoria, conforme sua preferência e nio, crimes contra a pessoa, docu-
formação técnica. O ambiente de traba- mentoscopia, engenharia, perícias
lho do especialista em medicina legal e especiais, identificação criminal, cri-
perícias médicas varia de acordo com o mes de informática;
cargo que ele exerce, quando na função • Centro de exames, análises e pes-
de perito ele pode ser oficial, louvado e quisas, nos quais se realizam: aná-
assistente técnico, porém ele pode ain- lise instrumental, balística, biologia/
da optar pela carreira acadêmica e exer- bioquímica, física, química e toxico-
cer a profissão de professor em universi- logia.
dades de Medicina e de Direito.
Os peritos oficiais conforme ditos Os peritos criminais buscam vestí-
são os legistas, os peritos criminais e os gios que atuem como provas técnicas
médicos peritos do INSS. Os legistas tra- acerca de locais, materiais, objetos, ins-
balham no Instituto Médico Legal (IML), trumentos e pessoas, para a instrução
os peritos criminais no Instituto de Cri- de processos criminais17.
minalística (IC) e os peritos do INSS re- O INSS tem como principal local para
alizam suas perícias, principalmente, no a realização das perícias previdenciárias
próprio instituto16,17. o próprio instituto, contudo elas tam-
O IML pode ser dividido conforme a bém podem ser feitas nos consultórios
atuação em: de médicos credenciados, no domicílio
• Centro de perícias: Clínica médica, do segurado a ser examinado ou no hos-
tanatologia, radiologia e odontolo- pital e nas empresas com as quais o INSS
gia; mantém convênio18.
• Centro de exames, análises e pes- Os peritos louvados atuam em perí-
quisas: anátomo-patologia, toxico- cias nas quais não existam peritos ofi-
logia forense e antropologia. ciais e são designados para estes cargos
por nomeação judicial. Os assistentes
No IML, o atendimento prevalente técnicos são aqueles contratados pelas
(70%) é dado a indivíduos vivos, pessoas partes envolvidas no processo e o local

192
Medicina Legal e Perícias Médicas CAPITULO 18

de realização de perícias por esses pro- blicação em dezembro de 2013 no Diá-


fissionais (consultórios, fórum) é desig- rio Oficial do Estado do edital com 140
nado pelos peritos oficiais ou pelos pe- vagas para médicos legistas na grande
ritos louvados15. São Paulo com a remuneração de R$
7.516,02* para uma jornada de 40 horas
QUALIDADE DE VIDA E MERCADO semanais19.
DE TRABALHO Considerando o cargo de perito cri-
minal, o mesmo também está muito
A medicina legal e perícas médicas promissor, visto a publicação também
tornou-se uma especialidade famosa no Diário Oficial em dezembro de 2013
entre a população após a divulgação, de 447 vagas para a grande São Pau-
principalmente, das perícias criminais lo com a remuneração de R$ 7.516,02*
em filmes investigativos, seriados como para jornada de 40 horas semanais20. O
Crime Scene Investigation (CSI), Criminal cargo de médico perito do INSS também
Minds etc. Contudo, a medicina legal é possui carga horária de 40 horas sema-
muito mais abrangente e inclui também nais, com remuneração de R$ 9.070,93*,
as perícias cíveis, administrativas, securi- segundo o último edital da Fundação
tárias e auditorias. Carlos Chagas (FCC).21
Como a rotina básica do especialista O perito louvado não necessita apro-
em medicina legal e perícias médicas vação em concurso público para atender
consiste na elaboração de laudos téc- a determinação judicial. Como o próprio
nicos em processos judiciais e/ou admi- nome já define, louvado, ele é escolhido
nistrativos, isso permite uma ampla va- pelo magistrado, pois este entende que
riedade de atuação. A qualidade de vida o perito nomeado tem o conhecimento
depende basicamente da quantidade na matéria em questão. Entretanto, ele
de processos nos quais o perito se res- necessita apresentar ao magistrado cer-
ponsabilizou além do tipo de cargo que tidões negativas de processos nas esfe-
ele apresenta. ras cível e criminal.
O perito oficial (legista, perito crimi- Os peritos oficiais atendem confor-
nal e perito do INSS) é aquele que to- me o horário da rotina estabelecida na
mou posse do cargo mediante aprova- instituição onde prestam serviço, sendo
ção em concurso público. Ele apresenta que o mesmo pode variar em atividades
todos os benefícios de um funcionário diárias ou em regime de plantão, o peri-
público, tais como: estabilidade no em- to louvado, por sua vez, na maioria dos
prego, estabilidade salarial, além da casos, define o horário para a realização
garantia de aposentadoria. O mercado das atividades periciais.
de trabalho está em ascensão com a pu-

* Os valores mencionados são referentes ao ano de 2013 e podem sofrer alterações.

193
CAPITULO 18 Como Escolher a sua Residência Médica

Os assistentes técnicos são contrata- pecialista em Medicina Legal e Perícias


dos pelas partes envolvidas no processo Médicas, apesar de ser médico, não atua
para acompanhar o trabalho do perito na área da saúde, isto é, seu objetivo não
judicial. Ficam adstritos aos horários es- é a saúde do homem, mas a preservação
tabelecidos pelo vistor judicial, ou nos dos direitos do ser humano, atuando na
casos de peritos oficiais, pelo regime da área da justiça3.
instituição onde a perícia será realizada. Essa especialidade por sua natureza
Os prazos estabelecidos para a entre- médica jurídica exige constante atua-
ga de laudo para o perito e os assistentes lização do profissional quanto aos co-
técnicos variam na dependência da es- nhecimentos médicos, quanto aos dis-
fera judicial, mas de modo geral, é o juiz positivos legais que correlacionam os
que estabelece o prazo para o perito. O parâmetros médicos (diagnósticos, tera-
prazo do assistente técnico na perícia cí- pêuticos e preventivos) com os jurídicos
vel é de 10 dias após a entrega do laudo e quanto à jurisprudência (interpretação
do perito, e na Justiça do Trabalho (JT), os dada pelos juízes a cada particularidade
prazos concedidos ao perito judicial são da lei)3.
os mesmos concedidos para o assistente. No Brasil, a formação do conheci-
O assistente técnico e o perito lou- mento em Medicina Legal e Perícias Mé-
vado podem escolher os casos nos quais dicas durante a graduação é insuficiente
irão atuar e mesmo o perito oficial em e contempla, predominantemente, a
situações em que se sinta impedido por parte criminal, dada de forma igual-
motivo de foro íntimo, pode solicitar mente precária3. A consequência disso
afastamento do caso. é uma percepção distorcida de colegas
Visto qualidade de vida e remunera- médicos que por uma exígua formação
ção desejosas aliadas à demanda atual depreciam a complexidade que a espe-
do mercado por especialistas nesta área, cialidade contempla. A área de medici-
surgem cursos de especialização em me- na legal e perícias médicas extrapola o
dicina legal e perícias médicas. Contudo, campo da medicina, abrangendo o das
a grade dessas pós-graduações não con- ciências biológicas em geral e também
templa os requisitos básicos já estabe- o das ciências sociais9.
lecidos no programa de residência em O desafio diário do especialista em
medicina legal e perícias médicas para a medicina legal e perícas médicas pau-
formação de um especialista nesta área. ta na realização da técnica correta, na
constante atualização nas esferas legais
DESAFIOS e jurídicas, e, na orientação de sua vida
profissional e pessoal em concordância
A medicina legal é uma área comple- com os preceitos éticos.
tamente distinta das demais, pois o es-

194
Medicina Legal e Perícias Médicas CAPITULO 18

A RESIDÊNCIA EM MEDICINA LEGAL prévia e consiste em três anos de forma-


E PERÍCIAS MÉDICAS ção e treinamento3.
O primeiro ano é composto, basica-
O único programa de residência mé- mente, por estágios hospitalares, de-
dica em medicina legal e perícias médi- senvolvidos no Hospital das Clínicas da
cas aprovado pela CNRM do Ministério Faculdade de Medicina da Universidade
da Educação (MEC) é o do departamen- de São Paulo (HC-Fmusp). Esta fase foi
to de medicina legal, ética médica, me- estruturada com base nos programas
dicina social e do trabalho da Faculdade de residência médica em especialidades
de Medicina da Universidade de São básicas que são tradicionalmente desen-
Paulo (Fmusp), que teve início em 2004. volvidas nesse hospital-escola, visando o
Ele apresenta cinco vagas por ano cre- aprendizado da propedêutica utilizada,
denciadas pela CNRM3. bem como da discussão das suas condu-
O programa de residência em medi- tas específicas, podendo ser desenvolvi-
cina legal e perícias médicas é de acesso da nos setores de urgência/emergência,
direto, ou seja, não há necessidade de enfermarias e/ou ambulatórios3.
ter concluído nenhuma outra residência O treinamento no primeiro ano é fei-
to nos seguintes serviços:

1 Clínica médica geral: atendimento no ambulatório geral e didático, pronto-socorro e UTI;


2 Pneumologia: atendimento nos ambulatórios e enfermaria;
3 Reumatologia: atendimento nos ambulatórios;
Cardiologia: atendimento no pronto atendimento, no pronto-socorro e no ambulatório
4 de triagem do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas (Incor) com discussões didá-
ticas de eletrocardiograma e radiografias;
Neurologia: atendimento nos ambulatórios e pronto-socorro da neurologia do Hospital
5
das Clínicas, onde é realizado exame neurológico completo e exames complementares;
Cirurgia geral: atendimento no pronto-socorro de cirurgia do Hospital das Clínicas, inclu-
6
sive na sala de trauma;
7 Neurocirurgia: atendimento no pronto-socorro de neurocirurgia do Hospital das Clínicas;
Ortopedia: atendimento nos ambulatórios de diversas especialidades (mão, ombro, joe-
8 lho, coluna) e no pronto-socorro do instituto de ortopedia e traumatologia do Hospital
das Clínicas;
Anestesiologia: acompanhamento do procedimento anestésico em cirurgias (eletivas,
emergências, obstétricas, ortopédicas, infantil) e acompanhamento dos ambulatórios
9
de avaliação pré-anestésica e de recuperação pós-anestésica nos centros cirúrgicos do
Hospital das Clínicas;
10 Ginecologia: atendimento nos ambulatórios e no pronto-socorro;

195
CAPITULO 18 Como Escolher a sua Residência Médica

11 Obstetrícia: atendimento nos ambulatórios de obstetrícia e na sala de parto;


Pediatria: atendimento no pronto-socorro do instituto da criança do hospital das clínicas
12
da FMUSP
Psiquiatria: atendimento nos ambulatórios de psiquiatria do instituto de psiquiatria e
13
nas interconsultas, além de visita às enfermarias.

O segundo e terceiro ano compreendem o treinamento nos seguintes serviços:

Especialidades cirúrgicas: acompanhamento das atividades de especialidades cirúrgicas


1
(buco-maxilo, oftalmologia, plástica, urologia e otorrinolaringologia).
Ambulatório Saúde Ocupacional: atendimento nos ambulatórios do serviço de saúde
2
ocupacional do hospital das clínicas;
Ambulatório de grandes empresas: acompanhamento do serviço de saúde ocupacional,
incluindo o atendimento ambulatorial do Programa de Controle Médico em Saúde Ocu-
3
pacional (PCMSO), visitas aos postos de trabalho na fábrica, acompanhamento da ava-
liação ergonômica às máquinas, acompanhamento de perícias realizadas na empresa;
Reabilitação: atendimento nos diversos ambulatórios da fisiatria no Hospital das Clínicas
4
na avaliação de incapacidades;
Perícias cíveis: acompanhamento de perícias cíveis realizadas no instituto de medicina
5
social e criminologia;
Perícias acidentárias: acompanhamento de perícias de acidente do trabalho realizadas
6
no setor de perícias acidentárias das varas de acidentes do trabalho do Foro de São Paulo;
Perícias administrativas: acompanhamento das perícias administrativas (afastamento do
7 trabalho, aposentadorias etc.) em funcionários públicos, realizadas no departamento de
perícias médicas do estado de São Paulo;
Perícias previdenciárias: acompanhamento de perícias previdenciárias realizadas no Jui-
8
zado Especial Federal de São Paulo;
Psiquiatria forense: acompanhamento das perícias de psiquiatrica forense realizadas no
9 Núcleo de Estudos e Pesquisas em Psiquiatria Forense e Psicologia Jurídica (corrigir: (Nu-
for) deseenvolvidas no Ipq do Hospital das Clínicas.
Laboratório médico-legal: acompanhamento de exames de DNA para avaliação de vín-
10 culo genético (paternidade/maternidade) e outros exames laboratoriais como manchas
de sangue e esperma;
Antropologia forense: acompanhamento de perícias antropológicas (exame de ossadas,
11 restos humanos, carbonizados) realizadas no IML e no Instituto Oscar Freire (IOF) com
finalidade identificatória médico-legal;
Toxicologia forense: exames de toxicologia forense (apreensão de entorpecentes, casos
12
de embriaguez alcoólica e envenenamento) realizados no IML e IOF;
Laboratório de criminalística: exames periciais de balística, fonética realizados no insti-
13
tuto de criminalística;

196
Medicina Legal e Perícias Médicas CAPITULO 18

14 Auditorias médicas: acompanhamento de auditorias médicas HC-Fmusp;


Patologia – Necrópsia: realização de necrópsias anátomo-patológicas no Serviço de Veri-
15
ficação de Óbitos (SVO) – departamento de patologia da Fmusp;
16 Clínica médico-legal: constatação de lesão corporal e necroscopia, em IML.
Sexologia forense: constatação de conjunção carnal, ato libidinoso, aborto no programa
17
Bem-me-Quer, IML.

O objetivo do programa de residên- direto, com apenas cinco vagas creden-


cia em medicina legal e perícias médicas ciadas por ano3.
é a formação de um bom “clínico geral” A medicina legal e perícias médicas
para a área pericial. Esse perito deve ter é uma área completamente distinta das
formação médica ampla para avaliar demais e pela insuficiente carga horária
casos em qualquer área da medicina, destinada a essa disciplina na graduação
porém, quando houver a exigência de aliado a um ensino, predominantemente,
conhecimentos especializados que vão direcionado à área criminal, a concor-
além de sua competência, ele poderá re- rência desta especialidade é tido como
alizar uma consulta ao especialista, que baixa. Para o ingresso no programa de
emitirá um parecer e poderá ser anexa- residência médica de medicina legal e
do ao seu laudo para auxiliá-lo na con- perícias médicas, em 2015, houve um pa-
clusão pericial do caso3. drão de concorrência de 11 candidatos
para 4 vagas + 1* (1 vaga estava destina-
CONCORRÊNCIA da a um candidato que estava nas forças
armadas), totalizando 2,75 candidatos
Conforme dito, há apenas um único por vaga. Felizmente, para aqueles que
programa de residência médica em me- descobrem ter vocação para essa espe-
dicina legal e perícias médicas aprovado cialidade, o caminho para se tornar um
pela CNRM que é o do departamento de especialista em medicina legal e perícias
medicina legal, ética médica, medicina médicas é mais um atrativo desta carreira.
social e do trabalho da Fmusp, de acesso

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

Apesar de obscura para a maioria ele deve ter caráter, postura ética, tanto
dos médicos, a residência de medici- na vida pessoal como na carreira e deve
na legal e perícias médicas é uma área ainda ser fiel à técnica que o exercício
promissora, com grande variedade de dessa arte exige para que a justiça seja
atuação, remuneração e qualidade de feita. E, acima de tudo, como afirma Aris-
vida desejáveis. Porém, para que o pro- tóteles: “O prazer no trabalho aperfeiçoa
fissional possa exercê-la com excelência, a obra.”.

197
CAPITULO 18 Como Escolher a sua Residência Médica

SOBRE A AUTORA

Dra. Renata Schwed Razaboni é:

Pós-graduada e residente de medicina legal e perícias médicas pela Faculdade de


Medicina da Universidade de São Paulo (Fmusp). Pós-graduada em Bioética e espe-
cialista em medicina do tráfego pela Fmusp.

REFERÊNCIAS

1. Fávero F. Medicina Legal. São Paulo: Martins; 1973.


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198
Medicina Legal e Perícias Médicas CAPITULO 18

14. Cremesp. Legislação: Código de Ética Médica, 2009. cap 11. art 121. Disponível em: <http://
www.cremesp.org.br>. Acesso em: 26 dez 2013.
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20. Diário Oficial Poder Executivo. Concursos: Segurança Pública. Policia Civil do Estado. Disponí-
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21. Fundação Carlos Chagas. Concursos. Instituto Nacional do Seguro Social – INSS: Perito Médi-
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Acesso em: 20 dez 2013.

199
MEDICINA NUCLEAR “

Dr. George Barberio Coura Filho
Há uma força motriz mais poderosa que o vapor,
a eletricidade e a energia atômica: a vontade.

Albert Einstein

A A medicina nuclear pode ser defini-


da como a especialidade médica que faz
uso in vivo e in vitro de fontes radioativas
não seladas com finalidades diagnós-
ticas e terapêuticas. Estas fontes radio-
zes, radiações ionizantes com objetivos
médicos, usam sempre fontes seladas
ou artificiais e contidas em instrumentos
médicos (onde o material radioativo não
pode ser administrado).
ativas, por serem não seladas, são ma- A atenção à saúde pela medicina nu-
nuseáveis e administradas ao paciente, clear envolve os mais diversos órgãos e
habitualmente por vias intravenosa, oral sistemas humanos, porém as aplicações
ou subcutânea, e são decididas de acor- mais conhecidas e difundidas se encon-
do com o objetivo médico a ser atingido. tram nas áreas de cardiologia, oncolo-
Na medicina nuclear, essas fontes gia, neurologia e endocrinologia1.
não seladas são chamadas muitas vezes No Brasil, a especialidade é represen-
de radiofármacos, são utilizadas em do- tada pela Sociedade Brasileira de Me-
ses muito baixas, e são muito seguras. dicina Nuclear (SBMN), cuja fundação
Erroneamente e principalmente por ocorreu em 14 de setembro de 19612, e
desconhecimento são associadas por é reconhecida como especialidade mé-
leigos a acidentes nucleares que em dica pelo Conselho Federal de Medici-
nada se relacionam ao uso médico e pa- na e pela Associação Médica Brasileira
cífico das radiações ionizantes. (AMB)2. Também devemos ressaltar que
Uma confusão corriqueira também é regulamentada por órgãos como a
ocorre entre a medicina nuclear e ou- Agência Nacional de Vigilância Sanitária
tras especialidades médicas, como a (Anvisa) e a Comissão Nacional de Ener-
radiologia e o diagnóstico por imagem gia Nuclear (Cnen), com normas especí-
e a radioterapia. Apesar destas outras ficas publicadas para esta área3,4.
especialidades também usarem, por ve-
CAPITULO 19 Como Escolher a sua Residência Médica

O registro para compra, manipulação Cnen, a boa comunicação com o pa-


e uso de fontes radioativas não seladas é ciente também é importante e desejável
feito pela Cnen e é necessário para ativi- para o médico nuclear.
dade do médico nuclear, não bastando Finalmente, devido às características
o registro junto ao Conselho Regional de ser uma modalidade de auxílio diag-
de Medicina (CRM). Este registro é fei- nóstico e de terapias complementares,
to por solicitação individual e a prova o médico nuclear é um especialista em
para habilitação é aplicada pela Cnen constante interação com seus colegas de
ocorrendo em conjunto com a prova de outras especialidades. Como a atuação
título de especialista. Segundo informa- do médico nuclear é ampla, o mesmo se
ções no site da Cnen, há no Brasil 396 mantém em contato direto com as mais
médicos nucleares credenciados e com variadas áreas clínicas e cirúrgicas, o que
registro ativo para Diagnóstico e Terapia pode ser interessante para os médicos
com Radiofármacos in vivo no Brasil em que têm uma pluralidade de interesses
11/11/20135. pessoais. Também há interação constan-
te com profissionais das áreas de física
O ESPECIALISTA médica, radiofarmácia, biomedicina,
enfermagem, entre outras, sendo então,
O profissional da medicina nuclear uma área bastante multidisciplinar.
é frequentemente dotado de capaci- Assim, podemos concluir que, em
dades tecnológicas, pois atuamos com geral, o médico nuclear costuma ser um
aparelhos médicos complexos. Habi- profissional versátil e de interesses di-
lidades visuais são necessárias devido versificados e amplos na medicina.
a grande atuação da medicina nuclear
no diagnóstico por imagem. Também é ROTINA
necessário para o bom médico nuclear o
interesse constante em estudar ciências A rotina do médico nuclear envol-
básicas como fisiologia e anatomia, pois ve diagnóstico por imagem na grande
à cada momento surgem novos radio- maioria do tempo, chegando a até 100%
fármacos com propriedades biológicas do tempo para alguns médicos nuclea-
específicas, agregando novas perspecti- res que não atuam com terapias. A maio-
vas diagnósticas ou terapêuticas. ria dos procedimentos diagnósticos em
Por se tratar de especialidade que medicina nuclear são ambulatoriais ele-
também atua através de terapias, in- tivos. Alguns raros procedimentos são
cluindo consultas e tratamentos am- feitos em caráter de urgência, porém
bulatoriais, bem como internações costumam ser realizados em serviços de
hospitalares quando usadas quantida- maior complexidade e situados em am-
des maiores de substância radioativas biente intra-hospitalar.
conforme estabelecido por normas da

202
Medicina Nuclear CAPITULO 19

Muitos dos serviços diagnósticos es- Não é incomum a necessidade do mé-


palhados pelo Brasil focam em gama câ- dico nuclear se paramentar e entrar em
maras, alguns focam somente em tomo- campo operatório.
grafia por emissão de pósitrons (PET), e A possibilidade de vínculo acadêmi-
alguns outros trabalham em ambas mo- co existe, pode ser focada em ensino,
dalidades diagnósticas possuindo tanto em laboratórios de pesquisa médica, ou
gama câmaras quanto aparelhos PET. focada mais comumente em assistência
Em segundo lugar, temos as ativi- em hospitais universitários. Não é raro
dades terapêuticas que podem ocupar o médico nuclear que trabalhe no am-
em alguns casos até 50% da rotina de biente acadêmico e atue com ensino,
um médico nuclear. Diferentemente da pesquisa e assistência. Porém, ainda nos
área diagnóstica, não é frequente que dias atuais, não é realidade universal a
médicos nucleares atuem somente em presença da medicina nuclear nas ins-
terapias. A opção por maior atuação te- tituições de ensino médico tanto públi-
rapêutica ocorre, em geral, com profis- cas como privadas, fato que deve mudar
sionais com maior gosto pela interação com a atual maior complexidade das
com o paciente. O paciente é encami- doenças e dos tratamentos médicos.
nhado ao médico nuclear por outros
especialistas e, durante o período do MERCADO DE TRABALHO
tratamento, é acompanhado pelo mé-
dico nuclear, e, ao término da terapia, Sendo a especialidade uma área de
é encaminhado de volta ao especialista procedimentos eletivos, a qualidade de
de origem, para que este faça o segui- vida pode ser classificada como boa,
mento do paciente. principalmente porque permite a opção
Os tratamentos pela medicina nucle- de que não se trabalhe em horários não
ar, de forma semelhante ao que ocorre programados, fins de semana ou feria-
com os procedimentos diagnósticos, dos. Mas resta lembrar que as clinicas
são em geral de caráter eletivo, porém trabalham em horários que, por vezes,
durante internações hospitalares, pode são expandidos para dar conta da de-
haver eventual necessidade de avaliar o manda, podendo trabalhar em horários
paciente mais rapidamente. No entanto, maiores que o comercial.
complicações são muito raras e as inter- O médico nuclear que trabalhe trans-
nações transcorrem comumente sem versalmente em uma clínica pode, muita
intercorrências médicas. vezes, chegar a trabalhar 12 horas diárias
Em terceiro lugar vem o acompanha- chegando a 60 horas semanais. Mas há a
mento de cirurgias radioguiadas, em opção de se trabalhar transversalmente
geral de forma auxiliar e complementar por períodos como manhã ou tarde, ou
ao cirurgião, principalmente orientando até em períodos avulsos de quatro a oito
o uso do gama-probe na sala cirúrgica. horas. Esta flexibilidade é o fator que

203
CAPITULO 19 Como Escolher a sua Residência Médica

justifica classificar a especialidade como A RESIDÊNCIA


oferecendo uma boa qualidade de vida.
Porém, não devemos esquecer a neces- A residência em medicina nuclear é
sidade do constante estudo, então, para de acesso direto, de acordo com a Reso-
aqueles que não gostam de se atualizar lução CNRM Nº 02 / 2006 e tem duração
rotineiramente, a especialidade pode se estabelecida de três anos de treinamen-
tornar cansativa. to em serviço7. Em alguns momentos,
A remuneração ocorre dependendo pode haver contato com departamen-
de fatores como se você é sócio/pro- tos de radiologia para que se conheça
prietário da clínica, ou se é prestador um pouco das demais modalidades de
de serviço/autônomo. Outro fator é a diagnóstico por imagem.
quantidade de exames e tratamentos Os programas de residência devem
executados na clínica e seu horário de contemplar8:
funcionamento. Assim, o médico nucle- • R1: introdução a estatística, instru-
ar pode receber remuneração baseada mentação nuclear, proteção radio-
exclusivamente em carga horária, exclu- lógica, radiofarmácia e radioensaios,
sivamente em volume de serviços exe- aplicações clínicas em medicina nu-
cutados (exemplo: procedimentos feitos clear, radiologia e diagnóstico por
e/ou laudados), ou em um misto de car- imagem;
ga horária e volume de serviços. O ha- • R2: cardiologia, terapias em medici-
bitual é que o recém-formado trabalhe na nuclear, cirurgias radioguiadas,
em uma clínica já estabelecida, devido exames realizados em gamacâmara
ao altíssimo investimento inicial neces- e tomografia por emissão de pósi-
sário para se montar uma nova clínica. trons, radiologia II;
Existem oportunidades de cargos pú- • R3: cardiovascular, aparelho digesti-
blicos concursados ou trabalhar como vo, endocrinologia, gênito-urinário,
celetista, onde normalmente o contrato oncologia, músculo-esquelético, sis-
se dá por carga horária contratada. Em tema nervoso, hematologia, radiolo-
geral, é um salário fixo, acompanhado gia III.
de benefícios como férias remuneradas,
13º terceiro salário, cesta básica, auxílios As residências de medicina nuclear,
transporte e alimentação, entre outros. no geral, não costumam ter atividades
Essas vagas costumam ser bastante dis- de plantões noturnos ou de fim de se-
putadas e o salário é muito variável de mana, porém a rotina durante a semana
acordo com o contratante. costuma ser intensa com exames nas clí-
nicas das 07 às 19 horas.

204
Medicina Nuclear CAPITULO 19

CONCORRÊNCIA medicina nuclear convencional, através


da tomografia por PET, através de cirur-
Devido à pequena difusão da me- gias radioguiadas, e, menos frequente-
dicina nuclear nas escolas de formação mente, através de modalidades labora-
médica, muitas vezes não tendo espa- toriais específicas como a Determinação
ço para aulas próprias e sendo inserida da Filtração Glomerular com 51Cr-ED-
em módulos de outras especialidades, a TA6.
procura pela residência médica em me- Para diagnóstico por cintilografia
dicina nuclear não costuma ser grande são utilizadas radiações do tipo onda
ou intensamente competitiva. Para o eletromagnética (raios gama). Após o
ano de 2014, foram publicadas relação radiofármaco ser administrado pelo pa-
candidato/vaga em torno de 8,0, tanto ciente um aparelho chamado gama-câ-
na Fmusp quanto na Unicamp 9,10. Esta mara ou, câmara cintilográfica detecta
relação se elevou nos últimos anos, pois a radiação que está sendo emitida pelo
as vagas no mercado de trabalho tem se paciente, permitindo o estudo do siste-
expandido na medicina nuclear. ma específico para o qual o radiofárma-
Existem cursos de especialização em co tem afinidade. Por exemplo, se existe
medicina nuclear que não são residên- a dúvida no caso de um paciente com
cia médica. Para que os mesmos tenham câncer de mama tem metástases ósse-
direito a título de especialista e conse- as, podemos usar um radiofármaco que
quentemente registro junto a Cnem os tenha afinidade fisiológica por atividade
requisitos de formação são os mesmos osteoblástica, então nas áreas onde hou-
que para a residência médica, então ver ocupação do osso pela metástase, o
também são de três anos de duração e radiofármaco irá se concentrar devido à
dedicação integral. Costumam ser reali- atividade osteogênica ao redor da lesão6.
zado em instituições privadas de medi- Outro exemplo é quando temos um
cina nuclear. paciente com dor no peito, que pode
ser decorrente de várias doenças, mas se
ÁREAS DE ATUAÇÃO suspeitamos que seja de origem cardía-
ca isquêmica, o que levaria o paciente a
A medicina nuclear é especialida- ter um infarto, pode-se usar um radiofár-
de integral, não havendo no momento maco que tenha distribuição no coração
subespecialidades ou áreas de atuação proporcional ao fluxo sanguíneo com o
específicas. Portanto, o médico nuclear paciente em repouso, e depois repetir
habilitado pode atuar em todas as áreas após estresse em esteira ergométrica.
de aplicação médica de radiofármacos. Caso o paciente tenha isquemia, have-
Na área diagnóstica, o médico nucle- rá mudança no padrão de distribuição
ar pode atuar através das cintilografias, entre essas duas situações, evidencian-
muitas vezes chamada de exames de do no estresse a parede cardíaca menos

205
CAPITULO 19 Como Escolher a sua Residência Médica

perfundida e, consequemente, a com que o médico nuclear administre um


maior risco de infarto, nos permitindo radiofármaco no paciente de forma a fa-
indicar precocemente uma intervenção cilitar um procedimento cirúrgico. Esta
cardíaca6. facilidade se dá pelo uso concomitante
As imagens de cintilografia são fre- durante a cirurgia de um gama-probe,
quentemente adquiridas bidimensio- que indica o sítio de interesse para o
nalmente, porém também permitem a cirurgião por estímulos sonoros e nu-
aquisição de imagens tridimensionais méricos. Apesar de, usualmente, não
pela modalidade Tomografia por Emis- fornecer imagens durante o ato opera-
são de Fóton Único (Spect). Outra pos- tório, imagens podem ser obtidas na ga-
sibilidade das gama-câmaras é adquirir ma-câmara antes da cirurgia. O exemplo
imagens em modo dinâmico, permitin- mais comum é a pesquisa de linfonodo
do estudar a função de um órgão ou sis- sentinela, técnica bastante difundida,
tema ao longo do tempo. principalmente no câncer de mama e
Já para diagnóstico por PET, é utili- no melanoma. Com esta técnica, permi-
zada a emissão de pósitrons, que é uma te-se que o cirurgião extraia somente o
partícula com o mesmo peso do elétron primeiro linfonodo que drena a região
porém carga positiva, e que tem um cur- onde o radiofármaco foi injetado, coisa
to alcance na ordem de milímetros, an- que dificilmente o cirurgião conseguiria
tes de se aniquilar com um elétron. Esta saber sem técnicas adicionais. Para o pa-
aniquilação emite duas radiações gama ciente o ganho é de que se este linfono-
de mesma energia, mesmo sentido e do estiver normal, poupa-se o paciente
direções opostas que, ao serem detecta- de passar, por uma ressecção de todo o
das pelo aparelho PET, permitem a for- sistema linfático regional, e portanto, de
mação de uma imagem tridimensional, efeitos pós-cirúrgicos indesejados.
visualizadas habitualmente em cortes Por fim, o médico nuclear também
tomográficos6. Uma das aplicações mais atua realizando terapias utilizando ra-
difundidas de PET é a pesquisa de tu- diofármacos que emitem radiações de
mores usando um radiofármaco seme- partículas do tipo alfa e beta. Estas par-
lhante à glicose. Isto baseia-se no fato tículas têm a capacidade de transferir
de muitos tumores consumirem muita energia suficiente para que ocorra dano
glicose para seu crescimento. Com isto, celular e, com isso, atingindo o objetivo
pode-se detectar áreas de aumento do do tratamento que em geral envolve a
metabolismo glicolítico, detectando ati- morte de um tipo celular específico. O
vidade do tumor mesmo em áreas ana- exemplo de tratamento mais antigo e
tomicamente normais aos outros méto- difundido da medicina nuclear é o das
dos diagnósticos. doenças tireoidianas benignas (hiperti-
As cirurgias radioguiadas são pro- reoidismo) e malignas (câncer bem dife-
cedimentos em que o cirurgião solicita renciado da tireoide), com o uso do iodo

206
Medicina Nuclear CAPITULO 19

radioativo no isótopo 131I com resulta- de partículas que ocorrerem dentro da


dos excelentes. Como as células tireoi- célula levarão à morte celular específica,
dianas metabolizam o iodo para síntese tratando o hipertireoidismo, o tumor ti-
de seus hormônios, ao aplicar um iodo reoidiano bem diferenciado, ou as me-
radioativo, este será incorporado pela tástases de câncer bem diferenciado da
célula tireoidiana, e as suas emissões tireoide.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

DESAFIOS bem não tendo acesso, ou tendo um


acesso dificultoso e demorado.
Por ser bem regulamentada no Bra- No entanto, muitas universidades, a
sil, a medicina nuclear é praticada de SBMN e os governos federal e estaduais
forma muito segura e por profissionais têm se empenhado em transpor este
capacitados, sendo os principais bene- obstáculo, melhorando a saúde da po-
ficiados os pacientes que então costu- pulação. Inclusive, no atual momento, há
mam receber assistência de qualidade. o projeto do Reator Nuclear Multipropó-
Por ser uma área muito específica que sito Brasileiro (RMB) que, se implementa-
demanda conhecimentos não presen- do, irá fornecer estrutura autônoma para
tes nas grades curriculares tanto das produção nacional de radiofármacos,
graduações de medicina, como das gra- reduzindo a dependência de insumos
duações de áreas correlatas (física, bio- importados, e permitindo o crescimento
medicina, química, farmácia, tecnologia da especialidade no Brasil.
de imagem etc.), costuma haver atuação Assim, torna-se importante que mais
somente de profissionais que passaram profissionais egressos da graduação se
por alguma forma de especialização e interessem pela área, façam uma boa
somente no âmbito de sua capacidade. residência médica, e tornem-se profis-
Este mesmo fato, também se torna o sionais capazes de ocupar os postos de
principal desafio da especialidade devi- trabalho presentes e futuros.
do à escassez de profissionais no merca- Outro desafio importante, porém
do de trabalho. Esta escassez dificulta a mais específico e pessoal do médico nu-
expansão da medicina nuclear e faz com clear, é a capacidade gerencial de recur-
que a mesma se concentre em centros sos. A boa gestão é o que permite que
urbanos de grande e médio porte, e que os exames sejam realizados de forma efi-
forneçam a sua população um atendi- ciente e com custos reduzidos. A otimi-
mento de maior complexidade. A con- zação de uma clínica não é algo simples,
sequência disto é que muitos pacientes, e requer empenho e dedicação do pro-
que necessitam de exames ou terapias fissional. Muitas vezes, podemos pensar
realizadas por médicos nucleares aca- que se aplica somente a proprietários

207
CAPITULO 19 Como Escolher a sua Residência Médica

de suas próprias clínicas, mas deve ser associando-se o diagnóstico com a tera-
estendido para prestadores de serviço e pia dirigida mais específica7.
autônomos. Contudo, este desafio pode A medicina nuclear é uma especiali-
ser transposto com a vivência e com a dade ampla, com atuação em diversas
vontade de adquirir novas habilidades. áreas do conhecimento médico, e pos-
sibilidades diagnósticas e terapêuticas.
PERSPECTIVAS FUTURAS A complexidade do raciocínio fisio-
lógico associado à imagem torna uma
A difusão da associação de métodos especialidade única e interessante. Tam-
funcionais com métodos anatômicos bém é possível atuar em terapias através
como o PET-CT e o SPECT-CT, e também da medicina nuclear, favorecendo ainda
o constante desenvolvimento de novos mais o processo para que esta seja uma
radiofármacos, cada um com proprieda- especialidade médica completa.
des fisiológicas específicas e permitindo A possibilidade de evolução futura é
a ampliação das aplicações da medicina enorme, e com o constante desenvolvi-
nuclear. Um exemplo são os análogos mento dos aparelhos e de radiofárma-
de somatostatina que, nos últimos anos, cos, as possibilidades de estudos dos
vem demonstrando papel nas doen- sistemas biológicos é limitada somente
ças onde há expressão de receptores pela nossa imaginação. Assim, para os
de somatostatina, tanto no diagnóstico sonhadores e desenvolvedores, na me-
por cintilografia, e mais recentemente dicina nuclear não costumam haver li-
por PET, como também por terapias. É mites.
o conceito “Theranosis ou Theranostics”

SOBRE O AUTOR

Dr. George Barberio Coura Filho é:

Membro titular da Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear (SBMN) e do Colégio


Brasileiro de Radiologia (CBR). 1º secretário da Sociedade Brasileira de Medicina Nu-
clear (SBMN), gestão no período de 2013-2014. Membro da Society of Nuclear Me-
dicine and Molecular Imaging (SNMMI) e da World Association of Radiopharmaceu-
tical and Molecular Therapy (Warmth). Atua como médico assistente do Instituto do
Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo (Fmusp) e doutorando em Ciências pela USP.

208
Medicina Nuclear CAPITULO 19

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209
NEUROCIRURGIA


Dr. Júlio Leonardo Barbosa Pereira

Nós somos os nossos cérebros. Meu cérebro
fala com o seu cérebro, e nossos corpos estão
pendurados de carona.

Jeff Hawkins

O Os primeiros procedimentos neu-


rocirúrgicos documentados remontam
ao período do Antigo Egito (1300 a.C).
Porém, a neurocirurgia como especiali-
dade médica surgiu no início do século
que temos conhecimento, pois são bi-
lhões de neurônios conectados, demar-
cando a sede de todo o pensamento,
comportamento e o centro de controle
do corpo. As doenças neurológicas e
XIX. Até então, os procedimentos neu- neurocirúrgicas são por vezes verdadei-
rocirúrgicos realizados se resumiam ao ros enigmas e fazer o seu diagnóstico
tratamento de fraturas e outras lesões são um processo bastante complexo.
traumáticas, como os hematomas intra- Talvez esses fatores façam da neuroci-
cranianos1. rurgia uma das áreas de grande interes-
Os avanços da medicina, em especial se do estudante de medicina. Baseado
na anestesia, antissepsia e nas técnicas na minha experiência com neurocirur-
para correlacionar o exame clínico com gia, posso afirmar que os enigmas e as
a neuroanatomia (Broca 1861) possibili- descobertas farão sempre parte da roti-
taram o estabelecimento da neurocirur- na do neurocirurgião, mesmo após anos
gia como especialidade. A neurocirurgia de trabalho.
moderna tem como fundadores Harvey A neurocirurgia é, sem dúvida, uma
Cushing (1869 - 1939) e Walter Dan- das áreas da medicina que mais geram
dy (1886 - 1946). Os médicos José Ribe curiosidade na população em geral e
Portugal (1901 - 1992) e Elyseu Paglioli nos estudantes de medicina. Por isso,
(1898 - 1985) foram os primeiros a criar existem diversos personagens famosos
escolas neurocirúrgicas no Brasil2-4. de novelas, filmes e seriados (como o
Outro aspecto encantador da neu- famoso seriado Grey’s Anatomy) que são
rocirurgia é a abordagem do cérebro. neurocirurgiões. Entretanto, para ser um
O cérebro é a estrutura mais complexa neurocirurgião, é necessário mais traba-
CAPITULO 20 Como Escolher a sua Residência Médica

lho que o demonstrado por esses perso- avaliação com o neurocirurgião. No ser-
nagens. viço público, há ambulatório de neuro-
A residência médica em neurocirur- cirurgia geral, no qual todos os pacien-
gia dura cinco anos. Levando, no míni- tes são vistos e onde é definido sobre a
no, onze anos de formação (já somados necessidade de abordagem neurocirúr-
os seis anos da faculdade), os cursos gica. Em alguns centros de referência,
costumam ser muito concorridos e nem há serviços de subespecialidade em
sempre se é aprovado na primeira ten- neurocirurgia como: neuro-oncológica,
tativa. Entretanto, essas dificuldades são neurocirurgia funcional, neurovascular,
apenas ingredientes a mais na fascinan- radiocirurgia, cirurgia de coluna, clínica
te jornada para se tornar um neurocirur- da dor e outros.
gião. Nos serviços privados, as atividades
se dividem em atividades hospitalares
O ESPECIALISTA E A SUA ROTINA e nos consultórios. Já que poucos ser-
viços privados têm volume suficiente
O neurocirurgião geralmente divide que necessite um neurocirurgião de
seu tempo em atividades de consultó- plantão presencial, a maioria opta por
rio e atividades cirúrgicas. Esta rotina neurocirurgiões de sobreaviso, ou seja,
depende muito de que tipo de serviço caso tenha um paciente neurocirúrgico,
você atuará. Os serviços públicos são o neurocirurgião é chamado. Nas ativi-
divididos em atividades de emergência, dades de consultório são avaliados os
ambulatoriais e cirurgias eletivas. pacientes que foram encaminhados ou
Nas unidades de emergência, você que acreditem precisar de consulta com
terá que realizar procedimentos cirúr- neurocirurgião.
gicos e avaliar pacientes que estão em As principais doenças tratadas pelo
observação. Os procedimentos realiza- neurocirurgião são:
dos mais comuns são os relacionados
ao traumatismo craniano, como drena- Doença carotídea oclusiva
gem de hematomas, derivação ventri- Síndrome do túnel do carpo
cular externa, implante de cateter para Doenças da coluna cervical
monitorização da pressão intracraniana, Dor crônica
tratamento cirúrgico de afundamento
Craniosinostose
craniano, dentre outros. O grande “es-
Epilepsia
tresse” nessas unidades são os pacientes
a serem regulados para avaliação neuro- Trauma de crânio
cirúrgica e nem sempre as unidades são Hérnia de disco
suficientes para a demanda. Hidrocefalia
Nos serviços ambulatoriais, são ava- Aneurisma intracraniano
liados os pacientes encaminhados para

212
Neurocirurgia CAPITULO 20

Estenose do canal lombar O QUE É PIOR NA NEUROCIRURGIA


(canal estreito lombar)
Mielomeningocele A neurocirurgia demanda de uma
Espinha bífida grande estrutura e um trabalho depen-
Lesão da medula espinhal dente de tecnologia de ponta. A depen-
Neuralgia do trigêmeo dência dessa grande estrutura limita o
Degenerativa do disco intervertebral.
campo de atuação do neurocirurgião.
Não tem como realizar um procedimen-
O QUE É O MELHOR to neurocirúrgico de forma subótima.
NA NEUROCIRURGIA O neurocirurgião não tem descanso.
Isto parece exagerado, mas é a realida-
Acredito que a ausência de rotina tor- de. Um paciente que foi operado pode
na a neurocirurgia muito interessante. É te ligar a qualquer momento e isso é a
tudo sempre novo. A máxima na neuro- realidade da maioria dos neurocirurgi-
cirurgia é “não existe cirurgia simples”. O ões com os quais tive contato. O estres-
procedimento mais simples gera algum se físico e psicológico é constante na
estresse ao cirurgião, afinal, em algum neurocirurgia. Um caso neurocirúrgico
momento de nossas vidas, vemos com- demanda de esforço físico e emocio-
plicações cirúrgicas em procedimentos nal. Os procedimentos exigem muito
ditos simples. Parece paradoxal isso ser fisicamente. Muitas cirurgias são longas,
um ponto positivo, mas isso te torna ati- chegando a durar até mais de 12h ho-
vo sempre, em aprendizado constante. ras. Isto exige um bom preparo físico do
O reconhecimento é outro ponto neurocirurgião. O estresse psicológico é
positivo, pois ao falar que você é um intenso, já que exige o lidar com familia-
neurocirurgião, isto implica que você já res em alto nível de sensibilidade emo-
passou por um curso de medicina e uma cional, além do estresse relacionado ao
residência de neurocirurgia de cinco procedimento cirúrgico.
anos através de concursos concorridos.
O neurocirurgião tem um contato MERCADO DE TRABALHO
muito intenso com o paciente e com
seus familiares, provavelmente no mo- A neurocirurgia lida com patologias
mento de maior estresse de suas vidas, raras (excluindo-se os traumatismos,
portanto, poder ajudar alguém nesse que são muito comuns) e, por isso mes-
momento é algo indescritível, mesmo mo, são poucos os centros formadores
com todas as implicações associadas ao de neurocirurgiões. É difícil calcular o
estresse. número de neurocirurgiões necessários

213
CAPITULO 20 Como Escolher a sua Residência Médica

por população, já que a literatura cientí- as últimas inovações tecnológicas. A ci-


fica não tem abordado este tema. rurgia robótica, neurocirurgia funcional,
No CNS book (Cahill, 2000) somos in- cirurgia minimamente invasiva, radio-
formados que há 4.000 neurocirurgiões cirurgia, cirurgia endovascular propor-
nos Estados Unidos, com uma média cionaram novos campos de atuação na
de 1 para cada 100.000 habitantes. No neurocirurgia. Apesar de estarem restri-
Brasil, segundo a SBN, existem aproxi- tas a apenas poucos centros atualmen-
madamente 2.000 neurocirurgiões com te, serão mais acessíveis em breve.
título de especialista, atingindo-se uma
proporção similar7,8. A RESIDÊNCIA
Em nosso território, é muito difícil fa-
zer uma análise precisa do mercado de A residência médica foi criada no
trabalho em neurocirurgia. Não existem Brasil, em 1977, como uma forma de
dados claros com informações sobre isso. pós-graduação para médicos através
A nossa impressão vem das conversas de especialização em serviços de saú-
com colegas neurocirurgiões de diversas de. Este treinamento se daria através da
regiões do Brasil. Parece existir uma ca- orientação prática por profissionais com
rência de neurocirurgiões no Brasil, assim elevada qualificação técnica. Durante o
como de estrutura necessárias para de- período da pós-graduação, é esperado
sempenho das funções desse profissio- que o profissional médico se aprimore
nal nas diversas regiões do país. na abordagem ao cuidado de pacientes
Existem poucos centros com serviços enfermos e seja estimulado a manter
de neurocirurgia no interior do país, em uma produção científica.
especial, nas regiões Norte-Nordeste. E é No Diário Oficial da União, em 2004,
imprescindível a atuação nos centros ur- foram publicadas as diretrizes para for-
banos do interior dos estados, principal- mação nas residências de neurocirur-
mente em um país de grandes rodovias gia. Nesse texto, é dada uma diretriz de
e com a violência urbana considerável. como deve ser a formação do residente
O trauma é principal causa de mortali- de neurocirurgia, descrevendo as ha-
dade na população jovem, sendo o trau- bilidades necessárias em cada ano da
ma craniano o grande responsável por residência8-10. O livro do residente da
essas mortes. Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN)
Outras aspecto importante no mer- publicou de forma estruturada essas di-
cado de trabalho da neurocirurgia são retrizes. (Quadro 1).
• Formação, desenvolvimento e morfologia do sistema nervoso (embriologia
1° Ano e neuroanatomia);
• Fundamentos de neurofisiologia clínica;
• Clínica neurológica I e II;
• Bioética e responsabilidade médica.

214
Neurocirurgia CAPITULO 20

• Neuroradiologia
• Clínica neurocirúrgica I
2º Ano • Técnica neurocirúrgica I
• Anatomia microcirúrgica I
• Bioética e responsabilidade médica
• Neuropatologia
• Neuroradiologia
• Bases da metodologia científica
3º Ano • Clínica neurocirúrgica II
• Técnica neurocirúrgica II
• Anatomia microcirúrgica II
• Bioética e responsabilidade médica
• Neuropatologia
• Neuroradiologia
• Clínica neurocirúrgica III
4º Ano • Técnica neurocirúrgica III
• Anatomia microcirúrgica III
• Bioética e responsabilidade médica
• Consolidação de experiência cirúrgica
• Atuação em áreas de atuação: cirurgia de coluna, nervos periféricos, neuroci-
5º Ano rurgia pediátrica, neurocirugia funcional, vascular, base de crânio, Neuronco-
logia e neuroradiologia.
• Bioética e responsabilidade médica

Quadro 1. Diário Oficial da União – Seção 1 de 23 de Dezembro de 2004, página 45. Resolução nº 17 de 20 de
Dezembro de 2004.

Apesar de todo esforço do Ministério horas semanais. É difícil estabelecer uma


da Educação (MEC) e da SBN para tentar carga horária que garanta uma boa for-
uniformizar a formação do médico resi- mação. A sugestão é que você pergunte
dente no Brasil, ainda convivemos com a algum residente no serviço que gosta-
realidades bastante distintas5,6. É difícil ria de cursar sobre a carga-horária6.
responder como são as residências de A rotina de cada serviço varia muito
neurocirurgia de uma forma generaliza- e, em cada ano, o residente tem uma de-
da. Cada residência têm as suas caracte- terminada função. De um modo geral, o
rísticas e funcionam de um jeito próprio. residente vai ganhando mais autonomia
As diretrizes tentam dar um norte para e realizando procedimentos mais com-
essa formação, ou seja, definir em linhas plexos no decorrer dos anos. Sempre
gerais como deve ser a formação. gera uma ansiedade muito grande so-
A carga horária é um dos temas mais bre quais procedimentos cada residente
controversos. O MEC regulamenta que a pode realizar sob supervisão. Na minha
carga horária semanal máxima é de 60 experiência, percebo que são inúmeros
horas. Nos EUA a carga máxima é de 80 os fatores que não podem ser mensu-

215
CAPITULO 20 Como Escolher a sua Residência Médica

rados e estabelecidos uniformemente. ÁREAS DE ATUAÇÃO


No geral, há muitos critérios subjetivos
que são usados pelos preceptores para As áreas que o neurocirurgião atua
permitir e limitar a atuação do residente. dentro da especialidade são diversas
De maneira geral, fará parte do dia e geralmente ao longo dos anos o es-
a dia uma rotina que envolve atendi- pecialista tende a selecionar casos e se
mento no ambulatório (10-20% das dedicar ao aperfeiçoamento em uma
atividades), emergência (10-20% das subárea específica como: oncológica
atividades), avaliação de pós-operatório (tumores), funcional e dor, coluna ver-
(10-20% das atividades), atividades aca- tebral, nervos periféricos, vascular, en-
dêmicas (10-15% das atividades) e bloco dovascular, pediátrica, base do crânio,
cirúrgico ( 40-60% das atividades). trauma e terapia intensiva.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

Caso você já esteja na faculdade e para adquirir, mas, outros, com esforço,
diante desta realidade, já decidiu que um pouco maior, podem se igualar.
quer ser neurocirurgião, sugiro não se A neurocirurgia é uma área que exi-
subespecialize antes do tempo. Durante ge muito, desde preparo psicológico ao
a faculdade de medicina, acredito que preparo físico. Para você não ser surpre-
deve se tentar aproveitar ao máximo endido após passar na residência, sugiro
todas as atividade (a sugestão é que es- acompanhar a rotina na neurocirurgia. E
tudante acompanhe a rotina de um neu- por favor, não ache que sua rotina será
rocirurgião). a do neurocirurgião do seriado “Grey’s
Durante a faculdade, não preocupe Anatomy”, afinal, a série é apenas uma
com as “habilidades cirúrgicas"; a técnica representação no âmbito do entreteni-
cirúrgica é algo para ser adquirido. Algu- mento, diferente do que você encontra-
mas pessoas possuem uma facilidade rá na realidade.

SOBRE O AUTOR

Dr. Júlio Leonardo Barbosa Pereira é:

Médico formado pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), fez residência de neu-
rocirurgia na Santa Casa de Belo Horizonte, é membro da Sociedade Brasileira de
Neurocirurgia (SBN) e faz fellow em radiocirurgia e neurocirurgia funcional na Uni-
versidade da Califórnia (Ucla). É ainda editor do Neurosurgery Blog: www.neuroci-
rurgiabr.com.

216
Neurocirurgia CAPITULO 20

REFERÊNCIAS

1. Papyrus Ebers: The papyrus Ebers. The greatest Egyptian medical document. Translated by B.
EbbellCopenhagen, Levin & Munksgard, 1937.
2. GUSMÃO SS, SOUZA JG: História da Neurocirurgia no Brasil. Joinville, Letra d’agua, 2000, pp
120-128.
3. SOUZA JGA, GUSMÃO SS: A primeira intervenção neurocirúrgica relatada no Brasil. Arq Bras
Neuroc 12 : 11-14, 1994.
4. GREENBLATT SH: A history of neurosurgery. The American Association of Neurological Surge-
ons, 1997, pp 3-9.
5. Pereira, J ( 2013, jan 31). Neurocirurgia: Como escolher a sua residência médica? [ web pos].
Disponível em: <http://www.neurocirurgiabr.com>. Acesso em: 8 out. 2013.
6. Pereira, J ( 2013, feb 13). Como é a residência de neurocirurgia? [ web pos]. Disponível em:
<http://www.neurocirurgiabr.com>. Acesso em: 8 out. 2013.
7. Ohaegbulam, SC ( 2000).CNS Book [ web pos]. ‘Disponível em: <http://book.neurosurgeon.
org/>. Acesso em: 8 out. 2013.
8. Sindicato dos Médicos de São Paulo (2010, dec 12).Alegrias e esperança cercam ot tratamento
das crianças com câncer. [ web pos]. Disponível em: <http://www.simesp.com.br/imprensa.
php?Ler-editoria;120>. Acesso em: 8 out. 2013.
9. Livro do Residente. Sociedade Brasileira de Neurocirurgia. 4 ed. 2010 4a Revisão. Disponível
em: <http://www.sbn-neurocirurgia.com.br/site/download/Livro_do_Residente.pdf>.
10. Manual da Residencia Médica. CEREM-MG 2007. Disponível em: <http://www.cerem.org.br/
attachments/article/76/Manual%20de%20Resid%C3%AAncia%20M%C3%A9dica%202007.
pdf>.

217
NEUROLOGIA “

Dr. Guilherme Mello Ramos de Almeida

A energia da mente é a essência da vida.

Aristóteles

C Como na maioria das áreas médicas,


a etmologia é autoexplicativa: neuron
(nervo) + logia (estudo de-). O termo
neurologia foi cunhado em 1664 por
Thomas Willis (o homenageado pelo
HISTÓRIA

No Antigo Egito, por volta de 1500


a.C., já se observava o efeito de traumas
crânio-encefálicos e tentativas primiti-
epônimo do círculo vascular da base do vas de neurocirurgia já eram realizadas.1
crânio). A neurologia é a medicina foca- Ainda neste período, a complexa anato-
da tanto no sistema nervoso como em mia dos sistema nervoso já era estuda-
suas relações com o restante do organis- da e observações sobre a mesma eram
mo. compiladas.
As doenças estudadas pela neurolo- Apesar de muitas contribuições de
gia acometem o sistema nervoso central médicos e filósofos (famosos e desco-
(SNC): encéfalo, médula espinhal, líqui- nhecidos) ao longo dos séculos, con-
do cefalorraquidiano e seus envoltórios sidera-se que a neurologia moderna
meníngeos; sistema nervoso periférico nasceu na Europa após o surgimento de
(SNP): raízes nervosas da medula espi- Jean-Martin Charcot, conhecido mun-
nhal e suas ramificações terminais, os dialmente como o pai da neurologia
nervos periféricos; e os tecidos efetores e está para a neurologia como Harvey
(vasos, músculos, glândulas e outros). Cushing está para a neurocirurgia. Char-
Ao contrário do que se possa espe- cot foi contemporâneo, colega e mestre
rar, não é incomum, que o neurologista de muitos dos grandes nomes da me-
trabalhe para entender e tratar doenças dicina, dos quais ouvimos tanto falar
sistêmicas que venham manifestar si- durante a faculdade: Joseph Babinski;
nais e sintomas no funcionamento do Sigmund Freud; Pierre Marrie; Charles-
sistema nervoso. -Joseph Bouchard; Gilles de la Tourette;
CAPITULO 21 Como Escolher a sua Residência Médica

Binet, Paul Broca; Guillaume Duchenne; uma proporção atual de 1 neurologista


Joseph Dejerine; Ernest-Charles Lasè- para cada 100 mil habitantes.4 Isso está
gue; Adolf Wallenberg; Phillipe Pinel; Ja- de acordo com as recomendações da
cques Lacan e muitíssimos outros.2 Organização Mundial da Saúde (OMS),5,6
Dentre suas contribuições à neu- porém a distribuição destes especialis-
rologia, merecem importante menção tas entre e dentro das regiões do país se
a detalhada descrição da vasculatura faz de forma desigual a despeito da de-
encefálica, a primeira descrição clínico- manda de serviço especializado. O Nor-
-patológica, primeiro diagnóstico em te e o Nordeste tem cerca de 0,5 neuro-
paciente vivo e os primeiros critérios logista a cada 100 mil habitantes, no Sul
diagnósticos de la sclérose en plaques, a e Centro-Oeste este valor ultrapassa a
Esclerose Múltipla (EM), a descrição clini- 1,5 e no Sudeste, chega a 2,17.
co-patológica da esclerose lateral amio- Existem diversas dificuldades para a
trófica (doença de Charcot), a diferencia- emigração de médicos especializados
ção clínica dos tremores da doença de dos grandes centros populacionais: ins-
Parkinson dos de EM, diferenciação de talações precárias para o atendimento
crises epilépticas de sintomas histéricos, de pacientes complexos; pouco acesso a
a descrição da artropatia neuropática exames complementares de ponta; difi-
(juntas de Charcot) e da atrofia perone- culdade na obtenção de medicamentos
al muscular (Doença de Charcot-Marie- incomuns ou não padronizados no pelo
-Tooth), a criação de clínicas pioneiras Sistema Único de Saúde (SUS); ausência
em reabilitação.2 de plano de carreira para médicos; pou-
“Tirar da neurologia todas as desco- cos atrativos para o neurologista e sua
bertas feitas por Charcot seria torná-la família para se mudarem permanente
irreconhecível.” - Joseph Babinski. para cidades menores cidades; distan-
ciamento de centros de ensino e atua-
No Brasil, em maio de 1962, foi fun- lização; salários baixos e muitos outros.
dada a maior sociedade agregadora de Apesar da distribuição errática de
neurologistas, a Academia Brasileira de neurologistas pelo país, muitas doenças
Neurologia (ABN). Ela une os que exer- ocorrem em frequências semelhantes
cem e/ou estudam neurologia e ciências em regiões urbanas e rurais, o que con-
afins do Brasil.3 tribui para o quadro de precário atendi-
mento de saúde no Brasil.
CONJUNTURA DA NEUROLOGIA
IMPORTÂNCIA DA NEUROLOGIA
Atualmente, cerca de 2000 neuro- NA SAÚDE PÚBLICA
logistas estão filiados à ABN. Conside-
rando a última estimativa populacional De acordo com a OMS, em 2011,
brasileira (201 milhões de habitantes) há quase 17 milhões de pessoas morreram

220
Neurologia CAPITULO 21

de doenças cardiovasculares, isto repre- nese que, por natureza, é tão aprofun-
senta 3 em cada 10 mortes em todo o dada é extremamente difícil, principal-
mundo. Destes, 6,2 milhões de Aciden- mente considerando o nível de acesso à
tes Vasculares Cerebrais (AVC). AVC é educação formal que a maioria dos pa-
uma das maiores causas de mortalidade cientes que atendemos tiveram. O input
geral do mundo, menos comum apenas do acompanhante também é de grande
que Doença Isquêmica Cardíaca (7,04 valia, uma vez que é muito frequente
milhões).8 que o próprio paciente não perceba o
A OMS estima que na América Latina problema ou pelo menos algumas de
em 2015, a maior causa de mortalidade suas limitações.
geral continuará a ser Doença Coronaria- O exame inicia-se desde o primeiro
na Isquêmica (472.239 mortes - 12,4%), olhar lançado ao paciente. As pistas para
seguida de AVC (312.353 mortes - 8,3%) o diagnóstico são muitas vezes notadas
e que, no ano de 2030, esta relação se no modo com o qual o paciente se levan-
manterá 12,5% e 8,3%, respectivamen- ta da cadeira da sala de espera, o padrão
te).9,10 Estas previsões são semelhantes da sua marcha, o modo de se compor-
para outras o resto do mundo, exceto tar no consultório e na sala de espera. A
por uma maior proximidade dos valores técnica do exame deve ser sempre ob-
de mortalidade entre as duas causas re- jeto de refinamento pelo neurologista.
feridas (13,2% e 11,6% em 2015 e 13,2% Durante a residência, inúmeros são os
e 12,2% em 2030).11 exemplos que ilustram como um exame
físico equivocado pode desviar o raciocí-
O ESPECIALISTA E A SUA ROTINA nio médico e a investigação diagnóstica.
Por outro lado, é com grande admiração
Qualquer que seja a situação ou lo- e orgulho que o neurologista pode dizer
cal onde o atendimento é feito (exce- que seu exame clínico é o que apresenta
to por alguns casos em emergência), a maior precisão topográfica na medicina.
anamnese e o exame neurológico são Há ocasiões em que apesar de contar-
necessariamente longos e detalhados. mos com incríveis métodos diagnósti-
A semiologia neurológica é, sem dúvida, cos modernos (laboratoriais e imagino-
alguma aquela que mais exige conheci- logia), existe discordância entre achados
mento e treinamento do médico. do exame clinico e o complementar.
A entrevista consome bastante tem- Como o diz a máxima médica, Deus est,
po do atendimento e exige muita aten- in clinic (“A Clínica é Soberana”) – é obri-
ção, curiosidade e perspicácia do neu- gação do médico refinar seu exame e se
rologista com relação a detalhes que os achados se confirmarem, usar méto-
muitas vezes passam desapercebidos dos complementares melhores ou me-
aos familiares e outros médicos. Saber lhor guiados para encontrar o foco dos
extrair dados pertinentes de uma anam- sintomas. O exame clínico não mente.

221
CAPITULO 21 Como Escolher a sua Residência Médica

Ocasionalmente, são necessários de forma definitiva, como se trata uma


retorno a consultas para reavaliações, pneumonia comunitária.
troca de medicações em uso e testes Temos que ser sinceros e falar aber-
terapêuticos para mudar a perspectiva tamente da inexorabilidade de doenças
daquilo que aflige o paciente. e a limitada capacidade de recuperação
de outras. Às vezes, o maior dano não é
CARACTERÍSTICAS DO dado pela notícia, mas sim pelo modo
NEUROLOGISTA com o qual ela é dada.
Pacientes e familiares frequente-
O neurologista age de diversas situ- mente querem, acima de tudo, uma
ações diferentes no contexto de doença resposta: “O que eu tenho, doutor?”. Por
neurológica e, por isso, deve ter amplo fim, a persistência é imprescindível, pois
conhecimento sobre anatomia geral e tanto o diagnóstico pode ser elusivo,
neuroanatomia, fisiologia, farmacolo- necessitando de repetidos exames (clí-
gia, patologia e clínica médica. Seu co- nicos e complementares) em momentos
nhecimento é aplicado não somente no diferentes e, às vezes, por neurologistas
atendimento, mas também na interação diferentes, quanto o tratamento e a rea-
multidisciplinar que se faz necessária bilitação podem demorar a fazer efeito.
para o acolhimento do paciente. Pacientes e familiares devem ser
Curiosidade, empatia, compaixão, constantemente estimulados a traba-
sinceridade, persistência e paciência lhar com a equipe de saúde. Apesar de
são fundamentais para o trabalho. A pri- parecer utópico, às vezes, a recuperação
meira nos dá foco e nos impele a fazer depende mais do trabalho em equipe
uma investigação aprofundada. Empa- de todos envolvidos que de drogas ou
tia não é uma exclusividade do neuro- cirurgias.
logista, porém, perceber os anseios de O avanço científico dos últimos cem
outra pessoa (paciente e familiares) é a anos abriu alas para atuação do neu-
chave de explicar corretamente o pro- rologias de diversos modos diferentes.
cesso de investigação e deixar claro os Hoje, um neurologista pode trabalhar
alvos do acompanhamento neurológico em hospitais como parte da equipe de
e perspectivas do tratamento. Compai- emergência, de intensivismo, da coor-
xão é crucial, afinal lidamos com muitas denação de enfermaria com leitos es-
doenças graves, e que geram sequelas, pecíficos para sua especiliadade ou das
muitas vezes de curso progressivo e fa- interconsultas solicitadas por colegas
tal. Mesmo sendo verdade que novos de outras especialidades. Pode também
tratamentos mais eficazes estão surgin- atender ambulatorialmente pacientes
do, ainda estamos longe de poder tratar (em serviço público ou privado) ou en-
doenças como Alzheimer e Parkinson

222
Neurologia CAPITULO 21

veredar para pesquisa clínica ou labora- crises convulsivas, tremores e alterações


torial. comportamentais. A depender da quei-
A opção de se manter ligado à vida xa com a qual o paciente se apresenta,
acadêmica depende do perfil do médi- a idade, classe social, etnia, profissão e
co em questão. Caso seja esta a escolha, outras características podem variar bas-
esse profissional pode se dedicar a uma tante.
rotina de assistencialismo balanceado Não existe regra para saber como
pelo ensino (de estudantes de medicina, será a qualidade de vida do neurologis-
médicos pós-graduandos e profissionais ta. A escolha entre uma carreira centrada
de outras áreas da saúde). em vida ambulatorial, com certeza, vai
acarretar em um estilo de vida diferen-
MERCADO DE TRABALHO te do que opta pela rotina de plantões.
Uma coisa, no entanto, pode ser gene-
Para onde vão os neurologistas re- ralizada: a vida de qualquer médico não
cém-formados? Eles tendem a buscar é fácil. Tendo em vista a baixa remune-
trabalho em plantões de emergência ou ração a que a categoria é submetida, a
acompanhando pacientes internados péssima relação de trabalho existente
em enfermarias especializadas. Muitos entre o profissional e as grandes institui-
sonham com a vida em que possam de- ções de assistência à saúde e o grande
finir seus próprios horários de trabalho, número de pacientes a serem atendi-
atendendo pacientes apenas em seus dos, pode-se ter certeza que é uma vida
consultórios particulares, porém isto de- cheia de trabalho e cobranças.
manda tempo. A clientela de uma am- Mesmo vivendo em tempos de re-
bulatório é formada ao longo de anos muneração inadequada pelo estado e
de atendimento e poucos são aqueles por empresas de saúde suplementar,
que conseguem enveredar para esse com desrespeito da sociedade pela inte-
caminho logo após terminar sua espe- gridade moral da classe médica, ainda é
cialização. Alguns focam em trabalho e possível viver com dignidade e um míni-
ocupam todo seu tempo com atendi- mo de conforto tendo uma rotina de tra-
mentos, porém outros seguem adiante balho equiparável a de outros médicos.
estudando e se subespecializando. Ao mesmo tempo em que as difi-
Qualquer que seja o caminho toma- culdades inerentes à vida de um neu-
do, o neurologista lida com múltiplos rologista devem ser ponderadas, não
tipos de pacientes. Apesar da maior podemos esquecer as recompensas. A
causa de mortalidade entre as doenças interferência do neurologista por um
neurológicas seja o AVC, a maioria dos paciente pode determinar a diferença
atendimentos se concentra em queixas entre a vida e morte, além da qualidade
menos complexas como cefaléia crôni- de vida do indivíduo em questão. Con-
ca, vertigem, problemas com memória, tribuir para com a saúde de um paciente

223
CAPITULO 21 Como Escolher a sua Residência Médica

e de sua família, para muitos, já é gratifi- de acesso direto para médicos genera-
cação o bastante. listas mediante concurso de admissão.
É evidente, diante do que foi expla- É composta por três anos de estudos,
nado acima, que a qualidade de vida do atividades práticas profissionalizantes e
neurologista depende muito das ativi- frequentes avaliações.
dades que escolhe realizar e como dis- Em geral, o primeiro ano é exclusi-
tribuí-las. vamente dedicado a clínica médica e os
dois subsequentes são focados em neu-
A RESIDÊNCIA rologia. As instituições que oferecem
vagas de residência, obedecem as linhas
Antigamente, a residência de neuro- gerais dispostas pela Comissão Nacional
logia era pleiteada após o término da re- de Residência Médica (CNRM (Resolu-
sidência de clínica médica. Atualmente ção no 02/2006):14

• Ambulatório de clínica médica - 6 semanas;


• Enfermarias de clínica médica - 6 semanas;
• Unidades de terapia intensiva - 6 semanas;
• Serviços de urgência (pronto-socorro) - 4 semanas;
Primeiro ano
• Unidade básica de saúde - 4 semanas;
Clínica médica - R1 • Plantões semanais em serviços de Urgência;
• Estágios opcionais (22 semanas), preferencialmente nas
áreas de psiquiatria, medicina física e reabilitação, infectolo-
gia e oncologia clínica.
• Unidade de internação: mínimo de 30% da carga horária
anual;
• Ambulatório: mínimo de 20% da carga horária anual;
• Urgência e emergência: mínimo de 15% da carga horária
Segundo e anual;
• Estágios obrigatórios de eletroencefalografia, eletroneuro-
Terceiro anos -
miografia, neuro-radiologia, laboratório de líquido céfa-
Programa lo-raquídeo e Neuropediatria: mínimo de 15% da carga
Específico - R2 e R3 horária anual;
• Estágios opcionais: neuro-oftalmologia, otoneurologia e
medicina física e reabilitação;
• Instalações e equipamentos: patologia, laboratório de líqui-
do céfalo-raquídeo, eletroencefalografia e eletromiógrafo.

• Nem todas instituições obedecem à e disponibilidade de pacientes em


risca estas determinações. A maioria cada atividade. Estágios não previs-
distribui o tempo gasto em cada es- tos na resolução também podem ser
tágio levando em conta a demanda usados a depender de características

224
Neurologia CAPITULO 21

inerentes ao serviço que os ofere- pecialidade. Muitos médicos ao se su-


cem. Não é incomum que algumas bespecializar, tendem a negligenciar o
instituições iniciem atividades liga- conteúdo mais generalista que forma
das a neurologia já durante o primei- sua base de conhecimento clínico.
ro ano da residência. Conforme definida na resolução do
Conselho Federal de Medicinal (CFM)
ÁREAS DE ATUAÇÃO Nº 1845/2008 e depois modificada pela
Resolução Nº 1973/2011 as subespe-
Há benefícios óbvios para o médi- cialidades da neurologia reconhecidas
co que decide aprofundar seu conhe- e disponíveis para médicos já forma-
cimento de uma determinada doença dos tal residência são: distúrbios da
ou grupo de doenças: continuidade da dor, hansenologia, distúrbios do sono,
vida acadêmica, melhora da assistência neurofisiologia, neurologia pediátrica
de pacientes com doenças complexas e/ e neurorradiogia. Com o avanço cons-
ou raras, contribuição para o desenvol- tante do conhecimento em neurologia,
vimento científico médico (uma vez que outras áreas clássicas vêm ganhando re-
muitas subespecializações são atreladas conhecimento como subespecialiadade
a programas de mestrado, doutorado e outras previmante desconhecidas tem
pós-doutorado), entre outros. surgido.12,13
Existe a tendência à subespecializa- • Neurologia vascular: focada nos dis-
cão médica em todo o mundo. Isto in- túrbios adquiridos e herdados que
dica que estamos cada vez mais capaci- interfiram na circulação do sistema
tados a expandir o nosso entendimento nervoso central. Principalmente liga-
das condições que tratamos. O número da na identificação, tratamento, pre-
de médicos que optam por continuar venção e reabilitação de pacientes
em carreira acadêmica está aumentan- com AVC.
do, porém não há muitos centros mé- • Distúrbios de dor: trata de dores crô-
dicos habilitados para desenvolver esse nicas e de difícil tratamento, tanto
tipo de treinamento e a escolha entre neurogênicas ou nãoneurogênicas.
eles é muito importante. Deve-se buscar As síndromes álgicas são muitas ve-
o serviço que tenha uma combinação zes multifatoriais e suas origens po-
adequada de assistencialismo, estudo e dem estar no sistema nervoso cen-
atividade experimental. O centro deve tral, no sistema nervoso periférico,
também ter vínculos com outras insti- músculos, fáscias etc.
tuições de ponta para estimular o inter- • Distúrbios do sono: cuidado de con-
câmbio de conhecimento e pessoal. dições que interferem na qualidade
Mesmo com os benefícios citados do sono do paciente (e muitas vezes
acima, é importante ter grande cautela de seus familiares também). Dentre
deve ao focar esforços em uma subes- estas condições estão a insônia, a

225
CAPITULO 21 Como Escolher a sua Residência Médica

hiperssonia, a narcolepsia, o terror • Cefaléia: hoje são reconhecidas di-


noturno etc; versas causas cefaléia com mecanis-
• Neurofisiologia: especialização que mos completamente distintos e com
foca na realização e interpretação tratamento específico. A identifica-
de exames complementares, como ção correta destas é de fundamental
Eletroencefalograma (EEG), Eletro- importância para o tratamento cor-
neuromiografia (ENMG), Potenciais reto e alívio dos sintomas do pacien-
Evocados (PE); te.
• Epileptologia: muito ligada à neu- • Neuro-imunologia: ampla área da
rofisiologia, esta área é focada no neurologia que tem crescido bas-
estudo e tratamento das crises epi- tante nos últimos anos. Ela lida com
lépticas e suas causas subjacentes. doenças imunomediadas como Es-
Epileptologos tratam de uma gama clerose Múltipla, manifestações neu-
de condições que combinam diver- rológicas de doenças autoimunes
sos tipos de convulsões e sintomas/ sistêmicas, manifestações paraneo-
sintomas como paresias; parestesias; plásicas.
ataxia; comprometimento cognitivo; • Neuro-oncologia: área que lida com
alterações de comportamentais; co- tumores primários do sistema nervo-
morbidades psiquiátricas; sintomas so central, metástases e síndromes
extra-piramidais e muitos outros. paraneoplásicas. É uma área que
• Distúrbios do movimento: área conta com a contribuição de outros
que lida com doenças que alteram a especialistas dentre eles, neurociru-
“qualidade e quantidade” dos movi- giões, hematologistas, imunologis-
mentos voluntários e involuntários tas etc.
dos doentes. Esta subsespecialidade • Neurologia pediátrica: acessível
cuida de doenças como Doença de para pediatras e neurologistas, é a
Parkinson; Doença de Huntington; subespecialidade que trata das do-
Doença de Wilson; Tremor Essencial; enças neurológicas exclusivas ou
Distonias (focais, segmentares ou mais prevalentes nesta faixa etária
generalizadas); Coréia de Sydeham e como distrofias musculares congêni-
Síndrome de Gilles de Tourette. tas (ex: Duchenne e Becker), Adreno-
• Cognição e demências: lida com pa- leucodistrofia, epilepsias da infância,
cientes com dificuldade em um ou distúrbios do desenvolvimento neu-
mais de seus domínios cognitivos. ropsicomotor e erros inatos do meta-
Esta subespecialidade estuda Doen- bolismo.
ça de Alzheimer, Demência vascular, • Neurogenética: há séculos, médicos
Demência Fronto-Temporal, dentre notaram que algumas doenças neu-
outras doenças. rológicas são passadas adiante entre

226
Neurologia CAPITULO 21

gerações seguindo padrões especí- • Doppler transcraniano: em geral fei-


ficos de herança genética. O estudo ta antes, durante ou depois da subes-
do genoma humano, nas décadas de pecialização em neurovascular – é
1990 e 2000, deu impulso importan- um exame que auxilia a determinar
te para o entendimento destas doen- as condições hemodinamicas intra-
ças. Apesar disso, diversas patologias cranianas sem necessidade de pro-
ainda permanecem além do nosso cedimento invasivo. É muito utilizado
entendimento. Nos últimos anos, o em UTI e emergências para pesquisar
estudo do código genético de pa- estenoses focais, vasoespasmo, ativi-
cientes se tornou mais disponível em dade embólica intravascular, shunt,
kits comerciais e mais barato. Mais e recanalização de obstrução em tem-
mais centros possuem equipamento po real e a “reserva vascular” do pa-
e know-how para análise. Isso permite ciente.
não só o diagnóstico dessas doenças, • Neuro-infectologia: área focada nas
pois há como prever a transmissão consequências diretas e indiretas das
dessas doenças entre as famílias e infecções que ocorram sobre o siste-
facilitar planejamento familiar. Ainda ma nervoso central e periférico. Na
mais interessante é como o conheci- segunda metade do século XX, hou-
mento de proteômica pode esclare- ve uma grande mudança do perfil de
cer a fisiopatologia dessas doenças e doenças infecciosas mais vistas pelos
pavimentar o caminho para a criação neurologistas: doenças como sífilis,
de terapias específicas para doenças meningite por haemophilus tipo B e
previamente sem tratamento. neurocisticercose estão dando lugar
• Neuro-radiologia: acessível para a infecções oportunistas viabilizadas
neurologistas e radiologistas, é a pela coinfecção pelo vírus HIV e são
subespecialização que foca na reali- cada vez mais vistas na prática clínica.
zação interpretação de exames ima- • Nervos periféricos e músculos: cui-
ginológicos relativos à neurologia. dado de pacientes com distúrbios
É feita com intuito de aprimorar a de condução nervosa periférica (ie
capacidade de interpretação desses polineuropatias, mononeuropatias,
exames em suas infinitas peculiari- polirradiculoneurites, plexites etc.).
dades. • Hansenologia: reconhecido pelo
• Radiologia Intervencionista: uso de CFM como subespecialidade de neu-
angiografia digital para mapeamen- rologia, em geral acaba sendo englo-
to da circulação intra e extracraniana, bado pela neuroinfectologia e pelo
correção de estenoses intravasculares estudo de nervos periféricos.
através de angioplastia, e emboliza- • Neuro-vestibular: subespecialidade
ção de lesões cerebrais. que lida com distúrbios de equilí-

227
CAPITULO 21 Como Escolher a sua Residência Médica

brio e coordenação. Seus pacientes uso consciente de métodos diagnós-


frequentemente apresentam com- ticos complementares podem auxi-
prometimento de nervos cranianos liar na diferenciação entre doenças
e ataxia (central ou periférica). Age neurológicas e psiquiátricas.
muitas vezes como a interface da
neurologia e a otorrinolaringologia, Assim como ocorre com outras es-
porém também trabalha com do- pecialidades, algumas doenças não se
enças eminetente neurológicas (ie encaixam perfeitamente no cuidado de
cerebelopatias, doenças de tronco apenas um profissional, assim, algumas
encefálico). das subespecialidades da neurologia
• Distúrbios somatoformes: assim acabam cuidando de pacientes com as
como os distúrbios cognitivos, é uma mesmas doenças. Muitas vezes é ne-
grande interface da neurologia com cessário uma abordagem complexa,
a psiquiatria. Todo neurologista se envolvendo avaliação de diversos espe-
deparará em sua carreira com casos cialistas e subespecialistas, médicos e
complexos que levantam a dúvida da de outras pessoas envolvidas na área de
“organicidade” dos sinais e sintomas. assistência à saúde.
A apurada técnica propedêutica e o

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

DESAFIOS dem atrapalhar mais que ajudar quando


não se domina o conhecimento neces-
O maior desafio da neurologia é sário para solicitá-las (de modo pruden-
entender a fisioetiopatogenia e o cur- te) e entender o que se obtêm do seu
so clínico das doenças estudadas. Sem uso. Exemplos famosos são: Tomografia
essa compreensão, o tratamento se tor- por Emissão de Pósitron único (PET),
na inespecífico e pouco eficaz. Temos Ressonância Magnética (RM) com maio-
exemplos de doenças relativamente res campos magnéticos (por 3,0 e 7,0
bem compreendidas, como a Miastenia Tesla), RM com Imagem por Transmissão
Gravis e AVC isquêmico aterotrombóti- de Magnetização, Estimulação Magné-
co que ilustram como tal conhecimento tica Transcraniana (TMS), uso de Eletro-
pode ser usado para o tratamento foca- dos Estimuladores Cerebrais Profundos
do e eficaz. (DBS), estimulador vagal, cibernética e
Os avanços tecnológicos dos últimos robótica aplicados a reabilitação, análi-
anos têm aberto possibilidades interes- ses genéticas (estudo de genoma, exo-
santes para investigação e tratamento. ma etc.) e pesquisa de autoanticorpos e
Ao mesmo tempo que podem ser de outros marcadores séricos de doenças.
grande valia, as múltiplas opções po- Apesar de já existirem comercialmente,

228
Neurologia CAPITULO 21

estes recursos são limitados principal- e nós devemos estar preparados para
mente no serviço público, e o uso pru- conversar sobre isso, explicando eficá-
dente destes na avaliação diagnóstica cia, riscos e viabilidade dos métodos.
nunca foi tão importante.15 Tenhamos Uma obrigação do neurologista, muitas
em mente sempre a seguinte reflexão: vezes negligenciada (por ele por outros
médicos), é trabalhar pela reinserção do
“Quem não sabe o que busca, não paciente na sociedade. Para isso, o neu-
identifica o que acha.” - Immanuel Kant. rologista não está sozinho e deve contar
com outros profissionais: outras espe-
A relação médico-paciente e médico- cialidades médicas (fisiatria), equipe de
-familar tem que satisfazer as questões Enfermagem, Fisioterapeutas, fonoau-
dos mesmos quanto a doença, tratamen- diologistas, terapeutas ocupacionais,
to, reabilitação e, eventualmente, neces- odontologistas, equipe de serviços so-
sidade de paliação. Esses são momentos ciais e demais. Além da importância, ób-
delicados em que o médico deve usar via, para o próprio paciente, sua recupe-
de sua empatia para fazê-los entender o ração tem grande importância para seu
que é melhor para o prognóstico e con- círculo social direto e para a sociedade
forto do paciente. Este deve ser um con- como um todo que terão que arcar inde-
tato flexível e sempre aberto para ideias finidamente com o fardo do cuidado do
e opiniões dos paciente e familiares. Afi- mesmo. Quanto menos dependente dos
nal de contas, o médico deve zelar pela outros o paciente for, certamente, me-
autonomia do doente ao tomar o rumo lhor será a qualidade de vida de todos.
sobre decisões que envolvam sua pes- A neurologia é uma especialidade
soa e o bem estar.16 em franca expansão e, sem sombra de
Outro desafio, tanto para médico, dúvida, é a área da medicina que tem
como para os doentes, é a gama de tra- mais a ser descoberto. A história das
tamentos por si só. São muitas vezes descobertas feitas por Charcot e tantos
caros, difíceis de obter e pouco tolerá- outros nos fascina até hoje. Se conse-
veis (efeitos colaterais). Por outro lado, guiram tanto com tão poucos recursos,
alguns ainda estão em fase de teste ou o que nossa geração poderá alcançar? E
não existem fora de hipóteses em tra- a seguinte? Já conhecemos tanto, mas
balhos científicos. A maior difusão do a pergunta não cala: o que haverá pela
conhecimento pela crescente escolari- frente? Acredito que devemos ser, por-
dade da população e pelo acesso à in- tanto, humildes e buscar dentro e além
ternet, possibilitam que muitos questio- do que já nos foi ensinado.
nem médicos sobre esses tratamentos

229
CAPITULO 21 Como Escolher a sua Residência Médica

SOBRE O AUTOR

Dr. Guilherme Mello Ramos de Almeida é:

Médico formado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (Fa-


med - Ufba) e neurologista pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (HC-Fmusp).

REFERÊNCIAS

1. Gross, Charles G. (1999) [1998]. Brain, Vision, Memory: Tales in the History of Neuroscience.
MIT Press.
2. Kumar et al. Jean-Martin Charcot: The Father of Neurology. Clinical Medicine & Research 2011;
17:46-49.
3. Academia Brasileira de Neurologia – Estatuto da Academia Brasileira de Neurologia. Disponí-
vel em: <http://cadastro.abneuro.org/site/arquivos_cont/156.pdf.>.
4. IBGE | Sala de imprensa | notícias | IBGE releases the population estimates of the municipalities
in 2012. Disponível em: <saladeimprensa.ibge.gov.br.>. Acesso em: 4 jun. 2013.
5. Bergen DC. The World Federation of Neurology Task Force on Neurological: training and distri-
bution of neurologists worldwide. J Neuro Sci 2002;198:3–7.
6. Adornato et al. The practice of neurology, 2000-2010: report of the AAN Member Research
Subcommittee. Neurology. 2011 Nov 22;77(21):1921-8. Disponível em: <http://www.neurolo-
gy.org/content/early/2011/10/26/WNL.0b013e318238ee13.full.pdf>.
7. Universidade Federal de Minas Gerais – Faculdade e Medicina – Núcleo de Educação em
Saúde Coletiva. Avaliação nacional da demanda de médicos especialistas percebida pelos
gestores de saúde. Disponível em: <https://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/ima-
gem/2466.pdf>.
8. World Health Organization - The top 10 causes of death - Fact sheet N°310 - Updated July
2013. Disponível em: <http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs310/en/index.html>.
9. World Health Organization - Projection of death rates for 2015 and 2030: MDG regions Latin
America and the Caribbean. Disponível em: <http://apps.who.int/gho/data/view.main.PRO-
JRATEMDGLACV?lang=en>.
10. World Health Organization - Projection of number of deaths for 2015 and 2030: MDG re-
gions Latin America and the Caribbean. Disponível em: <http://apps.who.int/gho/data/view.
mainPROJNUMMDGLACV?lang=en>.
11. World Health Organization - Projection of death rates for 2015 and 2030: WORLD By cause.
Disponível em: <http://apps.who.int/gho/data/node.main.PROJRATEWORLD?lang=en>.

230
Neurologia CAPITULO 21

12. Conselho Federal de Medicina (Brasil). Resolução 1.845 de 15 de julho de 2009.


13. Conselho Federal de Medicina (Brasil). Resolução 1.973 de 1 de agosto de 2011.
14. Ministério da Educação / Comissão Nacional de Residência Médica (Brasil).Resolução CNRM
No 02 de 17 de maio de 2006.
15. Biller J, Schneck MJ. Frontiers in Neurology 2011; 2: 1.
16. Conselho Federal de Medicina (Brasil). Resolução no 1931, de 17 de setembro de 2009.

231
OFTALMOLOGIA “

Dra. Nedy Neves
O que altera a visão, altera tudo.

Sir William Blake

A A saúde ocular é o alvo do trabalho


do oftalmologista. A visão é um dos
mais valorizados sentidos, mas ter uma
boa visão não necessariamente indi-
ca ter uma boa saúde ocular. No Brasil,
tão não se realizarem. Daí a relevância
de medidas preventivas que atendam a
esses possíveis problemas, antes que as
queixas deles decorrentes se manifes-
tem e/ou tornem irreversíveis.
existem mais de meio milhão de pesso- O exame ocular é o primeiro passo
as cegas, sendo que 80% dos casos de para o diagnóstico e para o tratamento
cegueira resultam de casos preveníveis de doenças relacionadas com o olho.
ou tratáveis. Grande parte das doenças De acordo com a Organização Mundial
transcorrem de forma assintomática, de Saúde (OMS), aproximadamente 285
sendo, portanto, essencial o exame of- milhões de pessoas no mundo são de-
talmológico para o diagnóstico e trata- ficientes visuais e a principal causa de
mento das enfermidades. deficiência visual é o erro de refração
É pelo olho que se iniciam os proces- não corrigido (miopia, hipermetropia e
sos provedores da visão, com os quais se astigmatismo). Embora seja um grande
adquire a quase totalidade das informa- problema de saúde pública mundial,
ções exteriores ao corpo (estima-se que 80% dos casos poderiam ser evitados ou
cerca de 90% da consciência que se faz corrigidos com óculos, lentes de contato
do mundo nos chega por percepções ou cirurgia.
visuais). Etimologicamente, oftalmologia pro-
Acresça-se que esses processos atin- vém do grego, ophthalmos (olho) + logos
gem suas plenitudes mediante seus (estudo), portanto, estudo do olho. É a
adequados funcionamentos desde as especialidade da medicina que estuda
menores idades, ficando permanente- e trata as doenças relacionadas ao olho
mente danificados se as condições de e seus anexos e, consequentemente, à
seus desenvolvimentos oportunos en- visão e à refração.
CAPITULO 22 Como Escolher a sua Residência Médica

A oftalmologia é uma das especia- córnea e outras estruturas oculares para


lidades mais antigas da área médica, aproveitamento em transplantes).
como pode ser observar na história da Os métodos e técnicas da oftalmo-
oftalmologia descrita abaixo. Provavel- logia vão desde exames clínicos obser-
mente, pelo grande interesse que o olho vacionais, aos que requerem equipa-
sempre despertou e talvez pelo desafio mentos próprios, tanto os mais simples
de compreender todo mecanismo visual. quanto os mais complexos, completan-
A área oftalmológica tem apresen- do-se, quando necessário, com proce-
tado uma evolução importante nas dimentos cirúrgicos. A delicadeza e pre-
últimas décadas e grande parte desse cisão de seus exames complementares
desenvolvimento se deve à tecnologia (atualmente relacionados 30) e proce-
utilizada. Assim, a oftalmologia é uma dimentos, operatórios, ou não (relacio-
especialidade em busca do aperfeiçoa- nados 158), têm exigido e obtido um
mento técnico e tecnológico avançado, continuado aperfeiçoamento tecnológi-
no sentido de promover a saúde ocular. co que, se por um lado, garante maiores
Atualmente, é possível visualizar alte- margens de segurança, rapidez e ade-
rações nos diversos tecidos que com- quação nos atendimentos, por outro, de-
põem o olho e muitos procedimentos pende de instrumentações caras e cuja
diagnósticos e terapêuticos, através de obsolescência tem sido muito rápida.
exames diagnósticos e novos procedi- O médico oftalmologista realiza ci-
mentos, constituindo um arsenal tera- rurgias e é reponsável pelo tratamento
pêutico amplo. Mas além dos aspectos clínico das doenças oculares, prescre-
sanitários e educacionais relacionados vendo colírios e lentes corretoras para
à visão e aos seus aspectos psicobio- diminuir a baixa da acuidade visual
lógicos (visão monocular e binocular, apresentada pelos pacientes que de-
central e periférica, fotópica, mesópica e monstram algum tipo de patologia rela-
escotópica, cromática etc.), ao olho que cionada a distúrbios de visão.
a assegura, aos seus apêncides e anexos Assim, tanto para órgãos governa-
(complementares ou protetores), o cam- mentais voltados para o planejamento,
po de abrangência profissional da oftal- organização, execução e supervisão de
mologia é um dos mais amplos. políticas sanitárias, quanto para agên-
Seus atendimentos são inerentes, cias operadoras de planos de saúde,
indistintamente, a ambos os sexos, to- seguradoras e demais sistemas pelos
das as raças e condições sociais, todas quais a Medicina é diretamente disponi-
as idades (desde o prematuro de baixo bilizada e aplicada, é inequívoca a rele-
peso, sujeito à retinopatia da prematu- vância da oftalmologia e o alto respeito
ridade e outras intercorrências, ao idoso do qual ela deve ser revestida.
e até ao falecido, do qual se retiram a

234
Oftalmologia CAPITULO 22

HISTÓRIA DA OFTALMOLOGIA mento das patologias e na tentativa da


extração da catarata.
A história da oftalmologia coincide A invenção do oftalmoscópio (1851),
com a história da Medicina, ou seja, re- aparelho que serve para observar o in-
monta a cerca de 3.000 anos a.C. Por- terior do olho, permitiu relacionar defi-
tanto, nas antigas civilizações, como na ciências visuais a estados patológicos
China, Índia, Mesopotâmica e principal- internos.
mente no Egito, já são encontradas re- Após a Segunda guerra mundial, os
ferências aos cuidados terapêuticos dos progressos se tornaram mais frenéticos.
olhos. Surgiram novos métodos de exame,
A oftalmologia foi um dos primeiros como o eletrorretinograma, a ecografia,
ramos da medicina a ser tratado como a gonioscopia e a tomografia eletrônica,
especialidade independente. Os antigos possibilidades que forneceram diagnós-
egípcios já estudavam o órgão da visão, ticos mais seguros. Os avanços se deram
mas a oftalmologia clínica começou re- principalmente no campo da prevenção
almente com os gregos. Hipócrates e de doenças oculares por meio da reali-
seus alunos estudaram minuciosamente zação de exames regulares preventivos
as doenças oculares. Datam dessa épo- e do tratamento precoce de deficiências
ca as primeiras descrições anatômicas visuais congênitas. Criaram-se também
do olho. os bancos de olhos, que facilitaram a ob-
Em Celsus, há descrições detalhadas tenção de córneas para transplantes.
de catarata, das operações para dacrio- No final do século XX, com o advento
cistite e de procedimentos plásticos dos microscópios cirúrgicos, as técnicas
para triquíase, lagoftalmo e ectrópio. microcirúrgicas obtiveram resultados
No período medieval, não houve pro- satisfatórios em intervenções comple-
gressos importantes, entretanto Roger xas, entretanto, mais seguras e mais rá-
Bacon redescobriu o quiasma óptico e o pidas. Entre os progressos mais notáveis
cruzamento dos nervos ópticos e houve da moderna oftalmologia estão tam-
a primeira menção de lentes convexas bém os métodos de adaptação de len-
para presbiopia, enquanto Leonardo da tes de contato, rígidas e gelatinosas na
Vinci realizou ou chegou muito perto de córnea e as cirurgias refrativas que utili-
realizar o princípio da câmara obscura zam o Eximer laser.
aplicada ao olho. No século XVIII, des-
cobriu-se que o cristalino era a sede da O ESPECIALISTA E A SUA ROTINA
catarata.
O período moderno avançou no que A oftalmologia é uma especialidade
tange ao estudo da anatomia e fisiologia em busca o aperfeiçoamento técnico
do olho, compreendendo o mecanismo e tecnológico avançado no sentido de
da visão. Houve progresso no conheci- promover a saúde ocular.

235
CAPITULO 22 Como Escolher a sua Residência Médica

Para ser oftalmologista, além de sempre bem informado, sobre novos


todo conhecimento técnico fornecido métodos e técnicas terapêuticas e diag-
pela faculdade de Medicina e pelo curso nósticas.
de especialização, também são neces- As principais atividades dos oftalmo-
sários alguns pré-requisitos que com- logistas são realizar consultas, iniciada
põem o perfil de personalidade deseja- pela anamnese e da história familiar,
do, como gosto pela ciência, conhecido pesquisar os hábitos e condições de
pelos gregos, como a filosofia, ou seja, vida do paciente, acompanhar o desen-
o amor ao conhecimento e a filantropia, volvimento de doenças, examinar todo
amor ao ser humano. aparelho ocular, realizar procedimentos
A capacidade de observação, me- diagnósticos e cirúrgicos de acordo com
todologia, organização, facilidade para as indicações formais dos protocolos
lidar com pessoas, autocontrole, sensi- atuais da área.
bilidade e responsabilidade profissional A consulta de rotina é composta pela
também em muito contribuem para des- acuidade visual, com e sem correção, a
tacar o profissional. avaliação da motricidade ocular externa
Como pré-requisito para oftalmo- (MOE), e de todo aparelho externo, pál-
logia é necessário possuir diploma de pebras etc. e com o auxílio da lâmpada
curso superior em Medicina, com dura- de fenda é possível avaliar o seguimento
ção de seis anos, e residência ou está- anterior. O seguimento posterior é mais
gio na área de oftalmologia de alguma bem observado após a dilatação da pu-
instituição reconhecida pelo Conselho pila com cicloplégicos e a visualização
Brasileiro de Oftalmologia (CBO), com da retina pelo oftalmoscópio direto e/
duração mínima de três anos. É impres- ou indireto. A medida da pressão intra-
cindível que o curso escolhido seja re- ocular (PIO) também faz parte da ava-
conhecido pelo Ministério de Educação liação rotineira oftalmológica, tendo
e Cultura (MEC). como objetivo principal a prevenção do
No final do curso, o candidato de- glaucoma. Também faz parte da avalia-
verá se submeter à prova de título de ção rotineira o exame refracional, que
oftalmologia, comprovando seu conhe- consiste no cálculo da ametropia, ou
cimento teórico e prático. Esse título é seja, na constatação de erros refracio-
fornecido pela Associação Médica Brasi- nais, que são distúrbios da visão, e con-
leira (AMB), através do CBO e de acordo sequente prescrição de óculos ou lentes
com as normas do Conselho Federal de de contato, caso sejam necessários.
Medicina (CFM). Além dos exames supracitados, é
Vale ressaltar que é fundamental que possível solicitar outros exames na me-
o profissional se atualize constantemen- dida da necessidade de uma investiga-
te por meio de cursos, congressos, pales- ção mais acurada e também de acordo
tras e workshops, com objetivo de estar com a faixa etária de cada paciente.

236
Oftalmologia CAPITULO 22

Caso seja necessário, o oftalmologista lar também demanda muitos profissio-


pode solicitar exames complementares: nais, principalmente na área de estudos
ultrassom, angiografia, campo visual e e pesquisas. O importante para se des-
microscopia especular. tacar no mercado é a constante atuali-
Vale lembrar que a área oftalmológi- zação por meio de cursos, pois a área
ca, devido ao grande avanço tecnológi- da saúde apresenta grande campo de
co, atualmente é realizada com grande trabalho e especializações sempre é um
número de procedimentos diagnósticos diferencial.
e terapêuticos. Portanto, o oftalmolo- Apesar de a oftalmologia apresen-
gista pode se dedicar ao estudo e co- tar uma especificidade diferenciada por
nhecimento de diversos exames a fim conta do amplo espectro de exames,
de melhor avaliar e acompanhar seus ainda assim há dificuldades no mercado
pacientes. E, a depender da necessidade de trabalho, devido ao grande número
o médico oftalmologista, pode indicar de faculdades abertas nos últimos tem-
cirurgias oftalmológicas sempre com o pos, levando a uma saturação do merca-
objetivo de melhorar a acuidade visual do de trabalho.
e, por conseguinte, a qualidade de vida A OMS preconiza um oftalmologista
do paciente. para 20.000 habitantes. O CBO estima
aproximadamente 12.000 oftalmologis-
MERCADO DE TRABALHO tas em atividade no país, com ou sem
título de especialista, o que indica um
Entre as especialidades médicas, a oftalmologista para 15.564 habitantes,
oftalmologia, a mais antiga (o primeiro relação suficiente para atender a popu-
congresso de uma especialização mé- lação brasileira, segundo a OMS.
dica foi o de oftalmologia, em 1857), O CFM realizou um censo no início
ocupa hoje, no Brasil, o décimo lugar do ano 2006 constatando que mais de
em número dos que a ela se dedicam. 98% médicos brasileiros dependiam da
À sua frente, estão os especialistas em: prestação de serviços médicos às opera-
ginecologia-obstetrícia; pediatria; car- doras de planos de saúde. Este dado de-
diologia; clínica médica; cirurgia geral; monstra a importância deste mercado,
anestesiologia; ortopedia; dermatologia a principal fonte de renda dos médicos.
e urologia. Levando- se em conta o número de be-
O mercado de trabalho para o profis- neficiários (36.953.198) e o quantitativo
sional da saúde é amplo. A precarieda- de oftalmologistas estimados pelo CBO
de da saúde pública faz com que haja (12.000), temos a relação de um oftal-
constante necessidade de profissionais mologista para 3.079 beneficiários de
para servir a população. A rede particu- planos de saúde.

237
CAPITULO 22 Como Escolher a sua Residência Médica

É POSSÍVEL MONTAR UM de aproximadamente R$ 100 mil em


EMPREENDIMENTO PRÓPRIO? equipamentos, quantia que dificilmente
o jovem médico conseguirá captar sozi-
“O sucesso no mercado de trabalho nho. Esse montante assusta, mas ainda é
depende basicamente de três pontos: o menor do que o investimento necessário
conhecimento técnico-científico, o bom para manter a clínica funcionando nos
senso para tomar decisões que envol- primeiros anos de existência.
vam prazos longos num ambiente ne- “E existe ainda a terceira condição
buloso e os contatos realizados durante para o sucesso: os contatos. Os convê-
o período de estudos, que serão úteis no nios não vão surgir automaticamente e
início da vida profissional do oftalmolo- os pacientes não vão aparecer do nada.
gista”, esta é a avaliação de Newton Kara O credenciamento nas Unimeds e no
Júnior, chefe do Setor de Catarata da Clí- SUS são extremamente problemáticos e,
nica Oftalmológica do Hospital das Clí- no caso das cooperativas Unimeds, mui-
nicas da Universidade de São Paulo, que to caros na maioria das cidades do Brasil.
tem longa experiência com residentes e Se o médico tiver um contato proveitoso
alunos do curso de especialização. com um empresário que empregue 100
Além de acompanhá-los em seu setor, trabalhadores, por exemplo, pode soli-
Kara Júnior conhece bem essa realidade citar que o plano de saúde que atende
também por ser um dos idealizadores essa coletividade credencie a nova clíni-
e promotores do Fórum de Residentes ca. Quando um cliente solicita o creden-
e Jovens Oftalmologistas, realizado nos ciamento, ele é mais fácil de ser obtido.
principais eventos da especialidade. De Esses são os contatos que precisam ser
acordo com Newton-Kara o jovem oftal- feitos e cultivados e que precisam entrar
mologista deve ter como meta o empre- no cálculo dos médicos que vão trilhar o
endimento próprio, mas reconhece que caminho do empreendimento próprio”,
a maioria acaba por trabalhar em clínicas diz Newton Kara Júnior.
já estabelecidas. Montar uma clínica é
realmente uma opção mais exigente. A RESIDÊNCIA
Para começar é preciso um planejamen-
to rigoroso, que envolve pesquisa do A residência em oftalmologia atual-
local mais adequado, escolha de parcei- mente é realizada em três anos através
ros, capital, além de conhecimento em dos cursos/residências credenciados(a-
administração, marketing, legislação e das) pelo Conselho Brasileiro de Oftal-
tudo o que for necessário para fazer uma mologia (CBO) através de prova e sem
empresa prosperar em mercados difí- necessidade de outra residência prévia.
ceis. O mesmo calcula que a montagem O CBO através do seu site disponibili-
de uma clínica demande investimentos za as características dos cursos de espe-

238
Oftalmologia CAPITULO 22

cialização e programa mínimo na área de ÁREAS DE ATUAÇÃO


oftalmologia e vale a pena olhar antes de
escolher um dos programas. Em que pese a oftalmologia não ter
Após realização seja de residência ou registro de área de atuação ou subespe-
curso de pós-graduação reconhecido cialidades, de acordo com o CFM, nada
pode-se realizar a prova para obtenção impede que as diversas áreas oftalmo-
do título de especialista. lógicas sejam tratadas e estudadas de
A prova nacional de Oftalmologia forma independente. Entre elas:
está em conformidade com a Resolução
CFM 1973/2011 e o CBO. Os aprovados Catarata: avaliação e tratamento da catarata;
tem direito ao título de especialista em Cirurgia refrativa: tratamento cirúrgico das
oftalmologia concedido pelo CBO e pela emetropias;
AMB. Glaucoma: diagnóstico e tratamento do
O programa pedagógico previsto glaucoma;
para a especialização em oftalmologia Lentes de contato: estudo e adaptação de
envolve as seguintes matérias: anatomia; lentes de contato;
neuroanatomia; histologia embriologia; Retina e vítreo: diagnóstico e tratamento
genética; bio-estatística; citologia; mi- das doenças do segmento posterior do olho;
crobiologia; imunologia e parasitologia; Ecografia em oftalmologia: Exames diag-
óptica física/fisiológica e optometria; nósticos de ultrassonografia da região ocular;
fisiologia do olho e da visão; propedêu- Estrabismo: diagnóstico e tratamento do
tica geral oftalmológica; farmacologia e estrabismo;
princípios gerais de terapêutica oftalmo- Oftalmopediatria: diagnóstico e tratamento
lógica, técnica cirúrgica, clínica e cirurgia de doenças oftalmológicas da infância;
oftalmológica e oftalmologia preventiva. Córnea e doenças externas: diagnóstico e
Trata-se de um período bem rico de tratamento das doenças do segmento ante-
rior do olho;
aprendizagem e embora não seja das
residências mais puxadas, há, sim, um Patologias da órbita;
grande investimento de tempo e dedi- Plástica ocular: diagnóstico e procedimen-
cação. As cirurgias começam de forma tos da região palbebral;
mais simples, mas também existem as Refratometria: estudo, diagnóstico e trata-
mais, complexas que podem se extender mento das emetropias;
por horas. Geralmente não se têm tantos Trauma ocular: casos emergências na área
plantões como nas demais especialida- oftalmológica;
des, mas, a depender do programa, po- Uveítes: estudo das doenças da úvea;
dem ter regimes de sobreaviso.

239
CAPITULO 22 Como Escolher a sua Residência Médica

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

A oftalmologia é uma área extrema- Acredito que desta forma é possível


mente relevante e interessante no que minimizar o sofrimento humano, razão
tange às atividades, ensino-aprendiza- pela qual nós médicos escolhemos nos-
gem, competências e habilidades, pro- sa profissão.
cedimentos e, sobretudo, na perspecti-
va de melhorar a visão dos pacientes e,
por conseguinte, sua qualidade de vida.

SOBRE A AUTORA

Dra. Nedy Neves é:

Médica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e especialidade em of-


talmologia. Mestra em Educação e doutora em Medicina pela Universidade Federal
da Bahia (Ufba). Conselheira do Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia
(Cremeb) no período de 1998/2013, também atua como professora adjunta da Es-
cola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP) e diretora médica da Clínica Soft
- Serviços de Oftalmologia SC Ltda.

REFERÊNCIAS

1. Jornal Oftalmológico Jota Zero | Julho/Agosto 2011.


2. Universo Visual – Revista da Oftalmologia. Out/Nov 2013.
3. Lee AG. The new competencies and their impact on resident training in ophthalmology. Surv
Ophthalmol. 2003;48(6): 651-62.
4. Ginguerra MA, Ungaro ABS, Villela FF, Kara José AC, kara-José N. Aspectos do ensino de gradu-
ação em oftalmologia. Arq Bras.
5. Silva MRBM. O ensino da oftalmologia. Rev Bras Oftalmol. 1998; 61(5): 546-8.
6. Bicas HEA, Louzada NT. A oftalmologia e seu mercado de trabalho. Revista Jota Zero. 2006;
41-44.
7. O Ensino da Oftalmologia Rev Bras Oftalmol. 2009; 68 (3): 127-8 EDITORIAL 128.
8. Bonatti JA; Sampaio MW; Bonatti FAS; Santos MCL; Kara-José N. Responsabilidade social em
oftalmologia: interdisciplinaridade e inclusão na visão subnormal. Rev med 2007; 86(4): 195-
200.
9. Kara-José N. Mercado de trabalho na medicina e na oftalmologia. Rev Universo Visual. 2006.

240
ORTOPEDIA E
TRAUMATOLOGIA


Dr. Luiz Roberto Delboni Marchese

Um osso quebrado pode curar, mas a ferida
aberta pela palavra pode apodrecer
para sempre.

Jessamyn West

A A palavra “ortopedia” provém de


duas palavras gregas: “orthos,” signifi-
cando reto ou correto, e “paideia”, ou
seja, a educação dos filhos.
A história da especialidade remon-
de torcicolo, o tratamento de uma claví-
cula fraturada e também sinais e trata-
mento de outras fraturas.
A Ilíada também contém referências
para várias deformidades. Hegetor, de
ta aos fósseis, onde foram encontrados 100 a.C, descreveu relações anatômi-
ossos fraturados em que ocorreu união cas da articulação do quadril. Em um
com um bom alinhamento. Houve, en- volume de Hipócrates, que dispensa
tão, um momento em que o homem apresentações, a luxação do ombro foi
primitivo desenvolveu uma tala muito descrita, assim como foram descritos
primitiva, e que, a partir daí, suas van- métodos usados para sua redução. Ha-
tagens foram reconhecidas. Em tempos viam também descrições de redução de
remotos também foram realizadas as luxações acromioclavicular, temporo-
amputações de membros e dedos. mandibular, joelho, quadril e cotovelo. A
Já foram encontradas talas em mú- correção do pé torto congênito foi des-
mias feitas de bambu, madeira ou acol- crita. O problema da infecção pós-fratu-
choadas com linho. Também há evi- ras compostas foi descrito e foi tratado
dência do uso de muletas, com o mais com compressas de vinho sem enfaixa-
antigo registro conhecido do uso em mento enérgico. A exploração em qual-
uma escultura feita em 2830 a.C. Houve quer fratura composta foi evitada. Foi
relatos em papiro de redução de mandí- dele, ainda, o desenvolvimento de talas
bula, sinais clínicos de trauma espinhal, especiais para fraturas da perna.
CAPITULO 23 Como Escolher a sua Residência Médica

Galeno, um romano, descreveu a envelhecimento da população, e da me-


destruição do osso, sequestro e regene- lhora nos resultados cirúrgicos, os quais
ração em osteomielite. Credita-se a ele passam pela melhora progressiva da
o pioneirismo no uso dos termos gregos qualidade dos materiais, que, por vezes,
“kyphosis, lordosis e scoliosis” para as de- garantem um retorno mais precoce do
formidades. Já a cobertura de gesso, foi paciente a sua funcionalidade.
descrita por um persa1. A Sociedade Brasileira de Ortopedia
Na ortopedia e traumatologia, os fo- e Traumatologia (SBOT) ganha cerca
cos de atuação do médico são o esque- de 400 e 500 novos sócios por ano. No
leto apendicular e o esqueleto axial. As ano de 2014, a prova, que tradicional-
estruturas e articulações do organismo mente é realizada em Campinas uma
podem ser afligidas por patologias de- vez por ano, contou com 720 inscritos.
generativas, traumáticas, neoplásicas e Para se obter o certificado de espe-
infecciosas. A traumatologia é a especia- cialidade perante o Conselho Federal de
lidade médica que lida com o trauma do Medicina (CFM), são necessários:
aparelho músculo-esquelético, enquan- • Três anos de residência médica com
to a ortopedia trabalha com a preserva- acesso direto em instituição creden-
ção e o restabelecimento funcional de ciada pela Comissão Nacional de Re-
ossos, músculos, ligamentos e articula- sidência Médica (CNRM/MEC)2;
ções, enfim, elementos relacionados ao • Título de especialista, emitido pela
aparelho locomotor para melhor funcio- SBOT, após aprovação em exame
nalidade do organismo. teórico (testes) + prova prática em
Outro importante campo de atuação técnicas cirúrgicas + prova de exa-
da especialidade é a medicina esporti- me físico + prova oral elaborado pela
va, em que se estudam características instituição anualmente. Podem pres-
próprias de cada esporte, seus gestos e tar prova de título os médicos que
morbidades. As lesões do sistema mús- cursaram três anos da especialidade
culo-esquelético, nestas atividades, en- em instituições credenciadas pela
volvem os músculos, tendões, cápsula Sbot ou sejam candidatos indepen-
e ligamentos articulares e os ossos nos dentes com cinco anos de prática na
mais diversos aspectos, podendo afastar especialidade comprovadas.3
o atleta de suas atividades esportivas,
variando com a gravidade da lesão. O ESPECIALISTA E A SUA ROTINA
A citada vantagem da ortopedia
está em sua capacidade de devolver O ortopedista trabalha muito com
ao paciente o seu dia a dia. Atualmen- estabilidade, estrutura, lesão e rege-
te, a especialidade vem crescendo, não neração de tecidos e mecânica. Após
somente no Brasil. A expansão vem do anamnese e exame físico cuidadosos, o
aumento da expectativa de vida, com o especialista deve saber observar gestu-

242
Ortopedia e Traumatologia CAPITULO 23

al, marcha, práticas esportivas, posicio- em constante migração entre estes se-
namento e amplitudes de movimento tores, dando preferência aos locais nos
para diagnosticar o patológico, separan- quais mais sentem prazer em trabalhar.
do-o do fisiológico.
O ortopedista já foi visto como um MERCADO DE TRABALHO
médico bruto, frio e até agressivo. Ob-
viamente que estas não são caracterís- Tida como uma especialidade que
ticas que vão obter simpatia por onde confere grande qualidade de vida, a
passa ou trabalha. Talvez até, cabe ob- ortopedia esbarra nos mesmos empe-
servar, que um médico diferenciado cilhos das outras áreas. Depende muito
nesses quesitos, pode ser valorizado, dos objetivos financeiros de cada qual.
sendo mais referenciado e mais querido Porém, mesmo optando por melhores
por seus pares e pacientes. horários de trabalho, o ortopedista con-
O ortopedista é um médico clínico- segue bons empregos, com boa remu-
-cirúrgico que deve estar preparado a neração.
estar acessível ao seu paciente. Um cirur- Em uma pesquisa feita com médi-
gião tem que estar disponível em noites, cos nos EUA no ano passado, provou-se
finais de semana e feriados. que os ortopedistas são a especialidade
mais satisfeita com sua escolha de área.
ROTINA DO ORTOPEDISTA Uma pesquisa de um site de empre-
gos brasileiro coloca o ortopedista com
Diversos são os caminhos para um o melhor salário dentre as especialida-
ortopedista. Ser proviniente uma espe- des médicas. A renda média do médico
cialidade clínica-cirúrgica lhe confere ortopedista no Brasil é R$ 11.513,717.
uma gama vasta de alternativas na hora
de escolher onde trabalhar e que carga A RESIDÊNCIA
atribuir a cada setor. Dentre as subes-
pecialidades, e dentro da atuação em A residência de ortopedia e trauma-
cada uma, o ortopedista pode dividir tologia não deve assustar. Muito prova-
seus horários, de acordo com sua pre- velmente, por ter sido dominada pelos
ferência, entre pronto-socorros, ambu- homens por décadas, ela desenvolveu
latórios, consultórios, centros-cirúrgicos uma característica peculiar de ser extre-
e, é claro, manter-se em uma instituição mamente militar.
acadêmica para pesquisa e ensino. No entanto, com o passar dos anos,
A maioria acaba fazendo por valer a entrada de mais e mais mulheres se
a versatilidade da especialidade, tendo interessando pela especialidade, o con-
como rotina ambulatórios ou prontos- trole de carga horária cada vez maior e a
-socorros, mas sempre realizando proce- prova de título de especialista que exige
dimentos cirúrgicos. Vivem um dia a dia uma matéria enorme a ser estudada, fi-

243
CAPITULO 23 Como Escolher a sua Residência Médica

zeram da área uma residência trabalho- • O treinamento nos setores de Pron-


sa, porém mais viável de ser cursada. to-socorro e Ambulatório deve ser
A residência em ortopedia e trau- distinto;
matologia é de acesso direto, ou seja, • O serviço de ortopedia deve estar
não há a necessidade de ter concluído equipado com material especiali-
nenhuma outra residência prévia, como zado e atualizado em qualidades e
clínica médica, por exemplo. Consiste variedades adequadas, para possibi-
em três anos de treinamento em serviço. litar a realização de tratamento cirúr-
Os programas de residência variam de gico ou não cirúrgicos.
acordo com a instituição, mas geralmen-
te seguem a Resolução CNRM Nº 02 /066: CONCORRÊNCIA
• Unidade de internação: 10 % da car-
ga horária anual mínima; Nos últimos 10-15 anos, a ortopedia
• Ambulatório: 25% da carga anual mí- vem tendo notoriedade dentro das es-
nima; pecialidades, apresentando altos índi-
• Pronto-socorro: 20% da carga anual ces de concorrência. Isto se dá mesmo
mínima, inclusive abordagem disg- em vigência de um grande número de
nóstico-terapêutica do politrauma- vagas para a especialidade pelo Brasil.
tizado; Os motivos pelos quais isto ocorre po-
• Centro-cirúrgico: 25% da carga anual dem ser elencados: índice de satisfação
mínima; profissional dos especialistas; vagas de
• Estágios obrigatórios: medicina fetal emprego para os especialistas; núme-
e reabilitação, neurologia e reumato- ro de procedimentos cirúrgicos que o
logia; especialista realiza (o que atrai pessoas
• Estágios optativos: laboratório de que adoram o campo cirúrgico); possi-
biomecânica, técnica operatória e bilidade de lidar com atletas; possibi-
cirurgia experimental, genética mé- lidade de atuar em áreas diversas, com
dica, oficina ortopédica, radiologia, pacientes de diversas faixas etárias e,
microcirurgia e cirurgia vascular pe- por último, uma vez que não se pode
riférica; escolher sua especialidade apenas por
• No Programa de residência médica, o motivos econômicos, índice de retorno
médico residente deve ter oportuni- financeiro bem colocado dentro das áre-
dade de treinamento adequado, tan- as médicas.
to na área de ortopedia, como na de Voltando ao assunto da subespecia-
traumatologia, sendo condição para lidade, torna-se, a cada dia, mais e mais
o não credenciamento ou descre- vital a realização de uma subespecialida-
denciamento, quando as patologias de para se diferenciar no mercado. Isso é
de origem traumática forem iguais visto mais tacitamente no setor privado/
ou superiores a 70%; convênios, onde o paciente busca o mé-

244
Ortopedia e Traumatologia CAPITULO 23

dico determinado para seu problema osteometabólicas, oncologia ortopédi-


para mais ágil solução, mas também é ca; cirurgia de mão; cirurgia de joelho
visto crescente encaminhamento de pa- e cirurgia da coluna.4 Dada a crescente
cientes para grandes centros/ hospitais complexidade da ortopedia e trauma-
de referência para manejo dos doentes tologia, torna-se necessário, ainda mais
com patologias determinadas. pela pressão do mercado, que o profis-
Quanto mais se avança na especiali- sional possua expertise em uma dessas
zação (por exemplo: ortopedista → es- subespecialidades.5
pecializado em coluna → especializado Cada vez mais, o paciente procura-
em deformidades), menor a concorrên- rá um especialista para sua patologia. É
cia. É claro que deve se considerar que valido falar que a ortopedia passa hoje,
um médico ultraespecializado necessi- pelo processo que a cirurgia geral pas-
ta trabalhar em um grande centro, que sou há cerca de 60 anos, com a cres-
drene pacientes e permita um serviço cente subdivisão, que se aprofunda dia
de qualidade. após dia.
Isso deve ser relevado em conjunto Ademais, com o surgimento de no-
com a expectativa de vida, centro em vos equipamentos para auxílio diag-
que se pretende morar e trabalhar. Só o nóstico e terapêutico, a densidade da
futuro dirá se fazer somente a residência especialidade aumenta, impedindo que
será suficiente, mesmo em uma cidade um profissional seja capaz de ser conhe-
localizada no interior. cedor de todas as minúcias.
A balança é tênue entre virar um es-
ÁREAS DE ATUAÇÃO pecialista e se manter um generalista na
sua área. Acredito que aquele que dese-
As subespecialidades (áreas de atua- ja se manter generalista, ou acabou não
ção) da ortopedia são diversas: recons- cursando uma subespecialização, deve
trução e alongamento ósseo; ombro e observar bem como se manter competi-
cotovelo; traumatologia; artroscopia e tivo no mercado, sendo completo, man-
traumatologia desportiva; cirurgia de tendo-se atualizado e preservando seus
quadril; ortopedia pediátrica; cirurgia de contatos com os pacientes.
pé e tornozelo; osteoporose e doenças

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

Contrariando um pouco o senso co- tório na reabilitação das funções moto-


mum, a ortopedia é uma especialidade ras é mais que gratificante. O retorno do
complexa e dinâmica. A oportunidade atleta, o andar do paciente que sofreu a
de melhorar a qualidade de vida dos pa- fratura e tantas outras recompensas te-
cientes e de buscar um resultado satisfa- mos nessa especialidade. O lidar com a

245
CAPITULO 23 Como Escolher a sua Residência Médica

dor e a limitação é o nosso dia a dia e e desafios, bem como tratamentos cada
a evolução da técnica, da ciência e dos vez mais precisos e de resultados mais
materiais têm proporcionado a especia- satisfatórios.
lidade um novo horizonte de conquistas

SOBRE O AUTOR

Dr. Luiz Roberto Delboni Marchese é:

Médico pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Fmusp), mem-


bro titular da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (Sbot). Realizou
programa de especialização em cirurgia de coluna pelo departamento de ortope-
dia e traumatologia do Hospital das Clínicas (HC) da Fmusp e atua como preceptor
do mesmo departamento.

REFERÊNCIAS

1. Fernandes, JHM. Semiologia Ortopédica. UFRGS. 2012.


2. Conselho Federal de Medicina (Brasil). Resolução no 1.634, de 29 de abril de 2002. Convênio
de reconhecimento de especialidades médicas firmado entre o Conselho Federal de Medicina
CFM, a Associação Médica Brasileira – AMB e a Comissão Nacional de Residência Médica -
CNRM. D Of União, seção I, p. 81.
3. O edital da Prova de Título de Especialista do ano de 2014 da sociedade se encontra dis-
ponível na página: <http://www.portalsbot.org.br/public/home_comissoes.php?mn=&idS-
CM=65&lv=3.>.
4. Conselho Federal de Medicina (Brasil). Resolução no 1.973, de 14 de julho de 2011. Nova re-
dação do Anexo II da Resolução CFM nº 1.845/08, que celebra o convênio de reconhecimento
de especialidades médicas firmado entre o Conselho Federal de Medicina (CFM), a Associação
Médica Brasileira (AMB) e a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM). D Of União, 1º
de agosto de 2011, Seção I, p. 144-147.
5. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1101, de 12 de junho de 2002. Dispõe sobre os parâme-
tros assistenciais do Sistema Único de Saúde – SUS. Brasília: Ministério da Saúde; 2002.
6. Ministério da Educação / Comissão Nacional de Residência Médica (Brasil). Resolução CNRM
no 02, de 17 de maio de 2006. Requisitos mínimos dos Programas de Residência Médica e dá
outras providências. D Of União. nº 95, de 19/05/06, seção 1, p. 23-36
7. Confi ra a média salarial de 10 especialidades no Brasil. Disponível em: <http://revista.pense-
empregos.com.br/noticia/2013/08/quanto-ganha-um-medico-confira-a-media-salarial-de-
-dez-especialidades-no-brasil-4224885.html.>.

246
OTORRINOLARINGOLOGIA “

Dr. Tovar Vicente da Luz
Dar a cada homem o teu ouvido,
mas a poucos tua voz.

William Shakespeare

A A otorrinolaringologia é a especia-
lidade médica responsável pelo trata-
mento de patologias que acometem o
ouvido, nariz, boca e garganta.
Podemos ter uma noção da impor-
HISTÓRIA

OTOLOGIA

Os primeiros registros otorrinlarin-


tância desta especialidade ao constatar- gológicos são provenientes da civiliza-
mos que dos cinco órgãos dos sentidos, ção egípcia, na farmacopéia egípcia, de
três, audição, olfato e paladar são es- aproximadamente 1500 a.C., há um ca-
tudados pelos otorrinolaringologistas, pítulo intitulado: "Medicamentos para o
além disso, ela mantém uma relação ouvido com audição fraca", onde são en-
muito próxima com a oftalmologia. contrados tratamentos para zumbidos,
É uma especialidade estudada de tonturas e hipoacusia.
forma bastante superficial pelos alunos Em 1543, Versalius descreveu estru-
da graduação na grande maioria das fa- turas anatômicas de grande importân-
culdades de medicina do país, não sen- cia como as janelas oval e redonda e
do incomum os residentes do primeiro também o martelo e a bigorna. No sé-
ano terem a impressão que não sabem culo XIX, na Alemanha, Johannes Müller
absolutamente nada sobre ela. cunhou o termo colesteatoma. No ano
Poucas especialidades médicas so- de 2005, a otologia volta-se para o estu-
freram tantas mudanças e desenvolvi- do dos genes relacionados à surdez, que
mentos científicos nestas últimas déca- foram identificados através do Projeto
das quanto a otorrinolaringologia que Genoma e da tecnologia da engenharia
teve a vantagem de incorporar tecnolo- genética.
gias na endoscopia, radiologia, microci-
rurgia e uso da informática.
CAPITULO 24 Como Escolher a sua Residência Médica

LARINGOLOGIA impulsionaram estudos de anatomia


seccional e cirúrgica, com nomes como
Descrições de tratamentos e cirur- Grunwald, Onodi, Hajek e testemunha-
gias na laringe e faringe datam dos ram o nascimento da especialidade de
médicos egípcios, hindus e gregos. A rinologia, fazendo as bases dos concei-
primeira menção à laringe foi feita por tos atuais de diagnóstico e terapia das
Aristóteles no livro: Historia Animalium, doenças da cavidade nasal e seios da
livro I, capítulo XII do ano 350 a.C. em face. As últimas décadas do século XX
que ele descreve: "o pescoço é a parte foram marcadas por um crescente inte-
entre a face e o tronco". Artistas como resse na rinologia, com a desmistificação
Leonardo da Vinci e Michelangelo rea- da rinoplastia, trabalho feito pela Acade-
lizaram dissecções em cadáveres huma- mia Americana de Cirurgia Plástica Facial
nos e descrições detalhadas do funcio- e Reconstrutiva (AAFRS), fundada em
namento da laringe. 1964 e pela Academia Europeia de Ci-
A primeira laringectomia total foi rurgia Facial (EAFPS), fundada em 1977.
realizada em 1873, em Viena, pelo cirur- Cirurgias de base de crânio e neurocirur-
gião Theodor Billroth. A crescente so- gias com acesso endonasal, abordagens
fisticação e evolução dos endoscópios, diferentes de tratamento para tumores
combinadas a estroboscópios mais sen- e doenças localizadas nesta região, tam-
síveis tem levado recentemente a um bém criaram, assim como na otologia,
maior entendimento do funcionamento outro ponto em comum entre otorrino-
das cordas vocais através da análise da laringologistas e neurocirurgiões.
qualidade da voz.
O ESPECIALISTA E A SUA ROTINA
RINOLOGIA
A otorrinolaringologia é uma espe-
Os médicos egípcios foram os pre- cialidade essencialmente mista, visto
cursores das cirurgias nasais. Eles utili- que abrange as áreas clínica e cirúrgi-
zavam instrumentos para a remoção do ca. Essa essência irá refletir-se no dia a
cérebro através do nariz como parte do dia do otorrinolaringologista, que nor-
processo de mumificação. Embora Hi- malmente distribui seus horários de
pócrates já houvesse descrito partes da trabalho entre turnos de consultório,
anatomia nasal, foi somente no século turnos cirúrgicos e muitas vezes, plan-
XV que as estruturas nasais foram des- tões. No consultório, além da consulta
critas. Durante os séculos XVII e XVIII, a propriamente dita, também realiza uma
principal discussão científica que en- série de procedimentos. Entre os mais
volvia a região nasal era sobre a função comuns, destacamos: remoção de ce-
e propósitos dos seios paranasais. As rúmen, remoção de cáseo, manobras
décadas que antecederam o século XX diagnósticas de patologias vestibulares

248
Otorrinolaringologia CAPITULO 24

periféricas, videoendoscopia nasal e • São 7.040 profissionais para 5.665


videolaringoscopia. Em relação às ci- municípios (incluso Brasília);
rurgias, as mais realizadas de forma ro- • 6.237 se concentram nos centros ur-
tineira são: adenoamigdalectomia, tim- banos com mais de 100 mil habitan-
panoplastia e septoplastia. Finalmente, tes; - 27 atuam em municípios com
em relação aos plantões, além da con- menos de 20 mil habitantes;
sultas puramente clínicas, muitas vezes • Existem 3.887 nas capitais e 3.153 no
realizamos procedimentos como remo- interior;
ção de corpos estranhos em ouvido, na- • As cidades de Salvador, Belo Horizon-
riz ou garganta, drenagem de abcessos te, Curitiba, Rio de Janeiro, Porto Ale-
periamigdalianos e tamponamentos na- gre e São Paulo possuem mais de 200
sais entre outros. otorrinolaringologistas cada;
Geralmente, o otorrinolaringologista • Quase 60% dos profissionais estão
trabalha em clínicas privadas, no pró- concentrados na região Sudeste e a
prio consultório ou em hospitais públi- menor concentração é na região Nor-
cos(concursado), nos dois primeiros ele te, com apenas 3%.
recebe de acordo com a sua produtivi-
dade baseada em valores de consultas e Através da análise deste censo, per-
procedimentos particulares ou nos valo- cebemos ser notória a dificuldade dos
res estabelecidos pelos planos de saúde. estudantes de medicina que pretendem
fazer otorrinolaringologia apresentarão
O BOM OTORRINOLARINGOLOGISTA em estabelecer-se nas capitais, fazendo
com que a especialidade apresente uma
Acreditamos que existam três pon- tendência maior a interiorização.
tos fundamentais para o desenvolvi-
mento de um bom profissional nesta A RESIDÊNCIA
área: a vontade diária de fornecer o
melhor tratamento ao paciente, a busca A residência em otorrinolaringolo-
constante pelo conhecimento científico gia é de acesso direto e tem duração
e abertura ao aprendizado das diversas de três anos, com carga horária de 60
técnicas cirúrgicas empregadas nesta horas semanais. As atividades da resi-
especialidade. dência são distribuídas em atividades
ambulatoriais, cirurgias, plantões em
MERCADO DE TRABALHO emergências, atividades acadêmicas e
de pesquisa. Em boa parte dos centros
De acordo com o último censo de ensino as atividades ambulatoriais
2012-ABORL-CCF, a distribuição dos são divididas em ambulatórios gerais,
otorrinolaringologistas no território na- nos quais são atendidos pacientes pela
cional dá-se da seguinte forma: primeira vez (triagem) e casos clínicos

249
CAPITULO 24 Como Escolher a sua Residência Médica

mais simples e ambulatórios específicos Finalmente, deve ser avaliada a es-


como de rinologia, laringologia, ouvido trutura do centro cirúrgico, seu volume
crônico, faringoestomatologia, sono en- de cirurgias se o serviço realiza as ci-
tre outros. rurgias otorrinolaringológicas desde as
As atividades cirúrgicas são dividas mais simples às mais complexas e se o
por ano de residência, as cirurgias mais residente possui estágios no serviço de
realizadas são: cirurgia de cabeça e pescoço.
• R1: adenoamigdalectomia, coloca- De acordo com a Sociedade Brasilei-
ção de tubo de ventilação, remoção ra de Otorrinolaringologia (SBO), o Bra-
de coloboma aurus; sil conta com 87 residências, sendo que
• R2: septoplastias, timpanoplastias, destas, 16 são conceito A:
turbinectomias parciais médias e in-
feriores, remoção de pólipos e cistos Faculdade de Ciências Médicas da Universi-
de pregas vocais; dade Estadual de Campinas (Unicamp)
• R3: mastoidectomias, estapedoto- Faculdade de Medicina de São José do Rio
mias, implante coclear, cirurgias en- Preto
doscópicas nasais e cirurgias larínge- Faculdade de Medicina do ABC
as mais complexas como: remoção Faculdade de Medicina Universidade
de nódulo de pregas vocais, cirurgias Estadual Paulista (Unesp)/Botucatu
para alterações estruturais mínimas HC da Faculdade de Medicina da Universi-
e aritenoidectomias. dade de São Paulo
HC da Faculdade de Medicina da USP de
Durante a escolha de em qual insti- Ribeirão Preto
tuição prestar prova de residência, o can- Hospital das Clínicas da Universidade
didato deve levar em consideração pon- Federal de Pernambuco (UFPE)
tos importantes, a saber, estrutura dos Hospital das Clínicas da Universidade
Federal do Paraná (UFPR)
ambulatórios, presença e conservação
de equipamentos fundamentais, como: Hospital das Clínicas da Universidade Fede-
ral de Uberlândia
equipamento de videoendoscopia, au-
diometria, otoemissões, BERA, vectoele- Hospital de Clínicas de Porto Alegre
tronistagmografia e polissonografia. Hospital do Servidor Público Estadual -
Deve levar em consideração nessa Francisco Morato de Oliveira
escolha também a quantidade de pro- Hospital Universitário Clementino Fraga
fessores assistentes que apresentam Filho - Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ)
vínculo empregatício com a instituição
Hospital Universitário de Brasília
e se a instituição apresenta um perfil de
ensino através da realização de sessões Hospital Universitário Prof. Edgard Santos
Universidade Federal da Bahia (Ufba)
clínicas, cursos e produção científica.

250
Otorrinolaringologia CAPITULO 24

Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de alto nível e também a difusão de co-


de São Paulo nhecimentos médicos de ponta.
Universidade Federal São Paulo (Unifesp) O Projeto já foi iniciado em 2011 com
16 residentes de quarto ano, de serviços
A SBO vem desenvolvendo o projeto que obtiveram nota A da ABORL-CCF.
R4, que tem por objetivo fazer com que Alguns serviços também apresentam
o médico que acaba de completar seu a possibilidade do fellowship, que nada
terceiro ano de residência se dedique a mais é do que uma subespecialização
aperfeiçoar suas técnicas de diagnóstico, nas diversas áreas da otorrinolaringo-
garantindo uma formação de alto nível logia como: cirurgia endoscópica nasal,
e, consequentemente, que este especia- otoneurologia, laringologia, cirurgia
lista possa prestar atendimento médico plástica facial, otologia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

A otorrinolaringologia é uma espe- cirúrgicos antes inimagináveis. Acredi-


cialidade médica que apresentou um tamos que esse crescimento irá manter-
enorme crescimento científico e tecno- -se nos próximos anos e a especialidade
lógico nos últimos anos, proporcionan- continuará lutando por sua maior divul-
do diagnósticos, tratamentos clínicos e gação e valorização perante a sociedade.

SOBRE O AUTOR

Dr. Tovar Vicente da Luz é:

Médico pela Universidade Estadual do Piauí (Uespi), mestrando em otorrinolarin-


gologia pelo Hospital das Clínicas da Universidade Federal da Bahia (HC-Ufba) e
especialista em cirurgia endoscópica nasal.

REFERÊNCIAS

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4. Hawkins JE, Schacht J. Sketches of Otohistory: part 7 - The Nineteenth-Century Rise of Laryn-
gology. Audiol Neurotol 2005;10:130-3.
5. Feldmann H. Diagnosis and therapy of diseases of the larynx in the history of medicine. Part III.
After the invention of laryngoscopy. Laryngorhinootologie 2002;81(8):596-604.

251
CAPITULO 24 Como Escolher a sua Residência Médica

6. Lascaratos JG, Segas JV, Trompoukis CC, Assimakopoulos DA. From the roots of rhinology: the
reconstruction of nasal injuries by Hippocrates. Ann Otol Rhinol Laryngol 2003; 112(2):159-62.
7. Feldmann H. The maxillary sinus and its illness in the history of rhinology. Images from the
history of otorhinolaryngology, highlighted by instruments from the collection of the German
Medical History Museum in Ingolstadt. Laryngorhinootologie 1998;77(10):587-95.
8. Stammberger H. History of rhinology: anatomy of the paranasal sinuses. Rhinology 1989;
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9. Censo Sociedade Brasileira de Otorrinolaringologia 2012.
10. Site da Sociedade Brasileira de Otorrinolaringologia;. Disponível em: <www.aborlccf.org.br>.
Acesso em: Dezembro/2013.

252
PATOLOGIA

Dra. Crhistiana de Freitas Vinha

Objeção, a evasão, a desconfiança alegre, e
o amor de ironia são sinais de saúde: tudo
absoluto pertence à patologia.

A
Friedrich Nietzsche

A história da necropsia está direta- durante a vida, como médico pessoal,


mente ligada à anatomia, patologia e a relatando, de forma minuciosa, a evolu-
medicina com relatos históricos que da- ção da doença até à morte. Morgagni foi
tam de aproximadamente de 4000 a.C. pioneiro no método de correlacionar os
Entre os registros, há um que relata uma sintomas e os sinais clínicos, registrados
das primeiras necropsias realizadas: a em vida, com as lesões identificadas no
de Agripina, mãe de Nero, datada de 59 exame pós morte, introduzindo assim,
d.C. No século XV, merece destaque Leo- pela primeira vez, o conceito de método
nardo da Vinci, que em suas dissecções, anátomo-clínico. Giovanni Battista Mor-
introduziu como método, as secções vis- gagni ficou conhecido como o precursor
cerais em planos consecutivos, obtendo da anatomia orgânica.
perspectivas topográficas dos membros Foram necessários mais dois séculos
e vasos. No século XVIII, com Giovanni para que este modelo da relação clínico-
Morgagni, a necropsia começa a contri- -morfológica incorporasse outros con-
buir com a Medicina, correlacionando as ceitos, concomitante ao que a utilização
condições clínicas com as patológicas. do microscópio veio proporcionar.
Giovanni Battista Morgagni (1669- A Royal Society encomendou a Ro-
1760), estudioso da Universidade de bert Hooke, prestigiado homem de ci-
Pádua, Itália, Bichat, em Paris e Baillie na ência inglês, a avaliação criteriosa das
Grã Bretanha, registrou em 1761, no livro possibilidades científicas do invento de
De sedibus et causis morborum. Per ana- Leeuwenhoek. O especialista desenvol-
tomen indagatis (Sobre os locais e causas veu o instrumento a partir da associação
das doenças, investigadas pela anatomia) de lentes, polidas por ele mesmo. Ele
mais de seiscentas autopsias realizadas trabalhava no aperfeiçoamento da qua-
por ele em doentes que acompanhou lidade das fibras de algodão e linho para
CAPITULO 25 Como Escolher a sua Residência Médica

corresponder às exigências do requinta- vo, papanicolau ou citologia oncótica).


do vestuário da burguesia holandesa. O exame é simples, prático e barato, po-
Com o microscópio, Robert Hooke dendo ser utilizado como triagem para
observou tecidos vegetais e descreveu a identificar lessões pré-cancerosas em
simetria harmoniosa da justaposição de mulheres, ou mesmo como diagnóstico
elementos repetitivos muito pequenos, câncer de colo uterino já instalado.
que fazia lembrar uma colmeia, dando A anatomia patológica é a especia-
o nome de “células”, termo utilizado até lidade médica responsável pela análise
hoje. morfológica de órgãos, tecidos e célu-
Nasce verdadeiramente com o mi- las com o objetivo de contribuir com o
croscópio um novo paradigma na histó- diagnóstico de lesões, na maioria das
ria da medicina: a possibilidade de olhar vezes de forma decisiva.
para os tecidos doentes com uma ca-
pacidade de ampliação que o olho não O ESPECIALISTA E A SUA ROTINA
seria capaz de alcançar e comparar a sua
morfologia com a dos tecidos sãos, dan- Os médicos patologistas são os pro-
do significado às diferenças observadas. fissionais responsáveis pelos diagnósti-
Rudolf Virchow (1821-1902), médi- cos, gerando laudos que orientam tra-
co anatomopatologista, antropologis- tamentos, estabelecem prognósticos,
ta, sanitarista e político liberal alemão, garantem a qualidade do atendimento
foi quem antecipou esta revolução no médico e são indispensáveis às campa-
conhecimento médico, ao publicar, em nhas e ações preventivas. A maioria dos
1858, Die cellularpathologie. A sua teoria profissionais da área também lida com
celular fundada no conceito de “ominis pesquisa científica e docência.
cellula e cellula”, onde reconheceu a cé- A anatomia patológica tem como
lula como elemento básico e unitário raiz metodológica a observação ma-
de todo organismo. Uma obra maior de croscópica e microscópica de amostras
pensamento biológico, que marcou de- e peças cirúrgicas.
cisivamente a medicina do nosso tem- Atualmente dispõe de uma série de
po. Isso aconteceu quase duzentos anos técnicas complementares que auxiliam
depois das primeiras observações de o diagnóstico morfológico, como imu-
Leeuwenhoek. Virchow é reconhecido no-histoquímica, citometria de fluxo e
como o precursor da patologia celular e hibridização in situ, por exemplo.
fundador da patologia moderna. A especialidade integra, essencial-
Dr. Georgios Papanikolaou, (1883- mente, as seguintes áreas:
1962), médico grego, é considerado o • Macroscopia e histopatologia (biop-
precursor da citopatologia e inventor sias e peças cirúrgicas);
da técnica do exame colpocitológico • Citopatologia;
(também chamado de exame preventi-

254
Patologia CAPITULO 25

• Exames peri-operatórios (exames de anatomopatológico, é um ato médico,


congelação); devendo ser realizado e assinado por
• Análises morfométricas, imuno-mor- médico patologista.
fológicas e moleculares, auxiliares do A biópsia por congelação é um exa-
diagnóstico; me realizado durante o ato cirúrgico,
• Autópsia clínica. onde o cirurgião retira um pequeno
fragmento de tecido que deverá ser
O exame anatomopatológico mais analisado pelo patologista em poucos
frequente é a histopatologia com inclu- minutos. Pode ser requisitado para diag-
são em parafina de pequenos fragmen- nóstico (avaliação da natureza da lesão:
tos para confecção de um preparado benigno versus maligno) e avaliação de
histológico padrão, corado pela hema- margens de ressecção cirúrgica. O resul-
toxilina-eosina. O exame histopatoló- tado do exame de congelação norteia a
gico é precedido da realização de um conduta a ser seguida pelo cirurgião.
procedimento cirúrgico, seja através de A autópsia pode ser subdividida em
uma biópsia incisional, biópsia excisio- dois tipos: a anatomo-clínica, realizada
nal ou a retirada parcial ou total de um por um médico patologista e tem como
órgão. Além da coloração padrão, exis- principal finalidade estudar as alterações
tem uma série de colorações específicas morfológicas dos órgãos e tecidos a fim
que facilitam a análise da presença de de se obter informações sobre a nature-
muco, fibras elásticas ou agentes infec- za, a extensão, as complicações da pato-
ciosos, por exemplo. Entre elas pode- logia e suas consequências; e a necrop-
mos citar o Alcian Blue, Faraco, Giemsa, sia médico-legal ou forense, que é um
Grocott, PAS, PAMS, Reticulina e o Tricrô- componente primordial na investigação
mio de Masson, dentre outras. criminal. É realizada por um médico le-
A citopatologia pode ser esfoliati- gista, que se concentra em determinar a
va (citologia cérvico-vaginal e citolo- causa, o tempo e como ocorreu a mor-
gia anal), aspirativa (linfonodos, mama, te. Incluem-se ainda, as circunstâncias
tireoide e glândulas salivares), coleta que precederam e circundaram a mor-
de secreções e lavados (bronquio-al- te, além da inspeção e coleta de provas
veolares, peritoneais), análise de líqui- no local onde o cadáver foi encontrado.
dos eliminados naturalmente (urina) e Ao contrário do que a maioria das pes-
outras técnicas de avaliação citológica soas imagina, a necropsia tem diversas
de amostras retiradas cirurgicamente funções além de determinar a causa de
(“imprint” e “squash”). É competência do óbito. Dentre elas, contribuir para um
médico patologista a execução da pun- eficaz controle de qualidade de diag-
ção aspirativa por agulha fina (PAAF) de nóstico e tratamento; é utilizada como
órgãos superficiais. O exame citopato- fonte de informação para a Secretaria de
lógico, como qualquer procedimento Saúde, contribuindo para a elaboração

255
CAPITULO 25 Como Escolher a sua Residência Médica

de estatísticas precisas quanto às mortes diagnósticos, cirurgias e exames preven-


e doenças, o que influi diretamente nas tivos (mamografia), tem havido aumen-
políticas públicas de saúde do Estado e to da necessidade imediata de médicos
do Município; permite o conhecimento e patologistas no mercado. Biópsias, pe-
exercício de correlação clinico-patológi- ças cirúrgicas e necropsias diagnósti-
ca e aprimoramento técnico de médicos cas têm crescido em volume e não têm
residentes, alunos e professores; é deter- sido acompanhadas pelo aumento de
minante no reconhecimento de novas formandos em patologia. Há uma signi-
doenças e de novos padrões de lesão; e ficativa defasagem do valor pago pelos
constitui rica fonte de material para pes- planos de saúde para os procedimentos
quisa científica. realizados pelo patologista, mas acredi-
Para a realização de necropsias, seja tamos que haverá uma regulação pelo
no âmbito clínico ou médico-legal, es- mercado. Sendo o patologista funda-
tas deverão ser realizadas após a sexta mental para o diagnóstico e para o devi-
hora do óbito, salvo se os peritos, pelas do tratamento dos pacientes, a deman-
evidências dos sinais de morte, julgarem da crescerá ainda mais.
que possa ser feita antes desse prazo. O salário inicial é bastante variável e
equivale a R$ 2.100,00 a 10.000,00 (20h/
RELEVÂNCIA semana),11 dependendo da experiência,
da titulação e do regime de trabalho.
Relatórios anatomopatológicos com- As possibilidades de trabalho incluem
pletos e claros são um pilar fundamental laboratórios, hospitais dos mais variados
da assistência hospitalar, com repercus- portes e ainda a possibilidade íntima de
sões na qualidade dos cuidados presta- trabalho com ensino e pesquisa.
dos, nas demoras das decisões clínicas e Uma tendência que têm contribuído
no tempo de internamento. de certo modo para desvalorização do
A anatomia patológica interrelaciona- profissional é a terceirização dos serviços
-se com quase todas as outras especiali- de anatomia patológica, para grandes la-
dades médicas e cirúrgicas no estabeleci- boratórios. O que embora reduza custos
mento do diagnóstico e na identificação e otimize o trabalho, retira a proximidade
dos fatores prognósticos das doenças e do patologista com as equipes e reduz a
também na sua prevenção. qualidade da interação médico-pacien-
te-patologista, o que, em alguns casos,
MERCADO DE TRABALHO* pode ser fundamental para diagnósticos
e condutas mais adequadas.
Em função do crescente acesso da * (Tópico escrito pelo Dr. Caio Nunes)
população a serviços de saúde, mais

256
Patologia CAPITULO 25

A RESIDÊNCIA rúrgica e redigir laudo completo de


acordo com as normas técnicas pa-
Pela resolução do Conselho Federal dronizadas; examinar citologias de
de Medicina (CFRM) nº 1.973/2011 a líquidos corporais, ter noções de re-
residência médica exige formação com alização de punções aspirativas por
duração de 3 anos em uma instituição agulha fina (PAAF) de órgãos superfi-
credenciada na Comissão Nacional de ciais, aplicar as classificações aceitas
Residência Médica (CNRM). Exige uma e realizar com destreza, os diagnós-
carga horária de 60 horas semanais. ticos mais frequentes em citologia
Atualmente existem 43 instituições cérvico-vaginal; realizar e concluir
que oferecem a residência em anatomia necrópsias acadêmicas com exame
patológica no Brasil. O maior número de microscópico e correlação clínica no
vagas é centrado na região sudeste. período máximo de 60 dias, além de
A Sociedade Brasileira de Patologia proceder adequadamente nos casos
(SBP) estabelece metas ao final de cada de suspeitos de morte por causa ex-
ano de residência: terna e nas verificações de óbito;
• Ao final do primeiro ano, o médico • Ao final do terceiro ano, o médico
deverá estar apto a executar uma ne- deverá estar apto a: executar exame
crópsia em um período máximo de anatomo-patológico completo, ma-
quatro horas, sendo capaz de reco- croscopia e microscopia, dos casos
nhecer as principais alterações mor- mais elaborados de patologia cirúr-
fológicas e estabelecer a natureza gica, com utilização de métodos au-
do processo; executar exame anato- xiliares apropriados e redigir laudo
mo-patológico completo dos casos completo de acordo com as normas
comuns de patologia cirúrgica e de técnicas padronizadas; ter compe-
redigir o laudo completo de acordo tência diagnóstica para emissão de
com as normas técnicas padroniza- laudos citológicos dos exames de
das; realizar o exame cérvico-vaginal líquidos corporais, punções aspi-
de forma apropriada e redigir o lau- rativas e citologia cérvico-vaginal,
do completo; ter conhecimento das de acordo com as normas técnicas
doenças de notificação compulsória; padronizadas; realizar necrópsias
e ter noções dos procedimentos ope- completas com encerramento das
racionais adotados no laboratório de mesmas em tempo hábil, de casos
patologia; de morte natural e encaminhar ade-
• Ao final do segundo ano, o médico quadamente os casos de patologia
deverá estar apto a: executar exame forense; conhecer procedimentos
anatomo-patológico completo, ma- administrativos, gerenciais e técni-
croscopia e microscopia, dos casos cos de uma laboratório de patologia,
mais elaborados de patologia ci- com amplo conhecimento da legis-

257
CAPITULO 25 Como Escolher a sua Residência Médica

lação pertinente; e conhecer funda- seis anos, comprovado através de carta


mentos básicos de pesquisa em ana- do diretor da instituição em que se exe-
tomia patológica, sabendo relatar e cutou o treinamento, contemplando as
apresentar casos em reuniões cientí- áreas de necropsia, patologia cirúrgica e
ficas e em periódicos da área. citopatologia, associado à realização de
atividades científicas acreditadas pela
PROVA DE TÍTULO AMB, com pontuação mínima de 100
pontos, utilizando o sistema de pontua-
A SBP realiza todos os anos concurso ção divulgado no edital; possuir registro
para obtenção do título de especialis- definitivo no Conselho Regional de Me-
ta em patologia, reconhecido pela As- dicina (CRM); e curriculum vitae.
sociação Médica Brasileira (AMB). Para O exame consta de 3 provas: teórica,
submeter-se à prova de título é necessá- macroscopia e citopatologia, e patolo-
rio: diploma de médico; no mínimo três gia cirúrgica.
anos completos de residência médica O título de especialista ainda não é
em patologia, reconhecido pela CNRM obrigatório para o exercício da patolo-
ou ter completado estágio em patologia gia, porém é um atestado da capacita-
em serviço de patologia com residência ção do profissional, representando pon-
médica reconhecida pela CNRM, com to precioso no currículo profissional do
duração semelhante à residencia médi- especialista e defesa importante do pro-
ca (três anos), ou ter completado trei- fissional em casos de processos judiciais.
namento em Patologia, por no mínimo

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

O médico patologista é naturalmen- instituição que você trabalhe. Isso per-


te muito curioso. Há uma rotina diária mite ao patologista um planejamento
de estudo e aquisição de novos conhe- adequado de sua escala, sem precisar li-
cimentos. A medicina evolui muito rápi- dar diretamente com o estresse de uma
do e, a cada dia que passa, descobre-se emergência clínica ou cirúrgica.
uma doença nova. Essa busca incessan- Alguns pontuam como ponto nega-
te de conhecimento é, sem dúvida, uma tivo o fato de praticamente não haver
das coisas mais interessantes da espe- contato com o paciente. Esse contato é
cialidade. realmente mínimo, pois depende 100%
Outro ponto positivo é a possibilida- do paciente tomar a iniciativa de buscar
de de fazer o próprio horário. O volume esclarecimentos a respeito do seu diag-
da rotina varia de laboratório para labo- nóstico. Quando não, na maioria das
ratório. Os plantões podem existir (con- vezes, essas dúvidas são sanadas com o
gelação ou necropsia), a depender da próprio médico assistente.

258
Patologia CAPITULO 25

Além das questões relacionadas à e cura na maioria dos casos; e também


qualidade de vida, existem questões a determinação de margens cirúrgicas
práticas: são os patologistas os respon- em uma congelação, proporcionando
sáveis por determinar condutas e prover tranquilidade ao cirurgião de um pro-
o prognóstico de determinado pacien- cedimento bem feito, o que beneficiará
te, a partir do seu diagnóstico e esta- diretamente o paciente.
diamento anatomopatológico. Está sob Definitivamente, a patologia é uma
sua responsabilidade o diagnóstico pre- especialidade que vale a pena.
coce, permitindo tratamento adequado

SOBRE A AUTORA

Dra. Christiana de Freitas Vinhas é:

Médica pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP). Residente do


terceiro ano de anatomia patológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Me-
dicina da Universidade de São Paulo (HC-Fmusp).

REFERÊNCIAS

1. Site da Sociedade Brasileira de Patologia. Disponível em: <www.sbp.org.com.br>. Acesso em


Dezembro-2013.
2. Site da Associação Brasileira de Laboratórios de Anatomia Patológica e Citopatologia. Dispo-
nível em: <www.abralapac.org.br>. Acesso em: Dezembro-2013.
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2003.
4. Dinaldo de Lima Leite, Hélcio Luiz Miziara.Autópsia clínica e autópsia forense. Semelhanças
e divergências. Disponível emhttp://www.cpgls.ucg.br/ArquivosUpload/1/File/V%20MOS-
TRA%20DE%20PRODUO%20CIENTIFICA/SAUDE/45.pdf Acesso em 12 de março de 2014.
5. FINKBEINER, W. E., URSELL, P. C. & DAVIS, R. L. Autópsia em patologia Atlas e Texto. São Paulo:
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259
CAPITULO 25 Como Escolher a sua Residência Médica

8. ALCÂNTARA, H. R. Perícia médica judicial. Atualizadores Genival Veloso de França et al. Rio de
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9. Resolução CNE/CES nº 2, de 17 de maio de 2006. Disponível em: <http://www.abruc.org.br/
sites/500/516/00000364.doc>. Acesso em: 12 mar. 2014.
10. De Morgagni e Virchow: os percursos da anatomia patológica de Lisboa. Jorge Soares, Lisboa
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11. Bernardi, Fabíola Del Carlo. Os bastidores da medicina, nem sempre chegam tarde. Rev. Med.
(São Paulo). 2012;91(ed. esp.):66-7.

260
PEDIATRIA “

Dra. Juliana Barbosa de Pádua Pinheiro

As crianças não são adultos em miniatura.

Autor desconhecido

Q Quem vai ao pediatra, volta tranquilo.


O pediatra é o médico com a formação
dirigida para os cuidados da criança e do
adolescente, prestando assistência mé-
dica nos seus diversos aspectos, tanto
saúde mental. O aumento da prevalên-
cia de doenças crônicas em crianças tem
aumentado a necessidade de pediatras,
tanto nos cuidados primários, como pe-
diatras subespecialistas. Hábitos saudá-
preventivos quanto curativos. veis são a solução para a prevenção des-
Com a crescente conscientização de sas afecções e os hábitos são formados
que os problemas de saúde da criança na infância.
diferem daqueles do adulto e de que as Em 1998, o professor Fernando Fi-
respostas da criança às doenças e ao es- gueira, no Instituto de Medicina Integral
tresse são variáveis com a idade, essa es- Professor Fernando Figueira (Imip), em
pecialidade surgiu na segunda metade Recife (PE), lançou a primeira edição do
do século XIX, quando os altos índices de livro: Doenças do Adulto com Raízes na
mortalidade infantil tornaram necessária Infância, mostrando que as principais
maior resolutividade médica. causas de mortalidade do ser humano
No século XX, houve o advento de têm sua predisposição ou causa iniciada
agentes antibacterianos, antibióticos, na infância.
desinfetantes e vacinas, bem como uma Marques desenvolveu, no município
importante revolução na saúde infantil. de Paulínia (SP), entre 1974-1976, as pri-
Com a redução das doenças infectocon- meiras experiências com o Programa de
tagiosas, as doenças crônico-degenera- Atenção Materno-Infantil (Pami) com
tivas tornaram-se predominantes como equipe multiprofissional, ampliando o
causa de mortalidade no ser humano. atendimento com a introdução da no-
Aproximadamente 26,6% das crianças ção de risco de adoecer e morrer, com
têm uma doença crônica, como a asma, base na qual se concretizam as ações de
a obesidade, diabetes, transtornos da saúde com caráter explicativo e não au-
CAPITULO 26 Como Escolher a sua Residência Médica

toritário, transformando a atuação dos O trabalho do pediatra, além do


profissionais de saúde em instrumento cotidiano médico de aliviar, confortar
educativo. e curar, traz, em sua prática, uma pers-
Belizzi, em 1989, observou que inves- pectiva de esperança para a criança que
timentos aplicados no povo em educa- está se desenvolvendo na direção de vir
ção para a saúde têm o mais imediato re- a ser, estando o nível final desse desen-
torno. Freire, em 1991, percebeu que os volvimento estritamente ligado às con-
informes técnicos da Organização Mun- dições de vida e cuidados que receber.
dial da Saúde (OMS), na área da saúde
materno infantil, priorizam a educação. O ESPECIALISTA E A SUA ROTINA
A pediatria (então) ganhou também a
função de educação para a saúde ou es- A rotina do pediatra depende em
cola de pais. parte da sua subespecialidade, como,
por exemplo, o neonatologista que tra-
DEFINIÇÃO E CONCEITOS balha quase exclusivamente em regime
de plantão. No geral, o pediatra con-
A pediatria, do grego pais, paidos, centra suas atividades de forma ambu-
“criança”, e iatreia, “Medicina”, é a Medi- latorial, seja em consultório particular,
cina da criança. Puericultura vem do la- ambulatório geral e de especialidades
tim puer, “criança”, e cultura, “criação”. De (cardiopediatria, reumato, cardio, neu-
acordo com o Novo Dicionário Houaiss, rologia etc.). Há ainda grande demanda
puericultura é a ciência que reúne todas por plantões em prontos-socorros, UTI
as noções (fisiologia, higiene, sociolo- pediátrica e neonatal, salas de parto,
gia) suscetíveis a favorecer o desenvol- berçários. Vagas se distribuem ainda em
vimento físico e psíquico das crianças, diarista, em enfermarias, alojamentos
desde o período da gestação até a pu- conjuntos, em escolas e unidades bási-
berdade. cas de saúde.
Segundo a Comissão Mista de Es- Embora haja tendência à subespe-
pecialidades (CME), constituída por cialização, a depender do local onde
representantes da Associação Médica o pediatra trabalhe, e de qual fase sua
Brasileira (AMB), Conselho Federal de carreira se encontra, boa parte do seu
Medicina (CFM) e Comissão Nacional de tempo será consumida na rotina de pe-
Residência Médica (CNRM), juntamente diatria geral. Assim, são poucos aqueles
com a Sociedade Brasileira de Pediatria que trabalham exclusivamente como
(SBP), a pediatria é a especialidade mé- subespecialistas.
dica que tem como abrangência o aten-
dimento da criança (0 a 12 anos) e do
adolescente (12 a 18 anos).

262
Pediatria CAPITULO 26

MERCADO DE TRABALHO Os indicadores e dados básicos para


a saúde – IDB (www.datasus.gov.br/idb)
São 53 as especialidades médicas e e a Pesquisa Nacional por Amostragem
53 áreas de atuação reconhecidas no de Domicílio – PNAD (www.ibge.gov.
Brasil. A Pediatria é a área que possui o br) mostram que nascem mais de 18
maior número de especialistas, sendo crianças por 1000 habitantes por ano
30.112 titulados, ou seja, 11,23% do to- e, apesar da taxa de fecundidade estar
tal de especialistas, conforme a Pesquisa em 1,95 filhos por mulher, a natalidade é
Demográfica Médica de 2013. perversa com as mulheres de menos de
No entanto, estes especialistas estão 7 anos de escola, tendo mais de 3,07 fi-
concentrados principalmente nas re- lhos por mulher, e as com mais de 7 anos
giões sul e sudeste do Brasil. Segundo de escolaridade, com 1,69 filhos por mu-
pesquisa realizada pelo Núcleo de Edu- lher, com o agravante de as mulheres
cação em Saúde Coletiva da Universi- com menos escolaridade terem os filhos
dade Federal de Minas Gerais, em 2009, com menos idade, menos acesso a pla-
no Sudeste são 16,2 pediatras para cada nejamento familiar e pré-natal, inicia-
100 mil habitantes. Este valor é discre- rem pré-natal mais tardiamente, terem
pante, inclusive, dos apresentados pelas péssima assistência ao parto e nutrição
regiões sul e Centro-Oeste, respectiva- e educação deficiente.
mente, 9,8 e 10,8. O Norte e o Nordeste No Brasil, as estatísticas do Sistema
apresentam valores baixos, comparati- Único de Saúde (SUS) mostram que os
vamente a todas as regiões, respectiva- brasileiros fazem 2,5 consultas SUS por
mente, 6,1 e 5,6. ano, por habitante, sendo que, na faixa
etária pediátrica, chega a dez consultas
DEMANDA POR PEDIATRAS por criança por ano. Teríamos necessida-
de de 630 milhões de consultas por ano.
O Brasil é um país jovem, mais de Se as consultas demorassem uma hora
30% da população brasileira, ou 63 mi- um pediatra só deveria atender no máxi-
lhões de brasileiros, têm entre zero e mo oito consultas por dia, 160 consultas
19 anos (Censo Demográfico do IBGE por mês e 1760 consultas por ano, ten-
de 2010). O pediatra está presente na do em vista necessidade de um mês de
vida de crianças e adolescentes, do férias. Temos uma demanda de 357.954
aleitamento materno às imunizações, pediatras. Quanto maior a demanda,
acompanhando e contribuindo para o maior os preços dos serviços se vivêsse-
crescimento e desenvolvimento saudá- mos em um país com lei de mercado e
veis desta população. É o pediatra quem com justo acesso de todos ao direito à
atua na prevenção e no tratamento de saúde. E isso tudo contando as interna-
diversas doenças que podem acometer ções hospitalares.
a criança e o adolescente.

263
CAPITULO 26 Como Escolher a sua Residência Médica

No entanto, de 1999 a 2009, houve A RESIDÊNCIA


uma redução na procura da pediatria
pelos formandos em Medicina, possi- O pediatra é o médico com formação
velmente relacionada à remuneração dirigida exclusivamente para os cuida-
dos profissionais, visto que, por ser es- dos do recém-nascido, da criança e do
sencialmente uma especialidade clínica, adolescente, com uma formação que
não existem procedimentos que acres- compreende no mínimo dois anos de
centem remuneração ao atendimento residência médica ou curso de especiali-
pediátrico. A carência por pediatras é zação equivalente à pós-graduação, en-
tamanha, que médicos sem especializa- tretanto, somente os profissionais que
ção e especialistas em outras áreas che- concluíram curso de residência médica
gam a cobrir os plantões de pediatria conseguem a inscrição da especialidade
na assistência médica ambulatorial de junto ao registro do CRM.
grandes capitais. Em 2013, a proposta de ampliação
Em 2007, na ocasião de um even- do conteúdo e do tempo de treinamen-
to que reuniu em Brasília, secretários to em serviço para três anos, foi apro-
de saúde de estados e municípios, foi vada pela plenária da CNRM. A nova
realizada uma enquete para conhecer formação na especialidade se tornará
a opinião dos gestores sobre as princi- compatível com a proposta elaborada
pais dificuldades para recrutamento de pelo Global Pediatric Education Consor-
especialidades médicas e a pediatria foi tium (GPEC) - aliança formada por quase
uma das três especialidades que rece- 50 entidades de vários países, entre as
beu mais de 25% de indicação como es- quais a SBP. No entanto, esta ampliação
pecialidade em que encontravam muita do período de residência médica ainda
dificuldade para contratação. não foi adotada em 2014.
O programa de residência em pedia-
REMUNERAÇÃO DO PEDIATRA – tria prevê 60 horas de jornada de traba-
RECONHECIMENTOS E GRATIDÕES lho semanal, sendo 40 horas de ativida-
des rotineiras e 20 horas de plantão. A
A remuneração do pediatra tem programação é composta por 10-20%
melhorado e é bastante variável de re- da carga horária com conteúdo teórico
gião para região. Existem plantões de e 80-90% da carga horária com conteú-
12 horas que pagam de R$ 670,00 a R$ do prático.
1.200,00 em serviços de pronto-atendi- Os residentes são divididos para
mento e de emergência, lidando com treinamento em sistema de rodízio nos
estresse, aflições das famílias e a respon- serviços de neonatologia – berçário e
sabilidade quanto à saúde de uma crian- alojamento conjunto; centro obstétri-
ça. Porém, é extremamente gratificante co; ambulatórios de puericultura; en-
observar a melhora das crianças. fermaria de pediatria; ambulatórios de

264
Pediatria CAPITULO 26

especialidades; serviços de urgência e ÁREAS DE ATUAÇÃO


pronto atendimento; unidade de terapia
Intensiva. Para atuar em áreas específicas da
Ao final do treinamento, espera-se pediatria é necessário além da formação
que o médico torne-se apto a valori- inicial, treinamento e estudos em servi-
zar o aleitamento materno e o vínculo ços especializados por um período que
mãe-filho para o crescimento e desen- vai de um a três anos.
volvimento das crianças; reconhecer a Conforme o interesse em determina-
importância do Programa Nacional de dos grupos etários, em sistemas orgâni-
Imunizações na prevenção de doenças cos específicos ou no modo de assistên-
da infância e adolescência; reconhecer cia à saúde (se ambulatorial, emergência
as doenças mais frequentes na infância ou cuidados intensivos), os pediatras se
e saber distinguir sua gravidade para in- subespecializam.
dicar o nível de complexidade adequa- O CFM reconhece as seguintes áreas
do para o seu tratamento; compor um de atuação em Pediatria, conforme a Re-
raciocínio clínico e uma programação solução CFM Nº 1.973/2011:
terapêutica e de orientação para as do-
enças mais prevalentes no recém-nasci- Alergia e imunologia pediátrica
do, na criança e no adolescente, ter co- Cardiologia pediátrica
nhecimentos para a utilização racional Endocrinologia pediátrica
dos métodos laboratoriais e de imagem Gastroenterologia pediátrica
para diagnóstico e acompanhamento de
Hematologia e hemoterapia pediátrica
tratamento; reconhecer as causas mais
Infectologia pediátrica
comuns de acidentes na infância e a sua
prevenção; compreender a importância Medicina do adolescente
da prevenção na infância das doenças Medicina intensiva pediátrica
prevalentes no adulto. Nefrologia pediátrica
E não termina por aí. Após a residên- Neonatologia
cia de pediatria geral, pode-se optar por Neurologia pediátrica
realizar a subespecialização. Além disso, Nutrologia pediátrica
a quantidade de informações relevantes
Pneumologia pediátrica
para a saúde da criança aumenta rapida-
Reumatologia pediátrica
mente, e ninguém pode considerar do-
miná-las completamente. Por isso, torna-
-se necessária a educação continuada.

265
CAPITULO 26 Como Escolher a sua Residência Médica

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

O pediatra como figura de confiança seus pacientes no contexto familiar,


do paciente, de sua família, da socieda- tratando não apenas da doença, mas,
de, é essencial tanto ao sistema de saú- sobretudo, do doente, e atuando na
de quanto à população, pois é ele que prevenção de doenças e na promoção
ouve, discute, aconselha e acompanha da saúde.

SOBRE A AUTORA

Dra. Juliana Barbosa de Pádua Pinheiro é:

Médica pela Universidade Federal do Maranhão (Ufma), pediatra pelo Hospital Mu-
nicipal Infantil Menino Jesus e está atualmente realizando especialização em neu-
rologia infantil pela Universidade de São Paulo (USP).

REFERÊNCIAS

1. Alves, JGB, Figueira, F. Doenças do Adulto com Raízes na Infância. Editora Científica - ME-
DBOOK, 2010.
2. Barker DJ, Osmond C, Law CM: The intrauterine and early postnatal origins of cardiovascular
disease and chronic. Lancet 1986 may 10; 1 (8489) 1077-1081.
3. Barker DJ, Osmond C, Infant mortality, nutrition, and ischaemic heart disease in England and
Wales. Lancet 1986 may 10; 1 (8489).
4. Zanolli ML, Merhy EE, A Pediatria Social e as suas apostas reformistas. Cad. Saúde Pública
vol.17 n.4 Rio de janeiro July/aug. 2001.
5. Marques, MB. Análise das Limitações e Possibilidades de Atuação em um Serviço de Puericul-
tura. Tese de Doutorado, Campinas: Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de
Campinas.
6. Marques, NA, 1986. Conceitos e Objetivos da Pediatria Social. In Pediatria Social: Teoria e Prá-
tica (A.N.Marques.org), pp1-9, Rio de janeiro: Cultura Médica LTDA.
7. Freire, MML, 1991. Vidas Desperdiçadas: A Puericultura no Discurso da OMS. Dissertação de
Mestrado. Rio de Janeiro: Instituto Fernandes Figueira, Fundação Osvaldo Cruz.
8. Bellizzi, D, 1989. Pediatria Social. Clínica Pediátrica, 13:3-6.
9. Gusson, ACT; Lopes, JC. Pediatria no século 21: uma especialidade em perigo. Rev Paul Pediatr,
2010; 28 (1): 115-20.
10. Demografia Médica no Brasil, v. 2 / Coordenação de Mário Scheffer; Equipe de pesquisa: Alex
Cassenote, Aureliano Biancarelli. – São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de
São Paulo: Conselho Federal de Medicina, 2013.

266
PSIQUIATRIA “

Dr. Caio Magno Matos de Almeida
A mente doente pode devorar a carne do corpo
mais do que a febre ou a inanição.

Guy de Maupassant

A A história da psiquiatria se confunde


com a própria história da medicina. Até
o desenvolvimento da cultura grega, as
doenças, em geral, eram consideradas
como resultado de influências sobrena-
organicista para correr em paralelo ao
longo do século XX, disputando com os
psicanalistas a explicação dos transtor-
nos mentais.
É de extrema importância a des-
turais, sendo os sacerdotes os responsá- coberta dos efeitos da convulsão em
veis por lidar com os doentes. pacientes esquizofrênicos por Ladislau
Hipócrates dá um passo importante Von Meduna, embasando o uso da ele-
ao classificar algumas apresentações de troconvulsoterapia, para fins terapêuti-
sintomas em melancolia, mania ou freni- cos, em 1938.
te. Considerava que o comportamento E, certamente, com o uso do lítio
dos indivíduos dependia do equilíbrio na década de 40 e a clorpromazina na
entre quatro tipos de humores (sanguí- década de 50, foi que a psiquiatria deu
neo, melancólico, fleumático e colérico). uma guinada no desenvolvimento da
Durante a Idade Média, as doenças psicofarmacologia. Nos últimos 60 anos,
mentais foram explicadas como pos- houve desenvolvimento de várias clas-
sessão de espíritos malignos e métodos ses de medicações, permitindo melhor
como o exorcismo eram comuns. Já no abordagem das doenças mentais.
século XVI, Thomas Sydenham descre- Os anos 90 ficaram conhecidos como
veu a coreia aguda, mania e histeria. a década do cérebro. A popularização
Outros, como Freud, contribuíram com dos exames de imagem funcionais per-
seus estudos sobre as neuroses, esta- mitu importante avanço no conheci-
belecendo a importância dos processos mento da fisiopatologia e farmacologia
psíquicos nos sintomas dos pacientes. dos transtornos mentais. Novos estudos
A descoberta do agente causador da dos últimos anos estão buscando traçar
neurossífilis trouxe uma corrente mais o perfil farmacogenômico dos pacien-
CAPITULO 27 Como Escolher a sua Residência Médica

tes. O entendimento do metabolismo de O aprendizado e habilidades da área


modo individualizado permitirá identifi- seguem o modelo médico, em que o
car qual medicamento é mais indicado profissional realiza uma anamnese, in-
para cada paciente. cluindo exame físico e neurológico, po-
dendo ser necessário solicitar exames
QUEM É E O QUE FAZ complementares em alguns casos. O
O PSIQUIATRA? diferencial e o que realmente marca o
método diagnóstico da área é o exame
O psiquiatra é o profissional capa- do estado mental ou exame psíquico.
citado para trabalhar com as diversas O especialista, através da entrevista
doenças mentais. Há certa confusão de psiquiátrica, avalia as diversas funções
nomenclatura, até na área médica. A psíquicas (atitude, humor, pensamento,
psicanálise, que tem como pai Sigmund sensopercepção, volição etc.) a fim de
Freud, foi um modelo criado para tratar encontrar as alterações compatíveis com
à época casos de histeria. A técnica é um os transtornos específicos. Portanto se o
tipo de psicoterapia que, durante boa estudante de medicina, durante sua gra-
parte do século passado, foi ferramenta duação, se interessou pelos métodos de
muito utilizada para tratar os doentes. avaliação que a psiquiatria utiliza, é um
É bem verdade que, muitos psiquia- passo para ingressar na especialidade.
tras acabam fazendo uma formação em É importante que se tenha em men-
psicoterapia, sendo a psicanálise uma te que a psiquiatria, bem como a maior
opção para muitos, contudo são áreas parte das especialidades médicas, ape-
bem distintas. O psiquiatra, tendo ou sar de auxiliar bastante os pacientes,
não alguma formação em psicoterapia, não trabalha com o conceito de cura. Se
basicamente lida com o diagnóstico, você que está fazendo sua graduação
tratamento e reabilitação de pacientes em medicina, deseja ser resolutivo, deve
com transtornos mentais. refletir um pouco sobre esta questão.
É curioso que ainda nos dias de hoje, Apesar de não sê-lo, o psiquiatra inter-
exista uma visão negativa do profissio- vém com muito sucesso nos transtornos
nal de saúde mental, muitas vezes tido mentais, conseguindo melhora da qua-
como diferente, estranho ou médico de lidade de vida e redução de morbidade.
loucos. Outros imaginam o psiquiatra A relação médico-paciente é algo
como uma pessoa capaz de ler o com- intrínseco à psiquiatria, se não é o que
portamento alheio, conhecedor dos as- mais a define. Ao se trabalhar com pes-
pectos íntimos das pessoas. O profissio- soas em sofrimento por diversas causas,
nal nada mais é que uma pessoa como há que se considerar que o objetivo é
qualquer outra, que tão somente traba- construir uma boa aliança terapêutica
lha com doenças mentais. com o intuito de promover saúde. Um

268
Psiquiatria CAPITULO 27

bom psiquiatra, além de conhecimento de depressão e transtornos de ansie-


e técnica, necessita de paciência e uma dade. Ficando as psicoses, como esqui-
postura empática, a fim de trabalhar zofrenia, os transtornos alimentares,
a construção do vínculo. Para tanto, o transtorno obsessivo-compulsivo, trans-
profissional deve se mostrar disponível, torno bipolar, quadros de dependência
seja através de telefone pessoal ou por de substâncias com uma parcela menor
meio do próprio serviço em que atua. da prática diária. É evidente que, a de-
Lembremos que o profissional lida com pender do ambiente terapêutico e grau
pessoas em sofrimento e com comple- de complexidade dos serviços, há uma
xas demandas emocionais. mudança no perfil de pacientes. E, de tal
Não é por menos, que se recomen- forma, os serviços especializados como
da nas principais escolas, ingresso em os universitários e os Centros de Aten-
uma psicoterapia. O paciente, ao trazer ção Psicossociais (Caps) atendem pa-
suas questões, certamente mexe com os cientes com maior gravidade, diferente
conteúdos do próprio psiquiatra (trans- da prática habitual do consultório.
ferência e contratransferência) e assim é Um bom profissional, além das qua-
preferível que tais sentimentos e sensa- lidades já discutidas acima, deve ter
ções sejam trabalhados na psicoterapia disposição para trabalhar em equipe.
individual do médico. Os transtornos mentais têm apresenta-
O trabalho na psiquiatria costuma ção complexa com vários aspectos para
ser em grande parte ambulatorial. O serem trabalhados. De tal modo, a par-
médico pode atender em consultório ticipação de outros profissionais, como
particular, por convênios ou em am- psicólogos, terapeutas ocupacionais,
bulatórios da rede pública, como as acompanhantes terapêuticos, psico-
unidades básicas de saúde ou ambula- pedagogos, fonoaudiólogos, assisten-
tórios médicos especializados. Existem tes sociais e enfermeiros, certamente
também oportunidades em hospitais é fundamental. O modelo atualmente
(gerais e psiquiátricos), urgências psi- de tratamento é multiprofissional e os
quiátricas e enfermarias especializadas. investimentos públicos em saúde men-
Outra modalidade é a interconsulta psi- tal, principalmente nos Caps, trabalham
quiátrica. Neste caso, o especialista faz com esse pensamento. Portanto, se o
uma avaliação e trabalha em conjunto estudante gosta de trabalhar em equipe
com as diversas especialidades médicas, e participar de discussões de casos em
em casos em que haja uma interface que será parte de um trabalho maior e
com a doença mental. mais complexo, terá vários desafios nes-
Os principais transtornos psiquiátri- ta especialidade.
cos tratados pelo especialista em um
consultório geral, costumam ser casos

269
CAPITULO 27 Como Escolher a sua Residência Médica

A RESIDÊNCIA na entrevista, ao demonstrar o interesse


pela instituição.
O programa das residências em psi- Dentre a carga horária de atividades
quiatria tem muitas diferenças. As dire- teóricas, cada residência tem suas espe-
trizes e exigências mínimas constam no cificidades. É importante que existam
portal do Ministério da Educação (MEC) cursos que abarquem os temas de psi-
e foram construídas em parceria com copatologia; psicofarmacologia; psico-
a Associação Brasileira de Psiquiatria terapias; infância e adolescência; psico-
(ABP). geriatria; bem como atividades teóricas
A carga horária costuma ser de 60 que envolvam os estágios específicos.
horas semanais como em outras espe- A residência em psiquiatria, em ge-
cialidades, respeitando-se a exigência ral, costuma ter uma carga de trabalho
de que seja preenchida com 80-90% por menor que em outras especialidades
atividades práticas. médicas. Apesar disso, existe uma de-
Nos dois primeiros anos, em geral, manda qualitativa maior, pois o profis-
o residente passa em serviços que en- sional lida no dia a dia com o sofrimento
volvem urgência psiquiátrica, enferma- psíquico na forma de transtornos men-
ria, neurologia, CAPS ou hospital-dia, tais.
interconsulta psiquiátrica, ambulatório
geral e alguns específicos. Do segundo SUBESPECIALIDADADES
para o terceiro ano, a depender da dis-
ponibilidade, costumam predominar os A Associação Brasileira de Psiquia-
ambulatórios direcionados para grupos tria (ABP) reconhece atualmente cinco
de transtornos mentais (transtornos de especialidades: psiquiatria da infância
humor; esquizofrenia; infância e adoles- e adolescência, psicogeriatria, psiquia-
cência; psicogeriatria; psiquiatria foren- tria forense, psicoterapia e medicina do
se; transtornos alimentares; transtorno sono. Os cursos costumam ter duração
de estresse pós-traumático; transtorno de um ano, sendo necessário prestar
obsessivo compulsivo etc.). nova prova.
É interessante que o postulante bus- Existem, no entanto, outras áreas
que conhecer os programas das respec- de atuação não reconhecidas como su-
tivas instituições onde almeja prestar bespecialidades, como: dependência
prova, a fim de avaliar sua qualidade. de substâncias, transtornos alimenta-
Existe a possibilidade de solicitar está- res, sexualidade, transtornos afetivos,
gio em psiquiatria nos serviços alme- transtornos de personalidade, entre
jados. Conhecer o serviço é uma boa outras. Muitos residentes que acabam
oportunidade para embasar melhor a se interessando por tais temas, se inse-
escolha e, certamente, auxilia durante rem EM um programa de pós-gradua-
o concurso da residência, em especial

270
Psiquiatria CAPITULO 27

ção como mestrado/doutorado ou em seu tempo no setor público e desenvol-


programas de especializações de cen- ver seu consultório particular. Existem
tros de renome. ainda oportunidades de plantões em
urgências psiquiátricas, no entanto, a re-
MERCADO DE TRABALHO E muneração costuma ser menor que em
QUALIDADE DE VIDA outras especialidades clínicas.
Muitos psiquiatras que têm gosto
No Brasil, segundo o último levan- pela área de psicoterapias acabam fa-
tamento realizado em 2005, existem zendo formação em técnicas específicas,
em torno de 6.000 psiquiatras, uma como psicanálise, terapia cognitivo-
taxa de 3.26 por 100.000 habitantes. É -comportamental ou terapia interpes-
um número bem inferior ao encontra- soal. A abrangência de possibilidades de
do em países com elevada renda, onde trabalho em settings distintos é um cha-
costuma haver 1 psiquiatra para cada mariz para quem deseja prestar prova
10.000 habitantes. Existe ainda uma dis- para esta área.
paridade em relação à alocação desses Na psiquiatria, geralmente, há uma
profissionais com grande concentração boa qualidade de vida. O trabalho em
nos grandes centros urbanos e estados sua maior parte é ambulatorial, ficando
do sul e sudeste. O mercado de traba- os plantões geralmente com participa-
lho é amplo com muitas oportunida- ção na fase inicial da carreira do profis-
des de trabalho, seja no setor público, sional. Existe, entretanto, uma particu-
em instituições privadas ou através do laridade e certamente quem deseja ser
consultório particular. Existe ainda uma um psiquiatra deve estar ciente de que
demanda grande por profissionais, de- terá que disponibilizar tempo para seus
vido a ampliação do número de Caps, pacientes, estando disponível para con-
estando muitos destes sem psiquiatra. A tato, em muitas ocasiões também fora
remuneração é variável e, geralmente, o do horário de trabalho.
especialista costuma trabalhar parte de

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

A psiquiatria avançou muito nas últi- das diversas técnicas em psicoterapias.


mas décadas e continua se desenvolven- Atuar como psiquiatra certamente será
do a passos largos. É gratificante poder recompensador para os que se interes-
estar imerso em um mundo de possibi- sam por um olhar médico diferenciado,
lidades de atuação, seja como alguém em que o vínculo com o paciente é par-
responsável por diagnosticar e pres- te essencial do tratamento.
crever, seja em outros campos, como o

271
CAPITULO 27 Como Escolher a sua Residência Médica

SOBRE O AUTOR

Dr. Caio Magno Matos de Almeida é:

Médico pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), psiquiatra pela Universidade


Federal de São Paulo (Unifesp), é especialista em dependência química pela Unida-
de de Pesquisas em Álcool e Drogas (Uniad/Unifesp), e pós-graduando em saúde
mental pelo departamento de psiquiatria da Unifesp.

REFERÊNCIAS

1. Associação Brasileira de Psiquiatria. Disponível em: <http://www.abp.org.br/portal/>. Acesso


em: 20 dez. 2013.
2. American Psychiatric Association. Disponível em: <http://www.psych.org/>. Acesso em 20
dez. 2013.
3. Marques Fidalgo, T. et al. Manual de Psiquiatria da UNIFESP, 1ª Ed. Ed. ROCA. 2011.
4. Black, D.M. et al. Introdução à Psiquiatria, 4a Ed. Ed. Artmed. 2009.
5. http://www.abp.org.br/residencia/programa_residencia.pdf.
6. Fernandes RL, Citero VA, Nogueira-Martins LA, et al (2013) Psychiatry career in Brazil: regional
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chiatry, 25: 486–92.
7. World Health Organization (2012b) World Health Statistics 2012. WHO.

272
RADIOLOGIA E
DIAGNÓSTICO POR IMAGEM “

Dr. Caio Nunes
Os olhos podem enganar, o sorriso pode mentir,
mas as tomografias sempre dizem a verdade.

Greg House M.D.

A A história do diagnóstico por ima-


gem é uma das mais fantásticas aventu-
ras pelo conhecimento biomédico. No
dia 28 de dezembro de 1895, Wilhelm
Conrad Röntgen, considerado o pai da
que permitissem enxergar as estruturas
anatômicas do corpo humano, sem que
fosse necessária a incisão e dissecção da
pele e tecidos.
Foi no século passado que se deram
radiologia, apresentava à comunidade os enormes saltos tecnológicos na área
científica de Würzburg, na Alemanha o da imaginologia médica. Os raios-x fo-
famoso artigo intitulado: “Um novo tipo ram aprimorados e associados aos diver-
de raios”, falando sobre seus trabalhos sos meios de contraste – orais, venosos,
com tubos catódicos (de Crookes) que endocavitários – trazendo, desta forma,
emitiam um novo tipo de radiação en- novas informações anatômicas e fisioló-
tão desconhecida, capaz de atravessar gicas dos diversos sistemas corporais.
estruturas sólidas, a qual denominou Adaptados dos sonares usados em
raios-x1. Enviou aos seus colegas a mais navios de guerra, na década de 50 do
famosa radiografia de que se tem notí- século passado, surgiram os primeiros
cia. O retrato da mão da sua esposa Ber- aparelhos de ultrassonografia3. Os es-
tha foi a primeira evidência de que era tudos pioneiros de grandes pesquisa-
possível “ver” o corpo humano por den- dores como Hertz e Doppler, tornaram
tro e configurou-se em uma das maiores a ultrassonografia uma poderosa ferra-
descobertas da medicina moderna2. menta diagnóstica. A medicina fetal, a
Surgiu, desde então, uma busca co- ginecologia, a oftalmologia e a cardiolo-
letiva, quase que obsessiva, da comu- gia entraram em uma nova era de diag-
nidade médico-científica por métodos nósticos. O advento da nanotecnologia
CAPITULO 28 Como Escolher a sua Residência Médica

permitiu o desenvolvimento de apare- em tempo real com desenvolvimento da


lhos cada vez menores e mais podero- ressonância magnética funcional atra-
sos, permitindo, inclusive, sua conexão vés da qual é praticamente possível “ler”
em computadores e smartfones. os pensamentos.
Já em 1968 em parceria com a EMI Por fim, a tecnologia tem permitido
Corporation (a mesma que gravava os a fusão de métodos radiológicos com
discos dos Beatles), Sir Godfrey Houns- métodos da medicina nuclear. A junção
field, fazia seus primeiros experimentos da tomografia computadorizada com
em protótipos do que viria a se tornar a tomografia por emissão de pósitrons
os tomógrafos modernos. Angulando criou o PET-CT, ou mesmo a sua junção
ampolas de raios-x em torno de obje- com a ressonância magnética criando o
tos, conseguia obter dados que uma PET-RM, trazendo uma nova fronteira de
vez processados geravam imagens bi- conhecimento para a radiologia.
dimensionais de “fatias” destes objetos Toda essa “revolução” dos métodos de
analisados. Em “apenas” nove dias de imagem tornou a radiologia uma espe-
exame, com mais três horas de proces- cialidade muito ampla e com aplicações
samento no computador, Sir. Hounsfield em todas as demais áreas da medicina. A
conseguia processar uma imagem do correlação entre a clínica, a patologia, os
crânio. achados laboratoriais e as informações
A imagenologia médica ainda se be- morfológicas, texturais e fisiológicas que
neficiou da adaptação do fenômeno de os diversos métodos radiológicos po-
ressonância magnética, já utilizado des- dem fornecer tornaram muito mais pre-
de o início do século passado em estu- cisos os diagnósticos médicos.
dos químicos e físicos. Em 1975, Richard
Robert Ernst e colaboradores, utilizando O ESPECIALISTA E A SUA ROTINA
magnetos fortes, propuseram realizar
uma codificação completa do sinal de O radiologista é um profissional, que
radiofrequência utilizando as técnicas embora esteja “atrás das câmeras”, inte-
matemáticas de Fourier. Poucos anos rage de forma muito direta com o pro-
depois, muitos outros trabalhos pionei- cesso diagnóstico. Pode-se até dizer que
ros mostraram na prática a viabilidade boa parte do que antigamente era feito
desta técnica para obter imagens anatô- com exame físico e estetoscópio é hoje
micas com grande poder de contraste. trabalho dos métodos de diagnóstico
A ressonância magnética, atualmente, por imagem. Em unidades de terapia in-
permite técnicas incríveis que podem tensiva, já se usa a ultrassonografia à bei-
mostrar além da anatomia, a composi- ra do leito como parte do exame clínico
ção química e comportamento fisioló- do paciente.
gico de tecidos normais e patológicos, e De certo modo, o radiologista traba-
mesmo mapear áreas cerebrais ativadas lha como um “consultor de diagnóstico”

274
Radiologia e Diagnóstico por Imagem CAPITULO 28

que interpreta achados na imagem e com a ultrassonografia. Em síntese,


suas correlações clinico-patológico-la- basta dizer que o processo diagnóstico
boratorial. Interpreta o conjunto das atual não anda mais sem os exames de
pistas para um diagnóstico diferencial imagem.
cada vez mais acurado. Desempenhar O trabalho diário do médico radiolo-
tal tarefa exige conhecer bem todas as gista inclui: realizar, de forma direta, as
áreas da medicina, entender de clínica, ultrassonografias e os exames contrasta-
cirurgia, ginecologia/obstetrícia, pedia- dos, analisar radiografias, orientar a exe-
tria e patologia. Embora, para alguns, a cução e emitir laudos de tomografias,
imagem seja apenas mais alguns dados bem como de exames de ressonância
perdidos no meio de uma investigação magnética. O radiologista também atua
diagnóstica, para o bom radiologista, em equipe interagindo com os técnicos,
a junção das peças do quebra-cabeça tecnólogos e biomédicos, orientando
torna possível valorizar os achados de protocolos dos exames e indicação do
imagem que correspondem à doença uso dos meios de contraste. Por fim, e
do paciente e saber quais achados são não menos importante, é tarefa deste
menos relevantes em determinado con- profissional, discutir os casos e diagnós-
texto. Sintetizar a informação para dire- ticos mais prováveis com os colegas clí-
cionar a conduta do médico assistente é nicos, cirurgiões, obstetras que assistem
o principal objetivo. aos pacientes, auxiliando no processo do
Inúmeros são os exemplos que po- diagnóstico e sugerindo o melhor méto-
dem mudar totalmente a vida de um do de imagem a ser aplicado.
paciente em função dos exames de Quem gosta da radiologia, deve gos-
imagem: um pequeno câncer pulmonar tar do desafio da investigação. Acredite
detectado em estágio inicial em uma to- que, se atento aos detalhes, pode-se
mografia, uma variação anatômica que contar a história de um paciente com
pode mudar um acesso cirúrgico, doen- base em uma simples radiografia de
ças metabólicas cerebrais que podem tórax! Deve ser o médico que gosta de
ser descobertas e acompanhadas por descobrir e seguir pistas de forma me-
exames de ressonância, extensão e es- ticulosa e sistemática. Tem que gostar
tadiamento dos cânceres mais diversos, de diagnóstico diferencial, de pensar
prevenção e detecção precoce do câncer em diversas hipóteses possíveis em um
de mama etc. contexto clínico qualquer. Deve ser afei-
É comum, hoje, o cirurgião somente to pela tecnologia, pelas bases físicas
operar após uma discussão diagnóstica dos métodos e pela mudança rápida do
com o radiologista. O oncologista guia conhecimento. O radiologista ainda tem
a resposta terapêutica com exames de que estar sempre solícito a interagir com
imagem, o obstetra acompanha o cres- as demais especialidades e colegas.
cimento fetal e eventuais complicações

275
CAPITULO 28 Como Escolher a sua Residência Médica

A radiologia por ser uma especialida- vezes, questionar parte das informações
de de apoio diagnóstico, tendo na sua dadas.
prática pouca relação médico-paciente.
Esta, quando existe, não passa de um con- MERCADO DE TRABALHO
tato mais breve geralmente relacionado
ao exame em questão (principalmente O mercado de trabalho do radiolo-
ultrassonografia). Não espere muito gla- gista é muito amplo e em expansão. O
mour ou reconhecimento na especiali- barateamento da tecnologia tem leva-
dade, já que se trabalha nos bastidores. do aparelhos modernos para todos os
Não é infrequente que te perguntem se cantos do país. Por uma série de razões
você é “o cara do raio-x”. Boa parte dos a era do exame complementar veio para
pacientes e dos seus conhecidos leigos ficar. Se, por um lado, há mais qualidade
não vão fazer muita ideia do que você faz no atendimento dos paciente e maior
e ainda vão perguntar: como assim? Pre- precisão diagnóstica; por outro lado,
cisa ser médico para fazer isso? Mas não há uma pressão inclusive por parte dos
se importe com nada disso. Ao optar por paciente para solicitação de exames de
radiologia, sua satisfação profissional imagem (muitas vezes desnecessários).
virá dos casos que você apontar novos Os próprios colegas médicos solicitam
diferenciais não pensados, que você co- exames por medo dos processos, e há
nhecer um sinal clássico ou patognomô- também aqueles exames solicitados
nico de uma doença, da sua percepção como pré-requisito para o convênio de
de que você contribui de forma decisiva saúde liberar internações, cirurgias, pró-
no processo diagnóstico. teses.
Enquanto o reconhecimento por par- A grande maioria dos serviços de ra-
te dos pacientes é pequeno, a maioria diologia hoje, no Brasil é dominada por
dos colegas médicos terão grande apre- grandes companhias e se tornou ne-
ço pela sua opinião. Os colegas têm re- gócio lucrativo de gente grande. Nesse
conhecido cada vez mais a importância cenário, o médico radiologista perdeu
do bom radiologista. É com eles que o parte da sua autonomia e ficou meio
radiologista irá construir sua relação de acuado entre os laboratórios de ima-
confiança, para que, com base nos seus gem e os planos de saúde. A grande
laudos, se opte por decidir as condutas. parte das ofertas de trabalho funciona
Sendo assim, esqueça a ideia do radiolo- em cima da produtividade gerando uma
gista como um “ser isolado” e antissocial pressão para que se faça e se analise os
em uma sala escura vendo exames. Há exames em tempo cada vez menor. Bem
que se desenvolver uma boa habilidade como, na grande parte da carreira médi-
de comunicação e relacionamento inter- ca, são raros os empregos com direitos
pessoal, já que os colegas virão até você trabalhistas. Por sua vez, a maior parte
para perguntar sobre os exames e, por dos radiologistas ainda consegue traba-

276
Radiologia e Diagnóstico por Imagem CAPITULO 28

lho fácil, principalmente nas áreas mais ou no qual esse profissional não domi-
carentes de profissionais e com alta de- na determinado método. Hoje se tem
manda, como a ultrassonografia. empresas sediadas em grandes centros
No geral, leva-se uma boa qualidade urbanos que trabalham com clínicas e
de vida na radiologia. Profissionais já hospitais de todo o país. Essa nova rea-
estabelecidos no mercado conseguem lidade permite ao radiologista trabalhar
trabalhar no período comercial e redu- em casa, por exemplo, embora tenha
zir ou eliminar plantões noturnos e so- “roubado” parte do mercado do interior
breavisos, embora você deva esquecer e equalizado (para menos) os valores de
o clichê de que o radiologista é “o cara remuneração.
que trabalha pouco e ganha muito”, de Apesar de todas essas variáveis, o ra-
fato, não é bem assim. A sua entrada no diologista consegue trabalhar cem por
mercado será geralmente por agendas cento do seu tempo dentro da especiali-
de ultrassonografia e plantões. dade. A remuneração no início da carrei-
Na prática hospitalar, na grande ra do radiologista é, em geral, mais alta
maioria, você estará sozinho dando su- que as demais especialidades, embora
porte a uma equipe de clínicos, pedia- não varie significativamente com o pas-
tras, ortopedistas e ginecologistas. São sar dos anos.
raros os hospitais que têm mais de um
radiologista de plantão, então seu plan- A RESIDÊNCIA
tão de 12 horas passarão provavelmente
sem um cochilo. No entanto, não se tem A residência em radiologia e diag-
tanto estresse relativo à relação médico nóstico por imagem consiste oficial-
– paciente – familiares. mente de três anos nos quais se apren-
É desejável que o radiologista en- de a executar e interpretar os diversos
tenda da gestão, custos dos aparelhos métodos da área: radiografias simples e
e insumos e do funcionamento dos sis- contrastadas, mamografia, ultrassono-
temas modernos de processamento das grafia “modo B” e “Doppler”, tomografia
imagens. Isso pode fazer diferença no e ressonância magnética. Boa parte das
mercado, principalmente se optar em residências dividem suas grades por mé-
abrir o próprio negócio ou entrar com todos, com complexidade crescente. No
alguma sociedade em clínica ou mesmo primeiro ano foca-se em radiografia sim-
para ajudar no gerenciamento do servi- ples e contrastada, mamografia e ultras-
ço do qual faça parte. sonografia. O segundo ano geralmente
O advento da telerradiologia6 trouxe vê-se algo de tomografia, ultrassono-
mudanças ao mercado de trabalho do grafia Doppler. O último ano é, então,
radiologista. Os grupos dessa modali- dedicado principalmente à tomografia
dade fornecem os laudos à distância e à ressonância magnética. Alguns ser-
de locais onde não há o radiologista viços, no entanto, dividem por método

277
CAPITULO 28 Como Escolher a sua Residência Médica

e por área de conhecimento, como, por residência, já que o residente começa a


exemplo: neurorradiologia, radiologia realizar parte dos procedimentos sozi-
do tórax, da mama, pronto-socorro. Há nho. A residência de radiologia tem di-
que se ressaltar, que há uma certa varia- ficuldade crescente, uma lógica inversa
ção nos programas de residência quan- a das demais, onde a carga horária e a
to às ordens e divisões dos estágios de quantidade de tarefas geralmente dimi-
cada método ou de cada área do conhe- nuem com o progredir dos anos.
cimento. Existe considerável sobreposi- O Colégio Brasileiro de Radiologia
ção do aprendizado, uma vez que boa (CBR) traz diretrizes para o funciona-
parte dos métodos se complementam mento das residências no país, que po-
e se correlacionam. Um bom exemplo é dem ser acessados on-line7, e é interes-
a correlação dos achados da radiografia sante dar uma olhada antes de escolher
do tórax com a tomografia, ou mesmo onde vai prestar prova. Já que há grande
da mamografia com a ultrassonografia e concorrência atualmente pela especiali-
assim por diante. dade, têm surgido muitos serviços que
O residente geralmente fica respon- oferecem estágios e cursos. Fique atento
sável por realizar “prévias” dos laudos ao reconhecimento destes pelo colégio
que serão corrigidos pelos preceptores para que você possa, ao final, prestar a
e chefes. É parte da função do residente prova de título. Ao escolher um serviço,
em radiologia coletar dados clínicos e esteja atento a algumas peculiaridades
laboratoriais do paciente (muitas vezes que podem fazer diferença na sua for-
omissos nos pedidos médicos) e checar mação. As principais variáveis a serem
diagnósticos no serviço de patologia. analisadas são:
Este processo, além de fundamental • Equipamento: bons aparelhos de
para o aprendizado, é interessante para ultrassom, tomografias multi-slice
correlacionar os laudos dos exames com (32 -64 canais), mamógrafos digitais,
a confirmação final de um diagnóstico. ressonâncias magnéticas de 1,5 T e
A carga horária, como todas as resi- 3,0 T, PET-CT são alguns dos equipa-
dências reconhecidas, são de sessenta mentos que tornam melhor e mais
horas (60h) semanais e são cumpridas completa sua formação;
entre agendas de exames eletivos, ses- • Corpo clínico: além de procurar sa-
sões de laudos, aulas e sessões científi- ber sobre a qualidade técnica dos
cas e plantões em pronto-socorro. Difi- seus futuros preceptores, esteja
cilmente há extrapolação desta carga atento ao fato de que residências
horária e, em alguns serviços, cumpre- oficiais geralmente têm corpo clinico
-se um pouco menos ou um pouco mais. mais dedicado ao ensino, enquanto
Geralmente, há um aumento progressi- em alguns outros serviços a pressão
vo da carga de plantões e da responsa- pela produtividade possa compro-
bilidade nos segundo e terceiro ano da meter um pouco o aprendizado;

278
Radiologia e Diagnóstico por Imagem CAPITULO 28

• Diversidade de casos: idealmente em conta; quanto mais exames e proce-


opte por instituições do tipo “hos- dimentos você for apto a fazer, mais ver-
pitais gerais”, pois atendem a uma sátil e desejado pelo mercado você será.
maior diversidade de casos e a um
maior número de patologias. Outra ÁREAS DE ATUAÇÃO
coisa importante é ver se há oportu-
nidade de ter exames de ginecologia RADIOLOGIA DIAGNÓSTICA
e obstetrícia. A diversidade te torna-
rá um profissional mais completo. Gosta mesmo de juntar as peças do
Clínicas tendem a ter maior número quebra-cabeça?
de casos normais e menor complexi- Existe uma série de subespecialida-
dade em relação aos hospitais e cen- des da radiologia diagnóstica: neuror-
tros maiores. radiologia, cabeça e pescoço, musculo-
esquelética, tórax e abdome (medicina
Ao final dos três anos oficiais, há al- interna), cardiologia (tomografia e res-
guns caminhos a seguir: boa parte dos sonância). No geral são complemen-
radiologistas optam por fazer um R4 tações de um ano onde se estuda e se
dito geral (geralmente com ênfase em analisa preferencialmente exames re-
ressonância magnética), enquanto um lativos às patologias específicas dessas
outro grupo geralmente opta por seguir segmentações do corpo humano e po-
direto para uma subespecialidade. Isso dem ser atreladas à pesquisa científica e
geralmente depende de quão completa publicações de trabalhos.
foi sua formação nos três anos básicos e
dos objetivos pessoais de cada um. Veri- RADIOLOGIA INTERVENCIONISTA
fique se a instituição que você pretende
ingressar conta com programas de R4 Tem algo de cirurgião em você?
geral e/ou de subespecialidades, já que As intervenções guiadas por imagem
é mais fácil permanecer em um serviço fazem parte de uma área da radiologia
do qual você já faz parte. em franca expansão. Procedimentos
Boa parte dos radiologistas, no Bra- diagnósticos e terapêuticos são áreas do
sil, trabalham como generalistas, vendo radiologista intervencionista.
e relatando exames de todas as áreas, As complementações desta subes-
mas já existem tendências nas grandes pecialidade são realizadas em, pelo me-
capitais de que o radiologista trabalhe nos, dois anos a depender do programa.
preferencialmente com uma área (neu- Existem serviços que separam ainda
rorradiologia ou musculoesquelético). mais tal área da seguinte forma: inter-
Esta realidade ainda é muito distante venções não vasculares, intervenções
para a maioria das cidades do país prin- vasculares e neurointervenção. A radio-
cipalmente os interiores. Então, leve isso logia intervencionista não vascular se

279
CAPITULO 28 Como Escolher a sua Residência Médica

ocuparia de procedimentos percutâne- teteres. Por último, a neurointervenção


os como as biópsias, ablações de tumo- também utilizando procedimentos en-
res e drenagens guiadas por imagem. dovasculares para tratar malformações
A radiologia intervencionista vascular arteriovenosas, embolizar aneurismas e
realiza procedimentos endovasculares realizar trombólises intra-arteriais. Essas
como: angiografias periféricas, coloca- áreas, no geral, têm mercado um pouco
ção de endopróteses, uso de medica- menor e atualmente são mais aplicadas
ções intra-arteriais e colocação de ca- em centros hospitalares maiores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

Não se tinha ideia de que aquele es- imagem e ir direto ao foco do problema
boço de radiografia feita por Roentgen é a tarefa diária dessa fascinante especia-
iria ser o motivador da criação de uma lidade, que cresce e se modifica todos os
das áreas mais fascinantes do conheci- dias de forma bastante dinâmica. Tratar
mento médico, permitindo não só ver tumores guiados por ultrassom, rastrear
o corpo humano, mas sua composição células cancerígenas específicas e usar
e seu funcionamento em tempo real, ressonância magnética para estimular
revolucionando a forma de se chegar partes do cérebro são coisas que pare-
aos diagnósticos. Seguir os detalhes das cem futuristas, mas já são alvo de pes-
informações fornecidas nos exames de quisas dentro do universo da radiologia.

SOBRE O AUTOR

Dr. Caio Nunes é:

Médico pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), radiologista pelo Instituto de Ra-
diologia da Universidade de São Paulo (Inrad - USP), fellow em radiologia músculo-
-esquelética pelo Instituto de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina
da USP (IOT/Fmusp).
REFERÊNCIAS

1. Jauncey gem. The birth and early infancy of x-rays. Am j physics 1945;1 3:362-379.
2. Dewing, Stephen B. Modern Radiology in Historical. Perspective. Spring- field,Il.,C.C Thomas,
1962.189.
3. Edler and C. H. Hertz, “The use of ultrasonic reflecto- scope for the continuous recording of
the movements of heart walls,” Kungl. Fysiogr. Sallsk., i Lund Forhandl., vol. 24, no. 5, pp. 1–19,
1954.
4. X-Ray Computed Tomography in Biomedical Engineering, 7 DOI: 10.1007/978-0-85729-027-
4_2, Ó Springer-Verlag London Limited 2011.

280
Radiologia e Diagnóstico por Imagem CAPITULO 28

5. Ball, Philip. Brain Imaging Explained. Online Disponível em: <http://www.nature.com/


nsu/010712/010712-13.html.>.
6. Resolução sobre telerradiologia do CFM IN: Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/
resolucoes/cfm/2009/1890_2009.htm.>.
7. Colégio Brasileiro de Radiologia. Programa básico de residência médica ou curso de especia-
lização para formação em radiologia: credenciamento (requisitos mínimos). [Online] Disponí-
vel em: <http://www.cbr.org.br>.

281
RADIOTERAPIA
RADIO-ONCOLOGIA


Dr. Marco Antonio Costa Campos de Santana

Um dia sem radiação eletromagnética é


um dia sem raios de Sol.

John Cameron

A A radioterapia, também conhecida


como radio-oncologia, é a especialidade
da medicina que usa radiação ionizante
para tratamento de pacientes com cân-
cer e também com neoplasias benignas.
ca e o pequeno número de profissionais
da área ajudam a manter as atividades
da radioterapia sob o manto do mistério
e da conjectura.

Assim como a cirurgia, tem o objetivo HISTÓRIA


de tratamento das neoplasias através do
controle local. O princípio primordial da A radioterapia é uma especialidade
radioterapia é depositar a radiação com relativamente nova, principalmente em
precisão nos tecidos-alvo, porém mi- comparação com outras especialidades
nimizando o dano aos tecidos normais médicas, muitas relatadas em papiros
próximos. egípcios milenares. Sua história inicia-se
A radio-oncologia, apesar do papel com estudos sobre radiação e materiais
fundamental do cuidado multidiscipli- radioativos em 1895, após a descoberta
nar dos pacientes com câncer, é uma dos raios-x por Röentgen, e impulsiona-
especialidade que é muito pouco abor- da pela descoberta do Rádio pelo casal
dada nas faculdades de medicina e des- Curie, em 1898. O papel potencial dos
conhecida pela maioria dos estudantes raios-X (produzidos artificialmente ou
e até mesmo por muitos médicos, mes- por elementos naturalmente radioati-
mo aqueles diretamente envolvidos nos vos) como forma tanto terapêutica como
cuidados a pacientes com câncer. O bai- diagnóstica foi percebido com rapidez.
xo número de vagas de residência médi- Na verdade, a primeira radiografia diag-
CAPITULO 29 Como Escolher a sua Residência Médica

nóstica foi realizada a apenas dois meses sibilizador das células à radiação, vinte
da descoberta de Röentgen. anos antes da primeira publicação sobre
É interessante notar que o poten- o tema. Em 1934, foi fundado o Instituto
cial terapêutico da radiação também Nacional do Câncer (Inca), que contava
foi descoberto precocemente, em 1896, com aparelhos roentgenterapia e ra-
quando um estudante de medicina de dium, com a incorporação de uma bom-
Chicago, chamado Emil Grubbe, após ba de telecobalto no final da década de
notar descamações na pele de sua mão 1950. No Brasil, o primeiro acelerador
após exposição aos raio-X, convenceu linear foi instalado em 1972, no Hospital
um dos seus professores a permiti-lo ir- Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo.
radiar uma paciente chamada Rose Lee, Apesar da evolução da radioterapia
que sofria de uma forma avançada de durante o primeiro século após a desco-
câncer de mama. Ao fazer isso, Grubbe berta dos raio-X, o maior salto evolutivo
se tornou oficialmente o primeiro radio- se deu após uma descoberta dentro do
-oncologista da história. campo da radiologia quando, em 1972,
No Brasil, a história da radio-onco- Hounsfield desenvolveu um novo mé-
logia se entrelaça à história da oncolo- todo de imagem que revolucionaria
gia no país. Já em 1901, seis anos após tanto a radiologia como a radioterapia:
a descoberta dos raios-X, o Dr. Becker a tomografia computadorizada. A in-
Pinto foi pioneiros no nosso país, reali- corporação das imagens de tomografia
zando tratamento de tumores de pele computadorizada ao planejamento do
com um aparelho de raios-X, no Rio tratamento de radioterapia permitiu
Grande do Sul. Em 1914, o prof. Eduar- que os tratamentos fossem realizados
do Rabello fundou, no Rio de Janeiro, o de forma tridimensional, em contra-
instituto de Radium e Eletrologia da Fa- partida aos tratamento bidimensionais,
culdade de Medicina, após trazer tubos baseados em imagens de radiografias,
de radium de Paris. Em 1921, foi criado o desta forma, atingindo com precisão os
Instituto Arnaldo Vieira de Carvalho, na limites dos tumores e permitindo a iden-
Santa Casa de Misericórdia de São Pau- tificação e proteção dos órgãos não aco-
lo, onde funcionava um centro dedica- metidos pela doença. Desenvolvimen-
do ao tratamento com radium, e onde tos posteriores permitiram upgrades dos
foram formados importantes radiotera- aceleradores lineares com tomógrafos
peutas. Em 1929, começou a funcionar o e equipamentos de radiografia digital,
serviço de roentgenterapia do Hospital de forma que os paciente poderiam ser
Gaffré-Guinle, onde o prof. Miguel Osó- avaliados radiologicamente durante o
rio de Almeida seria um dos primeiros a próprio tratamento.
detectar o papel do oxigênio como sen-

284
Radioterapia Radio-Oncologia CAPITULO 29

“Eu acredito que esta é uma nova era de colo uterino, de endométrio, pele e
para a radioterapia, pois agora não só po- de próstata, podendo ser utilizada para
demos ver os tumores que tratamos como diversos outros tipos de tumor, tanto de
também podemos vê-los em tempo real.” forma curativa como paliativa.
Dr. Albert Koong, Universidade de Stanford
TELETERAPIA
MODALIDADES DE RADIOTERAPIA
• Radioterapia convencional (2D):
A radioterapia teve início com tera- o tratamento é planejado com ra-
pias de contato com exposição direta a diografia convencional, baseado
materiais radioativos (radium, césio etc.) em topografias anatômicas ósseas.
e avançou com o surgimento das bom- Ainda é a modalidade de teletera-
bas de telecobalto e, posteriormente, pia mais utilizada no Brasil, devido à
das aceleradores lineares, com a aplica- defasagem tecnológica que ainda é
ção de radiação à distância. Isto basica- predominante no nosso país, porém
mente nos levou a duas modalidades de mundialmente é usada apenas em
tratamento: a primeira deu origem ao tratamentos paliativos ou em cen-
que hoje chamamos de braquiterapia e tros que não possuem tecnologia.
a segunda à teleterapia. Essa técnica, por ser baseada em exa-
mes radiológicos simples, tem baixa
BRAQUITERAPIA precisão, podendo tanto sobretratar
como subtratar tumores, além de
É a aplicação do material radioativo baixa capacidade de poupar tecidos
em contato próximo ao tumor. É reali- sadios, levando ao aumento de efei-
zada através de implantes de cateteres tos tóxicos secundários;
ou inserções de aplicadores que servem • Radioterapia conformacional (3D):
de condutor para a fonte de radiação é a modalidade de radioterapia onde
ou mesmo do implante direto de fios são feitas imagens digitais captadas
ou sementes com material radioativo. A por tomografia computadorizada
distância de atuação da radiação nesta associadas ou não a imagens de PE-
modalidade é reduzida, logo é a moda- T-CT ou ressonância magnética, e
lidade de tratamento que menos atinge posteriormente estas imagens são
os tecidos saudáveis adjacentes, sendo processadas em softwares de plane-
adequada para o tratamento de lesões jamento. Neles, é possível visualizar e
focais ou em complementos de dose. delinear as estruturas a serem trata-
O lado negativo é que sua realização é das e os órgãos que devem ser pro-
mais difícil por ser um procedimento tegidos, além de definir diferentes in-
invasivo. A braquiterapia é parte im- cidências de feixes de radiação para
portante no tratamento dos cânceres poupar os órgãos sadios e maximizar

285
CAPITULO 29 Como Escolher a sua Residência Médica

a dose na área tumoral e avaliar a • Radioterapia estereotática abla-


distribuição das doses de radiação tiva/radiocirurgia (SBRT/SABR/
em cada um dos tecidos, de forma a SRS): tipo de radioterapia de altís-
respeitar os limites de tolerância de sima precisão, que usa da aplicação
cada um deles; de múltiplos feixes de radiação com
• Radioterapia conformacional com altas doses diárias, com intenção
intensidade modulada (IMRT): é ablativa. São utilizadas para o trata-
um avanço sobre a radioterapia 3D. mento de tumores intracranianos
Usa algoritmos computadorizados malignos e benignos, malformações
para manipular os feixes de radiação arteriovenosas e outras anormalida-
para que estes atinjam intensidades des encefálicas, ou para tratamento
variáveis e adaptem-se com precisão do câncer de pulmão nos estágios
ao formato do alvo, de forma a dis- iniciais, tumores hepáticos, pancreá-
tribuir com maior precisão a dose de ticos, metástases ósseas e em coluna
tratamento e poupar ainda mais os vertebral, e em diversas outras sítios
tecidos adjacentes, reduzindo toxici- anatômicos. A precisão do procedi-
dades; mento permite que este seja realiza-
• Radioterapia guiada por imagem do em poucas aplicações com dano
(IGRT): apesar de todas as preocupa- mínimo aos tecidos saudáveis.
ções com o planejamento, precisão e
reprodutibilidade do posicionamen- ROTINA DO RADIO-ONCOLOGISTA
to diário do paciente, é possível que
hajam variações diárias que possam É um erro comum relacionar o traba-
comprometer tratamentos que de- lho do radio-oncologista com o de um
pendam de alta precisão, como tra- “apertador de botões” e não são infre-
tamentos com alta dose e próximos quentes brincadeiras jocosas, e muitas
de órgãos normais sensíveis e os tra- vezes desrespeitosas, de outros colegas
tamentos com IMRT. O IGRT usa uma de que fazemos “banhos de luz”. Seria
gama de técnicas de imagem, (raios-x como dizer que o oncologista clínico é o
ortogonais em tempo real, tomogra- responsável por injetar as infusões que
fias por ConeBeam kV ou MV, ultras- contêm as quimioterapias que prescre-
sonografia etc.) para checar e corrigir vem. O tratamento é aplicado diaria-
o posicionamento do paciente e do mente pelos técnicos e tecnólogos com
tumor, além de possibilitar acompa- especialização em radioterapia, que são
nhar mudanças de posição durante parte importantíssima do funcionamen-
o tratamento, reduzindo a chance de to do serviço. Também é comum que
erro e aumentando sua eficácia; se pense que é uma especialidade com

286
Radioterapia Radio-Oncologia CAPITULO 29

pouco ou nenhum contato com pacien- Diariamente, também é necessária a


tes, o que não corresponde à realidade. aprovação das radiografias de portal (ra-
O radio-oncologista é responsável diografias que demonstram os campos
pela realização de consultas ambulato- de tratamento) de cada paciente, ou de
riais, de consultas de acompanhamen- imagens de tomografia por cone-beam
to durante e após o tratamento, tendo, ou de outros métodos de IGRT para ve-
assim, contato diário com pacientes. rificar o correto posicionamento dos pa-
São atividades rotineiras também as dis- cientes. Tipicamente, os tratamentos são
cussões clínicas multidisciplinares, além realizados de segunda a sexta-feira, po-
da realização dos planejamentos de ra- rém alguns serviços requerem a avalia-
dioterapia e das sessões de aplicação de ção de pacientes nos finais de semana.
braquiterapia. Usualmente os contratos de traba-
O planejamento do tratamento se lho são para 20 ou 40 horas semanais,
inicia com a simulação de tratamento, sendo comum, em serviços privados, a
seja com um simulador convencional contratação do profissional por Pessoa
(baseado em radiografias) ou com um Jurídica, com salários negociados base-
tomógrafo, no qual o paciente será po- ados em um valor fixo adicionado a um
sicionado de forma adequada para cada valor variável relacionado à produção
sítio de tratamento e onde serão adqui- do serviço.
ridos parâmetros de imagem e de posi-
cionamento que permitam a reproduti- QUALIDADE DE VIDA
bilidade diária desta posição nas salas de
tratamento. O planejamento também A qualidade de vida costuma ser um
envolve o delineamento de volumes de fator importante na escolha pela espe-
doença e de estruturas normais em sof- cialidade. Contam como vantagens: o
twares específicos ou determinação dos fato de ser uma área que, pelas suas pró-
campos de tratamento em filmes radio- prias características está atrelada a cen-
gráficos, portanto, o especialista deve tros de alta complexidade, na maioria
ter grande conhecimento de anatomia das vezes com melhores condições de
e radiologia. O médico é responsável trabalho e de ter uma carga horária que
por definir doses e fracionamento da costuma ser flexível, que raramente ul-
radiação aplicada, sendo que a estraté- trapassa os limites do horário comercial
gia de aplicação das doses prescritas é e que em poucas situações requerem
responsabilidade dos físicos-médicos atividades noturnas ou aos sábados e
com especialização em radioterapia e domingos.
dos dosimetristas. Após o planejamen- Como fatores negativos podem ser
to, o médico é responsável por revisá-lo citados: o impacto emocional de se lidar
e aprová-lo. com pacientes graves e muitas vezes

287
CAPITULO 29 Como Escolher a sua Residência Médica

sem prognóstico e a dificuldade de en- se nela há a disponibilidade de técnicas


contrar vagas de trabalho nos grandes modernas de radioterapia e oportunida-
centros, o que, muitas vezes, forçam o des de pesquisa e extensão. No Brasil, se-
profissional a mudar-se para outras re- gundo a SBRT, 33 instituições oferecem
giões. 65 vagas de residência, sendo 78% des-
tas localizadas nas regiões sul e sudeste
A RESIDÊNCIA EM RADIOTERAPIA do país.
Para o registro de especialidade mé-
A residência em radioterapia atual- dica perante o Conselho Federal de Me-
mente é de acesso direto, ou seja, sem dicina (CFM), o diploma da residência
pré-requisitos, e tem duração de três médica, desde que regularizada perante
anos, com carga horária de 60 horas se- o Ministério da Educação (MEC), é sufi-
manais. Na maioria dos centros, a radio- ciente, porém, o registro para compra,
terapia funciona apenas em dias úteis, manipulação e uso de fontes radioativas
sendo que, em algumas instituições, há seladas é feito pela Comissão Nacional
possibilidade de plantões de sobreaviso de Energia Nuclear (Cnen) e é necessá-
nos finais de semana e/ou feriados. As rio para atividade do radio-oncologista.
atividades da residência são distribuídas Este registro é feito por solicitação indi-
em atividades ambulatoriais, de planeja- vidual e a prova para habilitação é apli-
mento e atividades acadêmicas e de pes- cada pela Cnen ocorrendo em conjunto
quisa. O treinamento em radioterapia é com a prova de título de especialista da
muito intensivo intelectualmente, pois SBRT. Segundo informações no site da
a prática da especialidade é embasada CNEN há no Brasil 339 médicos creden-
por centenas de evidências científicas e ciados e com registro ativo para Terapia
trabalhos de referência, e é importante com Equipamentos de Tele ou Braquite-
que estes sejam estudados profunda- rapia no Brasil em 05/07/2015.
mente durante a especialização.
Atualmente, não existem subespe- MERCADO DE TRABALHO E
cializações oficiais, ou “R4´s” em radio- PERSPECTIVAS FUTURAS
terapia no Brasil, e a grande maioria
dos especialistas trabalham de forma A radioterapia é uma área fortemen-
“generalista”, entretanto há cursos e trei- te atrelada ao tratamento oncológico
namentos que podem ser realizados multidisciplinar e à existência infraes-
em instituições no exterior, chamados trutura de diagnóstico, sendo desta for-
Fellowships, em áreas como radioterapia ma também atrelada a centros de alta
urológica, próstata, radiocirurgia, radio- complexidade. A maioria destes centros
terapia pediátrica, etc. e também dos especialistas estão con-
Ao avaliar a instituição onde for fazer centrados nos grandes centros urbanos
prova de residência, deve-se pesquisar no Sul e Sudeste no Brasil e, muitas ve-

288
Radioterapia Radio-Oncologia CAPITULO 29

zes, esse é considerado um mercado fe- A expectativa para o campo de atu-


chado, pelo excesso de profissionais na ação da radioterapia no Brasil é de ex-
região. Porém, recentemente, tem sido pansão. Com o envelhecimento da po-
percebido um crescimento vertiginoso pulação é de se esperar um aumento
de novos centros de radio-oncologia em proporcional da incidência de câncer no
cidades de grande e médio porte nas re- país. Segundo estudo do Lancet publi-
giões Nordeste e Centro-Oeste, sendo cado em 2012, espera-se que até 2020
possível encontrar bons contratos de haja um incremento em até 38% nos ca-
trabalho nestas regiões menos providas sos de câncer, e segundo a SBRT, cerca
de especialistas, de 60 a 70% dos pacientes com diagnós-
Há diferenças entre a prática clínica tico de câncer necessitarão de radiotera-
em serviços privados, serviços públicos pia em algum momento, seja de forma
e instituições acadêmicas. Embora o re- curativa ou paliativa.
torno financeiro em instituições acadê- Nos EUA, a radioterapia é uma das
micas seja normalmente menor, há mais especialidades mais concorridas para
liberdade para o profissional buscar a acesso, e os motivos para isso são tanto
forma de tratamento mais adequada ao a boa qualidade de vida que a especia-
seu paciente, inclusive contando com o lidade propicia como a excelente re-
apoio da multidisciplinaridade, e nor- muneração e infraestrutura de trabalho
malmente é possível contar com boas com que esses profissionais contam na-
equipes de diagnóstico por imagem, la- quele país. Segundo dados da American
boratorial e anatomopatológico. Em ser- Society for Radiation Oncology (Astro), a
viços públicos e privados, muitas vezes proporção de especialistas nos EUA é de
o radio-oncologista tem suas decisões, cerca de 1:100.000 habitantes, compa-
terapêuticas restritas por limitações do rando-se com o Brasil, onde temos 0,25
Sistema Único de Saúde (SUS) e de mui- especialistas por 100.000 habitantes.
tos convênios, que ainda não cobrem No Brasil, ainda é uma especialidade
a utilização das técnicas mais atuais de que ainda não alçou o patamar norte-a-
radioterapia. mericano de valorização. As remunera-
A radioterapia brasileira vem passan- ções atreladas ao SUS e aos convênios
do por grandes avanços do ponto de são baixas em comparação com os cus-
vista técnico e profissional nos últimos to crescentes dos tratamentos moder-
anos, mas nossa realidade ainda está nos, embora exista luta constante pela
distante dos países mais desenvolvidos. atualização dos honorários com base
Apesar da existência de centros de ex- na tabela da Classificação Brasileira Hie-
celência no Brasil, o arsenal tecnológico rarquizada de Procedimentos Mé dicos
da maioria dos centros e as modalidades (CBHPM) além da incorporação de novas
de tratamento existentes no mercado tecnologias no rol de procedimentos do
são muito ultrapassadas.

289
CAPITULO 29 Como Escolher a sua Residência Médica

SUS e da Agência Nacional de Saúde Su- médicos/aparelho, e levando em conta


plementar (ANS). o déficit de cerca de 120 aparelhos no
Segundo relatório publicado pelo país, dá para concluir que o mercado de
Tribunal de Contas da União (TCU) em trabalho chegará à estagnação e satura-
2012, o País possui cerca de 200 serviços ção em menos de 10 anos, ou até muito
de radioterapia, 520 radio-oncologistas antes, visto que a crise econômica es-
e 230 aparelhos credenciados ao SUS, tagnou planos públicos e privados de
porém seriam necessários mais 120 expansão da especialidade, e que, a par-
novos aparelhos para suprir a deman- tir daí, possivelmente será difícil a colo-
da atual, e, mesmo se contabilizados cação profissional de radio-oncologistas
os serviços privados não credenciados recém-formados e a consequência prin-
pelo SUS, aponta o relatório, ainda exis- cipal para especialistas já estabelecidos
tiria um déficit de 57 serviços desse tipo será a precarização dos contratos de tra-
no País. O governo brasileiro em 2012 balho e a redução dos salários pagos em
criou o Plano de Expansão da Radiote- todo país.
rapia no Brasil, que objetivava a implan- O baixo número de profissionais da
tação de 48 novos serviços e ampliação área deveria ser um fator para fortale-
de 32 serviços de radioterapia já exis- cer a luta da categoria por melhores
tentes, em todas as regiões do país. O remunerações e melhores condições
plano original previa a implantação de de trabalho, como ocorre com outras es-
80 novos aceleradores lineares já desde pecialidades com caráter corporativista,
2014, porém, assim como muitas outras porém a desunião e competição entre
promessas, essa promessa ainda não se os especialistas dificulta as capacidades
concretizou. Até a publicação deste li- de negociação.
vro, apenas um serviço foi inaugurado e
os demais serviços previstos no projeto RELAÇÃO MULTIDISCIPLINAR
ainda se mantém em status indefinido
devido à burocracia, problemas de lici- A radio-oncologia é uma das três es-
tação e à crise político-econömica que pecialidades primárias em cancerologia,
devasta o país. as outras duas sendo a oncologia clíni-
O mercado trabalha com margens ca e a cirurgia. A radioterapia pode ser
pequenas. O crescimento em número utilizada de forma curativa, tanto isola-
de novos serviços, apesar do salto dos damente como em combinação com ci-
últimos anos, é muito mais lento que rurgia e/ou quimioterapia, desta forma,
o de formação de novos profissionais. os radio-oncologistas devem trabalhar
Contando-se com o fato que são forma- de perto com outros especialistas, como
dos mais de 60 novos radio-oncologistas cirurgiões, radiologistas, oncologistas e
por ano e o número médio de médicos clínicos de outras especialidades, como
por acelerador linear é em torno de 2,3

290
Radioterapia Radio-Oncologia CAPITULO 29

parte de uma equipe multidisciplinar médicos, e é necessário que se portem


integrada. assim, fazendo atendimento integral e
Porém, apesar da sua importância seguimento adequado de seus pacien-
crucial no tratamento oncológico, mui- tes, antes, durante e após o tratamento.
tas vezes é esperada subserviência do É necessário sair de trás das cortinas e
radio-oncologista, tornando-se apenas mostrar à sociedade civil e aos outros
um mero coadjuvante e executor dos médicos qual o papel do radio-oncolo-
comandos dos oncologistas e cirurgiões gista no combate e controle do câncer.
que encaminham os pacientes, e isso
é, em grande parte, culpa dele mesmo. CARACTERÍSTICAS IDEAIS
Historicamente, por imposição da alta PARA UM RADIO-ONCOLOGISTA
demanda por seus serviço, filas intermi-
náveis de tratamento, grande concen- O trabalho é uma amálgama de co-
tração de procedimentos por médico, nhecimentos de medicina, envolvendo
agendas frequentemente lotadas, o muitos conhecimentos de anatomia, ra-
médico não é capaz de dar a atenção in- diologia, oncologia, cirurgia, fisiologia,
tegral e o seguimento clínico que o pa- além de física das radiações, e mesmo
ciente merece, muitas vezes delegando de humanismo, pois o radio-oncologis-
os cuidados desses pacientes aos médi- ta deve aprender a lidar com pacientes
cos que os encaminharam, sejam onco- em vias de terminalidade. Cada paciente
logistas ou cirurgiões. com câncer representa um novo desafio,
A falta da atenção e seguimento in- mesmo aos profissionais mais experien-
tegral ao paciente têm consequências tes, e o maior objetivo é ajudar a melho-
claras: falta de valorização pelos colegas rar sua qualidade de vida e lutar cons-
de outras especialidades e até mesmo tantemente pela sua saúde.
pelos pacientes, que não reconhecem A multidisciplinaridade é chave no
a importância do radio-oncologista e tratamento oncológico e o radio-onco-
o enxerga como um técnico apertador logista deve ter uma relação próxima e
de botões, assim como naquelas piadas boa capacidade de diálogo com os ou-
maliciosas que citei anteriormente. tros membros da equipe, permanecen-
Uma forma de fortalecer o papel do atualizado não só sobre as evidências
dos radio-oncologistas está na união e científicas da sua área, como também
da valorização profissional, na partici- conhecendo as bases científicas e técni-
pação ativa em discussões multidisci- cas das especialidades associadas, como
plinares, na atualização científica cons- a oncologia clínica e a cirurgia, de forma
tante e mesmo na produção científica a poder debater de igual para igual.
em centros de referência. Além disso, A radioterapia é um campo fascinan-
antes de serem radio-oncologistas, são te, e em constante evolução, logo é im-

291
CAPITULO 29 Como Escolher a sua Residência Médica

portante que o profissional se mantenha científica, e que acompanhe de perto os


atualizado com a mais recente literatura avanços tecnológicos da área.

SOBRE O AUTOR

Dr. Marco Antonio Costa Campos de Santana é:

Médico, nascido em Aracaju-SE, com graduação em medicina na Universidade Fe-


deral da Bahia (Ufba), com residência médica em radioterapia pelo Instituto do Cân-
cer do Estado de São Paulo (Icesp) / Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
da USP (HC-Fmuso). Com fellowship em braquiterapia e radioterapia de última ge-
ração no Institut Gustave Roussy (IGR-França). Atualmente, é radio-oncologista do
Hospital de Urgências de Sergipe (Huse) e da Fundação de Beneficência Hospital
Cirurgia (FBHC).

REFERÊNCIAS

1. Coursaget, J., Camilleri, J.P. Pionniers de la radiothérapie 1ª Edição. Editora EDP Sciences, 2005.
2. Salvajoli, J.V., Souhami L., Faria, S.L. Radioterapia em Oncologia 2ª Edição. Editora Atheneu,
2013.
3. Almeida, S. S. A História da Radioterapia no Brasil. Rev Imagem 2000;22(3). Disponível em:
<http://www.imaginologia.com.br/dow/upload/historia/A-Historia-da-Radioterapia-no-Bra-
sil.pdf.>.
4. Comissão Nuclear de Energia Nuclear (Cnen). Disponível em: <http://www.cnen.gov.br/segu-
ranca/cons-ent-prof/lst-prof-credenciados.asp?OP=CB>. Acesso em: 18 abr. 2014.
5. American Society for Radiation Oncology (Astro). Disponível em: <https://www.astro.org>.
Acesso em: 12 mar. 2014.
6. Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT). Disponível em: <http://www.sbradioterapia.
com.br/ >. Acesso em: 12 mar. 2014.
7. Relatório de Auditoria Operacional – Política Nacional de Atenção Oncológica – Tribunal de
Contas da União - 2012.

292
ESPECIALIDADES
CLÍNICAS
CLÍNICA MÉDICA


Dr. João Freitas Melro Braghiroli

A medicina não é só uma ciência, é também
uma arte. Não consiste de composições, pílulas
e emplastros; lida com os próprios processos de
vida, que devem ser entendidos antes para que
possam ser guiados.

Paracelsus

M Médicos pós-graduados em medici-


na interna são especialistas que aplicam
o conhecimento científico e experiência
clínica para o diagnóstico, prevenção,
tratamento e cuidados do paciente
Note-se que não existe uma norma
clara que delimite o campo de atuação
do médico especializado em medicina
interna em relação ao não especialista,
assim, o bom senso e experiência indi-
adulto, envolvendo todo o espectro da vidual tornam-se as únicas ferramentas
saúde, até mesmo as doenças comple- que limitam a responsabilidade sobre o
xas. Eles são intitulados internistas, mé- nível de complexidade implícita nos cui-
dicos clínicos e popularmente conheci- dados com o paciente.
dos como clínicos gerais. Vale ressaltar, portanto, que são de-
Em função de questões socioeco- nominados internistas os médicos quali-
nômicas, muitos países em desenvolvi- ficados com formação pós-graduada em
mento, incluindo o Brasil, não exigem medicina interna; estes não devem ser
os anos adicionais de prática da medi- confundidos com os "internos" - no Bra-
cina supervisionada (residência médica) sil, esta titulação se aplica aos estudan-
como complementação aos estudos do tes dos dois últimos anos do curso de
curso de graduação. graduação em medicina, ou seja, o pe-
Em tais países, são também denomi- ríodo do internato; nos Estados Unidos,
nados médicos clínicos - ou clínicos ge- os interns são médicos já graduados, em
rais - aqueles profissionais médicos que, seu primeiro ano de treinamento na re-
mesmo sem cursar uma pós-graduação, sidência médica. Como o objetivo deste
optam por exercer a medicina focada no livro é esclarecer os passos na formação
cuidado do adulto. do estudante de medicina e, para que
CAPITULO 30 Como Escolher a sua Residência Médica

não persistam dúvidas, neste texto o O termo medicina interna originou-


médico pós-graduado em clínica medi- -se do alemão Innere Medizin, populari-
ca será sempre denominado internista. zado no final do século XIX para descre-
O campo de atuação do internista é ver os médicos que associavam a ciência
extremamente amplo e envolve a aten- em laboratórios com o atendimento de
ção à saúde dos indivíduos com mais de pacientes.
18 anos. Essa especialidade é caracteri- Com o grande êxodo europeu em
zada, sobretudo, pela diversidade: um função das duas grandes guerras mun-
grupo variado de pacientes, abrangen- diais no início século XX, médicos que
do desde o final da adolescência até o estudaram medicina na Alemanha di-
fim da vida; uma série de cenários que fundiram essa expressão para outros
seguem da prática ambulatorial, emer- continentes incluindo a América do Sul1.
gências médicas e pacientes hospita- O século XX foi caracterizado por
lizados; uma ampla gama de doenças novos tratamentos biológicos e, junta-
agudas e crônicas, e a oportunidade mente com a evolução da química, da
de atuação tanto em grandes centros genética e das tecnologias de laborató-
urbanos como na zona rural. A respon- rio e imagem, promoveram o salto para
sabilidade principal do internista é diag- a medicina moderna atual. Entretanto,
nosticar e tratar as condições médicas e mesmo com toda tecnologia disponível
enfrentar os desafios (bem como as re- com a chamada “propedêutica armada”,
compensas) no tratamento de um leque a capacidade de realizar um detalha-
mais vasto de doenças do que em qual- do exame clínico, e interpretar os seus
quer outra especialidade. Ao mesmo achados, mantém seu valor fundamen-
tempo, o internista deve estar ciente de tal e permanece como atributo impres-
suas próprias limitações e saber quando cindível para um bom internista.
procurar apoio dos demais setores espe-
cializados da área médica. O ESPECIALISTA E A SUA ROTINA

HISTÓRIA AMBULATORIAL

A história da Medicina Interna se O atendimento ambulatorial ou no


entrelaça com a história da própria me- consultório é uma das muitas opções
dicina. Os egípcios e babilônios intro- disponíveis para a prática do médico
duziram os conceitos de diagnóstico, internista. Existe um grande movimen-
prognóstico e exame médico e, poste- to global reafirmando a importância do
riormente, os gregos agregaram a im- atendimento ao paciente na esfera pri-
portância da ética medica, que formam mária de complexidade, com um siste-
os grandes pilares da medicina interna2. ma de saúde estruturado em um caráter

296
Clínica Médica CAPITULO 30

mais preventivo do que curativo. Nesse xos e crônicos, como diabetes mellitus,
âmbito, o internista tem papel essencial doença pulmonar obstrutiva crônica,
no cuidado do paciente, sendo um gran- dislipidemia e hipertensão.
de gestor na promoção da saúde, ofere- Considerando que muitos pacien-
cendo uma visão integrada do paciente, tes têm doenças multissistêmicas e ne-
restaurando e aprimorando a função cessitam de cuidados especializados, é
dos antigos médicos da família. importante a atuação organizada e har-
O atendimento ambulatorial pode mônica da equipe de médicos e outros
ser prestado no âmbito público ou pri- prestadores de cuidados de saúde. Nem
vado; no primeiro, existe grande oferta sempre esta organização é alcançada;
de oportunidades como o programa de são constantes as situações de equipes
saúde da família, especialmente nas áre- fragmentadas e desorganizadas, ge-
as mais distantes dos grandes centros rando condições confusas e frustran-
urbanos. tes para os pacientes. O internista bem
A rotina ambulatorial do internista formado, com habilidades de liderança,
não demanda a utilização rotineira de pode evitar ou pelo menos minimizar as
equipamentos de alto custo; o investi- dificuldades nestas situações confusas.
mento para se iniciar um serviço priva- Ao rastrear medicamentos prescritos
do é relativamente baixo, em compara- por outros médicos, monitorando as
ção com outras especialidades médicas. possíveis interações medicamentosas,
Entretanto, uma grande dificuldade acompanhando exames e/ou procedi-
encontrada por médicos que almejam mentos realizados por subespecialistas
iniciar as suas empresas (e isto não se e respondendo às suas recomendações,
limita ao internista) é a obtenção de o internista orquestra o atendimento
cadastramento para atender convênios multidisciplinar e conduz o paciente
de saúde, particularmente em regiões com tranquilidade pelo complexo siste-
com uma grande oferta de profissionais ma de cuidados.
já atuantes no setor. Em função desta
dificuldade, é uma prática comum os EMERGÊNCIA
médicos terem seus serviços terceiriza-
dos por clínicas privadas que detêm os A implementação da residência em
privilégios de convênios. emergências médicas ainda não foi am-
Uma série de doenças de alta inci- plamente estruturada no Brasil e a gran-
dência e/ou prevalência, constituem o de maioria dos serviços de emergência
núcleo da maioria das práticas ambula- de clínica médica funciona com clínicos
toriais da medicina interna: desde en- gerais, internistas e subespecialistas no
fermidades simples como a gripe, a gas- atendimento dos pacientes não cirúrgi-
troenterite viral e as infecções do trato cos com enfermidades agudas.
urinário, até os problemas mais comple-

297
CAPITULO 30 Como Escolher a sua Residência Médica

Geralmente os internistas trabalham ressalva de que a continuidade do aten-


em regime de plantão e são remunera- dimento ao paciente é um fatores que
dos pela hora de trabalho. impulsionam a posição do hospitalista,
O nível de estresse geralmente é de forma que muitos internistas traba-
maior do que no âmbito ambulatorial, lham por muitas horas e em dias segui-
visto o risco eminente de morte. Enfer- dos, porém, no seu período de descan-
midades frequentes variam muito em so fora do hospital, outro médico fica
nível de complexidade e serviços ofere- responsável pelo cuidado do paciente;
cidos pela instituição. assim, o hospitalista tem maior priva-
cidade no seu tempo fora do trabalho.
HOSPITALISTA Diferente do plantonista que somente
atende por intercorrências do paciente
O internista cujo foco profissional hospitalizado, sendo o principal ges-
principal é medicina hospitalar é deno- tor no manejo do paciente e, portanto,
minado hospitalista; este campo de atu- além dos seus cuidados, cabe a ele in-
ação vem crescendo exponencialmente tegrar as recomendações dos demais
nos Estados Unidos, Canadá e, mais re- profissionais envolvidos e oferecer ao
centemente, no Brasil. paciente, em uma linguagem acessível
O termo hospitalista foi primeira- e unificada, as opções e alternativas do
mente utilizado por Robert Wachter e seu tratamento.
Lee Goldman, em 19963, diante do gran-
de número de internistas no sistema CONSULTA HOSPITALAR
de saúde americano, atuando de forma
organizada em função de um local de O internista pode ser o responsá-
atendimento (do hospital), ao invés de vel direto pela admissão de pacientes
enfocar um órgão (como cardiologia), no hospital quando estes apresentam
uma doença (como a oncologia), ou a uma enfermidade, assim como pode
idade do paciente (como geriatra). ser consultado para oferecer as suas re-
A essência da rotina do hospitalista comendações em pacientes admitidos
inclui atendimento aos pacientes, ativi- por outra subespecialidade, mas que
dades de ensino e de pesquisa, além de demandam o manejo de condições clí-
liderança relacionada com a prestação nicas paralelas que levaram a hospitali-
de cuidados de base hospitalar. zação. Um exemplo seria um paciente
Assim como nos atendimentos da admitido pela ortopedia para uma ar-
emergência, geralmente o hospitalista troplastia e necessita do manejo do dia-
é contratado por uma instituição e tra- betes, fibrilação atrial ou insuficiência
balha mediante regime de plantão, com renal durante a hospitalização.
carga horária e rotina variáveis. Vale a

298
Clínica Médica CAPITULO 30

SUBESPECIALIDADES nico geral ou internista. Logicamente


essa rotina encarece exponencialmente
No Brasil, a vasta maioria dos mé- os custos para o sistema de saúde, visto
dicos que se tornam especialistas em que o paciente, muitas vezes desprovi-
medicina interna optam por seguir uma do de conhecimentos aprofundados,
especialidade. No aspecto prático, a resi- pode intuitivamente escolher uma es-
dência de medicina interna, por si, pode pecialidade inapropriada para sanar a
abrir portas em situações pontuais e, sua queixa, que, por sua vez, poderia ser
logicamente, oferece ao internista a ex- corretamente encaminhada pelo médi-
periência e o conhecimento para cuidar co generalista, quando não prontamen-
melhor dos seus pacientes; porém, de te resolvida pelo mesmo.
uma forma geral, em função das normas Está impregnado na cultura da po-
vigentes no Brasil, não amplia muito o pulação brasileira que o médico “bom” é
campo de atuação, em comparação ao aquele que passou muitos anos se espe-
médico sem pós-graduação. Como ci- cializando e não aquele que optou por
tado anteriormente, na visão popular, ser um clínico geral. Esta crença somada
ambos internista e médico sem pós-gra- à ideia de querer se usufruir de todo cen-
duação são tidos como clínicos gerais. tavo investido em um plano de saúde,
Associando esta questão da pouca dife- principalmente pelo preço exorbitante
rença no campo de atuação no merca- cobrado pelas seguradoras, alimenta a
do de trabalho com a possibilidade de procura direta pelo paciente por vários
uma melhor remuneração em decorrên- especialistas sem que ele seja previa-
cia da realização de procedimentos em mente avaliado por um clínico. Isto pro-
uma subárea, poucos médicos cursam move um aumento no custo no sistema
somente a residência de clínica médica. de saúde e, posteriormente, irá refletir
Atualmente, esta é quase que exclusiva- no próprio bolso do paciente e perpetu-
mente uma grande ponte para as múlti- ando assim o ciclo vicioso do microma-
plas especialidades. nejamento pelas especialidades.
O sistema de saúde vigente, particu-
larmente no cunho privado, alimenta o A RESIDÊNCIA
ciclo vicioso de micromanejamento pe-
las especialidades, com a ausência de O programa de residência em me-
uma visão integrada do paciente por um dicina constitui uma modalidade de
médico generalista. ensino de pós-graduação médica sob
O próprio paciente pode agendar a forma de curso de especialização, ca-
uma consulta com um médico especia- racterizada por treinamento em serviço
lista e este último está apto a tributar de em regime de dedicação exclusiva, sob
maneira integral pela consulta, mesmo a orientação de profissionais médicos
que não haja uma solicitação de um clí-

299
CAPITULO 30 Como Escolher a sua Residência Médica

especialistas em medicina interna e suas tração no Sudeste. No Sudeste também


especialidades. estão localizados os melhores progra-
Tal programa tem como objetivo o mas quando comparados indicadores
treinamento teórico e prático do resi- como pesquisa científica, qualidade de
dente para o seu aperfeiçoamento no ensino e avaliação de mercado4.
atendimento a pacientes clínicos em Mesmo com um grande número de
ambiente hospitalar e ambulatorial. As vagas oferecidas, a concorrência para
atividades dos residentes devem ser entrar na residência de clínica médica
sempre supervisionadas pela precepto- sempre apresenta um número expressi-
ria da residência médica e pelos médi- vo de candidatos por vaga5. Este núme-
cos que compõem as diversas equipes ro grande de candidatos é impulsionado
dos serviços. pelo também grande número de espe-
A residência de clínica médica é de cialidades que demandam a formação
acesso direto, ou seja, sem pré-requi- em clínica medica como pré-requisito.
sitos, e tem duração de dois anos, com A nota de corte para aprovação na resi-
carga horária de 60 horas semanais. As dência de clínica médica geralmente é
atividades da residência são distribuídas alta, porém, em função de muitos candi-
em atividades ambulatoriais, de emer- datos fazerem provas em processos se-
gência, hospitalares, rodízios em espe- letivos distintos, as famosas “listas” para
cialidades, atividades acadêmicas e de relocação dos candidatos costumam ser
pesquisa. O treinamento em medicina grandes, particularmente nas institui-
interna é muito intensivo intelectual- ções menos procuradas.
mente, pois o internista muitas vezes Ao avaliar a instituição onde se pre-
tem que agir como detetive ao buscar tende fazer prova de residência, deve-se
pistas para desvendar um diagnóstico pesquisar a formação dos seus precep-
obscuro, o que demanda um hábito ro- tores; se há a exposição aos pacientes
tineiro de estudo, visto que o conteúdo com diversos níveis de complexidade e
que envolve a clínica médica é extrema- acesso a especialidades; se há emergên-
mente vasto. As evidências que supor- cia e um serviço de referência estrutura-
tam as condutas são dinamicamente re- do; a existência de uma integração de
visadas e continuamente atualizadas. A todos os setores que oferecem o cuida-
prática da medicina baseada em evidên- do ao enfermo (como enfermagem, ser-
cia deve ser o cerne e o motor que im- viço social etc.); recursos e disponibilida-
pulsiona o residente de clínica médica. de de técnicas modernas de laboratório
A residência de clínica médica é o e imagem; oportunidade para pesquisa
programa de especialização médica e extensão e, principalmente, a prática
com maior número vagas e está ampla- rotineira da medicina baseada em evi-
mente disponível na maioria dos esta- dencia.
dos do Brasil, porém com maior concen-

300
Clínica Médica CAPITULO 30

O curriculum tem flexibilidade en- para clínica médica. Possivelmente, por


tre as instituições de ensino; em todas, não acrescentar a extensão do seu cam-
porém, o maior número de rodízios são po de atuação ou novamente em fun-
na unidade de internação. Muitas vezes, ção de poucos internistas encerrarem a
também chamadas de “enfermaria”, nela sua formação ao término da residência
os residentes passam cerca da meta- de clínica médica, a certificação através
de do período de residência. Os outros da prova do título de especialista não é
rodízios são distribuídos entre sala de uma rotina para os internistas no Brasil.
emergência, especialidades, unidades Considerando que conhecimento
básicas de saúde, unidades de terapia adquirido pelo médico residente, ao fim
intensiva e pesquisa. do curso, é o produto direto de um pro-
Considerando que a maioria sig- grama de residência, entre as consequ-
nificativa dos médicos que cursam a ências negativas da baixa proporção de
residência de clínica médica no Brasil internistas dispostos a pleitear o título
visam se aprofundar em uma especiali- de especialista, encontra-se a carência
dade, deve-se ter em mente que o foco de uma maneira objetiva de avaliar e
prematuro em uma subárea pode po- comparar os diversos programas de re-
tencialmente comprometer a formação sidência e alimenta a grande heteroge-
completa de um internista. Muitas vezes, neidade entre os mesmos.
os próprios residentes identificam suas
limitações e optam por rodízios em de- MERCADO DE TRABALHO
terminadas especialidades para suplan-
tar estas deficiências. Entretanto, cabe O mercado de trabalho para o inter-
também a preceptoria e coordenação nista é amplo e bastante diversificado. A
de cada residência a responsabilidade grande carência no mercado de profis-
de monitorar de maneira objetiva (pro- sionais dedicados ao cuidado integrado
vas) e prática (rotina das enfermarias e e primário do paciente, impulsionado
cuidado com os pacientes) as áreas onde pela pressão cada vez mais forte para o
hajam deficiências do conhecimento de exercício da medicina preventiva, mais
cada residente para que possam ser su- do que a curativa, oferece ao internista o
plantadas por uma maior exposição e complemento para a medicina ambula-
vivência. torial, previamente ditada pelo cuidado
Em comparação com médicos que de morbidades crônicas e complexas. O
concluem os cursos de residências com atendimento no consultório oferece ao
acesso direto (ex: dermatologia, oftal- internista a possibilidade de moldar a
mologia, radiologia) ou que se subespe- sua carga horária e, consequentemente,
cializam, lamentavelmente é muito bai- o retorno financeiro.
xa a proporção de internistas que optam O trabalho em salas de emergência
fazer a prova de título de especialista e como hospitalista, quase sempre em

301
CAPITULO 30 Como Escolher a sua Residência Médica

regime de plantão, geralmente está as- ambiente atual, a clínica privada solo
sociado com cuidados dispensados a está se tornando muito menos comum.
pacientes mais graves e com risco emi- Ao invés dessa, a maioria dos internistas
nente de morte. É uma opção para o in- parte para a prática de grupo, como gru-
ternista que prefere lidar com pacientes pos de várias especialidades de saúde
mais críticos e, consequentemente, uma ou terceirizando os seus atendimento
rotina com maior estresse. Como ocorre por clínicas privadas. Muitos convênios
na grande maioria dos plantões médi- hoje limitam o cadastro de novos mé-
cos, a remuneração geralmente é fixa e dicos, contribuindo para que médicos
por hora de trabalho. partam para a prática de grupo. O aten-
Há diferenças entre a prática clínica dimento particular também oferece
em serviços privados, serviços públicos opções que seguem desde a consulta
e instituições acadêmicas. popular a altos valores estipulados por
Embora o retorno financeiro em ins- clínicos renomados.
tituições acadêmicas seja normalmente Assim como em outras profissões, os
menor, há mais liberdade para o profis- internistas bem qualificados e compe-
sional estender a investigação diagnosti- tentes eventualmente terão destaque e
ca e oferecer o tratamento mais adequa- conquistarão seu espaço no mercado de
do ao seu paciente, contando inclusive trabalho. Entretanto, não faz parte cul-
com o apoio da multidisciplinaridade. tura dos pacientes brasileiros pesquisa-
Em serviços públicos como o progra- rem sobre o background acadêmico dos
ma de saúde da família, muitas vezes o seus médicos, dando margem à posição
internista tem dificuldades em se apro- social e publicidade de alguns profis-
fundar na investigação diagnostica e en- sionais assumirem um destaque maior
contra restrições terapêuticas por limita- do que a própria formação e educação
ções do Sistema Único de Saúde (SUS). médica.
Internistas que escolhem a prática
privada também têm várias opções. No

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

Medicina interna é talvez a mais ce- e pequenos detalhes. Internistas são,


rebral de todas as especialidades. Ela intelectualmente, médicos curiosos. É
exige um alto nível de pensamento importante o desenvolvimento da ca-
crítico. Há sempre casos interessantes pacidade de refletir, de questionar e de
que requerem uma grande organiza- fazer perguntas pertinentes durante o
ção mental para a solução de proble- processo de diagnóstico diferencial e na
mas e interpretação de sinais, sintomas adoção de condutas.

302
Clínica Médica CAPITULO 30

SOBRE O AUTOR

Dr. João Freitas Melro Braghiroli é:

Médico formado pela Universidade Federal da Bahia (Ufba). Fez residência de medi-
cina interna na University of Miami Miller School of Medicine (UMMSM) no período
de 2010-2013. Atua como chief resident na mesma instituição. Recebeu os prêmios:
“Intern of the Year” e “Resident of the Year” na University of Miami Miller School of
Medicine, e o prêmio “Outstanding Physician” na American College of Physicians.
É membro do Board of Associates do American College of Physicians (ACP) e certi-
ficado pelo American Board of Internal Medicine (Abim). Fellow de cardiologia no
Jackson Memorial Hospital na UMMSM.

REFERÊNCIAS

1. "What is an Internist - Doctors for Adults". American College of Physicians.


2. Edwin Smith papyrus (Egyptian medical book). Disponível em: <Britannic.com.>.
3. "The emerging role of "hospitalists" in the American health care system"; Wachter R, Goldman
L (1996). N Engl J Med 335 (7): 514–7.
4. Ranking Universitário Folha. Disponível em: <http://ruf.folha.uol.com.br/2013/rankingdecur-
sos/medicina/avaliacao_de_mercado.shtml>.
5. Ver: <http://www.edudata.net.br/fm13/fm13_portal.asp?p=cbol>.
6. The ultimate guide to choosing a medical specialty.

303
CARDIOLOGIA “

Dr. Lucas Hollanda Oliveira
Se você não tem caridade em seu coração,
tem o maior problema cardíaco possível.

Bob Hope

A A cardiologia é a especialidade da
clínica médica que estuda o coração,
os grandes vasos e as doenças que aco-
metem estas estruturas. Sua área de
atuação é vasta e envolve a prevenção,
O vultuoso volume de conhecimen-
to que vem sendo produzido, associado
a uma pressão do mercado, têm moti-
vado uma crescente segmentação da
especialidade. Isto tem se refletido no
a investigação diagnóstica, os cuidados tempo de formação do cardiologista e
clínicos, além de procedimentos inter- deve ser levado em conta no momento
vencionistas e reabilitação. da escolha da especialidade para que
O advento da antibioticoterapia, as- um planejamento seja realizado.
sociado às mudanças nos hábitos de
vida, às melhorias na infraestrutura e HISTÓRIA
saneamento básico, proporcionaram
aumento da longevidade, modifican- Um dos primeiros relatos do sistema
do a epidemiologia das causas de ado- cardiocirculatório pode ser encontra-
ecimento e óbito. Dados de 2011 da do nos papiros de Smith, escrito pelos
Organização Mundial de Saúde (OMS) egípcios (de provável autoria do sacer-
estimaram que aproximadamente 13 dote Imhotep) há cerca de 3.000 anos(2).
milhões de mortes/ano são causadas Essa obra, conhecida como o tratado de
por doenças cardiovasculares, figurando cirurgia do trauma mais antiga que se
a principal causa de óbito no mundo1. tem notícia, já descrevia a conexão do
Esta mudança no perfil de morbidade coração com os vasos sanguíneos, bem
e mortalidade tem criado um aumento como a correlação da pulsação com o
pela demanda de profissionais com atu- sistema circulatório3. Há cerca de 2.300
ação na profilaxia, diagnóstico e trata- anos, os chineses descobriram que exis-
mento de doenças cardiovasculares. tia movimento de sangue no interior
CAPITULO 31 Como Escolher a sua Residência Médica

destes vasos3. Na Grécia clássica, Platão como fazem retornar esse fluido de vol-
já difundia o conceito de que o coração ta para o átrio direito através das veias
desempenha papel central no constan- (...). Deve ser concluído, portanto, que
te movimento do sangue no interior dos nos animais, o sangue circula pelo corpo
vasos3. Hipócrates ensinava aos seus de forma contínua, proporcionada pela
discípulos que o coração é dividido em função de bomba hidráulica do coração.
câmaras, que algumas delas eram sepa- Assim se explica o propósito dos bati-
radas por válvulas, e que a coloração do mento cardíacos.”
sangue diferia entre as cavidades direita Nesta época, Leonardo da Vinci con-
e esquerda3. Nesta mesma época, Pra- tribuiu de forma extraordinária, através
xágoras apregoava que a análise minu- de seus desenhos, com a elucidação da
ciosa do pulso poderia auxiliar no diag- anatomia do aparato valvular3. Também
nóstico de doenças, Herófilo iniciava o foi um dos primeiros a descrever a do-
estudo das arritmias cardíacas e Erasita- ença ateroesclerótica em idosos3. Ain-
to difundia o conceito de que as artérias da no século XVII, Malpighi esclareceu
se comunicam com as veias3. Na era ro- que os capilares são o elo de ligação
mana, o incremento do conhecimento entre artérias e veias e Giovanni Battista
da anatomia cardiovascular, em muito Morgani publicou o De Sedibus et Causis
ocorreu por conta das observações fei- Morborum, em que catalogava achados
tas por Galeno durante suas dissecções de necropsia relacionados às doenças
em animais3. cardiovasculares3. No século XIX, o mé-
Assim como em outros campos da dico francês René Teophyle Hyacinthe
ciência, muito pouco se evoluiu duran- Laennec, que também era flautista, ao
te a Idade Média, quando o racional observar crianças brincando com tu-
do fervor científico foi trocado por prá- bos longos para transmitir sons entre si,
ticas empíricas e supersticiosas. Com acabou por inventar o estetoscópio3. No
o florescimento cultural e científico século XX, os avanços foram ainda mais
da Renascença, o avanço do conheci- marcantes e iniciou-se com a criação do
mento voltou a ganhar fôlego através eletrocardiograma por William Eintho-
de descobertas realizadas por grandes ven. Na sequência, vivenciamos grandes
anatomistas4. Em 1628, sir William Har- evoluções nos campos da hemodinâmi-
vey, através da sua publicação De Motu ca e da cirurgia com o desenvolvimento
Cordis5, cunhou as noções de fisiologia do cateterismo e das cirurgias de revas-
cardíaca e de circulação sanguínea nos cularização miocárdica e transplante.
moldes como conhecemos nos dias de
hoje: “Tem se mostrado, pela razão e ÁREAS DE ATUAÇÃO
por experimentos, que os batimentos
ventriculares fazem circular sangue para A cardiologia oferece um vasto cam-
os pulmões e para todo o corpo, bem po de atuação (tabela 1), fator positivo

306
Cardiologia CAPITULO 31

para as pessoas que preferem conhecer (UCOs) ou especializadas em pós-ope-


melhor a especialidade antes de esco- ratórios de cirurgias cardíacas. Esta fun-
lherem a área de atuação específica. ção consiste em guiar as estratégias de
Os profissionais que optam por seguir tratamento dos pacientes internados,
carreira na cardiologia clínica podem de modo a uniformizar a condução de
atuar na área da prevenção, tratamen- cada caso. O avanço frenético do conhe-
to clínico e reabilitação. A prevenção cimento nestas áreas, associado ao ele-
das doenças cardiovasculares pode ser vado volume de pacientes, bem como
realizado através de políticas de saúde a necessidade em se promover elevada
pública ou ainda por meio de ações indi- rotatividade nessas unidades, têm de-
viduais em consultórios e ambulatórios. mandado a existência de profissionais
A abordagem multidisciplinar no trata- especializados nestas áreas.
mento das doenças cardiovasculares, Na esfera diagnóstica, a análise de
tem demandado habilidade do cardiolo- exames gráficos pode ser uma escolha
gista em se relacionar com profissionais para aqueles que apreciam traçados
de outras áreas com o objetivo de me- eletrocardiográficos. Nesta área de atua-
lhor assistir o paciente (fisioterapeutas, ção, o profissional torna-se responsável
educadores físicos, psicólogos, nutricio- pela interpretação e emissão de laudos
nistas, dentistas, enfermeiros). de holter (método diagnóstico que gra-
A formação do cardiologista que va a atividade elétrica do coração por
trabalha com transplante deve envol- 24h ou mais), eletrocardiograma (ECG)
ver conhecimentos profundos sobre de 12 derivações e ECG de alta resolu-
insuficiência cardíaca, imunossupres- ção. A realização e avaliação dos tes-
são, suporte pós-operatório de cirurgias tes ergométrico e ergoespirométrico
cardíacas e dispositivos de assistência (associação de teste ergométrico com
ventricular. Estes últimos constituem-se análise metabólica dos gases durante
em aparelhos que substituem tempora- o exercício) também podem fazer parte
riamente a função de bomba cardíaca, do escopo de atuação desses profissio-
apesar de, ultimamente, já existirem nais. Para os que preferem a área de ima-
modelos de coração artificial destina- gem, uma opção consiste em trabalhar
dos à terapia de destino (longo prazo). com ecocardiografia (ultrassonografia
Nesse domínio do conhecimento, o in- que fornece informações anatômicas e
tercâmbio de informações e conheci- funcionais do órgão), cintilografia mio-
mentos entre o cardiologista clinico e o cárdica, tomografia computadorizada
cirurgião cardiovascular é de fundamen- ou ressonância magnética aplicadas ao
tal importância na decisão de condutas. coração.
Ainda na área clínica, o cardiolo- A formação como cardiologista ain-
gista pode trabalhar com o sistema de da permite o ingresso em subespeciali-
diarismo em unidades coronarianas dades envolvidas na realização de pro-

307
CAPITULO 31 Como Escolher a sua Residência Médica

cedimentos minimamente invasivos. Na virtuais do órgão. Em alguns centros, a


cardiologia intervencionista, o profis- manipulação dos cateteres pode ser rea-
sional habilitado utiliza cateteres endo- lizada através robôs. Em muitos países, o
vasculares, inseridos por via percutânea, eletrofisiologista, durante sua formação,
para realizar estudos das cavidades do é treinado no manuseio e implante de
coração, da árvore coronariana e dos dispositivos como os marcapassos, os
grandes vasos. Através deste método, desfibriladores e os ressincronizadores.
ainda é possível o tratamento das pla- Estes pequenos computadores implan-
cas de ateroma nos vasos coronários e tados no subcutâneo ou sob o músculo
renais, utilizando técnicas de angioplas- através de um pequeno procedimento
tia (dilatações dos estreitamentos) com cirúrgico, têm como função manter fre-
colocação de stents (dispositivos metá- quência cardíaca pré-programada, apli-
licos que mantêm a patência do vaso). car terapias elétricas e reestabelecer o
Alguns intervencionistas ainda prolon- sincronismo da contração cardíaca, res-
gam a formação com o objetivo de ad- pectivamente. A estimulação artificial
quirir conhecimento para tratar doenças apresenta interface íntima com a eletrô-
cardíacas congênitas. nica e a informática, sendo uma subes-
O surgimento da eletrofisiologia pecialidade interessante para os aprecia-
na década de 80 como uma subespe- dores destas áreas do conhecimento. No
cialidade revolucionou o diagnóstico Brasil, a formação do “estimulista” pode
e tratamento das arritmias cardíacas e ser contemplada após conclusão da re-
vem ganhando notoriedade pela galo- sidência de cardiologia através de espe-
pante evolução tecnológica. O estudo cialização específica, simultaneamente a
eletrofisiológico, apesar da sua nature- formação em eletrofisiologia ou durante
za invasiva, tem possibilitado um me- a formação em cirurgia cardíaca.
lhor entendimento do mecanismo das A cardiologia também permite a
arritmias, permitindo elevada acurácia atuação em áreas com interface com
diagnóstica. Na esfera terapêutica, o ele- outras especialidades, a exemplo da
trofisiologista utiliza fontes de energia, cardiopatia congênita, cardiogeriatria e
geralmente a radiofrequência, aplicadas cardiopatia da mulher. Estas subespe-
ao coração através de cateteres em con- cialidades foram criadas por conta das
tato direto com o miocárdio, para cau- peculiaridades relacionadas a preven-
terizar focos de arritmias. A navegação ção, diagnóstico e tratamento das doen-
destas ferramentas por dentro (endo- ças cardiovasculares em tais grupos po-
cárdio) e por fora (epicárdio) do coração pulacionais. Para cardiopatia congênita,
(através de punção do saco pericárdico) algumas instituições solicitam a forma-
pode ser guiada por fluoroscopia, eco- ção em pediatria como pré-requisito
cardiograma intracardíaco ou ainda por para o ingresso na subespecialidade.
equipamentos que constroem imagens

308
Cardiologia CAPITULO 31

SUB-ESPECIALIDADES DENTRO DA CARDIOLOGIA


Atuação clínica Atuação diagnóstica Atuação intervencionista
Dislipidemias Ecocardiografia Cardiologia intervencionista
Miocardiopatias Métodos gráficos Estimulação cardíaca
Transplante Reabilitação* Eletrofisiologia invasiva
Hipertensão arterial Medicina nuclear
Eletrofisiologia clinica Tomografia
Cardiopatia da mulher Ressonância magnética
Cardiopatias Congênitas
Valvulopatias
Reabilitação*
Coronariopatias
Cardiogeriatria
Cardio-intensivismo
• UCO
• PO cirurgia cardíaca
Tabela1: Subespecializações dentro da cardiologia. *Os profissionais que trabalham com reabilitação, comu-
mente, também atuam na área de realização de exames diagnósticos como a ergometria e a ergoespirome-
tria.

CARACTERÍSTICAS DO zendo com que a cardiologia seja muito


CARDIOLOGISTA atrativa para os médicos que ainda não
definiram seu nicho de trabalho. Após
Para lograr êxito na especialidade, o a especialização, é possível a escolha
cardiologista deve ser dinâmico e esta- pela área de imagem, clínica cardioló-
belecer uma rotina incansável de atuali- gica (consultório ou unidades fechadas
zações. Manter-se atualizado em cardio- como as UCOs), métodos gráficos ou
logia é um desafio tão grande que seria ainda por intervenções minimamente
praticamente impossível de se alcançar, invasivas (cardiologia intervencionista,
frente ao volume de conhecimento des- eletrofisiologia, estimulação artificial).
coberto a cada dia, não fosse a subdivi- Uma das demandas comuns a todas as
são da especialidade. Prolongar a forma- subespecialidades consiste na disponi-
ção tem sido um caminho cada vez mais bilidade do profissional para atender às
frequente na cardiologia, seja pelos necessidades dos pacientes, já que as
motivos expostos, seja pela pressão do urgências não são incomuns na cardio-
mercado de trabalho. Desta forma, per- logia.
severança e paciência também devem
fazer parte das características de quem ROTINA
almeja o sucesso na área.
Cada subespecialidade demanda A rotina do cardiologista, mais uma
um perfil diferente de profissional, fa- vez, encontra-se atrelada a sua área de

309
CAPITULO 31 Como Escolher a sua Residência Médica

atuação. Cardiologistas clínicos têm um desenvolvimento de problemas ortopé-


contato muito próximo com o paciente dicos ou vasculares. No caso das mulhe-
e sua doença, ao passo que aqueles que res, cuidado extra deve ser tomado por
trabalham com métodos diagnósticos e aquelas que desejam engravidar, haja
gráficos têm pouco ou nenhum contato visto os efeitos teratogênicos da radia-
com o enfermo. Diaristas de unidades ção sobre o feto.
coronarianas ou de pós-operatório de Nos campos da eletrofisiologia e es-
cirurgias cardíacas lidam com pacientes timulação cardíaca artificial, a familia-
graves, ao passo que os clínicos “de con- rização com a informática, noções de
sultório” atendem pacientes com doen- eletricidade e artigos tecnológicos faci-
ças estáveis. litam o cotidiano dos profissionais. Estes
Na área diagnóstica, existe uma ten- especialistas lidam com programação
dência de um profissional aglutinar co- (através de telemetria) de microcompu-
nhecimentos acerca de diferentes mé- tadores implantados (ex: marcapassos),
todos ou mesmo da aplicação de um manipulação de imagens virtuais e in-
mesmo método para diferentes área da terpretação de sinais elétricos cardíacos
medicina. Talvez o maior exemplo seja adquiridos por eletrodos intracavitários.
o profissional que lida com a medicina
nuclear que, pela complementariedade QUALIDADE DE VIDA E
do exame, também realiza teste ergo- MERCADO DE TRABALHO
métrico e avalia padrões cintilográficos
de outros órgãos alem do coração. Assim como em outras especialida-
Cardiologistas intervencionistas, ele- des, a qualidade de vida do cardiologista
trofisiologistas e aqueles que lidam com depende da sua área de atuação, bem
estimulação cardíaca, têm no laboratório como da sua postura e organização. O
de hemodinâmica o seu principal local indivíduo que opta por seguir subespe-
de trabalho. Durante os procedimentos, cialidade que lida com pacientes mais
estes especialistas se expõem a radiação graves e instáveis (ex: diaristas de UCOs,
ionizante, demandando equipamentos unidades de pós-operatórios, interven-
de proteção individuais (EPIs) especiais cionistas) tem de se adaptar a escalas de
como óculos com revestimento plúmbi- sobreaviso e plantões. Apesar do efeito
co e capas de chumbo. A despeito dos negativo na qualidade de vida, quando
EPIs, o risco em desenvolver determina- bem ajustados e ponderados, o fado
das complicações relativas a exposição dessas responsabilidades podem ser
à radiação, como catarata precoce e ne- atenuados através de uma programação
oplasias malignas, ainda é uma realida- pessoal antecipada e bem estruturada.
de. Não obstante, o peso das capas de Do ponto de vista mercadológico, a
chumbo, bem como excesso de tempo perspectiva de trabalho para o cardio-
na posição ortostática, podem levar ao logista é boa, tendo em vista a carência

310
Cardiologia CAPITULO 31

de profissionais especializados no país o objetivo de “fidelizar” o bom profissio-


frente ao aumento de portadores de mo- nal à instituição.
léstias cardiovasculares. Isto é justificado
pelo fenômeno de inversão da pirâmide RESIDÊNCIA EM CARDIOLOGIA
epidemiológica e consequente envelhe-
cimento populacional, fazendo aumen- De acordo com as recomendações
tar as incidências e prevalências destas da Sociedade Brasileira de Cardiologia
doenças. (SBC), a residência de cardiologia so-
O advento da telemedicina tem revo- mente poderá ser cursada por aqueles
lucionado a área medica, em especial a que realizaram pelo menos dois anos
cardiologia, ao permitir que o trabalho de treinamento em clínica medica, com
(na maioria dos casos análise de traça- carga horária de pelo menos 2.880 horas
dos e emissão de laudos à distancia) seja por ano (60 horas semanais, 48 sema-
realizado a partir de um ponto remoto. nais). Segundo estas diretrizes, o curso
Para tanto, faz-se necessário uma cone- pode ser oferecido de forma direta em
xão com a internet, um computador e uma duração de quatro anos, desde que
softwares específicos. Para alguns, este dois deles sejam dedicados a clinica me-
nicho de mercado tem se tornado uma dica. Para ingresso nos cursos com dois
oportunidade de empreender negócios, anos de duração, o candidato deverá
ao passo que, para outros, uma opção comprovar, através de declaração de
aos plantões presenciais. A possibilidade conclusão fornecida por serviço creden-
de se trabalhar a partir da própria resi- ciado à Comissão Nacional de Residên-
dência, tem tornado esta modalidade de cia Médica (CNRM) ou centro credencia-
plantão muito atrativa do ponto de vista do pela Sociedade Brasileira de Clínica
da qualidade de vida. Médica (SBCM), dois anos de treinamen-
Em termos de mercado, a cardiologia to em clínica medica. Também é aceito
proporciona aos de ímpeto empreende- como comprovante, o titulo de especia-
dor, uma oportunidade de se tornarem lista em clínica médica conferido pela
empresários, ao se criar estruturas (com- Associação Médica Brasileira (AMB)6.
pra de aparelhos de ECG, monitorização Por recomendação desta mesma
ambulatorial da pressão arterial (Mapa), instituição, a residência em cardiolo-
holter, teste ergométrico etc.) e vender gia deverá ter a duração mínima de 24
serviços especializados. Apesar de, na meses com carga horária de 2.880 horas
grande maioria dos casos a criação de por ano (60 horas semanais, 48 sema-
uma pessoa jurídica se fazer necessária nas). O programa deverá destinar, no
para recebimento de proventos, alguns mínimo 10% e no máximo 20% da sua
serviços têm optado por criar vínculos carga horária para atividades teóricas:
empregatícios com o cardiologista com aulas, seminários, reuniões científicas e

311
CAPITULO 31 Como Escolher a sua Residência Médica

discussões de artigos6. As pessoas que des. A distribuição da carga horária va-


optarem por aprofundar o conhecimen- ria conforme as características de cada
to dentro de uma subespecialidade, via instituição e contempla a vivência em
de regra, terão de passar por novo pro- ambulatórios, interconsultas, avaliação
cesso seletivo após conclusão regular de métodos diagnósticos e plantões em
do curso. unidades de pronto atendimento, UCOs
Nas grandes instituições, do ponto e pós-operatório de cirurgia cardíaca.
de vista prático, a residência em car- Nos grandes centros, os plantões notur-
diologia consiste no estágio rotatório nos fazem parte da rotina de aprendiza-
e supervisionado pelas subespecialida- do dos residentes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

A cardiologia oferece um vasto e calcular, por exemplo, o tempo médio


variado campo de atuação, entretanto para a formação de um cardiologista
este ponto positivo deve ser ponderado intervencionista: seis anos de gradua-
com o prolongamento do tempo de for- ção, dois anos de medicina interna, dois
mação. Para se alcançar o grau de espe- anos de cardiologia e mais dois anos da
cialização esperada, o proponente deve subespecialidade, totalizando, portanto,
programar sua vida pessoal e financei- doze anos de investimento. O esforço e
ra a fim de evitar desistências antes do a persistência empregados são compen-
termino dos programas de residência. sados pela prática de uma especialidade
A titulo de curiosidade, é interessante recompensadora e fascinante.

SOBRE O AUTOR

Dr. Lucas Hollanda Oliveira é:

Doutorando em cardiologia pela Universidade Federal de São Paulo (USP). Mestre


em ciências (stricto sensu) pela USP. Fez residência em clinica médica pela Santa
Casa de Misericórdia de São Paulo e em cardiologia pela Instituto Dante Pazzanese
de Cardiologia (IDPC). Especialização em eletrofisiologia clínica e invasiva pela Es-
cola Paulista de Medicina (Unifesp) e em estimulação cardíaca artificial pela Santa
Casa de Misericórdia de São Paulo. Especialista em Cardiologia pela Sociedade Bra-
sileira de Cardiologia (SBC) e em eletrofisiologia clínica e invasiva pela Sociedade
Brasileira de Arritmias Cardíacas (Sobrac). Membro habilitado pelo Departamento
de Estimulação Cardíaca Artificial (Deca).

312
Cardiologia CAPITULO 31

REFERÊNCIAS

1. World Health Organization. As 10 principais causas de óbito no mundo em 2011. Disponível


em: <http://who.int/mediacentre/factsheets/fs310/en/>.
2. Allen JP. The art of Medicine in Ancient Egypt. New York: The Metropolitan Museum of Art,
2005.
3. Lyons AS, Petrucelli J. Medicine: an illustrated history. Abradale Press/Abrams, New York, 1978.
4. Braunwald E. The Simon Dack lecture. Cardiology: the past, the present, and the future. Am
Coll Cardiol. 2003;42(12):2031–41
5. Harvey W. Exercitatio anatômica de motu cordis et sanyuinis in animalibus (An anatomical
disquisition on the motion of the heart and blood in animals). Londres, 1628. Traduzido por
Robert Willis. Surrey, England: Barnes, 1847.
6. de Sousa MR, Feitosa GS, de Paola AA, et al. I Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiolo-
gia sobre processos e competências para a formação em cardiologia no Brasil. Arq Bras Car-
diol.2011;96(5 Suppl 1):4-24.

313
ENDOCRINOLOGIA “

Dr. Carlos A. Minanni
A comida, como o seu dinheiro, deveria estar
trabalhando para você!

Rita Deattrea Beckford M.D.

E Escolher qual o caminho a seguir


pelo resto da vida talvez seja uns dos
momentos mais angustiantes, para
maioria das pessoas, no processo de
amadurecimento. Grande parte de nós
Andropausa e reposição hormonal da
menopausa;
Dislipidemias;
Distúrbios do crescimento e da puberdade;
Diabetes;
tem interesse em pelo menos duas áre- Distúrbios da menstruação e hirsurtismo;
as distintas do conhecimento, e assim, Doenças da Glândula suprarrenal;
é fundamental que na hora da escolha
Doenças da hipófise;
da especialidade, o candidato conheça
as características delas e qual é a rotina Obesidade e síndrome metabólica;
de vida que aquele especialista normal- Osteoporose e doenças do metabolismo
ósseo;
mente leva. É preciso, então, correlacio-
nar o perfil da especialidade com o seu Doenças da tireoide.
próprio perfil e com as suas próprias ha-
bilidades específicas. HISTÓRIA
A endocrinologia e metabologia são
especialidades relativamente novas e, A palavra hormônio foi primeira-
portanto, pouco conhecidas pela popu- mente utilizada em 1905 pelo fisiolo-
lação em geral, sendo o ramo da medici- gista inglês Ernest Starling durante uma
na que cuida dos transtornos das glân- palestra sobre o controle químico das
dulas endócrinas. funções corporais no Royal College of
Os endocrinologistas atuam em um Physicians em Londres. Ele definiu hor-
campo extremamente vasto que in- mônios como mensageiros químicos
cluem: produzidos para atender necessidades
CAPITULO 32 Como Escolher a sua Residência Médica

fisiológicas do organismo e carregados contato direto com o paciente, ser em-


do órgão em que são produzidos para o pático e treinar sempre a habilidade
orgão de destino pela corrente sanguí- de se comunicar de maneira clara. Do
nea. Poucos anos antes, Starling e seu mesmo modo, por ser uma área nova e
colega William Bayliss haviam identifi- com avanços diários, autodisciplina para
cado o primeiro hormônio, a secretina, manter-se atualizado e atenção aos de-
durante experimentos sobre a digestão. talhes são muitas vezes os diferenciais
(adaptado de One hundred years of hor- que motivam um paciente a optar por
mones). um ou outro profissional.
Desde então, os hormônios aumen-
taram nossa compreensão dos proces- DESAFIOS DA ESPECIALIDADE
sos fisiológicos na saúde e na doença. NA PRÁTICA CLÍNICA
Do pequeno número descobertos ini-
cialmente, temos atualmente uma visão Se usarmos um diabético como
altamente complexa de um conjunto de exemplo, vamos perceber que em uma
centenas de hormônios que permitem boa consulta de rotina será preciso ava-
que as células se comuniquem com ou- liar vários aspectos, como a presença de
tros tecidos, próximos ou distantes, em hipoglicemias; os valores de glicemia
efeitos locais ou sistêmicos. capilar dos diferentes horários; a adesão;
A avaliação hormonal basal nos for- uso correto da insulina; a contagem de
nece dados para o raciocínio médico, carboidratos; atividade física; horário e
entretanto em algumas situações clí- conteúdo da dieta; rastreio e manejo de
nicas tornam-se necessários exames comorbidades; como obesidade, hiper-
dinâmicos para melhor avaliar o funcio- tensão arterial e dislipidemia. Isso exige
namento de uma glândula ou órgão. O tempo e paciência, impossível de se rea-
emprego de testes dinâmicos represen- lizar em um período de quinze minutos,
ta um recurso diagnóstico de grande como muitos locais estipulam.
valia na investigação endocrinológica. Com o atual modelo de prática da
Estes testes, também conhecidos como Medicina através de planos de saúde,
provas funcionais, consistem em avalia- esse problema se agravou. Pesquisa
ções hormonais seriadas, em resposta a divulgada pela Associação Paulista de
algum agente provocativo, e fazem par- Medicina (APM) sobre a avaliação dos
te da rotina de raciocínio da endocrino- usuários de planos ou seguros de saúde
logia. do estado de São Paulo mostra que, nos
últimos dois anos, 77% dos entrevista-
O ESPECIALISTA E A SUA ROTINA dos tiveram algum problema com con-
vênios médicos, em especial a demora
Sendo uma especialidade clínica, no agendamento de consultas ou auto-
é fundamental gostar de lidar com o rização para realizar exames. Contornar

316
Endocrinologia CAPITULO 32

estas dificuldades e proporcionar um sobre os possíveis malefícios que podem


atendimento de qualidade se torna, as- trazer se usadas indiscriminadamente.
sim, um dos principais desafios da prá- Do mesmo modo, o assédio da in-
tica atual. dústria, que a cada dia lança novos
Outra grande dificuldade, especial- produtos cujos resultados são sempre
mente no início da carreira, é o fato de “melhores que os outros”, requer certa
não dispormos mais dos assistentes e maturidade em discernir o que será me-
colegas para discutirmos as dúvidas e lhor para o paciente.
angústias. Começar em clínicas onde Tudo isso (sem dúvida) são fatos que
hajam outros colegas atendendo para o especialista enfrentará na pratica do
poder discutir uma determinada dúvi- dia a dia, e que requerem vivência para
da, e o contato com centros formadores, serem contornadas, mas que podem ser
através de cursos e reuniões clínicas de abordadas desde a residência para for-
atualização são formas de se minimizar mar indivíduos preparados não só para
essa insegurança inicial. a parte técnica, mas para todo o conjun-
Por fim, é sem dúvida um impac- to de fatores que formam a relação mé-
to para o endócrino recém-formado o dico-paciente.
contato com um perfil de pacientes di-
ferentes daqueles que encontramos no MERCADO DE TRABALHO
SUS. Vivemos em uma época singular,
onde há uma preocupação crescente A especialidade vem ganhando pro-
com alimentação saudável e exercício jeção, com o passar dos anos, pois as
físico na busca pelo corpo perfeito. Po- doenças endócrinas têm se elevado na
rém essa busca, muitas vezes é de for- população brasileira e na do mundo. A
ma inadequada, onde cada vez mais se obesidade, por exemplo, afeta cerca de
quer buscar um objetivo rápido sem o 42% da população. Estima-se que 285
mínimo de esforço possível, e sem levar milhões de pessoas sofram de diabetes
em conta a saúde. A mídia tem exercido em todo o mundo, o que deve aumentar
grande influência neste contexto, dis- para 438 milhões em 20 anos. Na Amé-
ponibilizando dietas milagrosas e noti- rica Latina, o número estimado em 18
ciando descobertas fantásticas para a milhões deve aumentar 65%, chegando
solução do ganho de peso. Diariamente, a quase 30 milhões de casos. Essas duas
pacientes nos questionam sobre dietas doenças, decorrentes em grande parte
da moda publicadas na revista da sema- da modificação alimentar causada pelo
na, uso off-label de novas medicações e desenvolvimento no mundo, têm me-
suplementos disponíveis nas academias, recido especial atenção por parte dos
desafiando o médico a conhecer estas serviços de saúde pública. Com isso, a
novidades, especialmente para alertar demanda por um profissional especiali-

317
CAPITULO 32 Como Escolher a sua Residência Médica

zado na área vem crescendo exponen- procedimentos, já que geralmente pun-


cialmente. ções e exames são realizados por outros
A maior parte dos endocrinologistas especialistas.
trabalha com a endocrinologia geral, em- Um novo nicho de trabalho tem
bora nos grandes centros hajam aqueles surgido pela familiaridade do endocri-
que se dediquem a apenas uma subárea, nologista com pesquisas genéticas e
por exemplo, lidar apenas com pacien- interpretação de exames laboratoriais,
tes com tumores neuroendócrinos. No e grandes laboratórios têm requisitado
início da carreira, o médico recém-espe- estes profissionais na participação do
cializado pode iniciar seu próprio con- controle de qualidade de suas análises
sultório, se filiar a um consultório de uma clínicas, agregando à especialidade a
clínica pré-existente ou se cadastrar em possibilidade de atuar no seguimento
um ambulatório de um hospital. Existem de patologia clínica.
também vagas na rede pública, em am- A pesquisa básica ocupa lugar de
bulatórios de especialidades e hospitais, destaque aos endocrinologistas que
através de concursos públicos. mantém o vínculo com hospitais-escola
São, portanto, áreas possíveis de atu- que tenham a pesquisa como objetivo.
ação: Geralmente, os laboratórios de investi-
gação médica, com apoio da própria Ins-
Hospitais públicos ou particulares
tituição, bem como do governo estadual
Clínicas e instituições de saúde
e federal têm fornecido suporte financei-
Centros laboratoriais ro para pesquisa.
Consultórios próprios Dados do site de busca por empre-
SPAs e centros de estética gos médicos nos Estados Unidos, Mer-
Centros e laboratórios de pesquisa da área ritt Hawkins, cita a endocrinologia como
Docência em universidades e faculdades uma das áreas com maior potencial de
crescimento para os próximos dez anos,
O atendimento no consultório carac- estando entre as vinte especialidades
terizaria o atendimento habitual como médicas mais procuradas. Embora os
de pacientes de média complexidade. dados americanos sejam bastante dife-
Algo interessante e diferente de outras rentes dos nossos, a American Medical
especialidades é que o paciente endo- Group Association cita um salário sema-
crinológico volta com frequência ao nal médio de US$ 1.748,00 para um pro-
consultório, com a possibilidade de am- fissional da área.
plo contato entre médicos e pacientes,
especialmente pelo caráter crônico da QUALIDADE DE VIDA
maioria das doenças, o que é um ponto
positivo para quem gosta deste perfil, Alcançar uma vida com a máxima
mas com a desvantagem de não possuir qualidade possível é o objetivo e a pro-

318
Endocrinologia CAPITULO 32

cura incessante para a maioria das pes- com os pacientes e 74% satisfeitos com a
soas. Existe uma grande preocupação interação com as demais especialidades.
com a qualidade dos serviços prestados
à população e o grau de satisfação do A RESIDÊNCIA
paciente.
No entanto, pouca atenção é dada à Após a conclusão da residência em
satisfação dos trabalhadores e à sua qua- clínica médica, que é um requisito bá-
lidade de vida, apesar de ser hoje conhe- sico para ingressar na especialidade, o
cido que o bem-estar laboral influi na médico residente passa por um perío-
efetividade do trabalho. Assim, buscar do de dois anos, divididos na maioria
uma especialização levando em conta a dos serviços por blocos relacionados às
qualidade de vida é, sim, um passo fun- subáreas do conhecimento, como de-
damental. senvolvimento (incluindo temas como
A qualidade de vida do endocrino- crescimento, andropausa; distúrbios da
logista é boa, e terminada a residência menstruação e puberdade; reposição
e estabelecida a rotina ambulatorial, é hormonal); lípides; obesidade e trans-
possível trabalhar no período comercial, tornos alimentares; diabetes, adrenal;
já que não há plantões relacionados à ossos; neuroendócrino (hipófise) e ti-
área. Logicamente, sempre poderá haver reoide. As atividades diárias se dividem
intercorrências com os pacientes do con- entre o atendimento ambulatorial, que
sultório, e um bom profissional manterá é a principal atividade do dia a dia, en-
contato com eles, mesmo que interna- fermaria e reuniões didáticas, incluindo
dos sob os cuidados de outras equipes. aulas, apresentações de casos clínicos e
Em 2010, no Canadá, uma pesquisa artigos científicos.
aplicada em 69 dos 447 endocrinologis- Por ser uma área bastante relacio-
tas cadastrados no país revelou que a nada à ciência básica, intrinsecamente
maioria dos entrevistados gastavam cer- ligada à pesquisa, muitos programas de
ca de 52 horas semanais em atividades residência contemplam em suas grades
relacionadas diretamente ao trabalho, atividades relacionadas à biologia mo-
a maior parte deste período em consul- lecular e a rotina laboratorial de hormô-
tas. Cerca de sete horas adicionais eram nios, o que pode ser interessante por
gastas em pesquisas e mais sete em cui- agregar áreas de atuação diferenciais no
dados indiretos aos pacientes, como reu- mercado de trabalho.
niões familiares ou contato com outros No cotidiano ambulatorial, os casos
especialistas. Com relação a satisfação são atendidos pelo residente do primei-
pessoal, 78% estavam muito ou mode- ro ou do segundo ano, e na sequência
radamente satisfeitos com a profissão, discutidos com os preceptores ou as-
89% satisfeitos com o relacionamento sistentes. Existe grande interação com

319
CAPITULO 32 Como Escolher a sua Residência Médica

outras especialidades na condução dos CURSOS DE ESPECIALIZAÇÃO


casos, como a nutrologia e nutrição, a
radiologia e a cirurgia, seja através da O número de vagas na maioria dos
gastro (bariátrica), cirurgia da cabeça e serviços de endocrinologia é limitado,
pescoço (tireoide) ou urologia (adrenal, sendo oferecidas vagas de estágio em
distúrbios de desenvolvimento sexual). vários hospitais, geralmente não con-
Habitualmente, não há anos adicio- templando bolsa de residência.
nais de subespecialização (como um “R5” A Sbem emitiu um parecer alar-
só em tireoide, por exemplo), podendo o mando sobre a crescente proliferação
endocrinologista formado seguir o cami- de cursos de especialização em endo-
nho da pós-graduação caso tenha inte- crinologia latu sensu, posicionando-se
resse na área acadêmica, embora alguns oficialmente sobre o tema. O site da
serviços ofereçam uma espécie de com- sociedade destaca que atualmente os
plementação especializada, equivalente programas de residência e dos cursos
a um ano adicional de residência. de especialização credenciados pela
Oficialmente, a residência médica no SBEM exigem pré-requisito de residên-
Brasil tem um limite de 60 horas sema- cia ou especialização em Clínica Médi-
nais regulamentadas, com um máximo ca e treinamento na especialidade com
de 24 horas de plantão. Além disso, é duração de dois anos, com carga horária
assegurado um dia de folga semanal, e de 44 horas semanais, em Instituições
férias de 30 dias seguidos ao ano. Entre previamente inspecionadas, com a fi-
10 a 20% de sua carga horária deve es- nalidade de verificar a disponibilidade
tar contemplada por atividades teóricas. de todos os recursos indispensáveis ao
Existem atualmente 52 serviços creden- treinamento em serviço. É importante
ciados, que podem ser encontrados no checar se a grade curricular do estágio
site da Sociedade Brasileira de Endocri- é a mesma da residência, para não haver
nologia e Metabologia (Sbem) (http:// decepções ou prejuízo no aprendizado.
www.endocrino.org.br/servicos-creden-
ciados/).

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

A melhor forma de acertar na escolha Um site bastante interessante para


de sua carreira é a informação. Pesquise se consultar é o da Society of Endocrino-
bastante e com antecedência, converse logy (www.endocrinology.org/careers/
com quem trabalha na área, visite os lo- profiles.html), no qual há uma série de
cais de atuação e ouça opiniões contra e perfis de profissionais relacionados à
a favor. endocrinologia descrevendo suas ativi-

320
Endocrinologia CAPITULO 32

dades nos diversos setores do mercado, tica, nutrição e pesquisa acadêmica. Boa
como relacionados à indústria farmacêu- escolha!

SOBRE O AUTOR

Dr. Carlos A. Minanni é:

Formado pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMS-
CSP), com residência em clínica médica e endocrinologia pelo Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (HC-Fmusp), onde
ainda atua, além de trabalhar no Hospital Nove de Julho e Hospital Israelita Albert
Einstein.

REFERÊNCIAS

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2. Disponível em: <http://www.endocrino.org.br/areas-da-endocrinologia>. Acesso em: 10 set.
2013.
3. Disponível em: <http://www.diabetes.org.br/sala-de-noticias/noticias/noticias-nacionais/
1397-diabetes-deve-crescer-65-em-20-anos-na-america-latina>. Acesso em: 10 set. 2013.
4. Disponível em: <http://www.endocrino.org.br/perfi l-e-historia>. Acesso em: 10 set. 2013.
5. Disponível em: <http://www.endocrinology.org/100yearsofhormones/100years.htm>. Aces-
so em: 10 set. 2013.
6. Disponível em: <http://www.merritthawkins.com/Default.aspx>. Acesso em: 10 set. 2013.
7. Disponível em: <http://www.amga.org>. Acesso em: 10 set. 2013.
8. Disponível em: <http://www.endocrinology.org/careers/profi les.html>.
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10. Disponível em: <http://www.endocrinology.org/careers/profi les.html>. Acesso em: 10 set.
2013.
11. Disponível em: <http://www.med-ed.virginia.edu/specialties/QuestionList.cfm>. Acesso em:
10 set. 2013.
12. Fragoso MCB, Hohl CA. Endocrinologia - Edição Especialidades Médicas. Rev Med (São Paulo).
2012;91(ed. esp.):30-2.
13. Disponível em: <http://www.endocrino.org.br/servicos-credenciados>. Acesso em: 10 set.
2013.

321
GASTROENTEROLOGIA “

Dr. Guilherme Marques Andrade
Tal como acontece com o estômago, devemos
ter pena da mente que não come.

Victor Hugo

A A gastroenterologia é a especiali-
dade médica que lida com as doenças
envolvendo o aparelho digestivo. Tra-
dicionalmente divide-se em cirurgia do
aparelho digestivo e gastroenterologia
digestão e dos alimentos na saúde hu-
mana datam de períodos pré-históricos.
Os gregos, entretanto, foram os primei-
ros a tentar dividir o processo digestó-
rio em fases. Hipócrates (460-377 a.C.),
clínica, seguindo-se as diversas subes- dentro da sua teoria dos quatro fluídos
pecialidades e áreas de atuação. Talvez sistêmicos básicos advindos do quimo,
o nome possa soar impróprio porquan- já elencava fluidos digestivos como bile
to a atuação do especialista transcende e “bile-negra”. Ele nomeou a digestão de
o estudo do estômago e intestino. De “pepsis”, termo ainda hoje amplamente
fato, engloba diagnóstico e tratamento empregado. As maiores contribuições ao
de doenças de todo o tubo digestivo princípio da gastroenterologia moder-
(vísceras ocas como boca, esôfago, estô- na vieram, entretanto, das escolas com
mago, intestino delgado, cólon e ânus), força em estudos fisiológicos, como a
vísceras anexas intimamente envolvi- italiana, inglesa e alemã. Focavam-se ini-
das no processo (fígado, vias biliares e cialmente na avaliação de funções gás-
pâncreas) e sua relação com os demais tricas, daí talvez o advento do nome da
sistemas. Neste capítulo, tratarei essen- especialidade. O médico alemão Rudolf
cialmente da gastroenterologia clínica Schindler é considerado o pai da gas-
(mais carinhosamente conhecida como troscopia flexível (realizada pela primeira
gastroclínica), sendo coerente com a mi- vez em 1932), o que foi uma revolução
nha formação. na área, pela mobilidade e segurança
Seria extremamente impreciso tentar ao paciente. Desde então, o desenvolvi-
definir o exato momento em que a espe- mento tecnológico da endoscopia tem
cialidade surgiu. Referências ao papel da sido exponencial.
CAPITULO 33 Como Escolher a sua Residência Médica

PRÊMIOS NOBEL EM Como há no país a cultura de que as


GASTROENTEROLOGIA hemorragias digestivas e dores abdomi-
nais sejam inicialmente avaliadas pelo
• 1904: Iwan Pavlov. Pelas pesquisas cirurgião na emergência, raramente o
no processo digestivo e introdução especialista assume plantões de corpo
de uma nova disciplina científica: fi- presente, o que não é necessariamente
siologia de funções neurológicas su- o correto (inclusive em diversos lugares
periores. do mundo é diferente). De qualquer for-
• 1926: Johanes Andreas Fibiger. Pela ma, o gastroclínico, em geral, fica como
descoberta do possível agente etio- retaguarda à distância e avalia o pacien-
patogênico do câncer gástrico. Atri- te no dia seguinte. A exceção ocorre
buído (na época) à larva de spiroptera com o plantonista de endoscopia que
neoplastica (estudo em ratos alimen- pode precisar dormir no hospital depen-
tados com baratas infectadas). dendo da demanda de exames.
• 1936: Sir Henry Hallet Dale. Por isolar O volume de trabalho é absoluta-
a acetilcolina e determinar seu papel mente dependente da capacidade do
como neurotransmissor (inclusive do indivíduo e do perfil da subárea em que
plexo mioentérico). atua mais. Entenda-se, com isso, que
• 1988: Sir James Whyte Black. Pelas a qualidade de vida é, de certa forma,
pesquisas com bloqueadores de re- possível de ser moldada. Por exemplo:
cpetores H1 e descoberta dos anta- se faz o perfil de atendimento de con-
gonistas H2. sultório, terá um dia a dia mais tranquilo,
• 2005: Barry J. Marshall e J. Robin War- eventualmente aborrecido com os tradi-
ren. Pela descoberta da bactéria heli- cionais telefonemas dos pacientes fun-
cobacter pylori e seu papel na gastrite cionais;caso tenha um perfil mais hospi-
e doença ulcerosa péptica. talista, terá que ter mais disponibilidade
e mobilidade para ir ao hospital com
O ESPECIALISTA E A SUA ROTINA mais frequência e aos finais-de-sema-
na (especialmente se lidar com muitos
Basicamente, um gastroclínico divi- pacientes hepatopatas e portadores de
de a sua vida profissional em três faces: doença inflamatória intestinal); por fim,
as consultas de ambulatório, o acompa- optando pelo caminho da endoscopia,
nhamento dos doentes internados e a poderá ter atrasos em procedimentos
realização de procedimentos (especial- que se prolongam, complicações que
mente endoscópicos). Estes vêm sendo requeiram internação e acompanha-
hipertrofiados em vista da melhor remu- mento, além dos plantões.
neração, sendo a parcela que ocupa da No consultório as queixas de dispep-
rotina do profissional altamente depen- sia são as mais prevalentes em algumas
dente de cada perfil. estatísticas (40-70% das consultas), se-

324
Gastroenterologia CAPITULO 33

guidas pela doença do refluxo gastro- de especialistas essencialmente clínicos,


esofágico (12% da população brasileira o que levou muitos cirurgiões a muda-
apresenta episódio de pirose por sema- rem seu perfil para atender uma de-
na), constipação intestinal, síndrome do manda reprimida, passando a atender
intestino irritável (nas apresentações consultas convencionais. Isso vem mu-
variáveis), dores abdominais, etc. A do- dando pouco a pouco, ainda havendo
ença inflamatória intestinal e doença extenso campo para o clínico, em espe-
celíaca têm tido expressivo aumento de cial, dos casos mais graves.
incidência, sempre desafiadoras e que A remuneração das consultas é se-
fidelizam o paciente. Noções de psico- melhante à de qualquer especialista de
farmacologia para manejo do doente áreas clínicas. O diferencial do gastro se
funcional e de nutrição, além de mínima dá, essencialmente, em dois campos:
estrutura para exame anorretal simples, nos procedimentos (endoscópicos ou
fazem o diferencial entre a média dos não) e nas clínicas de infusão de imuno-
especialistas. biológicos (o que não é tão frequente, já
Nas enfermarias de hospitais públi- que ficam mais a cargo dos reumatolo-
cos, a maioria é representada por do- gistas).
entes graves, envolvendo, portanto, O princípio da vida profissional em
cirróticos descompensados, portadores geral se dá como a maioria das espe-
de doença inflamatória intestinal em cialidades clínicas, envolvendo-se com
atividade e desnutridos com diarreia grupo já estabelecido em algum hospi-
crônica. Já nos hospitais privados, pre- tal, acompanhando doentes internados.
dominam as diarreias agudas (gastroen- A partir daí é possível formar progressi-
terites infecciosas), diverticulites agudas vamente uma clientela própria, seja em
não complicadas, dispepsias refratárias consultório ligado ao hospital, clínicas
e investigação de dores abdominais. Em ligadas aos chefes de equipe, familia-
vista de um distúrbio histórico (vide à res ou próprio. O mais complicado recai
frente), pacientes com hemorragias di- sobre os exames de endoscopia, que
gestivas, pancreatopatias e doenças de exigem um grande investimento inicial,
vias biliares muitas vezes ficam aos cui- além de um certo renome para que lhe
dados de cirurgiões. sejam referenciados pacientes. Caso o
indivíduo queira, lança mão de capital
MERCADO DE TRABALHO próprio e investe no equipamento (que
envolve, no mínimo, o próprio tubo de
Hoje existem cerca de 65 serviços fibra óptica, processadora, monitor e
que oferecem residência médica em material de limpeza, além de pinças,
gastroenterologia por todo o País, for- corantes, etc), espaço físico (com toda a
mando em média 250 novos residentes legislação da ANVISA envolvida) e pes-
por ano. Historicamente existe uma falta soal (administrativo, enfermagem, etc).

325
CAPITULO 33 Como Escolher a sua Residência Médica

Como isso tudo é bastante caro, em hepatopatias não esclarecidas), pa-


geral, à semelhança do que já foi dito, cientes em preparo para colonosco-
inicia como contratado por clínicas ou pia ou para outro procedimento com
laboratórios (recebendo por exame ou potencial de complicação (como
por turno), ligado a cooperativas ou mucosectomias endoscópicas, bi-
não, e a partir daí progride. Existem hoje ópsias hepaticas, etc), desnutridos
algumas aberrâncias referentes a remu- graves e outros. Tradicionalmente no
neração (que às vezes chegam a absur- Brasil, à diferença de diversos países,
dos R$40,00 por exame de endoscopia os casos de hemorragia digestiva
digestiva alta), que aos poucos são cor- não ficam, em um primeiro momen-
rigidas pelos sindicatos e cooperativas. to, aos cuidados da gastroclinica (à
exceção da HDA-varicosa no cirróti-
A RESIDÊNCIA vo), dessa forma ocupando poucos
leitos na enfermaria. No restante do
A residência médica em Gastroclínica período o residente passa por ati-
é regulamentada pelo MEC desde 1977, vidades ambulatoriais (20-30% do
sendo esta revisada mais recentemente, tempo), devendo envolver de prefe-
em 2010, em conjunto com a Federa- rência ambulatórios específicos para
ção Brasileira de Gastroenterologia. Tem cada órgão (e.g. esôfago, estômago,
como pré-requisito dois anos em clínica pâncreas, etc) e eventualmente es-
médica e dura outros dois anos. pecíficos de doenças de alto impacto
Podem haver variações, porém exis- (como hepatite C, hepatocarcinoma,
tem requisitos mínimos exigidos pelo doença inflamatória intestinal, etc),
MEC (vide: www.portal.mec.gov.br). Em além de um ambulatório didático de
linhas gerais, se divide da seguinte ma- gastro geral onde possa acompanhar
neira: um grupo de doentes longitudinal-
• R3: formação essencialmente hos- mente durante os dois anos. Além
pitalar, ficando grande parte do ano disso, deve passar pelo setor de en-
na enfermaria (30-40% se rodízio ex- doscopia (15-20% do tempo), para se
clusivo ou o ano todo caso fique só familiarizar com os exames. Comple-
pela manhã e vá para outra atividade menta seu treinamento com proce-
pela tarde). O perfil das enfermarias dimentos de biópsia hepática trans-
é composto, em geral, por cerca de parietal, ultrassonografia de abdome
40-50% de cirróticos descompensa- superior, pHmetria e manometria
dos, 20-30% de doença inflamatória esofágicas e retossigmoidoscopia /
intestinal em atividade mais grave anuscopia diagnósticas.
ou complicada, alguns casos inves- • R4: esse ano pode ser idêntico ao
tigativos (diarreias crônicas, dores anterior quanto aos ambientes e ce-
abdominais de diagnóstico difícil, nários, porém variando competên-

326
Gastroenterologia CAPITULO 33

cias, funções e responsabilidades. gestiva (que seria melhor denominado


Costuma, entretanto, ser essencial- endoscopia intervencionista posto que,
mente ambulatorial e de propedêu- em teoria, já dominam a endoscopia
tica. Passa cerca de 40-50% no setor diagnóstica ao final do R4). Neste caso,
de endoscopia de modo a dominar pode optar por realizar acumular o títu-
os procedimentos já mencionados. lo de endoscopia (é reconhecidamente
Complementa uma segunda passa- uma especialidade pelo Conselho Fe-
gem pelos ambulatórios (cerca de deral de Medicina) ou apenas certificar-
30% do tempo), sendo os mesmos do -se como área de atuação. Entretanto,
R3 ou outros que envolvem doentes lembro aqui a existência de uma outra
de maior complexidade (como trans- forma de acesso à residência de Endos-
plantados), e mesmo de outras espe- copia que é a partir da clínica médica
cialidades. Deve ter treinamento no e/ou cirurgia geral e tem, por sua vez,
cuidado com o doente gastroentero- duração de 2 anos. Neste último caso o
lógico em situação crítica (urgência e médico pode pleitear o título de endos-
emergência), preferencialmente en- copista mas não de gastroenetrologista.
volvendo o transplantado de Fígado.
Além disso, passa pela Interconsulta O PESO DA HEPATOLOGIA
respondendo às avaliações solicita-
das pelas demais especialidades. Grosseiramente falando, poderíamos
dividir a gastroenterologia em quatro
Durante os dois anos o residente grandes subáreas clínicas: hepatologia,
participa regularmente de reuniões doenças intestinais, pancreatologia e
didáticas, multidisciplinares (clínicos, gastroenterologia geral. Dentre elas, a
cirurgiões, nutrólogos, radiologistas), hepatologia é a única reconhecida como
anátomo-clínicas, etc. A carga horária área de atuação, inclusive com prova de
costuma ser respeitada, raramente ex- título própria. Talvez seja a segunda de
cedendo as 60 horas semanais estipu- maior peso no que tange prevalência na
ladas pelo MEC. Os plantões noturnos população (perdendo para gastro geral),
e evoluções de enfermaria em geral são diversidade nosológica e gravidade dos
esgotados no R3. doentes, em especial no Brasil. O país
produz uma das bebidas mais baratas
FAZER OU NÃO FAZER e com maior teor de etanol do mundo,
ENDOSCOPIA que é a aguardente de cana, sendo o ál-
cool uma das maiores causas de cirrose
Após os 2 anos de gastroenterolo- no Brasil, em conjunto com as hepatites
gia grande parte dos residentes opta virais, que tem na hepatite C uma aposta
por complementar sua formação com de cura medicamentosa em um futuro
um quinto ano (R5) em endoscopia di- próximo. Vemos a explosão da obesi-

327
CAPITULO 33 Como Escolher a sua Residência Médica

dade e com ela a doença hepática gor- NECESSIDADE DE TÍTULO


durosa não-alcoólica. O crescimento da
polifarmácia traz cada vez mais doentes Os programas de residência médica
vítimas de lesão hepática induzida por em gastroenterologia são cadastrados
drogas aos consultórios, encaminhados e reconhecidos pelo Ministério da Edu-
por “elevação de enzimas a se esclarecer”. cação, o que exige que sigam rigorosa-
O que parece mais encantar na he- mente os requisitos para o treinamento
patologia é a progressiva desestigmati- do médico. Isso demanda inclusive que
zação do cirrótico, que é cada vez mais passem por vistorias e fiscalizações re-
encarado como um portador de insu- correntes para recadastramento. Aque-
ficiência orgânica crônica (como a In- les que se formam por estas instituições
suficiência Cardíaca, o DPOC, a Doença têm título de especialista automatica-
Renal Crônica, etc) e não mais “o barriga mente fornecido pelo MEC, a instância
d’água”, o “bebum”, “desenganado” em máxima nacional em educação, o que
macas inominadas nos corredores dos em tese torna desnecessário qualquer
serviços de emergência. O advento do título adicional. Existem diversos pro-
transplante de fígado, seu crescimento gramas de estágios supervisionados
no Brasil e o aumento gritante da sobre- que, mesmo sendo reconhecidos pelo
vida em condições de quase-normalida- MEC, não conferem automaticamente o
de trouxeram novos ares para a especia- título de especialista.
lidade. Faço aqui, entretanto, três ressalvas.
A Sociedade Brasileira de Hepatolo- A primeira se relaciona a uma pressão
gia ganha importância crescente, com exercida pelas sociedades e federações
seções que defendem sua emancipação (neste caso a Federação Brasileira de
da gastroenterologia e restituição da Gastroenterologia) no sentido de “cer-
condição de especialidade, o que levou tificar” ou “garantir” a qualidade dos es-
inclusive a mudanças na residência mé- pecialistas, aplicando prova própria para
dica. Hoje existem duas vias de acesso à fornecimento de título pela federação. O
residência de hepatologia: como com- processo, no caso da gastroenterologia
plemento (R5) após a gastroenterologia em particular, também inclui os cirurgi-
(com duração de um ano); como com- ões na especialidade, posto que o título
plemento da infectologia (R4 e R5) ou fornecido a eles pelo MEC é obviamente
da clínica médica (R3 e R4), neste caso, outro. Os pré-requisitos podem ser con-
durando dois anos. Na última forma, o feridos em: www.fbg.org.br.
indivíduo sai com título de área de atu- A segunda ressalva é relacionada à
ação em Hepatologia, mas não de Espe- exigência feita por empregadores e con-
cialista em Gastroenterologista. vênios médicos pela titulação, o que é

328
Gastroenterologia CAPITULO 33

natural e louvável. Nesse caso a exigên- reuniões de consenso na área (denomi-


cia pelo título do MEC ou da FBG varia na-se Fundação Roma). Salienta-se que
de órgão para órgão. o progresso no entendimento dessas
O terceiro e último ponto relaciona- doenças tem tido uma guinada na úl-
-se à particularidade da endoscopia. O tima década. O que antes se explicava
gastroenterologista clínico, como já dito por teorias psicossomáticas exclusivas e
anteriormente, sai com boa formação transtornos conversivos hoje têm maior
em endoscopia digestiva alta diagnós- embasamento neurofisiológico, endó-
tica (e terapêutica básica) e, a depender crino, molecular, etc... Distanciamo-nos
do centro, também em colonoscopia progressivamente, portanto, de um tom
diagnóstica. De qualquer forma a quase xamanístico e aumentamos nosso arse-
totalidade dos órgãos empregadores, nal terapêutico, seja medicamentoso ou
cooperativas e convênios médicos exige de qualquer outra modalidade.
que o profissional comprove sua profici- A despeito desse avanço, o aspirante
ência com título de especialista ou área a especialista deve ter perfil paciente, de
de atuação fornecido pela Sociedade bom ouvinte, extremo respeito ao sofri-
Brasileira de Endoscopia Digestiva (SO- mento que esses pacientes apresentam,
BED), independente da formação básica por mais benigna que sua doença apa-
(ou seja, advindo da clínica médica, cirur- rente ser. Em vários momentos o médico
gia ou gastroclínica) ou do fato de ter fei- se deparará com sintomas ansiosos e de-
to residência ou estágio em endoscopia. pressivos e portanto, deverá apresentar
mínima afinidade e conhecimento de
O DOENTE FUNCIONAL psiquiatria, tanto de diagnóstico quan-
E O APARENTE DESESTÍMULO do de farmacologia básica. Vale lembrar
que o sistema digestivo acoberta uma
Toda especialidade tem um perfil de rede neural gigantesca, além de um eixo
paciente conhecido por ser um “incômo- que envolve intimo contato com o siste-
do”, uma “pedra no sapato”. Ele não ma- ma nervoso central. Dessa forma, além
nifesta doença grave ou letal, mas traz dos pacientes com doença funcional
queixas intensas e refratárias à sua inter- primária, surgirão aqueles com acometi-
venção: eis o doente funcional. É a jovem mento secundário a doenças sistêmicas
com palpitação e dor torácica da cardio- ou em outros aparelhos.
logia, o fibromiálgico da reumatologia, a
histérica da psiquiatria, e daí por diante. O CIRURGIÃO: CÚMPLICE OU
Na gastroentrologia esse é um perfil ADVERSÁRIO?
de pacientes muito prevalente. A impor-
tância é tamanha que se criou um órgão Não existe um bom gastroclínico que
específico, responsável pelo concatena- trabalhe sozinho, sem uma forte parce-
mento de informações e organização de ria com um bom cirurgião do aparelho

329
CAPITULO 33 Como Escolher a sua Residência Médica

digestivo. São absolutamente comple- de destaque naqueles de referência, em


mentares. Grande parte das doenças especial as seguintes: o “pau-pra-toda-
gastrointestinais são potencialmente -obra”, o oncológico, o da doença infla-
(ou essencialmente) cirúrgicas. Vide a matória, e os afeitos a tubo digestivo
doença inflamatória intestinal, acalásia, superior, pâncreas, vias biliares e fígado.
doença do refluxo gastroesofágico, gas-
troparesias, neoplasias, lesões pancreáti- PROCEDIMENTOS
cas, nódulos hepáticos, estenoses de via
biliar de natureza diversa, doença diver- Uma das vantagens da gastroclínica
ticular dos cólons, doença perianal, para é que se trata de uma das especialida-
citar algumas. des clínicas mais intervencionistas, com
Chamo atenção para o seguinte: am- uma ampla gama de procedimentos
bos cirurgião e clínico / endoscopista diagnósticos e terapêuticos. Fica claro,
devem reconhecer suas limitações e não portanto, que o aspirante deve ter uma
avançar em terreno de pouco domínio, razoável afinidade por atividades manu-
para o bem do paciente. A personalida- ais, além de domínio de certa habilida-
de orgulhosa do médico, a confluência de psicomotora inata. Obviamente que
do objeto de estudo e o histórico da o grau de domínio de cada técnica de-
cirurgia no Brasil trazem uma pseudo- penderá dos variados programas de re-
-segurança das partes, que se conside- sidência, além da vontade do indivíduo
ram seguros na condução dos casos em em se aprofundar em determinado as-
todas as esferas, o que definitivamente pecto. Em linhas gerais, os procedimen-
não é verdadeiro. tos mais comumente desempenhados
Um ponto de discordância frequente pela especialidade são os seguintes:
é o momento ideal (do inglês “timing”)
em que o paciente deve ser operado, e Endoscopia digestiva alta
isso requer entrosamento. As melhores (diagnóstica ou terapêutica)
experiências vêm de lugares em que a Colonoscopia
equipe convive intimamente e de lon- (diagnóstica ou terapêutica)
ga data e tem, sem fazer apologia, no Retossigmoidoscopia
gastroclínico, o centralizador das deci- (rígida ou flexível)
sões. Este deve ser, portanto, um diplo- Ecoendoscopia
mata nato, e encontrar no cirurgião o (diagnóstica ou terapêutica)
alicerce para a intratabilidade clínica / Enteroscopia
(anterógrada ou retrógrada)
endoscópica. Ele deve estar preparado
para diálogos contínuos e diários, acom- Cápsula endoscópica
panhamentos conjuntos de pacientes Colangiopancreatografia endoscópica
e reuniões multidisciplinares. Deverá retrógrada
aprender a reconhecer as habilidades

330
Gastroenterologia CAPITULO 33

Manometria esofágica convencional cia, sendo os demais disponíveis para


e de alta resolução aprofundamento em segundo momen-
Manometria anorretal e biofeedback to. Técnica básica, indicações e interpre-
pHmetria e impedanciometria tação dos resultados são amplamente
esofágica de 24h discutidos durante a residência. Além
Ultrassonografia de abdome superior desses, é importante dominar a leitura
Biópsia hepática transparietal de imagens radiológicas (radiografias
Fibroscan simples, tomografia e ressonância de
Testes respiratórios
abdome, colangioressonância, entero-
(supercrescimento bacteriano, grafias e colonoscopia virtual), já que a
intolerância a lactose) visão do especialista sempre agrega ao
laudo do radiologista.
Em negrito estão aqueles domina-
dos ao final do quarto ano de residên-

UMA ESPECIALIDADE MULTIFACETADA OU SEM PERSONALIDADE?

O desenvolvimento científico da gas- Como já mencionado anteriormen-


troenterologia tem contribuições signifi- te, não-especialistas se arriscam na
cativas de diversas outras especialidades, terapêutica de algumas doenças gas-
em especial da endocrinologia, nutrolo- trointestinais e subestimam o papel do
gia, imunologia, neurofisiologia, reuma- especialista. Alguns falsos aforismas
tologia e mesmo da psiquiatria. Além como “gastrite e síndrome do intesti-
disso, o impacto histórico do tratamento no irritável todo mundo trata”, “doença
cirúrgico de grande parte das doenças inflamatória intestinal é coisa de cirur-
colocou o gastroclínico em segundo gião” ou “cirrótico acaba em transplante
plano por muito tempo. O advento da mesmo, então deixa!”, refletem grandes
endoscopia, desenvolvimento da farma- equívocos. A especialidade transcende a
cologia e aprimoramento das evidências simplicidade, e encará-la dessa maneira
científicas contribuem para uma guinada incorre em erro e prejuízo ao paciente.
nas últimas décadas.

CONSIDERAÇÕES FINAS E PERSPECTIVAS FUTURAS

A gastroclínica é uma especialidade plementares. O profissional deve ser


fascinante, que envolve o estudo de um versátil, paciente, e ter grande facilidade
grande número de órgãos e traz a gra- para trabalhar em equipe e lidar com
ta possibilidade da realização de uma outras especialidades. A residência é
enorme gama de procedimentos com- condizente com o grau de formação que

331
CAPITULO 33 Como Escolher a sua Residência Médica

a especialidade exige, sem exageros. O ceptivo, especialmente para aquele com


mercado de trabalho ainda é vasto e re- sólida formação clínica.1-5

SOBRE O AUTOR

Dr. Guilherme Marques Andrade é:

Especialista em clínica médica e gastroenterologia pelo Hospital das Clínicas da


Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-Fmusp), gastroentero-
logista clínico do Hospital 9 de Julho e médico Assistente da Unidade de Terapia
Intensiva (UTI) de Transplante Hepático do HC-Fmusp.

REFERÊNCIAS

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Latin America. World J Gastroenterol 2011;17:2283-7.
2. Sródka A. The short history of gastroenterology. J Physiol Pharmacol 2003;54 Suppl 3:9-21.
3. Gastroenterologia FBd. Programa de Residência Médica em Gastroenterologia: Critérios Es-
senciais. 2010.
4. Página da Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG). Disponível em: <www.fbg.org.br>.
Acesso em: 3 out. 2013.
5. Página do Ministério da Educação. Disponível em: <portal.mec.gov.br>. Acesso em: 3 out.
2013.

332
GERIATRIA


Dra. Amanda Lagreca Venys de Azevedo
Dr. Omar Jaluul
A velhice é como todo o resto. Para garantir o
êxito, você tem que começar cedo.

Theodore Roosevelt

D David Solomon, falecido diretor do


Centro de Medicina e Geriatria da Uni-
versidade da Califórnia em Los Angeles
(UCLA) – Estados Unidos, quando ques-
tionado sobre a geriatria dizia: “Geriatria
nascem, refletindo o acelerado processo
de envelhecimento brasileiro.
Tal processo deve ser acompanhado
do incremento de políticas públicas que
sejam voltadas para a atenção à saúde
é a mais desafiadora e excitante área de do idoso e inserção ativa desta parcela
cuidados clínicos. Os pacientes são os da população na vida social, visto que
mais doentes, os mais complexos e os esta tem grande papel socioeconômico
mais dependentes das nossas habilida- em nosso país. À medida que a pessoa
des e de nosso conhecimento para con- envelhece, maiores são as chances de
tinuarem a viver de forma independen- apresentar uma doença crônica. Basta
te e autônoma”. observar que somente 22,6% das pesso-
Já não é novidade que o envelhe- as de 60 anos ou mais declararam não
cimento populacional é crescente no possuir doenças. Em decorrência de tal
Brasil. Segundo dados do Instituto Brasi- fato, dados do Datasus de 2008, eviden-
leiro de Geografia e Estatística (IBGE) de ciaram que cerca de 80% da população
2006, a população estimada de idosos idosa estiveram em consulta médica no
era de 17 milhões de pessoas, represen- último ano, consumindo grande parte
tando cerca de 10% da população total dos recursos do Sistema Único de Saúde
do país. Na última síntese do IBGE, divul- (SUS).
gada em 2010, a população de idosos No entanto, o envelhecimento é
no Brasil superou os 21 milhões e abran- mais do que uma questão de números.
ge 11,3% da população total. O núme- Idosos apresentam aspectos particula-
ro de pessoas idosas cresce em ritmo res de saúde e doença, além de necessi-
maior do que o número de pessoas que dades diferentes daquelas apresentadas
CAPITULO 34 Como Escolher a sua Residência Médica

por jovens. O desafio é o de atender uma foi considerado o “pai da geriatria”, pois
sociedade progressivamente mais enve- criou a nova especialidade médica des-
lhecida através da oferta de serviços e tinada a tratar das doenças dos idosos e
profissionais com o objetivo de mudar da própria velhice.
o curso de um envelhecimento com de- Apesar do termo geriatria ter sido
bilidade, fragilidade e dependência para cunhado nos Estados Unidos, foi a médi-
um envelhecimento ativo, funcional e ca britânica, Marjorie Warren, que criou
com qualidade de vida. os princípios básicos da nova especiali-
Nesse contexto, a geriatria, apesar dade. Na década de 30, ela desenvolveu
de ser uma das especialidades médicas princípios até hoje tidos como centrais
mais novas, tem sido considerada uma na prática da geriatria, sendo considera-
especialidade em franca expansão no da a “mãe da geriatria”.
mercado de trabalho. Daí a importância No Brasil, estimulados por um Pro-
do profissional médico especialista no jeto de Lei do Senado Federal de 1954,
cuidado com a saúde do idoso e de seu referente aos idosos, um grupo de pro-
bem-estar. fissionais organizou-se para criação de
uma instituição brasileira dedicada ao
HISTÓRIA DA GERIATRIA estudo da geriatria e da gerontologia.
Diante da importância do envelheci-
A geriatria como especialidade mé- mento populacional, novas entidades
dica pode ser considerada relativamen- relacionadas ao tema têm se desenvol-
te jovem, pois apenas iniciou nos Esta- vido ao longo dos anos.
dos Unidos e na Europa na década de
40, sendo introduzida no Brasil muitos DEFINIÇÕES
anos depois.
Durante os séculos XVIII e XIX, médi- Geriatria é a especialidade médica
cos escreveram sobre doenças do enve- que cuida da saúde e das doenças da
lhecimento, porém foi no século XX que velhice e que lida com os aspectos fí-
se mostrou definitivamente a importân- sicos, funcionais, mentais e sociais nos
cia do estudo da velhice. cuidados agudos, crônicos, de reabilita-
Em 1903, Elie Metchnikoff defendeu ção, preventivos e paliativos dos idosos.
a ideia da criação de uma nova especia- É a área que ultrapassa a “medicina cen-
lidade, a gerontologia, a partir das ex- trada em órgãos e sistemas” oferecendo
pressões gero (velhice) e logia (estudo). tratamento completo, através de equi-
Assim, ela propôs a criação de um mo- pes interdisciplinares e com o objetivo
delo dedicado ao estudo exclusivo do principal de preservar a capacidade fun-
envelhecimento. cional e autonomia dos idosos.
Em 1909, Ignatz Leo Nascher, médico O geriatra é o profissional especia-
europeu radicado nos Estados Unidos, lizado no cuidado do idoso. Os idosos

334
Geriatria CAPITULO 34

diferem dos jovens por apresentarem metade da vida e, além disso, deve ter
maior prevalência de doenças crônicas boa formação em ciências sociais para
e risco de apresentação atípica das mes- poder entender e atuar em todas as
mas; maior probabilidade de polifarmá- variáveis que interferem no envelheci-
cia e, consequentemente, maior risco de mento populacional. O geriatra precisa
reações adversas e interações medica- compreender profundamente o ser hu-
mentosas; altas taxas de incapacidades mano para poder atuar com segurança
e dependência; maior vulnerabilidade em cada momento de sua evolução.
e fragilidade; maior necessidade de su-
porte social e, por tudo isso, requerem MITOS E PRECONCEITOS
um médico com conhecimentos e habi-
lidades especiais. Ainda existem mitos e preconceitos
Por definição, gerontologia é o cam- relacionados ao papel do geriatra. A
po multiprofissional e multidisciplinar atenção à saúde do idoso é primordial
que estuda o envelhecimento normal e para preservar a sua autonomia pelo
patológico. maior tempo possível. O envelhecimen-
to, por si só, já diminui a capacidade
O ESPECIALISTA E A SUA ROTINA funcional do indivíduo. As doenças crô-
nicas tendem a acelerar este processo,
O conjunto de todas as particulari- principalmente, se não houver acompa-
dades descritas anteriormente, tão im- nhamento especializado. Muitos veem
portantes para o tratamento adequado o geriatra como um profissional que
de quem envelhece, define o perfil do “apenas cuida bem do idoso”. Claro que
profissional especializado em cuidar da é um preceito da medicina cuidar bem
saúde do idoso. Aliada à formação téc- de seus pacientes e o geriatra também
nica, há que se desenvolver uma visão o faz. Embora esta colocação, por vezes,
multidimensional gerontológica que venha com um ar pejorativo, sempre
permitirá cuidar do paciente ao invés de que houver a possibilidade de melhorar
simplesmente tratar suas doenças. a qualidade de vida de um idoso, esta
O titular do serviço de geriatria do será realizada através de ações estrutu-
Hospital das Clínicas da Faculdade de radas e cientificamente comprovadas.
Medicina da Universidade de São Paulo Com o referido processo de enve-
(HC-Fmusp), Prof. Dr. Wilson Jacob Filho, lhecimento populacional, vários mitos
define o médico geriatra como aquele relacionados à procura do segredo da
que deverá ter uma boa formação em clí- longevidade surgiram. Sabemos que o
nica médica, com interesse amplo sobre envelhecimento é uma fase inerente à
diagnóstico e terapêutica das principais vida de todos os seres humanos e a úni-
doenças crônicas que, frequentemente, ca forma de não vivenciá-lo seria mor-
acometem o ser humano na segunda rendo antes. O geriatra precisa saber e

335
CAPITULO 34 Como Escolher a sua Residência Médica

divulgar quais intervenções são benéfi- Atendimento domiciliar: atendimento de


cas e quais não têm ação comprovada, idosos com grau de dependência maior e
com dificuldade de locomoção para realizar
mesmo que algumas acabem sendo vin- outro tipo de atendimento;
culadas pela mídia com tal finalidade.
Instituição de longa permanência: acompa-
Alguns ainda consideram a geriatria nhamento de idosos institucionalizados;
como a clínica geral aplicada a idosos,
Gerenciamento de pacientes crônicos: ga-
mas existem diferenças entre idosos e rantir controle e tratamento de doenças,
adultos jovens, que fazem da geriatria evitando complicações e maior gasto finan-
uma especialidade sólida e única. Estas ceiro com esses pacientes;
diferenças estão presentes desde o pro- Pronto atendimento: atendimento em servi-
cesso de envelhecimento natural (se- ços de urgência com atenção geriátrica;
nescência) e patológico (senilidade), até Cuidados paliativos: garantir conforto e alí-
na apresentação clínica atípica das do- vio de sofrimento quando o paciente apre-
enças, nas peculiaridades do tratamento senta enfermidade terminal e incurável;
e na importância da promoção de saúde Serviços de reabilitação
e da reabilitação da população idosa. Programas de promoção em saúde: avaliação
clínica, solicitação de exames complementa-
ATUAÇÃO res e recomendações pertinentes aos níveis
primário e secundário de atendimento;
O geriatra, quando encerra a residên- Educação em geriatria: planejamento da
saúde pública e privada de qualidade para
cia médica, pode atuar em diversas áre-
a população geriátrica com a educação, for-
as. Observe: mação e treinamento de recursos humanos
para o cuidado de idosos através de cursos
Ambulatório: atendimento a consultas am- presenciais e à distância;
bulatoriais;
Carreira acadêmica: como professor univer-
Hospital: acompanhando seus próprios pa- sitário;
cientes internados, realizando interconsultas
Pesquisa: na área do envelhecimento.
para outras especialidades ou como hospi-
talista;
O PACIENTE
Acompanhamento peri-operatório: tanto
através de consultas ambulatoriais quanto
do acompanhamento de pacientes interna- Uma vez que o foco de atuação do
dos; geriatra é o idoso, uma questão torna-se
Hospital-dia: acompanhamento de pacien- importante de ser esclarecida: quem é e
tes que necessitam de internação hospitalar como pode se caracterizar um indivíduo
durante o dia para avaliação clínica, proce- idoso? Geralmente, o principal marca-
dimentos diagnósticos, terapêuticos ou rea- dor utilizado para caracterizar a velhice
bilitação;
é a idade.

336
Geriatria CAPITULO 34

No que tange à idade cronológica, os Brasil 0,59 geriatras para cada 100.000
indivíduos passam a ser considerados habitantes. Vemos, então, que o núme-
idosos quando atingem a idade de 60 ro de profissionais especializados em
anos em países em desenvolvimento, geriatria ainda é pequeno e o mercado
como é o caso do Brasil, e de 65 anos em de oferta de trabalho irá demorar a ficar
países desenvolvidos. Esta classificação saturado.
foi estipulada pelo Viena International Em relação à remuneração do geria-
Plan of Action on Ageing. tra, o salário é variável, dependendo do
Contudo, os indivíduos envelhecem tipo e local de atuação e do tempo dis-
ao longo do seu desenvolvimento, e não ponibilizado para o trabalho. Diversos
a partir dos 60 ou 65 anos. O envelheci- concursos públicos, estaduais e federais
mento é um processo contínuo, comple- são disponíveis na área.
xo, multifatorial e individual, envolven-
do diversas modificações que ocorrem QUALIDADE DE VIDA
em cascata.
A atuação do geriatra fica mais evi- Apesar dos inúmeros desafios da es-
dente quando se tratam de pacientes pecialidade, e talvez por causa destes,
muito idosos (acima de 80 anos), frágeis, o geriatra é um dos especialistas mais
que apresentam alguma síndrome ge- satisfeitos com sua profissão, segundo
riátrica (iatrogenia, incontinência uriná- estudo norte-americano publicado em
ria, instabilidade e quedas, imobilidade 2009 (Tabela 1). Dentre os fatores que
e insuficiência cognitiva que engloba as contribuíram para tal desfecho, os geria-
entidades depressão, delirium e demên- tras enfatizaram o horário regular da jor-
cia), com polifarmácia e naqueles com nada de trabalho com poucos plantões,
perda da funcionalidade. a convivência inspiradora com idosos e
as relações duradouras entre médico e
MERCADO DE TRABALHO paciente.
Verificar que medidas, às vezes,
De acordo com o Conselho Federal consideradas simples, podem melho-
de Medicina (CFM), em 2013, o Brasil rar muito o quadro clínico do paciente,
contava com 1149 titulados em geria- além de preservar sua autonomia e in-
tria, correspondendo a 0,43% dos titula- dependência, resultando em qualidade
dos de todas as especialidades no Brasil. aos anos vividos e não simplesmente o
Sendo que, destes especialistas, 61,27% prolongamento destes; isto que é grati-
estão na região Sudeste e 33,94% aloca- ficante.
dos no estado de São Paulo. Existem no

337
CAPITULO 34 Como Escolher a sua Residência Médica

1ª Fase 1996-1997 2ª Fase 2004-2005


Geriatria Urgências pediátricas
Medicina neonatal Geriatria
Dermatologia Pediatria (outras subespecialidades)
Pediatria Medicina neonatal
- Dermatologia
- Psiquiatria infantil
Tabela 1. Especialidades médicas com maior grau de satisfação profissional – Estudo realizado em duas fases
1996-1997 e 2004-2005 (tabela adaptada).
Fonte: Leigh et al. BMC Health Services Research, 2009 14.

A RESIDÊNCIA da carga horária total em ambulatório


e assistência domiciliar; 10% da carga
A residência médica em geriatria tem horária total em urgência e emergência,
dois anos de duração e apresenta como em unidade de terapia intensiva e uni-
pré-requisito os dois anos de residência dade de pronto atendimento. Além das
em clínica médica. Atualmente são ca- atividades teórico-didáticas que devem
dastrados 35 programas de residência ocupar 20% da carga horária total.
em geriatria no país. Configuram os objetivos da residên-
A carga horária total da residência cia médica em geriatria:
em geriatria é de 2.880 horas (60 horas • Ao longo da formação, o profissio-
semanais por dois anos) distribuídas nal deverá receber treinamento
conforme as Resoluções do Conselho para compreender o processo de
Nacional de Residência Médica (CNRM). envelhecimento, reconhecendo suas
Existe a possibilidade de terceiro ano de peculiaridades, e ter habilidades e
especialização em cinco áreas específi- atitudes para atuar na promoção,
cas (neuropsiquiatria geriátrica, cardio- prevenção, manutenção e reabilita-
logia geriátrica, cuidados paliativos em ção da saúde do idoso, levando em
geriatria, instituição de longa perma- consideração seu aspecto multidi-
nência geriátrica e assistência domiciliar mensional.
geriátrica).
A distribuição da carga horária na São estágios recomendados na espe-
residência médica de geriatria propos- cialização em Geriatria: medicina física e
ta pela Sociedade Brasileira de Geria- reabilitação, neurologia, psiquiatria, car-
tria e Gerontologia (SBGG) se divide da diologia, sempre com ênfase em atendi-
seguinte forma: 40% da carga total em mento geriátrico.
unidade de internação, em hospital e Em 1989, haviam dois programas de
instituição de longa permanência; 30% Residência Médica em Geriatria, ofere-

338
Geriatria CAPITULO 34

cendo quatro vagas, no total. Em 2009, médica, uma vez que grande parte das
21 programas ofereciam 60 vagas. Em faculdades de Medicina não contempla
2013, 35 instituições oferecem 90 vagas ou contempla de forma insuficiente a
para especialização em Geriatria. educação médica em geriatria dentro
Apesar do crescente número de va- de seus currículos. Outros fatores que
gas para a residência em geriatria e da podem contribuir para a baixa procura
nítida demanda de especialistas na área, pela especialidade são: o desconheci-
ainda existe uma procura proporcional- mento sobre o real impacto da transição
mente pequena pela especialidade por demográfica no mercado de trabalho;
parte dos recém-formados. Tal fato pode o destaque da era da medicina high-te-
ser decorrente do desconhecimento ch (tecnológica) e de procedimentos e
desta área de atuação por parte do estu- exames elaborados; e o fato de que para
dante de medicina durante a graduação lidar com pacientes complexos é neces-
e durante a residência médica em clínica sário disponibilidade e interesse.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

O geriatra, diferente dos outros es- “O que era antes o privilégio de pou-
pecialistas, vê o indivíduo idoso como cos, chegar à velhice, hoje passa a ser
um todo e não apenas suas doenças, norma mesmo nos países mais pobres.
especialmente para aquele indivíduo Essa conquista maior no século XX se
complexo portador de múltiplas comor- transforma, em um grande desafio para
bidades e nos muito idosos. o século XXI”.

SOBRE OS AUTORES

Dra. Amanda Lagreca Venys de Azevedo é:

Médica geriatra pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universida-


de de São Paulo (HC-Fmusp). Geriatra titulada pela Sociedade Brasileira de Geriatria
e Gerontologia (SBGG). Realizou complementação especializada de educação em
geriatria pelo Hospital das Clínicas da Fmusp.

Dr. Omar Jaluul é:

Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Pau-


lo (Fmusp), geriatra titulado pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia
(SBGG) e assistente do serviço de geriatria no Hospital das Clínicas (HC) da Fmusp.

339
CAPITULO 34 Como Escolher a sua Residência Médica

REFERÊNCIAS

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a career in geriatric medicine. Age and Ageing, 2013.
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tado de São Paulo. 2013.
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5. Madden KM, Wong RY. The health of geriatrics in Canada – More than meets the eye. Canadian
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gia (SBGG). Geriatria & Gerontologia, 2011.
10. Hogan DB. The practice of geriatrics: specialized geriatric programs and home visits. Canadian
Geriatrics Journal, 2011.
11. Gorzoni ML. Vagas de Residência Médica em Geriatria. Brazilian Geriatrics and Gerontology,
2011.
12. Frank C. Challenges and achievements in caring for the elderly. Canadian Family Physician,
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13. Pereira AMVB, Schneider RH, Schwanke CHA. Geriatria, uma especialidade centenária. Scientia
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14. Leigh JP, Tancredi DJ, Kravitz RL. Physician career satisfaction within specialties. BMC Health
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15. Matos M. Seu futuro em Medicina. Ed. Fundamento, 2009.
16. IBGE: a dinâmica demográfica brasileira e os impactos nas políticas públicas. Indicadores So-
ciodemográficos e de Sáude no Brasil, 2009.
17. Aitken M. Geriatricians – a role reappraisal? J R Soc Med, 2008.
18. Phelan EA, et al. How “Geriatric” is care provided by fellowship-trained geriatricians compared
to that of generalists? JAGS, 2008.
19. Geriatric Medicine section of the European Union of medical specialists (UEMS). Geriatric Me-
dicine Definition, 2008.
20. Hughes NJ, et al. Medical student attitudes toward older people and willingness to consider a
career in geriatric medicine. JAGS, 2008.

340
HEMATOLOGIA E
HEMOTERAPIA “

Dr. Tiago Freitas
Hematologia se faz com fisiopatologia
e coragem.

Profª Dra. Gloria Bomfim

H Hematologia e hemoterapia cons-


tituem um ramo da medicina que se
ocupa dos distúrbios do sistema linfo-
-hematopoético. Talvez nos últimos 20
anos, seja a especialidade médica que
específicas, guiadas, verdadeiramente
personalizadas, as chamadas “terapias-
-alvo” capazes de aumentar a expectati-
va de vida e oferecer qualidade aos anos
de vida acrescidos.
obteve os maiores avanços e descober-
tas no que tange à fisiopatologia das O ESPECIALISTA E A SUA ROTINA
doenças, à descoberta de novos fár-
macos e ao desenvolvimento de novos Ao contrário do que muitos pensam,
métodos diagnósticos e procedimentos a rotina laborativa de um hematologista
terapêuticos, a exemplo do transplan- pode ser muito diversificada, assim per-
te de medula óssea. O conhecimento mitam as condições estruturais do lugar
aprofundado do genoma humano e a onde se trabalha, seja este uma clínica,
popularização de técnicas como a cito- um hospital, um hemocentro, banco
genética e a biologia molecular permitiu de sangue, laboratório etc. As doenças
à hematologia uma evolução assombro- são graves, às vezes de rápida evolu-
sa, possibilitando desvendar os meca- ção, onde a presença e atuação incisiva
nismos geradores das doenças, atuar e marcante do hematologista faz toda
sobre eles de maneira mais específica, e a diferença. Lidamos a maior parte do
oferecer aos portadores de uma doença tempo com situações críticas, sobretudo
hematológica, ainda tão estigmatiza- no ambiente hospitalar: níveis extrema-
dos e mal assistidos, estratégias eficazes mente baixos de hemoglobina, plaque-
de prevenção e terapias cada vez mais topenias importantes, infecções graves,
CAPITULO 35 Como Escolher a sua Residência Médica

choque séptico, tromboses extensas etc. surgem novos centros de transplante de


Tomar decisões difíceis, em momentos medula óssea, novas clínicas de oncolo-
delicados, quando a linha entre a vida e gia, extensões dos hemocentros regio-
a morte é muitas vezes invisível, confere nais, todos serviços que não funcionam
ao hematologista um perfil profissional sem a presença de um hematologista.
sério, maduro, seguro de si, ousado, e ao Visto que há um número reduzido de
mesmo tempo, solidário e humano no profissionais, as propostas de trabalho,
sentido pleno da palavra. até o momento, existem; o mercado não
A especialidade tem como entidade atingiu ainda a “saturação”. Em 2010,
de referência a Associação Brasileira de havia 85 residentes no Brasil cursando
Hematologia e Hemoterapia (ABHH), a especialidade. Em 2012, este número
composta por hematologistas brasilei- subiu para 120, de acordo com dados da
ros de renome nacional e internacional Comissão Nacional de Residência Médi-
que se ocupam de tutelar o desenvol- ca (CNRM), do Ministério da Educação
vimento científico da especialidade no (MEC).
país, através da organização de eventos Os rendimentos são muito variáveis,
científicos nacionais e regionais, como de acordo com a região, se é um profis-
o Congresso Brasileiro de Hematologia, sional exclusivo do setor público ou se
Hemoterapia e Terapia Celular (Hemo) presta serviço também em âmbito pri-
(o congresso nacional da especialidade), vado, da carga horária semanal etc. É
da criação de um espaço para publica- óbvio que prescrever fármacos de alta
ções científicas, como a Revista Brasileira complexidade e custo, manusear produ-
de Hematologia e Hemoterapia, além de tos biológicos, terapia celular, e realizar
exercer um papel regulador, através da alguns procedimentos invasivos, garan-
concessão do Título de Especialista em te um rendimento diferenciado.
Hematologia e Hemoterapia, aos que ob-
têm aprovação no teste. A RESIDÊNCIA

MERCADO DE TRABALHO Para tornar-se hematologista/hemo-


terapeuta é necessário fazer dois anos de
A hematologia é uma especialidade residência em clínica médica como pré-
em franca expansão, apesar de ser uma -requisito e em seguida um outro exame
especialidade pouco conhecida, pouco que permite o acesso a mais dois anos
difundida. Estimativas da Organização de hematologia e hemoterapia. Para os
Mundial de Saúde (OMS) apontam que que desejam atuar no campo pediátrico,
em 2020, o câncer superará as doenças três anos de pediatria são obrigatórios,
cardiovasculares como causa de mor- em seguida dois anos de hematologia
talidade. Diagnósticos de neoplasia são e hemoterapia pediátrica. Os serviços
cada vez mais frequentes. Cada vez mais mais concorridos se concentram no es-

342
Hematologia e Hemoterapia CAPITULO 35

tado de São Paulo, sendo a Universidade linfomas, mieloma múltiplo), conhecer


de São Paulo (USP), a Escola Paulista de os principais quimioterápicos e anticor-
Medicina (Unifesp), a Universidade de pos monoclonais, bem como saber ma-
Campinas (Unicamp) e a USP Ribeirão nusear seus principais efeitos colaterais;
Preto, os centros de primeira escolha os distúrbios da hemostasia (também
da maioria dos candidatos. Serviços de conhecidos como coagulopatias) sejam
marcada relevância no cenário nacional, eles congênitos ou adquiridos, além do
responsáveis por formar grandes nomes manejo da terapia anticoagulante oral
da hematologia brasileira são: o Hospi- ou parenteral.
tal de Clínicas da Universidade Federal No tocante à hemoterapia, todo pro-
do Paraná; a Santa Casa de Misericórdia fissional em formação deve ter um mí-
de São Paulo; o Hospital do Servidor Es- nimo da sua carga horária (que varia de
tadual (SP); o Hospital Albert Einstein programa para programa) em um ser-
(SP); o Instituto Nacional do Câncer (RJ); viço de medicina transfusional, seja he-
a Fundação HemoRio (RJ) e o Hospital mocentro (público) ou banco de sangue
das Clínicas da Universidade Federal da privado. Existe um movimento que pre-
Bahia (Hupes). tende desvincular a hemoterapia, tor-
nando-a uma especialidade autônoma,
AS HABILIDADES com formação à parte, independente da
hematologia, tamanha é sua complexi-
Ao final de uma boa formação em dade e seu crescimento, porém, até, o
hematologia geral, o hematologista momento, permanecem unidas, como
deve ser habilitado a conduzir a inves- especialidade única.
tigação diagnóstica de um distúrbio Nem todo hematologista lida no seu
hematológico qualquer, seja ele de na- dia a dia com pacientes oncológicos, al-
tureza benigna ou maligna; manusear o guns decidem ocupar-se apenas das he-
miscroscópio óptico, a fim de analisar as mopatias ditas benignas. Assim, seguem
alterações morfológicas do sangue peri- pacientes com anemia de todos os tipos
férico; realizar o aspirado medular (mie- e causas, (ferropenia, megaloblastoses,
lograma) e emitir laudos em base à aná- hemoglobinopatias, etc), sobrecarga de
lise citomorfológica, além de executar ferro, púrpuras, etc.
o procedimento de biópsia de medula Além de lidar com os casos especí-
óssea, a ser analisado pelo anatomopa- ficos de sua área, isto é, as doenças pri-
tologista. mariamente hematológicas, o hemato-
Durante a formação, o especializan- logista está em constante interface com
do deve ser treinado a diagnosticar e tra- as diversas especialidades, de modo
tar as principais patologias onco-hema- que trabalha sempre em conjunto, por
tológicas (leucemias agudas e crônicas, exemplo, com o anatomopatologista,

343
CAPITULO 35 Como Escolher a sua Residência Médica

radioterapeuta, infectologista, ortope- gias positivas, transfusões incompatíveis


dista, intensivista, fazendo desse profis- etc.). Os serviços que oferecem esse trei-
sional um verdadeiro internista. namento sob a forma de fellowship, são
a Escola Paulista de Medicina (Unifesp),
ÁREAS DE ATUAÇÃO o Hospital Albert Einstein (SP) e o Insti-
tuto Nacional do Cancer (RJ).
À medida que uma determinada
especialidade médica cresce e se de- TRANSPLANTE DE MEDULA ÓSSEA
senvolve, surgem as ramificações, as
áreas de atuação, as chamadas subes- O transplante de médula óssea (TMO)
pecialidades. Atualmente, além dos dois ou transplante de células tronco hema-
anos de hematologia e hemoterapia se topoéticas, que seria a denominação
pode optar por dedicar-se a uma área mais apropriada, nasce no fim da década
de forma mais aprofundada, como, por de 50 nos EUA, com o grupo de Seattle,
exemplo, hemoterapia (medicina tran- liderado pelo Prof. E. Donald Thomas e,
fusional), transplante de medula óssea, desde então, vem se tornando cada vez
hemostasia, citofluorimetria. mais presente em nossa prática clínica,
permitindo o controle e muitas vezes a
HEMOTERAPIA cura da maioria das patologias hema-
tológicas malignas, algumas benignas,
Existem alguns centros que ofere- além de doenças não hematológicas
cem programas de aprofundamento em (imunodeficiências, doenças genéticas,
hemoterapia. As opções variam de 10 como a adrenoleucodistrofia, doenças
semanas a 12 meses a mais de formação auto-imunes, tumores sólidos etc.).
direcionada, em que se desenvolvem as A maioria dos chamados “transplan-
habilidades em gestão de serviços de tadores” são hematologistas de forma-
hemoterapia, conhecimento profundo ção, porém oncologistas também po-
da legislação que rege toda a medicina dem tornar-se especialistas em TMO.
transfusional do país, a realizar os di- Geralmente se faz um ano adicional
versos procedimentos aferéticos (coleta de formação, tempo durante o qual se
de plaquetas por aférese; plasmaférese aprendem: as indicações e contra-indi-
terapêutica; leucoaférese terapêutica; cações do TMO; os principais regimes de
fotoférese; coleta de células tronco au- condicionamento; avaliação de doado-
tólogas ou alogênicas), todo o campo res de células tronco (autólogos e alogê-
da imunohematologia eritrocitária, além nicos, aparentados e não aparentados);
do manejo e solução dos problemas seleção de doadores não aparentados
tranfusionais corriqueiros (fenótipos ou células de cordão umbilical, quando
eritrocitários raros, exclusão definitiva indicado; além do manejo das principais
de doadores, comunicação de sorolo- complicações do procedimento, que

344
Hematologia e Hemoterapia CAPITULO 35

são, sem sombra de dúvida, a doença do sendo revolucionada pelos novos anti-
enxerto contra o hospedeiro (DECH – ou coagulantes orais. Não muito diverso do
sua denominação em inglês, GVHD, que restante da hematologia, um bom labo-
é a mais utilizada) e as infecções opor- ratório com profissionais treinados na
tunistas, que são responsáveis por gran- área se faz necessário, visto que a maio-
de parte da mortalidade relacionada ao ria dos diagnósticos e o monitoramento
transplante. É uma área bastante com- terapêutico desse perfil de paciente é
plexa, árdua, delicada, porém oferece exclusivamente laboratorial.
ao profissional a chance de resgatar os
casos que, de outra maneira, não teriam CITOFLUORIMETRIA
nenhuma chance. Os programas oficiais
de fellowship em TMO se encontram nos Para os que se encantam pela he-
Hospitais Albert Einstein e Sírio Libanês matologia, mas não são verdadeiros
(SP), na Fundação Amaral Carvalho (Jaú- amantes do contato diário e direto com
-SP) - onde se faz um grande número de pacientes, especializar-se em citofluori-
procedimentos por ano - e no Instituto metria é uma boa opção. A citometria
Nacional do Câncer (RJ). Outros centros de fluxo, já utilizada em outras áreas,
que também oferecem a formação são: revolucionou a hematologia. É uma téc-
o Hospital das Clínicas da USP, Unicamp nica diagnóstica que consiste no uso
e o Hospital de Clínicas de Curitiba de anticorpos monoclonais coligados
(UFPR), Hospital das Clínicas da USP Ri- a substâncias fluorescentes, chamados
beirão Preto. Atualmente, o especialista fluorocromos, que servem para marcar
em TMO é um profissional altamente as células e assim revelar seu fenótipo.
procurado, em vista do crescimento dos Através dessa imunofenotipagem, so-
serviços e do surgimento de novos cen- mos capazes de identificar e quantificar
tros que executam o procedimento. as diferentes populações de células pre-
sentes em uma amostra qualquer (seja
HEMOSTASIA ela sangue periférico, medula óssea,
líquido pleural, líquor etc.) e dizer com
A hemostasia é uma área de atuação segurança se trata-se de um granulóci-
relativamente nova, onde o especialista to, um monócito, um linfócito B, T ou NK,
se ocupa dos distúrbios de coagulação, se suas características são de uma célula
sejam eles congênitos (hemofilias A e B, normal ou anômala, ou se, em termos
doença de Von Willebrand, trombofilias percentuais, a distribuição é a espera-
hereditárias etc.) ou adquiridos (púrpu- da na maioria das pessoas saudáveis.
ras, CIVD, tromboses etc.) além do ma- O citofluorimetrista é capaz de identifi-
nejo da terapia anticoagulante oral ou car células malignas (os blastos de uma
parenteral, que nos últimos anos vem leucemia aguda, por exemplo) mesmo

345
CAPITULO 35 Como Escolher a sua Residência Médica

quando em pequenas quantidades, normais, sendo útil tanto no diagnóstico


com um limite de detecção de 10-4, ou como no monitoramento pós terapia.
seja, 1 célula anormal em 10.000 células

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

A Hematologia é uma especialidade Desvendar mistérios diagnósticos,


complexa, dinâmica, eclética, visto que obter sucesso na condução de casos di-
oferece um amplo leque de opções de fíceis, vencer a luta contra doenças tão
como, quando e onde desenvolvê-la. devastadoras é, no mínimo, gratificante
Está em constante e acelerada expan- e sem dúvida, compensa qualquer es-
são, o que exige do profissional dedica- forço.
ção e atualização contínuas.

SOBRE O AUTOR

Dr. Tiago Freitas é:

Médico pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG)-PB, hematologista e


hemoterapeuta pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) e atualmente é integran-
te do Stem Cell Program do San Raffaele Scientific Institute, Milão, Itália.

REFERÊNCIAS

1. Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia. Disponível em: <www.abhh.org.br>.


Acesso em: 21 set. 2013.
2. Sociedade Brasileira de Transplante de Medula Óssea. Disponível em: <www.sbtmo.org.br>.

346
IMUNOLOGIA E ALERGOLOGIA


Dra. Fabiana Mascarenhas Souza Lima

Ótimo funcionamento do sistema imunológico,


ao que parece, é dependente de sentir-se bem.

Marcey Shapiro

A As observações dos conceitos da


imunologia são datadas do ano 430
a.C., quando sobreviventes de doenças,
particularmente a varíola, eram desig-
nados para cuidar dos doentes, já que
crorganismos e as mais diversas subs-
tâncias podiam ser produzidos e sua
especificidade, demonstrada. Como re-
compensa pela sua brilhante descober-
ta, Jules Bordet ganhou o Prêmio Nobel
eram “imunes” ao novo contágio. Logo de Fisiologia ou Medicina em 1919 por
depois, foi criado um procedimento seus trabalhos no campo da imunolo-
que consistia em inocular o material das gia, sobretudo a descoberta do sistema
pústulas de doentes em pessoas sadias, complemento, conjunto de proteínas
o que evitava o contágio em 97% dos essenciais para o estabelecimento da
casos. Essa observação nos primórdios, resposta imune. Não podemos deixar de
juntamente com os novos conhecimen- lembrar de Karl Landsteiner, que além
tos do século XVIII, liderados pelos mé- de demonstrar que podemos produzir
dicos Edward Jenner e Louis Pasteur, es- anticorpos específicos contra uma am-
tabeleceram uma verdadeira revolução pla gama de antígenos, foi responsável
no modo como o mundo ocidental via pelas descobertas dos grupos sanguíne-
as doenças e salvaram milhões de vidas os humanos AB0 e, posteriormente, do
através do que conhecemos hoje como fator Rh, pelas quais foi agraciado com
vacinação. o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medici-
O enorme interesse nos procedimen- na em 1930. Seguindo nas descobertas
tos de imunização que se seguiu por va- imunológicas que mudariam a medicina
rias décadas levou os “imunologistas” da e assistência à saúde, Linus Carl Pauling
segunda metade do século XIX, através formulou uma teoria sobre a formação
de observações clínicas, a perceberem de anticorpos e foi contemplado com o
que anticorpos contra diferentes mi- Prêmio Nobel em 1954. A coleção dos
CAPITULO 36 Como Escolher a sua Residência Médica

Prêmios Nobel referentes ao campo da doenças mediadas por alterações do


imunologia não parou por aí: seguiram- funcionamento do sistema imunológi-
-se pelo menos mais quatro premiações, co4. Nesse tópico, faremos um passeio
corroborando a inegável importância pelas principais áreas de importância da
do conhecimento da imunologia para o imunologia, detalhando um pouco mais
desenvolvimento da medicina contem- as questões ainda pouco conhecidas,
porânea1. mesmo no meio médico.
Mais tarde veio a descoberta de que Algumas das áreas de atuação mais
uma doença poderia ser causada apenas conhecidas do especialista em alergia
pela desregulação do próprio sistema e imunologia são as doenças alérgicas.
imunológico2. A importância das célu- Segundo a american academy of allergy,
las dendríticas e dos receptores toll-like asthma and immunology (Aaaai), apro-
pode ser vista em estudos sobre câncer, ximadamente 56 milhões de pessoas
doenças infecciosas, doenças autoimu- no mundo sofrem de doenças alérgicas,
nes, transplantes, no controle entre to- com números cada vez mais crescentes5.
lerância ou resposta imunológica, além Um estudo multicêntrico demonstrou
do desenvolvimento de vacinas; desco- que a prevalência da asma entre adoles-
bertas que foram merecedoras de mais cente chega a 18,3% no Brasil6. O diag-
um Prêmio Nobel3. nóstico e tratamento precoce das do-
Nos dias atuais, todas essas obser- enças alérgicas têm impacto direto nos
vações e constatações científicas, junta- indicadores de qualidade de vida da po-
mente com o surgimento da engenharia pulação, além de redução dos custos da
genética, possibilitaram o desenvolvi- saúde pública. A conduta correta no tra-
mento das terapias imunomoduladoras, tamento destas doenças, principalmen-
imunossupressoras e mais recentemen- te quando feita por profissionais capaci-
te, transplante de células-tronco, tera- tados, diminui drasticamente a morbi/
pias-alvo e terapias gênicas em diversas mortalidade dos pacientes, evitando in-
especialidades da medicina, mudando ternações e visitas ao pronto-socorro7-9.
drasticamente o prognóstico e qualida- A compreensão das doenças alérgicas
de de vida de milhões de pessoas. depende do conhecimento das funções
do sistema imunológico, uma vez que a
O ESPECIALISTA E SUA ROTINA alergia ou doenças que mimetizam sin-
tomas alérgicos podem ser manifesta-
INTRODUÇÃO À IMUNOLOGIA ções iniciais de diversas outras doenças,
CLÍNICA E ALERGIA como a ponta de um iceberg.
O avanço da imunoterapia com ex-
Alergia e Imunologia é a especialida- tratos de ácaros e insetos possibilitou
de da medicina que visa o diagnóstico uma drástica mudança na evolução dos
e o tratamento de um imenso grupo de pacientes sintomáticos sensibilizados a

348
Imunologia e Alergologia CAPITULO 36

esses alérgenos. A indução de tolerância esplênicas, além de representarem fator


para alimentos, principalmente na aler- de risco independente para neoplasias e
gia a proteína do leite de vaca e amen- autoimunidade18-21. A redução do espa-
doim, representou um divisor de águas ço de tempo entre o início dos sintomas,
na melhoria da qualidade de vida e diagnóstico e tratamento, que hoje é
prognóstico dos pacientes. As suspeitas estimado em pelo menos sete anos se-
de reações alérgicas à medicamentos gundo registros internacionais, é essen-
podem ser solucionadas, muitas vezes, cial para o tratamento precoce dessas
com a realização de testes para confir- doenças, representando um avanço da
mação diagnóstica, e dessensibilização qualidade da medicina em todo o mun-
quando a droga de escolha for impres- do. Em muitos casos, poderiam ser evita-
cindível10-14. Outro ganho digno de nota das internações hospitalares prolonga-
da imunoterapia é a redução dos custos das, sequelas pulmonares, complicações
com a saúde, evitando internações e infecciosas, procedimentos cirúrgicos
atendimentos de urgência e emergên- desnecessários, distúrbios de desen-
cia15. Mais detalhes sobre as atribuições volvimento de crianças e até mortes. A
do alergista/imunologista serão discuti- prevenção e diagnóstico precoce de ne-
dos mais adiante. oplasias, além de reconhecimento e tra-
Diversos tipos de mutações genéti- tamento adequado da autoimunidade
cas são responsáveis por defeitos em di- associada, também são pontos-chave
ferentes níveis da resposta e tolerância no seguimento do paciente diagnosti-
imunológica, que muitas vezes em asso- cado com imunodeficiência primária22-26.
ciação com o meio ambiente, levam aos A terapia de reposição e modulação
mais diferentes fenótipos de alterações imunológica com imunoglobulina é o
na imunidade. Discutiremos a seguir al- exemplo clássico da ferramenta que
guns exemplos clássicos. mudaria definitivamente o curso das
A estimativa mundial é que atual- imunodeficiências humorais27,28. A imu-
mente existem pelo menos seis milhões nodeficiência primária muitas vezes
de pessoas portadoras de imunodefici- pode ser a resposta do porquê de mui-
ências primárias, síndromes causadas tas doenças. É importante lembrar que
por defeitos genéticos estimados em o câncer, patologias autoimunes, além
um número de aproximadamente 300, do próprio tratamento dessas doenças,
com muitos casos ainda não diagnos- podem levar à imunodeficiência secun-
ticados principalmente em países sub- dária. Assim como a imunodeficiência
desenvolvidos16,17. O conhecimento das primária, essa doença necessita ser se-
imunodeficiências primárias é essencial, guida e não pode ser negligenciada29.
uma vez que estas doenças cursam com Os termos doenças autoimunes e do-
infecções frequentes e graves, altera- enças autoinflamatórias englobam um
ções pulmonares, nodais, hepáticas e amplo espectro de distúrbios da regula-

349
CAPITULO 36 Como Escolher a sua Residência Médica

ção da imunidade, em que o organismo a uma enorme gama de patologias de


do indivíduo é prejudicado pelo seu pró- domínio de estudo de muitas especia-
prio sistema imunológico. Infelizmente, lidades médicas. A grande pergunta a
a realidade é que essas doenças são ser respondida pelo médico com olhar
bastante subdiagnosticadas, principal- científico em sua essência é: “por que e
mente no Brasil. As doenças autoimunes de onde vem” essa doença?
caracterizam-se pela presença de auto- As vacinas são o caminho mais eficaz
-anticorpos contra estruturas próprias para o combate eficiente de diversas do-
do organismo gerando inflamação e enças infecciosas que podem ser preve-
dano muitas vezes irreparável. Além dis- nidas e seu desenvolvimento só é possí-
so, a desregulação imune é complexa, vel através do conhecimento minucioso
sendo que muitas vezes as imunodefici- das etapas envolvidas na resposta imu-
ências vêm acompanhadas de doenças ne. Reações vacinais são uma tema de
autoimunes, requerendo uma investi- notável importância e devem ser de do-
gação diagnóstica que representa um mínio do alergista/imunologista5.
desafio. Um ponto muito importante e O conhecimento detalhado do fun-
esclarecedor é que o termo autoinfla- cionamento do sistema imune permite
matória não é igual a autoimunidade. tratamentos mais eficazes e com menos
As doenças autoinflamatórias represen- efeitos colaterais. As terapias com anti-
tam defeitos da imunidade inata, conse- corpos monoclonais cada vez mais tra-
quentemente, seu tratamento é comple- rão soluções para diversos tipos de do-
tamente diferente a despeito do quadro enças, melhorando significativamente a
clínico muitas vezes similar ao das doen- qualidade e a eficiência em diversas áre-
ças autoimunes30. as da medicina, como, por exemplo, em
O alergista/imunologista precisa doenças autoimunes, autoinflamatórias
pensar de forma ampla e com raciocí- e oncológicas31,32. Com a individualiza-
nio científico, compreendendo que as ção imunológica e genética, será possí-
doenças “imunomediadas” muitas vezes vel detectar especificamente as células
não se apresentam com todos os come- doentes e promover um tratamento que
morativos descritos nos livros das mais controle o seu surgimento de forma di-
diferentes especialidades. Os proces- recionada e mais eficaz, através de an-
sos celulares de sinalização da resposta ticorpos monoclonais contra as células
imune são determinantes para a ma- específicas, além de prever o compor-
nifestação fenotípica da doença. Cabe tamento da doença individualmente.
lembrar que o termo “imunomediadas” Esses avanços serão responsáveis pela
refere-se a todas as doenças com en- redução na morbidade e mortalidade
volvimento direto do sistema imune, de, por exemplo, 14 milhões de pesso-
incluindo danos causados por resposta as diagnosticadas com câncer só em um
a um agente infeccioso, o que remete ano, segundo dados da OMS33-35. Lem-

350
Imunologia e Alergologia CAPITULO 36

brando que a imunodeficiência secun- elas, minimizando riscos e utilizando


dária causada pela neoplasia ou pelo tratamentos paralelos para melhorar a
seu tratamento deve ser diagnosticada qualidade de vida dessas pessoas.
e tratada, evitando ainda mais compli- O papel do alergista/imunologista
cações da doença36. abrange um dos pilares do acompanha-
O sucesso de qualquer tipo de trans- mento multidisciplinar de pacientes de
plante de órgãos depende da compati- diversas especialidades.
bilidade entre doador e receptor e do
controle da reação de rejeição do indi- ROTINA DO ALERGISTA/
víduo receptor contra o órgão do indiví- IMUNOLOGISTA E ÁREAS DE
duo doador, mesmo o transplante reali- ATUAÇÃO
zado entre indivíduos denominados de
forma simples como “compatíveis”. Na O dia a dia do alergista/imunologista
realidade, nenhuma pessoa é genetica- é essencialmente a realização de consul-
mente idêntica à outra, ou seja, de algu- tas ambulatoriais e testes diagnósticos,
ma forma nosso sistema imunológico é variando de acordo com o perfil indivi-
capaz de reconhecer como normais ape- dual do especialista. Em proporções, o
nas o ácido desoxirribonucleico (DNA) atendimento ambulatorial atualmente
idêntico que expressa proteínas deno- é composto, na sua maioria, pelas do-
minadas como antígenos. Para realizar enças alérgicas. No campo das imuno-
um transplante, procuramos encontrar deficiências, as mais comuns são as se-
pessoas com antígenos específicos com cundárias e deficiências de anticorpos.
maior semelhança possível, lançando Abaixo um resumo dos diagnósticos da
mão de métodos de compatibilidade de rotina do especialista:
sistemas, rastreio de anticorpos contra
o enxerto, além de medicamentos que Asma alérgica
deprimem o sistema imune para evitar Rinite alérgica
a rejeição do transplante. Como citado Dermatite atópica
anteriormente, diversas doenças de- Alergia alimentar
pendem de tratamentos feitos com me-
Urticária/angioedema
dicações que bloqueiam parcialmente
Alergia a medicamentos
algumas etapas das reações do sistema
imune, conhecidas como imunossu- Dermatite de contato
pressores37-39. Para utilizar corretamente Alergia a veneno de insetos
essas medicações, o médico precisa co- Anafilaxia
nhecer os seus mecanismos imunológi- Reações vacinais
cos de ação e consequentemente seus Mastocitose
efeitos colaterais, como, por exemplo, Angioedema hereditário
a própria imunodeficiência causada por

351
CAPITULO 36 Como Escolher a sua Residência Médica

Esofagite eosinofílica maneira domiciliar, como já é rotina em


Deficiência de IgA alguns países20. Essas informações são
Imunodeficiência comum variável contrárias ao mito de que o alergista/
Agamaglobulinemia imunologista somente poderá realizar
investigação e acompanhamento imu-
Outras imunodeficiências humorais
nológico em um grande centro. Claro
Imunodeficiências celulares
que alguns exames laboratoriais menos
Imunodeficiências combinadas disponíveis e mais específicos que even-
Doença granulomatosa crônica tualmente possam ser solicitados, terão
Síndromes bem definidas cursando com que ser realizados em um grande centro
imunodeficiências com laboratório qualificado. Menos fre-
Síndromes de hiper IgE quentemente, a internação de pacientes
Síndrome hipereosinofílica pode ser necessária para a realização de
Imunodeficiências secundárias broncoprovocação, indução de tolerân-
Herpes e candidíase de repetição cia a medicamentos e alimentos e para
investigação e/ou tratamento de pa-
Doenças autoimunes
cientes com doenças imunológicas.
Doenças autoinflamatórias
Um ponto interessante da especia-
lidade é a possibilidade da rotina no
Testes diagnósticos cutâneos, imu- laboratório em centros de pesquisa,
noterapia para inalantes e veneno de envolvendo as mais diferentes áreas de
insetos, provocação oral e indução de pesquisa em imunologia, afinal, o conhe-
tolerância com medicações e alimen- cimento imunológico é um dos pilares
tos, broncoprovocação inespecífica e da medicina como um todo. A indústria
específica com alérgenos, e terapia com farmacêutica também é uma ampla área
imunoglobulinas e imunobiológicos, de atuação do alergista/imunologista.
constituem competências do alergista/ Um resumo das funções do alergista/
imunologista e devem ser realizados imunologista:
em ambientes equipados com todo o • Profilaxia, diagnóstico e tratamento
aparato para um atendimento de emer- de doenças alérgicas, autoimunes,
gência, embora não necessariamente autoinflamatórias e imunodeficiên-
em hospitais terciários. A administração cias;
de imunoglobulina intravenosa e imu- • Acompanhamento multidisciplinar
nobiológicos em pacientes com imu- de doenças imunomediadas em di-
nodeficiências ou doenças autoimunes/ versas especialidades;
autoinflamatórias é realizada em hos- • Imunoterapia para inalantes;
pital-dia. Em um futuro bem próximo, • Imunoterapia para veneno de inse-
no Brasil, a imunoglobulina poderá ser tos;
administrada por via subcutânea de • Diluições de extratos alergênicos;

352
Imunologia e Alergologia CAPITULO 36

• Diagnóstico e indução de tolerância importante nos serviços prestados em


a medicamentos; conjunto com as consultas. É claro que
• Diagnóstico e indução de tolerância o início de carreira, em geral, não é fácil,
a alimentos; e o lugar do especialista do mercado de
• Testes de broncoprovocação; trabalho vai sendo sedimentado com o
• Realização e interpretação de prova tempo e planejamento.
de função pulmonar; Consultar o censo de especialida-
• Testes cutâneos para avaliação de des do Conselho Regional de Medicina
imunidade imediata e tardia; do Estado de São Paulo (Cremesp) de
• Testes para urticária física; 201141.
• Terapia com imunoglobulina;
• Terapia com imunobiológicos; A RESIDÊNCIA MÉDICA EM ALERGIA
• Biópsia cutânea; E IMUNOLOGIA
• Pesquisa laboratorial na ampla área
da imunologia40. O programa da residência médica
em imunologia clínica e alergia segue o
MERCADO DE TRABALHO padrão de exigência do credenciamen-
to pelo Ministério da Educação (MEC). A
Em resumo, a perspectiva profissio- duração é de dois anos e o pré-requisito
nal é boa e existe uma diversidade con- é de dois anos de residência em clínica
siderável de atribuições do alergista/ médica ou pediatria, respectivamente,
imunologista, cabendo a cada um esco- sendo que os processos seletivos são
lher ao final da residência o que mais lhe independentes. Várias instituições de
agrada. Um ponto forte da especialidade ensino superior também oferecem cur-
é a abrangência de atendimento a adul- sos e estágios de pós-graduação latu
tos e crianças, o que aumenta bastante o sensu de curta ou de longa duração. Os
público-alvo de atuação do especialista. estágios de dois anos de duração equi-
O alergista/imunologista pode atuar em valentes à residência em clínica médica
clínicas particulares, hospitais (sobreavi- ou pediatria na especialidade habilitam
so ou em atendimentos ambulatoriais) o egresso a prestar a prova de título de
ou laboratórios. Também pode exercer especialista através da Associação Brasi-
atividades assistenciais e/ou acadêmi- leira de Alergia e Imunologia (ASBAI)42-44.
cas em instituições de ensino universitá- Pré-requisitos para realizar a prova
rio, o que lhe possibilita conhecimento de título de especialista em alergia e
científico no exercício da especialidade. imunologia:
Os procedimentos listados no item ro- 1. Estar formado, no minimo, há 4 (qua-
tina do alergista/imunologista têm de- tro) anos na data da prova por Facul-
manda considerável e, em geral, bom dade reconhecida pelo MEC.
retorno financeiro, representando papel

353
CAPITULO 36 Como Escolher a sua Residência Médica

2. Ter concluído residência médica em Em relação à concorrência, o número


imunologia clínica e alergia ou em de candidatos ao programa de residên-
alergia pediátrica em instituição cre- cia médica em alergia pediátrica é relati-
denciada pela Comissão Nacional de vamente maior quando comparado aos
Residência Médica, desenvolvida em candidatos ao de clínica médica. A con-
período integral, com duração míni- corrência é muito variável em relação
ma de 2 (dois) anos; ao ano da prova e principalmente, em
3. Ter certificado de conclusão de trei- relação à instituição alvo, o que dificulta
namento na especialidade com du- estabelecer um número médio. A maio-
ração semelhante à do programa de ria das instituições credenciadas se loca-
residência médica (CNRM) creden- lizam no Sudeste, onde a concorrência
ciado pelo MEC ou reconhecido pela pode ser maior.
ASBAI45. O exercício da especialidade em aler-
gia/imunologia depende de preparação
Em geral, o programa é composto completa do profissional para o merca-
das atividades descritas no tópico da ro- do de trabalho, o que é contemplado no
tina e áreas de atuação do alergista/imu- programa de residência médica regula-
nologista, variando no foco nas subáre- mentado pelo MEC, Conselho Federal
as citadas. De qualquer forma, o médico de Medicina (CFM) e Ministério da Saú-
que decidir prestar prova para a especia- de, e também em estágios equivalentes
lidade precisa ter em mente quais áreas de dois anos de duração46. É importante
de atuação descritas acima se identifica lembrar que existem diversos cursos e
mais, considerando também o mercado programas de especialização não regu-
de trabalho, aí então procurar informa- lamentados que não habilitam o pro-
ções mais detalhadas de cada programa fissional para a realização da prova de
e/ou conhecer diretamente a institui- título de especialista ou para o mercado
ção. Associado às atividades práticas, o de trabalho.
programa é composto de atividades di- A relação de instituições credencia-
dáticas/científicas relacionadas40. A pro- das pela Asbai como centros de edu-
porção de atividades didáticas também cação podem ser encontradas no site:
vai variar de acordo com a instituição de <http://www.sbai.org.br/centrosforma-
ensino. dores>.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

A área da alergia e imunologia re- nológicas e genéticas únicas é o ponto


presenta a história de passado, presente crucial que permitirá o avanço nas no-
e futuro da medicina. A valorização do vas terapias para tratamento de diversas
indivíduo em suas características imu- doenças. A individualização imunológi-

354
Imunologia e Alergologia CAPITULO 36

ca e genética é o ponto de partida para Uma enorme rede de cooperação na-


o entendimento e tratamento eficiente cional e internacional (alguns exemplos
das doenças. Com o progresso dessa na tabela abaixo) está disponível para
área, a imunoterapia, terapia-alvo, te- troca de experiências e informações
rapia gênica e transplante de órgãos e sobre todos os temas da imunologia. O
de células-tronco serão a base para o importante é ter a convicção que temos
“ataque na raiz” do problema, qualquer que fazer o que for necessário para me-
que seja a área da medicina48-50. Terapias lhorar a assistência em saúde no nosso
imunomoduladoras já estão mudando país. Profissionais de saúde e todos os
o conceito de tratamento das doenças cidadãos precisam trabalhar em conjun-
imunomediadas, com impacto direto to a fim de desenvolver todo o potencial
em diversas especialidades da medici- que muitas vezes não exploramos, e tor-
na. A intervenção do imunologista em nar o Brasil uma referência mundial em
doenças comuns, mas pouco explora- medicina, valorizando a base do conhe-
das na base do seu problema trará uma cimento científico, o que nos possibili-
grande evolução para a imunologia clí- tará ainda mais do que estarmos atua-
nica e laboratorial. A implantação de no- lizados, mas desvendar nossos próprios
vas terapias em “velhas” doenças é uma caminhos.
necessidade iminente.

Organização Site
World Allergy Organization www.worldallergy.org
Clinical Immunology Society www.clinimmsoc.org
International Union of Immunological
www.iuisonline.org
Societies
Sociedad Latinoamericana de
www.lasid.org
Inmunodeficiencias
Associação Brasileira de Alergia e Imunologia www.sbai.org.br
Sociedade Brasileira de Imunologia www.sbi.org.br
Grupo Brasileiro de Imunodeficiências www.imunopediatria.org.br
European Society for Immunodeficiencies www.aaaai.org
European Academy of Allergy and Clinical
www.eaaci.org
Immunology
The American Academy of Allergy Asthma
www.aaaai.org
and Immunology
The American Association of Immunologists www.aai.org

355
CAPITULO 36 Como Escolher a sua Residência Médica

SOBRE A AUTORA

Dra. Fabiana Mascarenhas Souza Lima é:

Médica graduada pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP). Re-
alizou residência em clínica médica pelo Instituto de Assistência Médica ao Servi-
dor Público do Estado de São Paulo (Iamspe) e também fez residência em alergia
e imunologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universida-
de de São Paulo (HC-Fmusp). É membro da Clinical Immunology Society (CIS), da
European Society for Immunodeficiencies (Esid), da Sociedad Latinoamericana de
Inmunodeficiencias (Lasid) e também da Associação Brasileira de Alergia e Imuno-
logia (Asbai).

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CFM, a Associação Médica Brasileira – AMB e a Comissão Nacional de Residência Médica -
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358
Imunologia e Alergologia CAPITULO 36

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no 02, de 17 de maio de 2006. Requisitos mínimos dos Programas de Residência Médica e dá
outras providências. D Of União. no 95, de 19/05/06, seção 1, p. 23-36.
45. Conselho Federal de Medicina (Brasil). Resolução no 2.116, de 04 de fevereiro de 2015. Nova
redação do Anexo II da Resolução CFM nº 2.068/2013, que celebra o convênio de reconhe-
cimento de especialidades médicas firmado entre o Conselho Federal de Medicina (CFM), a
Associação Médica Brasileira (AMB) e a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM).D Of
União, seção I, p. 55.
46. Associação Brasileira de Alergia e Imunologia. Notícias. Edital da Prova de título de espe-
cialista. Disponível em: <http://www.asbai.org.br/imageBank/Edital%20Prova%20T.E%20
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359
MEDICINA INTENSIVA


Dr. Mario Diego Teles Correia

A vida é breve, a arte é longa, a oportunidade
passageira, a experiência enganosa, o
julgamento difícil.

Hipócrates

A A medicina intensiva é relativamen-


te nova e se desenvolveu como uma
especialidade médica independente na
segunda metade do século XX, refletin-
do a especialização necessária para o
Desta forma, surgiu uma especiali-
dade que abrange atitudes e habilida-
des no reconhecimento e manuseio de
pacientes gravemente enfermos, agru-
pando conhecimentos de diversas áre-
cuidado de pacientes críticos, incluindo as. Nela, aos conhecimentos da clínica,
tecnologia para suporte de vida e ma- pediatria, clínica cirúrgica e anestesiolo-
nejo de falências orgânicas graves. Esse gia, somam-se os mais recentes conhe-
desenvolvimento ocorreu especialmen- cimentos médicos para a assistência ao
te após epidemia de poliomielite em doente crítico, fisiologia aplicada, utili-
meados do século passado para atender zação de tecnologia avançada, farmaco-
às vítimas que necessitavam de suporte logia, ética e humanização.
ventilatório mecânico1,2. Os pacientes que são admitidos em
Além disso, sua história vem do re- uma UTI provêm de vários setores do
conhecimento de que certos pacientes hospital, como sala de emergência, en-
graves poderiam ter melhor atendimen- fermarias clínicas e cirúrgicas, centro
to e um melhor desfecho, caso fossem cirúrgico. É uma área de convergência
reunidos em áreas específicas de um multiprofissional voltada para o aten-
hospital, onde seriam assistidos por dimento de pacientes com efetivo ou
uma equipe multidisciplinar especia- potencial comprometimento das fun-
lizada3. O início da construção dessas ções vitais, decorrentes de falhas de um
unidades semifechadas denominadas ou mais de um dos sistemas orgânicos,
unidades de terapia intensiva (UTI), deu podendo ser considerada o nível mais
início a partir dos anos 60. complexo e avançado dentro da hierar-
CAPITULO 37 Como Escolher a sua Residência Médica

quia hospitalar. Por isso, por definição, a intensivista é aquele indivíduo “empol-
UTI é um local onde se encontram pa- gado com a medicina” e que gosta de
cientes graves e agudamente doentes desafios. Interessado nos mais diversos
ou de risco. aspectos da ciência médica, é um indi-
Características dessas unidades: víduo agregador, tanto de conhecimen-
tos, como de pessoas, com o objetivo de
Alta densidade profissionais de saúde
(enfermagem)
cuidar do doente crítico.
Competências e habilidades impor-
Disponibilidade de monitorização invasiva
tantes ao intensivista são:
Tecnologia de suporte orgânico (ventilação
mecânica, hemodiálise contínua, balão Habilidades clínicas no reconhecimento,
intra-aórtico, membrana de oxigenação por diagnóstico e cuidado do doente crítico;
circulação extracorpórea-ECMO...) Habilidades de liderança e gestão;
Destreza manual e habilidade com procedi-
Em 1980, foi criada a Associação de mentos práticos;
Medicina Intensiva Brasileira (AMIB),
Capacidade de trabalhar sob pressão;
tendo sido a Medicina Intensiva reco-
Habilidade para trabalhar como parte de
nhecida como especialidade pela Asso-
uma equipe multidisciplinar;
ciação Médica Brasileira (AMB), em 1981
Empatia; reconhecer que diferenças cultu-
e pelo Conselho Federal de Medicina
rais, sociais e religiosas têm impacto na for-
(CFM), em 20024. A partir desta época, ma como pacientes e familiares enxergam
iniciou-se um grande desenvolvimento as doenças graves e a perspectiva da morte.
da medicina intensiva no Brasil, sendo
hoje mais de 2.000 unidades de terapia Importante ressaltar que esse know-
intensiva – UTIs – com necessidade cres- -how não é natural e pode ser aprendi-
cente de médicos especializados para do durante o treinamento em medicina
atender à demanda. intensiva e aperfeiçoado ao longo da
Entre 2005 e 2013, o número de lei- carreira.
tos de unidade terapia intensiva (UTI) no
Brasil cresceu 36%, passando de 13.245 ROTINA
para 18.085. Só no ano de 2012, foram
credenciados 1.005 novos leitos de UTI A natureza do trabalho na medici-
em todo o país5. na intensiva é cuidar de pacientes gra-
vemente enfermos e com alto grau de
O ESPECIALISTA E A SUA ROTINA dependência de cuidados. O especialis-
ta se envolve em todos os aspectos do
QUEM É? cuidado do doente crítico, liderando a
equipe multidisciplinar, ao mesmo tem-
Considerando-se interesses e habili- po em que age como interlocutor entre
dades pessoais, poder-se-ia dizer que o

362
Medicina Intensiva CAPITULO 37

outros especialistas, médicos assisten- que o máximo permitido pela resolução


tes, membros da equipe e familiares. da diretoria colegiada da ANVISA – RDC
O dia a dia habitual é movimentado e nº 7 são 106.
intelectualmente desafiador. Geralmen- O mais agradável da rotina do inten-
te, começa com um round (visita mul- sivista talvez seja trabalhar como parte
tidisciplinar com equipe de enferma- de uma equipe e lidar com os desafios
gem, nutrologia, farmácia, fisioterapia) apresentados pelos doentes críticos,
de todos os pacientes com revisão e a além de “cuidar das famílias”, tranqui-
elaboração de um plano de tratamento lizando, dando orientações e, muitas
individualizado. Também se discutem os vezes, preparando-as para desfechos
casos com os médicos assistentes(médi- ruins, o que apesar do que se imagina,
co do paciente), que é aquele indivíduo pode ser bastante gratificante. Também
de determinada especialidade, que ha- é bastante prazeroso ver casos graves
bitualmente cuidavam do paciente ou terem alta da UTI com boa recuperação
que a partir da alta da UTI o acompa- funcional.
nhará na enfermaria e posteriormente Os aspectos mais desafiadores pro-
em consultas ambulatoriais ou novas vavelmente são:
internações.
Liderar a equipe multidisciplinar;
Um segundo round pode ser feito à
tarde, revisando-se os planos e metas de Fomentar uma boa relação com as outras
equipes médicas que estão ajudando a cui-
tratamento.
dar do doente;
Procedimentos realizados pelo in-
“Saber até onde ir” com procedimentos inva-
tensivista: sivos e terapêuticas fúteis evitando a obsti-
Intubação endotraqueal e ventilação mecâ- nação terapêutica;
nica; Lidar com o sofrimento do paciente e de
Ultrassonografia point of care, ou seja, à beira seus familiares.
do leito, tanto para diagnóstico, reconheci-
mento e prevenção de complicações, quan- Um aspecto interessante é que o ma-
to no auxílio à procedimentos; nejo de pacientes em terapia intensiva
Cateterização arterial, punção de veia cen- difere significativamente entre os países.
tral e cateterização de artéria pulmonar; Na Austrália, por exemplo, onde a medi-
Traqueostomia percutânea; cina intensiva é uma especialidade bem
Inserção de drenos torácicos; estabelecida, as UTIs são “fechadas”. Em
uma unidade fechada, o especialista em
Balão intra-aórtico, marcapasso temporário
e ECMO. cuidados intensivos assume um papel
principal como médico responsável, já
Varia bastante a quantidade de leitos o médico assistente do paciente servirá
que o intensivista tem sob reponsabili- como consultor. Outros países têm UTIs
dade durante um plantão, sabendo-se “abertas”, onde o médico assistente defi-

363
CAPITULO 37 Como Escolher a sua Residência Médica

ne e orienta, na maior parte das vezes, a Pacientes que necessitem manter a fisiolo-
estratégia terapêutica a ser tomada pelo gia sob controle rigoroso para evitar danos
secundários: unidades neurológicas/neuro-
intensivista. Nosso país tem ambos os cirúrgicas;
tipos de UTI, sendo que geralmente as
Para indivíduos com reserva fisiológica míni-
do serviço público são fechadas e as pri- ma, que sofreram agressões agudas, poten-
vadas são abertas. Nossa densidade de cialmente reversíveis, necessitando de su-
profissionais de enfermagem por leito é porte até que as anormalidades se revertam
bem menor em relação a países desen- e as reservas sejam restauradas: paciente
volvidos, o que definitivamente piora clássico de UTI (ex: portador de DPOC com
pneumonia em ventilação mecânica); UTI
bastante a qualidade da assistência7.
clínica;
Cuidados de fim de vida e manuten-
Pacientes submetidos a uma alteração fi-
ção do potencial doador cadáver tam-
siológica massiva, devido a uma resposta
bém fazem parte da rotina do intensi- esmagadora ao estresse ou uma compensa-
vista. ção inadequada desta resposta – ex: trauma
grave, pancreatite: geralmente alocados em
ATUAÇÃO UTIs cirúrgicas.

São inúmeras as áreas de atuação Nos últimos anos, as residências de


dentro da medicina intensiva. O médico medicina intensiva (MI) têm incluído
com treinamento adequado consegue em suas diretrizes de formação noções
lidar com os mais variados perfis de do- de cuidados paliativos e gestão/admi-
entes em UTIs gerais ou específicas – as nistração hospitalar. Como profissional
chamadas UTIs especializadas (ou de dinâmico que é e, dado o ambiente pro-
especialidades), mais comuns em hospi- pício, alguns intensivistas optam por se
tais de alta complexidade. “subespecializarem” nessas áreas, já que
Estas servem aos mais variados perfis as mesmas são nichos, assim como a me-
de pacientes: dicina intensiva, com grande demanda
por profissionais qualificados. Há ainda
Admissão na UTI para monitoramento, ante- intensivistas que enveredam pelo ramo
cipando possíveis intervenções agressivas: da nutrologia, responsabilizando-se
unidade coronariana;
pela terapia nutricional e coordenando
No pós-operatório, como extensão da sala equipes de nutrição no paciente crítico.
de recuperação anestésica, permitindo que
alterações fisiológicas perioperatória retor-
nem ao normal; MERCADO DE TRABALHO
Para cuidados intensivos de enfermagem,
que não são disponíveis em outras unidades: Há uma percepção comum que os
exemplo disso é a unidade de queimado; intensivistas são particularmente expos-
tos ao stress, porque vidas estão literal-

364
Medicina Intensiva CAPITULO 37

mente em suas mãos. Logo, a qualidade médicos para dar conta da demanda, in-
de vida deste tipo de profissional seria clusive com necessidade de rotineiros/
pior basicamente devido ao estresse diaristas e coordenadores. Devido a isso,
gerado ao se cuidar de paciente graves o preço pago por hora trabalhada vem
e à “vida de plantões”. Na verdade, o aumentando nos últimos anos.
estresse está mais relacionado às gran- No geral, em relação às outras espe-
des jornadas de trabalho, numerosos cialidades, o que se observa é uma boa
plantões noturnos, falta de condições remuneração já no início da carreira, po-
de trabalho, demandas excessivas que rém sem grandes perspectivas de maio-
diminuem a qualidade do atendimento, res incrementos. Estes incrementos de-
necessidade de lidar com sofrimento e penderiam de algumas variáveis como:
morte, exposição constante ao risco, carga de trabalho, onde se trabalha e
atritos com a equipe e poucas horas posição eventualmente ocupada (plan-
vagas para descanso e lazer8,9. Porém tonista, rotineiro/diarista, coordenador).
a maioria desses fatores são até certo Dado o tamanho do nosso país e,
ponto “controláveis”, pois a carência de consequentemente, as heterogeneida-
especialistas em medicina intensiva o des regionais, uma estimativa grosseira
deixa em uma posição confortável, pelo será dada nos próximos parágrafos. É in-
menos em algumas regiões do país, per- teressante que quem esteja interessado
mitindo-lhe escolher lugar, hora, quanti- na especialidade e saiba onde pretende
dade e condições de trabalho. se fixar, converse com intensivistas des-
As oportunidades são inúmeras em sa região para maior compreensão do
um país onde a expansão de leitos de cenário local.
UTI aumenta a cada ano e o déficit de O preço líquido por hora trabalhada
recursos humanos altamente especiali- varia bastante (entre R$ 80 e 150). Se o
zado mais ainda. indivíduo faz ou coordena atividades
A portaria governamental 3432/98 diárias (chamado de rotineiro, horizon-
e recentemente a resolução da direto- tal ou diarista), o salário também varia
ria colegiada da Anvisa – RDC nº 7 de bastante (entre R$6.000 e 15.000). Esse
24 fevereiro de 2010 reconheceu a im- salário geralmente é de um trabalho fei-
portância de médicos especializados no to durante um turno (manhã ou tarde),
cuidado dos doentes críticos, passando de segunda a sexta, com escala de fim
a exigir a presença do especialista titula- de semana entre a equipe de diaristas.
do em medicina intensiva na coordena- Considerando que o indivíduo seja roti-
ção técnica e nas atividades diárias das neiro em duas UTIs/turnos, esses valores
UTIs brasileiras. podem dobrar.
Em todas as regiões do país, tanto Geralmente, o rotineiro, diarista ou
em hospitais públicos quanto privados, horizontal (sinônimos) “passa visita”
há déficit importante de profissionais multidisciplinar, elaborando o plano de

365
CAPITULO 37 Como Escolher a sua Residência Médica

cuidados em conjunto com os demais ingresso no programa, o candidato deve


membros da equipe (inclusive com os ter cumprido residência médica – MEC
plantonistas, caso aquele não esteja de em uma das áreas consideradas como
plantão ele próprio). Concursos públicos pré-requisito pela Comissão Nacional
são frequentes e geralmente costumam de Residência Médica (CNRM) (clínica
pagar entre R$ 4.000 e R$ 6.000 por 20 médica, pediatria, cirurgia, anestesiolo-
horas semanais. gia e, mais recentemente, infectologia e
Um aspecto não levado em conta é neurologia). Esses programas reportam-
que, apesar da “vida de plantão”, você -se à CNRM/MEC e habilitam seu egres-
dificilmente será importunado após fim so a prestar prova de título de especialis-
do turno de trabalho (ex.: telefonemas ta da Associação de Medicina Intensiva
em horas inapropriadas), diferente da Brasileira/Associação Médica Brasileira
maioria das especialidades ambulato- (Amib/AMB) bem como a registrar-se
riais e cirúrgicas. Você ainda pode pro- imediatamente após o término do pro-
gramar seu descanso e lazer, estenden- grama de residência como especialista
do ou diminuindo sua carga horária de em Medicina Intensiva junto ao CRM.
trabalho, o que é feito de forma razoa- A segunda via de formação do inten-
velmente flexível. sivista se dá através da conclusão de um
Como dito anteriormente, o indiví- programa de especialização em medi-
duo pode alternar suas atividades entre cina intensiva em centro formador cre-
plantões, atividades diárias e coorde- denciado pela Amib (Pemi-Amib). Estes
nação de UTIs; há possibilidade, caso programas ocorrem através de treina-
haja formação complementar adequada mento teórico e prático em centros devi-
também de: coordenar equipes de cui- damente credenciados e reconhecidos
dados paliativos e nutrologia, ou ainda, para tal função e também habilitam seu
exercer também sua outra especialida- egresso a prestar prova de título de es-
de conjuntamente (pré-requisito da re- pecialista em Medicina Intensiva Amib/
sidência de MI: clinica médica, pediatria, AMB. O participante desses programas
cirurgia geral, anestesiologia, infectolo- é denominado de “especializando”, en-
gia ou neurologia). quanto o participante dos programas
de residência médica é denominado de
A RESIDÊNCIA “residente” e, ao contrário do egresso
dos programas de residência médica,
Existem duas vias de formação do in- o especializando só poderá registrar-se
tensivista em nosso país: os programas no CRM como especialista em Medicina
de residência médica credenciados pelo Intensiva após aprovação na prova de
Ministério da Educação (MEC), os quais título da especialidade realizada pela
têm a duração de dois anos e que, para Amib/AMB.

366
Medicina Intensiva CAPITULO 37

O acesso do candidato a um Pemi-A- Ressuscitação e controle inicial do paciente


mib pode ocorrer de duas formas: agudamente enfermo;
1. Acesso direto em programa de 4 Diagnóstico: avaliação, investigação, moni-
anos. (Obs.: Até 2013 programas de toramento e interpretação de dados;
três anos ainda foram autorizados, Controle da doença;
no entanto, a partir de 2014 todos os Intervenções terapêuticas/Suporte a siste-
programas de acesso direto deverão mas orgânicos;
ter a duração de 4 anos); Condições de falência única ou múltipla de
2. Pemi-Amib com duração de dois órgãos;
anos para o candidato que tenha Procedimentos práticos;
concluído residência médica MEC Cuidados peri-operatórios;
ou programa de especialização re- Conforto e recuperação;
conhecido pela respectiva sociedade Cuidados terminais;
nas áreas de clínica médica, aneste-
Transporte;
siologia, cirurgia, pediatria, neurolo-
Segurança do paciente e controle de siste-
gia, infectologia ou cardiologia.
mas de saúde;
Profissionalismo.
Os programas de formação do in-
tensivista têm como objetivo formar o
médico especialista em Medicina Inten- CONCORRÊNCIA
siva capacitando-o com a aquisição das
competências, habilidades e atitudes re- No quadro geral, o número de vagas
comendadas pelo Programa de Compe- costuma superar o de interessados. Al-
tências em Medicina Intensiva Procomi guns serviços nos últimos anos vêm ten-
e habilitando-o para prestar a prova de do uma concorrência um pouco maior.
título da especialidade, obtendo assim Na hora de escolher a residência, vale
o reconhecimento da Amib-Amb bem as mesmas dicas dadas para as outras
como o registro de especialista em me- especialidades. Tente conversar com re-
dicina intensiva junto ao CRM. sidentes daquele serviço que você está
O Procomi é baseado no Competen- interessado, saber quem são os precep-
cy-based training in Intensive Care in tores, sobre as atividade práticas e teó-
Europe (CoBaTrICE), que é um programa ricas, a estrutura das UTIs desse serviço,
internacional de treinamento com base se ele dá oportunidade de estágios op-
em competências em terapia intensiva cionais, saber como os recém-formados
para implementação em várias regiões estão se inserindo no mercado de traba-
do mundo. Domínios do PROCOMI/Co- lho...
BaTrICE:

367
CAPITULO 37 Como Escolher a sua Residência Médica

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

DESAFIOS é especialista em MI11. A grande deman-


da por plantonistas em UTI associada ao
Visto ser tão nova, essa especialidade pequeno número de intensivistas titula-
tradicionalmente vem sendo exercida, dos leva a contratação de médicos sem
em grande parte, por profissionais de especialização na maioria dessas unida-
diferentes áreas, como: anestesiologis- des em nosso meio.
tas, cardiologistas, nefrologistas, clínicos Desde 1998, a portaria governamen-
e cirurgiões, mesmo sem terem, em sua tal nº 3432 passou a exigir a presença do
maior parte, um treinamento específico especialista titulado em MI nas ativida-
(leia-se: residência em MI). des diárias das UTIs brasileiras, visando o
Destaca-se que o treinamento de manuseio otimizado de pacientes críti-
médicos especializados em MI permitiu cos, porém muitos destes serviços ainda
significativa redução na mortalidade e não apresentam médicos que possuam
no tempo de permanência dos pacien- tal título.
tes nas UTI9. Diante desta perspectiva, Mesmo com a crescente demanda
sociedades médicas internacionais vêm de especialistas em medicina intensiva,
desenvolvendo estratégias para aprimo- é preocupante a carência de indivíduos
rar o atendimento ao paciente crítico e em formação no mercado. O baixo inte-
aumentar o interesse dos profissionais resse dos residentes em se especializar
médicos em formação pela MI10. em MI está relacionado principalmente
Há um déficit de especialistas nessa à qualidade de vida dos intensivistas, in-
área em relação ao crescente número cluindo o fato de trabalhar em esquema
de serviços que vêm sendo criados em de plantão ou considerar a UTI um am-
todo o mundo, inclusive no Brasil. Essa biente estressante, mas também, e de
defasagem deve piorar nos próximos maneira importante, à falta de contato
anos devido à crescente demanda hos- e conhecimento sobre a especialidade12.
pitalar decorrente do envelhecimento Acredita-se que introdução do ensino
da população e aumento constante no de MI durante a graduação, incentivaria
número de pacientes graves. Mesmo a formação de novos médicos especia-
nos EUA, estima-se que se não ocorrer listas em MI13,14.
um aumento significativo no número de Outro fato que também tem dificulta-
intensivistas, haverá uma deficiência de do o desenvolvimento da especialidade,
especialistas em MI em torno de 22% da é que poucos hospitais têm residência
demanda em 2020 e 35% em 20308. médica em MI credenciada pela CNRM.
No Brasil, segundo resultados de Por outro lado, observa-se que ainda há
uma pesquisa realizada pelo CFM, me- pouca procura por parte dos médicos
nos de 1% dos médicos de todo o país residentes em realizar esta especializa-

368
Medicina Intensiva CAPITULO 37

ção, de modo que, apesar do pequeno um salão ou conjunto de boxes/quartos


número de vagas para residência, mui- cheios de pacientes ligados a monitores,
tas vezes, estas não são completamente mas é lugar de trabalho de uma orga-
preenchidas15. nização: a equipe de terapia intensiva.
O número de indivíduos em estado Esta equipe – médicos, enfermeiros, fi-
grave, a complexidade da doença crítica sioterapeutas, nutricionistas, farmacêu-
e os custos dos cuidados continuarão a ticos, psicólogos, constrói um ambiente
aumentar com o tempo. A fim de aten- propício para tratamento, com cada um
der às demandas futuras, vai ser neces- trazendo suas habilidades à mesa.
sário a formação de um contingente Resumindo, a medicina intensiva é
bem maior de especialistas que o dispo- uma disciplina apaixonante e desafiado-
nível atualmente. ra e que poderia ser resumida em quatro
As unidades de terapia intensiva palavras: trabalho em equipe, cuidado,
são componentes essenciais e únicos compaixão e organização.
da medicina moderna. Não é somente

SOBRE O AUTOR

Dr. Mario Diego Teles Correia é:

Médico pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), realizou residência em clínica


médica pelo Hospital Barão de Lucena (HBL)/Recife-PE, e em medicina intensiva no
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-
-Fmusp). Especialista em medicina intensiva pela Associação Brasileira de Medicina
Intensiva (Amib). Especializando em cuidados paliativos pelo Instituto Paliar. Atua
como intensivista plantonista no A.C Camargo Cancer Center e como médico inten-
sivista horizontal do Hospital São Camilo na cidade de São Paulo.

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CAPITULO 37 Como Escolher a sua Residência Médica

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370
NEFROLOGIA “

Dr. Marcelo Barreto Lopes
Eu já sei tudo sobre o amor. Eu sei muito
pouco sobre os rins.

Aldous Huxley

A A nefrologia é a especialidade clíni-


ca, que estuda a função normal do rim
além de cuidar de doenças relacionadas
aos rins e trato urinário.
Os rins são dois órgãos que possuem
O conhecimento sobre o funciona-
mento do rim é essencial para entender
as doenças renais, além de ser um guia
para todos os médicos que prescrevem
uma medicação, ou então, fazer um exa-
uma forma semelhante a feijões e que me contrastado.
possuem funções importantes para a A Sociedade Brasileira de Nefrologia
manutenção da homeostase. Responsá- (SBN) foi fundada em 1960. Hoje, conta
veis pela formação da urina, regulam os com aproximadamente 3 mil associa-
eletrólitos, água e mantém os equilíbrios dos. 696 unidades renais estão cadas-
ácido-base e da pressão arterial. Servem tradas na SBN, sendo que em 651, rea-
como o filtro natural do sangue, remo- liza-se tratamento renal sob a forma de
vendo escórias como a ureia e o amônio, diálise crônica (terapia de substituição
na urina e responsável pela reabsorção renal). Nessas unidades, o número esti-
de água, glicose e aminoácidos. Muitas mado de pacientes chegou a 97.586, no
medicações e substâncias exógenas en- ano de 2012.
dógenas são metabolizadas pelos rins. O censo da SBN mostrou que fal-
O néfron é a unidade funcional do tam nefrologistas nas redes primária e
rim, com capacidade de filtrar as impu- secundária do SUS. Atualmente, o nú-
rezas do sangue através de estruturas mero de médicos cadastrados na SBN é
vasculares com paredes porosas, os glo- de mil profissionais, o que corresponde
mérulos. Nestas estruturas microscópi- a um especialista para cada 63 mil ha-
cas, é onde acontece boa parte das do- bitantes. Trata-se de uma distribuição
enças primárias dos rins, que podem ter desproporcional ao longo do território
origem glomerular, túbulo-intersticial brasileiro: Sudeste - 1/45.000; Centro-O-
ou vascular, em sua maioria. este - 1/63.300; Sul - 1/65.300; Nordeste
CAPITULO 38 Como Escolher a sua Residência Médica

- 1/98.000 e Norte - 1/139.000. Dos mais frequente comprometimento do rim


de 5.500 municípios brasileiros, apenas em doenças sistêmicas. Alem disso, a
350 tem nefrologista2. própria doença renal e outras que le-
No período entre 2000 e 2012, a po- vam à um quadro de insuficiência renal,
pulação que recebeu tratamento dia- costumam ter complicações que são
lítico aumentou 128%, enquanto o nú- necessárias avaliações com outras espe-
mero de unidades de tratamento teve cialidades. Especialidades como cirurgia
expansão de 27,6% nesse período. Em vascular e urologia, têm convívio quase
84% dos pacientes recebem atenção que diário com a nefrologia. O cirurgião
pelo Sistema Único de Saúde (SUS). vascular é o responsável pela confecção
O Brasil tem o maior programa públi- de acesso para a realização de hemodi-
co de transplante de rim do mundo.7 álise, seja por fístula arterio-venosa ou
Em 2010, foram realizados 4.657 trans- cateter. O urologista é o cirurgião res-
plantes, sendo 3.003 com doador faleci- ponsável pelo transplante renal e auxilia
do e 1.654 com doador vivo. Na última o nefrologista em procedimentos cirúr-
década, o número de transplante com gicos do trato urinário além de implan-
doador falecido aumentou em cerca tar o cateter de Tenckhoff, para diálise
de 100% e com doadores vivos cresceu peritoneal.
em 48%, embora ainda haja dificulda-
des para a doação de rins entre pessoas CONVÍVIO DIÁRIO COM PACIENTES
com morte encefálica sendo a principal
causa falta de informação por parte das O paciente que é acompanhado
famílias. pelo nefrologista, costuma o acompa-
nhar por muito tempo. Há uma brinca-
O ESPECIALISTA E A SUA ROTINA deira de que o nefrologista “casa” com
o paciente, por haver um convívio tão
Algumas características são muito próximo e duradouro. O local onde fica
desejadas para quem quer trabalhar mais se evidencia o “casamento” é na he-
com nefrologia. modiálise, onde são realizadas três ses-
sões semanais, com duração de 4 horas,
TRABALHO EM EQUIPE costumeiramente. Cria-se uma ligação,
quase que familiar com os pacientes. O
O Nefrologista precisa saber traba- paciente transplantado renal, também
lhar em equipe. Seja na hemodiálise, se conecta ao nefrologista, que costuma
onde se relacionará com enfermeiros, visitar frequentemente no ambulatório,
fisioterapeutas, psicólogos e nutricio- nos meses subsequentes à cirurgia e
nistas.10 Seja no corredor do hospital e para quando são necessárias interna-
UTI onde compartilhará muitos pacien- ções hospitalares.
tes com outra especialidade, devido ao

372
Nefrologia CAPITULO 38

GOSTAR DE INTERVENÇÃO PERSISTÊNCIA

A nefrologia possui alguns procedi- Uma característica da especialidade


mentos próprios, como a biopsia renal e é que os diagnósticos costumam surgir
o implante de acesso vascular. O nefro- após muito esforço. Uma biópsia fei-
logista se capacita a realizar estes proce- to no momento correto pode fechar o
dimentos durante a residência. Nos ser- diagnóstico de uma nefrite intersticial
viços com boa estrutura, são realizados de um caso que vinha sendo conduzido
com auxílio de aparelho de ultrasono- de forma expectante para ser resolvi-
grafia. Em geral, os pacientes precisam do com medicação específica. Resolver
estar aptos a cuidar de emergências que casos, como um paciente que “passou
podem surgir, durante um plantão de a manhã inteira sem urinar”, quando a
hemodiálise, por exemplo, onde há pa- sonda vesical está dobrada e sair da UTI
cientes graves. aos risos. Ou “ficar no pé” da urologia
até desobstruírem o trato urinário do
GOSTAR DE TERAPIA INTENSIVA paciente. O nefrologista, portanto, é um
dos médicos mais “chatos” do hospital,
O nefrologista, com frequência visi- devido a sua insistência para diagnosti-
ta a UTI para avaliar e tratar pacientes. car e tratar os casos.
Devido à complexidade dos quadros,
deve estar a par dos parâmetros e con- A ROTINA
ceitos de terapia intensiva. Em geral, o
nefrologista precisa ter um olhar minu- O nefrologista pode trabalhar em
cioso, porque os diagnóstico está nos todas as áreas de atuação, variando de
detalhes de um exame, como para ava- acordo com a necessidade ou perfil in-
liar distúrbios de eletrólitos, ácido-base, dividual. Boa parte dos nefrologistas
ou pacientes com doença renal crônica, costumam fazer plantão em clínicas de
onde um pequeno detalhe faz toda a di- hemodiálise e atender pacientes por-
ferença. tadores de insuficiência renal crônica.
O nefrologista também precisa aliar Outros, estão passando visita em UTIs
conhecimento de imunologia à sua prá- e enfermarias em um período e no ou-
tica. Isso fica mais evidente na área de tro, retornam às clínicas de terapia renal
transplante renal, onde há avaliações substitutiva, consultórios ou unidades
que requerem uso total da imunologia, de transplante.
para diagnosticar e saber tratar para evi- As clínicas de hemodiálise, geral-
tar uma rejeição imunológica do enxerto. mente oferecem emprego, em regime

373
CAPITULO 38 Como Escolher a sua Residência Médica

de plantão. Diariamente, são realizados pal. Ocupa uma carga horária menor, na
três turnos, onde os pacientes fazem o agenda.
tratamento que tem duração de quatro No transplante renal, o nefrologista
horas. Há um intervalo para troca de pa- participa do preparo do paciente para a
ciente. Em geral, um plantão completo cirurgia. Em caso de doador vivo, recep-
de diálise tem 14 horas no dia. Existe tor e doador são avaliados clinicamente
um hábito do médico fazer uma visita para afastar comorbidades que com-
aos pacientes, enquanto estiverem na prometam a saúde, após o transplante.
máquina de hemodiálise a cada sessão, Também é necessário uma avaliação
para uma breve conversa sobre o estado de compatibilidade imunológica, pois
de saúde. Mensalmente, de acordo com é imperativo para que não hajam com-
a RDC 154/2004, o médico deve infor- plicações que podem ser catastróficas,
mar os exames periódicos ao paciente e como uma rejeição hiperaguda, que não
realizar uma consulta mais prolongada apenas compromete o enxerto como o
com realização de um exame físico mais receptor. A avaliação imunológica tam-
detalhado.11 bém guia a terapêutica imunossupres-
Além da clínica, uma parte conside- sora.
rável de atividades é a rotina de visita O campo da hemodiálise domiciliar é
em hospitais, seja em enfermarias (para novo, e se assemelha a do homecare. O
visitar pacientes internados para a espe- paciente realiza sessões de hemodialise,
cialidade ou interconsulta) ou na emer- em seu domicílio, com a fiscalização de
gência. Em UTIs, sempre é solicitado uma equipe composta por enfermeiros
para avaliar pacientes graves e prescre- e auxiliares. O médico costumar acom-
ver tratamentos, como hemodiálise ou panhar a sessão. Uma equipe de en-
diálise peritoneal. As técnicas de diálise fermagem fica no local e o médico, de
de UTI variam de acordo com a gravida- sobreaviso, caso surja alguma intercor-
de do caso. Na UTI, também, há chama- rência.
das para ajuste de medicamentos nefro-
tóxicos, de acordo com a função renal, MERCADO DE TRABALHO
avaliação de balanço hidroeletrolítico,
entre outros. A vida do nefrologista pode tornar-
Em consultório, as patologias mais -se rotineira, caso permaneça muito
frequentes são as infecções urinárias tempo em uma determinada área. Na
e a doença calculosa renal. Seguida de diálise, por ser um tratamento crônico,
doença renal crônica e hipertensão. Ge- vai encontrar pacientes com o mesmo
ralmente são pacientes encaminhados perfil (às vezes com queixas semelhan-
de centros de atenção primária ou de tes, como solicitar para diminuir o tem-
outras especialidades, que o nefrologis- po da sessão de hemodiálise). Portanto,
ta dá um suporte ao tratamento princi- o nefrologista que conseguir atuar em

374
Nefrologia CAPITULO 38

várias áreas dentro da especialidade, vez maior. Caso o nefrologista permane-


pode buscar maior motivação. Variar os ça em vários turnos na semana, ele lida-
ambientes, passando na diálise, consul- rá com queixas repetitivas, comum em
tório e UTI, seria muito interessante. pacientes com doença crônica e com
O mercado para o nefrologista tem sintomas depressivos.
como grande filão as clínicas de hemo- Na rotina de visita, o nefrologista fica
diálise. É onde o especialista é absor- de sobreaviso, no transplante é mais
vido, inicialmente quando termina a comum que haja esquema de plantão,
residência, ganhando um determinado podendo ser chamado a qualquer mo-
valor, pelos turnos de trabalho (algo mento do dia, para avaliar o potencial
em torno de R$ 350 por quatro horas, a receptor, antes da cirurgia. Durante a ci-
depender do serviço). Dentro da UTI, o rurgia, em alguns centros, o nefrologista
nefrologista ganha por sessão de diálise permanece na sala durante a cirurgia e
e por visita, o que pode ser vantajoso, se pós-operatório imediato, o que torna o
ele for o dono do equipamento. dia bastante cansativo.
A nefrologia tem um campo vasto No consultório, em geral, o nefro-
para realização de pesquisa, contando logista tem boa qualidade de vida. Em
com programas de pós-gradução espe- ambulatórios de hospitais, principal-
cíficos ou dentro de programas para clí- mente aqueles que têm ambulatório
nica médica etc. relacionado a transplante, costuma ter
É claro que o nefrologista, assim um volume maior de pacientes. Hoje,
como outros especialistas, enfrenta di- é cada vez mais comum que pacientes
ficuldades, como baixas remunerações sejam encaminhados por especialistas,
ofertadas pelo SUS e pela saúde suple- para avaliação de doença renal em está-
mentar. Porém, a SBN esta em constan- gios mais precoce, o que facilita o acom-
te discussão com os gestores de saúde panhamento a longo prazo e retarda a
para melhorar esta situação. progressão da doença renal.
São poucas as vagas de nefrologia
QUALIDADE DE VIDA em concursos públicos. A concorrência
costuma ser alta.
A rotina do nefrologista, em geral,
é repleta de atividades. É comum que A RESIDÊNCIA
esteja revezando entre as áreas de atu-
ação, em diferentes turnos do dia e, às Para ingressar na residência médica
vezes, simultaneamente. Em geral, há em nefrologia, é necessário realização
mais espaço em clínicas de hemodiálise, de dois anos em residência de clínica
já que a população de pacientes que ini- médica. O tempo de duração é de dois
ciam a terapia renal substitutiva é cada anos12.

375
CAPITULO 38 Como Escolher a sua Residência Médica

Para ter o registro de especialista pe- Unidade de terapia intensiva;


rante o conselho federal de medicina, Urologia;
são necessários: Transplante renal;

Dois anos de residência médica, em nefrolo- Apesar do estágio em transplante


gia. Sendo que, para ingressar, são necessá- renal aparecer como opcional, a maio-
rios mais dois anos de clínica médica como
pré-requisito. Ambos, em programas creden-
ria dos serviços, onde há transplante, dá
ciados pelo Ministério da Educação (MEC); uma grande ênfase nesta área de atua-
Especialização (ou estágio) em nefrologia,
ção com carga horária semelhante aos
credenciada pela SBN; estágios obrigatórios.
Comprovar trabalho na especialidade, pelos
últimos oito anos. CONCORRÊNCIA

Com isso, o médico estará apto a re- A concorrência para entrar na resi-
alizar prova teórico-prática da SBN, para dência em nefrologia costuma oscilar.
homologação do título de especialista.3 Nos últimos anos, muitos residentes de
A Associação Médica Brasileira (AMB) clínica médica têm se interessado pela
recomenda o seguinte conteúdo pro- especialidade. Mas houve épocas em
gramático para uma residência em ne- que mais vagas do que concorrentes era
frologia: a regra em alguns serviços.
Estágios Obrigatórios
ÁREAS DE ATUAÇÃO
Unidade de internação: 25% da carga horária;
Ambulatório de nefrologia geral e especiali- INJÚRIA RENAL AGUDA
dades: 20% da carga horária;
Serviço de terapia renal substitutiva (hemo- Patologia que é caracterizada por
diálise e diálise peritoneal): 20% da carga
horária;
perda súbita de função renal, podendo
ser de origem pré-renal (desidratação,
Interconsulta nefrológica: 15% da carga ho-
rária;
hipotensão), renal (como nas glomeru-
lonefrites, nefrites túbulo intersticiais,
Estágios opcionais: 10% da carga horária;
nefrotoxicidade etc.) ou pós-renal (obs-
Atividades didáticas: 10% da carga horária. trutiva, ex.: calculose renal, hiperplasia
Estágios Opcionais de próstata).4 Nessa área de atuação, o
Imagem em nefrologia; nefrologista acompanha pacientes, ge-
Laboratório clínico; ralmente internados em enfermarias e
Nefrologia intervencionista; UTIs ou são chamados para avaliação de
emergência. O treinamento faz parte da
Nefro-pediatria;
dinâmica da residência médica em ne-
Nutrição;
frologia, geralmente em um estágio de

376
Nefrologia CAPITULO 38

interconsultas ou em unidade de tera- que precisam ser tratadas, ao longo do


pia intensiva nefrológica. Além de diag- acompanhamento.
nosticar, através de testes laboratoriais,
alguns casos requerem biópsia renal. É TERAPIA RENAL SUBSTITUTIVA
importante, também, saber manejar as
diferentes situações apresentadas, por Procedimentos restritos ao nefrolo-
exemplo: quando se deve iniciar diáli- gista, que são treinados durante a resi-
se ou medicações específicas, quando dência médica a adquirirem conheci-
necessárias. Nos frequentes casos de mentos físicos aplicados à medicina(6).
obstrução, pode ser necessário solicitar São divididas em:
avaliação da urologia. • Centros de hemodiálise: nesses lo-
cais, o nefrologista cuida, em regime
DOENÇA RENAL CRÔNICA de plantão, de pacientes que fazem
hemodiálise assistida na clínica. Ele é
Caracterizada por perda lenta e pro- responsável pelo acompanhamento
gressiva da função renal,5 as causas mais dos pacientes não só nas intercorrên-
frequentes são o diabetes mellitus e a hi- cias de um plantão, como assiste ao
pertensão arterial sistêmica. O acompa- paciente, tratando das complicações
nhamento do nefrologista, nesses casos, da doença renal e sendo o médico de
deve ser realizada no consultório, após atenção primária. Os pacientes fazem
encaminhamento por um clínico. O ideal exames laboratoriais periódicos, que
é que pacientes com doença renal, se- são avaliados;
jam encaminhados em fase inicial, para • Hemodiálise noturna/domiciliar: os
que se possa retardar a progressão para cuidados são os mesmos, porém o
terapia renal substitutiva. A intenção do nefrologista acompanha à distância
chamado tratamento conservador tirar (sobreaviso) os pacientes, que fazem
também se propõe a tratar as complica- esse método em casa, com o auxílio
ções que surgem à medida que a filtra- de um profissional de enfermagem.
ção glomerular é reduzida. Ao longo do Ainda pouco difundido no Brasil;
tempo, podem surgir anemia, devido à • Diálise peritoneal: método dialítico,
baixa síntese de eritropoietina pelos rins, onde o paciente faz infusão de banho
por deficiência de ferro associada a do- de glicose em seu abdômen. Através
ença crônica. É comum haver doença ós- do cateter de Tenckhoff, que repousa
sea associada à deficiência de vitamina D sobre o tecido peritoneal, as trocas
ativada e, consequentemente, hiperpa- são realizadas por difusão entre o lí-
ratireoidismo secundário. Acidose meta- quido do banho e os vasos do peri-
bólica, hipertensão arterial, hiperpotas- tônio. O médico avalia, mensalmente,
semia e desnutrição são comorbidades

377
CAPITULO 38 Como Escolher a sua Residência Médica

os parâmetros da diálise e exames la- lher o esquema de imunossupresso-


boratoriais. Trata as complicações de res mais adequado.
doença renal e orienta ao paciente e
acompanhantes, como realizar o pro- NEFROLOGIA INTERVENCIONISTA
cedimento em seu domicílio;
• Transplante renal: os pacientes em Área de atuação crescente, onde o
estágio final de doença renal, acom- nefrologista é responsável por alguns
panhados por nefrologistas, sejam procedimentos invasivos. O nefrologis-
eles de tratamento conservador ta intervencionista implanta cateteres
(com taxa de filtração glomerular vasculares temporários e permanentes,
menor do que 15ml/min/1,73m2) para realização de hemodiálise, im-
ou já em diálise podem ser inscritos, plantam cateter para diálise peritoneal
para realização de transplante. Ele, e realizam biópsias renais, geralmente
então, pode ser receptor de um en- guiadas por ultrassonografia.8
xerto proveniente de um doador vivo
ou falecido. O procedimento cirúrgi- CONSULTÓRIO
co é realizado por urologista, porém
o nefrologista tem um papel na pre- Além de fazer o acompanhamento
paração do paciente (e doador, no conservador da doença renal crônica, o
caso de doação intervivos) e no seu nefrologista lida com os cuidados para
acompanhamento pós-operatório. hipertensão arterial sistêmica, seja ela
Os pacientes são acompanhados em primária ou secundária, o nefrologista
consultas regulares. O nefrologista recusa ter amplo conhecimento para
precisa aliar conhecimento de imu- investigar e tratar.9 Pacientes com in-
nologia, útil para avaliar e prognos- fecção urinária e calculose renal são en-
ticar a chance de rejeição do enxerto contrados com frequência na rotina do
antes e após a cirurgia e para esco- nefrologista.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

A vida de um nefrologista é muito Em um site americano (the Renal


atribulada, mas paradoxalmente pode Fellow Network), filiado à sociedade
também ser monótona, caso permaneça americana de nefrologia, 56% de uma
muito tempo em tratamento de pacien- amostra de residentes em nefrologia
tes crônicos. Porém, pode ser desafiante informaram que escolheram a especia-
e multi-facetada, pois há amplo espaço lidade pelo desafio em diagnosticar e
para trabalho em outros ambientes, in- 47% escolheram porque possibilita mis-
clusive em terapia intensiva.

378
Nefrologia CAPITULO 38

turar pacientes ambulatoriais com casos A felicidade, por exemplo, de tirar


intra-hospitalares.13 um paciente da máquina de hemodiá-
É fascinante lidar com doenças de lise para realizar um transplante renal e
outros órgãos que afetam o rim, e ter possibilitar que este possa levar normal-
que enveredar em outra especialidade, mente a sua vida é uma das grandes re-
ganhando assim, a confiança dos cole- compensas de tanto estudo.
gas, porém os procedimentos da nefro-
logia são exclusivos da especialidade.

SOBRE O AUTOR

Dr. Marcelo Barreto Lopes é:

Médico graduado pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), nefrologista pelo Hos-
pital de Base de São José do Rio Preto, possuí pós-graduação em nefrologia pela
Universidade Federal de São Paulo (USP).

REFERÊNCIAS

1. Oh MS. Evaluation of renal function, water, electrolytes and acid-base balance. In: McPherson
RA, Pincus MR, eds. Henry's Clinical Diagnosis and Management by Laboratory Methods. 22nd
ed. Philadelphia, Pa: Saunders Elsevier; 2011:chap 14.
2. Sesso R, Lopes AA, Thomé FS, Lugon J, Santos DR. Relatório do censo brasileiro de diálise de
2011. J. Bras. Nefrol. vol.34 no.3 São Paulo July/Sept. 2012. pp. 272-277.
3. RESOLUÇÃO CFM No 2.005/201 Publicada no D.O.U. 21 dez. 2012. Seção I, p.937 a 940
4. Incidence, Outcomes, and Comparisons across Definitions of AKI in Hospitalized Individu-
als.Zeng X, McMahon GM, Brunelli SM, Bates DW, Waikar SS. Clin J Am Soc Nephrol. 2014
Jan;9(1):12-20
5. K/DOQI clinical practice guidelines for chronic kidney disease: evaluation, classification, and
stratification. Am J Kidney Dis 2002 Feb;39(2 Suppl 1):S1-266.
6. Fleming, GM. Renal replacement therapy review Past, present and future. Organogenesis.
2011 Jan-Mar; 7(1): 2–12.
7. Registro brasileiro de transplantes 2012. ABTO.
8. Nascimento MM, Chula D, Campos R, Nascimento D, Riella MC. Interventional nephrology in
Brazil: current and future status. Semin Dial. 2006 Mar-Apr;19(2):172-5.
9. Curtis BM, Barrett BJ, Djurdjev O, Singer J, Levin A.Evaluation and treatment of CKD patients be-
fore and at their first nephrologist encounter in Canada. Am J Kidney Dis. 2007 Nov;50(5):733-
42.

379
CAPITULO 38 Como Escolher a sua Residência Médica

10. Mendelssohn DC, Toffelmire EB, Levin A. Attitudes of Canadian nephrologists toward multidis-
ciplinary team-based CKD clinic care. Am J Kidney Dis. 2006 Feb;47(2):277-84.
11. Brasil. Ministerio da Saude. RDC 154 de 15 de Junho de 2004. Estabelece o Regulamento Téc-
nico para o funcionamento dos Serviços de Diálise. Republicada no DOU de 22 de dezembro
de 2000, em reunião realizada 22 de maio de 2006.
12. RESOLUÇÃO CFM Nº 1785/2006. Dispõe sobre a nova redação do Anexo II da Resolução CFM
nº 1.763/05, que celebra o convênio de reconhecimento de especialidades médicas firmado
entre o Conselho Federal de Medicina (CFM), a Associação Médica Brasileira (AMB) e a Comis-
são Nacional de Residência Médica (CNRM). Publicada no D.O.U. 26 maio 2006, Seção I, pg.
135ss.Retificação publicada no D.O.U. de 22 jun 2006, Seção I, pg. 127.
13. Disponível em: <http://renalfellow.blogspot.com.br/2010/07/why-do-medicine-residents-s-
pecialize-in.html>. Acesso em: 3 set. 2013.

380
NUTROLOGIA


Dra. Nayara Almeida Alves de Oliveira

Deixa tua comida ser tua medicina e deixa tua


medicina ser tua comida.

Hipócrates

A Nutrologia pode ser definida como a


especialidade médica que tem por ob-
jetivo estudar a nutrição humana, desde
seus aspectos mais habituais e conside-
rado normal, do ponto de vista médico,
afetar o desfecho de muitas patologias.
A interação com demais áreas da saúde,
tais como: nutrição, psicologia, educa-
dor físico, bioquímico fonoaudiologia,
fisioterapia e outras ocorrem frequente-
a doenças relacionadas direta ou indi- mente, visando uma melhor assistência
retamente a distúrbios de nutrientes. ao paciente.
Engloba-se, prevenção, estudo da fisio-
patologia, diagnóstico e tratamento das HISTÓRIA DA NUTROLOGIA
patologias nutricionais.
Dentre as principais atuações do mé- Por ser uma especialidade em ascen-
dico nutrólogo, destacam-se o acom- são e não inserida em muitos currículos
panhamento e tratamento de doenças de faculdades de medicina no Brasil, a
como: obesidade; desnutrição protéi- nutrologia ainda é tida como especiali-
co-calórica; distúrbios do metabolismo; dade nova para alguns. Revendo dados
transtornos alimentares; hipovitamino- históricos, conclui-se que a importância
ses; dislipidemias; nutrologia relaciona- da mesma é muito antiga e intimamen-
da aos esportes, entre outros. Ainda é te relacionada com a prática médica há
de competência do nutrólogo o acom- mais de 2500 anos.
panhamento de erros inatos do meta- A atenção dada à boa alimentação
bolismo diretamente relacionados com como prevenção e tratamento de doen-
aminoácidopatias e lípides. Para ser um ça vem desde os primórdios da medici-
bom nutrólogo, é necessário portar am- na. Hipócrates, o pai da medicina, ainda
plo conhecimento das várias áreas mé- destacava a importância de se avaliar a
dicas, já que o estado nutricional pode
CAPITULO 39 Como Escolher a sua Residência Médica

aceitação da dieta pelo doente e uma de reconhecimento das especialidades


preocupação com a oferta dos alimen- médicas entre o CFM, Associação Médi-
tos, a fim de suprir as necessidades do ca Brasileira (AMB) e a Comissão Nacio-
indivíduo e não haver uma sub ou super nal de Residência Médica (CNRM).
oferta de nutrientes.
Outro dado histórico foi à afirmação O ESPECIALISTA E A SUA ROTINA
de Moses Maimônides (1135-1204): “Ne-
nhuma doença que possa ser tratada O nutrólogo deve ser empático com o
com dieta deve ser tratada de outra ma- paciente e conduzir a anamnese/exame
neira ou meio”. físico para desvendar o real motivo que
Dada a extrema necessidade da ali- impede a adequação do estado nutricio-
mentação na manutenção da vida e saú- nal do paciente. Dominar o conhecimen-
de humana, confirma-se que as frases to de patologias clínicas e cirúrgicas de
supracitadas são extremamente atuais forma ampla (crianças, adultos, idosos
e, sendo assim, imprescindível o conhe- e gestantes), uma vez que a nutrição é
cimento médico sobre nutrição clínica intimamente relacionada com as diver-
para uma correta e global abordagem sas fases do desenvolvimento humano,
preventiva e terapêutica dos indivíduos assim como nas diversas situações fisio-
assistidos. patológicas.
Ser dedicado e almejar uma constan-
NUTROLOGIA COMO ESPECIALIDADE te atualização fazem parte da rotina do
MÉDICA especialista, pois, o campo de estudos de
nutrição clínica ganha mais importância
Desde o ano de 1978, a nutrologia é a cada dia, assim como as pesquisas re-
reconhecida pelo Conselho Federal de alizadas em nutrologia e demais áreas
Medicina (CFM). interligadas.
É lotada com o número 41 no quadro Saber trabalhar em equipe é uma das
de especialidades médicas reconheci- características fundamentais para essa
das, tendo como áreas de atuação reco- área médica, devido ao fato de, comu-
nhecidas: mente, o paciente nutrológico ser segui-
do por equipe multidisciplinar.
Nutrologia enteral e parenteral Ressalva-se, contudo, que para atuar
Nutrologia pediátrica na especialidade é esperando a arte de
Nutrologia enteral e parenteral aliar o conhecimento técnico-científico
Pediátrica (desde orientações dietéticas, tratamen-
tos medicamentos e procedimentos e
A Resolução CFM nº 1.763/ 2005 – acompanhamento) com a visão holísti-
nova redação do Anexo II da Resolução ca sobre o paciente em questão, indivi-
CFM nº 1.666/2003 retrata o convênio dualizando e personalizando da melhor

382
Nutrologia CAPITULO 39

forma possível a terapia para o mesmo, CONSULTÓRIOS


a fim de ser o diferencial em sua melhora
clínica. A abordagem mais ambulatorial con-
O nutrólogo ainda deve fazer o refor- siste em avaliação e triagem nutricional,
ço constante de necessidade de adotar cuidados de doenças metabólicas crôni-
um estilo de vida que resulta em pleno cas. Ações em diagnóstico, tratamento,
bem-estar e no conceito mais amplo da manutenção e seguimento clínico.
palavra saúde. No consultório há atuação forte do
nutrólogo no tratamento da obesidade,
ATUAÇÃO DO MÉDICO NUTRÓLOGO dislipidemias, hipovitaminoses e pre-
venção de doenças nutricionais, como,
Por tratar-se de uma especialidade por exemplo, na orientação do atleta.
ampla, vários podem ser os locais de atu-
ação e a forma de atuação do nutrólogo. DOMICÍLIOS
Destacam-se as atuações em:
O nutrólogo pode realizar consultas
HOSPITAL e acompanhamentos em domicílio de
pacientes acamados que necessitam de
A atuação hospitalar consiste em avaliação nutrológica (averiguar risco e/
enfermaria de nutrologia e unidade ou sinais de desnutrição, hipovitamino-
metabólica (quando houver) e intercon- ses etc.) e para aqueles pacientes, que
sultas em pacientes de demais clínicas por alguma razão, necessite dar conti-
que demandem avaliação e supervisão nuidade a terapia de nutrição enteral.
nutricional mais especializada e indivi-
dualizada, como é o caso de pacientes PROCEDIMENTOS EM NUTROLOGIA
que necessitem de nutrição enteral e
parenteral, transtornos alimentares que Com a publicação da Classificação
necessitam de internação hospitalar, pa- Brasileira Hierarquizada de Procedimen-
cientes oncológicos, desnutridos, gran- tos Médicos (CBHPM), alguns procedi-
des obesos, pacientes críticos ou qual- mentos dirigem-se à prática clínica do
quer outro paciente que necessite de nutrólogo. São eles:
avaliação e intervenção em seu estado
nutricional. AVALIAÇÃO DA COMPOSIÇÃO
Demanda do profissional atuante CORPORAL POR ANTROPOMETRIA
gostar da rotina hospitalar e da aborda-
gem em conjunto com as demais espe- A antropometria inicia-se primeira-
cialidades. mente, com uma boa anamnese e exa-

383
CAPITULO 39 Como Escolher a sua Residência Médica

me físico completo. (Afere-se o peso em Por vezes, faz-se necessário a solici-


quilogramas e à estatura em metros). tação de exames laboratoriais para com-
O cálculo do Índice de Massa Corporal plementação diagnóstica e como forma
(IMC = peso / altura²) também faz parte de seguimento.
da abordagem inicial. As medidas das
circunferências (abdominal e do braço), AVALIAÇÃO NUTRICIONAL
assim como as dobras cutâneas são ele- PRÉ E PÓS CIRURGIA BARIÁTRICA
mentos que podem ser feitos na avalia-
ção primária. O acompanhamento de grandes
obesos antes e após as cirurgias bari-
AVALIAÇÃO CLÍNICA DIÁRIA átricas/metabólicas é de competência
ENTERAL E PARENTERAL do nutrólogo a fim de se evitar compli-
cações metabólicas e de carência nutri-
A necessidade de prescrição da dieta cional, devido à características disabsor-
e a via da mesma devem ser de conhe- tivas e restritivas das técnicas cirúrgicas.
cimento médico, sobretudo na especia- Desta forma, a prevenção, diagnós-
lidade em questão, tendo em vista que tico e tratamento precoce de complica-
é a dieta o primeiro passo da prescrição ções inerentes à técnicas favorecem uma
médica (principalmente na especialida- melhor qualidade de vida ao assistido.
de em questão).
Este item é incluso no item de proce- BIOIMPEDANCIOMETRIA (BIA)
dimentos, pois a avaliação de qual me-
lhor dieta e melhor via da mesma deve A BIA é usada para estimar a compo-
ser evoluída diariamente, assim como o sição corporal, tem como princípio que
quadro clínico do paciente. uma corrente elétrica gerada no corpo
pode atravessar diferentes comparti-
AVALIAÇÃO NUTRICIONAL mentos do corpo humano com maior
ou menor dificuldade, sendo determi-
Pode ser realizada em hospitais, am- nado pela quantidade de água e eletró-
bulatorialmente e em domicílio. Consis- litos nos diferentes compartimentos e
te em ser uma avaliação clínica minu- também pela frequência usada. Pode-se
ciosa e também exame físico completo, estimar, entretanto, quanto há de massa
voltado para parte nutricional e caren- magra , massa gorda, água etc.
cial de nutrientes e vitaminas por sinais/
sintomas. Realização de bioimpedân- CALORIMETRIA INDIRETA
ciometria e calorimetria indireta (vide
abaixo) são imprescindíveis em alguns Trata-se de uma técnica utilizada
casos. para aferir o gasto energético em repou-

384
Nutrologia CAPITULO 39

so. Baseia-se na análise das trocas gaso- constante desafio de preventivo e tera-
sas (consumo de oxigênio e produção de pêutico.
dióxido de carbono), permitindo analisar
qual substrato está sendo mais utilizado. A RESIDÊNCIA
Também são procedimentos relacio-
nados à atividade do nutrólogo: medida A residência médica em nutrologia
da força muscular, demais exames para possui duração de 2 (dois) anos e tem
diagnóstico de composição corporal, como pré-requisito dois anos de resi-
punção venosa profunda (nutrição pa- dência médica em clínica médica ou
renteral), entre outros. dois anos de residência médica em ci-
rurgia geral.
MERCADO DE TRABALHO Dentre as programações da residên-
cia em nutrologia tem-se atuação em
Pela grande intersetorialidade, a nu- enfermaria; interconsultas em conjunto
trologia pode ser considerada uma es- com demais clínicas; experiência com
pecialidade em ascensão. O aumento grandes obesos nas unidades metabó-
de incidência de doenças crônico-de- licas; acompanhamento em conjunto
generativas relacionadas à nutrição clí- com cirurgiões bariátricos em pacientes
nica (obesidade, dislipidemia, diabetes submetidos a tais técnicas cirúrgicas;
mellitus, dentre outras) e possibilitam prescrições de nutrição enteral; parente-
ao nutrólogo atuar nas áreas preventiva, ral e orientações dietéticas em geral; atu-
diagnóstica e terapêutica, com desta- ação em tratamento e seguimento de
que para nutrologia pediátrica/hebiá- transtornos alimentares; alergias alimen-
trica; geriátrica; gestacional; do adulto, tares; erros inatos do metabolismo; cui-
oncológica; cirúrgica e esportiva, dentre dados com pacientes críticos e demais
outras. temas relacionados à especialidade.
Ainda há poucos profissionais com O médico residente em nutrologia
especialização e titulação em nutrolo- divide suas atividades em ambulatórios
gia, havendo um mercado quase que e enfermaria da própria especialidade e
em defasagem, longe de grandes cen- nas demais clínicas, visto a abrangência
tros e alguns hospitais que carecem do da especialidade. Pode ser necessário,
profissional e sua atuação para a melho- em alguns programas de residência, ro-
ria de condições nutricionais hospitala- tinas de plantões em conjunto com os
res ou mesmo em ambulatórios. da clínica médica geral e em unidades
Há um grande desafio em saúde no de terapia intensiva.
combate das condições clinicas que Pode-se dizer que a residência médi-
competem ao nutrólogo que tem um ca do Hospital das Clínicas da Faculdade

385
CAPITULO 39 Como Escolher a sua Residência Médica

de Medicina de Ribeirão Preto – Univer- O curso é exclusivo para a classe mé-


sidade de São Paulo (USP) é uma das dica e torna-se uma opção para quem
mais tradicionais na especialidade (ofe- não realizou a residência médica em nu-
recendo duas vagas anuais), havendo trologia. É oferecido pela Associação Bra-
vagas também na USP (na capital pau- sileira de Nutrologia (Abran), sendo reco-
lista), na Universidade Federal de Uber- nhecido pelo CFM. O curso tem duração
lândia e Hospital de Clínicas de Porto de um ano, podendo ser refeito, pois,
Alegre. Para quem possui interesse em sempre há novidades para se aprender
trabalhar com nutrologia pediátrica, a em uma área tão abrangente e em cons-
USP e o Hospital de Clínicas de Porto tante atualização. Ocorre uma vez por
Alegre oferecem vagas. Ressalta-se a im- mês, atualmente na cidade de São Paulo.
portância de vivência em esquema de
residência médica ou estágio médico da TÍTULO DE ESPECIALISTA
especialidade para uma melhor visão e
atuação profissional. Para ser considerado especialista é
preciso concluir a residência médica em
CURSO NACIONAL DE nutrologia reconhecida pela CNRM. Em
NUTROLOGIA (CNNUTRO) casos de não optar pelo treinamento
médico na especialidade pela residên-
O CNNutro é um curso de pós-gradu- cia médica, o médico deve realizar a
ação lato sensu na especialidade médica prova de título realizada pelo CFM e pela
Nutrologia. ABRAN.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

É crescente a preocupação com tremamente dinâmica e rotineiramente


bem-estar e saúde em geral, estando a desafiadora.
nutrologia integralmente relacionada e Salienta-se, ainda, a habilidade ne-
inserida na busca do mais alto padrão cessária de união de técnica e conhe-
de saúde. cimentos médicos com o atendimen-
A constante atualização desta área to médico humanizado, sublimando
médica no campo científico exige do a apaixonante arte de cuidar que nos
profissional dedicação e a arte de indivi- move em busca de uma medicina de ex-
dualizar cada conduta para cada caso di- celência.
ferente, o que torna a especialidade ex-

386
Nutrologia CAPITULO 39

SOBRE A AUTORA

Dra. Nayara Almeida Alves de Oliveira é:

Médica pelo Centro Universitário Barão de Mauá. Concluiu residência médica na


Universidade de São Paulo (USP) em medicina de família e comunidade. Realizou o
Curso Nacional de Pós-Graduação Lato Sensu na especialidade médica nutrologia
pela Associação Brasileira de Nutrologia (Abran). Possui título de especialista em
Nutrologia pela Abran.

REFERÊNCIAS

1. Machado, J.D.C.; Faccio, J.R.R.M.; Moure, L.A. Introdução à Nutrologia. In: Machado, J.D.C.;Sil-
vestre,S.C.M.; Marchini,J.S. Manual de Procedimentos em Nutrologia. 1ª edição.Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan,2009.p 3-5.
2. Machado, J.D.C; Vieira, D.A.; Marchini, J.S.. Funções da Nutrologia e do Nutrólogo: Normas e
Resoluções. In: Machado, J.D.C.;Silvestre,S.C.M.; Marchini,J.S. Manual de Procedimentos em
Nutrologia. 1ª edição.Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,2009.p 6-8.
3. Machado, J.D.C.; Machado, J.A.F.; Silvestre, S.C.M.. O Acolhimento, o Desejo e o Perfil dos Pa-
cientes Nutrológicos. In: Machado, J.D.C.;Silvestre,S.C.M.; Marchini,J.S. Manual de Procedimen-
tos em Nutrologia. 1ª edição.Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,2009.p 11-19.

387
ONCOLOGIA CLÍNICA


Dr. Bruno Mendonça Protásio

A visão das pessoas sobre o câncer muda
quando estas passam a ter seu próprio
relacionamento com a doença. E todos terão, em
algum ponto da vida.

Laura Linney

A A oncologia clínica (ou cancerologia


clínica) é a especialidade médica que se
dedica ao tratamento clínico dos tumo-
res malignos sólidos em adultos; isto é,
lida com todos os cânceres, excetuando-
para tratamento de câncer de mama,
desenvolvidas pelo Dr. William Halsted.
Desde então, muitos anos se passaram
até que em 1946 houve outro grande
evento notável: a descoberta do que
-se os de origem hematológica (mielo- seria o primeiro quimioterápico citotó-
ma múltiplo, leucemias e linfomas). xico antineoplásico da história. Fruto da
observação atenciosa dos efeitos mielo-
HISTÓRIA E FUTURO tóxicos do gás mostarda, que havia sido
utilizado como arma química durante a
Apesar da exposição na mídia de ca- Primeira Guerra Mundial, Dr. Alfred Gil-
sos de câncer ser um acontecimento re- man publicou os primeiros relatos do
lativamente recente, o câncer em si não tratamento de um paciente com linfo-
é uma enfermidade nova. As primeiras ma, dando início à era dos tratamentos
descrições de quadros de cânceres da- clínicos para as neoplasias malignas. Nos
tam do Egito Antigo. Não há dúvidas, últimos 70 anos, o avanço científico na
porém, que o progresso em termos de área de pesquisa permitiu o surgimento
conhecimento nessa área aumentou de de uma infinidade de novas drogas. Isso
maneira significativa nas últimas déca- tudo contribuiu para ampliação, de for-
das. ma exponencial, do arsenal terapêutico
Um dos primeiros grandes avanços na área da oncologia clínica, proporcio-
na área da oncologia ocorreu no final nando outra perspectiva no combate ao
do século XIX, com o desenvolvimen- câncer.
to de técnicas de mastectomia radical
CAPITULO 40 Como Escolher a sua Residência Médica

MULTIDISCIPLINARIDADE mesmo com intuito paliativo, variando


caso a caso conforme a doença de base,
De uma forma geral, o tratamento o estadiamento inicial da doença e a
do câncer exige uma abordagem muti- avaliação global do paciente (incluindo
disciplinar e isto é refletido na oncologia idade, presença de comorbidades e per-
clínica. Idealmente, o profissional de on- formance status).
cologia clínica convive de maneira mui-
to próxima aos profissionais médicos de BIOLOGIA MOLECULAR E
praticamente todas as áreas cirúrgicas CLÍNICA MÉDICA
(ex.: cirurgia do aparelho digestivo, ci-
rurgia torácica, urologia, neurocirurgia, Com o avanço em pesquisas de áreas
cirurgia de cabeça e pescoço...), além básicas relacionadas ao câncer e conse-
dos profissionais da radioterapia, ra- quente identificação de vias molecula-
diologia, medicina nuclear e cuidados res associadas à carcinogênese, houve
paliativos. Convive, também, bastante um grande crescimento na área de bio-
próximo de profissionais de outras áre- logia molecular relacionada à oncolo-
as, tais como nutrição, fonoaudiologia e gia. Diante disso, diversas novas drogas
fisioterapia. Tudo isso exige a existência (chamadas atualmente de “drogas-alvo”)
de uma rede de serviços médicos que foram incorporadas ao tratamento on-
seja organizada e que seja pelo menos cológico sistêmico, tornando o interesse
de médio porte. por biologia molecular muito presente
O tratamento oncológico sistêmico, na rotina do profissional da oncologia
cujo carro-chefe é a quimioterapia cito- clínica. Consequentemente, isso força o
tóxica, é tema da rotina diária do onco- profissional a estar em contato contínuo
logista clínico. Há, ainda, a hormoniote- com múltiplas fontes de atualização,
rapia (terapia de bloqueio hormonal), a seja em periódicos especializados ou
imunoterapia e, mais recentemente, as mesmo em congressos científicos.
“terapias-alvo”. As indicações, contrain- Além desse enfoque molecular, que
dicações, os múltiplos esquemas tera- cada dia está mais presente, vale a pena
pêuticos disponíveis e as complicações ressaltar o grande enfoque clínico na ro-
relacionadas ao tratamento são alguns tina da oncologia. O fato de o paciente
dos temas recorrentes nas avaliações apresentar um câncer não o impede de
da oncologia clínica, que tende a cada ter qualquer outra das diversas patolo-
vez mais individualizar o tratamento. gias da medicina. Na prática, isto signi-
Este, por sua vez, pode ser oferecido fica dizer que há muitos conceitos de
com intuito curativo/complementar clinica médica na residência de oncolo-
(tratamento neoadjuvante ou adjuvan- gia e, principalmente, na rotina diária do
te), com intuito curativo/definitivo ou oncologista clínico.

390
Oncologia Clínica CAPITULO 40

ROTINA DO ONCOLOGISTA com a angústia de pacientes e familiares


portadores de uma doença irreversível
A oncologia clínica é tida como uma e em fase final envolve grande desgas-
especialidade eminentemente ambula- te psicológico das três partes (pacien-
torial, com as consultas representando tes, familiares e equipe médica). Neste
a grande parcela da carga horária total, contexto, diálogo próximo e confiança
sendo geralmente complementada por mútua ajudam a esclarecer dúvidas, evi-
visitas aos pacientes internados, seja em tando cenários de negação do quadro
quartos, enfermarias ou unidades de tra- clínico por parte de pacientes e familia-
tamento intensivo (UTIs). Em geral, não res. Isso tudo evita que sejam realizados
existem plantões em oncologia clínica, tratamentos fúteis, que só geram mais
exceto os plantões no setor de quimio- sofrimento.
terapia, que funcionam similarmente às Outro ponto sempre muito lembrado
clínicas de hemodiálise (de segunda às é a elevada “carga horária efetiva”. Ape-
sextas-feiras apenas no período diurno) sar do regime de trabalho ser predomi-
e os “plantões de intercorrências” com nantemente ambulatorial e com poucos
um bip ou telefone móvel (no qual os plantões (como já citado acima), há uma
pacientes podem ter acesso a alguma constante alta demanda de comunica-
orientação inicial em caráter de urgên- ção por parte dos pacientes, seja através
cia). Tais plantões geralmente são distri- do telefone (frequentemente o telefone
buídos entre todos os profissionais da celular), seja através de recursos de in-
mesma clínica. ternet (e-mails), tornando o oncologista
Diferentemente de outras especia- disponível em tempo praticamente in-
lidades clínicas (ex.: cardiologia, pneu- tegral. Saber administrar corretamente
mologia, endocrinologia...) o oncologia o tempo dedicado ao trabalho sem que
clínico dificilmente trabalha sozinho, em isso interfira no lado pessoal é um dos
seu consultório próprio. Em geral, ele desafios do profissional da oncologia
trabalha associado a uma clínica de on- clínica.
cologia com diversos outros colegas da É verdade que, por razões óbvias, o
mesma especialidade, fato que também oncologista clínico é uma especialista
proporciona troca de experiências e dis- que nenhum paciente gostaria esponta-
cussão de casos mais complexos. neamente de ter. Entretanto, a especiali-
Um dos grandes e frequentes pro- dade é bem vista no meio médico e no
blemas enfrentados na oncologia clíni- meio externo. Colabora para essa boa
ca, e especialmente presente no dia a imagem a formação essencialmente
dia dos residentes de oncologia clínica multidisciplinar com livre diálogo com
do 1º ano envolve a complexidade de diversos profissionais e uma remunera-
lidar com um cenário de um paciente ção geralmente justa, considerando-se
evoluindo com quadro terminal. Lidar a complexidade dos pacientes e o inves-

391
CAPITULO 40 Como Escolher a sua Residência Médica

timento em conhecimento acumulado Comissão Nacional de Residência Médi-


ao longo dos cinco anos de residência ca (CNRM) em 2007.
(dois anos de clínica médica e três anos A grade curricular incorpora estágios
de oncologia). Mais recentemente, polí- nos diversos campos de atuação do on-
ticos e artistas nacionais e estrangeiros cologista clínico. No primeiro ano há um
de destaque tiveram seus casos de cân- grande enfoque na avaliação dos pa-
cer expostos na mídia colaborando ain- cientes internados (evolução de enfer-
da mais para difusão positiva desta área maria), sendo gradualmente substituído
da medicina. pelo atendimento ambulatorial nos dois
Além disso, vale ressaltar que a espe- anos consecutivos. Há, ainda, estágios
cialidade lida com pacientes de pratica- em pronto atendimento/intercorrên-
mente todas as idades (exceto crianças, cias, além de estágios em radioterapia
área reservada aos oncologistas e hema- e períodos disponíveis para realização
tologistas pediátricos) e todos os estra- de estágios em serviços externos (seja
tos sociais. Pacientes com cânceres de em outro serviço nacional ou mesmo no
pulmão, mama, próstata e cólon geral- exterior), além de variações conforme
mente são os mais frequentes, apesar da o serviço de residência médica. Na resi-
infinidade de outros tumores tratados dência de oncologia clínica do Instituto
no dia a dia. Um ponto que merece re- Câncer do Estado de São Paulo (Icesp/
gistro e que contribui para a realização HC-Fmusp), por exemplo, há, ainda, es-
profissional de quem trabalha na área é tágios em anatomia patológica, radiolo-
a aderência dos pacientes ao tratamen- gia, plantões de cobertura de intercor-
to e o reconhecimento diário dos cui- rências no setor de quimioterapia, além
dados prestados. Mesmo em situações de aulas e reuniões multidisciplinares
onde resta pouco a se fazer, do ponto de frequentes em todas as áreas da onco-
vista de tratamento curativo, há sempre logia. Também há um grande estímulo
uma manifestação de gratidão e apre- ao desenvolvimento científico, com um
ço por parte dos pacientes e familiares. curso anual de pesquisa clínica, dedica-
Isto mostra a importância do cuidado e do aos residentes dos dois últimos anos.
atenção continuados para esses pacien- Apesar de ser uma tendência para
tes, especialmente aos mais fragilizados. grandes centros brasileiros e centros
no exterior, após o término do 3º ano,
A RESIDÊNCIA MÉDICA DE não há no Brasil um curso para subes-
ONCOLOGIA CLÍNICA pecializações (ex.: em oncologia toráci-
ca, oncologia de tumores de trato gas-
A residência em oncologia clínica é, trointestinal, tumores urológicos etc.).
até então, a única subespecialidade clí- Existe, entretanto, a possibilidade de
nica com três anos de duração. Ela pas- complementação da formação no exte-
sou a ter três anos desde a resolução da rior após o término da residência, sob a

392
Oncologia Clínica CAPITULO 40

forma de fellowships, apesar de isso não to relacionado aos avanços em técnicas


ser oficialmente reconhecido como uma de diagnóstico e avanços no tratamento.
subespecialização. Cabe lembrar, entre- Não por acaso é uma das sub-especiali-
tanto, que a maioria dos oncologistas dades clínicas mais concorridas em sele-
brasileiros atualmente atua como onco- ções de residência médica. No entanto,
logista clínico geral, atendendo todos os o número de vagas de residência médi-
pacientes independentemente da do- ca tem crescido vertiginosamente nos
ença de base. últimos anos e os contratos de trabalhos
já não têm sido tão vantajosos nos gran-
MERCADO DE TRABALHO des centros como eram há cerca de 10
anos. Atualmente, as melhores propos-
O mercado de trabalho em oncologia tas de trabalho são em cidades de gran-
clínica está em expansão no Brasil, mui- de e médio porte do interior do país.

SOBRE O AUTOR

Dr. Bruno Mendonça Protásio é:

Médico graduado pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), realizou residência


médica em clínica médica pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal de São Paulo (HC-Fmusp), além de residência médica em on-
cologia clínica pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), pertencente
ao HC-Fmusp. Atualmente é oncologista clínico do Núcleo de Oncologia da Bahia
(NOB).

REFERÊNCIAS

1. Mukherjee, Siddhartha. O Imperador de Todos Os Males - Uma Biografia do Câncer. Ed. Com-
panhia das Letras. 2012.
2. Vincent T. DeVita Jr. MD et al. Devita, Hellman, and Rosenberg's Cancer: Principles and Practice
of Oncology (Cancer: Principles & Practice). Ed. Lippincott Williams & Wilkins. 2011.
3. Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC). Disponível em: <http://www.sboc.org.br/>.

393
PNEUMOLOGIA “

Dra. Paula Tannus
Lembre-se de respirar. Este é, afinal,
o segredo da vida.

Gregory Maguire

A A pneumologia é a área da medicina


que estuda as doenças das vias respi-
ratórias, incluindo traqueia, brônquios,
pulmões e estruturas correlatas. Cabe ao
pneumologista diagnosticar e conduzir
a câmara cardíaca esquerda. Em 1533
na Espanha, Michael Servetus fez a pri-
meira descrição ocidental da circulação
pulmonar no livro Christianismi Restitu-
tio (Restituição da Cristandade). Mas foi
doenças como asma; tuberculose; do- apenas em 1628 que William Harvey de-
enças intersticiais; fibrose cística; rinite; monstrou, através da observação direta
síndrome do lactente sibilante; malfor- de animais de laboratório, a circulação
mações pulmonares; pneumonia; doen- através da artéria e veias pulmonares.1
ça pulmonar obstrutiva crônica (Dpoc), A cátedra de tisiologia foi criada
dentre outras. recentemente para as faculdades de
Os registros iniciais sobre a descrição Medicina, em 1949, no governo do Pre-
da circulação pulmonar datam desde o sidente Eurico Gaspar Dutra2. A Socie-
século II d.C, quando Galeno (129-200 dade Brasileira de Pneumologia e Tisio-
d.C) formulou a teoria de poros invisí- logia (SBPT) surgiu oficialmente em 18
veis no septo interventricular para expli- de outubro de 1978, a partir da fusão da
car a passagem do sangue do ventrículo Federação das Sociedades Brasileiras de
direito para o esquerdo. Esta teoria foi Tuberculose e Doenças Respiratórias e a
aceita por mais de 1.000 anos, até que o Sociedade Brasileira de Pneumologia.
médico árabe Ibn al-Nafis, em 1210, em Apesar de relativamente nova, a
Damasco, lançou o livro Commentary on pneumologia vem ganhando importân-
the Anatomy of the Canon of Avicenna, cia devido ao aumento na incidência das
no qual descreve o fluxo sanguíneo do doenças respiratórias em consequência
ventrículo direito através da artéria pul- do processo de urbanização, aumento da
monar até os pulmões, sua mistura com poluição, e maior frequência de doenças
o ar e retorno pela veia pulmonar até oportunistas secundárias ao vírus HIV.
CAPITULO 41 Como Escolher a sua Residência Médica

O ESPECIALISTA E A SUA ROTINA Fibrose cística / discinesia ciliar


Pediatria: malformações pulmonares, sín-
Ao término da residência, o médico drome do lactente sibilante, displasia bron-
especialista estará habilitado a exercer a copulmonar, bronquiolite obliterante etc.
pneumologia tanto no âmbito hospita-
lar quanto no ambulatório. No entanto, MERCADO DE TRABALHO
para algumas áreas de atuação são exi-
gidos cursos ou estágios supervisiona- O Conselho Federal de Medicina
dos, tais como broncoscopia, medicina (CFM) divulgou, em 2013, dados da de-
do sono e função pulmonar. Esses po- mografia médica no Brasil, e o número
dem ser ministrados por hospitais, clíni- de especialistas na área de pneumolo-
cas especializadas conveniadas ou pela gia contabiliza 2.593 médicos distribuí-
SBPT, e têm duração variável de acordo dos pelo país5.
com cada serviço. Devido à baixa remuneração e glo-
Dentre as áreas de atuação do pneu- sas dos planos de saúde, é cada vez mais
mologista temos: frequente os especialistas atenderem
Fisiologia e fisiopatologia do exercício
em consultório apenas particular. Mes-
mo os que estão entrando no mercado
Fisiologia e fisiopatologia respiratória
de trabalho, principalmente na área
Dpoc pediátrica, encontram clientela inde-
Reabilitação pulmonar pendentemente dos planos de saúde.
Asma e rinite Os usuários do Sistema Único de Saúde
Doenças intersticiais (SUS) carecem ainda mais dos especia-
Doenças respiratórias ocupacionais listas, aumentando a procura por aten-
Medicina do sono dimento nos consultórios particulares.
Em hospitais, para atuação em en-
Função pulmonar
fermaria, alguns podem ter vínculo com
Tabagismo
carteira de trabalho (esta proposta é
Terapia intensiva cada dia menos comum no meio mé-
Risco cirúrgico dico) ou como prestador de serviço via
Insuficiência respiratória pessoa jurídica. A remuneração depen-
Oxigenoterapia de do porte hospitalar e da cidade em
Circulação pulmonar/hipertensão pulmonar questão.
Podemos associar procedimento
Infecção pulmonar / tuberculose / infecções
pulmonares secundárias ao HIV visando aumento na remuneração atu-
Oncopneumologia
ando em rotina de hospital dia ou so-
breaviso hospitalar na broncoscopia.
Toxicidade pulmonar a drogas
E podemos ainda atuar em clínicas de
Broncoscopia diagnóstica e terapêutica função pulmonar avaliando resultado

396
Pneumologia CAPITULO 41

de exames e na medicina do sono para otorrinolaringologia, broncoscopia, uni-


interpretação de registros polissonográ- dade de terapia intensiva e radiologia.
ficos. A Resolução Nº 1 de 14 de maio de
Existe ainda a opção de trabalho na 2002 da Comissão Nacional de Residên-
área acadêmica, exercendo atividade cia Médica (CNRM), aprovada no I Fórum
em hospital-escola ou na universidade, de Ensino de Pneumologia da SBPT em
com docência e pesquisa. outubro de 2007 estabelece critérios
para obtenção do título de especialista
A RESIDÊNCIA ou certificação da área de atuação.
A concorrência para residência de
A residência médica de pneumo- pneumologia é relativamente baixa.
logia tem seus critérios estabelecidos Como comparativo, para os concursos
na Resolução 1.973, atualizada como de residência médica em 2014, a rela-
2005/12. A mesma tem como pré requi- ção candidato/ vaga na Faculdade de
sito a formação por dois anos em clínica Medicina da Universidade de São Paulo
médica ou pediatria. (Fmusp) para pneumologia clínica foi de
O curso tem duração de dois anos e 3,14/1; na Universidade Federal do Rio
envolve estágios obrigatórios e módulos de Janeiro (UFRJ) foi de 2,5/1 para pneu-
opcionais. O residente terá experiência mologia clínica e 2/1 para pneumologia
em enfermaria, ambulatório de áreas de pediátrica; e para o SUS não houve can-
atuação (sono, Dpoc, intersticiopatias, didatos para as cinco vagas disponibili-
asma, tuberculose, fibrose cística, ta- zadas para clínicos em 2014 e a concor-
bagismo, oncologia etc.), espirometria/ rência para pneumologia pediátrica foi
provas de função pulmonar, patologia, de sete candidatos para uma vaga4.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

O pneumologista encontra grande mologista, sem o devido encaminha-


desafio em estabelecer território, pois mento pelo outro profissional.
existem muitos mitos em relação às do- No ambiente hospitalar, temos ain-
enças respiratórias. Não é incomum nos da o desafio de competir com o infec-
depararmos no consultório com pacien- tologista. A infectologia tem ganhado
tes com quadro crônico, alguns há anos bastante espaço nos hospitais em vista
doentes, sendo conduzidos de forma das infecções hospitalares e controle
inapropriada pelo clínico ou pediatra do ambiente, e não raro são eles que
geral, alergologista, infectologista ou conduzem pacientes com pneumonia,
otorrinolaringologista. Não raro partir tuberculose, aspergilose etc. É preciso
da própria família a busca por uma se- um “time do pulmão” comprometido e
gunda ou terceira opinião com o pneu- atuante no hospital.

397
CAPITULO 41 Como Escolher a sua Residência Médica

Também não é incomum a falta de para passar o resto na vida em uma car-
informação e uso inadequado dos diver- reira na qual não se é feliz. As doenças
sos dispositivos inalatórios disponíveis pulmonares são intrigantes e, quando
no mercado. A consulta do especialista há uma boa relação médico-paciente,
em pulmão requer uma educação con- com boa adesão e responsabilidade de
tinuada e atenção para os fatores am- ambas as partes, a depender da doença,
bientais e emocionais do paciente. a evolução dos quadros é notável e de-
A escolha por ser médico por si só já volvemos qualidade de vida a pessoas
pressupõe paixão e sacrifício; são horas que antes tinham limitações sérias.
intermináveis de estudo e trabalho. A es- Eu sou realizada na minha escolha
colha da especialização não deve apenas e na minha formação, espero que este
levar em consideração o fator financeiro, guia ajude-o a encontrar seu caminho.
pois nossa dedicação é muito grande

SOBRE O AUTORA

Dra. Paula Tannus é:

Pediatra pelo Hospital São Rafael (HSR) em Salvador-BA. Fez residência de pneu-
mologia pediátrica no Hospital Universitário Prof. Edgard Santos, da Universidade
Federal da Bahia e faz atualização em broncoscopia diagnóstica e terapêutica sob
supervisão do Dr. Guilherme Montal no Hospital São Rafael (HRS), Salvador/BA.

REFERÊNCIAS

1. BEDRIKOW, R; GOLIN, V. A história da descoberta da circulação pulmonar. Jornal de Pneumo-


logia – vol. 26 n º1 São Paulo Jan/ Fev 2000.
2. MACHADO, A.S. A história da pneumologia na Bahia: tributo ao Professor Cesar Augusto de
Araújo. Gaz Med Bahia 2007; 77:2 (Jul-Dez) 195-209.
3. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Disponível em: <http://www.sbpt.org.br/>.
Acesso em: 13 dez. 2013.
4. Disponível em: <http://www.consultec.com.br/download/CEREM2014_CONCORRENCIA.
PDF>. Acesso em: 13 dez. 2013.
5. CREMESP. Demografia médica no Brasil. Vol. 2 – Cenários e indicadores de distribuição. Relató-
rio de pesquisa – Fevereiro 2013.
6. Conselho Federal de Medicina. Disponível em: <http://portal.cfm.org.br>. Acesso em: 13 dez.
2013.

398
Pneumologia CAPITULO 41

7. Disponível em: <http://www.infoescola.com/medicina/pneumologia/>. Acesso em: 13 dez.


2013.
8. Disponível em: <http://www.redetb.org/a-historia-da-tuberculose>. Acesso em 13 dez. 2013.
9. Disponível em: <http://www.residencia.ufrj.br/>. Acesso em 12 dez. 2013.
10. Disponível em: <http://www.edudata.net.br/fm14/fm14_portal.asp?p=cbol>. Acesso em: 1
dez. 2013.
11. Disponível em: <http://www.sono.org.br/cursos/cursospresenciais.php>. Acesso em: 3 dez.
2013.

399
REUMATOLOGIA “

Dra. Ana Paula Lupino Assad
Não acreditamos no amor verdadeiro nem no
reumatismo até que vem o primeiro ataque.

Marie von Ebner-Eschenbach

A A palavra reumatismo foi introduzida


por Galeno. Provém da palavra rheos que
significa “fluir”, uma vez que, naquela
época, se acreditava que o reumatismo
aparecia pelo fluxo de um “humor” vindo
plina, independente da clínica médica,
em 1977.

O ESPECIALISTA E SUA ROTINA

do cérebro até as articulações. O nome A área de atuação de um reumatolo-


da doença gota vem desta maneira de gista é sempre algo questionado, inclu-
se pensar, que um determinado humor sive nos meios médicos. E o intrigante,
gotejava nas articulações. para não dizer cômico, é que a respos-
A reumatologia no Brasil foi derivada ta é também incerta, inclusive quando
dos grupos que estudavam a febre reu- dada por reumatologistas.
mática, e teve avanço importante após A inflamação é o ponto em comum
a descoberta do fator reumatóide, das entre as doenças reumatológicas e, em
células célula LE e da cortisona no final sua maioria, tem origem autoimune.
dos anos 40. A inflamação pode ocorrer em qual-
Apesar dessa descrição desde o sé- quer órgão, e geralmente, ocorre de
culo II d.C., a reumatologia é uma espe- forma simultânea em diversos sistemas,
cialidade contemporânea, sendo que dando às doenças reumatológicas a ca-
a fundação da Sociedade Brasileira de racterística marcante de quadros sistê-
Reumatologia (SBR) se deu em 1949, no micos.
anfiteatro da Santa Casa de Misericórdia Na prática, isso se revela como qua-
do Rio de Janeiro. dros clínicos complexos, multissistê-
No Hospital das Clinicas de São Pau- micos, que exigem um conhecimento
lo, a residência foi iniciada oficialmente amplo de clínica médica, para um diag-
em 1974, sendo que, a criação da disci- nóstico e seguimento adequados.
CAPITULO 42 Como Escolher a sua Residência Médica

Acredito que esse conceito amplo A ressonância músculo esquelética


sobre a reumatologia seja o mais fasci- permite ao reumatologista um diagnós-
nante da especialidade. tico preciso de processo inflamatório
Didaticamente as principais doenças crônico e agudo, através da caracteriza-
acompanhadas por um reumatologista ção de fibrose, edema, substituição gor-
são classificadas pelo mecanismo de le- durosa, além da diferenciação do local
são: do acometimento, entre partes moles
periarticulares, intra-articulares ou ós-
Doenças difusas do tecido conjuntivo: lúpus
seas. É um exame que contribuiu muito
sistêmico, doença mista do tecido conjunti-
vo, artrite reumatóide, esclerose sistêmica, para o diagnóstico precoce de doen-
doença muscular inflamatória, Síndrome de ças como a espondilite anquilosante,
Sjogren, policondrite recidivante. ou para determinar reserva muscular e
Doenças osteometabólicas: osteoporose, grau de cronicidade do processo em pa-
doença de Paget, osteomalácia, hiperpara- cientes com miopatias inflamatórias.
tireoidismo. A ressonância magnética também é
Vasculites sistêmicas: poliangeíte granulo- capaz de determinar a extensão e gravi-
matosa, arterite de Takayasu, arterite tem- dade de quadros sugestivos de vasculi-
poral, Síndrome de Behcet, poliangeíte gra-
te, pois, diante da alta sensibilidade do
nulomatosa eosinofílica, poliarterite nodosa,
poliangeite microscópica. exame, é possível estudar o grau de in-
flamação da parede vascular, bem como
Doenças degenerativas: osteoartrite.
o fluxo sanguíneo local.
Espodiloartrites: espondilite anquilosante,
O ultrassom (USG) musculoesquelé-
artrite psoriasica, artrite Reativa.
tico é de grande valia na prática diária,
Artropatias microcristalinas: gota e condro-
calcinose.
pois é capaz de identificar o local (pe-
riarticular ou intra-articular) de inflama-
Artropatias reativas: febre reumática, doen-
ça Lyme, osteomielite, artrites infecciosas,
ção, principalmente de articulações su-
hepatite C. perficiais, como as das mãos. É possível
Reumatismo extra-articulares: fibromialgia,
quantificar a intensidade do processo
bursites, tendinites, fasceíte plantar. inflamatório através do volume de líqui-
Artropatias secundária a doenças não reumá- do intra-articular e do padrão vascular
ticas: diabetes, hipotireoidismo, neoplasias. locar (Power Doppler). É útil na diferen-
Artropatia intermitentes: reumatismo palin- ciação de processos inflamatórios ini-
drômico, febre familiar do mediterrâneo. ciais e, para guiar procedimentos invasi-
vos, como infiltrações peritendíneas ou
AVANÇOS DA ESPECIALIDADE intra-articulares, reduzindo os riscos de
atrofia e rotura.
A reumatologia teve um grande As novas técnicas laboratoriais com
avanço tecnológico tanto em instrumen- determinação de antígenos mais espe-
tos diagnósticos, quanto terapêuticos. cíficos, possibilitou a identificação de di-

402
Reumatologia CAPITULO 42

versos auto-anticorpos de alta especifi- no marketing e divulgação de drogas em


cidade, facilitando o diagnóstico preciso comercialização.
de algumas doenças. Alguns imunobiológicos são de ad-
Após o Projeto Genoma, a medicina ministração endovenosa e podem cau-
avançou muito no conhecimento de di- sar reações infusionais, por isso, ideal-
versas doenças. Em reumatologia, a des- mente devem ser aplicadas em centros
crição de alguns genes determinaram de infusão, com médico e enfermeiro
mudanças na prática clínica, como o responsáveis. Alguns reumatologistas
HLAB27, no diagnóstico da espondilite são os responsáveis técnicos ou proprie-
anquilosante; e alguns alelos envolvidos tários desses centros.
no prognóstico da artrite reumatóide. O apreço pelo contato direto com o
Em relação ao tratamento, com o en- pacientes é uma característica comum
tendimento fisiopatológico de diversas aos reumatologistas, sendo assim, a
doenças e a descoberta de novas dro- maioria se dedica ao atendimento am-
gas, houve um grande avanço na sobre- bulatorial.
vida e qualidade de vida dos pacientes. Apesar de todos os avanços tecnoló-
Os anos de 1935-1950 foram déca- gicos, a reumatologia se mantém como
das de avanços importantes, com a cria- uma especialidade essencialmente clí-
ção da sulfassalazina, os sais de ouro, e nica, que exige o exercício diário de
principalmente, na década de 40, a des- conhecimentos básicos de anamnese e
coberta da cortisona, por Philip Hench e exame físico, para guiar o diagnóstico e
Edward Kendall. a utilização da propedêutica armada.
Outros momentos importantes vie- Os pacientes com doenças predomi-
ram 30 anos depois, a partir da desco- nantemente degenerativas têm um per-
berta do metotrexato em 1980, e depois fil de idade mais avançada, enquanto as
na década de 90, com a leflunomida e o doenças autoimunes acometem adultos
primeiro agente imunobiológico com jovens ou meia idade. Os pacientes com
ação antifator de necrose tumoral. doenças reumatológicas geralmente
têm uma evolução crônica e são acom-
ÁREAS DE ATUAÇÃO panhados durante anos no consultório e
raramente precisam ser internados.
Um reumatologista pode atuar em Essas características dos pacientes e
diversas áreas, como realizando USG e dos médicos trazem a prática do dia a
procedimentos invasivos ou em labo- dia algumas vantagens e desvantagens.
ratório, estudando técnicas de determi- As principais vantagens são que os
nação de antígenos, anticorpos, genes pacientes geralmente são fiéis, e fazem
etc. Pode também trabalhar na indústria acompanhamento regular, há um rela-
farmacêutica, tanto na criação de novas cionamento de afeto, confiança e reco-
drogas e pesquisas clínicas, assim como nhecimento de sua dedicação, há boa

403
CAPITULO 42 Como Escolher a sua Residência Médica

qualidade de vida, pois raramente estes Há poucos centros no país que tem
pacientes são internados, e grande par- residência de reumatologia e alguns
te dos reumatologistas é capaz de viver centros disponibilizam cursos de es-
apenas com o atendimento de consultó- pecialização com duração e conteúdo
rio. Em São Paulo, o valor cobrado pela semelhante ao da residência e são reco-
consulta varia entre R$ R$300 a R$1000. nhecidos pela SBR.
Há déficit de reumatologistas no siste- Na escolha dos locais onde realizará
ma público (ambulatórios de especiali- a prova, é importante avaliar o corpo do-
dades), sendo uma opção de trabalho, cente e avaliar a estrutura em si. Para uma
com remuneração de aproximadamen- boa residência é necessário um ambula-
te R$ 3.000,00, por uma carga horária de tório bem estruturado, possibilidade de
20h/semanais. avaliações de pacientes internados, ou
As principais desvantagens são que leitos de enfermaria disponíveis para es-
as consultas geralmente têm longa du- pecialidade, um laboratório que realize
ração, possibilitando atendimento de testes de autoimunidade e, além disso,
poucos pacientes/hora, dificultando a um serviço que proporcione aprendiza-
negociação com convênios, e também do nas áreas de ortopedia; controle de
atendimento no Sistema Único de Saúde dor; fisiatria e reabilitação; laboratório;
(SUS), que apesar de bem remunerado, medicina do esporte; radiologia; ultras-
às vezes, determina um número grande som e procedimentos invasivos.
de pacientes/hora. Há poucos proce- A residência tem duração de dois
dimentos, sem gerar valor agregrado a anos, e conforme a regularização do
consulta. Os pacientes exigem atenção e Ministério da Educação (MEC), deve ter
há de se dispor fácil acesso a eles. 60 horas semanais, divididas 50% em
Atualmente, com o crescimento dos atividade ambulatorial e o restante em
incentivos às práticas esportivas, há unidades de internação e interconsulta,
um aumento do número de pessoas medicina física e reabilitação, estágios
que procuram um reumatologista para complementares em ortopedia, reuma-
orientações pré-participação, ou tam- tologia pediátrica e laboratório.
bém para reabilitação após uma lesão Não há subespecialização, porém é
musculoesquelética. comum, na área acadêmica, o aprofun-
damento em algumas doenças, através
A RESIDÊNCIA da realização de mestrado e doutorado,
assim como em cursos de aprimora-
Para ingressar na residência de reu- mento durante os congressos.
matologia, é necessário, como pré-re-
quisito, os dois anos de clínica médica.

404
Reumatologia CAPITULO 42

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

A reumatologia é uma área em cres- drogas menos imunogênicas e de apre-


cimento. Os novos conhecimentos so- sentação oral ou subcutânea.
bre a fisiopatologia das doenças, através O consultório sempre é uma boa
dos avanços tecnológicos em laborató- perspectiva do reumatologista, pois
rio e imageologia, permitiu o desenvol- sempre tende a crescer, uma vez que
vimento de novas terapêuticas e modi- tratamos de doenças incuráveis e de
ficou a morbimortalidade das doenças baixa mortalidade, portanto, após diag-
reumatológicas. Porém, ainda há muitos nóstico firmado, o paciente mantém
questionamentos sobre o desenvolvi- acompanhamento por longos períodos.
mento destas doenças, permitindo um Este fato faz com que o reumatologista
amplo campo para estudos. se torne o médico de confiança do pa-
Os imunobiológicos são relativa- ciente e da família.
mente novos e a cada ano surgem no- É importante ressaltar que diante de
vas opções desta classe, e nem todos os tantos avanços, a reumatologia tornou-
reumatologistas têm prática para o uso -se uma especialidade muito dinâmica
e orientações a respeito deles, dando es- e a atualização científica é essencial, tor-
paço aos novos reumatologistas. nando quase obrigatória a presença em
Atualmente, a lei determina que es- congressos e cursos nacionais e interna-
sas drogas sejam são liberadas pelo SUS cionais.
e também financiadas pelos convênios Resumindo, a reumatologia é uma
médicos. Diante do alto custo da me- especialidade que permite atuação em
dicação é necessário o parecer de um áreas de pesquisa, laboratório, área ad-
especialistas para serem aprovadas, tor- ministrativa e nas indústrias farmacêuti-
nando o reumatologista um importante cas; o atendimento é predominante de
elo entre os doentes e a comercialização pacientes em ambiente ambulatorial,
das medicações, tanto no sistema priva- com diversos perfis de pacientes, como
do, quanto público. idosos com doenças degenerativas,
O investimento em centros de in- adultos jovens com doenças autoimu-
fusão é uma realidade atual, que pode nes e atletas amadores com lesões mus-
mudar com o número cada vez maior de culoesqueléticas.

405
CAPITULO 42 Como Escolher a sua Residência Médica

SOBRE A AUTORA

Dra. Ana Paula Lupino Assad fez:

Residência em clínica médica e reumatologia no Hospital das Clínicas da Universi-


dade de São Paulo (HC-Fmusp).

REFERÊNCIAS

1. Outcome measures in Rheumatology - Omeract. Diponível em: <http://www.omeract.org>.


Acesso em: 2 fev. 2014.
2. Sociedade Brasileira de Reumatologia. Disponível em: <http://www.reumatologia.com.br>.
Acesso em: 1 fev. /2014.

406
ESPECIALIDADES
CIRÚRGICAS
CIRURGIA GERAL “

Dr. Nilton Ghiotti de Siqueira
...um cirurgião é um médico que sabe operar e
também quando não fazê-lo.

Theodor Kocher

No final do século XIX, mais precisa- more, EUA, Willian Halsted (1852-1922),

N
mente em 16 de outubro de 1846, no do Hospital John Hopkins, concebeu e
Anfiteatro Cirúrgico do Hospital Geral encomendou à Goodyear Rubber Com-
de Massachusetts, John Collins Warren pany, luvas de fina borracha, as quais
(1778-1856), terminava a extração de complementariam todo arsenal que até
um tumor submandibular sem o pa- então proporcionara à cirurgia grandes
ciente manifestar dor e exclamava: “... avanços.2
cavalheiros, isto não é uma farsa!”. O éter Porém, o tratamento médico era
administrado por William Thomas Gre- pouco sistematizado, o que impedia
en Morton (1819-1868), um dentista de o desenvolvimento da arte. Em 1889,
Connecticut, proporcionou o que nunca Halsted iniciou o que hoje é conhecida
antes havia acontecido, cirurgia sem dor! como residência médica, naquele mes-
Nascia a anestesia!1 mo hospital, tendo então os médicos
Na época, a dor já havia sido domi- iniciado um sistema de “aprendizado
nada, e no final de 1864, os princípios da em trabalho”, supervisionado por pro-
assepsia desenvolvidos por Lister (1827- fissionais mais experientes. Junto com
1912) começavam lentamente a serem William Welch (1850 - 1934), fundaram
praticados pelos cirurgiões da época. o Hunterian Laboaratory, também no
Foram grandes avanços. Em 1877, Koch Hospital John Hopkins, para pesquisa
(1843-1910), na Alemanha, desvenda- experimental em cirurgia e patologia,
va as bactérias, e Schimmelbush (1860 estabelecendo integração entre a pes-
-1895) inventava a esterilização com o quisa, a assistência e o ensino.3
vapor d’água. Estes acontecimentos fo- Após cinquenta e seis anos, em 1945,
ram marcantes para a medicina de uma iniciava-se na Universidade Estadual de
maneira geral e, especificamente, para São Paulo (Unesp) e, em 1947, no Hospi-
a cirurgia. No Novo Mundo, em Balti- tal dos Servidores do Estado do Rio de
CAPITULO 43 Como Escolher a sua Residência Médica

Janeiro, este modelo de treinamento, a um diagnóstico e, em seguida, o trata-


residência médica, que logo se expan- mento, a cirurgia. Portanto, o exercício
diu para os centros mais desenvolvidos da especialidade depende de uma estru-
do País4. Porém, desde 1929, já existia tura hospitalar adequada e equipe mul-
o Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC), tidisciplinar, com os cuidados de enfer-
sociedade que congrega os cirurgiões- magem, fisioterapia, nutrição, psicologia
-gerais e diversas outras especialidades, e o apoio de outras especialidades médi-
responsável por várias iniciativas de edu- cas, como a radiologia no apoio diagnós-
cação continuada, além de congressos tico, mas tendo como pilar fundamental
nacionais e regionais com vistas à atua- a anestesia.
lização de seus membros5. A habilidade manual é uma carac-
Desde então, a cirurgia geral avan- terística importante, adquirida com a
çou em passos largos, com domínios de prática, inicialmente na residência, e de-
técnicas sofisticadas e sistematização de pois, ao longo da vida. Porém, o conhe-
atendimentos de emergência. A cirurgia cimento profundo de técnicas operató-
do trauma, uma epidemia atual, ocupa rias não é suficiente sem estar atrelado
lugar de destaque na atividade cirúrgica. a um diagnóstico correto e indicação
A partir da década de 80, com a introdu- precisa de uma cirurgia. O controle dos
ção da videolaparoscopia, a cirurgia mi- eventos endócrino-metabólicos do pré
nimamente invasiva ganha espaço cada e pós-operatório, o manejo de pacientes
vez maior no arsenal da especialidade, que necessitam de reoperações progra-
deslumbrando um promissor futuro nes- madas ou não, devem ser perfeitamente
sa área. dominadas pelo cirurgião e, para isso,
são necessárias muitas horas dedicadas
O ESPECIALISTA a estudar. Temos muitas ferramentas di-
gitais atualmente voltadas para a cirur-
O cirurgião geral atende às várias de- gia e estas devem ser utilizadas, a velo-
mandas em um hospital geral, frequen- cidade com que o conhecimento avança
temente solicitado a emitir pareceres nos obriga a isso.
em casos de dúvidas diagnósticas. Des- Como exposto, o cirurgião deve obri-
sa forma, necessita sólida formação em gatoriamente desenvolver espírito de
clínica cirúrgica, bons conhecimentos de equipe e nunca estar só. A presença de
semiologia e fisiopatologia. outro colega implica em maior troca de
Realiza atendimentos ambulatoriais, conhecimentos e experiências, seguran-
plantões nas emergências de pronto- ça nos procedimentos e por fim, bons
-socorros e cirurgias eletivas. Ou seja, resultados. A educação médica conti-
o atendimento ao paciente “cirúrgico” nuada é outro caminho a ser seguido
implica em consultas clínicas (em emer- e estar sempre à procura das melhores
gência ou eletivas) onde se estabelece informações de atualização e novas téc-

410
Cirurgia Geral CAPITULO 43

nicas é fundamental para o progresso dico, pois assume um compromisso de


profissional. possível atendimento em momentos
Por essas características, a relação de descanso, lazer, estudo ou convívio
médico-paciente é intensa, às vezes, em familiar. Infelizmente, nesses locais, ain-
momentos difíceis para as famílias dos da não se formulou um mecanismo de
pacientes. Dessa forma, deve-se preser- atendimento que possa substituí-lo.
var ao máximo este relacionamento, é o Desde o final da década de 80 do sé-
momento onde se esclarece o paciente e culo passado, a Videolaparoscopia vem
se estabelece um vínculo que provavel- se impondo como padrão ouro do tra-
mente perdurará por muito tempo. Em tamento de diversas patologias. Dentre
tempos de judicialização da atividade essas, destacamos a colecistectomia,
médica, é o melhor mecanismo de defe- a apendicectomia e a fundoplicatura
sa do médico. para o tratamento da doença do reflu-
xo gastroesofágico, ambas com grande
MERCADO DE TRABALHO prevalência na população geral. Porém
o desenvolvimento de técnicas sofistica-
Na maioria das vezes, a carreira do das para procedimentos gastrintestinais,
cirurgião-geral inicia-se no hospital de como a cirurgia bariátrica, colectomias,
trauma, em plantões de emergência. gastrectomias e também sobre órgãos
Em grandes centros, devido à índices sólidos como a esplenectomia e hepa-
de violência alarmantes, os plantões são tectomias ocorrem de forma rápida,
movimentados, com várias cirurgias no segura e intensa, devendo obrigatoria-
período, podendo se tornar cansativo. mente fazer parte da formação dos no-
Por outro lado, a habilidade cirúrgica, é vos cirurgiões.
trabalhada em cada cirurgia realizada e O mercado de trabalho está aberto
leva a um sentimento de realização ím- para o cirurgião em início de carreira,
par. Deve-se evitar plantões seguidos, principalmente nas emergências, po-
tanto pelo desgaste físico que ocasio- rém, existe uma grande demanda repri-
na, quanto por aumentar as margens mida em cirurgias eletivas, sendo muitas
de possibilidades de erros. Ao invés de vezes realizados “mutirões” com a finali-
múltiplos plantões, dedicar-se também dade de diminuir a espera por cirurgias
às atividades de consultas e cirurgias no Sistema Único de Saúde (SUS). Esses
eletivas desenvolve o tirocínio clínico e a processos são muitas vezes pactuados
técnica operatória, assumindo progressi- entre os gestores do SUS e hospitais con-
vamente casos mais complexos. veniados, gerando valores de remunera-
Em cidades menores é frequente o ção melhores dos que os pagos apenas
chamado “sobreaviso”. Talvez a situação pela tabela SUS.
mais desconfortável para qualquer mé-

411
CAPITULO 43 Como Escolher a sua Residência Médica

A RESIDÊNCIA MÉDICA dades de urologia, cirurgia vascular, ci-


rurgia plástica, cirurgia torácica e cirurgia
A residência em cirurgia geral ocor- pediátrica, cirurgia de cabeça e pescoço,
re em dois anos, é regulamentada pela coloproctologia, cirurgia do aparelho di-
Resolução CNRM Nº 02 /2006, de 17 de gestivo, plantões em emergências e am-
maio de 2006 e é pré-requisito para di- bulatórios de cirurgia geral e das espe-
versas subespecialidades cirúrgicas: ci- cialidades em que estejam estagiando.
rurgia geral - programa avançado, cance- É importante o domínio dos proce-
rologia/cirúrgica, cirurgia cardiovascular, dimentos básicos dessas diversas áreas,
cirurgia de cabeça e pescoço, cirurgia do pois muitas vezes são realizadas pelo
aparelho digestivo, cirurgia pediátrica, ci- cirurgião geral, seja devido à ausência
rurgia plástica, cirurgia torácica, cirurgia do subespecialista, ou por sobrecarga
vascular, coloproctologia, urologia, mas- do mesmo, por não haver disponível um
tologia, nutrologia e medicina intensiva. número suficiente de profissionais para
Não podemos esquecer outras especiali- atender à demanda.
zações, como na área de transplantes de A cirurgia, de uma maneira geral, tem
órgãos que abre grandes perspectivas características um pouco diferentes de
aos novos cirurgiões devido ao volume especialidades clínicas. Como já men-
de pacientes que são atendidos apenas cionado, temos atividades de pré, per e
em grandes centros. Está em curso pro- pós-operatório. Isso de certa forma, pa-
cessos para que esses procedimentos se- rece uma sobrecarga de trabalho, mas,
jam realizados em regiões distantes do quando bem equacionado, vemos que
eixo Sul-Sudeste. Nesse sentido, temos não é tanto assim. Mas durante a resi-
exemplos como o Ceará e o Distrito Fe- dência médica, período em que espera-
deral, com um número de transplantes mos “operar tudo”, o “máximo possível”,
hepáticos de 20 por milhão de pessoas pode se tornar sim uma sobrecarga, ain-
(pmp), sabendo-se que a média nacional da mais somado à plantões. Dessa ma-
foi de 8,8 pmp nos três primeiros trimes- neira, a Comissão Nacional de Residên-
tres de 2013, o Pará realizou esse ano cia Médica (Cnrm) disciplinou a carga
(2013) seu primeiro transplante hepáti- horária em 60 horas semanais, máximo
co e o Acre desenvolve um programa de de 24 h de plantões semanais, folga de
transplantes renais de sucesso7. 6 horas após o plantão, para que o stress
Existe ainda a possibilidade de cursar da atividade não prejudiquem a capaci-
um ano adicional em trauma ou ainda dade de trabalho, de discernimento nas
mais dois anos de cirurgia geral avança- tomadas de decisões e do estudo do
da (sendo necessário nova prova de sele- médico residente. Cabe lembrar, porém
ção em ambos casos). que cirurgias “têm hora para começar”,
Durante os dois anos o médico resi- mas podemos nos deparar com lesões
dente realiza rodízios nas subespeciali- que escaparam a um diagnóstico inicial

412
Cirurgia Geral CAPITULO 43

ou o procedimento planejado ser mais Atualmente existem 1.210 vagas em


complexo, demandando um tempo de programas autorizados pelo Ministério
cirurgia maior que o previsto e dessa for- da Educação (MEC), distribuídos pelo
ma extrapolar “horários”. país.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

DESAFIOS tados. Dessa forma, o tempo é o fator


determinante para que seus resultados
A maior parte dos serviços públi- possam falar por si. A humildade e pa-
cos não dispõe de equipamentos de ciência são qualidades a serem desen-
videolaparoscopia que atenda às suas volvidas que premiarão o cirurgião no
necessidade (número insuficientes de futuro.
torres de vídeo, kits de instrumentais e Com relação ao reconhecimento
fontes de energia), o que impede muitas pecuniário, existe uma variação entre
vezes uma formação segura nessa área, as diversas regiões do país e entre ser-
obrigando a realização de cursos com- viços públicos e privados. Obviamente,
plementares após a residência médica, as melhores condições são disponíveis
opção por ano adicional em videolapa- em cidades de médio e pequeno porte
roscopia ou cursar cirurgia geral avança- com estrutura suficiente para realização
da ou cirurgia do aparelho digestivo. de operações.
Porém, esse esforço deve ser alcan- Observamos hoje nos egressos dos
çado como condição para se manter cursos de medicina uma busca de es-
no mercado de trabalho de forma mais pecialização baseada na qualidade de
consistente, observando que, em pou- vida que ela poderá proporcionar. Esta
co tempo, a maioria dos procedimentos talvez seja a maior ilusão que a pou-
que hoje ainda são realizados por via ca experiência pode provocar. Abraçar
laparotômica, serão realizados por esse uma especialidade médica e exercê-la
novo e instigante método, inclusive pro- com eficácia e dignidade depende dire-
cedimentos oncológicos e o trauma. tamente da afinidade que cada um tem
por aquela área. Fazer o que não gosta
RECONHECIMENTO é o pior emprego, gera frustrações e má
prática. Por outro lado, fazer o que se
O reconhecimento advém de boas gosta, com amor e dedicação, é o cami-
práticas, bom relacionamento médico- nho para a satisfação pessoal e natural-
-paciente, bom relacionamento com a mente terão suas recompensas.
equipe multidisciplinar e bons resul-

413
CAPITULO 43 Como Escolher a sua Residência Médica

SOBRE O AUTOR

Dr. Nilton Ghiotti de Siqueira é:

Médico pela Faculdade de Medicina de Campos (FMC), fez sua residência médica em
cirurgia geral pelo Hospital Orêncio de Freitas (Inanps)/RJ com habilitação em cirur-
gia oncológica pelo Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC) e mestrado em Medicina
e Saúde pela Universidade Federal da Bahia (Ufba). É doutor em biologia de agentes
infecciosos e parasitários da Universidade Federal do Pará (Ufpa). Atualmente é pro-
fessor adjunto da disciplina de cirurgia geral da Universidade Federal do Acre (Ufac)
e cirurgião geral da Fundação Hospital Estadual do Acre (Fundhacre). Membro titular
do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC) e da Sociedade Brasileira de Videocirurgia
(Sobracil). Membro fundador da Academia Acreana de Medicina.

REFERÊNCIAS

1. Rutkow, Ira M. História da Cirurgia. In: Sabiston Tratado de Cirurgia: As Bases Biológicas da
Prática Cirúrgica Moderna. 16ª ed. Ed. Guanabara-Koogan. Rio de Janeiro. 2002.
2. Thorwald, Jürgen. O século dos cirurgiões. Ed. Hemus S/A. 2002.
3. Marques, Ruy Garcia. Cirurgia – Arte e Ciência. In: Técnica Operatória e Cirurgia Experimental.
Ed., Guanabara-Koogan. Rio de Janeiro. 2005.
4. SILVA, Alcino Lázaro da. Refl exões sobre perspectivas da pós-graduação.Acta Cir. Bras. [online].
Nov./Dec. 2005, vol.20, nº 6 [cited 06 December 2005], p.411-413. Disponível: <http://www.
scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-86502005000600002&lng=en&nrm=iso>.
ISSN 0102-8650.
5. Colégio Brasileiro de Cirurgiões – A história. Disponível em: <http://cbc.org.br/o-cbc/a-histo-
ria/>. Acesso em: 11 ago. 2012.
6. Comissão Nacional de Residência Médica. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/dmdocu-
ments/resolucao02_200 6.pdf>. Acesso em: 28 set. 2013.
7. Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos. Disponível em: <http://www.abto.org.br/
abtov03/Upload/file/RBT/2013/ParcialRBT-3TRI(1).pdf>. Acesso em: 28 set. 2012.
8. Comissão Nacional de Residência. Disponível em: <http://mecsrv04.mec.gov.br/sesu/SIST_
CNRM/APPS/inst_especialidades.asp>. Acesso em: 28 set. 2013.

414
CIRURGIA
CARDIOVASCULAR “

Dr. Pompilio Sampaio Britto
É infinitamente melhor transplantar um coração
do que enterrá-lo para ser devorado por vermes.

Christiaan Barnard

E Em 1882, Theodor Billroth, renoma-


do cirurgião, comentou que a realiza-
ção de pericardiectomia equivaleria a
um ato de prostituição em cirurgia ou
frivolidade cirúrgica, afirmando no ano
especialidade. No Brasil, esse marco foi
presenciado e desenvolvido sobretudo
pelo Dr. E. J. Zerbini, quem deu origem
a cirurgia cardíaca brasileira. A partir
dele surgiram os grandes nomes da es-
seguinte que todo cirurgião que tentas- pecialidade no país como, por exemplo,
se suturar uma ferida cardíaca deveria o Dr. Adib Jatene cuja fama o precede,
perder o respeito de seus colegas. Não inclusive pela criação da técnica ope-
demorou muito para que Ludwig Rehn, ratória para a correção da transposição
em 1896, obtivesse êxito ao suturar um das grandes artérias (TGA): operação de
ferimento de ventrículo direito1. Jatene, ou também conhecida mundial-
A cirurgia cardíaca é relativamente mente como Double Switch.
nova, comparada a outras especialida-
des cirúrgicas. Até meados do século DEFINIÇÃO
XX, apenas correções extracardíacas e
vasculares eram possíveis, como a do As especialidades cirurgia cardíaca,
Dr. Alfred Blalock em 1944, para corre- cardiovascular ou cardiotorácica atuam
ção paliativa para a Tetralogia de Fallot2. no coração e nos grandes vasos: artérias
Com o advento da circulação extracor- aorta, pulmonar, carótidas e veias cavas
pórea, desenvolvida Gibbon em 1953, e pulmonares. A diferença entre elas se
a cirurgia “a céu aberto” pôde se tornar faz no tipo de formação, respeitando as
realidade, possibilitando assim a reali- normativas de cada país. Nos EUA por
zação de inúmeros procedimentos na exemplo, a formação tradicional do ci-
CAPITULO 44 Como Escolher a sua Residência Médica

rurgião cardiotorácico se dá em anos interatrial, interventricular, drenagem


dois a três após a residência de cirurgia anômala das veias pulmonares, persis-
geral. No último ano, o residente opta tencia de canal arterial, coarctação de
por seguir o caminho para cirurgia cardí- aorta, anomalia de Ebstein, dentre ou-
aca, ou para cirurgia torácica. No Brasil, tras). Os procedimentos podem ser pa-
a formação do cirurgião cardiovascular liativos, quando não se corrige o defeito,
é realizada em quatro anos, sob acesso mas se cria outro para haver compensa-
direto (em centros credenciados à Socie- ção temporária, ou definitivos quando
dade Brasileira de Cirurgia Cardiovascu- se corrige o defeito em uma única abor-
lar - SBCCV) ou após a residência de Ci- dagem cirúrgica.
rurgia Geral (modelo MEC). Atualmente,
a cirurgia torácica brasileira é considera- ADQUIRIDA
da outra especialidade. A Cirurgia Vascu-
lar que também está a parte, fica respon- A cirurgia cardíaca adulta visa tratar
sável pelos médios e pequenos vasos. basicamente as cardiopatias e aortopa-
Devido a concorrência da cirurgia tias adquiridas: doença isquêmica do
vascular e torácica, alguns procedimen- coração (coronariopatias e complica-
tos como endarterectomia de carótidas, ções pós-infarto); valvulopatias; aneu-
aneurismas de aorta descendente e tu- rismas e dissecções da aorta; distúrbios
mores de mediastino são realizados por de condução elétrica; traumas; tumores;
mais de uma das especialidades. transplante e assistência circulatória
mecânica. Entretanto, um adulto pode
ÁREA DE ATUAÇÃO cursar com cardiopatias congênitas.
A rotina de uma equipe de cirur-
As patologias tratadas pela cirurgia gia cardíaca adulta é realizar, em sua
cardiovascular podem ser divididas em maioria, o procedimento de revascula-
dois grandes grupos: congênita e adqui- rização miocárdica (RM), normalmente
rida. envolvendo o enxerto mais “nobre”: a
artéria mamária esquerda para a artéria
CONGÊNITA coronária descendente anterior. Muitos
afirmam que é por isso que o cirurgião
A cirurgia cardíaca congênita, ou cardíaco ainda tem emprego. Em me-
também chamada erroneamente pedi- nor frequência que o primeiro procedi-
átrica (já que um adulto também pode mento, porém bem expressivo, estão as
ter uma patologia congênita), cuida das cirurgias valvares aórtica e mitral, prin-
patologias cianogênicas (TGA, tetralogia cipalmente em países em desenvolvi-
de Fallot, truncus arteriosus, estenose mento, onde a febre reumática ainda é
de artéria pulmonar dentre outras) e das prevalente. Os aneurismas e dissecções
patologias acianogênicas (comunicação da aorta, correções de comunicação

416
Cirurgia Cardiovascular CAPITULO 44

interatrial (CIA) e plastia da Valva Tricús- Em centros universitários, o residen-


pide respondem por uma pequena par- te tem uma formação mais acadêmica,
cela do cotidiano de uma equipe. Aliás, por vezes com menos experiência cirúr-
excluindo-se os transplantes cardíacos, gica. Já em serviços essencialmente as-
as dissecções da Aorta ascendente são sistenciais, ele acaba por ter uma maior
as únicas patologias emergenciais des- vivência de rotina e habilidades manu-
sa especialidade, que necessitam de ais, em detrimento de um conhecimen-
operação imediata. No Brasil, 80% dos to teórico mais aprimorado. Uma verda-
transplantes cardíacos são realizados de que é conhecida pelos residentes da
por apenas 3 instituições, o que mostra especialidade é que, independente da
que ainda precisa ser melhor difundido. característica do serviço, não se termina
a formação com um grande número de
A RESIDÊNCIA procedimentos como cirurgião princi-
pal. Existem hipóteses para tentar expli-
O acesso à residência de cirurgia car- car o porquê.
diovascular por ser feito de duas manei- Complexidade dos procedimentos:
ras: após a residência de cirurgia geral, normalmente o desfecho de uma con-
se o programa for vinculado ao MEC, duta errada na especialidade é morte do
ou acesso direto, se o estágio for reco- paciente. Por isso, os casos para a atua-
nhecido pela SBCCV. Uma grande dúvi- ção do residente no “tempo principal”
da é fazer ou não cirurgia geral antes. É são bem selecionados.
aconselhável àqueles que não tiveram, Reserva de mercado: muitos cirurgi-
ou tiveram pouca vivência prática em ões mais antigos acreditam que se o re-
cirurgia durante o curso de medicina, sidente sair com formação completa, ele
entrar na residência de cirurgia geral será um concorrente ou será difícil fazer
primeiramente. Se nota diferença entre uma proposta para mantê-lo como ci-
os residentes que tiveram experiência rurgião assistente (staff), normalmente a
cirúrgica prévia, seja durante a faculda- valores abaixo do mercado pagos a um
de ou pós-graduação. recém-formado da especialidade, com-
Independente do caminho traçado parados a grupos sem residentes.
para chegar à especialidade, se passou Essa referência da divisão de tarefas
ou não pela cirurgia geral, a residência entre os residentes diz respeito a um
em cirurgia cardiovascular no Brasil é único serviço, do qual fiz parte:
feita em quatro anos. A forma de aqui- A carga horária da residência varia
sição de experiência é bem variada, pois de acordo com o numero de cirurgias
não existe uma normativa, nem sistema programadas para o dia, a escala de
de cobrança, do MEC ou da SBCCV que plantão na unidade de terapia intensiva
estipule as metas a serem cumpridas em (UTI) e sobreaviso. Quanto mais novo o
cada ano. residente, mais cedo ele chega e mais

417
CAPITULO 44 Como Escolher a sua Residência Médica

tarde ele sairá do hospital. A rotina de pressão arterial invasiva, acesso venoso
cirurgias começa por volta das 6:40 da periférico, central e cateter para hemodi-
manhã e termina com a estabilização do álise (se necessário), sondagem vesical,
ultimo paciente, já na UTI, muitas vezes cuidados com assepsia e antissepsia e
tarde da noite. Durante a semana, os re- síntese de feridas operatórias. Ao longo
sidentes do primeiro e segundo ano re- do ano, ele aprende a realizar safenecto-
alizam um plantao noturno, onde ficam mias e recebe alguns “incentivos”, como
responsáveis pelos pacientes operados realizar uma esternotomia mediana (ser-
no dia e por intercorrências cirúrgicas rar o osso esterno) e esternorrafia (pas-
nos demais pacientes. Os residentes do sar fios de aço no esterno). No pós-ope-
terceiro e quarto ano ficam de sobrea- ratório, ele deve acompanhar o paciente
viso uma noite para complicações de à UTI cardiológica ou unidade coronaria-
maior complexidade, que não podem na juntamente com o anestesiologista,
ser resolvidas pelos MR1 e/ou MR2. Nos reportar o caso, intercorrências e reco-
fins de semana e feriados, uma equipe, mendações da equipe cirúrgica ao plan-
composta por um residente de cada tonista e equipe local. O residente nova-
ano e um cirurgião assistente, responde to também tem vivência no manejo do
pelo sobreaviso cirúrgico de todos os pós-operatório imediato cardiovascular:
pacientes. checar e manejo dos dados vitais; hemo-
A hierarquia entre os residentes é dinâmica do paciente; balanço hídrico;
bem presente no ambiente da especia- drogas vasoativas; ventilação mecânica;
lidade. A punição em caso de desacato equilíbrio acido-base; distúrbios hidro-
de um residente (desobediência, atra- eletrolíticos; sangramento e arritmias.
sos, ineficiência etc.) é bem simples: não O MR1 acompanha interconsultas clini-
realiza o procedimento destinado a ele. co-cirurgicas com residentes mais ex-
perientes: avaliação e manejo de feridas
O PRIMEIRO ANO operatórias, complicações respiratórias
cirúrgicas tais como pneumotórax, der-
Envolve muito mais o aprendizado rame pleural; deiscência esternal, novos
nos cuidados peri-operatórios da cirur- acessos, dentre outros).
gia cardiovascular do que no ato cirúr-
gico em si. O residente do primeiro ano O SEGUNDO ANO
deve checar os exames pré-operatórios,
conhecer a patologia e proposta cirúr- Para muitos, considerado o mais difí-
gica antes do paciente entrar na sala de cil pois, além de aprender etapas novas,
cirurgia. Deve montar o material ade- tem que ensinar e supervisionar os resi-
quado para monitorização e acessos dentes novatos.
vasculares. Ele então desenvolve expe- O residente do segundo ano reforça
riência em punção da artéria radial para o que aprendeu no primeiro ano, adqui-

418
Cirurgia Cardiovascular CAPITULO 44

re maior habilidade em safenectomias, advento da hemodinâmica, angioplas-


esternotomias e esternorrafias, inicia tias, stents, etc. Porém, a especialidade
dissecações de artérias radiais quando tem retomado força com resultados ex-
necessário. No final do ano, ele começa pressivos de muitos estudos de grande
paulatinamente a dissecação da artéria porte (revascularização miocárdica ci-
mamária esquerda, canulação para cir- rúrgica x percutânea), e com inovações
culação extracorpórea (CEC). como, cirurgias minimamente invasivas,
endopróteses para a Artéria Aorta, Im-
O TERCEIRO ANO plantação de Valva Aórtica Transcateter
(TAVI), dentre outras.
O ano da mudança! Vindo de um se- Um residente recém-formado in-
gundo ano, por vezes pouco produtivo, sere-se em uma equipe já formada, ou
o terceiro ano oferece um aprendizado se torna assistente no serviço que o
mais intenso, pois o residente passa boa treinou. Raramente, ele montará o seu
parte do ato cirúrgico como o principal. próprio serviço diretamente. As propos-
Esternotomia mediana, dissecação de tas de trabalho e salário variam muito:
A. Mamária, pericardiotomia, canulação serviços em cidades maiores e com cen-
para CEC, revisão da hemostasia e ester- tro formador tendem a oferecer valores
norrafia passam a ser rotina. A responsa- menores. É a lei da oferta e procura. A
bilidade também aumenta. melhor proposta é a que se propõe so-
ciedade no grupo (o lucro é repartido
O QUARTO ANO mesmo que em proporções diferentes),
recebendo entre 20-40 mil reais já no 1º
Até pouco tempo atrás, a residência ano de atuação. Mas existem propostas
era de apenas três anos. O quarto ano (indecentes) de 3 mil reais de salário
foi instituído pelo MEC juntamente com mais um “day-off”, para o cirurgião com-
a SBCCV com o intuito de aprimorar a plementar sua renda. Tudo depende da
experiência adquirida no ano anterior disposição do cirurgião em aliar o lado
e realizar um maior numero de procedi- profissional com o pessoal.
mentos como cirurgião principal, dando
maior maturidade ao novo cirurgião. Por A EVOLUÇÃO DA CIRURGIA
muitos, é considerado uma manobra CARDIOVASCULAR
para manter o residente como mão de
obra barata. Como toda especialidade, a cirurgia
cardíaca também passa por mudanças
O MERCADO DE TRABALHO e visando diminuir a morbi-mortalidade
dos seus procedimentos. Segue os prin-
Muitos falam que a cirurgia cardio- cipais caminhos dessa transformação.
vascular está fadada à instinçao, com o

419
CAPITULO 44 Como Escolher a sua Residência Médica

A CIRURGIA CARDÍACA des incisões tóraco-abdominais, as


MINIMAMENTE INVASIVA quais elevavam a morbimortalidade dos
pacientes. Com o desenvolvimento das
Em casos selecionados, alguns pro- endopróteses aórticas, tubos sintéticos
cedimentos já podem ser realizados que são introduzidos percutaneamente
com auxilio de vídeo ou robótica. cirur- para dentro da aorta, as cirurgias con-
gias da valva mitral (troca ou plastia) são vencionais não mais são necessárias.
os procedimentos melhores adaptados Estas ainda são utilizadas para as pato-
a esse segmento. Pequenos orifícios são logias da aorta ascendente.
feitos para fixação de afastadores, passa-
gem da óptica do vídeo e instrumentais. IMPLANTE DE VALVA AÓRTICA
Apenas uma incisão intercostal de apro- TRANSCATETER (EM INGLÊS, TAVI)
ximadamente 5cm (port access) é feita
para manipulação do instrumental e da Para casos de estenose da valva aór-
prótese valvar, quando necessário. Essa tica, em pacientes com alto grau de in-
técnica diminui o tempo de recuperação suficiência cardíaca que possivelmente
do paciente, bem como o seu tempo de não sobreviveriam a uma cirurgia car-
internação hospitalar. Normalmente, díaca convencional, existe essa técnica
de sete dias com a técnica convencio- inovadora de implante da prótese val-
nal e quatro dias com a minimamente var. O acesso pode ser feito pela artéria
invasiva. A cirurgia cardíaca robótica é femoral (transcateter), por uma peque-
uma realidade, mas não rotina, nos pa- na incisão intercostal esquerda ao nível
íses desenvolvidos. No Brasil, somente do íctus cordis (transapical) ou, ao nível
um hospital faz uso dessa tecnologia. O do segundo espaço intercostal (tran-
custo elevado impede o avanço por esse saórtico). A prótese é comprimida e
caminho. guiada por um cateter até a posição da
valva aórtica nativa e então insuflada,
AS ENDOPRÓTESES AÓRTICAS fixando-se na parede do grande vaso.
Somente casos selecionados recebem
Antigamente, para se corrigir um esse tratamento, por falta de estudos
aneurisma ou dissecção da aorta des- que comprovem a sua eficácia a longo
cendente era necessário realizar gran- prazo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

Como toda especialidade, a cirurgia dos seus procedimentos. Segue os prin-


cardíaca também passa por mudanças cipais caminhos dessa transformação:
e visando diminuir a morbimortalidade

420
Cirurgia Cardiovascular CAPITULO 44

• A cirurgia cardíaca minimamente ma ou dissecção da aorta descen-


invasiva: em casos selecionados, al- dente era necessário realizar grandes
guns procedimentos já podem ser incisões tóraco-abdominais, as quais
realizados com auxilio de vídeo ou elevavam a morbimortalidade dos
robótica. Cirurgias da valva mitral pacientes. Com o desenvolvimen-
(troca ou plastia) são os procedimen- to das endopróteses aórticas, tubos
tos melhores adaptados a esse seg- sintéticos que são introduzidos per-
mento. Pequenos orifícios são feitos cutaneamente para dentro da aorta,
para fixacão de afastadores, passa- as cirurgias convencionais não mais
gem da óptica do vídeo e instrumen- são necessárias em alguns casos. Tavi
tais. Apenas uma incisão intercostal para casos de estenose da valva aór-
de aproximadamente 5cm (port ac- tica, em pacientes com alto grau de
cess) é feita para manipulação do ins- insuficiência cardíaca que possivel-
trumental e da prótese valvar, quan- mente não sobreviveriam a uma ci-
do necessário. Essa técnica diminui o rurgia cardíaca convencional, existe
tempo de recuperação do paciente, essa técnica inovadora de implante
bem como o seu tempo de interna- da prótese valvar. O acesso pode ser
ção hospitalar. Normalmente de sete feito pela artéria femoral (transca-
dias com a técnica convencional e teter), por uma pequena incisão in-
quatro dias com a minimamente tercostal esquerda ao nível do íctus
invasiva. A cirurgia cardíaca robóti- cordis (transapical) ou, ao nível do
ca é uma realidade, mas não rotina, segundo espaço intercostal. Esses
nos países desenvolvidos. No Brasil, são alguns dos exemplos de como
somente um hospital faz uso dessa a especialidade se tornou mais tec-
tecnologia. O custo elevado impede nológica e menos invasiva seguindo
o avanço por esse caminho. a tendência de procedimentos cada
• As endopróteses aórticas: antiga- vez mais efetivos e de morbidade re-
mente, para se corrigir um aneuris- duzida.

SOBRE O AUTOR

Dr. Pompilio Sampaio Britto é:

Médico pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) e residente do terceiro ano em


cirurgia cardiovascular no Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo (BPSP) na
equipe do Prof. Dr. Noedir Stolf.

421
CAPITULO 44 Como Escolher a sua Residência Médica

REFERÊNCIAS

1. Braile e col. Historia da cirurgia cardiaca. Arq bras cardiol. Volume 66, nº 1, 1996.
2. Filme: Quase Deuses. Original: Something the Lord made. Eua. 2006.
3. Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular.
4. Ministerio da Educaçao e Cultura.

422
CIRURGIA DE CABEÇA
E PESCOÇO


Dr. Marcelo Belli
Dr. Gustavo Nunes Bento “
A extirpação da glândula tireóide no tratamento
do bócio tipifica, talvez, melhor do que
qualquer outra operação, o triunfo
supremo da arte do cirurgião.

T
William Stewart Hausted

Trata das doenças e tumores que aco- culo XIX e XX. Dentre os principais estão
metem a região da face; fossas nasais; os seguintes:
seios paranasais; boca; faringe; laringe; • Christian Albert Theodor Billroth
tireóide; paratireóides; glândulas saliva- (1829-1894): cirurgião alemão, am-
res; dos tecidos moles do pescoço e do plamente conhecido pelas cirurgias
couro cabeludo. Atua de forma comple- abdominais, realizou a primeira la-
mentar a otorrinolaringologia, cirurgia ringectomia total com sucesso, em
bucomaxilofacial, e a oftalmologiaten- 1873. Teve grande influência nas
do, no entanto, vocação oncológica. operações da glândula tireóide, re-
Não abrange os tumores ou doenças do duzindo a taxa de mortalidade de 40
cérebro e outras áreas do sistema nervo- para 8,3% no final do século XIX;
so central nem as da coluna cervical. • Emil Theodor Kocher (1841-1917):
discípulo de Billroth, recebeu o pri-
HISTÓRICO meiro Prêmio Nobel da Medicina
concedido a um cirurgião, em 1909.
A história da cirurgia, em si, se con- Foi responsável pela padronização
funde, com a da especialidade, a partir da cirurgia da tireóide e por estudos
do desenvolvimento das técnicas e do paralelos nas áreas de patologia e
conhecimento anatômico obtido com a fisiologia da glândula. Seus estudos
experiência de grandes cirurgiões do sé- e sua técnica meticulosa possibilita-
CAPITULO 45 Como Escolher a sua Residência Médica

ram a redução das complicações e poentes dois hospitais americanos: Me-


da mortalidade pós-operatórias para morial Sloan-Kettering Cancer Center e
0,5%. Acumulou experiência de mais M.D. Anderson Cancer Center. Ambos
de 5000 tireoidectomias, conforme foram responsáveis por grande parte da
apresentado meses antes da sua difusão dos conceitos da especialidade
morte, em 1917. É conhecido como o e pela vanguarda na assistência oncoló-
pai das cirurgias da tireóide; gica e pesquisa.
• William Stewart Hausted (1852- No Brasil, foi reconhecida oficialmen-
1922): cirurgião americano, famoso te como especialidade pela Associação
pela introdução das luvas estéreis de Médica Brasileira (AMB), em 1980. O
latex (1889) e pelas mastectomias ra- primeiro programa oficial de residência
dicais. Publicou trabalho memorável médica homologado pelo Ministério da
em 1920 sobre as operações da tire- Educação (MEC) data de 09/1982.
óide, onde exaltou a técnica dos seus
mestres (Kocher e Billroth). Grande O ESPECIALISTA E A SUA ROTINA
responsável pela consolidação e di-
fusão da técnica das tireoidectomias Dentre as atividades do especialista
nos EUA; estão as cirurgias da glândula tireóide
• George W. Crile (1864-1943): des- e paratireóides, glândulas salivares (pa-
creveu, em 1905/1906, as primeiras rotidectomias por ex.), cistos branquiais
operações “em bloco” para câncer e do ducto tireoglosso, malformações
de cabeça e pescoço, seguindo os cervicofaciais, tumores de pele, tumo-
conceitos empregados por Hausted res malignos do trato aerodigestivo alto
nas cirurgias de câncer de mama, (boca, orofaringe, laringe, hipofaringe),
nos quais eram realizadas linfade- tumores dos seios paranasais e da base
nectomias radicais no mesmo ato do crânio.
da ressecção do tumor primário (ex: Dentre as operações rotineiras do
tumor de boca) Sua técnica de esva- especialista, o esvaziamento cervical
ziamento cervical, logo conhecido (neck dissection) representa da maneira
como radical clássico ou de Crile, ain- mais completa, os elementos da espe-
da é utilizada em casos selecionados. cialidade. Exprime a precisão, delicade-
O conceito de excisão do câncer em za e conhecimento da anatomia e dos
conjunto com as cadeias linfonodais princípios oncológicos necessários ao
dos tumores revolucionou a cance- tratamento do paciente com câncer de
rologia cirúrgica. cabeça e pescoço.
Habilidade cirúrgica, perfeccionis-
Especialidade cirúrgica normatizada mo, conhecimento oncológico e da ana-
em 1957 pelo Dr. Hayes Martin, a cirur- tomia topográfica, são virtudes essen-
gia de cabeça e pescoço teve como ex- ciais ao cirurgião de cabeça e pescoço.

424
Cirurgia de Cabeça e Pescoço CAPITULO 45

ROTINA AMBULATORIAL – média de 1h) e a variabilidade, que tor-


nam a cirurgia muito prazerosa do pon-
Trata-se de uma especialidade es- to de vista técnico. São consideradas “o
sencialmente cirúrgica e com ênfase em ganha-pão” do especialista e, devido ao
oncologia. Por esses motivos, no consul- aumento da incidência dos tumores ti-
tório predominarão, salvo em algumas reoidianos nas últimas quatro décadas,
exceções, as avaliações de pacientes en- tenderão a se manter nessa crescente
caminhados com possível indicação ci- pelos próximos anos.
rúrgica, casos de dúvida diagnóstica, ou Os demais 30-40% procedimentos
para opinião terapêutica. Essas caracte- se dividem entre patologias benignas
rísticas tornam o ambulatório algo prá- e oncologia cirúrgia da cabeça e pes-
tico do ponto de vista clínico. O foco do coço. São frequentes as operações das
cirurgião ficará voltado ao exame topo- glândulas salivares, como as cirurgias
gráfico completo, rotinas diagnósticas, da parótida e submandibulares. Por se
estadiamento, orientações em relação tratarem de cirurgias delicadas e tec-
ao tratamento em si e ao seguimento nicamente exigentes, demandam co-
oncológico. nhecimento anatômico e treinamento,
São comuns as solicitações para ava- uma vez que as sequelas decorrentes de
liação de linfonodomegalia cervical, que lesões de ramos nervosos, mesmo que
nos casos selecionados poderão ter in- somente por manipulação durante dis-
dicação de biópsia de gânglio linfático secção cuidadosa, podem gerar grande
do pescoço. desconforto estético e funcional aos pa-
cientes.
ROTINA CIRÚRGICA Operações compostas para tumores
de cavidade oral e orofaringe (glossec-
Cerca de 60-70% das cirurgias reali- tomias com mandibulectomia e esva-
zadas pelo especialista são tireoidecto- ziamentos cervicais), assim como opera-
mias, que podem ser totais ou parciais e, ções totais e parciais da laringe também
com ou sem esvaziamento cervical. São são frequentes. Podem ser operações
operações delicadas e que exigem téc- longas e desgastantes, porém gratifi-
nica apurada de disseção e hemostasia. cantes quanto à técnica e aos resultados.
Complicações possíveis são: paralisia de Habilidade na reconstrução dos defei-
prega vocal por lesão do nervo laríngeo tos também é exigida, uma vez que na
inferior, hipoparatireoidismo por ressec- maioria dos hospitais públicos do Brasil
ção inadvertida de uma ou mais glân- não há cirurgiões plásticos em número
dulas paratireóides, hematoma cervical suficiente para atender toda a demanda.
com risco de compressão de via aérea Cirurgias para exérese de cistos e
superior. Tem como vantagens a rapidez anomalias congênitas, como cisto bran-
(podem demorar de 45 min até 3 horas quial de segunda fenda e cisto do duc-

425
CAPITULO 45 Como Escolher a sua Residência Médica

to tireoglosso, também são comuns na de experiência dos patologistas com


prática. a citologia, houve progressivo aumen-
to de sensibilidade e especificidade do
PROCEDIMENTOS DIAGNÓSTICOS método nas últimas décadas. Faz parte
do work-up dos nódulos tireoidianos
Videolaringoscopia: procedimento maiores ou suspeitos ao ultrassom (em
ambulatorial sem necessidade de anes- geral os acima de 1,0 cm), sendo capaz
tesia ou sedação. Não exige treinamen- de orientar a conduta cirúrgica sem a
to formal ou curso, porém é recomen- necessidade de realização de biópsias
dável experiência prévia, especialmente incisionais (proscritas na prática atual).
para realização de biópsias com auxilio O treinamento para realização das
de pinças próprias para a finalidade. O punções e preparo das lâminas é, em
exame endoscópico da orofaringe, la- geral, adquirido em cursos específicos.
ringe, e hipofaringe é considerado por Alguns programas de residência na es-
vezes parte do exame físico topográfico pecialidade contemplam a realização de
da especialidade, sendo recomendado Paafs sob supervisão, porém são mais
para todos os pacientes pelo menos na comumente efetuadas pelas disciplinas
primeira visita ao especialista. Tem im- de endocrinologia e patologia, com ou
portância tanto na avaliação do pacien- sem a participação de radiologista para
te com câncer do trato aerodigestivo guiar as punções.
alto, como também na avaliação pré e Por se tratar de um procedimento
pós-operatórias do paciente candidato com grande demanda, em virtude da
a tireoidectomia (avaliação da mobilida- frequência crescente de nódulos ti-
de das pregas vocais). reoidianos na população e maior vigor
Podem ser realizadas através de en- investigativo dos médicos envolvidos,
doscópio rígido ou flexível. Neste últi- pode se tornar uma interessante opção
mo, é possível boa visualização da ca- para diversificação das atividades não
vidade nasal e da nasofaringe, além da cirúrgicas do especialista.
possibilidade de realização de biópsias
por canal próprio presente em alguns MERCADO DE TRABALHO
aparelhos. Além da videolaringoscopia
convencional, é possível, com auxilio de Não existe recomendação formal
aparato específico, a realização de vi- pela Sociedade Brasileira Cirurgia Cabe-
deoestroboscopia laríngea. ça e Pescoço (SBBCP), mas acredita-se
Punção aspirativa por agulha fina que dever-se-ia buscar uma relação de
(Paaf): Importante ferramenta diagnós- 1 especialista para cada 100.000 habi-
tica empregada na investigação de nó- tantes.
dulos e massas cervicais. Com o aprimo- Dois fatos são essenciais para definir
ramento da técnica de punção e ganho o campo de trabalho:

426
Cirurgia de Cabeça e Pescoço CAPITULO 45

• Existe carência de profissionais em REMUNERAÇÃO


quase todas as regiões metropoli-
tanas, com exceção da grande São Uma remuneração justa está direta-
Paulo, que concentra quase 40% dos mente ligada à quantidade de especialis-
cirurgiões ativos na SBCCP (561 no tas presentes em sua região, assim como
total); o perfil socieconômico local. Os convê-
• Nos municípios de médio e peque- nios médicos nas grandes cidades ten-
no porte, os procedimentos mais dem a remunerar mal pelas cirurgias (ti-
comuns do especialista são usual- reoidectomias), sendo frequentes o uso
mente realizados por cirurgião geral, de redutores das tabelas Classificação
e menos comumente por cirurgião Brasileira Hierarquizada de Procedimen-
torácico ou oncológico. tos Médicos (CBHPM). Quanto mais raro
encontrar especialista que se submeta a
Essas características certamente são estes abusos, melhor a remuneração ofe-
atrativas ao candidato, uma vez que fa- recida. É possível realizar bons acordos
cilitam a inclusão do especialista recém- com as operadoras e, em alguns casos,
-formado em diversas regiões do país, realizar operações por reembolso (pa-
em especial nos centros de médio porte ciente paga os honorários da equipe mé-
e hospitais regionais. dica e realiza cobrança do plano após),
Cidades de pequeno porte (menos com remuneração mais justa.
de 100.000 habitantes) podem não Existe espaço interessante para as
comportar um cirurgião com atividade operações particulares, especialmente
exclusiva na especialidade, sendo co- as cirurgias da tireóide por câncer e bióp-
mum a necessidade de atuação como sias de gânglios cervicais para diagnósti-
cirurgião geral e realização de plantões co. São operações rápidas, com poucas
para complementação da renda. complicações (quando realizadas por
Devido ao perfil oncológico da es- especialista) e com estadia hospitalar
pecialidade, torna-se necessária uma curta (maior parte recebem alta no pri-
infraestrutura hospitalar adequada às meiro ou segundo dia pós-operatório).
operações de médio e grande portes Lembre-se que outros cirurgiões não es-
(glossectomias com mandibulectomia pecialistas podem realizar boa parte das
e esvaziamentos cervicais), com suporte operações mais simples, mas tendem a
de unidade de terapia intensiva (UTI) à encaminhar os pacientes difíceis e, será
disposição. Presença de outros profis- uma questão breve de tempo até o es-
sionais envolvidos no tratamento onco- pecialista tornar-se referência e receber
lógico também é fundamental. os encaminhamentos. Bom relaciona-

427
CAPITULO 45 Como Escolher a sua Residência Médica

mento com clínicos, endocrinologistas, e carga horária semanal de 60h. Tem como
oncologistas é essencial. pré-requisito residência em cirurgia ge-
Há a possibilidade de complemen- ral por dois anos. O MEC não admite re-
tar os ganhos com exames diagnósticos sidência em otorrinolaringologia (ORL)
ambulatoriais, como a videolaringos- como pré-requisito, embora alguns ser-
copia e as Paafs (punção aspirativa por viços ofereçam a opção de estágio em
agulha fina) guiadas por ultrassonogra- serviço credenciado, a partir da ORL.
fia (USG), desde que realizado o correto Existem no Brasil 32 centros forma-
treinamento prévio. dores habilitados pelo MEC e pela SBC-
CP, havendo concentração nas grandes
INTERAÇÃO COM OUTRAS cidades, em especial São Paulo/SP. Os
ESPECIALIDADES hospitais com maior tradição formadora
na especialidade oferecem até cinco va-
São frequentes os encaminhamen- gas anuais (HC-Fmusp/Icesp) e, com ex-
tos de pacientes investigados, que pro- ceção dos programas mais concorridos,
curam o cirurgião já com indicação de são comuns vagas não preenchidas por
tireoidectomia. Como não existe pronto candidatos, mesmo em instituições de
atendimento na especialidade, a indi- renome.
cação deverá partir de outro colega ou
eventualmente da própria operadora de ROTINA DO MÉDICO RESIDENTE
saúde suplementar.
O maior parceiro clínico do cirurgião, Ao final da residência na especiali-
no que concernem as patologias da ti- dade, o cirurgião deve estar habilitado
reóide, são os endocrinologistas. O rela- a realizar desde procedimentos mais
cionamento próximo com a especialida- comuns, como tireoidectomias e esva-
de é de vital importância nas tomadas ziamentos cervicais, até procedimentos
de decisão para os pacientes com neo- oncológicos complexos (muitos deles
plasia tireoidiana. com reconstrução) e cirurgias da base do
Na abordagem do paciente com cân- crânio.
cer de cabeça e pescoço, é importante As atividades durante os dois anos de
a interação com outras disciplinas médi- residência variam conforme o serviço/
cas (oncologia, radioterapia, patologia e hospital. Em linhas gerais, o residente
radiologia) e não médicas (fonoaudiolo- do primeiro ano (R3) é responsável pe-
gia, fisioterapia, e enfermagem). las rotinas de enfermaria (pré e pós-ope-
ratório), sobreaviso das operações de
A RESIDÊNCIA urgência (traqueostomias e abscessos
cervicais, por ex.), operações com anes-
A residência em cirurgia de cabeça e tesia local (tumores de pele e biópsias),
pescoço tem duração de dois anos, com e operações de pequeno e médio porte,

428
Cirurgia de Cabeça e Pescoço CAPITULO 45

como tireoidectomias e parotidecto- a programação de aulas e seminários.


mias, assim como operações dos cistos Não existe um padrão único, apesar de
e fístulas congênitas do pescoço. haver recomendações da SBBCP e do
Durante o segundo ano (R4), o mé- MEC em relação ao conteúdo mínimo a
dico residente realizará uma miríade de ser ministrado nos dois anos.
procedimentos de médio e grande por- Reuniões clínicas também são im-
te, especialmente as operações compos- portantes, especialmente nos serviços
tas para tumores de cavidade oral, orofa- com ênfase em oncologia, onde o entro-
ringe e laringe, assim como as cirurgias samento entre as equipes é fator deter-
de base de crânio e paratireoidectomias. minante da qualidade da assistência ao
São comuns as operações longas, com paciente. O trabalho conjunto entre ra-
mais de 6-8h de duração (podem che- diologia, radio-oncologia, oncologia clí-
gar a 20h nas de base de crânio). O R4 nica, neurocirurgia, patologia e a cirur-
muitas vezes participa da reconstrução gia de cabeça e pescoço é fundamental.
dos defeitos com uso de retalhos locore-
gionais e enxertos. Reconstruções mais O PACIENTE
complexas (retalhos microcirúrgicos por
ex.) são usualmente realizadas em con- Pacientes com câncer do trato aero-
junto com cirurgião plástico especializa- digestivo alto, em especial o carcinoma
do nas técnicas reconstrutivas. epidermóide (tipo histológico mais co-
O ambulatório em cirurgia de cabe- mum), têm em comum os hábitos de
ça e pescoço (CCP) costuma demandar tabagismo e etilismo. Juntos, estes dois
tempo das equipes, devido ao grande são considerados fator de risco principal
número de pacientes nos serviços públi- em até 95% dos pacientes com câncer
cos. São comuns as filas para tratamento de boca, orofaringe, laringe e hipofarin-
das doenças benignas da tireóide e das ge, com exceção dos pacientes jovens,
glândulas salivares. Pacientes com ne- onde o human papiloma virus (HPV)
oplasia maligna têm prioridade no tra- atua como fator de risco em uma pro-
tamento e, mesmo no pós-operatório, porção mais significativa. Frequente-
envolvem equipes multidisciplinares e mente possuem nível de escolaridade
seguimento oncológico por longos pe- baixo e perfil socioeconômico de baixa
ríodos. renda, fatores que podem dificultar o
As atividades científicas são essen- pleno entendimento da terapêutica on-
ciais para o aprendizado da base teóri- cológica dentro da sua complexidade.
ca da especialidade, não devendo ser Doença pulmonar obstrutiva crônica e
negligenciadas. Cada serviço formador comorbidades associadas à faixa etária
tem seu próprio sistema para organizar (acima de 50 anos) são frequentes.

429
CAPITULO 45 Como Escolher a sua Residência Médica

ESCOLHA PELA RESIDÊNCIA osso temporal, por ex.) e são realizadas


NA ESPECIALIDADE usualmente em centros de referência.
Programas de residência em hos-
Alunos de medicina frequentemente pitais menores podem proporcionar
desconhecem as atividades do especia- o aprendizado satisfatório das opera-
lista. Este fato se deve, em parte, à rela- ções rotineiras da especialidade, mas
tiva escassez de profissionais nos hospi- frequentemente, deixam carências na-
tais de pequeno e médio porte. quelas áreas onde a estrutura de alta
Nos grandes centros e nos hospitais complexidade é essencial. Importante
universitários, é possível encontrar ser- lembrar que, dificilmente o cirurgião es-
viços bem estruturados em CCP, sendo pecialista, após término da residência,
estes os principais ”fornecedores” de irá sentir-se apto a realizar procedimen-
alunos interessados em prestar residên- tos os quais nunca teve oportunidade
cia na área. Uma vez em contato com a de realizar, mesmo como auxiliar. Está-
especialidade, o aluno com vocação ci- gios fora da instituição podem ajudar
rúrgica frequentemente se impressiona nessa questão, contudo, via de regra,
ao ver a execução de um esvaziamento são estágios observacionais que não
cervical, com todas as estruturas nobres oferecem experiência prática nos proce-
à mostra, antes vistas somente nos atlas dimentos. As cirurgias de base de crânio
de anatomia e durante dissecções em e as cirurgias de paratireóide tem essas
cadáver. características, sendo comum a defici-
ência de expertise do cirurgião nessas
COMO ESCOLHER O SERVIÇO DE áreas nas quais treinamento é essencial.
RESIDÊNCIA Estrutura ambulatorial adequada
conta pontos. Para o melhor aprendiza-
O candidato deve ter em mente que, do recomenda-se que os ambulatórios
por se tratar de apenas dois anos de re- sejam divididos por tipos ou áreas de
sidência, e devido à variabilidade das patologias (doenças benignas e malig-
operações e áreas de atuação da espe- nas da tireóide, doenças das paratire-
cialidade, toda a estrutura hospitalar óides, patologias laríngeas, cirurgia de
para alta complexidade torna-se essen- base de crânio e seios paranasais, doen-
cial para o aprendizado do médico resi- ças congênitas, etc.).
dente. Treinamento em videolaringoscopia
Algumas operações, como as de base rígida e flexivel é oferecido em parte dos
de crânio ou grandes cirurgias oncológi- programas de residência e, considera-se
cas, requerem equipe multidisciplinar importante para plena autonomia do
(neurocirurgião, cirurgião plástico habi- especialista, além de possível atividade
litado para microcirurgia e otorrinolarin- complementar com finalidade diagnós-
gologista habilitado para operações do

430
Cirurgia de Cabeça e Pescoço CAPITULO 45

tica, em clínicas especializadas ou no condução de casos clínicos em reuniões


próprio consultório. multidisciplinares.
Importante atentar para a presença Muitos hospitais oferecem possibili-
de supervisão constante, tanto ambula- dade de participação em pesquisas clíni-
torial quanto cirúrgica, no programa de cas durante a residência. Toda produção
residência onde o candidato pretende científica deve sem encorajada, porém
cursar. Procure se informar com residen- sem que haja prejuízo nas atividades de
tes egressos da instituição, e dê prefe- aprendizado do médico residente. Em
rência aos serviços onde a supervisão é alguns programas são exigidos Trabalho
plenamente exercida. de Conclusão de Curso (TCC) ou publi-
As atividades didáticas durante os cação de artigo científico em periódico.
dois anos são fundamentais para sedi- A possibilidade de pós-graduação (mes-
mentar o conhecimento teórico da es- trado ou doutorado) oferecidas pelas
pecialidade. A apresentação de seminá- instituições de ensino também deve ha-
rios e aulas fazem parte da maioria dos bitar o pensamento do candidato com
programas de residência, e ajudam a inclinação para pesquisa e o ensino, po-
preparar o futuro especialista para even- dendo pesar na decisão final.
tuais participações em congressos e na

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

A especialidade oferece boa oportu- de crânio, por ex.), desde que possua a
nidade de realização profissional, asso- estrutura hospitalar necessária.
ciando boa remuneração com possibili- Com exceção das cidades maiores,
dade de trabalho integral na sua área. O onde o mercado é saturado, predomi-
cirurgião que não goste das operações nam os especialistas que não trabalham
maiores (oncológicas) pode se dedicar em regime de plantão. Sobreaviso para
às operações da tireóide e outras de pe- urgências, em suporte ao pronto-socor-
queno e médio porte, sem prejuízo nos ro, é frequente. A quantidade de vezes
ganhos. Por outro lado, há a possibilida- com que o especialista é solicitado varia,
de do cirurgião com vocação oncológi- porém são relativamente menos acio-
ca de se dedicar às cirurgias de grande nados que outras especialidades como
porte e de se especializar em alguma urologia e cirurgia torácica.
subárea de interesse (cirurgia de base

431
CAPITULO 45 Como Escolher a sua Residência Médica

SOBRE OS AUTORES

Dr. Marcelo Belli é:

Médico pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), fez residência em cirur-
gia geral pelo Hospital Governador Celso Ramos em Florianópolis/SC e em cirurgia
de cabeça e pescoço no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Univer-
sidade de São Paulo (HC-Fmusp). É especialista pela Sociedade Brasileira de Cirurgia
de Cabeça e Pescoço (SBCCP). Realizou estágio em cirurgia de cabeça e pescoço no
MD Anderson Cancer Center. Atualmente, é aluno de doutorado na Fmusp.

Dr. Gustavo Nunes Bento é:

Médico pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), fez residência em cirur-
gia geral pelo Hospital Governador Celso Ramos em Florianópolis/SC e em cirurgia
de cabeça e pescoço no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Univer-
sidade de São Paulo (HC-Fmusp). É especialista pela Sociedade Brasileira de Cirurgia
de Cabeça e Pescoço (SBCCP). Fez estágio em cirurgia de cabeça e pescoço no Me-
morial Sloan Kettering Cancer Center (MSKCC). Chefia o serviço de cirurgia de ca-
beça e pescoço do Hospital Maternidade Marieta Konder Bornhausen em Itajaí/SC.

REFERÊNCIAS

1. Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e pescoço. Disponível em: <http://www.sbccp.org.


br>. Acesso em: 16 out. 2013.
2. Rutkow, Ira M. História da Cirurgia. In: Sabiston Tratado de Cirurgia: As Bases Biológicas da
Prática Cirúrgica Moderna. 16ª ed. Ed. Guanabara-Koogan. Rio de Janeiro. 2002.
3. Comissão Nacional de Residência. Disponível em: <http://mecsrv04.mec.gov.br/sesu/SIST_
CNRM/APPS/inst_especialidades.asp>. Acesso em: 14 set. 2013.
4. Cernea, Cláudio R; Brandão, Lenine G. Kocher e a história da tireoidectomia. Rev. Bras. Cir. Ca-
beça Pescoço, v. 37, nº 4, p. 240 - 243, outubro / novembro / dezembro 2008.

432
CIRURGIA DO
APARELHO DIGESTIVO “

Dr. Bernardo Fernandes Canedo
Seja um doador de órgãos e sangue.
Tudo o que custa é um pouco de amor.

Autor Desconhecido

A A cirurgia é uma das mais antigas


especialidades. Mesmo não sendo ca-
racterizada como uma especialidade na
medicina primitiva, muito dos tratamen-
tos eram cirúrgicos, incluindo fraturas,
rios inexplorados, que não deveriam ser
abertas. Os grandes hospitais america-
nos e ingleses da época faziam menos
cirurgia em um ano do que em dois a
três dias atuais. E três eram os fatores
controle de hemorragia e cuidados com limitantes: ausência do conhecimento
ferimentos. anatômico, dor e infecção.
No Antigo Egito encontra-se os pri- O Renascimento e a redescoberta
meiros relatos cirúrgicos. Os papiros do homem impulsionou o estudo da
encontrados mencionam, além de tra- anatomia. A partir do séc XVI dissecções
tamentos cirúrgicos, também clínicos, em cadáveres tornaram-se frequentes.
obstétricos e ginecológicos. De espe- Já a primeira intervenção cirúrgica so-
cial interesse para os futuros cirurgiões, bre anestesia geral (éter) oficial, data
Edwin Smith Papyrus, escrito em cerca de 1846, realizada pelo dentista William
de 1600 a.C, com relatos de 48 casos, na Morton. Na mesma década, o obstetra
maioria de cuidados com ferimentos. A húngaro Ignaz Semmelweis e o anato-
Índia antiga também fornece um rico mista americano Oliver Wendell Holmes
legado à medicina. Susruta Samhita, o demostraram que a infecção puerperal
primeiro cirurgião indiano (séc VI a.C), era proveniente das mãos dos médicos.
descreveu mais de 100 instrumentos ci- E que o simples lavar das mãos com so-
rúrgicos, dentre eles o bisturi. lução de cal clorado poderia evitá-la. Po-
Até o início do século XIX, as cavida- rém, coube a Joseph Lister, o papel de
des torácica e abdominal eram santuá- convencer a comunidade médica que a
CAPITULO 46 Como Escolher a sua Residência Médica

infecção de sítio cirúrgico era maléfica e pós-colestectomia vídeo-laparoscopica


poderia ser prevenida. é maior nos pacientes operados por ci-
Durante o século XX, a Medicina, rurgiões gerais do que por especialistas.
como um todo, presenciou uma extraor- A primeira característica do gastroci-
dinária evolução teórica/prática e a ne- rurgião é universal das cirurgias: gosto
cessidade de formação de especialistas e e habilidade pelo trabalho manual. Mas
subespecialistas. Da cirurgia geral, criou- ao contrário do que as outras grandes
-se as especialidades. No Brasil, em 1953, especialidades dizem, o apreço pelo te-
os Prof. Alípio Corrêia Netto e Benedito órico é imprescindível. Assim, é funda-
Montenegro uniram as cadeiras cirúrgi- mental ter o domínio da anatomia hu-
cas da Faculdade de Medicina da Uni- mana. Isso não inclui somente os órgãos
versidade de São Paulo (USP) e criaram do aparelho digestivo, mas a cavidade
o departamento cirúrgico formado por torácica e abdominal como um todo. E
diferentes disciplinas (especialidades). ainda, da fisiopatologia gastroenterolo-
Em 1969, foi incorporado a cadeira che- gica e domínio da clínica cirúrgica. Pois,
fiada pelo Prof. Edmundo Vasconcellos e mais importante do que indicar uma ci-
em 1973 o Prof. Arrigo Raia tornou-se o rurgia, é saber não indicar e tratar clini-
primeiro titular da disciplina de cirurgia camente.
do aparelho digestivo. A gastrocirurgia abrange um enorme
campo e não se limita somente ao cen-
O ESPECIALISTA E A SUA ROTINA tro cirúrgico. O gastrocirurgião é habitu-
almente estereotipado ou como “aquele
Cirurgia do aparelho digestiva é a es- que não tem vida” ou como “aquele que
pecialidade que se ocupa das patologias só vive para a medicina”. A qualidade de
do sistema digestivo, exceto a cavidade vida e o tempo dedicado a medicina de-
oral. Isso inclui esôfago, estômago, in- pendem da subespecialidade escolhida.
testino delgado e grosso, assim como os Apesar de ainda haver espaço para o
órgãos acessórios: fígado, vesícula biliar, cirurgião do aparelho digestivo “geral”,
via biliar e pâncreas. o mais comum atualmente é buscar a
Erroneamente, muitos cirurgiões subespecialização, que comentarei mais
gerais se autotitulam cirurgiões do apa- tarde.
relho digestivo. É verdade que fazemos Para quem procura uma “vida tran-
muitas coisas em comum. Porém a forma quila”, exames diagnóstico e/ou tera-
com que nos aprofundamos e estuda- pêuticos ambulatórias também fazem
mos a fisiologia e patologias do aparelho parte da rotina de alguns cirurgiões do
digestivo e, principalmente, a escola ci- aparelho digestivo. Trabalham na maio-
rúrgica (técnica operatória) são diferen- ria em horários comerciais e normal-
tes. E o exemplo prático é que a incidên- mente não tem vínculo direto com o
cia de lesão iatrogênica de vias biliares paciente. O melhor exemplo é o exame

434
Cirurgia do Aparelho Digestivo CAPITULO 46

endoscópico: endoscopia digestiva alta, de alta complexidade, é indispensável o


colonoscopia e colangiopancreatografia cuidado multidisciplinar. Por isso, o bom
endoscópica. Apesar de dividirmos o es- relacionamento com colegas é funda-
paço com os gastroclínicos, os melhores mental. Não somente clínicos, anestesis-
endoscopistas que conheço são aqueles tas, intensivistas e radiologistas. Incluo
que veem a endoscopia como uma ci- também, sem diferenciar a importância,
rurgia minimamente invasiva. enfermeiros, auxiliares, fisioterapeutas
É possível também ter uma “vida tran- e assistentes social. Assim, para se ob-
quila” e operar. Realizar cirurgias ambula- ter bons resultados em cirurgia de alta
toriais ou de curta internação, com baixa complexidade é importante saber tra-
incidência de complicação e “dor de ca- balhar em equipe.
beça” pós-operatória, como hernioplas-
tias hiatais laparoscópicas, colecistecto- MERCADO DE TRABALHO
mia laparoscópica e hemorroidectomia.
E na verdade, para muitos cirurgiões do O caminho a ser traçado dependerá
aparelho digestivo, este é o “ganha pão”. dos seus objetivos. Se é retorno finan-
Mas é verdade que o mais interessan- ceiro, prestígio, carreira acadêmica e/ou
te são as cirurgias de alta complexidade: vida tranquila. Como disse anteriormen-
a oncológica e o transplante dos órgãos te, a cirurgia do aparelho digestivo não
do aparelho digestivo (fígado, pâncre- se limita ao centro cirúrgico. E é possível
as e intestino). Neste campo, é o desa- obter um bom retorno financeiro atra-
fio e a satisfação que move o cirurgião, vés de diversos caminhos.
pois trata-se de pacientes críticos, com Para quem busca uma vida profis-
estado nutricional precário associado a sional em horário comercial, se espe-
cirurgias complexas anatomicamente cializar em exames endoscópicos ou
(desafiadoras!), duradouras e com um cirurgias de baixa/média complexidade
pós-operatório muitas vezes prolonga- é uma boa opção. Neste caso, plantões
do por complicação (prepare-se para normalmente fazem parte do início da
voltar à noite para o hospital!). Mas ofe- carreira. Os exames endoscópicos estão
recer uma melhor qualidade de vida ao atualmente dominados pelos planos de
paciente, ou até mesmo a cura oncoló- saúde. Para um bom retorno financeiro
gica ou reabilitação completa a socie- é preciso volume, e muitas vezes uma
dade, como nos cirróticos, traz enorme agenda apertada e corrida. Para muitos,
satisfação. Além disso, é um campo de um ponto positivo desta subespecia-
enorme produção científica, clínica e la- lidade é que você não será o “dono” do
boratorial, podendo-se realizar cirurgias paciente, e sim um prestador de serviço,
experimentais em ratos ou porcos. semelhante ao radiologista.
Importante comentar também que, Para quem gosta da vida do interior,
para obter bons resultados nas cirurgias sair das principais metrópoles e centros

435
CAPITULO 46 Como Escolher a sua Residência Médica

urbanos é uma excelente escolha. No in- dos por meses. E muito menos signifi-
terior, além do custo de vida menor, po- ca que não terá que sair à noite de sua
de-se ter uma agenda mais folgada de cama para operar ou reoperar.
exames endoscópicos. Para quem quer Para quem quiser seguir carreira aca-
continuar operando, há também espaço dêmica, a vida não é menos simples.
para cirurgias de baixa/média complexi- Se, por um lado, é verdade que a vida
dade. A vantagem da cirurgia laparoscó- é mais tranquila e que há os residentes
pica é a rápida recuperação do paciente para fazer todo o trabalho burocrático e
e curta hospitalização. Também, prova- manual, o retorno financeiro não é bom.
velmente você terá um número menor Ser professor no Brasil não é fácil em ne-
de especialistas para concorrer, exceto nhuma área de atuação, porém, é muito
nos grandes interiores do estado de São gratificante fazer parte da formação do
Paulo. Lá, a concorrência é ainda mais futuro e transpor os limites da medicina
dramática, já que há excelentes profis- cirúrgica. E existem inúmeras faculdades
sionais para um menor número de ha- e hospitais-escolas que oferecem condi-
bitantes. ções para tal.
Para quem quer ficar em grandes A rotina do transplantador já é pecu-
centros urbanos e busca retorno finan- liar. No Brasil, o transplante de órgãos é
ceiro, há duas opções para o cirurgião realizado exclusivamente pelo Sistema
do aparelho digestivo: fazer muito plan- Único de Saúde (SUS). Por se tratar de
tão e sobreaviso, ou então, subespecia- uma cirurgia de altíssima complexida-
lizar-se. No plantão/sobreaviso, a carga de, a remuneração pelo SUS é razoável.
horária é grande e cirurgias no período Habitualmente, são médicos de maior
noturno não são infrequentes. A van- prestígio, que se reflete em um maior
tagem é que você faz parte de um ser- volume no consultório particular tam-
viço e divide a responsabilidade com bém. Porém, é uma área de exige grande
colegas. Quem quer se subespecializar, dedicação física e intelectual, que está
busca “fugir” dos plantões. Atenção, não em constante evolução. Além de exigir
quer dizer que terá uma “vida tranquila”! grande disponibilidade de tempo, visto
Na rotina de um cirurgião subespeciali- que o transplante do aparelho digestivo
zado, é ele que habitualmente assume é eletivo em uma pequena minoria.
100% da responsabilidade. As cirurgias As oportunidades do cirurgião do
são mais longas e a incidência de com- aparelho digestivo não se limita ao des-
plicação maior e o seguimento pós-ope- crito acima. Não é raro encontrar aquele
ratório prolongado, senão “eterno”. Se o que divide seu tempo entre o consultó-
trabalho físico é eventualmente menor, rio particular e o serviço de ensino e/ou
a cansaço mental, muitas vezes, é maior. plantões/sobreavisos.
Não é incomum ter pacientes interna-

436
Cirurgia do Aparelho Digestivo CAPITULO 46

A RESIDÊNCIA desestimulados visto a carga horária pe-


sadíssima, os trabalhos burocráticos e a
A residência médica de cirurgia não falta de oportunidade de operar, a fim de
é moleza. Não importa se você faz em criar um bom ambiente de trabalho.
uma escola renomada ou não, saiba que A rotina semanal é dividida entre en-
terá muito trabalho, muitas noites sem fermaria, ambulatório, centro cirúrgico
dormir e muito paciente para operar... e reuniões científicas e administrativas,
Quando chegar a sua vez! além de plantões. A carga horária é ine-
A residência de cirurgia é militarizada. vitavelmente acima de 60h/semanais e
Existe uma hierarquia a ser seguida. Os não aconselho reclamar, pois você pode-
R4 é o líder da equipe, responsável pela rá ser punido. E a punição é quase sem-
enfermaria: pré-operatório e pós-opera- pre não operar! O direito de operar nas
tório. É ele que normalmente responde residências de cirurgia é quase sempre
diretamente ao chefe/professor do ser- conquistado e não obrigatório, ou seja,
viço. É ele também que tem o privilégio se você fizer bem feito seu trabalho, te
de fazer as cirurgias mais interessantes. darão oportunidade de operar. Além dis-
O R3 é o “braço direito”, responsável di- so, o bom cirurgião é aquele que auxilia
reto também pela enfermaria, porém bem. Por isso, tenha consciência de que
subordinado ao R4. Existem serviços de antes de fazer qualquer cirurgia, você
grande volume que os R4 e R3 rodam se- terá que fazer muita primeira ajuda!
parados. Neste caso, eles têm papeis se- Sugiro procurar residências em que
melhantes. Fazem parte da equipe ainda o serviço siga condutas padronizadas
os R menos: residentes da cirurgia geral. baseadas em evidência científica. Habi-
Diferente de outras residências mé- tualmente, os hospitais-escolas das uni-
dicas, as residências de especialidades versidades seguem esta filosofia. Não
cirúrgicas é, além de um momento de busque somente o volume cirúrgico, a
grande aprendizado médico, um mo- quantidade. Busque a qualidade! É im-
mento de aprendizado pessoal. É aqui portantíssimo ver e aprender a técnica
que é testada a sua capacidade de traba- e conduta clínico-cirúrgica com pessoas
lhar em equipe pois é preciso ser eficien- especializadas e com experiência. Não se
te! A lógica é simples: se a enfermaria não contente em “tocar o serviço”. Este é um
roda (se pacientes não têm alta), pacien- período de aprendizado, em que você
tes não internam e você não opera. Para tem uma instituição por trás. Assim, pro-
isso, é fundamental o cuidado de perto. cure aproveitar, pois você estará sozinho
São características de um bom residente no mercado de trabalho após o término.
saber delegar tarefas aos subordinados, Para as cirurgia de alta complexida-
pedindo e cobrando sempre com respei- de, é imprescindível um hospital com
to. Importantíssimo também, estimular boa infraestrutura, com equipamentos
os R menos, que quase sempre estão adequados de auxílio diagnóstico e tera-

437
CAPITULO 46 Como Escolher a sua Residência Médica

pêutico, ou seja, um bom serviço de ra- nar especialista em cirurgia oncológica


diologia e endoscópico. Além disso, um do aparelho digestivo, cirurgia bariátrica
centro cirúrgico com aparelhos laparos- ou transplante, é preciso continuar. No
cópicos. A cirurgia laparoscópica faz par- caso da cirurgia oncológica, deve-se ini-
te da formação do cirurgião do aparelho cialmente optar pelo órgão (ex: esôfago,
digestivo. fígado etc.). Existe escolas que estimu-
Acredito que dois anos de residên- lam seus residentes a permanecerem no
cia de aparelho digestivo não sejam su- serviço após o término da residência. É
ficientes para realizar cirurgias de alta sempre mais fácil permanecer na casa do
complexidade. Para quem quiser se tor- que participar de mais uma nova seleção.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

A cirurgia do aparelho digestiva ser uma cirurgia experimental. Em 20


faz parte das tradicionais especialidades anos, a cirurgia laparoscópica tornou-se
da medicina. A cavidade abdominal e o padrão ouro para a grande maioria de
tratamento cirúrgico fascina o homem patologia cirúrgicas do aparelho diges-
desde a Antiguidade. Evoluiu e está tivo. E, nos próximos anos, a robótica ga-
em constante evolução. Nos últimos 30 nhará seu espaço.
anos, o transplante de órgão deixou de

SOBRE O AUTOR

Dr. Bernardo Fernandes Canedo é:

Médico pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP). Fez residência
em cirurgia geral no Hospital Universitário Professor Edgard Santos (Hupes), da Uni-
versidade Federal da Bahia (Ufba) e cirurgia do aparelho digestivo no Hospital das
Clinicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-Fmusp). Rea-
lizou ainda especialização em transplante de fígado e órgãos do aparelho digestivo
no mesmo hospital. Atualmente, realiza fellowship em transplante de fígado no Cli-
niques Universitaires Saint-Luc, associado à Université Catholique de Louvain (UCL),
na Bélgica.

REFERÊNCIAS

1. Sabiston Text Book of Sugery, 11th edition, pag. 1-26.


2. Rev. med. (Sao Paulo); 81(n.esp): 14-18, nov, 2002.

438
CIRURGIA PEDIÁTRICA “

Dra. Roberta Monteiro
A história nos julgará pela diferença que
fizermos na vida das crianças.

Nelson Mandela

U Uma frase muito utilizada pelos ci-


rurgiões pediátricos de então, para jus-
tificar a especialidade, é que “um adulto
pode ser seguramente tratado como
uma criança, mas o contrário pode ser
dren’s Hospital de Boston, nos Estados
Unidos.
Já no Brasil, os primeiros procedi-
mentos cirúrgicos pediátricos tiveram
início em 1902, na Santa Casa de Mise-
desastroso”. ricórdia de São Paulo, realizados por or-
A cirurgia pediátrica é a especialida- topedistas do hospital. Entretanto, a in-
de médica responsável pelo atendimen- trodução dos procedimentos realizados
to e tratamento de afecções cirúrgicas por especialistas da área só foi possível
que acometem pacientes desde o perío- graças ao médico Virgílio Alves de Car-
do fetal até o início da vida adulta. Uma valho Pinto, no final da década de 1940,
criança não é um adulto em miniatura, em parceria com os médicos Roberto de
ela apresenta doenças específicas e cui- Vilhena Moraes, José Pinus e Plínio Cam-
dados diferentes daqueles encontrados pos Nogueira, com serviços dedicados
no dia a dia pelo cirurgião geral adulto. exclusivamente a crianças.
A história da cirurgia pediátrica re- Em 1964, foi criada a Sociedade Bra-
monta ao século XIX, com o entendi- sileira de Cirurgia Pediátrica (Cipe) e, em
mento de que as crianças deveriam ter 1973, foi criada a World Federation of
um atendimento diferenciado, separa- Association of Pediatric Surgeons (Wo-
do dos adultos e com a criação do pri- faps). Hoje, existem mais de 70 associa-
meiro hospital pediátrico do mundo, o ções de cirurgia pediátrica no mundo.
L’Hospital des Enfants Malades, na Fran- Desde a sua criação como especiali-
ca. Embora, somente a partir de 1920, dade houve grandes avanços na espe-
começou o desenvolvimento da espe- cialidade, com o aumento do conhe-
cialidade no mundo, com os médicos cimento na área, introdução de novas
William Ladd e Robert Gross, do Chil- técnicas cirúrgicas, a evolução da cirur-
CAPITULO 47 Como Escolher a sua Residência Médica

gia neonatal e no tratamento de tumo- atender desde traumas a patologias ra-


res malignos em crianças. ras, realizando desde cirurgias torácicas,
urológicas, abdominais até de malfor-
O ESPECIALISTA E A SUA ROTINA mações complexas.
Boa parte das patologias são emer-
A cirurgia pediátrica é, de certo modo, genciais, mas há espaço para trabalho
a cirurgia geral da criança. Dessa forma em esquemas de sobreaviso e também
acaba por se tornar uma especialidade dentro de uma rotina de pacientes am-
bastante ampla e dinâmica. O escopo da bulatoriais. Sendo assim, o futuro cirur-
cirurgia pediátrica começa desde a vida gião pediátrico pode montar uma rotina
fetal até a adolescência. Exemplo disso diversificada. Em regime ambulatorial,
são as patologias pré-natais detectadas predominam as patologias menos gra-
cada vez mais precocemente pelos mé- ves e complexas como a fimose, e pro-
todos de imagem, ou o tratamento de cedimentos mais tranquilos como bióp-
patologias que se apresentam mais tar- sias excisionais, drenagem de abcessos,
diamente como a uma intussuscepção herniorrafias inguinais e umbilicais. Já
intestinal ou mesmo um caso de apendi- nos centros universitários, a rotina é
cite. É o cirurgião pediátrico que melhor mais complexa com pacientes mais gra-
avalia sintomas clínicos potencialmente ves sofrendo de patologias complexas
decorrentes de patologias cirúrgicas e graves, necessitando de procedimen-
como as dores abdominais e malforma- tos cirúrgicos extensos (transplantes,
ções por exemplo. Há uma grande in- correções de malformações intestinais,
teração com os pediatras que solicitam correções de defeitos urológicos e dia-
interconsultas para melhor avaliação de fragmáticos).
determinada patologia ou mesmo para O cirurgião pediátrico tem que ter a
indicar um procedimento cirúrgico. Faz tenacidade do cirurgião, a sensibilidade
parte ainda da atuação a avaliação das do pediatra, e ter uma grande facilidade
condutas cirúrgicas nas unidades hospi- para trabalhar de forma multiprofissio-
talares pediátricas e neonatais. nal. Há uma grande zona de intersecção
A área de abrangência da cirurgia pe- das patologias tratadas pelo cirurgião
diátrica compreende as afecções cirúrgi- pediátrico e os demais especialistas.
cas do aparelho gastrointestinal, geni- Por exemplo imagine um paciente com
turinário, cirurgia de cabeça e pescoço estenose da junção ureteropiélica, que
e oncológica, além de cirurgia neonatal pode ser tratado também por um uro-
para correção de malformações congê- logista. Algumas patologias, como as
nitas. Ela é realmente uma especialidade cardíacas, embora não sejam da esfera
cirúrgica abrangente, com particularida- de atuação do cirurgião pediátrico, este
des em cada serviço. De maneira geral, pode e deve, acompanhar em conjunto
o cirurgião pediátrico está capacitado a

440
Cirurgia Pediátrica CAPITULO 47

o paciente, para atuar em outras comor- residência, realizada pela Sociedade


bidades e complicações. Brasileira de Cirurgia Pediátrica (CIPE),
avalizado pela Associação Médica Brasi-
A RESIDÊNCIA leira (AMB) e pelo Conselho Federal de
Medicina (CFM).
A residência exige pré-requisito de A residência em cirurgia pediátrica
dois anos de cirurgia geral e não de pe- é puxada, a maioria dos hospitais não
diatria. Após inicia-se um programa de 3 comportam mais de dois a três residen-
anos de cirurgia pediátrica, com abran- tes por ano, já que quanto menos resi-
gência de quase todas as áreas, exceto dentes, maior a chance de se operar, em
cirurgia cardíaca e neurocirurgia. tipo e quantidade, as patologias mais
O programa do curso busca treinar e raras.
capacitar os residentes nas áreas de: Ao escolher um programa de resi-
dência médica, tenha certeza de que ele
Cirurgia pediátrica neonatal
conta com serviço de atendimento de
Cirurgia pediátrica geral
baixa complexidade, garantindo a reali-
Cirurgia pediátrica urológica zação das cirurgias ambulatoriais – o seu
(formação básica)
ganha-pão. Mas que ele tenha também
Cirurgia pediátrica oncológica alguma maternidade ou berçário asso-
(formação básica)
ciado, de preferência que conte com um
Cirurgia pediátrica de trauma serviço bem estruturado de unidade de
Cirurgia pediátrica vídeo assistida terapia intensiva (UTI).
(formação básica)
Outro diferencial a ser considerado é
Alguns serviços promovem forma- a existência e qualidade do material de
ção mais específica em áreas especiais videocirurgia, uma atividade crescente
da cirurgia pediátrica, nos últimos dois na cirurgia pediátrica. Há também ser-
anos de curso ou em até um quarto ano viços que dão ênfase à parte urológica
complementar: ou de trauma – considere o que acha im-
portante na sua formação. E há ainda al-
Cirurgia urológica pediátrica avançada, nível guns poucos hospitais que contam com
terciário e quaternário. o programa de transplante hepático pe-
Cirurgia oncológica pediátrica avançada diátrico – como o Hospital das Clínicas
Cirurgia pediátrica de transplante, nível da Faculdade de Medicina da Universi-
quaternário. dade de São Paulo (HC-Fmusp) ou a Es-
Cirurgia pediátrica vídeo assistida avançada cola Paulista de Medicina da Universida-
Cirurgia pediátrica fetal de Federal de São Paulo (EPM-Unifesp).
O transplante renal, mesmo o infantil, é
Há a prova de título em especialista realizado por urologistas.
em cirurgia pediátrica, ao término da

441
CAPITULO 47 Como Escolher a sua Residência Médica

MERCADO DE TRABALHO tamanho das estruturas quanto pelo ta-


manho dos pacientes.
O mercado de trabalho para o cirur- Como são doenças raras e patolo-
gião pediátrico é mais difícil nos grandes gias, na maioria dos casos complexas,
centros, devido ao número de profissio- não são todos serviços com capacidade
nais, mas está em crescente expansão para realizá-las. Se a ideia for operar ca-
nos estados fora do eixo Sul-Sudeste e sos mais complexos, o ideal é estar asso-
nas cidades de médio porte do interior. ciado a um hospital que além de ter um
Há estados em que há apenas dois cirur- serviço de cirurgia pediátrica, também
giões, sendo que, no estado de São Pau- disponibilize todos os equipamentos e
lo, temos cerca de 150 cadastrados. pessoal qualificado necessários para os
O atendimento pode ser feito em cuidados contínuos do paciente cirúrgi-
consultório, com pacientes particulares co pediátrico grave.
ou de convênio, mas a grande parte dos Isto significa a existência de centro de
cirurgiões está ligada a algum hospital tratamento e terapia intensiva (CTI) neo-
ou grupo, especialmente aqueles que natal e pediátrica, com o apoio de anes-
dispõem de serviço de berçário e neo- tesiologistas pediátricos, ecografistas e
natologia. São comuns os atendimentos radiologistas pediátricos, tanto quanto
em esquema de plantão, com atendi- de outras especialidades pediátricas vi-
mento de urgência e emergência. tais para o sucesso do tratamento.
Sem dúvida, as cirurgias mais fre- Existe um grande relacionamento
quentes na cirurgia pediátrica são as com os pediatras. Diferentemente de
ambulatoriais de pequeno porte, com outras especialidades cirúrgicas, na ci-
realizações de hérniorrafia umbilicais e rurgia infantil, dificilmente um paciente
inguinais e fimoses. Diferentemente dos tem a procura espontânea do profis-
adultos, na grande maioria dos casos, a sional. Geralmente, ele passou em uma
passagem de acesso venoso central é consulta de rotina e foi observada a pre-
realizada geralmente pelos cirurgiões sença de fimose ou hérnia, sendo que
em centro cirúrgico, sob anestesia geral. o mais comum é a interconsulta dentro
Outra prática comum é a realização de dos hospitais.
flebotomia em pacientes no período ne- Alguns serviços de maior porte ou
onatal para garantir um acesso de longa destinados ao público infantil contam
permanência. em seu quadro com equipe de CI para
As cirurgias mais empolgantes na emergências e urgências. O mais comum
incluem as malformações congênitas, é o plantão à distância, em que apenas
como atresia de esôfago e o megacólon se vai ao hospital a chamados específi-
congênito. É comum o uso de lupa nos cos, sendo que a remuneração varia de
procedimentos, tanto pela delicadeza e apenas visita médica até um valor fixo

442
Cirurgia Pediátrica CAPITULO 47

com adicionais sobre procedimentos e Mesmo se tratando de especialidade


atendimentos realizados. que cuida de doenças raras - as cirúrgi-
Em grandes centros como São Paulo, cas da infância - a especialidade conti-
há um profissional de CI na maioria dos nua em crescimento, pelo aumento do
grandes hospitais, tanto público quanto número de vagas pelo pais, principal-
privado. E aumenta a necessidade deste mente no interior, e pela observação da
profissional in loco, com aumento signi- real necessidade de se ter um cirurgião
ficativo no número de concursos públi- especializado em crianças – que não são
cos e vagas oferecidas. adultos em miniatura.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

Em medicina, no geral, dificilmente -rotação intestinal ou após o tratamen-


se tem oportunidade de lidar com pa- to de uma atresia de esôfago, a criança
cientes com grande expectativa prog- pode ter uma vida normal. Participar
nóstica após procedimentos cirúrgicos desse desafio e poder oferecer trata-
como na pediatria. Após uma correção mentos que mudam (e salvam) a vida
de uma patologia grave como uma mal- dos pacientes é mais que gratificante.

SOBRE A AUTORA

Dra. Roberta Monteiro fez:

Residência médica em cirurgia geral no Hospital das Clínicas da Universidade de


São Paulo (HC-Fmusp) e residência em cirurgia pediátrica no Instituto da Criança do
mesmo complexo.

REFERÊNCIAS

1. Arnold G. Coran, Anthony Caldamone, N. Scott Adzick, Thomas M. Krummel, Jean-Martin La-
berge, Robert Shamberger. Pediatric Surgery. Elsevier Health Sciences.
2. Sociedade Brasileira de Cirurgia Pediátrica. Disponível em: <http://www.cipe.org.br/>. Acesso
em: 10 nov. 2013.

443
CIRURGIA PLÁSTICA “

Dr. Diogo Radomille
O corpo humano é a melhor obra de arte.

Jess C. Scott

E Etimologicamente, a cirurgia plásti-


ca origina-se da palavra grega plastikós,
que significa moldar, plasmar e reparar.
A história desta especialidade cirúrgi-
ca é tão antiga e se mistura com a da
descobertas. Celsus, que por muitos é
considerado o pai da cirurgia plástica,
foi médico da escola de medicina de
Alexandria. No seu livro De Re Medica (30
d.C.), utilizando os manuscritos de Hi-
própria humanidade. Os primórdios da pócrates como referência, são descritos
cirurgia plástica remontam às origens procedimentos reparadores para nariz,
das civilizações. Nos papiros egípcios lábios, orelhas, pálpebras e dedos. Outro
descobertos entre 3000 e 2500 anos importante médico, de origem grega e
a.C., já existem referências ao tratamen- que viveu em Roma (130 a 200 d.C.), foi
to de fraturas nasais e crânio-faciais. Na Claudius Galeno, anatomista destacado
Índia antiga, Sushruta (800 a.C.) des- no seu tempo, estudou técnicas de re-
creveu técnicas de reconstrução nasal construção de lesões labiais, auriculares
e de lóbulo de orelha através do uso e bucais. Além disso, deixou descrições
de retalhos locais, para tratamento de importantes sobre técnicas cirúrgicas e
mutilados que sofreram punições por utilização de tecidos para reconstrução.
crimes religiosos. Na Grécia, no século Dessa forma, estes ilustres médicos e
V a.C., Hipócrates descreveu diversos filósofos conseguiram aprofundar os
procedimentos relacionados à cirurgia conhecimentos médicos no campo da
plástica, como enfaixamentos, cuidados cirurgia plástica.
com curativos e até mesmo tratamen- Com a decadência do Império Roma-
tos para a calvície. Portanto, inúmeros no pela invasão bárbara, a humanida-
conhecimentos foram se acumulando de entrou em um ostracismo científico
lentamente durante a história. incrível. Pouco foram as novas contri-
No entanto, foi na antiga Roma que buições produzidas nessa época, como
a cirurgia plástica começou a ganhar técnicas de rinoplastia de Modeville (Sa-
maior desenvolvimento e importantes lermo, Itália) e queiloplastias. Durante o
CAPITULO 48 Como Escolher a sua Residência Médica

período da Idade Média, a cirurgia plás- thy (Estados Unidos); Victor Spina e Pau-
tica passou pela sua fase mais obscura. lo Correia (São Paulo); Ivo Pitanguy (Rio
A arte de curar estava monopolizada de Janeiro) e Perseu Lemos (Recife).
com o clero, que por motivos religiosos
estagnou a medicina por um longo pe- A ESPECIALIDADE
ríodo. Só no século XVI, o Papa Sixto V
autorizou as dissecções anatômicas, as- Como foi visto, a história da cirurgia
sim impulsionando novamente o cresci- plástica até ser reconhecida como espe-
mento científico médico. cialidade médica e cirúrgica teve início
As duas grandes guerras mundiais nas civilizações mais antigas da huma-
do século XX impulsionaram o cresci- nidade, pois o homem, sempre preo-
mento e interesse médico sobre a ci- cupado com a forma e função do corpo
rurgia reparadora. Até então, a cirurgia humano, busca a perfeição. Portanto,
plástica não apresentava organização e mesmo sendo uma especialidade que
denominação específica como conhe- foi reconhecida a cerca de um século, os
cemos hoje. Através dos conhecimentos conhecimentos e tratamentos na área já
adquiridos nos tratamentos dos feridos são utilizados há alguns milênios.
durante a Primeira Guerra Mundial e o A cirurgia plástica atualmente tra-
surgimento de hospitais especializados ta-se de especialidade cirúrgica bem
no manejo das sequelas destes traumas, estabelecida, baseada em séculos de
cirurgiões gerais da Alemanha, França e conhecimento científico acumulados
Inglaterra passaram a se dedicar exclu- e aprimorados. É a mais eclética espe-
sivamente à cirurgia reparadora. Nesse cialidade da área cirúrgica, atua em
momento, surgia a cirurgia plástica mo- praticamente todo o corpo humano:
derna (como especialidade cirúrgica) na crânio, face, pescoço, tronco, membros,
Europa com diversas escolas e seguido- genitália, mão etc. Para a boa prática, é
res como Gillies e McIndoe (Reino Uni- necessário o conhecimento profundo
do), Joseph (Alemanha), Sanvenero-Ros- da anatomia e fisiologia dos diversos
seli (Itália) e Tessier (França); que mais seguimentos corpóreos, assim como
tardiamente se difundiu para o restante das técnicas cirúrgicas refinadas para o
do mundo. O advento da anestesia e do bom manuseio dos diferentes tipos de
antibiótico permitiram cirurgias mais tecidos.
longas e seguras, dessa forma, impul- Fazem algumas décadas que a cirur-
sionando mais ainda o crescimento da gia plástica vem sendo dicotomizada
cirurgia plástica. Nas Américas, nomes entre cirurgia reparadora e cirurgia es-
importantes contribuiram para o de- tética. Esta diferenciação na prática mui-
senvolvimento e aperfeiçoamento das tas vezes é difícil de ser feita, pois mes-
técnicas cirúrgicas como: Blair, Brown, mo um procedimento de colocação de
Converse, Mathes, Nahai, Brent, McCar- implantes mamários em uma paciente

446
Cirurgia Plástica CAPITULO 48

jovem e sem comorbidades que dese- rurgia plástica, além de passar na prova
ja aumentar o volume e a projeção das de especialista aplicada pela Sociedade
mamas, apresenta impacto significante Brasileira de Cirurgia Plástica.
na melhoria da autoimagem corporal e A este cirurgião é exigido profundo
da qualidade de vida. É equivocado ten- conhecimento de anatomia, fisiologia,
tar subdividir esta especialidade, pois técnica cirúrgica e consciência da arte.
o cirurgião plástico objetiva sempre o Por atuar em diversas partes do corpo
melhor resultado anatômico e funcio- humano e trabalhar em conjunto com
nal. Portanto, a cirurgia reparadora e a outras especialidades, como a oftalmo-
cirurgia estética estão interligadas des- logia, a urologia, a cirurgia bucomaxilo-
de o nascimento das primeiras técnicas facial e dentre outras, o cirurgião plásti-
em cirurgia plástica nas civilizações mais co precisa de alta capacitação técnica e
antigas. formação prolongada. A técnica cirúrgi-
Muitas vezes a cirurgia plástica sofre ca deve ser o menos traumática possí-
também com o preconceito da socie- vel, com incisões e dissecções precisas,
dade e mesmo de médicos de outras manipulação cuidadosa dos tecidos e
especialidades, tendo a validade dos síntese por planos. O cirurgião plástico
seus objetivos colocada em dúvida. No também produz cicatrizes, o mérito está
entanto, baseado em preceitos científi- em fazer destas as mais delicadas e es-
cos e éticos, os cirurgiões plásticos ob- condidas possíveis, utilizando pregas
jetivam a melhoria da qualidade de vida e reentrâncias naturais ou o cabelo e
dos pacientes. Seja pela correção de as vestes para torná-las menos aparen-
uma fissura labiopalatina em uma crian- te. Além disso, o instrumental deve ser
ça ou pela colocação de implantes ma- delicado, de precisão e apropriado para
mários em portadoras de hipomastia. cada tipo de procedimento.
O lado artístico do cirurgião plástico
O ESPECIALISTA E A SUA ROTINA é sem dúvida o grande diferencial des-
te especialista. A capacidade de inovar,
O cirurgião plástico é um médico sem regras fixas, de adaptar e prover
com formação em cirurgia geral e espe- soluções diversas para o mesmo proble-
cialização em cirurgia plástica, que atua ma, de ter discernimento estético e da
na reparação de órgãos e tecidos, para harmonia corporal para cada paciente
garantir o melhor resultado estético e são qualidades únicas deste médico.
funcional. Atualmente, já está bem es- Outra habilidade diferenciada que deve
tabelecido no Brasil, que para ser intitu- ser desenvolvida durante a residência
lado cirurgião plástico, o médico deverá médica é a arte da fotografia. Cursos e
frequentar um programa de residência treinamentos específicos em fotogra-
médica em cirurgia geral e outro em ci- far são muito importantes para que se

447
CAPITULO 48 Como Escolher a sua Residência Médica

consiga um bom registro fotográfico a sociedade moderna tem imposto de


final. A documentação fotográfica é ex- padrões estéticos.
tremamente importante, principalmen- “Contratada a realização de cirurgia
te na atualidade, devido aos processos estética embelezadora, o cirurgião assu-
judiciais cada vez mais frequentes e ao me obrigação de resultado, sendo obri-
acompanhamento adequado do pa- gado a indenizar pelo não cumprimento
ciente permitindo a comparação pré e da mesma obrigação, tanto pelo dano
pós-operatória. material quanto pelo moral, decorrente
A rotina do cirurgião plástico é di- de deformidade estética, salvo prova de
vidida entre consultório ou ambulató- força maior ou caso fortuito”.5
rios, enfermaria e centro cirúrgico. Para Seja no consultório ou ambulatório
a boa prática cirúrgica, é preciso, antes de hospitais, o cirurgião deverá realizar
de mais nada, estabelecer boa relação uma avaliação pré-operatória detalha-
médico-paciente, o procedimento deve da e cuidadosa, solicitando os exames
ser bem indicado e explicado para os complementares e avaliações de outros
pacientes, nesta condição muitos pro- especialistas que julgar necessário. Nes-
blemas jurídicos também são evitados. te momento, é extremamente impor-
Há que se ressaltar que, por vezes, os tante que o paciente entenda o proce-
procedimentos relacionados a cirurgia dimento proposto e que leia e assine o
plástica (estéticos principalmente) têm termo de consentimento livre-esclareci-
sido entendidos no meio jurídico como do, autorizando a intervenção cirúrgica.
obrigação de fim, ou seja, que preten- Os procedimentos cirúrgicos maiores
de entregar determinado resultado. Di- que necessitem de anestesia geral ou
ferindo, assim, da medicina geral, que raquimedular devem ser realizados em
embora tenha por finalidade a cura e/ hospitais com suporte de equipe anes-
ou melhora do paciente, é entendida tésica e clínica, além de recuperação e
como uma obrigação de meios. Assim, acompanhamento pós-operatório em
há que se falar que o cirurgião plástico, enfermaria ou unidade de terapia inten-
de certo modo, “vende” uma expectati- siva (UTI). Já os procedimentos menores
va, e isso passa pela seleção do paciente que são realizados com anestesia local
a ser operado, para evitar-se problemas, em unidades ambulatoriais ou no con-
exageros e cobranças de resultados (por sultório, devem ser feitos com monito-
vezes impossíveis de serem realizados). rização dos sinais vitais e respeitando as
É o cirurgião plástico o profissional que doses de segurança de cada anestésico.
deve balizar entre a melhora estética e o Todo suporte clínico e cirúrgico neces-
exagero. Vivencia-se, desta forma, gran- sário ao procedimento devem ser forne-
des dilemas éticos em relação ao con- cidos ao paciente. As medidas profiláti-
ceito de beleza e as necessidades que cas antitrombose, como meias elásticas,

448
Cirurgia Plástica CAPITULO 48

compressão pneumática intermitente e de atuação do cirurgião. Alguns desses


anticoagulantes, também devem ser to- programas acabam focando mais em
madas para evitar eventos indesejados. determinadas áreas da especialidade.
O planejamento pré-operatório de- Finalmente, parcerias entre os serviços
talhado, marcação correta do paciente, também podem ser feitas para suprir
respeito à técnica e preceitos cirúrgicos estas deficiências. Portanto, a escolha
e acompanhamento pós-operatório são do serviço de cirurgia plástica para cur-
fundamentais para a boa prática da ci- sar o programa de treinamento deve ser
rurgia plástica. feita com cuidado, primeiramente veri-
ficando se o serviço é credenciado pela
A RESIDÊNCIA Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica
(SBCP) e se este atende aos requisitos
A para se tornar cirurgião plástico no mínimos à boa formação ético-profis-
Brasil deve-se passar por um longo e de- sional.
dicado período de treinamento cirúrgi- O treinamento dura três anos e o mé-
co. O médico deverá concluir residência dico adquire experiência, técnica e se-
médica de dois anos em cirurgia geral gurança progressivamente durante este
em serviço credenciado e, em seguida, período. Todo o acompanhamento pré-
cursar um programa de residência ou -operatório, cirurgias e pós-operatório
estágio de três anos em cirurgia plástica são feitos pelos residentes com super-
em serviço credenciado pela Socieda- visão dos professores e médicos assis-
de Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), tentes. Geralmente, os procedimentos
que ao final deste treinamento deverá de menor complexidade como: enxer-
ser aprovado em exame de título de es- tos de pele, retalhos locais, ressecção
pecialista aplicado por esta sociedade. de tumores cutâneos menores, técnicas
Existe uma grande heterogeneida- de síntese, tratamento dos queimados,
de entre os serviços de cirurgia plástica auxilio nas cirurgias de mama e abdome
que possuem programa de residência e outros, são atribuições dos residentes
médica ou estágio. Há algumas déca- do primeiro ano. Algumas residências
das que a especialidade sofre com a di- têm plantões noturnos em unidade de
cotomização entre cirurgia reparadora queimados, pronto-socorro ou enfer-
e cirurgia estética. Pelo fato da cirurgia maria, que são feitos geralmente pelos
plástica abranger uma área de atuação residentes do primeiro ano. Portanto,
profissional muito grande, torna-se difí- este é o momento de maior carga ho-
cil compor um programa de treinamen- rária de trabalho, maior dependência e
to completo. Desse forma, a maioria dos mudança das técnicas cirúrgicas, pois é
programas de residência em cirurgia a transição para a nova área profissional
plástica apresenta alguma deficiência do jovem cirurgião.
em relação às diversas possibilidades

449
CAPITULO 48 Como Escolher a sua Residência Médica

Os demais dois anos são importantís- a medicina. Os números de procedi-


simos para aquisição e aperfeiçoamento mentos aumentam assustadoramente a
do cuidado e das técnicas cirúrgicas refi- cada ano. No ano de 2013, o Brasil só fi-
nadas em procedimentos cada vez mais cou atrás dos Estados Unidos em núme-
complexos. Esses residentes também ro total de procedimentos em cirurgia
ajudam os colegas menos graduados, plástica. Devido ao grande marketing
sempre sobre supervisão. Na cirurgia, vinculado na mídia moderna e perspec-
seja em qualquer área, quanto mais se tiva de ganhos financeiros altos, a cirur-
observa e mais se opera, melhor é o gia plástica tornou-se uma das especiali-
treinamento do cirurgião, obviamente dades médicas mais procuradas entre os
tendo embasamento técnico-científico cirurgiões gerais recém formados.
adequado. Portanto, é extremamente O mercado de trabalho na cirurgia
necessário estudar as doenças, os casos plástica tem como característica pouco
clínicos e as técnicas que poderão ser vínculo com planos de saúde, principal-
utilizadas. Sessões científicas também mente as cirurgias cosméticas, apelo co-
são realizadas para discussão de casos mercial na mídia muito forte, atuar em
clínicos, artigos científicos e temas per- nível ambulatorial e hospitalar, realizar
tinentes. Como complemento à forma- procedimentos cirúrgicos e outros me-
ção na especialidade, faz-se importante nos invasivos, o que geralmente atrai
a participação em jornadas, simpósios, muitos médicos em busca desta espe-
congressos e cursos extracurriculares, cialização. Além disso, a possibilidade
para além de aquisição de conhecimen- de tratamentos em conjunto com outras
tos, haver interação com os cirurgiões especialidades, como, por exemplo a
mais velhos. mastectomia e a reconstrução de mama
A residência em cirurgia plástica associadas em um único tempo cirúrgi-
apresenta elevada complexidade técni- co, abre um leque grande de atuação
ca, pois são realizados procedimentos profissional.
delicados, muitas vezes em áreas nobres Infelizmente, a realidade da cirurgia
do corpo e, por vezes, microcirúrgicos. plástica nas relações de trabalho vem
Por outro lado, é uma área médica fasci- piorando a cada dia. O mercado de
nante que permite atuar em quase todo trabalho para os jovens cirurgiões plás-
o corpo humano, inovar e utilizar téc- tico está cada vez mais competitivo e
nicas diferentes para resolver o mesmo monopolizado no comando de poucas
caso. empresas ou cirurgiões. O surgimento
de operadoras de cirurgia plástica, que
MERCADO DE TRABALHO são empresas com alto poder financeiro
e político e especializadas em gerenciar
A cirurgia plástica é hoje uma das atendimento e procedimentos nesta
especialidades que mais cresce em toda área, iniciou uma nova era, principal-

450
Cirurgia Plástica CAPITULO 48

mente, no mercado da cirurgia estética. latório, centro cirúrgico e para realizar


Com preços mais baixos e competitivos, cirurgias ambulatoriais. Universidades
estas empresas atraem cada vez mais e seus complexos hospitalares são cam-
pacientes; o que, por um lado, é bom, pos acadêmicos e assistencialistas de
pois permite maior acesso aos procedi- atuação, permitindo também trabalhar
mentos para a população, mas por outro na formação de novos cirurgiões plásti-
é ruim, pois muitas vezes a qualidade do cos. Nas unidades públicas de saúde são
atendimento e seguimento dos pacien- realizados com muito mais frequência
tes diminui. Portanto, os cirurgiões mais procedimentos reparadores, tendo em
novos têm cada vez mais dificuldade em vista as necessidades de saúde da po-
começar a vida privada de atendimento pulação.
no consultório. No entanto, o mercado Finalmente, apesar das dificuldades
da cirurgia plástica está em progressiva encontradas para atuar no mercado da
expansão, o número de procedimentos cirurgia plástica, como: diminuição da
no Brasil cresce a cada ano, com boas remuneração, crescente competição
perspectivas futuras. Certamente, ser por pacientes, surgimento de opera-
cirurgião plástico no século XXI exige doras que monopolizam o mercado e
capacitação, competitividade, bom rela- criação do ideal de beleza pela mídia e
cionamento médico-paciente e investi- a sociedade, trata-se de área em ampla
mento em gestão. expansão e com surgimento de novos
Os planos de saúde, seguradoras de procedimentos a cada dia.
saúde, medicina de grupo e cooperati-
vas médicas estão progressivamente au- ÁREAS DE ATUAÇÃO E
mentando o número de procedimentos SUBESPECIALIDADES
cobertos em cirurgia plástica, principal-
mente os procedimentos reparadores. De acordo com a Resolução nº
Os honorários destes procedimentos 1634/2002 do Conselho Federal de Me-
geralmente estão abaixo do valor do dicina (CFM), em convênio com a As-
mercado particular, porém este é um sociação Brasileira de Medicina (ABM)
outro campo de atuação do cirurgião e a Comissão Nacional de Residência
plástico, que junto com as entidades de Médica (CNRM), se estabeleceu e re-
representação da classe pode lutar por gulamentou as áreas oficiais de atu-
melhores remunerações. ação (subespecialização) de todas as
O Sistema Único de Saúde (SUS) especialidades médicas. Ficou definido
também emprega um grande número também que o médico só é intitulado
de cirurgiões plásticos. Os cirurgiões especialista quando adquirir certifica-
podem ser contratados como médicos do válido de conclusão de residência
assistentes em pronto socorro, unida- ou estágio na especialidade ou área de
de de queimados, enfermaria, ambu- atuação e o certificado for devidamen-

451
CAPITULO 48 Como Escolher a sua Residência Médica

te registrado no Conselho Regional de TRATAMENTO DE QUEIMADOS


Medicina (CRM). Para a cirurgia plástica
ficou determinado como área de atua- Suporte clínico e cirúrgico na urgên-
ção: cirurgia crânio-maxilo-facial, cirur- cia, no tratamento definitivo das lesões
gia da mão e tratamento de queimados. e das sequelas, além de proporcionar a
Estas são áreas regulamentadas para reabilitação. Trabalhando em centro de
complementação da especialização. No queimados, hospitais gerais e ambula-
entanto, o cirurgião plástico pode cursar tórios, em equipe multidisciplinar.
programas de pós-gradução ou especia-
lização em outras áreas que compõem o TRATAMENTO DE FERIDAS
amplo espectro da especialidade. COMPLEXAS
Acrescido às três áreas de atuação re-
gulamentadas pelo CFM, outras subes- Inclui feridas de difícil tratamento e
pecilidades da cirurgia plástica também resolução. Podem ser feridas crônicas
se destacam. A seguir, didaticamente, por pressão, diabetes, insuficiência vas-
são apresentados os principais campos cular e vasculite, como feridas agudas
de atuação dos cirurgiões plásticos. por trauma e infecção. O tratamento
muitas vezes necessita de intervenções
CIRURGIA CRÂNIO-MAXILO-FACIAL cirúrgicas elaboradas e com longo tem-
po de permanência em internação hos-
Trata de doenças de partes moles pitalar.
e esquelética da face e crânio, como
deformidades congênitas, fissuras la- CIRURGIA RECONSTRUTIVA EM
biopalatinas, patologias adquiridas da ONCOLOGIA
mandíbula, maxila e articulação têm-
poro-mandibular, além de correção das Parte integrante do tratamento do
fraturas de face pós-traumas. paciente portador de neoplasia, teve
grande expansão a partir dos anos 70
CIRURGIA DA MÃO com o aprimoramento da microcirur-
gia. Reconstrução de cabeça e pescoço,
Atua na correção de traumas e fra- membros e tronco após ressecção de
turas da mão, reimplantes, deformida- neoplasias benignas ou malignas, per-
des congênitas, sequelas de traumas e mite melhor reabilitação e reintrodução
queimaduras, recuperação de tendões, do paciente na sociedade. A reconstru-
nervos e músculos. Com o auxílio das ção de mama imediata ou tardia pós-
técnicas microcirúrgicas, os resultados -ressecção oncológica menor ou radical,
ficam ainda melhores. atualmente, já faz parte do tratamento

452
Cirurgia Plástica CAPITULO 48

e garante a melhora na autoestima e na dução, lipoaspiração, abdominoplastia,


qualidade de vida das pacientes. O tra- torsoplastia, cruroplastia, ritidoplastia,
tamento de tumores cutâneos com res- entre outras. A cada ano, o número de
secção e reconstrução adequada tam- pacientes que perdem peso após pro-
bém faz parte da atuação do cirurgião cedimentos bariátricos cresce, tornando
plástico. de extrema importância os procedimen-
CIRURGIA DA FACE tos para ressecção do excesso de pele e
gordura.
Procedimentos reconstrutivos em
deformidades congênitas ou adquiri- CIRURGIA ESTÉTICA
das do nariz, orelhas, pálpebras, boca e
demais regiões da face. Inclui também A preocupação com a anatomia e o
cirurgias estéticas faciais, como: ritido- bom resultado estético é parte integran-
plastia (lifting facial), blefaroplastia, oto- te de qualquer procedimento em cirur-
plastia, rinoplastia e outros. gia plástica. Nas últimas décadas, vem
ficando mais frequente a realização de
CIRURGIA PLÁSTICA EM CRIANÇAS cirurgias em pacientes que se queixam
de alterações na forma corporal por não
Subespecialização pouco difundida estarem em conformidade com os pa-
no Brasil, foca no atendimento de pa- drões de beleza estipulados pela mídia
cientes pediátricos com malformações e sociedade, dessa forma, procedimen-
congênitas ou adquiridas, como: he- tos principalmente em face e contorno
mangiomas, mal-formação arterio-ve- corporal estão sendo realizados pro-
nosa, fissura labiopalatina, síndromes gressivamente. No entanto, não se pode
genéticas. Necessita de equipe multidis- esquecer do grande impacto positivo
ciplinar e muitas vezes hospitais infantis psicológico que estes procedimentos
especializados (Children’s Hospital). podem gerar.

CIRURGIA DO CONTORNO COSMIATRIA


CORPORAL
Área de interseção com a dermatolo-
Tratamento importante para melho- gia, realiza tratamentos para melhorar a
ra da qualidade de vida e autoestima qualidade e prevenir o envelhecimento
dos pacientes que apresentam proble- da pele e seus anexos. Técnicas com la-
mas congênitos, envelhecimento ou ser, medicamentos tópicos, toxina bo-
com ganho ou perda de peso. Atua em tulínica, preenchimentos e entre outras
todos os seguimentos do corpo, ten- são utilizadas para o rejuvenescimento e
tando alcançar a melhor harmonização. correção de problemas cutâneos.
Cirurgias nas mamas de aumento ou re-

453
CAPITULO 48 Como Escolher a sua Residência Médica

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

Cerca de cinco milênios depois dos de vida, das relações sociais e da auto-
primeiros tratamentos em cirurgia plás- -estima dos pacientes, através de pro-
tica realizados no Egito Antigo, esta es- cedimentos cirúrgicos e não cirúrgicos
pecialidade cirúrgica cresce a passos alcançar o melhor resultado estético e
largos e com desenvolvimento de novas funcional. Finalmente, os cirurgiões in-
técnicas, permitindo atuar em quase to- teressados em especializar nesta área
dos os seguimentos corporais, tratar de perceberão o quanto é fascinante traba-
formas diferentes o mesmo problema e lhar com o reparo da forma e da função
participar em equipes multidisciplina- do corpo humano.
res. Objetiva a melhoria da qualidade

SOBRE O AUTOR

Dr. Diogo Radomille de Santana é:

Médico pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), cirurgião geral pelo Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-Fmusp). Atu-
almente é médico residente de cirurgia plástica na mesma instituição.

REFERÊNCIAS

1. Mélega. Cirurgia Plástica - Fundamentos e Arte. Volume 01: Princípios Gerais. Editora Guana-
bara Koogan.
2. Mathes, Stephen and Hentz, Vincent R. Plastic Surgery. Volume 1: General principles. Saunders
Elsevier, 2nd ed.
3. Alonso, N. Mercado de trabalho em cirurgia plástica. Academia versus consultório particular.
Rev Med (São Paulo) 2012; 91: 21-4.
4. Resolução nº 1634/2002 do Conselho Federal de Medicina.
5. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 3ª Turma. RESP. n° 10536. Relator: Dias Trindade. Data de
julgamento: 21/06/1991. DJ de 19.08.1991, p. 10993.

454
CIRURGIA TORÁCICA


Dr. Ricardo Sales dos Santos

o pneumotórax?

(...) — Então, doutor, não é possível tentar

— Não. A única coisa a fazer é tocar um


tango argentino.

Manuel Bandeira

A A cirurgia torácica tem o privilégio


de ser o primeiro tipo de procedimen-
to descrito na civilização cristã; afinal
de contas, no livro "Genêsis"1, o criador
coloca Adão para dormir e dele retira
com derramamento de sangue e água
que o golpe final foi efetuado em Jesus2.
A presença de cirurgiões do tórax,
nas linhas de frente de batalha campal
dos tempos da Roma Antiga ao perí-
uma costela para o surgimento de Eva. odo medieval e moderno poderia ter
Certamente, em dias atuais, esse pro- salvo uma infinidade de vidas com um
cedimento poderia ser feito em regime simples e corriqueiro procedimento de
ambulatorial e sob sedação leve, mas a drenagem pleural; suficiente para o con-
indicação seria discutida, pois Adão não trole das hemorragias e danos causados
referia sintomas que justificassem a in- pelo trauma penetrante do tórax. Pode-
tervenção. mos considerar que assim surgiram os
Finalmente, sob consentimento li- primeiros procedimentos de importân-
vre e esclarecido, o risco seria avaliado cia vital no tórax: a partir do entendi-
diante de tamanho benefício. Pois bem, mento da dinâmica de pressão negativa
esse trecho reforça a beleza e a impor- da caixa torácica. Entretanto, o conceito
tância do tórax para o ser humano, e foi de drenagem pleural foi inicialmente
também por ferimento desferido na cai- descrito por Hipócrates no tratamento
xa torácica e indução de pneumotórax,

1. “Então o Senhor Deus fez cair um sono pesado sobre Adão, e este adormeceu; e tomou uma das suas costelas, e cerrou a car-
ne em seu lugar; E da costela que o Senhor Deus tomou do homem, formou uma mulher, e trouxe-a a Adão”. Gênesis 2:21-22.
2. Mas quando chegaram a Jesus, vendo que já estava morto, não lhe quebraram as pernas. Mas um dos soldados perfurou
um dos lados com uma lança, e logo saiu sangue e água”. Jó 19.33,34.
CAPITULO 49 Como Escolher a sua Residência Médica

do empiema por meio da incisão, cau- no tumor precoce oferece a chance de


terização e inserção de tubosmetálicos3. cura em mais de 90% dos casos.
Em tempos mais recentes, a tuber-
culose, no início do século passado, DEFINIÇÃO DA ESPECIALIDADE
ainda na ausência do tratamento medi-
camentoso, fez crescer o interesse pela A cirurgia torácica trata as doenças
especialidade cirúrgica do tórax. As res- da caixa torácica através de interven-
secções pulmonares para tuberculose, ções convencionais (ex. toracotomia),
principalmente a lobectomia ou pneu- vídeo-assistidas, guiadas por imagem
monectomia devido à destruição do ou pela endoscopia. Em diferentes ce-
parênquima, foi marco importante no nários, o cirurgião torácico em colabo-
treinamento de centenas de cirurgiões ração com o pneumologista, o radiolo-
de tórax ao redor domundo4. gista intervencionista, cirurgião geral e/
O uso do tuberculostáticos no meio ou radioterapeuta e oncologista, dentre
do século passado fez com que a neces- outros tantos especialistas é encarrega-
sidade de cirurgia diminuísse por esse do de determinar o melhor caminho ou
motivo, mas é também neste mesmo realizar a abordagem necessária para
período que surge a epidemia de um doenças oncológicas (câncer de pul-
mal ainda maior: o tabagismo. Ainda na mão, esôfago e mediastino) infecciosas
primeira metade do século passado são (pneumonia necrotizantes, bronquiec-
descritas as primeiras ressecções de pul- tasias, tuberculose) ou funcionais e cos-
mão com indicação oncológica e fatos méticas (hiperidrose, deformidades do
históricos impressionantes delineam o tórax, miastenia gravis).
surgimento dessa nova especialidade: a A forma mais clara de dizer o que
cirurgia torácica. faz o cirurgião do tórax é definir que é
Um dos fatos históricos impres- “aquele que opera tudo na caixa torácica
sionantes e que sempre nos remete a exceto o coração isso se for cirurgia ele-
nossa própria fragilidade enquanto ser tiva”. Contudo, existe um detalhe aqui: a
humano é a ironia do fato de o primeiro transição cervico-torácica e toracoabdo-
cirurgião realizar com sucesso a retirada minal faz com que o cirurgião de tórax
do pulmão devido ao câncer e ter faleci- também seja responsável ou consultado
do do mesmo tipo de neoplasia muitos em situações relativas a cabeça e pesco-
anos depois. Ele não foi único comba- ço e diafragma. No exterior e em alguns
tente dessa guerra a sucumbir diante poucos centros no Brasil, é também co-
do vício maléfico de fumar. O câncer de mum que a cirurgia torácica realize in-
pulmão, mal da era moderna, ceifa anu- tervenções no esôfago pelo abdômen
almente centenas de milhares de vidas por meio de laparoscopia ou cirurgia
no Brasil e no mundo. A cirurgia torácica convencional.

456
Cirurgia Torácica CAPITULO 49

O ESPECIALISTA E A SUA ROTINA A consulta com o cirurgião torácico,


entretanto, é direcionada para proble-
A rotina do cirurgião do tórax segue mas específicos, e o cirurgião conta com
o padrão das especialidades cirúrgicas o auxílio, ou complemento no atendi-
com exceção à cirurgia geral e do trau- mento, de equipes multidisciplinares
ma o cotidiano é baseado em situações para lidar com problemas corriqueiros
eletivas. de saúde e que demandam seguimento
No tórax, não existem dezenas de ca- constante por clínicos gerais, cardiolo-
sos de urgência semanais; as urgências gistas etc.
em muito são relacionadas a problemas
de obstrução de vias aéreas (sangramen- TIPOS DE CONHECIMENTO FORMAL
to ou tumor) ou perfurações dos órgãos
intratorácicos que muitas vezes são ma- O cirurgião torácico deve manter-se
nejadas pelo cirurgião geral, seguido da atualizado em diversas áres do conhe-
abordagem do especialista do tórax nos cimento afinal de contas, o pulmão é o
casos de difícil resolução. Os cirurgiões “espelho do corpo” e nele diversas doen-
envolvidos nos serviços de retaguarda ças manifestam-se após o seu começo,
de grandes hospitais podem ser mais que pode ocorrer em outras partes do
comumente acionados para lidar com corpo9.
casos de pneumotórax ou trauma, após Um exemplo comum dessa asser-
o atendimento inicial nas emergências. tiva é a ocorrência do derrame pleural,
O relacionamento com os pacientes pois o câncer, a insuficiência cardíaca,
inicia-se muitas vezes com o contato fei- a doença renal, males reumatológicos
to através de outros profissionais que, etc. podem ter reflexo na caixa torácica
em seguida, discutem e encaminham os com essa apresentação: derrame pleu-
pacientes para resolução cirúrgica das ral uni ou bilateral. Saber o diagnóstico
doenças do tórax. Contudo, vem se tor- diferencial das doenças que causam o
nando cada vez mais comum a procura transudato ou exsudato demanda uma
direta dos pacientes pelos serviços de elevada gama de conhecimentos. Esse
cirurgia torácica o que ocorre muito em tipo de conhecimento abrangente faz-
virtude da disseminação da informação -se também necessário na abordagem
promovida pela internet e mídias sociais. do nódulo pulmonar ou da doença in-
Em tempos atuais, o paciente não so- tersticial. Engana-se o cirurgião ao pen-
mente consulta o cirurgião, mas antes sar que a sua tarefa deve ser limitada a
desse consultará o site Google Acadêmi- saber operar e remover parte do pulmão
co5, o Lattes6, Linkedin7 e/ ou Research- ou pleura para definir ou diagnóstico.
Gate8 para conhecer melhor o cirurgião Obviamente saber operar é importante,
que o atenderá ou que escreveu o capí- contudo, a correta discussão dos mé-
tulo de determinado livro. todos diagnósticos e/ou a maneira de

457
CAPITULO 49 Como Escolher a sua Residência Médica

abordar a doença para evitar maiores dos residentes está concentrada entre
agravos é fundamental para obtenção o Sul e Sudeste, colocando os centros
de melhores resultados e serve de adju- universitários como os principais polos
vante do sucesso perante o paciente e, formadores de especialistas. Existem
consequentemente, frente aos colegas. insitutições privadas que oferecem es-
tágios reconhecidos de excelente qua-
COMO IDENTIFICAR UM BOM lidade. A formação inclui dois anos de
PROFISSIONAL cirurgia geral e dois na especialidade do
tórax, não é incomum a permanência
Um bom profissional na área do tórax do jovem cirurgião nos centros acadê-
deve estar preparado para discutir de micos por mais um ou dois anos, onde
igual para igual sobre as doenças cardio- a formação é complementada em área
pulmonares com o seu pneumologista e específica: na posição de R5, o cirurgião
cardiologista; deve ser capaz de auxiliar consolida conhecimentos básicos da es-
o seu anestesista nos procedimentos de pecialidade e avança em procedimentos
intubação seletiva ou complicações clí- realizados por vídeo, oncologia torácica
nicas intraoperatórias; deve ainda estar ou treinamento em transplantes.
ciente dos critérios de estadiamento e A oferta de fellowships em países
abordagem oncológica para determinar europeus e nos Estados Unidos tem
a melhor linha de diagnóstico e trata- se tornado uma opção para formação
mento das neoplasias do tórax, enfim, a avançada de cirurgiões brasileiros. A
lista de profissionais com os quais o ci- abertura de oportunidades em centros
rurgião do tórax deve interagir, de forma no exterior, ou o retorno ao Brasil em
ativa e constante, é imensa. O cirurgião posição mais “diferenciada”, são atrati-
de tórax deve perseguir o conhecimen- vos significativos para cirurgiões do tó-
to, deve ser um curioso; necessita saber rax recentemente egressos dos centros
pesquisar e elaborar as questões certas de treinamento. Nos Estados Unidos;
para cada tipo de problema identifica- por exemplo, é praticamente mandató-
do. Em todas as áreas do conhecimen- ria a realização de um ano de pesquisa
to e em especial no tórax, o profissional (research fellowship) para o ingresso no
deve seguir o princípio básico de “saber treinamento clínico-cirúrgico nos gran-
o que está procurando para reconhecer des centros acadêmicos. Esse tipo de
adequadamente o que encontra”. “exigência” beneficia o centro de pes-
quisa, mas é gratificante para o jovem
MERCADO DE TRABALHO pesquisador cirurgião, que pode ter a
oportunidade de conviver, trabalhar e
No Brasil, atualmente existem pou- publicar artigos com muitos colegas de
co mais do que 500 cirurgiões de tórax renome internacional.
espalhados em todo o país. A formação

458
Cirurgia Torácica CAPITULO 49

O COTIDIANO DO CIRURGIÃO essa indagação frequente do mercado:


TORÁCICO quanto vou ganhar?
Recentemente, grande debate a res-
Após a formação básica e avançada, peito de remuneração médica ganhou
o cirurgião do tórax procura trabalhar força com a chegada de profissionais de
predominantemente em hospitais de outros países para o trabalho em áreas
cuidados terciários e quaternários, pro- inóspitas: o programa “Mais Médicos”.
vidos de adequada unidade de terapia Com um salário previsto de 10 mil reais,
intensiva e equipe multiprofissional o ganho equivale a outros programas
treinada para lidar com situações de oferecidos a jovens médicos, a exemplo
maior complexidade. Desde a drena- dos programas de saúde da família (PSF).
gem torácica ao transplante pulmonar A reflexão sobre tais valores é im-
e cirurgia robótica, o paciente com o portante para a indagação acima, pois
diagnóstico de doença torácica, e es- apesar da voz uníssona da crítica ao
pecialmente aqueles com necessidade governo sobre regimes de dita “escra-
de tratamento cirúrgico, são suscetíveis vidão”, muitos não percebem o quanto
a complicações cardiopulmonares e/ são submissos a valores estabelecidos
ou portadores de outras doenças crô- por tabelas defasadas por décadas e se-
nicas, tais como: o doença pulmonar guidas por seguros de saúde que ofere-
obstrutiva crônica (Dpoc), hipertensão, cem valores indignos aos cirurgiões na
diabetes etc.; ou seja, males mais co- execução de procedimentos complexos.
muns em pacientes idosos, fumantes, O valor médio da consulta é inferior ao
e que constituem o maior volume de preço de cortes de cabelo ou simples re-
ocorrências. Obviamente, existem tam- feições em bares de esquina.
bém situações de menor complexidade Muitas devem ser as indagações, não
em população jovem Doença Pulmonar somente sobre o que queremos, mas
Obstrutiva Crônica; destacando-se o também quais tipos de profissionais a
pneumotórax espontâneo e a hiperidro- sociedade necessita. As leis de oferta e
se primária, onde a cirurgia vídeo-assis- demanda sempre vão influenciar os ga-
tida e internação breve permitem a cura nhos profissionais. Em alguns estados,
ou remissão completa dos sintomas na os cirurgiões de tórax organizam-se por
grande maioria dos pacientes. cooperativas que visam a garantia de
valores dignos na cobrança de proce-
QUANTO GANHA O CIRURGIÃO dimentos ou coberturas dos hospitais.
DE TÓRAX Nas grandes capitais, como São Paulo e
Rio de Janeiro, essa organização é extre-
O modelo de remuneração do cirur- mamente dificultada pela competição
gião torácico, infelizmente, no Brasil, infrutífera e a falta de união entre os co-
não permite uma resposta acurada para legas no momento das negociações.

459
CAPITULO 49 Como Escolher a sua Residência Médica

Na cirurgia torácica e nas demais, o tas outras escolhas na vida, afinal de


ganho financeiro é proporcional ao tra- contas, na juventude, ao não encontrar
balho e à dedicação. Sendo que sorte e a pessoa certa, muitos se divertem a
fé também são importantes, para tudo aprendem a amar ou sofrer com pessoas
na vida. “erradas”. Sendo assim, mesmo não gos-
tando dessa ou daquela especialidade,
A RESIDÊNCIA experimentar de forma responsável é
extremamente importante e esse “expe-
Antes de iniciar a subespecialidade rimentar” jamais deve ser leviano fulgaz
do tórax, é necessário o treinamento ou sem compromissos. É fundamental
em cirurgia geral. Nesse período de dois entender que na vida profissional futu-
anos, todos os especialistas devem reali- ra, tanto quanto na residência, somos
zar períodos rotativos nas diversas espe- responsáveis por vidas e nossos colegas,
cialidades: cirurgia gastrintestinal, cardí- mais velhos ou mais novos, são nossos
aca, cabeça e pescoço, plástica, vascular irmãos, amigos, protetores fiéis, mas se-
e cirurgia do trauma. Nesse ponto, vale rão também perfeitos algozes diante da
ressaltar a importância de fazer a resi- incompetência ou desleixo. A residência
dência como parte de um programa demonstra o caráter do profissional.
completo, onde seja possível a vivência O residente, antes de tudo, é tam-
nas subespecialidades citadas. Nessa bém um administrador: do seu tempo,
fase, as aptidões surgem, os exemplos das rotinas do dia a dia, das escalas de
de outros colegas cirurgiões são obser- trabalho etc. Os colegas residentes tor-
vados e da mesma forma que no início nam-se amigos para toda a vida pro-
são excluídas as áreas onde não “nos en- fissional e comumente indicamos ou
xergamos no futuro”, são nos primeiros referimos uns aos outros em diferentes
dois anos de residência que são feitas hospitais, estados ou países. Atualmen-
as primeiras escolhas e de certa forma te, não devemos esquecer que o mun-
começamos por excluir o que não que- do atual é pequeno e plano10, e com
remos. poucos contatos é possível saber sobre
O desenrolar desse “namoro” não é aquele colega do outro continente.
diferente quando comparado a mui-

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

A proposta deste capítulo é o auxílio fadados ao insucesso. Ao longo dos úl-


no processo de decisão de jovens mé- timos 18 anos após a formatura, aqueles
dicos e acredito que aqueles que pro- que pude observar mais proximamente,
curam a especialidade apenas pelo que e que sabidamente eram bem sucedidos
dela receberão financeiramente estão e admirados, não foram simplesmente

460
Cirurgia Torácica CAPITULO 49

os mais ricos, mas, sim, aqueles que mais Os mestres de ontem, de hoje e sem-
souberam traduzir, em ações, a perspec- pre, nos oferecem retalhos do que que-
tiva do amor ao próximo, da dedicação remos ser. Saber tecer os bons retalhos é
ao trabalho e da competência técnica o que nos define na vida pessoal e pro-
adquirida com muito suor, sangue e, às fissional.
vezes, lágrimas. Boa sorte a todos.

SOBRE O AUTOR

Dr. Ricardo Sales dos Santos é:

Médico pela Universidade Federal da Bahia (Ufba). Fez residência em cirurgia geral
e torácica pela Universidade de Campinas (Unicamp) e aperfeiçoamento em cirur-
gia minimamente invasiva, transplante pulmonar e robótica pelas Universidades de
Pittsburgh e Boston, nos Estados Unidos. Hoje é coordenador do centro de cirurgia
torácica minimamente invasiva, robótica e broncoscopia do Hospital Israelita Albert
Einstein.

REFERÊNCIAS

1. Bíblia Sagrada. Gênesis 2:21-22.


2. Bíblia Sagrada. Jo 19.33,34.
3. Hippocrates (1847). Genuine Works of Hippocrates. Sydenham Society.
4. Bertolaccini L, Viti A, Di Perri G, Terzi A. Surgical treatment of pulmonary tuberculosis:
the phoenix of thoracic surgery? J Thorac Dis 2013;5(2):198-199. doi: 10.3978/j.issn.2072-
1439.2012.03.18.
5. Disponível em: <http://scholar.google.com.br/citations?hl=en&user=qeVZHBIAAAAJ>. Aces-
so em: 21 ago. 2013.
6. Disponível em: <http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresen-
tar&id=K4799431Z4>. Acesso em: 21 ago. 2013.
7. Disponível em: <http://www.linkedin.com/pub/ricardo-sales-dos-santos/a/51/641>. Acesso
em: 21 ago. 2013.

461
CAPITULO 49 Como Escolher a sua Residência Médica

8. Disponível em: <http://www.researchgate.net/profi le/Ricardo_Santos14/publications/>.


Acesso em: 21 ago. 2013.
9. The Lung as a Mirror of Systemic Disease. JAMA. 1956;162(3):257.
10. Thomas L. Friedman. The World Is Flat. A Brief History of the Twenty-first Century. Published by
Farrar, Straus & Giroux. Hardcover.April 2005.

462
CIRURGIA VASCULAR “

Dr. Guilherme Rebello Soares
Um homem é tão velho quanto suas artérias.

Thomas Sydenham

A A cirurgia vascular é a especialidade


cirúrgica que se destina ao estudo dos
sistemas arterial, venoso e linfático. De-
vido a onipresença desses, sua área de
atuação abrange praticamente todo o
de atuação, a cirurgia endovascular, que
permite a intervenção cirúrgica minima-
mente invasiva, nos surpreendendo a
cada dia com novas técnicas e materiais.
Quando da ausência do curso de re-
corpo. De forma mais completa, pode- sidência específico para especialidade,
mos apresentá-la também com o nome seus profissionais eram formados a partir
de angiologia e cirurgia vascular, uma do interesse particular de um cirurgião
vez que o residente é treinado nesta que passava acompanhar determinado
área de atuação, apesar da mesma exis- professor ou serviço de referência.
tir como especialidade clínica com for-
mação específica. O ESPECIALISTA E A SUA ROTINA

HISTÓRIA O cirurgião vascular deve dominar


conhecimentos diversos principalmente
Trata-se de uma especialidade rela- nas seguintes disciplinas: fisiologia, bio-
tivamente nova. Assim como diversas química, anatomia, patologia, técnica
outras, cresceu com a expansão do co- cirúrgica, clínica médica e cirúrgica.
nhecimento e a impossibilidade de um Um bom profissional deve ser capaz
único médico exercer sua expertise em de avaliar seu paciente como um todo,
diversas áreas cirúrgicas. tendo em mente que a doença vascular
Desenvolveu-se com grande rapidez está inexoravelmente ligada aos hábitos
no século XX, principalmente após a Se- de vida de seus doentes. Deve ter parci-
gunda Guerra Mundial, em virtude das mônia na indicação de um procedimen-
lesões traumáticas. to cirúrgico, individualizando cada caso
Esta em recente expansão graças ao e, principalmente, estar atento às novi-
desenvolvimento de uma nova frente dades e avanços da área, desenvolven-
CAPITULO 50 Como Escolher a sua Residência Médica

do pensamento crítico diante da grande determinando um “casamento” com seu


pressão da indústria farmacêutica e de médico.
produtos médicos, na tentativa de fazer Constituem o grande foco dos servi-
uma medicina mais eficaz e barata. ços de residência, especialmente no Sis-
Do ponto de vista da sociedade, o tema Único de Saúde (SUS). Costumam
profissional é vinculado a todo tipo de apresentar-se com doença arterial avan-
patologia com comprometimento vas- çada e descompensados das doenças
cular, independente de sua localização associadas em virtude de uma atenção
(não seria surpresa uma consulta para básica precária.
avaliação de hemorroidas ou varicoce- Portanto, o cirurgião vascular, mes-
le). Além disso, é recomendado por co- mo aquele que disponha de uma estru-
legas para investigação de patologias tura multidisciplinar e que funcione de
como ligado aos membros inferiores, forma rápida, deverá dominar conheci-
entre eles toda miríade de edema e feri- mentos nessas patologias clínicas mais
mentos dos inferiores. prevalentes nos doentes arteriopatas.
Diante dessas características, o vas-
O PACIENTE cular deverá estar preparado também
para aceitar o insucesso como fruto da
O perfil do paciente da cirurgia vascu- inexorável evolução de uma doença
lar se divide basicamente de acordo com grave e sem cura como a aterosclerose,
os dois grandes sistemas tratados pela muitas vezes priorizando a vida em re-
especialidade. O doente arteriopata e o lação á tentativa de manutenção de um
flebopata. Este último é a grande maioria membro do paciente.
do dia a dia do consultório e maior parte Entre as doenças mais tratadas estão:
deles pode ser manejado clinicamente
Insuficiência venosa crônica;
ou requerem procedimento cirúrgicos
Tromboembolismo venoso;
de menor porte ou abordagens estéti-
cas. Há um grande nível de expectativa Doença arterial obstrutiva periférica;
quanto ao resultado e geralmente seu Doença cerebro-vascular extracraniana;
acompanhamento se faz por breves pe- Doença aneurismática;
ríodos. Já o doente arterial, constitui-se Linfedema;
no grande desafio ao profissional vascu- Trauma vascular.
lar. Geralmente, são pacientes de idade
avançada e manejo complexo, uma vez MERCADO DE TRABALHO
que são portadores de uma série de fato-
res de risco e comorbidades típicas como O cirurgião, apesar de realizar ativi-
diabetes, hipertensão e dislipidemia. dade ambulatorial em consultório, de-
São doentes que irão demandar verá estar vinculado a alguma unidade
acompanhamento pelo resto da vida, de saúde de maior porte onde possa

464
Cirurgia Vascular CAPITULO 50

desempenhar sua atividade cirúrgica. A não ser que se torne empresário,


Portanto, o cirurgião vascular geralmen- provavelmente você não ficara rico sen-
te se estabelece em cidades de médio e do médico. Entretanto, em comparação
de grande porte. a outras profissões de saúde, o médico
Provavelmente, nenhum profissional vascular é bem remunerado, não haven-
da área dirá que o mercado de trabalho do grande diferença em relação ao mé-
é bom. As grandes cidades ainda têm dico de outra especialidade.
dado conta de absorver a mão de obra
recém-formada, entretanto melhor re- INTERAÇÃO
muneração e melhores oportunidades
estarão fora das capitais. A interação com outras áreas da me-
O que costumamos ouvir de profis- dicina é intensa. Constantemente men-
sionais experientes é que deixamos a te somos chamados a avaliar pacientes
residência com expectativas de realizar em virtudes de achados incidentais no
cirurgias diversas, principalmente as ar- curso de evolução de outra patologia.
teriais, entretanto a menor prevalência Geralmente são solicitados parecer em
destas em relação à patologia venosa, suspeita de trombose venosa Profun-
as dificuldades em conduzi-las e a baixa da, lesões em membros em pacientes
remuneração em relação a casos de me- diabéticos e/ou isquêmicos, acessos
nor complexidade, levam o cirurgião a vasculares para diálise e achados como
se dedicar com mais afinco à flebologia aneurismas e lesões ateroscleróticas
e fleboestética. significativas de carótidas. Além disso,
Há uma enorme carência em vascu- somos convidados a participar de pro-
lares com dedicação à patologia linfáti- cedimentos cirúrgicos de outras espe-
ca, uma vez que são doenças crônicas, cialidades, uma vez que há comprome-
que demandam tratamento, complexo, timento vascular pela patologia de base,
demorado e multidisciplinar. como em cirurgia oncológica.
Infelizmente, a cirurgia vascular é
REMUNERAÇÃO vista por outras especialidade como a
especializada em feridas do membros. É
A remuneração se tornou um dos comum atendermos qualquer paciente
maiores desafios da especialidade. Infe- com ferimento crônico com a justificati-
lizmente, não somos ensinados duran- va de se tratar de doença vascular.
te os anos de faculdade a desenvolver
habilidades administrativas. Questões A RESIDÊNCIA
como: como cobrar do paciente? Como
lhe dar com a saúde complementar, A residência de cirurgia vascular é
suas exigências e a baixa remuneração? composta por dois anos de formação
Vale a pena trabalhar no SUS? com imersão na área, seguindo crono-

465
CAPITULO 50 Como Escolher a sua Residência Médica

grama e conteúdo estabelecido pelo ternados possam desenvolver durante


Ministério da Educação (MEC). Como sua estadia. É imprescindível que tenha
pré-requisito é exigido certificação em habilidades para realizar pequenos pro-
residência de cirurgia geral reconhecida cedimentos a beira do leito como: in-
pelo órgão citado. Pode-se optar por ano tubação oro-traqueal, acessos venosos
complementar em na área de atuação centrais, sondagens, desbridamentos,
conhecida por cirurgia endovascular (R5). manejo de feridas operatórias e suas
O número de vagas oferecidos pelos complicações e curativos.
serviços varia de acordo com a deman- Entre as atribuições dos R1, incluem-
da de atendimentos nas unidades, mas -se o atendimento nos diversos ambula-
geralmente são de duas a quatro vagas tórios da especialidade, principalmente
por ano. Seu funcionamento e divisão nos ambulatórios de primeiras consultas
de tarefas dependerá de cada serviço, de pacientes arteriais, venosos e porta-
mas tende a seguir uma divisão hierár- dores de pé diabético, uma vez que o re-
quica das obrigações, característica das sidente será exposto às queixas mais co-
especialidades cirúrgicas. Infelizmente, muns a que terá contato e poderá iniciar
volta-se a ser R1 e o trabalho duro ficará o raciocínio diagnóstico das principais
a cargo deste. Entre suas atribuições, en- patologias e seu desenrolar investigati-
contram-se a prescrição e o acompanha- vo e condutas terapêuticas. Os atendi-
mento diário dos pacientes à beira do mentos geralmente são realizados sob
leito, cuidado da burocracia que envolve orientação de um R2 e de um membro
internamento do paciente como: histó- da preceptoria (staff).
ria admissional, exame físico detalhado Nos serviços que possuem emergên-
contendo análise criteriosa de pulsos cia com livre demanda, os residentes de
e índices, exames complementares já cirurgia vascular devem se revezar entre
realizados, além de preenchimento de plantões presenciais ou sobreaviso uma
evolução diária, relatórios, pedidos de vez que lesões vasculares são bastante
exames etc. Tendo conhecimento os pa- comuns no trauma e uma série de pa-
cientes, o R1 será o fio condutor na visita tologias se apresentam de forma aguda,
(round em alguns estados) à enfermaria. podendo ser ameaçadora à vida ou à via-
Além disso, deverá planejar o pré-ope- bilidade de um membro.
ratório e acompanhar o pós-operatório, Do ponto de vista prático, o R1 já pos-
vigiando quadro clínico e especialmente sui habilidades técnicas que o permitam,
feridas operatórias. Já sendo cirurgião em poucos meses de residência, par-
geral, o residente de cirurgia vascular ticipar ativamente dos procedimentos
tem maior autonomia para determina- cirúrgicos rotineiros como amputações,
ção de condutas clínicas que envolvam acessos vasculares de longa permanên-
investigação e manejo de comorbida- cia para hemodiálise/administração de
des ou complicações que pacientes in- drogas, confecção de fístulas arteriove-

466
Cirurgia Vascular CAPITULO 50

nosas, cirurgias venosas, como safenec- namento do setor e de seus aparelhos,


tomias, e desempenhar algumas etapas passando pelo manejo do software das
das cirurgias arteriais de maior porte. máquinas e operacionalização das me-
Por fim, além do trabalho assistencial, sas até o preparo do paciente, posiciona-
os residentes têm como função a elabo- mento, vias de acesso, materiais, princi-
ração de aulas, casos clínicos e discus- pais procedimentos realizados e manejo
sões científicas. de suas complicações.
O R2 ficará encarregado da supervi- Trata-se de uma residência com alto
são e auxílio dos R1 no desempenho das grau de exigência física e mental, des-
atividades citadas, discussão e preparo mentindo a ideia de que a residência em
criterioso dos casos cirúrgicos a serem especialidade será mais aprazível que a
abordados, acompanhamento pós-ope- de cirurgia geral. Considerando que o
ratório, principalmente em unidades campo de estudo se torna menos abran-
fechadas e revisões cirúrgicas pós-alta- gente e mais prazeroso para os que o es-
-hospitalar. colheram, o esforços será recompensa-
Deverá adquirir competência para do, mesmo que quase sempre sua carga
que possa, sob supervisão, orientar e au- horária supere as 60h determinadas nos
xiliar o R1 a desempenhar cirurgias que cronogramas de residência.
são destinadas a estes. O ambiente na residente está intima-
Permanece horizontalmente ao lon- mente ligada às características dos servi-
go do ano prestando assistência nas ço e à personalidade de seus coordena-
unidades com pronto atendimento, dores. Em tese, não foge ao padrão das
atendendo casos de urgência, principal- especialidade cirúrgicas, em que seus
mente atuando ativamente na discus- profissionais possuem características
são das condutas a serem tomadas de mais práticas e proativas, entretanto o
forma imediata. equilíbrio seria ideal. Uma vez que os re-
Será responsável pelo desempenho sidentes são mais independentes e ma-
das cirurgias de maior porte como revas- duros como médicos, ha uma tendência
cularizações de membros, aneurismec- à parcimônia em relação às exigências.
tomias e endarterectomias de carótidas. Tenha em mente que não existe re-
Adquirir maior autonomia na realiza- sidência perfeita e completa. Você será
ção de ultrassom doppler e a confecção o maior responsável por conduzir seu
de seus laudos. aprendizado.
Apesar da existência de um ano adi- Inicie sua busca levando em conside-
cional como área de atuação, a residên- ração alguns aspectos do serviço como:
cia deve seguir a tendência de evolução É referência em cirurgia vascular em sua
da especialidade, sendo que o R2 deve cidade/estado? Possui enfermaria pró-
adquirir conhecimentos em henomi- pria da cirurgia vascular? Quantos leitos?
dâmica que englobam desde o funcio- Possui unidade de pronto atendimento?

467
CAPITULO 50 Como Escolher a sua Residência Médica

Centro cirúrgico e estrutura para prepa- recerem oportunidades no mercado de


ro pré e pós-operatório do paciente vas- trabalho.
cular? Bioimagem com ultrassonografia Foque em algumas provas e se dedi-
doppler? Hemodinâmica ou, pelo menos, que ao estudo do processo seletivo deste
Arco “C”? Desenvolve atividade teórico- serviço. Cirurgia vascular se tornou uma
-cientificas? Realiza atividades ambula- das três especialidades mais concorridas
toriais de baixa complexidade e procedi- da cirurgia e é sabido que há protecio-
mentos estéticos? nismo quanto à admissão de candidatos
Dê preferência a hospitais gerais e oriundos de outros serviços em alguns
centro universitários, em virtude da in- instituições.
teração com as diversas especialidades
e por manter-se próximo da produção ÁREAS DE ATUAÇÃO
científica. Valorize hospitais com capa-
cidade para cirurgias de grande porte, Talvez, a cirurgia vascular seja uma
uma vez que a residência pode ser uma das especialidades cirúrgicas mais com-
das poucas chances de assistir à casos ra- pletas quando se leva em consideração
ros e complexos. seu dia a dia. Uma vez que o profissio-
Uma vez selecionado alguns serviços, nal divide sua atenção entre consultas
leve em consideração os planos que tem clínicas, exames complementares – ba-
para o futuro. Onde quer morar? Que sicamente ultrassom doppler vascular -,
atividade pretende desempenhar? Qual procedimentos ambulatoriais, procedi-
qualidade de vida pretendo ter? mentos cirúrgicos abertos e endovascu-
Lembre-se que seus chefes, prova- lares – hemodinâmica.
velmente, serão os primeiros a lhe ofe-

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

A realização na cirurgia vascular es- também aqueles com gosto por desa-
tará intimamente relacionada ao ramo fios que não dispensarão as cirurgias ar-
da especialidade que se quer dedicar. teriais. E finalmente, os que se encantam
Por ser ampla e diversa, haverão profis- com o caráter desbravador, investigati-
sionais que se satisfazem com atendi- vo e minucioso de tratar o paciente de
mento em consultório e procedimento forma minimante invasiva.
cirúrgicos menores e/ou estéticos. Há

468
Cirurgia Vascular CAPITULO 50

SOBRE O AUTOR

Dr. Guilherme Rebello Soares é:

Médico pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP). Atua como ci-
rurgião geral pelo Hospital Ana Nery (HAN) - UFBA e médico residente do 4° ano de
cirurgia vascular do Hospital Geral Roberto Santos (HGRS).

REFERÊNCIAS

1. Sociedade Brasileira de Angiologia e CirurgiaVascular. Disponível em: <http://www.sbacv.


com.br>. Acesso em: 12 nov. 2013.
2. Brito. Cirurgia Vascular: Cirurgia Endovascular, Angiologia. Edição: 3a Ano: 2014. Revinter.

469
COLOPROCTOLOGIA


Dr. Divaldo Ribeiro Lopes Filho
Dra. Meyline Andrade Lima

É dever do cirurgião tranquilizar o
temperamento, gerar alegria, e dar a
confiança da recuperação.

Sir Astley Paston Cooper

A A coloproctologia é a especialidade
médica que trata das doenças do cólon,
do reto e do ânus, tanto clínicas quanto
cirúrgicas. Compreende também uma
série de procedimentos de diagnóstico,
relacionado à doença hemorroidária.
Portanto, a importância do especialista
em investigar e diagnosticar uma deter-
minada queixa do paciente se impõe,
já que diversas doenças podem cur-
como a colonoscopia, a manometria sar com sintomas semelhantes. Como
anorretal e a ultrassonografia endorretal. exemplo, o sangramento anorretal, que
Dentre as principais doenças que muitas vezes é banalmente atribuído às
acometem esses segmentos anatômi- "hemorróidas"3, pode, em alguns casos,
cos, encontramos, por exemplo, desde ser a manifestação inicial de um câncer
entidades orgânicas como os tumores de reto.
e as doenças hemorroidárias, até con-
dições funcionais como a constipação HISTÓRICO
(prisão de ventre) e a síndrome do in-
testino irritável. Para se ter uma ideia da Embora pareça ser uma especialida-
prevalência de algumas dessas doenças de médica recente, tem uma história de
em nosso meio, cito o câncer colo-retal pelo menos 5000 anos, sendo documen-
que hoje, no Brasil, ocupa o terceiro lu- tados diversos tratamentos ou procedi-
gar entre as mulheres e o quarto entre mentos proctológicos em praticamente
os homens em se tratando de neoplasia todas as civilizações. Na civilização egíp-
maligna de uma maneira geral2. cia, por exemplo, a descoberta de hie-
Por outro lado, após os cinquenta róglifos e sua decifração, revelou que,
anos, pelo menos 50% dos seres hu- dentre os médicos do faraó, existia um
manos já manifestou algum sintoma
CAPITULO 51 Como Escolher a sua Residência Médica

que cuidava das suas patologias procto- com um número crescente de pacientes
lógicas1. cirúrgicos e de grande complexidade.
No Brasil, em 12 de setembro de Outro aspecto importante do dia a
1934, na cidade do Rio de Janeiro, então dia é a realização de exames comple-
capital federal, um grupo de 20 médicos mentares, dentre eles os mais comuns
reuniu-se para fundar uma sociedade e a colonoscopia, retossigmoidoscopia e
congregar os especialistas em Proctolo- manometria anoretal. Muitos especialis-
gia, dando início, então, à atual Socieda- tas inclusive concentram suas atividades
de Brasileira de Coloproctologia (SBCP)4. nessa área, deixando um pouco de lado
Marco também importante na traje- a área cirúrgica.
tória da sociedade foi a aquisição de sua Trata-se de especialidade muito di-
sede própria, em 1988, inaugurada em nâmica, onde você pode optar tanto por
15 de outubro de 1989, por ocasião do um estilo de vida mais calmo e progra-
38º Congresso. Nessa época, foi propos- mado, focado em ambulatórios e exa-
ta a fixação da sede da Associação Lati- mes, ou se concentrar na área cirúrgica,
noamericana de Coloproctologia (ALA- com um estilo de vida mais agitado, afi-
CP) no Brasil, junto à nossa sociedade, nal só não tem complicações quem não
confirmada na assembleia da ALACP em opera e estas não tem horário progra-
Las Leñas – Argentina, em 1991. mado.
Atualmente, a sociedade conta com
1.691 membros, sendo 14 honorários; MERCADO DE TRABALHO
50 remidos, 633 titulares, 408 associa-
dos, 555 filiados, 20 aspirantes e 11 Ainda existe bastante espaço para
correspondentes, sendo a segunda so- profissionais na área da coloproctologia.
ciedade mundial da especialidade em Alguns grandes centros já se encontram
número de sócios. saturados, porém em um país como
o Brasil, de proporções continentais,
O ESPECIALISTA E A SUA ROTINA muitas áreas de regiões metropolitanas
apresentam déficits de profissionais.
O atendimento ambulatorial ocupa Muitos paciente ainda recorrem à capi-
50% da rotina do coloproctologista, sen- tal para realizar procedimentos simples
do a constipação intestinal6 e as doenças como uma hemorroidectomia, devido
orificiais as queixas mais frequentes nos à falta de especialistas em suas cidades.
atendimentos. Apenas uma pequena O retorno financeiro existe, porém
parcela desses atendimentos resulta em como em outras áreas, depende de de-
pacientes com patologias realmente ci- dicação e bastante trabalho, manter os
rúrgicas. consultórios cheios, que demandam de-
Em grandes centros de referência em dicação, tempo e paciência. A necessi-
câncer colo-retal, isso pode ser o inverso dade da constante renovação de conhe-

472
Coloproctologia CAPITULO 51

cimento, participação de congressos e O residente do segundo ano concen-


cursos é uma realidade no cenário atual, tra suas atividades em atividades mais
onde, manter-se atualizado será o dife- complexas da área, como cirurgia ab-
rencial no seu trabalho. dominais colorretais de maior comple-
xidade, além da realização de exames
A RESIDÊNCIA complementares, como a colonoscopia
e a manometria anorretal. A vídeolapa-
Como pré-requisito para realização roscopia tem surgido com grande im-
da residência em coloproctogia, é neces- pacto na atuação do coloproctologista,
sário realização de dois anos em cirurgia no entanto, devido a sua recente im-
geral em serviço credenciado pelo Mi- plementação da área, muitos serviços
nistério da Educação (MEC). principalmente os ligados ao Sistema
A residência tem três áreas impor- Único de Saúde (SUS), não dispõem
tantes de atuação, a parte ambulatorial, deste recurso. Outra novidade que não
a realização de exames complementares está disponível em todos os serviços é a
e a parte cirúrgica. Os dois anos de es- ultrassonografia endoanal. Verifique em
pecialização são divididos e o residente cada hospital que você estiver prestado
vai aumentando sua experiência e atu- concurso sobre a disponibilidade de tais
ação em complexidade, conforme vai recursos.
avançando na residência. Cada hospital O programa mínimo para residência
possui um programa diferente, porém ter credenciamento pela SBCP - Socieda-
seguindo uma linha lógica, conforme de Brasileira de Coloproctologia consta:
apresentado a seguir. • Staff: participação de no mínimo dois
No primeiro ano de residência, o R1, membros titulares especialistas da
como é chamado, fica concentrado na SBCP;
realização de consultas ambulatoriais • Cirurgias: média mensal de pelo me-
da especialidade e em procedimentos nos três cirurgias colorretais e seis ci-
cirúrgicos de menor complexidade, po- rurgias anoperineais;
rém não menos importantes como as • Ambulatório: média mensal de pelo
cirurgias orificiais: hemorroidectomias, menos 50 consultas;
fistulectomias, fissurectomias, exérese • Endoscopias: média mensal de pelo
de lesões anais (condilomas). Além da menos 20 retossigmoidoscopias e
iniciação na realização de exames com- cinco colonoscopias;
plementares, como a anuscopia, retos- • Unidades de apoio disponíveis: ra-
sigmoidoscopia rígida e flexível. Esse diologia, anatomia patológica, en-
ano é a base para a atuação profissional doscopia, laboratório de análises
e deve ser bem aproveitado. Afinal, é o clínicas, UTI, oncologia, radioterapia,
dia a dia do coloproctologista. arquivos médico e estatístico.

473
CAPITULO 51 Como Escolher a sua Residência Médica

ENSINO • Ambulatório: mínimo de 15% da car-


ga horária anual, urgência e emer-
• Reunião semanal do serviço, com dis- gência: mínimo de 15% da carga ho-
cussão dos casos atendidos e eventu- rária anual;
almente discussão de artigos publica- • Centro cirúrgico: mínimo de 25% da
dos; carga horária anual, estágios obriga-
• Estímulo para a produção de traba- tórios: gastroenterologia, patologia e
lhos científicos para apresentação no colonoscopia;
congresso anual da SBCP e eventual • Estágios opcionais: urologia, gineco-
publicação na revista da SBCP; logia, cancerologia, diagnóstico por
• Envio de, no mínimo, um artigo origi- imagem, estomatoterapia, nutrolo-
nal por ano para possível publicação gia, laboratório de técnica operatória
na revista da SBCP. e cirurgia experimental;
• Hemoterapia e outros a critério da
Programa da residência de coloproc- instituição;
tologia - R1 e R2 preconizada pelo MEC5: • Instalações e equipamentos: retos-
• Unidade de internação: mínimo de sigmoidoscopia, fibrocolonoscopia e
25% da carga horária anual; cirurgia endoscópica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

A cirurgia colorretal laparoscópica já laparoscópica, porém com mais preci-


é uma realidade em muitos centros do são nos movimentos e em uma visão 3D.
país e grandes avanços nessa área têm Na área de exames várias novidades
sido apresentados. Ela traz um menor têm sido lançadas, tais como: a colonos-
tempo de internação, recuperação e re- copia virtual, a colonoscopia com mag-
torno mais rápido ao trabalho, além do nificação de imagens, a ultrassonografia
melhor efeito estético. Outra novidade é endoanal, a anuscopia de alta resolução
a ressecção endoscópica transanal que para diagnóstico de HPV, dentre tantos
utiliza a técnica laparoscópica por aces- outros.
so via transanal, possibilitando a realiza- A coloproctologia é uma especiali-
ção de ressecções de lesões retais sem dade dinâmica, com várias áreas para
que seja necessária a abertura da cavi- atuação, possibilitando ao profissional a
dade abdominal. escolha livre de qual caminho a seguir.
Uma realidade que ainda está lon- Além de permitir também que você
ge da nossa rotina é a cirurgia robótica, exerça a profissão por completo, desde
onde os movimentos precisos do cirur- o diagnóstico clinico ao tratamento ci-
gião são reproduzidos por braços mecâ- rúrgico.
nicos do robô Da Vinci, utilizando a via

474
Coloproctologia CAPITULO 51

Você pode exercer sua atividade tan- fixar em grandes centros podendo dis-
to no interior com poucos recursos, tra- por de toda uma infraestrutura e equi-
tando das doenças mais simples, porém pamentos de última geração para tratar
bastante prevalentes, como também se os casos mais complexos.

SOBRE OS AUTORES

Dr. Divaldo Ribeiro Lopes Filho é:

Médico formado pela Universidade Gama Filho (UGF), fez residência de cirurgia
geral avançada na Universidade São Paulo (USP) (2009-2012), é membro do Colégio
Brasileiro de Cirurgiões (CBC) e possuí título de especialista em cirurgia geral.

Dra. Meyline Andrade Lima é:

Médica formada pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) tem residência em co-
loproctologia no Hospital Heliópolis. Fez fellow clinical no Instituto Angelita e Joa-
quim Gama. É membro da Sociedade Brasileira de Coloproctologia (SBCP) e possuí
título de especialista em coloproctologia pela mesma instituição.

REFERÊNCIAS

1. Quilici FA, Neto JAR. Atlas de Proctologia – do Diagnóstico ao Tratamento. São Paulo-BR. Le-
mos Editorial, 2000.
2. Instituto Nacional do Câncer. Disponível em: <www.inca.gov.br>.
3. Corman ML. Colon and Rectal Surgery, 5th ed. Philadelphia-USA, Lippincott William & Wilkins,
2005.
4. Site da Sociedade Brasileira de Coloproctologia. Disponível em: <www.sbcp.org.br>.
5. Site do MEC. Disponível em: <www.portalmec.gov.br>
6. Wolff BG, Fleshman JW, Beck DE e col. The ASCRS Textbook of colon and rectal surgery. New
York, NY. Springer, 2007.

475
MASTOLOGIA “

Dr. Rafael Amin Menezes Hassan
O impossível verosímil é preferível ao
possível não acreditável.

John Diamond

A A era moderna da mastologia teve


início entre os anos de 1877 e 1889, res-
pectivamente, por Charles H. Moore e
o famoso Willian S. Halsted, quando o
câncer de mama era tratado estritamen-
tica. Hoje, W. Halsted dificilmente enten-
deria a mulher com câncer de mama que
além da cura, manutenção da glândula
mamária e preservação das suas funções,
deseja terminar o tratamento com seios
te pela mastectomia radical. Em uma mais belos do que o inicial.
lógica que perdurou por séculos de que
quanto maior era a ressecção maior a O ESPECIALISTA E A SUA ROTINA
cura.
Esse paradigma foi modificado de O mastologista atual é um profis-
forma gradual e respeitosa. A cada nova sional de múltiplos requisitos, dentre
publicação, um estilhaço de beleza fe- os quais, a oncologia é o foco principal.
minina ia sendo poupado. Patey, em Recebe seus clientes encaminhados por
1930, com a sua preservação do mús- alterações em exames de rastreio popu-
culo peitoral maior, Madden em 1972 lacional para câncer de mama, queixas
com a preservação dos dois músculos clínicas mamárias, seguimento de pes-
peitorais. Em seguida, Umberto Verone- soas em alto risco de desenvolver câncer
si comprovou a eficácia da quadrantec- de mama ou pacientes em tratamentos
tomia mamária, canonizada por Bernard com oncologista ou ginecologista. Deve,
Fischer, através do maior estudo que tra- além de dominar as patologias mamá-
tava do assunto, o protocolo NSABP 06. rias, saber como chegar ao seu diag-
Toda essa jornada de progressão da nóstico da melhor maneira, com menor
arte cirúrgica, aliada ao grande desenvol- morbidade. As habilidades terapêuticas
vimento da radioterapia e terapia sistê- exigidas variam desde tratamento cirúr-
mica, permitiu estruturar os alicerces que gico individualizado até condutas ex-
contemplam o mundo da atual oncoplás- pectantes bem indicadas e conduzidas.
CAPITULO 52 Como Escolher a sua Residência Médica

No entanto, a principal demanda ainda de mama. O tempo do programa de re-


são as patologias benignas, que na sua sidência é predominantemente dividido
maioria, requer orientações bem escla- entre ambulatórios e centro cirúrgico.
recidas, e menos comumente, terapias As outras atividades incluem: aulas e
medicamentosas e cirúrgicas. discussão de casos, períodos de experi-
O bom mastologista está cravado ência na patologia, oncologia, cirurgia
em fortes alicerces, figurados em ou- plástica, radioterapia e radiologia. Exis-
tras especialidades: na radiologia, seja, tem áreas específicas que podem variar
para triagem, estudo loco-regional e/ou de um serviço para outro, com ênfase
estadiamento. No patologista, que res- em oncoplástica e alto risco familiar, por
paldará seu diagnóstico e o desfecho, exemplo.
inclusive em situações intraoperatórias. A carga horária segue o padrão das
No oncologista e radioterapeuta, asse- demais residências médicas, no entanto,
gurando adjuvância (ou neoadjuvância). não possui o inconveniente dos plan-
Esse profissional é o maestro na vida tões noturnos e de finais de semana,
da mulher que enfrenta o câncer de sendo suficiente escalas de sobreaviso.
mama, regendo com harmonia entre Ao escolher um serviço para prestar
os agudos e graves, tentando oferecer prova, esteja atento às peculiaridades
a melhor terapêutica, com menor mor- de cada um. Tente enquadrá-los sempre
bidade possível. Os pacientes têm perfil em uma balança, onde, em um extremo,
que variam da ansiedade do diagnóstico estão as atividades práticas e, no outro,
à resignação e enfrentamento do pro- a parte teórica; ou seja, não adianta uma
cesso. Embora hajam essas peculiarida- residência com excelente volume de
des, o tato na relação médico-paciente é patologias mamárias e cirurgias, sem
fundamental para o estabelecimento da uma assistência ao residente adequada
confiança no médico e no tratamento, e qualificada, bem como uma residência
bem como ajuda na recuperação e no de inúmeras publicações científicas sem
aceitamento das sequelas e efeitos cola- volume cirúrgico razoável para curva de
terais relacionados. aprendizado.
Apesar dos dois anos curtos de resi-
A RESIDÊNCIA dência, é frequente a complementação
da formação em anos adicionais com
A residência em mastologia possui cursos que capacitam laudar exames em
como pré-requisitos a formação em gi- radiologia mamária ou aprimoramentos
necologia e obstetrícia ou cirurgia geral, em oncoplástica.
consiste oficialmente de dois anos, nos O título de mastologia pode ser ad-
quais se aprende diagnóstico e trata- quirido, após os dois anos de residência,
mentos, voltados para mama, dentre através de uma prova chamada TEMa;
patologias mamárias benignas e câncer aplicada anualmente, desde 1983.

478
Mastologia CAPITULO 52

MERCADO DE TRABALHO harmonia entre eles, a paciente ganha


benefícios de qualidade no seu trata-
A mastologia é uma especialidade mento, imensuráveis. O bom mastolo-
em ascensão e representa um trabalho gista deve ter sempre um radiologista e
gratificante e muito prazeroso. A visão um patologista em sua rede de trabalho.
oncológica predomina na formação do Essa confiança é fundamental para o es-
mastologista e por estar associada à bai- tabelecimento correto do diagnóstico e
xas taxas de morbidade e mortalidade de para o acompanhamento terapêutico.
tratamento local, constitui em uma ativi- Poder-se-ia dizer que sem esse tripé não
dade de altíssima recompensa pessoal. O se faz mastologia de excelência.
mastologista é decisivo na vitória contra Após a formação inicial do mastolo-
o câncer de mama, que quando diag- gista, é muito comum ver profissionais
nosticado adequadamente, ultrapassa realizando plantões nas suas áreas de
os 90% em sobrevida livre de doença. origens (plantão obstétrico ou cirur-
Mesmo quando não se atinge o sucesso gia geral) com intuito de suplementar
absoluto do tratamento, ainda pode-se a renda. Financeiramente não agrega
oferecer o conforto das cirurgias paliati- tanto valor como outras especialidades
vas. Porém, com a grande evolução dos cirúrgicas e os preços praticados pelos
tratamentos sistêmicos, não é raro trans- convênios de saúde não animam, por
formar um câncer avassalador em uma exemplo, uma exérese de nódulo pal-
doença crônica controlada. Portanto, a pável pode custar em torno de 60 re-
maior qualidade de vida que essa bela ais líquido. No entanto, no universo da
especialidade pode oferecer está no re- saúde particular, os rendimentos são
sultado da combinação entre diagnósti- mais justos. No geral, leva-se uma boa
co precoce e tratamentos de preserva- qualidade de vida com horários de tra-
ção/reconstrução da mama, que além de balho flexíveis, noites e fins de semanas
manter a autoestima feminina íntegra, a quase sempre preservados. Como dito
fortalece em sua razão de viver. anteriormente, a maior remuneração da
O mercado de trabalho do mastolo- mastologia está sacramentada na sua
gista vem tornando-se cada vez mais res- satisfação pelo bem-estar que você pro-
trito, a partir do momento que os setores porciona aos seus pacientes.
de radiologia abrigam para si a detecção Existe ainda a possibilidade de traba-
e o diagnóstico das doenças mamárias. lhar com:
As pistolas de biópsia por CORE são cada • Radiologia mamária: existem uma
vez mais raras nas gavetas dos consultó- série de cursos que capacitam o mas-
rios dos mastologistas. No entanto esses tologista laudar exames radiológicos
seguimentos devem ser vistos como de mama;
grandes aliados, porque, quando ocorre

479
CAPITULO 52 Como Escolher a sua Residência Médica

• Oncoplástica: existe uma grande curso oficial, como ano adicional da


tendência dessa prática tornar-se um mastologia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

O câncer de mama ainda é um gran- também funciona como motivador para


de problema a ser enfrentado pelas au- que a nossa geração seja a que atue de
toridades brasileiras. A saúde pública do forma decisiva para oferecer uma me-
nosso país ainda carece de programas lhor assistência aos pacientes que so-
estruturados de rastreio, diagnóstico frem com o câncer de mama, doença
precoce e tratamento adequado. Vemos tão difícil para as mulheres. A recom-
no nosso dia a dia casos mais avança- pensa, no entanto, de melhorar a vida
dos do que deveriam ser em um cená- dessas pessoas, é inestimável.
rio ideal. Tudo isso é desalentador, mas

SOBRE O AUTOR

Dr. Rafael Amin Menezes Hassan é:

Médico pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP). Realizou residên-
cia médica em cirurgia geral no Hospital Santo Antônio (HSA), na Bahia, e também
em mastologia na Universidade de São Paulo (USP), fellowship em oncoplástica no
Hospital Nossa Senhora das Graças (HNSG), no Paraná.

REFERÊNCIAS

1. Sociedade Brasileira de Mastologia. Disponível em: <http://www.sbmastologia.com.br/in-


dex/>. Acesso em: 7 dez. 2013.
2. Instituto Nacional do Câncer. Diponível em: <http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/
inca/portal/home>. Acesso em 1 out. 2013.
3. Bland CS: The Halsted mastectomy: Present illness and, past history. West J Med 134:549-555,
Jun 1981.
4. Crile G Jr: What Women Shotuld Know About the Breast Cancer Controversy. New York, Mac-
millan Publishing Co, 1973.

480
UROLOGIA


Dr. Guilheme Philomeno Padovani
Promover a saúde sexual e reprodutiva dos


homens é uma pedra angular para melhorar
a sua saúde em geral, para reduzir alguns
dos principais riscos a saúde que enfrentam,
e estabelecer hábitos que irão protegê-los ao
longo de suas vidas.

Freya L. Sonenstein

A A urologia é uma especialidade ci-


rúrgica da medicina que trata do trato
urinário de homens e mulheres e do sis-
tema reprodutor dos homens.
Os órgãos estudados pelos urolo-
anterior, iniciou-se com o desenvol-
vimento das doenças venéreas e das
suas sequelas, as estenoses de uretra,
a exploração e dilatação da uretra com
Amato Lusitano no século XVI, que atin-
gistas incluem os rins; glândulas supra- girá o auge no século XIX, com Beniqué
-renais; ureteres; bexiga urinária; uretra; e Guyon.
testículos; epidídimos; ducto deferente; É no início do século XIX que, con-
vesículas seminais; próstata e pênis. juntamente com a manipulação instru-
mental da uretra com Beniqué, se inicia
A HISTÓRIA a endoscopia da uretra e da bexiga com
Lewis, Desormeaux e Ficher. Contudo,
A história da urologia corre em para- havia sérios problemas de iluminação
lelo ao avanço tecnológico, tanto rela- nesses primitivos aparelhos, e só no fim
cionado ao conhecimento anatômico e do século, após a utilização da eletricida-
funcional, como para as formas de tra- de, Max Nitze (1877) efetuou com quali-
tamento das afecções reconhecidas ao dade uma cistoscopia com um aparelho
longo da história. de lâmpada incandescente. É de realçar
Em termos cirúrgicos mantinha-se a este primeiro acesso à observação dos
cirurgia externa dos genitais, a sonda- órgãos do interior do corpo e a enorme
gem da bexiga e a litotomia vesical, na importância deste passo no diagnóstico
sequência da significativa experiência
CAPITULO 53 Como Escolher a sua Residência Médica

das doenças do baixo aparelho urinário de imagens de alta definição, além de


– uretra e bexiga. estarmos apto a realizar inúmeros trata-
Mesmo no fim do século XIX, outro mentos por esta via.
importante passo foi dado para o diag- Além do tratamento endoscópico,
nóstico das doenças do alto aparelho em outras patologias que necessitam de
urinário, nomeadamente dos rins, com acesso com incisões, a urologias progre-
Albarran, que, ao descobrir uma “unha” diu junto, se não protagonista no empre-
móvel adaptável ao cistoscópio que go da laparoscopia e da cirurgia robótica.
orientava e permitia a introdução as-
cendente de cateteres para os ureteres QUEM É E O QUE FAZ?
e rins, possibilitava a análise separada da
urina de cada um dos rins. Vivia-se em A urologia é uma especialidade ver-
uma época em que as patologias predo- sátil, divide-se na atuação clínico-cirúr-
minantes eram muito diferentes das de gico, além de abranger grande quanti-
hoje e em que prevalecia a tuberculose. dade de procedimentos terapêuticos e
Entretanto, com a descoberta dos diagnósticos.
RX por Roengten (1895) e com o subse- A rotina se divide em atendimento
quente desenvolvimento da radiologia, clínico de homens e mulheres desde a
foi dado outro passo fundamental no infância até a terceira idade.
diagnóstico médico em geral e no diag- A dinâmica clínica consiste em rea-
nóstico urológico em particular. A visua- lizar diagnósticos, tratamentos clínicos,
lização do aparelho urinário com sondas indicação e seguimento cirúrgico, além
e cateteres e com produtos opacos aos de rastreamento oncológico. Deve-se
RX introduzidos através desses tubos ter a responsabilidade de ser promotor
(Chevassu, início do século XX), a con- da saúde, já que, por muitas vezes, será
trastação das artérias renais através da o único médico do paciente, principal-
ejeção na aorta – aortografia (Reynaldo mente homens.
dos Santos, 1929) e, sobretudo, a visua- Requer dedicação integral, é uma es-
lização da árvore excretora urinária por pecialidade de horizontes amplos, aten-
produtos injetados por via intravenosa de a uma variedade de pacientes que se
– a urografia ou pielografia intravenosa divide em diversas subespecialidades,
(Rowntree, 1923, Von Litchenberg, 1929) mas que qualquer urologista geral deve
–, foram marcos fundamentais para o ter a competência de sanar os proble-
esclarecimento da anatomia e funciona- mas de diferentes situações.
mento patológicos. Esta gama de subespecialidades en-
Hoje em dia, o avanço tecnológico volvem: transplante renal; uro-oncolo-
nos possibilita visualizar todo sistema gia; uropediatria; andrologia; litíase; uro-
urinário endoscopicamente (uretra até logia feminina; disfunções miccionais;
os cálices renais) com ótima qualidade uretra; próstata; infertilidade; cirurgia

482
Urologia CAPITULO 53

minimamente invasiva (laparoscopia e lógicos incluem em seu tratamento al-


robótica); urologia geral. gum procedimento cirúrgico, sendo o
Transplante renal: no Brasil, é o uro- urologista peça fundamental na cura. O
logista o médico responsável por realizar seguimento da doença também é feito
a cirurgia do transplante, assim como pelo urologista, podendo haver relação
tratar complicações cirúrgicas. Os pa- multidisciplinar com radioterapeutas e
cientes submetidos ao transplante são oncologistas clínicos dependendo do
previamente seguidos por nefrologistas, estágio e evolução da doença.
devido à insuficiência renal e consequen- Uropediatria: inclui o atendimento
te necessidade de diálise. O paciente é a crianças que apresentam sintomas ou
então atendido por uma equipe mul- doenças urológicas, muitas vezes diag-
tidisciplinar envolvendo nefrologistas nosticadas no período pré-natal. O aten-
que cuidam das intercorrências clinicas dimento infantil, com advento de novos
e imunossupressão. O transplante renal métodos de imagem, incluindo a me-
é realizado com doadores vivos, quando dicina nuclear, tornou-se mais eficiente
as cirurgias de captação e enxerto são re- na medida em que temos diagnósticos
alizadas praticamente de forma simultâ- mais precoces, como, por exemplo, a
nea, e de doadores cadáveres, pacientes hidronefrose detectada pela ecografia
com morte encefálica. Após a captação obstétrica, nas crianças com refluxo vé-
destes doadores cadáveres, é realizado sico ureteral, megaureter, válvula de ure-
estudo para verificar compatibilidade de tra posterior.
tecidos entre possíveis receptores, res- Além de instituir tratamento clínico
peitando a fila unificada da secretaria da como em casos de infecções urinárias
saúde. Após definir o receptor, começa em crianças e prosseguir a investigação,
a corrida contra o relógio para reduzir o o urologista deve estar apto a lidar cirur-
tempo de isquemia do órgão. Portanto, o gicamente com uma série de doenças
urologista membro de equipe de trans- como fimose; hipospádias; epispádias;
plante renal em geral trabalha com esca- extrofias vesicais; refluxo vésico-urete-
la de plantão. ral; megaureter; válvula de uretra poste-
Uro-oncologia: há grande incidên- rior; estenose de junção uretero-piélica;
cia de câncer urológico, sendo próstata cálculos renais; tumores renais (Wilms),
o mais prevalente em homens, além de malformações congênitas em que in-
rim, bexiga, testículo, ureteres e pênis. cluem os casos de genitália ambígua.
Na prática clínica, é de responsabilida- Andrologia: há grande demanda
de do urologista, realizar o rastreamen- deste grupo de pacientes, que inclui a
to do câncer de próstata com exames ejaculação precoce, doença de Peyro-
anuais, além de atentar para queixas que nie, deficiência androgênica ou hipogo-
podem levar ao diagnósticos de câncer nadismo (queda da testosterona, que
em outros sítios. Todos os tumores uro- causa disfunção erétil, problemas de os-

483
CAPITULO 53 Como Escolher a sua Residência Médica

teoporose e perda de massa muscular) e varia de medicamentoso, fisioterapia e


disfunção erétil. Todas essas patologias cirurgia.
são de tratamento clínico, mas no caso Disfunções miccionais: este grupo
de insucesso em casos de disfunção eré- da urologia também pode ser conhecido
til ou Doença de Peyronie, o tratamento como neuro-urologia, porque está conti-
cirúrgico é uma alternativa com bons re- do neste grupo uma parcela de pacien-
sultados. tes com trauma raquimedular, mielome-
Litíase: litíase acomete cerca de 10 % ningocele e outras causas neurológicas
da população, doença muito prevalente que interferem no mecanismo miccio-
que envolve o conhecimento sobre suas nal. Mas também há outras causas não
causas e tratamentos aos diversos meca- neurológicas como diabetes, sequelas
nismos formadores de cálculo. É a pato- de outros transtornos como hiperplasia
logia que mais leva o urologista ao cen- prostática benigna, estenose de uretra,
tro cirúrgico. A endourologia é a técnica tuberculose e o próprio envelhecimento.
usada na grande maioria das vezes no Esses pacientes requerem cuidados
tratamento para retirada de cálculos do clínicos, medicamentosos e, por muitas
ureter e rins, trata-se do uso de ureteros- vezes, cirúrgicos para que os urologistas
cópios semirrígidos/flexíveis e nefroscó- consigam o objetivo de preservar a fun-
pios semirrígidos/flexíveis auxiliado por ção renal, oferecer um reservatório de
materiais para fragmentação como laser urina com bom esvaziamento associado
que tem como objetivo ser o menos in- a qualidade de vida.
vasivo com maior eficiência. Outra técni- Infertilidade: quando um casal não
ca frequentemente utilizada é a litrotrip- consegue engravidar em um ano de rela-
sia extracorpórea (Leco) que são ondas ções regulares sem uso de método anti-
sonoras geradas a partir de uma fonte concepcional, ele é considerado infértil.
externa de energia e dirigidas por meio Para um melhor atendimentos deste ca-
de um colimador na região adequada, sal, deve haver integração entre gineco-
para que possam ser concentradas no logista e urologista. Causas masculinas
foco que abriga os cálculos, e, assim, por chegam a ter participação em até 60%
vibração, conseguir sua fragmentação. dos casos e cabe ao urologista fazer está
Em casos mais específicos, cirurgia aber- investigação.
ta ou laparoscópica é a melhor opção. Causa masculina mais comum de
Urologia feminina: entidade comum infertilidade é a varicocele, causa esta
dentre as mulheres é a perda urinária as- que é corrigida com técnica de cirúrgi-
sociado ou não a prolapsos vaginais. Esta ca microcirúrgica, ou seja, com recurso
queixa simples requer, além da avaliação de microscópio. Esta técnica também é
clínica, o estudo urodinâmico, realizado utilizada em casos de pacientes que fo-
pelo urologista para realizar o diagnós- ram submetidos à vasectomia e desejam
tico e então definir o tratamento que realizar a reversão e em pacientes com-

484
Urologia CAPITULO 53

plexos que requerem a captação de es- renal por obstrução ureteral seja por cál-
permazóides diretamente do epidídimio culo, tumores ginecológicos ou mesmo
ou testículo para o uso em reprodução urológicos.
assistida. Hematúria espoliante, mais comu-
Uretra: consiste no tratamento de mente causada por lesões vesicais.
pacientes com estenoses de uretra se- Fratura de pênis e torção e testilares
cundário a infecções, trauma e mesmo afecções estas que apresentam melho-
outros procedimentos cirúrgicos. res resultados quando abordadas com
Próstata: Entidade muito prevalen- até seis horas de evolução.
te nos homens é a hiperplasia benigna Urologia não é uma especialidade
prostática, patologia que apresenta uma que está excluída de plantões como vis-
série de formas de tratamento de acor- to e o médico deve estar disponível para
do com a evolução; desde tratamento algumas urgências, seja em plantão pre-
medicamentoso, cirurgia endoscópica sencial ou à distancia.
(ressecção transuretral de próstata) e ci- Cirurgia minimamente invasiva: o
rurgias abertas ou mesmo laparoscopia. uso da laparoscopia ou mesmo do robô,
Urologia geral: compreende este não é uma sub-especialidade da urolo-
grupo uma variedade de patologias que gia, mas mais uma técnica cirúrgica que
podem estar contidas em outras subes- pode ser empregada nas diferentes su-
pecialidades. bespecialidades.
As doenças sexualmente transmissí- O maior emprego da cirurgia robó-
veis que também têm intersecção com tica é na oncologia, principalmente em
infectologistas e dermatologistas, mui- prostatectomias radicais, e também ne-
tas vezes, requerem procedimentos ci- frectomias parciais e cistectomias. No
rúrgicos. Brasil de 2009, apresenta um avanço no
Patologias das glândulas adrenais, emprego da técnica e na disponibilida-
muitas vezes descobertas por alterações de do uso, mas ainda com limitação de
endócrinas e hipertensivas, requerem o custo.
conhecimento das diferentes doenças, A laparoscopia pode ser emprega-
assim como a capacidade para realizar a da de acordo com a capacidade do ci-
adrenalectomia. rurgião em qualquer cirurgia que seja
Urgências urológicas devem ser so- realizada por laparotomia. Quase todas
lucionadas de prontidão por qualquer subespecialidades usam da técnica, in-
urologista. cluindo a uro-pediatria, litíase, urologia
As principias urgências urológicas feminina, urologia geral e a uro-oncolo-
são retenção urinária que pode ser so- gia, como já citada.
lucionada muitas vezes com sondagem Como vimos, é uma especialidade ci-
vesical, mas pode requer manuseio en- rúrgica tem atuação muito diversificada
doscópico ou cistotomia; e insuficiência devido às diferentes técnicas interven-

485
CAPITULO 53 Como Escolher a sua Residência Médica

cionistas além de procedimentos diag- clínicas e cuidado com os pacientes de


nósticos. urgência.
A relação interdisciplinar também é A carga horária é de como qualquer
muito vasta. Há um intenso convívio e outra especialidade cirúrgica, sendo
cooperação com nefrologistas, pedia- que, há sempre a necessidade de cober-
tras, oncologistas clínicos, radioterapeu- tura de eventuais urgências urológicas e
tas, radiologistas, médicos nucleares. a cobertura de transplantes renais.
Ao final do treinamento, além de es-
A RESIDÊNCIA tar apto para diagnosticar e tratar todas
as doenças da especialidade, o residente
A residência de urologia consiste em deve possuir conhecimentos de bioéti-
três anos específicos em urologia, sendo ca, bioestatística e metodologia científi-
que há o pré-requisito de ter realizado ca, com intuito de preparar e apresentar
dois anos de cirurgia geral. trabalhos científicos.
No Brasil, há 81 residências médicas
credenciadas pelo Ministério da Educa- MERCADO DE TRABALHO E
ção (MEC), gerando 165 vagas de resi- QUALIDADE DE VIDA
dência por ano.
Trata-se de uma especialidade de O número de urologistas apresen-
conhecimento abrangente que exige o ta um crescimento acelerado nos últi-
ensino e treinamento amplo em clínica mos dez anos, crescimento este acima
e cirurgia, com desenvolvimento de ha- do crescimento populacional. Estamos
bilidades cirúrgicas, endoscópicas, de prestes a atingir um equilíbrio no núme-
imagens e microcirúrgicas. ro de urologista necessário para atender
O aprendizado dá-se pelo ciclo de a população brasileira. Atualmente, a
estudo teórico, com aulas, discussão de taxa brasileira é de 1 urologista/41 mil
casos, reuniões clínico-patológicas, se- habitantes, nos EUA é de 1/35 mil.
minários atendendo a 10 - 20 % da carga Estima-se que no Brasil hajam 4.500
horária. O treinamento em serviço é re- urologistas com uma distribuição pouco
alizado com atendimento supervisiona- uniforme: 61% no Sudeste, 18% no Sul,
do, treinamento em simuladores, e trei- 11% no Nordeste, 6% no Centro-Oeste e
namento assistido por urologista mais 4% no Norte.
experientes do corpo docente. A atuação se divide em SUS, convênio
Na prática, a rotina divide-se em aten- e privado, como qualquer especialidade.
dimento ambulatorial, cirurgias, visita Apesar da grande invasão dos convê-
em enfermaria dos pacientes operados nios, mesmo assim há um equilíbrio de
eletivamente, interconsultas de proble- ganho, independente da atuação do
mas urológicos de pacientes de outras médico, porque há uma remuneração

486
Urologia CAPITULO 53

satisfatória aos procedimentos urológi- A urologia continua sendo uma es-


cos em comparação com outras especia- pecialidade com demanda, com amplo
lidades e uma demanda reprimida. progresso do conhecimento e de técni-
Um fator limitante da especialida- cas e bem remunerada.
de é a grande necessidade de recursos Uma pesquisa recente feita com re-
tecnológicos disponíveis para realizar o cém-formados em urologia mostra uma
melhor atendimento ao paciente. Isso satisfação com especialidade maior que
limita atuação de acordo com o local de 95%.
trabalho e recursos disponíveis.

SOBRE O AUTOR

Dr. Guilheme Philomeno Padovani:

Formado em medicina pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Resi-


dência em cirurgia geral e urologia no Hospital das Clínicas da Faculdade de Me-
dicina da Universidade de São Paulo (HC-Fmusp). Médico Assistente da Divisão de
Urologia da Faculdade de Medicina da USP.

REFERÊNCIAS

1. Sociedade Brasileira de Urologia.


2. Manuel Mendes Silva. Acta Urológica Portuguesa 2002, 19; 1: 25-30
3. Cury J. Rev Med (São Paulo). 2012;91(ed. esp.):79-81
4. Saiovici et al. 2012 SBU.

487
CONSIDERAÇÕES FINAIS “

Dr. Caio Nunes
Dr. Marco Antônio Santana O real não está na saída nem na chegada: ele se
dispõe para a gente é no meio da travessia.

João Guimarães Rosa

A A ansiedade das decisões a serem


tomadas relativas à carreira médica são
pontos de ansiedade por uma razão
óbvia: nós, médicos, exigimos nada me-
nos que o melhor para nossa formação.
remos mais do precisamos, mas muito
menos do que merecemos).
Autoconhecimento é a chave para
achar elementos de realização profis-
sional e escolher os caminhos a serem
Sabemos que somente perseguindo a trilhados. Não há o que se falar em ar-
excelência, poderemos oferecer o má- rependimentos ou culpa, pois, no final,
ximo que a ciência dispõe para nossos será tudo fonte de aprendizado e evolu-
pacientes. E ainda que a ciência venha ção.
a falhar, teremos sempre conforto a ofe- Como organizadores desta obra, sa-
recer. bemos que ainda há muito o que nela
Talvez ao longo da jornada, nos de- melhorar. Gostaríamos de expor com
paremos com as dificuldades inerentes mais detalhes as especialidades aqui ci-
à competitividade e às circunstâncias tadas e citar muitas outras especialida-
mercadológicas, políticas e a persegui- des e subespecialidades que, infelizmen-
ções midiáticas cada vez mais frequen- te, ficaram de fora, porém esperamos
tes que tentam tirar o brio da profissão. que esta obra, a primeira com este esco-
Nunca esmorecer. Podemos não con- po no Brasil, cresça e se desenvolva cada
seguir entrar na residência dos sonhos, vez mais com o passar dos anos, com
ou na especialidade exatamente deseja- atualizações a cada nova edição, para
da, mas sabemos que, por sermos mé- que os leitores possam tomar decisões
dicos, já somos vitoriosos. Trabalhamos mais conscientes e embasadas na hora
em uma profissão onde podemos fazer de escolher a especialidade médica.
o bem todos os dias e ainda ser razoa- Caro leitor, esperamos que tenhamos
velmente remunerados por isso (ganha- despertado ao menos a sua curiosidade
de querer saber mais, de pesquisar mais, de termos cumprimos nosso objetivo de
de não se contentar apenas com o que ter dado um panorama sobre essa pro-
conheceu da prática da graduação e in- fissão fantástica e multifacetada que se
ternato e que, se você chegou até aqui, chama medicina.

BOA SORTE EM SUA JORNADA!

490
2ª Reimpressão

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